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A ALTERNATIVA DO DIABO - P.2 / Frederick Forsith
A ALTERNATIVA DO DIABO - P.2 / Frederick Forsith

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A ALTERNATIVA DO DIABO

Segunda Parte

 

     No dia 26, Andrew Drake levantou-se de seu trabalho na mesa da cozinha de um apartamento nos subúrbios de Bruxelas e declarou que já estava pronto.

     Os explosivos haviam sido acomodados em 10 valises de fibra, as submetralhadoras envoltas por toalhas e guardadas em mochilas. Azamat Krim manteve os detonadores acolchoados em algodão, numa caixa de charutos que nunca largava. Quando a noite caiu, a carga foi transferida para o furgão de segunda mão do grupo, de registro belga. Partiram para Blankenburge.

     O pequeno balneário, de frente para o Mar do Norte, estava sossegado, o porto praticamente deserto, quando transferiram os equipamentos para o porão da lancha de pesca, sob a proteção da noite. Era um sábado e um homem passeava com seu cachorro pelo cais; embora visse os homens trabalhando, não deu a menor importância ao fato. Grupos de pescadores de alto-mar, preparando-se para uma pescaria de fim-de-semana, eram uma cena das mais comuns na pequena cidade, embora ainda fizesse frio e a temporada não tivesse começado.

     No domingo, dia 27, Miroslav Kaminsky despediu-se dos outros membros do grupo, embarcou no furgão e voltou para Bruxelas. Sua missão era limpar o apartamento alugado de Bruxelas de alto a baixo, de um extremo a outro, para depois abandoná-lo e seguir no furgão até um ponto previamente combinado nos pôlderes da Holanda. Deixaria o furgão ali, com as chaves num lugar combinado, depois pegaria a barca de Hook para Harwich e voltaria a Londres. Tinha decorado bem o que deveria fazer e não estava com a menor dúvida de que poderia cumprir com perfeição sua parte no plano.

     Os outros sete homens deixaram o porto e foram subindo calmamente pela costa, passando pelas Ilhas de Walcheren e North Beveland, entrando em águas holandesas. Ali, com suas varas de pesca bem à vista, lançaram âncora e ficaram esperando. Andrew Drake estava sentado na cabine, debruçado sobre um rádio potente, escutando as transmissões do Controle do Estuário do Maas e as chamadas intermináveis dos navios que estavam indo ou saindo de Europort e Rotterdam.

    

     — O Coronel Kukushkin vai entrar na Penitenciária de Tegel para fazer o serviço na noite de 3 para 4 de abril — disse Vassili Petrov a Maxim Rudin, no Kremlin, naquela mesma manhã de domingo. — Um dos guardas vai deixá-lo entrar, levá-lo até as celas de Mishkin e Lazareff e ajudá-lo a sair pelo portão dos funcionários, depois que tudo estiver acabado.

     — O guarda é de confiança? — indagou Rudin. — É um dos nossos homens?

     — Não. Mas a família dele está na Alemanha Oriental. Foi persuadido a fazer o que lhe está sendo pedido. Kukushkin assegura que ele não vai procurar a polícia. O homem está assustado demais.

     — Então ele já sabe para quem está trabalhando. O que significa que sabe demais.

     — Kukushkin também vai silenciá-lo, assim que passar pelo portão na saída. Não ficará qualquer pista.

     — Oito dias! — grunhiu Rudin. — É melhor que ele faça tudo direito.

     — Não se preocupe com isso — declarou Petrov. — Kukushkin também tem família. Dentro de uma semana, a contar de amanhã, Mishkin e Lazareff estarão mortos e o segredo desaparecerá com eles. E os homens que os ajudaram ficarão calados para salvar as próprias vidas. Mesmo que eles falassem, ninguém acreditaria. As palavras deles seriam encaradas como meras alegações histéricas. Não há a menor possibilidade de alguém acreditar.

    

     Quando o Sol se levantou, na manhã do dia 29, seus primeiros raios foram iluminar o Freya, 20 milhas a oeste da Irlanda, seguindo no curso norte-nordeste, em 11° de longitude, a fim de contornar as Hébridas Exteriores.

     As potentes antenas de radar haviam captado a frota pesqueira na escuridão uma hora antes e o oficial de quarto anotara o fato devidamente. A embarcação mais próxima estava a leste do petroleiro, na direção de terra.

     O Sol cintilava sobre os rochedos de Donegal, uma linha fina no horizonte a leste para os homens na ponte de comando do Freya, que podiam olhar de uma altura de 25 metros. Dava para avistar as pequenas sumacas de pesca dos homens de Killybegs, flutuando nas águas ocidentais em busca de cavala, arenque e pescada. E dava também para se avistar a maior parte do próprio Freya, como uma massa de terra em movimento, vindo do sul e passando pelas sumacas e suas redes.

     Christy O'Byrne estava na pequena casa do leme da sumaca que lhe pertencia e ao irmão, Bemadette. Piscou diversas vezes, aturdido, baixou a caneca de chocolate quente e deu três passos para ir até a amurada. Sua embarcação era a que estava mais perto do petroleiro de passagem.

     Por trás dele, os demais pescadores, ao avistarem o Freya, puxaram os cordões dos apitos e um coro de exclamação se espalhou pelo amanhecer. Na casa de comando do Freya, Thor Larsen sacudia a cabeça para o oficial que estava a seu lado; segundos depois, o rugido do imenso petroleiro respondia à saudação da frota pesqueira de Killybegs.

     Christy O'Byrne ficou debruçado na amurada, observando o Freya ocupar o horizonte, ouvindo seu pulsar potente por baixo do mar e sentindo o Bemadette começar a balançar na esteira a se alargar do imenso petroleiro.

     — Santa Maria! — sussurrou ele. — Olhe só para o tamanho desse navio!

    

     Na Costa Leste da Irlanda, compatriotas de Christy O'Byrne estavam em intensa atividade naquela manhã, no Castelo de Dublin, que fora por 700 anos a sede do poder britânico. Garotinho ainda. empoleirado no ombro do pai, Martin Donahue assistira do lado de fora quando os últimos soldados britânicos haviam deixado o castelo para sempre, depois da assinatura de um tratado de paz. Agora, 63 anos depois, às vésperas de se aposentar do serviço público, ele era um faxineiro, empurrando um aspirador para um lado e outro do tapete azul do Salão de St. Patrick.

     Não estivera presente quando qualquer dos sucessivos presidentes da Irlanda ali tomara posse, sob o magnífico teto de Vincent Waldre pintado em 1778; também não estaria presente dentro de 12 dias, quando as duas superpotências assinariam o Tratado de Dublin, sob as bandeiras heráldicas imóveis dos Cavaleiros de St. Patrick, há muito desaparecidos. Há 40 anos que Martin Donahue se limitava a tirar o pó para que outros usassem o salão.

     Rotterdam também se estava preparando, mas para uma cerimônia diferente. Harry Wennerstrom ali chegou no dia 30 e instalou-se na melhor suíte do Hotel Hilton.

     Viera no seu jato executivo particular, agora estacionado no aeroporto municipal de Schiedam, nos arredores da cidade. Ao longo do dia, quatro secretárias estiveram permanentemente a seu redor, anotando as providências para receber as altas autoridades escandinavas e holandesas, os magnatas dos mundos do petróleo e da navegação, as dezenas de representantes da imprensa, que compareceriam à recepção a ser oferecida na noite de 1° de abril ao Comandante Thor Larsen e seus oficiais.

     Um grupo escolhido a dedo de autoridades e representantes da imprensa seriam os convidados especiais de Wennerstrom no terraço do moderno prédio do Controle do Estuário do Maas, situado na extremidade da ponta de areia que era o Cabo da Holanda. Abrigados da brisa forte da primavera, ficariam observando do lado norte do Estuário do Maas os seis rebocadores puxarem o Freya pelos últimos quilômetros do estuário até o Canal Kaland, em seguida pelo Canal Beer, até finalmente ir parar junto da nova refinaria de petróleo de Clint Blake, no coração de Europort.

     Enquanto o Freya desativasse seus sistemas, ao longo da tarde, o grupo seguiria num comboio de limusines para o centro de Rotterdam, 40 quilômetros rio acima. Ali, haveria uma recepção à noite, precedida por uma entrevista coletiva, durante a qual Wennerstrom apresentaria Thor Larsen à imprensa mundial.

     Ele já sabia que diversos jornais e redes de televisão haviam alugado helicópteros para a cobertura das últimas milhas do percurso do Freya e das manobras de atracação.

     Harry Wennerstrom era um velho contente.

     Às primeiras horas de 30 de março, o Freya já se adiantara bastante pelo canal entre as Orkneys e as Shetlands. Virará para o sul, descendo pelo Mar do Norte. Assim que alcançasse as rotas sempre movimentadas do Mar do Norte, o Freya comunicaria sua posição, entrando em contato com a primeira estação de controle de tráfego marítimo da área, sediada em terra, em Wick, na costa de Cailhness, no extremo norte da Escócia.

     Por causa de seu tamanho e calado, era um “navio difícil”. Reduziu a velocidade para 10 nós e passou a seguir as instruções transmitidas de Wick pelo radiotelefone. Por toda a área, os vários centros de controle já o tinham assinalado em seus radares de alta definição, manejados por experientes pilotos-operadores. Esses centros são equipados com sistemas de apoio computadorizado, capazes de rápida assimilação de informações sobre o tempo, marés e densidade de tráfego.

     À frente do Freya, avançando lentamente por sua rota para o sul, navios menores foram avisados de que deveriam sair do caminho. À meia-noite, c Freya passou pelo Promontório de Flamborough na costa de Yorkshire, começando a seguir para leste, afastando-se da costa britânica, a caminho da Holanda. Estava seguindo pelo canal de águas profundas, com um mínimo de 20 braças. Na cabine de comando, apesar das constantes instruções de terra, os oficiais observavam atentamente os registros do sonar, vendo os bancos de areia do leito do Mar do Norte nos dois lados da rota.

     Pouco antes do pôr-do-sol de 31 de março, num ponto exatamente a 15 milhas marítimas do Farol de Gabbard Exterior, agora a uma velocidade que mal chegava a cinco nós, o gigantesco petroleiro virou suavemente para leste e avançou para a posição em que passaria a noite ancorado, a 52° Norte. Estava a 27 milhas marítimas do Estuário do Maas, a 27 milhas marítimas do porto e da glória.

    

     Era meia-noite em Moscou. Adam Munro decidira voltar a pé para seu apartamento, depois da recepção diplomática na embaixada. Viera de carona com o Conselheiro Comercial e assim seu próprio carro estava estacionado junto ao prédio em que morava, na Kutuzovsky Prospekt.

     Parou no meio da Ponte Serafimov para contemplar o Rio Moscou. À direita, podia avistar a fachada creme e branca do prédio da embaixada: à esquerda, as muralhas vermelho-escuras do Kremlin assomavam acima dele, com o andar superior por cima e o domo do Grande Palácio do Czar.

     Ainda não havia 10 meses que chegara de avião de Londres para assumir seu novo posto. Nesse período, realizara a maior façanha de espionagem de muitas décadas, “dirigindo” o único espião que o Ocidente jamais operara no próprio coração do Kremlin. Iriam censurá-lo furiosamente por ter quebrado os regulamentos, por não ter revelado desde o início quem era realmente a pessoa que estava fornecendo as informações. Mas não poderiam reduzir a importância das informações transmitidas.

     Mais três semanas e Valentina estaria longe dali, a salvo em Londres. Ele também teria saído, pedindo demissão do serviço para iniciar vida nova em algum lugar com a única mulher no mundo a quem amava, sempre amara e amaria.

     E seria com prazer que deixaria Moscou, uma cidade dominada pelo segredo e pela dissimulação, monótona e triste. Dentro de 10 dias, os americanos teriam seu tratado de redução de armamentos, o Kremlin seus cereais e tecnologia, o serviço os agradecimentos e a gratidão de Downing Street e da Casa Branca. Mais uma semana e ele teria sua futura esposa... e Valentina alcançaria a liberdade. Ele deu de ombros, sob o casaco grosso, de gola de pele, e depois continuou a atravessar a ponte.

    

     Meia-noite em Moscou corresponde a 10 horas da noite no Mar do Norte. Nesse momento, o Freya estava finalmente imóvel. Percorrera 7.085 milhas de Chita a Abu Dhabi e mais 12.015 milhas até o lugar em que estava agora. Da proa, descia uma corrente de âncora até o fundo do mar. Cada elo dessa corrente tinha quase um metro de comprimento e o aço era mais grosso do que a coxa de um homem.

     Como não era um navio fácil de manobrar, o Comandante Larsen conduzira-o pessoalmente desde as Orkneys, com a ajuda dos dois oficiais de navegação e do timoneiro. Mesmo estando ancorado para a noite, ele deixou de prontidão na cabine de comando o Primeiro-Oficial Stig Lundquist e o Terceiro-Imediato Tom Keller, um dos dinamarqueses-americanos da tripulação, além de um dos marinheiros. Os oficiais manteriam uma vigia constante dos instrumentos e o marinheiro faria inspeções periódicas no convés.

     Embora os motores do Freya estivessem desligados, as turbinas e geradores zumbiam monotonamente, gerando a energia para manter todos os sistemas em funcionamento.

     Entre esses sistemas, estava a constante captação de informações sobre as marés e o tempo. As últimas informações meteorológicas, aliás, eram animadoras.

     O navio poderia ter de enfrentar os ventos de tempestade (je março; em vez disso, porém, uma inesperada área de alta pressão quase estacionaria, sobre o Mar do Norte e o Canal da Mancha estava proporcionando um ameno princípio de primavera às costas O mar era quase um lago, com uma correnteza de um nó na direção nordeste. Durante o dia inteiro, o céu estivera quase sem nuvens. Apesar de uma geada incipiente naquela noite, o dia seguinte prometa ser igualmente favorável.

     Desejando boa noite a seus oficiais, o Comandante Larsen deixou a cabine de comando e desceu um andar, para o convés D. Era ali que ficava sua suíte, no lado de estibordo. O camarote espaçoso tinha quatro janelas dando para a proa e duas para estibordo. Atrás do camarote ficava o quarto, com banheiro em anexo. Também tinha duas janelas, ambas para estibordo. Todas as janelas estavam lacradas, exceto uma no camarote, que estava fechada por trancas aparafusadas, que podiam ser movimentadas manualmente.

     Além das janelas lacradas para a proa, a fachada da superestrutura caía verticalmente até o convés; para estibordo, as janelas davam para um patamar de aço de três metros de largura, até a amurada e o mar além. Cinco lances de escada de aço subiam do convés A, o mais baixo de todos, até a cabine de comando acima do Comandante Larsen; cada lance de escada desembocava num patamar de aço. Todos esses lances de escada e patamares eram abertos, expostos aos elementos. Raramente eram usados, pois as escadas internas eram abrigadas e contavam com o benefício do sistema de aquecimento central.

     Thor Larsen levantou o guardanapo do prato com galinha assada e salada que lhe haviam preparado. Lançou um olhar anelante para a garrafa de uísque no armário de bebidas, mas acabou contentando-se com um café. Depois de comer, ele decidiu que trabalharia durante a noite para definir o curso final até o atracadouro, estudando as cartas dos canais. Não seria fácil e ele queria conhecer os canais tão bem quanto os dois pilotos holandeses que chegariam às 7:30 da manhã para assumir o comando, vindo de helicóptero do Aeroporto de Schipol, em Amsterdã. Larsen sabia que, antes disso, por volta das sete horas da manhã, um grupo de 10 homens viria de terra, para colaborar na operação de atracação. Esses homens chegariam de lancha.

     Quando soou a meia-noite, sentou-se na mesa larga do camarote, abriu as cartas a sua frente e começou a estudá-las. Fazia muito frio lá fora, mas a visibilidade era boa, quando faltavam 10 minutos para as três horas da madrugada. A lua em quarto crescente derramava-se sobre o mar, fazendo-o cintilar. Na cabine de comando, Stig Lundquist e Tom Keller tomavam um café. O marinheiro estava parado diante das telas de controle. Subitamente, ele disse:

     — Senhor, há uma lancha se aproximando.

     Tom Keller se levantou e foi dar uma olhada na tela de radar para a qual o marinheiro estava apontando. Havia ali uma vintena de bips, alguns estacionários, outros em movimento, mas todos bem distantes do Freya. Somente um pequeno bip estava-se aproximando, vindo de sudeste.

     — Provavelmente é um barco de pesca querendo estar em boa posição nos pesqueiros ao nascer do Sol — comentou Keller.

     Lundquist estava olhando por cima do ombro dele. Keller reduziu o alcance do radar e observou:

     — Está chegando cada vez mais perto.

     Lá fora, no mar, a lancha não podia deixar de perceber a imensa massa do Freya. O petroleiro estava com as luzes de ancoragem acesas, no alto do castelo de proa e na popa. Além disso, o convés estava todo iluminado e a superestrutura era como uma árvore de Natal feericamente acesa. Mas a lancha, ao invés de se desviar, começou a fazer uma curva na direção da popa do Freya.

     — Parece que nos vai abordar — comentou Keller.

     — Não pode ser a turma que vai ajudar na atracação — comentou Lundquist. — Eles só vão chegar às sete horas.

     — Talvez não tenham conseguido dormir e quiseram chegar antes do tempo — sugeriu Keller.

     Lundquist virou-se para o marinheiro e disse:

     — Vá até o alto da escada e me informe o que avistar. Ponha o fone de cabeça quando chegar lá e permaneça em contato.

     A escada de acesso ficava no meio do navio. Num navio grande. a escada é tão pesada que só pode ser movimentada por cabos de aço acionados por um motor elétrico, baixando-a da amurada até o nível do mar ou levantando-a até que fique paralela à amurada. No Freya, mesmo totalmente carregado, a amurada ficava nove metros acima do mar, um salto impossível; e naquele momento a escada estava levantada.

     Segundos depois, os dois oficiais na cabine de comando viram o marinheiro deixar a superestrutura, abaixo deles, e começar a atravessar o convés. Chegando ao alto da escada, ele subiu numa pequena plataforma que se estendia além do costado e olhou para baixo. Depois, pegou um fone numa caixa que ali havia e ajustou na cabeça. Na cabine de comando, Lundquist apertou um interruptor e um potente refletor se acendeu, iluminando o marinheiro na plataforma, a olhar para o mar escuro. A lancha desaparecera da tela do radar; estava perto demais para poder ser observada.

     — O que está vendo? — perguntou Lundquist pelo microfone A voz do marinheiro soou dentro da cabine de comando:

     — Nada, senhor.

     Enquanto isso, a lancha passava por trás do Freya. Por alguns segundos, estava fora das vistas dos observadores. Nos dois lados da popa, a murada de proteção do convés A estava seis metros acima do mar. Os dois homens de pé no teto da cabine da lancha reduziram essa distância para três metros. No momento em que a lancha emergiu das sombras do gio, os dois homens arremessaram os ganchos de três pontas que estavam segurando, as extremidades envoltas por tubos de borracha preta.

     Cada gancho, arrastando uma corda, elevou-se por três metros, caiu além da amurada e se prendeu firmemente. Enquanto a lancha se afastava, os dois foram arrancados do teto da cabine. e ficaram balançando nas cordas, os tornozelos mergulhados no mar. No instante seguinte, os dois começaram a subir, rapidamente, uma mão se erguendo acima da outra, as submetralhadoras presas nas costas. Em dois segundos, a lancha novamente emergiu à luz e começou a correr pelo lado do Freya, na direção da escada de acesso.

     — Já estou vendo agora — disse o marinheiro lá era cima.

     — Parece uma lancha de pesca.

     — Mantenha a escada levantada até que eles se identifiquem — determinou Lundquist da cabine de comando.

     Muito atrás e abaixo dele, os dois homens já haviam transposto a amurada. Desprenderam os ganchos e os jogaram no mar, onde afundaram, puxando a corda. Os dois homens se afastaram quase correndo, dando a volta por estibordo e seguindo para a escada de aço. Começaram a subir, silenciosamente, pois usavam sapatos de solas de borracha.

     A lancha foi parar por baixo da escada, oito metros acima de sua cabine apertada. Lá dentro, quatro homens estavam agachados. No leme, o timoneiro olhava em silêncio para o marinheiro lá em cima.

     — Quem é você? — gritou o marinheiro. — Identifique-se!

     Não houve resposta. O homem lá embaixo, sob o clarão do refletor, com um capuz preto de lã, limitou-se a ficar olhando para o marinheiro.

     — Ele não quer responder — disse o marinheiro pelo microfone.

     — Mantenha o refletor na lancha — determinou Lundquist. — Vou descer para dar uma olhada.

     Durante todo o tempo, a atenção de Lundquist e Keller estava concentrada no lado de bombordo e na direção da proa. No lado de estibordo, a porta que dava da cabine para a ponte de comando abriu-se subitamente, dando passagem a uma rajada de ar gelado. Os dois oficiais se viraram rapidamente. A porta foi fechada no instante seguinte. Lá estavam dois estranhos usando capuzes pretos, suéteres pretos de gola roulê, calças pretas e sapatos de sola de borracha. Cada um apontava uma submetralhadora para os oficiais.

     — Ordene ao marinheiro que baixe a escada — disse um deles, em inglês.

     Os dois oficiais estavam paralisados, aturdidos, incrédulos. Aquilo era simplesmente impossível! Um dos homens levantou a arma e olhou para Keller.

     — Vou dar-lhe três segundos — disse ele a Lundquist. — E depois vou estourar os miolos do seu colega.

     Vermelho de raiva, Lundquist inclinou-se para o microfone e disse ao marinheiro:

     — Baixe a escada.

     A voz do marinheiro soou em protesto na cabine:

     — Mas, senhor...

     — Está tudo bem, rapaz — disse Lundquist. — Faça o que estou mandando.

     Dando de ombros, o marinheiro apertou um botão no pequeno painel de controle no alto da escada. Houve um zumbido do motor e a escada baixou lentamente até o mar. Dois minutos depois, quatro outros homens, todos vestidos de preto, estavam levando o marinheiro através do convés, na direção da superestrutura, enquanto o quinto homem atracava a lancha. Mais dois minutos e os seis chegaram à ponte de comando, no lado de bombordo. Os olhos do marinheiro estavam arregalados de medo. Ao entrar na cabine, ele viu os outros dois pistoleiros que estavam dominando os oficiais.

     — Mas como...? — balbuciou o marinheiro.

     — Fique calmo — ordenou Lundquist, virando-se em seguida para o único pistoleiro que falara até aquele momento e perguntando em inglês: — O que vocês querem?

     — Queremos falar com seu comandante — disse o homem, por trás da máscara. — Onde ele está?

     A porta para a escada interna se abriu e Thor Larsen entrou na cabine de comando. Viu seus três tripulantes com as mãos atrás da cabeça e os sete terroristas vestidos de preto. Seus olhos, ao se fixarem no homem que fizera a pergunta, estavam tão amistosos quando uma geladeira se partindo ao meio.

     — Sou Thor Larsen, o Comandante do Freya — disse ele, falando bem devagar. — E quem, diabo, são vocês?

     — Não importa quem somos — disse o líder dos terroristas. — Acabamos de nos apoderar do seu navio. A menos que seus oficiais e marinheiros façam tudo o que mandarmos, vamos começar a liquidar um a um. E o primeiro será esse rapaz. O que decide?

     Larsen correu os olhos ao redor, lentamente. Três submetralhadoras estavam apontadas para o jovem marinheiro, que tinha apenas 18 anos. O rapaz estava extremamente pálido.

     — Sr. Lundquist, faça o que esses homens mandarem — disse Larsen, formalmente, virando-se em seguida novamente para o líder dos terroristas e indagando: — O que exatamente estão querendo com o Freya?

     — Não será nada difícil — disse o terrorista, sem a menor hesitação. — Pessoalmente, nada temos contra o navio ou seus tripulantes. Mas a menos que nossas exigências sejam atendidas, integralmente, não hesitaremos em fazer o que for necessário para garantir o que estamos querendo.

     — E o que isso significa? — insistiu Larsen.

     — Dentro de trinta horas, o Governo da Alemanha Ocidental terá de libertar dois amigos nossos que estão numa prisão de Berlim Ocidental, mandando-os de avião para um lugar seguro. Se isso não acontecer, vamos explodir você, seus tripulantes, seu navio e um milhão de toneladas de petróleo bruto por todo o Mar do Norte.

    

                          03:00 às 09:00

     O líder dos sete terroristas mascarados pôs seus homens para trabalhar com uma precisão metódica que obviamente ensaiara em sua própria mente por muitas horas. Deu rapidamente diversas ordens, numa língua que nem o Comandante Larsen nem seus oficiais nem o jovem marinheiro podiam entender.

     Cinco dos homens mascarados levaram os dois oficiais e o marinheiro para os fundos da cabine de comando, longe dos painéis de instrumentos, cercando-os. O líder dos terroristas sacudiu sua pistola para o Comandante Larsen e disse em inglês:

     — Por gentileza, Comandante, vamos para seu camarote.

     Em fila indiana, Larsen na frente, o líder dos terroristas atrás e o sétimo homem mascarado na retaguarda, empunhando uma submetralhadora, os três homens desceram a escada para o convés D, logo abaixo. No meio da escada, ao fazer a volta, Larsen virou-se e olhou para trás e para cima, avaliando a distância, calculando se conseguiria ou não dominar os dois terroristas.

     — Nem mesmo tente — disse o líder, por trás da máscara. — Ninguém em seu juízo perfeito pensaria em discutir com uma submetralhadora a três metros de distância.

     Larsen continuou a descer a escada. Era no convés D que ficavam os alojamentos dos oficiais. A suíte do comandante, como sempre, ficava a estibordo, na extremidade da superestrutura. Para o lado de bombordo, havia em seguida uma pequena biblioteca de cartas marítimas. A porta se abria para revelar diversos compartimentos com cartas marítimas de alta qualidade, capazes de levar o Freya por qualquer oceano, baía e ancoradouro do mundo. Eram cópias das originais, feitas pelo Almirantado britânico, as melhores do mundo.

     Em seguida ficava a suíte de reunião, uma cabine espaçosa em que o comandante ou o dono do navio podiam, se desejassem, receber um número considerável de visitantes, ao mesmo tempo. Depois, havia os aposentos reservados para o proprietário, fechados e vazios, sempre a sua disposição, se algum dia quisesse viajar no seu navio. Na extremidade de bombordo havia outra suíte idêntica à que era ocupada pelo comandante, só que em sentido inverso. Era ocupada pelo Chefe de Máquinas.

     Depois dos alojamentos do comandante ficava uma suíte menor, para o Primeiro-Oficial; depois dos alojamentos do Chefe de Máquinas, ficava a suíte do Comissário de Bordo. Todo o complexo formava um quadrado oco, cujo centro era ocupado pelo lance de escada, descendo até o convés A, três andares abaixo.

     Thor Larsen levou os terroristas a seus aposentos, entrando no camarote. O líder dos terroristas seguiu-o, indo rapidamente revistar as outras peças, o quarto e o banheiro. Não havia ninguém ali.

     — Sente-se, Comandante — disse ele, a voz ligeiramente abafada pela máscara. — Deve permanecer aqui até a minha volta. Por favor, não tente nada. Ponha as mãos sobre a mesa e mantenha-as assim, as palmas viradas para baixo.

     Houve outro fluxo de ordens numa língua estrangeira e o terrorista com a submetralhadora foi postar-se de costas contra a antepara do outro lado do camarote, a quatro metros de distância, mas de frente para Thor Larsen, a arma apontando diretamente para o suéter branco de gola roulée que o comandante usava. O líder dos terroristas verificou se todas as cortinas estavam bem fechadas e depois saiu, fechando a porta. Os outros dois habitantes do convés estavam dormindo em seus respectivos alojamentos e não ouviram nada. Minutos depois, o líder estava de volta à cabine de comando. Apontou a arma para o marinheiro e disse:

     — Venha comigo!

     O rapaz virou-se para o Primeiro-Oficial Stig Lundquist com uma expressão suplicante.

     — Se fizer alguma coisa a esse rapaz, pode estar certo de que terá de ajustar contas comigo — disse Tom Keller, com seu sotaque americano.

     Dois canos de submetralhadoras mexeram-se ligeiramente nas mãos dos homens ao redor dele.

     — Seu cavalheirismo é admirável, mas seu senso da realidade é deplorável — disse a voz por trás da máscara do líder. — Ninguém vai sair machucado, a menos que tente alguma estupidez. Neste caso, haverá um banho de sangue e você ficará diretamente por baixo da torneira.

     Lundquist sacudiu a cabeça para o marinheiro, murmurando:

     — Vá com ele e faça o que lhe mandar.

     O marinheiro desceu a escada interna, na frente do líder dos terroristas. No nível do convés D, o terrorista o deteve.

     — Quem mais ocupa esse convés, além do comandante?

     — O Chefe de Máquinas ocupa aquele alojamento — respondeu o marinheiro. — O Primeiro-Oficial fica ali. Mas neste momento ele está lá em cima, na cabine de comando. E o Comissário de Bordo fica ali.

     Não havia o menor sinal de vida por trás de qualquer uma das portas.

     — Onde fica a sala de tintas?

     Sem dizer uma palavra, o marinheiro virou-se e recomeçou a descer a escada. Passaram pelos conveses C e B. Em determinado momento, ouviram um murmúrio de vozes. Saía de detrás da porta do refeitório dos marinheiros, onde quatro homens que não conseguiam dormir estavam aparentemente jogando cartas e tomando café.

     No convés A, alcançaram o nível da base da superestrutura. O marinheiro abriu uma porta externa e atravessou-a. O terrorista seguiu-o. O ar frio da noite fez os dois estremecerem, depois do calor do interior. Estavam atrás da superestrutura, na popa. Para um lado da porta da qual emergiram erguia-se a estrutura da chaminé, ele-vando-se por 30 metros na direção das estrelas.

     O marinheiro seguiu na frente, através da popa, até uma pequena estrutura de aço. Tinha dois metros de largura por outros dois de comprimento, praticamente com a mesma altura. Havia uma porta de aço, fechada por duas trancas aparafusadas, com porcas-borboletas.pelo lado de fora.

     — Lá embaixo — disse o marinheiro.

     — Desça — ordenou o terrorista.

     O rapaz girou as porcas-borboletas e tirou-as. Segurou a maçaneta e abriu a porta. Havia uma luz acesa lá dentro, mostrando uma pequena plataforma e uma escada de aço, levando para as profundezas do Freya. Cutucado pela arma, o marinheiro passou pela porta e começou a descer, com o terrorista atrás.

     A escada descia por mais de 20 metros, passando por diversas galerias, nas quais havia portas de aço. Ao chegarem ao fundo, estavam abaixo da linha-d'água, tendo sob seus pés somente a quilha, por trás da placa de aço do convés. Era um espaço pequeno, todo fechado, com quatro portas de aço. O terrorista sacudiu a cabeça para a porta que dava para a pipa.

     — Essa porta leva para onde?

     — Para o compartimento do leme.

     — Vamos dar uma olhada.

     A porta foi aberta, revelando um grande compartimento arqueado, todo de metal, pintado de verde claro. Era bem iluminado. Quase todo o centro do convés estava ocupado por uma montanha de mecanismos cobertos, os quais movimentavam o leme de acordo com as determinações dos computadores na cabine de comando. As anteparas do compartimento eram curvas, acompanhando a curvatura do casco do navio. À ré do compartimento, além do aço, o imenso leme do Freya estava naquele momento imóvel, completamente inerte, nas águas escuras do Mar do Norte. O terrorista ordenou que a porta fosse novamente fechada e trancada.

     A bombordo e estibordo do compartimento do mecanismo do leme ficavam respectivamente o depósito de produtos químicos e a sala de tintas. O terrorista ignorou o depósito de produtos químicos; não ia aprisionar os homens num lugar em que havia ácido para eles se divertirem. A sala de tintas era melhor. Era bastante grande, arejada, bem ventilada e sua antepara externa era o costado do navio.

     — O que é a quarta porta? — indagou o terrorista.

     Era a única que não tinha maçanetas. O marinheiro não hesitou em responder:

     — Leva para os fundos da casa de máquinas. Está trancada pelo outro lado.

     O terrorista fez pressão contra a porta de aço. Era sólida como rocha. Ele pareceu ficar satisfeito.

     — Quantos' homens há no navio? — perguntou ele. — Ou mulheres. Não tente enganar-me. Se houver mais alguém do número que me disser, pode estar certo de que iremos fuzilá-lo.

     O rapaz passou a língua pelos lábios ressequidos.

     — Não há mulheres a bordo. Na próxima viagem, as esposas talvez pudessem ir, mas não na viagem inaugural. Há trinta homens, incluindo o Comandante Larsen.

     Sabendo o que precisava, o terrorista empurrou o apavorado rapaz para dentro da sala de tintas, fechou a porta e pôs uma das trancas no lugar. Depois, tornou a subir a escada.

     Emergindo no convés de popa, evitou a escada interna e subiu rapidamente a escada externa, voltando à cabine de comando.

     Sacudiu a cabeça para seus cinco companheiros, que ainda estavam com as armas apontadas para os dois oficiais, e deu diversas ordens. Minutos depois, os dois oficiais de quarto, juntamente com o Chefe de Máquinas e o Comissário de Bordo, arrancados de suas camas no convés D, foram escoltados até a sala de tintas. A maior parte da tripulação estava dormindo no convés B, onde ficava a maioria dos alojamentos, bem menores do que os dos oficiais, nos conveses C e D.

     Houve protestos, exclamações, frases furiosas, enquanto os homens eram levados para baixo. Mas em todas as ocasiões, o líder dos terroristas, o único que falava, informava em inglês que o comandante estava preso em seu próprio camarote e morreria se houvesse alguma resistência. Os oficiais e marinheiros obedeceram às ordens dele.

     Na sala de tintas, a tripulação foi finalmente contada: 29 homens. O primeiro-cozinheiro e dois dos quatro taifeiros tiveram permissão de voltar à cozinha, no convés A, a fim de buscar bandejas com pão, garrafas de limonada e latas de cerveja. Foram providenciados também dois baldes, que serviriam de banheiro.

     — Procurem ficar o mais confortável possível — disse o líder dos terroristas aos 29 homens furiosos que o fitavam do inferior da sala de tintas. — Não vão ficar trancados aqui por muito tempo. Trinta horas, no máximo. Só mais uma coisa: o comandante de vocês está precisando do operador das bombas. Quem é ele?

     Um sueco chamado Martinsson adiantou-se.

     — Sou eu.

     — Venha comigo.

     Eram quatro e meia da madrugada.

     O convés A, o primeiro andar da superestrutura, era inteiramente ocupado pelos compartimentos em que funcionavam os serviços do gigantesco navio. Ali estavam a cozinha principal, câmara frigorífica, despensas, depósitos de bebidas, lavanderia automática, sala de controle de carga, incluindo o controle do gás inerte, e sala de controle de incêndio, também conhecida como sala da espuma.

     O convés B, por cima, continha todos os alojamentos dos marinheiros, cinema, biblioteca, quatro salas de recreação e três bares.

     O convés C continha os alojamentos dos oficiais, além dos quatro que ficavam no andar acima, e mais o salão de jantar dos oficiais, salão de descanso e o clube da tripulação, com uma varanda, piscina, sauna e ginásio.

     Era a sala de controle de carga, no convés A, que interessava ao terrorista. Ordenou que o operador de bombas o levasse até lá. Não havia janelas; a sala era silenciosa, bastante iluminada, com aquecimento central e ar-condicionado. Por trás da máscara, os olhos do líder dos terroristas faiscaram, passando rapidamente pelos incontáveis interruptores e botões e indo fixar-se na antepara traseira. Ali, por trás do painel de controle no qual o operador de bombas estava agora sentado, havia um painel com três metros de largura e um e meio de altura. Mostrava, sob a forma de diagrama, a disposição dos tanques de carga do Freya.

     — Se tentar enganar-me, isso pode custar a vida de um dos meus homens — disse ele ao operador de bombas. — Mas pode estar certo de que descobrirei. E quando isso acontecer, meu amigo não vou atirar em você, mas sim em seu Comandante Larsen. Agora, mostre-me onde ficam os porões de lastro e os porões de carga.

     Martinsson não iria discutir com a vida do Comandante em jogo. Tinha 20 e poucos anos e Thor Larsen era uma geração mais velho. Já navegara com Larsen duas vezes antes, inclusive em sua primeira viagem como operador de bombas. Como todos os demais tripulantes, tinha um profundo respeito e gostava muito do imenso norueguês, o qual possuía a reputação incontestável da maior consideração por sua tripulação e de ser o melhor comandante de toda a frota da Nordia. Ele apontou para o diagrama a sua frente.

     Os 60 porões estavam dispostos em fileiras de três, ao longo do Freya.

     — Na primeira fileira, a partir da proa, os tanques de bombordo e estibordo estão cheios de petróleo bruto — disse Martinsson. — O do meio é o tanque de despejo, vazio agora, servindo como tanque de flutuação, porque estamos na viagem inaugural e ainda não descarregamos qualquer carga. Assim, não houve necessidade de limpar os outros tanques de carga e bombear os despejos para lá. Na fileira seguinte, todos os três tanques são de lastro. Estavam cheios de água do mar do Japão até o Golfo, mas agora estão cheios de ar.

     — Abra as válvulas entre os três tanques de lastro e o tanque de despejo — ordenou o terrorista. Martinsson hesitou. — Vamos, faça logo o que estou mandando!

     Martinsson comprimiu três botões quadrados de plástico no painel de controle a sua frente. Houve um zumbido baixo além do painel. A quase meio quilômetro à frente deles, muito abaixo do convés de aço, imensas válvulas, do tamanho de portas de garagem, se abriram, formando uma única unidade dos quatro tanques interligados, cada um com capacidade para 20.000 toneladas de líquido. Não apenas o ar, mas qualquer líquido que entrasse agora em um dos tanques fluiria livremente para os outros três.

     — Onde ficam os tanques de lastro seguintes? — indagou o terrorista.

     Martinsson apontou com o indicador para uma fileira de três tanques no meio do navio.

     — Ficam aqui — disse ele. — São três tanques, lado a lado, na mesma fileira.

     — Vamos deixá-los como estão — disse o terrorista. — Onde ficam os outros?

     — Há nove tanques de lastro no total — disse Martinsson. — Os últimos três ficam aqui, lado a lado como sempre bem perto da superestrutura.

     — Abra as válvulas a fim de que os três fiquem em comunicação.

     Martinsson obedeceu.

     — Ótimo — disse o terrorista. — E agora me dê uma informação: os tanques de lastro podem ser ligados diretamente com os tanques de carga?

     — Não — respondeu Martinsson. — Isso é inteiramente impossível. Os tanques de lastro são permanentemente para lastro, ou seja, para água do mar e para ar, mas jamais para petróleo. Os tanques de carga são o inverso. Os dois sistemas não estão ligados.

     — Não é problema — disse o terrorista mascarado. — Podemos mudar tudo isso. Só mais uma coisa: abra todas as válvulas entre os tanques de carga, lateralmente e longitudinalmente, a fim de que todos os cinqüenta se comuniquem entre si.

     Foram necessários apenas 15 segundos para que todos os botões de controle fossem apertados. Lá embaixo, na escuridão total dos depósitos de petróleo bruto, dezenas de gigantescas válvulas se abriram, formando um tanque único e enorme, contendo 1.000.000 de toneladas. Martinsson ficou olhando, atordoado e horrorizado, para o que acabara de fazer.

     — Se houver uma ruptura num dos tanques — balbuciou ele — todo o milhão de toneladas de petróleo bruto vai escoar-se para o mar.

     — Sendo assim, é melhor que as autoridades cuidem para que nada aconteça com o navio — disse o terrorista. — Onde fica a fonte de energia desse painel de controle para as bombas hidráulicas que acionam as válvulas?

     Martinsson apontou para uma caixa de junção elétrica na antepara, perto do teto. O terrorista estendeu o braço, abriu a caixa e baixou a chave de contato. Com a energia desligada, ele removeu os 10 fusíveis e guardou-os no bolso. O operador de bombas tinha uma expressão de medo nos olhos. O processo de abertura das válvulas se tornara irreversível. Havia fusíveis de reserva e ele sabia onde estavam. Mas nada poderia fazer, pois ficaria trancado na sala de tintas. Nenhum estranho que ali entrasse poderia encontrar os fusíveis a tempo, de fechar as válvulas, se acontecesse alguma coisa.

     Bengt Martinsson sabia, porque era sua função saber, que um petroleiro não pode simplesmente ser carregado ou descarregado ao acaso. Se todos os tanques de estibordo forem carregados, enquanto os tanques do outro lado ficam vazios, o navio vai virar para o lado e afundar. Se os tanques de bombordo são carregados sem a devida compensação a estibordo, o navio aderna para o outro lado. Se os tanques da proa são carregados, sem o equilíbrio com a popa, o navio mergulha de frente, a popa se erguendo no ar; e o inverso acontece, se a popa fica cheia de líquido e a proa permanece vazia.

     Mas se os tanques de lastro da proa e da popa são inundados com água, enquanto a seção do meio está cheia de ar, o navio vai arquear-se como um acrobata se curvando para trás. Os petroleiros não são projetados para suportar tais tensões; o casco maciço do Freya inevitavelmente iria romper-se ao meio.

     — Mais uma coisa — disse o terrorista. — O que aconteceria, se abríssemos todas as cinqüenta escotilhas de inspeção dos tanques de carga?

     Martinsson sentiu-se tentado, extremamente tentado, a deixar que os terroristas experimentassem. Mas pensou no Comandante Larsen, sentado lá em cima, diante de uma submetralhadora. Engoliu em seco.

     — Vocês morreriam, a menos que tivessem aparelhos de respiração — balbuciou ele, finalmente.

     Ele explicou ao mascarado a seu lado que, quando os porões de um petroleiro estão cheios, o petróleo bruto jamais se eleva até o teto do tanque. No espaço entre a superfície do líquido e o teto do porão acumulam-se gases, desprendidos pelo petróleo bruto. São gases voláteis, altamente explosivos. Se não fossem eliminados, transformariam o navio numa bomba flutuante.

     Anos antes, o sistema de eliminação desses gases era através de tubulações com válvulas de pressão, a fim de que os gases pudessem escapar para a atmosfera acima do convés; como são muito leves, os gases imediatamente subiam. Recentemente, fora projetado um sistema muito mais seguro; gases inertes da descarga principal dos motores eram expelidos para os porões, de onde expulsavam o oxigênio e se acumulavam sobre a superfície do petróleo bruto. Esses gases inertes eram constituídos principalmente por monóxido de carbono.

     Criando assim uma atmosfera completamente destituída de oxigênio, não havia qualquer perigo em fogo ou numa faísca, que exigem oxigênio. Cada tanque tinha uma escotilha de inspeção circular, de um metro, que dava para o convés principal. Se algum visitante incauto abrisse uma dessas escotilhas, seria imediatamente envolvido por uma nuvem de gás inerte. Morreria sufocado, asfixiado numa atmosfera que não continha oxigênio.

     — Obrigado — disse o terrorista quando Martinsson acabou de explicar. — Quem cuida dos aparelhos de respiração?

     — É o Primeiro-Oficial. Mas todos nós fomos treinados para usá-los.

     Dois minutos depois, ele estava de volta à sala de tintas, trancado com o resto da tripulação. Eram cinco horas da manhã.

     Enquanto o líder dos terroristas estava na sala de controle de carga com Martinsson e outro apontava sua submetralhadora para Thor Larsen, os restantes cinco haviam descarregado a lancha. As 10 valises com explosivos ficaram no convés, no meio do navio, acima da escada de acesso, aguardando as instruções do líder para a devida colocação. E ele deu as ordens com uma precisão incisiva. No convés de proa, as escotilhas de inspeção dos tanques de lastro de bombordo e estibordo foram desatarraxadas e removidas, deixando à mostra a escada de aço embutida na parede que descia 25 metros pelas profundezas escuras de ar abafado.

     Azamat Krim tirou a máscara, meteu-a no bolso, pegou a lanterna e desceu por uma das escotilhas. Duas valises foram baixadas por cordas, atrás dele. Trabalhando no fundo do porão, à luz da lanterna, ele colocou toda a carga de uma valise na antepara externa do Freya, prendendo com uma corda a uma das vigas verticais. Dividiu em duas partes a carga da outra valise, colocando uma parte na antepara anterior, além da qual havia 20.000 toneladas de petróleo bruto, e a outra antepara posterior, além da qual também havia 20.000 toneladas de petróleo bruto. Sacos de areia, também trazidos da lancha, foram amontoados em torno das cargas, para concentrar a explosão. Depois de verificar os detonadores e ligá-los ao mecanismo de disparo, Krim voltou a subir para o convés principal.

     O mesmo processo foi repetido no outro lado do Freya e depois mais duas vezes nos tanques de lastro de bombordo e estibordo perto da superestrutura. Krim usou oito valises de explosivos em quatro tanques de lastro. Colocou a nona valise no tanque de lastro do centro, no meio do navio, não para abrir um buraco de acesso ao mar que estava à espera, mas para ajudar a romper a estrutura do navio.

    A décima valise foi levada para a casa de máquinas. Ali, na curvatura do casco do Freya, encostada na antepara da sala de tintas, a carga foi colocada e preparada. Era potente o bastante para romper as duas anteparas simultaneamente. Se a carga fosse acionada, os homens trancados na sala de tintas que sobrevivessem a explosão morreriam afogados, quando o mar, sob imensa pressão, 25 metros abaixo das ondas, penetrasse no navio. Eram 6:15 da manhã e o dia raiava sobre os conveses silenciosos do Freya quando Krim foi apresentar-se a Andrew Drake.

     — As cargas já foram colocadas e preparadas, Andriy — disse ele. — Peço a Deus que jamais tenhamos de acioná-las.

     — Não precisaremos fazê-lo — assegurou Drake. — Mas tenho de convencer o Comandante Larsen dessa possibilidade. Somente depois que ele vir e acreditar é que poderá persuadir as autoridades. Terão então de fazer o que quisermos, pois não haverá alternativa.

     Dois homens da tripulação foram retirados da sala de tintas, obrigados a vestir os trajes protetores, com as máscaras e tanques portáteis de oxigênio, descendo então para o convés principal e abrindo todas as 50 escotilhas de inspeção dos tanques de carga, da proa à popa. Depois que o trabalho foi feito, os homens voltaram a ser trancados na sala de tintas. A porta de aço não voltaria a ser aberta até que os dois prisioneiros na Alemanha estivessem em segurança em Israel.

     Às seis e meia, ainda mascarado, Andrew Drake voltou ao camarote do Comandante. Exausto, sentou-se diante de Thor Larsen e contou-lhe tudo o que havia sido feito. O norueguês sustentou o olhar dele, impassível, contido pela submetralhadora que lhe era apontada do canto do camarote.

     Ao terminar o relato, Drake exibiu para Larsen um instrumento de plástico preto. Não era maior do que dois maços de cigarro juntos; tinha um único botão vermelho em cima e uma antena de aço de quatro centímetros.

     — Sabe o que é isso, Comandante?

     Larsen deu de ombros. Mas conhecia o bastante de rádio para reconhecer um pequeno transmissor transistorizado.

     — É um oscilador — falou Drake. — Se o botão vermelho for comprimido, emitirá uma única nota VHF, subindo de tom, até um grito que nossos ouvidos não poderão captar. Mas ligada a cada carga instalada no navio há um pequeno receptor que pode e vai ouvir. À medida que o diapasão for aumentando, um mostrador nos receptores irá indicá-lo, as agulhas avançando, até o ponto em que não poderão ir mais adiante. Quando isso acontecer, os fusíveis dos mecanismos irão explodir e uma corrente será interrompida. A interrupção da corrente em cada receptor transmitirá sua mensagem aos detonadores, que entrarão em ação. E sabe o que isso significaria?

     Thor Larsen ficou olhando em silêncio para o homem mascarado no outro lado da mesa. Seu navio, seu amado Freya, estava sendo violentado e ele nada podia fazer. Sua tripulação estava trancafiada num caixão de aço, a poucos centímetros de uma carga explosiva que poderia matar todos os homens e cobri-los segundos depois com a água gelada do mar.

     Com os olhos da mente, Larsen teve uma visão do inferno. Se as cargas explodissem, grandes buracos seriam abertos nos lados de bombordo e estibordo, em quatro dos tanques de lastro. Montanhas de mar impetuoso entrariam pelas aberturas, enchendo os tanques de lastro em questão de minutos. Sendo mais pesada do que o petróleo bruto, a água do mar exerceria uma pressão maior; passaria pelos buracos abertos dentro dos tanques de lastro para os porões de carga vizinhos, impelindo o petróleo bruto para cima, através das escotilhas de inspeção, até que outros seis tanques também ficassem cheios de água. Isso aconteceria no pique de vante e logo a ré do lugar em que estava. Em questão de minutos, a casa de máquinas seria inundada por dezenas de milhas de toneladas de água verde. A proa e a popa iriam baixar pelo menos três metros, mas o meio do navio, com seus tanques de lastro intactos, cheios de ar, iria elevar-se. Freya, a mais linda de todas as deusas nórdicas, Freya, o seu navio, iria arquear as costas uma vez, angustiado pela dor, partindo-se ao meio. As duas partes afundariam direto, sem virar, até o leito do mar oito metros abaixo, com 50 escotilhas de inspeção abertas. Um milhão de toneladas de petróleo bruto deixaria os porões de carga para a superfície do Mar do Norte.

     Poderia levar uma hora para que o gigantesco navio afundasse completamente, mas o processo seria irreversível. Em águas tão rasas, parte da superestrutura poderia ficar ainda acima da superfície, mas nunca mais seria possível fazer com que o navio tornasse a flutuar. Poderia demorar três dias até que toda a carga chegasse à superfície, mas nenhum mergulhador poderia trabalhar entre 50 colunas de petróleo bruto a se elevar verticalmente. Ninguém poderia tornar a fechar as escotilhas. O escapamento do petróleo, assim como a destruição do navio, seria um processo irreversível.

     Larsen continuou olhando para o homem mascarado, sem fazer qualquer comentário. Uma raiva profunda e intensa fervilhava dentro dele, crescendo a cada minuto que passava. Mas ele nada deixava transparecer.

     — O que estão querendo? — indagou Larsen, finalmente.

     O terrorista olhou o mostrador do relógio digital na antepara. Faltavam 15 minutos para as sete horas.

     — Vamos para a sala de rádio — disse ele. — Falaremos com Rotterdam. Ou melhor, você vai falar com Rotterdam.

    

     Cerca de 27 milhas a leste, o Sol nascente atenuava o clarão das grandes chamas amareladas que se elevam dia e noite das refinarias de petróleo de Europort. Ao longo da noite, da cabine de comando do Freya, fora possível avistar essas chamas no céu escuro acima das refinarias da Chevron, Shell e British Petroleum; mais além, podia-se avistar também o clarão azulado da iluminação das ruas de Rotterdam.

     As refinarias e o imenso complexo de Europort, o maior terminal de petróleo do mundo, ficam na margem sul do Estuário do Maas. Na margem norte, fica o Cabo da Holanda, com o seu terminal de barca e o prédio do Controle do Maas, por trás de uma rede de antenas de radar.

     Ali, às 6:45 da manhã de 1 de abril, o Oficial de Plantão Bernhard Dijkstra bocejou e espreguiçou-se. Voltaria para casa dentro de 15 minutos e tomaria um lauto e bem merecido café da manhã. Depois de dormir um pouco, voltaria numa lancha de sua casa em Gravenzande, aproveitando as horas de folga para assistir ao novo petroleiro entrando no estuário. Deveria ser um dia e tanto. Como que a responder a seus pensamentos, o alto-falante a sua frente subitamente entrou em funcionamento.

     — Controle do Maas, Controle do Maas. Aqui é o Freya.

     O superpetroleiro estava no Canal 20, que era o canal habitual para que um petroleiro no mar entrasse em contato com o Controle do Maas pelo radiotelefone. Dijkstra inclinou-se para a frente e empurrou uma pequena alavanca.

     — Freya, aqui é o Controle do Maas. Pode falar.

     — Controle do Maas, aqui é Freya. Comandante Thor Larsen falando. Onde está a lancha com minha turma de atracação?

     Dijkstra consultou uma prancheta à esquerda do painel de controle.

     — Freya, aqui é o Controle do Maas. A lancha deixou o Cabo há pouco mais de uma hora. Deve estar chegando aí em mais vinte minutos.

     O que se seguiu fez Dijkstra ficar abruptamente ereto e tenso.

     — Freya para Controle do Maas. Entre imediatamente em contato com a lancha e mande que volte para o porto. Não podemos receber os homens a bordo. Informe aos pilotos do Maas para não decolarem. Repito, os pilotos do Maas não devem decolar. Não podemos recebê-los a bordo. Temos uma emergência. Repito, temos uma emergência.

     Dijkstra cobriu o alto-falante com a mão e gritou para que seu colega do plantão ligasse imediatamente o gravador. Depois que os carretéis estavam girando, para registrar a conversa, Dijkstra tirou a mão do alto-falante e disse cuidadosamente:

     — Freya, aqui é o Controle do Maas. Mensagem recebida. Não quer que a turma de atracação se aproxime. Não quer que os pilotos decolem. Por favor, confirme.

     — Controle do Maas, aqui é o Freya. Confirmado. Confirmado.

     — Freya, por favor, dê detalhes da emergência.

     Houve silêncio por 10 segundos, como se estivesse ocorrendo uma consulta na cabine de comando do Freya. Depois, a voz de Larsen tornou a soar na sala do Controle do Maas:

     — Controle do Maas, aqui é o Freya. Não posso esclarecer a natureza da emergência. Mas se houver qualquer tentativa de alguém se aproximar do Freya, pessoas serão mortas. Por favor, fiquem longe. Não façam qualquer tentativa de entrar em contato com o Freya pelo rádio ou telefone. O Freya voltará a entrar em contato com vocês exatamente a zero-nove-zero-zero horas. O Diretor da Administração do Porto de Rotterdam deve estar presente na sala de controle. Isso é tudo.

     A voz parou de falar e houve um clique sonoro. Dijkstra tentou fazer contato novamente duas ou três vezes. Depois, olhou para seu colega, aturdido, e murmurou:

     -— Que diabo significa tudo isso?

     O Oficial Schipper deu de ombros.

     — Não estou gostando nada — disse ele. — O Comandante Larsen falou como se estivesse correndo algum perigo.

     — Ele falou em homens serem mortos — comentou Dijkstra. — Mas como? Será que houve um motim a bordo? Ou alguém enlouqueceu?

     — É melhor fazermos o que ele disse até que fique tudo esclarecido.

     — Tem razão. Fale com o Diretor do Porto, enquanto entro em contato com a lancha e com os dois pilotos em Schiphol.

     A lancha levando a equipe de atracação deslizava pelo mar sereno na direção do Freya, a uma velocidade de 10 nós, faltando apenas três milhas a percorrer. Estava nascendo uma linda manhã de primavera, excepcionalmente quente para aquela época do ano. Três milhas à frente, o costado do gigantesco petroleiro era cada vez maior. Os 10 holandeses que iriam ajudar a atracá-lo, mas que nunca o tinham visto antes, estavam esticando a cabeça para ver melhor, na maior expectativa, à medida que se aproximavam.

     Ninguém pensou em nada demais quando o rádio de contato de terra, ao lado do timoneiro, começou a estalar, entrando em funcionamento. O timoneiro tirou o fone do gancho e levou-o ao ouvido. Franzindo o rosto, pôs a lancha subitamente em marcha lenta.

     Pediu confirmação. Só depois é que deu uma guinada no leme, fazendo a lancha descrever um semicírculo.

     — Vamos voltar — informou ele aos homens que o fitavam perplexos. — Há algo errado. O Comandante Larsen ainda não está pronto para recebê-los.

     Por trás deles, enquanto voltavam para o Cabo, o Freya novamente ia ficando cada vez menor, recortado contra o horizonte.

     No Aeroporto de Schiphol, ao sul de Amsterdã, os dois pilotos do estuário estavam-se encaminhando para o helicóptero do porto, que iria levá-los pelo ar até o convés do petroleiro. Era um procedimento de rotina; eles sempre seguiam de helicóptero ao encontro dos navios à espera em alto-mar.

     O piloto mais velho, um veterano grisalho com 20 anos no mar e 15 anos de Piloto do Maas, levava sua “caixa marrom”, o instrumento que o ajudaria a guiar o petroleiro num curso determinado com uma margem de erro inferior a um metro, se desejasse ser tão preciso. Com o Freya apenas seis metros acima dos bancos de areia e com o Canal Interior tendo apenas mais cinco metros que o navio, teria de sê-lo naquela manhã.

     No momento em que eles se abaixaram e passaram sob as pás girando, o piloto do helicóptero inclinou-se para fora e gritou, acima do rugido do motor:

     — Parece que há algo errado. Temos de esperar. Vou desligar o motor.

     Com o motor desligado, as pás da hélice foram diminuindo a velocidade, até parar.

     — Mas que diabo está acontecendo? — indagou o segundo piloto.

     O piloto do helicóptero deu de ombros.

     — Não me pergunte. Acabei de receber o aviso do Controle do Maas. O navio ainda não está pronto para recebê-los.

    

   Em sua bela casa de campo, nos arredores de Vlaardingen, Dirk Van Gelder, o Diretor da Administração do Porto, estava tomando o café da manhã, alguns minutos antes das oito horas, quando o telefone tocou. Foi sua esposa quem atendeu.

     — É para você — gritou ela, voltando para a cozinha.

     Van Gelder levantou-se da mesa, largou o jornal na cadeira e saiu para o vestíbulo.

     — Van Gelder — disse ele ao telefone.

     Ficou escutando, empertigando-se, abruptamente, e franzindo o rosto.

     — O que ele estava querendo dizer com mortos? — Houve outra torrente de palavras em seu ouvido.

     — Está bem — disse Van Gelder finalmente. — Continue aí, já estou saindo. Chegarei dentro de quinze minutos.

     Desligou o telefone, tirou os chinelos, pôs os sapatos e o paletó, pois minutos depois, estava na porta de sua garagem. Ao sentar-se ao volante da Mercedes e sair de marcha à ré da garagem, ele estava empenhado em reprimir os pensamentos de seu pesadelo pessoal e persistente.

     — Deus do céu, um seqüestro não! Por favor, qualquer coisa menos um seqüestro!

     Depois de desligar o radiotelefone na cabine de comando do Freya, o Comandante Thor Larsen foi levado, sob a mira de uma arma, a percorrer o navio, espiando pela escotilha de inspeção para os quatro tanques de lastro, com a ajuda de uma lanterna, a fim de poder ver as cargas de dinamite presas abaixo da linha-d'água.

     Depois, viu a lancha com a turma de atracação descrever um semicírculo, a três milhas de distância, voltando para a costa. Para o lado do mar, passou um pequeno cargueiro, seguindo para o sul; saudou o leviatã ancorado com um apito exuberante. Não houve resposta.

     Viu a carga única no tanque de lastro no meio do navio e as cargas adicionais nos tanques de lastro posteriores, perto da superestrutura. Não precisava ver a sala de tintas. Sabia onde ficava e podia imaginar como as cargas explosivas estavam próximas.

     Às oito e meia, enquanto Dirk Van Gelder entrava no prédio do Controle do Maas a fim de escutar a gravação, o Comandante Thor Larsen era escoltado de volta a seu camarote. Notara que um dos terroristas, todo agasalhado contra o frio da manhã, estava no alto do castelo de proa do Freya, observando o mar à frente do navio. Havia outro no alto da chaminé, 30 metros acima do convés, de onde podia descortinar todo o mar ao redor. Um terceiro estava na cabine de comando, vigiando as telas de radar, capaz de observar tudo o que acontecia num raio de 50 milhas de mar ao redor, assim como abaixo da superfície, graças à avançada tecnologia do Freya.

     Dos restantes quatro homens, dois estavam em companhia de Larsen, o líder e mais um; os outros dois deveriam estar em algum lugar dos conveses inferiores.

     O líder dos terroristas forçou-o a sentar-se a sua própria mesa, em seu camarote. O homem bateu no oscilador preso em seu cinto e disse:

     — Comandante, por favor, não me obrigue a apertar esse botão vermelho. E não pense, por favor, que eu não seria capaz de fazê-lo, se houver alguma tentativa de heroísmo neste navio ou se minhas exigências não forem atendidas. E agora, por gentileza, leia isto.

     Entregou a Larsen três folhas de papel almaco, com um texto datilografado, em inglês. Larsen leu rapidamente.

     — Às nove horas, vai ler essa mensagem pelo rádio para o Diretor da Administração do Porto de Rotterdam. Nada mais, nada menos. Nada de falar mais alguma coisa em holandês ou norueguês. Nada de perguntas complementares. Limite-se a ler a mensagem. Entendido?

     Larsen assentiu, com expressão sombria. A porta foi aberta nesse momento e um terrorista mascarado entrou. Vinha da cozinha e trazia uma bandeja com ovos mexidos, pão, manteiga, geléia e café. Colocou-a sobre a mesa, entre os dois homens.

     — O café da manhã! — disse o líder terrorista, gesticulando para Larsen. — Pode comer também.

     Larsen sacudiu a cabeça, recusando-se a comer. Mas tomou o café. Passara toda a noite acordado e no dia anterior se levantara às sete horas da manhã. Estava há 26 horas acordado e não sabia quando poderia voltar a dormir. Precisava ficar alerta e sabia que o café poderia ajudar. Calculou que o terrorista no outro lado da mesa também deveria estar acordado há um tempo equivalente.

     O líder fez sinal para que o outro terrorista se retirasse. A porta foi fechada e os dois ficaram a sós. Mas a mesa larga deixava o terrorista fora do alcance de Larsen. A arma estava a poucos centímetros da mão direita do homem, o oscilador em sua cintura.

     — Não creio que tenhamos de abusar de sua hospitalidade por mais de trinta ou quarenta horas — disse o homem mascarado. — Mas tenho certeza de que vou acabar sufocando, se ficar com essa máscara durante todo o tempo. Não creio que faça alguma diferença se eu a tirar. Nunca me viu antes; depois de amanhã nunca mais tornará a me ver.

     Com a mão esquerda, o homem arrancou o capuz da cabeça. Larsen descobriu-se a olhar para um homem de 30 e poucos anos, olhos castanhos, cabelos castanhos claros. Larsen estava desconcertado. O homem falava como um inglês, comportava-se como um inglês. Mas os ingleses certamente não seqüestram petroleiros. Seria um irlandês? Do Exército Republicano Irlandês? Mas ele se referira a amigos presos na Alemanha. Seria árabe? Havia terroristas da Organização de Libertação da Palestina presos na Alemanha. E ele falara numa língua estranha com seus companheiros. Não soava como árabe, é verdade, mas havia dezenas de dialetos arábicos e Larsen conhecia apenas os árabes do Golfo. O mais provável era que fosse irlandês.

     — Como posso chamá-lo? — perguntou ele ao homem que jamais conheceria como Andriy Drach ou Andrew Drake.

     O homem pensou por um momento, enquanto comia.

     — Pode chamar-me de “Svoboda” — disse ele, finalmente. — É um nome bastante encontrado ern minha língua. Mas é também um substantivo comum. Significa “liberdade”.

