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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Salto no Intercosmo / Kurt Brand
Salto no Intercosmo / Kurt Brand

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Salto no Intercosmo

 

O plasma está morrendo por falta de oxigênio Um comando terrano tenta salvá-lo!

Estamos no ano 2.114 do calendário terrano...

As lutas arrasadoras que de repente irromperam entre os pos-bis preocupam todos os dirigentes da aliança galáctica. Afinal, os pos-bis representam uma barreira poderosa contra os laurins. Por isso Perry Rhodan resolve jogar tudo numa única cartada. Mobiliza todos os recursos disponíveis, e uma frota aguarda a ordem de entrar em ação!

Uma das ações mais arrojadas da história da Astronáutica ia ter início...

 

                                                   

 

A firma Ferguson & Ferguson, fundada em 2.064, festejava seu qüinquagésimo aniversário no dia 12 de julho de 2.114. Ferguson II se retirara da firma há mais de trinta anos. E hoje sentia muito que, na oportunidade, tivesse pedido por sua livre iniciativa que acertassem as contas com ele.

Há algumas semanas, Ferguson Sênior II andava todo envenenado, pois de uma hora para outra a Ferguson & Ferguson se transformara numa firma importante.

Há vinte dias, aproximadamente, quatro homens da Administração Solar haviam entrado em contato com a direção da empresa. Esta era exercida por Ferguson Sênior I e seus dois filhos, os Ferguson Júnior. Os cavalheiros de Terrânia estavam interessados em saber quantos condensadores ultra condutores a pequena usina poderia fabricar por dia.

— Talvez sejam dez mil? — perguntou o economista franzino que usava óculos.

— O senhor quer dizer dez mil por mês, não é mesmo? — perguntou Ferguson Júnior, cautelosamente.

— Não, por dia. Preferiria que fosse por hora.

Com essa palestra tivera início o desenvolvimento acelerado da Ferguson & Ferguson, pouco antes de seu jubileu.

Os condensadores UC, que só eram condensadores de nome, pois na realidade não tinham a menor semelhança com os transistores, seriam componentes dos óculos antiflex. E, como a pequena empresa fosse detentora da respectiva patente, a Administração Solar não teve outra alternativa senão entrar em contato com a mesma.

Um dos Ferguson Júnior logo reconheceu sua chance.

— Qual é o montante do crédito de que dispomos para aumentar a produção para dez mil peças por hora?

Para o Ferguson Sênior, a palavra crédito nunca soara bem. Por isso interveio na palestra:

— Não se cogita de créditos. Qual é a quantidade de condensadores UC de que estão precisando?

— A primeira série será de dez milhões de peças.

Ferguson Sênior I engoliu em seco.

— Queremos o pagamento adiantado de um milhão de condensadores.

Os quatro homens de Terrânia, que eram técnicos e comerciantes, soltaram uma estrondosa gargalhada.

— Não tem cabimento falar em pagamento adiantado antes de termos discutido o preço do lote.

Ferguson Sênior não pensava assim.

— Estão de acordo em fazer um pagamento adiantado? Em princípio, quero dizer...

— Naturalmente, mister Ferguson.

— Pois concedam-nos vinte e quatro horas para fazermos nossos cálculos. Amanhã, a esta hora, conversaremos sobre o preço.

Conversaram sobre o pagamento. Os quatro cavalheiros de Terrânia procuraram forçar uma redução no preço. Os Ferguson Júnior estariam dispostos a ceder, mas o pai lhes proibira terminantemente de intervir na discussão, com uma única palavra que fosse.

Ferguson Sênior I dispensou um tratamento frio aos cavalheiros de Terrânia.

— Pois procurem alguém que esteja em condições de lhes fornecer os condensadores a um preço mais baixo. Acabamos de apresentar-lhes nossos cálculos. Mostramos quanto teremos de investir para alcançar a produção elevada de um milhão de peças. Informamo-nos sobre o lucro que auferiremos no contrato. E afinal nossa patente também vale alguma coisa, pois, do contrário, poderíamos acabar com as patentes de invenção.

Os economistas de Terrânia solicitaram um prazo de reflexão de vinte e quatro horas. Findo esse tempo, assinaram o contrato. No mesmo dia, uma quantia elevadíssima foi depositada na conta bancária de Ferguson & Ferguson.

E hoje a empresa estava celebrando seu qüinquagésimo aniversário. A produção de condensadores UC chegava a dezesseis mil peças por hora.

Ferguson Sênior II fora convidado para participar dos festejos. O cavalheiro idoso não dissimulou seu mau humor. Mas ninguém lhe deu atenção. Já em jovem, Ferguson II fora uma pessoa desagradável, e o comportamento que estava adotando começou a causar aborrecimento.

Os Ferguson Júnior conversaram às escondidas. O pai estava de acordo com seu plano. Sentaram-se perto de Ferguson II.

O Júnior chamado Fred chamou um dos lógicos que naquele momento passava.

— Já ouviu falar, Abeis? A administração deu ordem para produzirmos mais três lotes, no total de cinqüenta milhões de peças.

Abeis não desconfiou de nada. Acreditou piamente no que acabara de ouvir. Empalideceu.

— Quando deveremos iniciar os fornecimentos?

— Amanhã.

Nesse momento Ferguson II interveio na palestra. Era primo de Ferguson Sênior I. A inveja pura vibrava em sua voz.

— Será que entendi bem? Cinqüenta milhões de peças?

— Talvez sejam mais, mister Ferguson — disse o Júnior Alf, com o rosto mais sério deste mundo. — Pelo que se diz em Terrânia, é provável que todas as bases arcônidas também recebam óculos antiflex. Podemos contar com mais um pedido bastante vultoso.

— Vocês não estão em condições de fornecer essa quantidade — disse Ferguson II, com uma risada de deboche. — Terão que subdividir o contrato, e com isso perderão o grande negócio. De qualquer maneira, não estou gostando de sua fanfarrice. Continuem a festa sem mim. Quero que a empresa de vocês vá para o inferno.

Os Júnior sentiram muito prazer quando o viram abandonar a festa. Alf aproximou-se do pai, esfregando as mãos, satisfeito:

— Acabamos de convencer seu querido primo a retirar-se. Tomara que não se devore a si mesmo de tanta inveja. Acho... Ora esta! O que houve?

Alguém que se encontrava junto à porta lhe fazia sinais. O engenheiro De Boeer estava lá. Tinha o rosto muito pálido. Alf correu para perto dele.

— Está se sentindo mal, De Boeer?

— Mister Ferguson, acabamos de receber um chamado de Árcon III. Fui eu que atendi. Árcon III encomendou sessenta milhões de condensadores UC. Quer que sejam fornecidos à razão de vinte e cinco mil peças por hora. A primeira nave chegará dentro de quatro dias.

Alf Ferguson empalideceu.

— Meu Deus! — balbuciou. — Sou um idiota, pois até parece que desafiei o destino. Por que não calei a boca? E agora?

De Boeer não entendeu as observações formuladas por Alf Ferguson. Viu o Júnior correr para junto do pai e cochichar alguma coisa no seu ouvido. O Sênior parecia radiante. Deu uma palmadinha no ombro do filho, para tranqüilizá-lo.

— Não perca a cabeça, meu filho. Quem fixa o prazo de fornecimento somos nós, e não Árcon III. A usina não será ampliada e nem terá mais de um cérebro de controle. Depois de amanhã nossa produção chegará a vinte mil peças por hora, e Terrânia e Árcon terão de reparti-la. Não há motivo para ficarmos nervosos.

— Daqui a quatro dias chegará uma espaçonave vinda de Árcon III para carregar dois milhões e quatrocentos mil condensadores, pai!

— Você tem conhecimento de algum contrato de fornecimento que tenhamos celebrado com Árcon III, Alf? Pois eu não tenho. Saúde, meu filho. Vamos brindar à nossa empresa.

— Saúde, pai! Pela empresa!

Outro chamado perturbou a aconchegante reunião. De Boeer cochichou para o chefe Sênior:

— Mister Ferguson, o representante do administrador quer falar-lhe com urgência.

— Mister Reginald Bell? — perguntou Ferguson com ligeira desconfiança. Não conseguia imaginar o que um homem tão importante poderia querer dele, que afinal não passava de um pequeno industrial.

— Isso mesmo. Mister Bell está no videofone. Diz que é muito urgente.

— Nesse caso acho que terei de atender — disse o Sênior, com a maior tranqüilidade. — Não precipite nada, meu filho. Mister Bell quer alguma coisa de nós. Não somos nós que desejamos qualquer coisa dele. É uma pequena diferença, mas muito importante. Até logo mais.

Levantou-se calmamente e retirou-se. O videofone estava em seu escritório.

— Mister Bell? Meu nome é Ferguson.

Acenou levemente com a cabeça. Não havia nada em suas atitudes que revelasse a tensão de que se sentia possuído. Não sabia explicar por que o segundo homem mais importante do Império Solar desejava falar com ele. Não podia ser por causa dos condensadores UC. Estes não eram tão importantes.

Mas logo teve de reconhecer que as coisas não eram como ele pensava. Bell falou exclusivamente dos condensadores UC, e também aludiu à encomenda de Árcon.

— Será que o senhor já se esqueceu da selvageria com que os laurins agiram na Terra, mister Ferguson? Seria uma irresponsabilidade fabricar estas “maquinazinhas” apenas em sua “fabriqueta”. Conceda licença de fabricação a Árcon III. Se por lá iniciarem a produção em grande escala dentro de alguns dias, o senhor poderá fechar sua “quitanda”...

Ferguson ficou triste ao ouvir o segundo homem mais poderoso do império falar em maquinazinhas e designar seu estabelecimento como quitanda.

— Mister Bell, a licença não será barata — disse Ferguson.

No mesmo instante teve a impressão de que a cabeça de Reginald Bell estava saindo da tela! O representante do administrador berrou:

— Ganhar dinheiro! Juntar dinheiro! Sempre é o maldito dinheiro. Quando os laurins estavam na Terra, vocês só imploravam por suas vidas. Preste atenção, mister Ferguson: o senhor terá um bom lucro na primeira encomenda, e não vejo nada demais nisso. Mas querer transformar um perigo geral num enorme negócio para uns poucos não passa de uma indecência. Envie, ainda hoje, os planos de construção para Árcon III, que lhe pagará uma retribuição de um solar. Sim, é isso mesmo. Um solar! Combinado?

Ferguson admirou-se com a rapidez de sua resposta:

— Combinado, mister Bell.

Na manhã do dia seguinte, ficou ainda mais admirado. Em vez de receber um solar, remetido de Árcon III, o saldo bancário da empresa dera um salto de um milhão.

— É a primeira vez que não consigo sentir-me feliz por ter recebido dinheiro — disse, dirigindo-se aos dois filhos.

Na tarde do dia 13 de julho de 2.114, criou-se a Fundação Ferguson. O patrimônio de um milhão se destinaria a prestar ajuda às crianças que tinham perdido os pais, quando da invasão dos laurins.

Ferguson Sênior I nem desconfiou que com isso criara um monumento à sua própria pessoa. Na noite do mesmo dia, ouviu o noticiário e ficou sabendo que na conta da Fundação Ferguson já fora depositada mais de dez vezes a quantia original. E, na manhã do dia seguinte, a administração do império contribuiu com uma importância enorme.

E um homem ficou muito contente: Reginald Bell.

 

Milhares de homens em Árcon III reclamavam. As máquinas não agüentavam mais. Trabalhavam até entrar em pane. Milhares de homens não mudavam mais de roupa nem tiravam os sapatos. Uma necessidade inexorável mantinha-os despertos junto ao trabalho.

Três mil espaçonaves estavam espalhadas por Árcon III. O planeta já vira um número muito maior de naves em sua superfície, mas essas três mil tinham algo de extraordinário.

Milhares de terranos trabalhavam para equipá-las completamente, em conformidade com os planos técnicos. E o dia em que todos os preparativos deveriam estar concluídos se aproximava.

Os três mil comandantes reunidos no grande salão sabiam o que os esperava. As cifras projetadas na parede em caracteres de vários metros de altura lhes pareciam imensas. Perry Rhodan fez seu comentário:

— Não conhecemos o destino. Só sabemos que fica nas profundezas do espaço intergaláctico, na direção de Andrômeda. Para chegar lá teremos de realizar vôos muito extensos pelo semi-espaço. Por isso teremos de contar com a ocorrência de manifestações de fadiga do material. Temos de contar com a possibilidade de que certas peças que nunca falharam entrem em pane. É possível que as sobressalentes que levaremos sejam justamente aquelas de que não precisaremos durante a viagem. Desde já contamos com a perda de cinqüenta por cento da frota, mas nem por isso os tripulantes das respectivas naves estarão perdidos. O plano a ser executado prevê que as naves que não puderem ser reparadas serão deixadas para trás; os tripulantes serão transferidos para outras naves que prosseguirão viagem juntamente com o grupo principal, isso em direção ao destino ou... de volta para nossa Via Láctea.

“Evidentemente as três mil naves pertencem à mesma série. Foram equipadas com kalups correspondentes a naves situadas duas classes acima. A padronização das peças principais das naves permite carregar um estoque bem maior de peças sobressalentes do que as que poderíamos levar se usássemos naves de tipos diferentes.

“De qualquer maneira, convém que os senhores se acostumem à idéia de que, ao regressarmos, teremos perdido metade da frota. Nos próximos dias lhes serão fornecidas outras instruções, por escrito. Obrigado.”

Rhodan fez uma mesura para os comandantes e abandonou a tribuna. Saiu da sala juntamente com Atlan, usando a saída dos fundos. Atravessaram um corredor em forma de túnel e deixaram que o elevador antigravitacional os levasse aos pavimentes inferiores, onde ficavam os alojamentos destinados a dez mil terranos.

O arcônida fitou Rhodan com uma expressão pensativa. Depois de algum tempo perguntou:

— Perry, será que você não está confiando demais nesse jovem robólogo?

— Está se referindo a Moders? — perguntou Rhodan.

— Isso mesmo.

— Era nele que eu estava pensando quando você me dirigiu a palavra. Por que não iria confiar nele? Quando tinha a idade dele sentia-me orgulhoso toda vez que alguém confiava em mim. E fazia tudo para provar que merecia essa confiança. Com Moders é a mesma coisa. Já o observei muitas vezes. É um gênio na sua especialidade. É inigualável. E estabelece contato com uma rapidez espantosa com outras áreas de conhecimento, que nada têm a ver com sua especialidade. O fato de ser capaz de enganar-se, e de fato já se ter enganado, apenas demonstra que é humano. Afinal, quem de nós ainda não se enganou, almirante?

Atlan sorriu.

— Ora veja! Perry Rhodan entusiasmado. Isso é uma raridade. Quer dizer que você tem certeza de que as hipóteses de Moders sobre a oscilação da intensidade do engaste são corretas?

— Tenho, sim.

Chegaram ao fim do elevador antigravitacional. Dirigiram-se para a esquerda, seguindo por uma rua subterrânea sem curvas, que poderia perfeitamente ficar na superfície de um planeta arcônida.

— Foi Moders que lhe aconselhou suspender as buscas do ser de plasma? Ou será que você tomou essa decisão por iniciativa própria?

Desta vez Rhodan também sorriu.

— Por que você tem medo do robólogo, Atlan?

O arcônida parou abruptamente.

— Só agora que você diz é que me dou conta disso. Você tem razão, meu caro. Tenho medo dele.

— Por quê?

— Ora, por quê!... Deixe-me refletir um pouco — prosseguiram na caminhada. — Acho que tenho medo de qualquer homem que consegue orientar-se tão rapidamente com as operações intelectuais das máquinas. E a capacidade de Moders até vai um pouco mais longe. Consegue ter uma visão dos processos resultantes da união do dispositivo positrônico com a substância biológica. Descobriu o engaste hipertóictico e os circuitos hiperimpotrônicos, que, além das outras atividades, exercem funções cerebrais. E isso me deixa ainda mais assustado pelo fato de Moders ser um terrano.

Rhodan compreendeu o arcônida. Atlan passara os últimos dez mil anos na Terra, onde tinha naufragado. Assistira ao nascimento e ao desaparecimento das civilizações. Observara como, de um século para outro, os homens haviam penetrado nos reinos da técnica. Era graças aos arcônidas que os terranos podiam dedicar-se à Astronáutica. Segundo as concepções atuais, o foguete em que viajara Rhodan, o primeiro homem a pôr os pés na Lua, não passava de uma lata que punha em perigo a vida de qualquer pessoa que nela entrasse.

Também fora por intermédio de Árcon que os terranos haviam travado conhecimento com os cérebros positrônicos. Por muito tempo o funcionamento dos mesmos representara um mistério para eles. Certo dia apareceram os robôs positrônico-biológicos. Representavam uma novidade absoluta, uma coisa totalmente desconhecida. Eram o produto de uma tecnologia estranha, que não tinha o menor ponto de contato com a da Via Láctea. E de repente surgira um robólogo muito jovem, que mal havia concluído seus estudos. Viu um pos-bi, viu o engaste existente no mesmo, e também viu a hiperimpotrônica.

E compreendeu ambas as fases dos pos-bis.

Na opinião de Atlan não deveria ter compreendido, pois era um terrano e, como todos os terranos, tinha pouca experiência da tecnologia dos pos-bis.

— Não me admiro nem um pouco de que Moders entenda tanto disso — disse Rhodan.

O arcônida repetiu a mesma coisa que já dissera tantas vezes:

— Um dia vocês terranos ainda serão donos do Universo.

 

A estação de rastreamento Globus 18 ficava na periferia da Via Láctea, a trezentos anos-luz de um pequeno sol amarelo, que não possuía nenhum planeta.

Na estação, seis homens. Uma dezena de robôs especializados trabalhava ininterruptamente, com exceção de quatro homens-máquina que ficavam de reserva.

Da mesma forma que as estações de números 14, 15, 16 e 17, a Globus 18 estava equipada com aparelhos especiais. Os antiguíssimos arquivos arcônidas haviam ajudado os especialistas terranos a criar um aparelho de medição extremamente preciso, que permitia determinar a energia com que fora transmitida uma onda de hiper-rádio que penetrasse na antena com a exatidão correspondente a dezoito casas decimais.

Partira-se das seguintes reflexões: uma onda de hiper-rádio que percorre centenas de anos-luz perde certa quantidade de energia. Existe uma relação constante entre o volume da energia perdida e a extensão do trecho percorrido. Portanto, tornava-se possível medir, com base no volume de energia com que a hipertransmissão era recebida, a distância que fora percorrida pela mesma, desde que se conhecesse a potência da transmissão.

Por isso fora construído o instrumento ultra preciso.

Não se dispunha dos valores básicos, que permitissem a regulagem do aparelho. Apesar disso o mesmo estava sendo utilizado em cinco estações de rastreamento do tipo Globus. Partindo da incógnita X, que representava a potência da transmissão, esperava-se obter, por meio de triangulações sobrepostas, a distância aproximada do Mundo dos Duzentos Sóis, situado no intercosmo.

A administração não deixava de tomar qualquer providência que pudesse concorrer para mantê-la informada da melhor maneira possível. Mas o transmissor de hiper-rádio do Mundo dos Duzentos Sóis permanecia em silêncio. No espaço sem estrelas, situado entre as duas galáxias, reinava o silêncio, interrompido apenas por algumas mensagens simbólicas mutiladas, que provavelmente haviam sido irradiadas por naves fragmentárias.

O serviço em Globus 18 tornava-se cada vez mais monótono.

Marlengo bocejava diante do painel de instrumentos. Estava fazendo um exame de rotina dos indicadores. Virou-se e pretendia dizer algo a Osgord, quando teve a impressão de ter notado uma coisa diferente no painel.

Voltou a examiná-lo, mas não notou nada de extraordinário.

— Acho que estou vendo fantasmas de dia — disse, contrariado.

— Está de mau humor? — perguntou Osgord, um irlandês de ombros largos.

— Ora...

Marlengo não estava com vontade de responder. Contornou um robô e deixou-se cair na poltrona de observação. Cruzou os braços atrás da cabeça e bocejou gostosamente.

— Daqui a dezessete dias seremos revezados — disse Osgord.

— Não temos mais um pingo de bebida! — resmungou Marlengo, aborrecido.

A estação de rastreamento de rádio mais próxima enviou o sinal goniométrico característico, que devia ser transmitido de trinta em trinta minutos: Ti-ti-ti. E foi só.

Dentro de cinco minutos, a Globus 18 responderia ao sinal.

Lafagott entrou. Era um francês do Sul, magro e musculoso. Estava assobiando uma melodia popular. Será que não deixaria nunca de assobiar? Há muito tempo Osgord e Marlengo irritavam-se com isso.

Mas desta vez não!

Marlengo e Osgord caíram sobre o companheiro, para tirar a garrafa de conhaque que tinha na mão.

— Onde arranjou isso, Lafagott? — gritou Marlengo, entusiasmado.

— É um Napoleão! — gritou Osgord, também esfuziante. — Tem pelo menos cem anos.

Lafagott parou de assobiar. Recuou passo a passo, até chegar à escotilha.

— Só lhes dou a garrafa se vocês me deixarem assobiar sempre que tiver vontade.

— Seu chantagista! — gritou Osgord.

— Deixe-me experimentar se isso realmente é conhaque, Lafagott!

Lafagott escondeu a garrafa.

— Estou formulando um ultimato. Não pretendo negociar. Quero...

O rastreador estrutural reagiu com a intensidade máxima. O alarma automático entrou em ação. Embaixo dos pés dos três homens, as unidades energéticas uivaram. O campo energético da Globus 18 foi ativado ao máximo de sua potência. Os três homens que estavam dormindo em suas cabinas entraram correndo um após o outro.

Que ruído era este?

— Uma nave fragmentária! — gritou Lafagott.

A estação Globus 18 tinha pouco armamento. E seus propulsores eram fracos.

As estações do tipo Globus haviam sido concebidas como postos de controle estacionários a serem colocados na periferia da Galáxia. O único elemento superforte era o campo defensivo energético, comparável ao de um cruzador pesado.

Os robôs não demonstraram o menor nervosismo. Continuavam a executar suas tarefas com a mesma calma, segurança e rapidez de sempre. Um deles transmitiu o pedido de socorro pelo hipercomunicador. Outro forneceu o relato da situação. Três deles estavam sentados junto aos comandos dos desintegradores, e um quarto junto ao canhão de raios narcotizantes.

Osgord e Marlengo examinaram um diagrama, a fim de verificar a velocidade de aproximação da nave fragmentária.

— Se eles abrirem fogo com os canhões conversores, estaremos perdidos — disse Osgord.

A suposição de que, num raio de algumas centenas de milhares de quilômetros, havia mais alguma coisa além da nave dos pos-bis fez com que Marlengo ligasse o campo defensivo especial.

— Era o que eu imaginava! — exclamou. — São laurins.

Três naves-pingo dos invisíveis estavam fazendo caça ao veículo espacial dos pos-bis.

Por que a nave cúbica não disparava?

Por que se mantinha constantemente na mesma rota? Lafagott inclinou-se para Osgord.

— Está vendo sinal de algum campo relativista? — perguntou.

Os instrumentos de localização, que poderiam esclarecer este ponto, não indicavam nada.

