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Texas, 1857
Antonie Ramirez sabe cavalgar e atirar melhor do que a maioria dos homens. Agora, ela está de volta ao Texas para cumprir o derradeiro desejo de seu pai: encontrar o fazendeiro chamado Royal Bancroft e recompensá-lo por ter salvado a vida deles anos antes.
Royal Bancroft não sabe quem está por trás dos fora-da-lei que estão tentando afastá-lo de sua fazenda, mas ele prefere lutar até a morte do que perder suas terras. No entanto, com a irmã e o irmão sequestrados, Royal sente a derrota mais próxima do que gostaria... Até que uma linda e corajosa jovem de cabelos dourados, com uma incrível habilidade para manejar armas, entra em sua vida...
Antonie usa uma carapaça para proteger seu coração machucado, e do momento em que a conhece, Royal sabe que, se tentar domar aquela mulher, aniquilará sua natureza livre. Em vez disso, ele deixará que ela cavalgue a seu lado, lute com ele por um futuro e finalmente venha para seus braços como uma mulher apaixonada...
Tiros. Até mesmo a menina de nove anos pôde reconhecer o ruído assustador de disparos de uma arma de fogo. Num piscar de olhos, seu lindo dia de primavera foi arruinado e as flores silvestres que trazia nas mãos não mais lhe despertavam interesse. O cachorrinho aos seus pés, um filhote gorducho e brincalhão, permanecia agora junto a ela, imóvel e temeroso. O profundo silêncio que de repente reinava fazia pensar que até mesmo os pássaros haviam se calado, temerosos de que o perturbador ruído viesse a se repetir, assinalando mais uma morte no território do Novo México, fato que se tornava corriqueiro.
Imóvel, Antonie pôs-se a pensar. Seriam índios ou pistoleiros? Havia tantas coisas a temer. Deveria permanecer onde estava ou seria melhor correr? Talvez pudesse se esconder. Tudo o que tinham lhe ensinado, no entanto, era onde se abrigar caso um inesperado ataque de malfeitores acontecesse enquanto estivesse em casa. Ninguém lhe dissera o que fazer se estivesse colhendo flores silvestres a uma boa distância de casa ao perceber o perigo.
Quando o ruído de um segundo disparo soou-lhe aos ouvidos, ela resolveu se mover. De início, caminhou devagar, para então acelerar os passos, determinada. Tivera que decidir por si mesma. O cachorrinho esforçava-se para alcançá-la, enquanto ela corria para casa.
Juan Ramirez olhava desgostoso para a cena diante de seus olhos. Era um homem violento, mas se orgulhava de usar de violência somente contra aqueles que a mereciam, ou contra os que tinham como defender-se. Os homens do bando conheciam suas regras. As pobres criaturas no pequeno casebre haviam acabado de chegar à região e nada possuíam que valesse a pena roubar. Apenas lutavam para sobreviver, como qualquer nativo. Aquela violência gratuita nada lhes rendera e fora um desperdício de tempo, o que o deixava furioso. Voltou a fitar o desobediente traidor que acabara de matar e se perguntou se aquilo serviria de lição aos outros três homens de seu bando, ou se seria melhor eliminá-los também. Ao ouvir o ruído de passos cada vez mais próximos, ele colocou-se em alerta e segurou a arma com firmeza, no que foi imitado pelos outros homens.
A menininha que correu na direção deles nem sequer notou-lhes a presença. Juan tentou impedir que ela entrasse na cabana onde a cena sangrenta se desenrolara, mas foi tarde demais. Praguejando, ele desmontou e seguiu a criança, parando à porta para observá-la. Olhando ao redor, ela demonstrava não compreender o que acontecera.
Colocando as flores de lado, a pequena aproximou-se do corpo da mãe, perguntando-se por que ela estaria quase nua. Com uma dignidade que surpreendeu o pistoleiro, Antonie ajeitou as roupas dela, a fim de cobrir-lhe o corpo para, em seguida, fechar os olhos arregalados. Tudo no que ela pensava era que, se houvera morte, teria que haver enterro. Decidiu que cavaria dois buracos grandes e neles colocaria o cadáver dos pais. Era o que eles tinham feito quando sua irmã e seu irmão haviam sido assassinados.
- Por que ainda está aí? - ela perguntou ao homem de pé à porta. - Eles já estão mortos, não pode matá-los de novo. Chegue para lá. Preciso passar.
Sem compreender por que o fazia, Juan obedeceu à ordem. Permaneceu ali, coçando a barba, enquanto via a menina dirigir-se ao celeiro. Inquietos, os homens do bando não compreendiam por que ainda não tinham ido embora.
Juan observava a menina que agora arrastava atrás de si uma enxada grande e pesada demais para uma criança pequena como ela. Decerto não teria forças para fazer o que era preciso.
Em sua mente, o homem comparou aquela garotinha a uma boneca de porcelana que roubara certa vez. Os cabelos emaranhados eram loiros, a pele muito clara, e ela era miúda para uma criança que ele calculava ter cerca de nove anos de idade. O que realmente o encantava, porém, eram os grandes olhos cor de ametista, violeta como águas do riacho ao poente, encimados por sobrancelhas benfeitas e cercados por cílios longos e fartos, bem mais escuros do que os cabelos. Não tinha a menor ideia do que fazer com ela, mas não seria capaz de deixá-la para trás.
- Niña - ele chamou -, meus companheiros cuidarão do enterro. - Tomando a enxada das mãos da garota, ele a entregou aos três homens que haviam participado da matança. - Você é bem pequena, não?
O enterro aconteceu rapidamente. Era bem provável que o xerife e seus homens já estivessem no encalço deles. A fronteira estava próxima, mas Juan não queria ter de correr. Deixou a menina colocando as flores que colhera sobre o túmulo da mãe e voltou para dentro da cabana, a fim de pôr os poucos pertences dela em seu alforje. Ao sair, encontrou-a retornando.
- Juan - chamou Manuel, seu braço direito -, o que vai fazer com uma menina tão pequena? Isso é loucura, hombre.
O pistoleiro tomou a olhar para a menina que os observava, sem compreender o que diziam, pois falavam em espanhol.
- Esta Niña é meu prêmio. - Ele sorriu para o companheiro, enquanto coçava a cabeça. - Vou ser pai sem ter que aguentar uma esposa. Nada mau, não? - Juan voltou-se para a garota. - Qual é seu nome? - indagou em inglês.
- Antonie Neumann - ela respondeu, fitando aquele homem alto, magro e moreno. - Por que você matou minha mãe e meu pai?
- Eu não os matei, nina. - Ele apontou para o corpo do homem no qual atirara. - Foi esse homem quem matou seus pais, e por isso acabei com ele. Sou um pistoleiro, é verdade, mas não tento roubar dos que nada possuem. Você virá conosco, chica. - Juan a colocou sobre a sela do cavalo e acomodou-se atrás dela.
- Quero levar meu cachorro - ela disse, apontando para o filhote que latia para as patas dos cavalos.
- O nome dele é Sage.
- Manuel vai trazer o cachorro - Juan resolveu, soltando uma gargalhada ao ver o companheiro praguejar.
Em seguida, afastaram-se a galope.
Março de 1861
Royal Bancroft não tinha ideia do perigo que o cercava. Aos vinte e um anos de idade, sentia-se atraído por cidades de fronteira, onde o preço das bebidas e dos serviços das prostitutas era baixo. Além disso, gostava do ar de temeridade típico daqueles lugares. Seus olhos, de um verde que lembrava o jade, desviaram-se da mulher de formas generosas a seu lado, para ir pousar sobre alguém que não esperava encontrar numa taverna de fronteira.
A menina que avistara mais parecia uma boneca de porcelana, a despeito do traje e da aparência descuidados. Os cabelos de um loiro muito claro ultrapassavam a altura dos quadris, presos apenas por um lenço que o chapéu de abas largas escondia quase por inteiro. O negro da calça e da camisa realçava o tom claro da pele. O nariz pequeno e reto, os lábios carnudos e os delicados traços da face continham a promessa de uma beleza feminina incomum, cheia de sensualidade e paixão. Ao observar o corpo que as roupas escuras ocultavam, concluiu que as formas quase adolescentes guardavam a mesma promessa.
Ele não gostava de ver uma garota tão jovem naquele tipo de lugar. Se ela ainda fosse inocente, o provável era que essa inocência não durasse muito mais tempo. Não pôde deixar de pensar na irmã, Patrícia, que devia ter a mesma idade daquela linda menina. Não era correto que ela estivesse numa taverna, e ele decidiu que faria algo a respeito. Aproximando-se da pequena, ficou assombrado pela beleza dos olhos grandes e expressivos. Estava prestes a falar com ela quando um absoluto silêncio tomou conta do lugar seguido pelo ruído de pistolas sendo sacadas. Erguendo os braços, Royal deu meia-volta.
- Você é jovem, gringo, por isso vou permitir que se explique. Então, vou atirar em você. - Juan deu de ombros. - Ou talvez não.
- Não pretendia fazer mal algum a esta criança - Royal declarou, enquanto tentava imaginar o que dizer para aliviar a tensão que tomava o ambiente.
- Então por que se aproximou de minha filha?
Embora tentasse evitar, Royal não conseguiu esconder a surpresa. O mexicano alto e moreno não poderia ser o pai daquela menina tão clara.
- Estava apenas preocupado com a presença de uma garota da idade dela num lugar como este - Royal respondeu com honestidade.
Após um sinal quase imperceptível de Juan para seus homens, as armas de Royal foram removidas. Cautelosamente, ele obedeceu ao gesto do pistoleiro que sugeria que se sentasse. Teve de conter o riso diante do gesto grosseiro do homem, que empurrou a prostituta sentada em seu colo para dar lugar à menina. A maneira como o olhar daquele homem rústico se transformou à aproximação da pequena, assim como o modo espontâneo como ela se acomodou contra o peito dele, fez com que parecesse menos perigoso.
- Minha nina está sempre comigo - ele disse. - Já viu muitos lugares como este.
- Bem, é que eu estava pensando em minha irmã, que tem mais ou menos a idade de sua filha - Royal explicou. - Eu não gostaria de vê-la num lugar assim... aprendendo.
- Ela é apenas uma criança - Juan retrucou. - Não compreende nada do que acontece. É cedo demais.
- A infância dela está terminando, senor. - Royal apontou para o peito da menina.
A maneira como ela enlaçara o pescoço de Juan tinha feito o tecido da camisa se esticar, realçando os seios que começavam a desabrochar. Ela franziu o cenho ao perceber que Juan e Manuel a fitavam, com olhos arregalados. Ignorando os protestos da filha, Juan puxou a parte da frente da blusa e espiou lá dentro, notando, espantado, os pequenos seios.
- Por Dios! - ele exclamou, soltando a blusa. - Por que não me disse nada, nina?
- Achei que iam sumir. Além disso, não queria que você risse de mim como quando eu sangrei pela primeira vez. - Ela ficou amuada. - Não gosto que riam de mim.
- Ah, querida, não ri de você - Juan declarou. - Só achei engraçado você pensar que estivesse morrendo.
Olhando ao redor, o pistoleiro viu os homens de seu bando bolinando as mulheres, e seu semblante tornou-se subitamente sério. Royal podia adivinhar o que passava pela cabeça dele: a menina estava crescendo e, em breve, seus pensamentos se modificariam assim como já acontecia com seu corpo. Era possível que ela decidisse fazer o mesmo que aquelas mulheres, que concediam prazeres aos homens em troca de alguns poucos pesos.
- Ouça, por que você não a manda de volta para o quarto? - Royal sugeriu.
- Ela sempre dorme perto de mim aqui, quando escolho um quarto - Juan informou.
- Céus! Você a deixa olhar?
- Não - o homem rosnou. - Eu a coloco para dormir do outro lado da porta.
- Quer dizer que ela só escuta - Royal observou com sarcasmo.
- Juan não faz muito barulho - a menina disse. - Só grunhe um pouquinho. Agora, Manuel...
O pistoleiro tapou a boca da indiscreta filha.
- Sabemos como Manuel é. Você não deve... - Ele voltou-se para Royal. - O que é que eu faço agora?
Royal preparava-se para dar uma sugestão, quando percebeu uma imagem furtiva no espelho atrás do bar. Houve um rápido movimento na rua, mas ele não pôde ter certeza do que acontecia, até vislumbrar o brilho da arma apontada na direção do homem sentado à sua frente, ocupado demais com as preocupações paternas para se dar conta do risco que corria. A menina de olhos bonitos também acabaria sendo atingida pelas balas do rifle.
Lançando um grito de alerta, Royal atirou-se sobre o pistoleiro e a menina, fazendo com que ambos se deitassem no chão embaixo dele, segundos antes de o primeiro tiro ser disparado. Desarmado, ele só podia proteger a menina com o próprio corpo e manter a cabeça abaixada, até que o tiroteio terminasse.
Com uma rapidez que Royal não pôde deixar de admirar, Juan posicionou mesas e cadeiras de modo a formar com elas uma barricada. Tudo pareceu um verdadeiro pandemônio, mas Royal notou que apenas dois homens no bar haviam sido atingidos, indo ao chão durante os primeiros segundos da confusão. Os homens que tinham iniciado o ataque foram derrotados e mortos. Ele permaneceu sentado no chão junto à menina e seu cachorro, enquanto a ordem era restabelecida.
- Quem era? - Antonie indagou, assim que tornou a sentar-se no colo de Juan, enquanto Royal deixava-se cair sobre a outra cadeira.
- Raoul e sua corja. - Juan encarou Royal. - Salvou nossas vidas, gringo, e Juan Ramirez jamais se esquece de uma dívida. Seu nome, companheiro?
- Royal Bancroft - ele respondeu, surpreso por encontrar-se diante de uma lenda viva e por ter salvado a vida de alguém que todo o Texas desejava ver enforcado. - Do Texas, para além de San Antônio, - As armas foram devolvidas a ele. - Deus do céu, eu seria enforcado se descobrissem o que aconteceu aqui.
- Sí, sí. - Juan riu com vontade. - Não teria agido tão rápido se soubesse quem eu era, não?
Royal sorriu e balançou a cabeça.
- E há a criança para considerarmos. Não pretendem enforcá-la.
- Não? - Juan acariciou o alto da cabeça da pequena com o rosto.
- Não. - Royal tomou um bom trago de cerveja e decidiu usar de honestidade. - Todos acham que você a roubou dos pais e pretendem tomá-la de volta.
- É como eu pensei. Já tentaram, mas ninguém vai tirar minha nina de mim. Ela é órfã e se chama Antonie Neumann.
- Olá, Antonie. - Royal observou a maneira encabulada como ela sorriu e pensou em como se tornaria uma linda mulher.
- Ela está comigo desde os nove anos. Sou o pai dela agora, e meus companheiros são a família dela. Fazemos questão de que ela vá à igreja. Ensinamos a ela tudo o que sabemos. Ela cavalga e atira tão bem quanto qualquer homem. - O homem franziu o cenho e olhou ao redor. - Eu não quero que ela aprenda sobre este tipo de vida, mas este bandido conhece apenas prostitutas.
Não foi fácil, mas Royal disfarçou a surpresa. Juan Ramirez era o terror do Texas e do território do Novo México. Ele atravessava a fronteira para roubar e matar e depois desaparecia através do rio Grande até o México. El Diablo era um dos nomes pelo qual era conhecido esse homem violento, que escapava tão facilmente à captura. E, no entanto, ali estava ele, preocupado como qualquer pai com a castidade da menina que tomara para criar em meio a um de seus reides. Royal considerava aquilo uma causa perdida, mas estava disposto a ajudar se pudesse.
- Pode começar mantendo-a longe de lugares como este. Não é isto que ela deve aprender sobre homens e mulheres.
Juan fez um movimento afirmativo com a cabeça e levantou-se.
- Você vem comigo, gringo, e me dá outras ideias enquanto procuro um quarto para Antonie. Júlio - o pistoleiro chamou -, você tem duas horas para se divertir. Depois venha para a hospedaria vigiar Antonie.
Dois homens fortemente armados acompanharam Juan, Antonie e Royal. Era evidente que Juan não pretendia ser surpreendido sozinho e pouco precavido. Royal notou a tranquilidade com que a menina aceitava aqueles arranjos. Enquanto caminhavam, ele continuou a fazer recomendações sobre o que achava importante na criação de uma mocinha. O fato de ter uma irmã da idade da garota dava-lhe algum conhecimento, embora não muito.
Ao chegarem ao quarto que seria ocupado por Antonie, uma porta adiante do seu, Royal procurou desviar o olhar, enquanto a menina era preparada para dormir. Assim que ela foi colocada na cama, ele sentou-se a uma mesinha com Juan, a fim de dividirem uma garrafa de tequila. Não podia deixar de pensar em como era estranho estar ali, dando sugestões sobre a educação de uma filha a um homem como Juan Ramirez.
- Não matei os pais dela - o pistoleiro contou em voz baixa.
Royal corou, sentindo-se culpado.
- Confesso que eu pensei nessa possibilidade.
- Você é um homem honesto, o que é uma raridade. Os pais dela eram gringos, mas pobres. Não vou atrás de quem não tem nada, nem atrás daqueles que usam as mãos para trabalhar a terra e não saberiam o que fazer com uma arma. Esse tipo de gente seria perda de tempo, não é? Homens entram e saem do bando e nem todos estão dispostos a seguir ordens. Quatro deles... se desviaram das regras. Eles fizeram a matança. Tive que eliminar o líder quando a menina chegou. Ela tinha nove anos e era muito pequena. - Encolheu os ombros. - Decidi que seria o pai dela.
- Todos acham que você a roubou dos pais e estão à procura dela tanto quanto de você.
- Sí. Tentaram tirar Antonie de mim. Certa vez, eu a deixei com a mulher de Manuel, mas descobri que não se pode confiar naquela mulher.
- O que aconteceu? - Royal indagou, intrigado.
- Ela vendeu minha nina aos gringos. Nós não a matamos pelo que fez, mas Manuel tirou os filhos dela. Então procuramos a menina e a trouxemos de volta.
- Acha que foi melhor assim? - Royal arriscou-se a perguntar. - Você é um pistoleiro e vive de sua arma. Sabe-se lá quantos homens desejam matá-lo. Talvez fosse melhor para a menina ter ficado com os tais gringos. Além disso, haveria famílias que aceitariam prontamente uma criança tão bonita.
- Antonie é minha filha. Os gringos não conseguiram conquistar o coração dela. A pequena fugiu, e nós a encontramos caminhando à minha procura. Ela fez sua escolha. Quer ficar com Juan Ramirez.
Não havia mais nada a ser dito. Por mais estranho que parecesse, Juan adorava Antonie com toda a ferocidade do amor de um pai de verdade, ou talvez mais. Era um homem violento, que provavelmente tivera uma vida difícil, mas aquela menina evidentemente preenchia alguma necessidade dele, despertando-lhe uma suavidade nada habitual. E a verdade era que a menina não parecia ter sofrido qualquer abuso ou violência, nem parecia infeliz. Estava exatamente onde gostaria de estar.
Chegando à conclusão de que tivera emoções suficientes e bebera mais do que o conveniente por um dia, Royal não voltou à taverna. Foi para a cama e depressa adormeceu.
Embora tivesse consciência de que era manhã quando finalmente abriu os olhos, não foi a luz do sol a primeira coisa que viu, mas um par de olhos cor de violeta que olhavam bem dentro dos dele. Só então se lembrou de que estava nu.
- Trouxe seu café da manhã, senor. - Antonie sentou-se à beira de sua cama.
Ele também se sentou, tendo o cuidado de manter-se coberto. O cheiro do café fresco e forte e da comida quente ajudou-o a despertar.
- Foi muita gentileza sua, Antonie. Mas não deveria estar aqui.
- Deixei a porta aberta como ouvi você dizer que convém a uma dama - ela observou.
Engasgando com o café, Royal olhou para a porta escancarada, que o deixaria à vista de quem quer que passasse.
- Quando falei de cômodos, não estava me referindo a quartos - ele disse, deixando a menina confusa.
- Damas não devem entrar no quarto de um homem. - Ele decidiu comer, enquanto se preparava para possíveis indagações.
Antonie o observava enquanto ele comia. Os cabelos castanhos e fartos de Royal tinham se desalinhado durante o sono, mas nada que prejudicasse a beleza forte dos traços de seu rosto. Não era tão moreno quanto Juan, nem tão branco quanto alguns gringos. Seus olhos verdes, emoldurados por sobrancelhas benfeitas fascinavam a menina.
- Beije-me - ela ordenou inesperadamente, mal ele acabara de comer.
- Não seja ridícula! - Royal exclamou, tentando disfarçar a surpresa.
Num piscar de olhos, ele sentiu a lâmina fria de uma faca contra o pescoço.
- Eu disse para você me beijar, gringo - ela repetiu.
- Antonie - disse uma voz masculina familiar -, isso não é maneira de seduzir um homem.
- Pensei que ainda estivesse com Maria - ela murmurou, recolocando a faca na cintura.
Juan aproximou-se da cama e encarou Antonie com seriedade.
- Ah, então você pensou em dar uma corridinha até aqui para aprender como ser uma meretriz.
- Eu só queria um beijo, nada dessas outras coisas - a menina retrucou. - Oro e Tomás são apenas dois anos mais velhos do que eu e já fizeram de tudo.
- Eles estão aprendendo a ser homens - Juan explicou. - Fazer de tudo faz parte de se tornar homem.
- Só quero um beijo. - Antonie calou-se por um instante. - Pedi um beijo a Oro e Tomás, mas eles disseram que não e me jogaram no rio. Na última vez que fui à igreja, as meninas estavam falando sobre beijar. Só queria saber como é. Todo mundo já beijou, menos eu.
Juan ficou observando a menina por alguns instantes. Era evidente que os pensamentos dela já estavam alcançando o desenvolvimento de seu corpo de mocinha. Ele sabia bem como sua nina sabia ser teimosa quando punha uma ideia na cabeça. Recostando-se à parede próxima da cama, ele pegou um cigarillo.
- Beije-a - ele ordenou.
- Pelo amor de Deus, homem. Ela é só uma criança - Royal protestou.
- Sí e no. - Juan acendeu o cigarillo e tragou. - Ela imagina que está perdendo grande coisa.
- E você espera que eu mostre a ela que não é bem assim? - Royal não se sentiu nada lisonjeado.
- Não, só espero que você responda a uma pergunta que anda girando na cabecinha teimosa da menina. Ela vai continuar insistindo até conseguir uma resposta e não quero que ninguém responda demais, sí? Ande, beije-a.
- Pelo amor de Deus - Royal resmungou, enquanto se aproximava da menina para dar-lhe um beijinho rápido.
- É só isso? - ela indagou, decepcionada.
- Para você, sí. Agora vamos.
- Puxa, não sei por que falam tanto em beijos. Não têm nada de especial. - Ela afastou-se falando baixinho, com o cachorro a seu lado.
- Pronto, isso parece ter colocado um ponto final às perguntas dela por ora - Juan comentou satisfeito.
- Tem certeza?
- Sí. Antonie fica aborrecida quando as meninas da igreja falam sobre coisas que ela não compreende. Agora ela sabe. - Juan caminhou até a porta. - Um dia desses eu pagarei a dívida que tenho para com você, esteja certo disso. Vaya con Dios, amigo.
Antes que Royal tivesse tempo para responder, o homem havia saído. Era hora de voltar para casa, pelo menos por algum tempo. As coisas deviam continuar entediantes como sempre por lá, mas pelo menos não estaria tendo conversas com pistoleiros famosos, nem teria que lidar com menininhas precoces.
Uma hora mais tarde, ele montava em seu cavalo, vendo que mais adiante Juan Ramirez fazia o mesmo. Antonie montava um enorme garanhão negro, tendo a cada lado dois jovens também montados, que traziam sangue indígena nas veias, o que podia ser facilmente notado pelas feições e cor da pele. Juntos, eles formavam um trio e tanto: dois jovens altos e morenos, ao lado da pequenina e loira Antonie. Royal despediu-se, ao passar por eles, a caminho de casa.
Ao chegar em casa vários dias mais tarde, Royal deu-se conta de que ainda se sentia afetado por aquela menina. Ela lhe veio à mente quando saudou a irmã. Patrícia crescia sob a proteção da família, envolvida com brincadeiras inocentes, próprias a garotas de sua idade. Era difícil não comparar aquele tipo de vida com o de Antonie, sempre cercada de violência e perigo. Aquilo não parecia certo, mas não havia nada que pudesse fazer.
Uma vez que não queria que soubessem que ele salvara a vida de Juan Ramirez, nunca comentou com ninguém sobre Antonie, limitando-se a ouvir com mais atenção quando alguém chegava com novas narrativas de façanhas do pistoleiro.
Pouco tempo depois de seu encontro com Juan Ramirez e Antonie, a guerra civil americana eclodiu. Esquecido dos recém-conhecidos, Royal e dois de seus irmãos se juntaram às centenas de outros texanos para enfrentar uma guerra repleta de ódio e sangue. Seu irmão Denton perdeu a vida em Gettysburg, enquanto seu segundo irmão. Cole e ele conseguiram sobreviver até a rendição de Lee. Amargurado e ferido no corpo e na alma, Royal retornou à casa ao lado de Cole um ano mais tarde, para saber que seus pais estavam mortos, e a irmã Patrícia e o mais jovem de todos, Justin, lutavam para manter o rancho. Cole juntou-se à polícia, enquanto Royal mergulhou na lida diária para salvar o rancho e apagar as lembranças da guerra.
Primavera, 1868
- O que aconteceu com você, rapaz?
Cole Bancroft se acomodou numa poltrona e sorriu sem jeito para o irmão mais velho.
- Posso tomar um drinque antes de entrar em detalhes?
Royal parecia zangado, mas a verdade é que se preocupava com o irmão. Já tinha perdido um para a guerra e não queria perder um segundo. Pela aparência do ferimento no ombro de Cole, o atirador quase conseguira concretizar seu objetivo, que era, evidentemente, matar Cole, um homem da lei. Contrariado, Royal entregou a bebida ao irmão.
- Cinco anos de tiroteio não foram suficientes para você?
- Claro que sim, mas ainda tenho dois meses de trabalho pela frente. Droga, Royal, foi por um triz que não pegamos o miserável!
- Ramirez? - A lembrança de um lindo par de olhos cor de violeta veio à sua mente.
- Ele mesmo. Mas fizemos um bom estrago nele e esperamos que o maldito não sobreviva.
- Como ele conseguiu escapar?
- Isso é que foi estranho. Foi a garota... Ela sempre fica de fora. Sempre. Estávamos fechando o cerco quando ela e aqueles dois índios chegaram atirando. Foi totalmente inesperado. Eles arrastaram Ramirez e outro comparsa, que parecia estar morto. Isso deu aos demais a chance de escapar.
- Foi então que o atingiram?
- Isso mesmo. - Cole balançou a cabeça e tomou um trago. - Eu poderia estar morto agora. Mas não consegui atirar nela, Royal. Era o único que poderia ter feito isso, mas não tive coragem. O estranho é que ela estava pronta para disparar em mim. Hank mandou que eu atirasse, mas não consegui me mexer.
- Deus do céu. Bem, ela errou o alvo. É um sujeito de sorte, meu irmão.
- Não tenho certeza de que tenha sido uma questão de sorte. Ela estava apontando para o meu coração, Royal, e, de repente, desviou a mira para mais alto.
- Alguém disse seu nome?
- Espere aí. Sim! Agora me lembro. Hank gritou: "Atire, Bancroft, ou caia fora daí!".
- Puxa, e já se passaram pelo menos sete anos. - Royal sorriu, envaidecido. - Talvez esse tenha sido o pagamento da velha dívida.
- Poderia fazer a gentileza de parar de resmungar consigo mesmo e me explicar o que está acontecendo?
- É uma longa história.
- Não tenho pressa. Não vou sair tão cedo - Cole anunciou, servindo-se de mais um drinque enquanto o irmão contava toda a história.
- Nunca contei nada a ninguém, pois não é algo de que se possa sair falando por aí - Royal disse, após terminar a narrativa.
- Por Deus, não. Você teria sido enforcado. Porém, isso não impediu que aquele miserável atacasse nosso rancho.
- Nunca acreditei que tivesse sido Juan Ramirez. Não tenho ideia de quem atacou o rancho e matou nossos pais, mas algo me diz que não foi ele. - Olhando para o copo de conhaque que tinha na mão, ele indagou: - Qual é a aparência da garota?
- Disse a meus companheiros que não saberia descrevê-la - Cole olhou para o fundo do copo -, mas a verdade é que não queria que fossem atrás dela. Ela é uma coisinha linda, Royal. Céus, se não é a coisa mais linda que já vi na vida. E pequena, mas o que tem de beleza ali, meu caro... - Balançou a cabeça, pensativo. - Bem, foi por isso que não consegui atirar nela. Fiquei ali de pé, parado, tentando entender como uma garota com cabelos que mais parecem fios de ouro poderia atirar em alguém. Ela se veste de preto e cavalga um grande garanhão negro. Simplesmente espantoso. Se Ramirez é mesmo como um pai para ela, então acredito que ela esteja prestes a ficar órfã.
Antonie tinha que encarar a realidade, pois era evidente que seu pai estava à beira da morte. Ela providenciou um padre, a fim de administrar os ritos finais. Por onze anos ela amara e tinha sido amada por um homem cuja vida estivera sempre por um fio. Agora, voltaria a ficar sozinha. Até seu cachorro Sage havia partido. Enquanto assistia ao rápido funeral de Manuel e Júlio, para depois deixar Oro e Tomás pranteando a morte do pai, perguntava a si mesma quanto tempo faltava para que Juan os deixasse também.
- Venha para perto de mim, nina - Juan murmurou com voz fraca. - Precisamos conversar.
- Não, precisa poupar suas forças. - Antonie ajoelhou-se ao lado da cama e colocou a mão do pai contra sua face.
- Não há nada para poupar agora, querida. Ouça, você deve pagar minha dívida. O gringo; Bancroft. Eu tinha planos e você deve colocá-los em prática. Há abutres à volta dele, chica. As terras dele são boas, e um homem as quer para si.
- O irmão dele estava com a polícia. Eu poderia tê-lo matado, mas não fiz isso.
- Não é o bastante. Eu devo a ele duas vidas. O rancho é a vida desse homem. Juan Ramirez vai garantir que ele não o perca.
- Quem está querendo roubar as terras dele? Como posso ajudar? - Era cada vez mais difícil conter as lágrimas, vendo a vida deixar aos poucos o corpo de Juan.
- Um homem próximo dele. Não sei o nome. Raoul está sendo pago para trabalhar para o miserável. Ele matou os pais de Bancroft. Muitos assaltos, muita confusão. Vão tentar enfraquecê-lo até que não possa mais resistir.
Antonie tentava evitar que as lágrimas, que já não conseguia reter, molhassem a mão do pai.
- Este é o plano, nina - Juan prosseguiu com esforço. - Muita confusão planejada para a condução do gado. Irmã em perigo. Vá procurá-lo. Leve Oro e Tomás. Sejam as armas de Bancroft. Pague nossa dívida, meu anjo. - Ao sentir as lágrimas dela, sorriu de leve. - Minha criança nunca chora.
- Por favor, Juan. - Ela beijou-lhe a mão. - Não me deixe. Eu amo você.
- E eu amo você, Antonie. Isso é algo que eu nunca disse a ninguém mais. Você foi o raio de sol na minha vida escura, e lhe agradeço por isso. Não me peça para viver, nina, pois se continuar vivo, nunca mais sairei desta cama. Isso não é vida. Júlio e Manuel estão à minha espera. Vamos fazer muito barulho lá no inferno, não?
- Tenho certeza disso. - Ela beijou-o na face fria. - Darei seu nome ao meu primeiro filho, meu pai do coração.
- Serei lembrado, e isso bastará.
Com um leve suspiro, Juan partiu. Antonie secou as lágrimas e cuidou do enterro do pai. A viagem que ele lhe dissera que fizesse teve de ser adiada até que ela escolhesse as lápides para os túmulos de Juan, Manuel e Julio. Eles tinham sido homens violentos, que haviam vivido por suas armas, mas para Oro, Tomás e ela tinham sido a família querida.
Quando finalmente se preparavam para ir para o Texas, Antonie olhou para seus companheiros. Tomás e Oro eram idênticos, exceto pela pequena cicatriz que Oro trazia no queixo, além do fato de não ser tão jovial e falante quanto o irmão. O sangue indígena que lhes corria nas veias fora herdado da mãe, metade Yaqui, o que lhes rendera o tom cobre da pele e as maçãs do rosto altas e largas. Os cabelos negros e lisos eram sempre usados muito longos, dando mais destaque à herança indígena do que à mexicana, que, na verdade, era a que predominava neles. Desde o momento em que haviam sido tirados da mãe, os dois irmãos tinham passado a ser espécies de guarda-costas para Antonie. Ela esperava que a presença deles ao seu lado, longe de encrencas, garantisse que eles não fossem procurados pela lei.
Estavam a meio dia de distância de San Antônio e um pouco mais distantes do rancho dos Bancroft, quando começaram a procurar um lugar para passar a noite. Foi Oro o primeiro a perceber a presença de outras pessoas nas proximidades. Ele cavalgou até onde Antonie e Tomás recolhiam lenha para uma fogueira e, embora ele nada tivesse dito, Antonie pôde perceber que ele tinha novidades.
- A cinco minutos de caminhada daqui - ele disse. - Seis homens. Dois prisioneiros. Uma garota e um rapaz. É gente de Raoul, não tenho dúvidas.
- Juan disse que Raoul está trabalhando para o sujeito que quer levar Bancroft à bancarrota. - Antonie lembrou. - É melhor averiguarmos.
Aproximar-se do lugar onde o grupo estava acampado foi fácil. Estavam se enchendo de tequila e festejando a operação bem-sucedida. Oro providenciou que um dos homens que se afastara para se aliviar não retornasse. Os outros estavam interessados demais na garota para se dar conta da ausência do companheiro. O rapaz que os capangas de Raoul tinham capturado estava muito ferido, notou Antonie, aproximando-se.
Ela ouviu a garota chorar baixinho enquanto os captores chegavam perto dela. Não era necessário ver a frustração e o medo no rosto do rapaz para adivinhar o que estava prestes a acontecer. A garota gritou enquanto um dos homens rasgava a frente de seu vestido, para tocar, em seguida, os seios à mostra, provocando risos nos demais. Nesse momento, Antonie sacou a faca que trazia à cintura.
O corpo do agressor amoleceu e caiu sobre a garota, que se encolheu ao ver que ele tinha uma faca enfiada nas costas. Antonie percebeu que a jovem estava histérica, ao lutar para se livrar do cadáver, mas voltou sua atenção para o que viria a seguir. Os outros homens foram atingidos com facilidade, enquanto atiravam em pânico e às cegas na direção das árvores. Assim que Antonie e os gêmeos emergiram da escuridão, ela pôde perceber nos olhos da garota o pavor de que novos horrores estivessem para começar. Sabia que ela. Oro e Tomás pareciam ser tão bandidos quanto os homens que tinham acabado de matar.
Oro observava a jovem trêmula e com olhos arregalados enquanto se aproximava dela para cobrir o rasgo que lhe expunha o corpo com um pedaço de tecido que trazia consigo.
- Não seria melhor desamarrá-la primeiro? - Antonie indagou, irônica.
- No - Oro respondeu. - Ela sairia correndo. Veja os olhos dela. Parece um coelho pego numa armadilha. Desamarre o rapaz, pequenina.
- Sim, meu general. - Antonie sorriu ao ver como o garoto fitava Oro. - Eles compreendem o que dizemos. Pelo menos, ele compreende, ao menos um pouco. - Ela retirou a faca do cadáver e passou a falar em inglês. - Vou apenas libertá-lo, amigo. Quem são vocês?
- Justin e Patricia Bancroft.
- Vocês têm um irmão chamado Royal?
- Sim. Como você o conhece?
- Viemos pagar uma dívida antiga - Antonie explicou. - Vamos levar vocês dois até ele. Tomás - ela chamou -, pode conseguir um pouco de água?
- Um dos homens ainda vive - ele informou, enquanto se aproximava com a água e uma garrafa de tequila.
- Acha que ele consegue voltar até Raoul? - Antonie sorriu perante o protesto de Justin ao vê-la rasgar-lhe a camisa.
- Sí. Que tal eu pedir que ele entregue uma mensagem nossa a Raoul? - Tomás caminhou de volta até o homem.
- Conhece esses homens? - Justin perguntou, enquanto Antonie checava o estrago causado às costelas dele.
- Sí. São capangas de Raoul Mendez, mas foi um gringo quem contratou o serviço deles. Quem é o tal gringo, eu não sei. Oro - ela chamou -, a coelhinha está usando uma anágua? Estas costelas precisam ser enfaixadas. - Ela apanhou a peça que Patricia lhe entregava com a mão trêmula. - Então, a coelhinha está solta.
- Você é malvada, querida - Oro comentou baixinho. - Vou ajudar Tomás com os cadáveres. Podemos acampar aqui mesmo.
- Quem é você? - Patricia indagou.
- Sou Antonie Neumann Ramirez. Eles são Oro e Tomás Degas. Vamos levá-los de volta a Royal. Beba, Justin - ela aconselhou, rindo ao vê-lo engasgar com a tequila. Em seguida, passou um pano úmido para Patrícia. - Limpe o rosto dele, coelhinha. E você, cerre os dentes, chico.
Ele ficou muito pálido, mas conseguiu não desmaiar. Antonie notou que ele a observava, mas não disse nada. Afinal, ele precisava se concentrar em algo enquanto ela cuidava de seus ferimentos.
- Quantos anos você tem? - Justin ofegou, enquanto Antonie desinfetava-lhe os ferimentos com tequila.
- Vinte. Dios! - ela exclamou. - Eles judiaram mesmo de você, amigo. E você?
- Vinte também. Bem, pelo menos estou vivo. Eles mataram os dois homens que nos acompanhavam. Deus, parece que uma manada de bois me pisoteou!
- Para onde estavam indo? - Antonie sentou-se sobre os calcanhares, para avaliar os curativos que tinha improvisado.
- San Antônio. Todos os anos, nesta época, Pattie vai fazer compras. Mas, diga-me, que dívida é essa de que estava falando?
- Acho que vou deixar que seu irmão lhe fale sobre isso. Eles roubaram os mantimentos que traziam, também?
- Não sei.
- Vou dar uma olhada para ver se encontro alguma coisa. - Antonie afastou-se para providenciar leitos e comida.
- Ela mal falou comigo - Patrícia sussurrou, assim que ficou a sós com o irmão.
- Acho que ela preferiu esperar até que você se acalmasse. Como está se sentindo?
- Estou bem. - Ela encolheu os ombros. - Não vejo a hora de tomar um banho. Estou me sentindo suja. Quantos cadáveres, Justin...
- Não havia como evitar, Pattie. Ou nós ou eles, essa era a situação. - Tomou a mão da irmã, a fim de transmitir-lhe algum conforto. - Eles não eram o tipo de homem com quem se pode conversar.
- Eu sei. - Ela olhou para as três pessoas que preparavam o acampamento. - Tem certeza de que estamos seguros com eles? Dois índios e uma menina esquisita?
- Não se preocupe. Vamos ficar bem. Acho que os rapazes não são totalmente índios. Muitos mexicanos carregam um pouco de sangue indígena. Quanto a Antonie, imagino que ela tenha tido uma vida difícil, só isso. Foi criada de um modo diferente. Posso estar enganado, mas acredito que ela se sentiu mais à vontade conversando comigo. Não deve estar acostumada a conversar com damas. De qualquer modo, sinto muito por sua viagem de compras.
- Só quero voltar para casa agora. Mais nada.
Antonie sorriu de leve ao pensar que aqueles dois jovens inexperientes não imaginavam como o som de suas vozes tinha viajado ao sabor do vento, chegando facilmente aos ouvidos dela. Mais tarde, enquanto observava Patrícia comer e dormir, Antonie concluiu que ela deveria ser exatamente o que Royal chamaria de uma perfeita dama. Decerto a jovem não estava habituada às agruras da vida como ela estava.
Antonie foi a primeira a montar guarda. Ao perceber a inquietude de Justin, foi sentar-se ao lado dele.
- Está doendo? - ela indagou.
- Um pouco. - Ele aceitou a tequila que ela ofereceu. - O gosto disto é horrível, mas funciona mesmo.
- Gosto mais de vinho. E, então, a coelhinha resolveu confiar em nós?
- Ela não é medrosa de verdade, sabe. - Justin se calou ao ver Antonie tomar um bom gole da tequila, para então devolver-lhe a garrafa.
- Hum... Ela é uma dama. Juan tentou fazer com que eu me tornasse uma dama também. Em alguns aspectos, ele foi bem-sucedido; em outros, não. - Ela percebeu quando Justin começou a ligar os fatos.
- Você é a garota que sempre acompanha Juan Ramirez. - O rapaz fitou Oro e Tomás. - São capangas dele?
- Não. Eles são meus guarda-costas. Nunca fizeram nada senão me proteger.
- Foi Ramirez quem matou meus pais e atacou o rancho.
- Não foi - ela declarou, ignorando a raiva de Justin. - Ele tem uma dívida com Royal e jamais tocou seu rancho. Quem fez isso tudo foi Raoul.
Ela sentiu-se aliviada quando, após ter digerido suas palavras, Justin fez um movimento afirmativo com a cabeça, dando a entender que acreditava no que ela dissera. Seria praticamente impossível pagar a dívida se um dos irmãos se recusasse a aceitá-la ou aos gêmeos. A batalha que estavam prestes a enfrentar exigiria cooperação e confiança.
- Mas foi Ramirez quem atirou no meu irmão a semana passada.
- Não. Eu atirei no seu irmão. Vá dormir, gringo.
Ela se afastou calmamente, procurando disfarçar o sorriso que surgira em seus lábios ao constatar o espanto nos olhos de Justin. Era evidente que o irmão apresentara uma versão diferente do incidente em que fora ferido. Riu ao vê-lo sorrir. Com certeza, os irmãos seriam pressionados a explicar uma porção de coisas em casa.
Royal sentou-se para tomar o café da manhã com Cole.
- Como está o ferimento?
- Está melhorando - Cole respondeu. - Mais uma semana, e estarei novo. Que humilhação! Meus companheiros jamais me deixarão esquecer o que aconteceu.
- Vai permanecer com eles pouco tempo - Royal observou, ficando intrigado ao perceber que o irmão desviara o olhar. - Estou errado, Cole?
- Droga, eu não sei! Pode ser que torne a me alistar. Não me olhe desse jeito, Royal. Não sou tão necessário aqui.
- Nem precisa de um emprego. O rancho é de todos nós.
- Sei disso, Royal. Papai comprou terra suficiente para todos, mesmo que sua parte seja maior. - Cole encarou-o. - Tenho apenas vinte e três anos, e não estou preparado para criar cavalos, como pensei que gostaria de fazer. Talvez dentro de alguns anos. Mas neste momento? - Ele deu de ombros.
- Agora você quer emoção. - Royal suspirou. - Posso entender, mas que droga! Não gosto de pensar em você arriscando a vida. Além disso, também imaginei que poderia contar com sua ajuda por algum tempo. Estou pensando em viajar, para participar de uma grande venda de gado este ano.
- Nada me obriga a me alistar outra vez de imediato - Cole comentou, demonstrando interesse na atividade.
- Eu ficaria mais do que satisfeito em poder contar com sua colaboração. - Royal afastou a cadeira. - Melhor eu voltar ao trabalho. - Ele parou ao ouvir uma voz familiar e o ruído de passos que se aproximavam da porta. - Droga, o que ela quer desta vez?
- Por que você não esclarece sua história com essa garota? - Cole perguntou, vendo a expressão contrariada no semblante do irmão.
Royal se fez a mesma indagação, assim que Marilyn Collins entrou e beijou-o rapidamente para, em seguida, sentar-se. Ela era uma jovem bonita, de cabelos ruivos e olhos esverdeados. Embora jamais tivesse feito amor com ela, Marilyn não deixava de lhe ser atraente. Ela conhecia bem a vida do rancho e podia-se dizer que era uma dama. Ele até mesmo gostava dela, a maior parte do tempo, mas o afeto que sentia não parecia suficiente para fazê-lo pensar em casamento.
- O que podemos fazer por você, Marilyn? - Royal serviu-lhe café, tentando esconder a ansiedade de voltar ao trabalho.
- Já que Patrícia não está aqui, pensei que precisariam de ajuda para o jantar. Vim para me certificar de que tudo sairá a contento.
- Não há necessidade. Maria controla muito bem as coisas.
- Sabe como são essas pessoas, Royal - Marilyn retrucou. - Precisam de alguém que os faça se mexer. Só vou dar o empurrãozinho necessário.
Sabendo que não conseguiria convencê-la do contrário, Royal resolveu deixar que ela fizesse como bem entendesse. Após alguns momentos de uma conversa sem importância, ele conseguiu escapar. Cole retirou-se atrás dele. A última coisa que Royal queria naquele momento era ser chamado para ajudar a preparar o jantar festivo, sentimento que o irmão sem dúvida partilhava.
- Por que não defendeu Maria, Royal? - Cole indagou, enquanto se afastavam da casa. - Sabe que ela não precisa de ajuda e muito menos de alguém que a "faça se mexer".
- Marilyn é igualzinha ao pai. Ela acredita que todos os mexicanos são preguiçosos. Não há como convencê-los de que esse tipo de preconceito é errado. E eu tentei. Cole. Da próxima vez, não vou deixar que Patrícia saia quando tivermos um desses jantares. Espero que ela esteja em casa a tempo para a refeição.
A cavalgada até o rancho dos Bancroft foi vagarosa, para não acentuar as dores que Justin sentia em razão de seus inúmeros ferimentos. Ao meio-dia, pararam em um bosque próximo a um riacho para descansar, livres do sol a pino.
Antonie se divertiu ao ver que Patrícia cobria os olhos enquanto ela, Oro e Tomás se livravam das roupas, a fim de tomarem um banho no riacho. Por respeito à sensibilidade da garota, ela cobriu os seios com o lenço de cabeça. Após terem nadado, ela e os amigos gêmeos estenderam cobertores sobre os quais se deitaram para se secarem ao sol. Ficou satisfeita, no entanto, quando retomaram a cavalgada, pois pretendia chegar ao rancho dos Bancroft antes que a noite caísse. Se o único sobrevivente do grupo de Raoul tivesse conseguido chegar até ele, era possível que estivessem à procura deles.
- Não se preocupe, Pattie - Justin disse quando o sol começou a se pôr -, estaremos em casa antes do anoitecer. Mas temos ainda uma hora de cavalgada pela frente.
- Chegaremos bem a tempo para a sobremesa - Patrícia lembrou.
- Que droga! Eu tinha me esquecido do jantar festivo.
- Algum problema? - Antonie perguntou, retirando uma garrafa de vinho da algibeira.
- Está havendo um jantar em casa - Justin explicou. - Pretendíamos chegar a tempo para a refeição, mas não neste estado. Esse é nosso vinho?
- Sí, Justin. Quer um pouco? - Antonie entregou a garrafa ao rapaz e riu ao ver que ele tomara um bom gole da bebida. - Sua irmã toma um pouco? - perguntou quando ele lhe devolveu a garrafa.
- Eu não bebo, a não ser um cálice de xerez, as vezes - Patrícia respondeu, observando com certa admiração a maneira como Antonie sorvia um gole generoso da bebida.
- Entendo. - Antonie entregou a garrafa a Oro. - Isso faz parte da cartilha que ensina a formar uma dama.
- Uma das lições que não funcionaram com você? - Justin provocou-a.
- Juan nunca me disse para não beber, pois achava isso estúpido. Dizia que uma dama pode ser embriagada depressa demais por um homem e, então, deixar de ser uma dama, entende? Ele acreditava que uma mulher deve saber beber e aguentar firme para que não caia em alguma arapuca.
- Faz sentido - Justin concordou, tomando outro gole de vinho. - Talvez possamos entrar pela porta dos fundos - ele sugeriu.
- Não acho que seja uma boa ideia - Pattie discordou. - Royal e Cole devem estar se perguntando onde nos metemos. O jantar já deve estar quase no final.
- Você tem razão, Pattie. Vamos entrar e pronto. Será melhor assim,
- Esperem! - Um sorriso maroto surgiu nos lábios de Antonie. - Eu mesma vou anunciar a chegada de vocês. Também tenho uma dívida com Royal. - Ela se aproximou de Tomás, que parecia adivinhar o que a amiga estava planejando. - Só preciso de algumas instruções.
- Sí, querida. E para isso você procurou um verdadeiro mestre. - Tomás - inclinou-se e deu-lhe um longo beijo nos lábios.
- Não foi assim que ele fez - ela comentou sem fôlego, enquanto se afastava do amigo.
- Ele lhe deu um beijo que se dá em uma criança. Eu a beijei como se beija uma mulher.
- Pode fazer melhor? - ela desafiou Oro ao escutar o som de deboche, parcialmente impulsionada pela expressão de choque no rosto de Patrícia.
- Claro que sim! - ele garantiu. - Quem você acha que instruiu Tomás? - Ele aproximou Antonie e tentou demonstrar o melhor de suas habilidades.
- Amadores... - Justin brincou, colocando-se diante dela.
- Oh, o gringo resolveu nos desafiar! - Tomás riu, divertindo-se com o olhar de assombro de Patrícia.
Aproximando-se de Justin, Antonie inclinou-se na direção dele.
- Bem? - Ela o encarou.
Gentilmente, o rapaz a trouxe para junto de si, saboreando cada instante do contato suave dos lábios de Antonie contra os seus.
- E então? - ele perguntou, ao final, a voz levemente alterada.
- Acho melhor parar com essa aula, antes que eu caia do meu cavalo. Além disso, esse negócio de beijar dá sede - ela declarou, antes de levar a garrafa de vinho aos lábios e tomar outro gole generoso da bebida.
- Você vai entrar e beijar Royal? - Patricia indagou.
- Sí. Devo um beijo a ele e como sempre pago minhas dívidas... Venham. Se nos apressarmos, chegaremos enquanto ainda há vinho.
Aumentaram um pouco o ritmo, e Justin não se queixou. Devia estar ansioso para chegar em casa, onde haveria uma cama macia na qual poderia convalescer
Antonie mantinha-se também atenta a Patricia, que fazia o possível para não parecer chocada diante do comportamento crescentemente liberal entre os companheiros. Até mesmo Oro mostrava-se mais falante e divertido, contando aventuras amorosas a Justin. Era óbvio que Patricia nada sabia sobre esse aspecto dos homens, e Antonie ficou satisfeita por não ter sido educada como uma dama. Aquele tipo de educação parecia trazer uma série de desvantagens.
Seus pensamentos dirigiram-se para Royal, enquanto subiam a pequena colina que levava ao rancho. Não se lembrava muito dele, exceto dos olhos verdes da cor do jade e dos cabelos castanhos e fartos. Estava curiosa para saber se ele ainda se lembrava dela um pouquinho.
- Não se preocupe, Royal. Tenho certeza de que há uma justificativa sem importância para o atraso deles. Só não poderíamos ficar retardando o jantar indefinidamente - Marilyn falou com arrogância.
- Tem razão - ele respondeu, embora achasse que um atraso de vinte minutos era relevante. - Mas logo estará escuro. - Ele calou-se por um momento, ao ouvir uma confusão de vozes no hall. - Talvez sejam eles.
A surpresa tomou conta dele assim que a primeira pessoa entrou na sala de jantar. Não eram Patrícia ou Justin, mas Royal não tinha olhos para mais ninguém. Seus irmãos apareceram à porta em instantes, mas ele nem sequer deu-se conta da presença deles. A única coisa que registrou daquele momento, além da pessoa à sua frente, foi a expressão de pavor e espanto no rosto das mulheres à mesa, e os olhos arregalados dos homens.
A garota trajava calças negras justas, que realçavam seus delicados quadris arredondados e as pernas esbeltas e benfeitas. A camisa negra moldava-lhe com perfeição os seios altos e fartos. Os cabelos loiros e longos estavam presos apenas por um lenço vermelho, jogados sobre um de seus ombros, chegando, pesados e brilhantes, até os quadris. Tinha uma cartucheira presa ao cinto que lhe circundava a cintura delgada, e era possível ver o cabo de uma faca acima da parte alta das botas. E, curiosamente, nada do que trajava, nem as armas que trazia conseguiam prejudicar a evidente feminilidade.
Ao aproximar-se de Royal, ela empurrou para trás o chapéu que lhe cobria a cabeça, permitindo que ele tivesse uma rápida visão daqueles olhos cor de violeta, enquanto ela se acomodava sobre seu colo para saudá-lo com um beijo ardente.
Royal esqueceu-se dos convidados ao redor da mesa quando os fartos seios de Antonie se comprimiram contra seu peito, os longos dedos acariciaram seu pescoço e a língua com sabor de mel explorou sua boca.
- Antonie... - ele murmurou, esperando que a voz trêmula desse às pessoas a impressão de que ele reagia com surpresa, e não movido por pura luxúria.
- Eu mesma, gringo - ela respondeu, tentando imaginar para onde tinha ido o fôlego que sempre tivera de sobra. - Agora estamos quites, não?
- Não. Você se saiu muito melhor do que eu. Não beijei você dessa maneira - ele comentou com suavidade. - O que está fazendo aqui?
- Royal! - A voz de Marilyn soou sibilante como o chacoalho de uma cascavel.
- Oh! - Voltando à realidade, ele colocou Antonie em pé.
- Trouxe sua irmã e seu irmão de volta, gringo. - Recostando-se à mesa, ela fez um sinal de cabeça em direção à porta.
Apenas naquele momento Royal deu-se conta da presença de Justin e Patricia, escoltados por dois rapazes fortemente armados. A irmã parecia chocada e tinha os olhos arregalados, mas o irmão trocava gracejos com os guarda-costas, numa atitude de camaradagem que atenuava o ar ameaçador provocado pela presença dos gêmeos. Justin estava ferido, o que indicava que eles tinham enfrentado dificuldades. Ele e Cole se aproximaram dos irmãos. Antonie acomodou-se à cadeira em que ele estivera sentado e passou a inspecionar o que ainda havia sobre a mesa.
- Fomos atacados. - Patricia atirou-se nos braços de Royal. - Os guarda-costas foram mortos.
- Maldito Ramirez! - Henry Collins esbravejou.
- Não - Antonie disse com calma, servindo-se de um pedaço de torta. - Foi Raoul Mendez.
- Tem certeza? - Cole perguntou, ajudando Justin a sentar-se.
- Sí - Oro assegurou, sentando-se no braço da cadeira de Antonie enquanto servia-se de uma taça de vinho. - Eram seis ao todo.
- Tolice! - Henry Collins tornou a vociferar.
- Mendez não vem para estas bandas. Foi o maldito Ramirez, tenho certeza.
- Pois eu lhe garanto que foi Mendez. Por Dios! - Antonie exclamou, ignorando o arrogante Collins.
- Morangos! - Ela espetou uma das frutas com a faca que tirou do cano da bota e passou-a no açúcar antes de levá-la à boca. Em seguida; suspirou extasiada, enquanto mastigava de olhos fechados.
- Amigos - Royal dirigiu-se aos convidados -, acho que a noite tem que acabar por aqui.
Ele fez com que as pessoas se retirassem rapidamente, encontrando dificuldade em deixar de explicar a Henry por que acreditava nas palavras de Antonie e tendo que driblar as reclamações sussurradas de Marilyn com respostas vagas. Não era apenas ansiedade em saber o que havia ocorrido com os irmãos que o levava a agir daquela forma, mas o desejo de deliciar-se com a visão da bela mulher em que Antonie se transformara.
- Nunca tinha visto uma sala se esvaziar tão depressa - Cole comentou, assim que o irmão mais velho tornou a aproximar-se.
- Eles encontrarão justificativas para voltar amanhã, não tenha dúvidas. - Royal deixou-se cair na cadeira ao lado da que Antonie ocupava e lançou-lhe um olhar brincalhão. - Precisava ter agido daquela forma? Você insultou um de meus convidados.
- Aquele porco já estava falando demais. - Ela sorriu para Royal. - Eu conheço meus bandidos, eh, gringo?
- Tenho certeza, mas não estou disposto a explicar a Henry por quê. - Royal encarou os gêmeos.
- Ah, eles são Oro e Tomás, filhos de Manuel. - Antonie riu diante do ar contrariado de Royal. - Oro é o que tem a pequena cicatriz no queixo. É difícil distingui-los.
- Você disse que foram atacados, querida. - Royal tomou a mão de Patricia com carinho.
- No caminho para San Antônio... - Ela relatou o que ocorrera, sendo ajudada de quando em quando por Justin.
- Você não foi ferida, não é mesmo, Pattie? - Royal indagou, uma vez que a extensão da agressão que ela sofrera não tinha sido esclarecida.
- Não, a coelhinha está inteira - Antonie informou, ao perceber a dificuldade da moça em tocar no assunto. - O miserável morreu instantaneamente.
- Obrigada, Antonie - Royal agradeceu. - Você e seus amigos podem passar a noite aqui. Precisar repousar.
- Não vamos embora tão depressa - ela explicou. - Não enquanto não tivermos certeza de que o rancho está seguro em suas mãos.
- Mas o rancho já é meu!
- Vou explicar melhor. Estamos aqui para garantir que o rancho não seja tirado de você. Somente então a dívida de Juan estará paga. Ele me pediu que viesse até aqui para cuidar dessa questão. Eu lhe prometi que cumpriria a vontade dele. Fiz isso diante de seu leito de morte. - Ela encarou Royal. - Aqui estou e aqui permanecerei até que a promessa seja cumprida.
- Ramirez está morto? - Cole perguntou.
- Sí. - Ela controlou o pesar que ainda não se permitira sentir.
- Eu sinto muito por sua perda - Royal disse baixinho.
- Juan, Manuel e Júlio vão dar o que fazer lá no inferno, não? - Ela calou-se por um momento. - E agora eu tenho uma dívida a pagar.
- Não me deve nada. Você poderia ter matado Cole, e não o fez. Agora salvou a vida de Pattie e Justin. Isso já é mais do que o suficiente.
- Prometi a Juan que o ajudaria a salvar o rancho, e é isso o que vou fazer - ela insistiu.
- Salvar o rancho de quê? - Royal tentava conter as imagens eróticas que se formavam em sua mente ao observá-la lambendo o açúcar dos dedos.
- A pergunta não é de quê, mas de quem. Não tenho a resposta. De alguém que é próximo a você, Juan disse. Raoul está sendo pago por essa pessoa. Foi ele quem matou seus pais, e é ele quem continua a atacar o rancho. Vai haver muita confusão nessa condução do gado que você está planejando. Tomás, Oro e eu seremos suas armas.
- Onde Juan conseguiu essa informação?
- Não sei. Mas se Juan disse que você vai ter problemas, é porque vai.
- Se tivermos muito mais problemas, perderemos mesmo o rancho - Cole resmungou.
- Exato. É assim que funciona - ela concordou, - Muitos cortes pequenos levam a pessoa a sangrar até a morte.
- Maneira vivida de colocar a situação. - Royal apanhou uma taça e serviu-se de vinho. - Ainda outro dia estava dizendo a mim mesmo que tudo o que nos tem acontecido não poderia ser apenas má sorte. Temos sido atingidos com mais frequência e de forma mais agressiva do que os outros rancheiros da região. É como se soubessem de tudo o que fazemos ou planejamos fazer. Essa viagem para a venda de gado, por exemplo. Contei a esse respeito para pouquíssimas pessoas e, no entanto, Juan já tinha ouvido falar disso lá no México.
- Conhecemos as pessoas desta região desde que nascemos - Cole observou. - Quem poderia ser?
- Devem tentar imaginar quem lucraria mais com isso - Tomás sugeriu, enquanto acabava de comer um pedaço de torta.
- Infelizmente, Tomás, poderia ser qualquer um de nossos vizinhos. - Só então Royal se deu conta de que até mesmo Patricia e Justin estavam se servindo do que restara sobre a mesa. - Imagino que vocês não tenham jantado - comentou, irônico.
- Não mesmo. - Patricia levantou-se. - Com licença. Vou falar com Maria. Ela vai preparar alguma coisa rápida para nós.
- Isso mesmo, querida. Mas vá com cuidado. Ela não está de muito bom humor.
- Oh, Marilyn esteve ajudando por aqui?
- Como sempre - Royal confirmou. - Peça a ela que prepare alguns quartos também, por favor.
