Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
A BRUXA SOLITÁRIA
As cartas que se seguem não foram escritas para se tornar um livro. Foram escritas, sim, como lições a aprendizes de feiticeiros — Tessa e Glyn. Depois, me dei conta de que este poderia ser um trabalho de interesse para muitas pessoas que buscam um caminho de natureza mágica, mas que não se sentem preparadas, por um motivo ou outro, para se envolverem com grupos.
Tessa e Glyn seguem a velha tradição das bruxas e bruxos solitários. São como as antigas mulheres sábias (ou homens sábios) dos vilarejos: alguém que conhece e venera a Deusa e seu consorte, o Deus Cornífero; alguém que pratica feitiço com o propósito de cura, e ensina os mistérios. Apesar de às vezes ser um terreno solitário, conduz a caminhos de grande beleza. Trechos destes caminhos podem ser percorridos em companhia de outras pessoas, mas os trabalhos de magia devem ser solitários ou praticados ao lado de um companheiro mágico. Isto agrada a alguns, mas há bruxas e bruxos que só se sentem à vontade sozinhos. Ele ou ela não precisa necessariamente evitar amigos. Mas, por temperamento, prefere desempenhar um arquétipo diferente daquele de membro de grupos. A essas pessoas, e ao meu esposo e companheiro mágico Cole Campion, dedico este livro.
New Green, Avonford
8 de janeiro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Respondo à sua pergunta sobre "o que é bruxaria" em forma de carta. E começarei com as coisas mais surpreendentes que eu possa imaginar. A maior surpresa sobre bruxaria, para a maioria das pessoas, uma vez entendido que não somos "adoradores do diabo" nem "instrumentos do poder do mal" (no verdadeiro estilo dos filmes de horror), é que veneramos uma entidade feminina, uma Deusa. Também veneramos um Deus. Isto não surpreende ninguém. Mas reverenciar a Mãe de Toda a Vida, nesta cultura, é inesperado. Tem implicações espirituais, emocionais e sociais.
Historicamente, as bruxas foram perseguidas por sua crença em uma Deusa. Isso era politicamente inaceitável num regime patriarcal. A veneração à Deusa teria que significar, por exemplo, que a terra, a Mãe Terra, seria de novo sagrada. Ela não deveria mais ser poluída ou explorada por qualquer razão, e se perderia uma enorme quantidade de poder ou lucro obtido por homens inescrupulosos. Melhor, do ponto de vista deles, venerar um Deus que é todo mente e espírito e vive lá no alto, longe da horrível e "pecaminosa" Terra.
Na visão espiritual de nosso mundo moderno, a feminilidade há muito tempo não é considerada tão sacra quanto a masculinidade. A mulher, em todas as religiões patriarcais — o cristianismo e o islamismo em particular — é vista como aquela que traz o pecado, a traição, a armadilha ao sexo "santo". Mais próxima da animalidade, pela menstruação e parto, e da terra. Como pode haver um deus feminino?, as pessoas indagam. As bruxas dizem que o parto é o ato criativo original, e que os seres pré-históricos adoravam tanto os deuses quanto as deusas (principalmente as deusas) desde tempos imemoriais. Isto está descrito nas mitologias mais antigas, e identificado por inúmeras figuras e esculturas de deusas, descobertas em sítios arqueológicos, no mundo inteiro.
Hoje em dia, algumas bruxas, rebelando-se contra a cruel supressão da Deusa, chegam a dizer que somente Ela deve ser venerada. Uma compreensível, mas triste reação. Entretanto, o Pai de Toda a Vida, o Deus, precisa também de reconhecimento. Ele existe, e Sua omissão seria tão errada quanto a destruição da crença na Deusa Mãe. E nesta obra não faremos distinções entre o masculino e o feminino. Quando nos referirmos a bruxas, estaremos incluindo os bruxos. E vice-versa. A verdadeira meta é a reconciliação dos opostos. A amargura, o ódio e o ressentimento entre os sexos são antigos como a própria história, mas a bruxaria é a única religião que possui como alvo a cura destas feridas. Lamentavelmente, existem no mundo pessoas, de ambos os sexos que não desejam a reconciliação ou não crêem nessa possibilidade. A elas, por elas, não falo. Falarei a vocês dois e talvez a outras pessoas. Afirmo que a bruxaria, pelo menos potencialmente, é uma religião purificadora.
De onde ela recebe suas credenciais? Qual é a sua história? A feitiçaria provém do paganismo. Mais especificamente, é um ramo do paganismo com raízes no passado neolítico. Evoluiu e se manteve durante milhares de anos de perseguição. No tempo presente, é um sistema de crenças e práticas encantatórias, dedicado à restauração da harmonia perdida entre a humanidade, e aos aspectos sutis, transracionais da vida e seus mistérios. Acreditamos que será também a restauração da harmonia perdida entre o ser e a Mãe Terra. Renascendo agora, é, contudo, uma forma da velha religião. Sabemos hoje por que foi classificada como má. Pois tal calúnia é a prática comum, sempre que uma nova religião substitui a antiga. As feiticeiras não são necessariamente más. Elas são simplesmente seguidoras de uma religião anterior ao cristianismo.
O segundo fato surpreendente: nem sempre as bruxas são velhas, embora muitas o sejam. Nenhuma delas é mais propensa às verrugas do que algum outro membro da população (embora tenham maior facilidade em afastá-las por meio de feitiços), nem são reconhecíveis. Não usam altos chapéus negros, e podem ser de qualquer idade ou sexo. Os homens também se chamam de feiticeiros ou bruxos. Alguns trabalham em conjunto, ou sozinhos, e outros, como eu, junto a um parceiro mágico. Mas não se adivinha quem, dentre seus vizinhos, poderia ser um bruxo.
Sim, praticam a magia. Não para rogar pragas ou prejudicar, mas para ajudar e curar. Se funciona? A magia alcança algum propósito? Terceiro fato surpreendente: sim. Mas precisa de um aprendizado, como qualquer outro estudo.
É verdade, sim, que alguns feiticeiros cumprem seus ritos nus. Mas as bruxas solitárias praticam sua magia desta maneira, por acreditarem que seus corpos são sagrados e sentirem prazer na liberdade e na beleza da nudez. Além disso, a tradição diz que a magia funciona melhor assim, pois roupas impedem o fluir da energia etérica da feitiçaria. No verão, claro, ou diante da lareira acesa. Os arrepios não nos levariam a efeitos mágicos.
Bem, vocês perguntam, após a questão da nudez, e o deus com chifres e cauda bipartida? Que tal o Velho Cornífero? Você realmente adora o Diabo? Não há fogo sem fumaça.
O velho Cornífero? Sim. O Diabo, princípio do mal? Não. O Deus de Chifres, para as bruxas, é o companheiro masculino da Deusa Tripla. Ele é dinâmico, a força vital, aspecto masculino de toda a natureza. Nós o veneramos porque veneramos a vida. Ele possui chifres e cauda, que denotam seu conhecimento instintivo e animal, sua sapiência natural. Este Deus é parte bicho e parte homem, mescla da força vital e perícia xamânica. O Deus Cornífero, como a Deusa, é sexual, terreno, apaixonado e sábio. Cruel e mau ele não é. Entre os dois, a Mãe Deusa e seu companheiro, se constrói o mundo. Eles o construíram de amor e desejo. Portanto, a sua sexualidade é uma força vital sagrada, verdadeira experiência espiritual. Potencialmente, a mais espiritual das experiências.
Talvez este seja o fato mais surpreendente de todos a respeito da feitiçaria. Não deveria ser. Mas preciso admitir que neste mundo, como ele é atualmente, a maioria das pessoas encontra dificuldades em relacionar sexo com espiritualidade. É contra tudo que as religiões patriarcais ensinaram sobre o sexo, como vergonhoso e sujo (no máximo necessário para a continuidade da espécie).
Vocês ainda estão comigo, ainda interessados? Se estiverem, perguntem mais. Farei o possível para responder a tudo, porque desejo colocar as coisas em ordem. Eu e minhas companheiras bruxas cansamos da falsa imagem de que usamos altos chapéus negros, de que cozinhamos revoltantes sopas com asas dos morcegos, que rondam os pátios das igrejas na calada da noite, colecionando unhas de defuntos. Não faço isso. Não fazemos.
Portanto, se a menção do Deus Cornífero (sexo) não os espantou, escrevam-me ou apareçam. Perguntem mais. Continuarei respondendo em forma de cartas, porque assim posso pensar sobre o que preciso dizer e me expressar (espero) com maior clareza. Escreverei a mesma carta para cada um de vocês, mandando cópia aos endereços separadamente, e guardarei uma cópia como referência particular. É bom dizer a verdade e ser ouvida com simpatia. Minhas bênçãos para ambos.
Louvados sejam vocês.
Rae
New Green
Avonford
16 de janeiro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Então, vocês querem ser feiticeiros? É fácil entender por que Tessa tem esse desejo. A bruxaria oferece às mulheres oportunidade de adorar uma divindade feminina. Revela uma verdade que as mulheres esperaram tempo demais para ser justificada: que a divindade é tão feminina quanto masculina.
Parece, a princípio, mais difícil entender por que os homens querem se tornar feiticeiros. Porém, muitos têm essa vontade. A gratificação é igualmente compensadora para eles, eis a verdade. Há a liberdade de velhos conflitos, por exemplo, como a luta entre a sensualidade e a espiritualidade. O Deus Cornífero, divindade masculina dos feiticeiros, não acrescenta ao homem uma imagem de imediata superioridade (ou inferioridade) masculina. Pelo contrário, a imagem é de sapiência natural e selvageria. Tão poderosa como é poderoso um veado macho ou um carvalho; não como um ditador ou um míssil nuclear. Isto exige o sacrifício de velhas idéias. O Deus Cornífero não possui nenhuma primazia, em termos mundanos. Ser uno em corpo e espírito é um sonho que o homem não consegue realizar totalmente.
Tanto para os homens como para as mulheres, a experiência de celebrar oito festivais a cada ano e os ritos da Lua Cheia constitui uma alegria completa. Há, também, a promessa de um caminho autodeterminado, seus guias únicos sendo a vida e a informação que ela lhe traz, sua sapiência interior e a Deusa, junto ao Deus Cornífero. Nenhum guru, nenhuma autoridade, nenhum dogma.
Sejam quais forem as razões de seu interesse, parece que já estão atraídos para a feitiçaria. Estou convicta de que a bruxa solitária, e todas as formas de paganismo moderno, têm um papel importante a desempenhar no mundo. Mas vocês sabem o que vai ocorrer em suas vidas? Este não é um caminho fácil a trilhar e penetrá-lo é um desafio imenso para qualquer ser. O mesmo é verdadeiro, claro, quando se trilha qualquer outro caminho espiritual (e sei que muita gente olharia de soslaio para a palavra "espiritual" ligada à palavra "bruxa").
Se já tiveram alguma experiência de feitiçaria (e as bruxas aceitam a idéia da reencarnação), então vocês vão querer voltar a ela. Na verdade, há um velho ditado: "Uma vez bruxa, sempre bruxa", o que significa que a cada nova vida repetirão a experiência. Se esta idéia os enche de pânico, é melhor não iniciar. Mas se lhes eleva o coração, vocês estão em boa companhia. Muitos homens e mulheres encontraram a verdadeira essência da felicidade, como feiticeiro ou feiticeira, padre ou sacerdotisa, na magia natural. Muitos morreram por sua fé, que significou tanto para eles, na época da Inquisição (a grande perseguição pela Igreja cristã). Agradeçam à Deusa, pois não enfrentamos tal ameaça hoje em dia, simplesmente por acreditarmos e praticarmos os trabalhos. Mas socialmente e às vezes de outras formas, pode acarretar problemas. Séculos de maledicência roubaram da imagem da feiticeira a sua força e dignidade, negando todas as aspirações e a sua sabedoria mágica, transcendente, bem como o papel vital desempenhado na vida comunitária como curadoras, parteiras e conselheiras. Ela foi reduzida à caricatura do mal. O bruxo masculino, se é que ainda se admite sua existência, é geralmente concebido como um estranho e grosseiro mago "negro". Ao serem informados de que um feiticeiro real está à sua frente, muitas pessoas chegam à conclusão de que eles são sinistros, do contrário não participariam desta esquisita religião. Por outro lado, duvidam de que sejam bruxos verdadeiros, porque afinal de contas são muito simpáticos. Seja como for, um feiticeiro ou uma feiticeira tem suas recompensas (nesta vida, não apenas na próxima), porque um bruxo nunca pode estar desligado da magia real.
Ser totalmente vivo vale a pena. Tal sensitividade descoberta pode acarretar o sofrimento, mas a alegria é real. Você conhece intensamente a bênção do Sol. Assim como sente o frio do inverno. Está ligado à Lua e à Terra e a cada vibração mágica de uma pedra ou flor, chama de vela ou lago. Você experimenta a dor alheia tanto quanto a sua própria, no seu coração ou no seu corpo. É a dor da Terra, ao ser arrasada, infectada com pesticidas, saqueada e preenchida com resíduos nucleares. Um feiticeiro pode experimentar a grande alegria ou o grande desespero, movendo-se para frente e para trás entre ambos. É assim que se é completamente vivo no mundo de hoje. E vocês terão responsabilidades: celebrar as mudanças de estações e as fases da Lua; reconciliar os conflitos internos, bem como os existentes entre vocês e os outros; e empreender certos ritos a todas as formas de vida, em benefício geral, para que alguém possa saudar o Sol recém-nascido, por exemplo, no solstício de inverno — para que alguém possa invocar a frutificação e a paz em toda a Terra. Vocês, junto a outros feiticeiros (as), comerão o Pão da Vida em Lammas (Lughnasadh) para o bem de todos. Uma bruxa trabalha magicamente e praticamente pela vida. (Mas um ato prático encerra um significado mágico.)
Vocês estão prontos para tudo isto? Ou querem aprender alguns truques, para conseguir um emprego, uma casa ou qualquer outra coisa almejada? Se for assim, desejo-lhes o bem, e a natureza mágica poderá certamente auxiliar. Mas vocês não podem se considerar feiticeiros; vocês não se tornarão sacerdotes nem sacerdotisas. Vocês não serão responsáveis o bastante para conhecerem aquelas particulares bênçãos mágicas.
Estamos nos aproximando do Imbolg ou Candlemas, como os cristãos chamam seu festival, que é celebrado no mesmo dia. (São palavras prazerosas e evocativas, e muitos feiticeiros também as utilizam.) É o tempo dos primeiros impulsos da primavera, quando, segundo a moderna bruxa, Diana Demdike,"... a Deusa retorna a Seu povo, novamente virgem, novamente trazendo bênçãos". E este festival, a dois de fevereiro, era a época tradicional de iniciação das novas bruxas. Hoje em dia, qualquer dos oito festivais (Sabás) pode ser o tempo certo, ou qualquer Lua Cheia. No passado, porém, era comum deixar passar um ano inteiro, durante o qual o neófito provavelmente estudava e comungava com as grandes forças vitais, os princípios das mudanças das marés e dos ciclos, e também recebia as perícias básicas dos estados mediúnicos. Isto dava tempo para considerar a seriedade do total comprometimento. Dizem que o ano corria de Imbolg a Imbolg, e então a iniciação acontecia.
Não posso iniciá-los. Ou, por outra, não pretendo. Sou uma bruxa da sebe, uma bruxa solitária. Não pertenço a nenhum grupo (apesar de ter conhecido outras bruxas que praticam a iniciação, e que pensam ser essa a melhor forma). Não posso lhes ensinar nada sobre os grupos de bruxaria, porque não pertenço a nenhum. Trabalho com meu parceiro mágico, com quem tive a sorte de casar. Se não tivesse um companheiro mágico, trabalharia sempre sozinha. Contudo, acho que ter amizade com outros feiticeiros (as) é bom. Trocamos idéias e nos apoiamos. Mas trabalho em meu próprio ritmo com Cole ou sozinha, porque combina com o meu temperamento e minhas circunstâncias. Pois se a vocês falta dinheiro ou têm de considerar as crianças, ou se tiverem um emprego exaustivo, e eu sei que duas destas coisas se aplicam a ambos, então é plausível celebrar os Sabás e as Luas Cheias regularmente, com a escolha de uma hora e uma pessoa na casa da outra, a alguma distância da própria casa.
Por estas e outras razões, alguns feiticeiros (ou feiticeiras) preferem ser sozinhos, sacerdotes ou sacerdotisas da magia natural, abertos a pedidos de curas milagrosas ou de aconselhamentos ou deificações de pessoas que residem perto deles. Sábios e sábias de hoje tomam o nome de "bruxa solitária", que os coloca fora da linha da moderna bruxaria, fora de todos os grupos. É, na verdade, um arquétipo diferente da feitiçaria grupai. Ambos são bruxos, porém a bruxa da sebe é um ser solitário. Ela ou ele trabalha só, atendendo exclusivamente uma pequena cidade ou vila. Estas pessoas sempre existiram.
Hoje em dia, nossa função de parteiras e curandeiras foi usurpada na comunidade. De qualquer modo, rara é a bruxa que não conhece as implicações emocionais e espirituais relacionadas ao nascimento, para a mãe, o pai e a criança. A maioria também conhece as necessidades dietéticas e os mais sutis fundamentos da boa saúde — os fatores psicológicos e psíquicos. Muitos podem oferecer algum tipo de aconselhamento sobre boa saúde ou mesmo terapia. Qualquer bruxa respeitável também saberá recomendar alguém a um terapeuta ou médico competente. Mas a cura mágica foi e ainda é a nossa esfera de ação.
Uma palavra de alerta. É importante saber dizer "não" a certos pedidos que podem surgir na área da assistência mágica. Nem todos se beneficiam de um passe, ou um aconselhamento ou adivinhação. Vocês não podem servir de muletas ou de apoio para todos, não poderiam ser, pois ainda são humanos. As bruxas (ou bruxos) não são magicamente onipotentes. (Entretanto, vocês se surpreenderão de como os outros desejam e/ou ao, mesmo tempo, temem que exista a onipotência.)
Perdi-me no caminho? Não, tudo é relevante. Ninguém deve dar esse passo se não souber para onde vai levá-lo. E é mais fácil iniciar do que talvez parar, uma vez comprometidos. Isto não é porque alguém os obrigue a fazer algo. Não há autoridades feiticeiras, nenhum "Rei Bruxo" que rege toda a feitiçaria. (De tempos em tempos muita gente tem surgido reivindicando o título para si, mas nenhum bruxo verdadeiro lhe daria ouvidos.) Em espírito, a bruxaria é não-hierárquica. Porém, causas internas, coisas que você mesmo estimula, podem ter efeitos de longo alcance, mesmo em outras vidas. "Uma vez bruxa, sempre bruxa."
Agora direi algo mais sobre a iniciação. A uma bruxa solitária cabe sempre a responsabilidade. Na verdade, este será o caso, toda vez que alguém achar que tenha iniciado vocês. Tal mudança deve ser experimentada por seus desejos e tendências interiores e ficar restrita entre vocês e a Deusa ou o Deus.
Querem ir adiante? Você, Glyn, se entusiasmou sobre Imbolg quando lhe falei ao telefone. Você queria saber mais. E sei que agora você vem trabalhando em passes simples durante algum tempo. E, Tessa, quando vi você na rua, senti que estava plenamente decidida.
Falem-me sobre o que acham. Podemos levar nossos estudos adiante, se quiserem.
Aceitem minhas bênçãos.
Rae
New Green
Avonford
27 de janeiro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Sempre acho difícil começar minhas cartas. Devo mergulhar direto, descrever Imbolg? Primeiro, preciso dizer que estou muito feliz porque vocês querem continuar, achando que encontraram o verdadeiro caminho. É errado uma bruxa querer converter alguém. Essa é uma regra de nossa religião. E se não tivessem demonstrado interesse, não teriam mais ouvido falar no assunto.
Sei que você deseja saber primeiro sobre Imbolg, Glyn. Há muito o que dizer para este festival ficar esclarecido, no seu significado total. Mas tenho de começar em algum ponto. Então, começarei aqui. E, na medida em que surgirem outros dados, vou acrescentando.
Cada um dos oito Sabás no ano celebra a relação entre a Deusa e o Deus Cornífero, Mãe/Pai Natureza, de acordo com a estação. Imbolg refere-se aos começos. Chamo-o de Dia da Noiva. A Noiva é um dos muitos nomes da Deusa. Apesar de ter sido cristianizado na festa de Santa Brígida, o festival pagão mais antigo referia-se à Noiva, a Deusa Tripla, em seu aspecto virginal. É o início da primavera. Ela é uma jovem; está no começo. Igual a ela, todos nós (sejamos homens ou mulheres) sonhamos, planejamos e somos inspirados a realizar o nosso futuro. Os três aspectos da Deusa, Virgem, Mãe e Velha, representam o encantamento, a maturidade e a sabedoria, de acordo com as três fases da vida feminina. Então, em Imbolg, a Deusa nos revelará sobre o novo encantamento, inspirado na poesia e no amor. Na primavera, a mente e o corpo encontram nova inspiração. Assim, a Noiva é a Deusa da poesia, como também da fertilidade (e da cura e da arte da ferraria, tradicionalmente).
Há outros ritos desempenhados em Imbolg. É um tempo de limpeza e purificação. A limpeza primaveril agora prepara nossas mentes e corpos para o ressurgimento. A noiva Virgem varre os restos do inverno e o que cresceu no ano anterior com sua vassoura nova. Como todas as pessoas jovens, ela está ávida por novos caminhos e novas idéias. Assim, igual a ela, devemos nos preparar e abrir a terra para o novo. É o tempo da juventude e da inspiração.
O jovem Deus se aproxima da noiva desejosa. Ele faz-lhe a corte. Como enamorados (reparem que este período coincide com o Dia dos Namorados, preservando as antigas crenças), inspiram seus corpos e almas. Seu amor se expressa na união sexual. Por meio desta, haverá o crescimento, a frutificação, e nascerá uma nova vida. Como o jovem Deus, todos nós traremos a faísca de energia aos nossos planos; o ressurgimento da determinação, da ação que impulsiona a vida.
Na própria natureza, vemos o aproximar-se da noiva como a Mãe Terra, colocando as primeiras flores da primavera. Vemos o Deus no suave crescimento da luz solar.
Escrevi este poema de teor elisabetano para o último festival da Noiva. Dá alguma idéia dos temas neste ponto de mudança:
Ressurgimento
A primavera renasce,
as flores crescem.
De amantes verdadeiros
fluem doces poemas.
Como a luz que encanta
dançará a semente.
Agora ressurgem vida e amor,
a terra jovem de novo,
o jovem sol iluminado.
Olhe a folha em botão,
o pingo em neve!
Pássaros cantam de seus galhos nus e tristes.
Os primeiros sinais daquilo que virá.
Acendem-se velas à Noiva.
Broto primaveril, semente desperta.
Inspire, palavra e ação
Fogo primaveril,
primeiros tremores de luz.
A mais simples celebração de Imbolg pode ser tranqüila, meditativa. Como bruxas solitárias, vocês poderão colocar flores frescas em seus quartos, no dia 2 de fevereiro. À noite, vocês talvez acendam velas para venerar a Virgem e o Jovem Deus, e então agradeçam a inspiração da luz primaveril. Depois, talvez sonhem e meditem profundamente sobre os antigos métodos e velhas idéias que agora, com o inverno, irão abandonar. Então tornem às idéias novas e aos planos que vocês esperam ver em suas vidas futuras. Imaginem, também, a erradicação da fome mundial ou da poluição industrial. Observem tudo isto ficando para trás, na fase invernal da vida do mundo. Então imaginem um mundo novo, com uma ecologia bem equilibrada. A sociedade humana em harmonia, um mundo de paz, felicidade e abastança.
Acendam velas para a realização de três sonhos ou desejos e coloquem-nas no quarto. Depois acendam mais duas, usando a vela principal, a primeira que acenderam. Este é o Festival dos Primeiros Movimentos da Luz, de acordo com a primavera. Vocês acabam de realizar um simples feitiço.
A tradição ensina que não se deve usar mais de três encantamentos a cada vez. A concentração mágica não pode ir além disso. É também tradicional que os encantamentos praticados para outros devem vir antes de qualquer magia para si próprio. Portanto, se acendessem três velas, a primeira seria para o mundo, a segunda para um amigo e a terceira para algum novo projeto de vocês. Estas regras são apenas guias, não de estrita obediência, porém devem ser levadas em conta.
Imagino que vocês estão pensando: Como pode a magia ser tão simples? Algo tão fácil como acender três velas pode mudar alguma coisa? A resposta? Não muda. O que faz a diferença é seu pensamento. A magia é o poder do pensamento. Acender uma vela é um dos artifícios para provocar a concentração. E também uma pequena oferenda aos poderes da Natureza, com a qual vocês se afinam, em pensamento. Se pelo poder do pensamento e imaginação (mais tarde tocarei no assunto) alteraram corretamente seus próprios estados de consciência, vocês se tornaram um com os seres, as energias ou as marés e correntes da vida, que invocaram no momento do feitiço. São estas que trazem fruição à magia, fazem com que se realize. Se, inadvertidamente, ou mesmo de propósito, praticarem a magia por um motivo manipulador, egoísta ou destrutivo, é improvável que venham a fluir as dádivas, se as divindades a quem estejam ligadas são contra esse comportamento; se são, de fato, a verdadeira Deusa do Círculo de Renascimento e o Deus Cornífero. Vocês estariam se alinhando com a criatividade, para praticar um encantamento destrutivo. Alguma coisa aconteceria. Então é da máxima importância, em nome de quem vocês usam a magia. E um simples ato de acender três velas, usando uma quarta, pode estar carregado de eficácia, para o bem ou para o mal, ou fracassar completamente. São vocês, bruxas e bruxos, que vão qualificar a diferença.
No entanto, a maior parte desejará trabalhar com rituais mais complexos do que os descritos acima. Vocês irão querer o círculo mágico pleno, "espaço sagrado entre os mundos". Deixarei para a próxima carta a descrição de como isto é feito, ou como o círculo é lançado, mas o rito começa com a invocação à Deusa e ao Deus. Em suma, a deusa será saudada, primeiro, com poemas, canções ou discursos, nos quais são requisitadas a sua presença (não que ela esteja ausente) e sua bênção. O Deus é invocado da mesma forma. Assim, a consciência é enaltecida, e são feitas as conexões com o mundo interior.
A invocação pode ser simples ou elaborada. Uma versão simples seria assim:
Chamo a Deusa Tripla do Círculo do Renascimento, aquela que traz a vida. Aquela que brilha no céu da noite com beleza e enriquece toda a Terra com mistério. Aquela que é a sabedoria das estrelas, a pulsação do sangue e o lento crescer das árvores. Que sua presença me guie e suas bênçãos caiam sobre mim, pois sou a sua criação.
Para pedir a presença do Deus Cornífero, poderiam dizer:
Cornífero, todo Pai, pelo osso, pela galhada, pela garra, pela floresta negra, pela selvageria, pela alegria ardente, pela paixão, por tudo que não é domesticado, livre, esteja aqui, como o salto vital, incontestável, para que eu possa servir à vida, estando ligada e una com ela.
A magia pode ser praticada somente em nome da Deusa, se for encantamento dedicado especialmente a ela. Também, o feitiço pode ser praticado, apesar de em doses menores, apenas em seu nome. Em geral, trabalha-se em nome dos dois, lembrando que a divindade é masculina e feminina, e que a interação entre as duas grandes forças criativas é o que constrói os mundos. Nesse aspecto, a feitiçaria se assemelha ao Taoísmo, reconhecendo que a vida é o resultado dessa reciprocidade entre as forças do macho e da fêmea.
Tradicionalmente, a Deusa é considerada "a primeira entre as iguais". Isto ocorre, em parte, porque a feitiçaria possui raízes nas mais antigas formas de paganismo, que era matriarcal. Também os cientistas descobriram, recentemente, que a mulher, em termos evolutivos, surgiu primeiro. O homem nasceu dela, aparentemente como um modo de fortalecer a espécie, por meio da diversidade de combinações cromossomáticas possíveis na reprodução sexual. O sexo que dá à luz veio antes, enquanto aquele que impregna apareceu depois. Esta pode ser a outra razão para a elevação supostamente paradoxal, e em igualdade com o Deus.
Continuando a celebração do Sabá, vocês podem ficar de pé, em frente ao altar, e ler ou dizer em voz alta:
Este é o Festival da Noiva. Acolho a Deusa Tripla, celebro e admito-a Virgem. Pois este é o começo do tremor da luz, a aurora da primavera. A Deusa novamente jovem. Ela expulsa tudo que é gasto. Ela varre e limpa a Terra. E com o jovem Deus da Luz Crescente, novo Rei do Dia, ela agora nos prepara ao êxtase, ao amor, à inspiração. Em seu nome abro caminho, limpo e varro e preparo um lugar.
A bruxa solitária então, ritualisticamente, varre o espaço dentro do círculo mágico com a tradicional vassoura da feitiçaria feita de bétula, afastando simbolicamente tudo o que estiver velho. (A limpeza de primavera numa casa, no período um pouco anterior ao Imbolg, também é um rito. Livros velhos e descartáveis, roupas ou ornamentos, podem ser jogados fora, junto com suas associações, ou vendidos ou doados. Isto abre espaço para o novo.)
O círculo deve ser varrido de maneira contrária aos ponteiros do relógio, pois esta é a direção para jogar fora. Pensem no que estão varrendo magicamente do mundo e, também, de suas próprias vidas. O que poderia ser banido para que novas possibilidades criativas possam ser realizadas? Desespero? Falta de introvisão? Medo? Limitações impostas pela hierarquia? Recusa de mudar? Culpa? Alienação? Solidão? Privação? Escolham o problema que sentem com maior força e visualizem o ato de varrer. Atirem pedaços de palha ou de papel em frente à vassoura, para representar os vários aspectos indesejáveis, nomeando cada um deles enquanto varre. Quando os pedaços formarem um montículo, coloquem-nos numa caixa ou lata no ponto sul do círculo. Depois de acabar o ritual, queimem-nos.
Ponham a vassoura no chão e dancem no sentido dos ponteiros do relógio, do Sol, num renovado círculo do mundo, de suas vidas, para acolher a primavera — sua inspiração, seu ressurgimento.
Cantem Fogo da Primavera!, primeiro movimento da luz, como um cântico mágico, enquanto dançarem várias vezes ao redor do círculo. Imaginem o efeito sobre a Terra, sobre a natureza, sobre os dias que se estendem. Vejam os pingos da neve. Os primeiros brotos das árvores. Vejam o brilho da luz no ar, os relâmpagos, primeiros sinais da primavera. (Quando a neve está sobre a terra, isto é mais uma questão de fé! Há, porém, algo perceptível, pois este é o ponto da transformação. Permitam-se percebê-lo.)
Quando acabarem de dançar, coloquem as mãos ao redor da base de uma vela, sem acendê-la, como consagração. Esta pequena vela será agora sagrada à luz da inspiração. Acendam-na, dizendo: Queime brilhantemente, pois és do sol. Dedico a ti a inspiração pela Virgem Deusa e o novo Rei do Dia.
Agora, pequenas velas são acesas usando-se a grande vela principal, cada uma para nova semente de idéia ou sonho, uma invocação para fazê-la crescer à luz da primavera e então fazê-la fruir. Disponha as velas num círculo ao redor da vela principal. Nem todo mundo tem velas suficientes para fazer isso, mas velinhas de aniversário servem, num círculo de massa de modelar. Possivelmente chocariam os praticantes da Alta Magia, mas não há nada de cerimonial aqui! Sou da opinião de que a Deusa se inclina especialmente à magia simples, pois coisas como velinhas de bolo de aniversário e recipientes de cozinha são disponíveis para qualquer pessoa. São despretensiosas. O efeito visual é bom e mágico; posso comprovar que funcionam. Na verdade, acredito que esse tipo de coisa é a essência das bruxas solitárias, talvez de todas as bruxas. Vocês precisam fazer a "Coroa de Luzes" da Noiva, então procurem em casa e encontrem a massa de modelar de seus filhos e as velas que sobraram do último aniversário, mais alguns candeeiros sem uso. Isto é magia no centro da vida. Embora fosse maravilhoso adquirir, se pudessem, velas novas de cera de abelha e três candeeiros cerâmicos, o efeito mágico certamente seria o mesmo.
Acendam cada vela com algumas palavras de invocação. Acendo esta vela para________ (aqui expressem o plano escolhido ou o desejo). Uma bruxa solitária terá no máximo três pequenas velas ao redor da maior (para o máximo de concentração, apenas três exorcismos ou desejos). Cada par terá três velas.
Suas invocações devem ser para o bem daqueles que os cercam, e para a vida em geral, sejam elas para suas próprias necessidades ou para outras pessoas. Isto é, devem ser harmoniosas, favorecendo os melhores interesses. As bruxas têm uma só ordem, chamada Conselho das Bruxas, mas é inequívoca: "Não faça o mal a ninguém." Não acredito que qualquer um de vocês usaria algum feitiço para controlar ou manipular a vida de outra pessoa. No entanto, os erros acontecem, inadvertidamente, pois, nós, mortais, nem sempre sabemos a melhor solução para resolver todas as situações. E há outra crença: "O que você enviar retorna a você, triplicado, seja para o bem ou para o mal."
Invocações em prol da paz de espírito ou de paz na terra em favor de curas, ou para que um amor (não nomeado) venha a seu encontro, ou que você ou um terceiro se cure do vício do fumo (ou qualquer outro vício), obviamente nunca provocam qualquer mal. Mas nenhum feitiço deve ser praticado sem uma profunda consideração de todas as implicações sobre o sucesso dos resultados. Não é correto interferir na autonomia de outra pessoa, e alguns feiticeiros acham que mesmo um passe visando a cura não deve ser praticado sem a permissão do interessado. Não é má idéia ter cautela, pois a magia sempre causa um efeito e pode resultar num "tiro pela culatra".
Acima de tudo, lembrem-se da existência da Mãe Terra, pois vocês são sacerdotes ou sacerdotisas da magia natural. As necessidades humanas devem ser cumpridas, mas nunca às expensas do meio ambiente, nem ignorando as necessidades da Terra. Seria a traição de seus verdadeiros papéis.
Após acenderem as velas, é bom trazerem uma oferenda e colocá-la no altar, dedicada à Noiva. Deverá ser algo que inspirou vocês anteriormente: um objeto de cerâmica, um bordado, uma canção ou um poema, um quadro, uma idéia sobre algo ligado aos seus trabalhos, um pedaço de metal trabalhado ou madeira esculpida, o que for possível. Coloquem no altar, agradecendo. Este gesto simboliza a dedicação de todo trabalho futuro à Deusa.
Concluam o ritual com uma comunhão, uma união entre a Deusa e o Deus, comendo pães ou bolos e bebendo vinho, que tenham coberto levemente com as mãos para pedir a bênção e torná-lo sagrado. (Se, por alguma razão, não quiserem beber vinho, ou não o tiverem em casa, pode ser usado um caldo de frutas. Até água serve, mas é melhor com algumas gotas de vinho ou essência de maçã, pois conduz a uma comunhão alegre, não a uma pequena ração de prisioneiro!)
Qualquer festa ritual de Lua Cheia deverá terminar com a comunhão. Não uma paródia da comunhão cristã, já que é muito mais antiga. Trata-se de um reconhecimento do amor entre a Deusa e o Deus, que construíram o mundo, o pão e o vinho, e em cujos nomes trabalhamos. É um modo de nos ligarmos a eles, à vida.
Falei muito sobre a Deusa e o Deus em cujos nomes trabalhamos. Mas quem são eles? Este é assunto para a próxima carta, pois existe muito a ser dito, já deveria até ser mencionado antes. Mas tenho certeza de que vocês gostariam de saber o que fazem as bruxas, no Sabá atual. Procurei dar-lhes alguma idéia, em termos simples, de como trabalha a bruxa solitária.
Enquanto isso, pensem sobre a Deusa e o Deus como primeiros pais arquétipos de toda a vida: não construindo o mundo em um momento e depois ficando distantes da criação; mas continuamente envolvidos e envolvendo, ativos e também abordáveis por meio da poesia, do mito e da investigação interior.
Espero ter esclarecido algumas coisas.
Não pretendo que vocês desempenhem todo aquele ritual que expliquei. Isto ficará para o próximo Dia da Noiva. Como eu ainda não descrevi o lance do círculo, as instruções não estão completas. Entretanto, gostaria que praticassem uma versão simples, se quiserem. Acendam velas, meditem, pensem acerca dos sentimentos desta época do ano, e o que os inspiram a fazer.
Vou lhes contar logo como lançar um círculo, para que possam praticar o ritual inteiro, se assim o desejarem, antes da iniciação. Vocês talvez queiram saber por que precisam da iniciação, se podem trabalhar com magia, venerar, fazer tudo, enfim, sem ela. Bem, uma resposta é que esta já é uma iniciação. Vocês, de certo modo, se tornarão iniciados no momento em que primeiro celebrarem o movimento das marés e o fluir das estações. A auto-iniciação total, formal, no sentido que discuti, é o primeiro passo para o caminho da entrega. Antes, vocês ainda podem voltar atrás. Quando chegarem perto, saberão se querem ou não continuar.
Recebam minha bênção.
Rae
New Green
Avonford
20 de fevereiro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Prometi falar mais sobre o Deus, a Deusa e as bruxas. Terminamos de celebrar o Imbolg (Dia da Noiva), e eu gostaria de colocar este festival no contexto, para dar uma idéia global do ano das bruxas. Como disse em minha última carta, estas coisas estão relacionadas, pois as oito festas constituem celebrações de eventos na vida terrena da Deusa e do Deus manifestos. Posso escrever a respeito de ambos os assuntos numa única carta.
Nem todas as bruxas entendem essa história da mesma forma. É um discurso poético, não uma fórmula química. Então há muitas interpretações, como em qualquer seqüência de símbolos ou de imagens. Vocês darão sua própria interpretação, a qual mudará, com o tempo, assim como vocês também mudarão. O primeiro entendimento será modificado pela intuição e pela experiência, com a aquisição de novos conhecimentos.
Aqui está o meu modo de ver, para que possam iniciar. Começa com um paradoxo. Escolho um novo ano e digo: — É aqui que o ciclo se inicia. Mas não existe começo nem fim num círculo. E o ano tem um ritmo cíclico, não uma progressão linear. Samhain (Hallowe'en) era o Ano-novo celta e é celebrado como tal pela maioria das bruxas. O solstício de inverno é outra argumentação óbvia. Porém, a festa mais fácil de nos relacionarmos para um novo começo é Imbolg. O início da primavera. Os primeiros crescimentos estão surgindo agora. A Deusa é virgem de novo e o Deus, renascido, no solstício de inverno, aparece agora como um jovem. Seu amor promete consumação, crescimento e fertilidade. No próximo festival, o equinócio da primavera, luz e sombra se equilibram, dia e noite em igual extensão; a luz, porém, se eleva. Aqui, o jovem Deus finalmente quebra as correntes do inverno.
O casal agora se compromete, e sua união sexual proporciona um novo equilíbrio à vida.
Em Beltane, o festival da véspera de maio, que segue o equinócio da primavera no ciclo anual, a Deusa e o Deus se casam.
