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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CORAÇÃO DE OBSIDIANA / Nalini Singh
CORAÇÃO DE OBSIDIANA / Nalini Singh

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

No ano de 1979, a raça Psy tomou a decisão de abraçar o Silêncio e retirar toda a emoção de seus jovens através de um condicionamento; de se tornarem seres sem esperança ou aflição, raiva ou medo, tristeza ou alegria.

Mães e pais sentenciaram suas crianças a vidas de controle frio sem o amor profundo, amor que essas crianças nunca sentiriam de volta. Eles disseram aos seus bebês que o Silêncio era um presente precioso, que os salvaria da loucura e violência que tão frequentemente vinha entrelaçado com a beleza impressionante de suas habilidades psíquicas.

Sem o Silêncio, disse um líder filósofo da época, nós iremos nos destruir em uma tempestade de sangue, morte e loucura, até que a raça Psy não seja nada além de uma memória terrível.

Em 1979, o Silêncio era um farol de esperança... mas 1979 foi há mais de cem anos atrás.

Aquelas primeiras crianças estão mortas há muito tempo, e a PsyNet foi abalada pela primeira torrente de uma guerra civil que ainda pode destruí-la, levando os changelings e humanos com ela. A guerra civil despertou um sussurro de entendimento na população sobre a feia ironia do Silêncio: ao criar uma sociedade que recompensa a falta de emoção, os Psy criaram um solo fértil para o crescimento de personalidades psicopatas para a liderança de sua raça.

Um indivíduo que não sente nada é, no fim das contas, um licenciado perfeito do Silêncio.

Implacável. Sangue Frio. Impiedoso... Inconsciente.

 

 

 

 

                                 Capítulo 1

Kaleb Krychek, telecinético cardeal e um homem que ninguém queria encontrar sozinho numa noite escura, esteve procurando por sua vítima por sete anos, três semanas e dois dias. Mesmo enquanto ele dormia, sua mente continuava a caçar através da rede psíquica que era a vida e a jaula da raça Psy. Nem sequer por um dia, ou por um segundo, ele se esqueceu de sua busca, esqueceu-se do que eles tiraram dele.

Todos os envolvidos pagariam. Ele se asseguraria disso.

Nesse momento, porém, ele tinha prioridades diferentes, sua busca completa, seu alvo encolhido num canto de um quarto pequeno e sem janelas em sua casa isolada nas margens de Moscou. Se agachando em frente a ela, ele ofereceu um copo de água. — Beba.

A resposta dela foi se apertar impossivelmente mais perto da parede e apertar seus braços em torno dos joelhos encolhidos contra seu peito. Ela passou toda a hora desde que ele a resgatou de sua prisão se balançando pra frente e pra trás em silêncio. Seu cabelo era uma bagunça emaranhada, como um ninho de rato, em volta de seu rosto, seus braços exibindo tanto arranhões recentes quanto marcas de feridas mais antigas.

Ela ainda tinha 1,57 de altura... ou assim ele julgava. Ela esteve nessa posição encolhida antes que ele a teleportasse, e somente se encolheu ainda mais nos últimos sessenta minutos. Seus olhos — um azul tão profundo quanto à meia noite — se recusavam a encontrar os dele, desviando quando ele entrava em seu campo de visão.

Agora ela virou a cabeça, as mechas emaranhadas até a cintura que deveriam ser um rico preto entrelaçado, com inesperadas mechas de vermelho dourado, oleosas e apagadas em torno de seu rosto abaixado. Aquele rosto era somente ossos sob uma pele do marrom mais claro, as unhas em suas mãos roídas até a carne e com sangue seco, dizia que ela usava os tocos para arranhar viciosamente ou sua pele ou a pele de outra pessoa, talvez os dois.

Finalmente, ele entendeu por que a NetMind e a DarkMind, as entidades gêmeas que conheciam todos os lugares da vasta rede que conectava todos os Psy do planeta, menos os renegados, foram incapazes de encontrá-la — independente de quantas vezes ele tenha feito o pedido ou quanta informação ele deu a elas em um esforço de refinar o escopo da busca. Kaleb esteve dentro da mente dela durante o resgate, precisou estar para completar a teleportação, e mesmo assim, ele não teria sabido o que era ela se não tivesse evidencias irrefutáveis para provar. A pessoa que ela foi havia morrido.

Se o que permaneceu era algo mais que uma concha quebrada, ainda era uma pergunta sem resposta.

— Beba ou eu a deixarei chafurdar em sua sujeira.

Ele usou palavras que uma vez a fariam reagir, mas ele não sabia se aquela parte dela ainda existia. O arquivo que ele juntou tão meticulosamente através dos anos, o arquivo que estudou até que pudesse recitar o conteúdo em seu sono, seria inútil. Ela não era mais aquela garota com o cabelo penteado, liso e brilhante, e olhos de meia noite que pareciam ver muito além da pele.

— Talvez você goste de cheirar como algo que saiu do lixo.

O balançar parou.

Lógica dizia que ele precisava de um M-Psy aqui o mais rápido possível. Mas Kaleb sabia que não faria isso. Ele confiava em muitas, muitas poucas pessoas, e ele não confiava em ninguém quando se tratava dela. Desde que sua aproximação atual não estava dando os resultados que queria, ele mudou seu foco com a facilidade de um homem que não tinha nenhuma ligação emocional com qualquer decisão.

— Seu lábios estão rachados e é claro que você não bebeu líquidos o suficiente por pelo menos vinte e quatro horas. — Na fração de segundo que ele se teleportou para o quarto branco onde ela estava sendo mantida, uma luz acima brilhando torturantemente, ele viu as garrafas jogadas contra as paredes, o líquido encharcando o chão.

Inicialmente ele assumiu que o brilho doloroso era uma parte normal da existência dela, mas deve ter sido algum tipo de punição, seus apreensores tentando esmagar a vontade dela. Isso se já não tivesse sido esmagada... sim, isso dizia algo sobre a mulher que se recusava a interagir com ele em qualquer nível.

— Se você quer se matar, — ele disse, observando para notar até a menor reação às palavras brutais, — Há maneiras mais fáceis do que morrer de sede. Ou você não é inteligente o bastante para pensar nisso?

O balançar se acelerou.

— Eu posso muito bem te prender contra a parede e força-la a beber. Eu não vou nem precisar tocá-la.

Ela silvou pra ele, olhos azuis escuros brilhando por trás da massa emaranhada do cabelo dela.

Ele não se mexeu, não traiu nenhuma reação ao fato de que ela respondeu a ele de alguma forma, mesmo sendo não verbal. — Beba. Eu não vou pedir novamente.

Ainda assim ela resistiu. Inesperado. Sua mente poderia estar quebrada, mas não era —nunca foi— ininteligente. Não, seu intelecto era tão afiado, que seus professores lutavam para acompanhá-la. Ela tinha que estar ciente de que recusá-lo não era uma opção. O poder de um telecinético cardeal era vasto. Ele poderia quebrar todos os ossos do corpo dela com um simples pensamento, transformar aqueles ossos em poeira se ele quisesse. Mesmo se ela não entendesse isso mais, ela experimentou sua força quando ele a tele transportou de sua cela para sua casa; ela tinha que compreender sua situação precária.

Os olhos dela se desviaram para o copo em sua mão, dentes mordendo em seu lábio inferior gravemente rachado. Ainda assim ela não tentou pegar a água tão claramente precisava. Por quê?

Ele tomou um momento para pensar, considerar as circunstancias em que ele a encontrou.

— Não está drogada, — ele disse, falando com uma face que não mostrava nenhum reconhecimento, nenhum sinal de que ela se lembrava de seu último encontro encharcado de sangue, um encontro onde ela gritou por tanto tempo em tal agonia que causou um dano à sua garganta que precisaria de cuidados médicos para reparar.

— Misturada com os minerais e vitaminas que você precisa, — ele continuou, — mas não drogada. Você não é de utilidade nenhuma para mim em coma. — Segurando o olhar dela quando finalmente se encontrou com o dele, ele tomou um saudável gole da água e estendeu o copo.

O copo foi arrancado dele um segundo depois. Ele teleportou outro copo cheio da cozinha antes que ela terminasse o primeiro. Ela esvaziou os dois. Se livrando do copo com um uso negligente de sua telecinese, ele ficou de pé em frente a ela. — Você quer comer primeiro ou tomar banho?

Ela o encarou, olhos cerrados.

— Certo, eu decido por você. — Ele trouxe um prato de frutas frescas e inteiras, e uma grossa fatia de pão com manteiga e mel. Não era o tipo de comida que ele comia — como a maioria dos Psy, ele vivia de barras de nutrição, porque o Silêncio sobrevivia com a falta de sensação, e sabor era uma sensação poderosa.

O Silêncio de sua hóspede, porém, foi destruído há muito tempo atrás. Sensação poderia muito bem ser a chave para trazê-la de volta do refúgio mental para onde ela se retirou, sua personalidade e habilidades sepultadas. Teleportando uma faca, ele cortou o pão em quatro pedaços menores, então, se agachando, estendeu o prato para ela. Ela encarou por mais de um minuto antes de escolher um pedaço, não com o movimento rápido que ele esperava, mas com deliberação calculada.

Então, seus apreensores não a deixaram passar fome. Ela escolheu não comer.

Não foi preciso esforço algum para alcançar com sua mente, colocar a água para ferver na cozinha, preparar uma xícara de chá quente o bastante para ela beber. Ele colocou três cubos de açúcar na xícara antes de trazê-la para ela. Dessa vez, ela não hesitou, apertando a xícara contra seu peito.

Calor.

Percebendo que ela estava com frio, ele ajustou o termostato para aumentar a temperatura do quarto já quente. Ela não reagiu, exceto para pegar outro pedaço de pão. Enquanto ela comia com um cuidado lento, ele teve a sensação de estar sendo avaliado. Teria sido mais fácil pular para a conclusão de que ela não estava tão quebrada quanto parecia, que isso era somente um ato inteligente, mas os pequenos momentos que ele passou na mente dela contavam uma historia totalmente diferente.

Ela foi estilhaçada de dentro para fora.

A inteligência que o julgava nesse instante era mais parecida com a consciência que existia em todos os seres civilizados, a parte que sabia como identificar predador e presa, perigo e segurança. Não era o nível de funcionamento que ele precisava dela, mas era melhor que catatonia total ou um verdadeiro dano físico ao cérebro.

O cérebro dela estava bem. Era sua mente que estava quebrada.

Pegando uma maçã, ele foi cortá-la, mas os olhos dela foram em direção às uvas. Ele não disse uma palavra, simplesmente devolveu a maçã e virou o prato para que as uvas ficassem próximas à mão dela. Ela comeu quatro, tomou um gole de chá, e parou.

Meia fatia de pão, quatro uvas, dois copos de água e um gole de chá.

Era um resultado melhor do que ele poderia ter previsto inicialmente.

— Eu vou deixar isso aqui para você, — ele disse, levantando-se para colocar o prato na pequena mesa do outro lado da cama. — Se você quiser mais, ou algo diferente, você terá que pegar na cozinha.

Aquilo chamou a atenção dela.

O sútil balançar que havia se reiniciado quando ele se levantou e parou, e ele sabia que ela estava ouvindo. Ele havia lido Diários M-Psy em preparação para a eventualidade de que ela estivesse quebrada quando ele a encontrasse, havia até mesmo assistido várias palestras sobre o assunto, mas onde os especialistas recomendavam interação calma, silenciosa, gentil, ele sabia que a mente primitiva por trás daqueles olhos de meia noite veriam diretamente através de tal ato.

Ele era o monstro que causava pesadelos, e ambos sabiam disso.

— Você pode andar pela casa, se quiser, — ele disse a ela, calculando quantos anos se passaram desde a última vez que ela teve liberdade. Todo o tempo de sua prisão? Se sim, nisso ele poderia entender o impacto de sua psique melhor que qualquer estranho com treinamento médico.

— O motivo desse quarto não ter janelas, — ele disse, respondendo a pergunta que ela não havia feito, mas que tinha que estar na superfície de sua consciência. — É para eliminar a possibilidade de pânico da sua parte por ser removida de um ambiente fechado.

Os ombros dela se enrijeceram. Talvez, ele pensou, houvesse mais que uma mente animal presente dentro da concha frágil do corpo dela. Talvez.

— Se você preferir outro quarto, escolha um. Por enquanto, o banheiro é ali. — Ele apontou para a porta do outro lado da cama, tendo deliberadamente escolhido a menor suíte da casa pela mesma razão da falta de janelas.

Ele construiu a suíte para ela, para essa exata possibilidade.

Era impossível prever como ela poderia reagir à vista aberta que cercava a casa. Ele não tinha nenhum vizinho por perto... não mais. O lado que não era dominado por campos verdes era o terraço, e era bem de encontro a um penhasco. Um terraço, ele percebeu de repente, que não tinha nenhuma grade e poderia ser alcançado por vários quartos da casa, incluindo o quarto em frente a esse.

Ele já estava reunindo os materiais para consertar aquele erro enquanto ele falava. — Se você quiser continuar cheirando como um porco é sua escolha. Porém, quando eu enjoar do fedor, eu simplesmente vou te teleportar para o chuveiro, roupas e tudo, e ligar a água enquanto eu despejo sabonete líquido sobre sua cabeça.

O balançar havia parado totalmente agora.

— Há roupas para você no closet. — Nem todas as peças serviriam em sua forma emaciada, mas ela teria o bastante por enquanto. — Se você quiser seu uniforme institucional (uma bata branca, calças brancas, as duas sujas) há um conjunto limpo no aparador. — Ele o pegou alguns minutos atrás de um centro medico que nunca perceberia a falta.

A mulher no canto permaneceu rebeldemente silenciosa.

Se virando, ele saiu do quarto, seus dedos passando sobre a pequena estrela de platina em seu bolso. — Já passou da meia noite. Durma se quiser, se não, a casa é sua para explorar. Eu estarei no terraço. — Ele partiu sem mais palavras. Esse jogo de xadrez era o mais importante de sua vida, cada movimento tão critico quanto o próximo. Aqueles que a mantiveram presa a trataram como alguém trataria um animal burro, mas ela não era isso. Não, ela era um prêmio muito mais valioso. Um que ele não faria nada para destruir.

Assim como ele não tomaria decisões finais.

Ainda não. Não até que ele soubesse o quanto dela eles haviam quebrado.

 

Kaleb poderia ter construído a barreira entre o terraço e o penhasco usando suas habilidades telecinéticas, mas ele se despiu, vestiu uma calça preta de moletom fino projetado para manter a temperatura do corpo, e assumiu a tarefa manualmente. Como um Tc, energia era sua vida, mas nesse momento, ele tinha um excesso dela, não no plano psíquico, mas no físico.

Se fosse humano ou changeling, o aumento repentino de seus níveis de energia poderia ser resultado da excitação em conquistar o objetivo que foi sua motivação por sete anos, em tê-la em sua casa e ao seu alcance. Mas ele não era um membro das raças emocionais. Ele era Psy e ele era Silencioso, suas emoções foram condicionadas para fora dele quando era uma criança. Seu caminho para aquele Silencio foi errático algumas vezes, mas o resultado final era o desenvolvimento de uma mente friamente racional que não mantinha nenhuma sombra de medo ou esperança, angustia ou excitação.

Ele uma vez teve uma grande falha estrutural em seu condicionamento, uma fratura que ia até os ossos de seu Silêncio, mas aquilo foi em outra vida. A fratura cicatrizou e se transformou em rígida adamantina, o ponto fraco se transformando na parte mais forte de seu Silêncio, mas ele sabia que por trás da pedra, a falha permanecia.

O dia que ela não estivesse mais lá... seria melhor para o mundo se aquilo não acontecesse.

Secando o suor de sua testa com seu antebraço, ele aumentou a voltagem das luzes do lado de fora e começou a parafusar os parafusos que assegurariam que a barreira de metal que ele estava posicionando, não colapsaria mesmo em um terremoto. Ele não havia procurado por tanto tempo por sua presa para perdê-la por falta de preparação.

Mesmo enquanto ele se concentrava na tarefa, ele prestava atenção em sua hóspede. Alguns diriam que “prisioneira” era um termo mais apto, mas as palavras não importavam. Apenas o fato de que ela estava em suas mãos.

CRASH!

Furadeira abandonada, ele se teleportou para o quarto dela mesmo antes de conscientemente processar a violência do som.

 

                                   Capítulo 2

O espelho do aparador contra a parede oposta ao banheiro estava despedaçado, cacos de vidro no tapete, na cama e sobre ela, que estava sentada curvada no centro da cama. Sangue escorria pela bochecha dela em uma listra vermelha, tendo escorrido de onde um estilhaço a atingiu diretamente, mas ela não estava ferida de nenhuma outra forma.

Não muito longe do espelho estavam as peças quebradas da xícara que ela usou para quebrar o espelho, o chá derramado em uma mancha enferrujada no aparador e no tapete claro que cobria a madeira polida do chão.

Kaleb não a questionou sobre a razão de seu comportamento. — Fique parada. — Juntando os maiores fragmentos do vidro, ele os teleportou para a cesta de lixo. Ele sabia que um teleportador poderia tirar até mesmo o sangue do tapete, mas a habilidade de Kaleb funcionava numa escala maior. Ele poderia causar um terremoto que devoraria uma cidade, derrubar um jatinho do céu com sua mente, até mesmo criar um tsunami, o que ele não podia fazer era pegar todos os mínimos pedaços de vidro.

— Você não pode ficar nesse quarto, — ele disse. — Não até que tenha sido limpo.

Ela se afastou e encostou suas costas contra a cabeceira em rebeldia silenciosa. Desde que forçar a cooperação dela iria na direção contrária de sua intenção de ganhar sua confiança, ele retrabalhou a situação, achando outra solução viável. — Espere.

Sua hóspede soltou um suspiro surpreso, agarrando os lençóis quando a cama se ergueu do chão. Segurando a cama e todos os outros móveis suspensos, Kaleb usou seu Tc para enrolar o grosso tapete que cobria todo o comprimento do quarto e cobria noventa por cento do chão. Aparentemente não havia nenhum estilhaço no chão, mas ele deu uma volta no quarto para se assegurar antes de voltar para sua posição perto da porta, o tapete enrolado aos seus pés.

Calculando o impacto das manchas causadas pelo chá, ele acessou um arquivo visual que ele se assegurava de manter atualizado e, usando a imagem como alvo, teleportou o tapete direto para o incinerador da região central de processamento e reciclagem de dejetos.

Nem seu DNA nem o dela poderiam cair em mãos erradas.

Ele a ergueu dos lençóis e os enrolou e os adicionou ao mesmo incinerador antes mesmo que ela percebesse o que estava acontecendo. Colocando-a de volta sobre a cama, ele trouxe um tapete reserva do espaço de armazenamento sob a casa e o estendeu.

— Tente não danificar este, — ele disse enquanto reposicionava a cama. —É de seda manualmente entrelaçada.

De um azul vivido misturado com creme e índigo, ele o comprou há cinco anos atrás, quando suas companhias começaram a dar lucros que iam bem além do que até mesmo o mais conservador indivíduo consideraria uma margem de segurança saudável. — Há algo mais que você gostaria de destruir? Faça agora, assim eu posso interceptar os estilhaços.

A mulher na cama o encarou, antes de fazer algo que ele não havia antecipado. Ela pegou o pequeno vaso na mesa de cabeceira e o atirou em algo acima da cabeça dele. Ele desviou, virando-se bem a tempo de parar o projétil de impactar contra a pequena luz do sensor que entregava a posição do alarme de fogo.

Enquanto o vaso pairava em frente à luz vermelha piscando, ele começou a compreender a razão racional por trás de seu ato aparentemente irracional. —Não é uma câmera. E o espelho era só um espelho. — Mesmo enquanto ele falava, ele entendeu que ela não acreditaria nele. O alarme seria feito em pedaços no instante em que ele saísse pela porta, mesmo se ela tivesse que usar todos os projéteis do quarto para destruí-lo.

Devolvendo o vaso para a mesa, ele estendeu o braço para remover o alarme da parede, sua altura — diferente da dela — era mais que suficiente para a tarefa. A remoção não comprometeria a segurança dela; ele se asseguraria disso. Tarefa completa, ele se livrou do dispositivo e uma vez mais encarou a mulher que não havia tirado os olhos dele desde que ele entrou no quarto. — Algo mais?

O olhar dela foi para a luz no teto.

— Eu tiro isso, — ele disse, — e você ficará no escuro.

Nenhuma mudança no foco dela.

Desde que essa batalha não era uma crucial nesta guerra, ele teleportou um pequeno abajur de mesa de outra parte da casa. — Experimente essa.

Ela tomou seu tempo em fazê-lo, mas quando ela ligou o abajur ao invés de tentar destruí-lo, ele julgou que ela estava satisfeita por não conter nenhum equipamento de vigilância. Desmontando a luz do teto, ele escaneou o quarto por qualquer outra coisa que poderia ser interpretada como suspeita na mente dela. Nada se destacou, e dado às áreas na quais ela se focou, era provável que ela já tivesse checado as paredes e visualmente examinado o teto.

Categoricamente não é uma mente funcionando no nível animal apenas, independente do que ele viu em seus caminhos mentais distorcidos.

Entrando no banheiro com aquele pensamento, ele removeu a luz e o sensor de calor do teto, substituindo-os com uma alta luz a prova d’água que ela poderia movimentar se necessário. O espelho se foi, também, e ele removeu a fina grade do sistema de ventilação, para que ela pudesse ver que não havia nada além de uma silenciosa ventana feita para evitar condensação.

Quando ele voltou para o terraço, sua pele havia esfriado, mas esquentou novamente rápido o bastante, mesmo na suave brisa vinda das árvores do outro lado do desfiladeiro. Com cada parafuso que ele encaixava no lugar, ele considerava o quarto onde ela foi mantida, a provável resposta de seus apreensores quando perderam comunicação visual de sua cela e recebiam estática ao invés. Teria durado meros segundos, deixando-os encarando a imagem de um quarto vazio quando voltasse.

A estática era uma ferramenta útil que ele descobriu quando adolescente enquanto experimentava suas habilidades. A pura força de sua telecinese significava que ele colocava um zumbido de baixo nível que não era discernível a ouvidos humanos, mas que deixava os animais inquietos e bagunçava com a tecnologia. Ele a mantinha sob controle, claro. A única vez em que ele permitiu que o zumbido escapasse de seus escudos era quando ele precisava ofuscar sua presença em frente a uma câmera ou para despistar tecnologia de vigilância. Era um aspecto de suas habilidades conhecido por somente um outro individuo além de Kaleb.

Ainda assim, dada à velocidade do teleporte, os apreensores de sua hóspede suspeitariam do envolvimento de um Tc de alto nível, e haveria muito poucos deles nessa categoria, mas ninguém saberia que foi Kaleb. Não até que ele estivesse pronto.

E então eles implorariam por misericórdia.

Mesmo o mais poderoso, mais Silencioso implorava no final, o condicionamento se despedaçando a face de um pânico incapacitante que os cegava para o fato de que Kaleb não tinha nenhuma misericórdia nele.

O último parafuso em seu lugar, ele guardou seu equipamento e o teleportou para seu devido lugar. Era estranho ver o terraço rodeado por corrimões de metal, eles permitiam uma vista além das barras, mas nenhuma entrada para o desfiladeiro. Nem sequer sua hóspede era fina o bastante para passar por entre os espaços entre as barras.

Senhor.

A educada batida mental pertencia à Silver, sua assessora e um membro da silenciosamente influente família Mercante.

Ele abriu o canal telepático.

O que foi?

Ele não a relembrou de que ele havia pedido para não ser perturbado, Silver não iria contra suas ordens expressas a menos que fosse necessário.

Houve um ataque contra um pequeno grupo de reflexão em Cartum. O grupo havia acabado de anunciar os parâmetros de seu próximo projeto de pesquisa: os benefícios para os Psy de uma maior cooperação política e interação social com humanos e changelings.

Então, ele pensou, o próximo golpe havia sido dado na guerra civil que pairava sobre a PsyNet.

Quantos mortos?

Todos os dez no edifício no momento. Um gás venenoso introduzido no sistema de ventilação.

Pure Psy se alegou responsável?

O grupo radicalista pró-Silêncio havia se silenciado após sua derrota decisiva na região da Califórnia nas mãos da força composta pelos lobos SnowDancer e os leopardos DarkRiver, bem como os Psy que seguiam os dois Conselheiros da área, Nikita Duncan e Anthony Kyriakus. Os humanos, também, haviam se juntado à resistência ao atentado dos Pure Psy de assumir o poder da região principal de San Francisco e Sierra Nevada, liderando a uma aliança que cruzava os limites raciais que os PurePsy queriam manter a qualquer custo.

Tal motivo parecia ir contra o objetivo declarado do grupo que era o foco na PsyNet, mas sob a resposta externa de motivo “racial” do PurePsy estava a crença de que os Psy eram superiores às outras raças, que se seu povo pudesse selar as rachaduras que começaram a aparecer nas fundações do Protocolo do Silêncio, eles poderiam novamente ser a raça mais poderosa do planeta.

Qualquer tentativa de melhor integrar a população Psy com os humanos e changelings era, portanto, vista não somente como um ataque contra o Protocolo, mas como uma ameaça à superioridade genética da raça Psy. Era uma premissa defeituosa. Kaleb sabia que os Psy eram tão danificados quanto os humanos ou os changelings, ele amadureceu em quartos cheios com o cheiro de sangue coagulando, gritos ecoando em seus ouvidos; ele sabia que a escuridão de sua raça havia sido apenas enterrada, não apagada.

Confirmado, Silver disse após um breve espaço de tempo. PurePsy tomou a responsabilidade pelo envenenamento, e a reivindicação era pública.

Ela o enviou um arquivo visual, sua telepatia forte o bastante para que a comunicação fosse clara.

A lateral de um prédio que pertencia ao grupo de reflexão havia sido estampada com a imagem de uma estrela com a letra P no centro. O P era branco, a área em volta dele preta. Abaixo estavam às palavras Absolvição em Pureza,

Isso é novo, ele disse para Silver.

Sim. É a primeira aparição desse decalque.

Um decalque. Isso explicava como os operativos de PurePsy foram capazes de aplica-lo tão rapidamente. Ele se perguntou se o sub tom religioso era intencional. Vasquez, o homem sem rosto na liderança do grupo desde o falecimento de Henry, poderia ser um fanático, mas ele era um fanático esperto, como evidenciado pelo fato de que ninguém havia sido capaz de desenterrar nenhum detalhe comprovado sobre sua aparência física. Agora, mesmo enquanto ele condenava aqueles cujo Silêncio era fraturado, que acreditavam que a emoção não era a inimiga da raça Psy, ele usava um chamado emotivo para conquistar mais seguidores.

Inteligente.

Ou psicótico.

Por que essa notícia não se espalhou na Net?

Kaleb podia estar distraído nas últimas horas, mas sua mente continuava a escanear os caminhos da Net, e ele não ouviu nada sobre o que era um significante ato de agressão.

Timing ruim, a voz mental de Silver respondeu. Os operativos do PurePsy devem ter terminado de colocar o decalque segundos antes de um veículo da Força cruzar a rua e avistá-lo. Os oficiais suspeitaram, checaram o prédio, e descobriram os corpos.

Como resultado, o processamento externo está sendo concluído enquanto a cidade dorme, o decalque removido. Eu só tenho essa informação por causa de um primo em um alto posto no Comando da Força no país, eles conseguiram abafar o incidente em relação à mídia.

A falha em ganhar exposição na Net somente faria com que o grupo cometesse mais atos de violência letal.

Seu contato está perto de se infiltrar no círculo interior?

Enquanto PurePsy estava fazendo um excelente trabalho em criar a instabilidade na Net, que ele precisava para seu atual plano de ação, o grupo era um elemento desonesto. Kaleb preferia ter um controle de aço sobre todas as coisas.

Não. Vasquez é muito, muito cuidadoso.

Continue a monitorar a situação em Cartum. Mantenha-me informado.

Sim, senhor.

Ouvindo um pequeno som atrás dele enquanto ele fechava o link telepático, ele caminhou até o corrimão ao invés de se virar, seus olhos nas profundidades impenetráveis do desfiladeiro.

As luzes se apagaram um segundo depois, deixando o terraço iluminado somente pelas estrelas, a lua completamente escondida.

Pés descalços caminhando na madeira do terraço, um sussurro de cheiro, limpo e fresco, um tremeluzir de verde quando ela veio ficar ao lado dele, embora ela tenha deixado uns bons três metros de distância entre eles. Vestida em uma camiseta verde e calças de pijama cinza, ela claramente havia lavado o cabelo, mas ele ainda estava cheio de nós e embaraçado em torno do rosto dela, escondendo seu perfil dele quando ela fechou seus dedos sobre as barras, apertando o frio do metal tão forte que sua pele se tornou um branco fantasmagórico.

— Só é uma prisão, — ele disse, — Enquanto você não tem controle sobre sua mente. — Se ele derrubasse os escudos nos quais ele a havia envolvido, ela se tornaria vulnerável para até mesmo o mais fraco de seu povo, sua mente tosquiada de seu manto protetor. — Reconstrua seus escudos e eu te liberto.

Era uma mentira.

Ele nunca a deixaria ir.

 

                                         Capítulo 3

Era diferente aqui, a brilhante, perfurante luz que havia machucado seus olhos até que sua cabeça latejasse. Tudo era suave e intrusivo. Não, nem tudo. Não o homem que a havia trazido para esse lugar. Ele era duro.

Como gelo negro.

Ele falava com ela em uma voz que fazia sua pele pinicar, dizia palavras que às vezes faziam sentido e às vezes se perdiam quando a alcançavam através do labirinto torcido de sua mente. Por que ela sabotaria sua própria mente? Por que ela conscientemente embaraçaria suas próprias habilidades?

O labirinto era o motivo pelo qual eles a mantiveram naquele quarto branco por tanto tempo que não conseguia se lembrar do início mais, não conseguia se lembrar da última vez que ela realmente foi capaz de dormir. O brilho intenso a havia nocauteado como um martelo vicioso, mesmo se ela se curvasse em uma bola e escondesse o rosto em seus braços. Seus captores prometeram desligar as luzes se ela desenrolasse o labirinto e se tornasse útil novamente, fizesse coisas para eles.

Sua mente clareava por uma fração de minuto enquanto o labirinto se reiniciava, ela percebeu que deveria ter sido executada quando se tornou óbvio que ela não tinha intenção nenhuma de cooperar. Que foi permitido a ela viver, só dizia que o que quer que fosse que ela conseguia fazer, era importante e poderoso o bastante para mantê-la a salvo, mesmo que só semiviva, enjaulada e acorrentada. Sua última tentativa...

O labirinto se torceu, mudando de forma assim como fazia mil vezes por dia, e seus pensamentos se distorceram e tornaram-se incompreensíveis, despedaçando a linha tênue de razão e memória. Dedos se apertando nas barras de ferro da paliçada que a impediam de cair no abismo negro do outro lado, ela respirou fundo através da mudança, piscando contra os pontos de luz em frente a seus olhos. Mas os pontos não se dissolveram, e foi com um senso de maravilha descendendo sobre ela que ela percebeu que aqueles pontos eram estrelas no céu noturno.

Elas brilhavam e tremeluziam até que ela estendeu uma mão, querendo tocar. Mas elas estavam longe demais... e em sua mão, ela segurava um livro. Assustada, ela quase derrubou o item inesperado, mas a almofada de ar sólido em volta de sua mão disse que o homem de gelo negro não teria permitido que o livro se perdesse no abismo.

Ela não conseguia ler as palavras na capa na escuridão, não sabia nem se ela saberia como ler. Mas trazendo o livro para mais perto de si através das barras, ela o apertou contra seu peito como se fosse um tesouro, e quando ela tinha certeza de que ele não estava olhando, ela arriscou olhar para o homem.

Ele não era como os guardas no lugar branco cheio de luz dolorosa que haviam em sua prisão. Eles a machucaram, mas esse homem, ele poderia cortar a garganta dela e nem sequer piscar. Ela sabia disso com a mesma parte de seu cérebro que criou o labirinto, a parte guiada pelo incansável impulso de sobreviver. Essa parte não se importava com a qualidade de sua vida, somente que ela permanecesse viva. Aquele pragmatismo brutal era o motivo dela viver o bastante para estar aqui sob um pano de fundo de veludo negro.

Cardeal, sussurrou um compartimento escondido de memória, os olhos dele são aqueles de um cardeal.

Ela c...

O labirinto se torceu novamente, amassando o pensamento e mudando-o de forma e transformando sua mente em um caleidoscópio; um milhão de imagens se estilhaçando e girando até que nada fazia sentido e beleza era uma criação de vidro quebrado. Às vezes, ela cedia à sua fascinação pelo caleidoscópio por horas incontáveis, permitindo-o levá-la para um mundo interior onde a brilhante luz branca não machucava e sua mente, onde não era um siri sem a concha, macio e vulnerável e exposto. Tão horrivelmente exposto. Doía.

Mas... ela tinha uma concha agora.

Franzindo, ela cutucou com um dedo psíquico o escudo adamantino negro em torno de sua mente. Nenhuma elasticidade. Nenhuma. Intrigada, ela acariciou seus dedos ao longo da superfície interior e descobriu que tinha o “gosto” de gelo negro. Dele. O perigoso, belo homem com a voz dura que a roubou de um lugar onde eles não a deixavam dormir, onde eles exigiam que ela fizesse coisas que destruiria seu próprio ser. O mesmo homem que havia a colocado em um lugar com barras.

Foi o último pensamento coerente que ela teve antes do labirinto reiniciar mais uma vez, rasgando palavras e frases e tornando-os confete que deslumbraram seus sentidos e apagaram a realidade em torno dela.

 

Kaleb observou sua hóspede deixar o terraço duas horas depois de chegar. Exceto quando ela estendeu sua mão para a noite e ele correu o risco de dar o livro a ela, ela ficou imóvel, seus olhos erguidos para as estrelas. Podia ser que parte dela se lembrasse da noite estrelada que era a PsyNet, como era visualizada pela vasta maioria da população, cada mente Psy uma faísca na escuridão, ou talvez ela estivesse hipnotizada pela imensidão do céu depois de ter passado tantos anos em uma jaula.

O som de metal retorcendo.

Virando-se, ele viu que uma das pesadas barras de ferro havia se dobrado quase na metade. Ele a arrumou com um mero pensamento antes de entrar em seu quarto através da porta deslizante que se abria diretamente para o lado esquerdo do terraço. Seu quarto ficava de frente ao dela, significando que ele seria capaz de monitorá-la mesmo enquanto dormia.

Foram necessários apenas alguns minutos para lavar o suor de seu corpo.

Após se secar, ele se deitou na cama, os lençóis frescos contra sua pele nua, e programou sua mente para exatamente cinco horas de sono. Ele poderia sobreviver por longos períodos com menos que isso, mas cinco horas era o tempo otimizado de descanso que ele precisava para recarregar suas baterias físicas e psíquicas. Toda a casa estava trancada e alarmada, mas, programando um alarme que dispararia no instante que ela fizesse qualquer barulho, ele foi dormir.

Ele sonhou.

Sonhos denotavam um subnível de falha em seu condicionamento, mas Kaleb havia aprendido há muito tempo atrás a compensar essas falhas, embora ele não conseguisse controlar seu subconsciente. Porém, os sonos não eram mais tão abrangentes quanto eram em sua adolescência, na época, ele acordava tão estressado que levava no mínimo uma hora para recobrar sua concentração. Como um adulto, ele acordava alerta e com total lembrança das visões noturnas conjuradas pelo seu subconsciente.

Os M-Psy tirariam conclusões interessantes de seus sonhos, ele pensou na manhã seguinte, enquanto se vestia em calças de trabalho pretas e uma camisa branca, deixando a gola aberta por enquanto; mas como nenhum deles jamais seria convidado a invadir a mente dele, esse era um ponto discutível.

A porta em frente à dele estava fechada quando ele saiu do quarto, e ele não perturbou o descanso de sua hóspede, ele tinha toda a paciência do mundo agora que a tinha sob seu teto. Entrando na cozinha, ele parou abruptamente. Ela estava curvada em uma cadeira iluminada pela luz do sol no pequeno espaço que ele incluiu no design durante a construção personalizada feita por várias corporações humanas, embora ele nunca tenha planejado usá-la.

Os humanos não viram nada de errado com recursos que teriam alertado um arquiteto Psy do fato de que algo não estava certo com a casa, não quando estava sendo construída para Kaleb Krychek, considerado um dos indivíduos mais silenciosos da Net. Dessa forma, os humanos fizeram um trabalho admirável, e com cada firma tendo conhecimento de somente uma limitada fatia do processo de construção, e com o próprio Kaleb instalando os últimos recursos de seguranças, ele não tinham nenhum conhecimento dos sistemas avançados que a protegiam.

Assim como sua hóspede não tinha nenhum conhecimento do alarme psíquico que ele programou, e ainda assim ele não havia disparado, apesar do fato de que ela saiu de seu quarto. Ele checou o alarme, descobriu que ele cometeu um erro básico. Devido ao fato de ele ser a fonte dos escudos dela, e embora sua mente estivesse separada da dela por um firewall impenetrável, sua consciência a considerou uma parte dele. Reprogramando os parâmetros para que o erro não se repetisse, ele foi até o balcão e, após teleportar o café da manhã dela de uma cozinha de um hotel de sucesso do qual ele era dono, preparou um copo de chocolate quente.

Ele nunca havia tomado a bebida doce, mas ele havia feito algumas pesquisas sobre sensações e sabores que ofereciam “conforto” para raças emocionais. Dado o estado atual de saúde mental e física da mulher que se sentava na luz do sol, tais itens poderiam obter sucesso e ajudá-lo a quebrar a parede de sua desconfiança.

Colocando a xícara em frente a ela, ele perguntou, — Você está com fome?

Olhos azuis escuros olharam para ele por trás de mechas embaraçadas, porém limpas, de cabelo, e ele teve a sensação inquietante de que ela estava olhando em sua alma. Não que isso importasse, ela já sabia seu segredo mais sombrio, havia provado o rico cheiro de ferro enquanto gritava.

Quebrando o contato visual com um aceno, ela se inclinou mais para perto do chocolate quente. Enquanto ela o examinava, ele misturou à bebida nutriente que ele preferia como café da manhã, e mentalmente repassou seus compromissos do dia. Independente dele comparecer a sua teleconferência aqui ou em seu escritório central em Moscou não diferia no resultado, Kaleb sairia por cima. Ele sempre saia.

Derrota não era uma opção.

Naquele momento, a mulher por quem ele havia procurado por sete anos deslizou de sua cadeira em direção a ele. Quando ela parou a um metro de distancia, ele deu um passo para trás, não dizendo nada enquanto ela pegava a comida que ele havia teleportado, o teleporte remoto um assunto simples: aquela cozinha de hotel em particular era comandada por um chefe que gostava de tudo em seu exato lugar, incluindo as cestas de doces individualmente enrolados em sua própria embalagem. O arquivo de imagem de Kaleb da cozinha deu a ele uma trava de localização, as embalagens um detalhe de trava dentro daquela localização específica. Agora, ele observou enquanto sua hóspede escolhia um Danish[1] de damasco, o colocou em um pires próximo e o levou de volta para o seu lugar.

Ele esperava que ela comesse a fruta, mas ela voltou para o balcão, pegou outro Danish de amora o colocou em outro pires, e o levou de volta para a mesa. Não foi até que ela o colocou do outro lado da mesa e empurrou o chocolate quente para o meio que ele percebeu que estava sendo convidado para tomar café da manhã.

Lenik, ele disse, esperando somente até que o subordinado de Silver abrisse o caminho telepático antes de dizer, reagende minha reunião com a Imkorp.

Senhor. Eles já estão incertos sobre o acordo.

Eles esperarão. Kaleb tinha o poder nessa negociação, um fato que ele ficaria feliz em lembrar ao CEO da Imkorp, caso ele se esquecesse.

Eu vou contatá-los imediatamente.

Isso feito, Kaleb serviu um copo de água para si mesmo e o levou para a mesa.

— Obrigado, — ele disse, empurrando a xícara de volta para ela, — Mas isso é pra você.

Ela continuou a examiná-lo, uma súbita, incisiva inteligência no profundo azul de suas íris que deixaram seus instintos em alerta total.

— Quem é você? — As palavras eram como um coaxar, como se ela não tivesse usado suas cordas vocais por meses... ou anos.

— Kaleb Krychek.

Uma pausa.

— Kaleb Krychek. — Inclinando sua cabeça depois de repetir o nome dele no mesmo tom plano que ele entoou, ela pegou seu Danish e mordeu. Quando ela o encarou, ele repetiu a ação.

O gosto era um insulto violento para suas papilas gustativas acostumadas a barras de nutrição sem sabor e bebidas desenhadas para fornecer as calorias e minerais necessários, com uma refeição ocasional para balancear sua dieta, mas ele engoliu a mordida que havia dado no pão, bebendo um pouco de água para empurrar a comida. Parecendo satisfeita com isso, a pequena mulher do outro lado da mesa continuou a comer seu Danish em elegantes, precisas mordidas até terminar o doce.

Bom. Ela está comendo.

Ela sempre teve um corpo esbelto e gracioso, adequado à dançarina que havia sido, mas ela não carregava mais os músculos flexíveis que gritavam com saúde, independentemente do pequeno peso corporal. Sua forma era frágil, os ossos de seus ombros protuberantes contra a camiseta verde que ela continuava a usar, suas bochechas fundas. Quando ele teleportou o restante da bandeja para a mesa, ela encarou, considerando-a antes de escolher um muffin de banana.

Pegando uma faca da bandeja, ela cortou o muffin em dois e colocou uma metade no prato dele.

— Obrigado, — ele disse novamente e deu uma mordida no item macio, doce demais, para pacificá-la.

Ela comeu sua metade do muffin e bebeu a maior parte de seu chocolate quente antes de falar novamente. — Kaleb Krychek. Esse é um nome longo.

— Você pode me chamar de Kaleb, — ele disse, e essas eram palavras que ele havia dito para ela antes, quando ela não entendia o que ele era, por que ela deveria fugir dele.

— Eu vi sua concha, Kaleb.

Ele processou as palavras dela, não conseguiu achar nenhum sentido. —Você viu?

— É preta e dura.

—Você está falando sobre o escudo mental que eu coloquei sobre você. — Ele terminou sua água. — Foi necessário. Sua mente estava exposta. — Nua, vulnerável, um fato inaceitável para ele em todos os níveis. — O escudo de obsidio esconde todos os seus traços da Net.

Preocupação exposta em seu rosto, ela sussurrou, — Você está exposto agora?

Sua simpatia por ele não o surpreendeu; era o que havia a levado para sua tortura.

— Não, — ele disse, — Eu tenho a capacidade de manter escudos duplos sem problemas. — Ele era o Psy mais poderoso da Net, disso ele não tinha dúvidas, sua força psíquica o bastante para destruir o tecido de sua raça, ou controlá-lo. Quanto ao que ele faria... dependeria dela.

Se ela exigisse vingança, ele deixaria o mundo coberto em sangue.

Ela pegou o muffin abandonado dela, cortou um pedaço e comeu. — Você consegue me ver?

— Seus pensamentos são seus. — Ele não havia invadido sua mente depois daquele momento de contato necessário para o teleporte.

Inteligência aguda novamente. — Dividir sua concha quer dizer que eu posso ver seus segredos?

— Não. Você não quer ver dentro da minha mente. — Era um aviso. — O rumor na Net é de que eu posso deixar as pessoas loucas.

Nenhum terror, nenhum medo, somente atenção constante que dizia que ela ouviu muito mais do que ele disse. — Você pode?

— Sim. — Ele queria perguntar o que ela via quando olhava para ele, se o pesadelo estava aparente naqueles olhos de meia noite. — Posso fazê-los ver fantasmas e ouvir vozes terríveis, até que eles não consigam mais existir no mundo racional e se tornam fantasmas do que uma vez foram.

— Por quê?

— Porque eu posso.

 

                                   Capítulo 4

Ela ouviu a resposta dele, esse homem tão ilegível quanto uma cobra prestes a atacar, sua voz arrepiando cada pequeno pelo em seu corpo, mas ela sabia que ele não estava contando a ela tudo sobre isso. O motivo de sua certeza, e da violência inexplicável de emoção que a fazia despi-lo de sua fachada gelada, não era nada que ela pudesse articular. Um fato, porém, se tornou subitamente cristalino em sua clareza nesse instante quando ela podia pensar, podia raciocinar, ela precisava de suas habilidades contra a fria força dele.

De nenhuma outra forma ela sobreviveria.

Diferente daqueles que a mantiveram em uma jaula enquanto tentavam quebrá-la, o cardeal em frente a ela não seria forçado pelo labirinto a parar. Ele cavaria, iria mais fundo, a arrastaria de seu esconderijo com determinação viciosa. Ele seria imparável em sua perseguição, brutal em seu objetivo. Nada e ninguém o impediria, muito menos uma Psy que havia sabotado seu próprio ponto forte.

Bebendo o rico, doce líquido que ele a deu em um gesto de cuidado que ela sabia ser calculado para ganhar sua confiança, ela...

O labirinto se torceu.

Porém, dessa vez, ela foi com ele, indisposta a perder sua linha de pensamento.