     — Não é uma palavra árabe.

     O homem sorriu pela primeira vez.

     — Claro que não. Não somos árabes. Somos combatentes da liberdade ucranianos e nos orgulhamos disso.

     — E acha mesmo que as autoridades vão libertar seus amigos que estão presos?

     — Terão de libertá-los — disse Drake, confiante. — Nao tem alternativa. Vamos indo. Já são quase nove horas.

    

                        09:00 às 13:00

     — Controle do Maas, Controle do Maas, aqui é o Freya.

     A voz de barítono do Comandante Thor Larsen ecoou pela sala principal do Controle do Maas, no prédio situado na ponta do Cabo da Holanda. Ali, no primeiro andar, com janelas panorâmicas dando para o Mar do Norte, agora com as cortinas fechadas contra o brilho do Sol da manhã, para não afetar as telas de radar, cinco homens estavam sentados, à espera.

     Dijkstra e Schipper ainda estavam na sala, tendo esquecido inteiramente o café da manhã. Dirk Van Gelder estava atrás de Dijkstra, pronto para assumir o controle, quando chegasse a chamada. Em outro painel de controle, um dos homens do turno do dia estava cuidando do resto do tráfego do estuário, fazendo os navios entrarem e saírem e mantendo-os longe do Freya, cujo bip na tela de radar ficava no limite do campo de alcance, mas ainda assim era bem maior do que os outros. O chefe de segurança marítima do Controle do Maas também estava presente.

     Assim que a chamada chegou, Dijkstra saiu da cadeira diante do alto-falante e Van Gelder se sentou. O Diretor segurou a base do microfone de mesa, limpou a garganta e empurrou a alavanca de transmissão.

     — Freya, aqui é Controle do Maas. Pode falar, por favor. Além do prédio, que parecia uma torre de controle de tráfego aéreo decepada e colocada na areia, outros ouvidos estavam escutando. Durante a transmissão anterior, dois outros navios haviam captado parte da conversa e nos 90 minutos transcorridos desde então houvera muitas conversas entre oficiais de rádio de diversos navios. Agora, uma dúzia estava escutando atentamente.

     No Freya, Larsen sabia que podia passar a transmissão para o Canal 16, falar com a Rádio Scheveningen e pedir um canal de maior privacidade com o Controle do Maas. Mas as pessoas na escuta inevitavelmente acabariam localizando rapidamente o novo canal. Por isso, permaneceu no Canal 20.

     — Freya para Controle do Maas. Quero falar pessoalmente com o Diretor da Administração do Porto.

     — Aqui é o Controle do Maas. Dirk Van Gelder falando. Sou o Diretor da Administração do Porto.

     — Aqui é Thor Larsen, Comandante do Freya.

     — Pode falar, Comandante Larsen. Qual é o seu problema?

     Na cabine de comando do Freya, Drake gesticulou com a arma para a declaração escrita na mão de Larsen. O comandante norueguês assentiu, empurrou a alavanca de transmissão e começou a ler a mensagem pelo radiotelefone.

     — Estou lendo uma mensagem previamente preparada. Por favor, não interrompa e não faça perguntas. Às três horas desta madrugada, o Freya foi capturado por homens armados. Já tive motivos suficientes para acreditar que eles estão determinados e dispostos a consumar todas as suas ameaças, a menos que suas exigências sejam atendidas.

     Na torre de controle na ponta de areia, Van Gelder deixou escapar uma exclamação de surpresa. Fechou os olhos, angustiado. Há anos que vinha reclamando algumas medidas de segurança para proteger aquelas bombas flutuantes da possibilidade de seqüestro. Fora ignorado e agora finalmente acontecera. A voz pelo alto-falante continuou a falar, enquanto os carretéis do gravador giravam impassivelmente.

     — Toda a minha tripulação está neste momento trancada no convés inferior do navio, por detrás de portas de aço, sem a menor possibilidade de escapar. Até agora, nada mais fizeram com meus homens. Eu próprio estou sob a mira de uma arma, na cabine de comando.

     “Durante a noite, cargas explosivas foram colocadas em posições estratégicas em diversos pontos no interior do casco do Freya. Examinei essas cargas pessoalmente e posso confirmar que, se explodirem, vão partir o Freya ao meio, matando instantaneamente a tripulação e derramando um milhão de toneladas de petróleo bruto no Mar do Norte.

     “Essas são as exigências imediatas dos homens que capturaram o Freya. Primeira: todo tráfego marítimo deve ser imediatamente afastado da área numa linha de 45o Sul para leste do Freya e 45o Norte na mesma direção; ou seja, num arco de 90o entre o Freya e a costa holandesa.

     “Segunda: nenhuma embarcação, de superfície ou submarina, deve tentar aproximar-se do Freya por qualquer outra direção, dentro de um raio de cinco milhas. Terceira: nenhum avião ou helicóptero deve aproximar-se a um raio de menos de oito quilômetros do Freya e a uma altitude inferior a três mil metros. Entendido? Responda, por favor.”

     Van Gelder apertou o microfone com toda força.

     — Freya, aqui é o Controle do Maas. Dirk Van Gelder falando. Providenciarei imediatamente o afastamento de todo o tráfego marítimo da área compreendida num arco de 90º entre o Freya e a costa holandesa e de uma área de cinco milhas do Freya nas outras direções. Vou determinar ao controle de tráfego do Aeroporto de Schiphol para proibir todos os movimentos aéreos dentro de um raio de oito quilômetros e abaixo da altitude de três mil metros. Câmbio.

     Houve uma pausa e depois a voz de Larsen tornou a soar:

     — Estou informado de que, se houver qualquer tentativa de desrespeitar essas ordens, haverá uma reação imediata, sem qualquer consulta adicional. Ou o Freya despejará no mar imediatamente vinte mil toneladas de petróleo bruto ou um dos meus tripulantes será... executado. Entendido? Responda, por favor.

     Dirk Van Gelder virou-se para seus controladores de tráfego.

     — Pelo amor de Deus, afastem todas as embarcações da área! Depressa! Entrem em contato com Schiphol e contem o que está acontecendo. Não pode haver vôos comerciais, aviões particulares ou helicópteros tirando fotografias. Absolutamente nada! E agora tratem de entrar em ação!

     Ao microfone, ele acrescentou:

     — Entendido, Comandante Larsen. Mais alguma coisa?

     — Só mais uma. Não haverá novo contato pelo rádio com o Freya até meio-dia. Nessa ocasião, o Freya voltará a chamar. Quero falar direta e pessoalmente com o Primeiro-Ministro da Holanda e com o Embaixador da Alemanha Ocidental. Ambos devem estar presentes. Isso é tudo.

     O microfone ficou silencioso. Na cabine de comando do Freya, Drake tirou o microfone da mão de Larsen e colocou-o no lugar. Depois, gesticulou para que o norueguês voltasse a seu camarote. Quando estavam sentados, separados pela mesa de mais de dois metros de largura, Drake largou a arma e recostou-se na cadeira. O suéter levantou um pouco e Larsen pôde ver o oscilador letal preso na cintura.

     — O que vamos fazer agora? — indagou Larsen.

     — Vamos esperar, enquanto a Europa enlouquece.

     — Eles vão matá-los. Conseguiram subir a bordo, mas não conseguirão ir embora. Podem fazer o que estão mandando. Mas depois que tudo estiver acabado, estarão à espera de vocês.

     — Sei disso — respondeu Drake. — Mas não me importo de morrer. É claro que vou fazer tudo para viver. Mas prefiro morrer e matar antes que liquidem meu projeto.

     — Quer tanto assim que os dois homens presos na Alemanha sejam libertados?

     — Quero, sim. Não posso explicar por quê. Mesmo que eu explicasse, você não compreenderia. Mas há anos que minha terra está ocupada, meu povo é perseguido, aprisionado, morto. E ninguém se importa com isso. Agora, estou ameaçando matar um único homem ou atingir a Europa Ocidental no bolso. Vai ver como todos reagirão prontamente. Súbito, o problema tornou-se uma ameaça de desastre. Para mim, no entanto, o grande desastre é a escravidão da minha terra.

     — Mas em que consiste exatamente seu sonho? — indagou Larsen.

     — Quero uma Ucrânia livre, o que não poderá ser conseguido a menos que haja um levante popular de milhões de pessoas.

     — Na União Soviética? Isso é inteiramente impossível. Jamais acontecerá.

     — Pode acontecer, pode perfeitamente acontecer. Já aconteceu na Alemanha Oriental, Hungria e Tchecoslováquia. Mas, primeiro, é preciso acabar com a convicção desses milhões de pessoas de que não têm a menor possibilidade de vencer, de que seus opressores são invencíveis. Se isso acontecer, as comportas podem abrir-se.

     — Ninguém vai acreditar nisso.

     — No Ocidente, não. Mas há algo estranho no caso. Aqui, no Ocidente, as pessoas dirão que essa previsão está totalmente errada. Mas no Kremlin saberão que estou certo.

     — E por esse... levante popular está disposto a morrer?

     — Se for necessário, É o meu sonho. Amo aquela terra e aquele povo mais do que a própria vida. É essa a minha vantagem. Num raio de cento e cinqüenta quilômetros, não há mais ninguém que ame algo mais do que a própria vida.

     Um dia antes, Thor Larsen poderia ter concordado com o fanático. Mas algo estava acontecendo dentro do norueguês, imenso, de movimentos lentos, algo que o surpreendia. Pela primeira vez na vida, ele odiava um homem o suficiente para matá-lo. Dentro de sua cabeça, uma voz lhe dizia: “Não me importo com seu sonho ucraniano, Sr. Svoboda. Não vai matar minha tripulação nem meu navio.”

    

     Em Felixtowe, na costa de Suffolk, o oficial da Guarda costeira inglesa afastou-se rapidamente do aparelho de rádio e foi falar ao telefone, dizendo à telefonista:

     — Ligue-me com urgência com o Departamento do Meio Ambiente, em Londres.

     Seu assistente, que também ouvira a conversa entre o Freya e o Controle do Maas, comentou:

     — Os holandeses estão desta vez com um problema terrível nas mãos.

     — O problema não é apenas dos holandeses — disse seu superior. — Dê uma olhada no mapa.

     Na parede, havia um mapa de toda a parte sul do Mar do Norte e da extremidade norte do Canal da Mancha. Mostrava a costa de Suffolk, em frente ao Estuário do Maas. A posição do Freya durante a noite havia sido devidamente assinalada. Ficava exatamente na metade do caminho entre as duas costas.

     — Se o navio explodir, meu caro, todas as nossas costas também ficarão sob um palmo de petróleo, de Hull a Southampton.

     Minutos depois, ele estava falando com um servidor civil em Londres, um dos homens do departamento incumbido especificamente de tratar de derrames de óleo no mar. O que ele disse fez com que a primeira xícara de chá esfriasse em Londres naquela manhã.

     Dirk Van Gelder conseguiu falar com o Primeiro-Ministro no momento em que este estava prestes a sair de sua residência. A insistência do Diretor da Administração do Porto finalmente persuadiu o jovem assessor a passar a ligação para o Primeiro-Ministro.

     — Jan Grayling falando — disse o Primeiro-Ministro. Enquanto escutava Van Gelder, o rosto dele se contraiu todo.

     Depois de um momento, perguntou:

     — Quem são eles?

     — Não sabemos — respondeu Van Gelder. — O Comandante Larsen leu uma mensagem preparada com antecedência. Não podia falar qualquer outra coisa nem responder a perguntas.

     — Se ele estava sob coação, talvez não tivesse opção senão confirmar a colocação dos explosivos — disse Grayling. — Talvez seja um blefe.

     — Não creio que seja, senhor. Gostaria que eu lhe levasse a gravação?

     — Quero, sim. E imediatamente. Pegue seu carro e siga direto para meu gabinete.

     O Primeiro-Ministro desligou o telefone e encaminhou-se para a limusine à espera, a mente em turbilhão. Se a ameaça era concreta, então a linda manhã de verão se transformara na pior crise desde que assumira o Governo da Holanda. Enquanto a limusine se afastava, seguida pelo inevitável carro dos agentes de segurança, Grayling se recostou no assento e tentou definir as prioridades. É claro que teria de convocar imediatamente uma reunião de emergência do Gabinete. A imprensa não demoraria a estar em cima dele. Muitos ouvidos tinham escutado a conversa entre o navio e o controle de terra; alguém certamente informaria à imprensa antes do meio-dia.

     Ele teria de informar o que estava acontecendo a diversos governos estrangeiros, através das respectivas embaixadas. E deveria autorizar a instalação urgente de um comitê de emergência para enfrentar a crise, integrado por peritos. Felizmente, podia contar com diversos peritos em tais problemas, desde os seqüestros praticados pelos sul-molucanos, alguns anos antes. Quando a limusine se aproximou da sede do governo, ele olhou para o relógio. Eram nove e meia.

     A expressão “comitê de emergência para enfrentar a crise” já estava sendo pensada em Londres, embora ainda não tivesse sido pronunciada. Sir Rupert Mossbank, Subsecretário Permanente do Departamento do Meio Ambiente, estava falando pelo telefone com o Secretário do Gabinete, Sir Julian Flannery.

     — Ainda é cedo para termos mais informações — disse Sir Rupert. — Não sabemos por enquanto quem eles são, quantos são, se há realmente bombas a bordo. Mas se tamanha quantidade de petróleo bruto se derramar no mar, teremos um desastre de grandes proporções.

     Sir Julian pensou por um momento, olhando para Whitehall pelas janelas de seu gabinete no primeiro andar.

     — Foi bom telefonar-me prontamente, Rupert. Informarei de imediato à Primeira-Ministra. Enquanto isso, só como precaução, pode pedir a alguns de seus homens para prepararem um memorando sobre as possíveis conseqüências, se o navio for explodido? Área do oceano a ser coberta pelo petróleo, fluxo das marés, correntes, parte da nossa costa que provavelmente será atingida... esse tipo de coisas. Tenho certeza de que ela vai pedir isso.

     — Já estou preparando esse relatório, meu caro.

     — Excelente! — disse Sir Julian. — Mande-me o mais depressa possível. Desconfio de que ela vai querer saber de tudo. É o que sempre acontece.

     Sir Julian trabalhara com três primeiros-ministros e o atual, uma mulher, era de longe o mais decidido e objetivo. Há anos que era uma piada comum o comentário de que o partido no governo tinha uma porção de mulheres velhas de ambos os sexos, mas era dirigido por um homem de verdade. O nome dela era Sra. Joan Carpenter. O Secretário do Gabinete conseguiu marcar a reunião para minutos depois e logo estava atravessando o gramado para o Número Dez, sob o Sol claro da manhã, determinado mas sem qualquer pressa, como era seu hábito.

     Quando entrou no gabinete particular da Primeira-Ministra, encontrou-a em sua mesa, onde estava desde as oito horas. Um jogo de café de porcelana azul achava-se numa mesinha ao lado e três caixas vermelhas de despachos estavam abertas no chão. Sir Julian não podia conter sua admiração. Aquela mulher examinava todos os documentos com uma rapidez incrível e, às 10 horas da manhã, já estava tudo normalmente acabado, com seu assentimento, rejeição, um pedido de informações adicionais ou indagações sempre pertinentes.

     — Bom dia, Primeira-Ministra.

     — Bom dia, Sir Julian. E está de fato um lindo dia.

     — Tem toda razão, Madame. Infelizmente, porém, trouxe consigo um acontecimento dos mais desagradáveis.

     Ele sentou-se, a um gesto da Primeira-Ministra, e descreveu rapidamente os detalhes que conhecia do seqüestro do superpetroleiro no Mar do Norte. A Primeira-Ministra estava alerta, ouvindo atentamente.

     — Se for verdade, então esse navio, o Freya, pode causar um desastre de grandes proporções ao meio ambiente.

     — Exatamente. É verdade que ainda não sabemos se é possível afundar um navio tão grande com o que se presume serem explosivos industriais. Evidentemente, há homens que poderiam fornecer uma avaliação mais detalhada.

     — No caso de ser verdade, creio que devemos criar imediatamente um comitê de emergência para enfrentar a crise, considerando todas as implicações. Se não for, teremos a oportunidade de realizar um exercício realista.

     Sir Julian franziu ligeiramente as sobrancelhas. A idéia de lançar um rabo de foguete em uma dúzia de departamentos ministeriais não lhe ocorrera. Pensando agora a respeito, achava que tinha até um certo encanto.

     Por 30 minutos, a Primeira-Ministra e seu Secretário de Gabinete relacionaram as áreas em que precisariam de assessoria técnica profissional, se quisessem ficar acuradamente informados sobre as opções no seqüestro de um gigantesco petroleiro no Mar do Norte. Em relação ao superpetroleiro propriamente dito, ela teria todas as informações através do Lloyds, que certamente dispunha de uma planta completa do navio. Em relação à estrutura de petroleiros, a divisão marítima da British Petroleum teria um técnico para estudar as plantas e emitir um julgamento preciso sobre a exeqüibilidade de afundar o Freya.

     Sobre o controle do derramamento, concordaram que o melhor era convocar o chefe de pesquisas específicas do Laboratório de Warren Spring, dirigido conjuntamente pelo Departamento de Indústria e Comércio e pelo Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação, localizado em Stevenage, nos arredores de Londres.

     O Ministério da Defesa providenciaria um oficial da ativa especialista em explosivos, para analisar esse aspecto da crise. O Departamento do Meio Ambiente dispunha de peritos que poderiam avaliar a extensão da catástrofe para a ecologia do Mar do Norte. Trinity House, a autoridade máxima dos serviços de pilotagem nas costas britânicas, informaria os fluxos das marés e correntezas. O contato com os governos estrangeiros caberia ao Foreign Office, que designaria um observador. Às 10:30, a lista parecia completa. Sir Julian preparou-se para ir embora.

     — Acha que o Governo holandês vai cuidar do caso sozinho? — perguntou a Primeira-Ministra.

     — Ainda é cedo para dizer, Madame. No momento, os terroristas querem apresentar suas exigências diretamente ao Sr. Grayling, ao meio-dia. Ou seja, dentro de noventa minutos. Não tenho a menor dúvida de que Haia se sentirá plenamente capaz de cuidar do problema. Mas se as exigências não puderem ser atendidas ou se o navio for de qualquer maneira explodido, então estamos também envolvidos no caso, como uma nação costeira. Além disso, nossa capacidade e técnicas de enfrentar derramamentos de óleo são as mais avançadas da Europa. Assim, nossos aliados do outro lado do Mar do Norte podem solicitar-nos ajuda.

     — Nesse caso, quanto mais cedo estivermos preparados, melhor será. Só mais uma coisa, Sir Julian. Provavelmente isso não irá acontecer, mas se não for possível atender às exigências, talvez tenhamos de considerar a possibilidade de atacar o navio, para libertar a tripulação e desarmar as cargas explosivas.

     Pela primeira vez, Sir Julian sentiu-se contrariado. Por toda a sua vida fora um servidor civil profissional, desde que deixara Oxford, formando-se com distinção. Acreditava que a palavra, escrita e falada, podia resolver a maioria dos problemas, se houvesse tempo. Detestava a violência.

     — Tem razão, Primeira-Ministra. Isso seria, evidentemente o último recurso. Pelo que sei, é o que se costuma chamar de “a opção pior”.

     — Os israelenses atacaram um avião em Entebbe. Os alemães atacaram o que estava em Mogadiscio. Os holandeses atacaram o trem em Assen. Nos três casos, não havia alternativa. Devemos supor que isso pode acontecer novamente.

     — Tem razão, Madame.

     — Os fuzileiros holandeses teriam condições de executar tal missão?

     Sir Julian escolheu cuidadosamente as palavras. Imaginou corpulentos fuzileiros a se movimentarem por Whitehall. Era muito melhor manter essa gente divertindo-se com suas brincadeiras letais nos campos de exercícios de Exmoor.

     — Em se tratando de atacar um navio em pleno mar — disse ele — creio que um desembarque de helicóptero não seria exeqüível. O helicóptero seria avistado do convés e, além disso, o navio está obviamente equipado com radar. Uma aproximação em embarcação, de superfície também seria observada. Neste caso, Madame, não temos um avião numa pista de concreto ou um trem parado, mas sim um navio a mais de vinte e cinco milhas de terra.

     Sir Julian esperava que tais palavras acabassem de vez com aquela idéia. Mas a Primeira-Ministra insistiu:

     — E quais seriam as possibilidades de uma abordagem por mergulhadores ou homens-rãs armados?

     Sir Julian fechou os olhos. Homens rãs armados! Ele estava convencido de que os políticos liam novelas demais para seu próprio bem.

     — Homens rãs armados, Primeira-Ministra?

     Os olhos azuis do outro lado da mesa fitavam-no impassivelmente.

     — Pelo que estou informada, nossa capacidade nesse setor está entre as melhores da Europa.

     — É possível que sim, Madame.

     — E quem são esses especialistas submarinos?

     — O Serviço Especial Marítimo, Primeira-Ministra.

     — E quem é a ligação com os nossos serviços especiais em Whitehall?

     — Há um coronel dos Fuzileiros Navais na Defesa. O nome dele é Holmes.

     Sir Julian já podia perceber que as perspectivas eram as piores possíveis. Haviam usado o equivalente baseado em terra do SEM, o mais conhecido Serviço Especial Aéreo ou SEA, para ajudar os alemães em Mogadiscio e no sítio da Rua Balcombe. Harold Wilson sempre demonstrara a maior satisfação em ouvir todos os detalhes dos jogos letais que aqueles valentões haviam travado com os oponentes. Agora, iam começar outra fantasia ao melhor estilo de James Bond.

     — Peça ao Coronel Holmes para participar do comitê de emergência da crise. Apenas na qualidade de consultor, é claro.

     — Está certo, Madame.

   — E prepare o UNICORNE. Espero que entre em ação ao meio-dia, assim que forem conhecidas as exigências dos terroristas.

    

     A cerca de 500 quilômetros de distância, no outro lado do Mar do Norte, a atividade na Holanda já se estava tornando frenética.

     De seu gabinete na capital costeira de Haia, o Primeiro-Ministro Jan Grayling e seus assessores estavam convocando membros para um comitê de emergência semelhante ao que a Sra. Carpenter estava pensando em Londres. A primeira necessidade era conhecer exatamente qual a possível tragédia humana ou para o meio ambiente que poderia decorrer de danos em alto-mar num navio como o Freya e definir todas as opções que o Governo holandês poderia ter.

     Para se obter essa informação, os mesmos tipos de experts estavam sendo convocados, por seus conhecimentos especializados, em navegação, derramamento de petróleo, marés, correntes marinhas, perspectivas futuras do tempo, até mesmo em relação à opção militar.

     Dirk Van Gelder, depois de entregar a gravação da mensagem do Freya transmitida às nove horas da manhã, voltou ao Controle do Maas, por instruções de Jan Grayling, para ficar sentado de prontidão diante do radiotelefone, caso houvesse outro contato do navio antes do meio-dia.

     E foi ele quem recebeu o telefonema de Harry Wennerstrom, às 10:30. Tendo terminado de tomar seu café da manhã em sua suíte no Rotterdam-Hilton, o velho magnata da navegação ainda ignorava o desastre que se abatera sobre seu navio. Ninguém se lembrara de avisá-lo.

     Wennerstrom estava ligando para indagar o progresso do Freya, o qual, àquela altura, segundo ele pensava, já deveria estar no Canal Exterior, avançando lenta e cuidadosamente na direção do Canal Interior, vários quilômetros além da Bóia Euro Um e deslocando-se num curso exato de zero-oito-dois e meio graus. Ele pensava em deixar Rotterdam com seu comboio de autoridades e jornalistas para testemunharem a chegada do navio por volta da hora do almoço, no pique da maré.

     Van Gelder pediu desculpas por não haver telefonado para o Hilton e explicou cuidadosamente o que acontecera às 7:30 e 9 horas. Houve silêncio por um longo tempo no outro lado da linha. A reação inicial de Wennerstrom poderia ter sido mencionar que havia um investimento de 170.000.000 de dólares americanos ameaçado além do horizonte a oeste, carregando petróleo bruto no valor de 140.000.000 de dólares. Mas típica do seu comportamento foi a declaração que finalmente fez:

     — Há trinta dos meus marinheiros lá no mar, Sr. Van Gelder. E uma coisa quero deixar bem clara: se algo acontecer a qualquer um deles pela recusa em atender às exigências dos terroristas, vou atribuir pessoalmente toda a responsabilidade às autoridades holandesas.

     — Sr. Wennerstrom, estamos fazendo tudo o que é possível — disse Van Gelder, que também já comandara um navio. — As exigências dos terroristas em relação à distância que os outros navios devem manter do Freya estão sendo cumpridas ao pé da letra. As exigências básicas deles ainda não foram apresentadas. O Primeiro-Ministro está neste momento em seu gabinete em Haia fazendo todo o possível. Ele estará aqui ao meio-dia, para receber a própria mensagem do Freya.

     Harry Wennerstrom desligou o telefone e ficou olhando pelas janelas panorâmicas da sala de estar da suíte para o céu a oeste, onde o navio dos seus sonhos estava ancorado naquele momento, em mar aberto, com terroristas armados a bordo.

     — Cancele o comboio até o Controle do Maas — disse ele, subitamente, a uma das secretárias. — Cancele o almoço. Cancele a recepção esta noite. Cancele a entrevista coletiva. Estou de saída.

     — Para onde, Sr. Wennerstrom? — indagou a aturdida jovem.

     — Para o Controle do Maas. Sozinho. Quero meu, carro à espera assim que eu chegar na garagem.

     E Wennerstrom deixou rapidamente a suíte, encaminhando-se para o elevador.

    

     Em torno do Freya, o mar estava-se esvaziando. Trabalhando em colaboração com seus colegas britânicos de Flamborough e Felixtowe, os controladores de tráfego marítimo holandeses estavam desviando todas as embarcações para novas rotas a oeste do Freya, a mais próxima a cinco milhas de distância.

     A leste do navio prisioneiro, todo o tráfego costeiro recebeu ordens de parar ou voltar; os movimentos de entrada e saída do Europort e Rotterdam foram suspensos. Comandantes de navios furiosos, cujas vozes soavam aos berros no Controle do Maas, exigindo explicações, foram simplesmente informados de que surgira uma emergência e tinham de evitar a qualquer custo a área do mar cujas coordenadas eram anunciadas.

     Era impossível esconder da imprensa o que estava acontecendo. Várias dezenas de jornalistas, de publicações marítimas e técnicas, assim como os editores de navegação dos grandes jornais diários dos países vizinhos, já se encontravam em Rotterdam, a fim de participar da recepção preparada para a entrada triunfal do Freya no porto naquela tarde. Por volta das 11 horas da manhã, a curiosidade dos jornalistas foi despertada em parte pelo cancelamento da viagem ao Cabo, a fim de assistirem à entrada do Freya no Canal Interior, e em parte pelos avisos de suas redações, informadas pelos numerosos radioamadores que gostam de ficar na escuta nas faixas de comunicação marítima.

     Pouco depois das 11 horas, os jornalistas começaram a ligar para a suíte de seu anfitrião, Harry Wennerstrom. Mas ele não estava presente e suas secretárias de nada sabiam. Outros telefonemas foram dados para o Controle do Maas e devidamente encaminhados para Haia. Na capital holandesa, as telefonistas encaminharam as ligações para o secretário particular de imprensa do Primeiro-Ministro, por instruções expressas, do Sr. Grayling. O assoberbado jovem procurou esquivar-se da melhor forma possível à pressão dos jornalistas.

     A ausência de informações só serviu para deixar os jornalistas ainda mais curiosos. Entraram em contato com seus editores, informando que algo muito grave estava acontecendo com o Freya. Os editores prontamente despacharam outros repórteres, que se reuniram ainda pela manhã diante do prédio do Controle do Maas, mantidos além da cerca de ferro pelos guardas. Outros estavam em Haia, atormentando diversos ministérios; mas a maioria cercava o gabinete do Primeiro-Ministro.

     O editor de Die Telegraaf recebera de um radioamador a informação de que havia terroristas a bordo do Freya e apresentariam suas exigências ao meio-dia. Determinou imediatamente que um monitor de rádio fosse ligado no Canal 20, acoplado a um gravador para registrar toda a mensagem.

     Jan Grayling telefonou pessoalmente para o Embaixador da Alemanha Ocidental, Konrad Voss, contando-lhe confidencialmente o que acontecera. Voss entrou em contato com Bonn e 30 minutos depois comunicou ao Primeiro-Ministro holandês que o acompanharia ao Cabo ao meio-dia, como os terroristas haviam exigido. Assegurou a Grayling que o Governo Federal alemão faria tudo o que pudesse para ajudar.

     O Ministro do Exterior holandês, por uma questão de cortesia informou o que estava acontecendo aos embaixadores de todas as nações envolvidas, mesmo que remotamente: a Suécia, cuja bandeira o Freya hasteava e cujos marinheiros estavam a bordo; Noruega, Finlândia e Dinamarca, que também tinham marinheiros a bordo; Estados Unidos, por causa dos quatro marinheiros escandinavo-americanos, com passaportes americanos e dupla nacionalidade; Inglaterra, como um país costeiro e onde estava sediado o Lloyds, a instituição que segurava tanto o navio como a carga; a Bélgica, França e Alemanha Ocidental como nações costeiras que seriam afetadas, se o pior acontecesse.

     Em nove capitais européias, os telefones começaram a tocar freneticamente entre ministérios e departamentos, de cabines públicas para redações, em escritórios de seguros, agências de navegação e casas particulares. Para os que estavam no governo, bancos, navegação, seguros, forças armadas e imprensa, a perspectiva de um tranqüilo fim-de-semana recuou naquela manhã de sexta-feira para as distâncias do oceano azul, onde uma bomba de 1.000.000 de toneladas, chamada Freya, estava silenciosa e imóvel, sob um Sol quente de primavera.

    

     Harry Wennerstrom estava na metade do caminho de Rotterdam para o Cabo, quando lhe ocorreu uma idéia. A limusine estava passando por Schiedam, na auto-estrada na direção de Vlaardingen, quando recordou que seu jato particular estava no aeroporto municipal local. Pegou o telefone e ligou para sua secretária principal, ainda tentando esquivar-se dos telefonemas da imprensa na suíte dele no Hilton. Quando conseguiu falar com ela, na terceira tentativa, Wennerstrom transmitiu diversas ordens para seu piloto.

     — Só mais uma coisa — arrematou ele. — Quero o nome e o telefone do chefe de polícia de Alesund. Isso mesmo, Alesund, na Noruega. Assim que descobrir, ligue para ele e peça para ficar esperando por um telefonema meu.

    

     A Unidade de Informações do Lloyds recebera a notícia pouco depois das 10 horas. Um navio britânico de carga seca estava se preparando para entrar no Estuário do Maas, a caminho de Rotterdam, quando houve o contato das nove horas entre o Freya e o controle do Maas. O oficial de rádio ouviu toda a conversa, anotou integralmente em taquigrafia e depois foi mostrar a seu comandante. Minutos depois, estava ditando tudo ao agente do navio em Rotterdam, que a transmitiu à matriz em Londres. Esta entrou em contato com Colchester, Essex, repetindo tudo para o Lloyds. Um dos presidentes das 25 firmas separadas de underwriters foi procurado e devidamente informado. O consórcio que se reunira para fazer o seguro do casco de 170.000.000 de dólares do Freya tinha de ser grande; assim como também era grande o grupo de firmas que cobriam a carga de 1.000.000 de toneladas de petróleo bruto para Clint Blake, que tinha seu quartel-general no Texas. Mas apesar das dimensões do Freya e de sua carga, a maior apólice individual era de Proteção e Indenização para os tripulantes e a compensação por poluição. Essa apólice é que pagaria a quantia mais elevada, se o Freya fosse explodido.

     Pouco antes de meio-dia, o Presidente do Lloyds, em seu gabinete na City, examinou alguns cálculos em seu bloco de anotações.

     — Estamos falando de um prejuízo de um bilhão de dólares, se o pior acontecer — comentou ele para seu assessor pessoal. — Quem, diabo, são esses homens?

    

     O líder daqueles homens estava sentado no epicentro da crescente tempestade, diante de um comandante norueguês barbado, no camarote por baixo do lado de estibordo da cabine de comando do Freya. As cortinas estavam abertas e o Sol quente entrava pelas janelas panorâmicas. Podia-se avistar a coberta de proa silenciosa, estendendo-se por quase meio quilômetro até o pequeno castelo de proa.

     Um vulto minúsculo, todo coberto, estava sentado no alto da proa, olhando para o cintilante mar azul. A mesma água azul se estendia por todos os lados do navio, serena, a superfície ligeiramente agitada por uma brisa suave. Durante a manhã, essa brisa havia dispersado gentilmente as nuvens invisíveis dos gases inertes venenosos que tinham subido dos porões depois da abertura das escotilhas de inspeção. Agora, já era possível andar em segurança pelo convés ou então o homem no castelo de proa não estaria ali.

     A temperatura no camarote ainda estava estabilizada, o ar-condicionado tendo entrado em funcionamento, com o desligamento automático do aquecimento central, quando o Sol que entrava Pelas janelas fora-se tornando cada vez mais quente.

     Thor Larsen continuava sentado no mesmo lugar em que estava desde o início da manhã, numa extremidade da mesa grande, com Andrew Drake no outro lado.

     Desde a conversa depois do contato pelo rádio às nove horas os dois haviam passado a maior parte do tempo em silêncio. A tensão da espera estava começando a produzir seus efeitos. Ambos sabiam que, através do mar, nas duas direções, faziam-se preparativos frenéticos; em primeiro lugar, para tentar avaliar exatamente o que acontecera a bordo do Freya durante a noite, e em segundo lugar para calcular o que se podia fazer, se é que alguma coisa podia ser feita.

     Larsen sabia que ninguém faria qualquer coisa, ninguém tomaria nenhuma iniciativa, até a transmissão das exigências ao meio-dia. Nesse sentido, o homem sentado a sua frente nada tinha de estúpido. Decidiria manter as autoridades em suspense, tentando adivinhar o que estava para acontecer. Obrigando Larsen a falar em seu lugar, não dera qualquer indicação de sua identidade ou origem. Mesmo as suas motivações eram ignoradas fora do camarote em que estavam sentados. As autoridades certamente iriam querer saber mais, analisar as gravações das transmissões, identificar os padrões de fala e as origens étnicas, antes de decidir qualquer ação. O homem que se dera o nome de Svoboda estava-lhes negando tais informações, minando a confiança dos homens que desafiara a enfrentá-lo.

     Estava também proporcionando à imprensa tempo suficiente para tomar conhecimento do desastre, mas não das condições. Os jornais poderiam avaliar a extensão da catástrofe, se o Freya explodisse, de forma a estarem preparados para exercer sua capacidade de pressionar as autoridades, antes mesmo de as exigências serem apresentadas. E quando estas fossem formuladas, pareceriam brandas em comparação com a alternativa. Com isso, as autoridades estariam submetidas à pressão da imprensa, antes mesmo de terem tempo para avaliar as exigências.

     Larsen, que sabia quais seriam as exigências, estava convencido de que as autoridades não poderiam recusar. A alternativa era terrível demais para todos. Se Svoboda tivesse simplesmente seqüestrado um político, como o pessoal da Baader-Meinhof seqüestrara Hans-Martin Schleyer e as Brigadas Vermelhas a Aldo Moro, talvez recusassem a libertação de seus amigos. Mas ele preferira destruir cinco costas, um mar, 30 vidas e um investimento de um bilhão de dólares.

     — Por que esses homens são tão importantes para você — perguntou Larsen, subitamente.

     O homem mais jovem fitou-o e respondeu simplesmente:

     — São meus amigos.

     — Tenho certeza de que não é só isso. E não estou entendendo. Lembro-me perfeitamente do noticiário de janeiro último. São dois judeus de Lvov aos quais recusaram permissão para emigrar. Por isso, seqüestraram um avião de passageiros russo e obrigaram o piloto a pousar em Berlim Ocidental. Como isso pode produzir o seu levante popular?

     — Não se preocupe com isso. Faltam cinco minutos para meio-dia. Vamos voltar para a cabine de comando.

    

     Nada mudara na cabine de comando, exceto que agora havia ali mais um terrorista, enroscado a um canto, dormindo, ainda mascarado e segurando a arma. Outro terrorista vigiava as telas de radar e sonar. Svoboda perguntou-lhe algo na língua que Larsen sabia agora ser ucraniano. O homem sacudiu a cabeça e respondeu na mesma língua. A uma palavra de Svoboda, o terrorista mascarado apontou sua arma para Larsen.

     Svoboda foi até as telas e deu uma olhada. Havia um círculo periférico de mar vazio em torno do Freya, com pelo menos cinco milhas para oeste, sul e norte. Para leste, o mar estava inteiramente vazio até a costa holandesa. Encaminhou-se para a porta e saiu para a ponte de comando, gritando alguma coisa para o alto. Larsen ouviu o homem no alto da chaminé gritar em resposta. Svoboda voltou à cabine e disse ao comandante norueguês:

     — Sua audiência está esperando. Qualquer tentativa de truque, fuzilo um de seus marinheiros, conforme prometi.

     Larsen pegou o microfone e empurrou a alavanca de transmissão.

     — Controle do Maas, Controle do Maas, aqui é o Freya.

     Embora ele não o soubesse, o chamado foi captado em mais de 50 lugares diferentes. Cinco grandes serviços secretos de informações estavam na escuta, captando o Canal 20 com seus equipamentos sofisticados. As palavras foram ouvidas e simultaneamente transmitidas para a Agência Nacional de Segurança, em Washington, para o SIS, em Londres, SDECE francês, BND alemão ocidental, KGB soviético e diversos serviços da Holanda, Bélgica e Suécia.

     Na escuta, havia também oficiais de rádio de muitos navios, radioamadores e jornalistas. Uma voz respondeu do Cabo da Holanda:

     — Freya, aqui é Controle do Maas. Pode falar, por favor.

     Thor Larsen leu do papel que lhe fora entregue:

     — Aqui é o Comandante Thor Larsen. Quero falar pessoalmente com o Primeiro-Ministro da Holanda.

     Uma nova voz, falando inglês, foi transmitida pelo rádio do Cabo:

     — Comandante Larsen, aqui é Jan Grayling. Sou o Primeiro-Ministro do Reino da Holanda. Está tudo bem aí?

     No Freya, Svoboda pôs a mão sobre o microfone do radiotelefone e disse a Larsen:

     — Nada de perguntas. Indague apenas se o Embaixador da Alemanha Ocidental está presente e qual o nome dele.

     — Por favor, Primeiro-Ministro, não faça perguntas. Não tenho permissão para respondê-las. O Embaixador da Alemanha Ocidental está presente?

     No Controle do Maas, o microfone foi passado a Konrad Voss.

     — Aqui é o Embaixador da República Federal da Alemanha. Meu nome é Konrad Voss.

     Na cabine de comando do Freya, Svoboda acenou com a cabeça para Larsen, murmurando:

     — Tudo bem. Pode ler a mensagem.

    

     Os seis homens agrupados em torno do painel no Controle do Maas ficaram escutando em silêncio. Ali estavam um primeiro-ministro, um embaixador, um psiquiatra, um engenheiro de rádio para prevenir qualquer problema na transmissão, o Diretor da Administração do Porto, Van Gelder, e o controlador de plantão. Todas as demais comunicações marítimas haviam sido desviadas para um canal de reserva. Os dois gravadores giravam silenciosamente. O volume estava ligado ao máximo e a voz de Thor Larsen estrondeou na sala:

     — Repito o que já falei às nove horas desta manhã. O Freya está em poder de guerrilheiros. Foram colocados explosivos que podem destruir o navio, se detonados. E podem ser detonados pelo aperto de um botão. Repito: pelo aperto de um botão. Não deve haver qualquer tentativa de se aproximar, abordar ou atacar o Freya. Se isso acontecer, o botão que irá detonar os explosivos será imediatamente apertado. Os homens que se apoderaram do navio convenceram-me de que estão preparados inclusive para morrer, se não forem atendidos.

     “Se houver qualquer tentativa de aproximação, por embarcação de superfície ou avião, um dos meus marinheiros será executado ou vinte mil toneladas de petróleo bruto serão derramados no mar. Ou ambas as coisas. Vou apresentar agora as exigências dos guerrilheiros.

     “Os dois prisioneiros de consciência, David Lazareff e Lev Mishkin, que estão na penitenciária de Tegel em Berlim Ocidental, devem ser libertados. Serão levados num jato civil alemão ocidental para Israel. Antes disso, o Primeiro-Ministro do Estado de Israel deve apresentar uma garantia pública de que os dois não serão repatriados para a União Soviética nem extraditados de volta à Alemanha Ocidental nem mantidos prisioneiros em Israel.

     “A libertação deles deve ser consumada amanhã de madrugada. A garantia israelense de salvo-conduto e liberdade deve ser dada à meia-noite de hoje. O não-cumprimento dessas condições fará com que toda a responsabilidade pelas conseqüências seja da Alemanha Ocidental e Israel. Isso é tudo. Não haverá qualquer contato adicional até que as exigências estejam atendidas.

     Houve um estalido e o radiotelefone ficou mudo. O silêncio persistiu no prédio do Controle do Maas. Jan Grayling olhou para Konrad Voss. O Embaixador alemão ocidental deu de ombros, dizendo:

     — Devo entrar em contato com Bonn com urgência.

     — Posso garantir que o Comandante Larsen está submetido a alguma tensão — comentou o psiquiatra.

     — Muito obrigado — disse Grayling. — Ê o que também penso. Senhores, o que acabamos de ouvir não pode ser divulgado para o público no decorrer da próxima hora. Vou preparar uma declaração para ser divulgada a uma hora. Sr. Embaixador, temo que a pressão começará agora a se deslocar para Bonn.

     — Isso é inevitável — disse Voss. — Tenho de voltar a embaixada o mais depressa possível.

     — Podemos ir juntos para Haia — convidou Grayling. — Tenho os batedores da polícia e poderemos conversar no carro.

     Os assessores pegaram as duas fitas e o grupo partiu para Haia, a 15 minutos de distância, pela costa acima. Depois que eles se foram, Dirk Van Gelder subiu para o terraço em que Harry Wennerstrom pretendia reunir seus convidados, com uma autorização especial, todos olhando ansiosamente para o mar, enquanto bebiam champanha e comiam sanduíches de salmão, à espera da aproximação do leviatã.

     Agora, pensou Van Gelder, olhando para o mar azul, era possível que o imenso navio jamais se aproximasse. Ele também havia sido um comandante da Marinha Mercante holandesa, até que lhe fora oferecido o emprego em terra, com a promessa de uma vida normal com a esposa e filhos. Como marinheiro, pensou na tripulação do Freya, trancada muito abaixo das ondas, esperando, impotente, pela salvação ou morte. Mas, como um marinheiro, não estaria no comando das negociações. O caso estava agora fora de suas mãos. Homens mais insinuantes, pensando em termos políticos e não humanos, assumiriam o controle.

     Pensou no imenso comandante norueguês, cuja foto já vira, mas a quem jamais encontrara pessoalmente, enfrentando naquele momento lunáticos armados de metralhadoras e dinamite. Imaginou como teria reagido, se acontecesse com ele. Avisara que poderia acontecer um dia, que os superpetroleiros eram, por demais desprotegidos e altamente perigosos. Mas o dinheiro falara mais alto. O argumento decisivo fora o custo extra de instalar os dispositivos necessários para tornar os petroleiros seguros como bancos e depósitos de explosivos. De certa forma, um petroleiro era ambas as coisas. Ninguém dera atenção, ninguém jamais daria. As pessoas se preocupavam com aviões, porque podiam cair em cima de casas, mas não se lembravam dos petroleiros, que estavam fora de vista. Assim, os políticos não haviam insistido e os empresários não tomaram a iniciativa. Agora, porque os superpetroleiros eram tão vulneráveis quanto os cofrinhos em formato de porco, um comandante e sua tripulação de 29 homens podiam morrer como ratos num turbilhão de petróleo e água.

     Van Gelder apagou o cigarro com o calcanhar no chão do terraço e olhou novamente para o horizonte vazio.

     — Pobres coitados... — murmurou ele. — Pobres coitados à espera da morte... Se ao menos eles tivessem escutado...

    

                        13:00 às 19:00

     Se a reação dos meios de comunicação à transmissão das nove horas fora silenciosa e especulativa, devido à incerteza das fontes de informações, a reação à transmissão do meio-dia foi frenética.

     Do meio-dia em diante, não houve mais qualquer dúvida sobre o que acontecera com o Freya nem o que o Comandante Larsen dissera para o Controle do Maas pelo radiotelefone. Muitas pessoas haviam escutado a transmissão.

     Manchetes garrafais já prontas para as edições que fechavam ao meio-dia dos jornais vespertinos, preparadas às 10 horas, foram substituídas. As manchetes que foram para as rotativas, ao meio-dia e meia, eram mais fortes, no tom e no tamanho. Não havia mais pontos de interrogação ao final de frases. Editoriais foram apressadamente escritos. Jornalistas especializados em questões de navegação e meio ambiente foram convocados a preparar avaliações da situação com toda a presteza.

     Programas de rádio e televisão foram interrompidos por toda a Europa, na hora do almoço daquela sexta-feira, para que as notícias fossem transmitidas para ouvintes e espectadores.

     Cinco minutos depois do meio-dia, um homem com capacete de motociclista, óculos de proteção e um cachecol escondendo a parte inferior do rosto, entrou calmamente no saguão do prédio da Rua Fleet, 85, em Londres, deixando no balcão um envelope endereçado ao editor de notícias da Press Association. Mais tarde, ninguém recordou como era o homem. Afinal, dezenas de mensageiros assim entravam diariamente naquele saguão.

     Cerca de 15 minutos depois do meio-dia, o editor de notícias estava abrindo o envelope. Continha a transcrição que o Comandante Larsen lera 15 minutos antes, embora devesse ter sido preparada com bastante antecedência. O editor de notícias comunicou o fato ao editor-chefe, que imediatamente entrou em contato com a polícia. Isso não impediu que o texto fosse transmitido pelos teletipos, tanto da PA como da Reuter, que funcionava no andar superior, sendo distribuído para o mundo inteiro.

     Deixando a Rua Fleet, Miroslav Kaminsky jogou o capacete, óculos de proteção e o cachecol numa lata de lixo, depois pegou um táxi para o Aeroporto de Heathrow e embarcou no vôo das 2:15 para Tel Aviv.

     Por volta das duas horas da tarde, a pressão da imprensa sobre os Governos holandês e alemão ocidental era cada vez maior. Os dois governos ainda não haviam tido tempo de analisar em paz e tranqüilidade as reações que deveriam ter diante das exigências. Começaram a receber um fluxo incessante de telefonemas, instando para que concordassem com a libertação de Mishkin e Lazareff, ao invés de enfrentar o desastre prometido em suas costas pela destruição do Freya.

     A uma hora da tarde, o Embaixador alemão em Haia estava falando diretamente com seu Ministro do Exterior, Klaus Hagowitz, em Bonn. Assim que desligou, Klaus Hagowitz interrompeu o almoço do Chanceler. O texto da transmissão do meio-dia já estava em Bonn, uma cópia fornecida pelo serviço secreto e outra pelo teletipo da Reuter. Todas as redações de jornais da Alemanha também dispunham do texto da Reuter. As linhas para a assessoria de imprensa da Chancelaria estavam abarrotadas de ligações.

     Quando faltavam 15 minutos para as duas horas, a Chancelaria distribuiu um comunicado oficial, informando que fora convocada para três horas daquela tarde uma reunião de emergência do Gabinete, para analisar a situação. Ministros cancelaram seus planos de deixar Bonn para o final da semana e voltar a fazer contato com seus eleitores. Almoços foram mal digeridos.

    

     O diretor da Penitenciária de Tegel desligou o telefone com uma certa deferência, dois minutos depois das duas horas. Não era com freqüência que o Ministro da Justiça da Alemanha Ocidental passava por cima do protocolo de se comunicar com o Prefeito de Berlim Ocidental e procurava-o pessoalmente.

     Ele pegou o telefone interno e deu uma ordem a sua secretária. Não havia a menor dúvida de que o Senado de Berlim formularia em breve a mesma determinação. Mas enquanto o Prefeito estivesse fora de contato, durante o almoço, ele então poderia recusar o que fora pedido pelo Ministro da Justiça da Alemanha Federal.

     Três minutos depois, um dos funcionários mais antigos e categorizados da penitenciária entrou no gabinete.

     — Ouviu o noticiário das duas horas? — perguntou o Diretor.

     Passavam apenas cinco minutos de duas horas. O guarda disse que estava fazendo sua ronda quando o bip em seu bolso tocara, avisando que deveria procurar o telefone interno de parede mais próximo e entrar em contato com a direção. Não tinha ouvido o noticiário. O Diretor informou-o das exigências que haviam sido apresentadas ao meio-dia pelos terroristas a bordo do Freya. O guarda ficou boquiaberto.

     — Não dava para imaginar, hem? — disse o Diretor. — Ao que parece vamos virar o foco das atenções do mundo. Assim, teremos de tomar providências. Já dei ordens ao portão principal para que ninguém entre, além dos funcionários. Todas as indagações da imprensa devem ser encaminhadas às autoridades municipais. Agora, temos de cuidar de Mishkin e Lazareff. Quero que toda a guarda naquele andar e particularmente no corredor seja triplicada. Cancele todas as licenças para que haja pessoal suficiente. Transfira todos os presos naquele corredor para outras celas. O lugar deve ficar completamente isolado. Um grupo de agentes está vindo de avião de Bonn para perguntar a Mishkin e Lazareff quem são seus amigos no Mar do Norte. Alguma pergunta?

     O guarda engoliu em seco e sacudiu a cabeça.

     — Não sabemos quanto tempo essa emergência vai durar — continuou o Diretor. — Quando deveria sair de folga?

     — Às seis horas da tarde, senhor.

     — Para voltar na segunda-feira às oito horas da manhã?

     — Não, senhor. Na noite de segunda-feira. À meia-noite. Estou no turno da noite na próxima semana.

     — Terei de lhe pedir que continue a trabalhar. É claro que compensaremos mais tarde, com uma licença generosa. Mas quero que se encarregue de tudo a partir deste momento. Certo?

     — Sim, senhor. Vou começar a cuidar de tudo agora mesmo.

     O Diretor, que gostava de adotar uma atitude de camaradagem com os subordinados, contornou a mesa e pôs a mão no ombro do homem.

     — É um excelente funcionário, Jahn. Não sei o que faríamos sem você.

    

     O líder de esquadrilha Mark Latham olhou para a pista, ouviu a autorização para levantar vôo da torre de controle e sacudiu a cabeça para o co-piloto. A mão enluvada do homem mais moço empurrou lentamente os quatros manetes. Os quatro motores Rolls Royce Spey foram acelerados para a impulsão necessária e o Nimrod Mark Dois decolou da base da RAF em Kinross e virando em seguida para sudeste, afastando-se da Escócia, a caminho do Mar do Norte e do Canal da Mancha.

     O líder de esquadrilha do Comando Costeiro, um homem de 31 anos, sabia que estava comandando o melhor avião para observação de submarinos e embarcações de superfície do mundo. Com sua tripulação de 12 homens, motores adaptados e acessórios de desempenho e observação, o Nimrod podia sobrevoar as ondas a baixa altitude, lentamente, escutando com ouvidos eletrônicos os movimentos submarinos, ou circular em alta altitude, hora após hora com dois motores desligados para economia de combustível, vigiando uma extensa área do oceano.

     Os radares captariam o menor movimento de substância metálica na superfície do mar, as câmaras podiam fotografar dia e noite; não eram afetadas por tempestade ou neve, granizo, nevoeiro ou vento, claridade ou escuridão. Os computadores Datalink podiam processar as informações recebidas, identificar o que se via e transmitir tudo, em termos visuais ou eletrônicos, para a base ou para algum navio da Marinha Real ligado ao Datalink.

     As ordens de Latham, naquela sexta-feira ensolarada de primavera, eram para se postar cinco mil metros acima do Freya e ficar circulando, até ser substituído.

     — O navio está aparecendo na tela, Comandante — disse o operador de radar, pelo sistema de intercomunicação. No fundo do corpo do avião, o operador olhava atentamente para a tela do radar, mostrando a área de mar livre de tráfego em torno do Freya, o bip grande encaminhando-se da periferia para o centro da tela, à medida que se aproximavam.

     — Acionem as câmaras — disse Latham, calmamente.

     A câmara de dia F.126 do Nimrod girou bruscamente como um canhão automático, localizou o Freya e fez contato. Automaticamente, ajustou alcance e foco para uma definição máxima. Como toupeiras dentro da fuselagem às escuras, os homens por trás da câmara viram o Freya aparecer na tela de imagem. Dali por diante, o aparelho podia voar por todo o céu que as câmaras continuariam focalizadas no Freya, ajustando-se para distância e mudanças de luz, girando para compensar os deslocamentos do Nimrod. Mesmo que o Freya começasse a se deslocar, as câmaras continuariam focalizadas, como um olho implacável, até que recebesse novas ordens.

     — Comecem a transmissão — acrescentou Latham.

     O Datalink começou a despachar imagens para a Inglaterra. Quando estava sobrevoando o Freya, o Nimrod virou para bombordo. Latham, em seu assento no lado esquerdo, pôde olhar para baixo, visualmente. Atrás e abaixo dele, a câmara entrou em zoom, superando o olho humano. Captou o vulto solitário do terrorista no pique de vante, o rosto mascarado virado para cima, olhando para o pontinho prateado a 5.000 metros de altitude. Captou também o segundo terrorista, no alto da chaminé, fazendo um zoom até que o capuz com máscara enchesse toda a tela. O homem estava segurando uma submetralhadora.

     — Lá estão os filhos da mãe! — exclamou o operador das câmaras.

     O Nimrod descreveu uma volta suave por cima do Freya e o piloto automático foi ligado, ao mesmo tempo em que dois motores eram desligados e a aceleração reduzida ao mínimo. Pôs-se a circular o navio, observado e esperando, transmitindo tudo à base. Mark Latham ordenou ao co-piloto que assumisse o comando, desabotoou o cinto de segurança e saiu da cabine de comando. Foi até o pequeno refeitório para quatro homens, entrou no banheiro, lavou as mãos e depois sentou-se com sua lancheira de aquecimento a vácuo. Era de fato, pensou ele, uma maneira extremamente confortável de ir à guerra.

    

     O Volvo reluzente do Chefe de Polícia de Alesund entrou no caminho de cascalho da casa de madeira, em estilo de rancho, em Bogneset, a 20 minutos do centro da cidade. Parou diante da varanda de pedra.

     Trygve Dahl era um contemporâneo de Thor Larsen. Haviam crescido juntos em Alesund. Dahl se tornara cadete da academia da polícia na mesma ocasião em que Larsen ingressara na Marinha Mercante. Conhecia Lisa Larsen desde que o amigo viera de Oslo com a jovem esposa, logo depois do casamento. Seus filhos conheciam Kurt e Kristina, brincavam com eles na escola, velejavam juntos nos longos feriados de verão.

     “Oh, diabo, o que vou dizer a ela?”, pensou Dahl, ao sair do Volvo.

     Ninguém atendera ao telefone, o que significava que Lisa devia estar fora de casa. Àquela hora, as crianças encontravam-se na escola. Se Lisa saíra para fazer compras, talvez já tivesse encontrado alguém que lhe contara tudo. Ele tocou a campainha. Como ninguém atendesse, deu a volta até os fundos da casa.

     Lisa Larsen gostava de cuidar de uma horta grande atrás da casa e foi lá que Dahl a encontrou, dando pedaços de cenouras ao coelho de estimação de Kristina. Ela levantou a cabeça e sorriu, ao vê-lo contornando a casa.

     “Ela não sabe de nada”, pensou Dahl. Lisa empurrou o resto da cenoura pela grade da gaiola e aproximou-se dele, tirando as luvas de jardinagem.

     — Mas que prazer vê-lo aqui, Trygve! O que o fez sair da cidade?

     — Lisa, por acaso ouviu os noticiários de rádio esta manhã?

     Ela pensou por um momento.

     — Escutei o noticiário das oito horas, depois de tomar café. Desde então estou fora de casa, cuidando da horta.

     — Não atendeu ao telefone?

     Pela primeira vez, uma sombra se insinuou nos olhos castanhos brilhantes. O sorriso desapareceu.

     — Não. Não dá para escutar aqui fora. O telefone por acaso tocou?

     — Fique calma, Lisa. Aconteceu algo. Não, não foi com as crianças. Foi com Thor.

     Ela empalideceu por baixo do bronzeado. Cuidadosamente, Trygve Dahl contou o que acontecera desde a madrugada, muito ao sul dali, ao largo de Rotterdam.

     — Até agora, pelo que sabemos, ele está bem. Nada lhe aconteceu e nada acontecerá. Os alemães vão soltar os dois prisioneiros e tudo acabará bem.

     Lisa não chorou. Permaneceu calma e disse:

     — Quero ir para o lugar em que ele está.

     O Chefe de Polícia ficou aliviado. Poderia prever aquela reação de Lisa, mas mesmo assim sentiu-se aliviado. Agora, poderia organizar as coisas. Era muito melhor nisso.

     — O jato particular de Harald Wennerstrom deve chegar ao aeroporto dentro de vinte minutos — disse ele. — Eu a levarei até lá. Ele me telefonou há uma hora. Achou que você poderia querer ir para Rotterdam, a fim de poder ficar perto de Thor. Não se preocupe com as crianças. Vou buscá-las na escola, antes de saberem o que aconteceu pelos professores. E é claro que ficarão conosco.

     Vinte minutos depois, Lisa estava no carro com Dahl, seguindo velozmente para Alesund. O Chefe de Polícia usou o rádio do carro para retardar a saída da barca para o aeroporto. Pouco depois de uma e meia da tarde, o Jetstream com o emblema azul e prateado da linha Nordia correu pela pista, elevou-se sobre as águas da baía e foi ganhando altitude, na direção do sul.

    

     Desde a década de 1960 e particularmente ao longo dos anos 70, a crescente eclosão de atos de terrorismo levou o Governo britânico a instituir procedimentos de rotina para enfrentar os problemas surgidos. O principal é a instalação de um comitê de emergência para enfrentar a crise.

     Quando a crise é grande o bastante para envolver numerosos departamentos e serviços, o comitê integrado pelos representantes de todos eles se reúne num ponto central, próximo do próprio centro do governo, a fim de concentrar as informações e coordenar todas as decisões e ações. Esse ponto central é uma sala bem guardada, dois andares abaixo do Salão do Gabinete, em Whitehall, a poucos metros do gramado que dá para Downing Street, 10. É nessa sala que se reúne o UNICORNE (United Cabinet Office Review Group, National Emergency — Grupo de Estudo Conjunto do Gabinete para Emergência Nacional).

     Em torno do salão principal de reuniões, há salas menores, Dispõe de uma mesa telefônica independente, ligando o UNICORNE com todos os ministérios, através de linhas diretas, nas quais não pode haver interferência. Há uma sala de teletipos, ligados às principais agências noticiosas; uma sala de telex e uma sala de rádio; uma sala para as secretárias, com máquinas de escrever e copiadoras. Existe até mesmo uma pequena cozinha, onde uma servente de confiança prepara café e refeições ligeiras.

     Os homens que ali se reuniram sob a presidência do Secretário do Gabinete, Sir Julian Flannery, pouco depois do meio-dia daquela sexta-feira, representavam todos os departamentos e serviços que ele julgava poderem ser envolvidos.

     Àquele estágio, nenhum dos ministros do Gabinete estava presente, embora cada um houvesse enviado um representante, pelo menos no nível de Subsecretário Assistente. Ali estavam representantes dos Ministérios do Exterior, Interior e Defesa, dos Departamentos da Indústria e Comércio, Meio Ambiente, Agricultura e Pesca, e Energia.

     Assessorando-os, havia um grupo de técnicos, inclusive três cientistas, especializados nas mais diversas áreas, especialmente explosivos, navios e poluição. Ali estavam também o Subchefe do Estado-Maior da Defesa (um vice-almirante), representantes do serviço secreto da Defesa, MI-5, SIS, RAF e um coronel dos fuzileiros reais chamado Tim Holmes.

     — Todos já tivemos tempo de ler a transcrição da transmissão do meio-dia do Comandante Larsen — disse Sir Julian Flannery. — Creio que, primeiro, devemos determinar alguns fatos indiscutíveis. Podemos começar pelo navio, o... Freya. O que sabemos a seu respeito?

     O especialista em navegação, do Departamento de Indústria e Comércio, descobriu que todos os olhos estavam fixados nele e disse objetivamente:

     — Estive no Lloyds esta manhã e obtive a planta do Freya. Está aqui. É detalhada, até a última porca e parafuso.

     Ele falou por 10 minutos, com a planta aberta em cima da mesa, descrevendo o tamanho, capacidade de carga e a construção do Freya, em termos leigos.

     Quando ele acabou, o técnico do Departamento de Energia foi chamado a falar. Ele pediu a um assessor que pusesse na mesa um modelo de metro e meio de comprimento de um superpetroleiro.

     — Pedi esse modelo emprestado esta manhã — informou ele. — É da Britsh Petroleum. Reproduz o superpetroleiro British Princess, de um quarto de milhão de toneladas. Mas as diferenças no projeto não são muitas. O Freya, no fundo, é apenas um pouco maior.

     Com a ajuda do modelo, ele mostrou onde ficava a cabine de comando, indicou o camarote do comandante, onde provavelmente estavam os porões de carga e os porões de lastro, acrescentando que as localizações exatas desses porões só seriam conhecidas quando a Linha Nordia transmitisse as informações a Londres.

     Todos os homens observavam a exposição e escutavam atentamente. Mas nenhum mais que o Coronel Holmes, pois ele é que orientaria os fuzileiros que talvez tivessem de atacar o navio e dominar os seqüestradores. Holmes sabia que os fuzileiros iriam querer saber de todos os detalhes do Freya, antes de fazerem a abordagem.

     — Só há mais uma coisa — disse o técnico do Departamento de Energia. — O Freya está carregado de Mubarraq.

     — Santo Deus! — exclamou outro homem.

     Sir Julian Flannery fitou-o com uma expressão indulgente.

     — O que é, Dr. Henderson?

     O homem que falara era o cientista do Laboratório de Warren Springs que acompanhava o representante do Departamento de Agricultura e Pesca. Ele explicou o problema, em seu sotaque escocês:

     — Mubarraq é um petróleo bruto de Abu Dhabi, com algumas das propriedades do óleo diesel.

     Acrescentou que o petróleo bruto que normalmente se espalha no mar contém tanto as “frações mais leves”, que se evaporam no ar, e as “frações mais pesadas”, que não se podem evaporar e são o que as pessoas encontram nas praias. E o Dr. Henderson concluiu:

     — O que estou querendo dizer é que todo o petróleo vai espalhar-se por toda a área, de costa a costa, antes das frações mais leves evaporarem. Vai envenenar todo o Mar do Norte por muitas semanas, negando à vida marinha o oxigênio de que precisa para viver.