Claro, é impossível que a Deusa possa ser uma esposa no sentido cristão. Porém, não é este o significado. Eles se tornam unidos como um casal apaixonado. Pois o amor existe como fato subjetivo e objetivo; é o ápice de toda nossa gama de experiências psicoemocionais. O amor é da Deusa. E também do Deus, no seu papel de jovem Eros, extasiado, com mistura de reverência e desejo que tanto transforma quanto renova. Quando o amor é verdadeiro, é impessoal, reconhecendo o deus ou a deusa em cada homem ou mulher, e é intensamente pessoal, estando centrado de forma íntima no ser amado. Então, em Beltane, Deus e Deusa se "casam".
Paradoxalmente, no passado, este festival era celebrado em orgias pelos pagãos. O amor sexual, o desejo, tanto pessoal quanto impessoal. Podemos conhecer o amor em sua mais pura essência sem experimentarmos ambas as formas? Penso que não.
No folclore, a Deusa se transforma num cervo branco na Véspera de Maio. O jovem Deus é o caçador. Ele a persegue na floresta e a captura. Ela se vira, acuada, e novamente se transforma numa linda mulher. Ele faz sexo com ela e morre de amor nos seus braços, renascendo instantaneamente, mas transformado em outro ser. A vida e a criatividade estão asseguradas.
A fantasia sexual é o principal símbolo recorrente na integração feiticeira. Nesta imagem, a bruxa procura a harmonia com o fluxo natural da vida, como também a reconciliação entre o intuitivo e o racional, o interno e o externo, o passivo e o ativo, dentro de sua própria natureza. Pois este é o casamento interior entre o Sol e a Lua. O sexo é também enfatizado, porque constitui o meio pelo qual entramos na vida. Para a bruxa, portanto, o sexo (direi outra vez, porque vale a pena) é sagrado. O prazer sexual é uma verdadeira celebração da vida, um ato de adoração. É o mistério, a força atrás das estrelas.
Talvez este seja o momento de melhor explicar a natureza do Deus e da Deusa. Como já informei, o Deus é muitas vezes retratado como metade homem e metade animal, sendo fortemente sexual, selvagem, indomado e sábio. Ele é, de fato, o Pai de Toda a Vida, Pai Natureza.
Ele sempre foi conhecido como o Deus da campanha, adorado pelos povos do interior, em muitas roupagens e sob muitos nomes. Entre estes havia o Pã grego, com seus chifres e cascos fendidos, o Cernunos celta, ou o Herne inglês, com galhadas. Deveria ser concebido como a energia vital instintiva. No reino da além-vida, ele é guardião e guia, e um de seus muitos nomes é o Rei da Morte, a morte que conduz ao renascimento. Enquanto a Deusa é uma trindade, três em uma, o Deus é somente dois. Como Deus do ano em crescimento e Deus do ano que decresce, ambas as personalidades se reconciliam pelo amor da Deusa. Isto os mantém relacionados um ao outro.
Ele também é o Rei do Dia e o Rei da Noite. Como Rei do Dia é jovem, forte, viril, um caçador que leva com gratidão somente aquilo que precisa. Em tempos recentes, os índios nativos da América do Norte vivem este seu aspecto tão interessante ao ponto de terem se tornado exemplos arquétipos, dentro da cultura ocidental. Houve época em que todos os homens viviam assim, e então talvez se pudesse dizer que o Cornífero caminhava sobre a terra. O Rei da Noite é o xamã tribal sábio. Ele compreende os mistérios e pode curar. Poeta contador de histórias, professor e feiticeiro, seu coração interior é a sabedoria, e ele transcende todas as fronteiras, inclusive aquela entre a vida e a morte. O seu espírito viaja.
Qualquer homem pode expressar ou manifestar um lado ou os dois lados do Deus, se está de bem com a vida e consigo mesmo. Então, sua vida ocorrerá como a de sacerdote e filho do Deus Cornífero. Claro, em nossa cultura, o Deus Cornífero não é reconhecido, portanto não há estímulo para aqueles que estão interessados em assumir esta missão. Porque ao Deus Cornífero não interessa o capital ou o lucro, muito menos a violação ou o domínio da mulher e da natureza. Ele tem interesse no sexo alegre, em brincadeiras, chacotas, música, dança e a busca interior da Sabedoria. O que ele gosta é de estar vivo. O seu modo de ser foi seguido nos primórdios do mundo, quando os humanos viviam em equilíbrio ecológico com a natureza. Quando a Deusa Tripla era venerada universalmente.
A feitiçaria é uma religião centrada na Deusa. Eu deveria ter começado, provavelmente, com a descrição de suas qualidades (não que possa analisar qualquer uma das divindades: seria como tentar fazer com que a vida coubesse dentro de uma caixa). Mas o Cornífero talvez precise de maiores explicações, pois ele é o Pé-de-bode, metade homem, meta de besta, a quem os cristãos se voltaram como "bode expiatório". Eles transformaram sua imagem de chifres e cascos fendidos e forte sexualidade em imagem do Diabo, princípio do mal. E agora o mundo está escuro, sem o Cornífero, seu riso, sua liberdade, alegria, seu desejo honesto e sua música. É terrível e perigoso quando os homens ficam hostis à força vital, secreta ou abertamente, odiando seus corpos, os corpos femininos e a própria Terra, escondendo-se atrás dos cartões de crédito, de seus carros velozes e dos mísseis. O Cornífero não cultiva o ódio. Ele está constantemente sendo gratificado pela dança da vida, sua própria parte da criação. Se a Deusa é a terra de nosso ser, ele é quem surge, viaja e mesmo assim retorna a ela, enriquecido corri a sabedoria amorosa. Se ela é quieta e pacífica, então o canto e a dança são o domínio dele. É alegre e sempre liberto. Para as mulheres, ele é o "homem interior", algo como o animus descrito por Carl Jung. Para os homens, ele é quem instiga os próprios ossos à ação.
A Deusa, tríplice criadora vital, tem muitos nomes. Para algumas feiticeiras, ela é Aradia, também conhecida como a Noiva, Diana, Ashtoreth, Marian, Ártemis e Ceridwen. Como a Mãe Terra, chamam-na de Gaia. Fazer uma lista de todos os nomes demoraria demais, mas eles se encontram em mitos e no folclore de cada país. Podem nomeá-la de "Grande Deusa" ou "Mãe" ou "Senhora da Sabedoria", o que melhor aprouver a vocês. Ela foi adorada por todo o mundo pré-histórico e está sempre conosco, mesmo quando não a veneramos ou não a reconhecemos. Pois a Deusa, como o Deus, não é uma abstração na qual devemos "acreditar". Mas, ao contrário dele, ela nos compreende e sustenta, constantemente. Ela é a essência sentida no coração das coisas. Encontramo-la nas rochas, nas árvores, nos lagos, nos oceanos, em todas as criaturas vivas. E seu mistério é aquele que percebemos, que nos emociona. Ela não é só a Lua nas três fases, mas também a Mãe Terra e todas as expressões da Lua na Terra; é toda a infinita hoste de estrelas. Acima de tudo, ela é o espírito dentro dessas coisas e a essência da paz e inteireza dentro de cada um de nós.
Ela é também o processo da morte, que abre o caminho para a vida nova. Ela é a morte-em-vida, como a vida-na-morte, pois dentro dela estes opostos se reconciliam como o Círculo do Renascimento. Nela, todas as coisas mudam, toda mudança é feita, por meio do movimento constante e cada dança variante da vida.
Ela é o chão de nosso ser, aquilo que podemos conhecer do mistério. Muitas vezes é vista como a Deusa Lua, ou da Lua na Terra, por causa da ligação com os ciclos femininos e com os processos de concepção, geração e nascimento; também, porque a Lua brilha para nós à noite, tempo de mistério, poesia, encantamento e sonhos, tempo de intuição, a sabedoria feminil.
A primeira de suas três fases é a da Virgem, o começo da vida, indomada, inestruturada. Ela inicia as coisas. Viagens desconhecidas pertencem a ela, quer no mundo ou dentro do self. Outro de seus nomes é Dama das Coisas Selvagens. Sente-se bem nos lugares silvestres, longe das cidades. Qualquer mulher pode ter os atributos da Virgem, não importando sua idade física.
A Mãe é aquela que traz o nascimento. Lá está quando completamos um livro ou um poema, uma canção ou tela, ou ao realizarmos um sonho, ou vermos um projeto acabado. Ela dá à luz tudo: todos os mundos e todos os pássaros e animais, os peixes e as rochas, as árvores e as flores. No sexo, ela é o orgasmo. Na vida, é a totalidade, a integralidade. Ela é a primeira, a fonte vital. Antes dela havia a unidade primal, aquela que precedeu ao início da vida, e que existirá no fim, antes do renascimento. Esta é a harmonia completa, a união verdadeira dos sexos e um estado de possibilidades apenas latentes. Mas uma vez que a vida manifesta existe de qualquer modo, então a Mãe da Vida fê-la nascer. Pequenas figuras pré-históricas mostram-na com a barriga prenhe e os seios enormes, agachando-se para gerar a vida. Tudo isso enfatiza o sangue e o leite da maternidade, a realidade física e o grande poder, junto às qualidades de nutrir e cuidar.
A Velha, a Velha Sábia, é a sabedoria da Terra e das estrelas. Ela é a destilação de toda a experiência e intuição. Ela pode curar. Conhece as ervas. Também conhece todos os mistérios. Portanto, ela vê padrões, sabe o futuro e aconselha. O conhecimento interior e a perícia nos estados mediúnicos e no psiquismo a ela pertencem. Ela dá um fim às coisas, retirando o desgastado para acolher a vida nova. Ela é o poder da Lua Minguante. Nela, buscamos a sabedoria da raiz das coisas, ou trazemos o nosso próprio poder de volta às raízes, como faz a planta no inverno.
Mas não existem três Deusas. Existe, sim, a Deusa Tripla, três em uma. Porque ela é simultaneamente cada uma das três.
Então, após esta longa pausa em Beltane, prossigo com a história dos oito festivais do ano, que revelam a Deusa e o Deus unidos, criando e sustentando a vida e trazendo as mudanças. Na realidade, falar de cada um separadamente é como falar da noite sem o dia ou vice-versa.
No solstício do verão chega-se ao ápice da totalidade. Neste momento, a maré se volta. O Deus é um homem no máximo de sua força e virilidade, e a Deusa é a Rainha do Verão. Chegaram à culminação do florescimento exterior. Eles são um homem e uma mulher no topo do amor e perfeição física. No entanto, o Sol desta grande celebração, como também do ano da Terra, começará agora a minguar, dando início à jornada interior, ao reino da pós-vida, às "Terras de Verão". Assim, o Deus é transformado interiormente. "Ele zarpa para a Ilha do Renascimento"; é como se designa esta mudança simbolicamente. Exteriormente, na natureza, seu poder penetra o grão, enquanto o Sol amadurece o que a Mãe Terra produz.
A Deusa é toda beleza e abundância nesta época. Ela preside acima da transformação do Deus, pois acontece pelo seu amor. E é neste êxtase partilhado que ele se torna outro. Ela é a satisfação completa, as folhas verdes e as flores multicoloridas do alto verão, e toda a alegria, amor e paixão. Ela é, afinal, abundante, e nela nos realizamos.
Em Lammas (Lughnasadh) a Deusa dá à luz. É a festa dos primeiros frutos da colheita. O Deus novamente morre pela Deusa. Seu poder penetra o milho e agora está sendo colhido, a Deusa precisa de sua energia, de sua vida, para que uma vida nova possa crescer. Ela se torna "A Implacável, a Ceifadora Cruel", assim como é a Mãe Abundância, Dama da Colheita. O Deus, após seu sacrifício como Rei do Milho, renasce, é o pão da vida. (A História Cristã da morte, ressurreição, e do pão que é o corpo, é uma variação desta, a história original.) As imagens agora são do enterro e do nascimento e, também, do pão. Um sacrifício, para que a vida prossiga.
Em tempos remotos, o sacrifício do Deus era às vezes interpretado pela matança verdadeira de um homem, mas isto provavelmente acontecia, apenas naqueles períodos da história (ou da pré-história), quando a prática pagã perdera sua pureza original e se tornara decadente. A evidência do mito e da lenda mostra que o sacrifício era seguidamente (e talvez originalmente) um substituto do homem em forma de animal, uma imagem. E na Irlanda havia a lenda de um homem enterrado na terra até o pescoço, em Lughnasadh. No terceiro dia ele era libertado. Hoje as celebrações não têm a mesma violência, porém há provas de que se derramou sangue no passado, embora não os rios de sangue derramado nas guerras modernas, como sacrifício ao deus do dinheiro. (Pois são os fabricantes de armas que lucram, em qualquer guerra.)
Em Mabon, equinócio outonal, encontramos o Rei e a Rainha da Abundância. É o Festival da Colheita. Estão cercados pelos frutos e pelo amor de suas vidas. Agora, a luz e as trevas se equilibram novamente, mas a luz míngua. O Deus é muito mais velho do que no equinócio da primavera. Este é o tempo de um ajuste de contas e de agradecimentos. É o tempo da colheita medindo também as perdas, um tempo de julgar e olhar para trás de um ponto de vista maduro. A sabedoria deve ser empregada para estas avaliações. O Rei Sol se torna o Deus das Sombras. Mesmo assim, a Deusa nos oferece fartas mesas, despensas e silos repletos. Há frutos para os pássaros nas árvores, os animais reúnem seus alimentos de inverno, tudo que a natureza supriu. É um festival de celebração, de agradecimento.
Na festa de Samhain (Hallowe'en) começamos o Ano-novo. Terminamos no início e começamos no fim. É o Festival do Retorno da Morte: os portões da vida e da morte e aqueles entre os mundos se abrem. Os vivos podem encontrar os mortos e os ainda não nascidos, para trocar amor e informação. As feiticeiras não "chamam de volta" os mortos. Elas são contra isso. Os mortos não estão e não deveriam estar à nossa disposição, pois a morte envolve vários estágios, processos, tanto purificação e reequilíbrio espiritual, como descanso e profunda comunhão com a fonte de toda a vida. Pode haver estágios de aprendizado e preparação para a nova vida, a nova encarnação. Nesta noite da morte do ano, porém, as feiticeiras abrem um espaço (psíquico) pelo retorno de Entes Queridos, se assim o desejarem e puderem.
A Deusa transforma-se na Velha, Velha Sábia, em Samhain. Ela traz conhecimentos que talvez sejam amargos a princípio, mas que conduzem à sabedoria. O Deus é o Rei da Morte, guiando através dos dias escuros no inverno.
No solstício de inverno, o ciclo interno recomeça. Não como esperamos, com a transformação da Velha Sábia na Virgem, seguindo a seqüência normal das fases da Lua. É a noite mais escura. Há uma pausa, uma expectativa. A luz renascerá? O Sol retornará? Reina profunda escuridão, como no interior do caldeirão da Grande Mãe. Neste recipiente de mudança, o antigo Rei das Sombras se transforma no Rei Sol, a Criança da Promessa recém-nascida. Em outras palavras, na época do Natal todos precisam retornar à Mãe (a velha correlação entre o túmulo e o útero). Na festa cristã de Natal, as pessoas ainda celebram o nascimento do Filho do Sol, Jesus, a Igreja tendo escolhido esse tempo como o mais apropriado para o evento. E nós todos (como que obedecendo a um arcaico chamado interno) retornamos às nossas mães pessoais, à casa da família. A não ser que sejamos mulheres maduras, e, de algum modo, mães acolhendo e cuidando de nossas famílias ou de amigos.
Ou a não ser que sejamos homens maduros, provedores, como seus consortes. Mas o papel do pai é o de ficar nas sombras, como o do cristão José. Ele representa, de certa maneira, o ano que passou. Seu filho/rival, Deus do Ano que cresce, está nascendo, um processo representado nas muitas proezas dos mímicos como os Marshfield Mummers, de Marshfield, Avon, a cada manhã do primeiro dia útil após o Natal (Boxing Day).
Em termos pessoais, um homem sensível às suas mudanças interiores pode se direcionar para uma nova orientação diante da vida, durante o, ou um pouco depois do, solstício de inverno.
Para a mulher, a experiência é também de transformação e renovação, mas enquanto ela é, na verdade, o meio pelo qual o homem volta a ser ele mesmo, renascido, na vez dela ele simplesmente a sustenta e a guia no renascimento de si própria. O papel dele é protetor.
E, assim, todos retornaram à Mãe, e começamos de novo. A roda gira. Em Imbolg, a Virgem reaparece, junto ao jovem Deus que nasceu no solstício de inverno.
No Natal, solstício de inverno, ocorre o evento mais mágico do ano. Dentro de um momento, tudo se renova. Não só morre o Rei do Ano Minguante, para renascer como Rei do Ano Crescente, mas a Deusa dá à luz o seu self mais jovem. Toda a natureza é restaurada.
Ao celebrar estes festivais, seguindo seus passos em nossas vidas, harmonizamos com o ano. E um ano natural de cujos ritmos dependemos para o alimento e para a vida (não importando quão distantes estivermos do campo). Assim, nos integramos com os padrões arquétipos de mudança e crescimento anualmente e durante o percurso vital.
Devo admitir que minha visão da Deusa e do Deus Feiticeiros é exclusivamente heterossexual. E é justo que vocês saibam disso, pois outros talvez comentem o fato. Por meio desta visão, corro o risco de ofender alguns bruxos ou bruxas, por um mal-entendido. Então explico que, como a mitologia anual é sobre a frutificação física, sobre a natureza e a reprodução, só pode ser a respeito do amor entre o homem e a mulher. Agora, como uma imagem de frutificação e de criatividade internas e externas, isto não ofende, pois funciona se o feiticeiro é homossexual, bissexual ou, como no caso de vocês, heterossexuais, solteiros ou casados. Não é uma visão apenas relevante àqueles de orientação sexual "correta", já que é uma imagem dos processos de todo o conceito e de toda a união reprodutora dos opostos.
As datas dos Sabás (festivais) destinam-se em geral aos quatro "quartos" — Imbolg, Beltane, Lughnasadh e Samhain. Aqueles para "quartos cruzados" (equinócio e solstício) variam de ano para ano. Estes devem ser verificados nos calendários vigentes.*
Natal/solstício de inverno 20-23 de dezembro
Imbolg/Candlemas 2 de fevereiro
Eostar/equinócio da primavera 20-23 de março
Beltane/Véspera de Maio 30 de abril
Litha/solstício de verão 20-23 de junho
Lughnasadh/Lammas 1.° de agosto
Mabon/equinócio de outono 20-23 de setembro
Samhain/Hallowe'en 31 de outubro
Quero aqui fazer um último comentário sobre esta antiga sabedoria que se mantém viva na feitiçaria. Podemos estar celebrando os velhos festivais e nos chamando de pagãos modernos (o que, na verdade, somos), mas nossas práticas são radicalmente diferentes daquelas de nossos antepassados. Não podemos negar que vivemos no século XX (quase XXI), e, não importa o que somos, a nossa veneração deve ser genuína e viva. Senão nossos ritos e cerimônias serão apenas "pitorescos" e vazios de significado. Precisamos reinterpretar velhas crenças à luz da sabedoria do tempo presente, de disciplinas como psicologia, teoria feminista, ecologia, física moderna, pesquisas psíquicas e psicodrama. A feitiçaria atual é uma nova religião. Brota da semente da velha árvore pagã, mas não é aquela árvore, é uma nova. O velho paganismo morreu na Europa, deliberadamente assassinado, de fato, durante a grande perseguição às bruxas (agora chamada de a Inquisição).
Os temas básicos do velho paganismo são subjacentes a todas as formas de vida. Constituem padrões arquétipos e, por essa razão, a mais velha das religiões precisou renascer. Mas, dentro da feitiçaria moderna, há muitos estilos e abordagens novas.
* O calendário de Rae Beth é o do hemisfério norte. (N. da T.)
Meu alvo, como bruxa solitária, trabalhando independentemente de qualquer grupo, é encontrar a essência, o verdadeiro espírito do trabalho, nas maneiras mais simples.
Seja como for, penso que basta por enquanto.
Abençoados sejam vocês.
Rae
New Green
Avonford
3 de março de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Vou abordar agora o lançamento do círculo mágico. Se vocês são bruxos, este é o seu templo. É uma criação transitória, efêmera: nós não apreciamos construções de luxo nem artefatos caros. Damos preferência ao círculo, lançado sempre onde quer que estejamos. Num mundo ideal, vocês estariam junto à natureza com um toco de árvore feito altar, no meio da floresta. Ou no alto de um morro, diante de uma grande fogueira. Como a vida não é mais desse tipo para a maioria de nós, vocês provavelmente estarão em seus próprios lares. Dito isso, devo falar, também, que aquele que não procurou o Deus ou a Deusa nos bosques e campinas, ou numa árvore ou flor, ou no alto de um morro ventoso, não entendeu a maior parte daquilo que expliquei.
Antes de vocês lançarem o círculo para o Rito da Lua Cheia, saiam à rua e olhem a Lua Cheia no céu. É uma comunhão necessária. Vejam e sintam sua luz prateada, seu poder dentro do coração e da mente, dentro do corpo e do espírito.
De volta ao lar, talvez desejem preparar um banho de banheira ou de chuveiro. Esta se tornou uma "tradição" moderna. É um rito simples de purificação psíquica, bem como física. Ervas purificadoras ou um punhado de sal podem ser acrescentados à água do banho. O banho provê o espaço para a transição do dia-a-dia a uma consciência enaltecida e mágica. É uma boa idéia, vale a pena colocar em prática, mesmo que pareça óbvio que os nossos antepassados, não possuindo salas de banho, deviam ter se preparado para o rito de outro modo.
Após o banho, vocês devem usar roupas limpas. Nenhum desodorante, gel de cabelo ou qualquer perfume de produtos químicos. O cabelo precisa ser solto, e os relógios, travessas e jóias não-bentas ficam fora do círculo, senão as suas vibrações e associações podem atrapalhar o nosso rito. Preferencialmente, vocês devem se trajar com um robe de fibra natural, que usarão para a magia, e nada mais. Se o robe não lhes agradar, desenhem seus "trajes de trabalho". 0 verde é uma cor adequada para a magia natural. Azul é a cor da Deusa. Marrom nos lembra o contato com a terra e a nossa dependência dela. (Muitos livros nos esclarecem sobre o simbolismo das cores e isto, junto com a magia das ervas e as propriedades dos objetos e fenômenos naturais, é o tipo de conhecimento que todo feiticeiro precisa ter.)
Uma tradição — para a mulher — vale a pena seguir, e é importante: o uso de um colar. Liga a mulher à Deusa, pois representa o ciclo do renascimento. Qualquer colar serve, desde que feito com matéria natural — cerâmica, vidro, pedras semipreciosas ou contas de madeira. O plástico e outras substâncias inorgânicas não, porque são objetos sem vida e maus condutores de energia etérica — portanto, impróprias ao trabalho de magia.
A mesma regra (somente materiais orgânicos) aplica-se a todas as ferramentas usadas na feitiçaria. A primeira ferramenta é uma faca mágica chamada athame. Não precisa ter o cabo negro e a lâmina estreita de oculta tradição, uma pequena faca com fecho também serve; ou a própria faca de cozinha é igualmente boa. Escolham uma que pareça combinar com a magia. Deve ter, talvez, uma forma primitiva e um cabo de madeira. Facas de bainha são outra possibilidade. Procurem aquela que lhes acenda a imaginação. (Dizem que nunca se deve regatear o preço de uma faca mágica.) Facas usadas, cuja história se conhece, podem servir ao propósito, desde que nunca tenham sido empregadas em qualquer ato violento. Como todo equipamento mágico, lavem-na e deixem-na em água salgada por uma hora ou mais. Isto as descartará de suas associações anteriores e também as limpará magicamente.
Tendo primeiro clareado e marcado o círculo (2,70m de diâmetro, se o espaço de seu aposento permitir), coloquem o altar dentro. O altar pode ser uma pequena mesa ou armário, ou algo construído especialmente. Ponham-no na ponta norte, pois um altar de feiticeira deve apontar para esta direção, porque o poder, ou seja, a corrente energética da Terra, vem do norte. Também mostra uma reverência pelo corpo da vida, a Deusa manifesta, pois, segundo a crença mágica, o norte é a direção correspondente à existência terrena.
No seu altar, podem colocar o athame, algum incenso (ou pasta de madeira chinesa odorífica), duas velas, uma pequena bacia d'água e uma pedra. Vão precisar também de pão e vinho, com um cálice para a comunhão. No centro do círculo deve haver uma panela (ou caldeirão) de ferro, esmalte ou cerâmica, contendo água, ervas, uma vela, flores ou o que combinar com os seus ritos particulares.
Os itens usados, para trabalhos mágicos, são simbólicos e possuem verdadeira vitalidade etérica. Seus significados remontam a tempos antigos. Há quatro elementos em cuja expressão, entrelaçamento e existência de toda a vida encontram forma. Quando a Deusa constrói a vida, estas são suas matérias-primas, seus elementos. E cada qual é presidido pelos espíritos elementares, os guardiães. Representam diferentes níveis ou áreas da vida. Ar para o corpo, Fogo para a energia vital (eletricidade), Água para a alma ou emoções, Terra para o corpo físico. O caldeirão representa o quinto elemento, Éter ou o reino do espírito. É o receptáculo da Grande Mãe, no qual toda a transformação acontece. Pensem no Tudo e no Nada. Aí, qualquer coisa pode ocorrer. É pura transcendência o ponto onde o entendimento consciente acaba. Representado por um caldeirão, que cozinha o alimento, um processo de mudança de alquimia básica. O caldeirão é o mistério de toda a criação. Todos os outros alimentos nascem daí, sustentados e erguidos pelo quinto, o Éter.
Tenho falado a respeito dos símbolos que constituem a sabedoria desde tempos remotos. Percebemos isto na mitologia, onde os quatro "tesouros" que representam os elementos são em geral uma espada, uma vara mágica ou lança, um cálice e uma pedra. Igualmente, um jogo de cartas tarô é baseado no reconhecimento dos elementos, com espadas, varas, cálices e pentagramas mostrando o Ar, o Fogo, a Água e a Terra (enquanto o quinto, Éter, aparece nas cartas como o Arcano maior). A astrologia também reconhece os quatro elementos e abrange a essência de qualquer mapa astral, a Gestalt inteira, como o quinto, o espírito. Cada uma dessas tradições partilha com as feiticeiras modernas as origens da sabedoria oculta pagã.
Acendam as velas e o incenso. Caminhem para a direita, o sentido da construção e da criação, ao redor do círculo. Imaginem que uma luz azul esteja jorrando da ponta de sua faca. O que acontece, mesmo que vocês não percebam, pois o que imaginamos tem verdadeira realidade astral, aparece naquele reino mágico dos paranormais e clarividentes. Visualizem a luz azul preenchendo todo o espaço ao redor do círculo, criando o efeito de uma casca de laranja, apenas mais espessa; vocês ainda se encontram no seu interior, mesmo quando estiverem à beira do círculo. Vocês se acham enclausurados numa esfera azul. Caminhem três vezes em volta, dizendo que desenharam o círculo em nome da Deusa Tripla do Ciclo do Renascimento e em nome do Deus Cornífero, ambos como representantes de poderes sagrados, e como proteção. Recoloquem a faca no altar.
Em seguida, elevem alto o incenso, no ponto mais a leste do círculo (antes precisarão de uma bússola para verificar estas direções). Enquanto trabalham, chamem os Espíritos Guardiães do Leste, Abençoados Espíritos do Ar, a fim de testemunharem seus ritos e protegerem o círculo. Continuem ao redor do círculo, no sentido dos ponteiros do relógio, e coloquem o incenso no chão, no ponto leste.
Peguem uma das velas (a outra é para o altar). Ofereçam-na ao ponto sul e digam: Chamo os Guardiães do Espírito do Sul, Abençoados Espíritos do Fogo, para testemunharem estes ritos e protegerem este círculo. Carreguem a vela ao redor do círculo e voltem ao sul. Coloquem-na no chão.
Repitam o mesmo procedimento com a água, oferecendo-a ao oeste, aos Espíritos Guardiães do Oeste, Abençoados Espíritos da Água. A seguir peguem a pedra e caminhem para a direita, elevando-a bem acima do altar, aos Espíritos Guardiães do Norte.
Recoloquem a faca no altar, dizendo: O círculo está lançado. Agora vocês se encontram num círculo mágico total e podem venerar e trabalhar a magia, livres de interrupções psíquicas. Se, por alguma razão, vocês tiverem de abandonar o círculo durante o rito, entalhem uma porta imaginária na esfera azul com seu athame e passem pela porta, lembrando de fechá-la ao saírem. Abram e fechem a porta de novo ao entrarem, usando o athame para os gestos ritualísticos, simbólicos. Visualizem a porta claramente. No mundo da magia, o que imaginam possui uma realidade vivida, psíquica.
Grande parte das tradições de bruxaria inclui o lançamento de um círculo mágico, desta ou de alguma outra forma. Pode ser feito de modo menos formal, simplesmente demarcando o círculo com pedras, conchas ou um longo cordão branco. Invocações aos quatro "quartos" (estações) podem ser feitas usando um poema improvisado, recitado aos poderes do Ar, do Fogo, da Água e da Terra, em cada ponto correspondente. (Não há necessidade de levar incenso ou qualquer coisa ao redor do círculo, embora vocês continuem a andar na direção dos ponteiros do relógio.) Os quatro "quartos" poderiam ser marcados com uma pena, vara, tigela de água ou concha, ou uma pedra e um prato de sal.
A magia tornou-se elaborada, relacionando-se a pergaminhos da Virgem, sinais específicos, siglas, invocações cultas. Mas se vocês forem bruxas solitárias, pode ser direta, espontânea. Haverá uma ligação entre a bruxa/o bruxo, seus guias e o ambiente. Sejam quais forem os métodos ou os símbolos, o principal é que criamos espaço "entre os mundos", o lugar sagrado.
A visualização, o que vocês vêem como o "olho da mente", está no coração de toda magia. Sem esta, não há vida, o feitiço não vinga, pois o que não foi criado em níveis internos não se manifesta nunca. Sem a visualização, nenhum ato mágico pode efetuar-se, por mais perfeito e técnico que seja o trabalho. Para lançar o círculo, vocês imaginem cada elemento e visualizem a energia, as formas vivas.
A leste, visualizar ventos fortes, a aurora, os céus claros e luminosos da manhã primaveril. Sintam a essência de todo o ar, o respirar da vida, a inspiração.
Ao sul, vejam chamas douradas, cor de laranja, vermelhas, o sol do meio-dia de verão. Sintam o calor, a sensualidade dos climas do Sul (na Europa), a dança vital do fogo, de toda a energia, do fluxo criativo da vida, da paixão.
A oeste, visualizem ondas, água, a beira prateada do mar na penumbra. Sintam a poesia, o poder do encantamento, a imaginação.
Ao norte, observem a terra escura, os segredos de raízes e sementes no inverno. A natureza íntima que contém toda a vida terrena. Vejam a meia-noite sob a Estrela do Norte. Vejam montanhas, minerais, a remota idade, a manifestação terrestre da vida, tanto o mistério como a grande abundância.
O Éter pode ser visualizado como um sonho, ou o céu noturno ou um cadinho. Ou como a escuridão trazendo um ponto infinitesimal de luz. As imagens podem sugerir-se a vocês. Em algumas tradições, o Éter é simbolizado por um cordão, porque o cordão ata, tece. Quando estiverem visualizando o Éter, talvez possam imaginar a teia da vida, mulheres tecendo ou um único fio. O Éter não possui um tempo ou uma estação especial, porque existe em toda parte e em lugar nenhum. Sintam a essência do destino, no padrão complexo da vida, suas conexões profundas.
As ferramentas que usarem devem ser abençoadas e, também, as jóias ou roupas. Como isto é feito na hora da auto-iniciação, descreverei em outra carta.
Após o final do rito, peguem o incenso no leste e ofereçam-no de novo, agradecendo aos Espíritos do Leste por sua proteção e bênçãos, dizendo, então, Salve e adeus. O incenso é levado, ainda na direção dos ponteiros do relógio, e devolvido ao altar. As velas, a água e a pedra são também levados ao redor do círculo, agradecendo-se aos Espíritos do Fogo, da Água e da Terra pela proteção e pelas bênçãos, concluindo com as palavras Salve e adeus. Não omitam isto. Os Espíritos Guardiães continuarão a protegê-los apenas se os tratarem cortesmente, o que inclui agradecer por suas bênçãos e dizer que agora encerram o rito. (A esfera azul, diferente dos Espíritos Guardiães, é sua própria criação. Naturalmente se desvanecerão tão logo vocês cessarem de imaginar que estão ali.)
Finalmente, as velas do altar são extinguidas. A tradição ensina que devem ser apagadas com os dedos ou com uma espevitadeira, nunca com sopros. E o incenso deve queimar até o final, pois, segundo diz a lenda, apagar o incenso é símbolo de apagar o sopro vital.
Mais uma palavra sobre os elementos. O quinto, que é o Éter, faz nascer os outros quatro e os sustenta. O seu lugar no círculo é o ponto absolutamente central, e ele constitui a circunferência. Assim, diz-se que está "em toda parte e em lugar nenhum, dentro e fora, distante e cerca". É tanto imanência como transcendência. O Ar é a província da sabedoria, o Fogo, da vontade. Água é das emoções, da capacidade de sentir. A Terra é o corpo da vida, ser repleto, encarnado e sensato.
Estes quatro "quartos", cada qual ligado ao quinto, tecem um padrão de uma cruz de braços iguais dentro do círculo, a mandala pagã anterior ao cristianismo.
Os cinco elementos também podem ser representados na estrela de cinco pontas, que é o emblema da bruxaria. 0 quinto ponto, o mais elevado, é o Éter, o Espírito, enquanto os outros quatro são o Ar, o Fogo, a Terra e a Água. Este símbolo, o pentáculo, representa a nossa religião, assim como a cruz representa a cristandade. O pentáculo, incluso dentro do círculo, é muitas vezes usado pelas bruxas como um pingente e é em geral disposto sobre o altar, de algum modo ou formato.
Chega por agora. Bênçãos iluminadas aos futuros ritos e ao aprendizado de ambos vocês.
Mais bênçãos.
Rae
New Green
Avonford
16 de março de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Estamos quase no equinócio da primavera e sofremos os ventos equinociais, como devem, sem dúvida, ter observado. Vocês, como a natureza, talvez tenham se sentido caóticos, selvagens. As duas semanas anteriores e posteriores aos dois equinócios são, muitas vezes, tempos de estresse e grandes tensões. Isto ocorre porque todos os elementos da vida se reequilibram psiquicamente, quando o dia e a noite atingem comprimentos iguais. No equinócio da primavera, a luz predomina, pois os futuros dias serão mais longos do que as noites. Assim, uma nova maré de vida começa. Mas primeiro as velhas formas devem ser quebradas. Tempos de transição costumam ser de estresse e de caos. Deste caos nascem novas formas. Nem sempre é fácil acreditar, mas, na verdade, de uma dissolução vem a nova vida.
Portanto, o principal símbolo do equinócio primaveril ou Eostar é o ovo, que representa a fertilidade da natureza. Também mostra como os planos incubados anteriormente, durante o inverno, podem agora ser postos em direção àquilo que apenas sonhamos. (Este símbolo poderoso é ainda preservado na memória do povo, pois os ovos Eostar continuam muito populares.)
Os ovos, cozidos e talvez pintados à mão e assim decorados, devem ficar no altar. Mostram o surgimento da vida que nasceu da escuridão, de idéias em níveis interiores. É a Deusa fértil, rica de promessas em potencial. Não é à toa que este festival chama-se Eostar, refere-se justamente à antiga Deusa teutônica Estre, cujo nome se liga ao moderno "estrogênio", o hormônio que estimula a ovulação.
Depois de lançar o círculo, invoquem a Rainha e o Rei.
É o Festival da Vida Nova. Agora o inverno finalmente se despede, junto com o que a ele pertence. A Deusa é a Virgem da Primavera, e o Deus é jovem e ardente. Sua união traz uma nova ordem à existência: tudo é diferente. Surgem as flores primaveris sobre a terra, onde caminha a Deusa. E os animais do campo e da floresta e os pássaros do ar se preparam para trazer a juventude.
Há cascas de ovos quebrados, a terra expõe seus brotos, a riqueza de ovos se transforma. Calor. Fertilidade. Este é o Festival do Novo Equilíbrio, enquanto o Sol avança e ganha força.
Após a invocação, dancem sempre orientando-se pelos ponteiros do relógio ao redor do círculo. Nesta ocasião, devem cantar, homenageando a mudança. Pode ser algo assim:
Abram o caminho, atravessem-no.
Mudem! Sol e Terra juntos,
comprometidos para sempre, dentro e fora,
O Deus do Sol estende sua mão,
A Rainha Primaveril dança pela terra.
Brotos de Primavera, em toda parte.
Visualizem a energia criada pela dança como um cone dourado de luz. Dirijam isto para o caldeirão, no centro do círculo, usando o poder do pensamento. Agora, acendam uma terceira vela, que deverá estar dentro do caldeirão. Ao fazê-lo, digam: Acendo esta vela ao Sol.
Também no interior do caldeirão, ao redor da vela, coloquem flores primaveris. Tirem-nas e as elevem acima do altar. Digam: Que a bênção da Rainha da Primavera caia sobre estas flores, o florescer de nova vida.
Levem algumas flores para o canto leste. Ofereçam-nas, dizendo: Que haja um novo conhecimento sobre a Terra, uma nova consciência e sabedoria das necessidades da Mãe Terra. Ao brotarem, mais uma vez, as flores da primavera, que estas também cresçam.
Ponham as flores no chão ao lado do incenso.
Retornem ao altar para buscar mais flores (sempre andando no sentido dos ponteiros do relógio), levem-nas ao Sul, ofertando-as com estas palavras ou similares: Que retorne a alegria de viver. Na canção, na dança, no amor e na beleza de todo o mundo natural. Que floresça.
Deixem as flores no chão ao lado da vela. Agora levem flores ao oeste em oferenda. Digam: Que haja paz no mundo. Que floresça.
Deitem as flores no chão ao lado do incenso. Retornem ao altar.
Levem as flores ao redor do círculo, de norte a norte outra vez. Ergam-nas dizendo: Que retornem as matas verdes, a liberdade e o equilíbrio da vida natural. Que floresçam.
Ponham as flores no chão, diante do altar. Sentem-se ao lado do caldeirão. Visualizem o florescer de uma nova consciência, alegria de viver e paz, e as matas verdes voltando. As pessoas em harmonia umas com as outras e com todas as formas de vida sobre a Terra. Visualizem este florescimento ao redor do mundo, o olhar e o perfume de tudo sendo estimulados, encorajados, pela volta das flores primaveris. Se a imagem parecer demasiado frágil, lembrem-se de que as flores podem quebrar até o concreto. Após o rito, vocês poderão juntá-las e colocá-las em um vaso.
E este é o feitiço das flores da primavera.
Peguem um dos ovos da tigela sobre o altar. Elevem-no, dizendo: Abençoada seja a vida dentro da vida.
Agora dirijam-se ao centro do círculo e sentem-se ao lado do caldeirão outra vez. Em seguida recurvem os corpos, as cabeças, como se estivessem no interior de uma casca de ovo. Vocês se acham no seu espaço-ovo e estão prestes a chocar. Pensem no ovo que seguraram no altar. A vida está inclusa, crescendo na escuridão de uma casca. As personalidades invernais de vocês foram assim. Seus planos de inverno se incubaram vagarosamente. Sintam as novas pessoas que emergem daí, novamente prontas a sair sob o Sol. E visualizem-se crescendo para romper a casca, quebrando, estilhaçando os seus invólucros. Vocês saem, novas vidas vivendo uma nova fase vital. A maneira antiga perdeu-se. Os elementos precisam ser colocados em novo equilíbrio.
