Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CAÇA AO OUTUBRO VERMELHO - P.2 / Tom Clancy
A CAÇA AO OUTUBRO VERMELHO - P.2 / Tom Clancy

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A CAÇA AO OUTUBRO VERMELHO

Segunda Parte

 

                   Domingo, 12 de Dezembro

                   Controle SOSUS

No controle SOSUS em Norfolk, o quadro apresentava-se cada vez mais difícil. Os Estados Unidos não dispunham, pura e simplesmente, de tecnologia adequada para perseguir submarinos em águas profundas. Os receptores do SOSUS estavam instalados sobretudo em pontos de passagem estreitos, em águas baixas, no fundo de vales subaquáticos. A estratégia dos países da NATO era consequência directa desta limitação tecnológica. Numa guerra em larga escala com os soviéticos, a NATO usaria a barreira do SOSUS da Gronelândia-Islândia-Reino Unido como um arame de tropeçar, um alarme contra ladrões. Os submarinos aliados e os aviões de patrulha ASW tentariam localizar, atacar e destruir os submarinos soviéticos antes que pudessem cruzar a barreira.

Nunca, porém, se esperava que a barreira detivesse mais de metade dos submarinos atacantes, e os que conseguissem atravessá-la deveriam ser enfrentados de outra maneira. As grandes bacias oceânicas eram vastas e fundas de mais — a profundidade média ultrapassava as duas milhas — para serem semeadas de sensores como os pontos de passagem estreita em águas baixas. Esta realidade era ao mesmo tempo favorável e desfavorável. A missão da NATO consistia em preservar a ponte atlântica e assegurar o fluxo do comércio transoceânico, e a missão soviética era, naturalmente, impedir esse comércio. Os submarinos teriam de se espalhar pelo vasto oceano, a fim de cobrirem o máximo possível de rotas. A estratégia da NATO para lá das barreiras do SOSUS era, pois, formar grandes comboios protegidos por contratorpedeiros, helicópteros e aviões. A escolta tentaria criar uma bolsa protegida de cerca de cem milhas. A presença de submarinos inimigos não seria permitida nesta bolsa; uma vez no seu interior, seriam perseguidos e destruídos — ou, simplesmente, escorraçados, para que o comboio pudesse passar. Assim, enquanto o SOSUS se destinava a neutralizar uma invasão dos mares, a impedir a conquista de uma área fixa, a estratégia para águas profundas baseava-se na mobilidade, na criação de sucessivas zonas protegidas para o tráfego, vital, no Atlântico Norte.

Era uma estratégia inteligente, impossível de testar, porém, em condições reais e, infelizmente, inútil, em grande medida, no momento. Com todos os Alfas e Victors soviéticos já na costa e os últimos Charlies, Echos e Novembers acabados de atingir as suas posições, o quadro principal que o comandante Quentin olhava já não estava cheio de pontinhos vermelhos, mas de grandes círculos. Cada ponto ou círculo indicava a posição de um submarino soviético. Um círculo representava uma posição, calculada a partir da velocidade a que um submarino podia deslocar-se sem fazer barulho suficiente para ser detectado pelos muitos sensores com esse fim. Alguns círculos tinham dez milhas de diâmetro, outros cinquenta; se o submarino fosse novamente detectado, haveria que pesquisar uma área entre setenta e oito e duas mil milhas quadradas. E eram muitos, os submarinos.

Perseguir submarinos competia, sobretudo, ao Orion P-3C. Cada Orion dispunha de sonobóias, conjuntos de sonar activo e passivo pneumáticos que eram largados do bojo do avião. Ao fazer uma detecção, a sonobóia entrava em contacto com o avião e afundava-se automaticamente para não cair em mãos inimigas. As sonobóias tinham energia eléctrica limitada e, portanto, limitado alcance. Pior: o stock era também limitado; estava a diminuir assustadoramente e não tardariam a ter de reduzir o consumo. Além da sonobóia, os P-3C dispunham de FLIR, exploradores de infravermelhos que identificavam a assinatura térmica de um submarino nuclear, e de MAD, detectores de anomalias magnéticas que localizavam perturbações no campo magnético da terra, provocadas por uma grande massa de metal ferroso como um submarino. O MAD só poderia detectar uma perturbação magnética seiscentos metros à esquerda e à direita da rota do avião, e, para isso, o aparelho tinha de voar baixo, consumindo combustível e limitando a capacidade de busca visual. O FLIR possuía limitações semelhantes.

Portanto, a tecnologia usada para localizar um alvo detectado pelo SOSUS ou para limpar uma zona do oceano antes da passagem de um comboio não servia para pesquisar o mar profundo.

Quentin inclinou-se para a frente. Um círculo acabara de se transformar num ponto. Um P-3C largara uma carga explosiva e sonora, e localizara um submarino da classe Echo quinhentas milhas a sul de Grand Banks. Durante uma hora, poderiam disparar contra o Echo, praticamente sem receio de falhar. O seu nome estava escrito nos torpedos ASW MARK 46, do Orion.

Quentin sorveu o café. O seu estômago revoltava-se contra o excesso de cafeína, lembrando-lhe o abuso, ao longo de quatro meses, de uma quimioterapia mortífera. Se uma guerra rebentasse, podia rebentar assim. De repente, os submarinos russos parariam, como aquele, talvez. Não visariam comboios em pleno oceano, atacariam mais perto da costa, como os alemães tinham feito... e todos os sensores americanos estariam no sítio errado. Os pontos passariam então a círculos cada vez maiores, tornando a localização dos submarinos dificílima. Com os motores parados, os submarinos seriam armadilhas invisíveis para os barcos mercantes e de guerra transportando abastecimentos indispensáveis para os europeus. Os submarinos eram como o cancro, como a doença que Quentin mal derrotara. Os barcos invisíveis e malignos escolheriam um sítio, parariam para o infectar e, no seu écran, os tumores cresceriam até serem atacados pelos aviões que controlava daquela sala. Mas agora não podia atacá-los; somente vigiá-los.

— PK EST l HORA — RUN—Descreveu no terminal do computador.

— Vinte e três — respondeu imediatamente o computador.

Quentin resmungou. Vinte e quatro horas antes, a PK, probabilidade de destruição, era de quarenta — quarenta destruições prováveis na primeira hora, após a autorização de tiro. Agora era praticamente metade, e o número devia ser interpretado com cautela, visto presumir que tudo resultaria pelo melhor — prodígio que só acontece nos romances. Em breve o número seria inferior a dez. Não incluía, evidentemente, as destruições provocadas pelos submarinos amigos que perseguiam os russos com ordens estritas para não revelarem as suas posições. Os seus ocasionais aliados nos Stwgeons, Permits e Los Angeles executavam a manobra de ASW segundo as suas próprias regras. Outra gente. Tentava pensar neles como amigos, mas nunca conseguia. Em vinte anos de serviço na Marinha, os submarinos tinham sido sempre, para Quentin, o inimigo. Na guerra seriam inimigos úteis, mas na guerra todos sabiam não haver coisa a que pudesse chamar-se um submarino amigável.

Um “B-52”

A tripulação do bombardeiro sabia exactamente onde os russos se encontravam. Os Oríons da Marinha e os Sentries da Força Aérea perseguiam-nos havia dias e, na véspera, tinham-lhes dito, os soviéticos haviam mandado um caça armado do Kiev ao Sentry mais próximo. Talvez uma missão de ataque, talvez não, fora de qualquer modo um acto provocatório.

Quatro horas antes, às 3 e 30, a esquadrilha de catorze aparelhos descolara de Plattsburg, Nova Iorque, deixando atrás de si rastos de fumo que a claridade do alvorecer ocultava. Cada avião dispunha de combustível e de doze mísseis, cujo peso total ficava bastante aquém da capacidade do B-52, o que lhe permitia um voo de longo curso.

Era exactamente esta a faculdade de que precisavam. Saber onde estavam os russos era apenas metade da batalha; atingi-los era a outra. A missão era fácil de executar. Conforme a lição das missões sobre Hanói — nas quais o B-52 participara e sofrera os danos provocados pelos S AM (mísseis terra-ar)—, o melhor método para atacar um alvo fortemente defendido consistia em convergir de todos os pontos da bússola ao mesmo tempo, “como os braços envolventes de um urso perigoso” — dissera o comandante da esquadrilha ao explicar a missão, cedendo ao seu pendor poético. Deste modo, metade da esquadrilha seguiria rotas relativamente directas para o alvo e outra metade deveria voar em rotas circulares, mantendo-se sempre fora do alcance do radar. Todos teriam de rumar ao alvo no momento exacto.

Os B-52 haviam alterado a rota dez minutos antes, por ordem do Sentry que orientava a missão. O piloto permitira-se uma variação. A sua rota em direcção à formação soviética sobrepunha-se a uma rota comercial. Ao dar a volta, o piloto mudara o transponder IFF da posição normal para internacional. Voava oitenta quilómetros atrás de um 747 de carreira, cinquenta à frente de outro e, no radar soviético, os três Boeings pareciam exactamente iguais—inofensivos.

Fazia ainda escuro à superfície. Não havia ainda indicação de que os russos tivessem sido alertados. Os seus caças, ao que se supunha, eram apenas VFR (capazes de navegação à vista), e o piloto imaginou que descolar e pousar às escuras num porta-aviões era coisa muito arriscada, sobretudo com, mau tempo.

— Comandante — disse o especialista em guerra electrónica pelo intercomunicador—, estamos a receber emissões nas bandas L e S. Estão onde se presume que estejam.

—Entendido. Poderão mudar?

— Podem, mas pensam com certeza que somos da Pan-Am. Não há ainda controle de tiro, só vigilância aérea de rotina.

— Distância ao alvo?

— Dois-zero-oito quilómetros.

Eram quase horas. O perfil da missão impunha que atingissem o círculo de duzentos quilómetros no mesmo instante.

— Tudo pronto?

— Tudo pronto.

O piloto descontraiu-se, à espera do sinal.

— FLASHLIGHT, FLASHLIGHT, FLASHLIGHT. O sinal entrou no canal do rádio digital.

— Agora! Vamos mostrar-lhes que estamos cá — ordenou o comandante do bombardeiro.

— Certo.

O especialista em guerra electrónica retirou a cobertura de plástico transparente do painel de interruptores e botões que controlavam os sistemas de interferência rádio do avião. Primeiro activou os sistemas, o que demorou alguns segundos. Os dispositivos electrónicos do B-52 datavam dos anos setenta, de outro modo a esquadrilha não estaria integrada em missões de treino. Bons instrumentos de aprendizagem, todavia. O tenente tinha esperança de passar para os novos B-1B que começavam a sair da linha de montagem de Rockwell, na Califórnia. Havia dez minutos que as antenas ESM no nariz e na ponta das asas do bombardeiro captavam os sinais do radar soviético, classificando as suas frequências exactas, ritmo de repetição de impulsos, força e características individuais de assinatura dos transmissores. O tenente não tinha experiência daquele jogo. Acabava de sair da escola de guerra electrónica, o primeiro do seu curso. Reflectiu primeiro no que devia fazer, depois seleccionou um modo de interferência, não o melhor, de uma gama de opções memorizadas.

O “Nikolayev”

A cento e vinte e cinco milhas de distância, no cruzador Nikolayev, da classe Kara, um michman do radar estudava uns blips que pareciam desenhar um círculo à volta da sua formação. Num instante, o seu écran ficou coberto por vinte manchas fantasmagóricas em rotas múltiplas, uma barafunda. Deu o alarme, repetido um segundo depois por outro operador. O oficial de quatro correu ao écran.

Quando chegou, já a interferência cessara, e seis linhas, como os raios de uma roda, giravam lentamente sobre um eixo central.

— Ligue o estroboscópio — ordenou o oficial. Viram-se manchas, linhas e chispas.

— Mais de um avião, camarada.

O michman tentou limpar a recepção.

— Aviso de ataque! — gritou outro michman.

O seu receptor ESM acabava de captar os sinais dos radares aéreos do tipo usado na fixação de alvos para mísseis ar-terra.

O “B-52”

— Temos bons alvos — anunciou o oficial de tiro do B-52. — Tenho sob mira os primeiros três pássaros.

— Entendido — respondeu o piloto. — Aguente mais dez segundos.

— Dez segundos — repetiu o ofickl. — Desligar interruptores, agora!

— Certo, anular interferência.

— Sistemas ECM desligados.

O “Nikolayev”

— Os radares de fixação de alvo foram desligados — anunciou o oficial do centro de informação de combate.

O comandante do cruzador acabava de chegar da ponte. À sua volta, a tripulação do Nikolayev corria a tomar posições de combate.

— A interferência também cessou.

— Mas que se passa? — perguntou o comandante.

Do céu azul e límpido, o seu belo cruzador rapidíssimo fora ameaçado .. e agora tudo estava calmo?

— Pelo menos oito aviões inimigos circulando à nossa roda.

O comandante observou o écran da banda S de busca aérea, já normal. Viam-se inúmeros blips, sobretudo de aviões civis. O semicírculo dos restantes só podia ser do inimigo.

— Podiam ter disparado mísseis?

— Não, camarada comandante, tê-los-íamos detectado. Interferiram nos nossos radares de busca durante trinta segundos e fixaram-nos com o radar deles durante vinte. Depois, parou tudo.

— Quer dizer: provocaram-nos e agora fingem que não se passou nada! — resmungou o comandante. — Quando estarão ao alcance dos SAM1

— Este e este dentro de quatro minutos, se não alterarem a rota.

— Fixe-os com o nosso sistema de controle de mísseis. Vamos dar uma lição a esses patifes!

O oficial deu as instruções necessárias, interrogando-se sobre quem receberia a lição. Seiscentos metros acima, um dos B-52 era um EC-135, cujos sensores electrónicos computarizados registavam todos os sinais do cruzador soviético e os decompunha para melhor se saber como interferir neles. Era a primeira vez que se podia analisar em pormenor o novo sistema de controle de mísseis SA-N-8.

Dois “Tomcats F-14”

O número de código com dois zeros, na fuselagem, identificava o Tomcat como o aparelho do comandante da esquadrilha; o ás de espadas na cauda de leme duplo indicava a Esquadrilha de Combate 41, os “Ases Negros”. O piloto era o comandante Robby Jackson, e o seu sinal de chamada era Espada 1.

Jackson comandava dois aviões sob as ordens de um dos Hawkeyes E-2C do Kennedy, a mais pequena versão naval do AWACS da Força Aérea e irmão quase gémeo do COD, um aparelho de dupla hélice, cuja protecção da antena de microndas o assemelhava a um aeroplano perseguido por um OVNI. O tempo estava mau — deprimente, mas normal no Atlântico Norte, em Dezembro —•, porém supunha-se que melhoraria para ocidente. Jackson e o seu companheiro, o tenente Bud Sanchez, voavam através de nuvens quase sólidas e haviam aumentado um pouco a distância que os separava. Com a visibilidade reduzida, ambos se lembravam de que cada Torneai tinha dois tripulantes e custava para cima de trinta milhões de dólares.

Faziam aquilo para que o Tomou estava melhor talhado. Um interceptor capaz de operar com quaisquer condições atmosféricas, o F-14 possuía raio de acção transoceânico, velocidade Mach 2 e um sistema computarizado de controle de tiro por radar que podia fixar e atacar seis alvos com mísseis Phoenix ar-ar de longo alcance. Os caças transportavam agora dois destes mísseis cada um, mais um par de Sidewinders AIM-9M, orientáveis pelo calor. A presa era uma esquadrilha de Forgers YAK-36, os malditos caças V/STOL que operavam a partir do porta-aviões Kiev. Após ter provocado o Sentry na véspera, Ivan decidira aproximar-se do grupo do Kennedy, sem dúvida guiado por dados obtidos através de um satélite de reconhecimento. Os aviões soviéticos tinham-se aproximado muito, a cinquenta milhas apenas do ponto a partir do qual poderiam avistar o Kennedy. Washington concluíra que Ivan estava a exceder-se naquele lado do oceano. O almirante Painter autorizara a retribuição do favor, amigavelmente.

Jackson estava convencido de que, com Sanchez, era capaz de resolver o assunto, não obstante a inferioridade numérica. Nenhum avião soviético, muito menos o Forger, competia com o Torneai — sobretudo pilotado por mim, pensou Jackson.

— Espada 1, o seu alvo está em frente, à mesma altitude, distância trinta e dois quilómetros — disse a voz de Zumbido l, o Hawkeye cento e sessenta quilómetros atrás.

Jackson não respondeu. Perguntou ao seu oficial de intercepção por radar, tenente Christiansen:

— Apanhaste alguma coisa, Chris?

— Um flash de vez em quando, nada que sirva.

Seguiam os Forgers apenas com sistemas passivos, no caso um sensor de infravermelhos.

Jackson pensou em fixar os alvos com o poderoso controle de tiro por radar. As antenas ESM dos Forgers detectariam imediatamente o sinal e informariam os pilotos de que a sua sentença de morte fora escrita, mas ainda não estava assinada.

— E o Kievl

— Nada. O grupo do Kiev está sob EMCON total

— Óptimo — comentou Jackson.

Suspeitava de que a missão SAC contra o grupo Kirov-Nikolayev os ensinara a ter mais cuidado. Ignorava-se geralmente que os vasos de guerra não utilizavam muitas vezes os seus sistemas de radar, medida de protecção para controle de emissão EMCON. Um raio de radar podia ser detectado a uma distância várias vezes superior àquela em que produzia um sinal de retorno ao seu transmissor e, assim, dizer mais ao inimigo do que aos operadores.

— Achas que estes tipos são capazes de descobrir o caminho para casa sem ajuda?

—Se não descobrirem, já sabes de quem é a culpa — gracejou Christiansen.

— Disso não há dúvida — concordou Jackson.

—Pronto, tenho sinal de infravermelhos. As nuvens devem estar a dissipar-se.

Christiansen concentrou-se nos instrumentos, indiferente à vista fora da carlinga.

— Espada 1, aqui Zumbido 1, o seu alvo está em frente, à mesma altitude, distância dezasseis quilómetros.

A informação chegava4he pelo circuito rádio protegido. Nada mau captar a assinatura térmica dos Forgers através de tantas nuvens, consideroujackson, atendendo, sobretudo, a que tinham motores pequenos e ineficazes.

— Preparar fixação, comandante — aconselhou Christiansen. — O Kiev accionou uma banda S de busca. Já nos viram de certeza.

— Muito bem. — Jackson ligou o microfone. — Espada 2, fixar alvos... agora!

Os dois caças activaram os poderosos radares AN/AWG-9. Faltavam dois minutos para a intercepção.

Os sinais de radar captados pelos receptores ESM na cauda dos Forgers desencadearam um som musical nos auscultadores dos pilotos, que só podia ser desligado manualmente, e acenderam uma luz vermelha de aviso nos painéis de controle.

A Esquadrilha Pica-Peixe

— Esquadrilha Pica-Peixe, aqui Kiev—chamou o oficial de operações aéreas do porta-aviões. — Dois caças americanos aproximam-se de vocês a alta velocidade, por trás.

— Entendido.

O comandante da esquadrilha russa olhou o espelho. Desejava ter evitado aquela situação, embora poucas esperanças tivesse. Só estava autorizado a ripostar, não a desencadear qualquer acção. Acabava de sair das nuvens. Uma pena, sentia-se mais seguro nelas.

O piloto do Pica-Peixe 3, o tenente Shavrov, estendeu o braço para armar os seus quatro Atolls. Desta vez não, ianque, disse consigo.

Os “Tomcats”

— Um momento, Espada 1, deve estar a ter contacto visual — disse Zumbido 1.

— Entendido... Ops!

Jackson e Sanchez saíram das nuvens. Os Forgers voavam poucos quilómetros adiante e os Tomcats, com 250 nós de vantagem em termos de velocidade, recuperavam rapidamente a diferença. Os pilotos russos mantinham uma perfeita formação cerrada, verificou Jackson, mas quem não era capaz de guiar um autocarro?

— Espada 2, aceleradores à minha voz. Três, dois, um... agora! Os dois pilotos accionaram os controles do motor e ligaram os aceleradores da popa, que introduziam combustível nos tubos da cauda do novo motor F-110. Os caças saltaram em frente com súbito impulso e atingiram rapidamente Mach 1.

A Esquadrilha Pica-Peixe

— Pica-Peixe, atenção, os amerikantsi aumentaram a velocidade — avisou o Kiev.

O Pica-Peixe 4 virou-se no assento. Viu o Tomcats cerca de um quilómetro atrás de si, duas formas esguias correndo adiante de um rasto de fumo negro. O sol tirava chipas de uma das carlingas, pareciam quase os reflexos de...

— Vão atacar!

— Quê? — O comandante da esquadrilha tornou a olhar pelo espelho.—Não, não... manter formação!

Os Tomcats elevaram-se com um silvo quinze metros acima da esquadrilha russa, os estampidos sónicos semelhantes a explosõesShavrov agiu absolutamente em função do seu instinto treinado para o combate. Puxou para si a alavanca de comando e disparou os seus quatro mísseis contra os caças americanos, que se afastavam.

— Três, que foi que fez? — perguntou o comandante da esquadrilha russa.

— Atacaram-nos, não ouviu? — protestou Shavrov.

QS “Tomcats”

— Merda! Esquadrilha Espada 1, têm quatro Atolls atrás de vocês — disse a voz do controlador do Hawkeye.

— Dois, sair pela direita — ordenou Jackson — Chris, activar contramedidas.

Jackson saiu pela esquerda, em rápida curva de fuga. Sanchez imitouo para o outro lado.

No assento atrás de Jackson, o oficial de intercepção por radar activou os sistemas de defesa do aparelho. Enquanto o Torneai guinava nos ares, uma série de foguetes luminosos e balões foram ejectados da sua cauda, engodos de infravermelhos ou de radar para os mísseis que o perseguiam. Apontavam os quatro ao caça de Jackson.

— Espada 2, livre, Espada 2, livre. Espada 1, continua a ser perseguido pelos quatro mísseis — disse a voz do Hawkey.

— Entendido.

Jackson admirou-se da calma com que enfrentava a situação. O Tomcat fazia mais de mil e duzentos quilómetros por hora e acelerava. Qual seria o raio de alcance de um Atolll A luz de aviso do radar traseiro acendeu-se.

— Dois, vá atrás deles! — ordenou Jackson.

— Entendido, comandante.

Sanchez rodou a subir na vertical e picou sobre os caças soviéticos, em retirada.

Quando Jackson rodou, dois dos mísseis perderam o alvo, prosseguindo a trajectória. Um terceiro, iludido por um foguete luminoso, explodiu sem causar danos. O quarto manteve o seu orientador de infravermelhos apontado à cauda reluzente do Espada 1 e acertou na base do leme de-estibordo.

O impacte descontrolou por completo o caça. A maior parte da força explosiva libertou-se quando o míssil rompeu a superfície de boro. O leme desapareceu, juntamente com o estabilizador do lado direito. O leme esquerdo ficou seriamente esburacado por fragmentos que atravessaram a traseira da carlinga, atingindo o capacete de Chrisfiansen. As luzes de aviso de incêndio do motor direito acenderam-se imediatamente.

Jackson ouviu o oomph pelo intercomunicador. Desligou por completo o motor direito e activou o extintor incorporado. A seguir, reduziu a força do motor de bombordo, ainda superacelerado. O Tomcat executava um parafuso invertido. As asas de geometria variável abriram-se em configuração de baixa velocidade. Jackson recuperou o controle do aileron e manobrou rapidamente para voltar à altitude Qonnal. Voava a mil e duzentos metros. Tinha pouco tempo.

— Vá, menino...

Uma breve aceleração devolveu-lhe o controle aerodinâmico. O antigo piloto de ensaio rompeu em frente—com demasiada força. Descreveu duas voltas completas antes de estabilizar.

— Safa! Chris?

Nada. Não podia olhar para trás e continuava a ter quatro caças hostis a persegui-lo.

— Espada 2, fala o comandante.

— Sim, comandante.

Sanchez tinha os quatro Forgers na sua mira. Os Forgers acabavam de disparar contra o seu comandante.

Zumbido 1

No Zumbido 1, o controlador pensava rapidamente. Os Forgers mantinham a formação e no rádio ouvia-se uma grande conversa em russo.

— Espada 2, fala Zumbido 1, afaste-se, repito, afaste-se, não, repito não faça fogo. Escuto. Espada 2, Espada 1 está à sua esquerda, seiscentos metros abaixo.

O oficial praguejou e olhou para um dos homens do contingente geral.

— Aconteceu tudo muito depressa, sir, depressa de mais. Temos gravações dos russos. Não percebo, mas parece que o Kiev está danado.

—Há mais quem esteja — disse o controlador, perguntando a si próprio se fizera bem em mandar afastar o Espada 2. Tinha muitas dúvidas.

Os “Tomcats”

Sanchez virou a cabeça, tomado de surpresa.

— Entendido, vou sair. — Retirou o dedo do interruptor. — Raios os partam! — Puxou para si a alavanca de comando, obrigando o Tomcat a executar um apertado loop. — Onde está, comandante?

Sanchez colocou o seu caça sob o de Jackson e descreveu lentamente um círculo para avaliar os danos visíveis.

— O fogo está extinto, comandante. O leme e o estabilizador direitos desapareceram. O leme esquerdo... merda, está todo esburacado, mas pode ser que se aguente. Espere... Chris está caído no assento, comandante. Já falou com ele?

— Não. Tentei, mas não posso. Vamos embora.

H 229

Nada agradaria mais a Sanchez do que rebentar com os Forgers, Q os seus quatro mísseis ter-lhe-iam dado facilmente esse prazer. Porém, como a maioria dos pilotos, era altamente disciplinado.

— Entendido, comandante.

— Espada 1, aqui Zumbido 1, diga em que condições se encontra. Escuto.

— Zumbido 1, conseguiremos voar a não ser que mais alguma coisa aconteça. Diga-lhes para terem médicos a postos. Chris está ferido. Não sei com que gravidade.

Demoraram uma hora a chegar ao Kennedy. O caça de Jackson voava muito mal, incapaz de manter a rota fosse a que altitude fosse. O piloto tinha permanentemente que o equilibrar. Sanchez detectou movimento na carlinga, atrás. Talvez só o intercomunicador tivesse sido atingido, pensou Jackson, esperançado.

Sanchez recebeu ordem para aterrar primeiro, a fim de que a pista ficasse livre para o comandante Jackson. À aproximação do porta-aviões, o Torneai começou a comportar-se ainda pior do que antes. O piloto lutava com o seu caça. A aterragem foi dura e apanhou o arame número um. O trem direito cedeu imediatamente e o caça de trinta milhões de dólares deslizou de lado e embateu na barreira entretanto erguida. Uma centena de homens munidos de aparelhos contra incêndios acorreu de todas as direcções.

A carlinga abriu hidraulicamente, de emergência. Jackson desapertou o cinto e tentou chegar ao companheiro. Eram amigos há muitos anos.

Chris estava vivo. Cerca de um quarto de litro de sangue derramara-se pela frente do fato de voo, e quando o primeiro enfermeiro lhe retirou o capacete, Jackson verificou que o sangue ainda saía. O segundo enfermeiro afastou Jackson do caminho e colocou um colar cervical no aviador ferido. Christiansen foi cuidadosamente retirado do avião e deitado numa maca. Os maqueiros correram para a superstrutura. Jackson hesitou um momento antes de os seguir.

Centro Médico Naval de Norfolk

O capitão Randall Tait, do Centro Médico Naval, desceu o corredor ao encontro dos russos. Parecia ter menos do que os seus quarenta e cinco anos, devido à farta cabeleira preta sem uma única branca. Tait era mórmon e estudara na Universidade de Brigham Young e na Escola Médica de Stanford. Entrara para a Marinha porque queria ver mais mundo do que lhe seria permitido se ficasse num gabinete no sopé das Wasatch Mountains. Atingira o seu objectivo e evitara também, até ao presente, tudo o que pudesse assemelhar-se a missões diplomáticas. Como novo chefe do Departamento de Medicina do Centro Médico Naval de Bethesda, sabia que tal privilégio não duraria muito. Voara para Norfolk havia poucas horas, a fim de tomar conta do caso. Os russos tinham viajado de automóvel, sem pressas.

— Bom dia, meus senhores. Sou o doutor Tait. Cumprimentaram-se, e o tenente que os acompanhara tornou para o elevador.

— Doutor Ivanov — disse o mais baixo. — Sou médico da Embaixada.

— Capitão Smirnov.

Tait sabia tratar-se do adido naval, oficial de informações. O médico fora esclarecido, durante a viagem de helicóptero, por um funcionário do Pentágono que tomava café no bar do hospital.

— Vasily Petchkin, doutor. Sou segundo-secretário da Embaixada. — Este era agente qualificado do KGB, um espião “legal” disfarçado de diplomata. — Podemos ver o nosso homem?

—Com certeza. Querem seguir-me, por favor?

Tait conduziu-os pelo corredor. Não se deitava havia vinte horas, “privilégio” derivado de ser chefe de serviço de Bethesda. Os casos difíceis batiam-lhe todos à porta. Uma das primeiras coisas que um médico aprende é a não dormir.

O piso era todo reservado a cuidados intensivos — o Centro Médico Naval de Norfolk fora construído tendo em vista feridos em combate. A Unidade de Cuidados Intensivos Nr. 3 era uma sala com cinquenta metros quadrados. As únicas janelas abriam-se na parede do corredor e as cortinas estavam corridas. Tinha quatro camas, só uma ocupada. O jovem estava quase todo tapado. A única coisa que a máscara de oxigénio no rosto não ocultava era uma madeixa rebelde de cabelo cor de trigo. O resto do corpo encontrava-se totalmente escondido. Ao lado da cama, um suporte para fluidos intravenosos, com o conteúdo de dois frascos misturando-se num único tubo, cuja extremidade se perdia entre a roupa. Uma enfermeira de bata verde cirúrgica, como Tait, aos pés da cama, não tirava os olhos verdes do electrocardiógrafo por cima da cabeça do doente, salvo para tomar um apontamento gráfico. Afastada da cama, havia uma máquina, máquina cuja função não era, de imediato, perceptível. O jovem estava inconsciente.

— Qual é o estado dele? — perguntou Ivanov.

— Crítico — respondeu Tait. — Só por milagre chegou aqui vivo. Esteve na água pelo menos doze horas, talvez vinte. Mesmo com o fato de borracha, mesmo tendo em conta a temperatura do ar e da água, só por milagre sobreviveu. Quando entrou, a sua temperatura era trinta e quatro vírgula nove graus. — Tait abanou a cabeça. — A literatura relata casos gravíssimos de hipotermia, mas como este nunca vi.

— Prognóstico? — perguntou Ivanov, olhando em redor.

— É difícil de dizer — respondeu Tait, encolhendo os ombros.— Talvez cinquenta por cento de probabilidades, talvez menos. Está ainda em profundo estado de choque. É uma pessoa saudável. Agora não se pode ver, mas está em magnífica forma física, como um atleta. Tem um coração particularmente forte; foi decerto isso que o manteve vivo até chegar aqui. Neste momento, a hipotermia já está, pode dizer-se, sob controle. O problema é que com a hipotermia sobrevêm uma série de complicações. Temos de travar batalhas separadas, mas conjugadas, contra diferentes inimigos sistemáticos para impedir que destruam as defesas naturais do organismo. Só o choque o pode matar. Estamos a administrar-lhe electrólitos, a rotina, mas vai estar entre a vida e a morte vários dias, pelo menos...

Tait ergueu os olhos. Outro homem descia o corredor. Mais novo do que Tait, e mais alto, usava uma bata de laboratório sobre a bata verde. Segurava um gráfico com protecção metálica.

— Meus senhores, este é o doutor... o tenente Jameson. É o médico do nosso homem. Foi ele quem o admitiu. Que temos, Jameson?

— A amostra de expectoração revelou pneumonia. Más notícias... Pior, o hemograma não melhora nada e a contagem de glóbulos brancos está a descer.

— Bonito!

Tait encostou-se à janela e praguejou consigo.

— Está aqui a análise de sangue — disse Jameson, estendendo o gráfico.

— Posso ver, por favor? — pediu Ivanov.

— Com certeza.

Tait abriu o gráfico e ergueu-o para que todos pudessem ver. Ivanov nunca tinha trabalhado com um analisador de sangue computarizado e gastou vários segundos a orientar-se.

— Isto está mau.

— Bastante — concordou Tait

—Precisamos de atacar já a pneumonia — disse Jameson. — Este rapaz tem muitas coisas a andar para trás. Se a pneumonia se instala...

Abanou a cabeça. Tait perguntou:

— Kejlin?

— Sim. — Jameson tirou um frasco do bolso. — O mais que ele possa aguentar. Já devia ter feito uma pneumonia ligeira antes de ter caído à água, e ouvi dizer que, na Rússia, se têm desenvolvido estirpes resistentes à penicilina. Vocês usam sobretudo penicilina, não é? — perguntou Jameson a Ivanov. —’E. Que é isso do keflinl

— Uma bomba. Um antibiótico sintético que actua contra estirpes resistentes.

— Não percamos tempo, Jamie — ordenou Tait.

Jameson dobrou a esquina a caminho do quarto. Injectou o antibiótico num frasco de 100 cc IV, que pendurou num suporte.

— É tão novo... — observou Ivanov. — Foi ele que tratou inicialmente o nosso homem?

— Chama-se Albert Jameson. Tratamo-lo por Jamie. Tem vinte e nove anos e foi o terceiro do seu curso em Harvard. Está aqui desde que se formou. Pós-graduado em medicina interna e virologia. Tão bom como os melhores.

De súbito, Tait compreendeu como se sentia mal lidando com os russos. A sua formação e os anos de serviço naval tinham-lhe ensinado que aqueles homens eram o inimigo. Isso não interessava. Jurara tratar os doentes sem entrar em linha de conta com outras considerações. Acreditariam nisso ou que deixaria o rapaz morrer por ser russo?

— Meus senhores, quero que entendam isto: estamos a dispensar ao vosso homem os melhores cuidados ao nosso alcance. Não nos poupamos a nenhum esforço. Se houver um processo de vo-lo entregar vivo, descobri-lo-emos. Mas não posso prometer nada.

Os soviéticos compreendiam. Enquanto aguardava instruções de Moscovo, Petchkin investigara Tait e descobrira tratar-se, não obstante um fanático religioso, de um médico competente e honrado, um dos melhores ao serviço do Governo.

— Ele disse alguma coisa? — perguntou Petchkin sem demonstrar grande interesse.

— Desde que aqui estou, não. Jamie contou que depois de começarem a aquecê-lo ele ficou semiconsciente e balbuciou qualquer coisa durante uns minutos. Gravámos, claro, e pedimos a um intérprete que ouvisse. Qualquer coisa acerca de uma rapariga de olhos castanhos. Não fazia sentido nenhum. Provavelmente a namorada... Ele é bem parecido, deve ter deixado ficar uma pequena na terra. Mas falava de maneira de todo incoerente. Uma pessoa no seu estado não pode saber o que diz.

— Podemos ouvir a gravação? — perguntou Petchkin.

— Com certeza. Vou mandar buscá-la. Jameson reapareceu.

— Pronto. Um grama de keflin de seis em seis horas. Esperemos que resulte.

— Como tem ele as mãos e os pés? — perguntou Smirnov, que aparentemente sabia alguma coisa de ulcerações causadas pelo frio.

— Não é isso que nos preocupa — respondeu Jameson. — Tem algodão entre os dedos para impedir a maceração. Se aguentar os próximos dias, vão-lhe aparecer bolhas e perderá talvez algum tecido, mas todos os problemas fossem esses. Sabem como ele se chama? - Petchkin olhou em redor. — Não trazia placa identificadora quando chegou. As roupas não têm o nome do barco. Nem carteira, nem identificação nenhuma. Nem sequer moedas nos bolsos. Não tem grande importância para o tratamento inicial, mas era melhor termos a sua ficha módica. Convém saber se tem alergias ou se teve doenças. Não queremos que entre em choque por reacção alérgica a um medicamento.

— Que trazia ele vestido? — perguntou Smirnov.

— Um fato de borracha — respondeu Jameson. — Os salva-vidas não lho despiram, graças a Deus. Cortei-lho quando aqui chegou. Por baixo trazia camisa, calças e um lenço. Os vossos homens não usam placa identificadora?

— Usam — respondeu Smirnov. — Como foi que o encontraram?

— Pelo que ouvi, foi sorte pura. Um helicóptero de uma fragata localizou-o na água. Como não tinham equipamento de socorro a bordo, marcaram o sítio com tinta e regressaram ao barco. Um contramestre ofereceu-se para os acompanhar. Meteram-no, e a uma jangada, no helicóptero, e tornaram ao local. A fragata rumava a sul. O contramestre largou a jangada, saltou... e partiu as pernas. Teve pouca sorte, mas conseguiu meter o vosso marinheiro na jangada. O helicóptero recolheu-os uma hora mais tarde e vieram os dois ter aqui.

— Como está o vosso homem?

— Vai ficar bem. A perna esquerda escapa, mas a tíbia direita tem fracturas múltiplas — continuou Jameson. — Recuperará dentro de uns meses. Nos tempos mais próximos, não poderá dançar.

Os russos pensavam que os americanos tinham deliberadamente retirado a identificação ao jovem marinheiro. Jameson e Tait suspeitavam de que o homem se desfizera dela, tencionando possivelmente desertar. Havia uma marca vermelha no pescoço que indicava remoção violenta.

— Se fosse possível — disse Smirnov — gostaria de ver o vosso homem, para lhe agradecer.

— Faz favor, capitão — disse Tait — É muito amável. —Deve ser um homem corajoso.

— Um marinheiro que cumpre o seu dever. Os vossos fariam o mesmo. — Tait perguntou a si próprio se tal seria verdade. — Temos as nossas diferenças, meus senhores, mas o mar não quer saber disso.

O mar... bem, o mar mata-nos sem fazer caso da cor da bandeira sob que navegamos.

Petchkin, de costas, olhava pela janela, tentando divisar a cara do doente.

— Poderíamos ver as roupas e os objectos pessoais? — perguntou.

— Claro, mas pouco vos dirão. Ele é cozinheiro. Isso sabemos nós — disse Jameson.

— Cozinheiro? — repetiu Petchkin, virando-se.

— O intérprete que ouviu a gravação... era um agente dos Serviços Secretos, não era?... olhou para o número na camisa e disse que o rapaz era cozinheiro.

O número de três algarismos indicava que o doente fizera parte do quarto de bombordo e que o seu posto de combate era controle de danos. Jameson perguntou a si próprio por que motivo os russos numeravam os seus homens. Para terem a certeza de que não entravam em sectores que não os seus? A cabeça de Petchkin, reparou o médico, quase tocava o vidro da janela.

— Doutor Ivanov, quer examinar o doente? — perguntou Tait.

— É permitido?

— É.

— Quando é que ele sai? — perguntou Petchkin. — Quando é que podemos falar com ele?

— Quando sai? — repetiu Jameson de mau modo. — Sir, em menos de um mês só dentro de um caixão. Quanto à recuperação da consciência, é difícil prever. Aquele garoto está muito doente.

— Mas temos de falar com ele! — protestou o agente do KGB. Tait fitou-o nos olhos.

— Mister Petchkin, compreendo o seu desejo de falar com o vosso homem... mas agora ele é meu doente. Não faremos nada, repito, nada que possa prejudicar o seu tratamento ou a sua recuperação. Mandaram-me para aqui para o tratar. Ordens, ao que me dizem, da Casa Branca. Os doutores Jameson e Ivanov assistir-me-ão, mas o doente é da minha responsabilidade e compete-me fazer tudo para que saia deste hospital pelo seu pé. Tudo o mais é secundário. Os senhores serão tratados com toda a deferência, mas quem manda aqui sou eu. — Tait interrompeu-se; a diplomacia não era o seu forte. — Se quiserem revezar-se aqui, por mim não há problemas. Mas têm de respeitar as regras. Isto é, terão de se lavar, de vestir roupas esterilizada e de seguir as instruções da enfermeira de turno. Está bem assim?

Petchkin concordou de cabeça. Os médicos americanos consideram-se deuses, disse consigo.

Jameson, que estudava o hemograma, não prestava atenção ao sermão.

— Podem dizer-nos em que tipo de submarino navegava o rapaz?

— Não — disse logo Petchkin.

— Em que está a pensar, Jamie?

— A queda na contagem de glóbulos brancos e outros parâmetros podem significar exposição a radiações. Os sintomas mais evidentes terão sido mascarados pela hipotermia. — De súbito, Jameson fitou os soviéticos. — Meus senhores, precisamos de saber. Ele navegava num submarino nuclear?

— Sim — respondeu Smirnov. — Navegava num submarino nuclear.

— Jamie, leve as roupas para radiologia. Diga-lhes para examinarem os botões, os fechos, tudo o que for de metal.

— Está bem.

Jameson foi recolher as roupas do doente e Smirnov perguntou:

— Poderemos saber os resultados?

— Claro, sir — respondeu Tait.

Que tipo de gente seria aquela? O rapaz andava a bordo de um submarino nuclear, não andava? Por que não tinham dito logo? Não quereriam que recuperasse?

Petchkin reflectia. Então ignoravam que o rapaz andava a bordo de um submarino nuclear?

Claro! Estavam era a ver se Smirnov dizia que o submarino dispunha de mísseis, a disfarçar o objectivo com a história da contaminação. Nada de perigoso para o doente, mas o bastante para confundir o inimigo de classe. Inteligente. Sempre pensara que os americanos eram inteligentes. E ele que tinha de informar a Embaixada dentro de uma hora! Informar quê? Como ia ele saber quem era o marinheiro?

Estaleiro Naval de Norfolk

O USS Ethan Allen estava no fim da sua carreira. Armado em 1961, servira as suas tripulações e o seu país por mais de vinte anos, equipado com mísseis balísticos Polaris em intermináveis patrulhas através de mares sem sol. Suficientemente velho para ser abatido, tinha muita idade. Os tubos dos mísseis haviam sido cheios com lastro e selados meses antes. Possuía apenas uma tripulação simbólica, de manutenção, enquanto os burocratas do Pentágono discutiam o destino a dar-lhe. Falara-se num complicado sistema de mísseis de cruzeiro que o transformariam num SSGN semelhante aos novos Oscars russos, mas a reconversão fora julgada dispendiosa de mais. A tecnologia do Ethan Allen era da velha geração; o seu reactor SSW era demasiado antigo, não comportava muito mais tempo de uso. A radiação

nuclear bombardeara a câmara metálica e os seus acessórios interiores com muitos biliões de neutrões. Conforme testes recentes de amostras revelavam, com o tempo a estrutura do metal alterara-se, tornando-o perigosamente quebradiço. O sistema teria, quando muito, três anos de vida útil. Um novo reactor seria demasiado caro. O Ethan Allen fora condenado por velhice.

A tripulação de manutenção era constituída por elementos da sua última equipa operacional, principalmente veteranos ansiando pela reforma, mais uns jovens que precisavam de se treinar em reparações. O Ethan Allen ainda servia como escola, sobretudo de reparações, pois grande parte do seu equipamento estava gasto.

O almirante Gallery entrara a bordo de manhã cedo. Os chefes achavam isto particularmente sinistro. Gallery fora o primeiro comandante do Ethan Allen muitos anos atrás e parecia que os almirantes visitavam sempre os seus primeiros comandos antes de serem postos de lado. Gallery reconheceu alguns chefes e perguntou-lhes se o velhote ainda conservava algum resto de vida. Responderam-lhe a uma só voz que sim. Um barco é mais do que uma máquina para os seus homens. De uma centena de barcos construídos pelos mesmos homens no mesmo estaleiro, segundo os mesmos planos, cada um tem as suas características — quase todas más, realmente, mas que, depois de a tripulação se habituar a elas, são referidas com afecto, sobretudo em retrospectiva. O almirante percorreu o casco do Ethan Allen, parando para tocar com as mãos ossudas e artríticas o periscópio que usara para ter a certeza de que havia um mundo fora do casco de ferro, para planear o raro “ataque” contra um barco que perseguisse o seu submarino... ou contra um petroleiro, só para praticar. Comandara o Ethan Allen durante três anos, alternando uma tripulação experiente com novatos de outro oficial, operando ao largo de Holy Loch, na Escócia. Tinham sido bons anos — quanto melhor do que passar o dia sentado a uma secretária com um séquito de ajudantes enfadonhos à volta. Era assim na Marinha: para cima ou para a rua. Quando finalmente se alcançava algo em que se era realmente bom, algo que dava realmente prazer... fim! Era, claro, uma questão de bom senso organizativo. Havia que dar lugar aos novos, permitir-lhes que subissem... mas, Senhor, ser outra vez jovem, comandar um dos novos submarinos, um daqueles em que, agora, só tinha oportunidade de navegar por algumas horas, gentileza do velho malandro escanzelado de Norfolk...

O Ethan Allen seria capaz, Gallery sabia-o. Teria preferido outro fim para o seu submarino de combate, mas, pensando bem, fim decente para um barco de combate era coisa rara. O Victory de Nelson, o Constitution no porto de Boston, o estranho couraçado mumificado em atenção ao seu nome — esses tinham merecido um tratamento decente. Na maior parte, porém, os barcos eram afundados alvos ou desmanchados para fazer lâminas de barba. O Ethan

en morreria por um objectivo. Um objectivo louco, talvez o suficiente para resultar, disse consigo no regresso ao quartel-general do COMSUBLANT.

Duas horas depois, chegou um camião à doca onde o Ethan Allen dormia. O primeiro-contramestre na coberta reparou que o camião vinha da Base Aérea Naval de Oceana. Curioso... Mais curioso ainda, o oficial que dele se apeou não usava golfinhos nem asas. Saudou primeiro o contramestre, depois o chefe que comandava a coberta enquanto os oficiais do Ethan Allen vigiavam uma reparação na casa das máquinas. O oficial da base aérea naval tomou providências para o embarque no submarino de quatro objectos em forma da bala que uma equipa de trabalho introduziu pelas escotilhas da coberta. Eram grandes, mal cabendo nas escotilhas dos torpedos e de carga, e a sua colocação exigiu algum esforço. A seguir, entraram os suportes de plástico onde assentariam os quatro objectos, e apoios metálicos para os segurar. Pareciam bombas, pensou o chefe electricista enquanto homens mais novos faziam o trabalho pesado. Mas não podiam ser; eram demasiado leves, sem dúvida de metal fino, vulgar. Uma hora depois, chegou um camião com um tanque pressurizado. O submarino foi evacuado de pessoas e cuidadosamente ventilado. Então, três homens ligaram uma mangueira a cada um dos quatro objectos. Terminada a operação, ventilaram novamente o casco, deixando detectores de gás junto de cada objecto. Por esta altura, notou a tripulação, a doca do Ethan Allen e a adjacente eram já guardadas por marines armados para que ninguém pudesse aproximar-se e ver o que se passava no submarino.

Quando o carregamento, ou o enchimento, ou lá o que era terminou, um chefe desceu a examinar os contentores metálicos mais detidamente. Escreveu a sigla, PPB766/J6713, num bloco. Uma ordenança procurou a designação num catálogo e não gostou do que viu — Pave Pat Blue 76 era uma bomba e o Ethan Allen tinha quatro a bordo. Nada de tão poderoso como as ogivas nucleares que em tempos o armaram, porém bastante mais sinistro, achava a tripulação. A luz foi apagada por mútuo acordo antes que alguém mandasse.

Gallery não tardou a reaparecer para falar com os chefes. Os novatos receberam ordens para desembarcar com os seus equipamentos e foram prevenidos de que não tinham visto, sentido e ouvido nada de invulgar no Ethan Allen. O submarino ia ser afundado. Uma decisão política de Washington — e se contarem a alguém comecem a pensar numa estada de vinte e um anos no estreito de McMurdo, como disse um dos homens.

Em homenagem a Vincent Gallery, todos os chefes permaneceram a bordo. Em parte era a oportunidade de um último cruzeiro no velho brinquedo, a oportunidade de dizer adeus a um amigo, mas sobretudo porque Gallery dissera ser importante e os veteranos sabiam que Gallery os não enganava.

Os oficiais compareceram ao pôr do Sol. O de mais baixa patente era um tenente. Dois capitães de quatro listas encarregar-se-iam do reactor, com três chefes. Outros dois seriam os navegadores, e dois comandantes teriam a seu cargo a electrónica. Aos restantes competiriam as múltiplas tarefas especializadas necessárias à operação de um complexo vaso de guerra. A equipa completa, menos de um quarto do que seria normal, provocou alguns comentários adversos da parte dos chefes veteranos, que duvidavam da experiência dos oficiais.

Um oficial comandaria os hidroplanos de mergulho, soube, escandalizado, o primeiro-contramestre. O chefe electricista com quem discutiu o assunto achou natural. No fim de contas, observou, o que dava gozo era dirigir os barcos e os oficiais só podiam fazê-lo em New London. Que mal tinha? Eles só andam por aí com ar importante... Está bem, concordou o contramestre, mas saberão mexer nas coisas? Se não souberem, decidiu o electricista, tomariam eles conta da situação — para que serviam os chefes, salvo para proteger os oficiais dos seus próprios erros? Depois discutiram amigavelmente quem iria ser o chefe do barco. Ambos possuíam idêntica experiência e o mesmo tempo de serviço.

O USS Ethan Allen fez-se pela última vez ao mar às 23 e 45. Não foi preciso rebocador para o tirar da doca. O comandante afastou-o ousadamente do cais com precisas manobras de motor e de leme que o contramestre não pôde deixar de admirar. Já antes servira com o comandante, no Shipjack e no Will Rogers. “Nem rebocadores nem nada”, disse, mais tarde, ao companheiro de beliche. “O velho sabe desta merda.” Uma hora depois, passavam os Cabos da Virgínia, prontos para mergulhar. Dez minutos após, desapareciamNuma rota de um-um-zero, a pequena equipa de oficiais e chefes entregava-se à exigente rotina de manter o velho submarino a navegar. O Ethan Allen respondia como um campeão, bufando a doze nós, a sua velha maquinaria sem fazer praticamente o menor ruído.

 

                   Segunda-feira, 13 de Dezembro

                   Um “Thunderbolt A-10”

Era muito mais interessante do que voar num DC-9. O major Andy Richardson tinha mais de mil horas de voo no DC-9 e apenas umas seiscentas no seu caça Thunderbolt U A-10, mas preferia o mais pequeno dos dois bimotores. Richardson pertencia ao 175.o Grupo Táctico de Caças da Guarda Aérea Nacional de Maryland. Em geral, a sua esquadrilha voava a partir de um pequeno aeródromo militar a leste de Baltimore. Dois dias antes, porém, quando a esquadrilha fora activada, o 175 e seis outros grupos da guarda nacional e da reserva aérea tinham inundado a já pequena base SAC da Base da Força Aérea de Loring, no Maine. Haviam descolado à meia-noite e sido reabastecidos em voo uma hora antes, a mil e seiscentos quilómetros de distância, sobre o Atlântico. Richardson e a sua esquadrilha de quatro aparelhos voava agora a trezentos metros de altitude, por cima das águas negras, a quatrocentos nós.

Cento e sessenta quilómetros atrás dos quatro caças voavam noventa aviões, a nove mil metros, quadro que, para os soviéticos, se assemelharia muito a um assalto Alfa, uma missão de ataque em força de caças tácticos. Era exactamente isso — e também um embuste. A verdadeira missão pertencia aos quatro da frente, voando a baixa altitude.

Richardson adorava o A-10. Os homens que o pilotavam chamavam-lhe com duvidoso afecto o Warthog, ou simplesmente Hog1. Quase todos os aviões tácticos tinham linhas agradáveis, devido à necessidade de rapidez e capacidade de manobra em combate; o Hog, não. O Hog era talvez o mais feio avião da Força Aérea norte-americana. Os seus dois motores de turbina pendiam como se fossem soluções de recurso, tardiamente pensadas, da cauda de leme duplo, já de si uma reminiscência dos anos trinta. As asas estilo prancha não possuíam o mínimo de ângulo e dobravam ao meio para acomodar o

 

Porco Combatente, porco, (N. da T.)

 

trem de aterragem, pesadão. A parte inferior das asas apresentava muitos suportes para artilharia e a fuselagem envolvia a principal anua do aparelho, o canhão rotativo de trinta milímetros GAU-18, destinado especificamente a destruir tanques soviéticos.

Para a missão daquela noite, a esquadrilha de Richardson dispunha de uma carga completa de munições sem urânio para os canhões Avenger e duas bombas de dispersão Rockeye, armas antitanque suplementares. Directamente por baixo da fuselagem havia uma antena LANTIRN (para navegação a baixa altitude e detecção nocturna de alvo por infravermelhos); todos os outros suportes de artilharia, menos um, seguravam depósitos de combustível.

O 175.o fora a primeira esquadrilha da guarda nacional a receber a LANTIRN. Era um pequeno conjunto de sistemas electrónicos e ópticos que permitia ao Hog ver de noite, enquanto voava à altitude mínima em busca de alvos. Os sistemas projectavam uma imagem na parte superior do pára-brisas do caça HUD, transformando a noite em dia e tornando este tipo de missão menos sujeito a erros. Ao lado de cada antena LANTIRN havia um objecto mais pequeno, que, ao contrário das munições do canhão e das Rockeyes, se destinava a ser usado naquela noite.

’Richardson não temia — até saboreava — os riscos da missão. Dois dos seus três camaradas eram, como ele, pilotos de carreira, e o terceiro um especialista em pulverização aérea de culturas, todos homens experientes, com muita prática de voo rasante. E a missão que lhes havia sido confiada era boa.

As instruções, dadas por um oficial da Marinha, tinham levado mais de uma hora a transmitir. Iam fazer uma visita à Marinha soviética. Richardson lera nos jornais que os russos andavam a tramar alguma e quando soube que enviavam uma esquadra a roçar-se pela costa americana, ficou atónito perante tal atrevimento. Indignara-se ao saber que uma porcaria dos seus caças diurnos disparara à traição contra um Tomcat da Marinha, na véspera, quase matando um oficial. Por que seria que não deixavam a Marinha ripostar? A maior parte do grupo aéreo do Saratoga encontrava-se nos estacionamentos de Loring, ao lado dos B-52, Intruders A-6E e Hornets F-18, com a respectiva artilharia a poucos metros de distância. Suspeitava de que a missão era apenas o primeiro acto, a parte delicada do conjunto. Enquanto os soviéticos se concentravam na força de ataque que acossava o limiar do raio de acção dos S AM, a esquadrilha de Richardson rumaria, abrigada do radar, ao navio-almirante, o cruzador nuclear Kirov. Para dar um recado.

Era surpreendente que pilotos da guarda tivessem sido seleccionados para a missão. Perto de mil aviões tácticos estavam mobilizados na Costa Leste, cerca de um terço de reservistas, e Richardson suspeitava de que isso fazia parte do recado. Aviadores de segunda linha desenvolviam uma operação táctica muito difícil, enquanto as esquadrilhas regulares aguardavam ordens em Loring, McGuire, Dover, pease e várias outras bases da Virginia ao Maine, com os depósitos cheios e as missões atribuídas, prontos. Perto de mil aviões! Richardson sorriu. Não haveria alvos que chegassem.

