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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UM LONGO ENTARDECER / Sandra Brown
UM LONGO ENTARDECER / Sandra Brown

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

 

Lydia e Ross se dirigiam ao Texas em uma caravana. O destino escolheu um modo peculiar de reuni-los: ela acaba de dar à luz a uma criança natimorta, ele, o pai de um recém-nascido, que perdeu sua esposa no parto. Os colonos se dirigiam a Far West, cuja única lei é a sobrevivência, a solução é óbvia, então Lydia primeiro se converte na mãe menino e, em seguida, inevitavelmente, esposa de Ross. Surge entre eles um amor ardente, mas quando a felicidade parece estar ao alcance das mãos, o passado invade suas vidas de encontro às suas esperanças.

 

 

 

 

 

«Por que quis Deus que morrer fosse tão doloroso?», perguntou-se a jovem.

 

Segurou abdômen distendido quando outra descarga de dor percorreu a parte inferior de seu torso e se propagou às coxas. Quando passou, a moça ofegava trabalhosamente, como um animal ferido que tentava reunir forças para o seguinte ataque, que sabia que ocorreria dentro de poucos minutos. Seria assim, sem dúvida, pois não acreditava que a deixassem morrer antes que o menino nascesse.

 

Estremeceu-se convulsivamente. A chuva era fria, cada gota um diminuto alfinete que aguilhoava sua pele, e tinha empapado o vestido puído e os poucos objetos interiores que tinha conseguido sujeitar com nós desajeitados. Os farrapos se pegavam a ela como um sudário úmido, um desagradável peso que a ancorava ao terreno pantanoso com tanta força como aquela implacável dor. Estava gelada até os ossos, mas o suor cobria sua pele depois das intermináveis horas de parto.

 

Quando tinha começado? A noite anterior, pouco depois do ocaso. Ao longo da noite a dor na parte inferior de suas costas se intensificou e se estendeu até lhe rodear a cintura e lhe retorcer o útero entre seus punhos encolerizados. O céu coberto impedia de determinar a hora do dia, mas supôs que seria por meio da manhã.

 

Quando a seguinte contração retorceu suas vísceras, concentrou-se nos desenhos que formavam os ramos das árvores contra o céu cinzento. As nuvens seguiram passando, alheios à mulher de apenas vinte anos que jazia sozinha nos pântanos do Tennessee, dando a luz a um ser no que não queria pensar como um menino, nem sequer como um ser humano.

 

Apoiou a face em seu travesseiro de folhas molhadas e podres, restos do último outono, e deixou que suas lágrimas se mesclassem com a chuva. Seu filho tinha sido concebido com vergonha e humilhação, e não merecia nascer em uma situação mais feliz que aquela.

 

Deixe morrer já, Jesus rogou ao notar outra sacudida abdominal. Como um trovão do verão, a dor retumbou em seu interior e ganhou ímpeto antes de estelar se contra os muros de seu corpo, igual ao trovão parecia se chocar contra as ladeiras das montanhas. A dor se propagou por todo seu corpo, como reverberava o trovão de contraforte em contraforte.

 

A noite anterior tinha tentado fazer caso omisso das dores e tinha continuado caminhando. Ao emanar a água entre suas coxas, viu-se obrigada a se cuidar. Não tinha querido parar. Cada dia significava uns quantos quilômetros mais de distancia entre ela e o cadáver, que as essas alturas já teriam descoberto. Albergava a esperança de que apodrecesse e jamais o encontrassem, mas não confiava em ter tanta sorte.

 

Sem dúvida a dor impiedosa que sofria nesse momento era o castigo de Deus por alegrar-se de que um de seus seres morrera. Por isso, e por não desejar a vida que tinha levado em seu seio durante nove meses. Em que pese a que fosse um pensamento pecaminoso, rezou para não ver nunca a vida que lutava com tanto rancor por ser expulsa de seu corpo. Rezou para morrer antes.

 

A seguinte contração foi a pior e a obrigou a adotar uma posição semi-erguidas. A noite anterior, quando o sangue rosado tinha estragado suas calças, as tinha tirado e jogado a um lado. Naquele instante voltou a agarrá-la e se secou com elas o rosto, empapado de chuva e suor. Tremia de uma forma incontrolável, tanto de dor como de medo. Levantou o bordo desfiado do vestido e os restos das anáguas sobre seus joelhos elevados, baixou uma mão vacilante entre suas pernas e tocou o ponto.

 

OH! Gemeu, e começou a chorar. Estava totalmente aberto. Com as pontas dos dedos havia tocado a cabeça do bebê. Sua mão se apartou, coberta de sangue e limo. Abriu a boca, aterrorizada, mas o som que surgiu foi um uivo agônico enquanto seu corpo se esticava e retorcia, tentando expulsar ao ser que se converteu em algo alheio depois de havê-lo hospedado durante nove meses.

 

Apoiou-se sobre os cotovelos para elevar-se, abriu as pernas e aumentou a pressão. O sangue martelava em seus ouvidos e detrás de seus olhos, que mantinha fechados. Doía-lhe a mandíbula de tanto apertar os dentes; os lábios desenhavam uma máscara horripilante. Durante um breve interlúdio, inspirou e expulsou ar de seus pulmões. Depois a dor voltou. E voltou.

 

Gritou e empregou suas últimas energias em um empurrão final, para concentrar todo o peso de seu corpo naquele estreito lugar que se rasgava.

 

E de repente ficou livre da tortura.

 

Desabou exausta, tragou ar e agradeceu as gotas de chuva que refrescavam seu rosto. Não se ouvia o menor ruído no espesso bosque, salvo sua respiração agitada e o tamborilar insistente da chuva. A ausência de sons era sinistra, surpreendente, estranha. O menino que acabava de nascer não tinha emitido nenhum grito de vida, nem realizado o menor movimento.

 

Desprezou sua anterior oração, esforçou-se por levantar-se de novo e apartou a um lado sua saia. Sons animais de dor e desdita foram aos seus lábios machucados quando viu o bebê, pouco mais que uma bola de carne azul, morto entre suas coxas sem ter conhecido a vida. O cordão que lhe tinha alimentado tinha sido seu instrumento de morte. Estava enrolado ao redor de sua garganta. Tinha o rosto esmagado. Tinha realizado um mergulho suicida no mundo. A moça se perguntou se teria optado por morrer, sabendo por instinto que até sua mãe o desprezaria. Tinha preferido a morte a uma vida de degradação.

  

Ao menos, pequeno, não teve que padecer a vida sussurrou.    Estendeu-se de novo sobre o chão esponjoso e contemplou sem vê-lo o céu soluçando. Sabia que tinha febre e talvez delirasse, e que as idéias sobre bebês que se suicidava no útero eram absurdas, mas se sentia melhor se pensava que seu menino não tinha desejado viver mais que ela, que tinha desejado morrer como ela nesse momento.

   Queria pedir perdão por alegrar-se da morte de seu único filho, mas estava muito cansada. Seguro que Deus o compreenderia. Ao fim e ao cabo, tinha sido Ele quem lhe tinha infligido tanto dor. Não merecia descansar um pouco?

   Seus olhos se fecharam para proteger-se da chuva, que caía sobre seu rosto como um bálsamo consolador. Não recordava ter experimentado tanta paz. Deu boas vindas.

Agora já podia morrer.

 

Acredita que está morta? Perguntou a voz rouca do jovem.

Não sei - sussurrou outra voz mais adulta. Move-a.

Move-a você.

   O moço alto e forte se ajoelhou junto à silueta imóvel que se achava recostada. Com cuidado, tal como lhe tinha ensinado seu pai, apoiou o rifle contra o tronco da árvore, com o canhão para cima. Suas mãos tremeram quando as estendeu para a garota.

 

Está assustado, né? Desafiou o moço mais jovem.

 

Não, não estou assustado vaiou o mais velho. Para demonstrar, estendeu o dedo indicador e o colocou junto ao lábio superior da jovem, quase sem tocá-la. Respira disse, aliviado. Não está morta.

 

O que crê ... ? Deus todo poderoso! Bubba, sai sangue por debaixo de seu vestido!

 

Bubba saltou para trás como um autômato. Seu irmão Luke tinha razão. Um rio de sangue estava formando um atoleiro cor púrpura sob o bordo de seu vestido, que apenas lhe cobria os joelhos. Não levava meias, e a pele de seus sapatos estava gretada e cortada. Os cordões se grampearam depois de romper-se várias vezes.

 

Crê que lhe dispararam ou algo assim? Possivelmente deveríamos olhar...

 

Sei, sei disse impaciente Bubba. Fecha o seu fodido pico.

 

Direi a mamãe que disse palavrões se...

 

Cala! Bubba girou em círculo e dirigiu um olhar ameaçador ao seu irmão mais novo. Eu lhe direi que se mijou na água para lavar-se da velha Watkins, depois que brigou com você por fazer muito ruído perto do acampamento.

 

Luke se acovardou e Bubba voltou a fixar sua atenção na garota. Com cautela, sem acreditar que aquela manhã tivesse tido autêntico desejos de ir caçar, elevou o bordo do puído vestido marrom.

 

Demônios, gritou.

 

Deixou cair a saia e ficou em pé de um salto. Por desgraça, o tecido manchado não chegou a cobrir a forma sem vida que jazia entre as esbeltas coxas da moça. Os dois meninos contemplaram horrorizados ao bebê morto. Luke emitiu um som gutural.

 

Vais vomitar? Perguntou Bubba.

 

Não. Luke tragou saliva. Não, creio - disse, com menos segurança.

 

Vá procurar mamãe. Papai também. Terá que carregá-la até o carro. Saberá voltar?

 

Claro, replicou Luke, carrancudo.

 

Pois te mova. Poderia morrer, sabe?

 

Luke inclinou a cabeça e examinou a cara pálida da jovem.

 

É bonita. Vais tocar mais enquanto eu não esteja?

 

Vai embora! Gritou Bubba, e encarou com seu irmão de forma ameaçadora.

 

Luke se afastou ruidosamente entre as árvores, até que pôde lançar um desafio sem perigo ao seu irmão.

 

Se olhar algo que não deveria, saberei, e o direi a mamãe.

 

Bubba Langston agarrou um abacaxi e o atirou contra o seu irmão, dois anos mais novo que ele. Não chegou ao seu objetivo e Luke pôs pés em empoeirada. Quando se perdeu de vista, Bubba se ajoelhou junto à moça. Mordiscou o lábio inferior antes de voltar a olhar o bebê morto. Depois, utilizando tão somente os extremos do polegar e o índice, levantou o bordo de sua saia e a moveu para tampar ao menino.

 

O suor escorria de sua testa, mas se sentiu melhor quando já não pôde ver o pequeno.

 

Senhora - sussurrou em voz baixa. Ouça-me, senhora?

 

Moveu um pouco seu ombro, atemorizado. A jovem gemeu e moveu a cabeça de um lado a outro.

 

Nunca tinha visto um cabelo como o daquela moça. Embora cheio de ramos e folhas, e molhado pela chuva, era muito bonito; encaracolado e de aspecto selvagem. Tampouco tinha visto aquela cor. Não era vermelho nem castanho, mas sim de um tom intermediário.

 

Agarrou o cantil, que tinha pendurada ao redor de seu pescoço mediante uma correia de couro, e a desentupiu.

 

Senhora, quer beber?

 

O moço se encheu de coragem e aproximou a boca metálica aos flácidos lábios da mulher e verteu água sobre eles. Sua língua lambeu ávida o líquido reconfortante.

 

Bubba olhava fascinado como seus olhos se abriam desconcertados e lhe contemplavam vagamente. A moça viu um menino de uns dezesseis anos, com os olhos totalmente abertos, que a olhava com angústia. Seu cabelo era tão claro que parecia quase branco. Era um anjo? Estava no céu? Em tal caso, o céu era tão decepcionante como a terra. O mesmo céu, as mesmas árvores, o bosque empapado pela chuva. A mesma dor entre suas coxas. Ainda não estava morta! «Não, não, menino, vá embora. Quero morrer.» Fechou os olhos de novo e não se inteirou de nada mais.

 

Temeroso pela vida daquela mulher, e com uma sensação de impotência, Bubba se sentou sobre a terra molhada, debaixo da árvore. Seus olhos não abandonaram o rosto da desconhecida nem um só instante, até que ouviu as vozes de seu pai e sua mãe, que tentavam abrir passo entre o capim e a abundante vegetação do princípio do verão.

 

Onde está essa garota da que nos falou Luke, filho? Perguntou Zeke Langston ao seu filho mais velho.

 

Olhem. Eu não disse. Mamãe, papai disse Luke, muito excitado, aí está.

 

Afastem-se todos e me deixem dar uma olhada a esta pobre garota. A senhora Langston empurrou aos homens com impaciência e se agachou junto à moça. Primeiro, apartou o cabelo molhado que se pegava às faces pálidas.

É bonita. Pergunto-me que demônios faz aqui sozinha.

 

Há um bebê, mamãe.

 

A senhora Langston olhou Bubba, depois ao seu marido, e fez um gesto com a cabeça para indicar que distraísse aos meninos. Quando se voltaram de costas, levantou o vestido até o colo da jovem. Tinha visto coisas piores, mas aquilo era bastante desanimador.

 

Que Deus tenha piedade dela, mumurou. Zeke, me dê uma mão. Meninos, voltem para carro e digam a Anabeth que prepare um colchão. Acendam um bom fogo e ponham uma panela a ferver.

 

Decepcionados por perder o mais interessante da aventura, Bubba e Luke protestaram ao uníssono.

 

Mas mamãe...

 

Fora, disse.

 

Para não incorrer na ira de sua mãe, que os dois tinham experimentado ao outro extremo de um suavizador de navalhas, afastaram-se para a caravana, que havia! Tomavam o domingo livre para descansar.

 

Está mau, verdade? Perguntou Zeke, ajoelhando-se ao lado de sua mulher.

 

Sim. Primeiro pelo nascimento do menino. É possível que ela mora de todos os modos por causa do desgosto.

 

Marido e mulher ajudaram em silencio a aquela moça que se achava em um estado de inconsciência.

 

O que faço com isto, Mamãe? Perguntou Zeke. Tinha envolto os resíduos naturais junto com o bebê morto em uma mochila, e a tinha fechado.

 

Enterra-o. Duvido que a moça esteja em condições de visitar uma tumba durante vários dias. Assinala o lugar se por acaso quiser voltar a vê-lo.

 

Porei um canto rodado em cima, para que os animais não o desenterrem - disse Zeke com solenidade, e começou a cavar uma tumba pouco profunda com a pequena pá que havia trazido. Como está a garota? Perguntou quando terminou, enquanto secava as mãos com um lenço.

 

Segue sangrando, mas a enfaixei bem. Fizemos tudo que se podia fazer aqui. Poderia levá-la até a caravana?

 

Se me ajudar a levantá-la.

 

A moça voltou para a vida e protestou. Agitou os braços fracamente quando Zeke a elevou em braços até seu peito. Depois os esbeltos membros da jovem se desabaram e ela voltou a perder a consciência. Sua garganta se arqueou quando a cabeça caiu sobre o braço de Zeke.

 

Tem um cabelo estranho - comentou Zeke, sem má intenção.

 

Não tinha visto essa cor antes replicou distraída a mãe, enquanto recolhia as coisas que haviam trazido. Será melhor que nos apressemos em voltar. Começa a chover outra vez.

 

Sentia uma queimação entre suas coxas. Tinha a garganta rasgada e dolorida. Experimentava a sensação de que ardia e lhe doía todo o corpo. Não obstante, existia certa impressão de comodidade ao seu redor. Estava seca e quente. Tinha chegado ao paraíso? Tinha-a abandonado o menino loiro para que morrera? Era por isso que se sentia tão segura e em paz? Claro que no céu não se conhecia a dor, e, entretanto ela seguia sentindo-a.

 

Abriu apenas os olhos. Um teto de lona branco se curvava sobre ela. Um abajur brilhava sobre uma caixa, perto da cama de armar onde estava deitada. Estirou as pernas tanto como a dor que sentia entre elas o permitiu, e se familiarizou com a branda cama. Tinha os pés e as pernas nus, mas a tinham vestido com uma camisola branca. Suas mãos se removeram inquietas sobre seu corpo, e se perguntou por que se sentia tão estranha. Depois se deu conta de que seu estômago estava liso.

 

Uma quebra de onda de lembranças terríveis se abateu sobre ela. O medo, a dor, o horror de ver o bebê morto entre suas pernas, azulado e frio. As lágrimas se amontoaram em seus olhos.

 

Bom, bom, não vais voltar a chorar outra vez, verdade? Leva horas chorando, cada vez que desperta.

 

Os dedos que secaram as lágrimas de sua face eram grandes, ásperos e vermelhos à luz suave do abajur, mas seu tato no rosto era agradável, igual à voz, cheia de bondosa preocupação.

 

Gosta de um pouco de caldo? Está feito com um dos coelhos que os meninos caçaram esta manhã, antes de te encontrar.

 

A mulher aproximou uma colher à moça, que tragou o espesso líquido para não engasgar-se e descobriu que conhecia bem. Tinha fome.

 

Onde estou? Perguntou, entre colherada e colherada.

 

Em nosso carro. Sou Mamãe Langston. Meus filhos a encontraram. Lembra de algo? Deu-lhes um susto de morte. Lançou uma risada. Luke contou a história por toda a caravana. Disse que formamos parte de uma caravana que se dirige a Telhas?

 

Muita informação para assimilar de repente, assim que a jovem se concentrou em engolir o caldo. Encheu seu estômago de calor, aumentou a sensação de comodidade e segurança. Fazia semanas que fugia, tão atemorizada com ser perseguida que, exceto durante uns poucos dias, não tinha procurado refúgio, mas tinha adormecido ao ar Úbere, comendo os produtos do verão que encontrava no bosque.

 

O rosto ossudo a olhava era severo e bondoso ao mesmo tempo. Poucos ganhariam uma discussão com aquela mulher, mas por outro lado muito poucos encontrariam nela um trato desconsiderado. Levava o escasso cabelo castanho salpicado de cinza preso com um coque na nuca. Era uma mulher grande, com um enorme busto que pendurava até sua grossa cintura. Vestia de um vestido limpo, embora desbotado. Finas rugas sulcavam sua pele, mas as faces possuíam um tom rosado próprio de uma moça. Era como se um deus duro mas benévolo tivesse considerado muito rude a sua obra e pintado aquelas faces rosadas para suavizá-la.

 

É o suficiente? A moça assentiu. A mulher apartou a terrina de caldo. Eu gostaria de saber seu nome disse, e sua voz se suavizou de forma perceptível, como se pressentisse que o tema não ia ser bem recebido.

 

Lydia.

 

Sobrancelhas irregulares se arquearam em uma pergunta silenciosa.

 

É muito bonito, mas terá um sobrenome? Quem é sua família?

 

Lydia inclinou a cabeça. Recreou em sua mente o rosto de sua mãe, tal como a recordava de sua infância: bela e jovem, em lugar do rosto atordoado e pálido de uma mulher moribunda de desespero.

 

Só Lydia disse em voz baixa. Não tenho família. Mamãe digeriu aquilo. Agarrou a mão da moça e a agitou um pouco. Quando os olhos castanhos claro se voltaram para ela, insistiu.

 

Deu a luz um bebê, Lydia. Onde está seu homem?

 

Morto.

 

Meu Deus! Sinto muito.

 

Não. Eu me alegro de que esteja morto.

 

Mamãe ficou perplexa, mas preferiu não escavar mais, temerosa pelo estado físico da jovem.

 

O que fazia no bosque sozinha? Aonde se dirigia?

 

Lydia encolheu seus estreitos ombros.

 

A nenhum sítio. Dava-me igual. Queria morrer.

 

Tolices! Eu não te deixarei morrer. É muito bonita para morrer.

 

Mamãe puxou com rapidez a manta sobre o frágil corpo, para dissimular a súbita emoção que experimentava por aquela estranha moça, que despertava sua compaixão. A tragédia estava estampada em seu rosto, pálido e abatido à luz do abajur.

 

Papai e eu enterramos ao seu menino no bosque. Lydia fechou os olhos. Um menino. Nem sequer se tinha dado conta. Se quiser, quando se sentir com força, podemos atrasar a caravana uns dias para que veja a tumba.

 

Lydia sacudiu a cabeça, furiosa.

 

Não, não quero vê-la.

 

Brotaram lágrimas de seus olhos.

 

Mamãe lhe aplaudiu a mão.

 

Sei o que está sofrendo, Lydia. Tive sete filhos, mas enterrei a dois. É o mais duro que pode ocorrer a uma mulher.

 

«Não, não o é pensou Lydia para si. Há coisas muito piores que uma mulher pode sofrer.»

 

Dorme um pouco mais. Suspeito que pegou um bom resfriado no bosque. Ficarei contigo.

 

Lydia contemplou o rosto compassivo daquela mulher.

 

Ainda não era capaz de sorrir, mas seu olhar se suavizou.

 

Obrigado.

 

Quando se recuperar, terá muito tempo para me agradecer.

 

Não posso ficar com vocês. Tenho que... partir.

 

Durante um tempo, não poderá ir a nenhuma parte. Pode ficar com enquanto nos aguente. Até Telhas, se quiser.

 

Lydia quis protestar. Não era feita para viver com pessoas decentes como aquela mulher. Se averiguavam algo sobre ela, algo a respeito de... Seus olhos se fecharam.

 

Suas mãos estavam sobre ela, sobre todo seu corpo. Abriu a boca para gritar, mas a mão dele, salgada e suja, a fechou. Aferrou com a outra mão o pescoço de sua camisa até que a abriu. Sua mão odiosa e úmida, que obtinha prazer de infligir dor, espremeu seus seios. Ela afundou os dentes em sua mão e foi castigada com uma bofetada que lhe deixou a mandíbula dolorida e os ouvidos zumbantes.

 

Não me rechace, Ou contarei sobre nós a sua afetada mamãe. Não quererá que se inteire do que fazemos, verdade? Acredito que seria um golpe definitivo para ela. Estou seguro de que morreria se inteirasse de que te estou fodendo, não te parece?

 

Não, Lydia não queria que sua mãe se inteirasse, mas como podia suportar que lhe voltasse a fazer aquilo? Ele já estava esmagando os quadris contra suas coxas, obrigava-a a abri-los. Seus dedos a exploravam brutal, insistente, dolorosamente. E aquele repugnante apêndice estava se afundando de novo em sua carne. Quando lhe arranhou o rosto, ele riu e tratou de beijá-la.

 

Posso ser mais rude, se quiser se burlou.

 

Ela se revolveu.

 

Não, não soluçou. Basta! Não, não, não...

 

O que acontece, Lydia? Acordada. Só é um pesadelo.

 

A voz tranqüilizadora chegou até o poço infernal onde seu sonho a tinha jogado e a resgatou. Tinha voltado para a placidez do carro dos Langston.

 

Não era a violação de Clancey a que a torturava, a não ser a dor resultante do nascimento, de seu filho. OH, Deus! Como podia seguir vivendo com a lembrança dos abusos sexuais de Clancey? Tinha engendrado um filho de sua asquerosa semente, e sentia que não merecia seguir vivendo por mais tempo.

 

Mamãe Langston não pensava o mesmo. Quando a moça, temerosa do pesadelo, aferrou-se às mangas do gasto vestido da senhora Langston, esta embalou a cabeça de Lydia sobre seu enorme busto.

 

Só foi um sonho murmurou brandamente. Tem um pouco de febre e isso te produz pesadelos, mas ninguém vai ter fazer dano enquanto esteja comigo.

 

O terror de Lydia se dissipou. Clancey estava morto. Ela o havia visto morto, o sangue brotava de sua cabeça e cobria sua feia cara. Nunca mais voltaria a tocá-la.

 

Deixou que sua cabeça caísse sobre o busto de Mamãe. Quando estava quase adormecida, a senhora Langston a estendeu sobre o incômodo travesseiro, que Lydia desejou estar cheio de plumas. Durante os dois últimos meses, sua cama tinha consistido em agulhas de pinheiro ou palha. Algumas noites, nem sequer tinha tido aquela sorte, mas tinha adormecido o melhor possível apoiada contra o tronco de uma árvore.

 

Um doce e negro esquecimento a atraiu as suas profundidades, enquanto Mamãe continuava sujeitando sua mão.

 

O balanço da pradaria despertou a Lydia ao dia seguinte. Tachos e panelas repicavam a cada rotação rítmica das rodas. Arnês de couro chiavam, seus fixadores metálicos atraíam alegremente. Mamãe gritava instruções a parelha de cavalos. Indicava cada direção com um estalo do látego. Quase no mesmo tom, mantinha um animado diálogo com um de seus filhos. Era um bate-papo consultivo e repressor ao mesmo tempo.

 

Lydia se removeu inquieta em seu leito e inclinou um pouco a cabeça. Uma moça de cabelo loiro e curiosos olhos azuis estava sentada ao alcance de sua mão, olhando-a.

 

Mamãe, despertou, gritou. Lydia deu um salto por efeito do inesperado ruído.

 

Faz o que disse - respondeu Mamãe. Agora não podemos parar.

 

A garota voltou a olhar à surpreendida a Lydia.

 

Sou Anabeth.

 

Eu sou Lydia.

 

Tinha a garganta como papel de lixa.

 

Sei. Mamãe nos disse isso durante o café da manhã e nos advertiu que não voltássemos a te chamar «a garota», ou nos bateria na moleira. Tem fome?

 

Lydia sopesou sua resposta.

 

Não. Sede.

 

Mamãe disse que teria sede, pela febre. Tenho um cantil de água e outro de chá.

 

Primeiro água.

 

Lydia bebeu um bom gole. Assombrou-se do muito que lhe custava tragar, e voltou a deitar-se.

 

Pode ser que mais tarde tome um pouco de chá.

 

Os Langston realizavam com toda naturalidade as funções vitais. Sentiu-se turvada quando Anabeth deslizou um urinol sob seus quadris para que fizesse suas necessidades, mas à moça não pareceu incomodá-la absolutamente ter que esvaziar o recipiente pela parte posterior da carroça.

 

Durante a hora da comida, quando a caravana se deteve para que homens e animais descansassem, Mamãe subiu para trocar as vendagens que tinha colocado entre as coxas de Lydia.

 

Já não sangra tanto. Parece que suas partes femininas estão cicatrizando bem, mas ainda te doerá durante uns dias mais.

 

Não havia nada de grosseiro na franqueza de Mamãe, mas a Lydia ainda a turvava ser escrutinada daquela maneira. Alegrou-se de que certa parte de sua sensibilidade tivesse ficado intacta, tendo em conta onde tinha vivido durante os últimos dez anos. Sua mãe devia lhe haver inculcado certo refinamento antes de transladar-se à granja dos Russell. Sabia que muita gente, por associação de idéias, considerava-a uma desgraçada. Dirigiam-lhes sarcasmos desagradáveis a ela e a sua mãe sempre que iam a cidade, o qual, por fortuna, não era muito freqüente. Lydia não tinha compreendido o significado de todas as palavras, mas tinha aprendido a reconhecer e temer o tom insultante.

 

Uma e outra vez tinha desejado gritar que sua mãe e ela não eram como os Russell. Elas eram diferentes. Mas quem teria acreditado em uma moça suja, esfarrapada e descalça? Seu aspecto era tão ignóbil como o dos Russell, assim também a tinham ridicularizado.

 

Mas ao que parece nem todo mundo julgava com tanto pressa. Os Langston, por exemplo. Não lhes tinha importado suas roupas sujas e puídas. Não a tinham desprezado por ter um filho sem marido. Tinham-na tratado como a uma pessoa respeitável.

 

Ela não se sentia respeitável, mas era o que mais desejava ser no mundo. Demoraria anos em desembaraçar-se da influência dos Russell, mas o obteria, embora morresse no intento.

 

Com o passar do dia foi conhecendo os membros do clã Langston. Os dois moços que a tinham encontrado colocaram a cabeça com acanhamento na carroça, quando seu pai lhes apresentou.

 

Esse é o mais velho Jacob, embora todo mundo o chame de Bubba. O outro é Luke.

 

Obrigado por ajudar - disse Lydia em voz baixa. Já não guardava rancor por salvar sua vida. A vida não parecia tão horrível agora que se livrou da última lembrança de Clancey.

 

Os meninos se ruborizaram até a raiz de seu cabelo loiro.

 

Bem-vinda, murmuraram.

 

Anabeth era uma afável e ativa menina de doze anos. Também estavam Marynell, Samuel e Atlanta, que levavam apenas um ano entre si. O pequeno, Micah, contava três anos.

 

Aquela noite Zeke tirou o chapéu que cobria sua cabeça calva e falou do outro extremo da carreta.

 

Alegro-me de tê-la conosco, senhorita... Lydia.

 

Sorriu, e Lydia reparou em que só tinha dois dentes na parte dianteira.

 

Lamento lhes haver causado tantos problemas.

 

Nenhum absolutamente.

 

Deixarei de lhes estorvar o antes possível.

 

Não tinha nem idéia do que faria ou aonde iria, mas não podia impor sua presença a aquela generosa família que devia alimentar a tantas bocas.

 

Deixe de preocupar-se por isso. Fique bem, e então já pensaremos em algo.

 

Todos os Langston pareciam refletir aquela atitude, mas Lydia se perguntou a respeito de outros membros da caravana. Sem dúvida teriam surgido especulações sobre a moça que a família Langston havia trazido depois de dar a luz um menino morto em pleno bosque e sem a companhia de um marido. Mamãe tinha rechaçado inclusive aos visitantes mais amáveis, que deviam perguntar pela pobre garota”, e se limitava a dizer que já se recuperaria e não demorariam para conhecê-la.

 

O primeiro encontro que teve Lydia com alguém da caravana alheio aos Langston se produziu em plena noite, quando uma pessoa golpeou com força as madeira da carroça. Sentou-se muito rígida, com o lençol apertado contra os seios, convencida de que Clancey havia voltado entre os mortos para procurá-la.

 

Tranqüila, Lydia disse Mamãe, e a deitou de novo.

 

Mamãe Langston! Gritou uma impaciente voz masculina. Um pesado punho golpeou a comporta. Mamãe, por favor. Está aí?

 

Por todos os fogos do inferno, o que são esses berros? Ouviu Lydia que grunhia Zeke do exterior da carroça. Os meninos e ele dormiam debaixo, em sacos de dormir.

 

Zeke, Vitória está de parto. Pode ir ver a Mamãe? A voz era oca cheia de angústia. Começou a sentir-se mal depois do jantar. Não é uma simples indigestão, a não ser o parto.

 

Mamãe já tinha chegado ao extremo da carroça e afastado a um lado as lonas.

 

É você, senhor Coleman? Diz que sua mulher está de parto? Acreditava que ainda não...

 

Eu também pensava que não lhe tocava ainda. Está... Lydia ouviu que o terror vibrava na voz daquele homem. Sofre uns dores espantosos. Pode vir?

 

Já vou. Mamãe voltou para interior da carroça, procurou suas botas e calçou a toda pressa. Você, descanse - disse a Lydia com uma calma que contrastava com seus bruscos movimentos. Anabeth ficará aqui. Irá me buscar se me necessitar. Elevou um xale de crochê sobre seus volumosos ombros. Parece que vai nascer outro pequeno.

 

Mamãe ainda não tinha retornado quando as carroças ficaram em movimento à manhã seguinte. Correu a voz pelo acampamento de que a senhora Coleman ainda não tinha dado a luz, embora tinha insistido em que a caravana não perdesse nem um dia de viagem por sua culpa. Bubba se ofereceu a conduzir em lugar do senhor Coleman, enquanto Zeke se encarregava da carroça dos Langston.

 

Na ausência de Mamãe, Anabeth, como filha mais velha, ocupou-se de cozinhar e cuidar dos meninos pequenos. Atendeu a Lydia com a mesma competência que sua mãe tinha demonstrado. Lydia ficou surpreendida dos conhecimentos da menina sobre o processo de dar a luz.

 

Lamento que tenha que fazer isto por mim, se desculpou, quando Anabeth lhe trocou as vendagens molhadas.

 

Cale-se, tenho-o feito por mamãe quando teve os dois últimos meninos e tenho a regra desde os dez anos. Não é nada.

 

Quando a caravana se deteve ao meio-dia, Mamãe voltou para lhes dar a triste noticia de que a senhora Coleman tinha morrido apenas meia hora depois de dar luz a um menino.

 

Era tão delicada... O senhor Coleman ficou como louco. Sente-se culpado por havê-la trazido nesta viagem. Havia lhe dito que não daria a luz até setembro, muito depois de que chegássemos a Jefferson. Ele não tem culpa, mas o está tomando muito mal.

 

E o menino? Perguntou Zeke, enquanto mastigava uma bolacha dura e seca que tinha sobrado do café da manhã.

 

O pequeno mais fraco que vi. Apenas tinha forças para chorar. Não me surpreenderia que sua pequena alma abandonasse hoje a terra. Entrou na carroça para falar com Lydia, que tinha escutado a conversação. Como está, Lydia?

 

Bem, senhora Langston.

 

Me chame Mamãe, por favor. Anabeth te cuidou como é devido? Sinto não poder ficar contigo, mas esse pequeno está bastante mal.

 

Não se preocupe murmurou Lydia. Encontro-me bem. Assim que possa, deixarei-a em paz.

 

Não, sempre que eu possa dizer algo a respeito. Está segura de que te encontra bem? Parece um pouco congestionada. Apoiou uma mão calejada sobre sua testa. Ainda tem febre. Direi a Anabeth que esta tarde ponha um pano úmido sobre a cabeça.

 

Lydia sofria um novo mal-estar, mas não queria carregar a Mamãe com mais preocupações, de maneira que não falou de seus seios inchados e doloridos. Dormiu durante todo o dia, pois a caravana se deteve em deferência ao senhor Coleman. Anabeth preparou um jantar abundante, embora apressado. Todo mundo ia reunir-se depois de jantar para enterrar à senhora Coleman.

 

O silêncio caiu sobre o acampamento. Lydia, deitada na cama, contemplava o teto de lona. Não ouviu nada da cerimônia fúnebre, salvo o cântico de Rocha dos tempos. Surpreendeu-se seguindo a letra. Quanto tempo fazia que não pisava em uma igreja? Dez, doze anos? Não obstante, recordava a letra do hino. Experimentou uma grande alegria por isso. Dormiu sorridente e nem sequer despertou quando o clã Langston voltou com ar pesaroso a carroça.

 

O dia seguinte transcorreu de forma muito similar ao anterior, mas Lydia não se sentiu tão bem. Seus seios se incharam como balões debaixo da camisola e procurava escondê-los sempre que Anabeth a atendia e lhe trazia comida ou bebida. Lydia tinha a sensação de que iriam explodir. Deu uma olhada no interior da camisola e ficou alarmada ao ver seus mamilos, avermelhados e irritados. Estavam tão sensíveis que até o peso da camisola os machucava.

 

Mamãe continuava cuidando do menino dos Coleman e não voltou até muito depois de que os meninos e Zeke tivessem improvisado suas camas sob a carroça. Anabeth, Marynell e Atlanta dormiam ao outro lado do carro. Lydia estava acordada, inquieta e dolorida. Lançou um fraco gemido quando Mamãe subiu a carroça.

 

Deus misericordioso, Lydia. O que te passa? Encontra-te mau?

 

Mamãe se inclinou sobre a jovem.

 

Sinto muito. Meus seios.

 

Mamãe desabotoou imediatamente a camisola e examinou os seios de Lydia, cheios de leite.

 

Senhor. Não sei no que estive pensando. Tem leite, claro, e dói se não dar de...

 

Interrompeu-se com brutalidade e inclinou a cabeça com o veloz movimento de um pardal que acaba de ver um verme.

 

Vamos, Lydia. Vais vir comigo.

 

Aonde? Lydia emitiu uma exclamação afogada quando Mamãe apartou as mantas e a levantou. Seus movimentos não eram bruscos, mas sim eficazes. Não tenho roupa.

 

Dá igual replicou Mamãe, que respirava trabalhosamente enquanto agarrava Lydia por debaixo dos braços e a ajudava a adotar uma postura erguida, embora um pouco encurvada. Tem leite materno, mas não tem um menino, e há um bebê neste acampamento que está às portas da morte. Precisa mamar.

 

Mamãe planejava levá-la junto ao menino dos Coleman, que quase não parava de chorar fazia dois dias. Os lastimosos gemidos se ouviam agora em todo o acampamento adormecido. Mamãe ia conduzi-la junto a aquele homem da voz frenética. Não queria ir. Não queria que ninguém a olhasse com curiosidade e se perguntasse por que tinha dado a luz no bosque e sem ninguém que a acompanhasse. Depois de conhecer a segurança da carroça dos Langston, tinha medo de abandoná-la.

 

Mas pelo visto não tinha outra eleição. Mamãe atou um xale sobre seus ombros e a empurrou com suavidade para os degraus da parte posterior do carro.

 

Esses sapatos que leva não são melhores que ir descalça, assim tira isso, com cuidado de não tropeçar com alguma pedra.

 

A sensação repentina de seus pés tocando o chão pela primeira vez fazia dias fez que cambaleasse. Notou dor nos seios, que penduravam sem sustentação sob a camisola, seu único objeto além do xale de crochê. Não tinha escovado o cabelo, que sabia que devia parecer uma massa emaranhada. Mamãe tinha lavado o sangue e os fluidos do parto que tinham manchado a parte interior de suas coxas, mas Lydia não se banhava fazia dias. Estava muito suja.

 

Afundou os pés na terra branda e úmida, a modo de protesto.

 

Por favor, Mamãe, não quero que ninguém me veja.

 

Tolices. Mamãe a arrastou pelo braço para a única carroça do acampamento em cujo interior se via luz. Pode ser que salve a vida desse bebê. A ninguém importará seu aspecto.

 

Sim que lhes importaria, e Lydia sabia. Tinham-na chamado desgraçada em ocasiões anteriores. Sabia como as pessoas podeiam ser má.

 

Senhor Grayson chamou em voz baixa Mamãe quando chegaram a carroça iluminada. Apartou a lona que pendurava sobre a abertura. Dê-me uma mão.

 

Empurrou Lydia para cima, e a moça não teve outro remédio que entrar no carro. A pele tensa de entre suas coxas se estirou um pouco mais e Lydia se encolheu de dor. Um par de fortes braços, embutidos em uma camisa de mangas azul, ajudaram-na a subir. Mamãe a seguiu.

 

Produziu-se um momento de confusão quando os três se encontraram cara a cara. O homem de cabelo cinza olhou assombrado à moça. A mulher magra que estava ao seu lado lançou uma exclamação de surpresa. Lydia baixou a vista para não ver seus olhares de estupefação.

 

Este é o senhor Grayson, o chefe da caravana explicou Mamãe a Lydia.

 

Lydia manteve a cabeça encurvada, contemplou seus pés descalços e sujos, apoiados sobre o chão de madeira da carreta, e assentiu.

 

E esta é a senhora Leoa Watkins.

 

Mamãe falava em sussurros por respeito ao homem sentado em um tamborete baixo, que tinha a cabeça morena sepultada em suas mãos e os cotovelos apoiados sobre seus joelhos.

 

Foi a senhora Watkins quem falou primeiro.

 

Quem demônios... e por que anda por aí virtualmente nua? Ah, é a garota que seus filhos encontraram e trouxeram para a caravana. Surpreende-me que haja trazido para esta... pessoa a carroça do senhor Coleman, sobre tudo em um momento como este, em que choramos uma morte e...

 

Talvez não - replicou Mamãe, sem que sua voz dissimulasse o evidente desagrado que sentia por aquela mulher. Senhor Grayson, esta moça deu a luz anteontem. Tem leite. Pensei que se o filho do senhor Coleman mamasse...

 

OH, Meu Deus exclamou a senhora Watkins, desanimada, Por debaixo de suas pestanas, Lydia viu que levava uma mão esquelética ao seu magro peito e aferrava o seu vestido como se quisesse afastar a um espírito maligno.

 

Mamãe fez caso omisso da desaprovação que mostrava Leoa Watkins, e continuou falando com o chefe da caravana.

 

O pobre pequeno poderia sobreviver se Lydia lhe desse de mamar.

 

Leoa Watkins a interrompeu antes que o chefe da caravana pudesse responder. Enquanto se desenvolvia uma violenta discussão, Lydia examinou de soslaio a carroça. As colchas amontoadas no canto eram feitas de tecido utilizados para cobri-la na carroça dos Langston. Uma cortina de cetim serpenteava através dos quadros. Havia um par de elegantes sapatos brancos de pelica junto a uma caixa de pratos de porcelana da China.

 

Seus olhos prosseguiram a exploração e se posaram sobre um par de botas negras. Bastante altas até o joelho, e cobriam umas panturrilhas largas. Estavam gastas, mas a pele era da melhor qualidade. Adaptavam-se a uns pés largos e bem formados. Os saltos mediam uns três centímetros de altura, e eram de madeira negra polida. O homem que utilizava aquelas botas devia ser alto, se a longitude de suas pernas não mentia.

 

Digo-lhe que não é correto.

 

Os protestos da senhora Watkins tinham aumentado de volume e intensidade. Uma mão semelhante a uma garra se apoderou do queixo de Lydia e levantou sua cabeça. Olhou um rosto de que tinha desaparecido todo rastro de carne e de vida. Era estreito e enrugado. A ponte do esquelético nariz era tão afiado e cortante como a folha de uma faca. Os lábios, de tanto expressar severa desaprovação, tinham produzido uma rede de finas rugas que irradiavam deles. Os olhos eram como a voz, sensores e malévolos.

 

Basta olhando-a. É lixo. Seu aspecto o diz tudo. Deve ser uma..., uma prostituta, Deus me perdoe por pronunciar a palavra. E teve um filho. Deve ter matado ela mesma para desembaraçar-se dele. Duvido que saiba quem foi o pai.

Estupefata pelas palavras da mulher, Lydia a olhou em silencio antes de murmurar um suave «não» em voz baixa.

 

Senhora Watkins, por favor, interveio com diplomacia o senhor Grayson.

 

Era um homem caridoso, embora nesta ocasião se sentisse inclinado a dar a razão à senhora Watkins. A garota tinha um aspecto selvagem. Não havia nenhuma pingo de refinamento em sua forma de vestir ou no descaramento com que lhes olhavam aqueles estranhos olhos cor âmbar.

 

Não é verdade! Replicou Mamãe E embora o fosse, Leoa Watkins, quem mais da caravana poderia alimentar a este menino? Você?

 

Jamais!

 

Tem razão. É provável que nunca pudesse reunir nenhuma gota de leite nessas tetas murchas...

 

Mamãe, por favor, atravessou o senhor Grayson, cansado.

 

Os olhos de Leoa Watkins relampejaram de fúria, mas guardou silêncio, rígida e com o nariz enrugado para manifestar o desagrado que lhe causava toda a situação.

 

Mamãe não fez conta.

 

Senhor Grayson, seu dever é proteger todas as vistas desta caravana, incluindo a desse menino. Escute a pobre criatura. Das vinte famílias, só há uma mulher que tem leite e está dando de mamar aos seus gêmeos. Lydia é a única esperança desse bebê. Bem, vai salvar sua vida, ou lhe deixará morrer de fome?

 

Leoa Watkins cruzou os braços sobre o peito em um gesto de desprezo. Lavava as mãos de toda responsabilidade pelas conseqüências, se o senhor Grayson acessava ao que a intrometida da Mamãe Langston sugeria. Sempre tinha pensado que Mamãe era de uma vulgaridade insofrível, e agora o estava demonstrando.

 

A única opinião que conta é a do senhor Coleman disse Hal Grayson. Ross, o que diz? Quer que a garota dê o seio ao seu filho, por si existe a remota possibilidade de que possa lhe salvar a vida?

 

Lydia tinha dado as costas a todos. Dava-lhe igual o que pensassem dela. Assim que se tivesse recuperado, iria a algum lugar onde ninguém a conhecesse, onde poderia começar de novo, sem um passado. Aproximou-se sem dar-se conta ao canto da carroça onde o menino jazia em uma caixa de maçãs vazia, forrada de flanela. Estava contemplando a diminuta vida, quando ouviu que seu pai se levantava.

 

Lydia dava as costas Ross Coleman quando este elevou a cabeça, levantou e olhou para a moça que tinha causado tanto escândalo em seu carro e interrompido sua dor pela morte de Vitória. Reparou primeiro em seu cabelo, um verdadeiro sarçal de cachos indisciplinados, com folhas secas e Deus sabia que mais enredado em sua massa. Em primeiro lugar, que classe de mulher vai pelo mundo com o cabelo solto? Ross Coleman só conhecia uma.

 

De costas, a moça parecia terrivelmente magra com aquela camisola. Os tornozelos eram estreitos; os pés, pequenos e sujos. Deus! Não necessitava aquela desordem depois do espantoso dia que tinha padecido.

 

Não quero que essa garota toque a meu filho murmurou enojado. Façam o favor de partir e nos deixar tranqüilos a mim e ao meu filho. Se tiver que morrer, que o faça em paz.

 

Graças a Deus que alguém conserva ainda o sentido comum.

 

Cale a boca - disse Mamãe a Leoa Watkins, enquanto a empurrava a um lado para aproximar-se de Ross. Você parece um homem razoável, senhor Coleman. Por que não deixa que Lydia dê o seio ao seu filho e trate de salvar sua vida? Do contrário, o menino morrerá de fome.

 

Provamos tudo respondeu Ross, impaciente. Acariciou o espesso cabelo negro. Não tomou o leite de vaca engarrafada, nem a água com açúcar que lhe demos ontem à noite.

 

Necessita leite materno, e os mamilos dessa garota gotejam.

 

OH, Senhor! Choramingou Leoa Watkins.

 

Ross dirigiu outro olhar à moça. Achava-se de pé entre ele e a pálida luz do abajur, de forma que o contorno de seu corpo se desenhava sob a tênue camisola. Seus seios pareciam cheios. Seu voluptuosidade lhe repeliu. Por que ia pelo mundo vestida só com uma camisola? Embora estivesse indisposta depois de dar a luz, nenhuma mulher decente permitiria que ninguém, sobre tudo os homens, vissem-na assim. Seu lábio se curvou de asco, e se perguntou de que toca tinha saído aquela garota. Vitória teria ficado horrorizada só de vê-la.

 

Não quero que uma puta dê de mamar ao filho de Vitória disse, tenso.

 

Você não sabe nada dela, nem eu tampouco.

 

É lixo! Gritou Ross. A ira que albergava contra o mundo pela morte injusta de Vitória estalou por fim. A moça era um cabrito expiatório muito oportuno. Não sabe de onde vinho, nem quem era. Só uma classe de mulher dá a luz sem um marido presente para cuidar.

 

Talvez em outro tempo fosse assim, mas não da guerra, nem desde que renegados, malvados e aventureiros ianques, convencidos de que todo o Sul lhes pertence, percorrem o país. Não sabemos o que esta jovem sofreu. Recorde que perdeu seu filho faz só dois dias.

 

Lydia não emprestava atenção à discussão, a não ser ao menino. Sua pele possuía uma palidez doentia. Lydia não tinha visto outro recém-nascido além do seu. Este era ainda mais pequeno, e seu escasso tamanho a alarmou. Poderia sobreviver algo tão diminuto?

 

Seus dedos, engarfiados como se quisessem formar punhos, eram quase transparentes. Tinha os olhos fechados enquanto respirava com ofegos graves e descontínuos. Seu estômago subia e baixava com brutalidade. Seu pranto era entrecortado, como se tivesse que parar freqüentemente para descansar e reunir um pouco de ar. Entretanto, o débil pranto era incessante. Para a Lydia, era como um canto de Lorelei. Inexoravelmente, atraía-a para o menino.

 

Sentiu um puxão no interior de seu útero; não se diferenciava muito das contrações do parto, mas sem dor. Teve a impressão de que seu coração se dilatava e enchia os seus já inchados seios, que formigavam, não com o fluido do leite materno, a não ser com a necessidade de socorrer, uma compulsão de proporcionar consolo maternal.

 

Olhava-o, inconsciente de que se estava movendo, de que seu dedo tocava o suave rosto do bebê Depois sua mão se deslizou sob a cabeça, que cabia com facilidade na palma. Pouco a pouco, temerosa de lhe fazer dano, deslizou a outra mão sob seu traseiro e lhe levantou da caixa. Contemplou o rosto enrugado e salpicada, e se sentou em um tamborete de três pernas.

  

   As magras pernas do menino se agitaram e seus pés lhe chutaram o estômago. Pô-lhe de lado no oco de seu braço. A cabecinha se meneou e o rosto enrugado se apoiou sobre seu peito. Lydia viu, fascinada e surpreendida, que a boca, similar a de um pássaro, voltava-se para ela. Estava aberta e procurava.

  

   Elevou a mão com serenidade para o primeiro botão da camisola emprestada e o desabotoou. Depois o segundo. Seguiram outros, até que o deslizou por cima do ombro esquerdo e deixou ao descoberto um seio, que elevou com a mão livre para o rosto do bebê, cuja boca se abriu, vagou e procurou, até que encontrou por fim seu mamilo. O bebê o aferrou imediatamente e começou a chupar ansiosamente.

  

   O repentino emudecimento dos soluços do menino cortaram de raiz a virulenta discussão que se desenvolvia na parte posterior da carroça. O coração de Ross se partiu. Seu primeiro pensamento foi que seu filho tinha morrido. Girou em redondo, à espera de ver o menino rígido e morto, mas o que viram seus preocupados olhos ainda lhe surpreendeu mais.

  

   A garota sustentava ao seu filho sobre o colo. O bebê estava chupando com prazer o generoso seio. Borbulhas leitosas se formavam em sua boca ansiosa e ao redor da escura aréola. A jovem arrulhava ao menino em voz baixa enquanto introduzia mais o peito em sua boca. Ross não podia ver seu rosto por culpa do cabelo revolto que a cobria.

  

   Bem rugiu Mamãe, satisfeita, acredito que esta cena o diz tudo. Senhor Grayson, por que não acompanha a Leoa a sua carroça? Eu me ocuparei de que Lydia se acomode aqui.

  

   -Acomodar-se aqui? Gritou Leoa. Não vai ficar na carreta do senhor Coleman. Não é decente.

 

- Venha, senhora Watkins disse Hal Grayson. Estava ansioso por voltar para o seu colchão. Amanheceria em breve e aqueles dias e a morte da senhora Coleman tinha escurecido a aventura de viajar até Telhas. Em realidade, ele não desejava o trabalho de chefe da caravana, mas lhe tinham eleito, e se esforçava por não decepcionar as pessoas que tinham depositado sua confiança nele. Arrumaremos tudo isto pela manhã. Estou seguro de que nada indecente acontecerá enquanto isso.

 

Grayson jogou virtualmente à encolerizada mulher da carroça.

 

Quando se foram, Mamãe olhou Ross Coleman, o qual contemplava com expressão séria à moça. Mamãe conteve o fôlego e se perguntou o que ia fazer agora aquele homem. Parecia simpático, bastante cordial, e tinha tratado a sua esposa como se fosse a rainha de Sabá.

 

Mas existia uma turbulência constante em seus olhos que induzia a Mamãe a acreditar que algo mais se ocultava baixo aquela superfície. Coleman se movia com excessiva rapidez, seus olhos eram muito penetrantes e ágeis para não pertencer a um homem que tivesse visto o suficiente na vida de casado para andar com cautela. Naquele momento dava a impressão de que estava liberando uma batalha consigo mesmo, porque cada um de seus bem formados músculos se destacava na pele.

 

Ross obrigou aos seus pés a mover-se pelo abarrotado piso da carroça. Seu filho mamava com ânsia. Já não chorava. Aquela garota desastrada, aquela estranha, sustentava ao seu filho e lhe dava de mamar, e ele, Ross, estava-o permitindo. O que diria Vitória se o visse?

 

Ross se encolheu de dor ao pensar em seu corpo retorcido, inchado e suado, em seu estertor final ao tempo que seu filho saía ao mundo. Não, nenhuma outra mulher, sobre tudo uma mulher de moral dissoluta, ia criar ao filho de Vitória Gentry Coleman. Seria um sacrilégio. Como ia viver consigo mesmo se permitia que aquilo acontecesse? E como ia viver consigo, mas sim se deixasse que o menino morresse por ser fiel aos seus princípios?

 

Esmigalhado pela decisão que devia tomar, agachou testa ao tamborete e viu que a boca de seu filho chupava avidamente o generoso seio. Quão único manchava sua perfeição cremosa eram as tênues veias azuis que discorriam como rios até o mamilo escuro, como linhas em um mapa. Ross ficou fascinado e teve que obrigar-se a levantar a vista para o rosto da moça.

 

Contemplou suas pálpebras enquanto estes se levantavam com lentidão, com uma lentidão dolorosa. Elevou-se por fim a espessa cortina de pestanas, e então Coleman a pôde olhar diretamente aos olhos. A reação de ambos foi de idêntica surpresa e intensidade, em que pese a que os dois se esforçaram em dissimulá-la.

 

Ross experimentou a sensação de que se afundou em um poço de feminilidade. Envolveu-lhe, alagou seu olfato, sua garganta. A moça personificava a sensualidade, e Ross descobriu que se derrubava nela e, tendo em conta o falecimento recente de sua esposa, detestou-a. Emergiu à superfície como um homem que procurasse ar em um charco de areias movediças. Quando pôde respirar de novo, examinou-a com forçada indiferença.

 

Seus olhos estavam orlados de espessas pestanas marrons, douradas nos extremos. As íris eram da cor do bourbon antigo, ou, da classe cara que descende pela garganta de um homem e se enrola ao redor de suas vísceras em um abraço quente. Quase eram da mesma cor pouco comum de seu cabelo rebelde, que, suspeitou, proclamava sua natureza selvagem.

 

Sua pele era clara, mas tinha o aspecto de ter estado muito tempo exposta ao sol em datas recentes. Seu nariz de forma perfeita, embora algo impudica, estava semeada de sardas. O que mais te incomodou foi sua boca. O grosso lábio superior exigia atenção, e um homem teria que estar morto para não conceder-lhe. Não o tentou, em conseqüência, com a esperança de envergonhá-la pela descarada sensualidade de sua boca. Entretanto, a língua da jovem apareceu para umedecer aquele sedutor lábio. Ross sentiu que seu estômago se revolvia e voltou a olhá-la aos olhos.

 

Ela não parecia absolutamente envergonhada do que era ou de estar sentada com os seios ao ar se ele queria olhar, o qual ele jurou não fazer. Os olhos da jovem eram ousados enquanto lhe estudavam profundamente como Ross tinha feito. Não piscou com modéstia, não agachou a cabeça com acanhamento, não insinuou recato.

 

Era uma puta dos pés a cabeça. Nascida para sê-lo. Coleman tinha estado com muitas para não reconhecer os sinais, para não ver a provocação muda que espreitava em seus olhos, para não sentir o sangue quente que corria por suas veias. Era a antítese de sua elegante e afetada Vitória, motivo suficiente para desprezar a moça.

 

Lydia pensou que, se suavizasse um pouco aquela expressão carrancuda, o do Coleman seria um dos rostos mais bonitos que tinha visto. Era um dos mais impressionantes, certamente. Ficou sem fôlego a primeira vez que seus olhos se encontraram, e ignorava a origem de tal nervosismo.

 

Necessitava desesperadamente barbear-se. Uma barba escura despontava em sua mandíbula, Um espesso bigode negro se curvava sobre as comissuras de seu lábio superior. O lábio inferior era reto e severo, agora que a transpassava com seus olhos verdes.

 

Os olhos. Examinou-os. Eram estranhos. Tão verdes como nunca tinha visto. Pestanas negras e curtas os rodeavam. Estavam unidas em pequenos grupos arrepiados. Experimentou a tentação de passar um dedo por cima para ver se estavam úmidas, como aparentavam. As sobrancelhas eram povoadas e ameaçadoras.

 

Seu cabelo negro como a noite, que não dava proteção a nenhum outro tom, ondulava-se sobre sua cabeça e formava cachos sobre os extremos das orelhas e com o passar do pescoço da camisa.

 

Teve a impressão de que era enorme quando se plantou frente a ela, mas não olhou seu corpo. Os corpos masculinos a assustavam, repeliam-na. A dureza de seu olhar não contribuiu a mitigar seus temores. Enquanto lhe olhava, seus olhos se entreabriram ameaçadores, como se pensasse em algum castigo severo, embora ela não pudesse imaginar a causa. Os olhos da jovem vacilaram um momento, antes de descer para o bebê, que seguia chupando seu seio.

 

Lydia, é hora de trocar de lado disse em voz baixa Mamãe, e conseguiu interpor seu corpanzil entre a Lydia e o pai do menino.

 

- O que? Perguntou a moça com voz oca.

 

Aquele homem a perturbava, não como Clancey, mas a perturbava de todos os modos. Quando ficou de pé e se separou dela, sua imensa silueta pareceu diminuir o interior da carroça. Seus limites se encolheram de repente, e Lydia descobriu que sua respiração era entrecortada, como a do bebê antes.

 

Primeiro um peito, e depois o outro. Assim se equilibra o fluxo do leite.

 

Mamãe levantou o menino. Sua boca tinha formado uma marca profunda ao redor do mamilo e, quando o apartou, começou a chorar de novo. Quando se acomodou no outro braço de Lydia, apoderou-se imediatamente do outro seio.

 

Uma gargalhada alegre e espontânea encheu a carroça. Lydia jogou o cabelo para trás e lançou uma gargalhada rouca. Seus olhos refletiram a luz do abajur. Cintilaram como o uísque ao ser atravessado pela luz do sol. Depois, encontraram-se com os de Ross, e toda luz desapareceu imediatamente deles. Estava-a olhando com manifesta hostilidade do outro extremo da carroça.

 

- Quando o pequeno terminar, acomodarei-te para que passe a noite disse Mamãe, sorrindo a jovem e ao bebê.

 

Não vai ficar. Quando o menino terminar, a levará daqui. A voz masculina cortou a atmosfera da carroça com a precisão de uma navalha.

 

Mamãe se voltou para o Ross, com os punhos apoiados sobre seus volumosos quadris.

 

- Não acredita que seu filho voltará a ter fome, senhor Coleman? O que se propõe fazer, obrigá-la a voltar para a carroça cada vez que o menino tenha vontade de comer, ou o levará você mesmo? Penso que é desnecessário dar tantos passos, por não mencionar as moléstias para o menino. Não me importa alojar a Lydia e teria recolhido também ao seu bebê se tivesse vivido, mas não penso dar proteção ao seu filho,  que tem, mas espaço, calma e silêncio em sua carroça - concluiu a mulher, mal-humorada.

 

Ross se ergueu com orgulhosa dignidade, mas ainda assim teve que agachar a cabeça e os ombros para não tocar o teto. Não pretendia abusar de sua caridade para meu filho, mas a garota não pode ficar.                  

 

- Chama-se Lydia replicou Mamãe. Por que não pode ficar? Quem cuidará do menino durante o dia? Você sai para caçar e explorar.Quem se ocupará dele se começar a gritar?

 

O senhor Coleman capturou entre seus dentes e mordiscou a esquina de seu bigode, enquanto as objeções se passavam em sua mente.

 

Nem sequer esta limpa.

 

- Não, não o está. Deu a luz no bosque, sozinha. Acredita que Pode estar muito limpa? E não a banhei porque teve febre e não queria me encontrar com outra morte em minhas mãos.     

Se refere-se a sua hemorragia, não tem feito nada que sua encantadora e pulcra esposa não tivesse feito. Parará dentro de um ou dois dias, e Anabeth ou eu viremos a curá-la até então.

 

Lydia continuava com a cabeça inclinada sobre o menino, enquanto todo seu corpo avermelhava de confusão. Pelo visto, a franqueza de Mamãe tinha deixado também sem palavras ao senhor Coleman, porque este calou durante um momento. A tensão reinava na carroça. O homem irradiava antagonismo, ao igual a um forno irradia calor no inverno.       

 

Por fim, o menino ficou satisfeito. Lydia fechou a camisola sobre seus seios e seguiu as instruções de Mamãe para lhe fazer arrotar.             

 

       Ross contemplou a cena com fúria crescente e impotente. Era impossível calcular a quantos homens teria acolhido em sua cama aquele estandarte, e, entretanto atuava como uma mulher decente que dava de mamar ao seu menino, seu filho. O filho de Vitória. Mas que alternativa ficava? Queria que seu filho vivesse. O menino seria o único vínculo com a mulher a que tinha amado com tanta paixão.

Tossiu em voz alta, desnecessariamente.

 

De acordo, que fique. Por um tempo. Assim que encontre um meio de alimentá-lo e cuidá-lo sem ajuda, irá, entendido? Eu tampouco estou à frente de um hospital da caridade. Além disso, não quero que uma mulher como ela se ocupe do menino de Vitória. Lamento pelo seu bebê, mas certamente foi melhor que morresse. Ou é uma prostituta, como disse a senhora Watkins, ou uma filha que desonrou a sua família, ou uma mulher que fugiu de seu marido. Em qualquer caso, não é a classe de mulher que quero para cuidar de nem filho. Se não fosse uma questão de vida ou morte, não estaria aqui. Bem, abaixo estas condições, quer ficar? Perguntou à moça, que embalava ao menino adormecido.

 

Ela levantou a cabeça e se encontrou com seus deslumbrantes olhos verdes.

 

Como se chama o menino?

 

A pergunta pegou de surpresa a Ross.

 

Em... Lee. Chamei-lhe Lee.

 

A jovem sorriu ao bebê e o abraçou. Acariciou sua cabeça, coberta de cabelo escuro.

 

- Lee murmurou com ternura. Olhou ao seu pai com expressão doce. Cuidarei de Lee até que ele já não me necessite, senhor Coleman. Fez uma pausa. - Embora isso signifique agüentar pessoas como você - acrescentou com orgulho.

 

«Agüentar pessoas como você. Agüentar pessoas como você.»

 

Ross puxou sem compaixão o arnês enquanto as palavras ressonavam em sua cabeça. Quem demônios acreditava que era para lhe falar daquela maneira? Aplaudiu a garupa do cavalo para lhe informar de que sua ira não ia dirigida a parelha que puxava a carroça.

 

Retornou à fogueira que tinha reacendido minutos antes, quando se insinuou no oeste a primeira luz rosada da aurora. O café ainda não fervia. Tinha o costume de acender o fogo cada manhã para preparar o café, inclusive para fritar o bacon com o fim de que Vitória dormisse um momento mais. Ela não estava acostumada a despertar cedo, nem muito menos a preparar o café da manhã, e os compridos e árduos dias de viagem a tinham esgotado.

 

Ross contemplou o fogo e se perguntou por enésima vez por que Vitória tinha mentido. Ela havia dito que estava grávida de poucos meses, e que não daria a luz até muito depois de chegar a Telhas. Graças a sua esbelteza, a mentira tinha resultado acreditável, mas ao cabo de escassas semanas de viagem, seu proeminente abdômen a tinha delatado. Inclusive quando Ross comentou o muito que estava engordando sendo ainda tão logo, e ela admitiu com acanhamento que ia mais adiantada do que lhe tinha confessado, ele não se deu conta de até que ponto estava avançada a sua gravidez. Ainda assim, era um fato incontestável que Vitória lhe tinha mentido para sair-se com a sua.      

 

Compreendia por que ela não tinha querido que seu pai soubesse do bebê. Ao seu pai, Vance Gentry, havia resistido aceitar seu matrimônio com um assalariado, mas por que demônios não tinha sido sincera com ele, seu próprio marido?

 

Ross agarrou a cafeteira esmaltada e verteu um pouco da forte bebida em uma xícara de lata. Durante a viagem, ele preferia aquele tipo de utensílio à porcelana que Vitória tinha insistido em levar. Bebeu o café quente e deixou que sua mente divagasse.

 

Não, Vance Gentry tomou muito mal que sua filha se apaixonasse por homem que ele tinha contratado para cuidar de seus estábulos. Gentry desejava para sua filha um marido de linhagem tão excelente como de Vitória, mas naqueles tempos escasseavam os homens em idade de casar de famílias sulinas de rançosa ascendência. A guerra se encarregou disso. Vitória se sentia feliz e, à medida que transcorriam os meses, todos os habitantes da granja se reconciliaram com a idéia de que Ross Coleman ia ser seu marido.

 

Todos, exceto Vance. Ele nunca se mostrava abertamente hostil, mas era incapaz de dissimular o rancor que sentia para com seu genro.

 

Vitória tinha percebido o rancor de seu pai, por isso tinha esperado que este partisse a Virginia a comprar cavalos para revelar sua gravidez a Ross. Quando ele tinha mencionado a terra do Texas, tinha sido idéia de Vitória partir antes que seu pai retornasse. Ross estava preocupado por sua gravidez e o bebê, mas lhe tinha assegurado que teriam muito tempo para instalar-se antes que o menino nascesse. Bem, o bebê tinha nascido. Tinha ao bebê, mas não a Vitória.

 

A Vitória não. Ross tentou imaginar como seria sua vida sem ela. Tinha irrompido de uma forma inesperada e partiu com igual brutalidade. Um presente que tinha sido seu por um tempo, antes de lhe ser arrebatado brutalmente. Em sua vida, agora, não havia luz, risadas nem amor. Nunca voltaria a ver seu rosto, nem tocaria o seu cabelo, nem ouviria os seus cânticos. Tinha-a perdido de uma forma irrevogável, e não sabia se poderia superá-lo.

 

Teria que fazê-lo por Lee. Cada dia havia maridos que perdiam a suas esposas quando davam a luz, e sobreviviam. Ele também. Daria ao seu filho uma boa vida. Só Lee e ele. Juntos. Não, não de tudo.

 

Agora, tinha que carregar aquela garota.

 

Bebeu o café de um gole, e já ia se servir outra taça quando Bubba Langston se agachou ao seu lado.

 

Bom dia, Ross.

 

Bubba tinha experimentado uma sensação de maturidade e importância quando o homem, a quem considerava um modelo a imitar, havia-lhe dito que lhe chamasse por seu nome de batismo.

 

- Bubba - respondeu Ross com laconismo, com a mente ainda centrada em seu problema.

 

- Crê que choverá hoje?

 

As nuvens que pressagiavam tormenta se refletiram nos olhos verdes que as examinavam.

 

- Talvez. Espero que não. Estou farto da chuva. Está-nos atrasando.

 

Bubba pigarreou.

 

Eu... sinto por sua mulher, Ross.

 

Ross se limitou a assentir.

 

Café?

 

Sem esperar a que o menino respondesse, agarrou outra xícara e serviu o café.

 

Beberam em silencio durante uns instantes. Outras pessoas do acampamento começavam a levantar-se. O ar úmido removeu a fumaça da lenha. O rangido do arnês, os relinchos dos cavalos, o rumor de conversações de maridos e mulheres antes que os meninos despertassem, o tinido de panelas e frigideiras de metal, invadiram a manhã de ruídos tranqüilizadores e familiares. Aquela familiaridade era consoladora. Ross pensou que todas as coisas de sua vida se converteram, de repente, em alheias.   

 

-Ocupaste-te já dos cavalos? Perguntou ao moço.

      

Pois claro. Levei-lhes aquela bolsa de aveia, como você me pediu.

 

Obrigado, Bubba.

 

Ross sorriu pela primeira vez. Perguntou-se como seria de ter tido que cuidar de um adolescente. Não muito diferente de agora, o mais provável. Algumas pessoas nasciam mau, nasciam para andar a provas e às cegas pela vida. Quando Vitória Gentry se apaixonou por ele e contraíram matrimônio, Ross pensou que lhe tinham concedido uma segunda oportunidade, para que fossem falando da boa sorte dos perdedores.

 

Tive sorte de que viesse na caravana e me ajudasse a cuidar de meus cavalos. Minha própria manada de éguas é a única coisa que tenho para começar quando chegarmos a Telhas.

 

A brisa da manhã agitou o cabelo loiro do moço.

 

Cale-se, Ross. Embora não me pagasse por cuidá-los, o teria feito de boa vontade. Papai quer que seja granjeiro como ele. Está decidido a encontrar uma nova granja em Telhas e começar de novo em um lugar onde não diluvie cada ano, como em nossa casa do Tennessee. Eu não quero cuidar da terra. Prefiro trabalhar com cavalos, como você, Ross. Serviu-se de outra taça de café, contente de ter monopolizado a atenção de seu ídolo. Como começou você?

 

A conversação com o moço mantinha a mente de Ross afastada de seus problemas. Enquanto falava, cortava fatias de bacon de um pedaço de porco salgado.

 

Bom, feriram-me...

 

Uma ferida de guerra? Perguntou Bubba, com os olhos totalmente abertos.

 

Os olhos de Ross adquiriram um brilho duro e frio quando olhou sem ver o espesso bosque que rodeava o acampamento. Respondeu em voz baixa. Seu tom era amargo.

 

Não. Uma espécie de acidente. Depositou o bacon na frigideira quente. Chispou e rangeu. Um velho chamado John Sachs me encontrou e me levou a sua cabana. Estava no alto das Smokies. Era um ermitão. Cuidou de mim até que me restabeleci. Ross riu. Sobre tudo graças ao raticida que destilava. Quando estive o bastante recuperado para trabalhar, sugeriu que baixasse ao vale e apresentasse a um homem chamado Vance Gentry. É o proprietário de uma das melhores cavalariças do Tennessee. Comecei a trabalhar para ele e me casei com Vitória.

 

E depois, o velho, Sachs, vendeu-te a terra do Texas.

 

Ross olhou ao moço com olhos risonhos.

 

Tinha-te contado já a história?

 

Claro que sim, Ross, mas eu gosto de escutá-la.

 

O velho Sachs tinha combatido na batalha de São Jacinto. A República do Texas recompensou com terras aos homens que tinham participado da batalha, mas Sachs voltou para o Tennessee e nunca teve o sentido comum de retornar e reclamá-la.

 

A idéia de um pedaço de terra situado no rico leste do Texas, ao que ninguém tirava partido, tinha interessado a Ross. Sabia que Vitória e ele viveriam sempre sob a influência de seu sogro se não partiam. Além disso, Ross desejava uma casa própria, um lugar onde iniciar sua manada de éguas, um lugar onde pudesse respirar com mais facilidade quando se encontrasse com estranhos.

 

Tinha falado ao velho solitário de comprar a terra. O homem, depois de lançar uma gargalhada, limitou-se a lhe entregar a escritura que o governo do Texas lhe tinha enviado anos antes.

 

Morrerei nesta cabana, filho havia dito. Não necessito para nada essa terra. Fui a Telhas ganhar cabelos brancos. Aquela guerra só significou para mim uma grande briga, onde me passa medo. Se quiser a terra, é tua.

 

Quando comentou a Vitória a possibilidade de mudar-se, ela mostrou mais entusiasmo do que ele tinha suspeitado. Ross preferia ir ele primeiro, ver a terra, começar a construir uma casa e, depois, voltar a procurá-la a ela e ao menino, mas Vitória tinha insistido em lhe acompanhar.

 

Será melhor partir enquanto papai estiver ausente, Ross. Vamos nos unir a essa caravana que estão organizando no condado de McMinn.

 

Em qualquer caso, Ross já tinha tido a mesma idéia. Viajar de grupo era mais seguro. Também constituía uma vantagem levar os pertences de casa, em lugar de tentar comprar coisas novas ao chegar. Muita gente emigrava a Telhas, mas ao chegar descobria que os utensílios domésticos não estavam disponíveis imediatamente.

 

Vitória o tinha considerado tudo como uma grande aventura e quis manter em segredo sua partida. Ross tinha discutido com ela. Não queria que seu sogro voltasse para casa e descobrisse que partiram sem dizer nenhuma palavra.

 

Por favor, Ross. A meu pai lhe ocorrerão mil motivos para não irmos, sobre tudo quando averiguar sobre o menino. Nunca nos deixará partir.

 

Ross introduziu duas fatias de bacon em um pão-doce restante e estendeu o sanduíche a Bubba.

 

Tinha economizado o bastante para comprar os cavalos com os que iniciar minha manada de éguas. Agora tenho ao Lucky e a cinco das éguas mais bonitas que vi em sua vida.

 

É claro que sim murmurou Bubba com a boca cheia.

 

Graças a quão cuidados você proporciona cada noite - riu Ross. Lucky está loucamente apaixonado por todas essas éguas.

 

A aprovação de Ross deleitou ao jovem. Os dois trocaram um sorriso de camaradagem. Então, ouviram o pranto do bebê, que tinha despertado, no interior da carroça.

 

Bubba virou a cabeça naquela direção. Através da lona ouviram tenros murmúrios maternais. Depois, silêncio. Bubba lançou um olhar inquisitivo a Ross, que tinha adotado uma expressão lúgubre enquanto cravava a vista na abertura da carruagem.

 

Essa..., essa garota, Lydia... Mamãe diz que vai ficar em sua carruagem para cuidar do menino a partir de agora.

 

Os lábios de Ross se apertaram sob o bigode negro.

 

-Sim, isso parece.

 

Inquieto e encolerizado, Ross sabia que devia desviar aquela energia em outra direção, do contrário estalaria. Levantou-se e caminhou até o final da carruagem. Abriu uma mala, tirou um espelho, uma navalha, uma broxa e uma jarra de barbear, e os colocou sobre a parte traseira. Depois, dobrou o pescoço da camisa para dentro. Uma panela com água se esquentava perto do fogo. Afundou a broxa de barbear na água, depois na jarra, e começou a produzir uma espuma espessa e abundante.

Aplicou-se a espuma no rosto e começou a eliminar o sabão da barba com destros movimentos da navalha. Bubba lhe contemplou, invejoso.

 

Estava em muito mal estado quando Luke e eu a encontramos disse, com o fim de cercar conversação.

 

Sim?

 

Ross introduziu a navalha na água e inclinou a cabeça para ver-se melhor no espelho que tinha pendurado em um prego.

 

É claro que sim. Atirada sob a chuva, pálida e imóvel como se estivesse morta.

 

A mandíbula que estava sendo barbeada se esticou.

 

Bem, parece que agora transborda de vida e boa saúde.

 

Ross desejava com todas suas forças não recordar a forma em que o abajur tinha jogado luzes e sombras sobre seus seios. A estranha cor dourada de seus olhos lhe tinha enfeitiçado para que não o esquecesse. Ross ordenou ao seu corpo que esquecesse. Não lhe obedeceu. Inclusive agora, reagiu.

 

Sua herança se estava manifestando. Não era decente se fixar no corpo da moça, quando o cadáver de sua esposa mal tinha começado a esfriar em sua tumba. Maldição! Aquela era a conseqüência de ser o filho de uma puta. Por mais que um se relacionasse com gente respeitável, por refinada que fosse a mulher com quem se casasse, mesmo que não o desejasse, a imoralidade que aninhava em seu interior acabava surgindo. Por mais rápido que corresse, não era possível afastar-se das raízes.

 

Bastava brincar um olhar a alguém como aquela rameira na carruagem, para que ele não tivesse mais controle que aparas metálicas atraídas para um ímã. Tinha fingido ser melhor do que era. Ele tinha surgido do lixo igual a ela, mas tinha conseguido deixar para trás.

 

Por Deus que preferia condenar-se antes que ser miserável de novo para aquela classe de vida. Por ela ou por quem fosse.

 

O menino soluçou e Ross soube que o tinha passado de um peito ao outro. Sua mão tremeu. Cortou-se com a navalha e amaldiçoou baixo. Bubba se removeu nervoso, e se perguntou o que haveria dito para que tivesse aparecido aquela profunda fenda no sobrecenho de Ross. Nunca tinha visto aquele homem tão fora de si. Sua mulher acabava de morrer claro. Essa devia ser a razão de seu cenho franzido quando se ajoelhou para ver-se melhor no espelho.

 

Quando crê que chegaremos ao Mississipi, Ross?

 

Pode ser que dentro de uma semana.

 

Viu alguma vez o Mississipi?

 

Várias vezes.

 

Ross secou o rosto com uma toalha e jogou ao chão a água do barbeado. Secou a navalha com cuidado e a guardou com outros utensílios na mala. Vitória lhe tinha presenteado o jogo de prata de lei no Natal passado. Tentou pensar nisso enquanto procurava não fazer caso da canção de ninar que se ouvia dentro do carro.

 

- Uau. Eu nunca o vi - disse Bubba, refirindo-se ao rio. Quase não posso esperar.

 

Ross olhou com afeto ao moço e os músculos de seu rosto se relaxaram.

 

O menino resplandeceu.

 

Quer que conduza hoje a carruagem?

 

Ross dirigiu um veloz olhar ao veículo.

 

 

Sim, agradeceria-lhe isso, a menos que seus pais lhe necessitem.

 

Não. Se mamãe tiver que fazer outra coisa, Luke conduzirá.

 

Nesse caso, selarei ao Lucky e irei caçar. Só comi o que me trouxeram outros desde... Fez uma pausa. Uma sombra de tristeza cruzou seu rosto. Tenho que conseguir um pouco de carne.

 

Vou avisar a minha família. Até mais tarde, Ross.

 

Bubba atravessou correndo o acampamento em direção à carreta dos Langston, onde se ouvia mamãe dar ordens como um sargento.

 

Ross olhou para a parte posterior da carreta. As lonas estavam fechadas. Tinha saído do carro ontem à noite, quando Mamãe acomodou à garota na carruagem que ele tinha compartilhado com Vitória. Não tinha entrado após.

 

Envolto-se em uma manta debaixo da carreta e utilizado a cadeira de montar a modo de travesseiro. Não lhe importava. Era sua forma quase habitual de dormir desde que era adolescente. O que não podia suportar era pensar que a moça estava na cama onde Vitória e ele tinham dormido, na cama onde Vitória tinha morrido.

 

Pensava que não agüentaria olhar Lydia, mas não ia permitir que aquela jovenzinha e sua língua obscena lhe expulsassem de sua propriedade. Abriu as cortinas de lona com resolução e cólera, e entrou na carreta.

 

Lydia estava dormindo. Lee, apenas um monte de carne infantil, se enrolava entre o braço protetor e o seio da moça. Sob o tênue algodão que o cobria, seu seio subia e baixava ritmicamente ao compasso de sua respiração. Seu cabelo se desdobrava detrás de sua cabeça em um matagal de cachos.

 

Não ia deixar que lhe surpreendesse olhando-a embevecido se despertava. Se ia caçar, necessitaria balas. Fez muito ruído para procurar a caixa de munições, embora soubesse exatamente onde estava. Deixou cair várias balas em sua mão e as guardou no bolso da jaqueta.

 

Quando se voltou, ela estava olhando. Jazia imóvel e em completo silêncio, o qual era muito irritante. Era como se ele fosse o intruso, e não ao reverso. Encolerizado, tirou um lenço de seu baú e o atou ao redor de seu pescoço. Ela não falou nem se moveu, mas seguiu com o olhar todos seus movimentos por que não dizia, algo? Tampouco havia dito grande coisa à noite anterior. Talvez fosse atrasada.

 

Gostaria de um pouco de café? Perguntou irritado, quando já não pôde agüentar por mais tempo aquele olhar intenso e silencioso.

 

A moça assentiu, e os cachos que rodeavam sua cabeça se agitaram.

 

Sim.

 

Detestou-se, por seu oferecimento e saiu disparado da carreta. Não tinha querido ser cordial, nem muito menos a tratar com atenção como se fosse um fodido criado. Levantou o pote de café e verteu o líquido quente em outra xícara de lata. Algumas gotas caíram sobre sua mão, e lhe deram bons motivos para blasfemar como um possesso. Sentiu-se melhor. Esforçou-se por reprimir as blasfêmias desde que Vitória Gentry se fixou nele pela primeira vez, quando jogava feno nos estábulos de seu pai.

 

Ross procurou conter seu mau humor, entrou com a xícara na carreta, agachou-se para acomodar sua estatura à altura do carro e ofereceu o café à moça.

 

Lydia umedeceu os lábios com a língua.

 

Possivelmente deveria você apartar Lee. Tenho medo de derramar o café sobre ele.

 

Ross olhou primeiro a taça fumegante, logo ao menino, e depois à garota deitada na cama. Nunca havia sentido tão torpe e impotente, exceto possivelmente quando tinha jantado pela primeira vez com Vitória e seu pai em seu elegante comilão, mas nem sequer então tinha experimentado a sensação de que seus braços se alargaram e suas mãos aumentado de tamanho até extremos exagerados.

 

Resmungou algumas blasfêmias, deixou a xícara a um lado e se ajoelhou para agarrar ao seu filho. Parou em seco de repente, o com as mãos esdeitadas, mas imóveis, enquanto olhava ao bebê adormecido. Era impossível levantar Lee sem tocá-la.

 

A moça pareceu dar-se conta disso ao mesmo tempo em que Ross, porque levantou os olhos até que se encontraram com os dele. Baixou-os imediatamente. Tentou apartar do menino, pôr distância entre ambos, mas seu corpinho rodou e voltou a amoldar-se com o da jovem.

 

Maldição! Sempre ia ser assim? Ia permitir que lhe pusesse nervoso e assustadiço como um gato em sua própria casa? Ross lançou as mãos adiante. Uma se dirigiu às costas do menino. Deslizou a outra entre Lydia e a cabecinha de Lee. Os nódulos se afundaram na exuberante curva de seu seio. Sua testa se cobriu de suor. Levantou o menino a toda pressa e se virou.

 

Espere! Chamou em voz baixa Lydia.

 

Ross a olhou. Com pressas, tinha pego o tecido de sua camisola junto com a manta de Lee. O objeto se esticou sobre seus seios, de forma que seus grandes mamilos escuros ficaram perfilados com detalhe. Ross a contemplou como enfeitiçado.

 

Lydia estendeu a mão, puxou o tecido e a liberou de seus dedos, que não podiam afrouxar sua presa por temor que Lee caísse. Quando por fim a camisola se soltou, Ross caminhou por volta de um dos tamboretes e se sentou. De fato, desabou-se. Todo seu corpo tremia.

 

- Apresse e bebe o café - murmurou, sem olhá-la enquanto a moça se sentava.

 

Lydia se encolheu levemente ao notar a sensação de tensão entre suas coxas, mas a dor diminuía cada dia. Aquela manhã' tampouco se sentia febril. Agradecida, agarrou a xícara que o senhor Coleman tinha ofertado e bebeu.

 

Olhou ao homem por cima do bordo da taça. Ross contemplava ao seu filho adormecido com uma expressão que suavizava o seu rosto arisca.

 

Dormiu toda a noite - disse em voz baixa.

 

Acredito que não lhe ouvi até esta manhã.

 

Despertou faminto.

 

Vibravam risadas em sua voz, e Ross voltou a cabeça para ela. Olharam-se confusos e depois desviaram a vista.

 

-Está molhado, verdade?        

 

Ross lançou uma risada quando elevou ao menino e viu uma mancha úmida na perna da calça.

 

Sim.

 

Não sei trocar suponho que Mamãe pode me ensinar. Tem fraldas?      

 

Ross pareceu perplexo por um momento.

 

Não sei. Procurarei. Pode ser que Vitória. Fez uma pausa depois de pronunciar seu nome. Pode ser que tenha posto algumas na bagagem.

 

Lydia bebeu lentamente seu café

 

Lamento por sua esposa - o seus olhos eram sombrios e duros quando ele a olhou, antes de voltar a vista para o seu filho. Acariciou-lhe a testa com o dedo. Sua mão avultava o dobro do rosto do bebê. Via-se escura ao lado da pele avermelhada do menino.   

 

Está pensando. Por que não morri eu no lugar de sua mulher, verdade?

 

Sua cabeça morena se elevou com brutalidade O movimento foi tão súbito que o bebê se sobressaltou embora voltasse a relaxar-se sobre o colo de seu pai. Ross se sentiu envergonhado de que ela tivesse adivinhado seus pensamentos, mas foi incapaz de desculpar-se. Em lugar de negar o que era tão evidente, formulou uma pergunta.

 

O que estava fazendo no bosque dando a luz completamente sozinha?

 

Não tinha outro lugar aonde ir. Ocorreu onde me deixei cair.   

 

A resposta lhe irritou. Era injusto que Vitória estivesse enterrada em sua tumba, enquanto aquela mulher, que não lhe chegava nem à sola dos sapatos, dava de mamar ao seu filho. As víceras de Ross queimavam ante essa cruel realidade.

De quem foge? Da lei?

 

-Não! Gritou ela, estremecida. 

 

De um marido?

 

A jovem evitou seus olhos.

 

Nunca tive marido.

_

Hummm...! Grunhiu o homem

 

Um brilho iluminou os olhos da jovem quando se voltou para ele de novo. Como se atrevia a julgá-la? Como podia saber o que tinha sofrido? Um homem a tinha submetido à degradação; não voltaria a ocorrer nunca mais.

 

Tinha razão ontem à noite, senhor Coleman, quando disse que foi melhor para meu filho morrer. Também tivesse sido melhor que eu tivesse morrido. Eu o desejava. Mas não morri.

 

Lydia ergueu o queixo, e o cabelo se ondulou ao redor de sua cabeça.

 

Em qualquer caso, eu estou aqui, e sua mulher não. Deus quis que acontecesse dessa forma. Eu tenho tanta culpa como você. O pequeno Lee necessita dos cuidados de uma mãe, e eu vou dar.

 

Dará-lhe de mamar e basta. Ele tinha uma mãe.

 

Que está morta!

 

Ross se levantou de um salto do tamborete lançando um grunhido que torceu seus lábios

 

Como sua experiência com as mãos de Clancey lhe tinham ensinado o que devia fazer, Lydia se enrolou em um rincão da carreta e cobriu a cabeça com os braços.

 

Não, por favor!

 

Que demônios ... ?

 

O que passa aqui? Perguntou Mamãe, enquanto entrava no interior da carreta. Os dois são a fofoca de toda a caravana. Leoa Watkins está escandalizada porque passaram a noite juntos.

 

Eu dormi fora - disse Ross entre dentes. A garota pensou que eu ia bater nela!

 

Sei - replicou Mamãe, e também todo mundo, porque eu me preocupei que todos se inteirassem. Bem, passe-me a esse menino. É um milagre que não quebrou o pescoço, pela forma em que o sustenta. Agarrou Lee dos braços de seu pai. Por que esta Lydia encolhida ali, como se a tivessem golpeado? Perguntou ao homem apertando os lábios. Que lhe passa,Lydia?

 

-Nada - contestou em voz baixa a jovem, envergonhada de sua covardia aparente.

 

Mamãe a examinou com atenção; depois, voltou-se para Ross e o olhou de cima abaixo, a modo de recriminação silenciosa. Saia daqui. Anabeth e eu cuidaremos de Lydia. Bubba diz que hoje vai conduzir por você porque quer sair a caçar, e a verdade, acredito que é uma boa idéia. Afastar-se daqui pode ser que esclareça suas idéias a respeito de algumas coisas. Saia.

 

Poucos se opunham às ordens de Mamãe. Ross lançou um olhar sinistro em direção à moça, que já não parecia aterrorizada, mas lhe observava com cautela. Depois, saiu como uma exalação Uma vez fora, colocou o chapéu, jogou a cadeira de montar sobre o ombro, apoiou o rifle sobre o outro e se encaminhou à zona onde tinham reunido aos cavalos para passar a noite.

 

Os dois filhos maiores dos Langston o viram sair poucos minutos depois do acampamento, no lombo do poderoso garanhão, em direção ao espesso bosque.

                   

Sabe o que penso? Pergunto Luke ao seu irmão.

 

Não, e não me interessa, mas estou seguro de que me vais dizer isso igualmente.

 

Acredito que o senhor Coleman é um exímio filho da puta quando quer..

 

Bubba contemplou com ar pensativo a imagem cada vez, mas longínqua do cavalo e seu cavaleiro. Também tinha visto aquela feroz expressão no rosto de seu ídolo.   

 

Pode ser que tenha razão, Luke admitiu. Pode ser que tenha razão.

 

...e pelas noites, quando todo mundo tinha jantado, eles passeavam pelo acampamento, agarrados pela mão, e paravam e conversavam com as pessoas, como se estivessem de excursão e não em uma caravana.

 

 

Lydia estava deitada e escutava o bate-papo de Anabeth. A moça estava tirando as pertences pessoais de Vitória Coleman de uma cômoda e as guardava em um baú. Mamãe tinha sugerido que o fizesse para deixar mais lugar a Lydia e o bebê na carreta. Ross tinha acessado a contra gosto.

 

«Ele dizia e fazia tudo a contra gosto» pensou Lydia com um suspiro de cansaço. Tinha passado os últimos três dias deitada na carreta, recuperando-se de suas penosas experiências e dando de mamar a Lee. Anabeth ficava com ela durante o dia. Mamãe ia ver a cada manhã e lhe levava comida pelas noites. Ross caçava para os Langston em troca de que Mamãe lhes cozinhasse.

Nunca comia dentro do carro com Lydia, que apenas o via. Ross trabalhava ao serviço da caravana. Saía freqüentemente de exploração ou cuidava de cavalos doentes pertencentes a pessoas que respeitavam seu conhecimento dos animais. Bubba conduzia a carreta de Coleman. Se Ross entrava no carro, procurava não olhá-la. Se o fazia, um brilho maligno iluminava os seus olhos.

 

Lydia atribuía sua aspereza à dor que sentia. Tornou-se muito mal a morte de sua esposa, Vitória Coleman deveria ter sido alguém muito especial. Uma autêntica dama, a julgar pela detalhada descrição de Anabeth.

 

Às vezes, quando o sol era forte, ela se sentava com esta sombrinha de renda sobre o ombro no assento da carreta. Anabeth abriu o objeto rosa de renda e seda. Lydia nunca tinha visto algo tão bonito em toda sua vida. Lamentou que Anabeth o fechasse e guardasse de novo no baú, Coleman e ela falavam entre sussurros, como se tudo o que se dissessem fosse um grande segredo para o resto do mundo. A moça exalou um profundo suspiro. Oxalá o senhor Coleman me olhasse como olhava a ela. Derreteria-me imediatamente.

 

A Lydia não lhe ocorria pensar em nada agradável procedente das olhadas Coleman lhe dirigia. Não lhe ocorria imaginar nada agradável que pudesse ocorrer entre um homem e uma mulher, mas de vez em quando recordava como tinha sido tudo quando seu verdadeiro papai estava vivo.

 

Viviam em uma cidade, em uma casa grande, com janelas amplas e cortinas de crochê. Mamãe e papai estavam acostumados a rir juntos. Os domingos, quando visitavam os vizinhos, papai segurava mamãe pela mão. Recordava-o, porque ela as separava e agarrava a cada um pela mão. Seus pais brincavam de levantá-la do chão. Lydia considerava que possivelmente fosse possível que os homens nem sempre fizessem coisas más às mulheres.

 

Anabeth voltou a falar.

 

A pele da senhora Coleman era tão suave e branca como a nata fresca. Era muito bonita, com aqueles grandes olhos castanhos. Seu cabelo era da cor da barba do milho, e parecia igualmente suave. Nunca usava um cabelo fora do lugar.

 

Lydia tocou seu cabelo. A manhã depois de transladar-se à carreta do senhor Coleman, Mamãe e Anabeth a tinham banhado. Tinham-na esfregado até que a pele lhe ardeu. Tinham dedicado certo tempo e esforços a eliminar resíduos de seu cabelo. Ao dia seguinte, agradecia que Anabeth levasse e trouxesse baldes de água, e tinham conseguido lavá-lo, mas nunca ia parecer com a barba do milho.

 

O senhor Coleman aparentou surpresa ao vê-la penteada e lavada aquela noite, quando entrou na carreta para procurar uma camisa limpa, mas não fez comentários. Limitou-se a emitir um grunhido.

 

Se estava acostumado a cabelos cuja textura recordava a barba de milho, Lydia compreendeu que o seu tinha devido lhe repelir. Embora fosse absurdo, incomodou-lhe.

 

Está cansada? Perguntou Anabeth quando se deu conta de que a atenção de seu público fraquejava. – Mamãe disse que se ficasse cansada e sonolenta, fechasse o pico e te deixasse descansar.

 

Lydia riu. Tinha chegado a apreciar a todos os Langston, em particular a aquela moça tão franca e sincera.... e tolerante.

            

Não, não estou cansada. Dormi bastante durante os últimos dias para não ter sono nunca mais, mas Lee despertará logo, com uma fome de urso.

 

Introduziu a mão na caixa que utilizavam a modo de berço e aplaudiu as costas do bebê. Era um milagre o muito que gostava do menino. Depois da morte de sua mãe, Lydia duvidou que voltasse a gostar de outro ser humano. Talvez gostasse do menino porque dependia por completo dela e era tão pequeno que não podia lhe fazer dano.

Não teria outro remédio que querê-lo a sua vez.

As carretas se detiveram justo quando Lee terminou de mamar. Lydia abotoou o vestido enquanto Bubba conduzia aos cansados cavalos até integrar o carro no círculo que formavam outros. Assim que os desenganchou, Mamãe entrou na carreta.

 

Você gostaria de sair daqui? Perguntou a Lydia.

 

Quer dizer me levantar? Sair da carreta? Perguntou Lydia, nervosa. Sua única experiência com outros membros da caravana tinha sido com o senhor Grayson e a senhora Watkins. Não estava preparada para enfrentar ao escrutínio e o desprezo das outras pessoas.

 

Não se sente com forças?

 

Acredito que sim respondeu Lydia com cautela, mas não tenho roupas.

 

Trouxe-te algo - disse Mamãe, e deixou cair um fardo. É roupa de Anabeth, provavelmente não seja de sua largura, mas terá que se arrumar com isso, a menos que queira usar essa camisola de agora em diante.

 

Lydia se levantou trêmula, mas logo esteve banhada e vestida com meias bem remendadas, calças e anáguas.

 

É miúda como um passarinho - comentou Mamãe, enquanto examinava os esbeltos quadris e coxas de Lydia. Nunca entenderei como pôde levar a um menino em seu seio.

 

Não se podia dizer o mesmo dos seios. O sutiã do vestido não os abrangia.

 

Maldição - disse Mamãe, irritada. Bem, abotoaremos até onde possamos.

 

Lydia acreditou que ia explodir por causa da pressão do tecido, mas ao menos ia coberta.

 

Luke tinha aplicado betume a suas botas e trocado os cordões. Lydia se sentou no tamborete para atá-los, enquanto Anabeth passava uma escova por seu cabelo.

 

Agora sim está bonita - disse Mamãe com orgulho. Cruzou os braços sobre o estômago enquanto examinava sua obra. O senhor Coleman me trouxe umas codornas que caçou hoje, e já pus a cozer um guisado em seu fogo. Seria um prazer para ele voltar para sua carreta e ver que lhe espera um caloroso jantar, verdade? Está cuidando de seus cavalos. Por que não aproxima a cama de Lee à parte posterior e sai para tomar um pouco de ar? Sentará-te bem.

 

Lydia permitiu com acanhamento que a puxassem para fora. Ficou assombrada pela atividade que se desenvolvia ao seu redor. Os sons que tinha escutado durante quase uma semana se aparelhavam agora com suas atividades correspondentes. As mulheres estavam inclinadas sobre as fogueiras e as cozinhas portáteis preparando o jantar. Os homens se dedicavam a desenganchar e escovar os cavalos, carregavam lenha, transportavam água. Os meninos brincavam e gritavam, corriam entre as varas dos carros.

 

Aí vem Luke, que te traz água do manancial - Mamãe tinha organizado bem as coisas. - Por que não põe a ferver o café? Estou segura de que o senhor Coleman agradecerá.

 

Sim, farei-o - aceitou sem fôlego Lydia. Tinha que fazer algo. As pessoas começavam a fixar-se nela. Foi consciente das cotoveladas, olhada-las curiosas e especulativas, as conversações sussurradas em voz baixa.

 

Tenho que ir preparar nosso jantar, estarei ali se me precisa indicou Mamãe.

 

Lydia ficou sozinha. Dedicou-se a atiçar o fogo, remover o aromático guisado, preparar o café e inspecionar sem necessidade a Lee. Quando não teve nada mais que fazer, sentou-se no tamborete que Luke tinha tirado da carreta e contemplou o fogo. Por nada do mundo levantaria os olhos para ver os olhares de curiosidade que todos lhe dirigiam.

 

Assim a encontrou Ross. Parou-se em seco quando a viu sentada, vigiando a caldeirão do guisado. O sol do entardecer prendia fogo ao seu cabelo vermelho. Suas faces estavam acesas por causa do acanhamento e o calor da fogueira. Sua silueta era muito mais esbelta do que ele tinha imaginado. A volumosa camisola tinha oculto a delicada estrutura óssea e as suaves curva da moça. Quase parecia uma menina, sentada como se obedecesse as ordens de um pai estrito. Até que se deu a volta. Então, a ilusão se fez pedacinhos. Era uma mulher.

 

Quando Lydia ouviu que o homem se aproximava, levantou-se de um salto e derrubou o tamborete. Por um momento, seus olhares se encontraram. Na dela, aparecia a cautela. O olhar de Ross era vítreo, como se acabasse de receber um golpe e não soubesse de onde tinha vindo.