     — Estou entendendo — disse Sir. Julian, solenemente. — Obrigado, Dr. Henderson.

     Houve exposições de outros especialistas. O técnico em explosivos garantiu que, se colocada nos lugares certos, a dinamite industrial poderia de fato destruir um navio daquele tamanho.

     — É também uma questão da força latente contida no peso representado por um milhão de toneladas, de petróleo ou qualquer outra coisa. Se os buracos forem abertos nos lugares certos, a massa em desequilíbrio fará o navio partir-se ao meio. Só mais uma coisa: a mensagem lida pelo Comandante Larsen falava no aperto de um botão. Ele chegou a repetir a referência. Tenho a impressão de que foram colocadas quase uma dúzia de cargas. A referência parece indicar que seriam acionadas por um impulso de rádio.

     — E isso é possível? — indagou Sir Julian.

     — Perfeitamente possível — declarou o técnico em explosivos, explicando em seguida como funcionava um oscilador.

     — Mas as cargas não poderiam estar ligadas por fios, terminando num embolo? — perguntou Sir Julian.

     — É novamente uma questão de peso — disse o engenheiro. — Os fios teriam de ser à prova d'água, encapados em plástico. O peso de quilômetros e quilômetros de fio flexível praticamente afundaria a lancha na qual os terroristas abordaram o navio.

     Houve mais informações sobre a capacidade destrutiva da poluição pelo petróleo e as poucas possibilidades de salvar os tripulantes aprisionados. O SIS admitiu que não dispunha de qualquer informação que pudesse ajudar a identificar os terroristas, entre os grupos conhecidos do terrorismo internacional.

     O homem do MI-5, que era o Subchefe do Departamento C-4 da organização, lidando exclusivamente com os atos terroristas que afetavam a Inglaterra, ressaltou a estranha natureza das exigências dos seqüestradores do Freya:

     — Mishkin e Lazareff são judeus. São seqüestradores que tentaram escapar da União Soviética e acabaram baleando e matando o comandante de um avião. Deve-se pressupor que os homens que estão tentando libertá-los são seus amigos ou admiradores. O que parece indicar outros judeus. Os únicos que se enquadram nessa categoria são os homens da Liga de Defesa Judia. Até agora, porém, eles se limitaram a manifestações públicas. Em nossos arquivos, não temos casos de judeus ameaçando matar pessoas para libertar seus amigos, desde os tempos do Irgun, o grupo terrorista sionista em atividade na Palestina durante a ocupação britânica antes da independência de Israel.

     — Vamos esperar que não comecem novamente com isso — comentou Sir Julian. — Mas se não são eles, quem poderiam ser?

     O homem do C-4 deu de ombros.

     — Não sabemos. Não temos nada em nossos arquivos que possa indicar quem são esses homens. E a mensagem transmitida pelo Comandante Larsen igualmente não contém qualquer indício que nos possa levar à descoberta das origens dos seqüestradores. Esta manhã, pensei que fossem árabes. Ou irlandeses. Mas nenhum dos dois grupos levantaria um dedo sequer por judeus prisioneiros.

     Foram mostradas fotografias tiradas uma hora antes pelo Nimrod, algumas apresentando os terroristas mascarados que estavam de vigia. Foram meticulosamente examinadas.

     — MAT 49 — disse o Coronel Holmes, estudando a submetralhadora que um dos homens empunhava. — É uma arma de fabricação francesa.

     — Talvez tenhamos aqui uma pista — disse Sir Julian. — Esses homens não poderiam ser franceses?

     — Não necessariamente — declarou Holmes. — Podem-se comprar essas armas no submundo. E o submundo de Paris é famoso por sua predileção por submetralhadoras.

     Às três e meia da tarde, Sir Julian Flannery determinou um recesso do comitê. Ficou acertado que o Nimrod continuaria a sobrevoar o Freya, até segunda ordem. O Subchefe do Estado-Maior da Defesa apresentou uma proposta, prontamente aprovada, para que um navio da Marinha Real fosse postar-se a cinco milhas a oeste do Freya, ficando de prontidão para o caso de os terroristas tentarem escapar sob a proteção da escuridão. O Nimrod perceberia a tentativa de fuga e transmitiria a posição dos terroristas à Marinha Real. O navio de guerra poderia facilmente alcançar a lancha de pesca, ainda atracada ao costado do Freya.

     O Foreign Office concordou em solicitar aos Governos da Alemanha Ocidental e Israel que informassem prontamente sobre qualquer decisão a respeito das exigências dos terroristas.

     — No final das contas, parece não haver muita coisa que o Governo de Sua Majestade possa fazer no momento — ressaltou Sir Julian. — A decisão compete agora ao Primeiro-Ministro de Israel e ao Chanceler da Alemanha Ocidental. Pessoalmente, não vejo alternativa senão permitirem que esses jovens odiosos sigam para Israel, por mais repulsiva que possa ser a idéia de ceder à chantagem.

     Os homens foram-se retirando da sala. O único que ficou foi o Coronel Holmes. Sentou-se novamente e ficou olhando para o modelo sobre a mesa do petroleiro de um quarto de milhão de toneladas da British Petroleum.

     — Mas vamos supor que eles não concordem... — murmurou Holmes, para si mesmo.

     Cuidadosamente, começou a calcular a distância entre o mar e a amurada inferior da popa.

    

     O piloto sueco do Jetstream estava a 5.000 metros de altitude, sobrevoando as Ilhas Frísias e preparando-se para iniciar a descida na direção do Aeroporto de Schiedam, nos arredores de Rotterdam. Virou-se e chamou a mulher que era sua única passageira. Ela desabotoou o cinto de segurança e adiantou-se.

     — Perguntei se queria dar uma olhada no Freya — repetiu o piloto.

     A mulher assentiu.

     O Jetstream virou na direção do mar e cinco minutos depois inclinava-se suavemente para o lado. Em seu assento, o rosto comprimido contra a pequena vigia, Lisa Larsen olhou para baixo. O Freya estava ancorado lá embaixo, no mar azul, como uma sardinha cinzenta grudada na água. Não havia nenhum outro navio ao redor. O Freya estava sozinho em seu cativeiro.

     Mesmo de 5.000 metros de altura, através do ar claro da primavera, Lisa podia imaginar onde ficava a ponte de comando. Ela sabia que o marido estava ali embaixo, diante de um homem com uma arma apontada para seu peito e com dinamite sob os pés. Ela não sabia se o homem com a arma era louco, brutal ou temerário. Sabia apenas que só podia ser um fanático.

     Duas lágrimas se derramaram de seus olhos e escorreram pelas faces. Quando sussurrou, a respiração enevoou o vidro:

     — Thor, meu querido, por favor, saia vivo daí...

     O Jetstream tornou a nivelar e começou a longa descida na direção de Schiedam. O Nimrod no céu, a quilômetros de distância, observou o Jetstream afastar-se.

     — O que esse avião estava querendo? — indagou o operador de radar a ninguém em particular.

     — Quem seria? — disse um operador de sonar que nada tinha para fazer naquele momento.

     — Era apenas um pequeno jato executivo que sobrevoou o Freya, deu uma olhada e depois seguiu para Rotterdam.

     — Provavelmente era o dono do navio querendo verificar como estava sua propriedade — comentou o humorista da tripulação, do controle de rádio.

     No Freya, os dois terroristas de vigia ficaram observando o pequeno avião prateado afastar-se para leste, na direção da costa holandesa. Não informaram a presença do avião a seu líder; o aparelho ficara muito acima dos 3.000 metros de altitude.

    

     A reunião do Gabinete da Alemanha Ocidental começou pouco depois das três horas da tarde, na Chancelaria, com Dietrich Busch presidindo. Ele foi direto ao assunto, como era seu hábito:

     — Vamos deixar uma coisa bem clara de saída: não estamos diante de um novo Mogadíscio. Desta vez, não temos um avião alemão, com uma tripulação alemã e quase todos os passageiros alemães, num aeroporto de um país disposto a colaborar com nossa ação. Trata-se de um navio sueco, com um comandante norueguês, em águas internacionais. Tem tripulação de cinco países, inclusive dos Estados Unidos, uma carga de propriedade americana, segurada por uma companhia britânica. Sua destruição afetaria pelo menos cinco nações costeiras, inclusive a nossa. O que nos pode dizer, Sr. Ministro do Exterior?

     Hagowitz informou a seus colegas que já recebera indagações polidas da Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda, Bélgica, França e Inglaterra sobre a decisão que o Governo Federal alemão poderia tomar. Afinal, eram eles que estavam com Mishkin e Lazareff.

     — Eles estão sendo corteses o bastante para não tentar exercer qualquer pressão, a fim de influenciar nossa decisão. Mas não tenho a menor dúvida de que encarariam com profunda apreensão uma recusa de nossa parte em enviar Mishkin e Lazareff para Israel.

     — A partir do momento em que se começa a ceder à chantagem de terroristas, a coisa não pára nunca mais — comentou o Ministro da Defesa.

     — Dietrich, nós cedemos no caso de Peter Lorenz, há alguns anos e pagamos caro por isso. Os próprios terroristas que libertamos voltaram e entraram em ação novamente. Enfrentamos os terroristas em Mogadíscio e vencemos. Tornamos a enfrentar no caso de Schleyer e terminamos com um cadáver nas mãos. Mas pelo menos esses casos eram totalmente alemães. O que não acontece agora. As vidas que estão em jogo não são alemãs, assim como a propriedade também não é. Além disso, os seqüestradores em Berlim não são de nenhum grupo terrorista alemão. São judeus que tentaram escapar da Rússia pela única maneira que podiam imaginar. Para ser franco, tudo isso nos deixa numa posição extremamente difícil. Assim que Hagowitz acabou de falar, alguém perguntou:

     — Há alguma possibilidade de que tudo não passe de um blefe, de que eles não sejam capazes de destruir realmente o Freya ou matar seus tripulantes?

     O Ministro do Interior sacudiu a cabeça.

     — Não podemos contar com isso. As fotografias que os ingleses acabaram de nos transmitir mostram que os homens armados e mascarados são bastante reais. Já as encaminhei para o chefe da GSG 9, para que ele as analise. O problema é que a aproximação de um navio com proteção de radar e sonar não está na área de atividades deles. Exigiria mergulhadores ou homens-rãs.

     Ao falar em GSG 9, estava-se referindo à unidade de comandos alemães ocidentais, homens escolhidos a dedo, que haviam atacado o avião seqüestrado em Mogadíscio, cinco anos antes.

     A discussão prolongou-se por uma hora. Deveriam ceder às exigências dos terroristas, tendo em vista a internacionalidade das prováveis vítimas de uma recusa, e aceitar os inevitáveis protestos de Moscou? Ou deveriam recusar e pagar para ver? Ou seria melhor consultar os aliados britânicos sobre a perspectiva de atacarem o Freya? Uma posição de meio-termo, com a adoção de táticas protelatórias, ganhando tempo, testando a determinação dos seqüestradores do Freya, parecia estar prestes a ser aprovada. Eram 4:15 quando bateram na porta. O Chanceler Busch franziu o rosto. Não gostava de interrupções.

     — Herein! — disse ele.

     Um assessor entrou na sala e foi sussurrar no ouvido do Chanceler. O Chefe do Governo alemão empalideceu e balbuciou:

     — Du lieber Gott!

    

     Um pequeno avião, mais tarde identificado como um Cessna de propriedade particular fretado no aeroporto de Le Touquet, na costa norte da França, foi avistado por três diferentes zonas de controle de tráfego aéreo, em Heathrow, Bruxelas e Amsterdã, estava voando para o norte e os radares situaram-no a 1.500 metros de altura num curso que o levaria diretamente ao Freya. O éter começou a crepitar furiosamente.

     — Aparelho não-identificado em posição... identifique-se e volte. Está entrando numa área proibida...

     Falou-se em inglês e francês, depois em holandês. De nada adiantou. Ou o piloto desligara o rádio ou então estava no canal errado. Os operadores de terra passaram a transmitir em todas as faixas.

     O Nimrod circulando a 5.000 metros de altura localizou o Cessna na tela de radar e tentou entrar em contato.

     A bordo do Cessna, o piloto virou-se para seu passageiro, desesperado, e gritou:

     — Eles vão cassar minha licença! Estão loucos lá embaixo!

     — Desligue o rádio! — gritou o passageiro em resposta. — Não se preocupe que não vai acontecer nada! Não ouviu ninguém chamar!

     O passageiro pegou sua câmara e ajustou a teleobjetiva. Começou a focalizar o superpetroleiro que se aproximava rapidamente. No pique de vante, o vigia mascarado empertigou-se e cerrou os olhos na direção do Sol, agora a sudoeste. O avião estava-se aproximando do sul. Depois de observar por alguns segundos, ele tirou um walkie-talkie do bolso do blusão e falou rapidamente.

      Na cabine de comando, um dos seus companheiros ouviu a mensagem, adiantou-se para espiar pela tela panorâmica e depois saiu para a ponte de comando. Ali, pôde ouvir também o motor do avião. Voltou à cabine e despertou o companheiro, dando algumas ordens em ucraniano. O homem desceu correndo até o camarote do comandante e bateu na porta.

     Lá dentro, Thor Larsen e Andriy Drach, ambos parecendo mais barbados e mais extenuados do que 12 horas antes, ainda estavam sentados à mesa, a arma perto da mão direita do ucraniano. A dois palmos dele estava o potente rádio transistorizado, captando as últimas notícias. O homem mascarado entrou a uma ordem sua e falou em ucraniano. O líder franziu o rosto e ordenou ao homem que ficasse de guarda ali no camarote.

      Drake deixou o camarote rapidamente, subiu para a cabine de comando e depois saiu para a ponte. Ao fazê-lo, tornou a pôr a máscara preta. Olhou para o Cessna, descrevendo uma curva a 300 metros de altitude, em órbita sobre o Freya, voltando em seguida para o sul, subindo novamente. Enquanto o avião descrevia a curva, Drake pôde avistar a teleobjetiva apontada em sua direção.

     No Cessna, o fotógrafo freelance estava exultante.

     — Fantástico! — gritou ele para o piloto. — Totalmente exclusivo! As revistas vão pagar o que não têm pelas fotos!

     Andriy Drach voltou para a cabine de comando e deu diversas ordens. Pelo walkie-talkie, disse ao homem na proa que continuasse de vigia. O vigia na cabine de comando foi enviado lá para baixo, a fim de chamar dois homens que estavam dormindo. Depois que os três voltaram, o líder dos terroristas deu novas instruções. Ao voltar para o camarote do comandante, não dispensou o guarda extra.

     — Acho que está na hora de mostrar àqueles idiotas da Europa que não estou brincando — disse ele a Thor Larsen.

     Cinco minutos depois, o operador de câmaras do Nimrod chamou Mark Latham pelo sistema de intercomunicação.

     — Alguma coisa está acontecendo lá embaixo, Comandante. Latham foi para a parte central da fuselagem, onde se podia ver numa tela o que as câmaras fotografavam. Dois homens estavam andando pelo convés do Freya, a superestrutura por trás, a extensão vazia de convés à frente. Um dos homens, o que ia atrás, estava vestido de preto, da cabeça aos pés, e empunhava uma submetralhadora. O que ia na frente estava de sapatos de lona, calça esporte e um blusão com três listras escuras horizontais nas costas. O capuz estava levantado, como proteção contra a brisa fria da tarde.

     — Parece que é um terrorista atrás e um marinheiro na frente — comentou o operador de câmaras.

     Latham assentiu. Não podia ver as cores, pois suas imagens eram monocrômicas.

     A câmara se aproximou, até cobrir apenas cerca de 12 metros do convés, com os dois homens andando no centro da imagem.

    

     O Comandante Thor Larsen podia ver as cores. Ficou olhando pelas janelas da frente do camarote, por baixo da cabine de comando, entre aturdido e incrédulo. Por trás dele, o guarda com a sub-metralhadora estava bem afastado, a arma apontada para as suas costas.

     Na metade do caminho do convés de proa, os dois vultos reduzidos pela distância ao tamanho de palitos de fósforo, o segundo homem, todo de preto, parou de repente, apontando a submetralhadora para as costas do que estava à frente. Larsen pôde ouvir a rajada de um segundo. O vulto de casaco vermelho arqueou-se, como se tivesse recebido um golpe violento na espinha, ergueu os braços, inclinou-se para a frente, rolou uma vez e foi parar, meio escondido, por baixo do passadiço de inspeção.

     Thor Larsen fechou os olhos, lentamente. Quando o navio fora capturado, seu Terceiro-Imediato, o dinamarquês-americano Tom Keller, estava usando uma calça bege e um casaco de nylon vermelho, com três listras pretas nas costas. Larsen inclinou a testa contra as costas da mão. Depois empertigou-se e virou-se para o homem que conhecia como Svoboda, fitando-o fixamente. Andriy Drach sustentou o olhar dele, dizendo, furioso:

     — Eu avisei! Disse exatamente o que iria acontecer e eles pensaram que podiam brincar comigo! Agora sabem que não podem!

    

     Vinte minutos depois, as fotos em seqüência mostrando o que acontecera no convés do Freya estavam saindo de uma máquina no centro de Londres. E 20 minutos depois os detalhes do ocorrido, em termos verbais, estavam sendo recebidos pelo teletipo na Chancelaria Federal, em Bonn. Eram quatro e meia da tarde.

     O Chanceler Busch olhou em silêncio para os membros do seu gabinete, por um momento, antes de declarar:

     — Lamento informar que há cerca de uma hora um avião particular aparentemente tentou tirar fotografias de perto do Freya, a trezentos metros de altura. Dez minutos depois, os terroristas levaram um tripulante para o convés e o executaram, sob as câmaras do Nimrod britânico. O corpo está agora meio sob o passadiço, meio exposto ao céu.

     Houve um silêncio opressivo na sala, até que um dos ministros perguntou, em voz baixa:

     — A vítima pode ser identificada?

     — Não. O rosto está quase que totalmente coberto pelo capuz do blusão.

     — Miseráveis! — exclamou o Ministro da Defesa. — Agora, trinta famílias da Escandinávia ficarão angustiadas, ao invés de apenas uma.

     — Na esteira do acontecido — disse Hagowitz — o mesmo ocorrerá com os quatro governos da Escandinávia, cujos embaixadores terei de receber em breve. Creio que realmente não temos alternativa.

     Quando as mãos se levantaram na votação, a grande maioria foi a favor da proposta de Hagowitz. Ele deveria instruir o Embaixador alemão em Israel para solicitar uma reunião urgente com o Primeiro-Ministro israelense e pedir oficialmente as garantias que os terroristas haviam exigido. Se fornecidas as garantias, o Governo Federal anunciaria, com pesar, que não tinha alternativa, a fim de poupar mais sofrimento a homens e mulheres inocentes fora da Alemanha Ocidental, senão libertar Mishkin e Lazareff e enviá-los para Israel.

     — Os terroristas deram o prazo até meia-noite para que o Primeiro-Ministro israelense oferecesse as garantias — disse o Chanceler Busch. — E nós temos o prazo até o amanhecer para meter os seqüestradores num avião. Vamos reter nosso comunicado até a concordância de Jerusalém. Sem isso, nada poderemos fazer.

     Por acordo entre os aliados da OTAN envolvidos, o Nimrod da RAF ficou sendo o único avião no céu por cima do Freya, circulando interminavelmente, observando e registrando, transmitindo fotografias para a base sempre que havia algo a mostrar. Essas fotografias eram prontamente despachadas para Londres e para as capitais de todos os outros países envolvidos.

     Às cinco horas da tarde, os vigias foram trocados. Os homens que estavam na proa e na chaminé há 10 horas deixaram seus postos, enregelados e entorpecidos, a fim de comer, aquecer-se e descansar um pouco. Os homens que assumiram a vigilância durante a noite estavam munidos com walkie-talkies e lanternas potentes.

     O acordo dos aliados em relação ao Nimrod não se estendia aos navios de superfície. Cada nação costeira queria um observador no local de sua própria Marinha. Ao final da tarde, o cruzador ligeiro francês Montcalm aproximou-se do sul e foi parar a pouco mais de cinco milhas náuticas do Freya. Do norte, veio a fragata holandesa Breda, que parou a seis milhas náuticas do petroleiro.

     A fragata alemã Brunner apareceu logo depois e parou a cerca de cinco amarradas da holandesa, ambas observando o Freya ancorado ao sul. A nave britânica Argyll partiu do porto escocês de Leith, onde estava em visita de cortesia quando a primeira estrela da noite surgiu no céu sem nuvem, ancorou a oeste do Freya.

     Era um cruzador ligeiro com pouco menos de 6.000 toneladas, equipado com baterias de mísseis Exocte. As modernas turbinas a gás e motores a vapor permitiam-lhe zarpar a qualquer momento. Estava também equipado com um computador Datalink, ligado ao do Nimrod circulando a 5.000 metros de altura no céu a escurecer rapidamente. Na popa, a poucos metros da amurada posterior, carregava seu próprio helicóptero Westland Wessex.

     Por baixo da superfície, os ouvidos de sonar das naves de guerra cercavam o Freya por três lados; por cima da superfície, as antenas de radar vigiavam o mar incessantemente. Com o Nimrod lá em cima, o Freya estava envolto num casulo invisível de vigilância eletrônica. O imenso petroleiro estava silencioso e inerte, enquanto o Sol preparava-se para mergulhar além da costa inglesa.

     Eram cinco horas da tarde na Europa Ocidental, mas sete horas da noite em Israel quando o Embaixador da Alemanha Ocidental solicitou uma audiência pessoal com o Primeiro-Ministro Benyamin Golen. Foi-lhe imediatamente ressaltado que o Sabá já começara e que, como um judeu devoto, o Primeiro-Ministro já estava em repouso em sua residência. Não obstante, a solicitação foi transmitida, porque tanto os assessores do Primeiro-Ministro como o próprio estavam perfeitamente a par do que vinha acontecendo no Mar do Norte. Na verdade, desde a transmissão de Thor Larsen, às nove horas da manhã, que o serviço secreto de informações israelense, o Mossad Aliyah Bet, vinha mantendo Jerusalém permanentemente informado, inclusive preparando minuciosos relatórios de posição sobre a parte relativa a Israel nas exigências apresentadas ao meio-dia. Antes do início oficial do Sabá, às seis horas da tarde, o Primeiro-Ministro Golen havia lido todos os relatórios.

     — Não estou disposto a quebrar o Sabá e guiar o carro até o gabinete — disse ele ao assessor que lhe telefonou, transmitindo as últimas notícias. — E a distância é relativamente grande para se ir a pé. Assim, peça ao Embaixador para vir procurar-me pessoalmente em minha residência.

     Dez minutos depois, o carro do Embaixador alemão parava diante da casa asceticamente modesta do Primeiro-Ministro, nos subúrbios de Jerusalém. Ao ser levado à presença de Golen, o Embaixador alemão prontamente apresentou suas desculpas, depois dos cumprimentos tradicionais de “Shalom Shabbath”:

     — Primeiro-Ministro, eu não o teria incomodado durante as horas do Sabá se não soubesse que é permitido fazê-lo quando há vidas humanas em jogo.

     — Tem razão — disse Golen. — Pode-se quebrar o Sabá quando há vidas humanas em jogo ou em perigo.

     — Neste caso, minha pressuposição é procedente. Deve estar a par do que vem acontecendo a bordo do superpetroleiro Freya, ancorado no Mar do Norte, nas últimas doze horas.

     O Primeiro-Ministro de Israel estava mais do que a par; estava profundamente preocupado, pois desde a apresentação das exigências ao meio-dia era evidente que os terroristas, quem quer que fossem, não podiam ser árabes palestinos. Era possível até que fossem fanáticos judeus. Mas seus próprios serviços secretos, o Mossad, de atividades externas, e o Sherut Bitachon, mais conhecido pelas iniciais Shin Bet, de atuação interna, não haviam constatado o desaparecimento dos fanáticos conhecidos dos lugares em que normalmente se refugiavam.

     — Estou perfeitamente informado, Embaixador, e lamento profundamente a morte do marinheiro. O que a República Federal da Alemanha está querendo de Israel?

     — Primeiro-Ministro, o Gabinete de meu país analisou todas as questões envolvidas na crise por várias horas. Embora encare com extrema repulsa a perspectiva de ceder à chantagem de terroristas e apesar de provavelmente dispor-se a resistir, se o problema fosse exclusivamente uma questão interna alemã, no caso presente “chegou à conclusão de que deve ceder. Assim, a solicitação do meu governo é de que o Estado de Israel concorde em receber David Lazareff e Lev Mishkin, com as garantias de que não serão processados nem extraditados, conforme os terroristas exigem.

     O Primeiro-Ministro Golen há várias horas que vinha pensando na resposta que daria a tal solicitação. Não era surpresa para ele, tanto que já definira a posição a adotar. Seu governo era uma coalizão de equilíbrio delicado e particularmente sabia que muitos dos seus concidadãos, se não mesmo a maioria do povo, estavam tão furiosos com a contínua perseguição dos judeus e à religião judia na União Soviética que não consideravam Mishkin e Lazareff como terroristas na mesma categoria que os homens da Baader-Meinhoff e da Organização de Libertação da Palestina. Na verdade, não eram poucos os que estavam convencidos de que Mishkin e Lazareff estavam absolutamente certos ao tentar seqüestrar um avião para escapar, e aceitavam plenamente a alegação de que a arma na cabine de comando do aparelho disparara acidentalmente.

     — Deve compreender duas coisas, Embaixador. A primeira é a de que Mishkin e Lazareff podem ser judeus, mas o Estado de Israel nada tem a ver com seus crimes originais nem com a exigência de libertação que está sendo agora formulada.

     Se se constatar que os próprios terroristas também são judeus, pensou ele, quem iria acreditar nisso?

     — A segunda coisa é de que o Estado de Israel não é diretamente afetado pela situação difícil em que se encontra a tripulação do Freya nem pelos possíveis efeitos da destruição do navio. Neste caso, não é o Estado de Israel que está sendo pressionado ou chantageado.

     — Isso está perfeitamente entendido, Primeiro-Ministro — declarou o Embaixador alemão.

     — Assim, se Israel concordar em receber esses dois homens, deve ficar clara e publicamente entendido que assim age a pedido expresso do Governo da Alemanha Ocidental.

     — Esse pedido está sendo feito agora, Primeiro-Ministro, por mim, em nome do meu Governo.

     Quinze minutos depois, estava tudo acertado. A Alemanha Ocidental anunciaria publicamente que solicitara a Israel que recebesse Mishkin e Lazareff. Imediatamente depois, Israel anunciaria que relutantemente concordava com a solicitação. Depois disso, a Alemanha Ocidental anunciaria a libertação dos prisioneiros às oito horas da manhã seguinte, pelo horário europeu. Os comunicados seriam feitos em Bonn e Jerusalém, sincronizados, com 10 minutos de intervalo, a começar dentro de uma hora. Eram sete e meia da noite em Israel e cinco e meia da tarde na Europa.

     Por todo o continente, as últimas edições dos jornais vespertinos saíram às ruas para serem arrebatadas por 300.000.000 de pessoas, que vinham acompanhando o drama no mar desde a manhã. As últimas edições davam detalhes do assassinato do marinheiro não-identificado e da prisão de um fotógrafo francês freelance e de um piloto, em Le Touquet.

     Os noticiosos das emissoras de rádio transmitiram a notícia de que o Embaixador da Alemanha Ocidental visitara o Primeiro-Ministro Golen em sua residência particular, durante as horas do Sabá, retirando-se 35 minutos depois. Não havia informações sobre o que fora tratado no encontro e as especulações eram as mais desencontradas. As emissoras de televisão mostraram imagens de quem quer que estivesse disposto a posar para as câmaras e de alguns que preferiam não aparecer. O últimos eram os que sabiam o que estava acontecendo. As autoridades não liberaram nenhuma fotografia do marinheiro morto a bordo do Freya.

     Os jornais matutinos, preparando-se para rodar à meia-noite, estavam reservando as primeiras páginas para a possibilidade de um comunicado de Jerusalém ou Bonn, talvez de uma nova transmissão do Freya. Nas páginas internas, havia incontáveis colunas sobre o Freya, sua carga, os efeitos do derramamento do petróleo no mar, especulações sobre as identidades dos terroristas e editoriais recomendando a libertação dos dois seqüestradores do avião soviético.

    

     Um crepúsculo ameno e fragrante estava encerrando um glorioso dia de primavera quando Sir Julian Flannery concluiu seu relatório para a Primeira-Ministra, no gabinete dela, em Downing Street, 10. Era um relatório ao mesmo tempo amplo e sucinto, uma verdadeira obra-prima de elaboração.

     — Por tudo o que acabou de expor, Sir Julian, — disse finalmente a Primeira-Ministra — devemos concluir que eles certamente existem, que indubitavelmente se apoderaram do Freya, que estão em condições de explodir e afundar o navio, que não hesitariam em fazê-lo e que as conseqüências financeiras, humanas e para o meio ambiente constituiriam uma catástrofe de dimensões assustadoras.

     — Isso, Madame, pode parecer a interpretação mais pessimista da situação — disse o Secretário do Gabinete. — Contudo, o comitê de emergência da crise acha que seria temerário assumir uma posição mais esperançosa.

     — Até agora, só foram vistos quatro terroristas, os dois vigias e seus substitutos. Acreditamos, que deve haver outro na cabine de comando, mais um vigiando os prisioneiros, e o líder. Assim, temos um mínimo de sete homens. Talvez sejam poucos para evitar que um grupo armado aborde o navio, mas não devemos partir de tal pressuposto. Eles podem não ter dinamite a bordo ou então ter bem pouco ou colocado as cargas nos lugares errados. Mas é outro pressuposto que não podemos fazer. O mecanismo para acionar as cargas pode falhar e eles não terem um de reserva, mas não podemos partir de tal pressuposto. Eles podem não estar dispostos a matar mais marinheiros, mas não podemos contar com tal pressuposto. E eles podem não estar dispostos a explodir o Freya e morrer juntos, mas não podemos partir de tal pressuposto. Seu comitê, Sir Julian, acha que seria um erro pressupor menos do que o possível, o que neste caso é justamente o pior.

     Um dos telefones tocou e ela atendeu. Ao desligar, lançou um sorriso ligeiro para Sir Julian e disse:

     — Parece que, no final das contas, não vamos ter de enfrentar a catástrofe. O Governo da Alemanha Ocidental acaba de anunciar que solicitou a Israel que recebesse os dois seqüestradores. Israel respondeu que aceita a solicitação alemã. E Bonn arrematou comunicando que os prisioneiros serão libertados às oito horas da manhã.

     Naquele momento, faltavam 20 minutos para as sete horas.

    

     A mesma notícia chegou ao camarote do Comandante Thor Larsen através do rádio transistorizado. Mantendo Larsen sob a mira da arma durante todo o tempo, Drake acendera as luzes do camarote uma hora antes, fechando as cortinas. O camarote estava bem iluminando, aquecido quase aconchegante. A cafeteira já fora esvaziada e enchida cinco vezes. Ainda estava borbulhando. Os dois homens, o marinheiro e o fanático, estavam barbados e extenuados. Mas um deles estava amargurado pela morte de um amigo, dominado pela raiva, enquanto o outro estava triunfante.

     — Eles concordaram — disse Drake. — Eu já sabia que o fariam. As conseqüências poderiam ser terríveis.

     Thor Larsen poderia ter-se sentido aliviado pela notícia da salvação iminente de seu navio. Mas a raiva reprimida que fervilhava dentro dele era intensa demais para que isso pudesse servir-lhe de consolo.

     — Ainda não acabou... — murmurou ele.

     — Mas vai acabar e muito em breve. Se meus amigos forem libertados às oito horas da manhã, estarão em Tel Aviv por volta de uma hora da tarde, duas no máximo. Com uma hora para identificação e mais o tempo necessário para transmissão da notícia pelo rádio, saberemos com certeza por volta das três ou quatro horas da tarde. Partiremos depois do escurecer, deixando-os são e salvos

     — Exceto por Tom Keller, que está caído lá no convés — disse o norueguês.

     — Lamento muito. A demonstração de nossas intenções era necessária. Eles não me deixaram alternativa.

    

     A solicitação do Embaixador soviético era inesperada e sem precedentes, a tal ponto que foi repetida com veemência e insistência. Embora representando um país supostamente revolucionário, os embaixadores soviéticos são geralmente meticulosos na observância dos procedimentos diplomáticos, instituídos pelas nações capitalistas ocidentais.

     David Lawrence indagou repetidamente, pelo telefone, se o Embaixador Konstantin Kirov não poderia falar com ele, como Secretário de Estado americano. Kirov respondeu que sua mensagem era pessoalmente para o Presidente Matthews, extremamente urgente e finalmente que se tratava de assuntos que o Presidente Maxim Rudin desejava levar ao conhecimento pessoal do Presidente dos Estados Unidos.

     O Presidente Matthews concedeu a audiência pessoal a Kirov e a limusine preta com o emblema da foice e do martelo entrou na Casa Branca durante a hora do almoço.

     Faltavam 15 minutos para as sete horas da noite na Europa, mas eram apenas 15 para as duas da tarde em Washington. O representante soviético foi levado diretamente ao Gabinete Oval para o encontro com o Presidente Matthews, que estava aturdido, intrigado e curioso. As formalidades foram cumpridas rapidamente, sem que nenhum dos dois estivesse muito preocupado com elas.

     — Sr. Presidente — disse Kirov — recebi instruções expressas do Presidente Maxim Rudin para essa audiência pessoal. Tenho ordens para transmitir literalmente, sem qualquer alteração, a seguinte mensagem pessoal do Presidente Maxim Rudin: “Caso os seqüestradores e assassinos Lev Mishkin e David Lazareff sejam libertados da cadeia e se livrem assim de suas justas punições, a União Soviética não mais poderá assinar o Tratado de Dublin na semana depois da próxima nem em qualquer outra ocasião. A União Soviética rejeitará o tratado permanentemente.”

     O Presidente Matthews ficou olhando em silêncio por algum tempo para o Embaixador soviético, espantado. Levou alguns segundos para conseguir finalmente falar:

     — Está querendo dizer que Maxim Rudin vai simplesmente rasgar o tratado?

     Kirov permaneceu empertigado, formal e impassível.

     — Sr. Presidente, essa é a primeira parte da mensagem que recebi instruções de transmitir-lhe. A segunda parte é a de que a União Soviética terá a mesma reação, se a natureza ou conteúdo desta mensagem forem revelados.

     Depois que Kirov se retirou, William Matthews virou-se para David Lawrence. totalmente aturdido.

     — Que diabo está acontecendo. David? Não podemos simplesmente pressionar o Governo alemão a inverter sua decisão sem explicar por quê.

     — Sr. Presidente, acho que terá de fazê-lo. Maxim Rudin não lhe deixou qualquer alternativa.

    

                           19:00 À MEIA-NOITE

     O Presidente William Matthews estava atordoado com a reação soviética, inesperada e brutal. Ficou esperando, enquanto o Diretor da CIA, Robert Benson, e seu assessor para questões de segurança, Stanislaw Poklewski, eram chamados.

     Quando os dois se juntaram ao Secretário de Estado no Gabinete Oval, Matthews informou-os da exigência que o Embaixador soviético acabara de apresentar.

     — Mas que diabo eles estão querendo? — indagou o Presidente dos Estados Unidos.

     Nenhum dos seus três principais assessores podia oferecer uma resposta. Diversas sugestões foram apresentadas, especialmente a de que Maxim Rudin sofrerá um revés no Politburo e não podia mais endossar o Tratado de Dublin, sendo o caso do Freya apenas um pretexto para evitar a assinatura.

     A possibilidade acabou sendo rejeitada por todos; sem o tratado, a União Soviética não receberia os cereais e já estava gastando suas últimas reservas. Sugeriu-se que o piloto morto da Aeroflot, Comandante Rudenko, representava o tipo de desprestígio que o Kremlin não podia permitir. Essa idéia também foi rejeitada; afinal, os tratados internacionais não são rasgados por causa de pilotos mortos.

     O Diretor da CIA resumiu o que todos estavam pensando, depois de uma hora de reunião:

     — Simplesmente não faz sentido... mas não pode deixar de fazer. Maxim Rudin não iria reagir como um doido a menos que tivesse um motivo muito forte para isso... um motivo que ignoramos.

     — O que não nos evita duas alternativas terríveis — disse o Presidente Matthews. — Ou permitimos que Mishkin e Lazareff sejam libertados e perdemos o mais importante tratado de desarmamento de nossa geração, com a perspectiva quase certa de guerra dentro de um ano, ou usamos nossa força de pressão para impedir que os dois sejam soltos e sujeitamos a Europa Ocidental ao maior desastre ecológico desta geração.

       — Temos de encontrar uma terceira opção — disse David Lawrence. — Mas onde?

     — Só há um lugar em que se pode procurar — declarou Poklewski. — E que é Moscou. A resposta está em algum lugar de Moscou. Não creio que possamos formular uma política visando a evitar as duas alternativas de desastre a menos que saibamos por que Maxim Rudin reagiu dessa maneira.

     — Pelo que imagino, está se referindo a Nightingale — interveio Benson. — Mas não há tempo para recorrer a ele. Não estamos falando em semanas ou dias, mas sim em horas. Creio, Sr. Presidente, que deve procurar falar pessoalmente com Maxim Rudin pela linha direta. Pergunte-lhe, de Presidente para Presidente, por que está adotando essa atitude em relação a dois seqüestradores judeus.

     — E se ele se recusar a dar uma explicação? — indagou Lawrence. — Poderia ter apresentado um motivo por intermédio de Kirov. Ou enviado uma carta pessoal...

     O Presidente Matthews tomou uma decisão:

     — Vou telefonar para Maxim Rudin. Mas se ele não atender ou se recusar a dar uma explicação, vamos ter de supor que está sob pressões intoleráveis de alguma espécie dentro do Politburo. E enquanto espero pelo telefonema, vou confiar o segredo do que acaba de acontecer aqui à Sra. Carpenter, pedindo-lhe ajuda, através de Sir Nigel Irvine e Nightingale. Em último recurso, telefonarei para o Chanceler Busch em Bonn e pedirei que me dê mais tempo.

    

     Quando o interlocutor pediu para falar pessoalmente com Ludwig Jahn, a telefonista da Penitenciária de Tegel estava preparada para responder que ele não podia atender. Já houvera numerosos telefonemas da imprensa, procurando falar com funcionários específicos da penitenciária, a fim de obter informações sobre Mishkin e Lazareff. A telefonista recebera ordens para não aceitar qualquer ligação da imprensa.

     Mas quando o interlocutor explicou que era primo de Jahn e que este deveria comparecer ao casamento de sua filha no dia seguinte, ao meio-dia, a telefonista mudou de idéia. Família era diferente. Ela completou a ligação e Jahn atendeu em sua sala.

   — Acho que se lembra de mim — disse o homem a Jahn.

     O alemão se recordava perfeitamente: era o russo com as fotografias do campo de trabalhos forçados.

     — Não deveria telefonar para cá — sussurrou Jahn, com voz rouca. — Não posso fazer mais nada. Os guardas foram triplicados os turnos alterados. Estou agora de serviço permanentemente, dormindo aqui mesmo. Essas são as ordens. Aqueles dois homens estão agora completamente inacessíveis.

     — É melhor arrumar um pretexto para se ausentar durante uma hora — disse o Coronel Kukushkin. — Há um bar a cerca de 400 metros da entrada de funcionários da penitenciária. — Deu o nome do bar e o endereço. Jahn não conhecia o bar, mas sabia onde ficava a rua. — Esteja lá dentro de uma hora ou então...

    Houve um estalido. O telefone havia sido desligado. Eram oito horas da noite em Berlim e já estava bastante escuro.

    

     A Primeira-Ministra da Inglaterra estava jantando com o marido, nos aposentos particulares do andar superior de Downing Street, 10, quando foi chamada a atender um telefonema pessoal do Presidente William Matthews. Já estava em seu gabinete quando a ligação foi completada. Os dois chefes de governo conheciam-se bastante bem, já se havendo encontrado uma dúzia de vezes, desde que a primeira mulher a se tornar Primeiro-Ministro britânico assumira o cargo. Pessoalmente, chamavam-se pelos primeiros nomes; mas naquele telefonema através do Atlântico, apesar de superseguro e impossível de ser escutado por outra pessoa, estava sendo feito um registro oficial e por isso ambos se mostraram formais.

     Em termos cuidadosos e sucintos, o Presidente Matthews explicou a mensagem que recebera de Maxim Rudin, através do Embaixador soviético em Washington. Joan Carpenter ficou aturdida e murmurou:

     — Mas por que, em nome de Deus?

     — É justamente esse o meu problema, Madame — disse a voz com um típico sotaque sulista falando no outro lado do Atlântico. — Não há qualquer explicação. Absolutamente nenhuma. Tenho mais duas coisas a dizer. O Embaixador Kirov advertiu-me de que as mesmas conseqüências se aplicariam ao Tratado de Dublin, caso o conteúdo da mensagem de Rudin chegue ao conhecimento público. Posso contar com sua discrição?

     — Quanto a isso, não tenha a menor dúvida. E qual é a segunda coisa?

     — Tentei falar com Maxim Rudin pela linha direta. Não foi possível. Por isso, tenho de supor que ele está enfrentando sérios problemas dentro do Kremlin e não pode falar a respeito. Para ser franco, isso me deixa numa situação crítica. Mas de uma coisa estou absolutamente determinado: não posso permitir que o tratado seja destruído. É importante demais para todo o mundo ocidental. Tenho de lutar pela salvação do tratado por todos os meios a meu alcance. Não posso permitir que dois seqüestradores numa cadeia de Berlim o destruam; não posso permitir que um bando de terroristas num petroleiro no Mar do Norte desencadeie um conflito armado entre o Ocidente e o Oriente, que seria inevitável sem o tratado.

     — Concordo plenamente com essa posição, Sr. Presidente — disse a Primeira-Ministra Carpenter, em Londres. — O que deseja de mim? Suponho que tem mais influência do que eu junto ao Chanceler Busch.

     — Não é bem isso, Madame. Estou precisando de duas coisas. Possuímos algumas informações sobre as conseqüências para a Europa da destruição do Freya, mas certamente dispõe de mais. Preciso saber de todas as conseqüências e opções possíveis, caso os terroristas a bordo do petroleiro façam o pior.

     — Não há problema. Durante o dia inteiro, nossos especialistas estiveram realizando estudos de profundidade sobre o navio, sua carga, as possibilidades de se conter o derramamento de petróleo, etc. Até agora, ainda não havíamos examinado a possibilidade de atacar o navio. Talvez agora não haja alternativa. Todas as informações disponíveis lhe serão encaminhadas dentro de uma hora. O que mais deseja?

     — Essa é a parte mais difícil e não sei como pedir — disse William Matthews. — Acreditamos que deve haver uma explicação para a atitude de Rudin. Até a descobrirmos, estaremos tateando no escuro. Para poder contornar a crise, preciso ver a luz do dia. Ou seja, tenho de tomar conhecimento da explicação. Preciso saber se há uma terceira opção. Eu gostaria de pedir a sua gente que ativasse Nightingale uma última vez e obtivesse essa resposta para mim.

     Joan Carpenter ficou pensativa. Sempre adotara como política não interferir na maneira como Sir Nigel Irvine dirigia seu serviço. Ao contrário de diversos dos seus antecessores, sempre se recusara firmemente a se imiscuir nos serviços de informações para satisfazer sua curiosidade. Desde que assumira o cargo que ela dobrara os orçamentos do SIS e do MI-5, designara profissionais veteranos Para a direção e fora recompensada com uma lealdade inabalável. Segura dessa lealdade, confiara que eles não a decepcionariam. E realmente ela estava certa.

     — Farei o que for possível — disse ela, finalmente. — Mas estamos falando de algo no coração do Kremlin, a ser descoberto numa questão de horas. Se for possível, será conseguido. Tem a minha palavra.

     Depois de desligar, ela telefonou para o marido, avisando de que não a esperasse, pois passaria a noite inteira trabalhando. Ligou em seguida para a cozinha e pediu um bule de café. Providenciadas todas as coisas práticas, a Primeira-Ministra Carpenter ligou para a casa de Sir Julian Flannery, informou-o simplesmente, pela linha aberta, de que surgira uma nova crise e pediu que voltasse imediatamente para o escritório. O último telefonema não foi numa linha aberta: ligou para o homem de plantão no quartel-general da Firma. Pediu que entrasse em contato com Sr. Nigel Irvine, onde quer que ele estivesse, avisando-o para que fosse imediatamente para Downing Stret, 10. Enquanto esperava, ela ligou o receptor de TV e pegou o início do noticiário das nove horas da BBC. A longa noite começara.

    

     Ludwig Jahn entrou no reservado e sentou-se, o suor a escorrer pelo corpo. No outro lado da mesa, o russo fitou-o com frieza. O gordo carcereiro não podia saber que o russo tão temível estava lutando por sua própria vida, já que o homem não deixava transparecer coisa alguma.

     Ele ficou escutando impassivelmente enquanto Jahn explicava as novas normas, instituídas a partir daquela tarde. Kukushkin, na verdade, não tinha qualquer cobertura diplomática; estava escondido num refúgio do SSD, em Berlim Ocidental, como hóspede de seus colegas alemães orientais.

     — Por tudo isso, não posso fazer nada — concluiu Jahn. — Não teria a menor possibilidade de sequer introduzi-lo no corredor em que estão as celas dos dois homens. Há três homens ali de plantão permanente, no mínimo, dia e noite. É preciso exibir um passe cada vez que se entra no corredor. Até mesmo eu estou obrigado a exibi-lo. E todos nos conhecemos mutuamente. Há anos que trabalhamos juntos. Nenhum estranho teria acesso sem um telefonema de confirmação para o diretor.

     Kukushkin assentiu lentamente. Jahn sentiu o alívio invadi-lo. Iriam deixá-lo em paz, nada fariam com sua família. Estava tudo acabado.

     — Mas você entra no corredor — disse o russo. — E pode entrar nas celas.

     — Claro que posso. Afinal, sou o Ober Wachtmeister. A intervalos periódicos, tenho de verificar se eles estão bem.

     — Eles dormem durante a noite?

     — Normalmente, sim. Mas já souberam do que está acontecendo no Mar do Norte. Confiscamos seus rádios logo depois do noticiário do meio-dia, mas um dos prisioneiros nas outras celas de confinamento solitário gritou pelo corredor o que tinha acontecido, antes de retirarmos os outros do corredor. Talvez eles durmam, talvez não.

     O russo tornou a assentir, sombriamente.

     — Neste caso, terá de fazer o serviço pessoalmente.

     Jahn ficou boquiaberto.

     — Não, não! — balbuciou ele. — Não está entendendo! Não posso usar uma arma! Não posso matar ninguém!

     Como resposta, o russo colocou dois tubos finos em cima da mesa, parecendo canetas-tinteiro.

     — Não terá de usar uma arma, mas sim isso. Aproxime a extremidade aberta a poucos centímetros da boca e do nariz do homem adormecido, e aperte o botão aqui neste lado. A morte ocorre em três segundos. A inalação de cianureto de potássio causa a morte instantânea. Dentro de uma hora, os efeitos se tornam idênticos aos de uma parada cardíaca. Depois que estiver feito, feche as celas, retorne à área dos funcionários, limpe os tubos e coloque-os no armário de outro guarda que também tenha acesso às salas. Um trabalho muito simples, sem qualquer dificuldade. E o deixa sem qualquer suspeita.

     O que Kukushkin colocara diante do olhar horrorizado de Jahn era uma versão atualizada do mesmo tipo de pistola de gás venenoso com que o departamento de “assuntos molhados” do KGB assassinara Stepan Bandera e Lev Rebet, dois líderes nacionalistas ucranianos, na Alemanha, duas décadas antes. O princípio ainda era simples, a eficiência do gás aumentada por pesquisas adicionais. Dentro dos tubos, havia pequenos globos de vidro contendo ácido cianídrico. O gatilho impelia uma mola que acionava um martelo que quebrava o vidro. Simultaneamente, o ácido era vaporizado por um pequeno tambor de ar comprimido, ativado no mesmo movimento de apertar o gatilho. Impelido pelo ar comprimido, o gás vaporizado saía do tubo numa nuvem invisível, penetrando nos canais respiratórios da vítima. Uma hora depois, o cheiro denunciador de amêndoas do cianureto desaparecia e os músculos do cadáver tornavam a relaxar; os sintomas eram de um ataque cardíaco.

     Ninguém acreditaria que dois homens ainda jovens tivessem sofrido simultaneamente ataques cardíacos. Haveria uma busca, os tubos, encontrados no armário de um guarda, iriam incriminá-lo quase que totalmente.

     — Eu... eu não posso fazer isso — balbuciou Jahn.

     — Mas eu faço e farei com que toda sua família passe o resto de suas vidas num campo de trabalhos forçados do Ártico — murmurou o russo. — Uma opção simples, Herr Jahn. O esquecimento de seus escrúpulos por apenas dez minutos em troca das vidas de toda a sua família. Pense nisso.

     Kukushkln pegou a mão de Jahn, virou-a e colocou os tubos na palma.

     — Pense bastante, mas não por muito tempo. Depois, entre naquelas celas e faça o que deve. Isso é tudo.

     Ele saiu do reservado e foi embora. Minutos depois, Jahn fechou a mão sobre os tubos, meteu-os no bolso da capa e voltou para a Penitenciária de Tegel. À meia-noite, dentro de três horas, iria substituir o supervisor do turno da noite. A uma hora da madrugada, entraria nas celas e faria o que lhe estavam exigindo. Sabia que não tinha alternativa.

    

     Quando os últimos raios de Sol sumiram do céu, o Nimrod sobre o Freya trocou a câmara diurna F.126 para a versão noturna F.135. Afora isso, nada mudou. A câmara noturna, com seus visores infravermelhos, podia captar quase tudo o que estava acontecendo 5.000 metros abaixo. Se o comandante do Nimrod quisesse, poderia também tirar instantâneos com a ajuda do flash eletrônico da F.135 ou acendendo o potente refletor de 1.000.000 de velas do avião.

     A câmara noturna não percebeu o vulto de blusão com capuz, que estava prostrado no convés desde o meio da tarde, começar a se mover lentamente, arrastando-se por baixo do passadiço de inspeção e voltando para a superestrutura. Ninguém percebeu quando o vulto finalmente passou pela porta e levantou-se. Ao amanhecer, todos pensariam que o corpo fora jogado no mar.

     O homem desceu para a cozinha, esfregando as mãos e estremecendo continuamente. Na cozinha, encontrou um dos seus companheiros e serviu-se um café quente. Ao terminar, voltou para a cabine de comando e pegou suas próprias roupas, o traje preto com que subira a bordo.

     — Puxa, você me deu o maior susto! — disse ele ao homem que estava na cabine, com seu sotaque americano. — Senti todo o impacto daqueles cartuchos de pólvora seca nas costas e cheguei a pensar que podia haver uma bala de verdade no meio,

       O vigia na cabine de comando sorriu.

       — Andriy disse que a encenação tinha de parecer absolutamente real. E a coisa deu certo. Mishkin e Lazareff serão libertados às oito horas da manhã. De tarde, já estarão em Tel Aviv.

     — Sensacional! — exclamou o ucraniano-americano. — Agora só nos resta esperar que o plano de Andriy para tirar-nos deste navio funcione tão bem quanto todo o resto.

     — Vai dar certo. Agora, é melhor você por sua máscara e devolver essas roupas ao ianque que está na sala das tintas. E depois vá dormir um pouco. Seu turno de vigia começa às seis horas da manhã.

    

     Sir Julian Flannery já tinha tornado a convocar o comitê de emergência da crise uma hora depois de falar com a Primeira-Minisira Carpenter. Ela lhe revelara o motivo pelo qual a situação mudara, mas ele e Sir Nigel Irvine seriam os únicos a saber e não deveriam revelar a ninguém. Os membros do comitê só precisariam ser informados de que, em face de razões de Estado a libertação de Mishkin e Lazareff pela manhã poderia ser adiada ou cancelada, dependendo da reação do Chanceler alemão.

     Em outro lugar de Whitehall, página após página de informações sobre o Freya, sua tripulação e carga, além dos riscos em potencial, estavam sendo transmitidas fotograficamente para Washington.

    

     Sir Julian tivera sorte; a maioria dos membros do comitê morava a um raio de 60 minutos de carro de Whitehall. Quase todos estavam em casa, jantando, ninguém partira para o fim-de-semana no campo. Dois haviam sido encontrados em restaurantes, o terceiro num teatro. Por volta de nove e meia, praticamente todos já estavam novamente sentados no UNICORNE.

     Sir Julian explicou que a missão deles era agora supor que o caso passara do reino de uma espécie de exercício para a categoria de crise de grandes proporções.

     — Temos de admitir que o Chanceler Busch vai concordar em retardar a libertação, aguardando o esclarecimento de determinadas outras questões. Se isso acontecer, temos de supor que os terroristas irão executar pelo menos sua primeira ameaça, de descarregar no mar uma parte do petróleo do Freya. Assim, temos de planejar agora os meios de conter e destruir um possível vazamento inicial de vinte mil toneladas de petróleo bruto; em seguida, temos de imaginar essa quantidade sendo multiplicada por cinqüenta.

     A perspectiva que emergiu era sombria. A indiferença pública ao longo dos anos levara à negligência política; não obstante, as quantidades de emulsificador de petróleo bruto nas mãos dos britânicos, assim como os meios para lançá-lo num vazamento de petróleo, eram maiores do que dispunha todo o resto da Europa.

     — Temos de supor que a carga principal de conter os danos ecológicos nos irá caber — disse o homem de Warren Springs. — No caso de Amoco Cadiz, em 1978, os franceses se recusaram a aceitar nossa ajuda, muito embora tivéssemos melhores emulsificadores e meios mais eficazes de aplicá-los. Os pescadores franceses pagaram um preço amargo por tamanha estupidez. Os detergentes antiquados que os franceses usaram, ao invés dos nossos emulsificadores concentrados, causaram tantos danos tóxicos quanto o próprio petróleo. E eles não dispunham nem das quantidades suficientes nem dos sistemas certos de aplicação. Foi como tentar matar um polvo imenso com uma atiradeira.

     — Não tenho a menor dúvida de que os alemães, holandeses e belgas não hesitarão em propor uma operação conjunta nesta emergência — disse o homem do Foreign Office.

     — Nesse caso, temos de estar preparados — disse Sir Julian. — Quais são nossas disponibilidades?

     O Dr. Henderson, de Warren Springs, voltou a falar:

     — O melhor emulsificador, em forma concentrada, pode emulsificar.... isto é, dividir em minúsculos glóbulos, permitindo que as bactérias naturais completem a destruição, vinte vezes seu próprio volume. Ou seja, um litro de emulsificador para vinte litros de petróleo bruto. Dispomos de mil toneladas em estoque.

     — O suficiente para um vazamento de vinte mil toneladas — comentou Sir Julian. — E o que me diz de um milhão de toneladas?

     — Não há a menor possibilidade, absolutamente nenhuma — respondeu Henderson, sombriamente. — Se começarmos a fabricar mais emulsificador agora, poderemos produzir mil toneladas a cada quatro dias. Para um milhão de toneladas de petróleo bruto, precisaríamos de cinqüenta mil toneladas de emulsificador. Vamos ser francos: aqueles maníacos de preto no navio podem exterminar toda a vida marinha no Mar do Norte e no Canal da Mancha, sujando todas as praias de Hull a Cornwall, no nosso lado, e de Bremen a Ushant, no outro lado.

     Houve silêncio por um momento.

     — Vamos pensar apenas no primeiro vazamento — disse Sir Julian. — O outro está além de qualquer imaginação.

     O comitê concordou em emitir imediatamente ordens para a requisição durante a noite de todas as quantidades disponíveis de emulsificador, do depósito em Hampshire; requisitar todos os caminhões-tanque das companhias petrolíferas, através do Ministério da Energia; levar toda a carga para Lowestoft, na costa leste; e despachar para lá todos os rebocadores com equipamento de spray, inclusive as embarcações de combate a incêndios do Porto de Londres e as equivalentes da Marinha Real. Ao final da manhã, esperava-se que toda a flotilha já estivesse em Lowestoft, carregando-se com o emulsificador.

     — Se o mar permanecer calmo — disse o Dr. Henderson — e vazamento vai deslizar calmamente para nordeste do Freya, seguindo para o norte da Holanda, a uma velocidade aproximada de dois nós. Isso nos dá tempo. Quando a maré mudar, a mancha de petróleo deverá voltar. Mas se houver vento, o petróleo vai deslocar-se mais depressa. E poderá ir para qualquer direção, de acordo com o vento. De qualquer forma, temos condições de enfrentar com sucesso um vazamento de vinte mil toneladas de petróleo bruto.

      — Não poderemos deslocar navios para uma área de cinco milhas em torno do Freya, por três lados, ou a qualquer distância entre o petroleiro e a costa holandesa — ressaltou o Subchefe do Estado-Maior da Defesa.

     — Mas podemos ficar observando o vazamento do Nimrod — disse o representante da RAF. — Assim que se afastar do raio em torno do Freya fixado pelos terroristas, a turma da Marinha poderá entrar em ação.

     — Tudo isso significa que o ameaçado vazamento de vinte mil toneladas não será um problema maior — disse o homem do Foreign Office. — Mas o que vai acontecer depois?

     — Nada — respondeu o Dr. Henderson. — Depois disso, estamos liquidados, nada mais poderemos fazer.

     — Pois já definimos o que deve ser feito — interveio Sir Julian.

     — Temos pela frente uma imensa tarefa administrativa.

     — Há uma outra opção — disse o Coronel Holmes, dos Fuzileiros Reais. — A opção mais difícil.

     Houve um silêncio constrangido em torno da mesa. O vice-almirante e o capitão da RAF não partilhavam do constrangimento; ao contrário, estavam bastante interessados. Os cientistas e burocratas estavam acostumados com problemas técnicos e administrativos, suas contramedidas e soluções. Eles desconfiavam de que o coronel magro, à paisana, estava falando em abrir buracos a tiros em pessoas.

     — Podem não gostar da opção — continuou Holmes — mas aqueles terroristas já mataram um homem a sangue-frio. Podem perfeitamente matar outros vinte e nove. O navio custa cento e setenta milhões de dólares, a carga tem o valor de cento e quarenta milhões de dólares, a operação de limpeza custará pelo menos o triplo. Se o Chanceler Busch, por qualquer razão que seja, não puder ou não quiser libertar os homens que estão presos em Berlim, talvez não tenhamos alternativa senão tentar abordar o navio e liquidar o homem que está com o detonador antes que ele tenha tempo de usá-lo.

     — O que exatamente está querendo propor, Coronel Holmes? — indagou Sir Julian.

     — Proponho que convoquemos o Major Fallon para vir de Dorset até aqui e escutemos o que ele tem a dizer.

     Ficou combinado que fariam exatamente isso, e a reunião foi suspensa até três horas da madrugada. Faltavam 10 minutos para as 10 horas da noite.

     Durante a reunião, não muito longe do prédio do Gabinete, a Primeira-Ministra Carpenter recebeu Sir Nigel Irvine.

     — É essa a situação em que nos encontramos, Sir Nigel — concluiu ela. — Se não pudermos encontrar uma terceira alternativa, ou os homens em Berlim ganham a liberdade e Maxim Rudin rasga o Tratado de Dublin, ou eles ficam na cadeia e seus amigos destroem o petroleiro. Na segunda alternativa, é possível que eles hesitem e não cumpram a ameaça, mas não podemos acalentar tal esperança. Sempre podemos atacar o Freya, mas as possibilidades de uma abordagem bem-sucedida são escassas. A fim de podermos sequer perceber uma possível terceira alternativa, temos de saber por que Maxim Rudin está assumindo tal posição. Estará querendo forçar a mão? Estará querendo blefar o Ocidente, para levá-lo a sofrer vultosos prejuízos econômicos, a fim de contrabalançar suas próprias dificuldades com os cereais? Será que ele pretende realmente cumprir a ameaça? Temos de dar um jeito de descobrir.

     — De quanto tempo dispomos, Primeira-Ministra? — perguntou o Diretor-Geral do SIS. — Qual o prazo que o Presidente Matthews tem?

     — Devemos presumir que, se os seqüestradores não forem libertados ao amanhecer, teremos de conter os terroristas; ganhar tempo. Mas eu gostaria de ter algo para dizer ao Presidente Matthews amanhã de tarde.

     — Como um servidor antigo, eu diria que isso é impossível, Madame. É plena madrugada em Moscou. Nightingale é virtualmente inacessível, a não ser em encontros planejados com bastante antecedência. Tentar um encontro imediato poderia perfeitamente denunciar o agente.

     — Conheço suas regras, Sir Nigel, e compreendo-as perfeitamente. A segurança do agente no frio é o fator mais importante. Mas estamos diante de questões de. Estado supremas. A liquidação do Tratado de Dublin ou a destruição do Freya são questões de Estado supremas. A primeira alternativa poria em risco a paz, por muitos anos, talvez levasse Yefrem Vishnayev ao poder, com todas as conseqüências possíveis. A explosão do Freya e o vazamento de petróleo por todo o Mar do Norte acarretariam perdas desastrosas para a economia britânica, mesmo pensando-se apenas nos prejuízos do Lloyds e através do Lloyds. E temos de pensar ainda nos trinta marinheiros que estão no navio. Não lhe estou dando uma ordem taxativa, Sir Nigel. Peço apenas que avalie as alternativas contra o risco de um único agente russo.

     — Farei o que for possível, Madame. Tem a minha palavra.

     E Sir Nigel retirou-se, voltando para seu quartel-general.

    

     De uma sala no Ministério da Defesa, o Coronel Holmes estava telefonando para Poole, Dorset, quartel-general de um serviço especial. O Major Sirnon Fallon estava tomando uma cerveja no clube dos oficiais e foi chamado ao telefone. Os dois fuzileiros já se conheciam há bastante tempo.

     — Está acompanhando o caso do Freya? — perguntou Holmes, de Londres.

     Houve uma risadinha no outro lado da linha e Fallon disse:

     — Eu já imaginava que acabaria nos procurando. O que eles estão querendo?

     — A situação está ficando cada vez mais difícil. Os alemães, no final das contas, talvez tenham de manter os dois seqüestradores em Berlim. Acabei de sair de uma reunião no comitê de emergência da crise. Eles não gostam da idéia, mas talvez tenham de acabar aceitando a nossa solução. Já tem alguma idéia?

     — Claro que tenho. Estive pensando nisso o dia inteiro. Mas vou precisar de uma planta do navio. E dos equipamentos apropriados. Além de um modelo do petroleiro.

     — Não há problema — respondeu Holmes. — Tenho a planta comigo e um modelo de primeira. Não é do Freya, mas de um navio similar. Pode reunir seus homens e requisitar todo o material que precisar: trajes de mergulho, ímãs, as ferramentas necessárias, granadas de mão, armas, tudo enfim. Peça tudo. O que não precisar, poderá ser devolvido depois. Vou pedir à Marinha que mande uma embarcação de Portland para recolher tudo, os equipamentos e os homens. Deixe alguém no comando dos preparativos, pegue um carro e venha para Londres. Apresente-se no meu gabinete assim que puder.

