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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Base dos Invisíveis / Kurt Mahr
Base dos Invisíveis / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Base dos Invisíveis

 

O estranho poder mental dos seres extragalácticos!

Estamos no ano 2.114 da cronologia terrana. Portanto, para os habitantes do nosso planeta, não se passou ainda século e meio desde o primeiro vôo tripulado à Lua, num foguete de propulsão química, vôo este que deu início às verdadeiras viagens espaciais.

Neste período relativamente tão curto em comparação com a cronometria cósmica, o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan, conseguiu se transformar numa base sólida da soberania galáctica.

Como não podia deixar de ser, os terranos tiveram, na grande tarefa que se impuseram, grandes auxiliares — como o arcônida Crest, o Ser do planeta Peregrino, Atlan, Harno, os swoons e Gucky, o rato-castor. Mas tal tarefa jamais seria concretizada sem a ação abnegada e eficiente dos próprios terranos, que trazem na alma a vocação para as coisas grandiosas. A situação chegou a uma fase de menos preocupação, depois dos dias difíceis devido às atividades destruidoras dos robôs biopositrônicos na Galáxia. Já está selada a manca entre os terranos, os arcônidas e os arcônidas. Desta forma, Perry Rhodan sente sua retaguarda protegida, já que também os acônidas, célebres por seus ataques sorrateiros, estão mais ponderados.

Mas as coisas tomam um rumo catastrófico em Aptulad, um planeta nos confins da Galáxia... Um sacerdote do deus Baalol deixa estranhos depoimentos e... Nike Quinto manda seus agentes para investigar. E então que se deparam com A Base dos Invisíveis.

 

                              

 

Molol viu a morte diante de si.

E não precisou de muito esforço para isto...

Seu espírito, disciplinado e dotado de faculdades parapsíquicas, extrapolando as vicissitudes do presente para um futuro da mais alta probabilidade, vislumbrou o quadro de um jovem que, em algum lugar nos confins da Galáxia, haveria de perecer, por não ter encontrado socorro em ninguém em nada. Por alguns momentos, Molol viu a cabina de comando de sua pequena espaçonave bem diferente do que era no presente. Via-se deitado no chão, curvado de dores, com o ombro ensangüentado e semi-inconsciente. Via ali a carcaça do aparelho destruído por um forte e certeiro disparo. Sentia o frio do espaço penetrar pelas fendas. Seus vasos sangüíneos estavam prestes a rebentar.

Tentava repelir da mente aquele quadro horrendo; conhecia os perigos de uma extrapolação muito intensa. A dor e o medo o poderiam deixar alucinado.

Olhou em volta de si e viu como tudo estava realmente. As rachaduras não agüentariam por muito tempo e ele não jazia deitado no chão, mas sentado na poltrona do piloto. Seu ombro não sangrava mais, porém irradiava dor por todo o corpo. Não tinha tempo para se preocupar com o ferimento. O pequeno aparelho que roubara do hangar em Aptulad, literalmente sob as vistas dos guardas, era um modelo antigo, semi-automático. Para um vôo interestelar, provido de boa segurança, eram necessários, além do piloto, mais dois co-pilotos. Molol, porém, estava sozinho. Falando com mais rigor, não podia nem extrapolar, tamanha era a importância de cada segundo para o controle dos instrumentos.

Molol usou o cronômetro para certificar-se dos cálculos que ele mesmo fizera. A última transição tivera lugar pouco antes. Se a nave agüentasse os abalos mecânicos inerentes a cada transição, estaria então, depois do último hipersalto, em qualquer lugar no centro da Galáxia. Não conhecia praticamente nada por lá, mas achava que teria mais chance de ser socorrido, pois a densidade sideral era mais intensa.

Perguntou a si mesmo se estava agindo corretamente e esta pergunta encerrava outra pergunta. Correto para quem? Havia alguma lei pela qual pudesse julgar sua maneira de agir? A este respeito vinha, já há muito tempo, quebrando a cabeça. Antes de partir para a execução de seu plano, julgava possuir uma resposta definitiva. Agora, porém, já não tinha a mesma certeza.

Uma coisa era certa: de Aptulad, o perigo ameaçava toda a Galáxia. E se ter razão significava olhar somente o bem de toda a Via Láctea e cuidar da civilização galáctica em seu conjunto, então não existia neste momento em todo o Universo nenhum homem que agia mais corretamente do que ele, Molol.

Isto lhe dava um pouco mais de ânimo. Chegava a se lembrar, até quase com prazer, de como tapeara os guardas. Conseguiu convencê-los de que precisava procurar uma peça que só existia atualmente nos velhos modelos fora de uso. Precisava estudar a história deste mecanismo para saber como fora inventado. Acreditaram nele, pois não iriam pensar em roubo ou coisa semelhante, em se tratando de um sacerdote catequista do culto do Grande Baalol e mais ainda, com muita lógica, por ser o mais velho e menos importante de todos os aparelhos que estavam no espaçoporto.

Entrou na velha espaçonave e certificou-se de que havia energia suficiente para longa viagem. Pôs o aparelho em condições de partir e saiu voando tranqüilo pela porta do hangar que se abriu automaticamente. Acelerou o mais que pôde e já deixara os dois sóis tão para trás que pareciam uma estrela só. Mas os perseguidores o alcançaram e abriram fogo imediatamente. Sua nave não possuía armamento e a aceleração dos seus perseguidores era muito maior que a dele. Só uma coisa o podia salvar — uma transição, mesmo sem as condições imprescindíveis para a segurança.

Uma transição normal exigia um certo tempo de preparação, no mínimo três minutos. Neste meio tempo, os campos magnéticos de proteção, já muito fracos, foram totalmente destruídos. A velha espaçonave recebera três disparos, felizmente nenhum deles a atingiu em cheio. Um dos aparelhos de radio transmissão se desprendera da sustentação na parte superior da cabina de comando, atingindo seriamente seu ombro. Mas assim mesmo conseguira realizar a transição e escapara dos perseguidores.

Depois disso já havia feito dez hipersaltos, e em todos receara que a velha nave não agüentaria as fortes solicitações e se partiria no espaço. Faltava-lhe agora só mais uma transição.

O medo das vezes anteriores era agora maior. Tinha sido um erro pensar que, nos grandes aglomerados de estrelas, havia mais possibilidade de ser socorrido. Mesmo ali o espaço era infinitamente vasto. Molol não tinha mais tempo para pensar nestas coisas. Estava na hora da transição. Com a mão esquerda, que podia mover mais facilmente, apertou o botão de ligação. Com um ruído infernal, a nave se projetou no hiperespaço e Molol sentiu as terríveis dores da transição.

Não durou muito. Voltou a si do grande atordoamento e viu nas telas panorâmicas o tapete de estrelas cintilantes do centro da Via Láctea. Por um momento teve a sensação de triunfo e júbilo, mas logo se lembrou do que necessitava: não era a exuberância do céu estrelado que ele procurava, mas sim naves para socorrê-lo.

Abatido, virou-se sem esperança para a tela do rastreador, à procura dos pontinhos verdes de outras naves que não estivessem a mais de dois anos-luz dele. A visão do pequeno e nítido ponto verde o atingiu como se fosse um raio. Ficou olhando calado, incapaz de compreender por que tivera tanta sorte assim.

Porém, depois compreendeu... A nave lá fora não estava tão longe assim. Achava-se bem próxima, a não mais de duas ou três horas-luz.

Levantou-se de um salto, esquecendo-se de seu ombro. Tinha que agir rápido. O destino lhe dera uma oportunidade que não poderia perder. Talvez não tivesse outra.

 

O patriarca Tetzte era um homem bondoso, de grande paciência. Mas o que Yatik lhe exigia em paciência enquanto lhe estava ensinando o jogo patalak, era mesmo demais.

— Você tem que fazer um curso por hipnose, meu filho, para aprender este jogo — disse com o restinho de autodomínio que lhe restava, deixando ali no chão o tabuleiro do jogo.

Yatik se levantou e fez uma reverência.

— Sei que sou um pouco bobo, meu senhor — disse conformado.

Isto comoveu ainda mais o coração do patriarca.

— Não é bem isto! Você é o mais inteligente entre meus servos, por isso o escolhi para jogar patalak comigo... Talvez eu não saiba explicar direito.

O estranho diálogo teve lugar num imenso salão. Mesas compridas corriam em três filas, bem apertadas. As cadeiras se encostavam umas nas outras. À entrada do salão, havia uma mesa no sentido transversal com cadeiras bem baixas atrás. Em duas destas, estavam sentados Tetzte e Yatik. Na parede esquerda, estavam pendurados todos os troféus dos mundos conhecidos do Universo. Entre os amplos portais, animais embalsamados, plantas raras, cuidadosamente preparadas e lindas pedrarias em vitrinas. Deixando penetrar todo o fascínio do céu estrelado no grande salão, havia uma janela rasgada ao longo de toda a parede do lado direito. Pelo menos parecia uma janela. A complicada eletrônica do gigantesco aparelho de vídeo estava embutida na parede.

Yatik começou a catar as figuras do jogo e Tetzte o olhava enfastiado. Depois seus olhos passearam pelo salão vazio. Via-se nele um misto de alegria e orgulho de ter conseguido fazer reviver aqui com pleno êxito o velho romantismo do tempo dos príncipes saltadores. Qualquer um que aqui entrasse esqueceria logo que estava a bordo de uma espaçonave.

Mas os devaneios de Tetzte foram interrompidos. Um leve “tique-taque” o obrigou a olhar para o centro da mesa, onde havia uma fenda quase invisível, abrigando um tubo cilíndrico. Sua mão grande abriu uma pequena tampa e puxou a extremidade de uma folha de papel Que estava chegando. Leu-a.

 

Posto de rádio central recebeu pedido de socorro de uma nave desconhecida. O grupo cinco de rastreamento anuncia grandes abalos de transição num âmbito de dez anos-luz.

 

Tetzte deixou cair a folha de papel e se levantou. Era corpulento como todos os saltadores, de cabelos brancos e barba cor de fogo, aliás bem cultivada. Ninguém podia acreditar que aquele corpanzil de mais de duzentos e cinqüenta quilos se movesse tão rapidamente assim. Quando Yatik notou que alguma coisa diferente estava acontecendo, o patriarca já estava perto da porta. Segundos depois, Tetzte surgia no posto de comando, sendo cumprimentado respeitosamente pelos oficiais. Atravessou o grande recinto circular e observou atento as telas luminosas acopladas com os grupos de rastreamento. Não viu nada que o pudesse preocupar, a não ser um ponto minúsculo do lado direito, em cima, na tela do grupo três.

Virou-se para trás e olhou para seus oficiais: jovens de estirpes inferiores, que unidas formavam seu grande clã. Não precisou dizer nenhuma palavra. Sabiam que fora informado.

— Não houve mais transições, Tetzte — disse um gigante espadaúdo da poltrona do piloto. — Mas o desconhecido continua pedindo socorro. Não está muito longe daqui. O grupo três de rastreamento já o tem na tela.

— Que pretende ele? — perguntou Tetzte.

— Transmite apenas o pedido de socorro interestelar. Parece ser a única coisa que sabe sobre nossos códigos. O resto é incompreensível.

Em pouco tempo, o velho patriarca tomou sua resolução:

— Vamos nos aproximar.

Permaneceu no posto de comando, enquanto o poderoso aparelho se punha em movimento. Ouviam-se as ordens pelos corredores. Ouviu-se também o alarma, pondo de prontidão os oitocentos tripulantes, inclusive os que estavam de folga, obrigando-os a ocuparem seus postos dentro de quatro minutos. Numa espaçonave dos saltadores se costumava sempre dar o alarma à aproximação de nave desconhecida. Os saltadores tinham muitos inimigos e o espaço aberto era o único lugar onde podiam encontrá-los.

De um momento para o outro, a Teta VIII, o orgulho do clã de Tetzte, se transfigurou numa belonave, pronta a aniquilar quem dela se aproximasse com má intenção — pronta para prestar socorro a quem estivesse precisando.

O estranho aparelho deixou de irradiar, assim que a Teta VIII se movimentou em sua direção. Parece que seus aparelhos de rastreamento ainda funcionavam e a distância entre os dois diminuía. A uma distância de poucos minutos-luz, os grupos de rastreamento da Teta VIII puderam constatar que se tratava de um pequeno aparelho de construção desconhecida. Tetzte não se deixou influenciar pelo tamanho diminuto da nave. Bastava ser um tipo desconhecido para justificar o severo alarma.

A Teta VIII começou as manobras de frenagem e o pequeno ponto na tela começou a se mover. Na sala de comando da nave dos saltadores só se ouvia o ronco dos reatores.

 

Com a sensação de indescritível felicidade, Molol via a grande nave se aproximar dele. Em poucos minutos, estaria em segurança, pois a probabilidade interferiu em seu favor...

Da melhor maneira que podia, procurava ir ao encontro de seu salvador. Colocou seu barco ao lado do gigantesco cruzador, exatamente onde se delineavam os traços da comporta principal de carga. Certamente haveriam de recebê-los: ele e o seu pequeno aparelho. Fez todo possível para manobrar sem o menor erro, o que lhe exigiu toda a concentração.

Não tinha nenhum instrumento automático que pudesse registrar os abalos estruturais de uma transição. Também não viu a imensa esfera que aparecera em sua tela, primeiro indistintamente, surgindo dos confins do espaço, e agora bem nítida em suas verdadeiras proporções...

Quando a percebeu, era tarde demais... A primeira coisa que lhe chamou a atenção foram os estalos na carcaça de seu aparelho. E depois não sobrou muito tempo. Como um soco de um gigante num pigmeu, o primeiro disparo atingiu o aparelho. Molol foi arrancado do seu assento e jogado para longe. Depois não sentiu mais nada.

 

Como o ruído de uma saraivada de metralhadora, o abalo estrutural se fez ouvir pelos alto-falantes dos grupos de rastreamento. A mão do piloto avançou para frente e apertou a tecla de “contato inesperado com o inimigo”. Ele nem olhou. Todos sabiam que a nave, que tão inesperadamente saltara do hiperespaço, não se chocaria com a Teta VIII, e que o estranho seria salvo.

Porém Tetzte se levantou do seu assento ao ouvir a sirena de alerta. Olhou automaticamente para a tela panorâmica e... começou a tremer de medo.

Entre a Teta VIII e o mar de estrelas, mas bem próximo da nave dos saltadores, passou o bojo gigantesco de uma belonave. Abriu-se então um enorme rombo de brilho fosco no tapete luminoso da Galáxia. Línguas de fogo saíram do gigante desconhecido e atingiram o pequeno aparelho que procurava abrigo no bojo da Teta VIII.

Foi o bastante para Tetzte.

— Todos os postos de artilharia, concentrem o fogo contra o inimigo! — gritou uma voz possante, antes mesmo que um dos rastreadores acusasse a aproximação da nave inimiga.

Os alto-falantes transmitiram a ordem aos postos de artilharia e, três segundos depois, os canhões vomitavam fogo. A Teta VIII se transformou num vulcão. Sob o peso da artilharia dos saltadores, o envoltório de proteção da nave inimiga fulgia em todas as cores do espectro.

Com um contra-ataque assim inesperado, o inimigo não contara. Pego de surpresa, recuou uns quilômetros. Parecia que o fogo cerrado o afastava da Teta VIII. Mas os experimentados homens de Tetzte não iam se deixar enganar assim. Se os meios de defesa do adversário fossem proporcionais ao seu tamanho, então a Teta VIII estaria em maus lençóis. Não agüentaria por muito tempo ao fogo do desconhecido. Tetzte decidiu pôr-se em fuga imediata. Mas antes tinha que resolver duas coisas.

Enquanto os canhões continuavam massacrando o inimigo, postou-se atrás do piloto e, antes que este entendesse o que estava acontecendo, Tetzte pegou o microfone do intercomunicador e gritou:

— Posto de rádio central, transmita pedido de socorro!

A seguir, esticou os braços por cima dos ombros do piloto e apertou um botão no painel de comando.

— Vigias, abram a comporta principal e deixem entrar a nave estranha, rápido.

Largou depois o microfone e passou a observar a tela panorâmica. Quem sabe tinha tomado uma resolução pouco prudente? A manobra para receber o pequeno aparelho que pedia socorro iria necessitar de minutos preciosos e decisivos. Talvez fosse melhor fugir simplesmente. Mas não lhe cabia na cabeça abandonar à própria sorte, ou melhor, à fúria destruidora de um adversário inescrupuloso, o pequeno aparelho e seus ocupantes. Para salvá-los, corria o risco de perder sua luxuosa espaçonave, sua vida e a de oitocentos tripulantes.

Retirou-se dali, pensando com um pouco de ironia: “você daria mais para um marechal arcônida dos velhos tempos do que para um verdadeiro saltador.”

No fundo, porém, Tetzte estava muito contente consigo mesmo.

Aí, então, o adversário se recuperou do susto e começou a responder ao fogo da artilharia. E sua superioridade foi ainda maior do que Tetzte supôs.

O primeiro projétil transformou os campos magnéticos de proteção da Teta VIII num mar de chamas e raios. As telas a bordo irradiavam uma claridade ofuscante e, atrás desta luminosidade, espreitava a nave esférica inimiga, vomitando a morte e a desgraça contra a Teta VIII.

Lá embaixo, na comporta central, trabalhavam como possessos os corajosos sentinelas para salvarem o pequeno aparelho, enquanto a energia descomunal dos disparos inimigos enfraquecia a resistência do envoltório. Agites de penetrar nos campos magnéticos da Teta VIII, a pequena nave perseguida já havia recebido um disparo certeiro. Estava agora sem meios de navegabilidade. O pessoal de Tetzte botou em funcionamento um gerador de gravitação no canto externo da comporta, a fim de sugar o aparelho semidestroçado. Sabiam tão bem como o próprio Tetzte que esta ação de salvamento poderia durar muito tempo... E dependendo das circunstâncias, talvez muito mais tempo do que poderiam agüentar os campos magnéticos de proteção. Seria então o fim!

A Teta VIII se defendia com tudo que tinha. Os instrumentos eletrônicos, que serviam para determinar a direção exata da procedência dos projéteis, procuraram também na carcaça do monstro atacante, os pontos em que se concentravam os grupos de artilharia. O fogo cerrado nesse determinado local ia conseguindo romper o envoltório magnético e fazendo calar definitivamente suas bocas-de-fogo. Mas eram gotas d’água numa chapa incandescente. O adversário era forte demais para que Teta VIII pudesse resistir por mais de um quarto de hora.

Lá na sala de comando, Tetzte percebeu como os campos magnéticos estavam sendo destruídos.

A nave dos saltadores começou a vibrar, oscilando de um lado para o outro. Grandes estremeções percorriam todo o bojo e o metal da carcaça começava a ranger. Tetzte fazia grande esforço para se manter de pé. Sabia que o piloto já teria dado ordem de partida imediata, se ele, Tetzte, não estivesse ali. Tinha, pois, que continuar ali até que a pequena nave fosse salva.

Um aparelho de medição, bem pesado, se desprendeu da parede e bateu estrepitosamente no chão. Saíram da parede línguas de fogo: ocorreu um curto-circuito. Uma fumaça azulada, que fazia os olhos arderem, se espalhou pela cabina de comando. Tetzte não perdia de vista o jovem piloto, que, no momento, se virara para trás, olhando assustado para o patriarca.

Das antenas do posto de rádio central saía sem cessar, em sinais codificados, o pedido de socorro interestelar. Os radiotelegrafistas achavam-se completamente isolados do mundo lá fora, não possuíam na cabina nenhuma tela de vídeo e, pelo menos enquanto a Teta VIII estava sossegada, não sabiam nada do que se passava no espaço. Sabiam apenas que Tetzte, ao invés de enviar pedidos de socorro às naves da enorme esquadra dos saltadores, o fazia, de um modo geral, para todas as espaçonaves. Alguma coisa de anormal devia estar se passando. Quando os campos de proteção começaram a fracassar e a nave a estremecer-se toda com os impactos, compreenderam que se tratava simplesmente de sobreviver.

Na sala de comando, Tetzte lutava também contra a fumaça que fazia arder os olhos e asfixiava. O patriarca viu as labaredas causadas pelo curto-circuito. Mais um abalo, muito mais possante que os anteriores, fez ranger o bojo da Teta VIII. Ouviram-se gritos dos homens, o patriarca cambaleou e foi ao chão. Estava extenuado e sentia necessidade de continuar deitado e esperar que tudo terminasse.

Mas a preocupação com os tripulantes do pequeno aparelho, atacado e sem meios de se defender, não o deixou. Num grande esforço, com os joelhos trêmulos, se levantou. Cambaleando e tossindo, chegou até a poltrona do piloto. O gigante estava encolhido em sua poltrona, com a cabeça caída para frente. Um filete de sangue lhe escorria da testa. Talvez um caco de qualquer coisa destruída o atingira. Tetzte simplesmente o empurrou para o lado e o deixou cair no chão. Sentou-se, ele mesmo, na poltrona e pegou novamente no microfone do intercomunicador.

Antes que dissesse a primeira palavra, o alto-falante estrondou a todo volume:

— Da comporta central para o posto de comando: terminada a operação salvamento! Já o temos conosco.

Tetzte não perdera nada de seu senso de iniciativa. Num rápido impulso, deu o sinal de partida imediata. Contudo, somente se o coeficiente de aceleração da Teta VIII fosse superior ao da nave adversária é que haveria possibilidade de salvação...

Um solavanco percorreu a nave e Tetzte foi comprimido contra a poltrona de piloto. Esperou que a pressão cessasse. Mas esta continuou, tirando-lhe todo o ar dos pulmões. Tetzte compreendeu o que estava acontecendo. O aparelho de absorção antigravitacional não estava mais funcionando com a força normal. Fazia-se sentir no interior da nave uma parte da compressão da aceleração. O patriarca cerrou os olhos: estava tudo perdido, agora. A Teta não poderia acelerar como seria necessário, isto é, com toda a força de que dispunha. Seria bobagem pensar que poderiam escapar do inimigo.