— Comandante Segunda Linha, aqui Sentry-Delta. Coordenadas do alvo, zero-quatro-oito, distância oitenta quilómetros. Rota um-oito-cinco, velocidade vinte.

Richardson não respondeu pelo circuito rádio não codificado. A esquadrilha voava sob EMCON. Qualquer ruído electrónico podia alertar os soviéticos. Mesmo o radar de fixação de alvo estava desligado; apenas os sensores passivos de infravermelhos e de televisão de luz reduzida se encontravam em operação. Richardson olhou de relance para a esquerda e para a direita. Aviadores de segunda Unha uma treta! Os tripulantes da esquadrilha tinham pelo menos quatro mil horas de voo cada um, mais do que a maioria dos pilotos regulares chegaria a atingir, mais do que a maior parte dos astronautas, e os aparelhos eram assistidos por homens que mexiam em aviões por gosto. A verdade era que a sua esquadrilha dispunha de melhores condições operacionais do que qualquer esquadrilha regular e tivera menos acidentes do que os ases empertigados que haviam pilotado os Warthogs na Inglaterra e na Coreia. Os russos já veriam.

Sorriu consigo. Sim, era melhor do que’voar no DC-9 de Washington para, Providence e Hartford e volta, todos os dias, na U.S. Air. Richardson, que tinha sido piloto de caça, abandonara a Força Aérea oito anos atrás em troca de melhor ordenado e do estilo de vida mais livre de um piloto comercial. Perdera o Vietname, e o voo comercial não exigia nada que se parecesse com as capacidades que possuía, designadamente a de roçar qual seta as copas das árvores.

Tanto quanto sobia, o Hog nunca fora utilizado em missões marítimas de assalto — outra parte do recado. Não admirava que fosse bom nisso. As suas munições antitanque seriam eficazes contra barcos. Os seus tiros de canhão e as bombas Rockeyes destinavam-se a destruir tanques de combate, e Richardson não duvidava do que fariam a vasos de guerra de casco fino. Uma pena que não fosse a sério. Era tempo de dar aos russos uma ensinadela.

A luz de um sensor de radar piscou no receptor de aviso; radar de banda S, provavelmente operando em busca de superfície e ainda sem força bastante de retorno para ser referenciado. Os soviéticos não possuíam plataformas de radar aéreo e os radares flutuantes tinham a limitação da curvatura da terra. O raio andava mesmo por cima da sua cabeça; captava-o intermitentemente de raspão. Evitariam melhor os radares inimigos se voassem a quinze em vez de trinta metros, ordens eram ordens.

— Esquadrilha Segunda Linha, aqui Sentry-Delta. Afastem-se e prossigam — ordenou o AWACS.

Os A-10 alargaram o intervalo que os separava de alguns metros para alguns quilómetros, estendendo a formação de ataque. Tinham ordens de aumentar a distância relativa a quarenta e oito quilómetros do alvo. Faltavam cerca de quatro minutos. Richardson olhou o relógio digital: a esquadrilha Segunda Linha cumpria o horário. Atrás deles, os Phantoms e Corsairs em formação de ataque aproximavam-se dos soviéticos para os distrair. Devia estar a vê-los...

A HUD mostrava pequenos acidentes no horizonte projectado — a primeira barreira de contratorpedeiros, os Udaloys e Sovremennys. O oficial que os instruíra tinha-lhes mostrado silhuetas e fotos dos vasos de guerra.

Beep! — silvou o receptor de aviso. Um radar de orientação de mísseis de banda X acabava de varrer o espaço sobre o avião. Perdera o Hog e esforçava-se por retomar o contacto. Richardson ligou as BCM (contramedidas electrónicas) para interferir no sistema. Os contratorpedeiros estavam apenas a oito quilómetros. Quarenta segundos. Caladinhos, camaradas, disse consigo.

Começou a manobrar o aparelho ousadamente, subindo, descendo, guinando para a direita e para a esquerda, sem obedecer a nenhum esquema pré-estabelecido; não podia facilitar a vida a Ivan. Se aquilo fosse a sério, os seus Hogs reluziriam atrás de um enxame de mísseis anti-radar e seriam acompanhados por aparelhos Wild Weasel com a função de confundir e destruir os sistemas de controle dos mísseis soviéticos. As coisas agora sucediam-se muito depressa. Um contratorpedeiro surgiu na rota do Hog. Richardson deu um pequeno toque no leme e passou à distância de quatrocentos metros. Três quilómetros ao Kirov — dezoito segundos.

O sistema HUD apresentou uma imagem intensificada. A estrutura piramidal do radar do Kirov enchia-lhe o pára-brisas. Via sinais de luzes intermitentes em redor do cruzador. Richardson fez rodar mais o leme direito. Deveria passar a trezentos metros do barco, nem mais nem menos. O seu Hog teria de sobrevoar a proa, os outros a popa e cada lado do Kirov. Richardson não queria forçar a nota. O major certificou-se de que os comandantes do canhão e das bombas estavam em posição de segurança. Nada de entusiasmos. Num ataque real, era altura de disparar o canhão. Uma torrente de granadas destrocaria a frágil blindagem dos depósitos de mísseis à proa do Kirov, fazendo explodir os SAM e os mísseis de cruzeiro numa bola de fogo monumental, e rasgaria a superstrutura como se fosse papel de jornal.

A quinhentos metros, o comandante armou o sistema de iluminação, junto ao LANTIRN.

Agora! Accionou o interruptor, que soltava seis pára-quedas com foguetes luminosos de magnésio de alta intensidade. Os quatro aviões da esquadrilha executaram a manobra com diferença de segundos. De súbito, o Kirov ficou encurralado numa caixa de luz branco-azulada. Richardson puxou a alavanca de comando, executando uma curva em subida sobre o cruzador. A luz brilhante ofuscava-o, mas deixava-o ver as graciosas linhas do vaso soviético que rodava a toda a pressa no mar cavado, os homens correndo pela coberta como formigas.

Se fosse a sério, vocês estariam todos mortos — entenderam o recado?

Richardson ligou o rádio.

— Comandante Segunda Linha a Sentry-Delta — disse em linguagem clara. — Robin Hood, repito, Robin Hood. Esquadrilha Segunda Linha, fala o comandante. Formem atrás de num. Vamos embora.

— Esquadrilha Segunda Linha, aqui Sentry-Delta. Notável! — respondeu o controlador. — Atenção, o Kiev tem dois Forgers no ar, cinquenta quilómetros para leste, na vossa direcção. Terão de se apressar para vos alcançar. Manteremos contacto. Terminado.

Richardson fez um rápido cálculo mental. Provavelmente não os alcançariam e, mesmo que alcançassem, doze Phantoms do 107.o Grupo de Caças de Intercepção estavam prontos a enfrentá-los.

— Em cheio, comandante! — disse Segunda Linha 4, o .pulverizador, mexendo-se cautelosamente no assento. — Vê aqueles perus a apontar para nós? Sacudimos-lhe, a gaiola cá de uma maneira!

— Atenção aos Forgers — preveniu Richardson, sorrindo de orelha a orelha sob a máscara de oxigénio.

Pilotos de segunda linha uma treta!

— Deixe-os vir — respondeu o 4. — Se algum desses bandidos se aproximar de mais, será o último erro que comete!

O 4 era demasiado agressivo para o gosto de Richardson, mas sabia mexer no Hog, lá isso...

— Esquadrilha Segunda Linha, aqui Sentry-Delta. Os Forgers voltaram para trás. Escuto.

— Entendido, terminado. Atenção esquadrilha, vamos acalmar e rumar a casa. Acho que já ganhámos o mês. — Richardson certificou-se de que estava em frequência aberta. — Senhores passageiros, fala o comandante Barry Amigável — disse, repetindo o dito das relações públicas da U. S. Air, que era já tradicional no 175.o — Espero que tenham feito boa viagem e obrigado por terem voado Warthog Air.

O “Kirov”

No Kirov, o almirante Stralbo correu do centro de informação de combate para a ponte, tarde de mais. Tinham detectado os aviões em voo rasante só quando se encontravam a um minuto do cruzador. A caixa de luz ficara já para trás. Alguns foguetes ardiam ainda na água. A tripulação da ponte, reparou o almirante, não escondia a sua perplexidade.

— Sessenta a setenta segundos antes de estarem em cima de nós, camarada almirante — disse o capitão de bandeira —, seguíamos a força de ataque que nos sobrevoava, e estes quatro, pensamos que eram quatro, passaram sob a cobertura de radar. Tínhamos mísseis apontados a dois deles, apesar da interferência nos sistemas de controle.

Stralbo franziu o sobrolho. A reacção do Kirov não fora famosa. Se o ataque tivesse sido a sério, o Kirov teria, pelo menos, sofrido danos graves. Os americanos de boa vontade trocariam dois caças por um cruzador nuclear. Se todos os aviões americanos atacavam assim...

— A arrogância dos americanos é fantástica! — protestou o zampolit da esquadra.

— Foi um disparate provocá-los — observou Stralbo de mau modo. — Eu sabia que ia acontecer uma coisa destas, mas esperava que partisse do Kennedy.

—Isso foi um erro, um erro do piloto — respondeu o comissário político.

— Pois foi, Vasily. Mas isto não! Vieram dar-nos um recado. Que estamos a mil e quinhentos quilómetros da costa deles sem cobertura aérea adequada e que eles têm mais de quinhentos caças à espera de cair sobre nós, vindos de oeste. Entretanto, o Kennedy acossa-nos a leste como um cão raivoso. A nossa posição não é nada brilhante.

— Os americanos não seriam assim tão imprudentes.

—Tem a certeza, camarada comissário político? Tem? E se um avião dos deles comete um “erro de piloto”? E afunda um dos nossos contratorpedeiros? E se o presidente americano fala pela linha directa com Moscovo, a pedir desculpa, antes de nós próprios podermos informar do sucedido? Juram que foi um acidente e prometem castigar o estúpido piloto. E depois? Acha que o comportamento dos imperialistas é assim tão previsível, connosco quase em cima da costa deles? Eu não acho. Penso que estão a rezar para que lhes demos o menor pretexto de nos caírem em cima. Venha ao meu camarote. Temos de reflectir nisto.

Os dois homens dirigiram-se à popa. O camarote de Stralbo era espartano. A única decoração na parede era um retrato de Lenine a discursar perante os Guardas Vermelhos.

— Qual é a nossa missão, Vasily? — perguntou Stralbo.

— Apoiar os nossos submarinos, ajudá-los a conduzir a busca...

— Exactamente. A nossa missão é apoiar, não conduzir operações ofensivas. Os americanos não nos querem aqui. Objectivamente, compreendo-os. Com todos os nossos mísseis, somos uma ameaça para eles.

— Mas nós temos ordens para não os ameaçar — protestou o zampolit. — Porque haveríamos de querer atacar o território deles?

— E, claro, os imperialistas reconhecem que somos pacíficos socialistas! Então, Vasily, são os nossos inimigos! É evidente que não confiam em nós. É evidente que desejam atacar-nos, demos-lhes nós o mais insignificante pretexto. Já estão a interferir nas nossas buscas, fingindo ajudar. Não nos querem aqui... e se nos deixarmos provocar pelas suas acções agressivas, caímos na armadilha que nos estendem. — O comandante fitou a secretária. — Bom, vamos mudar isto tudo. Ordenarei que a esquadra suspenda tudo o que possa parecer minimamente agressivo. As operações que não sejam acções normais de patrulha serão suspensas. Deixaremos de importunar as unidades navais americanas. Usaremos apenas radares de navegação normais.

— E?

— E engoliremos o nosso orgulho e seremos mansos como cordeiros. Não reagiremos a nenhuma provocação.

— Não faltará quem chame a isso cobardia, camarada almirante — avisou o zampolit.

Stralbo já esperava a observação.

— Não compreende, Vasily? Ao fingir que nos atacavam já nos prejudicaram. Obrigam-nos a activar os nossos mais recentes e secretos sistemas defensivos para poderem reunir informações sobre os nossos radares e sistemas de controle de tiro. Estudam o comportamento dos nossos caças e helicópteros, a capacidade de manobra dos nossos barcos e, acima de tudo, o nosso comando e o nosso controle. Vamos acabar com isto. A nossa principal missão é demasiado importante. Se continuarem a provocar-nos, reagiremos como se a nossa missão fosse realmente pacífica — e é, tanto quanto lhes diz respeito — e protestaremos a nossa inocência. Serão eles os agressores. Se continuarem a provocar-nos, estaremos atentos às suas tácticas e não responderemos. Ou prefere que nos impeçam de executar a nossa missão?

O zampolit murmurou o seu consentimento. Se falhassem, a acusação de cobardia não teria grande significado; se encontrassem o submarino renegado, seriam heróis, acontecesse o que acontecesse.

O “Dállas”

Há quanto tempo estaria de serviço? — interrogou-se Jones. Bastar-lhe-ia, para saber, carregar no botão do relógio digital, mas o técnico de sonar não queria fazê-lo. Seria deprimente. Eu e a minha mania de falar de mais — pode apostar, comandante! Estúpido! Detectara o submarino a uma distância de cerca de vinte milhas, mal o detectara... e o maldito oceano Atlântico tinha três mil milhas de largura, pelo menos sessenta diâmetros de imagem. Agora precisava de algo mais que sorte.

Bem, ganharia um duche dos bons, à Hollywood. Em geral, um duche num barco que não nadava em água doce significava uns segundos para molhar, um minuto para ensaboar e mais uns segundos para tirar o sabão. Uma pessoa lavava-se, mas não ficava reconfortada. Já era um progresso relativamente aos velhos tempos, gostavam os veteranos de dizer. Também outrora, costumava Jones responder, os marinheiros tinham de remar ou de navegar a diesel ou bateria, o que ia dar no mesmo. Um chuveiro à Hollywood é algo em que um marinheiro começa a pensar poucos dias depois de entrar a bordo. Deixa-se a água correr, uma demorada, contínua corrente de água maravilhosamente aquecida. O comandante Mancuso costumava atribuir este sensual passatempo como prémio de um cumprimento do dever acima da média. As pessoas tinham algo de palpável por que lutar. Num submarino não há onde gastar dinheiro, não há cerveja nem mulheres.

Velhos filmes — estavam a fazer um esforço nesse sentido. A biblioteca não era má quando havia tempo para procurar — uma salgaIhada. E o Dállastinha dois computadores Apple e uma dúzia de jogos computarizados. Jones era o campeão do submarino no Choplifter e no Zort. Os computadores serviam também para treino, claro, para exames prático e para aprendizagem programada de textos. A maior parte do tempo estavam nisso ocupados.

O Dállas pesquisava uma área a leste de Grand Banks. Os barcos que seguiam a Rota costumavam passar por aqui. Navegavam a cinco nós, rebocando o sonar BQR-15. Tinham feito todo o tipo de contactos. Primeiro, metade dos submarinos da Marinha russa havia passado por eles a alta velocidade, muitos seguidos por barcos americanos. Um Alfa fazia tanto barulho que poderia ser ouvido se uma pessoa encostasse um copo ao casco; Jones tivera de reduzir ao mínimo o volume dos amplificadores para não ficar sem ouvidos. Uma pena não terem podido disparar. A fixação era tão simples, o tiro tão fácil que até uma criança com uma régua de cálculo o teria conseguido. O Alfa teria sido canja! A seguir, vieram os Victors e os Charlies e, por fim, os Novembers, todos a correr. Jones escutara também barcos de superfície a ocidente, muitos, navegando a cerca de vinte nós, produzindo todo o tipo de ruídos ao atacarem as vagas. Estavam muito longe, não eram da sua conta.

Havia dois dias que tentavam fixar aquele alvo, e Jones dormira apenas uma hora, espaçadamente. Bem, é para isso que me pagam, reflectiu, triste. Não era a primeira vez, mas sentia-se sempre feliz quando o trabalho acabava.

O sonar de grande abertura era rebocado na extremidade de um cabo com trezentos metros. Jones dizia, referindo-se-lhe, que andava às baleias. Este equipamento de sonar, além de ser o mais sensível que possuíam, protegia o Dállascontra intrusos que o perseguissem. Em geral, um sonar de submarino trabalha em qualquer direcção excepto à popa — área chamada cone de silêncio, ou reflector. O BQR-15 resolvia este problema. Jones ouvia através dele todo o tipo de coisas, submarinos e barcos de superfície, constantemente, aviões voando baixo de vez em quando. Uma vez, durante um exercício na Florida, só conseguira identificar o ruído de pelicanos a mergulhar depois de o comandante ter mandado subir o periscópio. Depois, ao largo da Bermuda, tinham encontrado baleias acasalando — e que impressionante ruído faziam! Jones ficara com uma cópia da gravação para ouvir na praia; algumas mulheres achavam-na interessante e bizarra. Jones sorriu.

Havia muitos ruídos de superfície. Os processadores de sinal filtravam a maior parte e, de vez em quando, Jones desligava-os para escutar o som integral e verificar se a filtração não era excessiva. As máquinas eram estúpidas. Jones perguntou a si próprio se o SAPS não deixaria que parte daquele sinal anómalo se perdesse nos chips do computador. Era um dos problemas com computadores, mais rigorosamente com os programas: dizia-se à máquina para fazer uma coisa e a máquina fazia outra. Jones costumava entreter-se a conceber programas. Conhecia gente da faculdade que elaborava programas com jogos para computadores individuais; uma dessas pessoas ganhava bom dinheiro na Sierra On — Line Systems...

Outra vez a sonhar, Jonesy, repreendeu-se. Não era fácil passar horas a fio sem ouvir nada. Seria boa ideia, pensou, permitir aos técnicos de sonar lerem durante o quarto. Nem se atrevia, porém, a sugerir a ideia; Mr. Thompson talvez concordasse, mas o comandante e os oficiais tinham sido especialistas em reactores e seguiam a habitual regra de ferro: devem observar-se todos os instrumentos, sempre, com absoluta concentração. Jones não achava a regra correcta. Com os homens do sonar era diferente; saturavam-se com muita facilidade. Para contrariar este stress, Jones utilizava gravações musicais e jogos. Isolava-se completamente a jogar o Choplifter. Um homem precisava de ter qualquer coisa para se distrair, pelo menos uma vez por dia.

E, em certos casos, quando de serviço. Até os motoristas de camião, que não eram propriamente intelectuais, tinham rádios e gravadores para não ficarem hipnotizados pela estrada. Mas os marinheiros de um submarino nuclear que custava um bilião...

Jones chegou-se para a frente, apertando os auscultadores contra os ouvidos. Rasgou uma folha do bloco cheia de bonecos e apontou a hora em folha nova. Ajustou os controles de volume, já perto do máximo, e tornou a desligar os processadores. A cacofonia do ruído de superfície quase lhe fez estourar a cabeça. Jones aguentou um minuto, manobrando os filtros para eliminar o pior do ruído de alta frequência. Ah! Se calhar o SAPS está a confundir-me... Ainda é cedo para dizer.

Quando Jones fora submetido ao primeiro exame sobre aquele equipamento, na escola de sonar, sentira o ardente desejo de o mostrar ao irmão, diplomado em engenharia electrónica, que trabalhava como consultor na indústria de gravação. Tinha onze patentes registadas em seu nome. O material do Dállas ter-lhe-ia feito saltar os olhos das órbitas. Os sistemas da Marinha para digitalizar o som estavam anos à frente de qualquer técnica comercial. Uma pena que fossem secretos, como o material nuclear...

— Mister Thompson — disse Jones em voz calma, sem se mexer —, quer pedir ao comandante para reduzir a velocidade um nó ou dois, e rodar um pouco mais para leste?

— Comandante — chamou Thompson, saindo para a passagem, a fim de transmitir o pedido.

As ordens para alterar a rota e a velocidade foram dadas em quinze segundos. Mancuso entrou no sonar dez segundos depois.

O comandante andava furioso. Era óbvio, havia dois dias, que o contacto não agira conforme o previsto, não seguira a rota, ou nunca tinha abrandado. O comandante Mancuso enganara-se em alguma coisa — ter-se-ia também enganado quanto ao rumo do visitante? E se o seu amigo não havia seguido a rota que significaria isso? Jones admitira desde sempre a possibilidade. Tratar-se-ia então de um submarino com mísseis. Os comandantes dos submarinos com mísseis nunca andam depressa.

Jones estava sentado como de costume, dobrado sobre a mesa, a mão esquerda no ar para impor silêncio, enquanto o sonar a reboque formava um preciso azimute leste-oeste no extremo do cabo. Um cigarro ardia esquecido no cinzeiro. Um gravador de bobina trabalhava continuamente na sala de sonar; as bobinas eram substituídas de hora a hora, e guardadas para análise posterior, em terra. Junto do primeiro havia um segundo aparelho, cujas gravações eram utilizadas a bordo do Dállas para reexame de contactos. Jones ligou-o.

pepois, virou-se e viu o comandante a fitá-lo. O rosto de Jones abriu-se num sorriso discreto e fatigado.

— Cá está—murmurou.

Mancuso apontou para o altifalante. Jones abanou a cabeça.

— Fraco de mais, comandante. Foi mesmo agora que o apanhei. Para norte mais ou menos, acho eu. Mas preciso de mais tempo.

Mancuso observou a agulha de intensidade do gravador. Mantinha-se quase no zero. De cinquenta em cinquenta segundos, aproximadamente, a agulha mexia. Pouco. Jones tomava notas furiosas.

“Os malditos filtros SAPS estão a apagar isto tudo! Precisamos de amplificadores mais suaves e de melhores filtros de controle manual!”, escreveu.

Mancuso disse consigo que estava a ser ridículo. Observava Jones como observara a mulher quando do nascimento de Dominic, e cronometrava os saltos da agulha como controlara as contracções da mulher. Mas não havia emoção que se comparasse àquela. Comparava-a, para a explicar ao pai, à emoção sentida no primeiro dia de caça, quando se ouvem as folhas sussurrar e se sabe que não é um homem o autor do sussurro. Mas era melhor do que isso. Mancuso perseguia homens, homens como ele próprio num submarino como o seu...

— Ouve-se melhor, comandante — disse Jones, recostando-se e acendendo um cigarro. — Vem na nossa direcção. Três-cinco-zero, para aí, talvez três-cinco-três. Ainda muito fraco, mas é o nosso amigo. Apanhámo-lo. — Jones decidiu arriscar uma impertinência; já ganhara direito a uma certa tolerância. — Esperamos ou vamos em cima dele, sir?

— Esperamos. Não interessa assustá-lo. Deixamo-lo aproximar-se calmamente, enquanto fazemos a nossa famosa imitação de um buraco na água. Depois vamos segui-lo de perto durante algum tempo. Quero outra gravação disto e quero uma decomposição do SAPS para o BC-10. Não interessa o processamento algorítmico; quero o contacto analisado, não interpretado. Passa-o de dois em dois minutos. Quero a assinatura gravada, digitalizada, mastigada, esticada, mutilada. Quero saber tudo sobre ele, os ruídos de propulsão, a assinatura do reactor, as máquinas. Quero saber exactamente quem é.

— É um russo, sir — observou Jones.

— Mas que russo? — perguntou Mancuso, sorrindo.

— Compreendo, comandante.

Estaria de serviço mais duas horas, mas o fim do quarto já estava à vista. Quase. Mancuso sentou-se, pegou num par de auscultadores e roubou um cigarro a Jones. Andava há um mês a ver se deixava o vício. Seria mais fácil em terra.

HMS “Invincible”

Ryan usava agora um uniforme da Marinha Real inglesa, solução de recurso. Outra prova da urgência com que a operação fora lançada estava no facto de só lhe terem dado uma farda e duas camisas. O seu guarda-roupa estava a ser limpo e, enquanto esperava, vestira um par de calças inglesas e uma camisola. Curioso, já ninguém se lembra de que estou aqui. Curioso? Típico! Tinham-no esquecido. Nenhuma mensagem do presidente—não que esperasse alguma — e Painter e Greer esqueciam-se, com todo o prazer, de que ele continuava no Kennedy. Greer e o juiz estudavam com certeza uma loucura qualquer, gracejavam talvez sobre Jack Ryan que fazia um cruzeiro de férias à custa do Governo.

Não era um cruzeiro de férias. Jack redescobria a sua vulnerabilidade ao enjoo. O Invincible estava ao largo de Massachusetts, à espera da força de superfície russa e procurando activamente os submarinos vermelhos na área. Descrevia círculos constantes num mar sempre revolto. Toda a gente se achava ocupada, menos ele. Os pilotos voavam duas vezes por dia ou mais, com os seus colegas da Força Aérea e da Marinha dos EUA, a partir de bases em terra. Os barcos exercitavam tácticas de guerra de superfície. Como o almirante White dissera ao pequeno-almoço, tratava-se de uma bela extensão do GOLFINHO ELEGANTE. Ryan não gostava de ser um supranumerário. Eram todos delicadíssimos, evidentemente. De facto, a hospitalidade era quase excessiva. Tinha acesso ao centro de comando, e quando se interessava pelo modo como os britânicos perseguiam os submarinos explicavam-lhe tudo com pormenor suficiente para perceber metade.

Encontrava-se sozinho, a ler, no camarote de White, que se tornara a sua residência a bordo. Ritter tivera a boa ideia de lhe meter no saco um estudo da CIA. Intitulado “Filhos Abandonados: Um Perfil Psicológico dos Desertores do Bloco de Leste”, o documento, de trezentas páginas, havia sido elaborado por uma comissão de psicólogos e psiquiatras que trabalhavam com a CIA e outras agências de espionagem, ajudando os desertores a integrarem-se na vida americana—e, tinha Ryan a certeza, a identificarem riscos de segurança para a CIA. Não existiriam muitos, mas tudo o que a Companhia fazia tinha duas facetas.

Ryan achou o estudo muito interessante. Nunca pensara naquilo que realmente faz um desertor; imaginava que muitas coisas aconteciam do outro lado da Cortina de Ferro suficientes para encorajar uma pessoa sensata a correr todos os riscos de fugir para o Ocidente. Mas as coisas não eram, pelos vistos, assim tão simples. Cada desertor era um caso único. Enquanto um reconhecia as iniquidades da vida do regime comunista e ansiava por justiça, liberdade religiosa, a possibilidade de se desenvolver como indivíduo, outro podia simplesmente desejar enriquecer, sabedor de como os capitalistas gulosos exploravam as massas e tendo concluído que ser explorador tem as suas vantagens. Ryan achou curioso o raciocínio, embora hipócrita. Outro tipo de desertor era o impostor, alguém colocado na CIA para desinformar. Este tipo de pessoa, contudo, podia surpreender, acabar por tornar-se um autêntico desertor. A América, reflectiu Ryan sorrindo, era extremamente sedutora para quem estava habituado à vida cinzenta da União Soviética. Na maior parte, todavia, os agentes clandestinos eram inimigos perigosos. Daí que um desertor nunca merecesse confiança. Nunca. Um homem que trocava de país uma vez podia trocar outra. Mesmo os idealistas tinham dúvidas, grandes problemas de consciência por terem abandonado a pátria. Numa nota de rodapé, um médico comentava que o mais doloroso castigo para Aleksander Solzhenitsyn era o exílio. Como patriota, estar vivo longe da pátria era mais cruel do que viver num gulag. Ryan achou isto curioso, mas um pouco incrível.

O resto do documento tratava do problema da integração dos desertores. Número apreciável de desertores soviéticos tinha cometido suicídio, passados alguns anos. Parte deles havia sido pura e simplesmente incapaz de se adaptar à liberdade, do mesmo modo que homens encarcerados durante muito tempo não- conseguem viver sem um controle apertadíssimo sobre as suas vidas e cometem novos crimes na esperança de regressarem a um ambiente protegido. Ao longo dos anos, a CIA desenvolvera um método para enfrentar este problema, e um gráfico em apêndice mostrava que os casos de desadaptação grave diminuíam acentuadamente. Ryan entregou-se à leitura com interesse. Enquanto se preparava para o doutoramento em História na Universidade de Georgetown, empregara o pouco tempo livre assistindo a aulas de psicologia. Ficara com a suspeita de que os psicólogos não sabiam realmente grande coisa fosse do que fosse e que se juntavam à volta de ideias à toa... Abanou a cabeça. A mulher, às vezes, dizia o mesmo. Para Caroline Ryan, que ensinava cirurgia oftálmica como professora convidada no St. Guy’s Hospital de Londres, as coisas eram ou não eram. Se uma pessoa tinha uma afecção ocular, ela curava-a ou não curava. Com a cabeça era diferente, concluiu Jack após ter lido o documento pela segunda vez. Cada desertor tinha de ser tratado como um caso particular por alguém que tivesse tempo e propensão para cuidar dele como devia ser. Seria ele capaz disso? O almirante White entrou.

— Aborrecido, Jack?

— Nem por isso, almirante. Quando é que contactamos com os soviéticos?

— Esta noite. Os seus compatriotas fizeram os soviéticos passar um mau bocado depois do incidente com o Torneai.

— Ainda bem. Talvez as pessoas acordem antes que aconteça alguma tragédia.

— Acha que acontecerá? — perguntou White, sentando-se.

— Se eles andam mesmo à procura de um submarino, almirante, acho. Se não andam, então o objectivo é outro e eu enganei-me. Ror: terei de viver com o meu erro... ou morrer com ele.

Centro Médico Naval de Norfolk

Trait sentia-se melhor. O Dr. Jameson substituíra-o durante várias horas, permitindo-lhe que dormisse durante cinco, num sofá, na sala de estar. Não conseguia dormir mais tempo de uma vez, mas era o suficiente para que parecesse ostensivamente fresco ao resto do pessoal. Fez um rápido telefonema e trouxeram-lhe leite. Sendo mórmon, Tait não tomava bebidas com cafeína — café, chá, mesmo cola—, e embora este género de autodisciplina fosse invulgar num médico — mais ainda num militar —, raramente pensava nisso, salvo nas raras ocasiões em que salientava aos colegas as virtudes do seu regime em termos de longevidade. Tait bebeu o leite e barbeou-se, reaparecendo em forma para mais um dia de trabalho.

— Alguma coisa sobre as radiações, Jamie?

— Mandaram vir um especialista nuclear de um submarino para examinar as roupas. Parece que há uma contaminação de vinte rads. insuficiente para produzir efeitos fisiológicos. Se calhar, a enfermeira fez a colheita de sangue nas costas da mão. As extremidades podem estar ainda afectadas pela constrição vascular. Pode ser essa a causa da queda na contagem de glóbulos brancos.

— Como é que ele está?

— Melhor. Pouco melhor, mas melhor. O keflin deve ter resultado. — O médico abriu o gráfico. — Os glóbulos brancos estão a regressar ao normal. O hemograma também. Pus-lhe sangue integral a correr, há duas horas. A tensão arterial é dez-seis e meio, o pulso noventa e quatro. Há dez minutos, a temperatura era trinta e oito vírgula dois. Mantém-se instável desde há umas horas.

“Bem, o coração não está nada mal. Acho que ele se safa se, entretanto, não acontecer nenhum imprevisto.

Jameson disse consigo que, em casos extremos de hipotermia, o imprevisto pode levar mais de um mês a surgir.

Tait examinou o gráfico, lembrando-se do que tinha sido anos atrás. Um jovem e brilhante médico, como Jamie, certo de poder curar o mundo todo. Uma bela intenção. Pena que a experiência — no seu caso, dois anos em Danang — a mate. Jamie estava certo, porém; as melhoras eram suficientes para justificar um aumento das possibilidades de sobrevivência do rapaz.

—- Que fazem os russos? — perguntou Tait.

— Petchkin está agora a tomar conta. Quando chegou a vez dele e teve de mudar de roupa, sabe que entregou o fato ao capitão Smirnov como se receasse que lhe roubássemos alguma coisa?

Tait explicou que Petchkin era agente do KGB.

— Palavra? Se calhar anda armado. — Jameson sorriu. — Se anda, o melhor é ter cuidado porque temos aqui três marines.

— Marines? Para quê?

— Esqueci-me de lhe dizer. Um jornalista descobriu que tínhamos cá um russo e tentou forçar a entrada. Uma enfermeira travou-lhe o passo. O almirante Blackburn soube e ficou furioso. O piso está todo isolado. Afinal, que raio de segredo é este?

— Sei lá! Que pensa desse Petchkin?

— Não sei. É o primeiro russo que conheço. São pouco sorridentes. Da maneira como se revezam para vigiar, dir-se-ia terem medo de que matemos o rapaz.

— Ou que ele diga qualquer coisa que não querem que ouçamos... Parece-lhe que eles preferem que o rapaz morra? Quando resistiram a dizer-nos que ele navegava num submarino nuclear...

Jameson reflectiu e respondeu:

— Não. Os russos têm a mania do secretismo, não têm? E Smirnov acabou por falar.

— Vá dormir um pouco, Jamie. —Vou, capitão.

Jameson encaminhou-se para a sala de estar.

Nós perguntámos-lhes que tipo de submarino, recordou o capitão, isto é, se era ou não nuclear. E se pensaram que queríamos saber se era um submarino equipado com mísseis? Faz sentido, pois... Um submarino equipado com mísseis mesmo ao largo da nossa costa e toda esta actividade no Atlântico Norte... Época de Natal. Meu Deus! Se tencionam fazê-lo, fá-lo-ão já! Atravessou o corredor. Uma enfermeira saiu da sala com uma amostra de sangue para o laboratório. Faziam análises de hora a hora, e Petchkin ficava sozinho com o doente por uns minutos.

Tait dobrou a esquina e viu Petchkin pela janela, sentado numa cadeira, junto da cama, observando o seu compatriota, que continuava inconsciente. Vestia uma bata verde. Feitas para serem postas depressa, as batas eram reversíveis, com um bolso de cada lado para que o cirurgião não perdesse tempo a verificar se estavam do direito ou do avesso. Enquanto Tait observava, Petchkin meteu a mão pela gola larga.

— Oh, meu Deus!

Tait dobrou a esquina a correr e entrou de rompante pelo guarda-vento. A surpresa de Petchkin transformou-se em expressão de pasmo quando o médico lhe fez saltar da mão um isqueiro e um cigarro e, depois, em expressão indignada ao ver-se erguido da cadeira e projectado porta fora. Tait era mais baixo, mas um súbito assomo de energia foi suficiente para expulsar o homem da sala.

— Segurança! — gritou Tait.

— Que significa isto? — perguntou Petchkin.

Tait agarrava-o com força. Logo ouviu pés correndo, vindos do átrio.

—Que foi, sir?

Um marine ofegante, empunhando um Colt 45 na mão direita, parou, derrapando, no chão de ladrilho.

— Este homem tentou matar o meu doente!

— Quê? — exclamou Petchkin, escarlate.

— Cabo, a partir de agora fica aqui à porta. Se este homem tentar entrar na sala, impedi-lo-á por todos os meios ao seu alcance. Compreendeu?

— Compreendi, sir! — o cabo fitou o russo. — Sir, importa-se de se afastar da porta?

— Mas que vem a ser isto?

— Sir, quer fazer o favor de se afastar da porta imediatamente? O marine guardou a pistola.

— Que se passa aqui?

Era Ivanov, que fazia sensatamente a pergunta a três metros de distância, em voz calma.

— Doutor, quer ou não quer que o seu marinheiro sobreviva? — perguntou Tait, procurando controlar-se.

— Que... é claro que queremos! Porque faz uma pergunta dessas?

— Então por que foi que o camarada Petchkin acaba de tentar matá-lo?

— Não fiz tal coisa!—gritou Petchkin.

— Que foi que ele fez exactamente? — perguntou Ivanov. Antes que Tait pudesse responder, Petchkin falou depressa em

russo, depois em inglês.

— Ia fumar um cigarro, mais nada. Não estou armado, não quero matar ninguém. Só queria fumar um cigarro.

— Temos letreiros a proibir o fumo em todo este andar, menos no átrio, não viu? O senhor estava numa sala de cuidados intensivos com um doente a oxigénio, com a atmosfera e as roupas de cama saturadas de oxigénio, e ia acender a merda do seu Bic! — O médico raras vezes falava tão livremente. — Claro, provocava um incêndio, pareceria um acidente e o rapaz morreria! Sei muito bem quem você é, Petchkin, e não me queira convencer de que é analfabeto! Fora

daqui!

A enfermeira, que assistia à cena, entrou na sala. Saiu com um maço de cigarros, dois cigarros soltos, um isqueiro de plástico e uma expressão curiosa. Petchkin estava cor de cinza.

— Doutor Tait, garanto-lhe que não tive a menor intenção de... Que disse que aconteceria?

— Camarada Petchkin — respondeu-lhe calmamente Ivanov em inglês—, haveria uma explosão, seguida de incêndio. Não se pode fazer lume na presença de oxigénio.

— Nichevo!

Petchkin compreendeu finalmente o que fizera. Esperara que a enfermeira saísse porque o pessoal médico nunca deixava as pessoas fumar. Não conhecia a primeira regra dos hospitais e, como agente do KGB, estava habituado a fazer o que lhe apetecia. Começou a falar com Ivanov em russo. O médico soviético parecia um pai a ouvir um filho a desculpar-se por ter partido um copo. Respondeu-lhe bem-humorado.

Tait começou, entretanto, a recear ter reagido despropositadamente—’Os fumadores eram para ele, antes do mais, uns idiotas.

— Doutor Tait — disse, por fim, Petchkin—, juro-lhe que não fazia a menor ideia dessa história do oxigénio. Sou uma besta, pronto, mas...

— Enfermeira — ordenou Tait —, este doente não pode ficar sozinho nem por um segundo! Mande alguém buscar as amostras de sangue e fazer o que for preciso. Se tiver mesmo de sair, peça primeiro que a substituam.

— Está bem, doutor.

— E acabaram-se os disparates, Mister Petchkin. Torne a infringir as regras, sir, e nunca mais porá aqui os pés. Percebeu?

— Com certeza, doutor, e aceite, por favor, as minhas desculpas.

— Você não sai daqui — disse Tait ao marine.

Afastou-se, abanando, furioso, a cabeça, indignado com os russos, embaraçado consigo próprio, desejando encontrar-se em Bethesda, onde pertencia... e saber praguejar a preceito. Desceu ao primeiro piso no elevador de serviço e passou cinco minutos à procura do oficial de informações que viajara com ele. Acabou por encontrá-lo numa sala de jogo, entretido com o Pac Man. Conversaram no gabinete do administrador do hospital, que estava vago.

— Pensa realmente que ele quer matar o rapaz? — perguntou o comandante, incrédulo.

— Que outra coisa podia eu pensar? Que pensa você?

— Que nunca lhe passou isso pela cabeça. Eles querem o rapaz vivo... Não, primeiro querem que fale mais do que você.

— Como sabe?

— Petchkin telefona para a Embaixada de hora a hora. Temos os telefones sob escuta, claro. Então?

— E se é tudo a fingir?

— Nesse caso, o homem é actor profissional. Safe o rapaz, doutor, e deixe o resto connosco. Boa ideia ter posto o marine à porta. Isso irrita-os. Nunca perca uma oportunidade de os irritar. Quando será que ele recupera a consciência?

— Não sei. Ainda tem febre e está muito fraco. Que interesse têm eles em que o rapaz fale?

— Querem saber a que submarino pertencia. O contacto de Petchkin deixou escapar essa ao telefone. Uns amadores! Muito amadores! Devem estar realmente ansiosíssimos.

— Sabe que submarino era?

— Claro — respondeu o oficial, castigador.

— Mas que se passa, por amor de Deus? —Não posso dizer, doutor.

O comandante sorriu como se soubesse, embora ignorasse tanto como os outros o que se passava.

Estaleiro Naval de Norfolk

Uma grua enorme pousou o Avalon no respectivo suporte, no USS Scamp, atracado. O comandante do Scamp observava, impaciente, a manobra do alto da ponte. Ele e o seu barco haviam sido obrigados a interromper uma perseguição aos Victors e não gostara nada disso. O comandante participara semanas antes num exercício DSRV e tinha agora coisas mais agradáveis em que pensar do que servir de ama seca àquele brinquedo inútil. Além disso, o mini-submarino acoplado no seu tubo de salvamento obrigá-lo-ia a reduzir em dez nós a velocidade máxima. E teria mais quatro homens para alojar e alimentar. O Scamp não era tão grande como isso.

Pelo menos iriam comer melhor. O Scamp andava no mar havia semanas quando recebeu ordem de regresso à base. A provisão de vegetais frescos esgotara-se e aproveitavam agora a oportunidade para se reabastecerem de um camião mandado à doca. Um homem cansa-se depressa de salada mista de feijão. À noite iriam ter alface, tomate e carne fresca em vez de enlatada. Mas isso não eliminava o facto de haver russos ao largo, preocupante.

— Está seguro? — perguntou o comandante, da ponte para a coberta da popa.

— Está, comandante. Quando quiser, estamos prontos — disse o tenente Ames.

— Casa das máquinas —- chamou o comandante pelo intercomunicador—, prontos para sair dentro de dez minutos.

— Já estamos, comandante.

Um rebocador preparava-se para ajudar o Scamp a afastar-se da doca. Ames era quem tinha as ordens, coisas de que o comandante não gostava. Não iam mais perseguir submarinos com aquele maldito Avalon a bordo.

O “Outubro Vermelho”

— Olhe aqui, Svyadov — chamou Melekhin. — Vou mostrar-lhe como raciocina um sabotador.

O tenente aproximou-se e olhou. O engenheiro-chefe apontava para uma válvula de inspecção no transformador de calor. Antes de se pronunciar, Melekhin levantou o telefone na antepara.

— Camarada comandante, fala Melekhin. Descobri. Peço autorização para desligar o reactor por uma hora. Podemos alimentar o caíerpillar a bateria, não?

— Claro, camarada engenheiro-chefe — respondeu Ramius. — Faça favor.

Melekhin disse ao engenheiro-adjunto:

— Pare o reactor e ligue as baterias aos motores do Caterpillar.

— Imediatamente, camarada — respondeu o oficial, começando a manobrar os comandos.

Que angústia até descobrirem a fuga! Descoberta a sabotagem nos contadores Geiger, Melekhin e Borodin tinham reparado os aparelhos e começado uma vistoria completa da zona do reactor, tarefa diabolicamente complexa. Uma fuga de grande débito estava fora da questão, pois, nesse caso, Svyadov teria ido à procura dela com uma vassoura — mesmo uma pequena fuga facilmente lambia um braço. Admitiram tratar-se de uma fuga insignificante no troço de baixa pressão do sistema. Devia ser... O não saberem é que perturbara toda a gente.

Só que Melekhin não conseguia descobrir a fuga e, quando os distintivos tinham sido revelados na véspera, não havia nada neles! Como era possível?

— Diga-me lá o que vê, Svyadov — disse Melekhin. —A válvula de verificação de água.

Aberta apenas no cais, quando o reactor estava frio, servia para limpar o sistema de arrefecimento e verificar se a água estava contaminada acima do normal. Era uma peça vulgar, uma válvula forte com um largo volante. O tubo inferior, por baixo do segmento pressurizado do cano, era enroscado e não soldado.

— Uma chave, tenente, por favor.

Melekhin dava a lição, considerou Svyadov. Era o mais lento dos professores quando tentava comunicar algo de importante. Svyadov regressou com uma chave de tubos de um metro. O engenheiro-chefe esperou que o sistema fosse fechado e verificou duas vezes um indicador para se certificar de que os tubos estavam despressurizados. Era um homem cuidadoso. Aplicou a chave e rodou-a. A válvula cedeu facilmente,

— Como vê, camarada tenente, é a válvula que enrosca no tubo. Porque é que isto pode ser assim?

— A válvula é que suporta a pressão, camarada. A peça em que está enroscada não passa de um tubo direccional. A nature/a da união não compromete a pressão da serpentina.

— Correcto. Se o tubo enroscasse na válvula, a união não seria suficientemente forte para a pressão total do sistema.

Melekhin desapertou completamente a válvula, que se adaptava rigorosamente ao tubo. As roscas reluziam ainda, como acabadas de sair da máquina.

— E aqui está a sabotagem.

— Não compreendo...

— Foi pensada com todo o rigor, camarada tenente. — A voz de Melekhin traduzia raiva e admiração. — À velocidade de cruzeiro, a pressão no sistema é de oito quilos por centímetro quadrado, certo?

— Sim, camarada, e à velocidade máxima é noventa por cento mais elevada.

Svyadov sabia tudo isto de cor.

— Raramente navegamos a toda a velocidade. O que aqui temos é uma secção terminal da serpentina de vapor. Ora, alguém abriu aqui um pequeno orifício, não tem sequer um milímetro... Veja... — Melekhin baixou-se para examinar o orifício, enquanto Svyadov se mantinha prudentemente afastado. — Nem sequer um milímetro. O sabotador retirou a válvula, abriu o buraco e recolocou-a. O orifício permite a fuga de uma minúscula quantidade de vapor, muito lentamente. O vapor não pode subir, porque o encaixe da válvula lhe veda a passagem. Repare neste trabalho! Perfeito, absolutamente perfeito! O vapor, portanto, não pode escapar-se para cima; só pode escoar-se para baixo, pela rosca, sempre à volta, até que chega ao tubo direccional. É o suficiente. O suficiente para contaminar esta zona, por pouco que seja. — Melekhin fitou Svyadov. — Quem fez isto foi um homem muito inteligente, um homem que sabe em pormenor como este sistema funciona. Quando reduzimos a velocidade para procurar a fuga, a pressão remanescente na serpentina não era bastante para forçar o vapor através da rosca e nós não descobríamos a fuga. Só existe pressão suficiente aos níveis normais de força.

Quando se suspeita de uma fuga reduz-se a força do sistema. Pense no que poderia ter acontecido se navegássemos à velocidade máxima! — Melekhin abanou a cabeça, com admiração. — Alguém muito, muito inteligente. Oxalá o descubra! Oh, quem me dera conhecer esse homem tão inteligente! Pego num alicate — a voz de Melekhin reduziu-se a um murmúrio — e esmago-lhe os tomates! Dê-me o ferro eléctrico de soldar, camarada. Resolvo isto em poucos minutos.

O capitão-de-mar-e-guerra Melekhin juntou o gesto à palavra. Ninguém poria a mão no seu sector, no sector à sua responsabilidade. Svyadov aplaudiu secretamente. Uma pequenina gota de aço inoxidável foi aplicada ao orifício. Melekhin empurrou-a com ferramenta de joalheiro para não danificar a rosca. Depois, passou nesta um vedante à base de borracha e tornou a colocar a válvula no lugar. A reparação demorara vinte e oito minutos pelo relógio de Svyadov. Como lhe tinham dito em Leninegrado, Melekhin era o melhor engenheiro de submarinos.

— Teste de pressão estática, oito quilos — ordenou ao engenheiro-adjunto.

O reactor foi reactivado. Cinco minutos mais tarde, a pressão atingiu os valores normais. Melekhin colocou um contador debaixo do tubo durante dez minutos — e o contador não marcou nada, nem mesmo na posição dois. Melekhin dirigiu-se ao telefone para informar o comandante de que a fuga estava colmatada.

Melekhin mandou os marinheiros regressarem ao compartimento para reporem as ferramentas no lugar.

— Vê como se faz, tenente?

— Vejo, camarada. A fuga era suficiente para provocar toda a essa contaminação?— Evidentemente.

Svyadov reflectiu. A zona do reactor era uma colecção de tubos e válvulas, e aquela sabotagem não devia ter demorado muito a fazer. Não haveria outras bombas de relógio ocultas no sistema?

— Está a preocupar-se de mais, camarada — disse Melekhin. — Sim, também pensei nisso. Quando chegarmos a Cuba, mandarei fazer um teste estático à pressão máxima para vistoriar todo o sistema, mas, para já, acho que não é boa ideia. Continuaremos o ciclo de quarto de duas horas. Pode ser que um dos nossos tripulantes seja o sabotador. Não terei aqui pessoas o tempo suficiente para cometerem mais sabotagens. Vigie atentamente a tripulação.

 

                   Terça-feira, 14 de Dezembro

                   O “Dállas”

— Loucura de Ivan! — exclamou Jones suficientemente alto para ser ouvido no centro de ataque. — Está a rodar para estibordo!

— Comandante!

Era Thompson a repetir o aviso.

— Tudo parado! — ordenou rapidamente Mancuso. — Barco em ultra-silêncio!

Mil metros à frente do Dállas, o submarino iniciava uma curva fechada para a direita. Executava esta manobra mais ou menos de duas em duas horas desde que o Dállas havia retomado o contacto com ele, embora não com regularidade bastante para que o Dállas pudesse prever em rigor a sua movimentação. Fosse quem fosse o comandante do submarino, sabia do seu ofício, considerou Mancuso. O submarino soviético descrevia um círculo completo para que o sonar da proa pudesse detectar quem se escondesse no cone de silêncio.

Contrariar esta manobra era mais do que complicado—era perigoso, especialmente do modo como Mancuso a contrariou. Quando o Outubro Vermelho mudava de rota, a popa, como a de todos os barcos, movia-se na direcção oposta ao sentido da rodagem. Constituía uma barreira de aço directamente no caminho do Dállasenquanto executava a primeira parte da curva, e o submarino de 7000 toneladas precisava de muito espaço para parar.

O número exacto de colisões ocorridas entre submarinos soviéticos e americanos era um segredo muito bem guardado; mas não era segredo a ocorrência de colisões. Uma característica táctica russa para manterem a distância relativamente aos seus perseguidores consistia numa curva estilizada conhecida na Marinha do EUA por Loucura de Ivan.

Durante as primeiras horas de perseguição, Mancuso tivera o cuidado de manter a distância ao submarino. Verificara que este curvava lentamente. Manobrava sem pressas e parecia subir quinze a vinte e cinco metros quando rodava, quase chegando a inclinar-se para o lado de dentro, como um avião. Suspeitava de que o comandante russo não utilizava toda a sua capacidade de manobra — decisão inteligente, a de manter de reserva, como surpresa, parte das virtualidades do seu barco. Estes factos permitiam ao Dállas segui-lo muito de perto e davam a Mancuso ocasião de reduzir a marcha e navegar quase em silêncio, praticamente tocando a proa do submarino russo. Esmerava-se neste tipo de perseguição—demasiadamente, murmuravam os oficiais. Da última vez haviam falhado as hélices russas apenas por cento e cinquenta metros. A rotação aberta do submarino fazia-o envolver completamente o Dállas quando este quase lhe tocava a cauda.

Evitar a colisão era a parte mais perigosa da manobra, mas não a única. O Dállas tinha também que permanecer invisível para os sistemas de sonar passivo da sua presa. Os engenheiros deviam, pois, reduzir a potência do reactor S6G a uma fracção mínima do total. Felizmente, o reactor podia funcionar a muito baixa potência sem recorrer à bomba de arrefecimento, visto que o refrigerante podia ser transferido por circulação de convecção. Quando as turbinas de vapor paravam, todos os ruídos de propulsão cessavam por completo. Além disso, impunha-se silêncio estrito na rotina do barco. Nenhuma actividade que pudesse provocar ruído era permitida, e a tripulação levava a ordem tão a sério que até as conversas no refeitório se processavam em surdina.

— Velocidade em queda — anunciou o tenente Goodman. Mancuso decidiu que o Dállasnão seria vítima de colisão e foi à popa, ao sonar.

— O alvo continua a rodar para a direita — disse Jones em voz tranquila. — Já devemos estar a salvo. Distância à popa, talvez duzentos metros, um pouco menos... Sim, já estamos a salvo. A rota altera-se mais rapidamente. Velocidade e ruídos de motor constantes. Uma volta lenta à direita. — Jones viu o comandante pelo canto do olho e arriscou uma observação. — Comandante, este tipo manobra realmente à confiança. Realmente.

— Explica lá—Adisse Mancuso, supondo conhecer a resposta.

— Comandante, ele não reduz a velocidade como nós, e nós rodamos muito mais rapidamente do que ele. É quase como se... como se ele não fizesse isto por rotina, está a ver?”Como se estivesse com pressa de chegar a determinado sítio, mas não pensasse que o seguem. Espere... sim, já inverteu quase a rota... Mais ou menos meia milha à nossa proa de estibordo... Continua a rodar lentamente. Vai rodear-nos... Sir, se ele sabe que está aqui alguém, comporta-se com uma frieza... Que pensas, Francês?

O chefe de sonar Javal abanou a cabeça.

— Ele não sabe que estamos aqui.

O chefe não queria dizer mais nada. Pensava que Mancuso, ao seguir o russo tão de perto, era imprudente. O homem era temerário, a brincar assim com um 688; um pequeno erro e acabaria na praia com um balde e uma pá.

— Está a passar por estibordo. Não silva. — Jones pegou no calculador e carregou em alguns números. — Sir, uma curva assim a esta velocidade dá um raio de cerca de mil metros. Será que o tal sistema de propulsão lhe desregula os lemes?

— É possível.

Mancuso colocou um par de auscultadores. O ruído era o mesmo. Um silvo e, de quarenta em quarenta segundos, mais ou menos, um estranho som de baixa frequência. Àquela distância, podiam ouvir também o gorgolejo e o pulsar da bomba do reactor. Havia um som áspero, talvez de um cozinheiro raspando com um tacho numa grade metálica. Naquele submarino não se impunha silêncio. Mancuso sorriu. Era como um ladrão escalador de muros, assim tão perto do inimigo — não, inimigo não, não exactamente — a ouvir tudo. Com melhores condições acústicas poderiam escutar até conversas. Não o suficiente para as entender, claro, mas como se estivessem numa festa a ouvir dezenas de casais falando ao mesmo tempo.

— Está a passar à popa e continua a circular. O raio deve ser superior a mil metros — observou Mancuso.

— Sim, comandante, mais ou menos — concordou Jones.

— Ele não pode servir-se de todo o leme, Jonesy: tens razão, ele faz isto muito displicentemente. Enfim, os russos têm fama de paranóicos— este não é.

Ainda bem, pensou Mancuso. Se ia ouvir o Dállas seria agora, com o sonar da proa apontado quase directamente a eles. Mancuso tirou os auscultadores para ouvir o seu barco. O Dállas era um túmulo. As palavras Loucura de Ivan tinham sido passadas de boca em boca e, segundos depois, a tripulação respondera. Como se premeia uma tripulação inteira? Mancuso sabia que os esforçava, às vezes de mais... diabo, eles empenhavam-se mesmo!

— Vai do lado de bombordo — disse Jones. — Exactamente a meio, agora. Velocidade sem alteração. Rota um pouco mais a direito, distância cerca de mil e cem metros, creio.

O técnico de sonar tirou um lenço do bolso de trás das calças e limpou as mãos.

Há tensão, claro, mas não se dá por ela enquanto se escuta, reflectiu o comandante. Todos os seus tripulantes agiam como profissionais.

— Já passou. Pela proa de bombordo. Deve ter completado a volta. Aposto que retomou a rota um-nove-zero. — Jones ergueu os olhos com um sorriso. — Mais uma vez conseguimos, comandante.

—Pois conseguimos. Bom trabalho, rapazes.

Mancuso regressou ao centro de ataque. Todos se mantinham na expectativa. O Dállas estava morto na água, mergulhando lentamente à deriva, ligeiramente desequilibrado.

— Ligar os motores. Aumentar a velocidade para treze nós, devagar.

Segundos mais tarde, começou a ouvir-se um ruído quase imperceptível, quando a potência do reactor cresceu. Um momento depois, o indicador de velocidade subiu. O Dállas estava outra vez em movimento.