     — Não precisa preocupar-se. Já escolhi e providenciei os equipamentos necessários. Mande o transporte para cá o mais depressa possível. E partirei imediatamente para Londres.

     Houve silêncio quando o atarracado major voltou ao bar. Seus oficiais sabiam que ele recebera um telefonema de Londres. Minutos depois, eles estavam despertando os sargentos e fuzileiros nos alojamentos, tirando rapidamente as roupas civis que usavam no clube dos oficiais e vestindo os uniformes pretos e boinas verdes da unidade. Antes da meia-noite, já estavam esperando no ancoradouro de pedra de sua seção isolada no quartel de fuzileiros; aguardavam a chegada da Marinha, a fim de transportar homens e equipamentos para o lugar em que eram necessários.

     A Lua estava-se erguendo por cima de Portland Bill, a oeste, quando as três lanchas velozes, Sabre, Alfanje e Cimitarra, saíram do porto, seguindo para leste, na direção de Poole. Quando foi imprimida a velocidade máxima, as três proas se ergueram no ar, as popas mergulhando nas águas espumantes, o barulho ecoando pela baía.

     A mesma Lua iluminava a estrada de Hampshire pela qual o Rover do Major Fallon avançava rapidamente, devorando os quilômetros, a caminho de Londres.

    

     — Mas que diabo vou dizer ao Chanceler Busch? — indagou o Presidente Matthews a seus assessores.

     Eram cinco horas da tarde em Washington; embora a noite há muito já se tivesse assentado sobre a Europa, o Sol de fim de tarde ainda iluminava o jardim das rosas, além das janelas francesas, mostrando os primeiros botões desabrochando ao calor da primavera.

     — Não creio que lhe possa revelar a mensagem que recebeu de Kirov — disse Robert Benson.

     — E por que não? Contei a Joan Carpenter e não há a menor dúvida de que ela terá de revelar a Nigel Irvine.

     — Há uma diferença — ressaltou o Diretor da CIA. — Os ingleses podem tomar as providências necessárias para enfrentar um problema ecológico no mar, ao longo de suas costas, convocando os técnicos no assunto. Trata-se de um problema técnico. Joan Carpenter não precisará convocar uma reunião do Gabinete. Mas vamos pedir a Dietrich Busch para não soltar Mishkin e Lazareff, ao risco de provocar uma catástrofe para os seus vizinhos europeus. Para isso, ele quase que certamente terá de consultar seu Gabinete...

     — Ele é um homem digno — interveio Lawrence. — Se souber que o preço é o Tratado de Dublin, vai sentir-se obrigado a partilhar tal conhecimento com seu Gabinete.

     — E é justamente esse o problema — concluiu Benson. — Significa que pelo menos mais quinze pessoas saberão. Poderão confidenciar a suas esposas, a assessores. Não podemos esquecer o caso de Guenther Guillaume. Há vazamentos demais em Bonn. Se a noticia transpirar, o Tratado de Dublin estará de qualquer forma liquidado, independente do que possa acontecer no Mar do Norte.

     — A ligação estará completada dentro de um minuto — disse o Presidente Matthews. — Que diabo vou dizer a ele?

     — Diga que dispõe de informações que não podem ser reveladas pelo telefone, nem mesmo por uma linha transatlântica — sugeriu Poklewski. — Diga que a libertação de Mishkin e Lazareff provocaria um desastre maior do que frustrar os terroristas no Freya por mais algumas horas. Peça para simplesmente dar-lhe mais algum tempo.

     — Quanto tempo? — indagou o Presidente Matthews.

     — Tanto quanto for possível — disse Benson.

     — E quando o tempo se esgotar? — insistiu Matthews.

     O telefonema para Bonn foi completado. O Chanceler Busch estava em sua residência. A ligação de segurança foi transferida para lá. Não havia necessidade de tradutores, pois Dietrich Busch falava inglês fluentemente. O Presidente Matthews falou durante 10 minutos com o chefe do Governo alemão, que escutava com um crescente espanto.

     — Mas por quê? — indagou ele, finalmente. — O problema só remotamente afeta os Estados Unidos, não é mesmo?

     Matthews sentiu-se tentado a contar-lhe toda a história. Mas Robert Benson, a seu lado, em Washington, acenou-lhe com um dedo, em advertência.

     — Dietrich, por favor, acredite em mim. Estou-lhe pedindo para confiar em mim. Nesta linha, em qualquer linha através do Atlântico, não posso ser tão franco quanto gostaria. Algo aconteceu, algo de proporções terríveis. Vou procurar ser o mais objetivo possível. Descobrimos algo extremamente grave em relação a esses dois homens. A libertação deles seria desastrosa, nessa altura dos acontecimentos, pelo menos por mais algumas horas. Estou-lhe pedindo tempo, Dietrich meu amigo, apenas um pouco de tempo. Um simples adiamento, até que se possam tomar determinadas providências.

     O Chanceler alemão estava de pé em seu gabinete. Os acordes de Beethoven entravam pela porta, vindo da sala de estar, onde estava fumando um charuto e ouvindo um concerto no aparelho de som. Dizer que ele estava desconfiado seria ser suave demais. Pelo que podia saber, a linha transatlântica, instalada há anos para ligar os chefes de governo dos países da OTAN e verificada periodicamente, era perfeitamente segura. Além disso, pensou ele, os Estados Unidos dispunham de um perfeito sistema de comunicações com sua Embaixada em Bonn, e o Presidente Matthews poderia mandar-lhe uma mensagem pessoal por esse caminho, se assim o desejasse. Não lhe ocorreu que Washington simplesmente não estava querendo confiar um segredo daquela magnitude a seu Gabinete, depois dos repetidos escândalos de agentes alemães orientais infiltrados bem perto do centro do poder em Bonn.

     Por outro lado, o Presidente dos Estados Unidos não tinha o hábito de dar telefonemas no meio da noite ou de fazer apelos absurdos. Busch sabia que ele tinha suas razões. Mas o que lhe estava sendo pedido era algo que não poderia decidir sem consultas.

   — Passam alguns minutos das dez horas aqui — disse ele a Matthews. — Temos até o amanhecer para decidir. Nada de novo deverá acontecer até lá. Convocarei meu Gabinete para uma reunião durante a noite e discutiremos o assunto. Não lhe posso prometer mais do que isso.

     O Presidente William Matthews tinha de se satisfazer apenas com isso.

     Depois de desligar, Dietrich Busch permaneceu parado no mesmo lugar, imerso em pensamentos, por vários minutos. Alguma coisa estava acontecendo, raciocinou ele, algo envolvendo diretamente Mishkin e Lazareff, que continuavam metidos em suas celas separadas, na Penitenciária de Tegel, em Berlim Ocidental. Se alguma coisa acontecesse com os dois, o Governo Federal não poderia escapar a uma onda violenta de protestos e censuras dentro da própria Alemanha, tanto da Oposição como dos meios de comunicação. E com as eleições regionais se aproximando...

     Seu primeiro telefonema foi para Ludwig Fischer, o Ministro da Justiça, que também já estava em sua residência, na capital. Nenhum dos ministros passaria o fim-de-semana no campo, conforme haviam combinado anteriormente. O Ministro da Justiça concordou imediatamente com a sugestão. Transferir os dois prisioneiros de Tegel para a penitenciária mais nova e totalmente segura de Moabit era uma precaução óbvia. Fischer ligou imediatamente para Berlim, a fim de transmitir as instruções.

    

     Havia determinadas frases, aparentemente inocentes, que eram usadas pelo chefe da sala de códigos da Embaixada britânica em Moscou para comunicar ao agente residente do SIS que deveria ir lá imediatamente, pois algo urgente estava chegando de Londres, Foi uma frase dessas que arrancou Adam Munro da cama à meia-nojte (horário de Moscou), 10 horas da noite em Londres, fazendo-o atravessar a cidade até o Dique Maurice Thorez.

     Seguindo de carro da Downing Street para seu gabinete, Sir Nigel Irvine chegara à conclusão de que a Primeira-Ministra Carpenter estava absolutamente certa. Em comparação com a destruição do Tratado de Dublin, por um lado, ou a destruição do Freya, sua tripulação e carga, por outro, o risco de denunciar um agente russo era um mal menor. Não sentia o menor prazer pelo que iria pedir a Munro para fazer em Moscou nem pela maneira como o exigiria. Mas antes mesmo de chegar ao prédio do SIS, ele já sabia que teria de ser feito de qualquer maneira.

     A Sala de Comunicações no porão do prédio estava cuidando do tráfego rotineiro habitual quando Sir Nigel entrou, surpreendendo os funcionários no plantão noturno. Em menos de cinco minutos, o telex especial de segurança já estava ligado com Moscou. Ninguém questionou o direito do Mestre de falar diretamente com seu residente em Moscou, no meio da noite. Trinta minutos depois, o telex da sala de códigos de Moscou transmitiu a mensagem de que Munro já estava sentado ali, à espera.

     Os operadores nos dois lados eram veteranos com uma vida inteira de experiências. Podia-se confiar a eles o paradeiro dos ossos de Cristo, se fosse necessário. E tinha de ser assim mesmo, pois eles manipulavam como rotina mensagens que podiam derrubar governos. De Londres, o telex enviaria sua mensagem, impossível de ser interceptada, para uma floresta de antenas nos arredores de Cheltenham, uma localidade mais conhecida pelas corridas de cavalos e colégios para moças. Ali, as palavras seriam automaticamente convertidas num código indecifrável para quem não dispusesse da chave, sendo transmitidas através de uma Europa adormecida para a antena no telhado do prédio da embaixada, em Moscou. Quatro segundos depois de serem batidas no telex em Londres, estariam surgindo no telex instalado no porão da antiga casa do magnata nisso do açúcar em Moscou.

     Ali, o chefe da seção de códigos virou-se para Munro, que estava sentado a seu lado, e disse, lendo a identificação em código da mensagem que chegava:

    — É do próprio Mestre. A coisa deve ser grave.

     Sir Nigel tinha de revelar a Munro o conteúdo da mensagem de Kirov ao Presidente Matthews, transmitida três horas antes. Se não soubesse disso, Munro não poderia pedir a Nightingale que descobrisse a resposta para a indagação de Matthews: por quê? O telex transmitiu por vários minutos. Munro foi lendo a rnensagem com um horror crescente.

     — Mas não posso fazer isso! — disse ele ao impassível chefe da seção de códigos. Assim que a mensagem de Londres terminou Munro acrescentou: — Responda o seguinte: “Não é possível, repito não é possível obter informação no prazo pedido.” Pode transmitir

     A troca de mensagens entre Sir Nigel Irvine e Adam Munro prolongou-se por cerca de 15 minutos. Há um meio de entrar em contato com um curto prazo, sugeriu Londres. Há, sim, mas só no caso de uma emergência incontornável, respondeu Munro. Pois estamos diante de uma emergência assim, transmitiu o telex de Londres. Mas não pode começar a investigar antes de vários dias ressaltou Munro. A próxima reunião regular do Politburo só ocorreria na próxima quinta-feira. E os registros da reunião da quinta-feira anterior?, indagou Londres. O Freya não fora seqüestrado na última quinta-feira, retorquiu Munro. Sir Nigel fez finalmente o que esperava não ser obrigado a fazer.

     De Londres, a máquina transmitiu: “Lamento, mas a ordem da Primeira-Ministra não pode ser recusada. A menos que haja uma tentativa de evitar o desastre, a operação para levar ao Ocidente terá de ser suspensa.”

     Munro olhou para o papel que saía do telex consternado. Pela primeira vez, estava preso na rede de suas próprias tentativas de ocultar de Londres o amor que tinha pela agente que controlava. Sir Nigel Irvine pensava que Nightingale era um renegado russo amargurado chamado Anatoly Krivoi, assessor do falcão Yefrem Vishnayev.

     — Transmita a seguinte mensagem para Londres — disse ele ao chefe da seção de códigos. — “Tentarei esta noite ponto recuso-me a aceitar a responsabilidade se recusar ou for descoberto durante a tentativa ponto.”

     A resposta do Mestre foi sumária. Concordo. Siga em frente. Era uma e meia da madrugada em Moscou e fazia muito frio.

    

     Eram seis e meia da tarde em Washington e o crepúsculo descia sobre os gramados além das janelas à prova de bala por detrás da cadeira presidencial, fazendo com que os lampiões piscassem e acendessem. O grupo no Gabinete Oval estava aguardando à espera do Chanceler Busch, à espera de um agente desconhecido em Moscou, à espera de um terrorista mascarado de origem desconhecida sentado sobre uma bomba de 1.000.000 de toneladas, ao largo da Europa, com um detonador no cinto. À espera da chance de uma terceira alternativa.

     O telefone tocou. Era para Stanislaw Poklewski. Ele escutou por um momento, pôs a mão sobre o bocal e informou ao Presidente Matthews que era do Departamento da Marinha, em resposta à indagação que fizera uma hora antes.

     Havia um navio da Marinha americana na área do Freya. Estivera fazendo uma visita de cortesia à cidade costeira dinamarquesa de Esbjerg e agora estava voltando para junto da Esquadra do Atlântico, naquele momento navegando a oeste da Noruega. O navio já se havia afastado bastante da costa dinamarquesa e seguia o curso norte-oeste, indo ao encontro dos aliados da OTAN.

     — Mande desviá-lo para a área do Freya — determinou o Presidente Matthews.

     Poklewski transmitiu a ordem ao comandante supremo das Forças Navais americanas, que imediatamente tomou as providências para que alcançasse o navio.

     Pouco depois de uma hora da madrugada, o Moran, na metade do caminho entre a Dinamarca e as Ilhas Orkneys, mudou de curso, acionou as máquinas a toda potência e seguiu pelo luar para o sul, na direção do Canal da Mancha. Era um navio equipado com mísseis, com quase 8.000 toneladas. Embora maior do que o cruzador britânico Argyll, era classificado como um contratorpedeiro. Avançando a plena potência num mar sereno, desenvolvia quase 30 nós, a fim de chegar a seu posto, a cinco milhas do Freya, às oito horas da manhã.

    

     Havia poucos carros no estacionamento do Hotel Mojarsky, quase ao final da Kutuzovsky Prospekt. Os carros que ali se encontravam estavam às escuras, vazios. Exceto dois.

     Munro observou os faróis do outro carro se acenderem e apagarem rapidamente. Saiu do seu próprio carro e atravessou o estacionamento. Ao entrar no outro carro, encontrou Valentina alarmada e trêmula.

     — O que aconteceu, Adam? Por que telefonou para o apartamento? Devem ter registrado o telefonema.

     Munro passou o braço pelos ombros dela, sentindo-a tremer incontrolavelmente.

     — Liguei de uma cabine telefônica e só mencionei a impossibilidade de Gregor comparecer a seu jantar. Ninguém vai desconfiar de nada.

     — Às duas horas da madrugada? Ninguém dá um telefonema para dizer apenas isso às duas horas da madrugada! E o vigia noturno me viu saindo do prédio. Ele vai comunicar o fato.

     — Lamento muito, querida. Mas a situação é extremamente grave.

     Munro contou a visita do Embaixador Kirov ao Presidente Matthews ao final da tarde anterior, da transmissão da notícia para Londres, do pedido para que ele tentasse descobrir por que o Kremlin estava assumindo aquela atitude em relação a Mishkin e Lazareff.

     — Não tenho a menor idéia, Adam. Talvez seja porque aqueles animais assassinaram o Comandante Rudenko, um homem com esposa e filhos.

     — Valentina, estamos acompanhando as discussões do Politburo ao longo dos últimos nove meses. Sabemos que o Tratado de Dublin é vital para seu povo. Por que Rudin haveria de arriscar tudo por causa desses dois homens?

     — Não foi o que ele fez. O Ocidente pode controlar o vazamento de petróleo, se o navio explodir. Os custos podem ser facilmente suportados. O Ocidente é rico.

     — Querida, há trinta homens a bordo daquele navio. Eles também têm esposas e filhos. As vidas de trinta homens contra a prisão de dois. Deve haver outro motivo, muito mais sério.

     — Não sei qual possa ser. Nada foi mencionado nas reuniões do Politburo. E você sabe disso tanto quanto eu.

     Munro olhou pelo pára-brisa, angustiado. Esperava, contra todas as perspectivas, que Valentina pudesse ter uma resposta pronta para Washington, que ela tivesse ouvido algo no prédio do Comitê Central. Ele finalmente chegou à conclusão de que deveria contar tudo a Valentina.

     Ao terminar, a mulher ficou olhando para a escuridão com os olhos arregalados. Munro vislumbrou uma perspectiva de lágrimas, à luz cada vez mais fraca do luar.

     — Eles prometeram... — sussurrou ela. — Eles prometeram que dentro de duas semanas iriam buscar-me e a Sacha na costa da Romênia...

     — Pois voltaram atrás na palavra empenhada — confessou Munro. — Querem esse último favor.

     Valentina apoiou a testa nas mãos enluvadas, em cima do volante. E murmurou:

     — Eles vão apanhar-me... Estou apavorada...

     — Pode ficar tranqüila de que não vão apanhá-la. O KGB age muito mais devagar do que as pessoas imaginam. E quanto mais altamente situado está o suspeito, mais eles têm de agir vagarosamente. Se puder obter essa informação para o Presidente Matthews, acho que conseguirei persuadi-los a tirar você e Sacha daqui nos próximos dias, ao invés de esperarem duas semanas. Por favor, meu amor, pelo menos tente. É a única chance que nos resta de passarmos o resto da vida juntos.

     Valentina continuou a olhar pelo pára-brisa.

     — Houve uma reunião do Politburo hoje — disse ela, finalmente. — Eu não estava lá. Foi uma reunião especial, fora da rotina. Normalmente, nas tardes de sexta-feira, todos eles vão para o campo. A transcrição começa amanhã. Isto é, hoje, às dez horas da manhã. Os funcionários tiveram de abrir mão do fim-de-semana, para que esteja tudo pronto na segunda-feira. Talvez tenham mencionado o assunto.

     — Não poderia dar uma olhada nas anotações? Escutar as gravações?

     — Em plena madrugada? Iriam querer saber por quê.

     — Arrume um pretexto, querida. Qualquer pretexto. Quer começar o trabalho mais cedo, a fim de acabar logo e ainda aproveitar o fim-de-semana.

     — Vou tentar, Adam... mas por você, não por aqueles homens em Londres.

     — Conheço bem aqueles homens em Londres. Vão tirá-la e a Sacha daqui, se os ajudar agora. Será o último risco... realmente o último.

     Valentina parecia não o ter ouvido, mostrava também ter superado, pelo menos no momento, o pavor do KGB, a denúncia de espionagem, as terríveis conseqüências da captura, a menos que conseguisse escapar a tempo. Quando voltou a falar, sua voz estava perfeitamente controlada:

     — Conhece a Dyetsky Mir? Encontre-me no balcão de brinquedos. Às dez horas da manhã.

     Munro ficou parado no estacionamento, observando as luzes traseiras do carro de Valentina se afastarem. Estava feito. Eles lhe haviam pedido que fizesse, haviam exigido... e ele o fizera. Mas ele contava com a proteção diplomática para escapar de Lubyanka. O pior que poderia acontecer seria seu embaixador ser convocado ao Ministério do Exterior soviético na manhã de segunda-feira e receber um protesto veemente de Dmitri Rykov, além do pedido para sua remoção imediata de Moscou. Mas Valentina estava seguindo para os arquivos secretos, sem ao menos contar com o disfarce do comportamento normal, costumeiro e justificado para protegê-la. Olhou o relógio. Ainda faltavam sete horas para que tudo terminasse, sete horas com um nó no estômago e nervos à flor da pele. Voltou para o carro.

     Ludwig Jahn ficou parado no portão aberto da Penitenciária de Tegel, observando as luzes traseiras do carro blindado que levava Mishkin e Lazareff desaparecerem na rua.

     Ao contrário do que acontecia com Munro, para ele não haveria mais espera, não haveria mais tensão prolongando-se pela madrugada e manhã. Para ele, a espera chegara ao fim.

     Voltou lentamente para seu gabinete no primeiro andar e fechou a porta. Por um momento, ficou parado junto à janela aberta. Depois, recuou o braço e arremessou uma das pistolas de cianureto para a noite lá fora. Era gordo, com excesso de peso, em estado físico precário. Um ataque cardíaco seria aceito como possível, contanto que não houvesse qualquer indício em contrário.

     Inclinando-se para fora da janela, Ludwig Jahn pensou nas sobrinhas no outro lado do Muro de Berlim, nos rostos sorridentes quando o Tio Ludo lhes levava presentes, quatro meses antes, no Natal. Fechou os olhos, aproximou o segundo tubo do nariz e comprimiu o gatilho.

     A dor se abateu sobre seu peito como o golpe de um martelo gigantesco. Os dedos se afrouxaram, largando o tubo, que caiu com algum barulho na rua lá embaixo. Jahn caiu, bateu no peitoril da janela e tombou para trás, já morto. Quando o encontrassem, iriam pensar que abrira a janela para respirar um pouco de ar fresco ao sentir a primeira pontada de dor. Kukushkin não teria seu triunfo. As batidas da meia-noite, foram abafadas pelo barulho de um caminhão que passou pela rua, esmagando o tubo em incontáveis fragmentos.

     O seqüestro do Freya acabara de fazer sua primeira vítima.

    

                         MEIA-NOITE ÀS 08:00

     O Gabinete alemão ocidental voltou a se reunir na Chancelaria à uma hora da madrugada. Quando os ministros foram informados por Dietrich Busch do pedido de Washington, as reações variaram da exasperação à truculência.

     — Mas por que, diabo, ele não quis dar uma explicação? — disse o Ministro da Defesa. — Será que não confia em nós?

     — Ele afirma que tem uma razão de suprema importância, mas não pode revelá-la nem mesmo pela linha quente — respondeu o Chanceler Busch. — Isso nos dá o ensejo de acreditar nele ou chamá-lo de mentiroso. A esta altura dos acontecimentos, não posso optar pela segunda hipótese.

     — Será que ele tem alguma idéia do que os terroristas vão fazer ao saberem que Mishkin e Lazareff não serão libertados ao amanhecer? — perguntou um dos ministros.

   — Creio que sim. Pelo menos está com a transcrição de todas as mensagens entre o Freya e o Controle do Maas. Como todos sabemos, eles ameaçaram matar outro tripulante ou soltar no mar vinte mil toneladas de petróleo bruto. Ou ambas as coisas.

     — Pois vamos deixar que ele assuma a responsabilidade pelas conseqüências — disse o Ministro do Interior. — Por que haveríamos de ficar com a culpa, se isso acontecesse?

     — Não tenho a menor intenção de assumir a responsabilidade — declarou Busch. — Mas isso não responde a nossa questão. Devemos ou não concordar com o pedido do Presidente Matthews?

     Houve silêncio por algum tempo, finalmente rompido pelo Ministro do Exterior:

     — Quanto tempo ele está pedindo?

     — Tanto quanto possível — respondeu o Chanceler. — Parece que ele tem em andamento algum plano para superar o impasse, encontrar uma terceira alternativa. Mas é o único que sabe qual é o plano ou qual pode ser a alternativa. — Uma pausa e Busch acrescentou, com um tom de amargura: — Ou melhor, ele e poucas pessoas às quais evidentemente confiou o segredo. E entre as quais não estamos incluídos, pelo menos por enquanto.

     — Pessoalmente, acho que ele está exigindo demais de nossa amizade — disse o Ministro do Exterior. — Mas acho também que devemos conceder-lhe o prazo que está pedindo, deixando bem claro, pelo menos extra-oficialmente, que assim agimos a pedido dele e não por iniciativa própria.

     — Talvez ele esteja pensando em atacar o Freya — sugeriu o Ministro da Defesa.

     — Nossos próprios técnicos já chegaram à conclusão de que isso seria extremamente arriscado — declarou o Ministro do Interior. — Exigiria uma aproximação sob a superfície pelo menos nas duas últimas milhas, a escalada de aço liso do mar até o convés, a entrada na superestrutura sem ser observado do alto da chaminé, a descoberta do camarote em que está o líder dos terroristas. E se, como suspeitamos, o homem tem um mecanismo de detonação de controle remoto, seria necessário matá-lo antes que pudesse apertar o botão.

     — De qualquer forma, já é tarde demais para se tentar uma abordagem antes do amanhecer — disse o Ministro da Defesa. — O ataque teria de ser desfechado na escuridão e isso significa que teria de começar no máximo às dez horas da noite. Ou seja, daqui a vinte horas.

     Quando faltavam 15 minutos para as três horas da madrugada, o Gabinete alemão finalmente concordou em atender ao pedido do Presidente Matthews. A libertação de Mishkin e Lazareff seria adiada indefinidamente, embora o Governo alemão se reservasse o direito de fazer uma revisão constante das conseqüências possíveis e alterar tal decisão, se chegasse à conclusão de que era impossível continuar a manter os dois, em vista dos efeitos desastrosos para a Europa Ocidental.

     Ao mesmo tempo, o porta-voz do governo deveria discretamente revelar a seus contatos de mais confiança nos meios de comunicação que a reviravolta de Bonn fora provocada exclusivamente por uma pressão maciça de Washington.

    

     Eram 11 horas da noite em Washington, quatro horas da madrugada na Europa, quando o Presidente Matthews recebeu a notícia da decisão tomada em Bonn. Encaminhou seus agradecimentos ao Chanceler Busch e perguntou a David Lawrence:

     — Já veio alguma resposta de Jerusalém?

     — Não. Sabemos apenas que nosso embaixador em Israel solicitou e obteve uma audiência pessoal com Benyamin Golen.

    

     Ao ser incomodado pela segunda vez na noite do Sabá, a capacidade do Primeiro-Ministro de Israel de demonstrar paciência estava a pique de se esgotar. Recebeu o Embaixador americano de chambre e com extrema frieza. Eram três horas da madrugada na Europa, mas já eram cinco horas em Jerusalém e a primeira claridade da manhã de sábado despontava sobre as colinas da Judéia.

     Golen escutou a súplica pessoal do Presidente Matthews, apresentada pelo embaixador, sem deixar transparecer qualquer reação. Seu receio particular era pela identidade dos terroristas a bordo do Freya. Nenhuma ação terrorista visando a libertar judeus de prisões fora desfechada desde os tempos de sua juventude, quando a luta se travava ali mesmo, no solo em que estava agora. Na ocasião, a medida era para arrancar guerrilheiros judeus condenados de uma prisão britânica em Acra e fora parte da luta pela independência. Mas já haviam transcorrido 35 anos e as perspectivas tinham mudado. Agora, era Israel quem condenava sistematicamente o terrorismo, a captura de reféns, a chantagem de regimes. E, no entanto...

     E, no entanto, centenas de milhares de judeus haviam secretamente apoiado os dois jovens que tinham procurado escapar do terrorismo do KGB da única maneira a seu alcance. Não iriam abertamente aclamar os jovens como heróis, mas também não iriam condená-los como assassinos. Quanto aos homens mascarados no Freya, havia uma possibilidade de que também fossem judeus, talvez mesmo (que Deus nos livre!) israelenses. Ele acalentara a esperança, na noite anterior, de que o problema estivesse resolvido ao pôr-do-sol do Sabá, com os prisioneiros de Berlim em Israel e os terroristas do Freya mortos ou capturados. Haveria protestos, mas o assunto logo seria esquecido.

     Agora, porém, estava descobrindo que o assunto não estava encerrado como esperava. As últimas notícias não o deixavam propenso a atender ao pedido americano. De qualquer forma, isso seria inteiramente impossível. Assim que o Embaixador americano acabou de falar, Golen meneou a cabeça e disse:

     — Por favor, transmita ao meu bom amigo William Matthews os meus votos sinceros de que esse caso lamentável possa ser resolvido sem mais perda de vidas. Mas, na questão de Mishkin e Lazareff, minha posição é a seguinte: se, em nome do Governo e do povo de Israel e a pedido da Alemanha Ocidental, assumi pública e solenemente o compromisso de não prendê-los nem devolvê-los a Berlim, então terei de cumprir a palavra empenhada. Lamento profundamente, mas não posso fazer o que me está sendo pedido, devolvendo-os para a cadeia na Alemanha assim que o Freya for libertado.

     Ele não precisava explicar o que o Embaixador americano sabia perfeitamente. Deixando de lado a questão da honra nacional, nem mesmo a explicação de que promessas extraídas sob coação não eram compulsórias funcionaria naquele caso. Haveria protestos veementes do Partido Religioso Nacional, dos extremistas da Gush Emunim, da Liga de Defesa Judia e dos 100.000 eleitores que tinham vindo da União Soviética ao longo da última década. Tudo isso impediria que qualquer primeiro-ministro israelense renegasse sua promessa de conceder liberdade a Mishkin e Lazareff.

    

     Uma hora depois, quando a mensagem da recusa chegou a Washington, o Presidente Matthews comentou:

     — Valeu a pena tentar.

     — Mas agora é apenas uma possível “terceira alternativa” que não mais existe — disse David Lawrence. — Mesmo que Maxim Rudin a aceitasse, o que duvido muito que pudesse acontecer.

     Faltava uma hora para a meia-noite. As luzes estavam acesas em cinco departamentos do governo, espalhados pela capital, assim como no Gabinete Oval e em uma vintena de outras salas da Casa Branca, nas quais homens e mulheres estavam a postos em telefones e teletipos, aguardando as notícias da Europa. Os quatro homens no Gabinete Oval acomodaram-se para esperar a reação do Freya.

    

     Os médicos dizem que três horas da madrugada é o ponto mais baixo do espírito humano, a hora da exaustão, em que as reações são mais lentas e a depressão mais profunda. Também assinalou um ciclo completo do Sol e da Lua para os dois homens que estavam sentados frente a frente no camarote do comandante do Freya.

     Nenhum dos dois dormira naquela noite nem na noite anterior; ambos estavam há 44 horas sem descansar, tensos e de olhos injetados.

     Thor Larsen, no epicentro de uma tempestade violenta de atividade internacional, de reuniões ministeriais e encontros diplomáticos, de conspirações e consultas que mantinham as luzes acesas através da noite, em três continentes, de Jerusalém a Washington, encontrava-se empenhado numa manobra particular. Jogava sua própria capacidade de permanecer acordado contra a determinação do fanático a sua frente, sabendo que estava em jogo, caso falhasse, seu navio e tripulação.

     Larsen sabia também que. o homem que se dera o nome de Svoboda, mais jovem e consumido por um fogo interior, os nervos tensos por uma combinação de café forte e a manobra com que desafiava o mundo, poderia ter ordenado que o comandante norueguês fosse amarrado, enquanto ele próprio descansava um pouco. Mas Larsen olhava para o cano da arma e apostava no orgulho do homem que capturara o navio, esperando que ele aceitasse o desafio, que se recusasse a ceder e admitir a derrota na batalha para vencer o sono.

     Foi Larsen quem propôs as xícaras intermináveis de café puro, uma bebida que normalmente só tomava com leite e açúcar, no máximo duas ou três vezes por dia. Foi Larsen quem ficou falando o tempo todo, ao longo do dia e da noite, provocando o ucraniano com sugestões de fracasso eventual, para recuar assim que o homem se mostrava irritado demais e havia a perspectiva de passar além da segurança. Muitos anos de experiência, noites a bordo, os dentes a ranger, em todo o condicionamento de capitão do mar, haviam ensinado o gigante barbado a permanecer acordado e alerta durante quartos noturnos, enquanto os oficiais cochilavam e os marinheiros dormiam.

     Assim, Larsen empenhava-se em sua própria manobra solitária, sem armas nem munição, sem teletipo nem câmaras noturnas, sem apoio e sem companhia. Naquele momento, toda a tecnologia espetacular que os japoneses haviam instalado em seu novo comando era tão inútil quanto pregos enferrujados. Se pressionasse demais o homem do outro lado da mesa, ele poderia perder o controle e atirar para matar. Se o homem ficasse frustrado demais, poderia ordenar a execução de outro tripulante. Se ele se sentisse sonolento demais, poderia providenciar para que outro terrorista, mais descansado, o substituísse, enquanto dormia um pouco, desfazendo assim tudo o que Larsen estava tentando fazer-lhe.

     Larsen ainda tinha razões para acreditar que Mishkin e Lazareff seriam libertados ao amanhecer. Depois que chegassem sãos e salvos a Tel Aviv, os terroristas iriam preparar-se para deixar o Freya. Mas será que sairiam mesmo? Será que poderiam sair? Será que os navios de guerra ao redor deixariam que eles se afastassem livremente? Mesmo longe do Freya, se atacado por navios da OTAN, Svoboda poderia apertar o botão e explodir o petroleiro.

     Mas isso não era tudo. Aquele homem de preto matara um dos tripulantes. Thor Larsen o queria por isso... e o queria morto. Assim, falou pela noite afora para o homem a sua frente negando a ambos o sono de que tanto precisavam.

     Whitehall também não estava dormindo. O comitê de emergência da crise estava em sessão desde três horas da madrugada. Por volta das quatro, os relatórios de situação já haviam sido apresentados.

     No sul da Inglaterra, os imensos caminhões-tanque requisitados à Shell, British Petroleum e uma dúzia de outras empresas estavam sendo carregados com o emulsificador, no depósito em Hampshire. Com os olhos injetados, os motoristas guiavam pela noite afora, os caminhões vazios a caminho de Hampshire, os cheios seguindo para Lowestoft, transportando centenas de toneladas do concentrado para o porto de Suffolk. Por volta das quatro horas da madrugada, o depósito já estava totalmente vazio. Todas as 1.000 toneladas da reserva nacional estavam seguindo para leste, pela costa.

     O mesmo acontecia com os tubos infláveis para impedir que o petróleo derramado atingisse a costa, até que os elementos químicos pudessem funcionar. A fábrica que produzia o emulsificador fora acionada ao funcionamento máximo, até segunda ordem.

   Às três e meia da madrugada, chegou de Washington a notícia de que o Gabinete de Bonn concordara em reter Mishkin e Lazareff por mais algum tempo.

     — Matthews sabe o que está fazendo? — perguntou alguém.

     O rosto de Sir Julian Flannery permaneceu impassível.

     — Devemos supor que sabe — disse ele, suavemente. — Devemos também supor que provavelmente vai ocorrer agora um derramamento de petróleo do Freya. Os esforços da noite não foram em vão. Pelo menos agora estamos quase prontos.

     — Devemos também supor — disse o representante do Foreign Office — que a França, a Bélgica e a Holanda, assim que a notícia se tornar pública, vão pedir ajuda no combate a qualquer vazamento de petróleo que possa resultar.

     — Neste caso, teremos de estar preparados para fazer tudo o que for possível — declarou Sir Julian. — Como estão os aviões e rebocadores que deverão lançar o emulsificador?

     O relatório apresentado no UNICORNE espelhava o que estava acontecendo no mar. Do estuário do Humber, rebocadores seguiam para o sul, na direção do porto de Lowestoft. Do Tâmisa e até mesmo da base naval de Lee, outros rebocadores, também capazes de espalhar o líquido sobre a superfície do mar, também se estavam deslocando para o ponto de encontro na costa de Suffolk. Mas não eram as únicas embarcações que se estavam deslocando pela costa sul naquela noite.

     Ao largo dos penhascos altos de Beachy Head, as lanchas Sabre, Alfanje e Cimitarra, transportando os equipamentos variados, complexos e letais da mais eficiente equipe de homens-rãs do mundo, estavam virando para nordeste. Passariam por Sussex e Kent e seguiriam para o lugar em que o cruzador Argyll estava ancorado, no Mar do Norte.

     O barulho dos motores ecoava pela costa sul e as pessoas que tinham o sono leve em Eastbourne ouviram o murmúrio no mar.

     Doze fuzileiros seguravam-se nas amuradas de cada lancha, vigiando seus preciosos caíques, equipamentos de mergulho, armas e explosivos incomuns, que constituíam os petrechos de seu ofício. Tudo estava sendo transportado no convés.

     Em determinado momento, o jovem capitão-de-corveta que comandava a lancha Alfanje gritou para o fuzileiro a seu lado, que era o segundo em comando:

     — Espero que essas bombas que estão no convés não resolvam explodir agora.

     — Não se preocupe que não vão explodir — respondeu o capitão dos fuzileiros com absoluta confiança. — Isto é, não até as usarmos...

    

     Numa sala contígua ao salão de reuniões, no prédio do Gabinete, o comandante daqueles fuzileiros estava examinando inúmeras fotografias do Freya, tiradas durante o dia e à noite. Estava comparando a configuração apresentada pelas fotografias que o Nimrod tirara com a planta fornecida pelo Lloyds e o modelo do superpetroleiro British Princess, emprestado pela British Petroleum.

     No salão ao lado, o Coronel Holmes disse aos homens reunidos ali:

     — Senhores, creio que é chegado o momento de considerarmos a menos agradável das opções que talvez tenhamos de enfrentar.

     — Ah, sim... — murmurou Sir Julian, pesaroso. — A opção que todos receamos.

     Holmes prosseguiu, inabalável:

     — Se o Presidente Matthews continuar a se opor à libertação de Mishkin e Lazareff e o Governo da Alemanha Ocidental continuar a ceder a essa pressão, pode muito bem advir o momento em que os terroristas chegarão à conclusão de que sua manobra fracassou, que a chantagem não dará resultado. E nesse momento eles poderão perfeitamente se recusar a abandonar o blefe e explodir o Freya. Pessoalmente, tenho a impressão de que isso não acontecerá antes do cair da noite, o que nos dá cerca de dezesseis horas para agir.

     — Por que não antes do cair da noite, Coronel Holmes? — indagou Sir Julian.

     — Porque devemos supor, a menos que eles sejam suicidas em potencial, o que é bem possível, que irão aproveitar a confusão para escapar. Se querem tentar sobreviver, vão deixar o navio sob a cobertura da noite e acionar o detonador de controle remoto a uma certa distância.

     — E qual é a sua proposta, Coronel?

     — Tenho duas propostas, senhor. A primeira envolve a lancha dos terroristas. Ainda está atracada ao lado da escada de acesso do Freya. Assim que a noite cair, um mergulhador pode aproximar-se da lancha e colocar um artefato explosivo no casco, com um mecanismo de ação retardada. Se o Freya explodir, coisa alguma num raio de mil metros estará a salvo. Assim, proponho uma carga detonada por um mecanismo acionado pela pressão da água. Logo que a lancha se afastar do costado do navio, o impulso para a frente fará com que a água entre por um tubo sob a quilha. Essa água acionará um gatilho e sessenta segundos depois a lancha explodirá, antes que os terroristas tenham conseguido afastar-se mais de mil metros do Freya. Ou seja, antes de terem tempo de acionar seu próprio detonador.

     — Mas a explosão da lancha dos terroristas não iria detonar as cargas no Freya? — perguntou alguém.

     — Não. Se eles têm um detonador de controle remoto, deve ser operado eletronicamente. A carga explodiria a lancha, reduzindo os terroristas a picadinho. Ninguém escaparia.

     — Mas se o detonador afundar, a pressão da água não iria comprimir o botão? — indagou um dos cientistas.

     — Não. A partir do momento em que estivesse debaixo d’água, o detonador de controle remoto estaria seguro. Não poderia transmitir sua mensagem de rádio para as cargas nos tanques do Freya.

     — Excelente! — exclamou Sir Julian. — Mas esse plano não pode ser posto em prática antes do cair da noite?

     — Não é possível. Um homem-rã deixa uma trilha de borbulhas. Num mar agitado, isso não seria percebido. Mas num mar sereno seria visível demais. Um dos vigias poderia observar as borbulhas, o que provocaria o que estamos tentando evitar.

     — Então terá de ser mesmo depois do anoitecer — disse Sir Julian.

     — Só há um problema, que é justamente o que me leva a rejeitar a idéia de sabotar a lancha dos terroristas como o único plano. Se o líder dos terroristas estiver disposto a morrer com o Freya, como pode perfeitamente acontecer, ele não abandonaria o navio com o resto dos seus companheiros. Assim, acho que devemos atacar o navio durante a noite e alcançá-lo antes que possa usar o detonador.

     O Secretário do Gabinete suspirou.

     — Estou entendendo. E certamente tem um plano também para isso, não é mesmo?

     — Pessoalmente, não tenho plano algum. Mas gostaria que conhecessem o Major Simon Fallon, comandante do Serviço Especial dos fuzileiros.

     Era tudo como nos pesadelos de Sir Julian Flannery. O major dos fuzileiros tinha pouco mais de l,70m de altura, mas parecia ter a mesma dimensão nos ombros e obviamente era daquele tipo de homens que falavam em reduzir outros seres humanos a suas partes componentes com a mesma tranqüilidade com que Lady Flannery falava em cortar legumes para uma de suas famosas saladas.

     Pelo menos em três ocasiões, o Secretário do Gabinete, tão amante da paz, já tivera oportunidade de conhecer oficiais dos comandos britânicos, mas aquela era a primeira vez em que se encontrava com o comandante daquela outra unidade especializada, menor e pouco conhecida. Observou consigo mesmo que eram todos iguais.

     Aquela unidade, o Serviço Especial Marítimo ou SEM, fora originalmente criada para a guerra convencional, para operar em ataques a instalações costeiras, partindo do mar. Era por isso que seus integrantes haviam sido escolhidos entre os fuzileiros. Como exigência básica, deviam ter um preparo físico que atingia quase as raias da perfeição, além de serem peritos em nadar, andar de canoa, mergulhar, escalar, marchar e combater.

     A partir disso, tornavam-se também eficientes em pára-quedismo, explosivos, demolição e nas técnicas aparentemente intermináveis de cortar gargantas ou quebrar pescoços com facas, cordões ou simplesmente com as mãos. Nisso e na capacidade de sobreviverem por conta própria nos campos, por períodos prolongados, sem deixar qualquer vestígio de sua presença, partilhavam as habilidades dos seus primos do Serviço Especial Aéreo ou SEA.

     Era nas habilidades debaixo d’água que os homens do SEM eram diferentes. Com os equipamentos de homens-rãs, podiam nadar distâncias prodigiosas, colocar cargas explosivas ou tirar o equipamento de mergulho sem provocar qualquer ondulação na superfície, saindo do mar com seu arsenal de armas especiais preso ao corpo.

     Alguns componentes desse arsenal eram rotineiros, como facas. Mas desde o início da eclosão de atos terroristas, ao final da década de 1960, eles haviam adquirido brinquedinhos novos com que se deliciar.

     Todos eram atiradores exímios, usando o rifle Finlanda, de alta precisão, fabricado à mão, uma arma norueguesa que já fora considerada como o melhor rifle do mundo. Podia ser e geralmente era acoplado a um intensificador de imagem, um visor tão comprido quanto uma bazuca, além de contar com um silenciador eficaz.

     Para abrir portas em meio segundo, geralmente usavam espingardas de cano curto, de bomba, disparando cargas sólidas. Jamais disparavam contra a fechadura, pois podia haver outras trancas por trás da porta. Disparavam duas cargas para arrancar as duas dobradiças, chutando a porta e abrindo fogo contra o interior com silenciosas pistolas-metralhadoras Ingram.

     Contavam também com outra arma do arsenal que ajudara o SEA a proporcionar o apoio necessário aos alemães em Mogadíscio: as granadas de clarão-estrondo-choque, um desenvolvimento sofisticado das granadas de atordoamento. Estas simplesmente atordoavam, enquanto as novas granadas especiais paralisavam. Meio segundo depois de puxado o pino e lançada num espaço confinado em que estivessem tantos terroristas como reféns, a granada explodia, com três efeitos. O clarão ofuscava quem quer que estivesse olhando na direção, pelo menos por 30 segundos; o estrondo explodia os tímpanos, provocando uma dor instantânea e alguma perda de concentração; e o “choque” era um som tonal que penetrava no ouvido médio e causava uma paralisia de 10 segundos de todos os músculos.

     Durante os testes, um homem tentara puxar o gatilho de uma arma encostada no corpo de um companheiro, enquanto a granada explodia. Não conseguira. Tanto os terroristas como os reféns perdiam os tímpanos, que podiam tornar a crescer depois. O que já não pode acontecer com reféns mortos.

     Enquanto perdura o efeito de paralisia, os salvadores disparam balas cerca de 10 centímetros acima da altura das cabeças, enquanto alguns companheiros mergulham na direção dos reféns, derrubando-os no chão. Nesse momento, os outros abaixam suas armas cerca de 15 centímetros.

     A posição exata de refém e terrorista num recinto fechado pode ser determinada pela aplicação de um estetoscópio eletrônico no lado de fora da porta. Não é necessário que falem no interior do recinto, pois a simples respiração pode ser ouvida e localizada com acurácia. Os salvadores se comunicam por uma elaborada linguagem de sinais, que não dá margem a interpretações erradas.

     O Major Fallon colocou o modelo do British Princess na mesa de conferência, consciente de que todos os olhos estavam fixados nele. E começou a falar:

   — Proponho pedir ao cruzador Argyll que fique de borda para o Freya. Antes do amanhecer, as lanchas transportando meus homens e equipamentos atracarão no outro lado do Argyll, onde o vigia aqui na chaminé do Freya não poderá ver, mesmo de binóculo. Isso nos permitirá fazer todos os preparativos necessários ao longo da tarde, sem sermos observados. Gostaria que o céu fosse constantemente vigiado, para impedir a aproximação de qualquer avião que jornalistas possam fretar. Os rebocadores incumbidos de espalhar o detergente e que ficarem ao alcance visual do que estivermos fazendo devem ser mantidos em silêncio.

     Ninguém discordou. Sir Julian fez duas anotações.

     — Meu plano é fazer a aproximação do Freya em quatro caíques de dois homens cada, parando a cerca de três milhas de distância, na escuridão, antes do nascer da Lua. Os radares do navio não avistarão os caíques. São pequenos demais e estarão na superfície. São de madeira e lona, o que não se registra direito no radar. Os remos estarão revestidos de borracha, couro ou pano, todas as fivelas serão de plástico. É importante que o radar do Freya não registre coisa alguma. Os homens no assento de trás dos caíques serão os homens-rãs. Os tanques de oxigênio não podem deixar de ser de metal, mas a três milhas de distância não parecerão maiores do que um tambor de óleo flutuando no mar, o que não causará qualquer alarme na cabine de comando do Freya. A três milhas de distância, os mergulhadores determinarão a orientação pela bússola para a popa do Freya, antes de cair na água. As bússolas de pulso são luminosas e os homens se orientarão por elas.

     — Por que não seguem para a proa? — perguntou o oficial que representava a RAF. — Lá é mais escuro.

     — Em parte porque teríamos de eliminar o homem que está de vigia na proa e ele pode estar em contato com a cabine de comando através do walkie-talkie — explicou Fallon. — E em parte porque a distância da proa até a superestrutura é muito grande e há refletores operados da cabine de comando. Não podemos também esquecer que a superestrutura, pela frente, é um paredão liso de aço na altura de cinco andares. Poderíamos fazer a escalada, mas há algumas janelas para cabines que podem estar ocupadas, surgindo o risco de sermos vistos.

     “Os quatro mergulhadores, um dos quais serei eu, vão encontrar-se na popa do Freya. Deve haver ali uma pequena projetura. Há um homem de vigia no topo da chaminé, a trinta metros de altura. Mas as pessoas que estão a trinta metros de altura tendem a olhar para fora, ao invés de diretamente para baixo. Para ajudá-lo nisso quero que o Argyll comece a acender um refletor para outro navio próximo, criando um espetáculo para o homem lá em cima observar. Subiremos pela popa, depois de largarmos nadadeiras, máscaras, tanques de oxigênio e cintos de peso. Estaremos de cabeça descoberta, descalços, usando apenas os trajes de borracha. Todas as armas serão levadas em cintos largos de pano em torno da cintura.

     — Como vão subir pelo costado do Freya carregando vinte quilos de metal, depois de nadarem por três milhas? — perguntou um dos servidores civis.

     Fallon sorriu.

     — É apenas uma subida de dez metros no máximo até o corrimão da popa. Fazendo exercícios nas instalações petrolíferas no Mar do Norte, já subimos cinqüenta metros de aço vertical em quatro minutos.

     Achou que não havia necessidade de explicar os detalhes da aptidão física necessária para essa façanha nem do equipamento que a tornava possível.

     Os técnicos há muito que haviam criado um extraordinário equipamento de escalada para o SEM, inclusive com placas magnéticas. Assemelhavam-se a pratos comuns, as bordas revestidas de borracha, a fim de poderem ser aplicadas a metal sem qualquer barulho. A placa propriamente dita era contornada por aço, sob a borracha. Esse anel de aço podia ser magnetizado a um ponto enorme.

     A força magnética podia ser ligada ou desligada por um interruptor ao lado da alça na parte de trás da placa. A carga elétrica provinha de uma bateria pequena mas potente de níquel-cádmio no interior da placa.

     Os mergulhadores estavam treinados a sair do mar, estender a mão para cima e fixar a primeira placa, só então ligando a corrente. O ímã prendia a placa na estrutura de aço. Estendiam o outro braço mais alto e prendiam a segunda placa. Somente quando estava segura é que desligavam a corrente da primeira, erguendo-a acima da primeira e tornando a fixá-la na estrutura. E assim, firmando-se nos punhos e antebraços, iam saindo do mar e subindo, o corpo, pernas e equipamentos balançando. Os ímãs eram tão fortes, assim como os braços e ombros dos comandos, que eles podiam escalar uma inclinação de até 45° se fosse necessário.

     — O primeiro homem vai subir pelo costado com as placas especiais — explicou Fallon. — Levará uma corda. Se estiver tudo calmo no convés de popa, ele prenderá a corda e os outros três estarão lá em cima em dez segundos. Aqui, atrás da estrutura da chaminé, esse compartimento de turbina deve projetar uma sombra na luz que existe por cima da porta da superestrutura, ao nível do convés A. Vamo-nos reunir nessa sombra. Estaremos usando trajes de mergulho pretos, além de estarmos com as mãos, rostos e pés também pintados de pretos. O primeiro grande risco será atravessar esse trecho iluminado, da sombra do compartimento da turbina até a parte principal da superestrutura, onde ficam todos os alojamentos.

     — E como pretendem superar esse problema? — indagou o vice-almirante, fascinado diante daquele retorno da tecnologia aos tempos de Nelson.

     — Não há jeito, senhor — respondeu Fallon. — Estaremos no outro lado da chaminé àquele em que o Argyll se encontra ancorado. Esperamos que o vigia no alto da chaminé esteja olhando para o Argyll e não em nossa direção, quando passarmos pelo trecho iluminado. Vamo-nos afastar da sombra do compartimento da turbina da janela, contornando o canto da superestrutura até este ponto, diante da janela do depósito de roupa suja. Vamos cortar a placa de vidro da janela sem fazer qualquer barulho, com um maçarico em miniatura e um pequeno bujão de gás. Entraremos pela janela. As possibilidades de a porta estar trancada são mínimas. Ninguém se dá ao trabalho de roubar roupa suja e por isso ninguém se lembra de trancar a porta dos compartimentos em que é guardada. A esta altura, já estaremos no interior da superestrutura, saindo para um corredor a poucos metros da escada principal que leva para os conveses B, C e D, além da cabine de comando.

     — Onde vai encontrar o líder dos terroristas, o homem que está com o detonador? — indagou Sir Julian Flannery.

     — Na subida pela escada vamos escutar em todas as portas, em busca do som de vozes — disse Fallon. — Se ouvirmos algum, abriremos a porta e eliminaremos todo mundo que estiver lá dentro, com automáticas silenciosas. Dois homens entrarão na cabine e dois ficarão de guarda do lado de fora. O mesmo faremos com qualquer homem que encontrarmos na escada. Assim, deveremos chegar ao convés D despercebidos. Aqui, vamos ter de assumir um risco calculado. A primeira opção é a cabine do comandante. Um homem abrirá a porta, entrará e atirará, sem fazer perguntas. Outro homem cuidará da cabine do chefe de máquinas, também nesse convés, fazendo a mesma coisa. Os dois últimos homens cuidarão da cabine de comando, um com granadas, o segundo com a Ingram. A área é grande demais para se escolher alvos. Vamos ter de varrê-la com a Ingram e liquidar todo mundo que estiver lá dentro, depois que ficarem paralisados pela granada.

     — E se o Comandante Larsen estiver lá dentro? — indagou um servidor civil.

     Fallon ficou olhando para a mesa por um momento, antes de responder:

     — Lamento muito, mas não há qualquer meio de se identificar os alvos.

     — E se o líder não estiver em nenhuma das duas cabines nem lá em cima, na cabine de comando? E se o homem com o detonador de controle remoto estiver em algum outro lugar? Como, por exemplo, no convés, respirando um pouco de ar fresco? Ou no banheiro? Ou dormindo em alguma outra cabine?

     Steve Fallon deu de ombros.

     — Neste caso, teremos uma explosão.

     — Há vinte e nove tripulantes trancados lá embaixo — protestou um cientista. — Não pode tirá-los de lá? Ou pelo menos abrir a porta do lugar em que estão presos, a fim de que tenham chance de se salvar a nado?

     — Não, senhor. Já tentei imaginar todos os meios de descer até a sala de tintas, se é que os homens estão mesmo trancados lá. Se tentarmos descer através da entrada no convés, nossa presença a bordo seria denunciada. As trancas podem fazer barulho, a abertura da porta de aço inundaria de luz o convés de popa. Descer pela superestrutura para a casa de máquinas e tentar alcançar os homens por lá seria dividir minhas forças. Além disso, a casa de máquinas é vasta. Há três níveis, sendo abobadada como uma catedral. Se houver um único homem lá embaixo, entrando em comunicação com o líder antes de podermos liquidá-lo, estaria tudo perdido. Creio que nossa melhor chance é alcançar e liquidar o homem com o detonador.

     — Se o navio explodir, você e seus homens lá em cima podem mergulhar pelo outro lado e nadar de volta ao Argyll, não é mesmo? — insinuou outro servidor civil.

     O Major Fallon fitou-o com uma expressão de raiva no rosto bronzeado.

     — Senhor, se o navio explodir, qualquer nadador a menos de duzentos metros de distância será sugado para baixo pelas correntezas da água despejando-se pelas aberturas.

     — Desculpe, Major Fallon — interveio, apressadamente, o Secretário do Gabinete. — Tenho certeza de que meu colega estava apenas preocupado com sua própria segurança. A questão agora é a seguinte: as possibilidades de se alcançar a tempo o homem com o detonador de controle remoto são altamente problemáticas. E o fracasso em impedir que o homem detone as cargas acarretaria o próprio desastre que estamos tentando evitar...

     — Com todo o respeito, Sir Julian, devo discordar dessa colocação do problema — disse o Coronel Holmes. — Se os terroristas ameaçarem durante o dia explodir o Freya numa determinada hora da noite e o Chanceler Busch persistir em sua decisão de não soltar Mishkin e Lazareff, teremos de tentar a solução apontada pelo Major Fallon. Não poderemos fazer qualquer outra coisa. Não nos restará alternativa.

     Todos murmuraram em concordância. Sir Julian teve de admitir o argumento.

     — Está certo. O Ministério da Defesa deve tomar as providências necessárias para que o Argyll vire de lado para o Freya e proporcione a proteção necessária às lanchas do Major Fallon. O Departamento do Meio Ambiente deve instruir os controladores de tráfego aéreo para localizarem e afastarem todos os aviões que tentarem aproximar-se do Argyll, a qualquer altitude. Os diversos departamentos responsáveis deverão instruir os rebocadores e outras embarcações perto do Argyll para não revelarem a ninguém os preparativos do Major Fallon. E o que vai fazer agora, Major Fallon?

     O fuzileiro olhou para o relógio. Eram 5:15 da manhã.

     — A Marinha vai emprestar-me um helicóptero, para levar-me do Heliporto de Battersea para o convés de popa do Argyll. Estarei lá quando meus homens e equipamentos chegarem pelo mar, se partir agora...

     — Neste caso, é melhor partir logo. E boa sorte, meu jovem.

     Os membros do comitê se levantaram, enquanto Fallon, um tanto constrangido, pegava o modelo do navio, as plantas e fotografias e deixava o salão, junto com o Coronel Holmes, a caminho do heliporto, à beira do Tamisa.

     Sir Julian Flannery, exausto, deixou o salão impregnado de fumaça, saindo para o frio da madrugada de mais um dia de primavera, a fim de apresentar seu relatório à Primeira-Ministra Carpenter.

    

     Às seis horas da manhã, um comunicado simples e objetivo foi emitido em Bonn, dizendo que, depois de analisar devidamente todos os fatores envolvidos, o Governo Federal alemão chegara à conclusão de que, no final das contas, seria um erro ceder à chantagem. Por isso, havia sido cancelada a decisão anterior de libertar Mishkin e Lazareff às oito horas da manhã.

     O Governo Federal, acrescentava o comunicado, faria tudo o que estivesse a seu alcance para entrar em negociações com os seqüestradores do Freya, procurando um meio de salvar o navio e sua tripulação através de propostas alternativas.

     Os aliados europeus da Alemanha Ocidental foram informados desse comunicado apenas uma hora antes de sua divulgação. Todos os chefes de governo envolvidos fizeram particularmente a mesma indagação:

     — Que diabo Bonn está querendo?

     A exceção foi Londres, que já sabia da decisão. Extra-oficialmente, cada governo foi informado de que a mudança de posição era conseqüência de uma súbita e intensa pressão americana sobre Bonn, durante a noite. Foram também informados de que Bonn somente concordara em adiar a libertação, à espera de novos desenvolvimentos, na esperança de que as perspectivas pudessem tornar-se mais otimistas.

     Logo depois que a notícia foi divulgada, o porta-voz do governo de Bonn teve dois encontros rápidos e particulares, ao café da manhã, com influentes jornalistas alemães. Os jornalistas foram informados, indiretamente, de que a mudança de política do governo alemão era exclusivamente uma conseqüência da implacável pressão de Washington.

     Os primeiros noticiosos radiofônicos do dia transmitiram o comunicado de Bonn, no mesmo tempo em que os ouvintes abriam seus jornais matutinos, os quais anunciavam a libertação dos dois seqüestradores pela manhã. Os editores de jornais não acharam a menor graça e bombardearam o governo com pedidos de explicações. Mas não houve nenhuma que fosse satisfatória. As edições dominicais, sendo aprontadas naquele sábado, prepararam-se para esmiuçar a explosiva questão na manhã seguinte.

     No Freya, a informação sobre o comunicado de Bonn chegou através do noticioso internacional da BBC, para o qual Drake sintonizara seu rádio portátil, às seis e meia da manhã. Como muitas outras pessoas interessadas na Europa naquela manhã, o ucraniano escutou a notícia em silêncio e depois explodiu:

     — Mas que diabo eles estão querendo?

     — Alguma coisa saiu errada — comentou Thor Larsen, calmamente. — Eles mudaram de idéia. Seu plano não vai dar certo.

     Como resposta, Drake inclinou-se sobre a mesa e apontou a arma para o rosto do norueguês, gritando:

     — Não comece a se regozijar! Eles não estão brincando apenas com meus amigos em Berlim! Não é apenas comigo! Estão brincando também com seu precioso navio e tripulação! Não se esqueça disso!

     O ucraniano ficou em silêncio, por vários minutos, imerso em seus pensamentos, até que finalmente usou o sistema de intercomunicação para chamar um dos seus homens na cabine de comando. O homem que apareceu ainda estava mascarado e falou a seu chefe em ucraniano; o tom de voz era de alguém extremamente preocupado. Drake deixou-o vigiando o Comandante Larsen e se ausentou durante 15 minutos. Ao voltar, ordenou bruscamente ao Comandante do Freya que o acompanhasse até a cabine de comando.

     O chamado chegou ao Controle do Maas um minuto antes das sete horas. O Canal 20 ainda se encontrava reservado exclusivamente ao Freya e o operador de plantão estava mesmo esperando por um contato, pois também ouvira as notícias de Bonn. Quando o Freya chamou, ele imediatamente ligou os gravadores.

     A voz de Larsen era obviamente de um homem exausto. Ele leu a declaração dos seqüestradores sem qualquer inflexão:

     “Em conseqüência da estúpida decisão do Governo de Bonn de revogar a decisão anterior de libertar Lev Mishkin e David Lazareff às oito horas desta manhã, os homens que no momento controlam o Freya comunicam o seguinte: caso Mishkin e Lazareff não sejam libertados e estejam num avião a caminho de Tel Aviv ao meio-dia de hoje, o Freya irá derramar vinte mil toneladas de petróleo bruto no Mar do Norte, à última badalada do meio-dia. Qualquer tentativa de impedir isso ou interferir com o processo, assim como qualquer tentativa por navios ou aviões de penetrar na área de mar limpo ao redor do Freya, resultará na imediata destruição do navio, sua carga e tripulação.”

     A transmissão foi bruscamente interrompida. Não houve perguntas. Quase uma centena de postos de escuta captaram a mensagem. Quinze minutos depois, estava sendo transmitida pelas emissoras de rádio de toda a Europa.

    

     O Gabinete Oval do Presidente Matthews estava começando a assumir o aspecto de conselho de guerra, às primeiras horas da madrugada.

     Todos os quatro homens ali sentados haviam tirado o paletó e afrouxado a gravata. Assessores entravam e saíam a todo instante, trazendo mensagens da sala de comunicações para um ou outro dos homens presentes. Os centros de comunicações de Langley e do Departamento de Estado estavam ligados diretamente com o da Casa Branca. Eram 7:15 na Europa, mas 2:15 em Washington, quando a notícia do ultimato de Drake foi entregue a Robert Benson, no Gabinete Oval. Ele a entregou ao Presidente Matthews, sem dizer nada.

     — Suponho que já deveríamos estar esperando por isso — comentou o Presidente dos Estados Unidos, visivelmente cansado. — Mas nem mesmo assim é mais fácil receber a notícia.

     — Será que ele vai executar a ameaça, quem quer que seja? — indagou o Secretário de Estado David Lawrence.

     — Até agora, o desgraçado tem feito tudo o que prometeu — respondeu Stanislaw Poklewski.

     — Imagino que Mishkin e Lazareff devem estar sob uma guarda reforçada em Tegel — disse Lawrence.

     — Eles não estão mais em Tegel — informou Benson. — Foram transferidos para Moabit pouco antes de meia-noite, horário de Berlim. Ê uma prisão mais moderna e mais segura.

     — Como sabe disso, Bob? — perguntou Poklewski.

     — Mandei vigiar Tegel e Moabit desde a transmissão do Freya ao meio-dia — explicou Benson.

     Lawrence, o diplomata ao estilo antigo, pareceu ficar exasperado e disse rispidamente:

     — A nova política é a de espionar até mesmo nossos aliados?

     — Não é tão nova assim — disse Benson. — Sempre os espionamos.

     — Por que a mudança de prisão, Bob? — perguntou o Presidente Matthews. — Dietrich Busch por acaso está pensando que os russos vão tentar liquidar Mishkin e Lazareff?

     — Não, Sr. Presidente. Ele pensa que eu é que tentarei.

     — Ao que me parece, é uma possibilidade na qual não havíamos pensado — comentou Poklewski. — Se os terroristas no Freya cumprirem a ameaça e derramarem no mar vinte mil toneladas de petróleo bruto, ameaçando derramar outras cinqüenta mil toneladas no mesmo dia, as pressões sob Busch podem tornar-se irresistíveis...