Pela última vez, Tetzte fez um grande esforço. Iria dar ordem aos postos de artilharia para suspenderem o fogo. Quem sabe poderiam se render ao inimigo mais poderoso?

O patriarca se inclinou para a frente e quando pegou no microfone pela segunda vez, lembrou-se de dar uma olhada em volta de si. Reinava o maior silêncio ali dentro. Ouvia-se somente o leve crepitar do rádio e, aqui e ali, gemidos de alguém ferido. Não conseguiu ver a tela panorâmica: a fumaça a encobria.

Seu espírito lutador se recusou a aceitar aquela pressão assassina e tentou levantar-se. Foi então que um dos alto-falantes se fez ouvir com as palavras textuais:

— Cruzador Trepal da frota terrana para a nave avariada. Iniciem a manobra de frenagem que vamos apanhar toda a tripulação. Eu repito...

O intrépido patriarca ainda deu o comando de frenagem. Mas logo depois caiu sem sentidos. Soube mais tarde que a nave Trepal, acompanhada de mais seis unidades menores, chegara ao local da batalha exatamente vinte minutos após o primeiro pedido de socorro. O inimigo desconhecido, ao ver a frota terrana, fugira imediatamente, sem esboçar a menor reação.

Quando Tetzte soube dessas coisas, já se haviam passado dez horas. Perguntou pelo aparelho estranho, por cuja causa a Teta VIII entrara no barulho. Disseram-lhe que o pequeno e antiquado aparelho tinha só um tripulante que morrera entrementes devido aos graves ferimentos.

Depois de tudo isto, o patriarca se sentiu abatido, como que vítima de uma situação ridícula. Arriscou a vida e toda a nave, apenas para receber no bojo da nave-mãe do seu clã um defunto.

Depois que conseguiu se levantar, teve uma conversa curta com o Tenente-Coronel Bouvier, comandante do cruzador terrano. Bouvier assegurou ao patriarca que sua nave ainda podia voar com certas limitações e, depois de uma reforma nos estaleiros, ficaria completamente nova. Foi um grande consolo para Tetzte, pois seu apego à nave-mãe do clã só era comparável com a dedicação que nutria por seu criado Yatik.

Tetzte começou a se interessar pelo solitário tripulante da pequena nave. Não sabia mais nada sobre ele, a não ser que estava ferido e logo depois morreu.

Bouvier não lhe escondeu o que sabia.

— Era um sacerdote catequista do culto de Baalol — respondeu calmo em intercosmo.

Tetzte bateu com a mão na testa.

— Puxa! Devia então tê-lo deixado lá fora, seria melhor.

— Oh! Não! A grande nave que o atacou pertencia também à gente de Baalol.

Tetzte olhou surpreso para o terrano.

— O senhor quer dizer então que o estavam perseguindo?

Bouvier fez que sim.

— Exatamente. Molol foi o primeiro sacerdote apóstata do culto de Baalol, enquanto o sabemos.

— Molol?

— Era seu nome. Antes de morrer conseguimos falar alguma coisa com ele.

A curiosidade de Tetzte chegou ao auge.

— Disse alguma coisa de importante?

Bouvier sorriu.

— Gravamos em fita suas últimas palavras. Uma cópia vai ficar com o senhor. Sobre sua importância, pode-se discutir. Suas últimas palavras foram: “Em Aptulad está acontecendo algo. Diz respeito a toda a Galáxia, por este motivo é que não posso ficar calado por mais tempo. Surgiram desconhecidos e foram acolhidos como amigos. Trama-se um plano que ameaça todas as civilizações da Via Láctea. A técnica e os preparativos são muito difíceis de serem percebidos, pois os estranhos são bastante ‘jeitosos’. Só se pode falar com eles na presença de muitos dos nossos. Eles parecem...”

Tetzte se inclinou para frente, para não perder uma só sílaba.

— Continue — disse, com os olhos arregalados.

Bouvier lamentou:

— Não disse mais nada do que isto. Morreu, no meio da frase.

O patriarca suspirou desiludido. Bouvier levantou-se e despediu-se. Depois que a Trepal encaminhou a Teta VIII para a direção certa, a esquadrilha terrana desapareceu nas profundezas do espaço. Tetzte ficou martelando o que ouvira de Bouvier. Finalmente chegou à conclusão de que, de qualquer maneira, Bouvier não lhe dissera tudo que sabia. Relatara a conversa com o moribundo ao pé da letra. Mas sobre o sentido das palavras, nada quis comentar.

Mal sabia que o próprio Bouvier teria de voar mais de trinta mil anos-luz para encontrar alguém em condições de interpretar o pronunciamento obscuro de Molol...

Este alguém era o Coronel Nike Quinto, chefe da Divisão III.

 

Tappan percorreu com os olhos a fila de sua gente. Tinham os braços apoiados na mesa e a cabeça entre as mãos.

Tappan concentrou toda atenção na parede que lhe ficava à frente, além da mesa. A iluminação berrante das duas dúzias de lâmpadas invadia o recinto comprido e estreito até o último canto. E, com a reação do seu setor telepático, notou que havia alguém do outro lado. Mas não o podia ver.

— Concentrem-se! — ordenou telepaticamente aos seus. — Façam todo esforço!

Captaram sua ordem. E já se via, lá nos fundos, além da mesa, um trecho de uma faixa, nebulosa, como um poste que se erguia um metro acima da mesa. A neblina foi se condensando rapidamente e surgiu na frente de Tappan uma estaca pardacenta. Apesar de a visão ser fascinante, Tappan não olhou muito tempo para ela. Fechou os olhos para se concentrar nos pensamentos estranhos que estava agora recebendo.

— Medo... descoberta... fracasso... fuga... irmão.

Foi tudo que Tappan entendeu. Mas dava um quadro esquemático.

— Não tem motivo para o medo — respondeu ele, convencido que o indivíduo lá do outro lado também receberia sua emissão. — Deve ter morrido antes de o poderem ouvir.

Levou algum tempo, até que Tappan captou de novo:

— Mede. certeza... nada... prova.

— Quando uma velha nave do tipo vinte e sete recebe um projétil desintegrador, então não se precisa de provas para se saber que a tripulação se reduziu a nada.

Tinha autodomínio suficiente para camuflar completamente suas incertezas. Aparentemente, a “estaca” se deu por satisfeita e terminou a conversa. Tappan ordenou aos seus que se levantassem e abrissem os olhos. De um momento para o outro, desapareceu a faixa nebulosa e Tappan respirou aliviado.

Que o projétil não acertara em cheio, ninguém sabia nada. Podia, pois, silenciá-lo perante os outros. O trabalho podia prosseguir.

 

Lofty empinou a cabeça e começou a cocar a barba de tal forma que se ouvia o raspar das unhas.

— O velho se meteu em despesas fabulosas — disse ele. — Se não conseguir seu intento, o Departamento de Finanças lhe fechará todos os recursos.

O objeto que fez Lofty empinar a cabeça foi a gigantesca esfera de oitocentos metros de diâmetro, cujos suportes telescópicos estavam a cerca de um quilômetro de Lofty, bem calçados no chão. A iluminação, uma ampla rede de luzes coloridas, circundava as dimensões do colosso na noite de frio e de vento.

Ouviu-se na escuridão uma voz firme e objetiva:

— Tenho de lhes avisar que não conhecemos o objetivo do nosso chefe. É inútil falarmos a respeito.

Lofty não gostou. Contra o reflexo da esplêndida iluminação da capital da Terra, via-se a silhueta de quem acabara de falar e de mais dois homens.

— Ninguém perguntou nada a você, “seu” cabide de lata velha! — disse Lofty.

— Não seja por isso, peço-lhe desculpas — retrucou a voz sem grande modulação do robô Meech Hannigan.

— Deixe-o em paz, Lofty — tentou acalmar uma outra voz. — Quem é que está em condições de adivinhar o que o velho pretende?

Ron Landry deixou esta pergunta no ar. Como ele mesmo não sabia nada, julgava a mesma coisa dos outros. Com Larry Randall acontecia o mesmo. Quando este disse que gostaria de saber ao menos para onde iam, sua voz soou como se sentisse um grande mal-estar.

— Já eu não me preocupo com isto — disse Lofty. — Contanto que nos coloquem numa nave de luxo, onde não falte nada...

A gargalhada dos outros o interrompeu. Até o robô Meech começou a rir.

— Não espere demais, meu velho! — exclamou Ron. — A nave de luxo de que você fala e com que você sonha está ali na frente.

Esticou o braço direito e apontou na escuridão. Os olhos de Lofty seguiram a direção indicada e descobriram ao longe as linhas de demarcação luminosa da espaçonave, que não chegava nem aos pés da esfera gigantesca que tinham diante de si.

— Santo Deus das galáxias! O negócio parece que está deitado no chão, como...

— Como uma nave dos saltadores — completou Ron. — Cilíndrica, de decolagem horizontal e...

— E o quê...?

— Um tipo antiquado de duzentos anos atrás.

E caminharam...

Já haviam penetrado no novo abrigo, quando Lofty resolveu soltar a Língua. Passando por uma comporta, cujas metades se abriram com má vontade e num barulho desmedido de metal enferrujado, chegaram a um recinto de circulação, de onde subiam cinco elevadores de ar comprimido para os conveses superiores.

Sãos e salvos chegaram ao amplo corredor do convés central, onde lâmpadas fracas ardiam no teto. As paredes eram velhas, de madeira bichada.

— Será que este troço vai agüentar uma decolagem? — foi a primeira pergunta de Lofty.

Em algum lugar bateu uma porta e uma sombra alongada penetrou no corredor. Um homem no uniforme de capitão veio ao encontro deles. Fez a continência para o Major Landry e se dirigiu a Lofty.

— Uma decolagem e uma série de transições, para responder à sua pergunta. Mas não mais uma decolagem de volta...

Não foi somente Lofty quem ficou olhando para ele, sem saber o que dizer. Os outros três tinham no rosto a mesma surpresa.

— Suponho, capitão — começou Ron, rompendo o incômodo silêncio — que o senhor tenha mais informações para nos transmitir.

O homem de uniforme inclinou levemente a cabeça.

— Roberto Giuliano, senhor, para eliminar as formalidades. É verdade, estou bem informado. Tenho, aliás, a incumbência de levá-los a seus aposentos. Lá o espera uma comunicação do Coronel Nike Quinto. Depois que a ler, saberá certamente mais do que eu.

Giuliano se voltou, caminhando pelo corredor a fora, seguido por Ron e seus três companheiros. Num determinado trecho do corredor, pegou um outro elevador, também de ar comprimido. Quando a cabina parou e a porta se abriu rangendo mais que a comporta lá embaixo, havia diante do olhar curioso e desconfiado de Ron Landry um vestíbulo circular. Daí saíam cinco portas que deviam dar em algum recinto.

— A Anastásia — explicou Giuliano, ao chegar ao local — é uma velha nave dos saltadores, como já devem ter notado. Foi adquirida para fins experimentais. Isto aqui é a suíte do antigo proprietário da nave, provavelmente um subpatriarca. Para sua comodidade se fez tudo que estava ao nosso alcance, pelo menos para os primeiros sete oitavos da viagem.

Depois desta observação de mau augúrio, encaminhou-se para uma das portas de ferro pesado e, para surpresa de todos, o velho servo-mecanismo cumpriu ainda seu dever. A pesada escotilha, mesmo contra sua vontade, mas obediente, escorregou para o lado.

— Este aposento aqui foi designado para o senhor, major — disse Giuliano.

Ron Landry fez um sinal de agradecimento com a cabeça e passou diante de Giuliano. Mal chegou à soleira do seu “apartamento”, parou como se ficasse preso no chão. Dos fundos da suíte, vinha-lhe o sorriso irônico do Coronel Nike Quinto.

Em volta de Nike, havia uma superfície fosca e retangular. Mas era necessário olhar com mais atenção para se perceber que o conjunto não era outra coisa senão uma grande tela de vídeo.

Além do mais, não se tratava de uma transmissão direta, mas da projeção de um filme. Nike Quinto fora sagaz. Afastara todo o perigo de ser bombardeado com perguntas por sua tropa de elite. Assim, como dizia ele, sua saúde não correria risco, sua pressão ficaria estável. Seria como estar de férias.

O que disse, sem que ninguém o pudesse interromper, foi sucintamente o seguinte: a Anastásia partiria dentro de vinte e cinco minutos. Poucos instantes depois dela, decolaria também a Fedória, o gigante espacial que os quatro observaram quando chegaram ao espaçoporto. A bordo da Fedória encontrar-se-iam Nike Quinto e mais algumas pessoas importantes. O destino das duas naves seria o sistema Aptut, um bom número de milênios-luz do nosso sistema solar. A oito horas-luz do sistema Aptut é que começaria a “brincadeira”, propriamente dita, devendo terminar com a descida dos quatro agentes em Aptulad.

Mais tarde, pouco antes da decolagem, Nike Quinto fez questão de tornar bem claro a outra parte do plano estratégico. Até então sua preocupação era se mostrar seguro, no que estava fazendo, perante as autoridades e os responsáveis pela ação. Assim, Perry Rhodan, o administrador, com quem teve longa e detalhada conversa; depois o Marechal Solar Mercant, que fez questão de rever minuciosamente todo o plano... E finalmente sua própria gente, da Divisão III, a quem não podia manifestar sua incerteza, pois assim estaria sepultando o moral do comando de ação.

Nike Quinto confessava a si mesmo — e só a si mesmo — que não estava muito seguro do seu empreendimento. Apoiava-se simplesmente numa suposição. Se não fosse verdadeira, haveria de pagar caro. Mas se desse certo — e disso Nike Quinto tinha plena convicção — estaria prestando à Terra e a mais alguns mundos um serviço inestimável e decisivo.

Examinou mais uma vez todo o plano, achando que a suposição encerrava uma certeza. Fez o maior esforço para encontrar possíveis lacunas, pontos mais questionáveis e de resultado duvidoso. Achou só um, mas este já lhe era patente desde o início e impossível de ser evitado. Era o ponto crucial em torno do qual girava todo o projeto.

Superada esta grande dificuldade, não haveria mais empecilhos de espécie alguma, pois a confiança de Nike, quanto à capacidade e intrepidez do grupo, era absoluta.

A não ser que seu plano fosse totalmente falso.

 

A Anastásia venceu a distância, com onze penosas transições, feitas durante três dias. Da supernave Fedória não se viu nem sombra o tempo todo. Utilizava-se do vôo linear e não pertencia ao universo em que se movia a Anastásia, com suas transições já fora de moda.

Após o décimo primeiro hipersalto, apareceu novamente... Primeiro como minúsculo ponto verde nas telas dos rastreadores, depois como mancha luminosa que aumentava sempre e finalmente como uma estrela de curso lento nas telas ópticas. Ao chegar a uma distância de três mil quilômetros, abriu fogo.

Os campos magnéticos da Anastásia cintilavam vivamente. Não poderiam absorver o tremendo impacto dos projéteis. A velha nave dos saltadores gemia e tremia com os disparos assassinos.

O Capitão Roberto Giuliano, chamado Pop, começou a agir. Com os reatores roncando e uma esteira de partículas ígneas atrás de si, acelerou a velha nave ao máximo. O mecanismo de absorção trabalhava apenas com 99,5 por cento de seu valor nominal. O restante meio por cento fazia as paredes rangerem e os homens a bordo terem dificuldade de respirar. A. pressão subia assustadoramente, atingindo já mais que o dobro da normal na Terra.

A Fedória não podia deixar a situação assim... Positivou-se, porém, que a potência do seu mecanismo de propulsão não era superior ao da Anastásia. A distância entre as duas naves quase não diminuiu nas horas seguintes. E o fato de se acharem em plena aceleração, prejudicou de tal maneira o trabalho dos instrumentos de mira automática que a Anastásia recebia um projétil só uma vez ou outra.

Assim, nesta “formação”, os dois aparelhos se precipitavam para o centro do sistema Aptut, com seus dois sóis.

 

Nike Quinto dirigia as manobras pessoalmente. Estava chegando o momento em que se iria resolver sobre o sucesso ou fracasso da expedição, caso suas previsões fossem certas. Não queria perder um só segurado das horas decisivas.

A uma hora-luz de distância, comunicou, oficialmente ao governo do planeta Trakarat, o mais importante do sistema Aptut, que perseguia um criminoso. Preveniu as autoridades do planeta para que não prestassem nenhum auxílio à nave fugitiva e à sua tripulação. Nike Quinto estava convencido de que os seguidores de Baalol haveriam de seguir à risca suas determinações, já que não havia para eles nenhuma vantagem em ajudar o fugitivo.

De fato, não apareceu nenhuma nave de Baalol. Nike Quinto observava com satisfação como a Anastásia penetrava no planeta Aptulad, o quarto do sistema, e já iniciava sua órbita. Quando a velha nave dos saltadores desapareceu da vista da Fedória, entrando na parte iluminada pelos dois sóis, Nike se preparou para o ataque decisivo.

A Anastásia se defendia muito mal. A cem quilômetros abaixo dela, as matas virgens daquele mundo primitivo recebiam os primeiros raios dos sóis. Acima, no manto estrelado do céu, cintilava a imensa esfera da Fedória, vomitando fogo, com péssima pontaria.

Os instrumentos da velha nave cilíndrica registraram fontes energéticas na superfície de Aptulad. Portanto, a primeira metade do plano de Nike Quinto estava dando certo. O plano se desenrolou como fora combinado. Os disparos da Anastásia eram fracos e não tinham maior efeito. Só por algumas poucas vezes, o envoltório de proteção da Fedória ficou incandescente. Por outro lado, porém, os campos magnéticos da nave dos saltadores estavam praticamente destruídos e seria apenas questão de minutos até que a carcaça toda se desprendesse.

O Capitão Giuliano reunira sua gente no posto de comando. Os poucos canhões que ainda funcionavam, faziam-no automaticamente. Os outros já tinham sido abandonados e das muitas telas de rastreamento, uma só funcionava. Mostrava a imagem da Fedória e os riscos azulados dos projéteis que vinham contra a Anastásia. Pop estendeu a mão a Ron Landry.

— Está chegando nossa hora — disse calmo.

No mesmo instante, quase, um impacto estrondoso percorreu toda a nave, fazendo os homens rodopiarem de um canto para o outro. Pop largou a mão de Ron.

— Desejo tudo de bom para vocês — gritou ele no meio da confusão toda. — Pescoço e pernas quebradas! Felicidades!

Depois gritou para sua gente:

— Desçam pela escotilha do hangar! Rápido!

Não foi fácil correr com a fumaça intensa nos corredores e nos poços de elevador da Anastásia. É claro que já estavam com os capacetes atarraxados no uniforme espacial. O dispositivo antigravitacional não estava com bom funcionamento, variando muito. Às vezes o corredor parecia uma subida; outras, dava impressão de estar inclinado para baixo. Ninguém dizia nada. Roberto Giuliano estava preocupado. Mantivera-se rigorosamente dentro do horário, com exatidão de segundos. Mas tinha a impressão de que a Fedória não fora tão “exata” assim com o bombardeio. A pobre Anastásia recebera tiros demais.

“Teremos sorte se alcançarmos os aparelhos salva-vidas”, pensou Pop. “Que acontecerá com os outros?”

Uma lufada de ar incandescente varreu o corredor. Pop sentiu-a através do uniforme espacial. A velha nave se empinava agora, atirando Pop para o alto e jogando-o depois para o lado. Seus homens o ajudaram. Uma terrível explosão nos alto-falantes do capacete os deixou momentaneamente surdos.

— Santo Deus! Os tanques... corram todos!

Corriam desesperados, tateando e caindo, para logo depois continuarem a corrida, tentando sempre ficar unidos. Giuliano os guiava, achando sempre o caminho com facilidade, como se tivesse nascido e crescido naquela nave dos saltadores.

Não tiveram necessidade de abrir a grande escotilha interna do hangar. Não existia mais, alguma explosão devia tê-la jogado longe. As duas naves de emergência estavam ainda presas nos respectivos lugares. A escotilha de um dos aparelhos salva-vidas estava aberta. Giuliano ficou de fora ajudando seus homens a entrar. Depois tomou o comando, fechou a escotilha e decolou exatamente na hora em que um outro tiro rebentou também a escotilha externa da nave-mãe. Livre de sua prisão no hangar, o pequeno disco desapareceu do bojo da pobre Anastásia, tão duramente atingida. Enquanto se dirigia para a Fedória, Pop pegou o microfone do telecomunicador.

— Não estamos mais lá — disse ele como fora combinado.

Depois acrescentou, violando o que havia, sido planejado:

— Desejamos muita sorte a vocês todos...

A distância entre o aparelho de emergência e a Fedória, que continuava com seu fogo intenso, diminuía rapidamente. Se alguém pudesse vê-los lá de baixo, o que Pop duvidava, haveria de pensar que se atiravam loucamente, como suicidas, de encontro ao inimigo. Estava certo de que os homens de Baalol nunca compreenderiam o sentido desta manobra.

E disso dependia muita coisa...

— Isto vai nos ajudar muito mesmo! — exclamou Lofty Patterson furioso, ao ouvir a última frase transmitida por Pop.

Logo a seguir, a Anastásia se expôs a um projétil no maquinismo de propulsão. O aparelho de rádio, de onde saíra há pouco a voz rachada de Pop, soltou-se da parede e caiu no chão. Com o choque, Lofty foi atirado de costas e teve que se desviar para não ser atingido. Antes de bater no chão, o aparelho foi de encontro à tela luminosa que ainda funcionava, tirando assim a única ligação visual com o mundo de fora.

Lofty se levantou depressa, ouviu um chiado que encheu todo o aparelho e... sentiu-se horrorizado. A nave estava caindo!

Na frente dele, presos entre instrumentos e tubulações, estavam Ron Landry, Larry Randall e o robô. Ouviu a voz de Ron pelo rádio do capacete:

— Está na hora, vamos sair!