 

O pescoço de Lydia estava um pouco arqueado para poder observá-lo melhor. Sua garganta era esbelta e larga, e possuía uma fragilidade que despertava o desejo de tocá-la. Ross não pôde evitar que seus olhos descendessem da base de seu pescoço, que palpitava em uma frenética cadência, para a profunda fenda de seus seios. O tecido e os botões se esticavam perigosamente para conter seu exuberante busto maternal. Ross descobriu que lhe resultava impossível apartar a vista de seus seios.

 

A mão de Lydia ascendeu vacilante para o último botão, que tinha capturado a atenção do homem.

 

Mamãe pensou que necessitava ar fresco.

 

Onde está Lee?

 

Estava enfurecido, e sua voz o delatava. Estava zangado porque a moça parecia pura e não perversa como bem sabia ela que era, e porque, por um segundo fugaz, alegrou-se de vê-la lhe esperando. Rogou a Deus que pudesse esquecer a boca de Lee chupando seu mamilo, que pudesse esquecer sua cor. Desejou não pensar em uísque ardente cada vez que olhava seus olhos. O mais enlouquecedor de tudo era o seu nervoso costume de passar a língua pelas comissuras dos lábios cada vez que falava.

 

Lee está aí. Assinalou à parte posterior, onde Lee dormia em sua cama improvisada. Assim posso lhe ouvir se chorar.

 

Apoiou as mãos sobre a saia do vestido de chita azul e esperou que Ross não a repreendesse ali fora, onde todo mundo se inteiraria. Porque o mais provável seria que gritasse a sua vez e se desacreditaria ainda mais diante de todos da caravana.

 

Ross se aproximou da caixa e olhou em seu interior. Um fugaz sorriso obteve que os extremos de seu bigode se agitassem. Aplaudiu com suavidade o traseiro do menino, que estava um pouco levantado. Lee preferia dormir de barriga para baixo, com os joelhos encolhidos sob o corpo.

 

Quando Ross deu a volta, viu que Lydia também sorria com ternura a Lee. Seus olhos se encontraram de novo, por um breve instante, antes de voltar a separar-se.

 

Há café feito.

 

A jovem assinalou o fogo.

 

Obrigado.

 

Ele pendurou de um gancho o laço que levava a ombro. Apoiou o rifle contra a roda do carro. desabotoou-se o cinturão do revólver e desenredou a correia que rodeava sua coxa. Lydia nunca tinha visto um homem que levasse a pistola sujeita à perna daquela maneira. Notou uma sensação estranha no estômago quando viu que a tirava.

 

Lydia serviu uma xícara de café e a estendeu, com cuidado de não derramar nenhuma gota, em que pese a que suas mãos tremiam. Os dedos de Ross eram largos e redondos, de aspecto forte. Os nódulos estavam salpicados de pêlo escuro, que ressaltavam contra sua pele bronzeada. Retirou a mão assim que ele segurou a xícara. Espremeu-a com a outra mão, nervosa.

 

O guisado cheira bem.

 

Preparou-o Mamãe.

 

Ah. Bom, em qualquer caso cheira bem.

 

Sim, é claro que sim.

 

Não se olharam. Ross terminou de beber o café em silêncio. Os ruídos do acampamento ressonavam ao seu redor. Os dois estavam surdos a quase tudo o que lhes rodeava e se sentiam dolorosamente conscientes de sua mútua presença.

 

Acredito que irei lavar-me - disse ele por fim.

 

- Luke trouxe água do rio. O guisado estará a ponto quando tiver terminado.

 

Ross ficou detrás da carreta e encheu uma bacia com água do balde. Tirou a camisa e se perguntou por que suava tanto. Molhou a cabeça e o peito com água uma e outra vez, mas sua pele se negava a esfriar-se.

 

Lydia escutou o ruído que Ross fazia ao lavar-se até que Marynell e Atlanta Langston chegaram correndo. A mão suada e suja de Marynell segurava um ramo de escrofularias e botões de ouro..

 

Trouxemos flores para você, Lydia disse Marynell, e exibiu um sorriso falhado. Dois dias antes, tinha mostrado a Lydia o dente ensangüentado que Zeke lhe tinha extraído a noite anterior.

 

Que bonitas! Exclamou Lydia. Agarrou o inclinado e molhado buquê de flores silvestres da mão estendida da menina.

 

- Cheira - ordenou Marynell, e empurrou as flores para o nariz de Lydia.

 

Com certeza cheiram bem - disse Atlanta, que era mais tímida.

 

Ela sabia o que as meninas tramavam, mas não ia estragar a sua diversão. Aproximou um ranúnculo ao nariz e fingiu cheirar. Quando baixou o ramo, viu o pólen amarelo pego ao seu nariz. As meninas estalaram em gargalhadas.

 

Enganamos você, enganamos você - cantaram a coro.

 

O que têm feito, suas travessas?

 

Lydia recordava que uma vez sua mãe e ela tinham feito o mesmo. Ela nunca tinha tido a ninguém com quem brincar. Era estupendo. Esfregou a mancha amarelada de seu nariz.

 

As flores sentariam muito bem no vestido- disse Marynell. Verdade, Atlanta?

 

Afundou o cotovelo nas costelas de sua irmã.

 

É claro que sim.

 

Eu também acredito.

 

Lydia desabotoou o último botão que Mamãe tinha conseguido sujeitar. Respirou com mais facilidade, mas se sentiu alarmada ao ver a quantidade de busto que transbordava do tecido. Quando introduziu os caules das flores pelo buraco do botão, os brotos encheram o espaço e cobriram em parte a fenda de seus seios.

 

Se tivesse olhado em um espelho, teria podido dar-se conta de como as flores contribuíam a dar um aspecto mais sensual a sua aparência, mas ela não teria sabido reconhecê-lo, nem sua sensualidade nem sua sedução. Tinha estado com um homem, tinha dado a luz, mas era inocente no referente a assuntos românticos. Tinham-na obrigado a copular. Era incapaz de imaginar que uma mulher convidasse por sua aparência a ser desejada.

 

Ross, que seguia ao outro lado da carreta, era consciente da conversação entre a moça e as meninas Langston, mas estava sumido em seus pensamentos. Tinha resultado agradável voltar para carro e encontrar o jantar no fogo e o café feito, mas a garota o devia. Ele a tinha acolhido, não? Quando ela não tinha nem um teto sob o que proteger-se, acaso ele não a tinha recolhido e permitido que passasse dias e noites em sua própria cama?

 

Vestiu uma camisa limpa. A garota estava se levando muito bem com Lee. Não podia negá-lo. O menino crescia um pouco mais a cada dia. Tinha engordado desde que lhe dava de mamar. Já não tinha aquele aspecto raquítico e doentio.

 

Ross levantou o espelho e penteou para trás o cabelo molhado. Quando se tinha penteado a última vez? Não se lembrava. Tampouco sabia, nem que lhe matassem, por que se tomava a moléstia agora de fazê-lo. Talvez porque Vitória lhe tinha ensinado que um cavalheiro devia fazer algum esforço por aparecer apresentável na hora do jantar, embora levasse suas roupas de trabalho. É obvio, não tinha nada que ver com o fato de que a moça se limpou. Não tinha nada que ver com ela. De todos os modos, os dois teriam que viver juntos durante um tempo. Assim Ross supunha que a vida seria mais agradável se eram amáveis um com o outro.

 

Mamãe tinha chamado a suas filhas do outro extremo do acampamento e as duas partiram a toda pressa. Lydia afundou um concha de sopa no guisado e o provou. Estava delicioso e quase no ponto.

 

- Boa noite.

 

A voz era masculina e melodiosa, com a pronúncia lenta do Sul. Não tinha nada de intimidadora. Não obstante o coração de Lydia se acelerou. Não queria que ninguém falasse com ela. Tão somente uns momentos antes, Leoa Watkins e uma adolescente que devia ser sua filha tinham passado muito perto, com a vista cravada na frente e o nariz levantado. A moça tinha arrojado um olhar de curiosidade a Lydia. A senhora Watkins lhe tinha beliscado o braço com força para repreendê-la. Se o homem que acabava de lhe falar pretendia ridicularizá-la, ela se em carregaria de lhe tirar a vontade.

 

Como não queria demonstrar seu temor, Lydia elevou os olhos em aberto desafio. O homem era jovem, talvez mais que o senhor Coleman. Tirou o chapéu de aba larga e deixou ao descoberto seu cabelo castanho, suave e encaracolado. Ia vestido com um traje branco e um colete azul; uma corrente de relógio dourada pendurava de seus bolsos. Tinha os olhos tristes, melancólicos e de um azul bondoso. A pele era pálida, salvo nas faces, que estavam vermelhas.

 

Lydia não disse nada. Ficou surpreendida ao descobrir em seu rosto uma franca curiosidade, talvez cordialidade, mas não censura.

 

Permita que me presente, senhorita Lydia. Winston Hill, ao seu serviço. Este é Moisés. Referia-se a um homem negro, alto e majestoso, que se erguia imóvel ao seu lado. Levava um fúnebre traje negro, camisa branca e gravata negra estreita. Seu cabelo e sobrancelhas estavam veteados de pêlos brancos, mas seu rosto carecia de rugas, eternamente jovem.

 

Lydia estava tão assombrada pela aparição daqueles dois homens e por suas educadas maneiras que disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça.

 

Sabe meu nome.

 

Winston Hill sorriu.

 

Peço desculpas pelos falatórios que percorrem a caravana, mas sim, todo mundo ouviu falar de você e de sua notável beleza. Alegra-me dizer que, esta vez, os rumores não eram exagerados.

 

Lydia se ruborizou, pois jamais tinha ouvido semelhante elogio para sua aparência.

 

Encantada de lhe conhecer - respondeu.

 

O mesmo digo. Está cuidando do filho do senhor Coleman. Uma ocupação louvável e caridosa, tendo em conta sua recente perda.

 

Lydia nunca tinha ouvido alguém que falasse daquela maneira. Era bonito. As palavras brotavam de seus lábios bem formados pouco a pouco, como mel.

 

Obrigado, mas para mim não é nenhum problema. É um bebê encantador.

 

Não me cabe a menor duvida. Admirei a beleza e valentia de sua mãe, por não mencionar o ânimo de seu pai. Levou um lenço de linho à boca e tossiu várias vezes. Deu a impressão de que se sentia ferido por isso, mortificado. Moisés e eu lhe desejamos boa noite. Se puder-mos servi-la em algo, nos avise.

 

Obrigado - gaguejou Lydia, confundida por sua afetação. Farei-o.

 

Isso espero. Seu sorriso era inocente e sincero. OH, boa noite, senhor Coleman.

 

Lydia se voltou e viu o Ross detrás dela, ao final da carreta. Seu aspecto era tão duro e indomável como suave e cândido era o senhor Hill. Seu queixo se levantou apenas como saudação.

 

Senhor Hill, Moisés - disse - estamos lhe impedindo de jantar. Senhorita Lydia.

 

Antes que a jovem adivinhasse sua intenção, inclinou-se para frente, agarrou sua mão e a levou a boca. Seus lábios roçaram o dorso. Olhou-lhe estupefata enquanto o homem segurava o chapéu, dedicava-lhe uma inclinação de cabeça e se afastava, com o Moisés ao seu lado. 

 

Lydia ficou olhando a mão que lhe tinha beijado, desconcertada pelo gesto a secou com a outra manga e olhou ao senhor Coleman. Seu rosto estava sombrio e sinistro como uma nuvem de tormenta. Quando adotava aquela expressão, o bigode quase ocultava o seu lábio inferior.

 

O jantar está preparado - disse Lydia com voz rouca.

 

Voltou para fogo, agarrou um dos pratos de cerâmica que Mamãe lhes tinha deixado e serviu uma generosa porção de guisado. Deu meia volta e estendeu o prato para Coleman.

Ross não o segurou. Tinha os braços caídos aos lados, com os punhos fechados, como se quisesse golpear algo. Os ossos de sua mandíbula se destacaram quando apertou os lábios. O sol se pôs, dando passo ao crepúsculo. A luz purpúrea dava ao seu rosto um aspecto mais sombrio, mais ameaçador.

 

Seus olhos verdes brilhavam na escuridão. Lydia viu que se desviavam de seu rosto às flores sujeitas entre seus seios. Como estava agitada e sentia certo medo dele, sua respiração era irregular. Seus seios tremiam sob o vestido e as flores apoiadas contra sua pele vibravam como se estivessem vivas.

 

Ross as olhou durante um longo momento, em silêncio, e ela desejou que não o fizesse. Se não tivesse estado sustentando o prato, teria se escondido daqueles olhos clamejantes e acusadores.

 

Pequena puta – vaiou - Importa-me uma merda quem é ou de onde saiu, mas enquanto viva sob meu teto e dê de mamar para mim filho, não permitirei que atraia a clientes.

 

Vitória teria desmaiado se tivesse escutado aquelas palavras, mas Lydia não o fez. Seus olhos adquiriram um feroz brilho dourado e deu a impressão de que seu cabelo se encrespava de indignação. Avançou três passos para ele e lhe olhou à cara. De um golpe, afundou o bordo do prato em suas costelas. Ross logo que teve tempo de agarrar o prato, antes que ela o soltasse e se afastasse.

 

A moça girou em redondo, enfurecida; o bordo do vestido roçou suas canelas. Indiferente à dor que ainda rasgava a sua virilha, subiu à carreta de um salto e fechou as lonas.

 

Ross, enquanto blasfemava e se esfregava com ar ausente as costelas doloridas, deixou-se cair sobre o tamborete e começou a engolir o guisado. Não o saboreou, apenas o mastigou, mas com cada bocado se desfrutava em seu rancor, como um animal doente de uma pata ferida.

 

Maldita moça - disse, enquanto deixava o prato a um lado e se servia café. O que pretendia exibindo-se com aquele vestido ajustado, paquerando com o maricas presunçoso do Hill? Ao dia seguinte, a expulsaria a pontapés. Possivelmente conseguisse que a mulher dos gêmeos se encarregasse de dar o seio a Lee. Desfaria-se da garota embora tivesse que colocar leite de vaca no estômago de seu filho.

 

- Tenho a impressão de que não é você tão inteligente como eu tinha acreditado.

 

A voz de Mamãe surgiu da escuridão e interrompeu suas coléricas meditações. Entrou no círculo de luz que arrojava o fogo, com um pano para secar os pratos sobre o ombro. Suas mãos estavam avermelhadas porque tinha esfregado a fundo os tachos de cozinha.

 

- Terminou?

 

Indicou com uma sacudida de cabeça o seu prato sujo.

 

Ross assentiu e bebeu outro sorvo de café. Mamãe verteu água sobre o prato e o secou com o pano.

 

Vejo que podemos guardar o guisado para amanhã, posto que só um de vocês comeu.

 

Ross se removeu no tamborete, inquieto.

 

- Sim - continuou a mulher, é uma pena que você não seja tão inteligente como eu tinha pensado ao princípio.

 

Ross vaiou entre dentes, exasperado, mas mordeu o anzol.

 

- Por que não sou tão inteligente?

 

Assim proporcionou a Mamãe a oportunidade que desejava.

 

Teve a sorte de conseguir uma babá para o seu filho, quando sua mulher morreu. Há dias Lee teria morrido se não fosse pela moça, para quem não demonstra a menor compaixão ou amabilidade.

 

- Compaixão! Gritou Ross, que ficou em pé e começou a passear acima e abaixo como uma fera enjaulada. Todos os componentes da caravana são conscientes da falta de intimidade. Baixou a voz de maneira significativa. - Amabilidade? Ela se exibe diante de todos os homens da caravana. Leva esse vestido indecente, com essas... interrompeu-se com brutalidade. Exibe-se.

 

Se referere-se ao senhor Hill, fui testemunha da cena. Ele foi o primeiro em lhe dirigir a palavra, não ao reverso. E ela parecia temerosa como um coelho, tanto que não se atrevia nem a lhe olhar.

 

Os dentes de Ross mordiscaram o bigode, enquanto não cessava de caminhar em furiosos círculos.

 

Quanto ao seu vestido, é o único que pudemos lhe proporcionar. O que usava quando os meninos a trouxeram era um montão de farrapos.

 

Não podia ser pior que o que leva agora. As costuras estão apertadas.

 

Mamãe fez uma careta irônica, mas a escuridão a ocultou. O senhor Coleman estava muito abstraído em seu passeio para reparar em seu sorriso perspicaz.

 

É lixo e não quero tê-la perto de mim ou de meu filho.

 

O sorriso de Mamãe desapareceu. Agarrou ao homem do braço e lhe obrigou a voltar-se. Era quase tão alta como ele.

 

- Como sabe tudo isso? Ela não fala como se fosse lixo, verdade? Sua linguagem é instruída, se quer saber minha opinião. Fixou-se na forma em que move as mãos. Faz-o com muita graça. Come com educação. Nunca vi um lixo que caminhe e se mova como uma dama, igual a ela.

 

Mamãe soltou o braço de Coleman e se ergueu em toda sua estatura.

 

- Parece que você dá muita importância às origens e a família das pessoas. Eu nunca o tenho feito. Sempre pensei que o que conta é a pessoa, não seus pais. Será melhor que não a julgue com tanta dureza. Poderia ser a filha de alguém a quem você não quereria ofender. A garota se meteu em confusões e teve um filho. Acontece com muitas mulheres. É sabido que você e a senhora Coleman deram algumas quedas na palha do estábulo de seu pai antes de casar-se.

 

Ross apertou os lábios.

 

Vitória não era assim respondeu, irritado.

 

Mamãe se limitou a rir do que Ross havia dito e de como o havia dito.

 

Toda mulher é assim com o homem adequado. E se sua mulher não o era, teria que havê-lo sido.

 

Não a seguirei escutando...

 

Não vim para falar mal dos mortos - disse Mamãe, e suavizou o tom de forma considerável. Ross tinha o aspecto de um homem desventurado, e ela acreditava saber o motivo. Zeke estava de acordo com ela. Tinham discutido ontem à noite, quando tinham decidido dormir na carreta, com os meninos fora. - Só vim para lhe recordar que essa garota, seja quem for ou o que seja, salvou a vida de seu filho. Esta noite ela tentou lhe recompensar por havê-la acolhido. Queria ter um bom jantar preparado para você. - Não era de tudo certo. Tinha sido idéia de Mamãe, não de Lydia, mas a Mamãe não a preocupava desviar-se da verdade quando era necessário. - E você só soube comportar-se com a mesma altivez e arrogância da ressecada senhora Watkins.

 

Mamãe quadrou os ombros.

 

- Parece-me que não fica outra alternativa que fazer feliz à garota. Do contrário, ela poderia largar-se daqui e deixar que seu filho se arrumasse sozinho. Eu, em seu lugar, desculparia-me pelo comportamento de esta noite, senhor Coleman.

 

Deu meia volta e se afastou.

 

Ross se agachou junto ao fogo e terminou o café do pote. Uma a uma, as chamas das fogueiras dispersas pelo acampamento se foram convertendo em brasas fumegantes. Os ruidosos meninos foram deitar nas carretas ou debaixo delas. Algumas pessoas quiseram falar com Ross, mas ele respondeu em tom vago. Não convidava à conversação e, devido à morte recente de sua esposa, as pessoas respeitavam sua necessidade de meditar a sós.

 

A noite era tranqüila. Tão somente uma leve brisa agitava as folhas dos álamos, olmos, carvalhos e figueiras que rodeavam o claro onde seu guia contratado, Scout (o jovem só respondia a aquele nome) tinha sugerido ao senhor Grayson que acampassem para passar a noite.

 

Havia algo certo no que Mamãe Langston havia dito, e Ross sabia. Mas não queria admiti-lo. Torturava-lhe albergar a alguém que, cada vez que o olhava, recordava-lhe suas origens.

 

Ele tinha fugido de seu corrupto passado durante toda a vida. Vitória tinha conseguido que o esquecesse por um tempo. Agora, aquela garota de cabelo emaranhado, olhos desafiantes e corpo voluptuoso o fazia recordar coisas que ele desejava esquecer com todas suas forças.

 

Mas o que seria de Lee se não fosse por ela? O menino lhe dava um medo terrível, de tão pequeno que era. Ross não sabia nada a respeito de bebês. Só sabia o que era viver sem o amor de uma mãe. Tinha crescido com a idéia de que ser rechaçado era inato à vida. Podia negar ao seu filho os cuidados de uma mulher? De qualquer mulher? E a moça gostava de Lee, Ross sabia.

 

Cuspiu uma palavra que não se permitiu o luxo de pronunciar desde que tinha conhecido a Vitória. Sentou-lhe tão bem dizê-la que a repetiu. Cobriu o fogo com ar ausente, para que pela manhã bastasse um pouco de lenha seca e ventilá-lo para que se acendesse de novo. Quando ficou sem nada que fazer, olhou para o carro. Um abajur do interior ainda estava aceso, mas baixa. Caminhou para a parte posterior, tragou saliva e se secou as palmas suadas sobre as coxas.

 

Lydia cantava em voz baixa para Lee enquanto lhe dava de mamar. Teria sido privado de alimento no útero, porque ainda não se saciava desde que nasceu. Chupava ruidosamente, golpeava o peito da moça com o punho diminuto e, de vez em quando, esperneava de felicidade.

 

Lydia sentia orgulho, misturado com rancor, de poder alimentar ao pequeno, citando, ao que parece, aquela mulher de pele cremosa e cabelo como a barba do milho tinha sido incapaz de lhe satisfazer. Todo mundo tinha acreditado que Vitória Coleman era uma mulher ideal. Cada vez que ouvia o nome daquela mulher, a confiança que Lydia tinha em si mesmo sofria, mas Lee gostava dela. A ela, não a sua mãe natural.

 

Quisera que possuísse a coragem suficiente para esfregar aquele fato pelo rosto farisaico do pai de Lee. Tinha-a chamado algo vergonhoso. Acudiram lágrimas aos seus olhos, mas agora, como quando tinha entrado pela primeira vez na carreta, negou-se a que brotassem. Não ia chorar. Ela não era o que todos eles pensavam. Não o era!

 

Não, tinha podido evitar o acontecido, embora bem sabia Deus que o tinha tentado. Quantas vezes tinha lutado até o esgotamento, e despertava com o corpo machucado e dolorido por causa da luta? Às vezes, ganhava. Muitas vezes não, e...

 

Fechou os olhos. As dolorosas e degradantes lembranças lhe provocaram estremecimentos. Naquelas ocasiões, tinha desejado morrer, mas se houvesse se suicidado, ninguém teria cuidado de mamãe. Por isso não tirou a vida e tinha padecido toda classe de abusos, até que mamãe morreu e ficou em liberdade. Para fugir.

 

Como era possível que algo tão doce e inocente como Lee nascesse de um ato vil e violento? Enquanto acariciava a cabeça do bebê, perguntou-se se o senhor Coleman fez mal a Vitória durante a concepção de Lee. Não o imaginava violento e selvagem como Clancey. Não imaginava fazendo mal a Vitória, a que quase havia adorado, o relato de Anabeth a respeito de sua relação era certo.

 

As lonas abriram e Lydia ouviu a pegada de sua bota quando subiu a carreta. Virou a cabeça com rapidez e seu cabelo saiu disparado em todas direções até que pousou sobre sua cabeça e ombros nus como um manto de lã. 

 

Fosse qual fosse o discurso que Ross pensava recitar-se, ficou entupido em sua garganta.

 

Abriu a boca uma vez inutilmente antes de voltar para a entrada. Lydia estava sentada de costas à abertura da carreta. O vestido que tinha sido a causa de sua irritação estava atado ao redor de sua cintura, e deixava o torso ao descoberto.

 

Ross seguiu com os olhos a coluna de sua espinha até o ponto onde seu corpo se arqueava para formar a cintura.

 

Lydia tinha os olhos totalmente abertos, inquisitivos, os lábios úmidos e entreabertos. Olhava-lhe por cima de um ombro cor damasco e um matagal de cachos vermelhos.

 

- O que está fazendo?

 

As palavras gritaram desde umas cordas vocais que não pareciam dispostas a produzir nenhum outro som.

 

Dando-lhe de comer por última vez antes de lhe deitar - respondeu a moça com aquela voz tênue e suave que lhe tirava a inocência – Por que não tinha nem um ápice de vegonha? Por que não lhe gritava por invadir sua intimidade, por não chamar antes de entrar? Claro que aquilo ainda lhe sentaria pior, era o seu carro, Por Deus!

 

Ela deve ter visto a ira em seus olhos porque virou a cabeça, agachou-a e olhou ao bebê enganchado ao seu seio. Uma quebra de onda de calor percorreu todo o corpo de Ross e sua visão se nublou por um momento. Piscava para limpá-la vista quando lhe olhou de novo.                                          

 

- Queria algo?

 

O homem se removeu inquieto e desejou não ter que agachar-se.

 

Eu... Começou, para dizer que desejava desculpar-se, mas não o conseguiu. Quero falar contigo.

 

Já está. - A frase possuía um tom autoritário.

 

A garota não disse nada, o qual lhe incomodou quase tanto como quando falava com aquela voz suave, que parecia tocar a todos quem a ouvisse. Tinha os olhos cravados nele. Por que não se tampava, em nome de Deus? Embora só pudesse lhe ver as costas, sua imaginação se desbocou. Vitória nunca teria dado de mamar ao seu filho com alguém na frente. Apartou aquele pensamento. Se pensasse em Vitória um só instante, não seria capaz de dizer o que devia.

 

- Obrigado - disse.

 

Olhou para ele durante longo momento antes de responder em voz baixa.

 

- Por que, senhor Coleman? Por não trazer homens a sua carreta e me deitar com eles diante de você e de Lee?

 

- Maldição! A palavra surgiu por entre seus lábios apertados. Intento ser amável contigo.

 

Amável? Considera ser amável dar a entender que eu era uma puta?

 

Isso não se diz.

 

Nem tampouco se pensa.

 

Não deveria utilizar essa linguagem.

 

Nem você tampouco! Por que se sente inclinado de repente a ser amável? Tem medo de que fuja com um homem que me trate melhor e deixe morrer de fome a Lee?

 

Ross não respondeu por dois motivos. Primeiro, estava muito zangado. Segundo, ficou por um momento estupefato ao descobrir um temperamento tão enérgico em um pacote tão pequeno e delicado.

 

Lydia, temerosa de ter ido muito longe e intrigada pelo fato de que não a tivesse agredido, virou a cabeça e levantou o bebê de seu seio. O pequeno arrotou quase imediatamente, sem necessidade de lhe aplaudir as costas. Ela desceu do tamborete, ajoelhou-se, depositou ao menino com delicadeza na caixa e o cobriu com uma manta magra.

 

Ross tragou saliva quando a moça agarrou um pedaço de flanela e cobriu o torso. Depois, subiu o sutiã do vestido, deslizou os braços pelas mangas e inclinou a cabeça sobre os botões. Quando todos estiveram grampeados se levantou e deu a volta.

 

Por que me agradece?

 

Por salvar a vida de meu filho - respondeu Ross, rígido.

                          

 

Lydia olhou aos olhos. Transpirava ira, mas não hipocrisia. Imediatamente, sentiu-se envergonhada de si mesma. O homem não a apreciava, Mas queria ao seu filho. Devia aceitar seu agradecimento.

 

Baixou a vista para o menino.

 

- De certa forma, ele também me salvou a vida - sussurrou. Levantou os olhos para Ross - Graças a Lee, já não quero morrer. Se não tivesse leite, não teria vivido. Tal como eu o vejo, Senhor Coleman estamos em paz.

 

Ross preferia que não mencionasse o leite. Porque assim que ouvia a palavra, seus olhos procuravam a fonte. O vestido ainda estava apertado sobre os globos de seus seios esmagava os mamilos. Era uma visão obscena e provocadora, embora bonita, e lhe custava tanto apartar a vista como deixar de respirar.

Lydia interpretou como repulsão aquela expressão ávida que aparecia em seu rosto.            

 

Sinto-o - disse de todo coração. Sei que o vestido não é decente. Não era minha intenção lhe ofender.

 

Cobriu cada seio com uma mão, como se tentasse escondê-los.

 

Seus dedos se afundaram na carne branda e criaram túneis profundos. Ross imaginou os duros mamilos cobertos no travesseiro de suas palmas. Jesus! Amaldiçoou em silêncio e reprimiu a quebra de onda de vida que crescia em sua virilha. Apartou a vista só para ficar apanhado naqueles olhos brilhantes da jovem.

 

Boa noite - disse, com o desespero de um homem que trata de salvar sua vida.      

 

Lamento que deva dormir debaixo da carreta. É muito incômodo?

 

 

Muito mais cômodo do que seria dormir na carreta, perto dela.

 

- Não - disse. Já estava a metade de caminho da abertura quando seu apressado boa noite chegou aos ouvidos de Lydia.

 

Minutos depois, deitado sobre as costas enquanto contemplava as estrelas, Ross amaldiçoou a tensa constrição que notava na virilha. Se a acusava de ser uma puta, por que a desejava? Como podia lhe trair seu corpo daquela maneira? Tinha amado a sua esposa, e fazia tão somente uma semana que ela tinha morrido.

 

A única justificativa era que desde o dia em que se inteirou da gravidez de Vitória não tinha estado com uma mulher. Ela tinha solicitado, quase se desculpando, que a relevasse de seus deveres conjugais durante a gravidez e Ross tinha concordado imediatamente. A sensibilidade de Vitória era um de seus aspectos que mais lhe tinham cativado além de sua incrível beleza aristocrática. Se tinha sofrido noite detrás noite deitado ao seu lado, sem aproveitar-se da circunstância, era porque ele também era um cavalheiro. Podia ter tomado uma amante, mas Ross gostava muito de Vitória para pensar sequer nessa possibilidade.    

Mas agora, depois de meses de abstinência, seu corpo reagia ante uma flagrante exibição de carne feminina e lasciva calidez. Que homem de carne e osso seria condenado por desejar a uma mulher como aquela? Não era culpa dela. Ele não podia controlar seu corpo.

 

Nem tampouco sua mente, ao que parece. Porque não podia tirar da cabeça a imagem daquela garota. Via-a em todo momento: o cabelo derramado sobre as costas, a graciosa forma em que sua espinha dorsal a dividia em duas metades perfeitas, o suave círculo da cintura aos esbeltos quadris. Afundou as palmas das mãos em seus olhos para apagar a imagem, mas o rosto, o perfume e a voz da moça não desapareceram.

 

O pior era a pontada de inveja que sentia de Lee. Seu filho sabia qual era o sabor dela.

 

À manhã seguinte, Lydia despertou justo antes do amanhecer. Lee seguia dormindo. Vestiu o único que tinha, o vestido de Anabeth, e calçou seus gastos sapatos. Não era fácil sujeitar em um coque sua massa de cabelo, mas o obteve graças a umas forquilhas roubadas de uma caixa de cosméticos e loções que tinha pertencido a Vitória. Não queria tocar nenhuma mais de suas coisas, e de não ter sido necessário, não teria pego aquelas forquilhas. Mamãe e Anabeth tinham empacotado quase todos os pertences da mulher de Coleman. Lydia se alegrou. Não necessitava que as relíquias de Vitória lhe recordassem suas próprias insuficiências.

 

Contemplou o apertado vestido e lançou um suspiro. Seria lógico que vestisse as roupas de Vitória, mas a lógica e o senhor Coleman, no referente a sua esposa, eram irreconciliáveis. Não tinha devotado os vestidos de sua falecida esposa a Lydia. Nem sequer a Mamãe, que nunca calava sua opinião sobre o que fosse, atreveu-se a sugeri-lo. Era como se adivinhasse que a idéia seria mal recebida.

 

Respirou tão fundo como lhe permitia o apertado tecido, apartou as lonas e saiu do carro. O sol estava aparecendo sobre as copas das árvores que perfilavam o horizonte.

 

Ross, inclinado sobre o fogo, que atiçava com cuidado, levantou a vista surpreso.

 

Bom dia – disse em voz baixa Lydia.

 

A aparente surpresa de Ross por vê-la à luz do dia a irritou. Tentava escondê-la na carreta a perpetuidade? A propósito, esqueceu que tão somente umas horas antes tinha tido medo de abandonar seus seguros limites. Sem lhe olhar aos olhos, saltou ao chão.

 

Bom dia.

 

Farei café.

 

Ross lhe reprovou em silêncio sua fria indiferença. Atuava como se fizesse o mesmo cada manhã, como a coisa mais normal do mundo. Passeou a vista pelo acampamento. Em quase todos os carros, havia casais que se dedicavam aos seus afazeres matutinos, falavam em voz baixa de suas coisas antes que começasse a jornada.

 

Seus olhos voltaram para ela, que introduzia colheradas de café no pote esmaltado. Da porta para fora, tudo parecia normal, sim, mas não eram um casal. Sentiu-se tão torpe e inexperiente como Luke Langston, e de maneira irracional a culpou por lhe fazer sentir assim.

 

Acredito que vou barbear-me.

 

Ela se ergueu para lhe olhar. Seu queixo estava escuro por causa da barba que tinha crescido durante a noite. Contemplou o bigode negro e se perguntou como seria o seu tato. Os homens que tinha conhecido levavam barba porque eram muito preguiçosos para barbear-se. Quando a barba começava a lhes irritar, eliminavam-na de qualquer maneira. O bigode de Ross estava bem cuidado, talhado e limpo. Embora fosse espesso, os cabelos pareciam sedosos.

 

Se me disser onde está a farinha, farei pão.

 

Enquanto Ross se barbeava na parte posterior da carreta, Lydia se dedicou a preparar um bom café da manhã com bacon frito e pão. Inclusive fez um molho espesso com a graxa do bacon. Seu café era muito melhor que o que Ross preparava. Ele não quis pensar nisso, mas também era melhor que o de Vitória. Nunca o tinha preparado bastante forte para o seu gosto e desconhecia a diferença, pois ela só bebia chá.

 

Ross não agradeceu nem felicitou a Lydia pelo café da manhã. Com em um tenso silêncio. Ele deixou limpo seu prato, e quando Lydia voltou a enchê-lo sem lhe consultar, não deixou nenhuma miolo.

 

Que dia é hoje? Perguntou Lydia, enquanto limpava e guardava os talheres.

 

Hoje? Quinta-feira.

 

Mamãe diz que a caravana não viaja aos domingos, que é o dia em que quase todo mundo lava as roupas. Acredito que não poderei esperar até então para lavar as fraldas de Lee.

 

Tinham encontrado roupas de bebê e fraldas em um baú da carreta dos Coleman. Vitória sabia que ia dar a luz durante a viagem.

 

Anabeth tinha levado as fraldas sujas a cada noite para lavá-los, mas o cesto onde armazenava os panos úmidos começava a desprender mau aroma. Sua hemorragia tinha cessado durante a noite, mas precisava lavar os panos que Anabeth e Mamãe não levaram. Tinha sido difícil conservar o hábito da limpeza na casa dos Russell, mas mamãe o tinha inculcado bem. Sabia que estava suja quando os Langston a tinham encontrado, e ninguém o lamentava tanto como ela.

 

Esquentaremos água depois de jantar. Se os pendurarmos de noite, secarão.

 

Lydia assentiu. Estava guardando a caixa de utensílios de cozinha no carro, quando ouviram os alaridos de Lee.

 

Bem a tempo - riu a jovem.

 

Apagarei o fogo e disporei os cavalos.

 

Ross se afastou, e se detestou por começar o dia com vontade de reparar no brilho da pele de Lydia sob o sol da manhã.

 

Lydia trocou Lee e se apoiou com satisfação contra as madeira do carro enquanto lhe dava o seio. O acampamento se encontrava em plena atividade. Quase todos os seus componentes tinham tomado o café da manhã. As mulheres estavam guardando os utensílios e açulavam aos seus filhos para que levassem a cabo suas tarefas. Os homens estavam prendendo os cavalos. Assobios agudos vibravam no ar enquanto os colocavam em seu lugar.

 

Os olhos de Lydia se fecharam. Encontrava-se em um mundo seguro e confortável, afastado do exterior, mais amplo e aterrador. Na caravana, era uma desconhecida. Ninguém a relacionaria com os Russell. Ninguém sabia nada sobre o cadáver com o crânio destroçado. Possivelmente não o tinham encontrado ainda. E em caso contrário, ninguém seguiria o seu rastro até ali. Estava a salvo, segura. Podia descansar.

 

Ross falava entre murmúrios a sua parelha de cavalos enquanto os prendia ao carro. Lydia gostou do timbre baixo e profundo de sua voz, em contraste com o agradável tinido dos arnês. O aroma de fumaça de lenha, cavalos e couro impregnava o ar. Não resultava uma combinação desagradável. Dava a impressão de que Lee opinava o mesmo. Chupava avidamente, mas a cadência dos puxões que sentia no peito era adormecedora e contribuía a acentuar a atmosfera de placidez.

 

Seus olhos se abriram, preguiçosos, e se alargaram imediatamente.

 

O senhor Coleman estava de pé junto a parelha, sujeitando os arnês. Não havia nenhum obstáculo que lhe impedisse de vê-la enquanto dava de mamar a Lee. Estava-a observando da sombra que proporcionava o seu chapéu de aba larga. Suas mãos enluvadas se imobilizaram um momento, quando sujeitaram as correias de couro.

 

Assim que ela surpreendeu seu olhar, voltou para a vida e apartou os olhos da jovem com tanta brutalidade como puxou a correia de couro que estava assegurando.

 

Uma vibrante sensação se abriu passo desde a sua feminilidade até os seios, e reteve o fôlego em sua garganta. Jamais tinha experimentado nada semelhante, e a surpreendeu tanto como ver o senhor Coleman olhá-la com tal intensidade. Voltou as costas um pouco até que Lee terminou, e não olhou de novo para a parte posterior da carreta.

 

Acabava de pôr um roupão limpo a Lee, quando se anunciou pela fila que estavam a ponto de partir. Mamãe lhe havia dito que a caravana percorria entre dezoito e vinte e três quilômetros ao dia, mas as chuvas da primavera tinham reduzido sua velocidade de uma forma drástica. Tinham deixado as estradas e prados enlameados, cheios de sulcos e difíceis de transitar. Os rios e seus afluentes estavam crescidos, e era perigoso cruzá-los. Por causa da guerra, as pontes que ainda ficavam encontravam em um estado lamentável e não agüentavam o peso dos carros

 

Aquele dia, Ross conduzia a carreta, e integrou a parelha com perícia na fila. Começaram a um ritmo preguiçoso, mas não demoraram para acelerar até conseguir a velocidade que tentariam manter até que se detiveram para descansar ao meio-dia.

 

Lydia enrolou o colchão de dormir e o apartou a um lado do carro com o fim de deixar mais lugar para mover-se. Ordenou o interior do vagão, inclusive dobrou algumas camisas do senhor Coleman e decidiu quais lavaria aquela noite, junto com as coisas de Lee.

 

Aborreceu-se ao cabo de um momento. Lee dormia silencioso em sua caixa. Tinha efetuado todas as tarefas que lhe tinham ocorrido no interior do carro e temia a perspectiva de outro dia sem ter nada que fazer. A idéia de ar puro e espaços abertos a atraía sobremaneira.

 

Com acanhamento, colocou a cabeça pela abertura dianteira da carreta e tocou o ombro do senhor Coleman. O corpo deste se esticou como se lhe tivessem disparado e voltou a cabeça com brutalidade. A jovem retirou a mão a toda pressa.

 

- O que acontece? Perguntou o homem.

 

Lydia não gostou de seu tom áspero. Pensava que alguma vez se cansava de estar dentro? Poderia se sentasse ao seu lado, onde todo mundo pudesse vê-la, onde sua amada Vitória estava acostumada sentar-se com a sombrinha de renda?

 

- Eu gostaria de ir fora um momento - disse com aspereza.

 

Ross se afastou a um lado sem dizer uma palavra e lhe deixou lugar.

 

Era difícil apoiar os pés com firmeza por causa do balanço da carreta, mas Lydia se aferrou à lona com uma mão, em tanto colocava um pé sobre o assento e saía. Cambaleou um momento. O assento parecia muito longínquo. Não tinha dado conta de quão alto estava o assento da carreta. Reprimiu o medo e pôs o outro pé sobre o assento.

 

Naquele desgraçado momento, a roda dianteira esquerda tropeçou com uma pedra grande e o carro saltou sobre ela com uma repentina sacudida. Lydia perdeu seu precário equilíbrio e gesticulou no ar até que sua mão entrou em contato com o chapéu do senhor Coleman, que caiu sobre o assento da carreta um segundo antes que ela se desabasse sobre a madeira e se sentasse em cima de seu chapéu.

 

O impulso da queda a arrastou para o senhor Coleman. O braço do homem ficou apanhado entre seus volumosos seios, que o percorreram do ombro até os pulsos. Lydia tentou sujeitar-se, e para isso apoiou a mão sobre a coxa dele, mas escorregou e sua mão se afundou entre as pernas de Coleman. Quando por fim se deixou cair, encontrou-se deitada sobre seu colo, com o braço encaixado entre suas coxas e a face apoiada sobre seu quadril.

 

Permaneceu assim um momento, respirando profundamente, enquanto combatia a vertigem e tentava com grande valentia fingir que não tinha ocorrido nada. Por fim, endireitou-te e se afastou uns centímetros.

 

Seguia sentada sobre seu chapéu!

 

Foi no momento que apoiou de novo a mão sobre a coxa do Coleman para levantar-se e recuperar o enrugado chapéu quando o homem começou a resmungar blasfêmias.

 

Sinto-o - se desculpou a jovem sem fôlego, mortificada por sua estupidez. Eu... Nunca tinha estado em um carro tão grande.

 

Os olhos com os que Ross a olhou eram frágeis, brilhantes e furiosos. Sua boca era uma linha magra e severo sob o curvo bigode.

 

- Rogo-te que vá com mais cuidado a próxima vez disse.

 

Lydia reparou em que seus lábios apenas se moviam quando falou, e sua voz soou diferente. Teria-lhe machucado?

 

Devolveu sua forma original ao chapéu com destros movimentos e o estendeu com acanhamento. Era uma pena que cobrisse com seu chapéu aquela cabeça de cabelo escuro, que brilhava com franjas iridescentes à luz do sol, mas quando ele o inclinou sobre a testa, ela pensou que apesar de tudo ficava bem.

 

Levava roupas de trabalho, mas lhe sentavam bem. As calças escuras se ajustavam a suas pernas. Ross sempre utilizava as botas negras, altas até o joelho, que lhe tinha visto a primeira vez. Sua camisa era de um grosso algodão azul, mas o colete de veludo negro que a cobria parecia suave ao tato. Levava um lenço atado ao pescoço.

 

Temerosa de que ele se desse conta de que o estava olhando tão atentamente, Lydia baixou os olhos para as mãos que sujeitavam as rédeas. Borde-os das luvas de pele negra estavam dobrados e deixavam ao descoberto os ossos dos pulsos, salpicados de pêlo escuro. Ross sujeitava as rédeas com aparente negligência, mas com um leve movimento dos pulsos podia dirigir a parelha de cavalos. Pareciam possuir uma tremenda força, mas também eram capazes de ternura. Qual das duas coisas teria utilizado quando tocava a sua esposa?

 

Tal pensamento aturdiu de novo a Lydia, que desterrou suas meditações sobre o homem sentado ao seu lado e se concentrou no entorno. Levavam umas dez carretas diante. Voltou a cabeça para olhar atrás, mas se agarrou ao assento por medo a cair. Não via: ao seu redor o vulto do carro, e não estava disposta a inclinar-se muito pelo lado para vê-lo.

 

- Onde estamos? Perguntou.

 

A campina era exuberante e verde. Cresciam flores silvestres em qualquer parte. A terra que bordeaba o prado pelo que avançavam consistia em colinas suaves e espessos bosques.

 

Ao leste de Memphis.

 

Ross quase se recuperou, mas não de tudo. Tinha amaldiçoado sua suscetibilidade quando a tinha visto antes por acaso com seu filho ao peito. Graças a Deus que não baixou por completo a parte superior do vestido, como ontem à noite. O tinha desabotoado até a cintura e tirado o seio de que Lee mamava. Ross, face à aversão que sentia por ela, ficou surpreso pela expressão aprazível e radiante de seu rosto, pelo sorriso que elevava as comissuras de sua boca. Era a classe de expressão que um homem desejava ver no rosto de uma mulher.

 

Removeu-se inquieto no assento da carreta. Por que demônios tinha pensado nisso? Jamais uma mulher lhe tinha dispensado aquela espécie de sorriso sublime. Em sua juventude, indômita e indisciplinada, só tinha conhecido as prostitutas. Falando em termos gerais, elas eram mulheres de negócios, desejosas de que se desse pressa e terminasse o antes possível para receber ao seguinte cliente.

 

E depois, tinha aparecido Vitória. Nunca tinha esperado aquele tipo de paixão nela. As damas de sua classe nunca desfrutavam... com aquilo.... e se teria ficado estupefato se tivesse sido ao contrário. Vitória tinha sido atenta e paciente com ele, inclusive afetuosa. Nunca se tinha negado a fazer amor com ele, mas ela tampouco tinha tomado a iniciativa.

 

Ross nunca amaria a outra mulher. Não lhe cabia a menor duvida. Mesmo assim, seria bonito receber um sorriso acompanhado de uma expressão parecida com a que tinha visto na Lydia... Meu Deus! Tinha pensado nela como Lydia.

 

Por que merda teve que cair sobre ele daquela forma? Ainda sentia a mão dela deslizando-se por sua virilha. O braço ainda formigava a causa do contato com seus seios.

 

Pigarreou ruidosamente, como se ao fazê-lo pudesse afastar seus pensamentos.

 

- Talvez cruzemos o rio depois de amanhã.

 

O rio Mississipi?

 

A garota era estúpida?

 

Pois claro que o Mississipi - replicou.

 

- Bom, tampouco faz falta que seja.

 

Lydia se sentiu furiosa. Era como se a tivessem esbofeteado para pôr em evidência sua ignorância. Tinha ouvido falar do rio Mississipi, mas não tinha nem idéia de onde estava. Tinha passado só dois anos na escola primária, antes que mamãe e ela se mudassem a casa dos Russell. Não se devia a uma eleição voluntária que fosse inculta.

 

Se não puser um chapéu, pegara uma insolação - murmurou Ross ao ver a ponta de seu nariz, que já estava adquirindo um tom rosado.

 

Não tenho chapéu - respondeu a jovem, e lhe olhou daquela forma fria e altiva que sabia adotar.

 

Ross açoitou o lombo dos cavalos com as rédeas, para descarregar sua ira sobre eles. Não tinha nem idéia por que a moça lhe irritava tanto. Talvez estivesse relacionado com seus desconfortos físicas.

 

Durante toda a manhã não deixaram de passar cavaleiros junto ao seu carro. A maioria eram homens. Ross a apresentava a contra gosto.

 

- Chama-se Lydia. Está cuidando de Lee.

 

Os homens tiravam o chapéu com educação e se apresentavam. Ela sustentava o seu olhar com acanhamento, mas embora a examinassem com curiosidade, não descobria o desprezo que esperava.

 

O único que a pôs nervosa foi Scout. Olhou-a com atenção. Sorriu Ross com ironia.

 

Encantado de conhecê-la, Lydia disse.

 

Scout exibia umas costeletas largas e frisadas, da cor de manteiga, e um grande bigode quase branco. A Lydia não merecia nenhuma confiança aquele homem, e decidiu estar sempre o mais afastada possível dele. Por sorte, Scout se encontrava ausente da caravana a maioria do tempo. Todos pareciam agradados com o trabalho que levava a cabo. Tinha desenhado uma rota para que pudessem utilizar estradas sempre que fosse possível, e terras planas públicas em outras ocasiões. Tinha prometido que, se tudo fosse bem, acampariam perto de rios cada noite. Até o momento, Scout tinha completado sua promessa.

 

Bubba e Luke chegaram atropeladamente quando o sol quase tinha alcançado o cénit.

 

Esta noite, jantaremos frango - anunciou satisfeito Luke. Tinham encontrado dois frangos esquálidos no bosque. Sustentavam-nos por seus pescoços retorcidos.

 

Mamãe há dito que os fritará, e que venham a compartilhá-los conosco.

 

Lydia estava olhando Ross quando este sorriu ao ver a euforia do moço. Seu sorriso paralisou o seu coração e, ao vê-la, sentiu uma estranha agitação no peito. Não era que lhe subisse o leite, porque tinha experimentado o mesmo um momento antes. Tratava-se de uma inquietação estranha, como se algo tivesse removido suas vísceras e tudo tentasse encontrar de novo seu lugar correto. Os dentes de Ross se viam de um branco deslumbrante, entre seu bigode escuro e o rosto bronzeada.

 

Acredito que poderia aceitar o convite, se conduzisse o carro depois do descanso do meio-dia e me deixar desafogar um pouco a uma das éguas.

 

Eu adoraria ir cavalgar contigo Ross- gritou Bubba, nervoso.

 

Seus olhos azuis quase tinham saído das órbitas quando viu Lydia sentada no assento da carreta ao lado de Ross, no lugar habitual de Vitória. Mas foi o sutiã do vestido o que mais atraiu sua atenção. Sabia que sua mãe lhe esfolaria vivo se lhe pilhava espionando a garota, e tampouco estava seguro do que faria Ross. Tirou o chapéu gritando para liberar um pouco da energia que percorria o seu corpo.

 

Ross meneou a cabeça.

 

Não ficaria ninguém para conduzir a carreta.

 

Eu poderia fazê-lo - disse Luke.

 

Tinha ciúmes de que o senhor Coleman tivesse pedido ao seu irmão para cuidar dos cavalos. Mamãe havia dito que, por ser o mais velho, era justo que Bubba oferecesse primeiro o trabalho. De todos os modos, Luke não queria que lhe deixassem de lado, como se não tivesse mais importância na família que Samuel, Micah ou uma das meninas.

 

Ross refletiu sobre a sugestão, enquanto os dois moços aguardavam com expectativa sua resposta, quase sem atrever-se a respirar.

 

Parece-me bem. Poderia vigiar - disse a Luke - E exercitaríamos a dois cavalos em vez de um.

 

Bem! Exclamou Luke, e fez dar meia volta a seus arreios e se dirigiu à carreta dos Langston para comunicar a estupenda notícia.

 

Só se Mamãe te der permissão - gritou Ross.

 

Ao meio-dia se detiveram um momento. Lydia entrou no carro para dar o seio a Lee, que tinha despertado uns minutos antes. O pequeno estava em sua caixa, bastante irritado. Ross tinha sugerido a Lydia que não tentasse entrar na carreta até que parassem.

 

Luke lhe trouxe um chapéu de palha de aba larga quando retornou para substituir Ross.

 

O senhor Coleman disse a Mamãe que o sol te estava queimando o nariz. Trago-te um chapéu de Bubba, é velho, mas te protegerá do sol.

 

Lydia o agarrou e o contemplou sem fôlego, enquanto lhe dava voltas entre as mãos. Não sabia se estava mais comovida pela generosidade dos Langston ou pela preocupação do senhor Coleman.

 

Não o viu durante o resto do dia, só divisava um ponto que se movia com o passar do horizonte, e sabia que eram Bubba e ele que cavalgavam nos lombos das éguas para exercitá-las.

 

Sentiu-se cansada sob o sol da tarde, e Luke a convenceu para que se refugiasse na parte posterior da carreta. Desabotoou o apertado vestido, desenrolou o colchão e se deitou, com Lee ao seu lado. Quando despertou, Luke tinha detido o carro para formar um círculo com outros.

 

Deu o seio a Lee, colocou a caixa na parte posterior, à sombra, e se dedicou a acender o fogo e preparar o jantar. Ainda teve tempo de se pentear e lavar os braços, o rosto e o pescoço com água fria, antes que Ross voltasse, coberto de pó e suado.

 

Jogou uma olhada à panela de feijões que fumegava sobre o fogo.

 

- Acreditava que íamos jantar com os Langston.

 

O recebimento soou mal-humorado e crítico, mas não pôde evitá-lo. O aspecto doméstico da cena que se desenvolvia ante seus olhos (o jantar ao fogo, Lee adormecido e a moça, que tinha tomado a moléstia de limpar-se para ele) irritaram-lhe de uma forma irracional.

 

E assim é, mas tive em água estes feijões todo o dia e me pareceu uma vergonha não os cozer. Já disse a Mamãe que os levaríamos para colaborar no jantar.

 

Ross não gostou de sua utilização do plural, como se fossem um casal.

 

- Você pode levar os feijões. Eu vou ajudar Zeke a ferrar um cavalo depois de jantar.

 

- Muito bem, senhor Coleman replicou a jovem. Estava esquentando água para que se lavasse, mas acredito que a utilizarei para lavar as roupas de Lee.

 

Passou como um raio por seu lado, e apartou a saia como se não quisesse que se sujasse com suas botas poeirentas.

 

Ross esteve a ponto de agarrá-la pelo cabelo e lhe dizer que, por mais que cuidasse de seu filho, aquilo não tinha nada que ver com ele, mas Lydia já tinha subido à carreta antes que as palavras se formaram em sua boca. Além disso, não estava seguro do que faria, se chegava a lhe pôr a mão no cabelo.

 

Deu meia volta encolerizado, sem querer pensar em quão agradável seria lavar-se com água quente. Blasfemou repetidas vezes enquanto se dirigia à parte posterior do carro, onde gozava de certa intimidade, e tirou a camisa.

 

Lydia, com a roupa suja ao seu lado, tirou a panela do fogo antes que a água se esquentasse muito. Depois, esfregou cada objeto com uma pastilha de sabão e as introduziu na água. Quando todas estiveram dentro, removeu-as com um pau.

 

Seus ombros se elevaram e desceram em um suspiro de irritação. Ross havia tornado a comportar-se de uma forma odiosa, mas seria absurdo negar-se a lavar sua camisa. Exalou outro suspiro profundo e se encaminhou ao outro lado do carro.

 

Ross estava em calças e botas. Seus braços e peito estavam cobertos de sabão. Durante uns breves momentos, antes que a visse, Lydia contemplou suas mãos enquanto se deslizavam sobre a carne ensaboada de seus amplos ombros e axilas. Seu peito estava povoado de pêlo escuro e encaracolado, que se enredava ao redor de seus dedos enquanto se lavava. Os músculos de seus braços se destacavam ao menor movimento, ao igual a suas costelas. Seu estômago era liso, sem um grama de gordura.

 

Quando Ross reparou em que a jovem lhe estava observando, ficou imóvel. Borbulhas de sabão gotejaram de seus dedos, sem vida repentinamente. Olharam-se durante um longo momento, paralisados pela mútua espionagem.

 

Lavarei-lhe a camisa - disse por fim Lydia.

 

Em lugar de discutir e prolongar sua contemplação, Ross agarrou a camisa e a deu.

 

Lydia evitou seu olhar, apoderou-se do objeto e desapareceu pelo outro lado da carreta. Ross se enxaguou e afundou a cabeça na água. Só se deu conta de que lhe faltava uma muda quando terminou de secar-se. Encaminhou-se à parte posterior, subiu à carreta e quase tropeçou com Lee, que dormia em sua caixa. Blasfemou quando golpeou a cabeça com uma das madeiras, e seu nervosismo aumentou quando não pôde localizar sua roupa.

 

Colocou a cabeça pelas lonas abertas.

 

Ei! Disse, com a esperança de chamar a atenção de Lydia, que estava espremendo a água da roupa molhada.

 

A moça deu a volta, ao tempo que jogava para trás uma mecha de cabelo com uma mão molhada.

 

Não encontro minha roupa - anunciou o homem.

 

Ah! Estendi esta manhã. Irei lhe buscar uma camisa.

 

Ross passeou, nervoso, o olhar pelo acampamento, e rogou a Deus que ninguém a visse subir ao carro enquanto ele estava sem camisa. Maldição! A senhora Watkins lhes estava olhando do outro lado do prado, com a boca esticada para cima como uma maçã podre e o aspecto de um caçador de bruxas. Sua filha Priscilla se erguia detrás dela, com uma expressão perspicaz e lambida em seu rosto petulante. Ross já tinha visto aquela expressão em anteriores ocasiões. Punha-lhe muito nervoso.

 

Lydia, sem dar-se conta de que lhes estavam observando, passou por diante dele e lhe roçou. Seu brusco movimento agitou o pêlo do peito e o estômago de Ross. Este desapareceu no interior da carreta. Deus! Esta garota era uma desavergonhada. Acaso não sabia comportar-se?

 

Guardei-a por aqui - disse Lydia, enquanto rebuscava entre os objetos que tinha ordenado. Ross reparou de repente em que o interior da carreta já não lhe trazia lembranças dolorosas de Vitória. Todo o rastro de sua desordem tinha desaparecido. As coisas estavam dispostas com o fim de deixar o maior espaço livre possível.

 

Lydia lhe estendeu uma camisa limpa que tinha dobrado com o maior cuidado possível. Reprimiu uma exclamação quando viu a cicatriz que Ross tinha em cima de seu mamilo esquerdo e que tinha rasgado parte do músculo. Tentou ocultar que a tinha visto.

 

Obrigado - disse Ross, rapidamente, com a esperança de que a jovem saísse do carro e todos a vissem fora, no lugar de que ela seguisse dentro com ele.

 

Teria que ter adivinhado que pedia muito.

 

Ensinaria-me a conduzir a carreta, senhor Coleman? - Perguntou Lydia, lhe olhando aos olhos. Embora Ross estivesse agachado, chegava-lhe à altura do esterno.

 

- Conduzir a carreta? Repetiu, aturdido. Perguntou-se se devia vestir a camisa ou esperar a que ela partisse. Melhor vestir em seguida. A forma em que os olhos da jovem escorregavam com curiosidade sobre seu peito estava conseguindo que suasse, em que pese a que acabava de lavar-se. - Acredito que não respondeu, enquanto colocava os braços pelas mangas. Estava-lhe olhando o mamilo ou a cicatriz?

 

- Por quê?

 

- Porque é muito provável que a parelha te jogue do assento. Não é... o bastante... corpulenta.

 

Seus dedos se moviam como se jamais tivessem fechado uma camisa.

 

- Sua esposa... Vitória conduzia a parelha?

 

Quando Ross chegou ao último botão, descobriu que os tinha abotoado todos errados. Amaldiçoou baixo e os desabotoou todos, antes de voltar a começar.

 

- Sim.

 

- Era corpulenta?

 

Não, maldição, não o era! Gritou. Olhou para trás, nervoso. Baixou a voz até um vaio. Não, não era corpulenta.

 

- E você lhe ensinou.

 

- Sim.

 

- Então, por que não pode me ensinar a mim?

 

- Porque não é teu assunto conduzir minha parelha.

 

- Por quê?

 

Sem dar-se conta, Ross desabotoou as calças para embutir as abas da camisa. Os homens que Lydia tinha visto utilizavam suspensórios para sujeitar suas calças. Também seu pai os usava, conforme recordava vagamente. Lydia cravou seus olhos nas mãos de Ross, enquanto este abotoava os botões e prendia a fivela de seu amplo cinturão de couro.

 

- Porque tem que cuidar de Lee.

 

A moça deslizou os olhos ao longo de seu torso, sem saber quão provocador resultava o movimento de suas pestanas.

 

- Mas se dormir quase sempre. Gostei de ir no assento. Poderia lhe ser útil, em lugar de estar sentada aqui. Desta forma, você poderia montar seus cavalos quando quisesse. Não digo que vá conduzir todo o momento. Se Lee ficar nervoso, não poderia, mas saberia fazê-lo.

 

- Pensarei-o - respondeu Ross, sobre tudo para concluir a conversação e sair ao ar livre, onde poderia respirar com mais normalidade. - Não é fácil, sabe?

 

Ross saiu como um raio da carreta e deixou à moça com um sorriso de satisfação nos lábios.

 

O ruído e o estado habitual de confusão que reinavam na carreta dos Langston serviram para dissimular a tensão que existia entre Ross e Lydia. Os dois frangos foram honrados com ferozes apetites que não deixaram nem um osso sem roer.

 

O único que não desfrutou do jantar foi Bubba. Depois de comer só meio prato, desapareceu na escuridão, em teoria para jogar uma olhada aos cavalos. Poucos minutos depois, Luke lhe encontrou apoiado contra uma árvore, dedicado a desprender um ramo de sua casca.

 

O que acontece, Bubba? Tem dor de barriga?

 

- Vá embora - suspirou Bubba. A intimidade de uma família tão numerosa era pouco freqüente e muito valiosa.

 

- Sei o que te passa anunciou Luke. Não pudeste comer porque estiveste olhando todo o momento as tetas de Lydia.

 

Bubba ficou em pé de um salto, adotando a postura de alguém disposto a combater corpo a corpo.

 

Fecha o bico, repugnante filho de puta! Gritou.

 

Luke se limitou a rir e afastar-se de seu irmão, dando saltos, em tanto boxeava com sua própria sombra para lhe provocar.

 

Não pode evitar as olhar, verdade? Qualquer pensaria que ficou satisfeito depois de olhar Priscilla Watkins todo o momento. Deixa-as muito grandes. Vi a forma em que as joga para fora cada vez que passas a cavalo junto ao seu carro, quer dizer, sempre que pode. Está louco por ela, verdade?

 

Bubba avançou para seu irmão e conseguiu lhe alcançar na mandíbula com o punho. Luke caiu ao chão, mas não estava disposto a render-se. Agarrou a Bubba pelo tornozelo, atirou dele e se produziu uma batalha campal. Ross os descobriu derrubando-se no chão uns momentos depois.

 

- O que passa aqui? Gritou.

 

Agarrou pela gola da camisa ao de cima, que naquele momento era Luke, e o pôs em pé. Bubba se levantou o momento. A respiração de ambos era agitada por causa do cansaço, e sangravam pelo nariz, a boca e diversos arranhões.

 

- É o único que sabem fazer? Perguntou Ross.

 

Conhecia as conseqüências das brigas. Primeiro, os punhos, e depois, as pistolas. Um círculo vicioso, a ver quem podia mais. Se alguém lhe tivesse domado quando era mais jovem, talvez as coisas teriam sido de outra maneira, mas ele à idade de Bubba já tinha desenvolvido um assombroso domínio da pistola.

 

- Pensava que foste ajudar-me com a ferradura desse cavalo, Bubba.

 

Bubba acariciou o lábio, cada vez mais inchado.

 

- Claro, Ross.

 

Luke - gritou Ross - vá procurar um pouco de água na minha carreta. Coloque uma corda para Lydia pendurar a roupa. Não parou a pensar na facilidade com que tinha surgido o nome de seus lábios. Mas antes, lhe dê a mão ao seu irmão.

 

Os moços obedeceram a contra gosto. Os dois temiam o momento de explicar a sua mãe o motivo de ter torcido e ensangüentado o rosto. Seria muito difícil.

Lydia o estava passando muito bem. Ignorava que as pessoas pudessem ser tão cordiais. Os «vizinhos» se aproximavam para conhecê-la. Alguns demonstravam uma franca curiosidade, outros eram cautelosos, e em todo momento ela foi consciente de que não a teriam aceito tão bem a não ser pelos Langston. Como Mamãe lhe tinha concedido sua aprovação, todo mundo se sentia obrigado nesse sentido. Era um fato não verbalizado que Mamãe governava quase tudo que ocorria na isolada comunidade. Quase tanto como o senhor Grayson. Seus instintos maternais se impunham a todos os membros da caravana. Mamãe adorava e repreendia a todos, velhos e jovens, como se fossem filhos deles.

 

Lydia tentou recordar os nomes e emparelhar aos meninos com seus pais. Conheceu os Sim e a suas duas meninas, muito tímidas, aos Rigsby, que tinham dois meninos e uma menina de curta idade. Também conheceu a mulher dos gêmeos. Ainda não contavam um ano de idade. As pessoas começavam a dar passos vacilantes, sempre em direção à fogueira do acampamento. Familiarizou-se com outros sobrenomes. Cox, Norwood, Appleton, Greer, Lawson. Todos admiraram Lee Coleman, que esteve adormecido todo o momento.

 

A senhora Greer lhe ofereceu alguns objetos de seu filho.

 

- Já não cabem. É uma pena jogar fora.

 

Lydia nunca tinha conhecido tanta generosidade, para ela a vida tinha sido sempre um contínuo esforço por sobreviver. As pessoas que ela tinha conhecido protegiam zelosamente todos os seus pertences.

 

- Antes que Lydia retornasse ao carro do senhor Coleman, Mamãe lhe deu uma camisa de Luke e uma saia velha de Anabeth.

 

Não são tão bonitos como o vestido, e bem sabe Deus que não têm nada de elegantes, mas suspeito que com eles postos ninguém poderá escandalizar-se ao ver-te.

 

Lydia conduziu Lee ao seu acampamento e ficou surpreendida ao ver que Luke estendia uma corda entre dois carvalhos próximos. O menino a viu e desviou a cabeça.

 

- O senhor Coleman me há dito que a pusesse para que pudesse pendurar a roupa.

 

-Obrigado, Luke - disse a jovem em voz baixa. Não fez nenhum comentário sobre seu rosto torcido e arroxeado, pois intuiu que Luke se sentia turbado por seu aspecto.

 

Lydia subiu à carreta depois de ter pendurado toda a roupa na corda. A escuridão e o silêncio tinham caído sobre o acampamento. Lydia deu de mamar a Lee e o acomodou em seu berço improvisado. Depois, vestiu a camisola que Mamãe lhe tinha presenteado. Doía-lhe a cabeça de agüentar o peso do cabelo todo o dia. Sacudiu-o e começou a escová-lo A escova também era um presente de Mamãe.

 

Não queria deitar-se até que Ross voltasse para a carreta. Sua presença no exterior fazia com que se sentisse segura, embora ignorasse o motivo. Durante semanas, antes que entrasse no bosque para dar a luz, tinha adormecido ao raso, às vezes em um estábulo, mas então, o medo tinha sido seu guardião. Tinha-a protegido do cansaço ou a despreocupação. Mas se tinha descuidado, e ele a tinha alcançado.

 

Nunca mais - sussurrou na escuridão. Ele está morto.

 

Justo quando seus olhos se estavam fechando, ouviu Ross fora. Seguiu com facilidade seus movimentos, enquanto apagava o fogo e estendia as mantas.

 

Caminhou de joelhos para o extremo da carreta e abriu as lonas. Ross estava sentado sobre as mantas enquanto tirava as botas.

 

Boa noite, senhor Coleman.

 

O homem levantou a cabeça com rapidez. A cabeça de Lydia se via emoldurada na abertura do carro e a luz da lua arrancava brilhos brancos da camisola. O cabelo, que rodeava sua cabeça, era um caos de cachos e ondas. Teve a impressão de que sua voz surgia das trevas para lhe acariciar as faces.

 

Boa noite - grunhiu, e se deixou cair em sua incômoda cama.

 

«Ainda mal-humorado», pensou decepcionada a moça, enquanto se acomodava sobre o colchão coberto com lençóis suaves. Estava ansiosa por cruzar o Mississipi. Amanhã, talvez o veriam. Então, sentiria-se em melhor disposição de ânimo.

 

Açularam sem clemência as parelhas durante os dois dias seguintes, com a esperança de chegar ao Mississipi. Significava um marco para todos. Uma vez o cruzassem e deixassem Tennessee a suas costas, convenceriam-se de que foram por bom caminho.

 

Ross permitiu que Bubba Langston conduzisse seu carro. Em nenhum momento entregou as rédeas a Lydia, mas lhe ensinou às sujeitar e as mover. Recitou as instruções com severidade, sem olhá-la. Embora a camisa de Luke e a saia velha deixassem muito que desejar no referente à elegância, Ross experimentou um enorme alívio ao ver que já não usava o vestido.

 

A jovem parecia decidida a não deixar-se intimidar por seu mau humor e a travar conversação com ele. Era evidente que a garota não sabia de nada, e Ross voltou a perguntar-se se era uma deficiente mental. Entretanto, desprezou aquela possibilidade. Uma vez que lhe dizia algo, nunca o esquecia, e intuiu ansiedade por aprender detrás de seus olhos inquisidores.

 

- Combateu na guerra?

 

Ross assentiu.

 

- Por Dixie.

 

- Então, queria que os negros continuassem sendo escravos?

 

Ele a olhou com incredulidade.

 

- Não. Não quero que ninguém seja escravo.

 

- Pois, por que lutou pelo Sul?

 

- Porque era o lugar onde eu vivia - replicou o homem, com impaciência crescente. Dava a impressão de que a moça adivinhava por instinto seus pontos débeis e os atacava com dolorosa precisão.

 

O patriotismo tinha tido muito pouco que ver com o bando eleito por Ross. A guerra lhe tinha proporcionado, como jovem temerário que era, uma boa desculpa para saquear e matar sem conseqüências. Ardia em desejos de encetar-se em uma briga, e o tinha conseguido. Quando um grupo de guerrilheiros lhe tinha recrutado, a nobreza não tinha tido capacidade naquela coalizão.

 

Lydia não queria que a considerasse uma ignorante total.

 

- Um dia, vi uma coluna de soldados que passava na nossa granja. Todos iam vestidos iguais. As pessoas levavam uma bandeira.

 

- Ianques. Para o final da guerra, nós já não tínhamos nem uniformize nem bandeiras.

 

Ross só tinha tido um uniforme, e o tinha obtido de um soldado morto em P Ridge. Tampouco tinha cavalgado em uma coluna de soldados, mas sim tinham atacado acampamentos despreparados pela noite, como fantasmas que surgiam repentinamente da escuridão e desapareciam imediatamente em seguida, deixando atrás deles a morte e a destruição. Não lhe importava morrer, porque para ele tudo era um jogo de azar. Era perfeito para essa classe de vida militar.

 

- Nunca vi mais soldados, mas lembro ter ouvido às vezes canhões e fuzis.

 

Onde ficava sua granja?

 

Lydia não queria estender-se em suas confidências, mas tampouco sabia onde estava a casa dos Russell.

 

Ao nordeste de Tennessee.

 

- Chegaram a saqueá-la-as tropas de algum bando?

 

 

A jovem lançou uma amarga gargalhada.

 

- Não. Não havia nada que valesse a pena roubar.

 

Ross tinha cavalgado com homens que teriam entregue comida em troca da moça, mas a guerra tinha terminado seis anos antes. Naquela época ela devia ser só uma menina.

 

- Quantos anos tem? Perguntou, surpreso de si mesmo.

 

- Farei vinte este ano. E você?

 

Muito mais velho - disse Ross, carrancudo. De um ponto de vista cronológico tinha trinta e dois anos. Preferia pensar que sua vida tinha começado quando John Sachs lhe encontrou.

 

Winston Hill chegou junto a sua carreta no lombo de um cavalo branco.

 

- Bom dia aos dois, senhorita Lydia, senhor Coleman.

 

- Olá, senhor Hill.

 

- Hill.

 

Hão-me dito que com sorte chegaremos ao Memphis ao anoitecer.

 

Simples rumores - replicou com brutalidade Ross.

 

A Lydia não gostou que Ross se comportasse com tanta grosseria. Não queria discutir com ele de novo por causa do Winston Hill, mas tampouco desejava imitar seus maus modos.

 

Acredita que nos custará muito cruzar, senhor Hill? Perguntou, e ao fazê-lo inclinou a cabeça para poder lhe ver por debaixo do chapéu.

 

Isso dependerá da corrente. Interrompeu-se para tossir em seu lenço. Quando tivermos cruzado, Moisés e eu teremos o prazer de lhes convidar aos dois a celebrá-lo conosco com uma taça de xerez.

 

Lydia se perguntou o que era o xerez. Se sabia tão bem como soava, gostaria. Estava a ponto de aceitar o convite, quando Ross interveio.

 

Não, obrigado. Lydia está ocupada quase todas as noites com Lee, e eu cuido de meus cavalos.

 

Os olhos do senhor Hill oscilaram entre os dois.

 

Bem, talvez outra noite, quando tiverem terminado todas suas tarefas - respondeu com elegância. Saudou com o chapéu a Lydia e se afastou.

 

A próxima vez que alguém convide a algo, responderei por mim mesma, obrigada, disse Lydia, assim que o homem não pôde ouvi-la.

 

- Enquanto durma em meu carro e coma o que eu trago, não - grunhiu Ross pelo bordo da boca. Não quero que flerte abertamente com ele ou com quem quer que seja enquanto cuide de Lee.

 

- Não estava flertando! Exclamou a jovem. Comportei-me com educação, um aspecto de sua personalidade que poderia melhorar.

 

- A educação não tem nada que ver com isto. Eu não gosto desse homem.

 

O senhor Hill só diz coisas amáveis sobre você e Vitória, entretanto, cada vez que vem, você fica à defensiva como um touro. O que lhe tem feito esse homem?

 

Ross afundou os ombros e calou. Winston Hill representava tudo que Ross aspirava ser. Winston era a classe de homem com quem Vitória teria que haver-se casado. Ross recordava a noite que Vitória e Hill se conheceram. Tinham mútuos conhecidos sobre os que fofocar, e tinham estado falando em uma linguagem culta que ele logo que pôde seguir. Havia-se sentido como um caipira junto a eles.

 

Embora não tivesse posto nome ao sentimento que Hill lhe suscitava, tinha tido ciúmes dele desde a primeira vez que o tinha visto. Hill passeava sua herança aristocrática como um escudo estendido, para que todo mundo a visse. Ross pensava que sua herança fosse evidente, embora ele se esforçasse em ocultá-la.

 

Por que tosse sempre? Perguntou Lydia. Fez caso omisso da tensão que agarrotava a mandíbula de Ross.

 

- É tuberculoso.

 

- Você... o que?

 

Tem tuberculose. Febre pulmonar. Pegou-a em um campo de prisioneiros ianque. Quando Hill retornou por fim a sua casa, na Carolina do Norte, acredito que em Raleigh, sua plantação tinha desaparecido. Só ficou o velho Moisés. Até a casa tinha sido destruída. Hill se transladou à cidade, mas a China era prejudicial para os seus pulmões. Agora vai em busca de um clima mais seco e quente.

 

Winston tinha parado a conversar na carreta de diante. Lydia estudou ao jovem, cujos olhos, embora bondosos, eram muito vícios em comparação com o resto de sua pessoa.

 

- Dá-me pena.

 

Aquelas palavras pareceram irritar muitíssimo ao senhor Coleman. Não voltou a lhe dirigir a palavra até o descanso do meio-dia.

 

A primeira impressão de Memphis que teve Lydia foi através de um véu de névoa, enquanto estava sentada na carreta. Olhou por cima do ombro do senhor Coleman em tanto que ele introduzia o seu veículo no círculo formado pelo resto de carretas, para passar a noite. Lydia nunca tinha visto uma cidade tão grande. Ainda desde aquela distância, era uma visão impressionante. Teria podido estar contemplando-a durante longo momento, mas havia trabalho que fazer, e depressa.

 

Acenderemos um fogo assim que encontre um pouco de madeira seca - disse Ross, em tanto esquadrinhava as nuvens carregadas de umidade que empurrava o frio vento.

 

Ross conseguiu acender por fim uma pequena fogueira com a lenha úmida que tinha recolhido. Lydia fritou um pouco mais de carne e preparou duas fornadas de pão.

 

Pode ser que este seja nosso último fogo de verdade durante dias disse.

 

A chuva se intensificou.

 

Todos os membros da caravana estavam abatidos. Podiam ver como corria o Mississipi desde seu acampamento, situado sobre uns penhascos. Tinham temido e desejado o momento de cruzar o rio, mas agora o Mississipi aparecia ante eles amedrontador e detestável. Ia crescido por causa das recentes chuvas torrenciais. Apenas se podia ver a borda de Arkansas por culpa da chuva que o velava. Os que tinham vivido em ou perto do feroz Tennessee durante toda sua vida ficaram sem fala ao ver a largura do Mississipi.

 

Em que pese a suas aterradoras proporções, agora que haviam chegado até ele e o viam estavam dispostos a cruzá-lo. Mas dava a impressão de que deveriam esperar dias, talvez semanas, para fazê-lo.

 

A primeira hora da manhã, um grupo irá com o Grayson ao transbordador - explicou Ross a Lydia, enquanto guardavam tudo o que podiam na carreta.

 

- O que acredita que ocorrerá?

 

Ross amaldiçoou.

 

Acredito terá que esperar a que a chuva termine. As pessoas que vivem nesse rio são muito supersticiosas a respeito. Não acredito que os transbordadores se atrevam a cruzá-lo até o próximo dia de sol.

 

Lydia intuiu seu estado de ânimo e tratou de não provocar seu aborrecimento.

 

Quando Ross entrou em procurar uma manta a mais, falou-lhe com suavidade do outro extremo do carro.

 

- É necessário que durma fora, senhor Coleman?

 

O homem a olhou sem dissimular seu estupor. Lydia estava dando de mamar a Lee, mas desde aquela manhã que a tinha visto em plena tarefa, a jovem tinha começado a tampar seu ombro, seu seio e a cabeça de Lee com uma manta de flanela. Ross se alegrava de que desse alguma amostra de decência, mas sua mente não esqueceria que a tinha visto apoiar a cabeça de seu filho naquele montículo de carne cremosa.

 

- O que pensaria as pessoas se ficássemos aqui juntos? Perguntou, mal-humorado.

 

- Provavelmente, pensaria que teve o sentido comum de proteger-se da chuva - replicou Lydia.

 

O tempo não contribuía a amansar seu gênio, nem tampouco sua teimosia. Pensava que tentava lhe atrair ao interior do carro? Deitar-se com um homem era quão último desejava fazer.

 

Bom, não posso dormir aqui com.. com... contigo. Voltou-se para a abertura. Até manhã.

 

Deitou sob o carro e se envolveu nas mantas. Estava molhado e gelado, mas quase constituía um alívio em comparação com a sensação febril que lhe tinha torturado durante dias.

 

Ross apareceu triste e sujo quando voltou para a carreta por volta do meio-dia. Uma cortina de água estava caindo. O senhor Norwood, o senhor Sims, o senhor Grayson e ele tinham cavalgado até a borda do rio e falado com o homem que dirigia o serviço de transbordadores. Tal como Ross havia predito, não tinha a menor intenção de cruzar o rio com aquela chuva e aquele vento. Carregar vinte carretas com parelhas, mulheres e meninos através da rápida corrente estava descartado.

 

Disse que deveríamos esperar a que a chuva amainasse - continuou Ross. Fez uma careta enquanto bebia o café que Lydia lhe tinha guardado.

 

- Tem fome?

 

O homem encolheu os ombros. A barba incipiente obscurecia o seu rosto, pois aquela manhã não se barbeou.

 

Suponho que deveria comer algo.

 

Lydia lhe passou um guardanapo de linho dobrado, dentro da qual encontrou um sanduíche de bacon.

 

Mamãe enviará depois aos seus dois filhos à cidade, a ver se podem comprar um pouco de carne enlatada. Te ocorre algo que Lee necessite? - Perguntou Ross.

 

Lydia meneou a cabeça, e pensou em uma dúzia de coisas que ela necessitava. Como uma camisa, por exemplo. Se tivesse uma, poderia forrá-la com um tecido suave para que, quando seus seios gotejassem, não tivesse que ocultar do senhor Coleman ou de qualquer que pudesse ver os dois círculos úmidos na parte dianteira de seu vestido.

 

- As senhoras da caravana lhe emprestaram coisas. Não necessitará nada mais até que cresça um pouco.

 

Ross teria gostado de muito ir à cidade, mas não se atrevia a correr o risco. Inclusive baixar a falar com o homem do transbordador tinha sido uma imprudência. Manteve escondido o seu rosto a babudo. Tinham transcorrido três anos, mas ainda assim...

 

As horas da tarde se alargavam de uma forma interminável. Lee dormia, em que pese a que Lydia lhe cantava, fazia cócegas o estômago e fazia o possível por lhe manter acordado. Estava aborrecida, sentada ali só na carreta sem meninos mais velhos ou um marido com quem falar. As demais mulheres utilizavam o dia para descansar, remendar ou especular com suas famílias a respeito de seu novo lar em Telhas, ou mais ao oeste. Ross tinha partido a cuidar os cavalos, e tinha deixado Lydia sozinha.

 

Luke e Bubba a chamaram da parte posterior do carro justo antes que obscurecesse. Lydia engatinhou até a abertura para levantar a lona e apareceu, então estalou em gargalhadas ao vê-los. As asas de seus chapéus de feltro se inclinavam para baixo devido aos riachos de água que caíam sobre quão impermeáveis levavam, mas suas caras empapadas pela chuva se viam tão animadas como sempre. Supôs que os dois teriam desfrutado em uma cidade como Memphis, e não deixariam de lhe relatar anedotas durante os dias vindouros.

 

Gastamos todo o dinheiro que Ross nos deu. Pêssegos, peras, quiabo com tomates e cebolas, e uma salsicha defumada - disse Bubba, enquanto extraía os artigos da mochila atada a sua cadeira e os entregava.

 

Nos enche a boca água de só cheirar essa salsicha - disse Luke.

 

Compraste-lhes uma?

 

Bubba lançou ao Luke um olhar assassino.

 

Não.

 

Lydia se sentiu afligida por ter extraído ao moço aquela confissão. Os Langston não podiam permitir-se o luxo de comprar uma salsicha. Sua mãe e ela tinham ajudado a matar porcos, e trabalhavam todo o dia por uma libra de bacon e uma salsicha. Ela não conhecia a coragem do dinheiro nem sabia o que custava uma salsicha ou qualquer outro artigo.

 

Bem, merecem-lhes uma recompensa por me trazer..., por trazer-lhe ao senhor Coleman.

 

Rebuscou na caixa de utensílios de cozinha, tirou uma faca de açougueiro, sujeitou a salsicha entre seu corpo e o braço, e cortou uma parte para cada um.

 

- Peguem. Desfrutem.

 

Luke se apoderou de sua rodela imediatamente e a introduziu em sua boca sem a menor vergonha. Bubba agarrou sua parte quase a contra gosto.

 

- Muito obrigado, senhorita Lydia.

 

O moço experimentou um grande alívio ao ver que Lydia já não levava aquele vestido ajustado, embora enchesse a parte dianteira da camisa velha do Luke com muita graça.

 

Os mistérios do corpo feminino lhe fascinavam e dominavam ultimamente seus pensamentos. Tinha estado pensando em Priscilla Watkins durante todo o dia. Tinha-a visto parada sob a chuva no dia anterior de noite. O vestido molhado se apertava ao seu corpo de forma que deixava adivinhar sua silueta. Quando Priscilla viu Bubba, voltou-se para ele, inconsciente de que o tecido se esmagava contra os seus seios e seus impudicos mamilos. Bubba tinha passado uma noite de cães, torturado pela pergunta do que se sentiria ao tocar um seio de mulher.

 

Agora a visão da calidez e a ternura de Lydia provocou violentas e vergonhosas reações em seu corpo.

 

- Será melhor que voltemos para nosso carro, ou Mamãe enviará uma partida em nossa busca.

 

Lydia sorriu.

 

- Sim, será melhor.

 

Os dois moços se afastaram na crescente escuridão.

 

Ross e ela compartilharam a comida, quando ele voltou para a carreta. Chegou tão empapado como os moços. Racionaram a comida para que durasse vários dias. Inclusive consumida fria com alguns pães restantes, eram deliciosas para Lydia. Antes que os Langston a encontrassem, nunca tinha gozado de uma comida tão saborosa, comida que outros consideravam do mais normal.

 

Lydia temia o momento em que Ross iria para fora a passar a noite, embora não tanto como o próprio Ross. A terra estava empapada e não gostaria de passar outra noite lutando por manter-se seco. A carreta era confortável com a suave luz do abajur, o aroma a recém-nascido de Lee e... Lydia. Sua presença feminina dotava ao carro de um ambiente caseiro.

 

Para alargar mais seu tempo de permanência dentro da carreta, Ross ficou a reparar uma brida que poderia ter resistido vários dias mais sem necessidade de seus cuidados. Demorou um tempo inusitado em realizar aquela singela tarefa, mas procurou em todo momento que as duas sombras jogadas sobre a lona pela luz do interior estivessem bem separadas, se por acaso alguém os estava espiando. Quando já não ficaram desculpas para atrasar-se mais, Ross agarrou suas mantas molhadas e se encaminhou à parte posterior da carreta.

 

- Não esqueça apagar o abajur.

 

Não a olhou ao dizê-lo, pois a moça estava sentada na esquina dianteira do carro, com Lee deitado sobre seu seio. O menino tinha terminado de mamar uns minutos antes, mas ela não tinha querido lhe deitar ainda. Gostava de sentir aquele peso precioso contra o seu corpo, os rápidos batimentos de seu coração contra si.

 

- Boa noite, senhor Coleman.

 

Viu-lhe desaparecer e sentiu uma pontada de culpabilidade. Ele poderia havê-la mandado a passar a noite sob a chuva e ocupado ele a carreta com todo o direito do mundo. Ela já tinha sugerido em uma ocasião que, por puro sentido comum, ficasse dentro, e Ross quase lhe tinha arrancado a cabeça por isso. Lydia podia ser tão teimosa como ele. Não lhe voltaria a dizer nada a respeito.

 

Não estava adormecida muito momento, quando seu colchão estremeceu por causa de um trovão. Trovejava a última vez que

Clancey se tinha deslizado no palheiro onde ela dormia e sujeito sua garganta com aquela mão imunda para impedir que falasse e se movesse. O suor cobriu a testa e o lábio superior de Lydia. Tinha estado sonhando com as mãos depredadoras de Clancey sobre seu corpo, com a dor, com a doentia culminação de sua resistência inútil.

 

Um trovão ressonou de novo, acompanhado de um vento glacial. A chuva repicou sobre a lona que cobria a carreta. Soava como mil diminutos tambores batentes. Lydia se estremeceu aterrorizada pela tormenta e inquieta ainda pelo pesadelo. Olhou a Lee. Dormia profundamente. Pensou no senhor Coleman, exposto à chuva, e sem pensá-lo duas vezes começou a engatinhar para o extremo do carro.

 

Mais ou menos quando Lydia despertava de seu sonho, Ross decidiu que era um imbecil por ceder o calor e a comodidade de seu carro a uma rameira que qualquer dia largaria. Estava impregnado até os ossos, percorriam-lhe calafrios cada vez que uma rajada de vento e chuva lhe alcançava debaixo da carreta. Que a garota fosse a merda, e também a senhora Watkins e toda a gente da caravana. Ia entrar. Saiu de debaixo do carro, e quando media em busca das cortinas de lona, Lydia as apartou.

 

Surpreendidos, os dois permaneceram petrificados um momento, indiferentes à chuva que empapava a Ross. Foi necessário um espantoso raio, que desenhou uma cicatriz trincada azul no chão, para lhes devolver à realidade.

 

Lydia lhe agarrou a mão e o puxou para dentro. Ross esteve a ponto de cair de joelhos, tremendo como um possesso, enquanto um grande atoleiro de água se formava ao seu redor.

 

Lydia se ajoelhou ao seu lado e começou a lhe desabotoar os botões da camisa, sem lhe importar o fato de que se estava molhando o bordo de sua camisola.

 

- Vai pegar um resfriado de morte - disse entre dentes, e puxou a empapada camisa. Tire essas calças.

 

Ross tinha o corpo e a mente muito intumescidos para protestar, e obedeceu como um autômato. Lydia jogou a camisa para os degraus de fora. Era impossível que se molhasse mais. Acendeu o abajur, mas só o suficiente para que arrojasse um débil resplendor. Olhou para trás e viu que Ross estava lutando com a fivela do cinturão.

 

Dê-me toda sua roupa. Deixarei-a fora.

 

Sem voltar-se, ouviu que Ross se despia. Suas calças deviam pesar cinco quilogramas com a água que continham, mas conseguiu agarrá-las com uma mão curvada para trás e lançá-los fora, junto com um par de meias três-quartos e cueca.

 

Quando se voltou, Ross se tinha envolto em uma manta.

 

Está tremendo. Segue molhado? Rebuscou no cesto onde guardava as toalhas e se aproximou dele com duas. Seque o cabelo.

 

Ross cobriu a cabeça com a manta e esfregou vigorosamente. Lydia apoiou a outra toalha sobre seu peito e ficou a deslizar as mãos sobre ela. Os movimentos de Ross se interromperam um segundo, mas logo se reataram, em tanto a moça esfregava os seus ombros, peito e estômago.

 

Surpreendeu-lhe a dureza de seu corpo. A pele bronzeada se esticava sobre tendões, músculos e ossos. Observou cortes, multidão de pequenas cicatrizes, e a que havia justo debaixo de seu ombro esquerdo, similar a um punhado de carne que tivesse sido arrancada por um punho gigantesco. Perguntou-se quanto teria sofrido Ross, e ardeu em desejos de tocar a cicatriz de poder lhe aliviar como fosse.

 

Também lhe intrigou o bosque de pêlo encaracolado que cobria o seu peito. Parecia uma nuvem escura, úmida e encrespada, E quanto mais baixavam suas mãos pelo torso, mais sedoso e fino era o seu pêlo, que se estreitava para o seu umbigo.

 

Ross conteve o fôlego quando a jovem tocou seu umbigo, e apertou os dentes quando sentiu suas mãos subir pelas costelas. Pendurou a toalha ao redor de seu pescoço e agarrou os pulsos da moça com seus dois punhos. Puxou ela para cima e adiante. Só tentava deter suas mãos. Não tinha contado agarrando-a despreparada por completo, com que não pesasse mais que um colibri, nem bastasse com aquele rápido puxão para que aterrissasse sobre seu colo, com os seios esmagados contra o seu peito e joelhos... Santo Deus! Notaria-o? Nu e ereto.

 

Olharam-se surpreendidos durante outro momento, suas respirações entrelaçadas os batimentos do coração tão violentos como os trovões que estalavam fora.

 

Malditos olhos. Ross escrutinou sua profundidade. O brilho como jóias lhe aturdiu e foi incapaz das contar. E por que tinha sua boca um aspecto tão suculento, como uma fruta única e linda da que os deuses extraíram néctar? A ponta de sua língua agonizava por penetrá-la e saboreá-la... uma e outra vez. Carecia de ossos? Todo seu corpo era tão suave e maleável, sem ângulos afiados que se sobressaíssem?

 

Desejou beijá-la, deformar a perfeição daquela boca com seus lábios. Ansiava fundir aquela incrível e bem-vinda calidez com seu inchado desejo. Morreria se não acessava à furiosa e maníaca exigência de seu corpo.

 

Mas se arrependeria toda a vida se emprestava ouvidos aquele grito. Desprezou da sua mente aquele desejo.

 

Pouco a pouco, afrouxou sua presa e a apartou. Lydia retrocedeu a toda pressa quando se sentiu livre. As faíscas que despediam as esquinas de seus olhos verdes a assustavam.

 

Sente-se melhor? - Sussurrou, quando se sentou de joelhos a uma prudente distancia.

 

Tudo dependia do ponto de vista de cada um.

 

- Um pouco.

 

Seus dentes já não batiam.

 

- Estou me aquecendo.

 

De fato, estava muito quente. Tão quente que ignorava por que não chamuscava o pêlo de seu corpo.

 

- Quisera que tivéssemos algo quente para beber.

 

Também gostaria. Possivelmente possa acender um fogo à hora do café da manhã.

 

Não acreditava possível, mas assim pôde dizer algo, algo em que os dois estiveram de acordo. Agora que a crise tinha passado, tinham que fazer-se à idéia de compartilhar o carro.

 

- Será melhor que ponha um pouco de roupa.

 

OH.

 

A jovem levou uma mão a sua garganta e pôde notar a agitação do sangue em suas veias. Não sabia por que seu coração estava acelerado, nem por que sua respiração era irregular, mas cada vez que olhava a teia de pêlos que desaparecia nas sombras da manta atada ao redor dos quadris daquele homem, todo seu corpo ficava a tremer.

 

- É obvio.

 

Deu-lhe as costas e fingiu alisar os lençóis do colchão.

 

Feito - disse Ross ao cabo de um minuto.

 

Estava sentado no chão, embutido em umas calças, a ponto de vestir as meias três-quartos. Não tinha posto outra camisa. Enquanto Lydia lhe olhava, sentiu que todo seu corpo se estremecia.

 

Senhor Coleman - disse, e se separou do colchão, meta-se aqui dentro antes que agarre uma pneumonia.

 

- Não. Envolverei-me aqui.

 

- Não. Já esquentei um lugar. - Isso temia Ross. - Ao fim e ao cabo, é sua cama.

 

Bom, ao menos ela se lembrava desse detalhe.

 

- Não, vê a...

 

- Não seja teimoso, por favor.

 

- Não sou teimoso.

 

- Sim, é-o. Se eu não tivesse ocupado sua cama, você não teria estado fora. Não me faça sentir mais culpado ainda. Viu que ele apertava os lábios, e ensaiou outra tática. Se ficar doente, sua chegada a Telhas poderia atrasar-se.

 

- Não me porei doente.

 

- Poderia morrer. O que seria de Lee?

 

- Não morrerei.

 

- Como sabe?

 

- De acordo, pelo amor de Deus! Estalou Ross. Dobrou-se pela cintura, avançou para o colchão, desabou-se sobre ele com mais cuidado do que desejava admitir e puxou as mantas quentes sobre seu corpo trêmulo.

 

- Feito. Satisfeita?

 

- Sim sorriu Lydia.

 

Secou o chão do carro com as toalhas úmidas, e depois as jogou fora, com a outra roupa. Era seguro que, depois de seguir molhando-se toda a noite, essas roupas demorariam um montão de tempo em secar-se, mas não podiam as deixar no carro. Apagou o abajur, engatinhou para a esquina oposta de onde se achava Ross, ali se envolveu em uma manta e se recostou contra um lado do carro.

 

       Maldição! Ross sabia o que devia fazer, mas como? Como podia convidar a aquela garota, que haveria deitado com Deus sabia quantos homens, que representava tudo o que ele odiava e tinha tentado deixar atrás durante toda sua vida, a compartilhar aquelas mantas com ele? Como podia lhe pedir que se deitasse ao seu lado, onde Vitória, refinada e formal inclusive na cama, embelezada com suas castas camisolas debruadas de laços de cetim e renda, tinha adormecido?

 

Claro que não seria o mesmo. Ele não desejava à garota. «Mais que nada no mundo», mofaram-se seus baixos instintos. De acordo, estava louco de desejo por ela. Era um desejo físico. Mas ele era um homem, não um animal. O amor de Vitória lhe tinha liberado de tudo o que mais odiava dele mesmo. Não podia controlar seu corpo, mas sim suas reações.

 

- Senhorita.... , Lydia - disse na escuridão.

 

- Sim?

 

Sua voz estava estrangulada de medo. O que ia fazer o senhor Coleman? Era sobre tudo de noite quando os homens faziam coisas às mulheres. Recordava os soluços de sua mãe, quando jazia com Otis Russell em sua cama. Recordava como Clancey tinha profanado seu colchão.

 

Não pode ficar aí sentada toda a noite. Se quiser, pode te deitar no outro lado do colchão.

 

- Estou bem.

 

- Não seja ridícula. Apoiou-se sobre os cotovelos para falar com a silhueta encolhida na escuridão. Faltam muitas horas para o amanhecer. Faz frio e umidade. Não pode ficar sentada aí toda a noite, ou estará doente pela manhã.

 

- Minha constituição é forte. Estarei bem.

 

Quão último necessitavam seus nervos a flor de pele era a estupidez da moça e uma nova discussão com ela. Tinha perdido em todas as que tinham mantido ultimamente. Seu mau gênio se desatou.

 

- Hei dito que venha aqui, maldição!

 

Estendeu a mão, fechou-a ao redor do braço de Lydia e a arrastou para si.

 

Os olhos de Lydia se alagaram de lágrimas. Ela tinha acreditado que o senhor Coleman não lhe faria quão mesmo Clancey, mas pelo visto se equivocou. Era um homem. Lutou até compreender que estava gesticulando no ar. O senhor Coleman tinha atirado as mantas sobre ela e estava deitado com o rosto voltado para o outro lado. Nem sequer a havia tocado.

 

Lydia jazeu acordada durante longos minutos e deixou que seu corpo se tranqüilizasse pouco a pouco. Quando a respiração do senhor Coleman adquiriu um ritmo regular, permitiu-se acreditar que não ia lhe fazer dano, e se encolheu dentro das mantas.

 

Seguia chovendo com força, embora os trovões se afastassem e já não cintilassem raios. Embora não se tocassem, o calor que emanava do corpo de Ross era agradável. Dormiu.

 

Quando Ross despertou, demorou um minuto em orientar-se. O primeiro que viram seus olhos foram as madeira laterais do carro. Através da abertura que separava o lado do carro da coberta de lona, viu que havia luz, mas ainda seguia chovendo com intensidade. Estava seco, quente e descansado, e se sentia muito bem...

 

Deu-se a volta imediatamente. Lydia jazia ao seu lado. Estava acordada, afastada dele e sustentava a Lee no oco do braço. A camisola estava desabotoada e aberta. Lee chupava avidamente de seu seio.

 

Ross inclinou um pouco a cabeça.

 

Lamento haver despertado. Dormia como um menino.

 

Não me despertou. Estou acostumado a me levantar cedo.

 

Ross tentou apartar os olhos dela, de seu filho satisfeito, de seu seio, mas não pôde. Não pensou que estavam deitados na mesma cama, meio vestidos. Não pensou em Vitória. Não pensou em nada, exceto em quão bonita era aquela moça quando sorria daquela maneira sonolenta.