     — Não tenho a menor dúvida de que isso será inevitável — declarou Lawrence.

     — O que estou querendo dizer é que Busch pode simplesmente resolver agir sozinho e libertar Mishkin e Lazareff, unilateralmente. Não podemos esquecer que ele não sabe que o preço de tal ação seria a destruição do Tratado de Dublin.

     Houve um silêncio que perdurou por vários segundos, até que o Presidente Matthews disse:

     — Nesse caso, não haverá nada que eu possa fazer para impedi-lo.

     — Há, sim — murmurou Benson.

     Os outros três imediatamente concentraram toda a sua atenção nele. Quando descreveu qual era a providência, os rostos de Matthews, Lawrence e Poklewski assumiram expressões de repulsa.

     — Eu não poderia dar essa ordem — declarou o Presidente Matthews.

     — É realmente algo terrível — concordou Benson. — Mas é também a única maneira de se antecipar a uma iniciativa unilateral do Chanceler Busch. E saberemos, se ele formular planos secretos de libertar os dois seqüestradores prematuramente. Não importa como, o fato é que saberemos. Vamos enfrentar o problema. A alternativa seria a destruição do tratado e as conseqüências em termos de retomada da corrida armamentista que isso inevitavelmente acarretaria. Se o tratado for derrubado, presumivelmente não poderemos prosseguir nas remessas de cereais para a Rússia. O que pode provocar a queda de Rudin...

     — O que torna a reação dele no caso inteiramente absurda — ressaltou Lawrence.

     — É possível. Mas é a reação dele e, até sabermos o motivo, não podemos julgar o quanto é absurda — declarou Benson. — Até sabermos de tudo, o conhecimento particular pelo Chanceler Busch da proposta que acabei de fazer deve contribuir para contê-lo por mais algum tempo.

     — Está querendo dizer que poderíamos simplesmente usar isso como uma ameaça pairando sobre a cabeça de Busch? — indagou Matthews, esperançoso. — É provável que jamais tenhamos de recorrer a essa medida?

     Nesse momento, chegou de Londres uma mensagem pessoal da Primeira-Ministra Carpenter para o Presidente Matthews.

     — Mas que mulher extraordinária! — murmurou ele, depois de ler. — Os ingleses informam que podem cuidar do primeiro vazamento de vinte mil toneladas de petróleo bruto, mas não mais do que isso. Estão preparando um plano para atacar o Freya, com homens-rãs, depois do pôr-do-sol, abatendo o homem com o detonador. Acham que as chances são razoáveis.

     — Assim, só precisamos conter o Chanceler Busch por mais doze horas — disse Benson. — Sr. Presidente, recomendo que ordene o que acabei de propor. As chances são de que nunca teremos de recorrer a essa medida extrema.

     — E se for necessário, Bob? E se for necessário?

     — Então teremos de fazê-lo.

     William Matthews encostou as palmas das mãos no rosto e esfregou os olhos cansados com as pontas dos dedos.

     — Santo Deus... não se deveria exigir de homem nenhum que desse ordens assim... Mas se não há outro jeito... Bob, pode dar a ordem.

    

     O Sol mal acabara de emergir do horizonte, a leste, por cima da costa holandesa. No convés de popa do cruzador Argyll, agora virado de lado para o ponto em que estava o Freya, o Major Fallon olhava para as três lanchas atracadas no costado. Estavam fora do campo de visão do vigia no alto da chaminé do Frey. E o vigia também não poderia ver a grande atividade nas lanchas, onde os homens de Fallon estavam preparando os caíques e aprontando os equipamentos pouco comuns. Era um amanhecer claro e ameno, contendo a promessa de outro dia quente e ensolarado. O mar estava sereno. Não demorou muito para que o comandante do Argyll, Capitão-de-Mar-e-Guerra Richard Preston, se juntasse a Fallon.

     Ficaram parados lado a lado, olhando para as três velozes lanchas que haviam trazido homens e equipamentos de Poole em oito horas. As lanchas balançavam na ondulação levantadas pela esteira de um navio de guerra que passou ali perto, para oeste. Fallon olhou.

     — Que navio é aquele? — indagou, sacudindo a cabeça na direção do navio, de guerra cinzento com a bandeira americana que se deslocava para o sul.

     — A Marinha americana decidiu mandar um observador — respondeu Preston. — Aquele é o Moran. Vai ficar entre nós e o Montcalm. — Olhou o relógio e acrescentou: — Sete e meia. O café da manhã já está sendo servido. Se quiser acompanhar-nos. será um prazer.

    

     Eram 7:50 quando bateram na porta do camarote do Capitão-de-Mar-e-Guerra Mike Manning, comandante do Moran.

     O navio estava ancorado depois de sua viagem através da noite, em que Manning ficara o tempo todo na ponte de comando. Agora, ele estava-se barbeando. Quando o telegrafista entrou, Manning pegou a mensagem que lhe foi estendida e deu uma olhada, ainda se barbeando. Parou abruptamente e virou-se para o marinheiro, dizendo:

     — Ainda está em código.

     — Isso mesmo, senhor. A mensagem foi classificada como sendo somente para os seus olhos, senhor.

     Manning dispensou o homem, foi até o cofre na parede e tirou seu decifrador pessoal. Era algo incomum, mas não sem precedentes. Começou a correr um lápis pelas colunas de números, procurando os grupos na mensagem a sua frente e as correspondentes combinações de letras. Quando terminou de decifrar, continuou sentado por um longo tempo, olhando para a mensagem. Tornou a verificar o início, na esperança de que a mensagem não passasse de uma brincadeira prática. Mas não era brincadeira. Era realmente para ele, transmitida através do Departamento da Marinha, em Washington. E era uma ordem presidencial, pessoal, diretamente para ele, do Comandante Supremo das Forças Armadas dos Estados Unidos, Casa Branca, Washington.

     — Ele não me pode pedir para fazer isso — murmurou Manning. — Nenhum homem pode pedir a um marinheiro para fazer uma coisa dessas.

     Mas a mensagem ordenava e era inequívoca:

     “No caso de o Governo da Alemanha Ocidental tentar libertar os seqüestradores de Berlim unilateralmente, o Moran deve afundar o superpetroleiro Freya por fogo de artilharia, recorrendo a todas as medidas possíveis para atear fogo à carga e reduzir assim os danos ao meio ambiente. Essa ação deverá ser desencadeada quando o Moran receber o sinal RAIO, repito, RAIO. Destrua esta mensagem.”

     Mike Manning tinha 43 anos, era casado, com quatro filhos, todos vivendo com a mãe nos arredores de Norfolk, Virgínia. Há 21 anos que era oficial da Marinha dos Estados Unidos e nunca antes pensara em contestar uma ordem recebida.

     Foi até a vigia e olhou através das cinco milhas que o separavam do navio à frente do Sol nascente. Pensou em seus projéteis à base de magnésio atingindo o casco desprotegido e penetrando até o volátil petróleo bruto que estava além. Pensou nos 29 homens presos no fundo do navio, 25 metros abaixo das ondas, num caixão de aço, esperando pela salvação, pensando em suas próprias famílias, nas florestas da Escandinávia. Amarrotou o papel em sua mão e murmurou:

     — Sr. Presidente, não sei se poderei fazer o que me está ordenando ...

    

                        08:00 às 15:00

     Dyetski Mir significa “Mundo das Crianças” e é a primeira loja de brinquedos de Moscou, quatro andares de bonecas e jogos, dos mais diversos brinquedos. Em comparação com uma loja equivalente do Ocidente, o espetáculo é pobre e o estoque reduzido. Mas é a melhor que a capital soviética possui, excetuando-se as lojas Beriozka de moedas fortes, freqüentadas basicamente por estrangeiros.

     Por uma ironia não intencional, fica no outro lado da Praça Dzerzhinsky, em frente ao quartel-general do KGB, que decididamente não é um mundo de crianças. Adam Munro estava no balcão do andar térreo pouco antes das 10 horas da manhã, horário de Moscou, duas horas a mais do que no Mar do Norte. Começou a examinar um urso de nylon, como se estivesse procurando decidir se deveria ou não comprá-lo para seu filho.

     Dois minutos depois das 10 horas, alguém se aproximou dele. Pelo canto dos olhos, Munro percebeu que Valentina estava extremamente pálida, os lábios normalmente cheios estavam retraídos, tensos, da cor de cinza de cigarro.

     Ela acenou com a cabeça. A voz soou tão baixa quanto a de Munro, em tom de conversa, indiferente:

     — Consegui ver a transcrição, Adam. É terrível.

     Valentina pegou uma marionete de mão, no formato de um pequeno macaco, com pêlo artificial, enquanto contava rapidamente tudo o que descobrira.

     — Mas é impossível! — murmurou Munro. — Ele ainda está convalescendo de um ataque cardíaco!

     — Não. Ele foi morto a tiro no dia 31 de outubro, no meio da noite, numa rua de Kiev.

     Duas vendedoras, encostadas na parede a seis ou sete metros de distância, olharam para os dois sem qualquer curiosidade e voltaram a se concentrar na conversa delas. Uma das poucas vantagens de se fazer compras em Moscou é que se tem a garantia de completa privacidade contra qualquer assistência dos vendedores.

     — E aqueles dois homens em Berlim são os assassinos? — indagou Munro.

     — É o que parece. O receio é de que eles escapem para Israel e dêem uma entrevista coletiva, infligindo uma humilhação insuportável à União Soviética.

     — O que certamente acarretaria a queda de Maxim Rudin — murmurou Munro. — Não é de admirar que ele se oponha tão tenazmente à libertação dos dois. Não pode permitir. Não lhe resta alternativa. E você, minha querida, está segura?

     — Não sei. Acho que não. Estão desconfiados. Ninguém falou nada, mas dá para perceber. Não vai demorar muito para que o operador da mesa telefônica informe sua chamada. E o porteiro do prédio vai informar que eu saí de carro em plena madrugada, inesperadamente. Vão juntar tudo e tirar conclusões.

     — Vou tirá-la daqui, Valentina. E o mais depressa possível. Nos próximos dias.

     Pela primeira vez, ela virou-se e encarou-o. Munro percebeu que os olhos dela estavam marejados de lágrimas.

     — Está acabado, Adam. Fiz o que me pediu e agora é tarde demais. — Valentina inclinou-se e beijou-o de leve, diante do olhar atônito das vendedoras. — Adeus, Adam, meu amor... Sinto muito...

     Ela virou-se, parou por um momento para recuperar o controle e depois afastou-se, passando pelas portas de vidro e saindo para a rua, tornando a passar pela abertura no Muro de Berlim para voltar ao Leste. Do lugar em que estava, segurando uma boneca de plástico, Munro viu-a chegar à calçada e desaparecer. Um homem numa capa cinza, que estava limpando o pára-brisa de um carro, empertigou-se, acenou com a cabeça para um colega dentro do carro e depois saiu atrás de Valentina.

     Adam Munro sentiu o desespero e a raiva subirem por sua garganta como uma bola de ácido pegajoso. Os barulhos da loja se atenuaram, enquanto um rugido insuportável invadia seus ouvidos. Apertou com toda a força a cabeça da boneca, esmagando, quebrando, despedaçando o rosto sorridente por baixo da touca rendada. Uma vendedora se aproximou rapidamente.

     — Quebrou a boneca e vai ter de pagar quatro rublos — disse ela.

    

     Em comparação com o turbilhão de atenção pública e dos meios de comunicação que se concentrou no Chanceler da Alemanha Ocidental na tarde anterior, as recriminações que se despejaram sobre Bonn na manhã de sábado foram mais como um furacão.

     O Ministério do Exterior recebeu um fluxo contínuo de solicitações, vazadas nos termos mais urgentes, das Embaixadas da Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamarca, França, Holanda e Bélgica, insistindo para que os respectivos embaixadores fossem recebidos imediatamente. Todos foram recebidos e todos formularam a mesma pergunta, na fraseologia cortês da diplomacia: que diabo está acontecendo?

     Os jornais e emissoras de rádio e televisão convocaram todos os repórteres e redatores que estavam de folga no fim-de-semana e tentaram dar ao assunto uma cobertura completa, o que não era fácil. Não havia fotografias do Freya desde o seqüestro, exceto as que tinham sido tiradas pelo fotógrafo freelance francês, que estava preso, com os filmes confiscados. Estavam em Paris, sendo examinadas. Havia ainda outras fotos que a imprensa ignorava, as que tinham sido tiradas pelos sucessivos Nimrods, que também estavam sendo enviadas ao Governo francês.

     Por falta de notícias, os jornais saíram à cata de tudo o que pudessem publicar. Dois empreendedores jornalistas ingleses subornaram empregados do Hotel Hilton de Rotterdam para que emprestassem seus uniformes e tentaram chegar à suíte em que Harry Wennerstrom e Lisa Larsen estavam hospedados.

     Outros procuraram antigos primeiros-ministros, altas autoridades e comandantes de petroleiros, para que dessem suas opiniões. Quantias excepcionais foram oferecidas às esposas dos tripulantes, quase todas já localizadas, para que posassem rezando pela salvação dos maridos.

     Um antigo comandante de mercenários ofereceu-se para atacar o Freya sozinho por 1.000.000 dólares. Quatro arcebispos e 17 parlamentares de variadas convicções e ambições ofereceram-se como reféns em troca do Comandante Larsen e sua tripulação.

     — Separadamente ou aos lotes? — comentou, rispidamente, Dietrich Busch, ao ser informado. — Gostaria é que William Matthews estivesse a bordo, ao invés de trinta bons marinheiros. Se fosse ele, eu esperaria até o Natal.

     Na metade da manhã, as insinuações feitas aos dois jornalistas alemães pelo porta-voz do Governo de Bonn estavam começando a surtir efeito. Os comentários que fizeram, pelo rádio e televisão alemães, foram divulgados para o resto do mundo pelas agências noticiosas e pelos correspondentes baseados na Alemanha. Começou a ganhar força o rumor de que Dietrich Busch tomara a decisão horas antes do amanhecer, sob intensa pressão americana.

     Bonn se negou a confirmar o rumor, mas também se recusou a desmenti-lo. O comportamento evasivo do porta-voz do Governo alemão era a própria confirmação que a imprensa procurava.

     Quando a manhã raiou sobre Washington, cinco horas depois da Europa, as atenções se desviaram para a Casa Branca. Por volta das seis horas da manhã, em Washington, os repórteres que cobriam a Casa Branca começaram a clamar por uma entrevista com o próprio Presidente Matthews. Tiveram de se satisfazer, o que não aconteceu, com um aflito e evasivo porta-voz oficial. Este mostrou-se evasivo simplesmente porque não sabia o que dizer; seus repelidos apelos ao Gabinete Oval trouxeram apenas instruções adicionais de que deveria dizer aos jornalistas que o problema era europeu e que os europeus deveriam agir como achassem melhor. O que jogava o problema de volta ao Chanceler alemão, que se sentia cada vez mais ultrajado.

     — Por quanto tempo mais uma situação dessas poderá resistir? — gritou William Matthews, cada vez mais abalado, empurrando para um lado o prato de ovos mexidos, pouco depois das seis horas da manhã, horário de Washington, olhando para seus assessores.

     A mesma pergunta estava sendo formulada, mas não respondida, em uma vintena de gabinetes pela América e Europa, naquela inquieta manhã de sábado.

     De seu gabinete no Texas, o dono do milhão de toneladas de petróleo bruto Mubarraq sob o convés do Freya estava telefonando para Washington.

     — Não me importa que horas são! — gritou ele para a secretária do diretor da campanha eleitoral do partido do Presidente Matthews. — Trate de chamá-lo e diga que é Clint Blake quem está querendo falar!

     Quando finalmente atendeu, o diretor da campanha não era um homem feliz. Ao desligar, estava na mais profunda depressão. Uma contribuição de 1.000.000 de dólares para uma campanha eleitoral não é pouca coisa em nenhum país, e a ameaça de Clint Blake de retirá-la do partido e transferir para a oposição não era nenhuma brincadeira.

     Para Clint Blake, parecia não ter a menor importância o fato de a carga estar totalmente segurada contra perdas eventuais pelo Lloyds. Naquela manhã, ele era um texano furioso.

     Harry Wennerstrom passou a maior parte da manhã ao telefone, falando de Rotterdam para Estocolmo, procurando todos os seus amigos e contatos nas esferas financeiras, de navegação e do governo, a fim de pedir que pressionassem o Primeiro-Ministro da Suécia. A pressão foi eficaz e não demorou muito a ser transferida para Bonn.

     Em Londres, o Presidente do Lloyds, Sir Murray Kelso, foi encontrar-se com o Subsecretário Permanente do Departamento do Meio Ambiente em seu gabinete em Whitehall. Sábado não é normalmente um dia em que os altos funcionários do serviço civil britânico podem ser encontrados em seus gabinetes. Mas aquele não era um sábado normal. Sir Rupert Mossbank voltara de carro às pressas de sua casa de campo, antes do amanhecer, quando Downing Street comunicara que Mishkin e Lazareff não mais seriam libertados. Ele indicou uma cadeira para o visitante.

     — Uma situação terrível — comentou Sir Murray.

     — Bastante desagradável — concordou Sir Rupert. Ofereceu uma xícara de chá ao visitante e os dois ficaram bebendo era silêncio por algum tempo, até que Sir Murray disse:

     — O problema é que as quantias envolvidas são realmente vultosas. Perto de um bilhão de dólares. Mesmo que os países vítimas do derramamento de petróleo decorrente da explosão do Freya decidam processar a Alemanha Ocidental e não a nós, ainda teremos de cobrir a perda do navio, carga e tripulação. O que dá cerca de quatrocentos milhões de dólares.

     — Uma quantia que podem perfeitamente cobrir, é claro — murmurou Sir Rupert, ansiosamente.

     — Claro que podemos. Aliás, não temos alternativa. O problema é que tal quantia inevitavelmente iria refletir-se nos lucros invisíveis do país. Provavelmente provocaria um desequilíbrio. E com essa nova solicitação de empréstimo ao FMI...

     — Trata-se na verdade de um problema alemão e não realmente nosso — comentou Sir Rupert.

     — Não obstante, sempre é possível pressionar um pouco os alemães. É claro que os seqüestradores são uns miseráveis. Mas, neste caso, não entendo por que simplesmente aqueles dois sujeitos não são soltos em Berlim, e que o diabo os carregue.

     — Deixe tudo comigo — disse Sir Rupert. — Verei o que posso fazer.

     Particularmente, ele sabia perfeitamente que nada poderia fazer. O relatório confidencial em seu cofre informava que o Major Fallon partiria de caíque para atacar o Freya dentro de 11 horas. Até lá, as ordens da Primeira-Ministra eram para que se agüentasse a situação de qualquer maneira.

     O Chanceler Dietrich Busch recebeu a notícia do planejado ataque submarino ao Freya na metade da manhã, numa entrevista pessoal com o Embaixador britânico. Ficou ligeiramente apaziguado.

     — Então era isso o que estavam planejando — murmurou ele, ao examinar os planos que lhe foram apresentados. — Mas por que não me informaram antes?

     — Não tínhamos certeza antes se poderia dar certo — respondeu o embaixador, suavemente, pois eram essas as suas instruções expressas. — Trabalhamos nesse plano durante toda a tarde de ontem e pela noite afora. Ao amanhecer, já tínhamos certeza de que era perfeitamente exeqüível.

     — Quais são as possibilidades de sucesso que estão prevendo? — indagou Dietrich Busch.

     O embaixador limpou a garganta.

     — Calculamos que as chances são de três a um em nosso favor. O Sol se põe às sete e meia. A escuridão é total às nove horas. Os homens vão partir às dez horas da noite.

     O Chanceler olhou o relógio. Faltavam 12 horas. Se os britânicos tentassem e conseguissem, uma boa parte do crédito seria para os seus homens-rãs; mas ele também mereceria algum, por ter resistido a todas as pressões. Se fracassassem, a responsabilidade seria exclusivamente deles.

     — O que significa que tudo agora depende desse Major Fallon. Está certo, Embaixador. Continuarei a cumprir a minha parte até dez horas da noite.

    

     Além de suas baterias de mísseis teleguiados, o Moran estava armado com dois canhões navais Mark 45, de cinco polegadas, um na proa, outro na popa. Eram do tipo mais moderno que existia, orientados por radar e controlados por computador.

     Cada canhão podia disparar 20 bombas em rápida sucessão, sem recarregar, a seqüência podendo ser predeterminada no computador.

     Há muito que já haviam passado os velhos tempos em que a munição dos canhões navais era retirada de paióis, levantada mecanicamente até as torres e enfiada na culatra por artilheiros suados. No Moran, a munição era selecionada pelo tipo e desempenho através do computador, sendo levada automaticamente para a torre do canhão, carregada, disparada, sem que houvesse qualquer intervenção de mão humana.

     O canhão era apontado para o alvo pelo radar. Os olhos invisíveis do navio procuravam o alvo de acordo com as instruções programadas, ajustavam-se de acordo com o vento, distância e movimento tanto do alvo como da plataforma de disparo. A partir do momento em que o alvo estava fixado, assim ficava até que houvesse novas ordens. O computador funcionava junto com os olhos do radar, absorvendo em frações de segundo qualquer deslocamento no próprio Moran, por menor que fosse, no alvo ou na força do vento. Depois do momento que os canhões estavam apontados, o alvo podia começar a se mexer, o Moran podia ir a qualquer parte não havia importância, pois as armas continuavam a fixar o lugar em que as bombas deveriam cair. O mar revolto poderia forçar o Moran a caturrar e galear, o alvo poderia balançar à vontade: não faria a menor diferença, pois o computador compensaria. Até mesmo o padrão em que as bombas iriam cair poderia ser predeterminado.

     Como apoio, o oficial-artilheiro podia observar o alvo visualmente, com a ajuda de uma câmara montada no tope, transmitindo novas instruções ao radar e ao computador, quando desejava mudar o alvo.

     O Comandante Mike Manning examinou o Freya do lugar em que estava parado, na amurada, numa concentração sombria. Quem quer que aconselhara o Presidente dos Estados Unidos deveria conhecer muito bem o problema. Os perigos para o meio ambiente da destruição do Freya decorriam do vazamento da carga de 1.000.000 de toneladas de petróleo bruto. Mas se a carga fosse incendiada enquanto ainda estivesse nos porões ou segundos depois da destruição do navio, certamente iria arder. Ou melhor, iria explodir.

     Normalmente, é muito difícil atear fogo ao petróleo bruto. Mas se é aquecido o bastante, inevitavelmente atinge um ponto máximo em que pega fogo. O petróleo bruto Mubarraq que o Freya transportava era o mais leve de todos os tipos. Disparando-se contra o casco massas de magnesio em chamas, a uma temperatura de mais de 1.000 graus centígrados, poder-se-ia incendiar facilmente o petróleo. Cerca de 90% da carga jamais chegariam ao oceano sob a forma de petróleo bruto; iriam transformar-se em chamas, formando uma bola de fogo com mais de 3.000 metros de altura.

     O que restaria da carga não teria maior importância, boiando na superfície do mar. No céu, haveria uma mortalha preta de fumaça, tão grande quanto a nuvem que certa ocasião pairara sobre Hiroxima. Nada restaria do navio propriamente dito, mas o problema do meio ambiente estaria reduzido a proporções passíveis de serem controladas. Manning chamou seu oficial-artilheiro, Capitão-Tenente Chuck Olsen, que foi encontrar-se com ele junto à amurada.

     — Quero que carregue e apronte o canhão de proa. — Olsen começou a anotar as ordens. — Armamento: três bombas de ruptura de blindagem, cinco bombas de magnésio, duas bombas de alto-explosivo. Total, dez. Repita a seqüência. Total, vinte.

     — Está anotado, senhor. Qual é o padrão de disparo?

     — Primeira bomba no alvo, segunda 200 metros adiante, terceira mais 200 metros adiante. Volte ao alvo e dispare as cinco bombas de magnésio a distâncias de quarenta metros. Depois, de novo no alvo com a primeira bomba de alto-explosivo, a outra 100 metros adiante.

     Olsen anotou o padrão de disparo determinado por seu comandante. Manning olhou pela amurada. A cinco milhas de distância, a proa do Freya estava diretamente apontada para o Moran. O padrão de disparo que ele determinara faria com que as bombas caíssem em linha reta da proa do Freya até a base da superestrutura, voltando em seguida para a proa e refazendo a sucessão até a superestrutura. As bombas de ruptura de blindagem abririam os tanques de petróleo como um bisturi cortando carne; as bombas de magnésio cairiam pelas aberturas no convés; as bombas explosivas arrancariam o petróleo bruto em chamas dos tanques de bombordo e estibordo.

     — Tudo anotado, Comandante. Qual o ponto de impacto da primeira bomba?

     — Dez metros além da proa do Freya.

     A caneta de Olsen ficou suspensa sobre o papel na prancheta. Começou a escrever, depois levantou os olhos para o Freya, a cinco milhas de distância.

     — Comandante, se fizer isso, o Freya não vai simplesmente afundar, não vai simplesmente se incendiar, não vai simplesmente explodir. Vai vaporizar-se.

     — São essas as minhas ordens, Mister Olsen — disse Manning, impassivelmente.

     O jovem sueco-americano a seu lado estava extremamente pálido.

     — Mas há trinta marinheiros escandinavos naquele navio!

     — Mister Olsen, estou perfeitamente a par de todos os fatos. Vai executar minhas ordens e aprontar o canhão ou comunicar-me formalmente que se recusa a obedecer?

     O oficial-artilheiro assumiu posição de sentido.

     — Vou preparar e carregar o canhão, Comandante Manning. Mas não vou dispará-lo. Se houver necessidade de apertar o botão de disparo, terá de fazê-lo pessoalmente.

     Olsen bateu continência e se afastou.

     “Não precisará fazê-lo”, pensou Manning, continuando junto à amurada. “Se o próprio Presidente me ordenar, vou disparar o canhão. E depois deixarei a Marinha.”

     Uma hora depois, o helicóptero do Argyll pairou por cima do Moran e um oficial da Marinha Real desceu pelo guincho para convés do navio americano. Pediu para falar com o Comandante Manning em particular e foi levado à cabine dele.

     — Saudações do Comandante Preston, senhor — disse o oficial, entregando a Manning uma carta do comandante inglês.

      Ao terminar de ler, Manning recostou-se como um homem que acabara de ser salvo da forca. A carta informava que os ingleses iriam enviar um grupo de homens-rãs armados às 10 horas daquela noite para atacar o Freya e todos os governos haviam concordado em não realizar nenhuma ação independente até lá.

     Enquanto os dois oficiais conversavam a bordo do Moran, o avião de passageiros que levava Adam Munro de volta ao Ocidente estava sobrevoando a fronteira soviético-polonesa.

     Da loja de brinquedos na Praça Dzerzhinsky, Munro fora para uma cabine telefônica e ligara para o Chefe da Chancelaria de sua embaixada. Dissera ao espantado diplomata, em linguagem codificada, que descobrira o que seus superiores estavam querendo saber, mas não voltaria à embaixada. Em vez disso, seguiria diretamente para o aeroporto, a fim de pegar o vôo do meio-dia.

     Depois que o diplomata comunicou ao Foreign Office e a notícia foi transmitida ao SIS, voltando a mensagem de que Adam Munro deveria passar a informação de Moscou mesmo, já era tarde demais. Naquele momento, Munro estava embarcando no avião.

     — Mas que diabo ele está querendo? — indagou Sir Nigel Irvine a Barry Ferndale no quartel-general do SIS, ao ser informado de que seu agente estava voltando para Londres.

     — Não tenho a menor idéia — respondeu o controlador da Seção Soviética. — Talvez Nightingale tenha sido descoberto e ele precisasse voltar com toda urgência, antes que estourasse o incidente diplomático. Devo ir esperá-lo?

     — A que horas ele vai chegar?

     — A 1:45, horário de Londres. Acho que devo ir esperá-lo. Ao que parece, ele tem a resposta que o Presidente Matthews está querendo. Para ser franco, estou curioso em descobrir o que é.

     — Também estou — disse Sir Nigel. — Pegue um carro com um telefone especial e mantenha-se em contato comigo pessoalmente.

    

     Quando faltavam 15 minutos para o meio-dia, Drake mandou que um dos seus homens fosse buscar o operador de bombas do Freya e levasse para a sala de controle no convés A. Deixando Thor Larsen sob a guarda de outro terrorista, Drake desceu para a sala de controle da carga, tirou os fuzíveis do bolso e tornou a colocá-los no lugar. As bombas de carga estavam outra vez em condições de funcionar.

    — O que você faz ao descarregar? — perguntou ele ao tripulante. — Ainda tenho uma submetralhadora apontada para seu comandante e mandarei que seja usada, se tentar enganar-me.

     — O sistema de oleoduto do navio termina em um único ponto, um conjunto de dutos que chamamos de coletor. As mangueiras de terra são acopladas ao coletor. Depois disso, as válvulas principais são abertas no coletor e o navio começa a bombear a carga.

     — Qual é o ritmo de descarga?

     — Vinte mil toneladas por hora. Durante a descarga, o equilíbrio do navio é mantido vazando-se diversos tanques, em pontos diferentes, simultaneamente.

     Drake já constatava que havia uma correnteza suave, de um nó, passando pelo Freya na direção nordeste, a caminho das Ilhas Frísias holandesas. Apontou para um tanque no meio do Freya, no lado de bombordo.

     — Abra a válvula desse tanque. — O operador de bombas hesitou por um segundo e depois obedeceu. Drake acrescentou: — Assim que eu der o aviso, ligue as bombas de descarga e esvazie todo o tanque.

     — Para o mar? — indagou o homem, incrédulo.

     — Para o mar — confirmou Drake, sombriamente. — O Chanceler Busch vai descobrir muito em breve o que realmente significa pressão internacional.

     Enquanto os minutos se arrastavam a caminho do meio-dia de sábado, 2 de abril, a Europa prendeu a respiração. Até aquele momento, pelo que todos sabiam, os terroristas já haviam executado um marinheiro, porque tinham invadido o espaço aéreo por cima do Freya. E haviam ameaçado executar outro ou despejar petróleo bruto no mar, à última badalada do meio-dia.

     O Nimrod que substituíra o aparelho do Líder de Esquadrilha Latham à meia-noite anterior ficou sem combustível por volta das 11 horas da manhã. Assim, Latham estava de volta a seu posto 5.000 metros acima do petroleiro, as câmaras em ação, enquanto iam-se escoando os minutos que faltavam para o meio-dia.

     Muitos quilômetros acima dele, um satélite-espião Condor transmitia um fluxo contínuo de imagens através do globo, até o ponto em que um ansioso Presidente dos Estados Unidos estava sentado diante de uma tela de TV, no Gabinete Oval. O Freya apareceu na tela, balançando suavemente, como um dedo acusador.

     Em Londres, altas autoridades estavam reunidas em torno de uma tela na Sala de Informações do Gabinete, na qual aparecia o que o Nimrod estava vendo. O Nimrod começara a fotografar o Freya continuamente, a partir de cinco minutos para o meio-dia, as imagens sendo transmitidas para o Datalink do Argyll e de lá para Whitehall.

     Nas amuradas do Montcalm, Breda, Brunner, Argyll e Moran, marinheiros de cinco nações passavam binóculos de mão em mão. Os oficiais estavam nas posições mais elevadas que podiam conseguir, observando o petroleiro através de lunetas.

     No Serviço Internacional da BBC, o Big Ben anunciou o meio-dia. Na Sala de Informações do Gabinete, a 200 metros do Big Ben e dois andares abaixo da rua, alguém gritou:

     — Santo Deus! Estão derramando o petróleo!

     A 5.000 quilômetros de distância, quatro americanos em mangas de camisa, no Gabinete Oval, observavam o mesmo espetáculo.

     Do meio do costado do Freya, no lado de bombordo, irrompeu uma coluna de petróleo bruto, pegajoso, um ocre avermelhado.

     Era bastante espesso. Impelido pela força das poderosas bombas do Freya, o petróleo pulou sobre a amurada de bombordo, desceu por oito metros e caiu ruidosamente no mar. Em poucos segundos, as águas azul-esverdeadas estavam descoloridas, poluídas. Enquanto o petróleo borbulhava de volta à superfície, uma mancha começou a se espalhar, afastando-se do costado do navio, levada pela correnteza.

     O despejo prolongou-se por 60 minutos, até que aquele único tanque ficou vazio. A mancha imensa assumiu o formato de um ovo, mais larga na direção da costa holandesa e afinando perto do navio. Finalmente a massa de petróleo afastou-se do costado do Freya, impelida pela correnteza. Como o mar estava sereno, a mancha de petróleo permaneceu inteira, mas começou a se expandir pela superfície. Às duas horas da tarde, uma hora depois que o despejo terminou, a mancha tinha 15 quilômetros de comprimento e 11 quilômetros de extensão na parte mais larga.

     Em Washington, o Condor transmitiu o movimento da mancha de petróleo para a tela de TV no Gabinete Oval. Stanislaw Poklewski levantou-se e foi desligar o receptor.

     — E isso é apenas um cinqüenta avós do que o navio transporta — comentou ele. — Os europeus vão ficar furiosos.

     Robert Benson atendeu um telefonema e depois virou-se para o Presidente Matthews, informando:

     — Londres acaba de se comunicar com Langley. O homem deles em Moscou informou que já tem a resposta para nossa pergunta. Ele afirma que sabe por que Maxim Rudin está ameaçando renegar o Tratado de Dublin, se Mishkin e Lazareff forem soltos. Está indo de avião de Moscou para Londres, a fim de transmitir a informação pessoalmente. Deverá chegar a Londres dentro de uma hora.

     Matthews deu de ombros.

     — Com a ação desse tal de Major Fallon, atacando o Freya com seus mergulhadores dentro de nove horas, talvez isso já não tenha mais qualquer importância. Mesmo assim, estou bastante interessado em descobrir a explicação para a estranha reação de Rudin.

     — O agente vai passar a informação a Sir Nigel Irvine, que a transmitirá à Sra. Carpenter — disse Benson. — Talvez possa pedir a ela para usar a linha quente e informá-lo no momento em que souber.

     — É o que farei — decidiu o Presidente.

    Passava um pouco das oito horas da manhã em Washington, mas já era mais de uma hora da tarde quando Andrew Drake, que ficara calado e pensativo enquanto o petróleo estava sendo despejado no mar, decidiu entrar novamente em contato com as autoridades.

      Vinte minutos depois de uma hora, o Comandante Thor Larsen estava novamente falando com o Controle do Maas, ao qual pediu que o ligasse imediatamente com o Primeiro-Ministro holandês, Jan Grayling. A transferência da ligação para Haia foi imediatamente providenciada, pois havia sido prevista a possibilidade de que Grayling poderia ter uma oportunidade, mais cedo ou mais tarde, de falar pessoalmente com o líder dos terroristas, fazendo um apelo por negociações, em nome da Holanda e da Alemanha.

     — Estou escutando, Comandante Larsen — disse o holandês ao norueguês em inglês. — É Jan Grayling quem está falando.

     — Primeiro-Ministro, deve ter visto as vinte mil toneladas de petróleo bruto que foram despejadas do meu navio — disse Larsen, o cano da arma a um dedo de seu ouvido.

     — Vi, sim, com profundo pesar.

     — O líder dos guerrilheiros propõe uma conferência.

     A voz do comandante trovejava no gabinete de Grayling em Haia. Ele olhou para os dois assessores que estavam à sua frente. Os carretéis do gravador giravam impassivelmente.

     — Entendo — murmurou Grayling, que absolutamente não entendia, mas desejava apenas ganhar tempo. — Que tipo de conferência?

     — Uma conferência pessoal com os representantes das nações costeiras e outras partes interessadas — disse Larsen, lendo o papel a sua frente.

     Jan Grayling pôs a mão sobre o microfone e disse, muito excitado:

     — O filho da mãe está querendo conversar! — Tirando a mão, ele disse ao microfone: — Em nome do Governo holandês, aceito promover essa reunião. Por favor, comunique minha decisão ao líder dos guerrilheiros.

     Na cabine de comando do Freya, Drake sacudiu a cabeça e pôs a mão sobre o microfone. Teve uma discussão apressada com Larsen, que finalmente disse pelo microfone:

     — O encontro não será em terra, mas sim no mar. Como se chama o cruzador britânico?

     — Argyll — respondeu Grayling.

     — O navio dispõe de um helicóptero — disse Larsen, por determinação de Drake. — A reunião será a bordo do Argyll. Às três horas da tarde. Deverá estar presente, Primeiro-Ministro, assim como o Embaixador alemão e os comandantes dos cinco navios de guerra que cercam o Freya. E ninguém mais.

     — Está certo — disse Grayling. — O líder dos guerrilheiros comparecerá pessoalmente? Se for, preciso consultar os ingleses sobre a garantia de um salvo-conduto.

     Houve silêncio na ligação, enquanto outra discussão apressada se realizava na cabine de comando do Freya. Um momento depois, a voz do Comandante Larsen tornou a soar em Haia:

     — Não, o líder não vai comparecer. Enviará um representante. Cinco minutos antes das três horas, o helicóptero do Argyll terá permissão de pairar sobre o heliporto do Freya. Não haverá soldados nem fuzileiros no helicóptero. Somente poderão estar no aparelho o piloto e o operador do guincho, ambos desarmados. A cena será atentamente observada da cabine de comando. Não poderá haver câmaras no helicóptero. O operador do guincho baixará um arreio e o emissário será içado do convés e levado para o Argyll. Entendido?

     — Perfeitamente — disse Grayling. — Posso perguntar quem será o emissário?

     — Um momento, por favor.

     Houve novamente silêncio na ligação. No Freya, Larsen virou-se para Drake e perguntou:

     — Se não vai pessoalmente, Sr. Svoboda, quem pretende enviar?

     Drake sorriu.

     — Você mesmo. Irá representar-me. É a pessoa mais indicada para convencê-los de que não estou brincando em relação ao navio, tripulação e carga. E que minha paciência está-se esgotando rapidamente.

     A voz de Larsen voltou a soar em Haia:

     — Fui informado de que serei eu.

     A ligação foi bruscamente interrompida. Jan Grayling olhou o relógio.

     — Uma hora e quarenta e cinco. Temos setenta e cinco minutos para preparar tudo. Peçam a Konrad Vossa para vir até aqui. Preparem um helicóptero para decolar do ponto mais próximo daqui que seja possível. E quero também uma ligação com a Sra. Carpenter, em Londres.

     Ele mal acabara de falar quando sua secretária particular informou que havia uma ligação de Harry Wennerstrom. O velho milionário, em sua suíte no Hilton de Rotterdam, providenciara um potente receptor de rádio durante a noite e determinara uma escuta permanente no Canal 20.

     — Vai seguir para o Argyll de helicóptero — disse ele, sem qualquer preâmbulo. — Eu ficaria profundamente grato se levasse a Sra. Lisa Larsen junto.

     — Não sei...

     — Pelo amor de Deus, homem! — trovejou o sueco. — Os terroristas jamais saberão! E se acontecer o pior, pode ser a última vez em que ela verá o marido!

     — Mande-a para cá dentro de quarenta minutos — decidiu Grayling. — Partiremos às duas e meia.

     A conversa no Canal 20 fora ouvida por todas as redes de serviços de informações secretas e pelos meios de comunicação. Eram inúmeras as ligações entre Rotterdam e nove capitais européias. A Agência de Segurança Nacional, em Washington, recebia uma transcrição da conversa pelo teletipo da Casa Branca, para o Presidente Matthews. Um assessor estava rapidamente atravessando o gramado que separava o prédio do Gabinete de Downing Street, 10, levando uma transcrição para a Sra. Carpenter. O Embaixador israelense em Bonn estava solicitando insistentemente ao Chanceler Busch para que se verificasse com o Comandante Larsen, a pedido do Primeiro-Ministro Golen, se os terroristas eram ou não judeus. O Chefe do Governo alemão prometeu que a indagação seria feita.

     Os jornais vespertinos, assim como as emissoras de televisão e rádio de toda a Europa, suspenderam as manchetes já preparadas para as edições das cinco horas da tarde. Foram dados telefonemas frenéticos a quatro Ministérios da Marinha, solicitando relatórios completos da reunião, se e quando ocorresse.

     No momento em que Jan Grayling desligava o telefone, depois da conversa com Thor Larsen, o jato que trazia Adam Munro de Moscou pousava na pista Zero Um, do Aeroporto Heathrow, em Londres.

     O passe do Foreign Office de Barry Ferndale levou-o até a escada do avião. Assim que Munro desembarcou, visivelmente extenuado, Ferndale levou-o para o banco de trás do carro. Era um carro melhor do que os outros que a Firma normalmente usava, com uma tela separando motorista e passageiros e um telefone ligado com o quartel-general.

     Enquanto passavam pelo túnel, deixando a área do aeroporto e seguindo para a auto-estrada M4, Ferndale rompeu o silêncio.

     — Uma viagem árdua, meu caro...

     Ele não se estava referindo à viagem de avião.

     — Desastrosa — murmurou Munro. — Acho que Nightingale foi descoberto. Tenho certeza de que estava sendo seguido pela Oposição. É.possível que, a esta altura, já tenha sido preso.

     Ferndale deixou escapar um murmúrio de simpatia.

     — Um azar terrível. É sempre terrível perder um agente. Um transtorno lamentável. Também perdi os meus. Um deles morreu da forma mais desagradável possível. Mas esse é o ofício em que estamos, Adam. Faz parte do que Kipling chamou de Grande Jogo.

      — Só que não estamos num jogo. E o que o KGB fará com Nightingale não será nenhuma brincadeira.

     — Claro que não. Lamento muito. Não deveria ter feito o comentário. — Ferndale fez uma pausa, expectante, enquanto o carro entrava no fluxo de tráfego da M4. — Mas conseguiu obter a resposta para nossas questões, conseguiu descobrir por que Rudin está-se opondo tão patologicamente à libertação de Mishkin e Lazareff.

     — A resposta para a pergunta da Sra. Carpenter... — murmurou Munro, sombriamente. — É verdade, eu a descobri.

     — E qual é?

     — Ela perguntou, ela terá a resposta. Espero que goste. Custou uma vida encontrar essa resposta.

     — Talvez não esteja adotando uma atitude das mais sensatas, meu caro Adam. Não pode simplesmente entrar sem mais aquela no gabinete da Primeira-Ministra. Até mesmo o Mestre tem de marcar uma entrevista com antecedência.

     — Então peço ao Mestre para marcar uma entrevista — disse Munro, apontando para o telefone.

     — Infelizmente, é o que terei mesmo de fazer, meu caro Adam.

     Era lamentável, pensou Ferndale, ver um homem talentoso liquidar sua carreira daquele jeito. Mas era evidente que Adam Munro chegara ao limite de sua resistência. Ferndale não pretendia ficar no caminho dele. O Mestre dissera-lhe que permanecesse em contato e foi exatamente isso o que fez.

     Dez minutos depois, a Sra. Joan Carpenter escutou atentamente o que Sir Nigel Irvine lhe disse pelo telefone de segurança e depois indagou:

     — Quer dizer que ele quer dar-me a resposta pessoalmente, Sir Nigel? Isso não é um tanto irregular?

     — Extremamente, Madame. Na verdade, é sem precedentes. Receio que isso signifique que o Sr. Munro e o Serviço estão prestes a se separar. Mas a não ser encarregando os especialistas de lhe arrancarem a informação, não tenho meios de obrigá-lo a me contar. Compreendo a posição dele. Perdeu um agente, de quem aparentemente se tornou amigo pessoal ao longo dos últimos nove meses, e está chegando ao fim de sua resistência.

     Joan Carpenter ficou pensando por algum tempo.

     — Lamento profundamente ter sido a causa de tanto sofrimento — disse ela, finalmente. — E gostaria de pedir desculpas ao Sr. Munro pelo que lhe pedi para fazer. Por favor, peça ao motorista para trazê-lo a Downing Street. E venha também para cá, imediatamente.

     A ligação foi interrompida. Sir Nigel Irvine ficou olhando para o fone por algum tempo. Essa mulher nunca cessa de me surpreender, pensou ele. Muito bem, Adam, está querendo o seu momento de glória; pois irá tê-lo. Mas será o seu último, meu filho. Depois disso, terá de procurar novas pastagens. Não podemos ter prima-donas no Serviço.

     Ao descer para pegar seu carro, Sir Nigel ia refletindo que a explicação, por mais interessante que pudesse ser, era agora acadêmica ou em breve o seria. Dentro de sete horas, o Major Simon Fallon iria abordar o Freya, junto com três companheiros, e liquidar os terroristas. Depois disso, Mishkin e Lazareff poderiam ficar onde estavam por mais 15 anos.

    

     Às duas horas, já no camarote do comandante do Freya, Drake inclinou-se para a frente e disse a Thor Larsen:

     — Provavelmente está-se perguntando por que decidi realizar a reunião a bordo do Argyll. Sei que, assim que chegar lá, vai contar quem somos e quantos somos. Vai revelar quais são as armas de que dispomos e onde as cargas estão colocadas. Mas preste muita atenção agora, pois vou dizer-lhe o que também deverá contar, se quer salvar sua tripulação e seu navio da destruição.

     Ele falou durante cerca de 30 minutos. Thor Larsen ficou escutando, impassivelmente, absorvendo as palavras e suas implicações. Quando Drake terminou, o Comandante norueguês disse:

     — Vou contar-lhes tudo. Mas não para salvar sua pele, Sr. Svoboda, mas porque não posso permitir que mate minha tripulação e destrua meu navio.

     Houve um zumbido no aparelho de intercomunicação do camarote à prova de som. Drake foi atender e depois olhou pelas janelas para o castelo de proa distante. Lentamente, cautelosamente, o helicóptero Wessex do Argyll estava-se aproximando do petroleiro, as insígnias dos Fuzileiros Reais bem visíveis no flanco.

     Cinco minutos depois, sob os olhos das câmaras que transmitiam as imagens pelo mundo inteiro, observado por homens e mulheres em centenas de lugares, alguns a milhares de quilômetros de distância, o Comandante Thor Larsen, o homem que comandava o maior navio já construído em todo o mundo, saiu da superestrutura para o convés aberto. Insistira em vestir a calça preta e o casaco de comandante da Marinha Mercante, com os quatro aros dourados que indicavam o posto, por cima do suéter branco. Na cabeça, tinha o quepe com o emblema de capacete de viking da Linha Nordia. Empinando os ombros largos, ele iniciou a longa e solitária caminhada pelo vasto convés do seu navio, na direção do lugar em que o cabo e o arreio pendiam do helicóptero pairando no ar, a cerca de meio quilômetro de distância.

    

                        15:00 às 20:00

     A limusine pessoal de Sir Nigel Irvine, levando Barry Ferndale e Adam Munro, chegou a Downing Street, 10, alguns segundos antes das três horas. Quando os dois foram introduzidos na ante-sala do gabinete da Primeira-Ministra, Sir Nigel já estava ali. Ele cumprimentou Munro friamente, dizendo:

     — Espero que sua insistência em transmitir seu relatório pessoalmente à Primeira-Ministra valha todo o esforço que fizemos.

     — Acho que valerá, Sir Nigel — respondeu Munro.

     O Diretor-Geral do SIS contemplou seu subordinado com uma expressão irônica. O homem estava visivelmente exausto e acabara de sofrer um forte impacto com o caso de Nightingale. Mesmo assim, isso não era desculpa para a quebra da disciplina. A porta para o gabinete particular da Primeira-Ministra se abriu e Sir Julian Flannery apareceu.

     — Entrem, senhores — disse ele.

     Adam Munro nunca antes se encontrara pessoalmente com a Primeira-Ministra. Apesar de não dormir há dois dias, ela parecia tranqüila e cheia de vitalidade. Cumprimentou Sir Nigel primeiro e depois apertou as mãos dos dois homens que ainda não conhecia pessoalmente, Barry Ferndale e Adam Munro.

     — Sr. Munro — disse ela — permita que lhe apresente, antes de mais nada, meu profundo pesar por ter-lhe causado tanto risco pessoal e a possível descoberta de seu agente em Moscou. Não tinha o menor desejo de fazê-lo, mas a resposta à questão formulada pelo Presidente Matthews era realmente de importância internacional. E gostaria de ressaltar que não uso essa expressão à toa.

   — Obrigado por dizer isso, Madame — murmurou Munro. Ela explicou que, naquele momento mesmo, o Comandante do Freya, Thor Larsen, estava desembarcando no convés do cruzador Argyll para uma reunião; e às 10 horas daquela noite, um grupo de homens-rãs do SEM ia atacar o petroleiro, numa tentativa de liquidar os terroristas e seu detonador.

     — Se esses comandos forem bem-sucedidos, Madame — disse Munro, incisivamente — então o seqüestro estará terminado, os dois prisioneiros em Berlim continuarão onde estão, e a provável descoberta de meu agente terá sido em vão.

     A Primeira-Ministra Carpenter teve a decência de assumir urna expressão constrangida.

     — Posso apenas repetir o meu pedido de desculpas, Sr. Munro. O plano de atacar o Freya só foi formulado esta madrugada oito horas depois que Maxim Rudin apresentou seu ultimato ao Presidente Matthews. A essa altura, já lhe havia sido pedido que fosse consultado Nightingale. Era impossível revogar o pedido.

     Sir Julian entrou na sala e disse à Primeira-Ministra:

     — A transmissão já vai começar, Madame.

     A Primeira-Ministra convidou os três visitantes a sentar-se. No canto da sala havia um alto-falante, os fios levando a uma ante-sala contígua.

     — Senhores, a reunião no Argyll está começando. Vamos escutar o que se passa e depois o Sr. Munro nos poderá informar o motivo do insólito ultimato de Maxim Rudin.

    

     No momento em que Thor Larsen se desvencilhou dos arreios no convés de popa do Argyll, depois de uma estonteante viagem de oito quilômetros dependurado do Wessex, o rugido dos motores acima dele foram entremeados pelos apitos estridentes de boas-vindas do contramestre.

     O comandante do Argyll adiantou-se, bateu continência e estendeu a mão, dizendo:

     — Richard Preston.

     Larsen retribuiu a continência e apertou-lhe a mão.

     — Seja bem-vindo a bordo, Comandante — disse Preston.

     — Obrigado.

     — Não gostaria de descer para o salão dos oficiais?

     Os dois comandantes desceram para a maior cabine do cruzador, o salão dos oficiais. Ali, o Comandante Preston fez as apresentações formais:

     — O Excelentíssimo Sr. Jan Grayling, Primeiro-Ministro da Holanda. Creio que já se falaram pelo telefone... O Excelentíssimo Sr. Konrad Voss, Embaixador da República Federal da Alemanha... Comandante Desmoulins, da Marinha francesa; de Jong, da Marinha holandesa, Hasselmann, da Marinha alemã, e Manning, da Marinha americana.

     Mike Manning estendeu a mão e fitou nos olhos o norueguês barbado.

     — Prazer em conhecê-lo, Comandante.

     As palavras pareciam arranhar sua garganta. Thor Larsen fitou-o nos olhos por uma fração de segundo a mais do que aos outros comandantes. O Comandante Preston acrescentou:

     — E, finalmente, quero apresentá-lo ao Major Simon Fallon, dos comandos dos Fuzileiros Reais.

     Larsen olhou para o fuzileiro baixo e corpulento, que lhe apertava a mão com firmeza. No final das contas, pensou ele, Svoboda estava certo.

     A convite do Comandante Preston, todos se sentaram em torno da ampla mesa de jantar.

     — Comandante Larsen, quero deixar bem claro, antes de começarmos, que nossa conversa será gravada e está sendo diretamente transmitida para Whitehall, onde a Primeira-Ministra está na escuta.

     Larsen assentiu. Seu olhar a todo instante se desviava para o americano. Todos os outros fitavam-no com interesse, mas os olhos do oficial da Marinha americana estavam sobre a mesa de mogno.

     — Antes de começarmos, posso oferecer-lhe alguma coisa? — indagou Preston. — Aceita um drinque? Comida? Chá ou café?

     — Apenas um café, obrigado. Puro, sem açúcar.

     O Comandante Preston acenou com a cabeça para um taifeiro junto à porta, que desapareceu no mesmo instante.

     — Foi combinado que, para começar, devo indagar sobre a questão que interessa e preocupa a todos os nossos governos — continuou o Comandante Preston. — O Sr. Grayling e o Sr. Voss concordaram com isso. É claro que qualquer um pode formular alguma pergunta que eu por acaso esqueça. Em primeiro lugar, Comandante Larsen, poderia contar-nos o que aconteceu na madrugada do dia de ontem?

     Tudo começara ontem apenas, pensou Larsen. Isso mesmo, às três horas da madrugada de sexta-feira; e agora passavam cinco minutos das três horas da tarde de sábado. Apenas 36 horas, mas parecia ter sido uma semana.

     Rapidamente, objetivamente, ele descreveu a captura do Freya durante a madrugada, como os atacantes haviam abordado o navio sem a menor dificuldade, trancando a tripulação na sala de tintas.

     — Quer dizer que são sete terroristas? — indagou o major dos fuzileiros navais. — Tem certeza de que não são mais?

     — Certeza absoluta — respondeu Larsen. — São apenas sete.

     — E sabe quem são? — indagou Preston. — Judeus? Árabes? Brigadas Vermelhas?

     Larsen olhou espantado para os rostos a seu redor. Tinha esquecido que, fora do Freya, ninguém sabia quem eram os seqüestradores.

     — São ucranianos. Nacionalistas ucranianos. O líder se intitula simplesmente de Svoboda. Disse que a palavra significa “liberdade” em ucraniano. Falam sempre entre si numa língua que não conheço e que deve ser ucraniano. Que é uma língua eslava, não tenho a menor dúvida.

     — Então por que diabo eles estão querendo a libertação de dois judeus russos de Berlim? — indagou Jan Grayling, exasperado.

     — Não sei — respondeu Larsen. — O líder afirma que são seus amigos.

     — Um momento, por gentileza — disse o Embaixador Voss. — Todos ficamos impressionados pelo fato de Mishkin e Lazareff serem judeus e quererem ir para Israel. Mas ambos vêm da Ucrânia, da cidade de Lvov. Não ocorreu a meu governo que poderiam ser também guerrilheiros ucranianos.

     — Por que eles acham que a libertação de Mishkin e Lazareff poderá ajudar a causa nacionalista ucraniana? — indagou Preston.

     — Não sei. Svoboda não explicou. Perguntei a ele. Parecia prestes a contar, mas depois mudou de idéia. Disse apenas que a libertação desses dois homens causaria um golpe tão forte no Kremlin que poderia desencadear um amplo levante popular.

     Houve uma expressão de total incompreensão nos rostos dos homens em torno da mesa. As perguntas finais, sobre a disposição do navio, o lugar em que Svoboda e Larsen estavam, a colocação dos terroristas, levaram mais 10 minutos. O Comandante Preston finalmente olhou ao redor, para os outros comandantes e representantes da Holanda e Alemanha. Os homens assentiram. Preston inclinou-se para a frente.

     — Agora, Comandante Larsen, vamos contar-lhe o que estamos planejando. Esta noite, o Major Fallon e um grupo de homens vão aproximar-se do Freya por baixo d’água, escalar o costado e liquidar Svoboda e seus homens.

     Ele recostou-se na cadeira, para observar o efeito. Thor Larsen disse bem devagar:

     — Não, eles não vão fazer isso...

     — Como?

     — Não haverá nenhum ataque submarino, a menos que desejem ver o Freya explodido e afundado. Foi para dizer-lhes isso que Svoboda me enviou até aqui.

     O Comandante Larsen transmitiu a mensagem que Svoboda enviava para o Ocidente. Antes do pôr-do-sol, todos os refletores do Freya seriam acesos. O homem no castelo de proa seria retirado.

     Todo o convés anterior, da proa à base da superestrutura, ficaria banhado em luz.

     Todas as portas da superestrutura que davam para o exterior seriam fechadas e trancadas por dentro. Toda porta interior seria igualmente trancada, para impedir o acesso por uma janela.

     O próprio Svoboda, com seu detonador, ficaria no interior da superestrutura, indo ocupar uma entre as cinqüenta e tantas cabines. Todas as luzes em todas as cabines seriam apagadas, as cortinas fechadas.

     Um terrorista permaneceria na cabine de comando, em contato por walkie-talkie com o homem no alto da chaminé. Os outros quatro homens patrulhariam incessantemente toda a área da popa do Freya, vasculhando o mar com lanternas potentes. Ao primeiro sinal de uma trilha de borbulhas ou de alguém subindo pelo costado, o terrorista dispararia um tiro. O homem no alto da chaminé avisaria o companheiro na cabine de comando, o qual imediatamente daria um sinal pelo telefone para Svoboda, na cabine em que este estivesse escondido. Essa linha telefônica ficaria aberta durante a noite inteira. Ao ouvir a palavra de alarme, Svoboda apertaria o botão vermelho.

     Quando ele terminou de falar, houve um silêncio profundo ao redor da mesa. Foi rompido pelo Comandante Preston, que murmurou, furioso:

     — Filhos da mãe...

     Todos os olhos se desviaram para o Major Fallon, que fitava Larsen impassivelmente.

     — E então, Major? — indagou Grayling.

     — Podemos abordar o navio pela proa — sugeriu Fallon.

     Larsen sacudiu a cabeça.

     — O vigia na cabine de comando iria vê-los, com todos os refletores acesos. Não conseguiriam chegar à metade do convés de proa.

     — De qualquer maneira, ainda poderemos instalar uma armadilha na lancha deles — disse Fallon.

     — Svoboda também pensou nisso. Vão levar a lancha para a popa, onde ficará sob a constante vigia dos terroristas que lá estiverem patrulhando.

     Fallon deu de ombros.

     — Nesse caso, só nos resta um ataque frontal. Sairemos da água atirando, usando mais homens, escalando o costado à força, arrombando uma porta, revistando cabine por cabine.

     — Não terá a menor possibilidade — disse Larsen, firmemente. — Antes de chegarem à amurada, Svoboda já terá sido informado e apertará o botão vermelho.

     — Infelizmente, tenho de concordar com o Comandante Larsen — declarou Jan Grayling. — O Governo holandês não concordaria com uma missão suicida.

     — Nem o Governo alemão ocidental — disse Voss.

     Fallon tentou um último recurso.

     — Não passa muito tempo a sós com o líder dos terroristas Comandante Larsen? Poderia matá-lo?

     — Eu o mataria com o maior prazer — disse Larsen. — Mas se está pensando em me dar uma arma, nem precisa incomodar-se. Ao voltar, serei meticulosamente revistado, fora do alcance de Svoboda. Se for encontrada alguma arma, outro dos meus marinheiros será executado. Não vou levar coisa alguma de volta para o Freya. Nem armas nem veneno.

     — Creio que não há a menor possibilidade, Major Fallon — disse o Comandante Preston, suavemente. — A opção dura não vai dar certo. — Levantou-se e acrescentou: — Senhores, antes que haja mais perguntas ao Comandante Larsen, eu gostaria de dizer que, infelizmente, não há muito que possamos fazer. Todas as informações que recebemos devem agora ser transmitidas aos governos envolvidos. Comandante Larsen, muito obrigado por seu tempo e paciência. Na minha cabine, há uma pessoa que gostaria de falar-lhe.

     Thor Larsen deixou o salão dos oficiais levado por um taifeiro. Mike Manning ficou observando-o retirar-se com uma profunda angústia. A anulação do plano de ataque do Major Fallon tornava bem possível a execução da ordem terrível que recebera de Washington naquela manhã.

     O taifeiro levou o comandante norueguês até a porta dos alojamentos pessoais de Preston. Lisa Larsen levantou-se da beira da cama em que estava sentada, olhando pela vigia para os contornos distantes do Freya.

     — Thor...

     Larsen fechou a porta. Depois abriu os braços e envolveu a mulher que corria em sua direção.

     — Olá, minha querida...

    

     No gabinete particular da Primeira-Ministra Carpenter, em Downing Street, 10, a transmissão do Argyll foi desligada.

     — Oh, diabo! — exclamou Sir Nigel, expressando as opiniões de todos.

     A Primeira-Ministra virou-se para Munro.

     — Agora, Sr. Munro, parece que sua informação já não é mais tão acadêmica. Se a explicação puder ajudar, sob alguma forma, a resolver o impasse, os riscos que correu não terão sido em vão. Poderia contar-nos sucintamente, por que Maxim Rudin está se comportando de maneira tão insólita?

     — Como todos sabemos, Madame, a supremacia dele no Politburo está por um fio, o que já vem acontecendo há vários meses...

     — Mas o problema certamente está relacionado com as concessões nos armamentos feitas aos americanos — disse a Sra. Carpenter. — É esse o motivo pelo qual Vishnayev deseja derrubá-lo.

     — Madame, Yefrem Vishnayev fez seu lance para conquistar o poder supremo na União Soviética e não pode mais recuar. Está determinado a derrubar Rudin da maneira que for possível. Se não o conseguir, Rudin inevitavelmente irá destruí-lo, em oito dias depois da assinatura do Tratado de Dublin. Os dois prisioneiros em Berlim podem fornecer a Vishnayev o instrumento que ele precisa para fazer com que mais um ou dois membros do Politburo mudem de lado, juntando-se à facção dos gaviões.

     — Como assim? — indagou Sir Nigel.

     — Simplesmente falando. Chegando a Israel e dando uma entrevista coletiva à imprensa internacional. Infligindo à União Soviética uma terrível humilhação pública e internacional.

     — Por terem matado um comandante de avião de quem nunca ninguém tinha ouvido falar antes? — indagou a Primeira-Ministra.

     — Não, não por isso. A morte do Comandante Rudenko no avião foi de fato um acidente. A fuga para o Ocidente dos dois homens era indispensável, para que pudessem dar a divulgação mundial ao crime que realmente cometeram. Na noite de 31 de outubro do ano passado, Madame, numa rua de Kiev, Mishkin e Lazareff assassinaram Yuri Ivanenko, o chefe do KGB.

     Sir Nigel Irvine e Barry Ferndale se empertigaram abruptamente, como que impelidos por uma mola.

     — Então foi isso o que aconteceu com ele — murmurou Ferndale, o experto em assuntos soviéticos. — Pensei que tivesse caído em desgraça.

     — Não caiu em desgraça mas sim numa sepultura — disse Munro. — É claro que o Politburo sabe o que realmente aconteceu. Pelo menos um homem da facção de Rudin, talvez dois, ameaçou mudar de lado, se os assassinos escaparem impunes e infligirem uma humilhação à União Soviética.

     — Isso faz sentido, dentro da psicologia russa, Sr. Ferndale? — indagou a Primeira-Ministra.

     O lenço de Ferndale se deslocava em círculos sobre as lentes dos óculos, furiosamente.