Lofty deu um grande impulso e pulou pela escotilha que já estava aberta. Através da fumaça, ainda conseguiu ver que o chão do corredor central já se achava semidestruído. Por um rasgão do piso, pulou para baixo, sem se machucar. Chegara assim mais depressa ao hangar.

O chiado que antes ouvira era produzido pelo ar que se tornava mais denso e passava com mais força por entre as partes rebentadas da carcaça e invadia a nave. Ainda antes de botar os pés no chão firme, Lofty sentiu-se carregado pelo jato forte de ar até uns dez metros para frente.

A voz de Ron Landry vinha de algum lugar.

— Fiquem juntos, meus amigos! Não percam o caminho, temos apenas um minuto.

Lofty se levantou. A fumaça estava por toda parte e as coisas perdiam seus contornos. Não se viam mais corredores e cabinas, apenas uma confusão de paredes, todas de metal plastificado, retorcidas. Lofty tentava passar por uma abertura estreita, caminhando na direção que julgava ser a correta. Cada passo o levantava do chão e o levava alguns metros para frente. Assim, não precisou de muito tempo para saber que se encontrava num beco sem saída. Voltou e já agora estava sentindo medo de ficar perdido neste montão de ruínas. Pelo menos até que todo o conjunto se espatifasse no solo do planeta. Começou a pedir socorro. Ron e Larry responderam. Contudo, suas vozes pareciam vir de muito longe, e pelo eco do capacete Lofty não podia saber realmente onde estavam. Começou a correr sem quase usar de atenção, batendo de encontro às paredes. E cada choque, devido à gravidade, o fazia recuar alguns metros. O suor começou a lhe penetrar nos olhos, tirando-lhe parcialmente a visão. Além do mais, a fumaça era constante. Não conseguia saber onde continuava o caminho. Ouviu quando Landry disse:

— Temos apenas dez segundos, Lofty.

— Então continuem executando o que está programado — gritou o velho com voz desesperada.

Ficou parado. Não valia mais a pena. Não acharia mais o caminho. Era o fim. Não sentia mais nem medo. Seria ridículo ter medo dez segundos antes da morte. O que sentia era cansaço, muito cansaço.

Ouviu um ruído perto dele. Uma chapa qualquer se desprendeu da parede e foi levada pela corrente do ar. Pela fração de um segundo chegou a ver por uma fenda na carcaça um trecho da mata virgem de Aptulad. Depois, a corrente de ar afastou um pouco a fumaça e Lofty pôde ver onde estava. A vinte metros dele, erguiam-se as paredes da escotilha do hangar. Lofty reconheceu o aparelho salva-vidas que ainda estava no mesmo lugar.

— Parem — gritou ele. — Esperem, posso vê-los agora.

Iniciou a última corrida, tropeçou em alguma coisa e foi de ponta-cabeça uns metros para frente.

A voz calma de Ron lhe respondeu:

— Estamos esperando, Lofty, cuidado!

Os últimos dez metros, ele os venceu com dois saltos. O último o levou para dentro da escotilha aberta. Ela se fechou na mesma hora e, antes que se abrisse a entrada para o interior do pequeno aparelho de emergência, viu que já estavam em marcha. A bordo de uma nave assim, não havia o dispositivo antigravitacional. O impulso fez com que caísse para trás. Mas mãos fortes o ergueram.

Confuso e extenuado, Lofty caiu num banco. Via agora na pequena tela de bordo o que observara pouco antes através das fendas na carcaça da nave abandonada: as grandes árvores da floresta virgem, que avançavam velozes contra ele!

Logo que se recuperou, o velho deu uma olhada na velha Anastásia, mas não viu mais nada dela. Assustou-se ao perceber que repentinamente as copas das árvores se curvaram como que agitadas por um furacão. A seguir, um clarão de relâmpago ofuscou a tela. Em manobra brusca, o pequeno aparelho descreveu um semicírculo. E tudo ficou claro. Não havia mais mistério.

A Anastásia colidira com o solo do planeta e explodira. Os reatores atômicos, que lhe forneciam energia, fizeram-na voar pelos ares. Parecia ter ocorrido uma explosão de bomba de hidrogênio. Surgiu logo o cogumelo incandescente da detonação no local em que a Anastásia aterrissara pela última vez, nos seus mais de cem anos de brilhante carreira. O cogumelo ganhou altura e cresceu para os lados.

Ron, finalmente, conseguiu ter de novo sob seu comando o girino, nome específico dos aparelhos salva-vidas.

— Escapamos por um triz! — disse ainda ofegante. — A explosão foi, mais ou menos, de um megaton e estávamos ainda dentro do perímetro crítico.

Ainda com a mesma rapidez, mas agora com toda tranqüilidade, o aparelho foi descendo de encontro ao dossel verdejante da mata.

 

Sem ser convidado, Nike Quinto fez uma visita com a Fedória a Trakarat e expressou ao Grande Baalol, que agia com inteligente reserva, seus sentimentos de gratidão por não haver intervindo na perseguição ao criminoso. Akrot-Tene, o Grande Baalol, recebeu o agradecimento friamente, sem palavra nem gesto. Não fez nenhum convite à Fedória, o que aliás Nike Quinto já previra. Durante a viagem, seus técnicos fizeram com que um dos gigantescos conjuntos de propulsão da grande nave terrana desse a impressão de séria avaria, causada por um projétil certeiro. Era natural que mesmo Akrot-Tene não pudesse fazer nada para impedir que os terranos ficassem tanto tempo em Trakarat, até que os danos fossem reparados.

Ainda antes da aterrissagem no planeta central, Nike Quinto já sabia, através de seus impulsos em códigos, que a descida do comando de ação de Ron em Aptulad se dera sem nenhum incidente. Também em Trakarat não havia nenhum indício de que alguém tivesse notado algo de suspeito sobre os agentes da Divisão III. Isto, porém, não queria dizer que houvesse alguma coisa importante em andamento em Aptulad. As atividades do grupo de Baalol no quarto planeta eram mantidas no mais rigoroso sigilo.

Três dias após a aterrissagem em Trakarat, Nike Quinto soube que seu comando de elite já havia chegado ao local em que as pesquisas começavam a dar resultados. O que mais interessou ao coronel no relatório foi a informação de que o número quatro do grupo, isto é, o sargento Meech Hannigan, descobrira em Aptulad uma atividade mental de tipo estranho e feita de uma forma completamente desconhecida. E isto, aliás, ocorria com maior intensidade na região em que estavam.

Meech Hannigan, com seu complicado sistema de micro-órgãos eletrônicos, não podia ser considerado, no sentido estrito, um telepata. Mas, como muitos robôs especiais, era dotado de uma singular sensibilidade. Sobre o tipo de pensamento dos seguidores de Baalol, tinha já muitos dados armazenados na sua memória. No relatório se dizia que Meech captava o estranho tipo de pensamento, juntamente com o já conhecido dos seguidores de Baalol.

Isto bastava para Nike Quinto achar correta sua suposição. A perigosa missão já ultrapassara o ponto crítico e, até então, tudo corria normalmente. Agora era necessário apenas esperar.

Um tanto apressado, Nike Quinto mandou ultimar os “trabalhos de reparos” na Fedória e deixou Trakarat.

Minutos depois, com violenta aceleração, a supernave atravessou o inóspito sistema, tomando a direção da Terra. Antes de abandonar o Universo de Einstein para penetrar no semi-espaço, a fim de disparar com imensurável velocidade, a Fedória atirou de seu bojo um pequeno aparelho auxiliar, um girino.

Esta nave salva-vidas era teleguiada e iria manter uma trajetória estável em volta do sistema Aptut. Na seqüência de sua programação, cabia-lhe ainda um papel muito importante...

A dois mil anos-luz de Aptulad, a Fedória emergiu novamente do espaço linear. Nike Quinto teve então tempo de enviar à Terra um relatório em código sobre a perseguição e destruição da “espaçonave assassina”. Depois, prosseguiu viagem... porém em direção oposta.

Da decolagem do girino do bojo da Fedória, ninguém notara nada em Trakarat. A pequena nave auxiliar estava agora a cerca de nove bilhões de quilômetros ou oito horas-luz do planeta, principal. O relatório de Nike Quinto já devia ser conhecido em Trakarat e naturalmente chegariam à conclusão de que a Fedória estava definitivamente de volta para a Terra, coisa de que até então se tinha muita dúvida.

Mas a Fedória voltou realmente para Aptulad e tomou posição a uma hora-luz além do planeta mais afastado.

 

Lofty Patterson estava de cócoras, esgravatando o chão úmido com um galho de árvore. A sacola, com instrumentos e algum alimento e mais coisas miúdas, já se achava em seu ombro, como já haviam feito seus colegas. Suava muito.

— É uma coisa esquisita — disse ele, olhando vagamente para frente.

Atrás dele, sentados num tronco de árvore, que teve de ser derrubado poucos instantes antes, estavam Ron Landry, Larry Randall e o robô.

— Qual é a coisa esquisita? — perguntou Ron.

— Não há animais por aqui — respondeu Lofty.

— Os de lá de baixo, acho que vocês espantaram — sentenciou Larry.

Lofty abanou a cabeça.

— Os maiores, tais como cobras, sáurios, ursos e outros... pode ser. Mas besouros, caracóis e vermes? Como é que a gente pode espantá-los?

Levantou-se e ficou observando por uns instantes o trecho no chão que esgravatara no húmus de folhas decompostas. Virou-se de repente para Ron Landry.

— Alguma coisa está errada por aqui — disse categórico. — Um chão assim, nunca vi.

Ron se aproximou e ficou observando, sem ver nada de extraordinário. Lofty procurou explicar-lhe.

— A camada superior do solo é lisa e fechada, não se vê uma perfuração. A terra não apresenta a granulação fina característica do habitat dos pequenos vermes. Se houvesse aqui besouros ou vermes, a gente veria os buraquinhos e a camada superior seria de torrõezinhos mais finos. Mas isto aqui...?

Um tanto inseguro, Ron virou para o lado e começou a examinar o solo, em outro ponto. Lembrou-se então de que em toda a caminhada do primeiro dia, desde o ponto de aterrissagem até a pausa foram atormentados constantemente por insetos parecidos com formigas. A mata virgem estava inundada deles e de outros tipos de bichinhos menores que encontravam no chão úmido abundante alimentação. Não reparara realmente que o número destes animaizinhos fora diminuindo, pois tinha a atenção voltada para coisas mais importantes.

Quando agora removia o chão recoberto de folhas mortas, à procura de formigas ou outros insetos, compreendeu que Lofty tinha razão. Alguma coisa estava errada por aqui.

Olhou para as copas cerradas das grandes árvores, verdadeira muralha de folhas, galhos, troncos, cipós de todos os tipos e parasitos exóticos. Esquisito que até agora nada lhe chamara a atenção para o silêncio sepulcral reinante em torno deles!

Por três dias de Aptulad, ou seja, por quase sessenta horas, andaram por todos os cantos da selva e, no primeiro dia, os silvos, grunhidos, uivos, pios agudos e constantes zumbidos, quase os deixaram loucos. Queriam até voltar para o pequeno girino, a fim de descansarem um pouco.

O aparelho estava escondido sob a ramagem emaranhada dos fetos, arbustos de folhas largas, muito longe do seu objetivo, para que os adeptos do deus Baalol não o pudessem rastrear. Mas Ron insistira em que continuassem a caminhada. Meech Hannigan ia à frente, abrindo caminho no denso emaranhado com seu desintegrador, sem porém fazer uso dos raios mais fortes, a fim de não criar campos de dispersão de fácil rastreamento.

No segundo dia fora melhor. Conseguiram abater um urso, um animal estranho que nada tinha de semelhante com o nosso urso-pardo. Era um tipo que parecia estar ainda na segunda geração. Além da respiração pulmonar, tinha também a branquial, possuindo no dorso uma série de escamas, que, para o movimento em terra, lhe eram totalmente inúteis. Meech examinou o animal e achou que devia ter boa carne. Depois que o assaram, viram que era mesmo excelente.

O alarido em volta não os incomodava tanto, acostumaram-se. Animais maiores e ferozes talvez não existissem na selva. Era mais dos pequenos que tinham de se precaver.

No terceiro dia... sim... Como é que fora mesmo o terceiro dia? Ainda continuara o alarido da bicharada? Ron tentava se lembrar, não conseguiu. A aproximação do objetivo o fizera esquecer estes detalhes de menor importância. Não vira, ao entrarem nesta região, que não havia mais vida animal.

Que força misteriosa era esta que emanava de lá, impedindo até a existência de besouros ou vermes? E o pior, como foi que não notaram isto?

Forçando a vista, Ron tentava ver além da clareira, da qual apenas uma fileira de árvores os separava. O brilho insuportável do sol queimava um vasto trecho de capim arroxeado e, rente ao chão, o ar cintilava.

Mais para trás, talvez quilômetro e meio, erguiam-se as estranhas edificações sem janelas. Eram formas inimagináveis, ligadas entre si por pontes, tubos gigantescos, que sugeriam um labirinto artificial. Já há mais tempo, Meech percebera a presença dos seguidores de Baalol. Pelo menos dois mil deles, como dizia, sem contar uma multidão de outros seres estranhos, cujas vibrações cerebrais lhe eram completamente desconhecidas.

Seriam estes estranhos que afastaram da selva os besouros?

Ron enxugou a testa molhada de suor e, não obstante os quarenta e cinco graus que reinavam sob a densa ramagem da selva, sentiu um calafrio nas costas ao ver a misteriosa e sinistra muralha que circundava a base secreta da seita de Baalol. Teve de fazer grande esforço para não perder a calma e fazer seus pensamentos voltarem ao bom senso.

Por um lado, considerava ele, quase não havia nada que os ajudasse, a não ser o fato de que os adeptos de Baalol nada sabiam da presença do comando de ação terrano em Aptulad. Acrescia a isto a circunstância de que as medidas de segurança dos nativos provavelmente não seriam muito rígidas, em se considerando que não contavam com que alguém se perdesse facilmente em Aptulad. Isto, porém, não passava de mera suposição, pois podia muito bem ser que a gente de Baalol já estivesse a par da penetração dos quatro terranos, esperando apenas que caíssem na cilada.

A seguir passou a considerar as desvantagens do grupo. A clareira de quase dois quilômetros, onde se erguiam as construções, não apresentava condições para se esconderem, a visibilidade era total. Alguns aparelhos automáticos de alarma seriam suficientes para o inimigo detectar a aproximação de estranhos. Mesmo à noite, bastaria um único holofote rotativo ligado a um detector adequado. De uma aproximação à luz do dia, nem era bom então falar...

— Mesmo rastejando como uma serpente — perguntou Lofty, em meio às conjeturas de Ron — como podemos avançar sem que nos percebam?

Ron sentiu como o velho e astuto mateiro, com toda experiência de seu planeta-pátrio Passa, tinha razão para estar nervoso.

Aproximou-se de Meech que estava sentado no chão, olhando aparentemente distraído para a frente.

— Sargento Hannigan! — exclamou Ron em tom enérgico. — Aguardo suas sugestões.

Meech se levantou e olhou afavelmente para seu superior.

— Às ordens, senhor! — respondeu todo empertigado. — Tenho um plano que aliás segue as regras da estratégia clássica. Se não lhe parecer muito anacrônico...

— Por amor de Deus, deixe de preâmbulos inúteis, diga logo do que se trata.

— Então, vamos lá — continuou Meech, desenvolvendo seu plano...

 

Sentado à sua mesa do escritório, Tappan parecia aprofundado no estudo de uma série de fórmulas, quando foi chamado.

— Um objeto desconhecido se aproxima da base — disse o jovem técnico que neste momento estava de serviço na torre de observação.

Tappan olhou calmamente para o semblante do rapaz na tela. O jovem não demonstrava medo, talvez apenas um pouco de curiosidade.

— E o que poderia ser este objeto?

— Não sei, nunca vi coisa semelhante.

É de uma forma retangular, descendo verticalmente e bem rápido, no setor sul.

Tappan ficou pensativo. O setor sul não era a mais importante seção das instalações. Podia-se deixar o estranho entrar e prendê-lo depois. Isto seria melhor do que atirar de longe e destruir tudo, pois então não se poderia mais saber de onde vinha e o que pretendia.

— Quem sabe é um animal?

— Pode ser! Ainda não conhecemos todos os animais de Aptulad e quem sabe existe algum que tem o formato de uma coluna retangular e se movimenta em altos vôos?!...

Mas isto não tinha pé nem cabeça. Tappan deixou a caneta de lado e se levantou.

— Já vou — disse ele.

A tela apagou-se.

O escritório de Tappan estava muito abaixo da superfície do planeta, próximo do corredor dos grandes laboratórios. Teve, pois, que percorrer um longo caminho por galerias estreitas, saguões espaçosos, profundos e escuros poços antigravitacionais, até chegar à torre de vigilância. Como sempre, quando percorria este trajeto obrigatório, ia se queixando sobre a exagerada economia com que Baalol construíra esta base. Poderia haver ali esteiras transportadoras ou vagões monotrilho ou qualquer coisa semelhante que facilitasse a movimentação de todos. Mas não havia nada disto, o longo caminho tinha mesmo que ser feito a pé.

Mas intimamente Tappan compreendia a situação, todas aquelas instalações tinham apenas um só objetivo, que, segundo os planos, devia ser atingido em poucos meses. E quem poderia supor que ao invés de meses levariam anos para um “entendimento” entre diversas raças?

Tappan tinha nos lábios um esboço de sorriso sardônico. Não podiam mesmo imaginar que seria tão difícil... Iam precisar de muito tempo ainda e, para um uso assim prolongado, a base se mostrava muito incômoda e sem as instalações agradáveis. Aliás, a esta altura, não se podia mais modificar nada, constatou ele resignado.

O jovem técnico, no seu reduzido local de trabalho, na torre de observação, nem se virou quando Tappan entrou. Estava sentado no centro de uma instalação, onde havia uma série de telas luminosas, dispostas em forma de ferradura, além de aparelhos de intercomunicação, painéis de comando e instrumentos de controle. Nem todas as telas trabalhavam ao mesmo tempo. Acendiam sucessivamente, mostrando por alguns instantes, um quadro de cada vez, de um determinado setor da base. E apagava-se depois. Tappan notou que já era noite lá fora. Aprofundado nos seus estudos, geralmente não dava importância às horas do dia. Sentiu de um momento para outro uma vaga sensação de medo, ao perceber que o intruso desconhecido escolhera, para sua visita, exatamente as horas em que o terreno em torno da base era iluminado apenas por um holofote giratório ultra vermelho.

Parece que o técnico sentia a mesma coisa. Virou-se para trás e fixou-se em Tappan.

— Você acha que ele possa ter intenções hostis?

Tappan não quis responder. O jovem era da mesma raça que ele. O sentimento do perigo começou a agir também nele, podendo compreender o que se passava com Tappan.

— Em qual das telas está ele? — perguntou Tappan.

O jovem apontou para um dos instrumentos na fila de cima e Tappan concentrou sua atenção na tela que no momento estava apagada, mas uns segundos depois acendeu. Viu o esquisito aparelho descrito pelo jovem técnico, um tubo de pelo menos três metros de altura e um e meio de largura que se movia bem rápido.

— Mantenha o holofote parado sobre ele — ordenou Tappan.

O técnico obedeceu na mesma hora e o farol se deteve sobre o objeto estranho com luz mais forte. Mas o aparelho não se preocupou com isso, continuando na direção da colina de areia da base. Tappan o observava com atenção. À primeira vista, parecia liso; só depois de observá-lo mais de perto, foi que notou reentrâncias e frisos. Viu quando tocou na areia e não sabia com que meios se locomovia no chão.

Enquanto o estranho aparelho se aproximava, tentou tomar uma resolução. Resolveu deixá-lo chegar livremente até a base. Estava pensando em enviar um grupo armado à saída sul para receber o estranho, mas não chegou a tanto, pelo menos por enquanto.

A porta se abriu para o lado e uma corrente de ar fresco veio do corredor lá fora. Por alguns segundos a luz amarelada do corredor desenhou no chão um quadrilátero, até que a porta se fechou de novo. Com visível mal-estar, Tappan sentia a presença incômoda do estranho.

O jovem técnico se levantou e Tappan viu o medo estampado em seu rosto.

— Está... está um deles aqui? — perguntou ele, angustiado.

— Sim — respondeu Tappan, imprimindo na voz um tom de firmeza. — Não fique com medo e não se preocupe. Quererá apenas saber o que está se passando aqui.

Os dois quedaram-se calados, na maior expectativa. Nada se mexia. Os dois sozinhos não estavam em condições de se mostrarem aos estranhos. A força de seus pensamentos não era suficiente. Ainda mais que Dilan, o técnico, não tinha outra coisa na cabeça a não ser medo, ao invés de se concentrar no hóspede invisível.

Tappan tinha constantemente que se haver com os estranhos, por isso não sentia mais nem medo nem repugnância. Enquanto observava a reação de Dilan, perguntava a si mesmo se as duas raças acabariam um dia se entendendo. Enquanto pensava sobre o assunto, esqueceu-se da coisa esquisita que se movia lá fora.

Mas não demorou muito e seus olhos se volveram para o areal lá fora e num movimento brusco, sem se preocupar com Dilan, deu a ordem que pretendia dar antes do aparecimento do estranho. Como se o invisível esperasse apenas por isso, retirou-se sorrateiro, e os dois homens de Baalol ficaram de novo sozinhos.

— Não os suporto — repetiu Dilan, com energia. — São antipáticos e asquerosos. Eles são... eles são...

Tappan sentiu claramente como o jovem pensava. Seu horror era tão forte que não achava palavras para se expressar. Tappan bateu-lhe de leve no ombro:

— Calma, meu jovem, nós todos tivemos que nos habituar com eles, por que terá que ser diferente com você? Não são eles a garantia de que conquistaremos na Galáxia o lugar que nos cabe?

Dilan olhou espantado, de olhos arregalados.

— Você acha — perguntou o jovem — que estamos agindo decentemente?

Surpreso, Tappan encrespou as sobrancelhas castanhas.