 

É absurdo levantar-se cedo hoje - disse a jovem em voz baixa. Chove igual a ontem à noite.

 

Isso parece.

 

Perguntou-se como tinha podido pensar que seu cabelo carecia de atrativo. Apoderou-se dele a compulsão de tocar sua frisada confusão, e só conseguiu resistir graças a um esforço de vontade. Levantou-se sobre um cotovelo para ver melhor ao seu filho.

 

Está engordando - observou.

 

Lydia riu, uma gargalhada suave e gutural que arrepiou todas as zonas erógenas de Ross.

 

Não sente falta de nada. Quão único faz é comer e dormir.

 

Contemplaram um momento a Lee, que mamava feliz, inconscientes de que era algo tão importante como um vínculo de união entre dois estranhos. Tinha fome, e uma pérola de leite escapou de seus lábios, deslizou-se sobre sua face e se posou sobre o seio de Lydia.

 

Ross, sem pensá-lo, pois se havê-lo feito haveria se sentido horrorizado, estendeu sem dar-se conta o braço por diante de Lydia, levantou a gota de leite com o dedo, o levou a boca e o lambeu com a língua.

 

Quando, muito tarde, compreendeu o que tinha feito, ficou imóvel, paralisado por seu ato reflito. Lydia voltou a cabeça para lhe olhar com incredulidade. Baixou os olhos para o seu bigode, para sua boca, para o dedo que continuava apoiado sobre seus lábios, um criminoso culpado apanhado com as mãos na massa.

 

Não queria fazê-lo.

 

A voz de Ross era como uma serra ao entrar em contato com a madeira. Lydia continuou lhe olhando em silêncio, como se tentasse imaginar algo que superasse sua capacidade de raciocínio. Ross ignorava por que não elevava as mantas e se ia. Só sabia que era incapaz de apartar seus olhos ou seu corpo dela.

 

Por fim, Lydia se virou para o bebê.

 

Já tornou a dormir - murmurou, como se não tivesse ocorrido nada estremecedor.

 

Ross tombou de novo sobre o colchão e tampou os olhos com um braço. Seguiu escutando atentamente cada um dos movimentos de Lydia, quando elevou Lee de seu seio e o agasalhou na segurança da camisola. Voltou a fechá-lo. Colocou o menino ao seu lado. Dormiu de novo.

 

E Ross seguiu sem compreender o que tinha feito. E seguiu sem poder mover-se. E seguiu notando seu sabor.

 

O sonho se apoderou dele, ainda com aquele sabor em sua língua. De maneira inconsciente, baixou o braço e procurou calor sob as mantas, enquanto ficava de lado. Sem dar-se conta, sua face apanhou vários fios de cabelo vermelho que, a sua vez, enredaram-se em seu bigode. Seu corpo, por puro instinto, curvou-se ao redor da fonte mais próxima de calor, uma versão da espécie humana mais arredondada, suave e pequena que ele. Seu subconsciente a considerou agradável.

 

Os três continuaram dormindo.             

 

Assim os encontrou o senhor Grayson uma hora mais tarde.

 

Ross Coleman possuía o veloz instinto de uma serpente de cascavel. Durante seus anos de guerrilheiro e fugitivo tinha desenvolvido um sexto sentido sobre a presença dos intrusos. Aquela manhã, falhou-lhe por completo. Ainda continuava adormecido quando o chefe da caravana pigarreou estrondosamente.

 

Ross abriu os olhos e viu Hal Grayson de pé dentro do carro. Tinha a vista cravada no chão e, nervoso, dava voltas ao chapéu que tinha entre seus dedos.

 

A reação de Ross foi instantânea. Saltou do colchão, aplaudiu a coxa direita, em busca de algo que não estava, e se balançou sobre as pontas dos pés, em posição de ataque.

 

Os olhos e a boca do Grayson se abriram estupefatos. Nunca tinha visto um homem que se movesse com tamanha rapidez. Levantou ambas as mãos em sinal de rendição.

 

Eu... sinto muito. Hei... chamado... gaguejou.

 

Lydia engatinhou para um lado do carro e arrastou com ela a um desconcertado e raivoso Lee. Seus olhos refletiam incompreensão, e o cabelo caía desordenadamente ao redor de sua cabeça.

 

- Suas obrigações incluem entrar no carro de alguém sem ser convidado? Perguntou Ross ao pasmado Grayson.

 

- Não...

 

- Só quando tem que expulsar aos ocupantes.

 

A voz lambida pertencia a Leoa Watkins, cujos olhos acusadores se encontravam ao nível do chão da carreta, pois não tinha subido. Entrou no carro e contemplou Ross e a Lydia com virtuosa indignação.

 

Ross conseguiu com um grande esforço que seus músculos se relaxassem e seu coração se acalmasse.

 

Expulsar? Do que está falando? Perguntou ao Grayson, que evitou os olhos de Ross.

 

- Sinto muito, Ross, mas a senhora Watkins formou um comitê, cujos componentes votaram que você e a garota devem abandonar a caravana, posto que hão... hummm..., pensam... coabitar.

 

- Coabitar! Rugiu Ross. Compartilhamos o carro esta noite porque diluviana.

 

Compreendo... começou Grayson, mas Leoa lhe interrompeu.

 

Compartilharam uma cama! Gritou, e estendeu para eles um dedo ossudo. Voltou-se para o extremo do carro e falou com empapado grupo congregado no exterior. Eu lhes vi. Jaziam juntos na mesma cama. Ele nem sequer está vestido por completo. Acredito que Deus me cegará por ter sido testemunha de semelhante pecado.

 

Lydia já tinha agüentado o bastante. Viu dúzias de olhos curiosos que a olhavam pela abertura do carro. Saltou do colchão e apertou ao histérico Lee contra o seu peito.

 

Não viu nada, exceto a duas pessoas que dormiam na mesma cama! Gritou, quase sem fôlego.

 

Ao ver Lydia embelezada só com a camisola, com o cabelo desordenado, que caía de uma forma muito sedutora sobre seus ombros, Leoa Watkins ficou rígida como a corda de um violino. Lydia não se deu conta.

 

Achei errado utilizar a cama do senhor Coleman. Disse-lhe que dormisse no colchão, porque tinha frio e tremia. Isso é tudo. Estava deitada ao seu lado porque não tinha outro lugar onde dormir.

 

Sei muito bem o que vi - vaiou a mulher, e seu esquelético pescoço se estirou como o de uma galinha irada. Surgiu saliva de seus estreitos e beatos lábios.

 

Que demônios sabe você de como dorme uma mulher com um homem?

 

Mamãe projetou seu corpanzil no interior do carro, seguida de Zeke. O homem pôs as calças sobre os calções de lã, que tinha abertos. Eram de um vermelho esvaído. Com o cabelo que sobressaía em ângulos caprichosos de sua cabeça, compunha uma visão cômica. Leoa ficou ainda mais rígida quando lhe viu.

 

Só tem uma filha, o qual quer dizer que teve sorte a única vez que esteve com seu marido.

 

O rosto de Leoa se esvaziou de toda cor, e imediatamente em seguida se alagou de um profundo rubor. Seus lábios se moveram sem que surgisse nenhuma palavra.

 

Não penso escutar mais obscenidades - disse por fim, e se voltou para o Grayson. O que vai fazer você, como líder eleito, com esta perniciosa influência para os meninos da caravana?

 

Grayson suspirou, cansado, e sacudiu a cabeça. Sua própria esposa, embora tolerante, mostrou-se desgostada, quando despontou a alvorada, Watkins tinha ido a sua carreta para anunciar que o senhor Coleman e «aquela desgraçada rameira» estavam dormindo juntos no carro. Ao princípio, Grayson não acreditou. Tinha visto Ross sofrer durante o parto de Vitória. Tinha visto o desespero gravado no rosto daquele homem quando sepultaram a caixa de pinheiro sem adornos. Ross se tinha encolerizado quando Mamãe lhe levou a garota para que desse de mamar ao seu filho. Grayson não acreditava que Ross estivesse disposto a fornicar com nenhuma mulher, sobre tudo com aquela garota, pela que sentia um manifesto desprezo.

 

De todos os modos, Ross era um homem. Um homem jovem. Com mais tempero e, suspeitava Grayson, uma natureza mais sensual que a maioria. E a garota não tinha mau aspecto, agora que a tinham limpo e vestido. Olhou a Lydia e baixou os olhos, turbado. Que homem, na situação de Ross Coleman, não teria feito o mesmo? Ele teria experimentado fortes tentações de fazê-lo, como mínimo A moça, para o seu bem ou para o seu mau, era da matéria de que parecem as fantasias perversas. Olhou com valentia a Coleman e se encolheu ao perceber o ódio plasmado em todos os planos rígidos de seu rosto. Os olhos verdes de Ross flamejavam.

 

Sinto muito, Ross disse Grayson, e abriu as mãos em um gesto implorante. Se por mim fosse, daria-me igual, mas terá que pensar nos meninos e...

 

Elevou os braços em um gesto de impotência quando sua voz desfaleceu.

 

Esqueça - replicou Ross. Não quero ficar onde não me querem. Bem, se lhes largarem todos...

 

Esperem um maldito momento - interveio Mamãe - Até aqui chegamos. Voltou-se para o Ross. - Nesta caravana lhe querem. Quem sabe mais que você de cuidar cavalos? Voltou-se para Grayson. Quem, tem melhor pontaria? Quem traz sempre carne fresca? Vai expulsar a um homem por refugiar-se da chuva? Por isso lhe respeito, lhe teria considerado um imbecil se não o tivesse feito.

 

A verdade, senhor Grayson... interrompeu Leoa Watkins.

 

Cale-se, mulher - bufou Zeke. Era a primeira vez que lhe ouviam repreender a alguém. A surpresa, mais que outra coisa, deixou sem fala a senhora Watkins.

 

Bem, no referente a que estes dois jovens tenham feito algo vergonhoso, utilize o sentido comum que Deus lhe deu. Ela teve um bebê não faz nem duas semanas. Acredita que está o suficientemente restabelecida para fazer o amor com alguém?

 

A cara de Lydia se inflamou quando todos os olhos especulativos se voltaram para ela. Olhou a Ross, que se mantinha tão imperturbável e rígido como um índio, como indiferente ao que ocorria. Voltou-se para Leoa e reuniu quanta frieza pôde conter em seus olhos. A mulher foi primeira em apartar a vista, mas ainda não se rendeu.

 

Às que são como ela lhes dá igual! Exclamou.

 

A dor é igual para todas as mulheres - disse Mamãe. Cruzou os braços sobre seu gigantesco busto e respirou fundo. - Só há uma resposta prática a este problema. O senhor Coleman e Lydia poderiam casar-se.

 

Produziu-se uma instantânea gritaria.

 

E uma merda - vociferou Ross.

 

Não quero me casar com ninguém - exclamou Lydia.

 

Mamãe, esta vez acertou - disse Grayson.

 

Zeke riu agradado.

 

Senhor, Senhor cantarolou a senhora Watkins. Sua Santa esposa ainda não está fria em sua tumba.

 

Em realidade, a senhora Watkins tinha desprezado a Vitória Coleman por sua graça e sua beleza, mas agora estava disposta a defender a causa da falecida esposa injuriada.

 

Senhor Grayson, você crê que se casassem poderiam ficar resolvidos todos estes problemas?

 

Hal Grayson amaldiçoou o dia em que tinha aceito o cargo de chefe da caravana. Não sabia grande coisa de nada, exceto de cultivos. Sua opinião sobre a melhor época para plantar era valiosa, mas o que sabia ele sobre quem devia casar-se com quem?

 

Suponho que sim.

 

E para você, mesquinha e rancorosa intrometida? Perguntou Mamãe a Leoa Watkins.

 

A mulher cuspiu, irada. Dava a impressão de que sua pele ia se abrir de um momento a outro para que a raiva contida em suas vísceras se derramasse.

 

Acredito que seria uma desgraça. Impossível saber o que todos veríamos e ouviríamos neste carro.

 

Se estiver você tão interessada em ver e ouvir o que outros fazem em sua cama, por que não tenta fazer algo na sua?

 

_OH - Leoa cobriu o peito como se Mamãe a tivesse esbofeteado. Depois de lançar um olhar feroz a Grayson, com a que expressava sua decepção, saiu do carro. A Langston sugeriu que os dois se casem anunciou a outros. Eu lavo as mãos de todo este assunto e acredito que nós, os cristãos temerosos de Deus, deveríamos rezar para receber amparo contra os perigos que nos acossam.

 

Desculpa-nos, senhor Grayson? Disse Mamãe, sem fazer caso do confuso falatório que tinha estalado fora. Quero falar com a Lydia e Ross. Você também, Zeke. Vá à carreta e procura que aqueles pequenos não a destrocem. Ficam impossíveis quando estão encerrados muito momento.

 

Zeke e Grayson saíram da carreta. O pequeno Lee tinha estado chorando durante todo o incidente. Lydia se deixou cair sobre um tamborete, deu as costas Ross e Mamãe, e começou a lhe dar o seio.

 

Ross falou, feito uma fúria.

 

Disse-te que não queria dormir nessa maldita cama, mas não, tinha que me obrigar. Olhe o que aconteceu agora.

 

Lydia lhe lançou um olhar assassino por cima do ombro.

 

Eu! Falavam em voz baixa, e pontuavam sua ira com olhadas afiadas e modulações de voz. - Sim, quão único queria é que você dormisse em sua cama. Estava gelado, molhado e cansado, mas quem foi o que me obrigou a dormir também na cama? Responda-me. Quem esteve a ponto de me tirar os dentes a sacudidas e me atirou sobre o colchão?

 

Voltou-se para o menino e cantarolou em voz baixa.

 

Ross descarregou o punho sobre a palma da outra mão.

 

Do primeiro momento que te vi não paraste que me causar problemas.

 

OH, e você foi tão agradável, com seu mau gênio, seus olhares carrancudos e suas palavras insultantes. Um autêntico prazer, senhor Coleman.

 

Teria que haver despertado esta manhã quando deu de mamar a Lee. Teria me levantado e não teria passado nada.

 

A jovem lhe olhou estupefata.

 

Você despertou! Não foi culpa minha que se acomodasse de novo junto a mim e voltasse a dormir.

 

Eu não fiz tal coisa - resmungou entre dentes.

 

Não? Bom quase me matou de susto quando despertou. Saltou como uma pantera escaldada quando ouviu o senhor Grayson. Estava deitado tão perto que quase nos arrastou a Lee e a mim ao levantar-se. De fato, quase me arrancou o cabelo da cabeça...

 

Bem, se quer saber minha opinião, não lhe viria mal ao seu cabelo um bom estirão, com uma escova e um pente. Se não o levasse tão enredado, tão desgrenhado...

 

A gargalhada de Mamãe lhes interrompeu. Lydia e ele a olharam, perplexos, enquanto ela secava as lágrimas de seus olhos.

 

Já estão discutindo como se estivessem casados.

 

Ross começou a abotoar os botões da camisa. Durante uma das arengas da senhora Watkins a tinha posto, mas tinha esquecido de abotoá-la.

 

Na verdade, Mamãe, e a toda sua família. Foram muito amáveis comigo, e foram amáveis com Vitória antes que morrera, mas esta vez vou pedir lhe que não se meta em meus assuntos.

 

De acordo - foi a surpreendente resposta, mas antes vou dizer minha opinião e não irei deste carro até então.

 

Plantou os dois pés calçados com botas ante a abertura e Ross pensou que não poderia movê-la dali nem com dinamite Tampouco poderia regar muito longe aquele dia com o barro e a chuva, de modo que seria inútil ficar em ação cedo. Deixou-se cair sobre o outro tamborete e apoiou a cabeça nas mãos.

 

Quando Lydia lhe olhou, ficou surpreendida por sua postura. Era a mesma de quando lhe tinha visto pela primeira vez, como se carregasse o peso do mundo sobre os ombros.

 

Agora, me escute - disse Mamãe. Vai deixar que essa velha bruxa de Leoa lhe expulse da caravana?

 

Não - replicou Ross. - Essa mulher não tem nada que ver com minha decisão. Teria que me haver partido da caravana quando Vitória morreu. Posso chegar a Texas sozinho, e é provável que vá mais rápido.

 

Com Lee?

 

Arrumarei-me isso.

 

E de passagem matará ao menino, provavelmente. A menos que pense levar Lydia. E nesse caso, mais vale que fique na caravana, para gozar do amparo do grupo.

 

Ficar na caravana significa me casar com ela. Não posso fazê-lo.

 

Por quê?

 

Por quê? Ficou em pé e começou a passear, embora tivesse que encurvar-se para fazê-lo. Porque ela é lixo, por isso.

 

Estou farta de lhe ouvir dizer isso, Ross Coleman exclamou Lydia, enquanto dava meia volta e se afastava do berço onde acabava de depositar Lee, que se tinha ficado adormecido. Ficou diante de Ross com os braços em jarras. Você não sabe nada de mim.

 

Isso é verdade. Nem sequer seu nome completo.

 

E não quero dizer-lhe, mas eu não sou lixo - replicou a jovem, com a ferocidade de uma leoa. Você tampouco me contou nada sobre sua vida.

 

Não é o mesmo.

 

Não? Como sabemos que não oculta um passado vergonhoso? Talvez não tenha direito a estar com estas pessoas, como você pensa de mim, fosse quem fosse sua mulher.

 

Se a pele intensamente bronzeada de Ross podia empalidecer, naquele momento o fez. Seus olhos se desviaram de Lydia a Mamãe, como se aquelas mulheres fossem inimigos a ponto de lhe atacar. Todo seu corpo se esticou. Em lugar de render-se, aferrou-se ao último comentário.

 

Tive uma esposa - disse a Mamãe. Vitória Gentry foi minha mulher, minha única mulher. Eu a amava. Não faz nem duas semanas que morreu. Como pode me sugerir que traia sua lembrança e tome a outra mulher?

 

Não «tomará». Antes, matarei-lhe resmungou Lydia.

 

Vêem-no? Mamãe se lançou ao coração da discussão. Já há um problema solucionado. Ross, você não quer outra mulher, e Lydia não quer outro homem. Podem viver e trabalhar juntos para salvar as aparências. Ela cuidará de Lee. Você a alimentará. Parece-me que é uma solução singela ao problema. As bodas só se celebraria para apaziguar a esses que dizem cristãos temerosos de Deus. Moveu a cabeça para a abertura. Nós saberemos que não significa nada. Tal como eu o vejo, tudo seguiria como até agora.

Ross mordiscou o extremo de seu bigode, enquanto lançava olhares de desaprovação, primeiro a Mamãe e depois a Lydia. Agarrou o chapéu do gancho e o impregnou.

 

Tenho que ir ver meus cavalos.

 

Saiu do carro como uma exalação.

 

Não vou casar-me com ele disse em voz baixa Lydia. Conhecia as misérias do matrimônio. Sua mãe viveu durante anos submetida à servidão e a degradação, até que morreu de vergonha e humilhação. Lydia não queria seguir seus passos. Não vou casar-me com ninguém.

 

Tão horrível foi, moça?

 

O que?

 

Ter ao seu filho. Foi tão horrível para poluir sua opinião sobre os homens em geral?

 

Lydia olhou em silencio a Mamãe durante uns segundos, antes de desviar a vista para o exterior. Ross teria que haver levado sua impermeável. Tinha começado a chover de novo.

 

Sim - disse em um sussurro. Foi horrível.

 

Estremeceu-se de asco quando as lembranças foram a sua mente, lembranças que prometeu não voltar a conjurar nunca mais, se podia evitá-lo.

 

Mamãe suspirou.

 

Temia algo pelo estilo, mas não tem por que ser igual, Lydia. O senhor Coleman é...

 

Um homem. Um homem que não me quer, da mesma forma que eu não quero a ele.

 

Isso é discutível - disse Mamãe para si, e em voz alta: Necessitam-lhes mutuamente. Seria capaz de deixar Lee agora?

 

As lágrimas nublaram os olhos da Lydia quando olhou para a caixa que fazia as vezes de berço. Dentro de escassas semanas teria que encontrar outra caixa onde lhe colocar, ou Lee romperia os lados a chutes. Seguiria com ele por então? O senhor Coleman era um pai carinhoso, mas teria em conta as pequenas coisas necessárias para cuidar de um menino? Não possuía o instinto maternal que ela tinha.

 

Mamãe compreendeu que suas palavras estavam tendo efeito, de maneira que insistiu.

 

O que vais fazer se lhe expulsam? Acredito que nem sequer deixariam que ficasse conosco, sobretudo com meus dois impressionáveis moços.

 

Suas palavras feriram o amor próprio da moça, tal como Mamãe pretendia. Lydia ergueu a cabeça, desafiante,

 

Sei cuidar de mim mesma.

 

Bom, não o estava fazendo muito bem quando meus meninos lhe encontraram quase morta de esgotamento, gelada e cheia de sangue. Suas roupas estavam como farrapos. Não descobrimos nada de dinheiro. Nada de comida. Nestes tempos, é difícil para uma mulher arrumar-se sozinha. Mamãe esquadrinhou a Lydia com atenção. Sobre tudo se fugir de alguém.

 

A cautela apareceu nos olhos de Lydia e revelou seu temor. Mamãe o advertiu e compreendeu que sua intuição era correta.

 

Ninguém procuraria uma jovem esposa com um bebê, verdade? Deu meia volta para sair, mas se deteve para fazer uma última observação. A moça estava sentada em um tamborete, o olhar perdido na distância, absorta em seus pensamentos. - Poderia ser muito pior. Suspeito que o senhor Coleman tem um gênio do demônio, mas aprendeu a controlá-lo. Não acredito que te faça mal nunca, ao contrário que o outro homem. Pensa-o. Partiu.

 

Lydia sabia que Mamãe tinha razão em muitas das coisas que dizia. Se casava com o senhor Coleman, poderia ficar com Lee. Ela gostava do menino, e sabia que o pequeno a ia querer, ou como mínimo a apreciar. Bastava lhe falasse para que voltasse a cabecinha para sua voz.

 

O senhor Coleman não era um homem mau, não era como os homens com quem tinha vivido durante doze anos. Era um pouco nervoso, temperamental e orgulhoso, mas Lydia estava de acordo com Mamãe: poderia zangar-se com ela, mas nunca a bateria. Tinha gozado de amplas oportunidades, e não o tinha feito.

 

Seu rosto era bonito. Quando sorria, Lydia sentia que uma quebra de onda de calor a invadia. Tinha adormecido ao seu lado toda a noite, mas não lhe tinha tido medo. Seu corpo não a enojava. De fato, pensava que tinha um corpo muito bonito, e se havia sentido protegida por seu tamanho e força evidentes. Do ponto de vista físico, podia tolerar sua presença.

 

Se ela fosse a senhora Coleman, teria coisas que jamais havia possuído. Seria alguém, teria uma posição no mundo, um lugar próprio. Ser alguém implicava que as pessoas teriam para ela um certo respeito que lhe custaria obter de outra forma, sobre tudo ao carecer de família ou antecedentes.

 

Desejava um lar. Talvez com cortinas nas janelas. Várias habitações, amplas e luminosas. Um lar. Como ia poder obtê-lo ela, uma mulher sem marido, sem dinheiro, sem meios de sustento?

 

Mas não ia suplicar. Se ele se opunha ao plano, azar. Não ia iniciar o matrimônio lhe pedindo nada.

 

Ross sustentou o balde de aveia sob o focinho da égua, desejoso de que terminasse quanto antes.

 

Que confusão! Muito coerente com o resto de sua vida. O único bom que lhe tinha passado era Vitória. Os deuses deviam estar jogando uma sesta o dia que a conheceu, mas quando despertaram e lhe viram feliz, mataram-na.

 

Merda - disse em voz alta.

 

O que ia fazer com a garota? Melhor dizendo, o que ia fazer sem ela. Tudo o que havia dito Mamãe era certo. Não tinha medo de partir sozinho, deixar atrás o carro e todo o resto. Tinha vivido salto de arbusto desde que tinha quinze anos. Quatorze? Não se lembrava. Mas e Lee? Necessitava de Lydia para que se ocupasse do bebê.

 

Não devia pensar nela por seu nome. Apartou o balde de aveia da égua. Se era tão afetada, não devia ter muita fome. Aplaudiu seu pescoço e se encaminhou ao semental, que estava ao outro lado do curral provisório.

 

Começou a escovar a espessa crina de Lucky. Tinha ganhado o cavalo em uma partida de pôquer, daí o nome, Vance Gentry não sabia, e lhe tinha felicitado por ter economizado suficiente dinheiro para comprar o animal. Que seu sogro ignorasse a verdade não significava nenhuma deslealdade para ele.

 

A notícia da morte de Vitória lhe teria desolado. Ross lhe tinha enviado uma carta de um posto de correios rural. Perguntou-se como reagiria Gentry ante a notícia de que tinha um neto. Seu sogro não sabia que Vitória estava grávida. Ross duvidava de que o homem quisesse ver alguma vez ao menino, pois tinha deixado bem claro que, em sua opinião, Vitória se tinha casado com alguém de classe inferior. Ross não voltaria para o Tennessee. Agora que Vitória tinha morrido, não tinha nada que atasse a aquela terra. Nunca voltaria a ter notícias de Vance Gentry.

 

Se deixasse as considerações sentimentais a um lado e se concentrava no aspecto prático da situação, casar-se com Lydia lhe beneficiaria. Necessitava uma mulher que lhe cozinhasse e limpasse, e seria difícil encontrar alguma em Telhas que se mudasse com ele a suas terras antes de ter construído uma cabana. Deixar Lee com estranhos na cidade estava descartado. Não queria estar separado de seu filho, nem sequer por um tempo. Não, necessitava uma mulher. Lydia estava disponível.

 

Poderia ser pior. Seu aspecto não era desagradável. Era apresentável, em que pese a sua aparência extravagante, que chamava a atenção de todos os homens que a viam. Sua língua era afiada como uma navalha, e em ocasiões tinha um temperamento exaltado, mas o mais importante era que gostava de Lee. Este fato fazia que Ross considerasse a possibilidade de casar-se com ela. Não era alguém a quem ele tivesse contratado para cuidar do menino. Ela gostava de verdade do pequeno.

 

De um ponto de vista sentimental... Não existia ponto de vista sentimental, porque os sentimentos não tinham capacidade em sua decisão. Era uma questão prática.

 

Detestou-se pelo que tinha acontecido aquela manhã. Não tinha significado nada, é obvio. O amanhecer era gélido. Estava adormecido e ninguém podia lhe culpar por haver-se aproximado de Lydia..., a ela... daquela maneira. Tinha amado a Victoria e nunca voltaria a amar a ninguém como a ela.

 

E o amante, ou amantes, de Lydia? Embora aquela manhã ele tivesse se apertado contra ela a propósito, não tinha descoberto o menor convite sensual na atitude dela, nem em seu rosto. O que tinha visto naqueles olhos cor uísque era medo. Medo em estado puro, o terror que petrifica a um animal ferido por uma luz súbita e brilhante na escuridão. Ross desejava pensar o pior dela, mas agora já não estava seguro de que a moça tivesse estado com muitos homens. Possivelmente só com um. E a tinha maltratado.

 

Amaldiçoou. Acaso lhe estaria tomando por um idiota? Talvez aquela expressão aterrada só formasse parte de um jogo para lhe seduzir. Era uma puta bem adestrada que conhecia todos os truques de sua profissão? Ria a suas costas, porque sabia que ele a desejava? Contava as noites até que sucumbisse e se deitasse com ela? Bem, pois não ia fazer o, Por Deus que não o faria.

 

Nunca cederia aos impulsos físicos que se agitavam em seu interior. Nunca. Pagaria por uma mulher se fosse necessário, mas nunca mancharia a lembrança de Vitória e a ele mesmo, deitando-se com aquela moça.

 

Podia casar-se com ela e manter a distância. Sabia que podia. Não se aproximaria muito a ela, e ponto.

 

Lydia estava sozinha quando Ross entrou na carreta. Tinha as mãos elevadas sobre a cabeça tratando teimosamente de reunir seu cabelo em um coque. Sobressaíam-se alfinetes de sua boca quando se voltou para lhe ouvir entrar. Ross se arrependeu imediatamente do comentário sarcástico que lhe tinha feito antes sobre seu cabelo, mas o lamentava porque tinha sido grosseiro, ou porque ela o tinha tomado no peito e estava sujeitando o caos de seus cachos que ele tanto gostava? Era uma pergunta muito perigosa para formular a si mesmo.

 

A moça ajustou os alfinetes a toda pressa no cabelo recolhido na nuca e deu a volta, enquanto esfregava suas palmas nos flancos da saia.

 

- Estive pensando - começou Ross. Seus olhos se moveram de um objeto a outro do carro, incapaz de centrá-los, temeroso de que se detiveram nela. Possivelmente deveríamos considerá-lo.

 

Possivelmente.

 

Maldição! Ia começar outra vez com aquelas breves respostas, pronunciadas em voz baixa, que não revelavam nenhum pingo do que pensava.

 

E bem?

 

Eu também estive pensando.

 

Por Deus!

 

E?

 

A jovem respirou fundo.

 

E não sei como você vai cuidar de Lee, em caso contrário.

 

Eu também o pensei. Ross notou que seus músculos se relaxavam um pouco. Mas quero deixar claro que, se algum dos dois prefere deixá-lo em algum momento, tem todo o direito a fazê-lo.

 

Lydia não gostou daquela observação. Um dos motivos que a impulsionavam a dar aquele passo era por segurança e certa sensação de estabilidade. Entretanto, se aquela era uma de suas condições, teria que acessar e procurar não fazer nada que desse uma desculpa ao homem para expulsá-la.

 

Muito bem, mas eu também tenho uma condição.

 

Aquela descarada tinha fibra. Oferecia-lhe uma maneira de adquirir respeitabilidade, e ela punha condições.

 

Diga - disse, e inclinou a cabeça em um ângulo arrogante que irritou a Lydia.

 

Não me bata e nem nunca me maltrate - advertiu, com olhos soltando faíscas.

 

O que crê que sou? Um selvagem? Eu não maltrato as mulheres - gritou, muito ofendido.

 

Então, não há problema, verdade? Replicou a jovem.

 

Ross blasfemou, colocou o chapéu e arranhou os nódulos com o áspero teto de lona da carreta. Seguia blasfemando quando se voltou para sair.

 

Irei dizer a Mamãe e a Grayson.

 

As coisas começavam mau.

 

A cerimônia das bodas se fixou para as três da tarde, celebrar-se-ia ao ar livre, se o tempo o permitisse, ou na carreta de Coleman, se chovia. Mamãe se encarregou de que todo mundo fosse convidado. Proclamou que era uma feliz ocasião, e devia ser uma cerimônia celebrada por todos. Sublinhou o detalhe sentimental de que Deus tinha abençoado ao senhor Coleman com uma esposa que cuidaria dele e de seu filho Lee, depois de haver arrebatado a pobre Vitória. Quem dizia que a época dos milagres tinha terminado? De fato, Mamãe, com suas palavras, arrancou lágrimas dos olhos de algumas almas românticas.

 

Grayson se ofereceu voluntário para ir à cidade, tirar uma licença e ir a busca do ministro Batista. Uma hora antes das três, Mamãe apareceu no carro carregada com vários pacotes. Os dava a Lydia.

 

Para você - disse com orgulho Mamãe.

 

Lydia contemplou perplexa os pacotes. Recordava que seus pais lhe tinham dado presentes, mas as lembranças eram vagas e não sabia diferenciar a realidade da fantasia.

 

Para mim? Perguntou com um fio de voz.

 

Não vejo ninguém por aqui que vá casar-se dentro de uma hora. Será melhor que comece a abrir.

 

Vacilante ao princípio, e depois mais depressa à medida que ia surgindo tesouro detrás tesouro, Lydia examinou o conteúdo de cada pacote. Havia dois vestidos, duas saias e duas blusas, três pares de calças, duas camisas, uma camisa e duas anáguas, junto com um par de sapatos negros e três pares de meias de algodão.

 

O senhor Coleman lhe comprou isso tudo. Enviou minha Anabeth, é obvio. Os homens ficam nervosos como um gato de cauda larga em uma habitação cheia de cadeiras de balanço quando vão comprar roupa de mulher. Mamãe continuou tagarelando, enquanto fingia que não via as lágrimas que nublavam os olhos da jovem. Bem, pensei que este vestido amarelo de pérolas para as bodas.

 

À hora assinalada, Lydia apareceu ao exterior. Retrocedeu com acanhamento quando viu a multidão congregada em frente ao carro. Todos os olhos se voltaram para ela, mas aquelas pessoas que pela manhã a tinham acusado, agora exibiam sorrisos de desculpa.

 

Vamos, Lydia - disse com suavidade Mamãe, e puxou o seu braço. - Comecemos antes que volte a chover.

 

Lydia baixou os degraus e se deleitou com o rangido de sua roupa nova. A roupa interior acariciava com suavidade sua pele. A saia do vestido se agitava ao redor de suas pernas. Graças a Deus que o sutiã era de seu tamanho e seu busto não sobressaía como com o vestido de Anabeth, embora de todas as formas ficasse bastante ajustado. Os sapatos eram cômodos, foram atados por cima dos tornozelos. O couro novo rangia a cada passo que dava. Uma mulher de miras mais elevadas teria considerado que aquela roupa fosse vulgar, entretanto, para a Lydia, era o adorno de uma princesa.

 

Comprovou que Lee estivesse bem protegido. Anabeth o sustentava entre seus braços com a cabeça coberta com uma manta leve. Os meninos Langston estavam empelotados ao redor de seu pai, estranhamente sérios. Lydia imaginou que teriam sido ameaçados com um severo corretivo, se comportassem mau. Passeou a vista pela multidão. Era muito tímida para olhar aos olhos de alguém em concreto. Quando já não teve nada mais que olhar desviou a vista para Ross.

 

Erguia-se com ar sombrio, rígido como um pau. O coração de Lydia deu um tombo quando o viu. Estava muito bonito. Ainda levava as calças de trabalho, mas tinha posto uma camisa branca e uma gravata estreita. A cor de sua camisa fazia destacar seu cabelo e bigode negros, assim como seu rosto bronzeada. Só seus olhos, de um verde intenso que brilhava debaixo de suas povoadas sobrancelhas castanhas, davam uma nota de cor ao seu aspecto.

 

Um homenzinho com óculos e nariz bicudo estava ao seu lado. Lydia pensou que devia ser o sacerdote. O homem lhe dirigiu um sorriso afetuoso.

 

E aqui está a noiva, de forma que já podemos começar. Segure a mão de sua noiva, jovem - ordenou a Ross.

 

Lydia contemplou, hipnotizada, a mão morena de Ross, que envolvia a sua até colocar-se ambas sobre uma Bíblia de pele negra, que tinha aparecido como por arte de magia.

 

Notou que a mão de Ross estava quente, e também pôde sentir as calosidades de seus dedos, mas aquela realidade conseguiu que se sentisse menos em um sonho. Contemplou a mão dele, quase temerosa de que, se deixava de olhá-la, desapareceria.

 

Só seguiu umas poucas palavras, mas pelo visto deu as respostas corretas, porque ao cabo de um momento assombrosamente curto, o sacerdote disse:

 

Eu lhes declaro marido e mulher. O que Deus uniu, que não o separe o homem. Pode beijar a noiva.

 

Beijar! A palavra despertou ecos nas paredes de seu cérebro, ressonou em seu crânio e aumentou de intensidade, até experimentar a sensação de que sua cabeça ia estalar. Ninguém lhe tinha falado daquele detalhe.

 

Mas não teve tempo de perguntar a Mamãe se devia render-se a isso, porque Ross já tinha apoiado suas mãos com suavidade sobre seus ombros e a atraía para ele.

 

Viu sua cabeça muito perto. Desejou muito ocultar-se. Foi aproximando dela cada vez mais. Lydia fechou os olhos com força para afastar o pesadelo recorrente de um rosto de homem inclinado sobre o seu, que a asfixiava com sua fétida boca, que a esmagava com seu peso.

 

Então, sentiu o quente roce dos lábios de Ross sobre os seus. Atrasaram-se um instante, retrocederam, e tudo concluiu.

 

Leoa Watkins, que espiava desde detrás da lona de seu carro, pois não estava disposta a participar daquela flagrante brincadeira da instituição matrimonial, teve uma decepção. Os hipócritas estavam atuando como se não se houvessem tocado!

 

Mamãe também ficou decepcionada. Tinha esperado um beijo mais longo, de maior substância.

 

Bubba perdeu o controle de seu pomo de Adão. Moveu-se espasmodicamente, enquanto a parte dianteira de sua calça lhe delatava, mas rezou para que ninguém se desse conta.

 

Só a ameaça de Mamãe de lhe açoitar se não se comportasse bem conseguiu que Luke Langston reprimisse uma gargalhada.

 

Lágrimas de romantismo foram aos olhos de Anabeth.

 

Lydia se perguntava como era possível que o bigode do senhor Coleman não só tivesse feito cócegas seus lábios, mas também sua garganta, até o centro de seu corpo. O ponto situado entre suas coxas tinha adquirido um calor anormal, inchou-se e umedecido quando sua boca a tocou. Ficou vagamente decepcionada pela escassa duração do beijo.

 

Ross jurou que não passaria por mais prova. Convenceu-se de que podia beijá-la sem o menor sentimento, pelo bem da cerimônia e de frente aos olhos curiosos. Bem, já sabia. Não podia beijá-la sem o menor sentimento fosse pelo que fosse.

 

É uma pena que começasse a chover tão logo.

 

Por quê?

 

Lydia suspirou. Tinha esperado que pudessem conversar um momento depois de haver-se convertido legalmente em marido e mulher, mas desde que tinham voltado para sua carreta, a de ambos, o senhor Coleman se mostrava irritado com ela. Já se arrependia de haver-se casado? Bom, não tinha visto que ninguém lhe apontasse pelas costas com uma pistola.

 

Tinha a impressão de que algumas pessoas desejavam nos visitar, isso é tudo.

 

Ross lançou uma gargalhada desdenhosa.

 

Só queriam fofocar. Foram às bodas pela mesma razão que vão ao circo.

 

Lydia tinha desejado acreditar que todos quantos se apertavam ao seu redor depois da cerimônia estavam contentes de que se converteu na senhora Coleman, que a aceitavam como uma deles.

 

Contemplou o buquê de flores que tinha colocado em um vaso de cristal. Acariciou as frágeis pétalas. O senhor Hill o tinha dado enquanto beijava sua mão, depois da cerimônia.

 

Parabéns, senhora Coleman. Desejo-lhe muitos anos de felicidade.

 

Obrigado, senhor Hill. As flores são lindas - tinha respondido ela.

 

Agora, o senhor Coleman parecia propenso a destruir todas as boas sensações que Lydia tinha armazenado para saborear mais tarde.

 

Não acredito que só viessem para bisbilhotar.

 

Ross se encolheu de ombros.

 

Como queira.

 

Lydia olhou por última vez a Lee e se estendeu sobre a cama de armar. Ross tinha preparado uma igual ao outro lado do carro, o mais longe possível dela. «Não sou veneno», quis lhe dizer Lydia, mas conteve seu mau gênio. Estava muito excitada pelos acontecimentos do dia, por seu novo sobrenome, por sua nova roupa, para discutir com ele.

 

Obrigado pela roupa nova.

 

De nada, respondeu ele com aspereza. Não podia permitir que jogasse de correr por aí em panos menores.

 

Apagou o abajur. Lydia ouviu que se despia, e depois se aconchegou sob as mantas.

 

Agora que reinava o silêncio, a chuva produzia um estrépito maior. Pela manhã tinha desejado muito consoladora, como se cantasse uma canção de berço para que voltassem a dormir. Agora, seu som era triste. Lydia se sentiu mais só que nunca, e sabia que se ele houvesse dito vou deitar-se ao seu lado, não lhe teria dissuadido. Na escuridão, rodou de lado e esquadrinhou o vulto escuro de seu corpo, ao outro lado da carreta.

 

Boa noite..., Ross.

 

«Por que escolheu este momento para pronunciar pela primeira vez meu nome em voz alta? E por que soa como música, saindo de sua boca?» perguntou Ross. Por cima do sangue tumultuoso que fervia em suas veias e se concentrava em sua virilidade, apenas se ouviu responder:

 

Boa noite, Lydia.

 

O homem se sentou a uma mesa vazia do botequim saturado de fumaça e desdobrou com ar ausente sobre sua superfície trincada as enrugadas e amareladas folhas de papel. Seu companheiro ocupou a cadeira oposta depois de jogar uma olhada a outros clientes do bar. Era um hábito de sua profissão.

 

Uísque?

 

Sim, por favor - replicou distraído o primeiro homem, enquanto seguia examinando os pôsteres.

 

Emprestou tanta atenção a Howard Majors, enquanto indicava ao taberneiro que trouxesse uma garrafa e dois copos, como quando tinha chegado. Só levantou a vista quando Majors lhe serviu um copo e o empurrou para ele. Sua expressão era desolada, a de um homem que acaba de despertar de um pesadelo. Agarrou o copo e engoliu seu conteúdo de um gole. Sempre comedido como um cavalheiro no referente à bebida, estendeu não obstante a mão e se serviu outro copo da garrafa. Quando o uísque teve escavado um ardente atalho garganta abaixo, até chegar ao seu estômago, elevou os olhos cheios de ódio para o seu anfitrião.

 

Esse bastardo se casou com minha filha.

 

Descarregou o punho sobre a mesa. Tinha as unhas bem cuidadas, mas era uma mão masculina, e a forma em que os dedos se curvavam tensamente refletia sua personalidade. Era um homem acostumado a sair-se com a sua, a exercer controle sobre si mesmo e quantos lhe rodeavam, a deixar-se enganar poucas vezes, a vingar-se em caso necessário.

 

Deus! Quando penso nele deitado em sua carne.

 

Voltou a descarregar o punho sobre a mesa, esta vez com mais força, de maneira que os pôsteres rodaram sobre a superfície e o uísque da garrafa se agitou.

 

Não me fazia nenhuma graça passar - disse Majors, compassivo. Pensei lhe reconhecer imediatamente na foto de bodas que me deu, para me assegurar por completo, comparando a fotografia com estes pôsteres. Não cabe dúvida de que é o mesmo homem, em que pese o bigode. A lei lhe persegue há anos. A agência Pinkerton recebeu freqüentes petições de lhe capturar.

 

Ross Coleman é em realidade Sonny Clark disse com amargura Vance Gentry. Minha filha se casou com um pistoleiro, um foragido, um homem procurado por assassinato, assalto a bancos... Deus! Passou as mãos pelo rosto corado e deformou as aristocráticas facções que se desdobravam sob o arbusto de cabelo branco. O que tem feito com ela?

 

Majors, sem dizer nada, serviu ao outro homem um terceiro copo, que bebeu imediatamente.

 

Se a maltratou, matarei-o. Seus lábios apenas se moveram quando falou. Cada vez que o via tocá-la, vinham-me vontades de assassiná-lo. Soube que era lixo assim que o vi. Sabia dirigir os cavalos, do contrário nunca lhe teria contratado. Apertou os dentes, brancos e impecáveis. Por que não me deixei levar pela intuição?

 

Bem -disse o detetive de Pinkerton com frio profissionalismo, temos que lhes localizar antes de poder fazer nada.

 

Poderia havê-la matado e fugido com as jóias.

 

O homem estava perdendo os estribos, mas Majors não podia permiti-lo. A única forma de encontrar Clark era com a cabeça limpa e as idéias claras. O jovem era inteligente e tinha esquivado durante anos aos melhores agentes da lei. O detetive Majors ia jogar a luva, e não permitiria que um exaltado como Gentry entorpecesse suas pesquisas.

 

Não acredito que tenha assassinado a sua filha. Não é seu estilo. Sonny é indômito, temerário e malvado, e matou a muitos homens, mas sempre quando estava apanhado e tratava de escapar. Não matava por capricho. Além disso, você diz que adorava a sua filha.

 

Parecia adorá-la. Se nos enganou em todos outros aspectos, como posso acreditar que a amava de verdade? Os criados me disseram que, quando cheguei da Virginia, fazia várias semanas que partiram. Nenhuma nota. Nada. É esse o comportamento de um genro afetuoso? Não quero nem saber aonde a terá miserável.

 

Encontraremo-lhes.

 

A paciência de Majors estava se esgotando.

 

Bem, até agora não o encontrou, verdade? Ladrou Gentry. Em que pese a todos esses pôsteres disseminados pelo vale do Mississipi, você foi incapaz de encontrar Sonny Clark.

 

Deixamos de procurar porque pensamos que tinha morrido. Por isso tive que tirar pôsteres de um velho expediente. Foi alcançado por uma bala durante o ataque a um banco. Demos por sentado que o resto do bando de James lhe tinha deixado por morto em algum lugar. Ao que parece, isso foi o que ocorreu, porque nos seguintes golpes de Jesse e Frank, Sonny não ia com eles. Não voltamos a ouvir falar dele até que você entrou em meu escritório anteontem e me entregou a foto de sua filha e seu genro, Ross Coleman. Suponho que se escondeu em algum sítio até que se curou, trocou de aspecto e reapareceu sob a aparência de um cidadão receoso com a lei.

 

Os copos da mesa voltaram a tilintar, esta vez porque um homem bêbado tropeçou com ela. Esteve a ponto de cair sobre Majors antes de recuperar o equilíbrio.

 

Perdão - murmurou, enquanto se encaminhava para a mesa contígua e se derrubava sobre uma cadeira. Whisky! Vociferou.

 

Gentry o olhou com desagrado. Ia sujo e suas roupas estavam manchadas de sangue seco. Talvez seu passo vacilante não devesse atribuir-se por completo à embriaguez. O homem fedia a carne sem lavar. Seu cabelo espaçado e seu crânio estavam manchados de sangue coagulado. Gentry esteve a ponto de sugerir que Majors e ele fossem falar em outro lugar, mas Majors já tinha reatado a conversação.

 

Estive investigando. Fui ver o velho que vivia na montanha. Majors consultou sua caderneta. John Sachs. Estava morto, e ao que parece tinha transcorrido semanas desde que nosso homem chegasse a sua cabana. Nem o menor sinal de luta. Morreu de velho, não cabe dúvida. Não encontrei nenhuma pista de aonde podia haver-se dirigido Clark. O mês passado se organizou uma caravana no condado de McMinn.

 

Gentry bufou.

 

Não lhe conhece tão bem como supõe, Majors. Ross... Sonny é inquieto, ativo. Não pára de mover-se. Cavalga melhor que qualquer homem que eu conheça.

 

Isso ouvi dizer de muitos oficiais - replicou Majors com secura.

 

Não se uniria a algo tão lento como uma caravana.

 

Mas se o fizesse, estaria protegido. Viajava com sua mulher como um imigrante mais não atrairia a atenção de ninguém para ele.

 

Gentry sacudiu a cabeça com teima.

 

Conheço esse homem melhor que você. Se tiver os bolsos cheios de jóias, de um valor que alcança uma quantidade considerável, acredite, esse homem não irá à fronteira com elas. Talvez Nova Orleans, Nova Iorque, São Luis, lugares onde possa as vender e cobrar em metal.

 

Possivelmente tenha razão, mas carecemos de pistas.

 

Para isso lhe pago, senhor Majors disse Gentry com aspereza. Eu irei à Nova Orleans. Conheço bem a cidade.

 

Muito bem. Eu irei a São Luis. Comunicaremo-nos mediante telegramas enviados a meu escritório daqui, de Knoxville. Encarregarei-me de imprimir pôsteres com seu novo aspecto.

 

Não - exclamou Gentry, e conseguiu que o homem da mesa contígua lhes olhasse com olhos ardilosos. Não quero que ninguém saiba que minha filha se casou com um famoso foragido, que nos enganou e roubou valiosos objetos herdados.

 

Trabalhar sozinhos, sem ajuda das autoridades locais, dificultará nossa tarefa.

 

Mas pode ser que salve a vida de Vitória. Nunca lhe vi lhe levantar a mão, do contrário hoje não estaria vivo. Claro que tampouco lhe vi desesperado. Não quero lhe pôr sobre aviso. Não quero que o pânico se apodere de Ross Coleman.

 

Pode ser que tenha razão. As testemunhas tentaram descrever suas arrepiantes reações. Desafiam toda descrição. Encontrar Sonny Clark pode ser mim última missão oficial com a agência antes de minha aposentadoria. Não quero mortes sobre minha consciência.

 

Exceto esta.

 

O tom decidido de Gentry fez que um calafrio percorresse o espinho dorsal do veterano Majors, que experimentou a tentação de recordar a aquele homem que não devia tomar a justiça pela mão. Queria capturar vivo Clark e confiava em que, quando localizassem Vitória Gentry e ao seu marido, o ódio de seu pai teria se aplacado.

 

Vamos - disse. Levantou-se e arrojou várias moedas sobre a mesa.

 

Os dois homens seguraram o chapéu e saíram do botequim, que estava sendo preparada para receber aos numerosos clientes noturnos. O taberneiro lavava copos detrás da barra. Um jovem se dedicava a varrer sem muita vontade, em tanto contemplava o tráfico de Knoxville.

 

O homem da cabeça ferida se levantou, fazendo esses até que conseguiu recuperar o equilíbrio. Tropeçou a propósito com a mesa que os dois homens tinham deixado livre. Ao mesmo tempo, cobriu as moedas com a palma de sua mão e as varreu da mesa. Havia muito mais dinheiro do que ele devia pagar por sua bebida. Seus olhos nublados trataram de concentrar-se nos pôsteres desbotados que estavam atirados sobre a mesa. Não sabia ler, mas conhecia o significado daqueles anúncios. E tinha ouvido como aqueles homens falavam de objetos herdados que tinham sido roubados. Nunca teria que deixar passar a ocasião de obter algo em troca de nada. Ocultou as folhas debaixo de sua camisa manchada de sangue e se dirigiu cambaleando-se para a porta. Ninguém lhe tinha visto agarrar o dinheiro. Ninguém lhe emprestava a menor atenção. Até o momento, tudo ia bem.

 

Ouça, senhor.

 

Merda!

 

Sim?

 

Voltou-se com ar beligerante para o taberneiro.

 

Será melhor que lhe dê uma olhada a sua cabeça.

 

O homem se tranqüilizou e deixou que um sorriso revelasse seus dentes amarelados, irregulares e quebrados.

 

Seguro.

 

Como lhe abriram a cabeça dessa forma?

 

Voltou a sorrir, era o sorriso ardiloso e malvada de um carniceiro.

 

Passe-me um pouco com minha mulher. Golpeou-me a cabeça com uma pedra.

 

O taberneiro riu de boa vontade.

 

Eu não deixaria que ela se saísse com a sua.

 

O sorriso se transformou em uma careta malévola.

 

Não tenho essa intenção.

 

Embora fosse quão último fizesse, encontraria a aquela puta e lhe daria o seu castigo. Deu um passo mais para a porta, e logo se deteve. Algo mais que os dois almofadinhas – disse – e foi a sua cabeça, nublada pelo álcool e a dor.

 

Ouça, ouviu falar de uma caravana que se formou no condado de McMinn?

 

Pois não respondeu o taberneiro, enquanto tirava brilho a um copo com uma toalha de musselina, mas não me surpreenderia nada. Houve umas inundações brutais por ali a primavera passada. As pessoas tentaram salvar o que pôde que suas granjas, depois da guerra e as inundações. Muitos estão indo embora.

 

O homem da porta esfregou com ar pensativo sua mandíbula arrepiada de barba. Uma caravana de famílias em busca de um novo lar seria um estupendo esconderijo.

 

Acredito que me aproximarei por ali e darei uma olhada.

 

Saiu pela porta, riu para si e se perguntou quanto demoraria o simpático taberneiro em dar-se conta de que lhe tinham roubado.

 

Lydia gostava da forma em que o cabelo de Ross caía sobre sua testa. Tinha a cabeça inclinada enquanto limpava suas pistolas. O rifle, já engordurado e reluzente, encontrava-se apoiado contra o flanco do carro. Agora se dedicava à pistola. Lydia não sabia nada de armas, mas aquela em particular lhe assustava. Seu canhão metálico era comprido e esbelto, frio e letal. Ross o aproximou de seu rosto, olhou pelo canhão e soprou com suavidade. Depois se concentrou em esfregá-lo com um pano suave.

Seu primeiro dia de matrimônio tinha transcorrido sem pena nem glória. O tempo ainda era mau, mas já não chovia com tanta intensidade como em dias anteriores. Não obstante, fazia frio e umidade, e Lydia tinha passado quase todo o dia dentro do carro. Ross tinha levantado cedo, quando ainda não tinha amanhecido, e tinha estado removendo baús e caixas. Parecia concentrado na tarefa, e ela fingiu dormir, sem atrever-se a perguntar que fazia. Quando ela se levantou e começou a perambular pelo carro, observou que todos os pertences de Vitória tinham desaparecido. Não sabia o que tinha feito Ross com elas, mas não ficava nem rastro de Vitória na carreta.

 

Lydia o observou enquanto ele jogava o cabelo para trás com os dedos. Sempre levava o cabelo limpo e reluzente, inclusive quando seu chapéu o tinha amassado. Caía sobre o pescoço e as orelhas. Lydia pensou que o tato daquelas mechas negras contra os seus dedos seria delicioso, se alguma vez tivesse a ocasião de tocá-los, embora não se imaginava com o ânimo suficiente para fazê-lo, inclusive se ele o permitisse, embora duvidasse que ele o fizesse. Tratava-a com educação, mas nunca iniciava uma conversação e, por descontado, nunca a tocava.

 

Fale-me de suas terras do Texas - disse em voz baixa.

 

Ross desviou seus olhos verdes da pistola e a olhou à luz do único abajur. Lydia sustentava Lee, balançava-o com suavidade, já lhe tinha dado de mamar por última vez aquela noite e o menino dormiu. Estavam matando o tempo, até que fosse a hora de deitar-se.

 

Ainda não sei grande coisa - respondeu Ross, e se lançou a falar sobre seu projeto. Contou-lhe a mesma história que lhe tinha referido Bubba sobre o John Sachs. Pediu a escritura e, quando a remeteram por correio, incluía uma descrição do topógrafo.

 

Seu entusiasmo pela propriedade venceu a sua contenção, e as palavras surgiram com facilidade.

 

Parece bonita. Prados ondulantes, muita água. O cruzamento de um afluente do rio Sabine. O relatório diz que tem duas zonas boscosas com carvalhos, pacanas e álamos perto do rio, pinheiros, cornejos...

 

- Eu adoro os cornejos quando florescem na primavera exclamou Lydia, entusiasmada.

 

Ross se surpreendeu a si mesmo sorrindo, e voltou a agachar a cabeça.

 

O primeiro que farei será construir um curral para os cavalos e um abrigo para nós.

 

A palavra tinha surgido com naturalidade de seus lábios. «Nós.» Olhou-a furtivamente, mas a moça estava acariciando a cabeça de Lee e contemplava o cabelo escuro do menino, que recuperava suas ondas assim que deixava de tocá-lo. A cabeça de Lee estava apoiada sobre seus seios. Por um instante, Ross desejou ter sua cabeça ali, que lhe acariciasse o cabelo com aquela expressão tenra em seu rosto.

 

Removeu-se incômodo, no tamborete.

 

Depois, antes do inverno, construirei uma cabana. Nada elegante acrescentou, com mais energia da necessária, como se a advertisse de que não esperasse nada especial por sua parte.

 

Ela o olhou com silenciosa recriminação.

 

Estará bem, seja como for.

 

Ross esfregou o canhão do revólver com mais agressividade.

 

A primavera que vem, confio em que as éguas tenham parido. Assim iniciarei minha manada de éguas. E quem sabe, possivelmente possa vender madeira para ganhar um dinheiro a mais, ou alugar Lucky como garanhão.

 

Estou segura de que triunfará.

 

Oxalá não fosse tão otimista. Era contagioso. Notou que seu coração se acelerava ao pensar nas perspectivas limitadas de um lugar que lhe pertencesse, com bosques espessos e chão fértil, e uma valiosa manada de éguas. E já não teria que olhar para trás todo o tempo. Nunca tinha estado em Telhas. Não existiria a ameaça de que alguém lhe reconhecesse.

 

Perdido em suas lembranças, encaixou o canhão em seu lugar, fez girar a câmara de seis balas e deu voltas à pistola ao redor de seu dedo indicador com um talento sobrenatural, antes de apontar a um branco imaginário.

 

Lydia lhe olhou fascinada. Como sempre que Ross atuava instintivamente, levantou a cabeça com rapidez e passeou a vista em seu torno para ver se ela se fixou. Os olhos cor âmbar de Lydia refletiam uma imensa incredulidade. Ross embainhou a pistola, como se quisesse negar sua existência.

 

Ela umedeceu os lábios, nervosa.

 

Quanto... qual a distância da sua terra de Jefferson?

 

Um dia em carro, meio dia a cavalo. Ao menos, por isso se vê no plano.

 

O que faremos quando chegarmos a Jefferson?

 

Tinha escutado a outras pessoas da caravana o suficiente para saber que Jefferson era a segunda maior cidade do Texas. Era um porto interior na esquina nordeste do estado, que estava comunicado com o rio Vermelho mediante o rio Cipreste e o lago Caddo. O Vermelho desembocava no Mississipi na Luisiana. Jefferson era um centro comercial. Fabricantes de rodas de paleta traziam fornecimentos deste e de Nova Orleans, em troca de algodão o que vendiam nos mercados daquela cidade. Para os colonos que se transladavam ao estado, era um ponto de parada obrigatório, onde compravam as carretas e objetos domésticos antes de continuar sua viagem para o oeste.

 

Não nos custará nada vender o carro. Ouvi que há uma lista de espera. Há gente acampada vários quilômetros ao redor da cidade, à espera que se construam mais carros. Comprarei um reboque antes de prosseguir.

 

Lydia estava escutando, mas sua mente estava em outra parte.

 

Quer que corte o seu cabelo?

 

Como?

 

Ross levantou a cabeça como se uma mola a tivesse impulsionado. Lydia abandonou sua cautela.

 

Seu cabelo. Cai sobre os olhos. Quer que lhe corte isso?

 

Ross não acreditou que fosse uma boa idéia. Maldição! Sabia que não era uma boa idéia. De todos os modos, não podia deixar de lhe dar voltas na cabeça.

 

Tem as mãos ocupadas - murmurou, e assinalou Lee.

 

Ela riu.

 

Estou mimando ele. Teria que lhe haver deitado faz muito tempo.

 

Virou-se e cobriu ao bebê com uma manta fina para lhe proteger do ar úmido.

 

Levava uma das blusas e saias que lhe tinha presenteado no dia anterior. Ninguém diria que Ross Coleman descuidava de sua mulher, nem que ele dormia fora do carro quando tinha uma nova esposa que dormia dentro. Era um suplício, e Ross não sabia quantas noites mais ia poder sobreviver sem pegar olho. Mas devia guardar as aparências. Depois de um período adequado, quando já não despertasse suspeitas, começaria a dormir fora. Muitos homens o faziam, para ceder o carro a sua mulher e filhos.

 

Lydia gostava de suas roupas novas. Tinha-as dobrado e desdobrado umas dez vezes, com o passar do dia. Ross já não sabia se era uma mulher acostumada a usar roupas boas, ou uma mulher que nunca havia possuído roupas tão boas. De fato, não sabia nada sobre ela. Claro que ela tampouco sabia nada dele, ao igual a outros componentes da caravana.

 

Só sabia dela que um homem a havia tocado, beijado, conhecido intimamente. E quanto mais pensava nisso, mais se torturava. Quem era esse homem? Onde estava agora? Cada vez que Ross a olhava, imaginava a esse homem deitado sobre ela, beijando sua boca, seus seios, sepultando as mãos em seu cabelo, penetrando-a. O que mais lhe inquietava era que a imagem tinha começado a adquirir um rosto.

 

Tem umas tesouras?

 

Ross assentiu, consciente de que saltava da frigideira para cair nas brasas e se condenava a outra noite de insônia. Desejava com todas suas forças odiá-la. Também desejava com todas suas forças deitar-se com ela.

 

Voltou a sentar-se no tamborete depois de lhe dar as tesouras. Lydia estendeu uma toalha ao redor de seu pescoço e disse-lhe que a segurasse com uma mão. Depois se apartou e moveu a cabeça de um lado a outro para lhe examinar.

 

Quando levantou a primeira mecha de cabelo, Ross agarrou seu pulso com a mão livre.

 

Não vais despedaçar-me, verdade? Sabe o que faz?

 

Claro - respondeu a jovem, e um sorriso zombador brilhou como um raio de sol em seus olhos. Quem crê que corta meu cabelo? O rosto de Ross perdeu toda cor e adquiriu uma expressão aterrada. Lydia estalou em gargalhadas. Tem medo, né? Meneou a cabeça e efetuou o primeiro corte com as tesouras. Acredito que não vou te mutilar muito.

 

Colocou-se detrás dele para trabalhar primeiro na nuca.

 

O tato do cabelo ao enroscar-se em seus dedos era tão agradável como tinha esperado. Era áspero e grosso, mas sedoso. Brincou com ele mais que cortá-lo, com a esperança de prolongar o prazer. Conversaram a respeito de Lee, sobre os diversos membros da caravana e riram da última travessura de Luke Langston.

 

As mechas escuras caíam até seus ombros, e depois escorregavam para o chão da carreta, enquanto ela movia com destreza as tesouras ao redor de sua cabeça. Ross custava um grande esforço manter a voz serena quando ela esmagava os seus seios contra suas costas, inclinava-se para frente ou olhava o seu braço, em tanto se movia de um lugar a outro. Em um dado momento, uma massa de cabelos caiu sobre sua orelha. Lydia se inclinou e soprou com suavidade. O braço de Ross se elevou como impulsionado por uma mola e esteve a ponto de derrubá-la.

 

O que faz?

 

O fôlego quente de Lydia sobre sua pele tinha avivado espasmos de desejo que percorriam seu corpo como balas de canhão. Uma mão esteve a ponto de lhe estrangular com a toalha, a outra formou um punho e ficou apoiada sobre sua coxa.

 

A jovem estava estupefata.

 

Eu... Fui a... O que? O que tenho feito?

 

Nada - grunhiu Ross. Apresse-se e acaba de uma vez.

 

Lydia se sentiu desolada. Eles estavam passando tão bem. Tinha começado a abrigar a esperança de que acabaria gostando dela. Ficou diante dele, tratando de retificar o que lhe tinha sobressaltado tanto, mas tê-la na frente fez que a tensão de Ross aumentasse ainda mais.

 

Ross tinha pensado que, se a jovem ia cortar lhe o cabelo, seria necessário que ela deslizasse seus dedos através de seus cabelos. Inclusive sabia que Lydia precisaria apoiar sua mão sobre sua face para lhe mover a cabeça. Estava seguro de que seria uma sensação agradável, embora ele não o desejasse, e que o melhor seria ficar quieto e desfrutar de seus cuidados.

 

Mas quando havia sentido seu fôlego, quente, intenso e perfumado, sobre sua orelha, tinha sentido em seu corpo o impacto de um raio, que descendeu desde sua cabeça a virilha e a prendeu fogo.

 

Se por acaso não fosse pouco, agora a tinha diante dele, entre seus joelhos; era natural que as abrisse para que Lydia pudesse aproximar-se mais sem necessidade de estirar-se. Tinha-lhe posto os seios justo ante os olhos, e seu aspecto era tão tentador como de pêssegos amadurecidos, ao alcance da mão. Deus, é que ela não se dava conta do que estava fazendo? Não adivinhava pelo fino filme de suor que cobria o seu rosto que o estava enlouquecendo pouco a pouco? Cada vez que a garota se movia, Ross ficava hipnotizado por seu aroma, pela graça flexível de seus membros, pelo roce da roupa contra o seu corpo, que insinuava mistérios merecedores de serem descobertos.

 

Quase terminei - disse Lydia, quando ele se removeu inquieto sobre o tamborete. Seus joelhos estavam perigosamente perto de seu vulnerável virilha.

 

«OH, Deus, não!» Lydia se agachou para cortar o cabelo do alto da cabeça. Quando levantou os braços, seus seios também se elevaram. Se Ross se inclinasse apenas um centímetro para frente, poderia acariciá-la com o nariz, o queixo e a boca, sepultar o rosto em sua exuberância e aspirá-la, absorvê-la. Seus lábios se apoderariam por fim de seu mamilo.

 

Detestou-se. Investigou em suas lembranças, tentou rememorar alguma ocasião em que Vitória tivesse suposto uma tentação semelhante para ele, ou em que ele houvesse se sentido livre para pôr as mãos sobre seus seios por puro prazer. Não pôde. Tinha existido alguma vez uma ocasião assim?

 

Não. Vitória não era a classe de mulher que tentava de maneira deliberada a um homem, até lhe reduzir a um estado animal. Cada vez que Ross fazia amor com Vitória era com reverência e adoração. Tinha entrado em seu corpo como alguém que entra em uma igreja, um pouco envergonhado pelo que ele era, contrito porque não era merecedor de tal honra, suplicando compaixão, envergonhado de que sua presença manchasse semelhante templo.

 

Não havia nada espiritual no que sentia agora. Estava consumido pela mais pura carnalidade. Lydia era uma mulher que inspirava aqueles desejos em um homem, que os tinha inspirado como profissional, provavelmente, em que pese a que ela o negasse. Tratava de utilizar os truques de seu comércio com ele, graças ao seu aspecto inocente e virginal.

 

Pois não iriam funcionar, Por Deus!

 

Seu bigode também necessita um recorte.

 

O que? Perguntou como um estúpido, desorientado por completo. Só via a forma feminina ante ele, só ouvia o batimento do coração ensurdecedor de seu pulso.

 

Seu bigode. Não te mova.

 

Lydia se inclinou e cortou com cuidado alguns cabelos largos do bigode, ia movendo sua boca enquanto o fazia, para lhe indicar Ross como devia pôr os lábios a fim de lhe facilitar a tarefa.

 

De ter cuidado de sua boca, cômica e movediça, Ross teria rido, mas em troca tinha baixado a vista para o arco de sua garganta. A pele parecia cremosa na base, antes de fundir-se com a textura mais aveludada de seu peito, que desaparecia sob o decote da blusa. Cheirava a madressilvas ou a magnólias?

 

Cada receptor sensorial de seu corpo se disparou como um sino de incêndios quando a jovem tocou apenas seu bigode e roçou seus lábios, livres dos cabelos cortados, com as pontas dos dedos. A eleição estava em suas mãos. Podia detê-la ou explodir.

Apartou suas mãos.

 

Já está bem.

 

Mas fica um...

 

Hei dito que já está bem, maldição!

 

Agarrou a toalha e a jogou ao chão, enquanto se levantava de um salto do tamborete. Limpa este desastre.

 

Ao princípio, sua rudeza e a ordem de que limpasse pegaram despreparada a Lydia, mas a ira não demorou para sobrepor-se ao estupor. Agarrou a mão de Ross e deixou as tesouras sobre sua palma com um golpe seco.

 

Limpa-o você. É seu cabelo. Ouviste alguma vez a palavra «obrigado»?

 

Deu meia volta e, depois de tirar a saia e a blusa e as dobrar com esmero, se encolheu no colchão e lhe deu as costas, enquanto se cobria com as mantas.

 

Ross permaneceu imóvel com a vista cravada nela, furioso, e logo foi em busca da vassoura.

 

O sol brilhou durante todo o dia seguinte. E ao outro, cruzaram o Mississipi.

Todo mundo tinha os nervos a flor de pele, enquanto as carretas rodavam em fila para as bordas do lamacento rio. O senhor Grayson recolheu o pedágio de cada carreta, que, como todas as coisas da pós guerra, era excessivamente elevado. Dois transbordadores de vapor transladariam cada vez dois carros, com seus cavalos e a família.

 

Lydia estava tão entusiasmada como outros. Até que viu o rio. De ter sido um oceano, seu aspecto não teria sido mais imenso, ilimitado e ameaçador. Apertou Lee em um gesto protetor contra o seu coração acelerado, quando viu que guiavam as primeiras carretas até os transbordadores e asseguravam suas rodas com braçadeiras. Deste modo pôde observar como as águas turvas do rio lambiam o casco da embarcação.

 

A odiosa lembrança de sua infância avançou sobre ela. O sabor salobro da água que alagava sua boca e sua garganta era real? Podia respirar. Igual há aquele dia.

 

Aconteceu durante uma de suas escassas visitas à cidade. Por uma vez, o velho Russell tinha concordado que mamãe e ela lhes acompanhassem. Tinha aguardado com ânsia aquele dia durante toda uma semana. Tinham que cruzar um braço do Tennessee em um transbordador a vara. Lydia estava inclinada sobre o corrimão e contemplava a água, sobre cuja superfície dançava a luz do sol. Clancey se colocou detrás dela e a empurrou apenas, para que parecesse um acidente, mas o fez com a suficiente força, de forma que a Lydia perdeu o equilíbrio e caiu de cabeça na água.

 

Gesticulou até a superfície, cuspindo e gritando. A água se aferrava a sua saia e à única blusa que lhe pertencia. Através de seus olhos alagados de água viu que Otis e Clancey riam a mandíbula batente, davam-se palmadas sobre as coxas e se burlavam de seu apuro. Sua mãe se apertava a cabeça com as mãos e gritava que tirassem a Lydia. Quis agarrar-se ao bordo estilhaçado da barcaça, mas Clancey chutou sua mão com uma bota. Durante um minuto, teve que manter-se flutuando com um tremendo esforço sem que a ajudassem. Quando sua mãe o tentou, Clancey o impediu. Por fim, ele a agarrou pelo cabelo e a tirou.

 

Gostou do mergulho? Burlou-se.

 

Ela tinha uns onze anos quando aquilo aconteceu, mas ainda recordava o terror que tinha experimentado quando a água se fechou sobre seus olhos, seu nariz e sua boca, e ficou sem ar. Agora contemplava como em transe as águas opacas do Mississipi e se perguntava como conseguiria ter a suficiente força para subir ao transbordador.

 

Seguia tremendo quando Ross, que tinha ajudado a sujeitar os carros, apareceu ao seu lado.

 

Somos os seguintes. Fica com Lee, apoiada na cabine do motor. Os Langston cruzarão conosco.

 

Ross murmurou, quando ele deu meia volta para afastar-se.

 

Sim?

 

Olhou-a, algo impaciente.

 

Onde... onde estará?

 

Com meus cavalos.

 

A jovem assentiu, pálida e nervosa.

 

Sim, claro.

 

Ross a olhou com curiosidade durante um momento, e logo se dirigiu a assegurar as duas carretas no transbordador com a maior rapidez possível. Lydia subiu à embarcação, que oscilava brandamente, correu para a cabine do motor e se esmagou contra as paredes vibrantes, sujeitando com força Lee. Mamãe se reuniu com ela, embora os meninos ficassem o mais perto possível do corrimão. Para eles aquela era uma aventura que recordariam durante o resto de sua vida, e depois de um bom sermão, Mamãe deixou que se divertissem.

 

O transbordador tinha percorrido um terço de seu trajeto, quando Marynell chamou.

 

Vem olhar, Lydia.

 

Assinalava algo que derivava com a corrente do rio e divertia aos meninos com seu curso sinuoso.

 

Não, tenho que ficar com Lee.

 

Vê - disse Mamãe, e agarrou ao menino antes que ela pudesse protestar. Não é mais que uma menina. Divirta-se um pouco.

 

Como não queria ficar como uma covarde, aproximou-se centímetro a centímetro ao bordo da embarcação. Tentou localizar Ross, mas ele tinha desaparecido. Embora ensaiasse um trêmulo sorriso em honra dos meninos, a caixa de maçãs que seguia a esteira do transbordador não conseguiu acalmar seu medo. Quão único viu foram as profundidades insondáveis, as oscilações remolinantes das correntes, a água espumosa que lambia os flancos do navio. Começou a tremer. Experimentou a sensação de que a água se fechava de novo sobre sua cabeça, notou que seus pulmões ardiam.

 

O pânico se apoderou dela, deu meia volta e procurou um refúgio. Correu, sem dar-se conta de que apartava a empurrões aos pequenos Langston, para o carro. As fossas nasais dilatadas, os olhos totalmente abertos, os pulmões bombeando ar como foles, subiu pela roda do carro, avançou para a parte posterior, subiu e caiu no interior, ofegante.

 

Mamãe tinha presenciado a cena e gritou aos seus filhos, que perseguiam a Lydia como pintinhos, que ficassem onde estavam.

 

Atlanta, vá procurar ao senhor Coleman. Diga-lhe que deixe seus cavalos com Luke.

 

Bubba sujeitava o primeiro cavalo de parelha de Ross, em tanto seu pai fazia o mesmo com o seu.

 

Ao cabo de uns segundos, Ross corria sobre as toscas madeiras do transbordador. Por puro costume, apoiava a mão sobre a pistola sujeita a sua coxa.

 

O que acontece?

 

Lydia. Está em seu carro.

 

Lee?

 

Está bem. Ocupe-se de sua esposa, senhor Coleman.

 

Mamãe sustentou seu olhar durante um longo momento, antes que Ross se precipitasse para a carreta. Quando passou a perna por cima da comporta e entro, viu Lydia encolhida em uma esquina, a cabeça coberta com os braços. Chorava histericamente.

 

Lydia! Ladrou. Que demônios ... ?

 

Tirou o chapéu, jogou-o a um lado, passou finalmente todo seu corpo pela abertura da carreta e, quando esteve perto dela, se agachou para ficar a sua altura. Estendeu as mãos, com a intenção das apoiar sobre seus ombros para consolá-la, mas logo se conteve.

 

Lydia - disse com mais ternura. As lágrimas eram amargas. Surgiam da alma, do inferno. - Assustaste a todo mundo. O que te passa?

 

Como à maioria dos homens, as lágrimas sem explicação lógica lhe deixavam estupefato. Como a maioria dos homens, se irritava quando não obtinha explicação.

 

Lydia, pelo amor de Deus, me diga o que passou. Tem-te feito mal? Dói-te algo?

 

Teria golpeado a cabeça? Por que se cobria daquela forma? Tentou separar suas mãos, mas seus braços estavam tão rígidos como a morte.

 

Desesperado, agarrou-a pelos ombros e começou a sacudi-la com força, até que ela baixou os braços. Aturdida, olhou-lhe sem lhe ver e aferrou sua camisa com dedos intumescidos.

 

Não me jogue... ao... água.... ao rio. Por favor, não... jogue-me...

 

Ross, abatido, olhou-a em silêncio. Tinha visto homens a ponto de morrer, enfrentados ao canhão de uma pistola, segundos antes que lhes voasse o cérebro, mas nunca tinha visto tanto terror em um rosto como então. As pupilas de seus olhos estavam tão dilatadas que só um anel âmbar as rodeava. Tinha os lábios brancos. Dava a impressão de que não ficava nenhuma gota de sangue em seu rosto.       

 

Lydia, Lydia. Sua voz era como um murmúrio consolador, e nem sequer se deu conta de que rodeava sua cabeça entre as palmas das mãos. Do que está falando?

 

O rio, o rio murmurou a jovem, como presa de um delírio, sem soltar o tecido de sua camisa.

 

Ninguém vai jogar você ao rio. Está a salvo.

 

A moça tragou saliva. Ross compreendeu que tentava expulsar o nó de medo que bloqueava sua garganta. Esticou a língua para umedecê-los lábios. Seu peito subia e baixava com violência cada vez que respirava.

 

Ross?

 

Seu nome era uma pergunta. Olhou aos olhos, como se tentasse lhe identificar.

 

Sim.

 

O corpo de Lydia se derrubou por causa do alívio e deixou cair a cabeça sobre o esterno de Ross. Como este seguia com as mãos apoiadas sobre suas faces, aproximou-a mais, até que descansou sobre seu peito. Permaneceram imóveis até que a respiração de Lydia se normalizou.

 

Por que alguém iria querer jogar você ao rio? Perguntou por fim, em rouco sussurro.

 

Ela levantou os olhos, mas não falou, só olhou daquela forma que Ross considerava irritante e cativante ao mesmo tempo.

 

Não corríamos nenhum perigo... Acariciou suas maçãs do rosto com os polegares, para secar as lágrimas que ainda perduravam. Mamãe... Viu que seus olhos voltavam a umedecer-se, mas esta vez as lágrimas não tinham sido provocadas pelo terror. Seus olhos cor uísque se estavam desencardindo do pesadelo que acabava de reviver. Mamãe não teria permitido... Seus polegares se alternaram enquanto roçavam seus lábios. Estavam úmidos de passar sua língua por eles. A umidade se concentrou nas pontas de seus polegares. ...Que te acontecesse nada.

 

Então, Ross soube que ia beijá-la, e que não podia fazer nada por evitá-lo. Fazia muito tempo que a escolha tinha escapado de suas mãos. O momento tinha sido decretado, destinado, e resistir ao destino era impossível. Em conseqüência, dobrou sua vontade e deixou aos deuses a tarefa de ditar que sua cabeça descendesse pouco a pouco para a boca ofegante de Lydia.

 

Ao princípio, limitou-se a deixar apoiados os lábios sobre os seus. Os dedos de Lydia se fecharam com mais força sobre sua camisa. Esperou até que não pôde resistir mais. Depois, quando ela inclinou a cabeça para lhe dar mais facilidades, ele roçou seus lábios contra os dela, varreu-os com o bigode e, ao beijá-la com mais força, abriram-se.

 

O coração de Ross pulsava violentamente, mas não se apressou. Vacilou, atrasou-se para aspirar ao aroma de seu fôlego e especular sobre o que encontraria ao outro lado daquele suave portal.

 

Tocou seu lábio superior com o extremo da língua, com tanta leveza que não esteve seguro de ter estabelecido contato até que ouviu a entrecortada corrente de ar que escapava dos lábios da moça e se entrelaçava com a sua.

 

A esteira de outro navio que sulcava o rio provocou que o transbordador se bamboleasse. Perderam o equilíbrio. Ross estava de joelhos, e quando ela caiu sobre um montão de lençóis, seu corpo a seguiu. Ardentes olhos cor esmeralda escrutinaram seu rosto, seu cabelo, descenderam pela garganta, sobrevoaram seu seio, e depois retornaram para sua boca, a que ainda não se aproximou o suficiente. Lydia ficou deitada imóvel, sem emitir o menor som, como um cordeiro disposto para o sacrifício.

 

Os dedos de uma mão se internaram por seu cabelo até fechar-se sobre o crânio. A outra mão embalou seu queixo. Ross se foi deslizando para baixo, até que tocou com o peito as suaves ladeiras de seus seios em repouso.

 

Quando alinhou a boca com a sua de novo, o instinto se apoderou dele. Uma das amigas de sua mãe lhe tinha ensinado a beijar aos treze anos, no bordel. Uma tarde aborrecida, a puta tinha conduzido ao moço a sua habitação e se burlou dele sem piedade, ao tempo que o fazia uma demonstração sobre os aspectos mais sofisticados da arte de beijar. Ensinou-lhe a aplicar a quantidade de sucção precisa para selar duas bocas, a mover a língua em círculos como se recolhesse mel com ela, a atirar e parar estocadas a ritmos sempre cambiantes. Foi um aluno brilhante. Possuía um talento natural para aquela matéria, e antes que a tarde terminasse, Ross tinha aperfeiçoado sua arte. A puta também tinha aprendido algumas coisas.

 

Ross aplicou seus conhecimentos e anos de prática, pois nunca tinha temido ou desejado mais um beijo.

 

Mas seu desejo não lhe tinha preparado para o excelso êxtase. A realidade excedia com muito que ele tinha imaginado. Lydia tinha uma boca maravilhosa. Era uma gruta doce e úmida, que ele explorou por completo. Saboreou-a toda, pois se tinha consumido de ansiedade por fazê-lo. Percorreu com a língua o penhasco reto de seus dentes. Tocou o teto de sua boca, investigou o revestimento de seus lábios, brincou com a ponta de sua língua. E aplicou aquela sucção tão doce que a absorveria até a última gota, se podia.

 

Não foi consciente dos profundos rugidos de excitação que brotavam de sua garganta até que o transbordador tomou contato com o mole situado no lado do rio correspondente a Arkansas. O grunhido animal chegou aos seus ouvidos, e por um momento se perguntou de onde procedia.

 

Quando localizou sua origem, separou-se dela. Seus olhos seguiam igualmente grandes, igualmente interrogadores como antes de beijá-la, mas albergavam menos medo. Tinha a boca vermelha e úmida, brilhante por causa do beijo. A pele que rodeava os lábios se via irritada pelo roce de seu bigode.

 

Ross se tinha perdido por completo no beijo, nela.

 

Lydia tinha conseguido que o esquecesse tudo: quem era ele, quem era ela..., quem era Vitória.

 

Ficou em pé e recuperou o chapéu. O impregnou, e sem atrever-se a olhar Lydia, saiu pela abertura do carro e saltou à coberta do transbordador, justo quando Mamãe estava subindo.

 

E bem? Perguntou.

 

Está bem disse, antes de fugir a toda pressa.

 

Um amplo sorriso apareceu no rosto de Mamãe.

 

Aquela noite houve uma festa no acampamento. Haviam chegado a um ponto crítico e todo mundo se alegrava de havê-lo deixado atrás. Tiraram os violinos de seus estojos e tocaram. Cantaram. Uma jarra de uísque passou entre os homens que bebiam. Poucos se negaram a fazê-lo aquela noite. Permitiram aos meninos que se deitassem mais tarde que o habitual. A longa viagem começaria de novo ao dia seguinte, mas aquela noite estava dedicada a celebrar o glorioso dia.

 

Para Lydia também foi um dia glorioso. O beijo de Ross lhe tinha ensinado que nem todos os beijos eram repugnantes, que algumas intimidades entre um homem e uma mulher podiam ser maravilhosas.

 

Também recordaria aquele dia por outro motivo. Foi o dia em que seu leite deixou de subir.

 

Ao princípio Lydia pensou que Lee estava nervoso por causa do alvoroço comum reinava no acampamento. Não foi até depois, ao lhe dar de mamar antes de deitá-lo, quando compreendeu que o que lhe ocorria era que tinha fome. Não recebia bastante leite.

 

Espremeu seus seios até extrair o leite que pôde, e Lee dormiu por fim sobre seu seio. Muito cansada, e esgotada emocionalmente depois do ocorrido no transbordador, Lydia ficou adormecida abraçada a Lee sobre o colchão, sem forças para lhe pôr no berço ou despir-se.

 

Despertou quando Ross voltou, muito mais tarde. Na terra incerta que separa o sonho da vigília, só reparou em que ele cheirava a uísque. À manhã seguinte, Ross se queixou de uma dor de cabeça espantosa quando Lee lançou um uivo de fome.

 

Dê-lhe de mamar, pelo amor de Deus disse, enquanto calçava as botas.

 

Lydia sabia que já não tinha leite, mas desabotoou a blusa e ofereceu o peito a Lee. Temerosa da reação de Ross se soubesse, respondeu-lhe com fúria.

 

Não teria dor de cabeça se não tivesse bebido ontem à noite.

 

Ross ficou em pé e entreabriu os olhos para mitigar a dor, enquanto cambaleava para a abertura do carro.

 

Não me embebedei, mas te asseguro que o tentei - grunhiu.

 

Ao cabo de poucos minutos, Lee chorava como um possesso e agitava os braços e as pernas, presa da frustração e a fome. Lydia não sabia o que fazer. Não sabia nada de bebês, à exceção de sua curta experiência com Lee. Que fazia uma mãe quando seu leite deixava de subir? Leite de vaca? Sim, mas como a conseguiria sem que Ross se inteirasse?

 

Sentou-se no chão, com Lee apertado contra o seu peito, balançou-lhe e cantou as poucas canções que sabia. Por fim, o pequeno dormiu durante um momento, mas depois o instinto fez que fosse de novo em busca do mamilo, mas o bebê sentiu fome outra vez, e os soluços voltaram a começar.

 

O que acontece esta manhã? Perguntou Ross, quando entrou no carro depois de barbear-se.

 

Não sei - mentiu Lydia. Possivelmente lhe dói a barriga, ou pode ser que o alvoroço de ontem lhe tenha posto muito nervoso.

 

Seus olhos se encontraram um momento; ambos recordaram o beijo. Depois desviaram a vista com ar de culpabilidade.

 

Não te incomode em preparar o café da manhã disse Ross. Não tenho fome. Vou fazer café. Cuida de Lee.

 

O tempo não podia solucionar o problema de Lee. De fato, à medida que avançava a manhã, seus chiados pioraram. Enquanto Bubba conduzia, Lydia balançava ao menino no abarrotado carro. Tratou de lhe acalmar como pôde, sabendo de que não podia fazer nada que resolvesse seu problema.

 

Durante a parada do meio-dia, Mamãe se aproximou da carreta.

 

Esse menino esteve chorando toda a manhã. O que lhe passa?

 

Ross estava sujeitando o arnês da parelha. Lydia falou em frenéticos sussurros, alagada em lágrimas.

 

Mamãe, tem que me ajudar. Fiquei sem leite. Tem fome.

 

Mamãe olhou à moça, sem resposta por uma vez.

 

Está segura? Quando te deu conta?

 

Ontem à noite. Não mamou o suficiente antes de dormir. Esta manhã, não comeu nada. O que vou fazer?

 

Mamãe advertiu o olhar de preocupação que Lydia dirigia para a parte dianteira do carro, onde Ross estava falando com o senhor Cox. O temor da jovem era compreensível, mas Mamãe não queria pô-la mais nervosa ainda.

 

Conseguirei leite da vaca dos Norwood e daremos a Lee, embora fosse com um funil. Não se preocupe, ou ficará tão nervosa como o pequeno. Mantém a calma e segue falando com voz serena, do contrário intuirá que está inquieta e não servirá de nada.

 

Não diga...

 

Não. Agora não.

 

Mamãe partiu.

 

Voltou quando todos começaram a mover-se.

 

Ficarei esta tarde com Lydia e Lee, a ver se podemos lhe tranqüilizar um pouco.

 

Obrigado, Mamãe disse Ross, que tinha relevado a Bubba. Está doente?

 

A preocupação escavou uma profunda fenda entre suas sobrancelhas escuras, e Mamãe sorriu ao compreender a vulnerabilidade de um homem como ele, que se esforçava tanto em aparentar frieza e indiferença.

 

Não, só mal-humorado. Acredito que dentro de pouco se sentirá muito melhor.

 

Custou um pouco de esforço, mas Lydia o conseguiu por fim. Agarrou ao pequeno Lee e o apertou contra si como se lhe desse o peito, depois meteu em sua boca a teta que Mamãe tinha tentado lhe dar o dia depois de nascer. Era feita de uma luva de oleado e esticada sobre a boca de uma pequena jarra Mason.

 

Depois de muito salivar, engasgar-se e tossir, deu a impressão de que Lee e o artefato chegavam a um acordo, e o menino chupou ansiosamente até que seu estômago se encheu por fim e pôde ficar adormecido uma vez acalmada a sua ansiedade.

 

Mamãe e Lydia fixaram um horário. Mamãe traria leite fresco cada manhã, quando Ross fosse cuidar de seus cavalos. Se Lee despertava e começava a chorar antes, teria que agüentar-se. Traria outra garrafa ao meio-dia e às duas da madrugada. Mamãe as engenharia para fazer as chegar a Lydia às escondidas.

 

A primeira manhã, enquanto Ross se barbeava e Lydia preparava o café da manhã, sem fazer caso dos berros de Lee, o homem comentou a circunstância.

 

O que te passa? Como é que deixa chorar a Lee dessa maneira?

 

Lydia, que estava inclinada sobre o fogo, tornou-se para trás uma massa de cabelo encaracolado enquanto se endireitava. O garfo comprido que sujeitava gotejou de gordura de bacon.

 

Não me passa nada, e te agradeceria que não inicie uma conversação comigo nesse tom. Parece que me acusa de algo.

 

Sua consciência culpada e o calor do fogo tinham pintado uma cor saudável sobre suas faces.

 

Ross rogou a Deus para que Lydia não tivesse um aspecto tão são, já que seu corpo respondia à vitalidade da moça com energia própria.

 

É bom que um menino chore de vez em quando sem que ninguém se apresse a agarrá-lo - prosseguiu. Assim não fica mimado.

 

Ao menos isso era o que Mamãe lhe tinha aconselhado que dissesse, se Ross se dava conta do nervosismo incomum de Lee.

 

Ross secou o sabão de barbear de seu rosto. Lydia tinha razão, é obvio, mas ele sabia bem o que era ser deixado de lado, fazer um arranhão no cotovelo sem que nenhuma mãe lhe curasse porque estava ocupada com outra pessoa. Não lhe deixe chorar muito momento sem lhe dar uma olhada.

 

Crê que lhe deixaria chorar se soubesse que não estivesse bem?

 

Ross jogou a toalha e colocou o chapéu.

 

O principal e fundamental é que tem que cuidar de Lee. Esqueceste que por esse motivo me vi obrigado a me casar contigo?

 

Encaminhou-se para o curral provisório.

 

Bastardo - vaiou entre dentes Lydia.

 

-Pode ser que o seja - disse Mamãe atrás. - Lydia girou em redondo, ao dar-se conta de que alguém tinha ouvido o insulto. E muito suscetível a respeito. Seja o que for, esse homem atua de uma maneira mais estranha cada dia. Como o outro dia, quando cruzamos o rio. Nunca vi um homem tão assustado como quando pensou que te tinha passado algo, entretanto, quando saiu do carro, parecia que lhe tivessem atirado uma machadada entre os olhos. Contemplou a silhueta de Ross, rígida de ira, enquanto desaparecia entre as árvores. É para perguntar-se o que lhe corrói, verdade? Murmurou. Bem, vamos lhe dar o café da manhã a esse rapazinho.

 

O horário que Mamãe e Lydia tinham acordado funcionava à perfeição durante o dia, pois Ross sempre estava ocupado. A difícil era a mamadeira da noite. Lydia ficava de costas e abria o vestido como se fosse dar o peito, e depois tirava a garrafa de seu esconderijo. Até o momento, graças a Deus, Ross não se deu conta de nada. Não obstante, Lydia contou a Mamãe outra de suas preocupações.

 

O que lhe há dito aos Norwood?

 

Que um de meus meninos está um pouco adoentado e pensei que um pouco de leite fresco iria bem.

 

Tem que pagá-la, verdade?

 

Tenho algumas moedas economizadas. Não se preocupe por isso. Já me pagará quando o senhor Coleman se inteirar.

 

Lydia se estremeceu.

 

Ainda não, por favor.

 

Averiguá-lo-á cedo ou tarde, Lydia. Não pode seguir fingindo indefinidamente.

 

Sim, mas quero esperar um pouco mais, Mamãe, por favor.

 

Conseguiram prolongar o teatro durante uma semana.

 

Depois de um dia de trabalho particularmente árduo, a caravana tinha acampado perto de um riacho fresco e cristalino. Ross falava com Scout enquanto tomavam café quando Mamãe se aproximou do carro, com a garrafa de leite escondido em um bolso do avental.

 

Vamos dar um passeio, a ver se encontrarmos um pouco de sombra perto da água.

 

Lydia aprovou a sugestão com entusiasmo. A zona leste de Arkansas era bonita. Os prados estavam salpicados de flores silvestres, e uma espessa capa de maleza atapetava os bosques. Encontrar caça não representava nenhum problema. Poucas vezes voltavam Ross, os filhos dos Langston, ou os homens que caçavam para a caravana, com as mãos vazias. Os menus noturnos distavam muito de ser monótonos. Quando passavam por uma cidade, enviavam emissários a comprar mantimentos básicos, batatas e luxos ocasionais, como ovos frescos.

 

Lydia e Mamãe encontraram um imenso carvalho e se sentaram sobre a erva verde que rodeava sua base. Lydia apertou Lee contra si e lhe ofereceu a mamadeira improvisada. O menino se adaptou ao leite de vaca com surpreendente prontidão, e cada dia engordava mais.

 

Mamãe ficou a falar sobre uma de suas contrariedades favoritas, a afeição de Bubba a perseguir a filha de Watkins. Lydia escutava, mas sua mente estava em outra parte. Por isso levantou a vista, com indiferença preguiçosa, quando percebeu um movimento detrás de Mamãe. Todo seu corpo ficou em tensão quando viu Ross. Estava olhando ao seu filho e a fúria tinha transformado seus olhos verdes em pregos afiados que crucificavam Lydia no chão.

 

Mamãe, ao ver a repentina reação de Lydia, voltou-se e compreendeu a situação imediatamente. Levantou-se.

 

Que merda é isso? Resmungou Ross, e assinalou a garrafa.

 

A que se parece? É uma garrafa de leite de vaca respondeu Mamãe. Lydia, me dê esse menino. Levarei-lhe a rio para que termine de jantar em paz. Temo que tenha uma indigestão se ficar aqui.

 

Os braços e as mãos de Lydia tremiam de tal forma que logo que pôde depositar Lee nos braços estendidos de Mamãe. Não tinha afastado nem um momento a vista do rosto congestionado de Ross. Suas sobrancelhas franzidas quase lhe ocultavam os olhos. Os lábios tinham desaparecido sob o bigode, e todos os músculos de seu corpo se desenhavam sob sua pele.

 

Por que está Lee chupando uma garrafa?

 

Ameaçada por aquele olhar acusador, Lydia baixou a vista para o seu colo, onde seus dedos brancos e sem sangue se dedicavam a retorcer o tecido da saia.

 

O leite deixou de subir - murmurou.

 

A feroz blasfêmia de Ross provocou que se encolhesse.

 

Quando? Gritou.

 

O dia que cruzamos o rio. Mamãe disse...

 

Faz mais de uma semana?

 

Seu rugido dispersou a uma família de pássaros hospedados no alto da árvore. Gritaram-lhe, encolerizados.

 

Sim.

 

O dia depois de nos casar.

 

Ross lançou uma gargalhada desagradável, autocomiserativa.

                                

Lydia lhe olhou e se umedeceu os lábios, nervosa.

 

Uns dias depois.

 

Ross se apoiou contra o tronco da árvore e elevou a vista para os ramos, como se perguntasse ao céu que horrível pecado tinha cometido para merecer aquele castigo.

 

De maneira que agora estou encadeado a ti, uma esposa não desejada, e nem sequer serve para o propósito de nosso matrimônio?

 

Lydia ficou em pé de um salto.

 

Bem, paraste-te a pensar que eu também estou encadeada a ti?

 

Não é o mesmo.

 

Tem toda a razão. É muitíssimo pior.

 

Vê-o? Que homem deseja uma esposa que fala como um vagabundo?

 

Aprendi com você!

 

Ross lhe ensinou uma nova palavra, extremamente explícita, antes de continuar.

 

Por que você... já sabe... seu leite ... ? Olhou seus seios e ficou sem fala. Ergueu-se em toda sua estatura. Supõe-se que uma mulher é capaz de dar o seio ao seu filho indefinidamente. O que te passou?

 

Nada.

 

É claro que sim, ou não te teria ficado sem leite.

 

Mamãe disse que o cruzamento do rio provocou que meus seios se secassem. Fiquei muito nervosa e...

 

Interrompeu-se. Ambos recordaram imediatamente aqueles tumultuosos minutos na carreta.

 

Molesto porque Lydia lhe tinha recordado o que ele tratava de esquecer fazia uma semana, Ross se voltou para não ter que olhá-la. Não desejava ver seus olhos, abertos e eloqüentes, porque recordava muito bem como lhe tinham tocado antes e depois daquele beijo. Não queria ver seu cabelo, que rodeava sua cabeça como um halo chamejante, porque conhecia a sensação de afundar os dedos naquela massa sedosa. Não queria ver sua boca, porque inclusive naquele momento recordava o seu sabor. Não queria ver a turgidez que inchava o sutiã de seu vestido, porque a recordava suave e feminina sob seu corpo.

 

Maldição! Não queria recordar nada e o recordava tudo. A lembrança lhe tinha espreitado durante uma semana, de dia e de noite; cada detalhe voluptuoso lhe enfeitiçava.

 

Lydia aproveitou seu silêncio.

 

Mamãe diz que não tem nada de estranho. Às vezes, se uma mulher se assustar, como me passou no transbordador, pode ocorrer. Mas Lee está bem se apressou a acrescentar. Aprendeu a chupar a tetina. O leite de vaca não lhe deu dor de estômago. Cresce cada dia. Está...

 

Ross girou em redondo.

 

Mas isso não impede que continue casado contigo, quando eu não o desejo. Tinha uma esposa. Uma esposa de caráter aprazível e bem falada, que era uma senhora e usava o cabelo como as senhoras, que não...

 

Interrompeu-se. Ia dizer que Vitória não teria permitido que ele a beijasse com a mesma luxúria desatada com que tinha beijado Lydia, mas não desejava dizê-lo. Não queria admitir que ainda recordava aquele beijo.

 

Se sua intenção tinha sido calá-la, ferí-la no mais fundo, tinha-o obtido. Lydia desejou que a tivesse avassalado como fazia Clancey, porque a dor só teria sido física e ao final desapareceria. Entretanto, Ross lhe tinha infligido a pior classe de dor. Tinha-lhe recordado o que era, o que seria sempre, por mas que levasse roupa bonita ou outro sobrenome. No fundo, ela seguia sendo lixo.