— Por que temos de estar justamente em sua rota de fuga? — esbravejou Marlengo.

Na tela especial, a imagem das três naves dos invisíveis tornava-se cada vez mais nítida. Durante a batalha travada em torno de M-13, Marlengo e Osgord haviam pertencido à tripulação de um cruzador pesado. Conheciam as reações dos robôs. Mas desta vez os dois homens entreolharam-se, perplexos. Osgord disse o que ambos estavam pensando:

— Os pos-bis devem ter enlouquecido!

Estavam fazendo exatamente o contrário do que costumavam. Para os robôs, os laurins eram os grandes inimigos de sua raça. Costumavam precipitar-se sobre os mesmos com a fúria destrutiva de que só um robô desalmado é capaz. Pouco lhes importava que sua nave explodisse no ataque. A única coisa que importava era destruir seus inimigos, mesmo que, com isso, sua própria nave fosse destruída numa nuvem de fogo.

Mas a nave cúbica que estava sendo mostrada na tela não disparou um único tiro nem enfrentou as naves-pingo. Estava fugindo das mesmas. E, face à rota que estava seguindo, deveria passar a poucos quilômetros da estação Globus 18.

Os seis homens na sala de comando estavam contando os segundos que os separavam do momento em que a desgraça mortal deveria desabar sobre eles. Mas, de repente, o espaço próximo ficou cheio de naves esféricas.

Eram dez, cem, quinhentas, mil naves.

Um grupo gigantesco de naves da Frota Solar acabara de chegar.

— Lafagott, passe a garrafa! E assobie. Você tem motivo para assobiar — berrou Marlengo, que num instante compreendeu a nova situação.

Mas não saberia dizer de onde haviam vindo as belonaves terranas...

O assobio de Lafagott atingiu-o com a força de um golpe. Marlengo virou-se. Arregalou os olhos. Não se importou com o fato de que, num lugar perigosamente próximo de sua estação, três naves-pingo se desfizeram em nuvens incandescentes.

Ao lado de Lafagott os cacos da preciosa garrafa estavam jogados no chão, numa poça de líquido dourado e aromático.

— Uma desgraça raramente vem só — disse Marlengo, em tom deprimido.

— Veja o que está acontecendo lá fora! — gritou Lafagott, gesticulando com os braços. — A caixa quadrada dos pos-bis está atirando contra nossas naves.

Era incompreensível. Seis homens fitavam a tela panorâmica. A nave dos pos-bis, cercada por mais de cem veículos espaciais esféricos, atirava para todos os lados. Mas não tinha a menor chance diante da superioridade de forças.

— Pois é o que acabo de dizer. Os robôs enlouqueceram! — disse Osgord.

— Alguém deve ter mexido nos controles dos pos-bis. Até parecem ser os robôs de Frago, que lutaram uns contra os outros e acabaram por incendiar todo o planeta com sua indústria — disse Marlengo.

Não tiveram tempo para prosseguir na conversa. O comandante do gigantesco grupo de espaçonaves chamou. Disse que sua frota fazia parte de um grande destacamento especial. Estava realizando um pequeno vôo para testar as naves e, quando se encontrava no semi-espaço observara, pelo rastreador de relevo, o encontro entre o veículo dos pos-bis e as três unidades dos laurins, ocorrido nas proximidades da estação Globus 18. Perguntou se a estação havia sofrido qualquer avaria.

Marlengo voltou a lançar um olhar melancólico para a garrafa de conhaque quebrada.

“Se isto não é uma avaria grave, então já não sei de mais nada”, pensou com o ânimo triste.

O fato de ter sido dispensado da tarefa de transmitir ao quartel-general um relato sobre a luta entre os laurins e os pos-bis não lhe poderia servir de consolo.

 

O nome do supergigante era Sosata. A nave fora construída em Árcon II, mas a tripulação era formada por terranos. O comandante da Sosata era o Coronel Hatlinger, um homem que parecia ter “uma vocação para ser astronauta”, como se diria em outros tempos. Atlan concordara com todo prazer quando Perry Rhodan lhe sugerira que Hatlinger comandasse a Sosata.

Naquele momento, a gigantesca nave corria velozmente pelo semi-espaço, em direção ao planeta Frago, que ficava pelo menos a noventa mil anos-luz dos limites do espaço extragaláctico.

O kalup rugia. Com uma velocidade em anos-luz cada vez mais elevada, atirava a nave pelo espaço linear, em direção ao destino. Há meia hora a nave em regime de prontidão. Ninguém dava atenção ao tráfego de hiper-rádio, cuja intensidade era extraordinária.

Sabia-se que três mil espaçonaves de tipo especial encontravam-se em posição de espera no espaço extragaláctico, a cinqüenta mil anos-luz da Via Láctea. Estavam preparadas para empreender o vôo pelo abismo que separa as duas galáxias.

Os comandantes resumiam suas mensagens o mais que podiam. Mas, assim mesmo, o tráfego de rádio entre as três mil unidades tornou-se mais que intenso.

A Sosata estava equipada com o aparelho de medição ultra preciso de ondas de hipercomunicação, do mesmo tipo que fora instalado nas estações de rastreamento espacial do tipo Globus, numeradas de 14 a 18. Os especialistas não confiavam muito no tal instrumento. Qualquer aparelho não ajustado causava-lhes certo receio.

O Coronel Hatlinger observou os dois pilotos, que estavam sentados bem à vontade em suas poltronas e ficavam de olho no painel de instrumentos. Estava sentado na poltrona de reserva; bastaria mover uma chave para assumir a nave.

Sabia que o avanço até Frago, realizado para fins de reconhecimento, poderia tornar-se perigoso. Antes da decolagem, o chefe mandara que o Coronel Hatlinger fosse falar com o robólogo Moders. Durante os combates com os pos-bis, travados em torno de M-13, ouvira falar várias vezes nesse cientista, mas quando se viu diante de um jovem de menos de vinte e cinco anos, ficou estupefato.

Dali a alguns minutos esqueceu-se de que seu interlocutor era tão jovem e sentiu-se fascinado diante da exposição do robólogo. Hatlinger obteve explicações sobre conceitos tais como hipertóictico ou circuito hiperimpotrônico, que até então lhe eram incompreensíveis.

Uma oscilação na intensidade do engaste hipertóictico!

— Muita coisa poderá depender de seu vôo de reconhecimento para Frago, Coronel Hatlinger. Não sabemos onde fica o Mundo dos Duzentos Sóis, pertencente ao centro de plasma. Em compensação, o senhor sabe que contamos com a perda de metade das naves que participarão da missão. Faça o que estiver ao seu alcance para trazer-nos o maior volume possível de informações. Dê uma olhada em Frago, se é que por lá ainda existe alguma coisa para olhar. Qualquer detalhe, por insignificante que possa parecer, poderá assumir a maior importância.

Constantemente se aludira à oscilação da intensidade do engaste hipertóictico.

— Hatlinger, supõe-se que em certas oportunidades a substância biológica existente no Mundo dos Duzentos Sóis trava uma luta feroz com o dispositivo hiperimpotrônico. Se este último puser o plasma fora de ação, voltaremos a ter um computador-regente igual ao que governava Árcon, quando ainda existia o gigantesco centro de computação positrônica de Árcon III. Em hipótese alguma podemos permitir que isso aconteça. Coronel, o senhor poderá prestar uma contribuição valiosa para o êxito do nosso plano, desde que a sorte o favoreça.

Hatlinger sobressaltou-se em meio às reflexões. O piloto comunicou-lhe que, dentro de dez minutos, a Sosata voltaria ao Universo einsteiniano.

— A dez minutos-luz de Frago!

Dali a dez minutos o rugido do kalup cessou. A Sosata penetrou no Universo normal. A ampliação da tela de visão global indicava um desempenho de sessenta por cento. Na eterna escuridão do vazio intergaláctico havia um astro em cuja superfície lavrava uma devastadora fogueira atômica.

Fizeram-se as medições das radiações. Os resultados foram transmitidos ao computador positrônico. Era impossível que em Frago ainda existisse qualquer substância biológica. Os milhões de robôs desse planeta sem luz, que de repente haviam passado a lutar uns contra os outros, transformaram seu mundo num inferno atômico.

Hatlinger lembrou-se de certa pergunta que dirigira a Van Moders, quando viu na tela o astro que agora brilhava num vermelho malévolo. A pergunta fora a seguinte:

“— É possível que em Frago ainda existam pos-bis?”

Moders não hesitou em dar resposta afirmativa:

“— Mas já não são robôs positrônico-biológicos, coronel. As radiações destruíram o plasma que havia em seu interior. Até o momento em que a decomposição atômica os destrua, atuarão como simples hiperimpotrônicos. Nem sequer podemos compará-los com nossos homens-máquina ou com os robôs construídos pelos arcônidas ou pelos acônidas, pois não se pode estabelecer comparação entre o sistema positrônico e o hiperimpotrônico.''

— Vamos aproximar-nos a cinco minutos-luz!

Hatlinger não tirava os olhos da tela de visão global. De todos os lados vinham resultados de medições. E o quadro que o coronel formou com base nos mesmos era bem elucidativo.

— As câmaras estão funcionando em todas as faixas de ondas luminosas.

A morte de Frago estava sendo gravada em filmes. Cada um destes abrangia apenas uma área bem delimitada do espectro. Ao todo, a filmagem abrangeu a faixa situada entre o infravermelho com 10 cm e o ultravioleta com 10 cm.

A gigantesca nave esférica aproximou-se do mundo vermelho que estava morrendo. Apesar da ampliação máxima não se percebiam os detalhes no meio da fogueira atômica. Hatlinger não acreditava que lá embaixo ainda existissem robôs do tipo que o especialista Moders designara pelo nome de hiperimpotrônicos. No entanto, lembrou-se de que o robólogo lhe pedira insistentemente que não deixasse de fazer qualquer coisa para levar a Árcon III o maior volume possível de observações realizadas em Frago.

— Aproxime-se a quinhentos mil quilômetros. Peça que lhe forneçam constantemente os níveis de radiações.

A instrução ministrada por último representava uma simples questão de rotina. Não era qualquer tipo de radiação que seria capaz de romper o envoltório protetor energético da Sosata.

A gigantesca esfera começou a dar a primeira volta em torno do planeta. Hatlinger deu ordem para aproximar-se a dez mil quilômetros.

Embaixo deles só havia a fogueira. Frago, que há pouco ainda era um único complexo industrial e um depósito onde estavam guardados muitos milhões de pos-bis que só esperavam o momento de serem ativados, continuaria a arder até o momento em que a decomposição atômica se detivesse por si.

O coronel lembrou-se das usinas de cisão celular, nas quais gigantescas máquinas levavam pequenas quantidades de plasma a multiplicar-se, a ponto de fazer seu volume aumentar milhares de vezes.

Não restava nada disso. Uma maravilha biológica, criada por robôs, deixara de existir!

Lançaram os olhos para os destroços chamejantes. Viram buracos gigantescos, que tinham milhares de metros de profundidade.

Em nenhum lugar havia o menor movimento.

Frago estava morto. Hatlinger esteve a ponto de dar ordem de regressarem, mas naquele instante os instrumentos registraram uma forte liberação de energia além de Frago.

— Por que não temos os dados exatos? — perguntou Hatlinger.

A resposta que ouviu foi exatamente a que esperava. O planeta Frago com as quantidades enormes de radiações e super-campos magnéticos era uma fonte de interferência que não permitia a realização de medições precisas.

O lugar, em que estavam sendo liberadas grandes quantidades de energia, ficava mais de meio ano-luz além do mundo dos robôs.

Com uma rapidez assustadora a supernave acelerou ao máximo, penetrou no semi-espaço e percorreu num tempo extremamente curto a distância de meio ano-luz. Assim que a espaçonave retornou à estrutura espacial normal, seus sistemas de rastreamento detectaram a fonte da liberação de energia.

Eram cinco naves dos laurins que procuravam destruir uma nave fragmentária. O veículo cúbico defendia-se com todos os canhões de radiações.

A primeira coisa que os oficiais de Hatlinger constataram foi que a gigantesca nave dos pos-bis não dispunha de qualquer campo relativista.

— Atacar as naves dos laurins! O centro de comando de tiro tem ordem para abrir fogo.

O piloto e o centro de comando de tiro confirmaram o recebimento da ordem. Forças titânicas pareciam impelir a Sosata em direção ao lugar era que uma espaçonave tripulada por robôs se defendia desesperadamente de cinco naves-pingo dos invisíveis.

— Tomara que os robôs não resolvam atacar-nos! — cochichou o co-piloto de Hatlinger.

Desenvolvendo trezentos mil quilômetros por segundo, a gigantesca esfera espacial precipitou-se sobre duas naves dos Laurins que, depois de descreverem uma curva extremamente fechada, estavam voltando à posição de ataque. As explosões das bombas conversoras, disparadas pela nave fragmentária, pareciam flores da morte que desabrochavam no espaço.

De repente, vinte torres de canhões da Sosata abriram fogo. A nave dos laurins mais próxima foi atingida em cheio pelos raios desintegradores, de impulsos e térmicos. A nave dos invisíveis, que só podia ser vista nas telas especiais da Sosata, explodiu, produzindo o efeito de um fogo de artifício. A segunda nave teve arrancada a larga ponta da proa.

No mesmo instante, as três naves-pingo que restavam afastaram-se da nave dos pos-bis. Na sala de comando da Sosata não houve ninguém que prendesse a respiração, pois para os terranos tornava-se mais fácil enfrentar as naves dos invisíveis que um único veículo espacial fragmentário, embora os laurins possuíssem armas de radiações que lhes permitiam destruir uma nave dos pos-bis devidamente protegida.

O oficial do rastreamento instantâneo falou em tom indiferente ao transmitir a seguinte informação:

— A caixa se afasta! Os três laurins estão em posição de ataque!

No centro de comando de tiro, ninguém ficou nervoso. E os homens que se encontravam a postos nas torres de canhões também não perderam a calma, quando a sala de comando demorou em dar permissão de abrir fogo contra os laurins que se aproximavam.

Os invisíveis disparavam suas perigosas torres de artilharia. Parte dos raios passou rente à Sosata e o envoltório energético absorveu seis impactos. O gigantesco envoltório do supergigante de mil e quinhentos metros de diâmetro ressoou que nem um sino, mas os campos defensivos agüentaram.

— Fogo!

Os sinais destinados ao sistema de computação positrônica de tiro chegaram às posições de artilharia numa fração de segundo. O abalo das vigorosas salvas sacudiu a nave.

O laurin que voava à direita e o que se encontrava no centro desfizeram-se num lampejo ofuscante. A nave que voava à esquerda foi atingida de raspão. Subiu de repente, acelerando loucamente, e desapareceu no hiperespaço, produzindo um forte abalo estrutural.

— Acertamos quatro — constatou Hatlinger. — É uma proporção bem aceitável. Vamos afastar-nos e passar ao vôo linear. É preferível não confiar nessa nave fragmentária e em seus tripulantes. Desloque a nave a uma distância de cem anos-luz.

— Deslocar a nave a uma distância de cem anos-luz, coronel — repetiu o piloto e voltou a entregar a nave ao computador positrônico.

Pouco importava para que lado a nave se afastasse. Apesar disso o computador de bordo não agiu segundo sua opinião. Três oficiais estavam parados junto ao dispositivo positrônico. Realizaram algumas manipulações rápidas para transmitir-lhe as coordenadas direcionais.

Os motores de impulso começaram a rugir no interior da grande protuberância equatorial da nave. Acelerando ao máximo, a Sosata afastou-se da nave fragmentária, que parecia parada no espaço escuro. No momento em que o propulsor linear começou a trovejar, teve-se a impressão de que o Universo deixara de existir.

O Coronel Hatlinger olhou para o velocímetro graduado em anos-luz e leu a velocidade do supergigante, que subia aos saltos. O rastreador de relevo, que se ligara automaticamente, permitia que se olhasse da área do semi-espaço para o Universo einsteiniano. A borda da Galáxia apareceu sob a forma de reluzente faixa luminosa. A velocidade da nave era fantástica. Excedia a da luz e aumentava constantemente. Apesar disso o aspecto da Via Láctea quase não se modificou.

O Coronel Hatlinger já havia redigido o relatório destinado a Perry Rhodan e entregado o texto à sala de rádio. Dali a alguns minutos, um oficial de rádio aproximou-se do comandante:

— Novas ordens do chefe, coronel.

Com a maior tranqüilidade, Hatlinger segurou as chapas perfuradas. Os sinais codificados do rádio positrônico diziam o seguinte:

 

Avançar pelo espaço cósmico. Evitar na medida do possível que o limite de segurança seja ultrapassado. Nas comunicações de rádio será usada a linguagem simbólica. Ass.: Rhodan.

 

Sem dizer uma palavra, Hatlinger entregou a chapa perfurada ao piloto. Este leu o texto e perguntou com a maior tranqüilidade:

— Coronel, o senhor concorda em que a Sosata seja pilotada sem o computador?

— De acordo — respondeu Hatlinger, depois de ligeira reflexão. — Mas não se esqueça das manifestações de fadiga do material.

O piloto confirmou com um gesto. Mudou a posição da chave mestra sincronizada para a posição da pilotagem manual. O piloto voltara a assumir a Sosata.

 

A nave capitania de Rhodan, a Teodorico, encontrava-se no maior porto espacial de Árcon III. Estava pronta para decolar. Mas o administrador não estava a bordo. E além dele faltavam outros homens muito importantes.

A espaçonave já deveria ter decolado há duas horas. Mas, pouco antes da hora marcada, chegara o hipergrama do Coronel Hatlinger, expedido nas proximidades de Frago. Seu relatório provocara uma discussão científica entre os cibernéticos. O grupo a favor de Moders tornava-se cada vez menor. Vários colegas que até então haviam apoiado as suposições do robólogo mudaram de opinião. Os debates tornavam-se cada vez mais acalorados. Moders era acusado abertamente de realizar “especulações anticientíficas”.

O professor Gaston Durand, que estava de pé diante do cientista, com o rosto muito vermelho, disse:

— Colega, o senhor se afasta cada vez mais da base sobre a qual se podem fundar hipóteses!

Moders aparentava uma estranha calma. Olhou em torno. Quando fitou o pequeno grupo que ainda apoiava suas opiniões, um brilho irônico surgiu em seus olhos.

— Talvez o senhor tenha razão, professor Durand. Acontece que, enquanto o senhor não nos fornecer outra explicação para os acontecimentos que se têm verificado no Mundo dos Duzentos Sóis, pouco importa que o senhor aceite ou deixe de aceitar minha teoria sobre a oscilação da intensidade do engaste. Sou todo ouvidos, professor Durand. O que é que o senhor pode contrapor às minhas idéias?

Van Moders não tinha muitos adeptos entre os colegas. Era invejado porque o chefe constantemente recorria a ele para pedir conselhos. Por mais de uma vez ouvira alguém dizer às suas costas que era a “criança queridinha de Rhodan”. Essa designação fora inventada por Reginald Bell.

E agora Moders havia trazido à baila mais uma incrível suposição... Agora, a menos de trinta minutos para a hora em que deveria decolar a Teodorico!

Pouco lhe interessava saber quem teria informado o chefe sobre a discussão apaixonada dos cibernéticos. O fato é que no momento em que o professor Gaston Durand, muito nervoso e acuado pelos argumentos de Moders, se dispunha a dar uma resposta menos objetiva, Perry Rhodan chamou pelo sistema de intercomunicação.

— Não se apressem. Adiarei a decolagem até que tenham concluído a troca de idéias.

Todos compreenderam o significado disso.

Uma ação de que participavam três mil espaçonaves tinha um cronograma no qual haviam sido enquadrados milhares de detalhes, e esse cronograma tinha que ser respeitado, pois, do contrário, o êxito de todo o plano seria colocado em perigo. Se o chefe lhes recomendara que não se apressassem, isso significava que deveriam terminar logo o debate estéril...

O professor Durand e seus adeptos também compreenderam a observação do chefe. Van Moders não deixou que os outros percebessem a sensação de triunfo que estava experimentando.

— Faça o favor, professor Durand. O senhor está com a palavra.

— Não adianta travar debate com o senhor sob a pressão da escassez de tempo. No meu entender é uma irresponsabilidade enviar três mil espaçonaves para o nada, confiando apenas na sorte. De qualquer maneira, a responsabilidade desse plano maluco é exclusivamente sua. Infelizmente o chefe dá muita atenção ao que o senhor diz.

Um dos membros do grupo de Durand formulou uma objeção:

— Professor, sua argumentação não poderia ser menos objetiva.

Furioso, o professor respondeu aos gritos:

— Como se atreve a dizer que meus argumentos são pouco objetivos? Por que não ataca as teorias malucas de Moders com a mesma violência? A idéia de eliminar as oscilações hipotéticas na intensidade do engaste por meios técnicos e com o auxílio das forças paranormais dos mutantes é uma tolice rematada.

Van Moders acomodou-se tranqüilamente na poltrona mais próxima.

De repente Durand colocou-se à sua frente.

— Então, Van Moders? Acabo de fazer uma afirmativa...

Moders fitou-o com uma expressão de compaixão.

— Queira desculpar, professor Durand, mas estou sofrendo de amnésia temporária. No momento não me lembro de como o senhor, professor de Cibernética, tenha prestado qualquer contribuição, por menor que seja, para conhecer a mentalidade dos pos-bis, identificar o perigo que os mesmos representam ou afastar esse perigo. Como a grande maioria dos meus colegas seguem sua opinião, vejo-me obrigado a submeter suas dúvidas ao chefe. Além disso deverei sugerir que suspenda a ação no Mundo dos Duzentos Sóis. Permite que me dirija ao chefe? Não quer acompanhar-me, professor Durand? Nesse caso não precisaria falar tanto.

— Vá para o inferno! — gritou Durand, que estava perdendo o autocontrole.

Mas logo ficou furioso com o deslize que ele próprio acabara de cometer e estreitou os lábios. Moders levantou-se.

— Nem penso em ir para o inferno, professor. Não atenderia a um pedido desses, nem que fosse manifestado por meu melhor amigo. Vou é procurar o chefe. Dá licença?

Nunca foi fácil chegar a Perry Rhodan. Se cada um dos colaboradores lhe manifestasse as preocupações que o afligiam, os inúmeros detalhes fariam com que o chefe perdesse a visão do conjunto. Mas havia alguns homens que tinham acesso a ele a qualquer momento. Van Moders era um desses poucos homens, pois o que dizia sempre tinha valor.

Os dois robôs postados na entrada do apartamento subterrâneo em que Rhodan residia e trabalhava não se interpuseram no caminho de Moders. Identificaram-no numa fração de segundo e transmitiram a notícia de sua visita ao controle positrônico, que a registrou em sua memória.

Quando entrou, viu que o chefe, Bell, John Marshall e Deringhouse estavam inclinados sobre um gigantesco diagrama.

À entrada de Moders, os homens levantaram os olhos. Bell apontou ostensivamente para o cronômetro.

— Já sei, mister Bell. Foi justamente por isso que vim. A maioria dos meus colegas entende que a missão do Mundo dos Duzentos Sóis é uma utopia, uma leviandade, um ato de diletantismo. Consideram-me uma personalidade psicopática, obcecada pela ambição.