— Você também é um dos que duvidam?

— Não... não é isso, não pensei assim, escapou-me sem querer.

Tappan notou que o jovem não estava muito seguro. Daí para frente teria de ficar observando seus passos. As investigações sobre o caso Molol positivaram que o sacerdote não poderia ter escapado sem a conivência e o auxílio de uma segunda pessoa ali de dentro da base. Seria Dilan quem ajudara Molol a fugir?

Mas lembrou-se logo por que motivo estava aqui na torre de observação. Virou-se para trás e continuou observando as telas luminosas, em que podia ver até então o estranho aparelho. Ainda teve tempo de ver o objeto retangular desaparecer atrás de uma parede da base. Naquele canto morto das instalações não havia nem estrada nem instrumentos para captação de imagem.

Tinha que esperar agora o que o grupo de ação, que ele mesmo enviara para o local, iria resolver...

 

Meech se movia com o máximo de tensão e de concentração de espírito. Caso o pessoal lá dentro resolvesse atirar nele, à queima-roupa, teria apenas um décimo milionésimo de segundo para se proteger. Era a diferença de tempo que lhe dava a pistola de raios energéticos. E mesmo para Meech, um décimo, milionésimo de segundo era um período muito curto.

A armação, que ele construíra com o auxílio de Ron e de Lofty, de troncos, galhos e folhagem, não o impedia em nada. Era leve e estava bem firme, apoiada em sua cabeça. Tivera muito trabalho em dar ao conjunto a impressão de ser um aparelho de faces mais ou menos lisas, para isso trançara bem a folhagem. Perguntava-se agora o que estariam pensando lá dentro os seguidores de Baalol.

Manteve, de propósito, o tempo de marcha de dez quilômetros por hora. Era natural que os seguidores de Baalol começariam mais cedo ou mais tarde a ligar uma coisa com a outra. E muito já acontecera... Um de seus sacerdotes fugira num velho aparelho fora de uso; depois uma velha espaçonave dos saltadores procurara exatamente Aptulad como refúgio da perseguição de um supercouraçado terrano, sendo então destruída.

A gente de Baalol precisaria ser estúpida demais para não ver qualquer associação entre estes acontecimentos singulares e o aparecimento do estranho objeto que se movia. Era importante para a missão terrana deixar o mínimo possível de pontos de referência. Nunca se viu na Galáxia um ser que tivesse esta aparência disforme: um caixão de três metros! E nenhuma das raças inteligentes poderia fazer a pé dez quilômetros por hora. Seria mais um enigma para Baalol.

Quando Meech, no setor sul, já se encontrava a uns trinta metros dos complicados paredões da instalação, estava certo de que ninguém atiraria nele, sem antes avisar. Anulou então uma parte de sua concentração positrônica, dedicada ao reconhecimento instantâneo de um disparo de raios térmicos. Em compensação ativou uma série de outras faculdades e constatou em poucos segundos que diante dele havia um captador de imagens e uma entrada para o interior das instalações, muito bem camuflados.

A entrada, ele a podia apenas sentir pois tinha uma trava eletrônica e o conjunto irradiava um pequeno campo de dispersão característico. O aparelho formador de imagens, como Meech logo percebeu, não era nada moderno. O ângulo de filmagem era pequeno e o aparelho não captava nada que estivesse a menos de três metros dele e fosse de mais de um metro de comprimento. A entrada não possuía nenhum dispositivo de alarma automático.

Meech também sabia da existência de um farol de ultravermelho dirigido o tempo todo contra ele. Notara como modificaram o farol para tê-lo sempre na tela do vídeo. Isto representava vantagem para ele, pois, enquanto isto, o restante do terreno ficava sob plena escuridão.

O robô fez uma curva para a esquerda e escapou do campo de visão das objetivas. O setor sul do complexo de edificações era composto por uma parte central e uma série de “braços” laterais, saindo em ângulo reto do núcleo central, portanto paralelos entre si, mas com distanciamento irregular uns dos outros. Depois de ser contornado um destes braços, Meech se encontrava numa área livre entre dois outros. Logo constatou não existir nem dispositivos para captação de imagem, nem entrada para as instalações. Neste momento ninguém o podia ver.

Fez um buraco na parede externa, a fim de observar o interior das instalações. Se quisesse, por ali podia meter o cano de seu fuzil automático de fogo pesado...

E nem “pestanejou”: começou a atirar imediatamente!

 

Kildaar, que comandava o grupo de ação alarmado por Tappan, encontrava-se em dificuldade, não sabia como se aproximar do misterioso caixão, que agora perdera de vista. Para chegar até ele, Kildaar tinha que sair do edifício com seus seis homens, seguir o invasor em campo aberto. E este pensamento não lhe era nada simpático.

Resolveu esperar até que o intruso surgisse diante de qualquer captador de imagem e fosse visto nas telas da estação de controle e, mais do que tudo, estivesse próximo a uma das entradas.

Mas Kildaar realmente queria muito...

Mal tomara esta resolução, soaram as sirenas de alarma pelo setor sul. As telas conjugadas com o intercomunicador se acenderam no posto de vigia de Kildaar e surgiu o rosto pálido de terror do pobre Dilan. Kildaar ouviu-o gritar desesperado:

— Prenda-o, Kildaar! Está do lado oeste e atira feito um louco contra a parte central das instalações. Vocês têm que prendê-lo antes que nos cause um dano maior.

Os pensamentos de Kildaar pareciam penas ao vento. Por que razão um ser tão estranho assim tinha que atirar cegamente contra paredes? Que esperava de tudo isto? O chefe do pelotão de ataque estava oscilando entre a idéia de que Dilan o queria fazer de bobo e a de que teria de cumprir fielmente seu dever. Finalmente virou-se para seus comandos e gritou:

— Todos para fora, temos que pegá-lo!

Estavam esperando pela ordem e, no mesmo instante, dispararam pelo corredor abaixo, rumo à saída sul. Ao se precipitarem porta a fora, o ar quente da noite lhes varreu o rosto. Viram, porém, as fortes labaredas que crepitavam para o alto, entre dois braços da parte central. Viraram a esquina da ala lateral, vendo agora onde estava o caixão.

Mas o caixão parecia não ver o pelotão de Kildaar, e com a maior calma continuava com o fuzil introduzido na fenda da parede da parte central, atirando com a regularidade de uma máquina. Forçando a vista, o chefe do pelotão viu que as pedras da parede se dissolviam e escorriam até o chão.

— Fogo! — gritou Kildaar, excitado.

A luta durou apenas alguns segundos. Num fogo cerrado, o estranho caixão ardeu e, por uns instantes, o local foi iluminado por tão intensa claridade, que ninguém podia ver nada. Depois que tudo acabou, precisaram de algum tempo para se adaptarem à escuridão da noite.

Hesitante e mesmo com medo, Kildaar se atreveu a dar uns passos à frente, com a arma engatilhada, chegando até o local onde estivera o caixão. Achou apenas um montículo de algo carbonizado e respirou tranqüilo. As armas do pelotão fizeram um bom trabalho. Agora, porém, ser-lhes-ia muito difícil descobrir quem era o estranho invasor e o que ele pretendia.

Kildaar olhou em volta e observou preocupado o rombo de quase dois metros que o estranho abrira na parede da parte central.

 

Não foi realmente uma brincadeira de criança, mas Meech não precisou de maiores esforços. Percebeu a tempo a aproximação de Kildaar e de seus subalternos. Num décimo de segundo antes de começarem a atirar, rompeu a frente de seu caixão e saiu dele, sendo que quando a carcaça de galhos e troncos pegou fogo, o robô já estava em segurança, penetrando com extrema agilidade pelo rombo que ele mesmo abrira.

Deixara, de propósito, no caixão seu fuzil automático. No meio das coisas fundidas, depois da destruição do caixão, os adeptos de Baalol encontrariam uma boa quantidade de metal derretido, suficiente para provar o que sobrara da poderosa arma do estranho invasor. Meech não iria mais precisar da arma pesada, tinha outras bem mais eficientes.

Olhou cuidadoso em volta. O local onde estava parecia completamente vazio, com exceção das prateleiras ao longo das paredes. Portanto, devia ser uma espécie de arquivo. Sabia que não podia ficar muito tempo ali. A gente de Baalol haveria de querer reparar os estragos e fechar o rombo feito na parede. Se o pegassem, todo seu esforço estaria perdido.

Dirigiu-se para a porta e, em três segundos, desvendou o segredo do mecanismo da fechadura, dando depois uma série de impulsos que fizeram com que a trava se movesse. Meech ganhou um corredor bem iluminado.

Olhou para todos os lados. O ar estava saturado de irradiações de cérebros estranhos, mas aparentemente nenhum deles se achava por perto. Moveu-se para a esquerda, na direção norte.

Enquanto caminhava rápido, examinou o sistema de iluminação do teto. Seu plano se baseava no fato de ninguém o conseguir ver, pois a presença de um estranho nas instalações da base haveria de provocar a chegada dos fanáticos de Baalol, o que era uma reação mais do que natural. Mas mesmo assim não saberiam quem era o intruso e o que pretendia. Num mundo afastado como Aptulad, surgiriam milhares de hipóteses ou explicações. Meech poderia, pois, chegar ao ponto de não poder ter nenhuma iluminação em volta dele. Os seguidores de Baalol possuíam em geral uma série de dons parapsíquicos muito esquisitos. Mas nem por isso podiam enxergar no escuro.

Com um desvelo um tanto exagerado, correspondendo talvez à preocupação humana, Meech notou que as lâmpadas estavam ligadas sempre em série de cinco. Bastaria desligar uma delas, para apagar as demais. Estas cinco se distribuíam num percurso do corredor de quinze a vinte metros de extensão.

“Isto seria suficiente”, pensou o robô, “para a segurança pelo menos dos primeiros segundos.”

A preocupação de Meech se evidenciou desnecessária, pois caminhou mais de cem metros sem encontrar viva alma. Até então o corredor era em linha reta. Agora, na extremidade norte do setor central sul, dobrou em ângulo reto para o leste, seguindo nesta direção talvez trinta metros, virando de novo para o norte. Nesta caminhada, Meech notara com muita atenção quatorze corredores laterais que convergiam para o edifício arredondado da parte central do conjunto.

Registrara também outra coisa que lhe parecia muito importante. Os aparelhos que os homens de Baalol utilizavam não estavam à flor da terra. O robô sentia as irradiações produzidas pelos campos de dispersão oriundas do subsolo. Percebeu que a parte subterrânea das instalações era muito mais extensa e importante do que a da flor da terra. Aqui em cima talvez existissem apenas acomodações de moradia e de vigilância. O verdadeiro coração da base devia estar bem abaixo da superfície.

Meech calculou que ainda se encontrava a quarenta metros da extremidade norte da instalação, quando o corredor em que estava ia desembocar num saguão arredondado. Aquilo seria naturalmente uma área de circulação. Conseguiu contar vinte corredores que se distribuíam para todos os sentidos. Parou um pouco. Refletiu que direção tomar, pois, até então não percebera nenhuma entrada para os subterrâneos. Por outro lado, poderia ser muito proveitoso para mais tarde, descobrir a tal entrada, pois caso pudesse trazer até a base Ron Landry e seus dois homens, o problema “entrada” já estaria mais ou menos solucionado.

Não se resolvera ainda, quando percebeu uma coisa estranha.

Até então, captava as irradiações dos cérebros dos homens de Baalol e dos estranhos. Agora, de todas estas vibrações confusas se destacou a irradiação de um único cérebro, com toda nitidez. Meech parou. Conscientizou-se de que um daqueles estranhos estava diante dele.

Para um robô, o processo da recordação não é absolutamente sensacionalizado, nem decorre de uma maneira contínua. O quadro não se forma como um todo, tem que ser montado peça por peça. Meech tinha que examinar passo a passo o conjunto de suas informações armazenadas, para constatar por que motivo o cérebro da pessoa que estava perto dele era de alguém completamente estranho e não de um adepto comum de Baalol. Para um leigo, o processo pareceria igual e contínuo, pois, de uma fase de “recordação” para a outra, o robô levava apenas meio bilionésimo de segundo.

Toda atividade cerebral necessita de energia, e no processamento do consumo de energia surgem, então, os campos magnéticos de dispersão. De todos os processos normais que conhecemos, o do pensamento é o que tem uma estrutura energética praticamente pentadimensional. Como “médium” de transporte, serve para os campos de dispersão de um cérebro o mesmo hiperespaço que possibilita às espaçonaves uma velocidade aparentemente superior à da luz.

Este era o dado científico número um. O dado número dois dizia que, abstraído do caráter da mais elevada dimensionalidade, o campo de dispersão de um cérebro não se comporta diferentemente do de um aparelho de rádio. Nos campos de dispersão de um transmissor de rádio, pode-se distinguir as freqüências com que trabalha o emissor. Com aparelhos de maior sensibilidade pode-se ouvir até a emissão irradiada ou ao menos transmiti-la na freqüência básica em que está modulada.

Dado número três: é peculiar a cada raça um determinado âmbito de freqüência básica e um limitado número de tipos de modulação. Sabe-se que a freqüência básica e o tipo de modulação oferecem melhores possibilidades de identificação do que as características físicas da estrutura corporal, no tocante a seres de raças diferentes, ou do que a impressão digital entre os elementos de uma mesma raça.

Dado número quatro: o tipo de modulação e a freqüência básica que Meech captava neste momento não eram os de qualquer raça conhecida da Galáxia.

Dado número cinco: o robô Meech Hannigan estava diante de um dos estranhos que constituíam o objetivo deste comando de ação terrano em Aptulad.

E finalmente, dado número seis: o estranho era invisível. Não podia estar a mais de cinco metros dele e Meech tinha em todas as direções uma visão de muito mais de cinco metros... Apesar disso, não podia ver o estranho em parte alguma.

Para fazer todas estas constatações, uma depois da outra, Meech não levara mais do que três bilionésimos de segundo. Mas precisou de mil vezes mais tempo para saber se lhe era possível conhecer alguma coisa das atividades do estranho invisível. A resposta foi negativa. O tipo de modulação não podia ser interpretado de acordo com uma positrônica montada sob princípios de uma lógica terrana.

Logo depois de ter estudado em todos os sentidos a presença do estranho, Meech tomou uma resolução. Apontou a arma engatilhada na direção de onde vinham as vibrações do estranho invisível e abriu fogo sem perder tempo.

Um grito violento reboou no amplo recinto e, pela fração de um segundo, lá onde bateu o feixe de raios de um verde-claro, viu-se a silhueta de um vulto alto e magro. A sombra desapareceu tão depressa como surgiu. O eco desfez-se e os campos de dispersão do estranho cérebro desapareceram.

Meech continuou seu caminho, desistindo de entrar num dos corredores laterais. Já tivera seu primeiro encontro com o desconhecido. A questão agora era arranjar um meio de trazer Ron, Lofty e Larry o mais depressa possível para a base.

A maior vantagem do robô era não possuir reações emotivas, como medo e surpresa. Ao invés de perder tempo quebrando a cabeça sobre quem lhe viera ao encontro e quais seriam as perspectivas agora de um resultado satisfatório em Aptulad, depois do ocorrido, Meech catalogou as novas experiências e as incorporou ao acervo de sua memória. Quando fosse necessário, haveria de voltar a elas.

Nem mesmo o fato de já saber quem eram os estranhos exercia sobre ele a menor influência.

 

Um pouco desconfiado, Lofty olhava para o pequeno instrumento em seu pulso.

— Ainda continuam com o holofote dirigido para o sul — disse ele. — Não sei por que perdemos tempo aqui. Ao invés de esperarmos por Meech, seria melhor procurarmos penetrar em qualquer lugar.

Ron estava sentado ao lado dele, em plena noite escura.

— Meu nobre colega — disse Ron com voz suave, mas com uma ponta de ironia — posso chamar sua atenção para o fato de que já ouvi esta besteira pela quinta vez?

— Sexta vez — corrigiu Larry Randall.

— Está bem... Pela sexta vez você já disse isto. Se eu, aliás, soubesse que os habitantes de Passa são tão geniais que na elaboração de planos lógicos usariam um...

— Está legal — disse Lofty, interrompendo a indireta. — O resto já sei de cor. Não vou mais abrir a boca.

Ron estava sorrindo. No íntimo, ele também tinha a mesma impaciência que Lofty. A ocasião estava boa. Talvez estivessem já há algum tempo dentro da base, se o plano tivesse sido feito apenas por Meech. Por isso, agora, dentro do que fora combinado, teriam que ficar aguardando o sinal convencionado com o robô.

“Tempo mais que suficiente para raciocinar...”, pensava Ron. “Quem seriam mesmo os estranhos, atrás dos quais fomos mandados por ordem de Nike Quinto? Foi muito sintomático o coronel não ter dito uma palavra a respeito, quando pôs em ação nosso comando... Gastos gigantescos na preparação de um supercouraçado e na camuflagem de uma velha nave dos saltadores...”

Ron jogava com fatos para tentar aclarar o motivo da permanência dos terranos no planeta.

“Quem são eles?”, perguntava-se Ron, mentalmente. “A situação política no âmbito da Galáxia anda confusa. O Império Arcônida, em cujas principais posições estão quase exclusivamente terranos, encontra-se em sérias dificuldades. O império envelheceu demais, e ameaça desmoronar a qualquer momento, mas por motivos políticos do equilíbrio galáctico tem de ser mantido. O governo terrano não pode permitir um vácuo politicamente perigosíssimo no lugar onde existe o velho e glorioso reino de dezenas de milênios...”

Era fato sabido que, se Árcon perdesse sua força, surgiriam por lá os saltadores — racialmente aparentados com os arcônidas — os mercadores galácticos ou comerciantes-ciganos, como se queira dizer. Esses trabalhavam unicamente para o próprio bolso e só mereciam alguma confiança como aliados se o negócio lhes rendesse muito...

Não se devia esquecer também dos aras, os geniais, mas do ponto de vista terrano, inescrupulosos donos da Biomedicina, chegando até a desvendar os maiores mistérios da vida. Porém, ai daqueles que os quisessem deter nestes domínios científicos. Estavam sempre dispostos a financiar suas caríssimas experiências pelo tráfico de nocivos entorpecentes. E os terranos sempre os barraram nesta arrancada criminosa...

Ainda havia os antis, ou seja, os adeptos de Baalol. Embora seus planos não fossem conhecidos por ninguém, nunca se duvidou de que os seguidores de Baalol queriam a todo custo exercer a hegemonia absoluta em toda, a Galáxia. Em virtude da tácita aceitação dos postos importantes no Império Arcônida, este papel de liderança cabia inquestionavelmente à Terra, que tornou-se assim inimiga figadal dos adeptos de Baalol...

“Muito inimigo, muita glória”, pensava Ron, com sarcasmo. “Quanto a mim, preferia muita paz.”

A frota terrana estava espalhada pela Galáxia, ocupada em tempo integral em conservar a paz. Até hoje, jamais tivera uma derrota, em parte alguma do Universo. Mas não se podia ter certeza de que esta vantagem fosse continuar.

Dos extremos confins da Galáxia, surgiram seres estranhos, singulares sob todos os aspectos. Se eram oriundos de outras galáxias, ou das profundezas do espaço intercósmico, ninguém o sabia exatamente. Tratava-se de duas raças distintas, os pos-bis e os laurins. Os primeiros eram essencialmente robôs, com uma pequena porção de matéria orgânica, que lhes conferia o poder de captar os sentimentos dos seres orgânicos. Eram robôs que podiam até se enfurecer. Pelo que se sabia, eles consideravam todos os seres orgânicos da Galáxia como inimigos? Com uma fúria sem igual — e com uma tecnologia muito mais avançada que a dos terranos — precipitavam-se sobre todos que casual ou propositalmente cruzassem seus caminhos. Era impossível convencê-los de que ninguém lhes queria mal. Pareciam movidos a ódio.

Assim eram os pos-bis. Sobre os laurins, ninguém sabia nada, nem mesmo o que pretendiam, pois até então ninguém os conseguira ver.

Ron olhou em volta.

“Tomara que Meech chegue logo ou dê algum sinal”, pensava ele.

 

Tappan se mantinha ainda na torre de observação, quando chegou uma delegação dos estranhos. A porta rolou para o lado e de um momento para o outro, Tappan sentiu a presença de pelo menos seis cérebros. Seus portadores permaneciam invisíveis, mas Tappan percebeu que queriam falar com ele.

Dilan se levantara de seu posto, ficando de costas para as muitas telas na parede. Seus olhos confessavam medo e aversão ao mesmo tempo. Como que petrificado, olhava para o local de onde vinha uma vaga irradiação dos cérebros estranhos. Tappan ficou receoso com o rapaz, devido à sua surpresa com a visita inesperada.

“Quem sabe será melhor pedir ao rapaz que se retire?”, pensou e, logo depois, ordenou:

— Dilan, vá e traga Yram e sua gente.

Dilan olhou grato para seu chefe, contornou o local onde deviam estar os invisíveis e deixou o recinto. Tappan podia muito bem usar o intercomunicador para chamar Yram, mas seria melhor aproveitar a oportunidade e se livrar de Dilan, extremamente nervoso.

Enquanto esperava por Yram, Tappan ligou de novo o mecanismo giratório do holofote ultravermelho. Durante o nervosismo com o caso do misterioso caixão, esquecera-se de fazê-lo. As pequenas telas acendiam agora uma após a outra, percorrendo todos os setores ao redor da base. Tappan se convenceu de que tudo estava em ordem.

Enquanto isto, sua cabeça trabalhava a todo vapor. Os estranhos invisíveis estavam ali para se informarem sobre os recentes acontecimentos, não havia dúvida.

“Desde o princípio eles se mostraram muito receosos”, pensou Tappan.

A respeito das medidas de segurança tomadas em Aptulad, os estranhos sempre as achavam imperfeitas. Pareciam ter quase certeza de que alguém iria suspeitar de que ali, no meio das matas cerradas, existia uma base.