     — Um sentido perfeito, Madame — respondeu ele, visivelmente excitado. — Interna e externamente. Em momentos de crise, como a escassez de alimentos, é imperativo que o KGB inspire temor ao povo, especialmente às nacionalidades não-russas, para mantê-las sob controle. Se esse temor se desvanecer, se o terrível KGB se transformar num alvo de risadas, as repercussões podem ser assustadoras... do ponto de vista do Kremlin, é claro. — Ferndale fez uma ligeira pausa, ainda polindo os óculos, antes de acrescentar: — Externamente, em especial no Terceiro Mundo, a impressão de que o poder do Kremlin é uma fortaleza inexpugnável é um fator fundamental para que Moscou continue a manter seu domínio e avanço constante. Não resta a menor dúvida de que os dois homens em Berlim são uma verdadeira bomba-relógio para Maxim Rudin. O mecanismo de detonação foi ativado pelo caso do Freya, e o tempo está-se esgotando rapidamente.

     — Então por que o Chanceler Busch não pode ser informado do ultimato de Rudin? — indagou Munro. — Ele compreenderia que o Tratado de Dublin, que tanto afeta seu país, é muito mais importante do que o Freya.

     — Porque até mesmo a notícia de que Rudin apresentou um ultimato é secreta — interveio Sir Nigel. — Se isso transpirasse, o mundo chegaria imediatamente à conclusão de que o caso envolve mais do que um comandante de avião morto.

     — Tudo isso é muito interessante, eu diria mesmo fascinante — disse a Sra. Carpenter. — Mas não nos ajuda a resolver o problema. O Presidente Matthews tem duas alternativas: ou permite que o Chanceler Busch solte Mishkin e Lazareff e perde o Tratado de Dublin, ou exige que os dois sejam mantidos na prisão, perdendo o Freya e ganhando a repulsa de quase uma dúzia de governos europeus e a condenação mundial.

     “Até agora, ele só encontrou uma terceira alternativa: a de pedir ao Primeiro-Ministro Golen que devolvesse os dois homens à prisão na Alemanha, depois que o Freya fosse resgatado. A idéia era procurar satisfazer Maxim Rudin, sem perder o Freya. Poderia dar certo, poderia não dar. Mas, de qualquer forma, Benyamin Golen recusou. E essa alternativa está liquidada.

     “Nós também pensamos numa terceira alternativa: atacar o Freya e resgatá-lo à força. Agora, já verificamos que isso é inteiramente impossível. Receio que não haja mais alternativas, a não ser fazer o que suspeitamos ser o plano dos americanos.

     — Que plano seria esse? — perguntou Munro.

     — Destruir o navio com disparos de canhão — respondeu Sir Nigel Irvine. — Não temos provas de que os americanos estão cogitando isso, mas os canhões do Moran estão apontados diretamente para o Freya.

     Munro pensou por um momento, antes de declarar.

     — Há uma terceira alternativa. Pode satisfazer a Maxim Rudin e deve dar certo.

     — Explique-se, por favor — ordenou a Primeira-Ministra. Munro descreveu seu plano. Levou apenas cinco minutos. Ao terminar, houve silêncio por algum tempo, até que a Sra. Carpenter finalmente comentou:

     — Acho que é uma idéia extremamente repulsiva.

     — Com todo respeito, Madame, também o foi meu ato de trair meu agente para o KGB — respondeu Munro, impassivelmente.

     Ferndale lançou-lhe um olhar de advertência.

     — Dispomos de equipamentos tão diabólicos? — perguntou a Sra. Carpenter a Sir Nigel.

     O Diretor do SIS ficou examinando as pontas dos dedos, enquanto murmurava:

     — Creio que o departamento especializado pode providenciar esse tipo de coisa...

     Joan Carpenter aspirou fundo.

     — Graças a Deus, não é uma decisão que eu terei de tomar. A decisão cabe exclusivamente ao Presidente Matthews. A alternativa terá de lhe ser apresentada, mas só deve ser explicada num encontro pessoal. Diga-me uma coisa, Sr. Munro: estaria disposto a executar esse plano?

     Munro pensou em Valentina caminhando pelas ruas, indo ao encontro dos homens de capa cinza que a esperavam.

     — Estou, sim... sem o menor escrúpulo.

     — O tempo está-se escoando rapidamente — disse ela, incisivamente. — O senhor precisa chegar a Washington ainda esta noite. Tem alguma idéia de como isso pode ser conseguido, Sir Nigel?

     — Há o vôo de cinco horas do Concorde, na nova linha para Boston. Pode ser desviado para Washington, se o Presidente assim o determinar.

     — Ponha-se a caminho, Sr. Munro — disse a Primeira-Ministra. — Informarei o Presidente Matthews das notícias que trouxe de Moscou e pedirei para que o receba pessoalmente. Poderá então explicar-lhe sua proposta macabra. Se é que ele poderá recebê-lo de forma tão imprevista...

    

     Lisa Larsen ainda estava abraçada ao marido cinco minutos depois de ele ter entrado na cabine. Larsen perguntou como estavam os filhos. Lisa disse que havia falado com eles pelo telefone duas horas antes. Não havia aulas no sábado e por isso os dois encontravam-se em casa, com a família Dahl. E estavam muito bem. Quando ela telefonara, tinham acabado de chegar de Bogneset, onde haviam ido alimentar os coelhos. Não tinham mais como conversar sobre coisas inconseqüentes.

     — O que vai acontecer, Thor?

     — Não sei. Não entendo por que os alemães não soltam logo os dois prisioneiros. Não entendo por que os americanos estão-se opondo. Conversei com primeiros-ministros e com embaixadores, mas eles também não sabem explicar.

     — Se não soltarem os dois homens, aquele terrorista vai... fazer o que está ameaçando?

     — É possível — respondeu Larsen, pensativo. — Creio que ele tentará. E se o fizer, vou tentar impedi-lo. Não há outro jeito.

     — Por que os comandantes de todos esses navios de guerra não o ajudam?

     — Porque não podem, minha querida. Ninguém me pode ajudar. Tenho de fazer tudo sozinho, pois ninguém mais está em condições de fazê-lo.

     — Não confio naquele Comandante americano — murmurou Lisa Larsen. — Vi-o quando cheguei a bordo, em companhia do Sr. Grayling. Ele evitou olhar para mim.

     — Não poderia olhar, nem para você nem para mim. É que ele recebeu ordens para destruir o Freya.

     Ela recuou um passo e fitou o marido, os olhos arregalados.

     — Mas ele não pode fazer uma coisa dessas! Nenhum homem faria isso com outros homens!

     — Mas ele fará, se for preciso. Não tenho certeza, mas desconfio de que recebeu essa ordem. Os canhões do seu navio estão apontados para nós. Se os americanos acharem que devem bombardear o Freya, não vão hesitar. Incendiando a carga, eles iriam reduzir os danos ecológicos e destruir a arma da chantagem.

     Lisa Larsen estremeceu, agarrando-se ao marido. Começou a chorar. E murmurou:

     — Eu o odeio...

     Thor Larsen afagou-lhe os cabelos, a mão imensa quase cobrindo inteiramente a cabeça da mulher.

     — Não deve odiá-lo, minha querida. Ele está cumprindo ordens. Todos estão cumprindo ordens. Farão tudo o que for decidido por homens muito longe daqui, nas sedes dos governos na Europa e América.

     — Isso não importa! Odeio todos eles!

     Larsen riu, sempre afagando os cabelos da esposa, gentil e tranqüilizadoramente.

     — Queria que fizesse uma coisa por mim, querida.

     — Qualquer coisa que me pedir.

     — Volte para casa. Volte para Alesund. Saia deste lugar. Vá ficar junto de Kurt e Kristina. Prepare a casa para mim. Quando isso terminar, vou voltar para casa direto. Pode ter certeza disso.

     — Volte comigo. Agora.

     — Sabe que não posso e terei de me separar de você agora. O tempo está-se esgotando.

     — Não volte para aquele navio! — suplicou Lisa Larsen. — Eles vão matá-lo se voltar!

     Ela estava fungando furiosamente, fazendo um tremendo esforço para não chorar, tentando não magoá-lo.

     — É o meu navio, querida. E a minha tripulação. Sabe que tenho de voltar.

     Larsen sentou-a gentilmente na poltrona do Comandante Preston e deixou a cabine.

     No momento em que o fazia, o carro levando Adam Munro passou pela Downing Street, deixando para trás a multidão de curiosos que esperava vislumbrar os altos dirigentes da nação naquele momento de crise, entrou na Parliament Square e seguiu para a Cromwell Road e a auto-estrada que levava a Heathrow.

     Cinco minutos depois, Thor Larsen era ajeitado nos arreios de transporte do helicóptero por dois homens da Marinha Real, os cabelos esvoaçando ao vento produzido pelos rotores do Wessex.

     O Comandante Preston, com seis oficiais de seu navio e mais os quatro outros comandantes da OTAN estavam parados a alguns metros de distância. O Wessex começou a subir.

     — Senhores... — disse o Comandante Preston.

     Cinco mãos se levantaram aos quepes, numa continência simultânea.

     Mike Manning ficou observando o marinheiro barbado que se afastava, suspenso no ar. De uma altura de 30 metros, o norueguês parecia estar olhando diretamente para ele.

     “Ele sabe”, pensou Manning, horrorizado. “Santo Deus, ele sabe!”

     Thor Larsen entrou em seu próprio camarote no Freya, com uma submetralhadora apontada para suas costas. Svoboda estava sentado em sua cadeira habitual. Larsen foi levado para a cadeira na outra extremidade da mesa.

     — Eles acreditaram em você? — perguntou o ucraniano.

     — Acreditaram. E você estava certo. Eles estavam realmente se preparando para um ataque com homens-rãs, depois do anoitecer. O ataque foi cancelado.

     Drake soltou uma risada.

     — Ainda bem. Se tivessem tentado, eu teria apertado este botão sem a menor hesitação, com ou sem suicídio. Afinal, não me deixariam alternativa.

    

     Quando faltavam 10 minutos para meio-dia, o Presidente William Matthews desligou o telefone que o ligara durante 15 minutos com a Primeira-Ministra Joan Carpenter, em Londres. Olhou para seus três assessores, que tinham ouvido a conversa pelo alto-falante, e disse:

     — Já sabem o que houve. Os ingleses não vão mais executar seu plano de ataque noturno. É mais uma opção que desaparece. Com isso, só nos resta a alternativa de explodirmos o Freya em mil pedaços. Nosso navio já está em posição?

     — Em posição, com os canhões carregados e apontados — confirmou Stanislaw Poklewski.

     — Só nos resta agora torcer para que esse tal de Munro tenha alguma idéia que possa dar certo — comentou Robert Benson. — Vai concordar em recebê-lo, Sr. Presidente?

     — Bob, eu receberia o próprio diabo, se ele me viesse propor algum meio de sair desse impasse.

     — De uma coisa pelo menos podemos ter certeza agora: a reação de Maxim Rudin não era exagerada — disse David Lawrence. — No final das contas, ele não poderia ter feito outra coisa. Em sua luta com Yefrem Vishnayev, também não lhe restam trunfos. Como será que aqueles dois homens na Penitenciária de Moabit conseguiram matar Yuri Ivanenko?

     — Temos de presumir que foram ajudados pelo homem que comanda o grupo no Freya — disse Benson. — Eu adoraria pôr as mãos no tal de Svoboda.

     — Não tenho a menor dúvida de que o mataria — disse Lawrence, com visível desgosto.

     — Está enganado. Eu trataria de recrutá-lo. É um homem frio, engenhoso e implacável. Enfrentou dez governos europeus e os está manipulando como marionetes.

     Era meio-dia em Washington e cinco horas da tarde em Londres quando o Concorde desprendeu-se da pista de concreto de Heathrow, erguendo o nariz que parecia uma lança quebrada na direção do céu ocidental, subindo através da barreira do som a caminho do pôr-do-sol.

     Os regulamentos normais, proibindo o estrondo sônico antes que o avião estivesse sobre o mar, haviam sido ignorados por ordens expressas de Downing Street. Os quatro ruidosos motores Olympus foram acelerados ao máximo logo depois da decolagem e 150.000 libras de impulso arremessaram o avião na direção da estratosfera.

     O comandante calculara que levariam três horas para chegar a Washington, duas horas na frente do Sol. Na metade do caminho através do Atlântico, ele comunicou aos passageiros que se destinavam a Boston que infelizmente o Concorde teria de fazer uma rápida escala no Aeroporto Internacional Dulles, em Washington. antes de seguir para Boston, devido a “razões operacionais”, que a tudo cobriam.

    

     Eram sete horas da noite na Europa Ocidental e nove horas em Moscou quando Yefrem Vishnayev finalmente conseguiu ter o encontro pessoal e extremamente excepcional numa noite de sábado com Maxim Rudin, pelo qual estivera clamando durante todo o dia.

     O velho ditador da União Soviética concordou em receber o teórico do Partido na sala de reuniões do Politburo, no terceiro andar do Prédio do Arsenal.

     Ao chegar, Vishnayev estava acompanhado pelo Marechal Nikolai Kerensky, mas encontrou Rudin apoiado por seus aliados Dmitri Rykov e Vassili Petrov.

     — Ao que parece, são bem poucos os que estão desfrutando esse maravilhoso fim-de-semana de primavera no campo — comentou Vishnayev, sardonicamente.

     Rudin deu de ombros.

     — Eu estava desfrutando um jantar particular com dois amigos. Mas o que os traz ao Kremlin a esta hora da noite. Camaradas Vishnayev e Kerensky?

     Não havia guardas nem assessores na sala. Ali estavam apenas os cinco donos do poder na União Soviética, empenhados numa furiosa confrontação, sob as luzes que pendiam do teto alto.

     — Traição! — respondeu Vishnayev, bruscamente. — Traição, Camarada Secretário-Geral!

     O silêncio foi sinistro, ameaçador.

     — Traição de quem? — indagou Rudin.

     Vishnayev inclinou-se sobre a mesa e falou a dois palmos do rosto de Rudin:

     — A traição de dois judeus nojentos de Lvov! A traição de dois homens que estão agora numa prisão em Berlim! Dois homens cuja libertação está sendo exigida por um bando de assassinos num petroleiro no Mar do Norte! A traição de Mishkin e Lazareff

     Rudin falou cautelosamente:

     — É verdade que o assassinato em dezembro último, por esses dois homens, do Comandante Rudenko, da Aeroflot, constitui...

     Vishnayev interrompeu-o, ameaçadoramente:

     — Não é igualmente verdade que esses dois assassinos também mataram Yuri Ivanenko?

     Maxim Rudin teria gostado imensamente de poder lançar um rápido olhar para Vassili Petrov, sentado a seu lado. Algo saíra errado. Alguém falara.

     Os lábios de Petrov estavam contraídos numa linha fina e reta. Era ele quem estava agora controlando o KGB, através do General Abrassov. Sabia que o círculo de homens que estavam a par da verdade era pequeno, bem pequeno. Não tinha a menor dúvida de que o homem que falara havia sido o Coronel Kukushkin, que fracassara primeiro na proteção de seu chefe e fracassara depois ao não conseguir liquidar os assassinos dele. Kukushkin estava tentando salvar sua carreira, talvez mesmo a própria vida, trocando de lado e revelando tudo a Vishnayev.

     — Desconfia-se dessa possibilidade, mas ainda não é um fato comprovado — disse Rudin, cautelosamente.

     — Pelo que sei, já é um fato comprovado! Esses dois homens foram positivamente identificados como os assassinos do nosso querido camarada Yuri Ivanenko.

     Vishnayev parecia ter esquecido inteiramente, pensou Rudin, que odiava Ivanenko e sempre desejara vê-lo morto.

     — A questão ê acadêmica — disse Rudin. — Mesmo que somente pelo assassinato do Comandante Rudenko, os dois assassinos estão condenados a serem liquidados dentro da prisão em Berlim.

     — Talvez não — respondeu Vishnayev, com uma expressão de ultraje bem simulada. — Ao que tudo indica, eles podem ser libertados pela Alemanha Ocidental e enviados para Israel. O Ocidente é fraco e não poderá resistir por muito tempo aos terroristas no Freya. Se aqueles dois chegarem vivos a Israel, certamente vão falar. E acho, meus amigos, estou absolutamente convencido, de que todos sabemos o que eles irão dizer.

     — O que está querendo? — indagou Rudin.

     Vishnayev se levantou. Seguindo o exemplo dele, Kerensky também se levantou.

     — Estou exigindo uma reunião plenária extraordinária do Politburo, aqui nesta sala, amanhã de noite, a esta hora. Ou seja, às nove horas. Para tratar de uma questão de extrema urgência e importância nacional. Tenho o direito de exigir essa reunião, Camarada Secretário-Geral?

     A cabeça grisalha de Rudin assentiu lentamente. Ele fitou Vishnayev por baixo das sobrancelhas espessas e resmungou:

     — É um direito seu.

     — Neste caso, até amanhã, a esta mesma hora — disse, rispidamente, o teórico do Partido, retirando-se em seguida, acompanhado por Kerensky.

     Rudin virou-se para Petrov e indagou:

     — Foi o Coronel Kukushkin?

     — É o que parece. Seja como for, Vishnayev agora já sabe.

     — Há alguma possibilidade de liquidar Mishkin e Lazareff dentro de Moabit?

     Petrov sacudiu a cabeça.

     — Não até amanhã. Não há a menor possibilidade de se montar uma nova operação, sob o comando de um novo homem, nesse prazo. Há algum meio de pressionar o Ocidente a não libertar os dois?

     — Não — respondeu Rudin, bruscamente. — Já apliquei todas as pressões possíveis em Matthews. Não há mais nada que eu possa fazer. Agora, tudo está nas mãos dele... e daquele maldito Chanceler alemão em Bonn.

     Rykov comentou, sombriamente:

     — Amanhã, Vishnayev e seus aliados vão apresentar Kukushkin e exigir que o escutemos. E se até lá Mishkin e Lazareff chegarem a Israel...

    

     Às oito horas da noite, horário europeu, Andrew Drake, falando através do Comandante Thor Larsen, apresentou seu ultimato final.

     Às nove horas da manhã seguinte, dentro de 13 horas, o Freya iria derramar 100.000 toneladas de petróleo bruto no Mar do Norte, a menos que Mishkin e Lazareff estivessem num avião a caminho de Tel Aviv. Às oito horas da noite, se eles não estivessem em Israel, devidamente identificados, o Freya seria destruído.

     — É a última gota! — gritou Dietrich Busch, ao ouvir o ultimato, 10 minutos depois de ter sido transmitido do Freya. — Quem William Matthews está pensando que é? Ninguém, mas ninguém mesmo, vai obrigar o Chanceler da Alemanha a prosseguir com essa charada. Está acabado!

     Vinte minutos depois das oito horas, o Governo alemão ocidental comunicou que, unilateralmente, havia decidido libertar Mishkin e Lazareff às oito horas da manhã seguinte.

     Às oito e meia da noite, uma mensagem pessoal codificada foi recebida pelo Comandante Mike Manning, no Moran. Ao ser decifrada, a mensagem dizia simplesmente: “Preparar para ordem de disparo às sete horas da manhã.”

     Manning amassou a mensagem e olhou pela vigia para o Freya. Estava todo iluminado como uma árvore de Natal, os refletores banhando a superestrutura com uma luz branca intensa. Repousava no oceano a cinco milhas de distância, condenado, impotente, esperando que um dos seus dois carrascos o liquidasse.

     Enquanto Thor Larsen falava pelo radiotelefone do Freya com o Controle do Maas, o Concorde transportando Adam Munro passava pelo perímetro cercado do Aeroporto Internacional Dulles, os flaps e o trem de aterrissagem, o nariz levantado, uma ave de rapina procurando agarrar a pista.

     Os aturdidos passageiros, como peixinhos dourados espiando pelas janelas, notaram apenas que o avião não taxiou na direção do prédio do terminal, indo parar em vez disso à beira da pista de taxiagem, com os motores ainda ligados. Uma escada estava esperando, juntamente com uma limusine preta.

     Um único passageiro, sem capa nem bagagem de mão, levantou-se de um assento quase na frente, passou pela porta aberta e desceu rapidamente a escada. Segundos depois, a escada foi retirada, a porta fechada e o comandante, contrafeito, anunciou que iriam decolar imediatamente para Boston.

     Adam Munro entrou na limusine, sentando-se entre os dois corpulentos escoltas. Foi imediatamente aliviado de seu passaporte. Os dois agentes do Serviço Secreto presidencial examinaram o passaporte atentamente, enquanto o carro atravessava a pista até o lugar em que um pequeno helicóptero estava estacionado, ao lado de um hangar, os rotores girando.

     Os agentes foram formais e polidos. Tinham suas ordens. Antes de embarcar no helicóptero, Munro foi meticulosamente revistado, à procura de armas ocultas. Depois de estarem satisfeitos, os dois agentes embarcaram junto com ele no helicóptero e levantaram vôo, atravessando o Potomac, a caminho de Washington e dos amplos gramados da Casa Branca. Foi meia hora depois do Concorde pousar em Dulles, às três e meia de uma tarde quente de primavera em Washington, que o helicóptero pousou na Casa Branca, a apenas 100 metros do Gabinete Oval.

     Os dois agentes acompanharam Munro pelos extensos gramados até uma rua estreita entre o edifício do Executivo, grande e cinzento, uma monstruosidade vitoriana de pórticos e colunas, com uma variedade espantosa de tipos diferentes de janelas, e a Ala Oeste, branca e muito menor, quase em forma de caixa, parcialmente afundada abaixo do nível do chão.

     Levaram Munro para uma pequena porta ao nível do porão. Lá dentro, identificaram-se e ao visitante a um guarda uniformizado, sentado atrás de uma pequena escrivaninha. Munro ficou surpreso. Aquilo era muito diferente da fachada imponente da residência da Avenida Pennsylvania, tão conhecida dos turistas e tão amada pelos americanos.

     O guarda verificou com alguém por um telefone interno. Vários minutos depois, uma secretária saiu de um pequeno elevador. Levou três homens além do guarda, através de um corredor, ao final do qual subiram uma escada estreita. Um andar acima, estavam ao nível da rua, saindo para um corredor atapetado, onde um assessor em terno cinza franziu as sobrancelhas ao fitar o inglês com a barba por fazer e todo desgrenhado.

     — Deve ser conduzido diretamente ao Gabinete Oval, Sr. Munro — disse ele.

     O assessor passou a conduzir Munro, enquanto os dois agentes do Serviço Secreto ficavam para trás, junto com a secretária.

     Munro foi levado por um corredor, passando por um pequeno busto da Abraham Lincoln. Dois outros assessores, avançando pela outra direção, passaram por eles em silêncio. O homem de terno cinza virou à esquerda e foi parar diante de outro guarda uniformizado, sentado atrás de uma escrivaninha, na frente de uma porta branca, embutida na parede. O guarda tornou a examinar o passaporte de Munro, olhou para a aparência dele com uma desaprovação óbvia, estendeu a mão por baixo da mesa e apertou um botão. Uma campainha soou e o assessor empurrou a porta. A porta aberta, deu um passo para trás e fez um sinal para que Munro entrasse. Munro deu dois passos para a frente, entrando no Gabinete Oval. A porta fechou-se às suas costas.

     Os quatro homens na sala estavam evidentemente a sua espera, olhando em sua direção. Munro reconheceu imediatamente o Presidente William Matthews. Mas o Presidente que ali estava era um homem como os eleitores jamais tinham visto, um homem cansado, abatido, 10 anos mais velho do que a imagem sorridente, confiante, madura e cheia de vitalidade que se via nos cartazes.

     Robert Benson se levantou e aproximou-se de Munro.

     — Sou Bob Benson.

     Ele levou Munro até a mesa. William Matthews inclinou-se e apertou a mão do agente britânico. Munro foi apresentado a David Lawrence e a Stanislaw Poklewski, a quem já conhecia por suas fotografias nos jornais.

     — Com que então você é o homem que dirige Nightingale — disse o Presidente Matthews, olhando com curiosidade para o agente britânico através da mesa.

     — Dirigia Nightingale, Sr. Presidente — disse Munro. — Tenho razões para acreditar que Nightingale foi descoberto pelo KGB há cerca de doze horas.

     — Sinto muito — disse Matthews. — Mas já sabe do ultimato que Maxim Rudin me apresentou a propósito do caso do petroleiro, não é mesmo? Eu precisava saber por que ele estava-se comportando assim.

     — Agora já sabemos — disse Poklewski. — Mas parece que isso não muda muito a situação, exceto para confirmar que Rudin está mesmo acuado, assim como acontece conosco. A explicação é fantástica: o assassinato de Yuri Ivanenko por dois assassinos amadores numa rua de Kiev. Mas continuamos num impasse...

     — Não precisamos explicar ao Sr. Munro a importância do Tratado de Dublin nem a possibilidade de guerra caso Yefrem Vishnayev conquiste o poder — disse David Lawrence. — Leu as transcrições das reuniões do Politburo que Nightingale lhe entregou, Sr. Munro?

     — Li, sim, Sr. Secretário — disse Munro. — Li no original russo, logo depois que me foram entregues. Sei perfeitamente o que está em jogo, em ambos os lados.

     — E como, diabo, poderemos sair desse impasse? — indagou o Presidente Matthews. — Sua Primeira-Ministra pediu-me para recebê-lo, alegando que o senhor tinha uma proposta que ela não podia discutir pelo telefone. É por isso que está aqui, não é mesmo?

     — É, sim, Sr. Presidente.

     O telefone tocou nesse momento. Benson escutou por vários segundos e depois desligou.

     — A situação está-se tornando cada vez mais crítica — disse ele. — O tal de Svoboda, no Freya, acaba de informar que vai derramar cem mil toneladas de petróleo bruto no mar, amanhã de manhã, às nove horas, horário europeu. Ou seja, dentro de aproximadamente 12 horas.

     — Qual é a sua sugestão, Sr. Munro? — perguntou o Presidente Matthews.

     — Sr. Presidente, há duas opções básicas neste caso. Ou Mishkin e Lazareff são soltos e voam para Israel, falando ao chegarem e destruindo Maxim Rudin e o Tratado de Dublin, ou continuam onde estão, acarretando a destruição do Freya com todos os tripulantes a bordo.

     Ele não mencionou a desconfiança britânica sobre o verdadeiro papel do Moran no Mar do Norte, mas Poklewski lançou um olhar rápido para o impassível Enson.

     — Sabemos disso, Sr. Munro — disse o Presidente.

     — Mas o verdadeiro temor de Maxim Rudin não é a localização geográfica de Mishkin e Lazareff. Sua grande preocupação é de que eles tenham uma oportunidade de falar ao mundo sobre o que fizeram numa rua de Kiev, há cinco meses.

     William Matthews suspirou.

     — Pensamos nisso. Pedimos ao Primeiro-Ministro Golen que aceitasse Mishkin e Lazareff, mantivesse a ambos incomunicáveis até que o Freya fosse resgatado e depois os devolvesse à Penitenciária de Moabit ou os mantivesse escondidos numa prisão israelense por uns dez anos. Mas ele recusou. Disse que havia assumido o compromisso público de atender às exigências dos terroristas e não podia voltar atrás. E não vai mesmo. Lamento muito, Sr. Munro, mas creio que sua viagem foi em vão.

     — Não era nisso que eu estava pensando — declarou Munro. — Durante a viagem, escrevi a sugestão, sob forma de memorando, em papel timbrado da empresa aérea.

     Ele tirou do bolso um maço de folhas e pôs em cima da mesa presidencial.

     O Presidente dos Estados Unidos leu o memorando com uma expressão de crescente horror.

     — Mas isso é terrível! — disse ele, quando acabou. — Não tenho opção. Ou melhor, qualquer que seja a opção, homens vão morrer.

     Adam Munro fitou-o sem qualquer simpatia. Uma das coisas que aprendera na vida era que, em princípio, os políticos não fazem muita objeção à perda de vidas, contanto que, pessoalmente, não apareçam como responsáveis diretos aos olhos do público.

     — Já aconteceu antes, Sr. Presidente — disse Munro, com firmeza — E certamente vai acontecer de novo. Na Firma, é o que chamamos de Alternativa do Diabo.

     Sem fazer qualquer comentário, o Presidente Matthews estendeu o memorando para Robert Benson, que o leu rapidamente.

     — Extremamente engenhoso — disse ele. — Pode dar certo. Mas será que é possível fazê-lo a tempo?

     — Dispomos do equipamento necessário — declarou Munro — O tempo é reduzido, mas não demais. Terei de estar em Berlim por volta das sete horas da manhã, horário europeu. Ou seja, daqui a dez horas.

     — Mas mesmo que aceitássemos, será que Maxim Rudin concordaria? — indagou o Presidente Matthews. — Sem a concordância dele, o Tratado de Dublin estaria de qualquer forma liquidado.

     — O único jeito é perguntar a ele — disse Poklewski, que acabara de ler o memorando e o entregava a David Lawrence.

     O bostoniano Secretário de Estado leu rapidamente e largou os papéis, como se lhe sujassem os dedos.

     — Acho a idéia profundamente repulsiva — disse ele. — Nenhum governo dos Estados Unidos poderia dar sua aprovação a uma proposta dessas.

     — É pior do que ficar de braços cruzados enquanto trinta homens inocentes são queimados vivos no Freya? — indagou Munro.

     O telefone tocou novamente. Benson atendeu e escutou por algum tempo. Ao desligar, virou-se para o Presidente e disse:

     — Creio que talvez não tenhamos alternativa a não ser pedir o assentimento de Maxim Rudin. O Chanceler Busch acaba de anunciar que Mishkin e Lazareff serão libertados às oito horas da manhã, horário europeu. E desta vez ele não vai recuar.

     — Então temos de tentar — decidiu Matthews. — Mas não vou assumir a responsabilidade exclusiva. Maxim Rudin tem de concordar para que o plano seja executado. Vou telefonar para ele pessoalmente.

     — Sr. Presidente, Maxim Rudin não usou a linha quente para apresentar-lhe o ultimato — disse Munro. — Porque não está certo da lealdade de alguns funcionários do Kremlin. Nessas lutas de facções, até mesmo os funcionários subalternos mudam de lado e transmitem informações secretas para a oposição. Creio que a proposta só deve ser ouvida por Rudin ou ele se sentirá obrigado a recusá-la.

     — Mas há tempo para você voar até Moscou através da noite e estar de volta a Berlim ao amanhecer? — indagou Poklewski.

     — Há um jeito — disse Benson. — Há um Blackbird estacionado em Andrews que pode cobrir o percurso no tempo necessário.

     O Presidente Matthews tomou a decisão.

    — Bob, leve o Sr. Munro pessoalmente à Base Andrews. Avise à tripulação do Blackbird para se aprontar para decolar dentro de uma hora. Ligarei pessoalmente para Maxim Rudin, pedindo que permita a entrada do avião no espaço aéreo soviético e receba Adam Munro como meu enviado pessoal. Mais alguma coisa, Sr. Munro?

     Munro tirou uma única folha de papel do bolso.

     — Gostaria que a Companhia enviasse essa mensagem urgente para Sir Nigel Irvine, a fim de que ele possa cuidar de tudo o que é necessário em Londres e Berlim.

     — Será feito — disse o Presidente. — Pode partir, Sr. Munro. E boa sorte.

    

                         21:00 às 06:00

     Quando o helicóptero se levantou do gramado da Casa Branca, os agentes do Serviço Secreto ficaram para trás. Um espantado piloto descobriu-se a levar o misterioso inglês de roupas amarrotadas e o Diretor da CIA. À direita, enquanto subiam por cima de Washington, o Rio Potomac cintilava ao Sol do fim de tarde. O piloto seguiu para sudeste, a caminho da Base Andrews, da Força Aérea dos Estados Unidos.

     No Gabinete Oval, Stanislaw Poklewski, invocando a autoridade pessoal do Presidente Matthews em cada frase, estava falando com o comandante da base. Os protestos do oficial foram lentamente diminuindo. O assessor presidencial para questões de segurança finalmente passou o fone para William Matthews.

     — Isso mesmo. General, aqui é William Matthews e essas são ordens minhas. Informe o Coronel O'Sullivan que deve preparar imediatamente um plano de vôo para uma rota polar direta de Washington a Moscou. A autorização para entrar no espaço aéreo soviético ileso será radiografada antes de o avião se afastar da Groenlândia.

     O Presidente voltou a se concentrar no outro telefone, o aparelho vermelho pelo qual estava tentando comunicar-se diretamente com Maxim Rudin, em Moscou.

     Na Base Andrews, o comandante foi receber pessoalmente os passageiros do helicóptero. Sem a presença de Robert Benson, a quem o general da Força Aérea conhecia de vista, era bem pouco provável que tivesse aceitado o inglês desconhecido como passageiro do jato de reconhecimento mais veloz do mundo, muito menos as suas ordens para que o jato decolasse para Moscou. Dez anos depois de haver entrado em operação, o Blackbird continuava a ser considerado um aparelho secreto, tão sofisticado eram os seus componentes e sistemas.

     — Está certo, Sr. Diretor — disse ele, finalmente. — Mas devo adverti-lo de que vai encontrar no Coronel O'Sullivan um arizonense furioso.

     Ele estava certo. Enquanto Adam Munro era levado para o vestiário, recebendo um traje, botas e capacete de oxigênio, Robert Benson ia encontrar-se com o Coronel George T. O'Sullivan na sala de navegação, com um charuto preso entre os dentes, examinando mapas do Ártico e do Báltico Oriental. O Diretor da CIA podia ter um posto superior, mas o coronel evidentemente não estava com a menor disposição de ser polido.

     — Está me ordenando a sério que eu leve esse passarinho através da Groenlândia e Escandinávia até o coração da Rússia? — perguntou ele, beligerantemente.

     — Não, Coronel, não sou eu — disse Benson, calmamente. — É o Presidente dos Estados Unidos quem lhe está dando essa ordem.

     — Sem o meu operador de sistemas e navegação? Com algum maldito inglês sentado no lugar dele?

     — Acontece que esse maldito inglês é o portador de uma mensagem pessoal do Presidente Matthews para o Presidente Rudin, da União Soviética, que tem de ser entregue esta noite de qualquer maneira e não pode ser transmitida de outro jeito.

     O coronel da Força Aérea fitou-o em silêncio, furioso, por algum tempo, até finalmente ceder:

     — Está bem, está bem... Mas é melhor que esse negócio seja mesmo importante...

     Vinte minutos antes das seis horas, Adam Munro foi levado para o hangar em que estava o avião, cercado pelos técnicos de terra que o preparavam para o vôo.

     Munro já ouvira falar do Lockheed SR-71, apelidado de Blackbird, Pássaro Preto, por causa de sua cor. Vira algumas fotografias do aparelho, mas jamais tivera a oportunidade de apreciá-lo pessoalmente. Era de fato impressionante. O cone do nariz, parecido com uma bala, era fino, ligeiramente virado para cima. Quase ao final da fuselagem, saíam as asas finas, em delta, ambas formando uma unidade inteiriça com os controles da cauda.

     Os motores estavam situados quase nas extremidades das asas, compridos e roliços, alojando as turbinas Pratt and Whitney JT-ll-D, cada uma capaz de proporcionar uma impulsão de 32.000 libras. No alto de cada motor havia um leme parecendo uma faca, para proporcionar controle direcional. A fuselagem e os motores pareciam três seringas ligadas apenas pelas asas.

     Pequenas estrelas americanas, em círculos brancos, indicavam a nacionalidade do aparelho; afora isso, o SR-71 era totalmente preto, de um extremo a outro.

     O pessoal de terra ajudou Munro a entrar no estreito confinamento do assento posterior. Ele descobriu-se a afundar cada vez mais, até que as paredes laterais da carlinga erguiam-se acima de seus ouvidos. Quando a coberta fosse baixada, ficaria quase ao nível da fuselagem, a fim de eliminar o efeito de resistência ao avanço. Olhando para fora, ele veria apenas as estrelas diretamente acima.

     O homem que deveria ocupar aquele lugar teria compreendido perfeitamente a impressionante quantidade de telas de radar, sistemas eletrônicos e controles de câmaras, pois o SR-71 era essencialmente um avião-espião, projetado e equipado para voar a grandes altitudes, muito além do alcance de caças e foguetes interceptadores, fotografando tudo o que via lá embaixo.

     Mãos prestativas ligaram os tubos que saíam do traje especial aos sistemas do avião, de rádio, oxigênio e força antigravitacional. Munro observou, a sua frente, o Coronel O'Sullivan acomodar-se em seu assento, com a facilidade decorrente do hábito, ligando pessoalmente todos os sistemas. Assim que o rádio foi ligado, a voz do americano trovejou nos ouvidos de Munro:

     — É escocês, Sr. Munro?

     — Sou, sim — respondeu Munro, falando dentro do capacete.

     — E eu sou irlandês. É um católico?

     — Um o quê?

     — Um católico, pelo amor de Deus!

     Munro pensou por um momento. Na verdade, não era absolutamente religioso.

     — Não. Sou da Igreja da Escócia.

     Houve um desgosto evidente a sua frente.

     — Deus do céu! Vinte anos na Força Aérea dos Estados Unidos e acabo servindo de motorista para um protestante escocês!

     A capota resistente, capaz de suportar as tremendas diferenças de pressão de ar do vôo em grande altitude, foi fechada. Um zumbido indicou que a cabine estava agora totalmente pressurizada. Puxado por um trator, o SR-71 saiu do hangar para o crepúsculo.

     No interior, os motores faziam apenas um assovio baixo, a partir do momento em que foram ligados. Lá fora, o pessoal de terra estremeceu, mesmo com os protetores de ouvidos, enquanto o estrondo ecoava pelos hangares.

     O Coronel O'Sullivan obteve autorização imediata para a decolagem, mesmo enquanto fazia as verificações aparentemente intermináveis que antecediam o vôo. No início da pista principal, o Blackbird parou por um momento, enquanto o cirone o alinhava para a partida. Depois, Munro ouviu a voz dele:

     — Qualquer que seja o Deus para o qual você reza, pode começar a fazê-lo agora.

     Algo como um trem expresso atingiu Munro em cheio nas costas. Era o assento a que estava preso. Não podia ver nenhum prédio para avaliar a velocidade, apenas o céu lá em cima, de um azul pálido. Quando o jato chegou a 150 nós, o nariz afastou-se da pista; meio segundo depois, o trem de aterrissagem também se afastou. O'Sullivan recolheu-o.

     Livre dos estorvos, o SR-71 inclinou-se para trás, até que os tubos de descarga do jato apontavam diretamente para o território de Maryland. Começou a subir, quase verticalmente, avançando para o céu como um foguete, o que praticamente era. Munro estava de costas, os pés virados para o céu, consciente apenas da pressão intensa e constante do assento contra sua espinha, enquanto o Blackbird avançava para um céu que rapidamente ia-se tornando azul escuro, depois violeta e finalmente preto.

     No assento da frente, o Coronel O'Sullivan estava funcionando como seu próprio navegador; ou seja, estava seguindo as instruções transmitidas pelo computador do avião e que apareciam na tela digital a sua frente. O computador fornecia-lhe altitude, velocidade, índice de subida, curso e direção, temperaturas externas e internas, temperaturas de motor e tubos de jato, índices de fluxo de oxigênio e aproximação da velocidade do som.

     Em algum lugar abaixo deles, Filadélfia e Nova York passaram rapidamente, como cidades de brinquedo; ao norte do Estado de Nova York, passaram pela barreira do som, ainda subindo e ainda acelerando. A 25.000 metros de altura, oito quilômetros mais alto do que o Concorde, o Coronel O'Sullivan desligou os queimadores posteriores e nivelou a altitude de vôo.

     Embora o Sol ainda não se tivesse posto, o céu era de um preto profundo, pois naquela altitude são poucas as moléculas de ar nas quais os raios do Sol possam refletir-se, não havendo assim qualquer luz. Mas ainda restam moléculas suficientes para causar fricção num avião como o Blackbird. Antes que o Estado do Maine e a fronteira canadense passassem por baixo deles, já tinham alcançado a velocidade de cruzeiro, três vezes acima da velocidade do som. Diante dos olhos atônitos de Munro, a fuselagem preta do SR-71, feita de titânio puro, começou a luzir com o calor, ficando toda vermelha.

     Na cabine, o sistema de refrigeração do avião mantinha seus ocupantes numa amena temperatura do corpo.

     — Posso falar? — indagou Munro.

     — Claro — respondeu o piloto, laconicamente.

     — Onde estamos agora?

     — Sobre o Golfo de St. Lawrence. Seguindo para a Terra Nova.

     — Quantos quilômetros até Moscou?

     — Da Base Andrews, sete mil setecentos e setenta quilômetros.

     — Quanto tempo levará o vôo?

     — Três horas e cinqüenta minutos.

     Munro fez os cálculos rapidamente. Haviam decolado às seis horas da tarde, horário de Washington, 11 horas da noite na Europa. Em Moscou, era uma hora da madrugada de domingo, 3 de abril. Pousariam em Moscou por volta de cinco horas da manhã, horário local. Se Rudin concordasse com o plano dele e o Blackbird pudesse levá-lo de volta a Berlim, ganhariam duas horas voando na outra direção. Ele conseguiria chegar a Berlim ao amanhecer.

     Estavam voando há pouco menos de uma hora quando a última massa de terra do Canadá, o Cabo Harrisin, ficou para trás. Começaram a voar sobre o inóspito Atlântico Norte, a caminho do Cabo Farewell, a extremidade meridional da Groenlândia.

    

     — Sr. Presidente Rudin, tem de me escutar, por favor — disse William Matthews.

     Ele falava ansiosamente por um microfone pequeno em sua mesa. Era a chamada Linha Quente, que não era propriamente um telefone. De um amplificador ao lado do microfone, as pessoas presentes no Gabinete Oval podiam ouvir o murmúrio do tradutor simultâneo falando em russo ao ouvido de Rudin, em Moscou.

     — Maxim Andreivitch, creio que ambos já somos veteranos o bastante nesse negócio, trabalhamos bastante arduamente e por muito tempo para garantirmos a paz que nossos povos desejam. Não nos podemos deixar frustrar e enganar, a esta altura dos acontecimentos, por um bando de assassinos num petroleiro do Mar do Norte.

     Houve silêncio por alguns segundos, depois a voz ríspida de Maxim Rudin voltou a soar na linha, falando em russo. Ao lado do Presidente Matthews, um jovem assessor do Departamento de Estado ia fazendo a tradução em voz baixa:

     — Nesse caso, William, meu amigo, deve destruir o petroleiro, acabar com a arma da chantagem, porque não posso fazer mais nada além do que já fiz.

     Bob Benson lançou um olhar de advertência para o Presidente. Não havia necessidade de revelar a Rudin que o Ocidente já sabia a verdade a respeito de Ivanenko.

     — Sei disso — falou Matthews ao microfone. — Mas também não posso destruir o petroleiro. Se o fizesse, me estaria destruindo. Mas talvez haja outra solução. Peço-lhe com todo empenho para receber esse homem que já está voando de Washington para Moscou. Ele tem uma proposta que pode ser a solução para nós dois.

     — Quem é esse americano? — indagou Rudin.

     — Ele não é americano, mas britânico — respondeu Matthews. — Seu nome é Adam Munro.

     Houve silêncio por vários momentos. Finalmente a voz da Rússia disse, relutantemente:

     — Dê aos meus assessores os detalhes do plano de vôo, altitude, velocidade, curso. Vou ordenar que o avião seja autorizado a passar e receberei o homem assim que ele chegar. Spakoinyo noích, William.

     — Ele lhe deseja uma noite tranqüila, Sr. Presidente — disse o tradutor.

     — Deve estar brincando — murmurou William Matthews. — Dê ao pessoal dele o plano de vôo e avise ao Blackbird que pode continuar.

    

     Era meia-noite a bordo do Freya. Capturados e captores entravam no terceiro e último dia de espera. Antes de chegarem à outra meia-noite, Mishkin e Lazareff estariam em Israel ou o Freya e todos a bordo estariam liquidados.

     Apesar da ameaça de escolher uma cabine diferente, Drake estava confiante de que não haveria nenhum ataque noturno dos fuzileiros e decidiu permanecer onde estava.

     Thor Larsen fitava-o sombriamente, através da mesa. Para os dois, a exaustão era quase total. Larsen, empenhando-se a fundo para resistir às ondas de cansaço, que tentavam forçá-lo a pôr a cabeça entre os braços e fazê-lo dormir, continuava em sua manobra solitária de tentar manter Svoboda acordado também, provocando-o para que falasse.

     Larsen já descobrira que a maneira mais certa de provocar Svoboda, de levá-lo a falar para consumir suas últimas reservas de energia nervosa, era abordar o problema dos russos.

     — Não creio na possibilidade do seu levante popular, Sr. Svoboda. Não creio que os russos possam algum dia se rebelar contra seus amos do Kremlin. Eles podem ser maus, ineficientes, brutais, mas basta que levantem a ameaça do exterior para despertar o ilimitado patriotismo russo.

     Por um momento, pareceu que o norueguês fora longe demais, A mão de Svoboda fechou-se sobre a coronha da arma, e o rosto empalideceu de raiva.

     — Que se dane o patriotismo deles! — gritou Drake, levantando-se bruscamente. — Estou cansado e enojado de ouvir os escritores e liberais do Ocidente falarem interminavelmente sobre esse maravilhoso patriotismo russo.

     “Mas que patriotismo é esse que só se pode alimentar com a destruição do amor de outros povos por sua pátria? E o meu patriotismo, Larsen? E o amor dos ucranianos por sua pátria escravizada? E o amor dos georgianos, armênios, lituanos, estônios, letões? Será que eles não podem ter qualquer patriotismo? Será que tudo deve ser sublimado a favor desse amor interminável e doentio da Rússia?

     “Odeio o maldito patriotismo deles. É mero chauvinismo e sempre foi, desde os tempos de Pedro e Ivã. Só pode existir através da conquista e escravidão das nações vizinhas.

     Drake estava parado perto de Larsen, na metade da mesa, brandindo a arma e ofegando do esforço de gritar. Logo recuperou o controle e voltou a sentar-se em seu lugar habitual. Apontando a arma para Thor Larsen, como se fosse um indicador, ele acrescentou:

     — Um dia, que talvez não esteja muito longe, o império russo vai começar a desmoronar. Um dia, muito em breve, os romenos vão exercer o patriotismo deles. E o mesmo acontecerá com os poloneses e tchecos. Depois, virão os alemães e húngaros, em seguida os bálticos e ucranianos, os georgianos e armênios. O império russo vai desmoronar e se esfacelar inteiramente, assim como os impérios romano e britânico também desmoronaram, porque chegou o momento em que a arrogância dos seus mandarins tornou-se insuportável.

     “Dentro de vinte e quatro horas, vou pessoalmente encostar uma talhadeira na argamassa e desferir um golpe gigantesco. E todos os que se meterem em meu caminho, você ou qualquer outro, irão morrer. É melhor não ter qualquer dúvida quanto a isso. — Ele baixou a arma e arrematou, mais suavemente: — Seja como for, Busch já cedeu às minhas exigências e desta vez não recuará. Desta vez, Mishkin e Lazareff chegarão mesmo a Israel.

     Thor Larsen ficou observando o homem mais jovem clinicamente. Fora arriscado, ele quase usara a arma. Mas também quase baixara a guarda, quase chegara a seu alcance. Mais uma vez, mais uma tentativa, na hora desolada que antecedia o amanhecer...

    

     Mensagens codificadas urgentes foram transmitidas durante a noite inteira entre Washington e Omaha e de lá para as muitas estações de rádio que constituíam os olhos e ouvidos do Ocidente, numa cerca eletrônica em torno da União Soviética. Olhos invisíveis haviam observado a estrela cadente do bip do Blackbird deslocando-se pelo leste da Islândia, na direção da Escandinávia, em seu curso para Moscou. Previamente avisados, os vigilantes não deram o alarme.

     No outro lado da Cortina de Ferro, mensagens de Moscou haviam alertado os vigilantes soviéticos para a presença do avião que se aproximava. Previamente avisados, nenhum interceptador subiu ao encontro do Blackbird. Uma estrada aérea foi aberta do Golfo da Bósnia a Moscou, e o Blackbird manteve-se em sua rota.

     Mas uma base de caças aparentemente não recebera o aviso; ou se recebera, não prestara atenção; ou então recebera ordens secretas do Ministério da Defesa para ignorar as determinações do Kremlin.

     No Ártico, a leste de Kirkenes, dois Migs-25 se elevaram da neve na direção da estratosfera, num curso de interceptação. Eram as versões 25-E, ultramodernos, mais bem armados e com potência superior à versão mais antiga, da década de 1970, a 25-A.

     Eram capazes de voar a 2,8 vezes a velocidade do som e com uma altitude máxima de 25.000 metros. Mas os seis mísseis ar-para-ar que cada avião levava sob as asas podiam subir por mais seis mil metros. Os dois aparelhos estavam subindo a plena potência, elevando-se 3.000 metros por minuto.

     O Blackbird estava sobre a Finlândia, seguindo para o Lago Ladoga e Leningrado, quando o Coronel O'Sullivan disse ao microfone:

     — Temos companhia.

     Munro saiu de seus devaneios. Embora pouco entendesse da tecnologia do SR-71, a pequena tela de radar a sua frente dizia tudo. Havia dois pequenos bips nela, aproximando-se rapidamente.

     — Quem são eles?

     Por um momento, Munro sentiu um calafrio de medo no estômago. Maxim Rudin dera sua autorização pessoal para que o Blackbird penetrasse no espaço aéreo soviético. E não mandaria agora atacá-lo, não é mesmo? Mas será que alguém mais não o faria?

     Lá na frente, o Coronel O'Sullivan observava sua tela de radar. Observou a velocidade de aproximação por vários segundos e depois disse:

     — São Migs-25. A dezoito mil metros de altitude e subindo rapidamente. Ah, esses malditos russos! Eu sabia que nunca deveríamos confiar neles!

     — Vai voltar para a Suécia? — perguntou Munro.

     — Nada disso. O Presidente dos Estados Unidos da América disse para levá-lo até Moscou e é para Moscou que você vai.

     O Coronel O'Sullivan acionou os seus dois queimadores posteriores. Munro teve a sensação de ter levado um coice de mula na base da espinha quando a aceleração aumentou. O contador Mach começou a subir, na direção e finalmente passando a marca que indicava três vezes a velocidade do som. Na tela de radar, a aproximação dos bips diminuiu e depois parou.

     O nariz do Blackbird se ergueu ligeiramente. Na atmosfera rarefeita, procurando uma tênue suspensão no pouco ar a seu redor, o avião se elevou acima de 25.000 metros de altura e continuou a subir.

     Abaixo deles, o Major Pyotr Kuznetsov, comandando a força de dois aviões, impeliu seus dois motores de jato Tumansky ao limite do desempenho. A tecnologia soviética de que dispunha era boa, a melhor que havia, mas estava conseguindo menos 5.000 libras de impulso com seus dois motores do que os jatos do aparelho americano mais acima. Além disso, estava transportando armas externas, cuja resistência funcionava como um freio à velocidade.

     Não obstante, os dois Migs elevaram-se a 22.000 metros de altitude e aproximaram-se da distância de alcance dos foguetes. O Major Kuznetsov armou os seis mísseis e determinou a seu comando no outro aparelho que assim também o fizesse.

     O Blackbird estava a uma altitude de 28.000 metros e o radar do Coronel O'Sullivan informou-o de que os caças estavam a 23.000 metros, quase no raio de alcance dos foguetes. Em perseguição direta, não poderiam acompanhá-lo em velocidade e altitude. Mas estavam num curso de interceptação, o que facilitava as coisas para os russos.

     — Se eu pensasse que são apenas escoltas, deixaria que os filhos da mãe se aproximassem — disse ele a Munro. — Mas nunca pude confiar nesses russos.

     Munro podia sentir o suor escorrer por baixo do traje especial. Lera as transcrições de Nightingale, ao contrário do Coronel O'Sullivan.

     — Eles não são escoltas — murmurou Munro. — Têm ordens para me matar.

     — Eu não disse? Esses desgraçados são uns conspiradores! Mas o Presidente dos Estados Unidos da América quer você vivo. E em Moscou.

     O piloto do Blackbird acionou toda a bateria de suas defesas eletrônicas. Anéis de ondas invisíveis irradiaram-se do jato preto em alta velocidade, enchendo a atmosfera por quilômetros ao redor com o equivalente para o radar a um balde de areia nos olhos.

     A pequena tela diante do Major Kuznetsov transformou-se num campo de neve fervilhante, como um receptor de televisão quando o tubo de imagem está com defeito. O mostrador digital, indicando que se estava aproximando da vítima e do momento de disparar os foguetes, ainda estava a 15 segundos da hora de fogo. Lentamente, esse tempo foi aumentando, indicando que perdera o alvo em algum lugar lá por cima, na estratosfera gelada.

     Trinta segundos depois, os dois caças inclinaram as asas e começaram a baixar pelo céu, de volta a sua base ártica.

     Dos cinco aeroportos que cercam Moscou, um deles, o Vrtukovno II, nunca é visto por estrangeiros. É reservado para a elite do Partido e sua frota de jatos, mantidos permanentemente em condições de vôo pela Força Aérea. Foi ali, às cinco horas da manhã. horário local, que o Coronel O'Sullivan pousou o Blackbird em solo russo.

     Quando o jato alcançou a área de estacionamento, foi imediamente cercado por um grupo de oficiais, em casacos grossos e gorros de pele, pois no início de abril ainda faz um frio intenso em Moscou, antes do amanhecer. O americano levantou a coberta da carlinga em seus montantes hidráulicos e olhou horrorizado para a multidão ao redor.

     — Russos... — murmurou ele. — Estão bisbilhotando o meu passarinho... — Desafivelou o cinto e levantou-se. — Ei, tirem essas patas da minha máquina, estão me ouvindo?

     Adam Munro deixou o desolado coronel tentando impedir que a Força Aérea russa descobrisse os segredos do Blackbird, afastando-se numa limusine preta, acompanhado por dois agentes especiais do próprio Kremlin. No carro, permitiram-lhe que tirasse o traje especial e vestisse novamente a calça e o paletó, que levara enrolados entre os joelhos durante a viagem e davam a impressão de que tinham acabado de sair da máquina de lavar roupa.

     Cerca de 45 minutos depois, o Zil, precedido por dois batedores de motocicleta que haviam aberto o caminho pela estrada e ruas de Moscou, passou pelo Portão Borovitsky, entrando no Kremlin, contornou o Grande Palácio e seguiu para a porta lateral do Prédio do Arsenal. Quando faltavam dois minutos para as seis horas, Adam Munro foi introduzido no apartamento particular do líder da União Soviética, deparando com um homem velho e cansado, metido num chambre e segurando uma xícara contendo leite morno. Rudin apontou para uma cadeira de espaldar reto. A porta foi fechada.

   — Com que então Adam Munro é você — disse Maxim Rudin. — Qual é a proposta do Presidente Matthews?

     Munro sentou-se na cadeira indicada e olhou através da mesa para Maxim Rudin. Já o vira por diversas vezes em cerimônias oficiais, mas nunca tão de perto. O velho parecia cansado e abatido.

     Não havia nenhum intérprete presente. E Rudin não falava inglês. Munro compreendeu que, enquanto esperava a chegada dele Rudin pedira sua ficha pessoal e sabia que ele era um diplomata da Embaixada britânica e falava russo.

     — A proposta, Sr. Secretário-Geral — disse Munro, em russo fluente — é um meio possível pelo qual os terroristas no superpetroleiro Freya possam ser persuadidos a abandonar o navio, sem obter o que estão desejando.

     — Quero deixar uma coisa bem clara, Sr. Munro: não se deve mais falar em libertar Mishkin e Lazareff.

     — Está certo, senhor. Para ser franco, eu esperava poder falar sobre Yuri Ivanenko.

     Rudin permaneceu impassível. Lentamente, ergueu a xícara com leite e tomou um gole.

     — Um dos dois deixou escapar algumas informações, senhor — acrescentou Munro. Para reforçar seu argumento, ele seria obrigado a revelar a Rudin que também sabia o que acontecera com Ivanenko. Mas não revelaria que soubera por intermédio de alguém da hierarquia do Kremlin, pois era possível que Valentina ainda estivesse livre.

     — Felizmente, ele falou para um dos nossos homens e tratamos de tomar todas as providências cabíveis.

     — Um dos seus homens? — murmurou Rudin, pensativo. — Ah, sim, acho que sei quem são. Quantos outros sabem?

     — O Diretor-Geral da minha organização, a Primeira-Ministra britânica, o Presidente Matthews e três dos seus assessores. Ninguém tem a menor intenção de revelar a informação para consumo público. Absolutamente nenhuma.

     Rudin ficou pensando por algum tempo.

     — Mas será que se pode dizer o mesmo de Mishkin e Lazareff?

     — É justamente esse o problema — disse Munro. — E sempre foi, desde que os terroristas, que são emigrados ucranianos, diga-se de passagem, capturaram o Freya.

     — Já falei para William Matthews que a única solução é destruir o Freya. Custaria um punhado de vidas, mas evitaria uma porção de problemas.

     — Todos esses problemas teriam sido evitados, se o avião em que os dois assassinos escaparam tivesse sido derrubado — retrucou Munro.

     Rudin fitou-o atentamente por baixo das sobrancelhas espessas.

     — Isso foi um erro.

     — Igual ao erro cometido esta noite, quando dois Migs-25 tentaram derrubar o avião em que eu estava voando?

     O velho líder russo levantou a cabeça, bruscamente, e murmurou:

     — Eu não sabia disso...

     Pela primeira vez, Munro acreditou nele.

     — Tenho certeza, senhor, de que a destruição do Freya não resolveria o problema. Há três dias, Mishkin e Lazareff não passavam de insignificantes fugitivos e seqüestradores de um avião, cumprindo penas de quinze anos numa prisão em Berlim. Agora, já se tornaram celebridades. Todos imaginam que a liberdade deles está sendo exigida apenas para que fiquem livres. Mas sabemos que não é esse o caso.

     “Se o Freya for destruído, o mundo inteiro vai indagar por que era tão vital que eles fossem mantidos na cadeia. Até agora, ninguém imagina que vital não é que eles continuem presos, mas sim que se mantenham calados. Com o Freya, sua carga e tripulação destruídos, a fim de mantê-los na prisão os dois não mais teriam motivos para continuar em silêncio. E por causa do Freya, o mundo acreditaria quando revelassem o que fizeram. Assim, mantê-los simplesmente na prisão já não mais resolve o problema.

     Rudin assentiu, lentamente.

     — Tem toda razão, meu jovem. Os alemães acreditariam neles e lhes dariam a oportunidade de uma entrevista à imprensa.

     — Exatamente. E é por isso que tenho outra sugestão.

     Munro descreveu o mesmo plano que já apresentara à Sra. Carpenter e ao Presidente Matthews, nas 12 horas anteriores. O russo não demonstrou surpresa nem horror, apenas interesse.

     — Daria certo? — indagou ele, finalmente.

     — Tem que dar. É a última alternativa. Devemos permitir que os dois sigam para Israel.

     Rudin olhou para o relógio na parede. Eram 6:45 da manhã, horário de Moscou. Dentro de 14 horas, ele teria de enfrentar Vishnayev e o resto do Politburo. Desta vez, não haveria um ataque indireto. O teórico do Partido apresentaria uma moção formal para um voto de desconfiança. Rudin sacudiu a cabeça grisalha.

     — Execute seu plano, Sr. Munro. Execute-o e torça para que dê certo. Pois se não der, não haverá mais Tratado de Dublin nem tampouco o Freya.

     Ele apertou uma campainha e a porta se abriu imediatamente Um imaculado major da guarda pretoriana do Kremlin apareceu

     — Vou precisar transmitir dois avisos, um para os americanos, outro para os meus companheiros — disse Munro. — Um representante de cada embaixada está esperando além das muralhas do Kremlin.

     Rudin deu ordens ao major, que assentiu e preparou-se para acompanhar Munro à saída. No momento em que passavam pela porta, Maxim Rudin chamou:

     — Sr. Munro...

     Munro virou-se. O velho líder russo estava na mesma posição em que o encontrara ao chegar, segurando a xícara com as duas mãos.

     — Se algum dia precisar de outro emprego, Sr. Munro, venha procurar-me. Há sempre lugar aqui para homens de talento.

     Quando a limusine Zil deixou o Kremlin pelo Portão Borovitsky, às sete horas da manhã, o Sol começava a despontar por detrás da torre da Catedral de São Basílio. Dois carros pretos estavam esperando lá fora, encostados ao meio-fio. Munro desceu da limusine e encaminhou-se para os dois carros. Entregou uma mensagem ao diplomata americano e outra ao diplomata britânico. Antes que levantasse vôo para Berlim, as instruções já estariam em Londres e Washington.

     As oito horas em ponto, o SR-71 levantou-se da pista do aeroporto Vnukovno II e virou para oeste, na direção de Berlim, a 1.600 quilômetros de distância. Estava sendo pilotado por um Coronel O'Sullivan profundamente desgostoso, que passara três horas observando seu precioso avião ser examinado e reabastecido por uma equipe de técnicos da Força Aérea soviética.

     — Para onde quer ir agora? — gritou ele pelo sistema de intercomunicação. — Não posso pousar em Tempelhof. Não há espaço suficiente para o Blackbird.

     — Pouse na base britânica em Gatow — disse Munro.

     — Primeiro os russos, agora os ingleses — resmungou o coronel americano. — Não sei por que não pomos logo esse passarinho em exposição pública. Parece que todo o mundo está hoje com o direito de dar uma olhada nele.

     — Se esta missão for bem-sucedida, talvez o mundo não precise mais de Blackbirds.

     O Coronel O'Sullivan, longe de se mostrar satisfeito, encarou a perspectiva como um desastre.

     — Sabe o que vou fazer se isso acontecer? — gritou ele. — Vou virar motorista de táxi. Estou pegando um bocado de prática.

     Lá embaixo, a cidade de Vilnius, na Lituânia, ficou para trás. Voando duas vezes mais depressa do que o Sol nascente, chegariam a Berlim às sete horas da manhã, horário local.

    

    

     Às cinco e meia da manhã, no Freya, enquanto Adam Munro estava num carro seguindo do Kremlin para o aeroporto, o telefone da cabine de comando tocou no camarote do comandante.

     O homem que se intitulava Svoboda atendeu, escutou por um momento e depois respondeu em ucraniano. Do outro lado da mesa, Thor Larsen observava-o através dos olhos semicerrados.

     O telefonema deixou o líder dos terroristas perplexo. Ele se sentou novamente, o rosto franzido, olhando para a mesa, até que um dos seus homens apareceu para substituí-lo na vigilância do comandante norueguês.

     Svoboda deixou Larsen sob a mira da submetralhadora nas mãos do seu companheiro mascarado e subiu para a cabine de comando. Ao voltar, 10 minutos depois, estava furioso.

     — Qual é o problema? — indagou Larsen. — Algo saiu' errado novamente?

     — Era o Embaixador alemão chamando de Haia. Os russos recusaram permissão para que qualquer jato alemão ocidental, oficial ou particular, use os corredores aéreos que saem de Berlim Ocidental.

     — É uma reação lógica. Dificilmente se poderia esperar que ajudassem na fuga dos homens que mataram o comandante de um dos seus aviões.

     Svoboda dispensou o companheiro, que fechou a porta depois de sair e voltou para a cabine de comando. O ucraniano voltou a sentar-se em seu lugar habitual, informando:

     — Os ingleses ofereceram ajuda ao Chanceler Busch, pondo um jato de comunicações da RAF à disposição para transportar Mishkin e Lazareff de Berlim a Tel Aviv.