- Essa tal Marilyn é a moça que estava sentada ao seu lado? - Antonie perguntou, rindo, para depois fitá-lo nos olhos. - Ela está louquinha por você, não, gringo?
- Ela estava apenas tentando agir como uma boa vizinha, ajudando a organizar o jantar, nada mais - ele desconversou.
- Se não tiver intenção de se casar com ela, é melhor começar a correr mais rápido, amigo - Antonie caçoou. - A linda Marilyn acha que é propriedade dela, meu caro. Notei isso enquanto cumprimentava você.
- A maneira como me cumprimentou atraiu o olhar de todo mundo - Royal replicou.
- Gostou? Planejei fazer isso no caminho. Até mesmo pratiquei, não é, Oro?
- É verdade - o amigo confirmou. - Mas ainda não nos disse quem beijou melhor, querida. Admita que fui eu, e os outros aceitarão a derrota como homens.
Percebendo a situação incômoda em que fora colocada, ela sorriu e enlaçou o pescoço de Royal.
- Acho que o melhor beijo foi o deste gringo aqui. Ele demonstrou ter mais prática do que você e aqueles dois.
Desta vez, sem ser pego de surpresa, Royal devorou os lábios doces de Antonie num beijo arrebatador.
- Por Dios! - Maria exclamou ao entrar na sala, fazendo com que Royal interrompesse o beijo.
- Oh, não. Ela começou com isso outra vez - Patricia murmurou.
Levantando-se, Royal prontificou-se a apanhar as bandejas que a criada e a irmã traziam. Aquela atividade serviria para afastar os pensamentos de natureza puramente carnal que lhe assomavam à mente. Percebendo que Oro ocupava a cadeira onde antes ele estivera sentado, Royal acomodou-se entre ele e Patricia, assim que Maria deixou a sala de jantar.
Enquanto todos comiam, Royal pôs-se a observar Antonie e os irmãos Degas. Era difícil avaliar o tipo de relação que havia entre eles. Eram muito próximos, evidentemente, mas se como amigos ou amantes era difícil afirmar. Ele reconheceu que imaginar Antonie como amante de qualquer homem fazia seu sangue ferver de ódio, mas não estava disposto a se perguntar por quê.
Cole estava certo ao dizer que ela era uma coisinha linda. Antonie continuava pequena, e era dona de uma beleza delicada, mas agora ela irradiava uma sensualidade sutil e possuía um corpo que combinava perfeitamente com tal característica. Havia algo de selvagem nela, algo levemente contido, que atraía um homem a testar de que forma conseguiria despertar-lhe a paixão. Royal sentira isso tudo em um beijo, e estava ansioso para saboreá-la num sentido mais amplo.
- Já tentou se perguntar quem poderia estar atrás de suas terras? - Antonie perguntou, orgulhosa da maneira como sua língua ligeiramente afetada pelo vinho se comportara durante o beijo.
- Não. Isso vai exigir um bocado de investigação - Royal admitiu. - Não gosto de imaginar a possibilidade de qualquer um deles desejando nosso mal. - A ideia de estar sendo traído por uma daquelas pessoas com quem havia convivido a vida inteira o enchia de tristeza.
- Falta ainda algum tempo antes da viagem - Oro comentou. - Foi uma pena que os capangas de Raoul não tivessem informações. Agora, no entanto, Raoul sabe que estamos atentos.
Enquanto o amigo falava, Antonie percebeu que ultrapassara seu limite de vinho. Conforme Juan ensinara, sabia reconhecer os sintomas de colapso iminente. Com uma dignidade graciosa, que mascarava seu estado de embriaguez, ela se levantou e caminhou até a porta.
- Vou para cama agora - anunciou. - Buenas noches.
Ela subiu as escadas com cuidado, encontrando-se com Maria e outra criada que saíam de um quarto. Com educação, perguntou qual dos cômodos deveria ocupar. Maria orientou-a com timidez e observou a maneira como a hóspede caminhava até a cama, deitava-se e fechava os olhos de imediato. Antonie não respondeu às perguntas preocupadas da mulher; apenas ouviu quando Maria retornava ao trabalho, resmungando sobre o tipo de gente com quem o patrón estava se envolvendo.
- Ela está bem? - Cole interpelou, após a retirada brusca de Antonie.
- Sí - Tomás garantiu, sorrindo. - Foi vinho demais para ela.
- Bem, além destas, houve as quatro garrafas que tomamos no caminho - Justin lembrou, diante do olhar estarrecido dos irmãos mais velhos.
- Mas ela não sabe qual é o quarto dela - Patrícia observou.
- Acho que Maria ainda está lá em cima e dirá a Antonie que quarto deverá ocupar - Royal arriscou.
- Tudo bem, amigo, vamos cuidar disso - Oro falou, enquanto ele e Tomás caminhavam em direção à porta. - A chica tem que saber pelo menos qual é a cama certa.
- E ser colocada para dormir, não? - Tomás acrescentou brincalhão, ao perceber o olhar espantado de Patrícia. - Temos que livrá-la das armas, das botas... e do chapéu.
- Chega. Não quero mais saber disso dentro da minha casa - Patrícia protestou, levantando-se assim que os Bancroft ficaram a sós.
Os irmãos a seguiram escada acima, alcançando-a antes que ela irrompesse no quarto de Antonie, e barraram-lhe a visão enquanto os gêmeos livravam das armas, das botas e do chapéu, o corpo inerte da amiga.
Royal afastou-se para dar passagem a Maria, que entrava no cômodo sem dizer uma só palavra.
- Fora! - Patricia gritou. Arrancou uma das botas das mãos de Oro e empurrou-o para fora do quarto. - Podem achar normal ficar tirando a roupa a seu bel-prazer, mas eu não aprovo esse tipo de comportamento e não estou disposta a tolerá-lo em minha casa.
- Onde fica nosso quarto? Vamos dormir agora - Tomás anunciou, seguindo Oro para fora e empurrando os irmãos Bancroft diante de si.
- Bem, aqui é que não é. - Patricia fechou a porta do quarto com um estrondo.
- Duas portas à direita - Maria gritou em meio ao barulho.
- Caramba! - Tomás murmurou. - A coelhinha se transformou num leão...
- Hora de dormir - Oro falou com ar sério para o irmão, que ainda ria. - Buenas noches, señores. Verifiquem os curativos do chico antes que ele vá dormir.
- Que curativos? - Cole perguntou, enquanto ele e Royal levavam Justin para o quarto.
- Minhas costelas estavam muito machucadas - o rapaz explicou, sentando-se na cama. - Antonie achou melhor protegê-las.
Royal fez uma careta quando ele e Cole despiram o irmão e verificaram os curativos. Os ferimentos não eram perigosos, mas deviam doer muito. Assim que acabaram de substituir os curativos improvisados, Royal e Cole perceberam que Justin sentia muita dor. Royal foi buscar um drinque para o irmão caçula e ficou aliviado ao ver que ele esqueceu a dor por algum tempo, recobrando a disposição para voltar a conversar.
- Pattie não foi muito machucada, não é mesmo? - Cole perguntou.
- Não. Um dos homens rasgou o corpete e tocou-lhe os seios, mas foi logo morto com uma facada - Justin respondeu. - Acho que Patrícia ficou mais abalada com as mortes. Afinal, ela sempre foi protegida desse tipo de agrura. Nossos dois acompanhantes foram mortos, e depois outros cinco homens. - O rapaz sorriu. - Acho que o fato de Antonie tê-la chamado de "coelhinha" o tempo todo a deixou furiosa, o que a ajudou a esquecer a matança.
- Trio estranho - Royal comentou. - Difícil dizer que tipo de relacionamento existe entre eles.
- É verdade. Eles agem como irmãos, mas a maneira como Oro e Tomás beijaram Antonie não foi nada fraternal - Justin observou. - Porém, eles acharam graça quando ela disse que iria beijar você, Royal, e também se divertiram quando ela me beijou.
- Estou começando a me sentir em extrema desvantagem - Cole brincou, e os três irmãos riram. - E quanto a esse assunto de tirar a roupa?
- Eles foram nadar e tiraram a roupa bem diante de nós. Os rapazes ficaram apenas com roupas íntimas, e Antonie usou um lenço de cabeça para cobrir os seios. Mas acho que ela fez isso só para não chocar nossa irmã. A maneira como eles brincaram na água foi igual ao modo como nós brincávamos no lago do rancho. O fato é que não fizeram nada que Pattie não pudesse ver. - Ele voltou-se para Royal. - Antonie disse que eu deveria perguntar a você sobre a tal dívida que ela tem a pagar.
Royal suspirou e, sentando-se à beirada da cama do irmão, tornou a contar a história.
- Mantive isso em segredo durante sete anos, e agora conto a mesma história duas vezes num mesmo dia. Nunca pensei nessa dívida, mas acredito que Juan estivesse esperando pelo momento certo de pagá-la.
- Antonie disse que não foi Juan quem nos roubou nem quem matou nossos pais - Justin falou.
- Eu nunca pensei que tivesse sido ele, Justin. Foi Mendez, certo?
- É o que eles dizem. Mas como eles poderão nos ajudar? Talvez sejam procurados pela Justiça.
- Não que eu tenha ouvido falar - Cole assegurou. - Exceto por aquela vez em que fui atingido, Antonie e os gêmeos não haviam participado de matanças.
- Ela admitiu sem rodeios ter atirado em você, Cole - Justin murmurou, pensativo. - Até agora acho difícil acreditar que foi ela quem lançou a faca no agressor de nossa irmã. Eu vi quando ela se aproximou e arrancou a arma das costas do homem, limpou a lâmina e tornou a guardá-la dentro da bota. E, no entanto, ela parece inofensiva.
- Ela passou onze anos com Juan Ramirez - Royal lembrou. - Antonie pode não ter participado de atividades violentas, mas decerto saberia o que fazer em caso de necessidade.
- Acredito que sim - Justin concordou. - Acha que eles estão certos ao dizer que alguém próximo a nós está interessado em nos tirar o rancho?
- É uma explicação bastante razoável para os problemas que temos tido - Royal admitiu.
- Então, eles vão ficar aqui por algum tempo. - Justin bocejou.
- Acho que é conveniente - concluiu o mais velho dos Bancroft.
Antonie ouviu vozes, que pareciam distantes, enquanto Patricia e Maria tentavam colocar nela uma camisola branca e limpa.
- Ela é muito bonita - Patricia comentou.
- Sí - Maria concordou -, mas não acho que seja mexicana.
- Não, mas ela cresceu no México. Fala com sotaque e tudo. O espanhol parece ser a língua dela mais do que o inglês.
- Señorita, por que o patrón permitiu que esses três ficassem aqui? Eles são bandidos, pistoleiros, tenho certeza.
- Talvez, mas dizem que têm uma dívida com Royal e que vieram ajudar-nos a manter o rancho. Eles podem ser um pouco selvagens - Patricia riu baixinho -, mas não acredito que sejam maus. Foram bondosos comigo e com Justin.
- O bem pode existir em qualquer um, mas talvez não o suficiente - Maria resmungou.
- Ela me trata como se eu fosse uma criança - Patricia comentou, levemente ressentida.
- Para ela, acho que você não passa mesmo de uma criança.
- Mas ela é apenas dois anos mais velha do que eu.
- Ela viu e fez muito mais coisas do que você, chica. Talvez até mais que seus irmãos. Isso a torna mais velha do que a idade que tem. Buenas noches.
- Buenas noches, Maria.
Ao ouvir a porta fechar-se após a saída das duas mulheres, Antonie parou de lutar para permanecer acordada. Tinha ouvido o que gostaria de saber.
Todos estavam dispostos a dar aos gêmeos e a ela o benefício da dúvida. Apenas uma coisa a preocupava: a maneira como Patrícia olhava para Oro. No momento, porém, estava embriagada e exausta demais para preocupar-se com o que quer que fosse.
No quarto que dividiam, Tomás e Oro estavam se deitando. Enquanto Tomás levantava as cobertas, olhou para o irmão e sorriu.
- Como reis, não, Oro? Não esperava ser tratado como hóspede.
- É por causa de Antonie que estamos recebendo esse tipo de tratamento. Não podem mandá-la embora, portanto nós vamos ficar.
- Sí, mas não vou me queixar. - Tomás tornou a sorrir. - Acho que pode haver problemas com o tal Royal. Ele parece interessado na chiquitita.
- Ela já tem vinte anos, Tomás. Acho que está na hora de deixarmos que ela diga sí ou no.
- Talvez. Royal não é homem de tomar uma mulher que diga no.
- É o que penso - Oro concordou. - No entanto, devemos fazer com que Antonie saiba o que seu "sí" vai significar. Só então poderemos baixar um pouco a guarda.
Royal afastou-se da porta em silêncio. Praguejando baixinho, ele desejou que os gêmeos tivessem dito mais, o suficiente para que soubesse se eram ou não amantes de Antonie. Por fim, disse a si mesmo que deveria dar-se por feliz, uma vez que os rapazes poderiam ter falado em espanhol, o que implicaria que ele não tivesse compreendido nada.
Sentira-se aliviado ao passar pelo quarto deles e ouvir-lhes as vozes, Pelo menos por ora, não dividiam a cama com Antonie. Royal pretendia preencher aquele espaço vazio o mais breve possível . O beijo dela não tinha sido mera brincadeira. Ele vira o brilho do desejo naqueles olhos adoráveis e pretendia transformar o brilho em um fogo tão intenso quanto o que ardia dentro dele. Esperava que os gêmeos não convencessem Antonie a ignorar aquele fogo e que logo relaxassem e baixassem a guarda.
- Algo me diz que você está prestes a fazer uma loucura - Cole comentou, recostado ao batente da porta dos aposentos de Royal. Ele afastou-se apenas o suficiente para que o irmão entrasse no quarto.
- Por que diz isso? - Royal indagou, desabotoando a camisa.
- Pela maneira como sua mente está distraída e seu corpo em alerta. - Cole sorriu ao ouvir a risada do irmão. - Ela pode pertencer a um dos irmãos Degas, talvez aos dois.
- Não por muito tempo.
- Talvez um passeio até a taverna fosse mais seguro.
- É possível que fosse mais seguro, mas nem de longe seria tão prazeroso. Além disso, o que talvez exista entre ela e os irmãos Degas não pode ser nada sério. Ou talvez não haja nada. Eles a vigiam e a protegem, mas ela não lhes pertence.
- Não vai ficar sabendo se não arriscar, não é? E eu não vou conseguir dissuadi-lo, certo?
- É claro que não. Antonie tem um rosto de anjo e um corpo capaz de tentar até um santo. E você sabe que eu não tenho nada de santo.
- Só torço para que você não se transforme em mártir - Cole resmungou, antes de dizer boa-noite.
Royal riu consigo mesmo ao pensar na proposta do irmão. Relacionar-se com uma garota de taverna seria mais seguro, mas ele só tinha recorrido a esse tipo de mulher nas ocasiões em que estivera desesperado. Não era próprio dele se relacionar com uma mulher que qualquer homem com a quantia adequada pudesse ter. Suspirando, ele tratou de dormir, convencido de que naquele momento ninguém mais poderia satisfazê-lo. Seu corpo ansiava por Antonie, e somente por ela.
A despeito do ar de desaprovação no semblante de Maria, Royal levou café até o quarto de Antonie. Entrou sem fazer barulho, colocou o café sobre a mesinha ao lado da cama e ficou observando-a. A tentação de deitar-se ao lado dela era quase irresistível. Não era possível ignorar-lhe a feminilidade, mas havia também uma inocência infantil naquele rosto adormecido. Sentou-se à beira da cama, inclinou-se e entregou-se ao prazer de beijá-la.
Antonie despertou lentamente, assim que o toque de lábios quentes contra os seus foi se tornando mais intenso e persistente. Mesmo antes de abrir os olhos, sabia que era Royal. Estendeu os braços e enlaçou-o sensualmente pelo pescoço, enquanto murmurava o nome dele. Entreabriu os lábios para que ele pudesse explorar-lhe a boca com a língua, enquanto a dela fazia o mesmo, desfrutando daquele momento de prazer. Ela emitiu um ruído de puro deleite.
- Trouxe café para você - ele murmurou, desenhando com os lábios os contornos do rosto delicado.
- Muito gentil de sua parte, senor - ela respondeu, apreciando o calor que ele fizera surgir em seu corpo.
- Você tem gosto de mel - Royal sussurrou, deslizando os lábios em direção ao decote da camisola. - Sua pele é mel e seda.
As pálpebras de Antonie tornavam-se pesadas, à medida que a excitação aflorava nela. Ela o via desabotoar sua camisola para saborear cada novo pedacinho de pele que se tornava visível. Sabia que não deveria permitir aquilo, mas não tinha vontade de fazê-lo parar. Era tão gostoso... Deslizou os dedos por entre os fios do cabelo espesso e macio, deleitando-se mais uns instantes com o contato. De repente, lembrou-se do que acontecera no passado aos homens que tinham demonstrado interesse demasiado nela. Sentiu a tensão tomar conta de seu corpo, enquanto aguardava, temerosa, o ruído de um tiro de pistola.
- O que aconteceu? - ele indagou com voz rouca, acariciando-lhe um dos seios fartos.
- Tive a impressão de que ouviria o ruído de um tiro a qualquer momento - ela confessou, intrigada com a maneira como aquele homem conseguia fazê-la sentir-se flutuando no ar.
- Era assim que Juan lidava com seus amantes? - Royal perguntou, satisfeito com a reação do corpo macio a cada toque de suas mãos e lábios.
- Sí, ele atirava nos homens que tentavam chegar perto demais de mim.
- Juan não está mais aqui; então ninguém vai atirar em mim, não é? - Ele se preparou para abrir-lhe a camisola, ansioso para ver o que suas mãos já haviam sentido.
- Eu não apostaria nisso, señor - advertiu uma grave voz masculina.
Levantando-se, Royal indagou-se como os gêmeos haviam conseguido entrar no quarto sem que um único ruído os tivesse denunciado. Os dois rapazes tinham armas apontadas para ele, e seus rostos joviais estavam sérios. Imaginou se a estavam protegendo dele ou garantindo que ela não se afastasse deles.
- Obrigada pelo café, señor - Antonie agradeceu calmamente.
- Maria vai servir o desjejum em minutos - Royal anunciou, enquanto saía do quarto, sem tirar os olhos de Oro e Tomás.
Os gêmeos recolocaram as pistolas na cartucheira e sentaram-se na cama. Antonie ajeitou a camisola, pegou a xícara de café e recostou-se no travesseiro. Estava satisfeita com a interrupção, pois precisava de algum tempo para refletir sobre suas reações a Royal Bancroft.
- Ele quer você, chica. Acha que está disponível - Oro observou, com calma.
- E talvez para ele eu esteja - ela respondeu com sinceridade. - Ele faz com que eu me sinta bem. Eu não queria dizer "não".
- O fato de ele querer você não significa que ele vá amar você, ou torná-la uma mulher respeitável - Tomás lembrou.
- Sei disso, Tomás. Ele acha que sou uma vagabunda, mas ele vai descobrir que não sou se me tiver, certo?
- Não pode amar esse homem - Oro protestou.
- Você mal o conhece. É seu corpo que quer o dele, só isso.
- E como! É como um fogo que não pode se apagar. - Antonie encarou os amigos. - Acho que serei uma tola se não viver essa paixão. Digam-me, um fogo que queima a ponto de extinguir todos os pensamentos e faz você sentir o corpo flutuando não acontece todo dia, não é mesmo? Apenas com beijos, ele me faz arder de paixão e deixa meu corpo pronto para o amor. Isso é comum?
- Não, chica, não é comum - Tomás respondeu. - Um fogo como esse pode não acontecer nunca mais, eu acho. Mas isso significa que se você não o ama, vai amar em breve, o que pode lhe causar muito sofrimento. Royal é um homem de dinheiro, e você é a niña de Juan Ramirez.
- Tenho que pensar. - Ela deu de ombros. - Talvez o sofrimento seja um preço pequeno a pagar pelo sabor do fogo.
- A decisão é sua - Oro declarou, colocando um ponto final em qualquer interferência dos gêmeos.
Ansioso por uma nova oportunidade de estar a sós com Antonie, o que não parecia possível com tantas pessoas ao redor, Royal decidiu dar uma olhada no gado. Intrigavam-no a força das emoções e a intensa excitação que aquela mulher suscitava nele apenas com um beijo, e estava determinado a saborear cada pedacinho dela.
Assim que Marilyn adentrou o hall, Royal forçou um sorriso e a cumprimentou. Vê-la enquanto pensava em fazer amor com Antonie provocou-lhe uma sensação de desconforto. De repente, a ideia de levar a bonita vizinha para a cama tornou-se desinteressante. Disse a si mesmo que aquela era uma sensação momentânea e aceitou o beijo rápido, e de certa forma automático, que a jovem depositou em seus lábios.
Antonie fez uma pausa ao pisar nos últimos degraus da escada para observar a breve demonstração de afeto entre Marilyn e Royal. Fora apenas um beijinho casual, mas ela experimentou uma pontada de ciúme em seu coração. Talvez o que sentisse por Royal já fosse mais do que mera paixão.
- Fico satisfeita em constatar que aqueles pistoleiros não estão mais aqui - Antonie ouviu Marilyn dizer, o que feriu seus sentimentos.
- Eles não são pistoleiros - Royal rebateu. - Salvaram Patrícia e Justin e, além disso, alertaram-me em relação a um problema que eu não tinha conseguido enxergar de fato.
- Está querendo dizer que eles ainda estão aqui?
- Claro que sim. - Royal não conseguira esconder a irritação causada pelas palavras de Marilyn.
- Você permitiu que aquela vagabunda mexicana passasse a noite nesta casa?
Ainda furiosa, mas controlada, Antonie entrou na sala. Caminhando até Royal, enlaçou-o pelo pescoço e deu-lhe um demorado beijo, ao qual ele nada fez para resistir. Passando o braço em torno da cintura dele, encarou Marilyn.
- Esta vagabunda pelo menos conhece muito bem seu trabalho, señorita. Nunca deixo um cliente insatisfeito. - Afastando-se um pouco, ela deixou que sua mão deslizasse da cintura para a coxa de Royal. - Um homem como este não se contenta com pouco, não é? Uma noite dificilmente é o bastante. - Virando-se, Antonie caminhou em direção à porta, divertindo-se com o rubor no rosto de Marilyn. - Buenos dias, señorita. "Oh, a rosa amarela do Texas..." - ela cantarolou ao retirar-se, controlando o riso até que estivesse mais longe.
- Ela estava só brincando, Marilyn - Royal tentou apaziguar a fúria da vizinha, embora tivesse se divertido com a ousadia de Antonie.
- É mesmo? - Ela deixou-se conduzir até a saia de jantar. - Pois para mim não teve graça nenhuma.
- É bem provável que ela tenha ouvido seus comentários e estivesse apenas querendo dar-lhe o troco. - Royal serviu uma xícara de café para ela e outra para si. - Mas diga-me, como posso lhe ser útil esta manhã? - ele indagou, na esperança de que ela não tomasse muito de seu tempo.
Ao encontrar os gêmeos, Antonie já recuperara inteiramente o bom humor.
- Chica, precisa ver o que Pete acabou de nos mostrar atrás do estábulo - Tomás anunciou, tomando-a pela mão.
Permitindo que ele a arrastasse atrás do homem grisalho chamado Pete, Antonie sorriu.
- O que é? - ela perguntou.
A resposta não foi necessária, pois logo estavam diante de um monte de feno, em parte coberto por um velho cobertor surrado, onde uma cadela amamentava uma ninhada de filhotes. Imediatamente, ela se ajoelhou para ver os bichinhos de perto. Enquanto os observava, encantada, alguns deles começaram a caminhar com certa dificuldade. Num instante, ela já escolhera para si um dos filhotes, que a fazia se lembrar de Sage. Ele tinha a pelagem dourada, olhos melancólicos e patas muito grandes para um filhote.
- Ele não é magnífico? - ela indagou, vibrante, enquanto se levantava com o filhote nas mãos. - Posso ficar com ele?
- Não vejo por que não - Pete respondeu, divertindo-se com tanta animação. - Mas acho que é melhor você perguntar ao patrão, uma vez que os cãezinhos são dele.
Royal revirava a mente à procura de uma maneira educada de mandar Marilyn embora, quando Antonie irrompeu na sala de jantar.
- Royal, diga sí! É algo pequeno o que estou lhe pedindo.
- Espere! - ele protestou, rindo, ao ver-se envolvido pelo pescoço. Ela e o filhote lambuzavam-lhe o rosto com beijos.
- Você deve dizer sí ou vamos afogar você em baba. Por favor? Nunca mais vou pedir nada.
- Suponho que você queira esse vira-lata que está segurando.
- Vira-lata? Este cãozinho é uma magnífica combinação de raças!
- Muito bem colocado. Sim, você pode ficar com ele - Royal acrescentou. Em seguida, desfrutou do longo beijo de agradecimento com que ela o presenteou, completamente esquecido da presença de Marilyn. - Você se contenta com pouco - ele murmurou, enquanto ela se afastava.
- Acha mesmo? - Ela deu uma piscadela cheia de malícia. - Isso é o que veremos.
- Que nome vai dar a ele? - ele indagou, tentando aquietar o fogo que voltava a arder dentro de si.
- El Magnífico! - ela exclamou. Depois, afastou rapidamente o filhote. - O cãozinho está vazando - brincou, ao perceber que o animalzinho fazia xixi.
- Isso é nojento - Marilyn comentou com frieza, interrompendo a diversão dos dois. Era evidente que ela não se referia apenas ao cão. - Animais não devem entrar em casa por essa razão. Se não for limpo adequadamente, o tapete ficará cheirando mal e terá que ser jogado fora.
- Eu compro um tapete novo para Royal - Antonie resolveu calmamente, enquanto enxugava o tapete com um guardanapo de mesa.
- E com que dinheiro, posso saber? - Marilyn perguntou, com escárnio.
- Com o dinheiro que Royal me paga. - Antonie fitou-a e lentamente abriu- um sorriso. - Pelo uso de minha cartucheira, señorita.
- Basta, Antonie - Royal repreendeu-a com suavidade enquanto Marilyn emitia um ruído chocado.
- Vou ficar sentada aqui e bem quietinha, patrón. - Antonie afastou-se, para sentar-se em um sofá ao lado da lareira.
Royal lançou-lhe um olhar desconfiado e, voltando-se para Marilyn, tentou retomar a conversa, o que não foi possível . Em alguns instantes, aliviado, ele acompanhava a jovem vizinha até a porta.
De certa forma, ele compreendia as razões de Marilyn para sentir-se indignada. Ele nada fizera para impedir que ela acreditasse que os dois eram um casal. Sabia também que seu interesse por Antonie era evidente. De qualquer maneira, no entanto, quase tudo que a moça dizia parecia irritá-lo, e estava ficando difícil manter a calma e ser bem-educado. A partida dela aliviou a tensão que se criara no ambiente e que só agora ele começava a reconhecer.
Voltando para a sala, ele observou o comportamento de Antonie, que mais parecia uma criança, deixando que o cãozinho brincasse com ela, e rindo de cada uma das molecagens do filhote. Royal reconheceu naquela espontaneidade outra razão para sentir-se atraído por ela. Antonie era um prazer sempre renovado, um diferente aspecto de sua natureza aflorando a cada instante.
- Você não deveria provocar Marilyn - ele disse, ao sentar-se ao lado de Antonie.
- Ou eu a provoco ou terei que dar umas palmadas nela. O que você prefere? - Ela riu ao ver El Magnífico escorregar por sua perna.
- Acho que prefiro a primeira alternativa. - Ele suspirou. Envolveu os ombros dela com o braço e passou a brincar com uma mecha de cabelos dourados. - Não há como negar que ela é arrogante. O problema é que eu acabo ficando numa situação delicada.
- Ela é a pessoa com quem vai se casar? - Antonie indagou, tensa.
- Eu não sei. Essa é uma das coisas que as pessoas esperam de mim ou que acham que eu deva fazer.
- Mas você ainda não disse sí ou no, certo? - Ela fechou os olhos quando Royal começou a deslizar os dedos levemente calejados ao longo de seu pescoço.
- Exatamente. - Ele substituiu os dedos pela ponta da língua, ao sentir que a excitação dela aumentava. - Não amo Marilyn.
- Mas há vantagens em se casar com ela. Essa moça daria uma excelente dona de rancho. Não trocaram votos ainda?
- Acha mesmo que eu estaria fazendo isso se tivesse algum compromisso com ela? - Ele passou a palma da mão ao longo da coxa esbelta e firme.
- Acho que não, mas a verdade é que não o conheço bem. Ah... - ela murmurou com prazer quando ele a acariciou no seio.
- Não tenho compromisso algum. - Ele roçou os doces lábios com os seus enquanto desabotoava-lhe a camisa. - E seus guarda-costas?
- Eles não me vigiam mais. - Ela traçou com a língua o contorno dos lábios dele.
Beijando-a, Royal abriu-lhe a camisa. Prendeu a respiração ao deleitar-se com a visão dos seios fartos e arredondados, cujos mamilos eram de uma tonalidade rosa muito suave. Tocou-os num movimento circular vagaroso, para depois acariciá-los com a língua.
Antonie sentia o corpo flutuar, enquanto o fogo da paixão percorria-lhe as veias. Enfiando os dedos por entre os cabelos de Royal; ela arqueou levemente o corpo, deixando-o livre para acariciá-la. Quando, enfim, ele pôs-se a sugar com delicadeza um dos mamilos enrijecidos, Antonie contorceu-se sob a carícia, inquieta diante das sensações desconhecidas e intensas que pela primeira vez experimentava.
- Gosta disso, não é, meu bem? - ele perguntou baixinho, passando a dedicar-se ao outro mamilo.
- Sí, sí... - ela respondeu ofegante, segurando-lhe a cabeça junto ao peito.
- Então venha comigo, Antonie. - Ele beijou-lhe, lentamente, o rosto. - Deixe-me fazer amor com você.
- Não. Agora não - ela disse, abotoando a blusa com dedos trêmulos.
- Por que não?
Aquela era uma pergunta difícil para Antonie responder. Seu corpo implorava para ser satisfeito, mas ela não podia permitir que o instinto se sobrepusesse à sua vontade. Aquilo não era algo em que pudesse mergulhar daquela forma. Royal não lhe prometia amor nem casamento, mas apenas paixão. Tinha que pesar o ganho contra o prejuízo de maneira racional, e racionalidade não era algo com que pudesse contar quando ele a tomava nos braços.
- Por que não, Antonie? - ele tornou a perguntar, excitado, porém com mais controle sobre si mesmo.
Ela tomou El Magnífico no colo, levantou-se e encarou Royal.
- É uma grande decisão tomar ou não um homem como amante - ela explicou. - Não posso deixar que o fogo decida por mim. Isso seria insensato.
- Mas também não pode ignorar o fogo que arde entre nós.
- É verdade. Não posso. - Ela caminhou em direção à porta. - Mas tenho que decidir se experimentar esse fogo vai valer o preço que terei que pagar.
Royal não entendeu muito bem a afirmação, mas ela se afastou tão depressa que não houve tempo para perguntas. Balançando a cabeça, ele se levantou e decidiu que trabalhar talvez o ajudasse a esquecer aquela frustração. O importante é que ela não o recusara. Ainda havia uma chance para ele, e se agarraria a ela, pois jamais desejara tanto uma mulher, nem sentira paixão tão avassaladora. Não deixaria que aquilo lhe escapasse por entre os dedos.
Após uma caminhada curta, Antonie encontrou um lugar agradável à sombra, onde se sentou com seu cãozinho. Enquanto o animalzinho brincava, ela refletia.
Quando seu breve momento de paz foi interrompido pela chegada indesejável de Marilyn, ela sentiu-se desapontada, mas não surpresa. Aquela mulher queria Royal, e era de se esperar que tentasse livrar-se de qualquer rival.
Enquanto Marilyn desmontava do cavalo, Antonie permaneceu sentada, com os olhos inexpressivos e frios, atitude que evidentemente irritou a mulher.
Não havia como negar que Marilyn era uma bela jovem, mas Antonie sentia que havia algo de estranho com ela. Após um momento de reflexão, ela teve certeza de que era instinto e não ciúme o que a fazia sentir-se incomodada.
Não havia calor humano em Marilyn; podia-se perceber um vazio nos olhos da moça e uma tensão em seu belo corpo feminino. Até mesmo a raiva que emanava dela era fria e controlada. Royal poderia encontrar naquela jovem todas as qualidades de uma dama, mas era certo que ela tinha muito pouca paixão a oferecer. Antonie perguntava-se se ele já teria notado esse detalhe e, por essa razão, hesitava em fazer o que todos esperavam dele.
- Você não se dá mesmo conta de seu lugar, não é mesmo, señorita? - A maneira como Marilyn pronunciou a última palavra visava insultar Antonie.
- Meu lugar é onde estou - ela respondeu, decidida a não permitir que aquela mulher a perturbasse.
- Muito esperto de sua parte. Se tivesse um pingo de sensatez, procuraria outro lugar para ficar.
- Está me ameaçando?
- Não. Isso é apenas um aviso. Royal é meu. Não permitirei que você o tire de mim.
- Talvez eu só pretenda tomá-lo emprestado por algum tempo.
- E desistir de tudo isso? - Marilyn sorriu com frieza, indicando as terras ao redor. - Quer que eu acredite que não tentaria se tornar a dona deste rancho?
- Isto aqui é só pó, señorita. Se eu quisesse ficar com algo seria com o homem e não com a terra em que ele pisa.
- Quanta nobreza! - Marilyn escarneceu. - Mas você não me engana. - Ela tornou a montar, sem tirar os olhos de Antonie. - Pretendo ter Royal e ser a senhora deste rancho, e não permitirei que nenhuma vagabunda mexicana se interponha em meu caminho.
- Ah, El Magnífico... - Antonie suspirou, assim que a mulher se afastou. - Essa mulher está pedindo para levar um tiro. Ainda não experimentou o fogo. - Um sorriso desenhou-se em seus lábios ao ver que Oro se aproximava. - Achei que este fosse um lugar sossegado - ela murmurou.
- A cadela gringa encontrou você bem depressa. - Oro deitou-se ao lado de Antonie, com as mãos sob a cabeça.
- Ela me disse para ficar longe de Royal.
- Dizem que eles vão se casar.
- Royal me disse que não trocaram votos e que não fez promessas a ela. Eu acredito nele. Eia está ansiosa para governar este pequeno reino.
- E você, o que quer, chiquitita?
- Quero experimentar o fogo, Oro - ela declarou, deitando-se ao lado do amigo. - Acho que se eu não me der essa oportunidade, sentirei necessidade disso para sempre e ficarei pensando como teria sido se eu tivesse me arriscado mais. Essa pode ser uma dor maior do que a que eu poderei enfrentar se permitir que meu coração siga meu corpo. O arrependimento pode ser mais difícil de ser suportado do que a perda, não?
- É verdade. Mas espere mais uns dias - ele aconselhou. - Tenha certeza, antes de entregar sua inocência a esse homem. Nunca mais poderá tê-la de volta.
- Sei disso. - Ela tocou-o na mão. - Refletirei por mais um tempo. Não tomarei nenhuma decisão precipitada.
- Talvez só esteja precisando de um homem. - Oro rolou sobre ela.
Antonie deixou que ele a beijasse e até correspondeu com gosto. As mãos habilidosas de Oro traçaram os contornos de seu corpo enquanto os lábios exploravam os seus com vagarosa sensualidade. Ela não ficou indiferente e imaginou que poderia ser bom fazer amor com Oro, mas não era a mesma coisa.
- Não há fogo entre nós - ela disse, por fim. - Eu poderia fazer amor com você, mas não preciso disso, entende? Você sentiu o fogo, Oro?
- Não como você está dizendo. Eu sou um homem, e você é uma linda mulher. Seria fácil sentir paixão e fazer amor com você. - Ele sentou-se. - Porém, você não quer qualquer homem, mas um em especial, Royal Bancroft. Deitar-se comigo não resolveria nada. - Ele sorriu. - Sei do que você fala, porém nunca senti o mesmo. Tenho até um pouquinho de inveja. Se decidir se deitar com ele, conhecerá algo que jamais conheci, não importa quantas vezes tenha estado com uma mulher. Não haverei de culpá-la caso escolha deitar-se com ele.
- Estou mais tranquila. Ficaria triste se o desapontasse. Mas, agora está na hora de começarmos a treinar El Magnífico.
Oro divertiu-se ao ouvir o nome que ela escolhera para o cãozinho, e logo os dois amigos riam e brincavam com o filhote, ensinando-lhe muito pouco. Por um momento, Royal Bancroft ficou completamente esquecido.
Royal avistou-os enquanto cavalgava, e a inocência das brincadeiras entre os dois o aborreceu. Antonie dissera que os gêmeos não mais a vigiariam. Contudo, ainda estavam próximos demais para seu gosto.
Quando percebeu que eles continuariam rindo e se divertindo, decidiu afastar-se, indagando-se que tipo de relacionamento haveria entre Antonie e os irmãos Degas. Por instantes, ela e Oro tinham parecido amantes, mas o abraço acabara logo, e o ar de inocência retornara. Ele permanecia entregue a questionamentos quando ouviu a voz do irmão.
- Sua pequena señorita precisou de atenção depois que Marilyn conversou com ela? - Cole perguntou.
- Marilyn falou com Antonie?
- Não ouvi muita coisa, mas estava mais do que claro que a querida Marilyn estava dizendo a Antonie que ficasse bem longe de você.
Royal praguejou.
- Marilyn não conhece limites. Jamais fiz promessa alguma a ela, nem insinuei nada.
- Seu silêncio em face dos comentários e das suposições dos que os cercam deve ter levado Marilyn a alguma conclusão. E você jamais negou coisa alguma. Isso deve ter bastado para ela. Você dá àquela mulher liberdade para administrar a casa. Não pode querer culpá-la por deduzir que as coisas entre vocês estão encaminhadas.
- Você está certo, mas ela nunca demonstrou ciúme. E você sabe que jamais fui fiel a ela.
- Por outro lado, você nunca trouxe uma mulher para o rancho e nunca ninguém o viu no assanhamento que está agora.
- É tão óbvio? - Royal indagou, rindo.
- O ar parece pegar fogo entre você e a pequena señorita - Cole observou. - Além disso, ela é linda.
A entonação de Cole deixou Royal intrigado. Sua intenção era levar Antonie para a cama, e não casar-se com ela. O fato de o irmão aprovar a garota não deveria significar coisa alguma para ele. Mas significava.
- Não gosta de Antonie?
- Não a conheço, e portanto não posso dizer. Só sei que ela se veste como um homem e atira melhor que a maioria. Essas não são qualidades de uma dama.
- Não pode se esquecer de que ela foi criada por um pistoleiro. - Havia um tom de defesa em sua voz que o surpreendeu, assim como a seu irmão.
Talvez não fossem apenas seus instintos que o atraíssem para Antonie Ramirez. Não era um esnobe, e pouco lhe importava a que família as pessoas pertenciam. Todavia, pensar em criar laços com a filha, biológica ou adotiva, de um pistoleiro que aterrorizara o Texas por cerca de vinte anos era ser tolerante demais.
- Sei bem que essa moça foi criada por Juan Ramirez - Cole disse, como se tivesse lido seus pensamentos. - Já pude ver tanto o lado sensual quanto o lado infantil de Antonie. Apesar das roupas que veste, ela é extremamente feminina. Mas também a vi apontando uma arma na direção de um homem com a ciara intenção de matá-lo. A mim pouco importa que ela não carregue nas veias um pingo de sangue de Juan Ramirez. Foi ele quem a criou. Essa moça sempre viveu entre assassinos e ladrões. Ela vive de acordo com um código que não é o nosso. Não se esqueça disso nem por um instante, Royal. Divirta-se com ela o quanto quiser, mas jamais confie nela.
Enquanto o via se afastar, Royal pensou nas palavras do irmão, concluindo que tudo fazia sentido.
No entanto, confiava em Antonie, embora tivesse consciência de que essa confiança jamais fora colocada à prova. Cavalgando para alcançar Cole, decidiu não ignorar aquelas palavras. Independentemente do que acontecesse entre ele e Antonie, procuraria lembrar-se de quem ela era e de onde vinha.
As nuvens escuras que cobriam o céu da tarde não tinham se transformado em chuva, e a noite chegara com um ar abafado. Antonie sentia a garganta seca, como se fosse difícil respirar. Avisou Oro que iria nadar no lago que haviam visto diversas vezes durante os passeios pelas terras de Royal. Como o amigo não estava disposto a acompanhá-la, Antonie se pôs a caminho.
Os últimos dias tinham sido tranquilos, o que não fora suficiente para aquietar seus desejos e sentimentos, que pareciam ter-se tomado parte dela. Uma semana se passara desde que Royal a beijara pela última vez, e ela se perguntava se ele teria mudado de ideia em relação a ela. Ele a deixara numa inquietação que nada poderia curar. Pedia aos céus que o banho nas águas do lago ajudasse a aplacar o fogo que lhe ardia nas veias para que pudesse dormir.
Royal sentia-se oprimido pelo ar da noite, o que não era comum acontecer. Uma intensa inquietação se apoderara dele nos últimos dias. Praguejando baixinho, ele se levantou, afastando-se da mesa onde fazia horas tentava trabalhar, sem sucesso, para ir procurar Antonie. Uma semana era tempo suficiente para que ela tivesse decidido o que queria.
Oro avaliou a expressão de Royal quando ele lhe perguntou sobre o paradeiro de Antonie.
- Acho que seria mais sensato eu não contar onde ela está.
- Por que diz isso? - Royal imaginou que ela pudesse estar com outro homem, e franziu o cenho ao perceber que a simples ideia o magoava.
- Não sou tolo - Oro disse. - Sei o que sente pela chica. Esta noite o fogo está quente demais, não?
- Creio que esse é um assunto que só interessa a mim e a Antonie.
- Sí, e no. O corpo é dela e, portanto, pode fazer dele o que quiser. Por outro lado, ela é como uma irmã para mim, e você pode entender como me sinto. Não quero ficar olhando e vê-la ser magoada.
- Não tenho intenção de magoá-la.
- É fácil falar... - Oro sorriu com amargor. - Mas está fora de minhas mãos. Ela mesma pediu por isso. Pois bem, ela foi nadar.
- Sozinha? - Sí.
- Onde?
- No lugar onde vocês brincavam na infância, como diz Justin.
Antonie chegou ao lago cercado por choupos-do-canadá sabendo no que poderia estar se metendo ao aceitar tornar-se amante de Royal. Uma semana de reflexão não a havia levado a conclusão alguma. Porém, ao recear que ele não estivesse mais interessado em fazer amor com ela sentira uma dor tão profunda que decidira que, se ele ainda a quisesse, ela se entregaria.
O calor dos beijos e das carícias dele continuava vívido em sua lembrança e em sua pele. Vê-lo, ainda que à distância, era o suficiente para encher-lhe a mente com imagens eróticas.
Depois de livrar-se da última peça de roupa, ela mergulhou nas águas do lago, sentindo com prazer a temperatura fresca. Aquilo decerto aliviaria o calor da noite, mas não o fogo que ardia dentro dela. O contato da água em sua pele nua proporcionava-lhe um prazer quase erótico e, de olhos fechados, ela imaginou as mãos de Royal acariciando seu corpo.
Royal avistou-a assim que alcançou as árvores que circundavam o lago. Os cabelos loiros brilhavam ao luar enquanto ela nadava. Permaneceu por um longo momento observando os movimentos graciosos antes de aproximar-se devagar para não assustá-la.
- Veio nadar também? - Antonie indagou ao avistá-lo, mantendo o corpo sob a sutil proteção oferecida pela água.
- Isso é um convite?
- O lago é seu - ela respondeu, sorrindo.
Royal começou a despir-se, mas decidiu manter a roupa íntima. Mergulhar nu poderia parecer presunçoso, e tudo que ele desejava era não dizer nem fazer algo que a desagradasse.
Enquanto nadavam, Royal percebeu que ela se mantinha a certa distância. A visão das pernas esguias e firmes era tentadora, mas ele não sabia dizer se ela trajava algo ou se estava nua. Por fim, ele parou em um ponto do lago em que a água chegava à sua cintura.
- Venha cá, Antonie - ele pediu baixinho. - Quero abraçar você.
- Pode me achar uma pessoa complicada, gringo - ela advertiu. O coração estava acelerado por causa do modo como ele a fitava; o desejo inquieto e urgente de Royal iluminava os olhos cor de jade.
- Não tenho medo - ele assegurou com voz grave. - Posso garantir que estou mais do que disposto a correr esse risco. Quero você, Antonie. Preciso senti-la. Não posso mais esperar. Isso já se tornou uma obsessão para mim. Não me castigue mais. Venha cá.
Ela obedeceu, aproximando-se vagarosamente sob o olhar insinuante e quente de Royal.
- É um grande passo, querido - ela lembrou quando, impulsionado pelo crescente desejo, ele a tomou nos braços. A sensação dos seios nus contra o peito firme deixou-a trêmula.
- Relaxe - ele sussurrou-lhe ao ouvido. - Este é um passo que vamos dar bem juntinhos - acrescentou com malícia, contornando-lhe a orelha com a língua.
Correspondendo à sensual carícia, ela ergueu os braços e enlaçou o pescoço daquele homem irresistível, que tomou seus lábios num beijo voraz e cheio de intimidade. Um gemido escapou de seus lábios, à medida que os beijos dele se tornavam mais exigentes. Impossível negar o quanto era delicioso sentir o corpo másculo e firme contra o seu, Antonie pensou, enquanto ele deslizava as mãos por suas costas até alcançar-lhe as nádegas, que segurou com firmeza. Decidida a entregar-se à crescente sensualidade daquele jogo amoroso, ela concluiu que seria inútil lutar contra o ardor que os dominava. Estava destinada a amar aquele homem, e o destino não era algo que se pudesse discutir.
- Não pode fugir disto - Royal murmurou junto aos seus lábios. - Deixe-me fazer amor com você.
- Sí - ela rendeu-se, dando-se conta de que aquela pequenina palavra a estaria comprometendo de maneira permanente.
Ele pegou-a nos braços e levou-a até a margem do lago. Estendeu no chão a toalha que ela levara e a camisa que ele despira momentos antes, formando um leito improvisado.
Assim que ela se sentou, Royal removeu a última peça de roupa. Antonie riu consigo mesma ao constatar que tamanha beleza chegava a ser crueldade. Ele era o perfeito equilíbrio entre força, graça e virilidade, cada um dos ingredientes na medida certa.
Royal contemplava as curvas arredondadas, iluminadas apenas pela luz do luar, enquanto se ajoelhava ao lado dela. Beijando-a sem pressa, fez com que ela se deitasse, percorrendo-lhe o corpo levemente com a mão.
- Você é muito mais bonita do que imaginei - ele disse. - E acredite que não parei de pensar em como você seria nua desde que o instante em que a revi. - Após acariciar-lhe a cintura delgada, Royal deslizou as mãos pelas coxas macias, afastando-as para se ajoelhar entre elas. - Céus, você é alva e sedosa, Antonie... Isso vai ser o paraíso.
Ela manteve-se em silêncio, limitando-se a estender os braços para ele num convite à intimidade. Um arrepio percorreu seu corpo assim que ele se deitou sobre ela. Era tão bom senti-lo, abraçá-lo... Aproximando os lábios de seus seios, ele tocou cada um dos mamilos com a ponta da língua, fazendo-a arquear-se e gemer. Depois, sugou-os com delicadeza. Ela se contorceu e enfiou os dedos por entre os cabelos macios para mantê-lo junto de si.
Ao começar a acariciar o corpo firme, Antonie constatou que não era a única arrebatada pelo prazer. Ele gemeu e passou a acariciá-la com mais urgência. Quando ele deslizou a mão que estava em sua coxa para tocá-la no centro do prazer, ela agarrou-lhe com força as nádegas.
- Por favor - ela pediu, erguendo os quadris. - Te quiero, mi vida.
Assim que Royal atendeu ao pedido e penetrou-a, os dois se detiveram, surpresos. Ela sentiu a excitação arrefecer por um instante, quando sua inocência foi rompida, causando-lhe certo desconforto. Pouco depois, porém, constatou que aquilo pouco importara, pois a excitação voltava a crescer.
Imobilizado pela surpresa, Royal mal podia crer que ela nunca tinha sido tocada.
- Antonie - ele sussurrou, inseguro quanto ao que fazer, mesmo sabendo que seria impossível parar.
- Ah, querido - ela murmurou, levando as mãos aos quadris dele, encorajando-o a movimentar-se. - Por favor, mi vida.
Um grito de puro prazer escapou dos lábios de Antonie assim que ele começou a se mover. Envolveu-o com braços e pernas, aprendendo o ritmo, sentindo que seu corpo entrava em sintonia com o dele. Entregou-se àquele amor ardente, relaxando a pressão do abraço somente quando a intensidade do clímax, que chegou como numa explosão, roubou-lhe momentaneamente as forças. Incapaz de resistir às contrações de seu corpo, Royal acelerou os movimentos para atingir o êxtase.
Foi somente algum tempo depois, quando começaram a recuperar o fôlego, que ele conseguiu se mover, lembrando-se do que acabara de descobrir.
- Você era virgem - ele disse, enquanto via em seu corpo e nas coxas de Antonie os sinais da perda da inocência.
- Sí - ela respondeu com calma. - Não é assim que todas as mulheres começam?
Royal contemplou o corpo benfeito, enquanto ela caminhava até o lago para lavar-se. Pouco depois, ele também se levantou para unir-se a ela. Em seguida, tomou-a pela mão e levou-a de volta até o leito improvisado que haviam partilhado, onde se sentaram.
- Por que não me disse que nunca tinha feito amor antes? - Royal perguntou.
- Isso iria mudar alguma coisa? - Ela o encarou, acariciando-o de leve no peito.
- Eu teria sido mais cuidadoso.
- Não tenho queixas, querido - ela disse, tocando-o nas coxas musculosas.
- Está machucada?
- Um pouco dolorida, só isso - ela murmurou, deslizando a mão até passar a acariciar-lhe o membro com movimentos rítmicos firmes.
- Vi você beijando Oro - ele comentou com voz rouca. Segurou-a pelos ombros, esforçando-se para falar com coerência.
- Estávamos tentando descobrir se o que eu queria era um homem qualquer - ela revelou, notando que as pálpebras dele se tornavam pesadas e a respiração ofegante, enquanto ela prosseguia com a brincadeira amorosa. - Mas não havia fogo. Eu não precisava de um homem qualquer.
- O que queria é o que estamos tendo? - Ele ergueu a mão para acariciá-la no seio.
- Sí. Era isso que eu queria e decidi que não me importaria com o preço que tivesse de pagar para tê-lo. E agora que já me teve?
- Vou tê-la novamente - ele disse, deitando-a e penetrando-a.
- Ótima ideia. Ah, é tão bom... - Ela suspirou, acariciando-lhe o corpo com indisfarçável prazer.
Ele beijou-a e começou a mover-se vagarosamente.
Instantes mais tarde, ambos se deixavam consumir outra vez pelo inegável fogo que ardia entre eles.
Após o amor, dormiram, satisfeitos, os corpos enlaçados. No entanto, algum tempo depois, Antonie despertou, tensa e alerta, do relaxante repouso. Então, ouviu um rumor de vozes e o ruído de patas de cavalo que se aproximavam. Cutucando Royal para que acordasse, ela recolheu as roupas. Ambos caminharam até onde as sombras das árvores se estendiam, e ali se vestiram.
- São os homens de Raoul - Antonie sussurrou, agachando-se com a pistola na mão enquanto observava o grupo de cinco homens que parava junto ao lago para que os cavalos pudessem beber.
- Tem certeza?
- Sí. Reconheço aquele homem baixo e gordo. A cicatriz grande no pescoço foi presente de Juan.
- O que eles estão dizendo? Não compreendo bem o espanhol. Só sei dizer algumas frases bem-educadas.
- Eles não estão sendo nada educados. Estão planejando atacar seus estábulos. Pretendera ir até lá esta noite.
- Nunca conseguirão cavalos suficientes para que valha a pena a investida.
- Eles não querem cavalos. Querem apenas prejudicar você. Talvez matar alguns de seus empregados, ou colocar fogo nos estábulos. - Ela engatilhou a arma. - Vamos pegá-los de surpresa aqui mesmo. - Ao perceber que ele hesitava, acrescentou: - Não há como avisarmos o pessoal no rancho. Esses homens fugirão se perceberem que foram descobertos. Os capangas de Raoul gostam de atacar de surpresa.
Royal detestava ter de admitir, mas ela estava certa. De repente, sentiu-se temeroso por vê-la naquela situação. Porém, logo se lembrou de que Antonie passara a vida inteira enfrentando perigos. Ele assentiu e se afastou um pouco. Preparado, fez um sinal, e os dois atiraram juntos.
Dois dos homens foram atingidos de imediato, enquanto os outros três esforçavam-se para montar, antes de começarem a disparar a esmo. Antonie praguejou baixinho ao sentir um dos tiros atingir seu braço de raspão. Depois que o terceiro homem foi baleado, os outros dois fugiram apressados na direção oposta ao rancho.
Royal e Antonie se aproximaram dos cadáveres próximos ao lago. Ele observou-a revistar os corpos em busca de algo que lhes servisse de pista para o mandante dos ataques. Ela mantinha-se fria, sem demonstrar qualquer emoção típica feminina. Somente quando ela tornou a ficar em pé, ele percebeu que Antonie tinha sangue no braço.
- Foi só de raspão - ela protestou quando Royal rasgou a manga de sua blusa para examinar o ferimento. - Não havia nenhum papel com eles. Tinha esperança de encontrar um nome. - Ela fez uma careta conforme ele limpava o machucado. - Ainda não sabemos quem está pagando Raoul para fazer essas coisas.
- O que importa é que os detivemos. Se continuarmos a ter sorte, Raoul vai acabar desistindo. Vamos, melhor voltarmos para casa agora.
- Está zangado comigo? - ela perguntou, pois havia um estranho tom na voz de Royal.
- Não estou zangado com você. Estou aborrecido por você ter conseguido ouvi-los antes que eu pudesse fazê-lo. Estou furioso por haver alguém por aí querendo me arruinar. - Royal olhou-a de esguelha. - Também vou ter de me acostumar com a presença de uma mulher capaz de lutar como um homem. Você não é o tipo de mulher com quem eu estou acostumado.
- Preferiria que eu tivesse desmaiado ou choramingado? Eu não teria sobrevivido com esse tipo de atitude. Aprendi a lutar para viver,
- Sei disso. Não a culpo nem por um instante por ser capaz de fazer o que faz. Só preciso me acostumar.
Mal chegaram ao rancho, Antonie viu-se levada ao quarto. Ali tomou um banho e foi ajudada por Maria, que circulava ao redor dela, a fim de certificar-se de que estava realmente bem. Ela preferia estar com os homens, conversando sobre o que acontecera e planejando o que fazer em caso de futuros ataques. Ao mesmo tempo, não conseguia deixar de se perguntar se o que houvera entre ela e Royal terminaria por ali. Ele parecia ter-se distanciado após o ataque ao bando de Raoul. Por fim, ela concluiu que de nada adiantaria inquietar-se. Permitiu, portanto, que Maria cuidasse dela e a colocasse na cama, onde depressa adormeceu.
Após ter enviado Oro e Tomás para reforçar a guarda da noite, Royal serviu-se de conhaque. Justin e Patrícia já estavam dormindo, portanto apenas Cole permanecia na sala de jantar a seu lado. A verdade é que nem mesmo a companhia do irmão parecia bem-vinda depois de tudo que ocorrera.
- Não vai me contar como é que foi pego de surpresa perto do lago? - Cole perguntou. - Estavam nadando?
- Sabe muito bem o que estávamos fazendo, o quê, por sinal, não é da sua conta.
- Que bom que a señorita tem uma audição privilegiada, não? Poderia ter sido bastante constrangedor - ele provocou.
- Pare de chamá-la assim. O nome dela é Antonie - Royal resmungou. - E você tinha e não tinha razão a respeito dela.
- Poderia ser um pouco mais claro?
- Ela era virgem. - Royal balançou a cabeça diante da expressão de surpresa do irmão. - Também fiquei atônito.
- Você não a tomou à força, não é mesmo? Ela não vai sair por aí choramingando por ter tido a reputação arruinada, certo?
- Antonie? Não - Royal garantiu. - No entanto, lá estava eu, pensando nela como uma garota doce e intocada, quando a vejo apontando uma arma na direção de cinco marmanjos enquanto discorre sobre as vantagens de atacá-los ali mesmo. Ela nem sequer piscou depois que tudo estava sob controle e nem mesmo mencionou o fato de ter sido ferida. "Foi só de raspão", ela disse, na mais perfeita calma quando eu percebi.
- Exatamente como Juan Rodriguez teria reagido - Cole observou.
- Pois é. Então me diga como essa menina ainda era virgem. As duas imagens não combinam!
- Eu estaria lisonjeado.
- Eu estou. Os gêmeos estiveram ao lado de Antonie durante sete anos. Tinha quase certeza de que haviam sido amantes dela.
- Estão juntos desde muito jovens, e isso muda as coisas. São como irmãos. - Cole tomou um gole de conhaque. - O que pretende fazer com ela agora?
- Eu não sei. O que você acha? Eu não compreendo a atitude dela. Não tive nenhum indício de que ela fosse virgem até ser tarde demais. Ela decidiu que me queria como amante e ponto final. - Passou a mão pelos cabelos. - Nunca conheci uma mulher como ela. Todas as outras agem de acordo com certas regras. Ela não, e não sei bem como lidar com isso.
- Agora que me deixou cheio de inveja, que tal um conselho? Ela pensa como um homem.
Royal piscou, subitamente dando-se conta de que o irmão estava certo.
- Ela foi criada por um homem e, pelo que tenho percebido, sente-se mais à vontade para conversar com homens - Cole prosseguiu. - Como é uma mulher, deve ter suas vulnerabilidades. Todavia, acredito que se imaginar que ela está pensando como você, terá mais possibilidade de acerto. Pattie comentou que Antonie parece não saber o que lhe dizer, ou como agir com ela, pois ambas têm um histórico muito diferente. - Ele sorriu. - O que um homem faria agora, no lugar dela?
- Estaria esperando que a mulher aparecesse em sua cama.
Royal escutou o irmão rir conforme rapidamente terminava sua bebida e se levantava. Compreendia o humor da situação, mas percebia também a preocupação de Cole. Afinal, Antonie ainda era a filha de Juan Ramirez.
Dando de ombros, dirigiu-se até o quarto dela, abrindo a porta sem fazer barulho. Antonie dormia despreocupada, uma vez que seu sexto sentido não detectava qualquer perigo. Era como se ela fosse um bichinho selvagem de sentidos apurados, capaz de captar sons, movimentos e cheiros que um homem comum não perceberia.
Royal contemplou-a em silêncio por alguns instantes e concluiu que era impossível negar-lhe o aspecto angelical, tal era a inocência que o doce semblante irradiava. Os cílios longos tinham a textura da seda; as faces alvas estavam levemente rosadas; e os lábios carnudos, ligeiramente afastados. Era difícil acreditar que a mesma mão pequena e delicada o tivesse acariciado com ousadia e empunhado uma pistola com calma e habilidade.
Sem fazer ruído, ele despiu-se e entrou sob as cobertas, ficando satisfeito ao constatar que ela dormia nua. Mal ele começara a desfrutar daquela deliciosa proximidade, ela entreabriu os olhos, fitando-o com uma sonolenta sensualidade que fez seu coração acelerar.
- Como está o ferimento? - ele indagou, deslizando a mão na curva do quadril feminino.
- Foi só de raspão. - Suspirando, ela se aconchegou ao corpo dele, sorrindo ao sentir-lhe a excitação antes mesmo que houvessem trocado carícias. - Já tive ferimentos bem piores. - Levou a mão dele até uma cicatriz que ia da parte inferior das costelas até a lateral do corpo. - Esta aqui quase me matou.
Erguendo as cobertas, ele examinou a cicatriz que não enxergara à luz do luar.
- Como pode falar com essa calma toda? - ele perguntou.
- Porque estou viva. Esta marca eu devo a Raoul. Juan estava louco para liquidar o homem. Talvez eu faça isso por ele.
- Não se eu puder fazê-lo antes - Royal apressou-se a dizer. - Esse homem tem sido uma pedra em meu caminho. Ele matou meus pais e não posso perdoá-lo por ter tirado a vida das duas pessoas que mais amei na vida.