Sabia-se em toda a Galáxia que os adeptos de Baalol se limitavam exclusivamente a Trakarat, o principal planeta de seu sistema. E se tivessem que instalar uma base, quem haveria de acreditar que fossem escolher exatamente Aptulad, um mundo de florestas virgens, inóspitas e de um calor de matar, pois, de dois em dois anos de tempo local, passava entre os dois sóis do sistema, atingindo temperatura de até noventa e cinco graus Celsius.

Naturalmente era impossível fazer com que os invisíveis compreendessem isto. Ficavam sempre com seus receios infundados e agora queriam saber do incidente com o caixão. O que Tappan devia contar a eles? Que os restos do caixão calcinado foram examinados e se constatou unicamente a existência de matéria orgânica de plantas e um bloco de metal fundido? Este metal só podia provir de uma arma qualquer, com a qual o ser desconhecido abrira fogo contra o interior do edifício. Mas e a parte vegetal? O aparente caixão seria simplesmente uma planta? Havia o rombo aberto na parede, dando para um homem normal entrar ereto!

Tappan não podia se furtar à idéia de que o caixão de plantas não passasse de camuflagem para o verdadeiro inimigo, que, quando Kildaar começou a atirar, se salvou pelo buraco que abrira na parede. Aliás tudo isto não passava de simples suspeita, contra a qual lutava a parte consciente de sua inteligência. Se um estranho tivesse penetrado na base, então o cérebro disciplinado de Tappan teria logo distinguido as irradiações de seus pensamentos das de outras pessoas e dos invisíveis. Mas isto não aconteceu, portanto não havia nenhum estranho dentro das instalações da base.

Não obstante tudo isto, Tappan não se livrava de suas dúvidas, o que em si não teria maior importância. O ponto crucial era que ele não sabia quanto do seu conteúdo mental conseguiria ocultar dos terríveis invisíveis. Se chegassem a saber que ele mesmo não se achava seguro do que dizia ou pensava, estaria então em perigo todo o empreendimento. E isto novamente, não iria levar Akrot-Tene, o Sumo Baalol, a ter uma boa impressão de seu fiel servo Tappan.

O aparecimento de Yram com sua gente fez com que Tappan parasse de quebrar a cabeça com tais pensamentos desagradáveis. Não foi necessário explicar a Yram por que fora convocado. Desde que a base existia, Yram e sua gente tinham apenas uma única missão: possibilitar um diálogo com os estranhos invisíveis.

Já se positivara no primeiro encontro que um contato bem articulado entre a gente de Baalol e os estranhos, só se concretizaria quando dos dois lados existisse pelo menos um número mínimo de pessoas treinadas psiquicamente para isto. Tratava-se aparentemente de, por meio de forte corrente mental, quebrar uma barreira natural que se interpunha entre as duas raças. O Grande Akrot-Tene levou muito tempo e agiu com extrema cautela quando escolheu Yram e seus homens para tal tarefa e os mandou para Aptulad. Antes disso, Yram era o diretor do Seminário Sacerdotal para Meditação. Os que vieram com ele ocupavam no mesmo instituto religioso cargos de docentes auxiliares.

Sem dizer uma palavra, Yram e os seus se acomodaram num dos lados da mesa, onde há pouco tempo Dilan ainda estava trabalhando. Para Tappan foi reservado um lugar no centro da mesa, mas ele esperou até que os estranhos se aproximassem do outro lado. Logo em seguida ordenou a Yram e aos demais Que fechassem os olhos e se concentrassem na barreira invisível. Poucos segundos depois, tornaram-se visíveis as figuras esguias dos estranhos e Tappan começou a compreender seus pensamentos.

— Estranhos... penetraram... traição... perigo.

A muito custo Tappan dominou o impacto do susto. Sabia realmente o que eles estavam temendo.

— Na base não há nenhum estranho — respondeu com muita determinação.

Descreveu depois, com os conceitos mais simples, o incidente com o caixão de folhagem.

Sua exposição, porém, não foi muito convincente. Os invisíveis possuíam uma informação que contradizia a tudo que havia dito. Sentia que eles lhe queriam transmiti-la, mas tudo que entendeu foram palavras desconexas.

— Presença... apagado... existência.., irresistível... perigo...

A única coisa que compreendeu realmente foi que consideravam a situação perigosa e tinham medo. Isto o aborreceu muito, principalmente pelo fato de que não podia saber do que tinham medo. Acabou perdendo o controle e gritou:

— Com medo excessivo e covardia é que não vamos conseguir nada. Continuo repetindo que não há nenhum estranho dentro da base. Nós não vamos quebrar a cabeça só por causa de alguns medrosos.

Sentiu-se melhor depois deste extravasamento, por outro lado não corria o risco de que os estranhos compreendessem com exatidão tudo que dissera. Por serem por demais medrosos — parecia até a grande característica da raça — a pecha de covardia não apresentava nuances de depreciação moral.

Mesmo assim, a reação foi sensível. Com inusitada veemência, declararam os estranhos:

— Nenhuma proteção... iniciativa própria... admoestação... periculosidade.

Era mais do que claro. Não iriam mais confiar cegamente nos seus anfitriões, mas sim tomar medidas de precaução por conta própria.

— Não tenho nada a opor à sua resolução — respondeu Tappan secamente. — Façam o que acharem melhor.

No mesmo instante desapareceram as silhuetas dos estranhos na parede dos fundos. Tappan respirou aliviado, como resgatado de um pesadelo. Desfizera-se o ambiente de concentração e o contato com os estranhos cessou.

— Podem descansar — disse aliviado para Yram e seu grupo.

 

Para o sentinela na diminuta guarita ao lado da saída norte, foi uma surpresa quando, após um curto chiado, a corrente elétrica falhou. De um momento para o outro ficou tudo escuro no seu apertado abrigo, apagando também a tela luminosa, onde com o giro do grande holofote de ultravermelho se via de vez em quando um trecho do setor norte da base.

Heryl, o guarda, deu um pulo e se pôs de pé, instintivamente pensando no perigo. Estava agora dependendo de seus sentidos aguçados. Por mais que forçasse seu cérebro dotado de múltiplos dons extra-sensoriais, nada viu de anormal em sua redondeza. Mas a luz não voltara ainda. Algo havia ocorrido, pois a base possuía conjuntos especiais de emergência para tais casos e já eram passados muitos segundos.

Heryl ativou um anexo de seu cérebro e se cercou com um envoltório de proteção que o garantia contra os efeitos de qualquer arma. Foi uma atitude ilógica, pois estava certo de que poderia perceber a presença de qualquer inimigo nas proximidades. Quando notou pela leve vibração do anexo cerebral que o envoltório estava funcionando, respirou mais aliviado. Estava agora invulnerável a qualquer arma, fosse de projéteis ou do sistema de raios. A não ser que fosse bombardeado com projéteis e raios ao mesmo tempo, aí se romperia seu envoltório. Mas não estava preocupado com uma hipótese doida assim. Desconhecidos que se arrastassem nas trevas e cortassem os cabos elétricos costumavam estar equipados só com um dos dois tipos de arma. Heryl ficou pois esperando, já agora sentado à sua exígua mesa, de olhos fechados, mas de ouvidos aguçados. De repente, quando a porta à sua frente correu para o lado com um leve ruído, sobressaltou-se. Por um instante, teve o ímpeto de gritar por socorro, embora nada percebesse ainda da presença do invasor.

Passou-lhe, então, pela cabeça que a porta não poderia abrir assim facilmente, e além disso nem podia abrir mesmo, pois necessitava de energia elétrica para isto, que no momento estava em falta. Prova disso eram as lâmpadas apagadas e a tela do vídeo. Porém, Heryl fez tudo para vencer a onda de medo que o invadia. Que estava acontecendo?

Deu dois ou três passos incertos na direção da porta. Normalmente, da entrada poderia ver um bom pedaço do corredor que dava para o setor sul. Agora estaria tudo escuro...

— Não, não completamente escuro — disse ele com alívio. — Mais para os fundos as lâmpadas devem estar acesas, pois vejo uma leve claridade ao longe. Vou até lá, procurar saber o que está acontecendo. Alguém tem de me explicar por que os geradores de emergência não entram a plena força em ação.

Esta resolução lhe deu mais ânimo.

Dirigiu-se com determinação para a porta da guarita. Nada se mexia. No vão da porta, estendeu o braço para fora, a fim de se orientar e não bater de encontro a nada. Foi quando seus dons extra-sensoriais perceberam a presença de uma arma, simples, quase primitiva, que nada poderia fazer contra o envoltório de proteção de Heryl.

Ainda não havia tocado no batente da porta, quando recebeu um choque elétrico de tal intensidade que caiu inconsciente ali mesmo onde estava.

Meech Hannigan tinha desviado da porta metálica a corrente elétrica.

Logo depois a luz voltou intensa no interior da cabina! A guarita voltava a ser iluminada normalmente. Penetrou no pequeno recinto e esperou até que a porta fechasse atrás dele. Examinou o sentinela sem sentidos e constatou que não voltaria a si nas próximas duas horas.

Só depois deu o sinal combinado e saiu da guarita por outra porta, para mostrar o caminho a Ron, Larry e Lofty.

 

Tappan tinha sérios problemas. Diziam respeito aos estranhos e a um relatório para Trakarat, sobre o qual ainda tinha dúvidas se mandava ou não.

Sua opinião particular era de que jamais chegariam a um entendimento satisfatório com os estranhos invisíveis. Eram profundas demais as diferenças entre as duas raças, muito substanciais mesmo para poderem ser superadas. Mesmo a telepatia não dava resultado no momento em que o mundo de conceitos e de imagens dos dois interlocutores era diametralmente diverso. E era este, de fato, o caso.

Akrot-Tene não haveria de gostar de ler o relatório. Para ele, a inesperada chegada dos desconhecidos invisíveis fora como um presente do céu. Percebeu logo o Sumo Baalol como a elevada tecnologia dos invisíveis, que aparentemente vieram para Trakarat com boas intenções, podia ser aproveitada em sua vantagem. Pois, Akrot-Tene e seus milhões de súbitos regiamente dotados de dons parapsicológicos, cujo único e absoluto senhor era ele, conheciam apenas um objetivo: a dominação absoluta da Galáxia. A natureza os dotara com tudo que precisavam para se manterem como senhores incontestes nos lugares em que penetrassem. A única coisa de que necessitavam era de um poderio técnico que os pudesse auxiliar contra a berrante maioria de seus adversários.

E estes estranhos invisíveis possuíam o poderio técnico. Desde o início, Akrot-Tene não fizera segredo de suas intenções e tinha quase convicção de que os invisíveis o compreendiam e lhes dariam pleno apoio. O plano de dominar a Galáxia estava na iminência de se concretizar, de acordo com os cálculos de Akrot-Tene.

“Talvez ele tenha razão”, pensava Tappan. “Naturalmente, para nós não resta outra coisa senão obtermos o domínio total. Nascemos para sermos senhores do Universo.”

Mas Tappan não podia dizer se Akrot-Tene, no momento decisivo, estaria em condições de empregar bem a ajuda oferecida, ou seja, declarando explicitamente aos invisíveis, prontos para ajudar, até que ponto ele necessitava de sua técnica. Ou melhor ainda, se estaria no momento exato, com força suficiente para se opor, futuramente, a certas imposições que os invisíveis viessem a fazer.

Eram necessários, conforme sua opinião, anos de “preparação.” As duas raças tinham que se estudar mutuamente para poder conhecer o modo de pensar e a própria formulação do pensamento do outro parceiro, a fim de criar uma base para uma compreensão geral. E mesmo assim, tudo isto supunha que os invisíveis estivessem de pleno acordo com os planos de conquista, mais do que arbitrários e imperialistas, dos seguidores de Baalol, e não apenas tivessem vindo para a base de Aptulad por mera curiosidade, sem a intenção de intervir na política intergaláctica.

Tappan passou a mão pela testa. Tinha de chamar a atenção de Akrot-Tene sobre este fator de insegurança, mesmo que com isto incorresse no risco de perder sua simpatia.

Tappan se levantou, já de resolução tomada. Akrot-Tene iria receber o relatório e isto imediatamente. Qualquer delonga poderia ser prejudicial.

Dilan, que entrementes voltara para seu posto de vigia, um pouco acanhado devido a suas cenas de medo na hora da aparição dos invisíveis, sentiu um impacto de surpresa. Captara mentalmente o impulso irradiado pela resolução de Tappan, com toda nitidez.

— É uma situação melindrosa — disse ele, tímido. — Mas creio que você tem razão, é necessário expor tudo ao Sumo Baalol.

Sem maior interesse, Tappan constatou que o jovem compreendia seus pensamentos.

— É verdade — disse distraído. — Primeiro devemos estar certos de que um entendimento racional seja possível. Só depois podemos pensar em ação conjunta.

Não reparou que Dilan teve um estremeção. Como também não notou o tremendo impulso que emanou do cérebro do jovem. E este fragmento dizia claramente que ele, Dilan, esperava que jamais se desse este “entendimento racional”.

Mas Dilan não teve tempo de externar seu sentimento de lamentar o fato por ter sido tão imprudente em manifestar tão publicamente sua repulsa contra os invisíveis. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, algo semelhante a uma cúpula invisível se abateu sobre seu cérebro. Era uma sensação esquisita, asfixiante. Ouviu um ronco cavernoso e viu Tappan dar um passo incerto e cambaleante, apoiando-se no batente da porta. Tappan se virou para trás e disse alguma coisa ao jovem subalterno, mas Dilan não captou os pensamentos expressos aos gritos. Já estava isolado do mundo ambiente.

Sentiu medo no primeiro instante, levantou-se e gritou. Tappan olhava para ele, sem compreender. Dilan correu e se agarrou nele, pedindo proteção. Tappan o pegou pelos ombros e o sacudiu. Só então Dilan voltou a si e ativou as inúmeras células de defesa de seu cérebro, que aprendera a controlar na escola sacerdotal. No mesmo instante desapareceu a horrível pressão. Fosse o que fosse, aquela carga estranha não resistira às poderosas energias do cérebro de um adepto de Baalol.

Já podia ouvir a voz de Tappan e receber seus pensamentos.

— Esqueci de lhe dizer uma coisa, Dilan. Os invisíveis estão crentes de que alguém penetrou aqui. Pretendem expulsá-lo à maneira deles ou, no mínimo, torná-lo inofensivo. Talvez seja isto que acabamos de sentir agora. É melhor você conservar seu envoltório de proteção ligado.

 

No interior da base, reuniram-se os estranhos, invisíveis a todo aquele que passasse por ali sem possuir os dons extra-sensoriais. Com todos os meios que estavam à disposição de seu incrível cérebro, procuravam destruir o inimigo intruso e todos que viessem atrás dele.

Eles somente sabiam com certeza da existência de um invasor na base, pois um deles fora assassinado. Ou como os invisíveis se teriam exprimido: “sua existência fora suprimida pela presença de algo inevitável”.

Iniciaram a concentração com uma longa meditação. E pelo menos aqui sua lógica não era diferente da de outros seres racionais, pois supunham que outros invasores também continuariam vindo do setor sul, como o primeiro. No entanto estendiam suas medidas de segurança, também, ao setor norte do complexo de edifícios para porem em xeque-mate o primeiro intruso. Contudo, a parte sul da base merecia um pouco mais de seus cuidados, a fim de destruírem os demais invasores.

Fizeram uma triste constatação: o inimigo possuía uma arma contra a qual não tinham defesa.

 

Ron contemplava pensativo o vigia desacordado.

— Você disse horas? — perguntou ele ao robô.

Meech confirmou.

— Sim, ficará inconsciente duas ou três horas.

Ron parecia hesitante.

— É tempo suficiente? Não podemos fazer uso do alarma enquanto estivermos dentro da base.

Em perfeita imitação dos hábitos humanos, Meech franziu as sobrancelhas, como se quisesse lembrar-se de uma coisa importante.

— Antes que eu me esqueça, senhor... era sobre isto que lhe queria falar. Tive oportunidade de fazer um cálculo do número dos seguidores de Baalol que se encontram na base. Chegam mais ou menos a três mil. Considerando a pequena extensão da base, temos uma chance muito reduzida de passarmos mesmo a primeira hora sem sermos percebidos. Não tem, portanto, muita importância se este sentinela acorde depois de duas ou três horas e dê o alarma. Para nós, o ideal seria podermos resolver nosso assunto em quarenta ou cinqüenta minutos, ou em um pouco menos...

Ron ficou refletindo a respeito. Meech já lhe falara, sucintamente, quando penetraram na base, sobre suas observações.

— Quanto à identidade dos invisíveis, não há mesmo nenhuma dúvida? — perguntou pela quarta vez a Meech.

Meech sacudiu a cabeça negativamente.

— Já fizemos uma vez a experiência de que estes seres só são vulneráveis através dos desintegradores. Isto aconteceu uma vez a bordo da estação espacial BOB-XXI. Mesmo os efeitos de volatilização, que se seguem após os disparos do desintegrador, são aqui como lá os mesmos. Não podem existir dúvidas de que os invisíveis dessa base são membros da mesma raça extragaláctica dos laurins.

E era assim mesmo. E ninguém precisava mais quebrar a cabeça para saber por que Nike Quinto não fizera menção aos tremendos gastos financeiros deste empreendimento. A princípio, Ron se assustava com o pensamento de que Nike Quinto estava correndo um grande risco quando este concluiu através dos fragmentos de informação do sacerdote de Baalol que era certa a presença dos laurins em Aptulad. Agora, porém, tinha que conceder que tal conclusão fora acertada. Os laurins estavam aqui e Molol afirmara que a técnica de se entenderem era muito difícil. Mas alguma coisa já progredira neste sentido.

Isto significava que se podia também capturá-los e este pensamento deixava Ron muito excitado. Estavam já nas pegadas certas de um grande mistério que há muitos e muitos anos empolgava o pensamento dos cientistas da Galáxia: o fantástico enigma dos laurins que, das profundezas do espaço intergaláctico, avançavam para a Via Láctea, com intenções que os povos da Galáxia certamente não aprovariam. Por que razão se escondiam de todos e foram travar o primeiro contato amistoso exatamente com os seguidores de Baalol?

Em traços gerais, Ron estava percebendo os contornos do complô. As duas estranhas raças com seus tremendos dons super-humanos se completavam e representavam para a grande aliança galáctica o ponto nevrálgico de sua segurança.

Tratava-se, pois, de saber como se defender. A pergunta era em si impossível de ser respondida, pois ninguém sabia como seria o inimigo, ninguém nunca o vira. Devia-se, pelo menos, prender um deles e examiná-lo, procurando saber ao que eram mais sensíveis, se às balas de revólver ou aos raios energéticos, se às setas envenenadas ou às armas hipnóticas...

O objetivo do comando de ação, até então meio nebuloso, apesar de todas as informações, surgia agora sob uma nova luz. Capturar um laurin e trazê-lo incólume à Terra.

— Para atingir a primeira fase da missão — dissera Meech — tinham à disposição cerca de cinqüenta minutos.

Depois de olhar um pouco em volta, Ron ordenou:

— Vamos agora! Não há nenhuma regra especial do modo de agir. Não se sabe onde e como podemos encontrar os laurins. Em condições normais, costumam estar sempre invisíveis. É o que diz a experiência de Meech. Não me perguntem como será o ambiente no qual poderemos botar a mão num laurin. Cada um de vocês haverá de ver com os próprios olhos quando chegar a hora. E agora, vamos!

Pelo corredor bem iluminado foram penetrando na direção sul. Agora, como antes, o silêncio era absoluto. Somente Meech Hannigan percebia alguma coisa. Isto é: a continua vibração dos campos de dispersão dos aparelhos de consumo e de produção de energia elétrica em instalações subterrâneas. Sentia, também, alguns milhares de cérebros trabalhando.

Por algum tempo pareceu que os quatro terranos iriam atravessar toda a base, sem serem incomodados, e chegar à saída sul, sem se encontrarem com os laurins. Atingiram o grande recinto de circulação, onde Meech se deparara com o invisível, e... nada acontecia.

Ron resolveu atravessar o recinto pelo caminho mais curto, ir até os edifícios laterais, para onde levavam muitos corredores, e lá esperarem uns momentos. Meech, que caminhava na frente, já tinha atingido o inicio do corredor. Três metros atrás dele vinha Ron, depois Larry e fechando a fila o velho Lofty.

Apenas numa fração de segundo, Ron teve a sensação de perigo iminente...

No mesmo instante, uma pancada tremenda o atingiu e atirou ao chão.

Não estava propriamente inconsciente, apenas não se podia mover. Não sentia dores, mas se lembrava de ter tido a impressão de que alguém lhe aplicou boa cutilada. O impacto paralisou os nervos, tolhendo-lhe os movimentos. Queria saber apenas quando cessariam os efeitos.

Quem o golpeara? Não havia ninguém por ali! Ron viu a seu lado um par de botas, que sem dúvida pertenciam a Lofty Patterson, e, um pouco mais para frente, a mão dê alguém que calçava luva, certamente seria Larry Randall. Com o canto do olho direito, porém, viu a ponta da calça de Meech Hannigan. Este quadro lhe deu mais coragem, pois pela posição da barra da calça, se podia perceber que Meech ainda estava de pé.

Procurou de novo se mover. Alguns músculos pareciam reagir, mas tudo que conseguiram foi apenas provocar a dor. Ron queria dizer alguma coisa, mas quando abriu a boca, teve a impressão de que alguém lhe insuflava com veemência ar fervente pela garganta a dentro. E desistiu...

Ao lado dele, Meech sussurrou:

— Trata-se de um fenômeno estático, senhor, podia-se chamá-lo de campo de choque, no caso, energético, tal qual os aplicados por nossas armas. Extremamente forte. Há uma pequena chance de eu poder ser útil. Tenha um pouco de paciência, por favor.

Ron não tinha paciência nenhuma, mas isto não importava. Ele, Ron, não podia mesmo fazer nada. Percebeu que Meech se movimentava por perto e, finalmente, desapareceu de sua vista. Escutou seus passos atrás de si e entre cada passada aguçava o ouvido paira perceber qualquer ruído do grupo de Baalol, que podia surgir a qualquer instante para prender os indefesos invasores. Notou de repente que uma parte da dolorosa compressão tinha sumido.

