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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Trilogia A LANÇA DOURADA / Daniel Monteiro
Trilogia A LANÇA DOURADA / Daniel Monteiro

 

 

                                                                                                                                                      

 

 

 

 

 

 

 

Tinha sido uma tarde fria em toda Maciaan. Com aquele céu tão apagado que ninguém sabe distinguir a hora do dia, se está cedo ou tarde. No leste ou oeste, as nuvens cobriam tudo. Um garoto subiu numa das torres do Castelo Henpakihan e forçou as vistas, mesmo assim, nada. De um lado, as montanhas do leste, do lado oposto, bem lá no fim, ele pensou ter visto o começo do mar. E de um canto a outro, tudo estava coberto pelo cinza celeste.
— Amadeu! Desça agora, garoto. Fica brincando aí, enquanto tem trabalho para fazer, moleque! — era seu pai gritando, alguns andares abaixo. Ele era um dos soldados da guarda real, mas a tarefa mais trabalhosa que tinha era educar o garoto, sem dúvidas. O menino desceu com a cara emburrada, pelas escadas.
Longe dali, numa grande cidade de casas de madeira e telhados inclinados, um jovem caminhava carregando nas costas quatro lobos ensanguentados. Ele era alto, de físico forte e tinha uma volumosa cabeleira loira que descia até as costas. Enquanto ele passeava sorridente, as pessoas ficavam contentes de cumprimentá-lo. Para alguns, ele virava as costas mostrando as feras que tinha matado, e só recebia elogios.
Em certo ponto, ele alcançou uma grande muralha de madeira, esperou que as portas se abrissem e entrou confiante. No interior não havia um castelo, estava mais para uma vila modesta. Aquele era o Palácio de Casul, um local distinto pela sua beleza natural. Jardins bem cuidados, casas grandes, algumas com três andares e todas de madeira, sem um grama de pedra.
— Quando vai largar essa imprudência, jovem Rupert? — um senhor magro olhava o rapaz de uma varanda numa casa próxima. Ao lado dele uma criança de grandes olhos azuis fitava o loiro.
— Não me enche, Valtezer. Eu não aguento ficar preso aqui dentro, preciso de ar puro, natureza selvagem!
— Cuidado, se continuar desse jeito, a natureza não vai sobreviver a você. — disse Valtezer. Rupert não tinha uma desculpa para os animais mortos, então apenas sorriu envergonhado. Acenou para a garotinha, que corou e escondeu-se atrás de Valtezer. Rupert entrou na casa, pensando que a noite seria longa e chuvosa.
Voltando para as terras do Castelo Henpakihan, porém mais ao norte, numa região acidentada e com várias colinas, dois amigos se entretinham num jogo de baralho. Era um jogo arcaico, com cartas coloridas, e regras que volta e meia um dos dois inventava para justificar uma trapaça. Yozien, alto e esguio, vencia a maioria das partidas com certa facilidade. Ele tinha um olhar de sabedoria e inspirava bondade, características condizentes com homens experientes, e ele já estava com seus quarenta anos. Tiestes tinha trinta e cinco, era forte e inteligente, mas muito impaciente.

 

 

 

 

O ruído de madeira rangendo com o vai-e-vem não atrapalhava o sono, nem o barulho da chuva agressiva com suas gotas pesadas, mas agora a escuridão da noite trazia, entre as chacoalhadas costumeiras, um impacto maior, ritmado, que fez o Capitão Balboa acordar.
— Mas que diabos? — Ele resmungou coçando a cabeça grisalha, que em três ou quatro anos não teria mais cabelo algum. Olhando pela janela da cabine, havia apenas negritude e o som da água batendo. As batidas não pararam, e logo uma voz se destacou entre elas:
— Capitão Balboa! Capitão Balboa!
Ele calçou suas botas, jogou um casaco sobre os ombros e foi até a porta. Antes de abrir, catou seu quepe que estava pendurado atrás dela.
— O que há com essa gritaria, marujo? Não consegue dormir com uma chuvinha dessas?
— Capitão, o barco vai naufragar! — Era Ivan, o jovem que se voluntariara para a viagem poucos dias antes da partida. Não tinha experiência alguma no mar, como a maioria, mas era alto, tinha as costas largas e um queixo forte, e o Capitão Balboa achou que seria útil ter alguém como ele por perto.
— Mas que bobagem você está falando, garoto? — Os dois protegiam o rosto da chuva com os braços. — O barco não vai virar por causa dessa chuvinha!
— Mas não estou falando da chuva, Capitão! Venha ver! — Ele agarrou Balboa pelo braço e o levou até bombordo.