- Você vai conseguir acabar com ele, querido. Esse cachorro vem pedindo para morrer há muito tempo. - Antonie deslizou uma das mãos pela coxa de Royal, convencida de que já estava na hora de mudarem de assunto. - Agora que sabe que estou bem, vai voltar para sua cama, não é?
- Só se você for comigo - ele murmurou, beijando-lhe o seio.
- E sua família? - ela indagou com voz rouca.
- Esta é minha casa - ele declarou, arrogante. - Você tem uma pele deliciosa. Doce como o mel e suave como a seda.
- E esta é minha cama, e eu deveria chutar você para fora dela - Antonie provocou. - O que faria, então, mi amor?
- Eu voltaria para convencê-la a mudar de ideia.
- Parece interessante. - Ela sorriu. - Pois se considere chutado para fora da minha cama, gringo. Agora tente me convencer, estou esperando.
- Com prazer - ele disse com voz grave, ao preparar-se para beijá-la.
- No, señor - ela sussurrou contra os lábios dele. - O prazer é todo meu.
A excitação de Royal tornou-se mais intensa ao ouvir Antonie admitir, sem qualquer falso pudor, que o contato amoroso entre eles lhe proporcionava prazer. Não conseguia lembrar-se de haver um dia conhecido mulher tão espontânea quanto ela em relação à própria sensualidade. Os murmúrios de palavras em espanhol eram como um ingrediente mágico, que o levava às alturas. Por um momento, imaginou se teria problemas com aquele relacionamento, mas os questionamentos desvaneceram assim que ele sentiu o corpo envolvido pelos braços e pernas de Antonie. Aquela viagem erótica não tinha preço, e Royal deixou-se levar pelo turbilhão de sensações.
Ao se deitarem lado a lado, exaustos de prazer, Antonie deu-se conta de que a cada beijo que trocavam, a cada vez que faziam amor, seu coração tornava-se crescentemente vulnerável, repleto de sentimentos que nada tinham a ver com luxúria. Todavia, como Oro a fizera lembrar, Royal fora criado para suas terras e sua fortuna. Um homem como ele não entregaria o coração e dificilmente daria seu nome a uma órfã criada por um pistoleiro. Para isso, ele procuraria uma dama que pudesse ser a senhora do rancho e a mãe de seus filhos.
Antonie sentiu o coração apertar, e ficou grata ao perceber que Royal dormia. Era difícil imaginá-lo compartilhando a vida com outra mulher. Precisaria ser cautelosa para não se machucar demais. Prazer era tudo o que aquele homem lhe daria, e teria de encarar essa realidade.
- Ah, Juan... - Ela suspirou. - Acho que sua niña foi pouco sensata. Acho que ela acaba de saltar de um precipício alto demais. Peço a Deus que você esteja perto de mim em espírito, como prometeu que estaria, a fim de amortecer minha queda.
A temperatura fria da água fez Antonie estremecer, mas ela acionou a alavanca mais uma vez, a fim de receber um bom jato sobre a cabeça. Colocando-se em pé, enxugou o rosto com o lenço, deixando que a água escorresse de seus cabelos molhados. Era bom refrescar-se depois de ter ajudado a reunir o gado para a venda, um trabalho exaustivo. Porém, ao apoiar-se na alavanca do poço e avistar Patrícia sentada na varanda, pensou que preferia o esforço a ficar à toa. Afinal, ser uma dama tinha desvantagens.
- Tenho refresco gelado aqui se quiser, Toni - Patrícia chamou.
- Estou morrendo de sede - Antonie respondeu, dirigindo-se à varanda.
- Espero que os outros estejam para chegar - a jovem comentou, entregando-lhe um copo de limonada.
- Sí. Eles logo estarão de volta. - Ela tomou a bebida gelada de olhos fechados. - Royal achou que eu já tinha tomado sol demais e mandou que eu descansasse por hoje.
Antonie percebeu o modo como Patrícia a observava. Não era segredo que ela e Royal eram amantes, mas a jovem nunca dissera nada. Porém, sentia que a curiosidade da irmã dele estava prestes a superar as boas maneiras.
- Nunca conheci ninguém como você - Patrícia comentou, de repente.
- Alguém como eu? O que quer dizer?
- Bem, uma mulher que tem... - ela corou - um amante.
Antonie riu baixinho e balançou a cabeça.
- Já conheceu, sim, chica. No entanto, não sabe disso, ou porque as pessoas escondem muito bem o que fazem, ou porque preferem manter fatos como esse, escondidos de uma jovem como você. As pessoas geralmente mantêm esse tipo de relacionamento em segredo.
- É que eu não entendo. Sei que não é da minha conta, mas não quer ter um marido? É por isso que prefere ter amantes?
- Amantes, não. Amante. Apenas Royal - Antonie esclareceu.
- Está querendo dizer que você... bem... que você era...
- Sí, eu era virgem. Pensei muito até concluir que seria tola se desprezasse o que havia entre mim e Royal. Acho que não vou conseguir explicar para você.
- Não sou criança.
- Não, mas você é diferente. Aprendeu coisas que eu não aprendi, e acredito que vemos o mundo com olhos diferentes. Ah, chica, ás vezes um fogo incontrolável nasce entre um homem e uma mulher. É algo tão forte que afasta a moral e o bom senso. Quando conheci Royal, senti que ele era um homem raro. - Ela sorriu. - Talvez eu seja fraca, e por isso tenha sucumbido à força da paixão, mas não queria voltar para o México sem experimentá-la. A virgindade que aprendeu que deveria preservar a todo custo talvez não seja tão importante para mim. Não temo viver sem um homem. Não gosto da ideia de envelhecer sozinha, sem filhos, mas não tenho medo. Se o fato de ser amante de Royal significa que ninguém vai me querer como esposa, então acho que nenhum homem valeria mesmo a pena.
- Acho que os homens deveriam ser mais compreensivos - Patrícia murmurou. - Mas não é assim que eles são.
- Seria preciso encontrar um homem que compreendesse que sentimos o mesmo que eles - Antonie lembrou. - E parece que não há muitos. Acho que eles não gostam de pensar que alguém já tocou o que é deles. Veja, lá vêm os outros. - Ela apontou. - Espero que tenha bastante limonada. Eles devem estar com muita sede.
Os irmãos Bancroft, Oro e Tomás logo chegaram. Antonie divertiu-se com a maneira como Royal abraçou-a assim que passou por ela, levando-a para sentar-se ao lado dele no muro que cercava a varanda.
Enquanto conversavam sobre o que ainda faltava fazer, Antonie notou algo que gostaria que lhe tivesse passado despercebido. O interesse que ela já notara que Patrícia nutria por Oro não tinha diminuído. Pelo contrário, parecia ter-se intensificado. Felizmente, os Bancroft não haviam se dado conta da maneira como a irmã observava o jovem mexicano e nem de como ela fazia o possível para estar sempre perto dele.
Ao analisar a expressão no rosto de Oro, Antonie constatou que ele tampouco era indiferente aos encantos da moça. A tensão no semblante do amigo para resistir à tentação que representava a proximidade de Patrícia era visível. Oro sempre tinha sido capaz de afastar-se com discrição das mulheres que representassem perigo. Na maioria das vezes, ele nem sequer percebia o interesse delas por ele. O fato de ele nada fazer para fugir à proximidade da moça era sinal de perigo. Talvez o fogo que ele dissera jamais ter sentido estivesse agora no encalço dele.
Minutos mais tarde, o amigo se afastou abruptamente. Antonie decidiu que conversaria com ele assim que pudesse, a fim de saber em que ponto estavam as coisas entre ele e a jovem Patrícia Bancroft.
- Venha - Royal puxou-a em direção à porta. - Estou precisando de um banho.
- E quer ajuda? - Antonie indagou, provocando-o.
- Bem - ele murmurou -, esperava que estivesse disposta a esfregar minhas costas. Eu poderia fazer o mesmo por você. Por isso, acho que o melhor seria que fôssemos juntos para a tina. Pense em como estaríamos economizando água - ele acrescentou com ar inocente.
- Além do trabalho que estaríamos tirando das costas de Maria e Rosa - ela completou.
- Royal!
A maneira como Royal praguejou por entre os dentes quase fez com que ela risse. Aquilo ao menos serviu para aliviar o mal-estar que a chegada indesejável de Marilyn provocara. As visitas estavam se tornando cada vez mais frequentes, o que o deixava contrariado.
Antonie entrou e foi para o quarto, preparando-se para seu banho solitário.
- Aquela mulher está aqui outra vez - Maria resmungou, enquanto ela e Rosa traziam água quente para encher a tina.
- Talvez ela tenha novidades.
- Essa sirigaita quer apenas ter certeza de que não está perdendo terreno.
- Não acho que ela deva se preocupar com isso - Antonie observou. - Ela está apenas sendo posta de lado por algum tempo.
- É isso o que acha, señorita? - Maria quis saber. - É o que veremos. Venha, Rosa. Há mais água para aquecer.
Como gostaria de poder acreditar no mesmo que Maria, Antonie pensou. Porém, a verdade é que a criada detestava Marilyn e preferia que qualquer outra mulher que não a vizinha se casasse com Royal.
Suspirou de prazer ao entrar na tina, sorrindo ao pensar nos planos desfeitos de Royal. Embora não dividissem o mesmo quarto, ela nunca mais dormira sozinha, quer fosse em seu quarto ou nos aposentos dele. Eles passavam juntos a maior parte do tempo e se divertiam muito. Não tinha dúvida de que Royal gostava muito dela. Às vezes dizia a si mesma que mais fácil seria se a única coisa que os ligasse fosse atração sexual. Com frequência, ela se sentia confusa, dividida entre a esperança e o bom senso.
Afundando-se na tina, enxaguou os cabelos que havia ensaboado. De nada adiantaria recriminar-se. A despeito de seus esforços, seu coração estava irreversivelmente envolvido e se apertava cada vez que Marilyn se aproximava de Royal, roubando-lhe a atenção.
Antonie saiu do banho e se vestiu, sentindo-se inquieta. Ao ver que Marilyn continuava pendurada no braço de Royal na varanda, decidiu sair pela porta dos fundos. Havia caminhado algumas centenas de metros quando avistou Patrícia e Oro. Deteve-se para observar a cena.
- Só queria conversar com você - Patrícia disse baixinho.
- Não era isso que você queria. - O rapaz tomou-a nos braços, bruscamente. - É isso o que você quer. E por isso veio atrás de mim, chica.
Antonie estremeceu ao vê-lo beijando Patrícia de forma rude, num gesto isento de sedução ou encantamento. Aquela não era a maneira de ser do amigo. Era evidente que ele pretendia afastá-la, e Antonie sentiu o sangue gelar nas veias ao dar-se conta de que a razão para o comportamento do rapaz era que, se pudesse, ele abraçaria Patrícia com o carinho que sentia e a beijaria sensualmente.
- Você não entende... - Ela soluçou quando Oro a forçou a afastar-se.
- Sí, eu compreendo. Eu sou diferente, não? Pois está enganada. Se continuar me convidando, vou aceitar a oferta, usar você e depois jogá-la fora como qualquer americano. Fique com seus muchachos endinheirados e bem vestidos, chica, e me deixe em paz. - Ele montou seu cavalo. -Você não vale que eu corra o risco de levar um tiro - disse e partiu.
Ao ver que Oro cavalgava na direção da cidade, Antonie aproximou-se em silêncio de Patrícia. Sentiu-se solidária com a dor da jovem. As palavras do amigo tinham sido cruéis. Porém, sem saber, Patrícia estava atraindo perigo para todos os que a cercavam.
- Ele está certo - Antonie disse, e sorriu quando Patrícia a encarou.
- Estava nos vigiando?
- Não. Saí para andar e acabei vendo vocês. Já tinha percebido que havia algo no ar, mas você deve parar com isso.
- Por quê? Você o quer para si? - Patrícia indagou com nervosismo.
- Não, chica, costumo ter um amante de cada vez. Ouça meu conselho e pare de provocá-lo.
- Quem é você para me aconselhar?
- Amiga dele e, se você quiser, sua também. Você olha muito para ele, mas não o enxerga com clareza. Ele é mexicano e Yaqui. É verdade que tem um pouco de sangue americano, mas não o suficiente para que o notem. Até mesmo alguns mexicanos o desprezariam.
- Ninguém o despreza aqui.
- Porque lutamos por uma causa comum, e ele é um companheiro de armas. Não o tratam mal na cidade porque ele trabalha para Royal Bancroft. Mas tenha certeza de que as pessoas não se esquecem de quem ele é, embora você esteja fazendo isso.
- Pouco me importa de onde ele vem, nem que tipo de sangue corre nas veias dele. Antes de mais nada. Oro é um homem, e as pessoas são capazes de ver isso.
- Se acredita nisso, é uma tola, e se alguém lhe disse que as coisas funcionam assim, é um mentiroso. Seus sentimentos são nobres, mas poucos partilham deles, sobretudo se um homem como Oro olhar para a filha ou para a irmã de um americano rico. Aí todos veem um mexicano ou um índio ou, pior ainda, um mestiço. Então, acredite em mim, pouco importa que as pessoas o tenham chamado um dia de amigo; o que elas verão é um mexicano que ousou olhar para uma moça branca. Tratarão de dar um fim nele, quer à bala, quer na forca, Se ele tiver muita sorte, poderão limitar-se a espancá-lo até quase a morte. E isso que quer que aconteça?
- Não! Isso não vai acontecer. Meus irmãos não são esse tipo de gente.
- Será? - Antonie desafiou. - Você já ousou sair com um mexicano ou com um mestiço?
- Não, mas... Royal é seu amante, o que prova que ele é diferente dessa gente de quem você falou.
- Isso não prova nada. Não sou mexicana, nem índia. Meu sangue é cem por cento americano. Alemão, para ser mais exata. Além disso, sou apenas amante do seu irmão, o que é algo que as pessoas aceitam. - Ela sorriu com certo amargor. - Na verdade, acho que é até o que esperam, uma vez que fui criada por um pistoleiro. Nunca fiz segredo, e até o xerife sabe disso. Eu sou algo que ninguém entende: comporto-me como homem e tenho a aparência de mulher. Isso deixa qualquer um confuso. Falo como mexicana, mas pareço americana. Não me encaixo nas regras. Uma vez que as mulheres não se aproximam de mim e que Royal não permite que os homens o façam, nem sequer uma preocupação eu sou. Mas você e Oro... - Antonie balançou a cabeça. - Você não seria a amante dele, mas aquela que faria com que o gatilho fosse puxado para matá-lo.
Ao ouvir essas palavras, Patrícia correu para casa aos prantos. Antonie sentiu-se a própria vilã. Não pretendia fazê-la sofrer, mas estava disposta a proteger Oro de um destino injusto e doloroso.
- Acha que ela entendeu o que você disse? - perguntou uma voz, em espanhol.
Ao voltar-se, surpresa, Antonie deparou-se com Tomás.
- O que você ouviu?
- Quase tudo. - Deu de ombros. - Vi como Oro saiu a galope para a cidade e decidi falar com ela.
- Você sabia que ela havia deixado seu irmão naquele estado?
- Já faz algum tempo que isso está acontecendo. Ela vai atrás de Oro, e ele foge. Ele tem ido à taverna, mas isso não está adiantando.
- Posso imaginar. Não sei se Patricia entendeu o que eu disse, nem sei o que ela sente por Oro. Talvez esteja atraída porque ele é diferente dos rapazes americanos ou porque sabe que as pessoas não aprovariam. As vezes acho que ela representa um perigo ainda maior por não saber exatamente o que está sentindo. As palavras de Oro foram duras, mas talvez não tenham causado mais do que um ferimento de raspão, certo?
- Mas o mal que essa moça pode causar a ele não seria apenas um arranhão, chica, e tenho medo que a ferida nunca venha a sarar - disse Tomás.
- É tão sério assim?
- É, sim. - Ele calou-se por um momento. - Acha que não poderíamos ir embora daqui e esquecer de uma vez os problemas que essa moça pode causar? - indagou, hesitante.
- Preciso ficar. Fui eu quem fiz uma promessa a Juan, e não vocês. Portanto, podem ir embora se quiserem.
- Não sem você. Acha que poderia conversar com Royal?
- Talvez, mas prefiro esperar. Ninguém notou o que está acontecendo. Mencionar isso agora talvez cause um problema que pode ser evitado. Quem sabe essa situação tenha encerrado a história? Oro foi cruel, eu fui dura, e ela deve saber para onde ele foi.
- Sim, talvez tenha sido suficiente. Eu também quero evitar problemas. E não gostaria de sair daqui antes de ver o fim de Raoul.
- Sabe se a señorita Marilyn já foi embora? - Antonie perguntou, com um sorriso torto.
- Falar em problema a faz lembrar-se dela, não? - Tomás indagou, rindo. - Ela foi embora há alguns minutos.
- Acho que eu deveria dar um tiro nela. Talvez seja a única maneira de fazê-la se afastar do rancho e parar de tagarelar - ela resmungou, começando a caminhar na direção da casa. - Tome conta de Oro, Tomás. Acho que ele está disposto a se meter em encrenca.
- Vou procurá-lo agora mesmo - ele assegurou, indo para os estábulos.
Voltando para o quarto, Antonie refletia sobre a conversa que tivera com Patrícia. Esperava ter conseguido alertá-la para a realidade. Os irmãos Bancroft eram boas pessoas, mas o quanto de preconceito carregavam no peito era algo que não se sabia.
Oro seria um bom homem para Patrícia. Era trabalhador e faria o possível para proporcionar-lhe uma vida feliz. Embora o pai dele tivesse sido um pistoleiro, sempre fizera o máximo para mostrar aos filhos que eles deveriam procurar algo melhor para si próprios.
Talvez o melhor para Oro fosse Patrícia, no caso de as coisas serem diferentes. Porém, ninguém permitiria que ele fosse algo mais do que um ajudante dos Bancroft. No momento em que os dois resolvessem ter um relacionamento, os preconceitos entrariam em ebulição e se esparramariam para além da superfície.
Ao passar pelo quarto de Royal, Antonie sorriu e abriu a porta sem fazer ruído. Ao vê-lo na tina com uma expressão contrariada seu sorriso aumentou. A visita de Marilyn evidentemente o deixara de mau humor.
- Não está gostando de se livrar da poeira, querido? - ela provocou, sentando-se na cama.
- Posso ver que já tomou o seu banho - ele murmurou, contrafeito.
- Eu estava pronta e a água estava lá, portanto decidi esfregar minhas próprias costas, O que Marilyn queria?
- Ela estava curiosa em relação à viagem para a venda do gado. Parece que o pai dela também está considerando essa ideia. É um caminho longo e árduo e algumas pessoas se perguntam se vale mesmo a pena. Também é algo muito novo.
- Vai levar meses, não?
- Isso vai depender de sorte e de quanto esforço vamos poder exigir dos animais sem matá-los. Calculo uns três meses, talvez mais.
- Acha sensato deixar o rancho por um período tão longo?
- Não vamos estar aqui, e acredito que é dos Bancroft que a tal pessoa misteriosa está querendo se livrar.
- E essa pessoa terá vários meses no trajeto para fazer isso.
- Acho que sim. Espero que esse sujeito só tenha conseguido contratar os serviços dos capangas de Raoul, pois acho que eles não estariam dispostos a se afastar demais da fronteira.
- É possível . Por outro lado, quanto mais longe da fronteira eles estiverem, menos serão conhecidos.
- Você deveria aliviar as minhas preocupações, e não aumentá-las - ele protestou.
- Ah, então essa é minha função, querido?
- Humm... Isso e esfregar minhas costas, é claro.
Rindo, Antonie arregaçou as mangas e ajoelhou-se ao lado da tina. Boa parte dos viris atributos estava escondida sob a água e o sabão, mas restava o bastante daquele corpo másculo e forte para que seus olhos pudessem se deleitar. Sentia-se mais do que disposta a tocá-lo e não tentava esconder suas intenções.
Logo, as brincadeiras se transformaram em paixão, e Antonie despiu-se, unindo-se a ele no banho. Com tantos perigos e ameaças a rodeá-los, tudo o que ela desejava era entregar-se à euforia daquele momento de intensa sensualidade, e Royal parecia mais do que disposto a ajudá-la a alcançar seu objetivo.
- É minha vez, Royal.
Praguejando baixinho, ele passou a mão pelos cabelos, antes de encarar Antonie.
- Não sabia que havia a vez de um ou de outro - ele retrucou, exasperado.
- Mas há, sí, e a vez agora é minha - ela insistiu. - Para meus dois compadres, quero Tomás e Jed Thayer. Vigiaremos a fortaleza, capitán.
- Fique com Oro também - Royal propôs. - Ficarei mais tranquilo se ele estiver com você, já que insiste em montar guarda.
- Sí, eu insisto, mas você fica com Oro. Uma razão para termos vindo para cá é que conhecemos Raoul muito bem. Ele é um inimigo de longa data. Oro sabe o que esperar dele.
Contrariado, Royal admitiu para si mesmo que não lhe agradava que Antonie tivesse escolhido o bem-apessoado Jed Thayer para montar guarda com ela. Decidindo que o melhor a fazer era parar de discutir, ele foi trabalhar.
- Ela é capaz de dar conta do recado - Cole comentou, afastando-se a cavalo ao lado do irmão.
- Sei disso.
- Se quer saber, acho que ela está mais segura no rancho do que aqui fora conosco.
- Como chegou a essa conclusão?
- Porque lá há muito mais lugares onde se esconder caso haja perigo.
- É verdade - Royal concordou. - Só gostaria de afastar a ideia de que vai haver problema.
Antonie sentou-se sobre o baixo muro que rodeava a varanda e recostou-se em uma coluna de tijolos. Até o momento, o trabalho de sentinela se limitara a servir de dama de companhia a Patricia, que recebia a visita do terceiro pretendente à sua mão. Perguntava-se o que a mocinha tinha feito para atraí-los daquela forma.
Olhando para o rapaz sentado ao lado de Patricia no balanço, Antonie se perguntou se aquele moço suarento era o melhor que se podia encontrar na região. Não era de admirar que a jovem tivesse se sentido atraída por Oro, que era mil vezes mais homem do que os almofadinhas que aspiravam à sua mão. Pediu aos céus, em silêncio, que as esperanças de que Patricia encontrasse um rapaz com quem desejasse se casar não fossem vãs. Se aquilo acontecesse. Oro estaria fora de perigo.
- Pobre Hudson - Patricia disse, assim que o rapaz foi embora. - Nunca encontrará uma esposa.
- Por que diz isso? - Antonie quis saber.
- Ele tem pavor de garotas. Sua e gagueja mesmo em meio a uma conversinha casual. Não posso imaginá-lo capaz de propor casamento a alguém.
Foi após o almoço que o quarto pretendente se aproximou a cavalo. Antonie observava o rapaz pela janela, perguntando-se se os jovens das redondezas haviam trabalhado um único dia na vida. Suspirando, ela decidiu que iria para a varanda só depois que terminasse seu café.
- Señorita? - Maria chamou. - Outro rapaz acaba de chegar.
- Já vou. - Antonie sorriu, colocando de lado a xícara de café.
- Não vá deixar a menina muito tempo sozinha com o pretendente, si?
- Ele não é um cavalheiro?
- Nunca o vi portar-se mal - Maria admitiu -, mas tenho uma sensação estranha quando o vejo. Não confio nele.
- Vou para a varanda agora mesmo, não se preocupe.
Arrependida de ter insistido em montar guarda no rancho, uma vez que passava a maior parte do tempo supervisionando as visitas de Patrícia, Antonie saiu.
Após breves apresentações, ela sentou-se no degrau superior da escada que levava à varanda, de onde podia vigiar o horizonte, a fim de precaver-se contra possíveis ameaças e, ao mesmo tempo, observar o casalzinho que ocupava o balanço.
Ao voltar-se para os dois outra vez, Antonie surpreendeu um olhar tão atrevido do rapaz que fazia a corte a Patrícia que pensou que, se Juan estivesse ali, decerto teria atirado no sujeito. Estava claro que Maria tinha uma intuição apurada. Aquele rapaz não era mesmo digno de confiança. Se olhava para ela daquele modo quando estava ao lado da moça com quem desejava casar-se... ou quem sabe ele só pretendesse seduzir a jovem ingênua, para depois abandoná-la.
Momentos mais tarde, notou que o rapaz passeava as mãos pelo corpo de Patricia, certo de que não era observado. Percebeu, também, que a moça nada fazia para impedir que ele a tocasse, não por paixão ou algo parecido, mas porque estava constrangida.
- Tire as mãos dela, señor Tillis - Antonie ordenou, encarando-o.
- Estava apenas sendo carinhoso - ele retrucou. - Não há razão para ficar tão agitada.
- Tire as mãos, gringo - ela repetiu, com a arma engatilhada em punho. - Do contrário vai levar um tiro. Simples, não?
- Simples - o rapaz repetiu, afastando-se de Patricia, para depois olhar para ela. - Vamos, Pattie, diga a ela que não foi nada.
Enquanto Patricia abria a boca para responder, um tiro foi disparado. Clem Tillis deixou escapar um grito agudo e ergueu as mãos. Em um único instante, sua pose havia desaparecido.
- Maldição! - ele exclamou. - Pronto, já parei de tocá-la.
Movendo-se com agilidade, Antonie arrancou Patricia do balanço, fazendo com que ela se deitasse sobre o chão da varanda.
- Não fui eu quem atirou, señor. Foram eles. - Antonie apontou para o grupo de homens armados que se aproximava. - Acho que esse balanço deixou de ser um lugar seguro.
Tillis lançou-se ao chão, sem sacar a arma.
- O que diabos está acontecendo aí? - Tomás gritou, de seu posto no telhado. -Você está bem, Antonie?
- Sí - ela respondeu, atirando contra dois invasores que se aproximavam.
A porta da casa se abriu de repente, e Maria surgiu, assustada. Antonie se surpreendeu ao ver a rapidez com que a mulher gorducha se jogava ao chão para escapar das balas que alcançaram o batente da porta.
- Patricia? - Maria chamou.
- Ela está bem - Antonie assegurou, enquanto mantinha na mira os dois pistoleiros, que agora procuravam cobertura. - Melhor sair do caminho porque em breve vamos entrar.
- Mas há um espaço aberto entre a varanda e a porta da casa - Tillis observou, apavorado.
- Tem razão, senor - Antonie concordou. - Patricia vai ficar a salvo, pois eu vou mantê-los ocupados enquanto você dá cobertura a ela.
- Espere aí... - o rapaz começou a queixar-se.
- Sr. Tillis, vai fazer o que estou mandando e arriscar-se a ser baleado, ou vai ficar aí, tendo a certeza de que eu mesma me encarregarei de matá-lo?
- Mas e você, Antonie? - Patricia perguntou, preocupada.
- Vou ficar bem. Logo estarei lá dentro com vocês. Tomás está em cima do telhado e me dará cobertura. Vão agora.
Antonie quase sorriu quando Tillis levou Patricia até a porta, protegendo-a com o corpo. Em seguida, preparou-se para segui-los para dentro da casa.
- Tomás - ela gritou -, estou pronta.
Após descarregar a arma mais uma vez, para ajudar o amigo a manter os atacantes afastados, Antonie correu até a porta. Naquele exato momento, vários homens saíram de seus esconderijos e atiraram. Ela sentiu as balas passar perto; uma delas chegou a atravessar a manga de sua camisa.
Dentro da casa, estavam Maria, Rosa, que choramingava, Patricia, que parecia em choque e Tillis, apavorado. Aquele era o estranho exército de que dispunha, mas precisava acreditar que poderia contar com eles.
- Onde estão Jed e Pete? - Antonie indagou, sem tirar os olhos dos inimigos, a fim de impedir que eles chegassem perto demais.
- Pete está do outro lado do hall, e Jed está lá em cima - Maria informou.
- Muito bem. Agora, preciso que me tragam armas e munição. Tudo o que houver na casa e, por favor, façam Rosa parar de chorar.
Assim que Rosa se acalmou, ela e Maria foram apanhar o que Antonie pedira. Ao voltarem, traziam consigo armas suficientes para um pequeno exército.
- Alguém sabe atirar? - Antonie quis saber.
- Sei atirar - Maria informou -, embora não muito bem. Patricia também sabe. Só Rosa é que...
Enquanto Maria falava, Antonie voltou-se para Tillis, que se encontrava escondido atrás de um móvel maciço.
- Señor? - Antonie convocou-o.
- Não vou arriscar meu pescoço numa briga que não é minha - ele declarou.
- Vai, sim. - Antonie apontou a pistola para ele.
- Como é, vai cooperar ou...
- Como vai explicar para minha família que atirou em mim?
- Direi que você morreu em batalha. Que pena! - Antonie fingiu que chorava, o que o irritou. Ele, no entanto, não fez um único movimento para cooperar. Caminhando até o rapaz, Antonie arrancou das mãos dele o cigarro que ele acendia. - Escolha uma arma - ela ordenou por entre os dentes.
- Está bem. - Ele se rendeu. - Prefiro um rifle. Não sou muito bom com pistolas - justificou com voz trêmula.
- Patricia, você fica na janela de um dos quartos e Maria em outro - Antonie instruiu. - Quero que todos os lados da casa sejam vigiados para que nenhum desses malditos chegue até aqui. Señor Tillis, vigie os fundos. Rosa, leve munição para Pete e Jed. Ah, e fique pronta para ajudar se alguém se ferir.
Uma vez que os demais se haviam posicionado, Antonie retomou seu lugar, de frente para os inimigos. Eles estavam agindo com cautela, expondo-se ao ataque que partia da casa apenas quando essencial. Imaginou se eles desistiriam ou se o embate prosseguiria até que um dos grupos ficasse sem munição. Enquanto continuava disparando para persuadir os atacantes de que seria arriscado aproximar-se mais, ela rezava para que Royal e os outros voltassem para ajudá-los. Era a forma mais rápida e garantida de resolver o problema.
- Há alguma razão para você quase matar esse cavalo? - Royal perguntou, ao notar que o irmão exigia demais do animal.
- Ouvi o ruído de tiros vindo da direção do rancho - Justin respondeu.
- Tiros? Quantos? - Royal indagou enquanto disparava três vezes, sinal para que seus companheiros se juntassem a ele.
- Parece que está havendo uma guerra por lá - Justin falou, apreensivo.
Assim que todos estavam reunidos, dirigiram-se a galope para o rancho. Ao chegarem perto do rancho, diminuíram a velocidade. Royal enviou Cole à frente, para averiguar a situação.
- A coisa está feia por lá - informou Cole ao retornar. - Há uns vinte homens cercando o rancho, mas nossos homens estão dentro da casa. Pelo que pude perceber, estamos ganhando.
- Qual é a melhor maneira de lidar com eles, Cole? - Royal quis saber.
- Vamos na direção deles, atirando sempre. Os pistoleiros estão entre nós e a casa. Vamos nos aproximar por trás.
Sorrindo diante das vantajosas perspectivas, Royal deu aos homens o sinal para que atacassem.
- Señorita! Señorita! - Rosa gritou.
- Fique abaixada, mulher - disse Antonie. - Aqueles malditos estão fechando o cerco?
- Não vejo nenhum deles, mas vi um dos homens que estavam com o señor Royal. Estão vindo para nos salvar.
- Avise a todos, Rosa. Não queremos que nossos companheiros sejam atingidos. E mantenha a cabeça abaixada.
Assim que Royal e seus homens começaram a atirar, Antonie deu-se conta de que não haveria chance para os capangas de Raoul. Estavam sendo alvejados pelos dois grupos, e a maioria deles foi mortalmente atingida. Assim que o tiroteio se aquietou, as pessoas que estavam na casa se reuniram na sala de jantar.
Antonie sentiu-se levemente enciumada quando Royal entrou e dirigiu-se de imediato até a irmã, e em seguida até Maria. Porém, se tranquilizou quando ele procurou-a com o olhar e não a perdeu de vista enquanto se assegurava do bem-estar de todos. Sentada no beiral da janela, esperou por ele.
- Você está bem? - ele perguntou, agachado diante dela.
- Sí. Nenhum arranhãozinho, veja.
- Este aqui foi por um triz - Royal comentou, tocando-lhe a manga da camisa.
- Este aqui também - ela falou, tomando nas mãos o chapéu e introduzindo o dedo em um buraco de bala.
- Isso não tem graça - ele murmurou, abraçando-a e refletindo como ela estivera perto de ser atingida.
- Sei disso, querido. - Ela sorriu. - Este era meu chapéu preferido. - Ao ver que El Magnífico se aproximava dela, balançando o rabinho, ela riu, acariciando-lhe as orelhas. - Valentão! Não saiu de baixo da poltrona nem por um instante.
- Se tivesse sobrado espaço, Clem teria se escondido junto com ele - Patricia comentou, acercando-se deles.
- Isso não é justo - o rapaz resmungou. - Fiz minha parte.
- Sim, mas só depois que Antonie ameaçou atirar em você - Patricia lembrou.
- Você não tem mesmo um pingo de gratidão por mim - ele disse, indignado, antes de caminhar em direção à porta, seguido por Patricia.
- Ameaçou mesmo atirar nele? - Royal perguntou, ajudando-a a descer da janela e conduzindo-a até um sofá.
- Sí. Gracias , Maria - ela murmurou, ao aceitar o conhaque que a criada lhe oferecia. - Depois disso, ele ficou muito obediente.
- Posso imaginar. Eram os capangas de Raoul? - perguntou tanto para Antonie quanto para Tomás, que se aproximara.
- É possível - Tomás deu de ombros. - Não reconheci nenhum deles, mas poderiam ser assassinos de aluguel.
- Vamos levar os cadáveres e aqueles que conseguimos capturar até o xerife - Royal disse. - Quem sabe possamos conseguir algumas respostas interessantes.
Pouco depois da saída de Royal, Antonie voltou a montar guarda, embora não acreditasse na possibilidade de outro ataque tão cedo. Assim que todos retornaram, ela conseguiu relaxar. Depois de um jantar leve, recolheu-se ao quarto, onde tomou um banho quente, para depois atirar-se na cama. Adormeceu depressa, despertando apenas quando Royal deitou-se ao seu lado sob as cobertas, tomando-a nos braços.
- Não estou contribuindo para minimizar seus problemas, querido - ela murmurou, desapontada com o que considerava sua incapacidade para defender o rancho.
- Tolice. Estávamos perdendo antes de você chegar.
- E não estamos vencendo agora.
- Talvez ainda não, mas estamos nos defendendo bem e dificultando as coisas para eles.
- Concordo. As pessoas vão comentar que não somos presa fácil, assim que ficarem sabendo o que aconteceu aqui hoje. Quem quer que tenha mandado esses homens até o rancho, vai ter dificuldade em contratar outros. As coisas vão ficar mais difíceis para o maldito, mas não impossíveis.
- Sei disso. Seria ingênuo acreditar que seremos deixados em paz. A única maneira de pôr um ponto final a essas perturbações é descobrir quem está por trás desses assassinos.
- O xerife não descobriu nada?
- Não. Ele não conseguiu nem arrancar a verdade dos prisioneiros. Acho que nem eles sabem quem é que está por trás dos ataques. Pessoas disseram tê-los visto antes nas tavernas e bordéis da cidade, lugares onde esse tipo de gente pode ser encontrado. Eu não consigo compreender por que eles insistem em atacar o rancho, quando poderiam facilmente atingir os homens espalhados pela propriedade.
- Porque estão espalhados demais, e isso exigiria mais tempo. Talvez você ouvisse os tiros, e eles acabassem tendo de enfrentar muitos homens armados. Lá, todos estariam a descoberto, inclusive eles. Aqui eles sabiam que haveria menos gente, e a maioria mulheres. Acho que eles planejaram uma matança, talvez um incêndio. Se tivessem sido bem-sucedidos, você teria encontrado todos mortos e seu patrimônio destruído. Então decidiria que suas terras não valiam o preço de tantas vidas perdidas e desistiria delas. Fácil, não?
- Pois saiba que foi isso mesmo que eu imaginei que encontraria - Royal admitiu. - Tive muito medo por você.
- É bom saber - ela disse baixinho.
- Sim, é bom saber, mas...
- Sei cuidar de mim, Royal.
- Eu sei. Entrei aqui aflito para vê-la, e o fato é que você conseguiu lidar com a situação sem sentir medo.
- Eu senti medo. Não gosto de matanças. Sinto enjoo e suo muito.
- Pois não se nota.
- Juan me ensinou a manter as emoções sob controle até o perigo passar. Ele me dizia que eu poderia chorar, vomitar, ficar triste e tremer depois da batalha. Era a única maneira de sobreviver. Algum medo é positivo, pois nos ajuda a ser cautelosos. Porém, se você se deixa dominar pelo medo, vem o pânico. Então, você erra e acaba sendo atingido.
- É o que os policiais sempre dizem. Só um tolo não sente medo, mas o homem sábio administra esse medo. Acredito que Juan poderia ter sido um grande general.
- Sí. De certa forma, ele foi.
- Então, acha que eu não deveria me preocupar com você? - ele indagou, tocando-a de maneira sensual.
- O que disse é que não deveria ter medo, mas me agrada que você se preocupe comigo. É bom saber que você se importa.
- Acho que sou capaz de fazer mais umas coisinhas boas por você - ele disse, enquanto desabotoava a camisa que ela usava para dormir, cansado de pensar e falar em tantos problemas.
- Ah, querido, tenho certeza disso - ela murmurou, enlaçando-o pelo pescoço para beijá-lo.
Enquanto cumprimentava os recém-chegados à festa que oferecia no rancho, Royal perguntava-se por onde andaria Antonie. Minutos mais tarde, avistou-a sentada sobre a cerca da varanda, ao lado dos demais empregados.
Para sua surpresa, ela trajava um vestido típico das camponesas mexicanas. A parte superior era branca e enfeitada com rendas, a saia era vermelha, e ela usava um cinto negro. Embora simples, o tecido parecia de boa qualidade, e ela estava encantadora. Os cabelos loiros e ondulados ultrapassavam os quadris, e a parte da frente tinha sido puxada para trás e presa em duas trancas.
Contrariado por vê-la ao lado dos serviçais, dentre os quais havia vários jovens solteiros e de boa aparência, Royal decidiu que iria pedir-lhe que viesse participar da festa. Mal começara a caminhar até ela quando sentiu um braço feminino enlaçando o seu, numa atitude possessiva. Era Marilyn. Ele se viu forçado a não comparar o braço da jovem a uma algema, a fim de não perder a cortesia com que deveria receber os convidados.
Antonie viu que Marilyn segurava o braço de Royal e o levava para o centro da festa, e suspirou, frustrada. Tivera a tola esperança de que por alguma razão a mulher não viesse ao evento. Sentiu-se imediatamente tomada de ciúme. Sabia que Marilyn pertencia ao mundo dele, em nada semelhante ao meio em que ela crescera. Porém, parecia ter deixado o bom senso de lado e se via nutrindo sonhos, contra os quais desistira de lutar. Era tarde demais para isso. Não seria capaz de afastar-se de Royal sem que profundas cicatrizes lhe marcassem a alma. Como ele provavelmente sairia ileso, aquilo não parecia justo.
- Que cara amarrada, chica - Oro observou.
- Sua boca sorri, amigo, mas seus olhos mostram que está tão emburrado quanto eu.
- Consegue perceber, é? - Ele beijou-a no rosto.
- É algo difícil de esconder - ela comentou em espanhol, para garantir certa privacidade durante a conversa.
- Tem razão. Machuca fundo. É algo que acaba sendo parte de você, de seu sangue.
- Sí. Ela continua indo atrás de você?
- Ela diz que fala comigo só quando é necessário. Porém, essas ocasiões são mais frequentes do que deveriam ser. Ela me vigia, chica. Eu vejo e sinto, e preciso ser forte demais para não responder aos apelos dela. Tenho vontade de matar esses americanos que vêm cortejá-la. - Ele suspirou. - Esta noite ela se aproximou de mim duas vezes, e não havia razão alguma para que fizesse isso. Quanto mais ela se aproxima, mais difícil se torna ficar longe.
- Está olhando para mim como quem tem ideias na cabeça.
- É verdade... Acho que a chica se afastaria de vez se pensasse que há uma terceira pessoa entre mim e ela.
Imediatamente, Antonie compreendeu o que o amigo pretendia. Tinha consciência de que se aceitasse esse plano atrairia problemas para si. Por outro lado, isso não seria comparável ao que aconteceria ao amigo caso ele não resistisse a Patricia.
- Acho que tem razão - ela respondeu. - A menina é tão orgulhosa quanto os irmãos. Além disso, é ingênua e não saberia enfrentar outra mulher.
- Mas, querida, tem de pensar nos problemas que você teria.
- Nada que pudesse acabar em tiro, forca ou espancamento.
- Mas que poderia lhe causar sofrimento, e não quero ver você sofrer - Oro observou.
- Não seria uma dor que poderia me matar. Além disso, não é um sofrimento que eu ainda seja capaz de evitar. - Ela fitou Royal, que dançava com Marilyn. - Ali está a prova de que não sou mais do que um passatempo temporário. Ali está o mundo dele, do qual eu não faço parte.
- Acha que ele ainda está pensando em se casar com aquela mulher?
- Talvez não com ela, mas com alguém como ela: uma jovem americana criada num mundo americano. O sangue que corre nas minhas veias é Neumann, mas sou a filha de Juan Ramirez em todos os outros aspectos. Acho que Royal não se esquece disso nem mesmo quando se deita comigo.
- Mas ele é bom para você - Oro comentou.
- Ah, sim. Ele é amável, bom amante e até mesmo amigo. Ele não procura esconder o que existe entre nós. Não é uma relação clandestina e acredito que eu não seja motivo de vergonha para ele. Ele confia em mim e acho que vai acreditar quando eu disser que você e eu não somos amantes.
Ela gostaria de se sentir tão confiante quanto demonstrava. Royal era possessivo. Os olhos dele lhe diriam que estava dividindo uma mulher com outro homem. Ela estaria pedindo que ele ignorasse algo para o que não haveria justificativa.
Por um instante, permitiu-se ter raiva de Patricia. Se não fosse pela teimosia dela, ninguém precisaria sofrer. No entanto, passado aquele instante, viu-se forçada a reconhecer que a moça não era experiente e que os sentimentos que dizia ter por Oro eram provavelmente verdadeiros. Além disso, ela era inocente demais. O preconceito, para ser entendido, tinha que ser sentido na pele, pois era algo que não cabia em palavras.
Quando Jed Thayer tirou-a para dançar, Antonie aceitou o convite com entusiasmo. Estava cansada de seus pensamentos sombrios. Decidiu que desfrutaria da alegria da festa, deixando de lado suas preocupações, ao menos por alguns instantes.
- Onde está Antonie? - Cole perguntou a Royal, assim que se aproximou do irmão e de Marilyn.
- Com os empregados.
- O que ela está fazendo lá? - o irmão quis saber.
- Por que ela não deveria estar com o resto da criadagem? - Marilyn indagou. - Ela e os dois mestiços são contratados para trabalhar, não?
- Eu os pago, é verdade - Royal disse com voz controlada -, mas eles jamais pediram isso. Vieram para cá sem serem chamados, a fim de me advertir e me ajudar.
- É muita bondade da parte deles, mas quando falou em dinheiro aposto que não rejeitaram - Marilyn respondeu.
- Antonie fica muito bonita de vestido - Cole observou. - Quer que eu vá buscá-la para juntar-se a nós?
- Acho que não deveria fazer isso, Cole - Marilyn tornou a intrometer-se.
- Por que não?
- Acho que ela iria se sentir deslocada. Está com gente igual a ela, como gostaria de estar.
- Muito bem, então eu irei ficar com ela - Cole decidiu.
Royal teve de se esforçar muito para não segui-lo. Porém, infelizmente havia muitos convidados, e ele devia bancar o anfitrião simpático, o que significava que teria de tolerar a companhia de Marilyn até o fim da festa. De repente, ele se deu conta do quanto a presença dela o contrariava. Os preconceitos enraizados, que ele sempre lutara para ignorar, agora o enfureciam. As atitudes dela não eram mais algo a ser tolerado, mas algo que ele abominava.
Casar-se com Marilyn estava fora de questão. Precisava encontrar uma maneira de esclarecer-lhe isso. Aparentemente, o fato de ter uma amante bem debaixo do nariz dela nada significava. Talvez precisasse ser rude ou até mesmo desagradável para fazê-la entender.
Com o passar da noite, seu humor foi piorando.
Era difícil ficar ali de braços cruzados, enquanto Antonie dançava e se divertia com os empregados do rancho. Mas o que particularmente o irritava era a maneira como ela e Oro estavam se comportando. Havia um ar de romance e intimidade entre os dois. Desde que Antonie e ele tinham passado a dormir juntos, ele parara de se preocupar com os gêmeos. Compreendia que eles eram como irmãos para ela. Todavia, começava a se perguntar que tipo de jogo estava se desenrolando entre ela e Oro, sem conseguir respostas. Sendo o anfitrião, estava de mãos atadas, nada podendo fazer para descobrir o que de fato acontecia. Começava a amaldiçoar o momento em que decidira dar aquela festa.
Ainda rindo e dançando até quase perder o fôlego, Antonie aceitou o copo de refresco gelado que Cole lhe oferecia. A expressão grave nos olhos do rapaz dava a entender que ele já notara que algo estava acontecendo entre ela e Oro. Sabia que Patricia também já percebera.
- Por que não está com os convidados? - Antonie perguntou a Cole.
- Eu é que lhe pergunto. Por que não está com os outros?
- Aquela gente não é para mim - ela respondeu. - Uma fiesta serve para a gente se divertir, não? Se eu me juntasse aos convidados, acabaria encontrando razões para ficar zangada.
- Provavelmente. - Ele encarou-a. - Qual é o seu jogo, Antonie?
- Jogo?
- Não banque a tola, por favor. Sei que é bastante inteligente.
- Talvez eu não esteja compreendendo o que quer dizer...
- Então vou ser mais claro. Você pertence a Royal - Cole afirmou.
- Não pertenço a homem algum. Pertenço a Antonie Neumann Ramirez e somente a ela. Posso me doar por alguns momentos, mas nunca serei propriedade de quem quer que seja.
- Muito bem, talvez eu tenha me expressado mal. Você é amante de Royal. Melhor assim?
- Melhor.
- Ótimo - ele disse com sarcasmo. - Você confirma ser a amante de Royal e, no entanto, passou a noite inteira pendurada em Oro. E ele está tirando vantagem dessa proximidade, se é que me entende. O que está pretendendo, Toni?
- Estou apenas me divertindo.
- Eu não sou cego.
- Pode ser, mas acho que não está vendo as coisas com clareza. Eu tenho um amante apenas. Não preciso nem quero outro homem que não Royal.
- Está bem. Acredito em você.
- Gracias , embora esse assunto não lhe diga respeito.
- Acha mesmo? Vamos partir em uma longa viagem depois de amanhã. Além dos problemas costumeiros, corremos o risco de ser ameaçados por Raoul e os assassinos de aluguel que trabalham com ele. Tudo de que não precisamos agora é um triângulo amoroso. Se Royal se meter numa encrenca dessas, eu vou ter que liderar essa viagem, e não quero isso. Portanto, me arrisco a meter o nariz em assuntos que não me dizem respeito, se o objetivo for me livrar desse tipo de responsabilidade.
- Não há triângulo amoroso algum.
- Então procure não ficar tão perto de Oro.
- Ficarei perto de Oro, se eu quiser. Depois direi a Royal o mesmo que disse a você.
- É mesmo, querida? - Cole indagou, irônico. - Eu não sou seu amante e posso ser complacente, mas é bem possível que Royal tenha dúvidas.
- Problema dele.
Antonie afastou-se de Cole, cansada de falar sobre aquele assunto. Não queria ceder à tentação de ser sincera com ele, o que só causaria problemas piores. Sentiu-se aliviada ao ver que ele retornara para junto de Royal e seus convidados.
Depois de algumas danças irlandesas com os irmãos O'Malley e de uma coreografia espanhola sensual e cansativa ao lado de Oro, Antonie decidiu dar repouso aos pés.
Afastando-se, sentou-se sob uma frondosa árvore e tirou os sapatos. Alguns minutos mais tarde, percebeu que uma mulher de vestido cor de lavanda se aproximava. Ergueu a cabeça para encontrar os olhos frios de Marilyn.
- Percebo que não deu ouvidos àquela nossa conversinha - a jovem começou.
- Era para dar ouvidos àquela tolice?
- Claro que sim, pelo simples fato de que não era tolice. Compreendo que Royal queira aproveitar seus últimos tempos de solteiro com envolvimentos casuais. Você deve saber melhor do que eu como são os homens, não? - Ela sorriu com sarcasmo. - No entanto, essa brincadeirinha de vocês já está indo longe demais.
- Acho que não é você quem deve decidir isso - Antonie revidou.
- Está enganada. Afinal, sou a noiva de Royal.
- Ele a pediu em casamento, é? - Antonie mal podia conter o desejo de arrancar cada fio dos cabelos ruivos dos quais Marilyn tanto se orgulhava.
- Estamos noivos há meses, queridinha. Se ele não lhe contou é porque está apenas usando você.
- Já pensou na possibilidade de eu estar usando Royal, señorita?
- Não me interessa. O importante é que está na hora de acabar com essa brincadeira.
- Está me ameaçando?
- Estou, e seria bastante sensato que levasse isso a sério - Marilyn murmurou, antes de afastar-se apressadamente.
Ao ficar só, Antonie respirou fundo a fim de controlar a fúria que aquela mulher despertava nela, embora não acreditasse no que a moça dissera sobre estar noiva de Royal. Ao sentir-se melhor, voltou a juntar-se ao grupo de empregados do rancho. Mal havia se aproximado quando Justin surgiu ao seu lado.
- Quero dançar com você, e imaginei que para ter uma chance teria que furar a fila - ele disse.
- Tem certeza? - ela perguntou, enquanto olhava de esguelha para a mocinha morena em quem Justin parecia interessado. - Não gostaria de estragar seu romance.
- Fale baixo, mulher! - o rapaz advertiu, o rosto rubro.
Uma dança bastou para provar a Justin que não era fácil tê-la como parceira. Os dois riam a valer, ao observar os homens que dançavam juntos por falta de damas; os que faziam as vezes da parceira feminina usavam um lenço amarrado ao braço. Ao final da música, os dois estavam sem fôlego de tanto caçoar dos outros.
- Saia daqui, Jed - Justin falou, assim que o rapaz se aproximou na esperança de dançar com Antonie. - Quero conversar um pouco com ela.
- Tomás - Jed chamou, enquanto se afastava -, você vai ser a dama desta vez.
- Oh, señor! - Tomás exclamou em voz alta. - Não posso. Ainda não fomos devidamente apresentados.
- Tomás está muito alegre - Justin observou.
- Ele está muito bêbado - Antonie corrigiu, rindo. - Quer falar comigo?
- Vi Marilyn importunando você e gostaria de lhe pedir que não desse importância às coisas que ela diz. Ela é muito aborrecida.
- E pode vir a ser sua cunhada, amigo. - Ela sorriu, satisfeita ao notar que Justin se preocupava com ela.
- Acho que não. Independentemente do que acontecer entre vocês, sei que ajudou Royal a enxergar Marilyn como ela é de verdade.
- Ele sabe que você não gosta dela?
- Eu nunca lhe disse nada, e nem sei exatamente por que não gosto dela. Marilyn nunca me fez nada. Ela é muito preconceituosa, mas isso muita gente nesta região também é. Eu nunca ignorei isso, como Royal costumava fazer. Mas as coisas mudaram. Meu irmão conseguiu enxergá-la e não consegue mais tolerá-la.
- Tem certeza?
- Sim. Vi quando Tomás se aproximou dos outros convidados, brincando com Cole, como sempre fazem. Marilyn fez algum comentário desagradável, sobre o "mestiço" não reconhecer seu lugar, e Royal lhe disse para deixar de ser estúpida.
- Estou surpresa por ela continuar ao lado dele.
- Ela está determinada a não permitir que ele se aproxime de você, o que está deixando Royal de péssimo humor.
Antonie já tinha se dado conta de que ele estava contrariado, pela maneira como o surpreendera olhando para onde ela estava com os outros empregados. No entanto, não acreditava que esse mau humor se devesse apenas à atitude de Marilyn. Ela notara que ele não parecia nada satisfeito em vê-la com Oro e acreditava que a atitude dos dois o estava enfurecendo. Tinha certeza de que não sairia incólume daquela situação.
- Há outra coisa a respeito de Marilyn que sempre me desagradou - Justin prosseguiu. - Não é nada sério, mas o fato é que ela nunca ri. É claro que distribui alguns sorrisinhos sociais, mas nunca a vi rir de verdade.
- Não acho que isso seja de pouca importância. Aquilo que faz uma pessoa rir é tão importante quanto aquilo de que ela não acha graça. Posso lhe dizer muito a respeito do que essa moça carrega no coração. Uma pessoa que não ri? - Balançou a cabeça. - É alguém que se deve observar com atenção.
- Bem, acho que vou voltar para junto de Betty - Justin decidiu. - Clem a está rondando.
- É bom ir depressa. Aquele rapaz tem muitos dedos e nenhuma coragem.
- Antes, há algo que eu gostaria de lhe dizer. O que quer que venha a acontecer entre você e meu irmão, espero que possamos continuar amigos.
- Claro, isso nada tem a ver com a nossa amizade - Antonie garantiu, beijando-o no rosto. - Nossa amizade é para sempre.
Ela se sentiu bem ao saber que pelo menos um dos Bancroft se aproximara dela por carinho. No entanto, acreditava que aquele sentimento seria posto à prova muito em breve.
- Como você pôde fazer isso comigo? - Patricia perguntou.
Antonie aborreceu-se por ter de confrontar a garota quando faltava tão pouco tempo para o fim da festa.
- O que eu fiz, chica? Você esteve sumida a noite inteira, não?
- Sabe muito bem que eu estou falando sobre você e Oro. Você tem Royal, Antonie. Para que precisa de Oro?
- Sempre vou precisar dele.
- Mas você sabe que eu o quero para mim. Já era ruim o bastante ter que vê-lo ir correndo para a cidade atrás de algum rabo-de-saia. Será que também vou ter de ficar vendo vocês dois juntos todos os dias?
- Ora, não olhe!
Patricia irrompeu em lágrimas e afastou-se, indo na direção da casa. Antonie já estava farta de fazê-la chorar. Gostaria sinceramente que houvesse outra maneira de mantê-la longe de Oro.
Pouco depois, ela se deparou com uma zangada Maria.
- O que você fez com Patricia?
- Ay, Dios mio! Não fiz nada.
- Então por que ela voltou para casa chorando e se atirou na cama inconsolável? - ela insistiu.
Após observá-la por alguns instantes, Antonie deu-se conta de que Maria poderia ser uma poderosa aliada. Ela era mexicana. Tinha certo conforto na casa dos Bancroft, mas já devia ter experimentado o sabor amargo do preconceito. Ela entenderia o que estava acontecendo.
- Patricia está apaixonada por Oro - Antonie revelou.
- Madre de Dios! - Maria exclamou, horrorizada. - Se aquele rapaz tocar Patricia, é um homem morto.
- Eu tentei avisar, mas ela não quer me ouvir. Diz que seus irmãos não são preconceituosos.
- Eu nunca percebi preconceito neles, mas Patricia é sua única irmã. Pelo que tenho visto, eles consideram Oro um bom rapaz. Mas ele tem sangue Yaqui e o pai dele era um pistoleiro. Muitas coisas que os americanos detestam em uma pessoa só. Tem razão, chica, isso seria pedir demais.
- E mesmo que não fosse, há os vizinhos, as pessoas da cidade. Não conversariam mais com Patricia se ela se ligasse a Oro. Isso poderia trazer problemas aos irmãos dela também por terem concordado com uma ligação dessa natureza. Já conversei com ela, e Oro tem feito o possível para afastá-la, mas...
- E agora vocês estão querendo dar a ela a impressão de que há uma terceira pessoa entre os dois. Compreendo. Está se colocando numa posição muito ruim, chica.
- Melhor do que ver Oro enforcado em alguma árvore.
- O rapaz gosta dela?
- Muito. Ele está sofrendo, mas acho que Patricia não percebe isso. Oro tem consciência de todos os problemas que enfrentaria e tem procurado se afastar, mas ela não desiste.
- Vou conversar com ela - Maria decidiu.
- Por favor, faça isso. Patricia é muito jovem e não conhece a maldade do mundo.
- É uma pena... Eles teriam filhos lindos.
- Maria, não conte a Patricia sobre os sentimentos de Oro.
- Não, não vou contar. Isso só traria problemas. Fique tranquila.
Quando terminaram a conversa, Antonie resolveu tomar mais um drinque. Riu ao avistar Tomás, que vinha, com passos lentos, em sua direção. Era curioso como o amigo tomava cuidado para andar e falar quando bebia demais.
- Estou bêbado - ele anunciou, ao recostar-se a uma árvore.
- Eu percebi. Não acha que está na hora de ir para a cama?
- Acho que você e Oro vão precisar me ajudar a subir. Pelo menos amanhã teremos um dia de descanso antes da viagem. Mas diga-me, a niña Bancroft andou dando trabalho?
- Um pouco. Contei a Maria o que está acontecendo, e ela prometeu tentar fazer a menina entender os problemas que pode causar.
- Eu tenho me perguntado como Royal está encarando o que você e Oro estão fazendo. Ele a vigia o tempo todo.
- Eu sei disso. Vou dizer a ele que não existe nada entre nós. Espero que ele acredite. Do contrário - ela deu de ombros -, o relacionamento entre mim e Royal pode acabar. Não quero ficar sofrendo por antecipação.
- Acho que ele vai falar com você esta noite - Tomás disse, colocando o braço em torno dos ombros de Antonie.
- Eu também acho. E você está ficando pesado, amigo.
- Não consigo me lembrar de como ficar em pé.
Antonie passou o braço pela cintura de Tomás e fez um sinal para que Oro a ajudasse. Após ter se despedido dos demais companheiros, os três se dirigiram para a casa.
Ao chegarem ao quarto, colocaram Tomás na cama, e logo Oro deixou-se cair sobre a dele. Antonie ajudou-os a se livrar das roupas e das botas.
- Que dupla vocês fazem - ela comentou.
- Está mais sóbria do que nós, querida?
- Não estou tão ruim quanto vocês.
- Quero ficar mal amanhã, Antonie - Oro disse. - Assim não terei que pensar em nada, nem em ninguém.
- Sinto muito, amigo.
- Eu é que sinto por ter criado uma situação ruim para você. Não quero que tenha problemas, mas não sei o que mais posso fazer.
- Agora não adianta pensar. Seu cérebro está morto.
- Quisera meu coração estivesse morto também. Quem sabe em breve?
- Nada disso. Você vai ver como esse coração vai sarar logo.
- Vai ser o mesmo com você?
- Sei que vai doer, mas acho que valerá a pena enquanto durar. Sempre soube que poderia me magoar, mas fui tola o bastante para imaginar que meu coração não ficaria comprometido. - Ela suspirou. - Ainda assim, acredito que minha situação seja melhor do que a sua. Meu relacionamento com Royal pode acabar, mas o seu não pode nem sequer começar... Bem, agora trate de dormir. Está bêbado demais.
- Tem razão - Oro murmurou, sonolento. - Durma bem, querida.
Fitando o amigo adormecido, ela pensou no quanto era injusto que alguém fosse julgado por sua origem. Sem fazer ruído, saiu do quarto e fechou a porta. Ao voltar-se, viu Royal, que caminhava em sua direção e não parecia de bom humor.
Segurando-a pelo pulso, Royal a conduziu até seu próprio quarto de uma maneira não muito gentil. Antonie estava tão bonita e sensual e, no entanto, ele não tivera a oportunidade de dançar uma única vez com ela. Todos os outros rapazes o tinham feito, até mesmo Cole e Justin. Fechando a porta, ele a encarou.
Planejara dizer-lhe muitas coisas, mas ao contemplá-la, com os cabelos soltos e os seios realçados pela renda branca, decidiu que a conversa poderia esperar. O desejo por ela crescera a cada vez que a olhara durante a festa. Seus demais sentimentos não importavam por ora.
- Acho que você está bêbada, Antonie - ele comentou ao tomá-la nos braços, notando o rubor das faces e o brilho dos olhos.
- Acho que estou um pouco, sim.
- Estava linda esta noite - ele disse, começando a desabotoar-lhe o vestido.
- Você já se cansou do meu vestido?