— É tudo que posso fazer, senhor — ouviu Meech dizer de algum lugar atrás dele. — O campo de choque, senhor, se reduziu a quarenta por cento, por meio de uma barreira energética. Já pode mover-se?

Ron tentou, era como se se movesse numa massa grossa onde estavam incrustados espinhos, dos quais não podia fugir. E eles lhe penetravam o corpo, produzindo dor dilacerante. Sentiu-se mal quando se pôs de pé. Com dificuldade virou a cabeça e olhou para os dois homens. Lofty já estava de joelhos e Larry já tinha erguido a parte superior da tronco.

— Depressa! — disse-lhes Ron. — Podem chegar a qualquer momento.

— Onde começa o campo? — perguntou a Meeeh.

O robô ergueu o braço, apontando para um corredor que, partindo do recinto de circulação, levava para a esquerda.

— Lá, senhor!

— Sabe como é produzido este campo?

— Sim, o modelo energético é inequívoco. Não se trata de um campo de produção mecânica. Tem sua origem num grande número de geradores orgânicos, provavelmente cérebros. Com outras palavras, parece que possuem lá dentro uma multidão de pessoas que se congregam num esforço coletivo à base de suas energias mentais.

— São gente de Baalol?

— Não, senhor.

Era a resposta. A suposição de Ron fora certa. Não eram os seguidores de Baalol que vinham expulsar os intrusos, mas sim os invisíveis, os laurins, o que complicava muito a situação.

Por que razão os fiéis de Baalol ainda não haviam intervindo? Numa situação destas, não seria do seu feitio deixar aos outros a defesa dos seus interesses. Qualquer que fosse o motivo, Ron teve subitamente uma nova idéia.

— Como é que os homens de Baalol reagem a este campo? — perguntou Ron, vendo como Lofty e Larry conseguiram ficar de pé, mas se contorcendo de dores.

— No momento em que recebem o choque, com um impulso muito forte, senhor.

Isto é a única coisa anormal. Logo depois se acalmam e sua atividade mental continua normal.

A nova idéia de Ron tomava corpo. Naturalmente, surpreso com os antis, que não podiam ser influenciados por um campo de choque, pois possuíam milhares de possibilidades de se resguardarem.

O plano já estava pronto, mas Ron ainda hesitava. Os laurins estavam em algum lugar da base, talvez numa das construções semi-esféricas e produziam o campo de choque numa concentração-monstro. Talvez este esforço coletivo lhes tirava a possibilidade de se tornarem invisíveis. E quem sabe, se fossem para lá, sob a proteção de Meech, haveriam de encontrar um grande número dos laurins, em carne e osso, bastando pegar um ou dois deles e fugir o mais depressa possível? Era esta a finalidade da missão!

Alguns setores ainda estavam obscuros. Talvez o campo de choque, quando os terranos se aproximassem dos laurins, se tornasse tão violento que o próprio Meech não os poderia mais proteger. Decidiu-se então por uma via mais segura. Para grande surpresa de Lofty e de Larry, Meech foi levando a todos mais para o sul, embora o inimigo procurado estivesse certamente do lado direito, isto é, do lado oeste. Ron não deu nenhuma explicação.

 

Tappan acabara de enviar seu relatório e, com isso, se sentia mais aliviado. Quanto à resposta, sabia que não ia demorar muito. Em assuntos importantes, Akrot-Tene tomava resoluções rápidas. Seria, pois, melhor que aguardasse ali ao lado do aparelho transmissor e receptor.

Mas as coisas não correram do modo que imaginava! Antes que o Grande Baalol tivesse tempo para responder, Tappan teve a sensação de que algo não estava em ordem lá por cima, na parte exterior da base. Tentou analisar o estranho sentimento. Sinais de inquietação geral vinham de toda parte. Devia haver por lá alguns dos seus que estavam sentindo muito medo. Não podia ser o campo de choque dos invisíveis que provocava este medo, pois o campo já estava em funcionamento há mais tempo. Alguma outra coisa nova devia estar se passando lá em cima.

Tappan poderia ativar o setor telepático de seu cérebro e entrar em ligação com sua gente. Se, por outro lado, houvesse alguém lá em cima que criava a situação de medo — por exemplo, o inimigo intruso — de quem até os invisíveis ficavam temerosos, poderia ser também um telepata e assim pressentir a chegada de Tappan.

“Portanto, não é o método certo”, decidiu mentalmente o sacerdote.

Deixou o recinto onde estavam os aparelhos de radio transmissão e começou a formar um grupo com os homens que se encontravam de serviço nos laboratórios. Com a corrente de fluidos mentais de todos eles, iria ver o que se passava lá por cima.

 

Ao atingirem, com enormes esforços, sob a direção de Meech, o setor sul da base, sem encontrarem viva alma, Ron ficou impaciente. Além disso, todos tinham a impressão de que a cada passo o campo de choque ficava mais resistente. Meech confirmou esta suposição. Para ele, pessoalmente, não deixava de ser uma espécie de satisfação eletropositrônica o fato de que os invisíveis tinham caído no seu truque, concentrando toda sua atenção no setor sul. Alas para seus três companheiros orgânicos, isto siginificava que não podiam mais continuar caminhando nesta direção.

Por este motivo, Ron alterou seu plano. Havia portas nos dois lados das paredes dos corredores e tanto ele, como Meech, estavam convencidos de que serviam de entrada para os aposentos dos adeptos de Baalol. Deu ordem a Meech para abrir uma das portas e a suposição confirmou-se. Encontraram um local de trabalho e, ao lado, um quarto de dormir. Mas não viram ninguém. Na outra porta, deu-se o mesmo. Ambos os recintos estavam vazios.

Tiveram, porém, mais sorte na terceira tentativa. Quando a porta rolou para o lado, dois jovens de Baalol olharam espantados para eles. Estavam à uma mesa, no meio do aposento, ocupados com uma pilha de papéis. Meech Hannigan tomou a palavra.

— Levantem-se e venham conosco. Considerem-se prisioneiros e não façam nenhuma besteira.

Falara em arcônida e os dois jovens compreenderam palavra por palavra. Após o primeiro susto, sentiram que a situação não era tão séria. Um grupo de invasores, formado por quatro pessoas, das quais três davam impressão de estarem muito doentes, não ia conseguir escapar, de maneira alguma. O perigo não era, pois, tão grande. Mais cedo ou mais tarde teriam que ser libertados. Tudo dependia de se manterem calmos e não provocar a ira dos invasores.

Assim aconteceu que Meech, enquanto ia vasculhando um aposento após o outro, não encontrou nenhuma resistência. Depois de algum tempo, os terranos conseguiram arregimentar um grupo de vinte “assistentes” de Baalol, com os quais seguiram depois para o setor norte.

A operação não levou mais de vinte minutos...

 

Ao chegarem ao grande saguão arredondado de circulação, depois de caminhar alguns minutos, estando todos os prisioneiros ainda nas mãos dos terranos, e ninguém se movia para libertá-los, começaram a ficar inquietos. Que os quatro que os haviam prendido vinham da Terra, já lhes era uma convicção pacífica, pela observação que faziam de certas características. E esses terranos não possuíam dons telepáticos. Podiam pois se comunicarem sem que os invasores percebessem alguma coisa. Assim que atravessassem o espaçoso saguão, combinaram de atacar os terranos.

Já que Meech falava bem a língua inglesa, usou-a agora com Ron.

— Naturalmente não posso ler os pensamentos deles, senhor. Mas suponho que estão tentando um complô.

E o plano dos antis foi parcialmente “destruído”, quando o mais alto, o de cabelos castanhos, que guiava o grupo, virou de repente para a esquerda e logo depois estacou. E ele havia parado antes de chegarem ao local que os baalóis combinaram como ponto X para iniciar a reação. O terrano se virou para eles e os ficou fitando. Sentiram a determinação nos olhos dos terranos, mesmo antes que Ron começasse a falar.

— Sei o que pretendem — disse em arcônida. — Talvez alguns de vocês portem armas. Aviso: não nos poderão deter.

Deixou as palavras atuarem neles. Viu o desespero no rosto daquela gente e percebeu que tinha acertado em cheio. Antes que se recuperassem do grande impacto, ordenou-lhes que se distribuíssem em três filas. Formaram-se de tal modo que nas filas laterais havia sete homens, enquanto na do centro, somente seis. Não sabiam o significado disto e os terranos também não fizeram questão de lhes explicar. Ao invés disso, o grandalhão os levou para um corredor lateral e, antes de chegarem lá, os terranos se colocaram estrategicamente entre eles. E algo estranho aconteceu...

Com voz afetada, Ron podia agora dar suas instruções. Antes não tivera como explicar o que pretendia. O próprio Meech não sabia de nada, pois não sofria a influência do campo de choque. Já Larry, ao sentir de repente o efeito, soltou apenas um gemido de prazer. Somente Lofty Patterson falou:

— Santo Deus! É como se a gente tivesse acabado de nascer.

O campo de choque desaparecera. Cada um dos adeptos de Baalol ligava em torno de si o envoltório individual de proteção, que neutralizava a ação da irradiação dos choques. O envoltório de cada um tinha apenas uma certa extensão, mas agrupando-se muitos deles e colocando-se então entre eles, participava-se de sua proteção e não se era mais “torturado”.

Ron sentiu como ficou livre daquele peso ao penetrar entre a fila da esquerda e a do meio. Respirou feliz, pois até então não tinha certeza da eficácia de seu plano.

Marchando nesta ordem, penetraram no corredor lateral, onde conforme Meech, as irradiações eram mais fortes. O corredor não era extenso. Depois de menos de trinta metros, terminou numa porta que mais parecia uma escotilha de espaçonave. Havia diferenças, mas só na forma externa.

Ron não quis perder tempo com tais considerações. Mandou Meech para frente a fim de abri-la. O robô precisou de três minutos, o que significava ter encontrado muita dificuldade. Geralmente não levava mais de três segundos em fechaduras encrencadas. Ron não deu maior importância ao fato. Só quando viu que realmente era uma escotilha pesada que dava para um recinto vazio com outra escotilha na parede oposta, é que percebeu onde estava. Mandou que Meech parasse e olhasse em volta. Tudo vazio, isto é, não se encontravam ali móveis ou instrumentos de espécie alguma. Do teto pendia uma confusão de fios e tubos. Tal confusão era idêntica à que se podia ver nas comportas das grandes espaçonaves terranas. Só que aqui os cabos e tubos tinham um feitio diferente e eram de várias cores, certamente para melhor identificação. Além disso, era de se notar que as paredes não desciam retas para o chão. O teto tinha um leve abaulamento.

Quanto mais Ron olhava em volta, mais se lhe acentuava o caráter estranho de tudo aquilo. Conhecia a maior parte das espaçonaves da Galáxia e, mesmo perante tipos que nunca vira antes, podia dizer à primeira vista a que raça pertenciam, e quem as tinha construído. As diversas civilizações técnicas possuíam, cada uma, seus modelos típicos. Pela forma de construção, por sua técnica espaçonáutica, podia-se identificar uma raça tão bem como se identifica um indivíduo pela impressão digital.

“Mas isto aqui é estranho, horrivelmente estranho”, pensou Ron.

Ficou um instante imóvel, deixando seu cérebro assimilar o que via. Não chegou à idéia de se alegrar com o fato de ter sido o primeiro ser humano a ter diante de si uma espaçonave daquele tipo.

Passou-lhe pela cabeça como seria glorioso levar para a Terra além de uns laurins como prisioneiros também a sua espaçonave. Bastou-lhe, porém, um olhar ligeiro, para compreender que isto era um plano irrealizável. Não conseguiriam distinguir, no posto de comando, a alavanca de velocidade da alavanca da instalação climática. E seria muito duvidoso, além de perigoso, obrigar um laurin a dirigir a nave. De qualquer maneira, os homens de Baalol haveriam de abatê-la com sua poderosa artilharia, antes de chegar a cem metros de altura.

Esqueceu a idéia e olhou para Meech, que moveu a cabeça confirmando, pois compreendera a pergunta que não chegara a ser feita.

— Sim, deve ser uma nave dos laurins.

— Certo. Então vamos abrir a escotilha interna.

O chefe do comando terrano estava agora muito tranqüilo. Enquanto Meech “trabalhava” a fechadura, passou uma revista nas filas dos homens de Baalol. Nem todos prestavam atenção na escotilha da frente, mas mesmo assim mantinham a ordem em que foram colocados. Lofty se virara para trás e seu porte sério incutia respeito nas filas do fundo. Tinha na mão direita uma moderna pistola térmica e na esquerda uma linda e antiquada Deringer. Sabia que aqueles homens estavam muito avançados no domínio mental e podiam, a qualquer momento, produzir o tal envoltório de proteção que os tornava imunes aos raios térmicos ou a projéteis materiais. Contudo, tal envoltório não os protegeria dos disparos simultâneos.

E não fazia segredo de que usaria as duas armas assim que alguém tentasse um movimento suspeito.

Ron continuava contente. Quando se virou para frente, Meech já estava pronto. Desta vez, o trabalho foi bem mais difícil, pois teve de eliminar uma ligação de alarma, sem a qual não poderia abrir a escotilha. Mas conseguira, a escotilha abriu lentamente para o lado.

Os homens de Baalol continuaram a caminhada. Meech esperou sob a escotilha até que Ron, separado dele pela fila interna dos prisioneiros, chegasse até ele. Passaram pela abertura. Os prisioneiros da frente pararam de repente. Ron olhou em volta. Esperava entrar num recinto de onde saíssem corredores e elevadores para todas as direções.

O que viu ao invés disso, quase lhe fez perder o equilíbrio.

Um enorme salão se abria diante dele. Numa claridade feérica erguiam-se solenes as paredes oblíquas, formando no alto uma cúpula majestosa. Tudo parecia feito apenas de luz, de claridade intensa. Sob a magia da luz azul-clara, que em catadupas suaves espadanava do alto, o ambiente dava a impressão de não ter fim.

Não se viam móveis ou instalações através dos quais se pudesse averiguar a finalidade ou a função daquele ambiente feérico. Havia apenas as colunas, esguias como postes de iluminação, com formações grotescas, porém, todas em ordem, agora observando silenciosas e imóveis a entrada dos terranos e sua escolta dos prisioneiros, os seguidores de Baalol...

Eram pelo menos cem...!

Ron podia vê-los tão nítidos como estava vendo Meech ali a seu lado. Fixou bem o quadro, para guardá-lo. Pareciam mesmo postes, ou melhor, estacas. O corpo em si não era mais grosso do que o tronco de um homem normal, apoiado em três pernas bem finas, dando impressão de também frágeis. Uma das três não terminava em pé, mas num esporão. A parte superior do tronco afinava de repente, isto é, tornava-se um tubo fino. Ou melhor: era o pescoço. Três olhos, que da maneira que estavam dispostos, formavam um triângulo, pareciam vazios. A cabeça assemelhava-se com a de um golfinho.

Braços, Ron só conseguiu ver com muito esforço, finos demais, balançando dos dois lados do corpo-estaca e terminando num grande número de tentáculos.

Era esta a figura dos laurins. Nada do que Ron vira até então se igualava a isto. Mas já contava com um aparecimento tão absurdo como este. Também não se impressionou com o fato de os laurins se encontrarem na frente dele, nítidos e agressivos, mesmo sabendo que, geralmente, eles se mostrassem invisíveis. Mas tudo que, neste instante, Ron sabia é que os laurins aí estavam. E que o mais próximo se achava a oito ou nove metros dele e todas aquelas figuras se apagariam, caso Lofty, Meech, Larry e ele não as atacassem o mais depressa possível.

A disciplina forçada dos prisioneiros, os adeptos de Baalol, estava ameaçada. Provavelmente aquela visão até para eles era um quadro chocante e inusitado. Meech os mantinha sob estreita vigilância. Ron avançou num ímpeto furioso e a Deringer de Lofty começou a vomitar fogo.

— Para frente — gritou Ron. — Cada qual, menos Meech, pegue um deles.

Hesitantes, os homens de Baalol se puseram em marcha e, abrigados em seus envoltórios, os terranos avançaram contra os seres-estaca. Ron reteve a respiração. Não sabia o que os laurins “tinham” na cabeça. Haveriam de compreender que estavam sendo atacados. Por que não reagiam? Qual seria a cilada?

Os primeiros homens de Baalol cercaram um laurin. A fila da esquerda veio por um lado e a do meio, por outro. Ron deu dois passos largos e se aproximou dele. Por um instante sentiu nojo em tocar na pele pardacenta, quase sem cor do estranho ser. Por um momento, teve a impressão que dos três olhos mortos de peixe emanava uma força que o acabaria tocando dali. Trincou os dentes e atacou. Estremeceu com a primeira sensação de uma superfície lisa e fria que a pele do laurin lhe transmitiu. Apertou os braços em torno do tronco e tentou erguer o laurin. A força que fez para isto foi grande demais e o corpo foi atirado para o alto... Era leve, muito leve! Num esforço maior, pegou-o pelos braços e o deitou no chão. Impaciente, tirou do bolso do casaco um rolo de esparadrapo, cortou uma tira comprida e com ela amarrou os braços ao tronco, de modo que não os pudesse mais mover. Era um tipo de esparadrapo que colava imediatamente em qualquer tecido orgânico e só poderia ser retirado com uma solução biológica apropriada. Ron repetiu o processo com as três pernas do inimigo.

Olhou em volta, com o novo prisioneiro bem seguro nos braços. Larry, também sob a proteção dos homens de Baalol, já terminara sua tarefa, enquanto Lofty estava passando o esparadrapo nas pernas de sua vítima. Ron respirou sossegado. A primeira parte da tarefa tivera bom êxito. Tudo agora dependia de conseguirem uma retirada sem perdas.

Meech recebeu um sinal de Ron. Num Mo tom de comando, ordenou ao grupo dos homens de Baalol que se virassem e marchassem de volta. Embora contra a vontade, tiveram que obedecer.

Ron olhou pela última vez a estranha concentração dos laurins, os seres-estaca. Não acreditava em maior perigo, foi apenas um movimento reflexo. Queria ainda vê-los pela última vez e deixar suas figuras bem claras na memória. Mas assustou-se e quase deixou cair seu prisioneiro quando viu que já não era o mesmo quadro.

Os laurins estavam começando a se mover, primeiro lentamente, como se estivessem saindo de um longo sono. Ao mesmo tempo, as imagens ficavam cada vez menos nítidas, como se uma neblina misteriosa invadisse de repente o grande recinto. Ron continuou parado, enquanto os homens de Baalol passavam ao lado dele. Viu como a perfeita ordem entre os laurins se transformou em confusão geral e os contornos claros das muitas estacas se dissolviam e como os corpos pardacentos se transformaram em tênues sombras, quanto mais depressa se moviam. A visão era tão fascinante que Ron não notou que os últimos prisioneiros já estavam longe, de tal forma que se viu livre e sem qualquer proteção no meio do amplo salão.

Continuou a observar o fabuloso espetáculo, até que não havia mais nada para ver dos laurins. A parte material se dissolvera.

Ron se virou então para trás. A última fila do obediente pelotão, comandado por Meech, já ia a uns oito metros dele. Lofty e Larry se mantinham em seus lugares. Meech estava parado, olhando para Ron, que de repente constatou um fato singular: não sentia mais nada do campo de choque, embora já estivesse fora da proteção do grupo dos jovens sacerdotes de Baalol. Isto devia, pois, estar ligado ao desaparecimento dos laurins. Compreendeu então o tremendo poder da rígida concentração dos laurins.

Mas não era tempo de pensar nisto. Deviam estar agora em volta dele por toda parte, invisíveis e perigosos. Meech era o único que os podia detectar.

Ron começou a correr.

— Preste atenção, Meech! — gritou ao robô. — Vão tentar nos deter.

Meech balançou a cabeça confirmando e, no mesmo instante, a arma cintilava em sua mão. Um feixe de raios esverdeados varreu o espaço na direção de Ron e ao lado dele surgiu, numa fração de segundo, uma sombra em forma de estaca esguia. Um grito lancinante encheu os ouvidos de Ron. A sombra reduziu seu comprimento e desapareceu.

Ron chegou à escotilha junto com Meech, que a fechou.

— Não há nenhum deles aqui. Temos, por enquanto, caminho livre.

O chefe do comando se sentiu mais aliviado, mas pela primeira vez notou como era incômodo fugir de um inimigo carregando um prisioneiro nos braços. Tentou mudar a posição do laurin, a fim de poder carregá-lo mais comodamente.

E um fato o deixou alarmado: fora o peso do laurin, não havia mais nenhum sinal de sua presença! Tornara-se invisível como os demais lá atrás, do outro lado da escotilha...

Segurou-o melhor, com medo de perdê-lo. Olhou para frente e notou que Lofty e Larry já se haviam conformado com a invisibilidade de seus prisioneiros.

 

Para os homens de Baalol, sob cuja proteção os terranos ainda caminhavam, a aventura no interior da nave laurin fora muito mais cheia de sensação do que poderia supor uma pessoa de fora. Com toda evidência, foi-lhes mostrado que os laurins, em sua posição rígida e com o emprego de suas forças mentais, foram capazes de produzir um campo de defesa que os próprios sacerdotes de Baalol somente suportavam porque se utilizavam de suas forças extra-sensoriais.

Pela primeira vez se positivara que os laurins não eram nada daquilo que se propalava. Não somente eram medrosos, entrando facilmente em pânico, mas se escondiam sob o manto da invisibilidade para fugirem a qualquer perigo. Possuíam forças semelhantes às dos seguidores de Baalol e não se podia também provar que, mesmo formando uma corrente mental de cem dos invisíveis, se produzia uma força contra a qual um único sacerdote de Baalol não pudesse reagir e se defender. Do mesmo modo como souberam esconder até agora seus poderes mentais, poderiam continuar também escondendo outras coisas.