 

A dor açulou seu rancor, como um animal ferido. Seus olhos flamejaram com o dourado aceso do crepúsculo. Jogou-se o cabelo para trás com um movimento altivo da mão.

 

- Bem, eu tampouco saí bem de tudo isto. Odeio-te, odeio suas más maneiras, a forma em que fere às pessoas sem motivo. Estou convencida de que não é melhor que eu, e isso é algo que você não pode suportar, senhor Coleman.

 

Ross emitiu um grunhido e avançou para ela. O primeiro impulso de Lydia foi fugir dele e de seu olhar assassino, mas estava muito encolerizada para fazer caso de seu sentido comum.

 

Não me ocorre nada pior que passar o resto de minha vida sendo sua esposa - gritou - Caipira fornicador.

 

Ross parou em seco, boquiaberto, como se lhe tivesse desencaixado a mandíbula.

 

Boa noite, senhora Coleman, senhor Coleman.

 

A voz do senhor Hill revoou sobre o ar sulfuroso que crepitava entre a Lydia e seu marido. Hill lhes tinha saudado em um tom muito agradável, mas lhes observou com os olhos entreabertos quando se voltaram para ele. Pareciam dois galos de briga a ponto de despedaçar-se com os afiados esporões.

 

A mulher tentou recuperar a compostura. Deslizou as mãos sobre a saia para dissimular sua confusão. Ross Coleman mordiscando a ponta de seu bigode.

 

Hill - disse tenso, e depois cabeceou em direção a Moisés.

 

Lydia saudou a ambos com uma breve sacudida de cabeça.

 

Bonita paisagem, verdade?

 

Sim, senhor Hill respondeu Lydia sem fôlego.

 

Tinha estado a ponto de esbofetear Ross. O que teria passado se o senhor Hill não tivesse aparecido? Teria ouvido os insultos que seu marido lhe tinha dirigido? Acreditou que ia morrer de mortificação, e confiou em que o calor que cortava suas faces fosse invisível.

 

As flores silvestres são muito bonitas disse, em um intento inútil de arrumar a situação.

 

Acabo de pegar estas junto ao rio. É tão amável das aceitar, senhorita Lydia? Moisés lhe estendeu o ramo. Alegrarão sua carreta.

 

A jovem lançou um olhar a Ross. Sua expressão era tão dura e implacável como o granito.

 

Obrigado, Moisés respondeu em voz baixa. Agarrou o ramo e o cheirou descuidadamente. As flores lhe fizeram cócegas em seu nariz, e o conseguinte espirro a turvou ainda mais.

 

O senhor Hill e Moisés riram. Ross se moveu inquieto, como ofendido.

 

Moisés admirou seu domínio dos cavalos, senhor Coleman disse Winston. Não era tão alto como Ross, mas sua atitude digna produzia a ilusão de aumentar sua estatura. Moisés sempre trabalhou na casa. Eu ia a cavalo, é obvio, mas nunca conduzi uma parelha de seis. Importaria-lhe ensinar a Moisés a técnica de dirigir a parelha? Os cavalos estão encetados em uma batalha de vontades desde que partimos.

 

Ross pigarreou, nervoso.

 

Suponho que poderia fazê-lo.

 

O agradeceria muito, senhor Coleman. Não poderia desejar melhor professor - disse Moisés com deferência.

 

Tentarei solucionar seu problema.

 

Estupendo, estupendo. Winston sorriu a Ross, e depois se voltou para a Lydia. Já viu o rio? Na borda corre um ar fresco e reconfortante. Eu adoraria acompanhá-la. Com permissão do senhor Coleman, é obvio.

 

Eu..., ummm..., precisamente estava a ponto de levá-la ali.

 

Lydia levantou a cabeça com brutalidade e olhou ao seu marido, que tinha pronunciado a frase com a espontaneidade de um homem acostumado a levar de passeio a sua mulher pelas noites. Quando seu braço se deslizou com ar protetor ao redor de sua cintura para atraí-la para ele, uma pluma teria bastado para derrubar a jovem.

 

Bem, nesse caso, desejamo-lhes boa noite respondeu Winston com elegância, e saudou com o chapéu a Lydia.

 

Boa noite disse Moisés, e acompanhou ao seu amo para a caravana.

 

Imediatamente, o braço de Ross abandonou a cintura de Lydia, que experimentou uma enorme decepção. Por um momento, passear até o rio tinha lhe parecido uma boa idéia. «Ele tinha dado passeios com Vitória ao cair a noite, não?», pensou afligida.

 

Não foram dar nenhum passeio agradável. Lydia supôs que, agora que o senhor Hill e Moisés se foram, reatariam a briga. Acreditou que não teria forças, mas lhe olhou com uma expressão desafiante, no caso disso.

 

Caipira fornicador? Perguntou Ross em um sussurro.

 

O que?

 

Estava-a confundindo a propósito? Não estava zangado. Um sorriso se desenhava sob seu bigode.

 

Onde demônios ouviste isso e como te atreveste a repeti-lo?

 

Era um insulto que os «vizinhos» do Otis e Clancey estavam acostumados a lhes dedicar. Lydia tinha pensado que, se era apropriado para eles, então devia ser o pior dos insultos.

 

É ruim? - Perguntou com acanhamento, pondo uns olhos arregalados.

 

Ross jogou para trás a cabeça e riu. Era a primeira vez que Lydia lhe via rir daquela maneira, e depois de lhe contemplar estupefata uns segundos, lhe fez coro.

 

Ruim? Disse por fim Ross, enquanto se secava as lágrimas com os nódulos. Sim, é. Eu em seu lugar, se quisesse que me tratassem como a uma dama, não voltaria a dizê-lo diante de ninguém.

 

Ficou a rir de novo, e quando as gargalhadas remeteram, apoiou-se contra a árvore e se deslizou tronco abaixo até ficar sentado sobre seus calcanhares. Olhou-a com uma expressão que não lhe tinha visto nunca. Era quase tenra.

 

Maldição, Lydia, o que vou fazer contigo? Passou os dedos pelo cabelo, e depois meneou a cabeça, como perplexo. Em um momento me enfureço contigo, a ponto de te estrangular com as mãos nuas, e ao seguinte consegue que ria como fazia muito tempo que não me passava.

 

Cravou a vista no chão durante um momento interminável, enquanto Lydia contemplava sua cabeça, desejosa de reunir a coragem suficiente para tocar seu cabelo, suavizar as rugas de preocupação que sulcavam sua testa. Quando ele voltou a olhá-la, seu rosto estava vazio de expressão.

 

Acredito que não fica outra eleição que seguir juntos até chegar Jefferson.

 

Eu penso o mesmo.

 

E depois o que? Lydia teve medo de perguntar. Casar-se com um estranho de caráter variável não era o ideal, mas ao menos não lhe batia. Preferia tê-lo ao seu lado que estar sozinha como o tinha estado um mês antes. De fato, começava a dar em falta quando o perdia de vista, fosse qual fosse o seu humor.

 

Lamento muito o de me... meu leite. Não podia sabê-lo quando nos casamos.

 

Os olhos de Ross se posaram sobre seus seios. Eram tão exuberantes, volumosos e sedutores como sempre.

 

Não, como poderia saber? Não me zanguei contigo, a não ser com o destino.

 

Zangou-se porque sua mulher tinha morrido prematura e injustamente. Tinha perdido os estribos porque se casou com aquela moça, dizendo-se que era lixo e jurando que não a desejava. E estava furioso porque, em que pese a todas aquelas afirmações, desejava-a muitíssimo.

 

Por que disse ao senhor Hill que iria ao rio? Por que me rodeou com o braço?

 

Formulou a última pergunta enquanto olhava os seus sapatos, porque já tinha baixado a cabeça com acanhamento.

 

«Porque não estava disposto a permitir que Hill te cortejasse. Porque só o fato de que te fizesse a proposta despertou meus ciúmes. Porque me proporcionou a oportunidade de te tocar.»

 

É muito provável que Moisés e ele nos ouvissem discutir. Não quis que ninguém pensasse que te trato mau.

 

Ah. Disse Lydia, decepcionada.

 

Voltemos para carro. Mamãe voltará com Lee em seguida.

 

Ante a surpresa de ambos, Ross fechou a mão sobre o braço de Lydia para guiá-la.

 

O espetáculo mais penoso que vi em minha vida.

 

A cabeça loira de Bubba Langston rompeu a superfície da água e saiu ao ar livre. A poucos pés dele, Priscilla Watkins; estava sentada na borda herbosa do rio. Tinha as mãos enlaçadas a suas costas e os joelhos encolhidos, indiferente a que o moço pudesse ver da água boa parte da tíbia e as anáguas.

 

O que faz me espiando? E o que é tão penoso?

 

Bubba se aproximou pouco a pouco à borda. Antes de entrar na água havia sentido a tentação de tirar toda a roupa. Agradeceu a sua boa estrela que se deixou postas as calças.

 

Não estava espiando a ninguém replicou a moça com ar petulante - baixei ao rio para tomar o afresco.

 

Priscilla fez a careta que nenhum homem podia deixar de olhar e endireitou o corpo. Levantou os braços sobre a cabeça e se estirou languidamente, de forma que o vestido se esticou sobre seus bem desenvolvidos seios. Baixou as pestanas sobre seus provocadores olhos cinza quando olhou a, Bubba com ira lamentável.

 

E o que é penoso é seu peito, Bubba Langston. Não tem nem um cabelo. Uma vez vi o senhor Coleman quando se banhava no rio. Tem cabelo por todo o corpo. Sob os braços, no peito e em alguns lugares que uma senhorita não deveria ver.

 

Bocejou, fingindo aborrecimento, enquanto via que o pomo de Adão da Bubba se movia inverificado.

 

Sabe o que sinta muito bem? Perguntou, mais animada de repente. Acredito que tirarei os sapatos e as meias e me molharei os pés na água fria. As garotas não têm tanta sorte como os meninos. Não podemos ficar na pele e ir nadar quando nos dá a vontade.

 

Bubba contemplou em fascinado silêncio como Priscilla se desenredava os sapatos e os tirava. Subiu a saia e começou a baixar as meias lentamente. Todo o corpo da Bubba ficou rígido quando as mãos da Priscilla deslizaram a meias sobre o joelho e a panturrilha, depois a passou sobre seu esbelto pé, e quando Bubba viu a branca longitude nua de sua perna, pensou que ia morrer.

 

A jovem fechou os olhos, compôs uma expressão extasiada e colocou o pé na água. Umedeceu os lábios lascivamente com sua língua indolente. Bubba gemeu de aflição e avançou três passos para ela pela água. As pernas lhe pesavam como o chumbo.

 

Priscilla.

 

Não lhe fez caso e se dedicou a baixar a outra meia, com a saia recolhida ao redor da cintura. Ao cabo de pouco, teve os dois pés na água.

 

É quase tão estupendo como outras coisas que eu sei, verdade, Bubba?

 

O menino não estava pensando com claridade e não captou a insinuação.

 

Eu também tenho cabelo.

 

A moça sorriu com flerte.

 

Não.

 

Sim.

 

Bubba se encontrava a escassos centímetros dela. Por obra da correnteza, os pés de Priscilla se chocaram contra suas coxas e a braguilha de suas calças. Deus, ia morrer!

 

Vê-o?

 

Ela se inclinou para testa para examinar seu peito.

 

Bem, reconheço-o. Vejo que tem alguns pulverizados aqui e ali. Contemplou seu rosto febril desde debaixo de suas pestanas. Baixou a voz até convertê-la em um ronrono sedutor. Nota-os crescer? O que se sente?

 

Bubba sentia que sua língua era muito grande para sua boca, e que tinha esquecido como movê-la. Não teria podido cuspir, embora sua vida tivesse dependido disso.

 

Toca e saberá - conseguiu articular.

 

Um brilho de triunfo iluminou nos olhos da Priscilla. Olhou para trás com cautela.

 

Se o fizer, não o dirá a ninguém, verdade? Nem sequer ao bisbilhoteiro de seu irmão.

 

Juro- exclamou Bubba, com o entusiasmo de um santo que jurasse obediência.

 

De acordo, pois. Priscilla estendeu a mão, e justo quando estava a ponto de lhe tocar, retraiu-a. Não posso.

 

Meu Deus, estava lhe matando!

 

Claro que pode disse ele com voz estrangulada. Toca.

 

É um animal por me obrigar a fazer isto, Bubba Langston disse a moça com santidade.

 

Bubba estava muito enlouquecido para dar-se conta de que o papel de sedutor recaía agora nele. Só se inteirou do contato ardente daqueles dedos sobre seu peito. Seu corpo ficou ao vermelho vivo. Sua virilidade pulsava dolorosamente no interior de suas calças molhadas. Se a água não lhe tivesse chegado à cintura, a garota teria visto o tremendo efeito que seu contato estava obrando em sua fisiologia. Sem saber como, os dedos de um pé se alojaram em sua virilha.

 

OH, Bubba cantarolou a jovem. Fechou os olhos e deixou que seus dedos vagassem ao azar. Eu gosto de seu tato. É muito viril.

 

Seriamente?

 

Ummm... Priscilla suspirou com pesar e apartou as mãos. Não teria devido permitir que me convencesse. Estou-me pondo muito quente.

 

Sim?

 

Ela assentiu e deixou que seu cabelo loiro se derramasse como uma cascata sobre seus ombros.

 

Acredito que me atirarei um pouco de água por cima para me acalmar.

 

Priscilla evitou a propósito os olhos ávidos do menino, desabotoou com naturalidade os dois primeiros botões de seu vestido e se agachou fazia a água, procurando que Bubba visse os seios que transbordavam sobre o sutiã. Agarrou água nas mãos, a jogou sobre o peito e deixou que escorregasse.

 

-Ooooh exclamou em voz baixa. Não pensava que estivesse tão fria.

 

Seguiu atirando-se água até que a parte dianteira de seu vestido ficou molhada e se colou ao seu corpo.

 

Quando se levantou, lançou uma zombadora exclamação de surpresa ao ver os olhos dilatados da Bubba. Seguiu-os até seus seios. O algodão se amoldava sobre eles de uma forma farto tentadora. A água fria tinha endurecido seus mamilos, tal como ela tinha planejado.

 

OH, tenha piedade gemeu, e se cobriu os seios com as mãos. Não me olhe assim, Bubba. O brilho de seus olhos me dá vontade de desmaiar.

 

Você me olhou - respondeu o menino com voz rouca.

 

Priscilla baixou pouco a pouco as mãos, deslizou-as com deliberada lentidão sobre seus seios, para que as pontas dos dedos roçassem os mamilos rígidos.

 

E o que se o fiz? É um descarado por te aproveitar assim de uma garota, mas suponho que é justo.

 

Bubba, paralisado pela visão daqueles seios, não viu que Priscilla apertava os lábios, frustrada. O menino era lerdo, não cabia dúvida. Se Scout não tivesse partido à cidade mais próxima assim que acamparam, ela não estaria ali com aquele caipira, que ao que parece não sabia para que servia a ferramenta oculta em suas calças. Entretanto, ela sim sabia e ardia em desejos de utilizá-la.

 

Precisava lhe animar um pouco.

 

Também te hei tocado disse em voz baixa e trêmula, como se estivesse ao bordo das lágrimas, mas sei que você alguma vez me apertará contra isso, verdade, Bubba? Assinalou para baixo com os dedos dos pés e apoiou a impigem arqueada do pé sobre os botões das calças do jovem.

 

Bubba cravou seus olhos azuis nela.

 

Disse que era justo.

 

Priscilla umedeceu os lábios com a língua, procurando que ele visse o gesto. Agitou as pestanas e conseguiu que se formassem algumas lágrimas.

 

Sim que é como um animal, mas se me promete não contá-lo...

 

Juro-o replicou Bubba, com os olhos cravados de novo nos mamilos erguidos que se viam com tanta claridade através do vestido. Tirou as mãos da água com movimentos torpes. Molharei mais seu vestido.

 

Dá igual! Gritou Priscilla.

 

Se tivesse sido Scout, teriam posto mãos à obra uma hora antes, ou mais, mas agora tinha que guiar a aquele idiota por cada passada do caminho.

 

As mãos da Bubba se fecharam sobre ela com suavidade, e depois, ao ver sua reação, com mais firmeza. Esfregou, apertou, amassou, sem acabar de acreditar que a sensação pudesse ser tão estupenda. Reuniu a suficiente valentia para deslizar seus polegares sobre os mamilos.

 

Ummm..., Bubba, estou segura de que já o tinha feito antes disse Priscilla. Abriu as pernas, E ele se colocou com toda naturalidade entre elas. Os calcanhares de Priscilla encontraram a parte posterior dos joelhos da Bubba e lhe apertou mais contra ela.

 

Não, nunca.

 

Vamos, Bubba, pode me dizer isso.

 

Nunca. Juro-lhe isso, Priscilla. É a primeira garota que quis.

 

Mais forte resmungou a moça. Esfrega-os com mais força, Bubba, e te aproxime mais para...

 

Bubba Langston!

 

O nome ricocheteou na abóbada celeste e se desabou sobre a cabeça da Bubba, que caiu à água. Se Priscilla não se agarrasse a um punhado de erva, lhe teria acompanhado em sua queda.

 

Sim, mamãe? Disse Bubba, enquanto escorregava ao caminhar sobre as pedras do leito do rio quando tratava de dirigir-se para a borda.

 

Acredito que seu papai necessita um pouco de ajuda no carro.

 

Sim, mamãe.

 

Agarrou a camisa do arbusto onde a tinha pendurado depois de enxaguá-la. Suas calças molhadas pegaram às pernas quando correu entre as árvores.

 

Mamãe, com o aspecto indomável de uma fortaleza, em que pese a que levava Lee Coleman no oco do braço, encaminhou-se para a moça, que se estava pondo a toda pressa as meias.

 

Quando Bubba esteve o bastante longe para não poder ouvi-la, Mamãe agarrou a Priscilla pelo cabelo e a obrigou a ficar em pé.

 

Estou educando a um menino decente e tenho a intenção de que continue sendo decente, ouve-me, moça?

 

Solte-me.

 

Priscilla retorceu a cabeça, mas não conseguiu outra coisa que fazer-se machucar o couro cabeludo. Mamãe não afrouxou sua presa.

 

É uma putinha safada, e me dei conta a primeira vez que te vi, e quero que se mantenha afastada da Bubba.

 

Ele...

 

Ele está maturando, desenvolvendo sua virilidade, e você é justo a ceva que necessita para meter-se em montões de problemas. Não permitirei que isso ocorra.

 

Direi a mamãe que me falou desta forma.

 

Não, não o fará, ou seu joguinho com o Scout chegará a um brusco final.

 

Priscilla deixou de revolver-se imediatamente, e Mamãe, ao comprovar que tinha conseguido obter toda a atenção da moça, soltou-a.

 

A próxima vez que sentir esse comichão nas saias, agita-o ante a cara de outro e deixa aos Langston em paz.

 

Quando Mamãe devolveu Lee a Lydia e foi ao seu carro, encontrou ali Bubba. Não verbalizou seu rechaço, mas seus Olhos comunicaram ao seu filho o que pensava de seus flertes com Priscilla Watkins. Bubba tragou saliva convulsivamente e avermelhou até que as raízes de seus cabelos pareceram brancas em comparação com o resto do rosto.

 

Necessita que te ajude a preparar o jantar, mamãe? Disse.

 

Sim, claro que me lembro - disse o barqueiro, e passou um cilindro de tabaco ao homem que perguntava pela caravana. Faz umas duas ou três semanas.

 

O homem cortou com os dentes um generoso pedaço e o engoliu. Cortou outra parte e o guardou no bolso da camisa para depois. O barqueiro recuperou seu tabaco. Tal como estavam os preços, a generosidade tinha os seus limites.

 

Duas ou três semanas, diz? Repetiu o homem.

 

Mais ou menos, sim. Lembro-me porque tiveram que acampar nos penhascos até que a chuva parasse e se pudesse cruzar o rio sem perigo.

 

Recorda se viu uma garota como a que lhe hei descrito?

 

O barqueiro cuspiu uma fibra de tabaco à corrente do rio.

 

Acredito que sim. Tinha um bom arbusto de cabelo, e um menino. Um menino de colo.

 

Um menino?

 

Uma coisinha pequena. Eu diria que não tinha mais de um mês de idade.

 

O outro homem sorriu com perversa satisfação quando olhou para a borda de Arkansas.

 

Estou seguro de que é ela.

 

O barqueiro lançou uma risada.

 

Não é algo que um homem possa esquecer como a mijada de ontem, mas por que segue a essa jovem, que já tem um menino e tudo?

 

O outro homem lançou um desagradável escarro para o lamacento rio.

 

É a puta que me fez esta cicatriz na cabeça.

 

O barqueiro pensou que aquele homem era um dos bastardos mais piolhentos, sujos e repugnantes que tinha visto em sua vida, mas a cicatriz que quase partia sua testa só era um detalhe mais em seu contrário. Estava seguro de que aquele tipo era podre até a medula.

 

Pagará-me - vaiou isso.

 

O barqueiro tirou o chapéu de aba larga e se secou com a manga a testa suada.

 

Bem, eu em seu lugar me manteria afastado do homem com o que vai. É...

 

Um homem!

 

O barqueiro retrocedeu com cautela ao captar um tom ameaçador na voz do indivíduo. Não queria problemas com ninguém, sobre tudo com indivíduos renegados como aquele, com pinta de matar a um homem por pura diversão.

 

Sim, seu marido, acredito.

 

Não está casada grunhiu o homem.

 

Bom, levava um menino de colo e viajava no carro de um homem. Recordo-o porquê, a metade da travessia, assustou-se e se meteu na carroça. A todo mundo entrou pânico por um momento, e também aos cavalos. O homem correu atrás dela e ficaram no carro juntos durante o resto da viagem.

 

Os olhos do desconhecido, negros, ameaçadores, como duas gotas brilhantes, esquadrinharam a borda oposta. O barqueiro voltou a cuspir, contente de que aquele homem não estivesse perseguindo a ele. De todas as formas, não lhe resultaria fácil arrebatar a moça ao homem de bigode e os olhos brilhantes.

 

Parecia um completo filho de puta. Os olhos penetrantes, sabe? Como se nada escapasse a sua atenção. Desencapou um Colt com a velocidade do raio quando pensou que algo lhe tinha passado à garota. Um tipo sombrio e melancólico. Não disse grande coisa, mas nada lhe passava por cima. Eu não gostaria de ter que me enfrentar com ele.

 

O outro homem lhe escutava com atenção, sem deixar de olhar a borda oposta.

 

Tinha uns cavalos estupendos, e sabia como tratá-los. Um ruído, um movimento da mão, e os animais respondiam ao momento. Era fantástico ver como aqueles cavalos lhe escutavam. Claro, deixou-os a cargo de um guri quando sua mulher se meteu no carro como se todos os demônios do inferno a perseguissem. Nunca tinha visto ninguém que lhe assustasse tanto o rio.

 

O sorriso que o outro homem lhe dedicou era demoníaco.

 

Disse que o rio a assustou? Sua gargalhada áspera conseguiu que um calafrio percorresse o espinho dorsal do barqueiro. Só se equivoca em uma coisa, ela não é a mulher desse homem, a não ser a minha.

 

Pode ser que lhe custe lhe convencer disso. Voltou a cuspir. Eu em seu lugar, a daria de presente, por bom pedaço de mulher que seja, antes que me enfrentar a esse indivíduo.

 

Mas não está em meu lugar, verdade?

 

O barqueiro se encolheu de ombros ao ver o olhar maníaco daqueles olhos.

 

Vai cruzar agora? Perguntou nervoso.

 

Amanhã. Antes tenho que comprar algumas provisões. Fez gesto de partisse, mas deu meia volta. Sabe aonde se dirigiam?

 

Só ouvi que foram a Telhas.

 

O homem assentiu, olhou para a borda ocidental, sorriu e se encaminhou ao Memphis a pé, assobiando alegremente entre seus dentes manchados de tabaco.

 

Bom dia, senhora Coleman.

 

Winston Hill saudou com o chapéu a jovem que conduzia a parelha de cavalos, enquanto cavalgava junto à carreta. Admirou sua superioridade, sua silueta esbelta, seu perfil encantador. O que mais lhe surpreendia dela era que não fosse consciente do agradável que era contemplá-la.

 

Bom dia, senhor Hill.

 

Quando começará a me chamar Winston?

 

Quando você começar a me chamar Lydia.

 

Acredita que seu marido o passará?

 

Lydia suspirou e continuou com a vista cravada na frente, enquanto seus ombros subiam, e logo, pouco a pouco, baixavam quando expulsou o fôlego. Seu marido aprovava muito poucas coisas das que ela fazia. Uma transgressão mais, real ou imaginária não importaria. Além disso, estava farta de tentar lhe agradar.

 

Se eu te der permissão, Ross não poderá fazer nada ao respeito disse em tom desafiante, e dedicou um sorriso ao Hill. Flertava sem dar-se conta, e o coração de Winston saltou em seu peito quando viu o resplendor de seu rosto.

 

Trouxe-te algo disse, enquanto introduzia a mão no alforje e controlava os seus arreios com a outra.

 

Para mim? Perguntou Lydia, encantada.

 

Recorda que te fascinou o livro que eu estava lendo a outra noite, quando passeava com Lee pelo acampamento? Parou-te a comer um pouco do bolo de maçã preparada por Moisés.

 

Só porque acreditei que ele poderia ofender-se se não a provava lhe interrompeu a jovem.

 

Winston riu.

 

E assim teria sido.

 

Ross se enfureceu quando tropeçou com a feliz cena uns minutos mais tarde. Quase tinha arrancado Lydia para a carreta, o corpo tenso de ira. Às vezes, Lydia desejava que gritasse, e não ficasse rígido e silencioso, como uma panela a ponto de explodir.

 

Vi que olhava o livro que eu lia seguiu Winston. Tirou-o do alforje e se ergueu sobre os estribos para depositá-lo sobre o assento do carro. Assim que lhe empresto. Pode o ter todo o tempo que queira.

 

Lydia se ruborizou, turvada e agradecida ao mesmo tempo.

 

Senhor... Hill.... Winston gaguejou. Sim que admirei seu livro. Quisera que soubesse... ler.

 

O homem permaneceu em silêncio um instante, enquanto contemplava o rosto da jovem. Tinha cometido um engano imperdoável. A outra noite, tinha tocado o livro com a ansiedade de alguém que sabia ler e não o fazia por falta de tempo ou material de leitura. Não lhe tinha passado pela cabeça que ela não soubesse ler.

 

Perdoe-me, Lydia. Não queria te ofender. Supus que sabia ler.

 

Em outro tempo sabia - respondeu ela com acanhamento. Mamãe me estava ensinando a ler quando papai morreu e...

 

As tristes e dilaceradoras lembranças sossegaram sua voz. De todos os modos, já não me ensinou mais depois e nunca voltei para a escola. Ainda reconheço as letras e suponho que poderia ler algo. Não sei. Não vi um livro há... muito tempo.

 

Os olhos de Winston se iluminaram. Estava a ponto de falar quando um ataque de tosse lhe assaltou. Tossiu no imaculado lenço de linho até que pôde reatar a conversação.

 

Arrumado, a que recorda mais do que pensa. Agarra o livro, por favor, Lee o que possa, e se tiver alguma dificuldade, me peça ajuda.

 

Não poderia. Seria um aborrecimento tal e...

 

Nenhum aborrecimento. Eu adoraria.

 

Gostava de falar com ela do que fosse. Nunca quis albergar sentimentos de amor para a mulher de outro homem. Isso ofendia ao seu código de honra, e se a situação não fosse desesperada naquele sentido, era-o por outro. Até saber que seria capaz de sobreviver em um clima mais seco e quente, não tinha a intenção de curvar a uma mulher com a carga de sua enfermidade, estava doente, mas ainda não tinha morrido. Ainda era um homem. Gostava de olhar Lydia, escutar sua forma suave de falar, desfrutar de seu encanto inocente.

 

Lee não me deixaria muito tempo para ler, e tenho obrigações para com meu marido.

 

Agora foi Winston quem se ruborizou, ao confundir as obrigações as que ela se referia.

 

Não queria dizer que não estivesse ocupada com... com os trabalhos próprios de uma esposa e... de uma mãe. Só pensei que se ficava algum momento livre para descansar, possivelmente você gostaria do livro.

 

Lydia lhe olhou com nostalgia. Ainda recordava a habitação onde papai se sentava a ler. Estava abarrotada de livros. Gostava do aroma daquela habitação, o aroma do tabaco de seu pai, da tinta, do papel velho e as capas empoeiradas dos livros. Fazia anos que não pensava naquela habitação, e a lembrança lhe doeu.

 

Não sabe quanto avalio sua amabilidade, Winston. Possivelmente possa Lê-lo. Ao menos isso espero. Não quero ser uma ignorante o resto de minha vida.

 

Eu nunca te chamaria ignorante, Lydia respondeu Winston em voz baixa.

 

Então Ross apareceu montado sobre Lucky. Ao igual a ele, seu cavalo sempre parecia impaciente por mover-se, e esporeou com arrogância quando Ross o freou junto ao cavalo de Hill, que, respeitosamente, deixou espaço livre ao garanhão.

 

Bom dia, Ross. Vejo que caçou alguns coelhos - comentou Winston com um sorriso cordial.

 

Winston passou para me saudar - disse Lydia, nervosa, enquanto puxava as rédeas da parelha. Trouxe-nos um livro.

 

Possivelmente se Ross pensasse que o livro emprestado era para os dois, deixaria que ficasse.

 

Sim - interveio Winston. Trouxe uma caixa cheia de livros. É absurdo que não se utilizem.

 

É muito amável, Hill - disse Ross. Poderia ir caçar com você uma manhã? Sou um bom atirador afirmou com modo estranho. Meu pai e eu sempre íamos caçar juntos. Antes da guerra.

 

Claro - respondeu Ross.

 

Deus, como desejava odiar a aquele homem! Mas Hill nunca fazia nada que merecesse seu ódio. Inclusive estava entusiasmado com Lee. Ross não podia odiar a ninguém que admirasse ao seu filho.

 

Estou acostumado a sair assim que a caravana fica em movimento.

 

Avise-me a próxima vez que vá. Eu gostaria de lhe acompanhar. E obrigado por ajudar Moisés com a parelha. Sabia que os cavalos eram bons, mas até que você lhe ensinou a alinhá-los para que não se entorpecessem mutuamente, estavam-lhe dando muita dor de cabeça ao pobre Moisés.

 

Não foi nada.

 

Ross encolheu os ombros. Olhou Lydia e desejou que não se sentasse tão erguida no assento do vagão quando a ensinava a conduzir. A postura destaca os seus orgulhosos seios até enlouquecer seus sentidos, e supunha que os de qualquer homem que passasse por seu lado, Hill incluído.

 

Lydia, vou pendurar estes coelhos na parte posterior do carro e os esfolarei quando detivermos ao meio-dia.

 

A jovem não podia acreditar o que acabava de escutar. Esfolar a caça era uma tarefa que estava acostumado a delegar a ela, embora lhe revolvesse o estômago e odiava ter que fazê-lo.

 

Obrigado, Ross murmurou. Olhou-lhe com solenidade durante um longo momento, até que ele desviou a vista e esporeou ao Lucky para o final da caravana.

 

Que passe um bom dia, Lydia disse Winston. Saudou-a com o chapéu e se afastou.

 

O mesmo digo, Winston, e obrigado pelo livro respondeu distraída a moça, pensando ainda em Ross e seu estranho comportamento. Quando acreditava que já começava a conhecê-lo, ele fazia algo inesperado que a dissuadia de seu convencimento.

 

Durante as duas últimas semanas, desde que tinham decidido permanecer juntos até chegar ao seu destino, tinha-lhe ensinado com êxito a conduzir a parelha. Ao princípio, Lydia se tinha mostrado torpe e aterrorizada, mas, à medida que seguia suas bruscas instruções, começou a ter calos.

 

Depois do primeiro dia, em que ele tinha amaldiçoado sua inépcia e a inutilidade de lhe dar lições, tinha ido à cidade mais próxima e comprado umas luvas de pele.

 

Já tinham montado o acampamento para passar a noite e quase todas as fogueiras estavam apagadas quando Ross entrou no carro. Lydia estava deitada sobre o colchão, Mas acordada. Tinha deixado o abajur aceso, com a chama baixa Ross lhe jogou um pacote envolto.

 

Destroçará as mãos se não põe isso - disse e começou a tirar a camisa e as botas. Lydia tinha as mãos avermelhadas e maltratadas, com bolhas e erosões, mas ignorava que ele se desse conta.

 

Abriu o pacote, e quando as suaves luvas de pele caíram sobre seu colo, as lágrimas foram aos seus olhos.

 

Obrigado, Ross.

 

De nada.

 

Sem olhá-la, apagou o abajur e se deitou em seu colchão.

 

Significa isto que, em que pese a minha estupidez de hoje, ainda tentará me ensinar a conduzir?

 

Acredito que já passou o pior. Vais melhorar.

 

Não era grande coisa, mas sim um passo adiante em comparação com as maldições e olhares furiosos que lhe tinham inspirado sua estupidez. À manhã seguinte, pôs as luvas quando Ross se sentou ao seu lado no assento da carreta. Estava encantada com eles, não só porque seu tato era suave, mas sim porque os presenteado Ross. E os tinha eleito ele em pessoa.

 

Cada dia se davam melhor; às vezes, pelas noites, riam e conversavam como qualquer casal normal. Depois, ocorreu algo que devolveu a sua boca aquela terrível careta e cortou seu sobrecenho.

 

Uma noite, Scout advertiu aos condutores a respeito de um terreno baixo que deveriam atravessar ao dia seguinte.

 

É profunda, mas seca explicou ao grupo congregado ao seu redor. Ninguém terá problemas enquanto lhes tomem com calma. O assento é brando e não haverá muita fricção. É pouco profundo ao outro lado, de maneira que sair será fácil.

 

Face às palavras do Scout, um dos condutores não escapou bastante o freio e soltou muito as rédeas da parelha. Lançou-se sobre o carro de diante em um penhasco pronunciado, e provocou uma situação perigosa em potência, assim como uma gritaria que assustou as duas parelhas. Enviaram Ross para que acalmasse aos cavalos.

 

Ainda estava tratando de tranqüilizá-los e alinhá-los ao outro lado do terreno baixo, quando chegou turno de Lydia. Conduziu o carro de Coleman até o bordo do penhasco. Quando olhou por cima, descobriu que a altitude lhe enjoava. Não queria que Ross ou quem fosse a criticasse por atrasar ao resto da caravana. Respirou fundo, estalou a língua, açoitou aos cavalos com as rédeas e lhes animou a avançar.

 

Estava na metade da descida quando notou que as rodas começavam a escorregar na terra branda. Aplicou pouco a pouco o freio, mas não passou nada. Puxar as rédeas só serviu para desconcertar a parelha, que se negou a obedecê-la quando insistiu em que continuassem baixando. Angustiada, olhou para trás para ver se Lee dormia na caixa, situada justo ante a entrada da carreta. Bastou aquela muito breve distração para que os cavalos se assustassem mais. Puxou as rédeas com força.

 

Não, Lydia gritou Ross.

 

Tinha conduzido Lucky até o flanco do carro e pressentido problemas imediatamente. Lydia viu pela extremidade do olho que Ross passava uma perna por cima da cadeira e saltava ao carro. Ordenou a seus arreios com um assobio penetrante que se apartasse.

 

Não puxe com força as rédeas, a não ser pouco a pouco.

 

Os músculos dos braços de Lydia doiam, as costas e os ombros pelo esforço que supunha tentar recuperar o controle da parelha, mas os cavalos se inquietaram ainda mais e a carreta tornou mais velocidade à medida que descendia para o chão rochoso do terreno baixo.

 

Deixe a mim - disse Ross. Rodeou suas costas com uma mão para agarrar a de Lydia, e cobriu também a outra. Devagar, devagar.

 

Falava tanto para ela como para os nervosos animais. Tinha a face quase apoiada contra a sua. A jovem ouviu suas palavras, sentiu seu fôlego na orelha. Suas mãos seguiram as instruções que Ross sussurrava.

 

Vê? As solte um pouco. Ainda conserva o controle, devagar, devagar, não agite as rédeas, um puxão forte e enérgico. Assim, Lydia, assim. Boa garota. Já falta pouco.

 

Quando chegaram sem mais contratempos ao fundo, Lydia se voltou para Ross e lançou uma gargalhada de triunfo.

 

Tenho-o feito! Tenho-o feito! Verdade, Ross?

 

A aba de seu chapéu tropeçou com a de Ross e escorregou para trás. A massa de cabelo que tinha amontoado sob o chapéu se esparramou sobre seus ombros. Lydia tinha o seu seio apoiado contra o antebraço de Ross, que pôde sentir os batimentos do coração rápidos e irregulares de seu coração por causa da excitação.

 

O rosto elevado para ele tinha uma expressão animada e iludida, e talvez fosse a mais bonita que ele tinha visto. Sem dúvida era o rosto mais sedutor, com sua estranha combinação de inocência, que as sardas ressaltavam, e aberta sensualidade, não adquirida, a não ser inata. Sua boca sorridente era doce e úmida, feita para ser beijada. Deus, como recordava essa doçura, quando se fundiu sob seus lábios.

 

À luz do sol, seus olhos eram de uma cor indefinida entre castanho e dourado. Ross viu refletido neles a um homem hipnotizado. Um homem que ardia em desejos de saboreá-la e tocá-la. Um homem solitário que desejava uma mulher, mas não a qualquer uma, a não ser a aquela. Um homem ofegante do prazer que sua voz suave e seu corpo exuberante prometiam.

 

Viu a si mesmo. E o que viu lhe assustou.

 

Soltou-a imediatamente.

 

Sim, tem-no feito bem disse, com uma voz grave desconhecida para ambos. Agarrou as rédeas e se afastou uns centímetros dela. Conduzirei o resto do caminho.

 

Lydia não podia ler seus pensamentos. Por um momento agonizante, pensou que ia beijá-la de novo. Experimentou a sensação de que uma gigantesca flor se abria em seu peito. Desejava que ele a beijasse. Desejava sentir outra vez o bigode apertado contra os seus lábios, a boca que se abria sobre a sua, a língua dele no interior de sua boca. Só de pensá-lo, Lydia sentiu que suas vísceras se estremeciam de um maravilhoso prazer.

 

Mas não tinha ocorrido, e ele se mostrou anti-social após, até aquela manhã quando, diante do senhor Hill, ofereceu-se a esfolar os coelhos para que ela não tivesse que fazê-lo.

 

Ross conduziu a parelha até o descanso de meio-dia, sem dar amostras de desejar travar conversação. Lydia se encheu de coragem e tentou em várias ocasiões falar com ele, mas as respostas de Ross eram breves e concisas. Para matar o momento, abriu o livro de Winston e começou a examinar as páginas de bordo dourado. Conseguiu decifrar o título.

 

Ivanhoé sussurrou.

 

Ivanhoé - a ajudou Ross.

 

Ela se voltou.

 

Sabe ler, Ross?

 

Ele se encolheu de ombros, como se estivesse acostumado a fazer quando não queria seguir falando. Não queria explicar a Lydia que tinha aprendido a ler depois de conhecer Vitória Gentry, quem se sentiu horrorizada quando soube que Ross era analfabeto, e se dedicou a lhe dar aulas pelas noites, quando terminava de trabalhar.

 

Assim que aprendeu, Ross leu todos os livros da biblioteca dos Gentry, e sua educação abrangeu outras matérias. Vitória lhe tinha ensinado noções de geografia e história, a somar uma coluna de cifras e a subtrair. Se não tivesse amado Vitória por outros motivos, o teria feito porque lhe tinha ensinado sem burlar-se de sua ignorância absoluta.

 

O que significa? Perguntou Lydia.

 

O que?

 

Ivanhoé.

 

É um nome masculino.

 

Acariciou com reverência a suave pele. Tem alguma mulher na novela?

 

Duas. Rowena e Rebecca.

 

O que lhes passa?

 

Ross olhou o rosto embargado de curiosidade e respondeu como estava acostumado a fazer Vitória.

 

Lê e saberá.

 

Lydia não rechaçava nunca os desafios que Ross lhe lançava. Winston Hill não teria podido convencê-la melhor com suas educadas palavras. Lydia elevou o queixo com orgulho.

 

Muito bem - disse. Se me saltar uma palavra ou não entender algo, ajudar-me-á?

 

Ross assentiu.

 

Durante o resto do dia, Ross escutou enquanto ela avançava penosamente pelas duas primeiras páginas. Quando formaram o círculo de carros para passar a noite, os dois estavam cansados, mas Lydia sentia um grande júbilo por seu êxito.

 

Mamãe foi ao carro e deu a mamadeira a Lee, enquanto Lydia cortava batatas e assava os coelhos. Bubba veio correndo e as interrompeu.

 

Ross necessita pregos de ferradura. Diz que há um saco na carreta.

 

Eu os levarei disse Lydia.

 

Vá ajudar ao seu pai e deixa que Lydia leve os pregos ao seu marido disse Mamãe ao seu filho.

 

Bubba ficou decepcionado. Gostava de estar com o Ross todo o tempo possível, mas não queria discutir com Mamãe aqueles dias, depois de que lhe tivesse surpreendido com Priscilla.

 

Muito bem disse aflito, e se encaminhou ao carro dos Langston.

 

Terminarei de lhe dar a mamadeira a Lee para que possa ir fazer o jantar de sua família disse Lydia, quando em realidade seu coração tinha começado a pulsar mais depressa para ouvir a sugestão de Mamãe. Ross e ela passavam muito poucos momentos a sós. Sempre era o último da caravana em retirar-se, em ocasiões chegava ao carro muito depois que ela adormecia. Quase todas as manhãs se levantava para atender aos seus cavalos antes que ela despertasse para dar a mamadeira a Lee e preparar o café da manhã. Lydia começava a suspeitar que Ross detestava estar perto dela, sobre tudo na intimidade do carro.

 

Anabeth fará o jantar esta noite. Prefiro me ocupar de Lee que quebrar as costas sobre essa fogueira. Vá- replicou Mamãe.

 

Lydia alisou o cabelo e se tirou o avental. Mamãe sorriu para si ao ver aqueles gestos inspirados pela vaidade e seguiu com o olhar a jovem, que cruzou o acampamento em direção aos currais. Os membros da caravana a aceitavam já como à senhora Coleman, e assim era como se dirigiam a ela.

 

Ross estava sozinho no curral, pois todos outros tinham voltado para os seus carros. Viu-o de pé junto a uma das éguas, a que escovava a crina e falava em voz baixa. Sua atitude cortou a respiração a Lydia. Tirou o chapéu, e o sol do entardecer arrancava brilhos iridescentes de seu cabelo negro. Sua acentuada masculinidade harmonizava com o marco do bosque.

 

Lydia estava tão absorta em contemplar como as mãos de Ross se deslizavam sobre o flanco da égua que não viu a pedra. Tropeçou, caiu de joelhos, e os pregos se pulverizaram sobre a terra rochosa. Amaldiçoou sua estupidez e correu a recolhê-los. Justo quando estendia as mãos para aproximá-los, ouviu um chiado. Ficou petrificada. A cascavel estava enrolada na pedra com a que tinha tropeçado.

 

O grito de Lydia rompeu o silêncio. Saltou para trás. Voltou a cabeça para dirigir um último olhar a Ross, enquanto aguardava a dor da picada.

 

Ross se atirou ao chão quando ouviu o grito de Lydia e desencapou a pistola enquanto se deslizava rodando pela terra. Depois, sem quase apontar, disparou. Lydia voltou a gritar quando a certeira bala de Ross cerceou a cabeça da serpente. O corpo do animal se retorceu a escassos centímetros de seu sapato, até que ao fim ficou imóvel.

 

Suspensa no tempo, Lydia olhou Ross com os olhos totalmente abertos. Tinha disparado a pistola com o mesmo instinto que impulsiona a uma cascavel a atacar algo que se movia. Lydia não sabia o que era o que mais a tinha assustado.

 

Sem fala, paralisada, estupefata, viu que Ross se levantava e avançava para ela. Encolheu-se quando ele se ajoelhou ao seu lado. Aquele homem podia ser tão mortífero como a serpente.

 

Lydia, mordeu-te?

 

A pergunta surgiu de sua boca como se a tivessem extirpado da garganta por toda a dor que lhe causava. Suas facções estavam deformadas pela angústia da incerteza.

 

Outro reverso. Ante os olhos de Lydia, Ross tinha passado de assassino a consolador. O trauma foi muito para os nervos de Lydia.

 

Não, não gaguejou, e ficou a tremer de pés a cabeça, de uma forma violenta e incontrolável.

 

Arrastou-se para o peito de Ross, enlaçou as mãos sobre seus ombros e chorou sobre sua camisa. Os braços de Ross já a tinham rodeado, ajudado a levantar-se sobre seus joelhos e aconchegou seu corpo contra si. Sepultou o rosto na massa de seu cabelo e murmurou que tudo tinha passado. Notou um estremecimento em seus seios e a apertou com mais força, acalmou seu terror residual e o absorveu.

 

Lydia levantou a cabeça, com os olhos alagados em lágrimas.

 

Faz tão somente umas semanas queria morrer, mas quando vi a serpente, não quis morrer e deixar a Lee. Nem a ti... Ross.

 

Lydia gemeu em voz baixa - Ross, antes de esmagar a boca contra a sua, liberando toda a tensão acumulada durante semanas. Suas bocas se encontraram com a urgência do momento, com a feroz necessidade de persuadir-se de que tinham sobrevivido a um desastre. Respiravam com dificuldade, ofegantes, e Ross afundou a língua em sua boca. Os braços de Lydia se abriram, estenderam os dedos, esticaram-se, aferraram, e por fim se relaxaram enquanto se fechavam com força ao redor do pescoço de Ross.

 

Sons animais surgiram da garganta de Ross enquanto percorria com as mãos as esbeltas costas da moça. Estava enlouquecido pelo instinto primitivo masculino de reclamar, possuir, proteger, copular. Fechou a mão sob seus quadris e a elevou para sua fogueira, que encontrou alívio em sua ternura. Efregou-se contra a cavidade vulnerável que albergava sua feminilidade.

 

Ross acreditou que o ruído ensurdecedor que chegava aos seus ouvidos era o batimento do coração de seu coração, mas Lydia compreendeu que era o som de uns passos apressados, e liberou sua boca do beijo. Alguns membros da caravana deviam investigar o motivo do disparo. Mamãe, depois de depositar Lee nos braços de Anabeth e ordenar que o cuidasse, ia à frente do grupo que se congregou ao redor do casal, a que encontraram ajoelhados e abraçados.

 

Todos contemplaram o corpo retorcido da serpente, que falava por si só.

 

Uma sorte impressionate, se querem saber minha opinião.

 

Poderia ter acontecido com qualquer de nós. Não faz nem cinco minutos que andávamos por aqui.

 

Menos mal que não atacou a algum menino.

 

Menos mal que Ross disparou.

 

Como o fez, Ross?

 

De onde tiraste essa pontaria?

 

Lydia escrutinou os olhos verdes de Ross. Uma prece silenciosa e se desesperada iluminava neles. Ela a leu.

 

Estava-lhe rogando que não comentasse sua habilidade com a pistola. Naquele momento, intuiu algo novo sobre o caráter de seu marido, algo que tinha pressentido antes, mas carecia de provas. Ele também tinha algo que ocultar. Dirigir cavalos não era o seu único talento, mas não queria que ninguém soubesse.

 

Eu..., ummm..., não tinha tirado o cinturão desde que saí a caçar esta manhã. A pistola seguia carregada. Quando Lydia viu a serpente e me chamou, pude me aproximar de um salto e matá-la.

 

Não olhava ao seu público encantado, mas sim continuava esquadrinhando os olhos de Lydia, com a súplica de que não revelasse a verdade, que tinha acertado a cabeça da serpente de uma distância de doze metros.

 

Bem, tudo terminou e, por isso a mim basta, já tive muitos emoções por hoje anunciou Mamãe, indo ao resgate. Não sabia o que, mas intuía que algo importante tinha ocorrido entre Ross e Lydia. Reconhecia uma mentira quando a ouvia, e o senhor Coleman tinha mentido. Senhor Sims, tem um pouco de conhaque? Acredito que um bom gole acalmaria a senhora Coleman, enquanto seu marido tranqüiliza a esses cavalos assustados. Fica alguns com ele e olhem que não haja mais serpentes pela zona.

 

Ross, a contra gosto, apartou seus braços de Lydia.

 

Lydia, a contra gosto, deixou que a entregassem a Mamãe e a conduzissem de volta ao acampamento

  

Lydia despertou à manhã seguinte com o estômago revolto e o coração lhe batiam as asas. Ardia em desejos de ver Ross e ao mesmo tempo temia que chegasse esse momento. Por algum motivo absurdo, ela tinha fingido estar adormecida quando ele voltou tarde para carro a noite anterior. Não pôde reunir suficiente coragem para falar com ele. Não sabia se agora poderia.

 

   O que tinha acontecido ontem, depois do incidente da serpente de cascavel? Jamais tinha experimentado aquelas sensações secretas que se abriu em seu interior, como ovos diminutos. Programadas para reagir ao tato de Ross, ao seu beijo, tinham liberado uma substância nova e maravilhosa que tinha fluido por todo seu corpo lentamente, como cálida mel dourado. Tinha desejado que aquele beijo se prolongasse até...

  

   O que? No que culminava aquele tipo de abraço? No que tinha experimentado com Clancey não, certamente. Eram duas coisas muito diferentes. Ainda não tinha clara a diferença. Só sabia que estar com o Ross não se parecia em nada ao que tinha padecido antes.

  

   As lembranças daqueles detestáveis momentos que tinha vivido com Clancey eram agora mais dolorosos que nunca. Embora o seu agressor estivesse morto, feridas emocionais que lhe tinha infligido perduravam em seu coração. Ross a tinha beijado ontem. Só então ela tinha compreendido bem o alcance da brutalidade de Clancey. Se Ross e ela faziam algum dia... aquilo..., desejaria ser virgem para ele. Quereria que ele fosse o primeiro em conhecer seu corpo. Desejava lhe oferecer pureza. Era um presente que já não podia lhe dar.

 

O remorso por aquela circunstância a corroeu até que sentiu dor. Se tanto a torturava a ela, o que sentiria Ross pelo fato de que já tinha estado com um homem?

 

Aqueles pensamentos, perseguiram-na enquanto alisava o cabelo, observava sua imagem no pedaço de espelho e desejava com tristeza possuir uma beleza mais convencional. Então as lonas se abriram e Ross entrou no carro. Lydia, sobressaltada, retrocedeu de um salto. Pareceu-lhe enorme e muito próximo, deu-lhe a sensação de que Ross abrangia todo o espaço disponível da carreta.

 

Bom dia - disse a moça, sem fôlego. Considerou mais fácil falar com os botões de sua camisa que aos seus olhos. Dormi mais da conta?

 

Não. É que eu me levantei cedo. Quando Lydia se atreveu a levantar a vista, observou que ele tampouco a olhava. Dormiste bem? Teve conseqüências a... serpente?

 

Não. Lydia se umedeceu os lábios. Estou bem.

 

Ótimo. Ross se girou para voltar a partir. Bom...

 

Ross.

 

Avançou um passo para ele.

 

O que?

 

O homem girou em redondo e quase tropeçou com ela.

 

Obrigado.

 

Esta vez Lydia se atreveu a elevar a cabeça para a sua.

 

Por quê?

 

Os olhos de Ross brilharam por causa de algum fogo interno e esquentaram todo o corpo da moça.

 

Por me salvar da serpente.

 

As palavras logo que puderam sair de seus lábios, que de repente se intumesceram.

 

Ah.

 

Nunca recordaram quanto tempo permaneceram olhando-se. Só puderam especular sobre o que teria ocorrido se Bubba Langston não tivesse aparecido a cabeça e gritado:

 

Há alguém em casa? Trago o leite do menino.

 

Todo o dia foi igual. Trocaram frases breves, como temerosos de dizer muito, mas às vezes falavam com o temor de não dizer o suficiente. Observavam-se mutuamente às escondidas, mas lhes resultava difícil olhar aos olhos. Comportavam-se com extrema educação. Os dois eram estranhamente felizes. Os dois eram imensamente desventurados. Caminhavam sobre uma corda frouxa. Aquela espécie de equilíbrio precário não podia durar muito. Em algum momento um devia cair a um lado ou ao outro.

 

Como de costume, depois de acampar de noite, Ross foi ao outro lado do carro para lavar-se, enquanto Lydia preparava o jantar. Tinha chegado a gostar de ver como Ross, nu até a cintura, ensaboava-se e enxaguava, e tinha começado a inventar desculpas para dar a volta à carreta e falar com ele. Mas naquela noite, ainda chocada pelo beijo do dia anterior, a imagem semi desnuda de Ross adquiriu uma nova dimensão. As vísceras de Lydia se estremeceram quando recordou a maneira em que as mãos dele a tinham estreitado. Possivelmente a idéia de fazer o amor com ele não era detestável, porque Ross era mais atraente que Clancey. Fosse qual fosse a razão, Lydia admitia um franco interesse por seu corpo.

 

Decidiu que ia pedir sua opinião sobre o guisado. «prova isto, e me diga se necessita mais sal, por favor.» Uma petição muito própria de uma esposa, não? Uma desculpa plausível para falar com ele enquanto se lavava. Agarrou uma colherada de guisado e deu a volta à carreta.

 

Ross estava inclinado sobre a bacia. A flexível extensão de sua coluna dividia suas costas em duas metades de carne bronzeada. Os músculos de seus braços se destacavam a cada movimento que fazia para tornar-se água sobre a cabeça. De repente, ele se endireitou, jogou a cabeça molhada para trás e cobriu os olhos com as mãos. Gotas de água caíram sobre seu peito e escorregaram pelo pêlo que o cobria para aquela magra linha de cabelo escuro que desaparecia no interior das calças, avultados por seu sexo.

 

Lydia tragou saliva e seu coração se acelerou. Naquele momento só desejava lhe tocar. Tocar todo seu corpo. Porque era lindo.

 

E então viu Priscilla Watkins, apoiada contra uma árvore próxima ao carro. A moça olhava Ross com expressão extasiada, e tinha os olhos frágeis e sonhadores sob suas pálpebras meio caídas.

 

Lydia se enfureceu e experimentou a irresistível tentação de atirar o guisado quente à cara lasciva da garota. Como se atrevia Priscilla a olhar morta de desejo ao seu marido!

 

Quando a moça viu Lydia, fez uma careta com os lábios e desapareceu entre as árvores.

 

Lydia, de uma maneira irracional, descarregou sua cólera sobre o Ross.

 

Ainda não acabaste? Perguntou em tom altivo.

 

Ross baixou as mãos, olhou em sua direção e foi consciente pela primeira vez de sua presença. O cabelo molhado gotejava sobre suas orelhas e pescoço.

 

Não replicou. Há um horário estabelecido?

 

Apresse. O jantar está quase feito.

 

Girou em círculo com uma revoada da saia e voltou para o fogo, perguntando-se por que se zangou tanto.

 

E se cubra um pouco, pelo amor de Deus! –gritou sem voltar-se.

 

Ross só necessitava aquela provocação. Tinha os nervos a flor da pele. Se não podia encontrar um desafogo sexual, perder os estribos seria suficiente. Deu a volta ao carro feito uma fúria, enquanto vestia a camisa.

 

Pode ser que não te tenha se fixado, mas poucas vezes me lavo com a camisa posta.

 

Lydia introduziu a concha de sopa no guisado e se voltou.

 

Não, prefere se exibir meio nu para que garotas como a Watkins possam ver-te bem.

 

Ross meneou a cabeça, tentou decifrar do que estava falando, tentou aplacar a necessidade de esmagar seu corpo contra o dela e emudecê-la com outro beijo enlouquecedor.

 

De que merda fala? Não me estava exibindo. Não posso evitar que essa puta oferecida fareje quando me lavo.

 

O rosto de Lydia adquiriu um tom rosáceo. Suas mãos delicadas formaram uns punhos ridiculamente frágeis.

 

Quer dizer que já o tem feito antes?

 

Ross se encolheu de ombros, um gesto de pura presunção.

 

Claro. Montões de vezes.

 

Bem, pois não te verá mais. É um homem casado. Lavar-se-á dentro do carro.

 

Ross avançou um passo. Lydia teve que jogar a cabeça para trás para lhe olhar o rosto.

 

Mas o que diz? Grunhiu. O matrimônio não te dá plenos direitos sobre mim. Continuarei fazendo o que faço sempre, quer dizer, o que me dá a vontade, e você não dirá nada a respeito.

 

Tenho algo que dizer ao respeito vaiou a moça. Sou sua mulher.

 

Minha mulher está morta.

 

Ross se arrependeu imediatamente das palavras que acabavam de escapar de seus lábios. Lydia retrocedeu como se a tivesse golpeado, e Ross teve que reprimir o impulso de agarrá-la e atraí-la para ele.

 

Tinha tido que pronunciar aquelas odiosas palavras porque as levava recitando todo o dia. Desde que tinha beijado Lydia na tarde anterior, tinha sustentado conversações mentais com Vitória, desculpando-se por desejar a uma mulher com uma ânsia que lhe debilitava. Tinha justificado o desejo pela mulher que agora levava ao seu sobrenome ao fantasma que lhe atormentava. Só era um homem. Um homem bastante débil, por certo. Culparia Vitória por desejar e necessitar a outra mulher?

 

Sentia-se tão culpado como o pecado, mas isso não lhe impedia de desejar tomar o que era dele, por direito e por lei. Encontrava-se em um dilema moral, e embora tivesse deixado atrás uma vida delitiva, os dilemas morais ainda constituíam uma novidade para Ross, e os odiava com todas suas forças. Tinha que culpar a alguém pela guerra que se estava levando a cabo em sua consciência. Lydia era uma cabra expiatória muito conveniente para aliviar sua frustração.

 

Lágrimas de dor e raiva apareceram nos olhos de Lydia.

 

OH, claro. Alguma vez me deixará esquecer que sigo os passos santificados de Vitória, né?

 

Bubba Langston viu que a atmosfera estava carregada de animosidade. Os dois pareciam animais selvagens enlouquecidos pela fome, sujeitos por correias invisíveis, dispostos a despedaçar-se mutuamente. Sabia que ia entrar na toca do leão, mas lhe tinham enviado em busca de Ross. Esqueceu toda cautela.

 

Olá, Ross disse, em voz muito alta.

 

O homem voltou a cabeça com brutalidade e cravou seus olhos verdes, afiados como facas, na Bubba.

 

Sim?

 

O duro olhar de Ross acovardou a Bubba.

 

Enviaram-me para lhe buscar se apressou a explicar. Há uma carreta de... senhoras, mais ou menos...

 

Luke, que lhe tinha seguido, lançou uma gargalhada detrás dele. Bubba girou em redondo e lhe lançou um olhar de advertência. A gargalhada de Luke se reduziu às sacudidas de seus ombros e alguns sons afogados.

 

Tiveram um acidente junto ao rio. O senhor Grayson solicita sua ajuda.

 

Ross olhou a Lydia durante um longo momento, e depois agarrou o chapéu.

 

Levem-me lá disse aos pequenos.

 

Lydia o viu partir. Desolada, agarrou Lee, que dormia tranqüilamente em seu berço, e apertou o corpinho quente do pequeno contra o seu peito, com a esperança de obter consolo. Deixou-se cair sobre o tamborete e contemplou o fogo.

 

Transcorreu uma hora. Quase todo mundo tinha jantado e se dispunha a deitar-se. Não tinha fome, mas continuou de todas as formas, decidida a não permitir que Ross e suas odiosas palavras destruíssem seu bom apetite. O guisado tinha o sabor de serragem. Lee estava adormecido, e depois de lhe embalar um momento, deitou-lhe.

 

Saiu de novo a tomar o ar da noite, quando viu que Mamãe se aproximava a passo de carga, tão séria e lúgubre como um chefe índio.

 

Será melhor que vás ver seu marido disse sem trocar a expressão, e propinou um empurrão a Lydia.

 

Mas...

 

Vê. Esse carro cheio de rameiras está junto ao rio.

 

Rameiras?

 

Sim, rameiras. Mamãe estava a ponto de gritar. Vá. Eu ficarei com Lee.

 

Lydia, confusa, apressou-se a cruzar o acampamento. Todos a olhavam como se soubessem algo trágico, mas não se atrevessem a dizer-lhe.

 

A carreta que estava parada junto ao rio não se parecia com nenhuma das que Lydia tivesse visto. Estava adornada com uma alegre grinalda de flores silvestres, corações e pombas pintadas em seus flancos. As rodas eram vermelhas, com corações brancos pintados sobre os cubos. Até as lonas pareciam frívolas, com objetos interiores que penduravam de umas braçadeiras. Lydia nunca tinha visto umas roupas tão transparentes e adornadas de rendas, e se perguntou para que serviam muitas delas.

 

Ross estava sentado sobre Lucky, com uma perna levantada e apoiada sobre elas. Sua postura era indolente, fumava um cigarro, e tinha jogado o chapéu para trás. Os dentes brancos contrastaram com seu bigode quando lançou uma gargalhada, tudo isso enfureceu a Lydia. Aquela atitude de presunçosa confiança em si mesmo recordou Scout. E a vaidade de Scout sempre a tinha irritado.

 

Ross estava falando com cinco mulheres, as quais se achavam sentadas no assento da carroça ou escarranchadas sobre os cavalos da parelha, com as pernas nuas. A que Ross estava olhando naquele momento se estava dando ar com um enorme leque de plumas púrpuras. O decote de seu vestido era escandaloso, e deixava ao descoberto os dois montículos brancos de seu busto.

 

Lydia se precipitou para o carro como um pequeno soldado, com as costas retas e a cabeça erguida e inclinada no ângulo mais depreciativo possível.

 

A mulher foi primeira em vê-la. Deteve os preguiçosos movimentos do leque e admirou a moça que avançava para o grupo com tanta determinação em seu porte e expressão. Era uma perita em carne feminina, e reconhecia uma assim que a via. Maquiada, engravatada e vestida com algo que não fosse chita, aquela garota valia uma fortuna. Tinha uma cor de pele fabulosa.

 

Ross observou que tinha perdido a atenção de seu público. As jovens olhavam agora além dele. Voltou a cabeça e viu que Lydia se aproximava. Deteve-se escassos passos de seus estribos e lhe olhou.

Pensa jantar no carro, senhor Coleman?

 

Ross deu uma baforada ao cigarro e lançou uma nuvem de fumaça para o céu. Contemplou o cigarro enquanto respondia lentamente.

 

-Senhoras, apresento-lhes à senhora Coleman. Lydia, Madame LaRue e suas... pupilas.

 

As faces de Lydia se inflamaram quando as garotas murmuraram baixo.

 

Tinha visto algo parecido em sua vida? Ouviu que dizia uma.

 

Lydia passeou um olhar glacial pelo grupo de garotas, e depois a dirigiu à mulher do busto exuberante, que continuava examinando-a com olhos entreabertos e calculadores.

 

Emitiu um bufo de desdém e se voltou para o Ross.

 

E bem? Tenho-te feito uma pergunta.

 

Ross a contemplou e rogou a Deus que seu aspecto não fosse tão lindo, com o último raio de sol que se filtrava através de seu cabelo. Por que seu corpo parecia mais voluptuoso, com suas esbeltas curvas envoltas em tecidos singelos, que a variedade de carnes tão generosamente exibidas ante seus olhos cheios de cetim e renda transparentes? Parecia uma leoa zangada que precisava ser domada com toda urgência. Entraram-lhe o desejo de desmontar, atraí-la para si e começar a domá-la ali mesmo. O primeiro que faria seria beijar aqueles lábios desdenhosos.

 

Não, não vou jantar no acampamento. Estas damas - as saudou com o chapéu e as garotas riram ficaram entupidas no barro. Ajudei a tirar sua carroça do lamaçal e me ofereci às acompanhar à Cidade, onde as espera o proprietário de Shady Rest Saloon.

 

Esperam-nos todos esses trabalhadores da ferrovia com os bolsos cheios de moedas - ronronou uma das garotas.

 

Não é quão único enche seus bolsos acrescentou outra. Todas estalaram em gargalhadas, incluindo Ross.

 

Lydia apertou os dentes e cravou as unhas em suas palmas.

 

Como, queira disse. Deu meia volta e retornou ao acampamento por entre a erva alta e as flores silvestres.

 

Ross esmagou o cigarro e a seguiu com o olhar. Se tivesse atuado como se lhe importasse, se lhe tivesse suplicado, não teria ido; mas lhe importava bem pouco o que ele fizesse, e ele merecia um pouco de diversão. Não se tinha dado conta até aquele momento de quanto tinha sentido falta de beber, brincar e pegar putas. Sim, primeiro as putas, Vitória não tinha deixado que a tocasse durante meses. Agora vivia com uma mulher a que não podia suportar, que lhe tentava de forma deliberada sabendo de que não poderia fazer amor com ela.

 

Estava farto da vida familiar. Do matrimônio. Não podia agüentá-lo mais. Hoje podia escolher a mulher que lhe desse vontade, e por Deus que se deitaria com todas, embora não pudesse ficar em pé pela manhã.

 

Voltou-se e deixou que seus olhos verdes escorregassem sobre cada uma das garotas até que se posaram por fim em madame LaRue.

 

Quando quiserem, senhoras.

 

Vejo que o livro te interessa.

 

Lydia levantou a vista do livro que sujeitava perto do abajur.

 

Olá, Winston. Sim, é fascinante.

 

O jovem sorriu na escuridão.

 

Posso me sentar? Perguntou, e indicou o outro tamborete.

 

Lydia tragou um nó de gratidão, porque o senhor Hill falava com ela como se não tivesse passado nada. Aquelas alturas, todo mundo sabia que Ross tinha ido ao Owentown com as prostitutas. Evitavam a Lydia como se estivesse de luto. «Se soubessem o pouco que me importa». Pensou desafiante.

 

Estava mentindo. Sentia o coração como uma bola de chumbo em seu peito desde que Ross a tinha humilhado diante das prostitutas.

 

Sente-se, Winston, por favor disse, com um sorriso forçado. Gosta de café?

 

Sim, obrigado.

 

Lydia lhe serviu uma xícara.

 

Ler não deve te dar muitos problemas comentou Winston depois de beber, ou é muito orgulhosa para me pedir ajuda.

 

A suave reprimenda arrancou um sorriso de Lydia.

 

Recordo mais do que pensava. Quando uma palavra resiste, Ross... Calou de repente, depois de pronunciar seu nome. Contemplou o fogo, e se perguntou se estaria beijando a alguma daquelas mulheres como a tinha beijado a ela ontem. Ross me ajuda. Sabe ler - disse com orgulho.

 

Que sorte para os dois - comentou em voz baixa Winston.

 

Oxalá tivesse forças para golpear ao homem que tinha tingido seu rosto de desespero. Mas embora as tivesse, não era problema dele. De todos os modos, no que pensava aquele homem, insultando a daquela maneira diante de toda a caravana? Merecia umas chicotadas.

 

Lee está dormindo? Perguntou, para trocar de tema.

 

Conseguiu que Lydia apartasse a vista do fogo e um olhar mais animado apagasse a enorme tristeza que uns segundos antes tinha tingido seus olhos.

 

É um anjo. Cada noite dorme depois da última mamadeira. Dorme toda a noite, mas se acorda cedo.

 

É um menino estupendo.

 

Sim. Às vezes esqueço que não é meu.

 

Não tinha querido admiti-lo. Winston observou sua aflição imediatamente e se levantou.

 

Obrigado pelo café disse, e deixou a xícara pela metade sobre a parte posterior do carro. Devo partir. Como Lee, todos temos que nos levantar cedo pela manhã.

 

«Onde estará Ross pela manhã?», perguntou-se Lydia.

 

Sim.

 

Necessita ajuda para apagar o fogo?

 

Não se apressou a responder. Ainda albergava a esperança de que Ross voltasse. Farei-o dentro de um momento. Quero ler um pouco mais.

 

Winston se levou sua mão aos lábios e a beijou com doçura.

 

Boa noite, bonita Lydia.

 

Depois, desapareceu na escuridão e Lydia ficou sozinha, à espera de Ross.

 

Era o tipo de local que estava acostumado a freqüentar em seu passado, e antes de entrar já soube que estava flertando com o desastre. Não obstante entrou com uma necessidade quase compulsiva de auto castigar-se. Quando chegaram a Owentown, as «senhoras» já lhe tinham posto os nervos a flor de pele. Lançavam risadas, sorriam como idiotas e lhe assediavam com roce suaves, acidentais e bem dirigidos, que, em lugar de inflamar seus desejos, esfriavam-nos. Não deixava de pensar na Lydia e na valentia com que lhes tinha plantado cara a ele e às mulheres que quase juraram seduzir ao seu marido. Ao seu lado, todas elas eram patéticas.

 

Ross empurrou as portas M Shady Rest, afligido pela culpa e a insatisfação, e entrou no ruidoso antro. O aroma de fumaça, cerveja rançosa e corpos sem lavar impregnava o ar. Fazia muito tempo que o papel vermelho se desprendeu das paredes de tábua delgada, e que tinham tirado os olhos a tiros à moça que aparecia nua e reclinada no retrato, muito mal pintado, que pendurava sobre a barra. O tapete estava pegajoso por causa do tabaco cuspido. O pianista era uma abominação para qualquer um que tivesse meio ouvido para a música, e as bebidas estavam aguadas.

 

Dava a impressão de que os clientes não advertiam aquelas deficiências. Tinham ido para passá-lo bem e a chegada das cinco prostitutas novas tinha obtido que o sangue e os ânimos de todos os paroquianos se alterassem.

 

Era justo o tipo de atmosfera sórdida que Ross necessitava para convencer-se de que era desventurado em sua nova vida.

 

Agarrou uma garrafa de uísque na barra e se abriu passo entre um labirinto de corpos fedorentos até uma mesa onde se estava jogando uma partida de pôquer. Por sorte as apostas não eram altas. Participou da seguinte partida e ganhou. Quando já tinham transcorrido várias mãos e numerosos copos de uísque, reparou em um homem que estava ao outro lado da sala e lhe olhava com soma atenção. O homem parecia tão inofensivo que despertou as suspeitas de Ross imediatamente.

 

Todos os instintos que tinha desenvolvido ao longo dos anos entraram em ação. Inclusive depois de três anos de viver como uma pessoa decente, todo seu corpo estava preparado para reagir ante um perigo em potência. Quando voltou a levantar a vista, o homem lhe dava as costas, mas Ross sabia que talvez lhe tivesse reconhecido. Recolheu seus lucros, deixou a garrafa a outros como prova de camaradagem e se encaminhou para a porta lateral do botequim.

 

Saiu com cautela à escura ruela e seus olhos esquadrinharam os lugares onde um espião poderia esconder-se. Conhecia-os todos. Maldição! O homem que lhe tinha estado observando no botequim estava de pé na esquina do edifício, dedicado a acender um cigarro. Podia significar algo, mas Ross não queria correr riscos. Tinha deixado Lucky diante do salão. Mais tarde assobiaria para que o animal acudisse. De momento, o melhor seria seguir escondido.

 

Esmagou-se contra a parede, e sem apartar a vista da silhueta da esquina, dirigiu-se nas pontas dos pés para a parte posterior do edifício. Viu o carro de Madame estacionado ante a porta traseira. O suave resplendor do abajur que brilhava em seu interior revelou que a mulher estava de pé na parte posterior.

 

Ross se aproximou em silêncio.

 

Por que não está dentro, com as demais? Sussurrou.

 

E você?

 

A mulher estava fumando um cigarro, e a fumaça se enredava na massa de cabelo azeviche que se empilhava sobre sua cabeça. Levava ruge nas faces e pintura nos lábios. Seu rosto estava coberto de maquiagem que, se não se observava de perto, camuflava as rugas. Seu braço, cruzado sobre o estômago, mantinha fechada uma bata de cetim negro, com um dragão chamativo bordado sobre o ombro, que arrojava fogo pelo focinho' e cujos olhos avermelhados e enlouquecidos lhe olhavam de seu generoso busto.

 

Ross olhou para o botequim. Chiados de prazer, o tamborilar metálico do piano, rugidos de ira e gargalhadas se mesclavam de uma forma ofensiva.

 

Muita gente.

 

Madame atirou o cigarro ao chão.

 

Opino o mesmo. Estou muito cansada esta noite.

 

Ross se sentia sozinho. Pensou no homem que vigiava diante do botequim. Perseguidores, sempre, até o fim de seus dias, perseguidores. Pensou em Vitória, que ao morrer tinha deixado sem apoio, para que recaísse na vida da que tinha tentado escapar. Tratou de não pensar em Lee. Nem em Lydia. «Deus, não pense em Lydia.»

 

Tem uma garrafa?

 

Sim.

 

Madame deixou que seu braço escorregasse, de forma que a bata se abriu e revelou um corpo que em outro tempo teria sido desejável, mas agora estava fofo e inchado. Só seus seios eram bonitos. Tinha uns seios magníficos, e tinha aplicado aos mamilos o mesmo lápis que aos lábios. O arbusto de pêlo que brotava entre suas coxas era áspera, espesso e escuro. Tinha as coxas robustas, mas os tornozelos eram delicados.

 

Tenho muito uísque e tudo o que você necessita agora, senhor Coleman.

 

Era uma puta velha, mas o que era ele? O filho de uma puta. Além disso, um se consolava onde podia. Subiu ao carro e as lonas se fecharam a suas costas.

 

Reinava uma escuridão absoluta quando Ross saiu da carreta, cambaleante e bêbado. Piscou para acostumar-se ao negrume e avançou com passos vacilantes, finalmente decidiu que era absurdo seguir caminhando. Levou os dedos à boca, colocou-os no lugar adequado e assobiou entre seus lábios flácidos e intumescidos. O assobio ressonou no silêncio da noite como um trompete. Ficou tenso, mas se tranqüilizou quando seu cavalo apareceu pela esquina do edifício. Não percebeu nenhum outro movimento. Fazia muito momento que o botequim tinha fechado suas portas.

 

Depois de vários intentos frustrados, conseguiu subir ao cavalo e guiá-lo para a caravana. Deus, sentia-se morto. Cada tamborilar dos cascos de Lucky ricocheteava em seu crânio. Nunca se havia sentido mais contente de ver o círculo de carros.

 

Desmontou, agarrou as rédeas e conduziu Lucky ao curral.

 

É um amigo murmurou, enquanto lhe tirava a cadeira com movimentos torpes. Um verdadeiro amigo.

 

Depois de acomodar o cavalo, Ross caminhou ao redor do círculo de carretas, tratando de localizar a sua. De repente se sentiu marcado; o uísque que tinha bebido lhe queimava o estômago, e antes de saber o que lhe passava, correu para os arbustos e vomitou violentamente. Deus, em outro tempo, o que tinha bebido aquela noite lhe teria parecido um simples gole.

 

Arrastou-se para a carreta, cheio de remorsos pela forma em que tinha tratado Madame..., Madame o que seja. Tinha pensado que poderia superá-lo, pois dava igual em que corpo feminino ia descarregar sua frustração. Mas se equivocou.

 

A mulher tinha sido amável, havia-lhe dado o preparado, engenhoso, arrumado e forte que era. Tinha se gabado seu corpo, enquanto ele esvaziava a garrafa de uísque e tratava de conjurar o desejo com ela. Até a tinha beijado comparada com a boca de Lydia, a sua possuía um sabor azedo e desagradável. Tinha sepultado a cara nas dobras de carne de seu pescoço, e quase tinha sentido náuseas ao perceber a enjoativa fragrância. Já bêbado, tinha manuseado seus seios, mas em lugar de encontrar carne firme e amadurecida, tirou o chapéu sustentando globos de carne fofa que lhe desejaram muito repugnantes.

 

Nem seu aspecto, nem seu tato, nem seu sabor, nem seu aroma eram como os de Lydia. Não. Foda-se. Lydia não, Vitória. Vitória. Diga-o. Vitória. Lembra-te? Sua mulher. A mulher que amava. A mulher que ainda deseja.

 

Mas não tinha visto o rosto de Vitória, a não ser o de Lydia. Inclusive enquanto Madame lhe acariciava e manipulava pacientemente, Ross tentava convocar a imagem de Vitória, mas só via Lydia, que lhe olhava com a censura refletida em seu rosto dourada e os olhos âmbar. Quando a perseverança de Madame triunfou e sua mão obteve a ansiada ereção, ele gemeu o nome de Lydia, e voltou a repeti-lo enquanto se vestia e deixava Madame, que lhe amaldiçoou repetidas vezes.

 

Balançou-se de forma precária, chegou à parte posterior de carro e se içou ao interior. Apoiou as mãos no chão, em um intento inútil de impedir que se inclinasse. Depois, de quatro, sem apressar-se, se arrastou para o lugar da carreta que oferecia o consolo que ansiava e se deitou.

 

Suspirou uma vez com imenso prazer, e logo deixou que escuridão lhe envolvesse e dissolvesse seus pensamentos.

 

Lydia despertou por causa de um peso agradável que sentia sobre o seio. Ao princípio, pensou que estava sustentando Lee contra ela enquanto dormia, como ocorria quando o menino despertava em plena noite e queria mamar. Mas Lee não pesava tanto, em que pese a ter ganho uns quantos quilogramas. Meio adormecida, levantou a mão para o delicioso peso e tocou o cabelo sedoso. Enquanto seus dedos se afundavam na espessa massa, as mechas se encresparam ao redor de seus dedos acariciantes.

 

Suspirou de prazer e se removeu um pouco. Deu-se conta de que o peso se estendia sobre seu torso, até as pernas. A curiosidade começou a ganhar terreno ao sonho, mas não despertou de tudo. Não queria perturbar aquele estranho prazer.

 

Algo se agitou sobre seu peito e sua carne respondeu. Seu mamilo floresceu, e dele partiu um formigamento que percorreu todo seu corpo. Era o prazer mais profundo que havia sentido jamais. Começou a dobrar o joelho, e um gemido suave, bastante parecido ao que se estava iniciando em sua garganta, brotou do peso que a esmagava.

 

Bocejou e abriu os olhos. Piscou repetidas vezes, completamente imóvel, e contemplou o longo corpo deitado sobre o seu. A cabeça de Ross estava apoiada sobre um de seus seios, e sua enorme mão cobria o outro. Roncava brandamente. O cabelo molhado tinha umedecido sua camisola, e também sua pele. Uma larga perna, ainda com uma bota, estava estirada sobre o chão do carro, enquanto a outra, dobrada, aprisionava suas coxas. O joelho de Lydia estava encaixada na virilha do homem.

 

Lydia viu que sua mão, como por vontade própria, movia-se entre as ondas escuras do cabelo de Ross. Viu a mão de este curvada em um gesto protetor, quase carinhoso, ao redor de seu seio. Experimentou o impulso de cobrir aquela grande mão com a sua, de aprisioná-la, ao tempo que apertava mais a cabeça do homem contra o seu seio.

 

Possivelmente assim despertaria, olharia-a e a beijaria como no outro dia. Possivelmente deslizaria de novo sua língua entre os lábios dela e Lydia sentiria toda sua longitude aveludada na boca. Saborearia-a e sentiria o seu corpo duro contra ela, sentiria as carícias do bigode sobre seus lábios.

 

Mas então, recordou como a tinha tratado antes do alto do cavalo, quase rindo dela diante das prostitutas. Teria passado a noite em sua companhia e retornado poucos minutos antes. Não cheirava a uísque? E a algo mais, terrivelmente doce? Colônia?

 

Ross moveu a mão e murmurou algo em sonhos. Lydia o observou, sem atrever-se a respirar, enquanto os dedos dele procuravam a cúpula de seu peito. Ross roçou o mamilo com as pontas de seus dedos, que ficaram imóveis, e depois voltaram a cobrar vida, para deslizar-se com suavidade sobre sua carne tensa. Ross elevou a cabeça para aproximar mais a boca. Seus lábios se moviam procurando algo.

 

Lydia sentiu um nó na garganta. O sangue pulsava em suas veias. Se não lhe detinha agora, não seria capaz de fazê-lo.

 

Concentrou toda a raiva, a solidão e a confusão da noite no murro que descarregou sobre suas costas e o empurrão que propinou ao seu ombro.

 

Solte-me, touro bêbado!

 

Ross despertou sobressaltado do sonho provocado pelo álcool, rodou sobre suas costas, golpeou-se o cotovelo, sua cabeça tropeçou com uma tabela, e se levantou com uma maldição.

 

- Filho da puta - vaiou. Agarrou a cabeça, enquanto todo o exército da União parecia atravessá-la ao galope. Merda! Murmurou, e apertou os olhos para afastar a dor incessante.

 

Fecha sua suja boca - sussurrou Lydia. Estava a ponto de amanhecer e não queria que os vizinhos ouvissem as espantosas maldições que lançava Ross.

 

Este piscou, desviou os olhos injetados em sangre para a Lydia e tentou que as quatro imagens que via dela se convertessem em uma. Seu olhar era tão negro como a barba que despontava em seu queixo.

 

É você a responsável por despertar assim? Grunhiu Ross.

 

Não te levantava replicou a jovem com altivez. Ficou em pé e foi ver se Lee ainda dormia. Quando despertei pensei que tinha caído uma árvore em cima de mim.

 

Ross massageou as têmporas doloridas. Tinha adormecido sobre ela? Recordou vagamente que tinha entrado no carro e encontrado o travesseiro mais suave sobre a que recordava ter descansado a cabeça. Não tinha adormecido tão bem fazia meses. Olhou-a e cravou os olhos em seus seios. Notou que seu sangue fervia e desviou a vista antes que ela reparasse em sua obsessão.

 

Aquele maldito uísque barato lhe tinha feito dormir como um morto. Sentia-se como um imbecil. Pior ainda, sabia que o parecia.

 

Não te ocorra voltar a me pegar assim, Lydia disse, com um dedo acusador em sua direção. Tentou compor uma expressão severa, embora aquele ato lhe produzisse tal dor que se perguntou se valia a pena.

 

Não te ocorra voltar a me esmagar assim, sobre tudo se tiver passado toda a noite em companhia de prostitutas. Se queria te jogar sobre alguém, por que não ficou com elas?

 

Seguiam falando em sussurros, mas a discussão ia ser brutal igualmente, e ambos a estavam desejando. Face ao mal que se encontrava, Ross conseguiu ficar em pé, odiava ter que encurvar as costas para isso, mas mesmo assim se encarou com Lydia, que estava rígida como um fuso, com os braços em jarras, o queixo apontando com ar de desafio para o seu peito.

 

Por que não me pediu que não fosse?

 

Porque me dava igual o que fizesse.

 

Ah, sim? Então por que está tão zangada?

 

Dava-me igual, mas a outras pessoas da caravana não. Só estava preocupada com as aparências que tanto insiste em que eu guarde. Pelo visto, a mim não me aplicam as regras igual a ti.

 

Exato. Eu sou o homem.

 

Lydia emitiu um ruído de desagrado e deu meia volta. Muito irritada, tirou a camisola pela cabeça e lhe deu as costas, coberta só com as calças interiores.

 

E Ross, a quem um implacável demônio empurrava os olhos para fora do interior, não pôde por menos que fixar-se no perfeito, arrebatador e redondo que eram suas nádegas, e na esbelteza de suas panturrilhas. Ainda aturdido, estava a ponto de estender a mão para tocar sua pele e comprovar se era tão suave como parecia, quando a jovem falou.

 

Tire essa camisa. Cheira ao perfume de suas putas.

 

Não eram minhas putas. Eram mulheres em apuro e eu me limitei às ajudar.

 

Lydia vestiu a regata e se voltou. Enquanto gesticulava com os botões, fulminou-lhe com o olhar.

 

Que amável! Estava disposto a me chutar deste mesmo carro quando acreditava que eu era uma puta apesar de que necessitava de ajuda. Por que foi tão generoso com elas?

 

Os olhos de Ross ficaram cravados em seus seios, quando Lydia puxou o tecido e terminou de grampear-se. Mesmo assim, seus seios se transbordavam sobre o bordo de renda. Viam-se com claridade os círculos escuros das aréolas e os mamilos. Seguia hipnotizado quando ela se deixou cair sobre o colchão e começou a tirar meias; seus seios balançavam com suavidade a cada movimento apressado.

 

Só uma repentina ereção lhe arrancou de seu sonho.

 

Aprendo rápido. Ajudei-as porque não queria ficar inundado com elas como me fiquei contigo.

 

Lydia levantou a cabeça e lhe dirigiu um olhar de fúria do colchão. Ross foi o primeiro em desviar a vista, em tanto abria os botões da camisa e fazia uma bola com ela depois de tirar-lhe Procurou uma limpa e destruiu a ordem que Lydia tinha conseguido impor no interior do carro.

 

A Jovem se levantou, depois de calçar os sapatos e as meias, e agarrou as anáguas.

 

Eu fui é que fiquei inundada aqui ontem à noite e tive que dar a cara ante as pessoas decentes desta caravana, não você.

 

Ross girou em redondo e ficou sem fôlego ao ver que Lydia estava apertando os seios e olhava por cima deles para grampear o cinto das anáguas. Pigarreou e desejou com todas suas forças poder aliviar com tanta facilidade a congestão de seu membro.

 

Se quiser te largar cada vez que tenha vontade, não serei eu quem te detenha.

 

Olhou-o com ar beligerante, as anáguas já rodeadas ao redor de sua estreita cintura.

 

Não quero me pôr em ridículo como você, que vais se embebedar e se deitar com putas.

 

Ross esticou a mandíbula e falou com os dentes apertados.

 

Já disse que não me deitei com nenhuma puta. Se quisesse fazê-lo, teria ficado aqui.

 

O silêncio se podia apalpar no ar. Asfixiou Lydia e Ross cabeceou quando teve pronunciado sua triunfal frase final.

 

O que disparou a mão de Lydia foi a presunçosa satisfação que elevou seu bigode. Seu punho descreveu um amplo arco e se estrelou com grande estrépito sobre a maçã do rosto do homem.

 

Ross permaneceu imóvel, em tanto que novas quebras de onda de dor rodavam sobre as que já ondulavam em sua cabeça. Piscou para limpar a repentina escuridão. Deixou cair os punhos aos seus flancos para impedir que agarrassem a garganta de Lydia e a matasse.

 

Não sou uma puta - disse Lydia em voz baixa, e articulou cada palavra com soma claridade. - Nunca o fui. Já lhe disse isso.

 

Ross combateu outro ataque de náuseas.

 

Não estava casada quando concebeu a esse teu filho, verdade?

 

Não - disse movendo negativamente a cabeça, e tentou reprimir as lágrimas que pareciam ansiosas por ir aos seus olhos.

 

Aquilo conduziu Ross ao ponto crucial de seu dilema, e teve que lhe fazer frente. De quem era aquele menino? Que homem a havia possuído, quem a havia tocado? Aquele pensamento lhe estava enlouquecendo. Tinha que sabê-lo. Em que pese as suas boas intenções de não lhe pôr a mão em cima, aferrou-a pelos braços. Apertou-a contra o seu peito nu e baixou o rosto a escassos centímetros da sua.

 

Quem era o homem? Quem era, Lydia? Responda-me, maldição.

 

Quem é você, Ross Coleman?

 

Ross ficou quieto como um morto, embora suas mãos não soltassem a presa.

 

O que quer dizer? Perguntou com voz oca.

 

Lydia quase retrocedeu ao perceber o brilho frio e selvagem de seus olhos, mas já era tarde para dar marcha atrás.

 

Vive como um homem normal, com uma mulher e um filho, dedica às tarefas cotidianas como qualquer homem, mas não o é. Tem os olhos e os reflexos de um predador, Ross Coleman Não é um homem comum, embora finja sê-lo. Quem é?

 

Ross a soltou lentamente, empurrou-a para trás com suavidade, sem deixar de olhá-la todo o momento. Depois deu meia volta sem falar. Terminaram de vestir-se em um silêncio hostil.

 

Lydia saiu à luz rosada da manhã e começou a remover as brasas para que cobrassem vida. Estava colocando café no pote quando ouviu que Ross saía do carro e começava a barbear-se.

 

Quando ele se aproximou onde estava ela ao cabo de uns minutos e agarrou o pote de café, lhe olhou de esguelha e conteve a respiração. Sua pele tinha um tom esverdeado. As faces estavam afundadas, e sob os olhos apareciam sombras azuis. Lydia esqueceu sua ira e tocou sua manga.

 

Sinto te haver batido. Sei que não te encontra bem. Em realidade, não tinha direito a me zangar. É livre de fazer o que... Vamos, que o nosso não é um matrimonio real. Baixou os olhos. e... quero que saiba que, pese ao escândalo que montei, não me importou que... tenha adormecido em cima de mim esta noite.

 

Lydia...

 

Senhorita Lydia? Moisés repetiu seu nome

 

Ah, bom dia, Ross. O homem apareceu por um extremo do carro e lhes viu de pé junto à fogueira. Winston me pediu que lhe trouxesse este livro, senhorita Lydia. Diz que queria trazê-lo ontem à noite, quando a visitou, mas o esqueceu.

 

Os olhos de Lydia se desviaram do negro a Ross. Viu que a boca de este adotava uma expressão dura e a frieza retornava aos seus Olhos. Calçou as luvas com semblante áspero e partiu sem dirigir a palavra, a Lydia e só um brusco «Moisés» para o mensageiro que tinha chegado ao momento mais inoportuno.

 

Ross - gritou Lydia, mas ele não a ouviu ou preferiu ignorá-la.

 

As bitucas de puro esmagadas no cinzeiro eram tão antigas como o café. A atmosfera do abarrotado escritório era asfixiante. Howard Majors passou a mão por seu cabelo gordurento e respirou fundo. Desabotoou outro botão do colete. Estava cansado. Também o homem parado em frente à janela, mas Vance Gentry demonstrava o seu cansaço passeando.

 

Becos sem saída, um após o outro. Golpeou frustrado o sujo cristal da janela. Onde bolas estão?

 

Majors removeu os informes empilhados sobre seu escritório.

 

Só Deus sabe - disse cansado. Não encontramos nem rastro das jóias, em que pese a que todos quão informadores temos em lista os nomes que andam registrando as casas de empenhos. Um relatório atraiu sua atenção. Ao princípio o tinha considerado insignificante. Aqui há um de Arkansas... Owentown, seja onde for isso. Uma cidade ferroviária. Um de nossos agentes trabalha ali em segredo. Viu um homem, que lhe pareceu conhecido, jogando pôquer no botequim. O agente pensou que o tipo se fixou nele, assim que lhe deu as costas um momento. Quando voltou a olhar, o outro tinha desaparecido. Esperou pelos arredores, mas o jogador de pôquer não voltou a fazer ato de presença.

 

Gentry sacudiu a cabeça com veemência.

 

Se tenta tirar as jóias de cima, não estará em uma cidade ferroviária apartada. Quem poderia comprar em um lugar como esse? Sigo pensado que planeja ir a alguma cidade importante. Talvez fora do país.

 

Gentry estava sendo um estorvo em lugar de uma ajuda. Se fosse possível encontrar ao casal desaparecido, a agência Pinkerton a encontraria, mas não o fazia nenhuma falta um pai histérico e intrometido. Majors ficou em pé e rodeou o escritório.

 

Por que não volta para casa uma semana ou dois, senhor Gentry? Se ocorrer algo...

 

Não. Não posso voltar para casa sem Vitória.

 

Poderiam ter retornado. Possivelmente lhe esteja esperando ali.

 

Telegrafei a meu advogado de Knoxville para me certificar a respeito. Foi à granja e só estavam os criados. Não tinham sabido nada desde que Clark partiu com Vitória, sem dizer aonde iam.

 

Majors acendeu um novo cigarro e estudou o extremo aceso de cor rubi.

 

É possível que sua filha pegasse as jóias? Perguntou com cautela. Se queria seguir vivendo como antes, possivelmente quis contar com essa segurança.

 

Gentry se voltou para o detetive feito uma fúria.

 

Passa por cima o mais importante, senhor Majors. Ela não abandonaria o seu lar, nem a mim, a menos que esse foragido a tivesse obrigado. Conheço minha filha. Não o faria. Apoderou-se da jaqueta e o chapéu, que estavam pendurados em um cabide, caminho da porta. Acredito que já perdi bastante tempo...

 

Justo quando estendia a mão para a porta, abriram-na do outro lado. O ajudante do Majors entrou como uma exalação.

 

Perdoe a interrupção, senhor Majors, mas acaba de chegar este telegrama. Poderia ser importante, e sei que lhe interessará vê-lo.

 

Obrigado disse Majors. Agarrou o telegrama que seu ajudante lhe estendia.

 

Enquanto este saía, os olhos do Majors examinaram o papel. Ele pegou sobre o escritório e olhou sem vê-lo uns momentos, até que levantou a cabeça.

 

É de Baltimore. Encontraram o cadáver de uma jovem

 

O cadáver? Resfolegou Gentry.

 

Majors assentiu.

 

Encontraram-na morta em uma habitação de hotel que tinha compartilhado com um homem durante várias semanas. Tinham-na apunhalado.

 

Majors, que estava convencido de que podia agüentar tudo, logo que pôde olhar o rosto de Gentry, deformado pela angústia. Sim, estava-se abrandando. Tinha chegado o momento de retirar-se.

 

O homem desapareceu prosseguiu. A descrição concorda. Uma identificação positiva, certamente ...

 

Sim. Gentry pigarreou. Quando podemos sair para Baltimore?

 

Lydia estava estendendo roupa na corda que Ross tinha disposto entre a esquina do carro e um álamo jovem, quando Anabeth chegou correndo, quase sem fôlego, com um brilho de emoção nos olhos.

 

Sabe o que acaba de deter-se junto ao rio? E continuou, sem aguardar a resposta: A carreta de um mascate. Vai carregado com toda classe de coisas. Leoa Watkins já pôs o grito no céu porque é domingo, e se supõe que as pessoas não devem comprar no dia do Senhor, mas o senhor Grayson há dito que as circunstâncias não são normais e que as pessoas não podem ir às compras à cidade aos sábados. Vi com meus próprios olhos que Priscilla comprava uma barra de caramelo e a escondia no bolso. Mamãe há dito que fosse, porque já localizou um cilindro de tecido que te servirá para te fazer um bonito vestido e estreá-lo em 4 de julho.

 

Lydia fazia uma pausa em seu trabalho para escutar como a moça debulhava a notícia sem tomar fôlego. Ross, que estava remendando uma brida, também tinha feito um alto para ouvi-la. Os dois estalaram em gargalhadas ao mesmo tempo.

 

A relação entre ambos era tão tensa da manhã seguinte ao Owentown que sua risada lhes surpreendeu. Quando se olharam, as gargalhadas emudeceram, e os dois, turvados, desviaram a vista.

 

Bem, é que não vais baixar a ver o que tem? Perguntou com incredulidade Anabeth, enquanto Lydia voltava a reatar sua tarefa.

 

Não necessito nada - respondeu em voz baixa.

 

Mas Mamãe diz que esse tecido te sentaria melhor que a ninguém, porque é como dourado e com seu cabelo e tudo... Tem que ver as coisas maravilhosas que tem esse homem.

 

Tenho trabalho que fazer, Anabeth repôs com paciência Lydia, e olhou a Ross.

 

O homem deixou a um lado a brida e entrou na carroça. Lydia não necessitava nem desejava nada, mas seria todo um detalhe por sua parte que se oferecesse a acompanhá-la ao carro do mascate só para jogar uma olhada.

 

Não teria que ter esperado nada dele. Ross apenas lhe tinha dirigido a palavra desde que se inteirou de que Winston Hill a tinha visitado a noite que ele se encontrava ausente. Todas as noites, depois de que Lee e ela se deitavam, Ross preparava sua cama sob o carro. Ninguém se tinha dado conta. A maioria dos homens dormiam ao ar livre, porque era mais fresco.

 

Lydia sim se deu conta. Sentia falta do som de sua respiração. Sentia falta de sua presença. Sentia falta de lhe olhar enquanto ele tirava a camisa e as botas.

 

Deixará-te comprar algo sua mamãe? Perguntou Lydia com voz estrangulada.

 

Papai nos deu dez centavos a cada um.

 

Pois será melhor que te apresse, antes que Priscilla Watkins leve tudo.

 

Anabeth riu, mas logo voltou a ficar séria.

 

Tem razão. Seriamente que não vais vir?

 

Estava muito contente de que tivessem eleito a ela para comunicar a notícia Ross e a Lydia. Entretanto, todo seu entusiasmo se veio abaixo, por causa da indiferença que os dois tinham mostrado ante sua mensagem.

 

Lydia meneou a cabeça.

 

Quando voltar, vem me mostrar suas compras.

 

Anabeth partiu arrastando os pés no pó, mas em seguida se reanimou e correu para o rio.

 

Lydia.

 

A jovem olhou Ross por cima da corda de tender improvisada.

 

Sim?

 

Ross agarrou sua mão e puxou ela. Abriu-lhe os dedos e deixou cair várias moedas em sua palma.

 

Vá comprar-te algo.