Agora dirijam-se a cada um dos "quartos", por sua vez. Primeiro o leste. Sentem-se quietamente com os olhos fechados e pensem nas suas mentes, nos seus estados mentais, nas atitudes. Peçam aos Espíritos do Ar que guiem os seus pensamentos, para que possam alcançar uma nova harmonia. Ouçam com cuidado as mensagens internas e procurem recordar quaisquer imagens visualizadas. Estas podem ser importantes, e vocês irão entendê-las mais tarde, se não já. Não tentem analisá-las.
Agora, dirijam-se ao "quarto" sul. Sentem quietos e peçam aos Espíritos Guardiães do Fogo para guiá-los era vitalidade e mudanças. De novo, procurem ouvir as mensagens. Lembrem-se, o sul é também o "quarto" da paixão.
Visitem igualmente o oeste e o norte, pedindo aos Espíritos da Água que lhes dêem a harmonia das emoções, e aos Espíritos da Terra que lhes dêem harmonia física. Ouçam e cuidem das mensagens.
Bem, este é todo o trabalho mágico para o Equinócio da Primavera, a não ser que desejem abençoar todos os ovos na tigela e ofertá-los como dádivas de Eostar às suas famílias e amigos.
Coloquem as mãos sobre a tigela e digam: Que estes sejam abençoados e consagrados, em nome da Rainha da Primavera e do Seu consorte, o Jovem Deus.
Peguem a tigela, caminhem ao redor do círculo em direção à direita, passando-a pela fumaça do incenso e pela chama da vela (sul), borrifando-a com água e, ao norte, levando a tigela à pedra.
Digam: Que os que receberem estas dádivas sejam ricos de uma nova vida fértil. Que seus sonhos se tornem realidade, e seus planos sejam abençoados pelo Sol.
Abençoem o pão e o vinho e encerrem a comunhão. Depois agradeçam ao Deus e à Deusa pelas graças, dizendo-lhes: Salve e adeus. Abram o círculo.
Bênçãos em suas celebrações de Eostar.
Glorificados sejam vocês.
Rae
New Green
Avonford
16 de abril de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Devo escrever agora sobre as celebrações lunares. Pois a Deusa Tripla do Ciclo do Renascimento é, de fato, a Mãe de Toda a Vida, mas é por meio da Lua que nos relacionamos mais facilmente com ela. O Luar significa encantamento, intuição, poesia. Ver a Lua, simplesmente com olhos de poeta, é ver a Deusa. A ligação entre as fases da Lua e os ciclos menstruais femininos é um fato óbvio e potente. Na bruxaria, portanto, as celebrações da Lua Cheia (Esbats) são da mesma importância que os Sabás.
Não celebramos formalmente todas as três fases de cada ciclo lunar, porque podemos venerar a Deusa em seus três aspectos na Lua Cheia. Este é o tempo da Mãe, mas reconhecemos a Virgem e a Mãe e a Velha que ela já foi, é e será. Não há três Deusas e sim uma, três em uma.
A Lua Cheia é considerada a alta maré do poder psíquico e da plenitude, tempo de adoração e de celebração. Honrar e celebrar a Deusa entre os mundos já é em si uma invocação de que seu culto retorna mais outra vez à Terra, e que a Deusa voltará aos povos e os povos a ela. Então os antigos procedimentos prevaleceriam de novo. O velho amor pela poesia e pela magia, o respeito e o amor pela Mãe Terra, e o reconhecimento da sacralidade do amor sexual. Portanto, acabariam os valores competitivos, exploradores e indignos. Na Lua Cheia, a Deusa e sua beleza em flor e encantamento são invocadas, pleiteando a mudança.
A Lua Cheia é o tempo da consumação e o ápice do poder. Na vida comum pode ser um sério risco, em situações desequilibradas. Os sentimentos podem irromper quando se realiza a mudança. Mas a Lua Cheia também traz a plenitude emocional. E vocês irão notar que quaisquer visitas ou cartas importantes freqüentemente chegam nessas horas. Para as perseguições mágicas, para o amor e outras celebrações, é sempre tempo positivo.
Um homem não possui sinais externos no corpo que o liguem com os ritmos lunares. Ele não tem o fluxo lunar do sangue. Mas um bruxo masculino entende a Lua por meio da consciência dos ciclos mensais de humores, dos ritmos psicológicos e da harmonização psíquica de sua própria alma (a não ser que esteja estressado, quando uma repentina exaustão pode ocorrer). Na Lua Cheia um homem realiza seus desejos. Pode invocar pela poesia ou dança ou música, ou por meio de ritual, sua realização. Também pode, feito bruxa feminina, se realizar. A compreensão da unicidade com as marés da Deusa Lunar talvez lhe venha psiquicamente, ou por meio do amor, da paixão, arte, celebração ou satisfação de um sonho.
Após o lançamento do círculo, como sempre, e invocando a Deusa agora denominada Dama de Prata, brilhante Senhora do amor e do encantamento, vocês deveriam também chamar o Deus Cornífero. Enquanto ela é etérea, graciosa e canta em nosso sangue e em todos os ritmos físicos do sexo e do parto, ele é primitivo, selvagem, tem as coxas cabeludas, mas canta com a sutileza de um caçador e a magia de um contador de histórias. A presença do casal é intuída e produz reverência, uma alegria maravilhosa.
Seu caldeirão precisa ser enchido com água para este rito. Coloquem-no no centro do círculo.
Parem em frente ao altar e leiam ou digam o seguinte, ou algo semelhante: Este é o tempo da Lua Cheia, alta maré de poderes psíquicos. As plantas crescem, e as marés mudam, e homem e mulher se unem, em desejo, paixão. Faz-se a alteração almejada e são revelados os sonhos. Dancemos neste círculo em homenagem à Deusa Tripla da Lua, em honra às fases de infinita transformação e de retorno; calmas e apaixonadas, serenas e selvagens, a dança vital.
Dancem no sentido dos ponteiros do relógio ao redor do círculo, cantando:
Dança lunar da vida
com canção prateada
nos veios e rios,
canção prateada na escura noite,
agora o encantamento, enchendo o mundo
com o poder da magia, desfraldada.
A magia cresce, o encantamento flui.
Dancemos o retorno da maré cor de prata,
por pulsação e sangue, por água e ossos.
Dirijam o poder para dentro das águas do caldeirão. Depois borrifem água no chão, no interior do círculo, dizendo:
Orvalho prateado que cai suavemente,
traga a paz e a beleza,
como entre os mundos, assim no mundo.
Bebam a água de suas mãos em concha e digam:
As bênçãos da Deusa Tripla Lunar
são vida, amor e as perícias da magia,
Assim, a invocamos com estas palavras:
Abençoados sejam! todos aqueles
que dançam, dão e têm
o prazer e o encantamento de sonhar
em seus seres, sem nunca praticar o mal.
E em nome da sagrada Deusa,
abençoados sejam!
Pausem, e digam: Como nos meus lábios, nos de todos.
Em seguida, peguem flauta ou apito (que podem ser de madeira, ou mesmo metal). É, verdadeiramente, o instrumento do Deus na Grã-Bretanha, embora na Grécia ele toque flautas de Pã e, na Índia, uma de bambu. Apitos de junco ou osso eram usados nos tempos neolíticos, apitos de vários materiais e tipos ainda são usados em toda parte.
Por causa de sua forma e de o som ser parecido ao canto dos pássaros, empregavam-se magicamente tanto no passado como hoje.
Digam: Nesta noite o Deus Cornífero se aproxima da Deusa Lunar, e talvez se tornem um, no amor. Toco a flauta, para homenageá-lo e à sua música selvagem. Enquanto a música rumoreja na água brilhante, desejo que o macho e a fêmea se reconciliem no amor, no mundo, em benefício das curas terrestres e da felicidade das criaturas.
Toquem a flauta, imaginando as notas caindo no caldeirão, e lá rumorejando, flautas brilhantes, prateadas. Toda a água está carregada com a música de Deus. Ao tocarem, escutem o doce eco dos sons do Deus Cornífero, mais selvagem e muito mais puro, por trás de suas próprias notas. Visualizem o poder do amor (que existe por mais que desmintam), o poder da realização no amor que traz a cura e a felicidade, o efeito do amor se espalhando em arrepios.
Não importa que não saibam tocar a flauta com a perícia de um músico treinado. Algumas notas, repetidas, são o necessário. Brinquem com a flauta, tentando escutar seus sons com humor.
Recoloquem a flauta sobre o altar. Agora, peguem um anel de prata, que não precisa ser caro, mas que não tenha sido utilizado anteriormente. Deve ser adquirido especialmente para fins mágicos. Antes do rito, este também precisa de limpeza, sendo então imerso em água salgada pelo menos por uma hora, a fim de limpá-lo psiquicamente.
Mergulhem o anel nas águas do caldeirão. Depois, segurando-o em ambas as mãos, sentem-se e sonhem três desejos que gostariam de obter da Deusa Lunar. Visualizem-nos, um por um, se transformando em realidade. Façam isso com calma. Pensem cuidadosamente nas conseqüências, lembrando "nenhum mal" como a primeira e única regra de magia, da vida.
É boa idéia seguir a tradição e desejar uma vez para o mundo, uma vez para um amigo e uma vez para você mesmo. Seus desejos poderiam ser, por exemplo:
Paz na Terra
e
Que (nome do amigo) possa recobrar sua paz mental.
e
Uma resolução de meu conflito interno sobre (um dilema moral, um relacionamento etc.)
Estes desejos possuem um tema em comum, o retorno da paz, que torna mais fácil a concentração e permite fluírem a meditação e a visão. Enquanto vocês fazem cada pedido — em voz alta —, dêem três voltas no anel (para a direita). Depois entreguem tudo à Deusa. Nunca usem o anel como jóia.
O acima citado é exemplo do tipo de ação que vocês podem praticar na Lua Cheia. Mas eu jamais poderia contar, nestas cartas, tudo que há para dizer sobre esta celebração, muito menos a feitiçaria. Nem eu mesma conheço tudo o que há para saber, nunca saberei, nem ninguém saberá.
O rito da Lua Cheia deveria terminar com a comunhão, um repasto de vinho e pão consagrados, ou bolos. Então a Deusa e o Deus seriam reverenciados e receberiam as palavras: Salve e adeus, e o círculo se abriria. Mantenham anotações sobre os pedidos que fizeram, ou de quaisquer outros feitiços lançados, ou de visões lembradas. Este livro de referências é conhecido pelas bruxas como o Livro de Sombras. É um cabedal particular de conhecimento e experiência. Qualquer coisa útil pode ser registrada: um remédio de ervas para dor de garganta, a descrição de um transe ou sonho, um modo mágico de quebrar elos, feitiços amorosos, feitiços para curar, enfim, qualquer coisa. Escolham um caderno, o mais forte possível. Talvez fique muito velho antes de preenchê-lo, pois ele pode ser usado como referência permanente.
A cor tradicional para a capa do livro é preta, cor que indica segredo. Não deve ser mostrado a ninguém, exceto a outro bruxo ou bruxa. Se não encontrarem um caderno preto, ou se preferirem outra cor, tudo bem, escolham a cor que mais lhes agrade. Já tive vários de cor preta, mas o atual é marrom. Já possuí vermelhos e azuis. Como vêem, uso-os bastante, pois os meus se repetem por serem diários mágicos.
De qualquer forma, não importa a cor ou o tamanho, mas que o seu uso nos faça sentir bem.
Não sei de onde surgiu o nome Livro de Sombras, mas creio em duas possibilidades. Uma se relaciona a trabalhos feitos nas sombras; isto é, secretamente, à luz de velas. A outra pode ser o reconhecimento do fato de a descrição de um feitiço ou invocação ser sempre a sombra da coisa real.
Os ritos da Lua podem ser trabalhados em outras fases. Ela não precisa estar cheia. Os ritos da Lua Nova são sagrados à Virgem ou à Deusa Virgem. A magia praticada nestas ocasiões serve para afirmação de aspectos rebeldes de sua natureza, e para a celebração da liberdade. Também pode ser praticada, na Lua Nova ou na Minguante, para algo que precisa ser começado, lançado, construído ou restaurado. Este é o tempo da invocação. Na vida, é uma excelente época para iniciar um curso de estudos, plantar sementes, inaugurar um negócio ou receber inspiração. Uma invocação à Lua Nova pode ser assim:
A Lua é Nova. Honramos a Virgem, Virgem Deusa, ela que retorna aos seres trazendo inspiração. Ela é indomada, a Dama das Coisas Selvagens. Morros, charnecas e profundas florestas são seu domínio. Nela, nos libertamos, recomeçamos, voltando a nós mesmos. Pedimos sua bênção e sua presença.
Os ritos da Lua Minguante ou da Lua Escura são sagrados à Velha, a Velha Sábia. (Dizem que a Lua fica Escura durante os três dias antes da Lua Nova, quando ela minguou tanto que não pode mais ser vista no céu.) Os ritos da Lua Nova devem celebrar-se três dias após a própria noite da Lua Nova, quando a primeira Lua Crescente do novo ciclo se torna visível. A magia praticada quando a Lua míngua é para fins de orientação e compreensão, para atingir a sabedoria. Também é usada para quebrar elos psíquicos ou para nos livrarmos de características indesejadas ou compulsões. Este é o tempo de banir. Na vida, é o correto para a auto-análise honesta ou para reescrever ou retrabalhar. Para aquilo que requer uma crítica objetiva. Também é uma boa época para quebrar maus hábitos ou para abandonar o que não se deseja mais, ou coisas sem serventia. Uma invocação na Lua Minguante poderia ser assim:
A Lua está minguando. Chamamos a Velha, a Velha Sábia, aquela que traz a verdadeira visão. Ela é sábia nos modos de todas as criaturas e conhece raízes, ervas, poções de cura, o que for preciso. Ela vê padrões e sonhos nas achas flamejantes, no vapor que se ergue do caldeirão e em águas quietas. Ela pode prever, prevenir e guiar. Nela, vemos e compreendemos; trazemos a história ao seu final certo e ganhamos sabedoria. Pedimos sua bênção e sua presença.
(Quando o Cornífero é invocado na Lua Minguante, como consorte da Velha Sábia, ele é, naturalmente, o Rei da Noite, o Velho Sábio.)
Uma última palavra sobre o lançamento de feitiços. Se as pessoas sabem que vocês são bruxas (ou bruxos), talvez queiram perguntar por que não podem conjurar qualquer coisa, em qualquer tempo. Vocês talvez tenham se indagado a razão desses limites. O lançamento do feitiço é uma perícia, como qualquer outra. Não funciona fora ou além das leis da vida. Permanece bem dentro delas. A este respeito, é como tecer ou trabalhar com madeira. Vocês podem estar trabalhando com mais de uma peça, mais de uma tapeçaria ou item de mobiliário. Mas todas elas demandam tempo e esforço, e se vocês tentassem fazer trezentas coisas de uma vez, não seria possível. Como qualquer outra atividade, a magia requer preparação e a reunião dos materiais necessários e tempo (particularmente nesse caso) e também que se atinja o estado psíquico correto. Este último fator é de vital importância, porque não pode ser aberto e fechado em qualquer lugar e em todos os lugares. Embora possa ser disponível numa emergência, sem dúvida falhará, se vocês decidirem lançar feitiços por motivos banais ou para fins de entretenimento. Se resolvessem viver a magia todo o tempo, vocês ficariam desequilibrados. Portanto, vocês precisam escolher suas prioridades mágicas. A magia é parte do fluir da vida. Uma espécie de dança e oração.
Abençoados sejam seus ritos à Lua.
Rae
New Green
Avonford
24 de abril de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Estamos nos aproximando do Festival de Beltane. O tempo excelente nesta primavera torna Beltane a época da união e do prazer, parecendo bem mais apropriado que os ventos frios do dia 30 de abril e de todo o mês de maio. Agora há calor, o Sol brilha, também há flores em todas as árvores. E perfeito. Mesmo que chova na véspera de maio, já temos a promessa do verão.
Para os nossos ancestrais pagãos, 1.° de maio era o primeiro dia de verão. Celebravam a véspera com danças, festins, e, em alguns casos, com uma grande invocação à fertilidade. Este é um "casamento verde", e entendido como a união entre o Deus Cornífero, por meio do homem, impregnando a Deusa, por meio da mulher. A união era a celebração da vida e do amor, servindo para assegurar a fertilidade dos campos, entre os animais e nas tribos humanas. Muitos jovens iam às florestas juntos, onde, além de fazerem amor, era costumeiro ficarem acordados a noite inteira para aguardar o sol nascente, que aparecia na aurora do verão. Tudo isto era censurado pela Igreja, quando o cristianismo se tornou a religião oficial na Grã-Bretanha. Mas os ritos de Beltane continuaram sendo praticados pelo povo. Eram prazerosos e julgados de vital importância para o bem-estar da Terra. Com o rolar dos tempos, entretanto, o ato sexual da união entre o Sol e a Mãe Terra se tornou simbólico, mais do que literal. Porém, os mastros enfeitados, os cavalinhos de pau, as guirlandas, as danças, todos os cerimoniais alegóricos de maio continuavam, ao passo que os "casamentos verdes", não (pelo menos oficialmente). Depois, o crescimento do puritanismo desencorajou mesmo estas formas mais respeitáveis de celebração (exceto em lugares remotos). Os mastros enfeitados logo foram permitidos nas praças das aldeias e hoje fazem parte das modernas feiras de maio, embora poucos compreendam o que significam em termos sexuais. Assim, no passado, o Deus (que deve ser entendido como o Pai da Vida, seja como o Rei do Sol, seja como o Deus Cornífero) era simbolicamente unido à Deusa. Os dançarinos ligavam-se aos seus vilarejos envoltos na teia da energia mágica que criavam.
Ninguém atualmente poderia invocá-los para um aumento na população de sua cidade ou sua vila, mas, vista como metáfora, a união sexual harmoniosa e plena entre o Rei e a Rainha é a mais clara afirmação do que a feitiçaria faz sobre o caminho da felicidade. Representa a reconciliação de todos os opostos no amor, e o frutificar que nasce daí. A fertilidade também pode ser vista como metáfora de um sem-número de coisas. Não necessariamente referindo-se a plantações ou bebês. Mas não devemos esquecer a fome, em nosso mundo moderno, e as muitas espécies em perigo.
Espero que tudo isso não lhes cause confusão. A espiritualidade do prazer, um conceito estranho em nossa cultura atual, é o tema do Rito de Beltane: o prazer inocente da sensualidade e a criatividade que resulta da união dos opostos.
Então, o que fazer? Instalar um mastro enfeitado de fitas coloridas nas suas salas de estar? Se vocês fossem parte de uma sociedade mágica, a resposta agora seria óbvia. E às vezes poderia ser bem simples. Mas os ritos de Beltane, que culminam em completa união sexual, são em geral mais felizes se informais, isto é, se acontecem fora do círculo. Afinal, não havia nada formal no "casamento verde".
A bruxa solitária, após lançar o círculo e invocar a presença da Deusa e do Deus, poderia primeiro dançar e cantar, para elevar o poder das atividades mágicas, e depois enterrar o poder numa vela apagada que estaria no caldeirão, no centro do círculo. A cantiga seria esta, que escrevi há um ou dois anos atrás, ou algo criado por vocês:
Beltane
Danço o deleite
na noite de Beltane.
Liberando todos os sentidos,
danço para ser.
A flor e a chama
do rito amoroso
florescerão. O Sol
abraça a terra, brilhando.
Acendam a vela para o Sol. Este é o seu fogo de Beltane, o substituto para a grande fogueira que vocês teriam queimado, em algum topo do morro, se vivêssemos em tempos mais abertos e acessíveis. Atiçar o fogo de Bel é uma invocação ao Deus Sol a fim de trazer bênçãos e proteção, para o ano vindouro. Este fogo, tradicionalmente, tem muitas propriedades curativas e purificadoras. No passado, o gado era levado ao rescaldo para abolir as doenças. Mulheres prenhes saltavam sobre a fogueira, se não estivessem em gravidez adiantada, a fim de assegurarem um bom parto. Os viajantes pulavam o fogo, para garantir boa jornada. Pessoas enfermas deixavam seus males nas chamas. Outras, simplesmente, faziam um pedido ao saltarem. Casais poderiam pular o fogo juntos, para proteger a união e obter sorte no casamento.
Ao acenderem a vela, tenham consciência do seu poder e significado. Pronunciem: Acendemos esta vela ao Sol.
Depois, peguem uma travessa com terra. Abençoem-na em nome da Deusa. Coloquem as mãos sobre ela e digam: Abençoamos, consagramos e separamos esta terra, em nome da Deusa Tríplice. Que seja sagrada esta terra, dedicada à mapa. Pois a terra é da Deusa, sendo seu corpo sagrado. (Não esqueçam que a Deusa não é somente da Lua, mas da Terra e da mais longínqua estrela. Ela é a Deusa Tríplice do Círculo do Renascimento, a Mãe de Toda a Vida.) Decorem a terra com flores.
Agora, tomem uma vara de madeira (que não seja cortada de árvore viva, pois nenhum mal deve ser causado às florestas pelos bruxos). Na verdade, vocês deveriam tê-la entalhado anteriormente, na forma bruta de um falo, mas uma vara simples, descascada, também é válida. O falo de madeira deveria ser, é claro, de um tamanho e formato apropriados. A vara, por outro lado, pode ser qualquer uma de comprimento tradicional (das pontas dos dedos ao cotovelo) e mais ou menos meia polegada de diâmetro. Vocês devem tirar-lhe a casca, e umedecê-la com óleo vegetal. Embora não seja diretamente fálica, depois ela retém todo o simbolismo da paixão e as qualidades do Sol. O carvalho é a melhor madeira, mas a aveleira também serve. Abençoem-na em nome do Rei do Dia, o jovem ardente, o Rei da Vida, o Rei da Floresta. Passem a vara rapidamente pela chama da vela, o fogo Bel, para que absorva a magia, carregada de poder. Coloquem a vara sobre a terra e fiquem segurando-a:
Como a vara é para a terra
assim o macho é para a fêmea
e o Sol ao nosso mundo em flor.
Juntos, trazem a felicidade
Que o Deus da Vida propicie_____
[Nomeie algo desejado, por exemplo: paz na Terra.]
Que a Deusa cumpra seus desejos.
Sentem-se em silêncio, imaginando o florescer daquilo que desejam. Vocês não poderão, claro, trazer sozinhos a paz à Terra. Mas nenhum dos dois pedidos ficará sem efeito. Os feitiços e invocações de muitas bruxas, todas trabalhando em temas como este, eventualmente frutificam, porque a vida representa paz. Deixem a terra e a vara sobre o altar ou em frente a ele. Caminhem no sentido dos ponteiros do relógio, três vezes ao redor do círculo, depois em espiral, até o centro. Andem compassadamente, com graça, meditando. Sentem-se ao lado da vela acesa, permitindo-se usufruir a paz. Olhem a chama com profundidade.
A próxima etapa é diferente, dependendo se se refere a um homem ou uma mulher. Tessa, imagine (visualize) um botão de rosa vermelho em seu ventre. O ventre é sempre a fonte de seu poder criador, esteja grávida de filho, de uma idéia, de uma obra de arte ou de uma intenção. Feche os olhos. Imagine a luz da vela penetrando no seu ventre, para que o botão da rosa abra e floresça. Segure essa imagem viva por um tempo, sentindo o aroma, as pétalas sedosas, o florescer e o colorido desta rosa inteiramente aberta dentro de você. Sinta a força, o poder e suas totais capacidades de florescimento. Diga:
Sou mulher,
forte para conceber e criar,
para dar à luz e cuidar.
Como sou filha da Deusa
e abençoada por Deus, posso
[Aqui nomeie o que deseja trazer à vida, usando sua criatividade. Por exemplo, trazer curas aos outros ou escrever um livro, ou realizar qualquer outra coisa boa que lhe ocorra.]
Sinta a força e o vigor criativo em seu útero, o centro do ser feminino. Veja o poder canalizado, como foi descrito. Abra os olhos, a rosa está sempre dentro de você.
Glyn, você deve imaginar uma chama luminosa. Esta queima no seu centro sexual, um ponto à base do estômago, pouco acima da linha do pêlo pubiano. É sua força masculina, sua energia que pode se elevar através do corpo, para ser liberada como a doação, o poder fertilizante, em qualquer forma, ou talvez a potência que impregna, gerando um filho ou filha. É a força que abençoa e concede, energia curativa e criadora como o brilho solar. Visualize o jardim onde está sentado em frente a uma roseira, as rosas em botão. (Se preferir, pode ser madressilva, ou roseira silvestre, na floresta). Diga:
Sou homem,
e na minha paixão está a beleza,
no meu calor, a vida.
Sou o filho da Deusa,
abençoado pelo Deus,
E assim ofereço minha força
e vitalidade para
[Aqui nomeie a área da vida, o lugar, a criatividade ou compromisso que escolheu.]
Visualize a luz fluindo torrencialmente de você para a rosa em botão que, sobre o pé, vai abrindo. Sua chama declina, pelo esforço. Perde-se muita energia, a chama baixa ainda mais. Espere e contemple, até que uma luz rosada flua da flor ao corpo. Ao seu toque, um pouco acima da linha do pêlo púbico, a chama ressurge. Ela queima mais alto e com mais força que anteriormente. Abra os olhos. A chama está sempre dentro de você, doando-se às formas que escolher e a seguir rebrilhando.
Depois disso, vocês deveriam ficar sentados por uns minutos. Seria um erro erguer-se abruptamente. Quando estiverem prontos, podem levantar-se, pular sobre a chama da vela, fazendo um pedido.
Este é o Rito Beltane para a bruxa solitária; ou um modo de praticá-lo. É um tempo de prazer e também de mistério. Um pilriteiro; a caça do veado branco; a caça do amor; o florescer das flores e a floresta—tudo isto faz parte do rito. Sejam felizes em seu florescer, e que o verão lhes traga alegria.
Abençoados sejam vocês.
Rae
New Green
Avonford
30 de maio de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Quero escrever sobre a base religiosa e histórica da feitiçaria e do paganismo. Muitas coisas sobre a bruxaria não ficariam claras para vocês, sem este conhecimento.
As pessoas seguidamente escrevem e falam, como se a bruxaria e o paganismo fossem uma coisa só. Não são. A bruxa é corretamente chamada de pagã, de acordo com suas crenças religiosas e espirituais. Porém há muitos tipos de paganismo.
O paganismo é a primeira religião. Remonta aos tempos das cavernas. Pinturas e esculturas da Mãe Deusa e do Deus foram encontradas nas grutas, que serviam de abrigo aos seres humanos. As mais antigas são as figuras de Deuses com cabeças de pássaros que simbolizavam a transcendência por meio da sexualidade. Aquela compreensão do sacrossexual é a chave da veneração à Deusa. Isto, junto aos remanescentes arqueológicos encontrados, demonstra a sofisticação das crenças pré-históricas. Não havia panteões homenageando deuses ou deusas, como no paganismo grego e romano dos tempos clássicos. Simplesmente uma Deusa, nos primórdios, e o Deus Cornífero, seu consorte.
As tribos xamãs da era neolítica, se homens ou mulheres, foram os precursores da moderna bruxa. Celebravam e ritualizavam as mudanças das fases da Lua e do Sol. E praticavam a magia natural, para serem bem-sucedidos na caça e nos relacionamentos pessoais. Curavam os doentes e obtinham orientação psíquica que eles (e a tribo) necessitavam, por meio de trabalhos de feitiçaria e vaticínios. Eram os sábios e as sábias da comunidade. Nos primórdios, as sacerdotisas teriam a mais alta autoridade, pois era uma cultura matriarcal.
Cada vez mais, os cultos pagãos se inclinavam a uma forma organizada e a uma estrutura além daquela comunidade local ou tribal, assim representando as crenças espirituais oficiais de um reino ou grupo de clãs. O paganismo em geral também tendia, mesmo antes do advento do cristianismo e outras religiões centradas no Deus, a se tornar cada vez mais patriarcal. A bruxaria permaneceu como religião da Deusa e, portanto, algo pessoal, não-hierárquico, mais do que uma religião oficial do estado. Historicamente, tem sido um culto aceito entre os oprimidos, porque dá autonomia espiritual aos seus seguidores e coloca poderes mágicos nas mãos daqueles de quem todos os outros poderes foram confiscados, junto com sua esperança e auto-estima. A Deusa e o Deus da bruxaria são acessíveis, visíveis na Lua, nas árvores, na luz solar e nos rios. Oferecem a habilidade mágica de curar, suavizar e resolver problemas pela invocação dos seus nomes. Esta religião, portanto, encontra raízes em crenças pré-históricas, e muitas vezes essas crenças eram preservadas por campônios isolados e dispersos.
Arquetipicamente, a bruxa esteve e ainda prossegue estando no exílio do exílio — uma estranha mesmo entre estranhos. Nossas afinidades são, por exemplo, com os habitantes pré-célticos das Ilhas Britânicas. Essas pessoas cujo regime era o matriarcado, vivendo em simples cômoros, adoradoras da Deusa, para quem a magia era a vida, foram expulsas da corrente principal civilizadora, tanto geográfica como culturalmente. Hoje em dia não possuem nenhum domínio físico. Mas seu sangue (o chamado sangue das fadas) corre nas veias de algumas delas.
Através da história, as bruxas têm se instalado no interior de todas as culturas, mas nunca (pelo menos desde os tempos neolíticos) francamente aceitas; elas têm representado estranhos papéis, sendo às vezes bodes expiatórios, comumente perseguidas, porém muitas vezes também procuradas como conselheiras, curandeiras ou em busca de consolo. Por meio da bruxa as pessoas encontram um elo com o mundo encantado, isto é, com uma realidade mágica que temem e desejam. Seguidamente temos de carregar a projeção de violentos anseios de outras pessoas, sexual ou psiquicamente, e algumas bruxas desempenham este papel, pois a natureza mágica pode ser mal-empregada, como qualquer outro poder.
Eu gostaria de ver toda a humanidade retornar à lei das bruxas: "Não pratiquem o mal contra ninguém", e à reverência pagã pela Terra. Mas não acredito que possamos algum dia institucionalizar ou formalizar o culto às bruxas. Então, não seria mais feitiçaria. No entanto, creio que estamos maduras para uma volta às nossas raízes (dispersas?) em maior escala. Não vejo por que um grande número de pessoas não pode venerar a Deusa e o Deus, celebrando as estações, do modo como tenho descrito. Mas se fôssemos multidões, talvez não nos chamassem de bruxas (a não ser que tivéssemos imensas aptidões como lançadoras de feitiços, perdendo a estranheza arquetípica). Talvez devêssemos ser simples pagãs, tal como todas as outras pagãs modernas, cuja veneração e trabalho poderiam ser diferentes dos nossos, mas que possuíssem as mesmas bases e ideais a longo prazo. Não há razão para que muitas não possam celebrar a sós ou com suas famílias nos lugares onde vivem; ou praticar a simples magia natural (pagãs solitárias).
Este é um sonho. Tenho, porém, um outro sonho que supera este. É que algum dia, como nas primeiras tribos humanas, talvez não precisemos de sacerdotes e sacerdotisas de qualquer espécie; nem de bruxas, pois viveremos em harmonia na Terra, todos em comunhão com a Deusa e o Deus, existindo intuitivamente, magicamente. Quando chegar esse dia, os valores femininos não serão mais desdenhados, nem praticaremos o domínio, nem aceitaremos as hierarquias, nem nos veremos todos separados da teia da vida. Diferentes dos nossos ancestrais, entretanto, em seu estado primordial de inocência, reverenciaremos o princípio masculino tanto como o feminino. Valorizaremos e veneraremos o Deus e a Deusa, sem excluir um ou outro. Teremos trilhado um caminho longo e difícil. E enfrentado (nesta hora, particularmente) o perigo de nos perdermos (e talvez o mundo) pela estupidez humana e o mal, e pela crassa aplicação de valores patriarcais. Mas o mundo dos meus sonhos é onde espero que algum dia chegaremos: o mundo da reconciliação.
Enquanto isso, como bruxas, podemos trabalhar magicamente, para ajudar o advento desse dia; mas temos um pé na terra das fadas e outro nos lugares onde vivem os miseráveis. Somos os intrusos.
Bem, este é o começo de uma resposta à sua pergunta: "O que é uma bruxa?" A pergunta foi bem-vinda, porque estas cartas constituem um processo de descoberta para mim também. Estou tentando saber em que acredito.
Conviria fazer justiça a outras formas modernas de paganismo, falar mais sobre elas, como também sobre a feitiçaria. Mas não posso. Se posso falar-lhes a respeito daquilo que conheço, sobre quem sou. Sei que outros são todos novas sementes de um velho carvalho, hoje se transformando em árvores recentes. Constituem um novo ímpeto religioso. E todos, se dignos do nome do paganismo, buscam curar a Terra e retornar às leis naturais, a um equilíbrio ecológico.
Mando-lhes minhas bênçãos.
Rae
New Green
Avonford
16 de junho de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Um pouco tardia, como sempre, esta carta.
Devo iniciar falando a respeito do solstício de verão? O Sol está em seu mais alto grau, isto é claro (mesmo com toda a chuva e o eventual frio fora de época: aquela promessa de calor do nosso Beltane não durou muito!). De agora em diante, em termos de ciclo anual, as coisas mudam. Nos "trabalhos" dizemos que a mudança ocorre por causa da culminação. Agora o Rei Sol conheceu o amor total da Rainha do Verão. Por isso é que ocorre a mudança de direção. Inspirado pelo amor, ele começa uma nova busca, zarpando para a Ilha do Renascimento. Assim, o Deus do Sol míngua no mundo exterior, enquanto ganha forças em reinos interiores, como o Rei da Noite.
No solstício de verão podemos celebrar tudo isso e nos alinharmos com a mudança. Porque a nova aventura do Rei Sol é a busca do herói, concluímos o rito chamado o herói/a heroína dentro de nós mesmos. E chamamos o Deus do Sol para abençoar toda a Terra, e espantar as forças destrutivas.
Devemos entender que o heroísmo de uma bruxa não está ligado a almas ou a conquistas, mas sim à procura de coragem para curar e transformar. Em face das pressões sociais, para manter-se quieta, protestará contra a opressão, contra os danos ecológicos, contra a poluição industrial e contra a continuidade dos desastres nucleares. Como também se manifestará politicamente com heroísmo, defendendo a Mãe Terra.
A busca do herói está vitalmente ligada ao auto-exame, com um desenvolvimento interior e enfrentando seus próprios demônios, para um perfeito conhecimento de sua alma. O Deus do Sol transforma as forças destruidoras com a luz da verdade.
O solstício de verão é um tempo alegre, e sua celebração é também mágica. A Deusa nos oferece totais realizações, quando estamos abertos a ela. Ao receber seu presente, nós, como o Sol, mudamos, e nos suprimos do poder de abençoar. O solstício de verão é a época do ano em que estamos mais próximos do Graal Sagrado, o cálice da felicidade oferecido pela Deusa. (Este é o verdadeiro significado do "Graal". É muito mais antigo do que aquele nas lendas cristianizadas do rei Artur.)
Na natureza, o ano chega ao pico. As folhas estão em todas as árvores, os jardins se enchem de flores e, nos campos, as plantações estão florescentes. É um tempo de prazer e de desfrutar o que conquistamos. O rito da bruxa solitária leva em conta todos estes temas.
Lancem o círculo e invoquem tanto a Deusa quanto o Deus. Um caldeirão, a tigela de vinho ou o caldo de frutas devem estar no centro do círculo.
Este é meu poema do solstício de verão deste ano. Podem ler em voz alta ou ler algo escrito por vocês mesmos.
A luz do Solstício de Verão é vista sobre a água
distante, sobre o mar, a água e o fogo apaziguados.
O sol zarpa para seu Outro Mundo.
Também nós buscamos uma rota nova,
pois a Rainha do Verão traz
o cálice da felicidade,
doce cálice de um desejo cumprido.
Abençoa-nos, oh, Rainha do Verão,
abençoa todas as criaturas vivas.
Agora alcançamos o ápice, a mudança ocorrerá.
Agora se desfraldam as velas do Sol brilhante.
Dancem no sentido dos ponteiros do relógio com alegria e liberdade. Cantem A Deusa traz o cálice da felicidade, o cálice do vinho vital.
Sintam na terra o poder de sua dança e cantem ao redor do caldeirão. Coloquem o poder da terra em suas danças e cantigas, dirigindo o cone dourado para o interior do caldeirão. Encham o cálice com vinho ou caldo de frutas. Digam: Bebo à satisfação total. Bebam devagar e meditando. Olhem o interior do cálice de tempos em tempos. Talvez tenham visões. Sintam as mudanças na mente, no corpo, na alma e no espírito, resultado desta ação. Agradeçam à Deusa.
Peguem duas velas apagadas atrás do altar e coloquem cada uma em um lado do caldeirão, a mais ou menos três pés de distância, na linha que corre de leste a oeste. Acendam as velas, dizendo: Que os fogos do centro de verão brilhem. Enquanto estiverem acendendo-as, imaginem todos os outros fogos de verão, passados e presentes.
Fogueiras gêmeas são uma tradição nesta época. Talvez porque o Sol possui natureza dupla, há um lado que cresce, outro que míngua. Isto é muitas vezes representado na mitologia por amigos ou irmãos rivais. O Sol cresce em força e vitalidade, desde o inverno até o solstício de verão. Este é o primeiro irmão, forte no mundo exterior. Na segunda metade do ano o outro irmão tem a ascendência. Enquanto míngua seu poder físico, ele ganha nos reinos interiores, tornando-se finalmente o "Sol da Meia-Noite" ou "Rei das Sombras" ou "Sábio". Juntos, os dois completam o ser total do Sol. São um mesmo Deus.
Sentem-se no "quarto" sul, a zona da paixão e da mudança, de frente para as duas velas e o caldeirão, confortavelmente, talvez de pernas cruzadas. Pensem no que está dando satisfação às suas vidas. A música? O amor? Um passeio pelo campo solitário? Livros? O jardim? Se são muitas as coisas, pensem nelas como um todo. Pensem especialmente sobre alguma visão de prazer que possam ter sentido ao beber o vinho. É o destino do Deus Solar, e o de vocês também, que será transformado pelo prazer. Vamos dizer que, para um de vocês, a maior satisfação atual é o aprendizado deste trabalho de bruxaria. Para outro, é um novo relacionamento. Você está amando. Cada um deve pensar nisso (ou no que melhor lhe aprouver), sentindo a energia de sua paixão que sobe como uma chama e leva às mudanças. Visualizem essas mudanças. Imaginem-nas como se já tivessem ocorrido. Procurem ver suas vidas no futuro. Pensem nas medidas que precisam tomar para a concretização destes passos; ou melhor, procurem vislumbrar, intuitivamente, o que devem fazer. Em silêncio façam suas promessas à Deusa a respeito dos passos necessários. Agora peguem outra vela (que deve ser colocada no "quarto" sul). Acendam-na usando a chama da fogueira do centro de verão, do lado oeste do caldeirão. Antes de acendê-la, segurem-na por algum tempo, imbuindo-a de poder, consagrando-a. Para efeitos mais mágicos, untem-se com óleo de alecrim ou com folhas frescas. O alecrim é uma erva sagrada para o Sol e tem ligações com o mar. Diz-se que propicia boas viagens. Ao tocarem na chama com a vela ainda apagada, digam: Enquanto queimar esta vela, as mudanças se farão. Podemos___ (façam uma lista de todos os passos que pretendem tomar).
