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MITOS & LENDAS NORTE AMERICANAS
MITOS & LENDAS NORTE AMERICANAS

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

MITOS & LENDAS NORTE AMERICANAS

 

CONTOS DA GRANDE LEBRE

Segundo contos narrados pelas tribos algonquinas, o deus Michabo era filho do Vento do Oeste e portador da Luz. De palavra fácil e vigoroso, tomou a forma do primo do coelho, a lebre.

 

Michabo, a Grande Lebre, nadava no oceano. Com as suas poderosas patas traseiras, era um excelente nadador. Mergulhou até onde o oceano era de um azul muito escuro, as longas orelhas espetadas para trás.

 

Nunca mergulhara tão fundo, e resolveu ver se conseguia chegar ao fundo. Continuou, cada vez mais para baixo, até os pulmões darem a sensação de ir rebentar. Chegou então ao fundo do oceano.

 

Em triunfo, apanhou um grão de areia e voltou à superfície, empunhando o grão na pata. Colocou então o trofeu do seu triunfante mergulho na superfície do oceano. Aí, o simples grão transformou-se num milhar de grãos, e de um milhar num milhão... até formar uma ilha, depois um continente, depois algo ainda maior.

 

Mas qual a extensão? Os Algonquinos contam que um dia um lobo pequeno deu consigo num extremo da terra e resolveu atravessá-la. Quando o lobo chegou à idade adulta, o outro extremo ainda não se vislumbrava... mas prosseguiu a sua caminhada, determinado a atingir o seu objectivo. Vagueou anos a fio, até que os seus anos se esgotaram atingira a velhice sem ter completado a sua viagem. Quando o animal se deitou para morrer após uma longa vida, o extremo da terra ainda não se vislumbrava. Era esta a extensão da terra.

 

Muitos povos - de muitas tribos e muitas raças - vieram viver nesta terra. Este pedaço de terra, criado a partir de um grão de areia, é aquilo que agora entendemos como Terra, e Michabo foi o seu criador.

 

Um dia, a Grande Lebre passava por um enorme rio que corria por entre as árvores como uma gigantesca cobra prateada. Um rapaz estava de pé nos baixios da água cristalina, imóvel como as pedras do leito pedregoso do rio. De repente, um peixe passou como um raio prateado junto à superfície. O rapaz lançou-lhe uma lança - a ponta afiada falhou por pouco o alvo. O rapaz apanhou a lança e ficou novamente imóvel, à espera que o peixe seguinte passasse por perto.

 

Michabo deitou-se, encostado a uma rocha, ao sol da tarde, e pensou naquilo que acabara de ver. Achava que o rapaz quando fosse homem seria provavelmente um bom caçador e pescaria muitos peixes para a sua mulher e filhos. Mas deveria haver certamente uma maneira mais fácil de arranjar comida.

 

Ainda a pensar neste problema, a Grande Lebre mergulhou no sono, ao sol da tarde. Quando acordou, sentiu algo a tinir no alto da cabeça. Imaginem a sua surpresa quando descobriu que, enquanto estivera a dormir, uma aranha tecera uma delicada teia entre as suas orelhas!

 

No entanto, Michabo não ficou zangado. Riu-se. Apanhou cuidadosamente a aranha entre as suas patas e pousou-a suavemente em cima de uma rocha, de onde ela desatou a fugir em busca de abrigo... não antes de ele ter estudado a delicada teia que ela tecera. Dera uma ideia ao deus.

 

A aranha usava a teia para apanhar moscas... moscas que ela comeria mais tarde. Costumava tecer a sua teia num ramo - ou até entre as orelhas de um

 

deus - e esperava que as moscas voassem até lá e ficassem presas.

 

Porque não fazer uma teia semelhante de fio? Teria de ser muito maior e mais forte do que a teia da aranha, mas a ideia era a mesma. Em vez de lançarem uma teia para o ar para apanharem moscas, as pessoas poderiam atirar uma rede para dentro de água para apanharem os peixes. E foi assim que a rede de pesca foi inventada - graças à Grande Lebre e à aranha.

 

Noutra ocasião, Michabo, deixara a sua terra no Oriente - a terra da Luz e do Bem - e estava sentado na margem de um rio, a fazer desenhos na areia molhada com um galho. Um homem e uma mulher passaram por ele, cumprimentaram-no, depois foram apanhar ervas para a floresta.

 

Sem grandes cogitações, a Grande Lebre, preguiçosamente, desenhou os contornos deles na areia.

 

Ao regressarem, passaram uma vez mais por Michabo e a mulher olhou para as imagens que ele desenhara na areia. E perguntou-lhe o que é que ele estava a fazer.

 

- A fazer desenhos - disse-lhes ele.

 

O homem riu-se.

 

- Parecemos nós os dois a caminhar lado a lado - disse ele com

 

alegria e apontou para as figuras na areia.

 

- E essas árvores parecem a floresta ali defronte - disse a mulher, entusiasmada. - E muito inteligente! Parece uma história, não em palavras mas em rabiscos na areia. Quem os vir, saberá que um homem e uma mulher foram à floresta.

 

- E voltaram com ervas - disse Michabo, fazendo outro desenho

 

a seguir. Deu um pulo, maravilhado, e aspirou o vento com o focinho a fungar, como uma lebre vulgar faz quando tem uma grande ideia. - Se eu fiz vários desenhos, cada um dos quais com um significado diferente, então as pessoas poderiam deixar mensagens umas às outras - disse ele alegremente. - Nem sequer teriam de estar no mesmo lugar, ao mesmo tempo, para falarem umas com as outras. Que invenção mais útil!

 

E foi assim que, segundo os Algonquinos, a escrita pictórica foi inventada.

 

Michabo mostrava frequentemente ser um verdadeiro amigo do seu povo. Ensinava-lhe muitos truques de caça - como a altura para esperar e a altura para atacar, e a forma de seguir uma presa contra o vento para que ela não se apercebesse da sua presença - e dava-lhe muitos amuletos para o ajudar. Porém, antes da vinda de cada Inverno, deixava os seus amigos humanos e voltava para a sua terra, para o seu longo sono, pronto a voltar na Primavera seguinte.

 

Criador, inventor, impostor ou louco, havia sempre um lugar no coração de Michabo para o seu povo, e nos corações dos Algonquinos para ele.


A Busca da Cura

Nekumonta, o guerreiro iroquês, nunca matou um animal por desporto e adorava as plantas e as árvores à sua volta.

 

Quando uma terrível praga caiu sobre a sua aldeia, a sua bondade para com a Natureza foi recompensada.

 

O Inverno chegara à aldeia de Nekumonta e a neve era muita. Mas algo pior do que a neve viera visitar a aldeia nesse ano: uma praga terrível. Ninguém parecia imune - homens, mulheres e crianças tinham morrido por causa dela. Aqueles que ainda não haviam sido apanhados pela praga estavam cansados de cuidar dos doentes e de se despedir dos mortos.

 

Nunca houvera tal tristeza na aldeia. Maridos que perderam as mulheres. Mães que perderam os filhos. Irmãos que perderam as irmãs. Famílias inteiras arrasadas. Com a neve veio a praga... e com a praga veio a tristeza e o desespero.

 

Nekumonta perdera toda a sua família com esta doença terrível - toda, isto é, menos a sua bonita mulher, Shanewis. Mas agora ela apanhara a doença e os seus dias entre os vivos estavam contados. Ela chamou Nekumonta e insistiu para que ele a levasse para fora da aldeia.

 

Quando ele protestou, ela disse:

 

- Marido, sabemos que a morte virá, quer eu esteja agasalhada quer esteja ao ar livre num lugar onde possa ouvir os espíritos dos meus queridos mortos a chamar por mim. Por favor, por favor, faz o que te estou a pedir.

 

Assim, Nekumonta enrolou a sua amada em peles e levou-a para o ar livre, pousando-a num lugar limpo de neve. O céu cinzento encheu-se dos espíritos daqueles que haviam partido desta vida, e chamaram por Shanewis.