A comida em sua barriga, o calor do chocolate em sua garganta, o cheiro fresco que ela sentiu na noite anterior quando a pele dele brilhou na luz da lua... isso tudo serviu para dizê-la que isso não era uma alucinação.

Kaleb nunca poderia ser uma alucinação, ele radiava um senso de poder que era quase uma força gravitacional, um lembrete silencioso da força que vivia em suas veias, uma força que a havia tirado da prisão e a trouxe para essa casa que poderia ser outra prisão em um piscar de olhos. Não, ela não poderia sobreviver a ele em sua condição atual, sua psique em pedaços, sua habilidade escondida por trás de um labirinto tão intricado que nenhum de seus apreensores sequer chegou perto de conseguir navegá-lo.

— Eu criei uma chave para desbloquear o labirinto, — ela murmurou.

Ele ficou profundamente, absolutamente imóvel, uma escultura entalhada em linhas limpas. — Onde?

— Dentro da minha mente. — Ela falou mais para si mesma que para ele enquanto o labirinto continuava a mudar de forma, mas de um modo que não mais despedaçava seus pensamentos... como não havia feito desde quando ela acordou das primeiras horas do verdadeiro sono que ela havia tido em anos. Seus pensamentos estavam lúcidos a mais de uma hora, seu senso de propriedade, de memória, se tornando ainda mais coerente.

E ela entendeu o que havia feito.

Não havia modo manual para desbloquear sua mente e reverter a criação do labirinto. Nem mesmo ela poderia desfazer a intricada tapeçaria da armadilha psíquica a comandando. Tortura, chantagens, força mental, isso só serviam para reforçar a floresta torcida que a protegia. Seus apreensores poderiam tê-la espancado até a morte, poderiam tê-la queimado viva, e isso não resultaria em nada.

O único jeito de reverter os efeitos prejudiciais de sua própria criação era ela ser colocada em um ambiente que seu subconsciente reconhecia como “seguro”.

Era impossível que essa situação se encaixasse nesses parâmetros, o homem com cabelo negro como azeviche que cheirava como gelo e pinho de um modo que a fazia querer esfregar seu rosto na pele dele, e cujos olhos nunca se desviavam dela, claramente não era seguro de nenhum jeito, forma, ou modo. Ele era um predador: ele contou a ela sobre sua profunda falta de remorso em cometer um ato tão hediondo. Mais, seus motivos para resgatá-la de sua prisão anterior eram mais que opacos.

Ainda assim o labirinto continuava a se desenrolar, sua mente se livrando de teias de aranha enquanto ela saía de sua hibernação, memórias estilhaçadas se encaixando em um fluxo esburacado. Então quando os olhos de Kaleb ficaram totalmente negros sem aviso, ela tinha o conhecimento para entender que ele tinha que estar usando uma grande quantidade de poder... e desde que ele era um poder, aquilo significava que algo muito, muito ruim estava prestes a acontecer, ou já havia acontecido. — Kaleb.

 

A onda psíquica impactou a mente de Kaleb com a força de um golpe repentino. A velocidade da onda deixou morbidamente claro que o dano que a havia causado era catastrófico. Trancando a casa com um único comando telecinético, ele entrou na PsyNet para ver centenas de milhares de mentes piscando de um modo que denotava choque pelo insulto súbito.

Era a única vulnerabilidade dos Psy, sua necessidade do retorno biológico providenciado pela rede psíquica que conectava a raça deles. A conexão significava que os Psy poderiam ir a qualquer lugar do mundo no plano psíquico, poderiam dividir informações com uma facilidade que as outras raças não poderiam imaginar. Também significava que eles não poderiam escapar dos pós-tremores de um evento fatal que havia acontecido em outro continente, em uma cidade chamada Perth, na Austrália.

Uma cidade que ele agora alcançava.

O tecido negro da PsyNet, as mentes dentro dele piscando vermelhas em pânico enquanto seus condicionamentos se estilhaçavam com a onda de dor agonizante, estavam se implodindo aqui, em um padrão que ele só presenciou uma vez antes. Centenas haviam morrido então — homens, mulheres, crianças—mas a população de Cape Dorset era minúscula em comparação à Perth.

Lançando um escudo telepático protetor no instante em que ele estava perto o bastante, ele parou o colapso. E sabia que milhares já estavam mortos, suas mentes arrancadas da Net em implosão em um brutal golpe de dor que teria encerrado as vidas de crianças subitamente. Os adultos teriam sobrevivido alguns segundos a mais, os mais fortes durando talvez um minuto.

A rede de ancoragem em Perth foi comprometida, ele comunicou para o líder dos Arrows, agentes secretos que eram os mais treinados e mais perigosos do mundo. Iniciar reforço secundário. O sistema de reforço, colocado em funcionamento após PurePsy começar a atacar as âncoras, que impediam a Net de entrar em colapso, ainda era um trabalho em progresso.

Iniciado, Aden respondeu em uma fração de segundo. Eu vou ajudar com o escudo.

Desnecessário. Kaleb poderia selar a fratura sozinho. Descubra como isso foi feito.

O telecinético por trás dos assassinatos anteriores estava morto, eviscerado por um changeling durante uma tentativa de assassinato. Todas as outras âncoras haviam sido notificadas, e a maioria agora estava se escondendo, suas localizações conhecidas somente por seletas pessoas na região.

Há informes de incêndio em várias partes de Perth, Aden disse após uma breve pausa. Vasic e eu estamos teleportando para a área afetada.

Suturando a ferida sangrenta no tecido psíquico da Net com eficiência calculada, Kaleb falou com as mentes cujas vidas se penduravam em um único fio que ele segurava em suas mãos. Aqui é o Conselheiro Kaleb Krychek, ele disse, usando seu título extinto porque iria inspirar calma. Eu estou em processo de estabilizar essa região. Vocês estão seguros.

Simples. Verdadeiro. Efetivo.

Nenhuma dessas pessoas esqueceria quem foi que havia vindo ao seu resgate quando seus mundos haviam se transformado num inferno.

 

Aden olhou através da estrada para a pilha de madeiras queimadas jogando fumaça negra no sol da tarde, as vigas brilhando um vermelho escuro do fogo que continuava a lamber o restante do que deve ter sido um pequeno chalé. Um de seus informantes da região havia acabado de confirmar que o chalé era a casa de uma âncora, independente do fato de que essa era uma área suburbana quando a maioria das âncoras preferia solidão.

Era de se imaginar que a localidade providenciaria uma camuflagem melhor.

Com os olhos na destruição que carregava o testemunho silencioso da falha da estratégia, ele disse, — O que você usou para facilitar o teleporte? — para o homem que o trouxe aqui.

Vasic assentiu para os vizinhos se acumulando na distancia muitos deles com celulares com câmeras em suas mãos. — Um deles está transmitindo ao vivo e garimpou a área. Eu vi esse prédio.

— Foi uma boa escolha. — A igreja de madeira branca onde eles estavam sentados do outro lado da estrada da casa em chamas. — Parece que foi um ataque bruto. — Sem finesse, nada além da intenção de tirar uma vida na qual se balançavam milhares de outras vidas.

— Acelerante e um coquetel Molotov para explodir, se eu estou lendo os sinais corretamente.

— Barato e efetivo. — Aden considerou as mecânicas do ataque. — É o acelerante que é o problema, como eles conseguiram colocar a quantidade suficiente dentro da casa para aprisionar o alvo dentro? — Vislumbrando um pequeno sinal na caixa de correio de uma das casas vizinhas, ele descobriu a resposta. — Gás. Eles mexeram com os canos de gás, de alguma forma iniciaram um vazamento, gás também explica a explosão localizada retratada pelos vizinhos. A vítima poderia já estar morta quando o incêndio começou.

— Manejável... especialmente se o PurePsy tinha um discípulo na companhia de gás. — O frio olhar de Vasic examinou a equipe dos bombeiros tentando conter as chamas famintas, e subitamente o retardante estava fazendo um trabalho muito mais efetivo.

— Não desperdice seu poder, — Aden disse, ciente de que seu parceiro havia usado sua energia telecnética para combater a energia do fogo. — Todas as casas próximas foram evacuadas e nós precisamos verificas os outros ataques.

Vasic olhou para o dispositivo computrônico que havia se tornado parte de seu braço, se entrelaçando com suas células em um processo experimental para testar hardwares biocompatíveis. Havia riscos significantes no processo, e Aden havia aconselhado Vasic contra isso, mas o outro homem havia decidido que se alguém no esquadrão precisava testá-lo, deveria ser ele.

Vasic não estava muito preocupado sobre seu tempo de vida.

— Eu tenho detalhes visuais de todos eles, — ele disse agora.

— Vai.

Todos os locais de ataque provaram-se idênticos ao primeiro, um prédio caindo e em chamas. Em dois casos, o incêndio havia consumido um número de casas vizinhas, o inferno se espalhando antes que as equipes de bombeiros chegassem ao local, embora seu tempo de resposta se provou impecável apesar do número de alvos simultâneos. A probabilidade do gás e a violência dos incêndios também significava que não havia chances de sobrevivência, pequena chance sequer de encontrar um corpo inteiro dentro.

Do lado de fora era outra história. Um homem identificado como um trabalhador de uma companhia de gás foi descoberto em frente à casa, tendo sido arremessado violentamente para fora pela força do golpe quando a casa explodiu. — Ele não saiu do local rápido o bastante, — Aden disse. — Ou ele cometeu um erro.

— Ele era somente um peão.

— Sim.

Enquanto Vasic novamente usava suas habilidades telecinéticas para subitamente auxiliar os bombeiros na localização mais perigosa, o incêndio somente a uma rua de distância de um hospício, os pacientes muito instáveis para ser evacuados, Aden fez seu informe ao antigo Conselheiro que havia quase completamente selado o rasgo na Net usando uma habilidade telepática vasta que o marcava como um impossível duplo cardeal.

A região sofreu um significante vazamento de informação, ele disse. As localizações de pelo menos metade das âncoras e suas redes de prevenção foram fatalmente comprometidas. PurePsy não poderia ter alcançado tantas pessoas de uma só vez sem um plano e mapa de ação específico. Sem chances de sobreviventes.

Rastreie o indivíduo responsável e faça um exemplo dele ou dela.

Aden e os Arrows haviam se aliado com Krychek, mas era entendido que eles não seguiriam ordens cegamente. Os membros do esquadrão haviam aprendido sua lição depois da experiência nas mãos de Ming LeBon, entendiam que lealdade era uma moeda facilmente gasta fora de seu grupo. Era somente devido ao fato de Kaleb nunca virar contra aqueles que ofereciam sua lealdade a ele que eles escolheram trabalhar com ele. Confiança era um assunto diferente.

Essa ordem em particular, porém, não precisava de muita análise. Eu já estou trabalhando nisso. Aden não tinha nenhum problema ético em assassinar o traidor sangrento e publicamente, o que tornaria as consequências de traição claras, não quando uma das âncoras assassinadas morava somente a cem metros de um berçário e pré-escola usada por pais Psy. Todas aquelas crianças estavam conectadas à PsyNet na região que implodiu. Todas aquelas crianças estavam mortas.

 

AVISO DA PSYNET: NOTÍCIAS URGENTES

Colapso da PsyNet em Perth, Austrália, causado por um ataque à uma rede de âncoras local. PurePsy clama ser responsável. Oito mil fatalidades confirmadas e contando. Conselheiro Kaleb Krychek foi capaz de selar a fratura, permitindo âncoras de regiões próximas reforçarem a seção enfraquecida.

NÃO SE AVENTURE NA REGIÃO EM COLAPSO. REPETINDO. NÃO SE AVENTURE NA REGIÃO EM COLAPSO. O SISTEMA DE ÂNCORAS ESTÁ ESTICADO E NÃO PODE SUPORTAR MENTES ADICIONAIS.

Essas informações continuarão a serem atualizadas conforme mais notícias se tornarem disponíveis.

 

AVISO DA PSYNET: EDIÇÃO ATUAL

CARTAS AO EDITOR

Eu escrevo a respeito do texto estendido de seu correspondente em relação à violência na Califórnia. Eu apoiava o grupo PurePsy desde que foi formado. Eu acredito que o Silêncio é a razão pela qual nossa raça sobreviveu e sem ele, nós teríamos há muito tempo afundado em uma depravação assassina.

Porém, eu agora me encontro em conflito. Eu concordo com o argumento de seu correspondente de que um ataque violento como o executado pelo PurePsy contra os changeling vai contra o objetivo que o PurePsy tem como principal e é uma violação direta às diretrizes do Silêncio.

Isso me deixou em uma posição na qual eu não sei se apoio mais o grupo PurePsy. Eu permaneço um proponente da verdade de que o Silêncio é o elemento por trás da sobrevivência da nossa raça.

Seu sinceramente,

Nome apagado por solicitação

(Praga)

 

A reportagem de seu correspondente é extremamente tendenciosa em moldar a batalha como sendo contra os changeling.

A verdade, como toda mente inteligente na Net percebe, é que a violência foi infelizmente mandatada pelo circulo social de desertores na região que agem como agitadores em atrair e encorajar outros a quebrarem seu condicionamento. Isso não pode ser permitido a ter continuidade, e, eu, pessoalmente, apoio totalmente as ações do PurePsy nesse assunto.

  1. Miller.

(Cidade do México)

 

Eu gostaria de parabeniza-los por sua continua, destemida e crítica cobertura dos eventos recentes. As táticas de intimidação do PurePsy são agora um caso de registro público, e é para o crédito de seu correspondente que ele não cedeu à essas ameaças, ameaças que, como ele disse, ataca o próprio propósito do protocolo que o PurePsy procura proteger.

  1. Prasad.

(Nairobi)

 

                                       Capítulo 5

Os pensamentos de Kaleb tomaram um instante para normalizar quando ele voltou para o seu corpo. Era um resultado previsível dada a quantidade de poder que ele havia usado para selar a fratura enquanto continuava a funcionar em um nível básico em Moscou, ao ponto de que ele nunca estava vulnerável em um nível físico ou ataque psíquico.

Piscando para clarear seus olhos secos, ele pegou o copo de água ao lado de sua mão, posicionado ao lado de várias barras de nutrição. Nenhuma delas estava na mesa quando ele entrou na Net.

— Obrigado, — ele disse e começou a metodicamente comer os itens sem gosto, seus níveis de energia já quase de volta aos picos de eficiência. A maioria dos Psy não se recuperaria tão rápido, mas Kaleb estava há muito tempo ciente que ele não era “normal” em nenhum jeito, seu DNA guardando milhares de segredos.

Terminando sua terceira barra de nutrição, ele olhou para a mulher pela qual ele poderia ainda causar um massacre que faria o que aconteceu hoje parecer um mero incidente. E viu que ela mudou de um modo fundamental, suas costas não estavam mais curvadas, sua cabeça não mais abaixada. Ao invés, ela se sentava ereta, seu cabelo atrás de suas orelhas, o azul escuro de seus olhos focados nele com uma inteligência vívida que sempre havia testado a sua própria.

Se ele não tivesse um controle de granito sobre seu corpo e mente, suas batidas poderiam ter acelerado, sua respiração também. Ela estava voltando.

— O labirinto, — ele disse através do grito primitivo dentro dele, — Você o navegou?

— Não foi preciso. Ele se dissolveu.

A resposta dela era inesperada, a mente que ele vislumbrou durante o teleporte era uma bagunça tão caótica que parecia impossível que as tiras se desenrolassem.

— Você recuperou suas memórias e habilidades? — Você se lembra?

— Minhas habilidades, sim. Todas as minhas memórias, não. — Ela cruzou seus braços na mesa e ele viu novamente como ela estava magra, como seu corpo era frágil.

Se levantando, ele misturou uma bebida nutritiva com o sabor preferido dela, cereja. Ela o aceitou e tomou um gole. Olhos se arregalando, ela tomou outro. — Cereja. — Um suspiro profundo de prazer. — Obrigada

Ele deu um aceno curto antes de se sentar.

— A duração do labirinto, — ela disse, sua voz ainda rouca pelo desuso, —Pode ter causado danos permanentes aos meus canais de memória. Eu era muito nova quando eu o criei, ainda não completamente treinada, e a construção foi rústica.

Dezesseis. Ela estava nessa idade quando desapareceu. — Qual é o seu nome? — ele perguntou, todas as células em seu corpo imóveis enquanto ele esperava pela resposta dela, esperava para ver quanto dela estava de volta.

Olhos de um azul meia noite grudaram nos dele, sua imagem refletida nas profundezas opacas. — Sahara Kyriakus, do PsyClã NightStar.

 

A revelação de Sahara não incitou nenhuma mudança na expressão de Kaleb, nem mesmo um flutuar de uma pestana. O Silêncio dele, ela pensou, tomando outro gole da bebida com sabor de cereja que ele havia dado a ela, deve ser impecável. Totalmente diferente do dela. Ainda assim as respostas dela... ela sabia que elas não eram certas, não eram muito racionais, dada sua situação precária.

Eu não estou, ela percebeu com uma calma estranha, totalmente acordada ainda.

— O que você sabe sobre os NightStar? — o perigoso homem em frente a ela perguntou naquela voz fria como o gelo que ressoava dentro dela em um modo que ela não entendia, como se ela ouvisse coisas que ele não havia dito, como o conhecesse de um jeito que era impossível. Mesmo em seu estado atual, ela reconhecia que um homem como Kaleb Krychek não confiaria seus segredos a ninguém.

E se alguém tivesse a infelicidade de descobri-los?

Aquela pessoa não viveria o bastante para compartilhar a descoberta. Com seu cabelo preto, olhos de cardeais, e psique afiada, Kaleb poderia ser quase chocantemente lindo, mas a beleza não era nada além de uma máscara para esconder o homem mortal que havia dentro dele. O conhecimento deveria deixá-la com medo, mas ela se encontrou lutando com a compulsão mais estranha de chorar, seus olhos queimando enquanto a calma misteriosa ameaçava a despedaçar.

— NightStar é um PsyClã da designação P, — ela disse, sua voz rouca pelo esforço de segurar aquelas incontáveis lágrimas, por um estranho que poderia muito bem acabar com a vida dela quando percebesse que ela não tinha nenhuma intenção de cooperar com ele nem uma gota a mais do que com seus apreensores anteriores. — Mas eu não carrego o nome do PsyClã como sobrenome, como não sou uma vidente, não vejo o que irá acontecer.

— Não. — A seda negra que era o cabelo de Kaleb brilhava na luz solar matutina, e ela teve o senso desorientante de que ela esteve aqui nesse momento antes, sentada em frente a esse homem enquanto o sol brilhava sobre o cabelo dele. — Você vê o passado.

Lutando através das tiras de uma teia sedutora em sua insistência de que ela confiasse em Kaleb, ela retratou fatos gravados em sua memória de longo prazo. — Sahara Kyriakus, Clã NightStar, custódia sob o pai Leon Kyriakus, M-Psy de Gradiente 7.7 com genes P recessivos.

— Mãe biológica Daniela García, telepata de Gradiente 8.2, parte de um pequeno, mas altamente respeitado grupo familiar com base em Cuba. — O tom de sua pele, ela pensou quando seus olhos caíram em seus braços, eram um resultado da mistura do DNA materno e paterno, se tornariam um marrom dourado mais escuro com mais exposição ao sol.

— Daniela García também possuía marcadores para habilidades P recessivas, o último motivo pelo qual ela foi considerada uma boa combinação genética para o meu pai. — Videntes eram abrangentes na árvore genealógica da família NightStar, e o clã fazia tudo que podia para manter aquela linha lucrativa. — Enquanto eu não sou uma vidente, eu me encaixo na mesma designação, subdesignação A.

Considerada uma rara derivação da habilidade P, a antevisão, sua mente recitou, tinha similaridades ao tipo de telepatia utilizada pelos J-Psy que havia debates incessantes em círculos acadêmicos quanto seu posicionamento próprio. A diferença mais significante entre as duas designações era que diferente dos J-Psy, aqueles na subdesignação A não entravam em uma mente viva para recuperar uma memória em particular.

Pelo contrário, eles poderiam ser atingidos por flashes sobre o passado sem aviso, independentemente de sua proximidade física às localidades ou indivíduos envolvidos, embora, assim como seus irmãos P, um A poderia “calibrar” sua mente para procurar conhecimento sobre um evento passado em particular. E uma similaridade aos J, eles podiam projetar um pedaço inteiro de antevisão em outra mente. Como resultado, um de seus usos algumas vezes, eles podiam atuar como testemunhas em eventos que não deixaram sobreviventes. A subdesignação A também havia sido consultada em situações onde informações críticas haviam sido perdidas devido a uma ferida ou acidente súbito.

— Os testes, — ela adicionou aos fatos que continuavam a se desenrolar em sua mente, — me colocam em 8.1 no Gradiente.

Kaleb empurrou seu copo esquecido para ela e esperou até que ela bebesse metade do suplemento com sabor de cereja antes de dizer, — Esses eram seus status aos dezesseis anos, mas você não estava estagnada nem havia recebido sua posição permanente no Gradiente. Eu diria que você está agora entre 9.5 e 9.7

— É por isso que você me quer? — ela perguntou, as lágrimas dentro dela formando um nó doloroso. — Pela minha antevisão?

A linha limpa da mandíbula dele chamou a atenção dela quando ele falou, seus dedos se espalhando sobre a mesa. — Eu não tenho nenhuma aplicação ou necessidade de um A.

As palavras dele a fizeram pausar, sua mente na perigosa habilidade oculta que existia sob sua antevisão e, desconhecida para aqueles que haviam-na testado, era a verdadeira razão para sua posição no Gradiente. Sua antevisão era, no máximo, somente um 3 na escala usada para medir habilidades psíquicas. Porém, o erro não falava sobre as habilidades que ela mesma não estava ciente até seus doze anos. E então, ela aprendeu a escondê-la, porque isso a tornava um alvo.

— Se você não precisa da minha antevisão, — ela disse para Kaleb, —Então por que eu estou aqui? — Independentemente de sua pergunta, ela estava muito certa de que ele sabia o que ela podia fazer, não havia nenhuma outra razão para ele entrar em tantos problemas para encontrar e capturá-la.

As profundezas negras dos olhos dele sem estrelas mais uma vez, uma noite sem fim que ameaçava sugá-la, ele se levantou e, colocando suas mãos na mesa, se inclinou até que ela poderia ter esticado sua mão e correr seus dedos por sua mandíbula recentemente barbeada. —Você está aqui, — ele disse em um tom que fez seu coração bater selvagemente em suas costelas, — Porque você pertence a mim.

 

Dez minutos depois, Sahara se sentou na borda da cama que era dela, as palavras de Kaleb brilhando contra a parede de sua mente. Elas faziam tão pouco sentido agora quanto fizeram quando ele as falou. Uma coisa, porém, era clara.

Ela não estava livre para sair dessa casa. Nem estava livre para entrar na PsyNet.

Considerando esses fatos na calma anormal que a isolava de sua situação perigosa, ela decidiu que ela não queria fazer nenhum dos dois no momento. No instante em que ela deslizasse para fora do escudo de obsidiana que era a proteção mental de Kaleb, ela iria expor sua nua e vulnerável mente. E mais, ela não tinha ideia de onde ela iria, o que faria quando escapasse dele. Como provado pela nublada distancia entre ela e suas emoções, até que ela sentia como se estivesse olhando para o mundo através de uma parede de água, sua mente estava machucada, seus processos de pensamentos danificados.

NighStar.

Uma opção de santuário, exceto que, com seus canais de memória fragmentados, ela não tinha como saber se seu clã não havia trabalhado em conjunto com seus apreensores para usar as habilidades dela para seus próprios propósitos, entregando-a a uma solidão que destruiu sua alma. Os guardas em sua prisão não a viam como um indivíduo, não a viam sequer como um ser sensciente. Ela era simplesmente uma tarefa, sem nome e sem identidade.

Se alguém tivesse mostrado a ela a menor gentileza, o labirinto teria começado a se desenrolar? Sahara nunca saberia, porque no momento em que o indivíduo responsável por seu encarceramento descobrisse o labirinto, tarde demais para parar o processo, seus guardas normais, que ocasionalmente falavam com ela, eram substituídos por homens e mulheres tão gelados e Silenciosos que nunca ocorreu a eles se desviarem de suas atividades designadas... quer essas atividades fossem força-la a comer ou despi-la enquanto diminuíam a temperatura do quarto para um nível congelante.

Kaleb, em contraste, até agora não havia feito nada para machucá-la. Ele a deu privacidade, acesso livre a roupas limpas e um chuveiro, bem como comida que fazia suas papilas gustativas cantarem e sua alma ressequida tremer. Ele também não havia comentado ou desafiado seu Silêncio fraturado. Seria idiota e prematuro deixar essa proteção até que ela estivesse em um estado mental melhor, capaz de discernir amigo de inimigo.

Quanto ao próprio Kaleb... as respostas que ele despertava eram cruas, perturbantes, dolorosas. Mesmo agora, havia um nó de lágrimas rígido contra seu peito, como se simplesmente estivesse esperando que ela cedesse a uma emoção sem sentido. Para ela chorar por Kaleb, ela teria que conhecê-lo, e ele era um estranho... que sabia que ela adorava bebidas com sabor de cereja e que ela sentia mais frio do que o restante das pessoas. Não havia passado despercebido a ela que toda a casa agora estava em uma temperatura que ela achava mais confortável.

Respirando fundo em um esforço para lutar contra a compulsão de ir até ele, de exigir respostas para perguntas que ela não conseguia articular, ela pegou o livro que ele deu a ela na noite anterior e decidiu ir até o terraço. A luz do sol, o vento fresco de outono, ela precisava deles contra sua pele... assim como ela precisava de contato com outro ser vivo, seu corpo faminto por mais que comida.

Seus pensamentos se esvaíram quando ela viu o reflexo de uma mulher com os cabelos escuros embaraçados. Piscando, ela encarou a janela, mas não era o melhor espelho e somente servia para frustrá-la. Desde que seu quarto não tinha espelhos, uma vaga memória de vidro quebrado, pedaços cortando uma fina e brilhante linha em sua bochecha, ela foi até o outro lado do corredor e entrou no quarto em frente ao dela.

O cheiro limpo e fresco de sabonete e pós-barba com um toque de pinho.

Desde que Kaleb deixou a porta aberta, ela decidiu que o quarto não estava fora dos limites e continuou a entrar, colocando o livro na cama enquanto ela explorava. Despido de tudo menos da cama e um pequeno criado mudo, o closet construído na parede oposta às portas de deslizar que davam no terraço, o quarto era militarmente organizado, nem sequer uma peça de roupa ou qualquer outro objeto fora do lugar.

O banheiro era a mesma coisa, os produtos pessoais de Kaleb guardados eficientemente dentro do gabinete com espelho sobre o balcão onde estava a pia. Fascinada, ela pegou o pós-barba, inalou o cheiro que fazia sua pele doer, e então examinou o liso dispositivo negro que ele usava para se barbear, incapaz de imaginar o homem gelado que a considerava como dele fazendo um ato tão íntimo.

Tocando sua própria mandíbula, ela pensou em quando ele havia se inclinado sobre ela na cozinha. Foi preciso cada polegada de sua força de vontade para não roçar seus dedos sobre os ângulos rígidos do rosto dele.

Fazia tanto tempo.

Ela se desfez do pensamento agudo, sabendo que era uma criação de sua mente danificada. Um Tc cardeal não teria nenhum motivo para estar envolvido em sua vida com uma garota — NightStar famosa por ser provinciana, e Tcs eram treinados em escolas especiais por motivos de segurança. Não, ela nunca havia tocado Kaleb Krychek, independente do que poderia ser denominado o nascimento de uma compulsão obsessiva perigosa com o homem que era seu carcereiro atual.

Colocando a lâmina de volta em seu lugar, seus dedos se demorando mais do que deveriam, ela fechou as portas do gabinete... e olhou para quem ela havia se tornado. Com dezesseis anos, ela tinha um pouco mais de gordura em suas bochechas, uma curva mais suave para sua mandíbula. Agora, ela era só ossos. Seu consumo aumentado de calorias iria assegurar um retorno a uma aparência mais saudável, mas não ao ponto de que ela carregaria gordurinha de infância em suas bochechas novamente. A linha mais fina de seu rosto era um resultado natural de sua vida adulta e ela gostou.

Seu cabelo, porém...

Pegando uma mecha embaraçada, ela a trouxa até seu nariz, sentiu o cheiro de citrus e algo mais suave. Então, ela não havia imaginado tomar um banho e esfregar seu cabelo três vezes. Embora limpo, seu cabelo também estava embaraçado ao ponto de fazê-la parecer uma louca...

— Esse era o objetivo. — O labirinto era só uma parte do plano para se esconder daqueles que a tornariam um animal treinado para agir quando mandada. — Isso não é mais necessário, — ela sussurrou e recuperou outra parte de si mesma.

 

                                     Capítulo 6

Foi preciso muita concentração, seus braços doendo no final, mas o cabelo dela descansava liso e pesado em suas costas uma hora depois, enquanto ela caminhava pela casa novamente. Espiando dentro do espaçoso cômodo situado bem ao lado das portas principais do terraço, ela viu Kaleb sentado atrás de uma mesa. Em frente a ele estava uma tela de computador transparente, do ponto de vista dela, aparentemente funcionando em modo de telecomunicação.

Abotoaduras de aço ou platina? Em seus pulsos e uma gravata de um azul cromado em sua garganta, contrastando fortemente com sua camisa branca, ele estava focado em alguém no outro lado da tela, mas a chamou com um movimento de seu dedo. Atraída em direção a ele em um nível que ameaçava subjugar sua habilidade de raciocinar, até que ela sentia como se eles estivessem conectados por um fio invisível, ela entrou.

Sua mesa era uma tora de madeira bem polida, as bordas irregulares, como se as raízes de um gigante da floresta tivesse sido cortadas em tiras e depois suavizadas, as linhas fluidas dentro da peça contando a historia de séculos passados. Era linda, e não o que ela tinha esperado dele... mas havia algo na natureza selvagem da escolha que combinava com ele. Assim como a superfície amargamente vazia da mesa, sem sequer uma única caneta ou um pedaço de papel.

As paredes opostas à mesa tinham prateleiras que abrigavam inúmeros e caros livros de capa dura sobre diversos assuntos, desde a sociedade changeling a física, manuais de construção e pesquisas geológicas, com vários volumes separados lidando com vulcões e terremotos.

Ela entendia a coleção eclética compilada por uma mente inteligente, podia até mesmo compreender a razão pela qual um cardeal Tc poderia estar interessado no movimento das placas tectônicas, embora a ideia de que ele pudesse ter tanto poder fazia seu coração pular, mas aqui e ali nas prateleiras havia coisas chocantes em sua incongruência. Por exemplo, um seixo azul polido ao lado do livro sobre vulcões Sul-americanos. Azul lazulite, ela identificou, depois de esfregar o seixo entre seus dedos.

Em outra prateleira havia outra coisa inexplicável: um pedaço de madeira plano esculpido com o nome dele e a imagem de uma árvore espigada. O acabamento era rude, nada único sobre a madeira em si. Não muito longe dessa peça, e encaixado entre um grande livro sobre terremotos e um sobre correntes submarinas, estava um minúsculo volume sobre poesia. Era tão fino que ela só o viu por sorte, e pela aparência da lombada, ela podia dizer que era uma encadernação barata, em pobres condições, ao contrário dos outros livros nas prateleiras.

Curiosa, ela olhou novamente para as prateleiras e encontrou muitos outros volumes inesperados escondidos à vista de todos. Todos eram de uma construção relativamente banal, e ele continha tudo desde poesia a peças de teatro a uma reedição de um clássico do século XIV escrita por um humano. Havia também uma peça de metal retorcida que não era identificável como nada em particular, exceto que sua mente continuava a dizer a ela que a peça havia sido parte de um trem bala um dia.

Sacudindo o estranho senso de reconhecimento, ela focou mais uma vez no cardeal atualmente estraçalhando seu oponente com precisão fria, absorvendo seu cabelo escuro cortado perfeitamente, as linhas limpas de seu rosto, sua pele bronzeada o bastante para que ela soubesse que ele não passava todo o tempo dele dentro de casa, aqueles olhos incríveis. Mas apesar de sua beleza, ele era severamente masculino, todas as suas ações o marcando como essencialmente e fascinantemente masculino.

Sua respiração acelerou, seus dedos esfregando o seixo azul que ela nunca colocou de volta na prateleira. Se forçando a devolvê-lo, porque ela queria roubá-lo, cativada por sua textura e forma, ela tentou não encarar Kaleb. A maioria de seus guardas havia sido homens, e alguns foram indubitavelmente escolhidos por causa de suas aparências em um esforço para manipular sua juventude e Silêncio quebrado. Ela nunca esqueceu o fato de que eles eram uma ameaça a sua existência.

E ainda assim ela via a beleza selvagem nesse impiedoso, sem dúvida manipulador, e completamente inteligente homem que claramente vivia por poder, por controle, todas as coisas que sua habilidade fantasma tornariam sua conquista para ele impiedosamente fácil. O indivíduo que controlasse Sahara Kyriakus poderiam controlar a PsyNet, e Kaleb Krychek, suas orelhas a diziam, era o tipo de homem impiedoso que usaria todas as vantagens a sua disposição quando se tratava da dança do poder.

Perturbada pela percepção em um nível elementar, uma dor em seu peito, ela caminhou em direção às portas de vidro abertas à direita da mesa dele. Era instinto o que a dizia para ficar fora da linha de visão do homem de voz agressiva do outro lado da linha que, claramente, estava prestes a perder a discussão. Por enquanto, era melhor que ela continuasse a ser um fantasma aos olhos do mundo.

A madeira polida do terraço era suave sob seus pés, o sol uma carícia lenta contra sua pele. Erguendo sua cabeça para cima, ela o absorveu, sua pele ávida pelo beijo de calor, de luz.

Você vai queimar.

Assustada pelas palavras frias que viajaram ao longo do caminho telepático do qual ela não estava ciente de que havia aberto, ela virou a cabeça para olhar dentro do escritório. O homem que continuava tanto a intrigá-la e confundi-la mantinha seus olhos na tela do computador, ainda envolvido em uma negociação de negócios que era mais parecida com uma luta de espadas, cada palavra desenhada para infligir o maior estrago. Deslizando as portas fechadas, ela caminhou até a espreguiçadeira no canto mais afastado, um item que não estava lá mais cedo naquela mesma manhã, e sentou com suas pernas esticadas no tecido almofadado, os dedos de seus pés tentando alcançar o sol.

Um grande guarda sol apareceu sobre ela um segundo depois, sombreando seu rosto enquanto deixava seus pés expostos. Pare de fazer isso, ela disse através do mesmo canal telepático, e não sentiu como se fosse algo novo, não sentiu nada estranho ali. Não, parecia que o canal estava esculpido em sua mente, o sulco usado através dos anos. Como se ela conhecesse Kaleb há mais tempo que conhecia a si mesma. Isso é exibição.

Uma pausa que poderia ter indicado surpresa antes de uma pequena mesa aparecer ao seu lado. Nela estava um prato de biscoitos e um longo copo cheio com o que ela descobriu ser suco de manga. Atraída pelos biscoitos, ela comeu dois tipos diferentes e tomou um gole da bebida cremosa e refrescante antes de ignorar intencionalmente seu apreensor e abrir o livro em seu colo.

Era um livro de matemática.

Tais livros físicos, ela lembrou, não eram mais parte do sistema de educação, mas esse era bem usado. Utilizando tinta preta, alguém havia escrito explicações concisas das equações e corrigiu os erros frustrados, linhas cruzadas, reescritas, feitas por um escritor que usou tinta azul.

A machucou tocar a escrita preta, fez um nó em sua garganta, então ela fechou o livro.

A textura da capa, o rasgo numa quina, a estampa que mostrava que o livro havia vindo de um vendedor de bens usados, todos tão familiares que era como ouvir uma música que estava longe o bastante que era impossível identificar a melodia. Tocando seus dedos na estampa desgastada, ela imaginou o que ela veria se fosse uma Os-Psy, nascida com a habilidade de sentir as memórias deixadas pra trás em objetos físicos.

 

Com as mãos nos bolsos de suas calças, Kaleb ficou parado nas portas de vidro no terraço, olhando através delas para a mulher que estava sentada na espreguiçadeira, seus pés descalços no sol do começo de outono que ainda estava quente, seus dedos acariciando a capa do livro que ele originalmente achou em uma loja de sucatas que vendia “antiguidades” duvidosas. Como evidenciado por sua resposta mordaz alguns minutos atrás, não havia medo nela, nenhum senso de pânico em estar sob o controle dele.

Ele sabia que aquela falta era uma calma momentânea, essa mulher que falava com ele sem nenhuma preocupação e que parecia que não ficava chocada nem perturbada com nada, não era a verdadeira Sahara Kyriakus. Não, ela era uma sonâmbula cuja tarefa era preparar o corpo e a mente de Sahara para acordar.

Ela não ficaria tão calma quando isso acontecesse, não o olharia com olhos azuis escuro sem medo. Então, ou ela usaria sua habilidade contra ele, ou ela fugiria, terror em cada respiração errática. Que era o porquê de ele ter recuperado a bata suja que ela jogou na lavanderia e selá-la a vácuo para preservar o cheiro dela. Ele nunca usaria sua mente para acorrentar a dela, mas ele a rastrearia através de chuvas, granizo e até mesmo fogo. Nunca mais ninguém, nem mesmo Sahara, a afastaria dele.

 

Ele ergueu seus escudos mais fortes ao aviso sem palavras de ambas NetMind e Darkmind, conectando com a neosensciência gêmea ao mesmo tempo. O que aconteceu? Esse não era outro colapso de uma âncora, não com a força ribombante da onda de choque que havia acabado de passar, como se tivesse acumulado momento através de toda a expansão da Net.

Imagens de casas desmoronando, paredes partidas, um vestido rasgado, caíram em sua mente, em uma velocidade que dizia a ele que a neosensciência gêmea que era nascida da Net estava confusa e com dor. Tomando controle de cada imagem, ele as separou, encontrou o denominador comum. Todos os danos haviam sido causados por podridão, fungo, bolor.

Mostre-me.

Entrando na rede psíquica que era tão familiar para ele quanto às ruas de Moscou, ele se cobriu e partiu para a localização que elas indicaram... exceto que ela não existia mais.

A região era negra, mas essa era a única similaridade que havia com o restante da PsyNet. Era escuridão não somente não tinha nenhuma estrela, mas efetivamente repelia luz. Embora ele fosse imune à podridão que estava rastejando através de partes da rede que conectava milhões de Psy através do mundo, infiltrando-se insidiosamente nas mentes da população, ele tomou cuidado ao se aproximar do vazio pulsante.

Parando na borda externa, ele enviou uma gavinha exploratória de energia psíquica para dentro da escuridão. O vazio a sugou, e se Kaleb já não tivesse cortado a conexão, teria continuado a sugar até que roubasse a última gota de energia de seu corpo e mente. Morte teria sido um processo excruciantemente doloroso.

Você pode ir lá? Ele perguntou para a NetMind.

Um senso de desolação, de uma dor terrível da metade da neosensciência que era reconhecida pela população e considerada a bibliotecária e guardiã da PsyNet. Ela só se comunicava, porém, com uma lista muito, muito curta de pessoas. E ela não se comunicava com ninguém além de Kaleb.

Sua conexão com a neosensciência anciã, e ainda assim infantil, e sua gêmea retorcida e quebrada, havia sido formada em uma infância fria e isolada composta de dor física e tortura mental que havia o tornado o homem que havia se tornado. Por um longo tempo, a NetMind e a DarkMind haviam sido suas únicas amigas.

Ele não pensava mais nelas daquela forma, não desde que tinha nove anos de idade. Embora cronologicamente muito mais velhas que Kaleb, tendo sido formada no começo da PsyNet, elas ainda eram crianças enquanto ele era adulto.

Onde a NetMind era uma inocente, a DarkMind era similar a uma criança ignorada e abusada que buscava somente abusar e intimidar dos outros, não conhecendo nenhuma outra forma de interagir. Em Kaleb, ela havia encontrado aceitação, uma escuridão que recebia a violência maligna e a raiva no centro de seu ser.

E você? Ele perguntou para a gêmea sombria.

Ela deslizou sinuosamente na escuridão, rolando como um gato.

Inicie uma barricada, ele ordenou a NetMind enquanto a DarkMind deslizava para se enrolar afetuosamente em torno dele, seu toque frio como a morte que Kaleb havia dispensado mais de uma vez. Assegure uma grande área de segurança. Eu não quero ninguém entrando em contato com isso.

Imagens de blocos de construção cascatearam na mente dele e ele percebeu que a NetMind já estava trabalhando na barricada. Bom, ele disse, dando a ela o elogio que precisava.

Mudando de posição quando as gêmeas se viraram em direção a sua tarefa, a DarkMind escolhendo ajudar a NetMind por razões próprias, Kaleb localizou a mente do Indivíduo 8-91. O homem estava infectado com a mesma doença que havia acabado de devorar um pedaço da Net e, assim, iria agir para Kaleb como um controle da progressão da doença, seu “canário na mina de carvão”.

Alguns diriam que aquilo era crueldade, mas 8-91 estava muito doente para ser ajudado, e ele era dispensável, sua contribuição para o mundo insignificante. Ele estava contribuindo muito mais, ajudando seus companheiros cidadãos, agindo como um barômetro para essa doença sem nome.

Indivíduo 8-91, porém, permanecia vivo, funcional, e sem nenhuma percepção da doença que havia comido seu córtex frontal. Claramente, a infecção avançava em um ritmo diferente em um indivíduo do ritmo que avançava no tecido psíquico que conectava 99,9% dos Psy no planeta.

O celular de Kaleb tocou.

Ele estava esperando a ligação. — Nikita, — ele disse, saindo da Net para falar com a mulher que havia sido uma Conselheira antes do Conselho implodir, e que agora mantinha poder em uma região que havia se tornado um ponto focal para aqueles que tinham um Silencio fraturado.

— Eu presumo, — ela disse, — que você esteja ciente do choque que acabou de rolar através da Net?

— Eu vi a causa. Um minuto. — Desligando, ele saiu para olhar Sahara, viu que ela havia acabado de pegar no sono, seu cabelo uma piscina sedosa de preto enquanto ela se deitada curvada de lado. Não estava tão vívido e sedoso quanto deveria ser, mas ele viu a promessa. Ainda assim ela não estava nem perto da Sahara que deveria ser, pequena, sua pele muito pálida, ela parecia que desapareceria a qualquer momento.

Estendendo a mão, ele ergueu uma única mecha de cabelo, esfregou entre seus dedos. Real, muito real. E segura na casa que ele havia transformado em um cofre impenetrável.

Reconfigurando os alarmes para alerta remoto, e mudando o ângulo do guarda sol para que ela estivesse completamente protegida, ele vestiu seu terno, pensou no escritório no arranha-céu de Nikita Duncan em São Francisco, e estava lá, sua mente fazendo a transição com uma velocidade e precisão que o falecido Conselheiro Santano Enrique havia considerado uma ferramenta para seu uso exclusivo.

— Ninguém tem nenhuma explicação, — Nikita disse a ele no segundo em que ele apareceu, sua voz tão profissional quanto o terninho que usava, as luzes de São Francisco brilhantes na escuridão da meia noite atrás dela. — Ainda assim você diz que viu a causa.

Ele não viu razão para não dividir a verdade, era somente uma que ficaria aparente rápido o bastante se sua teoria sobre o que estava acontecendo estivesse correta. — Parte da Net deixou de existir.

— Outro ataque? — As pontas do cabelo de Nikita roçaram sobre sua mandíbula quando ela se inclinou na mesa, mãos sobre o vidro e olhos amendoados estáveis com uma inteligência gelada que havia a guiado a sua posição como uma das mulheres mais ricas no mundo. — Eu não ouvi nenhum relatório...

— Não. A própria Net se desintegrou.

Nikita o encarou, mal contendo um pulo quando o painel de telecomunicação na parede apitou com uma chamada recebida. — É o Anthony, — ela disse, toando à discreta tela em sua mesa para aceitar e trazer o outro homem para a conversa.

Kaleb considerou o que Anthony Kyriakus faria se ele soubesse que sua sobrinha estava atualmente sob os cuidados de Kaleb. Provavelmente soltar a força total do poder dos NightStar em uma tentativa de recuperá-la, o clã de Sahara esteve procurando por ela com uma silenciosa, implacável persistência desde seu desaparecimento. Kaleb sabia disso porque ele teve que tomar cuidado para burlar os rastreadores deles mais de uma vez, e porque ele hackeou os arquivos deles. Se eles tivessem encontrado a localização dela antes dele, ele teria aproveitado e usado aquela informação sem remorso, Sahara pertencia a ele e a ninguém mais.

— O surto na Estação Sunshine, — ele disse após Nikita atualizar Anthony. — Você se lembra dos detalhes?

— É claro. — A resposta de Anthony foi imediata. — Cento e quarenta vidas perdidas para uma psicose repentina, ele atacaram uns aos outros de forma brutal e sangrenta.

Nikita continuou a narrativa com uma facilidade perfeita que disse a Kaleb que os dois estavam em uma comunicação telepática. — O surto foi considerado ser uma indicação de problemas críticos com o Protocolo, assim como o incidente na estação científica na Rússia. — Uma pausa, — Você me mostrou uma seção “doente” da Net uma vez. Era pequena, escondida, você está dizendo que a psicose foi causada por essa infecção? Que ela cresceu o bastante para criar tal perturbação massiva na Net?