 

 

 

 

O maior tolo é o que passa a vida buscando liberdade absoluta, pois é a morte a única saída da prisão chamada destino. Em meio às esparsas nuvens brancas que uma vez ou outra cortavam-lhe o caminho, o homem alado fazia sua viagem, sempre inconformado por não conseguir assobiar. Por longos períodos a fio ele bateu suas asas tomado pelo completo tédio, pois não podia sequer sibilar suas canções favoritas, gravadas na memória desde uma época saudosa, quase pueril. O sopro dos seus lábios não podia contra a rajada constante de vento no rosto. E não era para menos, a velocidade impelida pelas asas que o erguiam rivalizava com a dos mais velozes gaviões-imperadores. Em termos de medida, os mais de oito metros de envergadura eram quase do tamanho das asas de um gavião-imperador adulto.
Após vagar sem rumo por uma quantidade considerável de locais, conhecidos previamente ou não, o homem alado decidira rumar para seu destino final, e dentro de poucos instantes ele veria a terra sagrada despontar no horizonte, acabando com a plenitude azul da água salgada do mar. Enquanto isso não acontecia, ele se divertia girando a cabeça durante o voo. A cada mudança de ângulo, o couro cabeludo era acariciado pela força do vento, que rearranjava os cabelos, fio a fio, num constante vendaval. Ele sentia uma felicidade engrandecida pelo egoísmo sempre que os fios dançavam ao sabor do vento. Claro, o prazer em si não era extraordinário, mas só de saber que ele era o único homem vivo ou morto a ter experimentado aquilo, ele se sentia um pouco mais felizardo.
Foi depois de se distrair observando sua sombra cortar as águas turbulentas de um redemoinho que o homem alado levantou o rosto e finalmente avistou a última parada. O lugar de muitos nomes, às vezes era a terra sagrada, outras o lar dos monstros, mas independente da fama que o precedia, todos conheciam o lugar pelo seu nome original: Cesaro.
Sobrevoando uma praia estreita, espremida entre a força da água e a imponência da floresta, o viajante avistou, mesmo sob a luz forte do sol quente, a imensidão escura que todos temiam. As famosas terras de magia e terror, que originaram relatos obscuros e permeados de palavras incertas sobre criaturas e situações absurdas. De cima da gigante área verde, o homem alado identificou, por entre as copas das árvores, um solo virgem, dono da mais bruta selvageria, da natureza primordial, de tempos anteriores à ocupação humana.
Sem conter a excitação, ele galgou ares mais altos. Passou pela umidade das nuvens mais distantes e atirou-se para o lugar mais limpo que encontrou, de onde tinha visibilidade excelente das terras do Cesaro. A extensão de terra assustava, principalmente alguém que passara um tempo tão longo isolado entre o céu e o mar. Batendo as asas para se manter equilibrado, ele ponderou:
— Hora de me situar... Se eu vim do mar, então vim do oeste. Agora para chegar no templo tenho que virar à esquerda. Sei que fica no lado mais norte das terras do leste, espero não demorar muito para achar, ou terei que esperar até amanhã. — Dito isso, rumou com vontade para baixo, impulsionando ainda mais a queda com suas asas, visando o extremo norte.

 

 

 

 

 

 

 

O autor da trilogia é natural de Ilhéus-BA, e formou-se em administração no ano de 2009. Começou a trabalhar como escritor desenvolvendo roteiros para quadrinhos, e um tempo depois, passou a exercitar seu lado contador de histórias através de crônicas.

    

 

                        

 

 

 

 

 

 

      

 

 

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