Agora levem a vela, no sentido dos ponteiros do relógio, do "quarto" sul (verão), passando pelo oeste (outono), para o norte (inverno). Coloquem-na sobre o altar. Deixem-na queimar até quase o fim. Podem movê-la quando acabar o rito, porém sem apagá-la.
Agora descansem um pouco, olhando prazerosamente a luz da vela. Bebam mais vinho, se quiserem. Depois busquem uma vara de madeira e consagrem-na. Abençoem-na em nome da Deusa Tripla e em nome do Deus Cornífero, dedicando-a à magia. Passem-na rapidamente através do incenso, da chama, da água e da pedra (ou pentáculo) sobre o altar.
Fiquem de costas ao altar, de frente para o sul, ergam a vara bem alto. Vocês estão invocando a proteção e as bênçãos sobre a terra, chamando pela bênção do Sol. As invocações bem simples são as mais poderosas. Vocês podem falar de forma espontânea ou, se com isso ficarem mais confiantes, usem palavras planejadas ou decoradas anteriormente. Poderia ser assim:
Chamo o poder, o brilhante Rei Sol,
enquanto ele viaja ao Outro Mundo.
Se ele desaparecer, que continue
a brilhar sobre esta terra,
trazendo paz e riqueza.
Chamo-o agora, para vencer tudo____
[por exemplo, a opressão].
Que estes pedidos voem alto em seu nome.
Sacudam a vara. Continuem ao redor do círculo, e, brandindo a vara em cada "quarto", digam: Paz e riqueza, que toda [a opressão] seja varrida dos quatro "quartos" desta terra.
Sentem-se calmamente, por um tempo, depois dessas palavras. Então é chegada a hora da comunhão, após o final do rito.
Alegrem-se. Celebrem com estilo!
Brilhantes e abençoados sejam vocês.
Rae
New Green
Avonford
3 de julho de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Vou responder à pergunta de Glyn: "Por que a feitiçaria deve acontecer formalmente, dentro de um círculo? Não poderíamos venerar e trabalhar a magia em qualquer lugar onde estivermos?"
A resposta é curta: Nós geralmente trabalhamos dentro de um espaço definido, protegido, sagrado, porque é mais fácil. A consciência enaltecida necessária à comunhão e o lançamento de feitiços são mais facilmente atingidos "entre dois mundos". A Deusa e o Deus estão ao redor de nós para que possamos comungar com eles, é verdade. Mais especialmente junto à natureza, em bosques ou jardins, ou campos ou cercas de sebes, em toda parte. Mas a consciência mágica, que alcançamos dentro do círculo, não pode ser vivida em cada momento mundano. Seria a tentativa de compor música ao lado de uma britadeira pneumática; pode ser muito difícil atingir a clareza e a visão interior necessárias para uma invocação, na atmosfera psíquica do mundo comum atual. O círculo propicia a existência de um clima diferente, mais sagrado, e a criação de poderes mágicos.
Tendo falado que a bruxaria não pode ser facilmente praticada em qualquer lugar ou em todos os lugares, e tendo explicado o porquê, digo que mesmo assim muitas pessoas o fazem e inclusive você pode fazer. Se um amigo foi recém-internado num hospital, e você foi avisado de que haverá uma operação de emergência, não espere pela próxima fase propícia da Lua, nem queira obter um círculo cheio. Você vai lançar seu feitiço para curar, onde estiver. É assim que se faz.
Sente-se no lugar mais silencioso e confortável que encontrar e feche os olhos. Agora trate de se visualizar cercado por uma esfera de luz azul. Não esqueça que, não importa o que imaginar, há realmente uma verdadeira existência astral e está nos planos interiores. Convoque os Espíritos Guardiães das quatro estações para ajudarem e protegerem. Crie a oferenda apropriada, enquanto invoca a proteção de cada um, para que seja cercado não apenas de luz azul, mas também pelo incenso a leste, uma vela ao sul, uma bacia d'água a oeste e um pentáculo ou travessa com terra ao norte. Não precisa se preocupar imaginando que as coisas possam desaparecer; elas permanecerão o tempo que você quiser, como também os Espíritos Guardiães; exatamente como as partes da sala atrás de você continuam a existir, mesmo quando não estiver olhando. Agora você está "entre os mundos", num leve estado mediúnico. Passe o tempo que quiser, não se apresse. Você se interiorizou no mundo astral; por baixo, por dentro e através. Aqui há infinitas possibilidades, distâncias incomensuráveis, como no espaço externo, no universo. Dentro deste reino, você definiu um espaço. Invoque a presença da Deusa e do Deus, como se houvesse, formalmente, lançado o círculo. Peça sua assistência. Exponha a eles sua intenção mágica. Na profundidade de si mesmo, encontre a linguagem, que não precisa ser especial. Simplesmente ofereça seus pensamentos e sentimentos. Coloque o resultado de sua magia nas mãos dos Deuses.
Agora abra os olhos e lance o feitiço. Pode ser que você queira acender uma vela para a cura do amigo. Primeiro, consagre a vela. Ao acendê-la, diga: Enquanto esta chama queimar, que a chama vital queime iluminada em [o nome do amigo] carregando-o durante o tempo do perigo. Ao baixar a chama da vela, assim se eleve a sua vitalidade. Quanto mais tempo queimar, mais curado ele ficará, pelo poder dos Espíritos Guardiães e em nome da Deusa Tripla e de seu consorte, Rei do Dia e da Noite. O dito acima é apenas um exemplo das palavras que acompanham um feitiço para curar, por meio de uma simples vela. Na verdade, você vai descobrir que sabe como dizer na hora, e que raramente usará a mesma fórmula mais de uma vez.
Poderá em seguida consagrar um pequeno vidro com essência de lavanda ou sândalo, ambos óleos curativos, para ser dado como presente mágico em favor da cura completa. Os feitiços também acontecem de improviso, e não necessariamente para efeito de curar. E você pode usar qualquer material à mão. Uma vez, quando visitava um lugarejo, comprei uns belos cartões e os consagrei, numa lanchonete, à magia. Era tudo que possuía de meios físicos e veículos transmissores para o meu feitiço. Na parte frontal do cartão havia o retrato de uma casa. O feitiço visava obter nossa casa nova. Postei, endereçado para mim mesma e para Cole. Logo meu desejo foi bem-sucedido.
Antes de retornar ao mundo, o mundo exterior, você deve cerrar os olhos novamente. Agradeça à Deusa, ao Deus e aos Espíritos Guardiães, como se acabasse um rito formal dentro do círculo. Deixe permanecer a esfera azul de luz ao seu redor e visualize um pentáculo protetor, um pouco acima de sua cabeça, para ficar ali o tempo que possa precisar. Agora abra os olhos e pratique seus outros trabalhos.
Uma vez presenciei um feitiço lançado com finalidade curativa, num pub cheio de gente. Usou-se papel de uma caderneta comum, uma caneta Bic vermelha, fósforos e um cinzeiro simples, daqueles de bar. O nome da amiga e o nome da doença estavam escritos em vermelho, e o papel queimou no cinzeiro, com a afirmação de que, enquanto queimava, a doença desaparecia. A amiga ainda está saudável, após oito anos.
A bruxaria pode ser praticada em qualquer lugar, e, no caso citado, o bruxo que lançou o feitiço era experiente. Suas habilidades de concentração, visualização, invocação e enfoque eram bem atiladas e desenvolvidas e, sem dúvida, assim se tornaram depois de muitos anos de prática, dentro do círculo, e de profundos estados mediúnicos em ambientes silenciosos.
Não aconselho a lançar feitiços em lugares populosos, pelo menos no início. Tal magia pode não dar certo, se trabalharem dentro de atmosferas desarmoniosas, pode lhes faltar uma percepção adequada sobre como praticar ou mesmo se um feitiço deve ser praticado. E seu equilíbrio psíquico pode ficar perturbado. Usem discrição e humildade. Na verdade, os feitiços em pubs e lugares semelhantes, praticados de maneiras simples, são para os mais experientes. Vocês podem queimar os dedos de diversos modos!
É um fato estranho da vida que, na magia, quanto menos experientes formos, mais parafernália vamos precisar para obter os efeitos desejados. Mesmo os mais hábeis trabalham melhor com ferramentas e equipamentos especializados — athame (faca), robe, vara, caldeirão e assim por diante. Estas coisas têm uma beleza e um significado simbólico antigo. Também ficam altamente carregados de poder e representação após muito uso; portanto, apenas um toque já é meio caminho andado "entre os mundos".
Às vezes, é preciso toda a nossa humildade para admitir o quanto necessitamos dessas ferramentas, um rito formal, um espaço certo, um lugar sagrado. Mas é assim no mundo em que vivemos.
Iluminados e abençoados sejam.
Rae
New Green
Avonford
22 de julho de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Agora nos aproximamos do Festival dos Primeiros Frutos. Seu nome celta é Lughnasadh que significa "lamento para Lugh" (ou velório), enquanto o nome saxônio, Lammas, significa "a missa do pão". Como Lugh era um nome antigo, que designava o Deus Sol, os dois títulos somam muito do significado deste festival. É um velório e uma celebração. Mas é ainda um nascimento, o delicado início da colheita. O poder do Sol "penetra o milho". Logo será ceifado, e assim renascerá "o Pão da Vida". Nisto podemos ver as razões ocultas para o tempo do sacrifício.
Como expliquei em carta anterior, o sangue em Lammas era realmente derramado em tempos remotos, quando o homem-que-representava-o-Deus era ritualmente sacrificado para assegurar uma boa colheita. Naquela época a essência pura da adoração pagã havia sido corrompida, e o entendimento dos povos tornara-se deturpado. O que causou a corrupção? Historicamente, foi a origem do paternalismo. Filosoficamente, acredito que se relaciona à natureza da vida manifesta. Por certo tudo percorre este começo, o mesmo ciclo de pura semente, seguido do crescimento estabelecido, corrupção e apodrecimento, depois morte e eventual renascimento (muitas vezes de forma mais sábia e integrada).
Voltemos ao Rito de Lammas deste ano, ao Festival dos Primeiros Frutos, e procuremos verificar que atos ou sacrifícios podem aliviar danos ou evitar perda nas plantações.
A Deusa agora dá à luz, e celebramos este nascimento, os frutos nos campos, pomares, jardim e chácaras. Ao mesmo tempo, a força do Deus míngua, morre e renasce. Como qualquer homem na união sexual, sua força é transferida para ela. A semente deixa o corpo masculino e transmite sua energia vital. Ele revive e faz amor de novo, mais cedo ou mais tarde. Mas a energia gasta pode gerar uma criança. A Deusa absorve essa energia, e então nasce um filho. Este é o significado interior de Lammas. Celebramos a energia vital dada pelo Deus, como também toda a criação que a Deusa traz dentro de si.
Uma bruxa solitária talvez inicie o rito de Lammas cora um passeio pelo campo. Sei que vocês têm acesso a esses passeios. Para quem não os possui, há parques, quintas, canais e terrenos baldios. Procurem os primeiros frutos da safra. Há amoras negras nos arbustos? Se estão no campo, como lhes parece o milho? Está dourado e alto ou ainda verde? Como se assemelham às suas vidas? Se vocês planejaram aprender algo em Candlemas, progrediram? Se vocês trabalham, estão satisfeitos com os resultados? Em sua empresa ou profissão, como andam as técnicas? No ciclo de vida deste ano, e em ciclos mais longos, há frutos?
Tragam de volta um fruto da cerca viva e o coloquem sobre o altar.
Na morte de Lammas, imaginem seu círculo e invoquem o Rei e a Rainha. Por meio deles o tempo da colheita retornou. Agradeçam pelos primeiros sinais da colheita na vida e nos campos. Pois as duas coisas andam de mãos dadas, e como podemos frutificar se a Terra está desolada?
Quando se sentirem prontos a gerar poder, dancem no sentido dos ponteiros do relógio ao redor de uma vela apagada, posta dentro do caldeirão, no centro do seu círculo. A cantiga poderia ser assim:
Pelo Sol lamentamos
enquanto ele míngua.
As plantações permanecem.
Através do crespo milho,
a colheita ê nascida,
e que a vida retorne.
Nossa Mãe Terra
traz à luz
a vida derramada
em calor e brilho.
Alternadamente, podem cantar algum poema selvagem e complexo de sua própria autoria. Usem a vara para dirigir poder ao interior da vela. Ao acendê-la, digam: Agora deixe a luz iluminar, e a colheita amadurecer. Pois vivemos da terra, e apenas sua força e frutificação pode nos tornar ricos em saúde e fruição. Que o Sol brilhe em potência, em luz. Que o Sol derrame as bênçãos sobre a terra. Acendemos esta vela ao Sol.
Vocês devem ter uma tigelinha com óleo vegetal, de girassol ou qualquer outro, mas sempre o de melhor qualidade. Constitui uma oferenda. A tigela será de cerâmica simples ou de madeira. Consagrem o óleo, colocando-o de lado para a magia. Depois passem a tigela rapidamente pela chama da vela Lammas. Agora sentem-se de pernas cruzadas, perto do caldeirão, mirando fixamente o óleo. Todo óleo possui ligações simbólicas e práticas com o fogo, o calor, chamas, e assim com o Sol. E o Sol dá força e luz à Deusa-Mãe-Terra. Digam em voz alta: Agora que o Sol derrama sua força sobre a Terra, que as plantações podem amadurecer, e que a colheita pode ser imensa, eu também ofereço minha força à Deusa, à Mãe Terra. Trago___ [por exemplo, minha intenção de proteger a Terra de piores danos, onde e quando puder].
Façam uma promessa sincera e soprem-na dentro do óleo. Visualizem a energia que emitem para o cumprimento desse voto. Vejam-no como um rio de ouro levado pelo seu hálito, que então se mistura ao óleo, carregando a corrente mágica de sua oferenda.
Depois andem ao redor do círculo, sempre para a direita, com o óleo até o altar. Toquem-no na pedra ou pentáculo, assim oferecendo-o à Terra. Deixem a tigela sobre o altar e retornem ao caldeirão, sentados em silêncio, até estarem prontos para o próximo passo do ritual. Pensem na promessa; visualizem-na cumprida; e vejam as conseqüências frutificarem. (Após findar o rito, joguem o óleo na terra do jardim.)
Agora retirem do altar a fruta silvestre, representando os primeiros rendimentos da colheita de suas vidas, urna indicação simbólica de esperança. Se for pintor, por exemplo, sua esperança seria a de produzir bons quadros. Se cultivar frutas, então seria literalmente uma colheita farta. Mas Lammas é também uma boa época para pensar sobre qualquer colheita a longo prazo, que se espere conquistar na vida. Vocês estão vendo alguns dos primeiros frutos? Se não, suas esperanças precisam ser reavaliadas. Vocês se subestimam ou à vida? Sirvam o fruto caminhando da esquerda para a direita ao redor do círculo e a seguir sentem-se ao lado do caldeirão. Pensem na colheita e a visualizem. Que qualidades e que criação vocês esperam alcançar? Que "resultados" gostariam de obter na vida? Filhos? Feitiços bem-sucedidos para a cura da Terra? Sabedoria? Amor? A composição de música? Vistos nesta perspectiva, muitos dos problemas humanos revelam-se surpreendentemente irrelevantes. Pois a meditação Lammas mede os anseios diários contra um ideal de longo prazo.
Peçam em voz alta a colheita desejada, e coloquem o fruto no caldeirão, ao lado da vela.
Há talvez alguma razão para temer que a colheita enfim não se materialize. A maioria de nós, de certo modo, teme o fracasso. Por exemplo, uma pessoa pode querer pintar, mas não confia em seu talento; ou pode sentir-se culpada, já que a pintura rouba-lhe o tempo que poderia usar, nutrindo outros seres.
Peguem o athame na mão direita e com a outra retirem a vela e o castiçal do caldeirão. Delicadamente, inscrevam as palavras (ou figuras simbólicas), expondo seus obstáculos, no dorso da vela. Use a ponta do athame. Não precisam ser perfeitamente gravados. O que conta é a intenção.
Digam: Enquanto a vela queimar e as palavras [ou figuras] desaparecerem, que minha___ [por exemplo, culpa] também se vá. Que se transforme, enquanto a cera se tornar chama, iluminação. Limpem a ponta do athame num pano, para retirar qualquer vestígio de cera.
Agora celebrem a colheita que chegou. Toquem música, dancem ou escrevam poemas, cantem, façam algo ou desenhem um quadro. O que fizerem, deverá ser feito com prazer. Conscientizem-se de que aquilo que executarem com alegria e celebração, dentro do círculo, lhes dará maior criatividade na vida. Enterro e nascimento e pão; estes são os temas do Lammas, mas não é um tempo sombrio. Os primeiros frutos existem para ser degustados e para encorajar a esperança. São um sinal do que acontecerá na Grande Colheita.
A comunhão do Lammas é especialmente sagrada. Peguem um pão de fôrma (de preferência feito em casa, embora qualquer outro, de centeio, também sirva). Este é, ou será, o Pão da Vida, que cresce do sacrifício solar. É, essencialmente, a energia vital do Sol, renascida no pão.
Passem o pão pela chama da vela, depois carreguem-no ao redor do círculo (caminhando da esquerda para a direita), elevando-o em cada "quarto", e finalmente segurando-o bem alto acima do altar. Façam uma prece de consagração e invocação, algo assim: Agora o Sol se desvanece, o milho será ceifado, o Deus morre. Ele é a própria vida e seu espírito penetra no milho e em todas as plantações e em todas as colheitas. Mudando, ele renasce, porque a vida nunca morre.
Cortem uma fatia do pão com seu athame. Antes de mastigá-lo, digam:
Eu, sacerdotisa (sacerdote) e Bruxa(o) como do Pão da Vida em benefício de todos os povos, para que todos sejam bem alimentados. Este é o Pão da Imortalidade. Embora tudo deva morrer, sei que por meio deste alimento renasceremos. De momento em momento, de ano em ano, de vida em vida, morremos e renascemos, transformados; não estamos separados nem, finalmente, sós. Pois este, o Pão da Vida, é o Pão da Comunhão.
Guardem o resto do pão para dividir com a família e os amigos.
Agora, consagrem e bebam o vinho.
Quando estiverem prontos, agradeçam à Deusa e ao Deus por terem abençoado o rito e agradeçam aos Espíritos Guardiães, dizendo, Salve e adeus. Abram o círculo. Vocês são sábios e abençoados. Comam o Pão da Vida com muita alegria.
Bênçãos iluminadas.
Rae
New Green
Avonford
26 de agosto de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Estes ritos que lhes exponho são idéias e sugestões, nada mais. Uma vez tendo entendido os princípios básicos de qualquer ritual, vocês podem criar os seus próprios. Na bruxaria não há dogmas, nenhuma liturgia fixa. Em vez disso, há tradições. Depois de as compreenderem, podem executar seus ritos como quiserem. O trabalho viverá por meio de vocês, por meio daquilo que trouxerem a ele. E estas são as tradições, os temas eternos, que desejo comunicar. Irão encontrá-los também em referências de outros escritores e às vezes na mitologia e no folclore. Portanto, leiam muito e aprendam tudo que puderem sobre a bruxaria e o paganismo. Aprendam também as disciplinas que se relacionam, como o vaticínio, a mediunidade trabalhada, a filosofia natural, a magia das ervas, as propriedades das plantas e das árvores, o conjunto de tradições dos camponeses.
Assim desenvolverão seus próprios sentimentos sobre, por exemplo, a celebração do equinócio da primavera. Com o tempo, terão seu próprio estilo. Esta é a força da bruxaria. Suas raízes se encontram nas mais antigas religiões e são sempre recriadas pelas bruxas, a cada vez que a feitiçaria é praticada.
As bruxas das escolas gardneriana e alexandrina (isto é, as seguidoras modernas da bruxaria britânica) possuem formas fixas e definitivas para muitos de seus ritos. Porém, a estrutura e a definição nem sempre são finais, a ponto de não permitirem uma improvisação criativa ou alterações. Assim é que deve ser, pois uma religião cristalizada morreria; as mudanças é que abrem espaços para o novo.
Estes ritos formais baseiam-se em informações expandidas e desenvolvidas por Gerald Gardner, o precursor da primeira onda de revitalização do paganismo. Seguindo a rescisão do Ato de Bruxaria, em 1951, ele tornou públicos certos antigos ensinamentos que acabaram por ser a base da feitiçaria atual.
As bruxas alexandrinas trabalham à maneira do casal Alex e Maxine Sanders, que se baseia no ritual gardneriano, mas com emendas. As crenças e os ritos alexandrinos foram largamente descritos pelos autores pagãos Janet e Stewart Farrar. Seus livros e os de Gerald Gardner, e de sua pitonisa original Doreen Valiente, que escreveu ou adaptou muitas passagens na obra final de Gardner, o Livro de Sombras, produzindo um conjunto coerente e sólido, fornecem uma introdução compreensiva aos ideais e práticas de "Wicca" (bruxaria moderna). Todos merecem ser lidos por qualquer aprendiz, apesar de ensinarem mais a respeito da estrutura do ritual para grupos.
Os rituais e ensinamentos gardnerianos são autenticamente tradicionais. Os temas básicos foram passados a Gardner pelo grupo New Forest que o iniciou. Mas não existe uma escrita sagrada ou lei na bruxaria. O mundo pagão deve imensas obrigações a Gardner e a Doreen Valiente pela riqueza e inspiração do seu Livro de Sombras, e pelo sentimento de herança que dá a todas as bruxas, mesmo àquelas que, como nós, se inspiram nos ensinamentos, mas trabalham de outra maneira. Entretanto, esta não é a última palavra.
Há muitas escolas de bruxaria, muitas formas organizadas de ensino, atualmente disponíveis. Os seguidores de cada uma, no passado, ficariam felizes ante a afirmação de que o seu mundo era o melhor, ou mesmo a Única Verdade para formar uma bruxa real. Algumas até hoje pensam assim. Não lhes dêem ouvidos.
Abençoados sejam na sua busca da sabedoria. Que os conduza ao conhecimento de vocês mesmos.
Acaso vocês estariam intrigados sobre minha história, sobre como me tornei bruxa? Como fui iniciada, e por quem? E se auto-iniciada, por sugestão e pelos ensinamentos de quais pessoas?
Bem, fui associada a um grupo alexandrino, apesar de não totalmente iniciada por ele. Nunca procurei qualquer grupo permanente, nem queria procurar. Os alexandrinos que conheci eram bondosos e informativos, mas senti que diferiam do meu modo de ser. Não era o que desejava, quando, primeiramente me dei conta de que iria me tornar uma bruxa. Sob os conselhos e com a ajuda de um alto sacerdote gardneriano, um amigo, desliguei-me de todos e voltei ao caminho da auto-iniciação, que havia originalmente escolhido. Desde então, muitos me ajudaram com seus livros ou por meio de diálogos. O trabalho de Marian Green, professora de bruxaria campestre, sempre me influenciou bastante. Assim como os livros de Starhawk. E também as crenças e a ficção oculta do meu companheiro de vida, Cole. E depois Rowena, sacerdotisa gardneriana, cujas aspirações e direção de vida retiraram-na de um grupo e dela fizeram uma sábia solitária. Suas palavras seguidamente me auxiliam a clarear meu próprio caminho. Na tecedura de todas essas experiências, e levando ou identificando o próximo fio, sempre tem havido inspiração interior.
Hoje parece vulgar dizer "fui guiada" para tal ou qual pessoa, para essa idéia, aquele livro. No entanto, é o que aconteceu. Sem os contatos interiores, todas as idéias são áridos conceitos intelectuais sem uma ressonância real para a pessoa que os encontra. E como toda bruxa de verdade declara, é a experiência interior, o acesso à realidade psíquica, atrás dos conceitos e das observâncias ritualísticas, que faz a feiticeira.
Então, se vocês querem ser feiticeiras (os), desenvolverão estes contatos. O auxílio de outras pessoas será benéfico.
Para aqueles que já trilharam este caminho, não será difícil alcançar os reinos interiores.
Sábios e abençoados sejam vocês.
Era
New Green
Avonford
15 de setembro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
O tempo da colheita se aproxima, tempo de avaliar tanto os ganhos como as perdas. Simultaneamente, o Sol está para entrar no signo da balança, Libra. Portanto, o equilíbrio é um tema forte, assim como o agradecimento. O dia e a noite serão iguais, como no equinócio da primavera, mas, depois deste festival, a escuridão vence. Os dias ficam mais curtos, atravessando o solstício de inverno.
Este é o equinócio de outono. O Festival da Colheita, tempo de celebrar, de agradecer e de jogar fora coisas desnecessárias, o lixo e a bagatela. Um festival de dois lados, de dois fios.
O símbolo universal da reencarnação, a espiral dupla, é especial para essa época do ano. O significado disso é que a expiração é sempre seguida (equilibrada) pela inspiração, como o sono é seguido pelo despertar, e a morte pelo renascimento. Portanto, uma espiral dupla fornece a mensagem ao nos torcermos em direção ao ponto silencioso, ou à noite mais sombria, o solstício de inverno. Vocês querem saber de onde deriva a espiral dupla? Bem, as espirais têm sido usadas simbolicamente em muitas terras e em todos os tempos, desde a Idade da Pedra. São esculpidas em blocos pétreos e câmaras mortuárias. A espiral dupla mostra a penetração e o retorno, daí o renascimento. Interessante, possui também a forma do ADN, mas isto não se conhecia no passado, exceto talvez intuitivamente. Parece ser o padrão fundamental de toda a vida. Os pesquisadores dedicados à força geodética descobriram associações de espirais com energia elétrica, criadas por fontes ocultas e riachos subterrâneos.
A Deusa é a Dama da Abundância. Seu caldeirão, sua cornucópia, produz todas as coisas boas, uma abundância de bênçãos. O Deus é o Rei da Colheita. Sua união é frutífera e faz tudo sobre a Terra.
Vocês poderiam iniciar o equinócio do outono decorando a sala e o altar com flores e frutas da estação. Lancem o círculo e invoquem a Dama e o Rei de toda a Abundância. Uma vela apagada deve estar no caldeirão, ao centro. Ao redor da base da vela, espigas de milho. Acendam a vela, pronunciando:
Abençoados agora ao equinócio de outono, tempo da espiral dupla, da torção sobre o fio do destino, ao ponto silencioso na noite escura, onde há o renascimento da luz e da vida. Assim, todos viajam ao reino do inverno. E a colheita, o grão ceifado, nos sustenta por meio da estação, contendo as sementes que serão plantadas na primavera. Pois o círculo da vida não se quebra.
Acendemos esta vela ao Sol minguante.
Caminhem sete voltas para a esquerda (na direção contrária aos ponteiros do relógio), ao redor do caldeirão. Em seguida em espiral, na direção do centro. Ajoelhem-se ou sentem-se de pernas cruzadas ao lado do caldeirão. Retirem dele as espigas de milho, dizendo:
Os tempos minguantes trazem a colheita.
Ao final, existem os frutos.
Enquanto viajamos pelo inverno, reino da morte,
os frutos da vida nos sustentam
e contêm as sementes
da vida nova. O mistério é visto,
em toda parte revelado, mas selado
no silêncio e na escuridão.
Olhem o milho. Fechem os olhos e procurem senti-lo como a essência do Sol e da Terra, contendo a vida nova. Aqui, na colheita, estão as sementes do próximo ciclo. Como são revelados os mistérios? Perguntem à Deusa e ela lhes indicará, se quiser. Vocês podem ter visões de ciclos, círculos, ou da escura viagem sublunar e, de volta outra vez, uma jornada labiríntica. Peçam para compreender o propósito disso, ou, dentro disso, o verdadeiro propósito da criação. Se vocês forem abençoados com o entendimento, já é uma colheita interior. Agradeçam por tudo que virem, abram os olhos. Levando o milho, caminhem sete vezes no sentido dos ponteiros do relógio, espiralados ao redor do círculo.
Coloquem as espigas sobre o altar. Mais tarde, elas podem ser amarradas com uma fita vermelha e penduradas, durante o inverno, em algum lugar da casa.
Em frente ao altar, pronunciem:
Celebramos o ganho, os frutos
e toda a abundância da Terra,
dançando a espiral que sai e a espiral que entra.
Cada final é seguido de um começo.
Pausem, por momentos, e continuem:
O joio interno
nas sementes que crescerão
escondido está até a primavera,
O anel inquebrável do renascer.
A colheita sustém
até vir de novo a primavera.
Estação dadivosa,
as sementes permanecerão.
Repitam as duas últimas linhas como uma cantiga. Dancem movendo-se para a direita, alegremente, construindo um poder criativo, a dança da vida (não convém usar vestes largas por causa da chama nua). Coloquem a energia da terra em três cordões ou fitas que serão postas dentro do caldeirão. Trancem os cordões, no comprimento suficiente para ser usado como um colar. Depois amarrem as pontas, criando um círculo.
Enquanto trançam, visualizem a tecedura da rica colheita deste ano, e qualquer coisa ou tudo que dê esperança de vida sobre a Terra. Citem, ao tecer, as vitórias, mesmo as pequenas e simples, sobre questões ambientais; um livro que os inspirou; uma mudança na opinião pública quanto à exploração dos recursos naturais; uma guerra finda; um esforço criativo, bem-sucedido, alcançado por alguém ou por um grupo; uma conquista justa ou uma resolução de conflito sobre a Terra. Estas são as sementes do novo. São as estrelas do Círculo do Renascimento.
Enquanto atam as pontas e completam o círculo, digam: O círculo é inquebrável. A vida nunca morrerá.
Ergam a trança fechada acima do altar, depois depositem-na. Mais tarde deve ser guardada num lugar seguro até o equinócio da primavera, quando poderá ser enterrada e, assim, magicamente, entregue à Terra, para o seu prosseguimento. Sentem-se em silêncio por algum tempo e pensem no feitiço que lançaram. Visualizem a Terra saudável. Visualizem a continuidade da vida.
Quando estiverem prontos, retornem ao altar e agradeçam à Deusa e ao Deus por suas colheitas pessoais, pelo que colheram em suas próprias vidas. Coloquem uma oferenda — talvez um poema ou desenho que realizaram — sobre o altar. Então visitem os quatro "quartos", como fizeram no equinócio da primavera. Desta vez, tragam oferendas a cada "quarto", para agradecer.
No "quarto" leste, meditem a respeito da colheita de suas idéias, seus conceitos e realizações. Fechem os olhos e pensem em todas as novas idéias que tiveram no ano passado. Agradeçam aos Espíritos Guardiães do Ar e, a seguir, coloquem um punhado de incenso em brasas de carvão ou queimem mais incenso, em agradecimento.
Ao sul, cerrem os olhos e pensem em algum progresso, na saúde ou vitalidade, ou em algum sucesso, em aventuras, ou "pontos altos". Agradeçam quaisquer mudanças benéficas, depois untem a vela com óleo essencial, em oferenda. Derramem vinho ou caldo de maçã na água, como oblação. Ao norte, perscrutem e agradeçam as bênçãos manifestas que vocês colheram, os resultados físicos do trabalho feito em casa ou no jardim, artisticamente, criativamente, ou na sua profissão. Façam uma oferenda de pão e deixem no altar ao lado da pedra, ou sobre a travessa (ou pentáculo) com terra. No centro do círculo, ao lado do caldeirão, visualizem a maneira pela qual os elementos de sua vida se entrelaçam para criar a essência inteira do ser. Agradeçam por tudo que notarem ser uma nova integração em si próprios, em suas existências. Há algum princípio ou atividade que parece trancar o resto? Citem-no. Depois tirem o cordão branco de dentro do caldeirão. Como oferenda, ate-o com cinco nós, um para cada "quarto" e um para o centro, o ponto silencioso. Amarrem as pontas do cordão e guardem também para a primavera.
Meditem por instantes a respeito das perdas e ganhos em suas vidas. O que parece estar fugindo? Este é o tempo de soltar, com agradecimentos pelo que aquilo significou; ou propositalmente atirem fora o que não precisam mais, a bagatela. Mas sua colheita, pela qual agora mesmo agradeceram, contém as sementes do ciclo seguinte. Sintam o equilíbrio.
Após a comunhão, o círculo fica "aberto mas não rompido". Depois, abandonem o lugar entre os mundos e sigam na direção do outono.
Eu os abençôo.
Rae
New Green
Avonford
6 de outubro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Tenho dito que o Dia da Noiva era tradicionalmente o tempo mais favorável para a iniciação de novas bruxas. Mas isto não significa que outros tempos também não são corretos. De fato, qualquer Sabá ou Lua Cheia favorece. Dentro dessas linhas de orientação, o dia escolhido deve ser matéria individual. Vocês saberão quando estão preparados. Portanto, quero lhes dar o rito da auto-iniciação agora, para executá-lo na época que escolherem.
Para ser bruxa (o) é preciso não só autodisciplina no desenvolvimento pessoal, mas um sentido de plenitude, em seu trabalho, que supere pressões sociais: os olhares enviesados e as desconfianças daqueles que sabem quem vocês representam, o que praticam. Há sempre uma barreira entre vocês e aqueles que não entendem, porque é difícil explicar-lhes; a possível discriminação ativa; as implicações óbvias quanto a amigos ou amantes. Se vocês nasceram bruxos (ou bruxas) naturalmente irão ignorar tudo isso, e com razão.
O rito de iniciação é, em geral, uma seqüência de morte e renascimento, simbolizando que a vida antiga acabou e a nova começa. Também envolve uma promessa ou oferenda, uma consagração e a adoção de um novo nome. Depois há instruções quanto às técnicas ou novas experiências, a admissão aos mistérios.
Ninguém pode transformar vocês em bruxos. Nada que aconteça a vocês pode mudá-los, a não ser que haja aquela mudança interna que faz a diferença. Em outras palavras, o verdadeiro bruxo se forma entre o indivíduo, a Deusa e o Deus Cornífero. É uma transformação interior, psíquica, que depende da vontade e da conveniência. Embora outros possam ajudá-los a marcar o rito da passagem, em última instância ninguém pode mediar entre vocês e os Deuses. Vocês permanecem sós, responsáveis pelos próprios espíritos. Podem tomar este caminho sinceramente? Se for assim, serão aceitos. E em particular, sem testemunhas, exceto os Espíritos Guardiães.
Há mais do que um rito de auto-iniciação na existência, Vou lhes dar a minha versão. Como em qualquer resolução honesta, se a promessa da oferenda for aceita, vocês saberão. Sentirão naquela hora uma profunda e perceptível expansão da consciência.
Seus novos nomes não devem ser enunciados, exceto para outra (o) bruxa (o). É o símbolo de suas qualidades de feiticeiras, suas personas mágicas. O nome deve possuir potência, uma significação sagrada, própria. Poderia ser o nome de uma planta, de um animal ou pássaro. Poderia também ser o nome de um lugar que possua um significado pessoal ou místico, ou mesmo ambos.
Muitas bruxas (os) usam nomes mitológicos ou relacionados com lendas ou símbolos ocultos. Sejam inventivos, mas despretensiosos. Peçam auxílio se não puderem encontrar facilmente.
Preparem-se para o rito com um banho (adicionem sal ou um punhado de ervas purificadoras na água). Quando lançarem o círculo, devem trabalhar nus ou, como dizem as bruxas, com as vestes do céu. Este é um dos ritos que deverá ser praticado sem roupas ou jóias. Assim, vocês se mostram ante a Deusa e o Deus livres de defesas ou quaisquer outros atributos de sua vida antiga. Pois, para começarem, devem descartar velhas manias e jogar fora crenças, hábitos e auto-imagens. Invoquem a Deusa e o Deus, com suas próprias palavras.
Cortem um cacho de seus cabelos usando o athame. Ergam-no acima do altar, como oferenda. Digam: Chamamos os Espíritos Guardiães dos elementos para testemunharem que agora nos oferecemos à Deusa Tripla do Círculo do Renascimento e ao Deus Cornífero, como bruxa (o) e sacerdotisa (sacerdote).
Levem o cacho de cabelo ao redor do círculo (no sentido dos ponteiros do relógio), erguendo-o a cada "quarto". Coloquem sobre o altar, dizendo: Por esta oferenda, sou deles. (O poder da bruxa ou do bruxo está nos seus cabelos soltos, conforme se sabe. Se você não tem cabelos na cabeça, por razão de idade, talvez possa usar pêlos do corpo como substituto.)
Enrolem-se numa capa ou coberta para se aquecerem e dirijam-se ao "quarto" oeste. Sentem-se confortavelmente, fechando os olhos. Peçam orientação enquanto percorrem o caminho sagrado. Visualizem-se andando pelo bosque. Ele está desenvolvido demais, é quase uma floresta. A seus pés, flores silvestres. Há carvalhos, freixos, pilriteiros. É um velho caminho. Súbito, um declive. Sigam-no até a boca da caverna e entrem. Há uma vela sobre a rocha. Pela iluminação, vemos que é clara e limpa. O ar é fresco. Num canto está o pequeno poço, cuja fonte borbulha. A água flui deste poço até a abertura da caverna. O fundo é coberto de areia e pedras acetinadas. Retirem as vestes e entrem no poço. A água apaga todas as dúvidas e hesitações, todo o medo e amarras. Limpa os elos de suas vidas antigas, que possam atrapalhar seus trabalhos como sacerdotisa ou sacerdote. Pensem no significado de ser feiticeiro, enquanto se banham. Talvez recebam orientação.
Deixem o poço e a caverna. Lá fora, sobre a terra, encontrarão algumas roupas. São suas "vestes de bruxa". Talvez robes ou capas, ou ainda túnicas e calças. Seja o que for, primeiro sequem-se num pedaço de pano, depois vistam-nas. Procurem observar o que representam em termos de cor, o que significam para vocês. Dentre as roupas talvez algum objeto especial, um cajado, jóia ou algo diferente. É o símbolo de suas vidas futuras como bruxos, mostrando seus deveres e aptidões particulares. Levem a peça e continuem caminhando.
Verão uma árvore magnífica, robusta, coberta de folhas, com raízes profundas, agradável aos olhos. Dêem alguns passos até ela, encostem a fronte contra o tronco e abracem-na. Sintam sua seiva, toda a força da árvore. Saibam que ela e vocês constituem uma unidade, com diferentes expressões da mesma energia vital, nascidos de Ar e Fogo, Água e Terra. Vocês são seres irmãos junto às estrelas e rochas, aos animais e pássaros e a toda criação. Sintam o espírito da árvore. Talvez lhes fale algo que precisem saber. Agradeçam à árvore e caminhem ao longo da trilha. Mas novamente peçam à Deusa e ao Deus que os guiem de agora em diante. Peçam aos Espíritos Guardiães que os assistam em seu trabalho de bruxo(a), ou sacerdote/sacerdotisa.