Rhodan ouviu-o com toda atenção.

— Moders, com quem estava conversando quando falei com você?

— Com um colega, sir — disse Moders, esquivando-se a uma resposta mais precisa.

— Poderia dizer o nome desse colega? Esta última pergunta foi formulada em tom mais áspero, e a resposta foi dada a contragosto.

— Professor Durand, chefe.

— Ponha-o para fora! — exclamou Bell, petulantemente.

— Essa não. Por favor, mister Bell — protestou Moders. — Já descobri que, em qualquer projeto, é muito importante ter como colaboradores alguns colegas, cujo ponto de vista seja diferente do nosso.

— Durand nunca teve um ponto de vista — afirmou Bell.

Rhodan voltou a entrar na palestra.

— Qual é sua opinião sobre o Projeto Mundo dos Duzentos Sóis?

— Minha opinião ainda é a mesma, chefe. Não vejo motivo para modificá-la.

Perry Rhodan refletiu por um instante.

— Está bem. Acomode-se ali e faça imediatamente uma lista com os nomes dos colegas que, graças aos seus conhecimentos, podem prestar alguma contribuição para o êxito de nosso plano.

— Sir, meu espírito não é bastante objetivo para isso e...

Moders não pôde prosseguir.

— Deixe este aspecto por minha conta. Por favor, Moders! Já perdemos muito tempo.

O robólogo sabia como estavam as coisas quando o chefe usava esse tom. Sentou-se e pôs-se a elaborar a lista de nomes. Rhodan e Bell leram.

— O quê? — gritou Reginald Bell, furioso. — Apesar de tudo, o senhor quer que esse Durand o acompanhe no vôo ao Mundo dos Duzentos Sóis?

Rhodan colocou a lista sobre a mesa.

— Moders, não é necessário responder à pergunta de mister Bell. O senhor deve saber por que incluiu Durand na sua lista. Encarregue-se de avisar os colegas que deverão acompanhá-lo no vôo. Quero que, dentro de trinta minutos, seu grupo esteja a bordo da Teodorico.

Quando o robólogo se retirou, Bell esfregou o queixo.

— Gostaria de saber por que Moders incluiu esse professor esquisitão em sua lista, Perry.

— Não compreendo que você faça uma pergunta como esta, gorducho. Além de ser um genial robólogo, Moders também tem muito senso psicológico. Incluindo Durand em seu grupo, Moders privou-o de todos os argumentos que poderia usar contra ele. Se estivesse no lugar de Moders, agiria da mesma forma.

Bell compreendeu.

— Esse jovem vai indo muito bem — depois mudou de assunto. Apontou para o cronograma. — Isto não passa de um pedaço de papel.

Rhodan não era da mesma opinião.

— De forma alguma. O tempo X será adiado por duas horas. Basta enviar uma mensagem circular para informar todos os comandantes sobre a modificação. Faça o favor de encarregar-se disso.

 

Parado junto à tela do rastreador de relevo, que tremeluzia ligeiramente, o Coronel Hatlinger estava assistindo a um quadro nunca visto. De ambos os lados da tela, o aglomerado de estrelas, em cujo centro a Terra percorria sua trajetória em meio a bilhões de mundos, parecia encolher. A Galáxia aparecia com os braços em espiral penetrando profundamente no espaço.

— Meu Deus! — disse o oficial encarregado do rastreador, que se encontrava a seu lado.

O rastreador de relevo estava orientado em direção à Galáxia. Assinalava alguns pontos importantes no estandarte de estrelas que os homens que se encontravam na zona de libração do semi-espaço estavam admirando. A Sosata precisava dos pontos de referência estelares, pois sem eles poderia sofrer um deslocamento de dezenas de milhares de anos-luz, em relação ao ponto de penetração na Via Láctea.

Já se haviam acostumado ao rugido do kalup, que tinha um efeito tranqüilizador.

Hatlinger obrigou-se a afastar os olhos do encantador quadro projetado na tela do rastreador de relevo. Atravessou a sala de comando e colocou-se ao lado do piloto.

— Saída para fins de orientação — ordenou.

— Regressar ao espaço normal — disse o piloto, repetindo em outras palavras a ordem do coronel.

O trovejar dos motores de impulsos, que substituiu o rugido do kalup, doía nos ouvidos.

A Sosata encontrava-se no espaço vazio, a cento e trinta e oito mil anos-luz dos limites da Galáxia.

A nave esférica reduziu a velocidade. Os neutralizadores de pressão tiveram de eliminar tremendas forças. O velocímetro graduado em anos-luz não indicava mais nada. Outro instrumento, regulado em quilômetros por segundo, apontava um valor próximo a zero. Depois de algum tempo o supercouraçado ficou parado no espaço sem luz. A gigantesca tela de visão global mostrou a Galáxia sob a forma de uma nuvem que emitia um brilho suave.

A Sosata acabara de transformar-se num posto de localização radiogoniométrica.

Uma equipe de cosmonautas e o grande computador de bordo puseram-se a trabalhar, a fim de apurar as coordenadas da Sosata.

O terceiro controle voltou a indicar uma diferença em relação à primeira fixação das coordenadas.

— Afinal, é totalmente impossível determinar nossa posição com a exatidão de um décimo milésimo de segundo! — exclamou o chefe da equipe de cosmonautas, em tom furioso. — No espaço vazio, nossos instrumentos não prestam. Os pontos de referência estão muito distantes.

— O senhor se lembra do que disse o computador positrônico, quando foi consultado a este respeito? — perguntou o Coronel Hatlinger, com a maior calma.

— Afirmar é fácil, coronel. Acontece que por mais que nos esforcemos, não estamos conseguindo. Veja. As diferenças chegam a três segundos. Será que, na distância em que nos encontramos da Galáxia, isso é de se admirar?

— Talvez o senhor não domine sua tarefa — disse Hatlinger.

Sabia perfeitamente o que estava dizendo e, ao proferir estas palavras, visava a um fim bem definido.

— Ora, coronel...

Não falou mais nada. De repente o cosmonauta deu as costas a Hatlinger, voltou para junto de sua equipe e disse:

— Vamos repetir a operação, até que os dados confiram.

Os membros da equipe haviam ouvido as palavras de Hatlinger. Os homens sentiram que estavam sendo injustamente atacados. Mas esse ataque estimulou-os a provar alguma coisa ao coronel!...

Depois de uma hora e onze minutos, finalmente conseguiram. Os membros da equipe soltaram um suspiro de alívio e transmitiram as coordenadas à sala de rádio.

— Pois então! — disse Pyss, um técnico de comunicação que era o encarregado principal da aparelhagem de rádio da Sosata.

Pyss cochichou mais alguma coisa que ninguém entendeu, mas não saiu da sala de rádio. O Coronel Hatlinger, que também se encontrava presente, recebeu uma explicação.

— Gostaria de saber como funciona essa coisa que quase nos levou à beira da loucura...

A coisa era o instrumento de alta precisão. Tinha o aspecto de uma caixa, igual a qualquer outra, e todos os seus lados mediam trinta centímetros.

As antenas da Sosata foram direcionadas com base nas coordenadas que acabavam de ser apuradas. Nas duas horas que se seguiram, o piloto teve tanto trabalho que o suor começou a porejar por todo o seu corpo. O setor de rádio exigia categoricamente que a nave esférica permanecesse praticamente imóvel no espaço.

— Agora estão enlouquecendo de vez! — constatou o piloto com um gemido, mas nos cento e dezoito minutos que se seguiram deu prova de sua capacidade.

A Sosata mantinha-se imóvel em relação à Via Láctea, em meio à escuridão. O setor de rádio teve condições de iniciar seu trabalho.

Dentro em pouco, a Messina, uma nave que também funcionava como posto de radiogoniometria e se encontrava relativamente próxima à Via Láctea, respondeu ao sinal goniométrico permanente do supercouraçado. A Sosata pediu as coordenadas exatas. Os cosmonautas da Messina enfrentaram as mesmas dificuldades com que a equipe do supercouraçado se havia defrontado. Ao contrário destes, mesmo depois de dois dias de tentativas não conseguiram solucionar satisfatoriamente o problema.

— Saia da recepção — ordenou Pyss. — Não poderemos usar a Messina como segundo ponto de referência. É uma pena. Se conseguíssemos uma boa recepção, isso nos facilitaria bastante as coisas.

Vez por outra recebiam-se sinais simbólicos pouco intensos e incompreensíveis. A sala de rádio enchia-se cada vez mais da fumaça de cigarro. Os exaustores do sistema de renovação de ar haviam sido regulados para a rotação mínima. Qualquer pessoa que não tivesse uma necessidade absoluta de movimentar-se no interior da nave permanecia em seu lugar. Realizavam-se verificações ininterruptas para apurar se a Sosata não estava girando.

— A frota nunca passou por uma experiência tão complicada — constatou Pyss.

O conversor de símbolos, que estava pronto para entrar em funcionamento, zumbia baixinho. Vez por outra um pequenino relê emitia um estalido. Sempre que isso acontecia os homens que aguardavam ansiosamente levantavam a cabeça e fitavam os instrumentos. Mas os ponteiros e as escalas permaneciam imóveis.

Certa vez, Pyss passou a escuta, por um instante, para a freqüência das frotas unidas. Foi quando ouviu a mensagem circular que Bell transmitiu por ordem do chefe. Em conformidade com essa mensagem, todo o cronograma sofreu um deslocamento de exatamente duas horas.

Os homens na sala de rádio examinaram os cronômetros para verificar quanto tempo ainda lhes restava. Menos de meia hora!

— Até lá não acontecerá nenhum milagre — disse um sargento, que se mantinha imóvel diante do controle de freqüência do equipamento de rádio.

No instante em que estas palavras foram proferidas, o dispositivo energético uivou baixo.

Era uma recepção de sinais simbólicos transmitidos pelo rádio.

— O que é isso? São muito fracos! — exclamou Pyss.

Contudo, a tradutora provou que era assim mesmo, pois nem entrou em funcionamento. Não aceitou o suprimento energético excessivamente débil.

— Reforce isso imediatamente! — ordenou Pyss. — Tomara que, nesse instante, a Sosata não faça nenhum movimento... nem de alguns centímetros!

E a nave não fez.

O gigantesco equipamento de reforço do supercouraçado trabalhou com a potência máxima. O alto-falante acoplado com o mesmo transmitiu com maior nitidez os sinais que estavam sendo recebidos.

Uma chapa de plástico perfurada foi saindo da fenda do conversor de símbolos. O Coronel Hatlinger já não estava tão calmo. Ele e Pyss inclinaram-se sobre a chapa e leram a mensagem decifrada.

Aquilo que ninguém ousara esperar transformara-se em realidade. O centro de plasma do Mundo dos Duzentos Sóis estava enviando mensagens pelo rádio.

Acontece que os sinais eram muito débeis. E só graças aos imensos amplificadores da Sosata, a mensagem pôde ser decifrada. No entanto, a tradutora não aceitou tudo. Em certos trechos da mensagem, a recepção foi tão fraca que não havia como ampliá-la.

O Mundo dos Duzentos Sóis estava usando um transmissor de emergência para enviar sua mensagem. Era o que se concluía, sem a menor sombra de dúvida, da respectiva tradução. O potente transmissor principal estava em poder do comando hiperimpotrônico.

Pyss e o Coronel Hatlinger respiraram nervosamente.

Grandes destruições haviam sido realizadas no Mundo dos Duzentos Sóis.

O interior pedia à verdadeira vida que o protegesse.

— Pyss, responda imediatamente. Peça ao centro de plasma que envie algumas naves fragmentárias para Frago. Ande depressa, pois a biossubstância está perdendo o “fôlego”.

Era o que provavam os instrumentos de medição. A potência de chegada da mensagem simbólica era cada vez mais fraca.

Pyss concentrou toda a energia em uma única freqüência e transmitiu a mensagem de hipercomunicação destinada ao centro de plasma, situado em algum ponto do espaço intergaláctico.

Será que o transmissor de emergência que estava sendo usado pela biossubstância ainda possuía energia para transmitir sua resposta?

Pyss comunicou a posição de Frago. O conversor de símbolos, que há pouco fora aperfeiçoado em sua estrutura, transcreveu rápido e preciso suas palavras para os sinais codificados dos pos-bis.

O Mundo dos Duzentos Sóis confirmou a resposta. Ponto de cruzamento anotado; era a designação que os pos-bis usavam para as coordenadas.

Envie verdadeira vida, uma vez realizada a reprodução do interior.

Isso representava uma alusão à estação de cisão celular de Frago, onde a biossubstância era levada, por meio de um estímulo artificial, a entrar num processo de cisão celular. Além disso essas palavras representavam uma alusão ao próprio planeta Frago.

— É só! — disse Pyss, em tom triste. — O que chegar depois disso poderá ser reforçado, quando muito, pela grande estação de rádio de Árcon III. Coronel, sua suposição era correta. O centro de plasma do Mundo dos Duzentos Sóis ficou “sem fôlego”.

— Depois conversaremos. Caramba! O que diz o instrumento de precisão? — perguntou Hatlinger.

Teve de esperar, pois Pyss não respondeu logo. Enquanto isso, o coronel sentia uma certa apreensão. Era indispensável informar o chefe, mas isso só poderia ser feito quando soubesse se a experiência com o novo aparelho fora bem-sucedida. Além de outras coisas, o aparelho deveria servir para verificar em que direção ficava o Mundo dos Duzentos Sóis.

Pyss praguejou e atirou para longe a fita cinematográfica, na qual estavam registradas todas as operações do aparelho de precisão.

— Aconteceu exatamente o que eu esperava, coronel — disse em tom contrariado. — O aparelho apurou a direção da qual veio a mensagem expedida pelo transmissor do centro de plasma, mas não o plano em que ele se situa.

— O que quer dizer com isso, Pyss?

Pyss soltou uma risada amarga e apontou primeiro para o teto e depois para o chão.

— O Mundo dos Duzentos Sóis tanto pode estar em cima de nós como embaixo, ou num ângulo de noventa graus. A única coisa de que temos certeza é que se acha no verde negativo 176:95.97, medido do ponto em que nos encontramos.

— Qual é a distância? O aparelho de precisão deveria ser capaz de determiná-la.

— Se estivesse ajustado, sim. Ainda não fiz a interpretação completa do filme. Segundo este, o Mundo dos Duzentos Sóis pode ficar entre duzentos mil e quatrocentos mil anos-luz dos limites da Galáxia. Talvez essa maravilha nos tivesse fornecido dados mais exatos, coronel, mas fomos idiotas a ponto de fazer com que não pudesse funcionar como devia. Estragamos tudo com nossos amplificadores de hiperondas.

— De qualquer maneira a cifra correspondente à coordenada do verde é exata, não é, Pyss?

Pyss fez que sim. O coronel prosseguiu apressadamente:

— Ligue-me imediatamente com o chefe!

Olhou para seu cronômetro. Era tudo uma questão de minutos...

A ligação foi estabelecida. O rosto de Rhodan apareceu na tela. O Coronel Hatlinger relatou o que havia acontecido. Repetiu textualmente a mensagem do centro de plasma. Rhodan aprovou com um gesto o pedido de enviar algumas naves fragmentárias para Frago, que Hatlinger fizera à biossubstância do Mundo dos Duzentos Sóis. O chefe não parecia surpreender-se com o fato de a coordenada do mundo de plasma só ter sido determinada no verde.

— Hatlinger, retire a Sosata a um terço da distância da Galáxia. Fique lá até receber novas ordens de mister Bell, ou até receber um chamado do quartel-general. Muito obrigado. O senhor e seus homens fizeram um excelente trabalho.

Perry Rhodan sempre fora um mestre na arte de conduzir os homens. O pequeno elogio que fizera do fundo do coração fez com que os tripulantes da Sosata esquecessem os trabalhos extenuantes que tinham realizado. Todos sabiam que a palestra fora ouvida pelos tripulantes de três mil espaçonaves pertencentes ao destacamento especial, e esse fato, aliado ao elogio recebido do chefe, aumentou sua autoconfiança.

Enquanto recolhia as colunas telescópicas de apoio, a Teodorico ergueu-se do porto espacial central de Árcon III. Os gigantescos motores de jato-propulsão instalados na enorme protuberância equatorial rugiram. Dali a alguns segundos, a nave rompeu a espessa camada de nuvens que envolvia o terceiro planeta central do Grande

Império e, no mesmo instante, mergulhou na luminosidade ofuscante do sol de Árcon.

Rhodan não se encontrava na sala de comando. Sabia que sob o comando do epsalense Jefe Claudrin sua nave estava em boas mãos.

O pessoal de rádio trabalhava a todo vapor. As três mil unidades do destacamento especial, que se encontravam no espaço vazio, a cinqüenta mil anos-luz da Galáxia, receberam ordem para dirigir-se a Frago. Com isso o cronograma, cuja elaboração dera tanto trabalho, ficou totalmente inutilizado.

Os comandantes dos vários grupos foram respondendo para confirmar o recebimento da ordem. Bell pediu a Jefe Claudrin que calculasse quando a Teodorico poderia estar nas proximidades de Frago. O epsalense levou alguns minutos para responder. De posse dessa informação, Bell procurou Rhodan.

— Perry, chegaremos ao mundo dos robôs antes das três mil naves.

— Era o que eu pensava, gorducho. Dessa forma você terá tempo para ocupar-se com a coordenada do verde que foi apurada. Poderíamos projetar o espaço vazio com nossa Galáxia na periferia.

— Poderíamos. Pois não. Será muita escuridão, não é?

A única pessoa que se encontrava em companhia dos dois “ferrenhos” amigos era John Marshall, coronel e chefe do grupo de mutantes. Nem ele nem Rhodan se espantaram. No fundo, não haviam esperado outra coisa. Muitas vezes uma coisa, que há duzentos anos exigiria meses de trabalho, atualmente era feita em algumas horas. Apesar disso, ainda restavam muitos problemas a serem resolvidos.

Por exemplo, os invisíveis, cujo mundo, segundo se supunha, ficava na galáxia de Andrômeda, ainda representavam um problema grave. Embora já se houvesse conseguido torná-los visíveis, por meio dos óculos antiflex, o enigma permanecia, pois tudo aquilo que ficava por trás, isto é, seu estilo de vida, seus pensamentos e seu modo de agir, ainda constituía um mistério.

As informações que os terranos possuíam sobre os pos-bis eram muito mais completas. Sabiam que o lugar de origem do plasma localizava-se além do grande abismo, numa galáxia-satélite de Andrômeda. Por isso Rhodan resolvera, com base num raciocínio frio, que por enquanto as pesquisas destinadas a descobrir o lugar correto em que ficava o planeta do plasma passariam a terceiro plano. Por enquanto, todas as atenções se concentrariam nos próprios pos-bis e em suas funções discrepantes.

Só Bell aproximou-se da projeção. Lançou mão de recursos arcônidas para fixar a posição da Sosata e tentar inserir a coordenada do verde no espaço intergaláctico.

— John — disse Rhodan, dirigindo-se ao chefe dos mutantes. — Reúna seus telepatas. Assim que aparecerem as naves fragmentárias, eles deverão testá-las.

— O senhor receia que o centro de plasma do Mundo dos Duzentos Sóis não possa estar em condições de enviar as naves fragmentárias, porque todas as unidades estão submetidas ao comando hiperimpotrônico?

— Ora, John, eu não sou Moders! — disse Rhodan com um sorriso. — Apesar disso, meu raciocínio seguiu nessa direção. Mas não acredito no que o senhor acaba de dizer. Entretanto devemos ter cuidado. Frago é um ótimo exemplo.

O arcônida entrou. Gucky caminhava a seu lado. O rato-castor fitou Rhodan com uma expressão de recriminação. Este intencionalmente fez pouco-caso. Atlan dispôs-se a falar. O Tenente Gucky interrompeu o imperador de Árcon.

— Perry, por que tenho de ficar na “geladeira”?

— O que quer dizer com isso, Gucky? — perguntou Rhodan, espantado.

— Isso não deixa de ser um método de obrigar um tenente da Frota Solar a dizer duas vezes a mesma coisa — protestou o rato-castor. — Quero saber por que não fui designado para participar de qualquer missão. Da minha parte acho que é como se tivesse sido colocado na...

— Já ouvi isso, meu caro Gucky — interrompeu Rhodan. — Para tranqüilizá-lo, quero deixar claro que fui eu que dei ordem para isso. Está satisfeito?

— Nem de longe — Gucky sabia ser obstinado quando isso era de seu interesse. — Quero saber por que fui deixado para trás, Perry.

— Acontece que não quero dizer. Retire-se, tenente! Não nos faça perder tempo!

Rhodan disse essas palavras em tom mais áspero do que pretendera. Gucky hesitou.

— Gostaria de saber por que há algumas horas você está bloqueando seus pensamentos. Ainda hei de descobrir, chefe.

Mal acabou de pronunciar essas palavras, desapareceu abruptamente. Atlan fitou Perry Rhodan. Sorriu.

— Seu pessoal às vezes me faz rir, meu caro.

A Teodorico já saíra do sistema do sol de Árcon e, uma vez ultrapassada a última órbita planetária, penetrara no semi-espaço. Prosseguindo em vôo linear, a velocidade superior à da luz, a nave avançava em direção a Frago, que ficava a 92 mil anos-luz de M-13.

 

Fazia tempo que Atlan se retirara. Marshall voltou e discutiu coisas importantes com Rhodan. Finalmente Bell concluiu o trabalho que estava fazendo na projeção.

Virou-se para o amigo. Seu rosto parecia tenso.

— Está interessado, Perry?

Naquele momento Bell era um cientista que devia ser levado a sério. Atuara na área da Eletrônica, mas logo se familiarizou com a da Positrônica, onde era considerado uma grande capacidade.

Rhodan colocou-se ao lado do amigo. Um raio verde em leque, cuja coloração se tornava menos intensa à medida que penetrava no espaço extragaláctico, representava a coordenada que fora apurada na Sosata.

Bell forneceu algumas explicações.

— Não sabemos nada sobre as ondas de hiper-rádio e seu comportamento no espaço vazio extragaláctico. Não concordo com a opinião de Pyss, segundo o qual o transmissor de emergência do centro de plasma poderia encontrar-se bem em cima ou embaixo da Sosata. Mas apesar de tudo não se pode excluir a possibilidade de que esteja com a razão. Mas, se parto do raciocínio desenvolvido por ele, não chego a qualquer resultado aproveitável. Olhe, Perry... — apontou para a parte do leque verde que já era praticamente irreconhecível. — Pouco importa qual seja a velocidade das ondas de hiper-rádio. O fato é que ninguém me fará acreditar que, depois de percorrer duzentos ou trezentos mil anos-luz, elas atinjam as antenas dos receptores, sem a menor perda de energia. Por isso, a parte mais pálida do verde deve ser excluída. O Mundo dos Duzentos Sóis pode ficar entre esta área e esta — apontou com ambas as mãos.

— Concluiu-se que, se as medições do pessoal da Sosata foram corretas, são uns duzentos e cinqüenta mil a trezentos e cinqüenta mil anos-luz. Neste limite máximo o foco tem cerca de sessenta mil anos-luz de diâmetro.