Kaleb não se surpreendeu que Nikita tivesse feito à conexão, vírus mentais eram a especialidade dela, no fim das contas. — Sim. — Conectados à rede psíquica desde o nascimento, não havia jeito daqueles da raça deles evitarem o vírus, cada milissegundo da resposta orgânica que eles precisavam carregava uma carga potencialmente letal. — Parece que a infecção começou a atacar seu hospedeiro primário.

A PsyNet era vasta, poderia suportar golpes consideráveis, mas não era indestrutível.

— O dano dessa noite, — ele continuou, — não causou nenhuma fatalidade, mas somente porque era localizada na região que teria abrigado as mentes em Sunshine. — E aquela estação estava abandonada, um monumento glacial à morte, manchas de sangue congeladas nas paredes e refeições abandonadas pela metade, nenhum ser vivo em quilômetros.

— Nós não podemos permitir que a infecção atinja zonas povoadas, — Nikita disse, indo direto ao ponto como sempre. — Se tiver o mesmo impacto que teve em Sunshine, nós estaríamos enfrentando um massacre.

Um silêncio tenso, e Kaleb sabia que todos eles estavam pensando em uma São Francisco ou uma Moscou invadida por Psys que haviam cedido a uma loucura assassina. Irracionais, suas células agindo como fábricas para o vírus, eles matariam qualquer coisa em seu caminho, retalhariam seus companheiros cidadãos em pedações, pintariam as ruas com sangue.

 

                                       Capítulo 7

Foi Anthony quem falou. — O vírus pode ser contido?

— A NetMind está construindo uma barricada para assegurar que as pessoas não se aventurem na área infectada, mas eu não acredito que a barricada irá segurar o vírus em si. — Kaleb tinha uma teoria sobre uma “cura”, mas não era algo que ele planejava dividir com Nikita ou Anthony até que tivesse todas as peças em seus lugares para sua aquisição da Net.

— Você, — ele disse a Nikita, — deve ter um conhecimento útil. — Ela nunca confirmou sua habilidade com vírus mentais, mas todos envolvidos nessa conversa sabiam de sua existência.

Para seu crédito, ela acenou curtamente. — Eu farei um reconhecimento hoje a noite.

— Se foi preciso todo esse tempo para devorar a região da Net que servia a Sunshine, — Anthony disse, o prateado em suas têmporas brilhando na luz de sua mesa, — Deve ser uma doença que se espalha lentamente.

— Tudo indica que a doença ficou mais forte, mas não mais rápida, — Kaleb confirmou. — Nós não podemos nos dar o luxo de não estudá-la, mas a ameaça do PurePsy é muito mais urgente.

Nikita dividiu um olhar com Anthony quando Kaleb terminou de falar, e era uma comunicação silenciosa que Kaleb sabia que não envolvia telepatia. Mais uma vez, ele se perguntou quão exatamente próximos os dois começaram a trabalhar. Não que isso importasse. Enquanto Nikita e Anthony eram extremamente fortes, com um alcance financeiro e econômico massivo se combinados, eles não poderiam parar Kaleb. Ninguém podia.

Não agora.

Dois anos atrás, talvez. Porém — e graças aos changeling leopardos e lobos na região de Nikita, embora eles nunca saberiam dos papeis que desenvolveram na vida de Kaleb, seu poder amadureceu e atingiu seu potencial total durante os anos. O alcance dele poderia ter deixado outro homem louco; era para vantagem de Kaleb o fato de que ele havia sido tocado pela loucura ainda criança e havia sobrevivido.

Se ele era ou não são era outra questão.

— Se vocês me derem licença, — ele disse antes que Nikita ou Anthony pudessem responder a sua colocação sobre PurePsy, — Eu tenho que cuidar de um outro assunto. — Ele partiu sem esperar por uma resposta. Ming e Tatiana entraram em contato com ele pela PsyNet, e ele dividiu com eles a mesma informação que havia acabado de passar a Nikita e Anthony. Quanto à suspeita quieta Shoshanna Scott, ele tinha um espião extremamente confiável no grupo dela.

Não havia nenhum motivo para perder mais tempo com os ex-Conselheiros.

Sahara ainda estava dormindo quando ele voltou para o terraço, sua respiração regular. Ele estava prestes a se virar em seus calcanhares e partir quando os olhos dela flutuaram abertos, o azul escuro parecendo olhar diretamente através dele para ver os segredos viciosos que o marcavam igual à DarkMind.

— Eu abri o livro, — ela disse, desenrolando suas pernas com a graça quase felina que ela havia desenvolvido ainda adolescente, após tomar lições de dança ostensivamente para desenvolver sua força muscular e senso de equilíbrio.

Todas razões perfeitamente satisfatórias. Todas mentira. Sahara simplesmente amava dançar.

— Eu odeio matemática.

Tirando seu terno enquanto ela murmurava sonolentamente, ele a teleportou para seu escritório, e então ele desabotoou suas mangas e começou a enrolá-las, guardando as abotoaduras em um bolso. Era seu braço esquerdo que continha a marca, “a cicatriz”, e era a marca que ele precisava que ela visse agora que sua mente não estava mais confusa, como havia estado na noite anterior. Ele tinha que saber se ela se lembrava.

— Matemática nunca foi sua melhor matéria, — ele disse quando os olhos dela permaneceram na cicatriz sem mostrar reconhecimento. — Mas na última vez que contei, você falava dez línguas com fluência nativa. Francês, espanhol, hindi, mandarim chinês, suaíli, árabe e húngaro, para citar alguns.

— Eu falo mesmo? — ela perguntou, uma faísca em seus olhos enquanto ela se movia na espreguiçadeira em um convite silencioso.

Aceitando-o, ele se sentou na borda com suas costas para ela e seus braços apoiados em seus joelhos... e ele se lembrou dos sete anos que havia esperado ela voltar, os dias incontáveis que ele passou neste terraço olhando para este desfiladeiro enquanto a parte racional da mente dele tentava convencer a loucura obsessiva que vivia nele da provável morte dela.

O desfiladeiro, profundo e infinito, não havia existido até a primeira vez em que ele a imaginou destruída. — Você descansou?

— Mmm. — Sentando-se com aquela resposta muda, ela se apoiou contra as costas dele, o calor dela o marcando através do fino algodão de sua camiseta.

Kaleb ficou imóvel, toque era algo tão raro em sua vida que chegava a ser inexistente.

— Meu corpo, — ela sussurrou, uma mão vindo descansar no ombro dele, — Dói de tão faminto por contato com outro ser vivo.

Kaleb forçou seus músculos a relaxarem um por um. A confiança dela era crítica, e se fosse isso que seria preciso para ganhá-la, ele lidaria com a sobrecarga sensorial. — Os changeling, — ele disse tranquilamente, — Tem um conceito chamado privilégios de pele.

Os dedos dela roçaram a nuca dele, enviando uma corrente quase dolorosa sobre sua pele conforme seu corpo lutava para processar o nível chocante de informações novas. — Como você sabe disso? — Palavras roucas, o braço dela deslizando em torno da cintura dele.

Ninguém havia o segurado a... uma eternidade. — Eu, — ele disse, lutando para manter seu tom de voz controlado, — Tenho certos contatos. — O fato era, ele havia feito questão de descobrir o funcionamento interno de um clã changeling, informação era poder e poder era controle.

Mão flexionando contra o abdômen dele, ela disse, — Privilégios de pele... me fale sobre eles.

— No nível mais básico, o termo se refere a regras que regulam quanto contato cada changeling pode ter um com o outro, — ele disse, mal confiando em si mesmo para explorar os finos ossos do pulso dela, sua pele tão macia. — Eles são uma raça tátil, mas permissão para tocar nunca é algo assumido. É considerado um presente e privilégio. — O conceito ressoava com Kaleb de uma forma que nenhum changeling poderia entender.

Sahara ficou quieta por vários minutos, sua respiração, o único som do universo. — Você divide privilégios de pele com alguém? — ela finalmente perguntou, posicionando sua mão na coxa dele, pulso virado para cima, como se convidando-o a acariciar o lado vulnerável.

Músculos da coxa rígidos, Kaleb curvou seus dedos em sua palma, os flexionou... e correu seu dedão sobre as veias delicadas visíveis através da pele dela. — Eu dividi, — ele disse a ela, falando de um passado que somente outro ser vivo sabia que existia. — Há muito tempo atrás.

Sahara desenhou um padrão em seu ombro com a ponta de seu dedo antes de acariciar suas costas com a palma da mão dela em uma carícia que fez com que pedras despencassem no desfiladeiro. — Você rompeu o Silêncio.

Ele disciplinou sua Tc de uma vez, mas não soltou o pulso dela. — Sim. — O custo de seu rompimento foi um lento rio de vermelho escuro que ensopou os lençóis do hotel barato, o cheiro de carne queimada perfumando o ar. Era uma memória cravada em cada célula de seu corpo, de um evento que, quando ela se lembrasse, faria Sahara perceber exatamente quem ele era debaixo dos ternos e aparência de civilização.

Quando chegasse a hora, um homem melhor a deixaria ir. Mas Kaleb não era um homem melhor. Ele a traria de volta de novo e de novo. Não importaria o terror dela. Até que a habilidade dela se erguesse em um bruto ataque psíquico. — Você deve estar com fome. — Ele soltou o pulso dela, a fria e dura verdade fazendo com que a parte dele que vivia na escuridão se enrijecesse como o escudo adamantino que ele colocou sobre ela. — Você está pronta para comer outra coisa?

— Eu posso tomar mais do suco de manga? — Sahara continuou a acariciar as costas dele, e ele sabia que era uma confiança ilusória, nascida de uma mente fraturada.

Virando ligeiramente depois de teleportar a bebida que ela havia pedido, ele abriu a tampa e serviu o líquido espesso em um novo copo. — Você precisa de sólidos também.

Sahara não discutiu quando ele trouxe comida, e então sentou com ela enquanto comia tanto quanto aguentava. Era uma porção minúscula, mas ciente de que ela lidaria melhor com pequenas refeições espalhadas através do dia, ele não fez nenhum comentário. Quando ela o passou uma maçã e uma faca, ele a cortou para ela, e comeu o pedaço que ela o deu.

Era um silencioso, inesperado interlúdio, parte de uma calma que durou pelos sete dias que se seguiram, uma semana na qual Sahara dormiu frequente e profundamente; comeu refeições nutritivas, elaboradas para serem apetitosas, o que Kaleb se assegurava que sempre estivessem disponíveis; exercitava gentilmente seu corpo em aquecimentos que ele sabia que ela havia aprendido como uma dançarina mesmo que ela não soubesse disso; e conversou com ele sem medo.

Ele se assegurou de estar em casa quase todo o tempo em que ela estava acordada, tomando conta de outros assuntos, incluindo encontros com os Arrows, enquanto ela dormia. Havia se tornado claro que o indivíduo por trás do vazamento de Perth havia tido uma ajuda de um expert se escondendo por trás do esquema, mas Kaleb não tinha dúvidas de que os Arrows localizariam ele, ou ela.

Kaleb tinha outras prioridades.

Às vezes, Sahara o encontraria no terraço e inclinaria seu corpo contra o dele enquanto eles conversavam. Ciente de que esse era um momento transitório e que seria logo apagado por um passado cheio de gritos agonizantes, ele não se esforçou para afastá-la. Quando ela não o pressionou por mais informações sobre si mesma ou a situação, ele entendeu que seu subconsciente continuava a isolá-la da realidade para proporcioná-la tempo para se curar.

Tudo mudou no oitavo dia.

 

Sahara foi dormir com a lembrança do corpo musculoso de Kaleb contra o dela, enquanto eles estavam sob as estrelas, e acordou com um grito preso em sua garganta, seu coração batendo forte o suficiente para ameaçar sair de seu peito. Aterrorizada no nível mais profundo, ela procurou freneticamente por uma luz, desesperada para saber o que estava sendo feito a ela.

Seus dedos desesperados de alguma forma encontraram o sensor na lâmpada de cabeceira, e uma luz suave iluminou o quarto. Um lindo tapete de seda, paredes pintadas em uma cor creme gentil, uma penteadeira sem espelho com uma escova de cabelo sobre ela, e uma grande cama coberta com um edredom com um padrão de pequenas rosas. Não uma cela, mas ela sabia em seus ossos que ainda era uma prisão. Mesmo que seu apreensor a deixasse vagar pelos corredores o quanto ela quisesse.

— Kaleb Krychek.

— Você pertence a mim.

— Beba.

Uma quente parede de músculos sob sua palma.

Engolindo contra a cachoeira de memória, ela empurrou os lençóis e tropeçou até o banheiro. Seus dedos tremiam enquanto ela jogava água em seu rosto e o secava, e ela teve que agarrar a borda da pia por vários longos minutos para se estabilizar o bastante para poder pensar. A neblina calma na qual ela existiu desde que Kaleb a trouxe aqui havia sido rasgada, tiras dela flutuando na onda nauseante de seu medo.

Como ela pôde ser tão serena? Tocando Kaleb Krychek como se ele fosse um homem qualquer? Ele não era. Mesmo em seu encarceramento, ela não havia sido totalmente cortada das noticias do mundo exterior, os guardas conversavam entre eles, se não com ela, e sua mente havia catalogado as informações que ela ouviu nos breves e secretos períodos de lucidez que ela construiu no labirinto.

Kaleb Krychek, Conselheiro Kaleb Krychek, era um telecinético tão poderoso que havia rumores de que ele poderia afundar cidades, possivelmente rachar a crosta do planeta em si. Um homem com uma mente que ele mesmo havia confirmado que poderia causar verdadeira loucura na dela se ele escolhesse, um que as pessoas sussurravam que poderia matar com a mesma facilidade e falta de preocupação que um outro homem respira.

Na pia, seus ossos se empurraram, brancos contra pele que havia apenas começado a ser bronzeada pelo sol depois de tantos anos na escuridão.

— Eu ouvi que ele era o protegido de Santano.

De acordo com as memórias de longo tempo que ela podia acessar nesse momento, Santano Enrique era um Conselheiro, mas ela não sabia nada além disso. Ainda assim, os tons das vozes que ela se lembrava diziam a ela que esse era um fato importante sobre Kaleb.

Bebendo um pouco de água, ela respirou fundo e tentou planejar seu próximo movimento.

Pelo menos há esperança.

O pensamento era um brilho em seu coração. Por tanto tempo, não havia existido nem a possibilidade de esperança, sua mente aberta com tal bruta feiura que ela teve que se enrolar dentro de si mesma para sobreviver. As punições haviam sido em retaliação por ela ter criado o labirinto, mas Sahara não se arrependeu. Sem o labirinto, ela estaria pior que um dos reabilitados, sua personalidade apagada, sua mente igual à de autômato que fazia exatamente o que seus carcereiros queriam.

O escudo.

Inalando e exalando ao lembrete mental, ela abriu seu olho psíquico para o escudo de obsidio que protegia sua mente. Aquela linda e indestrutível criação não era dela, nunca poderia ser dela. A criação pertencia a Kaleb. Se ela tentasse escapar dele, ele poderia muito bem derrubá-la como punição.

Seu estômago deu um nó perante a ideia de estar tão nua e vulnerável mais uma vez, pânico ameaçando dominar seus sentidos, mas ela cerrou os dentes, se forçou a pensar da mesma forma que havia pensado quando ainda era uma adolescente assustada à mercê de estranhos que queriam somente usar a mente dela até que ela não fosse nada, nem ninguém. Poderia haver lacunas em sua memória, enormes pedaços perdidos para as voltas do labirinto, mas algumas coisas estavam gravadas nela. Ela sabia como construir escudos, havia feito isso desde criança.

E Kaleb nunca me machucaria.

Tremendo devido aos pensamentos que poderiam muito bem significar que ela não havia saído do labirinto sã, ela decidiu tomar banho, esperando que a água a acalmaria. Funcionou, um pensamento cortando seu pânico.

Eu tenho as ferramentas para escapar.

 

                                       Capítulo 8

Seu estômago se revoltou violentamente contra a ideia de usar aquelas ferramentas contra Kaleb, mas o lembrete de que ela não estava indefesa a deu algo para se agarrar. Ela não era mais uma garota de dezesseis anos de idade drogada, com um controle errático sobre sua mente; ela era uma mulher, uma sobrevivente. Vestida, ela prendeu seu cabelo e abriu a porta, tomando cuidado para ser silenciosa. Pelo modo que Kaleb nunca tinha problemas em localizá-la, ele tinha que estar vigiando-a de alguma forma... talvez através de um Trojan em sua mente.

Bile queimando em sua garganta, ela lutou para verificar seus caminhos neurais pela construção que poderia fornecer uma porta dos fundos em sua mente à um telepata. Nada óbvio se ressaltou, mas Kaleb era muito poderoso para não saber como esconder tal rédea, e independente de sua determinação subconsciente de confiar nele, ele era um homem que vivia por poder. Mesmo enquanto o último pensamento cruzava sua mente, outra parte, uma parte mais racional a lembrou que nenhuma construção, não importa quão sutil, poderia enredar as naturais defesas únicas nascidas de sua habilidade.

Sua mente simplesmente não podia ser comprometida por forças externas.

Adicionado a isso, se Kaleb desejasse saber seus pensamentos, por mais fragmentados que estivessem, ele poderia facilmente ter mexido na mente desde quando a resgatou. Os gravadores psíquicos silenciosos que ela escondeu dentro de sua mente muito antes do labirinto disseram a ela que ele não mexeu. Ao invés de alívio, essa percepção fez seu sangue congelar, porque só deixava um outro motivo para ele querê-la sob seu controle.

E ela nunca havia testado sua habilidade contra um homem com escudos de obsidio.

Sua respiração falhava, seu coração fora de sincronia, ela saiu de seu quarto para ver que a porta do quarto dele estava aberta. Não arriscando olhar dentro caso ele ainda estivesse lá, ela caminhou silenciosamente pelo corredor até a cozinha, a luz gentil entrando pela janela dizendo que o sol acabara de nascer. Uma vez lá, ela se forçou a comer, ela tinha que reconstruir sua força. Mas sua mão tremia enquanto pegava uma rosquinha tão fresca que ainda estava morna, a folha de papel a enrolando mostrando a elegante silhueta do que parecia ser um hotel de luxo.

A maioria dos telecinéticos guardava sua energia para somente as coisas mais necessárias, mas Kaleb... aquele nível de poder era além de assustador. Exceto que uma parte louca dela continuava a brigar com sua mente consciente, continuava a vê-lo como seguro e além dos limites para a única arma devastadora que ela tinha em seu arsenal. A irracionalidade disso a aterrorizava, a fazia desconfiar de seu próprio julgamento, como poderia ser o contrário quando era claro para qualquer um com um cérebro funcionando que um homem tão enterrado em Silêncio somente “ajudaria” alguém se fosse para vantagem dele?

A rosquinha entalou em sua garganta, mas ela a engoliu usando a bebida nutritiva fortificada que havia achado na geladeira e fez uma nota mental para comer novamente em uma hora, antes de respirar fundo e ir até o escritório de Kaleb.

Estava vazio.

Palmas suadas, seu olhar foi até o painel do computador na mesa dele. A tela transparente estava erguida de sua posição original que era rente à mesa, e quando ela mudou o ângulo de seu olhar, ela pode ver reportagens rolando através da tela, então a senha já havia sido introduzida.

Um minúsculo movimento.

Estremecendo, ela olhou através das portas de vidro para ver Kaleb no terraço. Vestido somente em um par de calças de atletismo, seus pés descalços, sua pele brilhando dourada sob a luz do sol enquanto ele repassava os movimentos mortais de uma arte marcial que ela não conhecia, mas que sabia instintivamente que não era nada que um civil deveria saber.

Exceto que, é claro, Kaleb não era nenhum civil.

Seus dedos se curvaram em suas mãos enquanto ela o assistia, a fluidez e graça do corpo dele fazendo nada para mascarar o fato de que os belos movimentos poderiam rapidamente se tornar letais. Era hipnótico o modo como ele se movia, a flexão e relaxamento de seus músculos atraentes num nível visceral, até que ela se encontrou se inclinando contra as portas Francesas, suas palmas espalhadas contra o vidro.

O frio era um choque, a trazendo de volta à realidade na qual ela era uma prisioneira que parecia ter formado uma ligação doentia e perigosa com o homem que era seu novo carcereiro, quando ela sobreviveu anos em cativeiro sem se tornar vitima à armadilha emocional que fazia prisioneiros sentir simpatia em relação aos seus apreensores. Ainda assim, dois dias com Kaleb e o labirinto havia desenrolado. Não somente isso, mas ela se aconchegou contra aquele corpo letalmente afiado, o acariciou com longos e lentos afagos.

E se sentiu... feliz.

Garganta seca e pele quente, ela deu mais uma olhada no homem no terraço antes de deslizar em sua cadeira. Medo se rastejava por sua espinha quando ela abriu a internet, e ela não podia se impedir de olhar sobre seus ombros para se assegurar de que ele continuava lá fora. Ele continuava, seu cabelo brilhando negro-azulado na suave luz do sol nascente.

A caixa de pesquisa piscava em frente a ela.

Mordendo seu lábio inferior, ela pesquisou não o nome de Kaleb, mas o de seu aparente mentor Santano Enrique. Se qualquer um tivesse pedido a ela uma explicação sobre o motivo pelo qual ela fez isso, ela não teria sido capaz de respondê-los, sua escolha era dirigida por puro instinto, a “sensação” do nome de Enrique enquanto ela o digitava no teclado infravermelho causando um forte enjoo em seu estômago.

Resultados da pesquisa rolaram pela tela. Clicando no link mais acessado, ela se encontrou em um site de notícias. Conselheiro Enrique estava morto. Os detalhes, reproduzidos de uma declaração oficial do Conselho, pareciam inocente o bast...

—Você está encontrando o que precisa?

Seu sangue congelou.

Quando o homem que estava de pé ao lado da mesa colocou uma mão no encosto da cadeira em que ela estava sentada, e a outra com a palma para baixo ao lado do computador, ela se encontrou dividida entre o impulso de correr... e inclinar sua cabeça contra o sombrio calor do corpo dele, respirar fundo o cheiro limpo de suor masculino que fazia a pele dele brilhar. A loucura dela em se tratando de Kaleb era claramente enraizada profundamente e sem razão.

— Ah, — ele disse, lendo o artigo que ela abriu. — Então você ouviu sobre Santano.

Uma vez, num programa sobre a natureza, ela viu um leão brincando com uma gazela, deixando sua presa acreditar que estava prestes a escapar, ao mesmo tempo afundando mais ainda suas garras no animal indefeso. Ela sabia que era a gazela agora, assim como sabia que não tinha porque continuar a esconder seu medo, ela não era uma mentirosa tão boa assim.

Porém, ela também não se sentaria congelada e o permitiria atormentá-la; ela criou o labirinto para escapar de seus apreensores anteriores, e enquanto ela não tinha nenhuma intenção ou desejo de enterrar sua mente daquela forma novamente, ela encontraria outra forma de escapar dele, de sobreviver.

— Sahara! Eu vou te encontrar! Sobreviva! Sobreviva por mim!

O eco daquela promessa selvagem havia passado em um loop contínuo em sua mente por toda a duração de seu cativeiro. Sahara não tinha a memória daquele evento ou do tempo quando as palavras originais haviam sido ditas, não sabia a identidade do locutor, mas ela sabia uma coisa: sua morte significaria mais, muito mais, que a simples extinção de uma vida;

Alguns poderiam dizer que aquela crença era algo ilusório que sua mente havia criado para sobreviver a um pesadelo — e talvez fosse — mas havia a ajudado a navegar a solidão profunda dos últimos sete anos. A ajudaria superar isso, também.

— O que você vai fazer comigo? — ela perguntou, orgulhosa pelo fato de sua voz não ter tremido.

Olhos cardeais sem estrelas encontraram os dela, o cabelo de Kaleb atipicamente bagunçado. — Te dar seu próprio organizador. — Um tablet fino como papel apareceu na mesa um instante depois. — Eu preciso dessa tela para uma vídeo conferencia em vinte minutos.

Com isso, ele estendeu a mão e digitou uma url no navegador, uma url obscura aos olhos dela, criada como se fosse uma corrente de números. — Isso irá te dizer o que você precisa saber sobre Santano. — Se afastando da mesa, ele caminhou até a porta. — Se lembre, eu preciso dessa tela em dezenove minutos.

Ela o encarou de boca aberta, em incredulidade até que não podia mais ouvir os passos dele. Sua mente tentou encontrar algum tipo de razão na resposta dele, ficou frustrada pela falta de explicação nela. Kaleb tinha que saber muito bem que informação era poder, e ainda sim ele a entregou a chave para isso.

Esfregando seus dedos em suas têmporas em um esforço em vão para aliviar sua confusão, ela voltou sua atenção para a página que ele abriu, e se encontrou em um site comandado por um autodenominado teórico da conspiração. O autor anônimo se identificava como Psy, e dada à quantidade de informação no site, ele era esperto o bastante para esconder seus rastros dos lacaios do Conselho, porque os tópicos que ele cobria eram mais que tabu.

Passando pelas entradas recentes, que diziam que o Conselho não existia mais, apesar da falta de um anúncio oficial, ela se encontrou na caixa de pesquisa e mais uma vez digitou o nome de Enrique... para ser redirecionada para uma única página contínua que tinha atualização após atualização. A mais recente era datada um pouco mais de dois anos atrás e dizia simplesmente: Kaleb Krychek agora no Conselho. O reconhecido protegido de Santano Enrique, nenhuma evidencia contra ou afirmando que ele ajudava S. E. nos assassinatos e torturas.

Uma dor agonizante em seu peito, um choro preso por trás de sua mão. Rolando para o fim da página, ela começou a ler de baixou pra cima, desde a entrada mais antiga.

De acordo com o autor, Santano Enrique havia sido um dos raríssimos âncoras, um que não somente abraçava a política ao invés do isolamento, mas prosperava no mundo mortal do Conselho. Ele também havia sido um assassino responsável pela tortura e assassinato de várias jovens mulheres changeling. Ele não havia morrido de causas naturais, como era dito na mídia regular. Ele havia sido executado pelos leopardos DarkRiver e pelos lobos SnowDancer de um modo horrível, uma mensagem para o restante dos Conselheiros grampeada em sua língua.

— Você tem mais cinco minutos.

Erguendo rapidamente sua cabeça, ela viu Kaleb na porta. Seu cabelo estava molhado, mas perfeitamente penteado, sua camisa um azul escuro, suas calças cor de carvão, o cinto preto, o mesmo tom de seus sapatos. Ele segurava um copo da bebida nutritiva em sua mão.

O que quer que ele tenha aprendido junto de seu mentor, não poderia ser nada de bom. E ainda assim a compulsão de ir até ele pulsava em seu sangue, a fazendo desconfiar de sua própria mente, independente do fato de que ela sabia que estava imune de controle mental naquele nível. Assim como ninguém poderia comprometer sua mente, ninguém poderia controlá-la, não sem ela estar ciente da interferência.

Ainda assim, seu estômago se torcia, suas unhas cavando a suavidade de suas palmas.

— Como alguém de fora do Conselho poderia saber desses detalhes? — ela disse, surpresa que as palavras saíram soando calmas e racionais quando seu corpo e mente continuavam a lutar uma batalha que ela não podia explicar. — Ou ele está se iludindo ou tem uma fonte.

Kaleb deu um gole em sua bebida, nunca tirando os olhos dela. — O que você acha?

— As acusações dele são tão estranhas que devem mesmo ser a verdade. Uma fonte.

— Provavelmente. — Terminando a bebida, ele teleportou o copo. — Ele está certo em todas as características técnicas.

Seus dedos tremeram quando ela pegou o organizador, notando distraidamente que era muito mais fino e leve que o que era normal sete anos antes.

— Santano Enrique era louco? — Mesmo enquanto ela fazia a pergunta, ela estava pensando sobre a afirmação que havia acabado de ler, que dizia que Kaleb havia estado efetivamente sob o “cuidado” de Enrique desde que tinha cinco anos de idade. Seria a maior ilusão de todas assumir que a experiência não havia distorcido seu desenvolvimento, o tornando um reflexo do homem que havia sido a figura paternal em sua vida.

Kaleb colocou as mãos nos bolsos de suas calças, nada nele falando sobre o garoto que havia sido, um garoto que cresceu com um monstro.

— Isso, — ele disse, — É uma questão de opinião. Alguns diriam que ele era uma criação perfeita do Silêncio. Totalmente sem emoção, sem empatia. Para ele, os assassinatos eram experimentos interessantes.

 

Kaleb viu a fina camada de medo nos olhos de Sahara enquanto ela se levantava de sua cadeira, seu cabelo preso para expor um rosto que não continha nenhuma enganação. Ele se perguntou se ela era sequer capaz de jogar os jogos que ele jogava diariamente, usando verdades e mentiras intercambiáveis para alcançar suas metas.

Embora ela tivesse deixado a sala sem tirar os olhos dele, ele sabia que ela não havia recuperado totalmente suas memórias, ela não estava com medo o bastante, a cautela nela generalizada e não especificamente direcionada a ele.

Ele a deixou ir, não ressaltando que se ele quisesse machucá-la nesse momento, não havia nada no mundo que ela poderia fazer para pará-lo. Seus ossos se quebrariam como palitos se ele soltasse uma mera fração de sua força telecinética, seu sangue pulsando dela em uma onda de escarlate. Assim como havia acontecido antes, para encharcar os lençóis da cama naquele quarto de hotel barato que havia queimado até virar cinzas negras, mas que não havia escapado dos olhos da Força, graças aos jogos que Santano gostava de jogar.

Esperando vários minutos para dar a ela a chance de abaixar sua guarda, ele foi até as portas abertas para ver que ela havia se sentado de pernas cruzadas na espreguiçadeira. O guarda sol, desnecessário nessa hora do dia, permanecia fechado, o brilhante negro do cabelo dela cintilando com mechas vermelho-douradas na luz do amanhecer.

Aquelas mechas eram incomuns, mas não totalmente imprevisíveis, dada a mistura genética de DNA materno e paterno. O cabelo da mãe dela era de um preto suave, enquanto o do pai dela era como argila molhada, o gene recessivo para cabelos ruivos forte na árvore genealógica da família Kyriakus. Era o perfil psíquico de Sahara que havia surgido do nada, tão raro quanto o de um duplo cardeal.

Até onde Kaleb sabia, Sahara era a única pessoa na Net com sua habilidade específica, uma tão cobiçada que seus apreensores não a executaram apesar do labirinto.

Sahara Kyriakus tinha dentro dela o potencial para fazer de um homem um imperador.

Pure Psy

Se houvesse um indivíduo na Net que tinha o respeito de Vasquez, este era Kaleb Krychek. O Tc cardeal havia provado seu Silêncio com sua ascensão fria e calculada ao Conselho, eliminando todos que se colocaram em seu caminho, e o fazendo com tal discrição e inteligência que nenhuma das execuções foram conectadas a ele.

Henry, também, havia falado bem do homem mais jovem, mas ele havia estado incerto sobre confiar em Kaleb com o funcionamento interno do Pure Psy. As prioridades de Kaleb não são as mesmas que as nossas, o líder, agora falecido, do PurePsy havia dito. Ele quer um total e incontestado controle da Net, disso eu estou certo.

Aquele objetivo havia batido de frente com o do PurePsy, porque onde Krychek queria utilizar tal controle para aumentar seu poder, PurePsy queria usá-lo para o melhoramento da raça Psy. Porém, a situação havia mudado desde a decisão original de Henry de não convidar Krychek para seu círculo interno, a mais crítica sendo a morte de Henry.

A organização precisaria de um homem forte da liderança quando se erguesse ao topo e Krychek preenchia a vaga perfeitamente. Seu envolvimento também serviria para acalmar a população, mantendo continuidade com o Conselho anterior.

Vasquez não tinha nenhum problema em ceder sua posição atual à Kaleb por uma função mais adequada ao seu treinamento. Ele sabia que não foi feito para liderar. Ele era um general com a capacidade de ser absolutamente leal ao seu líder escolhido. Krychek, em contraste, não aceitava ordens de ninguém. Exatamente como deveria ser com o homem no topo da cadeia alimentar.

Juntos, eles formariam o time perfeito.

 

                                           Capítulo 9

Sahara entendia que o organizador que Kaleb havia dado a ela poderia muito bem estar programado para transmitir suas atividades a ele, mas parecia contraditório desde que ele poderia ter retido o dispositivo em primeiro lugar. E então havia o fato de que sua mente permanecia nua, para todas as intenções e objetivos, seus escudos nascentes, e ainda ele não fez nenhuma tentativa de invadir, não fez sequer uma coisa para fazê-la se sentir caçada.

— Se preocupar sobre as motivações dele não mudará as coisas, — ela murmurou para si mesma e começou a acessar os maiores sites de notícias.

A surpreendeu, quanta informação ela encontrou em sites afiliados de Psy, informação que seria embragada sob a ameaça de punição severa pelo Conselho quando ela foi sequestrada. Fascinada com as referencias de um conflito armado que havia envolvido o Conselheiro Henry Scott e um grupo chamado PurePsy contra os changeling, ela leu artigo após artigo.

O que a espantou ainda mais que a ideia de um conflito aberto foi a parte das opiniões.

O Protocolo do Silêncio veio a nos definir como uma raça, dizia uma parte anônima em um site de notícias humano, mas esse é o legado que queremos deixar? Nós não temos a força para encarar nossos demônios ao invés de sufoca-los e fingir que isso significa que eles não existem mais, enquanto sabemos que o mal caminha entre nós?

Enfiando uma mão em seu cabelo ao ler palavras que teriam resultado em uma rápida ordem de reabilitação sete anos atrás, a mende e personalidade do escritor despida para deixá-lo mal funcionando o bastante para executar trabalhos servis, ela continuou a ler, absorvendo tudo com a fome de uma mente que havia sido abstida de conhecimento por anos. Porém, por mais compelida que estivesse pelas mudanças políticas que aconteceram ao longo daquele tempo, o assunto que a fascinava mais era Kaleb Krychek. Mas deixando de lado o site que o próprio Kaleb havia mostrado a ela, buscas sobre ele só resultavam em assuntos de negócios e informações biográficas públicas sobre o Conselho, sendo que a única exceção estava numa enciclopédia pública administrada por humanos:

KALEB KRYCHEK

Introdução: Um inesperado cardeal telecinético nascido de dois pais de baixos Gradientes cujos genes recessivos combinaram e deram um poderoso resultado no feto. Treinado e monitorado por Santano Enrique desde os cinco anos de idade.1

Fez seus primeiros milhões com vinte e três anos de idade após apoiar um projeto de alto risco que resultou em uma tecnologia inovadora em telas de comunicação. Ascendeu ao Conselho na idade de vinte e oito anos de idade.

Reside em Moscou.

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Citação necessária

 

Após ler a biografia completa, que insinuava que Kaleb havia conquistado sua posição atual eliminando todos que ficaram em seu caminho, mortes naturais oportunas, pessoas saindo de negociações sem aviso, desaparecimentos não explicados, mas não oferecia nenhuma prova das alegações, Sahara voltou para o site de conspirações. Lá, ela leu que havia boatos de que ele era capaz de causar loucura, um fato que ele próprio já havia confirmado, e que enquanto ele tinha as mãos limpas publicamente, ele não era contra fazer seu próprio trabalho sujo.

Embora Krychek seja o membro mais jovem do Conselho, dizia uma atualização feita um ano atrás, ele é o mais implacável e perigoso. Ninguém além dele sai vitorioso em nenhuma negociação na qual Kaleb mostre interesse.

Seis meses atrás, Agro Grav recusou uma oferta do Conselheiro. Porém, o CEO mudou de ideia de repente dois dias depois. Em nenhum momento ele explicou o motivo de sua revogação, mas é notável que ele tirou suas filhas da escola interna no mesmo momento, favorecendo educação domiciliar.

Sua mão tremeu novamente e tão forte que ela teve que soltar o tablet antes que ela o derrubasse. Dentro de seu peito, seu coração batia em uma velocidade insana, sua cabeça girava, seu corpo não mais sob controle. Entrando em pânico, ela deslizou suas pernas para o lado da espreguiçadeira e tentou ficar de pé, somente para colapsar novamente, seus ossos com a mesma consistência de borracha, e seu coração em sua boca agora, sua respiração presa em seu peito, cacos de espelhos quebrados perfurando sua garganta e uma escuridão sufocante dominando as bordas de sua visão.

— Respire. — Um comando implacável, uma mão insistente empurrando sua cabeça para descansar entre seus joelhos.

Ela foi, sua visão limitada a dois minúsculos pontos de luz.

Um senso de movimento, o corpo de Kaleb agachando em frente a ela. —Respire e expire.

Ela se agarrou ao ritmo estável das palavras que ele repetia em uma voz calma e temperada, seu peito expandindo e esvaziando até que a escuridão começou a recuar e ele tirou sua mão da nuca dela.

Erguendo a cabeça, ela bebeu a água que ele a oferecer antes de encontrar os olhos deste homem que poderia verdadeiramente ser o pior monstro de todos. Aquele olhar cardeal estava totalmente preto novamente, nenhuma luz na escuridão, e por algum motivo, aquela visão a fez querer soluçar como se seu coração estivesse se partindo, o nó de lágrimas dentro dela tão apertado que chegava a doer.

— Obrigada, — ela disse, mal conseguindo controlar a necessidade violenta de ficar de luto sobre algo que nunca pertenceu a ela. — Eu nunca tive um ataque de pânico antes.

Ele permaneceu agachado, olhando para ela com aquele rosto duro e lindo que ela tinha a assombrosa sensação de que já havia visto muitas, muitas vezes antes, exceto que ele não aparecia em nenhuma de suas memórias recém-recuperadas. Talvez porque sua mente estivesse pregando peças nela... ou talvez porque o encontro deles tivesse sido muito feio para se lembrar.

Afinal de contas, Kaleb havia sido o protegido de um serial killer, um fato que ela não podia se deixar esquecer. Santano Enrique preferia vítimas changeling, mas quem poderia garantir que Kaleb não preferia mulheres de sua própria raça?

Kaleb nunca vai me machucar.

Novamente aquela voz do fundo de sua mente, aquela compulsão para confiar nele que falava sobre lágrimas presas em seu peito.

— Nem mesmo quando eles te levaram? — Kaleb perguntou, e embora ela não conseguisse esquecer o que havia lido sobre ele, ela também não conseguia se impedir de roçar seus dedos levemente sobre a morna rigidez da mandíbula dele.

Ele ficou imóvel, mas não a impediu.

Faz tanto tempo.

Prendendo o misterioso pensamento dentro de si, ela disse, — Eu estava com medo, — e esperou para ver se ele reagiria à evidencia de que seu Silêncio sempre havia sido problemático, mas ele simplesmente continuou a observá-la.

— Com medo, — ela disse novamente. — De uma forma que fazia tudo dentro de mim gelar, mas eu não entrei em pânico. Não assim. — Dizer as palavras à fez perceber que muito mais que somente seu corpo havia se tornado frágil nos anos em que ela foi mantida como um animal de circo em uma jaula. —Eu estou quebrada.

Nenhuma mudança na expressão dele. — Você acredita que isso te torna irreversivelmente danificada?

Franzindo, ela fechou sua mão quando seus dedos teriam o tocado novamente. — Isso não faz sentido. Se eu estou quebrada, eu estou danificada.

— Essa é uma interpretação. — Com aquela afirmação enigmática, ele ficou de pé, um homem com tal beleza gelada que ele parecia mais uma estátua que uma pessoa viva e respirando.

E ainda assim, ele era feito de carne, seus dedos ainda tinham o eco do calor da pele dele, seu corpo se lembrando da força das costas dele de quando ela se apoiou contra ele nessa mesma espreguiçadeira... e doía por mais contato, razão colidindo contra uma necessidade nascida em memórias que ela não conseguia acessar, e que poderiam nem sequer existir além do reino da imaginação.

— É quase certeza, — ele disse, — Que você esteja sofrendo de estresse pós-traumático.

Querendo se testar, ela ficou de pé, também. Suas pernas tremiam, mas se seguraram. — Eu provavelmente deveria ter a ajuda de um especialista, — ela murmurou, simplesmente para ver como ele responderia, esse homem que a deixava vagar pela casa como bem quisesse, que protegia sua mente, que dava a ela ferramentas para ganhar conhecimento sobre o mundo, mas que colocava alarme nas portas para que ela não pudesse fugir.

— Você gostaria de falar com algum M-Psy?

Espantada, ela o encarou. — Se eu disser que sim?

— Eu vou me assegurar de que você tenha acesso aos melhores especialistas do mundo.

Ela não conseguia julgá-lo, ela percebeu com um senso de ódio fora de proporção ao tópico da conversa e o breve tempo que ela o conhecia. Ele não deixava escapar nenhuma das pistas físicas ou verbais que até mesmo os Psy deixavam, seu controle impossivelmente afiado. — Como? Sequestrando mais uma pessoa?

Um olhar estável. — Ninguém fala sobre os meus segredos.

Respirando fundo diante da pura e aterrorizante falta de emoção na afirmação dele, ela balançou a cabeça. — Eu não quero o terror de outro ser vivo, Silencioso ou não, pesando na minha consciência.

O silêncio dele era, de repente, tão absoluto que ela teria achado que estava sozinha se não fosse capaz de vê-lo em frente a ela. — Há outras maneiras.

Ela queria desesperadamente acreditar que ele estava tentando fazer um acordo, que ele não era o assassino de sangue frio que os artigos davam a entender que ele era. A profundidade viciosa de sua necessidade a assustava até sua alma, ela não precisava de um especialista para saber que a compulsão que ela sentia por Kaleb não era saudável e poderia ser letal.

— Eu ainda não estou pronta. — Depois de anos tendo sua mente aberta, ela não podia suportar a ideia de ninguém mais tentando adivinhar seus segredos. — Tudo que eu quero, — ela sussurrou para seu captor, — é ser livre.

Os cílios de Kaleb se abaixaram, o mundo se fragmentando por uma fração de segundo, e então ela estava de pé nas brilhantes areias negras de uma praia varrida pelo vento, nenhum outro ser a vista pelo que pareciam ser quilômetros em todas as direções; as dunas de areia à sua direita servindo como lar para gramas resistentes que balançavam na brisa. Em seu outro lado, água dançava gentilmente na beira da água, deixando ondas graciosas na areia, a espuma do mar parecendo uma renda selvagem entrelaçada com conchas que brilhavam sob a luz do sol amarelo alaranjado do fim da tarde.

— Isso é real? — ela sussurrou, com medo de que ele tivesse criado uma ilusão dentro de sua mente, uma tão detalhada que ela podia até sentir o vento salgado contra seus lábios.

— Dor é o melhor indicador de que algo é uma ilusão ou realidade.

Ela reconheceu as palavras de uma lição de infância, uma ensinada a crianças Psy.

Estendendo o braço, ela beliscou a pele sensitiva da parte inferior de seu braço, se encolheu. E então sorriu e, se virando, tirou seus sapatos para apreciar os grãos esquentados pelo sol que não eram realmente pretos, mas uma amalgama de cores que brilhavam na luz.

Ela sabia que isso não era liberdade, não quando Kaleb estava na duna mais próxima, silencioso e vigilante, mas para uma garota que se tornou mulher em uma jaula, era o bastante por esse instante cheio de luz do sol. Ela aproveitaria o lindo agora e se preocuparia com o futuro depois de apreciar sua felicidade.

Correndo pra frente, ela abriu os braços e girou em círculos, o céu um brilhante azul acima, a carícia languida do sol contra sua pele, a areia tão fina quanto açúcar entre seus dedos dos pés. Ela riu e riu, e quando finalmente estava tonta demais para girar, ela se jogou na morna maciez da areia para ver que Kaleb havia se sentado na base de uma duna, seus braços apoiados folgados sobre seus joelhos, seu terno que sem dúvidas custava uma fortuna, extremamente fora de lugar nessa vastidão intocada pela mão do homem.

E ainda assim... ele se encaixava.

Não era nada que ela poderia ter previsto, mas Kaleb Krychek se encaixava aqui nesse lugar selvagem, onde o mar continha a promessa de fúria mesmo num dia de sol e onde o vento acariciava possessivamente a grama, puxando o cabelo dela, o dele também. Ele parecia que pertencia aqui como uma parte da paisagem tanto quanto as dunas e a água... e tão isolado e sozinho quanto elas.

Franzindo a testa quando ela percebeu que seus olhos permaneciam nele, seus pensamentos mais uma vez circulando em volta de seu apreensor, ela se levantou e começou a caminhar até os penhascos no horizonte. Eles continuavam extremamente longe por mais que ela tivesse caminhado por uma hora, mas a paz da água, o sobrepor das ondas, o sal em cada respiração sua, era uma terapia melhor que qualquer exame invasivo de um M-Psy.

Ela só parou quando seu corpo protestou contra o nível de exercício desabituado. Olhando pra trás, ela podia ver Kaleb esperando com uma paciência que de alguma forma não fazia nada para esconder o poder dele, mas ela sabia que não conseguiria caminhar de volta para ele, seu corpo quase atingindo seu limite. Seu coração, porém, não estava cheio o bastante, sua pele ainda estava absorvendo essa parte dramática e assombrosa do mundo, que era tão distante do céu da manhã de Moscou.