- Muito. Passei metade da noite pensando em sua beleza arrebatadora por baixo desta roupa. - Ele despiu-a, fazendo-a gemer ao tomar-lhe os seios nas mãos.
- E a outra metade da noite? - ela perguntou.
- Passei pensando no que iria fazer com você assim que ficássemos a sós.
- E agora você vai fazer tudo o que imaginou?
- Tudinho.
Antonie mergulhou os dedos nos cabelos de Royal, enquanto ele a beijava. A paixão não deixou lugar para qualquer outro pensamento, e ela se sentiu grata por poder esquecer o resto do mundo. Se o que havia entre eles acabasse logo, pelo menos guardaria aqueles momentos.
Royal fez com que ela se sentasse na cama e removeu seus sapatos e as meias de seda. Ela retirou-lhe a camisa e acariciou as costas fortes. Ainda de joelhos, ele tomou um dos mamilos entre os lábios, sugando-o com gentileza, para depois fazer o mesmo com o outro. Em seguida, deixou uma trilha de beijos em seu corpo até chegar ao ventre. Afastando suas pernas, deslizou os lábios pela parte interna das coxas até tocar a feminilidade úmida e quente. Ignorando seu tímido protesto, Royal segurou-a pelos quadris, mantendo-a no lugar, e continuou a exploração sensual, enlouquecendo-a de prazer. Ela então gritou, sentindo os deliciosos espasmos que a percorriam.
Ele penetrou-a, movimentando-se com ímpeto, intensificando o prazer que ela sentia até também atingir o clímax.
Assim que se largou sobre a cama, com a respiração ainda ofegante, Royal disse a si mesmo que tudo o que queria era dormir abraçado a Antonie. No entanto, pensamentos perturbadores rondavam-lhe a mente, ameaçando aquele instante de paz após a euforia do sexo. Embora soubesse que ela não mantinha uma relação íntima com Oro, observara o comportamento de ambos durante a festa e não gostara do que havia visto.
- Você é minha, Antonie - ele disse.
Ela se sentou na cama para encará-lo. Notara a raiva e a ameaça nas palavras dele. O período de trégua tinha terminado. Embora amedrontada com a possibilidade de um rompimento, não podia negar que uma parte perversa de sua personalidade apreciava o fato de Royal não ser capaz de conter o ciúme que sentia dela.
- Estive observando você e Oro esta noite.
- Quer dizer que Marilyn não foi capaz de mantê-lo entretido?
- Deixe-a fora disso. Quero saber o que está acontecendo entre você e aquele rapaz.
- Estávamos numa festa e queríamos celebrar.
- O que notei entre vocês ia além de mera celebração. Você é minha, Antonie, e não estou disposto a dividi-la com quem quer que seja.
- Não está me dividindo com ninguém.
- Raios, Antonie! Não sou tolo. Vi a maneira como se comportaram esta noite.
Era óbvio que Royal não acreditaria nela. Saindo da cama, Antonie apanhou as roupas e começou a se vestir rapidamente. Estava consciente de que feria mais a si própria do que a ele, mas precisava deixar a cama daquele homem que a via como mentirosa.
- O que está fazendo? - Royal indagou, levantando-se e segurando-a pelo pulso.
- Estou indo para o meu quarto e para a minha cama. Sozinha. - Ela soltou-se das mãos dele.
- Espere um pouco. Vamos conversar.
- Não, Royal. Você diz algo e quando lhe asseguro que não é verdade, você simplesmente não aceita. Não está sendo razoável.
- Por Deus, Antonie, o que há de não razoável no fato de um homem não querer dividir sua mulher com outro?
- Eu já disse que você não está me dividindo com ninguém.
- Não sou cego.
- Você não está enxergando as coisas com clareza. - Ela o encarou. - Oro não é meu amante.
- Talvez ainda não seja, mas...
- Guarde seus "mas" para si mesmo.
- Antonie, volte aqui.
- Não vou me deitar com um homem que me considera mentirosa. - Ela saiu do quarto e fechou a porta.
Royal praguejou. Tinha feito tudo errado. Aquele ciúme cheio de ressentimento não era a maneira de manter Antonie ao seu lado. Por um instante, considerou a possibilidade de segui-la, mas concluiu que o momento não seria adequado para uma conversa. Estavam ambos zangados e acabariam brigando. Melhor seria esperar até que os ânimos se acalmassem.
Em dois dias, partiriam em uma longa viagem na qual não haveria muitas ocasiões para que Antonie e Oro tivessem intimidados. De qualquer modo, ele ficaria atento para impedir que eles se aproximassem muito.
Subitamente, Royal sentiu que sua cama se tornara fria e vazia.
Ao chegar ao quarto, Antonie atirou-se na cama e permitiu-se extravasar a dor que carregava no coração num choro sentido.
Ainda chorava quando percebeu que não estava sozinha. Voltando-se, ela viu que Maria estava no quarto, com um bule nas mãos. Aproximando-se em silêncio, ela serviu uma xícara de chá aromático e quente, que colocou sobre a mesinha-de-cabeceira.
- Beba, chica, vai lhe fazer bem - ela aconselhou.
Sentando-se na cama, Antonie apanhou a xícara e bebeu.
- É gostoso este chá - ela comentou.
- Coloquei algumas ervas nele. Vai ajudá-la a se acalmar e dormir. Dei um pouco a Patricia também.
- Ela estava muito nervosa?
- Sí, pobrezinha. Você tem razão, ela não entende. A chica não acha que estamos mentindo, mas que estamos erradas. Ela é jovem e está apaixonada. - Ela calou-se por um momento. - E você? Ama o senor Royal?
- Isso não tem importância. Olhei nos olhos dele e afirmei que não há nada entre mim e Oro, mas ele não quis me dar ouvidos.
- Ele está zangado. Quando a raiva passar, ele vai pensar com mais clareza e vai ouvir o que você tem a dizer.
- Talvez. Mas não voltarei para Royal enquanto ele achar que estou mentindo. Peço pouco dele, Maria, mas tem que haver confiança entre nós. - Entregou a Maria a xícara vazia. - Obrigada. O chá foi mesmo bom. Acho que vou conseguir dormir.
Maria caminhou até a porta, mas antes de sair voltou-se e disse:
- Pensei em não lhe contar, mas você vai ficar sabendo pela manhã de qualquer modo. Patricia decidiu ir à viagem.
- Dios mio. Acha que vão permitir que ela vá?
- Talvez. Depois que o rancho foi atacado, os irmãos acham que Patricia está tão segura lá fora quanto aqui dentro. Além disso, o señor Royal tem dito a ela que está na hora de aprender mais sobre como administrar um rancho, criar e vender gado. Vai ser difícil convencê-la a não ir. - Ela suspirou. - Buenas noches, Antonie.
- Buenas noches, Maria.
Assim que ela se retirou, Antonie lavou-se e se preparou para dormir. Caso Patricia os acompanhasse, ela teria de continuar com aquela tola encenação. Esperava que os irmãos dissuadissem a jovem de ir. Nesse caso, vendo que nada mais se passava entre ela e Oro, Royal perceberia que não havia razão para ciúme, e poderiam se reconciliar
Deitando-se, Antonie voltou a sentir um aperto na garganta e uma forte vontade de chorar. Se pudesse, partiria dali na manhã seguinte. Porém, fizera uma promessa a Juan Ramirez e a manteria a qualquer custo. No momento, tinha apenas uma enorme dificuldade de aceitar que passaria os próximos meses ao lado de Royal, mas estaria longe dele.
Ao sentir os efeitos do chá, que a deixavam sonolenta, decidiu se render, imaginando se Maria não conheceria uma poção que curasse os males de um coração apaixonado.
- O que está achando de uma viagem para conduzir o gado? - Cole indagou, enquanto cavalgava ao lado de Antonie.
- Faz a gente sentir um calor insuportável, é aborrecida, deixa todo mundo empoeirado, sujo, cheio de coceiras, fedorento e é muito aborrecida.
- Você disse "aborrecida" duas vezes. - Cole riu.
- E poderia dizer uma terceira vez. Quanto a deixar todo mundo sujo e empoeirado, pode contar cinco vezes.
- É a primeira vez que participo. No entanto, estou satisfeito por ter vindo, a despeito dos problemas que andamos enfrentando: perdemos vinte cabeças de gado, um de nossos empregados foi morto e outro ferido.
- E não se esqueça, Cole - ela olhou para o horizonte - de que Raoul está em algum lugar. Ele vai ficar o tempo todo em nossos calcanhares. Temos que ficar cada vez mais vigilantes. O problema é que com o tempo ficaremos cansados. Em breve, muito em breve, ele atacará.
- Então a tática é deixar-nos cansados para que nos transformemos em presas fáceis?
- Sim. Ele prefere a presa mais fatigada do que ele, para que possa estar certo da vitória. Raoul Mendez virá e precisamos estar preparados.
- Talvez você deva voltar para casa - Cole ponderou. - Não é seu rancho nem seu gado. Por que arriscar a pele?
- Prometi a Juan que faria com que Royal mantivesse as terras. Juan sabia que Raoul estava por trás dos ataques ao rancho. Portanto, acho que minha promessa inclui eliminar aquele porco.
- Um ódio antigo?
- Muito antigo. Juan e Mendez nasceram na mesma aldeia. Aquele cachorro violentou e matou a irmã de Juan. Foi pouco antes de ele ter me encontrado.
- Acha que ele decidiu cuidar de você para preencher a ausência da irmã?
- Perguntei-lhe isso, mas ele negou. Disse que a irmã dele era gorda, de pele escura e obediente demais. - Ela riu.
- Ele tinha razão. Não há qualquer semelhança entre vocês. - O semblante de Cole se tornou sério.
- Acha mesmo que ele queria que você pusesse um fim à carreira de Raoul?
- À vida dele? Sí. Mas, de qualquer modo, não tenho escolha. Raoul Mendez quer que eu morra também.
- Você está com um bocado de problemas... Aliás, falando em problemas, o que está acontecendo entre você e Royal?
- Nada.
- E por causa de "nada" que ele vive reclamando? Meu irmão está num péssimo humor e anda difícil com todo mundo. Pensei que fosse dizer a ele que não existe nada entre você e Oro.
- Eu disse, mas ele não acreditou.
- E por essa razão você o deixou. Bem, não se deita mais com ele.
- Não me deitaria com um homem que me considera mentirosa.
- Mas, Antonie...
- Não adianta tentar me convencer. Não vou ficar com alguém que não confia em mim e ponto final.
- Não vou insistir agora, porque não há mais tempo. Aí vem Royal.
Antonie afastou-se de Cole e cavalgou até ficar ao lado de Patricia. A jovem era, via de regra, uma companhia entediante, mas permanecer ao lado dela era mais fácil do que brigar com Royal, sobretudo depois de ele ter passado dias fazendo insinuações desagradáveis.
- Você fez Antonie ir embora de novo - Cole observou, assim que o irmão passou a cavalgar a seu lado.
- Ninguém tem o poder de fazer com que Antonie faça algo que não quer.
- Ela vive fugindo de você, talvez pelas coisas pouco agradáveis que tem insinuado sempre que ela está por perto.
- Ora, cale-se! - Royal exclamou, mal-humorado.
- Ouça, Royal, sua vida pessoal é problema seu... mas está tornando as coisas mais difíceis para todo mundo. Antonie e os gêmeos vieram nos ajudar de livre e espontânea vontade. Devemos a eles as vidas de Patricia e Justin. Aliás, lhes devemos a vida de Patricia duas vezes, porque Antonie e Tomás defenderam o rancho daquele ataque. Os homens que trabalham para nós são bons, mas sabem como lidar com gado, não com armas. Antonie é muito mais hábil do que qualquer um deles. Precisamos dos três, e eles só têm nos ajudado. E você retribui todo o bem que ela nos tem feito com sarcasmo. - Cole tocou-o no braço. - Qualquer tolo percebe que há um problema entre você e ela. Resolva isso, Royal, ou então desista de Antonie de uma vez. Estamos lutando por nossas vidas aqui, e esses problemas pessoais perdem a razão de ser diante disso. - Calando-se, Cole afastou-se do irmão.
Praguejando repetidas vezes, Royal viu-se forçado a admitir que Cole estava certo. Tudo que seu pai lutara para construir estava em risco. Não era o momento para deixar que o ciúme interferisse no que tinham a fazer. Era necessário manter o foco para resolver os problemas.
Contudo, era mais fácil falar do que fazer. Cada vez que Oro se aproximava de Antonie e a tocava casualmente, Royal sentia o sangue ferver nas veias. O único ponto positivo da situação em que se encontravam era que os dois não poderiam se tornar amantes. Não teriam ocasião nem lugar para isso.
Talvez fosse melhor que ele e Antonie estivessem estremecidos, Royal pensou. Seria um suplício ficar ao lado dela, vê-la a todo instante, e não poder fazer amor com ela. Ele ficaria impaciente, procuraria um lugar para ficar a sós com ela e acabaria por colocá-los em perigo. Não era prudente isolar-se dos demais.
Raoul Mendez estava à espreita de qualquer pessoa ou animal que se desgarrasse do grupo. O mandante dos ataques daquele homem devia estar lhe pagando muito bem para que ele se afastasse tanto da fronteira com o México. A cada quilômetro que o homem os perseguia, sua chance de fuga se tornava praticamente nula. Mas quem estaria pagando o bastardo?
Ao notar que Royal se aproximava dela, assim que tinham acampado para a noite, Antonie concluiu que não haveria como se evitarem num espaço tão limitado. Tentar fazer isso pareceria artificial e ridículo.
- Tomás encontrou um pequeno lago, num lugar discreto, onde você e Patricia podem tomar um banho, se quiserem - ele anunciou em um tom amável.
- Um banho de corpo inteiro, com sabonete e tudo... - Colocou-se em pé, animada. - Por Dios, parece um sonho. - Ela correu para chamar Patricia.
Quando Antonie agia daquela maneira tão feminina, Royal sentia-se mais confiante para lidar com ela. Era como qualquer outra mulher que ele conhecera. Não que ele tivesse qualquer dúvida quanto à feminilidade dela, mas ela tinha uma maneira diferente de ser, que o deixava muitas vezes sem saber o que fazer ou dizer.
Aqueles pensamentos deixaram sua mente assim que avistou Antonie e Patricia caminhando em sua direção, com roupas limpas e acessórios de toalete nas mãos.
- Venham, vou mostrar-lhes onde fica o lago - ele disse. - Vocês terão privacidade, e eu montarei guarda.
De início, Royal contemplara a ideia de transferir a tarefa para outra pessoa. Mas Cole e Justin já haviam se recolhido, e ele não confiaria em ninguém mais. Era difícil ficar ali, encostado na árvore, voltado para o acampamento, quando sabia que Antonie estaria nua naquelas águas. O jeito era respirar fundo e esquecer o que se passava atrás daquela vegetação.
A água estava fria, mas para Antonie a oportunidade de ficar com o corpo inteiro imerso enquanto se esfregava e lavava os cabelos era um luxo. Provavelmente não voltaria a ter uma oportunidade como aquela tão cedo.
- Posso entender por que Oro deseja você - Patricia comentou. - Assim como Royal e provavelmente todos os homens por aqui.
- Você é uma boba - Antonie disse, ao perceber o tom petulante de Patricia.
- Não sou, não. Agora você descartou Royal para ficar com Oro. Você usou meu irmão.
- Não usei Royal - ela afirmou, vendo Patricia sair da água.
- Você estava com ele o tempo todo, até que resolveu pôr seus olhos em Oro e jogou meu irmão fora - a garota insistiu, enquanto enxugava o corpo com movimentos nervosos e se vestia.
- A razão pela qual não estou com Royal não é da sua conta, chica, mas repito que nunca usei seu irmão. Se tem de culpar alguém, culpe Royal. Ele me tomou como amante e não escondeu o fato de ninguém. Isso me deixou marcada. O que ele me deu em troca da minha inocência e de tantas outras coisas que fiz por ele? Paixão, nada mais do que isso. Nenhuma palavra de amor, nenhuma promessa de futuro. Agora diga, quem USOU quem?
Patricia não respondeu. Depois de colocar a roupa suja de molho no balde que trouxera com ela, saiu dali sem uma única palavra.
Antonie ainda estava irritada quando enxaguou o corpo e os cabelos e saiu da água. Droga, aquela menina quase tinha conseguido acabar com o prazer de seu banho!
Enquanto vestia as peças íntimas, ela sentiu os pelos da nuca arrepiar. Avistando a faca, preparou-se para apanhá-la, mas um pé calçando uma bota grosseira alcançou-a mais depressa. Ela tentou chamar Royal, mas uma rude mão de dedos grossos tapou-lhe a boca, impedindo que pedisse socorro. Com a outra mão, o oponente agarrou-a pelos cabelos, colocando-a de joelhos.
Erguendo os olhos, viu o rosto do que se agachava sobre ela, e o sorriso mal-intencionado que ele lhe dirigia fez com que o sangue gelasse em suas veias. Era Jesu Miller, um homem metade americano, metade mexicano, famoso por chegar a extremos de crueldade para agradar Raoul Mendez. Antonie tentou imaginar depressa uma maneira de livrar-se dele, ou de fazer barulho suficiente para atrair a atenção de Royal.
Royal abandonou a posição descontraída e endireitou o corpo assim que Patricia passou por ele, saindo de trás dos arbustos.
- E Antonie? - ele indagou.
- Terminando o banho - ela respondeu, mal-humorada, para depois encará-lo. - E, então, não vai me acompanhar até o acampamento?
- Vou esperar Antonie.
- Ótimo, fique esperando por ela, como todos os outros fazem - ela resmungou, antes de se afastar.
Tentando ignorar o veneno das palavras da irmã, Royal ficou observando até que ela alcançasse o acampamento. Uma vez entre os homens que os acompanhavam, ela estava a salvo, e ele tornou a voltar sua atenção para Antonie.
Após longos minutos sem sinal dela, Royal começou a inquietar-se. Era bem verdade que se sentiria um tolo se, ao espiar por entre os arbustos, a visse vestindo-se ou penteando-se tranquilamente. Mesmo assim, resolveu verificar a razão da demora.
Ao avistá-la apenas parcialmente vestida, sendo agarrada por um homem de olhar maldoso, ficou tentado a atirar imediatamente no miserável. No entanto, se o fizesse, se arriscaria a atingi-la também, pois Antonie se encontrava entre ele e o captor.
- A filha de Juan, quem diria? - Jesu murmurou com sarcasmo. - Agora vou poder levá-la até Raoul. Ele vai ficar satisfeito por Jesu ter conseguido o prêmio que ele tanto desejava.
Antonie estreitou os olhos quando ele a forçou a colocar-se em pé, agarrando-a pelos cabelos. Embora amordaçada e com os pulsos atados, percebeu que, naquele momento, se agisse depressa, teria uma chance de livrar-se do monstro. Antes que ele tivesse tempo de se afastar, ela ergueu um dos joelhos, atingindo-o com violência na virilha. O pistoleiro gemeu e dobrou o corpo. Ela, então, golpeou-o com as mãos amarradas, vendo o brilho de uma lâmina que ele retirava da bota. Para sua surpresa, porém, em vez de levantar-se para investir contra ela, Jesu Miller despencou como um saco de batatas, com o rosto virado para a terra. Ela pensou em correr, mas hesitou ao notar que, após um espasmo, o homem permaneceu inerte.
Dando-se conta de que um som vinha de trás dela, Antonie virou-se, certa de que teria de enfrentar outro comparsa de Raoul Mendez. Ao avistar Royal, respirou aliviada. Ele se aproximou do corpo imóvel do pistoleiro e virou-o de frente. Antonie emitiu um som abafado de espanto. Ao puxar a arma com a qual pretendia atacá-la, o homem caíra sobre a lâmina, incapaz de resistir à dor do golpe nos testículos.
- Deveria saber que você poderia se defender sozinha - Royal comentou, livrando-a da mordaça e das cordas. - Sabe quem é este homem?
- Jesu Miller.
Caminhando até a beira da água, Antonie lavou a boca que a mordaça imunda estivera prendendo. Ouviu o ruído do cadáver sendo arrastado por Royal para junto dos arbustos, e um arrepio percorreu-lhe a espinha. Jesu tinha razão. Raoul Mendez ficaria satisfeito, e com certeza o premiaria por entregá-la. Felizmente, mais uma vez, Raoul teria que sentir o gosto amargo da decepção.
- Desta vez foi por pouco - Royal observou, aproximando-se dela. - Se ele tivesse sido bem-sucedido e a tivesse levado até Raoul, ele a teria matado.
- Sem dúvida - ela murmurou, preferindo não fornecer a Royal detalhes sobre as maneiras singulares com as quais Raoul Mendez matava os inimigos.
- Tem certeza de que está bem? - ele indagou, segurando-a pelos ombros.
- Não estou ferida.
O simples toque de Royal em seus ombros foi o suficiente para fazer com que seu corpo estremecesse. Não faziam amor havia mais de um mês, e aquela proximidade aumentava a necessidade que sentia dele.
Como seria bom ser abraçada e sentir-lhe o calor, sobretudo depois do susto que acabara de levar... Tentou se afastar, mas Royal segurou-a com ainda mais força. Antes que pudesse pensar, os lábios dele tomaram os seus. Havia em ambos a mesma urgência, o mesmo desejo, e logo se viram saciando-se mutuamente, num amor feito às pressas, sem que nem sequer tivessem se livrado de todas as roupas. Foi um ato rápido e intenso e, quando terminou, ela mal conseguia se recordar de todos os detalhes.
Assim que Royal se afastou dela, Antonie teve a sensação de que acabara de cometer um erro.
- Oro é capaz de lhe dar isso?
Praguejando baixinho, ela recolheu as roupas sem fitá-lo, com a pergunta ecoando em seus ouvidos.
- Raios, Antonie! Você pode se acalmar?
- Espera, por acaso, que eu responda a esse insulto com um sorriso? Devo deixar que me chame de meretriz?
- Eu não fiz isso. Não está sendo razoável. - Ele aproximou-se para tocá-la, mas ela afastou a mão dele com um tapa.
- Oro não é meu amante.
- Eu sei que vocês não têm estado juntos desde que deixamos o rancho...
- Por Dios, você não escuta o que eu digo. O que acaba de acontecer aqui foi um erro. Como fui me entregar a um homem que acha que me chamar de mentirosa é melhor do que me chamar de meretriz?
Ao vê-la se afastar, Royal amaldiçoou a si mesmo por ter errado outra vez. Tivera nas mãos uma preciosa oportunidade de reconciliação e, no entanto, arruinara tudo ao mencionar Oro. Droga! A verdade é que ele não conseguia tirar da cabeça a possibilidade de algo íntimo ter acontecido entre os dois. Enquanto inspecionava o local para se certificar de que tudo que restava ali era o corpo do pistoleiro, considerou com cuidado a maneira assertiva e sincera com que Antonie negara qualquer envolvimento com Oro. Estava claro que não ser considerada mentirosa era um ponto de honra para ela. Royal começava a admitir que talvez tivesse sido injusto. Antonie nunca mentira para ele, e era muito provável que não o estivesse fazendo agora.
Ao voltar para o acampamento, ele decidiu que tentaria manter seu ciúme sob controle e olhar para os fatos de maneira mais objetiva.
- Que cara feia! - Tomás comentou ao sentar-se ao lado de Antonie. - Está afastada dos outros porque tem medo que a arma que está limpando dispare? - ele brincou.
- Preciso ficar sozinha para pensar.
- Quer conversar comigo?
- Fiz amor com Royal ao lado de um cadáver - ela contou, depois de um profundo suspiro.
- Ah... Acha que Jesu vai ficar chateado por não ter conseguido olhar?
- Como pude fazer isso? É repugnante, um desrespeito com os mortos.
- Mortos como Jesu não merecem respeito, minha querida.
- Não sei, não. Fazer aquilo com um cadáver tão perto - ela sussurrou, o choque evidente na voz. - Mas foi algo tão poderoso... - Ela fechou os olhos.
- De qualquer modo, foi um erro. Ele continua não acreditando em mim quando digo que Oro não é meu amante. E eu não me deitarei com um homem que não acredita que sou sincera.
- Posso entender isso, chica, mas pense bem, está perdendo a oportunidade de estar com ele e de transformar esse fogo que você diz existir entre vocês em algo mais. Será que não está pagando muito caro por uma tolice? Acredito que haja entre vocês dois algum tipo de compromisso.
Antonie se mexia na incômoda sela. Nunca cavalgara por tantas horas seguidas. No dia seguinte, pediria para conduzir uma das carroças. Olhando para Patricia, concluiu que a garota concordaria com ela. Talvez pudessem usar um cobertor para tornar a sela mais macia. Estava decididamente farta de selas duras e chão batido.
Royal, que cavalgava com Cole a certa distância, tocou na aba do chapéu para cumprimentá-la. Já se passara uma semana desde que tinham feito amor, e ele se mostrava mais amável. Talvez tivesse chegado à conclusão de que ela lhe dissera a verdade, ou talvez tivesse perdido o interesse por ela, pouco se importando se tinha ou não algum tipo de intimidade com Oro. Aquele pensamento fazia seu estômago doer.
- Céus! Não aguento mais essa poeira - Patricia resmungou.
- Mais à frente deve estar melhor.
- Provavelmente tem razão, Antonie. Oh, você não precisa cavalgar comigo. Vá cavalgar com outra pessoa. Com Oro, por exemplo, ou hoje é dia do meu irmão?
Respirando fundo, Antonie teve que concordar que Patricia merecia um prêmio por sua persistência. Não importava quantas vezes Oro tentasse afastar a jovem, ou quantas vezes ela tentasse agredir ou provocar Antonie sem sucesso. Patrícia voltava à carga. Talvez Maria estivesse certa e o que a moça sentisse por Oro fosse amor de verdade. Um entusiasmo passageiro não perduraria por tanto tempo.
- Hoje é seu dia de ser minha companheira, esqueceu-se Patrícia? Quando conseguiu convencer seus irmãos a trazê-la nesta viagem, ficou definido que eu seria sua guarda-costas. Não se esqueça disso. - Antonie acelerou o passo de seu cavalo.
- Sabe o que eu acho? - Patrícia indagou, alcançando-a. - Royal só estabeleceu essa regra porque estava preocupado com você.
- Isso é ridículo!
- Acha mesmo? Você não pode interferir em qualquer tipo de problema que venha a surgir, porque terá que garantir que eu permaneça a salvo dos perigos. Desse modo, ele pode se assegurar de que você não leve um tiro.
- Ah, é claro que Royal não se preocuparia em garantir que sua única irmã não levasse um tiro... Você é uma menina boba.
- Por que sempre me trata como criança?
- Porque na maior parte do tempo você se comporta como uma menina mimada. Agora, se está mesmo tão cansada da poeira, que tal acelerar o passo? A manada está quase nos alcançando.
Royal franziu o cenho ao perceber que Antonie e Patricia se distanciavam cada vez mais.
- O que aquelas duas estão pretendendo? - Ele voltou-se para Cole.
- Acho que resolveram cavalgar um pouco mais à frente da manada - o rapaz arriscou. - Devem estar cansadas de tanta poeira.
- Tudo bem, contanto que não fiquem muito à frente.
- Antonie sabe o que faz.
- Concordo - Royal disse -, mas hoje eu gostaria que ficássemos todos próximos. Tenho a sensação de que há alguma coisa no ar.
- O mau cheiro de Raoul Mendez? - Cole perguntou. - Bem, eu diria que já tivemos problemas o suficiente.
- "Coisa pouca", como diria Antonie. - Royal sorriu. - Um lobo atrás de nossos calcanhares.
- Eu ficarei satisfeito se o lobo permanecer "atrás" de nossos calcanhares.
- Não diria que temos sido muito favorecidos pela sorte ultimamente; portanto, vamos ficar alerta.
Já era meio da tarde quando Antonie e Patricia pararam e desmontaram. Pegando o cantil, Antonie bebeu um bom gole de água. Em seguida, umedeceu o lenço que usava na cabeça e passou o tecido pelo rosto. Patricia fez o mesmo.
- Por que paramos? - a jovem perguntou.
- Porque cavalgamos depressa demais, e os outros nos perderam de vista. Vamos esperar que eles se aproximem.
- Esse tipo de trabalho é muito entediante, não acha?
- Um pouco, sí.
- É curioso como a terra se mantém plana durante quilômetros, para depois surgirem, de repente, elevações rochosas como aquela ali em frente - comentou Patricia.
- Pode ser sinal de que a terra não continuará plana por muito tempo - Antonie arriscou. - Não sei dizer. Não conheço esta terra.
- Nem eu. E às vezes acharia melhor permanecer na ignorância.
- Acho que se isso fosse uma viagem comum, e não a condução de gado, não seria tão ruim. Não me importo de cavalgar em terras planas, porque dá a possibilidade de se enxergar quilômetros adiante; portanto, não há muitos lugares onde se esconder Raoul, aquele miserável, deve detestar isso. Ele gosta de pegar as pessoas desprevenidas.
- Bem, ele é um pistoleiro.
- Ele é o pior tipo de gente que pode existir, baixo e vil. Ele gosta de ferir e de matar. Não vale o chão que pisa.
- Como pode falar dessa maneira sobre um pistoleiro? Afinal você foi criada por um.
- Ah, mas ele também odiava Raoul. O México é uma terra de pobreza, chica. Se um homem não é um patrón, é um camponês. E um camponês não vale um tostão furado no México. Os soldados os pisoteiam e os patrones os obrigam a trabalhar como escravos. Se reclamam, levam um tiro ou são surrados. Os que têm sorte podem encontrar um pedacinho de terra para roçar e dessa forma viver do dia em que nascem até a morte, ficando velhos antes do tempo. - Antonie suspirou. - Os soldados abusam dos pobres, violentam suas mulheres e irmãs e arruínam o pouco que eles têm. Tipos imundos como Raoul Mendez fazem o mesmo. Além disso, há os índios, contra os quais ninguém protege os camponeses. E eles ainda podem ser enviados às minas, onde serão obrigados a viver na escuridão e trabalhar até a exaustão.
Antonie olhou para a estrada para ver se havia sinal dos homens e então retomou sua narrativa.
- Juan era um camponês, mas decidiu se tornar pistoleiro. Ele era ladrão e sabia que o que fazia não era certo, mas nunca roubava dos pobres, nem no México, nem na América. Ele só roubava dos fortes e dos ricos. Às vezes conseguia alguns pesos. Às vezes, quando havia brigas, ele os perdia. Ele nunca atirava em pessoas desarmadas, inocentes, nem naqueles que se rendiam. Juan queria dinheiro, não sangue. Se é que pode haver um ladrão honesto, posso afirmar que Juan Ramirez era um deles.
- Mas não Raoul Mendez?
- Não, ele é um porco. Ele assassina, tortura, estupra. O ódio o consome. Render-se a ele é impossível .
- É difícil acreditar que haja pessoas assim.
- Não se deve tentar entender esse tipo de homem. É preciso matá-lo.
- Antonie! - Patricia exclamou, chocada. - Acho que eu não conseguiria fazer isso.
- Talvez não, mas se encontrá-lo é o que deve fazer; ou preparar-se para uma morte lenta e dolorosa. Tente imaginar quantas pessoas ele já matou e quantas mais irá matar se permanecer vivo. E não são apenas homens, mas mulheres e crianças também. Certa vez, ele matou um bebê que estava nos braços da mãe porque estava de ressaca e disse que o choro do pequeno o estava irritando. Pense nisso se encontrá-lo, chica.
Antes que Patricia pudesse fazer qualquer comentário, o ruído distante de um tiro fez-se ouvir.
- Antonie? - a jovem voltou-se para ela, assustada.
- Suba no cavalo.
Assim que as duas se preparavam para montar, outro ruído chegou-lhes aos ouvidos. Tão pálida quanto Patricia, Antonie olhou em direção aos animais.
- Um estouro da manada - Antonie gritou, pois apenas aquilo justificaria um barulho como o que ouviam.
Naquele momento, avistaram os animais que vinham na direção delas.
- Monte e vamos até as pedras - Antonie ordenou, dando uma palmada no traseiro de Patricia, a fim de tirá-la da imobilidade.
Ao chegarem às rochas, saltaram dos cavalos e pegaram as armas e os cantis. Em seguida, Antonie dispensou as montarias, pois não havia lugar para abrigá-las ali, e caso estivessem soltas teriam chances de sobreviver. Fez com que Patricia subisse a elevação rochosa, e a seguiu. A elevação era alta e larga o suficiente para que se escondessem atrás dela, e Antonie tinha certeza de que a manada desviaria dali, prosseguindo pela área plana.
Protegendo o rosto com o lenço de cabeça, no que foi imitada por Patricia, Antonie sorriu ao ver que os animais de fato desviavam das rochas. Esperava que Royal e os demais imaginassem que elas haviam conseguido se manter a salvo.
Era densa a poeira levantada pela passagem dos animais e altíssimo o barulho provocado pelo bater das patas no chão. A isso, somava-se o ruído de tiros e gritos de homens. Apavorada, Patricia agarrou-se a Antonie, que fechou os olhos, pois eles ardiam.
- Acabou? - Antonie indagou, por fim.
- Não sei, mas ainda estou ouvindo barulho - Patricia respondeu.
- Eu também, mas acho que está apenas na minha cabeça.
Usando seu lenço, Antonie limpou os olhos e abriu-os com cuidado. A manada havia sumido.
- Os animais já passaram - ela disse.
- O que vamos fazer agora? - Patricia indagou.
- Vamos atrás dos outros. - Ela umedeceu o lenço para limpar a poeira do rosto.
- Mas nossos cavalos foram embora - Patricia protestou, imitando o gesto da companheira.
- Temos pés, não é?
- Mas eles podem estar quilômetros à nossa frente.
- É verdade, mas com certeza alguém irá voltar para buscar-nos.
- Então por que não esperamos aqui?
- Alguém deu início ao estouro da manada, e não pretendo encontrá-los.
- Não tinha pensado nisso - Patricia respondeu, descendo as rochas atrás de Antonie. - Eles nos seguiriam, não é?
- É bem possível .
Nesse momento, um tiro atingiu a rocha, ao lado de Antonie. As duas voltaram ao esconderijo atrás das rochas. Instantes mais tarde, Antonie ergueu levemente a cabeça praguejou ao ver pelo menos metade do exército de Raoul Mendez. Talvez ele próprio estivesse entre aqueles homens.
- O que vamos fazer agora, Antonie?
- Fique atrás da rocha e pegue seu rifle.
- Não podemos lutar contra um bando inteiro.
- Não mas podemos segurá-los por algum tempo até que nossos homens cheguem.
Ao conseguirem, por fim, reorganizar os animais, Royal e os outros homens estavam ensopados de suor e fatigados. No entanto, a fadiga desapareceu no momento em que, olhando ao redor, ele não viu Antonie e Patricia.
- Alguém as viu? - ele perguntou.
- Eu as vi escondidas atrás de umas rochas. Estavam bem.
- Eu estou com os cavalos delas, senhor - informou um jovem. - Acho que se livraram deles para facilitar a situação.
- Tome conta deles, Johnnie - Royal ordenou. - Vamos voltar para procurá-las. Metade de vocês pegue cavalos descansados e venham comigo. Os demais preparem o acampamento.
- Para que tantos homens? - Cole quis saber.
- Alguém provocou o estouro da manada. Esse mesmo alguém pode agora estar verificando quanto estrago conseguiu provocar.
Exatamente quando Royal começava a pensar que talvez estivessem procurando Patricia e Antonie no lugar errado, ouviu um disparo. Como temera, elas haviam ficado muito para trás e deviam ter sido alcançadas por quem provocara a desorganização dos animais. Ele ordenou que Johnnie ficasse para trás com os cavalos das garotas, e aos demais que o seguissem, num movimento que lembrava uma pequena guerra.
- Aí vêm eles, Antonie! - Patricia exclamou. Segurando-a pelo braço, a fim de evitar que ela se expusesse, num gesto de excitação, Antonie encarou-a.
- Ainda não estamos longe do perigo. Continue atirando até que esses malditos estejam longe ou que nossos homens se interponham no caminho.
Compreendendo a necessidade de continuar lutando, Patricia pôs-se a atirar novamente contra os homens de Raoul.
Antonie se divertiu ao ouvir os gritos dos caubóis que trabalhavam para Royal, que pareciam sentir-se heróis naquele momento de confronto. Ao olhar para Patricia, porém, notou que ela estava pálida.
- Eu matei um homem, Antonie - ela murmurou, chocada.
Voltando a olhar por sobre as rochas, Antonie avistou o homem que a jovem atingira mortalmente. A moça julgara estar apenas atirando a esmo, embora Antonie tivesse razões para acreditar que Patricia acertara outros. O homem de quem ela falava, porém, estava muito próximo às rochas, e o sangue dele se espalhava pelo chão.
- Vocês estão bem? - Royal indagou, aproximando-se delas.
- Eu matei um homem - Patricia balbuciou, ainda pálida.
- Não foi você quem matou aquele homem, chica - Antonie disse. - Eu o acertei. Você é uma péssima atiradora!
- Sou uma péssima atiradora? - Patricia reagiu. - Então por que ficou insistindo para que eu atirasse?
- Para fazer barulho e assustar o bando. Você não é capaz de matar um inseto, niña. - Antonie riu.
- Se é assim, nunca mais conte comigo para ajudá-la. - Ela se retirou a passos rápidos, as costas delicadas muito eretas, indo juntar-se aos demais que se dirigiam ao acampamento.
- Você mentiu, não é? - Royal perguntou, enquanto Antonie revistava os bolsos dos capangas mortos, de um dos quais acabava de retirar um relógio de ouro.
- Sí. Sua irmã matou o homem.
- Pensei que você nunca mentisse.
- Eu disse que nunca menti para você quanto a Oro e eu. Não disse que nunca menti. Você não viu o rosto dela ao se dar conta de que tinha matado aquele homem. Esse tipo de coisas não é para ela. Sua irmã foi feita para receber pretendentes no balanço da varanda e tomar chá com a esposa do pastor da igreja. - Enquanto falava, ela continuava revistando os bolsos dos homens. - Quanto a mim, vi muitos homens morrer, alguns deles por minha própria arma, ou pela lâmina de minha faca. Isso faz parte da luta pela sobrevivência que conheci a vida inteira. Mesmo assim, tenho repugnância a tudo isso. Detesto violência. Resolvi mentir para tirar do rosto de Patricia o olhar de horror. - Ela colocou-se em pé e caminhou na direção de Royal. - Acho que esses homens têm atacado outros ranchos enquanto nos seguem.
- Eu me pergunto como você pode roubar dos mortos.
- É só um pouco de dinheiro, relógios... Eles não vão mais precisar. Além disso, exceto pelas balas, nada é deles. Está vendo este aqui? - Ela apontou para um dos corpos no chão. - É um dos irmãos Martinez. Neste relógio está escrito: "Para Willian Deedes, obrigado pelos serviços. Joe". E o dinheiro também é roubado.
- Ainda assim, é errado roubar de um cadáver.
- Melhor que eu o faça do que Raoul e seu bando, pois tenha certeza de que eles arrancariam o que pudessem. Além disso, este porco logo irá para o inferno, e seria uma pena um relógio bonito como este derreter, não? - Ela se afastou para procurar seu cavalo.
Royal franziu o cenho, observando-a. Não conseguia entendê-la. Acabara de mentir para proteger os sentimentos de uma jovem e, era seguida, roubava dos mortos.
Ao montar seu cavalo, Royal aproximou-se de Cole, que cavalgava um pouco à frente. Foi então que viu algo brilhando nas mãos dele.
- Bela faca, não? - Cole mostrou-a.
- Onde conseguiu isso? - Royal perguntou.
- Tirei de um dos capangas de Mendez.
- De um cadáver?
- Ora, mas quanta sensibilidade! Que utilidade essas coisas vão ter para eles? Quando Mendez e sua corja chegarem vão arrancar até a roupa dos corpos deles.
- É que me incomoda a ideia - Royal murmurou.
Afastando esses pensamentos, Royal se pôs a calcular as perdas. Ao terminar, deu-se conta de que haviam saído daquele ataque praticamente ilesos.
Mais tarde, quando por fim se acomodou junto ao fogo para tomar uma xícara de café forte, estava exausto. Se acontecimentos como os daquele dia continuassem a se repetir, talvez acabassem morrendo de fadiga antes que a viagem tivesse acabado.
Com o canto do olho, viu Patricia, que se recolhia para a carroça onde dormia com Antonie. Era provável que ela se questionasse quanto a ter matado ou não aquele homem.
Por vezes, sentia-se arrependido por ter trazido a irmã, permitindo assim que ela visse o lado duro da vida. Por outro lado, aquela experiência seria útil para ela, se pretendesse administrar terras num Estado em franco crescimento como o Texas.
Quando Antonie aproximou-se do fogo para se sentar e servir-se de um pouco de café, Royal sorriu ao perceber que o desejo que o tomava sempre que a via estava mais calmo naquele momento por causa do intenso cansaço. No entanto, gostaria muito de poder dormir abraçado a ela.
Ao perceber que Royal a fitava, Antonie achou que seria melhor começar uma conversa.
- Pelo menos não nos atrasamos hoje, não? A manada acabou seguindo na direção certa. - Ela sorriu para os companheiros que também haviam se agrupado ao redor do fogo.
- Acabamos por avançar alguns quilômetros além do que havíamos planejado - disse Royal. - No entanto, se o gado estiver muito cansado amanhã, para não mencionar os cavalos e nós também, é possível que venhamos a perder essa vantagem. Bem, melhor esperar para ver.
- A perda foi grande?
- Cerca de vinte cabeças. Não foi tão ruim quanto havia imaginado.
- Mas não houve baixas?
- Não.
- E feridos?
- Nenhum durante o estouro, o que é o maior milagre que pude ver em minha vida. Martin foi atingido por uma bala no braço e Johnson caiu do cavalo no momento em que o estouro começou.
- Pobre Johnson - Antonie comentou, pondo-se em pé.
- Pobre Johnson? Ele só se machucou de leve. Martin ganhou um buraco no braço.
- Sí, sinto muito por Martin. Mas Johnson... - Ela balançou a cabeça. - Cair do cavalo no meio de uma batalha? É muito embaraçoso. Vou dar uma olhada nele.
Royal olhou boquiaberto para Antonie, que se afastava, antes de se virar para Cole e vê-lo rir.
- Acho que nunca vou entender essa mulher - ele declarou, antes de pôr-se a rir também.
Olhando para Oro, que estava sentado ao lado de Tomás, Antonie pôde perceber a tensão que havia nele. Guardar dentro de si um amor impossível que crescia a cada dia estava sendo mais do que ele podia suportar.
- Vou ficar de vigia - ele decidiu, por fim, levantando-se.
- Não há necessidade. Já temos gente montando guarda - Cole lembrou.
- Eu vou, assim mesmo.
Oro mal havia caminhado uma centena de passos quando o som de disparos se fez ouvir. O rapaz imediatamente caiu, e Antonie sentiu o sangue gelar nas veias. Ele estava imóvel, mas instantes mais tarde, ergueu o polegar, sinal convencionado entre eles para informar que tudo estava bem.
Impossibilitada de ir até ele, Antonie só podia rezar para que o ferimento não fosse sério. Ao perceber que Patricia se aproximava correndo, segurou-a pelo braço e fez com que se agachasse.
- Quer levar um tiro também, muchacha?
- Mas Oro... - ela balbuciou, o corpo trêmulo.
- Ele está bem. Está vendo o polegar levantado? Isso é para dizer que está bem - Antonie explicou. - Agora trate de ficar abaixada e vamos nos arrastar até debaixo da carroça.
O ataque era esperado. Após a derrota daquela tarde, Raoul resolvera que era hora de equilibrar as coisas. No entanto, depois de alguns minutos de tiroteio, em que os oito homens que o acompanhavam foram liquidados, o pistoleiro afastou-se a galope, desaparecendo na noite.
- Fique aqui e não se mexa - Antonie ordenou a Patricia assim que o tiroteio parou.
Dirigiu-se até onde o amigo estava, sentindo que a jovem a seguia. Ajoelhou-se ao lado de Oro, apoiando a cabeça dele em seu colo para limpar o sangue da testa e constatou que o ferimento tinha sido superficial. Quando Patricia abaixou-se e tocou-lhe o braço. Oro escondeu o rosto no ventre de Antonie.
- Por Dios, vá embora daqui - ele disse. - Eu não preciso de você.
Enquanto Patricia se afastava, pálida, Oro colocou-se em pé, cambaleante. Tomás tranquilizou-se ao verificar que o irmão estava bem. Pouco depois, Antonie ajudava o amigo a acomodar-se atrás de uma das carroças.
Atento ao que acontecia, Royal notou uma estranha tensão entre sua irmã e Oro. A princípio pensou que ela o estivesse incomodando com algum tipo de paixão juvenil. Porém, ao notar a maneira como as palavras duras do rapaz a tinham afetado, concluiu que as coisas deviam ser mais sérias. Sem saber bem o que fazer, ele seguiu Antonie e Oro.
Ainda zonzo, o rapaz caiu de joelhos assim que alcançaram o lugar mais discreto.
- Não aguento mais - ele desabafou. - Dói muito. Ser obrigado a tratar Patricia daquela maneira, quando tenho vontade de abraçá-la parte meu coração. - Ele pôs a cabeça no colo de Antonie, que acariciava-lhe os cabelos, incapaz de encontrar palavras para consolá-lo.
Evitando contemplar aquela cena emocional por mais tempo, Royal afastou-se, caminhando na direção do acampamento. De repente, a responsabilidade sobre suas costas parecia pesada demais. Oro Degas não era o homem que teria escolhido para Patricia, mas será que tinha o direito de interferir dessa forma na vida da irmã? Patricia não era mais uma garota. Tinha dezoito anos, e era capaz de amar como qualquer outra jovem de sua idade.
Concluiu que o mais correto seria discutir o assunto com os irmãos. Nesse momento, avistou Tomás se aproximando de Patricia com uma garrafa de tequila e decidiu colocar-se em um lugar de onde pudesse ouvir a conversa. Odiava ser indiscreto, mas talvez fosse esclarecedor ouvir o que os dois tinham a dizer.
- Vamos, tome um golinho. - Tomás passou a garrafa a Patricia.
- Isso é horrível - ela disse com uma careta. - Acho que vai arruinar minha garganta.
- É uma bebida mexicana. Nem todo gringo sabe apreciá-la.
- O que está querendo insinuar? - ela indagou, tomando mais um gole.
- O que estou querendo que entenda, chica, é que um americano pode beber e dar boas risadas com um mexicano, pode ir aos mesmos lugares que ele, bater-lhe nas costas e até mesmo chamá-lo de amigo. Mas esse mesmo americano não permitirá que o mexicano toque em sua irmã ou filha. Está bebendo demais agora, chica. - Retirou a garrafa da mão dela. - Entendeu o que eu disse?
- Royal não é como os outros - ela afirmou.
- Não? Já conversou com ele?
- Não. Você, Antonie e Oro fizeram com que eu me enchesse de dúvidas e agora tenho medo de falar com meu irmão.
- O que acha que ele vai fazer? Mandar Oro embora, ou quem sabe fazer com que você se afaste enquanto meu irmão estiver por aqui.
- Não diga isso. Seria terrível. Eu nunca mais veria Oro.
- Então, isso a deixaria feliz? Por Dios, vocês dois passam todas as horas do dia sofrendo.
- Nunca amou ninguém na vida?
- Sí e no. Amo meu irmão e Antonie. Amava meu pai, Juan e Júlio. Mas assim como você e Oro, nunca.
- Achei que conseguiria fazer seu irmão mudar de ideia - ela murmurou.
- Isso não faria Oro feliz, querida, e nem você.
- Ele é muito orgulhoso.
- Um homem tem que ter seu orgulho; do contrário, não é um ser digno - Tomás ponderou. - Além disso, Oro pensa em você, chica. Você teria muito do que desistir para ficar com ele. Talvez tivesse que abrir mão até mesmo de seus irmãos, não? Isso a faria sofrer. Além disso, quando os ânimos se alteram, os homens podem machucar uns aos outros. Você ficaria dividida. Isso não lhe traria felicidade.
- Vou conversar com Royal - Patrícia decidiu. - Se ele reagir da maneira que vocês dizem, irei para a casa da minha prima. Pelo menos não serei obrigada a ver Oro ir para a taverna todas as noites, nem andar para lá e para cá com Antonie. Minha língua está esquisita - ela falou de repente, esticando-a para fora.
- Parece normal - Tomás comentou com um tom grave na voz, e sorriu ao ouvir o risinho de Patricia. - Consegue tocar a ponta do nariz com a língua?
Royal ouviu por mais algum tempo, mas se seguiram apenas algumas brincadeiras tolas, o que o levou a concluir que sua irmã experimentava a euforia própria dos embriagados. Logo, Tomás teria que ajudá-la a ir para a carroça.
Agora que estava ciente do problema que todos haviam se esforçado tanto para esconder dele, Royal perguntava-se se conseguiria solucioná-lo de maneira satisfatória.
- Como está Oro? - Justin quis saber, assim que o irmão se aproximou.
- Foi um raspão na testa. Ele está um pouco tonto, mas não é nada grave. - Royal serviu-se de uma xícara de café e suspirou. - Cole, o que acha de Oro Degas?
- Ele é quieto, introvertido - o rapaz começou a responder, evidentemente surpreso com a pergunta do irmão. - Acredito que o fato de ter visto muitas coisas na vida o tornou um pouco frio. Fora isso, ele é honesto e bondoso. Pode-se dizer que é um homem de palavra. Droga, Royal, não sei o que quer que eu diga.
- Você não disse que ele é mexicano, nem mencionou o tipo de homem que o pai dele foi.
- Não me importo com isso. Não tenho nada contra os mexicanos, e Oro não está seguindo os passos do pai. Ele me contou, certo dia, que o pai disse a ele e a Tomás que queria que eles tivessem uma vida diferente, que desejava que buscassem o melhor. O único defeito que vejo em Oro, e que realmente nem é um defeito, é que ele é um pouco frio e bastante cético, eu diria.
- Mas saiba que aquele homem frio e cético é capaz de ter o coração partido - Royal disse, correndo a mão pelos cabelos.
- Eu sei que ele seria capaz de qualquer coisa pelo irmão e por Antonie - Justin comentou.
- Não há dúvidas quanto a isso - Royal concordou. - Eu mesmo comecei a me aborrecer por achar que ele era próximo demais de Antonie, o que é absurdo. Bem, meus irmãos, o que quero dizer é que Oro a tem usado como um escudo, sendo tão galante e gentil com ela. Mas a questão é. Cole e Justin, como se sentiriam em tê-lo como cunhado? - Ao ver que os irmãos piscavam, surpresos, ele prosseguiu: - Pelo menos isso não foi um retumbante "não".
- Tem certeza de que ele está interessado em Patrícia? Não seria apenas desejo? - Cole aventou.
- Não, meu irmão. Desejo não faria um homem duro como Oro Degas chorar como um bebê. Sei que não deveria ter testemunhado uma cena como aquela. Mas quando o ouvi pedindo a Patricia que se afastasse e depois vi como ficou nossa irmã, resolvi que iria conversar com ele, embora não soubesse o que dizer. Bem, eu preciso saber o que devo fazer. Não quero que Pattie sofra e gosto de Oro a ponto de também não querer que ele sofra. No entanto, ele não é o que sempre sonhei para ela.
- Se quer minha opinião, aprecio muito mais a ideia de ver minha irmã casada com um homem como Oro do que unida a algum desses bebês chorões que a tem cortejado - Justin opinou. - Pelo menos, sabemos quem Oro é.
- É verdade - Royal concordou. - Você tem certeza de que a Justiça não está atrás dos irmãos Degas, Cole?
- Sim. E eu já informei os outros policiais que Juan e os homens fortes de seu bando foram mortos; portanto, nem sequer pensam mais neles. Não se pode prender um homem pelos crimes cometidos pelo pai, certo?
- Então a pergunta que permanece é: Pattie seria mesmo feliz com ele? - Royal propôs a questão. - Estamos falando do futuro dela, não do nosso.
- Está pensando em conversar com ela esta noite? - Cole indagou.
- Não. Ela não está em condições de ter uma conversa séria, pois andou tomando tequila com Tomás.
- Droga, onde é que ele compra a tequila? - Gole levantou-se para ir até Tomás, deixando para trás a conversa que estavam tendo. Royal e Justin o seguiram. - Ei, Tomás! - ele chamou.
- Ay de mil - Tomás suspirou com dramaticidade ao ver que os irmãos se dirigiam até ele.
- Onde consegue esse troço, seu miserável? - Cole quis saber.
- Esse troço? - Tomás olhou para a garrafa quase vazia que tinha nas mãos. - Um anjo... Sí - ele enfatizou ao ver a contrariedade no rosto de Cole, enquanto Royal e Justin riam. - Olhando para baixo e vendo que eu estava cansado e com a garganta seca, ela, a anjinha, me enviou isto. Acho que devo comunicar esse milagre à igreja.
Decidindo que já ouvira tolices demais por um dia, Royal enfiou-se no saco de dormir e não encontrou qualquer dificuldade para conciliar o sono.
Ao despertar na manhã seguinte, Patrícia deparou-se com Antonie, que a observava.
- Estou morrendo - a moça lamentou-se, levando a mão à cabeça.
- Deveria saber que tequila não é bebida para você. - Antonie ajudou-a a levantar-se. - Agora está pagando por sua falta de juízo.
Levando-a para fora, sob protestos, Antonie enfiou a cabeça de Patricia por diversas vezes dentro de um barril de água.
- O que está fazendo? - indagou Royal.
- Isto é para ajudar a curar a ressaca dela.
- Ela está tentando me afogar, Royal - Patricia lamentou-se.
- Bem, acho que isso não está mesmo ajudando - Antonie concluiu, por fim, observando-a.
- Não ajudou mesmo - Patricia murmurou, segurando a cabeça entre as mãos. - Eu estava só morrendo. Agora estou morrendo acordada e ensopada. Tomás me envenenou, tenho certeza disso.
- Onde está aquele desajuizado? - Antonie indagou, com as mãos nos quadris.
- Eu não sei - desconversou Royal. - Quer café, Pattie?
- Eu vou buscar - ofereceu-se Justin, que estava por perto.
- Você também deveria comer algo, muchacha - Antonie opinou.
- Como pode dizer que seria bom se eu comesse se a mera palavra "comer" me faz enjoar? - Patricia lamuriou-se.
- Vai passar. É melhor você se deitar no fundo da carroça enquanto eu conduzo. Mais tarde você tenta colocar algo no estômago - Antonie disse, compreensiva, e viu Patricia se dirigir ao veículo.
- Eu acho que Oro pode conduzir a carroça hoje - Royal decidiu, ignorando a expressão estupefata no rosto do jovem, assim como a tensão de seu corpo. - Não deve cavalgar hoje. O melhor lugar para você, Oro, é naquela carroça, por causa do ferimento na testa.
- Eu deveria conduzir aquela carroça - Antonie protestou, tentando tirar o amigo da situação complicada. - Além disso, eu fui designada para cuidar de sua irmã.
- Hoje, não - Royal insistiu, segurando-a pelo braço enquanto encarava o rapaz, esperando que ele entendesse o que tentava dizer. - A carroça é o melhor lugar para Oro.
- Tem certeza de que é isso mesmo que quer? - Os olhos dele se abriram, surpresos.
- O que eu quero nada tem a ver com isso. Apenas saiba que confio em você como se fosse meu irmão.
- Seu irmão ou da srta. Patricia? - Oro indagou.
- Meu, é claro. Pattie não precisa nem quer outro irmão. Vamos, Toni.
- O que significou isso? - ela indagou quando se afastaram. - Eu deveria dirigir a carroça.
- Oro não consegue lidar com alguns cavalos? - Royal piscou para Cole, que sorria.
- Sabe do que estou falando, gringo. Não se faça de tolo comigo. - Ela tentou fincar os pés no chão, para não ter de acompanhá-lo, mas ele a arrastou.
- Nunca tentaria me fazer de tolo com você. Pensei que estivesse dando a cada um, segundo seu desejo. Agora suba no cavalo, docinho.
- Não sou seu docinho - ela resmungou, acomodando-se na sela. - Ele é mexicano, Royal.
- Já notei. Não tenho nada contra mexicanos.
- Ele tem sangue Yaqui nas veias.
- Contanto que ele não derrame esse sangue nos meus tapetes ou na minha bota, não vejo problema algum. Isto é, se as intenções dele forem honradas.
- Se as intenções dele não fossem as melhores, gringo, ele já teria se deitado com sua irmã, se é o que quer saber. - Sem esperar resposta, ela cavalgou em direção à manada.
- Acho que Toni tem razão, Royal - Cole observou. - Ele deu um trabalhão às meninas da taverna.
- A taverna? Agora entendo do que Pattie se queixava. - Royal montou seu cavalo e olhou na direção por onde Antonie seguira. - Onde foi aquela bruxinha loira?
- Acho melhor você se segurar um pouco, meu irmão - Cole sugeriu.
- Por quê? Agora está tudo em pratos limpos.
- Mas você não aceitou a verdade vinda dos lábios dela.
- Eu desconfiei que havia algo no ar, que ela não estava mentindo, de fato, mas tentando esconder algo.
- Se eu fosse você, pensaria numa maneira de traduzir o que acaba de dizer em palavras bem bonitas.
- É verdade. Oro é como um irmão para ela, e eu fui um tolo - Royal admitiu, por fim.
- Sim. - Cole franziu o cenho. - A única coisa que lamento é que eles estavam certos ao tentar esconder o que estava acontecendo entre Patricia e Oro.
- Se eu não tivesse testemunhado o sofrimento dos dois, não sei como teria reagido ao descobrir.
- Vamos ter muitos problemas - Cole ponderou.
- Eu sei. Gostaria de saber se Patricia está consciente disso.
- Acha que o que sentem um pelo outro é forte o suficiente para resistir a dificuldades?
- Quanto a Oro, estou certo que sim - disse Royal. - Quanto a Patricia, não posso afirmar. - Finalmente, avistou Antonie, que seguia adiante com Tomás, e praguejou baixinho. - Ela não podia estar sozinha?
Cole não conteve o riso.
Olhando por sobre o ombro, Antonie notou que Royal a observava. Porém, continuou cavalgando ao lado de Tomás, pois não estava disposta a um confronto no momento.
- Ah, Oro finalmente encontrou coragem para falar com Patricia - o amigo comentou sorrindo, assim que pararam para o repouso vespertino.
- Ele terá de adoçar bem as palavras, depois de ter sido tão duro com ela - Antonie observou. - Fomos injustos com os Bancroft, não?
- Acho que um pouco, querida. Acredito que eles mesmos estejam surpresos por terem agido com justiça.
- Fiquei contente ao constatar que para eles é mais importante que as pessoas estejam felizes, que o sofrimento tenha acabado.
- Espero, de verdade, que o sofrimento tenha acabado. Peço a Deus que a jovem a quem Oro decidiu entregar o coração tenha a força necessária para continuar a amá-lo quando os mexericos e o veneno começarem. Porque isso não vai faltar. Eles terão problemas. Os americanos não vão gostar dessa união.
- Os Bancroft são poderosos naquela região, e isso vai ajudar. Uma vez que disseram sim, não voltarão atrás.
- O casal vai precisar de muito apoio.
Antonie teve medo de que Tomás estivesse certo. Depois de casado. Oro teria um pedaço de terra, bem no meio dos americanos. E eles não gostariam de tê-lo como vizinho. Até mesmo os mexicanos que tinham possuído terras no tempo em que o México governava o Texas haviam enfrentado dificuldades. Muita gente concordava com a ideia de que o Texas deveria ser apenas dos americanos.
Ao ver que Royal se aproximava, Antonie concluiu que não conseguiria se afastar dele sem parecer um coelho assustado. Voltando-se para Tomás, viu que o amigo se distanciava em seu cavalo, deixando-a sozinha. Sem saída, montou e aguardou Royal.
- Parece que aqueles dois se acertaram - Royal comentou, ao avistar Patricia e Oro sentados lado a lado na carroça.
- Não pode voltar atrás agora, certo, gringo?
- E não pretendo fazê-lo. - Ele segurou as rédeas do cavalo de Antonie. - Eu não gosto de jogos.
- Não era um jogo - ela declarou. - Você era meu amante, e Oro meu irmão. Se o seu irmão estivesse com problemas, você não o ajudaria?
- Você poderia ter-me explicado o que estava acontecendo.