 

Lydia contemplou o dinheiro que brilhava em sua mão, e depois levantou a vista para o carro. Estava segura de que Ross tinha dinheiro escondido em algum lugar na carreta, mas não sabia onde e tampouco lhe importava. O dinheiro carecia de importância para ela, porque nunca tinha tido e por isso seu coragem não significava nada para ela. A única razão de que significasse algo agora era porque Ross o tinha dado.

 

Não necessito nada.

 

Não compre algo que necessite. Compra algo que deseje.

 

Ela olhou esperançada os seus olhos verdes.

 

Por quê? Perguntou.

 

A pergunta enfureceu Ross. Sempre que Hill se apresentava com algum de seus presentes, um favo de mel lhe gotejava, tão doce como sua linguagem, um livro de poesia que, em sua opinião, podia-lhe gostar, um bolo de pêssego que Moisés acabava de assar, Lydia nunca perguntava o motivo do presente. Claro que aquele cavalheiro de maneiras refinadas sempre tinha pedido permissão a Ross antes de obsequiar a sua esposa (sim, maldição, sua esposa), com um de seus presentes. Lydia sempre lhes agradecia com acanhamento, humildade e a vista baixa. Mas ele, seu marido? OH, não. Não podia aceitar sua generosidade com um daqueles agradecimentos e sorrisos radiantes que dedicava a Winston Hill.

 

Ross jamais teria confessado que tinha ciúmes, mas ciúmes era o que reatava em seu interior como uma serpente que envenenava todo o seu sistema.

 

Porque todo mundo pensará que sou um marido desprezível se não deixar que minha esposa - pronunciou a toda pressa a palavra - compre umas quinquilharias.

 

Lydia se encrespou. Passou por diante dele e agarrou Lee. Por nada do mundo gastaria o seu dinheiro nela, mas talvez encontrasse algo para o bebê.

 

Deixa Lee aqui. Eu lhe vigiarei.

 

Não! Deu meia volta e agitou o punho que sujeitava o dinheiro. Eu me ocuparei dele. Para isso me pagam, não?

 

Saiu sem lhe dar tempo a responder.

 

 

O dia da Independência amanheceu claro e ensolarado. No acampamento se respirava um ambiente espectador. Era um dia festivo, dedicado ao descanso das duras horas de viagem, a cozinhar guloseimas, a rir, à música e à alegria. Se alguém grunhia que era uma festa unionista, os murmúrios eram prontamente sossegados. Os estados do Sul tinham conseguido a independência do governo britânico tanto como os do Norte. Depois de longas semanas de viagem, os imigrantes aproveitariam qualquer desculpa para tomar um descanso.

 

Mamãe tinha convencido Lydia para que comprasse ao mascate suficiente tecido dourado para fazer um vestido. Lydia não sabia costurar, mas com a ajuda de Mamãe e um padrão emprestado pela senhora Rigsby, tinha confeccionado o vestido. Mamãe lhe dava pontos quase toda noite. Lydia achava errado, mas Mamãe insistiu em que preferia passar uma velada tranqüila costurando no carro dos Coleman antes que padecer o caos que reinava no seu. Por conseguinte, face aos protestos de Lydia, o vestido esteve terminado quando chegou o momento de colocá-lo. Ficarem acampado junto ao rio Ouachita. Como resultado de uma primavera chuvosa, a campina estava verde, pese ao calor do verão. Permitiu-se que as senhoras utilizassem primeiro o rio, assim que terminaram as tarefas matutinas, todas desfilaram para as bordas cobertas de erva com toalhas e pastilhas de sabão, para tomar um dos poucos banhos autênticos que tinham desfrutado desde a sua partida.

 

Os festejos começaram ao anoitecer. Os homens retornaram do rio, depois de banhar-se pela tarde enquanto as mulheres faziam a sesta. Alguns homens estavam irreconhecíveis, com o cabelo penteado para trás, uma gravata estreita, uma reluzente fivela de cinturão, ou uns suspensórios reservados em exclusiva para os domingos. As mulheres também tinham acrescentado alguns adornos ao seu vestido e dedicado mais esforços ao penteado.

 

Ross tinha se banhado no rio e vestia calças negras, camisa branca e colete de veludo negro. No lugar de gravata, atou-se ao pescoço um lenço. Escovou-se o cabelo, mas não utilizou o azeite que passava a maioria dos homens. Reparou em que seu cabelo estava cumprido de novo. Teria que pedir a Lydia que o cortasse...

 

Endireitou-se e contemplou a escova que sujeitava na mão, como se não reconhecesse o objeto nem ao homem que o sustentava. Com que facilidade ia a sua mente o nome dela, enquanto que poucas vezes se lembrava do de Vitória. Desejava de forma muito natural lhe pedir que voltasse a lhe cortar o cabelo, uma intimidade habitual entre um homem e uma mulher que viviam juntos. Maldição!

 

- Está preparada, Lydia? Gritou.

 

A jovem se inspecionou no espelho, umedeceu os lábios e beliscou as faces, como Mamãe tinha aconselhado. Vestiu-se com a ajuda de Mamãe e Anabeth, enquanto Marynell e Atlanta se encarregavam de Lee.

 

Lydia passou as mãos sobre a saia para convencer-se de que era real. Tinham costurado o tecido dourado até convertê-la no vestido mais bonito que tinha usado em sua vida, ainda mais bonito que os que Ross lhe tinha comprado em Memphis. O decote deixava ao descoberto seu pescoço e a parte superior do peito. As mangas curtas e bufantes mal cobriam os seus braços. O sutiã se abotoava até a cintura, e uma ampla faixa, presa com um laço na parte posterior, separava-o da saia franzida e larga até os pés. Não tinha muitas anáguas para alargá-la, mas se balançava à altura de seus tornozelos com muita graça.

 

Mamãe estava decidida que Lydia usasse o cabelo «como a natureza ditava», quer dizer, revolto, livre e encaracolado. Tinham-no adornado com rosas amareladas silvestres que tinham pego na borda do rio pela manhã. Pôs uma generosa dose de colônia.

 

Lydia?

 

Ross injetou toda sua frustração na chamada.

 

Já vou - respondeu a jovem com acanhamento, e saiu à parte posterior.

 

Ross teria ficado boquiaberto ao ver sua mulher, a não ser porque estava apertando os dentes por causa de seu nervosismo. O suave algodão definia com absoluta claridade sua pequena silueta. Sua pele tinha adquirido a cor do damasco amadurecido, graças ao sol que tinha tomado pese ao chapéu de palha que sempre utilizava quando ia ao assento do carro. Seu cabelo... Bem, pensou que, em outro tempo, tinha-lhe assombrado que o deixasse solto. Agora, já não lhe surpreendia nem ofendia. De fato, preferia-o assim.

 

Secou as palmas nas pernas das calças e estendeu a mão para ajudá-la a baixar os degraus do carro, algo que ela fazia sem a menor dificuldade cem vezes ao dia.

 

Acredito que o jantar já começou - disse por dizer algo.

 

Sinto te atrasar. Teria que ter se adiantado. Já teria alcançado você.

 

Não passa nada.

 

O sorriso corajoso de Lydia se transformou em uma nova decepção. Ross não ia dizer nada sobre seu aspecto radiante, como Mamãe lhe tinha prometido. Sentiu-se perigosamente perto das lágrimas e quis voltar para carro, mas não demoraram em ficar apanhados na festa. Todas as mulheres tinham contribuído ao jantar com um prato de sua especialidade. Entregaram a Lydia e Ross pratos cheios de comida.

 

Antes inclusive de que terminasse o jantar, todos os que sabiam tocar o violino, incluído Moisés, esfregaram seus arcos e começaram a tocar.

 

Quando a comida restante foi guardada e os pratos estiveram lavados, os casais menos afetados saíram a dançar ao compasso das alegres melodias que interpretavam violinos e gaitas. Mamãe seguia o ritmo com as palmas ao tempo que vigiava com afeto a Zeke, quem afundou de novo sua taça no barril de cerveja que alguém havia trazido da cidade mais próxima.

 

Vá dançar - ordenou. Eu me ocuparei de Lee.

 

Lydia olhou ao seu marido, que sustentava entre os dentes um cigarro comprido e estreito.

 

Nunca aprendi a dançar - replicou Ross imperturbável.

 

Mamãe teve vontades de lhe dar um chute no traseiro, mas não se rendeu.

 

Isso dá igual. Aqui não há nenhum perito. Agarre a sua dama nos braços e siga o compasso da música.

 

Eu tampouco sei dançar, Ross - disse Lydia, e confiou em que sua falta de experiência lhe animasse a tentá-lo.

 

Ross passeou a vista por seu rosto e seu corpo, e soube que não poderia rodeá-la entre seus braços, tão linda como estava, e manter a promessa de não lhe fazer amor.

 

- Então o melhor será que não nos ponhamos em ridículo, verdade? Encaminhou-se para o barril de cerveja.

 

Bem - bufou Mamãe - olhe que vi homens estúpidos e obstinados, mas este se leva a palma.

 

Lydia, humilhada, com as faces acesas, cravou a vista no chão. Então, as pontas de duas botas lustrosas apareceram em seu campo visual.

 

Concede-me a honra de dançar contigo, Lydia?

 

A jovem elevou os olhos e viu o olhar cálido e sincero de Wínston Hill. Este esquadrinhou seu rosto, mas não com a aberta hostilidade ou a intensidade aterradoras próprias de Ross, a não ser agradado pelo que via.

 

Mamãe sorriu e a animou.

 

- Vamos, Lydia. O cavalheiro te pediu um baile.

 

Não sei - murmurou Lydia. Por outra parte, desejava-o, mas temia provocar a ira de Ross.

 

Winston riu e moveu a mão para assinalar aos casais que seguiam o ritmo da música sem preocupar-se com a forma.

 

- Acredito que ninguém sabe. - Estendeu a mão para ela. Dança comigo, Lydia.

 

Falava com tal entusiasmo, com tal convencimento, que Lydia, sem pensar nas conseqüências, estendeu-lhe as mãos e deixou que a conduzisse para o círculo. Winston deslizou uma mão por sua cintura, levantou sua mão com a outra e começou a mover-se como outros bailarinos.

 

Ao princípio Lydia experimentou a sensação de que tinha seis pés, todos aleijados e incapazes de ir à mesma direção, mas Winston era paciente e pedagógico. Lydia não demorou em tranqüilizar-se e começou a pegar tranquilidade. Depois de completar o círculo quatro vezes, sentiu-se como se voasse e já não quis parar.

 

Quando Ross viu sua esposa nos braços de outro homem, nada menos que nos de Winston Hill, que ia muito elegante, com um traje de linho branco e botas de couro marrom, esticou os dedos automaticamente ao redor da jarra de lata que se estava levando aos lábios.

 

Sem dar-se conta de que seus olhos se entreabriram até converter-se em frestas verdes, contemplou os movimentos do casal como um falcão. Respondeu com laconismo às perguntas que lhe dirigiam, porque Lydia, com sua saia ao vento, sua boca sorridente, seu cabelo alvoroçado, tinha concentrado sua atenção. Cada vez que passava ao seu lado sem lhe ver, sorridente e jubilosa, os dedos de Ross espremiam a jarra. Engoliu outro gole de cerveja e o nó que se formou em seu estômago se esticou um pouco mais.

 

- Vamos, idiota - riu Priscilla, enquanto avançava na escuridão. - Já disse a você que ninguém te viu roubar aquela cerveja.   

 

- Se alguém nos viu, teremo-nos metido em uma boa confusão respondeu Bubba, e lançou um cauteloso olhar para trás.

 

Cale-se! Ninguém nos emprestou atenção. Eles estão passando muito bem com sua estúpida festa. Apoiou-se contra uma árvore e teve boa conta de jogar os seios para frente. Tinha me ocorrido montar uma pequena festa só para nós dois, Bubba ronronou, e lhe atraiu para si. Dê-me um sorvo de cerveja.

 

Priscilla tinha esperado com ânsia o baile durante toda a semana depois que Scout lhe havia dito que não estava disposto a desperdiçar o 4 de julho com uma turma de idiotas, e tinha ido à cidade, sem ela. Daria uma lição a aquele desgraçado. Pensava que era o único homem do mundo? Nem muito menos.

 

Fique na minha frente, Bubba, para que ninguém me veja.

 

Colocou-lhe onde desejava e levantou a mão que sujeitava a jarra de cerveja para sua boca. Inclinou-a, bebeu um pouco, mas deixou que quase toda escorregasse pelo queixo e o seio.

 

OH, Bubba, me dê um lenço, depressa. Se mamãe cheirar a cerveja, não sei do que pode ser capaz.

 

Bubba tirou um lenço do bolso posterior e o estendeu, enquanto contemplava como em transe os riachos de cerveja que desapareciam no interior do sutiã de Priscilla. Olhou-a como idiotizado quando ela desabotoou o último botão.

 

Misericórdia - disse a moça – Caiu cerveja até a cintura. Vou desabotoar a regata, mas você não fará nada de que vá se envergonhar depois, verdade, Bubba?

 

O menino assentiu, aturdido. Todas as palavras de advertência que sua mãe lhe tinha amassado escorregaram de sua mente com tanta facilidade como os botões da regata de Priscilla se deslizavam pelas casas.

 

A moça, sem deixar de lhe olhar, passou o lenço sobre seus seios desnudos e os levantou, moveu-os, esfregou os mamilos até que se endureceram e secou a imaginária cerveja derramada.

 

Quando o lenço se deslizou por última vez sobre seu torso e o deixou completamente nu ao apartá-lo, Bubba gemeu. O som nasceu em sua virilha, subiu até a garganta e surgiu de seu corpo.

 

É muito bonita, Priscilla - disse com voz afogada.

 

Com certeza diz só por dizer - ronronou a jovem, que arqueou as costas e elevou os seios para que Bubba os pudesse examinar melhor.

 

Não, não, Priscilla. Eu te amo. Já lhe havia isso dito.

 

Se me quisesse, beijaria-me e... faria-me amor.

 

Bubba a olhou, mudo de assombro, e se aproximou um pouco mais a jovem. Apertou seu corpo contra o dela e aproximou sua boca à sua. Priscilla se arqueou para esfregar seu montículo contra o inchaço que esticava as calças de Bubba, quem emitiu um gemido e se esmagou contra ela. O moço apoiou as mãos sobre seus seios nus e os acariciou com suavidade.

 

OH, Bubba, que prazer.

 

Ela deslizou a língua sobre seus lábios. O menino retrocedeu imediatamente. Estava confuso, mas viu os olhos ardentes da Priscilla e notou que sua mão lhe atraía de novo para os seus seios. Bubba emitiu um gemido desesperançado, e suas bocas voltaram a fundir-se.

 

Esta vez, ele também abriu a boca, deixou-se guiar por Priscilla e introduziu a língua na boca da jovem. Beliscou seus seios com dedos que atuavam segundo seu instinto. Não empregou muita delicadeza. Priscilla não queria meio termo. Retorceu-se entre Bubba e a árvore, gemendo de prazer.

 

Tenho que te ensinar algo - sussurrou, e o apartou.

 

Bubba, a quem lhe fervia o sangue nas veias, não estava muito disposto a parar. Tentou capturar a boca da jovem de novo, mas ela o empurrou, lançou uma gargalhada e rechaçou as mãos que procuravam seus seios.

 

Está bem, Bubba Langston - disse, com zombadora severidade. Promete que não contará isto a ninguém. Eu o ocultarei de mamãe. Levantou a saia e as anáguas, e elevou o joelho até apoiá-la na coxa do moço. Comprei estas ligas de cetim vermelho ao mascate. Vê? Não são bonitas?

 

Bubba não olhou as ligas. Ficou sem respiração ao ver a suave extensão de coxa branca que começava em cima.

 

Sim, vejo-as - disse com voz rouca. Tocou a liga com o dedo e seguiu subindo até chegar à coxa.

 

Deveria se envergonhar, Bubba - repreendeu Priscilla, embora não fizesse nada para detê-lo.

 

Bubba, animado, prosseguiu sua exploração. O fôlego escapou com força de seus lábios quando encontrou pêlo cacheado.

 

Priscilla, não leva...

 

Hoje tem feito muito calor. Queria ir fresca, OH, Bubba, não deveria, não. Deus, está me tocando aí?

 

Deixe-me, Priscilla - suplicou o moço. Não te farei mal. Faço-te mal? Pararei.

 

Não! Bubba - fez um gesto de retirar-se, mas quando a jovem arqueou o corpo voltou para o lugar. Um homem pode ficar violento se uma dama lhe deixa chegar tão longe, e depois... OH, aí, Bubba, aí. Estremeceu-se. Sim...

 

Priscilla suspirou Bubba, e sepultou a boca em seu pescoço.

 

Note o quão molhada que me está pondo, Bubba.

 

Tenho-a tão dura que me dói - murmurou o menino entre seus seios.

 

Eu te ajudarei.

 

Agarrou a parte dianteira de suas calças com dedos peritos. Acariciou-lhe.

 

Jesus, Jesus - gemeu Bubba.

 

Iria morrer e Mamãe e todos outros descobririam do que, mas lhe dava igual. Sentiu que seus dedos exploravam a gruta ardente da jovem.

 

OH, Bubba, que gostoso - suspirou ela. Mas aqui não. Junto ao rio. Vamos, apresse-se.

 

Bubba, aturdido, retirou a mão e deu um passo atrás. Priscilla baixou a perna e fechou o sutiã. Depois, dirigiu-lhe um olhar cheio de promessas, agarrou-lhe da mão e se dirigiu para o rio. Ambos pararam em seco quando viram Luke Langston que os estava olhando, sentado em um toco próximo. Como indiferente à presença de ambos, o moço estava esculpindo um pau com sua navalha.

 

Olá – gorjeou- Bonita noite, verdade?

 

Pequeno bastardo bisbilhoteiro - gritou Priscilla - Desde quando está aí?

 

Mais ou menos, desde que essa coisa metida nas calças da Bubba começou a crescer. Desde quando te dedica a plantar cabaças em seus calções, Bubba? Essa é a maior que vi em minha vida.

 

Matarei você - vaiou Bubba, e se precipitou para o seu irmão, que se levantou do toco como impulsionado por uma mola e desapareceu entre as árvores, gritando como um índio, Bubba saiu disparado atrás dele.

 

Estúpidos caipiras - murmurou Priscilla, enquanto arrumava a roupa. Não deixou de salmodiar aquela ladainha até que chegou a sua carroça e se deixou cair no colchão, onde se queixou amargamente de sua frustração e do triste e que era a sua vida.

 

Ross deu as costas aos bailarinos e afundou sua taça no barril de cerveja. Estava muito furioso. O ciúme lhe roia. Estava um pouco bêbado. O último era quão único podia controlar, mas não queria. Bebeu outra jarra de cerveja e desejou que fosse uísque, para poder embebedar-se mais depressa.

 

Que bolas lhe importava se ela se exibia diante de um maricas como Hill? Iria se separar dela. Assim que chegassem a Telhas e se estabelecessem, iniciaria os trâmites do divórcio. Da guerra, tudo seguia de cabeça para baixo naquela parte do país. Não seria difícil obter o divórcio.

 

Balançou-se sobre seus pés e sua fúria aumentou, enquanto tentava aparentar que escutava a piada que contava o senhor Appleton. Todo mundo estava atento da menor palavra obscena. A atenção de Ross estava concentrada em Lydia, que estava sorrindo ao senhor Hill. Nunca lhe tinha dispensado daquela maneira. Considerou repulsiva sua boca sensual e a forma voluptuosa em que seu corpo se balançava ao compasso da música. Ao menos, isso se disse.

 

Estava se expondo ao em ridículo de propósito, nem mais nem menos. Dançar com seu presunçoso amigo era sua forma de revelar as deficiências de seu marido. Bem, Por Deus que não ia ficar ali parado e permitir que aquela puta com quem lhe tinham casado lhe deixasse no ridículo. Embora tivesse que agarrá-la pelo cabelo e arrastá-la...

 

Onde estava?

 

Ross passeou o olhar entre os animados bailarinos. Seus olhos intoxicados tentaram enfocar os casais, mas transcorreram vários minutos e não pôde localizar nem a Lydia nem ao Winston. Atirou a jarra ao chão e começou a abrir passo com cotoveladas entre a ruidosa multidão.

 

Ouça, Coleman, vigia...

 

Aonde vai, Ross?

 

Ross não bebeu o bastante?

 

Onde está sua mulher ... ?

 

Era indiferente a tudo que lhe rodeava. Notou que aquela tensão já familiar aumentava. A violência que aninhava em seu interior enchia todos seus poros, procurava uma saída. Não tinha experimentado com tanta força aquela sensação do último golpe com Jesse e Frank. Fechou os punhos como um autômato; como um autômato, levou a mão para a pistola e sua carga mortífera. Não estava em seu lugar, mas seguiu avançando entre os reunidos, concentrado em encontrar a sua mulher e ao seu amante.

 

Ross - disse às garotas que levassem Lee a nosso carro e lhe deitassem, para que Lydia e você possam ficar na festa até que queiram - disse Mamãe quando Ross passou ao seu lado. Ele a olhou sem ver. Podem deixá-lo em nosso carro até manhã. Não é necessário que...

 

Onde está? Vaiou Ross.

 

Mamãe o estava observando fazia uma hora e sabia que estava louco de ciúmes. Teve a prudência de reprimir um sorriso. Deixou que seu olhar escorregasse sobre os bailarinos.

 

Quem? Lydia?

 

Sim, Lydia.

 

Ross cuspiu o nome, pois parecia como se retê-lo na boca durante muito tempo lhe resultasse insuportável.

 

Não sei. A última vez que a vi estava dançando com o senhor Hill.

 

Ross abriu caminho entre um grupo e cambaleou em direção aos carros, que em sua maior parte estavam às escuras e vazios. Se tinha ido a sua carreta... Se os encontrassem juntos... Não queria saber... Tinha que saber... onde estava.

 

 

Lydia nunca tinha passado tão bem em sua vida. Winston a tratava como se ela não fosse lixo, vivido em um chiqueiro e padecido os abusos sexuais de seu meio-irmão. Winston a tratava como a uma senhora, felicitava-a por seu aspecto e sua forma de dançar, lhe ia procurar taças de ponche, ria com ela, compartilhava sua alegria.

 

Quando começou a tossir, Lydia, perguntou se estava bem. Ele insistiu que sim e ela aceitou sua palavra, até que tiveram que deixar de dançar e sair do círculo de casais. Winston sofria um ataque de tosse, como Lydia nunca tinha visto.

 

O que posso fazer, Winston? - Perguntou, e apoiou uma mão em seu ombro quando ele se dobrou pela cintura, com todo o corpo convulso, como se afogasse.

 

Sinto-o - ofegou o jovem. Estou bem.

 

Mas não era certo. Havia gotas de sangue nas comissuras de seus lábios e sua pele tinha adquirido a cor da cera velha.

 

Quer que vá procurar ao Moisés?  

 

Ele, moveu negativamente a cabeça e levou o lenço à boca uma vez mais.    

 

Está se divertindo - explicou com voz estrangulada quando a tosse remeteu por fim. Entretanto, o seguinte ataque foi pior que o último, e Lydia se sentiu muito alarmada.

 

Winston, me diga o que posso fazer.

 

Minha medicina - respondeu com voz rouca o jovem.

 

Lydia procurou com o olhar a Ross, mas ele estava com os homens congregados ao redor do barril de cerveja e teria tido que abrir-se passo entre os bailarinos para chegar ao seu lado. Não queria deixar sozinho ao Winston tanto momento. Aferrou sua manga.

 

Onde está sua medicina? Onde está, Winston?

 

No carro - conseguiu articular Winston.

 

Vamos.

 

Lydia decidiu ocupar-se dele no lugar de ir a busca de outra pessoa. Possivelmente morreria de um acesso de tosse antes de conseguir a ajuda de alguém, e sabia que o jovem se sentina envergonhado se montasse um escândalo por sua causa. Rodeou sua cintura com o braço e estendeu a outra sobre seu peito. Guiou-lhe para a zona de sombras onde os carros se detiveram para passar a noite.

 

Onde está sua carreta? Perguntou.

 

Winston a assinalou com um gesto débil, e cruzaram pouco a pouco o acampamento.

 

Sinto muito, Lydia - repetia sem cessar o doente.

 

Cala. Não fale ou voltará a tossir.

 

Odeio-me por isso.

 

Não é tua culpa. Chegaram por fim ao carro de Hill. Pode subir?

 

Ele assentiu, e graças a um supremo esforço de vontade, içou-se, com a respiração entrecortada. Teve que deter-se várias vezes para tossir. Uma vez dentro, Lydia piscou para acostumar-se à escuridão, enquanto Winston se arrastava para o seu colchão. Deixou-se cair de costas como um saco, sacudido por outro acesso de tosse.

 

Lydia, cujos olhos já se adaptaram a escuridão, procurou um abajur, fósforos, e não demorou para acender a mecha. Manteve a chama baixa.

 

Onde está o medicamento? Perguntou em voz baixa, enquanto Winston se esforçava em introduzir ar em seus pulmões exaustos.

 

O homem assinalou um cofrinho de madeira. Lydia o aproximou, levantou a tampa, e dentro da caixa de teca forrada de veludo apareceram vários frascos escuros de soluções. Winston indicou com uma mão trêmula o que necessitava.

 

Lydia apartou o cofre e desarrolhou o frasco. Levantou a cabeça do Winston com uma mão e apertou o frasco contra os seus lábios. O jovem bebeu uma boa quantidade, e depois se estendeu na cama de armar.

 

Obrigado, Lydia.

 

Está melhor? Perguntou a moça. Tinha o sobrecenho enrugado de preocupação e a boca franzida de angústia.

 

Fios de cabelo rodeavam seu rosto como filamentos de luz. Tinha a pele rosada a causa do esforço. O perfume a colônia impregnava o interior do carro, austero e masculino. Lydia não tinha nem idéia de quão bonita resultava aos olhos do doente, que teria dado algo naquele momento por ser forte e vigoroso.

 

Estou melhor - respondeu com tristeza, e desejou que lhe olhasse com paixão, em lugar de pena.

 

Deixa que te ajude a tirar isto.

 

Desenredou a gravata de seda e desabotoou com a maior desenvoltura o seu colete e a camisa.

 

Winston agarrou suas mãos para detê-la.

 

Já o fará Moisés quando retornar. Volta para a festa. Encontro-me bem.

 

Quer que vá lhe buscar agora?

 

O fez um gesto negativo com a cabeça, que tinha apoiada sobre o fino travesseiro de algodão.

 

Quando se der conta de que não estou dançando, virá. Apertou fortemente a mão da moça e disse: Obrigado, Lydia.

 

De nada.

 

Guiada por um instinto maternal, seus dedos brincaram para trás os cachos empapados que cobriam a testa do Winston. Ao mesmo tempo, ele levou sua outra mão aos lábios e a beijou com doçura.

 

Ross entrou pela abertura da lona como um furacão. Sobressaltada pelo ruído, Lydia voltou a cabeça, mas não antes que Ross tivesse visto o que sua mente enlouquecida pelo ciúmes interpretou como uma cena de amor.

 

Lydia se encolheu. Ross já não levava postos nem o colete nem o lenço. Tinha abertos vários botões da camisa, que deixavam ao descoberto os músculos e um tapete de pêlo escuro. Seu rosto era aterrador. Seus olhos verdes a transpassaram. Seu cabelo, caído em desordem sobre a testa, parecia tão indômito como sua feroz expressão; sua boca era uma linha magra e arisca. Com as pernas bem separadas, os músculos de suas coxas se marcavam nos rodeadas calças negras.

 

Até a alma mais valente se acovardava ante aquela magnífica presença física. Sua feroz expressão prometia o pior a qualquer que considerasse seu inimigo.

 

Ross - gritou Lydia.

 

Uma cena comovedora - rugiu ele.

 

Winston se esforçou em levantar-se.

 

Deixe-me...

 

Está doente. Busquei você. Estava tossindo. Teve...

 

É minha mulher - grunhiu Ross, e se plantou com grande rapidez ante ela. Agarrou-a pelo braço e a pôs em pé de um puxão. Não queria que fosse. Ainda não o desejo, mas enquanto o seja, maldição, se comportará como é devido.

 

Ross, me escute, o suplico - gemeu Winston. Quão último queria era causar problemas a Lydia por lhe tratar bem. As circunstâncias são enganosas. Aqui não aconteceu nada inapropriado...

 

Ainda - replicou Ross - mas acredito que cheguei bem a tempo.

 

Não! Gritou Lydia, e tratou de soltar seu braço da presa de Ross.

 

Vamos.

 

Levou-a a rastros para a abertura do carro e a empurrou para fora.

 

Está doente - disse Lydia, enquanto cravava os seus pés na terra e tratava de largar-se de Ross, que a agarrava fortemente pelo braço. Teria devido...

 

Vais receber o que ansiava, mas o vais receber de mim, de seu marido - soprou Ross.

 

Lydia tropeçou com ele e se agarrou ao seu cinturão para apoiar-se. A ira que brilhava em seus olhos a aterrorizava. Seus dentes começaram a bater e seus ossos se negaram a sustentá-la.

 

O que... o que quer dizer?

 

Já tinham chegado ao seu carro. Ross a agarrou em braços e subiu os degraus que conduziam acima. Quase se dobrou pela metade para entrar.

 

Lee...

 

Está com Mamãe. - Riu, e um calafrio percorreu a espinha dorsal da moça. Até manhã.

 

Sem mais cerimônias a jogou sobre o colchão, e Lydia se apressou a cobrir as pernas com a saia. Um desagradável sorriso apareceu no rosto de Ross.

 

Economize suas demonstrações de decência, Lydia. Se até agora tinha alguma dúvida, esta noite demonstraste o que é.

 

Não – sussurrou ela, e se refugiou na esquina da carroça. Já tinha visto aquela expressão. No rosto de Clancey. Era implacável. Significava que nenhuma súplica impediria a aquele homem obter o que desejava. Os olhos de Ross estavam iluminados por um excesso de álcool, fúria e desejo. - Não, Ross, por favor - soluçou, e cobriu o peito com os braços.

 

Ele tirou a camisa e deixou ao descoberto seu peito e seu estômago. Lydia contemplou a combinação de músculos e tendões. A feia cicatriz parecia um irado olho vermelho que a olhava. Ele desabotoou a fivela do largo cinturão e o tirou pelas presilhas. Lydia se encolheu em um gesto protetor, pensando que primeiro ia golpeá-la, mas Ross deixou cair ao chão o cinturão e começou a desabotoar-se pouco a pouco as calças.

 

Lydia elevou seus olhos nublados para ele. Rogaram-lhe em silêncio que não o fizesse, que não a maltratasse, que não a utilizasse como Clancey.

 

Ross, por favor.

 

Queria um homem? Perguntou ele com voz sedosa, enquanto se agachava para o colchão. Bem, conseguiste-o.

 

Ross se moveu com tal rapidez que Lydia, um momento antes, estava encolhida em um rincão do carro, e ao seguinte se encontrou debaixo dele, arrastada por mãos que se moviam com agilidade e destreza sobrenaturais.

 

Presa pelo pânico, ansiosa por escapar, debateu-se com violência, golpeou com braços e pernas, converteu seus dedos em garras.

 

Não - não repetiu, enquanto lutava contra a força inamovível que a esmagava.

 

OH, sim. - A quantos te entregaste, né? Não sou eu diferente a todos eles?

 

As mãos de Ross destroçaram as pétalas de rosa que adornavam seu cabelo, enquanto ela rodava de um lado a outro. Seu cabelo se esparramou sobre seu rosto, pescoço e braços.

 

Não, Ross, Ross. Deus, não permita que me faça isto - gritou, impotente.

 

Deus não te ajudará, Lydia. Deus não escuta. Nunca está perto quando lhe necessita.

 

Agarrou as mãos dela com um punho de ferro e as estendeu sobre sua cabeça. Seus dedos ávidos manipularam os botões do sutiã até desabotoá-los. Uma vez afastado o vestido, rasgou a cinta de sua regata e desabotoou os diminutos botões. Sua respiração se acelerou quando puxou a um lado as roupas e pôde ver seus seios nus.

 

Lydia gemeu, fechou os olhos e apartou a cabeça. Se tão somente o tivesse pedido, ela teria concedido. Poderia ter trocado sua rendição em troca de sua futura amabilidade. Se a tivesse tratado bem, ela se teria devotado a ele sem necessidade de que ele o pedisse.

 

Mas ia maltratá-la, a violá-la, a deixá-la cheia de hematomas, como o tinha feito Clancey. Esta vez seria pior. Ross podia ferí-la de uma forma que Clancey desconhecia. Ela sentia afeto por Ross, e o fato de que ele a tratasse com tão pouco respeito a feria até o fundo de seu ser. Não lhe ocorreria maltratar a algum de seus cavalos.

 

Ross não se permitiu tocar os seus seios. Uma fresta de prudência em sua mente cegada pelo álcool lhe advertiu que começaria a sentir ternura por ela se a acariciava. Não devia ocorrer. Lydia necessitava um castigo e ele ia dar.

 

Subiu-lhe a saia e as anáguas até a cintura e se apoderou do cinto de suas calças interiores. A puxou com força, rompeu a sujeição e os baixou. Lançou um grunhido e tentou sujeitar suas coxas. Rasgou com brutalidade suas calcinhas e lhe separou as pernas com o joelho. Extraiu o membro viril das calças e se deitou sobre ela.

 

Se fosse Clancey, Lydia lhe teria olhado aos olhos, desafiante, para lhe demonstrar o ódio que sentia, mas ela não odiava Ross, e em lugar de lhe dedicar aquele altivo e condenatório olhar de seus olhos dourados, manteve a cabeça apartada enquanto ele a penetrava. Não esperava a dor lacerante que a percorreu. Arqueou o corpo e lançou um grito.

 

Ross sepultou todo seu membro nas vísceras dela e continuou escavando. Depois, quando todo seu peso a esmagou, esperou. Inalou grandes quantidades de ar e sua cabeça começou a limpar-se. Então, pela primeira vez desde que a tinha visto no carro de Hill, foi consciente do que estava fazendo. Os ciúmes raivosos que tinham tingido de vermelho todo seu mundo se elevaram como a névoa e se enfrentou cara a cara com o remorso. Um remorso imenso.

 

E prazer. Enorme. Como jamais tinha experimentado. Não queria sentir prazer. Entretanto, este impregnava sua mente, seu coração, seu estômago, seu membro, que ela envolvia. Tinha que demonstrar-se a si mesmo que ainda seguia consciente. Possivelmente era uma fantasia, o produto erótico de uma letargia alcoólica.

Moveu-se um pouco, sem querer despertar do sonho, em caso de que estivesse sonhando. Mas era real. Balançou-se sobre ela, e milagrosas sensações lhe alagaram ao compasso de seus movimentos rítmicos.

 

Não - sussurrou, não pode ser certo.

Sua voz desmentiu as palavras. Era a voz de um homem que experimentava a maior gratificação física de sua vida.

Era um engano. Ele não podia permitir-se aquele prazer. Não o faria. Retrocedeu, com a intenção de levantar-se, mas seu corpo não lhe deixou e voltou a afundar-se naquele delicioso abismo.

Maldição, não devia ser assim contigo - suspirou no pescoço de Lydia.

Traiu suas melhores intenções e suas mãos se abriram passo entre os corpos. Encontrou seus seios amadurecidos e maleáveis, e a acariciou com a sensibilidade investigadora de um cego. Sopesou com suas mãos sua abundância. Acariciou a suave carne. Examinou os mamilos com as pontas dos dedos, encantado com sua textura quando se endureceram sob seu polegar.

Sem dar-se conta de que se moveu, sua cabeça substituiu à mão e começou a lhe beijar os seios. Sua boca bigoduda se moveu sobre ela em uma carícia errática até que os lábios encontraram um mamilo, duro e rosado, e se fecharam ao seu redor com delicadeza, enquanto sua língua o saboreava com breves lambidas. Depois o chupou com suavidade, introduziu-o por completo na boca e saboreou, saboreou, saboreou à mulher...

Levantou a cabeça e contemplou aqueles olhos cor uísque que o olhavam totalmente aberto, sem compreender. Ross viu seus próprios dedos, brancos por causa da pressão, que aprisionavam os pulsos da moça. Soltou-as imediatamente. Subiu as mãos para o seu cabelo, afundou os dedos na massa rebelde, até que fechou os dez ao redor de seu crânio.

 

Jogou a cabeça de Lydia para trás e fundiu suas bocas com tanta intimidade como seus sexos. O calor do beijo se intensificou até que esmagou seus lábios sobre os de Lydia, até que suas línguas se encontraram, até que já não pôde controlar o beijo em uma explosão de fogo que surgia de suas virilhas e penetrava pelo portal de sua vagina.

 

Seus lábios modelaram o nome da jovem a partir de seus gemidos de satisfação suprema.

 

Permaneceu muito tempo deitado sobre ela depois da crise que lhe tinha estremecido, suspenso em um estado de transe. Depois não recordou que tinha rodado a um lado, tinha-a estreitado contra si e se afundou em uma plácida inconsciência.

 

Olá! Disse a puta com voz cansada. Meu nome é Pearl.

      

Deus! Era o seu último cliente da noite e aquela cadela de Madame LaRue lhe enviava aquele refugo humano como pagamento por haver-se bancado a esperta aquela manhã. Em 4 de julho tinha sido um dia infernal. As ruas de Owentown eram um enxame de trabalhadores da ferrovia que tinham ido para celebrar a festividade. Constituíam um grupo ruidoso, excitados como um rebanho de búfalos, e a mulher experimentava a sensação de que todos se deitaram com ela. Estava cansada e dolorida. E agora tinha que atender a aquele, o pior do lote.

 

Da ferrovia? Perguntou, em um débil intento de cercar conversação.

 

Clancey Russell lançou um bufado depreciativo enquanto fechava a porta as suas costas.

 

Sou o bastante preparado como para não romper os testículos por outro. Reservo-lhes um melhor uso.

 

Ele se apontou com ar insinuante.

 

Pearl pôs em prática o seu profissionalismo e sorriu, pese ao asco que lhe inspirava aquele indivíduo, que ia sujo e cheirava a mil demônios.

 

Vejamos seu dinheiro ronronou. Antes de deixar que a tocasse, comprovaria que aquele refugo humano levasse dinheiro em cima.

 

Clancey afundou a mão no bolso para tirar o dinheiro que tinha roubado de uma mesa de pôquer, quando os jogadores se encetaram em uma discussão. Tinha-lhe bastado para pagar uma boa comida e uma garrafa de uísque. Por conseguinte, fazia semanas que não sentia o estômago tão cheio e quente. Atirou a importância estipulada sobre a velha penteadeira coberta com uma toalha de mesa de ponto amarelado.

 

Já viu meu material disse com arrogância. Vejamos agora o teu.

 

Embora Pearl fizesse uma cara sedutora, por dentro tremia de asco. O homem baixou os suspensórios e começou a desabotoar a camisa. Quando a tirou, Pearl viu os círculos de suor seco que manchavam as axilas da descolorida roupa interior de cor, vermelho que levava em cima aquele asqueroso. Para ganhar tempo assinalou o papel dobrado que tinha caído da camisa do tipo.

 

O que é isso?

 

Algo que agarrei. Um pôster de busca e captura. Nunca se sabe o que pode passar. Vamos, neném, tire isso.

 

Pearl ficou de joelhos sobre a cama desvencilhada e tirou a velha bata que uma puta veterana lhe tinha presenteado. Nem sequer a triste fileira de plumas que tinha costurado no decote melhorava o seu aspecto.

 

Ficou nua. Os olhos de Clancey brilharam de luxúria e uma careta de crueldade apareceu em sua boca. Pearl tinha fama de serviçal, e por um bom preço acessava a tudo, sempre que não a maltratassem, mas seu coração se acelerou quando percebeu a maldade que aparecia nos olhos incolores de Clancey enquanto a inspecionava. Desabotoou as calças e deixou ao descoberto um sexo inchado e purpúreo, que inclusive aos olhos cansados do Pearl era repugnante.

 

Se esse papel for tão importante, me deixe vê-lo disse, e estendeu a mão para o pôster. Algo com tal de impedir que aquele animal lhe pusesse em cima.

 

E uma merda - disse Clancey, e avançou sobre ela. O que você quer...

 

Ouça, esse parece... Vá, como disse que se chamava? O homem da caravana.

 

Clancey fechou as mãos sobre seus seios e lhe beliscou os mamilos com rudeza.

 

Ai! Para, tem-me feito mal. Não compreende o que intento te dizer? Vi esse homem faz uns dias...

 

Clancey se ergueu, olhou-a e depois desviou a vista para o pôster.

 

Não é mais que um montão de lixo.

 

Clancey não sabia ler. Tampouco sabia por que tinha pego o pôster aquela noite no botequim de Knoxville, só se lembrava de que aqueles dois tipos elegantes tinham falado a respeito de como acreditavam que tinha morrido aquele homem, mas agora dava a impressão de que se fazia passar por outra pessoa. Tinha roubado umas jóias. Isso é o que haviam dito.

 

Vale cinco mil dólares - disse Pearl, e o cansaço deu passo a certo entusiasmo. Aquilo podia ser o bilhete que a tiraria de Owentown e das garras de Madame LaRue.

 

Cinco mil dólares? Clancey se levantou de um salto e lhe arrebatou o pôster da mão. E diz que viu este tipo recentemente?

 

Pearl não era preparada, mas sim ardilosa. Os dois anos com o Madame LaRue tinham servido de algo. Guardaria em segredo o que sabia sobre o homem do pôster. Se valia cinco mil dólares, não permitiria que aquele sujo filho de puta se interpusesse em seu caminho.

 

Piscou com ar sedutor e deixou que sua mão seguisse por debaixo da cintura do homem.

 

Ui, só te estava tirando o sarro. Pensava que queria falar sobre mim, não sobre um pôster velho.

 

Clancey lhe deu um murro na mandíbula. Ouviu-se um rangido sinistro e a mulher caiu sobre o desbotado travesseiro, aturdida pela dor.

 

Se arrependerá de te haver burlado de mim, puta, se não me disser onde viu este homem. Entendeste-me? Esbofeteou-a em cada face e beliscou a parte interna de sua coxa com os dedos da outra mão. Entendeste-me?

 

Pearl assentiu, com a vista nublada e os ouvidos ensurdecidos.

Muito bem, escuto-te. Subiu a mão por sua perna com semblante ameaçador. A mulher choramingou. Fala.

 

Clancey retorceu a carne branca da mulher entre seus dedos.

 

O... carro se obstruiu e ele.... acredito que era ele..., ajudou-nos e nos acompanhou até a cidade. É mais velho agora que o homem da foto, não leva o cabelo comprido e deixou crescer o bigode. Pode ser que não seja o mesmo tipo.

 

Mas Pearl albergava poucas dúvidas a respeito. Quem poderia esquecer aqueles olhos, e sua forma de olhar, como se fosse lhe recordar até o fim de seus dias, se lhe tinha tratado bem ou mau?

 

Chamava-se Clark?

 

Não, não... Era... Não me lembro.

 

Clancey atirou com força de seu pêlo púbico.

 

Refresquei-te a memória?

 

Brotaram lágrimas dos olhos da mulher, que lançou um chiado, mas Clancey voltou a esbofeteá-la. Ninguém ouviria os seus gritos de auxílio. No salão de abaixo havia uma grande gritaria. Ouvia as gargalhadas, o tamborilar do piano, o estrondo da farra. Ninguém poderia ajudá-la.

 

CO... Coleman. Disse que se chamava Coleman.

 

Hóstias! Esse era. Esse era o nome do tipo ao que procuravam os dois cavalheiros do Knoxville. Estava na carreta onde Lydia se escondia. «Matar dois pássaros de um tiro. Não dizia sempre isso papai?»

 

Riu para si enquanto Pearl fazia patéticos esforços por lhe rechaçar. Tinha visto o homem uns dias antes. Estava se aproximando. Assim que amanhecesse, reataria a perseguição do carro. Demônios, começaria aquela mesma noite. Viajaria mais depressa que a carreta. Mas antes devia fazer outra coisa.

 

Pearl? Não te chama assim? Apoderou-se de um de seus seios e o espremeu. Bonito nome, Pearl. Você também é muito bonita. E se deu bem com o velho Clancey. É claro que sim.

 

A mulher sorveu suas lágrimas. Possivelmente se rendesse aos seus desejos poderia fazer contato com o xerife antes que ele para comunicar o paradeiro do senhor Coleman.

 

Obrigado sussurrou.

 

Tenho a intenção de te recompensar, Pearl. Sim, senhor. Clancey Russell sempre dá o que acredita que alguém se merece.

 

Massageou seu ventre com as mãos sujas, aprofundou entre as coxas e a explorou com rudeza.

 

Pearl apertou os dentes e obrigou aos seus lábios inchados a imitar um sorriso. Não sorriu segundos depois, quando Clancey a penetrou como um esporão, com brutalidade, rasgando suas zonas internas enquanto cravava os dedos na carne branda de seus seios.

 

Faz-me mal -gritou Pearl.

 

E você gosta, puta. O suor escorria de sua testa gordurenta. Enlouquece-te.

 

Rodeou sua garganta com uma mão e apertou a laringe. A cada investida de seus quadris, Clancey apertava com mais força, até que os olhos da mulher lhe saíram das órbitas e sua boca se abriu de par em par. Clancey, concentrado em satisfazer sua luxúria, até depois de derramar seu sêmen, não se deu conta de que Pearl já não se debatia.

 

Nenhuma de suas companheiras sentiu falta de Pearl até a tarde seguinte. Madame LaRue não recordava como se chamava o último cliente de Pearl, nem tampouco seu aspecto. Dava a impressão de que toda a população masculina de Arkansas tinha desfilado a noite anterior pelo botequim.

 

«Como ia lembrar se de todos?», perguntou ao acossado xerife. Não pôde lhe proporcionar a descrição. Todos os homens suados e fedorentos que desejavam uma mulher se pareciam.

 

Mas Madame sabia que não era verdade. Gostou muito daquele outro tipo uma semana antes. O alto do cabelo negro e os olhos verdes. Tinha pensado, pela forma no que se movia e comportava, que ele era diferente, mas, por desgraça para ela, não era mais que outro caipira muito apaixonado por sua mulher para deitar-se com uma puta. Ela se tinha enfurecido quando ele abandonou o carro aquela noite, mas depois, Madame tinha recordado à garota do cabelo especial, os olhos estranhos e o porte orgulhoso. Talvez não pudesse culpar ao homem por amá-la.

 

Todos os músculos do corpo de Lydia estavam doloridos, Tentou adotar uma postura mais cômoda, mas não a encontrou. O carro estava às escuras, logo que iluminado pelo primeiro resplendor da aurora. Reinava o silêncio. Depois da festa noturna, todo mundo dormiria mais do que o habitual.

 

 

O homem deitado junto à Lydia estava imóvel. O braço que rodeava sua cintura pesava como o chumbo. Sua respiração era suave e regular; logo que agitava o cabelo de Lydia, apanhado sob sua face. A suave cadência de sua respiração era tranqüilizadora, testemunho de que Lydia não tinha passado sozinha as horas escuras da noite, e de que alguém mais forte tinha adormecido ao seu lado para protegê-la.

 

Uma lágrima solitária escorregou de seu olho até o cabelo. Não era desagradável despertar ao seu lado. E agora a desprezaria. Mais lágrimas seguiram o caminho da primeira.

 

Possivelmente ele estava no certo respeito a ela. Possivelmente ela tinha nascido puta. Clancey tinha descoberto sua lascívia, como uma enfermidade que crescesse em seu interior à medida que seu corpo maturava. Ele tinha respondido ao estímulo. Ross o tinha sabido desde o começo. O que tinha ocorrido aquela noite demonstrava que Ross tinha razão. Porque quando ela devia o rechaçar com energia, foi incapaz de fazê-lo. Tinha gostado muito do que lhe estava fazendo.

 

Tentou virar a cabeça ao outro lado, mas tinha o cabelo preso e teve que seguir olhando o teto de lona, sob pena de correr o risco de despertá-lo.

 

Algo lhe tinha ocorrido ontem à noite quando Ross começou a mover-se sobre ela. Algo. Estranho, terrível, vergonhoso e maravilhoso. Quando a língua dele se moveu com a mesma habilidade em sua boca que...

 

Fechou os olhos e mordeu o lábio inferior. Quando lhe soltou as mãos, em vez de debater-se, tinha-as apoiado sobre seus ombros e saboreado a sensação da pele nua de Ross. Seus dedos se haviam engarfiado ao redor dos músculos tensos para lhe rodear mais. Tinha apertado as coxas contra os seus quadris.

 

De fato, havia-se sentido decepcionada quando ele se apartou e caiu adormecido. No lugar de desprezar-se, sentiu que seu corpo formigava ao rememorar o acontecido. Ele a insultaria e desprezaria pelo que era.

 

Tentou reprimir sem êxito um soluço e Ross se removeu ao seu lado. Despertou pouco a pouco, moveu e estirou as pernas. O braço que rodeava sua cintura se contraiu, e depois se relaxou. Respirou fundo, e a seguir exalou um longo suspiro estremecido.

 

Lydia soube em que preciso instante abriu os olhos. Notou como ele cravava o seu olhar em seu perfil. Ross seguiu deitado um momento interminável, enquanto o coração de Lydia saltava dentro de seu peito. Por fim, Ross levantou o braço e se levantou. Olhou-a.

 

Lydia experimentou um poderoso impulso de lhe tocar, um impulso tão forte que devia reprimir para não estender a mão e alisar a dobra que fendia o seu sobrecenho, jogar para trás o cabelo ingovernável que caía sobre sua testa, apagar a rigidez de sua boca. Mas não pôde. Depois do de ontem à noite, ele não quereria tocá-la. De modo que seguiu imóvel e deixou que seus olhos o olhassem, tratando de apagar de seu rosto qualquer expressão que pudesse trair seus sentimentos tumultuosos.

 

Olhou-o enquanto os olhos dele exploravam seus seios, nus porque tinha carecido da iniciativa necessária para se mover e voltar a fechar a roupa. Tampouco teria podido. Os braços de Ross a tinham mantido aprisionada toda a noite. Cruzou os braços sobre o seio, envergonhada.

 

Um som gutural, que devia ser uma blasfêmia, formou-se na garganta de Ross. Ele apartou seu olhar dela, mas seus olhos caíram sobre as saias ainda recolhidas ao redor de sua cintura e os objetos interiores, amontoadas junto aos seus pés.

 

Envergonhado, com movimentos torpes e desordenados, cobriu-a de novo com suas saias. Lydia tinha as mãos apoiadas sobre o estômago, e quando Ross deixou que seus olhos as examinassem, viu os pulsos arroxeados e torceu a boca. Embora fosse o ato mais difícil de sua vida, obrigou-se a olhar no rosto. Não percebeu sinais visíveis de sofrimento, à exceção daquela incerteza nos olhos.

 

Fiz-te mal?

 

«Uma pergunta estúpida, Coleman se disse. Olha-a, homem. Está coberta de hematomas. » Retificou a pergunta.

 

Dói-te?

 

Lydia negou com a cabeça, sem piscar nem lhe aliviar daquele olhar acusador. Ross se levantou, vacilante. Sem mais palavras, Fechou as calças, agarrou a camisa e saiu do carro.

 

Lydia rodou de lado, sepultou a cabeça entre suas mãos e chorou. Passou muito momento antes que se decidisse a levantar-se e dedicar-se às rotinas cotidianas. Lavou-se escrupulosamente, bastante alarmada ao descobrir rastros de sangue em suas coxas. Esfregou-se com força, para eliminar as impurezas internas e poder ser aceita de novo. Recolheu o cabelo para trás e o prendeu à cabeça, como se fosse um símbolo de sua maldade que devesse ocultar.

 

Quando reuniu suficiente coragem para sair do carro, Ross estava agachado em frente ao fogo. Bebia o café que tinha preparado. Já se tinha barbeado, mas parecia cansado.

 

Lydia enlaçou seus dedos.

 

Irei procurar Lee, e depois prepararei o café da manhã.

 

Como Ross se limitou a continuar contemplado o fogo sem dizer nada, Lydia deu uns passos em direção do carro dos Langston.

 

Lydia.

 

Seu nome, pronunciado com brutalidade, obrigou-a a parar e dar meia volta. Ross estava de pé ante ela, mas a Lydia resultou impossível olhar diretamente ao fogo verde de seus olhos.

 

Quanto ao de ontem à noite... começou Ross.

 

Ela sacudiu a cabeça antes que a acusasse.

 

Não ocorreu nada entre o senhor Hill e eu. Juro-o. Ele se encontrava mau. Não parava de tossir. Cuspiu sangue. Ajudei-o a voltar para o seu carro e lhe dava seu remédio. Isso foi tudo.

 

Ross atirou os sedimentos do café ao chão, amaldiçoou e afundou as mãos em seus bolsos.

 

Não queria falar disso. Seguiu outro tenso silêncio, durante o qual foram incapazes de olhar-se. Acredito que isto não vai funcionar - disse, com uma calma mortal que gelou o sangue nas veias de Lydia. Assim que cheguemos a Telhas, encontrarei um modo de nos divorciar. - Lydia baixou a cabeça para que não pudesse ver suas facções afundadas. Não será difícil.

 

Não - respondeu a jovem com voz áspera. - Não o será.

 

Ali reinam o caos e a confusão. As tropas federais que ocupam...

 

Sim.

 

Eu me encarregarei de tudo.

 

De acordo.

 

Maldição, Lydia, quer me olhar? Ordenou Ross, elevando a voz. Quando ela levantou a vista, viu a exasperação cortante no rosto de Ross. Não choraria. Não o faria.

 

Olhou-lhe sem pestanejar, ocultando sua dor e desespero. Diga algo - gritou ele furioso.

 

Como esperava que reagisse quando acabava de lhe comunicar que a deixaria largada em qualquer sítio, agora que já se acostumou a viver com ele? O que queria que dissesse. Que abandonar a Lee a faria feliz? Que a faria feliz ficar só de novo, sem família, sem ninguém que cuidasse dela em um lugar desconhecido, sem meios de sustento? Claro, ele pensava que sim poderia ganhar a vida. De puta. As lágrimas foram aos seus olhos, mas não pensava proporcionar a aquele homem arrogante o prazer de regozijar-se por elas. Cuidaria de si mesmo. Já o tinha feito antes.

 

Elevou o queixo um ápice.

 

Vou procurar Lee - foi tudo que disse, antes de afastar-se a toda pressa.

 

Quando voltou para carro, Ross estava de pé junto a Lucky, já selado, dedicado a sujeitar um alforje.

 

Estarei ausente um ou dois dias explicou. Scout e eu nos adiantaremos e jogar uma olhada. Se necessitar ajuda, chama Bubba.

 

O coração lhe deu um tombo.

 

De acordo, Ross.

 

O homem terminou de atar as correias de couro e se aproximou dela. As esporas tilintavam a cada passo. Aquele som alegre estava desconjurado.

 

Aplaudiu a Lee nas costas e se agachou para beijar sua têmpora.

 

Adeus, filho.

 

Lydia sentiu seu fôlego quente sobre o ombro e o pescoço. Estava tão maravilhosamente perto e cheirava tão bem, a cavalos, couro, sabão de barbear e homem.

 

Quando Ross levantou a cabeça, seus olhares se encontraram um instante. Lydia desejava uma palavra amável dele, um pequeno gesto para saber que não a desprezava. Não aconteceu nada. Ross deu meia volta, colocou o chapéu e subiu com agilidade à cadeira.

 

Estalou a língua e o robusto garanhão deu meia volta.

 

Ross se apressou a lhe chamar, e avançou dois passos.

 

Ele atirou das rédeas e a olhou -. Tome cuidado - sussurrou. Viu que os olhos de Ross se abriam de par em par sob o chapéu, Depois, assentiu e se afastou.

 

O dia era quente e todo mundo se alegrou de que a caravana não realizasse um trajeto muito longo. Sobre tudo Lydia, que tinha conduzido a parelha. Acamparam logo. Mamãe ordenou a Bubba e Luke que recolhessem lenha.

 

Tenham pressa, para que possa começar a preparar o jantar. Lydia jantará conosco. Parece-me que está um pouco esgotada, e a obrigarei a deitar-se cedo.

 

Os meninos já se afastavam bastante do acampamento quando Bubba puxou Luke para que se detivesse.

 

Tenho que te fazer uma proposição - sussurrou.

 

Luke tirou o chapéu e secou o suor de sua testa.

 

Qual? Perguntou com desconfiança.

 

Você gostaria de te ocupar dos cavalos de Ross esta noite? Dar de comer e escovar, tudo.

 

A idéia era atrativa. Ainda tinha ciúmes da amizade de seu irmão com o homem ao que ambos idolatravam, mas tanta generosidade devia ter seu preço.

 

O que tenho que fazer?

 

Terminar de recolher a lenha e se esquecer de onde me viu da última vez quando Mamãe o pergunte.

 

Luke entreabriu os olhos e examinou ao seu irmão com desconfiança. Bubba se tinha escovado o cabelo e levava uma camisa limpa.

 

Como me esqueci de ontem à noite? Vai se encontrar outra vez com Priscilla, verdade?

 

Não é teu problema. Quer fazer o trato ou não?

 

Luke riu ao advertir o nervosismo de seu irmão.

 

Não me apresse, caralho. Deixe-me pensar um momento

 

Acariciou o queixo. Bubba fechou os punhos, mas conteve sua ira. Zangar-se não lhe serviria de nada. Só aumentaria a teimosia de Luke.

 

Bem, eu me encarrego do trabalho e mantenho a boca fechada, e você me dá a navalha que comprou ao mascate. O que te parece?

 

Uma merda - a soprou Bubba. Não é justo. É uma navalha nova.

 

Luke encolheu os ombros.

 

Parece que não tem muita vontade de se deitar com essa garota.

 

Deu as costas a Bubba e se afastou com ar indiferente.

 

Espera! Gritou Bubba, enquanto corria atrás dele. Não me neguei. Só penso que é um fodido estelionatário.

 

Um brilho travesso iluminou nos olhos de Luke.

 

Um homem de negócios corrigiu, e deu uns golpes na têmpora com o dedo indicador. E aceitarei minha navalha nova agora, obrigado.

 

Bubba, enfurecido, deu-lhe a navalha. Se Priscilla não lhe houvesse dito que fosse pontual, teria ensinado aquele mucoso quem era o mais preparado dos dois. Bubba apontou com o dedo ao seu irmão.

 

Lembre-se. Não me viu.

 

Que passe bem - disse Luke. Ah, Bubba, uma coisa mais. Contarár-me tudo, verdade?

 

Isso não se faz.

 

Nesse caso, talvez recorde que te vi passeando pelo bosque com a Pris...

 

De acordo, contarei. Tenho que ir.

 

Encaminhou-se para o lugar do encontro, enquanto Luke ria dele.

 

Priscilla estava ofendida. Tinha querido chegar tarde para que Bubba se perguntasse se ia vir. Em troca foi ela que chegou primeiro. Quando o menino se apresentou, balbuciando mil desculpas, ela jogou a cabeça para trás.

 

Bem, estou segura de que minha mãe nos localizará de um momento a outro. Fez tanto ruído como um camundongo disse, com aspereza.

 

Bubba ficou desconsolado.

 

-Sinto chegar tarde, Priscilla, mas tive que fazer um trato com o Luke.

 

Esse pequeno...

 

Esta vez não nos incomodará. Juro-lhe isso.

 

Priscilla tinha passado o dia raivosa. Scout a tinha deixado outra vez sem nem sequer despedir-se. Seu corpo estava inflamado desde ontem à noite, e embora tivesse que aplacá-lo um caipira como Bubba Langston, não desejava mais adiamentos. Apoiou a mão sobre o peito do menino.

 

Lamento me haver zangado contigo disse. É que tenho muita vontade de que volte a me beijar. Apertou mais a mão. Meu Deus, seu coração pulsa como um tambor, Bubba.

 

Sim. E o teu?

 

Priscilla levava o vestido mais apertado que tinha, de vários anos atrás. Sua mãe tinha ameaçado jogá-lo fora repetidas vezes, mas Priscilla insistia em conservá-lo. Gostava porque seus seios transbordavam do sutiã.

 

Levantou a mão de Bubba com os olhos entreabertos e a posou sobre seu seio. Apertou-a com força.

 

Comprova-o você mesmo sussurrou.

 

Bubba se tornou altivo. Tinha caído na conta de que Priscilla podia burlar-se de um homem. Durante todo o dia, seu corpo se excitava ao pensar nela e na receptiva que se mostrou a noite anterior. Aquela manhã, quando se aproximou dele para lhe propor que se encontrassem, enquanto Mamãe estava distraída, Bubba tinha decidido que já não a deixaria tomar a iniciativa. Ross Coleman não permitiria que uma mulher lhe manipulasse daquela maneira. Se desejasse a uma mulher, tomaria. Bubba queria fazer tudo como Ross.

 

Agora, ante a surpresa de Priscilla, o moço a empurrou sobre a erva e lhe desabotoou com rapidez o vestido, tirou-lhe a regata e acariciou seus seios. Sorriu agradado quando seus mamilos avermelhados floresceram e se endureceram. Deitou-se ao seu lado e sacrificou uma mão para afrouxar as calças.

 

Depois a beijou, introduziu a língua em sua boca, ao tempo que esfregava o membro contra suas saias e brincava com seus seios. Priscilla começou a pensar que, ao final, não tinha feito uma eleição tão má. A agressividade recém descoberta de Bubba a excitava. Acrescentava um elemento de perigo ao que estavam fazendo, como se o moço fosse enlouquecer a qualquer momento.

 

Ela conseguiu liberar-se de suas calças interiores, agarrou o membro duro e pulsátil, e lhe guiou. A boca de Bubba percorria os seus seios, beijava, lambia, emitia ruídos animais.

 

Não! Exclamou, quando ela começou a lhe friccionar. Quero fazê-lo.

 

Colocou-se sobre ela e perfurou sua carne. A moça se arqueou instintivamente e gritou, mas não demorou em compassar seus movimentos com os de Bubba. Pela mente deste não passou nem por um momento a idéia de prolongar o prazer. Ao cabo de um instante, estalou em seu interior e se esvaziou de todo o desejo que lhe tinha atormentado durante meses.

 

Maldição, Bubba - grunhiu Priscilla. Agüentaste muito pouco.

 

Ele não a ouviu, não ouviu nada. Limitou-se a continuar deitado sobre ela, pensando que aquilo era o melhor que podia passar a um corpo, e que assim que se recuperasse voltaria a fazê-lo. E voltaria a fazê-lo. Morria de vontade de presumir disso ante Luke.

 

Ross emprestava pouca atenção ao seu entorno enquanto cavalgava junto ao Scout, que era taciturno e insolente, e recordava Ross de uns anos antes. Não gostava do jovem, mas tinha acessado a lhe acompanhar para poder pensar, para não ter que olhar Lydia e recordar quão maravilhosa tinha sido a noite e quanto a desejava de novo. Só se ela desejava-o. Nunca mais voltaria a tomá-la pela força.

 

«Violação.» Meu Deus! Fez muitas coisas em sua vida das que se envergonhava, mas nunca tinha forçado a uma mulher. Tinha matado homens, muitos. Tinha sido um ladrão que não havia sentido o menor remorso por roubar. Tinha assolado propriedades. Mentido. Enganado. Mas nunca havia se sentido tão enfurecido consigo mesmo como então.

 

O que te parece se acamparmos aqui? –perguntou Scout.      

 

Estupendo - acessou Ross, e puxou as rédeas.

 

Irei procurar água enquanto você acende o fogo. Não sei muito cozinhar. Se o fizer você, eu lavarei os pratos.

 

Ross assentiu enquanto desencelava Lucky. Preparou metodicamente o acampamento, algo que tinha feito mil vezes em sua época de fugitivo. A divisão do trabalho, as brigas, as maldições pela má sorte, os planos para o seguinte grande golpe, as brigas entre camaradas, eram lembranças familiares. E durante todos aqueles anos de farras com os foragidos mais depravados, jamais tinha violado a uma mulher.

 

O ciúme o corroeu quando a viu com Hill, embora o sentido comum lhe dissesse que, até no caso de que Lydia estivesse predisposta, o código de honra de Hill nunca lhe permitiria tomar à mulher de outro homem. Aquela manhã, antes de partir, Ross se tinha desculpado, perguntado a Moisés pela saúde de seu amo e sugerido lhe aliviar de algumas tarefas para que pudesse cuidar de Winston, quem tinha dado seus mais efusivos agradecimentos através de Moisés.

 

Mas não podia compensar Lydia. Estava muito envergonhado. Era incapaz de lhe oferecer suas desculpas. Face ao que tivesse sido, agora era sua mulher e, na prática, a mãe de seu filho. Ela tinha se negado, mas não lhe tinha importado. Havia a possuído e forçado como um selvagem.

 

Tinha sido maravilhoso despertar ao seu lado pela manhã. Só que, imediatamente, recordou o ocorrido de noite. Quando viu os hematomas em seus pulsos e braços enquanto cobria os seus seios indefesos, quando viu sobre suas coxas os restos ressecados de sua violação, junto com o sangue, sentiu-se mortificado.

 

Nem sequer se tinha parado a pensar que estaria quase tão apertada como uma virgem depois de dar a luz. Seria um milagre que não lhe tivesse ocasionado lesões permanentes. Amaldiçoou-se enquanto agitava a frigideira de feijões. Possivelmente as lesões não teriam cura. Possivelmente naquele mesmo momento estaria sangrando sem remédio.

 

Cheira bem - comentou Scout. Ajoelhou-se junto ao fogo e se serviu de uma xícara de café.

 

Quando quiser.

 

Ross se recostou contra uma árvore e contemplou o pôr-do-sol. Quando tinha ido, Lydia parecia abatida, mas não doente. Por sorte, não a tinha maltratado com excesso.

 

Era lógico que ela teria olhado com cautela quando. Ele tinha procurado um brilho de perdão em seus olhos. Para Ross teria bastado que ela tivesse feito o menor protesto de que era muito cedo para falar de divórcio, pois só tinham casados umas poucas semanas. Entretanto, Lydia tinha se limitado a lhe olhar com aqueles olhos que podiam ser tão alegres como a luz do fogo ou tão duros como uma pedra, segundo seu humor. O desprezo que sentia para ele era evidente.

 

Não come? Perguntou Scout, com a boca cheia de feijões.

 

Ross sacudiu a cabeça.

 

Neste momento não tenho fome. Possivelmente mais tarde.

 

Que caralho importava se lhe perdoava ou não? Era uma puta. Seguro que já a tinham maltratado em anteriores ocasiões. Por que devia preocupar-se com isso?

 

«Porque tinha medo de ti, bastardo. Sabia, mas não fez conta.

 

»Poderia haver resistido mais.

 

»Resistiu tudo o que pôde. Prestasse atenção nela? Uma rajada de vento forte poderia derrubá-la. Que possibilidades tinha contra um bruto como você?

 

»Bom, ela o buscou.

 

» Ser violada?

 

»Pode ser que ser violada não, mas o informou que o desejava quando se esfregava contra ti, você fazia pequenos favores e se arrumava o cabelo como se acabasse de dar a queda mais satisfatória. E todos esses pedaços de carne que deixa ver?

 

»Acidente.

 

»Seriamente?

 

»Acredito que sim.

 

»Tinha pensado assim em Vitória alguma vez? Até o ponto de acreditar que se não a via, se não a tocava, se não faziam amor, explodiria?

 

»Não me lembro.

 

»Sim, lembra-se. A resposta é não. A amava, mas ela não usurpava todos seus pensamentos, e isso é o que na verdade o preocupa, não era certo? Foi dez vezes melhor com essa garota que antes com sua mulher. Com qualquer mulher. Era incapaz de esquecê-lo.

 

»Farei-o.

 

»Duvido-o. Só de pensar nisso, ficava dura como uma viga.

 

»Sim, sim, sim! Foi fantástico e o desejo outra vez. O que vou fazer, maldição?»

 

É estupendo afastar uns dias desses caipiras desgraçados- comentou Scout.

 

Sim - foi a lacônica resposta de Ross.

 

Seria à hora de jantar. Ela estaria inclinada sobre o fogo e o calor avermelharia suas faces. Ele sairia de atrás do carro depois de lavar-se, olhariam-se, ela umedeceria os lábios como sempre que ficava nervosa.

 

A pequena Watkins está me enlouquecendo. Uma ninfomaníaca, disse Scout, enquanto cortava um cilindro de tabaco. Ofereceu a Ross, que negou com a cabeça. Sabe o que fez?

 

O que? Perguntou Ross, que nem sequer sabia do que estavam falando.

 

Deus, mergulhar no corpo de Lydia tinha sido como encontrar-se em casa pela primeira vez em sua vida. Sua intenção tinha sido possuí-la com rudeza, rapidez e de forma desapaixonada, mas uma vez dentro dela, descobriu que não podia. A sensação era muito boa. Acaso lhe tinha rodeado as costas com os braços, ou ele queria recordá-lo assim?

 

Scout continuava o relato de suas aventuras eróticas.

 

Bom, atirei-me isso várias vezes, e agora começou a falar de bodas, meninos e tudo isso. Lançou uma risada. Direi-te uma coisa, tem um caralho escuro como um demônio. Provaste alguma vez esse favo? Não, claro que não, sobre tudo com esse suculento pedaço de carne com quem te casaste, que te espera cada noite.

 

Ross se moveu à velocidade do raio. Chutou o peito de Scout com os calcanhares de ambas as botas e lhe enviou rodando para trás. Antes que o homem se recuperasse, Ross caiu sobre ele, plantou o joelho na base de sua espinha dorsal e arqueou seu corpo com o braço debaixo de seu queixo. Scout ouviu o estalo sinistro de uma pistola ao ser martelada. Como demônios a tinha tirado Ross de sua capa? Scout nunca saberia.

 

Tem algo mais que dizer a respeito de minha mulher? Perguntou Ross. Seu tom suave aterrorizou Scout muito mais que a rapidez mortífera com que tinha desencapado a pistola.

 

Não..., não gaguejou. Não quis ofendê-la. Juro por Deus que não... Ai! Uivou, quando Ross aumentou a pressão de seu joelho e braço. Juro por Deus que não pretendia lhe faltar o respeito.

 

Pouco a pouco, a presa mortal se afrouxou. Ross ficou em pé lentamente, e embainhou a pistola.

 

Acredito que agora sim tenho fome - disse, com uma voz tão fria e metálica como o comprido canhão de sua arma, que Scout ainda sentia fazendo cócega em sua nuca.

 

O jovem se foi tranqüilizando e viu que Ross se servia com indiferença em seu prato de lata. Scout nunca tinha pensado que Coleman era como outros membros da caravana. Agora estava seguro disso. Aquele homem ocultava mais coisas das que ninguém suspeitava, e ele não albergava o menor desejo de descobrir.

 

A expressão de Mamãe era tão dura como uma pedra quando Bubba entrou com olhos sonhadores no círculo de luz. Seus pés logo que tocavam o chão. Estava flutuando em um estado de euforia.

 

Pode-se saber onde estava?

 

A ensurdecedora voz de Mamãe reduziu a pedacinhos sua sensação de bem-estar e lhe devolveu à realidade.

 

Oi?

 

Vou açoitar aos dois - disse Mamãe, e agitou uma amedrontadora vara de salgueiro ante a cara da Bubba. Faz horas que lhes enviei a procurar lenha e não lhes vi o cabelo após. Onde está o inútil de seu irmão? Poderia açoitar aos dois ao mesmo tempo.

 

Luke não tornou?

 

A Bubba estava custando muito centrar-se. Priscilla não só tinha secado seu corpo, mas também parecia ter espremido todo seu cérebro. Quando compreendeu que Luke não tinha completado sua parte do trato, ficou quase tão lívido como Mamãe.

 

Não, não retornou. A que se dedicou os dois?

 

Eu... Nós... fomos procurar lenha e Luke disse que a traria.

 

Pois não o fez, e tive que enviar ao seu esgotado pai a procurá-la. E bem?

 

Disse que ia... Já sei... Com certeza está no curral, com os cavalos do senhor Coleman... Disse...

 

Não, não está ali. Enviei Marynell a dar uma olhada, e Lydia está se ocupando desses cavalos. Atlanta disse que Luke não está no acampamento. Se está encobrindo alguma de suas travessuras...

 

Voltou a agitar a vara.

 

Bubba rogou a Deus que Priscilla não lhes estivesse escutando. Riria dele. Atuando toda a tarde como um homem e receber umas palmadas de noite como um menino.

 

Não, Mamãe, juro-te que...

 

Bubba se interrompeu quando advertiu que Mamãe já não lhe escutava. De repente, tinha solto a vara que sacudia. Levou a mão avermelhada e calejada à boca, e Bubba, pela primeira vez em sua vida, viu que as faces de sua mãe empalideciam, enquanto o separava de um empurrão e avançava cambaleante.

 

Senhora Langston - disse Moisés em voz baixa – eu o encontrei no bosque.

 

Levava nos braços ao Luke, que parecia surpreendentemente pequeno e infantil. Havia um lenço preso ao redor da garganta do moço, mas a brecha da navalhada era visível. Tinha a camisa rígida, pegajosa, vermelha, empapada em sangue que se secou com rapidez por causa do calor do verão.

 

Bubba desabou contra a roda do carro de sua família e começou a vomitar.

 

Lydia contemplou o buraco quadrado aberto na terra e se negou a acreditar que o vulto envolto em um edredom que descansava no fundo fosse o alegre e peralta Luke Langston. Os membros da caravana se erguiam sombrios e silenciosos, enquanto o senhor Grayson oficiava a breve cerimônia fúnebre. Era a segunda morte que se produzia do início da viagem. Não havia ataúde. Não tinham tido tempo de fabricar ou comprar um.

 

Lydia deixou que as lágrimas escorregassem sobre suas faces sem tentar as secar. Por sorte Lee estava quieto e calado em seus braços. Talvez intuísse a tragédia da situação, a tensão dos adultos que lhe rodeavam?

 

Lydia ignorava como podia Mamãe Langston manter-se tão serena. Apresentava o aspecto de cada dia, seu escasso cabelo recolhido para trás, vestida com roupas de chita e o perpétuo avental. Estava muito erguida, e seu rosto era uma máscara carente de toda expressão. Tinha as mãos enlaçadas sobre sua cintura deformada. Só a branca rigidez de seus nódulos delatava sua dor. A família estava congregada ao seu redor. Zeke, curvado, parecia muito mais velho que no dia anterior. Anabeth tentava imitar a dignidade de sua mãe, mas as demais garotas, abraçadas entre si, choravam sem cessar. Samuel parecia perplexo, ao bordo das lágrimas. O pequeno Micah, que não entendia nada, estava ao lado de sua mãe, obstinado a sua saia, e contemplava com ar solene a cerimônia.

 

Mas Bubba, Bubba era o que dava mais pena. Seus olhos estavam afundados como se fosse ele o que estivesse na tumba. Estava bastante mais pálido que o cadáver, lavado e envolto cuidadosamente para o enterro. Se a cara de Luke se via plácida na morte, a de seu irmão maior estava estragada pela dor e o desespero.

 

Esses dois meninos eram muito unidos – murmuravam as pessoas.

 

Demorará muito tempo em deixar de sentir falta de Luke.

 

O senhor Grayson terminou de ler o Salmo 23 e fechou a Bíblia encadernada em pele. Pigarreou.

 

Quando quiser, Mamãe...

 

Mamãe se agachou, agarrou um punhado da terra que tinham extraído para cavar a tumba de seu filho e a pulverizou sobre o cadáver.

 

Filhos - disse.

 

Um a um, os irmãos e irmãs de Luke Langston se aproximaram do bordo da tumba para arrojar um punhado de terra. Quando chegou o turno de Bubba, este contemplou o buraco na terra com olhos muito consternados e uma expressão muito triste para poder chorar. Lançou um grito de angústia, deu meia volta e correu entre as pessoas reunidas em torno da tumba. Mamãe o seguiu com o olhar, com expressão tão desolada como a do moço.

 

Zeke - disse, e puxou seu marido pelo braço.

 

Zeke se removeu, agarrou mecanicamente um punhado de terra e deixou que caísse na tumba como se carecesse de importância para ele.

 

A família aguardou com ar solene enquanto todos outros desfilavam ante eles para repetir o ritual e iniciavam uma lenta e triste procissão para o acampamento.

 

Ao cabo de pouco momento, só acompanhavam aos Langston Lydia e o senhor Grayson.

 

Fiquem o tempo que desejar. Não acredito que ninguém tenha vontade de viajar hoje. Enviarei a alguns homens indicou a tumba aberta, quando vocês se retiraram.

 

Mamãe assentiu.

 

Lydia deu um abraço a cada um dos Langston e depois deixou que o senhor Grayson lhe acompanhasse para os carros. Sentia falta de Ross. Se ele estivesse ao seu lado, talvez pudesse suportar a idéia da morte brutal de Luke. Ross ajudaria a Bubba a superar o horror de ver assassinado ao seu irmão de uma forma absurda e cruel.

 

Sentia uma imensa dor pela perda de Luke. Apreciava-o por seu senso de humor e seu caráter travesso, sua vontade de viver, sua mente vivaz. Desejava chorar por sua morte inútil. Desejava que Ross a abraçasse enquanto chorava.

 

Mas ele se foi, e ela tinha que ser forte para ajudar Mamãe e Zeke. Nunca poderia lhes recompensar o bastante por havê-la acolhido quando ninguém mais o teria feito, mas podia lhes ajudar a superar a tragédia.

 

Quando retornou ao acampamento, Lydia compreendeu imediatamente que o assassinato de Luke teria sérias repercussões, à margem da dor por sua perda. A noite anterior, depois de que Moisés trouxe o corpo, já era muito tarde para enviar um cavaleiro em busca de um agente da lei. A cidade com xerife mais próxima se encontrava a trinta quilômetros, teria que atravessar um território desconhecido, e ninguém queria ver-se misturado com as tropas federais que ainda ocupavam Arkansas.

 

O senhor Grayson tinha enviado um mensageiro antes que amanhecesse. Já tinha retornado, e informado aos ávidos e inquietos ouvintes de que o xerife não estava disponível, pois se encontrava na zona mais afastada do condado e não voltaria até passados uns dias. O ajudante se negou a abandonar o escritório.

 

Não têm notícia de crimes similares por estas paragens explicou com gravidade o senhor Sims. Disse que..., hummm..., pensássemos em alguém da caravana...

 

Insinuou que um de nós tenha assassinado ao menino? Perguntou Grayson.

 

Sims retorceu entre os dedos a brida de seu cavalo.

 

Mais ou menos. Eu lhe disse que não estava de acordo, mas...

 

Bem, eu estive dando voltas ao assunto interrompeu com voz estridente Leoa Watkins. Quando todos os olhos se voltaram para ela, cobriu-se com o xale, elevou os ombros com arrogância e deixou que a tensão crescesse. Ontem vi alguém rondando pelo bosque. Não suspeitei nada até que o menino dos Langston apareceu morto, mas agora acredito que é meu dever como cristã denunciá-lo.

 

Jesse, seu marido, passeou um nervoso olhar em torno dele. Lydia sempre tinha pensado que o homem tinha tanto medo de sua sombra como de sua mulher. A julgar por sua expressão, teria preferido que a mulher mantivesse a boca fechada. Priscilla, ao seu lado, só manifestava aborrecimento.

 

Leoa, você não sabe...

 

Cale-se, Jesse ordenou a mulher, e seu marido se acovardou. Esta gente tem que saber se está dando proteção a um assassino.

 

Todo mundo se estremeceu, inclusive Lydia.

 

Senhora Watkins, não pensará que alguém desta caravana matou Luke disse o senhor Grayson.

 

Os olhos de furão de Leoa percorreram o círculo das pessoas. Tinha a todo mundo onde desejava, atendido pela intriga.

 

Quem lhe trouxe, né? Coberto de sangue.

 

Moisés? Exclamou Lydia. Está acusando Moisés de assassinar Luke?

 

Não necessitamos a intromissão de forasteiros - replicou Leoa, sem dignar-se a olhar Lydia. Em troca, desviou seus olhos duros e carentes de cor para o negro.

 

Os que estavam perto dele retrocederam com sigilo e lhe olharam com desconfiança. Era como se nunca lhe tivessem visto antes, embora fizesse semanas que viajavam em sua companhia.

 

Vi-lhe ontem andar furtivamente pelo bosque, quando me dirigia ao rio - sussurrou em voz alta Leoa Watkins. Um brilho de maldade apareceu em seus olhos, fecundados de ódio e prejuízos. Eu digo que ele é o assassino.

 

Houve murmúrios de assentimento e o coração de Lydia se acelerou. Devia ser um pesadelo horrível e logo despertaria, despertaria com o braço protetor de Ross ao redor de sua cintura.

 

Por que quereria Moisés matar a alguém? Perguntou um homem.

 

É um antigo - escravo raciocinou Leoa, com os braços abertos. Agora que é livre, tomou gosto a matar brancos. Em algumas ocasiões, hei sentido que seus olhos escorregavam sobre mim e minha filha. Um só olhar desses olhos escuros e malvados é suficiente para te gelar o sangue nas veias.

 

Isso é ridículo! Gritou Lydia, mas o tumulto afogou sua voz.

 

Moisés lançava olhadas nervosas ao redor dele. A família Hill lhe tinha protegido durante toda sua vida, mas sabia o bastante sobre os cavaleiros noturnos que aterrorizavam aos negros libertos para estar assustado. Tinha visto multidões incitadas a linchar os negros por suspeitas imaginárias, suspeitas muito menos acusadoras que o sangrento assassinato de um moço branco.

 

Digo que lhe atemos e nós mesmos julguemos gritou Leoa. Ninguém sabe quando o xerife decidirá a vir em nossa ajuda. Enquanto isso, poderiam produzir-se mais assassinatos. Querem que Moisés ande solto entre nossos filhos? Perguntou à senhora Norwood, que estava ao seu lado.

 

Esperem! Ordenou o senhor Grayson, com ambas as mãos levantadas. Todos lhe respeitavam o suficiente para deter seu avanço hostil para o Moisés e voltar a vista fazia o chefe da caravana. Ainda não escutamos Moisés. Foi ao bosque ontem? Perguntou ao negro.

 

Sim, senhor. Fui pegar ervas medicinais para preparar um chá ao senhor Hill. É bom para sua tuberculose.

 

Lydia tinha visitado Winston aquela mesma manhã. Tinha melhor aspecto. Confiava em que não ouvisse de sua cama do carro as acusações vertidas contra o seu amigo.

 

Viu o Luke Langston?

 

Não, senhor, até que lhe encontrei tal como lhe trouxe.

 

Mentiras - gritou a senhora Watkins. Vai acreditar nele? Seguro que foi pegar ervas venenosas para matar ao senhor Hill. Eu o vi, repito, rondando, como a ponto de lançar-se sobre alguma pobre alma despreparada. Jesse, trás a corda.

 

O homem se apressou a obedecer, e outros avançaram sobre o negro.

 

Tudo ocorreu de uma vez. Lydia olhou ao seu redor e deixou a Lee nos braços da senhora Greer.

 

Não lhes deixe fazê-lo - gritou ao Grayson.

 

O chefe da caravana estava assombrado de ver pessoas tão civilizada comportar-se como bárbaros. Limitou-se a contemplar a cena em silêncio. Moisés, quando viu aqueles homens enfurecidos correr em sua direção, assustou-se, deu meia volta e fugiu.

 

Escapa - gritou alguém.

 

Detenham-no!

 

Não, Moisés, não! Gritou Lydia, e saiu atrás dele, ao compreender que sua fuga equivalia a uma confissão de culpabilidade para aquelas pessoas enlouquecidas.

 

Detenha-o, Jesse. Traz a carabina gritou Leoa ao seu marido.

 

Naquele preciso momento, o cavalo de Ross apareceu de improviso e penetrou no círculo como uma flecha negra. Lucky deu meia volta assim que seus cascos tocaram o chão, de forma que a Lydia e Moisés ficaram separados dos outros. O rifle de Ross apontava à multidão, em tanto sua pistola mirava Jesse Watkins, que tinha ficado petrificado com a mão esdeitada para a carabina, tal como sua mulher lhe tinha ordenado. Todo mundo ficou imóvel, tanto por causa da surpresa como do medo. Todos quantos tiveram a desgraça de olhar aos olhos de Ross naquele momento saborearam o medo, acre e repugnante.

 

Eu se fosse você não o faria.

 

Foram as únicas palavras que pronunciou, quase em um sussurro sibilante, mas a mão de Watkins se separou da escopeta como se a corda de uma marionete tivesse atirado dela.

 

Que todo mundo fique quieto até que averigúe que caralho está passando.

 

Também eu gostaria de sabê-lo. Era a voz de Mamãe. Para ouvir o alvoroço, os Langston tinham voltado para acampamento. Mamãe experimentou um grande alívio ao comprovar que, passasse o que acontecesse, não era por causa de Bubba. O menino já não era o mesmo de antes, e aquela mudança drástica era mais profunda que sua dor.

 

Os membros da caravana estavam estupefatos. Todos consideravam Ross Coleman um homem valente, um homem que não se metia nos assuntos de outros, devoto de sua primeira mulher, e que agora dava a impressão de estar adaptando-se a ser pai e cuidar de sua nova esposa. Colaborava quando lhe pediam ajuda, mas não dava conselhos sem que o solicitassem. Jamais convidava às confidências, mas ria das brincadeiras de qualquer um e tomava um gole de uísque quando as mulheres não olhavam, como qualquer outro homem. Era um bom tipo, não tão cordial como alguns, mais arrumado que a maioria, bastante reservado, mas trabalhava duro.

 

Agora, entretanto, viam um aspecto daquele homem que lhes era desconhecido. Sua voz, dotada de uma serena persuasão, teria podido deter uma avalanche. E aqueles olhos, penetrantes como os de uma águia, eram temíveis e hipnóticos. Ninguém se moveu por temor a que Ross interpretasse mal o movimento e disparasse. Todos lhe tinham visto desencapar a pistola enquanto seu cavalo saltava entre os carros. Quase podiam acreditar que o tinham visto. O que se negavam a acreditar era que ao mesmo tempo Ross tivesse tirado o rifle de sua capa com a mão esquerda.

 

Ross desmontou sem que um músculo de seu rosto se movesse. Ainda tinha as duas armas apontadas e preparadas para disparar.

 

Lydia.

 

Sim?

 

Vem aqui.

 

Lydia nunca se alegrou mais de ver alguém em sua vida. Experimentou o impulso de correr para ele, rodear sua cintura com os braços e abandonar-se a sua força. Em troca, dirigiu um olhar tranqüilizador a Moisés e avançou até chegar ao lado de Ross.

 

-O que passou? Perguntou ele, sem apartar a vista de outros.

 

A jovem tragou saliva, temerosa de ficar a gaguejar, e depois lhe referiu o assassinato de Luke e o ocorrido aquela manhã. Ao inteirar-se da morte do moço, um estremecimento percorreu o corpo de Ross e olhou aos Langston, que seguiam agrupados. Pelo resto, não se alterou. Quando Lydia terminou de lhe explicar os detalhes principais, Ross embainhou a pistola, ao intuir que o estalo de violência se acalmou. Baixou o rifle.

 

Caminhou entre os apaziguados membros da caravana que se achavam em completo silêncio, só quebrado pelo tinido de suas esporas, e encarou o senhor Grayson.

 

Acredita que o velho Moisés é capaz de matar a alguém?

 

Não - disse o homem, envergonhado, e meneou a cabeça. O ajudante do xerife local deixou a solução do problema em nossas mãos, mais ou menos. Não soube o que fazer.

 

Eu sim sei o que vou fazer.

 

Mamãe tinha escutado a explicação de Lydia com tanta atenção como Ross. Encaminhou-se para Leoa Watkins, e sem prévio aviso a esbofeteou com todas suas forças.

 

Enterrei três filhos, e pode ser que ainda deva sepultar a outros seres queridos antes que chegue minha hora. Só peço a Deus que, nesse momento, você esteja bem longe de minha família, para não aumentar sua dor. Além de ser uma bruxa velha e malvada, é uma idiota, Leoa Watkins. Se Moisés tivesse assassinado ao meu filho, por que teria me trazido seu corpo? Ergueu-se em toda sua estatura. É você cruel e nunca conheceu a felicidade. Dá-me pena.

 

Leoa passeou o olhar pelo grupo e só viu hostilidade, quando uns momentos antes tinha visto obediência.

 

Apartou suas saias e se voltou para a carreta. Ao observar que Jesse e Priscilla tinham a vista cravada no chão, sem segui-la, carregou para eles.

 

E bem?

 

Os dois a seguiram com docilidade ao interior do carro.

 

Mamãe foi primeira a reagir. Virou-se e falou com os congregados.

 

Não me surpreende seu comportamento, mas acredito que alguns de vós deveriam se desculpar.

 

Todo mundo baixou a vista com ar culpado e começou a desfilar para as carretas. Alguns lançaram olhadas envergonhadas a Moisés, quem se erguia com tranqüila dignidade, mas sem altivez.

 

Lydia recuperou Lee e se aproximou do negro.

 

Sinto muito, Moisés. Foi horrível o que lhe fizeram. Encontra-se bem?

 

Estou bem, senhorita Lydia. Obrigado por me defender.

 

Ela sorriu e lhe tocou o braço.

 

Não foi mais do que Winston e você fizeram por mim quando eu era a proscrita. Se esta tarde cuidar de Lee um momento acrescentou, farei o jantar para você e Winston.

 

O gesto pretendia insuflar confiança, e o obteve. Os olhos do velho se encheram de lágrimas.

 

Obrigado. O agradecemos muito.

 

Sentiu a presença de Ross detrás dela e se voltou.

 

O café te espera no carro - disse em voz baixa.

 

Ross a olhou e Lydia experimentou a sensação de que estava esquadrinhando sua alma.

 

Irei assim que tenha dado os pêsames aos Langston.

 

Lydia não queria afastar-se dele nem um momento. Queria lhe olhar, assegurar-se de que havia voltado e a olhava como se tivesse tido saudades, mas se ficava com ele um segundo mais, Ross possivelmente leria em seus olhos a tormenta que açoitava o seu coração. Deu meia volta a toda pressa.

 

Quando Ross entrou no carro, um momento depois, seu cansaço era patente. Agradeceu com uma sacudida de cabeça a xícara de café que lhe deu e se deixou cair em um tamborete.

 

Grande confusão encontrei ao voltar.

 

Pensava que se ausentaria vários dias.

 

A indiferença de sua voz era adquirida. De fato, ardia em desejos de saber por que havia tornado Ross antes do previsto à caravana.

 

E eu, mas... encolheu-se de ombros. Decidi retornar antes que amanhecesse. Scout continuará explorando.

 

Por que não o dizia de uma vez? Por que não confessava que lhe era impossível manter-se afastado dela por mais tempo, que ontem à noite não tinha parado de dar voltas em suas mantas, até decidir que tentar dormir era uma perda de tempo? Tinha recolhido suas coisas e selado o cavalo, despertado a um surpreso e adormecido Scout para lhe dizer que trocava de planos, e depois retornado ao seu lado o mais depressa possível.

 

Alegro-me que voltou a tempo.

 

Lydia não tinha nada que fazer com as mãos. Lee dormia. Tinha terminado as tarefas matutinas. O melhor que podia fazer com elas era eliminar com massagens o cansaço que derrubava os ombros de Ross, apagar com dedos acariciantes as rugas que sulcavam sua testa. Ardia com o desejo de lhe tocar, mas não o fez. Enlaçou as mãos.

 

Ross contemplou a xícara enquanto dava voltas ao líquido.

 

Não posso acreditar que alguém tenha matado a sangue frio a esse pequeno. Por quê? Por que, maldição?

 

Não sei, Ross. O que vai fazer o senhor Grayson?

 

Acredita que deveríamos dedicar o dia de hoje a dar uma olhada pelos arredores, se por acaso encontramos alguma pista sobre a identidade do assassino.

 

Deveríamos? Perguntou com voz trêmula a jovem.

 

Ofereci-me como voluntário.

 

Ah.

 

Lydia se sentou no outro tamborete em frente a ele e apertou as mãos com força. Tinha visto o cadáver de Luke, a navalhada que quase lhe tinha separado a cabeça do tronco. Estremeceu-se.

 

O que crê que encontrarão?

 

Nada - foi a lacônica resposta de Ross. Ela o contemplou fascinada enquanto ele revisava metodicamente a pistola e o rifle. Podem ser índios, mas duvido que haja tribos de guerreiros tão ao este. Além disso, não foi uma morte nobre, para conseguir comida ou algum propósito definido. Foi pelo puro prazer de matar. Nesse caso, pode ser algum renegado com o que Luke se topou. Há milhares deles rondando pelo Sul da guerra, enfrascados em sua luta particular, dedicados a vingar-se por sua conta, que descarregam seu ódio sobre pessoas inocentes como Luke. Este tipo de assassino é hábil, acostumado a matar e desaparecer. A estas alturas, já se encontrará a muitos quilômetros de distância.

 

Por que tem que ir você em sua busca?

 

As mãos de Ross se imobilizaram. Levantou a cabeça. A angústia que tinha captado na voz de Lydia era autêntica.

 

Por que defendeu Moisés, te expondo a receber um balaço?

 

Lydia apartou a vista de seu olhar inquisitivo.

 

Claro que deve ir –murmurou. Mas não deixe que te ocorra nada, quis suplicar. Quis dizer que parece cansado.

 

Sim. Esta manhã cavalguei muito.

 

Para ver-te. Para cheirar seu cabelo, que inclusive em um dia triste como o de hoje cheira a luz do sol. Para comprovar se seu corpo é real ou só uma quimera que me tem enfeitiçado. Para ouvir sua voz.

 

Enquanto se levantava, embainhou a pistola. Lydia não deixou de observar a destreza com que o fazia, ou o gesto automático de atar a pistola à coxa com correias de couro. Colocou o chapéu, inclinado sobre a testa, e agarrou o rifle.

 

Não me espere até depois de obscurecer disse, enquanto calçava as luvas de pele.

 

Lydia esqueceu que desejava manter em segredo suas emoções e correu para ele. Apoiou as duas mãos sobre seu braço, que estava cruzado sobre seu estômago para sustentar o rifle.

 

Ross, irá com cuidado?

 

Quando se tinha preocupado alguém por ele assim? Em toda a sua fodida vida, quando se tinha preocupado alguém por sua segurança? Inclusive Vitória tinha dado por sentado que sabia cuidar de si mesmo. Se alguém necessitava amparo era ela, não ele. Quando lhe tinha devotado alguém com tanta preocupação aparente, não pelo que significava para ambos se sobrevivia ou não, a não ser com preocupação exclusiva por sua segurança?

 

Pensou na noite que tinha passado sonhando com ela, nas horas que tinha estado cavalgando sem descanso, para voltar para o seu lado. Pensou na ânsia que embargava o seu corpo por estreitar-se com o de Lydia uma vez mais..., e o mal que o tinha passado tentando esquecer seu esplendor.

 

Estava lhe olhando com aqueles olhos que lhe recordavam o uísque de melhor qualidade. Seu cabelo pedia a gritos que o separasse de suas faces. Sua boca estava úmida, convidativa, como se desejasse ser beijada.

 

Por Deus todo poderoso, podia-se permitir lhe dar um beijo.

 

Diante de Deus, de Leoa Watkins e de qualquer um que queria olhar, agarrou sua cabeça pela nunca e a elevou para ele. Procurou sua boca com ternura. Degustou-a até que notou os lábios dóceis, deslizou a língua entre eles e a afundou naquela doce caverna, que se fechou ao seu redor.

 

Lydia se sentiu débil. Só pôde pensar em quão maravilhoso era compartilhar aquela intimidade com ele. Deixou as mãos onde estavam, sobre o braço preso entre seus corpos, mas se apertou mais, até afundar os nódulos nos músculos de seu estômago.

 

A língua de Ross se mergulhou repetidas vezes em sua boca, a base de deliciosas incursões. Lydia escutou seu próprio murmúrio de desejo e necessidade. Experimentou o poderoso impulso de separar os joelhos e enlaçar com elas a Ross. Esmagou suas pernas contra as dele.

 

O peso de seus seios sobre o braço deixou Ross tonto. Quis soltar o rifle, levá-la no colo até o carro, vê-la nua, acariciá-la com ternura, esquecer tudo, exceto perder-se nela de novo, mas não podia, de forma que se economizou mais penalidades.

 

Apartou-se lentamente. Primeiro extraiu a língua de sua boca, mas se deteve brincar com seu lábio superior. Depois roçou sua boca com os lábios e o bigode. Finalmente se soltou, abriu os olhos e viu um olhar tão sonhador e confuso como devia ser o seu.

 

Irei com cuidado - disse com voz rouca. Depois liberou o braço de suas mãos, soltou os cachos que seu punho aprisionava na nuca de Lydia e partiu.

 

Esteve fora o resto do dia e não retornou até bem entrada a noite. Lydia passou quase toda a jornada com os Langston. Mamãe abraçava aos seus filhos, que não deixavam de chorar. Era uma cena maravilhosa e terrível ao mesmo tempo. Lydia não teve nenhum ombro sobre o que chorar quando sua mãe morreu. Ao menos os Langston podiam ajudar-se mutuamente a suportar a pena. Zeke encontrava consolo no trabalho; de vez em quando, aproximava-se de Mamãe e apoiava uma mão nodosa sobre seu ombro, sem necessidade de dizer nada. A família compartilhava a dor.