 

Junta-te a nós! - gritaram. - Livra-te da dor e do sofrimento trazidos pela praga.

 

Mas Nekumonta não queria saber daquilo para nada.

 

- Não dês ouvidos aos chamamentos deles até eu voltar da minha busca - pediu à esposa moribunda. - Vê depois se a única alternativa é juntares-te a eles.

 

- Que busca? - perguntou Shanewis, a testa alagada em suor.

 

- Sabemos que Manitu plantou ervas medicinais - disse ele. - Vou procurá-las e trazê-las para ti e para o nosso povo.

 

- Vou ficar à espera, marido - disse Shanewis -, porque só tu conseguirás levar a cabo tal tarefa.

 

Para muitas tribos, Manitu significa o espírito que está em tudo desde as rochas e as plantas aos humanos. Para os Iroqueses, Manitu é o nome dado ao maior e mais poderoso de todos os deuses. As suas ervas medicinais curariam Shanewis... se o marido as conseguisse encontrar.

 

Com a mulher fora do calor do lar, Nekumonta partiu em busca das ervas medicinais.

 

Teria sido uma tarefa difícil no melhor dos tempos, mas tornou-se ainda mais difícil pela neve que cobria a maior parte das terras. Nekumonta teve de escavar na neve para tentar encontrar as ervas e nem sequer sabia onde é que elas estavam plantadas. Com os conhecimentos que tinha da Natureza, só conseguia imaginar onde é que elas provavelmente cresceriam.

 

No fim do primeiro dia, um coelho passou a saltitar por Nekumonta, enquanto ele, de joelhos, escavava a neve com as mãos.

 

- Sabes onde é que Manitu plantou as ervas que ajudarão a curar o meu povo? - perguntou Nekumonta, mas o coelho não sabia e continuou o seu caminho, deixando o seu rasto na neve.

 

Mais tarde, quando a escuridão surgiu no fim do curto dia de Inverno, o guerreiro iroquês avistou um urso-pardo a olhá-lo das profundezas da floresta. Nekumonta perguntou ao urso pelas ervas, mas o urso não sabia de nada, e desapareceu pesadamente por entre as árvores.

 

Na tarde seguinte, após uma longa caminhada, Nekumonta viu uma coelha a roer os rebentos de uma planta que despontava da neve. A coelha
reconheceu-o e, sabendo que ele era amigo dos animais e não lhe iria fazer mal, não fugiu nem se escondeu.

 

Nekumonta afagou-a carinhosamente e disse:

 

- Todos na minha aldeia estão a morrer, e a minha mulher, Shanewis, está entre eles. Se sabes onde é que Manitu plantou as ervas medicinais, leva-me, por favor, até elas. São a nossa única esperança.

 

Mas a coelha não sabia onde é que Manitu plantara as ervas, de modo que arrebitou as orelhas e desapareceu na floresta. A história repetiu-se com todos os animais que encontrou. Ninguém o conseguia ajudar.

 

À terceira noite, Nekumonta estava prestes a desistir. Fraco e exausto, enrolou-se no seu cobertor e adormeceu.

 

Só mata

 

Enquanto dormia, os animais da floresta reuniram-se.

 

- Nekumonta é um bom homem - disse o urso-pardo. - Só mata quando tem de ser, tal como os animais.

 

- E também trata das nossas terras com respeito - disse o coelho. Cuida das árvores e das plantas à volta dele.

 

- Acham que o devemos ajudar? - perguntou a coelha.

 

- Sim - disse o coelho. - Mas como?

 

- Talvez possamos pedir ajuda ao grande Manitu - sugeriu o urso-pardo. - Ele compreenderá que todos os seres vivos querem que Nekumonta seja bem sucedido na sua busca.

 

Assim, o coelho, o urso-pardo, a coelha e todos os outros animais juntaram-se numa clareira da floresta e pediram a Manitu para salvar Shanewis da praga. Manitu ouviu as suas preces e, sensibilizado pela lealdade dos animais para com um humano, decidiu ajudar Nekumonta.

 

Nessa noite, Shanewis apareceu em sonhos a Nekumonta - pálida e muito magra. Começou a cantar-lhe uma estranha e bonita cantiga, mas ele não conseguiu entender as palavras, que se transformaram de imediato no som de uma cascata.

 

Quando acordou, o som da cascata ainda lá estava com o seu coro de vozes cintilantes - tão pura e cristalina como a água da Primavera.
- Encontra-nos... Liberta-nos... Shanewis e o teu povo serão então salvos.

 

Mas apesar do som maravilhoso, não havia nenhuma cascata - nem sequer um pequeno riacho.

 

- Quem és tu? - gritou Nekumonta.

 

- Somos as Águas Medicinais - disse o coro. - Liberta-nos.

 

- Onde estais? - gritou Nekumonta, desesperado, pois o coro de vozes cintilantes ouvia-se muito perto, embora não o conseguisse ver.

 

- Liberta-nos - cantou o coro uma vez mais.

 

Com novo alento, Nekumonta procurou por todo o lado, mas não conseguiu descobrir as Águas Medicinais em lado nenhum... embora a voz do coro se mantivesse forte. Percebeu então porquê. As Águas Medicinais corriam mesmo por baixo dos seus pés. Eram uma nascente subterrânea!

 

Observado pelos animais da floresta, Nekumonta afastou a neve para o lado e golpeou o duro solo com uma pederneira, até que um jacto de água se elevou no ar e começou a correr pela encosta abaixo. Descobrira as Águas Medicinais!

 

Esgotado, Nekumonta saltou para as águas geladas e banhou-se nelas. Os poderes mágicos das águas deram-lhe força, e o cansaço desapareceu subitamente. Sentia-se mais forte que nunca.

 

Encheu um odre de Águas Medicinais e correu pela encosta abaixo até à aldeia. Os outros aldeões saíram a correr das suas tendas para o cumprimentar.

 

- Estamos salvos! - gritou. - Estamos salvos!

 

Em breve, toda a gente da aldeia tinha bebido e se tinha banhado nas águas e estava de novo de boa saúde, inclusive Shanewis. Agradeceram a Nekumonta do fundo dos seus corações.

 

Quando soube do papel que os animais tinham desempenhado, Nekumonta agradeceu-lhes a sua bondade. Em troca, os animais deram graças ao grande Manitu, que é, afinal de contas, senhor de tudo. Nekumonta e Shanewis viveram muitos Verões e tiveram muitos filhos.

 

 

O CHORO QUE DERROTOU UM DEUS

Para as tribos algonquinas, Glooscap era um deus poderoso e sagaz. Não tinha medo de ninguém, e acreditava que não havia nada nem ninguém que não conseguisse conquistar.

 

Glooscap estivera longe do seu povo durante muito tempo. Enfrentara inimigos e derrotara-os com a sua bravura, a sua astúcia e a sua perspicácia. Quando regressou a uma das suas tribos, Glooscap gabou-se da sua grandeza.

 

- Não há ninguém que não me receie ou que não me obedeça.

 

- Estais assim tão seguro disso, senhor? - perguntou uma mulher. Conheço alguém que não vos obedecerá.

 

Surpreso com a novidade, mas excitado com o desafio, Glooscap pediu para saber o nome deste ser.

 

- Chama-se Wasis - disse a mulher.

 

- E não tem medo de mim? - perguntou Glooscap.

 

- Não - disse a mulher. - Ele faz sempre aquilo que quer. Ele não vos obedecerá, senhor.

 

- Então esse Wasis tem de ser muito poderoso - disse Glooscap.

 

- À sua maneira - concordou a mulher.

 

- É tão alto como os Kewawkqu? - indagou Glooscap. Os Kewawkqu eram uma raça de gigantes e feiticeiros.

 

- Não - disse a mulher. - É mais pequeno do que um diabrete.