Colocando uma mecha de cabelo atrás de sua orelha, ela se sentou na areia, seus braços em torno de seus joelhos num eco da posição de Kaleb, sua mente tanto frustrada quanto fascinada pelo enigma que ele representava. Algo não estava certo sobre essa prisão, algo não estava certo no comportamento de Kaleb. Ela havia sido mantida em cativeiro por mais de sete anos, sabia a diferença entre uma jaula e... o que quer que isso fosse.

Você pertence a mim.

Uma afirmação inconfundível de posse que dizia a ela que ele iria atrás dela se tentasse escapar. Ainda assim, até agora ele havia dado tudo o que ela havia pedido. Poderia ser uma trama inteligente para causar exatamente a confusão que a deixava tão desequilibrada, mas isso não explicava o motivo de sua própria mente estar dividida em dois quando o assunto era Kaleb Krychek.

Mesmo agora, ela lutava contra a necessidade dolorosa de ir até ele, sentir a pele dele.

Tanto tempo, fazia tanto tempo.

Acessando o canal telepático entre eles, um canal que havia sido aberto no lado dele desde que a encontrou, ela estendeu uma mão para a escuridão. Você gostaria de ficar aqui comigo? Perturbava-a vê-lo tão sozinho.

Ele estava sentado ao lado dela um segundo depois, seus olhos nas ondas mais pesadas que atingiam a beirada enquanto a maré começava a subir, a espuma beijando a areia a um metro dos pés deles. — Você gosta do mar.

— Eu sempre gostei, — ela disse, capaz de sentir o calor de seu corpo maior apesar dos centímetros que os separavam. — Quando eu fui colocada numa cela, eu costumava imaginar os movimentos e o tamanho do mar para me manter calma.

Os olhos de Kaleb em seu rosto, tão potentes quanto um toque. — Você se lembra de tudo sobre os anos em que foi mantida presa?

— Não, — ela sussurrou, recusando-se a se virar, incerta de que poderia resistir à necessidade que a puxava para ele, — Ainda há lacunas. — Ela quase contou a ele sobre o dano irreversível que havia sido feito antes do labirinto, quando ela não entendia o custo exigido por sua habilidade.

— E antes? — ele perguntou. — Você se lembra dos primeiros dezesseis anos da sua vida?

— Não tudo. — Porém, ela tinha a sensação de que aquelas peças que faltavam não eram permanentes. — Eu vou me lembrar quando estiver pront...

Ela se interrompeu quando Kaleb ficou de pé sem aviso, estendendo a mão para coloca-la de pé ao mesmo tempo.

Eles estavam de volta no terraço antes que pudesse fazer mais que respirar. Ofegando, ela oscilou, teria tropeçado se ele não tivesse a estabilizado. — Kaleb? O que foi? — ela perguntou, agarrando seus bíceps.

Mas ele já havia partido, deixando-a segurando o ar.

 

                                     Capítulo 10

Kaleb se encontrou rodeado por caos, gritos quebrando o silêncio da manhã de Copenhagen. O resgate que já havia chegado à cena gritava para que as pessoas evacuassem a área, equipes de bombeiros correndo para sufocar as chamas. Porém, ninguém se aproximou de Kaleb onde ele estava em frente ao apartamento que havia desabado em um lado pela força do dispositivo explosivo, nuvens de fumaça no ar enquanto as chamas estouravam janelas para chover sobre os curiosos com fragmentos que partiam e cortavam.

O prédio era comum, cheio de pessoas comuns, com uma exceção. Era... havia sido? Casa para um intelectual que estava trabalhando numa tese que desafiava as teorias e provas originais dos Adelaja sobre o valor do Silêncio. O foco do intelectual havia sido o desaparecimento bem disfarçado dos filhos gêmeos dos Adelaja, conhecidos como os “primeiros”, nos quais o casal havia baseado toda sua teoria que condicionar os Psy para viver sem emoção os salvaria da insanidade e violência que ameaçava destruir sua raça.

Kaleb sabia daquilo porque a NetMind e DarkMind o diziam tudo que poderia impactar na Net, assim como elas o disseram sobre essa explosão, mas se isso fosse um ataque PurePsy, então o grupo fanático tinha fontes de informação muito melhores e simpatizantes muito mais poderosos que ele havia imaginado.

— Socorro! Por favor!

Olhando para cima para localizar a fonte do grito, repetido em dinamarquês e novamente em inglês, ele viu uma mulher com uma criança aconchegada contra seu peito em um dos quartos do sétimo andar que não haviam desmoronado com o golpe inicial. Jugando pela espessa fumaça cinza circulando em torno dela, ele sabia que ela e a criança morreriam em questão de minutos.

Não foi preciso nem um pensamento para teleportar e trazer a mãe e criança de volta em segurança, a tosse da mulher atraindo a atenção dos médicos, mesmo que quando eles a alcançaram, ela empurrou a criança para ele com um choro desesperado. Enrolando os dois sobreviventes num cobertor, os médicos começaram a checar seus pacientes aflitos para ver se não haviam inalado fumaça.

— Eu cubro este lado, — ele disse para o teleportador que havia chegado um segundo antes em resposta à exigência direta de Kaleb que os Arrows prestassem assistência. — Há pessoas presas em quartos que não são visíveis daqui.

Vasic assentiu e desapareceu em direção aos fundos do edifício. Seu parceiro, Aden, já estava organizando os paramédicos, incluindo médicos Arrows, com precisão militar. Era a primeira vez em sua memória que o letal esquadrão de assassinos, seus uniformes pretos os marcando como alguns dos mais perigosos homens e mulheres da Net, haviam participado tão publicamente em uma oferta de assistência humanitária.

Deixando Aden para gerenciar os recursos para que as pessoas certas estivessem cuidando das tarefas certas, Kaleb se focou no próximo sobrevivente preso. Enquanto ele tivesse um foco visual, ele poderia alcança-los.

 

Desconcertada pela partida repentina de Kaleb, Sahara decidiu caminhar através da casa enquanto organizava seus pensamentos. Assim como ela sabia muito bem agora, a casa não era o cubo espartano que as pessoas poderiam ter esperado de um Tc cardeal. Ao invés, ela fluía de um nível para o outro, cada um dividido por um único largo degrau, com a parte mais baixa contendo um pequeno e interno lago de carpas cheio de peixes laranja e rodeados por folhagem que perseverava no calor criado por múltiplas escotilhas envidraçadas. A temperatura no lago em si, ela percebeu hoje, era regulada por um sistema separado, para assegurar que continuasse confortável para seus habitantes.

Deixava-a tão feliz, aquele lago, que seus olhos se encheram de lágrimas. — Menina boba, — ela sussurrou, secando as lágrimas para se ajoelhar perto das pedras irregulares que rodeavam a água, com uma forte emoção em seu coração.

Esse lugar... toda essa casa, era tão familiar, tão segura.

Foi um longo e sereno tempo depois que ela continuou a caminhar pelos cômodos ventilados e cheios de luz e pelos largos corredores. Ainda assim, independente de seu uso generoso de espaço, a casa não era tão grande que parecia impessoal. Não, era uma casa, com centenas de minúsculos detalhes que denotavam a consideração que havia sido colocada no design, com cada cômodo exceto alguns poucos contendo grandes janelas que iam do chão até o teto.

As janelas no nível diretamente acima do lago foram cobertas em algo para proteger os livros alinhados nas prateleiras, centenas de volumes preciosos posicionados precisamente em ordem alfabética. As espinhas tortas e capas usadas a diziam que os livros foram lidos, ou usados. Muitos deles eram de não ficção, os assuntos tão ecléticos quanto os livros no escritório de Kaleb.

Um lindo quarto, um tapete no chão que era vermelho rubi com branco cremoso, as cadeiras confortáveis... e ainda assim parecia não acabado. Ela sabia em seus ossos que enquanto Kaleb poderia ter usado os livros, ele nunca se sentou aqui. Assim como ele não sentava na área de café da manhã e nem usava a sala de estar. Ele podia dormir em sua cama, mas seu escritório era o único cômodo na casa que parecia levar alguma marca do inteligente, letal e fascinante homem que era seu apreensor.

Subindo o largo degrau para o próximo nível, ela olhou através das janelas para ver uma paisagem assombrosa de campos despidos. — Tão lindo, perigoso e solitário quanto você, — ela sussurrou, sua mente cheia com imagens de Kaleb contra a paisagem das dunas.

Sentindo a pele subitamente fria, ela envolveu seus braços em torno de si mesma e voltou para a luz do sol no terraço. Era um ato automático checar os sites de noticias em seu organizador, sua mente correndo para preencher as lacunas sobre esse presente que para ela era um futuro desconhecido.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS! Explosão de bomba em Copenhagen, Número de mortes crescendo...

Imediatamente procurando por cobertura ao vivo, ela clicou em um link apresentado por um repórter humano, tristeza e choque se entrelaçando dentro dela pela carnificina visível atrás da loira de rabo de cavalo: tijolos quebrados, vigamentos caídos, fumaça negra e espessa do que parecia ser um incêndio secundário, vítimas feridas e sangrando sentadas em choque na estrada, cobertores médicos em volta de seus ombros.

... incrível! Eu nunca vi nada assim!

A empolgação inapropriada da repórter fez Sahara franzir a testa... bem quando Kaleb apareceu em frente a uma ambulância com uma criança em seus braços, sua camisa coberta de fuligem, manchas pretas em seu rosto. Ele se foi um segundo depois, a criança gritando passada seguramente ao paramédico.

— Como a maioria de vocês pode reconhecer, aquele era o Conselheiro Kaleb Krychek, — a repórter disse fora do quadro, enquanto o câmera escaneava a área pelo próximo teleporte. — Ele, com a ajuda de outros Tcs anônimos vestidos no que parece ser uniformes de combate pretos, assegurou que o custo desse trágico e sem motivo ato de violência continuará limitado àqueles que morreram na explosão inicial.

A câmera deu zoom em um lado do prédio que havia desmoronado. — De acordo com informações vindas da Austrália, — a repórter continuou, — Essa é a segunda vez nas últimas duas semanas que o Conselheiro Kaleb Krychek esteve envolvido em um resgate.

A câmera parou na forma sentada de uma mulher enrolada em um cobertor, uma bandagem em sua mão direita. — Senhora, — suave, sensível —você foi resgatada pelo Conselheiro, não foi?

— Sim. — Sahara percebeu o tremor nos dedos da mulher antes que ela escondesse as duas mãos sob o cobertor. — Eu estaria morta agora se não fosse por ele.

— Você é Psy, mas você tinha algum motivo para esperar por assistência telecinética, particularmente do próprio Conselheiro Krychek?

Puxando o cobertor mais apertado em torno de si, a mulher balançou a cabeça. — Conselheiros não perdem tempo em incidentes tão ‘pequenos’... mas ele ajudou, e eu não acho que ninguém dessa cidade jamais esquecerá.

Sahara congelou.

O que Kaleb havia feito hoje, ações que faziam a repórter o retratar como um herói, não se assimilavam nem com sua reputação, nem seu desejo inconfundível por poder, a menos que ele fosse implacável o bastante para ter planejado o exercício inteiro.

Não, não, não.

Ignorando a voz tremula em sua mente, ela procurou mais informações, viu que o PurePsy reivindicava crédito pelo ataque, mas aquele conhecimento não fez nada para derreter o gelo em suas veias.

Qual parceiro seria melhor para um homem que todos acreditavam que estava planejando uma total dominação da Net, que um grupo cujo cada ação guiava a mais rachaduras na sociedade Psy? Rachaduras que deixavam muito espaço para um “herói” se apresentar e limpar a bagunça.

Quanto às vidas perdidas, elas se passariam como efeito colateral.

 

Kaleb voltou pra casa sem falar com a mídia. Não era necessário, ele sabia que informações sobre suas ações se tornaram virais através do mundo, as imagens dele com sobrevivente após sobrevivente em seus braços muito mais poderosas que qualquer coisa que ele pudesse ter dito. Desabotoando sua camisa enquanto ele caminhava pelo corredor até seu quarto, ele entrou para encontrar Sahara sentada na beira de sua cama.

Ela se levantou desajeitadamente, seus olhos indo para o peito dele e subindo, cor em suas bochechas. — Me desculpe, eu não pensei nisso. Eu estava esperando por você.

A última frase foi um soco em seu umbigo, um eco através do tempo, mas sentindo o medo sob sua vergonha, ele manteve sua distancia. — Nós podemos conversar depois do meu banho. — Fumaça e cinzas cobriam cada respiração dele.

A cor em suas bochechas ainda quente, ela disse, — É claro, — e saiu do quarto.

Fechando a porta, ele se despiu e entrou sob o forte jato do chuveiro para lavar o cheiro de fumaça e chamas que pareciam estar intricadas em suas células. A bomba havia sido implantada por um expert para causar dano máximo, o fogo colateral um bônus para o PurePsy. Pelo menos cento e cinco mortes foram confirmadas, com vinte e sete ainda desaparecidos.

As chances eram que uma porcentagem dos desaparecidos já tinha saído para o trabalho e entrariam em contato com as autoridades conforme as notícias se espalhassem, mas também havia uma alta chance de que havia pessoas de dentro que não estavam no edifício. Até que os times forenses fossem capazes de entrar e vasculhar o prédio pelas vitimas, a contagem final de mortes não poderia ser prevista com nenhuma certeza.

Esfregando seu corpo e cabelo até que a água escorresse limpa, ele saiu, se secou. Quando ele estava prestes a vestir um terno em preparação para os encontros que ele fez Silver adiar se lembrou do modo como os olhos de Sahara haviam se fixado em seu peito nu, sua respiração acelerando enquanto sua pele esquentava.

Ele sabia que tinha um corpo fisicamente atraente, mulheres humanas e changeling haviam deixado isso claro com os convites silenciosos que elas o enviavam regularmente. Nenhuma delas jamais se aproximava, percebendo quem e o que ele era, mas ele sabia que se decidisse aceitar um daqueles convites, ele não ouviria a palavra “não”. Sua própria frieza parecia um encanto para certas mulheres, e embora ele pausasse para considerar se elas gritariam de terror quando encarassem a realidade dele, ele nunca havia testado a teoria.

Para ele, seu corpo era uma ferramenta, e as mulheres que enviavam os convites não tinham nada para oferecê-lo que faria valer a pena seu tempo para usar aquela ferramenta intimamente. Sahara não era uma daquelas mulheres, sem nome com um calor em seus olhos que o lembrava da febre nos olhos de Santano Enrique na hora da morte. Dado aquele link para sangue e tortura, Kaleb não estava certo que ele não quebraria os pescoços das mulheres se aceitasse seus convites.

Aquilo jamais seria um problema com Sahara. Ela se encaixava em uma única categoria própria. Mais, ele precisava que ela se ligasse a ele. E independente do fato de que contato físico causava um desconforto imenso, e sexo iria exigir que ele se empurrasse dentro do corpo de Sahara, o ato primitivo era conhecido por criar uma ligação mais forte que qualquer corrente. Como se o calor e suor do sexo forjasse as duas pessoas em uma só.

Sua mão se contraiu, fechou, seu corpo enrijecendo em resposta a imagens que ele não estava conscientemente ciente de formar. Era um desenvolvimento problemático. Enquanto seu corpo estava em seu ponto mais alto, o fato era, ele não deveria ter respondido, o que ele o fez com tal pouca provocação falava de problemas profundos com seu controle que ele teria que consertar antes de colocar suas mãos em Sahara.

Assim sendo, esses pensamentos eram prematuros. Sahara ainda não estava em um ponto onde ele poderia iniciar o nível mais íntimo de ligação física. Por enquanto, ele usaria a atração dela pelo seu corpo para mantê-la desequilibrada, permitiria que a atração dominasse o medo que coloria seus olhos quando ela o olhava... um medo que fazia sua Tc puxar as rédeas, pronta para romper e destruir tudo em torno deles.

Descartando a camisa que havia escolhido, ele vestiu somente a calça preta de tecido fino que ele usava enquanto corria, seu torso nu. Seus olhos se prenderam na marca em seu antebraço esquerdo quando ele jogou a toalha sobre o corrimão no banheiro. Embora Sahara já tivesse visto a marca várias vezes agora, ela não havia perguntado sobre ela.

Ela perguntaria. Era inevitável.

Tão inevitável quanto o que havia acontecido sete anos atrás, o que ele havia feito. Um menino que cresceu com um monstro não tinha escolha a não ser se tornar outro monstro só pra sobreviver. Redenção era uma coisa impossível, uma miragem manchada de sangue.

Sahara sabia disso melhor que qualquer outra pessoa no mundo.

 

Sahara conseguiu chegar até a cozinha antes de cair contra uma das paredes por um longo e trêmulo minuto, seu coração em sua garganta. Ela foi ao quarto de Kaleb com alguma ideia vaga de confrontá-lo com suas suspeitas sobre seu envolvimento com PurePsy enquanto ele estivesse cansado, sua guarda assumidamente abaixada.

E então ele entrou e seus neurônios explodiram. A visão dele com sua camisa desabotoada até a cintura foi um beijo elétrico em seu corpo, uma resposta física tão profunda, que era como se tivesse tido anos para se formar, não simplesmente dias. E enquanto a visão de seu peito musculoso e abdômen havia feito sua garganta secar, sua pele queimar, era a intimidade implicada por vê-lo seminu que fez seu coração disparar no mais errático dos modos.

Fechando sua mão contra seu estômago em uma tentativa boba de controlar a sensação tremulante dentro de si, ela se forçou a se mover e preparar a bebida nutritiva que ele preferia, assim como um copo de chocolate quente para si mesma. A bebida doce havia rapidamente se tornado algo que ela associava com cuidado, com segurança.

Ela percebia que foi Kaleb quem deu a bebida em primeiro lugar.

Depois de pensar um segundo, ela fez vários sanduiches usando uma geléia de alta caloria que achou na geladeira, e colocou o prato na mesa, junto com quatro barras de chocolate amargo. Todos os itens eram feitos especialmente para os Psy, os gostos amenizados, e ajudariam Kaleb a repor a energia de seu corpo depois da enorme quantidade de energia que havia gastado.

A tarefa completa, cedo demais, a deixou lutando com o mesmo desejo agudo que havia a agarrado pela garganta no quarto. — Eu estou instável, — ela sussurrou, sua pele doendo com um senso de antecipação agudo. — Meu julgamento está comprometido. Eu tinha dezesseis anos quando fui raptada.

— Dezesseis anos, mas bem madura, — disse uma voz masculina familiar da porta. — Você preparou uma refeição. Obrigado.

Ela não conseguia tirar seus olhos dele, sua pele com um bronzeado que desmentia a fria falta de expressão em seu rosto. Se ele mantivesse sua distancia, ela poderia ter resistido à tentação que havia a dominado desde o quarto... mas ele foi até ela, não disse uma palavra quando ela correu seus dedos sobre o calor da pele dele, os mamilos dela pontos apertados contra o fino tecido de sua camiseta lilás.

A mão dele era grande, quente contra sua bochecha quando ele segurou seu rosto. — Não tenha medo de mim, Sahara. — Curvando sua cabeça, ele falou com seus lábios contra os dela, o contato inflamando milhares de raios em seu sangue. — Eu encheria as ruas com corpos antes de machucá-la.

 

                                 Capítulo 11

Eu encheria as ruas com corpos antes de machucá-la.

A violência da promessa dele partiu a nuvem embaçada em torno de sua mente, a fez ciente de quão intimamente ela se pressionava contra ele, o corpo dele empurrando seu abdômen de uma forma que gritava sobre um condicionamento quebrado. Mas os olhos dele, aqueles olhos cardeais, eles prestavam atenção, calculavam.

Se afastando, ela tropeçou em uma cadeira perto da mesa. — O que está acontecendo? — A pergunta sussurrada era para si mesma, suas ações inexplicáveis para sua mente racional. Esse, afinal de contas, era o homem que ela suspeitava ser injusto o bastante para participar de um esquema para cometer assassinato em massa somente para ganhar as rédeas do poder. E ainda, mesmo agora, ela desejava ir até ele, tocá-lo, acariciá-lo, abraça-lo e ser abraçada.

Kaleb se apoiou contra a mesa com uma mão, fazendo como se fosse colocar o cabelo dela atrás de sua orelha. Parando quando ela se encolheu, ele disse, — A porta sempre está aberta, — sua voz fazendo os pequenos cabelos em sua nuca se erguerem em uma combinação de necessidade esmagadora, confusão e medo.

O observando enquanto ele foi se sentar do outro lado da mesa, todos seus movimentos imbuídos com a elegância letal de um homem que segurava a morte na palma da sua mão, ela de repente se lembrou do que ele disse antes da loucura que era seu desejo por ele dominar seus sentidos. — Como você sabe, — ela perguntou, voz rouca com desejo que mesmo agora permanecia sob a superfície de sua pele, — Que eu era uma garota de dezesseis anos madura?

Uma ligeira pausa que poderia ser explicada pelo fato de que ele havia acabado de morder um dos sanduiches que ela havia preparado. — Seus relatórios dos Psy-Med, — ele disse depois de engolir, — indicam que você estava num nível de desenvolvimento psicológico mais perto do de uma jovem mulher que de uma garota.

Curvando suas mãos em torno da xícara de chocolate quente mesmo que suas palmas gritassem por calor humano, ela disse, — Você está mentindo para mim, — ela estava tão certa que doía.

— Eu nunca mentiria para você. — Olhos de uma noite sem estrelas se trancaram com os dela.

Respiração acelerada, ela segurou aquele olhar cardeal tão brutal com poder que ela não podia imaginar como ele continuava são. — Então você não está me dizendo toda a verdade.

Nenhuma resposta, o rosto dele sem expressão, uma escultura bronzeada pelo sol.

— E quanto a você? — Ela tomou um gole de seu chocolate quente em um esforço em vão de aquecer o crescente frio dentro de si, seu corpo doendo com um senso profundo de perda que ela não sabia o nome. — Você já foi criança um dia? — Um dia sem as restrições viciosas que o tornaram um homem de gelo mesmo enquanto seu corpo queimava?

— É claro. — Uma resposta neutra.

Uma que não respondia sua pergunta. — Você sabe o que eu quero dizer.

Ele bebeu metade da bebida nutritiva, comeu outro sanduiche antes de falar novamente. — Infância é algo impossível quando você tem o potencial para matar qualquer um em seu caminho.

A honestidade aberta das palavras dele a fez parar sua xícara no meio do caminho para sua boca, seu coração batendo como tambor, um súbito “empurre” em sua mente, como se algo importante estivesse lutando para se libertar. —Quando Santano Enrique... te pegou? — ela perguntou, e não era a pergunta que ela queria fazer, seu subconsciente tomando as rédeas dela.

— Eu me lembro de conhecê-lo aos três anos. — Nada em sua voz ou rosto dava alguma dica que ele estivesse perturbado por discutir o psicopata assassino que foi seu treinador. — Foi quando eu fui colocado em uma instalação para crianças potencialmente perigosas; a maioria foi marcada para o Esquadrão Arrow.

Sahara havia visto algo sobre os Arrows no site conspiratório. — Eles são uma unidade secreta de soldados e assassinos altamente treinados? — Ao seu aceno, ela disse, — Eu li que eles foram formados no começo do Silêncio, e que seu foco central é a continuidade do Protocolo.

Ser um Arrow, havia dito, é ser Silencioso. O esquadrão é composto por homens e mulheres com as habilidades psíquicas mais violentas e perigosas do planeta, habilidades psíquicas que não poderiam ter permissão para deixar escapar seus controles conscientes.

— Os Arrows mantém seu próprio Conselho, — Kaleb disse em resposta a pergunta dela, — mas há sinais de que eles estão reavaliando seus objetivos em relação à situação atual da Net.

Mesmo com suas memórias em fragmentos e seu conhecimento do mundo ainda raso, Sahara entendeu que Kaleb e os Arrows tinham que estar ligados de alguma forma. De jeito nenhum o Tc cardeal mais poderoso do mundo não teria chamado à atenção do esquadrão e vice versa, particularmente quando se considerava sua infância. — Você cresceu com eles.

Para sua surpresa, Kaleb balançou a cabeça. — Eu só passei sete anos na instalação. Santano me transferiu para uma localização separada quando eu fiz sete anos e se tornou claro que a ferocidade das minhas habilidades me tornavam uma ameaça para a segurança das outras crianças.

Aquilo não fazia sentido, todas aquelas crianças tinham que ser perigosas. E ainda assim o monstro só pegou uma... trazendo Kaleb, sozinho e vulnerável para dentro de um pesadelo. Horror a sufocando, ela se agarrou ao vento. — Seus pais... eles foram com você? — Psy não abandonavam seus jovens, porque as crianças eram um legado genético.

— Eu nunca mais os vi depois de ser colocado na instalação Arrow. — Gelo negro em cada palavra. — Eles não eram capazes de lidar com uma criança cardeal e foram maravilhosamente compensados por renunciar quaisquer créditos sobre mim. Não faria sentido financeiramente para Santano me treinar se ele não fosse o dono das minhas habilidades.

Seu coração chorou por ele, esse homem perigoso que havia sido um menininho. Se ele era um monstro, então as sementes haviam sido plantadas em sua infância, nenhuma criança deveria crescer sabendo que ele havia sido vendido porque era problemas demais para lidar. Ele devia estar tão assustado por ser deixado para trás na instalação, tão confuso, antes que a fria verdade fosse martelada nele por instrutores que não tinham nenhum motivo para serem gentis.

Estar ciente tão jovem de que ele não era querido, crescer sem ninguém que fosse dele, mesmo que no frio modo de sua raça... as cicatrizes seriam brutais. Porque enquanto amor era um anátema na PsyNet, família, ou no mínimo, lealdade genética era parte da fundação da raça deles.

Engolindo seus sentimentos, sabendo que não seriam bem vindos, ela disse, — Por que você não é um Arrow? — As palavras saíram inesperadamente tensas, até que ela percebesse que havia parado de respirar sob a intensidade do contato visual que ela não se lembrava de fazer e que ainda assim a mantinha presa.

— Santano tinha outros planos para mim. — Com aquela declaração seca, ele comeu o último sanduiche com o ritmo metódico de um homem para o qual o sabor não era nada, comida era somente uma fonte de combustível; e então ele desenrolou a barra de chocolate. — Por que você não pergunta?

— O quê? — Foi preciso se esforçar para manter sua voz calma quando uma fúria ácida estava pulsando em suas veias, sua raiva direcionada às pessoas que trouxeram uma criança forte e talentosa a este mundo, e depois abriram mão de toda responsabilidade sobre ele.

— Exatamente quanto eu segui os passos do meu treinador.

Gelo cavando seu coração, pontudo e afiado. — Porque eu não estou pronta para a resposta. — Ela poderia suspeitar dos crimes mais terríveis, mas se ele admitisse que havia ajudado o Conselheiro falecido a torturar e assassinar suas vitimas, isso poderia quebrar o fino elo que ela tinha com a realidade.

A expressão de Kaleb não se alterou, e ainda assim ela tinha o assombroso senso que havia respondido errado, que ela havia o machucado de algum modo inexplicável. Outro sinal da loucura que fazia seu corpo doer pelo dele independente do que ele fez, quantas linhas morais que ele poderia ter cruzado, quanto sangue ele tinha em suas mãos.

Flexionando sua mão na mesa até que as pontas de seus dedos tocassem os dele, seus olhos vendo suas ações, mas sua mente repudiando suas ordens para se retrair, ela sussurrou, — Por que você está me segurando?

Fechando sua mão sobre a dela, a pele bronzeada de seus ombros morna na luz do sol entrando pela janela, ele disse, — Porque você pertence a mim.

Ela se arrepiou devido à possessividade obscura nas palavras, naqueles olhos de obsidio. — Assim como aquelas mulheres changeling pertenciam a Enrique? — As palavras se derramaram, chuva sangrenta na luz do sol.

Mudando suas mãos para segurar a dela, levantando sua palma até os lábios dele, ele pressionou um beijo no centro de sua mão que fez seu útero se contrair. — Não. — Uma resposta dura, afiada. — Elas nunca se entregaram para ele.

Sua respiração acelerou. — E eu? — Curvando seus dedos em sua palma, ela retirou sua mão. — Eu me entreguei para você? — Ela tinha dezesseis anos, seu condicionamento nunca totalmente perfeito, mas a ideia de que ela havia quebrado o maior tabu de sua raça e dividido seu corpo com ele fez tudo nela responder com uma negatividade violenta.

Ainda assim, da forma como ela queimava por ele, falava de uma atração que teve anos para fermentar, para amadurecer. Com vinte e dois anos quando ela tinha dezesseis, poderoso e perigoso, ele teria sido chocantemente atraente para seus sentidos... como ele era agora. A ideia daquelas mãos fortes em sua pele, possessivas e acariciando, fazia suar brilhar em sua pele, mesmo enquanto ela aceitava que se ele tivesse se aproveitado de uma menina adolescente, seria um ato que ela jamais perdoaria.

— Eu, — ele disse, ficando de pé para ir até ela e segurar o rosto dela em suas mãos como havia feito no começo, — sou virgem.

De tudo que ele poderia ter dito, aquilo era o menos esperado. Garganta seca, ela balançou a cabeça. — Isso não responde a pergunta que eu fiz. — Não a dizia quem ele era para ela, quem havia sido... se é que ele havia sido alguma coisa mesmo. Essa atração crua poderia muito bem não ser nada além de um mecanismo para lidar com os fatos formados por uma psique fraturada, algo que Kaleb era esperto o bastante para usar em sua vantagem. Ninguém se tornava um Conselheiro na idade de vinte e sete anos sem ter um nível cortante de inteligência. Ele usaria a sua suscetibilidade ao seu corpo tão implacavelmente quanto ele usaria qualquer outra vantagem, o contato físico que permitia apto para ser uma trama calculada.

— O que quer que eu te diga, — ele disse, esfregando seu dedão sob o lábio inferior dela antes de soltá-la, — você desacreditará. Você não confia em mim. — Com aquele comentário sincero, ele seguiu para a porta. — Eu tenho que finalizar alguns documentos, mas nós podemos dar uma caminhada mais tarde se você se sentir descansada dessa manhã.

Espantada pela mudança abrupta na situação, ela assentiu, seus olhos se demorando na curva musculosa de suas costas quando ele saiu sem mais nenhuma palavra. — Isso, — ela sussurrou desesperadamente para si mesma, —é uma resposta psicológica prevista ao fato de que ele me mantém sob seu poder. — Sua mente, porém, imediatamente rejeitou aquela hipótese. Como prova, sua mente oferecia memórias do começo de seu cativeiro original, quando ela ainda estava numa pequena suíte de hotel ao invés de uma cela.

Ela tinha um guarda principal nos primeiros meses. Ele nunca a machucou de nenhuma forma, assegurava que ela tivesse cobertores extras, material de leitura, jogos educativos para garantir que sua mente não ficasse estagnada, embora estivesse entorpecida pelas drogas que eles colocavam em sua comida. Alto e loiro, com feições aquilinas e olhos verdes afiados, ele era classicamente lindo e, com dezenove anos, somente três anos mais velho que ela.

Ele havia sido escolhido sem duvidas por causa de seu apelo projetado a uma adolescente assustada com um condicionamento suspeito, mas nunca, nem sequer uma vez, ela se esqueceu de que ele era seu carcereiro, seu objetivo era mantê-la contente em sua jaula bonita. Ela certamente não desejava o toque dele, havia, na verdade, evitado ativamente até mesmo um contato acidental com ele. Ao ajudar a roubá-la de sua liberdade, ele anulou todos os outros atos de gentileza aparente.

Nada disso parecia importar com Kaleb.

Seu corpo doía, seus sentidos bebendo no cheiro restante de seu pós-barba até que fosse tudo o que ela conseguia sentir, até que a necessidade de ir até Kaleb, esse estranho envolvido em escuridão e pintado em vermelho sangue, a sufocasse. Tudo o que ela queria era se despir e se envolver em torno dele tão perto que nada poderia separá-los novamente.

Louca, ela pensou, rosto corando, eu estou ficando louca.

Arrepios depois do calor, um fluxo de lágrimas queimando seus olhos, o ritmo de seu coração em sua boca, suas orelhas, um tambor trovejante. BOOM! BOOM! BOOM! O mundo começou a despedaçar nas bordas sob a fúria do som, as paredes se liquefazendo em piscinas de um branco brilhante, o chão um caleidoscópio deslumbrante.

Tropeçando para sair da cadeira, seu equilíbrio perdido na miragem tremulante que era o mundo, ela esbarrou no balcão em uma tentativa de chegar até a porta, para escapar da insanidade que estava devorando seus sentidos. —Eu preciso respirar. — Sua garganta estava a sufocando, o ar muito espesso para ir até seus pulmões.

A porta mudou de lugar bem quando ela a alcançou, quebrando-se em peças sujas de um vermelho grudento. E subitamente, sua mente se encheu com o cheiro de ferro, quente e rico, um grito feminino fino ecoando em suas orelhas enquanto um homem com olhos cardeais cortava sua carne com uma lâmina, o sangue se juntando sobre os lados de sua ferida para escorrer por sua pele machucada e cortada em um rio de calor que o fez rir.

E rir.

 

                                      Capítulo 12

Pare! Você está me machucando! Para!

As palavras assustadas e cheias de dor impactaram contra a mente de Kaleb no que tinha que ser um choro telepático inconsciente. Cortando sua discussão de áudio abruptamente, seu estado mental muito instável para um teleporte, ele correu até a cozinha para ver Sahara arranhando a porta, seu cabelo caído em torno de seu rosto e seus dedos ensanguentados, suas unhas quebradas e partidas.

Não!

— Sahara. — Agarrando seus ombros, ele a virou para que o encarasse, o contato iniciando a mesma resposta de antes; sua Tc empurrando contra sua pele, querendo atacar, quebrar e partir e arruinar. Assim como antes, ele a sufocou até que se submetesse. — Olhe para mim.

Ela se encolheu em resposta a seu frio comando, seus olhos selvagens, deslizando. Olhos de uma criatura presa. Sua respiração acelerada, seu sangue fervendo sob sua pele enquanto sua mente embaçava de uma forma que poderia ser letal. Agarrando seu pulso direito, ele puxou seu corpo agora rígido para o painel do alarme ao lado da porta.

Enquanto ela ficava lá muda e mal respirava ao lado dele, ele inseriu o código de voz, e então ergueu a mão dela para colocar sua palma no escaneador. — Sahara Kyriakus, autorização total e sem restrições.

Uma questão apareceu na pequena tela abaixo da palma dela. Autorização para incluir as propriedades Krychek fora da localização atual?

— Sim. — Ela não seria presa em uma jaula nunca mais.

O computador zumbiu, uma luz verde acendendo o painel enquanto a palma de Sahara era escaneada. Autorização concluída com sucesso, mostrou a mensagem um segundo depois.

Soltando a mão dela, ele abriu a porta. Ela permaneceu onde ele a deixou, aquela expressão enjaulada e em pânico vagarosamente sendo substituída por uma que ele reconhecia como medo.

Escaneando a área por ameaças, ele viu somente campos vazios que se espalhavam em um horizonte azul dramático. Ele os mantinha daquela forma para assegurar que seus inimigos não tivessem nenhum lugar para se esconder, caso conseguissem driblar o perímetro de segurança, mas para era provavelmente parecia um oceano azul-esverdeado.

Não deixando o lado dela, mas permanecendo silenciosa para dar tempo a ela de se acostumar com a vista livre de paredes e cercas, ele molhou uma toalha usando sua Tc e a usou para tirar o sangue das mãos dela para revelar que ela não havia feito tanto dano quando ele acreditava. Ainda assim, ele cobriu as seções machucadas e feridas com uma pomada antes de entrar na frente dela até que ela não pudesse mais evitar a presença dele.

— Eu vi coisas, — ela sussurrou, o azul escuro dos olhos dela se afogando em confusão, — e agora eu não consigo lembrar. — Vulnerabilidade assombrosa, sua pele transluzente na luz. — Eu estou ficando louca, Kaleb?

Ele podia chutar quais memórias ela vislumbrou, e pela resposta dela, era claro que sua mente não estava nem perto de pronta para lidar com a feia verdade. Enfiando suas mãos no cabelo dela para segurar sua cabeça, o contato correndo por suas veias, ele disse, — Não, — seu tom friamente verdadeiro porque ela precisava que ele se mantivesse são naquele momento. — De acordo com os relatórios dos Psy-Med, flashbacks e apagões são ocorrências comuns em pacientes que sofrem de Transtorno de estresse pós-traumático. — Para alguns nunca acabava, as cicatrizes muito profundas, mas ele não tinha nenhuma intenção de dividir aquele fato com Sahara.

Tomando um fôlego trêmulo, outro, ela olhou para a porta aberta. — Sem fechaduras?

— Nenhuma. — Ele cometeu um erro quase fatal ao não desabilitá-las no momento em que ela recuperou sua total consciência. — Você é uma mulher inteligente. Você sabe como se coloca em risco se sair do perímetro de segurança. Porém, esse perímetro se estende por mais de um quilometro e meio em todas as direções. — Ele comprou todas as propriedades restantes dentro daquela circunferência seis meses atrás, logo após descobrir que Sahara estava viva. —Você está segura dentro dessa zona.

Garganta se movendo quando ela engoliu, Sahara estendeu sua mão para fechá-la no fino tecido de algodão da camiseta que ele vestiu depois de sair da cozinha. — Quem é você?

— Um zelador, — ele disse, e era uma verdade, se não toda ela.

Linhas em sua testa, seus dedos se flexionando e agarrando seu peito de uma forma que desafiava seu controle já instável. — Dessa casa?

— Sim. — Era uma âncora, um símbolo físico de sua busca, dela.

— Quem é o dono?

— Você. — Ele a construiu de acordo com especificações que ela o passou com quinze anos, a supervisionou durante todos os anos de sua prisão, usando uma força letal para repelir qualquer um que quisesse destruí-la. — Bem vinda ao lar.

 

FAROL DA PSYNET: INÉDITO

Situação em Copenhagen contida. Cento e cinco mortes confirmadas, com expectativa de crescimento quando a escavação pelos times forenses forem permitidas.

O Conselheiro Kaleb Krychek e um time de operativos anônimos que podem ser do Esquadrão Arrow foram responsáveis por noventa e cinco por cento dos regates. Nenhum deles está acessível para comentar.

Esse informe continuará a ser atualizado conforme novas noticias cheguem.

 

FAROL DA PSYNET: EDIÇÃO ATUAL

CARTAS AO EDITOR

Seu artigo recente sobre a suposta desintegração do Conselho afunda esse boletim de notícias tão altamente considerado para o nível de um tabloide humano.

Tal sensacionalismo pode somente levar a confusão e desestabilização em uma época quando é integral que nós permaneçamos calmos e racionais.

Esteja assegurado de que eu vou levar minha reclamação ao Comitê de Supervisão da Mídia de Notícias.

  1. Vrruti

(Turim)

 

Parabéns ao Farol por finalmente dizer o que muitos na população suspeitavam ser a verdade. Se a PsyNet vai sobreviver à falta do Conselho, uma nova ordem governante deve ser apontada.

PurePsy está claramente se apresentando como uma opção, mas seus ataques impensados contra as âncoras, sua perda recente para as forças da região da Califórnia não banha suas habilidades marciais em uma luz competente. E é claro que no clima atual, nossa nova liderança deve estar disposta e ser capaz de usar força para assegurar a paz e o Silencio tão necessário para a nossa sobrevivência.

Nome retirado por exigência

(Sioux Falls)

 

Se o Conselho, de fato, não existe mais, então guerra entre os antigos Conselheiros não é uma possibilidade, como dizia em seu artigo anterior, mas uma inevitabilidade.

Como eles são alguns dos Psy mais poderosos do mundo, é certo que cada um irá querer ganhar controle de uma parte da Net. Civis fariam bem em se manter fora do caminho deles, danos colaterais seguramente ocorrerão, e serão centenas de milhares.

  1. Ichikawa

(Fukuoka)

 

                                   Capítulo 13

     Bem vinda ao lar.

— Como essa pode ser a minha casa? — Sahara sussurrou, extremamente consciente do peito musculoso de Kaleb sob sua palma. — Eu tinha dezesseis quando fui sequestrada. — Dizendo a si mesma para não ceder ao desejo que vivia em cada célula de seu corpo, um desejo que acabava de guia-la a uma queda terrível na escuridão, ela respirou fundo... mas não desistiu. Ao invés, ela espalhou sua palma sobre o algodão da camiseta dele e, inclinando sua cabeça para trás, olhou no olhar negro dele.

— Era um presente, — foi a franca e insondável resposta. — Para o seu aniversário de dezenove anos.

Sahara não precisava perguntar quem tinha dado a ela uma casa tão adorável como presente, uma casa que parecia ter sido retirada de seus sonhos. Seu coração imenso em seu peito, ela disse, — Me diz, — ciente do vasto espaço entre eles, uma tempestade de conhecimento que pressionava sua mente, mas não conseguia penetrar. — Me diz que você não é mau. — Por favor.

Os dedos de Kaleb se moveram contra suas têmporas. — Eu sinto muito.

Balançando sua cabeça em uma recusa muda em aceitar o que ele estava tentando dizer a ela, ela ergueu seus dedos trêmulos até a mandíbula dele. — O que você fez?

— Muitas coisas que nunca poderão ser desfeitas.

Chorando sinceramente agora por um homem que ela não conhecia, e que ainda assim estava na parte mais secreta de seu coração, ela envolveu seus braços em torno do pescoço dele e se segurou, somente se segurou, o tempo todo sabendo que ele já poderia ter escapado dos braços dela.

Os braços dele vieram em torno dela, apertados, sua respiração acelerada contra a orelha dela. — Eu sinto muito, — ele disse novamente, voz rouca como lixa e corpo rígido, como se ele estivesse enrijecendo todos os seus músculos.

— Tudo bem, — ela disse entre soluços. — Tudo bem. — Segurando a nuca dele, ela murmurou aquelas palavras de novo e de novo, não sabendo exatamente o porquê de fazer aquilo, mas ciente em sua alma de que enquanto ele era a pessoa perigosa na sala, nesse momento, ela era a pessoa forte. — Está tudo bem, Kaleb. Eu estou aqui.

E eu não vou permitir que seja tarde demais.

A promessa silenciosa como uma marca brilhante em seu coração, ela estava encarando a janela sobre a mesa de café da manhã quando ela se quebrou diagonalmente no meio com um alto estalo. O som inesperado desencadeou outra memória, uma que a fez lutar para se livrar do abraço dele. — Eu estou machucando você!

Silencio, ela se lembrou tarde demais, era construído sobre um sistema de punição para comportamento incorreto, e enquanto seu próprio condicionamento havia sido erradicado, Kaleb vivia dentro dele. Para ele, tocá-la, segurá-la, era o mesmo que se abrir para um ataque violento de dor que o fez secar uma gota de sangue que escorria em seu nariz, a cor escarlate na manga de sua camiseta.

— Não, está, — O que quer que ele fosse dizer se perdeu quando houve um tremular em sua visão periférica que desviou a atenção de Kaleb para a sua lateral.

 

Kaleb não reconheceu o homem musculoso que teleportou na sala.

Jogando o intruso contra a parede, ele prendeu o homem lá com um punho telecinético em sua garganta, arrancando seus escudos ao mesmo tempo para estrangular a mente do homem para que ele não pudesse mandar mensagens telepáticas. A habilidade de abafar comunicação naquele nível não era uma que a maioria dos telepatas possuía; Kaleb havia a aprendido com um monstro. — Se identifique.

Os olhos cor de lama do homem foram para Sahara, sangue começando a espumar da boca dele enquanto ele arranhava a mão invisível que cortava seu ar. Quando Kaleb olhou para Sahara, ele vislumbrou um medo doentio que a fez dar um tremulo passo para trás, suas mãos pálidas e caídas ao seu lado. — Esse homem te machucou?

Ela engoliu, acenou desajeitadamente, uma mão esfregando distraidamente a parte superior de seu outro braço. E ele sabia que aquele braço havia sido quebrado. Batendo a cabeça do intruso contra a parede mais uma vez, ele foi até o homem para terminar a execução manualmente, agarrando o homem pelo pescoço e começando a apertá-lo, tirando sua vida. Olhos lavados de pânico o imploraram para parar, nunca percebendo que algumas coisas são imperdoáveis.

Sahara subitamente apareceu ao lado dele. — Kaleb, pare.

O homem pendurado na parede em frente à Kaleb estava inconsciente agora, a maior parte de seus ossos estilhaçados pelo jeito que Kaleb havia o atirado contra a parede, sangue caindo de suas orelhas, seu nariz, sua boca.

— Kaleb! — Sahara gritou, ouvindo outro osso partir no corpo do homem que havia torturado-a até que ela se retraísse tão profundamente no labirinto que não sentia mais dor, nenhum toque, nada, o torpor absoluto.

O olhar no rosto de Kaleb quando ele se virou gelou seu sangue. Ele estava em um lugar tão escuro que não havia sequer um raio de luz. — Não, — ela sussurrou. — Não. — Assombrada pela profundidade da fúria dele, e aterrorizada pelo preço que ele pagaria, ela ousou colocar uma mão no antebraço dele.

— Vá. — Uma fria e dura ordem. — Saia dessa sala.

— Não até que você venha comigo. — Ela não o abandonaria para absolver-se de toda a responsabilidade.

A escuridão deslizou nos olhos dele, uma entidade viva. — Ossos tão frágeis você tem, Sahara, tão fáceis de quebrar.