Abram os olhos. Não se levantem com pressa. Procurem lembrar alguma mensagem ou impressão que possam ter recebido. Então, deixando sua capa ou túnica no "quarto" oeste, dirijam-se pela direita para leste e depois até o caldeirão. Retirem dele a pequena tigela contendo puro óleo vegetal, ou óleo essencial de cipreste, olíbano ou sândalo Coloquem sobre o altar. Digam:
Esta noite prometemos a nós mesmos servir e
celebrar por todos os tempos
a Deusa Tripla e o Deus Cornífero,
como bruxo ou bruxa, sacerdote ou sacerdotisa.
Nos colocamos a trilhar este caminho sagrado
daqui em diante. Nos nomeamos_____
[recitem seus nomes mágicos]
e agora clamamos pelos Espíritos Guardiães,
Para testemunharem a nossa consagração.
Untem-se, tocando o óleo com as pontas dos dedos acima da linha dos pêlos púbicos, sobre o peito, sobre a testa e a coroa da cabeça, dizendo: Abençoados sejam meu corpo e minha alma, minha mente e meu espírito.
Fiquem na frente do altar em silêncio por alguns minutos e então falem: Peço para ser refeito bruxo (a) e sacerdote/sacerdotisa em perfeito amor e perfeita crença, e com as seguintes qualidades — [Aqui façam uma lista das mais altas qualidades que possam imaginar, sejam virtudes abstratas como a honestidade, a benevolência, a compaixão, a coragem, ou habilidades como o olhar penetrante do falcão, ou os gorjeios mágicos do rouxinol.]
Fiquem em silêncio por mais um instante, de olhos fechados. Nos níveis interiores, talvez ouçam vozes, música, ou um intenso silvar (como o som da luz quando viaja entre as estrelas). Talvez tenham visões. Não se esforcem para escutar ou ver coisa alguma. Deixem as coisas acontecerem naturalmente. Depois, visitem cada um dos quatro "quartos", dizendo: "Eu___ [novo nome] peço o reconhecimento dos Espíritos Guardiães do Ar, Fogo, Água, Terra, como bruxa(o), sacerdote/sacerdotisa.
Ajoelhem-se diante do altar e coloquem a mão direita no alto da cabeça e a esquerda embaixo dos pés, dizendo: Tudo entre minhas mãos pertence à Deusa.
Agora vocês estão prontos para consagrar o athame (a faca mágica), a primeira ferramenta de trabalho de uma bruxa. Passem o fio pela fumaça do incenso e pela chama da vela. Borrifem com água e toquem a sua travessa de terra ou o pentáculo. Coloquem a faca entre as duas mãos e digam: Abençôo, consagro e separo este athame, pelo poder do Ar, do Fogo, da Água e da Terra e em nome da Tripla Deusa do Círculo do Renascimento, e do Deus Cornífero, Rei da Morte que é o Rei da Vida. Que me sirva bem para fins mágicos, um verdadeiro e sagrado implemento de bruxaria. Concentrem nele sua própria energia psíquica. Encerrem com a tradicional conclusão a qualquer rito ou feitiço: Assim seja.
De agora em diante, carregada de magia, a faca será muito mais poderosa no lançamento de feitiços ou para partir ura cordão, cortar qualquer coisa ou para dirigir e definir, como quando se faz um círculo. Reponham a faca sobre o altar. No Sabá e na Lua Cheia seguinte, terão de consagrar o próprio altar e todas as ferramentas de magia, tais como o cálice, a vara, o caldeirão, o recipiente do incenso, castiçais, tigelas e pentáculos ou pedras. Usem a ponta da faca e não as mãos, para direcionar o poder e para tornar cada peça sagrada e única. Depois vocês devem consagrar os materiais usados no feitiço. (Cuidado quando consagrarem ervas, pois suas energias sutis se reduzem ao contato do metal. Segurem o fio a certa distância.)
Terminem o ritual com a comunhão. Depois finalizem com um brinde aos "Velhos Deuses", como a Deusa e o Deus das bruxas têm sido tradicionalmente conhecidos: Aos Velhos. Alegre encontro, alegre despedida e alegre reencontro.
Apesar de este brinde ser feito aos Velhos Deuses, Cole e eu sempre achamos que aqui também estão incluídos os antigos iniciados do nosso trabalho mágico, os nossos antecessores espirituais, que trabalharam na aurora dos tempos, quando eram venerados pela sua sapiência, ou em segredo nos períodos das perseguições. Todas aquelas bruxas desconhecidas. É como se nos uníssemos a elas, enquanto sentamos para beber o vinho.
Abram o círculo. Agora, após guardarem as ferramentas mágicas, vocês devem ir direto para a cama. Seus sonhos serão talvez memoráveis, e podem trazer maiores orientações.
Sábios e abençoados vocês são.
Rae
New Green
Avonford
21 de outubro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Escrevi um lembrete para mim mesma sobre esta carta. É assim: "Não esquecer de mencionar travessuras ou obséquios." Então direi o que é preciso, agora. "Travessuras ou obséquios", tenho certeza que vocês já sabem, é um hábito novo que veio da América. Refere-se às crianças que vão de porta em porta demandando obséquios; do contrário, pregam peças nos ocupantes das casas. Quanto a esse costume, está bem fiel ao Samhain, ou Hallowe'en, a noite em que isso acontece. Samhain é a "noite das travessuras", na qual se espera que os duendes preguem peças nos seres humanos, a serviço do Rei do Desgoverno, aquele aspecto do Cornífero que não permite nos levarmos a sério demais. O Rei do Desgoverno também atenua as coisas com surpresas, anedotas e acontecimentos bizarros, porque as fronteiras se desmancham em Samhain, e os mundos se fundem. As "travessuras ou obséquios" talvez sejam praticados por crianças emissárias do Rei do Desgoverno.
Então o que se deve fazer, se não quiserem ser interrompidos na sua veneração e no lançamento de feitiços? Ou comecem um pouco mais tarde, ou transfiram a celebração para a noite seguinte. Pessoalmente, não me agrada perder a atmosfera especial de 31 de outubro, então me arrisco às travessuras dos duendes de porta em porta e, tenho sorte, nunca me incomodaram.
Este festival refere-se à morte do ano e, portanto, é Ano-novo, pois a morte implica em renascimento. Mas durante essa época, a morte parece mais óbvia que o intangível renascimento. Campos ficam em pousio, a seiva penetra nas raízes, e toda a natureza descansa. Há uma atmosfera estranha nas névoas outonais e nas cores enfumaçadas do entardecer. Este é, de fato, o Festival do Retorno dos Mortos, como também o reconhecimento do fim de um ciclo solar. Por isso tem a reputação de acontecimentos fantasmagóricos com suas associações de asas-de-morcego e capas-negras.
Janet e Stewart Farrar, em Eight Sabbats for Witches, comentam o seguinte: "Samhain é o tempo da estranheza psíquica, pois na mudança do ano — o antigo morrendo, o novo por nascer — o Véu [é] muito frágil."
O ano velho se dissolve, se fragmenta, no Samhain, e o resultado é o colapso de todas as fronteiras, incluindo aquelas entre a vida e a morte. É portanto mais fácil do que usualmente perceber a presença psíquica dos que já morreram, mas ainda estão conectados conosco, ainda cuidam de nós. Esta é uma das razões para os eventos fantasmagóricos em Hallowe'en. Os vivos, os mortos e os ainda por nascer podem encontrar-se em espírito nesta noite, comunicando-se e trocando informações. Também os espíritos naturais caminham entre nós, tanto os bondosos quanto os travessos.
Por isso, Samhain é a melhor noite do ano para atos clarividentes e vaticínios. Dizem que algumas das visões e mensagens psíquicas são enviadas pelos Amados Mortos, isto é, por amigos queridos ou membros da família com os quais possuímos elos de afeto. Outras (visões e mensagens) talvez sejam um presente direto da Deusa. Tudo o que surge deve ser levado a sério. A experiência tem demonstrado a Cole e a mim que muitas vezes eles fornecem a chave ao tema principal do ano seguinte, de forma simbólica.
Sobre o retorno dos Amados Mortos, não há nenhuma tradição na bruxaria que de algum modo justifique a tentativa de "chamar os mortos de volta". As bruxas acreditam que os mortos se unem livremente a nós nesta noite, se forem capazes ou se quiserem. Chamá-los de volta pode interferir nos estágios de purificação, descanso e preparação de uma nova vida, que todos passamos entre as encarnações. Qualquer tentativa forçada provavelmente falhará, se for praticada inoportunamente. Mas se acaso realizar-se, pode romper um processo natural e prejudicar o espírito que retorna. Então, em Sambam, as bruxas ritualizam a acolhida aos Amados Mortos e simplesmente esperam. Se algum espírito querido desejar a volta, será reconhecido. Se não, devemos lembrá-lo com amor e aceitar sua ausência.
Por falar nisso, e caso queiram saber, nunca ouvi falar de uma bruxa que fosse perturbada pelo retorno de maus espíritos em Samhain. Penso que a atmosfera psíquica de um círculo mágico bem construído os espantaria. Se maliciosos, não gostariam da comunhão, da harmonia e do respeito pela vida, e, em qualquer caso, não atravessariam os Guardiães dos Espíritos. Não haveria nenhuma possibilidade séria de demonstração negativa, enquanto eles e também a Deusa e o Deus cuidarem de vocês.
Nossos ancestrais talvez fossem supersticiosos sobre essas coisas. Porém, tinham outras razões para sentirem-se tensos em Samhain. Se a colheita era escassa, a mudança do ano indicava um longo período de penúria. O alimento faltaria até o próximo verão. Mesmo quando a colheita era boa, as decisões ainda precisavam ser tomadas a respeito da distribuição, do armazenamento, e também do equilíbrio no consumo de certos alimentos. Questões de barganhas também seriam consideradas. Que alimentos poderiam, seguramente, ser trocados por outras coisas? O que guardariam? Na época de Samhain, o portal para o inverno, tudo isso tinha de ser decidido. As decisões certas haviam sido feitas? Estava tudo em ordem? Nossos ancestrais procurariam as respostas e a confiança por meio dos vaticínios.
Nós ainda buscamos mensagens em Samhain com a mesma urgência pessoal, apesar de nem sempre com os mesmos imperativos econômicos ou físicos. Hoje, como no passado, a Deusa ou Velha Sábia e o Deus ou Rei das Sombras são os guias através do reino da morte e da incerteza da mais misteriosa estação. O Deus é o Rei da Noite, a Velha Sábia traz à Samhain a dádiva da Sapiência, que pode ser doce ou amarga, de acordo com nossas circunstâncias e desejos. Por isso precisamos considerar a morte como um aspecto de nossas vidas. Talvez algum antigo plano ou aspiração deva morrer agora.
A frutificação do ano chega ao final
A vida desceu para o interior da terra.
Não há nenhuma pressão vital e, em toda a natureza,
a escuridão se reúne.
Agora, com as plantas e os animais e toda a vida,
os sábios se voltam às sementes,
pois a morte é um começo.
Partilho o tempo com os mortos
e os não-nascidos.
Estas palavras ou similares podem ser enunciadas no rito de Samhain (após o lançamento do círculo e a invocação da Deusa e do Deus).
Acendam uma vela no centro do círculo com as palavras, Que esta luz brilhe nos Reinos Interiores, como brilha no mundo. É o fogo de Samhain. Aqueles que vierem sentar a seu lado serão bem-vindos.
Sentados em silêncio, lembrem amigos ou membros da família, entes amados e mortos. Sintam sua presença agora, ou a de outros espíritos ligados a vocês. (Lembrem-se de talvez não terem conhecido todas as pessoas que estiveram a seu lado. Algumas, quem sabe, não encarnaram durante as suas vidas presentes.) Não tentem forçar nada. Simplesmente aguardem em silêncio e recordem. Se sentirem uma presença ou escutarem uma voz, falem interiormente com ela, como se estivesse fisicamente aqui. Expressem seu amor, pois elas ouvirão. Depois agradeçam as mensagens ou conselhos. Digam em voz alta:
A roda vital precisa girar,
pois a morte é a preparação do renascimento,
enquanto a noite abriga as sementes de luz,
nos encontraremos e saberemos, lembrando, e
amaremos outra vez.
(A última linha é uma paráfrase de palavras da tradicional história de feitiçaria chamada "The Descent of the Goddess" [A Descida da Deusa].)
A seguir levantem-se (não muito rapidamente) e, quando estiverem prontos, dancem ao redor da vela (movimentos para a direita), acompanhando esta cantiga, ou algo parecido.
Escuridão da mais profunda noite,
cheia das sementes de luz. [Repetir]
(Não usem capas largas ou robes nessa noite, por precaução. Vocês estão dançando ao redor de uma chama nua.)
Usem o poder terreno de sua dança e cantem às avelãs que colocaram anteriormente junto à base da vela. Façam isso, como nos Sabás anteriores, visualizando o cone dourado de energia caindo dentro do caldeirão e lá sendo absorvido pelas avelãs como luz de ouro. Suas varas podem ser usadas para direcionar este cone, apontando-as para baixo e passando-as algumas vezes sobre as avelãs. Antes de quebrar a primeira, digam: Dentro do silêncio e da sombra, que o fruto da sabedoria traga o conhecimento interior. Que me fortaleça, enquanto eu desço através da noite da estação invernosa. Eu aceito a mudança que a sapiência traz, pois tais frutos não devem ser ingeridos descuidadamente. E dádiva da Deusa. Comam as avelãs.
Se vocês tiverem, acendam o incenso "visual", que contém ervas que causam um leve estado mediúnico. Se não, reforcem o incenso que estiverem queimando ou acendam outro. Caminhem, na direção dos ponteiros do relógio, até o "quarto" oeste, onde terão colocado o seu caldeirão, cheio d'água. Sentem-se ao lado, confortavelmente, e fixem os olhos na água até enxergarem visões ou até que, com as pálpebras fechadas, caiam em leve mediunidade.
Se nada acontecer, lembrem-se de que o ato de comer o "fruto da sabedoria", olhando profundamente para dentro do caldeirão, é uma invocação que trará conselhos ao longo do inverno. Se não vierem logo, talvez os recebam mais tarde, num sonho ou num acontecimento. Mas se conseguirem relaxar, certamente algumas figuras começarão a se formar.
Quando findar o transe e se sentirem prontos, levantem-se e dirijam-se ao altar, sobre o qual já terão colocado uma maçã. Segurem a maçã em concha, dizendo: Seguro o fruto do submundo que é dado aos conhecedores da morte em qualquer forma, para encontrarem as sementes da vida nova. Todo fim é um começo.
Cortem a maçã ao meio com o athame, expondo todas as sementes, e contem-nas. É dito, tradicionalmente, que quanto mais sementes, melhor, pois cada uma significa um novo desenvolvimento, e portanto um passo adiante nas suas vidas. Comam a maçã devagar, com sementes e cascas. Ao fazê-lo, lembrem-se de que esta é "a fruta da morte que traz a vida", meditem sobre alguns aspectos de suas existências que devem morrer, quaisquer formas que precisem descartar. Considerem que as sementes do próximo ciclo já estão presentes. Tomem-nas dentro de si, para que cresçam também as sementes dos planos e da criatividade, às quais, com o tempo, darão à luz (e assim vocês renascerão).
Levem o cálice. Dirijam-se (direção à direita) ao "quarto" leste (a estação do renascimento, pois é onde o Sol se ergue). Derramem um pouco de vinho e bebam profundamente o "vinho do cálice da vida", para si próprios e em proveito de todas as criaturas.
Agora, para o mundo, considerem o que precisa ser eliminado ou morto em benefício de todos. Escrevam, com tinta vermelha sobre papel branco, um só nome. Que pode ser "gula", "poluição", "militarismo", "fome" ou qualquer outra coisa que tenham identificado como problema. Queimem-no ao fogo de Samhain — a vela central — com as palavras: "Que isto passe e deixe o mundo."
Sentem-se ao redor do caldeirão e visualizem o nascimento de novas formas, de um mundo justo onde o alimento existe para todos; ou um mundo de harmonia ambiental; ou um mundo de paz genuína. Seja o que banirem, imaginem agora mudado por nova existência, um novo sistema, onde "nenhum mal" será o código predominante.
E assim, ainda comungando, acaba o rito de Samhain.
Bênçãos brilhantes na escuridão.
Rae
New Green
Avonford
27 de novembro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Vocês dois, em tempos diversos, têm indagado sobre "os ritos de passagem". Como, por exemplo, as bruxas marcam o nascimento de uma criança? Há um rito pagão, em vez do batizado cristão, para os filhos das bruxas? As bruxas se casam? E sobre a morte — quando morremos, como bruxas ou pagãs, o que acontece? Há uma cerimônia equivalente ao enterro cristão? E no que acreditam as bruxas a respeito do céu, do inferno ou da reencarnação?
Estas perguntas parecem apropriadas à época do ano — entre Samhain e o renascimento do Sol no Natal — porque têm a ver com nascimento, sexo e morte. E depois renascimento: regeneração. Ao responder, começarei citando um trecho da história de feitiçaria, "The Descent of the Goddess", porque mostra a interconexão desses assuntos: como são, verdadeiramente, uma trindade, cada uma ligada aos outros aspectos.
Pois há três grandes mistérios na vida de um homem, e a magia controla todos eles. Para realizar o amor, você deve retornar de novo no mesmo tempo e no mesmo lugar que os amados; e você precisa encontrar e conhecer, lembrar e amá-los outra vez.
Mas para renascer, você precisa morrer e ser preparado para um novo corpo. E para morrer, precisa nascer, e sem amor não nascerá. E nossa Deusa sempre se inclina ao amor e à alegria, e à felicidade; e ela guia e acalanta seus filhos escondidos na vida, e na morte ela ensina a sua maneira de comungar; e mesmo neste mundo, ela nos ensina o mistério do Círculo Mágico, que é colocado entre os mundos dos homens e dos Deuses.
(Gardner — Livro de Sombras)
Portanto, agora já é óbvio que o nascimento, o sexo e a morte são os elementos centrais da bruxaria.
Para uma bruxa fêmea, dar à luz é compartilhar conscientemente no trabalho da Mãe Deusa. Para o bruxo masculino, testemunhar e demonstrar empatia aos processos da gravidez e do nascimento é perceber e comungar com aquele aspecto da Deusa que deu à luz todos os mundos. Durante o nascimento, o Véu entre os mundos é muito frágil. É um evento mágico. Os pais bruxos escolherão seu filho, ou qualquer criança, como um espírito encarnado, reconhecendo que este ente pode ser mais velho e sábio que eles próprios. Se a criança é deles, talvez não possua o espírito de uma bruxa presente ou futura, pois o caminho religioso da criança nem sempre é o de seus pais.
As razões espirituais da reencarnação numa família são muitas e sutis, e amiúde desconhecidas. Pode haver um elo de vidas passadas, e as pessoas então podem se "encontrar, e saber, e lembrar, e amar de novo". Quando isto acontece é uma experiência profundamente enriquecedora, mas não significa que todas elas sejam bruxas. Temos vínculos especiais com o nosso gênero, claro, mas seríamos um grupo tristemente isolado se amássemos somente outras bruxas.
Todas essas coisas devem ser consideradas, antes de empreender a tarefa de cumprir o rito da Bênção de uma Criança Bruxa. Porque a criança não pode ser batizada bruxa no mesmo sentido em que é batizada cristã. Tentar encaminhar qualquer alma a um credo, que não foi livremente escolhido na maturidade consciente, é contra as leis e tradições da feitiçaria. Assim, a criança pode ser abençoada e incluída no caminho de seus pais, mas só quando tiver idade para escolher conscientemente. (No passado, essa idade de escolha adulta era inferior à de agora. Na Idade Média, por exemplo, um menino já era considerado adulto aos doze ou treze anos, e as meninas casavam em tenra idade.) A moderna Bênção para uma criança no âmbito da Bruxaria deve durar até que ela, conscientemente, resolva aderir ou se afastar, manifestando a vontade.
Quanto ao planejamento da cerimônia, primeiro escolham o lugar. O bebê pode ser abençoado dentro de um círculo formal. Com uma criancinha isto não daria certo, por causa dos problemas relativos ao perigo das pequenas mãos, querendo manejar athames ou velas acesas (e também o trabalho de persuadir uma criança a permanecer dentro de um círculo de nove polegadas). Crianças mais crescidas ficariam igualmente mais felizes fora do círculo. E se não pudermos apresentá-las às divindades da natureza fora de uma casa, então algo não estará bem!
Escolham um dia ensolarado de Lua Cheia, ou um Sabá, e passeiem em um jardim, parque ou campo, em algum lugar onde sabem que não haverá interrupção. Aí podem marcar um círculo mágico, com cordões ou pedras. Peçam as bênçãos e a proteção dos Espíritos Guardiães de todos os elementos, oferecendo uma pluma a oeste e uma pedra ou um pouco de sal ao norte. Expliquem à criança a respeito da vida que partilhamos com todas as criaturas do mundo, incluindo aquelas do reino vegetal; a vida que possui raízes na Atmosfera (ar), na Terra (chuva) e no Fogo (Sol), e se eleva pelo Espírito, que é o formato astral da árvore, sua idéia, o que se poderia chamar de "árvore sonhada". Isto, é claro, para crianças maiores.
Uma criança reflexiva talvez ficasse feliz em sentar de olhos fechados, enquanto vocês induzem um leve transe no qual ela é encorajada a visualizar a Mãe Deusa e o Pai Deus, e sentir-se um com eles, cuidada e abençoada.
Outras crianças talvez prefiram que vocês lhes contem sobre a Mãe e o Pai de Todos, os que criaram o mundo, e apreciem que vocês peçam suas presenças no círculo.
A bênção pode ser pronunciada, enquanto colocam suas mãos levemente sobre a cabeça da criança. Digam:
Em nome da Tripla Deusa do Círculo do Renascimento, e do Deus Cornífero, eu a abençôo e a consagro, criança pagã do Sol e da Lua. Coloco-a sob a proteção dos Espíritos Guardiães da Bruxaria. A eles eu a entrego para salvaguardar, até o momento em que estiver madura para escolher o próprio caminho livremente. Abençoada seja.
Aqui, vocês devem untar a testa da criança com óleo.
Continuem: Eu a nomeio_____ [dar um nome mágico, que a própria criança deve escolher, se tiver idade suficiente]. Cumprimentem a criança com um beijo. E digam, por
exemplo:
Que a luz do Sol e a luz da Lua e das estrelas brilhem sobre o seu caminho, que você possa perceber a beleza do dia e da noite. Você é a criança da Mãe e do Pai de Todos, além dos pais humanos. Saiba que cada final é um começo, e que o círculo da criação se cumpriu em você. Saiba também que você está no sagrado espaço entre os mundos. E que esse mesmo espaço exista sempre profundamente em você. Onde quer que vá, encontre sempre as veredas do amor e da sapiência. Criança pagã você é hoje, mas não o será por obrigação. Que seu ser decrete em anos futuros a sua caminhada, em alegria e liberdade.
Então podem partilhar do pão e vinho ou caldo de frutas, em comunhão.
Mais tarde na vida, a criança talvez queira se comprometer com a magia da natureza como bruxa ou alguma outra forma de paganismo. Ela pode escolher uma religião diferente ou nenhuma. Está nas mãos da Deusa, pois todos nós temos lições a aprender de um modo ou de outro, e o caminho da bruxaria é o rumo certo.
A respeito do sexo, ou casamento, o trabalho diz: Em cada união feliz, o homem encontra a encarnação viva da Deusa em sua companheira, enquanto o Deus Cornífero vem a ela por intermédio do homem. Ambos representam a união amorosa do Deus e da Deusa por meio de seu desejo e de sua satisfação. O sexo é sagrado. O casamento é cumprido por amor, quando há uma profunda realização mental, espiritual, emocional e física. Mas o aspecto físico é celebrado como símbolo da completa reconciliação e também pelo ápice da consciência atingido no êxtase.
Naturalmente, num casamento entre bruxos e bruxas não deve haver domínio do homem sobre a mulher ou vice-versa. Uma união igual e amorosa é o modelo dos casais bruxos de mãos dadas. "De mãos dadas" é o moto que se usa para simbolizar o casamento entre bruxos.
Nos grupos de feiticeiros a mão seria oferecida pela Sacerdotisa. Mas como bruxas solitárias ou de sebe, um casal não precisa de ninguém, exceto os Espíritos Guardiães para testemunhar sua união, seus votos; ninguém a não ser a própria Deusa que os ligará um ao outro.
Se vocês decidirem pelo casamento no futuro, façam o juramento para esta vida, ou para todas as suas vidas, de acordo com a intuição de que um é o companheiro e amante do outro na vida presente, ou companheiros eternos, "companheiros de alma".
Tendo lançado o círculo e invocado a Deusa e o Deus, vocês podem fazer as promessas pelas quais decidiram... pelo Ar e pelo Fogo e pela Água e pela Terra, e em nome da Deusa Tripla do Ciclo do Renascimento e do Deus Cornífero, Rei do Dia e da Noite. Vocês devem chamar os Espíritos Guardiães como testemunhas desses votos. Depois passem as mãos dadas na fumaça do incenso e chamas da vela (levemente) e pela água e, então, toquem com elas a pedra ou o pentáculo.
Segundo a tradição, o casal dá as mãos e pula, junto, sobre o cabo de uma vassoura, que foi colocada atravessando o círculo. Se quiserem encerrar o rito fazendo amor dentro do círculo, tanto melhor. Uma comunhão segue-se a este ato.
Um casal pode escolher a união fora do círculo. O que impede o lançamento mágico, bem como o ato sexual após o rito — a não ser que encontrem um lugar bem distante! Mas se fizerem seus votos em algum ponto especial, os Velhos Deuses certamente abençoarão sua união. Vocês podem incluir costumes mágicos; como beberem do vinho consagrado no mesmo cálice. O que importa é que os juramentos venham do coração, e que as mãos estejam entrelaçadas, enquanto a união é vista como real e vinculada, pelo menos nesta vida, com as testemunhas dos espíritos elementais. (Suas presenças devem ser requisitadas, e invocações feitas à Deusa e ao Deus.)
A morte é o terceiro aspecto desta trindade, pois ela leva ao renascimento. Quando nossos corpos envelhecem demasiado ou ficam muito doentes para haver felicidade, a morte conduz ao descanso e refresca o espírito. A morte é um aspecto da vida, como o nascimento e o amor.
Um funeral quase sempre pertence à Igreja cristã, e o corpo é colocado num cemitério consagrado por padres cristãos. Os enlutados, na Grã-Bretanha, geralmente são cristãos e portanto confortados pelos seus próprios ritos. Mas nós podemos praticar as nossas cerimônias do adeus em outra data após o funeral. Elas devem ser tão simples como o cair de uma flor num riacho ou rio, com uma invocação de descida para o mar, onde a pessoa morta encontra a paz.
As Terras de Verão (Summerlands), eis onde as bruxas acreditam que vão habitar após a morte. É um lugar de grande felicidade e beleza, como o paraíso celta de "Tír na nÓg". A entrada nas Terras de Verão pode ser precedida por estágios de purificação e aprendizado. Após deixar as Summerlands talvez tenhamos alguma preparação antes de renascer.
Há, muitas vezes, períodos de grande sofrimento nesta terra, quando achamos que é um inferno e nunca vai passar. Isto basta. Nem eu, nem outra bruxa que eu conheça poderia acreditar na danação eterna. Não há tormentos eternos aguardando aqueles que são cruéis ou maliciosos, aqueles que não lembram as palavras "nenhum mal". O que há é um triplo retorno daqueles que sofrem, como lição, nesta vida ou em outra. O propósito não é um castigo, mas uma iluminação. É, na verdade, um efeito. Utilizando uma frase cristã, "Colhemos o que semeamos". É simplesmente uma lei inevitável da vida.
Voltando a possíveis ritos para os mortos. Vocês podem pedir conselhos sobre a natureza desses ritos, para cada indivíduo. Mas um cordão consagrado, simbolizando o cordão astral que une a alma ao corpo, talvez necessite ser cortado no caso de alguém que parece ter dificuldade em prosseguir, passando deste reino ao que existe adiante. Para aqueles que ficam no que os psíquicos chamam de "névoas cinzentas".
Onde não há tais problemas, acender uma vela para iluminar seus espíritos em vidas futuras, com orações que os guiem e os protejam e os abençoem, pode ser o suficiente. Pessoalmente, acredito que seria presunçoso de minha parte fazer mais que isso para um amigo alheio à bruxaria. Para outra bruxa, vocês quererão marcar sua passagem às Terras de Verão com um rito formal completo: encomendando-a aos cuidados do Deus Cornífero, que é o guia no reino da morte, e ao amor da Deusa gentil, que, com o tempo, nos oferece o renascimento — eis a substância do rito.
Lembrem-se: "Vocês precisam se encontrar e conhecer, e então se amar de novo." Mas a tristeza é natural, um período de luto é necessário. Pois nunca neste mundo aquela pessoa poderá ser vista de novo com o mesmo rosto, o jeito de andar, os gestos e a voz.
Um dia, talvez, comunguemos com os mortos mais facilmente. Nosso reino estará mais claro e perto das Terras de Verão. Enquanto isso, penso nos mortos como se partissem para uma longa jornada. Serão diferentes em outras vidas e nós também, quando nos virmos outra vez. Entrementes, são como peregrinos que parecem estar fora do alcance de correio ou de telefones. Mas em geral podemos enviar nosso amor a eles, com a segurança psíquica de que irão recebê-lo.
A natureza morre no outono, mas renasce na primavera. O sol morre a cada inverno, enquanto os dias encurtam, e a luz desaparece. No Natal, ele renasce. Na vida, os projetos acabam e as idéias se extinguem, e das ruínas nasce algo novo. Este é o padrão universal.
O nascimento, o amor, a morte. Como diz a história, estes são os três grandes mistérios, e a magia controla todos eles.
Tessa, agora você cumpriu o rito da auto-iniciação e posso cumprimentá-la como bruxa irmã. Sábia e abençoada seja você. Glyn, penso que sua decisão de esperar é certa, em vista dos planos de casar com Laurel. Atualmente, você diz, o interesse dela em feitiçaria é mais acadêmico do que desejado. No futuro, pode ser que ela simpatize com suas práticas na Arte ou talvez se torne interessada. Se nenhuma dessas duas coisas acontecer, então você terá de escolher entre ser um bruxo ou o marido de Laurel. Um grande ressentimento pode ocorrer, quando um parceiro se torna hostil às práticas religiosas do outro.
Arriscarei uma profecia. Não acho que Laurel ficará indiferente ou hostil. Penso que ela será uma bruxa. Por enquanto, eu diria que sua atitude não é apenas muito racional, mas saudável em suas dúvidas. Conhecendo-a, acredito que é uma pessoa muito honesta.
Continuarei a enviar cartas a ambos, como pediram.
Mando minhas bênçãos.
Rae
New Green
Avonford
16 de dezembro de 1987
Queridos Tessa e Glyn,
Estamos quase na época do Natal, o solstício de inverno — reconstrução mágica, tempo recriado, o nascimento da vida e da luz. Entre Samhain e o Natal, o Rei da Noite nos governou e nos guiou pelos reinos das sombras. E a Deusa, agora a Velha Sábia, nos ofereceu conhecimentos e sonhos. Nas paisagens nuas, etéreas, ela descortinou o encantamento da estação. O ano morreu em Samhain e o tempo se retraiu em sombras e neblina de inverno. Preparemo-nos e ao nosso lar para o Festival natalino, para o renascimento, um novo ciclo.
A metáfora é clara. Enquanto nos recolhemos, na morte ou na hibernação do inverno, reinos interiores se expandem. A riqueza da imaginação, mundos astrais e estados de sonho, onde as sementes da próxima fase serão encontradas, nos iluminam, trazendo luz e restauração. Tudo isto é simbolizado pelo glamour das tradições de Natal e suas decorações, que antecedem a Era Cristã e vêm sendo preservadas, hoje denotando hábitos mais recentes. As velas, os ramos de azevinho, a erva-de-passarinho, a lenha natalina e todas as festas se originam de uma tradição muito mais antiga do que a celebração do nascimento de Jesus, e mostram tanto a riqueza dos mundos interiores como a passagem de volta à vida; vida dinâmica, manifesta.
Este dia é o "aniversário" do Sol. A noite mais longa do ano passará e na aurora, quando o Sol novamente nascer, o ano terá voltado aos dias longos. É isto que celebramos, a passagem retornando à luz do ponto mais escuro, pois significa um novo ciclo, a continuidade da vida.
O Natal é ocasião de renascimento do Sol e de toda a natureza, daí o Ano-novo. Há muitas lendas da flora associadas a essa época. Os ramos de azevinho representam o Velho Rei do Ano Minguante, o Rei da Escuridão, que, no Natal, se transforma na Luz Infantil. A acha de lenha, sendo de carvalho, é sagrada ao nascido Rei do Ano Crescente, como é o pássaro papo-roxo. A erva-de-passarinho, sagrada ao Sol, é usada na decoração de Natal por pagãos e cristãos, igualmente. Invoca a fertilidade e os poderes da luz solar.
Uma bruxa, portanto, decoraria o lar com azevinho, erva-de-passarinho e outras belezas vegetais, e teria uma "árvore de Natal", como qualquer pessoa, mas com uma compreensão diversa do seu significado. (A árvore de Natal, como a conhecemos, é uma tradição relativamente moderna na Grã-Bretanha, datando do século XIX. Mas árvores sagradas, nas quais eram penduradas oferendas, são tão antigas como a mitologia.)
Depois há a tradição de oferecer dádivas. É representada pela história cristã dos três reis magos, os que trouxeram presentes aos Jesus-Menino. Na tradição dos povos do Norte há Papai Noel, São Nicolau (o Velho Nik?) com sua rena, tão sagrado como o Deus Cornífero. Todas as crianças começam a vida com uma certa herança, a sua série de presentes. Agora somos todos recém-nascidos, no início do novo ano. É esta a verdadeira razão pela qual todos nós damos e recebemos dádivas no Natal. Pela mesma razão, cobrimos a árvore com luzes e enfeites, colocando presentes ao redor dela, reconhecendo as dádivas que a Mãe e o Pai de Toda a Vida nos trarão. E honramos a Deusa colocando, no topo da árvore, a tradicional fada (que representa a própria Deusa) ou então uma estrela de cinco pontas simbolizando a natureza mágica.
Mas que dizer da celebração do nascimento de uma criança-menina? Por que a Deusa só dá à luz a criança-menino? Isto não é verdade, claro. Mas no renascimento de nosso trabalho, a compreensão do desenrolar do ano ainda está em desenvolvimento, ainda vem sendo descoberta. Uma coisa que ainda não foi reparada é a celebração anual do nascimento da filha, a Deusa dando à luz a si mesma. Pois a cada início de ano, não só o Deus Sol, mas também a Natureza Mãe são renascidos. Ela vem mais tarde, em Candlemas, como uma jovem. Então representa não apenas as flores da primavera sobre a Terra, mas o aspecto feminino do Sol e o aspecto da jovem como Tripla Deusa da Lua: a Deusa Noiva das primaveras solar e lunar. As meninas também possuem mães.
A celebração de seu nascimento acabou sendo varrida pelos longos anos patriarcais. Certamente existem tradições pagãs envolvendo o nascimento da filha, como é exemplo a história da feitiçaria italiana da concepção e nascimento de Aradia. Porém, há precedentes para a celebração do nascimento de uma criança-menina em Imbolg, a "Noiva-bebê". Para mim, isto confunde o tema de sua presença como jovem. No Natal, entretanto, seu nascimento é às vezes celebrado como gêmea de seu irmão solar. Já ouvi dizer que, segundo uma lenda cristã herege, a Noiva nasceu como irmã gêmea de Jesus, no solstício de inverno. A Noiva, é claro, é uma Deusa pagã bastante anterior a Jesus Cristo. No entanto, a lenda me atrai, pois soa como corda musical. Podemos agora celebrar o aniversário da filha no Natal, sem obscurecer a claridade do Rito do Retorno do Sol? Sim, penso que sim.
Após invocar a Deusa e o Deus, uma bruxa solitária iria, na direção dos ponteiros do relógio, ao "quarto" oeste, e então se untaria com água sobre a testa, onde se instala o "terceiro olho", onde está o centro místico de toda a percepção psíquica, o olhar interior. Depois se dirigiria ao caldeirão, ao centro, e sentaria. Ficando quieta por um tempo e sentindo a escuridão e o silêncio ao redor, com a noite gelada lá fora.
A bruxa diria:
Na noite mais longa, toda a natureza dorme. O frio e o silêncio como a morte agarram-se à Terra. Há o reinado da escuridão. Uma pausa, o flutuar entre a vida e a morte, a suspensão. Mas o mundo é sempre sonhado acordado, ano após ano. Visões prateadas sejam-me oferecidas, na escuridão. Partilho do trabalho da Mãe Deusa e sonho o futuro que hoje virá. (Glyn, você deve mudar a última linha desta invocação, dizendo:
Visões prateadas sejam-me ofertadas agora, nesta escuridão, para que, vendo os sonhos da Mãe Deusa dedicados à vida sobre a Terra, eu possa celebrar e dançá-los na existência.)
Feche os olhos e entre em transe, repita para si mesmo:
Pois como o mundo é sonhado acordado
de ano a ano e de Era a Era,
e o Sol virá cedo,
que a visão prateada me seja oferecida,
nesta escuridão.
Repita isto até as figuras começarem a se formar. Veja o mundo como um lugar de paz e harmonia restaurada em toda parte; como se a Deusa fosse honrada e o Deus Cornífero mais uma vez cantasse alto em alegria e liberdade, enquanto a vida inteira dançasse. Veja como o mundo poderia ser, enquanto o Sol se ergue, primeiro em um leve brilho. Depois imagine raios de sol sobre o campo, revelando a Terra uma beleza sem-par. Como é este mundo? Como vivem as pessoas? Quais as suas relações com outras formas de vida? O que é agora valorizado? Veja a arte e ouça os poemas e a música. Veja a expressão do amor. Depois veja se você tem algum papel a cumprir na criação do mundo. Sonhe-se representando ou invocando mudanças. Considere os resultados.
Agora eleve-se, de costas para o altar, dizendo:
Eu danço pelo nascimento, pelo retorno do Sol
e pela Terra na beleza da sua aurora.
Agora o útero da noite gera a vida e a luz,
e tudo será renovado. Começa aqui, agora.
O útero da noite traz vida nova e luz.
Repita a última linha, enquanto você dança, orientada para a direita, construindo poder e energia. Dirija o poder ao caldeirão. Dentro dele deve haver uma vela apagada e uns pedaços de abeto. Os galhos de abeto são retirados e colocados ao redor do caldeirão num círculo. Diga estas palavras:
O círculo da vida está inquebrantável na Tripla Deusa. Nela, a vida se renova e a luz retornará. Pois a Grande Mãe dá à luz um Filho e uma Filha, agora, neste momento sem tempo. Criança do Sol e Filha da Terra são vistas, na recriação do mundo. Salve o Sabá de Natal!
Acenda a vela, dizendo: Que a manhã seja saudada com alegria. Pois o recém-nascido Sol se erguerá.
Pegue sua vara e passe-a pela vela acesa. Percorra o círculo no sentido dos ponteiros do relógio, agitando-a a cada "quarto", com a invocação: Paz sobre a Terra. Vida e Luz para todos.
Devolva a vara ao altar. Depois vá em direção a leste, com um sino. Diga: O choro da Filha recém-nascida da Terra é ouvido em todos os mundos. Agora a celebração é renovada, traz uma nova ordem, em seu nome. Abençoada seja!