           

- A sua magia é maior do que a dos Medecolin? - perguntou Glooscap. Os Medecolin eram feiticeiros perspicazes.

 

- Não - disse a mulher. - Ele não sabe nada de magia.

 

- É tão mau como Pamola? - indagou Glooscap. Pamola era um espírito maligno da Noite.

 

- Não - disse a mulher. - Wasis não é nada dessas coisas. Não é

 

gigante. Não é feiticeiro e não há nada de maligno nele.
- No entanto, ele não me receia e não me obedecerá! - vociferou Glooscap, que estava desconcertado com a ideia do poderoso Wasis. Levas-me até ele?

 

- Se quiserdes, senhor - disse a mulher. - Wasis vive perto. Venha.

 

Com aquilo, ela conduziu Glooscap até uma tenda vulgar. A tenda, em forma de abóbada, tinha uma estrutura de madeira e estava coberta de pedaços de casca de vidoeiro.

 

- Wasis vive aqui na vila? - perguntou Glooscap. Por que razão é que nunca ouvira falar dele? E porque é que alguém tão poderoso como ele não vivia numa tenda mais imponente, com peles de animais em vez de casca de vidoeiro como cobertura?

 

- Sim - disse a mulher. - É esta a tenda dele.

 

Entraram na tenda e o deus olhou em redor. Parecia-lhe familiar.

 

- Esta não é a tua tenda? - perguntou.

 

A mulher fez um sinal afirmativo com a cabeça.

 

- Sim, senhor, mas agora é também a tenda de Wasis.

 

- Onde é que ele está então? - indagou Glooscap.

 

A mulher apontou para um bebé que estava sentado em cima de um tapete, a chupar um pedaço de açúcar de bordo.

 

- Aquele é Wasis - disse ela.

 

- Mas ele não passa de um bebé! - disse Glooscap, e soltou uma sonora gargalhada.

 

- Nem mais nem menos, senhor - concordou a mulher. - É meu filho. - Ela sabia que Glooscap andava sempre em viagem, embrenhado nas suas aventuras, e nunca tivera de tratar de um filho durante toda a sua vida. Ele não conhecia a diferença entre as crianças e os outros seres humanos!

 

Glooscap resolveu usar o seu amuleto para fazer com que Wasis lhe obedecesse. Sorriu para o bebé.

 

- Vem cá - disse.

 

Wasis sorriu-lhe, mas não se mexeu. Ficou sentado no centro do tapete, a balbuciar.

 

Glooscap pôs então as mãos na boca e imitou o pio de uma ave.
Era uma melodia bonita, e a mãe de Wasis estava encantada com ela. Mas não era a ela que a melodia se destinava. Destinava-se a atrair a atenção de Wasis, mas ele não estava minimamente interessado. Demonstrava muito mais interesse no bocado de açúcar de bordo que estava a chupar.

 

Furioso por alguém se atrever a ignorá-lo, a ele, um deus poderoso, Glooscap ficou fora de si.

 

- Vem cá imediatamente! - berrou ele a Wasis, mas não surtiu qualquer efeito.

 

Incomodado por este estranho que entrara em sua casa e estava agora a gritar e esbracejar, Wasis recusou-se a obedecer ao deus. E desatou a chorar. Quanto mais aumentava a fúria de Glooscap, mais alto Wasis berrava... e continuava sem sair do seu lugar no tapete.

 

Finalmente, Glooscap passou para a magia. Começou a cantar uma canção tão poderosa que seria suficiente para ressuscitar os mortos. Há quem diga que era uma canção tão imbuída de magia que afugentou os espíritos malignos para as profundezas da Mãe Terra.

 

Wasis parou de chorar, a melodia pareceu acalmá-lo. Mas não tardou a ficar aborrecido - soltou um sonoro bocejo e as pestanas começaram a fechar-se.

 

Totalmente derrotado, Glooscap escapuliu-se da tenda, a tremer de raiva. A mulher pegou em Wasis ao colo e apertou-o contra si. Saiu da tenda e ficou a observar o deus enraivecido a atravessar com passo pesado o acampamento. Não haveria mais gabarolices da parte dele nesse dia!

 

O bebé sentiu o cheiro familiar da sua mãe e sentiu o calor dela contra o seu corpo. Sorriu, olhando-a com ar afável. Já não chorava.

 

- Penso que Glooscap aprendeu uma importante lição hoje, Wasis disse ela.

 

- Gu! - fez Wasis, e voltaram para dentro da tenda.

 

£ foi assim que o maior dos deuses foi derrotado pela mais pequena das crianças, e é por isso que sempre que um bebé diz «Gu!» nos lembramos do dia em que Wasis pôs Glooscap no seu lugar.

 

 

PÁSSARO NEGRO, CÉU RESPLANDECENTE

Hoje, a terra dos esquimós canadianos tem luz do dia durante metade do ano e noite durante a outra metade. Porém, segundo um mito esquimó, não foi sempre assim. Era um lugar de noite eterna.

 

Outrora, na bruma do tempo, a terra dos esquimós era um lugar de completa escuridão. Era um local ermo de desertos gelados, onde o frio cortante trespassava as peles usadas pelos esquimós e cravava os seus dentes até ao tutano. Mas pior do que o frio era a interminável noite. Meia-noite ou meio-dia, o céu era negro como os vultos das focas a nadar por baixo do gelo.

 

Nesta escuridão, nasciam crianças, construíam-se iglus e caçavam-se animais. O tempo parecia não ter significado, porque não havia dias para contar. O povo deste deserto terrível tinha apenas as suas lamparinas de óleo de foca para iluminar a escuridão.

 

Para passar o tempo, os esquimós passavam a maior parte das suas vidas dentro dos iglus a contar histórias uns aos outros, mas um dos mais populares contadores de histórias não era um humano. Era um corvo.

 

Ao contrário dos esquimós, este pássaro viajara por toda a parte. Numa hora, as suas asas podiam levá-lo a uma distância que um homem ou uma mulher só conseguiam cobrir ao fim de um dia de caminhada sobre o gelo traiçoeiro sem a luz do Sol para os guiar. No entanto, as horas e os dias não significavam nada para os esquimós canadianos.

 

O Corvo falava-lhes de todas as outras terras que vira e de uma coisa chamada Luz do Dia.

 

- O que é essa Luz do Dia de que falas? - indagou um jovem caçador. - Não compreendo.

 

- E mais brilhante do que o relâmpago que ilumina o céu numa trovoada - disse o Corvo. - Porém, ao contrário do relâmpago, não desaparece num piscar de olhos.
- Queres dizer que o céu fica brilhante? - perguntou o jovem caçador.

 

- Sim - disse o Corvo. - Em vez do céu ser escuro como as pupilas dos teus olhos, é claro como o branco que as rodeia.

 

- Como é que isso é possível? - perguntou uma velhota. - Já vivi mais do que qualquer um que está sentado neste círculo, e nunca vi essa coisa a que chamas Luz do Dia.

 

- Nunca nenhum de nós viu algo com nitidez! - gritou o jovem caçador. - Vivemos num mundo de sombras... num mundo iluminado pelo brilho amarelado das nossas lamparinas de óleo de foca. Sem isso, seríamos completamente cegos.

 

- Então traz-nos um pouco dessa Luz do Dia, Corvo, para nos ajudar nas nossas vidas diárias - suplicou a velhota. - Não para provar a verdade do que dizes, pois não duvidamos da tua palavra, mas para nos ajudar.

 

O Corvo estava sempre ansioso por ajudar os esquimós. Não tinha nenhum motivo para visitar a terra deles, mas eles eram seus amigos e era por isso que voltava sempre para eles.

 

- Sim - acrescentou o jovem caçador. - Importas-te de ir até ao mundo da Luz do Dia e de nos trazer um pouco dela?

 

- Vou tentar - disse o Corvo.

 

Na manhã seguinte - embora ninguém pudesse afirmar que era manhã, pois o céu ainda estava negro - o Corvo partiu para a sua viagem. Uma multidão de pessoas juntara-se na escuridão para o ver partir.