Aquilo era para assustá-la. Assustou-a. E muito. — Me diga o porquê. Por que matar esse homem? Que motivo poderia ser bom o bastante para justificar essa tortura? — ela sussurrou quando ele permitiu que o intruso recuperasse a consciência antes de apertá-lo novamente.

Ele ergueu uma mão, e ela mal se impediu de se retrair, fatalmente certa de que a ação o empurraria sobre a fina borda na qual ele estava. Mas ele não a machucou, seu dedo era extremamente gentil enquanto ele traçava a curva do osso da bochecha dela. — Isso foi quebrado uma vez.

Uma montagem tremeluzente de imagens, os anos nublados quando ela era enchida de drogas e colocada em ambientes desenhados para quebrar seu espirito:

Escuridão, um cômodo sem luz nem ar, sendo tratada com falsa solicitude, o som de osso se quebrando e dor, uma dor tão terrível quando ela não se retraía para o coração do labirinto rápido o bastante das luzes ainda mais claras que as do quarto onde Kaleb havia a encontrado em seu corpo nu.

— Eu... eu acho que me lembro. — Independente da feiura das memórias, ela não conseguia se afastar, não conseguia quebrar essa dolorosa e intensa conexão que a ligava ao Tc fatal com olhos de obsidio.

Kaleb traçou o osso de sua bochecha novamente. — Ele usou um bastão em você. — Um sussurro tão suave, a criação da raiva mais pura. — Ele estraçalhou sua bochecha, te deixou inconsciente. Essa memória está vívida na mente dele. Eu só tive que ultrapassar o primeiro nível dos escudos dele para alcança-la. Uma pena que a mente dela agora está destruída, suas outras memórias arruinadas.

Náusea fez seu estômago se contorcer, encheu sua boca com o afastamento dele naquela última frase. — Não, — ela disse, os ecos do passado abafados pelas drogas que eles injetaram nela na época, mas o agora era terrível. — Não, Kaleb. Ele não era ninguém, só um guarda. Havia... — Ela se interrompeu antes de cometer um erro terrível.

O cardeal com uma mão esmagando o canal respiratório do homem continuou traçando o rosto dela com sua mão livre. — Outros. Havia outros lá. Todos eles morrerão, um por um. — E então ele se virou, olhou para o homem inconsciente em seu poder, e tudo estava acabado.

O pescoço do guarda se quebrou, seu corpo caindo para o chão, um pedaço de lixo descartado.

Sahara lutou contra a vontade de vomitar, de se afastar. — Por quê? — ela perguntou novamente, um frio de arrepiar em seu peito. — Por que se vingar por mim?

A mão dele saiu de sua bochecha, os olhos dele continuando a girar com uma escuridão sinuosa que falava de lugares escondidos de loucura e de morte. — Ele queria te roubar. — E você pertence a mim.

Uma dor aguda em seu peito causada pelo elo perigosamente possessivo, o frio evoluindo para transformar seu sangue em gelo... porque mesmo de frente com a realidade sangrenta de quem ele era, ela queria somente descansar seu rosto contra o peito de Kaleb, enrolar seus braços em torno dele, a paz dentro dela contradizendo a tempestade de emoção em seu peito. Era como se ele fosse a loucura pessoal dela.

Engolindo para umedecer uma garganta seca como um osso, ela tentou focar em algo prático, algo que não a fazia questionar sua sanidade. — Como ele sequer me encontrou?

— A Tc dele era como a minha; ele conseguia se teleportar para pessoas assim como para lugares. — O tom de Kaleb deixou claro que ele retirou aquela informação da mente machucada e sangrenta do guarda antes que aquela mente se estilhaçasse sob a pressão da intrusão bruta. — Porém, ele era muito mais fraco no Gradiente, com um alcance de teleporte severamente limitado. Quer dizer que ele teve ajuda para te rastrear até essa área especifica.

Teleportando um scanner, ele começou a passá-lo pelo corpo dela antes que ela conectasse os pontos. O fino dispositivo preto fez um som agudo quando ele o passou sobre a parte inferior das costas dela. — Eu preciso levantar sua camiseta.

Ela assentiu tremula, sua pele suada e pulsação estranhamente emudecida, como se sua audição estivesse danificada, o mundo sendo ouvido através de uma parede de água.

— Há um rastreador incorporado sob sua pele aqui, — um leve toque no lado direito de sua coluna espinhal bem acima de onde se curvava escondida sob sua calça — Mais ou menos do tamanho de um grão de arroz.

— Eles me etiquetaram como um animal. — Saiu na forma de um sussurro, a dormência que a separava da realidade da violação representada pelo filamento da finura de um fio. — Como uma propriedade.

— Espere. — Soltando sua camiseta, Kaleb continuou a escanear o corpo dela.

Ele encontrou cinco rastreadores. Cinco.

— Eles não são difíceis de remover. — Gelo negro cobria a raiva que ela vislumbrou mais cedo. — Eu deveria ter procurado pelos rastreadores quando eu te trouxe pra casa. Nós poderíamos tê-los removidos antes que o Tc estivesse perto o bastante para te alcançar.

— Tire agora, — ela ordenou, a água caindo em volta dela com um rugido de dor e raiva e repulsa. — Eu os quero retirados agora! — Sua voz se quebrou. — Retire-os agora! Ret...

Kaleb apertou sua nuca. — Eu vou retirá-los em cinco minutos.

A garantia dele era o bastante para ela segurar os pedaços de sua sanidade... porque Kaleb nunca quebrava suas promessas.

Sahara! Eu vou te resgatar! Sobreviva! Sobreviva por mim!

É claro que era Kaleb a pessoa que havia dito aquelas palavras para ela, feito aquela promessa. Ela não era tão importante assim para ninguém mais. Porquê isso era verdade, e quando ele havia feito aquela promessa, eram perguntas que ela não poderia responder, mas nesse instante isso não importava. Não quando, tendo a conduzido até seu quarto, ele colocou sua mão no cabelo dela e disse, — Deite-se de bruços e amenize seus receptores de dor enquanto eu teleporto um kit médico esterilizado.

Subindo na cama, ela fez como ele instruiu.

— Eu vou usar um bisturi a lazer, — ele disse, empurrando a camiseta dela pra cima novamente para fazer um pequeno corte em sua pele. A mão dele era morna e forte contra a pele dela onde ele se apoiou, seus joelhos um de cada lado do corpo dela. — Talvez você sinta a pinça entrando.

Um frio empurrão que queimou, e então nada.

— Já saiu? — ela perguntou, pele continuando a se arrepiar com a ideia do que estava dentro dela esse tempo todo.

— Sim. — Pressionando uma bandagem fina e cor de pele sobre a ferida, ele a pediu para se virar, e então seguiu com o próximo rastreador. Posicionado abaixo de seu quadril direito, realmente doeu quando ele usou a pinça, um grunhido escapando seus lábios. Era estranho. Ela se lembrava de nunca, nunca chorar quando eles a machucaram tanto durante sua prisão, mas aqui com Kaleb, seu lábio inferior tremeu, seus olhos queimavam. Como se todas as suas defesas tivessem caído.

Kaleb pausou, sua cabeça se erguendo. — Sahara — um chicote em sua voz — Por que você não fez como eu pedi e amenizou seus receptores de dor?

— Eu não me lembro como, — ela admitiu, dedos flexionando e agarrando os lençóis. — Eu estou acostumada a me esconder no labirinto para escapar da dor. Por favor, tire-os logo. Por favor, Kaleb.

— Estou segurando-o. — Puxando o segundo rastreador enquanto ela abafava um soluço, ele a enviou telepaticamente um conjunto de instruções passo-a-passo de como temporariamente desligar seus receptores de dor. — Tente. Eu não posso te dar nenhuma medicação para dor sem impactar o seu estado físico.

Era difícil se concentrar, mas ela fez uma tentativa desajeitada, conseguiu amenizar a dor uma fração.

— Eu não vou destruir os rastreadores, — Kaleb disse, cabeça abaixada enquanto ele se concentrava em marcar a localização exata do terceiro dispositivo, que havia sido inserido sob sua axila direita, uma localização na qual ela nunca procuraria.

— Por quê? — Ela se arrepiava ao pensar que eles poderiam permanecer na casa.

— Eu vou teleportar cada um para uma localização diferente e de difícil alcance ao redor do mundo.

Seu horror diminuiu sob a razão fria aparente na voz dele. — Isso é esperto, — ela disse enquanto ele retirava a pequena peça de tecnologia. — Vai confundi-los. — Focando seus olhos no peito dele para não ver o que ele segurava nas mãos, ela fez um esforço consciente de manter sua respiração sob controle.

O quarto dispositivo estava implantado entre dois de seus dedos do pé. Mas o quinto... — Eu faço isso, — ela disse, enojada com o conhecimento de que havia sido tão completamente violada. Que isso poderia ter sido feito por um time médico não era menos repugnante.

— Você não pode. Está muito profundo dentro de você. — Abaixando as ferramentas médicas, Kaleb pegou o scanner que havia usado para detectar os rastreadores. — Se eu puder ver com detalhes o bastante, talvez eu seja capaz de retirá-lo.

Sahara mordeu seu lábio inferior com força enquanto ele focava o scanner em seu umbigo... mais pra baixo. Era uma coisa tão feia que eles haviam feito a ela que ela não conseguia se obrigar a pensar sobre isso. Ao invés, ela manteve sua atenção em seu letal e enigmático apreensor, seu sedoso cabelo preto deslizando sobre sua testa enquanto ele dizia, — Segure o scanner nessa posição.

Ela estendeu a mão pra baixo sem olhar.

— Eu o alcancei. — Os olhos de Kaleb se trancaram com o dela, a conexão dolorosamente intima. — Eu terei que arrancá-lo da sua carne, mas o dano será minúsculo desde que o rastreador está relativamente perto da superfície da pele. Vai doer.

— Tudo bem, — ela disse, apertando o scanner. — Eu estou pronta.

A mandíbula de Kaleb se apertou quando ela deixou escapar um suspiro. — Está fora e enterrado dentro de uma montanha no coração do território dos lobos SnowDancer, onde somente aqueles muito estúpidos tentariam entrar.

Sua pele subitamente ficou suada. — Obrigada.

— A ferida deve se curar por si só dentro dos próximos dois dias, — ele disse, tirando o scanner das mãos apertadas dela para colocá-lo no criado mudo, — Mas se você sentir que algo está errado, eu posso te colocar de frente com um M-Psy em segundos.

— Não está realmente doendo mais. — Arrepios abalando sua forma, ela se curvou em uma bola. — Outros virão eventualmente, — ela conseguiu dizer através de seus dentes batendo. — Quando eles cruzarem suas leituras com o relatório daquele Tc, eles irão perceber que todos estavam em um só lugar, aqui.

 

                                 Capítulo 14

Kaleb se deitou em frente a ela, a puxando mais pra perto.

Ela resistiu, embora sua pele doesse por contato. — Isso te machuca.

— Não. — A mão dele se fechou sobre a garganta dela em uma possessividade sombria que era paradoxalmente calmante. — Eu posso desligar a dissonância.

As palavras não faziam sentido, e então elas fizeram, seu estômago caindo. Se ele pudesse desligar os controles de dor quando quisesse, não haveria rédeas sobre sua força telecinética. O tornava mais que letal. — Impossível, — ela sussurrou, seus olhos procurando na expressão dele por algum sinal de que ela entendeu errado. — Você não teria sobrevivido até a fase adulta sem a dissonância. — Era o que mantinha os Psy com habilidades ofensivas de causar danos inconscientemente a eles mesmos e a outras pessoas.

— Uma criança pode aprender muitas coisas. — Ele não a deu chance de responder aquela afirmação neutra, antes de dizer, — Ninguém vai vir atrás de você. Antes que o cérebro dele entrasse em colapso, eu vi que o Tc não havia dividido informações porque ele queria recuperá-la e usar isso para aumentar o status dele.

A fria implacabilidade dele continuava a chocá-la, e ainda assim ela deixava sua garganta exposta a ele, sua pulsação começando a se sincronizar com a dele. — Os rastreadores?

— Os dispositivos só transmitem dentro de um rádio igual aquele de uma grande cidade. Ninguém mais veio até essa parte da Rússia.

Então ela estava segura. Tão segura quanto poderia estar com um cardeal que havia tirado uma vida sem remorso algum e com uma crueldade calculada desenhada para prolongar seu sofrimento. Que ela não havia corrido gritando de medo, mas sim corrido para os braços dele, a fazia considerar se sua prisão havia causado mais danos que ela havia percebido. Essa atração compulsiva e brutal que a fazia abrir os botões da camisa dele para espalhar seus dedos na pele dele tinha que ser uma criação de seu instinto de sobrevivência que era sem duvidas poderoso. Que modo melhor de sobreviver que fazer seu apreensor pensar que ela estava encantada por ele?

Os pensamentos repugnantes se batiam contra as emoções cruas que a haviam rasgado em pedaços na cozinha enquanto eles tinham uma conversa que estava faltando tantas partes, as palavras não ditas muito mais dolorosas que aquelas que eles disseram em voz alta. Nada tão profundo, tão cheio de emoção, tão antigo, poderia ser o trabalho de uma mente focada em sobreviver somente.

Ainda assim, independente do misterioso laço emocional que a ligava a um cardeal Tc que poderia ser uma escultura do Silencio em um minuto e no próximo era guiado pela raiva mais negra, o fato era que, ele não aparecia em nenhuma de suas memórias recuperadas. Ou ela nunca havia encontrado com ele antes e estava ficando louca, ou seus encontros anteriores foram tão horríveis que sua mente a protegia deles até agora... a impedia de perceber que estava sob a misericórdia de um homem que foi educado por um assassino psicopata.

— Você ajudava Enrique a matar as vitimas dele? — ela perguntou, as palavras arrancadas dela.

Os olhos de Kaleb giravam com uma escuridão que parecia mais escura que ébano enquanto ele mudava de posição para que ele estivesse olhando para ela, a mão dele ainda em sua garganta. — Eu, — ele disse, roçando seu dedão sobre sua pulsação, — estava lá todos os segundos das torturas e mortes delas.

 

Horas depois que ela finalmente havia corrido de Kaleb, seu estômago convulsando enquanto ela lutava contra a vontade de vomitar, Sahara estava deitada em uma posição fetal em sua própria cama, debaixo de três cobertores que não faziam nada para negar o frígido frio em seu peito, em seus ossos. Ela deveria ter dormido há muito tempo, mas ela não conseguia tirar a voz de Kaleb de sua cabeça.

Eu estava lá todos os segundos das torturas e mortes delas.

O modo como ele disse aquilo, era um simples, absoluto fato. Sem espaço para negociação ou sutilidade; Mesmo que ele não tivesse ajudado ativamente, e ela sabia que aquilo era uma esperança em vão, não importa o quanto ela queria que aquilo fosse verdade, ele sabia o que Enrique estava fazendo muito antes de chamar a atenção dos changeling que havia eventualmente executado o Conselheiro. Ela nunca culparia a criança inocente que Kaleb foi, mas ele manteve seu silêncio mesmo depois de se tornar um adulto com acesso total à sua força telecinética; ele protegeu seu mentor, seu professor.

— Lealdade é tudo.

Uma fúria de antevisão girou em sua mente logo atrás daquele eco vocal distorcido, e como sempre quando sua mente via o passado, ela era uma observadora não envolvida... exceto que dessa vez, o objeto de sua visão era uma versão mais nova de si mesma. Sua túnica que ia até acima de seus joelhos em um cinza sóbrio sobre uma camisa branca, sapatilhas de balé pretas em seus pés, a luz tingida de um rosa suave pelas flores delicadas.

Sahara reconheceu o uniforme como aquele de sua escola. Pelo modo como ela arrumou seu cabelo, uma trança única que alcançava o meio de seus ombros, assim como o tipo de bolsa que ela carregava sobre seus ombros e o hematoma em seu braço, ela sabia que tinha quinze anos e estava no caminho de casa depois de um vigoroso jogo de baseball em sua última aula, que era de saúde física.

Um de seus colegas de classe havia jogado com força, atingido ela no braço ao invés, quando ela se jogou na base. Ele se desculpou bastante, mas Sahara foi honesta quando ela o assegurou de que estava bem. Simplesmente porque, como Psy, ela tinha uma fisiologia ligeiramente mais fraca que humanos e changeling, não queria dizer que ela facilmente machucava, ou que ela não poderia aguentar os eventos normais da vida. Como era o corpo que apoiava a mente, exercício físico era uma parte rotineira da vida de todos os Psy estudantes.

Era a razão oficial para Sahara fazer aulas de dança três vezes por semana.

— Memória, — Sahara sussurrou na cama longe da escola onde ela uma vez jogou baseball, entendendo que o fragmento de antevisão havia se transformado em uma memória escondida e esquecida.

Enquanto ela caminhava naquele dia longínquo, ela absorveu tudo em torno dela, desde as pétalas rosa claras caindo até o ocasional carro passando na estrada. Ela sempre gostou da sombra rendada criada pelas árvores floridas, embora admitir aquilo teria sido o mesmo que sentenciar a si mesma a um condicionamento corretivo, então ela escondeu a fratura em seu Silencio já instável e continuou a apreciar a miríade de contrastes da primavera.

O fato era, ela era temperamentalmente contrária ao Protocolo. Ele simplesmente não conseguia afundar suas garras nela, não importa quão forte ela tentasse. E ela tentou. Como uma criança pequena, ela queria ser como todos os outros, havia sido diligente em praticar seus exercícios mentais. O último teve algum efeito, ela foi capaz de se passar por Silenciosa apesar de sempre pensar que Faith suspeitava.

Faith! Cabelo vermelho. Olhos cardeais. Sua prima talentosa que havia mantido seu segredo.

A Sahara de quinze anos assentiu para um humano colega de classe quando ele acenou para ela de sua bicicleta. Tais ações eram permissíveis para manter harmonia social, mas a verdade era, Sahara gostava de interagir com deferentes tipos de pessoas. Era a razão para ela ter escolhido ir a uma escola que não era especificamente de Psy, embora quando ela fez pedido para o chefe de seu conjunto familiar, ela focou no programa da escola de línguas estrangeiras.

Ela não era a única estudante Psy, o registro acadêmico da escola era brilhante, mas eles eram definitivamente uma minoria. Isso deu a Sahara inúmeras oportunidades para se misturar com pessoas que viviam fora do Silêncio. A garota que ela gostava mais em sua sala era uma pianista humana talentosa. A música que Magdalena conseguia criar carregava uma paixão assombrosa que ia além de notas e teclas.

Sahara também tinha um colega de classe changeling que conseguia fazer coisas no campo dos esportes que deveriam ser impossíveis. Embora a mente de Sahara era afiada como um bisturi, sua carga educacional mais avançada que a do restante de sua classe, seus dedos não conseguiam criar música que fazia sua alma voar, seu corpo não conseguia se mover com a graça de um changeling. Mas aquilo não importava quando ela dançava. Parecia como se ela estivesse voando.

Aquela era quem ela era enquanto caminhava pra casa da escola naquele dia, defeituosa, feliz, esperta o bastante para saber que inteligência não era tudo, e quem ela era quando escolheu virar para fora da estrada favorecendo um caminho que passava por um parque calmo. Nenhum outro estudante caminhava aqui, mas havia o canto dos pássaros no ar, luz do sol no céu. Ela não sentia nenhuma preocupação, estava extremamente confiante de sua segurança, e empolgada.

Tão empolgada!

 

Sahara se sentou na cama enquanto a memória se dissolvia, a deixando com uma única luminosa peça de conhecimento que rasgou suas dúvidas anteriores sobre sua saúde mental. O relacionamento dela e de Kaleb podia ser uma coisa da escuridão, mas não havia começado a existir porque ela estava doente e danificada e lutando para sobreviver.

Ela havia encontrado Kaleb antes. Muito tempo atrás.

Não só uma vez.

Muitas vezes.

Todo ano no aniversário dela, ele esperava por ela em uma curva escondida daquele caminho e...

Seus olhos se arregalaram. Empurrando os cobertores, ela foi para o lado direito da cama, ergueu o colchão, e puxou o pequeno tesouro que havia escondido ali por hábito, de tanto tempo que estava o protegendo. Ela ficou tão psicótica quando um guarda tentou o tomar dela como punição que ele foi demitido, porque a histeria de Sahara a deixou inútil para seus apreensores por dias.

Ela ainda estava cooperando até um certo ponto naquele estágio, na esperança de que pudesse enganá-los com um falso senso de segurança. Aquele plano falhou, mas depois da psicose de sua reação, ninguém nunca mais tentou tirar seu tesouro dela, mesmo durante as piores punições, como se eles estivessem com medo de quebrá-la fatalmente. Ainda assim, ela parou de usá-lo, o escondendo em nós que ela criou em suas roupas.

Agora, ele brilhava na luz da lâmpada, um bracelete de pingentes de platina brilhante.

— Treze, — ela sussurrou e tocou a chave que ela sabia que representava as infinitas escolhas abertas para ela.

— Quatorze. — Um livro aberto. Aquele era o ano em que sua habilidade para linguagens havia se tornado aparente, Francês tão fácil para ela entender e usar quanto Cantonês e Húngaro, desde que ela fosse ensinada por uma pessoa que falasse fluentemente a língua, ao invés de usar dispositivos computadorizados. Professores intrigados haviam teorizado que ela tinha algum tipo de habilidade psíquica desconhecida que a permitia inconscientemente absorver linguagens daqueles em torno dela, nunca percebendo quão perto eles passavam da perigosa verdade.

— Quinze. — Um pequeno globo que representava seu sonho de ver o mundo.

— Dezesseis. — Ela tocou seus dedos maravilhados na dançarina que pulava no ar com abandono, seus braços erguidos sobre sua cabeça, pura alegria em sua expressão.

Quatro, somente quatro.

Todos do homem que agora a mantinha como prisioneira.

Ela sentou na borda da cama, o metal brilhante morno em sua palma, os pingentes de um trabalho excepcional. Era o tipo de presente que poderia ser interpretado de várias formas, a maioria delas preocupantes, dada a conexão de Kaleb com Santano Enrique, assim como a diferença de idade de seis anos entre Kaleb e Sahara. Não importava nada agora que eles eram ambos adultos, mas no começo, Kaleb teria dezenove anos enquanto ela tinha treze.

Exceto... para ela, o bracelete estava associado com esperança e uma rara, incandescente alegria. Não havia nenhuma mancha, nenhuma da feiura que poderia significar que Kaleb a estava contemplando como uma futura vitima. Até mesmo a ideia fazia seu estômago se revoltar, como se ela tivesse feito um insulto a algo indescritivelmente precioso.

Kaleb nunca me machucaria.

Fechando seus dedos sobre o presente adorável dado a ela por um estranho familiar coberto de sombras, Sahara percebeu que ela tinha uma escolha a fazer: confiar nas emoções desencadeadas por esse bracelete, um bracelete que ela guardou e zelou por sete longos agonizantes e solitários anos, ou escutar à parte friamente racional dela que a lembrava que Kaleb havia caminhado lado a lado com um monstro assassino desde a infância.

 

Apesar da hora tardia, ele estava trabalhando em sua mesa, seu cabelo preto impecável, sua camisa cinza aço imaculada, na luz ligeiramente amarelada da lâmpada de mesa que provia a única iluminação no cômodo. Olhando pra cima quando ela entrou, a escuridão sinuosa que ela vislumbrou no quarto ainda visível em seus olhos, ele disse, — Sim?

A calma mórbida da voz dele a fez hesitar, a decisão que havia tomado uma esperança dolorosa que ela não aguentaria se fosse esmagada.

— Sahara, — ele disse quando ela permaneceu em silencio, — Se você está aqui por algum motivo, fale. Se não, saia.

Engolindo seco pelo aviso frio que a dizia para não pressioná-lo, ela se sentou na cadeira do outro lado da mesa dele. Ele a observou com o olhar fixo de um predador tão mortal que o mundo nunca havia visto nada como ele. — Onde — ela molhou uma garganta seca como o deserto — Onde está o restante?

Os olhos dele não a abandonaram.

Tremendo por dentro, ela ergueu sua mão fechada em frente a ela. Platina cintilou na luz dourada quando seus dedos se abriram. Um momento de absoluto e infinito silencio, e então Kaleb piscou e as estrelas estavam de volta em seus olhos.

Sem quebrar o contato visual que ameaçava marcá-la de dentro pra fora, ele descansou sua mão direita com a palma para cima na mesa. Sete pingentes descansavam contra a pele dele entre uma batida de coração e outra. Mordendo seu lábio para conter as lágrimas quando a parte mais secreta dela cantava de alegria, ela se inclinou mais perto, mão se erguendo.

Ele puxou os pingentes.

Raiva a dominou, quente e crua. — Eles são meus.

— Não é assim que funciona.

Franzindo, e querendo os pingentes, ela se sentou ereta na cadeira quando ele se levantou e andou em torno da mesa com uma graça mortal que sempre atraia os olhos dela, seu corpo rígido com uma tensão muito adulta. Respirando rápido, ela deslizou o bracelete sobre seu pulso, prendeu o fecho, e estendeu seu braço para ele. — Agora.

Se inclinando contra a mesa em frente a ela, ele ergueu sua mão e um único pingente apareceu entre os dedos dele. — Dezessete.

— Um compasso. — Para encontrar meu caminho de volta pra casa. De partir o coração, ela o observou enquanto ele terminava de prender o pingente no bracelete, e novamente, ela se perguntou quem ele era para ela. Quem ele foi para ela, esse belo homem que poderia ser tão profundamente danificado, que estava quebrado pra sempre?

 

                                     Capítulo 15

Ele olhou pra cima, uma mecha de cabelo caindo sobre sua testa, preto meia noite contra sua pele dourada. Por um rápido instante, ela viu o garoto que ele foi, todo cheio de cabelo sedoso e olhos silenciosos, e ela sabia que aquela memória era verdade. Ela e Kaleb, o que quer que os prendesse juntos, havia começado muito antes dela ter treze anos, começou quando os dois eram crianças.

— Mais rápido, — ela sussurrou, indefesa quando sua mão se ergueu para empurrar aquela mecha errante da testa dele.

Ele não se afastou, não repudiou seu toque. — Dezoito. — Um segundo pingente apareceu entre os dedos dele.

Ela torceu sua cabeça para cá e para lá para tentar ver o que era enquanto ele o prendia no lugar, mas ele deliberadamente bloqueou sua linha de visão. Ela viu o porquê quando ele se endireitou. — Uma lâmina exposta. — O que ele se tornou no dia em que ela desapareceu.

— Dezenove. — Ele começou a prender o pingente antes mesmo que ela o visse o teleportando.

Uma pequena casa.

A rocha que era seu coração ficou mais pesada. — Vinte.

— Vinte. — Esse, ele a deixou ver.

Um pequeno coração formado de uma pedra azul escura, tão lindo que a fez suspirar. — Safira?

— Tanzanita. — Os olhos dele encontraram os dela. — Rara. Única.

Um coração congelado, ela pensou, sua maravilha misturada com uma assombrosa tristeza. O coração dele ou o dela?

— Vinte e um.

Uma ampulheta.

— Vinte e dois.

Um fragmento de obsidio irregular, as bordas suavizadas somente o bastante para que não cortasse a pele dela.

— Vinte e três.

Uma única e perfeita estrela.

Franzindo, ela olhou para ele. — Eu não entendo.

Ele prendeu o pingente no lugar correto. — Somente essa estrela importa. — O dedão dele roçou sobre seu pulso. — Se ela for apagada, nenhuma outra terá o direito de viver.

Eu encheria as ruas com corpos antes de te machucar.

Uma onda negra correu sobre ela em um pesadelo de compreensão. — O que é o vinte e quatro? — ela conseguiu perguntar através do barulho, curvando seu pulso perto de seu peito.

— Ainda não decidido.

— Eu sei o que eu quero. — Essa batalha era uma que ela tinha que ganhar, não somente pelo futuro do mundo, mas por si mesma, por Kaleb, pelo que eles poderiam ter sido... o que eles poderiam ser.

Um silencio paciente do homem que teria aniquilado toda uma civilização em vingança a ela, acabando com a vida de milhões, inocentes e culpados juntos.

— Uma bainha para a lâmina, — ela sussurrou.

As estrelas desapareceram na escuridão. — Isso pode não ser possível.

Não pode ser tarde demais, ela pensou novamente. Ela se recusava a permitir que fosse tarde demais, se recusava a acreditar que ele estava perdido para sempre, o dano permanente. — Eu quero joias na bainha, brilhantes e coloridas. — E esperançosas.

— Vai ser preciso um trabalho considerável, — ele disse suavemente, o obsidio de seus olhos segurando os dela, — Pode até ser uma tarefa impossível.

— Você está se entregando, então? — Era uma pergunta tão suave quanto a voz dele. — Se afastando?

A resposta de Kaleb tinha uma possessividade que ainda poderia mantê-la como prisioneira. — Eu nunca vou me afastar de você.

 

Kaleb não foi para cama depois que Sahara deixou seu escritório seguindo uma interação que ele nem sequer achava que aconteceria, não dado o que ela aprendeu sobre ele, e as feridas feitas a ela durante seus anos de prisão. Ele deveria saber melhor que tentar prever ou julgá-la, Sahara Kyriakus sempre teve uma vontade própria, inesperada e teimosa. Nenhuma outra mulher poderia ter sobrevivido sete anos no inferno e saído de lá com a força para desafiar Kaleb.

Ele esperou uma hora para dar tempo a ela de dormir, antes de se levantar e abaixar as mangas de sua camisa para abotoá-las. Pegando sua jaqueta de onde estava pendurada atrás da porta do escritório, ele a vestiu. Sua escolha de roupas era outra máscara, ela dava as pessoas certas impressões sobre ele, impressões que ele pretendia usar essa noite para assegurar a futura segurança de Sahara.

Ninguém nunca mais a tiraria dele.

Pronto, ele se descobriu incapaz de sair antes de se assegurar que ela estava segura e em paz dormindo. Se ele a perdesse agora, depois que ela finalmente voltou para ele, olhos de um azul meia noite mostrando uma frágil confiança que ele não esperava ver nunca mais, não haveria mais nenhuma dúvida em relação a sua sanidade ou a falta dela. O mundo não tinha conhecimento sobre as mãos delicadas que seguravam seu futuro.

Ele se assegurou de se posicionar nas sombras perto da porta quando ele teleportou no quarto dela, não querendo assustá-la se ela não estivesse dormindo profundamente. O medo nos olhos de Sahara, ele descobriu quando ela correu dele mais cedo, queimava mais que qualquer ácido que Santano havia jogado nele quando ainda era um garoto. Era perigosa, aquela dor, poderia afogar o mundo em sangue, mas Sahara era a primeira, sempre seria a mais profunda fratura em seu Silêncio.

Era uma verdade tão pura e inescapável quanto o vento.

O quarto estava escuro, mas seus olhos haviam aprendido a se adaptar na escuridão de sua infância, e ele não teve problemas para vê-la. Arriscando se aproximar quando a respiração dela se provou suave e estável, ele viu que o rosto dela estava virado de lado no travesseiro enquanto ela se deitava de costas, as mechas negras do cabelo dela sedosas e grossas no algodão egípcio da fronha.

Era o melhor que o dinheiro poderia comprar. Ele se assegurou disso.

Erguendo sua mão, ele quase tocou a curva morna da bochecha dela antes de perceber que aquilo a acordaria... a assustaria. Ele não poderia arriscar isso. Não agora, quando ela se lembrava o bastante para confiar nele em um nível básico, mas não o bastante para marcá-lo como o monstro que ele sabia que era.

Você é o que eu te fiz. Não há nada mais.

Com visões de sangue, brilhante e quente, jorrando em suas retinas, ele teleportou e checou manualmente todas as portas e janelas. Redirecionando os alarmes do perímetro para informá-lo em seu celular uma vez que ele estava convencido de que a casa estava segura, ele se assegurou de que a sirene permanecesse ativa. Se uma invasão acontecesse, ele não queria que Sahara fosse pega de surpresa. A faca de filetar que ela escondia debaixo de seu travesseiro funcionaria bem como uma arma se ele fosse atrasado por um segundo ou dois, especialmente desde que ele silenciosamente a tinha afiado até que só fosse preciso um golpe para cortar a carótida ou a jugular.

Checagem de segurança completa, ele olhou em um espelho para confirmar que sua máscara permanecesse no lugar, cabelo impecavelmente penteado e terno abotoado, antes de acessar sua Tc para construir a estrutura para um teleporte mais complexo que seus teleportes de meio segundo rotineiros. Como a procura por Sahara havia evidenciado, sua habilidade de teleportar para pessoas não era perfeita. Se o indivíduo em questão não soubesse quem ela era, a tentativa falharia. Não era coincidência que o Tc inimigo havia encontrado Sahara depois que ela saiu do labirinto.

Um pequeno número de telepatas na Net, não necessariamente os mais fortes, mas os mais inteligentes, descobririam essa fraqueza, também. Se Kaleb tivesse que chutar, ele diria que era como toda a família Lauren, agora para do clã de lobos SnowDancer, havia assegurado o sucesso de sua deserção.

Essa noite, ele tinha que localizar outro indivíduo que entendia de camuflagem telepática: Tatiana Rika-Smythe, companheira ex-Conselheira e uma mulher que sabia como deixar rastros falsos tão complexos que ele precisou de anos para navegar os caminhos torcidos e recuperar Sahara... e dias para desvendar as plantas do cofre psíquico que havia camuflado a mente de Sahara, que a escondeu dele.

Ele desvendou as plantas por partes, e quanto mais ele via, mais ele reconhecia a marca meticulosa da construção psíquica de Tatiana. — Você sabe o nome da pessoa que a manteve prisioneira? — ele perguntou para Sahara mais cedo naquela noite, enquanto ela se sentava enrolada na cadeira em frente a ele, a estrela finalmente no bracelete ao qual ela pertencia. — A pessoa que estava no comando.

Um balançar da cabeça dela. — Eu sempre estava vendada, meus sensos psíquicos sob rédeas, e minhas mãos amarradas quando ela vinha me ver.

Ela.

Outro prego no caixão, mas não era o bastante. O fato de que ele identificou o homem que havia executado hoje como sendo conectado a uma das empresas de fachada de Tatiana era ainda mais persuasivo, mas Kaleb precisava estar certo além de qualquer dúvida antes de entregar sua punição. Jogar o anzol, porém, só precisava de um pequeno esforço.

Tatiana foi muito, muito cuidadosa ao proteger a localização de seu esconderijo, que era o motivo para Kaleb concentrar suas atenções nas finanças dela. Como esperado, ela tinha um império rentável e cheio de camadas. Há muito tempo ele havia retirado de jogo as companhias fantasma que eram donas dos bens dela nos registros oficiais, e então dividido as propriedades em duas colunas: pessoais e de negócios.

Ele sabia que a base de operações escondida dela estaria naqueles arquivos, a maior fraqueza de Tatiana era que ela não se desapegava de nada que tinha, nem sequer para uma empresa de fachada sobre a qual ela tinha controle total. Cave fundo o bastante e seu nome sempre aparecia como o do verdadeiro dono. Aquela escavação requeria uma paciência considerável, e quando se tratava de punir aqueles que mantiveram Sahara dele, Kaleb tinha uma quantidade infinita de paciência.

Austrália havia aparecido várias vezes em sua busca inicial, mas ele a havia desconsiderado, já que Tatiana havia anteriormente se retirado para uma parte remota daquele país. Somente depois ele considerou o fato de que Tatiana era esperta e planejadora o bastante para brincar com todos fazendo exatamente aquilo. Se não o mesmo exato lugar de seus alojamentos anteriores, então perto o bastante para que ela tivesse acesso à infraestrutura que já havia construído.

Depois disso, não foi preciso muito tempo para descobrir a propriedade escondida a três quilômetros de sua base conhecida. Conseguir uma imagem que ele pudesse usar para seu teleporte o custou mais de cem mil reais, mas o homem que ele contratou dentro do grupo dela cumpriu com sua parte. Usando aquela imagem para se teleportar até a borda da propriedade, sua força Tc liberada, ele escaneou a área banhada pela luz e neblina da manhã.

Uma única luz queimava na cabana aparentemente localizada no meio de um enorme espaço de terra, a casa envolta por uma folhagem nativa escarça. Ele viu pegadas que sugeriam que animais haviam passado por perto de sua posição atual, cangurus, pela forma, mas a área mais próxima da casa provavelmente alarmada e cheia de armadilhas.

Recuperando os binóculos de longo alcance que havia colocado em seu bolso, ele se focou no único quadrado de luz até que Tatiana se levantou para pegar algo, cruzando a janela, e então de volta. Alvo confirmado, ele mexeu no binóculo até que o foco estivesse claro o bastante para detectar um padrão de nós especifico no painel de pinheiro oposto à janela.

Era hora de exigir pagamento por sete anos da vida da Sahara.

Desde que percepção era muitas vezes tudo quando se tratava da dança do poder, ele guardou o binóculo. Ele queria que Tatiana soubesse que ele poderia encontrá-la onde quer que ela fosse; queria que ela saboreasse o medo, ácido e pungente.

Ele queria que ela implorasse por sua vida.

Sentada atrás da mesa em frente a qual ele apareceu, Tatiana tinha arma apontada para a cabeça dele antes que ele terminasse o teleporte, mas há muito tempo ele descobriu como compensar pela vulnerabilidade de meio segundo que vinha junto com entrar em uma situação desconhecida. Ele desviou do tiro laser com um movimento fluido, e então tirou a arma da mão dela, bloqueando seu ataque telepático vicioso ao mesmo tempo.

— Uma recepção nada amigável para um colega que deseja falar de negócios, — ele disse para a morena, desfazendo os botões em seu terno antes de se sentar na cadeira em seu lado da mesa.

Embora os olhos de Tatiana permanecessem cheios de suspeita, ela não tentou pegar outra arma. — O que você está fazendo aqui, Kaleb? Nós não tínhamos uma reunião agendada.

— Eu me deparei com um item que achei que poderia ser do seu interesse particular.

Relaxando no couro de sua cadeira em uma mostra de indiferença, Tatiana pegou e bateu com uma caneta na tela eletrônica em frente a ela. —Sério?

Kaleb sorriu e era um ato calculado. Ele aprendeu a imitar os movimentos faciais para aplacar os humanos e changeling com quem ele fazia negócios, mas sabia muito bem que tinha o efeito oposto naqueles de sua própria raça. — Por que essa recepção tão violenta? — ele perguntou, ombros relaxados e braço descansando folgado no descanso.

— Eu não sabia que essa localização havia sido comprometida, — ela disse com somente hesitação o bastante para que ele soubesse que aquilo era tão deliberado quanto suas próprias ações.

Tatiana, ele pensou, não deixaria de bancar a vítima ferida se isso a fizesse conquistar o que queria. — Ah.

— Como você penetrou minhas defesas?

— Eu sou capaz de teleportar, Tatiana, — ele disse com uma gentileza que era uma ameaça. — Você realmente acredita que qualquer segurança poderia me manter para fora se eu quisesse entrar em qualquer localização, dentro ou fora da PsyNet?

Um cintilar de compreensão, pele perfeita de cor oliva apertando-se sobre as lâminas afiadas de suas bochechas, mas não era o bastante. Ele precisava de uma confirmação absoluta e categórica da culpa dela, porque sua punição se adequaria ao crime em modos que Tatiana não compreenderia.

— Então, — ela disse, continuando a bater com a caneta em um ritmo instável que ele achou que era feito para distrai-lo, porque os Psy não faziam tais movimentos “inconscientes”, — O assunto que você tem pra discutir.

Ele sorriu novamente. — Eu acho que você sabe.

— Essa será uma negociação interminável se você não colocar as cartas na mesa.

Sim, Tatiana era esperta, mas Kaleb havia esperado a exigência. — Eu tenho em minha posse, — ele murmurou, — Um item que pode te pertencer. Foi recuperado por um Arrow, — uma mentira com some o bastante de uma possível verdade para que ela não a questionasse — Depois que ele suspeitou de uma seção da Net que estava bloqueada sem nenhum motivo racional.

— Realmente? — Uma pausa pensativa. — O que te faz acreditar que esse item é de valor para mim?

— Seu trabalho telepático é inequívoco em sua complexidade e destreza.

— Você me galanteia.

— A verdade não é um galanteio.

Tatiana respondeu com um sorriso tão praticado e falso quanto o dele. —Eu ouvi que você está fazendo negócios com Nikita e Anthony.

Ele deu de ombros, outro movimento que ele copiou das raças mais emocionais e respondeu com a verdade absoluta. — Faz sentido criar e utilizar estratégias de parcerias múltiplas. Diferente dos changeling, nós nãos fazemos alianças de sangue uns com os outros; fidelidade é entendida por ser um conceito fluido. — Por alguns.

— Isso, — Tatiana disse, abaixando a caneta, — É o porquê de fazermos um time imbatível. Nenhum de nós tem falhas em nosso Silêncio.

Kaleb pensou na mulher que dormia na casa que ele construiu para ela, do homem com um pescoço quebrado que havia queimado até virar cinzas no incinerador horas atrás, e sabia que seu Silêncio era muito mais complexo que Tatiana imaginava. — Eu insisto na lealdade dos meus parceiros, — ele disse. —Eu não acredito que você seja capaz disso. — Mesmo Nikita, implacável como ela era, não o apunhalaria nas costas enquanto ele cumprisse com sua parte no acordo.

— Eu nunca tive um parceiro que merecesse lealdade, — Tatiana respondeu. — Você, porém, mereceria.

— Agora é você quem me galanteia.

— A verdade é a melhor defesa. — A caneta em sua mão novamente, batendo e batendo. — O que você quer em troca do item?

 

                                   Capítulo 16

— Nada que você não possa bancar, — Kaleb disse, seu sangue calmo e frio como a morte enquanto ele dava mais corda para Tatiana se enforcar. — Uma pequena informação.

Ela esperou.

— Eu quero saber por que você trancou o item num cofre tão seguro em primeiro lugar. — Sem privacidade, sem ar, com uma luz cegante. — Antevisão não é, no fim das contas, uma habilidade particularmente útil.

— Antevisão? Você me confundiu.

Muito, muito esperta por não cair nessa armadilha. — Exatamente. — Como se estivesse se decidindo, ele se levantou, abotoando os botões em seu terno. — Parece que eu me enganei. O item não é seu, só há um outro individuo restante a quem ele poderia pertencer.

Tatiana manteve sua pose relaxada, mas ele viu as finas linhas que se formaram nos cantos dos olhos dela. — Quem?

— Anthony, é claro, — ele disse, muito consciente de que Tatiana usava os serviços de previsão dos NightStar regularmente para aumentar o status financeiro de seu império. Ela não podia entrar na lista negra. Não somente isso a colocaria em uma desvantagem severa no mundo financeiro dos Psy, mas seus investimentos atuais perderiam o valor uma vez que a noticia se espalhasse. E Anthony NightStar se asseguraria que a noticia se espalhasse. O clã dos P-Psy entendia de lealdade, também, de uma forma que Tatiana nunca entenderia.

O batucar parou, os tendões na mão de Tatiana se destacando contra sua pele. — Não.

— Não?

Olhos conectando com o dele, lascas de ágata, ela assentiu para a cadeira. — Talvez nós possamos negociar, afinal.

— Eu fico feliz por ouvir isso. — Ele se sentou, esperou.

Tatiana usou seu tempo para responder. — Eu adquiri o item pretendendo usá-lo como um refém caso NightStar tentasse me bloquear, mas nunca foi preciso.

Uma mentira, mas aquilo não importava. O que importava era a confirmação.

Tatiana ofegou quando foi jogada para trás, sua cadeira caindo no chão enquanto algemas invisíveis a prendiam na parede, seus pés a pelo menos meio metro do chão. Um salto alto preto caiu no carpete com um som abafado, enquanto o outro batia contra a parede enquanto ela lutava para se libertar.

Ele não havia esperado esse pânico inútil dela.

Imediatamente em alerta por sua falta de controle não característica, ele olhou em sua mente e viu o fio traiçoeiro que já havia penetrado as três primeiras camadas de seus escudos. Empurrando-o pra fora com uma força violenta, ele selou os buracos cirúrgicos que ela criou enquanto uma gota de sangue, escura e viscosa, pingava do nariz dela.

— Muito esperta. — Ele cometeu um erro quase fatal devido à raiva sombria que vivia sob a concha de seu Silêncio. Outro meio minuto e ela teria entrado na mente dele.

— O que você quer? — ela disse quando seu ato não conseguiu o distrair, seu corpo agora imóvel e sua voz frígida.

— Eu quero saber por que você a pegou, — ele repetiu, relaxando na cadeira sem nunca tirar um olho de seus escudos.

— Ela está funcionando mal, não tem utilidade pra você.

Kaleb suspirou. — Não foi isso que eu te perguntei.

— Você não pode me matar, — Tatiana disse naquele mesmo tom geladamente composto. — Independente dos rumores do fim do Conselho, a onda de choque causava pela morte de outro Conselheiro fará a Net se desestabilizar de uma forma extensa, especialmente dada à violência atual.

— Sim, isso é verdade. — E Kaleb ainda não havia decidido se queria que a Net se fraturasse naquele nível. — Mas há coisas piores que a morte. — Com isso, ele usou sua telecinese para deslocar o joelho esquerdo dela da mesma forma que o de Sahara havia sido deslocado antes, de acordo com a informação obtida pelo scanner quando ele a inspecionou a procura dos rastreadores.