— Isso com referência a determinado plano, ou no total, gorducho?

— No total. Onde poderia encontrar ura plano? Se a Sosata nos tivesse fornecido o mesmo, a esta hora já saberíamos onde procurar o centro de plasma.

— Como foi que você encontrou a posição da Sosata? — perguntou Perry.

— Peço-lhe que dispense as explicações — respondeu Bell. — Senti-me como um colegial durante a prova final de Matemática. Mas a posição inserida na projeção está certa. Quanto a isso não tenha a menor dúvida.

Rhodan sentiu-se fascinado pela exposição. Lembrou-se dos cálculos técnicos e logísticos antes realizados, a fim de obter ao menos uma cifra que tivesse a seu favor um elevado grau de probabilidade. E, segundo essa cifra, durante um vôo realizado numa extensão total de 400 mil anos-luz cinqüenta por cento das três mil naves seriam perdidas. O percurso máximo calculado por meio da projeção era inferior a isso em um oitavo.

Passou a monologar.

— Isso me tranqüiliza um pouco. As chances de a missão ser bem-sucedida melhoraram ligeiramente...

Nesse momento, o Comodoro Jefe Claudrin chamou.

— Chefe, chegaremos daqui a dez minutos.

— Já? — perguntou Bell, perplexo, e olhou para o cronômetro. Rhodan também se surpreendeu por terem gasto tanto tempo com o exame da projeção. Dirigiu-se ao armário e vestiu o traje de combate. Bell seguiu seu exemplo. Um comando especial de três mil homens, que se encontrava a bordo da nave capitania, preparou-se para o combate.

A gigantesca equipe encontrava-se nos conveses G e H. Os aparelhos destinados à missão especial a ser desempenhada haviam sido colocados em dois cruzadores da classe Cidade e trinta jatos espaciais.

Dos conveses G e H veio a notícia de que os homens estavam preparados para entrar em ação. A central de comando de tiro chamou. Atlan e John Marshall apareceram ao mesmo instante na cabina de Rhodan. Deringhouse chamou pelo intercomunicador. No momento não podia sair do lugar em que se encontrava, pois estava realizando alguns controles importantes.

Os dez minutos logo passaram. O rugido dos kalups cessou. A Teodorico retornou ao Universo normal. Marshall dirigiu-se ao lugar em que estava seu grupo de mutantes, enquanto Rhodan e Atlan entravam na sala de comando da nave capitania.

A tela panorâmica projetava a luminosidade de Frago, o mundo dos pos-bis, que se desmanchava na incandescência atômica. O planeta parecia uma roda de fogo parada em meio ao negrume do nada que o cercava por todos os lados. Rhodan acomodou-se na poltrona de reserva. Dali podia pilotar a Teodorico tão bem quanto o primeiro-piloto, sentado na poltrona de comando. Havia uma série de microfones à sua frente. Colocou o que correspondia ao hiper-rádio na altura da cabeça.

Três mil unidades, que ainda estavam voando em direção a Frago, receberam ordens sobre a formação das linhas de combate.

A manobra consumiu oito minutos. Os comandantes dos diversos grupos foram comunicando o cumprimento da ordem.

A Teodorico deu algumas voltas em torno de Frago, protegida por seus gigantescos campos energéticos. Os instrumentos e os homens que observaram a superfície do planeta não viram nada além do que a Sosata já havia observado. O planeta Frago era apenas um ponto de referência no espaço vazio.

O tempo foi passando lentamente. A espera pelas naves fragmentárias do Mundo dos Duzentos Sóis começou a desgastar os nervos dos homens.

Os instrumentos de todas as naves registraram simultaneamente um tremendo abalo estrutural. As cifras registradas, conjugadas com o saber armazenado nos computadores de bordo, levaram à conclusão de que se tratava de cinco naves fragmentárias, que no momento se aproximavam a oitenta e cinco por cento da velocidade da luz.

— Desta vez também não se nota a presença de campos relativistas — comentou alguém que se encontrava na sala de comando da nave capitania.

— É estranho — disse Atlan, dirigindo-se a Rhodan. — Isso já aconteceu mais de uma vez. Não compreendo a ausência dos campos defensivos, que afinal constituem um elemento de importância vital.

Dali a trinta minutos os veículos fragmentários atingiram as linhas das naves esféricas terranas, que se encontravam nas profundezas do espaço.

O sistema de rastreamento estrutural deu o alarma.

Antes que o oficial do posto de observação espacial pudesse dizer qualquer coisa, veio a voz metálica do computador de bordo:

— Dezesseis naves-pingo de grandes dimensões aproximam-se dos veículos fragmentários. A rota dos laurins é a seguinte...

A notícia foi transmitida a todas as naves pelo hiper-rádio. Rhodan deu suas ordens. Setecentas e vinte naves separaram-se do destacamento, aceleraram ao máximo e, penetrando no semi-espaço, foram ao encontro das espaçonaves dos invisíveis, que se dispunham a atacar os pos-bis.

— Já não compreendo mais nada — disse Bell, contrariado, lançando um olhar indagador para Perry. — Ainda não se nota a presença de campos relativistas nessas caixas quadradas. Serão derrubadas pelos laurins como se fossem pombinhos de enfeite.

— Moders, compareça imediatamente à sala de comando — gritou Rhodan pelo sistema de intercomunicação.

— Santo Deus — disse Bell, numa leve objeção. — Você logo chama este homem das idéias apavorantes.

Rhodan respondeu em voz baixa, para que os outros não pudessem ouvi-lo:

— Você mereceria minha admiração se vez por outra tivesse pelo menos uma idéia igual às de Moders.

— Isso é uma questão de gosto.

Moders entrou correndo. Rhodan informou-o em poucas palavras. Moders fez uma careta.

— Sinto muito, chefe. Tenho que decepcioná-lo. Também não tenho a resposta. Desde o momento em que pela primeira vez se noticiou o encontro com uma nave fragmentária sem campo relativista, andei pensando sobre isso. Não sei como explicar.

Ao formar o gigantesco grupo de naves, Rhodan preferira não dar nomes às unidades. O enquadramento de cada uma delas em determinado subgrupo era assinalado por um grupo de letras, seguido por alguns algarismos, que substituíam o nome.

A nave D-785 enviou uma mensagem de hiper-rádio. D-785 tinha dois telepatas a bordo. Era uma das setecentas e vinte unidades que corriam ao encontro dos laurins.

Nas cinco naves fragmentárias notaram-se fortes impulsos mentais... Estabelecemos contato com o comandante de plasma, se é que neste ponto se pode falar em contato. Holderlien.

— Chefe, será que posso comunicar-me com o mutante Holderlien? Gostaria de fazer-lhe algumas perguntas — disse Moders.

— Pois não!

O robólogo chamou a D-785. Não poderia ter escolhido um momento menos apropriado, pois as naves acabavam de retornar ao Universo einsteiniano e estavam abrindo fogo com todas as peças contra as gigantescas naves-pingo dos laurins.

Apesar disso o mutante Holderlien apareceu diante da objetiva. As perguntas e as respostas se sucediam. Muitas vezes o mutante hesitava com as respostas ou esquivava-se às perguntas, dizendo:

— Não sei dizer. Meus contatos com os cérebros de plasma foram muito raros.

Apesar disso, Van Moders parecia muito satisfeito quando concluiu a palestra.

— Sir, as cinco naves fragmentárias são amigas da vida biológica. Os comandos hiperimpotrônicos das mesmas estão sob o controle do plasma.

— Tomara que não esteja enganado, Moders. Um erro a este respeito poderia eventualmente custar a vida de milhares de homens.

— Quando tivermos liquidado os laurins, deveremos aproximar-nos mais da naves dos pos-bis. Então faremos um controle telepático mais intenso, chefe.

Sem dizer uma palavra, Rhodan apontou para a tela. Graças ao novo localizador-defletor já se podia dispensar a tela especial, que até então só era capaz de retratar as naves dos laurins.

De repente certo número de minúsculos sóis atômicos surgiram no espaço eternamente vazio. Cada um desses sóis representava uma nave destruída. Todavia, não se sabia de quem era a nave.

— Dezesseis! — disse Bell, que havia contado as nuvens atômicas.

Logo depois chegou uma mensagem de telecomunicação, na qual se informou a destruição de todas as naves dos laurins. As naves terranas não haviam sofrido nenhuma perda ou avaria.

— Nosso plano logo vai entrar numa nova fase — disse Rhodan.

Será que o início da nova fase estava sendo marcado pela mensagem simbólica que estava sendo recebida naquele momento e começava a ser decifrada?

 

A Teodorico encontrava-se a cinco quilômetros da nave cúbica mais próxima. Os cinco veículos fragmentários estavam cercados de todos os lados pelas naves esféricas. E os potentes holofotes dos couraçados terranos iluminavam todas as suas faces.

As gigantescas torres de canhões de radiações da Teodorico, apontadas para a nave pos-bi mais próxima, estavam prontas para disparar. Bastava um minúsculo sinal positrônico para que os raios de vários metros de espessura caíssem sobre a nave fragmentária.

Na sala dos mutantes estavam reunidos os telepatas e os teleportadores. Os capacetes pressurizados de seus trajes voadores estavam fechados. John Marshall usou o capacete de rádio para transmitir as últimas instruções. Gucky estava sentado num canto. Parecia muito aborrecido e não exibia nem um pedacinho de seu dente-roedor. Não respondia aos que lhe dirigiam a palavra. Recorreu à telepatia para comunicar a John Marshall que estava com muita raiva.

Sentiu-se injustiçado, por ter sido deixado para trás. Recebera ordem para não entrar em ação. E não conseguiu que Perry Rhodan lhe dissesse por quê.

Cada teleportador deveria levar três telepatas a uma nave fragmentária. Uma vez lá, os telepatas deveriam verificar se a nave era amiga da vida biológica ou hostil à mesma, ou então, se era uma nave de estrutura de comando instável, na qual às vezes predominava a substância plasmática, e outras vezes o dispositivo hiperimpotrônico.

Marshall deu o sinal para o início dos saltos de teleportação. Perry Rhodan acompanhou a operação pelo rádio.

Ras Tschubai, o africano, teleportou-se com Fellmer Lloyd, que era o telepata mais importante, à nave fragmentária número dois. Chegaram em quatro ao centro de comando do plasma, são e salvos. Os três mutantes imediatamente formaram um bloco mental, enquanto Tschubai lhes dava cobertura com as pesadas armas portáteis.

Na sala de comando não se via nenhum dos feios robôs pos-bis. Quantidades enormes de plasma estavam guardadas embaixo de seis abóbadas. Constituíam o comando supremo. Até o momento em que Perry Rhodan e Atlan puseram fora de ação a programação do ódio no Mundo dos Duzentos Sóis, havia um equilíbrio perfeito de forças entre o centro de plasma e o dispositivo hiperimpotrônico, mas atualmente as relações entre os dois centros de comando do mundo de plasma deviam ser bastante instáveis. As coisas chegavam a tal ponto que, em quase todas as naves fragmentárias, tripuladas por pos-bis, ora estes demonstravam disposições amistosas para com a vida biológica, ora se mostravam hostis à mesma, conforme o comando fosse exercido pelo plasma guardado nas abóbadas ou pelo comando hiperimpotrônico. Eram inimigos mortais entre si. O exemplo mais flagrante desse estado de coisas era Frago, onde os pos-bis lutaram uns contra os outros até destruir aquele mundo.

No curso da operação, os telepatas de Rhodan deveriam verificar se as cinco naves cúbicas estavam em mãos do plasma celular amigo da vida biológica.

Tako Kakuta, que dirigiu-se à nave fragmentária número quatro com mais três telepatas, foi o primeiro a voltar à Teodorico juntamente com sua equipe. Seu relato apenas consistiu nestas palavras:

— Nenhum incidente.

O robólogo Moders e mais alguns colegas também ouviram as informações prestadas pelos três telepatas. Nesse meio tempo, regressou o grupo comandado por Ras Tschubai. Quando a última equipe se encontrava novamente a bordo da nave capitania, não havia mais a menor dúvida de que os pos-bis e os comandantes feitos de biossubstância não representavam o menor perigo para os humanos.

Os especialistas em linguagem simbólica estavam redigindo a primeira mensagem de rádio a ser expedida às naves fragmentárias. Rhodan realçara que, em hipótese alguma, se poderia permitir que houvesse qualquer mal-entendido com o plasma.

A bordo da Teodorico três mil homens estavam preparados para entrar em ação. Formavam o maior comando especial de toda a história da nave capitania. Os homens haviam sido treinados para a tarefa por meio de uma série ininterrupta de ações. A indústria terrana e arcônida havia criado aparelhos especiais, experimentara-os, abandonara certos modelos e iniciara a produção em série de outros.

A diretiva era esta: não levar nenhum robô.

Rhodan e Atlan receavam que a eliminação da programação do ódio no Mundo dos Duzentos Sóis desencadeara uma série de acontecimentos que nem sequer haviam sido considerados pelos construtores de Mecânica. Sua intenção fora transformar o centro de plasma num amigo da Humanidade, mas provavelmente sua atuação enfraquecera o plasma e sem querer fortalecera o dispositivo hiperimpotrônico. Mas não conseguiam compreender o motivo por que haviam surgido esses efeitos.

Também não se saberia dizer se os pos-bis, que continuavam ativos no Mundo dos Duzentos Sóis, ainda veriam nos robôs dos terranos manifestações da verdadeira vida. Por isso preferira-se não levar as máquinas de guerra que obedeciam a um comando positrônico.

A nave fragmentária número um parecia conduzir a frota. Seu hipertransmissor já havia irradiado a resposta, enquanto a mensagem dos terranos ainda estava sendo transmitida.

Disse que concordava em acolher o comando terrano, juntamente com os dois cruzadores da classe Cidade e trinta jatos espaciais. A mensagem simbólica concluiu com um pedido enfático de ajudar o interior, que se encontrava em situação muito difícil e estava próximo ao esgotamento total.

Os simbolistas de Rhodan começaram a transpirar. Deveriam redigir em poucos minutos a resposta à mensagem do comandante de plasma. E essa resposta deveria incluir o pedido de abrir as eclusas para receber as espaçonaves e os jatos espaciais.

— Estou curioso para ver o resultado.

Bell não conseguiu resistir ao desejo de proferir estas palavras.

Será que havia alguém que não estivesse?

A gigantesca tela de visão global mostrou a bizarra face frontal da nave fragmentária número um. O pedido de abrir as comportas já devia ter chegado lá.

— Meu Deus! — exclamou .Atlan em tom de espanto quando alguma coisa se abriu na nave fragmentária. A abertura foi crescendo cada vez mais. — Ali pode entrar uma nave de quinhentos metros!

Atlan não estava exagerando.

Nenhum olho humano jamais havia visto uma eclusa desse tamanho numa espaçonave. As outras quatro naves cúbicas também mostraram as gigantescas comportas abertas. Os holofotes das naves terranas iluminaram os pavilhões escuros e puseram à mostra compartimentos de carga que bem poderiam ser designados como enormes catedrais.

Perry Rhodan e Reginald Bell entreolharam-se.

— Tudo em ordem, gorducho. Assim que conhecer a posição do Mundo dos Duzentos Sóis, você nos seguirá com as naves. A viagem será realizada pela forma que combinamos, aconteça o que acontecer.

— Não se preocupe, Perry. Cuidem bem de vocês. Não quer levar mais uma espaçonave? Essas caixas espaciais têm espaço de sobra.

— Já pensei nisso, mas resolvi não levar outra nave. Mais alguma coisa, gorducho?

— Tudo bem!

— Até a vista... no Mundo dos Duzentos Sóis!

— Até lá...

Atlan limitou-se a cumprimentá-lo com um aceno de cabeça. Bell viu os dois homens mais poderosos da Galáxia saírem da sala de comando.

Mais uma vez tudo estava em jogo. Pretendia-se fazer com que o centro de plasma se transformasse num amigo da Humanidade da Via Láctea, a fim de dominar, com seu auxílio, o perigo dos laurins.

Os terranos deixaram de usar três das cinco naves dos pos-bis. Tudo podia ser acomodado facilmente em duas naves fragmentárias.

Rhodan avisou pelo mini comunicador que chegara bem com a X-l. O segundo cruzador, que se encontrava no enorme hangar da nave fragmentária número dois, constituía uma exceção no que dizia respeito à designação. Ao contrário das outras três mil espaçonaves, tinha um nome: Gauss. E esse nome revelava a tarefa que deveria cumprir...

Breves mensagens de rádio foram trocadas. Bell informou que, dentro em breve, voltariam a entrar em contato com o comandante de plasma do número um, ao qual seria enviada uma longa mensagem simbólica. Estacou em meio à frase.

Rhodan e Atlan, que se encontravam na pequena sala de comando da X-l, desconfiaram de que alguma desgraça tivesse acontecido. Todos os aparelhos de rastreamento da X-l estavam ligados. Restava saber se funcionariam perfeitamente no hangar em forma de catedral. De repente alguém disse às suas costas:

— Se isso não foi alguma localização estrutural, então não sei de mais nada.

O arcônida virou-se apressadamente para o homem que acabara de dizer essas palavras.

— O senhor realmente constatou...?

Foi interrompido pela voz de Reginald Bell, transmitida pelo intercomunicador.

— Bell chamando a frota. Rechaçar as naves pos-bis que se aproximam para a coordenada amarela. Se houver resistência, ou se abrirem fogo de radiações, atirem com todas as armas.

Naquele momento Atlan e Rhodan sentiram-se como prisioneiros.

Nem por um instante Bell conseguiu deixar de pensar no comando de três mil homens que se encontrava a bordo das duas naves dos pos-bis. De repente viu na tela onze caixas espaciais e pôde observar sua rota.

— O que acha, Jefe?

Depois de hesitar um pouco o epsalense falou:

— Não vejo nada de bom. As cinco naves fragmentárias com que entramos em contato nem aludiram ao fato de que outras naves do Mundo dos Duzentos Sóis estão a caminho... Olhe! Estão atirando!

Da C-100, na qual se encontrava o comandante da esquadrilha C, veio uma informação:

— As naves pos-bis que nos atacam não possuem campo relativista. Cada uma delas está sendo atacada por oitenta unidades nossas.

— Nesse caso não vai sobrar muita coisa deles — disse Bell.

Perry Rhodan colocou de prontidão todos os telepatas e teleportadores disponíveis na X-l.

— Saltem para a sala de comando. Tentem...

Foi interrompido pelo chamado de Bell.

— Os mutantes da esquadrilha C constataram que as naves pos-bis que se aproximam são hostis à vida biológica. Não perceberam o menor sinal de um impulso sentimental plasmático. Ao que parece, as naves obedecem ao comando hiperimpotrônico.

Cerca de novecentas naves terranas de tipo especial precipitaram-se sobre os onze cubos, que abriram fogo com os perigosos raios conversores. Acontece que as naves fragmentárias pertencentes à raça dos pos-bis, que eram quase indestrutíveis enquanto protegidas pelos campos relativistas, naquele momento se haviam tornado extremamente vulneráveis. Nenhuma das naves parecia estar em condições de gerar um campo relativista. Os instrumentos dos terranos não registraram o menor sinal do mesmo.

Sob o fogo concentrado de novecentos cruzadores, os gigantescos cubos espaciais desfizeram-se em nuvens incandescentes, cuja luminosidade se tornava cada vez menos intensa, enquanto se espalhavam para todos os lados.

A luta durou mais de trinta minutos. Cinco naves esféricas terranas, atingidas pelo fogo inimigo, anunciaram sua saída e tentaram chegar sem auxílio à distante Via Láctea.

Bell voltou a chamar pelo rádio.

— O plasma da número um informa que os levará ao verdadeiro interior. Parece que a coisa vai começar.

No mesmo instante, as comportas das cinco naves fragmentárias fecharam-se com um ruído ensurdecedor.

— Parece que a viagem vai ser muito promissora — disse Atlan numa observação cheia de intenções...

No mesmo instante os neutralizadores de pressão da X-l entraram em funcionamento. A nave cúbica estava acelerando.

 

Os três mil homens pertencentes ao grande corpo expedicionário, alojados em duas naves dos pos-bis, não estavam inclinados a inspecionar os gigantescos hangares das naves que os haviam acolhido. Todos eles se achavam preparados para algum tipo de surpresa. A história das experiências pelas quais Atlan passara numa nave robotizada, que voou de Frago à Terra quando os laurins desenvolviam sua ação selvagem em nosso planeta, era conhecida em toda a Galáxia. Dizia-se que as naves cúbicas não possuíam neutralizadores de pressão, e que suas transições eram acompanhadas por grandes sofrimentos físicos.

Todos se sentiam muito tensos enquanto esperavam a primeira transição.

Mas a mesma não ocorreu. A desmaterialização não se verificou. Rhodan e Atlan começaram a desconfiar da aparelhagem da X-l. Todos os cientistas em hiperespaço, todos os entendidos na mecânica das transições, aqueles que dominavam a Matemática, foram convocados para a pequena sala de comando.

Mais uma vez Rhodan apresentou uma tarefa quase impossível aos homens.

Conceitos abstratos foram emitidos.

Uma discussão acalorada foi travada pelos entendidos. Lançou-se mão das velhas teorias do campo de Einstein, bastante ampliadas. O Dr. Plumon soltou uma gargalhada e disse:

— Isso nunca serviu para explicar as partículas elementares ou os campos eletromagnéticos. O que adianta falar nesse ponto?

Jak Kingsten, um geometrodinâmico, respondeu com a voz zangada:

— O senhor não compreendeu o que eu quis dizer, colega. O ponto de partida de minha exposição foram as teorias dos campos, mas meu raciocínio não se baseou nas mesmas.

A discussão era cada vez mais apaixonada. Rhodan sorriu, pois sabia perfeitamente que, apesar de tudo, o problema seria resolvido num trabalho de equipe.

E foi exatamente o que aconteceu.

O geometrodinâmico Kingsten foi o porta-voz do grupo.

Resumiu sua exposição:

— Os pos-bis nos estão mostrando um novo tipo de vôo pelo hiperespaço. Utilizam as curvaturas modificáveis no tempo de um mundo espaço-temporal que em si é vazio. Provavelmente, no momento, a nave fragmentária se desloca entre duas saliências, atravessando a variável com aproveitamento das linhas de força, que, numa extremidade, têm carga positiva e, na outra, carga negativa. Se as duas saliências entram em contato nas extremidades superiores, surge um vazio no mundo espaço-temporal, que por isso mesmo recebe outra curvatura cuja dimensão no momento não pode ser determinada.

“E esse elemento momentâneo produz um deslocamento da nave. Dali se conclui que os pos-bis dominam perfeitamente a geometrodinâmica, enquanto nós ainda estamos labutando com fenômenos inexplicáveis. Os senhores concordam com o que acabo de dizer, colegas?”

Concordaram.

A discussão dos geometrodinâmicos fez com que Atlan se lembrasse da evolução de seu povo. Recostou-se na poltrona anatômica e fitou Perry Rhodan. Este sentiu que Atlan queria dizer-lhe alguma coisa.

— O que é? — perguntou.

— Há três mil e quinhentos anos meu povo arquivou a geometrodinâmica — disse Atlan, em tom pensativo. — Muita coisa deixou de ser completada na fase de decadência. Bloqueamos nosso caminho para o futuro.