—’Atenção, fala o comandante — disse Mancuso pelo porta-voz.

O sistema de comunicação eléctrico estava desligado e as suas palavras seriam transmitidas de compartimento em compartimento.

— Tornaram a rodear-nos sem nos detectar. Parabéns a todos. Podemos respirar outra vez. — Recolocou o porta-voz no lugar — Mister Goodman, vamos outra vez atrás dele.

— Muito bem, comandante. Cinco graus no leme esquerdo.

— Cinco graus no leme esquerdo — repetiu o timoneiro, fazendo girar a roda.

Dez minutos depois, o Dállas encontrava-se de novo à popa do submarino russo, permanentemente na mira de ataque. Os torpedos Mark 48 mal teriam espaço para se armar antes de atingirem o alvo em vinte e nove segundos.

Ministério da Defesa, Moscovo

— Então como te sentes, Misha?

Mikhail Semyonovich Filitov ergueu os olhos de um grosso maço de documentos. Estava ainda febril e corado. Dmitri Ustinov, o ministro da Defesa, preocupava-se com o seu velho amigo. Devia ter ficado mais uns dias no hospital, conforme o conselho médico. Misha, porém, nunca ouvia conselhos de ninguém; só ordens.

— Sinto-me bem, Dmitri. Uma pessoa, quando sai do hospital, sente-se sempre melhor... mesmo que -saia morta — disse Filitov, sorrindo.

— Mas ainda estás com mau aspecto — observou Ustinov.

—Ora! Na nossa idade tem-se sempre mau aspecto. Uma bebida, camarada ministro da Defesa?

Filitov tirou uma garrafa de vodca Stolychnaya da gaveta da secretária.

— Bebes de mais, amigo — ralhou Ustinov.

—De menos. Um pouco mais de anticongelante e não teria apanhado esta constipação, na semana passada. — Encheu dois copos até meio e estendeu um à visita. — Bebe, Dmitri. Está frio lá fora.

Brindaram, tomaram um gole do líquido límpido e expeliram o ar com um pah explosivo.

— Já me sinto melhor — disse Filitov, soltando uma gargalhada rouca. — Diz-me cá... Que é feito do renegado lituano?

— Não sabemos bem — respondeu Ustinov.

— Ainda? Não me podes contar o que dizia a carta?

Ustinov tomou outro gole antes de explicar. Quando acabou a história, Filitov estava quase deitado sobre a secretária, atónito.

— Mãe de Deus! E ainda não o encontraram? Quantas cabeças?

— O almirante Korov morreu. Foi preso pelo KGB, claro, e morreu de hemorragia cerebral pouco depois.

— Uma hemorragia de nove milímetros, aposto — observou friamente Filitov.—Estou farto de dizer a mesma coisa! Para que raio nos serve a Marinha? Poderemos usá-la contra os chineses? Ou contra os países da NATO que nos ameaçam? Não! Quantos rublos gastamos na construção e no abastecimento desses lindos barcos de Gorshkov? E que lucramos com isso? Nada! Agora perde um submarino e o estupor da Marinha não consegue encontrá-lo! Ainda bem que Estaline já morreu.

Ustinov concordou. Tinha idade suficiente para se lembrar do que acontecia nessa época a quem falhasse, minimamente que fosse.

— De qualquer modo, Padorin talvez salve a pele. Tem um agente suplementar de segurança a bordo do submarino.

— Padorin! — Filitov tomou outro gole de vodca. — Esse eunuco! Só falei com ele aí umas três vezes. Mesmo para comissário, que tipo frio! Nunca ri, nem quando bebe. É cá um russo! Por que é que Gorshkov mantém tanta porcaria à volta dele, Dmitri?

Ustinov sorriu, fitando a bebida.

— Pela mesma razão que eu mantenho, Misha. Os dois homens riram.

— Então como vai o camarada Padorin salvar os nossos segredos e a sua pele? Descobriu a quadratura do círculo, foi?

Ustinov explicou tudo ao seu amigo. Não eram muitos os homens com quem o ministro da Defesa podia falar à vontade. Filitov era coronel de cavalaria reformado, mas continuava a usar orgulhosamente o uniforme. Enfrentara o combate pela primeira vez no quarto dia da Grande Guerra Patriótica, quando os invasores fascistas avançavam para leste. O tenente Filitov defrontara-os a sudeste de Brest Litovsk com um esquadrão de tanques T-45/76. Bom oficial, sobrevivera ao primeiro choque com os panzers de Guderian, retirara em boa ordem e lutara, apostando numa táctica de grande mobilidade, durante dias, até cair no grande cerco de Minsk. Conseguira escapar da armadilha e depois de outra, em Vyasma, e tinha comandado um batalhão como ponta-de-lança de Zhukov no contra-ataque a partir dos arredores de Moscovo. Em 1942, Filitov tomara parte na desastrosa contra-ofensiva sobre Kharkov, mas conseguira escapar de novo, desta vez a pé, afastando os restos destroçados do regimento do temível caldeirão do Dnieper. Ainda nesse ano, com outro regimento, comandara a manobra que tinha esmagado o exército italiano no flanco de Estalinegrado e cercado os alemães. Havia sido ferido duas vezes nessa campanha. Filitov adquirira a reputação de comandante competente e afortunado. A sorte fugira-lhe em Kursk, onde enfrentara a cavalaria da divisão SS Das Reich. À cabeça dos seus homens, numa furiosa batalha de tanques, Filitov e o seu veículo tinham caído direitos numa emboscada de armas de oitenta milímetros. Só por milagre sobrevivera. O seu peito mostrava ainda cicatrizes de queimaduras provocadas pelo tanque incendiado, e ficara praticamente com o braço direito inutilizado. Fora o suficiente para reformar um comandante que conquistara a medalha de ouro de Herói da União Soviética nada menos que três vezes, e mais uma dezena de outras condecorações.

Após meses de hospital em hospital, tornara-se representante do Exército Vermelho nas fábricas de armamento transferidas para os Urais, a leste de Moscovo. O ânimo que fizera dele um soldado de excepção, demonstrar-se-ia ainda mais eficaz ao serviço do Estado na retaguarda. Organizador nato, Filitov aprendeu a tiranizar os directores fabris, impondo-lhes a eficiência e a economia, e convenceu os engenheiros a fazer pequenas, porém muitas vezes cruciais, mudanças no material que salvariam tripulações e venceriam batalhas.

Filitov e Ustinov tinham-se conhecido nestas fábricas, o veterano cheio de cicatrizes e o rude apparatchik que Estaline destacara para a produção de armas que repelissem os odiados invasores. Após alguns conflitos, o jovem Ustinov verificou que Filitov era um homem sem medo, não se deixando intimidar em questões que envolvessem controle de qualidade ou eficiência em combate. No meio de uma discussão, Filitov arrastara praticamente Ustinov para a torre de um tanque e levara-o a um campo de treino para fazer valer os seus argumentos. Ustinov era daqueles a quem bastava mostrarem uma coisa uma vez, e não tardaram a ficar amigos íntimos. Ustinov admirava a coragem de um soldado que dizia não ao comissário do povo para os Armamentos. Em meados de 1944, Filitov fazia parte do seu gabinete, como inspector especial — ou seja, um “bombeiro”. Quando havia um problema numa fábrica, Filitov resolvia-o rapidamente. As três estrelas de ouro e os ferimentos recebidos em combate eram, em geral, o bastante para persuadir os directores fabris a emendar a mão — e, se não fossem, Misha tinha voz grossa e vocabulário capaz de fazer pestanejar um sargento-ajudante.

Filitov, que nunca fora alto funcionário do Partido, fornecia ao seu chefe valiosas informações. Continuava a acompanhar de perto a concepção de tanques e as equipas de produção, e ensaiava muitas vezes um protótipo ou um modelo de série escolhido ao acaso com uma equipa de veteranos experimentados, para ver com os próprios olhos como as coisas funcionavam. Mesmo com um braço inutilizado, dizia-se que Filitov era um dos melhores atiradores da União Soviética. E um homem humilde. Em 1965, Ustinov resolveu fazer uma surpresa ao seu amigo: as estrelas de general. Ficou algo irritado com a reacção de Filitov: não as merecera no campo de batalha, único processo pelo qual um homem poderia conquistar estrelas. Observação bastante impolítica, pois Ustinov era marechal da União Soviética, patente que lhe havia sido dada em paga do trabalho desenvolvido em prol do Partido e da direcção industrial; demonstrava no entanto que Filitov era um verdadeiro Novo Homem Soviético, orgulhoso do que valia e indiferente às suas limitações.

Uma pena, achava Ustinov, que Misha tivesse tido, noutro aspecto, tão pouca sorte. Fora casado com uma mulher encantadora, Elena Filitova, modesta bailarina do Kirov quando o jovem oficial a conhecera. Ustinov recordava-a com uma ponta de inveja; Elena tinha sido a perfeita esposa do soldado. Dera ao Estado dois belos filhos. Estavam já os dois mortos. O mais velho morrera em 1956 ainda muito jovem, com dezassete anos incompletos, cadete enviado para a Hungria devido à confiança política que merecia, abatido por contra-revolucionários. Era soldado e correra os riscos de um soldado. O mais novo, porém, havia morrido num exercício, destrocado por uma culatra defeituosa num tanque F-55 acabado de sair da fábrica, em 1959. Uma tragédia. Elena morreria pouco depois, mais de desgosto do que de doença. Uma tragédia.

Filitov não mudara grande coisa. Bebia de mais, como era vulgar entre militares, mas era um bêbado sossegado. Por volta de 1961, dedicara-se ao esqui. A prática fazia-lhe bem à saúde e cansava-o — provavelmente o que acima de tudo pretendia, além da solidão. Continuava a ser um óptimo ouvinte. Quando Ustinov tinha uma nova ideia a ventilar no Politburo, expunha-a primeiro a Filitov para conhecer a sua reacção. Não sendo um homem sofisticado, Filitov possuía uma invulgar argúcia, um instinto de soldado para descobrir pontos fracos e explorar pontos fortes. Como oficial de ligação, era inultrapassável. Poucos homens vivos ostentavam três estrelas de ouro ganhas no campo de batalha. O facto granjeava-lhe o respeito, mesmo de oficiais de muito mais alta patente.

— Achas que isso é possível, Dmítri Fedorovich? — perguntou Filitov. — Poderá um homem destruir um submarino? Tu percebes de mísseis, eu não.

— É. Resume-se tudo a uma questão de matemática. Há suficiente energia num míssil para destruir um submarino.

— E que será do nosso homem?

Sempre soldado, Filitov preocupava-se com a sorte de um jovem corajoso, sozinho em território inimigo.

— Faremos tudo o que pudermos, claro, mas não há grande esperança.

— Tem de ser salvo, Dmitri! Tem de ser! Olha que rapazes como esse têm um valor para lá dos seus feitos, não são máquinas, não são robots. São símbolos para os outros jovens militares e, vivos, valem por cem tanques ou barcos novos. Na guerra é assim, camarada. Esquecemo-nos disso... e vê o que acontece no Afeganistão!

—’Tens razão, meu amigo, mas... a meia dúzia de centenas de quilómetros da costa americana?

— Gorshkov passa a vida a vangloriar-se da sua Marinha, ele que trate disso! — Filitov encheu outro copo. — Só mais um...

— Hoje não tornas a esquiar, Misha. — Ustinov sabia que era costume ele beber antes de se dirigir, no seu carro, para os bosques a leste de Moscovo. — Não te deixo.

— Hoje não, Dmitri; prometo... embora pense que me faria bem. Hoje vou ao banya, a ver se o vapor e uma suadela me lava o veneno desta velha carcaça. Queres vir comigo?

— Tenho de trabalhar até tarde.

— O banya fazia-te bem — insistiu Filitov.

Era uma perda de tempo e ambos o sabiam. Ustinov fazia parte da “nobreza” e não se misturava com a gente dos banhos públicos. Misha não tinha desses preconceitos.

O “Dállas”

Exactamente vinte e quatro horas após ter retomado o contacto com o Outubro Vermelho, Mancuso convocou uma reunião de oficiais. As coisas tinham, de certo modo, estabilizado. Mancuso conseguira mesmo dormir oito horas” quatro de cada vez, e sentia-se de novo vagamente humano. Dispunham agora de tempo para traçar um rigoroso quadro de sonar da presa, e o computador procedia à classificação da assinatura, a qual estaria à disposição dos outros barcos em poucas semanas. Da perseguição em linha recta haviam obtido um perfeito modelo das características de ruído do sistema de propulsão e do círculo executado duas vezes por hora pelo Outubro Vermelho, uma imagem do tamanho do barco e das especificações do reactor.

O imediato, Wally Chambers, rodava entre os dedos um lápis, como um ponteiro.

— Jonesy tem razão. É o mesmo tipo de reactor dos Oscars Q dos Thyphoons. Faz menos barulho, mas as características da assinatura são, no essencial, virtualmente idênticas. A questão é que é que o faz andar? Dir-se-ia que as hélices estão abafadas. Hélice direccional, com anel, ou talvez uma espécie de túnel de propulsão. Já não experimentámos isso em tempos?

— Há muito tempo — disse o tenente Butler, o oficial de engenharia.—Ouvi falar nisso quando estava em Arco. Não resultou já não me lembro porquê. Seja o que for, reduz muitíssimo os ruídos de propulsão. Este barulho, no entanto... É um som harmónico, não há dúvida... mas de quê? Apanhámo-lo em primeiro lugar...

— Jonesy diz que os processadores de sinal filtram o ruído — disse Mancuso — como se os soviéticos soubessem como funciona o SAPS e tivessem concebido um sistema para o neutralizar. Mas não é de crer.

Todos concordavam neste ponto. Todos conheciam os princípios com os quais o SAPS operava, mas não haveria cinquenta pessoas em todo o país que conhecessem realmente os pormenores.

— Não há dúvida de que se trata de um submarino equipado com mísseis?—perguntou Mancuso.

— Não é possível integrar este reactor noutro tipo de barco — disse Butler. — E, acima de tudo, ele comporta-se como um submarino equipado com mísseis.

— Pode ser um Oscar — sugeriu Chambers.

— Não. Para quê mandar um Oscar tão a sul? O Oscar é uma plataforma antibarco. Não, este tipo comanda um submarino com mísseis. Percorreu a rota à velocidade a que navega agora... e comporta-se como um submarino equipado com mísseis — observou o tenente Mannion. — Mas que visam eles com toda a outra actividade? Esse é que é o problema. Se calhar, tentam aproximar-se da nossa costa... só para ver se são capazes. Não seria a primeira vez. Toda esta actividade constitui óptima manobra de diversão.

Reflectiram na possibilidade. Ambos os lados haviam experimentado o estratagema. Recentemente, em 1978, um submarino soviético equipado com mísseis, da classe Yankee, aproximara-se do bordo da plataforma continental da costa de Nova inglaterra. O objectivo, evidente, fora o de verificar se os Estados Unidos eram ou não capazes de o detectar. Foram; a Marinha conseguira e o problema que se tinha posto era o de reagir ou não, e deixar que os russos soubessem.

— Bem, penso que o melhor é deixar grandes estratégias para o pessoal em terra. Vamos transmitir isto. Tenente Mannion, diga ao QOD para estabilizar à altura do periscópio em vinte minutos. Tentaremos passar por ele e voltar para trás sem sermos detectados.

Mancuso franziu o sobrolho. Tal manobra nunca era fácil. Meia hora mais tarde, o Dállas transmitia a sua mensagem.

 

Z14092SZDEZ ULTRA-SECRETO THEO DE; USS DALLAS PARA: COMSUBLANT INFO: CINCLANTFLT USS DALLAS 2090414DEZ

  1. CONTACTO ANÓMALO RETOMADO 0538Z 13DEZ. POSIÇÃO ACTUAL LAT 42= 35’ LONG 49” 12’. ROTA 194 VELOCIDADE 13 PROFUNDIDADE 600. ACOMPANHAMENTO DURANTE 24 HORAS SEM CONTRADETECÇÃO. CONTACTO CONSIDERADO COMO SSBN DA ESQUADRA VERMELHA, GRANDE ENVERGADURA, CARACTERÍSTICAS DO MOTOR INDICATIVAS DA CLASSE THYFOON. CONTACTO USA POREM NOVO SISTEMA DE PROPULSÃO NÃO REPITO NÃO HÉLICES. PERFIL DE ASSINATURA ESTABELECIDO.
  2. REATAMOS PERSEGUIÇÃO. PEDIMOS LIMITES PARA ÁREA ADICIONAL DE OPS. AGUARDAMOS RESPOSTA 1030Z.

Centro de Operações do COMSUBLANT

 

“No alvo!”, disse Gallery consigo. Tornou ao gabinete, tendo o cuidado de fechar a porta antes de falar pela linha interferida para Washington.

— Sam, fala Vince. Ouça: o Dállasinforma que está a seguir um submarino russo equipado com mísseis, utilizando um novo sistema de propulsão silencioso, cerca de seiscentas milhas a sudeste de Grand Banks, rota um-nove-quatro, velocidade treze nós.

— Óptimo! É Mancuso? — perguntou Dodge.

— Bartolomeo Vito Mancuso, a minha cobaia preferida — confirmou Gallery.

Não tinha sido fácil dar-lhe aquele comando, por causa da idade, mas Gallery vencera todas as resistências. —Não lhe dizia que o tipo era bom, Sam?

— Mas estão pertíssimo do grupo do Kievl — exclamou Dodge, olhando o seu quadro táctico.

— Sim, estão a aproximar-se — concordou Gallery. — O Invincible também não está longe e” o Pogy anda igualmente por lá. Mandámo-lo para o largo quando chamámos o Scamp. Creio que o Dállasprecisa de ajuda. O problema é saber que discrição devemos observar.

— Bastante. Vince, tenho de falar com Dan Foster acerca disto.

— Está bem. O Dállas espera uma resposta dentro de... diabo, dentro de cinquenta e cinco minutos! Sabe como é... Tem de interromper o contacto para falar connosco. Depressa, Sam.

— Está bem, Vince. — Dodge carregou nas teclas do telefone. — Fala o almirante Dodge. Preciso de falar com o almirante Foster imediatamente.

O Pentágono

— Ena! Entre o Kiev e o Kirov. Belo!

O general de Divisão Harris tirou um marcador do bolso para representar o Outubro Vermelho. Era um pequeno objecto de madeira com uma bandeira dos piratas. Harris tinha um estranho sentido de humor.

— O presidente diz que podemos tentar ficar com ele? — perguntou.

— Se conseguirmos levá-lo para onde queremos na altura que queremos — respondeu o general Hilton. — O Dállas não pode entrar em contacto com ele?

— Tinha piada, general. — Foster abanou a cabeça. — Vamos por partes. Primeiro, avançamos com o Pogy e o Invincible, depois arranjamos processo de o avisar. Se mantiver esta rota, meu Deus, vai direitinho a Norfolk. Estão a ver a temeridade do rapaz? Bem, em último caso podemos sempre escoltá-lo.

— Mas assim teremos de devolver o submarino — objectou o almirante Dodge.

— Devemos estar preparados para tudo, Sam. Se não conseguirmos avisá-lo, podemos tentar cercá-lo com barcos nossos para impedir Ivan de disparar.

— Da lei do mar percebe você — disse o general Barnes, chefe do Estado-Maior da Força Aérea. — Mas, tanto quanto sei, isso pode ser interpretado como um acto de pirataria ou mesmo de guerra. Não lhe parece que a situação já é bastante complicada?

— Bem visto, general — disse Foster.

— Meus senhores, precisamos de tempo para estudar isto. E ainda o temos. Mas agora vamos dizer ao Dállas que não largue o tipo — propôs Harris. — E que nos informe de qualquer alteração de rota ou de velocidade. Penso que temos quinze minutos. A seguir, metemos o Pogy e o Invincible na rota deles.

— Acho bem, Eddie. — Hilton virou-se para o almirante Foster. — Se concordar, tratamos já disto.

— Envie a mensagem — ordenou Foster.

— Muito bem.

Dodge pegou no telefone e ordenou ao almirante Gallery a transmissão da mensagem.

 

Z141030ZDEZ

ULTRA-SECRETO

DE: COMSUBLANT

PARA: USS DALLAS

USS DALLAS Z140925ZDEZ

  1. CONTINUE PERSEGUIÇÃO. INFORME DE QUAISQUER ALTERAÇÕES NA ROTA OU VELOCIDADE. AJUDA A CAMINHO.
  2. MENSAGEM ELF “G” DIRECTIVA FLASH DE OPS PRONTA PARA SI.
  3. ÁREA DE OP SEM RESTRIÇÕES. BRAVO ZULU DALLAS. NÃO DESISTA. VICAL GALLERY.

 

— Bom, vamos analisar a situação — disse Harris. — Ainda não se sabe o que os russos pretendem, pois não?

— Que quer dizer, Eddie? — perguntou Hilton.

— Vejamos, por exemplo, a composição da força soviética. Metade das unidades de superfície são antiaéreas e para combate naval, não são essencialmente meios ASW. E para quê o Kirovl Enfeita muito bem a esquadra, sim, senhor, mas o Kiev fazia o mesmo efeito.

— Já falámos acerca disso — observou Foster. — Mobilizaram tudo o que pudesse chegar até aqui a alta velocidade, à superfície, de utilização limitada contra submarinos. A razão, Eddie, está em que Gorshkov quer aqui tudo o que tem. Um barco mau é melhor do que barco nenhum. Até um dos velhos Echos pode ter sorte, e Sergey deve passar as noites de joelhos a pedir sorte.

— Mesmo assim, dividiram as forças de superfície em três grupos, cada um deles com unidades antiaéreas e anti-superfície, e não estão muito fortes em matéria de cascos ASW. Nem mandaram sair de Cuba a aviação ASW. É curioso — salientou Harris.

— Lá se ia por água abaixo a história que inventaram. Não se procura um submarino desaparecido com aviões... bem, podiam, mas se fizessem levantar de Cuba uma esquadrilha de Bears, o presidente trepava pelas paredes — disse Foster. — Acossá-los-íamos de tal maneira que acabariam por não fazer nada. Para nós seria uma operação técnica, mas eles metem a política em tudo, bem sabem.

— Compreendo, mas isso não explica o que se passa. Os barcos e helicópteros ASW que eles têm andam de cabeça perdida. Pode-se procurar assim um submarino afundado, mas o Outubro não se afundou, pois não?

— Não percebo, Eddie — disse Hilton.

— Como procuraria um submarino desgarrado nestas circunstâncias? — perguntou Hilton a Foster.

— Não desta maneira — respondeu Foster após reflectir. — O sonar activo de superfície poria o submarino de sobreaviso muito antes de tomarem contacto com ele. Os submarinos equipados com mísseis têm bom sonar passivo. Ouvi-los-ia aproximar-se e alteraria a rota. Tem razão, Eddie, é um embuste.

— Portanto, que raio pretendem os barcos de superfície? — perguntou Barnes, confuso.

— A doutrina naval soviética impõe o uso de barcos de superfície em apoio às operações submarinas — explicou Harris.—Gorshkov é um bom táctico teórico e, às vezes, muito inovador. Disse há uns anos que os submarinos, para operarem eficazmente, precisam de ajuda, de meios aéreos ou de superfície em apoio directo ou próximo. Não podem utilizar meios aéreos tão longe da Rússia, a não ser que mobilizem os de Cuba, e descobrir no mar um barco que não quer ser descoberto não é tarefa fácil.

“Por outro lado, sabem para onde ele vai... um número restrito de áreas patrulhadas por cinquenta e oito submarinos. O objectivo das forças de superfície, portanto, não consiste em participar directamente na busca — embora, se tiverem sorte, não a desprezem. O objectivo das forças de superfície consiste em impedir-nos de interferir com os submarinos. Por isso cruzam as áreas onde, em princípio, nos encontramos, com as unidades de superfície, e tomam conta de nós. — Harris interrompeu-se por um momento. — Bem pensado. Temos, por conseguinte, de os cobrir. E como eles se encontram numa missão de “salvamento”, temos mais ou menos de fazer o que eles fazem; andamos também de um lado para o outro. Deste modo, eles usam a nossa própria capacidade de ASW contra nós para os seus próprios fins. Ajudámo-los em toda a linha!

— Porquê? — insistiu Barnes.

— A nossa missão é ajudar numa busca. Se encontrarmos o submarino estarão suficientemente perto para o localizar e disparar. E nós? Que poderemos nós fazer? Nada!

“Como disse, eles tentam localizá-lo e destruí-lo com os submarinos. Descobri-lo com a força de superfície só por pura sorte... e não se fazem planos a contar, sobretudo, com a sorte. Logo, o principal objectivo da força de superfície é o de manter a capacidade de tiro dos submarinos e o de manter as nossas forças à distância. Em segundo lugar, os barcos podem funcionar como batedores, empurrando a caça para os submarinos... e, mais uma vez, nós a ajudar. Constituímos uma trincheira adicional. — Harris abanou a cabeça, resmungando, com admiração. — Engraçado, não é? Se o Outubro Vermelho os ouve aproximar-se, corre para o porto que o comandante escolher..- direitinho a uma bela armadilha. Dan, que possibilidades têm eles de o destruir à entrada de Norfolk, por exemplo?

Foster estudou o mapa. Havia submarinos ao largo de todos os portos do Maine à Florida,

— Têm mais submarinos do que nós temos portos. Agora sabemos que o tipo pode ser detectado, e a área ao largo de cada porto é tão vasta, mesmo fora dos limites territoriais... Tem razão, Eddie. Eles têm muitas possibilidades de o afundar. Os nossos grupos de superfície estão demasiado longe para fazerem seja o que for. Os nossos submarinos não sabem o que se passa. Temos ordens para não lhes dizer nada e, mesmo que não tivéssemos, como poderíamos interferir? Disparar contra os submarinos russos antes que eles disparem... e desencadear uma guerra? — Foster suspirou. — Precisamos de o avisar.

— Como? — perguntou Hilton.

— Sonar, uma mensagem telefónica, não sei — sugeriu Harris.

— Ouve-se através do casco — disse o almirante Dodge, abanando a cabeça. — Se continuarmos a presumir que só os oficiais estão metidos na conspiração, a tripulação pode desconfiar do que se passa e será impossível prever as consequências disso. Acham que podemos usar o Ninútz e o America para os expulsar da nossa costa? Já estão suficientemente perto para entrarem na operação. Raios! Não quero que esse tipo se aproxime tanto para ir pelos ares mesmo ao largo da nossa costa!

— Isso não acontecerá — disse Harris. — Desde o rcàd ao Kirov, estão muito mansinhos. É muito arriscado. Aposto em como pensaram nisso tudo. Sabem que, com tantos barcos a operar ao largo da nossa costa, correm o risco de nos provocar. Por isso, tomaram a iniciativa, nós embarcámos, eles aguentaram caladinhos... e agora, se continuarmos a acossá-los, os maus somos nós. Eles até estão empenhados numa operação de busca, não ameaçam ninguém... O Post noticiou esta manhã que temos um sobrevivente russo no hospital naval de Norfolk. De qualquer modo, há uma boa notícia: eles calcularam mal a velocidade do Outubro Vermelho. Os grupos do Kiev e do Kirov, com uma velocidade superior em sete nós, vão ultrapassá-lo pela esquerda e pela direita.

— Pomos então de parte os grupos de superfície? — perguntou MaxwelL

— Não — respondeu Hilton. — Convém que saibam que já não vamos na história da operação de salvamento. Perguntar-se-ão porque nnão nos vamos embora. E temos de tomar conta dos barcos deles. São uma ameaça, portem-se ou não bem.

“O que podemos fazer é fingir que dispensamos o Invincible. Com o Ninútz e o America prontos para entrar em jogo, podemos mandá-lo embora. Quando eles ultrapassarem o Outubro, utilizaremos a manobra em nosso proveito. Colocamos o Invincible para lá dos grupos de superfície soviéticos, como se rumasse a Inglaterra, a interpomo-lo na rota do Outubro. Temos ainda de descobrir um processo de comunicar com ele, claro. Dispor os barcos, muito bem; agora arranjar maneira de o avisar... Bom, para já, concordam em preparar o Invincible e o Pogy para a intercepção?

O “Invincible”

— A que distância está ele? — perguntou Ryan.

— A duzentas milhas. Chegaremos lá dentro de dez horas.

— O capitão Hunter marcou a posição no mapa. — O USS Pogy aproxima-se de leste e deve encontrar-se com o Dállas mais ou menos uma hora depois de nós. Ficaremos assim cerca de cem ’milhas a leste deste grupo de superfície, quando o Outubro chegar. O diabo é que o Kiev e o Kirov estão cem milhas a leste e a oeste dele.

— O comandante do submarino saberá disso? — perguntou Ryan, olhando o mapa e medindo as distâncias com os olhos.

— É improvável. Navega submerso, fundo, e os sonares passivos que tem não são tão bons como os nossos. As condições do mar também não ajudam. Um vento de vinte nós à superfície pode baralhar os sonares, mesmo a boa profundidade.

— Temos de o avisar. — O almirante White olhou a mensagem com a ordem de operações. — Sem recorrer a sistemas acústicos.

—’Como diabo fará isso? Não atinge uma profundidade dessas com um rádio — observou Ryan. — Até eu sei disso. Meu Deus, o tipo navegou quatro mil milhas para estourar à vista do seu objectivo!

— Como comunicar com um submarino? O comandante Barclay interveio:

— Meus senhores, nós não tentaremos comunicar com um submarino; nós tentaremos comunicar com um homem.

— Está a pensar em quê?—perguntou Hunter.

— Que sabemos nós acerca de Marko Ramius? — perguntou Barclay, semicerrando os olhos.

— É um cowboy, o típico comandante de submarino, convencido de que pode andar sobre as águas — disse o capitão Carstairs.

—Que fez quase toda a sua carreira em submarinos de ataque

— acrescentou Barclay. — Marko apostou a vida em como seria capaz de se introduzir num porto americano sem ser detectado por ninguémTemos de abalar essa confiança para o avisar.

—Precisaremos de falar com ele primeiro — disse Ryan, incisivo.

— E assim faremos — respondeu Barclay, sorrindo, já com a sua ideia completamente formada. — Ele é um antigo comandante de submarinos de ataque. Continua a raciocinar em termos de ataque contra os seus inimigos. Ora, como faz tal coisa um comandante de submarinos?

—’Como?— perguntou Ryan.

A resposta de Barclay era óbvia. Discutiram a ideia por mais uma hora e, depois, Ryan transmitiu-a a Washington, para aprovação. Seguiu-se uma rápida troca de informações técnicas. O Invincible deveria chegar ao ponto de encontro de dia e não havia tempo para isso. A operação foi adiada por doze horas. O Pogy juntou-se ao Invincible, colocando-se como sentinela de sonar vinte milhas a leste. Às onze da noite, o transmissor ELF no norte do Michigão passou uma mensagem: “B”. Vinte minutos depois, o Dállas aproximou-se da superfície para receber as suas ordens.

 

                     Quinta-feira, 15 de Dezembro

                     O “Dállas”

— Loucura de Ivan — avisou Jones outra vez. — Roda para bombordo!

— Tudo parado — ordenou Mancuso.

Segurava uma mensagem que lia e relia há horas e cujo conteúdo não lhe agradava.

—Tudo parado, sír — respondeu o timoneiro. —Inverter tudo!

— Inverter tudo, sír.

O timoneiro executou, a expressão atónita.

Por todo o Dállas a tripulação ouviu barulho, barulho de mais, quando as válvulas de engate se abriram para injectar vapor nas pás de reversão das turbinas, impelindo a hélice em sentido contrário. À popa, geraram-se logo vibrações e cavitação.

— Leme direito todo.

— Leme direito todo.

—’Comandante, aqui sonar, estamos a cavitar — disse Jones pelo intercomunicador.

— Muito bem, sonar! — respondeu Mancuso em voz dura.

Não compreendia as suas novas ordens e as coisas que não entendia irritavam-no.

— Velocidade reduzida a quatro nós — anunciou o tenente Goodman.

— Leme de través, tudo parado.

— Leme de través, tudo parado — respondeu logo o timoneiro. —Sir, o meu leme está de través — acrescentou, não querendo que o comandante lhe ralhasse.

— Jesus! — disse Jones na sala de sonar. — Que está o comandante a fazer?

Mancuso entrou no sonar um segundo depois.

— Continua a virar para bombordo, comandante. Está à nossa popa por causa da volta que demos—informou Jones o mais tranquilamente que pôde.

Estava prestes a acusar o seu comandante, notou Mancuso.

—Isto vai animar, Jonesy — disse Mancuso friamente.

Quem manda és tu, disse Jones consigo, suficientemente precavido para não falar. O comandante parecia na iminência de degolar alguém, e Jones acabava de gozar um mês de tolerância. Ligou os auscultadores para o sonar a reboque.

— Ruídos do motor a diminuir, sir. Está a abrandar. — Jones interrompeu-se... mas não podia deixar de dizer tudo. — Sir, deve ter-nos ouvido.

— Era o que faltava se não tivesse — respondeu Mancuso.

O Outubro Vermelho”

— Comandante, um submarino inimigo — disse o núchman, aflito.

— Inimigo? — repetiu Ramius.

— Americano. Deve ter*vindo atrás de nós. Fui obrigado a travar para evitar uma colisão connosco, quando rodámos. É um americano, não há dúvida. Nítido à proa de bombordo, distância um quilómetro, penso.

Passou os auscultadores a Ramius.

—Um 688 — disse Ramius a Borodin. — Raios! Deve ter dado

Connosco há duas horas. Pouca sorte.

O “Dállas”

— Procura-o, Jonesy.

Mancuso dava pessoalmente a ordem para uma busca com o sonar activo. O Dállas prosseguiu na volta antes de quase parar.

Jones hesitou por um momento, escutando ainda o ruído do reactor nos sistemas passivos. Ligou os transdutores activos na esfera principal do BQQ-5, à proa.

Ping! Uma onda sonora foi dirigida ao alvo.

Pong! A onda, reflectida no casco de aço, tornou ao Dállas.

— Distância ao alvo, mil e cinquenta metros — disse Jones.

O impulso reflectido era tratado pelo computador BC-10 e indicava alguns pormenores.

— Configuração do alvo consistente com um submarino equipado com os mísseis da classe Thyphoon. Ângulo à proa, cerca de setenta graus. Não há efeito Doppler, está parado.

Outros seis pings confirmaram a informação.

— Suspender pings — disse Mancuso.

Havia uma certa satisfação na sua voz por verificar que avaliara correctamente o contacto; não muita, porém.

Jones desligou o sistema. Para que diabo me mandou fazer isto? Ele já sabe tudo, só lhe falta ler o número gravado na proa.

O “Outubro Vermelho”

Toda a gente a bordo do Outubro sabia já que tinham sido descobertos. O chicote das ondas de sonar ressoara pelo casco. Não era som que um tripulante de submarino gostasse de ouvir. Principalmente depois de ter tido problemas com o reactor, concluiu Ramius. Talvez pudesse tirar partido disso...

O “Dállas”

— Alguém à superfície — disse Jones, de súbito. — De onde raio é que vieram? Comandante, não havia nada, nada, há um minuto e agora estou a captar ruído de motores. Dois, talvez mais... e uma coisa maior. Como se tivessem estado muito quietos à nossa espera. Há um minuto estavam quietos. Raios! Não ouvi nada!

O “Invincible”

— Cumprimos impecavelmente o horário — disse o almirante White.

— Sorte — observou Ryan.

—A sorte faz parte do jogo, Jack.

O HMS Bristol foi o primeiro a captar o som dos dois submarinos e da volta que o Outubro Vermelho descrevera. Mesmo a cinco milhas, os submarinos mal se ouviam. A manobra Loucura de Ivan terminara a três milhas de distância, e os barcos de superfície tinham podido fixá-lo perfeitamente, escutando as emissões do sonar activo do Dállas.

— Dois helicópteros a caminho, sir — anunciou o capitão Hunter. — Dentro de um minuto serão visíveis.

— Informe o Bristol e o Fife para ficarem do lado do vento relativamente a nós. Quero o Invincible entre eles e o contacto.

— Muito bem, sir.

Hunter transmitiu a ordem ao centro de comunicações. Os contratorpedeiros achariam a ordem singular — colocar um porta-aviões a tapar contratorpedeiros!

Segundos mais tarde, dois helicópteros Sea King imobilizaram-se a quinze metros de altitude, e começaram a descer sonares de mergulho na ponta de um cabo, esforçando-se por manter a posição. Estes sonares eram bastante menos poderosos do que os dos barcos e possuíam outras características. Os dados que captavam eram transmitidos por circuito digital ao centro de comando do Invincible.

O “Dállas”

— Ingleses — disse logo Jones. — Sonar de mergulho, sír. O 195, creio. Quer dizer que o barcalhão a sul é um dos porta-aviões deles sir, com dois navios-escolta.

— O HMS Invincible — confirmou Mancuso. — Estava do nosso lado, no lago, no GOLFINHO ELEGANTE. A universidade britânica, os melhores operadores de ASW que têm.

— Vem para aqui, sír. Dez nós. Os helicópteros — dois — já nos detectaram. Aos dois submarinos. Não há mais nenhum na zona, que eu ouça.

O “Invincible”

— Contacto sonar positivo — ouviu-se pelo altifalante. — Dois submarinos a duas milhas do Invincible, rota zero-dois-zero.

— Agora a parte mais difícil — disse o almirante White.

Ryan e os quatro oficiais da Marinha inglesa ao corrente da missão encontravam-se na ponte, com o oficial comandante da esquadrilha de ASW no centro de comando, em baixo. O Invincible navegava lentamente para norte, um pouco à esquerda da rota dos contactos. Os cinco varriam a área com poderosos binóculos.

— Vamos, comandante Ramius — disse Ryan baixinho. — O senhor tem fama de ser corajoso. Prove-o.

O “Outubro Vermelho”

Ramius tornara ao centro de controle e olhava o mapa de cenho carregado. Um Los Angeles americano tropeçando nele era uma coisa; ser surpreendido por uma força especial era outra. Barcos ingleses. Porquê? Provavelmente um exercício. Americanos e ingleses treinavam muitas vezes juntos, e um puro acidente introduzira o Outubro no meio deles. Bem. Devia escapar-se para prosseguir a sua missão. Não seria difícil. Não? Um submarino, um porta-aviões e dois contratorpedeiros atrás dele. Que mais? Teria de descobrir, se quisesse despistá-los a todos. Trabalho para um dia quase inteiro. Primeiro, contudo, devia apurar contra quem se defrontava. Ao mesmo tempo, mostrar-lhes-ia a sua autoconfiança, que, se lhe apetecesse, os poderia perseguir.

—Borodin, estabilizar à altura do periscópio. Tripulação aos postos de combate.

O “Invincible”

— Vamos, Marko — incitava Barclay — temos um recado para ti, velhote.

— Helicóptero três informa que o contacto está a subir — ouviu-se pelo altifalante.

— Óptimo! — exclamou Ryan, dando um soco na balaustrada. White pegou no telefone.

— Chame um dos helicópteros.

A distância ao Outubro Vermelho era inferior a milha e meia. Um dos Sea Kings ganhou altura e curvou, enrolando o transdutor de sonar.

— Profundidade do contacto, cento e cinquenta metros. Sobe lentamente.

O “Outubro Vermelho”

Borodin provocava a lenta saída de água dos tanques de compensação do Outubro. O submarino aumentou a velocidade para quatro nós; a maior parte da força necessária para o fazer subir provinha dos hidroplanos. O starpom tinha o cuidado de o trazer devagar acima e Ramius apontava o submarino ao Invincible.

O “Invincible”

— Hunter, como está o seu Morse? — perguntou o almirante White.

— Acho que não está mal, sir — respondeu Hunter.

A excitação apoderava-se de todos. Aquela era uma oportunidade única.

Ryan engoliu em seco. Nas últimas horas, enquanto o Invincible estivera parado no mar revolto, o seu estômago portara-se muito mal. As pílulas que o médico lhe dera tinham-no ajudado, mas, agora, a excitação punha-o outra vez pior. Eram vinte e quatro metros da ponte à água. Se tiver de vomitar, não sujo nada. Deixa lá isso...

O “Dállas”

— Ruídos de casco a subir, sir — disse Jones. — Ele vem para cima, sir.

— Para cima? — Mancuso reflectiu por instantes. — Sim, bate certo. Ele é um cowboy. Quer saber o que se passa antes de tentar fugir. Bate certo. Aposto em como não sabe onde estivemos nos últimos dois dias.

O comandante dirigiu-se à proa, ao centro de ataque.

— Parece que vem para cima, sir—disse Mannion, os olhos no controle de tiro. — Calado.

Mannion tinha uma opinião acerca da dependência dos periscópios que os comandantes de submarinos denotavam. Passavam quase todos demasiadas horas a espreitar o mundo. Seria, em parte, uma reacção instintiva à reclusão forçada da vida num submarino, uma maneira de confirmar que existia realmente um mundo lá em cima, que os instrumentos não se enganavam. Perfeitamente humano, considerou Mannion, mas favorece a vulnerabilidade...

— Também vamos subir, comandante?

— Vamos. Devagarinho.

O “Invincible”

O céu estava parcialmente coberto de nuvens brancas e lanosas, as bases cinzentas com ameaça de chuva. Um vento de vinte nós soprava de sudoeste e as vagas eram de dois metros, escuras, rajadas de espuma. Ryan viu o Brístol e o Fije estacionados do lado do vento. Os seus companheiros estavam com certeza a murmurar palavras vernáculas acerca da posição. Os navios-escolta americanos que tinham sido separados do grupo na véspera navegavam agora ao encontro do USS New Jersey.

White falava de novo ao telefone.

— Comandante, quero ser informado do momento em que captarmos o retorno do radar da área do alvo. Concentre tudo a bordo nessa área. Também quero saber de quaisquer, repito, quaisquer sinais de sonar vindos dessa zona... Exacto. Profundidade do alvo? Muito bem. Chame o segundo helicóptero. Quero os dois colocados do lado do vento.

Tinham concordado em que a melhor maneira de transmitir a mensagem seria através de sinais de luz. Só quem estivesse em linha com a ponte poderia ler o sinal. Hunter aproximou-se da luz com Uma folha de papel que Ryan lhe dera. As ordenanças e os sinaleiros haviam abandonado o local.

O “Outubro Vermelho”

— Trinta metros, camarada comandante — informou Borodin. O centro de combate funcionava no centro de controle.

— Periscópio — disse Ramius calmamente.

O tubo oleado de metal subiu sibilante, movido por pressão hidráulica. O comandante entregou o boné ao subalterno de quarto e espreitou pelo óculo.

— Portanto, temos aqui três barcos imperialistas. HMS Invincible. Belo nome para um barco!—Riu por entre dentes.—Dois navios-escolta, o Brístol e um cruzador da classe County.

O “Invincible”

— Periscópio a estibordo, à proa! — ouviu-se pelo altifalante.

— Estou a vê-lo! — Barclay apontou com a mão. — Lá está ele! Ryan semicerrou os olhos.

—Vejo, vejo...

Era como uma pequena vassoura espetada na água, a cerca de uma milha de distância. Batida pelas ondas, a parte inferior visível do periscópio reluzia.

—Hunter— disse White em voz tranquila.

À esquerda de Ryan, o capitão começou a accionar a alavanca que controlava os obturadores da luz.

O “Outubro Vermelho”

Ramius não viu logo. Percorria o horizonte em toda a volta, à procura de outros barcos ou de aviões. Quando completou o círculo, captou a luz intermitente. Tentou de imediato interpretar o sinal. Não tardou a perceber que lho apontavam directamente.

 

AAA AAA AAA OUTUBRO VERMELHO LÊ ESTA MENSAGEM POR FAVOR ENVIE UM SÓ PINO PELO SONAR ACTIVO SE Lê ESTA MENSAGEM POR FAVOR ENVIE UM SÓ PINO PELO SONAR ACTIVO SE LÊ ESTA MENSAGEM AAA AAA AAA OUTUBRO VERMELHO OUTUBRO VERMELHO LÊ ESTA MENSAGEM LÊ ESTA MENSAGEM.

 

A mensagem continuava a ser repetida. Os sinais eram trémulos e pouco precisos. Ramius não reparou nisto. Traduziu-os mentalmente, julgando a princípio tratar-se de uma mensagem para o submarino americano. Os nós dos seus dedos tornaram-se brancos nos punhos do periscópio, enquanto traduzia mentalmente os sinais.

— Borodin — disse por fim, depois de ter lido a mensagem pela quarta vez —, vamos preparar uma solução de tiro contra o Invincible. Diabo, o marcador de alcance do periscópio está encravado. Um ping, camarada. Só um para termos a distância.

Ping!

O “Invincible”

— Um ping da área de contacto, sir — ouviu-se pelo altifalante. — Parece soviético.

White pegou no telefone.

— Obrigado. Mantenha-nos informados. — Desligou. — Bem, meus senhores...

— Ele respondeu! — exclamou Ryan. — Mande o resto, por amor de Deus!

— É para já!

Hunter sorria como um louco.

 

OUTUBRO VERMELHO OUTUBRO VERMELHO TODA A SUA ESQUADRA O* PERSEGUE TODA A SUA ESQUADRA O PERSEGUE A SUA ROTA ESTÁ BLOQUEADA POR NUMEROSOS VASOS NUMEROSOS SUBMARINOS PRONTOS PARA O ATACAR REPITO NUMEROSOS SUBMARINOS PRONTOS PARA O ATACAR AVANCE PARA PONTO DE ENCONTRO 33N 75W TEMOS BARCOS À SUA ESPERA REPITO AVANCE PARA PONTO DE ENCONTRO 33N 75W TEMOS BARCOS À SUA ESPERA SE COMPREENDEU E CONCORDA POR FAVOR ENVIE OUTRA VEZ UM SÓ PING.

 

O “Outubro Vermelho”

— Distância ao alvo, Borodin? — perguntou Ramius, desejando ter mais tempo, enquanto a mensagem era repetida uma e outra vez.

— Dois mil metros, camarada comandante. Um belo alvo, se... A voz do starpom caiu perante a expressão do comandante. Sabem o nosso nome, reflectia Ramius, sabem o nosso nome!

Como é possível? Sabiam onde encontrar-nos... exactamente! Como? De que instrumentos dispõem os americanos? Há quanto tempo o Los Angeles nos segue? Decide-te... tens de te decidir!

— Camarada, mais um ping no alvo. Só um.

O “Invincible”

— Mais um ping, almirante.

— Obrigado. — White olhou Ryan. — Bem, Jack, parece que o seu raciocínio estava certo. Muito bem.

— Muito bem, muito bem, muito bem, my Lord conde de Weston! Eu tinha razão! Filho da mãe!

Ryan sacudia os braços no ar, esquecido o enjoo. Acalmou-se. A ocasião exigia mais decoro.

— Desculpe, almirante. Temos coisas a fazer.

O “Dállas”

Toda a esquadra o persegue... Avance para 33N 75 W. Que diabo estava a passar-se? — perguntou Mancuso ao captar a segunda mensagem.

— Comandante, aqui sonar. Estamos a ouvir ruídos de casco em subida, do alvo. A profundidade altera-se. Aumenta o ruído dos motores.

— Baixar periscópio. — Mancuso pegou no telefone. — Muito bem, sonar. Mais alguma coisa, Jones?

— Não, Sir. Os helicópteros desapareceram e não há emissões dos vasos de superfície. Que se passa, sir?

— Quem me dera saber!

Mannion punha de novo o Dállas em perseguição do Outubro Vermelho. Mancuso abanou a cabeça. Mas que estaria a acontecer? Por que comunicava um porta-aviões britânico com um submarino russo, por que o mandaram para um ponto de encontro ao largo das Carolinas? Que esquadra o perseguia? Não, era impossível. Absolutamente impossível...

O “Invincible”

Ryan encontrava-se no centro de comunicações do Invincible”MAGI A OLYMPUS—Descreveu no teclado da máquina codificadora que a CIA lhe facultara — TOCO HOJE O MEU MANDOLlM

SOA MUITO BEM. ESTOU A PENSAR NUM PEQUENO CONCERTO, NO SÍTIO DO COSTUME. PREVEJO BOAS CRITICAS. AGUARDO INSTRUÇÕES.” Ryan tinha-se rido das palavras em código que deveria usar para as suas mensagens; agora ria-se por outro motivo.

A Casa Branca

— Portanto — observou Pelt —, Ryan espera que a missão seja bem sucedida. Corre tudo de acordo com os planos, mas ele não usou o grupo de código que indica êxito garantido.

O presidente recostou-se confortavelmente.

— É um homem honesto. As coisas podem sempre correr mal. Mas temos realmente de admitir que parece tudo bem encaminhado.

— Estes planos dos chefes, sir, não têm pés nem cabeça.

— Não terão, mas você anda há dias a ver se lhes descobre uma falha e ainda não conseguiu. Não tardará que todas as peças caiam no seu lugar.

O presidente era inteligente, reflectiu Pelt. O homem gostava de ser inteligente.

O “Invincible”

“OLYMPUS A MAGI. GOSTO DE VELHA MÚSICA DE MANDOLIM. CONCERTO APROVADO” — dizia a mensagem. Ryan recostou-se confortavelmente, tomando o seu brande.

— Bem... Qual será a parte seguinte do plano?

— Espero que Washington nos ponha ao corrente. Para já — disse o almirante White — tamos de navegar para oeste, a fim de nos colocarmos entre o Outubro e a esquadra soviética.

O “Avalon”

O tenente Ames examinou o local através da pequena escotilha na proa do Avalon. O Alfa estava deitado sobre bombordo. Batera, sem dúvida, primeiro com a popa, e violentamente. Uma pá saltara da hélice e o leme inferior fora esmagado. A popa podia, aliás, ter sido completamente arrancada; era difícil dizer, porque a visibilidade era má.

— Em frente, devagar — disse, ajustando os controles.

Atrás dele, dois subalternos vigiavam instrumentos e preparavam-se para estender o braço de manipulação, montado antes da partida, que dispunha de uma câmara de TV e de holofotes. Teriam assim um campo de visão ligeiramente maior do que através das escotilhas. O DSRV avançou a um nó. A visibilidade era inferior a vinte metros, a despeito do milhão de velas das luzes da proa.

Naquele ponto, o leito do mar era uma vertente traiçoeira aluvial, com grandes pedras. Aparentemente, a única coisa que impedira o Alfa de deslizar mais fora a torre, enterrada como uma cunha no fundo.

— Meu Deus! — exclamou um dos subalternos. Havia um rasgão no casco do Alfa, parecia.

— Acidente com reactor — disse Ames, a voz neutra de um médico que faz um diagnóstico. — O casco derreteu. Senhor, e é de títânio! Algo que veio de dentro para fora. Há outro buraco... Este é maior, deve ter um bom metro de largura. Vê-se bem o que o matou. Dois compartimentos inundados. . . — Ames olhou o indicador de profundidade: 560 metros. — Está tudo a ser gravado?

— Está, comandante — respondeu o electricista de primeira classe. — Que morte horrível! Pobres diabos. . .

— Depende do que andavam a fazer.

Ames fez o Avalon rodear a proa do Alfa, manobrando a hélice direccional cuidadosamente e ajustando o equilíbrio para percorrer o outro lado, isto é, a parte superior do submarino.

— Algum sinal de fractura do casco?

— Não — respondeu um subalterno. — Só os dois buracos. — Que terá acontecido?

— Uma síndroma da China. Aconteceu finalmente a alguém. Ames abanou a cabeça. Se alguma pregação a Marinha fazia sobre

reactores, era sobre a segurança.

— Encoste o transdutor ao casco para ver se ainda há alguém com vida.

O electricista manobrou o braço manipulador, enquanto Ames tentava imobilizar o Avalon. Nenhuma das tarefas era fácil. O DSRV pairava quase pousado sobre a torre do submarino. Se houvesse sobreviventes, seria no centro de controle ou à proa. À popa não podia haver vida.

— Contacto estabelecido.

Os três homens puseram-se atentamente à escuta, esperançados. A sua missão era a de busca e salvamento, e levavam-na a sério.

— Talvez estejam a dormir.

Um subalterno ligou o sonar de localização. As ondas de alta frequência ressoavam por ambos os barcos. Era um som capaz de acordar mortos, mas não obtiveram resposta. O ar no Politovskiy esgotara-se na véspera.

— Pronto. . . — disse Ames em voz baixa.

Iniciou a subida enquanto o electricista preparava o braço manipulador, à procura de um sítio onde largar um emissor de sonar. Voltariam quando o tempo estivesse melhor. A Marinha não desperdiçaria aquela oportunidade de examinar um Alfa, e o Glomar Expiorer estava parado, algures na Costa Oeste. Iria utilizá-lo? Ames não o garantiria.

— Avalon, Avalon, aqui Scamp. —A voz era distorcida, mas entendia-se. — Regresse imediatamente. Escuto.

— Scamp, aqui Avalon. Vamos imediatamente.

O Scamp acabava de receber uma mensagem ELF e estabilizara brevemente à altura do periscópio para uma ordem FLASH operacional. “AVANCE À VELOCIDADE MÁXIMA PARA 33N 75W.” A mensagem não dizia porquê.

Quartel-General da CIA

— CARDINAL ainda está connosco — disse Moore a Ritter.

— Graças a Deus! — exclamou Ritter, sentando-se.

—Vem uma mensagem a caminho. Desta vez, decidiu não arriscar a vida, enviando-a directamente. O hospital deve tê-lo assustado. Vou perguntar-lhe outra vez se quer que o tiremos de lá.

— Outra vez?

— Bob, temos de lhe perguntar.

— Bem sei. Eu próprio, há uns anos, lhe fiz a proposta, como sabe. O tipo não quer sair de lá. Há pessoas que gozam com o perigo. Ou então ainda não atingiu os limites do insuportável... Acabo de receber uma chamada do senador Donaldson.

Donaldson era o presidente da Comissão Restrita do Senado para os Serviços Secretos.

— Sim?

— Quer saber o quanto sabemos sobre o que se passa. Não engole a história da missão de salvamento e pensa que nós temos outras informações.

— Quem lhe terá metido essa ideia na cabeça? — perguntou o juiz Moore, recostando-se.

— Pois... Tenho uma ideia que podemos explorar. É mais que tempo e a oportunidade é óptima.

Os dois altos funcionários discutiram o assunto durante uma hora. Antes de Ritter sair para o Capitólio, pediram autorização ao presidente.

Washington, D.C.’

Donaldson fez Ritter esperar quinze minutos na antecâmara, enquanto lia o jornal. Queria pôr Ritter no seu lugar. Algumas das observações do DDO acerca de fugas de informação do Capitólio haviam magoado o senador do Connecticut, e era importante que os funcionários nomeados compreendessem a diferença entre eles próprios e os representantes eleitos do povo.

— Desculpe tê-lo feito esperar, Mister Ritter. Donaldson não se levantou nem estendeu a mão a Ritter.

— Ora essa. Entretive-me a ler uma revista. Não tenho muito tempo para isso, com a vida que levo.

Beliscavam-se desde o primeiro momento.

— Então que andam os soviéticos a fazer?