- Para fazer isso, eu teria que lhe dizer mais do que seria conveniente. Você me perguntou se Oro era meu amante, e eu disse que não. Minha palavra deveria ter sido suficiente.
- Poderia ter sido, se você não tivesse resolvido me colocar de lado.
- Eu lhe disse que não me deitaria com um homem que me chamasse de mentirosa. - Tomou as rédeas das mãos de Royal e pôs-se a cavalgar, afastando-se.
- Diabos! - ele praguejou. Tinha de encontrar uma maneira de consertar o que havia estragado, pois não via a hora de tê-la de volta em sua cama.
- Eu já começava a achar que nunca conseguiríamos trazer os malditos animais até aqui - Cole comentou, passando a mão pela testa.
Ele e Antonie conversavam, enquanto esperavam que Royal cuidasse dos últimos detalhes da negociação e venda dos animais.
Tinham sido meses de exaustiva cavalgada e de trabalho entediante, com o agravante de que precisavam estar sempre atentos e preparados para uma possível investida de Raoul Mendez e seus homens.
Embora o final da viagem tivesse sido isento de problemas, Antonie estava certa de que o pistoleiro não desistiria de suas intenções. Afinal, alguém o estava pagando para destruir os Bancroft.
Observou Royal. Desde que ele permitira que Patricia e Oro namorassem, passara a ser galanteador com ela. Sabia que, se pudesse, ele teria assumido o papel de amante. Agora que voltariam a gozar de privacidade, chegara o momento de decidir se voltaria ou não para ele.
Antonie riu consigo mesma ao admitir que, assim que ele a tocasse, ela se renderia ao desejo que sentia por ele. Além disso, havia se acostumado a dormir nos braços daquele homem e não via a hora de voltar a fazê-lo.
- E, então, vai perdoar Royal? - Cole indagou, ao notar-lhe a expressão pensativa.
- Estava pensando nisso - ela admitiu. - Ser chamada de mentirosa? - Olhando para Cole, ela se deu conta do quanto a atitude dele em relação a ela mudara. Não havia mais a antiga reticência.
- Acha que seu orgulho vale que você e Royal fiquem separados? Além disso, pense bem, meu irmão tinha razões para ficar enciumado. Afinal, Oro é um rapaz muito bem-apessoado.
- Sei disso e acho que, depois de tanto tempo, começo a entender a atitude dele.
Antes que Cole tivesse tempo de preparar ainda mais o terreno para que Antonie aceitasse Royal de volta, ele se aproximou.
- Pronto, tudo resolvido. Agora, vamos para o hotel.
Antes que pudesse fazer qualquer comentário, Antonie se viu sendo arrastada pelos dois irmãos.
- Pode me deixar na primeira sala de banho pública que encontrar - ela disse.
- De jeito nenhum - Royal retorquiu. - Você vai para o hotel conosco. Lá haverá um quarto e um banheiro totalmente a seu dispor. Afinal, você está aqui para nos proteger, não é mesmo, Toni?
Não conseguindo negar o que ele alegava, Antonie se rendeu ao convite.
Logo estavam se registrando em um confortável hotel. Royal tivera de lidar com o preconceito local, uma vez que decidira que Oro e Tomás ficariam ali também. Porém, nada que dinheiro, um olhar frio e um tom de ameaça não resolvessem.
Estavam prestes a se dirigir a seus aposentos quando encontraram um jovem muito elegante, acompanhado de suas três lindas irmãs. O rapaz era Baird Dumfrey e suas irmãs eram Charlotte, Margaret e Barbara, por ordem de idade. As jovens eram damas, como Marilyn, e Antonie pôde notar a maneira como Charlotte olhava com interesse para Royal, enquanto agia como se ela não existisse. Ao ouvi-los combinar um jantar para aquela noite, ficou contrariada. Os olhares que Baird lançava insistentemente para ela apenas a irritaram. Os únicos olhares e sorrisos em que estava interessada eram os de Royal, e ela previa que as irmãs Dumfrey insistiriam em ter as atenções dele durante a refeição. Aquela seria, com certeza, uma longa noite.
Depois de um relaxante banho, Antonie chamou Patricia para ir a seu quarto. A jovem resplandecia de felicidade e, embora estivesse contente por ela e por Oro, Antonie não podia negar que sentia uma pontinha de ciúme do amigo.
- Justin vai levar Oro e Tomás para comprarem ternos novos para esta noite - Patricia informou alegremente. - Por que não vem conosco, Toni? Vamos fazer compras. Que tal um vestido novo?
- Será que posso comprar um vestido como os que as irmãs Dumfrey estavam usando? - ela indagou, subitamente animada.
- E por que não?
- Não sei - Antonie murmurou. - O traje não faz uma dama.
- Ora, não seja boba, Antonie. Você é uma dama.
Minutos mais tarde, as duas se uniram a Oro, Tomás e Justin. Enquanto Justin levava os rapazes para comprar os ternos, Patricia arrastou Antonie até a loja de roupas femininas.
- O que tem nessas caixas que você empilhou no balcão? - Antonie quis saber, enquanto a costureira ajustava o vestido a seu corpo.
- São roupas íntimas, anáguas, camisola... - Patricia respondeu.
- Para que vai comprar uma camisola? Só para que seu marido acabe arrancando-a na noite de núpcias? - Antonie riu diante da expressão chocada e constrangida de Patricia.
- Pois acho que você também deve comprar uma, Toni. Vai ficar linda vestida em rendas e laços. Além disso não é correto dormir nua.
- Tenho certeza de que Oro vai fazer com que mude de ideia - Antonie provocou.
- Pare de dizer bobagens - Patricia protestou, sem conseguir conter o riso.
- Para ser sincera, não preciso usar uma camisola se estiver dormindo sozinha, e se estiver acompanhada, não preciso de camisola da mesma forma, não? - Ela trocou um olhar malicioso com a costureira. - Não vou comprar uma roupa que espero que seja arrancada do meu corpo.
- Arrancada? - Patricia fitou-a, boquiaberta.
- É claro, chica, pois espero que o homem esteja tão ansioso que mal consiga esperar. - Ao perceber que ela estava quase desistindo da camisola, emendou: - Mas uma moça deve usar uma bela camisola na noite de núpcias, sobretudo se nunca se deitou com um homem, ou se nunca dormiu nua, é claro.
Antonie respirou aliviada assim que tudo ficou pronto para deixarem a loja. Haviam comprado mais do que esperara, mas decidiu que tinha o direito de se permitir um pequeno luxo de vez em quando.
Sempre que ficava a sós com Patricia, percebia que a garota a fitava com certo embaraço. Suspeitava que ela, prestes a se casar e sem qualquer conhecimento sobre o que se passava entre homens e mulheres na intimidade, quisesse fazer-lhe algumas perguntas.
- Puxa, já estávamos pensando em enviar um grupo de busca atrás de vocês - Justin reclamou assim que elas deixaram a loja.
- Há mais do que um vestido aqui - Tomás observou, assim que a amiga entregou-lhe alguns pacotes para que carregasse.
- Tive de comprar todas as coisas que se usa embaixo de vestidos - Antonie explicou. - Mulheres gringas não se vestem para se sentir à vontade. Estou surpresa que consigam ter bebês. Quando o marido acaba de tirar todos os apetrechos usados embaixo da roupa, já deve estar cansado para outras coisas.
O risonho grupo encontrou Royal e Cole, que iam até o banco, à porta do hotel.
- Então, foram às compras? - Royal indagou.
- E não é para isso que serve o dinheiro? - Antonie deu uma piscadela.
- O que compraram? - Cole quis saber.
- Nada que deva ser mencionado diante de tantos cavalheiros - ela respondeu.
- Roupas cheias de lacinhos, aposto - Royal provocou, rindo com Cole.
- Vamos embora, Toni - Patricia decidiu, arrastando-a para dentro do hotel. - Detesto quando meus irmãos começam a rir do que não tem graça - ela resmungou, provocando ainda mais o riso dos rapazes.
- O que foi, chica? - Antonie indagou ao notar que Patricia não mostrava nenhuma pressa em ir para seu próprio quarto.
- Quero que você me diga o que acontece entre um homem e uma mulher quando se casam. - Ela suspirou, sentando-se na cama. - Só sei o básico. Mas, diga-me, dói?
- Um pouquinho na primeira vez. Mas tenho certeza de que Oro será muito cuidadoso com você.
- Ele deve ter muita experiência - Patricia murmurou, preocupada.
- Ele é um homem, chica.
- Mas se ele já esteve com mulheres experientes, para que vai querer uma moça inexperiente como eu?
- Ele ama você, e não as outras. Vai aprender, não se preocupe. Oro vai te ensinar.
- Não sei não, Antonie. Sempre fui tão protegida e, de repente, tenho de ficar nua diante de um homem e fazer coisas que sempre me disseram que eu não deveria fazer - Patricia observou, exasperada.
- Tudo acaba acontecendo de uma maneira natural - Antonie procurou apaziguá-la. - Não deve se preocupar. Além disso, você vai ter um marido bem bonitão. Vai gostar de ficar juntinho dele. - Ela sorriu.
- Você não compreende, Toni...
- Compreendo, sí. Você tem medo. É sua primeira vez. Mas você ama Oro, e ele a ama. Vocês sentem atração um pelo outro.
- E se eu for uma dessas mulheres que não gostam dessas coisas?
- Você gosta de beijar e ser beijada por Oro? Gosta quando se tocam e se abraçam?
- Claro que sim!
- Então você vai gostar de tudo que fizer com ele, chica. Essa é uma experiência linda.
- É assim com você e Royal?
- Se não fosse, eu não seria amante dele.
- Vocês vão se casar?
- Acho que não, chica.
- Como pode se deitar com ele se sabe que ele não... fará de você uma mulher honesta, uma esposa?
- Porque prefiro não ser uma "mulher honesta" agora a ser uma mulher arrependida e frustrada no futuro. Eu tive a oportunidade de experimentar esse fogo, que é raro, e não pude deixar que minha chance de estar com Royal passasse.
- Mas os homens esperam que suas esposas sejam virgens.
- Se eu quiser me casar com um homem, e ele comigo, terá de me compreender e me aceitar como sou.
- Você ama Royal, então, Antonie?
- Isso não importa. Quando tiver terminado de fazer o que vim fazer por seu irmão, irei embora.
Antonie mudou rapidamente de assunto e ficou aliviada quando Patricia finalmente resolveu ir para o quarto preparar-se para a noite. Sorriu, satisfeita, quando as criadas do hotel chegaram com a água quente e encheram a tina. Como era bom poder tomar dois banhos no mesmo dia! Provavelmente as mulheres que Royal conhecia estavam acostumadas àquele tipo de luxo. Infelizmente, a constatação só a tornava ainda mais consciente das diferenças que existiam entre essas mulheres e ela.
Decidiu não permitir que pensamentos sombrios lhe roubassem o prazer de um banho quente e relaxante. Tinham conseguido concluir a viagem e a venda dos animais quase incólumes. Havia razão para celebrar, e não para permitir que tolices estragassem o que tinham conquistado. Quanto ao que poderia ou não acontecer entre ela e Royal... bem, teria de esperar para ver.
Seria desonesta se negasse que sonhava com a possibilidade de ficar com ele pelo resto da vida. No entanto, viveria o momento presente, sem pensar nos riscos que isso acarretaria ao seu coração enamorado.
Saiu da tina e se enxugou. Ao olhar o traje fino disposto sobre a cama, indagou-se como reagiria se Royal resolvesse dedicar sua atenção a Charlotte Dumfrey. Bem, não estava disposta a se deixar derrotar sem luta. E se ele resolvesse tomar a jovem rica como amante, poderia estar certo de que nunca mais encostaria um dedo em Antonie Neumann Ramirez.
Royal saudou os Dumfrey no saguão do hotel, estranhando que Antonie ainda não tivesse descido. Afinal, ela primava pela pontualidade. De qualquer maneira, teria de ser educado o suficiente para entreter seus convidados. Ao oferecer o braço a Charlotte, a fim de que se dirigissem à grande sala de jantar, ele amaldiçoou o momento em que decidira convidar aquela gente para o jantar. Bem poderia ter reservado a noite para fazer as pazes com Antonie e levá-la, finalmente, de volta à sua cama.
Olhando para as irmãs Dumfrey, Royal observou-lhes a elegância das roupas. Por um momento, chegou a temer por Antonie. Ela tinha apenas aquele vestido típico mexicano. Ficava linda naqueles trajes, mas decerto se sentiria constrangida diante da sofisticação das outras moças. Royal sentiu-se preconceituoso ao pegar-se pensando daquela forma. Pouco importava que Antonie não se vestisse com luxo. Era uma mulher dona de rara beleza, inteligência e graça, e jamais poderia embaraçá-lo nem a quem quer que fosse.
Voltando-se para dedicar a Charlotte a atenção que ela tão insistentemente exigia, Royal surpreendeu-se ao pensar que chegara a considerá-la para esposa. Era uma jovem que conhecia a vida do rancho e o comportamento em sociedade. No entanto, ele se dava conta de que, assim como Marilyn, ela jamais seria uma parceira. Seria apenas uma mulher interessada nos lucros da propriedade e no quanto poderia usufruir disso.
Olhando-a, Royal concluiu que aquilo seria não só desinteressante, mas intolerável. Movendo-se na cadeira, sem conseguir encontrar uma posição confortável, ele prosseguiu com a conversa inconsequente que vinham mantendo, ansioso pelo momento em que Antonie entraria na sala de jantar.
- Vocês estão muito bonitos, rapazes - Antonie comentou, assim que abriu a porta de seu quarto para Justin, Tomás, Oro e Patricia. - E você está linda!
- Isso não vai adiantar nada, se você não se vestir - Patricia comentou ao ver que ela estava com uma camisa e com calças que usava para dormir.
- Eu não tinha certeza de que poderia me vestir da maneira certa.
- Pois então venha aqui que eu vou ajudá-la - Patricia propôs, empurrando-a para trás de um biombo, enquanto os três rapazes se acomodavam sobre a cama e degustavam o vinho que Antonie pedira.
Após alguns minutos, Patricia sorriu ao olhar para a amiga. Em seguida, avaliou os longos cabelos de Antonie antes de decidir que o melhor seria prendê-los, a fim de valorizar-lhe a beleza do pescoço e o decote do vestido.
- Vou fazer um penteado bem simples - Patricia decidiu, começando a mexer em seus cabelos. - Tem joias?
- Sí, mas nada muito sofisticado. Tomás, pode pegar minha bolsa, por favor? - ela pediu.
Ao ver os brincos, gargantilha, anel e pulseira que Antonie colocava sobre a penteadeira, Patrícia arregalou os olhos.
- São muito bonitas - ela disse, admirando as peças em prata e turquesa. - Vão ficar perfeitas com seu traje.
- Você sabe mesmo arrumar os cabelos - Antonie comentou, examinando o coque baixo. - Será que vai cair?
- Espero que não. Esse penteado lhe ficou muito bem. - Patrícia ajudou-a a colocar as joias.
Depois de pôr os delicados sapatos, Antonie olhou-se no espelho.
- Não me pareço muito comigo mesma - ela comentou.
- Você parece uma princesa! - Patrícia exclamou, com sinceridade.
- Pode ser, mas não estou parecendo Antonie. Não é isso o que eu sou. Não poderia ser feliz me vestindo sempre desta maneira, pensando em etiqueta. Fazer com que Royal acredite no contrário seria mentir para ele, e mentiras têm pernas curtas.
Oro levantou-se da cama e aproximou-se da amiga, beijando-a na face.
- Ser quem você é de verdade não tem nada de errado - ele disse. - Esta noite você vai ser Antonie vestida com roupas finas e bonitas, portando-se com boas maneiras e, ainda assim, ser Antonie, certo?
O que Oro dizia parecia ser bastante razoável. Ela estaria mostrando a Royal que podia ser tão refinada quanto qualquer dama e que jamais o deixaria envergonhar-se dela. Porém, se ele desejasse bobagens como maneirismos com leques e risadinhas tolas, ela não poderia proporcionar-lhe.
Ao descerem para o saguão, Antonie sentiu-se bem na companhia de seus cinco animados amigos. Ao se aproximarem da sala de jantar, porém, ela avistou Cole e Royal com os Dumfrey e sentiu-se fraquejar por um momento. Felizmente, Tomás a segurou, renovando-lhe a coragem com um de seus sorrisos descontraídos.
- Céus! - Cole exclamou, ao avistar Antonie. Em seguida, virou-se para Royal, pois não queria perder a reação do irmão.
Levando o cálice de vinho aos lábios, Royal olhou para a entrada da sala de jantar e se sentiu paralisado. Já tentara imaginar Antonie em trajes femininos, mas a realidade provava ser incomparavelmente superior à imaginação.
O malva do vestido combinava com o tom claro de sua pele. O penteado revelava o pescoço delicado, e o decote realçava a beleza dos seios. Muitos olhares masculinos se voltaram para admirar o corpo esbelto e benfeito.
Antonie não soube bem o que pensar ao olhar para Royal. Porém, ao fitar as irmãs Dumfrey e perceber-lhes o ar contrariado, sentiu-se mais segura e sorriu. Havia considerado aquelas moças como sendo de beleza imbatível. O fato de se mostrarem contrafeitas ao vê-la provava que podia competir com elas.
Royal ficou aborrecido ao vê-la sentar-se entre o jovem Baird Dumfrey e Tomás. Á maneira como Dumfrey a olhava fazia pensar que ela era a refeição da noite.
- Esse é o traje que comprou hoje? - ele indagou, achando que ela exibia uma porção exagerada dos seios, embora fosse verdade que ela não o fazia mais do que qualquer outra mulher ali presente.
- Sí, o vestido que eu trouxe não era apropriado.
- O outro vestido era encantador, mas esta noite você está parecendo uma princesa - Cole observou.
Quando Antonie riu, divertindo-se com o comentário lisonjeiro, Royal percebeu que Baird a olhava ainda mais fascinado. Ele voltou-se, relutante, para Charlotte, que novamente queria sua atenção.
O jantar transcorreu sem incidentes. Foi à hora da sobremesa que as irmãs Dumfrey decidiram atacar. Antonie sabia que aquele momento chegaria e estava disposta a manter a calma para não dar às outras jovens o gostinho de estragar-lhe a noite. Oro não tinha olhos para ninguém senão para Patricia e a pouca atenção que dividiu foi com ela. Tomás não demonstrara qualquer interesse pelas irmãs Dumfrey e, portanto, dedicara todo o seu charme latino também a ela. Cole parecia interessado em observar cada uma das reações de Royal, e este, por sua vez, passara a noite tentando interromper qualquer conversa trivial que ela e Baird iniciassem. Por isso, a atenção dedicada às irmãs Dumfrey fora muito menor do que deviam estar acostumadas a receber, deixando-as contrafeitas.
- O que sua família faz no México? - Charlotte deflagrou o ataque.
- Todos estão mortos, señorita - Antonie respondeu.
- Oh, que pena! Então você é órfã. E onde ficam as terras de sua família?
- Não temos terras - Antonie disse, não vendo razão para esconder a verdade.
- Como você vive? - Barbara indagou.
- Bárbara - Baird sussurrou para a irmã caçula, com ar de reprovação.
- Eu trabalho - ela esclareceu, percebendo que tendo apenas dezessete anos, a mocinha fora movida a fazer a pergunta por curiosidade, e não por maldade.
- Trabalha para Royal? - indagou Charlotte, com a mão sobre o braço dele.
Lutando contra um súbito desejo de quebrar os dedos daquela arrogante, Antonie tomou um gole de vinho. Uma mulher que trabalhava para um homem só poderia prestar-lhe um tipo de serviço. Oro e Tomás se entreolharam, aborrecidos, percebendo a insinuação. Até mesmo Royal parecia irritado. Aquele tipo de apoio silencioso esfriou seus ânimos.
- Sí, eu tomo conta de Patricia. Enfrentamos muitos problemas durante a viagem com o gado.
Houve uma momentânea mudança de assunto graças aos cavalheiros, mas Antonie sabia que o ataque ainda não chegara ao fim. Pensou se uma retirada estratégica seria conveniente, mas logo concluiu que aquela atitude equivaleria a reconhecer sua derrota.
Ver Charlotte usar todo o charme com Royal e exigir dele atenção constante era muito doloroso para ela. Os galanteios e a simpatia de Baird ajudavam a amenizar-lhe o desconforto, assim como os comentários e histórias divertidas de Tomás. A atitude distante e aparentemente indiferente de Royal, no entanto, era um grande desapontamento. Nem por uma única vez ele tentara protegê-la das contínuas insinuações e das menções a tudo o que lhe faltava. Apesar de ter capacidade para defender-se, aquela atitude a levava a acreditar que não passara de mera diversão para ele. Sua honra estava sendo questionada pelas irmãs Dumfrey, e aquilo a feria.
Royal, por seu lado, estava se sentido tomado por uma fúria difícil de ser controlada diante do que acontecia ali. Ele sabia que aquelas jovens presumiam que Antonie era sua amante e achavam que ele estivesse contrariado pela presunção de Antonie ao sentar-se à mesa com eles. Todavia, ele reconhecia que o ciúme que sentia dela pela proximidade com os outros rapazes fazia sua raiva atingir níveis quase incontroláveis. Tão árdua era sua luta contra aquele sentimento a cada vez que Antonie se divertia com o flerte de Baird, que ele estava propenso a arrancá-la dali e levá-la para seu quarto ou a dar uma surra no rapaz. Maldizia-se por sua incapacidade de defendê-la dos comentários maldosos, mas sabia que, se abrisse a boca, acabaria provocando um desastre ainda maior e mais vergonhoso para ele.
Foi uma combinação de elementos o que finalmente acabou com o controle da tensão à mesa do jantar. Liberada pela quantidade generosa de vinho que ingerira, Charlotte disparou um comentário nem um pouco sutil com relação à moral de Antonie, que tomou um último gole da bebida, antes de se levantar, com os olhos cor de violeta disparando fagulhas de revolta.
- Para mim, chega - ela disse. - Coloco minha melhor roupa e faço uso das melhores maneiras possíveis à mesa. E para quê? Para jantar com una maldita perra. O que ganho com isso? Madre de Díos! Vou sair e beber com gente que não faz esses joguinhos tolos. Gente que quando recebe um insulto não espera em resposta um sorriso ou uma resposta polida. Ter boas maneiras aqui, onde elas estão sendo desperdiçadas, é como jogar pérolas aos porcos.
- Boas maneiras? - Charlotte revidou. - O que uma mulherzinha como você entende de boas maneiras?
- Mais do que você, com certeza, señorita - Antonie respondeu com voz contida. - De onde venho, as pessoas não partilham uma refeição com alguém para depois cobrir esse mesmo alguém de insultos. A menos que não tenham amor à vida. - Ela sorriu ao notar que Charlotte empalidecera levemente.
- Droga, onde você pensa que vai? - Royal indagou, zangado, ao vê-la se afastar.
- Primeiro, vou trocar de roupa. Depois? - Ela deu de ombros. - Não é da sua conta, señor Bancroft.
Tomás saiu apressado atrás dela e, antes que Royal tivesse tempo de piscar. Cole e Justin pediam desculpas e se retiravam da mesa para também ir com ela. Pelo que via, Baird estava bastante propenso a seguir aquela sirena loira. Tais acontecimentos só fizeram deteriorar seu péssimo humor.
Antonie entrou no quarto como um furacão. Seus três acompanhantes seguiram-na e sentaram-se na cama, servindo-se de mais um pouco de vinho, enquanto ela se livrava das roupas atrás do biombo.
- Para o inferno com essas roupas finas! - ela exclamou. - Não sei como pude controlar minha paciência por tanto tempo. E soube mesmo controlar meu temperamento, não, Tomás? - Ela espiou pelo canto do biombo.
- Sí, Antonie, você foi um modelo de paciência. - Ele ergueu o copo, como que a cumprimentá-la pelo bom comportamento. - Quase não a reconheci.
Ela fez um sinal afirmativo com a cabeça e recolheu-se outra vez para acabar de se trocar.
- Não estou disposta a fazer isso de novo. Não há prazer algum em engolir insultos.
- Charlotte estava morrendo de ciúme, Toni - Justin disse. - Ela quer se casar com Royal.
Saindo de trás do biombo, vestindo calças e camisa, ela foi procurar pelas botas.
- Ela teve Royal só para ela o jantar inteiro. Quando ele olhou para mim foi com ar de reprovação. Pois bem, se ele me reprova até mesmo quando estou me portando bem, chega de bancar a dama. Não gosto nada dessa bobagem toda.
- Você foi dez vezes mais dama do que aquelas garotas Dumfrey - Cole elogiou, enquanto ela calçava as botas. - Você pode ser mordaz quando quer, querida, mas não se deixou levar pelo joguinho delas. Isso é o que faz uma dama, não as roupas que ela veste ou como usa os talheres.
- Elas são como Marilyn, e Marilyn é uma dama, sí?
Cole aproximou-se dela e colocou-lhe o chapéu na cabeça, enquanto ela ajeitava o cinto com a cartucheira.
- Ouça, querida, conheci uma porção de damas na vida. No entanto, nunca realmente as ouvi conversar umas com as outras. Esta noite eu ouvi e, droga, foi revoltante. Bem, eu mesmo não fui lá muito justo com você quando a conheci. Por causa da maneira como você se veste e age, eu a coloquei num lugar separado das damas. No entanto, muito antes desta noite eu me dei conta de que a maneira como eu pensava era fruto de pura ignorância.
- Gracias - Ela sorriu quando Cole passou o braço ao redor de seus ombros.
- Agora sei por que passei a considerá-la uma dama mesmo armada, como está agora - Cole começou, enquanto caminhavam juntos Justin, Tomás, ele e Antonie, para saírem do hotel.
- E por quê? - ela indagou, curiosa.
- Para começar, docinho, você é honesta. Conheci poucas assim chamadas "damas" que o são. Elas fazem esses joguinhos ridículos, entende? Isso anula o efeito de vestidos bonitos, leques, e outros acessórios. Todavia há uma coisa em relação a você que me deixa ressentido - ele acrescentou, assim que saíram do hotel.
- Ah, é? - Antonie encarou-o desconfiada. - Que coisa é essa?
- Bem, você não é lá muito justa. - Cole fitou-a com o braço ainda ao redor dos ombros dela. - Você me deixou de fora e me senti privado de um benefício. Você beijou Tomás, Oro, Justin e Royal, é claro, mas nunca me beijou.
Divertindo-se com os risos maliciosos de Tomás e Justin, Antonie enlaçou o pescoço de Cole.
- Não posso permitir que tal injustiça perdure - ela brincou.
- Muito bem! - Cole exclamou, antes de se permitir provar o sabor de algo que nunca possuiria.
- Um tanto público demais, não concordam? - indagou uma familiar voz masculina.
Depois que os demais haviam deixado a mesa de jantar ficara penoso para Royal aturar os Dumfrey. O modo possessivo como Charlotte enlaçava seu braço fazia-o trincar os dentes de raiva. Então, para completar sua noite, confrontava-se com aquela cena inesperada. Assim que Antonie e Cole terminaram o beijo e se voltaram para ele, Royal interpretou os olhares surpresos como culpa.
Sentia-se magoado e negava-se a analisar o motivo. Dizia a si mesmo que era porque Cole tirara vantagem da embaraçosa situação ocorrida no jantar para se aproximar de Antonie. Aquilo não era certo. O lugar de Antonie era em sua cama. Afinal, um homem tinha direito ao sentimento de posse.
- Sí, tem razão, señor Bancroft - Antonie disse. Caminhou até ele e fez com que Charlotte o soltasse, para então colocar a mão da jovem sobre o braço dele de maneira mais recatada. - Assim está melhor. Deixe para agarrá-lo mais tarde, señorita.
Sem mais palavras, Antonie, Tomás e os irmãos Bancroft bateram em retirada, deixando para trás Royal, que se limitou a observá-los enquanto se afastavam.
Irritado, ele tratou de ajudar as irmãs Dumfrey a subir na carruagem que as levaria de volta para casa e as acompanhou. Enquanto percorriam o curto trajeto até a residência dos Dumfrey, Royal culpava Antonie por tê-lo tornado alvo da chacota dos rapazes. Droga, ela tinha até mesmo o direito de se manter afastada dele, mas não de se voltar para outro homem e beijá-lo em público.
Enfim, ali estava ele, tendo que tolerar as futilidades daquelas jovens pelas quais não nutria o menor interesse, enquanto Antonie se divertia ao lado de Tomás, Cole e Justin. Seria melhor abrir os olhos antes que a perdesse de vez. Passara muito tempo desde a última vez em que reafirmara sua posse e estava mais do que na hora de voltar a fazê-lo. Os predadores começavam a rondá-la, e ele teria de voltar a marcá-la com seu nome para mantê-los afastados.
- Pensei que aquela mulher fosse ficar tomando conta da sua irmã - Charlotte comentou, interrompendo-lhe os pensamentos.
- Oro está tomando conta de Patricia agora - Royal respondeu, imaginando se a maldita carruagem não poderia ir mais rápido.
- Talvez ela devesse ser protegida daquele rapaz.
- Por quê? - Royal encarou-a com frieza. - Eles são noivos.
- Ele é mexicano! - exclamaram as três irmãs em uníssono, horrorizadas.
- Sim. Oro é um excelente rapaz.
- Mas se ele protege sua irmã, para que contratou Antonie? - Barbara indagou.
- Antonie foi encarregada de proteger Patrícia durante a viagem para a venda do gado. Enfrentamos diversos ataques de pistoleiros no caminho e aquela mocinha foi uma excelente guarda-costas. Não tive um instante de preocupação com minha irmã.
- Estou certa de que ela é hábil no trabalho que faz, do contrário você não teria colocado alguém da laia dela para cuidar de sua irmã - Charlotte comentou com desprezo.
- Recolha as garras afiadas, minha irmã - Baird recomendou, pondo um fim aos comentários desagradáveis. - Suas tentativas de menosprezar a srta. Ramirez esta noite só serviram para mostrar que ela é uma dama de verdade.
Ao chegarem à elegante residência dos Dumfrey, Royal viu-se obrigado a aceitar uma xícara de café. Seus pensamentos, no entanto, estavam com Antonie. Céus, a mera ideia de que outro homem pudesse tocá-la, como Cole fizera diante do hotel, fazia suas entranhas se contorcer. Tampouco conseguia aceitar que ela dedicasse a outros uma atenção que era sua por direito. Viu-se forçado a admitir que seu interesse nela não se resumia ao belo corpo. O que sentia ia além de mero desejo. Porém, ele se recusava a refletir sobre as implicações desse fato.
- Dê-me apenas um minuto, Royal. Vou me trocar e ajudarei você a encontrá-los - Baird anunciou.
- O que o faz pensar que irei atrás deles?
A resposta veio sob a forma de um riso discreto. Enquanto observava Charlotte, tão semelhante a Marilyn na maioria dos aspectos, Royal lembrava-se de que as duas jovens tinham sido consideradas por ele como fortes candidatas a esposa. Agora, pensar nisso era algo tão sem atrativos, que chegava a causar-lhe repulsa.
Assim que Baird voltou para a sala, Royal estava mais do que pronto para ir embora. Na verdade, gostaria de procurar por Antonie sozinho, mas não teria como admitir isso para o rapaz.
- Patricia vai mesmo se casar com Oro Degas? - Baird quis saber enquanto voltavam ao hotel para que Royal trocasse de roupa.
- Assim que voltarmos para casa.
- Tem certeza de que está sendo sensato em concordar com esse casamento? Acho que vão ter problemas. Outras pessoas terão a mesma reação que minhas irmãs.
- Sei que não será fácil, mas Patricia tem o apoio da família. - Royal colocou o chapéu assim que a carruagem parou diante do hotel. - Vamos descer?
Minutos mais tarde, os dois se dirigiam aos locais que os empregados de ranchos de gado frequentavam.
- Acha que deveria ter permitido que Antonie saísse com os rapazes? - Baird quis saber.
- Como se alguém pudesse detê-la - Royal resmungou. - Antonie sabe tomar conta de si mesma. Além disso, Oro e Tomás cresceram cuidando dela. Os três têm um sexto sentido para detectar perigo. Antonie teve uma vida dura. Está habituada a lugares como estes.
- Então, por que decidiu vir atrás dela?
- E eu sei? - A resposta de Royal fez Baird rir. - Bem, vou ser sincero. Antonie me pertence.
- E ela sabe disso?
- Parece que não.
- Então, deve reconhecer que está errado, meu caro. Talvez ela não pertença a você.
- Ah, Antonie é minha, sim. - Royal espiou para dentro de um bar, mas ela não estava lá. - Se ela não tem certeza disso ainda, vai ficar sabendo antes que esta noite acabe.
- Quase não tinha ar para respirar ali - Antonie comentou, enquanto ela e seus companheiros saíam de um local cheio e barulhento.
Cole concordou, enlaçando o braço da amiga. No final daquela rua, havia um estabelecimento de dois andares que parecia o tipo de lugar que procuravam. Bastou olharem para dentro para constatarem que estavam certos. O lugar não estava tão cheio, e o som das conversas era animado sem ser alto demais. As saudações que receberam serviram para provar que outros companheiros de seu grupo também tinham dado preferência a um ambiente mais tranquilo.
- Ei, Toni. Pensei que fosse passar uma noite de rainha naquele hotel elegante - disse um dos empregados do rancho.
- Noites elegantes terminam cedo, Luke - ela respondeu.
- Então venha se sentar aqui, querida, e faremos o possível para diverti-la até o amanhecer.
- Pretendo economizar um pouco do que ganhei, ou talvez a maior parte do dinheiro. - Ela sorriu, olhando para a mesa de jogo, onde Luke e outros se entretinham.
- Não tenha medo. Não somos gananciosos - ele garantiu. - Onde está o patrão?
- Ele ficou com os Dumfrey - Cole esclareceu, colocando uma caneca de cerveja diante de Antonie e sentando-se ao lado dela.
Ninguém mais mencionou o "patrão", o que foi perfeito para Antonie. Estava interessada em se divertir um pouco sem ter de pensar em Royal.
Ao ver que as apostas eram baixas, ela resolveu arriscar a sorte. Bebeu a cerveja que era servida à vontade e que não parecia cair mal com o vinho que tomara mais cedo. A bebida fez com que ela se tornasse uma companheira bastante animada.
Finalmente, Royal localizou a taverna em que Antonie estava, reconhecendo as vozes de seus empregados antes mesmo de entrar. Nem sequer se surpreendeu ao ver que ela enfrentava Luke para decidir qual dos dois era capaz de apresentar a melhor coreografia para acompanhar as músicas que Charlie Foster tocava ao violino. Entrando, ele pediu uma cerveja para Baird e outra para si, indo juntar-se aos outros rapazes, fazendo o possível para ignorar-lhes os risos zombeteiros.
- Peço um tempo - Luke disse a Antonie, quando despencaram os dois sobre duas cadeiras. - Desta vez você ganhou, Toni, mas vou ensaiar uns passos especiais para vencer da próxima vez.
- Ah! - ela exclamou, aproximando-se da mesa onde se sentavam os amigos e Royal. - Onde estão suas damas?
- Dormindo - ele respondeu -, como todas as moças de boa educação deveriam estar.
- Que bom eu não ser uma "moça de boa educação" - ela comentou. - É muito aborrecido dormir cedo.
- Depende da cama onde você vá dormir. - Ao notar o ar de malícia nos olhos dela, ele procurou se precaver. - Não diga nada.
- Que pena! - Ela tomou um gole de cerveja. - E então, que tal Antonie como dama? Meu vestido era bonito.
- Muito bonito - Royal respondeu, incapaz de ficar zangado com ela, sobretudo no estado de humor em que ela se encontrava. - A cor combinou com você.
Retirando o chapéu, ela mostrou que ainda tinha os cabelos presos.
- Não tive coragem de soltá-los. Patrícia teve muito trabalho para arrumá-los.
- Não pode deixá-los assim para sempre, chica - Tomás observou, rindo.
- Eu sei. Do contrário, eles vão sair andando sozinhos. - Ela sorriu e recolocou o chapéu. De repente, franziu as sobrancelhas. - Que horas são? Talvez as jovens damas não tenham ido para a cama tão cedo, não? - Ela tomou nas mãos o relógio de Juan, uma das poucas posses que ele lhe deixara.
- Olhe - Baird apontou. - Há um compartimento secreto na parte de trás do relógio.
Com um pouco de trabalho e a ajuda de Baird, ela abriu o pequeno esconderijo. Ali estava guardado um pedaço de papel que envolvia um cacho loiro. Cabelo de mi niña aos dez anos de idade, estava escrito em uma caligrafia ruim, que ela reconheceu como sendo de Juan.
Antonie sentiu a garganta se apertar, com a tristeza que não conseguira liberar por completo após a morte dele. Em silêncio, ela recolocou o papel com os cabelos no lugar, fechou o compartimento e guardou o relógio.
- Vou embora. - Ela se levantou. - Buenas noches. - Retirou-se da taverna a passos largos, sem olhar para trás.
- É melhor eu ir com ela - Tomás disse, pondo-se de pé.
- Eu vou - Royal decidiu, segurando o braço do rapaz.
- Ela precisa de consolo agora, não de censuras, señor - Tomás lembrou.
- Eu sei. - Royal tomou um último gole de cerveja. - É o relógio de Juan.
- Sí. - Tomás voltou a se sentar. - Fomos para o rancho, e ela não teve tempo suficiente para chorar a morte dele.
- E ela não é tão durona quanto quer que acreditemos - Royal concluiu.
- No, señor. - Tomás olhou bem nos olhos do patrão, não mais se referindo apenas à dor da perda de Juan.
Recusando-se a reconhecer que compreendia o que ele queria dizer, Royal se retirou do local. As palavras de Tomás exigiriam reflexão, e ele não tinha tempo para isso agora. Sua preocupação era alcançar Antonie.
Ele a avistou. Estava de cabeça baixa, caminhando em direção ao hotel. Alcançou-a e, erguendo-lhe a aba do chapéu, viu as lágrimas que escorriam pelo lindo rosto. Em silêncio, acompanhou-a até o quarto que ela ocupava.
- Eu nunca choro - ela disse com voz embargada, sentando-se na cama e escondendo o rosto entre as mãos.
- Isso não é razão para se envergonhar. - Ele ajoelhou-se diante dela para retirar-lhe as botas. - Você amava Juan.
- Ele sempre foi muito bom para mim.
- Estou certo disso. Independentemente de quem ele foi e da maneira como viveu, ele a amava muito. Testemunhei isso anos atrás.
- Juan me ensinou tudo que sei. Ele tentou fazer de mim uma dama.
- Meu bem - Royal tomou-lhe o rosto banhado em lágrimas entre as mãos -, você é uma dama. Juan foi bem-sucedido.
- Não. Eu me tornei sua meretriz.
- Minha amante - ele corrigiu, sentando-se ao lado dela e livrando-se das próprias botas.
- Há alguma diferença? - perguntou, sem tentar impedi-lo de se preparar para passar a noite com ela.
- Claro que sim. - Ele colocou o chapéu sobre uma cadeira próxima e tomou-a nos braços.
- Você está dizendo isso só para me agradar e evitar que eu mande você embora. - Ela enlaçou-o pela cintura.
- De maneira alguma. Jamais insultaria sua inteligência com palavras falsas. Sempre fui honesto com você.
Aquilo era verdade, Antonie pensou, permitindo que ele desabotoasse sua camisa, e até mesmo facilitando o acesso dos lábios quentes a seu pescoço. Ele a desejava e nunca procurara esconder isso. Nunca a enganara com palavras vazias de amor. Ela preferia a falta desse sentimento à falsidade de promessas enganosas, que no final lhe trariam ainda mais dor. Ao fitá-lo, viu um sorriso em seus lábios.
- Do que está rindo?
Royal voltou o olhar para a roupa de baixo que ela usava.
- A combinação de todas essas rendas sob um traje masculino - ele observou, divertido.
- Eu gostei. Nunca tinha usado nada assim antes - ela respondeu.
- É um contraste e tanto, mas não deixa de ser adorável - Royal comentou, removendo-lhe as calças e se divertindo outra vez ao ver a calcinha rendada.
Ela se deitou, e Royal inclinou-se sobre ela. Os olhos verdes revelavam claramente o que ele queria, e Antonie se arrepiou. Não havia como recusar aquele calor.
- Faz muito tempo - ele murmurou, roçando de leve seus lábios nos dela. - Senti sua falta.
- Eu não o mandei embora. - Ela retirou a camisa dele e acariciou as costas musculosas.
- Não, fui eu quem me mantive distante - ele admitiu, soltando-lhe os cabelos. - Fiquei magoado por ter perdido sua total atenção.
- Por isso é que estava zangado? - Ela tirou as calças dele e deslizou sensualmente as mãos pelas nádegas firmes.
- Sim. Você é minha. Não estou disposto a dividir com quem quer que seja nada que venha de você.
- Pertenço somente a mim mesma - ela afirmou baixinho.
- Marquei você com meu nome naquela primeira noite, doçura - ele reagiu, tomando a frase dela como um desafio.
- Marcou seu nome em mim? - Ela ajoelhou-se sobre a cama. - Não sou um dos animais do seu rancho.
- Claro que não. Mas o princípio é o mesmo. Você é minha, Antonie. - Royal fez com que ela se deitasse e segurou-a com firmeza, impedindo-a de levantar-se. - Percebi esta noite que minha marca em você começava a se apagar. É preciso reforçá-la.
- Sou uma mulher, não uma coisa - ela declarou, enquanto Royal prendia seus dois braços acima de sua cabeça.
- E que mulher... - Ele deixou que seus olhos desfrutassem da visão de toda aquela beleza feminina.
- Você nem ouve o que eu digo, gringo.
- Não, você é quem não ouve o que eu digo. Você me pertence, minha feiticeira loira, e pretendo deixar isso bem claro aqui e agora. - Ele cobriu-lhe os lábios antes que ela tivesse a oportunidade de retrucar.
Mais uma batalha perdida, Antonie pensou. O poder inebriante dos beijos dele, a língua quente que sabia exatamente o que fazer para explorar cada parte de seu corpo a ponto de roubar-lhe a capacidade de pensar, apagava qualquer resquício de ressentimento que pudesse sentir por aquele homem que tanto desejava.
Tomada por uma excitação crescente, ela mergulhou os dedos nos fartos cabelos castanhos. Depois de acariciar-lhe os mamilos, deixando-os úmidos e latejantes, ele deslizou a língua sem pressa por seu ventre até alcançar o centro de sua feminilidade. Saboreou-a enquanto acariciava com as mãos a parte interna de suas coxas.
- Ay de mí - ela murmurou, entregando-se às sensações. - Agora, querido. - Ela o segurou nos ombros. - Quero você dentro de mim.
Royal a possuiu, movimentando-se num ritmo acelerado, e abafou com um beijo o grito que ela emitiu ao atingir o clímax. Ela ainda envolvia os quadris de Royal com as pernas quando ele experimentou prazer igualmente intenso, que o deixou aturdido.
Em silêncio, com os corpos entrelaçados, eles esperaram até que a paixão se aquietasse.
- Não pode esperar que um homem aceite partilhar com outro algo como o que acabamos de viver, Antonie - Royal disse baixinho. - Você é minha, e só minha.
- E você é meu, Royal Bancroft? - ela indagou com voz suave. - Você diz que eu carrego sua marca. E você, carrega a minha?
Royal não esperava que ela fizesse aquela pergunta e surpreendeu-se ao pensar que a ideia era tentadora. Embora a questão esbarrasse em compromisso, sabia que ela não estava à espera de promessas de amor ou casamento. Para ser honesto, ele se sentia desapontado pelo fato de Antonie jamais ter lhe dirigido palavras de amor. Tentando tirar da cabeça aquilo que ele chamou de tolice naquele momento, lembrou-se de que a deixara sem resposta.
- Acredito que carrego sua marca, sim, Antonie - ele respondeu por fim. - Não senti o mais leve interesse por uma mulher desde que você entrou na minha vida.
- Sabe de uma coisa? - Ela tentou esconder a alegria que as palavras dele tinham provocado em seu coração. - Nunca me esqueci de você, de seus olhos, de seus cabelos...
- Nem eu me esqueci de você. - Ele riu. - Olhos cor de violeta e cabelos loiros e longos vinham à minha mente toda vez que alguém mencionava Juan Ramirez.
- Talvez estejamos destinados um ao outro, mi vida - ela comentou.
- Começo a acreditar que sim.
Antonie fez com que ele acomodasse a cabeça sobre seus seios, enquanto recostava o queixo contra os cabelos dele. Era maravilhoso tê-lo de volta. Ela o amava, e aquela possessividade que ele demonstrava era suficiente para despertar-lhe a esperança, deixando-a feliz. Ele fora pego na armadilha da paixão e, enquanto ali permanecesse, seria realmente dela.
Aconchegado a Antonie, Royal decidiu que teria que pensar com carinho nos sentimentos que nutria por ela. Porém, estava sonolento demais para qualquer reflexão. Ele passara a ter dificuldade para dormir desde que Antonie deixara de se deitar com ele. Agora, no entanto, sentia-se pronto a mergulhar num sono profundo nos braços daquela mulher. Sobre aquilo também teria que pensar seriamente.
Antonie despertou de repente. Sentia que o perigo os rondava. Royal continuava profundamente adormecido, abraçado a ela. Seus olhos tentaram se acostumar à escuridão e inspecionaram cada canto do quarto.
Devagar, ela levou uma das mãos até a pistola que mantinha escondida sob o travesseiro. Percebeu que a porta estava entreaberta e, pouco depois, enxergou o vulto de um homem que entrava no cômodo, sorrindo ao olhar para a cama onde ela se deitava com Royal.
O intruso ergueu a arma, que apontou na direção deles. Antonie fez o mesmo, sem nem ao menos piscar. Enquanto ele se preparava para atirar, ela disparou, fazendo com que ele largasse a pistola. Disparou então uma segunda vez, atingindo-o no braço. Nesse momento Royal, que já despertara, levantou-se e se colocou entre ela e o invasor, que fazia menção de fugir. Com um terceiro disparo, ela atingiu o homem na perna, para que ele não tivesse como escapar.
Em instantes, o quarto era invadido pelos gêmeos Degas, Cole e Justin. Pouco depois, hóspedes e empregados formavam uma fila no corredor, atraídos pelo ruído.
- Diabos, Antonie! Vista minha camisa depressa - Royal disse, colocando as calças.
Minutos mais tarde, o xerife e seu assistente chegavam ao locai. Como o xerife não conhecia nem Antonie nem os irmãos Degas, teve dificuldade em acreditar que alguém de aparência tão delicada quanto a dela pudesse ter agido com tamanha rapidez e precisão.
- Você tinha que atingi-lo três vezes? - o homem indagou, intrigado.
- Sí. O primeiro tiro foi para que ele largasse a arma. O segundo para impedir que fugisse. Mas as pernas ainda funcionavam, portanto me vi obrigada a disparar uma terceira vez. Nós precisávamos fazer algumas perguntas a ele.
- Livre-se do pessoal aí fora, George - o xerife instruiu seu assistente. - Eu é que faço as perguntas aqui.
- Ouça, xerife, esse homem e outros têm me perseguido há meses - Royal falou. - Quero saber quem está pagando esses homens para me fazer mal.
- É justo que faça perguntas, então - o xerife consentiu. - Mas adianto que esse tipo de gente fala pouco, se é que me entende.
O xerife estava certo, pois o homem negou-se a responder às perguntas de Royal. Porém, Antonie, Tomás e Oro sabiam que ele não se calava por lealdade, e sim por medo. Ela se levantou, tomou a faca nas mãos e aproximou-se do homem. A única maneira de fazê-lo falar seria provocar mais medo nele do que ele teria de Mendez, uma vez que com ela o risco era mais imediato.
- Será que posso tentar? - ela perguntou a Royal. - Conheço essa gente melhor que você.
- Para quê a faca? - o xerife quis saber.
- Persuasão - ela disse. - Oro e Tomás, ponham o sujeito em pé. - Ao notar que Royal conversava com o xerife, ela percebeu que teria liberdade para agir. - Diga-me, cão maldito - ela começou em espanhol -, quem paga Raoul para fazer essas coisas aos Bancroft?
- Não vou dizer nada à vadia de Juan Ramirez. - O homem cuspiu, o que fez com que Oro e Tomás lhe torcessem o braço, fazendo-o gritar.
- Vai me contar sim. - Antonie ergueu a faca. - Sei que morre de medo da ira de Raoul Mendez, mas posso fazer algo com você que será pior do que simplesmente matá-lo. - Ela correu a ponta da faca pela parte frontal da calça dele, até detê-la nos testículos, fazendo-o começar a suar. - Se não me contar o que quero saber, vai sair daqui sendo menos homem do que já é, posso garantir.
- Señorita - o homem murmurou com voz trêmula, assim que Antonie aumentou a pressão da lâmina.
- Vou fazer tudo bem devagar. Vou cortar milímetro por milímetro. Apesar de que o pouco material que tem aí não deve render mais que três fatias finas.
Tomás e Oro riram. O capanga de Raoul estava assustado demais para se sentir ofendido.
- Não sei de nada - ele disse. - Só faço o que mandam.
Antonie pressionou um pouco mais a lâmina, a ponto de fazer com que um pouco de sangue manchasse as calças do sujeito.
- Mas tenho certeza de que você vê e ouve muita coisa, não?
- Sim, sim...
- Estou esperando - ela disse, cortando-lhe o cinto.
- Um gringo texano paga Raoul, mas não sei o nome dele. Juro, señorita.
- Por que esse texano faz isso? Qual é o plano?
- Arruinar os Bancroft. Esta noite eu deveria matá-la. Raoul acha que você e os irmãos Degas estão atrapalhando seus planos. Ele a quer morta.
- Raoul sempre quis nos matar, não há nada de novo nisso - Antonie retrucou. - Você deveria matar Royal Bancroft?
- Apenas feri-lo, caso ele estivesse com você. Era para que ele pensasse que eu planejava matá-lo, mas que não consegui. Porém, o texano quer que você morra. Eu não sei por que. A señorita é muito odiada.
- Tomás, Oro, podem soltá-lo - Antonie instruiu. - Ele não me contou nada sobre os planos - ela disse em inglês, enquanto o xerife algemava o trêmulo prisioneiro. - O que Raoul Mendez planejou envolve um ódio antigo e outro muito particular.
Após um relato detalhado, Antonie e Royal foram deixados novamente a sós. Depois de proteger a porta com um móvel que impediria que a maçaneta se movesse, Royal voltou-se para Antonie, dando-se conta de que jamais vira uma mulher que ficasse tão atraente vestindo sua camisa.
- Não tenho certeza de que quero continuar dormindo com uma mulher que guarda uma pistola embaixo do travesseiro - ele brincou.
Antonie sorriu, enlaçou o pescoço de Royal e o beijou.
- Eu costumava guardar uma faca sob o travesseiro, mas na situação atual uma pistola é muito mais útil - ela explicou, antes de deslizar os lábios pelo pescoço dele.
Talvez por causa do risco de morte e da ameaça que pairava no ambiente, Antonie sentiu-se, de repente, desesperada para fazer amor. Tirou a calça que Royal vestira e, em seguida, passou a cobrir-lhe o peito de beijos lentos, deslizando a língua sobre cada um dos mamilos. Em seguida, deixou que os lábios roçassem o abdômen firme, para depois acariciar as pernas longas e musculosas com as mãos, enquanto com a boca tocava o membro ereto.
Incapaz de fazer outra coisa, Royal segurou-se à cabeceira da cama, murmurando o nome dela. Antonie lhe proporcionava tanto prazer que, se ele próprio não tivesse roubado sua inocência, acharia que ela era uma mulher experiente.
Ao sentir que não conseguiria mais se controlar, ele deitou-a para também acariciá-la. Ao perceber que ela se aproximava do clímax, penetrou-a e, juntos, experimentaram o prazer mais intenso de suas vidas.
Momentos mais tarde, Royal quebrou o silêncio confortável que os envolvia.
- Foi incrível.
- Si - ela concordou, sonolenta. - Acho que nunca conseguiremos fazer amor melhor do que esta noite.
- Podemos tentar - ele respondeu.
- Acho que seria perigoso para nossa saúde, mi amor - ela brincou.
- Talvez você esteja certa. - Ele beijou-a com ternura. - Você é a amante dos sonhos de todo homem.
Aconchegando-se a ele, Antonie experimentou um misto de satisfação e desapontamento. Queria que, em vez de "amante", Royal tivesse dito "amor". Contudo, estava feliz, e o melhor que tinha a fazer era dar uma chance ao futuro.
- Acorde, dorminhoca - Royal chamou-a pela manhã.
- Deixe-me em paz. Preciso descansar - Antonie protestou.
- Que pena! - ele provocou. - Vou ter que encontrar outra pessoa para tomar o café da manhã comigo e para dar uma volta.
- Mas o que há para ver nesta cidade senão tavernas, bordéis, bancos e lojas? Já vi tudo isso.
- Mas não comigo. Vou descer para pedir o café da manhã para dois, e enquanto isso você decide. Se mudar de ideia e quiser me acompanhar, estarei esperando no refeitório.
Assim que ele saiu, Antonie concluiu que, uma vez que ele a despertara, o melhor seria arrumar-se para acompanhá-lo. Decidiu que não vestiria calças e camisa. Apanhou o traje que usara na festa do rancho, imaginando que Royal ficaria satisfeito ao vê-la trajada com roupas femininas. Depois de se lavar e pentear os cabelos, ela se vestiu e desceu para encontrá-lo. Como havia previsto, ele elogiou sua beleza, o que fez com que a estranha sonolência que ainda sentia se desvanecesse.
Depois de um gostoso desjejum, ele ofereceu-lhe o braço, e os dois deixaram o hotel. O dia estava ensolarado e a rua movimentada. Caminharam um pouco e, após irem rapidamente ao banco, Royal disse:
- Estava pensando em dar uma passada pelo escritório do xerife. Talvez ele tenha extraído mais alguma informação do capanga de Raoul.
- É possível . Ele pode ter se lembrado de alguma coisa útil.
Quando chegaram, Royal deu passagem a Antonie para que entrasse primeiro.
- Curioso terem aparecido por aqui - comentou o xerife assim que pisaram em sua sala.
- Viemos saber se o pistoleiro que nos atacou ontem à noite deu-lhe mais alguma informação - Royal esclareceu.
- Não, e nem vai dar. Venham comigo - ele disse, dirigindo-se à área onde ficavam as celas. - Saberiam algo a respeito disso? - Ele apontou para um corpo ensanguentado no chão, coberto por um lençol.
Mesmo acostumada a cenas como aquela, Antonie sentiu o estômago embrulhar.
- Raoul - ela murmurou.
- Você está bem, Antonie? - Royal indagou, notando-lhe a palidez.
- Sí, apenas um pouco enjoada e tonta.
- Disse alguma coisa, senhorita? - o xerife interpelou.
- Ela precisa se sentar - Royal resolveu, conduzindo-a de volta ao escritório do xerife. - Sente-se. Você está pálida.
Enquanto se acomodava, Antonie imaginava por que seu estômago estaria tão sensível. Estava acostumada à violência, apesar de Juan sempre tê-la poupado do pior. Será que a convivência com Royal a estava amolecendo?
- Ouvi a senhorita dizer um nome - o xerife pressionou.
- Raoul. Raoul Mendez. Ouviu falar dele? - Royal perguntou.
- Sim, raios! Mas o homem não é desta área.
- Pois ele deve estar por aqui. Eu não imaginei que ele se arriscaria a se afastar tanto da fronteira com o México, mas acredito que ele esteja aqui.
- O senhor me disse ontem à noite que ele está no encalço de vocês, não?
- Sim. Ele está recebendo de alguém para nos perseguir.
- De quem?
- É o que queremos descobrir, mas até agora não tivemos sorte - Royal explicou. - Como o pistoleiro foi morto?
- Alguém apareceu na janelinha da cela, e o tolo deve ter acreditado que seria resgatado. Eles o acertaram com uma arma poderosa na cabeça. Fizeram um estrago daqueles - o homem comentou, olhando para o relógio de ouro que tinha nas mãos. - Nem sinal de quem atirou. Estou esperando pelo agente funerário. Esse homem é um bandido mexicano, certo?
- Sim - Antonie respondeu. - Eu já o vi com Raoul Mendez, mas não sei o nome dele.
- E por que a senhorita deveria saber o nome dele?
- Vim do México. Conheço essa gente.
- Não acha que o nome dele seja Douglas Sanders, certo?
- Não é. Tenho certeza - Antonie afirmou.
- E não conhece ninguém que se chame Douglas Sanders?
- Não, xerife - ela garantiu. - Royal?
- Não. Achou o relógio com ele?
- Sim. Na certa, ele o roubou. - O xerife guardou calmamente o relógio no bolso.
Antonie cobriu os lábios para disfarçar a risada, mas Royal lançou-lhe um olhar de censura antes de se voltar para o xerife.
- Não acha que o relógio deveria permanecer com o corpo, senhor?
- Claro que não. Para quê? Além disso, estava mesmo precisando de um relógio. Caso o senhor encontre alguém chamado Sanders, que tenha perdido um relógio, diga-lhe para vir falar comigo. Bem, sr. Bancroft, como não fez nada que seja contra a lei, não posso expulsá-lo da cidade. Mas gostaria de saber quando pretendem partir. Nós já temos trabalho suficiente por aqui para cuidar de problemas que não são nossos. O tal Raoul Mendez está atrás de vocês e, portanto, também partirá quando forem embora, certo?
- Sí - Antonie respondeu. - Iremos embora amanhã de manhã.
Despediram-se e, ao voltarem para a rua, caminharam em silêncio. Antonie via a contrariedade estampada no semblante de Royal. Não sabia se devia ficar quieta ou dizer algo para aliviar a tensão.
- Esta foi a primeira vez que um xerife me diz para deixar uma cidade - Royal observou.
- Ele apenas perguntou quanto iríamos embora.
- Sabe muito bem que ele nos diria para irmos embora, se você não tivesse dito que estamos de partida pela manhã.
- Ele quer que Raoul deixe a cidade.
- Bem, estou cansado dessa conversa. - Eles pararam diante de uma vitrine. - Diga-me, Antonie, o que acha desse chapéu?
- É uma tolice.
- Uma tolice? Veja, está escrito que é a última moda em Paris.
- E o que ele está fazendo por aqui?
O humor de Royal foi melhorando pouco a pouco. Para começar, ele resolveu entrar na loja e comprar o chapéu parisiense. Antonie ficou feliz por poderem deixar de lado as preocupações e as ameaças que os cercavam, para se divertirem juntos, como um casal. Royal a fez se sentir cortejada, e ela corou, confusa, mas adorou ser tratada daquela maneira.
À noite, quando ele a tomou nos braços após terem feito um amor selvagem, Antonie imaginou se, de fato, as coisas tinham se esclarecido entre eles.
- Quando começou a acreditar em mim? - ela resolveu perguntar.
- Do que está falando?
- De sua desconfiança quanto a Oro e eu. Você nunca disse nada sobre ter mudado de opinião em relação a me considerar uma mentirosa.
- Muito bem. Foi antes daquela batalha em que você e Patrícia se protegeram atrás das rochas. Para ser mais exato, no dia em que você foi surpreendida pelo pistoleiro enquanto tomava banho no lago. Naquele dia eu cheguei à conclusão de que estava sendo injusto. Decidi pôr minha raiva de lado e considerar as coisas de maneira mais objetiva.
- E concluiu que eu não havia mentido para você. - Ela enlaçou-o pelo pescoço e se pôs a acariciar-lhe as costas.
- De qualquer maneira, eu sabia que você estava escondendo alguma coisa de mim. Eu estava começando a perceber o que acontecia entre Patrícia e Oro quando, finalmente, a verdade veio à tona.
- Compreendo. Então vamos negociar.
- Negociar? - Royal perguntou, surpreso.
- Eu passo a acreditar que você confia em mim, muito embora você não o tenha feito por completo, até tomar conhecimento dos fatos. - Antonie envolveu o corpo dele com as pernas. - Mas eu quero uma recompensa.
- Você iria ganhar de qualquer maneira. - Royal beijou-lhe os lábios.
- Sí?
- Sí. A viagem para casa vai ser longa e cansativa e não vamos ter mais este tipo de privacidade.
- Ah, que pena. Vou sentir tanta falta desta cama macia. - Antonie riu quando Royal deitou-se sobre ela.
- Vou mostrar a você do que vamos sentir falta - ele disse, preparando-se para presenteá-la com carícias que os levaria mais uma vez a se entregarem um ao outro.