— Isso é obra do destino, Atlan — disse Rhodan.

— O destino não pode servir de desculpa. Nem sequer constitui uma explicação válida. O fato é que os arcônidas falharam perante a História — disse Atlan, amargurado.

Rhodan estacou. Mas logo respondeu.

— Não concordo com a afirmativa de que seu povo tenha falhado perante a História, almirante. Se o destino confiou aos arcônidas a tarefa de abrir caminho para outras raças, neste caso os arcônidas cumpriram sua missão.

Atlan levantou-se e fitou Rhodan em cheio.

— Nunca encarei a evolução de meu povo sob este ponto de vista. Barfur, é graças a você que posso orgulhar-me novamente de minha origem arcônida...

Um brilho estranho surgiu em seus olhos. Retirou-se apressadamente da sala de comando. Naquele momento Rhodan compreendeu que sua observação provocara uma forte comoção interna no arcônida.

Nesse meio tempo, o franzino Tako Kakuta havia realizado por conta própria alguns saltos para diversos compartimentos da nave fragmentária. De repente surgiu diante de Rhodan em meio a um tremeluzir. Abriu o capacete e soltou um suspiro de alívio.

— O senhor deveria ouvir o barulho infernal no interior da nave cúbica, chefe — disse. — Não consigo livrar-me da impressão de que esta caixa é uma gigantesca caldeira, cuja válvula reguladora está entupida. Receio que tudo vá pelos ares.

Rhodan fitou o japonesinho com uma expressão pensativa. Tako Kakuta nunca soltara observações que a um exame mais atento se mostrassem sem fundamento.

— Onde esteve. Tako?

— Onde, chefe? — repetiu Tako bastante abatido por não estar em condições de dar uma resposta precisa a esta pergunta. — Acho que estive no centro de máquinas. Mesmo com os microfones externos desligados, as ondas sonoras me atingiram com a força de uma tormenta. Nunca passei por uma experiência igual a esta.

Rhodan lembrou-se das experiências pelas quais Atlan passara ao ser levado de Frago ao sistema solar com um grupo de cinco terranos. Naquela oportunidade os homens também foram atingidos por uma insuportável cortina sonora. Mas, quando o volume dos microfones foi reduzido, tornou-se suportável.

— Vou dar uma olhada nisso — Rhodan levantou-se, mandou que o imediato da X-l tomasse seu lugar, fechou o capacete espacial e segurou os ombros do teleportador. No mesmo instante, os dois desapareceram.

No segundo que se seguiu à rematerialização, Rhodan cambaleou.

— Meu Deus! — gritou e desligou os microfones externos.

Tako Kakuta não exagerara. As misteriosas máquinas dos pos-bis realmente ameaçavam explodir. O barulho infernal não poderia ser mais intenso.

Rhodan fez um sinal para o teleportador. Kakuta saltou com o administrador da gigantesca sala de máquinas com seus conjuntos bizarros e revirados. Dali a pouco, os dois apareceram na sala de comando da X-l.

Rhodan transmitiu um aviso pelo sistema de intercomunicação:

— Preciso imediatamente de alguns especialistas capazes de formar um juízo sobre os propulsores dos pos-bis.

Quinze minutos depois, doze homens estavam prontos para entrar em ação. Kakuta e Ras Tschubai usaram a teleportação para transportá-los. Rhodan acompanhou o salto.

Viu os rostos apavorados dos cientistas. Os instrumentos montados e ligados pelos mesmos foram empurrados nervosamente de um lado para outro. Um medo inexplicável pareciam impulsioná-los, enquanto trabalhavam nos aparelhos.

— Calma, senhores! Por aqui não nos poderá acontecer nada que não aconteça também aos homens que se encontram na X-l e nos jatos espaciais.

Estas palavras eram um consolo muito débil, mas apesar disso as palavras de Rhodan não deixaram de produzir seu efeito.

Os primeiros resultados foram obtidos. Alguns ponteiros subiram vertiginosamente pelas escalas, bateram no obstáculo superior e entortaram-se. Resistências arcônidas foram incluídas nos circuitos e as regulagens foram modificadas. Realizaram-se novas modificações. “O caldo ainda era muito grosso”, segundo diziam os especialistas. Realizou-se mais uma série de medições.

Rhodan ouviu por várias vezes as seguintes frases transmitidas pelo rádio de capacete:

— Isso não pode estar certo. Nem mesmo uma máquina pos-bi agüentaria. Todas elas estão submetidas a uma sobrecarga de trezentos a quinhentos por cento.

Depois de dez minutos, o barulho tornou-se insuportável. Todos mostravam sinais de cansaço. Rhodan deu sinal para o salto de regresso. Quando se encontravam novamente na pequena sala de comando, alguns cientistas soltaram suspiros de alívio.

Rhodan deixou que se recuperassem. Finalmente apresentaram o relatório.

A opinião dos especialistas era unânime. As máquinas da nave dos pos-bis estavam sendo submetidas a uma grande sobrecarga.

Os geometrodinâmicos ainda se encontravam na sala de comando. Acompanharam atentamente a exposição. Jak Kingsten pediu a palavra.

— Isso não é de admirar, chefe. Um vôo através de uma curvatura modificável no tempo exige uma quantidade adicional X de energia. E nossa tecnologia ainda não está em condições de gerar essa energia X, por maior que seja o conjunto de máquinas utilizado.

Rhodan fitou o cientista com uma expressão de incredulidade.

— Isso não é uma brincadeira, mister Kingsten?

Kingsten estremeceu levemente e disse:

— Nem penso em fazer brincadeiras, sir. No momento não estamos em condições de fazê-lo.

— Em outras palavras, Kingsten, os maquinismos geradores de energia dos pos-bis são menores, mas mais potentes que os nossos. Não é isso?

— Certo. Mas sua potência ainda não basta para que possam atravessar o campo de curvatura sem sofrer avarias.

Os olhos de Rhodan iluminaram-se.

— Isso me deixa um pouco mais tranqüilo. Vamos fazer votos de que nossa nave fragmentária não vá pelos ares durante o vôo para o Mundo dos Duzentos Sóis.

 

As naves fragmentárias saíram do espaço dobrado sobre si mesmo com suas curvaturas variáveis no tempo, sem mostrar o menor sinal de transição ou graduação. De repente os mostradores dos velocímetros graduados em anos-luz, que haviam permanecido imóveis por tanto tempo, deram um salto.

Rhodan viu que a velocidade baixava lenta mas seguramente. Há pouco as naves cúbicas desenvolviam oitenta e cinco por cento da velocidade da luz, e agora só se deslocavam a setenta e seis por cento dessa velocidade. Rhodan deu o alarma. Já se tornara possível novamente comunicar-se com a segunda nave dos pos-bis, onde estava abrigada a outra metade do corpo expedicionário com a nave Gauss e vários jatos espaciais. Seu alarma fez com que os homens que se encontravam por lá também corressem para seus postos.

Ao atingir trinta e cinco por cento da velocidade da luz, a gigantesca eclusa do hangar abriu-se. Isso não produziu nenhuma alteração no quadro ótico. Foi pelos instrumentos da X-l que Rhodan concluiu que as objetivas de televisão da nave esférica só atingiam a escuridão eterna do vazio intergaláctico.

A nave cúbica parecia ter feito um giro. Do lado direito, o negrume foi substituído por uma débil luminosidade, que parecia caminhar na direção do centro de abertura da comporta. Do lado direito, esta não era redonda, nem possuía outra forma geométrica definida. Essa parte poderia ser comparada com o rombo de uma lata de conserva que se abrisse em ziguezague, em virtude de uma violenta explosão.

Aquilo era uma obra do pragmatismo dos robôs. Mas nem mesmo Van Moders compreendeu a finalidade daquilo.

O alarma desencadeado por Rhodan fez com que Atlan corresse para a sala de comando e sentasse a seu lado. Segurou o braço de Rhodan.

— Chegamos, bárbaro!

A nave encontra-se sobre o Mundo dos Duzentos Sóis.

Mal acabou de proferir estas palavras, um dos duzentos sóis atômicos que se encontravam a uma distância de 100 mil quilômetros do equador do planeta entrou no campo de visão.

Depois de um breve aquecimento, os motores a jato da X-l foram regulados para a decolagem rápida e postos a funcionar em ponto morto. Uma luz verde acendeu-se no painel de instrumentos. Depois, outras. Os chefes de grupo dos comandos a serem transportados nos jatos espaciais foram comunicando seu estado de prontidão. A Gauss, que se encontrava no interior da outra nave fragmentária, transmitiu o aviso em nome de todas as unidades que se achavam no gigantesco hangar.

Rhodan transmitiu uma advertência.

— Durante a tentativa de pousar no Mundo dos Duzentos Sóis deveremos contar com um poderoso fogo defensivo dos robôs hostis à vida biológica. Desviem-se desse fogo, sempre que isso seja possível. Só atirem numa situação de extrema emergência.

Nesse momento, os telepatas chefiados por John Marshall entraram em contato com Rhodan. A mensagem comoveu Perry, embora já tivesse sido informado por meio de algumas mensagens simbólicas que o centro de plasma, bastante debilitado, travava uma luta de vida ou morte com o cérebro hiperimpotrônico.

Os telepatas disseram que tinham ouvido o cérebro de plasma choramingar.

Rhodan agiu imediatamente. Eventuais perguntas a serem dirigidas a Marshall poderiam ficar para depois. Inclinou-se em direção ao microfone.

— O chefe chamando todos os comandantes. A ordem de entrar em ação é revogada. Permaneceremos no interior das naves fragmentárias até que estas pousem no Mundo dos Duzentos Sóis. Fim da mensagem.

Empurrou o microfone para o lado, virou a cabeça e perguntou:

— O conversor de símbolos está pronto para entrar em funcionamento?

— Tudo preparado, sir.

Rhodan achou que o ambiente da sala de comando era muito barulhento.

— Quem não tem nada a fazer por aqui, dê o fora.

Mais de dez homens saíram apressadamente da sala de comando. O silêncio costumeiro voltou a reinar.

— Irradiar a mensagem simbólica já preparada, dirigida ao centro de plasma.

Quero ser informado sobre tudo que acontecer.

Uma tremenda tensão espalhou-se por todos os cantos da X-l. Até mesmo os homens de mais sangue-frio perceberam que tinham nervos.

A mensagem simbólica dirigida ao centro de plasma foi irradiada, mas este não respondeu.

— Lá embaixo deve reinar o caos — disse Atlan, em tom sarcástico.

— Atlan — respondeu Rhodan — não consigo livrar-me da impressão de que fomos nós dois que demos origem a este caos, a esta luta entre o plasma e o cérebro hiperimpotrônico, ao paralisarmos a programação do ódio. Moders...

— Não me fale em seu Moders, bárbaro. Quando o ouço falar, às vezes tenho a impressão de que cresceu com os pos-bis. E, quando expõe suas idéias, fico com dor de cabeça. Sempre tenho de fazer um grande esforço para acompanhar seu raciocínio. Para ele, os complicados circuitos hiperimpotrônicos parecem ser a mesma coisa que o sistema nervoso central de um homem é para os médicos terranos.

— O gênio sempre representa uma carga para o ambiente em que vive, arcônida. Você conheceu Leonardo da Vinci. Levou meses conversando com ele. Lembro-me de que certa vez você me disse que, à medida que os contatos se tornavam mais intensos, estes assustavam-no cada vez mais. Às vezes, até desconfiava de que ele soubesse que você não era um ser humano, mas uma criatura vinda de outra estrela. Então, almirante? Faça o favor de estabelecer a comparação.

O arcônida balançou a cabeça.

— Moders muitas vezes representa uma carga para mim. É verdade que Leonardo da Vinci também foi. Invejo sua capacidade de encontrar, no momento adequado, os exemplos apropriados para estabelecer suas comparações. Mas não sei o que acontecerá, Perry, se um dia Moders partir de um pressuposto totalmente errôneo e nós agirmos com base no mesmo, fazendo com que o plasma e a hiperimpotrônica se transformem em nossos inimigos. Talvez os obriguemos a formar uma aliança com os laurins.

— Você acha que isso poderá acontecer por termos posto fora de ação a programação do ódio?

— Isso mesmo. Você não acha que com isso praticamos uma intervenção ilícita? Será que não destruímos uma das características dos pos-bis?

— Moders não pensa assim, arcônida. Atlan fez um gesto de desânimo.

— Desisto.

A palestra sofreu uma interrupção. A nave fragmentária em que estavam viajando teve de descrever uma curva fechada.

Do lugar em que se encontravam viram o Mundo dos Duzentos Sóis.

Era um quadro incomparável!

O planeta se parecia com Saturno II, com a diferença de que a visão era muito mais arrebatadora.

Duzentos sóis, dos quais pelo menos a metade era visível, cercavam o planeta que nem a nebulosa de Saturno, numa altura de 100 mil quilômetros, bem em cima do equador. A nave dos pos-bis aproximou-se do planeta, descendo em direção ao anel luminoso. Do lugar em que se encontravam, todos notavam que os sóis, cujos diâmetros não ultrapassavam duzentos metros, ficavam deslocados de um lado e de outro da linha equatorial, que nem os dentes de uma serra. Sua luz abrangia todo o espectro visível, mas a luminosidade de cada sol diferia da dos outros.

Eram sóis artificiais!

Representavam fontes de luz no negrume do espaço vazio. E essa luz conservava a vida do centro de plasma.

Essa maravilha fora criada por robôs, por seres mecânicos.

Em todos os compartimentos dos dois cruzadores terranos e em cada um dos jatos espaciais, os homens estavam sentados diante das telas e contemplavam o quadro colorido.

No entanto, aquele quadro maravilhoso era apenas uma ilusão. No planeta reinava o caos; os cérebros de plasma choramingavam no interior das gigantescas esferas, pois, mal e mal, estavam em condições de continuar a resistir à hiperimpotrônica.

O centro de plasma ainda não havia respondido aos chamados! O contato que os telepatas tinham estabelecido fora interrompido. Será que já estava tão debilitado que suas emanações parapsicológicas não mais podiam ser captadas?

Rhodan notou que as três naves fragmentárias sem carga que os acompanhavam permaneciam nas proximidades das outras duas cúbicas. Ao que parecia, pretendiam protegê-los.

— Atenção, chamando todos. Fechem os capacetes espaciais.

Três mil capacetes de visão global saltaram para dentro dos suportes.

As naves fragmentárias descreveram uma curva em torno do círculo brilhante formado pelos sóis e voltaram à rota antiga. O Mundo dos Duzentos Sóis parecia subir velozmente na direção em que se encontravam.

O planeta levava trinta e duas horas e três minutos para descrever um movimento de rotação em torno do próprio eixo. Em sua superfície não havia a alternância de dia e noite. Só nos pólos livres de gelo havia um leve crepúsculo. Durante sua permanência forçada no mundo dos robôs.

Rhodan e Atlan haviam enfrentando temperaturas médias bastante elevadas. A média chegava a vinte e três graus centígrados.

Viam-se dois dos três grandes continentes.

As naves fragmentárias precipitavam-se sobre seu planeta de origem, o altímetro da X-l indicou 43 mil quilômetros. O Mundo dos Duzentos Sóis parecia inchar que nem um balão no qual o gás está sendo injetado a grande velocidade. O negrume do espaço vazio que separa as duas galáxias foi recuando. Todos se sentiam mal diante da idéia de encontrar-se num mundo inundado de luz, e de estar ao mesmo tempo na escuridão do espaço intergaláctico.

— Por que será que os robôs abriram a comporta? — perguntou Rhodan, dirigindo-se ao arcônida.

— Há muito tempo estou refletindo sobre isso, bárbaro. O que acontecerá quando, ao penetrarmos nas camadas mais densas da atmosfera, houver o movimento de sucção? Os jatos espaciais serão arrastados para fora como se fossem folhas secas. Como estão os campos relativistas?

— Não se nota o menor sinal dos mesmos. Isso me deixa assustado. Tenho a impressão de que o vôo sem a proteção do envoltório energético representa um verdadeiro suicídio. Bem que gostaria de saber por que, de repente, todas as naves fragmentárias passaram a voar sem os campos defensivos.

— Até parece que você se interessa muito mais por esses campos que pelos raios conversores — disse o arcônida, em tom irônico.

— Com toda razão, almirante. Não acuamos nem mesmo uma teoria capaz de explicar um campo relativista capaz de provocar um deslocamento de até dez horas no futuro, e que assim torna invisível a nave que se encontre em seu interior. Por isso mesmo não consigo compreender por que, de repente, esses campos deixam de ser criados.

O altímetro indicou a marca dos 14.500 quilômetros. As naves fragmentárias planavam quase na vertical e seguiam exatamente no rumo oeste. Embaixo deles o Mundo dos Duzentos Sóis parecia girar cada vez mais rapidamente. O terceiro continente surgiu diante de seus olhos. As gigantescas vagas tangidas pela tormenta quebravam-se contra a costa íngreme de mais de dois mil metros de altura. O excelente sistema de ampliação do sistema televisor permitia que, no interior da X-l, se reconhecessem todos os detalhes. Para o interior, a montanha ia descaindo e transformava-se numa planície cortada por rios e dividida por gigantescas florestas. Bem longe, os contornos de uma grande cadeia de montanhas surgiram em meio ao azul.

— Falta pouco para chegarmos — disse o arcônida, que acabara de reconhecer o continente em que já haviam estado.

As boas-vindas foram típicas da hiperimpotrônica!...

De repente uma grade de radiações surgiu no espaço. Vinha do continente ao qual se dirigiam.

Eram raios conversores dos pos-bis disparados pelas fortificações robotizadas e controlados pelo cérebro hiperimpotrônico.

— Estamos numa armadilha! — gritou Atlan, exaltado.

No mesmo instante, a gigantesca escotilha do hangar em que se encontravam fechou-se. Ao que parecia, a nave fragmentária realizara uma mudança rápida de rumo. Os homens só podiam fazer suposições.

— Sir, ainda não recebemos resposta do centro de plasma — informou o setor de rádio pela quarta vez.

Rhodan lançou mão de suas faculdades telepáticas pouco acentuadas para entrar em contato com John Marshall.

— John, como estão os contatos com o centro de plasma?

— A duração de nossos “encontros” telepáticos é de apenas alguns segundos. Os impulsos que conseguimos captar levam-nos a recear o pior. Suas características principais são o medo, a angústia, a fraqueza. A biossubstância sabe que estamos chegando mas, ao que parece, não está em condições de tomar qualquer iniciativa.

Rhodan transmitiu ao arcônida a informação que acabara de receber de Marshall.

— Em compensação a ação do cérebro hiperimpotrônico é muito energética — constatou Atlan, contrariado. — Como estarão as coisas lá fora?

Rhodan preferiu ficar calado. De qualquer maneira, não poderiam fazer nada. O hangar em forma de catedral transformara-se numa prisão.

De repente, a gigantesca comporta abriu-se. A luz dos numerosos sóis penetrou no compartimento de carga. A nave cúbica cruzara sobre o continente, a alguns quilômetros de altura. Não se via o menor sinal de fogo de radiações.

— Sir — disse alguém que se encontrava na sala de rádio da X-l — o plasma está transmitindo com uma potência muito fraca.

No mesmo instante, Rhodan recebeu a mensagem telepática de Marshall:

— Acabo de estabelecer contato com o centro de plasma. Nossos paraimpulsos procuram exercer um efeito estimulante sobre o plasma.

O conversor de símbolos já havia concluído a tradução da mensagem de hiper-rádio das massas de plasma. Rhodan pegou as folhas de plástico e leu-as juntamente com Atlan. Estava cheio de maus pressentimentos.

Uma vez concluída a leitura, os dois olharam para fora. A nave fragmentária na qual se encontravam dispôs-se a pousar. Rhodan inclinou-se em direção ao microfone.

— Preparem-se para uma saída-relâmpago — disse. — Temos de contar com a possibilidade de que a qualquer momento o cérebro hiperimpotrônico assuma o comando geral. Devemos estar preparados para atos hostis dos pos-bis.

Quando o gigantesco cubo tocou o solo, foi sacudido por um ligeiro solavanco. No mesmo instante, a nave esférica X-l, de cem metros de diâmetro, ergueu-se no interior do gigantesco compartimento de carga e flutuou em direção à comporta. Bastaria que o oficial do centro de controle de tiro calcasse o botão vermelho para que as torres de canhões da nave espalhassem a destruição. A X-l foi se aproximando ininterruptamente da grande abertura, entrecortada nas bordas. O campo de visão dos homens da sala de comando crescia cada vez mais.

A manobra de saída no Mundo dos Duzentos Sóis estava sendo iniciada.

 

A Gauss foi saindo da nave fragmentária número dois. Assim que ultrapassou a comporta de carga, a nave subiu com uma aceleração incrível e desapareceu no céu ligeiramente nublado, em direção ao anel formado pelos sóis.

Se uma decolagem desse tipo fosse realizada na Terra, a mesma daria origem a severas medidas punitivas do quartel-general da Frota. Já iam longe os tempos em que Bell realizava decolagens e pousos de emergência, fazendo estremecer metade da cidade de Terrânia. Mas aqui o Major Hal Mentor agia rigorosamente em conformidade com as ordens recebidas.

Os jatos-propulsores foram forçados ao máximo de sua capacidade. No interior da pequena nave, os neutralizadores de pressão bramiram. Os velocímetros dançavam em direção a marcas cada vez mais elevadas. Quando se encontrava uns dez mil quilômetros ao sul do anel dos sóis, a Gauss ultrapassou o limite dos 100 mil quilômetros. Pouco depois entrou no semi-espaço, atravessou a zona de libração num veloz vôo linear e retornou ao espaço normal a uma distância de um ano-luz.

O comando a bordo da nave estava sendo exercido pelos cosmonautas. A distância que separava a nave do Mundo dos Duzentos Sóis foi determinada com a maior precisão. A Gauss encontrava-se longe demais. Aproximou-se três minutos-luz do planeta dos sóis artificiais, que se tornara quase invisível em meio à escuridão, muito embora a ampliação tivesse sido regulada para o máximo.

— A Gauss está na distância exata.

O Major Mentor virou a cabeça e fitou Luigi Telarini. O especialista de rádio italiano ocupava um lugar na sala de comando. A Gauss era diferente de qualquer outra nave da frota terrana ou arcônida. A nave de cem metros de diâmetro era uma gigantesca estação de rádio. Nem mesmo as naves da classe Império possuíam os equipamentos de hiper-rádio, goniometria e localização que se encontravam a bordo da Gauss.

— Hu-Tung! — gritou Telarini.

Atrás dele, um homem de traços tipicamente mongolóides levantou a cabeça.

— O instrumento de ultra precisão está funcionando.

Telarini concentrou-se no seu trabalho. A tarefa que lhe fora confiada envolvia uma grande responsabilidade. Os hipertransmissores da Gauss deviam enviar impulsos inalteráveis para a Via Láctea e para as três mil unidades do destacamento especial que se mantinham à espera nas proximidades de Frago. Tanto as estações de radiogoniometria do tipo Globus, como a frota que se mantinha de prontidão para partir a qualquer momento, conheciam o volume energético da transmissão. Os aparelhos de ultra precisão permitiam às estações receptoras medir o percentual de perda de energia que as ondas de hiper-rádio haviam sofrido no percurso. Ao mesmo tempo estavam em condições de ajustar os aparelhos e fazer com que os computadores positrônicos calculassem a distância que separava o Mundo dos Duzentos Sóis dos limites da Galáxia.