— Senador, antes de abordar esse assunto, devo dizer-lhe uma coisa: tive de pedir ao presidente autorização para esta entrevista. As informações que eu lhe fornecer são apenas para o senhor. Ninguém mais, sir, pode ter acesso a elas. Ninguém. Ordens da Casa Branca,

— Há outras pessoas na minha comissão, Mister Ritter.

— Sir, se não me der a sua palavra de honra de que guarda segredo, não lhe revelarei nada. — Ritter disse isto com um sorriso. — São as ordens que tenho. Trabalho para o Executivo, senador. Recebo ordens do presidente.

Ritter esperava que a justificação do costume resultasse.

— Está bem — disse Donaldson, relutante.

Irritavam-no aquelas disparatadas restrições, mas agradava-lhe ser informado.

— Francamente, sir, não sabemos exactamente o que se passa — disse Ritter.

—Ah! Obrigou-me a jurar segredo para que eu não possa contar a ninguém que a CIA, mais uma vez, não sabe o que se passa!

— Eu disse que não sabíamos exactamente. Sabemos, de facto, algumas coisas. As nossas informações provêm, sobretudo, dos israelitas e também dos franceses. Soubemos por ambos os canais que aconteceu algo de muito grave na Marinha soviética.

— Isso também eu sei. Perderam um submarino.

— Pelo menos um, mas não é isso. Pensamos que alguém iludiu a direcção de operações da Esquadra do Norte soviética. Não posso garantir, mas creio que foram os polacos.

— Porquê os polacos?

— Não garanto que tenham sido eles, mas tanto os franceses como os israelitas têm boas ligações com os polacos, e os polacos têm com os soviéticos uma disputa de longa data. O que eu sei — pelo menos penso que sei — é que a coisa não partiu de nenhum serviço secreto ocidental.

— Afinal que se passa?

— Tanto quanto julgamos saber, alguém fez pelo menos uma id-sificação, talvez três, tudo com vista a desorientar a Marinha soviética... mas, fosse lá o que fosse, perderam-lhe o controle. Há muita gente aflita, sem saber como se vai safar, dizem os israelitas. Eu penso, é uma suposição, que eles conseguiram alterar a ordem de operações de um submarino e, depois, forjaram uma carta de um comandante, ameaçando disparar os seus mísseis. O espantoso é que os soviéticos embarcaram nisso. — Ritter franziu o sobrolho. — Mas isto são suposições. O que sabemos ao certo é que alguém, provavelmente os polacos, pregaram uma partida muito suja aos russos, uma coisa fantástica.

— Não fomos nós? — perguntou Donaldson, agressivo.

— Não, sir, absolutamente! Se tentássemos uma manobra dessas — mesmo que resultasse, o que é improvável — eles podiam retribuir. Pode-se desencadear uma guerra com uma manobra dessas, e bem sabe que o presidente jamais a autorizaria.

— Mas pode haver alguém na CIA que se esteja nas tintas para o que o presidente pensa...

—No meu departamento, não! Era a minha cabeça que estaria em jogo. Acha mesmo que seríamos capazes de lançar uma operação dessas sem ninguém saber? Quem me dera que fosse possível, senador!

— Mas porquê os polacos? Como é que podem fazer coisas dessas?

— Já há tempos que temos notícia da existência de uma facção dissidente nos Serviços Secretos polacos, pessoas que não morrem propriamente de amores pelos soviéticos. Razões não faltam. A inimizade histórica, antes do mais. E os russos parecem esquecer que os polacos são primeiro polacos e só depois comunistas. Para mim, o problema está mais na atitude do Papa do que na lei marcial. Sabemos que o nosso velho amigo Andropov resolveu recriar a história de Henrique H/Becket. O Papa deu à Polónia grande prestígio, fez coisas pelo país que até membros do rartido apreciam. Ivan entrou e, ao fazê-lo, cuspiu na Polónia. Admira-se que tenham perdido a cabeça? Quanto à capacidade dos Serviços Secretos polacos, as pessoas não a têm na devida conta. Foram eles que descobriram o Enigma, em 1939, não os britânicos. São tremendamente eficazes e pela mesma razão que os israelitas. Têm inimigos a leste e a oeste, tipo de situação que faz bons agentes. Sabemos perfeitamente que têm muitas pessoas no interior da Rússia, trabalhadores que pagam a Narmonov o apoio económico dado pelos russos à Polónia. Também sabemos que há muitos engenheiros polacos trabalhando em estaleiros soviéticos. É um pouco insólito, bem sei, porque nenhum dos países tem grande tradição marítima, mas os polacos constróem grande parte dos barcos soviéticos. Os seus estaleiros são mais eficientes do que os russos e, ultimamente, têm prestado auxílio técnico, sobretudo no âmbito do controle de qualidade, aos estaleiros soviéticos.

— Portanto, os Serviços Secretos polacos pregaram uma partida aos soviéticos — resumiu Donaldson. — Gorshkov foi um dos mais ardorosos defensores de uma intervenção directa russa na Polónia, não foi?

—Foi, mas agora é um alvo como outro qualquer. O verdadeiro objectivo é colocar Moscovo numa posição difícil. O facto de a operação visar a Marinha soviética não tem significado em si próprio. O objectivo consiste em desorientar os seus centros de comando, o mesmo é dizer, Moscovo. Quem me dera saber o que realmente se passa! A avaliar pelos cinco por cento que conhecemos, a operação é uma obra de arte, o tipo de coisa que dá origem às lendas. Estamos a tentar descobrir — tal como os ingleses, os franceses e os israelitas. Benny Herzog, do Mossad, parece que está furioso. Os israelitas costumam fazer esta graça aos seus vizinhos, regularmente. Oficialmente, dizem que só sabem o que nos contaram; talvez seja verdade... ou talvez tenham dado aos polacos alguma ajuda técnica. Sabe-se lá... A verdade é que a Marinha soviética constitui uma ameaça estratégica para Israel. Precisamos de mais tempo. Os israelitas, agora, não cooperam lá grande coisa.

—Mas vocês continuam sem saber o que se passa, o como e o porquê...

— É difícil, senador. Dê-nos algum tempo. Para já, se calhar nem queremos saber. Resumindo, alguém montou uma colossal operação de desinformação contra a Marinha soviética. O objectivo consistia provavelmente em atarantá-los, mais nada, mas não há dúvida de que tomou proporções insuspeitadas. Como e porquê, não sabemos. Uma coisa é certa: quem teve a ideia não se poupa a esforços para eliminar pistas. Se os soviéticos descobrem quem foi — Ritter queria que o senador se convencesse disto — vão reagir muito mal, pode crer. Dentro de semanas, já saberemos mais coisas. Os israelitas devem-nos favores e acabarão por se abrir connosco.

— Em troca de mais F15 e de um esquadrão de tanques — observou Donaldson.

— Vale o preço.

—’Mas se nós não temos nada a ver com isso, porquê o segredo?

— Deu-me a sua palavra, senador — lembrou Ritter. — É simples: se isto se sabe, será que os soviéticos acreditam que não estamos envolvidos? É altamente improvável. Esforçamo-nos por civilizar a espionagem. Quero dizer, continuamos a ser inimigos, mas o conflito permanente entre os vários serviços secretos, além de queimar meios, é perigoso para ambas as partes. Por outro lado, se chegarmos a descobrir como tudo se passou, poderemos vir a tirar proveito disso.

— Essas razões são contraditórias.

— A espionagem é assim — respondeu Ritter, sorrindo. — Se descobrirmos quem foi, poderemos utilizar essa informação em nosso proveito. Em qualquer caso, senador, deu-me a sua palavra, e o presidente será disso informado quando eu regressar a Langley.

— Muito bem. — Donaldson levantou-se, terminada a entrevista. — Espero que nos mantenha informados sobre o que se for passando.

—Nem poderia ser de outra maneira — disse Ritter, erguendo-se.

— Pois não. Obrigado por ter vindo. Despediram-se sem apertar as mãos, como à entrada.

Ritter saiu para o corredor sem passar pela antecâmara. Parou para olhar o átrio, em baixo, o Edifício Hart. Lembrou-se do Hyatt. Contra o costume, desceu pela escada e não pelo elevador até ao rés-do-chão. Com sorte, tinha resolvido um problema delicado. O carro esperava-o. Disse ao motorista que o levasse ao FBI.

— Não é uma operação da CIA?—perguntou Peter Henderson, o principal colaborador do senador.

— Não — disse Donaldson. — Acredito nele. É estúpido de mais para arquitectar uma história destas.

— Não sei por que é que o presidente não se vê livre dele — comentou Henderson, — Claro que, fazendo o que faz, talvez seja melhor ser incompetente.

O senador concordou.

De volta ao seu gabinete, Henderson ajustou a persiana na janela, embora o sol incidisse do outro lado do edifício. Uma hora mais tarde, o motorista de um táxi Black & White, de passagem, olhou para a janela e tomou mentalmente nota do que viu.

Henderson trabalhou noite fora. O Edifício Hart estava quase deserto, a maioria dos senadores fora da cidade. Donaldson ficara para tratar de assuntos particulares e olhar pelos serviços; como presidente da Comissão Restrita para os Serviços Secretos, as suas incumbências eram superiores ao que desejaria naquela época do ano. Henderson desceu no elevador ao átrio principal. Todo ele ostentava a condição de colaborador principal do senador — fato cinzento com colete, pasta luxuosa de pele natural, cabelo impecavelmente penteado, porte respeitável. Um táxi Black & White dobrou a esquina e parou para largar um cliente. Henderson entrou.

— Watergate — disse.

Só voltou a falar passados alguns quarteirões.

Henderson tinha um modesto apartamento, de um quarto, no Edifício Watergate, ironia sobre a qual pensava muitas vezes. Chegado ao destino, não gratificou o motorista. Uma mulher entrou no táxi e ele dirigiu-se à entrada principal. Os táxis em Washington não têm mãos a medir ao fim da tarde.

— Universidade de Georgetown, por favor — disse ela, uma mulher jovem e bonita de cabelo louro, um maço de livros debaixo do braço.

— Aulas nocturnas? — perguntou o motorista, olhando pelo retrovisor.

— Exames — disse a rapariga, a voz pouco firme. — Psicologia,

— O melhor, quando se tem exames, é descontrair — aconselhou o motorista.

A agente especial Hazel Loomis ajeitou os livros e a bolsa caiu-lhe das mãos. “Oh...” Baixou-se para a apanhar—e a um minigravador que outro agente deixara sob o banco do motorista.

Quinze minutos depois, chegava à universidade. A corrida custava três dólares e oitenta e cinco. Loomis pagou com um nota de cinco e não quis o troco. Atravessou o campus e entrou num Ford que partiu em direcção ao Edifício J. Edgar Hoover. Tanto trabalho a preparar aquilo — e fora tudo tão fácil!

— É sempre, quando o urso vem ao nosso encontro. — O inspector que dirigia a investigação virou à esquerda, para a Pennsylvania Avenue. — Difícil é sermos os primeiros a encontrar o urso.

O Pentágono

— Meus senhores, convoquei-vos pelo facto de serem oficiais de informações conhecedores de submarinos e falarem russo — disse Davenport aos quatro homens sentados no seu gabinete. — Preciso de oficiais com a vossa qualificação. Peço voluntários. A missão pode envolver risco considerável... não sabemos bem. Outra coisa que vos posso dizer é que se trata de uma missão daquelas com que um oficial de informações sonha toda a vida... mas que não pode contar a ninguém. Estão habituados, não é verdade? — Davenport permitiu-se um sorriso. — Como se diz no cinema, se querem, muito bem; se não querem, ficamos por aqui e nunca nos vimos. Não posso pedir-lhes que executem uma missão potencialmente perigosa de olhos tapados.

Claro que ninguém saiu—os homens convocados não eram de fugir. Por outro lado, Davenport teria boa memória para os argumentos que pudessem empregar. Eram profissionais. Uma das compensações de usar uniforme e ganhar menos do que homens com igual talento na vida civil era a possibilidade de ser morto.

— Obrigado, meus senhores. Vão achar que vale a pena, tenho a certeza. — Davenport levantou-se e entregou a cada homem um sobrescrito grosso. — Em breve terão oportunidade de examinar um submarino soviético equipado com mísseis... por dentro.

Quatro pares de olhos piscaram ao mesmo tempo.

33N 75W

O USS Ethan Allen ocupava a sua posição havia mais de trinta horas. Cruzava um círculo de cinco milhas à profundidade de sessenta metros. Não tinha pressa. O submarino navegava à velocidade mínima para manter a rota, o reactor trabalhando apenas a dez por cento da sua capacidade. O primeiro-contramestre ajudava na cozinha.

— É a primeira vez que faço isto num submarino — disse um dos oficiais do Allen, desempenhando funções de cozinheiro, a mexer uma omeleta.

O contramestre suspirou imperceptivelmente. Deviam ter partido com um cozinheiro a sério, mas o que tinham era um garoto e os tripulantes agora a bordo contavam para cima de vinte anos de serviço. Os chefes eram todos técnicos, excepto o contramestre, que só era capaz de reconhecer um grelhador em circunstâncias especiais.

—Costuma cozinhar em casa, sir?

— Às vezes. Os meus pais tinham um restaurante em Pass Christian. Esta é a omeleta especial da minha mãe. Uma pena não termos peixe e limão. Com peixe e limão faço belos petiscos. Costuma pescar, chefe?

— Não, sir.

O pequeno complemento de oficiais e chefes trabalhava numa atmosfera informal, e o contramestre era um homem habituado à disciplina e a ocupar o seu lugar.

— Comandante, posso perguntar o que andamos a fazer?

— Se eu soubesse... No essencial, acho que estamos à espera de qualquer coisa.

— Mas de quê, sir?

—Sei lá! É capaz de me passar esses cubos de presunto? E de ver como está o pão no forno? Deve estar quase bom.

O “New Jersey”

O comodoro Eaton estava perplexo. O seu grupo de combate estacionava vinte milhas a sul dos russos. Não fizesse escuro e veria, da ponte, a imponente superstrutura do Kirov. Os seus navios-escolta ocupavam uma linha à frente do cruzador, procurando um submarino com o sonar activo.

Desde que a Força Aérea fingira atacar, os soviéticos comportavam-se como cordeiros, coisa singular neles, para não dizer pior. O New Jersey e os navios-escolta mantinham a formação russa sob constante vigilância. A recolocação dos vasos russos responsabilizara Eaton pelo grupo do Kirov. Isto agradava-lhe. Tinha as peças principais recolhidas, mas carregadas com granadas orientáveis de oito polegadas e os postos de tiro estavam guarnecidos. O Tarawa encontrava-se trinta milhas a sul, a sua esquadrilha de Harríers pronta a descolar em cinco minutos. Os soviéticos não podiam deixar de saber isto, mesmo que os seus helicópteros ASW não se aproximassem mais de cinco milhas de um barco americano nos últimos dois dias. Os bombardeiros Bear e Backfire que cruzavam os ares no vaivém para Cuba — poucos, e regressavam à Rússia mal podiam ser dispensados— informavam certamente do que viam. Os vasos americanos formavam em posição de ataque, os mísseis do New Jersey e dos navios-escolta a ser continuamente alimentados com informações dos sensores. E os russos não faziam caso. Limitavam as emissões electrónicas à rotina dos radares de navegação. Estranho...

O Nimitz achava-se agora a alcance aéreo, após uma corrida de cinco mil milhas desde o Atlântico Sul; o porta-aviões e os seus navios-escolta nucleares, o Califórnia, o Bcánbridge e o Truxton, encontravam-se apenas quatrocentas milhas a sul, com o grupo do America a meio dia de marcha. O Kennedy estava a quinhentas milhas de distância, para leste. Os soviéticos podiam deixar de ter em conta o perigo representado por três esquadrilhas baseadas em porta-aviões nas suas costas e centenas de aviões baseados em terra, mudando sucessivamente de base, para sul. Talvez isto explicasse a docilidade soviética.

Os bombardeiros Backfire eram escoltados desde a Islândia, primeiro por Torneais da Marinha, da esquadrilha do Saratoga, depois por Phantoms da Força Aérea, operando a partir do Maine, que entregavam os aparelhos soviéticos aos Eagles e aos Fighting Falcons quando desciam a costa quase até Cuba, no sul. Era óbvio que os Estados Unidos não facilitavam, apesar de as unidades americanas já não acossarem activamente os russos. Ainda bem, pensava Eaton; nada se ganharia com isso e, no fim de contas, se preciso fosse, o seu grupo de combate sairia da paz para a guerra em cerca de dois minutos.

Apartamentos Watergate

— Desculpe... Acabo de me mudar para aqui e ainda não tenho o telefone ligado. Importa-se que faça uma chamada?

Henderson decidiu-se rapidamente. Um metro e sessenta, mais coisa menos coisa, loura, olhos cinzentos, esbelta, sorriso de estontear, trajo elegante.

—Claro! Seja bem-vinda a Watergate. Entre!

— Obrigada. Chamo-me Hazel Loomis. Sissy para os amigos — disse ela, estendendo a mão.

— Peter Henderson. O telefone é na cozinha. Eu mostro-lhe...

As coisas melhoravam. Acabava de pôr termo a uma antiga relação com uma das secretárias do senador. Custara a ambos.

—’Não incomodo, pois não? Não tem cá ninguém, pois não?

— Não. Só eu e o televisor. É nova em Washington D.C.? A vida nocturna já não é tão louca como dantes. Pelo menos quando se tem de trabalhar no dia seguinte. Trabalha em... Solteira, não?

— Sou. Trabalho na DARPA. Sou programadora de computadores. Não dá para conversar muito, compreende...

Só boas notícias, pensou Henderson.

—’Aqui tem o telefone.

Loomis olhou rapidamente em volta, como apreciando o trabalho do decorador. Procurou na bolsa e tirou uma moeda, que deu a Henderson. Este riu.

— A primeira chamada é grátis e pode usar o meu telefone sempre que quiser.

—Eu sabia que era melhor viver aqui do que em Laurel — disse ela, carregando nas teclas. — Kathy? É Sissy. Acabo de me mudar, ainda não tenho telefone... Oh, um rapaz do mesmo corredor foi muito simpático e deixou-me telefonar... Está bem. Encontramo-nos amanhã, ao almoço. Adeus, Kathy.

Loomis olhou em redor.

— Quem lhe decorou a casa?

—Eu próprio. Estudei arte em Harvard e conheço óptimas lojas em Georgetown. Sabendo-se procurar, arranjam-se muito boas pechinchas.

—Oh! Quem me dera ter a minha casa assim! Quer mostrar-ma?

Claro! Começamos pelo quarto?

Henderson riu, para mostrar que não tinha segundas intenções, o que era mentira, embora fosse um homem paciente em tal matéria. A volta, que durou vários minutos, assegurou a Loomis que o apartamento estava realmente deserto. Um minuto depois, bateram à porta. Henderson resmungou e foi abrir.

— Peter Henderson?

O homem vestia fato; Henderson envergava jeans e uma camisa desportiva.

— Sim?

Henderson recuou, surpreendido, compreendendo o que lhe acontecia. O que ocorreu a seguir, porém, surpreendeu-o.

— Está preso, Mister Henderson — disse Sissy Loomis, identificando-se. — A acusação é espionagem. Não é obrigado a falar e tem direito a nomear um advogado. Se quiser falar, tudo o que disser será registado e poderá ser usado contra si. Se não tem advogado ou não

296

tem posses para nomear um, arranjar-lhe-emos advogado. Compreende estes direitos, Mister Henderson?

Era o primeiro caso de espionagem de Sissy Loomis. Especializara-se durante cinco anos no combate aos assaltos a bancos, funcionando muitas vezes como caixa com um revólver 357 na gaveta.

— Quer renunciar a estes direitos?

— Não, não quero—respondeu Henderson em voz rouca.

— Vai querer, vai — disse o inspector. — Vai, vai. — Voltou-se para os três agentes que o acompanhavam. — Revistem tudo. Palmo a palmo e sem fazer barulho, meus senhores. Não queremos acordar ninguém. O senhor, Mister Henderson, vem connosco. Se quiser, mude de roupa. Agora escolha: ou não faz ondas ou... Se prometer colaborar, não o algemo. Se tentar fugir... vai arrepender-se, garanto-lhe.

O inspector estava no FBI havia vinte anos e nunca empunhara o revólver numa fúria, enquanto Loomis já tinha morto dois homens. Era um veterano do FBI e perguntava-se o que Mr. Hoover pensaria disso, para não falar já do novo director judeu.

O “Outubro Vermelho”

Ramius e Kamarov estudaram o mapa durante vários minutos, traçando rotas alternativas antes de se decidirem por uma. Os marinheiros não sabiam de nada. Nunca eram encorajados a perceber de mapas. O comandante dirigiu-se à antepara da popa e pegou no telefone.

— Camarada Melekhin — chamou, dizendo segundos depois: — Camarada, fala o comandante. Há mais problemas com os sistemas do reactor?

— Não, camarada comandante.

—Óptimo. Mantenha a vigilância por mais dois dias. Ramius desligou. Faltavam trinta minutos para a mudança de quarto.

Melekhin e Kirill Surzpoi, o engenheiro-adjunto, estavam de serviço às máquinas. Melekhin controlava as turbinas e Surzpoi os sistemas do reactor. Cada um deles dispunha de um míchman e de três marinheiros. Os engenheiros não tinham tido mãos a medir. Cada indicador e monitor da casa das máquinas fora inspeccionado, parecia, e muitos haviam sido totalmente reconstruídos pelos dois oficiais mais qualificados, com a ajuda de Valintín Bugayev, o oficial de electrónica e génio flutuante que dava também as aulas de política à tripulação. Os tripulantes da casa das máquinas eram os mais sacrificados do barco. Todos sabiam da suposta contaminação — era impossível haver segredos num submarino. Para os aliviar, outros marinheiros compunham os quartos. O comandante considerava esta prática uma boa oportunidade para os treinar integralmente; a tripulação achava que era um bom processo de ser contaminada. A disciplina mantinha-se, evidentemente, em parte devido à confiança que os homens depositavam no seu comandante, em parte devido à sua preparação, mas sobretudo ao facto de saberem o que lhes aconteceria se não cumprissem as ordens com entusiasmo e rapidez.

— Camarada Melekhin — disse Surzpoi—, estou a detectar flutuação de pressão na serpentina principal, no indicador número seis.

— Já aí vou. — Melekhin acorreu e empurrou o michman para se abeirar do painel principal de controle. — Mais instrumentos em mau estado! Os outros apresentam valores normais. Nada de importante — disse o engenheiro-chefe, tranquilizador, para que todos pudessem ouvir.

Toda a tripulação de quarto viu o engenheiro-chefe murmurar qualquer coisa ao seu adjunto. Este abanou lentamente a cabeça, enquanto quatro mãos manobravam os controles.

Um besouro bifásico e potente começou a tocar, acompanhado de uma luz vermelha rotativa.

— SCRAM a pilha! — ordenou Melekhin.

— SCRAM! — Surzpoi carregou no botão de corte.

— Tudo para a proa! — ordenou Melekhin. Obedeceram sem hesitar.

— Não, você! Ligue as baterias aos motores do caterpillar, depressa! O oficial de quarto correu atrás para accionar os comandos, amaldiçoando a mudança de ordens. Gastou quarenta segundos.

— Já está, camarada!

— Embora!

O oficial de quarto foi o último homem a abandonar o compartimento. Certificou-se de que as escotilhas estavam bem fechadas, antes de correr para o centro de controle.

— Que se passa? — perguntou Ramius calmamente.

— Alarme de radiação no compartimento do transformador!

— Muito bem, vão à popa e tomem todos um duche. Dominem-se. — Ramius deu uma palmada amigável no braço do míchman. — Já temos tido destes problemas. Você é um homem habilitado. Os tripulantes confiam em si.

Ramius pegou no telefone. Passou um momento antes que fosse atendido.

— Que aconteceu, camarada?

A tripulação do centro de controle não tirava os olhos do comandante. Admiravam a sua calma. Os alarmes de radiação haviam soado por todo o casco.

— Muito bem. Não nos restam muitas horas de bateria, camarada. Temos de estabilizar à profundidade de ventilação. Prepare-se para activar o diesel. Sim.

Desligou e disse à tripulação, em voz perfeitamente controlada:

— Atenção, camaradas. Houve um pequeno contratempo nos sistemas de controle do reactor. O alarme que ouviram não indica uma grande fuga de radiação, mas apenas uma falha nos sistemas de controle das pilhas. Os camaradas Melekhin e Surzpoi desligaram o reactor e não podemos operá-lo sem os controles principais. Teremos, portanto, de completar o nosso cruzeiro a diesel. Para nos prevenirmos contra uma possível contaminação radiactiva, a zona do reactor foi isolada e todos os compartimentos, a começar pela casa das máquinas, serão ventilados quando subirmos. Kamarov, vá à popa accionar os controles de ambientação. Eu tomo o comando.

— Muito bem, camarada comandante!

Kamarov afastou-se. Ramius pegou no microfone para se dirigir à tripulação. Todos esperavam notícias. À proa, tripulantes murmuravam. Pequeno era uma palavra gasta e os submarinos nucleares não navegavam a diesel nem eram ventilados por causa de pequenos contratempos.

Tendo concluído a sua breve comunicação, Ramius mandou o barco subir.

O “Dállas”

— Não percebo, comandante — disse Jones, abanando a cabeça. — Cessaram os ruídos do reactor, as bombas foram travadas, mas continua à mesma velocidade, como antes. A bateria, suponho.

— Deve ser cá um sistema de baterias para mover uma coisa daquelas tão depressa! — observou Mancuso.

—Fiz um cálculo há umas horas — disse Jones, mostrando o bloco. — Baseado no Thyphoon com um coeficiente para o casco. Deve pecar por defeito.

— Onde aprendeste a fazer isso, Jonesy? .

— Mister Thompson encarregou-se dos cálculos hidrodinâmicos. Os eléctricos são bastante fáceis. O submarino deve ter algo de esquisito— células de combustível, talvez. Se navega com baterias vulgares, tem força que chegue para mover todos os carros de L. A.

— Não durará sempre — disse Mancuso, abanando a cabeça. Jones levantou a mão.

— Ruídos de casco... Parece que está a subir.

O “Outubro Vermelho”

— Subir ventilador — ordenou Ramius.

Olhando pelo periscópio, verificou que o ventilador subira.

—Não há mais barcos à vista. Ainda bem! Com certeza já perdemos os nossos perseguidores imperialistas. Subir a antena ESM. Certifique-se de que não há aviação inimiga com radares em. funcionamento.

— Tudo limpo, camarada comandante. — Bugayev controlava o quadro ESM. — Nada, nem mesmo aviões comerciais.

— Despistámos, portanto, os nossos inimigos. — Ramius pegou novamente no telefone. — Melekhin, pode abrir a admissão principal e ventilar a casa das máquinas. Depois ligue o diesel.

Um minuto depois, todos a bordo sentiram a vibração, quando o potente motor diesel do Outubro arrancou, alimentado a bateria. O ar foi sugado da zona do reactor e substituído por ar introduzido através do ventilador que expedia o “contaminado” para o mar.

O diesel continuou a trabalhar por mais dois minutos. Todos aguardavam o ruído indicador de que tinha pegado e transmitia energia aos motores eléctricos. O telefone no centro de controle tocou. Ramius atendeu.

— Que se passa com o diesel, camarada engenheiro-chefe? — perguntou, severo, o comandante. — Compreendo. Vou mandar-lhe homens... Oh... Espere.

Ramius olhou em redor, a boca fechada numa linha exangue. O jovem oficial de engenharia Svyadov encontrava-se ao fundo do compartimento.

— Preciso de um homem que perceba de motores diesel para ajudar o camarada Melekhin.

—’Cresci numa quinta do Estado — disse Bugayev. — Comecei a brincar com tractores em rapazinho. —Há outro problema...

— Bem vejo, camarada comandante — disse Bugayev —, mas precisamos do diesel, não precisamos?

— Não esquecerei a*sua dedicação — disse Ramius em voz calma.

— Depois oferece-me um rum em Cuba, camarada. — Bugayev sorriu corajosamente. — Gostava de conhecer uma camarada cubana, de preferência com cabelo comprido.

— Posso acompanhá-lo, camarada? — perguntou, ansioso, Svyadov. Preparava-se para entrar de quarto, quando, ao aproximar-se da

escotilha do compartimento do reactor, fora empurrado por tripulantes em fuga.

— Primeiro vamos identificar o problema — disse Bugayev, olhando Ramius, à espera de confirmação.

— Sim, temos muito tempo. Bugayev, informe-me dentro de dez minutos.

— Muito bem, camarada comandante.

Svyadov, ocupe o posto do tenente. — Ramius apontou para o quadro ESM. — Aproveite para se instruir.

O tenente fez o que lhe ordenavam. O comandante parecia muito preocupado. Svyadov nunca o vira assim.

 

                     Quinta-feira, 16 de Dezembro

                     Um “Super Stallion”

Voavam a cento e cinquenta nós e a seiscentos metros de altitude sobre o mar escuro. O helicóptero Super Siallion era antigo. Construído no fim da guerra do Vietname, fora primitivamente usado na detecção de minas à entrada do porto de Haiphong; arrastava uma espécie de grade e funcionava como draga-minas voador. Agora, o grande Sikorski era utilizado com outras finalidades, sobretudo missões de transporte de longo alcance. Os três motores de turbinas, montados no topo da fuselagem, desenvolviam considerável potência, e o aparelho podia levar um pelotão de tropas armadas a grande distância.

Naquela noite, além da tripulação normal, transportava quatro passageiros e uma vasta reserva de combustível nos depósitos exteriores. Os passageiros acotovelavam-se à popa, na zona de carga, conversando... ou tentando conversar, tal o barulho dos motores. A conversa era animada. Os oficiais de operações haviam esquecido o perigo que a missão envolvia—não adiantava insistirem nisso—e especulavam sobre o que iriam encontrar a bordo de um autêntico submarino russo. Pensavam nas histórias que, infelizmente, não poderiam contar a ninguém. Nenhum deles, todavia, expressava este pensamento. Somente um punhado de pessoas chegaria a saber como tudo se passara; as outras conheceriam apenas fragmentos desconexos que, mais tarde, seriam atribuídos a variadíssimas operações. Um agente soviético que tentasse descobrir qual era a missão depararia com múltiplos muros inultrapassáveis.

O perfil da missão era rigorosíssimo. O helicóptero voava numa rota pré-estabelecida em direcção ao HMS Invincible. Daí voariam para o USS Pigeon, a bordo de um Sea King da Marinha britânica. O desaparecimento do Stallion da Base Aérea de Oceana por poucas horas seria interpretado como uma ausência de rotina.

Os motores de turbina do helicóptero, trabalhando à velocidade máxima de cruzeiro, sorviam combustível. O aparelho estava agora a seiscentos e quarenta quilómetros da costa dos EUA e tinha ainda cento e trinta a percorrer. O voo para o Invincible não era directo, para despistar quem quer que pudesse ter captado a partida no radar. Os pilotos sentiam-se cansados. Quatro horas sentados numa carlinga acanhada é muito tempo, e os meios aéreos militares não se distinguem pelo conforto. Os instrumentos de voo emitiam uma luz vermelha mortiça. Os dois homens observavam com particular atenção o horizonte artificial; nuvens densas negavam-lhes um ponto fixo de referência e voar sobre a água de noite era hipnotizante. Não se tratava, porém, de modo algum de uma missão invulgar. Os pilotos tinham executado missões semelhantes muitas vezes e a atenção que patenteavam não era diferente da de um condutor experimentado numa estrada escorregadia. Os perigos existiam, mas não fugiam da rotina,

— Julieta 6, alvo zero-oito-zero, distância cento e vinte quilómetros— disse o Sentry.

— Pensarão que estamos perdidos? — perguntou o comandante John Marcks, rindo.

— Força Aérea...—respondeu o co-piloto. — Voar sobre a água não é com eles. Pensam que uma pessoa se perde por atalhos.

— É — concordou Marcks, rindo. — Por quem vais no jogo com o Eagles, esta noite?

— Pelo Oilers, três e meio.

— Seis e meio. O defesa de Philly ainda está lesionado.

— Cinco.

— Está bem, cinco dólares. Vou ganhar.

Marcks sorriu. Adorava jogar. No dia seguinte ao do ataque argentino às Malvinas, perguntara se alguém na esquadrilha queria apostar na Argentina.

Alguns metros acima e à popa, os motores trabalhavam a milhares de RPM, engrenando velocidades para mover o roto principal de sete pás. Não tinham processo de saber que se produzia uma fractura na caixa de transmissão, junto do orifício de verificação de fluido.

— Julieta 6, o seu alvo acaba de fazer descolar um caça para o escoltar. Encontro dentro de oito minutos. Aproximação de oeste.

— Simpático — disse Marcks.

“Harrier” 2-0

O tenente Parker pilotava o Harrier que escoltaria o Super Stallion. Um segundo-tenente sentava-se no banco de trás do caça da Marinha inglesa. O seu objectivo não era realmente escoltar o helicóptero até ao Invincible; era localizar, uma última vez, quaisquer submarinos soviéticos que pudessem ter detectado o Super Stdlion em voo e especulado sobre a sua missão.

— Alguma actividade na água? — perguntou Parker.

— Absolutamente nada,

O segundo-tenente manobrava o FLIR que varria a rota à esquerda e à direita. Nenhum dos homens sabia o que estava a passar-se, embora ambos tivessem especulado, incorrectamente, sobre o que fazia correr o seu porta-aviões pelo maldito oceano.

— Vê se avistas o helicóptero — disse Parker.

— Um momento... Já o vi. A sul da nossa rota.

O segundo-tenente carregou numa tecla e o quadro surgiu no écran do piloto. A imagem térmica provinha sobretudo dos motores no topo da fuselagem, envolta na luminosidade verde e mortiça das pontas quentes do rotor.

— Harríer 2-0, aqui Sentry Echo. O seu alvo encontra-se a leste, distância trinta e dois quilómetros. Escuto.

— Entendido. Temo-lo no nosso IR. Obrigado, terminado—Adisse Parker. — Utilíssimos, estes Sentries.

— O Sikorski não tem mais para dar. Olha para esta assinatura do motor.

O “Super Stallion”

Nesse instante, a caixa de transmissão estalou. Logo os galões de lubrificante se transformaram numa nuvem gordurosa atrás do cubo do rotor e as delicadas engrenagens começaram a encravar-se umas nas outras. Uma luz de aviso acendeu-se no painel de controle. Marcks e o co-piloto desligaram imediatamente os três motores. Tarde de mais. A transmissão quis imobilizar-se, mas a força dos três motores desconjuntou-a. O que aconteceu a seguir foi praticamente uma explosão. Peças destroçadas irromperam pelo invólucro de segurança e destruíram a parte da frente do aparelho. A aceleração do rotor fez rodopiar com violência o Stallion, que começou a cair rapidamente. Dois dos homens à popa, que haviam desapertado os cintos, foram projectados dos assentos e rebolaram em frente.

— MAYDAY M/tYDAY MAYDAY, aqui Julieta 6 — disse o co-piloto, emitindo a chamada de socorro.

O corpo do comandante Marcks caíra sobre os controles e apresentava uma mancha negra na base do pescoço.

— Estamos a cair, estamos a cair. MAYDAY MAYDAY MAYDAY.

O co-piloto tentava fazer qualquer coisa. O rotor principal rodava lentamente — lentamente de mais. O desacoplador automático que deveria permitir-lhe continuar a rodar e dar-lhe um mínimo de controle, falhara. Os controles já praticamente não funcionavam e o co-piloto montava uma lança que ia espetar-se no oceano escuro. O choque deu-se vinte segundos depois. O co-piloto tentou manobrar as aerofólios e o rotor da cauda para fazer rodar o aparelho. Conseguiu, mas demasiado tarde.

“Harrier” 2-0

Não era a primeira vez que Parker via homens morrer. Ele próprio roubara uma vida ao disparar um míssil Sidewinder contra o tubo de aspiração de um caça Dagger argentino. Não fora agradável; aquilo era pior. Os motores do Super Stallion desfizeram-se num chuveiro de faíscas. Não rebentou fogo, se de alguma consolação isso podia servir. Parker rezou para que o nariz levantasse. Levantou, mas não o suficiente. O Stallion chocou violentamente com a água. A fuselagem partiu-se pelo meio. A parte dianteira afundou-se num instante, mas a de trás flutuou por alguns segundos, como uma banheira, antes de começar a encher-se de água. Segundo a imagem fornecida pelo FLIR, ninguém se libertou antes do afundamento.

— Sentry, Sentry, viu o que aconteceu? Escuto.

— Vimos, Harrier. Já pedimos uma missão SAR. Pode orbitar?

— Entendido, podemos. — Parker mergulhou, acendendo as luzes de aterragem, e iluminando assim o sistema de TV de luminosidade reduzida. — Viste isto, lan? — perguntou ao companheiro.

— Parece-me que mudou de posição.

— Sentry, Sentry, temos um possível sobrevivente nas águas. Diga ao Invincible para mandar já um Sea King. Vou descer para investigar. Comunicarei.

— Entendido, Harrier 2-0. O seu comandante informa sobre um helicóptero a aproximar-se. Terminado.

O Sea King da Royal Navy chegou vinte minutos depois. Um paramédico de fato de borracha saltou para a água, a fim de passar um colar no único sobrevivente. Não havia mais ninguém, nem destroços, somente um rasto de combustível que se evaporava lentamente, na noite fria. Um segundo helicóptero prosseguiu as buscas, enquanto o primeiro regressava a toda a velocidade ao porta-aviões.

O “Invincible”

Ryan, na ponte, viu os paramédicos transportarem a maca para a superstrutura. Outro tripulante apareceu um momento depois, com uma pasta.

— Ele tinha isto, ar. É um capitão-de-mar-e-guerra. Chama-se pwyer. Uma perna e várias costelas partidas. Está bastante mal, almirante.

—Obrigado.— White pegou na pasta. — Alguma possibilidade de haver mais sobreviventes?

O marinheiro abanou a cabeça.

— Não há, sir. O Sikorski deve ter-se afundado como uma pedra. — Olhou para Ryan. — Lamento, sir.

— Obrigado.

— Norfolk no rádio, almirante — disse um oficial de comunicações.

— Vamos, Jack.

O almirante White passou-lhe a pasta e levou-o ao centro de comunicações.

— O helicóptero afundou-se. Temos um sobrevivente a ser tratado— disse Ryan pela rádio.

Após um silêncio, perguntaram:

— Quem é?

— Dwyer. Levaram-no agora mesmo para a enfermaria, almirante. Está fora de combate. Avise Washington. Fosse qual fosse a operação, teremos de a reparar.

— Entendido. Terminado—disse o almirante Blackburn.

— Seja o que for que decidamos, terá de ser decidido depressa — disse o almirante White. — Temos de mandar o nosso helicóptero ao Pigeon dentro de duas horas para o termos de volta antes do amanhecer.

Ryan sabia exactamente o que isto significava. Havia só quatro homens no mar ao corrente do que se passava e suficientemente perto para poderem fazer qualquer coisa. Era o único americano entre eles. O Kennedy estava longe de mais. O Nimitz encontrava-se perto, mas recorrer a ele implicaria comunicar-lhe os dados via rádio, o que não agradava particularmente a Washington. A alternativa que restava consistia em reunir e enviar outra equipa de oficiais de informações. Só que não havia tempo.

— Vamos abrir esta pasta, almirante. Preciso de saber de que plano se trata.

Apanharam um mecânico a caminho do camarote de White. O homem demonstrou ser um excelente serralheiro.

— Meu Deus!—exclamou Ryan, lendo os papéis da pasta.— É melhor ver...

— Bem — disse White, minutos passados —, isto é inteligente.

— Notável, sem dúvida. Quem teria sido o génio que concebeu este plano? Já sei a quem vai tocar a missão... Vou pedir autorização a Washington para levar comigo alguns oficiais.

Dez minutos depois, estavam de novo no centro de comunicações. White mandou sair toda a gente. Jack falou pelo canal destinado a transmissões em linguagem clara. Oxalá as interferências funcionassem. ..

— Estou a ouvi-lo muito bem, senhor presidente. Já sabe o que aconteceu ao helicóptero?

— Já sei, já. Uma tragédia. Preciso que você salve a situação.

— Já calculava, sir.

— Não posso obrigá-lo, mas sabe o que está em jogo. Fará isso? Ryan fechou os olhos.

— Sim.

— Agradeço-lhe, Jack. Ai não!

— Sir, preciso da sua autorização para levar alguém comigo, alguns oficiais ingleses.

— Um — disse o presidente.

— Sir, preciso de mais.

— Um.

— Compreendo, sir. Partiremos dentro de uma hora.

— Sabe o que se pretende?

—Sei. O sobrevivente tinha com ele a ordem de operações. Já a li.

— Boa sorte, Jack.

— Obrigado, sir. Terminado. — Ryan desligou o canal de satélite e virou-se para o almirante White. — Ofereça-se uma vez e verá o que lhe acontece!

— Assustado? — perguntou White, nada divertido.

—’Se estou! Empresta-me um oficial? Um homem que fale russo, de preferência. Sabe os riscos que corremos, claro...

— Vamos ver. Venha.

Cinco minutos depois, regressavam ao camarote de White, onde aguardaram a chegada de quatro oficiais. Eram todos tenentes com menos de trinta anos.

—Meus senhores — começou o almirante — este é o comandante Ryan. O comandante precisa de um voluntário que o acompanhe numa importante missão de natureza secreta e extremamente invulgar. Encerra algum perigo. Chamei-os aos quatro por falarem russo. E pronto.

— Para ir falar com um submarino soviético? — perguntou, bem-disposto, o mais velho. Sou o seu homem. Diplomei-me em russo e a minha primeira colocação foi no JíMS Dreadnought.

Ryan perguntou a si próprio se seria honesto aceitar o homem antes de lhe dizer os riscos que corria. Fez um gesto de cabeça e White mandou sair os outros.

— Chamo-me Jack Ryan — disse, estendendo a mão.

— Owen Williams. Então que vamos fazer?

—O submarino chama-se Outubro Vermelho...

— Krazny Oktyabr — traduziu Williams, sorrindo. —E tenta desertar para os Estados Unidos.

— Sim? Então é isso... Esta manobra toda... O comandante do Outubro está de parabéns. Mas é mesmo verdade?

Ryan gastou vários minutos a fornecer-lhe as informações disponíveis.

— Transmitimos-lhe sinais de luzes e ele pareceu disposto a seguir as nossas instruções. Mas só depois de entrarmos a bordo saberemos ao certo. Há desertores que mudam de ideias. Acontece mais vezes do que pode imaginar. Ainda quer vir?

— Perder uma oportunidade destas? Como é que vamos entrar a bordo, comandante?

— Chamo-me Jack. Sou da CIA, não sou da Marinha. Ryan explicou-lhe o plano.

— Óptimo. Ainda tenho tempo de fazer a mala?

— Volte dentro de dez minutos — disse White.

— Muito bem, sir.

Williams perfilou-se e saiu. White pegou no telefone.

— Mande-me o tenente Sinclair. — O almirante explicou que era o comandante do destacamento de marinees do Invincible. — Talvez precise de outro amigo.

O outro amigo era uma pistola automática FN de nove milímetros com carregador sobresselente e coldre de ombro que desaparecia perfeitamente sob o casaco. A ordem de operações foi rasgada e queimada antes de partirem.

O almirante White acompanhou Ryan e Williams à pista. Pararam na escotilha, olhando o Sea King que punha os motores a trabalhar.

— Boa sorte, Owen.

White apertou a mão do tenente, que fez a continência e se afastou.

— Cumprimentos à sua mulher, almirante. Ryan apertou-lhe a mão. White disse:

— Cinco dias e meio daqui a Inglaterra. Se calhar ainda a vê primeiro do que eu. Tenha cuidado, Jack.

Ryan ofereceu-lhe um sorriso amarelo e respondeu:

— É o meu raciocínio, não é? Se estiver certo, isto vai ser apenas [um passeio... se o helicóptero não cair.

— O uniforme fica-lhe bem.

Ryan não esperava o comentário. Perfilou-se e fez a continência, conforme aprendera em Quântico.

— Obrigado, almirante. Até breve.

White viu-o entrar no helicóptero. O chefe da tripulação correu a porta e um momento depois os motores do Sea King aceleravam. O helicóptero levantou na vertical, mergulhou sobre bombordo e curvou, subindo, para sul. Sem luzes, a forma escura desapareceu em menos de um minuto.

33N 75W

O Scamp encontrou-se com o Ethan Allen minutos após a meia-noite. O submarino colocou-se mil metros à popa do velho Ethan, descrevendo ambos um círculo vagarosamente, os sonares atentos à aproximação do um vaso a diesel, o USS Pigeon. Três peças estavam já no lugar. Mais vinham a caminho.

O “Outubro Vermelho”

— Não há outra solução — disse Melekhin. — Tenho de reparar o diesel.

— Deixe-nos ajudá-lo — disse Svyadov.

— E que percebe você de bombas diesell — perguntou Melekhin em voz cansada, mas amável. — Não, camarada. Surzpoi, Bugayev e eu tratamos do assunto. Não há razão nenhuma para o expormos também a si. Dentro de uma hora digo qualquer coisa.

— Obrigado, camarada. — Ramius desligou o altifalante. — Este cruzeiro só nos tem trazido problemas. Sabotagem! Nunca na minha carreira me aconteceu uma coisa destas! Se não conseguirmos reparar o diesel... Poucas horas mais temos de bateria e o reactor precisa de uma inspecção geral. Juro-lhes, camaradas, que se descobrirmos o bandido que nos fez isto...

— Não deveríamos pedir auxílio? — perguntou Ivanov.

— Tão perto da costa americana? Talvez com um submarino imperialista a perseguir-nos? Que tipo de “ajuda” obteríamos? Camaradas, já pensaram que os nossos problemas podem não ser acidentais? Que podemos ser peões num jogo assassino? — Abanou a cabeça. — Não, não podemos correr esse risco. Os americanos não podem deitar a mão a este submarino!

Quartel-General da CIA

— Obrigado por ter vindo tão depressa, senador. Desculpe tê-lo acordado tão cedo.

O juiz Moore recebeu Donaldson à porta e introduziu-o no seu espaçoso gabinete.

—Conhece o director Jacobs, não conhece?

— Qaro. Que faz reunir os chefes do FBI e da CIA ao amanhecer? — perguntou Donaldson com um sorriso.

Ia ser do melhor. Dirigir a comissão restrita era mais do que desempenhar um cargo; era o prazer, o verdadeiro prazer de ser dos poucos a estar por dentro das coisas.

A terceira pessoa na sala, Ritter, convidou uma quarta a levantar-se de uma cadeira de espaldar alto que a encobria. Era Peter Henderson. Viu Donaldson para grande surpresa sua. Henderson tinha o fato amarrotado como se tivesse passado a noite a pé. De súbito, a situação deixou de ser agradável. O juiz Moore disse, solícito:

— Conhece Mister Henderson, claro.

— Que significa isto? — perguntou Donaldson, a voz mais cordata do que seria de esperar.

— O senhor mentiu-me, senador — disse Ritter. — Prometeu-me que não revelaria a ninguém aquilo que lhe contei ontem, e já fazia tenção de contar a este homem...

— Não fiz tal coisa!

— ...que depois contou a um agente do KGB — continuou Ritter. — Emil?

Jacobs pousou o café.

— Há uns tempos que vigiávamos Mister Henderson. Foi o seu contacto que de início nos desorientou. Há coisas demasiado óbvias, não é? Muitas pessoas em D. C. utilizam regularmente o táxi. O contacto de Henderson era um motorista de táxi. Acabámos por descobrir.

— Foi através de si que descobrimos, senador — explicou Moore. — Há uns anos, tínhamos um agente muito bom em Moscovo, um coronel das Forças de Mísseis Estratégicos. Forneceu-nos boas informações durante cinco anos e preparávamo-nos para o tirarmos, a ele e à família, da União Soviética. Como sabe, procuramos sempre fazer isso. Os agentes não duram toda a vida e estávamos, de facto, em dívida para com este homem. Mas eu cometi o erro de revelar o nome dele à sua comissão. Uma semana mais tarde, o coronel desaparecia. Deve ter sido abatido, claro. A mulher e três filhas foram mandadas para a Sibéria. Ao que sabemos, vivem numa barraca, a leste dos Úrales. A instalação típica, sem água encanada, comida péssima, médico* nem pensar. E como são familiares de um traidor condenado, imagina com certeza o inferno em que vivem. Um bom homem morto e uma família destruída. Pense nisso, senador. A história é verdadeira, as pessoas são autênticas.

“De início, não sabíamos que tinha dado com a língua nos dentes. Tinha de ser o senhor ou um dos outros dois. Começámos a dar informações a membros da comissão. Levou seis meses, mas o seu nome apareceu três vezes. Depois disso, o director Jacobs mandou investigar todos os seus colaboradores. Emil?

— Quando Henderson era director-adjunto do Crimson de Harvard, em 1970, foi mandado a Kent fazer uma reportagem sobre o morticínio. Lembram-se dos “Dias de Fúria”, após a incursão cambojana, aquele terrível confronto com a guarda nacional. Eu estava em cima disso, como é natural. Claro que Henderson ficou revoltado. Compreensível. Mas a sua reacção, não. Quando se formou e entrou para o seu gabinete começou a falar com os seus velhos amigos activistas acerca dessa história. A conversa levou a um contacto por parte dos russos, que pediram umas informações. Foi durante o bombardeamento do Natal... ele realmente não gostou. Começou a trair. Primeiro coisas sem grande importância, nada que não pudessem ler dias mais tarde no Post. Foi assim. Eles estenderam a isca, ele mordeu. Anos mais tarde, é óbvio, deram a volta ao anzol e ele já não podia fugir. Todos sabem como funciona este jogo.

“Ontem, colocámos um gravador no seu táxi. Não acreditaria se soubesse como foi fácil. Os agentes também se relaxam como todos nós. Resumindo, temo-lo a si na gravação, prometendo não contar nada a ninguém e temos Henderson a fornecer as informações, menos de três horas depois, a um conhecido agente do KGB, também gravadas. O senhor não violou nenhuma lei, senador, mas Mister Henderson violou. Foi preso, ontem à noite, às nove horas. A acusação é espionagem, e temos provas.

— Não sei absolutamente nada disso — disse Donaldson.

— Nunca nos passou pela cabeça que soubesse — disse Ritter. Donaldson enfrentou o seu colaborador:

— Que tem a dizer?

Henderson não respondeu. Pensou em dizer quanto lamentava, mas como explicar as suas emoções? A sensação repugnante de ser um agente ao serviço de uma potência estrangeira misturava-se com a emoção de enganar toda uma legião de fantasmas do Governo. Ao ser desmascarado, estas emoções transformavam-se em medo do que lhe iria acontecer e em alívio por tudo ter acabado.

— Mister Henderson concordou em trabalhar para nós — disse Jacobs, animado. — Logo que o senhor abandone o Senado, claro.

— Que quer dizer? — perguntou Donaldson.

— Está no Senado há quanto tempo? Há treze anos, não é? Se a memória não me falha, entrou a substituir um senador que não completara o mandato — disse Moore.

—Experimente fazer chantagem comigo e verá qual a minha reacção.

— Chantagem! — Moore abriu os braços. — Meu Deus, senador, o director Jacobs já disse que o senhor não violou lei nenhuma; e o senhor tem a minha palavra de que isto não sai daqui. Se o Departamento da Justiça vai ou não processar Mister Henderson, isso já não é connosco. “Colaborador do Senado condenado por traição: o senador Donaldson alega desconhecer as actividades do seu colaborador.”

Jacobs continuou:

— Senador, a Universidade de Connecticut não lhe ofereceu aqui há uns anos a cátedra de Ciências Políticas? Por que não aceita?

—Ou Henderson vai para a cadeia. Quer pôr-me esse peso na consciência.

—’É evidente que ele não pode continuar a trabalhar para si, como é evidente que se for demitido, após tantos anos de serviço exemplar no seu gabinete, a coisa será falada. Se, por outro lado, o senhor decidir abandonar a vida pública, já não causaria espanto que ele fosse incapaz de arranjar emprego semelhante no gabinete de outro senador. Ora, nós arranjamos-lhe um belo cargo na Repartição Geral de Contabilidade, onde continuará a ter acesso a todo o tipo de segredos. Só que, a partir de agora — disse Ritter —, nós é que decidiremos quais os segredos que ele vai passar.

— Em espionagem não há limitações — salientou Jacobs.

— Se os soviéticos descobrem... — disse Donaldson, logo se interrompendo.

Que lhe importava, afinal? Queria lá saber de Henderson, do pretenso russo. Tinha uma imagem a salvar, prejuízos a evitar.

— Ganhou, juiz.

— Já calculava que concordasse connosco. Avisarei o presidente. Obrigado por ter vindo, senador. Mister Henderson vai chegar um pouco atrasado ao gabinete, esta manhã. Não tenha pena dele, senador. Se se portar bem, daqui por uns anos pode ser que o libertemos. Não seria a primeira vez. Tem é que o merecer. Bom dia, sir.

Henderson colaboraria; a alternativa era passar o resto da vida numa penitenciária de segurança máxima. Após ter ouvido a gravação da conversa no táxi, fizera uma confissão perante uma estenógrafa do tribunal e uma câmara de TV.

O “Pigeon”

A viagem até ao Pigeon não tivera, graças a Deus, história. O casco catamarã do forco de salvamento dispunha de uma pequena plataforma para helicópteros, à popa, e o aparelho da Marinha britânica pairara a uns sessenta centímetros da pista para que Ryan e Williams saltassem. Foram imediatamente conduzidos à ponte e o helicóptero regressou à base, a nordeste.

— Bem-vindos a bordo, meus senhores — disse o comandante, amável. — Washington diz que têm ordens para mim. Café.

— Não terá chá? — perguntou Williams.

— Talvez se arranje.

— Vamos para onde possamos falar à vontade — disse Ryan.

O “Dállas”

O Dállas fazia já parte do plano. Alertado por outra transmissão BLF, Mancuso estabilizara por algum tempo à altura da antena, durante a noite. Ele próprio descodificava manualmente, no seu camarote, a mensagem, SÓ PARA. Descodificar não era o forte de Mancuso. Gastara nisso uma hora, enquanto Chambers comandava o Dállas, sempre atrás do contacto. Um tripulante que tinha passado pelo camarote do comandante ouvira um nãos abafado através da porta. Mancuso reaparecera com um sorriso amarelo. Também não era bom jogador de cartas.

O “Pigeon”

O Pigeon era um dos dois modernos barcos para salvamento de submarinos, concebidos com vista a localizar e atingir um submarino nuclear afundado com rapidez suficiente para salvar a sua tripulação. Dispunha de variado e sofisticado equipamento, sendo o principal o DSRV. Este barco, o Mystic, estava suspenso de um suporte entre os cascos catamarã gémeos do Pigeon. Havia também um sonar 3-d operando a baixa potência, sobretudo como sinalizador. O Pigeon descrevia círculos lentos algumas milhas a sul do Scamp e do Ethan Allen. Duas fragatas da classe Pery encontravam-se vinte milhas a norte, operando em conjunção com três Orions para manterem a zona limpa.

— Pigeon, aqui Dállas, ensaio rádio. Escuto.