 

- Boa sorte! - gritaram, mas no momento em que ele voou para o céu, deixaram de ver o seu amigo, pois as suas penas eram tão negras como o ar que o rodeava.

 

Voou até avistar uma luz bruxuleante no horizonte. Chegara finalmente à terra da Luz do Dia e então - e só então - pousou, completamente esgotado, para dormir.

 

Quando o Corvo acordou, pensou na missão que tinha pela frente. Os esquimós eram boas pessoas. Como a comida era escassa na sua terra, partilhavam sempre com prazer o pouco que tinham entre si. O Corvo sabia que nem todas as pessoas se comportavam assim, e que aqueles que possuíam a Luz do Dia não estariam dispostos a dar-lhe um pouco dela, por mais pequeno que fosse esse pouco. Teria de a roubar.

 

O Corvo voou até uma aldeia e procurou a casa do chefe, porque sabia que a pessoa mais importante da aldeia estaria encarregue da Luz do Dia. Pousou no peitoril da janela e viu uma criança a gatinhar em cima de um tapete de pele de urso, sob a vigilância do seu amado avô, o chefe.

 

O Corvo viu pela expressão do chefe que adorava o seu neto e que faria tudo por ele. O rapaz poderia pedir qualquer coisa que o avô, para o fazer feliz, lha daria - o Corvo não tinha qualquer dúvida a esse respeito.

 

Uns dizem que o Corvo se transformou num grão de poeira e entrou na orelha do rapazito. Outros dizem que o Corvo falou com o rapaz quando o chefe saiu de casa para ajudar a filha a transportar um balde de água. Fosse como fosse, o Corvo suspirou para o rapaz:

 

- Pede ao teu avô um bocado de Luz do Dia... um bocadinho chegará, com um fio para a segurar.

 

O rapaz, excitado, gritou:

 

- Vovô! Vovô! Deixe-me brincar com um bocadinho de Luz do Dia. Mas a Luz do Dia era demasiado preciosa para se poder brincar com ela,

 

por isso o chefe tentou distrair o neto.

 

- Agora não, criança - disse ele. - Deixa-me contar-te a história de Nanook, o urso branco.

 

Pegou num pequeno urso feito de dente de morsa e pô-lo num tapete ao lado do rapaz. Depois, começou a contar ao neto a sua história favorita - o conto esquimó de como um urso-polar salvou a vida de um homem aquecendo-o com o seu corpo e pescando peixe para ele comer, e de como ele ensinou ao homem que os ursos e os homens eram irmãos.

 

Porém, pela primeira vez, a história perdeu a sua magia. O rapaz só pensava na Luz do Dia. Era só um bocadinho de Luz do Dia que ele queria para brincar e, depois de começar a chorar, foi um bocadinho de Luz do Dia que lhe foi dado - com um fio para a segurar.

 

- Obrigado, vovô! - O rapaz sorriu, segurando a brilhante orbe.

 

Antes que alguém soubesse o que estava a acontecer, o Corvo bateu as asas desde o sítio onde estivera escondido e agarrou no fio.

 

Fugiu então pela porta que fora aberta pelo pai do rapaz, que regressava de uma caçada.

 

O Corvo voou em direcção ao céu, esquivando-se a uma torrente de setas disparadas contra ele pelo chefe e os seus aldeões. Com ele, levava o bocado de Luz do Dia, brilhante como uma bola cor de laranja. Continuou a voar, sem nunca se atrever a parar, enquanto levava a Luz do Dia aos seus amigos, os esquimós.

 

Era apenas um bocadinho, naturalmente, porque o Corvo não teria conseguido transportar algo muito maior, mas era suficientemente grande para fornecer luz e calor aos seus amigos durante meio ano. Pela primeira vez, tinham luz natural. A velhota, o jovem caçador e todos os outros esquimós ficaram muito gratos por aquilo que o Corvo fizera, arriscando a vida para lhes trazer a Luz do Dia.

 

- Obrigado - disseram. - Nunca esqueceremos o que fizeste por nós. As tuas façanhas serão contadas em histórias pelos nossos filhos e netos. O teu nome perdurará entre o nosso povo para sempre.

 

Numa terra onde a caça é ainda difícil e a comida é ainda escassa, os esquimós canadianos nunca matam corvos. São amigos dos pássaros, e agora sabeis porquê.

 

 

A MALDIÇÃO DA CARNE DE COBRA

Um chefe sioux e os seus guerreiros atravessavam as pradarias a caminho da aldeia. Cansados e esfomeados procuravam comida. O chefe pôs o ouvido no chão em ouviu o que parecia ser o barulho atroador de cascos...

 

- Búfalos! - anunciou. - Muitos búfalos. - Os seus guerreiros ficaram encantados. Esperaram, com as setas a postos, para apanhar alguns dos animais quando passassem. Pouco depois, o barulho era suficientemente intenso para todos o ouvirem, e o chão estremecia sob os seus pés.

 

- Deve ser uma grande manada! - disse alegremente um dos guerreiros. - Voltaremos para casa com boas peles e de barriga cheia.

 

Mas a excitação em breve se transformou em terror, quando viram o que vinha na sua direcção. Não era um manada de búfalos mas uma gigantesca cascavel, maior do que uma tenda. Aquilo que eles pensavam que eram cascos mais não era do que o monstruoso guizo no extremo da cauda!

 

Petrificado de medo, o chefe ainda conseguiu tirar uma seta da aljava e lançou-a contra este monstro aterrador. A pontaria foi certeira e a cobra morreu com uma só seta bem colocada.

 

Pouco depois, estavam todos a comer carne de cobra - isto é, todos, excepto o guerreiro mais novo...

 

Nessa noite, os guerreiros acordaram aos gritos, aterrorizados, ao descobrirem que não tinham nem braços nem pernas e que a pele se transformara em escamas. Só o mais jovem permaneceu humano, enquanto os seus amigos se transformavam em cobras que se contorciam perante os seus olhos! Triste e abalado, regressou à aldeia e contou à sua tribo o que acontecera.

 

No Verão, as cobras vieram visitar a sua velha aldeia. Não fizeram mal a ninguém e deslizaram por entre os seus amados, que as reconheceram e não as recearam. Quando o Inverno chegou, as cobras foram-se embora e os aldeões descobriram que os cavalos e os pertences dos guerreiros também tinham desaparecido.

 

 

O GIGANTE LENHADOR

Segundo as lendas dos colonizadores europeus, o maior lenhador de todos eles - algumas referem-se-lhe como o primeiro lenhador - foi um gigante chamado Paul Bunyan.

 

A senhora Bunyan sabia que havia algo de especial com o seu filho Paul quando ele nasceu.

 

- O nosso rapaz vai ser alguém grande neste mundo - disse ela ao marido cheia de orgulho, mas provavelmente nunca pensaram na grandeza que ele viria a atingir.

 

Quando começou a andar, o seu filho era maior e mais forte do que a maioria dos homens da cidade. Toda a gente sabia quem era o Paul Bunyan e ao fim de pouco tempo todos tinham a sua história para contar acerca dele.

 

Uma manhã, as pessoas acordaram com um enorme estrondo seguido do barulho de vidros estilhaçados - e o som viera da casa dos Bunyan. As pessoas saltaram das suas camas, vestiram as calças, calçaram as botas e foram a correr ver se podiam ajudar.

 

- O que é que aconteceu? - gritou um, quando o pai de Paul apareceu à porta, o chão coberto de vidros partidos. - Estás bem?

 

- Estamos todos bem, obrigado, amigos - asseverou-lhes o pai de Paul. - Só que o jovem Paul está com uma leve constipação e um dos seus espirros partiu os vidros de todas as janelas.

 

As pessoas, com olhos de sono, riram-se e voltaram para casa para tomar o pequeno-almoço.