A operação de ajuste dos aparelhos de ultra precisão assumia uma importância extraordinária. Se fosse bem-sucedida, no futuro se poderia determinar, por meio de um estudo comparativo da intensidade dos hiperimpulsos recebidos, qual era a profundidade espacial da qual vinham as ondas, uma vez conhecida a intensidade de saída.

O maior hipertransmissor construído por seres humanos começou a funcionar a bordo da Gauss, mas suas antenas ainda não estavam irradiando em nenhuma faixa. Numa manobra complicada a nave-rádio foi girada e parou na posição em que os setores de F a P de sua superfície esférica ficavam voltados na direção da Via Láctea, que parecia um disco gigantesco a flutuar no nada.

Esse trabalho consumiu três horas. Vez por outra, alguém soltava um gemido abafado. Parecia que nada queria dar certo. Às vezes, a Gauss girava muito para a direita, depois muito para a esquerda. De repente, a vertical ficou fora de prumo, e depois tornou-se necessário voltar a chamar os cosmonautas, a fim de conferir mais uma vez a distância que separava a nave do mundo do plasma.

— Até parece que somos os primeiros homens que atravessaram um açude num tronco de árvore — disse um dos cosmonautas.

Luigi Telarini não deixou que isso o perturbasse. Constantemente mandava fazer controles e medir a intensidade dos impulsos. De repente falou:

— Ah, temos um desvio de zero vírgula zero zero zero zero vinte e cinco por cento.

Hu-Tung confirmou e gritou:

— Já descobri o erro! O catodo L não suporta a carga a que está sendo submetido e mostra um campo de disseminação na curva do seno!

— Onde? — perguntou Luigi Telarini, nervoso.

Novas medições foram realizadas. A quarta hora passou. Preocupado, o Major Mentor perguntou a si mesmo como estariam as coisas no Mundo dos Duzentos Sóis. Recebera ordens expressas de não usar o rádio e por isso não podia formular nenhuma indagação a esse respeito.

Pouco antes do fim da quinta hora, os repetidos controles indicaram os mesmos resultados. Os setores F a P da Gauss apontavam diretamente para a Galáxia distante. Por enquanto nenhum ser humano sabia a que profundidade haviam penetrado no espaço intergaláctico.

— Fazer a transmissão!

Foi o último comando. Hu-Tung moveu a chave. Os hipertransmissores superpotentes da Gauss irradiaram o raio vetor.

Será que os satélites radiogoniométricos do tipo Globus, postados nos limites da Via Láctea, seriam capazes de captá-lo? Será que as três mil naves do destacamento especial estacionadas nas proximidades de Frago seriam capazes de recebê-lo e medi-lo com a aparelhagem de precisão? Será que a supergigante Sosata o ouviria?

Houve um silêncio cheio de expectativa.

Dez minutos passaram-se.

Trinta minutos! Ainda não haviam recebido nenhuma resposta da Galáxia ou da nave de Reginald Bell, estacionada nas proximidades de Frago. Será que os impulsos não estavam sendo recebidos? Será que os pos-bis estavam transmitindo com aparelhos mais potentes? Será que a teoria, segundo a qual os campos de tensão do espaço cósmico são diferentes dos encontrados no espaço galáctico, era correta? Será que estes campos de tensão impediriam que as ondas de hiper-rádio saíssem do hiperespaço?

Luigi Telarini enxugou o suor da testa. Se tivesse cometido algum erro, as três mil naves já não poderiam mais segui-los, porque ninguém saberia onde ficava o Mundo dos Duzentos Sóis.

Finalmente chegou a resposta!

A estação de radiogoniometria Globus 18 não se limitou a transmitir o sinal-resposta. Marlengo, chefe do satélite, falou pelo hipercomunicador com a Gauss. O que mais interessou Telarini na mensagem de Marlengo foi a indicação do volume de energia com que as ondas de hiper-rádio haviam chegado aos seus receptores.

Reginald Bell, representante de Perry Rhodan, chamou por outra freqüência. Disse que o Mundo dos Duzentos Sóis não podia ficar muito longe. Também forneceu indicações do volume energético.

A seguir, veio a resposta de Globus 17 e 16. As estações Globus estavam postadas nos limites da Via Láctea, distando entre si cinco anos-luz. Hu-Tung já comparara os dados.

— Sir, devemos estar numa profundidade tremenda do espaço vazio. Faça o favor de examinar estes dados dos satélites. Não existe a menor divergência, nem mesmo na última casa decimal depois da vírgula... Parece que o deslocamento lateral de cinco mil anos-luz não produz o menor efeito.

Será que tinha razão? Luigi Telarini ainda não seria capaz de dizer. Introduziu todos os dados no computador de bordo, juntamente com os resultados que haviam obtido por meio do aparelho de precisão. Sabiam perfeitamente com que potência cada emissor estava transmitindo, e por isso estavam em condições de escalonar os dados a partir da base zero.

A partir da base zero! Isso significava que se admitia que todos os transmissores funcionavam com a mesma potência.

— O que está fazendo, Hu-Tung? — perguntou Telarini, inclinando-se para a frente.

— Estou ajustando nosso aparelho. Posteriormente poderemos fazer as correções que se tornarem necessárias. Existe uma circunstância que nos favorece. Dispomos de dois pontos de referência bem distantes um do outro: os satélites e a frota estacionada nas proximidades de Frago. Estou inclinado a afirmar que o Mundo dos Duzentos Sóis fica a trezentos mil anos-luz da Galáxia...

— Não fica mais longe? — perguntou Telarini.

Os homens que se encontravam na sala de comando estremeceram.

— Trezentos mil anos-luz? — repetiu o Major Hal Mentor, e adiantou-se um passo.

Nesse momento, o computador positrônico expeliu a fita perfurada. O Major Mentor estendeu a mão e pegou-a. Mais de uma dezena de pessoas o fitavam. Viram-no empalidecer. Encarou o mongol como se fosse uma das sete maravilhas do mundo:

— Como foi que o senhor soube, Hu-Tung?

Hu-Tung respondeu prontamente:

— Deduzi isso das perdas de potência, major. Será que cometi um erro muito grande?

Naquele mesmo instante, Bell, que se encontrava a bordo da nave capitania Teodorico, dirigiu-se a Jefe Claudrin:

— O chefe encontra-se no espaço vazio, a uma distância de 289.412 anos-luz da Galáxia. A Gauss está um ano-luz mais próxima.

E, a bordo da Gauss, o Major Mentor segurava a fita perfurada com os sinais codificados e leu a mesma cifra, menos um ano-luz: 289.411.

 

As tradutoras da X-l trabalhavam ininterruptamente. O contato de rádio com o centro de plasma tornava-se melhor a cada minuto que passava, enquanto a nave esférica sobrevoava os continentes, em direção ao lugar em que cerca de oitenta abóbadas agrupadas de forma irregular se erguiam até a altura de duzentos metros acima do solo.

Assim que o sistema de ampliação tornou visíveis as abóbadas notou-se que estas não apresentavam avarias aparentes à primeira vista. Os dois dirigentes soltaram um suspiro de alívio.

— Localizamos emanações energéticas! — gritou Atlan.

Lembrou-se da grade energética que poderia ser erigida numa questão de segundos em torno da área de dez quilômetros quadrados.

— Emanações energéticas normais, sir. Não constatamos a presença de campos defensivos.

Atlan e Rhodan entreolharam-se ligeiramente. Estavam pensando na mesma coisa. Quem estaria em condições de levantar a grade? Seria a hiperimpotrônica ou o centro de plasma?

Quando se encontrava a três mil metros de altura, a X-l dispôs-se a pousar. Será que a nave iria esbarrar na barreira energética?

O perigo logo ficou para trás. A nave esférica correu velozmente em direção às abóbadas de plasma.

John Marshall telepatou:

— Chefe, mantenho um contato excelente com a biossubstância. No momento a hiperimpotrônica está fora de ação.

Atlan foi informado.

— As coisas não parecem boas — disse. — Até o próprio plasma não confia nesta calma. Os jatos espaciais nos seguem, bárbaro?

A tela de visão global da X-l não mostrava o menor sinal dos jatos. Esses veículos eram comandados por Brazo Alkher. Perry Rhodan não poderia encontrar um elemento melhor para a tarefa.

Gritou uma ordem por cima do ombro:

— Indague por que os jatos espaciais não nos seguem. Há muita pressa.

No mesmo instante, Brazo Alkher chamou pelo rádio.

— Chefe, nós lhe demos cobertura pelos flancos. De repente notamos um fogo de radiações muito fraco, vindo da superfície. No momento estamos atrapalhando os pos-bis hostis à vida biológica, a fim de aliviar os robôs amigos. Aguarde notícias sobre o curso da operação. Fim da mensagem.

A X-l pousou com as colunas telescópicas de apoio escamoteadas.

As rampas desceram e as comportas foram abertas. A atmosfera do Mundo dos Duzentos Sóis era respirável pelo homem, mas a elevada temperatura média fazia com que a permanência no planeta não fosse nada agradável.

Os comandos especializados saíram da nave conforme previa o plano. Quando os primeiros homens saíram pela rampa em seus blindados pesados, os jatos espaciais voltaram a aparecer. Pararam pouco acima das gigantescas abóbadas para proporcionar a necessária cobertura. Os blindados voadores, consagrados em tantas operações e conhecidos como os versáteis, saíram do corpo da nave. Além de voar, eram capazes de atravessar rios. Mal tocaram o solo, os tripulantes entraram nos veículos, que desapareceram entre as abóbadas.

Os mutantes esperaram pelo chefe e por Atlan. Quando os dois se aproximaram pelo convés C, Marshall informou que naquele momento estava havendo uma forte oscilação na intensidade do engaste, motivo por que o bloco mental dos telepatas pouco podia fazer para ajudar o centro de plasma.

— Isso quer dizer que, dentro de alguns minutos, o cérebro hiperimpotrônico poderá assumir novamente o comando por aqui, John?

— Infelizmente temos de contar com isso, chefe.

Quando Rhodan e seus homens chegaram até a eclusa e lançaram os olhos para fora, viram por toda parte os sinais de lutas encarniçadas. Rhodan admirou-se de que as abóbadas de plástico que conseguia ver continuavam intactas.

Um jato espacial realizou um arriscado vôo entre duas abóbadas e aproximou-se da X-l. Assim que pousou, Brazo Alkher saltou, subiu correndo a rampa e parou à frente de Rhodan, um tanto esbaforido.

— Chefe, parece que por aqui as coisas não estão boas. Em toda parte há lutas entre robôs amigos e inimigos da vida biológica. Somos atacados com a mesma fúria que os seres mecânicos comandados pelo centro de plasma. Há alguns minutos uma frota de oito naves fragmentárias decolou do continente que fica em frente, com destino ao setor em que nos encontramos. Um jato espacial foi atingido por um disparo e colocado fora de ação. A tripulação só conseguiu salvar-se por uma questão de sorte...

Na direção da qual viera a X-l, ouviu-se o trovejar surdo de naves dos pos-bis que decolavam. A X-l chamou pelo sistema de intercomunicação:

— Sir, as cinco naves cúbicas que nos trouxeram acabam de decolar e afastam-se à velocidade máxima em direção ao outro continente.

Não havia a menor dúvida de que as cinco espaçonaves pretendiam enfrentar o grupo de naves hostis à vida biológica que se aproximava.

Brazo Alkher lançou um olhar indagador para o chefe, quando John Marshall disse:

— Acabamos de captar um impulso bem nítido do centro de plasma. Ao que parece, a hiperimpotrônica cortou temporária ou parcialmente o suprimento de oxigênio.

Perry logo compreendeu o que significava isso. O fato explicava a oscilação na intensidade do engaste. Mas será que correspondia integralmente à realidade, ou haveria outros fatores que interferiam na luta entre o plasma e o centro de computação?

Lembrou-se do ponto central do centro de plasma. Era um recinto em forma de gasômetro, com telhado achatado, em cujo interior ele e Atlan se haviam comunicado com a biossubstância por ocasião da permanência forçada no planeta.

O ruído surdo dos jatos das cinco naves cúbicas que acabavam de decolar cessou. Vez por outra, um jato espacial passava no alto, a fim de proteger o cruzador da classe Cidade. As pesadas plataformas blindadas e de defesa já haviam sido colocadas em ação.

Os alto-falantes instalados na eclusa mal conseguiram transmitir toda a força do grito que soou na sala de comando:

— Chefe, as oito naves pos-bis deverão chegar dentro de alguns segundos! Constatamos fortes emanações energéticas vindas de sua rota de aproximação! Provavelmente provêm de fontes de energia atômica!...

O resto da mensagem foi abafado por um barulho infernal.

De repente a grade energética cobriu as oitenta abóbadas. Os raios que a formavam uniram-se a mil metros de altura. Mas, à frente dessa grade, a terra parecia ter-se aberto. Rhodan e Atlan sabiam da existência das torres de canhões subterrâneas, equipadas com pesadíssimas instalações de raios conversores.

Não havia dúvida de que a ativação da grade energética era controlada pelo centro de plasma. Porém não se sabia quem ordenara a saída das torres de canhões.

Quatro jatos espaciais, que voavam a grande altura sobre a área de dez quilômetros quadrados em que se encontravam as abóbadas, observaram a ativação da grade energética e a saída das gigantescas torres de canhões, e imediatamente avisaram a X-l.

A sala de comando transmitiu a ligação para o sistema de intercomunicação de bordo. Em todos os cantos da nave, os alto-falantes transmitiram a palestra com o volume máximo.

— Temos de afastar-nos. Três torres de canhões estão atirando contra nós. Seguiremos na direção sul-sudoeste. Desviamo-nos de oito naves fragmentárias. Santo Deus! Todo o semicírculo leste das torres de canhões está disparando contra essas caixas. Sir, o lado leste ainda está sob o controle do centro de plasma. Ficaremos na altitude de novecentos metros, onde poderemos prosseguir nas observações.

Rhodan sorriu ao ouvir que os quatro jatos espaciais haviam descido tanto. Nessa altura as torres de canhões, comandadas pelo cérebro hiperimpotrônico, não poderiam atingi-los, pois o ângulo de tiro era muito fechado.

Três naves cúbicas passaram em disparada, a mais de quinze mil metros de altura. O ar era sacudido ininterruptamente pelos raios que se cortavam e pelas espaçonaves que corriam velozmente. Era como se alguns milhares de jatos espaciais rompessem a barreira do som.

Um sol ofuscante surgiu ao oeste. Depois de algum tempo ouviram o ruído da explosão.

Era menos uma nave fragmentária controlada pela hiperimpotrônica.

Rhodan notou o rosto preocupado de Marshall. Estabeleceu contato telepático com o mesmo. Com todo esse barulho tornava-se impossível comunicar-se pela palavra falada. Marshall respondeu:

— Chefe, não compreendo o súbito desempenho energético do centro de plasma, pois o mesmo não guarda a menor relação com os impulsos débeis que tem irradiado.

— Será que vocês reforçaram o bloco mental, John?

O chefe dos mutantes sacudiu a cabeça. Voltou a utilizar suas forças paranormais, a fim de ouvir as irradiações mentais das massas de plasma. Depois voltou a entrar em contato com Perry.

— Chefe, o tremendo desempenho energético do plasma foi como o bruxulear final de uma chama. A hiperimpotrônica está reduzindo cada vez mais o suprimento de oxigênio. Se não a fizermos voar pelos ares, o plasma morrerá.

— John, o senhor está louco!

A sugestão de fazer voar o cérebro pelos ares fizera com que Perry perdesse o auto-controle por um instante. Se destruíssem a hiperimpotrônica, estariam removendo a barreira que os pos-bis representavam para os laurins. No momento em que o cérebro deixasse de existir, cessaria a ânsia robótica de destruição, que até então obrigara os robôs a precipitar-se contra qualquer laurin que surgisse à sua frente e combatê-lo até a destruição total.

Rhodan sentiu que teria de agir muito depressa, pois, do contrário, perderia para sempre a chance de tentar conservar o centro de plasma.

Já haviam passado, de forma diferente, por uma experiência igual à que tinham pela frente, ao lidarem com o computador-regente de Árcon III. Mas, em comparação com a hiperimpotrônica, o gigantesco cérebro positrônico do Grande Império era um mecanismo inofensivo.

Rhodan arrastou o arcônida pela eclusa e levou-o a um lugar do convés em que podiam conversar normalmente.

Atlan estava nervoso.

— Perry, está na hora de os cientistas e técnicos mostrarem o que sabem fazer. Pelos deuses do Universo, nem me atrevo a pensar no que acontecerá se o plasma perecer por falta de oxigênio...

Rhodan já se encontrava no ponto de intercomunicação mais próximo.

— Moders! — gritou para dentro do microfone.

— Pois não, chefe.

Rhodan informou o robólogo em palavras ligeiras e precisas. Antes que concluísse, Moders interrompeu-o.

— Entendido, chefe! Mas o senhor ou o “mister imperador” terão de mostrar-nos o caminho.

Atlan sorriu. Aquelas palavras pareciam diverti-lo. Nunca ninguém o chamara de “mister imperador”. Só mesmo um terrano poderia atrever-se a isso.

— Moders, Atlan e eu acompanharemos seu grupo quando descer para onde estão as instalações hiperimpotrônicas. Não pense que será um passeio...

— Não se preocupe, sir. Sempre estaremos atentos, pois no Mundo dos Duzentos Sóis há perigo por todos os lados. Final. Estamos saindo em direção à eclusa principal.

Os passos de muitos homens soaram atrás de Rhodan e Atlan. Era Moders e seu grupo que saíam do elevador antigravitacional. Os teleportadores estavam com eles. Ao que parecia, o robólogo não se esquecera de nada. Mas, de repente, Rhodan estremeceu...

O professor Gaston Durand estava ao lado de Moders. E os dois conversavam como se nada tivesse acontecido.

— Parabéns, Moders! — disse Rhodan. Atlan, que não entendera as palavras cochichadas, perguntou a Rhodan o porquê desse elogio.

— Nada — limitou-se Rhodan a responder. — Apenas estava pensando em voz alta.

 

Não havia nenhuma muralha energética que protegesse a entrada das instalações subterrâneas da hiperimpotrônica. Provavelmente os construtores de tempos passados haviam instalado após a conclusão da obra uma barreira mortal que, segundo parecia, só agia contra os invisíveis.

O grupo de Moders passou pela entrada principal sem que ninguém o impedisse. Quatro blindados pesados flanqueavam os homens de ambos os lados. Todos sabiam que acabavam de penetrar no reino da potência hostil à vida biológica, e que deviam estar preparados para um confronto com os robôs que obedeciam à hiperimpotrônica.

Apesar da blindagem pesada, os veículos rolavam num silêncio surpreendente. De repente, o primeiro veículo abriu fogo com o desintegrador instalado numa cúpula móvel. Uma quina bastante saliente que ficava cem metros à frente do grupo desapareceu, pondo à vista os contornos fantasmagóricos de um grupo de pos-bis. Oito ou nove robôs nem tiveram tempo de atirar. Desmancharam-se.

Os alto-falantes do segundo blindado transmitiram uma ordem.

— Recuem imediatamente!

Os veículos que iam nos flancos do grupo adiantaram-se, pararam e formaram uma barreira que se estendia de parede a parede. No mesmo instante, os canhões de radiações começaram a cuspir fogo. Mais uma vez o alvo ficava bem ao fundo do largo corredor. Ao que parecia, só os homens sentados atrás do dispositivo ótico das armas instaladas nos blindados o haviam identificado. Rhodan, Atlan e Moders com seu grupo numeroso correram apressadamente para o ar livre.

Atrás deles ouviu-se o ruído surdo de uma explosão. Três ou quatro ligeiros abalos sacudiram o chão. De repente os blindados também saíram em alta velocidade.

— Recuem mais! — gritou a voz saída de um alto-falante.

O grupo reuniu-se atrás da abóbada de plasma mais próxima. Rhodan mandou que os oficiais dos blindados comparecessem à sua presença. Relataram os acontecimentos. Todos haviam feito as mesmas observações em seus instrumentos. Num lugar junto à parede, situado bem ao fundo do corredor, havia uma forte emanação energética prestes a irromper. Os homens haviam disparado todas as armas contra esse lugar e provocaram uma forte explosão, que fez desmoronar um trecho do corredor.

Rhodan compreendeu que a execução do plano de penetrar na hiperimpotrônica teria de ser adiada até o momento em que o cérebro se submetesse totalmente ao centro de plasma.

Moders dividiu seu grupo. Um dos componentes era Gaston Durand. O novo destino do pelotão era o centro de plasma, instalado na construção de telhado achatado que tinha a forma de um gasômetro e media quarenta metros de diâmetro.

Deslocando-se a pouco menos de um metro acima do chão feito de chapas de aço, que se juntavam sem o menor sinal de emenda, o grupo planou em seus trajes voadores entre as abóbadas de plasma de duzentos metros de altura, em direção ao centro. Cada um dos homens segurava um desintegrador pesado. Todos contavam com alguma iniciativa dos robôs hostis à vida biológica.

O gasômetro surgiu entre duas abóbadas. Rhodan e Atlan conheciam parte de suas instalações, especialmente a chamada “sala de tradução”.

Na cobertura plana havia uma antena, cuja construção apresentava sinais inequívocos dos seres de Mecânica. Em cima de cada uma das bolhas metálicas havia outra. Era claro que cada parcela do plasma podia comunicar-se com qualquer outra porção de biossubstância, e que os raciocínios desenvolvidos em conjunto eram transmitidos ao centro.

Seis jatos espaciais que quase não podiam ser vistos, mas em compensação eram nitidamente ouvidos, sobrevoaram a área a grande altitude.

Dois técnicos do grupo de Moders lançaram olhares pensativos para a confusão de tubulações retorcidas e para as instalações, que, segundo sabiam, se destinavam à transmissão de energia.

Marshall fez um sinal para Rhodan. Quatro telepatas se aproximaram do edifício principal. Marshall se separou desse grupo e se aproximou do chefe.

Não chegou a dizer uma palavra.

Um jato espacial desceu vertiginosamente bem em cima das abóbadas, com os propulsores trabalhando à potência máxima.

— Está caindo! — gritou alguém.

Um raio ofuscante saiu de uma abertura que havia no aparelho.

O jato espacial teria de abandonar imediatamente o mergulho, pois, do contrário, se despedaçaria de encontro ao solo.

Mas o aparelho continuava a descer ininterruptamente. Até mesmo Rhodan prendeu a respiração. Homens, que não se assustavam cora pouca coisa, abaixaram-se quando o jato espacial passou para a horizontal no último instante, desceu até poucos metros acima de uma das bolhas metálicas e voltou a subir loucamente.

— O que foi isso? — indagou alguém.

A resposta consistia numa tremenda explosão. Parecia que o Mundo dos Duzentos Sóis se sacudia. Houve outra explosão. Alguém atirou os braços para o alto. Será que o homem estava gritando?