Toque o sino em cada "quarto". Escute-o nos planos interiores, assim como nas direções dos quatro "quartos", aos quatro ventos. Recoloque o sino sobre o altar.
Em seguida encha seu cálice de água com mel. Levante-o e diga:
Partilho da renovação vital
com todas as criaturas, sou amado
pela Mãe Deusa.
Que eu cresça em_____ [por exemplo, amor e saber].
Criança pagã do Sol e da Lua Renasço em liberdade nutrido em doçura.
Beba do cálice. Enquanto o fizer, medite sobre o tema do desenvolvimento, a nutrição das dádivas, as habilidades. Haverá uma dádiva de Natal da Deusa e do Deus para ajudá-lo no seu caminho. Feche os olhos, enquanto você fica silente ao lado do caldeirão. Veja a Mãe e o Pai de Toda a Vida. Imagine-os vindo a você, na noite escura, coberta de neve. Está na floresta, com as estrelas iluminando-o, entre os galhos nus das árvores. Você encontra o Deus e a Deusa numa pequena clareira. Em sua direção está a dádiva ou as dádivas. Você talvez veja algo claramente reconhecível e saiba logo o que é. Ou a dádiva pode ser uma representação simbólica. Talvez seja algo abstrato. Se não souber o significado, peça esclarecimentos. Receba o presente agradecendo. Ele lhe virá mais tarde durante o ano. Agora abra os olhos devagar. Encerre com uma comunhão.
Este foi o solstício de inverno. Fique alegre e sábio a fim de se renovar.
Tessa e Glyn, expliquei a vocês o significado dos oito Sabás e as celebrações lunares. Em nenhum caso há qualquer progressão linear, mas sempre um círculo. A nossa compreensão de uma ou outra seqüência pode mudar, coletiva ou individualmente. E o relacionamento entre os dois, entre o ciclo do Sol e o ciclo da Lua sobre a Terra, ainda é pouco compreensível e depende mais de sentimento e intuição.
Não há nada definitivo na versão que lhes mostrei em minhas cartas. É simplesmente o que Cole e eu fizemos durante este ano. No ano que vem talvez possamos mudar, talvez celebremos de outras maneiras ou com outras ênfases. No reino da Mãe, as coisas mudam de formas.
Mais uma carta seguirá.
Iluminadas bênçãos.
Rae
New Green
Avonford
1.° de janeiro de 1988
Queridos Tessa e Glyn,
Respondo às suas perguntas. Há algo impenetrável no solstício de inverno, uma transcendência e um mistério. É um momento sem tempo, toda a natureza morre e renasce. É como o início dos tempos, a primeira criação de todos os mundos, os muitos níveis de realidade e existência, tanto manifestos quanto não-manifestos, objetivos e subjetivos. Não posso explicar como acontece; mas o ciclo do ano, que celebramos, é a manifestação da Deusa, do Deus. No Natal, devemos admitir sua transcendência. A Deusa não nasceu, ela nunca morre. Entre os mundos, está eternamente criando. Assim, ela dá à luz novamente os mundos, a cada ciclo de tempo. É isto que celebramos no Natal, o nascimento do Ano-novo. O caldeirão simboliza o mistério. Dentro dele a Deusa transforma o Rei da Noite em Criança de Luz. O caldeirão é tanto o túmulo quanto o útero e é o receptáculo da transformação.
Em Imbolg, a jovem Deusa Noiva e o jovem Deus Solar são filha de Lua e filho do Sol, sobre a Terra. E celebramos o Deus e a nova Deusa imanentes, insertos no Universo. Não são divindades diferentes da Deusa e do Deus transcendentes, assim como vocês não são diferentes de suas ações e de seu comportamento. A criação os revela, assim como a infinitude do espaço exterior revela o infinito dos reinos interiores. Há uma Deusa, três em uma. Há um Deus, Rei do Dia e da Noite. Conhecemo-los em muitos disfarces e por muitos nomes. Estes, e os muitos nomes pelos quais outros conhecem a Deusa ou o Deus, são todos sagrados.
Tessa, você pergunta pelas ervas, incensos e óleos. Há livros especializados sobre o assunto, mas direi alguma coisa, como introdução. Pois você tem razão. O que pode fazer uma bruxa que nada sabe sobre as propriedades mágicas das ervas?
Aprendemos bastante por um simples olhar ao nosso redor. Que flores vicejam em determinada estação? Que cores possuem? Que árvores estão sempre verdes? Muito pode ser observado nos costumes e tradições populares. Por exemplo, as rosas vermelhas constituem o emblema do amor. O alho é bem conhecido em ligação ao exorcismo. (Poucos sabem que o alho é protetor em viagens sobre a água, como talismã contra o afogamento.)
A mistura de incenso é, em si, um trabalho completo. É possível criar um tipo específico para usar em cada ocasião. Vocês talvez tenham interesse particular neste aspecto da magia, mas Cole e eu tendemos a queimar o pinho no inverno e a lavanda no verão. Para simplificar, variamos somente se um rito ou feitiço individual pede o uso de incenso especial; se, em outras palavras, queimar incenso é o meio físico pelo qual o feitiço é praticado. Por exemplo, quando purificarem a atmosfera numa sala, o pinho, o zimbro e o cedro constituem boa combinação. (Seria interessante lembrarem-se disto, quando fizerem mudança para uma casa nova.)
Para os trabalhos de transe, devem queimar louro ou losna e absinto. Poderão querer usar erva-cidreira, porque abre os centros psíquicos. Um pouco antes de consultar ou ler as cartas do tarô ou antes de qualquer forma de vaticínio, vocês podem beber chá de alecrim, tomilho ou mil-em-rama, pois estes encorajam percepções nítidas e o desenvolvimento da clarividência.
Estas são formas gentis, inofensivas de receber os benefícios mágicos de ervas e óleo. As histórias de que alguns grupos de bruxas no passado usavam poções de ervas alucinógenas, e que se cobriam de ungüentos, os famosos "ungüentos voadores" que induziam a visões, constituem verdade. Poucos grupos modernos ainda se utilizam de ervas alucinógenas, mas não seria aconselhável o seu uso caseiro sem um conhecimento especializado. O uso da magia de delicados herbáceos, apesar de sua ação mais lenta, é efetivo. Significa menos crença no efeito físico das ervas e mais nas vibrações etéricas e estéticas. A principal ferramenta mágica é então a própria bruxa e sua habilidade de contatar os reinos interiores, e de focalizar e visualizar. Isto se conquista com a prática e a experiência. A mágica das ervas pode ser útil. Penso que a força energética da planta em contato com a psique humana provoca resultados positivos. Mas pode ser perigoso abrir os centros psíquicos de repente, com isso danificando-os. No entanto, a magia das ervas, unindo as vibrações das plantas ao transe e à concentração interior, é forte e poderosa, embora menos dramática, obviamente. É o que recomendo a vocês.
Aqui está uma breve lista de ervas, com algumas de suas qualidades mágicas.
Para curar:
alecrim, eucalipto, menta,
tomilho, sândalo.
Para purificar:
pinho, junípero, cedro,
lavanda, hissopo.
Para o amor
rosa, abrótano, mirta,
flor-de-noiva, manjericão.
Para a clarividência:
louro, losna, absinto,
mil-em-rama, sorveira.
Proteção psíquica
assafétida (cheiro horrível!),
cipreste, olíbano, alho, verbena.
Para boa sorte
urze, azevinho,
musgo-da-irlanda,
noz-moscada, carvalho.
Óleos essenciais para os mesmos propósitos:
Curar
alecrim, sândalo.
Purificar:
lavanda, mitra.
Amor
rosa, jasmim.
Clarividência
erva-cidreira, açafrão.
Proteção psíquica
cipreste, olíbano.
Sorte
flor de maçã, bálsamo de limão (melissa).
As ervas, com ou sem óleos, podem ser queimadas como incenso ou costuradas dentro de sachês ou talismãs de pano. Óleos puros podem ser usados para nos untarmos, ou untar outra pessoa, ou objeto (por exemplo, uma vela ou vara).
Em cada festival, certas flores ou frutos são apropriados para colocar sobre o altar ou no solo. Às vezes é difícil encontrá-los, e então devemos procurar alternativas:
Pingos de neve para Imbolg
Narciso-dos-prados para Eostar
Pilriteiro em flor para Beltane
Rosas para Litha
Frutos de sebe para Lughnasadh
Milho para Mabon
Maçãs e nozes para Samhain
Azevinho, carvalho e visco no Natal
Estas são algumas das flores e árvores sagradas à Lua: gardênia, jasmim, bálsamo de limão, lírio, salgueirinha e salgueiro. Para o rito da Lua, todas elas são usadas.
Agora, Tessa, cabe a você (e a você, Glyn, se resolver se auto-iniciar no futuro) redescobrir o antigo trabalho das feiticeiras sábias, solitárias e das sebes. Isto significa andar pela senda que o mundo, em geral, mal conhece. É a vereda das flores silvestres, luz de velas e noites estreladas. É também o caminho das rosas de sangue, raízes de rocha. Muito será demandado, mas você conhecerá os mistérios. O cálice de vinho da vida é seu para beber, e o pão da comunhão é seu para comer, mesmo que, às vezes, não haja muito mais à mesa. Sua vida se tornará uma busca na qual todo tipo de experiência tem significado.
Que as bênçãos da Deusa Tripla e do Deus Cornífero
estejam juntos a cada passo que vocês derem
Rae
Ladywell
Hillsbury
19 de março de 1988
Querida Tessa,
Feliz Eostar! Seria maravilhoso ver você num fim de semana. Venha no verão, quando o tempo estiver menos frio e nós estivermos bem instalados. Acredito que você vai gostar da casa. E a cidade é muito diferente de Avonford: mais quieta, e o campo parece entrar em nossa porta.
Não penso que eu possa dar-lhe novas lições sobre os assuntos ventilados em tão pouco tempo, como um fim de semana. Quanto ao seu aprendizado futuro, acho que devemos recomeçar o velho método das cartas. Me auxilia a ter um controle (faço cópias), como já expliquei anteriormente. E você terá tempo para estudar.
Você pergunta sobre o trabalho interior de uma bruxa. Aquela palavra misteriosa "transe", que eu uso às vezes, o que significa na verdade? Possui ligação direta com o poder de lançar feitiços. E também quer dizer um estado no qual o futuro pode ser vaticinado, e poder-se comungar com os espíritos da natureza. Por meio do transe ou estado mediúnico, as mudanças acontecem. Mas é empregado fora do círculo, de maneiras que eu ainda não lhe contei? É, sim. O transe é a magia interna, a comunhão sentida com as fontes de nossas vidas. É também um meio de transformação. Porque as mudanças durante o transe, imaginado ou "visto" diferentemente, são sempre seguidas de modificações exteriores, se a imagem é acompanhada por suficiente "carga" emocional. Não esqueça isso, pois em transe você pode mexer com seu estado de humor para o bem ou para o mal, e mesmo com sua saúde, como tem sido averiguado no mundo todo por terapeutas e psicoterapeutas.
Para uma bruxa, o transe é a verdadeira essência e alma de toda a magia. E acontece muitas vezes onde o ritual ainda não é apropriado — quando a bruxa está despreparada para o ritual, precisando meditar ou buscar mais direcionamento ou tornar-se mais firme em seus objetivos. E se a realização dos ritos é o trabalho externo, o transe, por sua vez, é o trabalho interno que toda bruxa deve realizar. Em transe, ele ou ela sempre deve encontrar a Deusa ou Deus e o Caminho, onde quer que seja, e não apenas em horas predeterminadas e dentro do círculo mágico. O transe é a verdadeira fonte de habilidade da bruxa.
Antes de você ter vivenciado festivais de passagem de ano e celebrado fases da Lua, não terá placas sinalizadoras indicando Domínios Interiores nem mapas já existentes para traçar os próprios mapas e caminhos. E até que você perceba a Deusa como criadora e mantenedora de toda a vida, com o Deus, seu consorte, ambos co-criadores e guias, não terá pontos de referência espirituais. Isso não significa que aquelas que não são bruxas não tenham tal referência. Existem outros caminhos. Há outros modos. Mas aventurar-se nas veredas interiores sem nenhuma estrutura referencial, sem qualquer conhecimento verdadeiro, é um risco que causa instabilidade emocional e psíquica.
Você talvez se assuste quando exagero os perigos. Eu não, pois vejo como a juventude abre centros psíquicos, usando drogas em circunstâncias errôneas, sem orientação ou conhecimento interior algum. Personalidades fragmentadas e vidas destruídas têm sido o resultado, pois a desintegração astral, uma destruição psíquica se manifesta, é vivida no mundo "real", com grande dor e confusão. Uma bruxa (ou bruxo) não precisa correr esse risco, pois ela encontra seres astrais e eventos com sabedoria, respeito e perícia psíquica. O senso do sagrado, a primeira condição de respeito, é inatamente sua. Ninguém pode ser bruxa verdadeira sem esse senso. Mas a sabedoria, que você corretamente menciona, é algo a conquistar. Bem como as perícias psíquicas. Posso ensiná-las a você, e logo você estará segura.
Quando for experiente, sem dúvida você se arriscará astralmente, de acordo com as suas escolhas. Os riscos serão medidos por um julgamento sadio. Entrementes, posso ensinar-lhe técnicas básicas (ser uma instrutora de viagens interiores?).
O primeiro exercício pode parecer pouco interessante, depois dos meus conselhos, mas vale a pena trabalhá-lo. Quero que trace veredas e crie um lugar seguro para ir ou vir, um claro sentido de orientação.
Você já praticou alguns transes nas Luas Cheias e Festivais, e o que vou lhe explicar, no início, é na verdade pouco diferente, apesar de mais complexo. O alvo é ultrapassar as rotas pré-planejadas, onde tudo se decide antes que você entre em transe. Com o tempo, você poderá viajar e explorar, simultaneamente, para resolver seus próprios conflitos, receber orientação, instrução metafísica ou de cura, ou ainda elaborar magia de um gênero mais sutil, o "sonho encantado" típico da magia.
Todas as religiões do mundo usam as técnicas de transe e meditação de alguma forma. O que acalma a mente lógica, tranqüilizando-a, em repouso, para que o transracional possa aparecer e se reintegrar. Mantras, mandalas, orações repetitivas e o rosário, batidas de tambores, drogas e posições especiais da ioga são algumas das muitas técnicas usadas para alcançar estados alterados de consciência. Como bruxas solitárias, praticamos os rituais criando um espaço sagrado e dançando e cantando dentro dele. Mas também podemos entrar no mesmo estado de "lucidez sonhadora" por meio da visualização, uma rotina mental que nos leva para o nosso interior e aprofunda a consciência, trabalhando como simples autoprogramação. Em outras palavras, a visualização inicial instrui a mente para voltar-se ao seu interior. É o que fazemos. A melhor maneira de compreender isso é praticando.
Como em qualquer outra atividade mágica, você deve estar livre de interrupções. Tire o fone do gancho e coloque um anúncio na porta, se necessário, pedindo aos visitantes que retornem no dia seguinte. Agasalhe-se, pois a temperatura de seu corpo cairá quando estiver em transe. O coração e a respiração tornam-se mais lentos, como no sono. Sente-se confortavelmente, numa posição relaxada. Uma poltrona com o encosto quase reto é ideal para começar. Não cruze braços e pernas. E agora relaxe.
Talvez seja necessário praticar um simples exercício relaxante, como encolher e soltar os músculos. Inicie com os pés, apertando todos os músculos até os tornozelos. Segure firme e depois solte. Suba até os joelhos e a coxas. Retese cada um por sua vez e a seguir relaxe. Depois os músculos do estômago, cadeiras, peito e ombros. Retese e solte, devagar. Depois braços e mãos. Então o pescoço e a mandíbula. Finalmente retese todos os músculos da face. Solte tudo e relaxe, de cima a baixo.
Este é um exercício de relaxamento comum. Se você tiver outra técnica predileta, por favor, utilize-a. Com o tempo, não precisará de nada, vai entrar em transe à vontade.
Mentalmente lance uma esfera de luz azul ao seu redor, a mesma que você lançou ao redor do círculo mágico. Visualize-a. Depois diga:
Agora lanço ao redor de mim uma esfera de luz azul, como a capa que circunda a nossa Mãe Terra. Que isso me proteja. Sou da Terra e do céu, filha da Grande Mãe. Que ela e o Deus Corntfero cuidem de mim. Que eu seja orientada nos Reinos Interiores, onde a infinitude do tempo e do espaço está espelhada pelas mais distantes estrelas.
Se estas palavras parecem demasiadas, ou se, por alguma razão, não lhe agradarem, faça sua própria invocação, mais ou menos nestes termos.
Você talvez estranhe o fato de precisar de seu próprio espaço ou barreira protetora, como se fosse mergulhar em mares profundos repletos de piranhas. Bem, na maioria dos casos essas preocupações não se fazem necessárias. Mas, às vezes, você ficará agradecida por elas. Os reinos internos são criados pela imaginação. Ou, para falar mais claro, são espelhados e percebidos por ela. Mas isto não quer dizer que somente a sua imaginação e o que ela produz vão ser encontrados. Como a imaginação é um meio em que nós contatamos com qualquer força arquetípica, transcende nossas próprias realizações. E a força arquetípica pode ter sido moldada numa "entidade". Enfim, esta é, de fato, a forma de pensamento cuja alma é sua força e natureza ancestral. Terá uma existência independente além de sua imaginação, porque o inconsciente coletivo vai perpetuando-a. Você talvez encontre os produtos imaginativos dos desejos pessoais e o medo de pessoas próximas a você. Como se não bastasse, pode encontrar os aspectos repressivos de si própria, aquelas áreas do seu ser que você nega ou descarta, e que estão rondando interiormente, furiosas. Claro, o ponto de trabalho do transe é o de reconciliar ou transformar essas situações. Mas não se pode permitir que visitantes não transformados, indesejados, invadam livremente o seu espaço psíquico.
A imaginação real é o reino do Éter, e o que acontece lá determina a realidade psíquica. Esta é, afinal, a base de toda a magia. Porém, inversamente, as condições de nossas vidas afetam a imaginação. Os arquétipos do militarismo, por exemplo, são fortificados pela glorificação de uma guerra. E imagens pornográficas em vídeo alimentam arquétipos de violência contra as mulheres. A criação de uma atmosfera amorosa e de sapiência deve seguir com você e sustentá-la como a roupa que veste na rua. E o pedido de que os Espíritos Guardiães a protejam e lhe ofereçam calma e clareza, é um senso comum. Os reinos internos não são apenas doçura e luz, pois, se fossem, o mundo inteiro seria inocente, e poderíamos todos ir para casa nas Terras de Verão (Summerlands), nossa existência manifesta encerrada (até o próximo ciclo?).
Se o seu transe não for especialmente profundo, mas um simples pedido de orientação sobre o que decidir, de caráter imediato, então a esfera azul é o bastante. Porém, para transes mais sérios, repito, você deve invocar os Espíritos Guardiães do Ar, do Fogo, da Água e da Terra, como se estivesse construindo um círculo completo, mas na imaginação. Faça um pedido em cada "quarto", que a proteja e a oriente. Você também pode visualizar a colocação de suas oferendas em cada "quarto", como se estivesse lançando um encantamento fora do círculo. Visualize incenso, vela, água e pedra. Peça aos Espíritos Guardiães que a acompanhem, até o fim.
A esfera azul ficará ao seu redor após você ter cessado de imaginá-la. Você não precisa ver tudo através de uma névoa azul. Simplesmente afirme que ela está ali. No reino do Éter, a existência segue o pensamento imediatamente. Porque você pensou, ficará o tempo que disser que permaneça.
Feito isto, visualize que o chão em que você pisa não é mais um tapete ou madeira, ou de tábuas ou pedra. Você está sobre relva verde. Não há paredes ao seu redor; em vez delas, árvores altas. E agora você se encontra dentro de uma clareira num bosque. Há folhas em todas as árvores, e os pássaros cantam. Aqui, você pode encontrar seu espírito familiar; prepare a jornada seguinte ou fique em paz. Há flores silvestres na relva. Caminhe e olhe, aspire a brisa e ouça os pássaros cantarem. Escute o som do vento entre as árvores. Em cima, o céu azul. Tire os sapatos. A grama a seus pés é fresca e a Terra a sustenta. Sinta a energia da Terra se derramando através das plantas de seus pés, enchendo seu corpo. Está forte, você é você mesma, bruxa e sacerdotisa, vestida em seus trajes. Seus cabelos estão soltos e seu athame enfiado no cinto.
Há um altar de madeira ao norte da clareira. Sobre ele, vinho no cálice e pão no prato. Aponte o athame para o vinho e depois fale em nome da Deusa Tripla e do Deus Cornífero, que devem revelar sua natureza verdadeira, e peça que a natureza seja demonstrada. Se o vinho então resplandecer com uma luz brilhante em ouro, prata, branco ou nas cores do arco-íris, você pode levantar o cálice e tomá-lo. Mas se o vinho estiver opaco, com um aspecto de estagnação, peça aos Espíritos Guardiães do Fogo que lhe dêem assistência. Eles imediatamente acenderão o fogo na clareira, como no campo, pequeno e contido, mas resplandecente. O fogo é o elemento de rápida transformação e purificação. O que você faz aqui é mudar suas emoções religiosas, de sentimentos insatisfeitos e tristes para sentimentos gloriosos. Por emoções religiosas quero dizer principalmente que um senso de comunhão com todo o mundo natural é o impulso pagão espiritual mais importante. O cálice contém o vinho da comunhão, e o pão, claro, é sagrado.
Repita o mesmo procedimento de descoberta da verdadeira natureza deste pão e coloque-o também dentro do fogo, se tiver um aspecto sem luz ou mofado. Mas se resplandecer com alto brilho, coma-o.
Que fazer se o pão, o vinho, ou ambos estão no fogo? Espere um pouco e eles reaparecerão sobre o altar. Verifique cada um de novo. É mais certo que agora estejam bem. Se não, você terá uma base para a meditação a respeito de seus sentimentos de veneração, diante do paganismo, e, se for assim, por quê? Você talvez precise sair do transe ao ficar pensando sobre isso ou ficar no seu espaço interior, enquanto pondera. (Se você sair, deve seguir a mesma rotina para a abertura do círculo e para fechar sua aura, mas descreverei essa técnica em breve.)
Muito provavelmente, o pão e o vinho estarão brilhando. Enquanto você bebe e come, sinta a vida da floresta ao redor de si. Os pássaros nas árvores, toupeiras, ratinhos e todas as pequenas criaturas em suas tocas. Borboletas e aranhas e moscas. Vermes, insetos invisíveis, besouros e, embaixo da terra, rochas, arroios subterrâneos. A sua volta, as flores e árvores e os espíritos da natureza, aqueles que cuidam dos bosques e de você — pois você também é da terra, é filha da Mãe Terra.
Quando estiver pronta, diga uma oração silenciosa de agradecimento à Deusa e ao Deus. Deixe o cálice e o prato no seu altar. (Cada vez que você voltar a eles, estarão cheios outra vez.) Com o olhar, despeça-se do bosque e sinta a terra se transformando em tapete ou madeira de novo. Você está voltando ao círculo que lançou ao seu redor, no seu quarto (ou sala). Agradeça aos Espíritos Guardiães do Ar, do Fogo, da Água e da Terra. Diga-lhes Salve e adeus.
Desenhe o círculo azul ao redor de seu corpo, contornando-o, como uma segunda pele de três polegadas de espessura. Visualize uma pele de luz dourada por cima do azul.
Diga:
Esta aura de luz azul com o debrum dourado ficará em mim agora, enquanto saio para o mundo. Que me protejam a Deusa Tripla do Círculo do Renascimento e o Deus Cornífero, como a árvore é protegida por sua casca, a raposa por sua pele, e a Terra por sua atmosfera azul. Assim seja.
Acrescente o que lhe aprouver ou então faça a sua própria oração. Abra os olhos devagar e levante-se.
Isto chega para um primeiro transe do círculo. Como pode ver, é bem mais simples do que aquele que você empreendeu na sua primeira iniciação. A entrada é bastante complicada, porque você não tem a rotina física de lançar o círculo, nem o processo de invocar a Deusa e o Deus, para mergulhar o seu consciente nos Reinos Interiores e afiná-lo às presenças das divindades em tudo. Ao retornar, você não tem o círculo mágico para ultrapassar, somente uma sala de um mundo cotidiano. Portanto, você deve entrar e sair com muito mais cuidado.
Preciso parar agora, senão a carta acabará sendo uma tese! Escreva-me sobre como se saiu, e quando posso esperar sua visita.
Abençoada você seja.
Rae
Ladywell
Hillsbury
20 de março de 1988
Querida Tessa,
Tenho mais algumas coisas para dizer hoje, por isso decidi mandar a carta no mesmo envelope de ontem. Não parece boa idéia mandar muitas informações de uma vez só. Você não vai querer fazer uma pequena experiência em transe e, então, me responder pelo correio e depois esperar semanas, antes de chegar a outro estágio. Vou enviar as cartas em grupos, e você pode responder por telefone em vez de carta; isso acelera o trabalho. Sei que eu lhe disse para não juntar tudo num fim de semana, mas por outro lado não quero que você pense que as lições vão ficar espaçadas demais.
Terei de antecipar suas perguntas, já que você ainda não viu a carta que escrevi ontem. Então imagino que deva estar dizendo: "Mas eu achava que um transe era mais do que apenas a figuração ou a visualização." E é assim. Mas estas aventuras preliminares no uso criativo da imaginação são importantes. São práticas que você vai sempre precisar.
Depois de um tempo, coisas começarão a acontecer durante um transe, "sozinhas". Talvez um unicórnio saia da floresta sem que você o tenha conscientemente imaginado. Isto imita o sonhar, apesar de estar sempre acordada. Não é como um sonho diurno comum. As cores que você vê serão mais intensas, e as imagens delineadas com maior clareza. É, de fato, como aquelas visões à beira do sono, e devem vir da mesma fonte. Mas as visões à beira do sono acontecem espontaneamente, enquanto as de um transe constituem um processo deliberadamente invocado. A figuração de coisas é sempre um aspecto do transe, e sempre será. É o meio de invocar, a maneira como você inicia um transe, e é também sua contribuição, enquanto se desenvolve a sua criatividade psíquica.
É importante entender que você nunca perde a consciência, portanto a escolha do que vai fazer e ver é sempre real. Repito: uma bruxa nunca perde a consciência em transe (a não ser que pegue acidentalmente no sono!). Você não vai perder o contato com seu ambiente físico. Certamente não ficará "delirante" ou possuída, porque está em estado mediúnico. Você não se comportará como uma daquelas médiuns que aparecem na televisão, que retornam à consciência sem saber o que disseram ou viram, e ouvem dos espectadores atônitos que tal pessoa morta falou por meio delas. Nada disso lhe acontecerá. Para uma bruxa, o trabalho de transe significa coisa completamente diversa. Quaisquer pessoas mortas, que por acaso se manifestarem, estarão falando por si mesmas, dentro de você, como em sonhos. Mas porque está perfeitamente consciente, você poderá transmitir a informação a uma terceira pessoa que a observa, durante o transe, na mesma sala.
Se estiver sozinha, tenha certeza de que, se uma criança acordar no quarto lá em cima, você a ouvirá logo.
Como sugeri, o transe, visões de beira de sono e sonhos são muito parecidos e devem se originar da mesma fonte. Mas os sonhos, pelo menos para grande parte das pessoas da cultura ocidental, são inteiramente passivos. O sonhador não possui uma escolha consciente sobre os eventos ou resultados. E mesmo as ações praticadas pelo sonhador têm um sentido involuntário. No transe, o sonhador está desperto. Portanto, os conflitos se resolvem pela participação ativa; as escolhas são realizadas, e as ações tomadas conscientemente; e às vezes isto é feito por "visualização" com propósitos conhecidos.
O trabalho mediúnico une a passividade ou receptividade dos sonhos à atividade potencial e auto-assertiva de estar consciente e os reconcilia. Muitos dos antigos conhecimentos permanecem soterrados na memória ancestral. Mas o transe certamente é a maior fonte de poder da bruxa solitária em termos de magia. (Poder de realizar, não poder sobre; quero dizer habilidade, não dominação.) O transe é também o meio de auto-integração, regeneração, reequilíbrio psíquico e exploração espiritual da bruxa solitária. É a sua comunhão com a Deusa e o Deus, vereda espiritual e porta para a transcendência.
Os estados mediúnicos também possuem muita coisa em comum com os sonhos, pois o meu transe, o meu mundo interior, não será o seu. Eu posso lhe oferecer as técnicas e mostrar como você deve iniciar sua experiência nos Reinos Interiores, mas você será única. Você pode ir ao equivalente psíquico da China, ao passo que eu talvez vá à Islândia, ou podemos ficar na Grã-Bretanha. Além disso, o mundo interior é muito semelhante ao mundo exterior, pois apesar de estarmos todos no Universo, cada um de nós sente e experimenta por si mesmo. Isto quer dizer que, tendo ensinado as técnicas básicas do transe, você pode fazer jornadas interiores a lugares que eu nunca vi, ou experimentar os lugares vistos por mim de maneiras bastante diferentes das minhas.
Se alguém quiser impor sua experiência psíquica, ou o seu racional sobre isto, você deve vê-lo com profunda suspeita. Não há nenhum Caminho Verdadeiro exclusivo. (Por favor, jamais pense que ensino isso.)
Para o exercício seguinte, você deve sentar ou deitar-se confortavelmente, conforme fez antes. Deitar-se pode levá-la a cair no sono, se estiver muito cansada. Mas também não faz mal. Pense que é uma outra forma de cura. Depois agradeça aos Espíritos Guardiães, quando acordar. Peça a bênção e a orientação da Deusa e do Deus sobre sua vida, e desenhe uma luz azul ao redor de si, como ao final do transe. Se pegou no sono, é porque precisava dormir, e pode entrar em transe em outra ocasião.
Após ter visualizado a esfera azul e invocado proteção, sinta o chão da floresta a seus pés. Como antes, caminhe na relva e entre as flores. Verifique se está trajada com o robe de bruxa ou as vestes, que lhe deram no transe inicial. Se não, olhe ao redor da clareira até enxergá-los. Dispa toda a roupa e vista o robe. Esta é uma afirmação do seu papel de bruxa e também ajuda a transformar a consciência do dia-a-dia e a evocar as perícias psíquicas. É algo que você deve fazer antes de qualquer transe.
Agora caminhe na floresta que fica a leste da clareira. Ela começa logo a se diluir, e você vai se encontrar na beira de uma escarpa, olhando em direção a leste. Há uma brisa fresca. Aspire-a e então chame os Espíritos Guardiães do Ar, pedindo que levem embora idéias falsas e pensamentos tristes, dissolvendo-os inocuamente. Sinta o ar fresco encher seus pulmões, até que a energia corra por suas veias, e você esteja alerta e de cabeça desanuviada. Olhe a grande expansão de céu que pode ver da escarpa. Talvez veja os Espíritos Guardiães do Ar. Se não, peça que apareçam. Então você pode enxergar um ou mais Espíritos Guardiães de tudo o que for jovem, fresco, matinal, de Luas Crescentes e primaveras, e todos os começos. Pergunte a eles se você precisa entender alguma coisa. A resposta pode aparecer como um símbolo. Ou você escuta uma voz ou então pressente a resposta. Se acaso ainda não entender, pergunte mais. Finalmente, agradeça por isso e também pela purificação do que recebeu e volte à clareira.
Agora entre na floresta do sul. Você vai achar um lugar onde o Sol brilha por entre as árvores, numa fresta de luz dourada. Peça que todo o mal-estar, toda a doença e energia negativa sejam transformados. Enquanto estiver ali, sinta que o mal deixou você, queimando como uma febre, porém mais suave. Você está iluminada com a energia do Fogo, recebida da maior fonte de Fogo que podemos conceber. Dentro da fresta de luz, você verá os Espíritos Guardiães ou um deles. Eles são da paixão e vitalidade e do ápice da vida, meio-dia, Lua Cheia e o elemento do Fogo. Tudo brilhante, iluminado, energético. Pergunte se há alguma coisa que precisa entender sobre eles.
Você talvez fique intrigada, porque o Sol pode ser o Deus e também a expressão do Fogo e seus Espíritos Guardiães. A resposta, certamente, é que o Sol não é literalmente o Deus, mas é um modo do Deus se manifestar, por meio do Fogo. O Deus, o Pai de Toda a Vida, é o Rei Sol, o Homem Verde, o Deus Cornífero, e há algo dele em todo o reino animal e humano. Como o Pai da Natureza, ele facilmente será entendido como o Sol, assim como a Deusa pode ser percebida como a Lua ou os oceanos.
Depois saia por um caminho que leva a oeste. A terra se inclina suavemente. Você verá uma fonte que alimenta um pequeno poço. Do poço corre a fonte morro abaixo, e a água é clara, prateada e brilhante. Ajoelhe-se e beba um pouco, chamando os Espíritos Guardiães da Água para limpá-la e refrescá-la. Peça-lhes que lavem até desaparecerem todas as falsas imagens, todo o medo e os pesadelos. Peça-lhes que a renovem, como bruxa e sacerdotisa. Borrife-se com água, especialmente no alto da cabeça.
Olhe dentro d'água e ao redor do poço. Você pode ver os Espíritos Guardiães da Água ou um deles. Eles podem estar no poço ou sentados ao lado. São da poesia, da magia e dos sonhos. São do entardecer, das Luas Minguantes, da maturidade e do outono, mas não parecem velhos, pois não têm idade. E são dos mares, lagos e poços, fontes e mananciais. Pergunte se há qualquer coisa que você precisa entender sobre eles. Quando receber a resposta, agradeça por ela e também pela purificação da Água. Volte à clareira.
Por último, vá às florestas do norte, contorne os fundos do altar. Aqui encontrará uma pedra de topo chato, firmemente pousada na terra. Sente-se sobre a rocha e peça uma limpeza, chame os Espíritos Guardiães da Terra. Todo cansaço, a doença e o mal desaparecerão de você, absorvidos pela pedra. Peça que a rocha seja transformada naquilo que alimenta a vida. Imagine tudo que sai de você afundando profundamente na terra. Aqui isso será transformado, assim como as folhas o são, ou como o composto que se forma em seu jardim. Perto, você talvez veja os Espíritos Guardiães da Terra ou um deles. Eles são do poder e da persistência, da Lua Escura, da meia-noite, do inverno e da idade, das montanhas e de toda a criação física. Paradoxalmente, são dos campos férteis, dos pomares ricos de frutos: todos os processos do nascimento e morte, da vida terrena. Pergunte-lhes se há alguma coisa que deva saber a seu respeito. Quando você entender, agradeça por isso e também por toda a purificação da Terra, que você acabou de receber. E volte à clareira.
Éter, o quinto elemento, é centro e circunferência, em todo lugar, em lugar nenhum. Enquanto você está sobre a clareira, já se encontra dentro do reino do Éter, em transe. Procure o meio aproximado de sua clareira, e peça aos Espíritos Guardiães que enviem purificação e reintegração. Quando chega a purificação pelo Éter, eu vejo, em geral, uma noite estrelada e sua infinitude. Sinto o infinito. Você talvez possa ter outra experiência. Isto feito, suplique aos Espíritos do Éter que a façam entendê-los. São eles que tornam possíveis suas visões dos outros espíritos, e, no entanto, eles próprios são bastante nebulosos. Agradeça o entendimento e a purificação. E agora a reintegração e a centralização. Aqui eu geralmente me afirmo como bruxa e sacerdotisa. Eu me asseguro de que carrego o meu bastão usual, que estou vestindo o robe etc. Reconheço-me filha da Deusa e do Deus, protegida por todos os elementos. A energia da Terra sobe pelos meus pés, correndo por todo o corpo, e depois se despejando e criando fontes que retornam à terra, assim criando uma corrente de terra contínua, num circuito. O ar flui dentro e fora dos meus pulmões, vindo de toda a floresta. O Fogo e a Água se equilibram no corpo. Agora estou disposta. Renovada e forte, pronta para voltar ao mundo, ou então para outro transe.
Esta purificação dos elementos em cinco etapas e a centralização final são muito úteis à psique. Pode melhorar sua saúde e quase sempre o faz. Permite que você se aprofunde no transe gradativamente, e assim a prepara para o que se segue. Mas também faz com que se sinta só, e você talvez ache que basta. Se for assim, retorne ao transe. Volte da mesma forma que expliquei ontem, vendo-se no quarto de novo, cercada de uma esfera azul. Agradeça aos Espíritos Guardiães, à Deusa e ao Deus, depois traga a luz azul debruada de ouro ao seu redor. O primeiro encontro do transe com o seu espírito familiar, que agora vou descrever, pode ocorrer quando você estiver pronta de novo.
Se você está pronta agora, e bem preparada para continuar, não volte do transe. Você foi preparada, pela purificação dos cinco elementos, para o que vier agora. Fique onde estiver, no centro de sua clareira.
Você vai invocar a presença do espírito familiar. Não precisa ser o tradicional gato preto, pois um espírito familiar é somente outro nome para um guia espiritual e companheiro em forma animal. Você já deve ter ouvido falar que algumas bruxas têm seus animais familiares. Geralmente são cães ou gatos com quem costumam comungar e que podem alertá-las, psiquicamente, para presenças desconhecidas. Seu espírito familiar pode ser um pássaro ou outro animal. Mas o papel dele é muito semelhante ao de um familiar encarnado. Pode acompanhá-la em todos os futuros transes, mostrar o caminho para lugares espirituais, que tenha o desejo de visitar, e pode guiá-la e dar-lhe muita assistência.
Peça em nome da Deusa e do Deus que seu espírito familiar venha a você. Diga algo assim:
Entre os mundos, chamo você,
meu espírito familiar. Pelo Ar, Fogo, Água e Terra
agora lhe suplico.
Em nome da Deusa Tripla do Círculo
do Renascimento e do Deus Cornífero,
eu o invoco.
Como bruxa e sacerdotisa, eu o chamo:
esteja aqui, meu espírito familiar.
Agora me assista em minha verdadeira necessidade.
Eu o chamo, que venha a mim,
espírito familiar, meu amigo e guia.
Da Deusa, venha até aqui.
Como sou bruxa e sacerdotisa, minha amizade
eu agora ofereço. Esteja aqui agora.
(Claro que não há razão para memorizar tudo isso. Simplesmente faça uma invocação parecida, com suas próprias palavras.)
Um animal ou pássaro aparecerá diante de você, seu espírito familiar. É você que precisa formar um elo com esse ente. Mas se o seu familiar é realmente um amigo, não se ofenderá se você apontar o athame para ele e mandar que se revele. Se sua criatura responder iluminada em ouro, prata, branco ou luz de arco-íris, então cumprimente-a com amor. Diga a ela quem você é, dando seu nome mágico. Torne-a bem-vinda. Pergunte o nome dela.
Se a criatura não é seu familiar verdadeiro, mas um falso guia, visualize uma nuvem dourada de luz pálida, como o Sol do fim de tarde. Aponte seu athame ao animal e então exija que entre nessa nuvem imediatamente. Fale com firmeza, em nome da Deusa Tripla e do Deus Cornífero, precisa ser assim. Peça que, uma vez dentro da nuvem, seja levado para onde ele mais necessita ir. Para receber a cura e a transformação que parece precisar.
A nuvem dourada desaparecerá suavemente, e você vai constatar que a criatura também se foi. A mesma técnica pode ser usada para banir qualquer coisa que sentir errada. Você provavelmente enfrentará esse tipo de problema.