 

Quando atingiu a idade adulta, Paul Bunyan não era grande, era enorme! Nunca ninguém conseguiu medir a sua altura, porque não havia uma fita métrica suficientemente comprida. Paul em breve ficou demasiado grande para a sua cidade natal e resolveu tornar-se lenhador na floresta. O trabalho dos lenhadores era cortar árvores para madeira, de modo a que outras pessoas pudessem construir casas novas e móveis para essas casas.

 

A madeira era usada para fazer carroças para transportar pessoas e mercadorias, e para fazer chulipas para os carris do caminho-de-ferro para que as pessoas pudessem viajar até paragens distantes.

 

Era também usada na construção de igrejas, hotéis e prisões, e para fazer postes telegráficos para que as pessoas pudessem enviar mensagens umas às outras.

 

O trabalho de lenhador num campo de derrube de árvores era um trabalho pesado - um trabalho de fazer fome - para homens fortes, e o campo onde Paul Bunyan estava não era diferente dos outros. Por trás dele havia um lago, mas este não era um lago vulgar. Em vez de águas cristalinas e azuis, este lago estava cheio de um líquido borbulhante, espesso e esverdeado. Era um lago de sopa de ervilhas quente e pronta a servir, noite e dia.

 

E deviam ter visto a chapa de ferro em cima do fogão que os lenhadores usavam para fazer as suas panquecas. Para a engordurarem, dois cozinheiros tinham de prender dois presuntos aos pés e deslizar com eles para cima dela, enquanto a gordura frigia com o calor - era enorme!

 

O campo de Paul Bunyan era o maior e o melhor que alguma vez existiu. Ele trabalhava tanto que o guarda-livros - que registava toda a madeira que vendiam - gastava mais de vinte barris de tinta por semana.

 

- O dinheiro que gastamos em toda aquela tinta poderia ser mais bem gasto em machados novos ou em comida suplementar para os homens - disse o guarda-livros. - Tens alguma ideia de como podemos fazer uma poupança? - perguntou a Paul Bunyan um dia.

 

- Não ponha os pontos nos is e os traços nos tês - disse Paul.

 

E foi exactamente o que o guarda-livros fez e conseguiu poupar seis barris de tinta em pouco mais de dois meses!

 

Tudo o que dizia respeito a Paul Bunyan era maior do que a vida - até o seu animal de estimação. Era um boi enorme e não era assim tão vulgar como isso. Era um boi gigantesco e, ainda por cima, de um azul-vivo. E o que é que Bunyan chamava a esse animal enorme com os seus chifres afiados e músculos colossais? Babe.

 

Babe tinha um celeiro só para si - porque era muito grande - mas até o celeiro já era demasiado pequeno para ele. Uma manhã, Paul encontrou Babe com o celeiro no lombo como se de uma sela se tratasse. O boi crescera excessivamente durante a noite e agora estava com o celeiro preso em cima dele!

Existem muitas histórias incríveis das aventuras de Paul Bunyan e de Babe. Como a do dia em que Bunyan teve problemas em levar uma carga de troncos por uma estrada sinuosa até ao rio. Troncos direitos e curvas são duas coisas que não ligam bem. Existia apenas uma estrada até ao rio, e essa era sinuosa. Logo que os troncos estivessem na água, seriam transportados até à serração através da corrente... mas Bunyan tinha de os levar primeiro pela estrada.

 

Delineou um plano, usando a sua inteligência e os músculos de Babe. Arranjou uns arreios ao boi e prendeu-os a uma ponta da estrada sinuosa. Com a promessa de cubos de açúcar, Babe puxou a estrada até todas as curvas terem desaparecido, ficando tão direita como uma corda.

 

Mas não foram só estradas direitas que Paul Bunyan deixou atrás de si. Alguns dizem que ele até criou o Grand Canyon... por engano! O canyon é uma fractura no solo do Arizona que tem mais de trezentos e vinte quilómetros e mais de mil e quinhentos metros de profundidade nalguns locais. A lenda diz que foi feito pelo enorme machado que Bunyan arrastava atrás de si - e ele nem se apercebeu do que estava a fazer.

 

Parece que Paul Bunyan ajudou realmente a moldar a América do Norte - de várias formas!

 

 

O HOMEM QUE SEMEAVA ÁRVORES

Para os primeiros colonos europeus que viajaram de carroça até ao Oeste desconhecido, as macieiras forneciam abrigo, comida e um cheirinho a casa. A lenda diz que a maioria das árvores foi plantada por John Chapman, recordado hoje como Johnny Appleseed*.

 

Johnny Appleseed era feliz onde estava. Ouvira histórias do Oeste um lugar selvagem de planícies sem fim, montanhas enormes e densos pinhais - e não vislumbrava nenhuma boa razão para abandonar a segurança da sua amada quinta de macieiras no Massachusetts. A quinta de Johnny era um pomar imenso de centenas de macieiras que davam bonitas flores na Primavera e deliciosas maçãs no Verão.

 

Como aqueles que o rodeavam, Johnny Appleseed era uma pessoa simples, temente a Deus. Trabalhava seis dias por semana e ia à igreja ao sétimo. Era feliz com a vida e por estar num país onde havia terra suficiente para partilhar. Adorava as pessoas, a língua e a comida - e a que mais adorava era tarte de maçã, feita com maçãs da sua própria quinta. Que a comida favorita de Johnny fosse tarte de maçã não era surpresa para ninguém. O que foi surpresa foi um dia anunciar que ia para o Oeste.

 

- Mas por que razão é que te vais embora? - perguntou um amigo quando ouviu a notícia.

 

- Porque um anjo me pediu - disse Johnny. - Apareceu de trás de um arbusto e incumbiu-me de uma missão na vida.

 

- A ti? - disse o amigo, sorrindo, surpreso. - Porquê a ti, Johnny? A única coisa de que percebes é de maçãs!

 

- Foi essa a razão da minha escolha - disse Johnny. - A minha missão é encaminhar-me para o Oeste e semear macieiras à medida que caminho.

 

* Appleseed: semente de maçã.

 

E foi exactamente o que ele fez. Não levou nem cavalo nem mula. Não levou qualquer arma - apenas alguns víveres, as suas preciosas sementes de macieira e uma pá para escavar o solo - e foi assim que ele ficou com o nome de Johnny Appleseed.

 

Johnny Appleseed não se limitou a semear apenas macieiras na sua incrível caminhada para o Oeste. Semeou também muita boa vontade. Preocupava-se tanto com os animais como com as pessoas. Uma vez, preferiu passar uma noite fria de Inverno ao relento, na neve, a expulsar uma mãe ursa e os seus filhos de dentro de um tronco de árvore que seria um abrigo ideal para si.

 

Para onde quer que fosse, era bem-vindo. Quando chegou a velho já semeara macieiras pelas planícies. Alguns dizem que se não fosse Johnny Appleseed, não existiria a expressão «tão americano como uma tarte de maçã».

 

Um dia, o anjo apareceu a Johnny uma segunda vez.

 

- O teu trabalho aqui está terminado - disse ele ao ancião. - Vem semear macieiras para o Céu.

 

E assim Johnny e o anjo partiram juntos, deixando atrás de si um país coberto de bonitos pomares cheios de maçãs deliciosas.

 

O Rei da Fronteira Selvagem

Davy Crockett foi um verdadeiro herói americano que morreu na Batalha de Álamo de 1836. Mas existem algumas histórias acerca deste homem lendário em que nos custa um pouco a acreditar...

 

Um dia, Davy Crockett e o seu amigo Mike foram caçar.

- Descobri uma nova maneira de caçar guaxinins - disse Davy a Mike.

 

- Como é que fazes? - perguntou Mike, ansioso por aprender um novo truque.

 

- Qual é a primeira coisa que acontece quando um guaxinim ouve alguém? - perguntou Davy.

 

- Sobe a uma árvore - disse Mike.

 

- E enquanto ele está a olhar para mim, rio-me para ele - disse Davy.

