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... Curvou-se sobre o frigorífico rasteiro, abriu a porta, tirou o copo com o sumo e aproximou-se da larga janela. Com um suspiro tranquilo admirou os prédios altos e antiquados de Ipanema; mesmo em frente plantava-se um pequeno edifício branco de cinco andares, sob o sol quente do início de tarde cintilava no terraço uma piscina de água azul-turquesa, convidativa e refrescante; ao lado erguia-se um prédio escuro mais alto, com largas varandas pejadas de cadeiras e espreguiçadeiras; os morros, lá ao fundo, formavam uma barreira natural que cercava a floresta de betão com os seus curvos contornos verdes e cinza; o Cristo Redentor acenava de perfil no Corcovado, figurinha esguia e ebúrnea a abraçar a cidade lá do alto, frágil e minúscula, equilibrando-se sobre o abismo do maciço arbóreo do mais alto morro da cidade, pairando na crista do miradouro acima de um pequeno tufo esbranquiçado de nuvens que se colara ao topo do promontório.
O velho levou à boca o copo e sentiu o líquido alaranjado descer-lhe suavemente pela garganta, doce e fresco. O suco de manga era a sua bebida favorita, especialmente porque o açúcar fazia sobressair o travo meloso do fruto tropical; além do mais, as sucarias produziam um sumo puro, sem água, com a fruta descascada na hora, e o sumo de manga vinha compacto, os fios do fruto misturados no líquido espesso e revigorante. O velho engoliu o sumo até ao fim, de pálpebras cerradas, saboreando a manga com vagarosa gula. Quando terminou, abriu os olhos e observou prazenteiramente o azul resplandecente da piscina no terraço do prédio à frente do quarto. Foi a derradeira imagem que registou.
Rebentou-lhe nesse instante no peito uma dor lancinante; contorceu-se numa convulsão, dobrou-se sobre si, agitou-se num espasmo incontrolável; a dor tornou-se insuportável e o homem tombou no chão, fulminado, os olhos rolaram e ficaram fixos e vidrados no tecto do quarto, imóveis, o corpo deitado de barriga para cima, os braços abertos e as pernas esticadas, tremendo numa derradeira contracção.
O seu mundo chegara ao fim...
JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS nasceu em 1964 em Moçambique. Tal como a esmagadora maioria dos portugueses, alguns dos seus antepassados estiveram envolvidos na Grande Guerra, na Flandres e na África. Apesar da faceta de romancista, o autor é sobretudo conhecido como jornalista. Iniciou a carreira jornalística em 1980, na Rádio Macau. Trabalhou na BBC, em Londres, entre 1987 e 1990, e seguiu para a RTP, onde começou a apresentar o 24 Horas. Em 1991 passou para a apresentação do Telejornal e tornou-se colaborador permanente da CNN de 1993 a 2002. Doutorado em Ciências da Comunicação, é professor da Universidade Nova de Lisboa e jornalista da RTP, ocupando por duas vezes o cargo de director de Informação da televisão pública. É um dos mais premiados jornalistas portugueses, tendo sido galardoado com dois prémios do Clube Português de Imprensa e três da CNN.
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