— Dállas, aqui Pigeon. Ouçoo bem. Escuto — respondeu o comandante do barco de salvamento pelo canal rádio de segurança.

— Temos cá a encomenda. Terminado.

— Comandante, no Invincible foi um oficial que enviou os sinais de luzes. Sabe transmitir com luzes? — perguntou Ryan.

— Meter-me nisto? Está a brincar?

O plano era bastante simples, mas devia ser rigorosamente cumprido. Era óbvio que o Outubro Vermelho queria desertar. Era mesmo possível que todos a bordo quisessem desertar — muito improvável, todavia. Retirariam do Outubro Vermelho todos os que pretendessem regressar à Rússia e, depois, fingiriam destruir o barco com uma das poderosas cargas de afundamento que se sabe os vasos russos transportam. Os outros tripulantes levariam então o submarino para noroeste, para o estreito de Sound, enquanto a esquadra soviética se retiraria convencida de que o Outubro Vermelho fora afundado, e com a tripulação para o provar. Que poderia correr mal? Mil coisas.

O “Outubro Vermelho”

Ramius olhou pelo periscópio. O único barco à vista era o USS Pigeon, embora a sua antena ESM captasse actividade de radar à superfície, a norte — duas fragatas vigiando na linha do horizonte. Era esse, portanto, o plano. Viu a luz piscar e foi traduzindo mentalmente a mensagem.

Centro Médico Naval de Norfolk

— Obrigado por ter vindo, doutor. — O oficial de informações instalara-se no gabinete do administrador-adjunto do hospital. — Parece que o nosso doente acordou.

— Há cerca de uma hora — confirmou Tait. — Esteve consciente durante uns vinte minutos. Tornou a adormecer.

— Será que sobrevive?

— É um sinal positivo. Falava coerentemente, por isso não sofreu danos cerebrais. Eu estava preocupado com essa possibilidade. Agora tem bastantes hipóteses, mas estes casos de hipotermia, de um momento para o outro... Continua em estado grave. — Tait interrompeu-se. — Queria fazer-lhe uma pergunta, comandante: por que será que os russos não estão satisfeitos?

— Que o leva a pensar isso?

— Nota-se. É verdade, Jamie descobriu aqui um médico que entende russo. Integrámo-lo na equipa que trata o rapaz.

— Por que não me disse?

— Os russos também não sabem. Foi uma decisão médica, comandante. Dispor de um médico que fala a ’língua do doente é apenas uma boa prátiica.

Tait sorriuf satisfeito consigo próprio por ter jogado a sua cartada de espionagem sem desrespeitar a ética profissional nem os regulamentos navais. Tirou um cartão do bolso.

— Bom... O doente chama-se André Katyskin. É cozinheiro, como supúnhamos. De Leninegrado. O nome do barco era Politowskiy.

— Parabéns, doutor.

O oficial de informações teve de apreciar a manobra de Tait, perguntando-se ao mesmo tempo por que motivo os amadores eram tão espertos quando metiam o nariz no que não lhes dizia respeito.

— Por que é que os russos não estão satisfeitos? — Tait não obteve resposta. — E por que é que você não tem um tipo lá em cima? Vocês estavam fartos de saber, não é? Sabiam de que barco ele escapara e o que afundara o barco... Portanto, se eles querem acima de tudo saber de que barco era o rapaz e se não gostam do que ouviram... significará isso que lhes desapareceu outro submarino por aí?

Quartel-General da CIA

Moore pegou no telefone.

— James, vem cá com Bob, imediatamente!

— Que foi, Arthur? — perguntou Greer um minuto depois.

— A última mensagem de CARDINAL. — Moore passou fotocópias de uma mensagem aos dois homens. — De quanto tempo precisamos para a entregar?

—Tão longe? De um helicóptero e pelo menos duas horas. Não pode ser. Tem de ser mais depressa — disse Greer.

— Não podemos pôr CARDINAL em perigo. Ponto final. Escreve uma mensagem e manda a Marinha ou a Força Aérea entregá-la pessoalmente.

Moore não gostava da solução, mas não tinha outra.

— Demorará muito tempo! — objectou Greer, irritado.

—Eu também gosto do rapaz, James, não percamos mais tempo com conversa. Vai lá.

Greer saiu, praguejando como o marinheiro de cinquenta anos que era.

O “Outubro Vermelho”

— Camaradas, oficiais e marinheiros do Outubro Vermelho, fala-vos o comandante.

A voz de Ramius era cordata, reparou a tripulação. O pânico incipiente nascido horas antes quase levara os homens à beira do motim.

— Os esforços para reparar os nossos motores falharam. As nossas baterias estão praticamente esgotadas. Encontrarão-nos muito longe de Cuba para pedirmos ajuda e não podemos esperá-lo da Rodina. Nem sequer dispomos de energia suficiente para operar os sistemas de controle ambiental por muito mais horas. Não temos por onde escolher. Devemos abandonar o barco.

“Não é por acaso que um barco americano se encontra perto de nós, oferecendo aquilo a que chamam assistência. Vou dizer-lhes o que aconteceu, camaradas. Um espião imperialista sabotou o nosso barco. Eles sabiam, como ignoro-o, quais eram as nossas ordens. Estão à nossa espera, camaradas, à nossa espera e à espera de porem as suas mãos sujas no nosso barco. Não o conseguirão! A tripulação será evacuada. Eles não entrarão no Outubro Vermelho! Os oficiais e eu ficaremos para armar as cargas de afundamento. A água, aqui, tem cinco mil metros de profundidade. Não apanharão o nosso submarino. Todos os tripulantes excepto os que estão de serviço devem reunir-se nas respectivas zonas. Mais nada — Ramius olhou em redor, no centro de comando. — Perdemos, camaradas. — Bugayev, envie as mensagens necessárias a Moscovo e ao barco americano. Depois mergulharemos a cem metros. Não podemos correr o menor risco de que eles se apoderem do nosso submarino. Assumo inteira responsabilidade por esta... tragédia! Fixem isto bem, camaradas. A culpa é só minha.

O “Pigeon”

— Mensagem recebida: “SSS” — anunciou o radiotelegrafista.

— JÁ esteve num submarino, Ryan? — perguntou Cook.

— Nunca. Espero que seja mais seguro do que os aviões. Ryan tentava gracejar, mas sentia muito medo.

— Bem, vamos lá levá-lo ao Mystic.

O “Mystic”

O DSRV não passava de um conjunto de três esferas metálicas com uma hélice e placas protectoras das partes do casco que suportavam pressão. Ryan foi o primeiro a passar a escotilha, segundo de Williams. Sentaram-se e esperaram. Uma tripulação de três homens achava-se já em funções.

O Mystic estava pronto a operar. Os guinchos do Pigeon baixaram-no à água calma. O Mystic mergulhou imediatamente, os motores eléctricos mal se ouvindo. O sonar de baixa potência detectou logo o tavam pressão, ijyan foi o primeiro a passar a escotilha, seguido de Williams. Sentaram-se e esperaram. Uma tripulação de três homens achava-se já em funções.

O Mystic estava pronto a operar. Os guinchos do Pigeon baixaram-no à água calma. O Mystic mergulhou imediatamente, os motores eléctricos mal se ouvindo. Ó sonar de baixa potência detectou logo o submarino russo, a meia milha de distância, a uma profundidade de noventa metros. Os tripulantes haviam sido informados de que se tratava de uma missão normal de salvamento. Eram especialistas. Dez minutos depois, o Mystic pairava sobre a saída de emergência da proa do submarino nuclear.

As hélices direccionais colocaram os dois barcos em posição e um subalterno certificou-se de que o dispositivo de acoplagem estava firmemente apertado. A água no interior da ligação do Mystic ao Outubro Vermelho era forçada para uma câmara de baixa pressão no DSRV, o que estabelecia uma união firme entre os dois vasos. A água residual era escoada.

— Agora é a sua vez.

O tenente apontou a Ryan a escotilha no segmento intermédio.

— Pois é.

Ryan ajoelhou-se e bateu várias vezes com a mão na escotilha. Não obteve resposta. Bateu depois com uma chave inglesa. Passado um momento, ouviu três pancadas. Ryan rodou o volante da escotilha. Ao abrir esta, viu outra que já tinha sido aberta de baixo. A escotilha mais afastada, na perpendicular, estava fechada. Ryan respirou fundo e desceu a escada do cilindro pintado de branco, seguido de Williams. Ao fundo, bateu na escotilha.

O “Outubro Vermelho”

Foi imediatamente aberta.

—Meus senhores, sou o comandante Ryan, da Marinha dos Estados Unidos. Podemos ser-lhes úteis?

O homem com quem falava era mais baixo e pesado do que ele próprio. Ostentava três estrelas nos ombros, um farto conjunto de fitas no peito e uma lista larga dourada na manga. Era aquele, então, Marko Ramius...

— Fala russo?

— Não, sir, não falo. Qual é a natureza da emergência, sir?

— Temos uma grande fuga no sistema do nosso reactor. O barco está contaminado à popa do centro de controle. Temos de o abandonar.

Ao ouvir as palavras fuga e reactor, Ryan sentiu um arrepio. Lembrou-se de como não se enganara ao imaginar a situação. Em terra, a mil quatrocentos e quarenta quilómetros, num belo gabinete aquecido, rodeado de amigos... bem, de não inimigos. Os olhares que lhe disparavam os vinte homens no compartimento eram mortíferos.

—Meu Deus! Muito bem, vamos sair então. Podemos levar vinte e cinco homens de cada vez, sir.

— Mais devagar, comandante Ryan. — Que vai acontecer aos meus homens? — perguntou Ramius em voz alta.

— Serão tratados como nossos hóspedes, claro. Se precisarem de cuidados médicos, tê-los-ão. Regressarão à União Soviética logo que seja possível. Pensava que os íamos encarcerar?

Ramius resmungou e falou em russo com os seus oficiais. No voo desde o Invincible, Ryan e Williams haviam decidido não revelar logo que o último falava russo. Williams vestia um uniforme americano. Estavam ambos convencidos de que os russos não dariam pela diferença de sotaque.

— Doutor Petrov — disse Ramius—, levará o primeiro grupo de vinte e cinco homens. Tome conta dos homens, camarada doutor! Não deixe os americanos falar-lhes individualmente nem permita que os homens se separem. Adopte as medidas convenientes, nem mais nem menos.

— Compreendo, camarada comandante.

Ryan viu Petrov contar os homens, à medida que estes passavam a escotilha e subiam a escada. Williams fechou primeiro a escotilha do Mystic e, depois, a do Outubro. Ramius mandou um michman verificá-la. Ouviram o DSRV soltar-se e afastar-se.

O silêncio que se seguiu foi longo e embaraçoso. Ryan e Williams mantínham-se a um canto do compartimento, Ramius e os seus homens em frente. Ryan recordou-se dos bailes do liceu, quando rapazes e raparigas se juntavam em grupos separados e havia uma terra-de-ninguém. Um oficial puxou de um cigarro e Ryan aproveitou para tentar quebrar o gelo.

— Importa-se de me oferecer um cigarro, sir?

Borodin sacudiu o maço e um cigarro saltou. Ryan pegou nele e Borodin acendeu-lho com um fósforo de cera.

— Obrigado. Eu deixei de fumar, mas... Debaixo de água, com um reactor avariado, não será demasiado perigoso?

A primeira experiência de Ryan com um cigarro russo não foi brilhante. O tabaco negro e forte entonteceu-o e acrescentou um cheiro acre ao ambiente que já era pesado, do suor, dos óleos e das hortaliças.

— Como foi que veio parar aqui? — perguntou Ramius.

— íamos para a costa da Virgínia, comandante. Afundou-se lá um submarino soviético, na semana passada.

— Sim? — Ramius apreciou a história falsa de Ryan. — Um submarino soviético?

— É verdade, comandante. Aquilo a que chamamos um Alfa. É tudo o que sei. Recolheram um sobrevivente que está agora no hospital naval de Norfolk. Posso saber como se chama, sir?

— Marko Aleksandrovich Ramius.

— Jack Ryan.

— Owen Williams. Cumprimentaram-se.

— Tem família, comandante Ryan? — perguntou Ramius.

— Tenho, sir. Mulher, um filho e uma filha. E o senhor? —Não, não tenho.

Ramius dirigiu-se em russo a um subalterno e disse-lhe:

— Leve o segundo grupo. Ouviu as instruções que dei ao doutor?

— Ouvi, camarada comandante!

Os motores eléctricos do Mystic gemiam sobre as suas cabeças. Passado um momento, ouviram o estalo metálico do cilindro encaixado no Outubro. Demorara quarenta minutos, mas parecera uma semana. “Meu Deus, e se o reactor estava mesmo avariado?”, perguntou-se Ryan.

O “Scamp”

A duas milhas, o Scamp parava a poucas centenas de metros do Ethan Allen. Os dois submarinos trocavam mensagens. Os técnicos de sonar do Scamp haviam detectado a passagem de três submarinos uma hora antes. O Pogy e o Dállasencontravam-se agora entre o Outubro Vermelho e os outros dois submarinos americanos, os operadores de sonar atentos a qualquer interferência, a qualquer barco que se intrometesse. A área de evacuação era bastante ao largo para não terem de se preocupar com o tráfego comercial e de petroleiros, mas isso não impedia que um navio saído de outro porto aparecesse inopinadamente.

O “Outubro Vermelho”

Quando o terceiro grupo de tripulantes saiu, vigiado pelo tenente Svyadov, um cozinheiro no extremo da fila retirou-se do seu lugar, alegando querer ir buscar um gravador de cassetes para cuja compra andara meses a fazer economias. Não regressou, mas ninguém deu pela sua falta, nem mesmo Ramius. Os tripulantes, incluindo os experientes michmannyy, empurravam-se para serem os primeiros a sair do submarino. Faltava apenas um grupo.

O “Pigeon”

No Pigeon, os tripulantes soviéticos foram conduzidos ao refeitório. Os marinheiros americanos observavam atentamente os seus colegas russos, mas ninguém falava. Os russos encontraram a mesa posta com café, toucinho fumado, ovos e torradas. Petrov sentiu-se aliviado; era fácil controlar homens desde que pudessem comer como lobos. Através de um subalterno servindo de intérprete, pediram mais toucinho. Os cozinheiros tinham ordens para encherem os russos de quanta comida quisessem. Estavam todos entretidos quando um helicóptero vindo de terra pousou com vinte homens a bordo, um dos quais correu para a ponte.

O “Outubro Vermelho”

“O último grupo”, murmurou Ryan consigo. O Mystic tornou a atracar. A última viagem demorara uma hora. Abertas as duas escotilhas, o tenente do DSRV desceu.

— Teremos de adiar um pouco a próxima transferência, meus senhores. As nossas baterias estão esgotadas e precisamos de noventa minutos para as recarregar. Algum problema?

— Seja como diz — respondeu Ramius.

Explicou a situação aos seus homens e ordenou a Ivanov que se encarregasse do último grupo.

— Os restantes oficiais ficarão comigo. Temos que fazer. — Ramius apertou a mão do subalterno. — Se alguma coisa acontecer, diga-lhes, em Moscovo, que cumprimos o nosso dever.

— Com certeza, camarada comandante — respondeu Ivanov em voz trémula.

Ryan viu os marinheiros sair. A escotilha de emergência do Outubro Vermelho foi fechada, depois a do Mystic. Passado um minuto, ouviu-se um estalo, indicando que o mini-submarino se desligara do Outubro. Ryan ouviu os motores morrendo à distância e sentiu as anteparas pintadas de verde fechando-se sobre ele. Viajar de avião era assustador, mas, pelo menos, o ar não ameaçava esmagar as pessoas. Ali estava ele, debaixo de água, a trezentas milhas da costa, no maior submarino do mundo, apenas com dez homens a bordo que sabiam manobrá-lo.

— Comandante Ryan — disse Ramius, perfilando-se —, os meus oficiais e eu pedimos asilo político aos Estados Unidos... e oferecemos-lhe este pequeno presente — acrescentou, apontando para as anteparas de aço.

Ryan já estudara uma resposta.

— Comandante, em nome do presidente dos Estados Unidos tenho a honra de satisfazer o seu pedido. Sejam bem-vindos à liberdade, meus senhores.

Ninguém sabia que o sistema de intercomunicação fora ligado. A lâmpada avisadora tinha sido retirada horas antes. Dois compartimentos à proa, o cozinheiro escutava, dizendo consigo que fizera bem em ter ficado para trás, duvidando do que ouvia. Que fazer? O seu dever. Parecia fácil, mas... lembrar-se-ia ainda de como o executar?

—’Não sei que dizer, palavra... — Ryan apertou a mão de todos. — Vocês conseguiram! Vocês conseguiram mesmo!

— Desculpe, comandante — disse Kamarov. — Fala russo?

— Lamento, mas não. Aqui o tenente Williams fala. Quem devia estar aqui era um grupo de oficiais que sabiam falar russo e não nós, mas o helicóptero em que viajavam despenhou-se no mar, ontem à noite.

Williams traduziu. Quatro oficiais não sabiam inglês.

— E agora?

— Dentro de minutos, um submarino explodirá a duas milhas daqui. Um dos nossos, um velho submarino. Presumo que disse aos seus homens que ia afundar... Meu Deus, espero que não lhes tenha revelado o que ia realmente fazer?

— Para desencadear um motim? — Ramius riu. — Não, Ryan. E depois?

— Quando todos pensarem que o Outubro Vermelho foi afundado, rumaremos a noroeste, para a enseada de Ocracoke, e ficaremos à espera. O USS Dállase o Pogy escoltar-nos-ão. Estes homens serão capazes, sozinhos, de manobrar o submarino?

— Estes homens são capazes de manobrar qualquer barco do mundo! — Ramius disse isto primeiro em russo, e os oficiais sorriram. — Está então convencido de que os nossos homens não saberão do que foi feito de nós?

— Correcto. O Pigeon verá uma explosão subaquática. Como podem eles saber que não foi no Outubro! A nossa Marinha tem muitos barcos operando ao largo da costa, agora, sabia? Quando se forem embora, pensaremos na maneira de guardar este presente. Não sei onde será. Os senhores serão, evidentemente, nossos convidados. Há muita gente que quer falar convosco. Podem ter a certeza de que serão muito bem tratados... melhor do que poderão imaginar.

Ryan tinha a certeza de que a CIA daria a cada um deles uma considerável quantia em dinheiro. Não o revelou, por não querer insultar a coragem daqueles russos. Surpreendera-o saber que os desertores raramente esperam receber dinheiro, quase nunca o pedem.

— E quanto a educação política? — perguntou Kamarov.

— Tenente — disse Ryan, soltando uma gargalhada —, alguém lhe explicará como funciona o nosso país. Não demorará mais de duas horas. Depois, poderá começar imediatamente a dizer mal de nós. Se toda a gente pode, porque não haveria o senhor de poder? Mas eu, agora, não posso tratar disso. Podem crer que vão gostar, talvez mais do que eu. Nunca vivi num país que não fosse livre e provavelmente não aprecio o meu país tanto quanto os senhores apreciarão. Bem, agora acho que têm que fazer.

— Pois temos — disse Ramius. — Venham, meus novos camaradas. Também lhes daremos que fazer.

Ramius conduziu Ryan à popa, atravessando uma série de portas estanques. Minutos depois, Ryan estava na sala dos mísseis, um vasto compartimento com vinte e seis tubos verde-escuros emergindo através de duas cobertas. O centro nevrálgico do submarino, com mais de duzentas ogivas nucleares. A ameaça contida naquela sala foi suficiente para Ryan sentir os cabelos eriçados na nuca. Aquilo era real, não era nenhuma abstracção académica. A coberta superior em que caminhava era uma grade; a inferior era compacta. Tendo atravessado mais um compartimento, chegaram ao centro de controle. O interior do submarino parecia um túmulo, fantasmagórico, silencioso. Ryan percebeu a razão pela qual os marinheiros são supersticiosos.

— Sente-se aqui — disse Ramius, indicando a Ryan o lugar do timoneiro, a bombordo.

— Para quê? — perguntou Ryan, sentando-se diante de um volante semelhante ao de um avião e de um complicado painel de instrumentos.

— Vai guiar o submarino, comandante. Já guiou um submarino? —Não. É a primeira vez que entro num.

— Mas o senhor é oficial da Marinha!

— Não, comandante — respondeu Ryan, abanando a cabeça.—Eu trabalho para a CIA.

— CIA? — Ramius repetiu a sigla num sopro, como se fosse venenosa.

— Eu sei, eu sei. — Ryan pousou a cabeça no volante. — Chamam-nos as Forças do Mal. Comandante, esta Força do Mal vai provavelmente vomitar antes de tudo acabado. Eu trabalho à secretária, e acredite que não há nada, mesmo nada, que eu mais aprecie do que estar em casa com a mulher e os filhos. Dava tudo por isso, agora, pode crer. Se eu tivesse juízo, tinha ficado em Annapolis a escrever os meus livros.

— Livros? Que livros?

— Sou historiador, comandante. Convidaram-me para a CIA há uns anos, como analista. Sabe o que isso é? Os agentes trazem os seus dados e eu vejo o que querem dizer. Meti-me nisto sem querer. Não acredita, pois não? Pois olhe que é verdade. Bom... Eu escrevia livros sobre história naval.

— Que livros — perguntou Ramius.

— Opções e Decisões, Águias Condenadas... Para o ano sairá outro, uma biografia do almirante Halsey. O primeiro que publiquei foi sobre a batalha de Leyte Gulf. O Morskoi Sbornika fez-lhe uma referência crítica, ao que sei. Aborda a natureza das decisões tácticas em condições de combate. Parece que existem alguns exemplares na biblioteca de Frunze.

Ramius fez um esforço de memória.

— Ah, eu conheço esse livro. Sim, li alguns capítulos. Engana-se, Ryan. Halsey agiu estupidamente.

— Vai dar-se bem no meu país, comandante Ramius. Já está a fazer crítica de livros. Capitão Borodin, oferece-me mais um cigarro?

Borodin deu-lhe um maço e fósforos. Ryan acendeu um. Terrível.

O “Avaten”

A quarta viagem do Mystic era o sinal para o Ethan Allen e o Scamp actuarem. O Avalon ergueu-se do seu suporte e cruzou as poucas centenas de metros que o separavam do velho submarino nuclear. O comandante reunia já os homens na sala dos torpedos. As escotilhas, as portas, as aberturas de limpeza, tudo fora aberto. Um dos oficiais dirigiu-se à proa, a ter com os outros. Arrastava um fio preto ligado a cada uma das bombas a bordo. O oficial ligou-o a um detonador de relógio.

— Tudo pronto, comandante.

O “Outubro Vermelho”

Ramius mandou os seus homens ocupar os respectivos postos. A maior parte dirigiu-se à popa, para manobrar os motores. Ramius tinha a amabilidade de falar em inglês, repetindo as ordens em russo para os que não entendiam aquela língua.

—Kamarov e Williams, vão à proa e fechem todas as escotilhas.

A Ryan explicou:

— Se algo correr mal — não correrá, mas... — não dispomos de homens em número bastante para proceder a reparações. Por isso, o melhor é selar o barco todo.

Ryan compreendeu. Pousou um copo vazio sobre o pedestal dos comandos, a servir de cinzeiro. Estava sozinho com Ramius no centro de controle.

— Quando partimos? — perguntou Ramius.

— Quando estiver pronto, Sir. Temos de chegar à enseada de Ocracoke com a maré cheia, cerca de oito minutos depois da meia-noite. Acha que conseguiremos?

Ramius consultou o mapa e respondeu:

—’Sem dificuldade.

Kamarov levou Williams à proa, através do centro de comunicações. Deixaram a porta deste aberta e prosseguiram em direcção à sala dos mísseis. Desceram uma escada e atravessaram a coberta inferior até à antepara da proa. Cruzaram a porta e entraram nos porões, verificando todas as escotilhas. Junto à proa, subiram por outra escada à sala dos torpedos, fechando atrás de si a escotilha. Depois, dirigiram-se à popa pela arrecadação de torpedos e o aquartelamento dos tripulantes. Experimentavam os dois a estranha sensação de se encontrarem a bordo de um barco sem tripulantes. Avançavam sem pressas, e Williams olhava para tudo e fazia perguntas a Kamarov. O tenente respondia de boa vontade na sua língua nativa. Eram os dois oficiais competentes, romanticamente apaixonados pelas suas profissões. Williams estava impressionadíssimo com o Outubro Vermelho e não se cansava de o dizer. Haviam prestado toda a atenção aos pormenores. A coberta era ladrilhada. As escotilhas eram guarnecidas por espessas vedações de borracha. Quase não faziam barulho ao caminhar, verificando a estanquicidade do barco. Era óbvio que nada fora desprezado com vista a produzir um submarino silencioso.

Williams traduzia uma favorita história do mar em russo quando abriram a escotilha na coberta superior da sala dos mísseis. Ao passar, atrás de Kamarov, Williams lembrou-se de que as fortes luzes da sala dos mísseis haviam ficado acesas. Ou não?

Ryan tentava descontrair-se, sem êxito. O assento era desconfortável e recordou a anedota russa sobre como moldavam o Novo Homem Soviético — com bancos de avião que contorciam um indivíduo em todas as posições, as mais impossíveis. À popa, o reactor começava a ser activado. Ramius falou pelo intercomunicador com o engenheiro-chefe antes de o ruído do refrigerante do reactor em circulação aumentar para produzir o vapor que accionaria os turbo-alternadores.

Ryan ergueu a cabeça. Foi como se tivesse sentido o som antes de o ter ouvido. Sentiu um arrepio na espinha e só depois o cérebro lhe disse o que tinha sido.

— Que foi isto? — perguntou automaticamente, sabendo já o que era.

— Quê?

Ramius encontrava-se três metros à popa, e os motores do caterpillar trabalhavam já. Um ruído estranho ecoou pelo casco.

— Ouvi um tiro... não, vários tiros.

— Deve ter ouvido os motores do caterpillar. Como disse, é a primeira vez que entra num submarino. A primeira vez é sempre difícil. Para mim também foi.

Ryan levantou-se.

— Talvez, comandante, mas eu sei o que é um tiro. Desapertou o dólman e tirou a pistola.

— Dê-me isso — ordenou Ramius, estendendo a mão. — No meu submarino não há pistolas!

— Onde estão Williams e Kamarov? Ramius encolheu os ombros.

— Demoram-se, é verdade, mas o barco é grande. —Vou à proa investigar.

— Fique onde está! — ordenou Ramius. — Faça o que lhe digo! —Comandante, acabo de ouvir o que me pareceram tiros e vou à proa investigar. Já levou algum tiro? Eu já. Tenho cicatrizes no ombro para o provar. É melhor tomar conta do leme, sir.

Ramius pegou num telefone e carregou numa tecla. Falou em russo, rapidamente, e desligou.

—Vou mostrar-lhe que o meu submarino não tem almas... fantasmas, não é como se diz? Não há fantasmas aqui. — Apontou para a pistola. — E você não é nenhum espião, pois não?

—’Comandante, acredite no que quiser. É uma longa história que um dia lhe contarei.

Ryan esperou pelo substituto que Ramius evidentemente pedira. O ruído do túnel de propulsão transformava o submarino num tambor.

Um oficial cujo nome Ryan não recordava entrou no centro de controle. Ramius disse qualquer coisa que provocou uma gargalhada— interrompida quando o homem viu a pistola de Ryan. Era óbvio que nenhum dos russos apreciava vê-lo armado.

— Se me dá licença, comandante... — disse Ryan, apontando para a proa.

— Faça favor, Ryan.

A porta estanque entre o centro de controle e o compartimento contíguo fora deixada aberta. Ryan entrou devagar no centro de comunicações, olhando à esquerda e à direita. Ninguém. Dirigiu-se à porta da sala dos mísseis, fechada. A porta, com cerca de um metro e vinte de altura e sessenta centímetros de largura, tinha um volante ao meio. Ryan rodou-o com uma das mãos. Estava bem oleado, tal como os gonzos. Entreabriu a porta lentamente e espreitou.

—Oh, merda — murmurou Ryan, acenando ao comandante para que se aproximasse.

A sala dos mísseis, com uns bons sessenta metros de comprido, estava iluminada por apenas seis ou oito pequenas lâmpadas. Não estivera antes banhada em luz? Ao fundo, havia um clarão brilhante

junto à escotilha, dois vultos estendidos na grade. Imóveis. A luz a que Ryan os via brilhava perto do tubo de um míssil.

— Fantasmas, comandante? — sussurrou.

— É Kamarov.

Ramius murmurou mais qualquer coisa em russo. Ryan certificou-se de que tinha uma bala na câmara da FN e tirou os sapatos.

— É melhor deixar-me tratar do assunto. Fui tenente dos marines. E o meu treino em Quântico, disse consigo, não teve nada a ver

com isto. Ryan entrou no compartimento.

A sala dos mísseis ocupava quase um terço do comprimento do submarino e tinha a altura de duas cobertas. A inferior era de metal compacto; a superior constituída por um gradeamento metálico. Floresta de Sherwood era como chamavam ao compartimento nos barcos americanos, designação bastante adequada. Os tubos dos mísseis, com cerca de três metros de diâmetro e pintados de verde mais escuro que o resto da sala, pareciam troncos de árvores enormes. Ryan fechou a escotilha atrás de si e avançou pela direita.

A luz parecia provir do tubo mais distante, a estibordo da coberta superior. Ryan parou para escutar. Algo se passava. Ouvia um som de atrito e a luz movia-se como se fosse de uma lâmpada segura na mão. O som percorria as placas macias do casco ulterior.

“Porquê eu?”, murmurou consigo. Ter de ultrapassar treze tubos de mísseis para atingir a fonte da luz era pior que atravessar mais de sessenta metros de coberta sem protecção.

Rodeou o primeiro tubo, a pistola na mão direita à altura da cinta, a esquerda no metal frio do tubo.

Já tinha a mão suada na coronha da pistola, revestida de borracha dura e rugosa. Por isso era rugosa, reflectiu. Entre o primeiro e o segundo tubos, olhou para bombordo, a fim de se certificar de que não havia ninguém e prosseguiu. Mais doze para passar.

A coberta gradeada era constituída por barras de dezasseis centímetros de largura. Já lhe doíam os pés de caminhar sobre elas. Ao rodear lenta e cautelosamente mais um tubo, sentiu-se um astronauta a orbitar a Lua, a cruzar um horizonte infinito. Só que na Lua não havia ninguém à espera para lhe dar um tiro.

A mão de alguém no seu ombro. Ryan deu um salto e virou-se. Era Ramius. Ia a dizer qualquer coisa, mas Ryan encostou-lhe as pontas dos dedos aos lábios e abanou a cabeça. O coração batia-lhe tanto que poderia ter-se servido dele para enviar uma mensagem em Morse. Ouvia o seu próprio respirar. Porque não ouvira então o de Ramius?

Ryan indicou por gestos que avançaria pelo lado de fora dos tubos dos mísseis. Ramius indicou que seguiria por dentro. Ryan concordou de cabeça. Decidiu abotoar o dólman e levantar a gola. Tornar-se-ia assim um alvo mais difícil. Antes uma forma escura do que com um triângulo branco. Mais um tubo.

Ryan viu palavras pintadas nos tubos e inscrições gravadas no metal. O alfabeto era cirílico. Diziam provavelmente Não Fumar ou Viva Lenine, ou coisas igualmente inúteis. Via e ouvia tudo com grande acuidade, como se alguém tivesse estimulado os seus sentidos, tornando-os invulgarmente sensíveis. Passou o tubo seguinte, os dedos nervosamente cravados na coronha da pistola, desejando limpar o suor dos olhos. Não havia ninguém. A bombordo ninguém. Adiante...

Gastou cinco minutos para chegar a meio do compartimento, entre o sexto e o sétimo tubos. O ruído que vinha do extremo da sala era agora mais pronunciado. A luz movia-se, não havia dúvida. Não muito, porém. A sombra do tubo número um estremecia ligeiramente. Era decerto uma luz pendurada na parede, um gancho ou lá como lhe chamavam nos barcos. Que estariam a fazer? Mexendo num míssil? Seria mais do que um homem? Porque não contara Ramius os seus homens à entrada para o DSRV?

Por que não os contei eu? Ryan praguejou. Ainda seis tubos.

Ao rodear o seguinte, indicou a Ramius que havia provavelmente um homem no extremo da sala. Ramius acenou de cabeça para dizer que já chegara à mesma conclusão. Pela primeira vez reparou que Ryan tirara os sapatos. Achando boa a ideia levantou a perna esquerda para se descalçar. Os dedos, rígidos e desajeitados, não se entenderam com o sapato, que caiu num intervalo da grade, fazendo barulho. Ryan estacou, petrificado. A luz no extremo da sala moveu-se e apagou-se. Ryan correu para a esquerda e espreitou de trás de um tubo. Ainda cinco para ultrapassar. Viu parte de um rosto... e um clarão.

Ouviu o tiro e agachou-se quando a bala atingiu a antepara com um clang. Recuou depois, a abrigar-se.

— Vou atravessar para o outro lado — murmurou Ramius. —Espere até eu dizer.

Ryan segurou Ramius pelo braço e regressou ao lado de estibordo do tubo, pistola em punho. Viu o rosto e, desta vez, disparou primeiro. Tinha falhado, não o ignorava. No mesmo instante, puxou Ramius para a esquerda. O comandante correu para o outro lado e agachou-se atrás do tubo de um míssil.

—’Você já não nos foge — disse Ryan, alto.

—’Isso é o que pensa.

Era uma voz jovem e muito assustada.

— Que está a fazer? — perguntou Ryan.

— Que lhe parece, ianque?

A raiva era agora mais convicta. Deve estar a ver se consegue detonar uma ogiva, pensou Ryan. Bonito...

— Morrerá também — disse Ryan.

Não costumava a polícia dialogar com suspeitos barricados? Não dissera uma vez na TV um polícia de Nova Iorque: “Tentamos matá-los de chatice?” Mas isso era com criminosos. Com quem dialogava Ryan? Com um marinheiro que ficara para trás? Com um dos oficiais de Ramius, animado de segundas intenções? Um agente do KGB? Um agente do GRU disfarçado de tripulante?

— Morrerei — concordou a voz.

A luz mexeu. Fosse lá o que estivesse a fazer, não desistia. Ryan disparou duas vezes, ao rodear o tubo. Ainda quatro. As balas embatiam sonoras e inúteis na antepara. Havia a hipótese remota de que um ricochete... Não. Olhou para a esquerda e viu Ramius abrigado atrás dos tubos de bombordo. Não tinha arma. Por que não se armara?

Ryan respirou fundo e rodeou o tubo seguinte. O tipo esperava por este movimento. Ryan mergulhou na coberta e a bala perdeu-se.

— Quem é você? — perguntou Ryan, ajoelhando-se e encostando-se ao tubo para recobrar fôlego.

— Um patriota soviético! Você é inimigo do meu país e não se apoderará deste barco!

Falava de mais, pensou Ryan. Óptimo. Provavelmente.

— Como se chama?

—’O meu nome não é da sua conta.

— Tem família?

— Os meus pais orgulhar-se-ão de mim.

Um agente do GRU, estava Ryan certo. Não era o comissário alítico. Falava bem inglês. Se calhar um apoio para o comissário ppolítico. Enfrentava um agente treinado. Magnífico. Um agente e, como dissera, um patriota. Não um fanático, mas um homem procurando cumprir o seu dever. Assustado, mas procurando cumpri-lo. E mandar pelos ares este maldito barco comigo cá dentro! Ryan ainda não estava, porém, completamente derrotado. O homem tinha uma coisa para fazer; Ryan precisava de o deter ou de o entreter. Passou ao lado de estibordo do tubo e espreitou com o olho direito. Não havia luz nenhuma naquele extremo do compartimento. Agora com o olho esquerdo... Ryan via-o mais facilmente do que o russo o poderia ver a ele.

— Não precisa de morrer, meu amigo. Se largasse a arma...

E depois1? Acabar numa prisão federal? O mais provável será desaparecer. Moscovo não poderá descobrir que os americanos têm o submarino.

— E a CIA não me matava, não? — disse a voz, escarninha, trémula. — Não sou parvo. Se tiver de morrer, morrerei ao serviço da minha pátria, meu amigo!

Então, a luz apagou-se. Ryan já se perguntava quanto tempo duraria aquilo. Teria acabado o que estava a fazer? Nesse caso, estariam prestes a ir pelos ares. Ou talvez o rapaz tivesse compreendido que a luz o tornava vulnerável. Agente treinado ou não, era um garoto, um garoto assustado, provavelmente com tanto a perder como Ryan. Como eu uma treta! Eu tenho mulher e dois filhos, e se não o agarro depressa fico sem eles.

Feliz Natal, meninos, o vosso pai acaba de ir pelos ares. Desculpem não haver corpo para enterrar — mas compreendem... Ryan lembrou-se de rezar... pedindo quê? Ajuda para matar outro homem? É assim, Senhor...

— Ainda está aí, comandante?

Era um novo motivo de preocupação para o agente do GRU. Ryan esperava que a presença do comandante obrigasse o homem a abrigar-se mais a bombordo do tubo. Mergulhou e correu a rodear o seu, também por bombordo. Faltavam três. Ramius avançava igualmente, pelo seu lado. Ryan disparou um tiro. Falhado.

Precisava de parar, de repousar.

Estava sem fôlego, agitadíssimo. Altura muito imprópria para tal. Fora tenente de marines — durante três meses, antes da queda do helicóptero — e, em princípio, deveria saber como agir! Comandara homens. Mas era muito mais fácil comandar quarenta homens armados de espingardas do que combater sozinho.

Pensa!

— Talvez possamos chegar a acordo — disse Ryan.

— Ah, sim, podemos decidir de que lado virá o tiro.

— Talvez você gostasse de se tornar americano.

— E os meus pais, ianque, que seria deles?

— Talvez possamos tirá-los de lá — disse Ryan, deslocando-se para a esquerda, à espera de resposta.

Saltou. Dois tubos o separavam agora do seu amigo do GRU que provavelmente tentava uma ligação directa nas ogivas e transformar meia milha cúbica de oceano em plasma.

—Morreremos juntos, ianque. Agora só um puskatel nos separa.

Ryan raciocinou rapidamente. Já não se lembrava de quantas vezes disparara, mas a pistola tinha treze balas. Restavam-lhe certamente as suficientes. Não precisaria do carregador suplementar. Poderia atirá-lo para um lado e avançar pelo outro, distraindo o rapaz. Resultaria? Merda! Resultava nos filmes. Se nada fizesse é que nada resultaria, isso...

Ryan segurou a arma na mão esquerda e procurou no bolso o carregador com a direita. Meteu o carregador na boca, enquanto destravava a pistola. Um pobre expediente de salteador... Pegou no carregador com a mão esquerda. Teria de o lançar para a direita e correr para a esquerda. Resultaria? Resultasse ou não, pouco tempo lhe restava para se decidir.

Em Quântico aprendera a ler mapas, a avaliar o terreno, a enfrentar ataques aéreos e de artilharia, a manobrar os seus pelotões e grupos de combate com perícia — e ali estava encurralado num maldito canudo de ferro, a novecentos metros de profundidade, a dar tiros numa sala com duzentas bombas de hidrogénio!

Tinha mesmo de fazer qualquer coisa. Sabia o quê, não podia escolher... mas Ramius mexeu-se primeiro. Pelo canto do olho, surpreendeu o vulto do comandante, correndo para a antepara da proa. Ramius atirou-se contra a antepara e acendeu uma luz quando o inimigo disparou sobre ele. Ryan lançou o carregador para a direita e correu em frente. O rapaz virou-se para a esquerda, atraído pelo barulho, consciente, porém, de que a manobra era conjunta.

Enquanto Ryan cobria a distância entre os dois últimos tubos, viu Ramius cair. Ryan mergulhou para ultrapassar o míssil número um e aterrou sobre o lado esquerdo, ignorando a dor que lhe pôs o braço em fogo, ao rolar para junto do seu alvo. O homem voltava-se quando Ryan disparou seis tiros. Ryan gritou, mas não se ouviu. Duas séries de três tiros. O agente elevou-se e caiu pesadamente na coberta.

Ryan tremia de mais para poder erguer-se de imediato. A pistola que empunhava ainda com força estava apontada ao peito da sua vítima. Ofegava e o coração saltava-lhe no peito. Ryan fechou a boca e tentou engolir em seco várias vezes; tinha a boca seca como algodão. Àjoelhou-se devagar. O agente estava ainda vivo, caído de costas, os olhos abertos. Respirava. Ryan teve de se apoiar numa das mãos para se pôr de pé.

O rapaz fora atingido duas vezes, verificou Ryan, uma no ombro esquerdo, outra mais abaixo, na região do fígado e do baço. Este último ferimento era um círculo vermelho destilante que o homem agarrava com ambas as mãos. Pouco mais teria que vinte anos e os seus olhos azul-claros olhavam para cima, enquanto tentava dizer qualquer coisa. A face rígida de dor, abriu a boca, mas dela só escapou um som ininteligível.

— Comandante — chamou Ryan—, está bem?

— Estou ferido, mas creio que não morrerei, Ryan. Quem é ele?

— Como raio hei-de saber?

Os olhos azuis fitaram o rosto de Jack. Fosse quem fosse, sabia que a morte se aproximava. A dor na face foi substituída por outra coisa. Tristeza, uma infinita tristeza... Continuava a esforçar-se por falar. Espuma rósea acumulava-se aos cantos da sua boca. Tiro no pulmão. Ryan acercou-se dele, pontapeando a arma e ajoelhando-se

— Podíamos ter feito um acordo— disse baixinho.

O agente tentou responder, mas Ryan não podia entendê-lo. Uma praga, uma saudade da mãe, algo de heróico? Jack nunca o saberia. Os olhos arregalaram-se de dor uma última vez. O último sopro sibilou através da espuma sanguínea e as mãos escorregaram pelo ventre. Ryan procurou a pulsação no pescoço. Não havia.

— Lamento.

Ryan fechou os olhos da sua vítima. Tinha pena — porquê? Gotículas de suor perlavam-lhe a fronte, e a força que reunira para disparar abandonara-o. Um enjoo súbito apoderou-se dele.

— Oh, meu Deus, eu...

Levou as mãos ao chão e vomitou em arrancos terríveis, o vómito escorrendo pela grade sobre a coberta inferior, a três metros. O seu estômago contorceu-se por todo um minuto, já muito depois de vazio. Teve de cuspir várias vezes para tirar da boca o gosto, antes de levantar.

Tonto da tensão e da adrenalina que fora lançada no seu sistema, sacudiu a cabeça uma e outra vez, sempre a olhar para o morto a seus pés. Era tempo de olhar para a realidade.

Ramius fora atingido na coxa esquerda. Sangrava. Apertava a ferida com ambas as mãos, cobertas de sangue, mas não parecia em estado grave. Se a artéria femoral tivesse sido cortada, o comandante já estaria morto.

O tenente Williams fora atingido na cabeça e no peito. Respirava ainda, mas inconsciente. O ferimento na cabeça era apenas um arranhão. O do peito, junto ao coração, produzia um ruído de sucção. Kamarov tivera pior sorte. Um tiro atravessara-lhe o alto do nariz, e a nuca era uma massa sanguinolenta.

— Meu Deus, por que não vem ninguém socorrer-nos! — exclamou Ryan outra vez a raciocinar.

— As portas nas anteparas estão fechadas, Ryan. Há o... como é que vocês dizem?

Ryan olhou para onde o comandante apontava. Era o sistema de intercomunicação.

— Qual é a tecla? — Ramius ergueu dois dedos. — Centro de controle, fala Ryan. Preciso de socorros, o vosso comandante está ferido.

A resposta surgiu em russo excitado e Ramius respondeu alto para se fazer ouvir. Ryan olhou para o tubo do míssil. O agente usara uma gambiarra, como os americanos, uma lâmpada numa protecção metálica. No tubo do míssil estava aberta uma portinhola. Atrás dela, uma pequena escotilha, que levava, sem dúvida, ao míssil estava também aberta.

— Que fazia ele? Tentava rebentar com as ogivas?

— Impossível — disse Ramius, sofrendo visivelmente. — As ogivas... têm, como dizemos, segurança especial. As ogivas... não explodem por si.

— Então que fazia ele?

Ryan examinou outra vez o tubo do míssil. Na coberta jazia uma

espécie de ampola de borracha.

— Que é isto?

Pegou na ampola. Era de borracha ou material revestido a borracha, com uma armação de metal ou plástico no interior, um bico metálico numa das pontas e um bocal

— Ele estava a fazer qualquer coisa no míssil e tinha um dispositivo para escapar do submarino — disse Ryan.—Oh, Cristo! Um maquinismo de relógio.

Baixou-se para pegar na lâmpada e acendeu-a. Recuou e espreitou para o interior do compartimento do míssil.

— Comandante, que é isto aqui?

— É... é... o mecanismo de orientação. Tem um computador que diz ao míssil como voar. A portinhola... — Ramius respirava com crescente dificuldade — ...é para controle pelo oficial.

Ryan espreitou pela abertura. Viu um novelo de fios multicolores e circuitos integrados ligados de uma maneira que jamais encontrara. Meteu a mão por entre os fios na esperança de encontrar um relógio e cartuchos de dinamite. Nada.

Que fazer? O agente preparava alguma... mas quê? Teria acabado? Como saber? Impossível. Parte do seu cérebro exigia que fizesse qualquer coisa, outra avisava-o de que seria uma loucura tentar.

Ryan segurou entre os dentes o punho revestido a borracha da lâmpada e introduziu as duas mãos no compartimento. Puxou um molho de fios; só alguns se partiram. Concentrou-se noutro molho. Pedaços de cobre e de plástico soltaram-se. Insistiu com o primeiro molho. “Ahhh!” — gritou, ao receber um choque. Por um momento eterno, aguardou a explosão. Não houve. Tinha mais fios para puxar. Em menos de um minuto, arrancou todos os fios que viu, e uma meia dúzia de pequenos ligadores. Depois bateu com a armação da lâmpada contra tudo o que fosse de partir, até o compartimento parecer a caixa de brinquedos do filho — cheia de fragmentos inúteis.

Ouviu passos entrando, a correr, na sala. Borodin vinha à frente. Ramius indicou-lhe Ryan e o agente morto.

— Sudets? — disse Borodin. — Sudets? — Olhou Ryan. — Era cozinheiro.

Ryan apanhou a pistola.

— Aqui tem o arquivo das receitas de cozinha. Penso que era agente do GRU. Tentou mandar-nos pelos ares. Comandante Ramius, e se lançássemos este míssil... só para nos vermos livres desta maldita coisa?

— Boa ideia. — A voz de Ramius tornara-se um murmúrio rouco. — Primeiro feche a escotilha de inspecção, depois... depois podemos dispará-lo do centro de controle.

Ryan retirou os fragmentos do compartimento do míssil. A escotilha deslizou perfeitamente, voltando ao seu lugar. A portinhola do tubo foi mais difícil. Era de pressão e muito mais pesada. Prendiam-na dois fechos de mola. Ryan bateu com ela três vezes. Das duas primeiras não se fixou, à terceira fechou.

Borodin e outro oficial transportavam já Williams para a popa. Alguém apertara um cinto na perna ferida de Ramius. Ryan pô-lo de pé e ajudou-o a caminhar. Ramius gemia de cada vez que deslocava a perna esquerda.

— Correu um risco tremendo, comandante — observou Ryan.

— É o meu barco... e não gosto do escuro. A culpa foi minha! Devíamos ter contado os homens à saída.

Chegaram à porta estanque.

— Eu passo primeiro.

Ryan transpôs a porta e ajudou Ramius a passar. O cinto alargara e a ferida sangrava outra vez.

— Feche a porta e tranque-a — ordenou Ramius.

Ryan assim fez sem dificuldade. Deu três voltas à roda e tornou a passar o braço do comandante pelo pescoço. Mais seis metros e entravam no centro de controle. O tenente ao leme estava cor de cinza. Ryan sentou o comandante numa cadeira a bombordo.

—Tem uma faca, sir?

Ramius procurou no bolso das calças e tirou um canivete, mais outro objecto.

— Tome isto. É a chave das ogivas. Sem isto não rebentam. Guarde-a.

Tentou rir. Tinha sido de Putin, no fim de contas...

Ryan pendurou-a ao pescoço, abriu o canivete e cortou as calças do comandante de cima a baixo. A bala atravessara-lhe o músculo da coxa. Ryan tirou um lenço lavado do bolso e pousou-o sobre o orifício de entrada. Ramius passou-lhe outro, que Ryan encostou ao orifício de saída, com cerca de um centímetro de diâmetro. Segurou depois os lenços com o cinto, apertando-o o mais possível.

— A minha mulher não aprovaria, mas não sei fazer melhor.

— A sua mulher? — perguntou Ramius.

— É médica. Cirurgiã dos olhos, mais propriamente. Quando levei o tiro ela fez-me a mesma coisa.

A perna de Ramius embranquecia. O cinto estava apertado de mais, porém Ryan não o aliviaria por enquanto.

— Então e o míssil?

Ramius deu uma ordem ao tenente que manobrava o leme, o qual a reproduziu pelo intercomunicador. Dois minutos depois, três oficiais entravam no centro de controle. Ryan estava preocupado com o míssil, não sabendo ao certo se tinha destruído qualquer maquinismo instalado pelo agente. Cada um dos oficiais recém-chegados tirou uma chave do pescoço. Ramius fez o mesmo, entregando a sua segunda chave a Ryan. Apontou para estibordo do compartimento.

— Controle de mísseis.

Ryan devia ter adivinhado. Distribuídos pelo centro de controle havia cinco painéis, cada um deles com três filas de vinte e seis luzes e uma ranhura para a chave por baixo de cada conjunto.

— Introduza a sua chave no número um, Ryan.

Jack assim fez. Os outros imitaram-no. A luz vermelha acendeu e um besouro soou.

O painel do oficial de mísseis era o mais complicado. O oficial accionou um interruptor para inundar o tubo do míssil e abrir a escotilha número um. As luzes vermelhas do painel começaram a piscar.

— Rode a sua chave, Ryan — disse Ramius. —Isto dispara o míssil?

Meu Deus, que vai acontecer?

— Não, não. O míssil tem de ser armado pelo oficial de mísseis. Essa chave faz explodir a carga de gás.

Poderia Ryan acreditar nele? Ramius era com certeza bom tipo, mas como poderia Ryan saber que ele dizia a verdade?

— Agora! — ordenou Ramius.

Ryan rodou a chave ao mesmo tempo que os outros. A luz amarela por cima da vermelha começou a piscar. A luz verde apagou-se.

O Outubro Vermelho estremeceu quando o SS-N-20 número um foi ejectado pela carga de gás. O ruído foi semelhante ao dos travões de ar de um camião. Os três oficiais retiraram as chaves. O oficial de mísseis fechou imediatamente a escotilha do tubo.

O “Dállas”

— Quê? — exclamou Jones. — Comandante, aqui sonar, o alvo acaba de inundar um tubo... um tubo de míssil! Deus todo-poderoso!

Por sua iniciativa, Jones ligou o sonar de busca sob gelo e começou a enviar pings de alta frequência.

— Que diabo está a fazer? — perguntou Mr. Thompson. Mancuso entrou passado um segundo.

— Que se passa?

Jones apontou para o écran.

— O submarino acaba de lançar um míssil, sir. Veja, comandante, dois alvos. Mas ficou ali, não tem ignição. Senhor!

O “Outubro Vermelho”

“Flutuará?”, perguntou-se Ryan.

Não flutuou. O míssil Seahawk foi projectado para estibordo pela carga de gás e perdeu força a quinze metros de altitude. A escotilha do mecanismo de orientação que Ryan fechara não vedava bem. A água inundou o compartimento e o andar da ogiva. De qualquer modo, o míssil tinha uma apreciável flutuabilidade negativa e o peso suplementar no seu nariz fê-lo mergulhar. Estas características aerodinâmicas deram-lhe uma rota excêntrica e o míssil desapareceu na água, rodopiando como o ramo de uma árvore. A três mil metros de profundidade, a pressão rachou os cones explosivos, mas o míssil, no resto intacto, manteve a sua forma até tocar o fundo.

O “Ethcin Allen”

A única coisa que ainda funcionava era o cronometro. A tripulação dispunha de trinta minutos para embarcar no Scamp, que abandonava a zona a dez nós, tempo de sobra. O velho reactor fora completamente neutralizado; estava frio como pedra. Apenas algumas luzes de emergência permaneciam acesas, aumentadas pela energia residual das baterias. O cronometro comandava três circuitos detonadores para o caso de algum falhar; seriam accionados a um milésimo de segundo de intervalo, emitindo um sinal pelos fios de detonação.

Haviam colocado quatro bombas Pave Pat Blue no Ethan Allen. A Pave Pat Blue era uma bomba FAE (explosivo combustível-ar). A sua potência era aproximadamente cinco vezes a de um vulgar explosivo químico. Cada bomba tinha duas válvulas libertadoras de gás e só uma das oito válvulas falhou. Quando abriram, o propano pressurizado nas bombas expandiu-se violentamente. Num segundo, a pressão atmosférica no velho submarino triplicou e todo o volume do barco ficou saturado de uma mistura explosiva ar-gás. As quatro bombas enchiam o Ethan Allen com o equivalente a vinte e cinco toneladas de TNT regularmente distribuído pelo casco.

Os detonadores rebentaram quase simultaneamente e os resultados foram catastróficos: o rijo casco de aço do Ethan Allen estourou como um balão. Só o reactor não ficou totalmente destruído; soltou-se dos destroços e mergulhou rapidamente até ao leito oceânico. O casco desintegrou-se em múltiplos pedaços de formas surreais. O equipamento interior formou uma nuvem metálica dentro do casco destroçado e tudo se afundou, estendendo-se por uma vasta área durante a descida de quatro mil e oitocentos metros até ao fundo arenoso.

O “Dállas”

— Raios!

Jones arrancou os auscultadores e abriu a boca para libertar os ouvidos. Relês automáticos no sistema de sonar protegeram-lhe os ouvidos da força absoluta da explosão, mas o que lhe chegara fora o suficiente para que sentisse a cabeça como esmagada. Todos a bordo ouviram o estrondo.

—’ Atenção, fala o comandante. Não se preocupem com aquilo que ouviram. É tudo o que posso dizer.

— Meu Deus, comandante! — disse Mannion.

— Voltemos ao nosso contacto.

— Com certeza, comandante — disse Mannion, olhando Mancuso com uma expressão singular.

A Casa Branca

— Comunicou com ele a tempo? — perguntou o presidente.

— Não, sir — Moore deixou-se cair na cadeira. — O helicóptero chegou uns minutos atrasado. Talvez não haja motivo para preocupações. Naturalmente que o comandante teve o cuidado de evacuar toda a gente, tirando as pessoas da sua confiança. Estamos preocupados, claro, mas nada podemos fazer.

— Pedi-lhe pessoalmente que tratasse disso, juiz. Eu. Bem-vindo ao mundo real, senhor presidente, pensou Moore.

O presidente tinha sorte — nunca precisara de mandar ninguém para a morte — coisa fácil de admitir, enfim, menos fácil de uma pessoa a ela se habituar. Confirmara sentenças de morte num tribunal de apelação e não fora fácil — mesmo para homens que mereciam, sem dúvida, a sua sorte.