 

Todos exceto Bubba. Ele estava sentado sozinho não muito longe da carroça, mas isolado de todos outros. O coração de Lydia se partia cada vez que o olhava. Luke e ele sempre discutiam, mas se amavam. A dor de Bubba aterrorizava a Lydia. Absorvia ao moço. Até o ponto de que esqueceu cuidar dos cavalos de Ross.

 

Lydia se encarregou dos animais. Era exaustivo, mas experimentou a grande satisfação de fazê-lo por Ross. Tentou separar de sua mente o beijo da manhã. Quando não o obtinha, seus joelhos se liquidificavam, avermelhava e todo seu corpo se punha a tremer. Teve vontade de tocar os seios, de esfregá-los até que os mamilos, propensos a endurecer, relaxassem. Sua virilha ardia cada vez que pensava na boca de Ross sobre a sua, na energia que havia sentido crescer entre suas coxas. Pensou nele sem camisa, nas constelações que desenhava o seu pêlo sobre os músculos duros de seu peito. Especulou sobre como seria o resto de seu corpo, e seu rosto avermelhou de vergonha; mas não podia apartar aquele pensamento, e a intervalos voltava para suas fantasias.

 

Por mais que o tentasse, Lydia não podia esquecer a sensação de o ter dentro, grosso, duro, quente e pulsátil. Não podia esquecer as sensações que a tinham invadido cada vez que Ross a penetrava. Mamãe estava no certo. Com o homem correto, era fantástico.

 

Moisés foi visitá-la ao anoitecer, e perguntou com acanhamento se havia dito a sério de lhes preparar o jantar se ele cuidava de Lee no ínterim. Ela reafirmou e o enviou a passear com Lee pelo acampamento enquanto fritava massa de farinha de milho em gordura de bacon para acompanhar o guisado de coelho que cozia desde a primeira hora da tarde.

 

Quando Moisés, Lee e ela foram ao carro de Hill, ficaram surpreendidos ao ver Winston sentado fora e bebendo Xerez. Lydia declinou a taça que lhe oferecia, mas comentou sua boa saúde aparente.

 

Sinto-me muito melhor. Provou o guisado e se desfez em elogios. Lydia, Moisés me contou o ocorrido esta manhã disse, quando terminou de comer e apartou o prato. Não culpo a ninguém. Sei como começam estas coisas, como gente, pelo geral pacífica, deixa-se apanhar nelas. Não obstante, quero te agradecer com todo meu coração por defender Moisés em minha ausência.

 

Lydia baixou a vista, afligida.

 

O agradecimento é desnecessário. Os dois são meus amigos.

 

Um ex-escravo e um tuberculoso. Moisés, acredito que a uma moça tão adorável não custaria nada encontrar amigos muito mais apresentáveis que nós.

 

Lydia fez coro às suas gargalhadas, mas pouco sabiam que eles se contavam entre os escassos amigos que tinha tido em sua vida.

 

Ross retornou a carroça tarde, mas Lydia seguia acordada. Tinha escutado a chegada dos homens, e esperou até que lhe ouviu fora. Aproximou-se da parte posterior do carro.

 

Ross? Chamou em voz baixa.

 

Sinto haver despertado.

 

Encontraste quem matou Luke?

 

Seguiu um longo silencio. Ross suspirou.

 

Não. Foi como eu pensava. Nem acampamento, nem rastros, nada.

 

Dispôs-se a estender as mantas para dormir.

 

Por que não dorme dentro? Perguntou ela, vacilante. Se subirmos os lados, fará tanto afresco como fora. Ross não respondeu. Sei que está cansado.

 

Muito.

 

Então será melhor que descanse aqui.

 

Ross o duvidava seriamente, mas subiu ao carro de todos os modos. Assim que Lydia viu que tinha aceito sua sugestão, voltou para o seu colchão, para que não pensasse que esperava algo. Entretanto, rezou por isso... Viu que tirava a camisa e as botas e se deitava ao outro lado do carro.

 

Como está Lee? Hoje não o vi muito.

 

Lydia ocultou a decepção de que não se deitou ao seu lado.

 

Enredou os dedos no meu cabelo e pensei que não conseguiria tirá-los se não me arrancava a cabeça.

 

Ross riu. Um som agradável e confortante na escuridão.

 

Já imagino onde terá sido.

 

Maldição, não tinha querido dizer aquilo. As palavras flutuaram no ar da noite, enquanto ele continha o fôlego e esperava não havê-la ofendido.

 

Lydia, sensível a sua aparência pouco convencional, interpretou mal o comentário.

 

Sei que meu cabelo é... diferente..., indisciplinado. Não é como... barba de milho.

 

«Não é como o de Vitória», pensou.

 

É muito bonito – disse Ross em voz baixa. Flexionou os dedos e recordou a sensação daqueles cachos vermelhos quando se encrespavam ao seu redor.

 

Obrigado - sussurrou ela. As lágrimas se amontoaram em seus olhos. Tinha-lhe dedicado muito poucos elogios. Entesouraria aquele.

 

De nada.

 

«Fodido hipócrita - pensou Ross para si. Está aqui deitado, recitando frases educadas, quando está pensando em quão maravilhoso foi estar com ela, e em quanto você gostaria de ter outra desculpa como a embriaguez para repeti-lo.»

 

Boa noite disse tenso e irritado consigo mesmo, e lhe deu as costas.

 

Seguiram deitados longo momento na escuridão, sabendo que tanto o um como o outro seguiam acordados, mas não se diziam nada. Face ao cansado que sentia Ross, seus olhos pareciam cheios de areia cada vez que tentava fechá-los para dormir. Por fim ouviu a suave respiração de Lydia e soube que adormeceu.

 

«Isto não é bom», pensou enquanto voltava a trocar de posição, com a esperança de amansar à parte de seu corpo que se empenhava em lhe manter acordado. Seu sexo estava duro e zangado com ele por seu estúpido rechaço auto imposto. Durante as largas e escuras horas da noite, Ross também começou a pensar que era uma estupidez.

 

Ela tinha um passado. Ele também. Ela não se parecia em nada com Vitória. Era completamente diferente em muitos aspectos. Estavam casados legalmente. Instáveis que eram os governos locais nos últimos tempos, obter o divórcio seria bastante difícil. Talvez seguissem casados durante muito tempo. O que ia fazer? Viver como um monge ou comprar mulheres por horas?

 

Pensou na noite solitária em Owentown e compreendeu que não desejava algo semelhante.

 

Desejava Lydia.

 

E talvez, quando a possuísse, superaria aquela fixação. Ele estava bêbado a noite que tinha feito amor com ela. Possivelmente por isso sua imaginação o fazia recordar aqueles momentos de uma forma mais agradável do que em realidade tinham sido.

 

A quem tenta enganar? Ninguém esteve bêbado até esse ponto.

 

Mas era uma boa desculpa para tentar convencer-se, com todas suas forças, de que devia aproximar-se dela, depertá-la a beijos e...

 

Não. Lydia pensaria que só desejava isso dela. E por mais que seu corpo o ansiasse, não era quão único ele necessitava. Tinha chegado a depender de sua tranqüila eficácia, das comidas que lhe preparava, da ordem que mantinha as coisas, do carinho com que cuidava de Lee. Também desejava todas essas coisas dela. E gostava da forma em que lhe escutava quando falava, de forma que tudo o que ele dizia parecia importante. Queria que se preocupasse um pouco por ele quando partia, como hoje. Não só que lhe rodeasse seu corpo, mas também a sua alma.

 

Uma coisa era certa: não podia seguir daquela maneira, sempre com uma vara em suas calças e a mente dividida em dois. Cedo ou tarde, voltaria a cometer alguma obscenidade, como a noite de 4 de julho, e não desejava voltar a ver aquele medo em seu rosto se podia evitá-lo.

 

Amanhã. Começaria a tratá-la como uma esposa amanhã, e assim, possivelmente ela se sentisse como uma esposa e uma coisa conduziria à outra. Iniciaria a campanha assim que amanhecesse. Possivelmente lhe daria um beijo de bom dia. Sim. Pela manhã.

 

Dormiu saboreando aquele beijo.

 

Mas pela manhã Lydia tinha desaparecido.

 

Ross despertou com uma sensação de descanso absoluto, em que pese a que só tinha adormecido umas poucas horas. Ainda não tinha amanhecido. O céu era de um cinza escuro, e ainda não apareciam brilhos de luz para o este.

 

Ross se levantou e seus olhos voaram como flechas para o outro lado da carroça. Piscou para acostumar-se a tênue luz, convencido de que seus olhos lhe estavam enganando, porque dava a impressão de que o lugar onde Lydia sempre dormia estava vazio. Aproximou-se e seu coração se paralisou, para acelerar-se a seguir. Tocou os lençóis para confirmar o que seu cérebro se negava a aceitar.

 

Lydia não estava.

 

Lee dormia tranqüilamente em sua caixa.

 

Lydia nunca o deixaria sozinho. Voluntariamente, não. E rondava um assassino pelos arredores.

 

Ross engatinhou para a parte posterior e apartou as lonas. Nada. Não se via uma alma no acampamento. As fogueiras da noite só eram montes de cinzas frias. Procurou sua pistola, comprovou que estava carregada e a guardou no cinturão de suas calças. Esquecendo a camisa, as botas e o chapéu, saltou pela parte traseira da carroça e se deixou cair em silencio sobre a terra empapada de rocio. Passeou a vista pelo acampamento, mas não percebeu movimento algum nem sequer no carro dos Langston, onde pensava que Lydia podia ter ido.

 

Ficou a correr através do espesso bosque em direção ao rio, sem fazer caso dos ramos que estorvavam seu passo. Era o único lugar ao que teria podido ir sozinha. Não se ouvia nada mais que sua respiração agitada e o batimento do coração ensurdecedor dê seu coração, enquanto imaginava Lydia nas mãos de um homem capaz de matar com crueldade a um menino.

 

Ou teria fugido, tal como ele, em mais de uma ocasião, tinha pensado que faria algum dia? Teria se cansado de Lee e dele, e teria voltado para o que fazia antes que os Langston a encontrassem? Que fazia? Por que saía sorrateiramente em plena noite?

 

«Ela não o faria», pensou Ross. A idéia não lhe consolou, porque a alternativa era pior. Acelerou o passo. Esgotado, chegou ao rio. Apoiou o braço contra uma árvore e tomou ar. Seus olhos esquadrinharam a borda oposta. Ao princípio não a viu, só seu vestido pendurado em um arbusto. Depois localizou sua diminuta silueta ao longe. Estava deitada de lado, com os joelhos encolhidos sobre o seio e a cabeça inclinada.

 

Estava ferida? Inconsciente? Morta? Deus!

 

Extraiu a pistola do cinto, sustentou-a em alto e mergulhou no rio. Saiu ao outro lado, com as pesadas calças de tecido escorrendo.

 

Lydia! Gritou.

 

Ela se levantou, sobressaltada, e voltou a cabeça bem a tempo de lhe ver surgir do rio. A água transparente escorregava sobre seu peito e seus braços, rodeava as calças a suas formas. Lydia tinha cruzado o rio depois de lavar-se, e tinha a camisa pega ao torso e as coxas. A umidade da manhã tinha encaracolado de maneira incontrolável seu cabelo, que rodeava o seu rosto e caía sobre as costas. Quando Lydia o viu, os olhos saturados de lágrimas se transbordaram e gotas cristalinas escorregaram sobre suas faces úmidas. A surpresa entreabriu seus lábios, que formaram em silêncio o nome de Ross.

 

Este parou em seco. Tentou recuperar o fôlego, mas deu a impressão de que se acelerava, ao igual ao seu coração, ao ver sua nudez quase total, sua pele molhada, seu cabelo ingovernável, seu ar espectador. Atirou a pistola ao chão e avançou para ela. Seus joelhos se apoiaram sobre a suave erva, ao tempo que acariciava a face de Lydia com uma mão e recolhia uma lágrima com o polegar.

 

O que está fazendo aqui? Jesus, Lydia, deu-me um susto de morte quando despertei e vi que não estava.

 

Sinto muito. Não acreditei que despertaria antes que eu voltasse. Não se deu conta de que falava com tanta rapidez e atropeladamente como ele, ou de que tinha subido a mão para o seu cabelo, ou de que estava afundando os dedos nas mechas escuras. Ontem não pude me banhar por culpa de tudo o que... Esta noite não dormi bem...

 

Por que estava chorando?

 

Ross posou a outra mão sobre a nuca de Lydia, levantou a abundante cabeleira e acariciou sua suave pele com as pontas dos dedos.

 

Uma cascata de lágrimas brotou de novo. Não sabia como explicá-lo, nem sequer sabia explicar a ela mesma.

 

Pelo Luke, suponho. Ontem foi um dia espantoso, Ross, antes que chegasse. Estava triste, e depois tive medo quando as pessoas... Moisés... Queria que estivesse ao meu lado e me alegrei tão quando te vi.

 

Não chore, não chore repetiu Ross, enquanto inclinava a cabeça e começava a recolher suas lágrimas com o bigode, os lábios, a língua. Quando se apoderou de sua boca, foi com o desespero, a urgência que buliam no interior de ambos. Os lábios de Lydia se abriram. Depois a língua de Ross penetrou com suavidade em sua boca, deu e recebeu. A jovem emitiu um ronrono gutural.

 

As mãos de Ross escorregaram pelos ombros de Lydia até agarrá-la pelas axilas e levantá-la. Apertou-a contra o seu peito nu e molhado, que voltou a umedecer sua camisa. Sentiu a pressão de seus mamilos, eretos já a causa da água fria. Lydia tremia um pouco, e ele confiou em que não fosse de medo, mas sim de um desejo tão voraz como o seu. Enterrou o rosto na curva de seu pescoço. Lydia jogou a cabeça para trás para lhe permitir acessar. Sua generosidade lhe encheu de confiança, e semeou de beijos aquela extensão sedosa que lhe oferecia.

 

Lydia não sabia o que lhe estava passando, nem de onde procedia aquela sensação de ingravidez. Por uma parte, acreditava que poderia voar; pela outra, todo seu corpo lhe desejava muito ancorado ao de Ross por uma deliciosa lassidão da que não desejava recuperar-se jamais. Sentiu-se mais viva que nunca, mas ignorava como ia reagir ante a nova consciência de seu ser. Com toda naturalidade, enlaçou seus braços ao redor do pescoço de Ross e se apertou mais contra ele.

 

OH, Lydia - suspirou Ross, e liberou seus lábios com um beijo abrasador que deu conta de sua paixão desatada.

 

Ainda ficava suficiente lucidez para compreender que poderiam lhes ver qualquer um que se aproximasse do rio. Agarrou-a pelos braços e avançou cambaleante, semi incurvado para um maciço de madressilvas. A trepadeira tinha subido aos ramos mais baixas de um carvalho, para logo derramar-se até o chão. Quando estiveram ao outro lado daquela cortina natural e aromática, depositou-a sobre o chão.

 

A camisa molhada revelava as formas da moça aos seus olhos ávidos. Aderia-se aos montículos proeminentes de seus seios. Através do tecido transparente, Ross viu as aréolas escuras e os mamilos eretos. Seus olhos descenderam pela fileira de botões, percorreram a estreita coluna das costelas até a concavidade do abdômen. O tecido se afundava no oco do umbigo se amoldava depois a suave colina de seu sexo e delineava sua forma de V. As coxas esbeltas não escaparam aos seus olhos escrutinadores.

 

Lydia abriu os olhos de par em par quando viu que Ross começava a desabotoá-los calças. Ele reparou na agitação de seus seios, que vibravam com cada pulsada do coração, compassado ao dele.

 

Não voltarei a te fazer dano.

 

Sei.

 

Sentiu-se impulsionado a justificar o ato, a justificar-se.

 

Casei-me contigo. É minha mulher.

 

Sim, sim.

 

Seu cabelo ficou esparso sobre a erva, e posou uma mão a cada lado, com as palmas para cima, os dedos engarfiados, indefesa. Ross se ajoelhou sobre ela e apartou suas pernas. Colocou suas grandes mãos sobre as dela, as cobrindo por completo. Sorriu ao descobri-lo, e lhe correspondeu com outro sorriso.

 

Suas palmas se esfregaram, e o contraste foi como uma descarga elétrica para ambos. As de Ross eram ásperas e calosas, as dela, frágeis e suaves. Ross apoiou seus dedos sobre os dela e os moveu acima e abaixo, maravilhado por quão pequenos eram em comparação com os dele. Explorou suas palmas com o dedo do meio de cada mão e as massageou com suavidade.

 

Notou que de repente Lydia respirava fundo, viu como suas pálpebras violetas se agitavam e seus lábios se entreabriam. Enlaçou seus dedos com força e a cobriu, estômago contra estômago. Os seios de Lydia absorveram o peso de seu peito. Acomodou seu membro duro e pulsátil no berço que formavam as coxas de Lydia. Dobrou o pescoço e apoiou a cabeça sobre seu ombro. Roçou sua orelha com a boca.

 

É maravilhoso te sentir contra mim, Lydia. Deus me perdoe, mas é maravilhoso.

 

Não o desejava?

 

Tremia sua voz porque tinha medo do que ia passar, ou porque tinha medo de que não passasse?

 

Não - disse com voz estrangulada. Não o desejava.

 

A Lydia teria gostado de saber o motivo, mas Ross acariciou sua orelha com a boca e esqueceu a pergunta. Fez cócegas o bordo com o bigode. Tomou ar com força. Lambeu o lóbulo com sua língua, úmida e brincalhona.

 

Ross... ofegou a jovem, e espremeu suas mãos entre as dela.

 

Ross as soltou. Rodeou seu queixo com uma mão e beijou seus lábios.

 

Não pude esquecer quão maravilhoso é te beijar. Bem sabe Deus que o tentei, mas não pude.

 

Beijou-a de novo, fez o amor a sua boca com a língua, penetrou e escavou, prometeu e cumpriu.

 

Eu tampouco pude esquecê-lo.

 

Lydia suspirou quando a boca de Ross começou a vagar sobre suas maçãs do rosto e sentiu as carícias de seus dedos no pescoço.

 

Esquece-o, por favor. Estava bêbado, não tinha direito a te abordar de uma maneira tão violenta. Perdoe-me.

 

Esquecê-lo? Perguntou ela, sem compreender.

 

Ross tocou a comissura de seus lábios com a língua, e logo a acariciou com o bigode.

 

Violei-te, Lydia.

 

Ela desconhecia a palavra, e estava a ponto de perguntar o significado quando a boca de Ross reclamou de novo seus lábios. Esta vez lhe rodeou as costas com seus braços e Ross gemeu quando sentiu suas primeiras carícias vacilantes, com dedos tímidos, sobre a pele nua.

 

Ross se levantou sobre um cotovelo e percorreu sua garganta com beijos vorazes. Moveu sua boca faminta sobre a dela, como se temesse que fosse desaparecer de um momento a outro e lhe deixasse ofegante. Examinou a fragilidade de sua clavícula com as pontas dos dedos. Fechou a mão com delicadeza ao redor de seu braço e recordou os hematomas que lhe tinha causado a vez anterior. Esfregou com o polegar a sensível parte interior do braço, e ela se estremeceu. Animado, deixou que a mão escorregasse até seu seio.

 

Cobriu-o com sua mão, maravilhado do bem que se adaptavam. Pese ao obstáculo da camisa, Ross percebeu o calor de sua pele, os batimentos do coração irregulares de seu coração, que sentia em sua palma. Empurrou o seio para cima, e apareceu por cima do decote da camisa.

 

Seus lábios desejavam percorrer aquele delicioso volume. Lydia se estremeceu quando o bigode e a barba incipiente roçaram sua pele. Sensações desconhecidas para ela tão somente umas semanas antes, mas agora maravilhosamente familiares, floresceram nas profundidades de seu corpo, subiram para os seus seios, travavam sua garganta. Sua feminilidade floresceu, escandalosamente úmida e vibrante, mas não sentiu a menor vergonha quando se arqueou por instinto contra sua contrapartida masculina, que prometia mitigar aquele vago desejo que a atormentava.

 

Ross murmurou uma falsa blasfêmia, esfregou seu mamilo com o polegar e abriu os lábios para tocar a pele fria com sua língua quente e úmida. Lydia arqueou as costas sobre a erva e pronunciou seu nome em um gemido. Abraçou-lhe com mais força e se apertou contra sua ereção. Abriu as coxas e Ross se alojou com firmeza entre elas. Beijou-a como se queria absorvê-la por completo.

 

Encaixou a mão entre os dois corpos para levantar o bordo de sua camisa. Quando retirou a mão, roçou com os dedos seu montículo. O pêlo era abundante, suave, encaracolado, espesso. A respiração de Lydia se paralisou ao mesmo tempo em que a de Ross se encalhava em sua garganta.

 

Sua cabeça começou a dar voltas. Desejava seguir tocando-a. Desejava afundar os dedos naquele doce ninho, explorar suas profundidades. Mas tinha jurado tratá-la como a uma esposa. As esposas não gostavam desse tipo de carícias. Nenhuma mulher decente permitiria que um homem lhe acariciasse seu sexo, a menos que quem lhe tocasse fosse um médico ancião e de confiança. Vitória teria fingido que aquela carícia casual não tinha ocorrido. Ross retirou a mão a contra gosto.

 

O extremo de seu membro a sondou, vacilante, e sentiu a tensão de suas coxas ao fechar-se em volto dele.

 

Não te farei - mal sussurrou. Pensou que se esperava muito mais, morreria.

 

Pouco a pouco, as pernas de Lydia relaxaram, separaram-se mais. Ele a penetrou lentamente, de uma única, larga e firme investida. Ross sussurrou seu nome quando se afundou no úmido e sedoso envoltório de seu sexo, que lhe rodeou, aprisionou-lhe, alojou-lhe, e então Ross experimentou tal paz e júbilo que teve vontades de chorar e gritar.

 

Não tinha sido um produto de sua imaginação ébria. Era tão eufórico como recordava. Melhor. Porque esta vez ela se moveu com ele e acariciou com delicadeza suas costas. Repetiu seu nome em sussurros que davam de presente seus ouvidos.

 

Lydia abriu os olhos quando ele ficou rígido, preparando-se para ou inevitável. Sua pequena e branca mão subiu para tocar com ternura a cicatriz de seu peito. Ross grunhiu e apertou os dentes, a causa do imenso prazer que lhe embargava. Moveu os quadris, mergulhou-se ainda mais em sua fogueira receptiva. Moveu-se com lentidão para controlar-se, para atrasar-se. Não foi suficiente.

 

Compreendeu que o clímax se morava e rendeu a fortaleza. Apertou-a contra o seu corpo e banhou sua vagina de fogo líquido.

 

Quando terminou, derrubou-se sobre ela. O perfume do novo dia, da erva coberta de rocio, da madressilva e do produto de seu corpo impregnou seu olfato. Inalou ar, afundou o nariz em seu cabelo e esperou a que seu corpo se relaxasse. Reinava o silêncio. Nada se movia na paragem silvestre que tinham convertido em templo de amor, nada, exceto a corrente do rio. Seu gemido era uma canção, uma canção de ninar que lhes sumiu em um torpor ainda mais profundo.

 

Ross quase adormeceu, quando sentiu que os dedos de Lydia tocavam seu cabelo.

 

Ross, Lee não demorará para despertar.

 

Ele suspirou e a liberou de seu peso. Levantou-se e lhe deu as costas. Lydia observou a marca do cinturão em sua pele, a leve vermelhidão de suas nádegas, a capa de pêlo sobre os rins.

 

Estivemos fora muito tempo - disse Ross.

 

Lydia se levantou, ajustou a camisa sobre suas coxas e tocou a pele suave das costas de Ross, impoluta salvo pela cicatriz que corria sob sua omoplata esquerda.

 

Eu não opino o mesmo.

 

Ross voltou a cabeça e a escrutinou com olhos do mesmo tom verde brilhante que a erva sobre a qual tinham jazido. A pele de Lydia era rosácea, como ocorre depois do amor. Os olhos âmbar eram limpos, e tinha os lábios inchados e úmidos por causa dos beijos. Sua expressão era cândida, inocente, generosa.

 

Ross compreendeu naquele mesmo momento que lhe importava uma merda o seu passado ou com quantos homens se deitou. Só sábia que nenhuma mulher lhe tinha satisfeito tanto em toda sua vida. Não só lhe tinha comovido com seu corpo, mas também com um espírito afim, que lhe arrastaria para ela uma e outra vez.

 

Estendeu um dedo e acariciou uma zona na curva de seu seio que tinha arranhado com a barba incipiente. Ross levantou os olhos e sorriu com acanhamento. Lydia sorriu, e de repente riu de alegria. Ross riu também e os dois se desabaram enlaçados sobre a erva. Ele beijou sua boca, mais saborosa e suculenta que antes. Ela respondeu, rodeou seu pescoço com os braços e acariciou o cabelo de sua nuca. Cheirou-lhe e quis provar o sabor de sua pele.

 

-OH, Lydia, maldição. Levantou-se e a arrastou atrás dele. Se não frear agora, não serei capaz de fazê-lo.

 

Ela apartou a vista com recato quando ele abotoou as calças com movimentos torpes para ocultar a nova ereção.

 

Voltemos antes que Lee comece a uivar e desperte a todo o acampamento.

 

Ross recolheu sua pistola e cruzaram o rio. A água lhes chegava à cintura. Quando chegaram à borda, a camisa se pegou ao corpo de Lydia e revelava tudo que Ross acabava de tocar. À luz da manhã, seus seios eram duas colinas cremosas que se elevavam sobre o decote de renda do objeto. Seus mamilos empurravam com descaramento a cambraia molhada. O tecido, rodeada como uma segunda pele, transparente a sombra escura de seu sexo.

 

Será melhor que te vista - disse Ross com voz apagada.

 

Depois de recolher a roupa limpa que havia trazido, Lydia se escondeu depois de um matagal e tirou a camisa molhada. Olhou-se e comprovou surpreendida que tivesse o mesmo aspecto de antes, salvo pelas marcas vermelhas que a barba de Ross tinha deixado sobre seus seios. Sentia-se diferente por completo. Seu corpo formigava de vida da cabeça aos pés. Não obstante, notava em seu interior certa insatisfação que não podia definir. Um desejo misterioso ainda a possuía. Não era desagradável, a não ser algo que se devia saborear.

 

Vestiu a roupa interior, uma camisa limpa e o vestido. Tinha deixado os sapatos e as meias no carro. Quando saiu de atrás do matagal, Ross estava guardando a pistola no cinto.

 

Não se preocupe - disse em tom humorístico, ao ver seu olhar de preocupação. Não vou deixar que se dispare contra nada valioso.

 

Lydia avermelhou até a raiz dos cabelos.

 

Preparada? Perguntou ele.

 

Sim.

 

De repente se sentia tímida, e face à brincadeira, acreditou que ele também estava nervoso, agora que tinham feito o amor de novo. Não conversaram enquanto retornavam ao acampamento. Quando saíram do bosque, viram que Mamãe se dirigia ao seu carro com uma vasilha de leite. Parou em seco e lhes contemplou com franca curiosidade.

 

Ross era consciente da pistola, de seus pés descalços e de seu peito nu, com a cicatriz acusadora. Lydia abraçou a camisa molhada que tinha escorrido. Teve a impressão de que pesava cinqüenta quilogramas quando Mamãe a olhou.

 

 

Perdão - resmungou Ross, e desapareceu no interior da carroça.

 

Mamãe lhe seguiu com o olhar e voltou seus olhos inquisidores para a Lydia.

 

Fomos..., fomos nadar gaguejou a moça, e deixou cair a camisa sobre a parte posterior do carro, como se queimasse.

 

Já vejo - replicou Mamãe.

 

Ross está... me ensinando a nadar.

 

Ah, sim?

 

Sentiu-se como uma idiota quando assentiu para confirmar sua mentira.

 

Não teria que haver-se incomodado em trazer o leite de Lee. Pensava ir procurar eu mesma.

 

Durante várias semanas o temos feito igual. Não vejo motivos para trocar.

 

Estava pensando no Luke.

 

Mamãe exalou um profundo suspiro e deixou o balde sobre o chão do carro.

 

Sempre sentirei falta dele. Até o dia de minha morte, sentirei falta dele, mas está morto, Lydia, e não podemos fazer nada para recuperá-lo. Por algum motivo o bom Deus decidiu lhe chamar, e não penso discutir com Ele.

 

Lydia pensou que lutaria com todas suas forças contra qualquer poder, divino ou humano, que tentasse lhe arrebatar Lee ou Ross, mas calou.

 

A vida segue. Falamos entre nós e decidido deixar nossa dor na tumba de Luke. Todos, exceto Bubba. Ele se sente muito mal.

 

Direi a Ross que fale com ele.

 

Acredito que não servirá de nada, mas lhes agradecerei isso. Foi cuidar dos cavalos. Mamãe lançou um triste olhar em direção ao curral. Lydia se perguntou se sabia que Bubba tinha esquecido suas tarefas ontem à noite. Mamãe sacudiu a cabeça e sorriu a Lydia. Vá com seu marido. Pode ser que necessite de ajuda para tirar essas calças molhadas.

 

Riu para si enquanto voltava para o seu carro.

 

Lydia encontrou Ross vestido e inclinado sobre o berço de Lee.

 

Ainda dorme?

 

Acaba de despertar. Cresceu muito. Acredito que logo terá que comprar um berço normal.

 

Será melhor que esperemos até que nos estabeleçamos.

 

Lydia lançou uma exclamação afogada ao dar-se conta de que havia verbalizado sua prece mais urgente. Dois dias antes Ross havia dito que seguiriam juntos só até que pudessem divorciar-se em Telhas.

 

Quer seguir casada? Perguntou ele com certa brutalidade.

 

Eu sim quero. Se você o quiser também.

 

Ross confiava em que a moça expressasse algum sentimento por ele, um indício de que a separação lhe resultaria tão triste como a ele. Depois do ocorrido àquela manhã, não podia demonstrar certo entusiasmo por sua convivência? Uma vez mais tinha aceso a curta mecha de seu mau humor.      

 

Bem, a partir de agora, viveremos como um casal casado afirmou. Levantou seu queixo com um dedo. Um marido tem direitos, sabe? Compreende o que te estou dizendo?

 

Acredito que sim.

 

Para que não houvesse dúvida, rodeou sua cintura com um braço e a esmagou contra o seu peito. Ao mesmo tempo a beijou com violência nos lábios.

 

Quando a soltou, ela retrocedeu e cobriu os seios com uma mão trêmula.

 

O que acontece? Perguntou Ross, arrependido já de sua rudeza.

 

O coração me pulsa muito depressa.

 

Os olhos frágeis de Ross se cravaram em seus seios.

 

Sim? Perguntou com voz oca.

 

Com o beijo pretendia lhe demonstrar quem mandava, que por pura benevolência ia conservar ao seu lado, com a condição de que compartilhasse sua cama. Entretanto, o beijo lhe tinha alterado tanto como a ela. Só notava o sabor de sua boca. Seu perfume o embriagou. Sentiu-a como minutos antes debaixo dele, dócil e feminina, lhe aceitando por completo.

 

Lydia - murmurou com ternura.

 

Ia abraçá-la de novo, quando alguém lhe chamou do lado de fora. Amaldiçoou, passou uma mão frustrada sobre a braguilha das calças, agarrou o chapéu e saiu.

 

Durante o café da manhã explicou a Lydia que o tinham pedido que guiasse a caravana até o lugar de acampamento que Scout e ele tinham eleito. Lydia supôs que o tinham pedido por sua boa pontaria. Toda a caravana seguia nervosa pelo assassinato de Luke. Ela se sentia orgulhosa de que tivessem eleito Ross para lhes ajudar, e ao mesmo tempo estava preocupada porque temia que passasse algo.

 

Importa-se de conduzir hoje o carro? Perguntou Ross da garupa de uma égua, que estava inquieta e ansiosa por partir.

 

Não. Lydia sorriu do assento da carreta. Pedi a Anabeth que me acompanhasse. Pensei que a ajudaria a esquecer Luke.

 

Ross assentiu com solenidade.

 

Tentei falar com Bubba quando fui ao curral. O tema de Luke é tabu. Olhou para a vanguarda da caravana. Os primeiros carros começavam a mover-se. Tenho que ir.

 

Até a noite.

 

Sua mensagem, expresso com serena ênfase, era claro. O coração de Ross se expandiu em seu peito. Deixou escorregar os olhos sobre seu rosto, tocou-se o bordo do chapéu e se afastou entre uma nuvem de pó.

 

Lydia o viu muitas vezes antes da noite, pois ele inventou desculpas para atrasar-se e olhá-la de longe. As pessoas começavam a comentar que o senhor Coleman desempenhava o seu trabalho de vigilância com muita eficácia. Proporcionava-lhes uma sensação de segurança saber que um homem com sua experiência no exército (como, se não, tinha adquirido aquele talento com as armas?) protegia-lhes.

 

Sua confiança poria a prova Ross muito mais do que ele podia imaginar.

 

Aquela noite terminou suas tarefas a toda pressa, retornou à carreta muito antes do acostumado e se lavou com celeridade mas completamente, enquanto cantarolava para si. Quando entrou no carro para procurar roupa limpa, reparou em que Lydia tinha varrido e ordenado o interior, de forma que havia mais espaço...

 

Só se via uma cama. Tinha combinado os dois colchões para convertê-los em uma só cama, bem acolchoada e dobrada. Um buquê de flores silvestres, colocado em um copo de água, descansava sobre a cômoda de carvalho.

 

Lydia se mostrou tão nervosa como ele durante o jantar, e deu a impressão de que tinha muita pressa por lavar os pratos. Deu a mamadeira e esfregou com uma esponja Lee, para que dormisse melhor, e logo o deitou. Compartilharam uma última xícara de café, e quando o sol ficou, dispuseram-se a entrar no carro, momento em que apareceu o senhor Grayson.

 

Boa noite, senhora Coleman.

 

Boa noite, senhor Grayson.

 

O homem contemplou assombrado a jovem, que já não se parecia em nada ao ser imundo que Mamãe tinha levado a carro do Coleman semanas antes. Era uma criatura bonita, embora o seu cabelo fosse muito rebelde e seus olhos muito eloqüentes. A cor de sua pele era notável, e um homem não podia ignorá-lo, como tampouco podia deixar de admirar suas formas. Custou-lhe apartar os olhos dela para falar com seu marido.

 

Ross, sinto muito lhe pedir isso mas te importaria patrulhar pelo acampamento esta noite?

 

Patrulhar? Repetiu Ross, apavorado. Queria deitar-se com a Lydia o antes possível.

 

Grayson pigarreou e se removeu inquieto.

 

Alguns homens se reuniram e chegaram à conclusão de que se sentiriam mais seguros se alguém como você... habilidades... vigiasse-nos. Ofereceram-se a alternar-se, mas temo que se matem entre si sem querer se o fizerem. Todo mundo está nervoso porque o assassino de Luke Langston segue solto. Incomodaria-te muito?

 

Muitíssimo, mas como ia negar-se?

 

Muito bem. Só esta noite.

 

Grayson emitiu uma tosse.

 

Bom, os da caravana pensam que possivelmente pudesse fazer guarda durante uma ou duas semanas. Ofereceram-se a lhe pagar se apressou a acrescentar.

 

Uma maldição escapou dos lábios apertados de Ross, e Grayson lançou outro olhar inquieto em direção a Lydia.

 

Como vou passar acordado toda a noite, e depois conduzir o carro todo o dia?

 

Toda a noite não. Outros lhe relevarão por turnos passada a meia-noite. Poderá dormir umas quantas horas.

 

«Mas não poderei lhe dedicar tempo a minha mulher», pensou Ross.

 

Por favor, Ross. Só até que saiamos desta zona e os nervos de todo o mundo se acalmem um pouco.

 

Ross não ficava outra alternativa que aceitar. Que desculpa podia aduzir? A autêntica não, certamente.

 

Transcorreram os dias. A caravana atravessou o sul de Arkansas. Todo mundo começou a tranqüilizar-se, à medida que se afastavam do ponto onde Luke tinha sido assassinado. Todo mundo, exceto Ross, que cada dia tinha um aspecto mais áspero. As pessoas começava a temer encontrar-se cara a cara com ele. Pelo geral, topavam-se com uns olhos verdes coléricos, dos quais partiam rugas de cansaço e tensão.

 

A paciência de Ross se esgotou ao finalizar o sexto dia. Assim que acabou de atender seus cavalos, dirigiu-se como um raio para o seu carro e apartou as lonas. Surpreendeu Lydia, despreparada que estava se lavando em uma bacia. Tinha o cabelo recolhido de maneira precária sobre a cabeça. Mechas desobedientes tinham escapado e caíam sobre seu pescoço e ombros, ainda molhados depois da lavagem. Surpreendida, deixou cair a toalha, que caiu dentro da terrina. A jovem deixou cair os braços aos flancos. Sua camisa desabotoada cobria os mamilos. Duas meias luas de carne enchiam o espaço central da abertura.

 

Ross, sem pronunciar uma palavra, deixou que seus olhos se deslocassem da base de sua garganta, onde observou um frenético batimento do coração, até o vale de seus seios, para descender logo até o umbigo. Contemplou aquele ponto durante um comprido e silencioso momento. Depois deu meia volta, saiu da carroça e se encaminhou a Grayson.

 

Quero falar contigo rugiu.

 

Claro, Ross.

 

Grayson se afastou com o Ross, para impedir que sua mulher pudesse escutar qualquer expressão pouco afortunada.

 

A especialidade de Ross não eram os discursos. Em realidade, tivesse-lhe querido dizer a Grayson: «Escuta, Grayson, estou quente e quero me deitar com minha mulher, se você e outros membros desta fodida caravana estiverem de acordo.» Entretanto, já não era um patife e não podia falar como se o fosse. Conseguiu controlar-se com um supremo esforço.

 

Estou farto, entendido? Não quero passar mais noites afastado de mi... família. Quase não tive tempo de urinar durante toda a semana. Um homem tem o direito a soltar um taco. O dinheiro extra é estupendo, mas... Respirou fundo, exasperado, quando a visão da carne perfumada de Lydia foi a sua mente. Demito-me.

 

De acordo, Ross. Acredito que todos se convenceram de que foi um incidente isolado e já não corremos perigo.

 

Ross deixou que seu corpo se relaxasse. Tinha esperado uma forte discussão. Como não se produziu, sentiu-se envergonhado pela forma em que tinha abordado Grayson.

 

Muito bem. Até manhã.

 

Afastou-se da parte do rio onde todo mundo se estava aprovisionando de água, tirou-se a roupa e saltou à corrente.

 

Você crê que foi um incidente isolado?

 

Estavam na carroça, depois do jantar, com os tachos já limpos, Lee deitado, e aguardavam a que transcorresse um intervalo decente para deitar-se.

 

Ross olhou Lydia enquanto esta escovava o cabelo.

 

Sim, acredito que foi um renegado, que agora se encontra já muito longe. Foi o primeiro que te disse.

 

Lydia deixou a escova e começou a desamarrar os sapatos.

 

Dá a impressão de que Mamãe e outros aceitaram a morte de Luke. Não sei como se pode superar a morte de um filho.

 

Pensava em como se sentiria se algo ocorria a Lee. Por isso ficou gelada e muda para ouvir a resposta incisiva de Ross.

 

Você superou a perda do teu.

 

Inclinou a cabeça e tirou os sapatos. Não era um filho, a não ser um produto inanimado da vergonha e os maus entendimentos.

 

Não era o mesmo murmurou.

 

Por quê?

 

Era diferente.

 

Lydia.

 

Ross esperou até que lhe olhou, então falou de novo, e o fez com uma seriedade capaz de comunicar a sua mulher que exigia uma resposta.

 

Quem era o pai?

 

Já descalça, aproximou-se do tamborete onde Ross estava sentado. Ajoelhou-se em frente a ele, posou as mãos sobre suas coxas, justo em cima dos joelhos, e lhe olhou no rosto. As lágrimas conseguiram que seus olhos brilhassem como veio ante a tênue luz do abajur.

 

Não era ninguém, Ross. Ninguém. Nem sequer se merece um pensamento.

 

Inclinou a cabeça enquanto falava. Seu cabelo se derramou como uma cascata sobre um ombro.

 

Odiava-lhe. Era cruel. Fazia mal a outros, me machucar, proporcionava-lhe prazer. Deixá-lo não significou lhe abandonar, a não ser escapar dele. Para salvar minha vida, para salvar minha alma. Acredite, Ross.

 

Chorava, mas só pelos olhos. As lágrimas escorregavam sobre suas faces como um rio prateado, mas sua voz não se quebrou. Era uma pura súplica.

 

Foi o único, Ross, juro-lhe isso. O único homem que me possuiu. Resistia cada vez. Nunca estive com ele por vontade própria. Não queria ter um filho dele. Alegro-me de que morrera. Fechou as mãos sobre suas coxas. Quisera que não lhe tivesse conhecido nunca. Quisera que me tivesse mantido pura e virgem para ti.

 

Lydia...

 

Ela moveu a cabeça e não lhe deixou terminar. Já que tinha chegado tão longe, queria lhe explicar o que sentia. Talvez não voltasse a reunir forças para isso.

 

Pensou que eu era lixo quando os Langston me acolheram. Era certo, eu tinha vivido como lixo, mas no fundo sabia que eu não era má. Queria viver entre pessoas decentes. Quando se casou comigo, tomei a decisão de esquecer meu passado. Tinham-me presenteado com uma vida nova, e estava decidida a deixar a velha atrás.

 

»As vezes que estivemos juntos não têm nada que ver com o que passou antes. Ensinaste-me que o que ocorre entre um homem e uma mulher não tem por que ser vergonhoso, doloroso e horrível.

 

As mãos de Ross rodearam seu rosto. Secou as lágrimas com os polegares. Deslizou sua mão do alto da cabeça à nuca, fascinado pelo tato do cabelo contra sua palma.

 

A melhor época de minha vida foi a que passei contigo e Lee. Não posso trocar o passado, embora eu gostaria de esquecê-lo, mas, por favor, não o utilize contra mim. Quero ser uma boa mãe para Lee. Quero ser uma boa esposa para ti. Sou ignorante e torpe e tenho muito que aprender. Ensina-me, Ross. Tento com todas minhas forças esquecer minhas origens. Não pode esquecê-los você também, por favor?

 

Quem era ele, Sonny Clark, para julgar a outros? Acaso ele não se considerou uma vítima de sua herança, não tinha tratado de perdoar-se por suas passadas transgressões? Se ele era capaz de absolver-se de toda culpa, esgrimindo sua sórdida educação como motivo, como podia condenar Lydia? Sem a menor duvida, ela também tinha sido uma vítima. Tanto lhe importava o que ela tinha sido, quem tinha engendrado ao seu filho?

 

Agora que tinha a cabeça de Lydia apoiada sobre seu joelho, com o cabelo esparramado sobre sua coxa como uma meada de seda emaranhada, não podia negar-se a amá-la apoiando-se em uns princípios confusos. O que ela tinha feito antes de conhecê-la, lhe desejava muito insustancial.

 

Ross elevou sua cabeça com ternura. Separou os joelhos e a atraiu para si. Fechou os dedos ao redor de seu pescoço e os enlaçou em sua nuca.

 

É bonita, Lydia disse em voz baixa.

 

Ela sacudiu a cabeça, tudo que lhe permitiram os fortes dedos que rodeavam sua garganta.

 

Não.            

 

Sim o é.

 

Ele se recreou nos olhos afundados que banhavam seu rosto de um resplendor esmeralda.

 

Até que te conheci, não.

 

Ross a atraiu para si e se inclinou para beijar seus lábios. Roçou-os com o bigode. Afastou as mãos de sua garganta e escorregaram para os seus seios. Percorreu seu rosto com os lábios, que depositaram beijos fugazes sobre suas faces úmidas, as pálpebras, o nariz, as têmporas, para logo voltar para sua boca. Deslizou as mãos para o oco de suas costas.

 

Ross aplicou uma pressão lenta, mas constante, até amoldá-la ao seu corpo.

 

Sonhei com isto toda a semana -Confessou contra os seus lábios. Desejei-te com todas minhas forças. Suspirou. Do primeiro momento te desejei, e me odiei por isso.

 

Custou-lhe muitíssimo admiti-lo. Lydia nem sequer podia imaginar o esforço que Ross teve que fazer para lhe confessar aquela debilidade. Ninguém que tivesse visto o jovem pistoleiro de sangue fogoso equilibrar-se sobre um homem a menor provocação, real ou imaginária, reconheceria ao indivíduo que agora acariciava com reverência a face de sua amante.

 

Pensava que me odiava - sussurrou a jovem, e moveu a cabeça de um lado a outro, encantada pelo tato dos lábios dele contra os seus. A boca de Ross. Uma idéia embriagadora, que acelerou sua respiração e agitou seu estômago.

 

Tentei-o. Não pude. Estou farto de nos castigar aos dois.

 

Então a faceta agressiva de sua natureza se reafirmou. Ross se apoderou de sua boca possessivamente, em tanto a imobilizava contra o peito. Seus lábios acessaram quando a língua de Ross os apertou e acariciou a suave e úmida pele. Lydia gemeu e rodeou seu pescoço com os braços.

 

Entregaram-se aos desejos que lhes tinham atormentado durante os últimos dias. Homenagearam mutuamente suas bocas, deixaram que suas línguas se encetassem em um festivo combate.

 

Por fim, Lydia se separou e apoiou a face sobre seu peito para recuperar o fôlego.

 

Não sabia que as pessoas podiam fazer isto com suas bocas sussurrou em voz baixa.

 

Ross levantou seu queixo e lhe dedicou um sorriso travesso.

 

Pouca gente o faz.

 

O coração de Lydia golpeava contra suas costelas.

 

Por quê?

 

Ross se encolheu de ombros.

 

Não sabem o que perdem, talvez.

 

Alegro-me de que você o faça. Eu não desejo perder, quero dizer.

 

Ross lançou uma vibrante e estrondosa gargalhada.

 

Você gosta? Ela assentiu com veemência. Então vamos repetir de novo murmurou. Atraiu-a para si para fundir-se em outro beijo apaixonado.

 

Sem que suas bocas se desunissem, Ross separou um pouco o corpo para poder deslizar sua mão para os botões do sutiã de pescoço alto. A resposta de Lydia renovou sua confiança. De jovem, tinha sido muito impaciente para empregar a delicadeza. Durante sua carreira de foragido, o tempo não lhe tinha permitido atrasar-se, ao fazer o amor com uma mulher, embora tampouco o tinha acreditado necessário, porque as putas consideravam excitante sua luxúria desatada. O puritanismo de Vitória lhe tinha convertido em um homem nervoso e torpe. Tinha medo de ofendê-la com cada um de seus movimentos. Mas Lydia...

 

Quando todos os botões estiveram desabotoados, Ross baixou a boca até seu pescoço e o mordiscou com suavidade, enquanto lhe tirava o vestido.

 

Sempre cheira bem.

 

O fôlego de Ross acariciou sua pele e convocou aquela ingravidez em seu estômago.

 

Já com os braços livres das mangas do vestido, ela elevou as mãos para a cabeça de Ross, afundou os dedos na massa negra de seu cabelo e a apertou contra si, enquanto ele seguia mordiscando-a.

 

Ross a olhou. Tinham baixado a luz do abajur para eliminar sombras reveladoras na lona, mas brilhava o suficiente para arrojar um resplendor dourado sobre a pele de sua mulher. O bordo de renda de sua camisa deixava ao descoberto a curva superior de seus seios. A textura do vale que os separava intrigava a Ross, pois imaginava aveludada sob os dedos de um homem, sob a língua de um homem.

 

Percorreu com o dedo o bordo da camisa de um lado a outro, pouco a pouco, logo em sentido inverso, enquanto seguia o seu movimento com os olhos. Quando os elevou para o seu olhar tenro, sorriu agradado. Desabotoou-se e tirou a camisa. Continuando, tirou-se o cinturão, e depois começou a desabotoar as calças. Ela continuava como em transe e só olhava os seus olhos. Os dela estavam totalmente abertos, e mostravam um tom âmbar escuro.

 

Dou-te medo, Lydia?

 

Ela negou com a cabeça.

 

Não. Antes sim, mas já não.

 

Bom, você também me dava medo - disse ele, lançando uma leve gargalhada.

 

Eu?

 

Era incompreensível que Ross pudesse ter medo de algo.

 

Não te dava conta do muito que me custava passar a noite contigo sem te tocar, sobre tudo quando dava de mamar a Lee?

 

Ainda deseja me tocar?

 

 

Ross fechou os olhos, como se sentisse dor.

 

Muitíssimo.

 

Lydia lhe agarrou a mão, posou-a sobre seu seio e apertou.

 

-Assim?

 

Deus, sim.

 

Ross gemeu. Sua outra mão se reuniu com a primeira. Massageou com carinho seus suaves seios, elevou-os, comprimiu-os, para deixar logo que se acomodassem sob suas palmas. Lydia suspirou seu nome quando os dedos de Ross descreveram círculos ao redor de seus mamilos. Explorou e implorou com doçura, até que ficaram eretos.

 

Abriu-me aquela camisa na primeira noite sussurrou ela, aturdida.

 

Ross a olhou com olhos incrédulos.

 

Estava bêbado respondeu com voz rouca.

 

  1. Lydia inclinou a cabeça, envergonhada. A julgar por sua expressão, adivinhava que acabava de lhe dizer algo terrível

 

Sinto muito. Não sei nada destas coisas. Pensei que você gostaria...

 

É claro que sim, mas...

 

Caramba, se sua esposa era uma das poucas em todo o continente que não fugia as carícias de seu marido, seria parvo que o dissesse.

 

Amaldiçoou os diminutos botões enquanto seus dedos lutavam com eles. Depois de uns instantes frustrantes, lhe apartou as mãos com delicadeza. Soltou os botões um a um, com movimentos lentos e inconscientemente sedutores.

 

Ao princípio, só apareceu uma franja de pele, depois, as curvas internas de seus seios, e. Por fim, o sulco que dividia o seu estômago. Lydia se inclinou para diante, de forma que quase tocou com a cabeça o queixo de Ross, enquanto se tirava a camisa. O cabelo escorregou sobre seu rosto, e quando se ergueu, cobriu-a de uma forma fascinadora.

 

Produziu-se um rugido nos ouvidos de Ross que não escutava desde que se deitou pela primeira vez com uma mulher, muitos anos antes. Logo que era mais que um moço, mas recordava a secura de sua boca, o suor que molhava suas palmas e seu lábio superior, o tamborilar de seu coração. Como agora.

 

Apartou seu cabelo e contemplou seus seios. Eram volumosos coroados de coral, muito bonitos, altos, redondos, maternais, eróticos. Os seios de uma Madonna... e de uma amante. Recordou a primeira noite que a viu, contemplou aqueles seios cheios de leite e a boca ávida de seu filho, que chupava os mamilos. Uma nova quebra de onda de sangue alagou seu membro. A potente ereção lhe produziu dor.

 

Quando posou as mãos sobre ela, experimentou mil sensações que percorreram seu braço até o coração. Como enfeitiçado, acariciou a carne suave, e comprovou com prazer que se adaptava à forma de suas mãos e ao movimento de seus dedos. Sua pele escura contrastava com a brancura cremosa de Lydia.

 

Soprou com suavidade sobre o mamilo, que se ergueu tentador, a aréola escura que o rodeava se enrugou de uma forma adorável. Ross sussurrou uma maldição, rodeou o seio com sua mão e baixou a cabeça.

 

Ao princípio Lydia sentiu a carícia sedosa e áspera ao mesmo tempo do bigode, e depois o beijo úmido. Apoiou as mãos sobre as faces de Ross e jogou a cabeça para trás. A língua de Ross se deslizou sobre o leito de carne rosácea, uma e outra vez, banhou-o com o rocio de sua boca. Depois o encerrou na prisão ardente e úmida de seus lábios e chupou com suavidade.

 

Lydia emitiu uma exclamação afogada de surpresa e prazer, e se apertou mais contra ele. Um grito entrecortado surgiu de seus lábios. Os braços de Ross se fecharam sobre os quadris de Lydia, que se arqueou para trás. Ross a devorou com doçura, saboreou cada centímetro da carne que, durante semanas, tinha sonhado saborear. Banhou seus mamilos com a língua, secou-os com o bigode. Sujeitou-os entre os dentes de sua boca quente e febril, e puxou eles ritmicamente.

 

Era um ritmo carnal, ambos respondiam ao uníssono. Ross compreendeu que a possuiria de novo com brutalidade, se não aplacava o seu desejo. Elevou-a e balançou sua cabeça sob o queixo. Os seios molhados de Lydia se esmagaram contra o seu peito nu.

 

Lydia, Lydia repetiu sem cessar, em tanto a balançava contra ele até que os dois se acalmaram. Esta vez não seria brusco e rápido, a não ser lento e paciente.

 

Lydia se apartou e acariciou suas faces ásperas.

 

Isto arranha disse, e enrugou o nariz de uma forma cômica.

 

Sinto muito. Terei que me barbear.

 

Não! Exclamou a jovem. Seu entusiasmo arrancou uma gargalhada a Ross, mas se conteve quando ouviu sua seguinte observação. Tem muitas cicatrizes.

 

Tocou a cicatriz que aparecia sobre seu mamilo esquerdo. Depois as pontas de seus dedos perambularam sobre seu peito e ombros, em busca de mais cicatrizes e sinais.

 

Temo que sim.

 

A guerra?

 

Ross apartou sua mão e beijou seus dedos.

 

Algumas, sim.

 

Disse-o em um tom que indicava sua determinação de não falar mais a respeito. Estava entregue ao estudo de como oscilavam seus seios ao menor movimento, ou de como algumas mechas de cabelo que caíam sobre seus ombros flertavam com seus mamilos. Lydia não aparentava o menor acanhamento ante aquela detalhada inspeção, antes manifestava uma curiosidade quase infantil por Ross.

 

Vamos à cama disse este com voz rouca.

 

Ross já tinha tomado a decisão de que não ia dormir de calças curtas, e de maneira nenhuma ia vestir uma daquelas ridículas camisas de dormir que Vitória insistia em que colocasse. Ia dormir tal e como tinha nascido, e se a Lydia não gostasse... Bem, teria que acostumar-se. Tirou as botas, as meias três-quartos e as calças, e os jogou ao outro lado do carro.

 

Lydia engatinhou a toda pressa para a cama e permaneceu imóvel quando Ross apagou a chama do abajur. Fez-se a escuridão no carro. Seus ouvidos já se acostumaram a seguir os movimentos de Ross e sabia que estaria nu quando se deitasse ao seu lado.

 

Estava aterrorizada e excitada ao mesmo tempo pela idéia. Clancey lhe tinha mostrado obscenamente suas partes íntimas desabotoando-a braguilha das calças, mas nunca tinha visto um homem adulto nu por completo. É obvio, Ross era bonito da cintura para acima. Não podia imaginar que o resto de seu corpo fosse repulsivo. De todos os modos, ficou rígida e assustada quando ele se deitou ao seu lado.

 

Ross não encontrou a menor resistência quando a atraiu para ele. Seus braços a aprisionaram, ao tempo que capturava sua boca na escuridão. Graças à experiência contida naquele beijo, os temores de Lydia se dissiparam.

 

Tocou as pernas de Ross com seus pés nus, e não foi tão horrível. Tinha os seios apoiados contra o muro peludo de seu peito, e o contato era eletrizante. Ross nu não deixava de ser Ross. Sabia que não devia temer nada dele.

 

Lydia lhe rodeou com seus braços e acariciou os músculos de suas costas. Deixou que suas mãos descendessem mais abaixo da cintura e tocou o que tinha admirado aquela manhã no rio. Deslizou as palmas sobre as curvas firmes de suas nádegas.

 

Deus todo-poderoso grunhiu Ross, e a deitou sobre os lençóis. Agradeceu a luz da lua que lhe ajudou a desatar o cinturão das anáguas e as calças interiores de Lydia. Agarrou tudo com uma mão e lhe desceu de um só movimento o vestido e os objetos interiores, que formaram um montão de tecido e fio ao pé da cama.

 

Então seus olhos admiraram os pés pequenos, os delicados tornozelos, a forma das panturrilhas, as esbeltas colunas de suas pernas. Cortou-lhe a respiração ao ver o ninho de cachos cor torrada. O triângulo em sombras delimitava a sua feminilidade, ao igual à suave redondez de seus quadris, a colina de seu estômago, a perfeição de seus seios. Sua beleza o cativou e a contemplou, absorveu-a, durante um longo momento.

 

Da puberdade, Lydia nunca tinha estado completamente nua diante de ninguém, nem sequer ante sua recatada mãe. Sentiu-se alarmada pela atenção que lhe emprestava Ross. Não era como as demais mulheres? Era feia como um pecado e o ignorava? Tinha alguma deformidade?

 

Ross? Perguntou trêmula, e cobriu sua feminilidade com uma mão protetora.

 

Ross saiu do transe e se deitou ao seu lado. Apertou seu corpo áspero contra a serosidade de Lydia, com o fim de experimentar o erotismo do contraste.

 

Meu Deus suspirou, enquanto apoiava a mão sobre seus seios. Durante vários minutos se limitou só a abraçá-la, sem acreditar que lhe tivesse sido concedido aquele presente. Parecia inconcebível que alguma vez a tivesse considerado grosseira e vulgar. Ela era única e linda..., e era dela.

 

Levantou-se e se inclinou para poder beijar sua boca. Logo que introduziu a língua na doce cavidade de sua boca, mas sim a passeou com suavidade sobre seus lábios. Lydia apoiou a mão sobre sua cabeça com idêntica delicadeza.

 

Ross tomou um de seus seios com uma mão e o levou a boca. Descreveu círculos de beijos ao seu redor, cada vez mais perto da cúpula. Acariciou o mamilo com um movimento circular de seus lábios, até endurecê-lo como uma pedra. Depois o lambeu com a língua.

 

Lydia se estremeceu e se elevou do colchão, para logo deixar cair de novo. Em seu interior, entre as pernas, experimentou aquela agitação que já lhe era familiar, o desejo de algo indefinido e desconhecido. A culminação, se seu arauto era aquele gozo quase insuportável, não podia ser menos esplêndido.

 

Ross posou a mão sobre sua cintura, apertou-a um pouco e continuou descendendo pela curva de seu quadril até a coxa. Sua pele era como cetim quente. Acariciá-la era como ser acariciado. Seus dedos percorreram a coxa, detiveram-se uma fração de segundo e invadiram o frondoso matagal de pêlo castanho.

 

Não ouviu nenhuma objeção; tão somente um leve gemido surgiu dos lábios de Lydia. Ross, vacilante, apartou as coxas da jovem e acomodou sua mão entre elas. Carne dócil, cálida e úmida, rodeou seus dedos.

 

Lydia resmungou entre dentes seu nome, à medida que se familiarizava com seu mistério.

 

Ross! Gritou ela.

 

Ele retirou a mão imediatamente e a apoiou sobre seu joelho.

 

Sinto muito. Pararei. Só queria te tocar.

 

Tem que fazê-lo? Perguntou ela, como temerosa.

 

Não - a tranqüilizou. Não tenho que fazê-lo. Nunca voltarei a te tocar assim se você não...

 

Não! Exclamou a jovem, um pouco histérica. Quero dizer se tiver que parar?

 

A maldição afogada selou os lábios de Lydia, um momento antes que ele a beijasse. Sua mão obrou com mais audácia, mas não com menos delicadeza. Dois dedos encontraram a confortável fenda e se fundiram em seu abraço líquido. O polegar massageou o diminuto capuz mágico.

 

Viu que o rosto de Lydia adotava aquela expressão sublime que tinha advertido quando dava de mamar a Lee. Tinha invejado aquela expressão e desejado ser ele seu causador. Viu que seus mamilos se esticavam, seu estômago se convulsionava, sua respiração se acelerava, e quase explodiu de desejo que exigia liberação.

 

Cobriu-a, substituiu os dedos por seu sexo, apertou até que seu corpo engoliu o dela. Permaneceu uns instantes completamente imóvel, respirando em seu pescoço, alojado em suas vísceras. Depois levantou a cabeça e a olhou aos olhos.

 

Nunca havia sentido isso, Ross. É assim como tem que ser? Sussurrou, e percorreu seu bigode com a ponta de um dedo.

 

Ross fechou os olhos e sacudiu a cabeça. Esforçou-se em não mover-se ainda, em não apressar-se.

 

Não. Tão maravilhoso, não.

 

Então perdeu o controle e começou a mover os quadris. Praticou todas as técnicas que lhe tinham ensinado, tanto em bordéis como ao redor dos fogos de acampamento. Retrocedeu até sair quase de seu interior, para logo mergulhar-se até o fundo. Acariciou os muros de seu corpo, com rapidez, com lentidão, a ritmos que roubavam o sentido de Lydia.

 

Roçou seus mamilos com o peito, acariciou-lhe o estômago com o seu, massageou suas coxas com mãos poderosas. Estava perdido em sua feminilidade, em sua doçura, e não desejava que lhe encontrassem jamais.

 

O rosto de Lydia expressava um prazer supremo, o qual serviu para intensificar o seu. Quando chegou ao orgasmo, Ross notou a estremecida reação de Lydia. Abraçaram-se enfebrecidamente, quando um deus benevolente lhes jogou nos céus para logo lhes devolver com suavidade à terra.

 

Os dedos de Lydia percorreram lentamente suas costas cobertas de suor, enquanto jaziam entrelaçados em um exausto abraço. Ross se recuperou por fim, separou-se dela, deitou-se de costas e tomou ar várias vezes.

 

Ao ver que permanecia imóvel durante comprido momento, Lydia apoiou a mão sobre seu estômago e perguntou com certo temor:

 

Você está bem, Ross?

 

Ele reuniu suficiente força para lançar uma risada.

 

Lydia, como pode ser tão inocente e perita ao mesmo tempo?

 

Ficou de lado e a olhou com ternura. Mechas de cabelo encaracolado se pegavam a suas faces, úmidas de suor. Sua pele exibia o brilho rosáceo da satisfação sexual. Tinha os olhos limpos e adormecidos quando lhe sorriu com acanhamento. «Deus, que bonita era», pensou Ross. Abraçou-a, em que pese ao calor da noite.

 

Vamos dormir.

 

Lydia se aconchegou contra ele, embalada pela sensação de amparo que lhe proporcionava o seu corpo. Ross cobriu seu seio com a mão, em tanto ela posava ao seu sobre o oco de sua cintura. Quando dormiram, ambos sorriam.

 

Ross despertou com uma letargia pouco comum. Não recordava uma noite em que tivesse adormecido melhor. Antes de abrir os olhos, cobriu o rosto com o cabelo de Lydia e aspirou seu perfume. A jovem ainda dormia. Levantou-se com cuidado, tratando de não despertá-la. Queria examinar o que a escuridão da noite tinha oculto.

 

Deixou que seus olhos vagassem a vontade sobre as doces formas de sua mulher. Sua pele apetitosa para a vista como para o tato. Ainda conservava o seu sabor na língua. Uma leve capa de sardas adornava suas faces. Sorriu ao pensar que a dotavam de um incrível aspecto infantil. Entretanto, seus olhos adornados de espessas pestanas, deitadas agora como leques sobre suas faces, eram os de uma mulher. Multefaceadas, brilhantes de lágrimas em um momento, nublados pela paixão ao seguinte. Falavam por si só, prometiam maravilhas, e a excitação formigou em seu membro adormecido quando recordou a forma sensual com que o havia olhado.

 

Tinha os lábios entreabertos. Naquele momento ele só desejava introduzir sua língua entre eles, penetrá-los. Possuía a boca mais doce. E sabia beijar.

 

Que mais sabia?

 

Uma ruga apareceu em seu sobrecenho e o bigode se agitou de irritação. Por que demônios seguia pensando nisso? Parecia tão inocente, e entretanto...

 

Ontem à noite tinha vivido o sonho sexual de um homem convertido em realidade. Lydia não tinha fingido. Ross tinha ouvido que algumas mulheres experimentavam a mesma pequena morte que os homens. As prostitutas a fingiam, porque acreditavam que assim o esperavam seus clientes. Duvidava que Vitória tivesse ouvido falar de algo parecido, e se assim fosse, teria ficado horrorizada.

 

Vitória. Suas lembranças ainda lhe incomodavam mais que outra coisa. Sentia falta dela. Ainda a amava. Mas como podia seguir amando-a e desfrutar do corpo de Lydia com tal abandono? Era possível amar a uma mulher e estar obcecado com outra? Odiava as comparações que sua mente lhe obrigava a estabelecer.

 

Enquanto o corpo de Vitória tinha sido frio alabastro, o de Lydia era marfim esvaziado em ouro líquido. Em ocasiões, Vitória era recatada até o ponto de lhe exasperar. Nunca lhe tinha deixado que a visse completamente nua. Agora Lydia estava deitada nua ao seu lado. Lindamente nua. Ela tinha transpassado os limites sem pudor. Tinha se entregado com generosidade, lhe permitindo um acesso ilimitado, tudo que tinha querido fazer. Vitória teria desacordado se tivesse movido em seu interior como o tinha feito com Lydia. Teria ficado quieta, lhe teria aceito, mas depois teria saltado da cama para ir lavar-se, como se o produto de Ross fosse algo degradante.

 

Lydia se tinha obstinado a ele, tinha-lhe ordenhado com seu corpo, moveu-se com ele, emitido aqueles sons musicais que pareciam percorrer seu corpo como sussurros e acariciavam seu membro. Quando tudo terminou, havia-se coberto o estômago com as mãos e abraçado, como se entesourasse a essência de Ross que tinha passado a integrar-se em seu corpo.

 

Pensar naquilo lhe produziu uma ereção. Amaldiçoou a si mesmo e a amaldiçoou a ela também. Porque assim como ele adorava sua natureza sensual, ela o enfeitiçava. Como tinha chegado a adquirir Lydia aquelas aptidões, esse talento para amar que lhe tinha transportado a um reino sexual que inclusive ele, com toda sua experiência, desconhecia?

 

Contemplou seus seios. Inclusive em repouso, os mamilos se viam um pouco inflamados. Seu estômago subia e baixava ao compasso de sua respiração, e Ross quis pôr sua boca sobre ele, afundar a língua em seu umbigo. Desejou percorrer de novo com os dedos aquele sedoso triângulo de pêlo.

 

Quem é, Lydia...?

 

Nem sequer sabia, o seu sobrenome.

 

Claro que ela tampouco sabia o seu.

 

Admirou sua beleza à luz do amanhecer e soube que era capaz de perdoar seu passado, como lhe tinha pedido. Com tal de que não lhe tivesse mentido a respeito de que ela também ia esquecer o... Se alguma vez descobrisse que lhe tinha mentido a respeito, nunca a perdoaria.

 

Não se atreveu a tocá-la, pois do contrário lhe teria sido impossível partir. Vestiu as calças e saiu.

 

Minutos depois Lydia despertou e procurou Ross. Não estava ao seu lado, mas lhe ouviu mover-se fora. Levantou-se, deu uma olhada a Lee, que continuava dormindo, e começou a lavar-se na bacia que descansava sobre a cômoda. Esfregou seu sexo com um pano úmido. Suas faces se acenderam quando recordou como a havia tocado Ross, como tinha reagido ela.

 

Pensaria mal dela?

 

O que lhe tinha passado? Durante um terrível momento pensou que ia morrer, embora, ao mesmo tempo, nunca se havia sentido mais viva. O prazer se derramou sobre ela como uma cascata. Tão intenso foi o prazer que não acreditou que seu corpo fosse capaz de contê-lo. Obstinado-se a ele com avidez, para que durasse mais. Tinha fechado os membros ao redor de Ross, com a ânsia de reter em suas vísceras tudo que fosse possível de sua virilidade.

 

Cobriu o rosto com as duas mãos, respirou fundo e rogou não ter feito algo impróprio de uma mulher casada.

 

Apartou os cabelos do rosto, mas deixou que escorregasse sobre suas costas. Não lhe havia dito Ross que era bonito, que ela era bonita? Depois de vestir-se, saiu do carro. Não viu Ross, e se alegrou. Ainda não estava preparada para encontrar-se cara a cara com ele, pois se sentia turvada pelo que tinha acontecido durante a noite.

 

Ele apareceu por detrás dela enquanto Lydia vertia café em uma xícara.

 

Bom dia - disse ele em voz baixa.

 

Ela se voltou pouco a pouco e elevou os olhos com cautela. Ficou sem fôlego ao lhe ver a nova luz do sol. Era o homem mais bonito que tinha visto em sua vida. Seu cabelo brilhava, pois o tinha lavado depois de barbear-se. O alegre brilho de seus olhos e a tenra curva de seu sorriso lhe estavam dizendo que tudo ia bem. Seu comportamento de ontem à noite não lhe tinha irritado. Ficou convencida de que tinha feito o que se supunha que as esposas tinham que fazer quando estavam com seus maridos. Comportou-se como Ross esperava. Experimentou um alívio imenso.

 

Bom dia.

 

Teve vontade de rir.

 

Para mim? Ross indicou com uma sacudida de cabeça a xícara de café.

 

Ela a estendeu sem dizer uma palavra e sorriu; seu rosto rivalizava em brilho com o sol. Ross segurou a xícara, mas ao mesmo tempo rodeou sua nuca com a mão livre e a levantou para sua boca.

 

Ainda a estava beijando quando Mamãe Langston chegou ao carro uns minutos depois, com o balde de leite para Lee. Olhou-lhes um momento, radiante como uma mãe orgulhosa, e pigarreou ruidosamente.

 

Outra pista falsa - disse Howard Majors, enquanto tirava o chapéu e o pendurava no cabide da habitação de seu hotel de Baltimore.

 

Dá a impressão de que teve uma decepção ao comprovar que a garota da funerária não era minha filha, Majors. Lamento lhe haver feito perder seu tempo.

 

Foda-se - resmungou para si Majors, aborrecido, e se serviu de uma taça generosa, algo que fazia muito poucas vezes no meio da amanhã.

 

Vance Gentry começava a lhe crispar os nervos. Quase começava a simpatizar com o jovem casal que tinha fugido dele. Talvez Sonny Clark não tivesse raptado a sua esposa, nem a tinha obrigado a roubar as jóias, Talvez ela ardesse em desejo de partir de casa para livrar-se daquele tirano insuportável.

 

Durante a semana que tinham demorado para chegar a Baltimore, Gentry se tinha mostrado desagradável e agressivo, mas Majors tinha tolerado seu comportamento e o tinha compreendido. Ao fim e ao cabo, Gentry estava convencido de que a moça assassinada na habitação de um hotel próximo ao porto devia ser sua filha. Majors o tinha duvidado do primeiro momento, embora as descrições físicas se ajustavam às de Clark e Vitória Gentry.

 

Aquele assassinato não era próprio de Clark. Ele era veloz como o raio com a pistola, e violento quando lhe encurralavam, sem temor a nada, mas nunca tinha sido um assassino desumano, em especial até o ponto de apunhalar a uma mulher muito depois de que estivesse morta. Não concordava com a forma de atuar de Clark, que sempre se conduzia com movimentos rápidos e eficazes.

 

Majors tinha suportado o comportamento beligerante de Gentry por deferência. Agora já se cansou.

 

Não foi uma perda de tempo, senhor Gentry respondeu, com mais diplomacia da que o homem merecia.

 

Não, só uma perda de meu dinheiro.

 

Ao menos agora sabemos que sua filha talvez siga com vida.

 

Então onde caralho está?

 

Não sei.

 

Não sabe. Gentry estava tão furioso que seu cabelo branco pareceu a ponto de saltar de sua cabeça quando se voltou para o fodido detetive - Para que acredita que lhe estou pagando? Pago-lhe para que localize a minha filha e ao foragido de seu marido.

 

Majors contou pouco a pouco até dez e se recordou a si mesmo que depois daquele caso lhe aguardava a aposentadoria.

 

Pode me despedir quando queira, senhor Gentry. Eu seguirei procurando Sonny Clark, pois agora sei que está vivo. Eu o busco por cinco acusações de assassinato, que nós saibamos, e assaltos a bancos em vários estados. A lista de seus delitos é tão larga como meu braço. Por outra parte, embora não tenha colaborado com eles há uns anos, poderia salvar a vida em troca de nos ajudar a capturar aos irmãos James. Bem, quer que trabalhe para você, ou prefere continuar sozinho?

 

Gentry se balançou sobre seus saltos, estava furioso, mas tratou de apaziguar-se. Sua ira não se dirigia tanto para o agente de Pinkerton como para a situação em que se achava. Lamentava não possuir o controle absoluto, mas sabia que o detetive contava com uma rede de informadores e comunicações que ele não podia emular, embora tivesse o dinheiro.

 

Não vejo que seja necessário que nos separemos agora.

 

Muito bem. Nesse caso, pedirei com toda educação que não volte para insultar-me com comentários depreciativos. É obvio, alegrei-me de saber que aquele cadáver não era o de sua filha.

 

Serviu-se outro copo e passou a garrafa ao Gentry, uma silenciosa indicação de que, se queria um gole, o servisse ele mesmo.

 

Gentry aceitou a reprimenda.

 

E agora o que? Perguntou, depois de servir um copo.

 

Suponho que voltaremos para o escritório do Knoxville. Partiremos desde o zero outra vez. Estenderemos as antenas e veremos o que acontece.

 

Gentry engoliu seu uísque de um só trago. Não lhe queimou mais o estômago que sua raiva. Quando pusesse as mãos em cima de Ross Coleman, ou de qualquer maneira que se chamasse, enviaria a merda à Agência Pinkerton, aos governos de vários estados e a qualquer que queria capturá-lo vivo.

 

Mataria aquele bastardo.

 

Os dias transcorriam com lentidão para Ross e Lydia porque ambos esperavam com ânsia que chegasse a noite. Ross sempre estava ocupado com seus cavalos ou com os de outros, caçando, ou em outras tarefas que lhe impediam de conduzir sua parelha. E assim era melhor. Os dias que se sentava ao lado dela durante as longas horas da jornada eram horríveis. Cada roce de seu braço, cada carícia fugaz, cada olhar, cada beijo roubado, faziam-lhe desejar o anoitecer.

  

   As noites lhes pertenciam. Visitavam outros carros da caravana, mas assim que a decência o permitia voltavam para a carroça e deixavam que sua intimidade lhes abraçasse como eles se fundiam em um abraço. Cada noite sua intimidade aumentava um pouco mais. Envergonhavam-se menos de demonstrar seus sentimentos, eram mais generosos com seus corpos.

  

   Lydia acreditava que não podia ser mais feliz. Não adjudicava etiquetas ao que sentia por Ross. Só sabia que sem ele sempre faltaria algo em sua vida, um complemento indispensável de seu próprio ser. Não se comunicavam seus sentimentos mediante palavras, mas Lydia não sabia o bastante para sentir falta daquela intimidade em particular. Sabia tudo que precisava saber pela forma em que ele a olhava e a tocava.

  

   Uma tarde, como de costume, Lydia se achava imersa em uma nuvem de satisfação enquanto se lavava, preparando-se para a volta de Ross a hora de jantar. Tinha posto a ferver os feijões no fogo e havia massa de milho pronta para fritar. Moisés tinha pego amoras e lhe tinha dado umas contas para que as compartilhasse com Ross como sobremesa.

  

   Quando ouviu o golpe no exterior do carro, terminou de abotoar o vestido, passou por última vez a mão sobre seu cabelo e apartou as lonas.

  

   Retrocedeu horrorizada e contemplou o malvado e feio rosto de seu meio-irmão, Clancey Russell.

 

Lydia abriu a boca para gritar, mas o terror emudeceu sua voz. Clancey aproveitou aqueles segundos para entrar no carro e fechar a mão sobre sua boca.

 

Calma, calma, não vais montar nenhum escândalo, verdade, senhora Coleman? Moveu uma faca de caça ante seus narizes. Porque se o faz, o primeiro que chegue encontrará isto na barriga. E esse poderia ser seu marido.

 

Lydia abriu os olhos de par em par. Clancey lançou uma risada.

 

Vejo que captei sua atenção.

 

Baixou a mão pouco a pouco, embora não embainhasse a faca. Lydia estava muito estupefata para reagir. Clancey era o fantasma encarnado de seus pesadelos, um espectro ressuscitado de entre os mortos. A ferida de sua cabeça lhe tinha deixado uma espantosa cicatriz que lhe dotava de um aspecto ainda mais repulsivo. Fedia. Perguntou-se como tinha podido viver com ele dez anos, por não mencionar...

 

Tragou a bílis que enchia sua boca. Como podia estar vivo? Como? Tinha-lhe visto golpear-se contra aquela rocha, tinha ouvido o rangido do crânio e contemplado o sangue derramando-se.

 

Pensava que tinha morrido, né? Burlou-se o homem, lendo seus pensamentos. Revolveu-te como uma fera quando te alcancei em Knoxville. Esperneou e me arranhou como uma gata selvagem, até que perdi o equilíbrio e caí. Eu gosto das mulheres com caráter. Como sem dúvida recorda.

 

Seus olhos de réptil a inspecionaram com lascívia: Lydia se estremeceu de ódio e medo.

 

E estou muito zangado contigo, irmãzinha, por me fazer cair contra aquela rocha e me abrir a cabeça. Doeu-me muitíssimo durante semanas, tinha a vista imprecisa. Sim. Mas agora já vejo com claridade. Seus olhos a percorreram de novo. E vale a pena olhar o que estou vendo.

 

Se meu marido te encontrar aqui, matará você - disse Lydia, com muita mais valentia da que sentia, pois, por dentro, tremia de medo. Medo de que Clancey se vingasse dela por lhe haver abandonado meio morto, e ainda mais medo de que Ross descobrisse o que tinha sido para aquele homem. A idéia lhe provocou náuseas.

 

Seu marido, né? Sabia que ele tem outra esposa? Perguntou com astúcia. Uma tia rica?

 

Vitória? Morreu.

 

Morreu? Repetiu estupidamente Clancey. Ficou desconcertado um momento, e depois ergueu os ombros com arrogância. Acredito que isso não altera meus planos.

 

Bem, se seu plano era me dizer que meu marido era bígamo, perdeste o tempo. Já pode ir.

 

Mais devagar - disse com voz sedosa Clancey. Temos muito do que falar.

 

Passeou a vista pelo carro e assentiu para expressar sua aprovação. Quando viu a caixa onde Lee dormia, aproximou-se e olhou. Lydia, que teria podido sair como um raio naquele momento, não se atreveu. Não podia deixar sozinho Lee com o Clancey, e não podia avisar a ninguém de sua presença por temor a que lhes dissesse quem era.

 

É meu filho? Perguntou, e assinalou com a faca a Lee.

 

Não! Exclamou Lydia. Empurrou ao homem e se interpôs entre ele e o menino. Seu filho nasceu morto. Este é o de Ross. Vitória morreu ao dar a luz.

 

Clancey arranhou seu pescoço áspero e grosso com a folha da faca, enquanto contemplava Lee. Lançou uma gargalhada arrepiante.

 

Bonita história.

 

É verdade! Gritou Lydia ao intuir suas suspeitas. O menino que me fez estava morto quando dei a luz no bosque. Enterramo-lo.

 

Clancey encolheu os ombros.

 

Dá igual. Este pequeno é muito simpático. Não me importaria ficar com ele se não for meu, dá-me igual se estiver bem cuidado ou não.

 

O coração de Lydia se deteve, e imediatamente seguinte começou a bater contra suas costelas. Sentiu a garganta seca.

 

O que quer?

 

Clancey riu.

 

Agora começamos a nos entender. Sempre disse que não era tola. Sempre o disse.

 

Lydia estava histérica, aterrorizada pelo que aquele homem podia fazer e aterrorizada ante a idéia de que Ross chegasse e encontrasse Clancey no carro. Era a hora em que estava acostumado a retornar ao acampamento. Outros já estavam preparando o jantar em suas fogueiras. Sentiriam falta dela? Viria alguém a procurá-la? Voltaria Ross e a encontraria com o Clancey?

 

O que quer? Repetiu.

 

«Não! Por favor, Meu Deus, não.»

 

Estou no fundo do poço, irmãzinha. É claro que sim. Ocorre-me que agora talvez poderia dar um empurrãozinho, por dizê-lo de algum jeito, ao seu pobre meio-irmão. Cravou os olhos nela e baixou a voz. Dando-me as jóias que seu marido roubou do pai de sua primeira mulher.

 

Lydia lhe olhou sem compreender.

 

Do que está falando? Perguntou com voz trêmula. Que jóias? Não temos jóias, e Ross não é um ladrão.

 

Clancey se apoiou contra a caixa e procurou dentro da camisa o pôster que levava em cima fazia dois meses, o pôster que havia tirado a vida à puta de Owentown.

 

Olhe bem isto - disse, enquanto alisava as rugas tinham amassado o papel. Esse marido estupendo e quase galhardo ao que parece dar tanta importância não é o santo que você crê.

 

Lydia contemplou o desenho e o comparou com o rosto de seu marido. Mais jovem, com cabelo mais longo, sem bigode, mas os olhos, as sobrancelhas e a mandíbula eram de Ross Coleman, sem a menor duvida. Sonny Clark. Leu a lista de delitos que, em teoria, tinha cometido, e gelou o sangue nas veias. Sentiu-se tonta e se apoiou no bordo da cômoda para não perder o juízo.

 

Não estava segura, mas a cifra cinco seguida de três zeros devia representar uma boa quantidade de dinheiro oferecida como recompensa à pessoa que informasse sobre o paradeiro de Sonny Clark.

 

Elevou seus olhos abatidos para Clancey.

 

Vai denunciá-lo pelo dinheiro.

 

O homem arranhou o gordurento cabelo.

 

Não sou um homem ambicioso. Imagino que as jóias devem valer mais de cinco mil, e não seria necessária a intervenção da lei, já me entende. Portanto, pensei que você poderia me dar as jóias e eu me separaria de seu caminho. Despediríamo-nos como bons amigos e deixaria em paz ao seu mando e ao pequeno.

 

Lydia abriu os braços.

 

É que não há jóias. Já disse que não sei do que está falando.

 

Ele a agarrou e aproximou seu rosto ao dela.

 

E eu te digo que sim, garota. Vi ao seu sogro falando com um cavalheiro elegante, que parecia ser um representante da lei. Perseguem ao seu marido por raptar a sua própria esposa e levar as jóias como bota de cano longo.

 

Ross não faria...

 

Clancey a agitou com violência.

 

Deixa de dizer isso. Ele é um assassino, verdade?

 

Lydia tentou pensar. Não pôde. Ross, um assassino? Sua habilidade no manejo das armas. Mas um assassino? Assassino. Assaltante de bancos. Assaltante de trens. Era impossível, e entretanto o pôster assim o afirmava.

 

Não sei nada dessas jóias. Ross amava a sua mulher. Dirigiam-se a Telhas para fazer-se criadores de cavalos. Não a raptou.

 

Bom, isso é o que seu sogro pensa, e está ansioso por saber o que foi deles. Eu me ocuparei de que se inteire, a menos que você encontre essas jóias e me dê isso. Beliscou a parte mais carnuda de seu braço. Não estará mentindo ao velho Clancey sobre essas jóias, verdade, garota?

 

Não respondeu Lydia, e Clancey se deu conta de que dizia a verdade. Afrouxou um pouco sua presa. Se houver jóias aqui, não sei onde estão.

 

Deveria as encontrar, por seu próprio interesse.

 

Ross se desfez das coisas de Vitória quando nos casamos. Acredito que as enterrou ou as deu. Não sei. Seria impossível as localizar agora. Além disso, não posso roubar ao meu marido, exclamou.

 

Prefere que acabe como aquele pequeno loiro que tive que matar, né? Era teu amigo, verdade?

 

Lydia ficou imóvel e branca como a cera.

 

Luke? Balbuciou. Você matou ao Luke?

 

Chamava-se assim? Não fomos apresentados antes que corresse para o acampamento para avisar de que eu lhes seguia. Tinha que impedi-lo, verdade? E o impedi.

 

Lançou uma risada maníaca.

 

Lydia cobriu a boca quando a bílis ascendeu de novo. Luke Langston tinha morrido por sua culpa. Depois de que a encontrasse no bosque e se ocupasse de que a atendessem até recuperar a saúde, o moço tinha morrido de uma maneira absurda.

 

Detestaria ter que fazer algo tão feio outra vez, seriamente, mas se esse pequeno daí não é meu, como você diz... Emudeceu de forma ameaçadora e acariciou a folha da faca enquanto olhava a Lee, que tinha despertado e gorgolejava e agitava os membros alegremente. E se entregasse seu marido à lei, bem, só ficaríamos você e eu outra vez. Não estaria mau.

 

Acariciou seu seio com a ponta da faca e o moveu ao redor do mamilo.

 

Ela apartou a mão com coragem.

 

Eu... procurarei as jóias, mas não acredito que as encontre. Se não puder as encontrar, deixará-nos em paz, verdade?

 

Não tem alternativa, irmãzinha, porque se não encontrar nada, terei que procurar dinheiro de outra maneira, por exemplo, indo à lei para comunicar que conheço o paradeiro de Sonny Clark. Inclinou-se para ela e lhe arrojou seu fôlego fétido ao rosto. É tão bom na cama como eu, irmãzinha?

 

Deixa de me chamar isso! Não sou sua irmã.

 

Não, é claro que não. Arranhou o áspero queixo. Possivelmente minha concubina. Ela empalideceu, e Clancey voltou a emitir sua risada repugnante. Não penso nisso agora, porque tenho que me preocupar com meu futuro. Embainhou a faca e se aproximou da entrada do carro. Virei a ver-te freqüentemente. Tem trabalho que fazer. Olhou uma vez mais a Lee. É claro que é bonito. Seria uma pena que algo mau lhe acontecesse.

 

Desapareceu.

 

Lydia desabou sobre o chão do carro, seus músculos se renderam por fim depois do terrível sobressalto de ver Clancey vivo, disposto a converter de novo sua vida em um inferno.

 

Arrastou-se para a cama e se deitou. Levantou os joelhos até o peito em um gesto protetor, como tinha feito tantas vezes depois de que Clancey abusava dela. Como naquelas ocasiões, chorou, porque Clancey a seguia violando, embora de outra maneira. Estava violando a nova vida que tinha empreendido com Ross. Tinha-a manchado por dentro antes que ela soubesse o que era amar. Tinha-a manchado. Por causa de sua maldade, Lydia tinha se considerado indigna, até que Ross tinha conseguido que se sentisse limpa e valiosa como ser humano.

 

Agora Clancey Russell ia destruir sua vida pela segunda vez.

 

Lydia?

 

Ouviu que Ross a chamava do exterior e se apressou a secar suas lágrimas. Não devia sabê-lo. Devia evitar a toda custo que o averiguasse. Ele a desprezaria se inteirasse de algo. Repugnaria-lhe saber que tinha entregue seu filho aos cuidados de uma mulher que tinha mantido relações íntimas com alguém como Clancey, por não mencionar a repulsão que experimentaria por ter estado com ela. Lydia se propôs fazer quanto estivesse em suas mãos para impedir que Ross o averiguasse.

 

Ross apartou as lonas e olhou no interior.

 

Lydia, o que ... ? A viu deitada sobre o colchão e pensou, alarmado, que lhe ocorria algo. O que acontece?

 

Saltou dentro e se ajoelhou ao seu lado. Agarrou sua mão e a apertou com força.

 

Ross era bonito aos seus olhos, até com as roupas poeirentas da viagem, o cabelo amassado de usar o chapéu todo o dia, a linha vermelha que a cinta do chapéu tinha desenhado em sua testa. Era bonito e o amava.

 

Amava-o. O sentimento a embargou, encheu-a, fluiu às extremidades de seu corpo. Embora tivesse sido um assassino, um ladrão, face ao que tivesse feito ou qual era o seu autêntico nome, amava-o. Nunca devia saber de Clancey. Nunca.

 

Ross viu as lágrimas em seus olhos e tragou saliva. Atingiu-lhe um medo que jamais tinha imaginado.

 

Lydia, está doente?

 

Ela sacudiu a cabeça com veemência e apertou a mão de Ross contra sua face.

 

Não me encontro muito bem, mas não estou doente. Só cansada, acredito.

 

O alívio de Ross foi evidente. Seus ombros relaxaram enquanto exalava um suspiro.

 

Todo mundo tem direito a descabeçar uma sesta de vez em quando. Tomou o pulso na garganta. Está segura de que está bem?

 

Sim, sim. A jovem se levantou. Já estou bem. Darei a mamadeira a Lee, e depois prepararei o jantar...

 

Tranqüila - riu Ross, e apoiou as mãos sobre seus ombros. Antes de pensar em jantar, quero provar algo no que estive pensando todo o dia.

 

Agarrou o queixo de Lydia entre o polegar e o dedo médio, e elevou sua boca. Ao princípio aplicou uma leve pressão, depois abriu os lábios e reclamou os de Lydia com a doce sucção que era sua especialidade.

 

Lydia, que se sentia manchada pela presença de Clancey, liberou sua boca da de Ross e se apartou. Considerava ao seu meio-irmão uma enfermidade que a tinha infectado durante dez anos, e não queria contagiar Ross.

 

Acredito que os feijões vão queimar.

 

Antes que ele pudesse detê-la, ela saiu do carro.

 

Comportou-se igual o resto da noite. Ross não compreendia o motivo. Estava nervosa, saltava ao menor ruído. Lydia era faladora, entretanto, aquela noite foi incapaz de terminar uma frase. Inclusive se mostrou áspera com Marynell e Anabeth, que vieram depois do jantar para oferecer-se a cuidar de Lee enquanto Ross e ela foram passear juntos.

 

Ross se levantou confundido do tamborete. A última vez que tinham ido de passeio depois do ocaso, afastaram-se bastante do acampamento para fazer amor em um campo de trevos.

 

Enquanto rodavam pelo perfumado prado e se beijavam com paixão, ele tinha lutado com as calças de Lydia, por debaixo da saia. Ela não tinha protestado, mas teve um susto quando, ainda vestido, Ross se tinha posto em cima dela.

 

Ross, o que faz? Exclamou.

 

Adivinha-o - replicou ele, enquanto rodeava suas nádegas com as mãos e a atraía para si.

 

Lydia emitiu um ofego de prazer quando ele a penetrou. Tocou-a de uma maneira nova e seus sentidos entoaram uma canção. Parecia uma virgem, com a saia desdobrada em círculo ao seu redor e as pernas abertas, mas não havia nada recatado em seu olhar erótico, quando o instinto de seu corpo ditou que rodasse em cima de Ross.

 

Este tinha acariciado suas coxas, indo para cima, mais acima, até tocar ao ponto em que seus corpos se uniam. Olhou-a enquanto Lydia jogava a cabeça para trás e seu cabelo caía sobre suas costas, e afundou os polegares para o autêntico centro de seu corpo. Sempre com a mesma delicadeza, massageou a chave que abria toda a sua feminilidade. Os polegares esfregaram a fonte mágica e notou que o corpo de Lydia se fechava ao seu redor como um punho de seda.

 

Ela gritou seu nome aos céus e caiu para frente, apoiando-se com os braços em cima dele. Ross puxou a blusa da cintura de sua saia, levantou-a e abriu a regata. Beijou seus seios, seguiu a forma dos mamilos com a língua. Tanta ternura era a contrapartida da violenta explosão que teve lugar em suas virilhas.

 

Muito depois ela tinha jazido como uma bonita boneca em cima de seu peito. Ross tinha sorrido ao céu, aspirado o perfume do trevo, o dele, o dela, o da noite do verão, e admitido que nunca tivesse experimentado tanta paz, bem-estar e felicidade em sua vida. Tinha engrenado as mãos sobre suas costas para apertá-la contra ele. Tinha que agradecer aquela mulher tanta sorte.

 

Por isso, quando as filhas dos Langston sugeriram que fossem dar um passeio, o pulso de Ross se acelerou e seu corpo reagiu da maneira mais profunda.

 

Lydia rechaçou o convite e seu crescente desejo com um seco «Não quero que ninguém cuide de Lee, exceto eu». As moças a olharam com uma expressão peculiar.

 

Esteve nervoso todo o dia. Possivelmente tenha dor de estômago.

 

Aquela noite ela se deitou antes que Ross entrasse. Ele se deu conta de que não estava adormecida, embora o fingisse. Amaldiçoou às mulheres em geral quando se deitou ao seu lado. Que caralho lhe passava?

 

Então sentiu uma pontada de culpabilidade. A regra.

 

Por Deus, quase tinha esquecido que Vitória passava vários dias na cama por essa causa, e Lydia tinha conduzido a carreta todo o dia, cuidado de Lee e cozinhado.

 

Voltou-se para ela.

 

Lydia?

 

Tinha o rosto separado de Ross e revivia mentalmente seu encontro com Clancey, ao tempo que tentava reprimir o medo que retorcia suas vísceras.

 

Sim?

 

Não merecia ser sua esposa. Tinha sido a puta de Clancey. Não por sua vontade, mas sua puta, a fim de contas. Um soluço escapou de seus lábios.

 

Ross o ouviu e a voltou para ele, sem fazer caso de sua momentânea resistência. Apertou seu rosto contra o peito e acariciou seu cabelo.

 

Dorme - sussurrou, e depositou um beijo suave sobre sua têmpora. Já não amaldiçoava a ternura que lhe inspirava. Sua origem era uma parte dele que desconhecia. Não podia controlá-la, de modo que se entregou a ela. Ainda amava Vitória e sempre a amaria, mas ela estava morta, ele estava vivo, e um homem civilizado necessitava de uma companheira.

 

Estará melhor pela manhã.

 

Ross foi o primeiro a dormir. Lydia, ao seu lado, escutou o ritmo regular de seu coração, cheia de amor, e se perguntou como ia escapar de Clancey desta vez.

 

Começou a tranqüilizar-se um pouco quando transcorreram três dias sem que Clancey aparecesse de novo. Possivelmente só tinha brincado com ela para assustá-la. Possivelmente lhe tinha passado algo. Possivelmente...

 

De todos os modos Lydia esteve revistando o carro.

 

Ainda não me sinto bem - mentiu a Ross a manhã seguinte à visita de Clancey. Crê que Bubba se importaria me substituir hoje? Acredito que ficarei dentro com Lee.

 

Ross a examinou com atenção, mas ela evitou seus olhos. Estava doente de verdade e não o queria dizer? Ross não lhe tinha feito amor, pois supôs que aquela noite ela não teria respondido como sempre a suas carícias. Acaso Lydia pensava em abandoná-lo? Um milhão de possibilidades passaram por sua mente, e não suportava nenhuma.

 

De acordo - respondeu tirante, e se afastou.

 

Lydia sabia que estava pondo a prova os nervos de Ross, mas não podia evitá-lo. Estava lutando por sua vida, pela dele e pela de Lee.

 

Aquele dia olhou em todas as caixas, em todas as gavetas da cômoda em qualquer lugar onde Ross ou Vitória tivessem podido ocultar as jóias. Não acreditava que Ross soubesse algo dessas jóias, em que pese a que tinha escondido dinheiro no carro. Descobriu-o em um açucareiro de porcelana da China que Ross tinha envolto com papel de jornal. Mas não achou nem rastro das jóias.

 

Clancey devia estar equivocado, mas se não encontrava o que ele estava decidido a possuir, o que aconteceria? Denunciaria Ross? Maltrataria Lee? Diria a Ross que ela era sua concubina?

 

Não demorou a descobrí-lo.

 

Ao quarto dia, enquanto estava inclinada sobre a fogueira, levantou a vista e o viu de pé a escassos centímetros dela. Não sabia de onde tinha saído. Materializou-se de um nada.

 

Encontraste-o? Perguntou.

 

Não. Não há nada. Procurei.

 

Não me venha agora com desculpas. Está aí, digo que sim.

 

Não, Clancey.

 

Passeou um nervoso olhar ao seu redor. O que ocorreria se alguém a via falando com ele? Todo mundo estava dedicado aos seus afazeres, como se tratasse de uma noite qualquer, e não aquela em que seu mundo se faria migalhas... pela segunda vez.

 

Disse que as estive procurando.

 

Por toda parte?

 

Sim - afirmou ela com energia.

 

Clancey arranhou a virilha.

 

Bem, nesse caso, acredito que deverei me aproximar da cidade mais próxima e avisar ao xerife de que neste carro se oculta um homem procurado pela lei. Suponho que se produzirá um bom alvoroço.

 

Afastou-se dois passos.

 

Não, espera! Gritou Lydia.

 

Clancey deu meia volta e a transpassou com o olhar.

 

Lydia retorceu as mãos e umedeceu seus lábios.

 

Eu... Possivelmente exista lugares onde não procurei. Não é fácil.

 

Não disse que fosse ser fácil. Disse o fizesse.

 

Dê-me uns quantos dias mais, Clancey, por favor.

 

Ele se aproximou dela com ar predador.

 

E para abrandar meu coração, o que me dará, né?

 

Lydia retrocedeu. Ele a seguiu.

 

Ainda não tive tempo de passar por uma cidade, compreende? Faz dias que gostaria muitíssimo de uma mulher, e...