 

- E depois? - perguntou Mike.

 

- Depois - disse Davy Crockett -, fico tão feio que ele cai da árvore só de olhar para mim!

 

Mike soltou uma sonora gargalhada.

 

- Mas tu não és assim tão feio, Davy - disse ele.

 

- Psiu! - murmurou Davy. - Estás a ver aquele guaxinim ali em cima? Mike perscrutou a escuridão.

 

- Não o estou a ver - respondeu.

 

- Ali - disse Davy. - Vê-se o olho dele a espreitar-nos por entre as agulhas no cimo daquele abeto.

 

- Se tu o dizes - disse Mike.

 

Davy Crockett pôs-se de pé e fixou o olhar no olho do guaxinim. Fez um dos seus mais feios sorrisos... e a casca soltou-se da árvore! Mike deu uma corrida.

 

- Não era o olho do guaxinim - disse, arquejante. - Era um nó na madeira. Fizeste um sorriso tão feio e assustador que a casca saltou da árvore!

 

Nesse momento, um guaxinim verdadeiro correu para a clareira. Ficou imóvel quando deu pela presença dos dois caçadores, e levantou os olhos para Davy.

 

- Senhor Crockett, o melhor caçador que estes bosques alguma vez conheceram - disse o guaxinim.

 

- É verdade - disse Davy, orgulhosamente. - Matei cento e cinco ursos num ano.

- Então seria uma honra ser morto por si, senhor Crockett - disse a criatura. - Dispare, por favor.

 

Davy ficou profundamente comovido.

 

- Depois daquilo que disseste, daria mais depressa um tiro em mim do que em ti - fungou, uma lágrima a assomar ao canto do olho.

 

- Obrigado - disse o guaxinim, partindo a toda a pressa para a floresta. Não que duvide da sua palavra - disse, virando-se para trás -, mas acho melhor desaparecer antes que o senhor mude de ideias. - Com um movimento brusco do rabo, partiu.

 

Davy olhou para Mike. Mike olhou para Davy.

 

- Achas que fomos enganados por um animal? - perguntou Mike. Davy Crockett encolheu os ombros.

 

- De uma coisa tenho a certeza - disse ele. - Foi o guaxinim mais inteligente que alguma vez vi!

 

Pode ter sido enganado por um guaxinim, mas Davy Crockett foi também um herói. Diz-se que quando o cometa Halley passou a toda a velocidade pela Terra em 1835, ele o agarrou pela cauda flamejante e o atirou para o espaço.

 


A MAMÃ E O HOMEM PELUDO

Há uma série de diferentes histórias afro-americanas acerca do Homem Peludo na floresta. Era um monstro que tinha mais de desordeiro que de feroz, mas deixava-se enganar...

 

Quando Wiley ia passear, levava geralmente os seus dois cães consigo, porque a mãe receava que o Homem Peludo o apanhasse.

 

- Ele apanhou o teu pai e agora quer-te a ti! - preveniu-o.

 

Um dia, Wiley estava na floresta preparado para cortar lenha, quando um javali passou a grunhir por ele. Antes que Wiley tivesse hipótese de os deter, os dois cães desataram a correr atrás dele... e quem apareceu na clareira? O Homem Peludo, pois então.

 

Embora nunca lhe tivesse posto a vista em cima, Wiley não tinha dúvidas de quem se tratava. O Homem Peludo era muito alto, muito peludo e tinha dentes enormes. Era o homem mais alto, mais peludo e mais feio que Wiley alguma vez vira, mas - pensando bem - o Homem Peludo não era bem um homem. Era um monstro... e este monstro estava a sorrir para Wiley.

 

Wiley trepou pela árvore mais próxima. Sabia que o Homem Peludo não conseguiria segui-lo, pois vira-lhe os pés. Os pés do Homem Peludo eram como cascos de vaca e Wiley sabia que as vacas não conseguem subir às árvores!

 

- Desce daí, Wiley - disse o Homem Peludo -, e eu mostro-te um pouco de magia poderosa!

 

Mas Wiley não iria cair naquele truque.

 

- A minha mamã conhece a magia de que eu precisarei - disse ele, o que era verdade. A mãe era curandeira. Conhecia a velha magia africana. - Se eu descer, a única coisa que me vais fazer é meter-me dentro desse teu saco grande disse Wiley, continuando imóvel.

 

O Homem Peludo agarrou então no machado de Wiley e começou a dar machadadas no tronco da árvore. A árvore não demoraria muito tempo a tombar.

 

- Espera, Homem Peludo! - gritou Wiley. - Tenho de fazer as minhas orações.

 

- Se tens mesmo de o fazer - disse o Homem Peludo, que nunca entendera bem estas coisas. E parou de dar machadadas.

 

Em vez de rezar, Wiley gritou:

 

- Hoooo-ceeeee! - Mas, como o Homem Peludo não reconheceria uma oração cristã mesmo que lha gritassem ao ouvido, não se apercebeu de que tinha sido enganado... até que os cães de Wiley surgiram na floresta a correr na direcção dele. O Homem Peludo fugiu por entre as árvores.

 

Na vez seguinte em que Wiley encontrou o Homem Peludo, os cães estavam presos em casa, mas lembrou-se de um novo truque que a mãe lhe ensinara.

 

- Boa tarde, Homem Peludo - disse ele delicadamente. - A mamã diz que a tua magia é realmente forte e que consegues transformar-te em qualquer género de animal.

 

- A tua mãe tem razão - disse o Homem Peludo. - Consigo transformar-me num crocodilo ou numa girafa ou num...

 

- Oh - disse Wiley, parecendo desapontado. - A mamã diz que te transformas facilmente num desses animais. Eu estava a pensar que deverias tentar algo realmente difícil como um gambá.

 

- Difícil? - riu-se o Homem Peludo. - Consigo transformar-me num gambá com a maior das facilidades! - E transformou-se num gambá.

 

Antes que o gambá tivesse tempo de saber o que se estava a passar, Wiley meteu-o dentro do seu saco e deu-lhe um nó - tal como a mãe lhe dissera. Mas o saco ficou então espalmado, e uma formiga saiu por um pequeno buraco na boca do saco. Wiley subiu pela árvore mais próxima que nem um raio.

 

- Foi inteligente a tua transformação numa formiga - disse o rapaz -, mas consegues fazer desaparecer coisas?

 

- Como o quê? - perguntou o Homem Peludo.

 

- Corda - disse o rapaz.

 

- Já está - disse o Homem Peludo.

 

- Quer dizer que fizeste desaparecer toda a corda que existe aqui à volta? perguntou Wiley.

 

O Homem Peludo fez que sim com a cabeça.
- Inclusive a corda que prendia os meus cães? - perguntou Wiley com um largo sorriso, depois gritou: - Hoooo-ceeeee!

 

A resmungar consigo próprio, o Homem Peludo escapuliu-se a toda a pressa para a floresta. Wiley foi a correr para casa contar à mãe o que acontecera.

 

A mãe resolveu que estava na altura de pôr na ordem este Homem Peludo de uma vez por todas. Ela sabia que se um monstro como ele se deixava enganar por três vezes, teria de os deixar em paz. Era assim que eram as coisas. Tratou cuidadosamente dos preparativos, depois usou os seus poderes para convocar o Homem Peludo para sua casa.

 

- Vim por causa do Wiley - disse o Homem Peludo. - Se não me deixares apanhá-lo, vou fazer com que as tuas galinhas deixem de pôr ovos, que as tuas vacas não dêem mais leite e que a tua cabra fique coxa. O que dizes a isso, mamã?

 

- Estás a dizer que se te der o meu filho, vais-nos deixar em paz para sempre? - perguntou ela.

 

O Homem Peludo fez um sinal afirmativo com a enorme cabeça peluda.

 

- Sim - disse ele.

 

- Prometes? - perguntou a mamã. - Porque sabes que não podes voltar com a palavra atrás.

 

- Prometo - disse o Homem Peludo, aos pulos, entusiasmado.