     — Eu aceitaria o oferecimento — disse Larsen. — Afinal, os russos não hesitariam em deter um jato alemão, mesmo que para isso tivessem de derrubá-lo, alegando depois que foi um acidente. Mas nunca se atreveriam a disparar contra um jato militar da RAF num dos corredores aéreos. Está no limiar da vitória. Não a perca agora, por causa de uma mera questão técnica. Trate de aceitar.

     Svoboda olhou para o norueguês, os olhos injetados do cansaço, os movimentos lentos da falta de sono.

     — Tem razão. Eles podem perfeitamente derrubar um avião alemão. Para dizer a verdade, já aceitei o oferecimento.

     — Pois então está tudo acabado — disse Larsen, forçando um sorriso. — Vamos comemorar.

     Ele tinha duas xícaras de café a sua frente, servidas enquanto esperava pela volta de Svoboda. Empurrou uma das xícaras até a metade da mesa comprida. O ucraniano se esticou para alcançá-la. Numa operação muito bem planejada, era o primeiro erro que cometia...

     Thor Larsen avançou em sua direção por toda a extensão da mesa, a fúria acumulada nas últimas 50 horas se desencadeando na violência de um urso enfurecido.

     O guerrilheiro recuou rapidamente, estendeu. a mão para a arma, levantou-a, estava prestes a disparar. Um punho que mais parecia um tronco de árvore acertou-o na têmpora esquerda, arrancando-o da cadeira, jogando-o para trás, pelo chão do camarote.

     Se sua forma física não fosse tão boa, certamente teria perdido os sentidos. Mas estava em excelente estado físico e era mais jovem do que o norueguês. Ao cair, a arma escapuliu de sua mão e deslizou pelo chão. Levantou-se de mãos vazias, lutando para conter a carga do norueguês. Os dois caíram ao chão, braços e pernas entrelaçados, por entre os pedaços da cadeira quebrada e os cacos das duas xícaras.

     Larsen procurou usar seu peso e força, o ucraniano recorreu a sua juventude e agilidade. O ucraniano é que venceu. Desvencilhando-se das mãos de Larsen, correu para a porta. Quase conseguiu. A mão já se estava estendendo para a maçaneta quando Larsen voou por cima do tapete e segurou-lhe os tornozelos, puxando-os.

     Os dois homens se levantaram ao mesmo tempo, separados por um metro, o norueguês entre Svoboda e a porta. O ucraniano atacou com o pé, acertando o homem maior na virilha e fazendo-o dobrar-se de dor. Larsen recuperou-se prontamente, ergueu-se e se lançou contra o homem que ameaçara destruir seu navio.

     Svoboda deve ter-se lembrado de que o camarote era virtualmente à prova de som. Lutou em silêncio, esmurrando, mordendo, chutando, os dois rolando sobre o tapete, engalfinhados, sobre os destroços da cadeira e os cacos de vidro. Em algum lugar, no chão, estava a arma que poderia acabar com a luta; e no cinto de Svoboda estava o oscilador com o botão vermelho que, se comprimido, poderia acabar com tudo.

     A luta acabou em dois minutos. Thor Larsen conseguiu livrar uma mão, agarrou a cabeça do ucraniano e empurrou-a violentamente contra o pé da mesa. Svoboda ficou rígido por um momento e depois desabou, inerte. Sob os cabelos, um filete de sangue começou a escorrer, descendo pela testa.

     Ofegante de cansaço, Thor Larsen levantou e olhou para o homem inconsciente. Cuidadosamente, tirou o oscilador do cinto do ucraniano, segurando-o com a mão esquerda e se dirigindo até uma janela no lado de estibordo, fechada com trancas com cabeça de borboleta. Com uma das mãos, começou a desaparafusar. Tirou a primeira, começou a trabalhar na segunda. Mais alguns segundos um único arremesso e o oscilador passaria pela janela, atravessaria três metros de convés de metal e cairia no Mar do Norte.

     No chão atrás dele, a mão do jovem terrorista estendeu-se sobre o tapete na direção da arma caída. Larsen tinha acabado de tirar a segunda tranca e estava puxando a janela para dentro quando Svoboda se levantou, com extrema dificuldade, contornando a mesa e disparando.

     O estampido da arma no camarote fechado foi ensurdecedor. Thor Larsen foi arremessado pelo impacto contra a parede, ao lado da janela. Olhou primeiro para sua mão esquerda e depois para Svoboda. O ucraniano também o fitava, incrédulo.

     O tiro único acertara o comandante norueguês na palma da mão esquerda, a mão que segurava o oscilador, comprimindo contra a carne estilhaços de plástico e vidro. Durante 10 segundos, os dois homens ficaram olhando um para o outro, completamente imóveis, esperando pelas sucessivas explosões que assinalariam o fim do Freya.

     Mas as explosões jamais ocorreram. A bala fragmentara o detonador, espatifando-o antes que tivesse tempo de alcançar o som tonal que explodiria as bombas.

     Lentamente, o ucraniano apoiou-se na mesa, para não cair. Thor Larsen olhava para o fluxo de sangue que escorria da mão ferida para o tapete. Depois, olhou para o terrorista ofegante.

     — Eu venci, Sr. Svoboda, eu venci... Não pode mais destruir meu navio e minha tripulação.

     — Pode saber disso, Comandante Larsen — disse o homem que empunhava a arma. — Assim como eu também sei. Mas eles... — Gesticulou pela janela aberta, na direção dos navios de guerra da OTAN, na claridade difusa que antecedia o amanhecer, ainda todo iluminados. — ... não sabem disso. O jogo continua. Mishkin e Lazareff chegarão a Israel.

    

                        06:00 às 16:00

     A Penitenciária de Moabit, em Berlim Ocidental, tem duas partes. A mais antiga é anterior à Segunda Guerra Mundial. Durante os anos 60 e início dos 70, quando o bando da Baader-Meinhof espalhava uma onda de terror pela Alemanha, uma nova seção foi construída. Dispunha de sistemas de segurança ultramodernos, o aço e concreto mais resistentes, circuitos de televisão, portas e grades controladas eletronicamente.

     No andar superior, David Lazareff e Lev Mishkin foram despertados em suas celas separadas pelo Diretor da Penitenciária, às seis horas da manhã de domingo, 3 de abril de 1983.

     — Vão ser libertados e levados de avião para Israel esta manhã — disse o Diretor, bruscamente. — A decolagem está marcada para as oito horas. Preparem-se para partir. Sairemos daqui, a caminho do aeroporto, às sete e meia.

     Dez minutos depois, o Comandante Militar do Setor britânico estava falando pelo telefone com o Prefeito de Berlim.

     — Lamento profundamente, Herr Burgomeister, mas não há á menor possibilidade de uma decolagem do aeroporto civil de Tegel. Por um lado, porque o avião a ser usado, nos termos do acordo entre os nossos governos, será um jato da RAF e as instalações de reabastecimento e manutenção do aparelho são muito melhores em nosso próprio aeroporto, em Gatow. Por outro, porque queremos evitar o caos de uma invasão da imprensa, o que poderemos conseguir mais facilmente em Gatow. Seria muito difícil evitar a aproximação da imprensa em Tegel.

     Particularmente, o Prefeito de Berlim sentiu-se aliviado. Se os britânicos assumissem o comando de toda a operação, quaisquer possíveis desastres passariam a ser da responsabilidade deles. Com as eleições regionais se aproximando, Berlim era uma cidade em que qualquer contratempo poderia ter conseqüências imprevisíveis.

     — E o que deseja que façamos, General?

     — Londres pediu-me que sugerisse que esses criminosos sejam metidos num carro fechado e blindado em Moabit e levados diretamente para Gatow. Seus homens podem entregá-los aos nossos cuidados em segurança, além das cercas da base. E é claro que assinaremos um documento informando que os recebemos.

     A imprensa é que não ficou muito feliz. Mais de 400 repórteres, fotógrafos e cinegrafistas estavam acampados diante da Penitenciária de Moabit desde o comunicado de Bonn na noite anterior, informando que os prisioneiros seriam libertados e metidos num avião às oito horas daquela manhã. Desejavam desesperadamente tirar fotografias da dupla de seqüestradores partindo para o aeroporto. Outras dezenas de jornalistas cercavam o aeroporto civil em Tegel, procurando os melhores pontos nos terraços de observação e outros pontes do prédio do terminal, a fim de operar suas teleobjetivas. Todos estavam fadados a ficar profundamente frustrados.

   A grande vantagem da Base britânica em Gatow é o fato de ocupar uma das áreas mais afastadas e isoladas dentro do perímetro cercado de Berlim Ocidental, no lado oeste do largo Rio Havei, bem perto da fronteira com a Alemanha Oriental comunista, que cerca a cidade sitiada por todos os lados.

     No interior da base, horas antes do amanhecer já havia uma atividade controlada. Entre três e quatro horas da madrugada, uma versão da RAF do jato executivo HS 125, conhecida oficialmente como Dominie, viera da Inglaterra para aquele vôo especial. O avião foi equipado com tanques de combustível para vôos de longa distância, proporcionando-lhe amplas reservas para ir de Berlim a Tel Aviv, sobrevoando Munique, Veneza e Atenas, sem passar em nenhum momento por espaço aéreo comunista. Sua velocidade de cruzeiro de 800 quilômetros horários permitiria ao Dominie completar o percurso de 3.500 quilômetros até Tel Aviv em pouco mais de quatro horas.

     Depois de pousar, o Dominie fora rebocado até um hangar afastado, onde havia sido reabastecido e devidamente preparado para o longo vôo.

     A imprensa estava tão absorvida em vigiar a Penitenciária de Moabit e o aeroporto civil em Tegel que ninguém notou um veloz SR-71 passar pela fronteira Alemanha Oriental-Berlim Ocidental, na extremidade da cidade, indo pousar na pista principal de Gatow, apenas três minutos depois das sete horas. Esse aparelho também foi rapidamente rebocado para um hangar vazio, onde uma equipe de técnicos e mecânicos da Força Aérea dos Estados Unidos, deslocados de Tempelhof, fecharam apressadamente as portas para evitar os olhos curiosos e começaram imediatamente a trabalhar nele. O SR-71 cumprira sua missão. Um aliviado Coronel O'Sullivan descobriu-se finalmente cercado por seus compatriotas, sabendo que seu próximo destino seria sua terra tão amada, os Estados Unidos da América.

     O passageiro do Blackbird deixou o hangar e foi cumprimentado por um jovem líder de esquadrilha, que estava esperando, com um Landrover.

     — Sr. Munro?

     — Sou eu mesmo.

     Munro apresentou sua identificação, que o oficial da RAF examinou atentamente.

     — Há dois cavalheiros esperando para falar-lhe no refeitório, senhor.

     Se fosse necessário, os dois cavalheiros poderiam provar que eram servidores civis subalternos, trabalhando no Ministério da Defesa. O que nenhum dos dois jamais iria admitir é que estavam envolvidos em trabalhos experimentais num laboratório isolado e pouco conhecido, cujas descobertas, assim que ficavam prontas, eram imediatamente incluídas na classificação de ultra-secretas.

     Os dois homens estavam vestidos impecavelmente e ambos carregavam pastas de executivo. Um deles usava óculos sem aros e era médico; ou melhor, fora, até que ele e a profissão de Hipócrates haviam-se despedido para sempre. O outro era seu subordinado, um antigo enfermeiro.

     — Trouxeram o equipamento que pedi? — indagou Munro, sem qualquer preâmbulo.

     Como resposta, o homem mais velho abriu sua pasta e tirou uma caixa achatada, que não era maior do que uma cigarreira. Abriu-a e mostrou a Munro o que estava lá dentro, aninhado numa camada de algodão.

     — Dez horas — disse ele. — Não mais do que isso.

     — O prazo é apertado — murmurou Munro. — Muito apertado mesmo.

     Eram sete e meia de uma ensolarada manhã de domingo.

    

     O Nimrod do Comando Costeiro ainda continuava a circular interminavelmente 5.000 metros acima do Freya. Além de observar o superpetroleiro, tinha agora também a missão de observar a mancha de petróleo que fora vazado no Mar do Norte ao meio-dia anterior. A gigantesca mancha continuava deslocando-se preguiçosamente pela superfície do mar, ainda fora do alcance dos rebocadores que iriam lançar o detergente e que não tinham permissão para entrar na área imediatamente ao redor do Freya.

     Depois do despejo, a mancha de petróleo deslizara lentamente para nordeste do petroleiro, na correnteza de um nó, seguindo para a costa setentrional da Holanda. Durante a noite, porém, a mancha parará, com a maré entrando em refluxo e uma brisa amena agitando-a em diversos pontos. Antes do amanhecer, a mancha já voltara, até passar pelo Freya novamente e se afastar cerca de duas milhas para o sul do seu costado, na direção da Holanda e Bélgica.

     Nos rebocadores e embarcações de combate a incêndios, todos carregados ao máximo com o emulsificador concentrado, os cientistas emprestados de Warren Springs rezavam para que o mar permanecesse calmo e a brisa amena, até que pudessem entrar em ação. Uma súbita mudança no vento, uma piora do tempo e a gigantesca mancha poderia fragmentar-se, sendo impelida pela tempestade para as praias da Inglaterra ou da Europa Continental.

     Meteorologistas na Inglaterra e Europa Continental observavam com apreensão a aproximação de uma frente fria, procedente do Estreito da Dinamarca, trazendo ar frio para dissipar a onda de calor fora de época, e possivelmente vento e chuva. Vinte e quatro horas de tempestade acabariam com o mar calmo e tornariam in-controlável a mancha de petróleo. Os ecologistas rezavam para que a frente fria iminente não trouxesse mais nada além de um nevoeiro marítimo.

     A bordo do Freya, enquanto os minutos que faltavam para oito horas iam-se escoando, os nervos tornavam-se cada vez mais tensos. Andrew Drake, assistido por dois homens com submetralhadoras para evitar outro ataque do norueguês, permitira que o Comandante Larsen usasse sua caixa de primeiros-socorros para fazer um curativo na mão. O rosto extremamente pálido por causa da dor, o comandante arrancara da carne ensangüentada da palma tantos fragmentos de plástico e vidro quantos pudera, enfaixando a mão em seguida e colocando-a numa tipóia improvisada, pendurada do pescoço. Svoboda observava-o do outro lado do camarote, com um esparadrapo cobrindo o talho em sua testa.

     — Uma coisa tenho de reconhecer, Thor Larsen: é um homem de extraordinária coragem. Mas nada mudou. Ainda posso derramar no mar até a última tonelada de petróleo deste navio, com suas próprias bombas. Antes de chegar à metade, os navios de guerra que nos cercam vão começar a atirar e completar o trabalho. Se os alemães renegarem novamente sua promessa, será justamente isso o que vai acontecer, exatamente às nove horas.

    

     Precisamente às sete e meia, os jornalistas do lado de fora da Penitenciária de Moabit foram recompensados por sua vigília. Os portões duplos que davam para a Klein Moabit Strasse se abriram pela primeira vez e eles puderam ver um furgão blindado, todo fechado. De janelas de apartamentos no outro lado da rua, os fotógrafos bateram todas as chapas que podiam e que não foram muitas. Toda a frota de carros da imprensa preparou-se para seguir o furgão, onde quer que fosse.

     Simultaneamente, as unidades de transmissão externa de televisão apontavam suas câmaras e os repórteres de rádio falavam excitadamente por seus microfones. No instante mesmo em que falavam, suas palavras eram transmitidas para as diversas cidades de onde tinham vindo. Como não poderia deixar de ser, lá estava também um homem da BBC. Sua voz ecoou no camarote do Freya, onde Andrew Drake, que começara tudo aquilo, estava sentado escutando o rádio.

     — Eles já estão a caminho — disse Drake, com evidente satisfação. — Agora, não falta muito para esperar. Está na hora de comunicar os detalhes finais da recepção de Mishkin e Lazareff em Tel Aviv.

     O ucraniano partiu para a cabine de comando. Dois homens ficaram vigiando o comandante do Freya, afundado em sua cadeira à mesa, lutando com um cérebro extenuado contra as ondas de dor que se irradiavam de sua mão espatifada e sangrando.

     O furgão blindado, precedido por batedores em motocicletas com as sirenes ligadas, passou pelos portões de grade de aço, com três e meio metros de altura, entrando na Base britânica em Gatow. A barreira foi imediatamente fechada, no instante em que o primeiro carro do cortejo que vinha atrás, repleto de jornalistas, tentava passar também. O carro parou, os pneus rangendo. Os portões foram fechados. Minutos depois, uma multidão de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas protestava veementemente diante dos portões, exigindo que os deixassem entrar.

     Gatow não contém apenas uma Base Aérea, mas é também o quartel de uma unidade do Exército. O comandante era um general do Exército. Os homens nos portões eram da Polícia Militar, quatro gigantes com capacetes vermelhos, impassíveis e indiferentes.

     — Não podem fazer isso! — gritou um ultrajado fotógrafo da Spiegel. — Exigimos que nos permitam ver os prisioneiros partindo!

     — Não vai ser possível, Fritz — disse, calmamente, o Sargento Farrow. — Recebemos ordens e vamos cumpri-las.

     Os repórteres correram para telefones públicos, a fim de se queixar a seus editores. Estes, por sua vez, queixaram-se ao Prefeito de Berlim, que manifestou sua simpatia pela posição dos jornalistas e prometeu que entraria em contato imediatamente com o comandante de Gatow. Depois que o telefone parou de tocar, o Prefeito recostou-se em sua cadeira e acendeu um charuto.

     No interior da base, Adam Munro entrou no hangar em que estava o Dominie, acompanhado pelo oficial encarregado da manutenção do avião.

     — Como está o avião? — perguntou Munro ao suboficial incumbido de verificar e ajustar todos os sistemas.

     — Cem por cento, senhor — respondeu o veterano mecânico.

     — Não está, não — declarou Munro. — Se der uma olhada sob a coberta do motor, tenho certeza de que vai descobrir um defeito elétrico que está precisando ser reparado.

     O suboficial olhou aturdido para o estranho, fitando em seguida seu oficial.

     — Faça o que ele está dizendo, Mister Barker — determinou o oficial. — Tem de haver um atraso por motivos técnicos. O Dominie não deve ficar pronto para a decolagem por mais algum tempo. Mas as autoridades alemãs devem acreditar que se trata de um defeito técnico genuíno. Abra o motor e comece a trabalhar.

     O Suboficial Barker passara 30 anos cuidando da manutenção de aviões para a RAF. As ordens de um oficial não deveriam ser desobedecidas, mesmo partindo de um civil todo desgrenhado e amarrotado, que deveria estar envergonhado da maneira como se vestia, para não falar da barba que há alguns dias não era feita.

     O Diretor da Penitenciária de Moabit, Alois Bruckner, chegara à base em seu própri6 carro, para testemunhar a entrega dos prisioneiros aos ingleses e a partida do avião para Israel. Ao ser informado de que o avião ainda não estava pronto para decolar, Bruckner ficou furioso e exigiu para ver o aparelho pessoalmente.

     Entrou no hangar escoltado pelo Comandante da RAF na base e foi encontrar o Suboficial Barker com a cabeça e ombros mergulhados no motor de estibordo do Dominie.

     — Qual é o problema? — perguntou o alemão, exasperado. O Suboficial Barker levantou a cabeça.

     — Um curto-circuito elétrico, senhor. Foi constatado durante o teste de aceleração dos motores, há poucos minutos. O conserto não vai demorar muito.

     — Esses homens devem decolar às oito horas em ponto, dentro de dez minutos — disse Bruckner. — Às nove horas, os terroristas no Freya vão despejar no mar cem mil toneladas de petróleo.

     — Estou fazendo tudo o que posso, senhor. E se eu pudesse continuar em meu trabalho agora, tenho certeza de que conseguiria acabar muito mais depressa.

     O Comandante da RAF saiu com Herr Bruckner do hangar. Ele também não tinha a menor idéia do que significavam as ordens de Londres, mas eram ordens e tencionava obedecê-las.

     — Por que não vamos até o refeitório dos oficiais e tomamos uma xícara de chá? — sugeriu ele ao alemão.

     — Não quero uma xícara de chá, mas sim uma decolagem para Tel Aviv! — disse o frustrado Herr Bruckner. — E tenho que telefonar imediatamente para o Prefeito de Berlim!

     — Pois o refeitório dos oficiais é o melhor lugar para fazer sua ligação — disse o Comandante da RAF. — Por falar nisso, como os prisioneiros não podem permanecer trancados naquele furgão por muito mais tempo, mandei que fossem transferidos para celas da Polícia Militar. Ficarão seguros e confortáveis lá.

     Faltavam cinco minutos para oito horas quando o correspondente de rádio da BBC recebeu informações diretamente do Comandante da RAF na base sobre o defeito técnico no Dominie. Sete minutos depois, as informações foram transmitidas no noticiário das oito horas da emissora. A notícia foi ouvida no Freya e Svoboda comentou:

     — É melhor eles se apressarem...

     Adam Munro e os dois civis entraram no pequeno xadrez da Polícia Militar logo depois de oito horas. Era uma construção pequena, usada apenas para alojar algum ocasional prisioneiro militar, com quatro celas seguidas. Mishkin estava na primeira, Lazareff na quarta. O civil subalterno deixou que Munro e seu colega entrassem no corredor que levava às celas, depois fechou a porta e ficou encostado nela.

     — Interrogatório de último minuto — disse ele ao ultrajado sargento da Polícia Militar que estava no comando do pequeno xadrez. — Pessoal do serviço secreto.

     O sargento deu de ombros e voltou para a sala da guarda, sem dizer mais nada.

     Munro entrou na primeira cela. Lev Mishkin, em trajes civis, estava sentado na beira do catre, fumando um cigarro. Fora informado de que estava finalmente a caminho de Israel, mas ainda se mostrava muito nervoso e ignorando a maior parte do que acontecera nos últimos três dias.

     Munro fitou-o atentamente. Quase que temera encontrá-lo. Mas se não fosse por aquele homem e seus planos loucos de assassinar Yuri Ivanenko, em busca de algum sonho distante, sua amada Valentina estaria naquele momento fazendo as malas, preparando-se para a viagem à Romênia, onde trabalharia na conferência do Partido, depois iria para umas curtas férias na Praia de Mammaia e finalmente para a lancha que a levaria à liberdade. Ele viu novamente as costas da mulher a quem amava passando pelas portas de vidro da loja, saindo para a rua de Moscou, o homem de capa cinza empertigar-se e começar a segui-la.

     — Sou médico — disse ele, em russo. — Seus amigos, os ucranianos que estão exigindo sua libertação, também insistiram para que eu os examinasse, a fim de verificar se estão fisicamente aptos para a viagem.

     Mishkin levantou-se, dando de ombros. Não estava esperando as quatro pontas dos dedos esticados que bateram fundo em seu plexo solar, não estava esperando a pequena lata que foi aproximada de seu nariz enquanto procurava sofregamente sorver um pouco de ar, não pôde evitar de aspirar o vapor de aerosol que saiu do bico da lata, misturando-se com sua respiração. Quando o gás de efeito instantâneo atingiu seus pulmões, as pernas se dobraram e ele tombou, sem fazer qualquer ruído. Munro segurou-o sob as axilas, antes que o rapaz caísse no chão, e estendeu-o na cama, cuidadosamente.

     — O efeito vai perdurar por cinco minutos, não mais do que isso — disse o civil do Ministério da Defesa. — Depois, ele vai acordar com a mente meio confusa, mas sem quaisquer outros efeitos secundários. É melhor agir depressa.

     Munro abriu sua pasta e tirou a caixa contendo a seringa hipodérmica, o algodão e um vidro pequeno de éter. Ensopando o algodão no éter, passou-o num trecho do antebraço direito do prisioneiro, a fim de esterilizar a pele, suspendeu a seringa contra a luz e apertou-a, até que um jato fino de líquido esguichasse da agulha, expelindo as últimas bolhas de ar.

     A injeção foi aplicada em menos de três segundos. Lev Mishkin ficaria sob seus efeitos por cerca de duas horas, muito mais do que era necessário, mas um período que não poderia ser reduzido.

     Os dois homens deixaram a cela e fecharam a porta, seguindo pelo corredor para a última cela, em que estava David Lazareff, que nada tinha ouvido e estava andando de um lado para outro, repleto de energia nervosa. O jato de aerosol funcionou com o mesmo efeito instantâneo. Dois minutos depois, uma injeção também fora aplicada em Lazareff.

     O civil que acompanhava Munro enfiou a mão no bolso interno do paletó e tirou uma latinha pequena e fina. Estendeu para Munro, dizendo friamente:

     — Agora, deixo tudo a seu cargo. Não sou pago para fazer mais do que já fiz.

     Nenhum dos seqüestradores sabia nem jamais saberia o que lhes havia sido injetado. Era uma mistura de dois narcóticos, chamados Pethadene e Hyacine pelos ingleses, e Meperidine e Scopolamine pelos americanos. Combinados, tinham efeitos extraordinários.

     Faziam com que o paciente permanecesse acordado, embora ligeiramente sonolento, propenso e capaz de obedecer a quaisquer ordens. Tinham também o efeito de distorcer o tempo, de tal forma que, ao livrar-se dos efeitos depois de quase duas horas, o paciente ficava com a impressão de que sofrerá uma vertigem que durara apenas alguns segundos. Finalmente, causavam uma amnésia completa; quando os efeitos passavam, o paciente não tinha a menor recordação de tudo o que acontecera durante o período de intervalo. Somente uma consulta ao relógio poderia revelar-lhe quanto tempo se passara.

     Munro voltou à cela de Mishkin. Ajudou o jovem a sentar-se na cama, de costas para a parede.

     — Olá — disse ele.

     — Olá — respondeu Mishkin, sorrindo.

     Estavam falando em russo, mas Mishkin jamais se lembraria disso.

     Munro abriu a caixinha de metal, tirou as duas metades de uma cápsula comprida, no formato de um torpedo, atarraxou rapidamente as duas extremidades.

     — Quero que tome essa pílula — disse ele a Mishkin, estendendo-a, juntamente com um copo com água.

     — Claro — respondeu Mishkin, engolindo a pílula sem a menor hesitação.

     Munro tirou da pasta um relógio operado por bateria e acertou um mecanismo de tempo que havia, atrás. Pendurou-o na parede. Os ponteiros marcavam oito horas, mas não se estavam movendo. Deixou Mishkin sentado na cama e voltou para a cela de Lazareff. Cinco minutos depois, o trabalho estava acabado. Munro tornou a guardar todas as coisas na pasta e deixou o corredor das celas.

     — Eles devem permanecer em total isolamento até o avião ficar pronto para a partida — disse ele ao sargento da Polícia Militar na sala da guarda. — Ninguém deve ir vê-los. São ordens expressas do Comandante da Base.

     Pela primeira vez, Andrew Drake estava falando pessoalmente com o Primeiro-Ministro da Holanda, Jan Grayling. Mais tarde, lingüistas ingleses iriam situar a voz gravada como sendo originária de um raio de 40 quilômetros da cidade de Bradford, na Inglaterra. A esta altura, porém, já seria tarde demais para que a informação tivesse alguma utilidade.

     — Vou apresentar agora os termos para a chegada de Mishkin e Lazareff a Israel — disse Drake. — Não vou esperar mais do que uma hora, depois de o avião decolar de Berlim, para que o Primeiro-Ministro Golen apresente publicamente uma garantia de que todos os termos serão respeitados. Se não forem, a libertação dos meus amigos será considerada nula e inexistente.

     “Um: os dois devem deixar o avião a pé, avançando lentamente e passando pelo terraço de observação no alto do prédio principal do terminal do Aeroporto Ben Gurion.

     “Dois: o acesso a esse terraço deve ser aberto ao público. As forças de segurança israelense não devem instituir qualquer espécie de controle ou vigilância do público.

     “Três: se houver qualquer troca de prisioneiros, se quaisquer atores parecidos estiverem substituindo os meus amigos, saberei com certeza em poucas horas.

     “Quatro: três horas antes de o avião pousar no Aeroporto Ben Gurion, as emissoras de rádio israelenses devem divulgar a hora da chegada, informando que toda e qualquer pessoa que desejar comparecer para assistir ao acontecimento será bem-vinda. A transmissão deve ser em hebraico, inglês, francês e alemão. Isso é tudo.

     Jan Grayling apressou-se em falar, em tom de urgência:

     — Sr. Svoboda, todas essas exigências foram devidamente anotadas e serão transmitidas imediatamente ao Governo israelense. Tenho certeza de que eles concordarão. Por favor, não suspenda o contato. Acabo de receber um comunicado urgente dos ingleses, de Berlim Ocidental.

     — Pode falar — disse Drake, bruscamente.

     — Os técnicos da RAF que estão preparando o jato executivo num hangar do aeroporto de Gatow informaram que surgiu um grave defeito elétrico esta manhã, durante o teste dos motores. Imploro que acredite que não se trata de nenhum truque. Eles estão trabalhando o mais depressa possível para reparar o defeito. Mas, infelizmente, haverá um atraso de uma ou duas horas.

     — Se isso for um truque, vai custar às suas praias uma camada de cem mil toneladas de petróleo bruto! — disse Drake, rispidamente.

     — Não é um truque! — gritou Grayling, desesperado. — Todo avião sofre ocasionalmente uma falha técnica. É desastroso que tivesse acontecido ao avião da RAF logo agora. Mas aconteceu e o defeito não pode deixar de ser reparado. E está sendo reparado rapidamente, neste momento mesmo, enquanto falamos.

     Houve silêncio por algum tempo, enquanto Drake pensava.

      — Quero que a decolagem seja testemunhada por quatro repórteres de rádio, de diferentes países, cada um em contato ao vivo e direto com sua emissora. Quero que cada um transmita todos os detalhes da decolagem. Os repórteres devem ser da Voz da América, Voz da Alemanha, BBC e a ORTF francesa. Todos devem transmitir em inglês, começando cinco minutos antes da decolagem e continuando por cinco minutos após.

     Jan Grayling pareceu ficar aliviado.

     — Vou tomar todas as providências necessárias para que o pessoal da RAF em Gatow permita a entrada desses quatro repórteres de rádio que vão testemunhar a decolagem.

     — É melhor que eles permitam — disse Drake. — Vou suspender o despejo das cem mil toneladas de petróleo por três horas. Mas, exatamente ao meio-dia, começaremos a bombear o petróleo para o mar, se nossas exigências não estiverem até lá devidamente atendidas.

     Houve um estalido e a ligação emudeceu.

    

     O Primeiro-Ministro Benyamin Golen estava em seu gabinete em Jerusalém naquela manhã de domingo. O Sabá terminara e era um dia normal de domingo. Passava das 10 horas, duas a mais do que na Europa Ocidental.

     O Primeiro-Ministro holandês mal havia terminado a conversa com o líder dos terroristas quando a pequena unidade de agentes da Mossad, instalada num apartamento em Rotterdam, transmitiu a mensagem do Freya para Israel. Eles se adiantaram aos canais diplomáticos em mais de uma hora.

     Foi o assessor pessoal para questões de segurança do Primeiro-Ministro Golen quem lhe levou a transcrição da transmissão do Freya e colocou-a sem dizer nada na mesa dele. Golen leu rapidamente.

      — O que eles estão querendo?

     — Estão tomando todas as precauções para evitar uma troca de prisioneiros — respondeu o assessor. — Teria sido uma, manobra óbvia, encontrar dois jovens parecidos para se fazerem passar por Mishkin e Lazareff.

     — Mas quem vai reconhecer os verdadeiros Mishkin e Lazareff aqui em Israel?

     O assessor deu de ombros.

     — Alguém no terraço de observações. Eles devem ter um companheiro aqui em Israel que pode reconhecer os dois de vista. Ou, mais provavelmente, é alguém que Mishkin e Lazareff podem reconhecer.

     — E depois do reconhecimento?

     — Alguma mensagem ou sinal presumivelmente será transmitida aos meios de comunicação para ser irradiada, confirmando aos homens no Freya que seus amigos chegaram a Israel sãos e salvos. Sem essa mensagem, eles pensarão que foram enganados e executarão todas as suas ameaças.

     — Outro terrorista? Aqui em Israel? Não vou admitir isso! — disse Benyamin Golen. — Podemos ser anfitriões de Mishkin e Lazareff, mas não seremos de mais ninguém! Quero que o terraço de observação fique sob permanente vigilância. Se alguém ali receber algum sinal dos dois homens, no momento em que chegarem, quero que seja seguido. Deixem que ele transmita a mensagem, mas prendam-no imediatamente depois.

    

     No Freya, a manhã foi-se arrastando com uma lentidão angustiante. A cada 15 minutos, Andrew Drake, sintonizando seu rádio portátil, ouvia os noticiosos em inglês da Voz da América ou do Serviço Internacional da BBC. A cada vez, ouvia a mesma notícia: ainda não ocorrera a decolagem. Os mecânicos continuavam trabalhando no motor defeituoso do Dominie.

     Pouco depois das nove horas, os quatro repórteres de rádio designados por Drake para testemunhar a decolagem foram admitidos na Base de Gatow e escoltados pela Policia Militar até o refeitório dos oficiais, onde lhes ofereceram café e biscoitos. Foram providenciados contatos telefônicos diretos com seus escritórios em Berlim, de onde foram abertos circuitos de rádio com seus respectivos países. Nenhum deles se encontrou com Adam Munro, que tomara emprestado o gabinete particular do Comandante da Base e estava falando com Londres.

     No outro lado do cruzador Argyll, as três velozes lanchas dos comandos, Sabre, Cimitarra e Alfanje, estavam à espera. Na Alfanje, o Major Fallon reunira seus 12 comandos do Serviço Especial Marítimo.

     — Temos de presumir que vão deixar os filhos da mãe escaparem — disse Fallon a seus homens. — Em algum momento, nas próximas duas horas, eles vão decolar de Berlim Ocidental para Israel. Devem chegar lá cerca de quatro horas e meia depois. Assim durante o final da tarde ou à noite, se cumprirem sua palavra, 0s terroristas vão deixar o Freya. Ainda não sabemos para que lado eles seguirão, mas provavelmente será na direção da Holanda, o mar está vazio de navios naquele lado. Quando eles estiverem a três milhas do Freya e fora do alcance possível para um pequeno transmissor-detonador de baixa potência acionar os explosivos, técnicos da Marinha Real vão abordar o petroleiro e desmontar as cargas. Mas isso não é problema nosso. — Fallon fez uma pausa, antes de acrescentar: — Nós vamos atrás daqueles miseráveis. E quero o tal de Svoboda. Ele é meu, entendido?

     Houve uma série de acenos e diversos sorrisos. Eles estavam preparados para a ação, o que lhes fora negado. O instinto de caça que possuíam era bastante forte.

     — A lancha deles é muito mais lenta do que as nossas — continuou Fallon. — Eles terão uma dianteira de oito milhas, mas creio que poderemos alcançá-los umas três ou quatro milhas antes de chegarem à costa. O Nimrod continua lá por cima, em contato permanente com o Argyll. E este nos dará todas as orientações de que precisarmos. Quando chegarmos perto, acenderemos nossos refletores. E quando os avistarmos, vamos acabar com eles. Londres diz que ninguém está interessado em prisioneiros. Não me perguntem por quê. Talvez queiram que os terroristas sejam silenciados por motivos que desconhecemos. Eles nos encarregaram do trabalho e vamos realizá-lo.

     A algumas milhas de distância, o Comandante Mike Manning estava também vendo os minutos se escoarem. Também esperava por notícias de Berlim, informando que os mecânicos haviam concluído os reparos no motor do Dominie. As notícias da madrugada, quando estava sentado insone em sua cabine, aguardando a terrível ordem de disparar seus canhões e destruir o Freya, sua carga e tripulação, haviam-no deixado surpreso. Inesperadamente, o Governo dos Estados Unidos mudara sua atitude do pôr-do-sol anterior. Ao invés de protestar contra a libertação dos dois homens que estavam em Moabit, ao invés de se preparar para destruir o Freya a fim de impedir que fossem soltos. Washington não tinha agora qualquer objeção. Mas sua principal emoção era de alívio, um alívio intenso pelo fato de as ordens criminosas terem sido canceladas, a menos que... a menos que alguma coisa saísse errada. Enquanto os dois judeus ucranianos não desembarcassem no Aeroporto Ben Gurion, ele não ficaria convencido inteiramente de que as ordens para transformar o Freya numa pira fúnebre pertenciam ao passado.

    

     Quando faltavam 15 minutos para 10 horas da manhã, nas celas do pequeno xadrez da Base de Gatow, Mishkin e Lazareff saíram dos efeitos do narcótico que lhes havia sido aplicado às oito horas. Quase que simultaneamente, os relógios que Adam Munro pendurara na parede das duas celas começaram a funcionar, os ponteiros entrando em movimento.

     Mishkin sacudiu a cabeça e esfregou os olhos. Sentia-se sonolento e ligeiramente tonto. Atribuiu esse estado à noite bruscamente interrompida, às horas sem sono, ao excitamento. Olhou para o relógio na parede; passavam dois minutos das oito horas. Quando ele e David Lazareff haviam passado pela sala da guarda, a caminho das celas, o relógio ali existente marcava exatamente oito horas. Ele se espreguiçou, levantou-se e começou a andar de um lado para outro da cela. Cinco minutos depois, na cela ao final do corredor, Lazareff também teve a mesma reação.

     Adam Munro entrou no hangar em que o Suboficial Barker ainda estava mexendo no motor de estibordo do Dominie.

     — Como estão indo os reparos, Mister Barker? — perguntou ele.

     O veterano técnico levantou a cabeça do compartimento do motor e olhou para o civil com uma expressão irritada.

     — Posso perguntar-lhe, senhor, por quanto tempo mais deverei manter essa encenação? Sabe muito bem que o motor está perfeito.

     Munro olhou para o relógio.

     — São dez e meia — disse ele. — Dentro de uma hora exatamente, eu gostaria que telefonasse para a sala de vôo e o refeitório dos oficiais, informando que o aparelho está pronto para decolar.

     — Então o avião estará pronto às onze e meia, senhor — declarou o Suboficial Barker.

     Em sua cela, David Lazareff olhou novamente para o relógio na parede. Tinha a impressão de que estava andando de um lado para outro há apenas meia hora, mas o relógio indicava que já eram nove horas. Uma hora se passara, mas parecia ter sido muito rápida. Mas no isolamento de uma cela, o tempo prega estranhas peças nos sentidos. E afinal os relógios são sempre acurados. Nunca lhe ocorreu nem a Mishkin que os relógios em suas celas estavam-se movendo ao dobro da velocidade comum, a fim de compensarem os 100 minutos desaparecidos de suas vidas, até sincronizarem com os relógios fora das celas, o que aconteceria precisamente às 11:30.

    

     Às 11 horas, o Primeiro-Ministro Jan Grayling estava telefonando de Haia para o Prefeito de Berlim Ocidental.

     — Mas que diabo está acontecendo, Herr Burgomeister?

     — Não tenho a menor idéia — gritou o exasperado Prefeito de Berlim Ocidental. — Os ingleses dizem que estão quase acabando de reparar o seu maldito motor. Não posso compreender por que eles não usam logo um avião da British Airways do aeroporto civil. Pagaríamos pelo custo extra de tirar o avião de serviço para voar até Israel transportando apenas dois passageiros.

     — Dentro de uma hora aqueles lunáticos no Freya vão despejar cem mil toneladas de petróleo bruto no Mar do Norte e meu governo vai atribuir toda a responsabilidade aos ingleses!

     — Concordo plenamente com essa decisão — disse o Prefeito de Berlim. — Todo esse caso é uma loucura total!

     As 11:30, o Suboficial Barker fechou a coberta do motor e desceu. Foi até um telefone na parede e ligou para o refeitório dos oficiais. O Comandante da Base veio atender.

     — O aparelho está pronto, senhor — disse o veterano mecânico.

     O oficial da RAF virou-se para os homens agrupados a seu redor, inclusive o Diretor da Penitenciária de Moabit e os quatro repórteres de rádio que estavam em contato direto pelo telefone com suas emissoras.

     — O defeito já foi reparado — disse ele. — O avião vai decolar dentro de quinze minutos.

     Pelas janelas do refeitório, eles observaram o pequeno jato executivo ser rebocado para fora do hangar. O piloto e o co-piloto embarcaram e ligaram os motores.

     O Diretor da Penitenciária de Moabit entrou nas celas dos prisioneiros e informou-os de que iriam partir dentro em breve. O relógio dele marcava 11:35, assim como os relógios de parede nas celas.

     Ainda em silêncio, os dois prisioneiros foram levados ao Landrover da Polícia Militar, no qual atravessaram a pista, junto com o diretor da penitenciária, até o jato executivo à espera. Seguidos pelo sargento da RAF que seria o único outro passageiro do Dominie no vôo até o Aeroporto Ben Gurion, eles subiram os degraus para o aparelho sem olhar para trás e sentaram-se nos lugares indicados.

     Às 11:45, o Comandante Jarvis acelerou os dois motores do Dominie e o avião decolou da pista principal do Aeroporto de Gatow. Por instruções do controlador de tráfego aéreo, o aparelho virou para o sul, entrando no corredor aéreo de Berlim Ocidental para Munique e desaparecendo rapidamente no céu azul.

     Os quatro repórteres de rádio estavam falando para os ouvintes ao vivo, diretamente do refeitório dos oficiais da Base de Gatow. Suas vozes se espalharam pelo mundo, informando que 48 horas depois de serem apresentadas as exigências pelos terroristas que haviam seqüestrado o Freya, Mishkin e Lazareff estavam voando a caminho de Israel e da liberdade.

     As transmissões foram ouvidas nas casas dos 30 oficiais e marinheiros do Freya; em 30 casas dos quatro países da Escandinávia mães e esposas desataram a chorar, enquanto os filhos perguntavam o que estava acontecendo.

     A notícia também chegou à pequena armada de rebocadores e embarcações de bombeiros, equipadas com o detergente para combater a mancha de petróleo. Houve suspiros de alívio. Nem os cientistas nem os tripulantes tinham qualquer dúvida de que jamais poderiam lidar com 100.000 toneladas de petróleo bruto despejadas no mar.

     No Texas, o magnata do petróleo Clint Blake ouviu a notícia pela BBC, enquanto tomava o café da manhã naquele domingo, e gritou exultante:

     — Já não era sem tempo!

     Harry Wennerstrom ouviu a transmissão da BBC em sua suíte no Hilton de Rotterdam e sorriu de satisfação.

     Em todas as redações de jornais, da Irlanda à Cortina de Ferro, as edições matutinas da segunda-feira já estavam sendo preparadas. Equipes de redatores estavam escrevendo toda a história, desde o momento em que os terroristas haviam invadido o Freya na madrugada de sexta-feira, até aquele instante. Foi deixado espaço suficiente para noticiar a chegada de Mishkin e Lazareff a Israel e a libertação do próprio Freya. Haveria tempo de incluir quase todo o final da história, antes de as edições começarem a rodar, às 10 horas da noite.

     Vinte minutos depois do meio-dia, horário europeu, o Estado de Israel concordou em atender às exigências formuladas do Freya para a recepção pública de Mishkin e Lazareff, no Aeroporto Ben Gurion, dentro de quatro horas.

    

     Em seu quarto no sexto andar do Hotel Avia, a cinco quilômetros do Aeroporto Ben Gurion, Miroslav Kaminsky ouviu a notícia pelo rádio. Recostou-se na cama, com um suspiro de alívio. Tendo desembarcado em Israel no final da tarde de sexta-feira, ficara esperando que seus companheiros de luta na Ucrânia também chegassem no sábado. Em vez disso, ficara escutando pelo rádio as notícias sobre a mudança de atitude do Governo alemão durante a madrugada, as protelações ao longo do sábado e o despejo de 20.000 toneladas de petróleo no mar ao meio-dia. Roera as unhas de aflição, impotente para ajudar, incapaz de descansar, aguardando a decisão final de libertar os prisioneiros. Agora, as horas iriam escoar-se lentamente para ele, até que o Dominie aterrasse, às 4:15 da tarde, horário europeu, 6:15 horas em Israel.

     No Freya, Andrew Drake ouviu a notícia da decolagem com uma satisfação tão grande que esqueceu o cansaço. O comunicado do Estado de Israel aceitando suas exigências, transmitido 35 minutos depois, era de certa forma apenas uma formalidade.

     — Eles estão a caminho — disse Drake a Larsen. — Mais quatro horas e alcançarão Tel Aviv e a segurança. Outras quatro horas depois disso, talvez menos, se não houver nevoeiro, e teremos ido embora. A Marinha subirá a bordo e o soltará. Terá os cuidados médicos apropriados para sua mão e terá de volta seu navio e sua tripulação... Deveria estar-se sentindo feliz.

     O comandante norueguês estava recostado em sua cadeira, com olheiras profundas, recusando-se a dar ao homem mais jovem a satisfação de vê-lo cair no sono. Para ele, ainda não havia nada terminado; e não haveria até que as cargas mortíferas fossem removidas dos porões, até que o último terrorista deixasse seu navio. Ele sabia que estava prestes a desfalecer. A dor intensa da mão se reduzira agora a um latejar constante, insuportável, que subia pelo braço, até o ombro. Ondas de exaustão percorriam-lhe o corpo, deixando-o tonto. Mesmo assim, ele continuava a se recusar a fechar os olhos.

     Fitou o ucraniano com uma expressão de desprezo e perguntou:

     — E Tom Keller?

     — Quem?

     — Meu Terceiro-Oficial, o homem que você mandou assassinar a tiros no convés, na manhã de sexta-feira.

     Drake soltou uma risada.

     — Tom Keller está lá embaixo, junto com os outros. Os tiros não passaram de um ardil. Era um dos meus homens que estava lá, com as roupas de Keller. E as balas eram de festim.

     O comandante norueguês deixou escapar uma exclamação de espanto. Drake fitou-o com alguma curiosidade.

     — Posso dar-me ao luxo de ser generoso, porque venci. Levantei uma ameaça contra toda a Europa Ocidental e eles não foram capazes de enfrentar, não conseguiram encontrar uma saída. Em suma, deixei-os sem alternativas. Mas você quase me derrotou. Chegou bem perto. Desde seis horas da manhã, quando você destruiu o detonador, aqueles comandos poderiam ter atacado o Freya no momento em que bem desejassem. Felizmente, eles não souberam o que aconteceu. Mas poderiam ter descoberto, se você desse um jeito de avisá-los. É um homem corajoso, Thor Larsen. Deseja alguma coisa que eu possa fazer?

     — Quero apenas que saia do meu navio.

     — Agora falta pouco, Comandante, bem pouco...

    

     Sobrevoando Veneza, o Comandante Jarvis moveu os controles ligeiramente e o avião deslocou-se um pouco para leste do sul, a fim de iniciar a longa travessia do Adriático.

     — Como estão os clientes? — perguntou ele ao sargento sentado lá atrás.

     — Estão sentados quietinhos, contemplando a paisagem — respondeu o sargento.

     — Mantenha-os assim. Na última vez em que fizeram uma viagem de avião, terminaram matando o comandante a tiros.

     O sargento riu.

     — Pode deixar que os ficarei vigiando.

     O co-piloto bateu de leve no mapa em que estava indicado o plano de vôo, aberto sobre seus joelhos, e disse:

     — Faltam três horas para o pouso.

     As transmissões diretas de Gatow também foram ouvidas em outros lugares do mundo. Em Moscou, as notícias foram traduzidas para o russo e levadas â mesa de um apartamento particular no trecho privilegiado da Kutuzovsky Prospekt, onde dois homens estavam almoçando, pouco depois das duas horas da tarde, horário local.

     O Marechal Nikolai Kerensky leu a mensagem datilografada e deu um murro na mesa.

     — Tiveram que deixá-los ir embora — gritou ele. — Cederam finalmente! Os alemães e os ingleses entregaram os pontos! Os dois judeus estão a caminho de Tel Aviv!

     Em silêncio, Yefrem Vishnayev tirou a mensagem da mão do seu companheiro e leu-a. Permitiu-se um sorriso frio.

     — Então esta noite, quando apresentarmos o Coronel Kukushkin para prestar depoimento no Politburo, Maxim Rudin estará liquidado. A moção de censura será aprovada, não tenho a menor dúvida. À meia-noite, Nikolai, a União Soviética será nossa. E dentro de um ano, toda a Europa também nos pertencerá.

     O Marechal do Exército Vermelho serviu duas doses generosas de vodca Stolichnaya. Empurrou um dos copos para o teórico do Partido, enquanto erguia o seu.

     — Ao triunfo do Exército Vermelho!

     Vishnayev também ergueu seu copo. Raramente bebia álcool, mas havia ocasiões que eram excepcionais.

     — A um mundo totalmente comunista!

    

                        16:00 às 20:00

     Ao largo da costa sul de Haifa, o pequeno Dominie fez a última mudança de curso e começou a descer numa aproximação direta da pista principal do Aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv.

     O avião pousou depois de exatamente quatro horas e 30 minutos de vôo, às 4:15 horas da tarde, horário europeu. Eram 6:15 em Israel.

     O terraço superior do terminal de passageiros do Aeroporto Ben Gurion estava apinhado de curiosos, surpresos por lhes ser permitido o livre acesso àquele espetáculo, num país obcecado pela segurança.

     Apesar das exigências dos terroristas a bordo do Freya para que a polícia não estivesse presente, o Serviço Especial Israelense tinha homens espalhados por toda a área. Alguns vestiam uniformes de funcionários da El Al, outros vendiam refrigerantes ou varriam o pátio, uns poucos estavam ao volante de táxis. O Inspetor-Detetive Avram Hirsch estava num furgão de jornal, sem fazer nada em particular, junto com pilhas de jornais vespertinos, que podiam ou não ser destinados à banca que havia no salão principal do terminal.

     Depois de aterrar, o jato executivo da RAF foi rebocado por um jipe do controle de terra para um pátio diante do terminal de passageiros. Ali, um pequeno grupo de autoridades estava esperando para receber os dois passageiros de Berlim.

     Não muito longe, um jato da El Al também estava estacionado. Das janelas, através de frestas nas cortinas, dois homens com binóculos esquadrinhavam a multidão no terraço do terminal de passageiros. Ao lado de cada um, havia um walkie-talkie pronto para ser usado.

     Em algum lugar, no meio daquela multidão de várias centenas de pessoas no terraço de observação, estava Miroslav Kaminsky, que em nada se diferenciava de todos os outros espectadores inocentes.

     Uma das autoridades israelenses subiu os poucos degraus da escada e entrou no Dominie. Saiu dois minutos depois, seguido por David Lazareff e Lev Mishkin. Dois jovens ativistas da Liga de Defesa Judia postados no terraço desdobraram uma faixa que tinham escondido debaixo do casaco e levantaram-na. Dizia simplesmente “Sejam bem-vindos”, escrito em hebraico. Começaram também a bater palmas, até que várias pessoas ao redor ordenaram que ficassem quietos.

     Mishkin e Lazareff olharam para a multidão no terraço acima deles, enquanto eram levados para o prédio, precedidos por um grupo de autoridades e seguidos por dois guardas uniformizados. Diversos espectadores acenaram, mas a maioria se manteve em silêncio e imóvel.

     Do interior do avião da El Al estacionado mais atrás, os agentes do Serviço Especial observavam atentamente, procurando descobrir qualquer sinal de reconhecimento dos refugiados na direção de uma das pessoas que estavam no terraço.

     Lev Mishkin avistou Kaminsky primeiro e murmurou alguma coisa rapidamente pelo canto da boca, em ucraniano. Suas palavras foram captadas imediatamente pelo microfone direcional apontado para os dois, de um furgão de entrega estacionado a 100 metros de distância. O homem que estava manobrando o microfone, parecido com um rifle, não ouviu a frase. Mas o homem que estava atrás dele, dentro do furgão apertado, com os fones nos ouvidos, ouviu perfeitamente. Fora escolhido para aquela missão justamente por seu conhecimento de ucraniano. Ele pegou um walkie-talkie e murmurou:

     — Mishkin acaba de fazer uma observação para Lazareff. Ele disse: abre aspas, lá está ele, perto do canto do terraço, com a gravata azul, fecha aspas.

     No interior do avião estacionado, os dois observadores prontamente focalizaram os binóculos na extremidade do terraço. Entre eles e o prédio do terminal de passageiros, o grupo continuava em seu desfile solene, passando pelos espectadores.

     Mishkin, tendo localizado o ucraniano no terraço, desviou o olhar. Lazareff correu os olhos pelos rostos lá em cima, avistou Miroslav Kaminsky e piscou. Isso era tudo o que Kaminsky precisava; não houvera troca de prisioneiros.

     Um dos homens por trás das cortinas do avião estacionado disse pelo walkie-talkie:

     — Já o localizei. Estatura mediana, trinta e poucos anos, cabelos castanhos, olhos castanhos, calça cinza, paletó esporte de tweed, gravata azul. É o sétimo ou oitavo a contar da extremidade do terraço de observação, na direção da torre de controle.

     Mishkin e Lazareff desapareceram no prédio. A multidão no terraço, encerrado o espetáculo, começou a se dispersar. Desceram pela escada para o salão principal. Ao pé da escada, um homem de cabelos grisalhos estava varrendo pontas de cigarros para uma lata de lixo. Enquanto a multidão passava por ele, avistou o homem de casaco de tweed e gravata azul. Ainda estava varrendo quando o homem atravessou o salão principal.

     O varredor enfiou a mão dentro do seu carrinho de lixo e tirou uma caixa preta pequena, na qual murmurou:

     — Suspeito encaminhando-se a pé na direção do portão de saída cinco.

     Fora do prédio, Avram Hirsch pegou uma pilha de jornais na traseira do furgão e jogou num carrinho de mão que um de seus colegas estava segurando. O homem de gravata azul passou a poucos metros dele, sem olhar para a esquerda nem para a direita, encaminhando-se para um carro de aluguel estacionado ali perto e embarcando.

     O Inspetor-Detetive Hirsch bateu as portas traseiras do furgão, foi até a porta de passageiros na frente, abriu-a e entrou.

     — É aquele Volkswagen no estacionamento — disse ele ao motorista do furgão, Detetive Bentsur.

     Quando o carro alugado deixou o estacionamento, a caminho da saída principal do complexo do aeroporto, o furgão de jornal estava 200 metros atrás.

     Dez minutos depois, Avram Hirsch transmitiu um aviso aos outros carros da polícia que vinham atrás dele:

     — O suspeito está entrando no estacionamento do Hotel Avia. Miroslav Kaminsky estava com a chave do quarto no bolso.

     Atravessou rapidamente o saguão e pegou o elevador para o sexto andar. Sentado na beira da cama, pegou o fone e pediu uma linha para fora. Assim que deu sinal, ele começou a discar.

     — Ele apenas pediu uma linha para fora — informou a telefonista ao Inspetor Hirsch, parado a seu lado.

     — Pode verificar para que número ele está ligando?

     — Não, o aparelho é automático, para chamadas locais.

     — Oh, diabo! Vamos embora!

     Hirsch e Bentsur correram para o elevador.

     O telefone no escritório de Jerusalém da BBC foi atendido ao terceiro toque da campainha.

     — Fala inglês? — perguntou Kaminsky.

     — Claro que falo — respondeu a secretária, no outro lado da linha.

     — Pois então escute com toda atenção. Só vou dizer uma vez. Para que o superpetroleiro Freya seja libertado intacto, a primeira notícia do noticiário das seis horas do Serviço Internacional da BBC, horário europeu, deve incluir a frase “não há alternativa”. Se essa frase não for incluída logo na primeira notícia, o navio será destruído. Anotou o que eu falei?

     Houve vários segundos de silêncio, enquanto a jovem secretária do correspondente da BBC em Jerusalém anotava rapidamente o que lhe fora dito num bloco.

     — Acho que já anotei tudo. Mas quem está falando?

     No lado de fora da porta do quarto do Avia, dois outros homens se juntaram a Avram Hirsch. Um deles portava uma espingarda de cano curto. Ambos estavam vestindo uniformes de funcionários do aeroporto. Hirsch ainda estava com o uniforme da companhia entregadora de jornais, calça verde, blusão verde, boné verde. Ficou escutando na porta, até ouvir o barulho do telefone sendo desligado. Depois recuou, sacou seu revólver e acenou com a cabeça para o homem armado com a espingarda de cano curto.

     O homem mirou cuidadosamente para a fechadura da porta e arrancou tudo com um só tiro. Avram Hirsch passou por ele correndo, avançou três passos pelo interior do quarto, agachou-se, a arma estendida para a frente, segurando-a com as duas mãos, apontada diretamente para o alvo. Gritou para que o ocupante do quarto ficasse imóvel.

     Hirsch era um sabra, nascido em Israel 34 anos antes, filho de dois imigrantes que haviam conseguido sobreviver aos campos de extermínio do Terceiro Reich. Em sua casa, durante a infância, sempre que falava em iídiche ou russo, pois seus pais eram russos. Imaginou que o homem a sua frente era russo, pois não tinha razão para pensar de outra forma. Por isso, gritou-lhe em russo:

     — Stoi...

     Sua voz ecoou ruidosamente pelo pequeno quarto. Miroslav Kaminsky estava de pé ao lado da cama, segurando o catálogo telefônico. Quando a porta foi arrombada, ele deixou cair o catálogo, que se fechou ao bater no chão, impedindo assim que qualquer investigador pudesse descobrir depois em que página estava aberto, a fim de poder deduzir para que número ele ligara.

     Ao ouvir o grito, ele não se lembrou mais que estava num quarto de hotel nos arredores de Tel Aviv. Imaginou-se numa pequena casa de fazenda nos contrafortes dos Cárpatos, ouviu novamente os gritos dos homens de uniformes verdes cercando e atacando o esconderijo do seu grupo. Olhou aturdido para Avram Hirsch, viu o uniforme e o boné verde, começou a se encaminhar para a janela aberta.

     Podia ouvi-los outra vez, os homens do KGB se aproximando dele, por entre as moitas, gritando interminavelmente:

     — ...Stoi... Stoi... Stoi...

     Não havia mais nada a fazer senão correr, correr como uma raposa com os cães atrás, escapar pela porta dos fundos da casa de fazenda, tentar desaparecer no mato.

     Começou a correr para trás, passou pelas portas de vidro abertas, saindo para o pequeno balcão... e a grade de ferro pegou-o em cheio na cintura, o impulso fazendo-o voar por cima. Ao bater no chão do estacionamento, 15 metros abaixo, quebrou as costas, bacia e crânio. Lá de cima, inclinado sobre a grade de ferro do balcão, Avram Hirsch olhou para o corpo todo arrebentado e depois para o Detetive Bentsur, murmurando:

     — Por que, diabo, ele fez uma coisa dessas?

    

     O avião oficial que levara os dois especialistas da Inglaterra para Gatow, na noite anterior, tornou a voar para oeste, logo depois da decolagem do Dominie de Berlim para Tel Aviv. Adam Munro pegou uma carona no vôo, mas usou sua autorização especial do Gabinete para exigir que o comandante do aparelho o deixasse em Amsterdã, antes de seguir para a Inglaterra.

     Ele também providenciara para que o helicóptero Wessex do Argyll estivesse em Schiphol, para recebê-lo. Já eram quatro e meia quando o Wessex pousou no convés de popa do cruzador equipado com mísseis. O oficial que lhe deu as boas-vindas a bordo fitou-o com evidente desaprovação por sua aparência, mas o levou ao encontro do Comandante Preston sem fazer qualquer comentário.

     Tudo o que o oficial da Marinha Real sabia era que o visitante pertencia ao Foreign Office e estivera em Berlim, supervisionando a partida dos seqüestradores para Israel.

     — Não gostaria de tomar um banho e descansar um pouco? — perguntou ele.

     — Adoraria — respondeu Munro. — Já teve alguma notícia do Dominie?

     — Pousou há quinze minutos no Aeroporto Ben Gurion — informou o Comandante Preston. — Posso pedir ao meu taifeiro para passar seu terno e tenho certeza de que poderemos encontrar uma camisa do seu tamanho.

     — Eu preferiria um suéter bem grosso e quente. Está fazendo um bocado de frio lá fora.

     — O que pode ser um problema e tanto para nós. Há uma frente fria se deslocando da Noruega. Já pudemos, inclusive, avistar um início de nevoeiro marinho.

     O nevoeiro, quando chegou, pouco depois das cinco horas da tarde, avançou do norte, a tudo envolvendo, enquanto o ar frio seguia a onda de calor e entrava em contato com a terra e mar quentes.

     Quando Adam Munro, de banho tomado, barbeado, vestindo um grosso suéter branco da Marinha e uma calça preta de sarja, que lhe haviam emprestado, foi juntar-se ao Comandante Preston na cabine de comando, pouco depois das cinco horas da tarde, o nevoeiro já estava bastante espesso. O Comandante Preston comentou:

     — Nunca vi coisa igual! Esses malditos terroristas parecem ter tudo a seu favor!

     Por volta das cinco e meia, o nevoeiro já ocultara inteiramente o Freya e turbilhonava em torno dos navios de guerra ancorados, nenhum dos quais podia avistar o outro, a não ser pelo radar. O Nimrod circulando lá em cima podia avistar a todos e também ao Freya, através do radar. Ainda estava voando em céu claro, a 5.000 metros de altura. Mas o mar desaparecera de suas vistas, sob uma camada espessa de algodão acinzentado. Pouco depois das cinco horas da tarde, a maré tornou a virar e começou a deslocar-se de volta para nordeste, levando junto a mancha de petróleo à deriva, em algum lugar entre o Freya e a costa holandesa.

    

     O correspondente da BBC em Jerusalém era um veterano de grande experiência na capital israelense e tinha muitos excelentes contatos. Assim que foi informado do telefonema que sua secretária recebera, ligou para um amigo num dos serviços de segurança.

     — É essa a mensagem e vou transmiti-la imediatamente para Londres — disse ele. — Mas não tenho a menor idéia de quem foi a pessoa que telefonou.

     Houve uma risada no outro lado da linha.

     — Pode transmitir sua mensagem — disse o homem do serviço de segurança. — Quanto ao homem que telefonou, nós já sabemos quem foi. E obrigado.

     Passava um pouco das quatro e meia quando foi ouvida no Freya a notícia em edição extraordinária, transmitida pelo rádio, de que Mishkin e Lazareff haviam desembarcado no Aeroporto Ben Gurion.

     Andrew Drake jogou o corpo para trás em sua cadeira, soltando um grito de júbilo.

     — Nós conseguimos! — grilou ele para Thor Larsen. — Eles estão em Israel!

     Larsen assentiu, lentamente. Estava tentando fazer com que a mente ignorasse a agonia constante que se irradiava de sua mão. Disse sardonicamente:

     — Meus parabéns. E agora talvez queira deixar meu navio e ir para o inferno.

     O telefone da cabine de comando tocou nesse momento. Houve um rápido diálogo em ucraniano e Larsen pôde ouvir claramente um grito de alegria no outro lado.

     Drake desligou e virou-se para Larsen.