Ocasionalmente, você pode encontrar alguma forma de entidade astral que não obedecerá à sua ordem de voltar para a nuvem de luz dourada. Peça auxílio da Deusa e do Deus ou dos Espíritos Guardiães do Fogo. A situação provavelmente desaparecerá, ou você vai receber mais energia psíquica, para que possa lidar com ela. Se você suplicar auxílio numa emergência psíquica, será sempre atendida. Nunca soube de uma eventualidade em que não fosse.
Repita a sua invocação e o processo de confirmação, até conseguir o verdadeiro ente familiar, e cumprimente-o carinhosamente. Lembre-se de perguntar seu nome, para que no futuro possa chamá-lo a qualquer momento.
O ente familiar tem uma existência objetiva? Ou é uma forma de pensamento que você mesma criou, sua imagem do que é um familiar? Ou são os seus instintos, vistos pela imaginação e personificados como fera ou pássaro? Penso que qualquer resposta é válida, alguns familiares pertencendo a uma categoria, outros a outra. Mas apesar disso parecer interessante não é de importância vital. O que importa é como você e seu familiar se relacionam. Na feitiçaria, o que importa é o resultado, a experiência final, sentida.
Basear qualquer religião num sistema de crenças é declarar rigidez e uma posição entrincheirada, porque todas as crenças são baseadas em construção lógica e tendem a ignorar a realidade transracional ou transcendental.
Peça ao seu guia animal para lhe dizer o que mais precisa saber, que lhe dê a mensagem mais importante ou algo que deva conhecer, em sua vida atual. Igual aos Espíritos Guardiães, as respostas podem vir em forma de símbolos. Objetos estranhos talvez apareçam dentro da clareira. Terão algum significado simbólico, como já falei, e se você não entender, peça maiores esclarecimentos ao seu guia. Talvez sinta ou escute a resposta. Ela pode vir "telepaticamente".
Agora indague ao guia animal se precisa de alguma coisa de você. Quando receber a resposta, diga-lhe Salve e adeus. Depois sinta a terra tornando-se assoalho de novo, e veja sua esfera azul ao redor. Agradeça aos Espíritos Guardiães e suplique à Deusa e ao Deus que zelem por você. Desenhe a esfera azul em torno de seu corpo. Visualize a borda dourada.
Devagar, abra os olhos e comece a se movimentar. Fique em pé lentamente. Este foi um transe mais longo que o primeiro, e talvez você queira comer ou beber algo para tornar seu corpo totalmente real de novo, e assim sentir-se na "terra".
Quando estiver pronta, tome notas sobre este transe. Registre-o em seu Livro de Sombras. Inclua a compreensão dos Espíritos Guardiães; também mencione algo inesperado que possa ter ocorrido, o nome do familiar e alguma orientação que ele lhe tenha dado.
Uma última palavra sobre os familiares. Eles podem deixá-lo. Então um substituto pode tomar o lugar, se você fizer outro pedido. Quando eles se vão, talvez seja porque você tenha mudado ou não possa trabalhar bem com o guia. Talvez o ente que você está pensando ser "seu" tenha recebido outra atribuição, sem que você soubesse. Nesta eventualidade, diga adeus com agradecimentos, e então estabeleça elos com o ente novo.
No trabalho de transe você deve transcender a lógica e ainda ficar descrente. Pode reconciliar estes opostos numa exploração lúdica, permanecendo séria a respeito de seus desejos e metas, que são: uma comunhão espiritual com a Deusa e o Deus; autoconhecimento e auto-integração e o seu desenvolvimento de perícias; assim você pode preencher seu papel de bruxa e sacerdotisa.
Eu a abençôo.
Rae
Ladywell
Hillsbury
27 de março de 1988
Querida Tessa,
Antecipo outra de suas perguntas: "O que faço se não conseguir visualizar?" Todo mundo tem problemas com a visualização de vez em quando. Ou você não vê nada, ou aquilo que vê não permanece. Há duas possíveis razões para isso. Talvez esteja muito tensa ou muito cansada.
Se você estiver ansiosa, procure levar mais tempo no exercício de relaxamento. E depois, fique sentada, olhos cerrados e procure não entrar em transe. Enquanto ficar quieta, sonhando sonhos diurnos, verá imagens com os "olhos da mente". Deixe que ocorram. E deixe-as permanecer o tempo que julgar necessário. Quando sentir-se preparada, comece a visualizar sua esfera azul de luz.
Se estiver realmente cansada demais, não convém entrar em transe. Você pode cair no sono, e isto será bom. Mas também pode ficar acordada, sem saber como lidar adequadamente com qualquer interferência psíquica ou "falsos guias", incapaz de transcender sua própria confusão psíquica. Todos nós temos um nível de perplexidade mental. É inevitável numa cultura fragmentada que nos afeta com valores distorcidos e inconsistentes. Cair no sono espontaneamente, e assim evitar este problema, pode ser considerado uma dádiva curativa da Deusa e do Deus. Mas se você sabe que está tão cansada, então é mais sábio descansar mesmo.
Às vezes você entra em transe sentindo-se alegre, mas descobre que todas as imagens ficaram nubladas e que acabou exausta. Peça ajuda. Recentemente, tive esse problema durante um transe, então pedi à Deusa que me auxiliasse, e ela delicadamente removeu uma venda negra dos meus olhos. Eu não sabia que estava ali, mas depois que foi removida, de repente pude ver com clareza. Este transe era sobre a exploração da grande questão: "De onde vem o mal?" Pensei que tivesse medo da resposta e havia colocado a venda nos próprios olhos. É possível também que estivesse condicionada a perceber a pergunta de uma determinada maneira. Tirar a venda talvez fosse a remoção daquele condicionamento. Não parei para perguntar. Outras coisas muito mais interessantes me eram mostradas.
Você talvez fique intrigada pelo fato de eu acreditar realmente que a Deusa aparece no transe, em pessoa. Bem, é verdade. Pois no mais profundo do meu ser, carrego uma centelha dela, como todas nós. Se a imagem que vejo é apenas visualização própria, ou se vejo uma imagem padrão, como pensam muitos, não parece importante. Eu a alcanço e ela me alcança, de uma ou outra forma. Aquela imagem, mesmo se a criei, é a expressão de algo fora e dentro de mim. Ela transcende o meu ser, mesmo se é imanente em mim, em ambos os casos. Assim, a questão a respeito de vê-la subjetiva ou objetivamente não faz diferença. Se eu vivesse num planeta onde todos nós tivéssemos a pele verde, veria a Mãe de Toda a Vida com uma pele verde também. Estaria correta. Pois naquele planeta, ela seria assim. Sou a teia da vida. Estou dentro da Deusa, e encontro-a no meu interior.
O Deus Cornífero está dentro de mim menos obviamente do que se eu fosse um homem, pois jamais poderei corporificá-lo. Mas ainda possuo seus atributos, assim como tenho alguns traços do meu pai. E não estou contida dentro do Deus Cornífero como dentro da Deusa. Ele é quem viaja. Ele me motiva. Pois ele irrompe sobre a autonomia da Deusa, e os dois mudam. Assim, a vida prossegue. Ela cria a existência, então o Deus renasce de novo, constantemente (enquanto a autonomia dela está sempre sendo refeita).
Este processo é a alquimia de ambos os sexos, nos seus seres, e se aplica em qualquer uma de nossas preferências sexuais. Cada pessoa, homem ou mulher, tem polaridade interna. E o casamento interior traz integração, complementação como um ser totalizante. Isto não torna irrelevante, mas complementa a busca do amor verdadeiro, da união das almas essenciais.
No próximo transe, você vai encontrar a Deusa como a percebe. Visualize sua esfera azul e peça a proteção dos Espíritos Guardiães. Na sua clareira, chame o familiar. Peça-lhe que mostre o caminho, para que você possa encontrar a Deusa Tripla, nos seus três aspectos.
Você vai abandonar a clareira e seguir uma vereda em forma de caracol, descendo até chegar a uma caverna. A entrada não é maior do que uma pequena fenda, separando duas rochas. Mas você se insinua nela, e segue o seu guia familiar. Uma vela a espera, sobre uma pedra. Pegue a vela e olhe ao redor. A caverna está limpa. Talvez seja de cristal. O solo é arenoso. Atrás há outra abertura. Você atravessa e uma passagem serpenteia para baixo, profunda na terra.
Desça até o final. Você pode ver bem, por causa da vela acesa. No fim da passagem vê-se a luz do dia. Deixe a vela na saliência da rocha e saia. Você encontrou um novo local, agora está profundamente inserida numa paisagem. É um lugar de grande paz e beleza. Olhe ao redor e verá o mar. Não muito longe dos campos. Agora peça ao seu guia que a leve à melhor parte da praia. Lá encontrará areias pálidas e um rochedo alto. Uma fonte de água fresca borbulha pelas pedras e desce ao oceano. Este é um lugar sagrado. De novo olhe ao redor e então caminhe até a água. Você pode remar suavemente com as mãos, se quiser. Lá em cima aves marinhas chamam. Você pode sentir o cheiro do sal.
Agora peça à Deusa que apareça na praia na forma de uma jovem.
Você vai ver uma jovem correndo. Ela é graciosa e selvagem, podendo estar de branco ou prateado. Estas são as cores tradicionais para a Deusa Jovem. (Se ela não estiver vestida assim, há razões para o que usa. Pode perguntar a ela. Nada é fixo nem dogmático no reino da Deusa; mas nada é insignificante.)
Ela pára de correr e vem ao seu encontro. É a Deusa Selvagem. Sabe-se que é pura, e isto porque é auto-suficiente. Ela é a integridade. A mais perfeita liberdade. Sua condição de virgem se renova constantemente. Deusa da solidão selvagem e dos espaços abertos, possui afinidade com todos os animais e todos os jovens. Ela tem a poesia e o encantamento. Também conhece a sobrevivência em lugar ermo e todas as habilidades femininas para a caça, a construção de abrigos, montar a cavalo, encontrar água, buscar aventuras, libertar-se.
Ela não se importará se você apontar o athame e pedir para ver sua verdadeira forma, assim se certificando de que é mesmo a Deusa Jovem, e não uma imitação sentimental, um estereótipo de juventude feminina. (De fato, se não fizer isto, ela provavelmente vai pensar que você é uma tola!) Tendo se assegurado de que ela é quem aparenta ser, pode fazer-lhe perguntas sobre qualquer coisa. Indague, por exemplo, qual o melhor modo de proteger sua integridade. E pergunte o que ela gostaria de você, para que a pureza de intenção e a liberdade possam encontrar expressão em sua vida. Agradeça pelo tempo que passou com ela, e pergunte se agora pode ver a Mãe. A Jovem vai conduzi-la adiante, na praia, onde a Mãe está sentada sobre uma rocha, olhando o mar. Verifique se ela é realmente a Deusa. Ela estará trajada simplesmente, e talvez use vermelho. (Ou não. Não há regras. Pode estar vestindo azul ou verde. Depende de como seu espírito está harmonizado. Que cor ela usa para você?)
A Mãe é o poder de amar e de criar a vida, e ela é sem limites. Profundamente sexual, é toda erotismo, e sua experiência de paixão sexual liga-se à satisfação física e espiritual em êxtase. A educação de seus filhos é um fluir sem sentimentalismo, de profundo carinho. Nada é artificial ou falso nela, e seu amor possui um aspecto impessoal e desprendido. Ao mesmo tempo, é totalmente pessoal. Assim, ela é epifania e pode fazer nascer os mundos. Ela a criou e ainda a sustém. Pergunte-lhe o que quiser. E indague, finalmente, o que deseja de você, já que seu poder para criar a vida inclui profunda satisfação e encontra expressão em você. Depois agradeça pelo tempo que passou com ela e indague se pode ver a Velha.
A Mãe vai orientá-la em direção aos morros. Lá, sobre a areia, a Velha acendeu o fogo com pedaços de madeira lançados à costa. Ela pode ser vista ao longe, na praia, em busca de combustível. Ela também junta conchas, algas e pedras, para a magia. A Velha talvez use o robe negro, talvez não. Quando ela a vir, cumprimente-a imediatamente. (Não esqueça de investigá-la como fez com a Jovem e a Mãe. Confira se é a verdadeira Velha, a Velha Sábia.) Talvez ela lhe mostre o que juntou. A Sábia conhece todos os métodos de cura. Mas quando a Mulher Sábia esclarece coisas é para abrir caminho aos novos crescimentos. Ela é excelente para acabar com as confusões e assim alargar espaços para a decisão correta, uma escolha limpa. Sabedoria é seu nome. É, portanto, uma grande mestra. Também é a tecelã dos feiticeiros.
Pergunte-lhe qualquer coisa que quiser saber. E depois, o que ela deseja de você; o conhecimento e a compreensão dela podem ser expressos em sua vida. Agradeça-lhe, peça a sua bênção. Então deixe a praia, junto com seu guia familiar. Volte à caverna onde ficou a vela. Pegue-a e retorne, morro acima, através da passagem tortuosa de rochas, até a caverna mais alta, onde você pode depositá-la sobre a pedra. Volte de lá, atravessando as florestas, para a clareira. Agradeça a seu guia e retorne à esfera azul. Agradeça a todos os Espíritos Guardiães e faça uma invocação pedindo proteção e rumo, enquanto você dá o passo para dentro do mundo cotidiano da consciência desperta. Desenhe a esfera azul debruada de ouro ao seu redor.
É importante voltar tão vagarosamente do transe como ao ingressar nele. Se não seguir este procedimento, os sentidos permanecerão abertos e você ficará como que dilacerada e desconfortável. (Se alguma vez for interrompida em seus transes, é importante sentar-se de novo, logo que possível. Depois faça a purificação dos cinco elementos, para se equilibrar e ficar centrada.) Mais tarde continue de onde você se interrompeu, e saia devagar do transe. Sele sua aura, desenhando ao seu redor a luz azul debruada de ouro.
Agora você já viu os três aspectos da Deusa. Sendo mulher, vai se identificar com ela. Se fosse homem, poderia ainda fazer-lhe as mesmas perguntas, se quisesse, porque a reconheceria no seu lado feminino. Mas não seria possível corporificá-la. Então se aproximaria com a Alteridade, o outro lado da polaridade. (Como já falei, isto se aplica, sejam quais forem nossas inclinações sexuais.) Se fosse homem, suas experiências com ela seriam bem diferentes daquelas de uma mulher. Da mesma forma, e pela mesma razão, sua percepção do Deus Cornífero como Alteridade significa que suas experiências com ele seriam bem diferentes daquelas de um homem.
Na próxima carta descreverei um transe no qual você encontra o Deus Cornífero, quer como o Jovem Caçador, quer como o Velho Sábio tribal. Decerto a palavra "caçador" a põe em conexão com algo divino: o que é compreensivo, quando se pensa em termos da moderna caça à raposa e ao veado macho. Mas estas coisas não significam o que eram ancestralmente. Fogem da verdadeira expressão do Deus Cornífero. Ambos os aspectos do Deus são mais difíceis de compreender para a mulher do que os da Deusa. Ele pode, também, numa sociedade patriarcal, ser mais difícil para a maioria dos homens. Isto ocorre porque há demasiadas imagens de deuses e qualidades divinas que são distorções dele. Como as bruxas de hoje, penso que o nosso entendimento do Deus ainda fica atrás do entendimento da Deusa. Ela teve de vir primeiro, após milhares de anos de repressão. E assim, o próprio fato de que os deuses masculinos têm sido e ainda são venerados na maioria das sociedades, no mundo inteiro, torna a redescoberta e a recriação de nossa imagem do Deus Cornífero muito mais complicadas.
Cada vez que o encontra, durante um transe, você ajuda a trazer de volta o verdadeiro Pai de Toda a Vida. O mesmo com a Deusa. Cada vez que a encontra ou a invoca, em transe, você ajuda a reencontrar sua veneração, seu mundo pagão.
Receba minhas bênçãos.
Rae
Ladywell
Hillsbury
30 de março de 1988
Querida Tessa,
Vou continuar. Não há dúvida de que o Deus Cornífero parece mais difícil de perceber durante um transe, porque nós, mulheres, cremos entendê-lo menos. Em nossa cultura, imagens de masculinidade estão de tal forma ligadas à violência e ao autoritarismo, que é difícil acreditar no homem. Há o Deus cristão, por exemplo, propenso a torturar os que erram, com os fogos do inferno, por toda a eternidade. Mesmo os deuses pagãos, desde os tempos patriarcais, têm sido envolvidos em mortes como deuses da guerra, dando carta branca a estupradores e ladrões. E neste ponto, as deusas pagãs da mesma época eram às vezes divindades da guerra. Mas este fato é menos familiar a nós e um fator menor. Podemos ignorá-lo mais facilmente e invocar um ente mais antigo, a Mãe de Toda a Vida, ou a Deusa Tripla do Círculo do Renascimento.
Suponhamos colocar-nos aquém do patriarcado à aurora dos tempos em que o Deus macho imperava. Podemos então perguntar: "E o que significaria o Deus Cornífero numa Era em que se desconheciam as guerras?" Mas será lícito acreditar que o Deus existe agora? Ele esteve ausente do mundo por tanto tempo, banido, por assim dizer. Podemos trazê-lo de volta? Podemos invocar seu retorno? Assumindo o fato de que ele é diferente de todos os deuses patriarcais que conhecemos, ele seria relevante? Esta não é, afinal, a remota Idade do Ouro, mas o século XX (quase XXI), muito próximo, parece, da Idade do Plutônio ou Urânio.
Quem é este Deus Cornífero? Como bruxa, meu único conselho pode ser que você mesma verifique. E que tenha a coragem das convicções da Deusa. Pois ele é seu par e também o Pai de Toda a Vida. A palavra "pai" é bem intrigante. Vamos esquecer todas as conotações patriarcais, como "chefe de família". Significa simplesmente "progenitor" e suas implicações. Significa paixão e a dança da vida: o desejo. Também o mantenedor e educador masculino das crianças. Essas coisas são vistas na natureza. O cavalo-marinho macho é que dá à luz o filho; o leão macho cuida e cria os leõezinhos. Padrões e possibilidades paternas são muito diferentes no mundo da natureza.
Mais uma vez, você deve visualizar sua esfera azul, pedir proteção aos Espíritos Guardiães e sentir a relva abaixo dos pés, como vê as árvores ao seu redor.
Chame o guia familiar e fale que deseja encontrar e conversar com o Deus Cornífero. (Não esquecer de mais uma vez confirmar seu guia familiar.) Peça que a acompanhe e guie, e depois a deixe na clareira. Como no último transe, caminhe pela vereda do bosque e encontre a caverna. Se ficar irritada ou tiver algum problema, peça ajuda ao guia. Como antes, você penetra na caverna pela fenda, entre duas rochas. E a vela está ali, esperando por você. Pegue-a e siga pela passagem tortuosa de pedras atrás de si, descendo e descendo, cada vez mais fundo. Você emerge outra vez numa bela e pacífica paisagem. Deixe a vela na saída da caverna.
Desta vez você não vai em direção ao mar, pois seu guia a levará para longe da costa, ao interior. Esta é uma terra selvagem e bela. Há regiões calcárias montanhosas e cinturões de árvores. Exceto nos terrenos mais altos, as florestas são densas. Atravessando os bosques emaranhados, você vai sair num monte despido de vegetação e começar a subir. Uma vez lá em cima, enxergará por muitas milhas de distância. Giz, pederneira e grama rústica estão todos sob seus pés. Agora você se encontra numa saliência estreita. Este também é um local sagrado.
Peça então para ver o Rei do Dia, o Jovem Caçador. Ele vem, caminhando a passos largos, homem alto trajando peles de animais e lã áspera. A cabeça possui chifres como os de um grande veado macho. Talvez esteja lhe sorrindo com ar divertido, pois este Deus é um brincalhão. Verifique se é o verdadeiro Rei do Dia, o Jovem Deus Cornífero. Ele de repente senta-se, indicando para você também sentar-se a seu lado. Ele é elegante e flexível, e você intui que ele pode ultrapassar o vento e tem grande força. Ele pergunta se você gostaria de ouvi-lo cantar. É natural que o faça. Você não lhe pediu auxílio, você não tem fome, você não está assustada? Bem, então a vida é para o prazer. Você prefere uma canção ou uma história? Ou, quem sabe, dançar? Neste último caso, você ensaiará passos de dança selvagem com o Deus Cornífero, no topo do monte deserto, acompanhando a música de seu trautear abafado. É uma dança louca, estranha, às vezes uma jiga, às vezes pura improvisação. E parece que seu próprio sangue se agita, e os distantes morros dançam, bem como as árvores, enquanto o Deus gira cada vez mais rápido e começa a rir. Você pode quase cavalgar o vento! Você quase tem os pés na terra e a cabeça em remotas estrelas. A vida se derrama, e você pode sentir-se ligada também à terra: você conduz a vida.
Um bruxo macho dançaria assim com o Deus Cornífero; ou é somente para você, sacerdotisa da Deusa, mulher? Não sei. Preciso perguntar ao Cole. Por que não? Entretanto, acho mais provável, num primeiro encontro, que um homem simplesmente pediria para despertar nele o poder vital de dançar. Assim como você já pediu à Deusa que despertasse o poder dela em você. Talvez seja a Jovem Deusa que gira rapidamente para longe com um macho, a dançar selvagemente na praia deserta, enquanto as ondas se espatifam, o vento voa e o borrifar salgado se transforma em prata.
Ao terminar a dança, você cai de novo. Está relaxada agora. Pode fazer perguntas ao jovem caçador-dançarino, o Deus Cornífero. Pergunte por que ele é caçador, se desejar. Ele provavelmente dirá que caça para sobreviver e não por diversão, levando só o que precisa para se alimentar. Vai dizer ainda que é um animal perseguido, ligado a outras criaturas que estão sendo caçadas. Ele é também o veado macho se defendendo, aprisionado e morto. Este é o mistério que nos diz muito sobre o Deus, e sobre nós próprios, de acordo com a nossa reação. E fica além da lógica. O significado só pode ser sentido na profundeza do nosso ser, e não de maneira objetiva.
Lembre-se de que este Deus é o Rei da Morte, como o é da Vida. A Morte é um aspecto da Vida. Ele é agudo como a pederneira aos seus pés, suave e macia como o giz. Flechas de pedra e figuras de giz. Pois o artista que desenha figuras de giz na calçada de uma cidade pode também manifestar o Deus Cornífero. João-Grande brincalhão e criativo, João-Grande rebelde e sobrevivente.
Quando você fizer todas as perguntas, indague também como pode expressar e sustentar seus princípios de vida em selvagem alegria e honestidade, cumprindo a verdade dos instintos opostos às nossas falsas e condicionadas representações — instintos reais, que embelezam a vida e a sustentam.
Então agradeça-lhe e diga que deseja ver o Velho Sábio, que é seu outro Eu. Ele vai lhe mostrar o caminho que desce o monte e penetra no bosque. Aqui você verá o Velho Sábio dirigindo-se ao seu encontro. Folhas podem estar emaranhadas na sua barba, e talvez o perceba como um velho louco e excêntrico, e também um sábio astrólogo. Os chifres ainda estão na sua cabeça e ele tem uma capa de lã rústica sobre o corpo. Não é um mágico da corte, mas um xamã. Ele pode deixar o corpo quando quiser e colecionar a sabedoria escondida nas raízes das árvores; ou então, transformado em cão, uivar para a Lua, ou dançar como lebre de março. Ele possui o poder das chamas de velas entre os dedos. Elas brilham douradas e vermelhas, enquanto ele mistura as ervas. Suas capacidades curativas têm o poder de todos os elementos, e ele é ainda o guia nos reinos após a morte, onde esteve também. Na vida ele é perito nos mistérios. Depois da vida, é o guia antigo e traz a compreensão.
Após certificar-se de que é o genuíno Rei da Noite, seguindo os mesmos procedimentos já expostos, siga-o adiante no bosque. Aqui, verá um abrigo rústico, construído de madeira, lama e musgo. Ele a convida para entrar. (O que se vê ali?) Então ele acende uma vela. Não estava escuro antes, mas agora tudo ficou mais brilhante pelo resplendor da vela, até o distante e misterioso sombreador além. O Velho Sábio está quieto, mas sua presença não é austera. Agora ele indaga de que criatura você quer aprender. Pergunta estranha. Se você não tem nenhuma idéia, é melhor dizer: "De quem eu mais preciso aprender?"
Ele toca a sua testa. Imediatamente você se transforma em raposa, texugo, gato, galinha, coruja ou cabrito ou o que você escolheu ou precisou ser para obter mais conhecimentos. Logo a mudança é completa e você mudou de forma. Ele a leva adiante, e você explora a floresta ao seu lado. Se você é um pássaro, voa no céu. Não existe medo, porque ele a protege. Mais que uma vez, ele pode ajudar na mudança. Talvez seja um peixe e nade na correnteza de um rio veloz, ou então uma águia, ou lontra ou corça, ou mesmo borboleta. O Velho nunca está longe. Ele pode falar-lhe de dentro de uma árvore ou de uma rajada de vento.
Finalmente, você retorna ao casebre e ele toca sua testa uma última vez. Você volta à forma humana, de mulher. A vela já queimou bastante. O Velho Sábio a olha insistentemente e espera as suas perguntas. Você agora aprendeu, talvez, a arte de voar, ou a arte de ser ave, fera ou cobra. Peça que ele explique outros mistérios sobre pássaros e animais. Pergunte o que quiser. Finalmente peça-lhe para dizer como você pode expressar essas perícias mágicas e essa compreensão no seu dia-a-dia.
Se ele perguntar algo, responda honestamente.
Bruxos machos podem ter essa experiência, não com o Velho Sábio, mas com a Velha Sábia que tece os transes. Aqui, acho que eles simplesmente fariam perguntas, e mais tarde pediriam ao Velho Sábio que lhes despertasse o sentimento dos mistérios, que abrangem o fino deleite da magia e uma busca da verdadeira sabedoria.
Agradeça ao Velho Sábio e peça a sua bênção. Você deve então retornar à caverna onde deixou sua vela. Peça ao seu guia familiar que lhe ensine o caminho. Atravesse a passagem da rocha, suba à parte mais alta, onde mais uma vez deve deixar a vela. E volte à clareira.
Agradeça ao seu guia. Retorne à esfera azul e então reverencie os Espíritos Guardiães. Desenhe ao redor de si uma esfera azul debruada de ouro. Quando estiver pronta, levante-se.
Você pode estar pensando sobre o que acontece quando um bruxo macho encontra a Mãe Deusa. Acho que ela o convida a um passeio no mar. O que ocorre depois, eu não sei. Mas penso que inclui a confiança e a interconexão de toda a vida. Aqui talvez se aplique a lição da baleia e do golfinho, mamíferos cuja inteligência pode ser igual à nossa e cuja sabedoria é muito maior. E talvez o bruxo tenha de nadar embaixo d'água.
Agora você encontrou a Deusa e o Deus, em transe. Não se iluda com a idéia de que há três Deusas e dois Deuses. Pois você já foi uma jovem, é agora a mãe e será um dia uma velha. Não significa que há três Tessas. Assim ocorre com a Deusa e o Deus: uma Deusa e um Deus, só que com vários aspectos.
Parece-me que só podemos entender a Deusa e o Deus em relação um com o outro. Pois de que valeria ser uma fêmea num mundo inteiramente feminino? A palavra perderia o seu significado. Similarmente, num mundo masculino, ele é macho em relação ao quê? Não quero dizer, é claro, que os sexos devem ser estritamente definidos em termos de representação de papéis. Quando a Deusa põe calças compridas e desentope um cano, ela ainda é mulher.
Por favor, escreva-me contando como foi o seu transe. Enviarei estas quatro cartas de uma vez. Antecipo o prazer de suas respostas. Espero que seu equinócio da primavera, o seu rito de Eostar, tenham sido ótimos.
Envio minhas bênçãos.
Rae
Ladywell
Hillsbury
27 de abril de 1988
Querida Tessa,
Agora já lhe dei as instruções básicas. Há muitas outras formas de entrar em transe além da que lhe escrevi. Existem muitos estilos de aproximação e muitos lugares astrais para ir. Mas todos são empreendidos nas mesmas linhas. Lembre-se desse processo e você poderá sentir-se livre em todos os Reinos Interiores. Primeiro, invoque a proteção e depois encontre um local de paz, por exemplo, na clareira de um bosque. Faça exercícios de purificação dos cinco elementos, se achar que precisa de algum. Centre-se e afirme quem você é, a natureza de seu espírito e sua conexão com a vida. Então convoque o seu guia e explique por que entrou em transe. O que talvez você precise seja de orientação ou cura, ou auto-afirmação, ou trabalho com magia, por meio do banimento ou da invocação. Fale sobre tudo isso com detalhes. Se você tiver um problema complexo, descreva-o totalmente. Não procure encontrar soluções. Simplesmente peça ao seu guia que a conduza a quem mais puder auxiliar. Talvez a Deusa como Jovem, Mãe ou Velha, ou o Rei do Dia ou o Rei da Noite; talvez um Espírito Guardião ou então algum ente arquétipo que você desconheça. (Sempre verifique se o guia e as outras divindades também são verdadeiros.)
Sobre certas questões, seu guia pode ajudar diretamente. Às vezes, você não vai precisar consultar o guia. Talvez a Lua seja minguante e você esteja ansiosa sobre o desenvolvimento de sua sabedoria e compreensão nos reinos da magia. Você intuirá que a Velha Sábia pode auxiliar.
Tendo explicado o problema, deixe-se ser levada, subseqüentemente, ao transe. Talvez lhe ofereçam uma poção para a cura ou transformação. Talvez lhe peçam para se banhar em alguma vertente ou num riacho, ou usar certos trajes e jóias. Isto porque possuem ressonância psíquica, afinidades dos modos de ser. Por exemplo, o uso de um robe marrom pode levá-la a práticas de atividades orientadas pela terra, ou a algum trabalho com animais. Uma coroa pode significar que lhe estão oferecendo alguma forma de sucesso na vida. Mas saiba bem o preço. O que quer que lhe ofereçam, tenha certeza de que conhece seu verdadeiro significado.
Talvez lhe mostrem visões orientadas, ou peçam para fazer uma escolha destinada a mudar algo manifesto, algum aspecto de sua vida. Qualquer coisa pode acontecer.
Quando seu problema estiver resolvido (e se não, deverá continuar as perguntas até resolvê-lo), expresse gratidão pela ajuda e retome seus passos. Volte a todos os lugares que visitou no caminho para o Velho Sábio.
Agradeça ao guia familiar e aos Espíritos Guardiães. Sele sua aura, desenhando ao redor de si uma luz azul debruada de ouro.
Com este processo, você pode entrar em estado mediúnico em qualquer época e por qualquer razão. Nenhuma pergunta é banal demais. Se algo a estiver incomodando, então é importante. E nenhuma pergunta é excessiva e metafísica. Uma vez sabendo disso, você pode, como outras principiantes, tornar-se viciada em transes. Não faz mal, pois, com o tempo, você vai naturalmente chegar a um equilíbrio. Mas enquanto estiver nessa fase apaixonada pelo trabalho, deve tomar cuidado para não esgotar sua energia etérica. O transe pode provocar isso. Restaure-se através da boa alimentação, exercícios físicos e o contato com a natureza (a jardinagem ou caminhadas no campo ou, no verão, deitar-se no solo). Se não fizer isso, talvez vá sentir-se desencorajada e abstrata. Também ficará mais facilmente cansada, e mais vulnerável às infecções.
Eventualmente, você vai intuir quando deve entrar em transe e quando não é necessário. Então, encontrará o lugar certo em sua existência. Não há necessidade de se preocupar demasiadamente com o cansaço, a sensação de esvaziamento. A energia etérica só é seriamente afetada ao se entrar em prolongado estado mediúnico dia após dia, durante semanas. E também só se não forem atendidos os preceitos básicos da boa saúde. A ginástica é vital, pois contrabalança a imobilidade do transe. Você pode não ter esses sintomas, mas, se tiver, pratique os exercícios. Vá aonde quiser em transe. Seja uma exploradora. As veredas que lhe mostrei não são alçapões com rotinas astrais fixas. Elas servem para fornecer uma base segura e caminhos conhecidos, e trazer-lhe a prática que mostrará seus próprios caminhos.
Você comenta que acha difícil lembrar a ordem dos eventos num transe longo. Tente memorizar pontos essenciais. Para o transe sobre a Deusa, estes poderiam ser:
Invoque proteção. Vá à clareira do bosque.
Chame o familiar (como sempre).
Caverna, passagem, caverna inferior, mar.
Jovem — pureza (integridade e liberdade)
Mãe — amor
Velha — sabedoria
Volte à clareira do bosque. Agradeça ao familiar.
Retorne à esfera azul. Agradeça aos Espíritos Guardiães.
Sele a aura (como sempre).
Se continuar lhe faltando a memória, você pode praticar três transes separados, um para a Jovem, um para a Mãe e outro para a Velha. Mas, acima de tudo, eu diria que, se esquecer a "próxima" fase, não se preocupe. Pergunte ao seu guia o que ele ou ela gostaria que fizesse a seguir. Então continue. Muita ansiedade sobre "acertar" prejudica um fluir constante de imagens. Enfim, você pode errar.
O que quer que aconteça, como em sonhos, será bom para você. Lembre-se de invocar os Espíritos Guardiães protetores e de investigar as criaturas que encontrar, como também um alimento, bebida, vestuário ou outro item que lhe possam oferecer. Cuidar disso é o suficiente. Se conseguir recordar longas seqüências de transe, ótimo; se não, não há problema. Fale-me, se isso ajuda.
Aqui, algumas idéias para transes:
(O banimento de problemas. A visualização da harmonia ecológica entre a humanidade e toda a natureza. A visualização de modos e maneiras, tecnologia soft, baixo consumo, agricultura orgânica etc. O colocar tudo nas mãos da Deusa e do Deus.
Invocações para assistência na cura da Terra. Visualização das muitas rotas para a satisfação dos diferentes povos em um novo mundo ecologicamente equilibrado. Música e medicina, arte e esporte, magia e amor, artesanato e poesia. Mergulhar e explorar cavernas e escalar montanhas. Pesquisas científicas para a evolução do conhecimento e não para a exploração da natureza. A educação pela ciência em si etc. Um mundo onde a aventura e a satisfação são possíveis para todos de forma não explorativa.) Este último exemplo é importante, é melhor praticá-lo quando já se tem alguma experiência.
Aqui, um exemplo de transe simples que é uma espécie de encantamento. É um truque curativo e pode ser praticado em qualquer lugar, por qualquer pessoa.
Seguir o método usual de indução do transe. Lance sua esfera azul, invoque proteção, imagine-se na clareira do bosque e então chame o guia. Explique a respeito do seu amigo, sócio, companheiro, filho, ou quem quer que seja, que está precisando de cura. Peça para ser levada à fonte da Deusa, cujas águas curativas fluem constantemente.
Seu familiar a levará à caverna, e então desçam ambos pelo caminho em direção à paisagem interior. Lá, você será levada a uma grande distância longe da costa, à fonte que fica ao lado de um pequeno morro. Há árvores ao redor da fonte e elas estão cobertas de folhas. O som da água corrente acalma e refresca. Este é um lugar tranqüilo. Você escuta o canto dos pássaros e o vento entre as árvores. A fonte alimenta um pequeno poço e depois um córrego claro.
As águas se renovam sempre. Durante milhões de anos, a chuva caiu nessa terra e depois penetrou, atravessando o solo e as camadas de rochas, antes de voltar à fonte sagrada. O processo leva milênios, e o ciclo não se interrompe, a fonte não seca, sendo constantemente renovada pelo poder da Deusa e de suas águas curativas.
Peça à Deusa alguma mensagem, para a orientação da saúde da amiga (ou amigo). O que ela precisa? Talvez ouça o murmúrio das águas, ou então tenha uma visão que a guie dentro do pequeno poço. Pode relacionar-se a uma mudança no estilo de vida de sua amiga, exercícios físicos, dieta ou medicação. Se a doença é branda, talvez mais tarde possa lhe sugerir uma prescrição. Se, contudo, é séria, e sua amiga já está sendo tratada por terapeuta ou médico, então o que for sugerido em transe deve ser confirmado com ambos. Não há necessidade, afinal, de dizer que o conhecimento veio em um transe. Sua amiga pode, por exemplo, simplesmente perguntar ao médico: "E se eu bebesse mais líquido? Ou tomasse vitamina B12? Ou experimentasse ungüento de confrei?"
Agora peça ao guia que traga um cálice. Ele desaparecerá, retornando instantaneamente com aquilo que você pediu. (Verifique seu familiar e o cálice oferecido. É em momentos como este que o contato verdadeiro pode se perder.) Encha o cálice com água da fonte. Depois agradeça à Deusa por qualquer orientação. Leve o cálice cheio, atravessando a caverna, a passagem para o alto até a clareira.
Agora, visualize sua amiga. Você a verá parada na clareira, e, quando a chamar, pergunte se aceita a cura. Lembre-se de que, se estiver suficientemente aprofundada no transe, poderá perceber, por meio de visualização, o real estado mental de sua amiga e seus sentimentos verdadeiros. A imaginação é o meio pelo qual esta ou outra informação é levada, por sua mente inconsciente ou alma profunda (que tudo sabe) à mente consciente.
Se há alguma razão cármica para que a cura não seja possível, então mande sua amiga voltar ao caminho anterior amorosamente. Você não pode auxiliar. Borrife as águas curativas da fonte em sua clareira, dedicando-as então à Terra. Depois fale ao guia sobre seus sentimentos. (Tristeza? Desapontamento? Frustração?) Peça-lhe conselho sobre como lidar com esses sentimentos. Você não vai receber uma resposta detalhada, mas isto não quer dizer que não vale a pena conhecê-la.
Na maioria dos casos, sua amiga receberá a cura com gratidão. Aponte o athame para o cálice. Peça a amiga para conhecer a verdadeira natureza da água, que então brilhará iluminada. Dê o cálice à amiga, dizendo: Estas são águas sagradas da renovação, não minha dádiva, porém da Deusa, que as envia. Enquanto bebe, que lhe seja restaurada e renovada a saúde.
Depois que a amiga tomar a água, despeça-se. Pergunte ao seu familiar se falta fazer alguma coisa importante. Se não, guarde o cálice e diga adeus, com agradecimentos. Retorne à sua esfera azul, agradeça aos Espíritos Guardiães, e então volte à consciência normal. Fique em pé lentamente.
Mais tarde, sempre que encontrar sua amiga, passe informações sobre regime, estilo de vida ou qualquer coisa que você recebeu durante o transe.
Mando minha bênção.
Rae
Ladywell
Hillsbury
5 de maio de 1988
Querida Tessa,
Minha última carta me conduziu à questão da ética. Até que ponto você pode entrar em transe sobre questões da vida alheia?
Esta é uma área em que precisamos exercer honestidade absoluta e o maior cuidado. Tendo declarado essas palavras sérias e plenas de implicações, devo dizer que há um lado cômico em um transe, que envolve outros entes encarnados. Por exemplo, quando o nosso cão late à noite porque escutou o silencioso caminhar de um gato. Cole muitas vezes se projeta psiquicamente ao andar inferior e o xinga. Ele simplesmente visualiza que está em pé ao lado do animal, gritando: "Pare de latir, Happy!", e isso resolve. O cão sempre pára. Isto nos causa muito divertimento ao imaginarmos como o cão deve ficar intrigado com o instantâneo aparecimento da presença de Cole.