Em meio à barulheira infernal não se entendia uma palavra. Mas, de repente, todos compreenderam o que significava o sinal.

— Abriguem-se! — ordenou Rhodan.

No mesmo instante, tudo parecia estourar, crepitar, trovejar em torno deles. Grandes pedaços de metal bateram contra as bolhas metálicas e contra a estrutura sólida do edifício central. Chapas de metal retorcidas e esfaceladas voavam para todos os lados, soltando faíscas. Nenhum dos homens pertencentes ao grupo de Moders acreditava que pudesse escapar com vida. Mas, de repente, tudo parou, como se aquilo fosse apenas obra de fantasmas.

O mini comunicador de Rhodan emitiu um sinal. O receptor de pulso captou uma mensagem de Brazo Alkher. Rhodan atirou o capacete espacial na nuca e ouviu a voz de Alkher:

— Atenção! Atenção! Atenção para todos! Aviso de perigo. Entre as abóbadas de plasma, o chão parece crivado de canhões de radiações subterrâneos. Dois dos nossos grupos estavam sendo ameaçados por eles. Os canhões foram postos fora de ação. Alkher. Final.

Quem realizara aquele vôo mortífero fora Brazo Alkher. Mergulhara com seu aparelho e arriscara tudo numa jogada, a fim de salvar os companheiros da morte certa.

— Está na hora! — disse Rhodan, apressadamente. — Tschubai, leve-me com Atlan para a “sala de tradução”. Marshall, mantenha contato comigo.

Dali a um segundo viram-se num ambiente que já conheciam muito bem. No mesmo instante voltaram a ouvir a voz de que não se esqueceriam tão depressa.

Era o centro de plasma que estava falando. Um aparelho fez a tradução. O centro de plasma estava pedindo oxigênio. Gritava desesperadamente por socorro. Preveniu os homens para que não se aproximassem das entradas da hiperimpotrônica.

— As energias mentais vindas de fora já não podem dar-me novas forças. O verdadeiro interior implora o auxílio que merece.

Rhodan usou sua faculdade telepática pouco pronunciada para informar John Marshall sobre aquilo que acabara de ouvir. Dessa forma, os homens que estavam esperando do lado de fora seriam imediatamente colocados a par.

Atlan formulou algumas perguntas.

O centro de plasma respondeu com a voz cada vez mais fraca. Teve dificuldades em fornecer informações técnicas.

— Onde fica o controle central do suprimento de oxigênio?

O arcônida teve de repetir essa pergunta três vezes, falando com toda energia.

Finalmente veio a resposta. O controle ficava no edifício em que se encontravam! No andar de baixo. Mas não adiantava ir para lá, pois a hiperimpotrônica o havia desligado. Deixara de funcionar há algum tempo.

Para Rhodan, as informações que acabara de receber bastavam.

Transmitiu uma ordem telepática para John Marshall.

— Os teleportadores do grupo de Moders devem entrar em ação!

Depois disso olhou para Tschubai.

— Temos de chegar às instalações que fornecem o oxigênio.

O afro-terrano confirmou com um gesto. Rhodan colocou a mão sobre seu ombro. No mesmo instante, Tschubai teleportou-se com o administrador.

Em torno deles reinava a escuridão. Rhodan ligou seu farol. Olhou para o lado e viu que o afro-terrano havia desaparecido, a fim de trazer o grupo de Moders.

— Dizem que isto aqui é um equipamento para o fornecimento de oxigênio. Como é que nos orientaremos por aqui? — perguntou Rhodan em tom de desespero e, por um momento, fechou os olhos diante das formas grotescas que via à sua frente.

Rhodan foi verificando o recinto. Depois da sexta contagem teve certeza de que o grupo que deveria trabalhar no posto de suprimento de oxigênio estava completo.

Marshall começou a falar:

— Chefe, Atlan está dando instruções. Acaba de receber outras informações do centro de plasma.

A ligação telepática foi perfeita. Marshall transmitiu tudo o que Atlan soubera. Não foi Moders quem encontrou aquilo que estavam procurando. De repente Gaston Durand falou com a voz segura:

— Olhem! Esta é a linha de suprimento de energia. Isto aqui deve ser o gerador de oxigênio.

Rhodan, que não demorara em recuperar-se da surpresa, observou Moders. O que estava fazendo o robólogo? Esfregou as mãos e seu rosto exprimia fielmente os pensamentos que diziam o seguinte: “Bem, meu caro, daqui em diante você não me vai atrapalhar mais. Está definitivamente do meu lado.”

Claus Ebnet, que arranjara os primeiros cabelos brancos ao tentar solucionar o enigma da arma conversora, estava parado diante do octaedro. Exclamou imediatamente:

— Thalatas, passe o cortador de isolamentos!

Tratava-se de um aparelho especial, criado depois que os terranos haviam travado conhecimento com a tecnologia dos pos-bis.

Depois as ordens sucederam-se em seqüência ininterrupta:

— Medidor de impulsos!... Chave dos pos-bis!...

A seguir:

— Corte o terceiro fio hiperimpotrônico. Cuidado! É possível que haja seiva em seu interior. Use a chave de três cantos. Que métodos de revestimento malucos! Conseguiu, Thalatas?

Outros três técnicos haviam subido num aparelho que media quatro metros de altura e apenas um metro de largura. Pelo que dizia Moders, era o bloco biopônico.

Mas Moders estava enganado. De repente, um raio energético saiu do aparelho, felizmente do lado em que não havia ninguém.

Rhodan viu Ebnet pegar a ferramenta que o técnico designara pelo nome de cortador de isolamentos. No mesmo instante compreendeu por que era chamada assim. Ebnet cortou alguma coisa e, simultaneamente, isolou as duas superfícies.

O chiado do raio energético cessou.

Moders gritou “obrigado” para o técnico. Colocou dois homens no aparelho mais próximo.

— Temos de encontrar o bloco biopônico, senão o centro de plasma morrerá sufocado.

John Marshall estabeleceu contato via rádio com Atlan, que estava só na “sala de tradução”.

— Sir, estamos à procura do bloco biopônico que regula o engaste. Faça o favor de perguntar ao plasma onde pode ser encontrado.

— John, por aqui não há mais ninguém a quem eu possa formular uma pergunta. O plasma está morrendo lenta mas seguramente.

Marshall nem teve tempo de informar Rhodan. Claus Ebnet soltou um grito, chamou Moders e perguntou:

— Isto não é o maldito bloco biopônico?

Acabavam de encontrá-lo. O robólogo ajoelhou-se diante dos controles.

— Esse monstro hiperimpotrônico! Enviou tanta energia ao regulador que o fez entrar em pane. Estou com vontade de fazer explodir isso...

— Para colocar os laurins em cima de nós? — gritou Rhodan.

O robólogo fez como se não tivesse ouvido.

— Olhe só, Ebnet; o senhor também, professor.

Gaston Durand aproximou-se correndo. Muito curioso, inclinou o corpo. Rhodan achou que naquele momento aproximar-se de nada adiantaria. Marshall começou a dirigir-se a ele. Mantinha contato telepático com outro grupo.

— Chefe, o grupo de Clerk conseguiu entrar numa bolha de metal. Os dois biólogos do grupo estão desesperados. Interpretaram a turvação das massas de plasma como um resultado da impermeabilização progressiva das paredes celulares. Se nos próximos trinta minutos não acontecer um milagre, será o fim.

Brazo Alkher, que se encontrava no interior de seu jato espacial, circulando a cem quilômetros de altura, estava pensando a mesma coisa quando viu o grupo de naves fragmentárias que se aproximava rapidamente.

Observou mais uma coisa terrível. A grade energética que cercara o distrito do plasma não existia mais. As gigantescas bolhas de metal estavam indefesas diante de qualquer ataque.

Ligou o hiper-rádio na faixa de ondas do chefe. Expediu o chamado de alarma. E transmitiu o resultado de suas observações.

— O que está fazendo o grupo de espaçonaves, Brazo? — perguntou Rhodan.

O grupo estava parado acima da área coberta pelas abóbadas. Os instrumentos de teleobservação do jato espacial estavam orientados para lá. O rosto de Brazo Alkher mudou de cor. Informou com a voz ligeiramente entrecortada:

— Chefe, essas caixas estão lançando robôs aos milhares. Estão inundando toda a área das abóbadas com os mesmos. Aposto que...

Rhodan interrompeu-o.

— Não precisamos apostar, Brazo. Penso exatamente como você. São robôs hostis à vida biológica, que obedecem exclusivamente às ordens do cérebro hiperimpotrônico.

— O que será feito do senhor e dos outros homens que se encontram aí embaixo, chefe?

Brazo Alkher esperou pela resposta. Quando notou que o chefe havia desligado sacudiu a cabeça, perplexo.

Naquele momento o chefe informou seus homens sobre os acontecimentos que se desenrolavam na superfície. Moders e Ebnet foram os únicos que não prestaram atenção às suas palavras.

— Ebnet, precisamos de energia — disse Moders. — Mas não da quantidade que podemos retirar daqui. Se dependesse da hiperimpotrônica, já teria havido um curto-circuito e encontraríamos uma porção de metal liquefeito por aqui. Com o suprimento de oxigênio ainda funcionando, isso teria dado uma fogueira fantástica. Ora, um momento! Por que não houve um incêndio por aqui? O cérebro não é tolo a ponto de cometer um erro de lógica. Ebnet... professor Durand... Vamos logo! Precisamos raciocinar segundo a Robologia. Ouviram?

Gaston Durand ouvira. Esforçou-se para atender ao pedido de Moders. Acontece que não era Moders, e seu raciocínio era muito menos ágil que o do jovem robólogo.

— Descobri! — rejubilou-se Moders, em meio ao silêncio. — Confie, mas veja antes em quem! Não é mesmo, professor Ebnet? Vejamos a lógica dos robôs: desconfiança de lado a lado... Aqui era o plasma contra o cérebro... Vamos inverter as coisas. Aqui embaixo deve haver mais um controle. Uma espécie de controle do outro controle. O centro de plasma não foi mais capaz de acioná-lo, porque ficou muito debilitado em virtude do conflito com o cérebro. Entendido?

— Chefe — cochichou Marshall, ao ouvido de Rhodan. — Não entendi nada.

— Tomara que tudo dê certo! — disse Rhodan a título de resposta.

Todos aqueles que entendiam alguma coisa da tecnologia dos pos-bis foram mandados à procura de um segundo controle.

Até mesmo o professor Durand estava convencido de que tal controle existia.

— Como teve essa idéia, Moders? — perguntou, enquanto tentavam juntos remover o revestimento de um mecanismo para poder examiná-lo.

— Não sei, professor. Foi apenas uma idéia. Quando apareceu, comecei a trabalhar com ela... isso tem de existir.

Ele mesmo encontrou. Parado à sua frente, sacudiu a cabeça. Enquanto o observava, Rhodan lembrou-se dos milhares de robôs hostis à vida biológica que se encontravam na área das bolhas de metal. Se eles conseguissem penetrar na X-l, estaria na hora de os homens que se encontravam ali fazerem seus testamentos.

— Moders! — gritou para o robólogo.

O cientista nem sequer virou a cabeça.

— Pois não!

— Lá em cima há milhares de robôs enfurecidos. Foram soltos para expulsar-nos da área. É bom que vez por outra se lembre disso. Não dispomos de muito tempo.

Moders confirmou com um aceno de cabeça. Será que realmente ouvira as palavras de Rhodan e compreendera seu sentido?

— Ebnet — disse, dirigindo-se ao técnico e mostrando-lhe alguma coisa. — O que é isto?

Claus Ebnet também não sabia. Mas, dentro em breve, os dois veriam o objeto muitas vezes e travariam conhecimento com o mesmo.

— Isto é mais complicado que um engaste hipertóictico, Ebnet! Será que devemos tentar passar por cima disso? O que acha?

— Na pior das hipóteses iremos pelos ares. Na verdade, isso não representa um risco muito grande, pois lá em cima alguns milhares de robôs hostis à vida biológica nos esperam.

— Onde estão esses robôs? — perguntou Moders, em tom de perplexidade.

— Lá em cima — respondeu Ebnet, apontando para o teto.

Moders não interpretou corretamente as suas palavras.

— No andar de cima?

— Não. Na superfície.

— Hum...

O robólogo voltou a examinar a técnica dos comandos dos pos-bis. Logo se esqueceu dos robôs. Lançou os olhos para a direita. A trinta metros do lugar em que se encontrava, outro grupo trabalhava num aparelho bizarro, do qual saíam dutos ou tubos de trinta centímetros de diâmetro. À primeira vista não se podia dizer se eram condutores de energia ou se transportavam líquidos ou gases.

Quando Moders se dirigiu ao grupo, Claus Ebnet fitou-o com uma expressão de espanto. Dois dos seus colegas não conseguiam chegar a acordo sobre a finalidade do aparelho. Moders não interveio na discussão. Muito curioso, examinou a série confusa de comandos, os elementos hiperimpotrônicos e o círculo do engaste hipertóictico.

Moders voltou.

— Vamos arriscar, Ebnet — disse. — Não tenho certeza absoluta. Mas, quando raciocino segundo a lógica dos pos-bis, chego à conclusão de que isto só pode ser a contra-segurança hipertóictica. Parece que os seres em que as criaturas de Mecânica confiavam menos eram neles mesmos. De acordo, Ebnet? Vamos experimentar?

Rhodan aproximou-se.

— Qual é a experiência que pretendem fazer?

Moders, que segurava o cortador de isolamento, virou a cabeça e, continuando ajoelhado, fitou Perry.

— É apenas uma experiência, chefe — disse o robólogo, esquivando-se à pergunta precisa. — A hiperimpotrônica forneceu uma corrente intensa demais para paralisar o suprimento de oxigênio. Foi o meio mais simples de pôr o centro de plasma fora de ação. Mas, na minha opinião, por aqui deve haver um controle que torna impossível qualquer intervenção hiperimpotrônica e faz funcionar de novo o equipamento de oxigênio. Faço votos de que estejamos diante da contra-segurança. Acontece que não sei o que é isto — apontou para alguma coisa. — Prefiro que o circuito passe ao lado. É claro que isso envolve um pequeno risco. Talvez voemos pelos ares juntamente com todo o edifício.

— O senhor acha que isso é um pequeno risco? O que vem a ser um grande risco?

Uma expressão galhofeira surgiu nos olhos de Moders.

— Se eu lhe desse o tratamento de você e o chamasse de Perry estaria correndo um grande risco, chefe.

Rhodan compreendeu imediatamente o que o robólogo queria dizer. Na verdade não acreditava numa explosão. A tensão desapareceu do rosto de Rhodan. Sorriu.

— Não se incomode comigo, Moders. Claus Ebnet, que se encontrava ao lado do robólogo, atreveu-se a “respirar” de novo. Ao ouvir as palavras de Moders, transpirara de medo.

— Segure! — disse o especialista, cujas mãos trabalhavam agilmente.

Seguiram-se dez minutos carregados de tensão. Ras Tschubai usou a teleportação para tirar o arcônida da “sala de tradução”, onde corria perigo, e levou-o para o subsolo. Chegou no momento em que Moders pediu um conjunto de micro conversores.

Seu grupo estava muito bem equipado, e a mesma coisa acontecia com os três mil especialistas que se encontravam no Mundo dos Duzentos Sóis. Nenhuma operação fracassaria por falta de peças.

— Já! — gritou Moders.

Ebnet liberou o suprimento energético. O professor Gaston Durand olhou por cima de seu ombro.

De repente ouviu-se um estranho zumbir, chiar, farfalhar.

— Conseguimos! — disse Moders, em tom de alívio.

Levantou-se, enfiou o cortador de isolamento na mão da pessoa que se encontrava mais próxima e enxugou o suor da testa.

O suprimento de oxigênio do centro de plasma estava funcionando de novo!

 

Os jatos espaciais e a X-l haviam sido alarmados por Brazo Alkher.

As naves fragmentárias faziam descer sobre as abóbadas milhares de pos-bis hostis à vida biológica, que obedeciam ao comando do centro de computação e só tinham uma tarefa: destruir os humanos.

— Alkher — chamou o Tenente Mengs pelo rádio de seu jato espacial. — Nunca conseguiremos liquidar uma superioridade como esta. O ataque será um absurdo. Para cada robô destruído surgirão dez outros.

Brazo Alkher não perdeu a calma. Naquele momento, seu jato espacial estava voando entre as abóbadas para desfechar mais um ataque contra uma concentração de pos-bis. O homem que estava sentado atrás da mira ótica não se apressou. Não desperdiçou a energia radiante. Nunca errava o alvo.

Abriu fogo permanente contra os pos-bis que procuravam forçar a entrada na abóbada de plasma.

O pavimento de aço cinzento e liso que se estendia à frente da abóbada começou a derreter. O jato espacial aproximou-se à velocidade de mach 1. Apesar disso o raio continuou a atingir o alvo.

Os robôs, que haviam localizado as vibrações individuais dos humanos, viraram-se para o veículo que se aproximava como se estivessem obedecendo a um único comando. Pretendiam destruí-lo com suas armas. Sua programação não conhecia o sentimento do medo; apenas incluía a vontade robológica de destruição que se manifestava diante de tudo que fosse biológico e irradiasse vibrações.

A última hora havia soado para todos os robôs que se encontravam à frente da entrada da abóbada. O homem que estava sentado atrás do comando de tiro abrira bem o feixe de radiações. O grupo de robôs foi atingido em leque, e mais de cinqüenta pos-bis foram destruídos em meio a um fogo energético vermelho-ofuscante.

Mas isso não significava muito diante dos milhares de robôs que enchiam todo o espaço entre as oitenta abóbadas.

Alkher concentrou os jatos espaciais em torno de seus veículos. Ordens breves foram transmitidas pelo rádio. A tarefa principal consistiria em proteger as equipes científicas contra os robôs hostis à vida biológica. O resto ocupava um lugar secundário.

Seguiu-se uma ligeira palestra com o comando de três mil homens.

Os blindados equipados com pesados canhões de radiação provaram que valiam seu preço. Cada homem tinha um desintegrador pesado com um tremendo desempenho energético. Por enquanto, o grande grupo ainda não havia sofrido perdas, mas os homens tiveram grandes dificuldades em defender-se da invasão dos robôs.

Os jatos espaciais descreviam curvas entre as bolhas metálicas. Pareciam um bando de marimbondos enfurecidos. Os pilotos transformaram-se em verdadeiros acrobatas. A pontaria dos homens dos comandos de tiro era excelente. Os raios fulminantes atingiam constantemente o alvo, mas o exército de robôs não diminuía.

Ouviram-se pedidos de socorro vindos da superfície. Três jatos espaciais entraram em mergulho vertical e, numa questão de segundos, trouxeram alívio às tropas que combatiam no solo.

O maior perigo eram os robôs que voavam de um lado para outro; adaptaram-se rapidamente à tática dos terranos e procuravam destruí-los à traição.

Os homens não tinham forças para atirar em todas as direções e além disso observar o espaço aéreo acima de suas cabeças. Se continuavam vivos, deviam agradecer isso ao treinamento rigoroso a que haviam sido submetidos em Árcon III. Em inúmeras manobras haviam enfrentado situações semelhantes à em que se encontravam. E os treinadores sempre insistiam num ponto: a melhor defesa contra os robôs é não ter medo deles.

Uns trinta homens separados de sua unidade defendiam-se, de costas para uma bolha metálica, contra mais de cem robôs. Um terço do grupo encontrava-se no ar. O sargento Plisters pediu socorro pelo rádio, mas no momento nenhum jato espacial podia intervir naquela luta. Todos eles estavam participando de ações que eram mais importantes que a salvação de trinta homens. Os blindados também não podiam ajudar. O primeiro terrano tombou diante do sargento; fora mortalmente atingido por um raio disparado pelos pos-bis.

Vinte e nove homens juraram que manteriam sua posição até o último lance. Sua pontaria tornou-se mais precisa.

O alcance de seus desintegradores era maior que o das armas de radiação dos robôs. E essa era a maior vantagem dos seres humanos.

Seis homens procuraram romper o cerco do lado direito. Saíram correndo em seus pesados trajes de combate. Abriram uma brecha entre os positrônico-biológicos. Quatro pos-bis explodiram bem em cima de suas cabeças. Os raios de suas armas fizeram um giro de quarenta graus para a esquerda, em direção à parte superior da abóbada.

O trecho que se estendia à frente do grupo estava livre.

No mesmo instante viram-se obrigados a recuar. O rádio de capacete transmitiu o alarma. Mais um numeroso grupo de pos-bis aproximou-se.

Seria o fim de vinte e nove homens.

Um blindado aproximou-se em alta velocidade.

Um pequeno sol surgiu na altura do terço superior da bolha metálica. De repente os aparelhos de alerta de seus trajes indicaram uma dose elevada de radiações. A atmosfera que cercava a abóbada estava altamente contaminada de pesadas radiações. Mas o grupo de robôs desaparecera.

Protegidos pelo blindado, os homens voltaram a estabelecer contato com o grupo ao qual pertenciam...

 

O grupo de Clerk, que havia penetrado em uma das abóbadas de plasma e no momento se encontrava nos túneis cuja disposição não parecia fazer o menor sentido, entrou em contato com Rhodan. Marshall ligou o pequeno rádio portátil. No momento em que o robólogo Clerk se dispunha a apresentar seu relato, Marshall captou impulsos telepáticos muito intensos. Apressou-se em regular o volume para zero.

— Chefe, estou captando novamente, por intermédio dos nossos telepatas, impulsos mentais claros do centro de plasma...

Moders também ouviu e interrompeu Marshall:

— Isso não é de admirar, pois o suprimento de oxigênio está funcionando de novo. Podemos sair tranqüilamente desta cova horrível. Por aqui não podemos fazer mais nada.

Marshall voltou a ligar seu rádio para a recepção. O robólogo Clerk estava apresentando seu relatório:

— Pelo que dizem os biólogos, a turvação do plasma está desaparecendo em toda linha. Os cientistas atribuem a mudança ao reinicio do suprimento de oxigênio. O que devemos fazer? Alguns jatos espaciais recomendam constantemente que não saiamos da bolha metálica...

Moders interrompeu-o com uma observação:

— É pena que Clerk não acompanhou a operação em Frago. Se tivesse estado lá, saberia o que fazer.

Rhodan confirmou com um gesto. Marshall falou pelo rádio com o robólogo Clerk.

— Continue na abóbada. Observe o plasma; preste atenção especialmente às suas reações diante do oxigênio. Aguarde novas ordens. Final.

Rhodan esteve a ponto de dirigir-se aos teleportadores, quando Marshall o pegou pelo braço, muito nervoso.

— Chefe, a recuperação do centro de plasma progride cada vez mais. Tenta estabelecer contato conosco em base paranormal...

— Procure explicar-lhe que, antes de mais nada, deve procurar dominar o hiperimpotrônico, para que a confusão infernal que os robôs estão criando lá fora chegue ao fim.

Nesse momento, Van Moders colocou-se a seu lado.

Rhodan perguntou com um sorriso:

— Então, seu “pavor ideológico”, tem uma teoria nova?

O robólogo fez como se não tivesse ouvido o apelido.