— Bem, agora só nos resta esperar, senhor presidente. A fonte de onde provêm estes dados é mais importante do que qualquer operação.

— Muito bem. E o senhor Donaldson?

— Aceitou a nossa sugestão. Esse aspecto da operação correu realmente muito bem.

— Está convencido de que os russos acreditam? — perguntou Pelt.

— Deixámos-lhes uma bela isca e vamos sacudir um pouco a linha para eles a verem. Dentro de um ou dois dias, já saberemos se a morderam. Henderson pode vir a ser-nos muito útil, mas teremos de o vigiar de perto. Os nossos colegas do KGB têm um método muito directo para lidar com agentes duplos.

— Só o libertamos se ele merecer — disse, em voz fria, o presidente.

— Vai merecer, vai — disse Moore, sorrindo. — Mister Henderson está nas nossas mãos.

 

                     Sexta-feira, 17 de Dezembro

                     Enseada de Ocracoke

Não havia luar. O cortejo de três barcos entrou na enseada a cinco nós, pouco passava da meia-noite, para aproveitar a maré, excepcionalmente cheia. O Pogy comandava a formação por ter o calado mais baixo, e o Dállas seguia o Outubro Vermelho. Os postos da guarda-costeira de cada lado da enseada eram guarnecidos por oficiais da Marinha, em substituição dos “costeiros”.

Ryan fora autorizado a subir à torre, gesto humanitário de Ramius que muito apreciara. Após dezoito horas no interior do Outubro Vermelho, Jack sentia-se enclausurado e era bom tornar a ver o mundo, mesmo que o mundo não passasse de uma vastidão deserta e às escuras. O Pogy denunciava-se só por uma luz vermelha difusa que desaparecia quando olhada por alguns segundos. Jack via os rastos de espuma na água e as estrelas a brincar às escondidas com as nuvens. O vento de oeste soprava a vinte nós, agressivo, revolvendo o mar.

Borodin dava ordens concisas, monossilábicas, conduzindo o submarino por um canal que tinha de ser dragado com frequência, apesar do enorme pontão construído a norte. A travessia era fácil, a ondulação de sessenta ou oitenta centímetros não abalava minimamente o submarino de 30000 toneladas. Ainda bem, disse Ryan consigo. A água escura acalmou e, quando entraram em zona abrigada, um barco de borracha tipo Zodiac aproximou-se deles.

— Olá, Outubro Vermelho! — disse uma voz na escuridão. Ryan mal divisava a forma rômbica e cinzenta do Zodiac diante de um leve rasto de espuma formada pelo trabalhar do motor fora-de-borda.

— Posso responder, capitão Borodin? — perguntou Ryan, obtendo como resposta um aceno afirmativo. — Fala Ryan. Temos dois feridos a bordo, um grave. Precisamos de um médico e de uma equipa cirúrgica imediatamente. Compreendeu?

—Dois feridos e precisam de um médico, muito bem. Ryan julgou ver um homem com algo encostado à cara, e ouvir o ruído débil de um rádio. Era difícil dizer, por causa do vento.

— Está bem. Vamos mandar imediatamente um médico, Outubro. O Dállas e o Pogy têm pessoal médico a bordo. Quer alguém!

— Claro que quero, e já! — respondeu Ryan.

— Está bem. Siga o Pogy por mais duas milhas e espere. O Zodiac inverteu a rota e desapareceu nas trevas.

— Graças a Deus! — exclamou Ryan.

— Você é... crente?—perguntou Borodin.

— Sou, pois. — Ryan não deveria ficar surpreendido com a pergunta. — Então, uma pessoa tem de acreditar em qualquer coisa.

— Porquê, comandante Ryan? — Borodin observava o Pogy através de um potente binóculo nocturno.

Ryan reflectiu antes de responder.

—Porque de outra maneira qual é o objectivo da vida? Sartre e Camus e toda essa gente terá razão? A vida é caos, não possui significado? Recuso-me a acreditar em tal. Se quiser uma resposta melhor, conheço uns padres que teriam muito gosto em conversar consigo.

Borodin não respondeu. Deu uma ordem pelo microfone e a rota foi alterada alguns graus para estibordo.

O “Dállas”

Meia milha à popa, Mancuso levava aos olhos um binóculo nocturno luminoso. Mannion, a seu lado, esforçava-se por ver.

— Jesus Cristo! — murmurou Mancuso.

— Diz bem, comandante — respondeu Mannion, tremendo de frio. — Também não sei se deve acreditar. Aí vem o Zodiac.

Mannion passou ao comandante o rádio portátil usado para atracação.

— Ouvem-me?

— Fala Mancuso.

— Quando o nosso amigo parar, quero que transfiram dez homens para lá, incluindo o enfermeiro. Têm dois feridos a bordo que precisam de cuidados médicos. Escolha homens em condições, comandante. Precisam de ajuda para governar o barco. Homens que não dêem à língua, evidentemente.

— Está bem. Dez homens, incluindo o enfermeiro. Terminado. — Mancuso esperou que o Zodiac se afastasse do Pogy. — Quer ir, Pat?

—Se quero, Sir, Também vai?—perguntou Mannion.

—Chambers é capaz de comandar o Dállas por um dia ou dois, não acha? — respondeu Mancuso, judicioso.

Em terra, um oficial da Marinha falava pelo telefone com NorfolkO posto da guarda-costeira estava apinhado de gente, sobretudo oficiais. Junto do telefone, havia uma cabina de fibra de vidro para que pudessem comunicar com o CINCLANT em segredo. Encontravam-se ali havia apenas duas horas e não tardariam a partir. Era preciso que nada fugisse à rotina. Fora, um almirante e dois capitães observavam as formas escuras através de binóculos nocturnos. Comportavam-se tão solenemente como se estivessem na igreja.

Cherry Point, Carolina do Norte

O comandante Ed Noyes repousava na sala dos médicos do hospital naval da Base Aérea do Corpo de Marines de Cherry Point, na Carolina do Norte. Cirurgião qualificado, entrara de serviço para as próximas três noites e teria quatro dias de folga no Natal. A noite fora tranquila, mas tudo ia mudar.

— Doutor?

Noyes viu na sua frente um capitão de marines fardado de PM. O médico conhecia-o. A Polícia Militar trazia-lhe muitos acidentes. Pousou o New England Journal of Medicine.

—Olá, Jerry. Temos obra?

— Doutor, mandaram-me dizer-lhe para agarrar em tudo o que precisa para uma intervenção de urgência. Dentro de dois minutos levo-o ao aeródromo.

— Para quê? Que tipo de intervenção? —perguntou Noyes, levantando-se.

— Não me disseram, sir. Só me disseram que o senhor tem de voar, sozinho, para algures. Ordens do alto, é só o que sei.

— Bolas, Jerry! Tenho de saber que tipo de intervenção vou fazer! Levo comigo o quê?

— Leve tudo, sir. Eu conduzo-o ao helicóptero.

Noyes praguejou e entrou na sala de traumatizados. Esperavam-no dois marines. Meteu-lhes na mão quatro conjuntos esterilizados de instrumentos cirúrgicos. Lembrou-se de que poderia precisar de determinados medicamentos e pegou em vários, mais em duas unidades de plasma. O capitão ajudou-o a vestir o casacão. Cruzaram a porta e entraram num jipe. Cinco minutos depois, paravam junto de um Sea Stallion com os motores já a trabalhar.

— Então? — perguntou Noyes ao coronel da espionagem militar, não sabendo quem era o chefe da tripulação.

— Vamos sobrevoar o estreito — explicou o coronel. — Temos de o desembarcar num submarino com feridos a bordo. Disporá de dois enfermeiros para o ajudar... e é tudo o que sei. Certo?

Tinha de estar certo. Como poderia escolher? O Stallion descolou imediatamente. Noyes voara muitas vezes no helicóptero. Levava duzentas horas a pilotar helicópteros, mais trezentas em aviões. Noyes era o género de médico que descobrira tarde de mais a atracção do voo, tão fascinante como a da medicina. Voava sempre que podia. Para voar num Phantom F-4 dispunha-se a ir a qualquer lado prestar assistência médica. O Sea Stallion voava na verdadeira acepção da palavra.

Estreito de Pamlico

O Pogy estacionou quando o helicóptero descolava de Cherry Point. O Outubro alterara novamente a rota para estibordo e parara a seu lado, apontando a norte. O Dállas parou atrás. Passado um minuto, o Zodiac reapareceu junto do Dállase aproximou-se lentamente do Outubro Vermelho, quase soçobrando ao peso da carga humana.

— Olá, Outubro Vermelho!

Desta vez foi Borodin quem respondeu. Tinha sotaque, mas o seu inglês era perceptível.

— Identifique-se.

—Sou Bart Mancuso, comandante do USS Dállas. Tenho um enfermeiro comigo e mais alguns homens. Peço autorização para entrar a bordo.

Ryan viu o starpom fazer um trejeito. Pela primeira vez, Borodin enfrentava a situação tal qual era e não se lhe poderia exigir que reagisse sem hesitar.

— Autorização... sim.

O Zodiac encostou à curva do casco. Um homem saltou para bordo com um cabo para prender o barco. Dez homens desembarcaram e um deles dirigiu-se logo à torre do submarino.

— Capitão? Sou Bart Mancuso. Informaram-me de que tem feridos a bordo.

— Sim — respondeu Borodin. — O comandante e um oficial britânico, feridos a tiro.

— A tiro? — repetiu Mancuso, surpreendido.

— Explico-lhe depois — cortou Ryan. — Eles agora precisam é de médico.

— Está bem. Onde é a escotilha?

Borodin falou pelo microfone da ponte e, segundos mais tarde, um círculo de luz surgiu na coberta, ao pé da torre.

— Não trouxemos médico, mas um enfermeiro muito bom. O do Pogy não tardará a aparecer. Quem é você, já agora?

— É um espião — disse Borodin com patente ironia.

— Jack Ryan.

— E o senhor?

—’Capitão Vasily Borodin. Sou o... imediato, não é como se diz? Venha, comandante. Desculpe, estamos todos muito cansados.

- Não são os únicos. — O espaço era pequeno e Mancuso empolleirou-se na braçola. — Capitão, quero que saiba que nos vimos e desejámos para o localizar. A sua competência profissional merece ser elogiada.

O cumprimento não suscitou a resposta esperada de Borodin.

— Conseguiram localizar-nos... como?

— Eu trouxe-o comigo. Já lho apresento. —Que vamos fazer agora?

— As ordens de terra são para esperar que o médico chegue e mergulhar. Ficaremos no fundo até recebermos ordens para navegar.

Um dia ou dois, talvez. Acho que todos podemos repousar. Depois, vamos levá-los para lugar seguro e eu faço questão de lhe oferecer o melhor jantar italiano que alguma vez comeu. — Mancuso sorriu. — Têm comida italiana na Rússia?

— Não, e se está habituado a comer bem, o Krazny Oktyabr não lhe vai agradar.

— Talvez possamos resolver isso. Quantos homens tem a bordo?

— Doze. Dez soviéticos, o inglês e o espião — disse Borodin, olhando Ryan com um sorriso discreto.

— Está bem. — Mancuso procurou no casacão e tirou um rádio do bolso. — Fala Mancuso.

— Estamos aqui, comandante — respondeu Chambers.

— Arranje comida para os nossos amigos. Seis refeições para vinte e cinco homens. Mande também um cozinheiro. Wally, quero oferecer a esta gente um banquete a sério. Percebeu?

— Muito bem, comandante. Terminado.

— Tenho bons cozinheiros, capitão. Uma pena que isto não tenha acontecido na semana passada. Havia lasagna à moda da mamã. Só faltava o Chianti.

— Eles têm vodca — observou Ryan.

— Só para espiões — disse Borodin. — Duas horas após o tiroteio, Ryan tremia muito e Borodin oferecera-lhe uma bebida do armário dos remédios.—Consta-nos que os homens do seu submarino são estragados com mimos.

— É possível — respondeu Mancuso. — Mas andamos no mar aos setenta dias de cada vez. É duro, não acha?

— E se descêssemos? — propôs Ryan. Todos concordaram. Arrefecia.

Borodin, Ryan e Mancuso desceram. Os americanos estavam a um lado do centro de controle e os soviéticos a outro, tal como antes. O comandante americano quebrou o gelo.

— Capitão Borodin, é este o homem que o descobriu. Vem cá, Jonesy.

— Não foi nada fácil, sir — disse Jones. — Posso começar a trabalhar? Posso ver o vosso centro de sonar?

— Bugayev! — Borodin chamou o seu oficial de electrónica.

O capitão-tenente guiou Jones até à popa. O operador de sonar deu uma olhadela ao equipamento e murmurou: “Escória”. As placas frontais tinham todas escapes de calor. Senhor, ainda usam válvulas? Jones tirou uma chave de fendas do bolso para se certificar.

— Fala inglês, sir?

— Um pouco.

— Posso ver os diagramas dos circuitos, por favor?

Bugayev pestanejou. Nunca um marinheiro, somente um dos seus michmanyy pedira semelhante coisa. Jones desdobrou o diagrama e verificou, aliviado, que eram ohms em todo o mundo. Percorreu a folha com o dedo e depois retirou o painel de cobertura para examinar o circuito.

— Escória, maxi-escória!

Jones surpreendera-se o bastante para não ter tento na língua.

— Desculpe, que quer dizer “escória”?

—Oh, desculpe, sir. É uma expressão que usamos na Marinha. Não sei como se diz em russo. Desculpe... — Jones conteve um sorriso e tornou a estudar o diagrama. — Sir, isto aqui é um circuito de alta frequência de alimentação reduzida, não é? Usam-no para minas e coisa parecida, não é?

Foi a vez de Bugayev se surpreender.

— Conhece o equipamento soviético?

— Não, sir, mas tenho ouvido falar. — Então não se estava mesmo a ver? — Sir, isto é um circuito de alta frequência, mas de baixa potência. Para que outra coisa pode servir? Um circuito de FM de baixa potência usa-se para minas, para operar debaixo de gelo, para atracar, não é?

— Correcto.

— Tem um “gertrude”, sir?

— Gertrude?

— Telefone submarino, sir, para falar com outros submarinos. Mas aquele tipo não sabia nada de nada?

— Ah, sim, mas é no centro de controle e está avariado.

— Compreendo...—Jones tornou a estudar o diagrama. — Acho que posso montar um modulador neste brinquedo e transformá-lo num gertrude. Faz sempre jeito. O seu comandante estará interessado, sir?

— Eu pergunto-lhe.

Esperava que Jones o largasse, mas o jovem operador de sonar seguiu-o até ao centro de controle. Bugayev explicou a sugestão a Borodin, enquanto Jones falava com Mancuso.

— Têm um pequeno circuito de FM que parece daqueles velhos gertrudes que havia na escola de sonar. Como temos um modulador a mais, lembrei-me de o montar. Trinta minutos no máximo, sem pressas.

— Concorda, capitão Borodin? — perguntou Mancuso.

Borodin sentiu-se indevidamente pressionado, mas a sugestão era, de facto, boa.

—Sim, está bem.

— Comandante, quanto tempo vamos ficar aqui? — perguntou Jones.

— Um dia ou dois. Porquê?

— Sir, este barco precisava de ter mais uns confortozinhos... Se eu trouxesse um televisor e um gravador? Assim sempre viam qualquer coisa, sempre lhes dávamos uma breve imagem dos EUA...

Mancuso riu. Queriam descobrir tudo o que pudessem acerca daquele barco, mas tinham muito tempo e a ideia de Jones parecia um bom processo de quebrar a tensão. Por outro lado, não estava interessado em incitar ao motim no seu próprio submarino.

— Está bem, traz um da sala de oficiais.

— Sim, comandante.

O Zodiac trouxe o enfermeiro do Pogy minutos mais tarde, e Jones seguiu no barco para o Dállas. A pouco e pouco, os oficiais começavam a conversar uns com os outros. Dois russos tentavam falar com Mannion, muito interessados no seu cabelo. Nunca tinham visto um negro.

— Capitão Borodin, tenho ordens para levar uma peça do centro de controle que identifique... quer dizer, qualquer coisa que pertença a este barco — disse Mancuso. — Posso levar aquele indicador de profundidade? Um dos meus homens substitui-lo-á.

O instrumento tinha um número.

— Para quê?

—Não sei. São as ordens que tenho.

— Está bem — respondeu Borodin.

Mancuso ordenou a um dos seus chefes que desmontasse a peça. O chefe tirou do bolso uma chave inglesa e retirou a porca, segurando na agulha e no mostrador.

—’É um pouco maior do que os nossos, comandante, mas não muito. Acho que temos um sobresselente. Posso instalá-lo e gravar as marcas, está bem?

Mancuso passou-lhe o rádio.

— Diz a Jonesy que o traga. —’Muito bem, comandante.

O chefe tornou a pôr a agulha no sítio, depois de pousar o mostrador na coberta.

O Sea Stdlion não tentou aterrar, embora o piloto tivesse vontade. A coberta quase tinha espaço suficiente. O helicóptero pairou, assim, poucos metros acima do convés dos mísseis e o médico saltou para os braços de dois marinheiros. Os seus apetrechos foram lançados um momento depois. O coronel ficou no aparelho e fechou a porta de correr. O helicóptero rodou lentamente para sudoeste, o seu enorme rotor levantando espuma nas águas do estreito de Pamlico.

— Terei visto bem? — perguntou o piloto pelo intercomunicador.

— Estava às avessas, não estava? Eu julgava que os mísseis, nos submarinos, eram instalados atrás da torre. Estes estão à frente, não estão? E o leme espetado, não era? — perguntou o co-piloto, confuso.

— Era um submarino russo! — disse o piloto.

— Quê? — Já estavam longe de mais, a duas milhas de distância, para observarem novamente o barco. — Era a nossa gente que se encontrava na coberta, não eram russos.

— Filho da mãe! — praguejou o major.

E não podia dizer nada! O coronel da divisão de espionagem fora bem explícito: “Você não vê nada, não ouve nada, não pensa nada e, claro, não diz nada.”

— Sou o doutor Noyes — disse o médico a Mancuso no centro de controle.

Nunca antes estivera num submarino. Olhou em redor e viu instrumentos com indicações em língua desconhecida.

— Que barco é este?

—O Krazny Oktyabr — disse Borodin, aproximando-se. No boné, usava uma estrela vermelha reluzente.

— Mas que é isto? — perguntou Noyes. — Onde é que eu estou? Que se passa?

— Doutor — Ryan tomou-lhe o braço —, tem dois doentes à popaPor que não se preocupa antes com eles?

Noyes seguiu-o até à enfermaria.

— Que se passa aqui? — insistiu mais calmamente.

—Os russos perderam um submarino — explicou Ryan — e nós tomamos conta dele. Se disser a alguém...

— Compreendo, mas não acredito.

— Nem precisa. Qual é a sua especialidade?

— Cirurgia torácica.

— Óptimo. — Ryan entrou na enfermaria. — Tem um ferido a tiro que precisa muito de si.

Williams jazia nu em cima da mesa. Apareceu um marinheiro carregado de material cirúrgico e pousou-o em cima da secretária de Petrov. O armário do Outubro dispunha de plasma congelado e os dois enfermeiros já haviam posto a correr duas unidades na veia do tenente. Um dreno, no peito, escoava para um frasco de vácuo.

—Tem uma bala de nove milímetros no peito— disse um dos enfermeiros, após se ter apresentado e ao colega. —Está com o dreno há dez horas. O ferimento na cabeça não é tão grave como parece. A pupila um pouco dilatada, nada de especial, porém. O peito está mal, sir. É melhor auscultar.

— Sinais vitais? — perguntou Noyes, procurando na maleta o estetoscópio.

— Pulso cento e dez, e filiforme. Tensão, oito-quatro.

Noyes aplicou o estetoscópio ao peito de Williams e franziu o sobrolho.

— O coração está fora do sítio. Temos um pneumotórax esquerdo. Deve haver aqui duzentos e cinquenta centímetros cúbicos de líquido. Disto à insuficiência congestiva vai um passo. — Noyes virou-se para Ryan. —Toca a andar. Tenho um peito para abrir.

— Cuide bem dele, doutor. É um bom rapaz.

— São todos — observou Noyes, tirando o dólman. — Vamo-nos lavar, pessoal.

Ryan perguntou a si próprio se uma oração ajudaria. Noyes comportava-se como um cirurgião. Oxalá fosse... Dirigiu-se ao camarote do comandante, à popa, onde Ramius dormia sob o efeito dos medicamentos que lhe haviam dado. A perna deixara de sangrar; um dos enfermeiros tomara providências. Noyes tratá-lo-ia a seguir. Ryan dirigiu-se à proa.

Borodin sentia-se desapossado do comando, o que lhe desagradara, mas também constituía um alívio. Duas semanas de tensão constante, mais a alteração dos planos, uma provação para os nervos, tinham-no abalado mais do que julgaria possível. A situação era desagradável — os americanos tentavam ser amáveis, mas eram tão dominadores! Bem, pelo menos os oficiais do Outubro Vermelho não corriam perigo.

Vinte minutos depois, o Zodiac estava de volta. Dois marinheiros descarregaram algumas dezenas de quilos de alimentos congelados e ajudaram Jones a transportar os seus aparelhos electrónicos. Gastaram alguns minutos a arrumar tudo, e o marinheiro que levou a comida à popa reapareceu trémulo, de ter visto dois corpos rígidos e um terceiro congelado. Não houvera tempo de remover as duas últimas baixas.

— Trouxe tudo, comandante — disse Jones, entregando ao chefe o indicador de profundidade.

—Para que é tudo isto? — perguntou Borodin.

—’Capitão, trouxe o modulador para fazer o gertrude.—Jones mostrou uma pequena caixa. — Isto é um receptor de TV a cores, um gravador de video e uns filmes. O comandante lembrou-se de que os senhores poderiam querer distrair-se um pouco e conhecer-nos um pouco melhor também.

— Filmes? — Borodin abanou a cabeça. — Filmes do cinema?

—Claro— respondeu Mancuso, rindo. — Que foi que trouxeste, Jonesy?

— Trouxe o E. T., o Star Wars, o Big Jake e o Hondo.

Jones tivera sem dúvida cuidado ao escolher os aspectos da América que mostraria aos russos.

— Desculpe, capitão. Jones tem um gosto muito limitado no que respeita a cinema.

Naquela altura, Borodin teria aceite o Couraçado Potemkin. A fadiga vencia-o realmente.

O cozinheiro chegou à popa com um braçado de mercearias.

— Terei café pronto dentro de momentos, sir — disse a Borodin, a caminho da cozinha.

— Gostava era de comer qualquer coisa. Há um dia inteiro que nenhum de nós come nada — disse Borodin.

— Comida! — pediu Mancuso.

—Já vai, comandante. Deixe-me só ver onde estão as coisas nesta cozinha.

Mannion olhou o relógio.

— Vinte minutos, sir.

— Temos a bordo tudo o que é preciso?

— Temos, sir.

Jones instalou o modulador sem implicar o controle de impulso do sonar. Foi mais fácil do que previra. Trouxera um rádio-microfone do Dállase tudo o mais que era preciso, e ligou-o ao circuito de sonar, antes de alimentar o sistema. Esperou que o circuito aquecesse. Jones não via tantas válvulas juntas desde que reparara televisores com o pai, havia muitos anos.

— Dállas, fala Jonesy, estão a ouvir-me?

— Sim. — O som era arranhado, como o de um rádio de táxi.

— Obrigado. Terminado. — Jones desligou. — Funciona. Foi fácil” não foi?

Marinheiro uma treta! E não percebe mesmo nada do equipamento soviético, claro! Ao oficial de electrónica do Outubro nunca passara pela cabeça que aquele circuito era uma cópia quase exacta de um obsoleto sistema de FM americano.

—Há quanto tempo é operador de sonar?

— Há três anos e meio, sir. Desde que saí da faculdade.

— Aprendeu isto tudo em três anos? — perguntou o oficial, agastado.

Jones encolheu os ombros.

— Qual é o problema, sir? Brinco com rádios e coisas dessas desde miúdo. Importa-se que ponha música a tocar, sir?

Jones decidira ser particularmente simpático. Só tinha uma gravação de um compositor russo, a suite “Quebra-Nozes”, e trouxera-a consigo, mais quatro Bachs. Jones gostava de ouvir música enquanto estudava diagramas de circuitos. O jovem operador de sonar estava nas suas sete quintas. Todos os circuitos russos que escutara durante três anos tinha-os ali, agora, em diagrama, o equipamento todo e tempo para o estudar. Bugayev não tirava os olhos pasmados de Jones, cujos dedos interpretavam nas páginas do manual a música de Tchaikovsky.

— Horas de mergulhar — disse Mannion no centro de controle.

— Muito bem. Com sua licença, capitão Borodin, ajudá-lo-ei com as válvulas dos tanques de lastro. Todas as escotilhas e aberturas estão... fechadas.

O quadro de mergulho usava o mesmo painel de luzes que os barcos americanos, reparou Mancuso.

Mancuso examinou a situação uma última vez. Butler e os seus quatro subalternos mais qualificados cuidavam já da “chaleira” nuclear, à popa. A situação era muito boa, atendendo às circunstâncias. O único risco era o de os oficiais do Outubro mudarem de ideias. O Dállas manteria o submarino russo sob constante observação de sonar. Se tentasse fugir, o Dállas possuía uma vantagem de dez nós em velocidade de ponta e bloquearia o canal.

— Parece-me que estamos prontos para mergulhar, capitão — disse Mancuso.

Borodin confirmou de cabeça e fez soar o alarme. Era um besouro, como nos barcos americanos. Mancuso, Mannion e um oficial russo manobravam os complexos controles de inundação dos tanques de lastro. O Outubro Vermelho começou a lenta descida. Cinco minutos depois, pousava no fundo, com vinte e três metros de água sobre a torre.

A CasA Branca

Pelt falava ao telefone com a Embaixada soviética, às três da manhã.

— Alex, fala Jeffry Pelt.

— Como está, doutor Pelt? Os meus agradecimentos e os do povo soviético pelo que fez para salvar o nosso marinheiro. Informaram-me há minutos de que já está consciente e que se espera recupere completamente.

— Sim, também fui informado disso. Como se chama ele, já agora? Teria acordado Arbatov? Não parecia.

— André Katyskin, cozinheiro, de Leninegrado.

— Muito bem. Alex, informaram-me de que o USS Pigeon salvou quase toda a tripulação de outro submarino soviético ao largo das Carolinas. Chamava-se, evidentemente, Outubro Vermelho. Estas são as boas notícias, Alex. Agora as más: o submarino explodiu e afundou-se antes que pudéssemos salvar toda a gente. A maior parte dos oficiais soviéticos e dois dos nossos morreram.

— Quando foi isso?

— Ontem de manhã, muito cedo. Lamento o atraso da notícia, mas o Pigeon teve problemas com o rádio por causa da explosão subaquática, dizem-me. Sabe que estas coisas acontecem.

— Claro. — Pelt teve de admirar a resposta, sem o menor vestígio de ironia. — Onde estão eles agora?

—O Pigeon navega para Charleston, na Carolina do Sul. Os seus compatriotas voarão directamente de lá para Washington.

— E o submarino explodiu? Tem a certeza?

— Absoluta. Um dos tripulantes disse que tiveram um grave acidente com o reactor. Foi uma sorte o Pigeon encontrar-se nas imediações. Navegava rumo à costa da Virgínia, à procura do outro que vocês perderam. Acho que a vossa Marinha está a precisar de uma volta, Alex...

— Transmitirei para Moscovo a sua opinião, doutor — respondeu secamente Arbatov. — Pode dizer-nos onde foi que isso aconteceu?

— Posso dizer-lhe mais; temos um submarino a recolher os destroços. Se quiser, um dos vossos marinheiros pode voar para Norfolk e, depois, nós levamo-lo ao sítio para ele confirmar o afundamento, Serve?

— Diz que perderam dois oficiais? — Arbatov procurava ganhar tempo, surpreendido com a oferta.

— Perdemos. Da equipa de salvamento. Retirámos de lá uma centena de homens, Alex — disse Pelt, na defensiva. — Foi qualquer coisa.

— Se foi, doutor Pelt. Terei de pedir instruções a Moscovo. Voltaremos a falar. Está no gabinete?

— Estou. Adeus, Alex. — Pelt desligou e olhou o presidente. — Que tal?

— Esforce-se por ser um pouco mais sincero, Jeff. —O presidente

349

estava estendido num sofá de couro, com um roupão por cima do pijama. — Acha que eles engolirão esta?

Engolem, pois. É evidente que vão querer confirmar a destruição do submarino. O problema é se conseguiremos enganá-los.

— Foster pensa que sim. A encenação é bastante plausível.

— Hum... Bom! Temo-lo, não temos?

— Temos. Parece-me que essa história do agente do GRU é uma grande história. Por que foi que não o evacuaram com os outros?

Quero ver esse comandante Ramius. Jesus! Não admira que tivesse posto toda a gente a fugir do submarino, depois de lhes ter pregado um susto com o reactor!

O Pentágono

Tyler encontrava-se no gabinete do CNO, tentando descansar numa cadeira. O posto da guarda-costeira na enseada tinha enviado, de helicóptero, para Cherry Point e daí, num caça Phantom, para Andrews, uma videocassete que estava agora nas mãos de um mensageiro, cujo automóvel acabava de parar à entrada principal do Pentágono.

— Tenho uma encomenda para entregar em mão ao almirante Foster— anunciou um segundo-tenente, minutos mais tarde.

O secretário de Foster indicou-lhe a porta. —’Bom dia, Sir! Isto é para o senhor — disse o segundo-tenente, entregando a Foster a cassete embrulhada.

— Obrigado. Pode retirar-se.

Foster introduziu a cassete no gravador sobre o aparelho de televisão. As imagens não tardaram a aparecer no écran; o gravador estava pronto a funcionar.

Tyler encontrava-se de pé junto do CNO.

— Sim, senhor...

— Sim, senhor... — repetiu Foster.

A imagem era indiscutivelmente de má qualidade. O sistema de televisão de luz reduzida não dava contraste, pois amplificava toda a luz ambiente na mesma medida; perdiam-se os pormenores. O que viam, porém, era suficiente: um enorme submarino equipado com mísseis, com a torre muito mais à popa do que nos barcos ocidentais. À sua beira, o Dállas e o Pogy pareciam anões. Apreciaram as imagens em silêncio durante quinze minutos. Não fora a oscilação da câmara, o filme seria tão convincente como a gravação de um teste.

— Bem — disse Foster no fim —, você ofereceu-nos um submarino russo.

— Que tal? — respondeu Tyler, sorrindo.

— Você ia comandar o Los Angeles, não ia? —Ia, Sir.

— Ficámos-lhe a dever muito, comandante. Muitíssimo. Outro dia, fiz umas investigações... Um oficial acidentado em serviço não tem necessariamente que se reformar, a menos que fique inquestionavelmente incapaz para o serviço. Um acidente sofrido quando regressava do seu barco pode considerar-se em serviço, creio, e já tivemos comandantes a quem faltava uma perna. Falarei pessoalmente com o presidente, meu filho. Significaria um ano de actualização, mas se ainda quiser o seu comando, garanto-lhe que lho arranjo!

Tyler sentou-se a reflectir. Teria de usar uma perna nova, coisa em que andava a pensar há meses, à qual demoraria umas semanas, poucas, a adaptar-se. Depois um ano — um ano pelo menos — a reaprender tudo o que precisava saber antes de ir para o mar... Abanou a cabeça.

—Obrigado, almirante. Não imagina o que isso significa para mim... mas não. Agora já não. Tenho outra vida, outras responsabilidades e só iria tirar o lugar a outro. Olhe, se me deixar dar uma olhadela a esse submarino já me considero bem pago.

— Isso posso garantir-lhe.

Foster ansiara por aquela resposta, quase tivera a certeza de como Tyler responderia. Mas era uma pena. Tyler seria um bom candidato à sua esquadra, não fora a perna. Enfim, sabia-se que o mundo era injusto.

O “Outubro Vermelho”

— Vocês parecem ter tudo sob controle — observou Ryan. — Importam-se que eu vá chonar aí para um sítio qualquer?

— Chonar? — repetiu Borodin. —Dormir.

— Ah, pode ir para o camarote do doutor Petrov, em frente ao consultório médico.

A caminho da popa, Ryan entrou no camarote de Borodin e procurou a garrafa de vodca que tinha sido posta à disposição de quem quisesse. Não possuía grande paladar, mas era suave. Ó beliche de Petrov era estreito e duro. Ryan não quis saber. Tomou um bom gole e deitou-se vestido—o seu uniforme estava já tão sujo, tão engordurado... Adormeceu em cinco minutos.

O “Sea Cliff”

O sistema de renovação do ar não funcionava devidamente, concluiu o tenente Sven Johnsen. Se a sua constipação durasse mais uns dias, talvez não se tivesse apercebido. O Sea Cliff ultrapassara os três mil metros e só poderiam reparar o sistema à superfície. Não era perigoso — os sistemas de controle ambiental possuíam tantos circuitos alternativos como o Space Shutíle; era apenas uma maçada.

— Nunca mergulhei tão fundo — disse o capitão Igor Kaganovich, ; conversador.

Fora complicado trazê-lo até ali. Primeiro, um helicóptero Helix do Kiev para o Tarawa, depois um Sea King da Marinha dos EUA para Norfolk. Outro helicóptero levara-o ao USS Austin, que se dirigia para 33N 75W a vinte nós. O Austin era uma doca-pista flutuante, um grande barco cuja popa consistia num poço coberto. Servia geralmente como pista de aterragem para helicópteros, mas transportava naquele dia o Sea Cliff, um submarino de três lugares embarcado em sWoods Hole, Massachusetts.

— Custa um bocado a habituar — disse Johnsen—, mas, depois, tanto faz cento e cinquenta metros como três mil. Uma fractura do

casco mata a qualquer profundidade, só que aqui em baixo dava menos trabalho às equipas de salvamento.

— Belos pensamentos, sir — disse o maquinista de primeira classe Jess Overton. — Nada no sonar, ainda?

— Nada, Jess.

Johnsen trabalhava com a maquinaria havia dois anos. O Sea Cliff era a paixão de ambos, um pequeno e desconfortável submarino de pesquisa usado principalmente em missões oceanográficas, incluindo a colocação e reparação de sensores do SOSUS. Num submarino de três lugares não havia espaço para disciplinas rigorosas. Overton não era um modelo de delicadeza nem de ilustração — pelo menos não era delicadamente instruído. A sua competência a manobrar o mini-submarino era, porém, inultrapassável, e Johnsen de boa vontade lhe cometia o encargo. Ao tenente cabia a responsabilidade de dirigir a missão.

—’O sistema de ar precisa de ser reparado — observou Johnsen.

— Os filtros já deram o que tinham a dar. Ia fazer isso para a semana. Podia tê-los substituído esta manhã, mas achei que o circuito alternativo de controle era mais importante.

—Também acho. Que tal se porta o novo brinquedo?

— Como uma virgem.

O sorriso de Overton reflectiu-se no grosso vidro Lexan frente ao banco do piloto. A forma esquisita do Sea Cliff tornava-o difícil de manobrar. Era como se soubesse o que queria fazer, mas não propriamente como.

— Que tamanho tem a área do alvo?

— Muito. O Pigeon diz que depois da explosão os bocados se espalharam a perder de vista.

— Acredito. A quatro mil e oitocentos metros e com uma corrente a puxá-los...

— O submarino chamava-se Outubro Vermelho, não era, capitão? Um submarino de< ataque da classe Victor, não foi o que disse?

— É como vocês lhe chamam — respondeu Kaganovich.

— E os senhores? — perguntou Johnsen.

Não obteve resposta. Mas que mania! Que interessava o nome da classe em russo?

— Vou ligar o sonar de localização.

Johnsen accionou vários sistemas e o Sea Cliff começou a pulsar com o som do sonar de alta frequência montado no seu bojo.

— Cá está o fundo.

O écran amarelo mostrava os contornos do leito a branco.

— Alguma coisa à nossa espera, Sir? — perguntou Overton. —Hoje não, Jess.

Um ano antes, operavam a poucas milhas daquele local, quase se tinham espetado num barco Liberty1, afundado cerca de 1942 por um submarino alemão. O casco ficara no ar, alçado por uma pesada rocha. A colisão teria sido fatal e ensinara prudência aos dois homens.

— Estou a receber retornos. Mesmo em frente, para a esquerda e para a direita. Mais cento e cinquenta metros até ao fundo.

— Está bem.

— Hum... Há uma grande massa aí com nove metros de comprido e três ou três e meio de largura, a ocidente, a trezentos metros. Vamos ver o que é.

— Virar à esquerda e acender luzes.

Seis holofotes de alta potência envolveram imediatamente o submersível num globo de luz. A luz não penetrava mais de dez metros de água, sendo em grande parte absorvida.

— Cá estamos no fundo, como dizia, Mister Johnsen — anunciou Overton.

Interrompeu a descida e verificou a flutuabilidade. Praticamente neutra. Óptimo.

— Com esta corrente, as baterias ir-se-ão embora depressa.

— Qual é a força?

 

1 Cargueiro americano da segunda guerra mundial. (N. da T.)

 

—Nó e meio, talvez dois. Depende dos acidentes do leito. Tal como no ano passado. Aguentámos uma hora, hora e meia no máximo.

Os oceanógrafos não se entendiam quanto a esta corrente profunda que parecia mudar de direcção de tempos a tempos, imprevisível Estranho. Quantas coisas estranhas no oceano! Por isso Johnsen se diplomara em oceanografia: para descobrir os segredos do mar. Eis um objectivo ao qual valia a pena dedicar a vida. Para Johnsen, trabalhar a quatro mil e oitocentos metros de profundidade não era trabalho.

— Estou a ver qualquer coisa a reluzir à nossa direita. Apanho-a?

— Se puderes...

Ainda não podiam ver do que se tratava nos três écrans de TV do Sea Cliff que recebiam imagens a partir da proa, quarenta e cinco graus para a direita e para a esquerda.

Overton manobrou com a mão direita o braço manipulador. Era insuperável a comandá-lo.

— Vês o que é? — perguntou, ajustando os comandos do televisor.

— Parece um instrumento... Pode apagar o holofote número um, sir, Está a cegar-me.

— Posso.

Johnsen desligou o interruptor. O holofote número um fornecia luz à câmara da proa, que deixou mediatamente de funcionar.

— Pronto, vamos lá a ver se estás quietinha, pequena...

O maquinista manobrou com a mão esquerda os comandos da hélice direccional e com a direita o braço manipulador. Só ele agora podia ver o alvo. A cara de Overton reflectia-se no vidro, sorridente. A mão direita agiu rapidamente.

— Apanhei-o!

O braço manipulador agarrou o indicador de profundidade que um mergulhador fixara magneticamente à proa do Sea Clijj antes de largarem da doca flutuante do Austin.

— Pode tornar a acender a luz, sír.

Johnsen assim fez e Overton exibiu a sua presa diante da câmara da proa.

— Está a ver? Que será?

— Parece um indicador de profundidade. Mas não é nosso — disse Johnsen. — Que lhe parece, capitão?

— Da — respondeu logo Kaganovich, soltando um fundo suspiro e esforçando-se por mostrar desânimo. — É nosso. Não consigo ler o número, mas é soviético, sim.

— Põe-no no cesto, Jess — disse Johnsen.

— Está bem. — Manobrou o braço, colocando o indicador num cesto acoplado à proa. — Estamos a apanhar areia. Vamos subir ;um pouco.

Muito perto do fundo, as hélices do Sea Cliff revolviam a areia, turvando a água. Overton aumentou a potência dos motores e estabilizou a seis metros de profundidade.

— Assim é melhor. Está a ver a força da corrente, Mister Johnsen? Dois nós, para mais. Não podemos ficar aqui muito tempo. — A corrente puxara a nuvem de areia para bombordo, rapidamente. — Onde estará o submarino?

— A cerca de cem metros. Chegamo-nos o mais possível para vermos bem.

— Certo. Avante... Há ali qualquer coisa... Parece uma faca... Apanhamo-la?

— Não, não interessa.

— Distância?

— Sessenta metros. Não tardaremos a vê-lo.

Os dois oficiais viram-no nos televisores ao mesmo tempo que Overton. Uma imagem espectral a princípio, dilui-se depois para de novo aparecer. Overton foi o primeiro a reagir.

— Diabo!

Tinha mais de nove metros de comprimento e parecia cilíndrico. Aproximavam-se dele por trás. Viram-lhe a boca e, no interior, quatro pequenos cones saídos cerca de trinta centímetros.

— É um míssil, comandante. Um raio de um míssil nuclear russo!

— Aguenta aí, Jess. —Está bem.

Overton inverteu os motores. Johnsen disse ao soviético:

— O senhor disse que era um Victor.

— Enganei-me — respondeu Kaganovich com um trejeito.

— Vamos vê-lo mais de perto, Jess.

O Sea Cliff avançou e pôs-se ao lado do míssil. A inscrição em cirílico era inconfundível, embora estivessem longe de mais para ler os números de série. Um novo tesouro para Davey Jones, um Seahawk SS-N-20 com as suas oito ogivas de quinhentas quílotoneladas.

Kaganovich reteve a inscrição no corpo do míssil. Haviam-no informado sobre as características do Seahawk imediatamente antes de voar para o Kiev. Como oficial de informações estava mais ao corrente das armas americanas do que das soviéticas.

Que sorte! Os americanos tinham-lhe permitido viajar num dos seus mais recentes submarinos de pesquisas, cujos equipamentos já decorara, e trabalhavam para ele. O Outubro Vermelho deixara de existir. Restava-lhe agora transmitir a informação ao almirante Stralbo, no Kirov, e a esquadra poderia abandonar a costa americana. Que apareçam no mar da Noruega a fazer aí as suas manobras sujas! Lá se verá quem ganha!

— Assinala a posição, Jess.

Overton carregou num botão para soltar um emissor de sonar que respondia apenas a um sinal de código americano. O aparelho guiá-los-ia de novo até ao míssil. Voltariam mais tarde para o rebocar até à superfície.

—O míssil é propriedade da União Soviética — lembrou Kaganovich. — Está em... debaixo de águas internacionais. Pertence ao meu país.

— Então venha cá buscá-lo! — resmungou o marinheiro americano que, suspeitava Kaganovich, era um oficial disfarçado. — Desculpe, Mister Johnsen.

— Tornaremos a buscá-lo — disse Johnsen.

— Não conseguirão iça-lo — disse Kaganovich. — É pesado de mais.

— Talvez tenha razão — concordou Johnsen, sorrindo. Kaganovich concedeu aos americanos a pequena vitória. Podia ser pior. Muito pior.

— Vamos continuar à procura de destroços?

— Não, acho que nos vamos embora — decidiu Johnsen. —Mas as suas ordens...

— As minhas ordens, capitão Kaganovich, eram para procurar os destroços de um submarino da classe Victor. Ora, nós encontrámos o túmulo de um submarino equipado com mísseis. Mentiu-nos, capitão, e não temos de lhe fazer mais favores. Creio que já tem o que pretendia. Voltaremos mais tarde, a buscar o que nós queremos.

Johnsen soltou a alavanca antilastro. O Sea Cliff adquiriu quinhentos quilos de flutuabilidade positiva. Não poderiam permanecer por mais tempo no fundo, mesmo que quisessem.

— Para casa, Jess.

— Muito bem, comandante.

O regresso à superfície decorreu em silêncio.

O USS “Austin”

Uma hora mais tarde, Kaganovich subia à ponte do Ausíin e pedia ; autorização para enviar uma mensagem ao Kirov. A facilidade fora antecipadamente combinada, caso contrário o comandante do Austin teria recusado. Já toda a gente sabia o nome do submarino afundado. O oficial soviético transmitiu uma série de palavras em código, acompanhadas do número de série do indicador de profundidade. A recepção da mensagem foi imediatamente acusada.

Overton e Johnsen assistiram ao embarque do russo no helicóptero, com o instrumento na mão.

— Não gostei nada dele. Mister Johnsen. Capitão Kaganovich. O nome cheira-me mal. Levámo-lo à certa, não?

— Foi. Quem nunca jogará cartas contigo sou eu, Jess.

O “Outubro Vermelho”

Ryan acordou, seis horas depois, escutando música que lhe pareceu vagamente familiar. Permaneceu deitado no beliche, tentando identificá-la, por um minuto. Então enfiou os pés nos sapatos e dirigiu-se à sala de oficiais.

Era o E. T. Ryan chegou ainda a tempo de ver os agradecimentos a desfilar no écran de treze polegadas, na extremidade da mesa. A maior parte dos oficiais russos e três americanos tinham visto o filme. Os russos esfregavam os olhos. Jack pegou numa chávena de café e sentou-se na outra ponta da mesa.

— Gostou?

— É magnífico! — proclamou Borodin. O tenente Mannion disse, rindo.

— É a segunda vez que o passámos.

Um dos russos começou a falar depressa na língua nativa. Borodin traduziu.

— Ele pergunta se todas as crianças americanas se comportam com tal... Bugayev, svobodnol

— Liberdade — traduziu Bugayev, incorrectamente, mas dando ideia do que o companheiro queria dizer.

— Eu nunca fui assim — disse Ryan, rindo. — Bem, mas o filme foi feito na Califórnia e a gente de lá é meio maluca. Na verdade, não. Os miúdos não se comportam assim... pelo menos eu nunca vi... e tenho dois. Por outro lado, educamos as nossas crianças para serem mais independentes do que as soviéticas.

Borodin traduziu e deu a resposta do russo.

— Então nem todos os jovens americanos são marginais?

— Alguns são. A América não é perfeita, meus senhores. Cometemos muitos erros.

Ryan estava decidido a contar o mais possível a verdade. Borodin voltou a traduzir. As reacções em redor da mesa eram um tanto incrédulas.

— Explique-lhes que este filme é a história de uma criança e não deve ser tomado demasiadamente a sério. É isso, não é?

—É, sim, senhor — respondeu Mancuso, que acabava de entrar. — É uma história para miúdos, mas já a vi cinco vezes. Seja bem-vindo, Ryan!

— Obrigado, comandante. Está tudo a correr bem, não é verdade?

— É. Acho que todos podemos aproveitar para descansar. Vou ter de dar outro louvor a Jonesy. Foi realmente uma boa ideia. — Apontou para a televisão. — Temos muito tempo para trabalhar.

Noyes entrou.

— Como está Williams? — perguntou Ryan.

— Recuperará. — Noyes encheu o seu copo. — A operação demorou três horas e meia. O golpe na cabeça era superficial. Sangrou muito, claro; os ferimentos na cabeça são assim. Mas o peito estava mal. A bala falhou o pericárdio por um cabelo. Capitão Borodin, quem prestou os primeiros socorros ao homem?

O starpoom apontou para um tenente.

— Ele não fala inglês.

— Diga-lhe que Williams lhe deve a vida. Aquele tubo no peito salvou-o. Sem ele, teria morrido.

— Tem a certeza de que escapa? — insistiu Ryan.

— Claro que escapa, Ryan. Para que é que eu trabalho? Vai passar um mau bocado, claro, e estaria melhor num hospital, mas não há problema.

— E o comandante Ramius? — perguntou Borodin.

— Está bem. Ainda dorme. O tempo que eu gastei a cosê-lo! Pergunte ao seu tenente onde aprendeu primeiros socorros.

Borodin assim fez.

— Diz que gosta de ler tratados de medicina. —Que idade tem ele?

— Vinte e quatro.

—Diga-lhe que se quiser estudar medicina eu o ajudarei. Se ele sabe fazer o que é preciso na altura exacta, porque não há-de seguir a profissão?

O jovem oficial exultou com o comentário e perguntou quanto ganhava um médico na América.

— Eu estou na tropa, portanto não ganho muito. Quarenta e oito mil dólares por ano, além das deslocações. Cá fora podia ganhar muito mais.

— Na União Soviética — informou Borodin — os médicos ganham mais ou menos como os operários fabris.

—’Talvez isso explique a razão pela qual os vossos médicos não são bons — observou Noyes.

— Quando poderá o comandante reassumir as suas funções? — perguntou Borodin.

— Hoje não se levanta — disse Noyes. — Não quero que recomece a sangrar. Amanhã já poderá pôr-se a pé. Com cuidado. Não convém que faça força na perna. Ficará bom, meus senhores. Está um pouco fraco da perda de sangue, mas recuperará por completo.

Noyes falava com a convicção de quem cita leis da física.

— Estamos-lhe muito agradecidos, doutor — disse Borodin. Noyes encolheu os ombros.

— É para isso que me pagam. Posso fazer uma pergunta, agora? Que diabo se passa aqui?

Borodin riu e traduziu a pergunta para os camaradas.

— Vamos todos passar a ser cidadãos americanos.

— E trazem um submarino convosco, não é? Ah, marotos... Cheguei a pensar que isto era qualquer coisa como... qualquer coisa... Mas que romance! Suponho que não o posso contar a ninguém...

— Supõe muito bem, doutor — disse Ryan, sorrindo.

— Uma pena — murmurou Noyes, regressando à enfermaria.

Moscovo

— Portanto, camarada almirante, conseguimos, não é verdade? — perguntou Narmonov.

— É verdade, camarada secretário-geral — confirmou Gorshkov, olhando em redor da mesa no centro de comando subterrâneo.

Estava perante o núcleo do Poder soviético, mais os chefes militares e o director do KGB.

— O oficial de informações do almirante Stralbo, o capitão Kaganovich, foi autorizado pelos americanos a examinar os destroços de bordo de um submersível de pesquisa oceanográfica. Recuperaram um indicador de profundidade. Estes instrumentos são numerados e o número foi imediatamente transmitido para Moscovo. Não há dúvida de que pertence ao Outubro Vermelho. Kaganovich viu também um míssil que se soltou do submarino. Era um Seahawk, sem a menor dúvida, O Outubro Vermelho já não existe. A nossa missão foi cumprida.

— Por acaso, camarada almirante, por acaso — disse Mikhail Alexandrov. — A nossa esquadra falhou na sua missão de localizar e destruir o submarino. Penso que o camarada Gerasimov tem informações para nós.

Nikolay Gerasimov era o novo chefe do KGB. Havia já apresentado o seu relatório ao Politburo e ansiava por apresentá-lo aos pavões de uniforme. Queria ver as suas reacções. O KGB tinha contas a ajustar com aqueles homens. Gerasimov resumiu o relatório que recebera de Cassius.

— Impossível! — exclamou Gorshkov.

— Talvez — concedeu delicadamente Gerasimov. — Há fortes probabilidades de tudo isto não passar de uma bem arquitectada manobra de desinformação; está a ser investigada pelos nossos agentes. Há, contudo, uns pormenores interessantes que tornam credível esta hipótese. Permita-me passá-los em revista, camarada almirante.

“Primeiro, por que motivo os americanos deixaram um dos nossos homens entrar a bordo de um dos seus mais sofisticados submarinos de pesquisa? Segundo, porque colaboraram connosco, salvando a vida do nosso marinheiro do Politovskiy e pondo-nos ao corrente de tudo? Deixaram-nos ver o nosso homem imediatamente. Porquê? Por que foi que não se serviram dele, por que foi que não o eliminaram depois? Sentimentalismo? Não me parece. Terceiro, salvaram este homem quando as unidades aéreas e navais americanas acossavam a nossa esquadra da maneira mais agressiva e ostensiva. Ora bem; mudaram repentinamente de atitude e, um dia depois, não se poupavam a esforços para nos ajudar na nossa operação de “busca e salvamento”.

— Porque Stralbo, inteligente e corajosamente, decidiu não responder às provocações — respondeu Gorshkov.

— Talvez — concordou Gerasimov, mais uma vez delicadamente. — Foi de facto uma decisão inteligente da parte do almirante. Não é fácil a um oficial engolir o seu orgulho. Por outro lado, também é possível que por essa altura os americanos tenham recebido a informação que Cassius os forneceu. Penso mesmo se os americanos não terão receado que suspeitássemos de que haviam perpetrado toda a operação através da CIA. Sabemos hoje que vários serviços secretos imperialistas se interrogam quanto aos motivos desta nossa operação naval.

“Nos últimos dois dias, fizemos algumas rápidas investigações. Descobrimos — Gerasimov consultou os apontamentos — que existem vinte e nove engenheiros polacos no estaleiro de submarinos de Polyarnyy, sobretudo no controle de qualidade e na inspecção, que não há cuidados nenhuns com o correio e com as mensagens, e que o comandante Ramius, ao contrário da ameaça que fez na carta para o camarada Padorin, não conduziu o submarino para o porto de Nova Iorque, encontrando-se mil quilómetros para sul quando o submarino foi destruído.

— Ramius quis, sem dúvida, despistar-nos — objectou Gorshkov. — Ramius enganou-nos deliberadamente. Colocámos a nossa esquadra ao longo de todos os portos americanos.

— E nunca o descobrimos — observou calmamente Alexandrov. — Continue, camarada.

— Fosse qual fosse o porto para onde se dirigisse, Ramius encontrava-se a mais de quinhentos quilómetros de qualquer deles, e sabemos que poderia ter entrado em qualquer um em rota directa. Na verdade, camarada almirante, como disse a princípio, Ramius poderia ter alcançado a costa americana sete dias após se ter feito ao mar.

“Para tanto, como expliquei detidamente na semana passada, teria de navegar à velocidade máxima. Ora, os comandantes de submarinos equipados com mísseis não gostam de andar à velocidade máxima — disse Gorshkov.

— Compreendo — disse Alexandrov — se nos lembrarmos do que aconteceu ao Politovskiy. Mas não me admiraria que um traidor da Rodina tivesse fugido como um ladrão.

— Para a armadilha que lhe montámos — respondeu Gorshkov.

— E que falhou — comentou Narmonov.

—Eu não digo que esta história seja verdadeira ou sequer verosímil neste ponto — disse Gerasimov, sempre em voz cínica—, mas existem a apoiá-la provas circunstanciais bastantes para que eu recomende uma investigação aprofundada pelo Comité para a Segurança do Estado de todos os aspectos deste caso.

— A segurança nos meus estaleiros compete à Marinha e ao GRU —disse Gorshkov.

— Competia. — Narmonov anunciou a sua decisão tomada duas horas antes. — O KGB investigará este vergonhoso acontecimento em dois sentidos. Um grupo investigará a informação do nosso agente em Washington; o outro partirá do princípio de que a carta do — alegadamente do — comandante Ramius era autêntica. Se foi uma conspiração de traidores, só pôde ser possível porque Ramius, ao abrigo dos regulamentos e práticas correntes, tinha autoridade para escolher os seus oficiais. O Comité para a Segurança do Estado informar-nos-á sobre a conveniência de manter esta prática, o grau de controle que os comandantes dos barcos têm sobre as carreiras dos seus oficiais e o controle da Marinha pelo Partido. Penso que vamos começar as nossas reformas permitindo aos oficiais mudarem de barco com maior frequência. Quando ficam muito tempo num barco, os oficiais podem, como é evidente, fazer grandes confusões em matéria de lealdade.

— O que sugere destruirá a eficiência da minha esquadra! — protestou Gorshkov, desferindo um murro na mesa, contra o que considerava um erro.

— A esquadra do Povo, camarada almirante — corrigiu Alexandrov.— A esquadra do Partido.