     — Talvez partamos muito mais cedo do que está imaginando. O vigia na chaminé informa que um nevoeiro espesso está se aproximando do norte, envolvendo toda a área. Com um pouco de sorte, nem mesmo precisaremos esperar até o anoitecer. Para nós, o nevoeiro será ainda melhor do que a noite. Mas quando partirmos, infelizmente terei de algemá-lo à perna da mesa. Não há outro jeito. Terá de ficar assim até a Marinha vir resgatá-lo, umas duas horas depois.

     Às cinco horas da tarde, o noticioso transmitiu um despacho de Tel Aviv informando que haviam sido atendidas todas as exigências dos seqüestradores do Freya na questão da recepção de Mishkin e Lazareff no Aeroporto Ben Gurin. O despacho acrescentava que o Governo israelense manteria os dois prisioneiros de Berlim sob custódia, até que o Freya fosse libertado, salvo e intacto. Caso isso não acontecesse, o Governo israelense consideraria que todas as garantias oferecidas aos terroristas estavam revogadas e sem efeito, devolvendo Mishkin e Lazareff à prisão na Alemanha.

     No camarote do comandante no Freya, Andrew Drake soltou uma risada.

     — Pode estar certo de que eles não terão de fazer isso — disse ele a Larsen. — Não me importo mais com o que me possa acontecer agora. Dentro de vinte e quatro horas, Mishkin e Lazareff vão dar uma entrevista coletiva à imprensa internacional. E quando eles o fizerem, Comandante Larsen, quando eles o fizerem, vão abrir a maior brecha que jamais se fez nas muralhas do Kremlin!

     Larsen olhou pelas janelas, para o nevoeiro que se adensava rapidamente.

     — Os comandos podem aproveitar esse nevoeiro para atacar o Freya — disse ele. — Os refletores acesos de nada adiantariam. Dentro de alguns minutos, vocês não mais poderão ver as borbulhas dos homens-rãs avançando sob a superfície.

     — Isso já não tem mais qualquer importância — declarou Drake, enfaticamente. — Nada mais tem importância. A única coisa que importa é que Mishkin e Lazareff conseguiram uma oportunidade de falar. Era apenas isso o que estávamos querendo. É isso que faz com que valha a pena tudo o que fizemos.

    

     Os dois judeus ucranianos foram levados do Aeroporto Ben Gurion num furgão policial, indo para a delegacia central de polícia de Tel Aviv, onde foram trancados em celas separadas. O Primeiro-Ministro Benyamin Golen estava pronto a cumprir sua parte no acordo, que era a garantia de liberdade e segurança dos dois homens em troca da salvação do Freya, sua carga e tripulação. Mas não estava disposto a permitir que o desconhecido Svoboda lhe pregasse algum ardil.

     Para Mishkin e Lazareff, era a terceira cela em que ficavam presos naquele dia, mas ambos sabiam que seria também a última. Ao se separarem no corredor, Mishkin piscou um olho para o amigo e gritou em ucraniano:

     — Não no próximo ano em Jerusalém... mas amanhã!

     De seu gabinete no andar superior, o superintendente que estava no comando da delegacia deu um telefonema de rotina, determinando que o médico da polícia examinasse os dois homens. O médico prometeu que iria imediatamente. Eram sete e meia da noite, horário de Tel Aviv.

    

     Os últimos 30 minutos que antecederam as seis horas da tarde arrastaram-se como lesmas para os homens que estavam a bordo do Freya. No camarote do comandante, Drake sintonizara o rádio para o Serviço Internacional da BBC e estava escutando, esperando impacientemente pelo noticiário das seis horas.

     Azamat Krim, ajudado por três companheiros, desceu uma corda pela amurada de popa do petroleiro, até a lancha de pesca, de grande potência, que há dois dias e meio balançava ao sabor das ondas, ao lado do costado do Freya. Os quatro desceram para a cabine aberta da lancha e começaram imediatamente a fazer os preparativos para a partida do grupo do Freya.

     Às seis horas da tarde, o carrilhão do Big Ben ecoou de Londres e o noticiário vespertino começou a ser transmitido.

     “Este é o Serviço Internacional da BBC. São seis horas da tarde e Londres e aqui estão as principais notícias, lidas para vocês por Peter Chalmers.”

     Outra voz saiu pelo rádio. Foi ouvida também no salão dos oficiais do Argyll, onde o Comandante Preston e a maioria de seus oficiais estavam agrupados em torno do receptor. O Comandante Mike Manning também estava sintonizado na emissora, a bordo do navio americano Moran. O mesmo noticiário estava sendo ouvido em Downing Street, Haia, Washington, Paris, Bruxelas, Bonn e Jerusalém. No Freya, Andrew Drake estava sentado, imóvel, escutando o rádio, sem sequer piscar.

     “Em Jerusalém, hoje, o Primeiro-Ministro Benyamin Golen declarou, depois da chegada de Berlim Ocidental dos dois prisioneiros, David Lazareff e Lev Mishkin, que não há alternativa a não ser cumprir sua promessa de libertar os dois, contanto que o superpetroleiro Freya seja também libertado, com sua tripulação ilesa...

     — Não há alternativa! — gritou Drake. — É essa a frase! Miroslav conseguiu!

     — Conseguiu o quê? — indagou Larsen.

     — Conseguiu reconhecê-los! São eles mesmos! Não houve troca de prisioneiros!

     Drake afundou novamente em sua cadeira, deixando escapar um suspiro profundo.

     — Está tudo acabado, Comandante Larsen. Tenho certeza de que ficará contente por saber que vamos embora.

     O armário pessoal do comandante continha um par de algemas, com as chaves, para o caso de haver necessidade de conter fisicamente alguém a bordo. Os casos de loucura súbita não eram tão raros assim em navios. Drake meteu uma das algemas no punho direito de Larsen e fechou-a. Prendeu a outra na perna da mesa. Esta era aparafusada no chão. Drake parou na porta, deixando as chaves das algemas em cima de uma prateleira.

     — Adeus, Comandante Larsen. Pode não acreditar, mas lamento profundamente ter derramado aquele petróleo no mar. Não precisaria ter acontecido nunca, se os idiotas não tivessem tentado enganar-me. Também lamento o que houve com sua mão, mas é outra coisa que não precisaria ter acontecido. Como tenho certeza de que nunca mais nos tornaremos a encontrar, devo dizer-lhe adeus.

     Ele saiu, fechou e trancou a porta do camarote, desceu correndo os três lances de escada até o convés A e foi para o lugar em que seus homens já estavam reunidos, no convés de popa. Levava consigo o rádio transistorizado.

     — Está tudo pronto? — perguntou ele a Azamat Krim.

     — Tão pronto quanto jamais conseguiremos ficar — respondeu o tártaro da Criméia.

     — Tudo bem? — perguntou Drake em seguida ao americano-ucraniano que era um técnico em pequenas embarcações.

     O homem assentiu.

     — Todos os sistemas já foram ajustados e estão prontos para funcionar.

     Drake olhou para seu relógio. Passavam 20 minutos das seis horas.

     — Ótimo. Às 6:45 horas, Azamat vai acionar a sirene do navio. A lancha e o primeiro grupo partem nesse momento. Azamat e eu vamos partir 10 minutos depois. Todos vocês estão com seus documentos e roupas. Assim que chegarem à costa holandesa, tratem de se dispersar. Será cada um por si.

    

     Olhou pela amurada do Freya. Junto à lancha de pesca, duas lanchas Zodiac, infláveis, balançavam sobre as águas cobertas pelo nevoeiro. Uma delas era um modelo de 14 pés, grande o bastante para transportar cinco homens. A menor era o modelo de 10 pés, que podia levar dois homens facilmente. Com os motores de popa de 40 HP, poderiam com segurança desenvolver uma velocidade de 35 nós, num mar calmo.

     — Falta pouco agora para eles partirem — disse o Major Simon Fallon, de pé na amurada de proa da lancha Alfanje.

     As três lanchas, desde o início invisíveis para quem estava no Freya, haviam sido levadas do lado oeste do Argyll e estavam agora atracadas na popa, viradas para o local em que se encontrava o petroleiro, a cinco milhas de distância, envolto pelo nevoeiro.

     Os fuzileiros do SEM foram separados, quatro em cada lancha, todos armados com submetralhadoras, granadas e facas. Uma lancha, a Sabre, tinha também a bordo quatro especialistas em explosivos da Marinha Real. Seguiria diretamente para o Freya, abordando-o, assim que o Nimrod circulando lá em cima avistasse a lancha dos terroristas a se afastar do costado do superpetroleiro e atingir uma distância de três milhas. As outras duas lanchas, Alfanje e Cimitarra, sairiam em perseguição dos terroristas, procurando alcançá-los antes que tivessem tempo de chegar ao labirinto de pequenos arroios e ilhas que constituem a costa holandesa ao sul do Maas.

     O Major Fallon comandaria o grupo de perseguição, a bordo da Alfanje. De pé ao lado dele, para sua profunda irritação, estava o homem do Foreign Office, Sr. Munro.

     — Trate de ficar bem abrigado quando nos aproximarmos deles — disse Fallon. — Sabemos que os terroristas contam com submetralhadoras e revólveres, talvez disponham também de outras armas. Pessoalmente, não entendo por que insiste em nos acompanhar.

     — Digamos que tenho um interesse todo especial naqueles filhos da mãe — respondeu Munro. — Especialmente no Sr. Svoboda

     — Pois eu também tenho — resmungou Fallon. — E não se esqueça de uma coisa: Svoboda é meu.

     A bordo do Moran, Mike Manning ouviu a notícia da chegada a Israel de Mishkin e Lazareff, sãos e salvos, com tanto alívio quanto Drake no Freya. Para ele, assim como para Thor Larsen, era o fim de um pesadelo. Não haveria agora qualquer necessidade de disparar contra o superpetroleiro. Só lamentava que as velozes lanchas da Marinha Real britânica é que teriam o prazer de caçar os terroristas, quando eles tentassem escapar. Para Manning, a agonia que o dominara durante um dia e meio transformara-se numa raiva intensa.

     — Eu gostaria de pôr as mãos no tal de Svoboda — disse ele ao Subcomandante Olsen. — Teria o maior prazer em torcer o maldito pescoço dele.

     No Argyll, Brunner, Breda e Montcalm, as antenas de radar vasculhavam o oceano, à espera do sinal da lancha afastando-se do costado do Freya. Chegou as 6:15 e passou, sem que houvesse qualquer sinal de movimento no superpetroleiro.

     Em sua torre na proa, o canhão do Moran, ainda carregado, afastou-se do Freya e apontou para o mar vazio, três milhas mais ao sul.

    

     Dez minutos depois das oito horas, horário de Tel Aviv, Lev Mishkin estava de pé em sua cela, abaixo do nível das ruas da cidade, quando sentiu uma súbita dor no peito. Algo como uma pedra parecia estar inchando rapidamente dentro dele. Abriu a boca para gritar, mas já não conseguia mais respirar. Caiu para a frente, o rosto virado para baixo, morrendo no chão da cela.

     Havia um policial israelense montando guarda permanentemente do lado de fora da porta da cela, com ordens para espiar o interior e verificar como estava o prisioneiro, a cada dois ou três minutos. Menos de 60 segundos depois que Mishkin morreu, o guarda estava espiando para o interior da cela pela abertura na porta. E o que viu levou-o a soltar um grito de alarme e sacudir freneticamente a chave na fechadura, para abrir a porta. Um pouco mais adiante, no corredor, seu colega que estava postado diante da cela de Lazareff ouviu o grito e correu para ajudá-lo. Juntos, entraram na cela de Mishkin e se inclinaram sobre o corpo prostrado.

     — Ele está morto — balbuciou um dos homens.

     O outro voltou ao corredor e apertou a campainha de alarme. Depois, ambos correram para a cela de Lazareff, entrando apressadamente.

     O segundo prisioneiro estava dobrado, em cima da cama, os braços envolvendo o próprio peito, atingido pelas convulsões da morte.

     — O que está acontecendo? — gritou um dos guardas.

     Mas ele falou em hebraico, uma língua que Lazareff não compreendia. O homem agonizante ainda conseguiu balbuciar quatro palavras em russo. Os guardas ouviram-no claramente e mais tarde repetiram a superiores, que foram capazes de traduzir.

     — Chefe... do... KGB... morto.

     Foi tudo o que ele disse. A boca parou de se mexer, ele ficou estendido de lado sobre a cama, os olhos abertos, sem ver, fixados nos uniformes azuis à sua frente.

     A campainha de alarme atraiu o superintendente, uma dúzia de outros policiais da delegacia e o médico que estava tomando um café no gabinete do seu superior.

     O médico examinou rapidamente os dois prisioneiros, verificando as bocas, gargantas e olhos, sentindo os pulsos, auscultando os peitos. O superintendente, profundamente preocupado, seguiu-o quando ele saiu da segunda cela.

     — Que diabo está acontecendo? — perguntou ele ao médico,

     — Posso fazer uma autópsia completa depois, embora seja possível que me tirem o caso das mãos. Mas não tenho qualquer dúvida sobre o que aconteceu: eles foram envenenados.

     — Mas eles nada comeram desde que chegaram aqui! — protestou o policial. — Nem beberam nada! Ainda iam jantar... Não teria sido no aeroporto... ou no avião...

     — Não seria possível — declarou c médico. — Um veneno de ação lenta não produziria efeitos com tanta rapidez e simultaneamente. Os organismos variam demais. Cada um tomou ou foi forçado a tomar uma dose maciça de um veneno de ação instantânea, que eu desconfio ser cianuredo de potásio, cinco a dez segundos antes de morrer.

     — Mas é impossível! — gritou o superintendente. — Meus homens ficaram de guarda diante das celas durante todo o tempo. Os dois prisioneiros foram meticulosamente revistados antes de entrar nas celas. Verificamos inclusive as bocas, ânus, tudo o mais. Não havia cápsulas de veneno ocultas. Além do mais, por que eles iriam cometer suicídio? Tinham acabado de conquistar a liberdade!

     — Não sei. A única coisa que posso garantir é que ambos morreram segundos depois de serem atingidos pelo veneno.

     — Vou telefonar imediatamente para o gabinete do Primeiro-Ministro — disse o superintendente, sombriamente, voltando para sua sala.

     O assessor do Primeiro-Ministro para questões de segurança, como quase todas as pessoas em Israel, era um ex-soldado. Mas o homem, que todos num raio de 10 quilômetros do Knesset chamavam simplesmente de “Barak”, nunca fora um soldado comum. Começara como um pára-quedista sob o comando de Rafael Eytan, o lendário Raful. Posteriormente, fora transferido, tornando-se major na Unidade 101, o corpo de elite do General Arik Sharon, até receber um tiro na rótula durante um ataque pela madrugada a um apartamento em Beirut ocupado por terroristas palestinos.

     Desde então, especializara-se nos aspectos mais técnicos das operações de segurança, usando seus conhecimentos para imaginar o que teria feito para matar o Primeiro-Ministro israelense e depois invertendo tudo, para proteger seu superior. Foi ele quem recebeu o telefonema de Tel Aviv e entrou imediatamente no gabinete em que Benyamin Golen estava trabalhando até tarde, transmitindo-lhe a notícia.

     — Dentro das próprias celas? — murmurou Golen, aturdido. — Mas então eles próprios devem ter ingerido o veneno!

     — Não creio — disse Barak. — Eles tinham todos os motivos para querer viver.

     — Então foram mortos por outros?

     — É o que parece, Primeiro-Ministro.

     — Mas quem iria querer vê-los mortos?

     — O KGB, é claro. Ura deles murmurou alguma coisa sobre o KGB, em russo. Parece que estava dizendo que o chefe do KGB estava querendo que ambos morressem.

     — Mas eles não estavam nas mãos do KGB. Há doze horas, encontravam-se na Penitenciária de Moabit. Depois, passaram oito horas nas mãos dos ingleses. E há duas horas que estavam conosco. Durante esse último período, não ingeriram coisa alguma, nem comida nem qualquer líquido. Como então puderam tomar um veneno de ação instantânea?

     Barak coçou o queixo, um brilho surgindo subitamente em seus olhos.

     — Há um meio, Primeiro-Ministro. Poderiam ter dado aos dois uma cápsula de ação retardada.

     Ele pegou um pedaço de papel e fez um desenho.

     — É possível fazer uma cápsula assim. Tem duas metades, uma sendo ajustada à outra, pouco antes de ser engolida.

     O Primeiro-Ministro olhou para o desenho com uma raiva crescente e determinou:

     — Continue.

     — Uma metade da cápsula é de uma substância cerâmica, imune tanto aos efeitos ácidos dos sucos gástricos do estômago humano como aos efeitos muito mais fortes do ácido em seu interior. E forte o bastante para não ser quebrada pelos músculos da garganta, no momento em que é engolida.

     “A outra metade é de um composto plástico, forte o bastante para resistir aos sucos gástricos, mas não o suficiente para resistir ao ácido. Entre as duas, há uma membrana de cobre. As duas metades são ajustadas uma na outra. O ácido começa a corroer a membrana de cobre. A cápsula é engolida. Várias horas depois, dependendo da espessura da membrana de cobre, o ácido passa para a outra metade da cápsula. É o mesmo princípio de certos tipos de detonadores acionados por ácidos.

     “Depois de passar pela membrana de cobre, o ácido corrói rapidamente o plástico da segunda câmara e o cianureto se espalha pelo organismo. Tenho a impressão de que o prazo pode ser estendido por dez horas. A essa altura, a cápsula não digerida já estará no intestino grosso. A partir do momento em que o veneno entra no organismo, o sangue o absorve rapidamente e o leva até o coração.

     Barak já tinha visto o Primeiro-Ministro Golen aborrecido antes, até mesmo furioso. Mas nunca o vira tão pálido e tremendo de raiva.

     — Mandaram-me dois homens já envenenados — murmurou ele. — Duas bombas-relógio, ativadas para morrerem em nossas mãos. Mas Israel não ficará com a culpa por esse ultraje. Divulgue imediatamente a notícia das mortes... imediatamente! E diga também que uma autópsia está sendo realizada neste momento. É uma ordem!

     — Se os terroristas ainda não tiverem deixado o Freya, a notícia poderia levá-los a mudar de idéia — disse Barak.

     — Os homens responsáveis por envenenarem Mishkin e Lazareff deveriam ter pensado nisso — retrucou Golen, rispidamente. — Mas qualquer atraso no comunicado, e Israel será culpado por ter assassinado esses homens. E isso é algo que não vou tolerar.

     O nevoeiro continuou a avançar. Adensou-se, estendeu-se. Já cobria todo aquele trecho do mar, da costa de East Anglia a Walcherens, no outro lado. Envolveu inteiramente a flotilha de pequenas embarcações que estavam aguardando o momento de aspergir o emulsificador sobre a mancha de petróleo, assim como os navios de guerra que estavam de guarda. Turbilhonava em torno das lanchas Alfange, Sabre e Cimitarra, sob a popa do Argyll, os motores roncando suavemente, ansiosos em partir atrás de sua presa. Envolvia também o maior petroleiro do mundo, ancorado entre os navios de guerra e a costa holandesa.

     Às 6:45, todos os terroristas já haviam descido para a maior das duas lanchas infláveis, à exceção de dois. Um deles, o americano-ucraniano, pulou para a velha lancha de pesca que os trouxera ao meio do Mar do Norte e olhou para cima.

     Da amurada lá em cima, Andrew Drake assentiu. O homem puxou o arranque e o motor potente começou a funcionar. A proa da lancha foi devidamente apontada para oeste, o leme preso com uma corda para mantê-la no curso. O terrorista tratou de aumentar a aceleração do motor, ainda mantendo a lancha em ponto morto.

     Através das águas, ouvidos atentos, humanos e eletrônicos, captaram o barulho do motor. Ordens e indagações urgentes foram transmitidas entre os navios de guerra e do Argyll para o Nimrod que circulava lá em cima. O avião de vigia verificou o radar, mas não constatou qualquer movimento no mar lá embaixo.

     Drake falou rapidamente pelo walkie-talkie em sua mão. Na cabine de comando do Freya, Azamat Krim apertou o botão da sirene.

     O ar foi preenchido pelo rugido ensurdecedor da sirene rompendo o silêncio do nevoeiro ao redor e das águas que batiam suavemente contra os costados dos navios.

     Na cabine de comando do Argyll, o Comandante Preston resmungou de impaciência.

     — Eles estão tentando abafar o barulho do motor da lancha. Mas isso não faz a menor diferença, pois vamos avistá-la pelo radar, assim que se afastar do costado do Freya.

     Segundos depois, o terrorista na lancha empurrou a mudança para a frente, e a lancha de pesca, com o motor acelerado ao máximo, afastou-se abruptamente da popa do Freya. O terrorista pulou para a corda que pendia acima dele. A lancha vazia saiu de debaixo de seus pés e dois segundos depois desaparecia no nevoeiro, avançando rapidamente na direção dos navios de guerra, a oeste.

     O terrorista balançou na ponta da corda e depois desceu para a lancha inflável, onde seus quatro companheiros estavam esperando. Um dos homens deu um puxão no cordão de arranque; o motor de popa tossiu, pegou. Sem sequer acenar em despedida, os cinco homens ficaram de guarda diante das celas durante todo o tempo, motor. A lancha inflável afastou-se do Freya, o motor mergulhando na água, a proa se elevando, deslizando pelo mar calmo na direção da Holanda.

     O operador de radar no Nimrod sobrevoando a 5.000 metros de altitude avistou imediatamente o casco de aço da lancha de pesca; o composto de borracha da lancha inflável não emitia qualquer sinal refletor.

     — A lancha está se movendo — comunicou ele ao Argyll. — E não dá para entender. Eles estão indo diretamente para cima de vocês.

     O Comandante Preston olhou para a tela de radar na cabine de comando do seu navio.

     — Já os peguei — disse ele.

     Ficou observando o bip separar-se da grande mancha branca que representava o Freya. Depois de alguns segundos, acrescentou:

     — Ele está certo. A lancha está vindo diretamente em nossa direção. Que diabo eles estão querendo?

     Acelerada ao máximo e vazia, a lancha de pesca estava desenvolvendo uma velocidade de 15 nós. Mais 20 minutos e estaria entre os navios de guerra, depois passando entre eles e se misturando à flotilha de rebocadores mais além.

     — Devem estar pensando que podem passar pela vigilância dos navios de guerra ilesos e depois se perder entre os rebocadores, no nevoeiro — sugeriu o Primeiro-Oficial, ao lado do Comandante Preston. — Vamos mandar a Alfanje interceptar?

     — Não vou pôr em risco as vidas de nossos homens, por mais que o Major Fallon esteja querendo travar sua luta pessoal — disse o Comandante Preston. — Aqueles miseráveis já mataram um marinheiro no Freya e as ordens do Almirantado são claras e específicas. Vamos usar os canhões.

     O Argyll preparou-se rapidamente para entrar em ação. Os outros quatro navios de guerra da OTAN receberam um pedido polido para não abrir fogo, deixando que o Argyll se encarregasse sozinho da operação. Os canhões do navio britânico, na popa e na proa, de cinco polegadas, viraram-se rapidamente para o alvo e dispararam.

     Mesmo a três milhas, o alvo era bem pequeno. De alguma forma, a lancha sobreviveu à primeira salva, embora o mar ao redor se elevasse em esguichos de água, quando as granadas caíram. Não era um espetáculo que pudesse ser visto pelos observadores no Argyll ou para os homens que estavam nas três lanchas de patrulha a seu lado. O que quer que estivesse acontecendo mais além, no nevoeiro, era completamente invisível. Somente o radar podia avistar cada gota levantada por cada granada, assim como a lancha que era o alvo, recuando e depois mergulhando nas águas revoltas. Mas o radar não podia avisar aos homens que o controlavam que não havia pessoa alguma controlando o leme da lancha, não havia homens aterrorizados encolhidos na popa.

     Andrew Drake e Azamat Krim estavam sentados em silêncio na sua lancha inflável para duas pessoas, ao lado do Freya, esperando. Drake segurava a corda que pendia da murada da popa lá em cima. Através do nevoeiro, ambos ouviram a primeira salva abafada dos canhões do Argyll. Drake acenou com a cabeça para Krim, que no mesmo instante ligou o motor de popa. Drake soltou a corda e a lancha inflável se afastou velozmente, leve como uma pena, deslizando suavemente pelo mar, a velocidade aumentando gradativamente, o barulho do motor abafado pelo rugido ensurdecedor da sirene do Freya.

     Krim olhou para o pulso esquerdo, onde tinha uma bússola à prova de água. Corrigiu o curso, alguns pontos para o sul. Tinha calculado que levariam 40 minutos, a toda velocidade, para alcançar o labirinto de ilhas que constituem Beveland Norte e Sul.

     Quando faltavam cinco minutos para sete horas, a lancha de pesca escorou a sexta granada do Argyll, um impacto direto. O explosivo partiu a lancha ao meio, levantando-a da água. O tanque de combustível explodiu e a lancha de casco de aço afundou como uma pedra.

     — Um impacto direto — informou o oficial-artilheiro do seu posto no Argyll, onde ele e seus artilheiros estavam observando o duelo desigual pela tela do radar. — A lancha foi destruída.

     O bip desapareceu da tela, o braço luminoso continuando a girar interminavelmente, mas mostrando apenas o Freya, a cinco milhas de distância. Na cabine de comando, quatro oficiais também olhavam para a tela do radar. Houve um momento de silêncio. Era a primeira vez, para todos eles, que seu navio realmente matava alguém.

     — A Sabre já pode partir — disse o Comandante Preston, finalmente. — Devem abordar e resgatar o Freya.

     O operador de radar, no seu compartimento às escuras do Nimrod, observava atentamente a tela. Podia ver todos os navios de guerra, todos os rebocadores e mais o Freya, a leste das outras embarcações. Mas em algum ponto além do Freya, protegido pelo imenso volume do superpetroleiro e dos navios de guerra, um ponto minúsculo parecia estar se deslocando para sudeste. Era tão pequeno que quase não dava para percebê-lo. Não era maior do que o bip que teria sido feito por uma lata de tamanho médio. Ou melhor, era a cobertura metálica do motor de popa de uma lancha inflável de alta velocidade. Latas não podem deslocar-se através da superfície do oceano a uma velocidade de 30 nós.

     — Nimrod para Argyll, Nimrod para Argyll...

     Os oficiais na cabine de comando do cruzador equipado com mísseis teleguiados ficaram aturdidos ao receber a notícia do avião que circulava a área a 5.000 metros de altura. Um deles correu para a ponte de comando e gritou a informação para os comandos que estavam aguardando lá embaixo, em suas lanchas de patrulha.

     Dois segundos depois, a Alfanje e a Cimitarra se afastavam, o troar dos seus motores diesel marítimos se espalhando pelo nevoeiro ao redor. Jatos de espuma branca se erguiam diante de suas proas, que se iam levantando cada vez mais, enquanto as popas afundavam na esteira, os hélices de bronze girando furiosamente nas águas espumantes.

     — Miseráveis! — gritou o Major Fallon, virando-se em seguida para o comandante da Marinha Real que estava de pé a seu lado, na pequena casa do leme da Alfanje. — Que velocidade podemos atingir?

     — Num mar assim, mais de 40 nós.

     O que não é suficiente, pensou Adam Munro, segurando-se numa alça com as duas mãos, enquanto a lancha estremecia e corcoveava, como um cavalo desembestado, avançando através do nevoeiro. O Freya ainda estava a cinco milhas de distância, a lancha dos terroristas a outras cinco milhas. Mesmo que tivessem uma velocidade superior em 10 nós, levariam pelo menos uma hora para alcançar a lancha inflável que levava Svoboda para a segurança no labirinto de pequenas ilhas e arroios da Holanda, onde ele poderia desaparecer com a maior facilidade. E o problema é que Svoboda alcançaria a costa holandesa dentro de 40 minutos, talvez menos.

     A Alfanje e a Cimitarra estavam avançando às cegas, abrindo o nevoeiro à frente só para vê-lo formar-se novamente à ré. Em qualquer mar mais movimentado, seria uma loucura avançar naquela velocidade, em condições de visibilidade zero. Mas o mar estava vazio. Na casa de leme de cada lancha, os comandantes escutavam atentamente o fluxo constante de informações transmitidas pelo Nimrod, através do Argyll: a posição da própria lancha e da outra que a acompanhava, a posição do Freya no nevoeiro à frente, a posição da Sabre, distanciada à esquerda, seguindo na direção do petroleiro a uma velocidade menor, e o curso e velocidade do ponto em movimento que representava a lancha de fuga de Svoboda.

     Bem a leste do Freya, a lancha inflável em que Andrew Drake e Azamat Krim procuravam alcançar a segurança parecia estar com sorte. Sob o nevoeiro, o mar se tornara ainda mais calmo, o que lhes permitia aumentar cada vez mais a velocidade. A maior parte da pequena embarcação estava acima da superfície, somente a base do ruidoso motor mergulhada na água. A poucos metros de distância, em meio ao nevoeiro, passando como um borrão indistinto, Drake pôde avistar os últimos vestígios da esteira deixada por seus companheiros, que haviam passado por ali 10 minutos antes. Era estranho, pensou ele, que os vestígios da esteira da lancha permanecessem por tanto tempo na superfície do mar.

     Na cabine de comando do Moran, estacionado ao sul do Freya, o Comandante Mike Manning também observava sua tela de radar. Podia ver o Argyll a noroeste e o Freya um pouco a leste do norte.

     Entre os dois pontos, encurtando a distância rapidamente, podia também avistar a Alfanje e a Cimitarra. Mais a leste, podia avistar o pequeno bip da lancha em que os terroristas estavam fugindo. Era um ponto tão pequeno que quase passava despercebido na tela. Mas estava ali. Manning avaliou a distância que separava os terroristas dos comandos britânicos que seguiam em seu encalço.

     — Eles não vão conseguir — murmurou ele.

     Manning deu uma ordem a seu subcomandante. O canhão de proa de cinco polegadas do Moran começou a se deslocar lentamente para a direita, procurando um alvo em algum lugar do nevoeiro.

     Um marinheiro aproximou-se do Comandante Preston, ainda absorvido na perseguição através do nevoeiro, conforme aparecia na tela de radar, na cabine de comando do Argyll. Ele sabia que seus canhões eram inúteis. O Freya estava postado quase que diretamente entre o Argyll e o alvo, o que tornaria qualquer disparo extremamente arriscado. Além disso, o volume do Freya ocultava o alvo das antenas de radar de seu navio, que não podiam assim transmitir as informações corretas de pontaria para os canhões.

     — Com licença, senhor — disse o marinheiro.

     — O que é?

     — Acabamos de receber uma notícia, senhor. Aqueles dois homens que foram levados de avião para Israel hoje estão mortos, senhor. Morreram em suas celas.

     — Morreram? — repetiu o Comandante Preston, incrédulo. — Então todo o nosso esforço foi por nada! Como será que eles morreram? É melhor informar àquele camarada do Foreign Office assim que ele voltar. Tenho certeza de que ele se interessará em saber.

     O mar ainda estava calmo para Andrew Drake. A superfície estava lisa e oleosa, o que não era natural no Mar Norte. Ele e Krim estavam quase na metade do percurso até a costa holandesa quando o motor engasgou pela primeira vez. Engasgou novamente, vários segundos depois, em seguida repetidamente. A velocidade ficou bastante reduzida, a potência já não era a mesma.

     Azamat Krim acelerou o motor freneticamente. O motor disparou, engasgou novamente, recomeçou a correr, mas com um ruído estranho.

     — Está com superaquecimento — gritou ele para Drake.

     — Não pode ser! — berrou Drake em resposta. — O motor tem condições de funcionar a toda potência pelo menos durante uma hora!

     Krim inclinou-se para fora da lancha e meteu a mão na água. Examinou a palma, mostrou-a a Drake. Manchas de pegajoso petróleo bruto, a cor meio marrom, escorriam para o pulso.

     — O petróleo está bloqueando os dutos de resfriamento — gritou Krim.

     O operador de radar do Nimrod comunicou ao Argyll:

     — Parece que a velocidade deles está diminuindo.

     A informação foi transmitida à Alfanje e o Major Fallon imediatamente gritou:

     — Vamos em frente! Ainda podemos alcançar os desgraçados! A distância começou a diminuir rapidamente. A velocidade da lancha dos terroristas estava reduzida a 10 nós. O que Fallon não sabia nem o jovem comandante da Marinha Real a seu lado, no comando da Alfanje, é que se estavam encaminhando em alta velocidade para um grande lago de petróleo, na superfície do oceano. Ou que sua presa estava naquele momento avançando penosamente pelo meio desse lago.

     Dez segundos depois, o motor de Azamat Krim parou. O silencio era terrível. Bem ao longe, podiam ouvir o barulho dos motores da Alfanje e da Cimitarra, atravessando o nevoeiro.

     Krim enfiou as mãos em concha sob a superfície e depois estendeu para Drake.

     — É o nosso petróleo, Andrew! É o petróleo que derramamos1 Estamos bem no meio dele!

     — Eles pararam — disse o comandante da Alfange ao Major Fallon. — O Argyll está informando que a lancha deles acabara de parar. Só Deus sabe por quê.

     — Vamos alcançá-los! — gritou Fallon, exultante, empunhando sua submetralhadora Ingram.

     A bordo do Moran, o oficial-artilheiro Chuck Olsen comunicou a Manning:

     — Já acertamos o alcance e direção.

     — Pois então abra fogo — disse Manning, calmamente.

     Sete milhas ao sul da Alfanje, o canhão de proa do Moran começou a disparar suas granadas, numa seqüência rítmica. O comandante da Alfanje não podia ouvir os disparos, mas o Argyll podia e mandou que diminuísse o avanço. A lancha estava seguindo diretamente para a área em que o pequeno ponto nas telas de radar havia parado e contra a qual o canhão do Moran estava disparando. O comandante reduziu a velocidade, a proa baixando para a superfície; continuou a avançar, mas lentamente.

     — Que diabo está fazendo? — gritou o Major Fallon. — Eles não devem estar a mais de uma milha à frente!

     A resposta veio do céu. Em algum lugar acima deles, cerca de uma milha além da proa, houve um ruído como de um trem em alta velocidade, quando as primeiras granadas disparadas do Moran chegavam a seu alvo.

     As três primeiras granadas, de penetração em blindagem, caíram na água, levando colunas de espuma e errando por cerca de 100 metros a lancha inflável à deriva.

     As duas granadas seguintes tinham espoletas de proximidade. Explodiram alguns metros acima da superfície do oceano, em clarões brancos ofuscantes, espalhando fragmentos de magnésio incandescente sobre uma grande área ao redor.

     Os homens na Alfanje ficaram em silêncio, vendo o nevoeiro à frente deles se iluminar subitamente. Quatro amarras a estibordo, a Cimitarra estava também parando, à beira da mancha de petróleo.

     O magnésio caiu no petróleo bruto, erguendo a sua temperatura além do ponto de ignição. Os fragmentos leves de metal incandescentes não eram pesados o suficiente para penetrar na mancha de petróleo, pousando sobre ela e se incendiando.

     Diante dos olhos dos marinheiros e fuzileiros, o mar se incendiou. Uma gigantesca área, com quilômetros de comprimento e quilômetros de largura, começou a luzir, a princípio com um vermelho esmaecido, depois cada vez mais intenso e mais quente.

     Durou apenas 15 segundos. Nesse período, o mar se incendiou. Mais da metade de um derramamento de 20.000 toneladas de petróleo bruto pegou fogo. Por vários segundos, a temperatura chegou a atingir 5.000 graus centígrados. O calor intenso dissipou o nevoeiro por quilômetros ao redor, as chamas brancas se erguendo a dois ou três metros de altura da superfície do mar.

     Num silêncio total, os marinheiros e fuzileiros ficaram olhando para o inferno terrível, começando 100 metros a sua frente. Alguns tiveram de proteger os rostos para não serem chamuscados pelo calor intenso.

     No meio do fogo, ergueu-se uma chama mais intensa, como se um tanque de gasolina tivesse explodido. O petróleo em chamas não fez qualquer ruído, enquanto tremeluzia intensamente durante aquele breve período.

     Do meio das chamas, passando pelas águas, um grito humano chegou aos ouvidos dos homens nas duas lanchas:

     — Shche ne vmerla Ukraina...

     E depois tudo acabou. As chamas diminuíram, tremeluziram e se desvaneceram. O nevoeiro voltou a envolver tudo.

     — Que diabo significa isso? — murmurou o comandante da Alfanje.

     O Major Fallon deu de ombros.

     — Não me pergunte. É alguma língua estrangeira.

     Ao lado deles, Adam Munro contemplava as últimas chamas. E murmurou:

     — Numa tradução livre, significa “a Ucrânia viverá novamente”.

    

     Eram oito horas da noite na Europa Ocidental, mas dez horas em Moscou. A reunião do Politburo já perdurava há uma hora.

     Yefrem Vishnayev e seus partidários estavam cada vez mais impacientes. O teórico do Partido sabia que tinha forças suficientes. Não havia qualquer sentido em protelar a situação por mais tempo. Levantou-se, ameaçadoramente:

     — Camaradas, essa discussão dos aspectos gerais é importante, mas não nos leva a parte alguma. Convoquei essa reunião especial do Presidium do Soviete Supremo com um propósito definido: determinar se o Presidium continua a ter confiança na liderança do nosso estimado Secretário-Geral, Camarada Maxim Rudin.

     “Todos ouvimos os argumentos contra e a favor do chamado Tratado de Dublin, envolvendo as remessas de cereais que os Estados Unidos nos prometeram e o preço que nos exigiram que fosse pago por isso, na minha opinião inconcebivelmente elevado.

     “E finalmente fomos informados também da fuga para Israel dos assassinos Mishkin e Lazareff, os homens que foram responsáveis pelo assassinato de nosso querido camarada Yuri Ivanenko, o que já ficou comprovado sem a menor sombra de dúvida. A moção que apresento é a seguinte: que o Presidium do Soviete Supremo não pode mais continuar a depositar sua confiança na continuação da orientação do Camarada Rudin aos negócios de nossa grande nação. Sr. Secretário-Geral, peço que essa moção seja posta em votação.

     Vishnayev se sentou. Houve um silêncio opressivo. Mesmo para aqueles que estavam participando diretamente, muito mais do que para o pessoal subalterno que estava presente, a queda de um gigante do poder no Kremlin é um momento terrível.

     — Os que estão a favor da moção... — começou a dizer Maxim Rudin.

     Yefrem Vishnayev imediatamente levantou a mão. O Marechal Nikolai Kerensky seguiu-lhe o exemplo imediatamente. Vitautas, o lituano, foi o seguinte. Houve uma pausa de vários segundos. Mukhamed, o tadjik acabou levantando a mão também. O telefone tocou nesse momento. Rudin atendeu, escutou atentamente por um momento e depois desligou. Impassivelmente, disse aos membros do Politburo:

     — É claro que eu não deveria interromper uma votação, mas a notícia que acabo de receber pode ser de algum interesse. — Fez uma pausa, olhando para os outros calmamente, antes de acrescentar: — Há duas horas, Mishkin e Lazareff morreram, instantaneamente, nas celas em que estavam, na delegacia central de polícia de Tel Aviv. Um companheiro deles caiu de uma sacada do quarto de um hotel nos arredores da cidade, morrendo na queda. Há cerca de uma hora, os terroristas que seqüestraram o Freya, no Mar do Norte, com o objetivo de libertar os dois prisioneiros de Berlim, também morreram, em meio a um mar de petróleo em chamas. Nenhum deles chegou a falar qualquer coisa. E, agora, nenhum deles irá jamais falar. — Rudin fez outra pausa, antes de arrematar: — Se bem me lembro, estávamos no meio da votação da moção apresentada pelo Camarada Vishnayev...

     Todos os olhos evitaram deliberadamente os dele, fixando-se na mesa.

     — Quem está contra a moção? — murmurou Rudin. Vassili Petrov e Dmitri Rykov levantaram as mãos. Foram seguidos por Chavadze, o georgiano, Shushkin e Stepanov.

     Petryanov que anteriormente votara com a facção de Vishnayev, olhou para as mãos levantadas, percebeu para que lado estava o vento e também ergueu a mão.

     Komarov, do Ministério da Agricultura, disse:

     — Eu gostaria de expressar a minha satisfação pessoal por poder votar com a mais absoluta confiança a favor do nosso Secretário-Geral.

     Ele levantou a mão. Rudin sorriu-lhe.

     “Seu verme!”, pensou Rudin. “Vou esmagá-lo pessoalmente no chão da horta!”

     — Com o meu próprio voto, a moção está rejeitada por oito votos contra quatro — disse Rudin. — Temos mais alguma coisa a tratar nesta reunião?

     Não havia mais nada.

    

     Doze horas depois, o Comandante Thor Larsen estava novamente na cabine de comando do Freya e esquadrinhava atentamente o mar ao redor.

     Fora uma noite movimentada. Os fuzileiros britânicos o haviam encontrado e libertado 12 horas antes, quando estava prestes a desfalecer. Especialistas em demolições da Marinha Real haviam entrado nos porões do superpetroleiro, arrancando os detonadores das cargas de dinamite e depois tirando-as cuidadosamente do interior do navio para o convés, de onde foram rapidamente removidas.

     Mãos fortes tinham girado os cunhos de aço da porta por trás da qual a tripulação estava aprisionada há 64 horas. Os marinheiros libertados gritaram e dançaram de alegria. Passaram a noite inteira telefonando para esposas e parentes.

     As mãos cuidadosas de um médico naval haviam ajeitado Thor Larsen em seu próprio beliche, cuidando dos ferimentos da melhor forma possível, dentro das condições.

     — Evidentemente, vai precisar de uma cirurgia — disse o médico ao comandante norueguês. — E tudo estará preparado, para o momento em que chegar de helicóptero a Rotterdam. Certo?

     — Errado — murmurou Larsen, à beira da inconsciência. — Irei para Rotterdam, mas no Freya.

     O médico limpara a mão destroçada meticulosamente, esterilizando-a contra uma possível infecção e aplicando uma injeção de morfina para atenuar a dor. Antes mesmo que ele acabasse, Thor Larsen já estava dormindo.

     Mãos hábeis haviam controlado o fluxo de helicópteros que pousaram e subiram do heliporto do Freya, no meio do convés, ao longo da noite, trazendo Harry Wennerstrom para inspecionar seu navio, trazendo a turma de terra que iria ajudar a atracar o imenso navio. O operador das bombas encontrara os fusíveis de reserva e aprontara a sala de controle de carga para entrar em funcionamento. Petróleo bruto fora bombeado de um dos tanques cheios para o que fora esvaziado, a fim de restaurar o equilíbrio. As válvulas, tinham sido fechadas.

     Enquanto o comandante dormia, o Primeiro e o Segundo-Oficiais haviam examinado cada centímetro do Freya, de proa a popa. O chefe de máquinas também inspecionara meticulosamente sua área, testando cada sistema para certificar-se de que nada estava avariado.

     Durante a madrugada, os rebocadores e navios de combate a incêndios haviam aspergido o emulsificador sobre a área do mar em que o petróleo derramado ainda estava na superfície. A maior parte fora queimada no holocausto rápido causado pelas bombas de magnésio do Comandante Manning.

     Thor Larsen despertara pouco antes do amanhecer. O Comissário de Bordo ajudara-o a vestir suas roupas, o uniforme completo de comandante da Linha Nordia, que ele insistira em usar. Larsen enfiara a mão enfaixada pela manga do casaco com extremo cuidado, depois tornara a ampará-la na tipóia pendurada do pescoço.

     Às oito horas da manhã, ele estava de pé ao lado do Primeiro e do Segundo Oficial, na cabine de comando. Os dois pilotos do Controle do Maas também estavam ali, o mais veterano com sua “caixa marrom”, o sistema de ajuda navegacional.

     Para surpresa de Thor Larsen, o mar ao norte, sul e oeste do Freya estava apinhado de embarcações. Havia traineiras do Humber e do Scheldt, pescadores de Lorient e St. Maio, Ostende e costa do Kent. Navios mercantes hasteando uma dúzia de bandeiras misturavam-se com os navios de guerra das cinco nações da OTAN, todos dentro de um raio de mais de três milhas.

     Dois minutos depois das oito horas, os gigantescos hélices do Freya começaram a girar, o cabo da imensa âncora começou a subir ruidosamente do leito do mar. Por baixo da popa, apareceu um turbilhão de água branca.

     No céu lá em cima, quatro aviões circulavam, levando câmaras de televisão que mostravam ao mundo na expectativa a deusa do mar avançando majestosamente pelas águas.

     No momento em que a esteira do Freya se alargou, o emblema do capacete viking da companhia tremulando à brisa, o Mar do Norte explodiu numa confusão de sons.

     Pequenas sirenes, parecendo apitos, rugidos trovejantes e gritos estridentes ecoaram pelo mar, enquanto uma centena de capitães do mar, comandando embarcações de pequenas a imensas, de inofensivas a mortíferas, davam ao Freya a tradicional saudação dos marinheiros.

     Thor Larsen olhou para o mar apinhado a seu redor e para o curso vazio que se estendia até à Bóia Euro Um. Virou-se para o piloto holandês que estava à espera e disse:

     — Pode fixar o curso para Rotterdam.

    

     No domingo, 10 de abril, no Salão de St. Patrick, no Castelo de Dublin, dois homens se aproximaram da grande mesa de carvalho que ali fora instalada justamente para aquele encontro. Ocuparam seus lugares.

     Na galeria ao longo do salão, as câmaras de televisão focalizavam a mesa, banhada por uma luz branca intensa, transmitindo as imagens para o mundo inteiro.

     Dmitri Rykov cuidadosamente assinou seu nome, pela União Soviética, nas duas cópias do Tratado de Dublin, encapadas em couro vermelho, entregando-as em seguida a David Lawrence, que também as assinou, em nome dos Estados Unidos.

     Poucas horas depois, os navios transportando cereais, esperando ao largo de Murmansk e Leningrado, Sebastopol e Odessa, avançaram para os atracadouros.

     Uma semana depois, as primeiras unidades de combate ao longo da Cortina de Ferro começaram a recolher seus armamentos e outros equipamentos, a fim de recuar para muito além da linha de arame farpado.

     Na quinta-feira, dia 14 de abril, a reunião de rotina do Politburo, no Prédio do Arsenal, no Kremlin, estava muito longe de ser rotineira.

     O último homem a entrar na sala, tendo sido retardado no lado de fora por um major da guarda do Kremlin, foi Yefrem Vishnayev.

     Quando ele finalmente entrou, descobriu que os rostos de todos os outros 11 membros do Politburo estavam virados em sua direção. Maxim Rudin encontrava-se sentado no lugar central, no alto da mesa em forma de T, com uma expressão pensativa. Em cada lado da mesa havia cinco cadeiras e todas estavam ocupadas. Restava apenas uma cadeira vaga. Era a que se situava na extremidade da haste da mesa, de frente para todo o seu comprimento.

     Impassivelmente, Yefrem Vishnayev encaminhou-se lentamente para ocupar aquele lugar, conhecido simplesmente como a cadeira penal. Seria a última reunião do Politburo de que ele participaria.

    

     No dia 18 de abril, um pequeno cargueiro estava navegando pelas ondas do Mar Negro, 10 milhas ao largo da costa da Romênia. Pouco antes das duas horas da madrugada, uma lancha veloz afastou-se do cargueiro e correu na direção da praia. Parou a três milhas de terra e um fuzileiro a bordo empunhou uma lanterna potente, apontando-a para as areias invisíveis e transmitindo um sinal, três traços longos e três curtos. Não houve nenhuma luz respondendo da praia. O homem repetiu o sinal quatro vezes. Mesmo assim, não houve resposta.

     A lancha fez a volta e retornou ao cargueiro. Uma hora depois, estava alojada no convés e uma mensagem era transmitida para Londres.

     De Londres, outra mensagem foi transmitida em código para a Embaixada britânica em Moscou:

     “Lamento. Nightingale não compareceu ao encontro. Sugiro que volte a Londres.”

    

     No dia 25 de abril, houve uma reunião plenária do pleno do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, no Palácio do Congresso, dentro do Kremlin. Os delegados tinham vindo de todas as partes da União Soviética, alguns de muitos milhares de quilômetros de distância.

     De pé no pódio, sob a descomunal cabeça de Lenine, Maxim Rudin fez seu discurso de despedida.

     Começou por descrever todas as crises que o país enfrentara ao longo dos 12 meses anteriores, falando de uma perspectiva de escassez e fome para deixar todos arrepiados. Falou em seguida sobre a brilhante façanha de diplomacia pela qual o Politburo determinara a Dmitri Rykov que fosse encontrar-se com os americanos em Dublin, conseguindo as remessas de cereais, em quantidades sem precedentes, juntamente com importações de tecnologia e computadores, tudo a um custo mínimo. Não houve qualquer alusão às concessões nos níveis de armamentos. Rudin recebeu uma ovação, com todos os delegados de pé, que se prolongou por 10 minutos.

     Concentrando sua atenção na questão da paz mundial, ele recordou a cada um e a todos o constante perigo para a paz apresentado pelas ambições territoriais e imperiais do Ocidente capitalista, ocasionalmente ajudado por inimigos da paz dentro da própria União Soviética.

     Aquilo era demais e a consternação geral não pôde ser contida. Rudin logo continuou, sacudindo um dedo em advertência para dizer que todos aqueles que conspiravam secretamente com os imperialistas haviam sido desmascarados e liquidados, graças à eterna vigilância do incansável Yuri Ivanenko, que morrera uma semana antes, numa casa de saúde, depois de uma longa e brava luta contra um mal cardíaco.

     Quando a notícia da morte de Ivanenko foi revelada, houve manifestações de horror e condolências pelo camarada falecido, que salvara a todos. Rudin levantou a mão, com uma expressão pesarosa, pedindo silêncio.

     Rudin acrescentou que Ivanenko contara com a ajuda inestimável, antes do seu ataque cardíaco em outubro do ano anterior, e fora substituído desde então por seu sempre leal camarada, Vassili Petrov, que completara a tarefa de salvaguardar a União Soviética como a grande defensora da paz mundial. Houve uma prolongada ovação para Vassili Petrov.

     Como as conspirações da facção anti-paz, tanto dentro como fora da União Soviética, haviam sido desmascaradas e destruídas, continuou Rudin, fora possível para a União Soviética, em sua interminável busca da coexistência pacífica, reduzir seus programas de produção de armamentos, pela primeira vez em muitos anos. Uma parcela maior do esforço nacional poderia ser orientada, a partir daquele momento, para a fabricação de bens de consumo e progresso social, graças exclusivamente à vigilância do Politburo, desmascarando a facção anti-paz.

     Desta vez, os aplausos prolongaram-se novamente por cerca de 10 minutos.

     Maxim Rudin esperou até que as aclamações estivessem quase terminando, antes de levantar novamente as mãos. Ao voltar a falar, a voz era mais baixa.

     Quanto a ele, declarou, já fizera tudo o que podia e chegara o momento de se afastar.

     O silêncio aturdido era tangível.

     Trabalhara por muito tempo, talvez por tempo demais, suportando nos ombros as tarefas mais árduas, que haviam acabado por solapar suas forças e saúde.

     No pódio, seus ombros vergaram, como que ao peso de tudo o que suportara. Houve gritos de “Não! Não!”

     Ele era um velho, disse Rudin. O que estava querendo agora'' Nada mais do que todo velho queria, ficar sentado ao canto do fogo, numa noite de inverno, brincar com os netos...

     Na galeria dos diplomatas, o Chefe da Chancelaria da Embaixada britânica sussurrou para o Embaixador:

     — Essa é muito forte para alguém engolir. Ele já mandou fuzilar mais pessoas do que o número de bons jantares que tive.

     O Embaixador alteou uma única sobrancelha e murmurou em resposta:

     — Lembre-se de que você é um homem de sorte. Se estivéssemos na América, ele apresentaria os netos no palco.

     E assim, concluiu Rudin, era chegado o momento de admitir abertamente aos amigos e camaradas que os médicos o haviam informado que só tinha mais alguns meses de vida. Com a permissão da audiência, largaria o fardo do cargo e passaria o pouco tempo que lhe restava no campo que tanto amava, ao lado da família, que era o Sol e a Lua de sua existência.

     A esta altura, diversas mulheres na audiência estavam chorando abertamente.

     Restava uma última questão a resolver, disse Rudin. Ele planejava retirar-se dentro de cinco dias, no último dia do mês. A manhã seguinte seria o Dia do Trabalho e um novo homem deveria estar presidindo as cerimônias no alto do Mausoléu de Lenine, saudando o grande desfile. Quem seria esse homem?

     Deveria ser um homem ainda jovem e vigoroso, um homem de sabedoria e patriotismo ilimitado, um homem com o valor já comprovado nos mais altos conselhos da terra, mas ainda não vergado ao peso dos anos. E um homem assim, proclamou Rudin, os povos das 15 repúblicas socialistas tinham a sorte de encontrar na pessoa de Vassili Petrov...

     A eleição de Petrov para suceder Rudin foi feita por aclamação. Os partidários de outras candidaturas teriam sido abafados aos gritos se tentassem falar. Nem mesmo se deram ao trabalho.

    

     Depois do desenlace do seqüestro no Mar do Norte, Sir Nigel Irvine desejara que Adam Munro permanecesse em Londres ou pelo menos não voltasse a Moscou. Munro apelara pessoalmente à Primeira-Ministra Carpenter para que lhe fosse permitida uma última oportunidade de verificar se seu agente, Nightingale, estava pelo menos seguro. Tendo em vista o papel que ele desempenhara na solução da crise, a permissão foi concedida.

     Desde seu encontro com Maxim Rudin ao amanhecer do dia 3 de abril, era evidente que a cobertura de Munro estava liquidada e que ele não mais poderia continuar a funcionar como um agente em Moscou.

     O Embaixador e o Chefe da Chancelaria encararam o retorno dele com consideráveis apreensões. Não foi surpresa quando seu nome passou a ser excluído das listas de convites diplomáticos e não mais foi recebido por qualquer autoridade do Ministério do Comércio Exterior da União Soviética. Munro ficou sem ter o que fazer, ignorado e indesejável, esperando, contra todas as esperanças, que Valentina entrasse em contato com ele para informar que estava a salvo.

     Em determinada ocasião, Munro experimentou ligar para o telefone particular dela. Ninguém atendeu. Ela podia ter saído, mas Munro não se atreveu a correr o risco de ligar novamente. Em seguida à queda da facção de Vishnayev, foi-lhe dito que ficasse esperando em Moscou até o final do mês. Depois, deveria voltar a Londres e seu pedido de demissão do serviço seria bem recebido.

     O discurso de despedida de Maxim Rudin teve a maior repercussão nas missões diplomáticas, cada uma informando os respectivos governos do afastamento de Rudin e preparando estudos sobre seu sucessor, Vassili Petrov. Munro ficou totalmente excluído desse turbilhão de atividade.

     Por tudo isso, foi ainda mais surpreendente quando, depois do anúncio de uma recepção no Salão São Jorge, no Grande Palácio do Kremlin, na noite de 30 de abril, chegaram convites à Embaixada britânica para o Embaixador, o Chefe da Chancelaria e Adam Munro. Foi até mesmo insinuado, durante um telefonema do Ministro do Exterior soviético ao Embaixador, que o Governo da União Soviética contava com o comparecimento de Munro.

     A recepção oficial para a despedida de Maxim Rudin foi espetacular. Mais de uma centena de representantes da elite da União Soviética misturaram-se com quatro vezes esse número de diplomatas estrangeiros, do mundo socialista, do Ocidente capitalista e do Terceiro Mundo. Delegações fraternais de partidos comunistas fora do bloco soviético também estavam presentes, constrangidas em meio a todos aqueles trajes a rigor, uniformes militares, estrelas, comendas e medalhas. Poderia ter sido um czar que estava abdicando, ao invés de um líder do paraíso sem classes dos trabalhadores.

     Os estrangeiros confraternizaram com os anfitriões russos sob as 3.000 lâmpadas de seis imensos lustres, conversando no próprio local em que os heróis da grande guerra czarista eram homenageados juntamente com os outros cavaleiros de São Jorge. Maxim Rudin deslocava-se entre os grupos como um velho leão, aceitando os aplausos e congratulações dos representantes de 150 países como algo perfeitamente natural.

     Munro viu-o de longe. Mas não estava incluído na lista dos que deveriam ser apresentados pessoalmente e sabia também que não seria sensato aproximar-se do Secretário-Geral que estava de saída. Antes da meia-noite, alegando um cansaço natural, Rudin pediu licença para se retirar e deixou os convidados aos cuidados de Petrov e dos outros membros do Politburo.

     Vinte minutos depois, Adam Munro sentiu alguém tocar-lhe o braço. Virou-se e deparou, parado às suas costas, com um imaculado major no uniforme da própria guarda pretoriana do Kremlin. Impassível como sempre, o major falou-lhe em russo:

     — Sr. Munro, queira fazer o favor de me acompanhar.

     O tom dele não permitia qualquer objeção. Munro não ficou surpreso. Evidentemente, a inclusão de seu nome na lista de convidados fora um erro e lhe iam pedir que se retirasse.

     Mas o major não se encaminhou para as portas principais. Em vez disso, atravessou o Salão de São Vladimir, subiu por uma escada de madeira guardada por uma grade de bronze e chegou a um saguão com clarabóia no andar superior.

     O major avançava com extrema calma e confiança, inteiramente à vontade entre todos aqueles corredores e passagens, desconhecidos da maioria das pessoas.

     Ainda seguindo-o, Munro atravessou uma passagem descoberta, à luz das estrelas, entrando no Palácio Terem. Havia guardas silenciosos em todas as portas; cada uma era aberta quando o major se aproximava e fechada assim que eles passavam. Atravessaram o Salão da Frente e foram até a extremidade do Salão da Cruz. Ali, o major parou diante de uma porta e bateu. Uma ordem foi resmungada rispidamente do outro lado. O major abriu a porta, deu um passo para o lado e fez sinal a Munro para que entrasse.

     A terceira câmara do Palácio Terem, que é conhecido como Palácio das Câmaras, é o Salão do Trono, o santuário dos santuários dos antigos czares, o mais inacessível de todos os salões. Com ladrilhos em mosaico, vermelhos e dourados, com assoalho de par-quente e um tapete vermelho, é mais opulento, menor e mais aconchegante do que os outros salões. Era o lugar em que os czares trabalhavam ou recebiam emissários especiais, na mais completa intimidade. Maxim Rudin estava parado diante da janela. Virou-se quando Munro entrou e disse:

     — Com que então, Sr. Munro, vai nos deixar, pelo que fui informado.

     Haviam-se passado 27 dias desde a entrevista anterior, quando Munro o encontrara de roupão, com um copo de leite quente nas mãos, em seu apartamento particular no Arsenal. Agora, Rudin estava num terno cinza de corte impecável, quase que certamente feito em Savile Row, Londres, tendo na lapela esquerda os emblemas das Ordens de Lenine e de Herói da União Soviética. O Salão do Trono ficava assim mais apropriado.

     — Vou, sim, Sr. Presidente — disse Munro. Maxim Rudin olhou para o relógio e comentou:

     — Dentro de dez minutos, serei o Sr. Ex-Presidente. Retiro-me oficialmente à meia-noite. Posso presumir que também vai retirar-se do serviço?

     A velha raposa sabe perfeitamente que minha cobertura foi destruída na noite em que estive com ele, pensou Munro, e que também tenho de me retirar.

     — Vou, sim, Sr. Presidente. Estarei voltando para Londres amanhã, a fim de formalizar meu afastamento do serviço.

     Rudin não se aproximou dele nem estendeu a mão. Continuou parado no outro lado da sala, no mesmo lugar em que os czares antigamente se postavam, no salão que representava o pináculo do Império Russo. Ele sacudiu a cabeça e murmurou:

     — Nesse caso, quero apresentar-lhe minhas despedidas, Sr. Munro.

     Ele apertou um pequeno botão de ônix na mesa e a porta atrás de Munro se abriu.

     — Adeus, senhor — disse Munro.

     Ele já se estava virando para sair quando Rudin voltou a falar:

     — Diga-me uma coisa, Sr. Munro: o que acha da nossa Praça Vermelha?

     Munro parou, desconcertado. Era uma pergunta estranha para um homem que estava apresentando suas despedidas. Munro pensou por um momento e respondeu cautelosamente:

     — É realmente impressiva.

     — Impressiva... isso mesmo... — murmurou Rudin, como se estivesse avaliando a palavra. — Talvez não seja tão elegante quanto a Berkeley Square, de Londres. Mas algumas vezes, mesmo aqui, pode-se ouvir um rouxinol (Nightingale) cantar.

     Munro ficou tão imóvel quanto os santos pintados no teto por cima dele. Sentiu o estômago revirar-se numa onda de náusea. Tinham apanhado Valentina. Incapaz de resistir, ela contara tudo, revelando até mesmo o nome em código e a alusão à velha canção sobre o rouxinol na Berkeley Square.

     — Vão fuzilá-la? — perguntou ele, aturdido. Rudin pareceu ficar genuinamente surpreso.

     — Fuzilá-la? Mas por que haveríamos de fazer uma coisa dessas?

     Então, seria os campos de trabalhos forçados, a morte em vida, para a mulher que ele amava e com quem por pouco não levara para se casar na Escócia.

     — Mas então o que vão fazer com ela?

     O velho russo ergueu as sobrancelhas, numa expressão zombeteira de surpresa.

     — O que vamos fazer? Nada. Ela é uma mulher leal, uma patriota. E gosta muito de si, meu jovem. Não está apaixonada, espero que compreenda, mas sente uma afeição genuína...

     — Não estou entendendo — murmurou Munro. — Como pode saber?

     — Ela me pediu para dizer-lhe. Não será uma dona-de-casa em Edinburgo. Não será a Sra. Munro. Não pode tornar a vê-lo... nunca mais. Mas não quer que se preocupe com ela, não quer que sinta receio por ela. Ela está bem, privilegiada, honrada e respeitada entre seu próprio povo. Ela me pediu para que lhe dissesse que não deve preocupar-se.

     A compreensão que raiava em Munro era quase tão estonteante quanto o medo. Munro olhou fixamente para Rudin, enquanto a incredulidade ia-se dissipando.

     — Ela estava trabalhando sob sua orientação... — murmurou ele. — Estava trabalhando sob as suas ordens desde o início... desde o primeiro contato no bosque, logo depois que Vishnayev apresentou sua proposta para a guerra na Europa. Ela estava trabalhando sob suas ordens...

     A velha raposa do Kremlin deu de ombros.

     — Sr. Munro, de que outra maneira eu poderia transmitir minhas mensagens para o Presidente Matthews com a certeza absoluta de que mereceriam todo o crédito?

     O impassível major, de olhos frios, tocou de leve no cotovelo de Munro. No instante seguinte, ele tinha saído do Salão do Trono e a porta se fechava. Cinco minutos depois, Munro deixava o Kremlin a pé, passando por uma pequena porta num portão secundário, saindo para a Praça Vermelha. Já estavam começando os preparativos para o grande desfile do Dia do Trabalho. Um relógio assinalou meia-noite.

     Munro virou para a esquerda, seguindo na direção do Hotel Nacional, à procura de um táxi. Cem metros adiante, ao passar pelo Mausoléu de Lenine, para surpresa e ultraje de um miliciano, ele desatou a rir.

 

                                                                                Frederick Forsith  

 

                      

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