 

Será melhor que tenha poderosos motivos para tentar encurralar a minha mulher contra o carro, senhor.

 

A voz mortífera se ouviu o meio metro de ambos, quando Ross saiu pelo outro lado da carreta. Clancey reagiu com instinto animal e lançou a mão para a capa da faca.

 

Eu não o faria - se limitou a advertir Ross.

 

Foi suficiente. Antes que a mão de Clancey tivesse chegado a metade do caminho da capa, Ross já empunhava a pistola, cujo canhão ficou apoiado sobre a ponta do nariz largo e esmagado de Clancey, justo entre os olhos. Clancey levantou as mãos e as estendeu tanto como pôde, para as afastar ao máximo de seus flancos.

 

Agora, ao menos que queira que lhe voe os miolos, sugiro que se afaste de minha mulher.

 

Era a primeira vez em sua vida que Lydia via Clancey obedecer a alguém. Nunca tinha emprestado atenção às ordens ébrias de Otis Russell. Estava pálido e suado quando se afastou dela, arrastando os pés.

 

Cuidado com esse Colt, senhor - gaguejou Clancey, e tratou de lançar uma risada. Sua mulher é tão assustadiça como um pônei. Só perguntei onde estava você e começou a tremer.

 

Ross não acreditou nem por um momento. Lydia tinha o aspecto de ter visto um fantasma.

 

Bem, já me encontrou. O que quer?

 

Trabalho: Você é Coleman, verdade?

 

Lydia olhou assustada a Clancey. O que era o que pretendia? Ross ficou imediatamente à defensiva. Lydia viu que seus olhos cintilavam e seus lábios se apertavam sob o bigode.

 

Quem quer sabê-lo?

 

Meu nome é Russell.

 

Antes de seguir falando, Clancey tratou de advertir se produzia alguma reação por parte de Coleman, para ouvir seu nome, mas não foi assim. Isso significava que a garota não lhe tinha falado de seu passado. Desejou possuir a coragem suficiente para lhe comunicar que era ele quem lhe tinha enchido a sua barriga como um tambor grande.

 

Ouvi que tem uns cavalos estupendos.

 

Onde o ouviu?

 

Não me lembro – enrugou o rosto, como se tentasse recordar. Sou bom com os cavalos, e pensei que talvez me contrataria para ajudar a cuidá-los.

 

Ross baixou o canhão da pistola e a embainhou.

 

Não necessito de ajuda - espetou.

 

Seguro que são uns animais estupendos. Não pode emprestar um pouco de ajuda a um pobre homem?

 

Hei dito que não necessito ajuda - repetiu Ross, com uma voz que tivesse segado as veias de um homem valente - Já contratei a um jovem para me ajudar.

 

Clancey estalou a língua.

 

Vá, que pena, não? A história de minha vida. Um dia tarde e um dólar menos.

 

Já pode partir, Russell - disse Ross.

 

Lydia advertiu um momentâneo brilho de ódio no rosto de Clancey. Não gostava que lhe dissessem o que devia fazer, e Ross já o tinha humilhado uma vez.

 

Muito bem. Sinto lhe haver incomodado. Saudou com o chapéu a Lydia. Lamento havê-la assustado, senhora. Evito os problemas sempre que posso. Apoiou a mão sobre a camisa e Lydia ouviu o rangido do papel. Era sua forma de recordar o pôster de busca e captura. Sempre concedo às pessoas o benefício da dúvida.

 

Voltaria a averiguar se tinha descoberto as jóias.

 

Vá embora, Russell.

 

Os lábios de Ross nem sequer se moveram quando pronunciou estas palavras.

 

Clancey lhe dirigiu um olhar de ódio, esboçou um sorriso matreiro e se afastou para um esquálido cavalo, que estava preso e não longe do carro. Ross e Lydia o seguiram com o olhar até que se perdeu de vista.

 

Ross se voltou para ela e a agarrou pelos ombros. Dobrou os joelhos para esquadrinhar melhor seu rosto.

 

Fez mal a você? O que disse? Está bem?

 

Os dentes de Lydia bateram e gaguejou quando respondeu.

 

Sim, estou bem.

 

Estava morta de medo. Vi a expressão em seu rosto.

 

Fui uma parva por me assustar. Era estranho, mas acredito que inofensivo.

 

Bem, pois eu não acredito. Vou seguí-lo...

 

Não! Gritou Lydia, e o agarrou pelas mangas. Não, Ross. É... Poderia ser perigoso.

 

É o que parece, não advertiu que se havia contradito. Ross lamentava não ter disparado sobre aquele homem quando teve a oportunidade de fazê-lo. Conteve-se para não aterrorizar Lydia. Nunca a tinha visto tão aterrorizada.

 

Só até que se afaste o bastante. Enviarei a Bubba para que te faça companhia.

 

Ross estava ansioso por assegurar-se de que o tal Russell só era um vagabundo. Incomodava-lhe que aquele homem soubesse tanto sobre ele. Sabia algo mais, além de que Ross Coleman possuía uma manada de cavalos? Sabia algo a respeito de Sonny Clark? Valia a pena comprová-lo.

 

Ross seguia preocupado horas depois, quando retornou ao acampamento, depois de ter perdido o rastro de Russell depois do anoitecer. Passeou pelo acampamento e perguntou se alguém tinha visto aquele tipo ou falado com ele. Tranqüilizou-se um pouco quando o senhor Lawson lhe contou que Russell tinha estado no curral pela tarde, quando se dispunha a acampar.

 

Perguntou-me de quem eram os cavalos. Disse o seu nome. Inclusive indiquei sua carreta. Sinto muito, Ross.

 

Não importa. Suponho que efetivamente tão somente é um vagabundo em busca de trabalho, mas não acredito que nos convenha sua companhia.

 

Estou de acordo admitiu Lawson. Um inseto repugnante.

 

Ross voltou para o seu carro e decidiu que tinha deixado voar muito sua imaginação. Tinham passado mais de três anos desde que uma bala lhe tinha alcançado e o tinham dado por morto. No que Ross Coleman concernia, Sonny Clark tinha morrido. Não obstante, os caçadores de recompensas e agentes da lei se alegrariam muito de saber que vivia sob uma nova identidade. As precauções nunca eram poucas.

 

Bubba estava sentado nos degraus do carro e contemplava as brasas agonizantes da fogueira. Ficou em pé de um salto e agarrou o rifle apoiado contra a parte posterior do carro quando ouviu aproximar-se de Ross.

 

Tranqüilo, sou eu disse Ross. Onde está Lydia?

 

Adormecida - respondeu Bubba, com a mesma melancolia que manifestava da morte de Luke.

 

Lee está bem?

 

Sim.

 

Alguma novidade durante minha ausência?

 

Não.

 

Não podia contar a Ross que Priscilla Watkins lhe tinha aproximado às escondidas e lhe tinha suplicado que falassem. Deslizou-se por detrás dele assim que Lydia entrou na carroça e apagou o abajur.

 

Bubba tinha sussurrado da escuridão.

 

O menino tinha girado em redondo, e ao ver quem lhe tinha sobressaltado e arrancado de sua triste reflexão, olhou-a com fúria.

 

Vá embora - murmurou, e voltou a sentar-se nos degraus do carro.

 

Quero falar contigo, Bubba - choramingou a moça. Evitaste-me desde... desde ... desde dia que mataram ao Luke.

 

Exato. Compreendeste a mensagem?

 

Priscilla apertou os dedos contra os seus lábios trêmulas.

 

Por que me trata tão mal, Bubba? Deixei que me fizesse amor, fui amável contigo, e agora me paga isso assim. Como qualquer homem, que primeiro pede e suplica satisfazer sua luxúria, e depois deixa plantada a pobre garota que se deixou utilizar.

 

Bubba já se sentia bastante miserável, não necessitava que lhe acossasse. Sabia que a estava tratando mau, mas cada vez que a olhava recordava o cadáver de Luke, pendurando nos braços de Moisés.

 

Se não tivesse estado com Priscilla aquela tarde. Se não a tivesse manuseado de cima abaixo. Se seus seios..., se sua boca...

 

Em que pese a tudo, notou que uma quebra de onda de paixão lhe assaltava. Controlava o seu corpo, mas não podia dominar nem seu cérebro, nem seu coração. Como podia desejar voltar a fazer amor, quando ainda chorava ao seu irmão? Devia ser um pervertido. Também detestava que Priscilla se desse conta de sua excitação. A moça se aproximou dele, colocado uma mão sobre a braguilha e esfregado seu membro através do tecido.

 

Já não gosta, Bubba?

 

Até na escuridão, o moço pôde dar-se conta de que Priscilla não levava nada debaixo do vestido de chita. Uma ereção tinha sido o fruto de suas manipulações, e um grunhido de desprezo por si mesmo surgiu de sua garganta.

 

Separou-a de um empurrão.

 

Deixe-me em paz.

 

A jovem, enfurecida, jogou para trás o cabelo, chutou o chão e fechou os punhos.

 

Muito bem, mas te advirto que se me tiver feito um menino, lamentará. O meu papai te matará.

 

Tinha desaparecido na escuridão depois daquela funesta, embora absurda, ameaça, e Bubba ficou mais desconsolado que nunca. Tinha pensado que tal circunstância era impossível.

 

Agora saiu de suas meditações para pedir a Ross que repetisse sua pergunta.

 

Hei dito se ficou um pouco de café. Dá igual. Acredito que sim que ficou algo.

 

Ross se serviu dos restos e tirou o pote do fogo.

 

Lydia me disse que ficaram feijões, se por acaso quisesse.

 

Ross negou com a cabeça.

 

Já tenho o bastante. Obrigado por vigiar. Já pode ir ao seu carro. Eu apagarei o fogo.

 

Bubba vacilou, e Ross, ao intuir que a distração do moço era fruto de sua dor pela morte de Luke, esperou, em tanto bebia o café com aparente indiferença. Não pressionaria ao menino para que lhe contasse suas penas, mas se Bubba desejava aliviar sua alma, escutaria-lhe com gosto.

 

Recorda aquele touro que tinham nossos vizinhos do Tennessee. O pedimos emprestado para nossa vaca - começou Bubba sem mais preâmbulos. Pigarreou e esfregou a mão na perna da calça da calça. Logo, atirou de um fio solto do punho da camisa. E, bom, cada vez que..., já sabe, cada vez que ele a montava, ela paria.

 

Sim - respondeu Ross. Tomou outro sorvo de café e contemplou os carvões fumegantes.

 

Estava-me perguntando - tossiu, se ocorre o mesmo conosco. Com os humanos, refiro-me.

 

Ross atirou os restos do café ao chão e se levantou. Tirou o chapéu, pendurou-o de um prego que me sobressaía da parte posterior do carro, tirou a camisa e verteu água na bacia de lata que utilizava para lavar-se.

 

Se o que perguntas for se uma mulher concebe cada vez que está com um homem, a resposta é não - respondeu, depois de molhar o rosto e o pescoço. Secou-se com uma toalha.

 

Quantas vezes crê que são necessárias? Quero, dizer... se entrar nela várias vezes, digamos três ou quatro, poderia ser que ... ?

 

Bubba - Ross apoiou uma mão sobre o ombro do moço - Por que não me conta o que se preocupa?

 

Bubba olhou Ross com expressão afligida, e depois inclinou a cabeça. Ross sentiu que os magros ombros do moço começavam a tremer sob suas mãos, depois Bubba explodiu em soluços.

 

A história surgiu a fervuras, seu desejo por Priscilla, um desejo que lhe enlouquecia, o momento em que subornou Luke para que fizesse suas tarefas, enquanto ele se encontrava com a moça junto ao rio. Confessou como tinham passado aquela tarde. Também lhe disse que tinha sido sua primeira vez e que tinha sido uma experiência incrível.

 

Chorava a lágrima viva, depois secou o nariz e os olhos com a manga da camisa, e confessou sua dor:

 

Mas se eu não tivesse estado com ela, Luke ainda seguiria vivo. Foi por minha culpa. Comportei-me como um asqueroso bastardo, enquanto cortavam o pescoço do meu irmão.

 

Ross amaldiçoou ao céu. Por que tinha que sofrer o moço aquela culpa? Não era suficiente que ao seu irmão tivessem assassinado brutalmente?

 

Contemplou o rosto desolado da Bubba e quase invejou sua capacidade de gostar tanto de alguém. Quando ele tinha a idade daquele moço, matou ao seu primeiro homem. Não havia sentido nada, salvo certo júbilo. Não havia sentido nenhuma pontada de remorso, muito menos o desespero atormentador que experimentava Bubba. O menino ignorava a sorte que tinha ao ser capaz de chorar.

 

Não foi por sua culpa, Bubba disse. Luke sempre ia passear sozinho. Poderia ter ocorrido em qualquer outro momento. Foi pura coincidência que você estivesse então com Priscilla. Ross recordou os dias em que desejava com tanto ardor a Lydia que acreditou morrer se não a possuísse. Qualquer homem compreende o que é desejar a uma mulher.

 

Caralho, quisera não a houvesse tocado. Agora ela diz que poderia estar grávida. Mamãe me matará. Se a dela não me mata antes.

 

Ross lançou uma gargalhada, e Bubba lhe olhou surpreso.

 

Você gosta muito de Priscilla?

 

Ross não queria denegrir a moça se por acaso o menino estava apaixonado por ela, ou acreditava está-lo.

 

Bubba se removeu inquieto.

 

Ao princípio pensei que queria me casar com ela. Seriamente pensava que a amava. Amaldiçoou outra vez. Priscilla tem razão. Disse que só me interessava me deitar com ela, e agora que já aconteceu, importa-me. Suponho que terei que me casar com ela - acrescentou com escasso entusiasmo.

 

Terá que pegar a fila.

 

O que?

 

Scout me disse que Priscilla o estava pressionando para que se casasse com ela, Bubba disse com suavidade. Essa moça esteve com muitos outros homens. Não esclareceu que ele também tinha recebido o convite muitas vezes. Priscilla o tinha sugerido com sutileza, mas um homem não podia deixar de dar-se conta. E se ficar grávida, custará muitíssimo demonstrar quem é o pai. É um pendão muito preparado e te faz dançar ao seu som. Quando viu a expressão desolada do moço, aplaudiu-lhe as costas. Há uma Priscilla na vida de cada homem, a garota que lhe inicia, que lhe seduz, e que logo atua como se estivesse ofendida.

 

Você também teve uma, Ross?

 

Ross franziu o cenho e se perguntou o que diria Bubba se soubesse que ele tinha sido iniciado por todo um harém, cujas mulheres lhe tratavam com atenção agradada as tarde ou noites em que o negócio não ia muito bem. Sorriu na escuridão e seus dentes cintilaram.

 

Esta é a segunda lição que deve aprender: um cavalheiro não fala destas coisas.

 

Viu que Bubba sorria e se tranqüilizou. Pela primeira vez do assassinato de Luke, voltava a ser ele mesmo.

 

Não se culpe pela morte de Luke.

 

Sempre terei remorsos.

 

Claro que sim. A dor demorará para desaparecer admitiu Ross, mas um homem tem que deixar para atrás seus equívocos e tratar de melhorar a próxima vez. Assinalou com um dedo ao moço. E te afaste de pendões como Priscilla Watkins. Se ela te deixou que a possuísse, também deixará que qualquer outro homem o faça. Dentro de uns anos encontrará a alguém especial.

 

Como Lydia.

 

Lydia?

 

Ross elevou a cabeça com brutalidade. Pensava que Vitória seria a mulher ideal para um jovem.

 

Bubba tragou saliva, temeroso de ter suscitado a ira de Ross.

 

Não queria te ofender, mas Lydia é a mulher mais bonita que vi em minha vida. Luke e eu pensamos o mesmo o dia que a encontramos no bosque, embora então seu aspecto fosse desastroso.

 

Como seu ídolo ficou lhe olhando sem a menor expressão, Bubba prosseguiu:

 

É frágil e limpa, mas não a assustam as tarefas duras.

 

«Lydia, deitada entre os trevos, com a roupa enrugada, ria das manchas verdes de suas meias e lhe pegou em brincadeira quando ele brincou a respeito de um ponto úmido em seu joelho. Lydia, que nunca se zangava com ele por revolver seu cabelo com os dedos. Lydia, com rugas de concentração no rosto, inclinada sobre as páginas de um livro, que se esforçava por ler corretamente.» 

 

É fina e tudo isso, mas também é valente.

 

Valente? Repetiu Ross. Era como se estivessem falando de alguém a quem Ross não conhecesse, mas sobre quem desejasse solicitar opiniões.

 

Sim. Quando você se ausentou, ela se encarregou de cuidar dos cavalos, porque eu me sentia mortificado. Ao princípio lhe deram medo, mas não deixou que isso a detivesse. Possivelmente não lhe deveria dizer isso, mas lhes dá açúcar às escondidas e assim conseguiu que os animais emprestem tanta atenção às palavras que lhes sussurra como a ti. Também me perseguiu para que a ensinasse a montar. Disse que o faria se você não se opunha, mas ela explicou que queria mantê-lo em segredo até que pudesse te fazer uma surpresa. Dou-lhe lições com uma das éguas sempre que você tem que se ausentar. Não se importa, verdade, Ross?

 

Ross, aturdido, meneou a cabeça. Lydia montando a cavalo?

 

Não, acredito que tem que acostumar-se aos cavalos, porque estará rodeada deles quando nos estabelecermos.

 

Tinha querido lhe fazer uma surpresa?

 

Isso é o que eu pensei - disse Bubba, contente de que Ross não se zangasse com ele por tomar a liberdade de ensinar a sua mulher a montar. Teria que vê-la, presa à cadeira como se o fosse nisso a vida. Lançou uma risada. Está aprendendo a montar escarranchada, claro, se por acaso não tivesse uma cadeira de mulher.

 

Claro.

 

Finge que não sabe quando te der a surpresa.

 

É obvio.

 

Bubba olhou para o carro com expressão ofegante.

 

Quisera eu encontrar uma mulher como Lydia algum dia. Depois, temeroso de ter ultrapassado os limites da amizade, apressou-se a acrescentar. Boa noite, Ross, e obrigado por ... obrigado por tudo.

 

Desapareceu na escuridão.

 

Boa noite respondeu Ross, distraído.

 

O carro estava às escuras e mediu até chegar ao colchão. Tirou-as botas e as calças, e se deitou junto à forma adormecida de sua mulher.

 

Ross? Perguntou ela.

 

Já voltei.

 

Seguiu-lhe?

 

Perdi-lhe na escuridão. Acredito que não se escondeu pelos arredores. Não há por que preocupar-se.

 

Lydia rezou para que fosse certo.

 

Jantaste algo?

 

Não tenho fome.

 

Um rugido de seu estômago lhe desmentiu.

 

Sim que tem! Exclamou Lydia. Estendeu a mão para lhe acariciar o estômago, mas errou seu objetivo e roçou com os dedos a flecha de pêlo acetinada que apontava desde seu umbigo para baixo.

 

Ross gemeu quando seu corpo reagiu de maneira instantânea. A abstinência que tinha mantido durante os dias em que Lydia fazia ornamento daquele estado de ânimo tão volúvel já lhe estava afetando. Quando Lydia ia retirar a mão, ele se apoderou dela e a apertou sobre seu abdômen. Livrou-se da roupa interior e tirou a camisola com a mão livre.

 

Tenho fome, Lydia. Dê-me de comer.

 

Beijou-a com voracidade, lançou a língua para sua boca. Descreveu um caminho de dentadas até o pescoço. Atrasou-se na curva de seu seio e vagou sem rumo até encontrar o mamilo.

 

A jovem gemeu de prazer.

 

Provou meu leite uma vez. Lembra-te?

 

OH, Deus, é claro que sim - murmurou Ross, e introduziu ou em sua boca a maior quantidade de seio possível.

 

Quisera que ainda tivesse leite. Daria-te de comer muito a gosto, Ross.

 

O gemido que exalou Ross nasceu de seu coração, em sua alma, e obrigou que a mão de Lydia descendesse por seu corpo. Lydia só resistiu um momento, e logo permitiu que ele guiasse sua mão da abundante mata de pêlo para o seu membro viril. Então Ross liberou sua mão, para que ela procedesse ao seu desejo.

 

Ross, como em estado de transe, sussurrou o nome de Lydia, recitou-o enquanto beijava os seus seios, acariciava-os com a língua e o bigode, mordiscava-os brandamente com os lábios. Lydia, pensando no muito que o amava, percorreu com as pontas dos dedos a dura e aveludada longitude de seu membro. A seguir fechou a mão ao seu redor.

 

Ross emitiu uma blasfêmia, ou talvez uma prece, quando os dedos de Lydia começaram a tomar nota da forma, o tato, a textura e a dureza do membro. Ela descobriu as primeiras gotas de umidade em seu pênis e as utilizou para lubrificar a ponta do seu pênis.

 

OH, Deus, Lydia. Sim, sim.

 

Suas palavras eram desconexas; sua respiração, entrecortada.

 

Mais depressa, meu amor. Assim. OH, querida... OH...

 

Avançou sobre ela e pediu desculpas por sua pressa. Não foi necessário, porque o corpo de Lydia estava cheio de desejo e seu coração saltava de alegria pelo presente que lhe tinha devotado. Ross mergulhou em sua fogueira, e quando tudo teve acabado, quando descansou em uma neblina dourada de esgotamento e satisfação suprema, pensou no que Bubba havia dito. O moço tinha toda a razão.

 

Lydia era uma mulher muito especial.

 

Madame LaRue contemplou com indiferença o desenho a tinta que descansava sobre o escritório do abarrotado e cheio salão que as garotas chamavam «a habitação da frente». Retorceu uma mecha de cabelo negro como o azeviche ao redor de seu dedo. Se lhe causou surpresa o rosto que a olhava do papel, não o demonstrou. Não arqueou as sobrancelhas pintadas, reprimiu qualquer movimento de seu rosto empoeirado, suas faces não se tingiram de cor, salvo pelo ruge que se aplicou antes.

 

Não, cavalheiros. Esse não é o homem que enviei à habitação de Pearl a noite que foi assassinada. Estão seguros de que não gostariam de um pouco de xerez?

 

Gentry saltou da poltrona de brocado rosa, aproximou-se da janela e apartou com rudeza as cortinas com borlas. Majors, diplomático, paciente e imperturbável como sempre, falou com amabilidade à mulher, que tinha feito um nome no pouco tempo que levava em Owentown. O assassinato de Pearl, ao que parece sem motivo, tinha servido para rodear as suas garotas de uma aura de intriga que Madame tinha lucrado.

 

Madame LaRue disse Majors, recorde que isto só é a reprodução artística de uma fotografia. Rogo-lhe que o olhe de novo e nos diga se tiver visto alguma vez a este homem em seu... local.

 

Isso não é o que me tinha perguntado, senhor Majors. Você me perguntou se era o homem que enviei a Pearl, e lhe respondi que não.

 

Estamos perdendo o tempo! Explodiu Gentry. Afastou-se da janela e descarregou um murro sobre o escritório de Madame. Por que intercambia jogos de palavras com esta puta?

 

Os olhos ardilosos de Madame percorreram de cima abaixo ao cavalheiro alto e distinto, enquanto seus lábios pintados desenhavam uma careta de desprezo. Tinha conhecido a muitos de sua estirpe. Aqueles autonomeados guias morais da comunidade dirigiam campanhas contra locais como o seu, mas os freqüentavam com mais regularidade que a maioria dos homens e estavam acostumados a preferir às putas mais viciosas.

 

Desprezou Gentry com um delicado bufo. O homem da Pinkerton era um autêntico cavalheiro, em que pese a ser um representante da lei. Ela não o discriminava por que o fosse. Alguns de seus melhores amigos e fiéis clientes tinham sido homens da lei.

 

Por favor, senhor Gentry suspirou Majors, cansado.

 

Arrependia-se até de haver mencionado a viagem a Owentown. Quando tinham retornado a Knoxville e descoberto que não tinha obtido nenhuma informação nova, dedicou-se a investigar todo o material reunido.

 

Tinham descartado previamente o relatório de um agente clandestino destacado em Owentown, o qual tinha acreditado ver um homem parecido com Sonny Clark em um botequim da cidade. Entretanto, o assassinato de uma prostituta na mesma população constituía uma coincidência que valia a pena investigar. Sem nenhuma pista melhor que seguir, Gentry e ele tinham chegado à cidade ferroviária, e tinham decidido interrogar à famosa Madame LaRue, embora começasse a pensar que tinham chegado a outro beco sem saída.

 

Quem é este homem? Perguntou com voz sedosa a mulher, em tão fazia balanço do atrativo de Majors. Possivelmente lhe ofereceria uma sessão gratuita por sua amabilidade, quando terminassem de falar de negócios. Quanto ao outro homem, podia ir à merda. Acaso deveria ser precavida, se me encontrar isso?

 

Não lhe diga...

 

Gentry! Ladrou Majors. Cale a boca.

 

Quando Gentry se derrubou de novo em sua poltrona, furioso, mas calado, Majors continuou. A Gentry incomodava que alguém descobrisse o matrimônio de Clark com sua filha, mas Majors decidiu contar a Madame LaRue a verdadeira história.

 

Chama-se Sonny Clark. Foi membro do bando dos James faz uns anos. Depois desapareceu. Não participou de mais golpes, que nós saibamos, mas a lei ainda o busca. O senhor Gentry desconhecia sua verdadeira identidade, quando lhe contratou para trabalhar em seu rancho.

 

A mulher arqueou as sobrancelhas de maneira eloqüente e lançou um olhar zombador em direção a Gentry. Este avermelhou ainda mais.

 

Agora está casado com a filha de Gentry. Os dois fugiram com as jóias da família, sem deixar nem rastro. O senhor Gentry, naturalmente, está preocupado por sua filha.

 

Por quê? Perguntou Madame com calma.

 

Por quê? Face às advertências de Majors, Gentry voltou a saltar de sua poltrona. Esse homem é um criminoso, um assassino, um ladrão. Só Deus sabe que padecimentos lhe terão infligido.

 

Madame pensou uma vez mais naquela surpreendente jovem que andava com passo orgulhoso e altivo por entre a erva alta, e pensou que sabia cuidar muito bem de si mesmo.

 

Não é o homem que subiu à habitação de Pearl aquela noite repetiu.

 

Nesse caso, já lhe roubamos bastante seu tempo Majors se dispôs a levantar-se. Obrigado.

 

Não obstante, ele esteve aqui.

 

Não falar com a lei de um homem alto e arrumado que a tinha rechaçado porque estava muito apaixonado por sua bela esposa, era uma coisa, mas guardar silêncio sobre um homem alto e bonito que era um famoso criminoso, que tinha sido membro da banda dos James, era abusar da generosidade limitada de Madame. Ao fim e ao cabo, ela tinha que pensar no negócio. E falatórios, estrategicamente pulverizados, de que tinha recebido em seu próprio carro ao foragido Sonny Clark sem sabê-lo, talvez...

 

Contemplou o desenho que descansava sobre o escritório, e pensou no talento daquele homem. O fogo verde de seus olhos podia fundir o coração da mulher mais fria, e Madame o tinha experimentado com mais de um homem. Suas carícias combinavam a rudeza necessária para produzir excitação e a suficiente ternura para que uma mulher se sentisse adorada, em lugar de utilizada. Ela tinha sentido desejo por ele. Quando tinha manuseado seus seios, um ronrono de prazer se formou em sua garganta.

 

Mas também recordava que aquele homem tinha rechaçado seus braços ansiosos, que se tinha solto de seu peso, apagado seu beijo da boca e contemplado seu corpo nu com repugnância, dirigida tanto a ele como a ela. Como podia uma mulher defender a um homem que tinha rechaçado o que outros compravam generosamente?

 

Madame tinha captado a atenção dos dois homens. Estendeu a mão para a garrafa de xerez que descansava sobre o escritório. Pouco a pouco, com respeito, os dois cavalheiros voltaram a sentar-se. Madame serviu o vinho em uma taça de cristal, que estendeu ao senhor Gentry. Seus lábios se curvaram em um sorriso cordial, mas seus olhos continuavam sendo gélidos.

 

Um pouco de xerez, senhor Gentry?

 

Gentry estendeu a mão para a taça, enquanto mordiscava sem piedade a parte interna de sua mandíbula.

 

Sim. Como ela não soltou a taça imediatamente, acrescentou: Por favor.

 

Lydia se deteve para recuperar o fôlego. O tempo era fundamental, e se estava esgotando. Ross chegaria de um momento a outro para jantar. Atlanta Langston tinha pego Lee para dar um passeio pelo acampamento, e logo o traria de volta.

 

Secou a testa suada com a manga e empurrou uma vez mais a cômoda, que se moveu apenas uns centímetros. Tentou-o de novo, e aplicou todo seu peso sobre o móvel. Esta vez conseguiu apartá-lo do flanco do carro.

 

Se as jóias existiam e estavam no carro, Lydia sabia que deviam estar escondidas sob a cômoda. Tinha procurado em todas as partes. Durante dias, em cada momento livre, tinha registrado, elevado as madeira e procurado por todos os esconderijos possíveis. Não tinha encontrado nada e estava ao bordo do desespero.

 

Se podia evitá-lo, não iriam capturar Ross com jóias roubadas em sua posse. Explicaria-lhe como tinha averiguado das jóias no momento adequado..., se é que tinha a ocasião de fazê-lo. Ela seguia acreditando que Ross não sabia nada daquelas jóias. No ínterim, estava disposta a fazer quanto estivesse em sua mão para lhe proteger de Clancey e dos homens que lhe perseguiam.

 

Ficou de joelhos, agarrou a lima que lhe tinha facilitado levantar outras madeira e a encaixou entre as frestas. Ficou a subi-la e baixá-la, o suor que caía sobre seus olhos a incomodava, por fim conseguiu elevar parte da tabela. Deslizou a mão por debaixo, mecanicamente, sem a menor esperança.

 

Seu fôlego se deteve o mesmo tempo que sua mão se imobilizava. Pois em lugar de apalpar a tosca superfície inferior do carro, sua mão tinha entrado em contato com algo brando.

 

Olhou debaixo da tabela, ao tempo que sua mão se apoderava do objeto brando e o extraía. Viu que se tratava de uma bolsa de veludo negro, de uns vinte e cinco centímetros de comprimento e quinze de largura, atada com uma corda de seda negra pela parte superior. Era pesada.

 

O suor escorregou por suas têmporas e entre os seios de Lydia, quando desatou o nó e inclinou a bolsa sobre sua palma. O conteúdo se esparramou. Sua forte exclamação ressonou no carro silencioso, golpeado pelo sol. O pulso ensurdecedor que pulsava no interior de sua cabeça apagou os ruídos procedentes do exterior.

 

Sua mão estava cheia de objetos bonitos. Nunca, até então, tinha visto uma jóia, exceto as bagatelas do mascate e algum ocasional camafeu ou medalhão que as senhoras usavam aos domingos. Contemplou com reverência as pedras resplandecentes multicoloridas, que molharam as cores do arco sobre as paredes de lona da carreta, quando captaram o brilhante sol da tarde que se filtrava pelas frestas. Anéis, brincos, braceletes, colares, broches, alguns com engastes de ouro e prata, complexos e frágeis como teias. Lydia não apreciou seu valor monetário. Só se deleitou em sua beleza.

 

Saiu de seu sonho e guardou os objetos na bolsa. O que podia fazer? Se a escondia em outro lugar antes de entregá-la a Clancey, cabia a possibilidade de que Ross descobrisse seu desaparecimento. Claro que ela estava segura de que seu marido desconhecia sua existência, não? Não era assim? Em qualquer caso, era melhor as deixar onde estavam, embora isso significasse voltar a mover a cômoda.

 

Acabava de devolver a bolsa ao seu esconderijo e pôr a cômoda em seu lugar, quando Ross abriu de improviso as lonas.

 

O que está fazendo?

 

Lydia estava inclinada sobre a cômoda para recuperar o fôlego, e girou em redondo quando ouviu sua voz, afligida por um grande sentimento de culpabilidade.

 

Nada - se apressou a responder. Tragou saliva e rezou para que seu coração se tranqüilizasse. Era o seu marido um ladrão?

 

Tem as faces coloridas.

 

Sim? Levou as mãos ao seu rosto avermelhada. Tenho calor. Não corre nada de ar. Ainda não tive tempo de me lavar.

 

Ross sorriu e entrou.

 

Vamos nadar.

 

Aproximou-se de Lydia, enlaçou as mãos ao redor de seu pescoço. A boca de Ross estava quente quando cobriu a sua, sorveu seu sabor, banhou seu úmido lábio superior com a língua.

 

Está salgada.

 

Os músculos de Lydia se liquidificaram, como lhe acontecia sempre que ele a beijava. Pese ao calor, apertou-se contra ele e apoiou as mãos sobre seu peito. Tinha a camisa molhada.

 

Já disse que ainda não me lavei.

 

Nem eu tampouco. Estou coberto de pó. Vamos ao rio - murmurou em seu pescoço. Suas mãos tinham encontrado os seios de Lydia e se dedicavam a massageá-los com indiscutível talento. Tiraremos toda a roupa e...

 

Não. Apartou-lhe e se livrou de suas mãos. Não posso fazer isso. Alguém poderia nos ver.

 

Ross riu de sua indignação, pois seu arrebatamento tinha provocado que os cachos saltassem ao redor de sua cabeça e seus olhos cintilassem como cometas.

 

De acordo. Eu tirarei toda a roupa e você se banhará em camisa.

 

Não sei nadar - replicou ela com pudor.

 

Tinha aprendido a flertar nos últimos tempos. Não sabia como o chamavam, nem sequer era consciente de que ela atuava com paquera. Só sabia que quando era travessa e conseguia que Ross a perseguisse, ele parecia desfrutar mais. Deu-lhe as costas e se encaminhou ao extremo do carro.

 

Os braços de Ross a enlaçaram por detrás. Apertou as costas dela contra o seu peito e empurrou seus quadris contra o traseiro de Lydia. Uma mão se fechou sobre um seio e moveu o mamilo com o polegar. A outra descendeu por seu estômago, e uns dedos pinçaram em suas vísceras.

 

Então faremos algo que saiba fazer. Como isto. Sabe fazê-lo, verdade?

 

Hummm... ronronou Lydia, e cabeceou. Você me ensinou.

 

Deu a volta em seus braços e durante vários minutos se fundiram em um beijo. Não só participaram suas bocas, mas também seus corpos. Os seios de Lydia se esmagaram contra o peito de Ross, e ela esfregou a ereção com seu montículo.

 

Deus bendito resmungou Ross, e a separou. Tem razão. Faz um calor espantoso. Tinha o rosto coberto de suor. Vamos procurar Lee e baixemos ao rio.

 

Ajudou-a a descender do carro, e enquanto caminhavam com as mãos enlaçadas, Ross se perguntou desde quando só idéia de fazer amor lhe parecia muito divertida.

 

Quando Lydia despertou à manhã seguinte, Ross seguia adormecido. A noite tinha sido muito movimentada. Primeiro tinham passado uma hora no rio com Lee. Depois Ross lhe tinha dado um susto de morte quando mergulhou durante o que ela calculou cinco minutos seguidos. Gritou seu nome histericamente, aferrando bem a Lee, e esquadrinhou a superfície da água, banhada pela luz do crepúsculo. De repente, Ross emergiu rugindo da água como um monstro marinho.

 

OH, poderia te matar.

 

Lydia saiu em sua perseguição, estorvada pela corrente e as rochas escorregadias. Procurava sujeitar bem a Lee, que esperneava de alegria ao sentir-se afresco pela primeira vez desde que se despertou.

 

Beije-me, em troca - disse Ross, e lançou uma gargalhada ao presenciar os esforços que fazia Lydia para mover-se na água. Agarrou-a pelos braços e a atraiu para si. Capturou sua boca, balançaram-se na corrente, saboreando seu mútuo sabor quente, com Lee apertado entre ambos, sem que nenhum dos dois fizesse conta.

 

Nadar com essa camisa tem suas vantagens comentou Ross quando soltou sua boca.

 

Lydia baixou a vista e viu que o magro tecido se amoldava a suas formas, e revelava mais que cobria. Seus mamilos eram faróis impudicos e rosáceos. Justo então, com uma força pouco comum, Lee deu uma pesada e seu pé se enredou com o bordo de renda da camisa de Lydia e puxou o objeto para baixo. Sua pele apareceu branca, úmida, brilhante à luz do entardecer, suave como o mármore, coroada por aquele delicioso pico.

 

Foi muito para Ross, que emitiu um grunhido gutural e deslizou uma mão por debaixo de seu seio, liberou-o do tecido e baixou a boca para ele. Beijou a suave curva, apoderou-se do mamilo e puxou com suavidade, enquanto desenhava círculos ao seu redor com a língua.

 

Ross, Ross murmurou Lydia.

 

Lágrimas de amor e felicidade alagaram seus olhos. Desejou que o momento se prolongasse eternamente, mas notou a ereção de Ross contra sua coxa. Apoiou a mão em sua face e lhe apartou com doçura a cabeça.

 

Não nos afastamos o suficiente. Alguém poderia nos ver, e Lee estará conosco.

 

Os olhos de Ross refletiram o dossel verde dos ramos que se elevavam sobre suas cabeças quando sorriu. Lydia nunca lhe pediria que parasse, mas Ross entendeu sua mensagem. Voltou a cobrir seu seio com reverência.

 

Acredito que Lee tem vontade de jantar. Eu, ao menos, estou morto de fome.

 

Ross agarrou ao menino e o apertou contra o seu peito enquanto retornavam ao acampamento. Uma vez mais Lydia desejou chorar pelo amor que sentia por Ross e Lee.

 

Mais tarde Lydia se extasiou contemplando a forma adormecida de seu marido e não pôde acreditar que Deus tivesse tido a bondade de entregar-lhe para repreender-se, seus olhos se desviaram para a cômoda e voltou para a realidade. Quando voltaria Clancey?

 

Apareceu aquela mesma manhã, quando Ross foi procurar água ao rio.

 

Bom dia, senhora Coleman disse.

 

Lydia se voltou pouco a pouco e lhe dedicou aquele olhar de desdém que sempre lhe enfurecia, tratando assim de dissimular seu medo. Não disse nada.

 

Encontraste-as?

 

Sim.

 

A cobiça iluminou os olhos de Clancey, mas Lydia não se moveu.

 

Vamos, puta estúpida, me dê antes que alguém nos veja.

 

Não posso. Estão muito bem escondidas e demorarei um pouco par as tirar.

 

Clancey blasfemou, irritado, e esteve a ponto de esbofeteá-la, mas o acampamento começava a mostrar certa atividade e sabia que não devia chamar a atenção.

 

Esta noite, pois.

 

No carro não.

 

Perto do curral, depois de que todo mundo tenha encerrado aos cavalos. Lydia assentiu. Clancey se dispôs a desaparecer entre as árvores, mas antes se voltou para ela. Será melhor que não falte ao encontro, garota, se souber o que te convém.

 

Lydia assentiu de novo.

 

Esperou com temor o entardecer.

 

E este chegou, lavanda, púrpura e dourado. Tinha preparado o jantar para quando Ross retornasse a carroça. Não lhe resultou fácil, mas tinha conseguido recuperar a bolsa das jóias durante o descanso do meio-dia.

 

Um ambiente ansioso reinava em toda a caravana. Faltavam escassos dias para chegar ao seu destino. Scout confiava em cruzar o rio Vermelho ao cabo de dois dias. Depois demorariam uns três mais até chegar a Jefferson. A maioria dos componentes da caravana continuaria sua viagem, mas o grupo se separava naquela cidade. Todos começavam já a intercambiar direções de parentes onde estariam localizados até que se estabelecessem definitivamente.

 

Ross foi falar com Grayson depois de jantar. Mamãe tinha levado Lee a dar um passeio e se deteve conversar com a senhora Sims, enquanto seus dois gêmeos engatinhavam ao seu redor. A Lydia não custou nada deslizar-se até o curral, sem ser vista.

 

Caminhou bem rígida e com ar digno, embora fosse tremendo de medo. Desembaraçaria-se por fim de Clancey?

 

Ela tinha acreditado que estava morto, e entretanto ele tinha ressuscitado para atormentá-la de novo. A idéia de lhe entregar as jóias da falecida esposa de Ross era odiosa, mas também lhe aterrorizava que pudessem capturar Ross com elas na carroça. Se Clancey se apoderasse dessas jóias, partiria e nunca voltaria a lhes incomodar.

 

Lydia não o viu quando se materializou detrás dela. Deteve-a agarrando-a pelo cabelo.

 

Uh! Disse em voz baixa.

 

Lydia liberou seu cabelo e girou em redondo.

 

Tira as mãos de cima de mim.

 

Falaram em sussurros enquanto entravam em um bosque. Nem sequer os cavalos do curral próximo deram conta de sua presença.

 

Se me tocar outra vez, Ross te matará.

 

Clancey exibiu uma desagradável fileira de dentes cariados e manchados de tabaco quando sorriu.

 

Mas não vai inteirar se, verdade? Você vai dizer a ele. Eu não. Sobre tudo se tiver trazido as jóias.

 

Trouxe-as. Tirou a bolsa do bolso e a jogou. Não volte a me incomodar nunca mais.

 

Lydia tentou afastar-se.

 

Clancey lhe impediu o passo apoiando a mão sobre o tronco de uma árvore. Esteve a ponto de golpeá-la no queixo. Ela retrocedeu, desconcertada. Quando se recuperou, estava encurralada contra a árvore. Clancey a esmagou com seu corpo corpulento.

 

Está muito agressiva, garota. Muito agressiva. Não sei se isso eu gosto ou não.

 

Deixe-me ir.

 

Lydia tentou elevar o joelho. Em uma ocasião lhe tinha golpeado na virilha com o joelho, e descobriu imediatamente que era um método seguro de impedir suas perseguições.

 

Clancey esquivou seu joelho.

 

Está conseguindo que me irrite, garota. E que me ponha brincalhão.

 

Seu fôlego fétido golpeou o rosto de Lydia como uma bofetada. Clancey espremeu seus seios brutalmente.

 

Não soluçou a jovem, e se revolveu. Não permitiria que voltasse a ocorrer. Depois de Ross, não. Antes Clancey teria que matá-la.

 

Certo é que morre de vontades por me ter entre as pernas, em lugar desse foragido com o que te ataste. Seguro que sabe montar melhor seus cavalos que a ti.

 

OH, Deus, não.

 

Clancey rasgou seu sutiã e beliscou seus mamilos.

 

Sentiu falta, né?

 

Lydia não gritou, porque um só grito alertaria ao acampamento e todo mundo acudiria correndo. Veriam Clancey. Saberiam o que lhe tinha feito. Ele lhes diria... OH, Deus. O que podia fazer? Ross jamais devia averiguar sobre Clancey, mas seria capaz de ficar com ele se Clancey a desonrava de novo? Não. Revolveu-se e arranhou seu rosto com as unhas.

 

Clancey lutou com os botões da braguilha e lhe subiu as saias.

 

Não, não, não.

 

Tampou-lhe a boca com uma mão e golpeou sua cabeça contra a árvore.

 

Lydia!

 

Seu nome surgiu de um nada e soou com muita mais intensidade da real. Clancey deu meia volta. O homem e ele se olharam durante um momento interminável, ambos se achavam paralisados pela surpresa. Depois o outro homem jogou para trás a cabeça e emitiu um grito de furor enquanto se precipitava para Clancey com a intenção de lhe estrangular.

 

Não, Winston! Gritou Lydia.

 

Muito tarde. Clancey, com um prazer quase lascivo e não pouco desprezo para o homem de facções delicadas, vestido com um traje branco, tirou a pistola de seu cinturão e disparou a queima roupa contra o peito do Winston Hill.

 

O som do disparo ressonou no silêncio da noite.

 

Clancey Mecagüen amaldiçoou sua alma, enquanto contemplava com ódio não dissimulado ao homem caído na terra, e depois a Lydia.

 

Winston gritou a moça, e se deixou cair junto à silueta ensangüentada.

 

Merda! Exclamou Clancey, antes de correr para as árvores.

 

Lydia nem sequer se deu conta de que Clancey fugia. Olhava horrorizada a mancha escarlate que aumentava de tamanho com alarmante rapidez sobre a camisa de Winston.

 

Winston, Winston soluçou, inclinada sobre ele.

 

Pensava que estava morto, mas os olhos do jovem se abriram com um grande esforço.

 

Lydia... Está bem?

 

Sim, sim.

 

As lágrimas escorregaram por seu rosto até o queixo, e caíram de ali como gotas de chuva para mesclar-se com o sangue que encharcava o peito de Winston.

 

Não fale disse. Agitou as mãos sobre seu peito, para cicatrizar a ferida.

 

Não me levei... como um homem... nos últimos tempos. Lydia aferrou sua mão e a levou a face. Ao menos..., morrerei... como tal.

 

Não fale, por favor. Não morra!

 

Winston sorriu.

 

É melhor..., muito melhor assim, amiga minha.

 

Seus olhos se fecharam, e depois de exalar um suspiro estremecido, aquele espantoso gorgoteo de seu peito emudeceu. Lydia sussurrou seu nome, sabendo de que ele já não podia ouvi-lo. Percorreu seu corpo com os olhos, como se procurasse uma maneira de revivê-lo.

 

Foi então quando viu a bolsa de veludo aprisionada entre os dedos de Winston. A tinha arrebatado de Clancey. O ataque de Winston tinha surpreendido tanto ao seu meio-irmão que não se deu conta de que tinha perdido seu ansiado tesouro.

 

Alguém gritou seu nome. Ross. Mamãe. Passos apressados se ouviram entre as árvores. Ramos cobertos de folhas foram apartadas a um lado. Cada vez mais perto.

 

Como um autômato, apoderou-se da bolsa e a escondeu no bolso de seu vestido, justo quando Ross saía do bosque.

 

Lydia! Gritou. Parou-se em seco quando a viu inclinada sobre Winston.

 

Que o Senhor tenha piedade de sua alma exclamou Mamãe, que a seguia. Voltou-se e bloqueou o passo. Que os meninos voltem para acampamento.

 

Lydia olhou Ross por cima do cadáver de seu amigo. Seus olhos estavam banhados em lágrimas.

 

Ross! Gritou, e estendeu a mão para ele.

 

Várias pessoas rodearam Ross, enquanto este continuava petrificado, contemplando a sua mulher com o cabelo revolto e derramado sobre as costas, o sutiã esmigalhado, o peito e o pescoço arranhados e arroxeados. Pressentiu o grito feroz que se abria passo em seu peito antes que surgisse por sua boca. Apartou a outros a empurrões e a obrigou a ficar de pé.

 

Lydia, incapaz de sustentar-se, aferrou-se ao seu ombro.

 

Cubra-se - sussurrou Ross em seu ouvido.

 

Olhou-lhe fixamente, incapaz de compreender seu aborrecimento. Ross aferrou com rudeza o bordo do sutiã e lhe cobriu os seios.

 

O que passou, senhora Coleman?

 

Grayson teve que repetir a pergunta várias vezes antes que penetrasse em seu cérebro aturdido. Por que a olhava Ross com o cenho franzido? Não se dava conta de que tinha tentado lhe proteger? «Meu amigo acaba de morrer por minha culpa», quis gritar ao seu rosto frio e áspero.

 

Atordoada, voltou-se para o Grayson e outros, que esperavam ouvir seu relato.

 

O que? Ah, um homem gaguejou. Eu estava passeando. Um homem...

 

Que homem? Tinha-o visto antes?

 

Olhou a Grayson como se não o conhecesse. Por que lhes preocupava Clancey? Winston Hill estava morto. Tinha lhe emprestado livros. Ross a tinha ajudado a lê-los.

 

OH... Não, não, não disse, movendo a cabeça negativamente. Atacou-me. O senhor Hill... Sua voz tremeu de uma forma incontrolável. O senhor Hill tentou me ajudar.

 

Já é suficiente, cavalheiros disse Mamãe, enquanto rodeava a Lydia com seus fornidos braços. Eu me ocuparei de Lydia. Dá a impressão de que alguém tenta vingar-se nesta caravana. Será melhor que vão atrás dele. Não terá ido muito longe.

 

Ninguém tinha reparado em que Moisés tinha saído de entre as árvores. Manteve-se afastado de outros, com a vista cravada no corpo de seu anterior proprietário, seu amigo. Recordava o dia em que Winston nasceu. Celebrou-se uma festa na mansão. Então ele só era um ajudante de criado, mas tinha tomado carinho ao jovem amo. Tinha-lhe querido sempre, porque Winston o tratava como a um homem, não como a um negro.

 

Acredito que deveríamos levar ao senhor Hill... começou Grayson, com a sensação de que todo o peso do mundo tinha recaído sobre seus ombros.

 

Eu me ocuparei.

 

Moisés afastou a outros com um gesto digno e se ajoelhou junto ao corpo do Winston. Levantou o cadáver nos braços, com o cuidado que uma mãe põe ao agarrar ao seu filho, e o levou para sua carreta. A única demonstração de sua dor foram as lágrimas que convertiam seus olhos em espelhos escuros.

 

Uma vez sob o amparo do carro dos Langston, entregue aos cuidados de Mamãe, Lydia deu rédea solta a sua dor e desespero. Primeiro Luke, agora Winston. Os dois tinham morrido por sua culpa. Por sua culpa. Lixo. Era indigna de todos eles.

 

Onde está Ross? Perguntou.

 

Onde está? Por que a tinha olhado com tanto ódio? Tinha averiguado sobre Clancey?

 

Foi em busca de seu atacante. Suspeito que também é o assassino de Luke. Bebe chá.

 

E Lee?

 

Anabeth já o deitou. Tenta dormir um pouco e esquecer tudo o que ocorreu.

 

Não posso. Eles morreram por minha culpa.

 

Não diga tolices, Lydia. Não foi por sua culpa.

 

Suas palavras não serviram de consolo, e finalmente Mamãe a deixou sozinha para que chorasse, até que se sumiu em um sonho provocado pelo esgotamento.

 

Enterraram ao senhor Hill à manhã seguinte. Lydia esteve ao lado de seu marido, com os olhos secos e a expressão impenetrável. Tinha orado até secar-se. Não falaram.

 

Ninguém a culpou, mas sim a compadeceram. Afirmaram que tinha tido sorte de não acabar assassinada também. «Ou algo pior», sussurraram as mulheres a suas costas. Suas condolências pelo horroroso ataque que tinha sofrido só conseguiram que Lydia se sentisse pior. Não merecia sua compaixão, a não ser suas acusações. Ross não lhe ofereceu nenhuma palavra de consolo.

 

Viajaram todo o dia. Estavam muito perto de seu destino para tomar um dia de descanso, e os temores de todo o mundo se renovaram a causa do segundo assassinato.

 

Moisés, como sempre, conduziu a carreta de Hill. Outros se separaram de seu caminho para não lhe incomodar. Foi ao carro de Lydia de noite.

 

Sinto muito, Moisés disse ela.

 

Ele o teria preferido assim, senhorita Lydia. A enfermidade lhe estava matando, e considerava que a morte que lhe esperava carecia de coragem. Foi melhor assim.

 

Isso disse sussurrou a jovem. Aferrava-se a tudo que pudesse mitigar seu sentimento de culpabilidade. Disse-me isso antes de morrer.

 

Foi sincero. Ele pensava muito em você. Se morreu por protegê-la, morreu como desejava.

 

Obrigado, Moisés.

 

Apertou agradecida as mãos de seu amigo.

 

Convidou-lhe para jantar com Ross e ela, mas Moisés se negou e retornou ao carro que tinha compartilhado com Winston. Quando Ross apareceu a hora de jantar, mostrou a mesma reserva silenciosa que manifestava desde que a tinha visto inclinada sobre o cadáver de Winston. Jantaram em silêncio. Lydia logo que podia ver seus olhos, ocultos sob as espessas sobrancelhas, mas sabia que não a olhava. Era como ao princípio, como se sua visão lhe resultasse repulsiva.

 

Quando se retiraram à carreta, Lydia tinha os nervos à flor de pele. Clancey quase a tinha violado (agora já conhecia o significado da palavra). Tinha visto morrer ao seu amigo. Não merecia um mínimo de compaixão?

 

A indiferença de Ross a enfurecia. Acaso não devia respeitar seus sentimentos? Depois de deitar a Lee, voltou-se para Ross, disposta a lhe obrigar a confessar suas preocupações. Viu que ele estava enrolando umas mantas.

 

O que faz?

 

Fazia semanas que não dormiam separados.

 

Vou dormir fora.

 

Ela umedeceu os lábios.

 

Eu gostaria que ficasse aqui comigo... e Lee. Ele seguiu transportando, sem olhá-la. Lydia não queria admitir quanto sentia falta do consolo de seus braços. Utilizou outra desculpa. Esse homem poderia seguir rondando pelos arredores. Sentirei-me mais segura se ficar.

 

Ross se encaminhou para o extremo do carro. Deteve-se, deu meia volta e passeou o olhar por seu corpo com evidente desagrado. Lançou uma gargalhada desdenhosa.

 

Lydia, até um imbecil se daria conta de que é perfeitamente capaz de cuidar de ti mesma.

 

Deu-lhe as costas de novo. Aquele desprezo, aquela expressão fria em seu rosto, encresparam-na até extremos inimagináveis. Avançou sobre ele.

 

Avançou para ele, agarrou-lhe do braço e lhe obrigou a dar meia volta. Se não o tivesse pego de surpresa, jamais teria conseguido realizar aquela façanha, mas o ataque o pegou despreparado, e também o fogo que ardia nos olhos âmbar de Lydia.

 

O que quer dizer, Ross Coleman? Diga-me por que não me olha, por que não me toca desde ontem. Desafio-te a me dizer isso

 

Ross deixou cair as mantas como se arrojasse uma luva. Pôs os braços em jarras.

 

Muito bem, direi-lhe isso. Falou em voz baixa porque Lee dormia e porque não queria que os vizinhos pudessem escutar sua conversação. Em que pese a isso, sua voz não foi menos violenta. Tremia de raiva. Eu não gostei de encontrar a minha mulher sozinha no bosque com outro homem, o vestido rasgado e os seios descobertos, para que todo mundo os visse. Sinto que Hill tenha morrido, sinto-o muitíssimo, mas o que estava fazendo com ele, maldição?

 

Não estava com ele - se encrespou Lydia. Estava sozinha. Fui passear, a tomar o afresco. Detestava lhe mentir, mas não podia permitir que suspeitasse um encontro romântico entre o Winston e ela. Winston chegou bem a tempo. Dá-te conta do que tivesse passado se ele não chegasse a deter aquele homem?

 

Os músculos da mandíbula de Ross se esticaram.

 

Bem, não me teria surpreendido. Produz esse efeito nos homens, e sabe muito bem. O próprio Hill estava apaixonado por ti, e se não tivesse sido um cavalheiro do Sul, te teria atirado em cima faz muito tempo. Hal Grayson a olha com olhos de cordeiro degolado. Todos os homens da caravana deixam suas ocupações para te devorar com os olhos quando passa. Inclusive Bubba Langston fica duro quando lhe sorri. Todos morrem por te jogar um pó. Não ponha esse rosto de assombro se burlou, quando ela se encolheu, desolada. Sabe que é certo. Aferrou-a pelos ombros e a aproximou de um centímetro de seu rosto. Convida a isso disse, com a voz sibilante de um violador.

 

Lydia olhou seu rosto acusador até que assimilou todo o impacto de suas palavras. Então lágrimas de fúria encheram seus olhos. Apartou-lhe as mãos e retrocedeu como uma gata encolerizada.

 

Como é que sabe tanto a respeito, senhor Coleman? O beato senhor Coleman, casado com a pura e virginal Vitória. O que sabe de mim, pelo que sinto, pelo que sou? Não sabe nada!

 

Ross ficou estupefato pela transformação. O cabelo rodeava sua cabeça como uma grinalda, iluminada pela luz do abajur. Seus olhos brilhavam com a qualidade hipnótica de uma chama na escuridão.

 

Convidei a meu meio-irmão a me violar?

 

Você...

 

Sim, meu meio-irmão. Não de sangue. Seu pai estava casado com minha mãe. Quando o velho morreu e já ninguém pôde lhe ordenar que me deixasse em paz, violou-me. A primeira vez ocorreu no abrigo, onde tínhamos aos poucos animais de granja que havia naquele pestilento lugar. Foi muito apropriado, porque assim me senti, como um animal. Agarrou-me por surpresa e me atirou ao esterco. Fez-me mal. Eu tinha sangue nas pernas e marcas de dentes nos seios quando terminou. Os mesmos seios que tanto lhe ofenderam ontem. e... OH, Deus, que mais te dá?

 

Cobriu o rosto com as mãos e se desabou sobre chão do carro, abismada em suas lembranças.

 

- Estava suja, muito suja. Lavei-me e lavei, esfreguei-me por dentro e por fora, mas ainda me sentia suja.

 

Ross, sem apartar a vista dela, aproximou um tamborete com a ponta da bota. Sua cólera, a ponto de estalar um momento antes, apagou-se como uma vela surpreendida por uma repentina calma. Sentou-se, enlaçou as mãos e apertou os nódulos dos polegares contra os seus lábios enquanto contemplava a desgraça de Lydia.

 

Foi seu meio-irmão quem te deixou grávida?

 

Lydia assentiu, derrotada. Tinha a vista cravada na distância.

 

Quando não era o bastante rápida para lhe esquivar, o bastante forte para lhe rechaçar, o fazia outra vez.

 

Poderia ter fugido. Insinuou Ross.

 

A jovem soprou, apartou a cortina de cabelo com a mão e lhe transpassou com o olhar.

 

Minha mãe estava doente. O velho a tinha maltratado durante anos, tratando-a como a uma pulseira. Quando ele morreu, minha mãe ficou na cama e não voltou a levantar-se. Se eu tivesse fugido ou me houvesse suicidado, algo que me passou pela cabeça muitas vezes, meu meio-irmão a teria deixado morrer de fome ou a tivesse estrangulado enquanto dormia. Ele não a teria cuidado. Tive que ficar.

 

Lydia beliscou o tecido de sua saia.

 

Quando minha mãe se deu conta de que eu ia ter um filho, chorou durante dias seguidos. Levantou-se da cama e ameaçou matar a meu meio-irmão pelo que me tinha feito. Ele riu e a esbofeteou. Minha mãe chorou ainda mais, culpou-se pelo que tinha passado. Morreu ao cabo de poucas semanas. Deitou-se uma noite e não voltou a despertar.

 

As lágrimas riscaram atalhos de cristal sobre suas faces.

 

Fui à manhã seguinte e vaguei ao azar durante semanas, vivendo do que encontrava. Uma família de granjeiros me tratou com amabilidade. Deram-me de comer e fiquei com eles um tempo, mas logo... tive que prosseguir meu caminho. Andei até que me desabei para dar a luz. Já sabe o resto.

 

Lydia guardou silêncio, convencida de que seu sonho de uma vida melhor tinha terminado. Agora que conhecia o seu passado, Ross a desprezaria.

 

Tinha omitido a parte em que Clancey a encontrou pela primeira vez. Lydia tinha contado ao granjeiro e a sua mulher que seu marido estava morto e que tentava voltar para casa dê sua família antes que o menino nascesse. Clancey apareceu e lhes disse que era uma esposa desencaminhada. Lydia fugiu, mas ele a alcançou antes que tivesse percorrido um quilômetro. Revolveu-se contra ele. Durante a resistência, Clancey caiu e golpeou a têmpora contra uma rocha. Lydia pensou que estava morto. O que diria Ross se lhe revelava que seu detestável meio-irmão ainda a perseguia?

 

Seguiram sentados em um tenso silêncio. Por fim Ross se removeu e exalou um profundo suspiro.

 

Eu era um foragido, Lydia.

 

Era o último que esperava que dissesse. Lydia levantou a vista e lhe olhou. Sua expressão tinha passado da desolação ao estupor.

 

Um foragido? Repetiu. Já sabia. Tinha visto o pôster. O que não acabava de acreditar era que Ross o confessasse. Era um sinal de confiança?

 

Associei-me com os irmãos James. Assaltei trens. Disparei contra pessoas. Matei.

 

Suas palavras eram concisas, mas Lydia intuiu que uma comporta se abria em seu interior. Ross tinha oculto o segredo durante anos, e agora queria revelá-lo.

 

Fala - disse ela em voz baixa.

 

Minha mãe era uma puta - disse com brutalidade, e a olhou para observar sua reação.

 

Tinha imaginado a mesma cena com Vitória, imaginado o horror que se pintaria em seu rosto, a palidez da pele, o tremor dos lábios, a piscada de seus olhos. Não leu nada semelhante no rosto de Lydia. Devolveu-lhe o olhar, com expectativa. Ross desejou castigar a capacidade de compreensão de Lydia, talvez para pô-la a prova.

 

Você me entende: minha mãe era uma puta gorda, preguiçosa e suja.

 

Se acaso, a compaixão suavizou as facções de Lydia.

 

Amava-a?

 

A pergunta quase lhe fez saltar as lágrimas.

 

Esforcei-me. Deus, é claro que sim que me esforcei. Possivelmente sim. Quando era pequeno, desejava que ela me amasse, mas... encolheu os ombros, como à defensiva, e endireitou as costas. Eu era um acidente molesto, e ela nunca deixou que o esquecesse.

 

E seu pai?

 

Nunca cheguei a conhecê-lo. Lançou uma gargalhada desprovida de alegria. Ela tampouco sabia quem era. Nem sequer sei a data exata de meu nascimento. A madame da casa onde trabalhava minha mãe deixava que ficasse em uma habitação traseira com o encarregado da barra, que me esbofeteava cada vez que abria a boca. Daisy, assim se chamava, não me deixava chamá-la mamãe, trabalhava toda a noite e dormia de dia. Quase sempre estava sozinho, percorria as ruas da cidade, metia-me em confusões, roubava, rompia janelas, cometia toda classe de infração. Fartei-me dessa vida e consegui trabalho na cavalariça. Aí foi onde aprendi tudo o que sei sobre cavalos. Quando tinha quatorze anos, Daisy morreu.

 

Como?

 

Despertou uma manhã com dor de estômago. Não melhorou. O médico disse que tinha febre estomacal e não havia nada que fazer. Morreu a tarde seguinte.

 

»A madame me pôs na rua. Eu já me tinha aborrecido de trabalhar na cavalariça. Pensei que, fizesse o que fizesse, as pessoas da cidade sempre pensaria em mim como o filho de Daisy, a puta. Do que servia tentar me regenerar? Passava horas na sala de jogo do prostíbulo. Aprendi a beber a blasfemar, a brincar pôquer. Aprendi, sobre tudo, a cuidar de mim mesmo.

 

»Roubei um cavalo ao homem para quem tinha trabalhado e me larguei. Fui dando tombos de um lado a outro. O primeiro homem que matei me tinha acusado de fazer armadilhas no pôquer. Desencapou a pistola quando o chamei maldito mentiroso. Eu desencapei mais rápido.

 

Fazia armadilhas?

 

Ross sorriu com tristeza.

 

É obvio. Acredito que era uma aposta de cinco dólares. Matei a um homem por cinco asquerosos dólares. Olhou-a com solenidade um momento antes de continuar. Tinha uns vinte anos quando estalou a guerra. Juntei-me a um bando de guerrilheiros. Era como uma festa. Podia roubar e matar, tudo com a bênção do Exército Confederado. Em que pese a tudo, fui um bom soldado. Os homens indiferentes à morte se arriscam e, pelo geral, sobrevivem. São os homens nobres quem morre.

 

»Mas a guerra terminou e a única alternativa de um pistoleiro era continuar fazendo o mesmo até que alguém lhe matasse. Uma noite, em um botequim, entestai a um homem que ao final se acovardou. Penetre Younger estava presente, viu-me dirigir a pistola e me convidou a conhecer Jesse e Frank. Foi então quando me uni ao seu bando.

 

Lydia não conhecia aqueles homens, mas supôs que eram foragidos famosos.

 

Estive com eles uns dois anos. Um dia assaltamos um banco que em teoria era uma ninharia. Um ajudante do xerife muito teimoso conseguiu que lhe matassem no tiroteio. Eu voltei atrás para recolher a um dos Younger, cujo cavalo tinha sido alcançado de um disparo. Alguém, acredito que foi o xerife, feriu-me. Parece-me que fui o único ferido de gravidade naquele tiroteio. Tiveram que me deixar no bosque para fugir da partida que nos perseguia.

 

Abandonaram-lhe?

 

Não podiam fazer outra coisa. Encolheu os ombros. Se tivesse em seu lugar, eu também teria fugido.

 

Mas poderia morrer!

 

Ross riu de sua ingenuidade.

 

Essa era a idéia. Deu-me por morto. Lydia, meu nome autêntico é Sonny Clark. Sonny Clark morreu aquela tarde nas montanhas do Tennessee.

 

A compreensão iluminou no rosto de Lydia.

 

Foi então quando John Sachs te encontrou.

 

Não me lembro. Despertei dias depois em sua cabana. De algum jeito, Deus sabe como, graças a aquelas porções que me obrigava a beber e aos emplastros fedorentos que aplicava em minhas feridas, sobrevivi, e ao cabo de uns meses estava de novo em forma. A cicatriz do peito? Lydia assentiu. Uma bala que entrou e saiu. Nunca compreenderei como errou o coração e os pulmões.

 

A mente de Lydia ficou em funcionamento e deduziu o resto.

 

Mudou o nome.

 

Sachs o sugeriu. Enquanto estava inconsciente me tinha cortado o cabelo para curar uma ferida que tinha na cabeça.

 

Lydia ficou a tremer ao pensar em Ross sangrando. Antes que nenhum dos dois fosse consciente do movimento, ela estava sentada entre seus joelhos, com as mãos apoiadas sobre suas coxas.

 

Tinham crescido o bigode e a barba. Barbeei-me a barba, mas o bigode me fazia parecer mais velho, diferente. Trabalhe na casa de Sachs durante quase um ano, passei o inverno ali. Quando parti, eu já não era o mesmo homem.

 

Suas mãos acariciaram o cabelo de Lydia, que descansava a face sobre sua coxa.

 

Também troquei por dentro. Queria viver e dar um sentido a minha vida. Acredito que tenho que dar as graças a Sachs por tudo isso. Ele foi o primeiro ser humano que se interessava por mim em toda minha puta vida. Senti que lhe devia algo por haver-se tomado a moléstia de me salvar.

 

»Quão único eu sabia fazer, além de matar, era cuidar cavalos. Sachs sugeriu que fosse procurar trabalho às cavalariças do Gentry. Deixei o passado atrás, Lydia, mas debaixo do nome e o rosto novo ainda sou Sonny Clark, um assassino, ainda um fora da lei, provavelmente reclamado em alguns estados.

 

Era verdade, mas não queria dizer-lhe. Levantou a cabeça e lhe olhou.

 

Mudou e não é Sonny Clark. Você mesmo há dito que esse homem morreu faz anos. Tocou seu bigode. É Ross Coleman.

 

Os olhos de Ross expressaram uma estranha ternura. Ele mesmo não teria podido reconhecer-se naquele gesto.

 

Lamento o que disse antes. Quem sou eu para te julgar, tendo em conta meu passado? Enredou os dedos em seu cabelo. Deus, Lydia, que mal o terá passado.

 

A jovem rodeou sua cintura com os braços e apoiou a cabeça sobre seu peito.

 

Até que te conheci. Você me fez sentir como uma mulher decente, mas ... mas ontem, quando me olhou como...

 

Ross sussurrou desculpas em seu cabelo.

 

Equivoquei-me. Estava louco de ciúmes, Lydia.

 

Ciúmes? Porque pensou que me tinha escapado para me encontrar com Winston? Era meu amigo. Isto é tudo. E todos esses que nomeaste, eu nunca hei...

 

Sei, não tem feito nada a propósito. Minha mente estava confusa, mas, maldição, punha-me lívido quando vi todos esses homens te devorando os seios com o olhar.

 

Não desejo a outro homem, Ross. Pensava que jamais desejaria a nenhum. Passou os dedos por seu espesso cabelo. Mas você me beijou e me tocou... Sua voz emudeceu e agachou a cabeça com acanhamento. E agora eu adoro tudo o que me faz.

 

Ross proferiu uma daquelas blasfêmias, que em seu contexto não eram tais blasfêmias. Levantou a cabeça de Lydia e passou o polegar sobre seus lábios.

 

Eu adoro o que fazemos juntos.

 

Beijou-a com voracidade e ternura ao mesmo tempo, sondou com a língua as curvas de sua boca. Deslizou a mão desde seu ombro até seu seio e o abrangeu. Quando ouviu seu gemido, apartou-a imediatamente.

 

Sei que ontem estava assustada e dolorida. Deus, quando penso no que esteve a ponto de passar...Cerrou os olhos e apertou os dentes, brancos e resplandecentes debaixo do bigode. Não temos que fazer nada agora. Entenderei-o.

 

Lydia se levantou e lhe ofereceu as costas, apartando o cabelo do pescoço.

 

Quer me ajudar com estes botões, por favor?

 

O peito de Ross se encheu de uma emoção indescritível, a mais potente que tinha experimentado em sua vida. Sentou-se no bordo do tamborete. Lydia estava de pé entre suas pernas abertas. Ao princípio os dedos de Ross reagiram com estupidez ao começar a desabotoar a fila de botões de sua blusa.

 

Quando esta esteve aberta, Ross desenredou o cinto da saia, as cintas das anáguas, e as desceu pelas pernas. Passou a mão por debaixo da camisa e desatou o cinto das calças. Quando os baixou até seus tornozelos, Lydia tirou as pernas dos objetos e as apartou com o pé.

 

Era terrivelmente excitante que só levasse a blusa e a camisa. Quando tirou a blusa e começou a desabotoar a camisa, Ross lhe agarrou as mãos por detrás.

 

Deixe-me fazê-lo.

 

Guiado tão somente por seu sentido do tato, procurou cada botão e o soltou pouco a pouco. Moveu as mãos entre seus seios e se tomou largos descansos para acariciá-los através do tênue algodão. Depois as fez descender mais abaixo de sua cintura para desabotoar todos os botões da camisa.

 

Com delicadeza, sem que ela protestasse, foi baixando a camisa por seus braços, até que o tecido rodeou seus quadris como uma nuvem. Suas costas era uma imaculada extensão de pele cálida e brilhante. Dos ombros aos quadris, sua coluna riscava um canal pouco profundo. Apoiou um dedo sobre o atalho e foi baixando até a muito mesmo base.

 

Sedutoras covinhas gêmeas apareciam a ambos os lados da coluna, no ponto onde os quadris começavam a curvar-se. Beijou-os por turno, e subiu pela delicada coluna até as omoplatas.

 

Lydia se estremeceu de prazer quando sentiu o calor úmido de sua língua que descendia pelo centro de suas costas. Ao chegar à cintura, Ross beijou com ardor sua pele, rodeou seu corpo com as mãos até encontrar seus seios e os massageou com suavidade. Sua língua acariciava enquanto sua boca sugava a zona erógena.

 

Vire-se - ordenou com ternura.

 

Como já imaginava, Lydia tinha os mamilos inchados e escuros, graças ao enfeitiço de seus dedos. Ross apoiou as mãos sobre suas nádegas, aproximou-a mais para ele e beijou as tensas cúpulas. Acariciou seus seios com o nariz, esfregou-os com a cabeça.

 

A tênue luz do abajur arrojava o seu resplendor sobre a moça, que fazia aparecer sombras dançantes sobre sua pele dourada e aromática. Ross teve vontade de devorá-la. Em troca, dominou seu instinto canibal e curvou as mãos sob seus seios, até que os polegares se encontraram no vale que corria entre suas costelas.

 

Inclinou-se para frente e roçou com seus lábios seu estômago. Depois desenhou com a língua uma sequência de sensações eróticas sobre o diafragma. Com os polegares continuava acariciando a curva inferior de seus seios, mas se desviavam com freqüência até os mamilos, avermelhados e inchados. Procurou com a boca o seu umbigo. Descreveu um círculo ao seu redor com a ponta da língua. Depois, com um suave empurrão, desflorou-o.

 

As mãos de Lydia se fecharam sobre sua cabeça, puxando-lhe o cabelo. Não sabia que existissem tais níveis de prazer. Era errado o que estavam fazendo? Era algo que todo mundo sabia, mas que ela acabava de aprender?

 

O corpo de Ross era um caos. O sangue bombeava errática mas irrevogavelmente para a sua virilha. Notava as mãos de Lydia em seu cabelo, cheirava o perfume de sua pele, saboreava sua beleza. Estava se afogando nela, mas não era suficiente. Nem por indício. Desejava mais. Tudo.

 

Tornou-se para trás e, a tênue luz, viu a extensão de carne que revelava a abertura da camisa, que ainda descansava sobre seus quadris. Debaixo do umbigo reinavam as sombras, mas viu o ninho de pêlo encaracolado, iluminado.

 

Seu pulso se acelerou, seu sexo raivoso pôs a prova os botões das calças. Vacilou, sem atrever-se ainda. Depois se inclinou de novo para frente e apoiou os lábios entre os borde do tecido. Ela não se moveu. Ross esfregou o bigode contra o seu estômago com extrema delicadeza, descendeu, até que roçou o bordo superior do doce triângulo. Abriu os lábios. Soprou sobre o suave pêlo.

 

Todo o corpo de Lydia reagiu com um súbito espasmo. Conteve a respiração, lançou uma exclamação afogada e puxou o cabelo de Ross.

 

Ele se sentiu envergonhado imediatamente da vantagem que tinha tomado e retrocedeu a toda pressa. Ergueu-se com movimentos torpes e quase se deu com a cabeça contra a lona. Lydia, com toda naturalidade, desfez-se da camisa e ficou de pé ante ele, embelezada tão somente com sapatos e meias.

 

Ela ainda não se dava conta de quão sedutora era, e sua ingenuidade involuntária devolveu a prudência Ross por uns instantes.

 

Tire os sapatos, mas deixe as meias.

 

Por quê? Perguntou a jovem, sem fôlego.

 

Ross tirou as botas e as calças. O montículo de carne que esticava sua roupa interior era algo mais que evidente.

 

Eu gosto de seu aspecto com elas.

 

Lydia obedeceu, mordiscou o lábio inferior e lhe dedicou um sorriso impudico. Ross grunhiu e começou a lutar com os botões de sua camisa.

 

Deixa que o eu faça, antes que tenha que te costurar todos os botões - disse ela.

 

Apartou as mãos de Ross e começou a desabotoar os botões. Abriu a camisa. Primeiro seus olhos, e depois as pontas de seus dedos localizaram a cicatriz. Tocou-a com ternura.

 

Esteve a ponto de morrer sussurrou.

 

Elevou-se nas pontas dos pés até que sua boca ficou ao mesmo nível que a cicatriz. Quando moveu os lábios, logo que acariciaram a pele rosada.

 

Alegro-me muito de que não fosse assim.

 

Desprezou os últimos vestígios de recato, beijou a cicatriz, afundou a língua no oco. Ross emitiu um suave gemido e a rodeou com os braços. Lydia, mais confiante, deslizou os lábios sobre seu peito. O pêlo, cacheado fez cócegas sua boca e seu nariz, mas gostou dessa sensação em seu rosto. Roçou com os seios seu estômago e a coluna sedosa de cabelo escuro que o dividia em duas metades. O mamilo de Ross se contraiu quando os dedos de Lydia revoaram sobre ele, e a jovem considerou a circunstância tão digna de atenção que tocou o nódulo com a língua. Lambeu-o com delicadeza.

 

Ross ficou surpreso pela cálida sensação que lhe percorreu.

 

Foda-se - amaldiçoou entre dentes, e começou a lutar com a roupa interior. Está me ensinando coisas que ignorava.

 

Lydia se deitou sobre o colchão, mas ficou a rir ao observar seus frenéticos esforços por livrar-se da roupa interior. Ross lhe dirigiu um olhar ameaçador com os olhos verdes entreabertos.

 

Crê que é divertido?

 

Lydia tentou reprimir suas gargalhadas, mas não pôde. Surgiram com toda espontaneidade. Enquanto rodava de um lado a outro sem poder deixar de rir, Ross não pôde por menos que sorrir. Deitou-se nu ao seu lado e a apanhou em um abraço de urso.

 

Crê que é divertido? Repetiu, enquanto o fazia cócegas nos flancos.

 

Não, não. Basta, por favor, protestou Lydia, enquanto tentava rechaçar suas mãos.

 

Essas risadas aos meus gastos custarão muito caras respondeu Ross, enquanto esfregava o nariz contra o seu pescoço.

 

O que?

 

Terá que te deixar postas as médias.

 

Estava deitado entre as pernas de Lydia, ajeitado sobre ela, com sua ereção acomodada entre ambos.

 

Suas respirações se fundiram quando as risadas de Lydia se acalmaram. Trocaram um olhar carregado de paixão. Ross reparou no pulso que pulsava em sua garganta. Quando ela sentiu o membro viril que se agitava sobre seu montículo, abriu os olhos de par em par.

 

Se você gostar, deixarei-me isso postas.

 

Eu gosto de você.

 

Aquela afirmação tão decidida surpreendeu aos dois por igual. Seus olhos se encontraram, imobilizaram-se, penetraram na alma e a mente do outro.

 

Seriamente?

 

Perguntou-o em voz tão baixa que Ross apenas a ouviu.

 

Sim.

 

Se ainda não o tinha compreendido, agora já estava convencido. Tinha-o negado em cada passado do caminho, mas ela significava mais para ele do que tinha imaginado. Os ciúmes que lhe tinham consumido a noite anterior só eram um morno presságio da emoção que agora lhe embargava e que lhe sacudiu até os alicerces mais profundos de seu ser.

 

Não podia ignorar o que estava sentindo. Excitava-lhe. Aterrorizava-lhe. Já não desejava combater contra esse sentimento.

 

Não soube o que dizer. Deveria explicá-lo com demonstrações de afeto. Deixou vagar um dedo sobre seus seios, ao redor dos mamilos, que despontavam por ele.

 

Nunca tinha tido tanta intimidade com um corpo de mulher confessou com acanhamento.

 

Lydia compreendeu o muito que lhe havia custado reconhecer aquilo, agarrou-lhe pelo pescoço com uma mão e baixou sua cabeça para o seio, oferecendo-lhe com a outra mão.

 

É maravilhoso quando me toca com a língua.

 

Um rugido ofegante escapou da garganta de Ross enquanto banhava os seus mamilos com a língua. Apertou os seios um contra outro até que ela gemeu de paixão.

 

Ross, não pode existir nada melhor que isto ofegou.

 

Só tinha introduzido a ponta do membro em sua úmida fenda. Estava saboreando a crescente antecipação da posse total.

 

Sim resmungou contra o seu seio. Há outras coisas.

 

Quais? Perguntou Lydia com um gemido, enquanto Ross se afundava uns centímetros mais em seus limites úmidos e suaves. Ensina-me.

 

Ross elevou a cabeça e a olhou aos olhos, com a respiração entrecortada. Só leu neles uma sincera curiosidade. Não havia medo, nem resignação. Nem conhecimento prévio, certamente.

 

Ajoelhou-se entre suas coxas. Sem deixar de olhar seu rosto, por temor a descobrir sinais de asco ou medo, acariciou sua tíbia com a mão, ainda embutida na meia de algodão negro. Depois dobrou a cabeça e beijou a parte interna da coxa, justo em cima da liga, e esfregou a pele sensível com toda a boca.

 

Ross suspirou Lydia.

 

Tem umas pernas muito bonitas, Lydia sussurrou.

 

Deslizou as mãos sobre a pele dócil e passou uma por debaixo da liga para acariciar a parte posterior do joelho. Baixou a meia o suficiente para beijar o joelho, para tocar a parte posterior com a língua.

 

Praticou o mesmo ritual erótico com a outra perna. Prisioneira do prazer carnal, Lydia voltou a cabeça a um lado e lhe olhou enquanto suas mãos subiam pelas coxas, massageavam, acariciavam. Quando seus olhos se encontraram, a intensidade do olhar de Ross queimou sua alma. Sussurrou seu nome e fechou os olhos.

 

É tão bonita esta zona. Seus dedos pentearam o pêlo vermelho. Uma cor muito bonita. Sua voz tinha trocado de tom e ressonância. Era rouco por causa da paixão, carregada de desejo.

 

Lydia se estremeceu para ouvi-la e sentir sua carícia. O dedo de Ross seguiu o contorno de seu montículo, percorreu os terrenos baixos que confluíam em suas coxas. Então a tocou na mais íntima de suas partes, acariciou com suavidade, tomou seu suco cremoso nas pontas dos dedos e a elogiou por sua quantidade.

 

A lassidão de Lydia se desvaneceu e abriu os olhos de par em par ao sentir aquela úmida carícia no interior da coxa. O cabelo de Ross fazia cócegas sua pele como se fosse seda, sua barba a arranhava de uma maneira deliciosa, mas resistiu a acreditar o que lhe estava fazendo até que seus olhos o verificaram.

 

-Ross! Gritou, estupefata, e agarrou algumas mechas de seu cabelo para lhe levantar a cabeça, mas já era muito tarde. Estava-a beijando, e em lugar de lhe apartar, apertou-lhe com mais força. Um espasmo de êxtase derrubou sua cabeça sobre o travesseiro.

 

Beijou-a com a mesma delicadeza que tinha beijado sua boca.

 

E foi maravilhoso e não pôde parar.

 

Os polegares de Ross apartaram com ternura as dobras protetoras que albergavam o centro de sua feminilidade. Aplicou com destreza sua língua. Cada generosa lambida era um tributo a sua doçura, a sua juventude, a sua inocência, face aos abusos padecidos. Cicatrizou com a boca lhe acariciem suas feridas emocionais; curou-as com beijos. Com os lábios suplicantes expressou sua gratidão pela generosidade com que lhe entregava o seu corpo, porque nunca lhe tinham concedido o privilégio de tanto amor.

 

As quebras de onda de felicidade se derramaram sobre a Lydia como correntes minguantes, até que ofegou em busca de ar. O que estava acontecendo não tinha tido capacidade em sua imaginação. E ao mesmo tempo em que a transtornava, sabia que era um presente único de Ross, e que o prazer consistia em aceitá-lo sem o menor obstáculo.

 

O prazer irresistível continuou com cada ágil movimento de sua língua, com cada carícia de sua boca, até que se acelerou e sua vagina se contraiu. Justo quando ela perdeu o controle, Ross se colocou em cima dela e aferrou seu corpo estremecido. Seu membro era uma pressão incessante que a encheu por completo. Ross se mergulhou com uma veloz investida e seu sêmen penetrou nela como uma corrente de fogo.

 

Longos momentos depois, quando Lydia recuperou o sentido, deu-se conta de que jaziam em uma imobilidade absoluta e de que ela aferrava Ross pela parte posterior das coxas. Ainda lhe notava duro e poderoso em seu interior.

 

Ross? Suplicou em voz baixa.

 

Sinto muito. Não foi suficiente.

 

Começou a mover-se, com lentidão ao princípio, depois com os ataques cada vez mais acelerados que lhe tiravam o fôlego, e a levou de novo até o bordo daquele abismo insondável. Esta vez se precipitaram juntos, foram engolidos por sua escuridão acetinada, envoltos em seu quente abraço de veludo.

 

Ross, louco de alegria, com o rosto sepultado em seu pescoço, soluçou seu nome quando se afundaram naquele dourado e lânguido epílogo.

 

Estou cansada, mas não quero ir dormir. Tenho medo de despertar e descobrir que tudo foi um sonho.

 

Lydia estava beliscando entre os dedos mechas do pêlo do peito de Ross, que suspirou de prazer.

 

Sei. Eu tampouco quero dormir. É tão maravilhoso te abraçar. Fechou os braços ao seu redor e depositou um tenro beijo em sua têmpora. Lydia, com a vida que levaste, como aprendeste a falar tão bem? Como Mamãe comentou uma noite, durante um discurso desumano sobre minha estupidez e teimosia, suas maneiras são refinados. Eu imitava Vitória e ao seu pai. Quem ensinou a ti?

 

Nem sempre vivi no mesmo lugar. Nós, meu verdadeiro pai, mamãe e eu, vivíamos em uma cidade. Não recordo grande coisa dela, mas sim me lembro de nossa casa. Minha mãe tinha vasos de barro com flores no alpendre dianteiro. Eu tinha uma habitação no piso de acima, com uma janela. Lembro que no verão me sentava de noite ante a janela E deixava que as cortinas se agitassem contra meu rosto. Eram brancas e franzidas, e se podia ver através.

 

A mão de Ross percorreu lentamente a curva de suas nádegas.

 

Quando construirmos nossa casa, comprarei-te cortinas franzidas brancas. Ela se aconchegou mais perto. O que aconteceu com seu pai?

 

Morreu. Chamava-se Joseph Bryant. Lydia se levantou de repente e anunciou com orgulho: Esse é o meu nome, Lydia Bryant.

 

Ele a deitou de novo e lhe deu um sonoro beijo na boca.

 

Já não. Agora é Coleman.

 

Já sabe a que me referia murmurou, enquanto se recostava contra ele. Meu pai escrevia artigos para o jornal. Às vezes se zangava, porque às pessoas não gostavam do que ele escrevia. Acredito que era sobre os escravos. Um dia anunciou a minha mãe que se ia ao norte para encontrar um novo lar onde viver. Os três estavam muito emocionados, mas meu pai adoeceu ali e morreu. Nunca voltamos a vê-lo. Apenas lhe recordo.

 

Imagina não ter sabido jamais quem era o seu pai. Claro que nenhum dos clientes de minha mãe era de primeira qualidade.

 

Lydia contemplou sua expressão amargurada e suavizou a tensão com o dedo.

 

Para te haver engendrado, deve ser um homem extremamente bonito e forte, mas me dá igual quem fosse.

 

As facções de Ross se suavizaram e beijou sua mão.

 

Continua. Quando voltou a casar a sua mãe?

 

Não estou segura. Acredito que eu tinha uns dez anos. Tivemos que abandonar nossa casa e deixar todas as coisas. Parece-me que a gente do povo não tratava bem a minha mãe por causa do que meu pai tinha escrito no jornal.

 

Ross deduziu que Bryant tinha sido um abolicionista. Foi ao norte, possivelmente não pôde acostumar-se à mudança de clima e morreu de alguma doença bronquial. A mãe de Lydia, viúva, tinha perdido tudo.

 

Lembro de uma habitação escura no alto de uma casa velha. Era onde vivíamos. Minha mãe costurava, acrescentava bordados aos lenços de outras senhoras e coisas assim. Um dia veio e me disse que tinha conhecido a um homem, que vivia em uma granja nas montanhas.

 

Suspirou.

 

Casaram-se, e aquele homem disse que nos levaria a sua casa. Sua casa não era tal, a não ser uma cabana fria no inverno e calorosa no verão. Tive que dormir em um celeiro, e a única forma de subir a ele era mediante uma escada. Aquele lugar era sujo, e minha mãe tinha que trabalhar como uma escrava cada dia para preparar as comidas e manter minimamente decente a cabana. Agora sei que devia estar muito desesperada para casar-se com ele. Ela pensou que em uma granja devia haver muita comida, que devia ser um lugar mais são onde me criar, em lugar do desvão onde estávamos vivendo. O homem tinha exagerado e minha mãe estava predisposta a acreditar seus exageros. Aquele indivíduo tinha conseguido uma escrava livre.

 

E o meio-irmão?

 

Era mais velho que eu. Já era um homem quando minha mãe e eu nos mudamos à cabana. O velho e ele sempre estavam brigando entre si e com os vizinhos, a quem odiava. E claro, a sua vez, todo mundo nos odiava. Quando íamos à cidade a comprar provisões, as pessoas nos insultavam. Minha mãe ficava a chorar, e não demorou em negar-se a voltar para a cidade, de modo que eu tampouco ia. Eu tinha medo de estar sozinha com aqueles homens.

 

Ross a apertou mais.

 

Essa vida terminou, Lydia. Estou contente de que me tenha contado isso. Assim se explicam muitas coisas. Para mim também foi um grande alívio te haver confessado minha verdadeira identidade. É o único ser vivo que conhece a verdade sobre mim. Meu segredo morreu com o John Sachs. Nunca o hei dito a ninguém.

 

Ela não era quão única sabia. Clancey sabia. Outras pessoas também procuravam Sonny Clark, mas nunca lhe encontrariam se ela podia evitá-lo. Aprisionou-lhe entre seus braços.

 

Alguma vez o disse a Vitória?

 

Suas mãos deixaram de acariciá-la.

 

Não - respondeu com suavidade. Nunca o disse.

 

Lydia sorriu para si. Talvez Vitória tivesse sido seu amor. Ainda o tinha. Mas ela tinha algo que Vitória não pôde conseguir: sua fé.

 

Ross?

 

Ummm ... ?

 

Estava maravilhado pela suavidade de seu estômago. Acariciou a pele com o dorso da mão.

 

O que fez antes...

 

Ross ficou tenso.

 

Sim?

 

Nada, dá igual.

 

Diga-me – disse.

 

É... Não sei... Possivelmente pensará...

 

Não sei o que pensarei se não me diz isso.

 

Bem, estava-me perguntando... deu-se a volta para apoiar-se sobre seu peito e olhou aos olhos. Se eu poderia fazer isso a ti.

 

Jefferson bulia de atividade. A segunda maior cidade do Texas, depois de Galveston, era, em 1872, um centro comercial e encruzilhada de caminhos. Navios com rodas de paleta se alinhavam em seus moles e vomitavam passageiros, que continuariam sua rota para o oeste em, carretas, descarregavam mercadorias, embarcavam enormes quantidades de algodão com destino aos mercados de Nova Orleans.

 

As ruas estavam abarrotadas de gente, em sua maior parte viajantes de passagem, que compravam, vendiam, comercializavam, regateavam, carregavam ou descarregavam. Dinheiro e mercadorias trocavam de mãos. Os negros libertos procuravam passar desapercebidos. Aristocratas que tinham perdido tudo durante a guerra se empenhavam em fingir que o conflito não tinha trocado suas vidas, sobre tudo seu posto na sociedade. Aos aventureiros lhes cuspia ou recebia com obsequiosidade, segundo a quantidade e cor de seu dinheiro e a generosidade com que o dilapidavam. Membros de famílias respeitáveis se acotovelavam com os mais incompetentes traficantes que rondavam pela zona do porto ao anoitecer. Era um bom lugar para encontrar e ser encontrado... e para perder-se.

 

Vance Gentry, que inspecionava da garupa de seu cavalo o mar de carretas que rodeava a cidade em quilômetros à redonda, suspirou desalentado.

 

Como caralho espera encontrá-los entre todo este barulho? Perguntou a Howard Majors com um significativo movimento da cabeça.

 

Encontraremo-lhes - repôs com calma Majors...

 

Bem, comecemos - disse Gentry, e esporeou ao seu cavalo.

 

Não. Esta noite começaremos a fazer perguntas com discrição. Se nos lançarmos a olhar em cada carro, pode ser que lhe ponhamos em sobre aviso. Se queria esconder-se, não lhe custaria nada fazê-lo entre essa massa de gente.

 

Gentry proferiu floridas blasfêmias. Desde que Madame LaRue lhes tinha posto na pista de Ross, tinha passado dias e dias de viagem em trens poeirentos e fumegantes, com intermináveis atrasos no horário, comidas imprestáveis e camas duras, quando as havia. Majors e ele tinham subido ao navio no Shreveport, uma embarcação lotada e lenta. Sua paciência se estava esgotando, e a constante insistência do Majors em manter a cautela lhe irritava, sobre tudo porque já estavam muito perto.

 

Sabiam que a caravana ia desagregar-se em Jefferson. Vitória podia estar em qualquer das carroças que rodeavam a cidade. Gentry queria aliviá-la o antes possível das humilhações e penalidades que estivesse padecendo, antes que Coleman tivesse a oportunidade de continuar sua viagem. Quase tinha esquecido o alívio que tinha experimentado quando Madame LaRue comentou que tinha visto em aparente bom estado à esposa do senhor Coleman.

 

Muito bem concedeu a contra gosto. Esta noite faremos perguntas. Amanhã começarei a procurar a minha filha, goste ou não.

 

Puxou as rédeas de seus arreios e se encaminhou de novo para o centro da cidade, onde tinham tido a sorte de encontrar habitações.

 

Majors lhe seguiu de perto. Estava farto das ameaças de Gentry. Se não estivesse tão decidido a capturar Sonny Clark antes de aposentar-se, para retirar-se de uma maneira gloriosa, há muitas semanas teria abandonado e recomendado a Gentry que contratasse a outra pessoa. Sim o tivesse feito, Gentry teria alugado a pistoleiros, sem dúvida. Queria ocultar que seu genro era o famoso Sonny Clark. Que melhor forma de manter o segredo que matando-o?

 

Majors esporeou ao seu cavalo. Não queria perder de vista ao Gentry. Em que pese a que havia dito em numerosas ocasiões que desejava capturar vivo a Clark, estava seguro de que aquele homem não lhe tinha escutado. Majors não confiava nele.

 

Lágrimas das grandes gemas grandes como ervilhas se desprenderam das pálpebras de Priscilla Watkins e escorregaram sobre suas faces.

 

É odioso, isso é o que é, Bubba Langston. Pensava que depois do que me fez te comportaria como um cavalheiro e pediria minha mão a papai.

 

Bubba admirou o pôr-do-sol, enquanto mordiscava um caule de erva.

 

Seriamente o pensou?

 

O moço tinha mudado. Priscilla tinha podido seguir sua evolução dia a dia. Bubba já não caminhava com a estupidez de um adolescente, a não ser com o passo seguro de um homem consciente de sê-lo. Seus olhos já não estavam cheios de curiosidade e perplexidade pelo que o mundo lhe ia oferecer a seguir; eram os olhos firmes e calculadores de um homem que não dava nada por seguro, e neles se liam todas aquelas características novas de sua personalidade, enquanto contemplava o ocaso. O fato de que não se fixou em que levava o seu melhor vestido para celebrar a chegada a Jefferson ofendeu Priscilla. Nos últimos tempos, ele apenas se fixava nela, quando se encontravam. Ia direto ao assunto, a tomava rápida e metodicamente. Priscilla tinha se alegrado quando Bubba começou a superar a morte do Luke, mas ele não havia tornado a ser tão tenro nem havia lhe tornado a sussurrar coisas bonitas como aquela primeira vez.

 

Por que crê que te deixo me fazer isto? Perguntou-lhe. Lançou um olhar angustiado para o carro, confiando em que mamãe não a ouvisse. Pensava me casar contigo, do contrário eu nunca...

 

E o que pensava fazer com Scout? Perguntou Bubba, enquanto desviou os olhos do céu chamejante para olhá-la.

 

A moça umedeceu os lábios e piscou. Se a tivesse esbofeteado, não se teria ficado mais estupefata.

 

Scout? Disse surpreendida.

 

Sim, Scout. Recorda que também iria casar-se com ele, ou só queria escapar de sua mãe sem importar muito pouco quem te ajudasse a fazê-lo?

 

Por dentro, Priscilla fervia de raiva. Com quem pensava aquele menino estúpido que estava falando? Não obstante, conseguiu manufaturar outra série de lágrimas, sólidas e perfeitas, que escorregaram sobre suas faces.

 

Bubba, Bubba, quem te contou estas mentiras sobre mim? Já sabe que eu só quero a ti para sempre. Quem lhe haja isso dito estava ciumento, isso é tudo. Porque quero a ti e a ninguém mas.

 

Bubba estirou seu comprido corpo, que tinha adquirido uma grande harmonia durante os últimos três meses. Já não parecia que fosse todo braços e pernas.

 

Por isso ouvi, deitaste-te com todo mundo que não estava já comprometido.

 

O desespero se apoderou de Priscilla. Scout já lhe tinha dedicado uma despedida zombadora. Tinha terminado o trabalho para o que tinha sido contratado e partia para outra aventura. Ficou furiosa e indignada pela facilidade com que a tinha deixado plantada.

 

Bubba era sua última oportunidade. Não tinha a menor intenção de enclausurar-se em uma espantosa granja com o estúpido de seu pai e sua insuportável mãe como única companhia. Nunca voltaria a ter outra oportunidade de trocar de vida, exceto uma de trabalho e rotina. Lançou um olhar de preocupação para o carro, agarrou a mão de Bubba e a apoiou sobre seu coração. Fechou os olhos em uma fingida demonstração de paixão.

 

Bubba, sente meu coração. Pulsa só por seu amor. Juro-lhe isso. Sente o muito que te amo, Bubba.

 

Um suspiro entrecortado surgiu de seus lábios quando Bubba começou a mover a mão sobre seu corpo. Um sorriso de triunfo substituiu à careta de encantamento. O menino a acariciou com destreza recém adquirida. Priscilla emitiu um leve gemido quando seu mamilo se ergueu sob o insistente polegar do moço.

 

Abriu os olhos quando ele deixou cair a mão.

 

É bonita, Priscilla, e mostras os atributos que atraem aos homens, mas não gostaria de ter uma esposa que os exiba para que o primeiro que passar.

 

Bastardo - vaiou, e se separou dele.

 

Bubba não se deu conta até então de quão feia podia chegar a ser. Seu rosto se deformou até converter-se em uma máscara cruel. Era uma menina mimada e sempre faria sua santa vontade. Bubba se alegrou de que Ross lhe tivesse precavido respeito daquela puta.