Estava assim inquestionável, isto é, acima de toda dúvida, a tese de que, em todo o Universo, os seguidores de Baalol eram os únicos que apresentavam um quociente intelectual tão elevado e possuíam dons extra-sensoriais verdadeiramente sobrenaturais, em relação aos demais seres das galáxias.

De importância prática muito maior era o fato de que surgia agora um novo perigo, de cuja existência ninguém poderia duvidar!

Não era, pois, de se estranhar que os vinte sacerdotes estavam tão ocupados com seus pensamentos, que se deixavam manobrar quase como robôs, nas mãos de Meech. Mas agora o susto já havia passado. Lá fora, no grande saguão de circulação, tornava-se evidente que os terranos pretendiam fugir com seus prisioneiros, o que veio reforçar, então, de um momento para o outro, o pensamento de resistência...

O ataque-relâmpago!

Contudo Meech o percebeu, mas não teve tempo de dar o alarma!

Ron pressentiu o perigo quando vibraram às suas costas os raios térmicos de Meech. No mesmo instante ouviram-se os tiros de um revólver. Um grito encheu o grande recinto e um dos servos de Baalol caiu ferido.

Ron simplesmente deixou cair seu prisioneiro, se jogou no chão, escapando assim aos raios de um jovem sacerdote de Baalol. Por cautela, ficou deitado sobre o laurin, para não se esquecer do lugar onde ele estava. Deitado, sacou as duas armas, com as quais poderia atingir os baalóis atacantes. Uma pistola de raios térmicos e um velho revólver. Viu um deles se lançando na sua direção. Manteve as armas apontadas para suas pernas e atirou ao mesmo tempo com as duas. O jovem baalol deu um grande salto e caiu além de Ron, que então se levantou, sentindo-se livre por um instante.

Do outro lado, na saída norte do saguão, Larry Randall era atacado por dois baalóis. Pareciam não ter armas, pois lutavam com socos. Larry não teve tempo nem espaço para fazer uso das armas. Ron encurtou a distância com umas passadas rápidas e com muito cuidado apontou para o ombro do baalol que lutava com Larry. Apertou os gatilhos. O atacante largou seu colega e caiu. Os outros dois se viraram para trás, viram o novo adversário e levantaram os braços resignados. Sem armas, não podiam enfrentar Ron.

Lofty lutava perto do início de um corredor lateral com um número maior de adversários, aparentemente sem armas. De todos os lados, vinham contra ele. Ron facilitou um pouco o combate de Lofty, deixando fora de combate três dos atacantes baalóis. Os restantes se entregaram. Do meio dos baalóis que se renderam, saiu um Lofty Patterson ofegante, todo rasgado e furioso. Parecia querer dizer alguma coisa, pelo menos tentou. Mas, de repente, seus olhos se arregalaram e o rosto se contraiu convulsamente, quase em pânico. Ron não teve tempo para pensar. Instintivamente se virou para o lado e viu uma sombra passar rápida a seu lado. Lofty Patterson surgira, não se sabe de onde, já com as armas na mão e, quase no mesmo instante, disparou as duas. Perplexo e assustado, Ron olhou para o braço esticado e para a arma cintilante.

— Este aqui pensou que ainda tinha uma chance — disse Lofty. — Acho que os temos todos de novo nas mãos.

Ron se levantou e constatou que Lofty estava enganado. Dos vinte sacerdotes de Baalol, ali estavam apenas oito. Cinco se renderam e estavam de braços erguidos, os outros três estavam feridos. O resto devia ter fugido. Meech confirmou que observara pelo menos seis conseguirem se esconder nos diversos corredores que partiam do saguão. Ron não o censurou por isto, pois Meech fizera o possível. Sem ele, a luta teria tido outro desfecho.

De qualquer maneira, a situação se modificara, não para vantagem dos terranos. Ouvia-se barulho ao longe. Os homens de Baalol, alertados pelos fugitivos, deviam ter se reunido em maior número, resolvidos a iniciar o ataque decisivo. Tinham tudo à sua disposição. O saguão circular com suas múltiplas entradas e saídas era uma armadilha ideal.

— Peguem os prisioneiros e saiam logo daqui! — ordenou Ron.

Não teve dificuldade em encontrar seu laurin, que se achava ainda no mesmo lugar em que o deixara cair. Também Larry já estava com “o estranho peso” nas costas. Somente Lofty é que não encontrava sua vítima.

Meech veio em seu auxílio e com seus órgãos positrônicos captou as irradiações do singular cérebro. Seguiu a direção dos impulsos e encontrou o laurin no começo de um corredor lateral, onde Lofty tivera a refrega com os muitos baalóis. Meech teve de acompanhá-lo até o local, ajudando-o a botar o peso nas costas.

A recepção dos pensamentos dos laurins nestes momentos devia ser tão forte que, provavelmente, silenciava todas as outras percepções. Por sua vez, Tappan devia estar fazendo todo esforço para avançar rápido e sem barulho, a fim de poder encurralar o inimigo.

De qualquer maneira, Lofty já tinha o laurin nas costas e Ron deu a seguinte ordem:

— Vamos embora! Meech na frente! Porém, uma voz trovejante falou em arcônida:

— Parem onde estão, terranos, e ergam os braços. A brincadeira acabou!

Pela segunda vez, Ron deixou cair seu prisioneiro, sem contudo erguer os braços. Virou-se e procurou o interlocutor. O saguão tinha quase uma dúzia de saídas. Haveria ainda uma chance?

A dois passos da saída sul estava um dos homens de Baalol, de boa estatura e um tanto idoso. E Ron pôde ainda averiguar que os baalóis ocupavam todas as saídas. De todos os lados surgiam aquelas imponentes figuras, com as mortíferas armas energéticas na mão.

“É o fim”, pensou Ron, erguendo os braços. “alguma Não há mais possibilidade.”

 

No caminho do subsolo para cima, com um pelotão de cinqüenta homens atrás de si, bem armados, os pensamentos de Tappan estavam dominados pelo medo. Seus cuidados aumentavam e ele condenava a si mesmo por não ter seguido os conselhos dos invisíveis. Julgava-se um insensato. Contentara-se bobamente com o simples exame do caixão de plantas e não teve a mínima suspeita de que devia haver muito mais coisa por detrás da primeira aparição que fora eliminada por Kildaar e sua gente.

Perguntava a si mesmo quem poderia ter entrado na base e como isto lhe fora possível. Quais as intenções do invasor? Quebrava a cabeça sobre tudo que era possível e, enquanto isto, o sentimento de medo que, lá no setor norte captavam dez ou vinte dos seus subalternos, era cada vez mais nítido.

Perto da torre de observação, Dilan se engajou como voluntário no grupo e Tappan não fez objeção a que ele os acompanhasse. Ao chegarem ao corredor lateral, ouviram, mais à frente, os estampidos das armas e viram o furioso reflexo das armas energéticas. Numa fuga desesperada, vieram-lhe ao encontro alguns jovens sacerdotes. Tappan os deteve e os mandou contar o que acontecera. Conseguiu pelo menos simular perfeita calma ao saber que os invasores eram terranos.

Apesar de todo esforço, não lhe foi possível ocultar os pensamentos, pelo menos para os que estavam mais próximos, que perceberam como ele se assustou profundamente. Entre esses, estava Dilan, o jovem técnico.

Tappan mandou que avançassem, pois lhe “passou pela cabeça” que tinha cinqüenta homens atrás de si. Não precisava ter medo. Para quatro adversários, este número era mais do que suficiente, mesmo que estes adversários fossem terranos. Fez todo esforço para alcançar o saguão antes que a luta terminasse. Tinha de prender os terranos antes que eles saíssem daquele átrio de circulação. Não encontraria outro lugar onde os pudesse acuar tão facilmente.

Enquanto marchavam, foi distribuindo sua gente em pequenos grupos, cuidando para que cada saída do saguão fosse guarnecida com um grupo. Ele mesmo, com mais quatro homens, entre eles Dilan, ficou no corredor lateral de menor extensão. Assim podia se dar ao luxo de ir um pouco mais devagar, para dar tempo aos demais grupos de chegarem na hora certa.

Uma coisa ainda lhe causava preocupação. Enquanto percorriam os últimos metros do pequeno corredor que desembocava no saguão, Tappan sentiu nitidamente três cérebros estranhos. Ouvia-os bem forte, apesar de os impulsos de sua gente e dos três invisíveis que os terranos tinham em seu poder tentarem suplantá-los. Deviam ser cérebros humanos, para irradiarem tão nítido assim. Só podiam ser os terranos!

Mas eram apenas três... e os sacerdotes fugitivos haviam falado de quatro e não de três terranos...

Tappan não tinha mais tempo para alterar seu plano. Assim que chegou ao fim do corredor, penetrou no saguão e ordenou aos invasores que erguessem as mãos e se rendessem. Mostrou-se feliz, quando o fizeram sem resistência, porém ao mesmo tempo se espantou com a constatação de que realmente eram quatro.

Mas recebia impulsos de apenas três cérebros!...

Disfarçadamente, Ron Landry se virou para Meech e lhe disse em inglês:

— Vamos continuar firmes, Meech. Você deve descobrir o momento oportuno.

— Está bem, senhor!

Mas o velho sacerdote interveio:

— Silêncio! Nenhuma conversa entre os prisioneiros. Venham para cá e deixem-se revistar.

Ron pôs as mãos na cabeça e foi devagar em direção ao velho sacerdote. Os seguidores de Baalol no corredor não se mexeram; não chegaram a entrar no saguão, mas suas armas davam para cobrir toda a extensão. O único que se deslocara mais para a frente fora Tappan, o velho sacerdote.

Ron ficou parado diante dele.

— Que pretende o senhor aqui? — perguntou-lhe o sacerdote.

— Olhar um pouco tudo isto — respondeu com toda calma o líder dos terranos. — O senhor tem alguma coisa contra?

O velho achou que a pergunta não merecia resposta. Sem se virar, deu um sinal aos seus. Dois homens saíram do pelotão na desembocadura do corredor e se encaminharam na direção de Ron, provavelmente para revistá-lo. Ron se afastou um passo do velho sacerdote e olhou para os dois homens que o deviam desarmar. Tentou medir suas forças e chegou a um resultado bem promissor. Reparou que um deles ficou parado enquanto o outro continuou caminhando. O que ficou atrás alcançou o primeiro com um poderoso salto. Ron viu o braço direito girar no ar e alguma coisa metálica lhe cintilar na mão. Tal objeto, no mesmo instante, atingiu a cabeça do primeiro. Ouviu a pancada surda, depois do que o jovem baalol caiu inconsciente no chão.

Quem provocou o inesperado ataque se aproximou rápido do velho sacerdote. Ron não pôde ver o que fazia ali, mas notou que o velho ficou pálido e seus olhos se arregalaram de pavor. E ouviu quando o jovem falou em voz alta e em arcônida:

— Sei que vocês vão me odiar, mas Tappan, nosso venerando mestre, está sob a mira da minha arma. Vocês vão permitir aos terranos e a seus prisioneiros saída livre, ou, juro pelo Grande Baalol, terei de matar Tappan e todos aqueles que se opuserem às minhas ordens.

 

Ron precisou de um segundo para sentir que não estava sonhando. Mas, depois, sua reação foi rápida. Já estava com as armas preparadas, apontadas para o grupo na saída do corredor, atrás do velho sacerdote Tappan. Olhava para mais dois corredores. Se alguém por lá se mexesse, haveria de deixá-lo logo fora de combate.

Mesmo assim, o negócio era perigoso. Não sabia a que ritmo Lofty e Larry haveriam de reagir, se bem que em Meech podia confiar cegamente. Mas mesmo o robô não podia ver tudo ao mesmo tempo. Teriam chance de escapar somente se fossem ajudados em um terço da tarefa e, naturalmente, se o grupo de jovens baalóis, sob a ameaça de seu velho sacerdote-mestre, continuasse dominado pelo menos por uns dois minutos.

Os segundos passavam. A calma reinante deixava Ron nervoso. Com muito esforço, resistiu ao desejo de virar para trás e iniciar de qualquer jeito a ação. Já se achava quase convencido de que tudo estava estragado, quando ouviu de repente a voz tranqüila de Meech:

— Tudo em ordem, senhor. Podemos agora pegar os prisioneiros.

Ron voltou passo a passo, movendo-se na mesma linha em que viera. E depois de algumas passadas bateu com o pé no laurin invisível. Deu rápida olhada em volta, agachou-se, passou os dois braços por baixo do corpo leve e fez questão de exibir de tal maneira as mãos com as armas, para que todos pudessem ver.

— Pronto! — soou a voz de Lofty.

— Meech, você cobre nossa retirada — disse Ron. — Jovem, seja quem for, ponha Tappan na sua frente e faça com que ele deixe a base conosco.

Esperou até notar que seu pedido fora acolhido. O velho sacerdote, obrigado pela arma de seu resoluto subalterno, se pôs hesitante em movimento.

Meech continuava ainda no meio do saguão, olhando vigilante para tudo. Trinta segundos já haviam passado depois da temerária intervenção do jovem sacerdote. O motivo da ação do sacerdote, Ron não sabia. Ninguém do grupo dos jovens baalóis se mexia. À frente do grupo terrano, caminhava Lofty Patterson, cuidadoso, na direção da salda norte do saguão.

Ron esperava dificuldades para o momento em que o grupo dos baalóis teria de abrir caminho no corredor norte, para deixar Lofty passar. E este receio se confirmou. Lofty ainda estava a dois metros da entrada do corredor, quando, dos fundos, relampejou um disparo de fuzil...

Os raios passaram bem acima de Lofty!

A reação de Meech foi instantânea. Disparou na direção do corredor norte, simultaneamente, um tiro de revólver e outro de raios energéticos. Ouviu-se um grito lancinante. Meech se virou com uma velocidade que nenhum olho podia acompanhar. Mais um feixe de raios, mais um estampido e um segundo grito de morte. Depois, ouviu-se o tropel de passos confusos e Ron não compreendeu de imediato o que se passava.

Foi Meech que obrigou os baalóis a fugir para os corredores do sul. Corriam desordenados.

— Rápido — gritou Ron. — Temos pista livre.

 

Já haviam passado pelo sentinela, ainda inconsciente, e deixavam a base. Em marcha acelerada, venceram o trecho descoberto da clareira norte e somente no interior da mata virgem foi que fizeram uma pequena pausa, proporcionando também ao jovem baalol, que ainda mantinha o velho sacerdote Tappan sob a mira da arma, um breve descanso.

Na escuridão da noite, era difícil reconhecer os semblantes dos dois homens de Baalol. Ron notou que o velho respirava com dificuldade. Quando cessou a pressão da arma em suas costas, pois seu seqüestrador parou por um momento, disse em tom de reclamação:

— Não sei o que aconteceu com você, meu jovem, mas cometeu um grande erro.

Tappan estava falando em arcônida. O jovem respondeu na mesma língua, mas tão repentino e violento, como se o que estava dizendo agora era uma coisa que há muito tempo guardava só para si.

— O senhor está no caminho errado, Tappan. Não pode fazer uma aliança com uma raça estranha, oriunda também de uma estranha galáxia, cujo simples aspecto nos causa nojo; uma aliança cujo objetivo se dirige unicamente para o domínio de toda a Via Láctea. O senhor nem sabe o que está fazendo.

Tappan nada replicou por um momento. Depois, disse abatido:

— Você é que se afastou demais do caminho certo, mais do que eu pensava, Dilan. Você está perdido.

Ron interveio:

— Qualquer que seja sua opinião sobre o jovem, Tappan, o senhor está liberado. Volte para sua gente e cuide de que nos deixem em paz.

Tappan levantou a cabeça e olhou para Ron. Seus olhos brilhavam nas trevas. Por algum tempo parecia querer dizer alguma coisa. Depois virou-se e, sem dizer uma palavra, saiu caminhando pela clareira, na direção das sombras dos grandes edifícios. Ron o observou apenas por alguns instantes. Depois apertou ainda mais seu prisioneiro debaixo do braço e explicou:

— Sei que todos vocês têm umas dúzias de perguntas bem quentinhas na língua. Eu também. Mas primeiro temos que deixar a base uns quilômetros para trás. Meech, tome o laurin de Lofty e caminhe na frente. Vamos primeiro diretamente para o nosso aparelho.

Lofty entregou sua carga, pesada para seus cabelos brancos, e daí para frente ficaria na cauda da fila. O jovem baalol caminhava no meio. Não dizia nada, mas mantinha o passo, aparentemente de boa vontade. Meech achou a trilha que abriram para chegar à base. A mata a tinha em parte já recoberto, mas a vegetação não era aqui tão densa assim.

Já tinham percorrido mais ou menos quatro quilômetros, quando penetrou pela noite a dentro um misto de assobio com som de instrumento de sopro. Primeiro era um tom só, mas vieram outros e finalmente dava a impressão de órgão eletrônico berrante pela escuridão a dentro.

Ron parou e olhou para cima.

— Está na hora! São pequenas naves que nos estão procurando.

E, em voz mais forte, avisou a Meech:

— Dobramos agora um pouco para o oeste.

 

Quando o sol nasceu, Ron estava já quase sem forças. Meech abriu uma clareira, com jatos curtos do desintegrador, no meio do emaranhado da selva. Cobriu o chão com pequenos galhos e folhagem, e tomou conta dos prisioneiros. Depois, com seus órgãos positrônicos, examinou a redondeza e constatou que os aparelhos dos baalóis ainda sobrevoavam a selva, mas não havia perigo de serem descobertos. Estavam procurando em outra direção.

Ron e seus homens sentaram-se no chão com as costas apoiadas em troncos de árvores.

— Não desejo outra coisa, a não ser dormir umas horas, mas primeiro desejaria ouvir sua história, Dilan.

O jovem olhou para ele. Estava de semblante sério e sua aparência era de que não se arrependia do que fizera.

— Acho melhor o senhor perguntar.

— Está bem. Primeiramente quanto ao seu procedimento. Você sabe que sua tentativa de nos ajudar foi uma temeridade. Você tinha mesmo alguma esperança de ter sucesso?

— Não muita — disse ele. — Pelo menos um pouco de esperança. Primeiro, Tappan ficou assustadíssimo ao encontrá-los. Até um certo ponto, todos nós somos telepatas. Os homens que estavam perto de Tappan captaram seu terror, o que, conseqüentemente, lhes diminuiu o moral. Assim que surgissem sérias dificuldades, haveriam de debandar. Pelo menos assim eu pensava.

Dilan sorriu e continuou:

— Não sei se o senhor já constatou isto, mas quando os adversários são os terranos, a primeira coisa que se tem em mente é a sua tremenda intrepidez. Tão forte é a fama, que muitos abandonam as armas antes mesmo de entrar em combate.

Ron fez um gesto de concordância.

— Isto, às vezes, é muito útil.

— Além disso, há um outro ponto — continuou Dilan. — Vi os senhores quatro, mas captava somente três cérebros. Sei também que Tappan quebrou a cabeça a este respeito, sem chegar a nenhuma solução. Eu, no entanto, achei simples a questão. Se estou captando apenas três cérebros onde estão quatro homens, só pode significar que um deles não tem cérebro. Pelo menos não é um cérebro verdadeiramente humano.

Dilan olhou em volta. Pensativo, ficou olhando Meech.

— Este homem é um robô, não é verdade?

Ron ficou perplexo.

— Sim, mas como sabe disso?

— Há muitos motivos — disse Dilan — para se construir um robô. Um dos mais importantes é seu fantástico poder de reação. Um robô de construção moderna reage tão rapidamente, que, por exemplo, pode enfrentar quinze homens que o atacam simultaneamente de todos os lados. Os senhores três e este robô eram, portanto, dezoito pessoas e com isto, pensava eu, seria possível subjugar um grupo de quinze baalóis amedrontados. Para ter mais segurança ainda, tomei Tappan como refém.

Por alguns instantes, Ron ficou refletindo. Houve um silêncio prolongado. Depois falou:

— Nós lhe somos muito gratos, Dilan. Você, naturalmente, sabe que, daqui para frente, terá de suportar as perseguições de seu povo. Prometo-lhe, porém, o seguinte: o que a Terra puder fazer por você, fará.

Dilan sorriu discretamente. Por alguns segundos, Ron percebeu com nitidez a superioridade espiritual das raças muito mais antigas.

— Obrigado, Ron — respondeu Dilan. — Nós, baalóis, temos opinião própria sobre todas as vicissitudes da vida. Para mim não terá a menor importância ser preso por minha gente, se antes disso consegui meu objetivo. Molol e eu já o tentamos uma vez. Eu o ajudei a fugir de Aptulad. Ele...

— Você ajudou Molol? — perguntou Ron, admirado.

Dilan não quis continuar no assunto.

— Parece que ele não conseguiu seu objetivo. Agora eu quero tentar novamente.

— O quê? Chamar a atenção da Galáxia sobre o perigo iminente dos laurins?

— Laurins? — repetiu Dilan, surpreso.

— São estes invisíveis. Não se iluda, pois, somente porque Molol atingiu seu objetivo, é que nós estamos aqui.

— Molol, então, conseguiu...?

— Não nos pôde dizer muita coisa, Morreu. Mas sabemos agora que os laurins fizeram uma espécie de aliança com sua raça e que, em Aptulad, os baalóis e os laurins trabalham num projeto comum. Que projeto é este, Dilan?

O anti fez um gesto de assentamento.

— Não é propriamente um projeto. As duas raças procuram um maior entendimento mútuo. É tudo que pretendemos aqui em Aptulad. A base foi construída em sigilo e o mais afastada possível de todos os meios de comunicação, a fim de que os habitantes da Galáxia não soubessem o que está em andamento aqui. Aliás, a crença geral em Trakarat é que, quando as barreiras iniciais foram vencidas, esta aliança permitirá a nós, isto é, ao povo de Baalol, estender nossa hegemonia a toda a Galáxia.

Ron olhou para ele curioso.

— E você também acredita nisto?

Dilan fez um gesto de indecisão.