- Vá embora - Antonie resmungou, empurrando a mão que a sacudia pelo ombro.
- Não há nada que eu quisesse fazer mais do que ficar nesta cama com você, querida - Royal disse. - Mas precisamos ir.
- Oh... - Ela abriu os olhos e fitou-o, sonolenta. - É hora de voltar para casa.
- Se você se apressar, podemos tomar um café da manhã gostoso e revigorante. Depois disso, teremos uma longa estrada a enfrentar.
- Estarei no refeitório em um minuto. Você pode ir pedindo, se quiser. Sabe do que eu gosto.
- Sei do que eu gosto também - Royal contemplou-a, tentado a ficar ali com ela -, mas é melhor ir pedir o café.
Assim que ficou sozinha, Antonie se levantou. No entanto, mal começou a caminhar, foi tomada de uma vertigem que a obrigou a sentar-se. Aquilo vinha se repetindo com regularidade, e ela decidiu que iria ao médico assim que chegassem ao rancho.
Quando Antonie entrou no refeitório, Royal estudou-lhe o semblante pálido e culpou-se por estar exaurindo as forças dela com sua paixão intempestiva. Ele se lembrou de que ela estivera igualmente pálida e indisposta nas manhãs anteriores. Se pudesse, ele a pouparia da longa cavalgada até o rancho, mas não havia muito que pudesse fazer. Mesmo após ela ter-se alimentado, sua aparência não apresentava melhora.
Minutos mais tarde, ambos montavam seus cavalos lado a lado.
- Você está bem, Antonie? Se quiser, podemos ficar mais um dia para que descanse - Royal propôs.
- Não se preocupe - ela disse. - Todos já estão prontos. Além disso, há alguém que não vê a hora de se livrar de nós - ela indicou o xerife, que os observava da esquina.
- Tem certeza de que está bem?
- O ar fresco me fará melhorar. - Ela conseguiu sorrir. - Nunca imaginei que esse trabalho honesto pudesse ser tão árduo.
- Minha doce Antonie - ele murmurou, tocando-a na face. - Bem, vamos partir agora, mas podemos desacelerar o passo e até mesmo parar caso sinta necessidade. Lembre-se disso.
- Sí, patrón.
Ao passarem pelo xerife, Royal levou a mão ao chapéu para saudá-lo, e o homem imitou o gesto. Ao ver que o xerife examinava o relógio que trazia ao pulso, que herdara do pistoleiro, Antonie riu, e Royal maneou a cabeça.
Ao pararem para descansar por volta do meio-dia, Antonie parecia bem. A palidez abandonara-lhe a face, e ela aparentava o bom humor de sempre. Royal concluiu, então, que havia se preocupado sem motivo.
Antonie sentiu-se aliviada pelo fato de Royal ter-se convencido de que ela estava bem. O mal-estar matinal nunca durava muito tempo, mas de qualquer maneira teria que tentar disfarçá-lo melhor, pois já estava preocupada o bastante por causa das indisposições para ter que tolerar perguntas. Aquela seria, sem dúvida, uma longa viagem.
- Bem, aí está seu rancho - Antonie apontou, assim que alcançaram as terras de Royal. - Como vê, está tudo em ordem.
- Só ficarei sossegado quando puder ver que as pessoas também estão a salvo - ele observou.
Assim que pararam os cavalos diante da casa, Pete saudou-os, pedindo imediatamente aos filhos de Maria, Sancho e Carlos, que se ocupassem dos cavalos. Pouco depois, eram cumprimentados por Maria, radiante ao vê-los de volta intactos.
- Querido! - exclamou uma voz feminina vinda de dentro da casa. Em segundos, Marilyn se atirava nos braços de Royal. Entre surpreso e contrafeito, ele olhou para Antonie e Maria. - Que sorte a minha ter decidido vir dar um jeitinho na casa hoje!
- Você tem vindo à minha casa regularmente? - Royal indagou, tenso.
- Claro que sim, querido. Eu disse que iria cuidar de tudo para você.
Encostada a um dos pilares da escada, Antonie mal pôde conter o riso ao ver Maria revirar os olhos diante das palavras da intrometida vizinha.
- Pode ficar tranquilo, pois cuidei tão bem da sua casa que é como se você nunca tivesse saído daqui - Marilyn continuou. - Agora, enquanto Maria e a outra criada esquentam a água para seu banho, podemos conversar à vontade. Muita coisa aconteceu enquanto esteve fora. - Ela não soltava o braço de Royal.
- Se me dão licença... - Antonie fez uma saudação com o chapéu.
- Por favor, Maria - Royal pediu para a criada -, esquente água para Antonie tomar um banho.
- Está querendo insinuar que estou cheirando mal? - Antonie indagou, com um sorriso.
- Não - Royal respondeu. - Está cheirando igualzinho a mim.
- Ay! Então vou precisar de água para três banhos pelo menos, Maria.
Antonie subiu para seu quarto, e logo Maria e Rosa chegavam com dois baldes de água quente.
- Que carinha é essa, Maria? - ela perguntou, vendo a expressão de contrariedade da mulher. - Não pode dizer que ficou sem companhia durante o tempo em que estivemos fora - ela provocou.
- Madre de Dios. Essa mulherzinha é um castigo, chica.
- Mande-a calar a boca quando ela começar a mandar em você. Royal não vai demiti-la por isso.
- Será que não? Bem, se isso acontecesse, haveria problemas e não valeria a pena, chica.
- Maria, você conhece algum bom médico na região? - Antonie indagou.
- Vá buscar mais água, Rosa - Maria pediu. - Está doente, chica? - ela perguntou assim que ficaram a sós.
- Não tenho certeza. É um mal-estar que vem e vai.
- Talvez eu mesma possa ajudá-la. Já vi muita gente doente na vida.
- Eu preferia mesmo falar com você. O médico é homem, certo? Eu não gostaria de falar com um homem, porque acho que estou com um problema de mulher.
- Vamos ver se posso ajudá-la. - Maria sentou-se em um banquinho ao lado da tina onde Antonie já estava. - Dói muito? Sangra?
- Não. E, para ser honesta, faz tempo que não sangro.
- Quanto tempo?
- Não sei. - Ela ficou pensativa. - Ah, eu me lembro. A última vez foi quando Juan morreu. Depois disso, nunca mais.
- Fique em pé, chica. - Maria sorriu ao passar a mão delicadamente sobre o ventre dela. - Não está mais tão magrinha, não é?
- Acha que é um tumor? - Antonie indagou, alarmada.
- Um tumor? - Maria riu.
- Como pode rir de mim, se posso estar muito doente? - Antonie protestou. - Eu me lembro de ouvir falar de tumores lá no México, e sempre tive pavor deles. Minha barriga mexe a toda hora. Além disso, me sinto muito cansada e sonolenta.
- Fique tranquila que isso não é doença, chica. Você está grávida.
- Grávida? - Antonie ficou intrigada. - Mas Maria, mulheres grávidas são gordas.
- Nem sempre. Há mulheres cuja barriga só se torna aparente nos últimos meses. Você sangrou pela última vez pouco antes de vir para o rancho. Então deve estar mais ou menos com seis meses de gravidez. Você vai ter um filho do patrón.
- Dios mio! Mas os bebês se mexem?
- Claro que sim. Seu bebê deve ser muito forte. - Maria sorriu. - Como não desconfiou disso antes?
- Como eu poderia saber? Fui criada no meio de homens, e eles não falam em bebês.
- Compreendo. Levante-se, chica. Rosa trouxe mais água quente, pois essa já está esfriando.
- Maria - Antonie murmurou, enquanto a criada trocava a água da tina -, não diga nada a ninguém sobre o bebê, por favor.
- E por que eu diria? Isso você é quem tem que dizer ao señor Royal.
- Ou não.
- Está pensando em não contar ao patrón? Mas é o filho dele.
- E meu também.
- Sim, e vocês vão se casar.
- Será?
- O patrón não está mais interessado em Marilyn.
- Ele não a quer por enquanto. - Ela sorriu sem jeito diante da expressão preocupada de Maria. - Mesmo que ele decida que não quer se casar com ela, isso não implica que ele queira se casar comigo. Tenho que pensar nisso. Não é uma situação simples.
Após prometer que nada diria e tocá-la no rosto com carinho, Maria se retirou. Entregando-se ao calor da água, Antonie fechou os olhos. Só tornou a abri-los ao perceber que alguém a observava. Royal estava ao lado da tina e, de repente, a expressão sóbria do rosto dele foi substituída por um sorriso.
- A água está gostosa? - ele perguntou, livrando-se das roupas e entrando na tina com ela.
Repousando a cabeça no peito de Royal, após terem feito amor, Antonie olhou na direção da tina.
- Espalhamos bastante água no chão - ela comentou. - E minhas roupas limpas estão no outro quarto.
Royal levantou-se da cama e, enrolando-se em uma toalha, foi apanhar as roupas para ela.
- Não sei se devemos ficar aqui e morrer de fome ou se vamos jantar - ele disse ao retomar.
- Vou ajudá-lo a decidir. Eu estou faminta - ela confessou, levantando-se para se vestir.
Minutos mais tarde, os dois se juntavam aos demais na sala de jantar. O assunto do momento era o planejamento do casamento de Patrícia e Oro. Após uma calma refeição, sem a presença indesejável de Marilyn, eles decidiram que era necessário cuidar da lista de convidados. Ao notar que Royal hesitava em incluir o nome de certos vizinhos, amigos e conhecidos, Oro resolveu intervir:
- Não deve deixar de convidá-los, señor - ele aconselhou.
- Mas Oro, você sabe como é essa gente. - Royal meneou a cabeça.
- Sí, mexicanos não valem nada e mestiços valem menos ainda. Eu não me importo com essa bobagem.
- Eles podem ser desagradáveis - Royal observou.
- Não tenha dúvida de que eles vão ser desagradáveis. Mas será pior se não convidá-los. Vão ficar ofendidos, e isso pode causar-lhe problemas. Agora, se receberem os convites e se eles se recusarem a comparecer, a ofensa vai partir deles, e não de você - Oro ponderou.
Após um momento de reflexão, Royal concordou com ele. Torceria para que alguns dos convidados não comparecessem, mas se o fizessem, esperava que tivessem a decência de se portar bem. Patrícia enfrentaria dificuldades mais dia menos dia, mas não durante a festa de seu casamento.
Quando as pessoas se preparavam para se recolher, ele chamou a irmã para uma conversa.
- Pattie, sobre esse casamento... - ele começou.
- Não pode mudar de ideia agora, Royal.
- Não vou mudar de ideia, mas quero que escute o que tenho a dizer.
- Muito bem, estou ouvindo.
- Eu gosto de Oro e tenho admiração por ele. Mas quero que se lembre de que naquele bem-apessoado rapaz que acaba de deixar a sala existe um mexicano, um índio e o filho de um pistoleiro. São três coisas que as pessoas por aqui odeiam em uma só pessoa.
- Bem, poucos por aqui sabem quem foi o pai dele - ela observou em tom de desafio.
- É verdade, mas ainda que ninguém saiba, alguém pode acabar descobrindo e sair falando por aí. Além disso, querida, ainda resta a mistura de mexicano e Yaqui que não há como disfarçar.
- Antonie, Tomás, Maria e Oro já me falaram sobre como as pessoas podem ser preconceituosas.
Percebendo que a irmã ainda falava como se o desafiasse, Royal concluiu que ela de fato não tinha ideia do que certamente enfrentaria. Ele segurou-a pelos ombros, a fim de que ela abrisse os ouvidos, a cabeça e o coração para o que ele iria lhe dizer.
- As pessoas falaram, Patrícia, mas será que você compreendeu o que lhe diziam? Depois do seu casamento, a sua família e os empregados do rancho talvez sejam os únicos que ainda falem com você. As pessoas irão fingir que não a enxergam e farão comentários maldosos. Alguns poderão até mesmo considerá-la uma prostituta por se ter casado com um homem como ele. As boas maneiras às quais você está tão habituada deixarão de existir. - Ele percebeu que a irmã o ouvia com atenção. - E Oro será tratado de forma ainda pior. Alguns por puro ciúme tolo, no caso dos rapazes que tinham vindo cortejá-la, pelo simples fato de você ter preferido Oro a eles. É possível que haja brigas, e muitos irão odiá-lo simplesmente por ter ousado cruzar a barreira que eles haviam estabelecido entre nós, americanos brancos e pessoas como ele.
Royal viu as lágrimas brotando nos olhos da irmã, mas nem por isso atenuou seu discurso.
- Os filhos que vocês tiverem também serão discriminados. As pessoas não permitirão que as crianças brancas se misturem a eles. Vão ser alvo de ódio também. É bom que você goste da terra onde vai viver porque sairá pouco de lá. Enquanto estiver em sua casa, com seu marido e seus filhos, não haverá problemas. E, é claro, poderá vir a esta casa, que continuará sendo sua também. Mas esqueça convites, porque não será mais convidada por ninguém a comparecer a festas, casamentos, batizados...
- Não tem importância. Eu amo Oro. Nossos filhos irão amá-lo também e serão amados por nós.
- É melhor que seja um amor de verdade, porque vai ser colocado à prova com frequência - Royal lembrou.
- Nosso amor já foi testado, meu irmão. Resistir à rejeição de Oro foi uma das provas de que meu amor é verdadeiro. Resistir à suspeita de que havia algo entre ele e Antonie também, assim como às idas dele à cidade, para voltar cheirando a garotas de bordel. Nada disso fez com que eu me afastasse dele. Além disso, não ficarei tão isolada assim. Terei minha família. Oro e nossos filhos. Terei meus irmãos, Maria e Rosa. Terei Antonie e Tomás. Além disso, todos os empregados do rancho continuarão a nos respeitar. Não vou precisar de ninguém mais.
- Está certo, então, querida. - Royal beijou-a e a abraçou. - Tenha certeza de que sempre poderá contar com sua família para apoiá-la. Mesmo com todos os problemas que temos tido, ainda somos considerados uma família poderosa nesta área.
Antonie observava Royal enquanto ele se acomodava a seu lado, na cama.
- Teve uma conversa com Patrícia?
- Sim. Sei que vocês conversaram com ela antes, mas fiz questão de reforçar algumas coisas.
- Acredita que ela compreendeu as dificuldades que enfrentarão?
- Espero que sim. Acredito que o amor deles seja mesmo para valer. - Após relatar toda a conversa com a irmã, Royal meneou a cabeça. - Só agora me dou conta de como tenho agido da forma errada. Tenho permitido que Marilyn insulte e magoe Maria, sem fazer nada para defendê-la.
- Ela está com vontade de mandar Marilyn calar a boca - Antonie revelou.
- Deixe que ela faça isso.
- Tem certeza? Maria tem medo de que você a demita.
- O quê!? - Royal estava chocado. - Eu jamais faria isso. O pai de Maria e meu pai construíram tudo o que temos. Ela é um membro da família.
- Deve ser difícil para Maria ouvir Marilyn dizer que ela faz errado aquilo que ela sabe fazer tão bem - Antonie observou.
- É bem isso que Marilyn faz. Só agora enxergo essa moça como ela de fato é - Royal admitiu. - Ela se porta como se fosse dona deste rancho. Eu me pergunto se não é isso o que ela tem feito desde o início, se as expectativas das pessoas em relação a mim e Marilyn não são uma maneira de me coagir a fazer o que elas querem. - Ele fitou Antonie. - Mas não quero falar sobre isso agora.
- E sobre o que quer falar? - ela indagou.
- Sobre como você vai me atacar até me deixar exausto.
- Será que sou capaz disso?
- Bem, você vai ter que tentar, e eu vou dizer como está se saindo.
No início, Antonie estava tímida e insegura quanto à própria capacidade de estar no controle durante o ato de amor. Porém, ao perceber o evidente prazer de Royal, sua confiança aumentou, e ela passou a ousar, fazendo coisas que apenas imaginara, mantendo-o no limite do êxtase pelo máximo de tempo possível . Por fim, quando desabou nos braços dele, perguntou-se, curiosa, se ele estava tão exaurido e saciado quanto ela.
Royal precisou de bastante tempo para recuperar a fala. Nunca conhecera uma paixão como a que compartilhavam. Sorriu. Ela era maravilhosa, e ele seria um tolo se a deixasse escapar.
- Nada mau - ele murmurou, por fim.
- Nada mau? Só isso?
- Em algumas semanas, você pode tentar de novo. Eu preciso estar plenamente recuperado para experimentar isso outra vez.
Rindo, ela se acomodou em seus braços, preparando-se para dormir.
- Você precisa tomar mais cuidado ao me desafiar, mi vida.
- Ah... Bem, tivemos um longo dia, e os próximos também serão ocupados, não?
- Planejar um casamento não é algo simples.
Ao perceber que Royal não dizia nada, ela ergueu com cuidado a cabeça que repousava em seu peito e viu que ele dormia. Contemplou o rosto do homem amado. As linhas de preocupação marcavam-lhe as faces. Em vez de encontrar paz ao retornar para casa, ele ainda enfrentaria uma batalha. Sabia que não era mais a promessa que fizera a Juan que a mantinha ao lado de Royal, lutando por ele.
Porém, era importante que aquela guerra terminasse. Em breve, o bebê a obrigaria a afastar-se dos confrontos, ou até mesmo a partir. O fato de Royal não ter percebido as modificações em seu corpo a surpreendia. Todavia, era possível que ele fosse tão ignorante quanto ela em relação a bebês. Além disso, havia inúmeras preocupações ocupando-lhe a mente.
Suspirou, fechando os olhos. Precisaria tomar uma decisão. Maria dissera que seu ventre começaria a ficar arredondado logo, e então não seria mais possível esconder a gravidez. Não queria provocar um conflito quando Royal descobrisse que estava grávida.
A melhor solução seria que ele a quisesse como esposa, sem saber do bebê. No tempo que lhe restava, tentaria ter uma ideia mais exata dos sentimentos dele. Se tudo o que Royal sentisse por ela fosse paixão e senso de dever, ela voltaria para o México.
A noite do casamento de Patrícia e Oro finalmente chegou. Antonie e Maria encharcaram seus lenços de lágrimas, emocionadas com a beleza da celebração. Os noivos estavam lindos e radiantes diante da realização do sonho de amor que tanto almejavam. A sala estava repleta de convidados, uma vez que ninguém deixara de aceitar o convite de Royal Bancroft.
Após o término da cerimônia, Antonie começava a caminhar em direção a Royal, quando avistou Marilyn indo juntar-se a ele. Decidiu, no entanto, que desta vez não se afastaria. Afinal, tinha o direito de lutar por ele.
- Acho que cometeu um grave erro - Marilyn opinou, referindo-se à união de Patrícia e Oro.
- É mesmo? Eu não concordo - Royal respondeu com frieza, percebendo o brilho de ressentimento nos olhos de Antonie ao ouvir o comentário.
- Esse casamento será a ruína de sua irmã. Você devia ter-se dado conta disso - Marilyn insistiu.
- O amor jamais arruína uma pessoa - Antonie interveio.
- Tenho certeza de que o que Patrícia sente por ele não passa de uma breve paixão - ela prosseguiu, ignorando Antonie. - Ela não é a primeira moça a se deixar atrair por alguém de classe social baixa e sangue inferior. Se você tivesse sido firme, nada disso teria acontecido, Royal.
- Convidei você para o casamento de minha irmã e não para ficar falando sobre como falhei na educação de Patrícia.
- Só estou dizendo o que os outros também estão comentando ou estarão, em breve. Céus, Royal, ele é um mestiço! Não tem um pingo de sangue branco nas veias!
- A mãe dele era mestiça, señorita - Antonie lembrou. - Se quiser tecer insultos, faça-o com conhecimento dos fatos.
- Marilyn se satisfaz insultando os outros, não? - Royal disparou, irritado, e ficou contente ao vê-la afastar-se a passos rápidos. - Será que isso vai servir para mantê-la calada?
- Não me envolva em suas disputas com ela - respondeu Antonie, respirando fundo para resistir ao desejo de bater naquela mulher. - Ela pensa que está certa e que você não enxerga um palmo diante do nariz.
- Assim como alguns dos convidados. Mas não tantos quanto imaginei. A maioria deles aceitou bem a união.
- Não se deixe iludir pelas aparências, meu querido.
- Eu conversei com muitos deles, e foi o que me disseram.
- Bem, ela não é filha nem irmã deles - Antonie observou. - Garanto que eles vão ficar atentos às ninas deles. Afinal, Tomás ainda está por aqui e é o irmão do noivo. Mas não se preocupe, ele disse que irá se comportar bem.
- Melhor assim - Royal concordou.
Antonie sorriu quando um senhor gorducho e baixo veio cumprimentar Royal. Seus instintos lhe diziam que ele era um bom homem, como alguns dos outros que ali estavam.
- Eles formam um belo casal - Paul Greaves comentou, com sinceridade. - Patrícia está radiante.
- É verdade. Paul. Mas não vai ser fácil para eles - Royal disse.
- Tem razão, filho. Eles vão morar nas terras dela, na parte norte da propriedade, não é?
- Isso mesmo. Provavelmente poderão se instalar ali nesta mesma época no ano que vem.
- É bom saber. Não se esqueça de me contatar assim que quiser começar a construir a casa deles. Sabe que pode contar comigo. - Paul estendeu a mão para Royal e se afastou.
- Ele é uma excelente pessoa - Royal comentou. - Uma daquelas que nunca causam problemas. Você quer um drinque?
Antonie assentiu e observou enquanto ele desaparecia no meio da multidão que se aglomerava junto à mesa de bebidas. Nem bem ele se afastou, Marilyn se aproximou dela.
- Você acha que o casamento de Patrícia com seu amiguinho mestiço vai ajudá-la a colocar as garras no rancho de Royal? - ela indagou, enciumada.
- Minhas garras?
- Ora, não banque a ingênua. Se imagina que este casamento a coloca em vantagem para se tornar a dona deste rancho, saiba que é por pouco tempo. Aposto que esse mestiço não vai durar um ano.
- Está ameaçando Oro, señorita Collins?
- Não, estou apenas prevendo um fato óbvio - Marilyn falou com arrogância. - Patrícia está levando um excelente pedaço de terra como dote. As pessoas por aqui não vão querer alguém da laia dele cuidando de uma terra tão valiosa e criando uma família. Logo encontrarão um jeito de se livrar dele.
- Melhor torcer para que não aconteça. Digamos que sua vida pode depender disso.
- Eu não vou precisar mover um dedo sequer - disse Marilyn.
- Sí, mas vou fazer questão de esquecer essa parte. Só vou me lembrar do que você previu que iria acontecer. Então vou pensar nas palavras da Bíblia: "Olho por olho, dente por dente".
- Se alguma coisa acontecesse a Oro, teria uma boa desculpa para se livrar de mim, não é? Dessa forma, estaria se vendo livre de uma rival.
- Não tinha ideia de que se considerava uma rival.
- Eu jamais me rebaixaria a entregar meu corpo a Royal da maneira como você faz.
- Talvez seja melhor assim - Antonie disse. - Seria embaraçoso se ele a rejeitasse, não acha?
- Será mesmo? Talvez seja hora de colocar isso à prova.
- Vá em frente.
- É uma possibilidade - Marilyn murmurou, deixando a dúvida no ar.
Enquanto ela se afastava, Antonie praguejou baixinho. As coisas que dissera haviam sido a demonstração de uma força que não possuía. Deveria ter sido mais cautelosa com as palavras. E se Marilyn tentasse pôr a resistência de Royal à prova? E se, no final, o dilema entre eles dois terminasse pelo fato de Marilyn decidir deitar-se com ele?
- Mas o que foi aquilo? - Royal indagou ao aproximar-se.
- O quê? - Antonie rebateu.
- Eu vi Marilyn falando com você e não me pareceu que estivessem tendo uma conversa amigável.
- Falamos sobre garras e terra - ela disse apenas, e se afastou para conversar com outros convidados.
Observando-a, Royal concluiu que Marilyn tinha sido dura com Antonie. Porém, seria inútil perguntar-lhe sobre o que haviam conversado, pois Antonie diria que era um assunto que só a ela interessava.
Enquanto dançava com Marilyn, imaginou se deveria indagar algo, mas decidiu que aquele não era o momento certo. Pouco depois, eles foram até o terraço, pois Marilyn dissera estar sentindo muito calor. Ele ficou imobilizado, no entanto, quando a moça se atirou em seus braços, beijando-o de uma maneira que em nada lembrava seus beijos frios e sem emoção.
- Achei que você estivesse com calor - ele disse, atônito, resistindo a um forte desejo de se afastar dela.
- Oh, Royal - ela lamuriou-se, enlaçando-o pela cintura -, como pode flertar com aquela mulher na minha presença?
Royal estava surpreso pela ausência de qualquer sentimento de atração por ela. Pelo contrário, a proximidade forçada despertava-lhe um estranho tipo de repulsa.
- O que há entre você e Antonie?
- Nada que seja de seu interesse - respondeu Royal.
- Como pode dizer isso? Oh, a culpa deve ser minha! Tenho ignorado certas necessidades que sei que os homens têm. Mas fui criada para suprimir esse tipo de desejo até o casamento - ela murmurou. - Eu não pretendia atirá-lo nos braços de outra mulher.
- Ninguém me atirou nos braços dela - Royal respondeu, não conseguindo afastar a suspeita de que estava assistindo a uma encenação.
- Você se deixou fascinar, então. Mas ainda é tempo de eu corrigir meu erro, Royal, e estou disposta a isso.
- Os recém-casados estão ficando inquietos - Cole anunciou, aproximando-se e tocando o braço de Royal, interrompendo propositadamente a conversa.
- Maneira delicada de colocar as coisas. - Royal riu, afastando-se de Marilyn e caminhando atrás do irmão.
- Melhor contarmos aos noivos sobre a surpresa - Cole disse, pegando o irmão pelo braço, para que Marilyn não pudesse fazê-lo.
- Tem toda a razão - Royal concordou, afastando-se a passos largos.
- O que vocês planejaram? - Marilyn indagou, irritada, assim que Justin aproximou-se e, sorrindo, ofereceu-lhe o braço.
- Você vai ver - Royal respondeu, caminhando na direção de Antonie.
Ao perceber que Royal e Marilyn haviam se ausentado, Antonie ficara aflita, como se os minutos que eles tinham passado no terraço houvessem sido horas. Sentiu-se mais confiante, porém, quando ele tomou-lhe a mão, fazendo com que ela lhe enlaçasse o braço.
- Você vai ficar bem aí, ao meu lado, até o final da noite - ele sussurrou. - Explicarei mais tarde. Só fique perto de mim.
- Está precisando de proteção? - Antonie quis saber.
- Não há dúvida. Mas venha comigo. Cole disse que está na hora de fazermos a surpresa para os noivos.
Minutos mais tarde, Patrícia e Oro eram levados até uma cabana que Royal mandara preparar para eles. O lugar fora pintado, limpo e decorado com uma enorme cama. Patrícia riu quando Oro tomou-a nos braços, antes de cruzarem a porta, como manda a tradição. Os dois eram a imagem da felicidade.
Antonie ajudou Maria a levar um cesto com comes e bebes para os noivos, e ajeitou as flores sobre a mesa, antes de dar um beijo na face de Patricia, e outro na de Oro.
Enquanto o noivo fechava a porta, os convidados aplaudiam. Pouco depois, afastavam-se todos para retornar à festa dentro da casa, a fim de que os noivos pudessem gozar de privacidade.
- Tem certeza de que eles estarão seguros lá? - Antonie indagou, caminhando ao lado de Royal de volta á casa.
- A distância é pequena entre a cabana e a casa. Além disso, mandei que meus melhores empregados montassem guarda do lado de fora; você não os viu, pois estão do outro lado.
A festa prosseguiu até tarde da noite e, após Royal ter conseguido dispensar os últimos convidados, ele e Antonie puderam relaxar.
- Enfim sós - Royal disse, assim que se deitaram e ele a tomou nos braços.
- Mas me conte, querido, por que precisou da minha proteção esta noite?
- Fui quase violentado por aquela mulher - ele confessou, referindo-se à Marilyn. - Acha que é engraçado? - ele perguntou ao ouvi-la rir.
- Achei que você gostasse de ser atacado.
- Só quando peço para ser.
- Não ouvi você gritar por socorro - ela ironizou.
- Foi por um triz que não gritei. - Ele a fitou. - É isso que você faria se fosse atacada? - Roçou-lhe os lábios.
- Eu não sei. Nunca fui atacada.
- Então vamos testar - ele sussurrou, deslizando as mãos sobre seus seios.
Depois de terem se amado, os dois entregaram-se a um sono profundo, abraçados. O ruído da porta do quarto que se abria, porém, despertou-os, e Antonie levou a mão à arma sob o travesseiro. Era Tomás que entrava no quarto, nu e de olhos arregalados.
- Precisamos ir ver Oro - ele disse. - Agora.
- O que foi, Tomás?
- Confusão, muita confusão lá fora.
- Você bebeu demais, Tomás - Antonie observou.
- Estou sóbrio. Machucaram meu irmão. Eu sinto isso.
- Talvez tenha sido um pesadelo - Royal disse.
- Tenho certeza de que houve problemas.
Enquanto Tomás falava, um rumor de vozes vindo lá de fora, fez com que o sangue gelasse nas veias de Royal.
- Vamos, Tomás - ele decidiu. - Vista uma calça e vamos ver o que aconteceu.
Naquele momento, o rumor de passos apressados escada acima se fez ouvir, e logo Cole apareceu à porta do quarto.
- Alguém está atacando a cabana dos noivos - o rapaz disse, apavorado.
- Espere aqui - Royal ordenou a Antonie, assim que eles se aproximaram do local da batalha. - Não quero que você se exponha sem necessidade. Fique aqui com Justin.
- Mas Royal... - Antonie começou a protestar, mas ele a calou com um beijo.
- Por favor, fique aqui, para que eu possa ter paz de espírito - ele pediu.
Algo no tom de voz dele fez com que ela permanecesse ali, apesar de sua preocupação com Oro. Alguns minutos mais tarde, Cole sinalizou para que ela se aproximasse.
Correndo na direção da cabana, Antonie notou os vários homens sem vida no chão. Todos os mortos pertenciam ao grupo de Raoul. Ao entrar, ela viu Patrícia, que chorava, assustada, e Oro, que tinha um ferimento na perna. O local estava repleto de perfurações de balas. Antonie abraçou Patrícia, conduzindo-a para a casa, para onde os homens também levavam Oro.
- Vá buscar o médico, Justin - Royal pediu.
- Eu disse a vocês - Tomás falou. - Eu senti que algo estava acontecendo e que meu irmão tinha sido ferido.
- Da próxima vez, suas palavras terão mais força se não estiver nu.
O comentário ajudou a aliviar a tensão; Antonie conseguiu sorrir e Patrícia riu baixinho.
- Que sorte você ter visto os homens, Oro - Royal disse.
- Não foi sorte - Oro respondeu. - Você mandou colocar Chance, o pai de El Magnífico, na porta, e ele começou a latir Além disso, eu tive que sair para me aliviar. O tiro me atingiu na perna, mas fiz o cachorro entrar no quarto e consegui entrar atrás dele. Começamos a revidar o ataque, e então vocês chegaram.
Oro foi instalado no quarto e o médico logo chegou. Algum tempo depois, todos aguardavam na sala de jantar quando o dr. Fowler desceu as escadas.
- Que raio de coisa para acontecer a um homem em sua noite de núpcias - o médico comentou.
- Ele vai ficar bem? - Patrícia indagou com voz trêmula.
- Sim, querida. Seu marido vai viver. Mas faça com que ele dê um descanso àquela perna. É possível que ele passe a mancar. Porém, se tomar cuidado, isso talvez não aconteça. Eu dei a ele um remédio para dormir. Talvez você também pudesse tomá-lo, para descansar um pouco.
- Não, obrigada, doutor. Quero ficar acordada para cuidar dele.
Assim que se despediram do médico, Royal pediu à irmã que esperasse um pouco antes de se unir ao marido e perguntou:
- Pattie, você pode me dizer algo mais sobre o ataque? Reconheceu alguém?
- Não, Royal. Acordei quando o tiroteio começou, e tudo aconteceu muito rápido. Mas posso assegurar que eles sabiam que eu e Oro estávamos na cabana, pois um dos homens chamou por ele.
- O que ele disse?
- Ele disse: "Espero que tenha aproveitado bastante sua anglo, Oro, porque foi a primeira e última vez" - Patricia murmurou, rubra de constrangimento. - Eles sabiam sobre o casamento, e isso é muito estranho.
- Tem razão - Royal concordou.
- Aposto que foi um dos convidados, patrón - Maria arriscou.
- Ah, lembrei-me de mais uma coisa - Patricia falou. - Alguém nos espreitava do alto daquela colina, adiante do lago. Um homem montado a cavalo.
- Você o reconheceu?
- Não, estava escuro, e a distância era grande - Patricia explicou.
- Deve ser a pessoa que está financiando os ataques - Royal murmurou. - Suba para ficar com seu marido, querida - ele disse, beijando a irmã no rosto. Assim que ela saiu, comentou: - Parece que nossa surpresa não deu certo...
- Foi uma boa surpresa. A cabana estava linda, e os noivos puderam sentir o carinho de todos - Antonie observou.
- Mas ficaram à mercê desses pistoleiros.
- Uma coisa é certa - ela continuou. - Foi um ataque planejado às pressas.
- Tem razão - Royal concordou.
- Acha que foi alguém que não aprovou o casamento?
- Cheguei a pensar nisso.
- Não pensa mais?
- Não. Quase ninguém por aqui se referiria a Pattie como uma anglo, em vez de americana branca ou coisa do gênero.
- Nem teriam chamado Oro pelo nome - Cole acrescentou.
- Provavelmente, teriam dito "mestiço" - Antonie comentou, deixando escapar um bocejo.
- Vá dormir, meu bem - Royal aconselhou, sorrindo. - Está precisando de uma boa noite de sono.
Antonie aceitou a sugestão e se retirou enquanto a conversa prosseguia.
- Acredita que nossos inimigos estejam ficando desesperados? - Cole indagou.
- Como Antonie disse, foi um ataque planejado às pressas - Justin comentou. - Se eles sabiam sobre o casamento e a cabana, talvez soubessem também sobre os homens que estavam montando guarda.
- Não, Justin - Royal discordou. - Quem quer que tenha planejado o ataque, não ficou aqui por tempo suficiente para ter conhecimento dessa informação.
- Tem alguma ideia de quem possa ter sido? - Cole interpelou.
- Mais ou menos - Royal respondeu -, mas preciso pensar mais um pouco.
- Bem, então se não se importa, deixarei você pensando sozinho - Cole comunicou. - Estou morto de cansaço.
- Eu também - Justin disse, levantando-se.
- Durmam bem - Royal falou. - Você também, Maria. Trate de descansar. Patrícia vai precisar de você nos próximos dias.
- Então o patrón acha que foi um dos convidados que saíram cedo? - Maria especulou.
- Acho sim. Preciso ficar de olho no movimento dessa gente - Royal declarou.
- Ficarei com os ouvidos e olhos bem abertos - Maria prometeu.
- Obrigado, querida. Agora vá se deitar. Ah, e você tem minha total permissão para colocar Marilyn para fora da cozinha a próxima vez que ela tentar se intrometer em suas coisas. - Ele sorriu, e Maria corou levemente, antes de se retirar.
Assim que ficou sozinho, Royal se sentou, serviu-se de uma bebida e pôs-se a remoer ideias. Bebericando seu conhaque, tentou afastar a suspeita que rapidamente ganhava força. Não queria encarar a verdade que de repente começava a se revelar, pois isso o faria parecer um completo tolo.
- Marilyn...
Deixando a raiva de lado, tentou analisar as evidências. Era tudo circunstancial, mas se encaixava bem demais para ser ignorado. Se tivesse pensado alguma vez nos Collins, as coisas teriam se esclarecido muito antes.
Eles viviam nas terras ao lado de seu rancho.
Se conseguissem tirar sua família dali, se tornariam os donos de terras mais ricos e influentes do Texas. As terras deles eram boas, mas em períodos de estiagem era seu rancho que lhes fornecia água. Eles teriam o controle da região, inclusive da água, importantíssima para qualquer proprietário de terras.
Marilyn devia ser a informante. Juan dissera que alguém próximo a ele estava tentando arruiná-lo. Pois bem, Marilyn era a amiga mais próxima; estivera em sua casa por muito tempo e tinha conhecimento antecipado de tudo o que iria acontecer. Ela soubera da ida de seus pais a San Antônio; soubera da viagem de Patricia e Justin, e até mesmo quantos guarda-costas eles levavam; soubera da viagem para a venda do gado, tendo inclusive um conhecimento detalhado do caminho, para o caso de precisar mandar alguém alcançá-los, se houvesse algum problema no rancho.
Tudo isso fazia sentido, mas ele não conseguira enxergar nada antes dessa noite. A tentativa desesperada de Marilyn para seduzi-lo também fazia parte do plano. Ela tivera receio de que a chance de fazer parte de sua vida lhe estivesse escorrendo pelos dedos. Por isso, ele havia tido a nítida impressão de que toda aquela súbita paixão não passara de teatro.
O que mais incriminava Marilyn e o pai, no entanto, era o fato de terem deixado a festa cedo, logo após descobrirem a surpresa da cabana para os noivos. Eles eram os únicos que poderiam ter tido tempo para orquestrar o ataque.
- Senhor?
- Ah, entre Tom - Royal disse. - Tem alguma novidade?
- Nenhuma, infelizmente - o empregado respondeu. - Conversei com o xerife, e tudo o que ele soube me dizer foi que já tinha visto um daqueles homens nos bordéis da cidade, o que não ajuda muito. É o tipo de lugar onde se encontra essa gente. Sinto muito por não lhe trazer informações mais esclarecedoras.
- Não pense nisso. Fez seu trabalho. Tom - Royal disse.
- E Oro?
- Vai ficar bom, felizmente.
- Ótimo. Seu cunhado é um bom homem, patrão.
- Obrigado. Até amanhã. Tom.
Royal levantou-se e subiu as escadas para ver Oro. Entrando no quarto, percebeu que Patrícia parecia alheia à sua presença.
- Nunca vamos esquecer a noite de seu casamento - ele comentou, acariciando os cabelos da irmã.
- Que coisa terrível para se dizer - ela protestou, mas logo riu ao perceber que o irmão dissera aquilo para mexer com ela.
- Eu sei, mas pelo menos assim você percebeu que eu estava aqui e até sorriu.
- Eu me sinto como se flutuasse. Num instante, eu estava com Oro, achando que estávamos vivendo a primeira noite de toda uma vida e de repente, tudo mudou. Estou surpresa por não ter desmaiado.
- Você é mais forte do que imagina, querida.
- Antonie mentiu para mim aquele dia nas rochas, lembra? Eu não atiro mal. Matei aquele homem.
- Ela quis proteger seus sentimentos, querida.
- Sei disso. Daquela vez foi difícil para mim, mas hoje, quando acertei alguns dos homens, não foi tão ruim. Claro que não é fácil, mesmo sabendo que queriam nos matar, mas não foi tão terrível. Talvez porque Oro estivesse sangrando e porque eu soubesse que estávamos lutando por nossas vidas.
- Querida, não se desgaste tanto. Durma um pouco. Há muitos de nós para revezar, e ele vai precisar que você esteja forte.
- Sei disso. Mas hoje quero ficar aqui. Vá dormir, Royal, e não se preocupe, pois eu ficarei bem.
Beijando a irmã, Royal saiu do quarto e ficou no corredor, indeciso quanto para onde ir. Por fim, caminhou até o quarto de Antonie e abriu a porta sem fazer ruído.
Ao vê-la dormindo sentada, percebeu que ela tentara esperar por ele acordada, mas fora vencida pelo sono. Não importava que não fossem fazer amor naquela noite. Ele sentia apenas uma vontade incontrolável de ficar perto dela e de tomá-la nos braços.
- Desculpe - ela murmurou, ao perceber que ele se deitava. - Caí no sono.
- Tudo bem. Durma. - Ele acariciou-lhe os cabelos macios.
- É tarde?
- Está quase amanhecendo. - Ele riu ao ver que ela bocejava. - Não lute contra o sono, Antonie. Eu deveria ter ido dormir no outro quarto.
- Gosto de você aqui. - Aconchegou-se ainda mais a ele.
- E eu preciso estar com você. Estou cansado demais para fazer amor, mas precisava abraçá-la. Não consigo mais dormir sozinho. Estou acostumado a ter você comigo.
- Isso é ruim?
- Não. Mas é algo de que me dei conta durante o período em que estivemos separados. Eu odiei dormir sem você.
- E eu sem você.
- Ótimo! - Ele riu e beijou-lhe o pulso delicado.
- Detesto sofrer sozinho. Diga-me, você me procurava na cama?
- Si, eu sempre procurava por você.
- Eu cheguei a pensar que estava ficando maluco por fazer isso.
- Eu também achei que estava ficando maluca. - Aninhada no peito forte, ela o beijou com doçura, os olhos apenas entreabertos.
- Nunca dormi com outras mulheres, porque não gostava da ideia. Fazia o que tinha necessidade de fazer e ia embora - ele confidenciou.
De repente, Royal se deu conta do quanto seus hábitos haviam se alterado. Além disso, estava claro para ele que o que o prendia a Antonie não era apenas desejo. Ficava feliz em apenas estar com ela, rir com ela, abraçá-la... O que sentia era muito mais profundo do que se permitira pensar anteriormente.
De repente, sentiu necessidade de saber quais sentimentos Antonie nutria por ele.
- Antonie?
- Hum...
- É a promessa que fez a Juan que a mantém aqui?
Ela hesitou por um momento antes de responder, mas então decidiu que expressar um pouco do que trazia no coração não faria mal algum. As coisas que Royal dissera e agora o interesse dele em descobrir o que a mantinha ali evidenciavam que os sentimentos dele podiam ser mais profundos do que ela imaginara.
- Não. Eu luto por você, querido. Talvez a promessa que eu fiz a Juan me mantivesse aqui se você não permitisse que eu o ajudasse. Mas é por você que eu luto. É apenas conveniente que isso me faça cumprir a promessa ao mesmo tempo. - Ela sentiu que Royal a abraçava com mais força.
- Obrigado por isso. Preciso muito de você ao meu lado. Não quero que corra riscos, mas quero que lute por mim. Que sujeito mais contraditório eu sou, hein?
- Muito contraditório. - Ela tocou-o no peito com os lábios e roçou seu rosto contra a pele dele.
- E quando a luta tiver terminado? Você voltará para o México? - ele indagou, apreensivo.
- Se for isso que você quiser - ela murmurou, cautelosa.
- E se não for? E se eu quiser que você fique?
- Então, eu ficarei. A luta vai acabar em breve? Descobriu algo?
- Não descobri nada, mas tenho suspeitas fortes.
- Que suspeitas? - Ela tornou a bocejar, perdendo a batalha para o sono.
- Não vou lhe contar agora. Preciso pensar mais um pouco. Agora, durma, querida.
- Sí, acho que estou mesmo precisando.
Royal contemplou a mulher que tinha nos braços enquanto seus olhos ameaçavam se fechar. A cada momento da batalha que enfrentavam, ela estava em risco. Com aquilo em mente, Royal obteve o estímulo necessário para elaborar um plano que esclareceria, de uma vez por todas, se suas suspeitas eram verdadeiras ou não.
- Oro, se você continuar praguejando dessa maneira, vou lhe dar uns tapas no traseiro - Antonie ameaçou, enquanto o ajudava a caminhar pelo quarto.
- Não aguento mais ficar trancado neste quarto como um inútil - ele reclamou.
- Sente-se aqui e tome um pouco deste conhaque.
- De início, todos diziam que Patrícia tinha se casado com um mestiço. Não bastasse isso, agora sou um mestiço aleijado.
- E estúpido - Antonie completou.
- O doutor disse que vou ficar manco.
- Não, ele disse que se você abusar e tentar forçar a perna mais do que é conveniente, você pode vir a ficar manco - ela corrigiu. - Sabe qual é o seu problema, amigo? Não aguenta mais ficar sem fazer amor com sua esposa.
- Anda olhando pelo buraco da fechadura, por acaso?
- Nem é preciso. Você está insuportável e a causa...
- Patrícia reclamou com você? - Oro quis saber.
- Isso nem merece resposta.
- Uma vez, Antonie, apenas uma vez eu e minha esposa fizemos amor. Na noite do casamento. Agora estou imprestável. Não posso fazer amor com ela.
- Por que não?
- Como é que vou me deitar sobre minha esposa com essa perna ruim?
- Patrícia pode ficar em cima de você - Antonie sugeriu.
- Minha esposa é inocente.
- Você disse que fizeram amor na noite de núpcias.
- Claro que sim, mas você não entende...
- Entendo que o que eu disse não é nenhum absurdo.
- Não se pode introduzir coisas novas assim sem mais nem menos. Tenho que ir com calma - Oro argumentou.
- Acho que você a trata como um bebê, e não como sua esposa.
- Ela é minha esposa.
- Estão falando de mim? - Patrícia indagou, entrando alegremente no quarto.
- Este urso rabugento está querendo saber se você quer passar a noite em claro - Antonie disse.
- Aqui estou eu agora. Toni, você pode ir ver seu urso rabugento. Vou cuidar do meu. - Patrícia sorriu.
Antonie fechou a porta do quarto sorrindo e se dirigiu aos próprios aposentos. Tinha motivos para estar feliz. A cada dia que passava, via mais do que paixão por trás dos atos e das palavras de Royal. A única sombra que ainda a ameaçava era Marilyn.
Franzindo as sobrancelhas, ela imaginou por que ele não acabava de vez com seu relacionamento com a vizinha. Os Bancroft e os Collins tinham sido amigos durante anos, mas não fazia sentido prolongar aquela situação com uma jovem de quem estava sempre procurando se afastar.
- Que carinha preocupada é essa? - indagou Royal.
Antonie caminhou até o espelho para pentear os cabelos, não podendo, no entanto, ignorar o fato de que Royal se encontrava deitado em sua cama, nu e excitado.
- Como está Oro? - ele perguntou.
- Está bem, mas acha que não. Sabe o que ele me disse? Que Patrícia agora está casada com um mestiço aleijado.
- E o que você disse a ele?
- Que ele não passa de um grande idiota - ela respondeu, sorrindo.
- Muito solidário de sua parte. - Ele calou-se por um breve momento. - Bem, ainda que fira meu orgulho, sou forçado a admitir que toda a minha esplendorosa beleza masculina não foi suficiente para enlouquecer você de desejo.
- Por que acha isso? - Ela começou a se despir lentamente.
- Esperava que, ao olhar para mim, você ficasse tão arrebatada que não pudesse esperar para se atirar em meus braços e abusar de meu corpo.
Antonie riu e continuou se despindo.
- E então, disposta a me atacar, enlouquecendo-me de prazer e saciando todas as minhas necessidades mais insanas? - ele indagou, sorrindo com malícia.
- Não sei se fará bem à sua saúde. Tem certeza de que está recuperado daquela última vez?
- Que tal você descobrir por si mesma? - Royal sugeriu.
- É uma boa ideia. - Ela, por fim, livrou-se da última peça de roupa.
Com um gemido, Royal puxou-a para a cama. Colocando-se sobre ele, Antonie deixou que o instinto a guiasse na exploração do corpo firme, excitando-se diante das intensas reações que provocava. Acariciou cada pedacinho dele, sussurrando palavras picantes, usando mãos, lábios, dentes e língua para levá-lo ao limite do prazer.
Ao dar-se conta de que ele se aproximava do clímax, conduziu-o para dentro de seu corpo enquanto o beijava. Movimentou-se lentamente de início, mas quando o sentiu apertar com mais força seus quadris, aumentou o ritmo. Ouviu-o ecoar seu grito de prazer quando, juntos, atingiram o êxtase.
- Da próxima vez, eu é que vou atacá-la - Royal decidiu, quando, abraçados, preparavam-se para dormir.
- Ah, não sei não, mi vida - Antonie respondeu. - Isso é algo que damas não devem apreciar.
- Você é minha dama e, por nossas regras, nós dois temos os mesmos direitos.
Antonie aconchegou-se ao corpo dele, sorrindo. Naquele momento, o bebê se moveu, e ela ficou temerosa de que Royal tivesse sentido. De qualquer modo, não podia mais adiar a conversa com ele. Sonolenta, decidiu que faria isso na manhã seguinte.
- Antonie... - ele murmurou. - Sabe de uma coisa? Acho que está na hora de termos um quarto só nosso. Todos sabem que estamos juntos. Não temos nada a esconder.
- Acha mesmo?
- Sim, e você escolhe. O seu quarto ou o meu?
- O seu. A cama é bem maior.
- Gosta de camas grandes?
- Sí. Além disso, depois que dorme, você se espalha demais e tem as pernas muito compridas. Vou acabar caindo da cama um dia desses.
- Exagerada! - Royal riu. - Está decidido, então. Amanhã mesmo nos mudamos para o outro quarto.
- Você acha que vale a pena o trabalho? Logo a luta terá terminado. - Ela sentiu-o apertar o abraço.
- Você me disse que ficaria.
- Se você quiser...
- Eu quero. Você vai ficar.
- Sí, patrón - ela disse, bocejando.
- Durma, sua moleca.
- Moleca, eu?
- Sim, e eu tenho um carinho especial por molecas.
- Um carinho especial? - Antonie repetiu, contente. Seu coração se iluminava a cada vez que ele mencionava afeto.
- Isso mesmo. Agora trate de dormir - ele tornou a dizer, beijando-a no alto da cabeça, enquanto lhe acariciava os cabelos e fechava os olhos.
Estava mais do que na hora de definir sua relação com Antonie, Royal pensou, embora não tivesse certeza de como o faria.
Antonie se deitara com ele quando era virgem, e a coisa certa a fazer era casar-se com ela. Mas ela não era como as outras jovens que conhecera. Era a filha adotiva de Juan Ramirez, um homem que vivera e morrera como um bandido. Ela não era o tipo de mulher que ele imaginara ter como esposa.
Riu consigo mesmo, porém, ao pensar nas moças que tinha considerado para esse papel. Charlotte Dumfrey era frívola e desinteressante, e Marilyn, a vizinha que fora educada para ser uma dama, não passava de uma interesseira que pretendia dar cabo de sua família. Nem mesmo Juan Ramirez seria capaz do tipo de atitudes traiçoeiras e maldosas que os Collins vinham tendo.
Pois bem, trataria de esclarecer a situação com aquela gente e, então, decidiria o que fazer em relação a si próprio e a Antonie. Marilyn viria ao rancho na manhã seguinte, e ele poria em ação um plano para testar suas suspeitas. Dentro de uma semana, ele possivelmente teria esclarecido aquele maldito esquema dos Collins e estaria preparado para tocar a vida em frente.
Na manhã seguinte, Antonie acordou sozinha. Levantou-se e se arrumou para descer. Iria contar a Royal sobre o bebê. Além de não mais poder adiar, o fato de ele demonstrar um afeto cada vez maior por ela a deixava mais segura. Saindo do quarto, ela desceu alegremente as escadas, embora sentisse um friozinho no estômago diante da situação.
Ao chegar perto da sala de jantar, ouviu uma voz que a deixou irritada. Marilyn estava no rancho àquela hora da manhã! Enciumada, viu-a beijar Royal com a frieza habitual. Ficou estarrecida, porém, ao constatar que ele correspondia ao beijo com ardor.
- Royal! - Marilyn exclamou, assim que se afastaram.
- Tenho sido um tolo - ele disse, passando o braço em torno dos ombros dela. - Venha, vamos ao meu escritório. Lá poderemos ficar mais à vontade. Tenho tanto a lhe dizer.
Não conseguindo compreender o que estava acontecendo, Antonie resolveu que era importante que ouvisse o restante da conversa. Movendo-se em silêncio, como aprendera com Juan, ela foi até a pequena biblioteca que ficava ao lado do escritório. Apenas uma porta fina separava os dois cômodos. Não satisfeita em ouvir por trás da porta, ela entreabriu-a o suficiente para que pudesse ver o que se passava lá dentro.
- Não estou entendendo, Royal - Marilyn falou. - No casamento...
- Agi como um idiota. Fiquei chocado com seu ardor ao me beijar. Não é o que normalmente se espera de uma dama, e você é uma dama, querida. - Ele acariciou-a no rosto com a ponta dos dedos. - Fui um tolo. Tratei-a de forma inaceitável. Agora compreendo que a levei a agir de maneira tão inesperada por causa do modo como tenho me comportado com aquela garota na sua frente, sem levar em conta seus sentimentos.
- Posso perdoá-lo, Royal. Aquela vagabunda enfeitiçou você - Marilyn murmurou.
- Corri o risco de perder a mulher com quem desejo passar o resto da minha vida por algo sem qualquer significado - Royal prosseguiu.
- Você quer passar sua vida comigo? Está me pedindo em casamento?
- Se você puder me aceitar depois de eu tê-la tratado de maneira tão inaceitável.
- Claro que quero me casar com você. Isto é, se você puser um ponto final no que existe entre você e aquela prostitutazinha.
- Ela irá embora, Marilyn.
- Então, é claro que aceito ser sua esposa. Oh, Royal, esperei tanto tempo por isso!
Num esforço supremo, ele tornou a beijar a vizinha como um homem apaixonado, acariciando-lhe o corpo como faria alguém cheio de desejo. Antonie não precisava ver nem ouvir mais nada. Tinha a impressão de que seu coração havia parado de bater, e um frio intenso tomou conta de seu corpo. Como fora tola! Acreditara, de verdade, que Royal estava se apaixonando por ela, quando ele apenas a usava, enquanto planejava casar-se com a dama bem-criada que morava ao lado de seu rancho.
Afastando-se dali, subiu as escadas em silêncio. Tinha muito pouco tempo para agir. Com a decisão que tomara aquela manhã definitivamente cancelada, ela entrou em seu quarto. Precisava ser rápida.
- Podemos nos casar no próximo sábado, Royal - Marilyn disse, assim que ele afastou os lábios dos dela.
- Eu gostaria muito, querida, mas domingo eu vou a San Antônio bem cedo, e não quero abreviar nossa noite de núpcias.
- Eu poderia ir com você.
- Não, meu bem. Vou tratar de negócio com um homem de Pinkerton.
- De que se trata?
- Como as armas não estão conseguindo resolver nossos problemas, estou decidido a recorrer a bons cérebros - Royal disse, percebendo o interesse nos olhos de Marilyn. - Dizem que esse homem é o melhor no que faz, e é bom mesmo que seja. Vai me custar uma fortuna. Ele já escreveu um relatório preliminar de suas investigações e diz ter boas notícias para mim.
- Então, você parte no domingo de manhã, encontra o homem na segunda, e depois...
- Se tudo der certo, estarei de volta na terça-feira, e provavelmente o trarei comigo.
- Trate de não ficar envolvido demais com negócios e de voltar depressa. Poderemos nos casar no sábado seguinte.
- Enquanto eu estiver fora, você pode começar a fazer a lista de convidados - Royal sugeriu, tornando a beijá-la.
Minutos mais tarde, ele a conduziu até a porta.
- Vou fazer a lista de convidados hoje mesmo - ela anunciou. - Amanhã trarei para você ver se aprova.
Após as despedidas de um noivo pretensamente apaixonado, Royal fechou a porta e caminhou até a sala de jantar, onde tomou um copo de conhaque, a fim de tirar da boca o gosto dos beijos daquela traidora.
- Você vai embora, Toni? - Patrícia indagou, atônita.
- Sí. Partirei imediatamente.
- E quanto à promessa que fez a Juan? - Oro indagou, levantando-se da cama.
- Acho que Juan vai entender.
- E quanto a Royal? - Patrícia indagou.
- Royal não me interessa - Antonie disse por entre os dentes.
- Como pode dizer isso?
- É fácil, chica. Ele acaba de pedir Marilyn em casamento. Tenho que ir embora.
Antonie foi até seu quarto e começou a jogar suas coisas dentro de uma sacola. Não se surpreendeu ao ver que, algum tempo depois, Patrícia e Oro entravam.
- Vai embora mesmo? - Patrícia perguntou.
- Sí.
- Tomás está fazendo as malas. Ele vai com você - Oro informou.
- Não há necessidade.
- Pois ele e eu achamos que sim - o amigo retrucou, inflexível. - Tem certeza de que Royal pediu Marilyn em casamento?
- Não tenho dúvidas. Quando desci, vi que Marilyn estava com ele. Ela o beijou, e Royal correspondeu com ardor. Logo depois, foram até o escritório. Eu os segui, e vi e ouvi tudo.
- Não sei o que dizer - Patricia murmurou.
- Pois é, querida. Hoje eu acordei decidida a conversar com Royal. Afinal, ontem à noite ele me perguntou se eu ficaria aqui depois que os problemas estivessem resolvidos. Eu estava encantada com a possibilidade de ele ter sentimentos verdadeiros por mim. Fui uma tola.
- Não, Antonie - Oro observou. - Royal conseguiu enganar a todos nós. Eu estava certo de que ele estava apaixonado por você.
- Talvez fosse melhor você conversar com ele, Toni - Patrícia sugeriu.
- Não há tempo para isso, chica. Eu estou grávida.
Oro e Patrícia permaneceram em silêncio, olhando para ela por alguns instantes, sem saber o que dizer.
- Ele escolheu Marilyn para ser a esposa dele, não a mim - ela lembrou. - Em pouco tempo, não será mais possível esconder as mudanças no meu corpo. Portanto, não tenho tempo a perder.
- Você deve contar a Royal sobre o bebê - Patrícia recomendou.
- Para quê? Ele provavelmente se casaria comigo e daria o nome ao bebê por pura obrigação. Depois, passaria a vida inteira me responsabilizando por tê-lo impedido de viver com a mulher que escolheu como companheira.
- Vai voltar para o México, Antonie? - Oro quis saber.
- Sí. Se nossa casa ainda estiver desocupada, ficarei morando lá. Do contrário, encontrarei outro local para viver com o bebê.
Assim que Tomás apareceu à porta do quarto, Antonie beijou Patrícia e Oro e desceu as escadas discretamente, ao lado do amigo que a acompanharia de volta ao México.
Sem chamar a atenção de ninguém, eles selaram os cavalos, colocaram suas sacolas sobre eles e se afastaram em silêncio.
Assim que ganharam uma certa distância do rancho, avistaram Marilyn, que caminhava pelas terras como se já fosse a senhora do local.
- Ora, ora... - ela começou. - Não imaginei que Royal a mandaria embora tão depressa.
- Ele não me mandou embora - Antonie retrucou, revoltada.
- Não? - Marilyn olhou para as sacolas presas ao cavalo. - Vocês têm o hábito de carregar bagagem todas as vezes que saem para um passeio?
- Não disse que não estava partindo. Disse apenas que Royal não me pediu que o fizesse.
- Voltando para o México, suponho.
- Pelo caminho mais curto e direto - Antonie garantiu.
- É o que lhe resta a fazer, uma vez que não pode ter Royal.
- Já o tive muitas vezes, señorita. Adiós.
Antonie não olhou para trás enquanto ela e Tomás se afastavam. O ódio que vira nos olhos de Marilyn não lhe havia dado qualquer prazer. Afinal, ela era a perdedora naquele jogo.
- Tem certeza de que é isto mesmo o que quer fazer, querida? - Tomás perguntou, preocupado.
- Não é o que quero fazer, mas o que devo fazer - Antonie afirmou.
- Poderia ficar e lutar contra essa bruxa que roubou seu lugar.
- Eu é que roubei o lugar dela por algum tempo, Tomás.
- Não consigo entender. Eu estava certo de que aquele gringo já tinha descartado essa tola, que era você que ele queria.
- Eu também. Deixei que ele me iludisse com palavras doces, a ponto de acreditar que acabaríamos juntos. Ontem à noite ele disse que queria que eu ficasse com ele, que iríamos passar a ocupar os aposentos dele. - Antonie balançou a cabeça. - E hoje ele pede Marilyn em casamento.
- Não faz sentido, Toni - ele observou, perplexo.
- E há algo que você ainda não sabe, amigo. Estou esperando um filho de Royal.
Tomás a fitou com tamanha surpresa, que Antonie teve a impressão de que ele temia que o bebê pudesse nascer a qualquer momento.
- Nós poderíamos nos casar, Antonie - ele aventou, por fim.
- Acho que não. - Ela sorriu.
- Por que não? Afinal, o bebê precisa de um nome. É doloroso ser bastardo, querida. E Degas é um bonito nome, não acha?