 

- Então leva o meu filho - disse a mamã. - Ele está na cama a dormir. O Homem Peludo correu para a cama, puxou os lençóis para trás e agarrou

 

no bebé que lá estava deitado.

 

Mas este não era o menino de mamã, Wiley. Este menino não era sequer humano. O que o Homem Peludo tinha nas mãos era um porco a grunhir.

 

- Este não é o teu menino! - gritou o Homem Peludo.

 

- Oh, é sim senhor, Homem Peludo - disse a mamã. - A mãe dele, a porca, pertence-me, e ele também me pertencia, só que ele agora é teu!

 

Wiley saiu do seu esconderijo com os seus dois cães.

 

- É a terceira vez que te enganamos, Homem Peludo - disse ele a rir. Por isso tens de nos deixar em paz. Ganhámos!

 

Derrotado, o Homem Peludo voltou cabisbaixo para a floresta, onde ainda hoje deve estar a maldizer aquele dia.

 

 

O IRMÃO COELHO E O BEBÉ DE ALCATRÃO

As histórias do Irmão Coelho eram contadas primeiramente pelos escravos afro-americanos, e são provenientes dos mitos de animais de África. Estas histórias foram registadas por um jornalista de origem europeia, chamado Joel Chandler Harris.

 

- Toca a levantar, Irmão Raposo! - disse o Irmão Coelho numa manhã soalheira, passando a correr pelo seu inimigo ensonado. Agora, o Irmão Raposo era maior do que o coelho, mais forte do que ele e tinha dentes mais afiados, mas o Irmão Coelho estava sempre a levar a melhor sobre ele!

 

O Irmão Raposo planeou mudar tudo isso - para sempre. A razão por que estava com um ar meio endorminhado não se devia ao facto de o barulhento do Irmão Coelho ter acabado de acordá-lo. Não, o Irmão Raposo estava cansado porque estivera a planear travessuras até tarde.

 

Rastejara até ao poço de alcatrão, onde o pez borbulhava do chão e moldara um pedaço de modo a parecer-se com um coelho bebé.

 

Depois, o Raposo levou o bebé de alcatrão e sentou-se no meio do carreiro de terra que ele sabia que o Irmão Coelho palmilhava todos os dias até à sua plantação de alfaces. Então, foi sorrateiramente até casa e enroscou-se, fingindo ter estado lá a dormir toda a noite.

 

Quando o coelho agarrou o bebé de alcatrão, saudou-o.

 

- Bom dia, jovem - disse ele. - Onde estão a tua mamã e o teu papá?

 

Como é óbvio, o bebé de alcatrão não respondeu, porque ele era isso mesmo: um bebé feito de alcatrão. Nessa altura, o Irmão Coelho deu-lhe um bom abanão - só para descobrir que as suas patas se agarravam a ele como cola. Depois, utilizou as patas traseiras para se libertar do alcatrão pegajoso e também elas ficaram coladas.

 

Foi então que o Irmão Raposo surgiu. Estivera escondido num buraco, sempre à espreita.

 

- Parece que esta noite vou ter guisado de coelho! - riu-se ele. - Acho que vou pôr-te ao lume! - disse, agarrando o Irmão Coelho pelas orelhas.

 

- Oh, então está bem - disse o coelho. - Pensei que me ias atirar para aquele canteiro de roseiras-bravas.

 

- Pensando melhor, vou esfolar-te e depois comer-te - disse o raposo, aborrecido por o coelho não parecer estar assustado com a ameaça.

 

- Desde que não me atires para dentro do canteiro - suplicou o Irmão Coelho.

 

- Ou posso pendurar-te numa árvore - disse o Irmão Raposo.

 

- Parece desagradável - concordou o Irmão Coelho. - Mas não tão desagradável como o canteiro.

 

- Então é mesmo para aí que vais! - exclamou o raposo. Libertando-o do bebé de alcatrão, atirou-o ao ar... e o Irmão Coelho aterrou no canteiro de rosas-bravas cheias de espinhos.

 

- Obrigado por me soltares, Irmão Raposo - gritou o Irmão Coelho. Esqueceste-te que nós coelhos nascemos e crescemos no meio das roseiras bravas. - E, com isto, foi-se embora saltitando.

 

Tal como um escravo consegue enganar o seu dono com astúcia, mais uma vez o Irmão Coelho derrotara o Irmão Raposo fazendo-o passar por parvo.

 

 

QUANDO OS HOMENS TINHAM ASAS

Mitos de pessoas que voam, tal como este, nasceram da escravatura. Os africanos foram raptados, trazidos para a América do Norte contra a sua vontade e forçados a trabalhar como escravos, muitas vezes para donos cruéis.

 

Este mito é uma história de esperança e de liberdade.

 

John acordou com o nascer do Sol. Para ele não havia pequeno-almoço, só trabalho árduo nos campos de algodão. As pernas estavam doridas do chicote do capataz e o estômago doía-lhe com fome. No entanto, trabalhou toda a manhã ao lado dos outros, a apanhar algodão sob o sol quente.

 

Foi então que começou o burburinho. Não era permitido haver conversa e o capataz cavalgava entre os apanhadores de algodão, certificando-se de que todos trabalhavam afincadamente. Assim, a notícia - a alegre notícia - de que os escravos de Master Tom, do outro lado da colina, haviam criado asas e voado, passou em sussurro de boca em boca.

 

- Que queres dizer com «voado»? - murmurou John para o velhote que lhe estava a dar a notícia.

 

- Exactamente aquilo que te estou a dizer - disse o homem. - Nunca ninguém te disse que em África as pessoas conseguem voar?

 

- O meu pai é de África, mas não consegue voar - protestou John, continuando a apanhar o algodão para o caso de ser apanhado pelo olhar cruel do capataz.

 

- Isso é porque perdemos o poder quando fomos trazidos do outro lado do oceano - disse o velhote. - As nossas asas mirraram e morreram.

 

- E verdade - sussurrou Mary. - Eu tinha asas, mais negras que as dos melros, que reluziam ao sol. Mas perdi tudo: o poder e as asas. - De repente pareceu mais triste do que nunca, quando recordou os dias há muito esquecidos de voos planados pelos céus africanos.

 

- Então porque é que os escravos de Master Tom ainda têm o poder? murmurou John. - E porque não voaram senão só agora?

 

Mas a conversa ficou por aí, porque o capataz passou por eles a trote com o seu chicote, perscrutando-os um a um com o olhar. Depois de ele ter passado, o velhote respondeu a John:

 

- Porque o poder foi-lhes devolvido por Aquele-Que-Se-Lembra, um vidente que tem o condão de dizer as palavras que fazem crescer as asas.

 

- Porque é que ele não partilhou as palavras? - perguntou John. Alguém da plantação de Master Tom poderia ter-nos dito!

 

- Assim que as palavras são ditas e que a magia actua, são esquecidas por todos menos por aquele que as pronuncia - murmurou Mary. - É assim que funciona alguma magia africana.

 

John estava triste.

 

- Se pelo menos Aquele-Que-Se-Lembra estivesse na nossa plantação disse John.

 

- Mas estou - disse o velhote, e disse as palavras secretas. Depois, endireitou-se no meio do campo e gritou:

 

- Dêem as mãos! - e todos os escravos correram para juntar as mãos.

 

- Voltem para o trabalho! - gritou o capataz, galopando em direcção a eles.

 

- Voem! - disse o velhote, e John sentiu a camisa a rasgar à medida que as suas novas asas rompiam o tecido, e ele e todos os demais do círculo elevaram-se no ar.

 

Estavam a voar! Eram livres!

 

 

O COIOTE E A HISTÓRIA DA MORTE

A maioria das tribos índias norte-americanas conta histórias da luta entre deuses maus e bons. O Coiote aparece corno um deus em mitos de uma série de tribos diferentes. Esta é a história de como ele trouxe a morte aos humanos e depois se arrependeu.