— Não sei bem... Do ponto de vista técnico, existe a possibilidade. Apenas não sei como outras pessoas, refiro-me aos baalóis, pensam a respeito. Até agora, são poucos os que sabem da presença dos laurins. A tripulação da base, por exemplo. Entre os jovens, há um grande número que detesta os invisíveis, como eu, por exemplo. É como se irradiassem algo que os torna antipáticos e repugnantes. Já ouvi alguns desses jovens dizerem, algumas vezes, que deveríamos preferir ficar contentes com a situação que ocupamos, a aspirar à hegemonia na Galáxia com o auxílio dos laurins.

“Muitos acreditam também que há um direito superior, mais elevado mesmo do que aquilo que Akrot-Tene anuncia de Trakarat, reservado exclusivamente ao nosso povo. Eles acham que uma aliança com os invisíveis para o domínio total da Galáxia é imoral. Também sou dessa opinião. Se esta repugnância tomar vulto, Akrot-Tene terá um dia de desistir de seus planos.”

Ron Landry tinha um sorriso nos lábios. Depois de passar uns momentos refletindo em silêncio, disse:

— Acho que você não precisa se preocupar, Dilan. Agora que sabemos de tudo, a aliança não vai se concretizar.

Lofty, que, ao que tudo indicava, estava apenas simulando dormir, levantou-se de repente.

— Nunca se deve prometer mais do que o duplo do que se pode cumprir — falou o velho.

Deitou-se de novo e fechou os olhos. Ron não deu importância a seu comentário.

— Você sabe alguma coisa sobre o metabolismo dos laurins?

— Alguma coisa — respondeu Dilan. — É claro que não nos foi possível examiná-los. Sabemos, porém, que são descendentes diretos de uma família de répteis sem articulações, propriamente vermes. Daí provém sua estrutura tão singular. Um dia, no longínquo passado, aprenderam a andar eretos e começaram a ficar inteligentes.

“No estágio de animais eretos, deviam ser muito desprotegidos, motivo por que a natureza os dotou com um órgão singularíssimo. E é este órgão, aliás, que hoje torna a comunicação com eles tão difícil. O senhor deve ter notado a excrescência em forma de bócio que há no seu pescoço.”

Quando Ron fez que sim, ele continuou:

— Esta excrescência produz um campo de deflexão, cuja energia tem o mesmo tipo que os campos da vibração mental. Não apenas torna os laurins invisíveis, mas cria uma barreira mental entre eles e os outros, de tal forma que impede até mesmo o entendimento através da telepatia. Na base, tivemos que selecionar um excelente grupo de telepatas especialmente para este fim. Assim o grupo de supertelepatas era utilizado em conferências, para quebrar esta barreira, a fim de que Tappan pudesse falar com eles e vice-versa.

“O quadro se completa cada vez mais”, pensou Ron. “Quando estabeleceram o campo de choque, para nos prenderem, seus cérebros deviam fazer tanto esforço, que não sobrava mais energia para a excrescência no pescoço. Por isso, ficaram meio visíveis. Não havia mais barreira entre nós e eles. E, quando notaram que o campo não adiantava mais, desistiram do esforço e se tornaram de novo invisíveis.”

— O cérebro — acrescentou Dilan, como se “tivesse lido” o pensamento de Ron — eles não o trazem na cabeça, fica em qualquer lugar do tronco.

— Acho que, para começar, temos uma boa idéia geral — disse Ron. — Mesmo que nós sejamos bombardeados e apenas um de nós volte à Terra, este poderá ser muito útil por lá. Eu lhe agradeço de novo, Dilan. Acho que agora devemos descansar um pouco.

Dilan levantou a mão.

— Ah! Sim... há uma coisa que queria ainda perguntar. Os senhores contam com a possibilidade de saírem sãos e salvos de Aptulad e do sistema?

A resposta demorou um pouco. Depois, Ron explicou:

— Não estamos dependendo de uma nave. A bordo do girino com que chegamos a Aptulad existe uma pequena estação transmissora. A outra “metade” do aparelho de rádio se encontra num supercouraçado terrano, parado muito além da órbita do planeta mais afastado desse sistema. O transporte se dará por um campo de transmissão hiperdimensional. Acho que você conhece esta técnica.

— Sim, já ouvi falar — disse Dilan pensativo e se levantando.

Ron se ajeitou, procurando mais conforto. Fechou os olhos e tentou dormir. Antes que o conseguisse, ouviu a voz de Meech:

— Aparentemente transferiram a zona de investigação. Estão chegando com seus aparelhos lentamente para cá...

 

Havia minutos que os baalóis não pararam de procurá-los desesperadamente. Ron conduzia sua gente em ziguezague para dificultar a procura. Por outro lado, tinha de fazer tudo para chegar o mais depressa possível ao pequeno aparelho auxiliar. Cada minuto a mais na fornalha daquela selva representava grande perigo. Era Meech quem calculava o rumo certo, depois de cada alteração feita por Ron. A programação procurava “misturar” os movimentos para confundir os antis e dar possibilidades ao comando de alcançar, em segurança, a nave escondida na mata.

No terceiro dia de sua marcha, Ron escondera sob uma touceira um sinalizador automático em código. Avançou o automático para cinco horas.

Agora, exatamente cinco horas depois, quando já estavam a quase vinte quilômetros do sinalizador, Ron captou no seu aparelho de pulso os sinais irradiados. E assim como ele, também Nike Quinto na supernave Fedória haveria de captar. Os sinais em código diziam que Ron previa dificuldades e que algumas unidades bem municiadas da frota terrana deviam estar por perto, para o que desse e viesse. Nike Quinto — Ron sabia disto — haveria de reagir imediatamente. As informações que o comando de ação trazia de Aptulad valiam para Nike — e também para todo o sistema solar — qualquer sacrifício.

Pouco depois, Meech Hannigan observou que cerca de uns doze aparelhos da frota de investigação desceram repentinamente no ponto de onde vinham os sinais codificados. Era evidente que captaram também os mesmos sinais e, embora não soubessem o que significavam, supunham que os terranos se encontrassem por perto.

Ron sorria tranqüilo. Haveriam de precisar pelo menos de duas horas para localizar o sinalizador e descobrirem que tinham sido redondamente tapeados.

Neste meio tempo, ele e sua gente estariam um pouco mais para frente e um pouco mais seguros.

Em virtude das muitas voltas estratégicas, precisaram de cinco dias para chegar ao lugar onde a pequena nave jazia escondida. Em todo aquele tempo, a densa cobertura da ramagem fora sua única proteção. Os homens de Baalol utilizaram tantos aparelhos num espaço tão reduzido, que não podiam fazer um rastreamento certo dos disparos energéticos de Meech, para abrir trechos novos na selva. Os campos de dispersão de seus motores de propulsão se sobrepunham às emissões energéticas da arma de Meech.

No final do quinto dia, tinham mesmo de chegar até seu aparelho. O barulho dos muitos animais era de enlouquecer. Além disso, o calor aumentava de dia para dia. Aptulad estava entrando na parte de sua órbita que passava entre os dois sóis do sistema. Em virtude da maior gravitação solar, o planeta aumentava cada vez mais sua velocidade, penetrando sempre na região de calor. As horas em que os dois sóis surgiam simultaneamente no céu eram insuportáveis.

Ron deu um suspiro de alívio quando começaram a remover o montão de folhagem e de ramos de feto que encobriam o aparelho.

Contudo a cilada estava tão bem preparada que nem mesmo Meech Hanning pôde prevê-la...

Meech continuou cavando e com sua força descomunal jogava para longe os galhos de feto e abria o caminho. Atrás dele vinha Ron, suando como se estivesse numa sauna.

Há poucos minutos, nascera o grande sol. A claridade era de doer a vista e o suor escorria pelo corpo de todos. A cada dois passos avançados, Ron tinha de parar para enxugar os olhos. Mesmo assim, não se desfazia do invisível laurin.

Meech parou de repente, levantou o braço e apontou para frente.

— Mais vinte metros... — disse ele. — Já estou vendo uma parte do aparelho.

Ron olhou triste e falou:

— Antes fossem dois e não vinte metros.

O robô continuou a marcha.

No mesmo momento se deu o inesperado...

Uma força irresistível levou Ron para o alto e um clarão o ofuscou, perdendo a visão do que lhe estava em volta, enquanto tremenda explosão reboou pela mata. Não reparou que fora arremessado alguns metros para o ar. Quando pôde concatenar o pensamento, já estava deitado no chão, resfolegando e todo arranhado pelos espinhos de feto.

Mas ainda mantinha o prisioneiro em seu poder. Por um instante o deixou de lado e examinou o local. Estava aos pés de uma touceira de feto. Com um forte empurrão, tocou o laurin para frente e se lançou de bruços no chão, esperando que os olhos ofuscados recuperassem plena visão.

Tentou compreender o que se passara. A nave explodira, não restava dúvida, como também não duvidava que não fora por si. Portanto, os homens de Baalol a tinham encontrado e, aliás, muito tempo antes de Ron e sua gente poderem voltar ao lugar onde estava escondida. Armaram uma cilada tão perfeita, que nem mesmo Meech notara. Provavelmente já haviam cercado o montão de folhagem, esperando apenas ordem para atacar.

Os raios que lhe dançavam na retina desapareceram aos poucos. O ambiente ficou visível com todos os seus detalhes. Ron olhou para todos os lados, mas não viu nem Meech, nem o capitão e nem Lofty. A explosão atirara todos para longe.

Até o ruído dos animais cessara. Muda, a selva estava sob os raios inclementes dos dois sóis. Ron tentou levantar-se.

Aí uma voz de assustar até os bichos encheu a floresta.

— É o fim, terranos. Fomos um pouco mais inteligentes do que pensavam. Encontramos sua nave antes de vocês. Nossos aparelhos continuaram no ar para fazê-los crer que ainda estávamos à sua procura. Entreguem-se. Vou lhes dar vinte minutos de seu tempo para se renderem. Se até lá não aparecerem de braços levantados ao lado da touceira de feto, faremos com que virem pó. O tempo está correndo.

Era a voz de Tappan. Deram-se ao trabalho de instalar uns dez alto-falantes que transmitiam a ultimação com exagerada potência e com efeito estereofônico. Ron olhou instintivamente para o relógio. Depois virou a caixa e, com a ponta do dedo indicador, apertou três vezes forte bem no centro do fundo do relógio.

Mais não era necessário. Apenas três toques fortes no fundo da caixa do relógio — e naturalmente quarenta a cinqüenta minutos. Este tempo todo teriam que agüentar, caso quisessem de fato escapar com vida.

Hesitou por um instante, depois pegou o prisioneiro, embaixo da moita de feto, e o puxou para fora. Não havia nenhuma vantagem em deixá-lo escondido. A ameaça de Tappan era para valer e Ron não tinha certeza se o laurin estava em condições de se defender dos raios energéticos concentrados. Quem sabe se houvesse uma sobrecarga, e o campo de proteção falhasse? E a Terra precisava de todos os laurins que pudessem ser levados.

Por outro lado, havia pelo menos um lugar no centro da touceira de feto que era relativamente seguro. Ron esperava que seus colegas chegassem à mesma idéia. Com Meech não precisava se preocupar, pois ele haveria de estudar a situação e resolvê-la como sempre. Lofty era uma raposa velha, muito esperto, e logo acharia o único lugar garantido para se esconder. Mesmo Larry poderia se defender. Mas Dilan? Que seria do pobre baalol?

Não havia tempo para pensar nisso. Levando o laurin, Ron se arrastou para dentro do capão de mato cerrado. Fê-lo o mais rápido que pôde. Vinte minutos não eram tanto tempo assim. Passou por uma touceira mais alta que um homem, sendo que no lado oposto desta havia muita folhagem chamuscada pela explosão. Atrás, havia uma elevação de terra de mais de meio metro, onde ainda há pouco estava o pequeno aparelho. Ron examinou o solo. Além da elevação de terra, o terreno afundava no funil da explosão. Em parte era uma superfície lisa, vitrificada, ainda tão quente que nem mesmo com as botas pesadas do uniforme se conseguia ficar mais tempo parado. Mas, de qualquer maneira, a elevação de terra era um bom abrigo. E os baalóis haveriam de levar algum tempo até descobrirem que os terranos se escondiam exatamente no local da explosão.

Ron viu que um rosto enegrecido pela fumaça, com o uniforme em farrapos, vinha cambaleando na direção dos arbustos calcinados. Fez um sinal e a figura irreconhecível veio na sua direção e caiu a seu lado. Era Larry Randall.

— Meech está... com o meu prisioneiro... — gemeu ele — e o de Lofty. Vem atrás de mim.

Logo depois, apareceu o robô, andando ereto e sem sentir nada. Carregava os dois invisíveis. Chegou mais perto, examinou com cuidado o chão e colocou os corpos invisíveis dos laurins num trecho não calcinado.

Por último, surgiu Lofty. Com um grande salto, passou por cima da cratera e escorregou pelo pequeno declive. Estrilou contra o solo quente do planeta e se arrastou até Ron.

— Deve estar chegando a hora — disse Lofty. — Meu relógio...

Não terminou a frase...

Como um estrondo de trovão, as chamas das pesadas armas térmicas lamberam a selva de fetos. De um segundo para o outro, a onda de calor intensificou-se. Lá em cima, do outro lado da cratera, a floresta estava em chamas. Estalando e produzindo muita fumaça, as árvores se inclinavam à fúria dos grandes fuzis. Tocada pelo excessivo calor, a fumaça azul-escura subia reta no espaço, como se fosse um esguicho.

— Onde está Dilan? — perguntou Ron, aos berros.

Lofty se levantou.

— Estava ao meu lado quando o aparelho explodiu — gritou ele. — Atirou-se para a esquerda. Deve estar quase ao lado da touceira.

Uma nova descarga varreu a selva. Uma nova onda de calor insuportável chegou até a cratera. Agachado no chão, Ron olhava com ar de interrogação para Meech. O robô olhou para cima e fez um sinal de confirmação. Depois de consultar o relógio, Ron constatou que eram decorridos quinze minutos desde a ultimação dos baalóis.

Sem dar a conhecer o que pretendia, com bons saltos saiu da cratera, atravessou a elevação de terra e caminhou pelo chão calcinado da floresta. A seguir, o mais rápido que pôde, correu pela mata semi-destruída, até o lugar onde perdera de vista o jovem baalol. Sabia que o que pretendia se aproximava muito do suicídio, mas não podia deixar um desprotegido no meio do fogo. Estava disposto a enfrentar todos os riscos por ele.

Assustado e aliviado ao mesmo tempo, vislumbrou uma trouxa escura e imóvel ao lado de um tronco chamuscado. Arrastando-se, aproximou-se. Era Dilan.

Ron não perdeu tempo. E, carregando Dilan, começou o percurso de volta. Ia muito devagar.

De repente escutou vozes. Vinham mais ou menos do lugar onde encontrara Dilan deitado. Entendeu algumas palavras ditas em arcônida, no dialeto baalol. Através dos troncos chamuscados, discerniu uma fila de homens armados, unidos numa espécie de corrente de proteção, chegando as grandes touceiras de feto.

E o tempo ia passando... Os minutos concedidos para rendição já tinham sido ultrapassados!

Procurou um esconderijo, uma pequena cratera. Os homens de Tappan vinham à procura dos cadáveres dos fugitivos. Queriam ter a certeza de que seu trabalho fora perfeito. Um assomo de ira, aliás sem sentido, se apoderou de Ron, ira contra aqueles que vinham tão confiantes apenas para constatar que realmente haviam exterminado os terranos. Esperou até que a corrente chegasse a uns quarenta metros dele. A pequena arma já se encontrava em sua mão. Estava bem abrigado e não podia ser visto. Apontou-a para o baalol que via com mais nitidez e apertou o gatilho. Estava certo de sua pontaria.

Depois arrastou Dilan e voltou para o esconderijo inicial.

Quando escorregou esconderijo a dentro com o inconsciente, o tiroteio recomeçou. Zunindo e espalhando calor, os disparos passavam por cima do grupo fugitivo. Os pulmões quase não suportavam mais o ar quente.

Felizmente, logo tudo terminaria. Mais cinco minutos, mandaria seus homens se erguerem e fazerem um esforço de se renderem aos baalóis, sem terem sido atingidos por nenhum disparo. Já eram passados quarenta minutos. Quem sabe fora mesmo certo agüentar mais um pouco. Mas, além dos cinco minutos, a morte os aguardava!

Ron se ajoelhou. Queria dizer alguma coisa, mas a garganta não lhe permitiu articular uma só palavra. Meech, ao invés, gesticulava com os braços, tentando mostrar alguma coisa que Ron não podia compreender, pois sua mente estava esgotada e envolta em nuvens. Parecia delirar.

Mas deu para ouvir o barulho...

Era um ronco possante, o esfuziar agudo das turbinas e o trovejar dos deslocamentos do ar. Teve de ficar refletindo um pouco até se lembrar onde fora que ouvira este ruído. E quando se lembrou, o barulho lhe pareceu a música mais suave do mundo, a sinfonia da salvação.

Reparou que o tiroteio dos baalóis cessara por completo. Viu a enorme sombra no céu escaldante baixar na direção deles. Mas foi o fim!

Caiu para o lado e perdeu os sentidos.

 

Ron Landry estava ainda enfaixado, quando lhe vieram dizer que Nike Quinto o desejava ver. Seu rosto estava coberto com densas camadas de ataduras brancas, onde havia perfurações apenas para os olhos, a boca e o nariz. Suas mãos estavam em gigantescas luvas e uma das pernas engessada, presa a uma ripa bem larga, com muita gaze. Fora isso, ainda podia se mover!

E teria mesmo que fazer isto, pois Nike Quinto fazia questão de vê-lo...

Por estas horas, a Fedória já se encontrava muito além do sistema de Trakarat e Ron Landry ficou sabendo que, ao seu pedido de socorro e com os sinais de orientação transmitidos ininterruptamente por Meech, não foi somente Nike Quinto que compareceu com uma esquadrilha da frota terrana, mas também o próprio administrador Perry Rhodan, comandando a nave capitania Teodorico, chegou a Aptulad com duzentos cruzadores pesados, para “convencer” os baalóis de que não deviam assassinar quatro terranos com seus raios térmicos.

O Coronel Quinto estava num pequeno recinto que lhe servia de escritório a bordo da grande espaçonave.

Quando Ron alcançou o escritório, sentia-se tão mal que se deixou cair logo na primeira cadeira, sem que para isso fosse solicitado por seu superior.

— Estou enfrentando um grave risco, recebendo-o aqui — foi a primeira frase de Nike Quinto.

Antes mesmo que Ron pudesse pôr em ordem seus pensamentos, ele continuou:

— Seu estado físico me faz subir a pressão sangüínea. Isto acontece sempre que vejo um ferido grave e, com a minha saúde já toda minada, posso até ter no próximo segundo uma síncope cardíaca.

Ron sorriu, mas por entre as camadas de gaze, parecia que apenas mostrava os dentes.

— Assumi esta grande responsabilidade — dizia o coronel com muita unção e majestade — pois não queria adiar o que tenho de fazer. Quero, em meu nome e em nome do administrador, lhe agradecer. Pela missão, aliás tão difícil e perigosa, que você e sua gente realizaram com tanto sucesso.

Ron não sabia o que dizer. Uma vez ou outra, Nike Quinto chegava a agradecer por alguma missão muito especial ou fazer elogios a respeito. Mas, com tanto entusiasmo e comoção, nunca o fizera.

— Os três laurins encontram-se a bordo da Teodorico, rumo à Terra. Um verdadeiro exército de cientistas já está preparado para cair em cima dos invisíveis. O enigma “laurin” está prestes a ser decifrado.

“O administrador deixou vinte de nossas belonaves no sistema de Aptut. Trata-se, como ele disse, de oferecer proteção. Akrot-Tene protestou energicamente, mas não pôde fazer nada. Daqui para frente, temos de ficar de olho no que se passa no seu reino.

“Em Aptulad mesmo, os baalóis fizeram explodir a espaçonave dos laurins, quando nos aproximávamos da base. Destruíram também grande parte das instalações. Parece que nem todos gostavam delas. Não pudemos, pois, examinar a nave dos invisíveis, mas esperamos que os laurins nos informem sobre o que precisamos saber, também sobre os detalhes de sua técnica astronáutica.

“Lofty Patterson e Larry Randall estão fora de perigo. Neste ínterim, Meech Hannigan nos forneceu um relatório detalhado, de maneira que estou bem informado de sua esplêndida missão. O jovem baalol está sendo operado agora. Estão fazendo uma série de transplantes de pele. Teve muita sorte de escapar com vida. Quando se levantar e olhar para o espelho, não vai mais se reconhecer, está com uma cara nova.”

“Isto”, pensou Ron, “não será tão ruim assim para ele. Os baalóis que vierem procurá-lo, para o punir, não poderão mais identificá-lo.”

— Meech Hanningan — continuou Nike Quinto — no seu relatório mencionou as opiniões de Dilan. Do tal acordo ou aliança entre os laurins e os baalóis, sabe?

Nike se levantou e foi até a tela panorâmica, embutida na parede dos fundos, como se fosse uma janela. Observou o mar de estrelas, dando assim as costas para Ron.

— Creio que os baalóis terão uma série de dificuldades. O campo de deflexão dos laurins provoca nas raças humanóides uma verdadeira repugnância. Seres mais inteligentes podem superar esta repugnância, caso se concentrem muito. Uma prova disso são os baalóis em Aptulad, na base. Mas os animais em torno da base, a começar pelos vermes até os ursos-pardos, fogem deles. Quando os laurins forem, então, apresentados numa grande reunião, cuja assistência não tenha sido prevenida, para se concentrarem no controle do sentimento de repugnância, o nojo e a antipatia vão produzir imensas ondas negativas.

Virou-se depois para Ron e terminou sua explanação:

— Não acredito que o Sumo Baalol faça questão de manter tal aliança com seres que seu povo só pode enfrentar por meio de meditação e concentração mental, para não sentir nojo.

 

                                                                                            Kurt Mahr  

 

                      

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