— Me desculpe, — ele disse quando Tatiana parou de gritar. — Onde nós estávamos? Eu acredito que você estava prestes a responder a minha pergunta.

— Ela foi dada a mim, — Tatiana ofegou, seu joelho esquerdo começando a inchar.

— E quem foi seu generoso bem feitor?

— Você sabe.

Ele não se importou em avisá-la dessa vez, simplesmente deslocando seu ombro esquerdo exatamente como o de Sahara havia sido três anos atrás. Aquele pedaço de informação ele obteve quando pulverizou a mente daquele patético projeto de homem que havia executado na cozinha. Sua falta de restrição o havia custado uma grande quantidade de informação útil; a mente do guarda havia se partido segundos depois que Kaleb esmagou os escudos dele, deixando Kaleb com uma janela de tempo muito pequena para coletar informação, mas ele descobriu que não sentia nenhum remorso.

Assim como não sentia agora, observando a cabeça de Tatiana bambear para frente. Ela havia apagado. — Fraca, — ele disse, tendo permanecido consciente durante coisas muito piores com sete anos de idade. Ele deu a ela um minuto, e quando ela não acordou, pegou o copo de água na mesa dela sem sair da cadeira e jogou o conteúdo no rosto dela.

Ela acordou com um movimento desajeitado, mechas úmidas de cabelo pregando em sua pele e um brilho de medo em seus olhos. Seu Silêncio poderia ter sido pristino até esse momento, sua força de vontade implacável, mas apesar de toda sua astucia letal e força, Tatiana Rika-Smythe não foi treinada como Kaleb. Ela não sabia como se segurar ao seu condicionamento, ou uma reprodução convincente dele, na face de dor excruciante, com nenhum fim próximo.

Se arrepiando pelo ataque de choque, ela falou com dificuldade, —Santano Enrique a deu para mim.

Sua resposta não era surpresa, mas Kaleb precisava ouvi-la da boca dela. — Por quê?

— Nós éramos... parceiros de uma certa forma. Ele respeitava minha ambição, e eu respeitava o fato de que ele cortaria minha garganta se eu virasse aquela ambição na direção dele. Nós confiávamos um no outro.

Era a definição de confiança mais feia que ele já ouviu. — Você sabia que ela era minha quando você a pegou?

Tatiana balançou a cabeça. — Não. Eu não achava que ele permitia que você escolhesse suas vítimas.

Não, não era nessa parte que Santano precisava dele. — O que você está fazendo, Tatiana? — Ele mudou a maior parte de sua atenção para sua própria mente quando vários alarmes se ativaram de uma vez e encontrou um segundo fio telepático quase invisível segundos antes de penetrar seu escudo final.

Seu contra-ataque dessa vez fez pequenas veias estourarem nos olhos dela, mas ela silvou uma respiração, segurando o olhar dele com o seu próprio olhar vermelho. — Você não é indestrutível. Eu quase te peguei.

— Quase nunca é bom o bastante com alguém como eu, você sabe disso. — Kaleb a calou, obstruindo o diafragma dela ao ponto que ela teve que colocar toda sua concentração para puxar ar o bastante para sobreviver, ele se inclinou contra a cadeira e disse, — Você nunca deveria ter pegado o que era meu.

Apesar de seu suprimento de oxigênio diminuído, Tatiana começou a se debater de verdade, atacando-o com ataques telepáticos agressivos enquanto veículos correndo paravam violentamente do lado de fora. — Chamando reforços? Tsc, tsc. — Com isso, ele caminhou sem pressa em torno da mesa e teleportou os dois.

A escuridão dentro do bunker de cimento era interrompida somente por um único bulbo de luz de longa vida pendurado em uma corrente enferrujada no teto. A luz fraca não penetrava as sombras que se ajuntavam em grupos ao redor do cômodo circular, mas era o bastante para iluminar o concreto amarelado e manchado sob a mesa de aço na qual ele largou o corpo de Tatiana, o sapato ainda no pé dela batendo contra o metal.

Se afastando, ele a observou enquanto ela lutava para se sentar e olhar cuidadosamente ao redor. Sem emoções fingidas, nada além da gelada personalidade de uma mulher que sempre foi capaz de negociar ou manipular as pessoas até se livrar de problema. Era uma característica admirável, uma que Kaleb apreciava pelo modo como estenderia e intensificaria a tortura dela.

Tatiana passaria horas incontáveis tramando sua fuga, somente para perceber que seu inferno era permanente.

— O que é esse lugar? — ela perguntou.

— Você não sabe? — Ele esperou que ela descobrisse o que ele havia feito.

Ela só levou um segundo. — Por que eu não consigo acessar a PsyNet? — ela perguntou em um tom uma oitava mais alta que sua voz normal, a primeira verdadeira dica de pânico que ela mostrava. — Você tem um escudo sobre mim.

— Eu tenho outros usos para as minhas habilidades. A DarkMind, porém, acha engraçado brincar com uma mente cuja qual o Silêncio promete quebrar lentamente e com muita dor. — Ela havia absorvido Tatiana em si mesma, bloqueando todo o resto, incluindo seus canais telepáticos, em um nada infinito. Se ela começasse a se alimentar do terror de Tatiana, primeiro ela ficaria insidiosamente, lentamente louca, e então cairia onde o terror continuaria a ser sua única companhia, e dali, a morte não demoraria a chegar.

Aquele pequeno habito de “comer” pessoas era uma tendência da DarkMind que Kaleb nunca foi capaz de repreender, então ele a direcionava para aqueles que mereciam uma lenta e enlouquecedora morte. Kaleb fazia sua própria matança quando se tratava de poder e politica, mas ele não tinha nenhuma compunção em soltar a DarkMind nos outros vermes. O último havia sido um futuro pedófilo que havia acabado de ganhar um emprego como professor do jardim de infância.

Porém, a DarkMind sabia que não deveria se alimentar de Tatiana. Ela era de Kaleb, e a neociência obscura estava muito feliz em ajudá-lo a mantê-la presa. Kaleb, afinal de contas, entendia a crueldade, raiva e malevolência que havia a criado... porque ele foi criado a partir dos mesmos feios componentes. —A DarkMind, — ele disse a Tatiana, — vai te manter isolada naquele casulo negro pelo tempo que eu quiser.

— Se eu desaparecer da Net, — Tatiana disse, sem entender que não havia nada que ela pudesse dizer que alteraria seu destino, — Isso terá o mesmo efeito que a minha morte. A onda de choque resultante...

— Tatiana, Tatiana. — Ele balançou a cabeça. — Você desapareceu da Net quando criou escudos tão lindos para esconderem sua localização. — Ela tornou tudo tão fácil para ele. — Logo depois que eu for embora, seu time de segurança irá receber uma nota os ordenando a fazer uma auditoria de segurança completa, desde que eles falharam seu recente “teste”.

Novamente, ela suavizou o caminho de sua própria prisão, ela era tão paranoica sobre seus inimigos que raramente usava telepatia ultimamente, preferindo se comunicar através de um e-mail seguro. — Quanto as suas companhias, enquanto eles continuarem a receber instruções “suas”, ninguém vai suspeitar.

A mão de Tatiana agarrou a borda da mesa de metal forte o bastante para fazer seus ossos se destacarem contra sua pele. — Kaleb, eu não sabia que ela era sua.

— Isso é irrelevante. — Raiva rolava em sua corrente sanguínea em uma onda impiedosa, fria e cruel. — Você ainda a danificou ao ponto em que ela pode nunca se recuperar totalmente. — Sahara havia gritado naquela cama sangrenta durante seu último encontro, mas ela nunca implorou, de alguma forma conseguiu se manter inteira. E então veio Tatiana, e uma prisão que forçou Sahara a se fechar dentro de si para sobreviver.

— Por que isso importa para você, se você pretende matá-la de qualquer forma? — Tatiana perguntou, um desespero em seu tom que era muito cru para ser fingido.

Isolação psíquica fazia aquilo com os Psy. Sahara viveu aquele mesmo pesadelo por sete anos. — Minha intenção de matá-la não faz diferença quanto a sua culpa.

Caminhando em volta da sala, ele checou os estoques de comida para se assegurar que ela tinha o bastante para sobreviver. Os suprimentos médicos eram básicos, mas ela seria capaz de fazer os primeiros socorros. Ele foi muito cuidadoso com os ferimentos que causou nela, nenhum deles ameaçava a vida dela, e ela poderia consertar os deslocamentos sozinha.

Não era difícil. Kaleb aprendeu a fazer o mesmo ainda garoto.

Tatiana o seguiu com seus olhos. — Você não está planejando me deixar aqui. — Balançando suas pernas ao lado da mesa que tinha canais em cada lado feitos para deixar sair o sangue e outros fluidos corporais, ela mordeu seu lábio inferior, seu joelho esquerdo grotescamente inchado. — Kaleb, você não pode. Você não é Santano Enrique.

— Não sou? — Ele sorriu novamente. — A comida irá durar por seis meses se você não exagerar. Eu espero que você goste das acomodações.

— Espera! Espera! O que é esse lugar?

Cruzando a distancia entre eles, ele se inclinou para sussurrar a verdade no ouvido dela. — É o quarto de jogos mais antigo de Santano, é claro. — Um quarto que ninguém mais sabia que existia, as manchas no chão criadas pelo sangue de incontáveis vítimas que Kaleb observou gritar e implorar e quebrar.

 

Tendo acordado cedo para encontrar a porta de Kaleb fechada, Sahara se vestiu em jeans e uma blusa leve cor de rosa, fez uma bebida quente para si, e então foi ver o lago de carpas, antes de ir se sentar em sua poltrona favorita na sala de estar. Ela amava o modo como a luz do sol dourado pálida da manhã fazia o cômodo brilhar, os campos verdes em volta da propriedade cintilando com luz até que não eram mais desolados, mas dolorosamente lindos.

Sua intenção era ler mais artigos sobre a deserção espetacular de sua prima Faith da PsyNet, mas a luz continuava batendo no bracelete que ela usava em seu pulso direito, e toda vez que isso acontecia, ela pensava sobre um homem beijado pela escuridão, sobre a única estrela e uma história que ela não conseguia se lembrar. Ela estava esfregando seu dedo sobre o pingente de platina final quando Kaleb entrou na sala. Vestido no mesmo terno de negócios na qual ela o viu na noite passada, era claro que ele não estava dormindo como ela havia pensado.

Seu primeiro pensamento era que ele era um predador perigosamente sedutor em uma mascara perfeitamente cortada. Seu segundo pensamento foi que algo estava muito, muito errado. — Kaleb, o que foi? — Colocando seu organizador de lado, ela jogou de lado o cobertor de colo que havia encontrado dobrado sobre o encosto da poltrona e correu até ele. A expressão dele era tão remota e inescrutável como sempre, e ainda assim seu sangue corria frio, os pequenos cabelos em seu cabelo se erguendo em alarme.

— Kaleb, por favor. — Desespero a fez ousar tocar as pontas dos dedos de suas mãos nas bochechas dele. — O que você fez? — Saiu como um quase suspiro.

— Nada que não precisasse ser feito. — Fechando suas mãos sobre os pulsos dela, ele puxou as mãos dela gentilmente do rosto dele para seu lado, onde ele quebrou o contato. — Você não quer me tocar agora.

— Por quê? — Havia uma selvageria dentro dela, uma garota gritando em pânico que dizia que ela tinha que consertar isso, consertá-lo, embora ela soubesse, ela sabia que não podia voltar no tempo, não poderia desfazer o que o tornou esse pedaço de obsidio. — Você tem medo do que você fez passar para mim?

— Você acha que eu me arrependo? — Ele deu a ela um sorriso que era perigoso e perfeito... e horripilante. — Eu não me arrependo e nunca me arrependerei.

 

                                 Capítulo 17

Caminhando ao redor da forma tremula dela, ele foi até as janelas que davam para o campo a frente. — Por que você tem tanta certeza de que eu fiz alguma coisa, afinal?

Sahara engoliu em torno do frio medo incitado pela indiferença dele. Ele sempre foi letal, mas agora era como se ele tivesse entrado tanto no abismo que havia se tornado uma parte viva dele. Nesse momento, ela não tinha certeza se a inteligência por trás daqueles olhos da noite mais escura era algo que ela poderia compreender, tão fria que era inumana. — Eu só tenho, — ela disse finalmente, o conhecimento interior se erguendo da parte escondida dela na qual vivia a garota que ela foi uma vez. — Fala comigo.

— Talvez sua antevisão tenha evoluído, — ele disse, seu tom gentil... e cheio da mesma raiva escura que ela havia testemunhado na cozinha quando ele executou o guarda. — As visões de sua prima Faith aparentemente não estão mais limitadas ao mundo dos negócios.

Incapaz de vê-lo tão sozinho perto da janela, embora ele assustasse até seus ossos agora, ela foi ficar ao lado dele perto o bastante para suas roupas se roçarem. — Faith, — ela disse, continuando no tópico que ele ergueu somente para manter a linha de comunicação aberta, — Me ajudou a refinar meus escudos e construir meus firewalls. — E estes escudos estariam em estado crítico se ela colocasse um pé na PsyNet.

— Incomum para uma P cardeal.

— Quando ela era muito mais nova, o M-Psy responsável por ela acreditava que contato com outra criança poderia ajudar suas habilidades de fala atrasadas. — Fala atrasada era comum na designação P, mas Faith tinha três anos quando disse sua primeira palavra. — Eu era mais nova que ela, mas eles me escolheram porque eu falava bem.

— E talvez porque uma criança mais próxima da idade dela poderia se ressentir pelo treinamento e atenção extra requerida pelo status cardeal dela.

— Sim. — Sahara estava feliz demais por sua prima cardeal, com seu lindo cabelo vermelho, para sentir inveja. — Ela era mais velha, seu Silêncio era impecável, mas ela nunca foi nada além de gentil comigo, ela me fazia sentir importante. — Rigidamente supervisionadas o tempo todo, elas nunca tiveram a liberdade para se tornarem amigas, mas Sahara sentia a promessa da amizade. — Eu fiquei triste quando o poder dela evoluiu depois de onze meses e mais contato foi considerado destrutivo e prejudicial para o estado mental dela.

A justificação era uma que Sahara era nova demais na época para questionar. Claramente, porém, desde que Faith havia terminado como companheira de um changeling jaguar, um predador com dentes muito afiados, ela não era frágil de forma alguma. — Nosso PsyClã a traiu por dinheiro? — Por acaso eles tinham trancado Faith para extrair suas visões, e os milhões que aquelas visões traziam para os cofres da família?

— Desconhecido. — Kaleb se virou finalmente, seu olhar encontrando o dela.

O poder que queimava naquelas profundezas negras era alarmante, uma força quase física.

— Eu cresci com um cardeal, — ela sussurrou, subitamente consciente do quanto ele geralmente se protegia em seus escudos. — Você é mais. — Aquilo deveria ser impossível: ser um cardeal era o mesmo que ser além da escala, mas ela nunca sentiu tal poder.

A força dele era aterrorizante. Ainda mais devido ao fato de que sua necessidade por ele não havia diminuído de forma alguma pela escuridão que o rodeava. Isso a fazia considerar exatamente o quanto ela aceitaria, quanto ela perdoaria, quão longe ela caminharia no abismo por esse Tc letal que tinha um poder sobre ela tão profundo, que a razão não tinha nada a ver com isso.

Eu estava aqui por cada segundo das torturas e mortes delas.

Seu peito uma pressão dolorosa, ela quebrou a intimidade agonizante do contato visual e respirou o que parecia sua primeira respiração livre em horas. Quando ela olhou de volta para ele, ele estava olhando pela janela mais uma vez, sua solidão um escudo opaco. E ela sabia que se escolhesse se afastar e ignorar isso, ele não a impediria. Kaleb estava acostumado a não dar satisfações a ninguém, mas o lado ruim daquilo era que ninguém se importava se ele não viesse para casa nunca.

— Me diz, — ela suspirou, coração torcendo em seu peito com o tumulto de suas emoções, porque a ideia de um mundo sem Kaleb acendia um pânico que obliterava seu medo do que ele era, para substitui-lo com um horror de abalar seus nervos. — O que você fez.

Os olhos dele, negros como uma noite sem lua, permaneceram nos campos vazios. — Por quê?

Nenhuma negação. Ela notou que ele era inteligente demais para aquilo ter sido um engano. — Porque você disse que nunca mentiria para mim. — As palavras vieram daquela garota, aquela que havia trincado seus dentes e arranhado um caminho até a superfície da mente de Sahara, e que guardava dentro de si os segredos do passado que ligavam Sahara a Kaleb.

A cabeça dele girou na direção dela. — Eu também te disse para não confiar em mim.

Sahara apoiou seu ombro contra a janela, seu corpo virado na direção dele. — Se não em você, então em quem? — Um senso de déjà vu, como se ela tivesse dito aquelas palavras antes, ela cedeu à loucura e penteou as mechas de cabelo que caíram sobre sua testa, o contato passageiro partindo seu coração.

Dessa vez, ele não a afastou. Mas o gelo negro permaneceu enquanto ele falava. — Eu fui ter uma conversa com a mulher que te manteve prisioneira.

Era a última coisa que ela esperava que ele dissesse. — Quem? — Uma pergunta rouca, suas entranhas se apertando com a memória de suas horas com a estranha que a havia incentivado a “cooperar” em um tom gentil que era um feio oposto à tortura sendo infligida em sua carne.

— Tatiana Rika-Smythe.

O nome significava muito pouco para Sahara com a exceção do que ela leu em noticias recentes. Ela era uma adolescente na época de sua abdução, havia tido pouco interesse no Conselho e na politicagem daqueles aspirando a ele. —Faz sentido, — ela disse, sentindo não raiva, mas um senso nauseante de repulsa. — Tanto quanto qualquer outra pessoa faminta por poder.

Kaleb estendeu a mão para tocar uma minúscula cicatriz em sua bochecha esquerda, o impacto como raios em suas veias. — Você não tinha isso quando tinha dezesseis anos.

— O quê? — Erguendo sua mão, ela fechou seus dedos em torno dos ossos fortes do pulso dele. — Não. Eu devia estar com mais ou menos dezoito anos quando... você sabe o que aconteceu?

— Sim. — Uma frase neutra, sua mão segurando o rosto dela. — Eles te machucaram.

O crânio de Sahara ecoou com o som de ossos se quebrando quando Kaleb jogou seu ex guarda contra a parede da cozinha, um lembrete potente da possessividade mortal que dirigia as ações de Kaleb em se tratando dela. — O que, — ela perguntou novamente, — você fez com Tatiana? — Não seria, ela sabia, a morte relativamente rápida que ele deu ao guarda.

Kaleb acariciou a cicatriz esquecida com seu dedão mais uma vez antes de retirar sua mão, seu pulso deslizando das mãos dela. —Ela está em um buraco, — ele disse. —Eu vou me assegurar de que ela viva uma vida toda naquele buraco. Parece uma punição adequada.

Sahara enrolou seus braços em torno de si mesma, esfregando sua pele em um esforço em vão de aquecê-la. — Você a cortou da PsyNet?

— De que serviria a punição se fosse ao contrário? — Sem hesitar, sem piedade, sem mudanças em sua expressão.

Sahara queria bater com suas mãos em punho contra o gelo negro invisível, mesmo sabendo que era duro demais para quebrar, que o esforço não somente faria suas mãos sangrarem, mas o deixaria intocado. — Ela vai enlouquecer. — Sob todas as retóricas e as mentiras, uma verdade permanecia, que os Psy eram não os menos, mas os mais sociáveis das três raças. Assim como um lobo changeling precisava de seu clã, aqueles de sua raça precisavam da conexão e estimulação de uma rede psíquica populada por outras mentes. — Nós não somos feitos para viver em tal isolação.

— Você sobreviveu. — Raiva tão fria que passava como Silêncio puro.

— Eu não fui completamente cortada, não a esse extremo. — Ela não tinha nenhuma lealdade a Tatiana, não se importava se a mulher morreria ou viveria, mas isso custava a Kaleb um pedaço de sua alma, e ele não poderia gastar ainda mais. — Eu sempre ouvia os guardas conversando entre si, se não comigo. Era o bastante para me lembrar de que o mundo existia.

A escuridão girava nos olhos de Kaleb, uma entidade viva. — Eu vou me assegurar de visitá-la a cada três ou quatro meses. Isso deverá ser o bastante.

 

Kaleb viu o tormento na expressão de Sahara e sabia que o que quer que Tatiana ordenasse que fosse feito a ela ao longo dos anos que ela passou presa, não havia destruído sua consciência. Não era inesperado. Aquela sempre foi à diferença que os mantinha em lados opostos da linha que separava luz e escuridão, bem e mal, a habilidade dele de sentir empatia, de sentir qualquer coisa, havia sido erradicada antes mesmo de criar raiz, com uma única e limitada exceção.

— Eu, — ele murmurou, — Nunca posso permitir que ela fique livre. Ela encontraria um jeito de te machucar.

Os olhos de Sahara eram assombrados quando encontraram os dele. — Eu sou tão importante para você?

— Sim, — ele disse. — Você é tudo. — Toda a razão para a existência dele.

Uma única lágrima trilhou a bochecha dela. — Por que eu não consigo me lembrar de você?

— Você ainda não está forte o bastante. — Para o horror, a dor, a percepção da traição que havia espalhado sangue em torno de um quarto de hotel barato quando ela era uma garota quase virando mulher.

Acariciando a mandíbula dele, ela disse, — Volta, Kaleb, — e chegou mais perto, movendo suas mãos para as lapelas dele para empurrar o terno desabotoado de seus ombros. — Saia da escuridão.

Ele poderia rachar a crosta da Terra por ela se ela quisesse, fazer o Círculo de Fogo acender e fazer o mundo tremer, mas ele não poderia dar a ela a única coisa que ela pediu. A escuridão estava dentro dele agora, parte das células de seu corpo, tão inegável quanto a vida que o havia moldado.

Ela ouviu o silêncio dele, mas não os afastou, não chorou. Ao invés, ela limpou o restante de suas lágrimas de mais cedo, desfazendo a seda da gravata dele, a tirou de seu pescoço e jogou no chão com o terno dele. Quando seus dedos começaram a desabotoar os botões na camisa dele, ele retirou suas abotoaduras e as jogou numa mesa próxima.

O som titilante quando elas caíram fez suas pálpebras se erguerem, o incrível azul meia noite dos olhos dela cheios de emoção. Mas ela ainda assim segurou suas palavras, abaixando seu olhar para tirar a camisa dele de sua calça e terminou de desabotoá-la. Ele esperou imóvel, cada pequeno contato um choque para seus sentidos, mas era uma dor que ele queria, até ela, ele acreditava ser imune à necessidade de contato de pele com pele, contato que definia intimidade para os humanos e changelings.

Agora ele sabia que sua necessidade era mais viciosa que a deles poderia ser.

Retirando sua camisa quando ela a empurrou, ele silvou uma respiração quando ela enrolou seus braços em torno da cintura dele para descansar sua bochecha contra o peito dele. — Não. Eu desabilitei a dissonância.

Graças ao ego e arrogância de Santano, Kaleb, uma fatal duplo cardeal, nunca foi completamente doutrinado com a programação que despachava uma punição dolorosa a qualquer dica de emoção. Desenhada não somente para melhorar o Silêncio individual, mas para repreender qualquer resposta que poderia ativar uma falta de controle psíquico catastrófica, a brutalidade da punição era ligada a intensidade da falha. Dada as experiências que Kaleb passou como um garoto, a dissonância resultante teria o matado. Então Santano dominou suas habilidades através da aplicação de outro tipo de dor.

Agora a única rédea para suas habilidades era a que ele colocou em si mesmo.

Checando os riscos, ele espalhou seus dedos na pesada seda do cabelo de Sahara, enrolando seu outro braço em torno dos ombros dela para segurá-la perto dele. A respiração dela era suave sobre a pele dele, seu corpo magro, mas não mais tão frágil que era facilmente quebrável, seu calor um lembrete de que ela estava viva e com ele.

Não era o bastante, a ligação entre eles recém-nascida na melhor das hipóteses. Ela poderia usar o bracelete dele, mas ela permanecia desconfiada, seus olhos observantes, ele precisava que ela se comprometesse com ele antes que ela se lembrasse da feia verdade que os conectava.

Puxando a cabeça dela com a mão que ele tinha em seu cabelo, ele enrolou a sua outra mão em torno da garganta dela e, olhando em seus olhos, se inclinou para roçar seus lábios sobre os dela. Era um ato calculado, todos os seus sentidos concentrados em Sahara, em julgar as respostas dela para oferecer os toques corretos.

— Kaleb. — Um ofego, as unhas dela se enterrando nas costas dele.

 

Sahara doía dentro de si, e não era uma dor que havia se abatido de forma alguma desde que ela saiu do labirinto. Não, havia somente crescido mais, dia após dia. Hoje, ela tocou Kaleb em uma última tentativa de trazê-lo de volta do lugar onde ele havia ido, mas agora que sua pele roçava contra a dela, ela estava faminta por mais. Isso, apesar do fato de que a escuridão permanecia no olhar dele, a inteligência inumana dele a observando com olhos de obsidio.

Era loucura permitir que isso continuasse, se fazer ainda mais vulnerável a um homem que ela poderia nunca entender, mas a razão havia deslizado de seu controle há muito tempo atrás. Pressionando sua mão na bochecha dele, ela fechou os olhos e partiu seus lábios sob os dele em um convite instintivo que ele aceitou sem hesitação, uma mão gentil na garganta dela, a outra apertada em seu cabelo enquanto o gosto dele, quente, másculo, inexoravelmente sombrio, infiltrava seus sentidos.

A carícia era crua, não praticada, mas não menos viciante por isso. A percepção de que ele não havia feito esse ato com mais ninguém, que era um prazer tão novo para ele quanto para ela, era como heroína em seu sangue, um golpe chocante de sensação, fazendo o mundo ficar banhado em um vermelho paixão. Esticando seu corpo para cima, seu peso equilibrado em seus dedos, ela o beijou com um selvagem desespero que não tinha nenhum senso de finesse.

Não importava.

Kaleb tomou o que ela deu e exigiu mais, até que seu coração batesse desesperado contra suas costelas e o ar era algo que ela ofegava quando não se entregava a quente imprudência do beijo. Um beijo que a pressionava entre o frio vidro da janela e os contornos rígidos do corpo de Kaleb, uma das mãos dele ainda na garganta dela.

O lembrete físico da possessividade mortal dele não fez nada para jogar água fria na conflagração que ameaçava consumir os dois. Kaleb não estava frio agora, a pele dele quente o bastante para queimar, o braço que ele apoiou sobre a cabeça dela a prendendo em uma prisão da qual ela não tinha vontade nenhuma de escapar. Enfiando suas mãos no cabelo dele, ela o prendeu a ela, afundando seus dentes no lábio inferior dele em um ato de paixão que deveria tê-la chocado.

Não chocou. Não naquela loucura.

A mão dele se apertou a mínima fração em sua garganta antes dele ecoar o ato, e ela queria gritar com a queimadura elétrica que aquela carícia selvagem acendeu em seu corpo. Demais, isso era demais, cedo demais, mas ela não conseguia parar, não conseguia suportar deixá-lo ir. O som de algo caindo nos azulejos da cozinha a fez se afastar, peito ofegando. — Kaleb?

— Não é nada. — A boca dele estava sobre a dela novamente no próximo segundo, o comprimento musculoso dos ombros dele escondendo o restante do quarto de sua vista... mas ela sentiu quando algo atingiu a parede com violência o bastante para fazer a casa vibrar.

Afastando sua boca, ela empurrou o peito dele.

Ele não cedeu, o olhar no rosto dele a deixando incerta se ele era racional de qualquer forma, seus olhos brilhando um preto tão profundo, uma cor que ela nunca viu na natureza. Somente nos recessos mais negros e mais torcidos do labirinto.

 

                               Capítulo 18

—Kaleb, tem algo errado.

A expressão dele não se alterou, o rubor de paixão nas bochechas dele e na perspiração que cintilava em seus ombros na luz da manhã não faziam nada para suavizar a dureza dele. Mesmo o cabelo que ela havia bagunçado com seus dedos só o fazia parecer mais perigoso, um predador que removeu sua máscara para revelar a dura verdade.

Respiração ainda acelerada e ofegante, ela pressionou seus dedos nos lábios dele quando ele teria tomado a boca dela de novo, o calor viciante dele pressionado contra seus seios. Foi preciso um nível de autocontrole que era impressionante em sua intensidade — esse homem, ele poderia torna-la sua escrava, fazer seu corpo responder aos comandos dele. — Kaleb.

Acariciando sua pulsação com seu dedão mais uma vez, ele finalmente a soltou e se virou para encarar o cômodo. Sahara olhou em torno dele, sentiu seus olhos se arregalando.

O quarto estava detonado.

Foi o sofá que bateu contra a parede oposta que havia se infiltrado no desejo que tinha os dois em suas garras. A peça de mobília havia criado um buraco naquela parede, mas não era o pior de tudo. Todas as janelas do cômodo, menos aquela na qual ela estava encostada, estavam rachadas com fraturas tão profundas que parecia que um sopro as faria despedaçar, enquanto que o chão estava ondulado, e uma grande mesa estava em lascas perto na grande porta da cozinha, como se tivesse sido jogada na porta e não conseguido passar.

— Um beijo, — ela sussurrou, encarando o perfil de Kaleb enquanto ele absorvia o dano feito por sua força telecinética com um olhar clínico. — Um único beijo.

Kaleb, seu torso iluminado pela luz do sol, angulou seu rosto em direção a ela. — Eu terei que refinar meus escudos, eles falharam contra a intensidade do contato.

Sahara soltou uma respiração trêmula, seus seios pesados e quase doloridos. — Você está seguro na PsyNet? — Se os escudos dele falhassem no plano mental, sua mente se tornaria tão vulnerável quanto a dela estava antes que ele estendesse seus escudos para protegê-la. — Se qualquer coisa do que estávamos experimentando vazar...

— Não houve vazamentos. — Uma pausa antes que ele se virasse para encara-la, uma de suas mãos segurando levemente a mandíbula dela, seus olhos um inferno negro. — Eu quero mais.

Pega desprevenida pela percepção de que a excitação dele não foi diminuída pela interrupção, os lábios de Sahara se partiram em um suspiro. Kaleb aceitou o convite silencioso, sua boca na dela enquanto ele a pressionava de volta contra o vidro, sua ereção empurrando contra o abdômen dela em uma dura exigência. Gemendo, ela chupou a língua dele quando a mão dele subiu para cobrir seu seio... e o mundo se transformou em pedaços de vidro, as janelas explodindo em uma chuva brilhante de neve mortal.

 

Kaleb levou Sahara para terraço antes que ela pudesse ser atingida por um único estilhaço de vidro. Seus olhos imensos, ela observou o vidro colidir no meio do cômodo antes que os pedaços caíssem ao chão em um impacto estranhamente musical. Ignorando a visão, Kaleb se encontrou olhando a umidade nos lábios dela.

Um único pensamento e ele poderia levar os dois para o quarto, poderia tê-la nua, o contato de pele total.

— Você está sangrando. — Os dedos de Sahara deslizaram sobre seus ombros, onde ele havia sido atingido por alguns estilhaços de vidro.

Sangue. Ela havia sangrado mais do que ele achava ser possível.

O frio sussurro de memória teve sucesso em fazer o que o vidro não fez, o lembrando do dano que poderia ser feito por um Tc fora de controle. Forçando seus dedos a soltarem os braços dela, ele se virou para olhar através das barras do corrimão para o desfiladeiro abaixo, o frio ar contra a pele dele, o sol ainda não em sua força completa.

Com cada respiração vinha outra peça de razão. Tanto seus escudos da PsyNet e seus pessoais, ele viu quando os checou, estavam meio destruídos. Eles não haviam colapsado — eles haviam explodido um por um, explodindo do centro para fora. Não uma falha fatal, três de seus escudos exteriores estavam firmes... mas quase lá. Mais perto de se destruir de que estava desde quando ele era criança.

Mais alguns minutos e suas habilidades teriam sido totalmente soltas.

— Isso é perigoso. — Sahara veio ficar atrás dele, mas ela não tentou toca-lo, deixando distância entre eles para prevenir qualquer contato acidental. — Para nós dois.

Já reconstruindo seus escudos, Kaleb estendeu sua mão para agarrar as barras de ferro, seus braços abertos. — Você nunca correu nenhum risco. — O escudo de obsidio que ele colocou em torno dela era impregnável.

Aquela impermeabilidade era a razão pela qual ele não podia colocar um escudo de obsidio em si mesmo. Isso o deixaria isolado dos fluxos de dados da Net, uma cegueira mortal. Agora, seus escudos renovados fraturaram antes de atingir força máxima, a proximidade de Sahara algo problemático. Consertando uma localização isolada em sua mente, ele disse, — Eu voltarei em uma hora, — e se teleportou.

 

Sahara não tentou parar Kaleb, o brilho do vidro quando ela se virou para olhar a sala de estar provando o bastante o porquê de ele precisar se distanciar dela. Olhando para a luz do sol que era refletida pelos cacos, criando algo belo a partir daquela destruição, ela se inclinou contra as barras de ferro que circulavam o terraço.

— Você nunca correu nenhum risco.

— Não? — ela sussurrou, pensando na loucura no modo em que ela se entregou. Mesmo depois de reconhecer quão longe ele caminhou na escuridão, mesmo depois de ouvir a fria inumanidade na voz dele, mesmo depois de ver a calculação nos olhos dele depois de beija-la, ela havia cedido à raiva da necessidade que vivia dentro dela.

E nele.

Kaleb podia até ter começado o beijo com um motivo calculado — mas ele foi parceiro dela na loucura no fim, o corpo dele tão excitado quanto o dela, a mente dele tão escravizada quanto a dela. Dedos tremendo, ela empurrou seu cabelo de seu rosto e se sentou no divã, seus olhos treinados nas placas suaves de madeira que constituíam o terraço. Não era saudável, essa necessidade obsessiva que ela sentia por Kaleb, não quando sua confiança nele era nascida de um passado que ela não conseguia se lembrar conscientemente.

Ainda mais, quando ela não sabia quem ele era, quem ela havia se tornado.

Ela ainda estava lá quando Kaleb voltou, caminhando até o terraço através das portas do escritório dele. Era claro que ele havia tomado banho, lavado tanto sangue quanto suor. O cabelo dele estava penteado, sua calças pretas, a mesma cor da gravata preta, uma camisa branca cobrindo seu torso. Ele não havia dobrado as mangas como sempre fazia em casa. Ao invés, abotoaduras brilhavam nos pulsos dele.

A máscara estava novamente em seu lugar.

— Eu organizei uma equipe de reparo, — ele disse a ela, deslizando suas mãos nos bolsos de suas calças. — Eu vou precisar te relocar por algumas horas para dar à equipe humana tempo de fazer o trabalho deles.

Sahara, seu corpo em um tipo de choque com a crueza do que havia acontecido, tentou encontrar algum sinal do mesmo em Kaleb e não conseguiu. — Você não teme que eles vendam informações sobre sua casa?

— Não. — Dito com a brutal confiança de um homem que sabia que ele assustava as pessoas muito mais do que poderia ser aliviado por qualquer incentivo monetário.

Os pelos em seus braços se ergueram em alerta, embora o sol brilhasse acima. — Eu não consigo pensar aqui, — ela disse, os cacos de vidro brilhantes continuando a chamar sua atenção, as barras ao redor do terraço subitamente sufocantes. — A praia. Você me leva naquela praia?

Ela tirou seus sapatos no instante em que chegaram na praia isolada, o horizonte infinito abrindo as correntes em torno de suas costelas. Inalando o ar marítimo, ela dobrou seus jeans e foi até as ondas rasas, seus pensamentos acalmando e se focando com cada onda que batia contra sua canela. Foi um longo tempo depois, sua decisão tomada, que ela veio se sentar ao lado dele na areia aquecida pelo sol, tomando cuidado para se assegurar que seus corpos não se tocassem.

Como ela tinha aprendido na casa, o gelo que cercava Kaleb não era indestrutível. E se ele o quebrasse novamente, ela cairia com ele. Independente de seus pensamentos racionais, uma coisa ela havia aceitado na água: Kaleb era um vício tão visceral que ela nunca poderia sequer esperar controla-lo. Não enquanto o passado que os conectava permanecia uma miragem embaçada.

— Eu quero te pedir uma coisa, — ela disse suavemente. — Mas primeiro, eu preciso que você me diga o que está acontecendo na PsyNet. — Era crítico que ela tivesse aquela informação se ela fosse entrar na rede psíquica sozinha num futuro próximo.

 

Kaleb havia sido preparado para lidar com a queda de sua perda significante de controle, mas essa era uma pergunta que ele não esperava. Porém, ele nem sequer considerou esconder a verdade dela. A força de Sahara era indisputável—ela tinha sobrevivido sete anos de prisão e, antes disso, havia sobrevivido a um monstro e seu aprendiz.

— A Net está sendo atacada de dois lados, — ele disse, as paredes de sua mente rolando com imagens de uma lâmina denteada que se enterrava em suave carne feminina. — Pure Psy é o primeiro e mais óbvio agressor, mas o mais perigoso e de longo termo é uma doença que está fazendo o tecido psíquico da Net apodrecer e morrer.

Vendo o interesse dela, ele deu todos os detalhes a ela, antes de adicionar, — Em um hospedeiro Psy, a infecção leva à degradação mental, incluindo ataques de violência e, eventualmente, morte.

Expressivo, seu rosto não escondia nada enquanto ela pensava nas ramificações. — Somos nós, — ela disse, sua inteligência tão aguda quanto sempre foi. — A Net é criada das mentes de nossa raça, e nós estamos quebrados em um nível fundamental. — Tristeza estava aparente no azul meia noite dos olhos dela. — Se é um problema que abrange toda a Net, deve estar se manifestando de formas mais sutis até mesmo em áreas que parecem estar livres da infecção.

Ela havia entendido em um minuto o que os outros não haviam visto depois de meses de exposição, mesmo pessoas que deveriam saber daquilo. — Há aqueles que estão se tornando mais e mais inocentes — quase como crianças —enquanto outros estão ficando loucos e obscuros ao ponto de que seus atos futuros irão eclipsar a insanidade e os serial killers que fizeram o Silêncio parecer a melhor escolha.

Sahara envolveu seus braços em torno de seus joelhos erguidos. — Isso é ruim, mas não tão ruim quanto o que a infecção está fazendo ao tecido psíquico da Net.

Kaleb não disse nada, sua atenção no cheiro do cabelo dela enquanto o vento jogava as mechas através do rosto dela e sobre o braço dele.

— Se a podridão criar pontos de fraqueza o bastante, — ela sussurrou, — a Net irá se fragmentar e eventualmente entrar em colapso. Todos irão morrer.

— Não vai se fragmentar, nem colapsar. — Se isso acontecesse, Sahara morreria e aquilo era inaceitável. — Eu tenho o poder para assegurar que a Net mantenha sua integridade.

Sahara já tinha começado a entender o que guiava Kaleb. — Você planeja tomar controle total. — Ela sabia que ela deveria estar horrorizada - Kaleb era um avatar de escuridão, de nenhuma forma o homem certo ao qual confiar o destino de uma raça inteira. Mas ela não poderia discutir com o raciocínio dele; o poder dele era vasto. Ele poderia ser o único capaz de salvar a raça deles do juízo final chegar cada vez mais perto com cada infecção, cada centímetro de podridão. — O que você vai fazer com isso?

— Isso ainda está para ser decidido.

Gotas de suor frio rolaram pela espinha dela, e de repente a declaração de possessão que ela tomou como um sinal de uma obsessão que podia enterrar os dois em gelo negro se tornou outra coisa. — É por isso que você me quer, não é? — ela disse, sua dor tão profunda que não tinha nome, não tinha fim. — Você sabe o que eu consigo fazer.

Kaleb encarou a água, seu perfil delineado pelo sol. — Eu sempre soube o que você pode fazer. — Estava ciente do vasto potencial trancado dentro da forma esbelta dela desde que ela era criança. — Eu não vou usa-la ou machuca-la. — A promessa era uma que ele fez há muito tempo atrás, uma que ela não conseguia mais lembrar... embora ela mantivesse sua própria promessa.

Sahara não tinha compreensão do poder que tinha, dos impérios que ele destruiria por ela, o sangue que ele derramaria. Tudo que ela via era o monstro que ele havia se tornado. — Eu nunca te machucaria. — Todos os homens tinham um ponto fraco e Sahara era o dele — e embora ele soubesse que sua declaração era o movimento errado no tabuleiro de xadrez, a confiança dela nele fraca, ele não conseguia mais suportar o medo dela.

Os olhos de Sahara eram de uma profundidade infinita quando ela olhou para ele, a claridade do olhar dela parecendo tirar a máscara dele até que ela visse a feia verdade do que ele havia se tornado. — Eu quero ir pra casa, — ela disse. — para Tahoe. Para o meu pai.

Todos os músculos dele ficaram rígidos. — Eu te disse, você pertence a mim. — Ela era a única pessoa no mundo que pertencia a ele, e ele nunca desistiria dela.

Não a menos e até que ela fizesse a única coisa que o separaria para sempre para ele.

— Você também me prometeu que você nunca me machucaria. — Era um lembrete quieto da promessa que ele havia acabado de fazer. — Isso — nós — eu estou sendo consumida por isso. — Frio ácido, a linha de sua mandíbula rígida enquanto ela virava seu olhar para a água. — Eu não posso me tornar quem eu devo ser na sua sombra. Eu tenho medo de acordar um dia e descobrir que não há nada mais dentro de mim além dessa furiosa necessidade por você que tira minha sanidade.

O frio vazio dentro dele, a parte que falava com a DarkMind e encontrava satisfação no terror de Tatiana, viu na confissão dela — na memória do modo que ela o segurou contra ela, os dois fora de controle — uma submissão que dava a ele o poder de fazê-la ceder à vontade dele. Se ele a mantivesse por tempo o bastante, Sahara seria dele de todas as formas. Mas mesmo a parte que era o vazio, impiedosa e inconsciente, sabia de uma coisa: a mulher que permaneceria não seria mais Sahara, seu assassinato um sufocamento silencioso.

— Não há garantia de que o clã NightStar será seguro pra você, — ele disse, as ondas quebrando com uma força que aumentava a medida que sua telecinese ameaçava escapar de suas rédeas. — Você tinha suas suspeitas sobre o que eles fizeram com Faith.

— Meu pai, eu lembro dele agora. — Ela piscou contra o jato de uma onda que bateu na areia com força o bastante para alcança-los. — Ele não é só um nome, nunca foi só um doador genético. Ele sentiria minha falta.

Vendo as gotas de água na camisa dele, Kaleb se lembrou dos cacos de vidro que cobriam o chão da sala. — Seu pai é Silencioso. — Enquanto ele falava, ele ligou o nível mais alto da dissonância, abalando seu corpo com uma dor de abalar os nervos que ele suportou com um silencio inexpressivo. Ele não poderia arriscar perder o controle letal enquanto Sahara estava ao lado dele, pedindo para se afastar. A dor em si não fazia nada para impedir a Tc — não, era um simples lembrete de que ele nunca, nunca poderia soltar as rédeas.

Se ele atacasse e acabasse com ela, ele se tornaria um verdadeiro pesadelo.

— Ele pode ser Silencioso, — Sahara disse, sua mente cheia de imagens de um grande homem que a pegou no colo e a limpou depois de inúmeros acidentes de infância, —mas eu era mais para ele que um legado biológico. — Na frente dela, as ondas permaneciam agressivas, mas não mais violentas, e ela sabia que o Tc ao lado dela havia encontrado o gelo negro novamente. Raiva apaixonada borbulhava sob a pele dela, seu ódio direcionado ao vazio que poderia fazê-lo se abrir à razão.

— Meu pai me tratava com carinho — ela apertou seus pulsos para se impedir de tocar Kaleb — mesmo quando meu único dom era antevisão em um nível muito abaixo da minha posição no Gradiente. Ele nunca me fez sentir como se eu fosse uma decepção. Minha vida inteira, eu sabia que era importante para ele.

Olhando para Kaleb quando ele permaneceu silencioso, o vento soprando o cabelo pra longe do rosto dela, ela disse, — Ele procurou por mim?

Os olhos de Kaleb permaneceram na água, seu olhar aquela escuridão tão absoluta, ela não podia imaginar o que ele via. — Sim. Leon Kyriakus liderou a busca do clã NightStar desde o dia de seu desaparecimento, até hoje.

Esperança lutava para se manter viva dentro dela. — Tatiana está... fora da jogada — apertando seus músculos abdominais para conter a reviravolta em seu abdômen — e não há motivos para acreditar que ninguém na minha família era simpática a ela. NightStar é um clã muito unido. — Eles tinham que ser. Previsão não era um dom que permitia a sobrevivência dos indivíduos sem o apoio do grupo. — Mesmo que eles tenham vendido Faith — doía pensar nisso —isso mostra um motivo lucrativo. Não há nenhuma vantagem econômica possível em ceder minha habilidade para outra pessoa.

Nenhuma resposta do Tc mortal que a considerava sua posse.

— Eu quero ir para casa, Kaleb, — ela disse novamente, e observou as ondas se tornarem assassinas.