 

Quando o mundo começou, só havia água, como dizem os Maidus. Não havia nem terra, nem plantas, nem animais, nem pessoas apenas água, com os deuses Kodoyanpe e Coiote a flutuar à superfície. Os deuses resolveram criar a terra e tudo o que nela existe. Depois criaram as pessoas... mas ao fim de algum tempo havia demasiadas. Kodoyanpe voltou-se para Coiote.

 

- O que é que vamos fazer? - perguntou. - Há demasiadas pessoas na Terra que criámos. Em breve, não haverá espaço.

 

- Podíamos fazer com que elas deixassem de ter filhos - sugeriu Coiote. Não se importava com as pessoas da mesma maneira que Kodoyanpe.

 

- Não, isso seria errado - disse Kodoyanpe. - Os filhos trazem alegria e felicidade às tribos e esperança para o futuro.

 

- E a morte? - sugeriu Coiote.

 

- Queres dizer que os humanos deviam morrer da mesma maneira que as plantas e os animais? - indagou Kodoyanpe. - Acho muito cruel.

 

- Resolveria o problema de haver demasiados humanos - disse Coiote. Estava pouco preocupado com isso.

 

- Mas isso tornaria as pessoas muito infelizes - protestou Kodoyanpe.

- Ficariam com enormes saudades dos seus entes queridos.

 

- Habituar-se-iam - ripostou Coiote. Como Kodoyanpe parecia estar tão preocupado com estas pessoas, Coiote estava a começar a defender a opinião contrária. Não gostava que Kodoyanpe fizesse sempre as coisas à maneira dele.

 

- Tenho uma ideia - disse Kodoyanpe. - E se eles voltassem à vida ao fim de algum tempo e trocassem de lugar com o grupo seguinte a morrer? - Soltou um largo sorriso.

 

- Não - disse Coiote. - A morte deve ser o fim das pessoas. Não deve haver regresso.

 

Agora, segundo um conto que a tribo Caddo conta - uma tribo que vive a grande distância da tribo Maidu - Coiote foi dominado. Fora decidido que quando as pessoas morrem deviam ficar numa casa construída pelo chefe xamã, até ser altura de voltarem à vida e regressarem à sua tribo e à sua família. Assim, quando fosse a altura certa, a primeira pessoa um homem - morria e o seu espírito era transportado rapidamente num remoinho de vento para a casa do xamã.

 

Mas Coiote não queria nada daquilo. Sob a capa da escuridão, transformou-se num perigoso cão selvagem, como aqueles a quem agora chamamos coiotes devido a ele. Foi furtivamente até à entrada da casa para as almas em descanso e esperou.

 

Quando o espírito do morto alcançou a casa, encontrou a entrada bloqueada por este animal assustador e não se atreveu a entrar. Por isso, em vez de descansar algum tempo e depois voltar à vida, o espírito do morto foi condenado a procurar nos céus o caminho para a Terra dos Espíritos. Quando, por fim, o descobriu e entrou, não existia retorno... e assim tem sido para todos desde então.

 

Mas de acordo com o povo Maidu, Coiote levou a sua avante de um modo muito mais fácil. Discutiu e voltou a discutir com Kodoyanpe até que o seu deus irmão acabou por ceder e aceitou a sugestão de que os humanos não deveriam voltar à vida. De qualquer maneira, em ambas as histórias, Coiote ganhou e a morte realmente significa o fim da vida para os homens.

 

Kodoyanpe e Coiote foram viver entre os humanos. Kodoyanpe sempre gostara do povo que criara e Coiote nunca havia entendido aquele amor até que teve um filho. Coiote amava aquela criança mais do que ele alguma vez imaginara ser possível, por isso quando ele foi mordido por uma cobra, ficou totalmente dominado pelo desgosto.

 

- Estou a morrer, pai - disse o rapaz. - Consigo sentir o veneno nas veias. Ajuda-me.

 

Coiote agarrou nele e apressou-se a ir ter com o chefe xamã.

 

- Tens de ajudá-lo - exclamou Coiote. - Foi mordido por uma cobra.

 

O xamã olhou para ele com um olhar triste.

 

- És um deus e nada podes fazer, poderoso Coiote! - disse ele. Como esperas que eu, um simples humano, faça aquilo que não consegues?

 

- Mas tens de tentar - disse Coiote, empurrando o filho para os braços do xamã. - Es curandeiro.

 

O xamã olhou para o corpo imóvel do rapaz.

 

- Lamento - disse o xamã. - Não há nada que qualquer um de nós agora possa fazer. O teu filho já está a caminho da Terra dos Espíritos.

 

Coiote atirou a cabeça para trás e uivou com fúria como um cão selvagem.

 

- Ninguém salva o meu filho? - gritou ele de dor. Então, foi à procura de Kodoyanpe e, quando o encontrou, suplicou-lhe: - Kodoyanpe, eu estava errado - disse ele. - A morte não deve ser o fim. Ajuda-me a trazer o meu filho de volta à vida. Não consigo suportar a ideia de me separar dele.

 

Kodoyanpe olhou para Coiote e para o rapaz sem vida nos seus braços. Entristeceu-o não poder fazer nada para o ajudar, mas morte significava morte e isso era obra do próprio Coiote.

 

- Lamento - disse Kodoyanpe, e lamentava realmente, pois odiava ver alguém sofrer tal desgosto -, mas o que está feito, feito está. Não podemos desfazê-lo. A morte é para sempre.

 

Coiote uivou uma vez mais.

 

- Não podes ou não queres? - uivou ele.

 

A sua voz tornou-se um horrível rosnar e a sua forma mudou até se transformar num cão selvagem mais uma vez.

 

- Sofre pelo teu filho, mas não te enraiveças - pediu Kodoyanpe. Lembra-te, foste tu quem quis que a morte fosse o fim!

 

Com a morte do filho e assombrado pela culpa e pela raiva, Coiote vagueou pela Terra na sua nova forma, fomentando a discórdia onde quer que fosse.

 

Com o passar do tempo, Kodoyanpe perdeu a paciência e preveniu as pessoas contra o seu deus irmão, o Coiote.

 

- Matem-no se o encontrarem - ordenou ele. - Pois, embora a ideia de o matar me entristeça grandemente, enquanto ele estiver no mundo, nunca estaremos livres do mal.

 

Após muitas aventuras, um grupo de pessoas encurralou Coiote numa pequena ilha onde não crescia alimento, e rodearam-na com as suas canoas.

 

- Apanhámo-lo! - disse um.

 

- Agora não conseguirá fugir - disse outro. - Deixamo-lo passar fome, e ou morrerá ou...

 

- Ou matamo-lo quando ele tentar escapar - disse o primeiro. - De qualquer forma, será o fim de toda a maldade no mundo.

 

Mas Coiote era demasiado esperto para eles. Quando veio a noite, transformou-se em nevoeiro e vogou para fora da ilha com a brisa. Uma vez livre deles, deixou escapar um uivo de vitória e as pessoas souberam que ele escapara.

 

Vendo que as pessoas estavam perto do desespero, Kodoyanpe disse-lhes para construírem uma canoa gigante - suficientemente grande para todos caberem nela. Com todos a bordo, Kodoyanpe inundou a Terra, na esperança de afogar Coiote... mas ele tinha-se disfarçado e esgueirado para bordo com os outros.

 

Quando a grande canoa passava pelo pico de uma montanha - o único pico na Terra não coberto pela inundação - Coiote pulou para a montanha, e foi assim que o povo Maidu começou a chamar-lhe a Montanha da Canoa.

 

- Este pedaço de terra agora pertence-me - declarou Coiote, voltando à forma de cão selvagem.

 

Kodoyanpe teve de admitir a derrota. Não houve maneira de livrar o mundo do seu astucioso irmão. É por isto que o Coiote ainda anda por aí algures, e a razão pela qual ainda hoje temos maldade no mundo.

                                                                                           

 

                      

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