 

Não foi um homem até que eu te ensinei, e estar contigo foi como derrubar-se com um porco. Ouviste-me? Gritou. Um porco asqueroso!

 

Bubba sorriu.

 

Bom, não teria podido ter uma professora melhor. Obrigado pelas lições e as práticas.

 

Deu meia volta e se afastou com o passo tranqüilo e desenvolvido de um homem que acaba de tirar um peso de cima.

 

Priscilla girou em redondo, louca de furor, e descobriu a sua mãe detrás dela. Seu rosto enxuto estava tingido de púrpura. Tinha as fossas nasais quase fechadas. Estendeu uma mão similar a uma garra e esbofeteou a sua filha com todas suas forças. Uma mancha vermelha apareceu na face de Priscilla.

 

A moça nem sequer se alterou. Limitou-se a olhar a sua mãe e enquanto isso um lento sorriso entreabriu seus voluptuosos lábios. Entrou no carro sem dizer uma palavra, baixou uma mala de vime apartou a um lado ao seu silencioso pai e começou a guardar seus pertences.

 

O que crê que está fazendo, garota? Perguntou Leoa.

 

Fugir de ti. Vou para Jefferson a procurar trabalho.

 

Os olhos incolores de Leoa piscaram com fúria.

 

Não irá a nenhum lugar.

 

Olhe-me bem. Priscilla se voltou para sua mãe. Não penso terminar sendo uma velha amargurada e ressecada como você, enclausurada em alguma parte de terra esquecido de Deus com um idiota como esse. Assinalou ao seu pai. Vou viver de uma maneira muito diferente.

 

O que fará?

 

Priscilla fechou a mala e olhou a sua mãe de novo.

 

O que mais eu gosto - replicou, com olhos cintilantes. O que durante tanto tempo tenho feito de graça. A partir de agora terão que me pagar.

 

Puta? Sussurrou Leoa, estupefata. Vai ser uma puta? .

 

Priscilla sorriu.

 

A melhor paga da história. Olhe, mamãe, quando não lhe querem, suspira por ser querida. Durante anos sonhei com as maneiras de conseguir que alguém me queira. Pretendo entesourar todo o amor que você não me deu. Cada vez que abraço a um homem entre minhas pernas, pensarei nas vezes que você não me abraçou. Espero que possa viver com essa culpa.

 

Atirou a mala pelo extremo do carro e saltou. Agarrou a mala e se dirigiu para Jefferson, sem olhar atrás nem um momento.

 

Leoa se revolveu contra o seu marido.

 

Bem, estúpido mentecapto, vais ficar aí sentado sem fazer nada?

 

O homem olhou a sua mulher com olhos cansados e que fazia muitos anos que não se viam tão animados.

 

Sim. Não vou fazer nada para trazê-la de volta. Apesar das desgraças que recaiam sobre ela, sempre viverá melhor que ao seu lado. Oxalá tivesse tido essa coragem faz tempo.

 

Podemos escrevemos cartas - disse Lydia, chorosa.

 

Não sabemos ler nem escrever, mas quando um dos meninos aprender... A voz de Mamãe se quebrou por causa da emoção. Vou sentir saudades. Cheguei a te amar como a uma filha.

 

Não estaria aqui se não fosse por você.

 

Lydia e Mamãe voltaram a abraçar-se. Lydia absorveu a energia da mulher. As garotas choravam e se aferravam às saias de Lydia. Micah e Samuel se erguiam com solenidade junto ao seu pai. Todos pareciam tristes.

 

Lydia se despediu de outras famílias da caravana. Uma a uma tinham sido engolidas pelo caos de Jefferson, em direção ao seu seguinte destino. Os Langston partiam a primeira hora do dia seguinte. Assim que carregassem provisões no carro, transladariam-se aos limites ocidentais do acampamento. Como não voltariam a ver Lydia, estavam-se despedindo.

 

Iremos vê-los. Ross já disse que sim. Dentro de um ou dois anos, quando a casa estiver construída. Disse que Moisés vem conosco? Será de grande ajuda. Ross já tinha pensado pedir antes que Moisés oferecesse seus serviços.

 

Falava muito e com excessiva precipitação, mas se parasse, sabia que começaria a chorar.

 

Ama-o, verdade, moça? Perguntou Mamãe em voz baixa quando Lydia se deteve para recuperar o fôlego.

 

Sim, eu o amo. Faz-me sentir... Procurou as palavras adequadas, mas não havia nenhuma que descrevesse como se sentia desde que Ross a cuidava, e como! Não a amava como tinha amado Vitória, mas lhe tinha afeto. Faz-me sentir limpa e nova por dentro. Respeitada e honrada. Não importa o que tenha sido antes.

 

Ele também te ama - disse Mamãe, e aplaudiu a mão de Lydia.

 

A jovem negou com a cabeça.

 

Ainda ama Vitória.

 

Mamãe desprezou sua argumentação com um gesto.

 

Talvez ele acredite assim, mas você é a que compartilha sua cama. Qualquer dia se dará conta de que é você a quem ama. A julgar pela freqüência com que exibe nos últimos tempos esses dentes brancos, acredito que esse dia não está muito longínquo. Nunca o via tão radiante quando ela vivia. Dava a impressão de que algo lhe preocupava em todo momento, como se esforçasse em fazê-la feliz. Os dois serão muito felizes. Eu sei.

 

Eu também acredito, Mamãe.

 

A mulher estudou a Lydia.

 

Faz uma semana ou assim, pensei que estava zangada comigo por algo.

 

Lydia esquivou os olhos penetrantes de Mamãe. Era certo que tinha sido incapaz de confiar-se a Mamãe, depois de descobrir que Clancey tinha matado Luke. Seu sentimento de culpabilidade pela morte do moço não lhe permitia manter aquela estreita relação que tinha compartilhado antes com Mamãe. Não se tinha dado conta de que ela sim tinha notado que Lydia a evitava.

 

Não estava zangada contigo. Acredito que já temia o momento da despedida, e tratava de me acostumar a viver sem te ter perto. As lágrimas se amontoaram detrás de seus Olhos. Eu te amo, Mamãe. Amo a todos vocês.

 

Mamãe a abraçou com força.

 

Nós também te amamos, Lydia.

 

Quando se separaram, Lydia abraçou de uma em uma às garotas. Inclusive abraçou Zeke, que se ruborizou como um adolescente.

 

Cuide-se, Lydia disse com acanhamento.

 

Bubba disse que iria mais tarde ao seu carro para despedir-se. Mamãe secou os olhos com uma esquina do avental. Queria esperar que Ross voltasse. O menino está destroçado por ter que separar-se de seu herói.

 

Ross não demorará para retornar da cidade. Tenho que me dar pressa em preparar o jantar.

 

Agarrou Lee dos braços reticentes de Anabeth, olhou-lhes, memorizou seus rostos bondosos e queridos, e sentiu falta de Luke. Sua morte sempre pesaria sobre sua consciência. Se não fosse por ela...

 

Adeus disse, e deu meia volta antes de explodir em lágrimas.

 

Lydia pensou em Clancey e apressou o passo. Tinha que tirar a bolsa das jóias de seu esconderijo. Clancey viria por ela, estava segura. Teria seguido à caravana da noite em que matou ao Winston. Quando teria se dado conta de que não levava as jóias em cima? Estaria furioso, predisposto à violência. Lydia queria estar preparada quando aparecesse de novo. Viria, e quando o fizesse, daria-lhe as jóias imediatamente.

 

Estava convencida de que Ross não sabia nada a respeito das jóias. Vitória as tinha escondido em sua carreta. Lydia sabia que Ross se orgulhava de haver se elevado de uma vida criminal a uma respeitável. Só dependia de sua determinação e capacidade de trabalho. Jamais teria permitido que Vitória levasse as jóias da família. A mulher o tinha feito às escondidas. Portanto, se Lydia entregasse as jóias a Clancey e comprava dessa forma o seu desaparecimento, Ross não se inteiraria de nada.

 

Preparou a toda pressa o jantar, mas Lee parecia decidido a distraí-la, porque primeiro sujou a fralda e foi necessário trocá-lo, e depois ficou a chorar quando Lydia tentou acender o fogo. Negou-se a tranqüilizar-se até que Lydia lhe deu meia garrafa de leite. Ross tinha comprado uma vaca até chegar a Jefferson, para que já não tivessem que depender dos Norwood.

 

Os atrasos impediram que tirasse a bolsa de seu esconderijo. Quando o jantar começou a ferver, subiu ao carro. Acabava de empurrar um ou dois centímetros a cômoda, quando ouviu a voz de Ross.

 

Lydia!

 

Suspirou consternada, alisou o cabelo e se aproximou da parte posterior do carro.

 

Estou aqui.

 

Apareceu a cabeça pela abertura a tempo dever que Ross saltava do assento de um reboque de plataforma. O homem sentado ao seu lado tirou o puído chapéu, mas não se levantou.

 

Ross sorriu.

 

Não poderá acreditar a sorte que tivemos disse. Apresento-te ao senhor Pritchard. Minha esposa, Lydia. O homem cabeceou em direção a Lydia. Esta lhe olhou, e teve um mau pressentimento. Ross continuou com o mesmo entusiasmo de antes. Conhecemo-nos na cidade. O senhor Pritchard esteve esperando semanas para poder comprar um carro. Vendi-lhe o nosso e quer tomar posse dele agora mesmo.

 

Diz que quer percorrer a maior quantidade de quilômetros antes que comece o inverno.

 

Pensei que, se ele e sua família partissem agora, poderiam chegar ao Passo e passar ali o inverno, antes de seguir para Califórnia.

 

Quer pegar o carro agora?

 

Assim que tenhamos descarregado tudo o que não vai comprar riu Ross. Ofereceu-se a nos ajudar, de modo que mãos à obra. Comprei este reboque com o dinheiro que o senhor Pritchard pagou, porque o necessitaremos mais tarde. Lee e você podem dormir no carro de Moisés durante a viagem. De momento nos ficaremos, se por acaso não terminamos a cabana no tempo que tenho pensado.

 

Por que não lhe vendeste a carreta de Moisés? Perguntou Lydia, histérica.

 

Porque não é tão grande como esta e Pritchard tem cinco filhos. Ross voltou a cabeça para o homem, que sorriu. Começa a transladar ao carro tudo o que precise ter à mão.

 

Lydia ficou atordoada enquanto o senhor Pritchard descia do carro. Ross e ele começaram a desmantelar o que tinha sido seu lar nos últimos dois meses.

 

Quando Ross se fixou em sua expressão afligida, aproximou-se, apoiou as mãos sobre seus ombros e os apertou com delicadeza.

 

O que acontece, Lydia?

 

Nada - gaguejou.

 

O senhor Pritchard, com a ajuda do Moisés, estava descarregando a cômoda do carro de Ross e a transladou à carreta que Moisés tinha herdado de Winston. Só teria demorado uns segundos em recuperar a bolsa de veludo, mas a ocasião não se apresentou. Ross a olhou de uma maneira estranha.

 

Eu... tive que me despedir dos Langston.

 

Atraiu-a para ele e a beijou na boca.

 

Sei que está triste, mas prometi que iríamos vê-los e o disse a sério. Possivelmente o ano que vem. Beijou-a de novo. Agora faz o favor de me ajudar a selecionar as coisas, e me diga o que necessitará e o que podemos vender.

 

Trabalharam até tarde da noite. Os Pritchard que tinham chegado a Jefferson procedentes de Mississipi, estavam ansiosos por prosseguir seu caminho depois de um atraso de seis semanas, devido à demanda de artigos e o esgotamento dos fornecimentos. A senhora Pritchard e os meninos (cinco meninos, tinha anunciado com orgulho o homem enquanto admirava a Lee) estavam na cidade, comprando o que podiam para completar o que Ross lhes vendia.

 

Por fim, depois de duas horas de árduo trabalho, disse-lhes adeus. Ross lhe tinha ensinado a forma de unir os cavalos e se despediu de cada um dos animais. Pareciam pouco decididos a partir, mas finalmente obedeceram as ordens do senhor Pritchard, que agitou a mão e lhes desejou boa sorte enquanto se afastava com o carro, a parelha, a roda de reposto, dois barris de água... e as jóias dos Gentry.

 

Lydia não tinha tido a menor oportunidade de tirá-las do carro. Teria se alegrado das vê-las desaparecer, a não ser por Clancey. O que ia fazer quando seu meio-irmão viesse buscá-las? O que?

 

Em face ao cansados que estavam, Ross insistiu em transladar o carro de Hill e o novo até o extremo sul da cidade, longe da multidão. Lydia realizava todas as tarefas desconsolada; a preocupação que sentia roubava energias ao seu corpo. Seu rosto devia refletir cansaço, porque assim que se instalaram para passar a noite, Ross se aproximou e a abraçou.

 

Será melhor que vá ver Lee no carro de Moisés e durma um pouco.

 

Lydia se aferrou a ele, temerosa de que Clancey já tivesse denunciado seu paradeiro às autoridades.

 

Não. Dorme comigo esta noite, Ross. Vem para a cama comigo e me abrace forte, por favor, suplicou, agarrada ao seu colete de veludo.

 

Ross sorriu.

 

Eu gostaria, mas Moisés e eu temos muito que fazer esta noite. Você, descansa. Depois de amanhã partiremos para nosso lar.

 

Lydia levantou a cabeça para ouvir a palavra.

 

Lar - repetiu, como se fosse um termo carinhoso Ross, será isso possível para mim, para nós?

 

Abraçou-lhe com força, desejosa de já estar em seu lar, a salvo de qualquer ameaça.

 

Será possível - confirmou ele em um sussurro. Beijou-a, introduziu a língua em sua boca. Notou através da roupa os contornos familiares de seu corpo, que se amoldavam ao dele. Reagiu com uma sólida ereção. Lydia a repreendeu, vê o que me está fazendo? Acariciou seu cabelo com os lábios antes de apartar-se com expressão pesarosa. Tenho que ir trabalhar, mulher.

 

Deu-lhe uma palmada nas nádegas enquanto assinalava em direção ao carro de Hill.

 

Lydia desejou haver-se perdido no calor do abraço de Ross, utilizado seu carinho como uma poção que lhe impedisse de pensar em Clancey. Devia contar-lhe tudo? Sobre Clancey, sobre as jóias? Deteve-se na escuridão e deu meia volta. Ross já se pôs a trabalhar com o Moisés. Estava pondo as coisas no reboque e falava animadamente sobre planos que tinha feito aquela tarde.

 

Como poderia lhe dizer agora, quando, se Mamãe tinha razão, estava a ponto, de amá-la, que nenhum dos dois se encontrava livre do meio-irmão que a tinha manchado?

 

Além da ameaça que Clancey representava, estava a pergunta do que faria Ross quando se inteirasse de tudo. E se tomava a vingança por sua mão e matava Clancey? Sem dúvida a lei cairia sobre ele. E se em lugar de desprezar Clancey a odiava a ela? Ao saber que Clancey ainda constituía um fator importante na vida de Lydia, arrependeria-se de havê-la tomado por esposa, inclusive de lhe haver feito amor? Não, não o diria. Só podia esperar que Clancey não lhes seguisse.

 

Deu a volta e se encontrou cara a cara com a personificação de seus pensamentos, que lhe bloqueava o caminho ao carro.

 

Boa noite, irmãzinha grunhiu.

 

Seu tom de voz gelou o sangue nas veias de Lydia, que dirigiu um veloz olhar para Ross e Moisés. Este se dedicava a acender o fogo para preparar café, enquanto Ross ordenava coisas no reboque. Os dois estavam conversando enquanto trabalhavam.

 

Está louco? Perguntou Clancey. Se Ross te chegar a ver...

 

Teríamos muito do que falar, não? Como por exemplo, que iria roubar-lhe as jóias para dar ao seu querido meio-irmão.

 

Lydia tragou saliva e deu a volta ao carro, para que Ross não a visse falando com o homem que, em uma anterior ocasião, tinha afirmado desconhecer. Clancey a seguiu e a agarrou pelo braço.

 

Onde estão as jóias? Quero-as agora! Conseguiu as recuperar de algum jeito quando aquele menino bonito me atacou.

 

Não fui eu! Respondeu com veemência, E lutou por liberar seu braço das garras de Clancey Eu queria que levasse isso para nos liberar de ti. Winston as agarrou quando caiu. Voltei-as a esconder sob as madeira do chão e...

 

Vá pegá-las.

 

Lydia mordeu o lábio inferior até que sangrou.

 

Não posso.

 

Atirou-a contra o carro com tanta força que seus ouvidos começaram a zumbir e ficou sem fôlego.

 

Hei dito que vá buscar - rugiu perto de seu rosto.

 

Ross vendeu o carro esta tarde. Já não o temos. Não sabia que ia desfazer-se dele tão logo. Juro-o, Clancey. Vendemos antes que eu pudesse tirar as jóias.

 

Olhou-a com olhos malignos, e depois passeou a vista ao redor do acampamento, para comprovar sua afirmação.

 

Merda! Exclamou, e a palavra golpeou o rosto de Lydia como uma bofetada. Bem, sinto-o por ti.

 

Soltou-a com tal brutalidade que Lydia esteve a ponto de cair ao chão.

 

O que quer dizer?

 

Era como se seus lábios se converteram em borracha e não funcionassem bem. Tinha a garganta seca. A cabeça lhe dava voltas.

 

Quero dizer que ainda há cinco mil dólares esperando ao homem que denuncie ao seu marido, isso é o que quero dizer.

 

Não, Clancey...

 

Quis agarrar sua manga, mas o homem se soltou.

 

Teve a oportunidade de comprar meu silêncio. O preço eram as jóias que me extorquiste.

 

Disse-te...

 

Fecha o pico. Levantou a mão para golpeá-la. Entretanto, acariciou seu pescoço. Talvez meu preço tenha mudado. Talvez prefira a ti. Está disposta a abandonar a esse teu marido, tão forte e carinhoso, e vir comigo, com preço por salvar sua pele?

 

Uma quebra de onda de asco a invadiu. O tato de Clancey era frio e gélido, como se pulverizasse limo sobre sua pele quando a tocava. Seu estômago se rebelou e enviou arcadas para sua garganta. Estremeceu-se, sem poder controlar-se. Era insofrível. Nunca mais. Por nada do mundo.

 

Por Ross? Para salvar a vida de Ross?

 

Como podia permitir que aquele animal a tocasse, depois de conhecer o amor de Ross? Por Deus bendito, como? Para salvar Ross e a Lee suportaria o que fosse, inclusive Clancey.

 

Abriu os olhos, que tinha fechado porque lhe resultava impossível suportar sua feiúra, e lhe olhou com frieza.

 

De acordo. Irei contigo.

 

Clancey lançou uma gargalhada suave, mas não menos mortífera. Passou a mão sobre seus seios com rudeza.

 

Poderia te ter quando me desse a vontade, irmãzinha. Separou-se dela. Em que pese ao seu excelente aspecto, neste momento prefiro os cinco mil dólares. Não têm comparação com seu caralho escuro e suculento.

 

Tinha-a humilhado, mas já não lhe importava. Suplicaria, se fosse necessário.

 

Não, Clancey, por favor. Não nos faça isto.

 

Lutei muito por esse dinheiro, coração. Lembra-te do menino ao que tive que matar? Como se chamava?

 

Luke Langston.

 

Sim, Langston. Um bastardo de muito cuidado. Quase me escapou. Lutou como um puma. E aquele tio tão elegante...

 

Winston Hill. Matou aos dois. Eram meus amigos.

 

Eu era o seu amigo, antes que me desse às costas. Deixou-me por morto, garota. Foi minha mulher. Escapou-te com a barriga cheia por meu menino. Tenho a intenção de que pague o que me fez. Tenho que fazer coisas na cidade.

 

O que vais fazer?

 

De momento procurar esse carro. Se me houver dito a verdade, não pode estar muito longe.

 

Lydia pensou nos senhores Prítchard e em seus cinco filhos. Mais inocentes sobre sua consciência.

 

Não poderá encontrá-lo disse inutilmente.

 

Clancey espremeu sua mandíbula na mão.

 

Reza por isso - sussurrou, ou me verá pela manhã com a lei a minhas costas.

 

Deu meia volta e se afastou. Lydia lhe seguiu com o olhar. Repetir a lista de seus crimes que só tinha servido para tomar consciência de quanto o odiava, quanto desejava lhe ver morto. Avançou dois passos para ele, mas em seguida se deteve. Como ia matá-lo? Carecia de armas. Clancey a derrotaria com facilidade, talvez a assassinaria, e depois voltaria por Lee e Ross.

 

«Deus, o que vou fazer?», Perguntou-se, enquanto subia ao carro, onde Lee dormia placidamente. Não podia ficar sentada a esperar que aquele animal arruinasse sua vida uma vez mais. Tinha que fazer algo. Mas o que? O que?

 

No exterior, uma sombra se arrancou das que rodeavam a carreta. Materializou-se e tomou a forma de um homem, que jogou uma olhada ao interior do carro e viu a Lydia inclinada sobre o menino. A jovem se retorcia as mãos e chorava. A silhueta cravou a vista no homem que caminhava com passo decidido para a cidade. Apertou os lábios e fechou os punhos.

 

Então, com o maior sigilo, seguiu ao homem.

 

Clancey não dava crédito a sua boa sorte. Uma sorte incrível!

 

Tinha localizado a carroça dos Pritchard estacionado na rua principal, em frente a um armarinho. O inseto e a estreita de sua mulher, junto com seus cinco filhos, estavam amontoando fornecimentos sobre a calçada, enquanto discutiam sobre a melhor maneira de carregá-los no carro.

 

Vigiou-lhes do outro lado da rua. Quando todos entraram no armazém para tirar outro carregamento, atravessou a rua e entrou na carroça sem que ninguém se desse conta. Só demorou uns momentos em localizar as madeira que Lydia já tinha levantado. Antes que os Pritchard saíssem carregados, Clancey tinha oculto a bolsa de veludo dentro da camisa e posto pés em empoeirada, contente de não ter matado a ninguém, nem ter atraído a atenção sobre sua pessoa.

 

Tinha pensado na melhor maneira de abordar à lei. Devia entrar no escritório do xerife e anunciar a voz em grito que conhecia o paradeiro de Sonny Clark? Clancey pensava que os homens da lei não eram muito inteligentes. Cabia a possibilidade de que o xerife nem sequer soubesse quem era Sonny Clark. Ao fim e ao cabo, o foragido não tinha atuado em Telhas. Passariam dias antes que a lei reunisse a suficiente informação para realizar uma detenção. Enquanto isso Clark e Lydia já teriam fugido. Não, mataria-lhes antes de deixar que escapassem. Como podia lhes vigiar a ambos e a um xerife imbecil ao mesmo tempo?

 

E se Lydia abria a boca e contava a alguém que Clancey era o responsável pelos assassinatos de Luke e Winston? Seria sua palavra contra a sua, é obvio. Quem ia acreditar na mulher de um criminoso como Clark?

 

Claro que várias testemunhas afirmariam ter visto Clancey nas cercanias da caravana. Não poderiam lhe acusar de nada, mas lhe impediriam de levar a recompensa.

 

Agora que já tinha as jóias, Clancey queria denunciar Clark para obter a recompensa e continuar seu caminho, mas qual era o melhor método de fazê-lo?

 

Seguia pensando nisso quando entrou no vestíbulo do hotel e se dirigiu para o bar. Passeou o olhar ao redor da sala. O primeiro que sua mente registrou foram os dois homens sentados em poltronas a uma mesa pequena. Um falava muito excitado, inclinado sobre a mesa, e a golpeava com os punhos. O outro escutava, com expressão de aborrecimento em seu rosto vulgar, mas seus olhos não deixavam de inspecionar, como um profissional, à multidão que abarrotava o salão.

 

Clancey lhes vigiou, enquanto deixava que outros clientes fossem rodeando. Aquela noite em Knoxville estava bastante aturdido por causa da ferida na cabeça e bastante bêbado, mas não o suficiente para que sua memória lhe falhasse agora. Eram os mesmos dois homens. Aqueles que lhe tinham inspirado a idéia de que Lydia talvez tivesse se refugiado na caravana. Os mesmos dois homens que perseguiam Clark.

 

Esteve a ponto de lançar um grito de júbilo. Miúdo bastardo afortunado era.

 

Tirou o pôster enrugado que sempre levava dentro da camisa e apertou a bolsa de jóias contra o seu estômago, enquanto se aproximava daqueles cavalheiros. Atirou o pôster sobre a mesa, entre ambos, sem pronunciar nenhuma palavra.

 

O homem do cabelo grisalho interrompeu seu discurso e levantou a vista, irritado.

 

Que caralho ... ?

 

O outro homem apoiou a mão sobre seu pulso para silenciá-lo, quando viu que era Clancey quem tinha atirado o pôster.

 

Convidam a uísque a um homem que tem uma grande sede e muito do que falar?

 

Clancey puxou para trás o gordurento chapéu e lhes olhou com arrogância, convencido de sua importância.

 

Majors aproximou uma cadeira vazia à mesa e agarrou outro copo da bandeja que descansava sobre o aparador próximo. Clancey sorriu como se soubesse um segredo que a ambos adorariam saber, e eles lhe olharam com desagrado e profundo interesse ao mesmo tempo. Nas circunstâncias nas que se achavam não se podiam permitir remilgos.

 

Clancey bebeu vários copos de uísque e se secou a boca com a manga.

 

Meu nome é Russell, Clancey Russell.

 

Eu sou Howard Majors, da Agência de Detetives Pinkerton. Este é o senhor Vance Gentry.

 

Clancey se esparramado, passeou a vista ao seu redor com ar indiferente e se serviu de outro generoso copo de uísque.

 

Tenho uma casa no Tennessee, perto da fronteira da Carolina do Norte anunciou. Faz meses que persigo a minha mulher, que fugiu com meu filho na barriga.

 

Pelo amor de Deus, homem... começou Gentry, mas a voz serena e profissional do Majors lhe interrompeu.

 

Tudo isso é muito interessante, senhor Russell, mas lhe importaria de dizer como chegou a suas mãos este pôster e o que sabe a respeito?

 

Clancey sorriu e revelou seus dentes cariados.

 

Nada, exceto que sei onde está esse tipo neste preciso momento.

 

Gentry saltou da cadeira, agarrou Clancey pela gola da camisa e quase o levantou da cadeira. O uísque escorregou sobre a mão de Clancey.

 

Onde? Perguntou Gentry.

 

A explosão de Gentry irritou tanto a Majors que esteve a ponto de lhe apontar com a pistola que levava escondida. Ficou em pé, empurrou ao homem com violência e lhe ordenou que se sentasse e calasse. Os três homens já tinham atraído a atenção de outros clientes do hotel, coisa que Majors não desejava. Ao menos, ainda não. Gentry obedeceu a contra gosto, não sem antes lançar um olhar ameaçador a Clancey.

 

Majors se voltou para Clancey, que estava lambendo o uísque derramado sobre sua mão.

 

Sinto muito, senhor Russell. O senhor Gentry está muito nervoso. Sua filha está casada com Clark. Ambos fugiram de sua casa do Tennessee faz meses e não sabe nada dela após. Está muito preocupado.

 

Clancey já sabia, mas não queria revelá-lo. Seus planos de ganhar o dinheiro da recompensa e pôr pés em empoeirada quanto antes não incluíam mesclar-se com a lei ou Gentry. Que Lydia e Clark dessem a notícia da morte de sua filha.

 

Devia fazer-se de parvo com respeito às jóias. Enterraria-as de noite. Ao dia seguinte Lydia pilharia os dedos, se lhes dizia que conhecia sua existência. Arruinaria a relação de Lydia com aquele marido ao que admirava tanto. Na opinião de Clancey, Lydia ainda não tinha pago o suficiente as cachorradas que lhe tinha feito. Ele se encarregaria de que aquela gata levasse seu castigo.

 

Clancey era um bom ator quando queria. Sua reação surpreendeu aos dois homens. Estalou em gargalhadas.

 

Casado com sua filha, né? Bom, não sei como lhe soltar isto, Gentry, mas segui a pista desse homem porque ele foi quem se levou a minha mulher, que afirma que está casada com ele e não comigo, e que o pequeno é dele, rio meu. Não ouvi que Clark vá com outra mulher.

 

Estamos perdendo o tempo gritou Gentry, sem dignar-se a olhar a Clancey, e dirigindo-se a Majors. Não sabe de que fala. Está bêbado.

 

Esta vez foi Clancey quem se enfureceu.

 

Estão procurando Sonny Clark, aliás Ross Coleman, verdade? Bem, ele está aqui, acampado a um quilômetro da cidade. Hoje tive uma pequena discussão com minha mulher quando os achei. Ela recuperou a prudência. Piscou os olhos um olho com expressão obscena. Um estupendo exemplar, sim senhor. Manterá ele ocupado esta noite até que eu volte com a lei.

 

Uma hora depois os três homens se separaram. Gentry se voltou para Majors quando Clancey já não pôde lhes ouvir.

 

Não disse a sério de esperar a que se faça de dia para que esse homem nos conduza até ali, verdade? Exclamou, quando Majors se encaminhou à escada.

 

Muito a sério. Não quero ir de noite. Clark poderia aproveitar a escuridão para escapar.

 

Agarraríamo-lhe por surpresa.

 

Também podemos fazê-lo pela manhã. Por isso Russell nos há dito, Clark não suspeita nada.

 

Se fez algo a Vitória - sussurrou, furioso, Gentry, embora o vestíbulo se encontrasse deserto, salvo por um empregado adormecido atrás do escritório. Russell não sabia nada dela. Vai correr o risco de que Clark fuja, quando seguimos sem conhecer o paradeiro de minha filha? Tinha elevado a voz outra vez. Bem, Por Deus que estou farto de sua cautela. Não esperarei a que seja de dia. Irei atrás dele agora e...

 

Gentry se encontrou de repente sacudido e arrojado contra a parede. Majors não era tão alto nem forte como ele, mas em que pese a que tinha alcançado a idade da aposentadoria, era robusto e contava com a vantagem do fator surpresa. Dominou com facilidade ao homem.

 

Escute-me, Gentry. Estou farto de você, de seu caráter e de seus discursos. Paga à agência, logo tenho que lhe agüentar, mas não me vai dizer como tenho que fazer meu trabalho. Faremos a minha maneira. A minha maneira.

 

Para sublinhar suas palavras, afundou mais os punhos no peito de Gentry, ao que agarrava pelas lapelas.

 

Se isso significa ter que lhe encadear à cama ou chamar o xerife para que lhe detenha sob alguma acusação falsa, farei-o com tal de evitar que vá esta noite como um potro desbocado e danifique tudo. O que prefere?

 

Gentry, furioso com a situação em que se encontrava, olhou aos olhos do detetive e leu uma resolução que até lhe custaria vencer.

 

Esperarei até manhã respondeu, rígido.

 

Majors soltou o fino tecido da jaqueta de Gentry. Seus olhos, penetrantes e incisivos, disseram-no tudo.

 

Clancey desceu pelo passeio, cantarolando para si, com um sorriso estúpido desenhado no seu rosto. Já ensinaria aquela puta. Tinha a intenção de estar com Gentry e Majors, quando estes a surpreendessem com seu marido pela manhã. Esperava pegá-los na cama.

 

Soltou uma gargalhada lasciva e pensou em seus seios. Cacete, Havia tetas por todo o país. Compraria as melhores. Obteria o dinheiro da recompensa amanhã, depois de que detiveram o Clark. Já tinha as jóias.

 

Clancey Russell seria muito feliz. Sim, senhor. Ia instalar se na cúpula do mundo. Já não havia nada que pudesse impedir-lhe

 

Ouça, senhor sussurrou uma voz das escuras sombras de um beco.

 

Sim? Perguntou Clancey. Cambaleou-se, muito bêbado, e tratou de enfocar o olhar. Quem me chama?

 

Eu. A voz saiu das sombras. Recorda-me?

 

Clancey piscou até que as duas imagens que apareciam ante seus ébrios olhos se fundiram em uma. Depois ficou boquiaberto e os olhos estiveram a ponto de sair-se das órbitas. Estava vendo um maldito fantasma!

 

Isto é pelo Luke. Meu irmão.

 

Bubba afundou a faca até o punho entre as costelas de Clancey e puxou para cima. Contemplou o feio rosto de Clancey, que primeiro se deformou de surpresa, depois de horror e dor, e por fim adotou a expressão vazia da morte.

 

Bubba tirou a faca e deixou que o corpo caísse com um sinistro ruído à ruela semeada de lixo. Ajoelhou-se ao seu lado só um segundo, antes de sumir de novo nas trevas, sem que ninguém lhe visse.

 

Ross estava deitado em seu leito improvisado, com as mãos enlaçadas detrás da cabeça e a vista cravada no negro céu aveludado, tachonado de estrelas e uma meia lua. Estava contente, estava em paz. A felicidade discorria por seu corpo como nata abundante e espessa.

 

Quando tinha visto morrer Vitória, pensou que sua vida tinha terminado.

 

Bem longe disso. Ross estava aprendendo que a vida oferecia tantas alegrias como penúrias. Não tinha por que ser uma luta constante por demonstrar a própria valia. Quando alguém se preocupava com voçê, sentia-se automaticamente valioso.

 

Lydia se preocupava com ele.

 

Vitória também. Ela não teria desafiado ao seu pai e contraído matrimônio com ele, se não o amasse. Vitória tinha passado por cima as convenções e a classe social. Mas teria casado com ele se conhecesse o seu passado? Teria amado da mesma forma?

 

Ross não acreditava. Talvez, mas não queria. Nunca tinha reunido a coragem necessária para pôr o seu amor a prova. Para ele, Vitória tinha constituído um tesouro, algo que devia cuidar e proteger, resguardar de qualquer coisa desagradável, conservar a todo custo. Não acreditava que tivesse tolerado a verdade sobre ele. Entretanto, Lydia parecia amá-lo mais por isso.

 

Amor? Por que tinha acudido a palavra a sua mente? É que Lydia o amava? Ela o tinha demonstrado de cem maneiras, nos pequenos favores que o fazia, a espera que aparecia em seus olhos quando o olhava, aquela falta de fôlego que estrangulava sua voz quando falavam. Não tinha tido em conta aquelas demonstrações de afeto até agora. Vitória tinha ocupado por completo sua mente e seu coração. Mas agora...

 

Grunhiu e apoiou um braço sobre seus olhos fechados quando recordou a noite em que lhe tinha demonstrado seu amor tão livremente. Deus, tinha existido alguma outra mulher mais hábil na arte de amar a um homem? A lembrança daquela noite o acariciou, do mesmo modo que as mãos delicadas de Lydia tinham acariciado o membro intumescido.

 

Nunca tinha repelido sua nudez. A idéia de um homem nu seria repugnante para a maioria das mulheres «decentes». Lydia, sem vergonha, nem acanhamento, tinha examinado seu corpo com sincera admiração. Tinha glosado seu corpo com as mãos, tinha-o sensibilizado.

 

Recostou-se contra ele, para descender de uma forma lenta e excitante por seu corpo. Lydia depositou beijos fugazes e leves em seu peito, lambeu seus mamilos, beliscou sua pele com os lábios, alvoroçou seu pêlo com as pontas dos dedos. Beijou seu umbigo de forma brincalhona.

 

- Lydia, não tem por que fazê-lo - havia dito ele, com voz áspera. Para desmentir suas palavras, tinha enredado os dedos entre seu cabelo.

 

Quero fazê-lo - tinha sussurrado ela, agitando o pêlo de seu abdômen com o fôlego.

 

O primeiro contato de seus lábios foi vacilante, recatado, tímido. Ross tinha contido o fôlego. O seu membro pulsava preso na mão de Lydia. Ross se sentia mais homem que nunca, e ao mesmo tempo débil e indefeso, por causa do doce amor daquela mulher, que não só tinha subjugado seu corpo, mas também seu coração.

  

   Tinha blasfemado, rezado e repetido seu nome como um possesso, quando a língua de Lydia começou a inspecionar cada textura e sabor de seu corpo. Sentiu-se alheio a todo pensamento lógico e só reagiu à magia que ela tecia. Os lábios de Lydia, incentivados pela resposta de Ross, que já não era tímida, provaram todo seu corpo.

 

   Quando Ross sentiu o primeiro tremor do clímax, colocou-a escarranchado sobre ele, e seu calor lhe envolveu. Lydia se derrubou sobre seu peito e cobriu ambos os corpos com seu glorioso cabelo. Ross agarrou seu rosto entre as mãos e aproximou sua boca para beijá-la com a mesma voracidade e intimidade que possuía a fusão de seus corpos. Provou seu próprio sabor nos lábios de Lydia e derramou palavras de amor em sua boca quando a alagou de sêmen.

  

   O corpo de Ross estava coberto com uma fina camada de suor, ao recordar essa última vez que ele e Lydia fizeram amor. A pressão de sua virilha era tão selvagem como naquela ocasião, e se amaldiçoou por ter insistido em que sua mulher dormisse sozinha com Lee.

  

   De repente sentiu o impulso de ir ao seu lado. O que responderia ela se lhe perguntasse nesses momentos o que sentia por ele? Sempre tinha sido sincera. Não podia acusá-la nesse sentido. Nunca tinha mentido para ele. Embora não tivesse afirmado que o amava, pensou que, com o mínimo estímulo, faria-o. Queria ouvir aquelas palavras de sua boca. Desejava-o com todas suas forças. De repente Ross sentiu que era vital para ele ouvi-la dizer que o amava.

  

   Lançou um olhar para o carro e lançou um suspiro de pesar. Estaria adormecida e seria cruel despertá-la, mas amanhã de noite...

  

   Amanhã de noite, e a seguinte, e todas as demais noites, até o fim de seus dias. Aguardava com ânsia cada uma delas.

 

Bubba se deslizou com sigilo até o carro de Hill e chamou Lydia em voz baixa.

 

Temerosa de que Clancey houvesse retornado, Lydia correu a abrir as lonas.

 

Sou eu, Bubba.

 

Lydia suspirou aliviada.

 

O que está fazendo a estas horas da noite? Perguntou em sussurros.

 

Trouxe isso para você - Bubba também falava em voz baixa.

 

Lydia, levou a mão livre à boca para sufocar um grito. A bolsa das jóias lhe parecia insuportavelmente pesada.

 

De onde tiraste esta bolsa?

 

Teve a impressão de que sua garganta quase se fechava ao redor das palavras, e descobriu que ficava muito pouco fôlego.

 

Bubba não respondeu de uma maneira direta a sua pergunta.

 

Não voltará a matar a mais pessoas inocentes como Luke. Assegurei-me disso.

 

Bubba tinha matado Clancey!

 

A família que comprou o carro...

 

Segui você, vi tirar essa bolsa. Não fez mal a ninguém e nunca saberão nada.

 

Lydia ficou assombrada pela mudança que tinha experimentado Bubba. Já não era o moço que tinha conhecido umas semanas atrás. Aquele jovem franco apenas se parecia com ele. Certa dureza tinha aparecido em sua mandíbula, um rastro de desconfiança se desenhava em seus olhos, antes tão inocentes. Em que momento tinha substituído Bubba sua ingenuidade por aquela atitude desenvolvida e experimentada? Bubba sustentou seu olhar sem pestanejar, quando antes teria afastado a vista, ruborizado.

 

Lágrimas nublaram os olhos de Lydia. Aquele moço adorável se transformou em um homem, e agora já sabia todas as coisas odiosas que os homens deviam encarar e fazer. Tinha vingado ao seu irmão, e ao mesmo tempo tinha devotado a ela um presente. Lydia ignorava como tinha averiguado sobre Clancey, e se absteve de perguntá-lo. Graças a Bubba o seu meio-irmão estava morto, e com sua morte, Ross voltava a ser livre.

 

Tocou a face de Bubba com as pontas dos dedos. Era impensável agradecê-lo por matar a um homem, mas queria informar o que significava para ela.

 

Sabe sobre Ross?

 

O jovem assentiu.

 

O suficiente. Ninguém saberá por mim, Lydia, como ele não saberá o teu com... Deixou a frase sem acabar.

 

Você devolveu a vida a nós dois. Primeiro, quando me encontrou no bosque à espera da morte, e agora, isto. Nós estamos em dívida contigo, Bubba.

 

O jovem moveu a cabeça negativamente. Seu cabelo loiro brilhou à luz da lua.

 

Eu devia a Luke.

 

Lydia agitou a bolsa das jóias.

 

Não a quero.

 

Imaginava isso.

 

Não é minha nem tampouco de Ross.

 

Mas possivelmente pertença a Lee.

 

É obvio! Um dia Lee conheceria a história de sua mãe. Ross gostaria de dar algo dele. Lydia decidiu ocultar a bolsa em uma das caixas embaladas e deixar que Ross a «descobrisse». A guardaria para Lee.

 

Sim, acredito que tem razão. Estas jóias são de Lee.

 

Lydia sorriu a Bubba, que soube que recordaria aquele sorriso durante toda sua vida. Como também recordaria a expressão de Clancey ao morrer. Bubba sabia que aquela imagem o perseguiria durante muito tempo. Não se sentia culpado por haver matado. Russell o merecia. Tinha assassinado Luke e ao senhor Hill. A lei das montanhas, olho por olho, estava muito arraigada na jovem mente de Bubba para que se sentisse culpado por saldar contas.

 

Só lamentava ter tido que fazê-lo. Não tinha desfrutado fazendo-o. O seu estômago tinha revirado.

 

Nunca presumiria de ter matado a um homem. Nem sequer o diria aos seus pais, nunca lhes diria que a morte de Luke tinha sido vingada. Nunca poderia pagar a dívida contraída com seu irmão, mas tinha ajudado Ross e Lydia, razão mais que suficiente para justificar o que tinha feito.

 

Adeus, Lydia.

 

A moça tragou saliva.

 

Adeus, Bubba. Pensarei freqüentemente em vós.

 

O jovem contemplou uns instantes seu rosto banhado pela lua, e desejou que seus destinos se cruzassem quando ele fosse uns anos mais velho. Depois se odiou por aquele pensamento. Ela pertencia Ross e sua união era perfeita. Só esperava encontrar um dia a uma mulher tão maravilhosa como Lydia.

 

Para dissimular seus sentimentos, tirou o chapéu, deu meia volta e desapareceu na escuridão.

 

Lydia entrou na escuridão do carro, abriu uma caixa que continha roupas de cama e pôs a bolsa entre dois edredons. Depois engatinhou para o colchão e se deitou. Fazia muito tempo que não rezava. Muito antes que sua mãe morresse, já o considerava inútil. Naquele momento tentou recordar as palavras corretas, mas não pôde, assim que as inventou. Sua oração não foi poesia lírica ou poética. Foi torpe, mas sincera. Confiava em que Deus compreendesse quão agradecida estava.

 

Cruzou os braços sobre seu corpo e deixou que todas suas preocupações e temores a abandonassem. Ross e ela eram livres. Amanhã partiriam para o seu novo lar. Ninguém saberia sobre os seus passados. Seriam o senhor e a senhora Coleman, invejados por sua felicidade.

 

Talvez amanhã encontrasse a coragem necessária para confessar a Ross quanto o amava.

 

Um ramo se quebrou sob o pé de Bubba, e antes que pudesse dar outro passo, a pistola de Ross já apontava ao seu peito.

 

Maldição, Ross, sou eu, Bubba.

 

Sinto muito.

 

Ross soltou o percussor de seu Colt e o escondeu debaixo da cadeira de montar, que fazia as vezes de travesseiro. Os velhos costumes eram difíceis de desterrar. Olhou para Moisés, que roncava muito perto. Desviou a vista para o jovem, que havia se agachado junto ao fogo.

 

O que faz rondando em plena noite?

 

Não podia dormir.

 

Ross suspirou, ainda martirizado pela monstruosa ereção que não cedia. Sentia muitas saudades de Lydia.

 

Eu tampouco.

 

Além disso, queria me despedir.

 

Ross contemplou a silhueta de Bubba, recortada contra o resplendor do fogo do acampamento. Onde estava aquele moço entusiasta que tinha conhecido no condado de McMinn, Tennessee? Tinha crescido. Seu peito já não era côncavo. Uma insinuação de barba aparecia em seu queixo e no lábio inferior. Sua voz era diferente. Seu comportamento já era de um homem.

 

De modo que não vais aceitar minha oferta - disse Ross em voz baixa. Intuía a luta que se levava a cabo no foro interno do jovem.

 

Bubba resmungou uma blasfêmia e atirou ao fogo o galho com o que estava brincando. Examinou os olhos de Ross a tênue luz.

 

Ross, já sabe que nada eu gostaria mais que ir contigo, Lydia e Moisés para trabalhar com vós, mas não posso.

 

Sei, Bubba. Disse-o a sério, não te equivoque, mas quando perguntei isso já sabia que devia ir com sua família. Só queria que soubesse o quanto sentiremos falta de você.

 

Obrigado, Ross. Contemplou o fogo com semblante sombrio. Meu pai está ficando velho. A morte de Luke o afetou muito. Acredito que já não o entusiasma tanto fundar uma granja como quando fomos.

 

Assim que encontre um pedaço de terra, passará.

 

Talvez - replicou Bubba sem grande convicção, mas necessitará ajuda, e eu sou o filho mais velho. Mamãe e ele dependem de mim. Não posso decepcioná-los, embora isso signifique não ir contigo.

 

Ross se levantou do colchão, agachou-se junto à Bubba e apertou seu ombro.

 

É uma decisão própria de um homem. Alegro-me de que a tenha tomado.

 

Seus olhos se encontraram um momento, emocionados, e logo se desviaram, turvados. Ross deixou cair a mão.

 

Contemplaram as brasas durante longo momento, até que Ross rompeu o silêncio.

 

Lydia está decidida a ir ver vocês. Pensei que dentro de um ou dois anos sua granja terá prosperado o bastante para criar alguns cavalos. O que te parece se trago uma boa égua e um garanhão para ajudar você a começar?

 

Nos olhos de Bubba apareceu aquele júbilo infantil que ninguém tinha visto fazia semanas.

 

Diz-o a sério? Perguntou, entusiasmado, mas imediatamente se desinflou e seu sorriso desapareceu. Não teremos muito dinheiro, Ross.

 

Ross encolheu os ombros.

 

Já pensaremos em algo. Você se encarregue de ter o curral preparado.

 

Farei-o, mas foda-se, dois anos!

 

Ross lançou uma risada.

 

Passarão mais depressa do que pensa. Ross removeu o fogo sem necessidade. Dirigiu um olhar sorrateiro a Bubba. Despediste-te de Priscilla?

 

Bubba soprou.

 

Sim. Tinha razão, Ross. É um problema. Encontrei-me com Scout antes que partisse e começamos a comparar notas, por dizê-lo de algum jeito. Nunca mais voltarei a me atar com uma mulher como ela.

 

Ross voltou a rir.

 

Como ela possivelmente não, mas te atará de todos os modos. Não podemos as deixar em paz. Elas nos agarram antes de sabermos como.

 

Sim? Perguntou Bubba, como dando a entender que tinha dedicado alguma reflexão ao tema. O que devemos fazer, Ross? Quero dizer que algum dia quero me casar e fundar uma família, mas, caralho, estou todos os dias com os botões da braguilha suspensos.

 

Ross sorriu como sem lhe dar importância.

 

Nesse caso já somos dois.

 

Quer dizer ... ?

 

Quero dizer que quando você tem uma boa noite, você sente ainda mais falta durante o dia.

 

Bubba contemplou ao seu ídolo, e logo os dois explodiram em gargalhadas, até que Moisés se removeu em seu colchão e ficou de lado.

 

Será melhor que baixemos a voz, ou despertaremos todo mundo.

 

Já tenho que ir. Minha mãe não dorme até que todos os pintinhos estão no galinheiro, e nosso carro está a um quilômetro daqui.

 

Ross se levantou e estendeu a mão.

 

Cuide-se, Bubba, e não se preocupe com as mulheres. Se você conseguiu sobreviver a um verão com Priscilla, saberá se arrumar bem da próxima vez.

 

Bubba apertou com solenidade a mão de Ross.

 

Você é melhor que qualquer outro homem que tenha conhecido, exceto Luke.

 

Ross apertou a mão do menino.

 

Muito obrigado pelo elogio, Bubba. Lydia ensinou Anabeth a ler e a escrever. Procura que nos escreva cartas para nos mantermos informados.

 

Bubba esteve a ponto de ficar em ridículo quando os olhos começaram a queimar. Soltou a mão de Ross e se afastou uns passos.

 

Cuida bem de Lydia e Lee.

 

Farei-o.

 

Acredito que ganhei o direito de ser chamado por meu nome, verdade?

 

Ross, surpreso, refletiu um momento.

 

Suponho que sim. Depois lançou uma gargalhada em voz baixa. Qual é?

 

Jacob - murmurou Bubba com acanhamento. Eu não gosto muito. Ao cabo de uma breve pausa, acrescentou. O que te parece Jake? Soa bem. Ergueu-se e inclinou a cabeça. Sim, Jake.

 

Ross assentiu.

 

Cuide-se, Jake.

 

Até logo, Ross.

 

Até dentro de um ano ou assim, Bubba.

 

Ross se estendeu em seu leito. Sentia uma tristeza indefinida por Bubba. Algo nele era diferente. Mais amadurecido. Ross tinha captado certa tensão no jovem. Quase como a que Ross tinha sentido aos dezesseis anos, quando matou...

 

Mas era impossível. Bubba era um bom menino, e seria um homem melhor ainda. Ross estava convencido.

 

Enquanto mergulhava no sonho, experimentou uma grande sensação de confiança sobre o futuro. Esperança no amanhã. Mal podia esperar que amanhecesse...

 

Não se mova, filho de puta.

 

Ross sabia que tentar agarrar o Colt seria uma estupidez. Todos seus nervos treinados o disseram. E demonstraram que estavam certo quando abriu os olhos e viu o canhão de uma pistola, não tão longa e atemorizante como a sua, mas igualmente mortífera se disparada a escassos centímetros de seu nariz.

 

O céu estava cinza, quase tingido de rosa. Não tinha adormecido tanto. Era cedo. Os arredores se encontravam em silêncio.

 

Olhou a mão que sustentava a pistola, subiu pelo forte braço até os ombros impressionantes e o rosto de granito de seu sogro. Os olhos de Gentry brilhavam sob seu chapéu de aba larga.

 

Ross controlou sua surpresa com tanta autoridade como aos seus músculos.

 

Senhor Gentry - disse, e se perguntou que caralho estava fazendo aquele homem a centenas de quilômetros de seu lar, lhe apontando uma pistola. Tinham tido suas diferenças. Gentry se opôs que Vitória se casasse com ele, mas por que emanava ódio dele como o perfume barato de uma puta? O que ... ?

 

-Onde está, ela? Onde está Vitória?

 

Então Ross reagiu. Apoiou-se sobre os cotovelos e contemplou o congestionado rosto do homem.

 

Vitória? Perguntou com incredulidade. Não se tinha informado? Não tinha chegado a carta ao seu destino? Vitória morreu, senhor Gentry - disse em voz baixa.

 

Viu que um estremecimento percorria ao ancião, mas só os olhos de Gentry se moveram. Apertou com mais força a pistola. Pelo resto, seguiu perfeitamente imóvel.

 

Morta?

 

Escrevi-lhe faz meses. Morreu ao dar a luz antes que saíssemos do Tennssee.

 

Não te movas, bastardo – gritou o homem, e deu chute brutal nas costelas de Ross.

 

Ross ouviu que suas costelas rangiam ao mesmo tempo em que Moisés despertava e se levantava.

 

Quieto, negro, do contrário matarei ao seu amigo - ameaçou Gentry.

 

Ross? Perguntou Moisés, vacilante.

 

Faz o que diz - disse Ross, com voz afogada. Lágrimas de dor foram aos seus olhos. Deitou-se de lado e protegeu com um braço a costela quebrada. Conte sobre Vitória.

 

Moisés olhou ao homem branco e reconheceu seus cruéis prejuízos imediatamente, mas não tinha outra alternativa que falar e ajudar a Ross.

 

A esposa do senhor Coleman morreu quando dava a luz ao seu filho, justo antes de chegar a Memphis - explicou em voz baixa Moisés. Enterramo-la.

 

Gentry lançou uma breve gargalhada.

 

Crê que vou acreditar em sua palavra? Minha filha não estava grávida. Teria me dito isso. Ou é porque acabou com ela depois de raptá-la e roubar as jóias? Onde a deixou? Acredito que está morta, sim, e acredito que você a matou.

 

Jóias? - Ross meneou a cabeça, com a esperança de despertar e dar por concluída aquele ridículo pesadelo.

Quebras de onda de dor percorreram seu corpo, brilhantes brilhos de luz amarela nublaram sua visão. Precisava vomitar.

 

Senhor Gentry, não sei do que está falando - disse com voz entrecortada. Sachs me deu o título de propriedade de umas terras do Texas.

 

Sachs está morto - replicou Gentry.

 

A notícia não surpreendeu a Ross. A última vez que o viu, antes de partir, soube que seu amigo estava perto da morte. Mesmo assim sentiu uma enorme tristeza. Sachs tinha sido o primeiro ser humano que se preocupou por Sonny Clark.

 

Cedeu-me suas terras, porque sabia que ele nunca poderia as desfrutar. Vitória e eu decidimos ir com meus cavalos para fundar nosso próprio rancho. Inteiramo-nos de que se formou uma caravana e unimos a ela para poder viajar sem riscos.

 

Esperas que acredite que minha filha abandonou seu lar, e tudo que amava, para seguir a um inútil?

 

Seu rosto ia avermelhando a cada momento que passava. Tremia de fúria, e Ross não gostava da forma em que seu dedo se curvava sobre o gatilho da pistola. Entretanto, ele não podia desencapar a sua, pois sua costela quebrada dificultaria os seus movimentos. Além disso, não queria ameaçar ao seu sogro.

 

Não fui eu quem tomou a decisão, a não ser Vitória - disse, com uma calma que não sentia. Eu queria esperar que você voltasse da Virginia para partimos. Queria que você soubesse do bebê...

 

Gentry descarregou um punho sobre a mandíbula de Ross, o qual desabou no chão.

 

Fecha sua suja boca e não volte a falar do bebê. Não te bastou matando-a?

 

O que acontece, Ross?

 

Ross ouviu a voz de Lydia entre a nuvem de dor e cólera que o envolvia. Pensava aceitar sem discutir as insensatas acusações de Gentry, para rechaçá-las assim que o fosse possível, mas o que podia fazer com a visão nublada por causa do murro do Gentry e uma costela quebrada?

 

Lydia - disse em voz tão alta como permitiu sua respiração ofegante. Traz para Lee.

 

A voz afogada de Ross e sua postura encolhida desconcertaram Lydia, até que reparou no homem que lhe apontava com uma pistola. Saltou do carro, apertou Lee contra o seu peito e se aproximou correndo. Não tinha tido tempo de vestir-se e os seios que transbordavam por cima de sua camisa brilhavam em tons dourados e rosas, como o céu para o este.

 

O primeiro que se fixou Gentry foi em seus seios, sem deixar por isso de apontar Ross com sua pistola. A garota era lixo, a pura imagem da luxúria. Clark se tinha desfeito da bonita, elegante e adorável Vitória, para juntar-se com aquela puta. A esposa fugitiva de Russell. Gentry sentiu que uma nova quebra de onda de ira percorria todo seu corpo. Que Clark preferisse a aquela rameira em lugar da sua amada filha era um insulto que acrescentava uma nova dimensão ao seu ódio.

 

Retrocede - ordenou a Lydia, quando esta se aproximou de Ross.

 

A moça parou em seco e aferrou Lee contra os seus seios.

 

Quem é você? O que quer?

 

Lydia, é o pai de Vitória. Mostre Lee. É seu neto, Gentry.

 

Mentiroso.

 

Esse menino é seu neto. Juro-o. Vitória morreu quando deu a luz.

 

É verdade corroborou Lydia. Meu filho nasceu morto. Eu dava de mamar a Lee. Ross não se casou comigo até semanas depois de que Vitória morresse.

 

Imaginei que vós dois tentariam me dar o golpe com este menino para me tirar dinheiro - disse Gentry. Cuspiu no chão, perto do rosto de Ross. Sinto náuseas só de pensar que tocou a minha filha - disse em voz baixa.

 

Já sei, maldição - rugiu Ross. Dá-me igual, mas vai renegar o filho de Vitória, carne de sua carne, por uma questão de orgulho?

 

O homem nem sequer dedicou um olhar ao menino.

 

Por que classe de imbecil me toma ... , Clark? Quando Ross elevou a cabeça com brutalidade, Gentry lançou uma gargalhada. OH, sim, sei tudo sobre ti, maldito foragido. Também sei tudo sobre essa puta. Grande cena comovedora acaba de interpretar. Mas conheci seu marido ontem à noite. Sustentei uma interessante conversação com o senhor Russell. Você, o grande Sonny Clark, foi posto em ridículo por um par de caipiras.

 

Ross olhou sem compreender ao seu sogro.

 

Russell?

 

Marido? Repetiu Lydia.

 

Clancey Russell. Disse que te conheceu faz uma ou duas semanas. Disse que fingiu ir pedir trabalho, quando sua mulher e ele planejavam te denunciar.

 

O primeiro pensamento de Ross foi que seu sogro havia enlouquecido. Depois seus olhos se cravaram em Lydia e descobriu a verdade em seu rosto, pálido, arrasado pelo sentimento de culpa e o medo.

 

Era o seu marido? Perguntou com incredulidade, ansioso de que ela o negasse.

 

Não. Clancey Russell não era meu marido - disse Lydia, e moveu a cabeça lentamente de um lado a outro. Ainda morto, Clancey seguia atormentando-a. - Era meu meio-irmão.

 

Deus do céu, também são parentes - burlou Gentry.

 

Seu meio-irmão? Rugiu Ross.

 

Os olhos de Lydia suplicaram compreensão.

 

Sim.

 

Maldição! Amaldiçoou Ross. Conhecia meu passado, antes que lhe contasse isso, verdade?

 

Sim, mas...

 

E você e o meio-irmão ao que afirmava odiar...

 

Odiava-o..., odeio-o.

 

Não podia revelar que Clancey tinha morrido nas mãos de Bubba.

 

Os dois pensavam me entregar em troca da recompensa.

 

Não - protestou histericamente Lydia. - Não, Ross. Ele me ameaçou denunciar você, se não lhe entregava as jóias.

 

As jóias? Que jóias?

 

As jóias que me roubaste, explicou Gentry. A herança da família Gentry. Não me cabe a menor duvida de que obrigou a Vitória a abrir a caixa forte que estava oculta atrás do quadro que pendura no comilão. Escondemo-as ali para evitar que os ianques as levassem, entretanto só serviu para que um ladrão como você nos roubasse. Não sabia que Russell estava informado. Esta mulher a que chamas sua esposa deve dizer-lhe.

 

Se o que quer são as jóias, as darei - disse Lydia, e avançou um passo para Gentry. As entregaria de boa vontade se com isso não seguisse mirando Ross. Lee... Levantou o menino para o seu avô.

 

O homem retrocedeu, como se o bebê fosse o filho do diabo.

 

Dê ao negro e vá procurar as jóias.

 

Moisés agarrou Lee, que chorava por causa da fome e a tensão que crepitava ao seu redor. Lydia levantou o bordo de sua camisa e correu para o carro, meteu-se dentro e tirou as jóias de seu esconderijo. Esquivou os olhos acusadores de Ross quando correu para Gentry e estendeu a bolsa.

 

Joga ao chão. A moça obedeceu. Olhe isso, Clark. Peguei você com as mãos na massa. É suficiente para te matar.

 

Nunca tinha visto essa bolsa - gritou Ross.

 

Ele não as roubou - disse Lydia. - Vitória as levou quando abandonaram o Tennessee.

 

Cale-se! Gritou Gentry. É indigna de pronunciar seu nome.

 

Agarrou o braço de Lydia com a mão livre e o retorceu às costas. Obrigou-a a virar o rosto para Ross.

 

Olhe-a, Clark. Esta é a classe de mulher que te convém, não minha Vitória. Olha-a, semi-nua sem a menor vergonha. Manteve-te ocupado ontem à noite, como Russell disse que faria, para que ele pudesse nos avisar de seu paradeiro?

 

Não! Gemeu Lydia, presa na dor e a vergonha. Clancey estava vingando a sua maneira. Ela podia passar por cima dos insultos de Gentry. Era a decepção estampada no rosto de Ross o que a estava matando.

 

Como soube das jóias, Lydia? Perguntou Ross, sem que sua voz delatasse o menor sentimento.

 

A moça tragou saliva e piscou para dissimular a dor que Gentry lhe estava infligindo.

 

Clancey me disse isso. Não sei como o averiguou. Apareceu com uns pôsteres nos que se reclamava sua busca e captura, e ameaçou...

 

Quando?

 

Justo depois de que matassem ao Luke.

 

Ross amaldiçoou e ficou a rir. Primeiro surgiram de seu peito rugidos profundos, que acabaram por converter-se em gritos de desespero. Sabia que a dor de seu flanco lhe estava levando a bordo do delírio, mas se abandonou na histeria.

 

Faz semanas.

 

Teria Lydia mentido em todos e em cada um dos momentos que tinham estado juntos?

 

Seus olhos afiados como lâminas fez pequenas incisões no rosto de Lydia. A jovem umedeceu os lábios.

 

Ele matou Luke, Ross, porque o menino o viu rondando no bosque próximo à caravana. Também foi ele quem me atacou e matou Winston.

 

E não foi capaz de dizer a ninguém, nem sequer a mim?

 

Tinha medo de que alguém fizesse mal a ti ou a Lee.

 

Ou talvez estivesse protegendo ao seu meio-irmão - replicou Ross, furioso.

 

Olhou seus seios, que transbordavam por cima da camisa. Estava um pouco inclinada, para tentar aliviar a dor que lhe causava Gentry, o qual só servia para destacar seu volumoso busto. Seu cabelo era uma juba revolta que rodeava sua cabeça e caía sobre os ombros.

 

Você se encontrou com ele em segredo, às minhas costas.

 

Sim, mas...

 

Esteve aqui ontem à noite?

 

Não. Quero dizer sim, mas...

 

Quando me suplicou que dormisse contigo, era para me ter ocupado? Foi sua puta, verdade? Obedecia a todas suas ordens.

 

As palavras de Ross a golpearam no peito como um canhão. O ar fugiu de seu corpo por causa do impacto. Olhou aqueles frios olhos verdes, que tanto conhecia. Depois do que tinham sido, o um para o outro durante as últimas semanas, Lydia não entendia como Ross ainda podia seguir acreditando o pior a respeito dela.

 

Sim - vaiou entre dentes. Sim, era sua puta, e sim, ele esteve aqui ontem à noite. Disse-lhe que iria com ele. Ofereci-lhe abertamente minha pessoa e meu corpo. Fui sua puta para salvar a vida de minha mãe. Teria sido sua puta durante o resto de minha vida, se com isso tivesse salvado a ti e a Lee. Ser sua puta não resultaria pior que ser a tua, porque isso é o que ainda pensa de mim, verdade?

 

Seu rosto brilhava à luz do sol. Os raios inflamavam seu cabelo e a convertiam em uma labareda e os seus olhos despediram um resplendor feroz ao olhar Ross. Nunca a tinha visto mais bonita. Calor, fogo, sexualidade, orgulho e valentia, tudo ao mesmo tempo. Deus, que coragem demonstrava ao lançar aquela confissão. E Ross a amava por tudo isso.

 

Antes que Ross pudesse dizer algo, Gentry jogou Lydia ao chão. Ela tratou de agarrar sua pistola, mas o homem lhe apartou a mão. Aquela fração de segundo foi suficiente para que Ross rodasse de lado, extraindo ao mesmo tempo o Colt oculto sob sua cadeira de montar e o engatilhasse.

 

Gentry girou em círculo e disparou contra a silueta móvel de Ross. Lydia gritou, mas a bala se afundou no pó, a escassos centímetros da cabeça de Ross. Seus anos de experiência como pistoleiro só lhe tinham ensinado uma resposta. Disparou seu Colt.

 

Gentry contemplou como atordoado a carne ferida que revelava a manga rota e enegrecida de sua jaqueta. Levantou a pistola de novo.

 

Eu não o faria.

 

Todos os reflexos condicionados de Ross ficaram em ação. Já não sentia a dor das costelas quebradas. Já não tinha a visão nublada. Sua voz possuía o timbre quebradiço das lascas de gelo ao cair sobre uma superfície refletiva. Tinha falhado de propósito a primeira vez. Agora o canhão de sua pistola apontava diretamente à testa de Gentry.

 

Jogue a pistola, senhor Gentry.

 

Você a matou. É o responsável por sua morte, tanto a assassinou a sangue frio como o fez de outro modo. Vou matar você por isso, embora me custe a vida.

 

Não quero lhe matar, senhor Gentry.

 

O homem emitiu uma desagradável gargalhada.

 

Você adoraria me matar, porque sabe que sempre te odiei. Vi a verdade nas maneiras educados que tentava copiar de seus superiores. É lixo. Sempre foi, e sempre o será.

 

- Seu braço está dormente e sangrando – assinalou Ross.

 

- O mundo me agradecerá por te eliminar.

 

- Não quero matar você, filho de puta! Gritou Ross. Jogue a fodida pistola.

 

Gentry sorriu e seu dedo se esticou sobre o gatilho.

 

Ross atirou a um lado seu Colt.

 

Não o matarei, Gentry. Nego-me. Assassinará a um homem desarmado.

 

Seus olhos verdes não se desviaram nem um momento dos do Gentry. Se a pessoa olhasse nos olhos... E Ross sabia que ia disparar.

 

Como você queira - disse Gentry em voz baixa, e curvou seu dedo indicador.

 

Não! Gritou Lydia, e ficou diante de Ross.

 

Jogue a arma!

 

A ordem dirigida a Gentry procedia de um homem montado a cavalo. Tinha um rifle apoiado contra o seu ombro e apontava para Gentry.

 

As armas se dispararam ao mesmo tempo. Uma bala destroçou o coração de Gentry e o matou imediatamente.

 

O homem que tinha disparado blasfemou, e saltou do cavalo antes que este se detivesse por completo.

 

Moisés apertou Lee contra o seu peito.

 

Senhor, Senhor - murmurou.

 

A bala disparada por Gentry alcançou Lydia, que notou uma dor abrasadora e se aferrou à camisa de Ross. Tentou elevar a cabeça, lhe olhar aos olhos. Ansiava ver neles seu perdão e sua compreensão, mas não teve forças para levantá-la. Uma cortina negra tinha caído sobre seus olhos, e não viu nada.

 

Ross gritou seu nome quando ela desabou sobre ele. Notou o sangue quente que empapava o seu peito.

 

Lydia, Lydia! Gritou com voz rouca, indiferente a tudo que o rodeava, só atento ao suave peso derrubado sem vida sobre ele.

 

Deito-a de costas no chão e contemplou seu rosto. Estava muito pálida.

 

Não, Deus, não!

 

Ross moveu os lábios, mas nenhum som brotou deles.

 

Aquele ia ser seu inferno por todos os pecados tinha cometido? Amar a duas mulheres. Perder a ambas. Tinha amado Vitória pelo que representava, assim o ensinou. Mas Lydia, Lydia. Tinha-o ensinado o que significava amar. Amar sem qualificativos. Não amar por causa de, a não ser apesar de.

 

Não morra - suplicou. Apoiou a cabeça sobre seus seios e se esforçou por escutar os batimentos do coração de seu coração. Necessito-te. Não morra.

 

Notou seu muito leve fôlego na face e soluçou de agradecimento.

 

O canhão de um rifle se afundou em seu ombro. Levantou a cabeça. Um homem ao que não conhecia olhava-o. Ross compreendeu que o homem o tinha reconhecido como Sonny Clark.

 

Meu nome é Majors. Sou agente de Pinkerton.

 

Ross devolveu o olhar, com olhos tão acerados como seus nervos. Tinha chegado o dia que sempre tinha temido. Ele o tinha estado esperando. Sempre teria que pagar. Sempre. A felicidade, por efêmera que fosse, exigia um alto preço.

 

Contemplou os lábios entreabertos que lutavam por cada preciosa baforada de ar. A luz da manhã tingia suas pestanas de um delicado tom violeta. Sua fragilidade translúcida lhe comoveu até destroçar sua alma.

 

Assinarei uma confissão completa - disse Ross em voz baixa, sem apartar a vista de Lydia. Depois o agente de Pinkerton foi transpassado por uns olhos verdes que tinham aterrorizado os corações de homens melhores que ele. Se salvar a vida de minha mulher.

 

Ross contemplou suas botas e o sujo chão, tão imundo como ele. Sem barbear, sem se lavar, manchado de suor. O sangue de Lydia tinha deixado uma mancha parda em sua camisa.

 

«Quatro dias - pensou com as mãos enlaçadas entre os joelhos.» Quatro fodidos dias estava sentado naquela cela, sem saber se Lydia vivia ou tinha morrido. Onde estava, onde estava Lee? Supunha que Moisés teria feito cargo do menino, mas tampouco estava seguro.

 

Ao que parece as suas costelas não tinham quebrado. Durante os dois primeiros dias ficou deitado e imóvel, com a esperança de que se curassem por si só, mas a dor não era nada comparado com sua angústia.

 

Não tinha visto ninguém, salvo a outros prisioneiros, que pelo geral tinham sido encerrados por estarem bêbados e por escândalo público. Depois de urinar e vomitar em um rincão, e de caírem adormecidos por causa do uísque, eram postos em liberdade. O gordo ajudante do xerife que trazia as sobras da comida não lhe havia dito nada.

 

Não sabia nada, salvo que um detetive de Pinkerton e Vance Gentry tinham descoberto quem era em realidade Ross Coleman e lhe tinham seguido a pista. Seria julgado, mas não era difícil adivinhar qual seria o veredicto. Enforcariam-no.

 

Levantou-se da suja cama de armar e passeou pela cela quadrada, sem pisar nos montes de lodo que preferia não identificar. Por que não tinha morrido três anos antes, por causa das feridas que deveriam o haver matado? Lydia tinha dado sua vida para lhe salvar. Podia pedir alguém mais amor? E tinha morrido pensando que a odiava.

 

- Coleman.

 

Girou em círculo. Era o ajudante do xerife. Aquele homem era um porco, tanto por sua falta de higiene como por seu comportamento. Ross não respondeu.

 

Jogou um par de algemas entre os barrotes. Ross as apanhou no ar.

 

.Ponha-as - disse o ajudante, enquanto mastigava tabaco e um rio pardo escorria pelas comissuras de sua boca larga.

 

Ross obedeceu. Seria que por fim ia poder ver o detetive, para que este o interrogasse e tomasse nota de sua confissão? Não soltaria objeto até saber o estado de Lydia. E se havia... morrido, não diria nada até que permitissem ver o seu corpo.

 

O carcereiro abriu a porta e com uma sacudida de cabeça indicou Ross que saísse. Caminharam pelo estreito corredor, indo o guardião uns passos por detrás do prisioneiro. A atmosfera da habitação exterior, em que pese a sua estreiteza e o calor do verão, era muito mais suportável que a da cela, e Ross inalou grandes quantidades de ar para eliminar o fedor que tinha ficado aderido a suas fossas nasais.

 

Vamos - disse o ajudante. Encaixou o chapéu de Ross sobre a cabeça deste. E nada de truques advertiu.

 

Guiou Ross pelas calçadas da cidade. Os transeuntes, que se dirigiam aos seus assuntos, dedicaram um olhar ao homem algemado. Pelo visto, Majors não tinha anunciado a identidade do prisioneiro. Seu nome não era muito conhecido naquela parte do oeste, embora todo mundo tivesse ouvido falar de Jesse e Frank James. A falta de curiosidade a respeito de sua pessoa era surpreendente.

 

Percorreram várias quadras até que o ajudante se deteve.

 

Aqui - disse, e subiram pela calçada de pedra que conduzia à uma limpa casa de um piso.

 

Ross deixou que o homem o empurrasse pela porta até entrar em um vestíbulo, onde se ouvia o tictac de um relógio de pêndulo.

 

Doutor! Chamou o ajudante.

 

Um homem saiu de uma habitação situada na parte posterior da casa e fechou a porta a suas costas. Jogou o colete sobre sua barriga e caminhou para eles. Lançou um olhar pouco amistoso ao ajudante.

 

Obrigado, Ernie - disse o doutor.

 

Passou junto Ross para abrir a porta, uma sutil maneira de indicar ao ajudante que podia partir. O gordo saudou com o chapéu a contra gosto e saiu.

 

O homem baixo e calvo contemplou o rosto barbudo de Ross.

 

Sou o doutor Hanson. Assinalou a porta pela que acabava de sair. Sua esposa está aí dentro.

 

O coração de Ross deu um tombo. Devia estar morta. Do contrário, não o teriam tirado do cárcere. Se estivesse viva, teriam dado permissão para visitá-lo no cárcere.

 

Deu um profundo suspiro, e com a respiração entrecortada avançou para a porta. Foi difícil, mas conseguiu girar o pomo ainda com as mãos algemadas. Cruzou a porta e a fechou uma vez dentro. Pouco a pouco, deu meia volta e passeou a vista por aquela habitação ventilada pela brisa, até que descobriu a cama.

 

Tinha esperado ver Lydia deitada com seu melhor vestido, as mãos cruzadas sobre seu peito imóvel. Em troca, só viu um edredom de alegres cores estendida sobre a estreita cama de ferro e uma colcha dobrada sobre a barra do extremo.

 

Seus olhos investigaram a habitação até que a viu sentada em uma cadeira de balanço perto de uma janela aberta. Olhava-o com os olhos totalmente abertos, sem piscar. Estava completamente imóvel. Ia vestida com uma blusa e uma saia. Nada se movia, salvo o cabelo de Lydia, que a brisa agitava ao redor de sua cabeça. Já não tinha aquela palidez cadavérica, mas não tinha recuperado toda a cor.

 

O agente de Pinkerton estava de pé ao seu lado.

 

Baixou a vista para as algemas.

 

Esse imbecil do ajudante - grunhiu.

 

Tirou uma chave do bolso, cruzou a habitação com agilidade e abriu as algemas, que escorregaram dos pulsos de Ross. Segurou-as e guardou no bolso.

 

Lamento que tenham devolvido o seu marido algemado como um delinqüente comum, senhora Coleman - disse, quase com jovialidade.

 

Ross pensou que, ou tinha perdido o ouvido, ou seguia apanhado em um pesadelo extravagante. Aquele homem tinha chamado a sua mulher senhora Coleman?

 

Lydia sorriu ao detetive. Ross só desejava embeber-se na contemplação de sua imagem, mas o detetive lhe falou.

 

Todos esses ridículos cargos contra você, senhor Coleman, foram retirados, certamente.

 

Ross contemplou aquele homem, incrédulo e estupefato. Seus olhos lançaram um milhão de perguntas, com tanta rapidez como o código Morse.

 

Majors pigarreou e desviou a vista daqueles olhos penetrantes. Não queria recordar que ia cometer um ato insólito, contrário a todos os princípios que ele tinha defendido ao longo de sua carreira. As coisas eram brancas ou negras, corretas ou incorretas. Até muito pouco não tinha acreditado naquela zona cinza onde o dever e a responsabilidade se viam afetados pelos sentimentos e pelos instintos.

 

Mas na prática ele tinha convivido com Vance Gentry durante os dois últimos meses. Tinha-lhe desagradado o compromisso dogmático e inquebrável do homem, com uma idéia, tanto se fosse falsa como verdadeira. Tinha visto o homem conhecido como Ross Coleman inclinado sobre sua esposa, suplicando que não morresse. Tinha passado horas com a moça, investigado o seu passado, perguntado pelo homem com quem se casou em circunstâncias excepcionais.

 

Tinha discutido consigo mesmo durante dias, mas ao amanhecer daquele dia já sabia o que ia fazer. A justiça daquele ato era duvidosa e dependia exclusivamente de seu ponto de vista, mas ia fazer de todos os modos.

 

Aproximou-se da outra janela da habitação e apartou a cortina, em teoria para admirar as rosas do verão da senhora Hanson. Mas em realidade o detetive preferia não lhes olhar, enquanto dava as explicações pertinentes.

 

Tal como eu o vejo, senhor Coleman, Gentry pensava que sua filha lhe tinha abandonado. Enfureceu-se com os dois por fugir dele. Como pai, não posso culpá-lo por isso, mas não é um crime que uma esposa parta com seu marido sem avisar aos pais.

 

Olhou para ambos por cima do ombro. Ross não se moveu, mas o observava com muda desconfiança. A mulher estava olhando ao seu marido. Voltou-se de novo para a janela.

 

Dediquei os últimos dias a realizar certas pesquisas. Vitória Gentry Coleman morreu ao dar a luz. Jovem, teria economizado muitos problemas se tivesse documentado de seu falecimento como é devido.

 

A boca de Ross se moveu sem êxito. Era uma armadilha? Para que? O homem sabia muito bem quem era. Lançou um olhar inquisitivo a Lydia. Ela sacudiu apenas a cabeça, para lhe informar de que sabia tanto como ele.

 

O sacerdote que presidiu o enterro me assegurou que se ocuparia da papelada.

 

Majors meneou a cabeça.

 

E ainda, todos outros membros da caravana com quem falei confirmaram a história que sua mulher, sua atual mulher, contou-me. Voltou-se para o Ross. A propósito, lamento que tivesse que permanecer no cárcere até terminar de comprovar estes dados.

 

Ross não disse nada, nem tampouco Lydia, que não havia dito nada desde que ele entrou na habitação. Estava doente? Transtornada? Por que olhava Lydia com a mesma cautela que tinha visto em seus olhos a primeira noite, quando a tinham conduzido a sua carreta para que desse o seio a Lee?

 

Majors tirou algo do bolso e o jogou sobre a cama. Era a bolsa de veludo negro.

 

Gentry o acusou de roubar estas jóias.

 

Eram de Vitória. Não as quero - replicou Ross.

Se Majors tinha albergado alguma dúvida a respeito, ficou convencido de que estava obrando bem. Sonny Clark não teria chorado sobre o corpo de uma mulher ferida. Sonny Clark teria saído a tiros de uma situação comprometida. Sonny Clark tinha fama de ter destroçado qualquer cela que tinha tido a má sorte de lhe alojar. Ross Coleman tinha passado os últimos dias com a vista cravada nas paredes, silencioso e sumido em sua dor.

Ross Coleman era um homem admirado e respeitado por todos aqueles com quem viajava. Teria podido matar Gentry em defesa própria, mas não o tinha feito. Quando o deteve, comportou-se com docilidade, não isenta de hostilidade. Sua principal preocupação era sua mulher. Não tinha pedido nem um favor para si, mas sim tinha rogado que a transladassem imediatamente à consulta de um médico. Não tinha tentado escapar.

Agora desdenhava uma pequena fortuna em jóias. Não, aquele homem já não era Sonny Clark. Era Ross Coleman, e Majors ia deixar que vivesse em paz. Com a idade, estava ficando sentimental, mas não gostava de absolutamente de se aposentar com aquelas duas vistas arruinadas sobre sua consciência.

Talvez você não as queira, mas legalmente pertencem ao seu filho, senhor Coleman. Não acredita que deveria as guardar até que ele seja maior de idade?

 

Ross cabeceou pouco a pouco. Majors estendeu a bolsa a Ross, que a sua vez a deu a Lydia.

 

Os restos do senhor Gentry já vão caminho do Tennessee. Telegrafei ao seu advogado, que me informou de que se ocuparia dos preparativos do funeral. Majors tossiu e passeou ante a janela antes de prosseguir. Interroguei a sua esposa a respeito de seu falecido meio-irmão e...

 

Falecido?

 

Sim, claro. Não pôde inteirar-se da notícia. Encontrei-o morto a manhã que segui Gentry, a quem tinha advertido que não acusasse a você de roubo e seqüestro sem a minha presença. Quando despertei e fui a sua habitação, descobri que seu sogro havia saído.

 

Majors umedeceu os lábios ao recordar sua irritação naquele momento. Tinha saído a toda pressa do hotel em direção à cavalariça, e foi então quando viu o corpo de Clancey estendido no beco que corria paralelo ao hotel. Supôs que Gentry tinha matado Russell para impedir que divulgasse a história sobre o matrimônio de sua filha com Sonny Clark.

 

O assassinato de Russell segue sem solução - disse com ar pensativo.

 

Coleman não podia havê-lo feito. Quando interrogou Moisés, este afirmou que Coleman não se separou dele da tarde até que Gentry despertou pela manhã. E a moça? Majors a olhou. Se tinha escapado para assassinar ao seu meio-irmão, coisa que duvidava, era muito justificável.

 

Lydia continuou em silêncio, rezando para que Majors não lesse seus pensamentos. Jamais delataria ao assassino de Clancey. Nem sequer a Ross. Bubba o tinha pedido que guardasse o segredo. Manteria sua promessa.

 

Ouviram falar de um pistoleiro chamado Sonny Clark? Perguntou de repente Majors.

 

Os olhos de Lydia se encontraram um momento com os de Ross, antes de desviá-los para o detetive. Ross assentiu. Não diria nada em voz alta até saber a que jogava Majors.

 

Lydia sentiu o coração na garganta.

 

Ouvi dizer que tinha morrido - disse pouco a pouco o detetive, sem apartar a vista do rosto de Ross. Dizem que morreu faz anos, por causa das feridas recebidas durante o assalto a um banco. O que opina dessa teoria?

 

Está morto - afirmou Ross.

 

Está seguro?

 

Sim.

 

Majors assentiu, sem deixar de olhar Ross com astúcia.

 

Se estivesse vivo, suponho que não poderia dar nenhuma luz sobre o paradeiro atual dos irmãos James.

 

Juro Por Deus que não sei nada ao respeito - respondeu Ross de todo coração.

 

Majors intuiu que aquele homem não mentia.

 

Sim - disse. Acredito-lhe. Acariciou a orelha como se estivessem falando de um tema sem importância. Minha última missão oficial como detetive de Pinkerton será pulverizar a notícia de que Sonny Clark morreu lançou uma alegre gargalhada. Estou seguro de que muitos agentes da lei e caçadores de recompensas vão ter uma grande decepção. Não obterão nenhuma recompensa graças a ele.

 

Em que pese a que fosse difícil, Ross e Lydia se mantiveram imperturbáveis. Só o pomo de Adão de Ross se movia de cima abaixo quando tragou saliva.

 

Majors se aproximou da porta e a abriu.

 

Não vejo motivos para lhe reter mais.

 

Fez um gesto para indicar que podia partir.

 

As outras únicas pessoas que conheciam a autêntica identidade de Ross Coleman tinham morrido: Vance Gentry e Clancey Russell. Madame LaRue receberia uma carta de Majors comunicando que o pistoleiro tinha morrido perfurado de balas. Não especificaria a data.

 

Majors tinha interrogado a fundo Moisés. Tinha perguntado se o senhor Coleman se mostrava violento em alguma ocasião. O escravo livre tinha jurado que o senhor Coleman era um dos homens mais educados ao que tinha tido o prazer de conhecer. Não sabia nada sobre o passado de Coleman.

 

É obvio, Moisés mentia, pois tinha ouvido tudo que Gentry havia dito aquela manhã, mas Majors sabia que o negro levaria o segredo à tumba. Lydia Coleman não falaria nunca do turbulento passado de seu marido. Bastava ver como o olhava para saber que seu amor por ele transcendia os limites da normalidade.

 

Seu marido a tinha ajudado a levantar-se, sem trocar nenhuma palavra. Majors viu as lágrimas de gratidão que brilhavam nos olhos estranhos daquela mulher, quando se aproximou dele. Escolheu suas palavras com muito cuidado.

 

Você foi muito amável. Obrigado.

 

Saiu da habitação e deixou Ross a sós com o detetive. Os dois homens trocaram um olhar. Ross abriu a boca, mas Majors agarrou a mão para lhe calar.

 

É melhor que não me agradeça.

 

O agradecimento equivaleriam a uma confissão. Não podia arriscar-se a admitir que lhe tinham concedido um favor sem precedentes.

 

Ross apertou a mão do homem. Depois saiu a toda pressa para reunir-se com sua esposa. Howard Majors lhes viu afastar-se. Sorriu para si e se perguntou se era um semideus ou só um velho caduco e sentimental.

 

O doutor Hanson lhes acompanhou até o lugar onde Moisés tinha acampado com as duas carretas, ao redor da cidade. O negro lhes recebeu com entusiasmo. Reencontraram-se com Lee, que tinha sido bem atendido, ao igual a Lucky e as éguas. A nova vaca leiteira tinha também muito bom aspecto. Depois que Ross e Lydia agradeceram ao médico, este retornou à cidade. Ross prendeu os cavalos.

 

Aquele dia só viajaram uns quantos quilômetros seguindo paralelos ao rio que desembocava nas terras de Ross, quem tinha entregue o título de propriedade no escritório de registros o dia que tinha vendido a carreta aos Pritchard. Tudo estava em ordem para que tomassem posse imediata.

 

Assim que acamparam para passar a noite, Moisés procurou desaparecer discretamente.

 

Acredito que irei rio abaixo para ver se posso pescar um bom peixe para o jantar.

 

Percebia a tensão que reinava entre Ross e Lydia. Não tinham trocado nenhuma palavra. Ross tinha conduzido o reboque e Moisés a carreta. Lydia tinha viajado deitada na parte posterior.

 

Obrigado, Moisés - disse Ross, enquanto desenganchava a parelha. Será ótimo.

 

Levarei Lee. Dormirá à sombra, e se acordar, começarei a lhe ensinar a nobre arte da pesca.

 

Se não for incomodar...

 

Não. Ficamos grandes amigos. Seus olhos escuros se encontraram com os de Ross. Acredito que demoraremos bastante em retornar.

 

Ross terminou os preparativos do acampamento, acendeu o fogo e desceu ao rio para tomar banho. Esfregou-se forte para tirar o odor do cárcere. Depois de vestir calças limpas, barbeou a barba de quatro dias e começou a sentir-se de novo como um ser humano.

 

Já voltava para acampamento quando Lydia apareceu à parte posterior do carro de Hill. Retrocedeu quando o viu, mas depois desceu a terra com decisão.

 

Faz calor no carro. Acredito que me sentarei junto à água para me refrescar.

 

Tirou a blusa, mas seguia com a saia posta. Ia descalça. A vendagem que rodeava o ombro de Lydia era uma dolorosa prova da recente tragédia que os dois tinham vivido. Ross ficou sem fala.

 

Ela passou longe sem lhe olhar aos olhos. Quando ele a alcançou, sentou-se à borda do rio. Contemplava o lento fluir das águas. A luz do sol poente se derramava sobre ela como ouro líquido. Quase parecia muito bonita, muito etérea, para tocá-la. Quase.

 

Ross se sentou ao seu lado. Depois de um longo e silencioso momento, voltou-se para ela e tocou a vendagem com o dedo.

 

Por que o fez, Lydia?

 

O que? - Perguntou ela com voz oca.

 

Quando Ross tinha entrado na habitação do médico com aquele aspecto cansado, sujo, atordoado e desnutrido, ela tinha desejado saltar da cadeira e jogar-se em seus braços, mas tinha recordado a expressão de asco em seu rosto quando Gentry o tinha obrigado a vê-la como era em realidade. Ia obrigar a repetir os motivos de sua relação com Clancey?

 

Por que se interpôs quando Gentry me disparou?

 

Lydia elevou a cabeça. Os olhos de ambos se encontraram.

 

Porque eu te amo - respondeu, quase sem mover os lábios. Faria qualquer coisa para salvar você.

 

Embora isso tivesse significado voltar com Russell?

 

Um espasmo de repulsão alterou o rosto de Lydia um instante, mas não houve vacilação em seus olhos quando respondeu.

 

Sim, embora tivesse tido que voltar com ele.

 

Lydia. - Seu nome surgiu como um grito entrecortado de seus lábios quando a apertou em seus braços e enterrou a cabeça na curva de seu pescoço. Pensava que tinha morrido. Não me disseram nada. Deus, não pode imaginar o que padeci ao pensar que tinha sacrificado sua vida por mim.

 

Lydia lhe acariciou o cabelo, ainda molhado do banho. Alisou-o com suavidade, temerosa de acreditar no que estava ouvindo.

 

Ross agarrou seu rosto entre as mãos e a jogou para trás. Roçou seus lábios com os polegares.

 

Pensava que te tinha perdido antes que soubesse o quanto te amava.

 

-Ross! Exclamou ela. Pensava que me desprezava. Vi-o em seus olhos, em seu rosto...

 

Sinto muito, sinto muito. Semeou de beijos seu rosto. Por um momento o fiz, mas logo compreendi o quanto havia custado dizer que voltaria com Russell. Sabia quanto o detestava. Então compreendi o muito que devia me amar.

 

Beijou-a. Passou uma mão por detrás de sua nuca e a atraiu para ele. Acariciou sua boca com os lábios e o bigode, antes de afundar a língua no doce orifício e passeá-la a vontade.

 

Quando por fim se separaram, sem fôlego, ela embalou sua cabeça entre as mãos e olhou aos olhos.

 

Lamento que devesse inteirar-se assim de que Vitória pegou as jóias. Tentava impedir que o senhor Gentry te disparasse, do contrário nunca o haveria dito.

 

Ross acariciou com delicadeza os seus lóbulos entre os dedos indicadores e polegar.

 

Ela não confiava em mim, Lydia. Não confiava que a cuidasse.

 

Estou segura de que sim, só que estava acostumada a ter coisas bonitas. Ele não acreditava, mas assentiu. Sei que a amava, Ross, e me parece perfeito.

 

Ross estudou sua boca e se perguntou se algum dia se cansaria de saboreá-la. «Não», pensou.

 

Amava Vitória pelo muito que me ajudou. Sempre a amarei por Lee, mas - acrescentou, enquanto lhe roçava os lábios com os seus - Você é meu amor. Meu mais prezado amor, ao que seguirei querendo e necessitando todos os dias de minha vida.

 

Ela mal teve tempo de sussurrar seu nome, quando ele procurou outra vez os seus lábios. À medida que o beijo se intensificava, tombaram-se sobre a erva fria e verde. Quando seus lábios se separaram por fim, olharam-se. O dedo indicador de Ross seguiu o rebordo de renda de sua camisa e despertou pontadas de desejo em todo seu corpo.

 

Por que crê que ele fez isso, Lydia?

 

Sua mão se imobilizou.

 

Os dedos de Lydia, que estavam adorando os planos de seu rosto, descansaram também.

 

Não sei.

 

Passei quatro dias sem saber se estava viva ou morta. Não parava de pensar em ti, deitada na erva e coberta de sangue, enquanto me levavam a rastros. Deus! –Afundou a cabeça no vale de seus seios. Se Majors me obrigou a passar pelo calvário e ignorar o que te tinha ocorrido, por que me deixou em liberdade?

 

Lydia passou os dedos por seu cabelo.

 

Deve ter compreendido que já não era o homem de antes, que tinha mudado por completo. Mas tinha que assegurar-se. Chegou à conclusão de que não era justo fazer que Ross Coleman pagasse os pecados de Sonny Clark.

 

E os pecados de Ross Coleman? Perdoará-me alguma vez por ter duvidado de ti?

 

O sorriso de Lydia foi um pouco travessa.

 

Se me amar agora.

 

Os olhos de Ross cintilaram de paixão reprimida a ponto de explodir.

 

Não podemos. Machucarei você.

 

Beijou a vendagem.

 

Só é uma ferida superficial. O médico disse que meu desmaio foi causado pela impressão mais que pela gravidade da ferida. Leu dor nos olhos de Ross e o interpretou mal. É feia. Ficará uma cicatriz - disse com acanhamento.

 

Ross grunhou e beijou as curvas superiores de seus seios.

 

Essa bonita cicatriz sempre me recordará o teu amor.

 

Inclusive quando brigarmos, como sem dúvida ocorrerá?

 

Inclusive isso. Caralho, eu tenho uma para casa uma de nossas brigas. Excita-me. Levantou a mão e sorriu. E se começarmos a comparar cicatrizes, ainda ficam muitas para me alcançar.

 

Estendeu as mãos para a cinta de sua camisa e a desenredou.

 

Tem certeza de que está bem?

 

Sim - respondeu Lydia com ar sonhador, enquanto o ajudava a liberar os botões e tirava o objeto.

 

Quando se deitou de novo, Ross contemplou seus seios.

 

Sempre me esqueço do quanto você é magnífica. Cada vez que te contemplo nua é como descobrir um novo tesouro.

 

Encheu as mãos dela, acariciou, massageou. As pontas de seus dedos brincaram com seus mamilos, que responderam imediatamente a suas carícias. Inclinou a cabeça, tomou um em sua boca e o chupou com delicadeza.

Ainda tem sabor de leite. A primeira noite que a trouxeram para meu carro, lembro que vi isto - seguiu com o dedo o contorno da auréola, pérola de seu leite. - Já naquele momento te desejei. Que Deus me perdoe, mas assim foi.

 

Ross, por favor.

 

Acessou a sua súplica e se levantou para tirar as calças. Lydia o surpreendeu quando se ajoelhou em frente a ele. Ela não tinha pudor em fazer amor ao ar livre. Tinha ouvido Moisés dizer que Lee e ele se ausentariam durante muito tempo.

 

Olhou Ross com seus olhos âmbar e passeou as mãos sobre seu estômago.

 

Eu tirarei isso.

 

Passou a boca sobre seu umbigo orlado de pêlo. Os dedos de Ross se fecharam ao redor de sua cabeça, ao tempo que pronunciava o seu nome com lábios trêmulos. Lydia desabotoou os botões de suas calças um a um, e seus lábios acariciaram com ternura o que ia surgindo. Foi aquela carícia escorregadia de seu fôlego, seus lábios, sua língua, o que o enlouqueceu de paixão.

 

Ela acariciou com as mãos a parte superior de suas coxas, e logo subiu até seus quadris. Baixou as calças de um só e firme movimento sobre os músculos tensos de suas nádegas. Sua ereção perfeita era uma afirmação de seu amor e um bonito símbolo de masculinidade. Beijou-lhe com tenra reverência.

 

Ai, meu amor.

 

Ross lançou um grunhido retumbante quando se liberou da roupa interior. Deitou Lydia sobre a erva. Ajoelhou-se ao seu lado, desabotoou sua saia, soltou suas anáguas e todas as demais roupas.

 

Ross sorriu. O cabelo de Lydia estava esparramado sobre a erva. Um arco íris de cores crepusculares pintava o seu corpo de vermelho, ouro e lavanda. O resplendor natural de sua pele dotava ao espectro de um brilho especial. A vendagem branca não diminuía sua beleza, mas sim a aumentava. Deitou ao seu lado e tomou em seus braços. Voltou seu rosto para ele com o ombro ferido mais elevado.

 

É tão bonita - sussurrou. Ama-me tão bem, Lydia. Agora tem sentido.

 

Tocou seus seios, beijou-os, lambeu os mamilos até que brilharam. Depois deslizou os dedos entre o ninho de pêlo vermelho. Separou suas coxas com delicadeza.

 

Beijou seu estômago, e depois passeou sua boca sobre o precioso montículo de sua feminilidade. Rendeu tributo com os lábios ao altar de seu sexo. Depois a amou até a culminação com uma língua autoritária, decidida a proporcionar prazer e demonstrar seu amor.

 

Ross, Ross exclamou Lydia com voz entrecortada, e o abraçou.

 

Ross subiu até olhar o rosto e apoiou sua coxa sobre o quadril.

 

Não se esforce - ordenou em voz baixa. - Deixe a mim.

 

Penetrou-a com uma suave investida. Apertou-a contra o seu peito e foi aprofundando ao ritmo de cada carícia. Lydia moveu os quadris contra o seu estômago, e quando ele murmurou seu prazer supremo, repetiu o evocador movimento.

 

A comoção se precipitou sobre ela como sempre, embora cada vez fosse única. Primeiro a sensação de que a acariciavam com uma luva de veludo de dentro fora, e tudo ao mesmo tempo. Depois se jogava de cabeça em um estado de estupor onde só reinavam as sensações.

 

A seguir o jorro de luz que acompanhava ao estalo de calor líquido que surgia da virilha de Ross. Afluía como uma corrente a suas vísceras, alagava sua vagina, todo seu corpo, de amor. O mais sublime era aquele deslizamento leve em seu abraço, onde percebia a fortaleza de seu amor.

 

Eu te amo - sussurrou ela contra o seu peito, cujo pêlo estava agora cacheado e úmido. Beijou a cicatriz que corria sobre seu mamilo esquerdo.

 

Eu também te amo. Você me libertou do passado.

 

Lydia suspirou.

 

E você a mim, Ross. E você a mim. Só fica o futuro.

 

Permaneceram deitados e entrelaçados durante muito tempo. Os vaga-lumes sulcavam o ocaso como estrelas fugazes. O disco vermelho do sol ficou suspenso sobre o horizonte, como se resistisse a deixar atrás o dia. O céu adquiriu um vívido tom anil. O crepúsculo se fechou em torno deles e foi bem-vindo.

 

E desde aquele dia a aurora seria igualmente doce. 

 

                                                                                Sandra Brown  

 

                      

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