O mesmo artifício pode ser empregado com pessoas. Mensagens de amor, conforto, amparo ou pedidos para contatos são possibilidades, e sempre benéficas. Uma declaração expressando um ponto de vista para o propósito de comunicação também funciona. Serve ainda para expor sentimentos em estado de tensão — por exemplo: "Me deixe em paz!" Mas, e quanto à questão de implantar pensamentos ou emitir comandos, porque você decidiu que é para o bem de outra pessoa? Ou porque acredita que pode se beneficiar pelo controle dos atos dela? Enfim, para resumir, isto é comparável à magia negra. A implantação sugerida na mente de alguém, uma sugestão ou um pensamento que você pretende que outros percebam como deles, é o equivalente psíquico de uma propaganda subliminar. A visualização de uma pessoa se comportando ou agindo em seu benefício, mas com quem nunca dialogou na vida, nem sabe se é o que deseja, é o equivalente a coerção.
Devo acrescentar, sobre o assunto, que falei com várias pessoas, em anos de contato, sobre o psiquismo. E, acredito, técnicas "subliminares" e "coercivas" são usadas freqüentemente, em muitas situações. Nenhuma das pessoas que me informaram a respeito era bruxa ou ocultista de qualquer espécie. Esta é uma das razões por que acredito na importância de discutir abertamente sobre as perícias psíquicas. Pois hoje uma bruxa ou qualquer outra pessoa com conhecimentos e experiências psíquicas reais sabe quanto mal essa prática pode causar (e como está sujeita à lei do retorno), mas um ser comum não saberia. Também não teria a intuição de que tal poder foi praticado. Uma bruxa, ao contrário, intui, sente e pode se livrar do mal. Penso que muito sofrimento poderia ser evitado se essas coisas fossem desmistificadas, identificadas, se o nosso conhecimento fosse partilhado. Pois nada mais é necessário do que a consciência de que tais coisas podem acontecer, tão facilmente quanto as pragas e manipulações verbais. E a mesma resposta é apropriada em ambos os casos, um desafio e um repúdio. Não acredito que tal consciência deva levar a atitudes demasiadamente defensivas ou a paranóias, mais do que estas emoções são provocadas, em relações sociais comuns, por meio do conhecimento de que certas pessoas não merecem confiança. Não merecem. E isto é um fato comprovado. Entretanto, você deve manter sua mente em alerta. E o mesmo acontece com os inter-relacionamentos psíquicos e constantes entre as pessoas no dia-a-dia.
Se existem regras, uma delas deve ser: "Nunca projete um pensamento em alguém sem a sua identificação psíquica." (Você pode surgir diante de uma pessoa, quando em transe, ou pode projetar mensagens pensadas, tais como: "É Tessa quem lhe fala.") Então a mente dela pode identificá-la como fonte do recado psíquico. Outra regra importante é que você nunca deve dizer ou praticar algo em transe, que não esteja preparada para dizer ou praticar fisicamente. Portanto, por que não usar o telefone ou fazer uma visita? Na maioria dos casos, é o modo certo. Porém, há exceções e certamente você as encontrará. Por exemplo, a outra pessoa pode estar doente; sem telefone; não se convence por palavras, ou precisa de ajuda tanto verbal quanto em níveis psíquicos.
Não esqueça dos códigos de segurança psíquica quando enviar mensagens. Cerque-se da esfera azul, coloque-se sob a proteção dos Espíritos Guardiães e só aí projete-se na outra pessoa ou chame-a para você. Então fale o que for preciso. Volte e agradeça aos Espíritos Guardiães. Depois desenhe a luz azul debruada de ouro ao redor de seu corpo.
Como você já deve ter percebido, esta técnica de sugestão psíquica é muitas vezes usada para seduzir, e por pessoas que nada sabem (conscientemente) sobre magia. Se alguma vez suspeitar que esteja sendo praticada em você, e por alguém que não lhe agrada, pode dizer firmemente à pessoa (em transe) que você não se interessa. Se ela persistir, você pode cortar todos os fios psíquicos entre ambos. Aponte seu athame e demande que os fios que os unem (pode ser uma obrigação social, uma intimação, sentimento de pena, confusão ou algo a ver com finanças, entre outros fatores), agora, se tornem visíveis. Então, usando o seu athame, corte os fios com um golpe só. Isto muitas vezes pode acabar com o contato físico, e, depois, com as relações psíquicas. Mas raramente é necessário tomar tais medidas extremas.
Estou falando aqui sobre a determinação voluntária de manipular alguém psiquicamente, a fim de conseguir o que quer. Não falo sobre as imagens espontâneas dos seres amados ou mesmo a projeção singela dos sentimentos a respeito deles. Tudo isto faz parte do amor. Mas uma coisa é declarar o amor e o desejo psiquicamente, e outra é pressionar ou invadir deliberadamente um relacionamento real. Suponho que você diria que uma grande parte de tudo isto se atribui às boas ou más maneiras psíquicas. São realmente semelhantes às boas maneiras da vida física. (Quanto mais experiente se tornar uma bruxa, mais consciência terá de quem as possui e quem não as possui.)
Bem, não sei se alguém está enamorado de você neste momento, Tessa. Mas sei que você não está enamorada e gostaria de estar. Você pediu um transe de amor, para melhorar as chances de conhecer alguém com quem possa partilhar a felicidade. Aqui vai um método.
Após a entrada usual no transe, chame o seu guia familiar e peça-lhe que a leve à Velha Sábia. Você descerá através da caverna pela passagem, e então caminhará ao lugar na praia onde a encontrou da última vez.
Pergunte: O que posso fazer para encontrar meu companheiro certo, aquele que eu possa amar e que me amará, para o encantamento de nossas vidas?
A Velha talvez retire de você alguns elos e cordões que a estão amarrando a um relacionamento gasto, algo que a prende e que está obstruindo a possibilidade de um novo amor. Ela pode pedir que você mude algumas coisas na sua vida, sugerindo que abandone os antigos padrões.
Você acha estranho pedir à Velha Sábia para orientá-la sobre o amor? Mas quem possui maior experiência? E quem é mais casamenteira? Escute cuidadosamente tudo que ela tem a dizer, qualquer conselho positivo sobre lugares a que deva ir ou sobre novos relacionamentos.
Pouco a pouco, ela vai encaminhá-la à Jovem, que, sem dúvida, lhe indagará o que você deseja de uma união amorosa. O que lhe serve? Quais são seus reais anseios? O que você pode oferecer? A Velha é a figura da avó. Ela já viu tudo. Mas a Jovem é como uma sábia e simpática amiga ou irmã. Ela perguntará coisas astutas, pois quer proteger a sua integridade, para ter certeza de que o relacionamento não vai pôr em perigo sua liberdade básica de ser você mesma. Somente se esse requisito for preenchido dará sua bênção.
Depois a Mãe fará outro tipo de indagação. A que você dedica a força criativa, a força vital, do seu amor? Você quer a união para dar à luz uma criança, ou trabalhar em comum, ou para um relacionamento baseado em magia natural? Um trabalho espiritual conjunto? Você deve responder honestamente, como respondeu a todas as outras perguntas. Depois chegará o momento em que a certeza de seus desejos atinge o ápice, e você saberá o que precisa e o que está preparada para receber. A Mãe lhe oferecerá algum sinal ou símbolo. Verifique-o com o athame, certificando-se de que representa o tipo de relacionamento que você pede. Se aceitar, está comprometida. A Deusa assegurará que seu caminho se cruzará com o companheiro certo, isto é, aquele com quem pode atingir a maior felicidade possível para ambos, em termos do seu destino. Pode não ser o verdadeiro "companheiro de alma", porque ele, possivelmente, não está nesse momento encarnado. Quem sabe as suas circunstâncias, ou as dele, estabeleçam que nesta vida nunca poderão se encontrar.
Você pode perguntar sobre isto. Talvez não obtenha uma resposta clara, pois é uma indagação difícil. Mas se for o caso, ela vai lhe indagar se aceita uma união de amor com outra pessoa (para esta vida). Tais casamentos são, de fato, bastante usuais. O companheirismo de uma vida inteira (com a alma gêmea) é bem raro. Mas isto não quer dizer que outros relacionamentos sejam de qualidade inferior. Podem até revelar coisas que não se aprendeu com a verdadeira "alma gêmea". Isto é um pouco como viajar, em vez de ficar em casa a vida toda.
Não falei algo a respeito antes, na carta que mandei sobre os casamentos entre bruxa e bruxo? Não faz mal. Merece ser repetido.
Às vezes, o transe pode indicar que um ritual deve se seguir. Pode ser informal, por exemplo, uma peregrinação ou uso de certas cores associadas ao amor. Ou formal, um ritual completo, no círculo, especialmente desenhado e talhado para este propósito. Vou explicar como são criados os rituais para este fim ou o outro numa carta futura.
Boa sorte no transe de amor.
E receba minha bênção.
Rae
Ladywell
Hillsbury
7 de maio de 1988
Querida Tessa,
Antes de iniciarmos o assunto sobre a criação de rituais, há um último transe que desejo descrever a você. É sobre a descoberta da sua verdadeira personalidade, a resposta à questão: "Quem sou eu?"
É claro que a personalidade, o nosso self, tem muitos aspectos: o self-sombra, o self-superior, a criança interna, o ego consciente, o superego e assim por diante. Estes são classificáveis de acordo com muitos sistemas diferentes, tanto da psicoterapia como das lendas populares ocultas. Cada sistema de classificação possui validade, mas não é sábio usar qualquer um deles para se definir analiticamente, até você descobrir a que ser total estas partes pertencem. O resultado seria confuso.
Vamos imaginar que você é uma planta. Na sua busca de autoconhecimento e de auto-integração, você facilmente poderá verificar que tem sépalas, cálice, pétalas, raízes, seiva, folhas, caule etc. Mas até que você descubra que é, digamos, um arbusto de alfazema, ou um pé de junco, tais detalhes são de uso limitado. Da mesma forma, você pode aprender que tem um id, ego e superego, ou ego de sombra, personalidade e self superior. Você vai saber que é humana, assim como a planta sabe da sua condição vegetal. Mas você se conhece, conhece o self, que ser humano é, que gênero de planta? Somente quando responder a esta pergunta é que as outras peças do autoconhecimento se encaixarão.
Aos pagãos do mundo antigo, as palavras "Conhece-te a ti mesmo" diziam tudo. O self é infinito porque participa da vida e é, portanto, parte da infinitude da criação da Deusa (da qual não significa separadamente mais que uma gota de água do mar possa significar fora do oceano).
E mesmo assim, paradoxalmente, a individualidade do self é essencial às dessemelhanças da criação, para manifestar a vida. A individualidade existe, e nós a experimentamos. Se não entendermos a nossa, estamos em desvantagem, num mundo onde os arbustos do azevinho e da avelã são separados, distintos um do outro, como deve ser.
O transe que agora vou descrever poderia ser denominado "Identificação do Self. Por que precisamos disto? Pois já não sabemos quem somos? A resposta é provavelmente que, como crianças muito pequenas sabíamos, mas faltavam conceitos e linguagem para descrever ou traduzir a informação transracional. Quando afinal, como adultos, desenvolvemos estas capacidades, há muito deixamos de crer em nossas intuições, porque nos roubaram as percepções verdadeiras, com o simples propósito de encaixar-nos mais facilmente no padrão que nossos pais, professores e outras autoridades acreditam ser o melhor para nós. Em outras palavras, quando chegamos à chamada idade da razão, na qual se espera que façamos escolhas para nossas vidas, a maioria de nós não tem a mínima idéia de quem é. Talvez sonhássemos quando criancinhas e, certamente, antes de nascer. Mas, chegando ao ponto onde deveríamos ter autoconhecimento, não temos. E sem este, o "destino" pode parecer um oponente incompreensível.
Os velhos pagãos adotavam amplamente o ditado "Conhece-te a ti mesmo": não apenas o self criativo, mas também sua sombra, os fragmentos sombrios e destrutivos do ego. Estes devem ser contatados e admitidos — por exemplo, o potencial da violência é encoberto demais, ou tendemos a chamar de "diplomacia" algo que é uma mentira total. Com orientação, você descobrirá sua própria sombra, seja ela o que for, com suas características. É um aspecto essencial do autoconhecimento e da auto-integração, a descoberta de possuir uma sombra. A rosa, por exemplo, tem espinhos, e algumas plantas são venenosas. A negação desses fatos não ajuda qualquer rosa (ou dedaleira) a ter uma vida bela ou útil.
Mas primeiro descubra a natureza verdadeira da planta como um todo.
Quero que inicie como sempre, invocando a proteção e encontrando a clareira, depois chamando seu guia familiar. Explique que deseja conhecer seu self real, para saber quem você é. Peça para ser levada ao lugar onde seu tipo de pessoa se acha mais adaptada. Você está pedindo para olhar o equivalente psíquico do habitat natural da planta. Há certos locais que considera estranhos, assim como não esperaria encontrar flores de estufa num matagal. Mas há um tipo de lugar em que você está especialmente em casa.
Seu guia a levará para dentro da caverna, descendo a passagem de sempre e num local de paz e beleza. Depois você poderá ir aonde quiser. Uma porta talvez se abra no lado da montanha. Lá, você pode achar um país inteiro, um reino de elfos. Ou um cavalo alado vai levá-la a outro país, passando por muitos mares e cordilheiras. Talvez você viaje ao passado ou ao futuro, ou ainda visite um planeta remoto. Como nos sonhos, qualquer coisa pode acontecer. E quem vai dizer onde é realmente seu lar espiritual? Talvez no próprio degrau de sua porta, ou em algum santuário ou lugar de peregrinação. Talvez não. Seu familiar vai guiá-la.
Quando chegar ao local, deve consultar o guia de novo, perguntando: "Este é meu lar verdadeiro?" Isto precisa ser feito para que não haja confusão; se houver, então deve continuar buscando, até ter certeza de que alcançou o ponto certo.
Depois olhe ao redor de si, onde quer que esteja. O que este lugar lhe sugere?
Quando estiver pronta, diga a seu guia que você quer ter um encontro com o Espírito do Lugar. E um ente às vezes chamado genius loci, que é a essência do lugar. Será uma forma de pensamento, um espírito astral, talvez criado por você, talvez percebido como um modo de pensamento já existente, criado por outros. A alma do lugar será gravada na atmosfera, não criada por você, mas existente por si mesma. Pode ser um espírito macho ou fêmea, ou talvez seja andrógino. Seu guia lhe dirá onde se encontra e como pode invocá-lo. Mais provavelmente, precisará pedir em voz alta para que o Espírito do Lugar apareça, diante de você. Não esqueça de checar se o ente é genuíno.
Cumprimente o Espírito do Lugar e explique-lhe por que foi chamado. Diga que você percebe que este é o seu verdadeiro lar, o lugar que eleva o seu tipo de ser, e que deseja saber qual é o seu papel dentro dele, como você se encaixa. Você quer uma resposta à pergunta: "Quem sou eu?" Agora, talvez você já esteja começando a ter alguma idéia, e assim vai escutar uma resposta bem objetiva. Ou lhe será mostrado algum tipo de roupa, ou objeto com clara associação. Por exemplo, se sua verdadeira natureza é a de uma sacerdotisa, então talvez lhe mostrem um robe que seria associado àquele papel. Ou se o seu "eu" verdadeiro é o de um viajante, uma espécie de explorador da mente e do corpo, então poderia avistar alguma caravana ou embarcação. Supondo que você fosse realmente uma vidente, talvez visse um cristal. Uma pacifista? Talvez visse pombos. Uma estudiosa? Talvez lhe estendessem livros. Há possibilidades infinitas. E o Espírito do Lugar lhe explicará a ligação entre você e o local.
Você pode estar se indagando por que precisa saber quem é. Seguramente, em seu self essencial, sabe que é uma bruxa? Talvez. Mas é igualmente possível que você seja uma curadora, guardiã da Mãe Terra, mas chamada a desempenhar o papel de bruxa nesta vida. O self é construído de muitas camadas ou facetas. Por exemplo, uma sacerdotisa pode ser destinada a bruxa nesta encarnação. Talvez seja agora o que a Deusa quer dela. Mas numa vida anterior, poderia ter sido uma Alta Sacerdotisa do templo de Ísis. Talvez fosse uma Sibila de Oráculo Délfico ou até uma varredora do chão de um templo egípcio. Mas qualquer que seja o papel, o fio comum que corre pelas suas vidas é a verdadeira natureza de uma sacerdotisa. Claro, usei exemplos clássicos, banais, mas o princípio é sempre o mesmo, para sacerdotisa, estudiosa, curadora ou mestra. O que quer que você seja, o papel representado muda, de uma vida para outra. Quase posso escutá-la perguntando: "E se eu for alguém comum? Nada superior ou elevado?" Minha resposta é que ninguém é comum. Todas nós temos de fazer coisas comuns, como trabalhos domésticos, ou ser irmã, estudante, empregada, paciente de hospital ou simples cidadã. Mas ninguém, numa sociedade não-hierárquica, orientada pela Deusa, seria considerada comum. "Ninguém." Somos, todos nós, heróis ou heroínas numa espécie de busca. E temos uma certa habilidade, seja para curar, ensinar, praticar magia, enfermagem, jardinagem, representar no palco como palhaço ou cantando. Ou outra coisa qualquer.
Não são nossas tarefas mundanas, mas a qualidade que trazemos a elas, que mostram a natureza do verdadeiro self. E mesmo que vivêssemos num sistema opressivo em alguma encarnação, aquele "eu" é constante e potencialmente criativo, quem quer que sejamos.
Depois de você perguntar tudo o que desejava saber, para se compreender inteiramente, peça ao Espírito do Lugar que lhe aponte a planta que é seu emblema especial. E, para sempre, você lembrará seu self real e seu lar verdadeiro, visualizando esta planta.
O autoconhecimento terá muitas implicações. Talvez lhe explique por que está descontente na sua vida atual. Ou talvez explique, ao contrário, que, apesar de pensar que estava no caminho errado, você está no certo. O autoconhecimento lhe trará a auto-afirmação e um senso de autovalorização. Você então ficará mais forte ao perseguir suas metas, livre de dúvidas (ou tão livre quanto alguém, que se abre à mudança e à descoberta, pode estar).
Peça ao Espírito do Lugar que responda a mais coisas que creia não entender. Depois agradeça-lhe. Refaça o seu caminho pela caverna, em busca do transporte que a levou, por exemplo, o cavalo alado. Atravesse a passagem, até a caverna superior de sempre, e volte à clareira. Expresse gratidão ao seu guia familiar, retorne à esfera azul, agradeça aos Espíritos Guardiães e sele sua aura.
Lembre-se que o lugar recém-visitado é seu lar, seu verdadeiro lar espiritual. Onde quer que esteja, no mundo, você pode voltar lá. E levará sempre algo daquela atmosfera e significado, como emissária. Se tiver necessidade de se recarregar ou se reafirmar, você sempre pode voltar.
Claro, poderia argumentar-se que a ênfase em "um lar verdadeiro" não é a melhor maneira de atingir a consciência de "um-só-mundo" (ou "um-só-universo"). Não concordo com esta visão. Pois não é negando as nossas raízes espirituais que nos sentimos parte do todo. O único caminho está na aceitação das diferenças e na sua celebração, pois a diversidade significa vida. (A monocultura não é recomendada para as almas, assim como não o é para as plantas.)
No anonimato da sociedade moderna, uma real consciência do nosso self essencial não tem preço. E este self pode brilhar mesmo por meio de tarefas mundanas e papéis cotidianos, centrando-se e colorindo sua presença em todas as situações. Esta é a força interior que uma bruxa necessita, se vai aconselhar ou curar outras pessoas, e trabalhar em todas as espécies de magia, sem sentir-se fragmentada e desequilibrada.
Abençoada seja você.
Rae
Ladywell
Hillsbury
2 de junho de 1988
Querida Tessa,
Você deve ter descoberto que o transe leva direta ou indiretamente ao ritual, ou à atividade ritualizada. Às vezes, um rito formal completo é inspirado pela orientação recebida; outras vezes, um rito informal, como uma peregrinação, ou o uso de certos trajes, por motivos simbólicos. E isto, por sua vez, leva a transformações mais profundas, à mudança de vida. O transe e o ritual são os dois lados da magia, ou, digamos, duas marés; elas fluem para trás e para a frente, se encontrando.
Você pergunta por que precisamos de rituais, quando tanta coisa pode ser conseguida por meio do transe. Só posso responder que muito se consegue nos sonhos, mas devemos acordar, temos de sair do sonho astral e agir. Dormir e acordar, os dois lados da vida. Suponho que o transe é onde a bruxa se refresca e restaura, mergulhando interiormente nas fontes, na Deusa e no Deus, aquele reino onde o espírito dela ou dele encontra o espírito em todas as coisas, em todos os interiores, em todas as fontes. Nos rituais, a bruxa ou o bruxo manifesta essa experiência, vive-a até o final.
O transe é a dádiva da Deusa, como todas as perícias psíquicas e intuitivas correntemente negadas ou quase temidas, e ditas "intuição feminina". É tarefa das bruxas e de todos os adoradores da Deusa reconquistar e reexplicar essas experiências perdidas, pois são a metade de nossa compreensão. São a dádiva da Lua. As perícias solares, processos de pensamento racional, o presente do Deus, são essenciais da mesma forma, se não quisermos que a superstição prevaleça. Contudo, a lógica pode se tornar fria e maquiavélica. (Dê uma olhada em nosso mundo lógico e concreto, e veja que a definição acima não é forte demais.) A lógica isolada se inverte, torna-se absurda, mas o casamento da intuição com a lógica, fiel aos princípios e alvos da bruxaria, é uma reconciliação dos opostos, conduzindo à vida.
Não estou tentando equacionar o ritual à lógica, pois tanto o transe como o ritual são obviamente atividades transracionais. Mas sugiro que há magia passiva (o transe) e ativa (o ritual) — a Deusa e o Deus — cujos reinos são de vida interior e exterior. Se acreditarmos que toda a magia realmente pertence ao Reino Interior, então o transe é o interior, e o ritual é o aspecto exterior da magia.
Prometi uma carta sobre como projetar os próprios ritos para propósitos específicos. Este é um processo simples desde que se entenda que todos os ritos têm as mesmas partes componentes e que caem numa mesma (ou similar) ordem. O rito deve ser planejado e a seguir escrito no seu Livro de Sombras. Este é o primeiro passo. Nossos ancestrais não fariam isso. Suas mentes eram menos confusas que as nossas, então o rito planejado podia ser retido na memória.
Primeiro, decida pela escolha da fase da Lua, ou festival, de acordo com seu propósito. Qual o tempo mais correto para o rito planejado? Se estiver invocando um novo amor, por exemplo, os dias da Lua Crescente ou Cheia são a preferência certa.
Marque a data na qual você planeja trabalhar este rito, e depois o nomeie; por exemplo: "Ritual para a Invocação do Amor e da Felicidade."
Em seguida, faça uma lista de passos com os quais deve iniciar todas as vezes. Assim: lance um círculo; purifique (para um transe curto a fim de limpeza e equilíbrio psíquico); invoque a Deusa e o Deus. Cada rito que você trabalhar começa assim.
O quarto passo é a declaração de suas intenções, em voz alta. Isto é importante, pois afina seu "eu" profundo para o trabalho a ser realizado, e assim você entrará em foco magicamente. Também, comunique a todos os Espíritos Guardiães e a seu guia o que pretende atingir. Poderia dizer, por exemplo:
Agora a Lua cresce quase até seu esplendor. O tempo da satisfação amorosa está chegando. Eu, bruxa sacerdotisa e filha da Deusa, trabalho a magia do amor. Invoco o amor e a felicidade na mente, no espírito, na alma e no corpo. Portanto, chamo o companheiro escolhido e peço que a Deusa e o Deus abençoem este rito de amor e felicidade.
Agora você está pronta para o quinto passo, que é cognominado "a elevação da energia mágica". Você provavelmente fará isto dançando em direção à direita (um rito amoroso) e cantando. A nota no Livro de Sombras (seguida de seu manifesto de intenção) deve ser algo assim: Dance à direita e cante____ (aqui você escreve o canto programado).
O sexto passo é chamado "a direção do poder". Significa que agora você dirige psiquicamente o poder que conquistou, para dentro do foco principal do feitiço planejado.
Usa-se para isso, por exemplo, uma pequena tigela de óleo de rosas ou de roseiras, colocada no centro de seu círculo, dentro do caldeirão. O óleo de rosas é sagrado no amor. (E também muito caro! Nove gotas diluídas em óleo vegetal puro são suficientes.) Dirija o poder para dentro do óleo com sua vara, ou simplesmente colocando as mãos em concha sobre ele. Visualize o óleo "carregado" ou imbuído com o poder que você gerou, como uma luz brilhante, dourada.
O sétimo passo é chamado "o trabalho". Seja celebratório ou para lançamento de feitiço, este é o ápice do rito. Agora você vai praticar a magia. No caso de um rito de amor, você pode untar todo o seu corpo com o óleo de rosas. E então fará a invocação. Por exemplo:
Como ele é sábio, generoso e belo,
permita que ele me ouça.
Como ele é gentil e certo de seus
propósitos, de sua própria direção,
como ele é meu companheiro real, forte para
satisfazer
e ser satisfeito por mim,
deixe agora que ouça e venha.
Deixe que ouça e responda, sabendo quem chamou.
E como sua presença significa felicidade, e como eu
para ele
sou cálice e vinho, terra e árvore florescente, geradora
de frutos,
então deixe que ouça e venha.
Toque o sino. Ouça a reverberação nos reinos astrais. Aquele que reconhece sua descrição vai ouvi-la, pois você enviou seu chamado psíquico. É importante que as condições sejam explícitas, como no feitiço acima: Como ele é sábio, generoso e belo etc., que venha. Isto assegura que o encantamento não vingue a não ser que o futuro companheiro tenha estas qualidades, e seja, portanto, a pessoa certa. Mas as palavras deverão ser suas, simples ou elaboradas, como quiser. Você pode passar algum tempo em transe, antes e depois de tocar o sino.
Em seguida poderá passar o óleo de rosas numa corda branca e vermelha, dizendo:
Enquanto ata-se o nó,
o elo deve ser realizado
e que o elo seja amor.
(Claro que pode usar suas próprias palavras. As minhas são apenas um exemplo.) Em seguida ate as duas pontas da corda, formando um círculo.
O oitavo passo é chamado "libertação". Sente-se calmamente num transe de luz, visualizando os efeitos do badalar do sino e do nó. Você talvez veja o som do sino como partículas de pó dançando e viajando, e a corda como o círculo completo, trazendo à sua vida seu verdadeiro par, completando o elo. Veja cada encantamento deixando-a e saindo para o mundo a fim de se realizar. Solte-os agora. Entregue o resultado nas mãos da Deusa e do Deus. Assim seja.
O nono passo reafirma você como filha da Deusa e do Deus neste mundo, como uma de todas as criaturas de quem é irmã, conectadas e satisfeitas pela natureza. Isto se chama "comunhão". Também deve ser escrito no seu Livro de Sombras. Refere-se à consagração do vinho e do pão, e o beber e comer deles.
O décimo passo compreende os agradecimentos à Deusa e ao Deus.
O décimo primeiro é o cumprimento com Salve e adeus, agradecendo aos Espíritos Guardiães. O círculo agora está aberto. Você pode sair. O trabalho está feito.
Para recapitular, estes são os estágios de qualquer rito.
Vamos supor que você foi guiada no transe relacionado a feitiços e deve lançar e praticar os ritos. Vamos dizer que então escreveu seu rito planificado, todos os onze passos. Em seguida vai adquirir ou colher ervas, óleos, cordas, pedras, velas, o que precisar. Também poderá selecionar, colher ou comprar flores ou o que necessitar para o seu quarto ou para o altar. Isto feito, você está pronta. Quando chegar a noite escolhida, deve reunir as ferramentas mágicas, banhar-se e vestir o robe. Tenha certeza que nada vai interromper o seu trabalho, e então inicie.
Depois você deve anotar as experiências deste ou daquele rito. Como se sentiu? Houve uma clara direção quanto ao resultado? Houve surpresas? Algum outro material foi sugerido para transes futuros? Ou está tudo feito? Se você se sentir em paz, completamente em paz, é que tudo está feito.
Espero que estas notas lhe sejam de ajuda.
Um último conselho: nunca trabalhe em feitiços que não combinem entre si. Por exemplo, o feitiço da purificação para o ambiente local, a cura da doença de alguém e a erradicação da má sorte para você podem ser praticados no mesmo rito (Lua Minguante). Mas não misture a purificação do ambiente, um feitiço amoroso que alguém lhe pediu e uma auto-afirmação como bruxa ou sacerdotisa. Estes feitiços requerem diferentes fases da Lua, não possuem temas comuns. São os temas comuns que você deve buscar quando escolher incenso, flores para o altar e a época ideal. A mesma coisa se aplica quando está planejando uma cantiga para criar poder em mais de um feitiço. Se são todos pertinentes à purificação, de uma forma ou de outra, cante sobre isto. Mas se não há um tema comum, sempre separe. Pratique mais do que um rito. De qualquer forma, será mais fácil concentrar-se em um único feitiço ou uma intenção mágica, como no rito do amor. A experiência é o melhor guia sobre misturas e combinações. E há somente um modo de conseguir sucesso...
Abençoada seja você.
Rae
Ladywell
Hillsbury
10 de junho de 1988
Querida Tessa,
Esta é a última carta que lhe envio por algum tempo. É necessário colocar em prática certas idéias individualmente. Há uma tradição chamada "esvaziar o grupo", onde a Alta Sacerdotisa é separada de quase todo o contato com a família grupai, até que seu próprio grupo e seu estilo se estabeleçam completamente. Sendo bruxas (das sebes) solitárias, não nos envolvemos com grupos, mas vou aplicar um princípio parecido em você. Claro que isto não significa que não desejo sua visita. Espero-a no dia após o solstício de verão, como já combinamos. Antecipo com prazer o nosso encontro. Podemos falar sobre o "trabalho" e trocar notícias e idéias. Não haverá mais lições, por enquanto.
Entrementes, escrevo esta carta, sobre o que penso ser uma bruxa no dia-a-dia. Quais são as armadilhas, as responsabilidades, as satisfações? Também incluo um poema para você. É a minha visão muito pessoal do significado de ser bruxa; e espero que seja uma essência destilada, como todos os poemas. Esta carta é mais objetiva e tem mais detalhes. Leia-a primeiro.
Para iniciar, desejo falar sobre a sua auto-imagem, como bruxa. Um problema é a linha tênue entre um sentimento de superioridade e a humilhação. Você terá de percorrer esta linha toda a vida. De um lado, a arrogância, que coloca em perigo o fato de você se achar toda-poderosa, infalível. Seus feitiços funcionam! Você é, então, uma bruxa. A Deusa e o Deus e todos os Espíritos Guardiães a protegem sempre. Portanto, é invulnerável, não igual a homens e mulheres comuns. Penso que você não cairia nesta tolice. Mas algumas pessoas caem. Começam a acreditar que estão acima de qualquer falha, das dúvidas humanas e dos seus medos. Nossa cultura estimula essa ilusão, pois a linha funciona mais ou menos assim: "Se você é mesmo espiritual, tem realmente contato com os Deuses e os espíritos naturais, os reinos do Éter, os Reinos Psíquicos Interiores, então não precisa se preocupar com os problemas humanos. Mas se suas necessidades não estão satisfeitas, você não pode ser uma bruxa de verdade, a despeito das suas afirmações."
Isto é bobagem. Nenhuma religião, nenhuma prática sobre a Terra pode ou deve suprimir os "problemas humanos", seus defeitos e seus elos com a carne e o sangue. Pois a magia é apenas uma espécie de ferramenta, invocada em algumas situações. E a dignidade e a satisfação de todas as criaturas são desejáveis, mas não uma panacéia para todos os males. Toda bruxa sabe que a perda de sua magia seria um grande empobrecimento. Para uma bruxa, a magia é a vida, como é a música para o compositor. No entanto, não há magia na existência que pode ou deve preencher a dádiva da sua humanidade comum.
Isto me traz ao outro lado daquela linha sutil, a humilhação (o lado que eu penso ser mais propenso a atingi-la). As pessoas às vezes dão a entender ou até exprimem diretamente: "O quê? Uma bruxa? E ainda se preocupa com dinheiro/um amor infeliz/problemas de habitação? Então não sabe praticar feitiços?"
Você pode dizer-lhes que a magia, como a patinação no gelo, envolve uma certa dose de tombos no caminho, mas que está chegando lá! Isto é provavelmente mais fácil do que explicar que suas prioridades mágicas se orientam, digamos, para o meio ambiente e não para a própria bolsa. (Todos a acusarão em silêncio de pretensiosa se disser isto.) Também é mais fácil explicar que alguns feitiços falham, porque você não se dedicou de todo o coração ao praticá-los. Talvez você esteja demasiadamente nervosa, ou com muito medo do que o feitiço possa demandar em sua vida cotidiana. Este tipo de sensação envolve seu desenvolvimento pessoal e ninguém a não ser você tem o direito de se intrometer.
As pessoas talvez queiram exigir que você mostre suas credenciais como "bruxa branca", provando que não tem defeitos. "O quê? Uma bruxa sacerdotisa que grita com as crianças/não se dá bem com a irmã/negligencia as visitas à tia doente e envelhecida? Pensei que você disse ser o caminho que traz força interior e paz."
Este tipo de contratempo deve ser tratado com humor. Porque, claro, você não é perfeita ou não estaria aqui na Terra, ainda aprendendo. Você pode responder que entraria para a Igreja cristã se tivesse aspirações à santidade. Enquanto isso, faz o melhor possível para aprender, crescer e se tornar integrada, e o caminho da bruxa solitária é a sua escolha. O humor combinado à humildade é a vereda recomendada. É melhor do que explicar a verdade a quem não escuta.
De fato, a humildade é sempre preferível à humilhação ou ao orgulho. E é provavelmente o nome daquela linha fina. Não preciso dizer tudo isso. Você já sabe. Mas decerto quero prepará-la para os cruéis questionadores.
Sua responsabilidade ante a bruxaria está em cumprir seu papel, em viver como bruxa e sacerdotisa no dia-a-dia, em preservar a chama da magia natural queimando, em manter seu senso de encanto intacto. Também abrange não trazer descrédito ao caminho trilhado. Isto não significa que jamais deve exceder-se numa festa. Você não é, como eu já disse, perfeita. O descrédito real está no mau uso de sua magia, ou no mau uso de seu poder, ameaçando ou se vangloriando. Ou deixar um vão imenso e hipócrita entre o que você prega (respeito à natureza) e o que pratica, em sua vida particular.
Os prazeres da bruxaria você já conhece. Com o rolar do tempo, eles se aprofundam, preenchem a sua vida, e assim há uma ressonância mágica em tudo que sentir. De tempos em tempos, seu prazer na sensibilidade psíquica atinge alturas que depois jamais esquece. Você terá visto todas as estações como se fossem recém-criadas, e mesmo assim muito antigas. Como nos primeiros dias. A essência da primavera, do verão, do outono e do inverno, em flores, cálidas paisagens, folhas brilhantes, frio e neve. Você terá visto o mundo das fadas, visto no mundo real. Pessoalmente, não sei como alguém que já viu tanta beleza poderia querer mais do que penetrar naquele reino outra vez. Não possuí-lo, mas somente estar lá. Isto, eu suponho, é o que distingue a bruxa e o pagão. Eles sabiam disso, e sempre trabalharam para trazer a beleza, buscando-a nos reinos etéricos; querendo talvez ajudar a Terra a remover todos os véus que a humanidade colocou sobre ela.
Os prazeres da bruxaria são fáceis de conhecer, porém difíceis de transmitir.
Espero que você aprecie o poema. Seu nome é "Resoluções de uma Bruxa" e considere-o um presente de solstício de verão.
Há uma tarefa que lhe peço desempenhar para mim. Mantenha seu Livro de Sombras sempre em dia durante o ano todo. Depois responda: "O que é uma Bruxa? Do seu ponto de vista, o que faz uma Bruxa?"
Quanto a mim, acho que é uma espécie de floresta interior que a pessoa tem. Há cavernas, flores, larvas e vermes, riachos prateados. As estações seguem umas às outras e há vento correndo entre as árvores, luz do Sol, sombras, luz de estrelas e a Lua. E há sempre uma espécie de chama, como a chama da vela na caverna, e ela brilha em toda a floresta, na Terra e em todas as criaturas. A bruxa também tem essa luz. Brilha na sua floresta interior. É chamada de algo como "sombra-de-fogo". Eu reconheço a luz nos olhos de outra bruxa. Já a vi brilhar nos seus olhos, Tessa.
Sabedoria, glória e muitas bênçãos.
Rae
Resoluções de uma Bruxa
Que eu seja como a que tece o pano na floresta, profundamente escondida.
Que eu possa fazer o meu trabalho sem interrupção.
Que eu seja uma exilada, se é este o sacrifício.
Que eu conheça a procissão sazonada do meu espírito e do meu corpo, e possa celebrar os quartos em cruz, solstícios e equinócios.
Que cada Lua Cheia me encontre a olhar para cima, nas árvores desenhadas no céu luminoso. Que eu possa acariciar flores selvagens, cobri-las com as mãos.
Que eu possa libertá-las, sem apanhar nenhuma, para viver em abundância.
Que meus amigos sejam da espécie que ama o silêncio.
Que sejamos inocentes e despretensiosos.
Que eu seja capaz de gratidão.
Que eu saiba ter recebido a alegria, como o leite materno.
Que eu saiba isso como o meu cão, nos ossos e no sangue.
Que eu fale a verdade sobre a alegria e a dor, em canções que soem como o aroma do alecrim,
como todo o dia e na antigüidade, erva forte de cozinha.
Que eu não me incline à auto-integridade e à autopiedade.
Que eu possa me aproximar dos altos trabalhos da terra e dos círculos de pedra, como raposa ou mariposa, e não perturbar o lugar mais que isso.
Que meu olhar seja direto e minha mão firme.
Que minha porta se abra àqueles que habitam fora da riqueza, da fama e do privilégio.
Que os que jamais andaram descalços não encontrem o caminho que chega à minha porta. Que se percam na jornada labiríntica.
Que eles voltem.
Que eu me sente ao lado do fogo no inverno e veja as achas brilhando para o que vier, e nunca tenha necessidade de advertir ou aconselhar, sem que me peçam.
Que eu possa ter um simples banco de madeira, com verdadeiro regozijo.
Que o lugar onde habito seja como uma floresta.
Que haja caminhos e veredas para as cavernas e poços e árvores e flores, animais e pássaros,
todos conhecidos e por mim reverenciados com amor.
Que minha existência mude o mundo não mais nem menos do que o soprar do vento, ou o orgulhoso crescer das árvores.
Por isso, eu jogo fora minha roupa.
Que eu possa conservar a fé, sempre.
Que jamais encontre desculpas para o oportunismo.
Que eu saiba que não tenho opção, e assim mesmo escolha como a cantiga é feita, em alegria e com amor.
Que eu faça a mesma escolha todos os dias, e de novo.
Quando falhar, que eu me conceda perdão.
Que eu dance nua, sem medo de enfrentar meu próprio reflexo.
Rae Beth
O melhor da literatura para todos os gostos e idades