 

                                       Capítulo 19

Sahara achou a vista magnificente, o trovão ressonante da água uma música sombria. Não havia medo em seu sangue porque, por mais que parecesse bobo, ela acreditava nele quando ele dizia que não a machucaria, esse homem fascinante e letal fazia seu subconsciente vê-lo como seguro, e que tinha o poder de escravizar o corpo dela. Havia uma rigidez assombrosa na beleza dele, como se ele fosse esculpido de ferro, mas aquilo somente aumentava o apelo dele — porque ele queimava por ela, assim como ele não queimava por ninguém mais.

— Eu quero sentar na cozinha do meu pai, — ela sussurrou, saboreando o sal das ondas, — e eu quero dormir na cama que era minha. — Ela não era mais a adolescente que havia dividido a pequena e organizada casa com seu pai, mas aquela parte adolescente dela era o único modelo que ela tinha para quem deveria ter sido. Era seu ponto de partida.

A resposta de Kaleb era fria e afiada como um bisturi. — Seus escudos são tão finos quanto papel.

— Sim. — Querendo desesperadamente abraçá-lo, gritar com a injustiça do que havia sido feito aos dois, ela apertou seus pulsos até que suas mãos quase ficassem dormentes. — Eu vou precisar de ajuda para esconder meu Silêncio partido, assim como as minhas vulnerabilidades.

— Você está pedindo a minha ajuda?

Era um pedido ridículo para se fazer a esse homem que havia confessado ser um aprendiz de um serial killer, e que a havia mantido como prisioneira numa casa longe de toda civilização, e ainda assim ela disse, — Sim.

Coração batendo rápido com o risco que ela correu, mas não mais capaz de lutar contra sua fome por contato, ela tocou a testa dele, diretamente sobre o traço que era menos uma cicatriz e mais uma marca, o algodão fino e ligeiramente úmido da camisa dele fino o bastante para não esconder os traços elevados que ela traçava com seus dedos.

Ela queria tanto pergunta-lo sobre aquela marca que doía, mas todas as vezes que ela ia abrir sua boca para perguntar, seu coração começava a bater alto o bastante para abafar todos os outros sons, sua garganta ficava seca e ameaçava se fechar. Era uma chave para o passado, aquela marca terrível, mas era uma chave que sua mente não estava pronta para usar.

— Você pode me alcançar, me pegar, a qualquer momento. — Era um fato simples, o poder dele era vasto e ela não poderia ignorar isso, mesmo enquanto ela lutava por sua liberdade.

Seu próprio poder era tão vasto quanto o dele... mas tão irracional quanto sua decisão pudesse ser, ela não iria usá-lo em Kaleb. — Tudo que eu estou pedindo, — ela disse enquanto aquele repúdio silencioso cantava em seu sangue, — é que você me dê tempo para me tornar que eu deveria ser. — Ao invés dessa faceta fraturada. — Dói muito ser tão fraturada.

 

Kaleb havia passado sete anos procurando por ela com um foco implacável, e agora ela o pedia para libertá-la. Mais uma vez, o vazio, a parte dele que sabia que ele estava perigosamente desequilibrado, mantido sob controle por sua força de vontade, respondeu com uma negativa selvagem.

Minha. Ela é minha.

Ninguém mais tinha nenhum direito sobre ela.

Aquela parte desequilibrada, porém, também era insanamente protetora quando se tratava de Sahara, e já tinha aceitado que prendê-la seria o mesmo que machuca-la. Ele tinha que libertá-la. Sua gratidão, a parte manipuladora e racional da mente dele murmurou, serviria para reforçar esse novo elo entre eles. Ela já havia pedido pela ajuda dele — se ele jogasse corretamente, ela sempre o procuraria primeiro.

Quanto a sua segurança, NightStar era seguro o bastante. O Psy-Clã podia até trancar seus membros insanos, mas os prendia em ambientes serenos feitos para oferecer aos videntes fraturados qualidade de vida, completa com uma rotação de enfermeiros que significava que eles nunca ficavam perdidos na isolação e nunca corriam risco de se machucar. Anthony Kyriakus, o chefe do clã, entendia lealdade — nenhum NightStar, mesmo sua desertora mais famosa, havia sido publicamente exposta ou isolada. Sendo assim, o Silencio fraturado de Sahara seria notado dentro de casa e mantido escrupulosamente em segredo.

— Eu vou continuar mantendo meu escudo sobre você. — Seu próprio poder era enorme, mas assim como Tatiana havia descoberto, ele também tinha os recursos da NetMind e a DarkMind à sua disposição. — Ninguém será capaz de entrar na sua mente.

Sahara assentiu, seu perfil delicado contra as dunas ao fundo. Sozinha, desolada. De uma forma que ele não havia considerado, e uma forma que devia estar causando uma dor excruciante a ela. — Você está tendo problemas com a separação continua da PsyNet? — ele pergunto, consciente de que tirar seus escudos dela enquanto os dela estavam finos seria o mesmo que pintar um alvo em suas costas.

Pure Psy iria determina-la uma aberração em seu Silencio quebrado, e também havia outros predadores. Se, porém, a separação estivesse deixando sua mente faminta como a jaula de Tatiana havia deixado, ele simplesmente eliminaria qualquer um que fosse uma ameaça. Cedo o bastante, as pessoas iriam entender que tentar machucar Sahara era o mesmo que assinar sua sentença de morte.

— Não, — ela disse, brincando com a areia preta brilhante com a concentração de alguém que esteve isolado por mais de um milênio. —É mais seguro e mais saudável pra mim permanecer dentro dos seus escudos até que os meus estejam totalmente fortes. — Um sorriso direcionado a ele, um que mostrava uma ternura aberta e profunda. — E eu não estou sozinha - você está lá, mas você nunca entra, nunca pega o que não é seu.

Mesmo na parte mais escura de sua psique, a parte coberta em sangue e morte, ele se enojou perante a ideia de machucá-la. — Eu vou manter os escudos até que você me peça para retirá-los.

Sahara o observou com aqueles olhos de um azul meia noite, e ele se perguntou se ela conseguia ver os horrores que o formaram. Era melhor para ela que ela não visse. Algumas memórias não poderiam ser apagadas, algumas depravações muito doentias para esquecer. Kaleb tinha sobrevivido cortando sua capacidade de sentir pena e simpatia.

Sahara não faria aquela escolha, e as memórias a comeriam viva. — Não, — ele disse. — Você vai se arrepender.

— Eu nunca me arrependeria, — foi a resposta suave. — Nunca.

Alguma parte dela, ele pensou novamente, se lembrava da promessa que ela fez a ele uma noite antes que uma faca deslizasse sobre a pele dela e sangue manchasse a pele dele. E Sahara nunca havia quebrado uma promessa feita a ele. Foi ele quem fez isso, sua traição imperdoável.

Mantendo o contato visual, o olhar dela assombrosamente triste por ele, Sahara tocou a mandíbula dele em uma caricia suave, mas quando ela falou, foi para dizer, — Tatiana pode ter divido informações sobre mim com outras pessoas — outra razão para eu evitar a PsyNet por enquanto.

— Eu poderia leva-la até ela. — Submeter Tatiana ao poder do dom pelo qual ela mesma havia torturado Sahara tentando cultivar. — Você pode fazer o que quiser com ela.

— Eu nunca vou querer tocar aquela mulher de forma alguma, mesmo que mentalmente. Ela é má. — Palavras rápidas e cheias de repulsa. — Ela sempre falou comigo de forma fria e persuasiva, mas era ela quem dava as ordens que os guardas seguiam quando eles... — Ela se interrompeu com grande tristeza, sua voz grossa com lágrimas.

— Eu vou descobrir o que eles fizeram com você, — ele disse, sabendo que ela se interrompeu por causa dele, por causa do que ele fez com Tatiana e ao guarda que ousou entrar em sua casa com a intenção de levar Sahara. — Você me dizendo ou não.

Sahara firmou sua mandíbula, sua expressão não mais assombrada, mas implacável. — Eu não vou te empurrar ainda mais na escuridão.

Ele não disse a ela que era tarde demais, que era tarde demais desde a primeira vez que eles se encontraram. Porque Sahara não quis acreditar nele naquela época, e ela não iria querer acreditar nele agora. Era quem ela era, e ele era um homem que não tinha nenhuma restrição em cometer um assassinato quando era preciso.

Olhando para as ondas, ele disse. — Eu vou te levar para casa. — Ele ficou de pé e acessou seus bancos de memória para localizar uma imagem de uma semana atrás. Obtê-la foi simples — um truque mental que era natural para quase todos os telecinéticos — e uma imagem de um tronco de árvore com vários nós veio em sua mente um segundo depois.

— Espera, — ele disse para Sahara quando ela se levantou ativando sua habilidade, ele fez um teleporte de teste. Ele apareceu na escuridão da noite ao lado da árvore atrás da casa de Leon Kyriakus entre um pensamento e outro, a árvore grande o bastante para prover um esconderijo para um Tc que nunca deveria ter pisado um pé nessas terras. Mas ele havia pisado, e fazendo isso, ele alterou o curso da vida de Sahara, a colorindo com sofrimento e isolamento.

A casa bem conservada na borda com composto NightStar parecia silenciosa, mas uma luz estava acesa no cômodo que ele sabia ser o escritório de Leon.

Voltando para Sahara, ele disse, — Você está pronta? — enquanto o vazio dentro dele gritava contra o que ele estava prestes a fazer, a loucura ameaçando afoga-lo.

Uma respiração profunda antes dela pegar na mão dele. — Eu vou conseguir alcançar você? — A questão era silenciosa, sua mão apertando a dele.

— Quando você quiser. — Sua telepatia era forte, amplificaria as habilidades dela e permitiria que eles se falassem. — Se você se sentir ameaçada em qualquer momento, me ligue. Eu virei. — Ele sempre viria quando ela chamasse.

Sentindo uma incerteza inesperada, ela engoliu seco antes de falar. — E se meu clã me deserdar por causa do meu Silencio imperfeito?

— Eles não deserdaram Faith, e é bem improvável que eles fariam isso com um membro da família pelo qual eles estiveram procurando nos últimos sete anos. — Quando a respiração dela se alterou, ele disse, — Um única palavra e eu te tiro daqui. — Manter distancia era o que ainda se provaria uma dificuldade.

Seu coração batendo freneticamente em sua garganta, ela assentiu. —Vamos lá.

Ele se teleportou com a pequena mão dela em torno da dele, a conexão fazendo com que suas terminações nervosas já frágeis sangrassem. Embora ele planejasse usar o sexo para ligar Sahara a ele, ele não havia percebido o brutal impacto do contato intimo — de qualquer contato prolongado — teria sobre ele quando era a pele da Sahara que deslizava contra a dele, Sahara que tinha um sabor que era como uma droga em seu sistema. Para qualquer outra pessoa, ele pareceria estável como sempre. Ele não estava. E aquilo poderia ser devastador quando envolvido com o nível de poder de Kaleb.

Os dedos de Sahara se flexionaram na mão dele, causando outra ruptura, outro disparate na dissonância que ele havia iniciado. — Eu nunca pensei em checar se ele ainda mora aqui. Essa unidade é para um pai ou mãe e uma criança, não um homem sozinho.

— Ele mora. — Kaleb sabia que Leon Kyriakus nunca deixou de esperar que sua filha única voltasse para casa. Ele não parou por um tempo adequado e depois organizou outro contrato de fertilização e concepção para substituir seu legado genético. Ele não desfez o quarto dela e jogou seus pertences fora. E ele nem sequer parou de procurar por ela.

Sem nenhuma experiência de lealdade parental, Kaleb precisou de anos para aceitar que Leon nunca desistiria de sua filha — e ele certamente nunca a entregaria para Kaleb, se fosse Leon quem a encontrasse primeiro. Não sem uma luta sangrenta. Tal fidelidade era algo que Kaleb respeitava, e ele tinha a intenção de deixar Leon ver sua filha — depois que ela estivesse ligada a Kaleb de uma forma que não poderia ser erradicada por nenhuma força na Terra.

A única coisa que ele não havia calculado em sua estratégia era que Sahara era a maior e mais profunda falha em seu condicionamento. Ele faria por ela coisas que não faria por ninguém mais, mas enquanto ele esvaziaria o céu por ela para que ela pudesse esticar suas asas e voar, ele não a libertaria. Ela pertencia a ele, sempre pertenceria a ele. — Seu pai, — ele adicionou, — deixa uma chave eletrônica para você no pequeno espaço embaixo do último degrau.

Com umidade no azul profundo dos olhos que ele esperou sete longos anos para ver novamente, Sahara deu um passo em direção à casa, parou. — Você não vai me deixar ainda, não é?

Ele deu um passo a frente em forma de resposta.

 

Quando Sahara ergueu sua mão para bater na porta, porém, a palma de Kaleb desfez o contato com a dela. Ela se sentiu estonteantemente sem chão, seu coração doendo com uma sensação de perda além das proporções do ato, mas ela sabia que ele fez a escolha certa. Seu pai estava prestes a achar sua filha sequestrada em sua porta. Quaisquer fontes adicionais de stress seriam insustentáveis.

Um som de dentro da casa fez seu coração querer sair pela boca. Kaleb.

Ligue e eu venho. Sempre.

A porta se abriu para derramar luz dourada em seus pés, no rastro de uma promessa que parecia gravada em pedra, o homem do outro lado tão alto e largo quanto em sua memória—seu pai nunca teve o corpo típico dos Psy. Ele parecia mais como os antigos lenhadores que ela viu na televisão uma vez, seu rosto quadrado, e seu cabelo um ruivo escuro... embora agora tivesse mais que algumas mechas de prata.

Novas, também, eram as profundas marcas que marcavam os lados de sua boca e se espalhavam dos cantos de seus olhos. Aqueles olhos eram idênticos aos dela, um acidente genético que fazia sua conexão familiar óbvia. Enquanto ela olhava nos olhos dele, sua garganta tampada, ela esperava ver um pouco de confusão. Havia se passado sete anos, afinal de contas, e ela não parecia mais a menina que era quando tinha dezesseis anos.

— Sahara. — Reconhecimento antes que ele a puxasse para seus braços, segurando-a tão apertado que ela não conseguia respirar. Seu coração se partiu de amor. Não, ela não seria deserdada, não por esse homem que a abraçava como se ela fosse um tesouro, o cheiro dele uma mistura da clínica onde ele tratava as crianças do clã e o café roubado que ele bebia em segredo.

Era o cheiro de casa.

— É você. — Com a voz rouca, ele relaxou seu aperto o bastante para que pudesse olhar o rosto dela. — É você.

— Olá, Pai. — Ela deixou as lágrimas caírem, o nó a sufocando, fazendo sua voz soar quase que sem som. — Eu não sou a mesma de antes.

— Você está em casa. Isso é tudo que importa. E seu pai, — ele murmurou, um brilho nos olhos dele, — não é o mesmo de antes, também. Perder uma filha altera um homem de jeitos que não podem ser desfeitos.

Lágrimas se transformando em soluços, ela se agarrou a ele, como não pôde se agarrar nos anos para sempre perdidos. Ela não sabia quanto tempo eles ficaram ali, mas quando ele a puxou para dentro de casa, Sahara se virou para dizer adeus a Kaleb... exceto que a noite estava desolada e solitária como se o telecinético mortal que a trouxe para casa nunca tivesse existido.

 

                             Capítulo 20

Aden estava em Veneza, tendo completado uma discussão com o líder da célula Arrow rebelde na cidade, quando o celular dele tocou com uma chamada de Kaleb Krychek.

— Que progresso você fez em descobrir a identidade do indivíduo por trás do vazamento em Perth? — Kaleb perguntou, e era uma questão que Aden esperava receber mais cedo. Porém, além de sua ajuda no resgate recente, Kaleb esteve incaracteristicamente quieto nos últimos dois meses.

— Progresso considerável, — Aden respondeu, pensando em todos os espiões dos Arrow que o Tc cardeal despistou nesses meses enquanto ele entrava e saía de partes distantes da PsyNet. — O nome dele é Allan Dawes e trinta e seis horas atrás, quando nós estávamos o cercando, ele desaparecer de sua vida física e da PsyNet. É certo que ele está sendo escondido por telepatas com um treinamento mais avançado dentro do Pure Psy. — Isso não salvaria o homem de meia idade, simplesmente atrasaria o inevitável.

A resposta de Kaleb deixou claro que ele tinha a mesma expectativa. —Estou mudando minha ordem anterior. Traga-o para mim. Eu quero ter uma discussão pessoal com Sr. Dawes.

— Eu organizarei a transferência quando ele estiver sob a custodia do esquadrão. — Desligando, Aden repassou o pedido para seu companheiro.

— Você acha que Kaleb pode estar trabalhando com o Pure Psy, — Vasic disse, seus olhos no canal não distante deles, a água como um espelho quebrado, resultado da chuva matutina que caía forte.

Protegido da chuva pelo beiral do prédio onde eles estavam, Aden guardou seu celular. — Krychek é guiado por poder, — ele disse, pois nunca tivera ilusões sobre as motivações do outro homem. — Se Pure Psy tiver sucesso em desestabilizar totalmente a estrutura de poder atual, isso irá deixar um vazio consumidor que somente Krychek será forte o bastante para preencher.

— Mas então, — Aden apontou, — ele teria que lutar para segurar sua posição. Muito melhor chegar à liderança como um salvador, um herói.

Vasic assentiu. — Nós o observamos. Mesmo um cardeal duplo pode ser assassinado se isso se provar necessário.

Aden sabia que se essa decisão fosse tomada algum dia, eles só teriam uma oportunidade de pegar Kaleb desprevenido. Falha significaria morte para todo o esquadrão. — Nós o observamos, — ele concordou enquanto a chuva batia no chão em seus pés, espirrando gotículas em suas botas de combate regulares.

 

                            Capítulo 21

Sahara não poderia ter voltado em um momento melhor.

Dormir estava fora de questão para os dois naquela noite, ambos incapazes de deixar o outro sair de sua vista.

— Eu tenho uma folga programada hoje no centro médico, — seu pai disse a ela na manhã seguinte. — Ninguém vai vir me procurar.

Concordando silenciosamente, eles ficaram dentro de casa, adiando o momento em que teriam que falar com Anthony — seu tio paterno e líder do NightStar. Embora eles discutissem vários assuntos, seu pai não perguntou coisas invasivas, não a fez falar sobre coisas que ela não queria falar.

Ele simplesmente estava feliz por tê-la em casa.

Eles falaram sobre família, e as mudanças no mundo que fizeram o clã impor chocantes novos protocolos quando se tratava da perturbada e talentosa designação P. — A deserção de Faith nos ensinou que nós estávamos errados em seguir as regras nos dadas após a inserção do Silêncio.

Voz sóbria, ele tomou um gole da bebida de nutriente que havia feito para os dois. — Como um médico, eu genuinamente acredito que as ações que nós tomamos abaixaram os riscos de degradação mental para os Ps. Anthony também acredita. É por isso que nós permitimos que Faith fosse treinada como foi. Descobrir que nós poderíamos estar dirigindo-a, dirigindo todos os Ps em direção à loucura que pretendíamos evitar... balançou as fundações da nossa família.

Sahara confiava em seu pai nisso de uma forma que ela não confiava em mais ninguém — ele era um verdadeiro curandeiro de coração, havia há muito tempo atrás adotado o juramento humano de “primeiro não fazer mal”, a placa com o voto completo pendurada no escritório dele. — Eu perdi tanto, — ela disse, raiva borbulhando em seu sangue. — Tive tanto roubado de mim.

— Você tem uma vida pela frente, — seu pai disse, pegando na mão dela. —Você também tem um pai, e um PsyClã que vai te apoiar pelo caminho.

Seu pai, ela percebeu, olhando a pele cor de creme cheia de sardas da pele dele contra a dela, sempre fez contato casual com ela, especialmente depois da descoberta da habilidade secreta dela. Nunca ele a tratou como uma leprosa, e fazendo isso, ele a ajudou a manter seu senso de humanidade. Kaleb, também, ela percebeu com uma sensação de maravilha, nunca repudiou seu toque, embora ele sempre parecesse ciente do risco que ela posava.

— Não. Você vai se arrepender.

— Eu nunca me arrependeria.

Sua resposta não havia mudado, nunca mudaria, mas examinada na fria luz do dia, a fúria emocional não adulterada de sua recusa era um mistério. Nem sequer uma vez — nenhuma — ela se sentiu tentada a usar sua habilidade contra ele, embora isso fosse ter alterado o equilíbrio do poder. Mesmo a ideia de fazer isso a fazia se sentir nauseada.

— Suas memórias, — seu pai disse, cortando sua reação visceral. — Quão danificadas elas estão? Há telepatas médicos que podem ser...

— Não, — ela interrompeu. — Eu não quero ninguém dentro da minha cabeça. — Quando seu pai assentiu, compreendendo, ela adicionou, — E eu tenho quase tudo. — Era uma mentira, mas como ela poderia dizer a ele que a maior e mais importante parte estava sumida?

Uma parte chamada Kaleb.

Horas se passaram antes que eles finalmente cedessem. Entrando em seu quarto, Sahara encontrou uma caixa de roupas que Kaleb claramente havia teleportado para lá, junto com um celular com seu número.

— Obrigada, — ela sussurrou.

Vestindo uma camiseta folgada que estava no topo da caixa, ela se deitou em sua velha cama. Seu sono foi sem sonhos, e ela acordou na manhã seguinte pronta para encarar o clã. Assim que ela e seu pai haviam tomado café da manhã, eles foram para o escritório de Anthony. O composto central NightStar, as casas construídas para se misturar com seus arredores, tinham sempre áreas maiores de um espaço aberto e verde que em complexos Psy, mas aquelas áreas haviam sido expandidas mais ainda durante seu encarceramento, várias árvores frondosas provendo sombras durante o caminho.

Olhos se arregalaram quando pousaram nela, o choque muito grande para suprimir, mas ninguém tentou interromper o progresso deles. Quando eles chegaram no escritório, a assistente de Anthony, uma mulher mais velha que Sahara reconhecia antes de ser sequestrada, os deixou entrar sem perguntas. O líder do PsyClã, cabelo preto grisalho nas têmporas, caminhou ao redor de sua mesa quando eles entraram, seu olhar direto, fixo.

— Leon. — Um aceno para reconhecer seu meio irmão mais novo antes que ele voltasse sua atenção a ela. — Sahara. Você parece bem.

Sim, ela estava bem. Graças aos cuidados do cardeal mais fatal do planeta, seu rosto não estava chupado, seu corpo magro, mas saudável. Ela sabia, porém, que sua saúde física não estava no topo da lista de prioridades de Anthony. — Eu não sei, — ela disse, — se meu libertador colocou alguma tendência traiçoeira em mim, mas eu acredito que não. — Kaleb não precisava controla-la dessa forma. — Minha habilidade significa que eu estaria ciente de quaisquer tentativas de coerção mental.

—O seu libertador tem um nome?

Ela disse a ele, tendo informado seu pai anteriormente.

— Entendo. — Voltando para trás da mesa, Anthony retomou seu assento acenando para que eles fizessem o mesmo. — De acordo com a PsyNet você não existe.

— Bom. — Foi a resposta implacável de seu pai. — Isso quer dizer que ela está segura de novas tentativas de abdução, mesmo se é Kaleb quem a está protegendo.

— Concordo. — Anthony se inclinou contra o encosto de sua cadeira. Você sabe a identidade do indivíduo ou indivíduos por trás de seu sequestro?

Sahara não havia discutido isso com Kaleb, mas não via nenhuma razão para ele querer manter a verdade em segredo — e era a verdade, daquilo ela não tinha duvidas. Kaleb não mentia para ela. — Tatiana Rika-Smythe.

Nenhuma surpresa na expressão de Anthony, nada além da inteligência penetrante de um homem que era líder de uma das famílias mais influenciais da Net. — Kaleb mencionou por que ele a resgatou?

Sahara hesitou... e então ela mentiu. — Era um desafio, e NightStar agora deve um favor significante a ele. — O que havia entre ela e Kaleb era entre ela e Kaleb. Ela não deixaria ninguém mais interferir no relacionamento apaixonado formado de memórias escondidas e o bracelete que ela usava escondido sob a camisa branca que usava, funcionando como um talismã de força de um homem que poderia ser sua maior e mais profunda fraqueza. — O custo psíquico do exercício, ele decidiu, valeria a pena pelo ganho.

Pelo modo que os olhos marrons de Anthony permaneceram nela, ele sabia que ela estava escondendo alguma coisa, mas Sahara não se abalou. Segredo, a garota que ela foi um dia sussurrou. Segredo.

— O beneficio secundário de sua falta de visibilidade na Net, — Anthony disse no silencio pesado, — é que seu Silêncio fraturado permanece escondido dos grupos pró-Silêncio.

Dedos tremendo, ela agarrou os braços de sua cadeira. — Você está planejando me fazer passar por um programa de recondicionamento? — Ninguém nunca mais iria tentar moldar sua mente ao gosto deles, e se isso era o que Anthony planejava, ela tinha que saber.

— Não. — O olhar de seu pai se trancou com o de seu meio irmão, sua lealdade clara. — Ninguém toca a mente de Sahara.

A resposta de Anthony foi um calmo — Sim. É tarde demais para isso, — mas os olhos dele continuaram a observa-la. — Kaleb pode não ter tentado hackear sua mente; porém, Tatiana te manteve por um período estendido. Quão certa você está de que não foi comprometida?

— Absolutamente certa, — Sahara disse sem hesitar, consciente de que Anthony continuaria a observá-la de qualquer forma. Era parte do mandado dele como líder do PsyClã e ela não tinha ressentimentos quanto a isso. Ela também sabia que ele não encontraria nada preocupante — mesmo antes do labirinto se tornar uma barreira de caos que Tatiana não conseguia navegar, as proteções naturais e únicas de Sahara agiam como um firewall contra quaisquer tentativas de manipulação mental.

— É por isso, — Sahara disse, seu estomago se torcendo, — que Tatiana recorreu a métodos nada sutis, como rasgar meus escudos para deixar meus pensamentos expostos e infligir tortura física. — Neste ponto, Sahara criou o labirinto; isso havia não somente a ajudado a proteger seus segredos e senso de humanidade quando sua mente foi rasgada, a havia dado um lugar para ir onde nada doía, anulando o risco de que ela quebraria sob a tortura física e psíquica, cooperando, simplesmente para evitar a dor.

— Você está certa, — Anthony disse, para surpresa dela. — Tatiana nunca usa força aberta se ela puder utilizar uma minhoca telepática ou outros métodos similares. — Pausando por um momento, ele adicionou, — Você está segura dentro da família quanto ao seu Silêncio fraturado. Quanto ao restante do mundo, eu sugeriria cuidado. Aprenda a fingir e finja bem. — As palavras eram friamente práticas, a mensagem inesperada independentemente do que ela havia aprendido sobre os eventos que moldaram o clã nos anos desde que ela sentou nesse escritório pela ultima vez.

— Mais uma coisa, Sahara, — Anthony disse quando ela estava saindo uma hora depois, — Kaleb pode ter te resgatado, mas não cometa o erro de confiar nele. Ele nunca fez um ato altruísta na vida dele — e ele é mais que manipulador o bastante para te libertar como parte de uma estratégia para conquistar sua liberdade.

Não ditas foram as palavras que a pessoa que tivesse a lealdade de Sahara também teria acesso à sua habilidade: uma habilidade tão silenciosa e tão aterrorizante que ninguém e nada poderia ficar em seu caminho, e ainda assim, uma habilidade que não deixava rastros. Nenhum corpo, raiva ou faíscas de rebelião. A arma perfeita para um homem que queria tomar o controle da Net.

 

Anthony passou vários minutos considerando seu próximo movimento depois que a porta se fechou atrás de Leon e Sahara. Embora ele tivesse se juntado às buscas por sua sobrinha em várias ocasiões conforme o possível, a ultima vez sendo dois meses atrás, ele sabia que as chances de localiza-la eram baixas. Ela era de muito valor para seus sequestradores agirem sem cautela com ela.

Agora não somente ela havia sido encontrada, mas devolvida. Apesar do aviso que Anthony deu à Sahara, era quase certo que Kaleb não tivesse entendido o poder que tinha em suas mãos, ou ele nunca a teria entregado. Diferente de Nikita, porém, Anthony havia aprendido a não associar motivos ao cardeal Tc que não pudessem ser apoiados por fatos frios e duros. Kaleb jogava jogos políticos com a habilidade e facilidade de um homem que havia se treinado para aquela posição muito antes de ser um adulto.

No fim das contas, a única escolha possível era abrir uma linha de dialogo e ver se ele conseguia descobrir a verdadeira razão por trás das ações do outro homem. Uma coisa era categórica — não era porque rastreá-la era um desafio que Kaleb havia começado a caçar Sahara em primeiro lugar. Um homem com o desejo de poder de Kaleb não desperdiçava suas energias.

Digitando o código do outro homem no comunicador, ele esperou.

O rosto de Kaleb apareceu na tela quase imediatamente, a parede de vidro atrás dele mostrando uma vista de Moscou que Anthony havia visto em várias ocasiões. Os distintos domos em formato de cebola da catedral à distancia brilhavam nas luzes colocadas para destacar a estrutura, a noite de Moscou embaçada com o que parecia ser uma chuva fraca. — Anthony, eu estava esperando sua ligação.

— Parece que eu te devo um agradecimento por devolver um membro do meu clã. — Anthony preferia não dever a ninguém, e quando se tratava de Kaleb Krychek, a obrigação é uma que ele queria paga o mais rápido possível. —NightStar deseja pagar a divida.

— Eu assumo que você saiba de quem eu libertei Sahara? — o Tc cardeal disse ao invés de fazer uma exigência.

Anthony assentiu. — O clã irá cuidar desse assunto. — Tatiana era muito boa em se esconder quando ela não queria ser encontrada, mas NightStar iria destruir o que importava mais para ela — dinheiro, poder, status — sem sequer encostar um dedo nela. — Morte nem sempre é a melhor punição. — Era rápido demais, acabava cedo demais — e Tatiana havia roubado mais que sete anos de não só uma vida, mas duas; Leon nunca mais foi o mesmo depois do desaparecimento de sua filha. E Sahara era uma criança Kyriakus, uma NightStar. Nada e nem ninguém podia machucar a família de Anthony e sair sem sequer um arranhão.

— Sobre isso, eu não tenho objeções, — Kaleb disse, sua expressão uma parede cinza de Silencio. — Porém, você deveria saber que Tatiana não é mais uma ameaça para Sahara. Eu tinha certos... assuntos próprios para discutir com ela.

— Entendo. — Mesmo que Tatiana estivesse morta ou fora da jogada, isso não mudava o fato de que Anthony destruiria o império dela, despedaçando e a humilhando publicamente no processo. NightStar sempre foi um poder quieto; era hora de a Net aprender exatamente até onde eles iriam para proteger e vingar os seus. — Sua discussão foi produtiva?

Kaleb angulou sua cabeça em um incomum momento de distração. — Eu peço desculpas, — ele disse quando seu olhar voltou para Anthony. — Eu acabei de receber um relatório dos Arrows que pode te interessar.

— Perth ou Copenhagen?

— Perth. O conspirador por trás do vazamento fatal de informação, previamente identificado como Allan Dawes, foi rastreado na Argentina. Sua recuperação é esperada dentro das próximas quarenta e oito horas.

— E então?

— Ele irá se tornar um exemplo para os outros que acreditam que ajudar o Pure Psy de qualquer forma é uma boa jogada.

Anthony não se surpreendeu com a resposta dada a sangue frio. Ele viu a carnificina em Perth, havia assistido uma gravação de sua filha convulsionar pela força viciante de suas visões minutos antes do primeiro incêndio. A visão de Faith foi especifica o bastante para que eles pudessem avisar a cidade, salvando inúmeras vidas, mas eles não foram rápidos o bastante para salvar todos, e ele sabia que as perdas que houveram deixaram Faith perturbada.

— Nós devemos, — ele disse, — ter cuidado para não transformar os rebeldes em mártires.

— Você acha que esse pode ser o plano de Vasquez — solidificar o senso de alienação e medo que torna sua participação no Pure Psy retórica? — Kaleb se inclinou em sua cadeira, sua atenção focada na tela. — Eu assumo que você sabe sobre ele.

Anthony assentiu, o nome de um homem anônimo, se o leme do Pure Psy não tivesse chegado a ele através de sua imensa lista de contatos na rede. — Ele é extremamente inteligente, e dessa forma, nós faríamos o trabalho por ele.

Kaleb considerou isso. — Você está certo — pode não valer a pena tornar essa execução publica. Eu vou lidar com isso silenciosamente. O desaparecimento dele irá passar a mesma mensagem.

Anthony pensou em tudo mais com que Kaleb esteve “lidando” ultimamente e sabia que o cardeal era muito, muito mais perigoso que Vasquez poderia ser, mas nesse momento, ele tinha que trabalhar com Kaleb. Porque o outro homem ainda não havia se tornado um assassino na mesma escala do Pure Psy... embora as suspeitas de Anthony nesse aspecto estivessem começando a crescer.

Ele esteve, por exemplo, simplesmente sido enganado quanto ao assunto de Allan Dawes? Era possível que Kaleb nunca tivesse planejado executar o homem, mas agora ele havia feito Anthony um cumplice em sua decisão. —Se você requer assistência no assunto de Dawes, — ele disse, suas reservas sobre o possível envolvimento de Kaleb com Pure Psy ainda não criticas. — NightStar está preparado para ajudar.

Kaleb inclinou sua cabeça em uma aceitação silenciosa. — Você entende que isso não paga a divida quanto a Sahara Kyriakus.

— É claro.

— Eu prefiro tê-lo como um aliado, — Kaleb disse, — então não há motivos para pensar que eu irei pedir algo impossível. Nesse estágio, tudo que eu quero é apoio público.

— Você quer que NightStar apoie sua oferta de tomar controle da Net?

— Considere as alternativas, Anthony. — Kaleb continuou a falar no mesmo tom que ele sempre usava, frio e composto. — Ou Pure Psy rasga a Net ou nossos antigos companheiros Conselheiros tentam implantar feudos enquanto lutam para eliminar uns aos outros e a nós. As guerras resultantes irão devastar a nossa raça.

Anthony sabia que era verdade. O que Kaleb não estava dizendo era que ninguém sabia o que o cardeal faria com a Net uma vez que ele a tivesse em suas mãos. — Eu não posso te apoiar com os fatos atuais, — ele respondeu. — Eu não irei, porém, fazer nenhum movimento aberta contra você antes de te dar um aviso primeiro. — Era uma enorme concessão.

O Tc do outro lado do comunicador deu um pequeno aceno com a cabeça antes de desligar. Era um resultado muito mais fácil do que Anthony havia esperado e isso o fazia ser muito mais cuidadoso quanto aos motivos de Kaleb. O problema era, Kaleb Krychek era o individuo mais opaco da Net. Os videntes de Anthony, quando instruídos para focar no cardeal telecinético, viam somente uma escuridão viva e destrutiva.

— Nada, — uma P-Psy sussurrou, se arrepiando tanto que seus dentes batiam. — Quando eu olho o futuro com Krychek como foco, tudo que eu vejo é a morte... de tudo.

 

FAROL DA PSYNET: EDIÇÃO ATUAL

CARTAS AO EDITOR

Carta Favorita

Eu me refiro à discussão viral secreta apresentada na edição anterior do Farol, a respeito da viabilidade futura do Protocolo Silencio.

Eu acredito que o fato de que tais discussões foram capazes de acontecer—e continuar acontecendo—, sem as mentes dos indivíduos envolvidos serem desligadas pelas aplicações dos controles de dor embutidos, fala dos problemas críticos na integridade estrutural do Protocolo. Mesmo dois anos atrás, tal tópico teria sido abafado antes mesmo de crescer ao ponto que estivesse circulando em torno do globo terrestre em salas de bate papo clandestinas e em discussões pessoais.

Enquanto a doutrina do Pure Psy é fanática ao extremo, escondido em sua retórica pode estar um ponto crítico: que essa liberdade não é necessariamente um fato a se celebrar. Nossa raça escolheu o Silêncio porque nossas mentes se inclinam em direção à insanidade e violência sem tais restrições.

Cem anos atrás, nós estávamos perante a total aniquilação, nossos jovens assassinados na casa dos milharem por outro Psy, enquanto centenas de milhares mais afundavam nos mundos fraturados criados por suas mentes quebradas. Nós éramos mais violentos que os changeling, cuja fisicalidade nós agora acreditamos que os tornam uma raça inferior, e mais viciosos que os humanos que consideramos nossos inferiores.

Ainda assim mais uma vez, é a nossa raça “superior” que está frente à um cataclismo.

Eu, pessoalmente não quero viver no mundo do passado, mas não pode ser negado que o Silêncio perdeu seu poder nos últimos dez anos. Alguns sussurram que nunca foi tão efetivo quanto o Conselho nos fez acreditar, que os membros desertores da população eram simplesmente eliminados antes de se tornarem um problema. Outros, como nós vimos, estão dispostos a cometer assassinatos para nos Silenciar.

Quem está certo? Quem está errado? Eu não tenho respostas—tudo que eu sei é que nós estamos em uma encruzilhada. As decisões que faremos irão nos salvar, ou nos destruir.

Professor Eric Tuivala

Antropologista

(Nova Zelândia)

 

                                     Capítulo 22

Sahara se sentou na estreita cama de solteiro que era dela, incapaz de pegar no sono como na noite anterior. Empurrando os lençóis, ela foi até a janela para encarar a paisagem dos jardins abaixo, as lâminas de grama beijadas de prata pela luz da lua. Ela se sentiu desconectada, fora de sincronia com o mundo... como se esse fosse um sonho criado nas profundezas do labirinto, seu corpo preso no inferno onde ela passou tantos anos.

Era uma certeza que ela estava sendo tola em sua recusa em falar com um Psy-Med especialista, mas mesmo agora, com seus sentidos confusos e sua mente lutando para se segurar nesse mundo, seu medo de violação mental era pior que seu medo da loucura. Pressionando seus dedos contra o vidro, ela tentou usar a frieza macia como uma âncora, mas o vidro se derreteu sob seus dedos, o mundo girando de lado em uma mancha prata e preta, enquanto sua consciência tentava descobrir como se segurar à realidade e falhava.

Lutando para recuperar a razão, ela encontrou um fio de esperança na memória de um homem que a prometeu que ele sempre viria quando ela chamasse. Kaleb. Eu preciso de você. Ela sabia sem sombra de dúvidas que a realidade não iria fragmentar com ele aqui. Ele era uma força muito poderosa, falando com partes dela que ela não sabia que existia até que ele estivesse na sala.

Ele estava ao lado dela um instante depois, vestido em uma calça social preta e uma camisa branca, sem gravata, com a gola aberta para expor a forte coluna de seu pescoço. As abotoaduras no pulso dele brilharam na luz da lua quando ele deslizou suas mãos em seus bolsos, e o mundo se endireitou, somente para que ela pudesse recuperar seu folego, seu corpo reconhecendo o dele.

— Por que você está acordada? — ele perguntou.

Embora ele não a estivesse tocando, o calor dele a marcava através da camiseta que ela usava sobre sua calça de moletom cinza. — Eu precisava fazer algo, — ela disse, lutando para explicar a frustração que a tornava incapaz de dormir.

— Eu sei que eu não estou funcional o bastante para sair no mundo, mas eu sinto como se minha pele fosse explodir se eu só ficar aqui. — Tremendo com a ferocidade da raiva e o desamparo dentro dela, ela cruzou os centímetros entre eles e começou a desabotoar a camisa dele, sua pele febril. Se ela se afogasse em sensação, em Kaleb, aquilo iria segurar as outras emoções. Nada mais existia quando...

— Sahara. — As mãos de Kaleb se fecharam sobre os pulsos dela. —Coloque roupas adequadas à temperaturas em elevações mais altas, — ele disse, olhos negros como piche. — Eu volto em cinco minutos.

Sahara não parou para pensar, para considerar o fato de que ela estava prestes a sair na escuridão com um homem que era a escuridão. Ela simplesmente se despiu, vestiu calças jeans, uma blusa de angorá, e um suéter pesado de zíper. Vestindo meias, ela havia acabado de amarrar seus tênis quando Kaleb reapareceu.

Ele havia colocado uma calça cargo preta e uma camiseta preta, seus pés em botas gastas que pareciam usadas. Olhando-a de cima a baixo, ele assentiu — e então eles não estavam mais no quarto dela, mas no pé de um rochedo sob uma imensa lua prateada que jogava luz sobre os abetos que espelhavam um mar verde escuro em todas as direções, majestoso contra um fundo de montanhas com os topos cobertos de neve, familiares para qualquer um nessa região. —Nós estamos na Sierra Nevada. — Território dos lobos changeling.

— Sim. Nós vamos permanecer na sombra de um satélite contanto que não ultrapassemos a linha das árvores.

— As patrulhas? — O clã SnowDancer era conhecido por matar os intrusos primeiro e fazer as perguntas para os cadáveres.

— Eu estou Escaneando as mentes nas proximidades, mas os lobos raramente patrulham essa seção — não há para onde ir desse ponto onde sentinelas não irão ver um intruso.

Meias, luvas. Couro. Para proteger as palmas dela da pedra. Alegria pulsando em suas veias, ela vestiu as luvas, e então foi até a face rochosa, pegou no primeiro apoio, e começou a escalar. Finalmente, finalmente ela se sentia viva novamente!

O vento estava silencioso e gentil contra seu rosto, a rocha dura sob seus dedos, o frio ar noturno tão lindo e puro que quase doía. Respirando-o, ela encontrou outro apoio, e então ouro, e quando seu pé escorregou, ela disse, —Não! — para parar a ajuda de Kaleb, e se tirou da situação sozinha.

Coração batendo e suor escorrendo em seu rosto, ela precisou de mais de uma hora para escalar um pequeno incremento da montanha, mas ela riu em uma felicidade pura quando se sentou em um pequeno beiral. — Meus braços estão doendo!

Kaleb olhou para ela do pé da montanha. É preciso prática.

Enquanto ela observava, ele começou a escalar, seu corpo se movendo com tal fluidez que ela não conseguia separar um movimento do outro. Ela sabia sem perguntar que ele não estava usando sua telecinese — Tcs eram geralmente fisicamente preparados, um efeito colateral conhecido de sua habilidade. Mas Kaleb era melhor que preparado. Ele escalou com uma graça selvagem que hipnotizava.

Estonteada com a beleza letal dele, ela observou em silencio até que ele estava quase fora de sua linha de visão. Volte. Ela estava assustada, embora ela soubesse que ele era um Tc, nunca morreria numa queda. Mas o medo, era tão profundo que agarrava seus dedos ossudos em torno de seu coração e apertava. Como se ela o tivesse visto cair uma vez, sabia que ele seria machucado. Kaleb, eu não consigo te ver.

Ele reapareceu segundos depois, voltando com a mesma graça hipnótica. Parando ao lado dela, ele abraçou a rocha com uma só mão, seu pé em um beiral minúsculo, os músculos de seu braço fortes e definidos. Com sua mão livre, ele bebeu de uma garrafa de agua que estava em outro bolso antes de passa-la para ela.

Ela bebeu... e as teias de aranha caíram de sua memoria da primeira noite que ela passou com ele. Ele deu água para ela naquele dia, também. — Eu estava tão mal? — ela perguntou. — Você disse que eu cheirava como um chiqueiro. — O pensamento a envergonhava agora, diferente de antes.

— Eu estava tentando incitar uma resposta. — Pegando a garrafa com aquela resposta, ele estendeu uma mão. — Você consegue escalar de volta?

Sahara considerou o estado gelatinoso de seus membros e se forçou a ser realista. — Eu acho que não. — Um segundo depois, ela se encontrou no chão.

Deitada de costas na grama macia, ela o viu escalar de volta para pousar em seus pés ao lado dela, forte e musculoso e perigoso. Quando ele se virou e encontrou o olhar dela, suas coxas se apertaram, um lençol de suor se espalhou sobre sua pele, e não tinha nada a ver com a escalada e tudo a ver com a fome que não era mais o desespero que ela sentiu em seu quarto, mas uma dor mais quente e mais profunda.

Fazia tanto tempo.

Respiração curta, ela partiu seus lábios. — Kaleb.

 

Kaleb pretendia manter distância de Sahara até que ele estivesse completamente certo de que seus escudos eram adamantinos. Exceto que agora ela olhava para ele com desejo e com bochechas coradas, seu peito erguendo e caindo em um ritmo rápido, e era como a chamada de uma sereia para seu corpo. Ela não tinha compreensão do poder que ela tinha, não entendia que quando ele dizia a ela que ele alinharia as ruas com corpos por ela, ele estava sendo verdadeiro.

Em se tratando de Sahara Kyriakus, ele era uma arma que ela podia apontar para qualquer direção que ela quisesse. Não havia nada que ele não faria por ela... exceto libertá-la.

— Kaleb, — ela sussurrou novamente. — Eu senti sua falta.

Ele cedeu.

Segurando os pulsos dela quando se deitou sobre ela, ele os segurou sobre a cabeça dela. — Você não pode me tocar. — Os dedos dela se curvaram com sua ordem falada baixa, mas não havia pânico, seus lábios macios sob a dura exigência da boca dele, suas coxas se abrindo para recebê-lo.