Gorshkov sabia de onde vinha a ideia. Narmonov ainda tinha o apoio de Alexandrov. Isto reforçava a posição do camarada secretário-geral e abalava a dos outros homens ao redor da mesa. Que homens?

Padorin revoltou-se contra a sugestão do KGB. Que percebem esses malditos espiões acerca da Marinha? Ou do Partido? Eram todos uns oportunistas corruptos. Andropov bem o demonstrara, e o Politburo deixava agora aquele cachorro do Gerasimov atacar as Forças Armadas, que defendiam a nação contra os imperialistas, que a haviam protegido da clique de Andropov, que sempre tinham sido o inabalável apoio do Partido. Mas tudo bate certo, não é verdade?

Tal como Khruschev depusera Zhukov, o homem que tornara a sua sucessão possível quando Beria fora eliminado, aqueles patifes ! lançavam agora o KGB contra os homens uniformizados que lhes haviam garantido as posições.

— Quanto a si, camarada Padorin — continuou Alexandrov.

— Sim, camarada académico...

Não havia para Padorin fuga possível. A Administração Política aprovara em definitivo a nomeação de Ramius. Se Ramius era, de facto, um traidor, Padorin seria condenado por um tremendo erro ide avaliação; se Ramius funcionara como peão inconsciente, Padorin |e Gorshkov tinham sido induzidos a uma acção precipitada.

Narmonov pegou na deixa de Alexandrov.

— Camarada almirante, concluímos que as suas provisões secretas para defender a segurança do submarino Outubro Vermelho foram executadas com êxito... ou então foi o comandante Ramius, inocente, quem afundou o barco juntamente com os seus oficiais e os americanos que tentavam, sem dúvida, roubá-lo. Em qualquer dos casos, (e embora o KGB não tenha ainda examinado os destroços recuperados, tudo indica que o submarino não caiu em mãos inimigas.

Padorin pestanejou vezes seguidas. O coração batia-lhe aceleradamente e doía-lhe o lado esquerdo do peito. Estaria a ser poupado? [Porquê? Levou um segundo a compreender. Ele era o comissário (político, apesar de tudo. Se o Partido procurava restabelecer o controle [político sobre a Marinha — não, reafirmar o que nunca perdera—, então o Politburo não podia permitir-se demitir o representante do Partido no alto comando. Passaria a ser vassalo daqueles homens, [em particular de Alexandrov, mas poderia viver com essa situação. Situação que tornava a posição de Gorshkov extremamente vulnerável. Embora só dali por vários meses, Padorin tinha a certeza de que a Marinha russa iria ter um novo chefe, cujo poder pessoal não seria bastante para governar sem aprovação do Politburo. Gorshkov tornara-se demasiado grande, demasiado poderoso, e os chefes do Partido não queriam ter um homem com tanto prestígio pessoal no alto comando.

Salvei a cabeça, pensou Padorin consigo, espantado com a sua sorte.

— O camarada Gerasimov — continuou Narmonov — trabalhará com a Secção de Segurança Política do seu gabinete na revisão das [normas pelas quais se tem regido e para oferecer sugestões com vista ao seu aperfeiçoamento.

ia, então, ser agora o espião do KGB no alto comando? Bem, conservava a cabeça, o gabinete, a dacha e o direito à reforma dali a dois anos. O preço a pagar era pequeno. Padorin estava mais do que contente.

 

                     Sábado, 18 de Dezembro

                     A Costa Leste

O USS Pigeon chegou à sua doca de Charleston às quatro da manhã. Os tripulantes soviéticos, aquartelados no refeitório, haviam-se tornado incontroláveis. Por muito que os oficiais russos se esforçassem por limitar os contactos entre os seus homens e os salvadores americanos, o isolamento era impossível. Numa palavra, tinham sido incapazes de conter o apelo da natureza. O Pigeon atascara os seus visitantes de estufado e a casa de banho mais próxima ficava a uns metros de distância, à popa. No trajecto, os tripulantes do Outubro Vermelho encontravam-se com os marinheiros americanos, alguns dos quais eram oficiais conhecedores da língua russa disfarçados de marinheiros, outros especialistas em russo do contingente geral que haviam chegado de avião, mal os soviéticos tinham entrado a bordo. O facto de se encontrarem num barco putativamente hostil e de terem conhecido homens afáveis que falavam russo fora superior às forças de muitos deles. As suas observações eram registadas em gravadores ocultos para ulterior exame em Washington. Petrov e os três subalternos tinham demorado a aperceber-se, mas, quando se aperceberam, passaram a acompanhar os homens à casa de banho, por turnos, como pais protectores. O que não podiam era impedir um oficial de informações fardado de contramestre de fazer uma oferta de asilo: quem quisesse ficar nos Estados Unidos, ficava. Dez minutos depois já a informação correra todos os tripulantes.

Chegada a vez de a tripulação americana comer, os oficiais russos não podiam proibir o contacto e, praticamente, não comiam, tão ocupados estavam em vigiar as mesas. Para total surpresa dos seus homólogos americanos, viam-se obrigados a declinar repetidos convites para a sala de oficiais do Pigeon.

O Pigeon atracou cuidadosamente. Não havia pressa. Quando a escada do portaló foi lançada, a banda, no cais, tocou uma selecção de temas soviéticos e americanos para sublinhar o carácter solidário da operação. Os soviéticos esperavam uma recepção discreta, dada a hora do dia; enganavam-se. Quando o primeiro oficial soviético chegou a meio da prancha foi ofuscado por cinquenta holofotes de televisão e pelas perguntas dos repórteres ansiosos, tirados da cama para receberem o barco salva-vidas e, assim, poderem elaborar uma bela reportagem, naquela época, a do Natal, para os noticiários da manhã. Os russos nunca antes se tinham encontrado com jornalistas europeus e o choque cultural foi um caos absoluto. Os repórteres apoderavam-se dos oficiais, barrando-lhes o caminho, para consternação dos marines que tentavam dominar a situação. Os oficiais fingiam, todos, não entender uma palavra de inglês... mas um repórter precavido trouxera consigo um professor de russo da Universidade de South Carolina, na Colúmbia. Petrov gaguejou meia dúzia de lugares-comuns politicamente aceitáveis perante uma colecção de câmaras, desejando que tudo aquilo não passasse de um sonho. Demorou uma hora a embarcar os marinheiros russos nos três autocarros alugados para o efeito que os conduziram ao aeroporto. Ao longo do trajecto, automóveis e carrinhas cheias de jornalistas acompanhavam os autocarros, continuando a importunar os russos com holofotes e perguntas que ninguém entendia. No aeroporto, a cena não foi muito diferente. A Força Aérea mandara um VC-135 e os russos tiveram de abrir caminho até ele por entre um mar de repórteres. Ivanov viu-se confrontado com um especialista em línguas eslavas que falava russo com um sotaque horrível. O embarque demorou outra meia hora.

Uma dezena de oficiais da Força Aérea sentou toda a gente, e distribuiu cigarros e garrafas-miniatura de bebidas alcoólicas. Quando o transporte VIP atingiu os seiscentos metros, já toda a gente ia satisfeita. Um oficial explicou-lhes, pelo sistema de intercomunicação, o que se ia passar. Seriam todos submetidos a exame médico. A União Soviética mandaria um avião buscá-los no dia seguinte, mas confiava-se em que ficassem mais um dia ou dois para desfrutarem da hospitalidade americana. A tripulação excedeu-se, contando aos passageiros a história de cada lugar, aldeia, vila, cidade, auto-estrada e parque de estacionamento no percurso, proclamando, através do intérprete, o desejo dos americanos de manterem relações pacíficas [e amigáveis com a União Soviética, expressando a admiração profissional da Força Aérea pela coragem dos marinheiros soviéticos e

lamentando as mortes dos oficiais que valentemente haviam ficado para trás, permitindo aos seus homens que abandonassem o submarino. Toda esta obra-prima de mistificação se destinava a impressionar os russos e já se viam os resultados.

O avião sobrevoou a baixa altitude os subúrbios de Washington, a caminho da Base da Força Aérea de Andrews. O intérprete explicou que sobrevoavam casas da classe média, pertencentes a funcionários públicos e operários. Na pista aguardavam-nos três autocarros. Em ’vez de seguirem pela circunvalação, os autocarros atravessaram a cidade. Oficiais americanos pediam desculpa pelos engarrafamentos, explicando aos passageiros que praticamente todas as famílias americanas possuíam carro, muitas delas mais do que um, e que as pessoas só utilizavam o transporte público para evitar a maçada de conduzir. A maçada de conduzir o próprio automóvel! — pensou o marinheiro soviético, pasmado. Os comissários políticos poderiam dizer-lhes mais tarde que era tudo mentira, mas como negar os milhares de carros nas ruas? De certo não se tratava de uma encenação montada com uma hora de antecedência para consumo de um grupo de marinheiros... Ao atravessarem o sudeste de D. C. repararam que os negros tinham automóvel — mal havia espaço para os estacionar a todos! O autocarro desceu o Mall, enquanto os intérpretes manifestavam a esperança de que os passageiros pudessem ver os muitos museus existentes. O Museu do Ar e do Espaço guardava uma rocha trazida da Lua pelos astronautas da Apollo... Os soviéticos viram os joggers do Mall e os milhares de pessoas passeando. Discutiam animadamente quando os autocarros viraram para Bethesda, a norte, entrando na zona mais bonita do noroeste de Washington.

Em Bethesda, esperavam-nos equipas de televisão, emitindo em directo pelos três canais, e médicos e enfermeiros da Marinha norte-americana, sorridentes e amigáveis, que os conduziram ao hospital para exames de rotina.

Dez funcionários da Embaixada estavam presentes sem saberem como controlar o grupo politicamente incapazes de protestar contra a atenção prestada aos seus homens, ao abrigo do espírito de degelo. Tinham vindo médicos de Walter Reed e de outros hospitais públicos para fazerem um rápido e completo exame médico, sobretudo para detectarem envenenamento por radiação. Cada russo acabava por se encontrar a sós com um oficial da Marinha dos EUA, que delicadamente lhe perguntava se queria ficar nos Estados Unidos, salientando que, em caso afirmativo, deveria anunciar pessoalmente as suas intenções a um representante da Embaixada soviética — e, sim, poderia ficar. Para grande raiva dos funcionários da Embaixada, quatro homens tomaram essa decisão, tendo um deles voltado atrás após uma discussão com o adido naval. Os americanos tiveram o cuidado de gravar em vídeo cada uma das conversas para mais tarde poderem refutar acusações de intimidação.

Terminados os exames médicos — felizmente, os graus de exposição a radiações eram mínimos —, os homens tomaram uma refeição e deitaram-se.

Washington, D.C.

— Bom dia, senhor embaixador — disse o presidente.

Arbatov reparou que, mais uma vez, o Dr. Pelt se encontrava de pé ao lado do presidente, atrás da vasta secretária de estilo. Ia preparado para um encontro nada agradável.

— Senhor presidente, estou aqui para protestar contra a tentativa de rapto dos nossos marinheiros pelo Governo dos Estados Unidos.

— Senhor embaixador — respondeu o presidente em tom seco—, aos olhos de um antigo procurador o rapto é crime vil e repugnante, e o Governo dos Estados Unidos não admite que o acusem de tal prática... pelo menos, não neste gabinete! Nunca raptámos e nunca raptaremos pessoas. Está entendido, sir?

— Além do mais, Alex — disse Pelt, não tão solene—, os homens a quem se refere estariam hoje mortos se não fôssemo nós. Perdemos dois dos nossos para os salvar. Devia, ao menos, estar agradecido pelos esforços que desenvolvemos para salvar a vossa tripulação e exprimir alguma simpatia pelos americanos que perderam a vida.

— O meu Governo reconhece o esforço heróico dos vossos dois oficiais e quer sinceramente exprimir o seu apreço e o do povo soviético pela operação de salvamento. Isso não obsta, meus senhores, a que eu proteste contra esforços deliberados para induzir alguns dos nossos homens a trair o seu país.

— Senhor embaixador, quando a vossa traineira salvou a tripulação do nosso avião-patrulha, no ano passado, oficiais das Forças Armadas soviéticas ofereceram-lhe dinheiro, mulheres e outros rebuçados se ela quisesse dar informações e ficar em Vladisvostok, não é verdade? Não me diga que não sabe. Sabe muito bem como as coisas se passam. Ora, nós não protestámos, pois não? Não, estávamos gratos ao Governo soviético por ter salvo os nossos seis compatriotas, que voltaram ao serviço, claro. Nunca esquecemos a gratidão devida pelas vossas preocupações humanitárias dirigidas a cidadãos americanos. Neste caso, os vossos homens foram individualmente informados de que poderiam ficar, se quisessem. Não forçámos ninguém fosse de que maneira fosse. Os que quisessem ficar teriam de informar disso um funcionário da vossa Embaixada para que este pudesse explicar-lhes o erro que cometiam. Não foi isto correcto, senhor embaixador? Não lhes oferecemos dinheiro nem mulheres. Não compramos pessoas e nunca raptamos ninguém. Raptores meti-os eu na cadeia. Condenei mesmo um à morte. Não torne a fazer-me semelhante acusação — concluiu o presidente, severo.

— O meu Governo insiste em que todos os nossos homens sejam repatriados — volveu Arbatov.

— Senhor embaixador, qualquer pessoa, nos Estados Unidos, independentemente da sua nacionalidade ou do modo como entrou no país, tem direito à protecção da nossa lei. Os nossos tribunais assim o decidiram em múltiplas ocasiões e, segundo a nossa lei, nenhum homem nem nenhuma mulher pode ser obrigado a fazer seja o que for contra a sua vontade, salvo por sentença. O assunto está encerrado. Agora tenho uma pergunta para si. Que fazia um submarino equipado com mísseis a trezentas milhas da costa americana?

— Um submarino equipado com mísseis, senhor presidente?

Pelt pegou numa fotografia da secretária do presidente e passou-a a Arbatov. Tirada do gravador do Sea Cliff, mostrava o míssil balístico SS-N-20.

— O nome do submarino é... era Outubro Vermelho — disse Pelt — Explodiu e afundou-se a trezentas milhas da costa de South Carolina. Alex, há um acordo firmado entre os nossos dois países, segundo o qual barcos desse tipo não podem aproximar-se a mais de quinhentas milhas, oitocentos quilómetros, da costa do outro país. Queremos saber o que fazia aqui o submarino. E não venha dizer-nos que este míssil é uma falsificação porque, mesmo que quiséssemos, não teríamos tido tempo de nos metermos em brincadeira de tanto mau gosto. Este míssil é vosso, senhor embaixador, e o submarino tinha mais dezanove como este. — Pelt citou de propósito um número errado. — E o Governo dos Estados Unidos pergunta ao Governo da União Soviética como pôde isto acontecer, em violação do nosso acordo e com tantos outros barcos soviéticos tão perto da nossa costa atlântica.

— Só pode ser o submarino que se perdeu—sugeriu Arbatov.

— Senhor embaixador — disse o presidente em voz calma —, o submarino só se perdeu na quinta-feira, sete dias depois de o senhor nos ter falado nisso. Em resumo, senhor embaixador, a sua explicação de sexta-feira não coincide com os factos que estabelecemos, com provas palpáveis.

— Está a acusar-nos de quê? — perguntou Arbatov rudemente.

— De nada, Alex. Se o acordo já não funciona, não funciona, pronto. Discutimos essa possibilidade na semana passada, creio. O povo americano ficará a saber ainda hoje o que se passou. O senhor já está suficientemente familiarizado com o nosso país para imaginar qual vai ser a reacção. Exijo uma explicação. Para já, não vejo motivo para a vossa esquadra assediar a nossa costa. A operação de “salvamento” foi concluída com êxito e a permanência da esquadra soviética aqui só pode ser vista como uma provocação. Gostaria que o senhor e o seu Governo imaginassem aquilo que os meus comandantes militares estão a dizer-me... ou, se preferir, aquilo que os vossos comandantes dirão ao secretário-geral Narmonov se a situação se inverter. Exijo uma explicação, caso contrário só posso chegar a uma de duas ou três conclusões... conclusões que eu preferiria rejeitar em bloco. Transmita esta mensagem ao seu Governo e diga-lhe que, como alguns dos vossos homens decidiram ficar cá, não tardaremos a descobrir o que realmente aconteceu. Bom dia.

Arbatov abandonou o gabinete e virou à esquerda para sair pela entrada ocidental. Um marine segurou-lhe a porta, gesto de delicadeza com má vontade. O motorista do embaixador, que o esperava ao lado de um Cadillac, abriu-lhe a porta do carro. O motorista era o chefe da Secção de Espionagem Política do posto daquela organização em Washington.

— Então? — perguntou, atento ao trânsito em Pennsylvania Avenue, antes de virar à esquerda.

— Então, a reunião correu exactamente conforme eu previa e ficámos a saber por que motivo querem raptar os nossos homens — respondeu Arbatov.

— E qual é, camarada embaixador?

O motorista ocultou a sua irritação. Anos atrás, aquele palerma não se atreveria a fornecer informações a conta-gotas a um qualificado funcionário do KGB. Terrível o que acontecera ao Comité para a Segurança do Estado, depois da morte do camarada Andropov. Mas as coisas voltariam ao sítio, tinha a certeza.

— O presidente acusa-nos apenas de termos enviado deliberadamente o submarino para a costa americana, em violação do acordo secreto de 1979. E ficam com os nossos homens para os interrogar, para lhes abrirem as cabeças, e assim descobrirem quais eram as ordens do submarino. Quanto tempo levará a CIA a fazer isso? Um dia? Dois? — Arbatov abanou a cabeça, furioso. — Se calhar já sabem. Umas drogas, umas mulheres, talvez, para lhes soltar as línguas...

, O presidente também convida Moscovo a imaginar o que os loucos do Pentágono lhe dizem que pense! E que faça. Está-se mesmo a ver! Dizem-lhe que fazemos o ensaio de um ataque nuclear de surpresa — se calhar que é mesmo um ataque a sério! Como se nós não lutássemos mais do que eles pela coexistência pacífica! Idiotas desconfiados! Estão cheios de medo por causa do que aconteceu, e furiosíssimos. Sobretudo furiosos.

— E poderemos censurá-los, camarada? — perguntou o motorista, assimilando tudo, analisando, compondo o seu relatório para o Centro, em Moscovo.

— E disse também que já não havia motivo para a presença da nossa esquadra ao largo da costa americana.

— Como foi que ele disse? Exigiu a retirada dos barcos?

— Não, as suas palavras foram muito cordatas. Mais do que eu esperava, o que me preocupa. Eles andam a tramar alguma. Prefiro ladrões de botas a ladrões em meias. Ele exige uma explicação. Que lhe vou eu dizer? Que foi que aconteceu realmente?

— Suspeito de que nunca viremos a saber.

O agente sabia — a história original, incrível como era. Que a Marinha e o GRU pudessem ter deixado que semelhante coisa acontecesse espantava-o. A versão do agente Cassius pouco menos inacreditável era. O motorista transmitira-a para Moscovo. Seria possível que os Estados Unidos e a União Soviética fossem vítimas de uma terceira parte? Uma operação descontrolada e os americanos a tentar descobrir quem era o responsável e como actuara para eles próprios experimentarem? Sim, isso fazia sentido, mas o resto? Franziu o sobrolho. Tinha ordens do Centro: se aquilo era uma operação da CIA deveria pôr( tudo em pratos limpos imediatamente. Não era possível. Se fosse, a CIA descuidava-se muito em protegê-la. Seria, por outro lado, possível cobrir operação tão complexa? Não. De qualquer modo, ele e os seus colegas esforçar-se-iam durante semanas por furar uma eventual cobertura, por descobrir o que se dizia em Langley, enquanto outras secções do KGB fariam o mesmo através do mundo. Se a CIA se tinha infiltrado no alto comando da Esquadra do Norte, descobri-lo-ia. Disso não tinha dúvidas. Quase desejava que o tivessem feito. O GRU seria responsável pela tragédia e cairia em desgraça, depois de ter aproveitado da perda de prestígio do KGB, anos atrás. Se bem entendia a situação, o Politburo dava carta branca ao KGB em detrimento do GRU e dos militares para iniciar uma investigação autónoma do caso.

Independentemente do que viesse a ser descoberto, o KGB colheria os louros e deixaria as Forças Armadas de calças na mão. De uma maneira ou de outra, a sua organização descobriria o que acontecera e se, com isso, pudesse prejudicar os seus rivais, tanto melhor...

Quando a porta se fechou sobre o embaixador soviético, o Dr. Pelt abriu uma porta lateral na Sala Oval. O juiz Moore entrou.

— Senhor presidente, há quanto tempo não escutava atrás das portas!

— Está mesmo convencido de que isto vai resultar? — perguntou Pelt

— Sim, agora estou.

Moore sentou-se confortavelmente num sofá de couro.

— Não será um pouco temerário, juiz? — perguntou Pelt. — Dirigir uma operação assim tão complexa?

— Aí é que está, doutor. Nós não dirigimos nada; os soviéticos encarregam-se disso por nós. Claro que teremos muitos dos nossos a fazer perguntas pela Europa de Leste. O mesmo acontecerá com os homens de Sir Basil. Os franceses e os israelitas já estão em campo porque lhes perguntámos se sabiam o que se passava com o míssil desgarrado. O KGB não tardará a descobrir que nos mexemos e perguntar-se-á a razão pela qual os quatro principais serviços secretos do Ocidente andam a fazer as mesmas perguntas... em vez de se refugiarem nas suas conchas, como seria de esperar se fôssemos nós os autores da operação.

“Devemos ter em conta o dilema que os soviéticos enfrentam: têm de optar entre dois cenários, qual deles o menos atraente. Por um lado, acreditar que um dos seus oficiais mais dignos de confiança cometeu alta traição de uma maneira sem precedentes. Já viram a nossa ficha sobre o comandante Ramius. A versão comunista de um escuteiro, o genuíno Novo Homem Soviético. Além disso, uma conspiração deste tipo envolve necessariamente outros oficiais não menos dignos de confiança. Os soviéticos não conseguem admitir que homens deste género alguma vez pensem em abandonar o Paraíso dos Trabalhadores. É paradoxal, admito-o, dado os esforços extremos que desenvolvem para impedir que as pessoas saiam do país, mas é verdade. Perder um bailarino ou um agente do KGB é uma coisa; perder o filho de um membro do Politburo, um oficial com quase trinta anos de serviço imaculado, é outra, muito diferente. Um comandante da Marinha usufrui de muitos privilégios; uma deserção assim equivale à de um milionário vindo do nada que deixe Nova Iorque para viver em Moscovo. Os soviéticos jamais poderão acreditar em semelhante coisa.

“Por outro lado, poderão acreditar na história que lhe vendemos através de Henderson, a qual, embora pouco atraente, também é apoiada por muitas provas circunstanciais, sobretudo os nossos esforços para convencermos os tripulantes soviéticos a desertar. Viram como eles ficaram furiosos, por causa disso. No entender deles, é uma violação grosseira das regras do comportamento civilizado. A reacção enérgica do presidente à nossa descoberta de que se tratava de um submarino equipado com mísseis reforça também a versão de Henderson.

— Afinal vão acreditar em quê? — perguntou o presidente.

— Isso, sir, é sobretudo uma questão de psicologia, e a psicologia soviética é para nós muito difícil de entender. Entre a traição colectiva de dois homens e uma conspiração externa, penso que optarão pela última. Acreditar que se tratou realmente de uma deserção obrigá-los-á a reexaminar as suas próprias crenças. Quem gosta de fazer isso? — Moore teve um gesto eloquente. — A última alternativa significa que a segurança deles foi violada por estranhos, mas ser vítima é mais suportável do que ter de reconhecer as contradições intrínsecas da filosofia porque se governam. E, acima de tudo, temos o facto de que será o KGB a dirigir a investigação.

—’Porquê? — perguntou Pelt, entusiasmado com a argumentação do juiz.

—Em qualquer dos casos, uma deserção ou uma infiltração na segurança operacional naval, o GRU será o responsável. A segurança das forças navais e militares pertence ao GRU, ainda mais agora, depois da desorientação que a morte do nosso amigo Andropov causou no KGB. Os soviéticos não podem ter uma organização a investigar-se a si própria; a estrutura dos seus Serviços Secretos jamais o permitiria. Portanto, o KGB procurará derrotar o seu rival. Para o KGB, uma instigação do exterior é, de longe, a alternativa mais atraente; significa uma operação de outra envergadura. Se confirmarem a história de Henderson e convencerem toda a gente de que é verdadeira— e convencerão, claro—, sentir-se-ão com outro moral por a terem desmascarado.

— E confirmarão a história?

— Claro que confirmarão! No mundo da espionagem, quando se procura esforçadamente uma coisa acaba-se por descobri-la, quer exista quer não. Meu Deus, devemos a este Ramius mais do que ele poderá imaginar. Uma oportunidade como esta aparece uma vez de cem em cem anos! Não podemos perdê-la em absoluto!

— Mas o KGB sairá reforçado—observou Pelt—Isso é bom? Moore encolheu os ombros.

— Pode vir a ser. A deposição e, quem sabe, o assassínio de Andropov deu às Forças Armadas demasiado prestígio, tal como aconteceu com Beria, nos anos 50. Os soviéticos dependem do controle político dos seus militares tanto quanto nós... mais do que nós. Se o KGB tomar a seu cargo o trabalho sujo de envenenar o alto comando, tanto melhor. Teria de acontecer de uma maneira ou de outra; a nós compete aproveitar a oportunidade. Só nos resta fazer mais umas coisas.

— Como por exemplo?—perguntou o presidente.

— O vosso amigo Henderson vai dizer-lhes dentro de mais ou menos um mês que tínhamos um submarino a seguir o Outubro Vermelho desde a Islândia.

— Mas porquê? — objectou Pelt. — Assim ficarão a saber que estávamos a mentir, que todo o barulho que fizemos à volta do submarino era fictício.

— Não exactamente, doutor —Adisse Moore. — Um submarino equipado com mísseis tão perto da nossa costa constitui uma violação do acordo e, do ponto de vista deles, nós não temos maneira de saber as razões por que se encontrava aqui... antes de interrogarmos os tripulantes, que provavelmente nos dirão pouco. Os soviéticos estão convencidos de que não fomos absolutamente sinceros com eles neste caso. O facto de termos perseguido o submarino e de estarmos preparados para o destruir em qualquer altura demonstra-lhes a nossa duplicidade, aquilo de que têm andado à procura. Vamos também dizer-lhes que o Dállas registou o incidente com o reactor no sonar, o que explicará a proximidade do nosso barco de salvamento. Eles sabem, pelo menos suspeitam, de que lhes escondemos qualquer coisa. Isto iludi-los-á quanto àquilo que realmente lhes ocultamos. Os russos têm uma expressão para caracterizar estas situações... Carne do Lobo. Vão lançar uma operação em larga escala para se infiltrarem na nossa, seja qual for. Mas não descobrirão nada. As únicas pessoas na CIA que sabem realmente a verdade são Greer, Ritter e eu próprio. Os nossos operacionais têm ordens para descobrir o que se passa e mais do que isso não poderão revelar.

— E Henderson? — perguntou o presidente. — E quanta gente sabe do submarino?

—’Se Henderson lhes revelar seja o que for, assinará a sua própria sentença de morte. O KGB não perdoa aos agentes duplos e não acreditará que convencemos Henderson a fornecer informações falsas. Ele sabe disso e, de qualquer modo, vigiá-lo-emos de perto. Quantas pessoas sabem do submarino? Uma centena, talvez. Número que aumentará um pouco... mas não se esqueçam de que eles pensam que se afundaram dois submarinos soviéticos ao largo da costa e de que têm todas as razões para acreditar que qualquer equipamento de um submarino soviético que apareça nos nossos laboratórios foi recuperado no leito oceânico. Vamos evidentemente reactivar o Glomar Explorer com esse objectivo. Desconfiariam se o não fizéssemos. Para quê desapontá-los? Mais tarde ou mais cedo, acabarão por perceber tudo, mas, por essa altura, já o casco nu estará no fundo do mar.

— Portanto, não poderemos guardar indefinidamente segredo? — perguntou Pelt.

— Indefinidamente é muito tempo. Temos de nos prevenir para o que der e vier. De momento, creio que o segredo pode ser razoavelmente guardado. Está apenas de posse de uma centena de pessoas, mais ou menos. Dentro de um ano, mais provavelmente dentro de dois ou três, talvez já eles tenham acumulado dados suficientes para suspeitarem do que aconteceu; nessa altura, porém, não disporão de provas físicas para exibir. Além disso, se o KGB descobrir a verdade quererá revelá-la? Se for o GRU a descobri-la, certamente a revelará e o caos resultante no mundo da espionagem soviética só nos servirá de proveito. — Moore tirou um charuto de uma charuteira de couro. — Como disse, Ramius deu-nos uma oportunidade fantástica a vários níveis. E o mais fantástico é que não precisamos de nos cansar muito. Os russos farão todo o trabalho, à procura de algo que não existe.

— E os desertores, juiz? — perguntou o presidente.

— Tomaremos conta deles, senhor presidente. Sabemos como se faz e raramente recebemos queixas da hospitalidade da CIA. Vamos levar uns meses a interrogá-los e, ao mesmo tempo, prepará-los-emos para a vida na América. Receberão novas identidades, serão reeducados, farão cirurgia plástica se necessário e nunca mais precisarão de trabalhar enquanto viverem... mas vão querer trabalhar. Quase todos eles. Espero que a Marinha os coloque como consultores pagos no Departamento de Guerra Submarina, por exemplo.

— Quero falar com eles — disse o presidente num impulso.

— Com certeza, sir, mas terá de ser um encontro discreto — preveniu Moore.

— Em Camp David será com certeza discreto. E, juiz, quero que Ryan trate disso.

— Muito bem, sir. Já o mandámos regressar sem demora. Terá um grande futuro connosco.

Tyuratam, URSS

A razão pela qual o Outubro Vermelho recebera ordens para mergulhar antes do alvorecer orbitava a terra a uma altitude de oitocentos quilómetros. Do tamanho de um Greyhound, o Albatroz 8 fora colocado no espaço onze meses atrás por um foguetão lançado do Cosmódromo de Tyuratam. O pesado satélite, chamado um RORSAT — satélite de radar de reconhecimento oceânico —, fora especificamente concebido para a vigilância marítima.

O Albatroz 8 passou sobre o estreito do Pamlico às 11 e 31 locais. O seu equipamento estava programado para detectar receptores térmicos sobre o horizonte visível, interrogando tudo à vista e registando qualquer assinatura que se integrasse nos seus parâmetros de busca. Quando passou sobre unidades da esquadra norte-americana, os aparelhos de interferência do New Jersey foram apontados para cima, a fim de perturbarem o seu sinal. Os sistemas de gravação do satélite registaram a interferência, que elucidaria, em parte, os operadores sobre os sistemas de guerra electrónica americanos. Quando o Albatroz 8 cruzou o pólo, o seu disco parabólico captou o sinal de outro satélite de comunicações, o Iskra.

Quando o satélite de reconhecimento localizou o seu primo, orbitando a maior altitude, o emissor laser transmitiu-lhe o conteúdo das gravações do Albatroz. O Iskra comunicou imediatamente a mensagem para a base de Tyuratam. O sinal foi também recebido por um disco de quinze metros localizado na China Ocidental, operado pela Agência Nacional de Segurança dos EUA, em cooperação com os chineses, que utilizavam os dados recebidos para os seus próprios fins. Os americanos transmitiram-nos através do seu próprio satélite de comunicações para o quartel-general, nos EUA, em Fort Meade, Maryland. Ao mesmo tempo, o sinal digital era examinado por duas equipas de peritos separadas por oito mil quilómetros.

— Bom tempo — resmungou um técnico. — Agora temos bom tempo!

— Goza-o enquanto puderes, camarada.

O seu vizinho na consola seguinte examinava dados de um satélite meteorológico geossincrónico que orbitava o hemisfério ocidental. O reconhecimento do tempo num país hostil pode ter grande valor estratégico.

— Há outra frente fria a aproximar-se da costa deles. O Inverno, lá, tem sido como o nosso. Oxalá estejam a gostar.

— Quem não gosta são os nossos homens no mar.

O técnico quase estremeceu só de se imaginar nas águas no meio de uma tempestade. Navegara no mar Negro, no Verão anterior, e ainda sentia náuseas só de pensar nisso.

— Olá! Que é isto? Coronel! —Sim, camarada?

O coronel que supervisava a equipa de serviço aproximou-se rapidamente.

— Veja isto, camarada coronel. — O técnico percorreu com o dedo o écran de TV. — Isto é o estreito de Pamlico, na costa central dos Estados Unidos, Veja, camarada...

A imagem térmica da água no écran era escura, mas quando o técnico a ajustou nos comandos surgiu verde com duas listras brancas, uma maiordo que a outra. A que tinha um dedo de tamanho dividiu-se em dois segmentos. A imagem era da superfície da água e parte desta estava meio grau mais quente do que deveria estar. A diferença não era constante, mas impunha-se o suficiente para demonstrar que algo aquecia a água.

— O sol, talvez? — sugeriu o coronel.

—Não, camarada, o céu está limpo e permite que o sol incida sobre toda a área — disse calmamente o técnico.

Mostrava-se sempre calmo quando pensava ter descoberto alguma coisa.

— Dois submarinos, talvez três, trinta metros abaixo da superfície.

— Tem a certeza?

O técnico accionou o interruptor para obter a imagem de radar, que exibia somente pequenas ondas, como um tecido canelado.

— Não há nada sobre a água que provoque este calor, camarada coronel. Deve ser, portanto, algo debaixo de água. Nesta época do ano não há acasalamento de baleias. Só podem ser submarinos nucleares, provavelmente dois, talvez três. É possível, coronel, que os americanos se tenham alarmado com a manobra da nossa esquadra, a ponto de procurarem abrigo para os seus submarinos nucleares. A base americana de submarinos equipados com mísseis fica a poucas centenas de quilómetros para sul. Talvez um dos seus barcos da classe Ohio se tenha abrigado aqui, protegido por um submarino de detecção, como acontece com os nossos.

— Então não tardará a mexer-se. A nossa esquadra recebeu ordens para regressar.

— Uma -pena. Seria bem perseguido. É uma rara oportunidade, camarada.

— Pois é. Parabéns, camarada académico.

Dez minutos mais tarde, os dados eram transmitidos para Moscovo.

Alto Comando Naval Soviético

— Não vamos perder esta oportunidade, camarada—’disse Gorshkov. — Mandamos regressar a nossa esquadra e deixaremos vários submarinos para trás, a fazer espionagem electrónica. Os americanos dar-nos-ão certamente várias oportunidades no meio da confusão.

— É muito provável — disse o chefe de operações.

— O Ohio navegará para sul, para a base de submarinos de Charleston ou Kings Bay. Ou para norte, para Norfolk. Temos o Konovalov em Norfolk e o Shabilikov ao largo de Charleston. Ficarão lá os dois por vários dias, penso. Temos de fazer qualquer coisa para mostrar aos políticos que possuímos uma Marinha a sério. Se formos capazes de seguir o Ohio, já não será mau.

— Transmitirei as ordens dentro de quinze minutos.

O chefe de operações achava uma boa ideia. Não gostara do relato da reunião do Politburo que Gorshkov lhe fizera... apesar de estar em boa posição para tomar conta do cargo se Sergey fosse afastado...

O “New Jersey”

A mensagem RED ROCKET chegara às mãos de Eaton momentos antes: Moscovo acabava de transmitir uma ordem operacional, via satélite, à esquadra soviética. Os russos estavam agora verdadeiramente encurralados, pensou o comodoro. Tinham à volta deles três grupos de batalha com porta-aviões — o Kennedy, o America e o Nimitz — sob o comando de Josh Painter. Eaton podia vê-los e controlava operacionalmente o Tarawa, que se integrava, assim, no seu grupo de acção de superfície. O comodoro apontou o binóculo ao Kirov.

—Comandante, mande ocupar posições de combate.

— Muito bem.

O oficial de operações do grupo pegou no microfone do rádio táctico.

— Rapazes Azuis, aqui Rei Azul. Luz Âmbar, Luz Âmbar, executem. Terminado.

Eaton esperou quatro segundos pelo alarme geral no New Jersey. A tripulação correu a armar-se.

— Distância ao Kirovl

— Trinta e sete mil e seiscentos metros, sir. Estamos a medir regularmente a distância com raios laser. Temos solução de tiro, sir — disse o oficial de operações. — As torres principais estão ainda carregadas e a artilharia actualiza a solução de tiro de trinta em trinta segundos.

Um telefone tocou junto do posto de comando de Eaton, na ponte.

— Eaton.

— Todas as posições guarnecidas e prontas, comodoro—informou o comandante do couraçado.

— Muito bem, comandante — respondeu Eaton, olhando o cronometro. — Os nossos homens estão realmente bem treinados.

No centro de informação de combate do New Jersey os quadros digitais mostravam a distância exacta a que se encontrava o mastro grande do Kirov. O primeiro alvo lógico é sempre o navio-almirante inimigo. A única dúvida estava no nível de castigo que o Kirov podia absorver — e naquilo que o afundaria primeiro, as granadas ou os mísseis Totnahawk. O importante, não se cansava de dizer o oficial de artilharia, era afundar o Kirov antes que qualquer avião pudesse intervir. O New Jersey nunca afundara um barco sozinho. Quarenta anos era uma longa espera.

— Estão a virar — disse o oficial de operações.

— Sim... Veremos para onde.

A formação do Kirov estava apontada a leste quando o sinal chegou. Todos os barcos, dispostos em círculo, viraram para estibordo ao mesmo tempo. Interromperam a manobra na posição zero-quatro-zero.

Eaton pousou o binóculo.

— Vão para casa. Informe Washington e mantenha as posições de combate guarnecidas por mais algum tempo.

Aeroporto Internacional Dulles

Os soviéticos não descansaram enquanto não viram os seus homens fora dos Estados Unidos. O Illyushin IL-62 da Aeroflot foi retirado do serviço internacional e mandado de Moscovo para Dulles. Aterrou ao pôr do Sol. Praticamente igual ao VC-10 britânico, o avião de quatro motores estacionou numa área mais remota de serviço para reabastecimento. Juntamente com outros passageiros que não desembarcaram para estender as pernas, viajava uma tripulação substituta para que o avião pudesse regressar imediatamente à União Soviética. Dois autocarros partiram do terminal, a três quilómetros e meio de distância, em direcção ao aparelho. Pelas suas janelas, os tripulantes do Outubro Vermelho olhavam para a paisagem coberta de neve, sabendo que era a última visão que reteriam da América. Estavam tranquilos. Haviam sido tirados da cama em Bethesda e transportados para Dulles de autocarro apenas uma hora antes. Desta vez não tinham jornalistas a incomodá-los.

Os quatro oficiais, os nove michmanny e os restantes marinheiros foram divididos em grupos ao embarcar. Cada grupo foi conduzido a uma secção do aparelho. Cada oficial e michman foi entregue a um agente do KGB, tendo-se o interrogatório iniciado mal o avião começou a rolar na pista. Quando o Illyushin atingiu a altitude de cruzeiro, os tripulantes do Outubro Vermelho perguntavam já a si próprios, na maior parte, porque não tinham decidido ficar nos Estados Unidos com os seus compatriotas desertores. As entrevistas eram decididamente desagradáveis.

— O comandante Ramius agiu de modo estranho? — perguntou um major do KGB a Petrov.

— Mas é evidente que não! — respondeu logo Petrov, na defensiva. — Não sabe que o nosso submarino foi sabotado? Muita sorte tivemos em escapar com vida!

— Sabotado? Como?

— Os sistemas do reactor. Não sou a pessoa indicada para lhe explicar isto, não sou engenheiro, mas fui eu quem detectou as fugas. Os distintivos de radiação acusavam contaminação, mas os instrumentos da casa das máquinas não. O reactor fora sabotado e não só o reactor; todos os instrumentos de medição de radiações tinham sido mexidos. Vi com os meus próprios olhos. O engenheiro-chefe Melekhin teve de reparar vários para localizar a fuga na serpentina do reactor. Svyadov pode explicar melhor o que se passou. Ele também viu.

O agente do KGB tomava notas.

— E que fazia o vosso submarino tão perto da costa americana? —Que quer dizer? Não sabe quais eram as nossas ordens?

— Quais eram as vossas ordens, camarada doutor? — perguntou o agente do KGB, fitando Petrov nos olhos.

O médico explicou-as, concluindo:

— Eu vi as ordens. Foram afixadas para todos verem, como de costume.

— Assinadas por quem?

— Pelo almirante Korov. Por quem havia de ser?

— Não achou as ordens um pouco estranhas? — perguntou o major, irritado.

— Costuma duvidar das ordens que recebe, camarada major? — perguntou Petrov, empertigando-se. — Eu não.

— Que aconteceu ao vosso comissário político?

Noutro sector, Ivanov explicava de que modo o Outubro Vermelho fora detectado por barcos americanos e britânicos.

— Mas o comandante Ramius despistou-os brilhantemente! Se não fosse o maldito acidente com o reactor, teríamos conseguido. Tem de descobrir quem nos fez isso, camarada capitão. Quero vê-lo morrer à minha frente!

O agente do KGB perguntou sem se emocionar:

— Qual foi a última coisa que o comandante lhe disse?

— Ordenou-me que tomasse conta dos meus homens, que não os deixasse falar com os americanos mais do que o necessário, e disse que os americanos nunca deitariam as mãos ao nosso submarino.

Os olhos de Ivanov encheram-se de lágrimas ao pensar no seu comandante e no seu barco, ambos perdidos. Era um jovem soviético orgulhoso e privilegiado, filho de um académico do Partido.

— Camarada — acrescentou —, o senhor e os seus homens têm de descobrir os patifes que nos fizeram isto!

—Foi tudo feito com grande perícia — explicava Svyadov a poucos metros de distância. — O próprio camarada Melekhin só à terceira tentativa descobriu, e jurou vingança sobre os autores da sabotagem. Eu vi tudo — disse o tenente, esquecendo-se de que realmente não vira nada, estendendo-se em pormenores, ao ponto de traçar um diagrama de como a sabotagem fora executada. — Do último acidente, não sei. Estava a entrar de serviço nessa altura. Melekhin, Surzpoi e Bugayev trabalharam durante horas na tentativa de pôr a funcionar os sistemas auxiliares de propulsão. — Abanou a cabeça. — Bem quis ajudá-los, mas o comandante Ramius proibiu-mo. Insisti, contra as ordens, mas o camarada Petrov não me deixou.

Duas horas mais tarde, sobre o Atlântico, os qualificados agentes do KGB reuniram-se à popa para compararem as notas.

— Portanto, se este comandante estava a fingir era um actor diabolicamente bom — disse o coronel encarregado dos primeiros interrogatórios. — As ordens que deu aos seus homens foram impecáveis. As ordens da missão foram anunciadas e afixadas, como é normal...

—Mas quem, de entre estes homens, conhece a assinatura de Korov? E não podemos interrogar o próprio Korov, pois não? — disse o major.

O comandante da Esquadra do Norte tinha morrido de hemorragia cerebral duas horas após o primeiro interrogatório, na Lubyanka, para desapontamento de todos.

— De qualquer modo, as ordens podem ter sido forjadas. Temos alguma base secreta de submarinos em Cuba? E a morte do zampolifí

— O médico está convencido de que foi um acidente — respondeu outro major. — O comandante pensava que ele tinha batido com a cabeça, mas, na realidade, tinha partido o pescoço. Fosse como fosse, deviam ter comunicado a pedir instruções, penso.

— Estavam obrigados a silêncio rádio—Adisse o coronel. — Já me informei. É absolutamente normal em submarinos equipados com mísseis. Esse comandante Ramius conhecia técnicas de combate corpo a corpo? Teria assassinado o zampolitl

— É possível — murmurou o major que interrogara Petrov. — Não, não fora treinado nessas técnicas, mas isso não quer dizer nada.

O coronel hesitou em concordar, perguntando:

—Temos alguma prova de que os tripulantes suspeitaram alguma vez de que se tramava uma deserção? — Todos abanaram negativamente a cabeça. — A rotina operacional do submarino foi normal?

— Sim, camarada coronel — respondeu um jovem capitão. — O oficial de navegação sobrevivente, Ivanov, diz que a fuga às unidades imperialistas de superfície e submarinas foi perfeita, realizada exactamente segundo as normas estabelecidas, brilhantemente executada por esse Ramius ao longo de doze horas. Por enquanto, não me atrevo sequer a sugerir que tenha havido traição.

Todos sabiam que os marinheiros iriam ser encarcerados em Lubyanka até ficarem com as cabeças completamente ocas.

— Muito bem — disse o coronel. — Até agora, não temos nenhum elemento que aponte para traição dos oficiais do submarino, não é verdade? Também me parece. Camaradas, continuaremos os interrogatórios de uma maneira mais suave até chegarmos a Moscovo. Agora, deixem-nos descansar.

A atmosfera do avião tornou-se realmente mais agradável. Foi servida uma refeição leve, e vodca para soltar as línguas e encorajar a camaradagem com os agentes do KGB, que bebiam água. Todos os homens sabiam que seriam encarcerados durante algum tempo e aceitavam a sua sorte com um fatalismo que, para um ocidental, seria surpreendente. O KGB trabalharia durante semanas a reconstituir todos os acontecimentos do submarino, desde que largara de Polyarnyy até ao momento em que o último homem entrara no Mystic. Outras equipas de agentes trabalhavam já em todo o mundo para descobrir se aquilo que acontecera ao Outubro Vermelho fora arquitectado pela CIA ou por outro serviço secreto. O KGB acabaria por descobrir, mas o coronel encarregado do caso começava a desconfiar de que a resposta não estava naqueles marinheiros.

O “Outubro Vermelho”

Noyes deixou Ramius ’percorrer os cinco metros que separavam a enfermaria da sala de oficiais, acompanhado. O doente não tinha muito bom aspecto, principalmente porque precisava de se lavar e de se barbear, como toda a gente a bordo. Borodin e Mancuso ajudaram-no a sentar-se à cabeceira da mesa.

— Então, Ryan, como está hoje?

— Bem, obrigado, comandante Ramius.

Ryan sorriu, levando à boca a chávena de café. Sentia-se realmente muito aliviado; nas últimas horas, pudera entregar o comando do submarino a homens que realmente sabiam comandá-lo. Embora ansiasse por abandonar o Outubro Vermelho, pela primeira vez em duas semanas não se sentia enjoado nem assustado.

—Como está a sua perna, s/r?

— Bem. Tenho de aprender a não levar mais tiros. Acho que Ivanov disse que lhe devo a vida. Que todos nós lha devemos.

— Era a minha vida também — respondeu Ryan, um pouco embaraçado.

— Bom dia, sir, — Era o cozinheiro. — Toma pequeno-almoço. comandante Ramius?

—Tomo. Estou cheio de fome.

— Óptimo! Um pequeno-almoço à moda da Marinha dos Estados Unidos. Vou buscar café fresco.

Desapareceu na passagem. Trinta segundos mais tarde, voltava com café fresco e punha a mesa para Ramius.

— Daqui por dez minutos será servido, ar.

Ramius deitou café na chávena. No pires havia um saquinho.

— Que é isto?

— Natas para o seu café, comandante — disse Mancuso, sorrindo. Ramius abriu o saquinho, espreitou, desconfiado, para o ulterior,

lançou o conteúdo na chávena e mexeu. —Quando partimos?

— Amanhã — respondeu Mancuso.

O Dállas subia à altura do periscópio periodicamente para receber ordens operacionais que transmitia por telefone ao Outubro.

— Soubemos há umas horas que a esquadra soviética está a recuar para nordeste. Ao anoitecer, já teremos uma ideia correcta do que se passa. Os nossos homens vigiam-nos de perto.

— Para onde vamos? — perguntou Ramius.

— Para onde lhes disse que ia? — perguntou Ryan. — Que dizia exactamente a sua carta?

—Como sabe da carta?

— Nós sabemos... isto é, eu sei da carta, mas não lhe posso dizer mais nada, sir.

— Disse ao tio Yuri que demandávamos Nova Iorque para oferecer de presente este submarino ao presidente dos Estados Unidos.

—Mas não rumou a Nova Iorque—objectou Mancuso.

— Claro que não. Eu queria entrar em Norfolk. Porquê procurar o porto civil quando há uma base naval tão perto? Acha que devia dizer a verdade a Padorin? — Ramius abanou a cabeça. — Porquê? A vossa costa é tão comprida.

Caro almirante Padorin, navego para Nova Iorque... Não admira que tivessem perdido a cabeça! — pensou Ryan.

— Vamos para Norfolk ou Charleston? — perguntou Ramius.

— Norfolk, penso — respondeu Mancuso.

— Não imaginava que eles iam mandar toda a esquadra atrás de si? — perguntou Ryan.—Por que foi que escreveu a carta?

— Para que eles soubessem — respondeu Ramius. — Para que eles soubessem. Não esperava que alguém nos localizasse. Vocês surpreenderam-nos.

O comandante americano esforçou-se por não sorrir.

— Detectámos o submarino ao largo da costa da Islândia. Tiveram mais sorte do que imagina. Se tivéssemos partido da Inglaterra conforme o previsto, estaríamos quinze milhas mais junto à costa e não me teria fugido. Desculpe, comandante, mas os nossos sonares e os nossos operadores são muito bons. Mais tarde conhecerá o homem que o detectou. Está agora a trabalhar com Bugayev.

— Síarshina — disse Borodin.

— Não é oficial? — perguntou Ramius.

—Não. Apenas um muito bom operador — disse Mancuso, surpreendido.

Para que quereria alguém um oficial a tomar conta do equipamento de sonar?

O cozinheiro regressou. A sua ideia do pequeno-almoço da Marinha americana era um prato grande com presunto, dois ovos mexidos, carne picada com vegetais e quatro torradas com um frasco de compota de maçã.

— Se quiser mais é só pedir, sir — disse o cozinheiro.

— Isto é o pequeno-almoço normal? — perguntou Ramius a Mancuso.

— É vulgaríssimo. Eu prefiro filhos. Os americanos comem muito ao pequeno-almoço.

Ramius atacava já a sua refeição. Após dois dias sem comer normalmente e depois do sangue que perdera do ferimento na perna, o seu corpo suplicava comida.

— Diga-me, Ryan — pediu Borodin, acendendo um cigarro —, que será que mais nos vai surpreender na América?

Jack apontou para o prato do capitão.

— Supermercados.

— Supermercados? — perguntou Borodin.

—’Eu, quando estive no Invincible, li um relatório da CIA sobre as pessoas que passam para o nosso lado — Ryan não queria falar em desertores porque a palavra lhe soava, de certo modo, aviltante. — Parece que a primeira coisa que surpreende as pessoas da vossa região do mundo são os supermercados.

— Explique-me lá isso — pediu Borodin.

— É um edifício mais ou menos do tamanho de um campo de futebol... não, talvez um pouco mais pequeno. Entra-se pela porta principal e pega-se num carrinho. Os frutos frescos e vegetais estão do lado direito. Vai-se avançando pela esquerda, através das várias secções. Conheço os supermercados desde garoto.

— Disse frutos e vegetais frescos? Agora, no Inverno?

— Que tem o Inverno? — disse Mancuso. — São um pouco mais caros, mas há sempre produtos frescos. Sentimos muito a falta deles nos barcos. A nossa provisão de vegetais e leite fresco dura apenas cerca de uma semana.

— E carne? — perguntou Ramius.

— Toda a que quiser — respondeu Ryan. — Vaca, porco, carneiro, peru, galinha... Os agricultores americanos são muito eficientes. Os Estados Unidos não comem o que produzem. Bem sabe que a União Soviética nos compra cereais. Olhe que até chegamos a pagar aos agricultores para não produzirem tanto, para que os excedentes não ultrapassem determinado nível.

Os quatro russos mostraram-se desconfiados.

— E que mais? — perguntou Borodin.

— Que mais o irá surpreender? Quase toda a gente tem automóvel. A maior parte das pessoas possui casa própria. Se tiver dinheiro pode comprar quase tudo o que quiser. A família média, na América, ganha à/volta de vinte mil dólares por ano. Estes oficiais ganham todos mais do que isso. A verdade é que, no nosso país, quando se é inteligente, e vocês são-no, e se quer trabalhar, e vocês querem, vive-se uma vida confortável, mesmo sem qualquer ajuda. Por outro lado, podem ter a certeza de que a CIA olhará bem por vocês. Não queremos que ninguém se queixe da nossa hospitalidade.

— E que será dos meus homens? — perguntou Ramius.

—’Não sei exactamente, ar, porque nunca estive envolvido neste tipo de operação. Calculo que serão conduzidos a lugar seguro, a fim de descansarem. Funcionários da CIA e oficiais da Marinha vão querer conversar convosco demoradamente. Não há que admirar, pois não? Já lhe tinha dito. Daqui por um ano, estarão a fazer aquilo que quiserem.

— E quem quiser navegar connosco será bem-vindo — acrescentou Mancuso.

Ryan perguntou a si próprio se isto seria verdade. A Marinha não devia ter grande vontade de deixar entrar aqueles homens num barco da classe 688. Poderiam recolher informações suficientemente valiosas que lhes permitissem regressar à pátria e salvar a pele.

— Como é que um homem tão simpático se torna espião da CIA? — perguntou Borodin.

— Eu não sou espião, sir — lembrou Ryan, não podendo censurá-los por não o acreditarem. — Quando andava na universidade, conheci um rapaz que falou no meu nome a um amigo da CIA, o almirante James Greer. Há uns anos, convidaram-me a integrar uma equipa de universitários encarregada de estudar dados recolhidos pela CIA. Nessa altura, dedicava-me eu com entusiasmo a escrever livros sobre história naval. Em Langley, estive lá dois meses, durante o Verão, escrevi um relatório sobre o terrorismo internacional. Greer gostou e, há dois anos, pediu-me que ficasse lá a trabalhar a tempo inteiro. Foi um erro — disse Ryan sem convicção... ou com alguma? — Há um ano fui transferido para Londres, a fim de trabalhar numa equipa conjunta de avaliação de dados com o Serviço Secreto britânico. O meu trabalho consiste em sentar-me à secretária e analisar o material que os agentes recolhem. Vi-me metido nisto porque calculei aquilo que o senhor queria fazer, comandante Ramius.

— O seu pai era espião? — perguntou Borodin.

—’Não. O meu pai era oficial da polícia, em Baltimore. Morreu, com a minha mãe, num desastre de aviação, há dez anos. Borodin manifestou-lhe a sua simpatia e perguntou:

— E o senhor, comandante Mancuso, que foi que o trouxe para a Marinha?

— Queria ser marinheiro desde miúdo. O meu pai é barbeiro. Em Annapolis, entusiasmei-me pelos submarinos.

Ryan assistia a algo que nunca antes vira: homens de sítios diferentes e de culturas muito diversas tentando encontrar terrenos comuns de entendimento. Ambas as partes se empenhavam na exploração, procurando similitudes de carácter e experiência, construindo alicerces de compreensão. Era mais do que interessante; era comevedor. Seria muito difícil para os soviéticos? Provavelmente mais difícil do que tudo o que ele próprio, Ryan, já fizera — tinham as pontes cortadas.