— Chefe, o senhor sabe quem provocou esta confusão no Mundo dos Duzentos Sóis? — perguntou em tom sério.

— Ora essa! O robólogo sou eu ou o senhor? — retrucou Rhodan.

— O senhor devia saber, sir. Afinal, durante a última visita a este planeta, o senhor e Atlan puseram fora de ação a programação do ódio. Isso deve ter dado origem a uma série de fenômenos que não constava das intenções dos construtores.

Rhodan parecia aborrecido.

— Moders, o senhor está indo longe demais com suas hipóteses. Se tivesse a experiência que eu adquiri durante meus contatos com o computador-regente de Árcon III, teria mais cuidado no que diz.

Moders não se deixou intimidar.

— Sir, não o culpo de nada, mas ninguém me tira da cabeça que a paralisação da programação do ódio desencadeou alguma coisa que não estava incluída nos planos dos seres de Mecânica. Mais dia menos dia provarei que estou com a razão.

— Moders, só falta o senhor dizer que Atlan e eu demos causa à falta dos campos relativistas das naves fragmentárias. Isso é ridículo. Mas já está na hora de nos deixarmos teleportar para a “sala de tradução”.

A decisão não admitia objeção.

Entretanto não conseguiram sair da grande sala em que ficava o equipamento de suprimento de oxigênio do centro de plasma...

Marshall dirigiu-se ao chefe.

— O centro de plasma afirma que obrigou a hiperimpotrônica a paralisar todos os robôs hostis à vida biológica.

O mini comunicador de Rhodan emitiu o sinal de chamada. Era Brazo Alkher.

— Chefe, os robôs sofreram um colapso. Nem um único pos-bi faz o menor movimento. Fomos salvos no último instante. Os jatos espaciais continuam a realizar vôos de reconhecimento em cima das abóbadas. Final.

Os telepatas voltaram a formar um bloco mental, para irradiar suas potentes paraforças em direção ao centro de plasma. Enquanto os dois teleportadores levavam todo o grupo para a “sala de tradução”, os telepatas permaneceram na sala de máquinas. Marshall, que era o mais forte dos telepatas, uniu-se ao bloco e ajudou no contato psicológico. As oscilações de intensidade do engaste, que eram tão perigosas para os terranos, deviam ser removidas o quanto antes.

Através dos impulsos captados, Marshall deduziu que o centro de plasma, no momento senhor da situação, precisava de apoio, para não se subjugado pela hiperimpotrônica, que nesse caso voltaria a comandar os robôs do Mundo dos Duzentos Sóis.

 

Era a primeira vez desde sua chegada ao planeta situado no espaço extragaláctico que os terranos podiam dedicar-se tranqüilamente à tarefa de ajudar o plasma a elevar seus impulsos à potência máxima. O conjunto técnico que produzia paravibrações artificiais foi montado e posto a funcionar, depois de controlado seu funcionamento.

No Mundo dos Duzentos Sóis não havia dia nem noite. Os homens trabalhavam em turnos, inclusive os tripulantes dos jatos espaciais. Nos três continentes continuavam a reinar condições caóticas entre os robôs. Parte deles era amigável à vida biológica e outra parte hostil. Sempre que se encontravam travavam batalhas encarniçadas. Para eles não parecia existir nem o centro de plasma, nem a hiperimpotrônica. Os tripulantes dos jatos espaciais nem pensaram em manter a imparcialidade. Sempre que podiam colocavam-se do lado dos robôs amigos da vida biológica e procuravam pôr fora de ação o maior número possível de robôs do outro tipo. Todas as naves fragmentárias voltaram a obedecer às oitenta abóbadas, isto porque em cada uma das naves havia quantidades relativamente elevadas de biossubstância, que, depois do primeiro contato com o centro de plasma, submeteram a hiperimpotrônica de bordo à sua vontade.

Mas nem mesmo o elemento mais otimista entre os terranos acreditava na estabilidade da situação atual. Os grupos, cuja tarefa consistia em garantir a segurança dos técnicos e cientistas, não chegaram a tirar os trajes de combate.

Rhodan e Atlan haviam ficado de pé ininterruptamente durante trinta horas. Mal se deitaram, Rhodan foi incomodado por John Marshall.

— Chefe, um willy nos chama por via telepática. Pede que o senhor o receba.

Rhodan, que tinha uma lembrança agradável dos simpáticos willys, ficou totalmente desperto.

— Onde está o willy, John?

O chefe dos mutantes hesitou.

— Não sei dizer. Nem mesmo Fellmer Lloyd conseguiu dizer onde está o ser-esteira. O fato é que seus paraimpulsos estão chegando com uma intensidade muito elevada.

— Está bem, John. Entre em contato com ele. Daqui a quinze minutos estarei pronto para recebê-lo. Antes disso preciso tomar um chuveiro. Nós nos metemos numa boa quando criamos a Terceira Potência, não é mesmo, John?

Perry Rhodan raramente falava em Terceira Potência. Vez por outra conversava com Reginald Bell a esse respeito. Era a primeira vez que falava sobre o assunto com John Marshall.

O chefe dos mutantes sorriu.

— O senhor fez bons progressos...

— Eu? — disse Rhodan, enquanto vestia o robe. — Fomos nós. Todos nós, que naqueles tempos acreditávamos que seríamos capazes de conquistar as estrelas. O senhor ainda acredita que alcançaremos este objetivo?

O telepata alto e esbelto acenou com a cabeça.

— Chefe, nós conseguiremos, a não ser que um dia o poder suba às nossas cabeças.

— Obrigado — disse Rhodan. — Foi a ducha psicológica de que precisava, John. Com suas experiências com o equipamento de oxigênio, Moders consumiu mais das minhas forças que muitas batalhas espaciais que já dávamos por perdidas. E o robólogo ainda piorou as coisas ao afirmar que Atlan e eu havíamos criado as condições instáveis reinantes no Mundo dos Duzentos Sóis, quando pusemos fora de ação a programação do ódio. O que acha disso, John?

— Não acho nada, chefe. Absolutamente nada. Quando se encontrava na sala do equipamento de oxigênio, Moders começou a salientar-se demais...

— E se tiver razão, John?

— O senhor acredita...?

— Não, mas tenho meus receios. Não sei se Atlan e eu não provocamos por negligência a situação reinante no Mundo dos Duzentos Sóis.

Marshall resistiu à idéia por uma questão de sentimento.

— Como é que o robólogo pode saber disso, chefe?

— Acredito que ele mesmo não saiba. Bem, até daqui a quinze minutos. Gostaria que o senhor e Atlan estivessem presentes durante a palestra com willy.

Rhodan retirou-se. Marshall acordou Atlan, que mal havia adormecido.

— Está bem, Marshall. Irei. Bem que este willy poderia ter chamado daqui a algumas horas.

Ao entrar no camarote de Rhodan, que na pequena X-l não tinha o mesmo tamanho que na Teodorico, Atlan ouviu que naquele momento um willy estava passando pela eclusa e se dirigia ao elevador antigravitacional.

Foi no planeta Sumath que Rhodan, Atlan e Fellmer Lloyd tiveram seu primeiro encontro com um dos inteligentíssimos willys. O formato desses seres era aproximadamente o de uma medusa. Era praticamente impossível distinguir um do outro. Ninguém suporia que houvesse alguma inteligência neles, mas na verdade os willys eram muito inteligentes e pacatos.

Os olhos proeminentes podiam ser esticados e encolhidos, tal qual os tentáculos, com os quais faziam gestos que pareciam humanos.

Os willys eram medrosos, mas não covardes. Ao menor sinal de perigo executavam movimentos de rotação sobre seus pés telescópicos e furavam o solo para esconder-se.

Quando descobriram que o willy, com o qual se haviam encontrado inesperadamente em Sumath, era um forte telepata, Rhodan e Atlan não se espantaram nem um pouco.

Os willys lhes haviam prestado serviços inestimáveis durante a primeira estada no Mundo dos Duzentos Sóis. Por isso os dois homens mais poderosos da distante Galáxia sacrificaram o sono para receber um ser pertencente à raça dos willys.

A gigantesca esfera entrou velozmente no camarote. Mal se notavam os movimentos dos pezinhos ágeis. O willy apontou os olhos salientes para os terranos e soltou o tradutor juntamente com um desses olhos.

— Aí estão vocês, amigos — disse. — Dou-lhes as boas-vindas em nome de minha raça. Mas não vim com as mãos vazias. Fui incumbido de proporcionar-lhes alojamentos condignos, a fim de exprimir nossa gratidão pelo auxílio que proporcionaram ao plasma.

— Alojamentos? — perguntou Atlan, perplexo. O problema do alojamento de três mil homens fora debatido pouco antes de irem para a cama.

— Fizeram espionagem telepática, almirante! Não é verdade, Willy?

Será que o ser estava rindo? A voz saída do tradutor parecia ter um tom ligeiramente diferente quando disse que sim.

Falou também que estavam informados das dificuldades com que os homens se defrontavam nesse planeta, e de que não sabiam como deveriam agir com a hiperimpotrônica para fazer com que esta se transformasse para todo o sempre em servo do centro de plasma.

Os três homens ouviram com um interesse cada vez maior a exposição do enviado de uma raça que provavelmente vinha da nebulosa de Andrômeda, tal qual os laurins.

Além de oferecer-lhes bons alojamentos, o willy ressaltou que serviam de posições de defesa, nas quais seria mais fácil rechaçar qualquer ataque dos robôs hostis à vida biológica.

Rhodan formulou uma pergunta sobre a hiperimpotrônica, mas o willy pediu sua compreensão, porque não sabia dizer praticamente nada a respeito da mesma.

Marshall tentou sondar o ser esférico por via telepática, para verificar se estava dizendo a verdade, mas suas forças para-mentais não conseguiram penetrar no mesmo.

Rhodan repetiu a pergunta em tom mais enérgico. A reação do willy foi tão discreta como da primeira vez.

— Será que terei de usar a arma de radiações, Willy? — perguntou Atlan, em tom contrariado.

No mesmo instante o ser esférico encolheu todos os olhos e o tradutor. Parecia choramingar. Marshall conseguiu atingir seus pensamentos.

O willy dissera a verdade. Servira de “irmã de leite” durante os transportes de plasma para outros mundos dos pos-bis, mas nunca tivera contato direto com os controles hiperimpotrônicos dos seres de Mecânica.

O chefe dos mutantes apressou-se em informar Rhodan e Atlan.

— Volte a falar conosco, Willy! — pediu Rhodan.

Willy foi soltando um olho após o outro, e por fim o órgão com o tradutor.

— Rhodan, o que vem a ser aquilo que vocês chamam de mentira?

Os homens sentiram-se perplexos. Será que os willys não sabiam o que era mentira?

— Isso é uma vida muito perigosa — disse Atlan sem querer.

Rhodan sorriu e fitou-o prolongadamente.

— Meu caro, os deuses de Árcon também não permitem que se diga uma inverdade. Acho...

O intercomunicador chamou em tom áspero. O alto-falante emitiu um estalido. Até parecia que um dos contatos não fora bem-feito. O oficial de plantão no hiper-rádio disse, nervoso:

— Sir, a hiperimpotrônica quer falar com o senhor.

Os três homens sobressaltaram-se. O que seria?

— Passe a ligação para cá — ordenou Rhodan depois de ligeira reflexão.

O willy dirigiu todos os olhos sobre Rhodan. Manteve-se calmo.

A voz da gigantesca hiperimpotrônica saiu do alto-falante. Lembrava a voz fria e desalmada do computador-regente positrônico de Árcon III.

Enquanto a hiperimpotrônica falava ininterruptamente, Rhodan escreveu alguma coisa e empurrou o papel para o arcônida. O conteúdo era este:

A oscilação de intensidade do engaste hipertóictico chegou ao fim. Parece que o cérebro está agindo segundo a orientação do centro de plasma.

Não havia motivo para ficarem felizes. Há poucas horas os telepatas e os robólogos haviam informado Rhodan e Atlan de que o plasma levaria muito tempo para recuperar a antiga capacidade. Era possível que, de um momento para outro, o engaste hipertóictico apresentasse oscilações ainda mais fortes. Dessa forma, a influência do centro de plasma sobre o cérebro seria praticamente igual a zero e a hiperimpotrônica voltaria a trabalhar segundo a programação que lhe fora dada há tempos imemoriais pelos seres do planeta Mecânica.

Rhodan, o arcônida e Marshall ergueram abruptamente a cabeça. Era a primeira vez que a hiperimpotrônica confessava ter entrado em contato com eles por recomendação do centro de plasma.

Rhodan tentou uma suposição.

— Se é assim, o centro de plasma também deverá ter recomendado que a hiperimpotrônica nos franqueie a entrada em suas instalações.

A resposta foi imediata:

— A hiperimpotrônica não tem motivo para recear qualquer perigo. Está armada para qualquer eventualidade. Não há necessidade de uma permissão especial.

Era um pronunciamento bastante claro.

Rhodan olhou para o lugar em que o alto-falante e o microfone estavam instalados, atrás da parede.

— Levaremos abundantes recursos, a fim de estabilizar a hipertóictica também na parte hiperimpotrônica.

O cérebro recusou.

— A oscilação de intensidade do engaste voltou a manifestar-se — disse Atlan, em tom contrariado.

Em sua opinião a força dos impulsos do centro de plasma estava diminuindo bastante. Mas Rhodan não era da mesma opinião. Não se conformou com a recusa que o cérebro acabara de manifestar.

Usou os invisíveis... E lembrou o cérebro de que sua tarefa fundamental consistia em fazer tudo para afastar o perigo dos laurins.

— Nós, os terranos da grande ilha estelar, somos amigos do centro de plasma porque pertencemos à verdadeira vida e a amamos. Mas não amamos os laurins. Se você continua a existir, isso acontece unicamente porque entre você e o centro de plasma existe uma ligação. Essa ligação, conhecida como engaste hipertóictico, fez com que ambos reconhecessem o perigo representado pelos invisíveis. Acontece que, no momento, o hipertóictico se encontra numa condição de instabilidade. Recorra à sua interpretação lógica e verifique se não estou com a razão.

O cérebro manteve-se em silêncio. Naquele momento, milhões de circuitos estavam sendo criados, ativados e desligados, uma vez fornecidos os resultados. A hiperimpotrônica estava calculando a afirmativa de Rhodan.

— Não posso dar resposta afirmativa às suas palavras. Mantenho a recusa. Final.

O gigantesco cérebro desligou seu transmissor.

— E agora? — perguntou Atlan. — Tenho a impressão de que voltei aos tempos em que o Império de Árcon era governado pelo computador-regente, que muitas vezes tentava governar-nos também.

Rhodan abanou levemente a cabeça.

— Não sei se podemos comparar os dois cérebros. Aliás, isso não importa muito. O que quero saber é por que a hiperimpotrônica não respondeu sim à minha afirmativa...

— Talvez descubramos, se entrarmos em contato com o centro de plasma. Talvez consigamos fazer com que a biossubstância leve o cérebro a permitir nosso ingresso em suas instalações.

Rhodan não gostou da idéia.

— Não quero sobrecarregar ainda mais o plasma. Willy... — o ser-esteira estremeceu e encolheu todos os braços. — Willy, sua raça conhece os caminhos que levam aos comandos subterrâneos?

— Naturalmente — disse o willy através do tradutor. — E por lá nunca nos aconteceu nenhum mal. Mas vocês não ouviram o que acaba de ser dito? A proibição continua de pé. Se quiserem entrar lá, nunca mais verão o sol.

— Você estaria disposto a conduzir-nos para as profundezas, Willy?

O ser começou a inquietar-se.

— Por que arriscar uma coisa que poderá custar-lhes a vida? Prefiro aconselhar-me com meus amigos antes de recusar. Quem me acompanhará, para que possa mostrar-lhes os alojamentos?

Rhodan não insistiu com o willy. Não conhecia bem essa raça muito inteligente e que possuía dons telepáticos, motivo por que preferiu não teimar. Levantou-se.

— Marshall e eu iremos com você, willy — disse. Depois dirigiu-se a Atlan. — Pelo menos um de nós tem de estar descansado se houver novos conflitos. É sua vez de dormir um pouco.

O arcônida sorriu.

— Pois não, administrador. Você nem imagina quanto prazer tenho em aceitar o seu pedido — bocejou gostosamente.

 

Luigi Telarini passou a mão pelo queixo, o que era sinal de descontentamento ou preocupação.

O Major Hal Mentor, comandante da Gauss, já observara o técnico de rádio há algum tempo. Levantou-se, esgueirou-se entre a confusão dos aparelhos ali montados e aproximou-se.

Além deles, só o piloto se encontrava na sala de comando.

— O que é que o incomoda, Telarini?

— Não consigo livrar-me de uma sensação desagradável. Major, o senhor acredita que a gente pode ver fantasmas?

A pergunta foi formulada em tom sério, e assim ninguém seria capaz de rir da mesma.

— O que foi que o senhor viu, Telarini?

— Nada! — disse com um gesto de indiferença. — Mas tenho de olhar constantemente para a tela panorâmica, como se a qualquer momento tivesse de surgir uma coisa perigosa. E a ânsia que me obriga a levantar os olhos quase chega a sufocar-me. Sei que é uma tolice, mas não posso fazer nada.

A Gauss continuava a manter-se à distância de um ano-luz do Mundo dos Duzentos Sóis. Três laboratórios da nave controlavam ininterruptamente a nave esférica e sua posição relativa face à Galáxia distante. O hipertransmissor superpotente trabalhava sem interrupção. Os instrumentos de controle faziam manter-se constante a intensidade com que o raio vetor saía das antenas. Todas as estações de rastreamento de rádio, postadas nos limites da Via Láctea, já haviam captado o raio enfeixado transmitido pelo hiper-rádio. E as mesmas haviam calculado a distância entre a Galáxia e o Mundo dos Duzentos Sóis, com base nos volumes energéticos com que eram recebidas as respectivas ondas. O valor aproximado em anos-luz foi convertido em cifras exatas. No momento as equipes científicas, que se encontravam nos satélites de rastreamento, estavam realizando cálculos trabalhosos para determinar a gigantesca distância com a precisão de um minuto-luz.

Os tripulantes e os especialistas a bordo da Gauss praticamente não tinham nada a fazer.

Depois de estarem certos de que o raio expedido pelo hiper-rádio da nave fora captado pela frota estacionada nas proximidades de Frago, e também pela Sosata, que se encontrava nas profundezas do espaço intergaláctico, e pelos satélites de rastreamento, o resto era apenas um trabalho de rotina.

Só Luigi Telarini não sossegava. Por algum tempo prestara atenção às mensagens alarmantes transmitidas pelo rádio, que lhe forneciam um quadro vivo dos acontecimentos turbulentos que se desenrolavam no Mundo dos Duzentos Sóis. Depois disso sentira-se dominado pela estranha sensação inquietante de que falara a Hal Mentor.

— Será que suas preocupações não se relacionam com as medições que estamos realizando, Telarini? Quem sabe se não está desconfiando de que todos os postos podem ter cometido um erro na interpretação dos dados relativos à distância? Quem sabe qual é o comportamento das ondas de hipercomunicações a uma distância enorme como esta?

Luigi Telarini deixou que o major concluísse. Depois respondeu.

Não eram as medições que o preocupavam. As três mil naves do destacamento especial comandado por Reginald Bell encontrariam o Mundo dos Duzentos Sóis, cuja distância já era conhecida.

— Mas estamos cometendo um erro. Procuro convencer-me do contrário, mas não adianta... Diga-me que erro é este... Trata-se de um erro cometido por nós, pela Gauss ou pelo chefe com os homens que se encontram no Mundo dos Duzentos Sóis.

— O senhor está esgotado, Telarini. Peça ao médico de bordo que lhe dê um calmante. O senhor...

Calou-se. Ouvira um ruído às suas costas e virou-se abruptamente. Luigi Telarini estava a seu lado.

Ambos viram ao mesmo tempo.

Já sabiam qual era o erro que haviam cometido...

 

Brazo Alkher pousou o jato espacial a dez metros de Perry Rhodan, John Marshall e do willy. No mesmo instante, o mini comunicador de Rhodan deu um sinal. Era Alkher.

— Chefe, venha para bordo. Tenho de levá-lo de volta. Recebemos um chamado da hiperimpotrônica, que localizou inúmeros objetos estranhos que se aproximam do Mundo dos Duzentos Sóis. Foi Atlan que me mandou.

A rampa do jato espacial foi descida e a comporta abriu-se. Os dois homens despediram-se apressadamente do willy. Provavelmente este havia lido os pensamentos de todos e já sabia por que seus dois companheiros correram rampa acima.

A comporta fechou-se atrás deles. Brazo Alkher fez subir seu jato espacial. As bolhas metálicas mais próximas ficavam a apenas cinco quilômetros.

Passou velozmente a oitocentos metros por cima delas. Do outro lado da abóbada a X-l estava apoiada em suas colunas telescópicas. Alkher realizou um pouso impecável. Rhodan e Marshall não tiveram de percorrer uma distância muito grande para atingir a rampa da espaçonave de cem metros de diâmetro. Enquanto subiam pelo elevador antigravitacional, entreolharam-se em silêncio, muito preocupados.

Na sala de comando encontraram-se com Atlan, que estava falando com a Gauss. Ouviram a palestra. O Major Hal Mentor transmitiu uma mensagem:

— Verificamos uma série ininterrupta de abalos estruturais, com o intervalo de um minuto. A maior distância é de quatro dias-luz, e a menor de um dia-luz. Não conseguimos determinar a quantidade dos objetos estranhos. Nosso sistema de rastreamento estrutural mal consegue registrar o número dos abalos.

— Obrigado, major — disse Atlan para dentro do microfone. — O chefe acaba de chegar. Acho que quer falar com o senhor.

Rhodan sentou-se ao lado do arcônida.

— Mentor, conseguiu identificar as naves estranhas?

— Sir, ao que tudo indica são espaçonaves dos laurins. A interpretação dos dados ainda está em curso.

— Envie um hipergrama a Reginald Bell. Diga-lhe que venha o mais rapidamente possível com sua frota.

— Perfeitamente, sir. Deve vir o mais rapidamente possível — repetiu o Major Mentor. Seu rosto projetado na tela de imagem parecia uma máscara.

A frota que se mantinha em posição de espera só poderia ser alcançada com o potente transmissor da Gauss.

Ouviram o major transmitir a ordem à sala de rádio. Depois dispôs-se a falar, mas calou-se.

Rhodan percebeu.

— O que pretendia dizer, major? Mentor hesitou, mas acabou dizendo:

— Sir, mister Telarini é de opinião que nosso raio de hipercomunicação atraiu os invisíveis para o Mundo dos Duzentos Sóis. Não consigo convencê-lo do contrário.

— Nem tente, major — recomendou Rhodan. — Sou da mesma opinião de Telarini. Mas gostaria de saber por que ninguém pensou nisso — desligou.

Ao lado dele, Atlan acenou com a cabeça.

— É isso aí! Agora só nos resta uma esperança: que o gorducho apareça com a frota...

— Não entretenha uma esperança muito grande, almirante. Ninguém sabe dizer quando Bell chegará... mas é provável que chegue tarde!

 

                                                                                            Kurt Brand  

 

                      

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