- Não seria justo com você, Tomás. Embora eu esteja sofrendo muito agora, sabia que correria o risco de ter que enfrentar esta dor. Eu experimentei o fogo da paixão, e isso não acontece muitas vezes na vida. Você tem o direito de encontrar alguém que o faça experimentar o mesmo. Eu seria egoísta se o privasse disso.
- Mas somos amigos e irmãos. - Tomás sorriu docemente para ela. - Vou amar seu filho e poderei ser um ótimo pai para ele. Talvez o fogo da paixão surja entre nós. - Ele hesitou. - Talvez não de início, mas com o tempo. E se um dia eu encontrar o tal fogo da paixão, prometo que você será a primeira a saber. Então, que tal?
- Não sei, meu querido. Acho melhor pensarmos com calma.
Já estava quase anoitecendo, e Antonie, que andara distraída com seus pensamentos, decidiu erguer os olhos para avaliar os arredores. Tomás estava procurando um local onde ficassem protegidos, caso chovesse, para passarem a noite.
Assim que ela se voltou para encarar o amigo, escutou o ruído de um tiro. Horrorizada, viu o corpo de Tomás sacudir, e sangue manchar-lhe a camisa. Em seguida, outro disparo o atingiu, derrubando-o da sela.
Olhando paralisada para o amigo, ela pareceu ouvir a voz de Juan: "Não deixe a emoção ficar no comando. Chore, grite, lamente, xingue mais tarde. Aja agora. Hesitar é morrer!".
Conseguindo se livrar da imobilidade, ela sacou a pistola. Nesse instante, deu-se conta de que estava cercada. Tomás e ela haviam sido pegos em uma armadilha. Ela soube que não teria a chance de vingar a morte do amigo quando sentiu uma dor dilacerante na cabeça.
No rancho dos Bancroft o jantar estava sendo servido. Lá fora uma tempestade se formava e o vento era forte. Royal passara a tarde inteira debruçado sobre documentos e aquele era o primeiro momento em que se reunia com os demais.
- Onde está Antonie? - ele indagou, ao ver que ela não estava à mesa.
- Ela saiu com Tomás - Maria respondeu. - Pete disse que saíram a cavalo, por volta do meio-dia.
- E ainda não voltaram?
- No - Oro respondeu.
- E aonde poderiam ter ido para demorar tanto tempo? - Royal interpelou.
- México.
Royal soltou o garfo.
- Por que eles iriam para o México?
- Porque Antonie podia ser sua amante, mas não sua meretriz, gringo. - Oro fuzilou-o com um olhar repleto de ressentimento.
- É melhor que tenham calma - Patrícia interveio. - Antonie soube que você pediu Marilyn em casamento.
- Não estou entendendo nada - ele esbravejou. - Querem me dizer o que aconteceu?
- Você pediu Marilyn em casamento? - Justin indagou, decepcionado.
- Antonie viu você e Marilyn juntos e escutou tudo o que disseram - explicou Patricia.
- Vou atrás dela agora mesmo. - Royal pôs-se de pé.
- Não vai, não. - Oro também se levantou. - Case-se com sua amiguinha rica e deixe Antonie em paz.
- Eu não vou me casar com Marilyn - Royal gritou.
- Royal, sente-se. Não pode culpar Oro por pensar assim, uma vez que você não nos explicou o que está acontecendo.
- Bem, o que Antonie ouviu era parte de um plano. Eu comecei a juntar algumas peças e de repente compreendi que cada movimento nosso era antecipado. Pensem bem, Marilyn tem conhecimento de tudo o que acontece aqui. Além disso, no dia do casamento de Patricia e Oro, Antonie e Maria viram quando ela e o pai foram embora enquanto todos os outros convidados ainda estavam aqui. Eles ficaram sabendo sobre a cabana, mas não sobre os guardas que estariam de prontidão.
- Sí - concordou Oro. - Ninguém sabia da surpresa. Eu e Patricia nunca desconfiamos que estavam preparando a cabana para nós.
- E então houve aquele ataque mal planejado e repentino - Cole observou.
- O problema é que tudo o que temos são evidências circunstanciais - Royal disse. - Pensem bem, quem sabia da viagem de nossos pais a San Antônio quando eles foram mortos? Quem sabia que Patricia e Justin estavam indo viajar meses atrás quando Antonie, Oro e Tomás chegaram? Quem sabia da rota que seguiríamos durante a viagem de venda do gado? E agora finalmente, do casamento e da surpresa que havíamos preparado?
- Marilyn - Justin murmurou por entre os dentes.
- Então por que a pediu em casamento? - Patrícia perguntou.
- Para armar uma cilada para ela? - Oro arriscou.
- Exatamente.
- Mas depois de você ter passado tanto tempo com Antonie? - Patrícia murmurou.
- Marilyn é uma pessoa orgulhosa, Pattie. Ela sempre achou que Antonie era apenas uma diversão passageira para mim, enquanto ela, a grande dama, é que seria minha esposa. E não é só Marilyn. Ela e o pai, Collins, estão juntos nisso. Eles querem nossas terras e não hesitarão em eliminar cada um de nós para obtê-las.
Houve um momento de silêncio, em que todos se entreolharam.
- Ouçam - Royal voltou a falar -, eu disse a Marilyn que viajaria para San Antônio no próximo domingo, para um encontro com um homem que está investigando os problemas que estamos enfrentando. Disse que ele tem informações importantes a me dar.
- E, se ela estiver por trás de tudo, não vai querer que você chegue ao seu destino - Justin arriscou, com os olhos arregalados.
- Correto. - Royal serviu-se de vinho e passou a garrafa para Cole.
- Nós vamos conseguir pegar apenas o homem que ela contratou - Oro disse.
- Talvez, sim. Mas talvez, como vai acontecer perto daqui, alguém queira assistir, como no dia do ataque à cabana, o que seria bom. Porém, de qualquer forma, Marilyn saberá que eu preparei uma armadilha e que sei o que ela está fazendo. Quando ela agir, nós a pegaremos, assim como ao pai.
- Eles terão que ser punidos. Não podemos nos esquecer de que eles mataram nossos pais - Cole murmurou, com os olhos baixos.
- Vamos precisar de provas para isso. Talvez não as consigamos tão depressa - Royal lembrou.
- Acho que Antonie gostaria de estar conosco nisso - Cole arriscou, olhando para Oro.
- Sem dúvida. - Royal encarou o cunhado. - Irei procurar por ela assim que amanhecer.
- Faça isso, gringo. Só que antes de ir buscá-la, deve pensar muito bem na razão pela qual está indo atrás dela. - Oro fitou-o nos olhos.
- Acho que isso é óbvio, não?
- Nenhum homem ficaria satisfeito em perder os carinhos de uma mulher como ela, não? Mas Antonie não é uma prostituta, gringo. Não se esqueça disso quando for procurá-la.
A imagem do corpo inerte de Tomás sobre a terra batida manchada com o sangue dele ainda assombrava Antonie quando ela despertou. Olhando ao redor, percebeu que nunca estivera ali antes. Seus pulsos tinham sido muito bem amarrados, e ela não via qualquer possibilidade de se livrar da corda que quase lhe cortava a carne.
- Ah, então a cadelinha loira acordou, afinal.
Ao ouvir a voz de Marilyn, virou-se e viu que ela estava ali, acompanhada por Raoul Mendez.
- Que mulher corajosa! - Mendez caçoou, fitando Antonie.
- Não posso acreditar que você seja a mesma pessoa que queria se casar com Royal - Antonie disse, olhando a rival com incredulidade.
- Eu vou me casar com Royal, benzinho, sobretudo com você fora do meu caminho - Marilyn garantiu.
- Não consigo compreender sua associação com o pior tipo de gente que já conheci - Antonie observou, antes de sentir o pontapé de Raoul em sua perna.
- Royal não precisa de uma esposa, assim como não precisa vender suas terras. As terras que meu pai quer...
- Entendo... Quer se casar com Royal para ficar com as terras dele e depois anexá-las às de seu pai. Mas está se esquecendo de que há outros herdeiros do rancho.
- Um pequeno detalhe do qual cuidarei sem maiores problemas - Marilyn disse, enquanto passava para Raoul uma sacola de dinheiro que fez os olhos do pistoleiro brilhar.
- A quantia é boa - o homem comentou. - Mas não é o que combinamos.
- Ainda não - Marilyn sussurrou. - Por que você não usa essa vagabunda?
Uma expressão de horror surgiu nos olhos do homem.
- Ela é a niña de Juan - Raoul murmurou, olhando ao redor, como se temesse ser agarrado pelo fantasma de seu antigo inimigo a qualquer momento. - Não, gringa. Quero o de sempre - ele decidiu, apontando a faca na direção do rosto de Marilyn. -Vá andando.
Marilyn obedeceu, mas não sem antes protestar.
- Não gosto disso, Mendez. O dinheiro deve bastar.
- Fizemos um acordo - o pistoleiro falou. - Acho que seria sensato não quebrá-lo, para o seu próprio bem.
- Não fiz acordo nenhum - ela retrucou.
- Eu digo que fez. Vamos indo - Mendez agarrou-a pelos cabelos e forçou-a a se retirar, fechando a porta do cômodo atrás de si, não sem antes lançar um sorriso cheio de malícia para Antonie.
Ela sabia o que aquele homem pretendia fazer com Marilyn. Embora não tivesse grande simpatia pela outra, pensou que mulher alguma deveria se submeter a tamanha humilhação.
Tentando pensar em como sair dali para ajudá-la, Antonie sentiu-se frustrada e cheia de revolta ao perceber que não tinha como escapar. Minutos depois, horrorizada, ela escutou os gritos de Marilyn, enquanto Raoul obviamente dispunha de seu corpo. Incapaz de tapar os ouvidos, ela não podia fazer outra coisa senão lamentar a sorte da moça.
Pouco depois, para aumentar ainda mais seu horror, Antonie ouviu as vozes dos outros capangas de Raoul, que faziam com Marilyn o mesmo que o chefe havia feito. Ouvindo atentamente, percebeu que o tom das palavras da moça tinha mudado. As palavras não eram de súplica, e sim de incitação ao ato. Incrédula, percebeu que o que se desenrolava entre Marilyn e aqueles homens era um jogo da pior espécie.
Como era possível que aquela mulher apreciasse o contato com homens imundos e sádicos como aqueles? Ela sentiu o estômago embrulhar. Não era de admirar que Marilyn nunca tivesse se sentido atraída por Royal. Ele não era o tipo de homem que apreciava aquele tipo de brutalidade. O que se passava na sala ao lado não poderia ser descrito por outro adjetivo senão bárbaro. Royal precisava ficar sabendo daquilo. Do contrário, Marilyn lhe arruinaria a vida.
Ao pensar nisso, Antonie concluiu que ele jamais acreditaria se ela lhe contasse as coisas que estavam acontecendo ali entre aqueles homens e a mulher que ele pretendia tomar por esposa.
Algum tempo mais tarde, ela escutou Marilyn dizer:
- Bem, agora que já se divertiu, trate de cuidar do que foi pago para fazer. Mate aquela cadela loira.
- Agora não, gringa - Raoul Mendez respondeu agressivo. - Ao raiar da aurora e, se chover, só daqui a dois dias. - Ele deu uma gargalhada. - Não preciso mais de vocês - ele disse a seus capangas -, podem ir embora.
- Maldito - Marilyn revidou. - Eu lhe dei muito dinheiro para fazer seu trabalho. Quero que você mate aquela mulher agora. Quero ver que você o fez, de fato.
Antonie não precisava ouvir mais. Raoul não era homem de receber ordens, muito menos de uma gringa, o tipo de gente que ele mais odiava. Escutou-o surrando Marilyn, que tentava resistir e revidar a violência. O que se passava entre os dois mostrou-lhe como as relações entre homens e mulheres podiam ser doentias e repulsivas.
- Traga a tequila - Raoul ordenou a um de seus comparsas que ainda estava por ali.
- Pare com isso, homem - Marilyn protestou. - Não tenho tempo para essas futilidades.
- Precisamos celebrar.
- Não há nada a celebrar. O trabalho ainda não está terminado. Ela ainda está viva. Vá matá-la agora - ela tornou a insistir.
- Já disse que vou matá-la ao alvorecer ou depois de amanhã, se chover. Você pode vir até aqui para vê-la morta e aproveitar para trazer o resto do dinheiro, certo?
- Está querendo demais para matar uma menina.
- Ela é a niña de Juan - Raoul justificou.
Antonie teve vontade de rir ao constatar que o poderoso pistoleiro estava apavorado com a possibilidade de vingança de seu inimigo Juan Ramirez, o homem que sempre a protegera.
O resultado de muita tequila foi uma segunda rodada de orgias entre Raoul, dois ou três dos homens que ainda permaneciam por lá e Marilyn.
- Não gostou do entretenimento que lhe proporcionamos? - perguntou Raoul, por fim, interrompendo o sono de Antonie que, felizmente, adormecera por algum tempo.
- Certas coisas são aborrecidas - ela retrucou.
- Eu não tenho interesse em prostitutas.
- Sí, ela é uma prostituta - Raoul confirmou.
- Mas vai se casar com seu querido Royal Bancroft. Ela vai trazer muitos problemas para ele e a família. - Ele soltou suas mãos. - Hora de comer, chica.
- Minha derradeira refeição?
- Se o tempo estiver bom, matarei você amanhã.
Pensando no bebê que trazia no ventre, Antonie sentiu vontade de chorar. Mas não o faria diante daquele homem. A niña de Juan Ramirez não daria àquele maldito o gostinho de vê-la enfraquecer.
- E se o tempo não estiver bom? - ela indagou, embora soubesse a resposta.
- Depois de amanhã. Planejei com cuidado a maneira como irei acabar com você. A criança de Juan vai morrer devagar.
- Morrer é morrer e pronto - ela respondeu, afetando uma ausência de medo que estava longe de ser real.
O pistoleiro deu de ombros.
- Vamos ver isso quando eu começar. Espero que a niña de Juan seja merecedora do meu talento.
- Vou fazer o melhor que puder - ela retorquiu. - Marilyn vai ficar olhando?
- A gringa foi embora. Mas ela voltará, tenho certeza, pois está ansiosa para vê-la morta.
Ao despertar na manhã seguinte, Antonie deparou-se com um tempo chuvoso, e quase se sentiu desapontada ao pensar que teria mais um dia de espera pela frente. No entanto, não conseguiu sufocar a teimosa esperança nascida com o tempo que estava ganhando.
Ao ver que chovia, Royal praguejou. Aquilo iria atrapalhar sua busca por Antonie.
Oro tinha acabado de entrar na sala de jantar ajudado por Patrícia, quando alguém bateu com força à porta. Ainda contrafeito, Royal foi abri-la, sem perceber que Patricia e Oro o seguiam.
- O'Neill! - Oro exclamou, ao avistar o amigo grandalhão, que carregava algo nada pequeno num cobertor.
- Eu mesmo - o homenzarrão respondeu -, embora seu irmão aqui tenha pensado que eu fosse uma alma do outro mundo.
- Tomás! - Oro empalideceu ao constatar que era seu irmão que O'Neill carregava. - Ele está ferido?
- Bastante, Oro. Foi atingido por dois disparos e o estrago foi grande, embora eu tenha conseguido estancar o sangue.
- Tragam-no para dentro - Royal ordenou. - Cole, Justin, vão buscar Maria.
Tomás foi colocado sobre o tapete. Ele trazia dois curativos, um no ombro e outro na altura da cintura.
- Eu teria extraído as balas, mas Tomás estava ansioso demais para chegar aqui. Disse que tinha algo importante a dizer - O'Neill explicou, preocupado.
- Aconteceu algo à niña de Juan.
Ao ouvir o que o homem dizia, Royal sentiu o sangue gelar nas veias.
- Oro... - Tomás murmurou. - Raoul pegou Toni. Armaram uma emboscada para nós na estrada. Eles sabiam que passaríamos por ali.
- Ela está ferida? - Royal indagou, apavorado.
- Acho que não. -Tomás fechou os olhos, tentando resistir à dor causada pelos ferimentos.
- Sabe para onde a levaram? - Oro quis saber, pálido ao perceber o brilho delirante nos olhos do irmão.
- Para o Buraco do Diabo. Raoul vai machucá-la. Eles bateram nela.
- Eles vão pagar por isso, meu irmão, juro a você - Oro falou. - Eu os farei pagar.
- Tão pequenina. E o bebê, ela estava preocupada em perder o bebê - Tomás murmurou. - Decidi que ela precisava de um marido. Prometi que daria um nome para o bebê. Eu teria sido um bom pai, Oro. Cristo, isso dói!
Royal teve a impressão de que havia acabado de ser atingido com força no estômago. Pelo olhar que Oro lançou-lhe, percebeu que parecia tão chocado quanto se sentia.
- Eu vi mesmo aquele diabo do O'Neill? - Tomás perguntou.
- Sí - Oro confirmou. - Nosso compadre resolveu aparecer na hora certa, não?
- Eu acho que vamos precisar dele.
- Por favor, apanhe minhas armas, Patricia - Oro pediu.
- Mas sua perna... - ela protestou.
- Minhas armas - ele repetiu, e Patricia foi correndo buscá-las. - Vou atrás de Antonie.
- Mas não vai sozinho - Royal respondeu, colocando o cinto com balas que Justin tinha ido buscar para ele.
- Iremos todos nós? - Oro sorriu ao ver que Cole e Justin também se preparavam.
- E não se esqueçam de mim - O'Neill anunciou.
- Vim para fazer uma visita para a niña e farei, mesmo que seja depois de ir buscá-la.
- Vai ser bom cavalgar a seu lado novamente, amigo - Oro respondeu, enquanto apanhava o cinto das mãos trêmulas da esposa. - Nós devemos muito a você.
- Não me devem nada - o grandalhão replicou. - Vocês três me salvaram muitas vezes.
- Por que não levam mais homens? - Patricia sugeriu. - Tenho certeza de que muitos deles vão ficar felizes em ajudar.
- Tem razão. Mas eles deverão ficar um pouco para trás de nós. Nesse tipo de confronto, é melhor que não haja muitos homens. - Oro beijou a esposa. - Tome conta de Tomás para mim, querida.
- Boa sorte. - Patricia abraçou o marido com carinho. - E tomem cuidado.
Ao comunicar os acontecimentos a seus empregados, a expressão de indignação no rosto deles demonstrou a Royal que eles estavam dispostos a ajudar. Não conhecia o tal O'Neill, mas Oro e Tomás tinham extrema confiança no homem, o que fazia crer que ele seria de uma ajuda valiosa.
Pouco depois, eles se colocaram a caminho do local conhecido com Buraco do Diabo. A jornada levaria algumas horas, e não tinham tempo a perder.
O coração de Royal estava repleto de temor por Antonie. Ela podia estar sofrendo todo tipo de maldade, pois Raoul era um homem conhecido por seu gosto pela brutalidade. Antonie era uma mulher de fibra e coragem, mas era também pequena e delicada.
Gostaria de ter agido imediatamente de acordo com suas suspeitas, sem se preocupar em ter provas antes de acusar os vizinhos. Tinha certeza de que a responsabilidade pela captura de Antonie era de Marilyn, e ela pagaria caro por isso.
As palavras de Tomás reverberavam em sua mente. Agora compreendia que, ao imaginar que ele escolhera Marilyn como esposa, Antonie não quisera que ele ficasse sabendo a respeito do bebê.
- O local que Tomás mencionou fica a duas horas daqui, indo para oeste - Oro comunicou, assim que alcançaram o lugar onde O'Neill encontrara seu irmão.
- Então, chegaremos ao alvorecer - Cole calculou. - Teremos cobertura ao nos aproximarmos?
- Sim, mas é difícil chegar à cabana sem sermos vistos; por isso, Raoul escolheu esse lugar.
- Bem, decidiremos o que fazer, assim que tivermos chegado a um ponto onde não tenhamos mais cobertura - Royal decidiu.
- Concordo - disse O'Neill. - Então poderemos ter uma ideia de quantos homens estão lá com Mendez. Não podemos agir às cegas.
O Buraco do Diabo nada mais era do que uma depressão na terra, rodeada de arbustos e pedras que ofereciam cobertura ao grupo até certo ponto. A partir dali, tudo que havia era terra batida e lá, bem no centro, estava a cabana para onde o pistoleiro levara Antonie.
Dois homens, infelizmente muito despertos, montavam guarda junto ao local. Se os cavalos que estavam à vista pudessem servir de pista, havia de seis a oito homens na cabana.
- O que é aquilo? - Justin indagou, apontando para algo que se parecia com uma cruz de madeira.
- É o cadafalso de Mendez - Oro respondeu, pálido.
- Ele mandou erguê-lo especialmente para Antonie. Para ele, a niña de Juan não é uma presa qualquer. Ele pretende matá-la lentamente. O fato de não haver ninguém ali significa que ela ainda está viva.
- Ramirez torturaria uma mulher? - Cole perguntou num sussurro.
- Ele vê em Antonie seu velho inimigo Juan - Oro explicou.
- E se atacarmos imediatamente? - perguntou Royal.
- Se sobrevivermos - Oro começou -, Antonie será morta antes mesmo que cheguemos à cabana.
- Acha que ele a mataria se soubesse que ela espera um filho? - Royal tornou a indagar.
- Nunca se sabe com esse homem. Poderia até mesmo ser pior para ela, pois ele passaria a vê-la como uma mulher comum e não como a filha de Juan Ramirez - Oro opinou.
- Vejam, rapazes - O'Neill alertou. - Está acontecendo algo lá embaixo.
- Estão trazendo Antonie para fora - Oro disse.
- Pobre irmãzinha, ter que demonstrar frieza numa situação como esta. Ela deve estar apavorada por causa do bebê.
- Justin, você fica aqui com os cavalos - Royal determinou. - Precisamos de alguém para ficar de guarda e você é o que menos experiência tem neste tipo de situação.
- Vamos decidir logo o que fazer rapazes - O'Neill reclamou. - Não há tempo a perder.
- Vamos esperar - Oro decidiu.
- Esperar? - Royal indagou, exasperado.
- Sí, quando Raoul começar, seus homens vão ficar olhando.
- Todos eles? - Cole perguntou. - Pobrezinha!
- Se esperarmos mais tempo, ela pode acabar perdendo a criança por causa do choque e da tensão - Royal observou.
- Ela já enfrentou situações bem difíceis durante pelo menos quatro meses de gravidez, talvez um pouco mais, e está firme - disse Oro. - Se tentarmos atacar agora, eles acabarão por matá-la e ao bebê mais depressa e, provavelmente, a nós também. Não podemos ser úteis a ela mortos.
Aquilo era verdade, Royal admitiu, enquanto se movimentavam para cercar Raoul e seus homens por trás.
Antonie foi tomada por um forte sentimento de aceitação de seu destino ao ser levada para fora da cabana. Ela permaneceu em pé sem demonstrar qualquer receio enquanto suas roupas eram arrancadas, até que ficasse nua. Ao ser amarrada contra o cadafalso de madeira rústica, porém, sentiu-se enfraquecer um pouco. Seus pés foram afastados cerca de cinquenta centímetros do chão e presos a estacas de madeira. Ela lutava para não pensar nos restos de outras vítimas de Raoul, mortas daquele mesmo modo.
- Já é Páscoa? - ela indagou, referindo-se ao martírio de Cristo na Sexta-Feira Santa.
- Pare de blasfemar - Raoul ordenou.
- Esse ritual é que é uma blasfêmia. Você montou este cadafalso em forma de cruz - ela observou, sabendo que o homem era supersticioso.
Raoul deu de ombros enquanto apanhava o ferro com suas iniciais, com o qual pretendia marcar o corpo dela, algo que fazia com todas as vítimas. Pouco depois, ele colocou o ferro no fogo, enquanto gargalhava, fitando-a. Em resposta, ela o encarou, o medo que sentia sendo substituído por uma fúria que mal conseguia conter.
- Acho que você vai aguentar aí um bom tempo - Raoul disse, enquanto deixava o ferro aquecendo, para ir testar o fio da lâmina de sua faca na pele dos ombros de Antonie. Assim que ele passou a lâmina contra a pele delicada de um dos ombros, um fio de sangue começou a escorrer. Em seguida, ele repetiu o procedimento no outro. Antonie não pronunciou um som, embora o corte ardesse, e cuspiu no homem. Sua esperança era que Raoul ficasse tão furioso que a matasse de imediato, poupando-a de mais sofrimento.
O corpo de Royal tremia ao vê-la sendo submetida àquele tipo de martírio. Cole segurou-o pelo braço, a fim de evitar uma ação precipitada.
- Se a lâmina da faca estiver quente ao cortar a carne, não haverá muita perda de sangue. - Raoul prosseguiu com a tortura.
- Quando você morrer, como com certeza irá acontecer - Antonie falou -, Juan Ramirez estará esperando por você no inferno. - Ela deu um sorriso Irônico. - Manuel e Júlio estarão também lá á sua espera. Você matou um dos filhos de Manuel e agora vai matar a filha de Juan. Eu deixo por conta deles o seu castigo, animal nojento - ela concluiu, satisfeita ao ver o pistoleiro empalidecer.
Trêmulo, mas lutando para que seus homens não vissem em seus olhos o medo que ele sentia, Raoul testou a ponta da faca na parte interior de cada um dos braços de Antonie. Ainda assim, ela não pronunciou um som, rangendo os dentes para se impedir de gritar, uma vez que o corte, embora superficial, queimava como fogo.
- Tragam o carvão - Raoul ordenou, e logo um de seus capangas se aproximou com um carrinho cheio de carvão. - Encha cada um dos orifícios - ele comandou.
Aquela era uma das partes terríveis do ritual.
- As solas dos pés podem ser usadas para causar muita dor a uma pessoa - ele disse, rindo e olhando para ela.
Foi então que Antonie percebeu para que serviam os orifícios sob seus pés. Cada um deles foi preenchido por um dos homens com carvão em brasa. Ela sentiu que suas forças se esvaíam ao pensar na tortura que a aguardava.
Quando o capanga de Raoul se levantou após ter cumprido a tarefa, fitando Antonie, o som de um disparo se fez ouvir, e a expressão do homem se transformou num esgar de dor, antes que seu corpo caísse sobre um dos orifícios repletos de carvão em brasa, impedindo que os pés dela começassem a sofrer com o calor. Ao ouvirem o disparo, os outros homens de Raoul fugiram apavorados, deixando-o sozinho para enfrentar o inimigo invisível.
Quando uma bala certeira atingiu, por fim, o peito de Raoul Mendez, o corpo dele caiu diante dela, marcando o fim de um risco a que a vida de Antonie estaria exposta enquanto ele vivesse.
Cole foi o primeiro a alcançá-la. Ele depressa espalhou areia sobre os carvões em brasa e retirou-a daquela posição, cobrindo-a com sua camisa.
A despeito das dores que sentia, Antonie estava feliz, e sorriu para ele. Por um milagre havia sido salva das garras de Raoul Mendez pelos amigos.
- Não sei onde encontra forças para sorrir, benzinho - Cole disse.
- É fácil. Eu estou viva! - ela exclamou.
Logo, Oro, O'Neill, Justin e Royal se aproximaram.
Royal estava ansioso para falar com ela, mas precisava de privacidade. Ao vê-lo, Antonie piscou e desviou o olhar.
- Há uma coisa que preciso dizer a vocês - ela murmurou, sentindo lágrimas nos olhos. - Tomás...
- Ele está vivo, chica. O compadre aqui o encontrou, fez alguns curativos nele e o levou para o rancho - explicou, apontando para O'Neill. - O destino o enviou.
- Dios, é inacreditável - ela murmurou, olhando para o irlandês como se estivesse diante de uma visão. - É um prazer vê-lo, O'Neill.
- É um prazer ver você, menina - O homem aproximou-se e beijou-a na testa. - Enquanto trato de seus ferimentos, vou lhe contar uma porção de histórias que colecionei na memória durante este último ano. O que acha?
- É fantástico! Estou ansiosa para ouvi-las. - Ela riu e o abraçou.
- Vou buscar os cavalos. Na minha sacola tenho algumas coisas que vão servir para limpar e desinfetar esses ferimentos.
- Há uma cama nessa pocilga? - Cole quis saber, apontando para a cabana.
- Si, duas - Antonie respondeu. - Mas eu não consigo andar. Fiquei amarrada muito tempo, e minhas pernas estão duras.
- Ninguém esperava que você pudesse andar - Royal disse, tomando-a nos braços para levá-la para dentro da velha cabana.
Algo na maneira como ele a tomara nos braços fez o coração de Antonie encher-se novamente de esperança. Ele agia como se carregasse um tesouro.
- Prefere ficar deitada ou sentada? - ele perguntou ao chegarem a uma das camas.
- Sentada. O'Neill pode precisar que eu ajude na hora dos curativos. Foi um belo ataque surpresa, cavalheiros. - Os olhos dela brilhavam como estrelas ao fitar cada um dos amigos.
- Antonie, temos que conversar - Royal disse.
- Aqui está minha maleta mágica. - O'Neill aproximou-se, adiando a conversa que Royal pretendera iniciar. - Por que não vai até lá fora, sr. Royal, e pede a Oro que pare de abusar da perna. Ele está tentando apagar os vestígios da luta, caso o mandante de Raoul resolva aparecer.
Antonie ficou observando Royal afastar-se e suspirou.
- Não fique triste, menina. - O irlandês piscou para ela. - Tudo vai acabar bem entre vocês.
- Não sei, não. Ele é um homem rico, e eu sou a niña de Juan Ramirez.
- Bem, então ele é um grande tolo e não merece que você sofra por ele. Ah, Oro - ele chamou ao ver que o rapaz entrara na cabana -, venha sentar aqui ao lado de Antonie, assim você descansa e me ajuda a cuidar de sua irmãzinha, - Ele a encarou. - Como está o bebê? - ele indagou, desinfetando um dos cortes no ombro dela com uísque.
- Então já sabem? - Ela fez uma careta quando o álcool fez sua pele arder.
- Pude ver claramente que estava grávida enquanto esteve pendurada lá fora - o irlandês falou. - E Tomás não parou de falar no bebê.
- Então Royal também sabe.
- Sí - Oro confirmou. - E ele não gostou nada de saber dos planos de Tomás. Não quando ele estava indo atrás de você.
- Por que ele resolveu vir me procurar?
- Porque você se esqueceu de se despedir - Oro brincou.
- Oro...
- Vocês têm de conversar, pequenina. Não sou eu quem vai dizer isso.
- Ele tem razão, garota - disse O'Neill. - E seus ferimentos não são tão ruins. Ainda assim, sofreu um choque e foi atingida na cabeça. Melhor descansar alguns dias.
- Todos os homens de Raoul estão mortos?
- No, capturamos alguns - Oro informou.
- Acha que eles vão dizer algo?
- Talvez, mas acho que os Bancroft irão descobrir muito pouco - Oro arriscou.
- Ah, Royal não vai ficar satisfeito com isso.
- Como está Antonie? - Cole perguntou, enquanto eles arrastavam um dos cadáveres para trás da cabana.
- É difícil dizer - respondeu Royal. - Ela é tão estoica.
Cole se agachou para falar com um dos sobreviventes do grupo de Raoul, cujo ferimento era evidentemente grave.
- Quem contratou vocês? - Cole perguntou.
- Uma gringa - o homem disse.
- Isso não ajuda muito.
- Alta, cabelos vermelhos, bonita... Collins. Señorita Collins.
- Bem, aí está a confirmação de suas suspeitas, Royal - Cole disse. - A doce Marilyn e seu papai estavam por trás de tudo.
Imediatamente, Royal se deu conta do quanto errara com Antonie. Ele não se preocupara em avaliar os próprios sentimentos, deixando-se levar pela possessividade e pelo desejo. E pior, no fundo nunca se esquecera de que ela era a filha de um pistoleiro. Isso, no entanto, não o impedira de desfrutar do prazer que sua paixão por ela lhe proporcionara, nem de aceitar ajuda a cada um dos obstáculos que haviam se apresentado.
Mais tarde, quando voltou à cabana, serviu-se do café que O'Neill preparara e perguntou ao irlandês:
- Como ela está?
- Vai ficar boa. Com sorte, não haverá cicatrizes.
- Estou com uma boa coleção - Antonie brincou. - Já são cinco.
- O que é muito - Royal resmungou. - Como está o bebê?
- Que homem sutil - ela murmurou, fazendo O'Neill e Oro rirem. - A criança está bem.
- Quando tempo falta? - perguntou Royal.
- Pouco menos de três meses.
- Meu Deus... - Royal murmurou. - Você enfrentou aquela viagem longa e todos aqueles perigos carregando um bebê no ventre?
- Não sabia que estava grávida.
- Como não?
- Eu fui criada no meio de homens e não sei nada a esse respeito.
- Já escolheu um nome? - O'Neill interveio.
- Sí. Ele vai se chamar Juan Ramirez - ela declarou. - É um lindo nome.
- Meu filho não vai carregar o nome de um pistoleiro procurado no Texas durante décadas - Royal protestou.
- Ele é meu filho - Antonie lembrou.
- Alguém se aproxima - Justin informou, interrompendo a discussão.
- Um cavaleiro só. Será que você pode adivinhar quem é, Royal? - Cole indagou.
- Talvez consigamos a prova de que precisamos para condenar Marilyn e o pai dela pelo assassinato de nossos pais - Royal aventou.
- Pois lhes digo se ela avistá-los, vai sumir e vocês não vão conseguir nada - O'Neill preveniu-os.
- Alguma sugestão? - Royal indagou.
- Sim. Tratem de se esconder lá atrás enquanto eu vou receber essa moça. Os únicos homens de Raoul que me conhecem não podem mais falar e acho que tenho uma aparência bem grosseira para passar por mais um dos capangas, certo?
- Apenas para quem não o conhece - Antonie falou com um sorriso.
- Acha que é capaz de convencer essa moça de que... - Royal começou.
- Ele é capaz de vender uma garrafa de água a um homem que está se afogando - Antonie comentou. - É esperto como ainda não vi igual.
- Além disso, ele sabe o suficiente sobre bandidos para agir como um deles - Oro acrescentou. - E é o único que nossa ilustre visitante não conhece.
- Muito bem, então - Royal concordou. - Eu preciso de uma confissão.
- Vou consegui-la, não se preocupe - O'Neill garantiu. - Mas agora prestem atenção. Não façam barulho, não importa o que ouvirem, Se eu tenho que convencer essa senhorita de que sou um homem da laia de Raoul Mendez, talvez seja obrigado a fazer e dizer coisas que vocês poderão achar estranhas. - Ele apanhou uma sacola. - Aqui há algumas coisas para vocês enganarem a fome.
Fechando a porta, O'Neill passou para o outro cômodo, onde se sentou com uma xícara de café.
No cômodo onde os outros estavam, Royal acomodou-se ao lado de Antonie, enquanto Justin, Cole e Oro sentaram-se sobre a outra cama. Todos comeram em silêncio, até a chegada da pessoa que se aproximava.
O'Neill teve que suprimir a surpresa assim que uma linda jovem de cabelos vermelhos entrou na cabana. Enfrentou com calma o olhar desconfiado que ela lhe lançou. Seus instintos diziam que aquela moça era a responsável pelos problemas entre Royal e Antonie.
- Quem é você? - Marilyn indagou, sem conseguir esconder sua apreciação pelo homem de olhos azuis.
- Liam O'Neill. E você?
- Onde está Raoul?
- Bem, Raoul não está por aqui. Eu mesmo estou esperando por ele.
- Não há mais ninguém aqui? - ela indagou, desconfiada.
- Só eu e você, beleza.
Ao perceber o olhar malicioso, Marilyn sorriu.
- Nunca o vi com Raoul - ela disse.
- Podemos dizer que estive descansando.
- É mesmo? Pode ser, mas não acredito em você.
O'Neill levantou-se e agarrou o braço de Marilyn, torcendo-o. Era o tipo de demonstração de força que ela parecia apreciar.
- Ninguém chama Liam O'Neill de mentiroso.
Olhando para ele, Marilyn sorriu. Ali estava o tipo de homem que reunia a aparência de um cavalheiro e a força superior que um homem devia provar a toda mulher. Em um só homem, ela poderia encontrar o refinamento que sua posição na sociedade exigia e a brutalidade pela qual seu corpo ansiava.
- Raoul não podia ter ido embora. Havia um trabalho que precisava executar.
- Está se referindo a matar a cadelinha de Juan?
- Sim.
- Ah, Raoul não quis deixá-la aqui, onde poucos poderiam vê-la. Ele a levou a um lugar onde muitos poderão desfrutar da visão do poder de um homem como ele.
- À porta da casa de Royal? - ela indagou, deliciando-se com a ideia. - Ela demorou bastante para morrer?
- Bem, Raoul disse algo sobre isso. Disse que ela provou ser tudo o que ele esperava da niña de Juan Ramirez. Acho que isso quer dizer que ela aguentou um bom tempo. - O'Neill teve que conter-se para esconder a repulsa pela excitação de Marilyn diante daquela notícia.
- Como eu gostaria de ter estado aqui para ver. Raoul disse quando voltaria?
- Não, só me disse que eu deveria me sentir em casa.
- Bem, isso não me inclui, é claro.
- Não foi isso que ele me disse.
- Aquele porco me forçou a satisfazer a ele e aos homens do bando - ela admitiu. - Eu trouxe o resto do dinheiro, mas disse que só entregaria a ele quando visse aquela maldita morta, com meus próprios olhos.
- Parece ser uma quantia boa. Você queria mesmo ver a niña de Juan morta, hein?
- É verdade. Gostaria de tê-la visto morrendo aos poucos. Eu disse que queria provas da morte dela.
- Aquele sangue todo no chão me parece prova suficiente - O'Neill apontou. - Raoul me disse que você iria dar, digamos, um bônus depois que o trabalho estivesse acabado, e acho que eu mesmo posso recebê-lo.
- Não. - Marilyn não tentou se soltar quando ele a segurou com firmeza pela cintura. - Não pode me forçar a ser sua prostituta.
- Não mesmo, boneca? - ele indagou, ao perceber com que insistência ela olhava para seu sexo. - Raoul me disse que você gosta da coisa com violência e que aprecia repetir os jogos muitas vezes.
- Tire suas mãos imundas de mim - Marilyn murmurou.
Antonie olhava tensa para Royal, sem saber ao certo o que se passava na mente dele. Royal, por sua vez, sentia-se impaciente por não conseguir a prova de que precisava. Achava também que o irlandês estava se deixando excitar pela beleza da jovem, falando com ela de maneira imprópria. Desejaria poder observar o que se passava lá fora. Porém, todas as suas dúvidas desapareceram quando Marilyn tornou a falar.
- Conte-me o que Raoul fez com aquela cadela. Todos ouviram a descrição detalhada das torturas a que Raoul Mendez costumava submeter suas vítimas.
Para Antonie, foi particularmente difícil ouvir tudo aquilo, uma vez que estivera a um triz de ser objeto de todas aquelas maldades.
- Bem, eu teria feito algumas coisas diferentes - O'Neill falou, antes de descrever outras espécies horríveis de tortura. - E, então, o que diria das minhas ideias em comparação às de seu amante mexicano?
- Ele nunca foi meu amante. Aquilo foi parte dos negócios. E, afinal, eu precisava que ele removesse alguns obstáculos de meu caminho.
- Bem, com a niña de Juan não vai precisar mais se preocupar. Raoul arrancou a pele toda dela como se faz com um coelho. - Ele riu.
- Acho que você vai querer aquele bônus agora - ela propôs, ansiosa.
- Bem, sou um homem que gosta de ter seu prazer, mas não sou apressado como Raoul. Gosto de fazer tudo bem devagar.
- Ele é um porco.
- Mas serviu para você, não é?
- Não como você pode fazer, estou certa. Raoul não sabe como tratar uma mulher.
- Bem, não gosto de me gabar, moça, mas este irlandês aqui é um especialista.
O'Neill pôs-se a descrever uma série de atos repugnantes entre um homem e uma mulher. Quanto mais doentios, mais Marilyn se mostrava excitada. No quarto, todos ouviam aquela conversa em silêncio, Cole com um sorriso irônico nos lábios, Justin em choque. Quanto a Royal, Antonie não saberia dizer o que ele pensava.
- Possua-me, por favor - Marilyn pediu. - Você não pode me excitar assim e depois me deixar de lado. Quero que faça comigo tudo o que acabou de descrever. E eu também tenho outras ideias...
- Sou seu homem, beleza. Vou fazer isso tudo e muito mais. Mas não quero fazer essas coisas numa cadeira.
- Há camas lá dentro. Por favor, não me faça esperar mais.
- Puxa, mas será que ninguém anda fazendo o serviço com você?
- Não, são todos cavalheiros cheios de refinamento. Não sabem quais são as necessidades de uma mulher.
- Não são como Raoul, hein?
- Raoul não fez metade do que imaginei que ele faria. Mas tenho certeza de que você pode fazer muito melhor.
- Então deve ter mais alguns obstáculos que quer que eu remova, certo? - O'Neill arriscou.
- Cinco. Aí sim, serei dona da maior extensão de terras no Texas. E você poderá ficar comigo.
Animada, Marilyn contou tudo o que ela já fizera contra os Bancroft em detalhes. O'Neill fazia um comentário malicioso de quando em quando e, dessa forma, conseguiu que ela revelasse a participação em cada um dos incidentes envolvendo a família de Royal.
- Cinco obstáculos? - ele indagou, por fim. - Vou precisar planejar isso direito e pode demorar algum tempo. Venha comigo, vadia, e quem sabe você vai ser capaz de me fazer resolver seus problemas mais rápido.
Instantes mais tarde, o irlandês abria a porta do outro cômodo, permitindo que todos vissem Marilyn.
- Ora, ora, havia me esquecido de que tínhamos companhia - O'Neill provocou.
- Você trapaceou, seu maldito! - ela esbravejou, enquanto avançava sobre O'Neill, que se recostara à porta.
Cerrando o punho, o irlandês desferiu um soco na mandíbula de Marilyn, fazendo-a cair a seus pés.
- Você bateu numa mulher, O'Neill - Antonie observou, atônita.
- Eu bati na escória. Eu sempre gostei de mulheres e sempre as respeitei, fossem prostitutas ou freiras. Mas isto aqui - ele apontou para Marilyn - não é uma mulher. Ela é pura perversão vestida na pele de um lindo ser humano do sexo frágil. Exulta ao falar da morte de pessoas, pouco se importando com o sofrimento alheio se isso servir para transformá-la na rainha do império do gado. Ela não é em nada como você, Antonie. - Ele olhou para Royal. - Há coisas interessantes, as provas de que necessita, dentro da sacola que ela trouxe, sr. Bancroft.
Cole se ocupou em imobilizar Marilyn, enquanto os demais prepararam a montaria para voltar para casa. Royal não pronunciara uma só palavra depois de tudo o que ouvira, e ninguém tinha ousado interpelá-lo. Afinal, se ele nutria a esperança de se casar com Marilyn, Antonie pensou, a decepção tinha sido muito além do imaginável.
Mais tarde, ela foi acomodada em um dos cavalos para ser levada de volta ao rancho. Sua cabeça doía e, fatigada, ela adormeceu durante o trajeto. Quando percebeu, estava sendo levada ao andar superior do rancho no colo de Royal, que a colocou no mesmo quarto que Tomás ocupava. Cansada demais, ela dormiu.
Royal e Cole foram, em seguida, levar Marilyn até o xerife, que imediatamente deu ordem de prisão para o sr. Collins. Quando chegavam à cidade, Marilyn despertou com tal fúria, que acabou falando demais, a ponto de confessar tudo que era necessário para que ela fosse levada à forca. Royal não podia acreditar no quanto havia sido cego em relação ao caráter dela. Ao deixar a cadeia, admitiu para si mesmo o quanto fora injusto e tolo ao considerar aquela mulher superior a Antonie.
Mais tarde, O'Neill foi até o quarto de Oro, cuidar dos ferimentos do rapaz, que haviam piorado. Por isso, após o jantar, apenas os irmãos se uniram a Royal para tomar uma bebida. Todos ainda estavam em choque, por causa dos terríveis acontecimentos das últimas vinte e quatro horas.
- Vai se casar com Antonie? - Patrícia indagou, quebrando o silêncio.
- Sim, Pattie, e depressa - Royal respondeu secamente. - Tenho que conseguir tirar da cabeça dela a ideia de dar ao bebê o nome de Juan Ramirez.
- Falar com ela a respeito disso agora só traria mais problemas, meu irmão. E não precisamos de mais problemas do que já tivemos - Patrícia aconselhou, sorrindo timidamente.
- Você deveria ter contado a ela que o pedido de casamento que fez a Marilyn era parte de um plano - Justin observou.
- Acha mesmo? - Royal indagou, com ironia. - Eu deveria ter me virado para ela no meio da noite e ter dito que pela manhã estaria pedindo Marilyn em casamento?
- Toni não é estúpida. Se tivesse falado com ela sobre suas suspeitas, ela teria compreendido. Ela poderia não gostar dos métodos que pretendia usar, mas não teria interpretado mal suas atitudes e ido embora.
- Sei disso - Royal concordou, sentindo-se culpado.
- Não estou tentando dizer que tudo o que ocorreu teria sido evitado - Justin reconheceu. - Afinal, Raoul pretendia matar Toni há muito tempo.
- Bem, tudo isso chegou ao fim, graças a Deus - Patrícia lembrou. - Acha que vão enforcar Marilyn, Royal?
- Não sei. O xerife a trancafiou numa cela. Acredito que o pai dela seja enforcado.
- É inacreditável! Nossos vizinhos, pessoas com quem convivemos a vida toda - a jovem murmurou.
- É a ganância, Pattie - Cole explicou. - Eles queriam tudo, e só não conseguiram graças a Antonie, Oro e Tomás. É interessante como as mulheres são perspicazes. Marilyn sentiu desde o começo que Toni era uma ameaça.
- Criaturinhas estranhas, não? - Royal observou.
- Muito obrigada pela parte que me toca - Patrícia replicou, fazendo os irmãos rir.
- Como estão seus pacientes? - Justin perguntou a Maria, que naquele momento se aproximava, com um lanche nas mãos.
- Estão bem - ela respondeu. - A señorita e Tomás estão dormindo. Foi muito bom para ele ver que a irmã está bem.
- E o bebê? - Royal indagou, preocupado com o mal que os sofrimentos de Antonie poderiam ter causado à criança.
- O pequenino está firme e crescendo sempre. Digamos que esse foi um bebê benfeito, se me permite, patrón. Nada do que aconteceu com a señorita poderia afetá-lo. A mãe é uma mulher forte e corajosa, embora pequenina.
Royal assentiu. Era verdade que Antonie era uma mulher admirável e corajosa, que não se entregava a histerias, como muitas costumavam fazer. Todavia, a hora de descansar havia chegado para ela, pois ninguém deveria ter que suportar tanto.
Mesmo agora que ela se encontrava a salvo, Royal sentia o sabor do medo que provara. Acreditava que nunca conseguiria afastar da memória a visão de Antonie amarrada, nua e indefesa. Ele quase a perdera e jamais se esqueceria disso.
Pouco mais tarde, O'Neill chegava à sala. Royal via quanta curiosidade aquele irlandês grandalhão despertava em seus irmãos. Eles decerto crivariam o homem de perguntas. Isso aconteceu, de fato, depois que ele estava bem acomodado, com um copo de conhaque à sua frente e um bom charuto entre os lábios.
- Sou um caçador de recompensas - ele esclareceu, cuidadoso.
- Um caçador de recompensas amigo de um bandido... - Royal comentou intrigado.
- Devo minha vida a Juan Ramirez - O'Neill explicou. - Tinha uma dívida de gratidão para com ele e jamais o perseguiria. Juan sabia disso. Nunca cacei homens como ele. E certeza de morte, a menos que se tenha um exército para defendê-lo.
- Tive a impressão de ter ouvido dizer que você costumava cavalgar com Juan e o bando dele - Royal arriscou.
- É verdade, mas do outro lado da fronteira. Contra os inimigos deles no México, a favor da lei na América.
- Então já conhecia Antonie? - Royal perguntou.
- Tive o prazer de conviver com ela por algum tempo. É uma mulher e tanto.
- Sei disso.
- Mas não poderia dizer por quanto tempo mais a terá por perto, se não esclarecer o que você pretendia com aquela mulher. - O irlandês franziu o cenho ao encarar Royal.
- Pensei em esperar até que ela melhore - Royal murmurou, embora pudesse ter dito ao homem que se metesse com seus próprios problemas.
- Então, permita que eu lhe diga que, se esperar mais, acabará falando com o vento, pois Antonie enfiou na cabeça que você queria mesmo se casar com aquela vadia. E ela não é mulher de ficar em segundo lugar, mesmo que a outra esteja no xadrez - O'Neill disparou.
Certo de que o irlandês dizia a verdade, Royal tratou de procurar Antonie. Diria a ela por que razão ele abraçara Marilyn e falaria sobre o plano que tinha elaborado. Quanto a casamento e outras coisas, poderiam conversar mais tarde.
Ele permitiu-se contemplá-la enquanto dormia. Ela parecia tão pequena e jovem, que Royal sentiu um profundo desejo de protegê-la. Era bem verdade que ela sabia se defender sozinha. Ali estava uma mulher que viveria ao lado de um homem, e nunca atrás dele.
Tão fascinado estava ao contemplá-la, que ficou surpreso quando notou que ela o fitava. Os olhos de Antonie estavam semicerrados, pesados de sono, mas pareciam mais brilhantes do que nunca.
- Tomás? - O olhar dela se voltou para o amigo a seu lado.
- Ele vai ficar bem, querida - Royal garantiu. - Veja, Maria trouxe mingau e um medicamento. Consegue se sentar? - ele indagou, ajudando-a a se erguer para comer o mingau.
- Sí. Estou exausta, só isso. Meus ferimentos são pequenos.
Antonie procurou concentrar-se no alimento que ingeria. Sua cabeça estava cheia de perguntas que gostaria de fazer, mas tinha medo das respostas que obteria.
- Preciso conversar com você - Royal disse, apanhando o prato vazio das mãos dela e passando-lhe o medicamento.
- Sobre o quê? - Ela engoliu o remédio, esperando que fizesse efeito depressa.
- Marilyn - ele respondeu, um pouco constrangido.
- Sinto muito. Gostaria que você não tivesse descoberto quem ela de fato é. Mas isso seria perigoso para você e sua família. Sinto que as coisas não tenham acontecido da maneira como você esperava.
- Não nego que tenha sido um choque ouvir tudo aquilo. Mas já desconfiava dela, Antonie.
- É mesmo?
- Essa minha cabeça dura de repente se deu conta de que ela era a única pessoa que poderia saber de tudo o que acontecia ou se planejava aqui no rancho, para poder informar Raoul - ele esclareceu, tomando as mãos de Antonie nas suas. - No entanto, ninguém a vira com ele. Tudo não passava de conjectura. Eu não tinha nenhuma prova.
- Se sabia disso, por que pretendia se casar com ela?
- Eu não pretendia.
- Não está conseguindo fazer sentido, mi vida - Antonie murmurou, balançando a cabeça.
- Eu sempre soube que Marilyn era vaidosa. Eu sabia que conseguiria fazê-la acreditar que queria me casar com ela e até mesmo que eu estava fascinado por ela. Pretendia transmitir-lhe informações falsas, para que ela as levasse para Raoul.
- Oh, eu arruinei seus planos?
- Não. As informações falsas eram sobre algo que eu disse que faria na semana que vem. Quando Raoul foi atrás de você e Tomás, ficou claro da mesma forma que ela o informava.
- Sí. Eu me encontrei com ela e disse que estava partindo. - Ela sorriu com amargor. - E Tomás quase foi morto por causa da minha estupidez.
- Você não teria como saber. Eu levei muito tempo para concluir que era ela quem informava e pagava Raoul.
- Juan sempre me dizia para ser cautelosa ao falar. Marilyn não era da sua família, não gostava de mim e mesmo assim... - Ela bocejou, esforçando-se para permanecer acordada. - Eu estava com raiva e falei sem refletir.
- Não se culpe por nada. - Ele a ajudou a se deitar. - Se é para falar em culpa, eu é que mereço ser acusado, uma vez que comecei essa confusão toda, pelo fato de não ter contado a você sobre meus planos. - Afastando alguns fios de cabelo do rosto dela, ele concluiu: - Não sou homem de sair dos braços de uma mulher para propor casamento à outra.
- Acho que eu teria chegado a essa conclusão mais tarde. Ainda assim, era possível que você tivesse se casado com ela - Antonie comentou, sonolenta.
- Foi um grande mal-entendido. Tudo era falso, tanto o que eu disse quanto o que eu e ela fizemos no escritório.
- Pois parecia ser tudo verdade. Eu não teria gostado do seu plano - ela disse num fio de voz.
- Sei disso e por isso não lhe contei. Sabia que acabaríamos brigando. - Ele inclinou-se e beijou-a nos lábios. - Agora durma.
- Acho que preciso mesmo descansar - ela falou, adormecendo de imediato.
Ainda olhando para Antonie, como se para certificar-se de que ela estava mesmo ali, a salvo, livre de perigos, Royal puxou uma cadeira para junto da cama e sentou-se. Ficaria ali, velando-lhe o sono.
Ao observar a respiração leve, sentiu uma profunda paz, ao mesmo tempo em que constatava o arredondamento de seu ventre, que logo estaria mais volumoso. Era ainda difícil acreditar que seria pai em breve. Nunca planejara aquilo. Pensando bem, sempre fora cauteloso no sentido de evitar uma gravidez indesejada e, no entanto, jamais tomara qualquer tipo de cuidado ao se deitar com Antonie.
- Logo o bebê estará mais visível - murmurou Maria, que entrava no quarto para velar o sono de Antonie e Tomás. - Se ela estivesse acordada, o señor poderia sentir os movimentos do bebê. Mas ela tomou a poção para dormir, e o niño dorme também.
- A poção não pode fazer mal ao bebê? - ele indagou, preocupado.
- Não, mas não darei mais muita dessa poção à señorita. Porém, hoje é importante que ela durma em paz. - Maria ocupou a cadeira que Royal tinha desocupado ao vê-la entrar no quarto. - Vá descansar, patrón. Preciso que o señor esteja bem descansado, para fazer com que ela fique deitada nos próximos dias.
- Estou certo disso. - Royal colocou a mão no ombro de Maria, num gesto de agradecimento e dirigiu-se ao quarto.
Antes de se deitar, ele pensou que precisaria de muita força, não apenas para cuidar de Antonie, mas para convencê-la a se casar com ele.
Royal chegou ao quarto onde Antonie, Tomás e O'Neill jogavam uma partida de pôquer.
- Royal, O'Neill está trapaceando - Antonie anunciou.
- Como pode dizer isso, menina? - O'Neill indagou, afetando ar de inocência.
- Tem dez ases neste baralho. - Antonie mostrou a Royal.
- Ases são belas cartas, só isso.
- Lembre-me de não jogar com você, O'Neill - Royal brincou. - Gostaria de falar com você, Antonie.
- Pode falar. - Ela sorriu, sem se levantar da cama que ocupava ao lado de Tomás.
- Em particular - ele disse, tomando-a pela mão para levá-la até seu quarto.
Ao sentir o toque da pele dele contra a sua, Antonie se deu conta de que Royal não a tocara mais desde o dia da prisão de Marilyn. Não se referia apenas a fazer amor, mas a qualquer tipo de contato, como um abraço. Temia que a paixão que ele sentia por ela estivesse arrefecendo.
- Saiu o veredicto sobre o caso de Marilyn e do pai - Royal falou, admitindo que evitava ir direto ao assunto. - Collins será enforcado e Marilyn será mandada para a prisão.
- Pois acho que ela também deveria ser enforcada - Antonie opinou. - É tão culpada quanto o pai.
- Case-se comigo, Antonie - Royal disparou, inesperadamente. - Por que está tão surpresa? - ele indagou, diante da expressão dela. - Devia imaginar que eu fosse pedi-la em casamento.
- Achei que fosse me dizer que eu poderia ir embora, uma vez que os problemas foram resolvidos.
- Caso ainda não tenha notado, Antonie, você carrega meu filho em seu ventre - ele observou. - Acha mesmo que eu seria mesquinho a ponto de pedir que fosse embora?
- Prefiro que nos mande embora agora, do que peça que fiquemos por obrigação - ela disse sem rodeios.
- O que acha que sinto por você e pelo bebê?
- Não sei. Nós tínhamos aquele fogo, sí? Mas desde que fui capturada por Raoul você não me toca.
- Claro que não. Você precisava sarar e se recuperar do choque e da exaustão.
- Não estou falando em fazer amor. Estou dizendo que você não encostou mais em mim. Se Raoul tivesse me violentado, e talvez os homens do bando dele também, eu poderia achar que era esse o motivo. Mas isso não aconteceu. Acaba de me pedir em casamento, mas nem sequer segura minha mão. Tenho pensado que o fogo que você sentia por mim apagou.
- Muito pelo contrário. E por isso mesmo tenho evitado tocá-la.
- Não entendo.
- Se eu tocá-la, vou querer fazer amor com você. Quanto mais tempo ficarmos sem fazer amor, mais difícil será tocar em você. Até mencionar o assunto me faz desejá-la. - Ele sorriu embaraçado quando Antonie baixou os olhos para seu sexo. - Acho que isso se tornou permanente.
- Eu já estou bem - ela observou, movida pela excitação que o visível desejo provocou nela.
- Estive pensando na maneira como pediria você em casamento e achei que seria melhor que não fizéssemos amor até que as coisas estivessem resolvidas. Pensei até que nossa noite de núpcias seria mais... especial.
- E quanto a Marilyn? - ela perguntou.
- O que ela tem a ver?
- Por muito tempo você desejou se casar com ela.
- Antonie, aquela mulher me fez de bobo. Queria minhas terras, pretendia matar minha família. Matou meus pais. Ainda que eu pudesse perdoar isso, por achar que o pai a forçara a fazer essas coisas, jamais poderia esquecer o que ouvi naquela cabana, o que ela fez com Raoul e os homens do bando dele e que estava pronta a fazer com O'Neill.
- Ele também levou algum tempo, mas para perdoar a si mesmo. Disse que poderia ter feito uma boa farra com ela.
- Nunca tive qualquer tipo de sentimento profundo por Marilyn. Quando descobri a verdade, fiquei furioso por ela ter-me feito de bobo durante todos esses anos. Mesmo antes que os problemas tivessem começado, eu já havia questionado a razão pela qual poderia querer me casar com ela. Acredito que tenha sido porque ela estava à mão e fazia parte do meu mundo.
- Mas eu não sou. Sou mexicana, se não de sangue, de alma. Sou filha de um bandido e não sei as coisas que uma dama deve saber. Talvez isso venha a ser um problema mais tarde, e dos grandes. Acho que deve pensar melhor a respeito dessa proposta.
- Já pensei. Vou ser honesto com você. Levei um bom tempo para esquecer a maneira como você foi criada.
- Pois acho que não deveria se esquecer. Eu sou quem eu sou.
- Eu sei. "Esquecer" não é a palavra certa. Digamos que, de repente, percebi não apenas que Marilyn estava me fazendo de tolo, mas que eu estava fazendo a mesma coisa. Ela é o que o mundo chama de dama. Foi criada na riqueza e no conforto. No entanto, veja o que aquela aparência decente escondia. Ficou repentinamente claro que um histórico de refinamento não é o que conta. Na realidade, eu estava enxergando seu histórico de vida como sendo muito pior do que foi. Juan foi um homem duro, um fora-da-lei. Mas se tivesse tido a oportunidade, poderia ter-se tornado um grande homem no mundo comum. Ele amava você e fez todo o possível para mantê-la à margem de seus negócios. Juan tinha consciência de que o que ele fazia não era bom e sonhava com uma vida melhor para você.
Impulsivamente, Antonie o beijou. Foi um beijo longo, que deixava evidente a falta que ela sentia do contato com ele. Após alguns segundos, Royal fez com que ela se afastasse.
- Chega disso - ele falou, embora Antonie pudesse agora ter certeza de que o fogo que existia entre eles perdurava. - E então, aceita se casar comigo?
- Não é apenas pelo bebê que está me fazendo essa proposta? - ela tornou a perguntar.
- Não, embora, para ser honesto, eu tenha que admitir que a existência dele faz parte das razões que me levam a pedir que se case comigo. Quero que o bebê tenha meu nome. - Ele calou-se por um instante. - Ouça, Antonie, não sou bom com palavras...
- O que disse é o suficiente - ela resolveu, embora sonhasse com palavras de amor. - Aceito me casar com você. Quando seria?