Mesmo esbelta como ela ainda estava, não havia duvidas da feminilidade dela. Curvas gentis sob sua mão livre, seus seios esmagados contra o peito dele, lábios cheios e úmidos. Até Sahara, ele não entendia por que homens matavam para possuir uma mulher. Agora, a fúria disso era um fogo negro em seu sangue, um inferno mortal que envolveria o mundo se alguém ousasse tirá-la dele novamente.

Quando ela começou a se mexer sob o peso dele, ele apertou os ossos delicados dos pulsos dela antes que ele pudesse reinar a resposta violentamente possessiva. Abrindo sua mão um segundo depois, ele esperou pelo próximo movimento dela. Se fosse uma rejeição, ele daria todas as indicações de aceitá-la, e então armou sua próxima jogada — Sahara era tão fisicamente suscetível a ele quanto ele a ela, e era uma vantagem que ele usaria sem hesitação.

— Estou com muito calor. — Com essa reclamação, ela estendeu a mão entre eles para abrir seu suéter e girou para tira-lo. Isso a deixou vestida em somente uma fina porém quente blusa branca que abraçava as curvas dos seios dela, a curva de sua cintura.

— Não, — ele disse quando ela ia colocar suas mão nele. — Nós não queremos essa montanha desmoronando sobre nós.

Deitando seus braços na grama verde, os olhos de Sahara foram até o imenso pedaço de pedra nas costas dele. — Você não está exagerando, está?

— Não. — Ele não precisava exagerar.

Um movimento sutil da garganta dela quando ela engoliu. Ele o seguiu com seu olhar, ciente de sua pulsação acelerando, assim como sua respiração. —Eu vou manter minhas mãos para mim mesma, — ela prometeu, voz rouca. —Mas você não pode olhar pra mim assim.

Segurando o rosto dela em uma resposta silenciosa, ele se apoiou com seu braço livre ao lado da cabeça dela, e então ele marcou a boca dela com a dele. Você é minha. Era uma afirmação telepática através do canal privado que havia se formado anos atrás. Minha para tocar. Minha para olhar. Minha. Soltando o rosto dela, ele desceu sua mão até que estava tocando o seio dela.

Sahara tremeu.

Capaz de sentir o pico enrijecido dos mamilo dela sob sua palma, ele cuidou de aprender a forma dela. Um ofego, seu corpo tentando se mexer incansavelmente sob o dele. Sensível, extremamente sensível. Arquivando esse conhecimento, ele esfregou seu dedão sobre o mamilo dela e ela quase se torceu debaixo dele, quebrando o beijo para soluçar e respirar. — Por favor, por favor. Mais.

Kaleb sentiu seu escudo da PsyNet mais próximo cair em uma ruptura que quase levou o segundo. Mas ele não era perigoso para ela. Ainda não. — Eu te darei tudo que quiser. — Segurando o olhar dela, ele deslizou sua mão sob sua blusa para espalha-la em seu abdômen. Ela tremeu sob seu toque, seus dentes se afundando em seu lábio inferior.

— Isso é pra eu fazer, — ele disse em uma resposta silenciosa que a fez respirar fundo.

A boca dele estava na dela um instante depois, seus dentes mordendo o lábio inferior dela uma fração muito forte. Costas se arqueando do chão, ela partiu o beijo... somente para voltar para outro, sua língua contra a dele com uma intimidade que foi direto a ereção pressionando contra o zíper das calças dele. Como se ela estivesse lambendo o cumprimento rígido de seu membro e não a sua boca.

Dessa vez, foi Kaleb quem quebrou o beijo. — Não, — ele disse quando ela teria iniciado outro beijo.

Peito arfando, Sahara lambeu seus lábios e ele teve que olhar para o lado antes de quebrar suas próprias regras e pedir para ela colocar suas mãos na dolorosa rigidez entre as pernas dele, para apertar e acariciar sua pele nua. Ele se focou ao invés, em sua exploração do corpo dela. A pulsação dela se alterou sob sua mão quando ele se moveu para se deitar sobre as costelas dela, a luz da lua brilhando na pele dela. Um pouco mais acima, ele encontrou renda, fina e sedosa.

— Estava na caixa, — Sahara sussurrou em uma respiração alterada. — Obrigada.

O fato de que ela usava o presente dele contra sua pele o agradava, mas não era o bastante.

Removendo sua mão, para o frustrado — Não, — dela, ele empurrou sua blusa para despir seus seios para a noite... para ele.

Você quer que eu pare? ele se forçou a perguntar, a fúria para possui-la como uma tempestade turbulenta dentro dele. Abaixo disso estava uma antiga e viciosa raiva, incitada pela visão das finas cicatrizes prateadas que marcavam a pele dela e que ela provavelmente não notava mais. Ele percebia. Ele estava lá quando cada corte foi feito, lembrava exatamente quão profunda cada ferida era, sabia quanta atenção médica ela deveria ter precisado para se curar.

— Não. — Sua pele brilhando com a mais fina camada de perspiração, seus seios se erguendo em caindo como se fossem um convite, a voz de Sahara o tirou do passado ensanguentado. — Não, não para, Kaleb.

Colocando sua raiva sob controle, e colocando escudos de gelo sobre a violenta excitação provocada pelo som de seu nome nos lábios dela, ele se concentrou na pele cremosa adornada em renda rosa. Não era o que ele queria. Puxando primeiro uma taça, e depois a outra, ele empurrou a renda para baixo até que o peso dos seios dela se libertaram, o rosa suave provendo uma moldura para as curvas maduras que derreteram o gelo negro em torno de sua ereção pulsante como se ele não existisse.

 

Sahara afundou suas unhas na terra em um esforço de lutar contra o impulso de implorar pelo toque de Kaleb enquanto ele a observava com aqueles olhos de loucura. Deveria tê-la assustado, a escuridão possessiva que ela via neles, e talvez uma parte dela estivesse aterrorizada, mas não o bastante para se afastar, não o bastante para acabar com essa onda de sensação, vívida e selvagem.

Mudando de posição, Kaleb se sentou sobre ela. No próximo instante, ele colocou suas mão sobre suas costas, a ergueu ligeiramente, e colocou seus lábios em torno de um mamilo dolorido. Ela enfiou uma mão em sua boca para abafar seu grito, a úmida sucção de sua boca tão erótica quanto a força dos braços dele.

Ele se moveu para o seio negligenciado sem aviso, o frio ar da noite na umidade de seu outro seio. Choramingando, ela se torceu sob ele, mas não havia nenhuma forma de ela ganhar contato com a ereção dele, os joelhos dele plantados aos lados de suas coxas. Dentes rasparam em seu mamilo sensível um momento depois, a fazendo morder sua mão. Para! É demais!

Kaleb soltou o mamilo dela, seus lábios molhados, seus olhos tão escuros que era como pérolas negras, um brilho de meia noite em suas profundidades. —Você tem certeza?

A pergunta quieta ergueu todos os pelos do corpo dela.

Não por medo. Na percepção cegante a rédea curta que ele tinha sobre si mesmo.

Santo Deus. O que ele faria se soltasse essa rédea?

As dobras molhadas entre suas coxas ficaram escorregadias com um calor derretido. Apertando essas coxas em um vão esforço para encontrar alivio, ela tirou sua mão da boca e sussurrou. — Não. Eu aguento mais um pouco. — Queria mais. Queria tudo.

Sem perguntar uma segunda vez, Kaleb olhou para os seios dela, seu cabelo caindo em sua testa. Deslizando uma mão sob as costas dela, ele agarrou um seio com uma firmeza que parecia uma marca e abaixou sua boca na pele dela novamente. Sua mente escureceu, suas costas se arqueando para se empurrar mais na boca dele. Kaleb, eu preciso...

Me diz. Mais um raspar de dentes que dispersou seus neurônios, suas unhas arranhando a terra, grama esmagada sob suas palmas.

Me toca, por favor. Eu não consigo...

Aqui? Ele a segurou entre as pernas em uma intimidade crua, empurrando com a curva de sua mão.

E o mundo se estilhaçou.

 

Sahara abriu seus olhos para encontrar Kaleb ainda sobre ela, sua blusa embolada em seu peito e as taças de seu sutiã abaixadas para expor seus seios. O Tc em cima dela tinha seu olhar na pele nua dela, a intensidade do foco dele tão grande que fez seus músculos relaxados pelo prazer se contraírem em excitação renovada.

Enquanto ela observava, ele estendeu a mão para arrumar o sutiã dela, seus dedos roçando seus mamilos. Respirando fundo, seu abdômen rígido, ela ficou quieta quando ele puxou a blusa dela. Todas as ações dele eram cuidadosas, aquelas de um homem que sabia que podia ser empurrado para um abismo com um único movimento errado.

— Dentes, — ele disse naquele mesmo tom frio que ela ouviu mais cedo, — nem sempre são usados em atividades sexuais.

O peito de Sahara subiu e desceu em um ritmo rápido. — Não?

— É uma questão de preferência, de acordo com os documentos que eu li sobre intimidade. — Pestanas se erguendo, olhos de obsidio olhando nos dela, o fogo negro neles tão quente quanto sua voz era fria. — É a sua preferencia?

— Sim. — A confissão parecia tão intima quanto o que ele havia acabado de fazer ao corpo dela. — Com você.

A expressão dele se alterou para uma dureza que deixava claro quem e o que ele era, seus braços descansando um em cada lado dela enquanto ele abaixava seu rosto até que suas respirações se misturassem. — Será, — ele disse em um sussurro sedoso, — somente e sempre comigo.

 

                                   Capítulo 23

Vinte minutos depois, Kaleb voltou para a montanha, Sahara agora segura em seu quarto. Ela não havia dado as costas a ele mesmo depois que ele expos sua possessividade assassina em relação a ela. Mas também, ambos sabiam que ela tinha o poder de impedi-lo, a única pessoa na Net que podia.

— Se você fizer isso um dia, — ele disse quando ela tocou a bochecha dele em um terno adeus, — se assegure de ir até o fim e acabe comigo. — Se ele continuasse respirando depois que o poder de Sahara o controlasse, tomando dele a única coisa que importava, ele se tornaria o monstro que Santano o havia treinado para ser. — Serial killer, assassino em massa, não há um nome para o mal que vive dentro de mim.

Mandíbula firme e olhar feroz, ela balançou a cabeça. — Eu não vou deixar a escuridão te possuir.

A promessa dela ecoando em sua cabeça, ele escalou com um foco único, seus músculos se esforçando para mantê-lo contra a parede enquanto ele lutava para superar a frustração física que tinha um aperto pulsante em torno de sua ereção. Foi preciso duas subidas e meia para que ele pudesse pensar novamente, sua mente friamente racional.

Sua campanha para ganhar a confiança de Sahara, ele pensou, estava progredindo de acordo com o plano. O fato de que o contato físico estava causando um dano severo em seus escudos e seus processos de pensamento eram efeitos colaterais com os quais ele teria que lidar. Se afastar não era uma opção — as memórias dela estavam se tornando mais lúcidas com o passar dos dias, sua psique se curando em uma velocidade que mostrava uma força interna imperdoável.

Em breve ela estaria pronta para se lembrar dele, e o porquê de seu subconsciente tê-lo bloqueado de sua mente consciente em primeiro lugar. Havia algumas coisas que ninguém conseguia suportar, traições muito irrepreensíveis para perdoar.

— Não! Não! Kaleb, para!

Esfolando a pele de sua palma, ele deu impulso para agarrar num apoio, soltou um suspiro forte e continuou a escalar até que somente a pedra fria e o próximo suporte eram tudo o que importava. E ainda assim ele a ouvia gritando para ele parar.

 

Foi o rangido que acordou Sahara na escuridão extrema das primeiras horas da manhã, invadindo sonhos nebulosos de um menino que ela não conseguia exatamente ver.

Acordando completamente com a velocidade e o silencio de alguém que esteve à mercê de outras pessoas por tempo demais, ela continuou com os olhos fechados, escutando com todas as células de seu corpo. Era um truque que ela aprendeu durante seus anos de confinamento, um modo de recolher informações enquanto os guardas achavam que ela estava dormindo.

Ela abriu seus olhos somente quando ela tinha certeza de que o intruso não estava em seu quarto. Sua atenção foi para a porta, seu coração batendo como um tambor. Soltando um folego silencioso, ela escutou... e quase não ouviu os movimentos furtivos de alguém tentando desarmar a fechadura que ela havia trancado por nenhum motivo além de que ela estava obcecada com sua privacidade.

Pai?

Nenhuma resposta a seu chamado através do velho caminho telepático, nada além de um silencio entorpecido que fez um medo nervoso pulsar no sangue dela. Estendendo sua mão, ela pegou a faca de açougueiro que ela roubou de um kit inutilizado na cozinha que seu pai havia ganhado de um paciente que era um F, e consequentemente recebia presentes constantemente. A ideia de ser pega sem nenhuma arma e vulnerável era seu pior pesadelo.

Empurrando cuidadosamente os lençóis, ela enfiou os travesseiros debaixo deles para criar a ilusão de que havia alguém ali e os cobriu com os lençóis no mesmo momento em que a fechadura abriu. Coração batendo forte e olhos na maçaneta que havia começado a girar, ela caminhou silenciosamente na madeira antiga e pressionou suas costas contra a parede. Ela conhecia cada centímetro dessa casa, seus pés silenciosos na madeira antiga que havia entregado o intruso.

Quando a porta abriu, ela esperou somente o bastante para se assegurar de que ela não estava enganada, que não era seu pai, antes de atacar. Poderia ter sido mais limpo usar sua habilidade, mas Sahara não tinha nenhuma intenção de chegar mais perto de qualquer estranho do que ela tinha que estar antes que ele fosse imobilizado. Tudo indicava que ninguém tinha nenhum meio efetivo de defesa contra a habilidade dela; porém, ela não iria apostar sua vida naquela hipótese tão cedo depois de sair do labirinto.

Gritando enquanto a faca se enterrava entre os ombros dele, o intruso vestido com trajes escuros se virou, tentando pegá-la com seus braços e sem duvidas sua mente. Ela não sentiu nenhum dos golpes telepáticos dentro do escudo de obsidio que a protegia, e foi preciso pouquíssima habilidade para evitar as mãos dele, seu equilíbrio destruído pelo golpe que ela deu, a lâmina pesada enterrada em suas costas.

Os pés do homem escorregaram em seu próprio sangue quando ela vislumbrou uma faísca em sua visão periférica, e de repente o homem desconhecido foi jogado para o outro lado do quarto.

— Espera! — ela gritou um instante antes das costas dele atingirem a parede, percebendo que Kaleb tinha que ter detectado os ataques contra o escudo dela.

O homem congelou no meio do ar, sangue caindo no chão em gotas grossas.

— Não mate ele. Nós precisamos saber quem o enviou. — Sahara deu um passo à frente, mas ela era muito lenta.

— Feito. — O corpo do intruso bateu na parede, a lâmina se alojando contra seu esterno com um triturar doentio que quase o partiu no meio. Ele caiu no chão, sangue se derramando de sua boca.

Seu estomago poderia ter se retorcido com aquela imagem em outro momento, mas ela já estava correndo para o quarto que ficava mais abaixo no corredor. — Pai! — O grande corpo de Leon Kyriakus descansava flácido ao lado de sua cama, um colar de um vermelho pegajoso enfeitando sua garganta. — Não, não. Por favor não. Pai, por favor. — Dedos tremendo, ela procurou pela pulsação dele. — Kaleb! Ele está vivo!

— Saia. — Pegando o corpo de seu pai nos braços com uma facilidade telecinética, Kaleb os teleportou com uma rígida instrução para que ela mantivesse os canais telepáticos abertos.

Ele voltou menos de três minutos depois, para encontra-la sentada na cama, encarando a mancha de sangue no carpete. Ela olhou para ele subitamente. — Ele está...

— Seu pai está numa cirurgia de emergência, vigiado por um guarda temporário de uma das minhas unidades na área. Eu notifiquei Anthony, e o pessoal do NightStar estará no hospital em meia hora.

Com a mão tremendo, Sahara foi passa-la no cabelo quando o cheiro ferroso de sangue a envolveu. Sua fúria reacendeu quando ela percebeu que era o sangue de seu pai em seus dedos. Empurrando Kaleb, ela foi até o banheiro, lavou as mãos com movimentos bruscos antes de secá-las. — Eu quero ir até ele.

— Você só ficaria esperando do lado de fora da sala, — Kaleb disse com pragmatismo severo. — Meu guarda sabe que deve contatá-la se houver mudança na condição de seu pai.

Ela não conseguia suportar a ideia de seu pai falecendo bem quando ela o havia reencontrado. — Eu quero...

— O hospital tem várias saídas e entradas; o risco de alguém chegar até você é muito maior. — Palavras duras, nenhum sinal de ternura. — Você sabe que Leon não iria querê-la na linha de fogo.

Consciente de que ele estava certo, ela se forçou a pensar além da raiva cheia de adrenalina misturada com preocupação profunda e foi até seu próprio quarto — e até o corpo do homem que quase havia tirado a vida de seu pai. —Quem era ele?

— Um operativo autônomo, não particularmente adepto, ou Leon estaria morto e você estaria sob o comando dele.

—Você abriu a mente dele? Você sabe que isso compromete as informações, — ela disse, virando contra ele em pura fúria. — Isso foi irresponsável e descuidado.

Um dar de ombros falso e remoto, totalmente o oposto dos olhos dele. —Eu o ofereci uma morte rápida em torno da informação, — Kaleb disse, como se estivesse falando de uma negociação comum. — Ele manteve sua parte no acordo; eu mantive a minha. — Olhos de uma noite sem estrelas a prendiam no lugar. — Parece que você tem uma recompensa pela sua captura.

— O quê? Quem? Tatiana? — A outra mulher não estava em posição de dar ordens, mas ela tinha pessoas que poderiam fazer isso por ela.

Kaleb balançou a cabeça e falou o último nome que ela esperava ouvir. —Santano Enrique.

Gelo em suas veias, sufocando sua garganta. — Ele está morto, — ela se forçou dizer apesar de sua raiva estonteante.

— Parece que ele se ergueu das cinzas. — Kaleb colocou uma mecha de cabelo atrás de sua orelha. — Ele estava envolvido em seu sequestro.

Sahara sabia que ela devia seguir aquela linha de conversa, deveria perguntar a ele exatamente o porquê de um serial killer com uma preferencia para vitimas changeling tinha se focado nela, e se Kaleb tinha alguma coisa a ver com isso, mas ela não conseguia. A ideia de tocar nesse assunto fazia seu estomago doer, sua respiração parar em sua garganta. Ainda não. Ainda não. Ela não estava pronta para saber, não estava forte o bastante para encarar a verdade.

Se Kaleb tivesse traído ela, saber disso iria despedaça-la.

— A recompensa, — ele disse quando ela continuou em silencio, — deve ter sido um ajuste a prova de falhas caso você escapasse. — Parando com o som da porta da frente abrindo, ele esperou que Anthony entrasse no cômodo.

O líder do clã examinou o caçador de recompensas morto com uma expressão impassível antes de se virar para Kaleb. — Eu assumo que você conseguiu a informação que precisávamos antes de executá-lo?

Kaleb disse a Anthony o mesmo que havia dito a Sahara. A resposta de Anthony foi, — Nem mesmo o caçador de recompensa mais grosseiro iria caçar um alvo para um homem morto. Pagamento é tudo.

— Santano manteve seu interesse em você em silencio, — Anthony disse para Sahara e escondido nessas palavras estava uma pergunta. — Eu nunca suspeitei que ele estivesse envolvido em seu sequestro.

Ela abriu as mãos, não dividindo o fato de que o aprendiz de Enrique aparentemente sempre esteve ciente da habilidade dela.

— NightStar tem um vazamento de informações, — Kaleb disse ao mesmo tempo.

— Eu vou resolver isso.

Kaleb inclinou sua cabeça em uma concordância silenciosa—Anthony havia ganhado sua reputação honestamente. Diferente de outros indivíduos na Net, ele não se importava em sujar suas mãos. E se ele não conseguisse cuidar do assunto, Kaleb cuidaria. Ele não permitiria que nenhuma ameaça à Sahara existisse, muito menos vivesse e respirasse.

— Você precisa ir imediatamente para um esconderijo.

As costas de Sahara enrijeceram com a demanda de Anthony, seus músculos tensos. — Não. Eu não vou ficar presa novamente.

— Não há outra opção, — Anthony respondeu. — Enquanto a recompensa existir, você continua sendo um alvo.

— Você tem certeza de que um esconderijo irá prover uma proteção melhor? — Kaleb não tinha intenção de permitir que Sahara fosse para nenhum lugar além da casa que ele construiu para ela em Moscou. — Esse caçador, inepto e jovem, conseguiu evadir seus guardas.

— Isso será investigado. — Uma resposta rígida. — Nossos esconderijos são como fortalezas.

Sahara, mãos em punho, balançou a cabeça. — Não. — Se afastando deles até que suas costas estivessem contra a parede, ela começou a bater seus punhos contra ela. — Não. Não. Não.

Reconhecendo o perigo, Kaleb reagiu antes que Anthony pudesse deduzir o que estava acontecendo. — Sem esconderijos, sem jaulas, — ele disse, segurando o rosto dela e a forçando a olhar nos olhos dele até que ela parou de bater na parede, embora ela continuasse a se balançar pra frente e pra trás.

Você arrisca perde-la se pressiona-la nisso, ele disse mentalmente a Anthony quando a soltou. A mente dela não está completamente curada. Era por isso que Kaleb arrancou a informação do intruso ao invés de permitir que ela exercitasse sua habilidade.

Eu não posso deixa-la desprotegida.

Eu posso protegê-la.

— Assim como os felinos.

Kaleb ainda estava tentando digerir aquela afirmação completamente inesperada quando Anthony entrou no campo de visão de Sahara. — Eu vou te mandar pra ficar com a Faith.

O corpo de Sahara parou de se mover, olhos de meia noite virando para Anthony. — Faith?

— Mesmo o melhor caçador de recompensas do mundo não pensaria em te procurar no meio de um clã de changelings.

— A conexão com Faith, — Sahara começou, sua inteligência simplesmente superando a reação visceral que havia a enviado de volta para seu inferno pessoal.

Anthony balançou a cabeça. — Ninguém esperava que NightStar excluísse a P-Psy mais poderosa do mundo, independentemente de suas escolhas pessoais. Aquela negociação era esperada. Isso é família.

Kaleb sabia que Anthony não estava dizendo tudo, mas ele conseguia adivinhar. NightStar havia sido muito, muito cuidadoso para manter uma linha demarcada entre seus assuntos de negócios com Faith e sua falta de status como membro da família—pelo menos em publico.

Privadamente era outra coisa: Anthony permanecia em contato direto e regular com sua filha.

Essa ultima suspeita foi uma que precisou de um ano para que Kaleb pudesse confirmar.

— Você está pronto para confiar nos changelings com a vida de Sahara? — A única razão pela qual ele estava disposto a considerar a proposta era por causa da resposta de Sahara à menção de sua prima—e porque ele sabia que Anthony estava certo sobre a expectativa de qualquer caçador se aventurando nas terras dos DarkRiver.

— Se eles a aceitarem como família, os leopardos a protegerão. Com Faith defendendo o caso dela, assim como o Silêncio fraturado de Sahara, não há nenhum motivo para assumir que eles não a tratarão como sendo parte do clã. — As próximas palavras de Anthony eram dirigidas à Sahara. — Você estará segura dentro das fronteiras deles, e você terá a parte florestada do território deles para passear.

Aquele território é vasto, Kaleb adicionou, enviando telepaticamente a Sahara varias imagens. Você estará tão livre quanto qualquer changeling leopardo, contanto que não vá para a cidade.

Olhos azuis escuros encontraram os dele antes de irem a Anthony. — Sim.

— Eu vou esclarecer tudo com o alfa dos DarkRiver. — Anthony olhou para Kaleb. — Você parece estar tratando meu território como se fosse seu. — Era um aviso.

Kaleb colocou as mãos nos bolsos e suas calças. — Você preferia que eu a deixasse morrer? — ele disse em voz alta ao mesmo tempo em que falava com Sahara através de seu canal telepático privado.

Por que você não me chamou?

Eu tinha tudo sobre controle. Eu sou uma mulher crescida.

Se somente, Kaleb pensou, ela tivesse agido assim quando tinha dezesseis anos. Mas então, Santano era um cardeal Tc, um homem adulto que encontrava prazer na dor de jovens mulheres que não conseguiam se defender. Sahara nunca teve sequer uma chance.

 

                                     Capítulo 24

Sahara sabia que o homem vestido de preto que apareceu ao lado dela quando o relógio marcou 4 da manhã era um Arrow. Ela também sabia que ele era um teleportador, um com frios olhos cinza e um dispositivo computrônico em seu braço esquerdo. Ainda assim, apesar da estrela prateada no ombro de seu uniforme de combate dizer que ele estava alinhado com Kaleb, Anthony confiava no homem para leva-la ao território DarkRiver.

— Eu recebi uma imagem para a transferência. — O Arrow olhou para ela. — Você está pronta?

Sahara nunca havia hesitado com Kaleb, mas ela teve que respirar fundo antes de assentir quando era com esse Arrow com olhos de aço que pareciam tão distantes quanto a luz num horizonte encoberto por nuvens de chuva. Se Kaleb às vezes ficava rodeado de gelo, esse homem era frio como geada, seu Silêncio metálico em sua perfeição.

Ele era, porém, tão rápido quanto Kaleb — e desde que ele não era um cardeal, ele tinha que ser um dos extremamente raros verdadeiros teleportadores, designação Tc, subdesignação V. Enquanto aqueles de subdesignação V eram telecinéticos, com as habilidades pendentes dependendo de seu nível de poder, dizia-se que eles nasciam com a habilidade de teleportar, sem precisar de treinos ou estudos, o talento independente de sua posição no Gradiente.

Quando criança, ela ouviu que as crianças Tc-V eram implantadas com chips GPS quando bebês. Sahara não sabia se isso era verdade, ou somente uma historia inventada por jovens Psy que nunca tinham encontrado ninguém da quase mística subdesignação V, mas fazia sentido. Como todos os telecinéticos capazes de teleportação, eles tinham que ter memórias geográficas impecáveis. Então um bebê ou uma criancinha poderia se teleportar para uma localização aleatória que visse de um carro, por exemplo, e então ficar muito assustado para voltar pra casa.

Agora o teleportador, um homem que ela simplesmente não conseguia imaginar como criança, olhou a clareira com o chão forrado de agulhas de pinheiro distintiva somente por duas echarpes azuis royal penduradas em galhos grossos. Ele inclinou a cabeça para uma mulher com o cabelo de um vermelho sedoso que correu em direção a Sahara, e então desapareceu.

— Sahara. Realmente é você! — Bochechas manchadas com lágrimas, a mulher amável segurou o rosto de Sahara, seu sorriso luminoso e molhado. — Eu achei que nunca mais iria te ver.

— Faith. — Ela sussurrou enquanto absorvia a mulher que sua composta e remota prima havia se tornado. Viva e estonteantemente vibrante. — Você é tão bonita.

Uma luz assustada no céu estrelado dos olhos cardeais de Faith antes dela dar um pequeno grito e tirar suas mãos. — Me desculpa. Eu não...

— Tudo bem. — Sahara pegou as mãos esbeltas que a tocaram com uma afeição aberta que fez sua garganta dar um nó, e as trouxe de volta para seu rosto. — Meu Silêncio está muito além de quebrado.

Envolvendo seus braços apertados em torno de Sahara, sua prima sussurrou, — Eu nunca te esqueci, — no silêncio preenchido com a musica de milhares de folhas chacoalhando ao vento. — Meu pai... ele só me contou sobre seu sequestro depois da minha deserção, e que a família nunca parou de te procurar.

Retribuindo o abraço de Faith, emoção ardendo em seus olhos, Sahara disse, — Eu sei que você tentou me achar, também, através das suas visões. — Era algo que seu próprio pai havia dito a ela naquele primeiro dia que eles passaram juntos.

Uma respiração tremula quando Faith se afastou. —Eu sinto muito sobre Leon. Ele foi gentil comigo quando nossos caminhos se cruzaram.

— Ele é forte, ele vai ficar bem. — Sahara se recusava a acreditar em qualquer outro resultado. — Ele não desistiu de mim, e eu não vou desistir dele. — Um futuro sem a grande e sólida presença de seu pai em sua vida era incompreensível.

— Se serve de consolo, — Faith disse, — quando eu olho no futuro com Leon como foco, eu constantemente o vejo na clinica dele, conversando com um paciente, ou na mesa dele. Eu não sinto nenhuma tristeza, nenhum senso de perda.

Sahara apertou as mãos de sua prima. — Obrigada. — Ouvir isso da P-Psy mais talentosa do mundo não era coisa pouca, o brilho de esperança algo a que ela se segurava com as duas mãos. — Eu sinto muito, também, — ela disse suavemente, — sobre Marine. — A irmã mais nova de Faith havia sido uma telepata cardeal, seus estudos raramente cruzando com os de Sahara, mas elas haviam sido primas do mesmo jeito.

Tristeza encheu os olhos de Faith, seus dedos roçando a bochecha de Sahara. — Marine viveu uma vida extraordinária, fez coisas que eu só descobri quando já não estava mais na PsyNet. Ela deixou sua marca. — Orgulho aberto, um sorriso molhado. — Eu gosto de pensar que ela teria comemorado e dito ‘Finalmente!’ quando sua irmã obediente se rebelou.

O sorriso de resposta de Sahara foi igual ao de Faith. — Eu estou tão feliz que você conseguiu sair, Faith, que você tem uma vida cheia de alegria. Obrigada por me convidar para fazer parte dela.

— Por mim você pode ficar para sempre. — Ternura em cada palavra. —Nós podemos finalmente ser amigas como sempre quisemos ser.

Sahara não queria nada além de aceitar a oferta de proteção e só ser, mas ela não poderia fazer isso mentindo. — Eu posso ser perigosa para o seu clã. Kaleb Krychek pode me achar em qualquer momento.

A expressão de Faith não mudou. — Nós já pensamos nisso. Fato é, se meu pai estiver certo e Kaleb for um teleportador que pode focar em pessoas ao invés de somente lugares, ele pode achar qualquer um de nós. — Alisando o cabelo de Sahara, ela continuou. — Ainda assim, ele nunca mostrou nenhuma agressão ao clã, e você é família. Mesmo que ele fique hostil, nós vamos lidar com isso.

Mesmo enquanto o coração de Sahara se aquecia em resposta ao protecionismo de Faith, outra parte dela sussurrava que Kaleb não tinha nenhuma família, ninguém para chamar de dele, ninguém que iria recebê-lo com o amor incondicional com o qual Faith havia recebido ela. — Mas, — ela disse através de um senso profundo de desolação misturado com raiva dos pais que haviam entregado um garoto desprotegido a um monstro, — você vai me colocar longe dos seus vulneráveis? — Kaleb poderia não machuca-la, mas ela não podia prometer o mesmo se tratando de outras pessoas.

— Sim. — Os olhos de Faith eram gentis quando ela disse, — Não se preocupe, Sahara. Nós já jogamos bastante esse jogo. — Era a reafirmação firme de uma irmã mais velha. — Sua casa aérea é perto da nossa casa, mas longe o bastante para te dar privacidade.

— Eu tenho minha própria casa na árvore? — A ideia de uma casa na copa de uma árvore fez a garota ferida dentro dela suspirar maravilhada.

— Sim, mas somente se você quiser, — Faith a assegurou.

— Eu acho que eu vou gostar de ter minha própria casa. — Parecia desleal dizer isso quando Kaleb havia construído uma casa graciosa e cheia de luz que cantava para sua alma só pra ela — mas aquela casa não era o que ela precisava nesse momento, não era um lugar onde ela podia esticar suas asas atrofiadas.

Kaleb era muito protetor... muito viciante.

Seus seios doeram com a lembrança de como ele a tocou, seus olhos uma tempestade de obsidio. Toda vez que ele chegava perto dela, ela queria dançar naquela tempestade. Mesmo agora, tão longe dele, o pinho no ar a fazia lembrar-se dele a cada inspiração que ela dava. — Seu companheiro veio com você? — ela perguntou para Faith, tomando uma decisão consciente de tirar sua atenção do cardeal que a beijou sob uma lua lupina.

O rosto de Faith brilhou. — Vaughn.

Um homem alto com cabelo cor de âmbar preso perfeitamente em sua nuca e olhos quase dourados surgiram das sombras. — É bom finalmente te conhecer, Sahara. — Baixa e profunda, sua voz era como mel em sua pele.

—Eu estou feliz por te conhecer, também, — ela disse, fascinada pelo modo como ele se movia enquanto tirava as duas echarpes que haviam agido como marcadores para o teleporte; ela nunca o confundiria com Psy ou humano.

— Ele é magnífico, não é? — Faith sussurrou no ouvido dela.

—Sim. — Mas independentemente de sua beleza dourada, ele não fazia sua pele queimar, seu coração bater mais rápido e sua alma doer.

— Vamos te levar pra casa, — o companheiro de sua prima disse, colocando uma das echarpes em torno do pescoço de Faith, e a outra em Sahara.

O tecido era suave contra sua pele e as agulhas de pinheiro grossas sob seus pés quando eles começaram a andar. Sahara tentou absorver tudo de uma vez, até que Vaughn brincou dizendo que ela ia torcer a cabeça até que saísse do pescoço. Gostando desse jaguar que era da prima dela, Sahara fez uma cara para ele que fez suas bochechas ficarem marcadas com diversão felina, e continuou a absorver a vida selvagem em torno dela.

Quando ela olhou pra cima, ela viu um céu estonteante ainda pontilhado com inúmeras estrelas... mas seus olhos continuavam sendo atraídos para uma estrela situada mais longe das outras, sozinha e dura e brilhante.

A folhagem se fechou um minuto depois, escondendo a estrela de vista. Não foi muito depois que ela estava em frente a uma árvore tão imensa que ela não conseguia ver ela inteira. — Oh. — Correndo até os pés do gigante da floresta, ela olhou pra cima para a pequena casa situada entre os galhos. Ela era conectada a uma segunda casa por um caminho ao longo de um comprido galho.

Luz, amarela e rica se derramava das duas janelas.

— Quem mora lá? — ela perguntou, apontando para a segunda casa.

— Ninguém, — Faith disse, mãos dadas com Vaughn. — É pra quando você quiser que a gente fique.

— Uma casa da árvore de hóspedes! — Deliciada, ela enviou uma imagem de sua casa para o homem que era uma estrela solitária, dura como gelo e frio, o ato vindo da mesma parte dela que tinha se virado para ele quando o mundo se distorceu, encontrando prazer doloroso no toque dele, segurança sem igual em seus braços. E ela sabia que ele estava muito profundamente dentro dela, significava muito para ela manter uma distancia racional, que seria fútil tentar. Olha!

Uma hesitação antes da música sombria da voz dele fluir em sua mente, se enrolando em torno de seus sentidos para fazer seus dedos dos pés se curvarem. Você gostou?

Sim, Sahara disse e, embora ela soubesse que era bobo com um homem tão poderoso quanto Kaleb, sentiu como se ela tivesse o magoado. A casa que você construiu, ela sussurrou em uma confissão gentil, canta para mim em modos que eu não consigo entender, mas eu ainda não estou pronta para ela ainda, não estou inteira o bastante.

Vaughn subiu na árvore com uma perigosa graça felina quando ela adicionou a ultima parte, garras saindo de suas mãos e pés para ancorá-lo ao tronco. Olhos arregalados, ela o observou escalar até uma escada de cordas enroladas no topo sem causar nada além de arranhões rasos no tronco.

— Eu não consigo fazer isso, — ela disse quando ele pulou de volta após soltar a escada, quieto como um gato apesar da força musculosa de seu corpo.

Um sorriso afiado, o jaguar que era sua outra metade em seus olhos. —Você não tem que fazer igual. — Enfiando a mão no bolso depois de retrair suas garras, ele tirou um pequeno dispositivo. — É um controle remoto para descer e subir a escada.

Faith deu um tapa brincalhão no ombro de seu companheiro. — Por que não usou o controle em primeiro lugar?

O macho changeling deu um longo olhar para Faith, olhos dourado selvagem. — Ruiva, se você espera que eu use um controle remoto para subir numa árvore, nós precisamos ter uma conversa séria.

Sahara segurou um risada pela afronta no rosto dele. — Obrigada pelo controle. Eu não estou nem um pouco insultada.

— Você pode agradecer ao Dorian — ele é outro sentinela, — Vaughn disse, puxando uma Faith sorridente para o seu lado. — Ele pensou nisso um tempo atrás, mas não conseguiu fazer ninguém usá-lo Eu acho que algumas pessoas até ameaçaram excomunga-lo.

— O orgulho dos changeling predadores, — Faith disse em um falso sussurro, — é uma coisa sensível.

A provocação fez Vaughn puxar o cabelo de Faith para um beijo tão brincalhão quanto sensual, os dedos de sua mão livre segurando seu rosto. A visão fez Sahara querer um homem tão sombrio quanto Vaughn era brilhante; um homem tão remoto e contido quanto o companheiro de sua prima era selvagem e afetivo.

Colocando suas mãos na escada de corda, ela alcançou Kaleb, esse Tc que tinha uma reivindicação mais profunda que sua memória. Eu estou preses a entrar na casa. Foi preciso alguns passos para se acostumar aos movimentos da escada de corda, mas seu corpo logo aprender o ritmo e ela estava no topo menos de um minuto depois.

A casa se provou ser um único grande cômodo, com uma limpa cozinha à direita quando ela entrou, e o chuveiro e outras facilidades escondidos atrás de portas deslizantes de um pinheiro brilhante. Uma cama feita com um belo edredom rosa claro e branco estava atrás à esquerda e no beiral da janela ao lado estava uma cesta cheia de chocolates. Todos os dispositivos que ela checou eram ecologicamente corretos, a casa sendo uma parte viva da floresta.

— Como você preparou isso tão rápido? — Sahara perguntou quando sua prima a seguiu. — Tem comida nos armários, itens de higiene no banheiro, toalhas frescas. — Era quente, receptivo.

— Essas duas casas são novas, construídas em antecipação a novos membros do clã querendo seu próprio espaço no ano que vem, — sua prima disse. — Enquanto isso, nós as mantemos prontas para os hóspedes do clã. Vaughn e eu só tivemos que trazer a comida, e isso foi fácil o bastante já que todos nós mantemos suprimentos extra atualmente, com toda essa inquietação crescente.

A referencia de sua prima à turbulência abalando o mundo fez Sahara pensar em Kaleb de novo, dos jogos que ele jogava com uma facilidade implacável que o tornava tão predador em sua frente.

Um jaguar que disse, — Tem uma grande família de gatos selvagens nessa área. Linces também. Eles podem passar por aqui para se familiarizar com você.

— Eu espero que visitem. — Empolgação borbulhava em seu sangue. — Eu não consigo nem imaginar vê-los de perto.

— Essas podem ser suas ultimas palavras. Felinos são incuravelmente curiosos — você vai ter mais visitantes selvagens do que você consegue lidar. — Vaughn pausou antes de adicionar, — Eu garanto que nenhum vai fazer movimentos agressivos, não com o que eu acho que é o cheiro de Krychek sobre você.

Sahara respirou fundo e encontrou o olhar incisivo de Kaleb, subitamente consciente de que ele havia intuído a natureza íntima de seu relacionamento com Kaleb. — Tem alguma coisa ruim no cheiro dele? — ela perguntou, um nó dolorido em seu abdômen.

— Não, Sahara. Tem algo muito perigoso.

 

Uma hora depois, os céus ficando cinza, foi que Sahara disse tchau para Faith e Vaughn. — Eu vou ficar bem sozinha, eu prometo, — ela reassegurou sua prima quando Faith hesitou na saída. — Eu tenho seu número se alguma coisa acontecer.

Os lábios de Faith se curvaram em um sorriso pesaroso. — Desculpa, eu sei que estou sendo super protetora. Eu prometo que vou te deixar em paz.

— Descanse e se cure, — Vaughn disse, roçando seus dedos sobre a bochecha de Sahara em um carinho inesperado. — Você está segura aqui.

Sahara os observou partir da porta, pensando em quão sortuda ela era em ter essa família. Ela tinha esperado uma interrogação sobre Kaleb, mas Faith somente perguntou se Kaleb a estava coagindo de alguma forma. Aceitando a resposta negativa de Sahara, sua prima prometeu não contar a Anthony sobre seu relacionamento com Kaleb, embora Faith e Vaughn teriam que alertar o alfa dos DarkRiver.

— Você sabe o que nós fizemos com Santano Enrique? — Vaughn perguntou, expressão austera.

Quando ela assentiu, ele disse, — O nome de Krychek surgiu em nossa investigação depois que nós executamos aquele filho da puta doentio — nós não fomos atrás dele porque não havia indicação de que ele esteve perto das vítimas, mas isso não o torna inocente. Seja cuidadosa. E se ele te machucar de qualquer forma, você me procura.

— Eu estava lá em todos os momentos de suas torturas e mortes.

A confissão macabra circulou em sua mente, e ela sabia que a coisa racional seria contar a Faith e Vaughn, mas ela não contou. Porque profundamente, ela simplesmente não acreditava que ele fosse capaz de atos tão odiosos, a garota dentro dela rebelde e inflexível em seu protesto. Talvez aquele fosse de sua crescente obsessão, mas ela ainda não estava pronta para desistir dele e da verdade mais escura e feia que ela sentia abaixo da superfície das palavras que ele disse.

Então ela manteve seu silêncio, e meia hora depois que os outros partiram, disse, Você gostaria de ver minha casa da árvore?

Você está me convidando?

Sim.

Quando ele apareceu a centímetros dela, vestido em calças pretas e uma camisa cinza escura, ela sentiu como se tivesse achado uma parte dela que estava faltando. — Está quase na hora do café da manhã. Você vai comer comigo? — Era uma necessidade crescente que ela tinha, de cuidar dele.

Ninguém mais cuidava, nem cuidaria.

— Eu já comi, — ele disse, fazendo nenhum movimento para evitar os dedos que ela curvou sobre o ombro dele, acariciando os tendões do pescoço dele. — Mas você deveria ter mais nutrição.

Talvez fosse o fato de que ela estava numa casa na árvore longe de tudo que conhecia, uma indicação silenciosa de força interior que desmentia seu colapso quando Anthony mencionou um esconderijo. Talvez fosse o fato de que ela lutava contra o terror de perder seu pai a cada segundo, tempo mais precioso que diamantes. Talvez era a forma como Kaleb não repudiava seu toque, independente do fato de que ele sabia exatamente quanto isso iria custa-lo.

Ou... talvez era porque seu coração estava pesado com uma verdade que todos pareciam ter esquecido — que esse homem fatal havia sido uma criança indefesa quando foi levado por Santano Enrique — mas ela sabia que o tempo de ignorância havia acabado. Se eles fossem seguir em frente por cima da fragilidade aterrorizante da ligação deles, ela tinha que ousar fazer a pergunta que havia evitado por muito tempo. — Você escolheu testemunhar ou participar nos assassinatos cometidos por Santano Enrique?

                

 

                                                                       CONTINUA

 

 

                                     Capítulo 25

Não houve resposta.

A mente de Sahara, no entanto, não foi tão reticente, a pergunta ativou uma chave escondida para desbloquear um cofre mental secreto. Memórias rodavam em seu interior, confusas e obscurecidas pelo tempo e os erros cometidos durante o armazenamento pela menina assustada que ela fora: a menina que, em uma tentativa desesperada de salvar as peças mais importantes der si mesma dos estragos do labirinto, havia trancado o cofre não com palavras... mas com emoção.

A chave pessoal significava que ninguém poderia violar suas memórias, destruir o que ela considera mais preciosa. Mas isso também significava que se Kaleb nunca a tivesse encontrado, se eles nunca tivessem se encontrado novamente, essa parte dela estaria perdida para sempre. Um risco enorme construído sobre a mesma fé selvagem que manteve seguindo por sete anos infernais.

— Sahara! Eu voltarei por você! Sobreviva! Sobreviva por mim!

 

 

 

 

Levaria tempo — dias, talvez semanas — para desvendar as peças, reconstruir o que fora degradado, mas uma memória era cristalina: um jovem Kaleb — dezessete? dezoito anos?— sangrando pelo nariz, os dentes cerrados enquanto finos vasos sanguíneos estouravam em seus olhos e um fio de vinho tinto descia pelo queixo de sua orelha.

— Eu sei que aquele monstro te machucou, — ela disse, sua raiva como uma imensidão dentro dela. — Eu sempre soube disso.— Era um pedaço de conhecimento tão visceral, que ela não podia imaginar como a havia reprimido por tanto tempo . — Eu também sabia que você não podia falar sobre isso.— Foi a tentativa dele de falar que levou à punição agonizante que fez um vermelho escuro nadar pelo negro de seus olhos. — Você está livre para responder a minha pergunta?

Kaleb quebrou o contato para andar para o lado de fora e até a borda da varanda, a floresta era como a cinza neblina da manhã bem cedo, o nevoeiro lambendo ao longo do chão e formando gavinhas entre as árvores. A suavidade daria a toda à cena uma sensação de irrealidade, de um sonho que borrava os limites rígidos a nada, a não ser pela obsidiana irregular do homem que estava olhando para a cinza.

Seu silêncio foi tão longo e tão profundo que os sussurros da floresta os cercavam em um casulo pesado, deixando-os como apenas os dois seres em um universo que...

 

 

[1] Tipo de pão doce.

 

 

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