- No sábado. É o primeiro dia que o pastor tinha disponível.
- Já havia pedido ao pastor para vir?
- Estava determinado a não deixar que você dissesse "não".
- Quando foi conversar com o pastor? - Antonie quis saber.
- Há uma semana.
- Por que esperou tanto tempo para conversar comigo?
- Por covardia, eu acho - Royal admitiu.
- Você tem medo de mim?
- Tive receio de ter que forçá-la a se casar comigo, e não desejava que as coisas acontecessem dessa forma.
- Forçar-me a casar com você? Como é que poderia fazer isso?
- Bem, era algo que ainda não tinha ideia de como fazer. - Royal sorriu, levemente constrangido, fazendo-a rir. - Há outras perguntas que gostaria de fazer?
- Vai ser um casamento de verdade?
- Não sei bem se entendi a pergunta, mas vou tentar responder. Vamos partilhar a mesma cama, trabalhar juntos, desfrutar dos benefícios desse trabalho, ter bebês...
- Será que podemos esperar até que eu tenha este bebê para pensar depois nos próximos? - Antonie brincou.
- Acho que posso concordar com isso - ele respondeu, sorrindo.
- Quanta consideração!
- Onde é que eu estava mesmo? Ah, sim. Vamos ter filhos, vê-los crescer para construírem suas próprias famílias, dizer a eles como educar seus próprios filhos e... - Ele a encarou com seriedade. - Nada de fugir com rapazes bonitões no momento em que eu virar as costas.
- Sí. E você não irá mais a bordéis?
- Claro que não.
- Tomás sempre diz que essa costuma ser a razão mais comum para o descontentamento das mulheres casadas que o procuram.
- E ele é sempre solidário e as leva para a cama.
- Sí. - Antonie sorriu com malícia.
- Esse rapaz vai acabar levando um tiro um dia desses.
- Ele corre esse risco, com certeza.
- Chega de falar de Tomás e suas indiscrições. E de cama. - Ele sorriu. - Felizmente, só terei que esperar mais dois dias.
- Dois dias. Bem, vou conversar com Patrícia e Maria. - Antonie caminhou até a porta, mas voltou-se para Royal antes de abri-la. - Por que não vai jogar pôquer com O'Neill? - ela provocou, antes de se afastar, rindo, para então correr escada abaixo.
O prazer que Patrícia, Maria e Rosa demonstraram em face às novidades deixou Antonie feliz. Afinal, quanto mais pessoas ali gostassem dela, mais chances haveria de que seu casamento fosse bem-sucedido.
A tarde foi dedicada ao planejamento do casamento, sobretudo porque seria realizado em dois dias, um tempo bastante escasso. A cerimônia seria assistida apenas pelas pessoas do rancho e alguns amigos íntimos dos Bancroft.
Quando a noite chegou, Antonie encontrou dificuldades para adormecer. Os preparativos para o casamento e a proximidade do acontecimento dificultavam conciliar o sono. Pouco depois alguém bateu à porta. Era Patrícia. Seria bom conversar com ela, Antonie concluiu, pois aquilo a ajudaria a se acalmar.
- Não tinha certeza de que você estaria sozinha - Patrícia disse, sentando-se à beira da cama.
- Royal está sendo um cavalheiro. Diz que ficarmos separados por mais alguns dias vai tornar a noite de núpcias especial.
- É uma ideia interessante.
- Você parece surpresa. Não acha que seu irmão sabe ser amável?
- Um irmão é um irmão, quero dizer, é difícil imaginá-lo em situações românticas, sobretudo quando se trata do irmão mais velho. Eles servem para mandar a gente se calar e para inspecionar tudo que fazemos, Com quatro irmãos, passei muito por esse tipo de coisa.
- Um deles morreu na guerra, não é mesmo? - Antonie indagou.
- Sim. - Patrícia suspirou. - Denton. Ele nasceu entre Royal e Cole. Foi muito triste, embora eu estivesse me preparando para a morte de um deles. Seria um milagre se os três voltassem para casa. O terrível no caso de Denton foi que não encontraram vestígios dele. Nada.
- E como sabem que ele morreu?
- Porque havia um buraco grande e seu cavalo morto onde ele foi visto pela última vez. - A moça estremeceu. - Mas como foi mesmo que enveredamos para esse assunto?
- Você estava falando sobre seus irmãos - Antonie lembrou.
- Ah, sim, Royal e você. Está mesmo certa de que quer se casar com ele? Você não age como alguém que está se casando com o homem que desejava como marido.
- Por que eu não estou aérea ou não pareço sonhadora?
- Bem, sim. Você não gosta dele? - Patrícia indagou.
- Sí, eu amo Royal, mas prometo bater em você se disser isso a ele.
- Você não disse isso a ele?
- Não. Ele nunca me disse palavras de amor - Antonie revelou.
- E por isso você não fala de seus sentimentos por ele?
- Você acha que foi um encontro de amor como o que aconteceu entre você e Oro?
- Não tenho certeza. Não estão se casando somente por causa do bebê, não é?
- Não posso ter certeza de que ele nunca me pediria em casamento, mas o fato é que ele o fez agora, ao saber que carrego um filho no ventre. Ele quer que o bebê tenha o nome dele.
- Mas ele quer você também, não?
- Acho que sim. Ainda há aquele fogo entre nós.
- Como pode estar tão calma? Você está para se casar e tudo parece tão pouco romântico. Um casamento deve ter romantismo. É para sempre!
- Sei que você esperava que eu fosse uma noiva radiante, mas sou uma noiva e estou contente por isso. Nunca pense o contrário. Antes de ter partido e caído nas mãos de Raoul, eu tinha esperanças de que um dia pudesse me casar com Royal. Eu estava decidida a contar a ele sobre o bebê. Eu tinha certeza de que o que havia entre nós ia além da mera paixão.
- E agora não tem mais?
- Acho que sim, mas agora que as coisas estão acontecendo eu me questiono. Deve ser normal, não?
- Eu também me questionei - Patrícia admitiu. - Sobre mim, sobre Oro, sobre tudo. O casamento é para sempre.
- Tem razão, e em meu coração existe o medo de que mesmo com o para sempre eu nunca consiga que Royal me ame. Sei que é tolice.
- Claro que não.
- Não? Amor é a única coisa que ele não me oferece. Ele me promete até mesmo fidelidade. Reclamar sobre o que não tenho, quando tenho tanto, é tolice. É o tipo de pensamento que só piora as coisas, pois faria com que eu me tornasse amarga, Pattie, e ele não tem culpa de nada. Culpá-lo por não me amar quando eu o amo não é certo. Ele tem outro tipo de sentimento por mim.
- Isso é verdade. Precisava tê-lo visto quando você foi embora. E o pior é que a culpa tinha sido dele.
- É verdade. Ele deveria ter-me dito, mas depois ele me explicou o que havia acontecido e esqueci tudo.
- Não acho que Royal conseguirá esquecer ou perdoar a si mesmo por ter sido parcialmente responsável por seu sofrimento. Foi por um triz que você não foi horrivelmente torturada.
- Vou tentar ajudá-lo em relação a isso. Nunca havia contado a ele sobre os métodos de tortura de Raoul. É tudo tão terrível que é difícil de acreditar. Além disso, eu e Tomás não agimos com cautela.
- Vocês estavam abalados - Patrícia lembrou.
- Isso não é desculpa. Tanto eu quanto ele fomos ensinados a respeito da importância de estarmos sempre atentos. Foi uma lição que nunca mais vou negligenciar. - Antonie resolveu mudar de assunto. - E quanto a você e Oro, voltaram a fazer amor?
- A perna dele piorou, você sabe - Patrícia disse, com o rosto rubro.
- Ele deve estar resmungando um bocado então.
- Muito, embora eu o pegue olhando de uma maneira estranha para mim, às vezes.
- Deve ser por causa de algo que eu disse a ele. Bem, como parece que ele não me ouviu, direi o mesmo a você.
Depois de ter dado instruções à jovem esposa sobre outras maneiras de fazer amor, Antonie viu Patrícia retirar-se, encabulada e fascinada ao mesmo tempo. Deitando-se em sua cama, Antonie sorriu. Oro deveria se preparar para uma surpresa, pois decerto ele e a esposa teriam uma maravilhosa noite juntos. Enquanto isso, ela tinha apenas El Magnífico como companhia, enrolado a seus pés.
Talvez devesse dizer a Royal que o amava, pensou, começando a ser envolvida pelo sono. Não, ela decidiu, por fim. Manteria em segredo seus sentimentos por muito tempo ainda. Quem sabe um dia se tornasse fácil para ela falar sobre seus sentimentos.
Antonie mal podia crer que dentro de uma hora estaria se casando com Royal. Olhou para as três tumbas do pequeno cemitério dos Bancroft e pensou que antes que o dia terminasse seria mais um membro daquela família.
Era estranho pensar que, por fim, deixaria de se mudar de um lugar a outro e que teria um lar. Ali, ela e Royal se casariam, criariam seus filhos, veriam seus netos nascer e crescer, envelheceriam juntos e morreriam. Aquilo tudo trazia uma sensação de proteção, mas ao mesmo tempo a ideia de permanência, com a qual ela teria que se acostumar.
A percepção de que alguém se aproximava interrompeu seus pensamentos. Em instantes, ouviu um leve rumor de passos. Tensa, apanhou a faca que trazia à cintura e virou-se. O rapaz alto e esbelto que surgiu à sua frente ergueu os braços num gesto de rendição.
- Calma, querida - ele disse. - Não pretendo fazer mal algum a você. Puxa, nunca tinha visto uma mulher tão rápida para se defender.
- O que está fazendo aqui? - ela perguntou, enquanto estudava os olhos verdes do recém-chegado. Havia algo de familiar naqueles olhos.
- Acha mesmo que eu machucaria uma mulher?
- Agora não. Passe as armas para cá, señor, bem devagar. - Quando ele a obedeceu, Antonie insistiu: - Perguntei o que está fazendo aqui.
- E uma longa história. Você acha que um criminoso anda por aí com seu bebê junto? - Ele deu um passo para o lado, revelando um pequeno cesto.
Surpresa, Antonie aproximou-se um pouco e espiou, vendo uma criança.
- Menino ou menina?
- Menino. O nome dele é Camden. Posso reaver minhas armas agora?
- Ainda não.
- Você é bem desconfiada. - Ele sorriu e aquele sorriso a fez lembrar Royal.
- Tivemos problemas por aqui - ela explicou. - Acho que acabaram. - Ela deu de ombros, demonstrando incerteza.
- Problemas que envolveram a morte do sr. e da sra. Bancroft?
- Sí - Antonie respondeu, reconhecendo nos olhos do rapaz uma dor que um desconhecido não sentiria.
- Eles foram sepultados ali. - Ela apontou. - A terceira tumba é de um dos filhos deles que morreu na guerra, Onde está a mãe da criança?
- Morreu no parto. Era uma mulher frágil. - Ele fitou o ventre de Antonie, percebendo a gravidez.
- Desculpe-me, não pretendia...
- Não precisa se desculpar, señor. Sei dos riscos e vou superá-los.
- E quanto ao resto dos Bancroft? - o rapaz indagou.
- Estão bem.
- O que está acontecendo por aqui hoje? Percebi um movimento e há pessoas chegando.
- Vou me casar - Antonie explicou e viu um sorriso que a lembrava de Royal surgir no rosto dele.
- Com qual dos irmãos?
- Royal.
- Aquele cabeça-dura?
O comentário e o tom em que havia sido feito, além dos olhos cor de jade e do sorriso levaram Antonie a se dar conta de quem era o rapaz à sua frente.
- Não acha que se atrasou um pouco para voltar para casa? - ela interpelou. - A guerra acabou em 1865.
- Como descobriu quem eu sou? - ele indagou, atônito.
- Você tem aquele ar próprio dos Bancroft. - Ela sorriu.
- Os Bancroft têm um "ar" especial?
- Têm sim. E eu também sabia que você não estava ali. - Antonie comentou, apontando para o túmulo. - Não encontraram nada que comprovasse sua morte.
- Escapei por muito pouco.
- Bem - Antonie recolocou a faca no cinto -, acho que é hora de entrar em casa.
- Esperava encontrar apenas meus familiares.
- Haverá muito pouca gente além deles. O casamento foi decidido às pressas. Tivemos um bocado de problemas e precisei me recuperar de alguns ferimentos. - Antonie pegou o cesto. - Eu carrego o bebê. Tenho certeza de que precisará estar com os braços livres. - Vendo-o hesitar, ela segurou-o pelo braço e incitou-o a andar. - Venha, não pode ficar escondido aqui.
- Vai ser uma surpresa e tanto...
- E eles podem ficar um pouco zangados com você por ter deixado que acreditassem que estava morto por tanto tempo.
- Quando a gente é atirado longe por uma explosão como eu fui, é comum ter problemas de memória. - Ele fez com que ela parasse de caminhar por um momento. - Não sei seu nome.
- Antonie Neumann Ramirez.
- Você não parece mexicana.
- Não sou, mas fui criada no México.
Eles voltaram a caminhar. Instantes mais tarde, os dois alcançavam a varanda da casa, de onde se podia avistar o pequeno altar que fora montado para o casamento.
- Vou acabar atrapalhando a cerimônia - ele observou, temeroso.
- Por uma boa causa. E depois, não há problema em adiarmos um pouco o casamento. Ah, aí vem Royal. Ele deve estar pensando que estava planejando fugir de novo. - Ela sorriu.
- Fugiu dele muitas vezes?
- Uma só. Aqui estou. - Antonie sorriu para Royal, que a fitava com a testa franzida.
- Onde estava? E o que tem nos braços?
- Um bebê. Não o meu, é claro. O meu ainda está ficando pronto.
- Muito engraçado! - Royal replicou.
- O bebê é dele. - Ela apontou para o rapaz.
- Eu ia mesmo perguntar a você quem é ele - Royal disse, fitando-o, até se dar conta de quem ele era,
- Deus do céu! É impossível ... - ele murmurou, estendendo a mão para tocar o irmão, que julgava estar morto. - É você mesmo, Denton? - Ele o abraçou, entre confuso e fascinado.
Ainda abraçando-o, Royal conduziu o irmão para dentro de casa. A emoção que tomou conta de Cole, Justin e Patrícia foi indescritível. Como Royal, eles também não se cansavam de tocá-lo, como se para ter certeza de que não estavam sonhando.
Enquanto isso, Antonie apanhou uma bandeja com copos para servir um drinque a todos. Uma bebida os ajudaria a relaxar, ela pensou.
- Raios, Denton! - Cole exclamou. - Procuramos você por toda parte. Depois, voltamos e procuramos de novo.
- Fui atirado longe e fiquei praticamente soterrado - Denton explicou. - Nem mesmo nossos oponentes conseguiram me achar.
- Quem o encontrou?
- Um velho fazendeiro e a filha, Elizabeth. O homem estava em busca do filho, mas o encontrou morto. O efeito da morte do rapaz foi tão avassalador, que o pai faleceu menos de uma semana mais tarde.
- E foi a tal Elizabeth quem cuidou de você? - Patrícia indagou com voz trêmula, emocionada com o reencontro.
- Isso mesmo, Pattie. Foi um processo longo. Levei muito tempo para me recuperar, e ela cuidou de mim com carinho. - Denton levou as mãos á cicatriz que marcava todo o lado direito de seu rosto. - Esta é apenas uma das muitas cicatrizes que tenho no corpo e acabei ficando manco.
- Por que não tentou se comunicar conosco? - Royal quis saber.
- Eu não me lembrava de quem era, nem de onde vinha. Além disso, Elizabeth contribuiu para que eu esquecesse as poucas lembranças que vinham à minha mente. Só fiquei sabendo da verdade pouco antes da morte dela. Por medo de ficar só, ela tinha escondido documentos meus e qualquer indício que me levasse a recobrar a memória, guardando-os numa caixa que enterrou. O parto a debilitou muito e acho que ela sabia que não iria resistir. Foi então que ela resolveu revelar o que havia feito. - Denton calou-se por um momento e foi apanhar o bebê. - Este é Camden Bancroft - ele apresentou cheio de orgulho.
Royal e Antonie se entreolharam, e ela percebeu que ele fitava seu ventre, tentando, talvez, imaginar como seria seu filho.
- Onde está Elizabeth? - Patrícia quis saber.
- Está morta, meu bem - Denton revelou. - De início, fiquei desapontado por ela ter escondido a verdade que eu tentava alcançar sem sucesso. Mas devo minha vida a ela e, além disso, ela me deu este pequeno cavalheiro aqui. - Ele ergueu o filho nos braços. - Antonie me contou que tiveram problemas por aqui - ele disse, enquanto voltava a colocar o bebê no cestinho.
Royal e os dois irmãos contaram a Denton em detalhes tudo o que havia se passado desde o assassinato de seus pais.
- Gostaria de ter estado aqui para ajudar - o rapaz disse, horrorizado ao conhecer os detalhes daquela terrível história que tanto afetara sua família.
- Claro que teria sido bom ter você aqui - Royal disse -, mas conseguimos dar um jeito nas coisas de qualquer maneira.
- Só você, Royal, para conseguir o auxílio de um bandido contra outro bandido - Denton observou
- Juan Ramirez era um bandido, Raoul Mendez era um porco - Antonie retificou.
- Então você é a garotinha que sempre pensaram que Juan havia roubado? - Denton indagou.
- Sí, mas ele não me roubou. Eu tinha perdido minha família, e ele decidiu me criar - Antonie esclareceu.
- E a pequena Pattie está casada - Denton murmurou, olhando para a irmã. - Que pena eu não ter estado presente a seu casamento.
- O'Neill me trouxe para baixo para assistir a um casamento - Tomás anunciou, entrando na sala naquele momento, apoiado no amigo irlandês. - Quando é que a cerimônia vai começar?
- Céus, o casamento! - Royal exclamou, olhando para Antonie.
- O pastor ainda está aqui, não se preocupe. - Ela sorriu. - Embora ele pareça já ter bebido demais. Se não nos apressarmos, talvez ele não tenha mais condições de realizar a cerimônia.
- Eu vou conduzir Antonie até o altar - Oro decidiu.
- Se eu não estivesse tão arrebentado, eu é que a conduziria até o altar, pequenina - Tomás afirmou.
- Bem, se for haver uma disputa, eu me prontifico a conduzi-la ao altar - O'Neill propôs.
- Pelo visto todos estão empenhados em assegurar que eu não me torne uma solteirona, não? - Antonie brincou, fazendo todos rir.
- Venha, chica - disse Maria. - Preciso que me acompanhe até o escritório.
- Agora nós é que vamos ter de esperar - Cole provocou, enquanto a criada tomava Antonie pelo braço e a conduzia até o escritório.
Logo depois, Patrícia se juntava a elas.
- Maria e eu temos algo para você. - Patrícia entregou-lhe uma caixa.
Em silêncio, Antonie abriu a caixa, de onde tirou um lindo vestido em tom champanhe, todo feito em seda e muitas rendas. Olhando para o traje, ela pensou em como se enganara ao pensar que o vestido que comprara após a viagem de venda do gado não poderia ser superado em beleza. Ali, em suas mãos, estava a prova de que existia outro traje ainda mais belo.
- Para mim? - ela indagou, num fio de voz.
- Uma noiva precisa ter um vestido especial - Patricia disse, sorrindo.
- Onde compraram esta maravilha?
- Maria e eu o confeccionamos em segredo.
- Não sei o que dizer. Vocês são duas fadinhas mágicas - Antonie murmurou, abraçando-as com os olhos cheios de lágrimas.
- Agora vamos tratar de vesti-la - Patricia decidiu. - Esse casamento pode esperar pela noiva, mas não convém perdermos mais tempo.
Depois de vestirem Antonie, Patricia e Maria se ocuparam em prender-lhe os cabelos, num penteado simples e jovial. Em seguida, colocaram um par de brincos em suas orelhas e o colar de pérolas de Patricia em seu pescoço.
- Sabe onde todos foram ontem à tarde? - Patricia perguntou, enquanto enfeitava os cabelos de Antonie com flores lilás, que combinavam perfeitamente com a tonalidade incomum de seus olhos.
- Foram assistir ao enforcamento - ela respondeu.
- Agora OS problemas finalmente terminaram.
- Acho que sim - Antonie murmurou, porém sem convicção.
- Você não parece ter certeza disso - Patrícia observou. - Mas, ouça, o sr. Collins foi enforcado, Raoul Mendez está morto e Marilyn vai ser mandada para a prisão.
- Mas ela está viva - Antonie lembrou.
- Preferia que ela estivesse morta também?
- Não é isso. Marilyn é uma pessoa má e tem uma mente tão ruim quanto a de Raoul.
- Por que diz isso? - Patricia quis saber.
- Royal não contou a vocês sobre ela, imagino.
Antonie revelou a elas tudo o que acontecera naquela cabana, desde os requintes de tortura que haviam sido preparados para ela até as atitudes pervertidas de Marilyn. Maria ouvia tudo com atenção, enquanto Patricia a olhava boquiaberta, ora pálida, ora rubra diante do relato.
- Acho que Marilyn tem uma doença que estava ficando pior no contato dela com Raoul Mendez - Antonie comentou, por fim.
- Bem, chega desse assunto, chicas - Maria interveio. - Hoje é dia de casamento, portanto só devemos falar de coisas boas. Para começar, a noiva pode ir se olhar no espelho.
Ao ver seu reflexo, Antonie levou as mãos ao rosto, encantada. Aquelas duas fadas-madrinhas tinham conseguido deixá-la ainda mais bonita do que ela ficara naquela noite no hotel, depois da venda do gado. Não havia dúvida de que estava tão linda e sofisticada quanto qualquer dama da sociedade local. Ao sair do escritório para ir encontrar Royal, ela sorriu ao pensar que era possível que ele não a reconhecesse.
Junto ao altar, Royal conversava com Denton enquanto esperava por Antonie.
- Tem certeza de que deseja casar-se com essa moça, Royal? Eu me casei pelas razões erradas e, embora fosse muito grato a Elizabeth, nunca cheguei a amá-la. Confesso que muitas vezes me senti sufocado.
- Fique tranquilo, meu irmão. Não estou me casando com Antonie apenas pelo bebê.
- Então você a ama?
- Eu não sei. Talvez. Mas tive meus sentimentos por ela postos à prova de várias maneiras e posso garantir que desejo que Antonie fique comigo. Não é só pelo bebê, nem só por sexo.
Naquele momento, Antonie se aproximou timidamente e Royal ficou sem fôlego ao fitá-la. Ela estava linda. Era a mais bela noiva que ele já vira. Dentro de alguns minutos, ela seria sua de uma maneira que ninguém poderia questionar. A lei estaria a seu lado se algum homem fosse estúpido o suficiente para tentar tirá-la dele.
Por um breve instante, ele pensou na seriedade do passo que estava prestes a dar. Logo, disse a si mesmo que era comum que um noivo ficasse trêmulo e com o coração disparado num momento como aquele. Não tinha dúvida de estar fazendo a coisa certa ao desposar Antonie. Chegava a questionar-se por que levara tanto tempo para concluir que era aquilo o que desejava para sua vida.
- Esta é sua última chance de escapar, mi vida - Antonie brincou. - Quer que mande selar seu cavalo?
- Só se você mandar selar o seu também. Mas não é aconselhável cavalgar no seu estado.
- Vai ser um marido mandão?
- Pode apostar. Bem, vamos depressa, antes que o pastor não consiga mais ficar em pé para nos declarar marido e mulher.
Quando Royal colocou-lhe a aliança no dedo, Antonie decidiu que nunca houvera outra peça em ouro mais bonita do que aquela. Pela lei, ele agora lhe pertencia. Poderia usar a aliança para provar isso para qualquer um.
Mais tarde, estava sentada no sofá da sala quando o marido e Cole se aproximaram.
- Vocês estão radiantes com a volta de Denton, não? - Antonie sorriu.
- É um verdadeiro milagre - Cole comentou. - Ainda é difícil acreditar que ele esteja vivo.
- Fantasmas não fazem bebês - ela observou.
- Eu estava pensando nisso - disse Cole. - Talvez ele deva encontrar uma esposa para ajudá-lo a cuidar do bebê.
- Ora, Cole, ele não precisa se casar por causa disso - Antonie replicou. - Eu, Maria, Patricia e até mesmo Rosa ficaremos felizes em ajudá-lo. E não podemos menosprezar a habilidade de Denton como pai. Afinal, ele trouxe sozinho o pequeno Camden desde a Pensilvânia, e o menino está muito bem cuidado.
- Quando vamos começar nossa noite de núpcias? - Royal indagou de repente.
- Ainda é muito cedo, Royal. - Antonie corou. - Temos que cuidar dos convidados.
- Passo essa tarefa para Cole - Royal decidiu.
- Vamos ficar mais umas três horas. Depois poderemos nos retirar - ela disse.
- Acho melhor três minutos.
- Royal está brincando, não é mesmo? - ela perguntou a Cole.
- Acho que não - o rapaz opinou.
- Você já dançou, todos a cumprimentaram e beijaram, já comeu e bebeu. - Royal a fitou. - Falta só uma coisa agora.
- Deixou de se portar como cavalheiro.
- Nem mesmo um cavalheiro é capaz de esperar por tanto tempo - Royal argumentou.
- Então me dê dez minutos - ela pediu.
- Tudo isso?
- Não vai se arrepender - ela prometeu, afastando-se em direção ao quarto do casal.
Ao chegar ao quarto de Royal, encontrou tudo arrumado e constatou que suas coisas já haviam sido acomodadas ali. Maria a seguiu para ajudá-la.
- Quero que me ajude a tirar essas roupas e joias, Maria. E não vá rir de mim. - Antonie pegou uma caixa no armário e dela retirou uma linda camisola de seda em tom lavanda, que comprara com Patrícia, após a viagem para a venda do gado.
- Mas é uma beleza, chica! - Maria exclamou. - Toda noiva deve usar algo especial na noite de núpcias.
- Mesmo com essa barriga? - Antonie tocou o ventre.
- Não está tão gorda assim. Além disso, o bebê é do patrón, e ele vai achar você ainda mais bonita do que antes.
- Calma, rapaz - Cole brincou ao ver que Royal se levantava, ansioso. - Ainda faltam seis minutos.
- Para que ela precisa de dez minutos? - Royal resmungou.
- Considerando-se seu estado, é possível que ela esteja pensando em como poderá se defender, meu irmão - Cole provocou. - Não, na verdade acho que ela está querendo ficar especialmente bonita para você.
- Mas ela é sempre linda!
- Antonie é uma mulher, Royal, e mulheres gostam de ficar ainda mais bonitas em ocasiões especiais. E hoje é um dia muito especial para ela.
Ao avistar Maria, que lhe fez um sinal afirmativo de cabeça, Royal caminhou apressado até o quarto onde sua esposa o aguardava.
A luz tênue que Antonie mantivera a fim de dar uma atmosfera especial ao cômodo quase passou despercebida para Royal, assim como o levíssimo perfume de lavanda.
Antonie estava junto à cama de casal, tímida, na linda camisola de seda que se moldava ao corpo delicado. Ao vê-la embaraçada, Royal contemplou-a com um desejo tão evidente nos olhos cor de jade que os mamilos dela se enrijeceram. Ele despiu-se enquanto se aproximava e quando, por fim, deteve-se diante dela, estava nu e completamente excitado.
- Impaciente, querido? - ela perguntou com voz rouca.
- Muito - ele murmurou, roçando-lhe de leve os lábios. - Sua camisola é linda, mas no momento acho que vai ficar melhor longe de seu corpo.
Ele a tomou nos braços e colocou-a na cama. Devorou-lhe os lábios com beijos urgentes e repletos de intimidade enquanto a despia. Tomou cada um dos mamilos entre os lábios, percorrendo o corpo macio com as mãos. Quando passou a acariciá-la entre as coxas, ela estava tão excitada que logo se entregou ao prazer.
Mal ela se recuperava, Royal começou a estimulá-la outra vez, fazendo-a gemer. Ao sentir-se outra vez à beira do êxtase, ela reclamou a proximidade total, e ele a penetrou. Logo, os dois atingiam um intenso clímax.
Quando Royal a tomou nos braços depois do amor, ele deslizou com carinho a mão pelo corpo de Antonie, sentindo as mudanças provocadas pela gravidez. Os seios dela estavam mais cheios e a fina cintura era apenas uma lembrança. Quando ele repousou a mão sobre o ventre arredondado, o bebê se moveu.
- Esse bebê é bem animado - ele comentou com a voz embargada de emoção.
- O'Neill disse que ele dança à moda irlandesa.
- Ele tocou seu ventre?
- Ele é médico, Royal.
- De verdade? Um caçador de recompensas? Por que ele não exerce a profissão?
- Não sei, nunca perguntei. Talvez ele tenha perdido o paciente errado. Além disso, os mexicanos são supersticiosos em relação aos irlandeses.
Royal permaneceu calado por um momento, o cenho franzido.
- O que foi, mi amor? Parece preocupado.
- Estava pensando no que aconteceu ontem à tarde.
- No enforcamento? Por que você não me contou como foi?
- Porque não quero reavivar recordações ruins para você.
- Não tenho recordações ruins, Royal. Estou viva. Tudo o que aconteceu de fato foram ameaças. E ameaças não me afligem. Sofri alguns ferimentos, mas estou ótima. Não vou perder meu tempo pensando nisso. - Antonie fitou-o. - Como foram as coisas ontem?
- Collins foi enforcado, e Marilyn vai ser mandada para a prisão, onde passará a vida inteira - Royal disse, embora tivesse receios em relação àquela mulher. Afinal, ela tentara seduzir o assistente do xerife e quase conseguira escapar.
- Acho que esse não é um assunto que combine com uma lua-de-mel - Antonie observou, enquanto roçava os lábios no pescoço do marido. Em seguida explorou-lhe a boca, decidida a assumir o controle do jogo amoroso desta vez.
Enquanto acariciava o corpo de Royal, lambendo-lhe os mamilos, ela afastava as mãos dele a cada tentativa de tocá-la. Deslizou os lábios pelo peito firme e o ouviu gemer no momento em que introduziu a língua no umbigo dele. As reações do marido aumentavam sua excitação. Quando ela segurou com firmeza as coxas musculosas, para em seguida envolver-lhe o sexo com a boca, ele não conseguiu mais se conter.
- Chega, meu bem. Quero estar dentro de você - ele sussurrou, conduzindo-a para cima de seu corpo.
Antonie encaixou-se a ele e deslizou sobre o membro ereto, movendo-se num ritmo lento que aos poucos foi acelerando, conduzindo-os ao abismo da paixão. Ele agarrou-a pelos quadris e arqueou o corpo, e logo os dois eram tomados por mais um poderoso clímax.
Mais tarde, aconchegados um ao outro, Royal tornou a repousar a mão sobre o ventre de Antonie.
- Você prefere que seja menino ou menina? - ele perguntou.
- Uma criança saudável, é isso que eu quero - ela respondeu, com um sorriso.
- Eu também.
- E aposto que ele vai nascer quase sem eu sentir.
Royal a abraçou com força, temeroso do momento do parto. Porém, não demonstraria suas preocupações.
- É melhor você dormir agora - ele recomendou.
- Mas é nossa noite de núpcias! - ela exclamou.
- Então acha que devemos fazer amor até o amanhecer?
- Isso mesmo.
- Está bem. Prometo acordá-la, depois que você tiver tirado uma soneca.
- Certo - Antonie concordou, entregando-se quase de imediato a um sono calmo e profundo.
Imaginara que Royal estivera brincando ao dizer que a acordaria para voltarem a fazer amor. Porém, no meio da noite, foi despertada pelo toque habilidoso do marido, que a levou novamente às alturas.
Finalmente vencidos pela fadiga, eles se abraçaram, prontos para passar a primeira noite de sua vida de casados enlaçados um ao outro.
- Está na hora da sua soneca, muchacho - Antonie recomendou ao pequeno Camden, que se agitava em seus braços. - Você está limpinho e sua barriguinha está cheia. A titia vai dar só mais uma volta com você e depois, cama.
Antonie carregou o sobrinho até a varanda. Três meses haviam se passado desde seu casamento com Royal e o momento da chegada de seu bebê se aproximava. Ao chegar à varanda, deu-se conta de que estava sozinha em casa com o pequeno Camden. Os homens haviam saído a negócios, enquanto as mulheres tinham ido comprar suprimentos para o rancho como faziam a cada primeira segunda-feira do mês. Ela fora convidada a acompanhá-las, mas não tivera vontade de sair de casa.
Embora o momento do parto estivesse próximo, seu ventre não estava excessivamente grande. Porém, sentia-se particularmente desconfortável naquele dia.
Inquietou-se ao ouvir um movimento nos estábulos. Instantes mais tarde, contudo, avistou o filho mais novo de Maria, Sancho, de oito anos, que acenava para ela.
- Vem uma tempestade aí, señora - o menino observou, enquanto corria até a varanda.
- O céu está negro. - Antonie deu-se conta apenas naquele momento. - Vá fazer o que deve ser feito aí fora para enfrentar a tempestade, Sancho, enquanto eu fecho a casa. Depois venha para cá e poderemos comer juntos.
- Sim, señora Bancroft.
Antonie entrou na casa e colocou Camden no berço. O bebê logo adormeceu. Ela fechou as portas e janelas. Pouco depois, Sancho também entrava.
- Venha se sentar - Antonie convidou. - Você deve estar com fome.
- Um pouco. - O menino sorriu.
Assim que acabaram de almoçar, a tempestade despencou. Raios riscavam o céu e trovões soavam, assustadores. Logo ouviram o choro de Camden.
- Pobre chico! - Antonie exclamou. - Acordou com o barulho dos trovões. Deve estar assustado. - Ela foi tomar o sobrinho nos braços. - Eu não posso dizer que goste de trovões e raios. - Ela sorriu para Sancho.
- Eu também não, señora.
Com tanta gente sempre circulando pela casa, por que haveria de cair uma tempestade bem no dia em que estava sozinha com um bebê e um menino de oito anos? Além disso, sentia-se cada vez mais desconfortável. Não era uma dor forte, mas vinha em intervalos regulares.
Antonie quase entrou em pânico ao recordar-se do que Maria dissera. Era provável que o bebê tivesse decidido nascer. Céus! Nunca vira uma criança vir ao mundo. No entanto, o nervosismo não iria ajudar em nada. Além disso, lembrava-se de Juan ter dito que as pessoas nasciam da mesma maneira que os animais, e já vira cavalos e bezerros nascer. O melhor a fazer era preparar as coisas que Maria lhe dissera que seriam necessárias para limpar o bebê.
- Sancho, vou precisar muito de você, muchacho - ela disse. - O bebê resolveu que vai chegar agora. Por enquanto, você só precisa ficar olhando Camden. Quando precisar de você, eu lhe digo. Preciso ferver água e procurar lençóis limpos.
Apesar do que Antonie disse, Sancho pegou o pequeno no colo, decidido a segui-la por onde ela fosse.
Assim que as coisas estavam preparadas, e Sancho a ajudara a carregar alguns baldes de água quente até o quarto do casal, Antonie disse ao menino que colocasse Camden no berço e descesse para montar guarda e abrir a porta caso as pessoas chegassem.
- Mas não prefere que eu fique com a señora? - o garoto indagou.
- Não, muchacho. Prometo chamar você se precisar. Agora vá.
Tinha acabado de colocar a camisola, quando a bolsa estourou. Olhando para o chão molhado, ela preferiu pensar que aquele era um bom sinal e que logo o bebê estaria saindo também pelo mesmo caminho. Deitou-se e, à medida que o tempo passava, as contrações aumentavam, assim como a dor. Antonie concluiu que talvez não conseguisse manter a sanidade até o final.
- Señora, chegou alguém para ajudar - Sancho anunciou, entrando no quarto.
- O'Neill... - Antonie murmurou, espantada, quando ele apareceu no quarto.
- Estou surpreso que aquele seu homem a tenha deixado sozinha.
- Foi um engano - ela respondeu. - E o que você está fazendo aqui? Costuma se deslocar em um tempo horrível como esse?
- Eu disse que voltaria para ver o bebê. E um pouco de chuva não vai me machucar. - O irlandês sorriu. - Vou me lavar e me trocar e, em seguida, darei uma mãozinha a esse bebê.
Alguns minutos mais tarde, ele retornava ao quarto cheirando a sabonete, usando apenas calça, com o tronco nu.
- Tenha calma, Antonie, e concentre-se em fazer esse bebê sair. Eu faço o resto - O'Neill disse.
Sob um galpão, os irmãos Bancroft e alguns ajudantes se protegiam da chuva. Apesar de estarem abrigados, Royal não conseguia relaxar.
- Andar de um lado para o outro não vai fazer o tempo mudar, Royal - disse Cole.
- O que está perturbando você? - perguntou Denton.
- Eu não sei. Algo não parece estar bem, mas não sei exatamente o quê.
- É a expectativa de ser pai - Denton murmurou.
- Pode ser. O que é estúpido. Afinal, Maria está em casa.
- Não - disse Cole. - Esqueceram que hoje é a primeira segunda do mês? As mulheres foram comprar suprimentos na cidade.
- E Patrícia? - Royal indagou, aflito.
- Ela, Oro e Tomás foram trabalhar na casa nova - lembrou um dos ajudantes.
- Quer dizer que Antonie está sozinha com o bebê e Sancho? Meu Deus! Estou indo para casa - Royal disse, caminhando em direção ao cavalo.
- Você vai sair nesse tempo? - Cole indagou.
- Claro que sim. Antonie está prestes a ter o bebê e não pode ficar sozinha. Não sei como pude ser tão descuidado - ele resmungou, enquanto montava o cavalo e se punha a caminho.
Como o tempo estava muito ruim, ele não conseguiu ir tão rápido quanto pretendia. Ouviu o ruído de patas de cavalo atrás dele e soube que seus irmãos o seguiam.
Minutos mais tarde, ele descia do cavalo diante do rancho. Quase colocou a porta abaixo ao perceber que estava trancada.
- Sancho, você está aí? - ele gritou, impaciente.
- Quem é? - o menino perguntou antes de abrir a porta.
- Sou eu, Royal, diabos!
- Senor Bancroft. A señora me disse para fechar tudo. O bebê decidiu nascer.
Royal sentiu o sangue gelar nas veias e todos os temores relacionados ao nascimento de crianças assomaram-lhe à mente, paralisando-o. Quando ouviu um grito, correu até seu quarto, seguido por seus irmãos. Ao chegar, deparou-se com um homenzarrão ruivo e sem camisa que espiava entre as pernas de Antonie. Era O'Neill, ele reconheceu, enquanto se aproximava da cama.
- Vá se lavar antes de chegar perto da cama - O'Neill disse. - Se não perder tempo, ainda vai conseguir ver esse bebê teimoso ver a luz pela primeira vez.
Antonie ficou feliz ao perceber que o marido estava ali, apesar de não querer que ele a visse naquela situação.
- Venha Royal. - Cole puxou-o pelo braço. - E dê graças a Deus por O'Neill ter aparecido por aqui quando era tão necessário.
- Royal - Antonie chamou, confusa.
- Ele logo estará aqui, querida. Foi se lavar - O'Neill explicou.
Royal lavou-se e trocou de roupa o mais rápido possível . Em seguida, correu de volta ao quarto.
- Royal... - Antonie estendeu a mão, que ele segurou com firmeza.
- Agora, empurre com toda a força - O'Neill instruiu.
Royal viu Antonie respirar fundo para, em seguida, fazer muita força, o sofrimento evidente em seu rosto.
Fascinado, Royal viu seu bebê chegar ao mundo, enquanto O'Neill o segurava nas mãos enormes, o choro forte sendo a prova de que tudo tinha corrido bem.
- Está vivo - Antonie murmurou, sorriu de leve e desmaiou.
- O'Neill! O que aconteceu com ela? - Royal quis saber, aflito.
- Apenas um desmaio. Nada com o que se preocupar - ele explicou, após examiná-la. - Veja, Bancroft, você tem um filho.
- Um filho - Royal repetiu, enquanto o irlandês limpava o pequenino, que continuava a chorar a plenos pulmões.
Sentado ao lado de Antonie, Royal observava sua respiração suave, mas não ficaria em paz enquanto ela não acordasse e dissesse algo.
Horas mais tarde, Antonie despertava lentamente. Gradualmente alerta, ela passeou os olhos pelo quarto, até avistar o bebê no berço.
- Ali está nosso menino - Royal anunciou, vendo o brilho alegre nos olhos cor de violeta. - Quero que você me desculpe por ter planejado mal as coisas e...
Antonie colocou o indicador sobre os lábios do marido.
- Não deve se culpar de nada, querido. Eu também não percebi que ficaria sozinha. Mas Deus mandou O'Neill e tudo deu certo.
- Sente-se bem?
- Estou um pouco dolorida, só isso. Logo estarei como nova.
Royal a ajudou a sentar-se e entregou-lhe um copo de água.
- O'Neill disse que seria bom que você tentasse amamentar o bebê agora. - Royal calou-se por um momento. - Não perguntei se você gostaria que eu arranjasse uma ama-de-leite para ele.
- Ele é meu filho - Antonie protestou, enciumada, enquanto Royal apanhava o bebê para colocá-lo nos braços dela. - Juan Ramirez Bancroft. É um lindo nome, não acha? - Ao ver a expressão contrariada no rosto de Royal, ela justificou: - É o nome de meu papá. Jurei, no leito de morte de Juan, que daria o nome dele ao meu primeiro filho. "É o suficiente. Não serei esquecido" foram as palavras dele diante da minha promessa.
- Ouça, Antonie. Vamos negociar. Que tal Ramirez somente. Ramirez Bancroft? - Royal propôs.
- Ramirez Bancroft - ela repetiu. - Ram Bancroft. É bonito. - Ela sorriu. - Você pode escolher o nome de nosso próximo bebê.
- Daqui a um bom tempo - Royal falou.
- Você não quer ter muitos filhos? É bom fazê-lo enquanto somos jovens e estamos cheios de energia.
- Sim. Quero uma porção de filhos, mas também quero você. - Ele beijou-a na testa com carinho. - Obrigado por essa grande alegria.
- Nossa grande alegria, querido.
Quarenta abençoados dias se haviam passado desde o nascimento do bebê, e Antonie acabava de amamentá-lo, cada vez mais encantada com aquele menino que se tornara para ela e Royal o bem mais precioso.
- Posso segurar meu sobrinho? - Patrícia indagou, entrando no quarto.
- O que está fazendo aqui? Sua casa já está pronta?
- Não, mas eu me voluntariei para cuidar de Ram. Royal preparou um piquenique para vocês dois.
- Aqui está você! - Royal aproximou-se e beijou a esposa. - Se calculei direito, você acabou de alimentá-lo, o que nos dá algumas horas. Vamos. - Ele a puxou pela mão.
Despediram-se de Patrícia e, minutos mais tarde, os dois saíam. Antonie sabia qual era o propósito daquele passeio junto ao lago. O local era tranquilo e poderiam gozar de privacidade. O'Neill dissera no dia anterior que ela estava completamente recuperada e pronta para retomar a vida normal. Era possível perceber a ansiedade de Royal, embora ele agisse como quem a estivesse cortejando.
- Aqui estamos - ele anunciou, assim que parou a charrete à sombra de uma árvore.
Depois de ajudá-la a descer, ele apanhou a cesta de piquenique que Maria havia preparado. Em seguida, estendendo uma toalha sobre a grama, ele a convidou para sentar-se. Ela se divertia com o excesso de gentileza, mas apreciava ser tratada daquela maneira. Beberam e comeram juntos, mas logo começaram a se beijar. A paixão os envolveu rapidamente; porém, Royal retraiu-se e se afastou.
- Precisamos conversar primeiro - ele disse com voz rouca. - A respeito de bebês... Eu andei conversando com O'NeiIl...
- Eu também.
- E o que foi que ele lhe disse?
- Ele disse que sou uma mulher jovem e forte, mas que nem por isso tenho que ter um filho a cada ano. Disse que o parto desgasta demais as mulheres e que há formas de prevenir a gravidez.
- E o que vamos fazer?
- Não precisa se preocupar. Eu me encarregarei disso. O'Neill me disse que o método da esponja é o que menos tira a espontaneidade das coisas.
- Não gostaria de se prevenir, então?
- Já estou prevenida... - ela disse, sorrindo.
- Ótimo. - Royal tomou-a nos braços e beijou-a. - Deus, como eu desejo você... Como foi difícil ficar longe tanto tempo...
Saudosos, amaram-se em um ato rápido, intenso e apaixonado, sem nem sequer se livrarem completamente das roupas.
- Puxa, e eu que tinha imaginado que faríamos amor lentamente... - Ele riu, olhando para Antonie. Depois, saiu de cima dela, ajeitando a calça. - Bem, ainda temos umas duas horas...
- Eu preciso ir me lavar - ela disse, também ajeitando a calça e fechando alguns botões da camisa. - Volto já.
Antonie correu para o lago e, após se lavar, voltou sorrindo para Royal. No entanto, antes de alcançá-lo, ficou paralisada, incapaz de acreditar em seus olhos. Marilyn, suja e desgrenhada, tinha uma arma apontada para o peito dele.
"Não entre em pânico, chica. O tempo é importante. Pense." Ela ouviu a voz conhecida em sua cabeça. Seu olhar foi parar em sua faca, que ainda se encontrava onde Royal a lançara, após desatar-lhe a bainha. Em silêncio, foi apanhá-la, não querendo nem imaginar o que aconteceria se não o fizesse a tempo.
- Então você se casou mesmo com aquela vagabunda, não é, Royal? - perguntou Marilyn.
Royal olhou espantado para a mulher diante de si, aquela que devia estar muito longe, trancafiada em uma prisão. Ela estava quase irreconhecível, num uniforme imundo, e tinha um olhar transtornado, que o assustou, ao apontar-lhe uma arma.
- Como chegou aqui? Como conseguiu escapar?
- Foi muito fácil, meu caro - ela respondeu. - Os homens pensam com aquilo que carregam entre as pernas. Bastou que eu usasse isso ao longo do caminho. - Ela o encarou. - Eu precisava chegar aqui e fazê-lo pagar. Mal acreditei na minha sorte quando vim beber água e encontrei você.
- Você vai ser enforcada - Royal disse.
- Nunca vão me pegar. Eu aprendi a sobreviver, e agora sei como é fácil matar um homem. Mas antes que eu atire em você, vai me dizer onde está aquela vagabunda?
- Não. - Royal estava tenso, preparado para se mover, na esperança de evitar o tiro.
- Eu vou encontrá-la. Sei que ela esteve aqui com você e que deve estar apenas se escondendo. Talvez isto a faça se revelar. - Ela sorriu ao dar o tiro.
Antonie gritou ao ver o corpo de Royal cair para trás. Antes que conseguisse alcançar a faca, Marilyn atirou outra vez. Com um grito furioso, Antonie lançou a faca na direção dela, atingindo-a no peito. Para seu horror, a mulher retirou a lâmina e virou-se em sua direção. Embora perdendo muito sangue, Marilyn apontou-lhe a arma e disparou.
Antonie atirou-se ao chão, evitando o tiro, e conseguiu chegar até ela. Lutaram durante algum tempo e, mesmo ferida, a mulher era de uma força impressionante. Por fim, Antonie conseguiu desviar o cano da arma, apontando-o para Marilyn, e puxou o gatilho. Lutando contra o desejo de esvaziar o tambor da arma no corpo da mulher, verificou que ela estava morta antes de se voltar para Royal.
Tentando se manter calma, envolveu as feridas dele da melhor maneira possível . A da cabeça parecia ser apenas um arranhão, mas a do peito fazia seu sangue gelar.
Pensou em ir buscar ajuda, mas não podia deixá-lo sozinho. Com muito esforço, conseguiu arrastá-lo até a charrete e colocá-lo sobre o veículo. Usando o cobertor sobre o qual tinham se amado, amarrou-o ao seu próprio corpo para não derrubá-lo com o movimento.
Ao parar na frente do rancho, gritou pedindo ajuda, enquanto se soltava e descia da charrete.
- O que aconteceu? - perguntou uma voz masculina, em meio à confusão de mãos e braços que se prontificavam a ajudar Royal.
- Xerife! - Antonie exclamou, surpresa. - O que faz por aqui?
- Vim avisá-los que a srta. Collins escapou.
- Sim. E ela está morta perto do lago. O'Neill está por aqui?
- Vou buscá-lo, chica - disse Tomás. - Você está ferida? Está cheia de sangue.
- Estou bem. O sangue é de Marilyn, e talvez de Royal. Por favor, traga O'Neill rápido, Tomás. - Ela entrou na casa atrás dos homens que carregavam Royal até o quarto. - Alguém precisa levar o xerife até o lago - ela gritou por sobre o ombro.
Entrando na casa,. Antonie subiu as escadas até o quarto onde estava o marido. No entanto, Maria, Jed e Tom, que cuidavam dele, disseram-lhe que fosse se limpar, lembrando-a de que O'Neill não permitiria que se aproximasse de Royal naquelas condições.
Rapidamente ela se lavou, vestiu-se e correu em direção ao quarto, no qual O'Neill acabara de entrar. Porém, outra vez foi impedida de ver Royal, pois seu filho chorava de fome. Pegando-o dos braços de Patricia, sentou-se no quarto para amamentá-lo, acalmando-se um pouco. Quando terminou, o xerife fez questão de falar com ela. Após explicar-lhe o ocorrido, conseguiu, por fim, entrar no quarto do marido.
Sentiu as pernas fraquejar ao olhar para Royal. A palidez do rosto dele parecia acentuada pelas bandagens. Começou a tremer. O'Neill fez com que se sentasse e lhe deu um pouco de água.
- Como ele está? Não esconda nada de mim.
- Gostaria de poder lhe dizer mais. É ruim, querida, mas acho que já sabe disso.
- Sim, o ferimento no peito.
- Na verdade, não é o que me preocupa mais. A bala foi removida. Ele é forte, e você fez o sangramento diminuir e o trouxe rapidamente de volta. Acho que ele vai se recuperar. Porém, é o da cabeça que me preocupa.
- Mas foi apenas um machucado de raspão.
- Não, sei, querida. Não se sabe muito a respeito de ferimentos na cabeça. No momento, ele está em um sono profundo. Muito longe, se é que me entende. Pode levar algum tempo até que ele acorde.
- Quanto tempo? - Antonie quis saber.
- Horas, dias, semanas...
- Ou nunca mais. É isso o que quer dizer, não?
- Reze, querida. Peça a Deus por seu marido. Para ser honesto, não tenho uma resposta certa para dar a você. Os médicos ainda sabem muito pouco sobre os problemas na cabeça. - Ele segurou a mão de Antonie. - Vou conversar com o dr. Fowler. Talvez ele saiba coisas que eu não sei. Mas é importante ter fé e não desanimar. Seu marido é um homem forte.
Horas e dias se passaram sem que Royal despertasse, mas Antonie não se afastava dele, a não ser para amamentar Ram. Suas esperanças começaram a crescer quando, após cinco dias, ele chegou a um estado de semiconsciência, que possibilitou que ingerisse algum alimento líquido, preparado por Maria. Porém, logo voltou a mergulhar num sono profundo.
Uma noite, segurando a mão inerte do marido, Antonie encarou o fato de que ele poderia morrer e estremeceu. Pensou em todas as palavras que evitara pronunciar. Não importava que ele não correspondesse aos seus sentimentos. Agora que podia ter perdido a chance de revelar o que tinha no coração, via o orgulho que a impedira de falar como algo tolo. Quando ele voltasse para ela, revelaria seus sentimentos. Nunca ter-lhe dito o quanto o amava era um arrependimento que não seria capaz de suportar.
Royal sentia que estivera atolado na lama, tendo agora que se esforçar para sair dela, rumo à liberdade. Abriu os olhos e logo os fechou, devido ao brilho forte da luz que atingiu suas pupilas. Tornando a abri-los, agora bem devagar, constatou que o quarto estava na verdade apenas iluminado pela luz tênue de uma vela. Então ouviu o som de alguém que roncava a seu lado. Voltando a cabeça, viu O'Neill descansando numa cadeira junto à cama.
Onde estaria Antonie? Por que não estava ali ao seu lado? De repente, as lembranças da tarde em que haviam saído para um piquenique, interrompido pela tresloucada Marilyn, voltaram-lhe à memória. Ela atirara nele e prometera ir atrás de Antonie para matá-la.
- Antonie... - ele murmurou.
O'Neill despertou imediatamente e se aproximou dele.
- Bem-vindo ao mundo dos vivos - o irlandês saudou.
- Marilyn ia matar Antonie - Royal falou.
- Marilyn está morta. Antonie conseguiu matá-la e está bem.
- Graças a Deus. Onde ela está?
- Descansando. Vocês têm um filho, que ela precisa alimentar.
- Sinto-me tão cansado... mas acho que dormi bastante, não?
- Durante três semanas, meu caro. Quase perdemos você. Esteve muito distante daqui; depois teve momentos de semiconsciência, durante os quais Antonie e Maria o alimentavam com um mingau. Era um alimento quase líquido e não parecia ser dois mais apetitosos. - O'Neill sorriu.
- Quero ver Antonie - Royal pediu.
- Da próxima vez que você acordar, ela estará aqui.
Horas depois, ao acordar, Royal olhou ao redor. Antonie estava a seu lado, seus olhos cor de violeta muito abertos. Para espanto de Royal, ela deixou escapar um grito e caiu de joelhos, aos prantos ao lado da cama, dando vazão à angústia daqueles dias de medo e incerteza.
- Antonie... - ele murmurou, tocando-lhe o alto da cabeça.
- Oh, querido, tive tanto medo de perder você. Achei que poderia morrer, ou então, ir embora aos poucos. Às vezes você dava sinais de melhora, mas então se distanciava de novo.
Royal estava emocionado com a reação dela, mas não gostava de vê-la chorar.
- Não chore mais, Antonie - ele pediu. - Estou aqui, não é mesmo?
Antonie lembrou-se, então, da promessa que fizera a si mesma. Perdera tempo demais, e estava ciente de como a vida podia se esvair em uma fração de segundo. Pois bem, tinha chegado a hora de revelar seus sentimentos ao homem que amava.
- Há tanta coisa que eu queria dizer a você - ela murmurou, beijando-lhe com carinho a palma da mão, que segurou junto à face -, mas meu maldito orgulho não permitiu que eu lhe dissesse. Bem, agora que Deus o trouxe de volta para nós, não vou adiar mais. Eu te amo, mi vida. Se você tivesse ido embora, eu sei que sobreviveria, mas ficaria com um enorme vazio, que nem nosso filho poderia preencher. Por Dios, é tão difícil dizer tudo isso. Soube que você representava perigo para mim desde o início. Estava certa de que colocaria meu coração nas suas mãos. Por isso, fugi quando ouvi você pedindo Marilyn em casamento naquela manhã. Tive medo de ficar e acabar sendo "a outra". Bem, eu prometi que lhe contaria isso. Não precisa se preocupar nem dizer nada. - Antonie se levantou e dirigiu-se para a porta. - Vou buscar algo para você comer, querido.
Royal ficou olhando para a porta por onde ela saíra, boquiaberto, tamanha a surpresa que as palavras de Antonie haviam provocado. Recostando-se ao travesseiro, ele fechou os olhos e respirou fundo. Um sorriso se desenhou em seus lábios, enquanto sentia o coração repleto de alegria. Antonie o amava e, pelo que ela dissera, fazia muito tempo. O sabor daquela revelação era mais doce do que ele jamais poderia ter imaginado.
- Isso deveria dizer-lhe algo, seu tolo - falou consigo mesmo. - Pense nisso um pouco.
- Pensar no quê? - indagou Cole, entrando no quarto com uma bandeja.
- Onde está Antonie?
- Disse que ia ver Ram.
- Então é assim que ela vai agir...
- O quê?
- Nada. Diga-me, Cole, a quem eu devo agradecer por me trazer para casa?
- A Antonie. - Enquanto ajudava o irmão com a comida, Cole contou-lhe tudo o que acontecera.
Era incrível que ela tivesse conseguido fazer tudo aquilo, Royal pensou, o que ilustrava o que ela acabara de confessar. Desejava falar com a esposa. Porém, ela não lhe daria chance de fazer isso, conforme ficava claro com a passagem dos dias. Ela sempre levava alguém junto quando o visitava, evitando ficar a sós com ele. Além disso, continuava dormindo em seu próprio quarto.
Ao perceber que ela se mantinha atenta à sua recuperação, Royal pensou num plano, para o qual contou com a ajuda de O'Neill. Manteve seu progresso em segredo até estar completamente restabelecido. Não queria que ela soubesse quando ele estaria bem o suficiente para ir atrás dela, para que não encontrasse novas formas de evitá-lo.
- Você está forte como um touro, meu caro - O'Neill por fim declarou. - Hora de sair dessa cama e retomar sua vida normal.
- Diga-me, então, onde está Antonie - Royal pediu, enquanto deixava a cama e começava a vestir-se.
- Foi para o quarto alguns minutos atrás - o irlandês informou, sorrindo.
- Sem dizer boa-noite ao marido? Mas isso é inaceitável - Royal brincou, acabando de abotoar a camisa. - Bem, aquela pequena covarde não vai fugir mais.
- Recomendo que tranque a porta e esconda a chave - O'Neill sugeriu, enquanto Royal deixava o quarto.
Deitada na cama, Antonie fitava o teto, criticando a si mesma por não conseguir encarar Royal, depois de ter revelado a ele seus sentimentos. Era uma atitude infantil, ela sabia, sobretudo porque um dia ele estaria curado, e iriam retomar a vida normal de casados.
Ainda perdida em pensamentos, Antonie ouviu a porta do quarto se abrir e Royal entrar, para em seguida trancar a porta e colocar a chave em um local alto demais para que ela a alcançasse.
- O que está fazendo aqui? - ela indagou, sentando-se na cama.
- Já que você não foi para a minha cama, eu decidi vir até a sua - ele respondeu.
- Mas você está doente - ela comentou, confusa.
- Estou completamente recuperado. O'Neill me deu alta hoje.
- Quer dizer que vocês dois resolveram esconder isso de mim?
- Isso mesmo. Você estava fugindo de mim. Eu queria ficar a sós com você, mas depois daquela tarde em que você me disse que...
- Eu sei o que disse. Não é necessário falar sobre isso e você não precisa se preocupar - Antonie declarou.
Royal se aproximou da cama e fitou-a nos olhos.
- Está me deixando embaraçada. Não me olhe desse jeito. Eu apenas cumpri uma promessa. Tinha prometido que...
- Não diga mais nada - Royal pediu, sentando-se na cama e tocando os lábios de Antonie com um dedo.
- Naquela tarde, quando você saiu do quarto, eu fechei os olhos e fiquei rindo sozinho, como um bêbado idiota, tamanha a minha alegria ao saber o que você sentia por mim. - Ele segurou-lhe o queixo, fazendo com que ela o encarasse. - Eu também te amo, minha feiticeira loira - ele disse, sorrindo. - De início, eu pensei que o que houvesse entre nós não passasse de uma forte atração, um fogo, como você diz. Com o passar do tempo, porém, as coisas foram ficando mais complicadas. Eu me sentia enciumado. Uma cumplicidade que jamais pensei em dividir com uma mulher foi se formando entre nós. - Ele balançou a cabeça.
- Talvez seja mais fácil para as mulheres identificar sentimentos, não sei, mas quando você foi embora, eu perdi o chão. Quando a vi sofrer nas mãos de Raoul e pensei que poderia perdê-la, percebi que o que sentia por você era muito mais do que atração. - Ele tomou as mãos de Antonie nas suas. - Naquela tarde em que você abriu seu coração, foi como se tivesse iluminado minha mente e concluí o óbvio; que sinto por você exatamente o mesmo que você sente por mim. Essa era a verdade que eu conhecia, mas que não sabia pôr em palavras. Eu te amo, Antonie - ele murmurou, tomando-a nos braços.
- E eu te amo, querido. Por Dios, como te amo. - Ela se aconchegou ao peito do marido.
- Para sempre?
- Sí, para sempre.
- Bem, então precisamos pensar numa maneira de celebrar este momento inesquecível de nossas vidas.
Antonie olhou para Royal e sorriu.
- Tem alguma ideia?
- Você sempre pode expressar seu deleite em nosso mútuo afeto me atacando e me enlouquecendo de paixão. O que acha?
- Acho que você tem ótimas ideias.
- E teremos a vida inteira para continuar pondo minhas boas ideias em prática, meu amor.
Hannah Howell
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