Haviam-se separado de tudo o que conheciam, convictos de que aquilo que iam encontrar era melhor. Ryan desejou que não se enganassem, que fizessem a transicção do comunismo para a liberdade. Nos últimos dois dias, compreendera quanta coragem era precisa para um homem fugir. Enfrentar uma arma na sala dos mísseis era insignificante ao lado da ruptura com toda uma vida. Era estranho o modo fácil como os americanos entendiam as suas liberdades. Que dificuldade não iriam ter aqueles homens que haviam arriscado a vida para se adaptarem a uma coisa que homens como Ryan só raramente apreciavam? Tinham sido pessoas assim as construtoras do sonho americano, eram pessoas assim que faziam falta para o manter vivo. Estranho que homens desses viessem da União Soviética. Ou talvez não tão estranho, pensou Ryan, escutando a conversa que prosseguia na sua presença.

 

             Domingo, 19 de Dezembro

             O “Outubro Vermelho”

“Mais oito horas”, murmurou Ryan consigo. Era o que lhe tinham dito. Oito horas até Norfolk. Tornara, a seu pedido, aos comandos do leme. Era a única coisa que sabia fazer e tinha de fazer qualquer coisa. O Outubro lutava com muita falta de pessoal. Quase todos os americanos operavam o reactor e os motores, à popa. Apenas Mancuso, Ramius e ele próprio conduziam o submarino. Bugayev, com a ajuda de Jones, controlava o equipamento de sonar, a poucos metros de distância, e o pessoal médico continuava à cabeceira de Williams, na enfermaria. O cozinheiro andava para trás e para diante com sanduíches e café, para desapontamento de Ryan, provavelmente estragado pelos mimos de Greer.

Ramius sentava-se sobre uma das pernas na balaustrada ao redor do pedestal do periscópio. A perna ferida não sangrava, mas doía mais do que ele queria admitir desde que deixara Mancuso tomar conta dos instrumentos e da navegação.

—Leme de través—ordenou Mancuso.

— Leme de través. — Ryan virou a roda para a direita, verificando o indicador do ângulo do leme. — Leme de través, rota um-dois-zero.

Mancuso franziu o sobrolho, estudando o mapa, enervado por ter de pilotar um submarino enorme de maneira tão improvisada.

— Precisamos de ter cuidado aqui. Formam-se bancos de areia a partir do litoral sul, e de tantos em tantos meses é preciso dragar a área. As tempestades, frequentes na zona, não têm ajudado muito.

Mancuso olhou de novo através do periscópio.

— Disseram-me que esta água é perigosa — observou Ramius.

— O cemitério do Atlântico — confirmou Mancuso. — Muitos barcos se têm afundado ao longo das Outer Banks. O tempo e as correntes são péssimos. Durante a guerra os alemães viram-se aflitos aqui. As nossas cartas não os mostram, mas há centenas de cascos espalhados pelo fundo. — Tornou à mesa dos mapas. — Bom, vamos fazer um desvio pelo largo e só rumaremos outra vez a norte a partir daqui — disse, traçando uma linha no mapa.

—São as suas águas — observou Ramius.

Navegavam numa formação a três, algo displicente. O Dállasera o primeiro, o Pogy fechava o grupo. Os três barcos seguiam submersos, as cobertas praticamente inundadas de água, sem ninguém na ponte. A navegação era toda feita por periscópio; os radares estavam parados. Nenhum dos três barcos produzia qualquer ruído electrónico. Ryan olhou casualmente para a mesa dos mapas. Já tinham ultrapassado a enseada propriamente dita, mas o mapa mostrava bancos de areia ao longo de várias milhas.

Também não usavam o sistema de propulsão Caterpillar do Outubro Vermelho. Era quase exactamente como o capitão Tyler dissera. Possuía dois conjuntos de impulsores, dois a cerca de um terço da proa e mais três a meio do barco, na direcção da popa. Mancuso e os seus engenheiros haviam examinado os planos com grande interesse e discutido depois longamente a qualidade da concepção do caterpillar.

Por seu turno, Ramius não queria acreditar que fora detectado tão cedo. Mancuso acabara por chamar Jones com o seu mapa pessoal onde estava assinalada a rota do Outubro que estimara desde a Islândia. Embora com algumas milhas de diferença relativamente ao diário de bordo, era demasiado sobreponível para se tratar de uma coincidência.

— O vosso sonar deve ser melhor do que supúnhamos — resmungou Ramius a pouca distância do posto de Ryan.

— É muito bom — concebeu Mancuso. — E melhor do que o nosso sonar é Jonesy. O melhor operador que já tive.

— Tão jovem e já tão habilitado...

— Temos muitos assim — disse Mancuso, sorrindo. — Nunca tantos quantos gostaríamos, mas, como são todos voluntários... Sabem o que fazem. Somos exigentes com os que escolhemos e, depois, preparamo-los a sério.

— Comandante, sonar. — Era a voz de Jones. — O Dállas está a mergulhar, sir.

— Muito bem. — Mancuso acendeu um cigarro e ligou, pelo intercomunicador, para os engenheiros. — Precisamos do Mannion à proa. Vamos mergulhar dentro de momentos.

Desligou e tornou a estudar o mapa.

—/Ficam com eles por mais de três anos? — perguntou Ramius.

— Oh, sim. De outra maneira iam-se logo embora depois de terem recebido a preparação que recebem.

Por que não arranjava e conservava a Marinha soviética pessoas assim? — pensou Ramius. Conhecia muito bem a resposta. Os americanos alimentavam decentemente os seus homens, punham à sua disposição um refeitório em condições, pagavam-lhes como devia ser, confiavam neles... tudo coisas porque lutara durante vinte anos.

— Quer que comande as válvulas? — perguntou Mannion, entrando.

— Quero, Pat. Vamos mergulhar dentro de dois ou três minutos. Mannion olhou de relance a carta e dirigiu-se aos comandos das

válvulas. Ramius aproximou-se, coxeando, da mesa dos mapas.

— Dizem-nos que os vossos oficiais são escolhidos na classe burguesa para poderem controlar os marinheiros da classe trabalhadora.

Mannion accionou os controles das válvulas. Eram múltiplos e ele passara duas horas, no dia anterior, a estudar o complexo esquema.

— É verdade, sir. Os nossos oficiais provêm, de facto, da classe dirigente. Basta olhar para mim para o verificar — disse, impávido.

A pele de Mannion era praticamente cor de café e o seu sotaque de Bronx, puro.

— Mas o senhor é um negro — objectou Ramius sem perceber o sarcasmo.

— Somos um barco verdadeiramente étnico. — Mancuso tornou a olhar pelo periscópio. — O comandante guinéu, um navegador negro e um operador de sonar maluco.

— Eu ouvi, sir! — gritou Jones em vez de usar o intercomunicador. — Mensagem telefónica do Dállas. Tudo em ordem. Esperam por nós.

— Muito bem. Finalmente tudo em ordem. Poderemos mergulhar quando quiser, comandante Ramius — disse Mancuso.

— Camarada Mannion, inunde os tanques de lastro—Adisse Ramius. O Outubro nunca tinha realmente subido à superfície e continuava

preparado para mergulhar.

— Muito bem, sir.

O tenente accionou a primeira linha de interruptores dos controles hidráulicos.

Ryan pestanejou. O ruído fê-lo pensar num milhão de autoclismos descarregados ao mesmo tempo.

— Cinco graus para baixo nos hidroplanos, Ryan — disse Ramius.

— Cinco graus para baixo. — Ryan empurrou a alavanca.

— Desce devagar — observou Mannion, olhando pelo indicador de profundidade, pintado à mão, que substituía o original. — É enorme...

— É— disse Mancuso.

A agulha ultrapassa os vinte metros.

— Hidroplanos neutros — disse Ramius.

— Hidroplanos em ângulo zero.

Ryan puxou para si a alavanca. O submarino demorou trinta segundos a estabilizar. Parecia responder muito lentamente aos comandos.

Ryan pensava que os submarinos respondiam tão rapidamente como os aviões.

— Reduza um pouco o peso, Pat. Basta o suficiente para manter a profundidade — disse Mancuso.

— Está bem.

Mannion franziu o sobrolho, verificando o indicador de profundidade. Os tanques de lastro estavam agora completamente inundados e a operação devia ser executada com os tanques de equilíbrio, muito pequenos. Gastou cinco minutos para obter o equilíbrio exacto.

— Desculpem, meus senhores. É grande de mais para responder depressa — disse, embaraçado.

Ramius estava impressionado, mas não queria mostrá-lo. Pensara que o comandante americano levaria mais tempo a executar a manobra do que ele próprio. Equilibrar um submarino desconhecido com tanta perícia à primeira tentativa...

— Muito bem, agora podemos rumar a norte — disse Mancuso. — Nova rota, zero-zero-oito, comandante.

Encontravam-se duas milhas adiante da última posição assinalada no mapa.

— Ryan, leme à esquerda, dez graus — ordenou Ramius. — Zero-zero-oito.

— Leme dez graus à esquerda — respondeu Ryan, um olho no indicador do leme, o outro na bússola giroscópica. — Está quase no oito...

— Cuidado, Ryan. O submarino vira devagar, mas uma vez entrado na rota marcada precisa de muito leme ao contrário...

— Oposto — corrigiu, delicadamente Mancuso.

— Sim. Oposto para o manter a direito.

— Está bem.

— Tem problemas com o leme? — perguntou Mancuso. — Quando o vinha a perseguir, apercebi-me de que o seu ângulo de viragem era bastante aberto.

— Com o Caterpillar é. O fluxo dos túneis atinge violentamente o leme. Se o apertarmos muito, o leme não se firma. Nos primeiros ensaios no mar tivemos problemas. É por causa do... como é que vocês dizem? Da junção do fluxo dos dois túneis do caterpillar.

— Isso afecta as hélices? — perguntou Mannion.

— Não. Só com o caterpillar.

Mancuso não ficou muito tranquilo, mas não interessava. O plano era simples e directo. Os três barcos seguiriam a direito para Norfolk, os dois americanos à frente, correriam a trinta nós, seguidos do Outubro, a vinte.

Ryan começou a aliviar o leme quando a proa deu a volta. Esperou de mais. A despeito dos cinco graus no leme direito, a proa ultrapassou a rota prevista e a bússola estalou, acusadora, de três em três graus, até parar no zero-zero-um. Demorou mais dois minutos a estabilizar na rota devida.

— Desculpem... Zero-zero-oito — disse por fim. Ramius perdoou-lhe.

— Aprende depressa, Ryan. Talvez um dia venha a ser um marinheiro a sério.

— Não, obrigado. A única coisa que aprendi nesta viagem é que vocês merecem cada moeda que ganham.

— Não gosta de submarinos? — perguntou Mannion, sorrindo.

— Não têm espaço para correr.

— Lá isso... Se não precisar de mim, comandante, vou para a popa. A casa das máquinas está com uma terrível falta de pessoal — disse Mannion.

Ramius concordou de cabeça. “Mannion pertenceria à classe dirigente?”, perguntou-se o comandante.

O “V. K. Konovalov”

Tupolev rumava outra vez a ocidente. Todos haviam recebido ordens para regressar a vinte nós, menos o seu Alfa e outro submarino. Tupolev devia navegar para oeste durante duas horas e meia. Seguia agora a cinco nós, mais ou menos a velocidade máxima a que um Alfa poderia navegar sem fazer muito barulho. A ideia era deixar o seu submarino “esquecido” na manobra de regresso à base. Portanto, um Ohio dirigia-se a Norfolk — a Charleston, mais provavelmente. Em qualquer caso, Tupolev circularia em silêncio, à espreita. O Outubro Vermelho estava destruído. Isso sabia ele pela ordem de operações. Tupolev abanou a cabeça. Como podia Marko ter feito semelhante coisa? Fosse qual fosse a resposta, pagara a traição com a vida.

O Pentágono

— Ficaria mais tranquilo se tivéssemos mais cobertura aérea — disse o almirante Foster, encostado à parede.

— Concordo, sir, mas não podemos dar nas vistas, não é verdade?— observou o general Harris.

Dois P-3B voavam agora entre Hatteras e os cabos da Virgínia, aparentemente numa missão rotineira de treino. A maior parte dos outros Orions estava longe, sobre o mar. A esquadra soviética encontrava-se já quatrocentas milhas ao largo. Os três grupos de superfície haviam-se juntado e eram escoltados pelos submarinos. O Kennedy, o America e o Nimitz navegavam quinhentas milhas a leste, e o New Jersey ficara um pouco para trás. Os russos seriam vigiados durante todo o caminho. Os grupos de combate dos porta-aviões segui-los-iam até à Islândia a uma distância discreta e mantendo grupos aéreos no limiar da cobertura de radar, continuamente, para que eles soubessem que os Estados Unidos estavam atentos. Aviões baseados na Islândia acompanhá-los-iam o resto da viagem.

O HMS Invincible encontrava-se agora desligado da operação, mais ou menos a meio caminho de Inglaterra. Os submarinos de ataque americanos regressavam aos esquemas normais de patrulha, e todos os submarinos soviéticos se encontravam ao largo da costa, embora os dados sobre as suas posições fossem imprecisos. Navegavam em grupos soltos, e o barulho que produziam tornava difícil o seu acompanhamento pelos Orions, que lutavam com falta de sonobóias. Fosse como fosse, a operação estava praticamente no fim, pensava o J-3.

— Vai para Norfolk, almirante? — perguntou Harris.

— Sim, estou a pensar em reunirnme com o CINCLANT para apreciarmos os resultados da operação — disse Foster.

— Compreendo, sir — disse Harris.

O- “New Jersey”

O New Jersey navegava a doze nós, com um contratorpedeiro de cada lado. O comodoro encontrava-se no centro de informação de combate. Estava tudo acabado e nada acontecera, graças a Deus. Os soviéticos encontravam-se agora cem milhas à frente, ao alcance dos Tomahawk, mas fora do alcance de tudo o mais. Bem vistas as coisas, sentia-se satisfeito. A sua força comportara-se eficientemente com o Tarawa, que rumava agora a sul, em direcção a Mayport, na Florida. Oxalá eu possa participar noutra operação semelhante. Havia muito que um oficial-general num couraçado não tinha um porta-aviões sob o seu comando. Tinham mantido a força do Kirov sob permanente vigilância. Se tivesse havido batalha, Eaton não duvidava de que teriam derrotado Ivan. Mais importante, estava certo de que Ivan sabia disso. Agora limitavam-se a esperar a ordem de regresso a Norfolk. Seria bom estar de volta para o Natal. Achava que os seus homens o mereciam. Muitos dos homens do couraçado eram veteranos e quase todos tinham família.

O “Outubro Vermelho”

Ping. Jones anotou a hora no bloco e disse:

— Comandante, recebemos um ping do Pogy.

O Pogy navegava duas milhas à frente do Outubro e do Dállas. De dez em dez minutos, o Pogy enviava um ping pelo sonar activo para indicar que as doze milhas que o separavam do Outubro e as vinte ou mais milhas para a frente estavam livres. O Pogy reduzia então a velocidade, parava praticamente os motores, e, uma milha a leste do Outubro, o Dállas corria a toda a velocidade a investigar mais dez milhas.

Jones experimentava o sonar russo. O activo não era muito mau. Os sistemas passivos nem pensar. Quando o Outubro Vermelho se encontrava imobilizado no estreito de Pamlico, fora incapaz de detectar os submarinos americanos. Estes estavam quietos, com os reactores accionando apenas os geradores, era verdade, mas somente a uma milha de distância. Ficou desapontado por não ter sido capaz de os localizar.

O oficial que o acompanhava, Bugayev, era muito simpático. A princípio, mostrara-se um pouco arrogante — como se fosse um senhor e eu um servo, pensou Jones — até verificar como o comandante o tratava. Jones ficou espantado. Sabia pouco de comunismo, mas estava convencido de que todos eram tratados igualmente. Foi pelo menos o que aprendi ao ler Das Kapital num curso de Ciências Políticas, no primeiro ano da universidade. Era muito mais elucidativo ver o que o comunismo construía. Lixo, principalmente. Os marinheiros nem sequer tinham refeitório. Que desgraça! Comer no beliche!

Jones gastara uma hora — quando se supunha que dormisse — a explorar o submarino. Mr. Mannion acompanhara-o. Tinham começado pelos aquartelamentos. Os armários individuais não possuíam chave — talvez para que os oficiais pudessem revistá-los. Jones e Mannion fizeram isso exactamente. Nada viram de interesse. Até a pornografia era de terceira classe. As poses não tinham graça nenhuma e as mulheres... bem, Jones crescera na Califórnia. Lixo. Não lhe custava nada compreender por que motivo os russos tinham querido desertar.

O míssil fora interessante. Ele e Mannion tinham aberto uma escotilha de inspecção para examinar o interior do míssil. Relativamente em bom estado. Fios soltos a mais, mas talvez isso facilitasse as inspecções. O míssil parecia tremendamente grande. É, portanto, isto o que os patifes têm apontado a nós! Iria a Marinha ficar com alguns? Se viesse a ser necessário disparar meia dúzia deles contra o velho Ivan, não seria má ideia incluir um ou dois russos. Que raio de ideias, Jonesy! A última coisa do mundo que queria era ver pássaros daqueles a voar. De uma coisa tinha a certeza: tudo o que havia ali seria desmontado, dissecado, montado novamente, testado — e ele era o perito número um da Marinha em sonar russo. Talvez o deixassem estar presente durante a análise... Valia bem a pena ficar mais uns meses na Marinha... Jones acendeu um cigarro.

— Quer um dos meus, Mister Bugayev? Estendeu o maço ao oficial de electrónica.

— Obrigado, Jones. Andou na universidade?

O tenente pegou num cigarro americano, que lhe apetecia, mas que o orgulho o impedia de pedir. Ia-se lentamente apercebendo de que aquele marinheiro estava tecnicamente ao seu nível. Embora não fosse oficial, Jones sabia operar e assegurar a manutenção do equipamento de sonar, tanto quanto como qualquer outro especialista que conhecesse.

— Andei, sir. — É sempre bom tratar os oficiais por sir, Jones sabia, principalmente os estúpidos. — No Instituto de Tecnologia da Califórnia. Seis semestres completos. Média A. Não acabei.

— Por que foi que saiu? Jones sorriu.

— Bem, sir, tem de compreender que Cal Tech é um sítio um bocado esquisito... Preguei uma partida a um dos meus professores. Ele estava a trabalhar com luzes estroboscópicas para fotografia de alta velocidade e eu liguei um pequeno interruptor para acender as luzes da sala a partir do estroboscópio. Infelizmente, houve um curto-circuito e desencadeou-se um pequeno incêndio. — Que destruíra o laboratório, três meses de dados e quinze mil dólares de equipamento. — Digamos que violei as regras.

— Estudava o quê?

— Engenharia electrotécnica com especialização em cibernética. Faltam-me três semestres. Hei-de fazê-los, depois o mestrado, depois o doutoramento, e voltarei a trabalhar para a Marinha, como civil.

— Por que é operador de sonar?

Bugayev sentou-se. Nunca antes tinha falado assim com um marinheiro.

— Porque gosto, sir! Quando se passa qualquer coisa... Sabe, manobras, a perseguição de um submarino, coisas assim... sou eu o comandante. O que o comandante faz é reagir aos dados que lhe dou.

— E gosta do seu comandante?

— Claro! É o melhor que já tive... e conheci três. O meu comandante é um bom tipo. Sabe do seu ofício e trata-nos bem. Quando temos uma coisa para lhe dizer, ouve-nos.

— Diz que volta para a faculdade. Com que dinheiro? A nós dizem-nos que só os filhos da classe dirigente vão para a universidade.

— Isso são tretas, sir. Na Califórnia, se tiver cabeça, pode perfeitamente ir para a universidade. No meu caso, tenho andado a poupar dinheiro... Num submarino gasta-se pouco, não é... e a Marinha paga bem. Ganho o suficiente para fazer o mestrado. Que diploma tem?

— Frequentei uma escola superior naval. Como a vossa, em Annapolis. Gostava de me diplomar em electrónica — disse Bugayev, revelando o seu sonho.

— Não se aflija, que eu ajudo-o. Se for suficientemente bom para entrar em Cal Tech, digo-lhe com quem deve falar. Vai ver como gosta da Califórnia. É um sítio onde vale a pena viver!

—E gostava de trabalhar com um computador a sério — continuou Bugayev, melancólico. Jones riu.

— Compre um!

— Comprar um computador?

— Claro! Temos uns pequenos, os Apples, no Dállas. Custam aí cerca de dois mil dólares. Muito menos do que um automóvel.

— Um computador por dois mil dólares?

Bugayev passou de melancólico a desconfiado, convencido de que Jones se ria à sua custa.

—Ou menos. Por três mil já pode comprar uma coisa verdadeiramente a sério. Se você disser à Apple quem é, eles até são capazes de lhe oferecer um. Ou a Marinha. Se não quiser um Apple, há o Commodore, o TRS-80, o Atari... Todos os tipos. Depende daquilo para que o quiser. Olhe, só uma companhia, a Apple, já vendeu mais de um milhão deles. São pequenos, claro, mas são computadores a sério.

— Nunca ouvi falar desse... Apple.

— Sim, Apple. Andava eu no liceu quando dois tipos fundaram a companhia. Já venderam para aí um milhão de computadores, como lhe disse... e têm cá uma fortuna! Eu não tenho nenhum, não há espaço num submarino, mas o meu irmão tem o seu próprio computador o IBM-PC. Continua a achar que estou a brincar consigo?

—Um trabalhador com o seu próprio computador? É difícil de acreditar.

Esmagou o cigarro. O tabaco americano era brando de mais, achava.

—Bem, sir, pergunte a outra pessoa, a quem quiser. Como lhe disse, o Dállas tem dois Apples só para a tripulação. Há outros para controle de tiro, navegação, de sonar... Utilizamos os Apples para jogos... Vai adorar jogos de computador, aposto. Enquanto não experimentar o Choplifter não saberá o que é divertir-se! E outras coisas... Programas educativos, coisas assim. Palavra, Mister Bugayev, pode entrar em qualquer centro comercial e comprar um computador. Verá!

— Como é que usa o computador com o sonar?

— Isso leva um certo tempo a explicar, sir, e provavelmente terei de pedir autorização ao comandante.

Jones lembrou a si próprio que aquele tipo continuava a ser um inimigo. Uma espécie de inimigo.

O “V. K. Konovatov”

O Alfa navegava vagarosamente na orla da plataforma continental, umas cinquenta milhas a sudeste de Norfolk. Tupolev mandou reduzir a potência do reactor para cerca de cinco por cento do total, o suficiente para operar os sistemas eléctricos e pouco mais. Impôs também o silêncio quase absoluto no submarino. As ordens eram transmitidas de boca em boca. O Konovalov obedecia a uma estrita rotina silenciosa. Até a cozinha fora encerrada. Cozinhar significava raspar com recipientes metálicos em superfícies metálicas. Até nova ordem, a tripulação teria de se contentar com sanduíches de queijo. Falavam num murmúrio, quando falavam. Quem fizesse barulho, atraía a atenção do comandante e todos a bordo sabiam o que isso poderia significar.

Controle SOSUS

Quentin analisava dados enviados pelo transmissor digital, a partir dos dois Oríons. Um submarino equipado com mísseis avariado, o USS Georgia, navegava para Norfolk após uma falha parcial numa turbina, escoltado por dois submarinos de ataque. Tinham-no mantido ao largo, dissera o almirante, por causa da actividade russa junto da costa, e a ideia era fazê-lo regressar, repará-lo e pô-lo outra vez a navegar o mais depressa possível. O Georgia transportava vinte e quatro mísseis Trident, uma fracção apreciável da força dissuasora do país. A sua reparação constituía alta prioridade, agora que os russos tinham partido. O seu regresso não causava preocupações, mas queriam primeiro que os Orions verificassem se algum submarino soviético teria ficado para trás, na confusão geral.

Um P-3B voava a duzentos e setenta metros de altitude, umas cinquenta milhas a sudeste de Norfolk. O FLIR não mostrava nada, nenhuma assinatura térmica à superfície, e o MAD não detectava qualquer perturbação no campo magnético da terra, embora um dos aviões o levasse até cerca de cem metros da posição do Alfa, O casco do Konovalov era feito de titânio não magnético. Uma sonobóia lançada sete milhas a sul da sua posição também não conseguira detectar o ruído do reactor. Os dados, continuamente transmitidos para Norfolk, eram introduzidos no computador de Quentin pelo pessoal de operações. O problema estava em que nem todos os submarinos soviéticos tinham sido contados.

Não admira, disse consigo o comandante. Alguns dos barcos aproveitaram a oportunidade para se esgueirar da rota prevista. Havia a possibilidade, tinha avisado, de que um ou dois andassem ainda por ali; provas não as possuía, claro. Que pensaria o CINCLANT? Estava certamente satisfeitíssimo, quase eufórico. A operação contra a esquadra soviética decorrera lindamente — aquilo que dela vira — e havia o Alfa afundado. Quanto tempo demoraria o Glomar Explorer a sacudir as teias de aranha? Teria alguma possibilidade de observar os destroços? Que oportunidade!

Ninguém levava a operação muito a sério. E não admirava; se o Georgia navegava com um motor doente, navegava devagar, e um Ohio em marcha lenta fazia quase tanto barulho como uma baleia virgem decidida a não perder a virgindade. E se o CINCLANTe estivesse muito preocupado não confiaria a vigilância da operação a dois P-3B pilotados por reservistas. Quentin pegou no telefone e marcou o número das operações do CINCLANITLT para lhes dizer, mais uma vez, que não havia indicação de actividade hostil.

O “Outubro Vermelho”

Ryan olhou o relógio. Já tinham passado cinco horas. Tempo de mais para uma pessoa ficar sentada numa cadeira. Um olhar de relance ao mapa mostrou-lhe que o cálculo de oito horas tinha sido optimista... ou, então, ele não os tinha entendido bem. O Outubro Vermelho acompanhava a orla da plataforma e em breve começaria a virar para ocidente, em direcção aos cabos da Virgínia. Mais umas quatro horas, provavelmente. Muito depressa também não. Ramius e Mancuso pareciam muito cansados. Toda a gente estava cansada. Mais do que todos, certamente, os homens na casa das máquinas... não, o cozinheiro. Passava a vida a distribuir café e sanduíches. Os russos pareciam particularmente esfomeados.

O “Dallas” O “Pogy”

O Dallas passou o Pogy a trinta e dois nós, outra vez correndo, com o Outubro poucas milhas à popa. O capitão-de-corveta Wally Chambers, que comandava, não gostava de navegar às cegas durante trinta e cinco minutos, a despeito de o Pogy dizer que a zona estava livre.

O Pogy registou a sua passagem e virou-se para permitir ao sonar lateral a detecção do Outubro Vermelho.

— Já faz muito barulho a vinte nós — disse o chefe de sonar do Pogy aos companheiros. — O Dállas faz menos a trinta.

O “V. K. Konovalov”

— Ruído a sul — disse o ntichman.

— De quê, exactamente?

Tupolev não largava a porta havia horas, coagindo os técnicos de sonar.

— Ainda é cedo para dizer, camarada comandante. As coordenadas mantêm-se, no entanto. Vem para aqui.

Tupolev tornou ao centro de controle. Mandou reduzir mais a potência nos sistemas do reactor. Pensou em desligar completamente a instalação, mas os reactores levavam tempo a reentrar em funcionamento e não sabia a que distância estava o contacto. O comandante fumou três cigarros antes de voltar ao sonar. Não queria de modo algum enervar o michman. Era o seu melhor operador.

—Uma hélice, camarada comandante. Americana. Provavelmente um Los Angeles. Trinta e cinco nós. As coordenadas mudaram apenas dois graus em quinze minutos. Vai passar perto e... espere... Parou os motores.

O subalterno, de quarenta e um anos, encostou mais os auscultadores aos ouvidos. Ouviu o ruído de cavitação diminuir, depois cessar por completo, antes de perder o contacto.

— Parou para escutar, camarada comandante. Tupolev sorriu.

— Não nos ouvirá, camarada. Corre e pára... Ouve mais alguma coisa? Será que escolta outro barco?

O michman tornou a pôr-se à escuta e ajustou os comandos no painel.

— Talvez... Há muito ruído de superfície, camarada, e... espere... Parece haver outro ruído... O nosso último contacto estava na posição um-sete-um e este está... Um-sete-cinco. Muito fraco, camarada comandante... Um ping, só um ping no sonar activo.

— Muito bem. — Tupolev encostou-se à antepara. — Bom trabalho, camarada. Agora temos de ser pacientes.

O “Dállas”

O chefe Lavai anunciou que a área estava livre. Os receptores BQQ-5 nada revelavam, mesmo depois de ligado o sistema SAPS. Chambers manobrou a proa de modo a enviar o ping ao Pogy que, por sua vez, enviou o seu próprio ping ao Outubro Vermelho para ter a certeza de que o sinal fora recebido. Mais duas milhas livres. O Pogy navegava a trinta nós, seguido pelo moderno submarino da Marinha dos Estados Unidos.

O “V. K. Konovalov”

— Mais dois submarinos. Um de uma só hélice, o outro com duas, penso. Muito fraco... O submarino de uma só hélice vira muito mais rapidamente. Os americanos têm submarinos com duas hélices, camarada comandante?

— Sim, creio que sim.

Tupolev reflectiu. A diferença entre as características da assinatura não eram muito pronunciadas. Veriam, em qualquer caso. O Konovalov navegava a dois nós, cento e cinquenta metros abaixo da superfície. Fosse o que fosse, aproximava-se deles. Sempre iria dar uma lição aos imperialistas!

O “Outubro Vermelho”

— Alguém pode substituir-me ao leme? — perguntou Ryan.

— A precisar de estender as pernas? — perguntou Mancuso, aproximando-se.

— Sim. E também tenho de ir à retrete. O café está a dar-me cabo dos rins.

— Eu substituo-o, s/r.

O comandante americano tomou o lugar de Ryan. Jack dirigiu-se à casa de banho mais próxima. Dois minutos depois, sentia-se muito melhor. De novo no centro de controle, fez algumas flexões para reactivar a circulação nas pernas e olhou rapidamente o mapa. Parecia estranho, quase sinistro, ver a costa dos Estados Unidos assinalada em russo.

— Obrigado, comandante.

— De nada — disse Mancuso, levantando-se.

— Não há dúvida de que você não é marinheiro, Ryan. Ramius tinha estado a observá-lo em silêncio.

— Também nunca disse que era, comandante — respondeu Ryan de bom modo. — Quanto falta para chegarmos a Norfolk?

— Mais quatro horas, no máximo — disse Mancuso. — A ideia é chegarmos depois do escurecer. Pensaram num sistema qualquer para entrarmos sem sermos vistos, mas não sei o que é.

— Deixamos o estreito de dia. E se alguém nos viu? — perguntou Ryan.

— Eu não vi nada, mas se estava lá alguém só poderia ver três torres de submarino sem qualquer número. — Haviam partido de dia para aproveitar uma aberta na cobertura do satélite soviético.

Ryan acendeu outro cigarro. A mulher não lhe perdoaria se soubesse, mas ele sentia-se tenso por se encontrar no submarino. Sentado ao leme, não podia fazer outra coisa senão fitar uma série de instrumentos. Era mais fácil manter o submarino estabilizado do que tinha pensado e a única curva radical que tentara mostrava como o submarino resistia a mudar de rota em qualquer direcção. Trinta e tal mil toneladas de aço... Que admiração!

O “Pogy”/O “Outubro Vermelho”

O Pogy ultrapassou o Dállascomo uma seta, a trinta nós, e continuou durante vinte minutos, parando onze milhas à frente... e a três milhas do Konovalov, cuja tripulação mal respirava agora. O sonar do Pogy, embora não dispondo do novo sistema de processamento de sinal BC-10/SAPS, era finíssimo, mas não podia ouvir fosse o que fosse — e o Konovalov nem respirava.

O Outubro Vermelho passou o Dállas às quinze horas, após ter recebido o último sinal de área livre. A sua tripulação estava cansada, ansiando pela chegada a Norfolk, prevista para duas horas depois do pôr do Sol. Ryan perguntou a si próprio a que horas teria avião para Londres. Receava que a CIA quisesse interrogá-lo demoradamente. Mancuso e os tripulantes do Dállas perguntavam a si próprios se iriam ter com as famílias. Não contavam com isso.

O “V. K. Konovalov”

— Seja o que for, é grande, muito grande, creio. A rota fá-lo-á passar a cinco quilómetros de nós.

— Um Ohio, como Moscovo disse — comentou Tupolev.

— Parece um submarino de hélices gémeas, camarada comandante— disse o michman.

— O Ohio só tem uma hélice, bem sabe.

— Pois, camarada. Em qualquer caso, estará perto de nós dentro de vinte minutos. O outro submarino de ataque navega a mais de trinta nós. Se se mantiver assim, passará a quinze quilómetros da nossa popa.

— E o outro americano?

— Uns quilómetros ao largo, navegando devagar, como nós. Não sei a distância exacta. Podia obtê-la pelo sonar activo, mas isso...

— Sei muito bem quais são as consequências — resmungou Tupolev, regressando ao centro de controle.

— Diga aos engenheiros que se aprontem para responder aos alarmes. Todos os homens nos postos de combate?

— Sim, camarada comandante — respondeu o starpom. — Temos uma excelente solução de fogo para o submarino americano... o que está a andar, evidentemente. Como navega a alta velocidade, facilita-nos a missão. Poderemos localizar o outro dentro de segundos.

— Ainda bem, para variar. — Tupolev sorriu. — Está a ver o que podemos fazer quando as circunstâncias nos favorecem?

— E que devemos fazer?

— Quando o grande passar por nós, aproximamo-nos e pregamos-lhe um susto. Agora é a nossa vez de brincar. Mande aumentar a” potência. Precisaremos em breve da força máxima.

— Vamos fazer barulho, camarada...—preveniu o starpom.

— Pois vamos, mas não temos por onde escolher. Aumentar a potência em dez por cento. O Ohio não ouvirá e talvez o outro submarino também não.

O “Pogy”

— De onde vem isto? — O chefe de sonar ajustou os controles no painel. — Comandante, aqui sonar. Tenho um contacto, rota dois-três-zero.

— Pode classificá-lo? — perguntou imediatamente o comandante Wood.

— Não sei. Acabo de o apanhar. Ruídos de reactor e de vapor, muito fracos, sir. Não consigo ler a assinatura... — Aumentou o volume ao máximo.— Não é nenhum dos nossos. Comandante, parece-me bem que temos aqui um Alfa.

— Óptimo! Avise imediatamente o Dállas!

O chefe tentou, mas o Dállas, navegando a trinta e dois nós, não recebeu os cinco rápidos pings. O Outubro Vermelho estava agora a oito milhas de distância.

O “Outubro Vermelho”

Jones semicerrou repentinamente os olhos.

— Mister Bugayev, diga ao comandante que acabo de ouvir uns pings.

— Uns?

— Mais do que um, mas não contei.

O “Pogy”

O comandante Wood tomou uma decisão. A ideia era enviar sinais de sonar de baixa potência e alta precisão, de modo a minimizar as possibilidades de revelar a sua própria posição. Mas o Dállas não os recebera.

— Potência máxima, chefe. Avise o Dállasde qualquer maneira.

— Muito bem.

O chefe aumentou ao máximo os comandos de potência. Passados alguns segundos, o sistema estava em condições de disparar um sinal de cem quilovátios.

Ping ping ping ping ping!

O “Dállas”

— Eh! — exclamou o chefe Lavai. — Comandante, aqui sonar. Sinal de perigo do Pogy!

— Tudo parado! — ordenou Chambers. — Silêncio absoluto.

— Tudo parado.

O tenente Goodman repetiu as ordens um segundo mais tarde. À popa, a equipa do reactor reduziu o vapor e aumentou a temperatura. Os neutrões podiam assim libertar-se da pilha, abrandando rapidamente a reacção de fissão.

— Quando a velocidade chegar aos quatro nós, reduza para um terço — disse Chambers ao oficial de quarto, quando ia a caminho da sala de sonar. — Francês, preciso de dados imediatamente.

— Ainda vamos muito depressa, Sir — disse Lavai.

O “Outubro Vermelho”

— Comandante Ramius, penso que podemos abrandar — disse Mancuso judiciosamente.

— O sinal não foi repetido — respondeu Ramius, discordando.

O segundo sinal falhara o Outubro Vermelho, e o Dállas não retransmitira ainda o sinal de perigo porque manobrava demasiado depressa para localizar o Outubro.

O “Pogy”

— Pronto, sir. O Dállas desligou os motores. Wood mordeu o lábio inferior.

— Vamos lá então procurar esse tipo. Busca lanque, chefe, força máxima. — Tornou ao controle. — Guarnecer postos de combate.

O alarme soou dois segundos depois. O Pogy estava já em estado de alerta primário e, quarenta segundos mais tarde, todos os postos de combate estavam guarnecidos com o imediato, capitão-de-corveta Tom Reynolds, encarregue da coordenação de tiro. A sua equipa de oficiais e técnicos aguardava dados com que aumentar o computador Mark 117 de controle de fogo.

O cone do sonar à proa do Pogy disparara ondas sonoras na água. Quinze segundos após ter entrado em funcionamento, apareceu o sinal reflectido no écran do chefe Palmer.

—’Comandante, aqui sonar. Temos um contacto positivo, rota dois-írês-quatro, distância seis mil metros. Classificação provável pela assinatura do reactor, classe Alfa — disse Palmer.

— Solução de fogo! — ordenou Wood imediatamente.

— Muito bem.

Reynolds vigiou a introdução de dados, enquanto outra equipa de oficiais desenhava na mesa de mapas um esquema de ataque; era necessário prever uma avaria no computador. Os dados surgiram no écran. Os quatro tubos de torpedo do Pogy continham dois mísseis Harpoon antibarco e dois torpedos Mark 48. Apenas os torpedos interessavam no momento. O Mark 48 era o torpedo mais poderoso que possuíam; electricamente orientado — e capaz de atingir o alvo com o seu sonar activo —, tinha uma velocidade superior a cinquenta nós e transportava uma carga de meia tonelada.

— Comandante, temos uma solução para os dois barcos. Daqui a quatro minutos e trinta e cinco segundos.

— Sonar, desligar o sonar activo — disse Wood.

— Sonar activo desligado, sir — respondeu Palmer, cumprindo a ordem. — Ângulo de elevação-depressão do leme prat a zero, sir. Está praticamente à nossa profundidade.

— Muito bem, sonar. Mantenha-o fixado.

Wood tinha agora a posição do alvo. O sonar activo apenas serviria para revelar a sua posição.

O “Dállas”

— O Pogy disparou um ping e recebeu o reflexo. Rota um-nove-um, mais ou menos — disse o chefe Lavai.—Há outro submarino por aqui. Não sei qual, Ouço os ruídos de reactor e de vapor, mas não consigo obter a assinatura.

O “Pogy”

— O submarino equipado com mísseis continua a mergulhar, sir — anunciou o chefe Palmer.

— Comandante — disse Reynolds, tirando os olhos dos gráficos de rota — encontra-se entre nós o alvo.

— Óptimo! Um terço em frente, a toda a velocidade. Leme vinte graus à esquerda. — Wood dirigiu-se à sala de sonar, enquanto as suas ordens eram executadas. — Chefe, força máxima e prepare-se para disparar o sonar activo contra o submarino.

— Muito bem, sir. — Palmer manobrou os seus comandos. — Pronto, sir.

— Vá! Desta vez quero que receba mesmo o ping.

Wood examinou o indicador de direcção. O Pogy virava rapidamente, mas não tão rapidamente quanto lhe interessava. O Outubro Vermelho — só ele e Reynolds sabiam que era russo, a tripulação interrogava-se, desesperada, sobre a sua identidade — aproximava-se depressa de mais.

— Pronto, Sir.

— Agora!

Palmer accionou o controle de impulsos. Ping ping ping ping ping!

O “Outubro Vermelho”

— Comandante — gritou Jones. — Sinal de perigo! Mancuso saltou para o anunciador sem esperar pela reacção de Ramius. Ordenou: “Tudo parado.” Feito isto, olhou Ramius.

—’Desculpe, Sir.

— Muito bem.

Ramius examinou, preocupado, o mapa. O telefone tocou um momento depois. Ramius falou em russo durante alguns segundos, antes de desligar.

— Disse-lhes que tínhamos um problema, mas que ainda não sabíamos o que era.

— E é verdade.

Mancuso aproximou-se de Ramius, junto à mesa dos mapas. O ruído dos motores diminuía, embora não o bastante para satisfazer o americano. O Outubro estava silencioso para um submarino russo, mas ainda demasiado barulhento para Mancuso.

— Veja se o seu operador de sonar pode detectar alguma coisa — sugeriu Ramius.

— Está bem. — Mancuso deu uns passos em direcção à popa. — Jonesy, vê lá o que se passa.

— Está bem, comandante, mas não vai ser fácil com este equipamento.

Tinha já os sensores a trabalhar na direcção dos dois submarinos de ataque. Jones ajustou o volume dos auscultadores e começou a trabalhar com os controles de amplificação. Não tinha processadores de sinal nem SAPS, e os transdutores não valiam nada! Não era, porém, altura para se enervar. Os sistemas soviéticos tinham de ser accionados electronicamente, ao contrário daqueles a que estava habituado, controlados por computador. Lenta e cuidadosamente, alterou a posição dos receptores direccionais do sonar da popa, a mão direita esmagando um maço de cigarros, os olhos fechados. Não viu que Bugayev se sentava junto dele, também à escuta.

O “Dállas”

— Então, chefe? — perguntou Chambers.

— Tenho uma rota e mais nada. O Pogy apanhou-o, mas o nosso amigo inverteu a marcha do motor logo após ter sido detectado e não o apanho. O Pogy recebeu um bom retorno. Deve estar muito perto, chefe.

Chambers era imediato havia apenas quatro meses. Era um oficial brilhante e experiente, candidato a um comando, mas tinha apenas trinta e três anos e quatro meses de submarinos. Ano e meio antes, fora instrutor de reactores em Idaho. Era exigente, como lhe competia nas funções de principal disciplinador em nome de Mancuso, mas a sua exigência mascarava mais insegurança do que estaria disposto a admitir. A sua carreira estava em jogo. Sabia exactamente a importância da missão. O seu futuro dependeria das decisões que tomasse.

— É capaz de o localizar só com um pingl O chefe de sonar reflectiu por um momento.

— Não chega para uma solução de fogo, mas sempre nos dará alguma indicação.

— Um ping, então.

— Muito bem.

Lavai manipulou o seu painel, ligando o sonar activo.

O “V. K. Konovalov”

Tupolev pestanejou. Agira demasiado depressa. Devia ter esperado que passassem... mas, se tivesse esperado tanto, não poderia ficar no mesmo sítio e tinha agora os três à sua volta, praticamente quietos.

Os quatro submarinos navegavam à velocidade mínima indispensável para a manutenção da rota. O Alfa russo apontava a sudeste. Os quatro barcos desenhavam aproximadamente um trapézio, aberto ao largo. O Pogy e o Dállasencontravam-se a norte do Konovalov, o Outubro Vermelho a sudeste.

— Alguém lhe enviou um ping — disse Jones calmamente. — A rota é mais ou menos noroeste, mas não faz barulho suficiente para o detectarmos. Sir, eu diria que está muito perto.

— Como sabes disso? — perguntou Mancuso.

—Ouvi o ping... Só um, para obter a distância, penso. Era de um BQQ-5. Depois ouvi o eco do alvo. Claro que há várias hipóteses, mas eu diria que ele está entre nós e os nossos amigos, um pouco a ocidente. É o melhor que se pode arranjar, sir.

— A dez quilómetros de distância, talvez menos — disse Bugayev. — Mais ou menos. De qualquer modo, é um ponto de partida como outro qualquer. Há poucos dados. Lamento, comandante. Melhor do que isto... — observou Jones.

Mancuso concordou de cabeça e voltou ao controle.

— Então? — perguntou Ryan.

Os comandos dos bidroplanos estavam todos metidos dentro, para manter a profundidade. Ryan não tinha noção do que se passava.

— Anda por aí um submarino hostil.

— Que informação temos? — perguntou Ramius.

— Pouca. Há um contacto a noroeste. Distância desconhecida, mas provavelmente não muito longe. De certeza que não é nenhum dos nossos. Norfolk disse que a área estava limpa. Só temos uma solução. Vogamos?

— Vogamos — repetiu Ramius, pegando no telefone e dando algumas ordens.

Os motores do Outubro reduziram a potência para menos de dois nós de velocidade, o mínimo bastante para manter a rota, mas não o suficiente para manter a profundidade. Com a sua flutuabilidade ligeiramente positiva, o Outubro subia alguns metros por minuto, a despeito da posição dos hidroplanos.

O “Dállas”

— Vamos recuar para sul. Não me agrada nada ter esse Alfa mais perto do nosso amigo do que nós. ’Dois terços à direita, rota um-oito-cinco — ordenou Chambers.

— Muito bem — respondeu Goodman. — Quinze graus no leme direito, nova rota um-oito-cinco. Dois terços avante.

— Quinze graus no leme direito. — O timoneiro rodou o leme. — Sir, quinze graus no leme direito, nova rota um-oito-cinco.

Os quatro tubos de torpedo do Dállasestavam carregados com três Mark 48 e uma isca, um MOSS (simulador submarino móvel) que custava uma fortuna. Um dos torpedos fora apontado ao Alfa, mas a solução de fogo era vaga. O “peixe” teria de se orientar, em parte, sozinho. Os dois torpedos do Pogy estavam rigorosamente apontados ao alvo.

O problema era que nenhum dos barcos tinha autoridade para disparar. Os dois submarinos operavam ao abrigo das regras habituais. Só poderiam disparar em legítima defesa, e para defender o Outubro Vermelho teriam de utilizar o bluff e as astúcias. Saberia o Alfa que o Outubro Vermelho navegava ali?

O “Konovalov”

— Avante em direcção ao Ohio — ordenou Tupolev. — Aumentar a velocidade para três nós. Temos de ter paciência, camaradas. Agora que os americanos sabem onde estamos, não tornarão a disparar pings. Vamos sair daqui sem fazer barulho.

A hélice de bronze do Konovalov começou a rodar mais rapida-mente. Tendo desligado alguns sistemas eléctricos que não eram essenciais, os engenheiros conseguiram aumentar a velocidade sem aumentar a potência do reactor.

O “Pogy”

No Pogy, o submarino mais perto do Konovalov, o contacto perdeu força, prejudicando, de certo modo, a indicação direccional. O comandante Wood chegou a pensar em reconfirmar a posição através do sonar activo, mas mudou de ideias. Se usasse o sonar activo, a sua posição equivaleria à de um polícia perseguindo um gatuno com uma lanterna num edifício às escuras. Os pings de sonar seriam mais elucidativos para o seu alvo do que para ele próprio. O emprego do sonar passivo era a rotina em casos semelhantes.

O chefe Palmer informou sobre a passagem do Dállasa bombordo. Wood e Chambers decidiram não utilizar o telefone subaquático para comunicar. Não podiam agora permitir-se fazer qualquer barulho.

O “Outubro Vermelho”

Navegavam lentamente havia meia hora. Ryan fumava cigarros uns atrás dos outros, no seu posto, e suava da palma das mãos, lutando embora para manter a compostura. Não fora treinado para aquele tipo de combate — preso num tubo de aço, incapaz de ver ou de ouvir fosse o que fosse. Sabia que andava por perto um submarino soviético e não ignorava quais eram as suas ordens. Se o comandante do submarino soviético descobrisse quem eram... Os dois comandantes mantinham uma calma espantosamente imperturbável.

— Os vossos submarinos podem proteger-nos? — perguntou Ramius.

— Disparar contra um submarino russo? — Mancuso abanou a cabeça. — Só se ele disparar primeiro... contra eles. Não podemos fazer nada, as regras proíbem-no.

— Quê? — exclamou Ryan, atónito.

— Quer desencadear uma guerra? — perguntou Mancuso, sorrindo, como se achasse a situação divertida. — É o que acontece quando vasos de guerra de dois países começam a trocar tiros. Temos é que nos ver livre disto sem fazer asneiras.

— Calma, Ryan — disse Ramius. — Estamos habituados a este jogo. O submarino tenta descobrir-nos e nós tentamos não ser descobertos. Diga-me, comandante Mancuso, a que distância da Islândia nos ouviu?

— Não estudei atentamente o vosso mapa, comandante — disse Mancuso.—Talvez vinte milhas, trinta e tal quilómetros.

— Nessa altura, nós navegávamos a treze nós... O ruído aumenta mais depressa do que a velocidade. Penso que podemos navegar para leste, lentamente, sem sermos detectados. Ligaremos o Caterpillar.

Velocidade, seis nós. Como sabe, o sonar soviético não é tão eficiente como o americano. Concorda, comandante? Mancuso concordou de cabeça.

— O barco é seu, sir. Posso sugerir a rota nordeste? Ficaríamos atrás dos nossos submarinos dentro de uma hora, talvez menos.

— Está bem.

Ramius aproximou-se, coxeando, do painel de controle para abrir as escotilhas do túnel e pegou de novo no telefone. Deu as ordens necessárias. Um minuto depois, os motores do caterpittar começavam a funcionar e a velocidade aumentava lentamente.

—Dez graus no leme direito, Ryan — disse Ramius. — E alivie os hidroplanos.

—Leme direito, dez graus, sir. Hidroplanos aliviados.

Ryan executou as ordens, mais tranquilo por os ver fazer alguma coisa.

— A rota é zero-quatro-zero, Ryan — disse Mancuso à mesa dos mapas.

— Rota três-cinco-zero a passar a zero-quatro-zero.

Do posto do leme, Ryan ouvia a água correr no túnel de bombordo. Mais ou menos de minuto a minuto, escutava um ruído estranho que durava três ou quatro segundos. O indicador de velocidade avançou quatro nós.

— Assustado, Ryan? — perguntou Ramius, sorrindo. Jack praguejou consigo. Em voz trémula, disse:

— E um pouco cansado também.

— Compreendo o que sente. Para um homem sem preparação, está a comportar-se muito bem. Chegaremos tarde a Norfolk, mas chegaremos, vai ver. Já andou num submarino equipado com mísseis, Mancuso?

—Claro. Descontraia-se, Ryan. É assim nos submarinos equipados com mísseis. Vem sempre alguém à nossa procura. A nós compete desaparecer.

O comandante americano levantou os olhos do mapa. Pousara moedas nas posições calculadas dos três submarinos. Pensou em marcar o mapa, mas mudou de ideias. O mapa tinha anotações muito interessantes como, por exemplo, posições programadas para disparo de mísseis. Os Serviços Secretos da Marinha iriam delirar com aquele tipo de informação,

O Outubro Vermelho navegava para nordeste, a seis nós. O Kono valov de sudeste, a três. O Pogy seguia para sul, a dois, e o Dállastambém para sul, a quinze. Os quatro submarinos encontravam-se agora num círculo de seis milhas de diâmetro, convergindo todos para o mesmo ponto.

O “V. K. Konovalov”

Tupolev exultava. Fosse lá pelo que fosse, os americanos tinham decidido uma manobra clássica que ele não esperava. Inteligente teria sido um dos submarinos aproximar-se e acossá-lo, deixando que o barco equipado com mísseis se esgueirasse com a sua escolta. Enfim, no mar nunca se repetiam exactamente duas tácticas. Tomou um gole de chá enquanto escolhia uma sanduíche.

O rrúchman do sonar detectou um som estranho. Durou poucos segundos e desapareceu. Um ruído sísmico distante, pensou, a princípio.

O “Outubro Vermelho”

Tinham subido por causa da flutuabilidade positiva do Outubro Vermelho, e Ryan introduzira um ângulo para baixo de cinco graus nos planos de mergulho, a fim de descer a cem metros. Ouviu os comandantes discutir a ausência de termoclina. Mancuso explicou que era normal naquela zona, sobretudo depois de tempestades violentas. Concordaram que era uma pena. Uma camada térmica ajudá-los-ia a fugir.

Jones encontrava-se à entrada da popa do centro de controle, a esfregar as orelhas. Os auscultadores russos eram pouco confortáveis.

— Comandante, estou a ouvir qualquer coisa do norte. Vai e vem. Ainda não consegui a rota.

— Quem é? — perguntou Mancuso.

— Não sei, sir. O sonar activo não é mau, mas o passivo não presta, comandante. Não navegamos às cegas, mas quase.

— Está bem. Se ouvires qualquer coisa, avisa.

— Muito bem, comandante. Tem aí café? Mister Bugayev mandou-mo buscar.

— Já te mando uma cafeteira.

— óptimo.

Jones regressou ao trabalho.

O “V. K. Konovalov”

—Camarada comandante, tenho um contacto, mas não sei o que é — disse o michman pelo telefone.

Tupolev voltou ao sonar, mastigando a sanduíche. Os Ohios eram tão raramente detectados pelos russos — haviam-no sido três vezes, em rigor, e de cada vez os russos tinham-nos perdido minutos depois — que ninguém estava treinado para identificar imediatamente as características de classe.

O michman passou ao comandante um par de auscultadores.

— Demorará algum tempo, comandante. Vai e vem...

A água ao largo da costa americana, embora quase isotérmica, não era absolutamente ideal para sistemas de sonar. Pequenas correntes e redemoinhos criavam obstáculos que reflectiam e canalizavam as ondas sonoras de uma maneira bastante imprevisível. Tupolev sentou-se e pôs-se pacientemente à escuta. Passaram cinco minutos antes que o sinal regressasse. O michman ergueu a mão.

— Agora, camarada comandante. Tupolev empalideceu.

— Rota?

— O sinal é muito fraco... Não tenho tempo para o fixar... Três graus à popa, mais ou menos, entre um-três-seis e um-quatro-dois.

Tupolev atirou com os auscultadores para cima da mesa e dirigiu-se à proa. Agarrou o comissário político e puxou-o para a sala de oficiais.

— É o Outubro Vermelho!

— Impossível! O comandante da esquadra disse que a sua destruição foi confirmada por inspecção visual dos destroços.

O zampolit abanava energicamente a cabeça.

— Fomos enganados. A assinatura acústica do caíerpillar é única, camarada. Os americanos apanharam-no. Vai ali a navegar. Temos de o destruir!

— Não. Vamos contactar com Moscovo e pedir instruções.

O zampolit era um bom comandante, mas era também um oficial de barcos de superfície, não pertencia aos submarinos.

— Camarada zampolit, precisaremos de vários minutos para nos aproximarmos da superfície, talvez dez ou quinze para enviar uma mensagem a Moscovo, mais trinta para receber uma resposta de Moscovo... a pedir confirmação! Ao todo, uma hora ou duas ou três! Por essa altura, já o Outubro Vermelho terá desaparecido. Recebemos ordens explícitas para destruir o Outubro Vermelho e não há tempo para contactarmos com Moscovo.

— Mas se está enganado?

— Não estou enganado, camarada! — sibilou o comandante. — Anotarei no diário de bordo o contacto e as minhas recomendações. Se me proibir de agir, anotarei também a proibição no diário! Não me engano, camarada. A sua cabeça é que estará em jogo, não a minha. Decida-se!

— Tem a certeza?

— Absoluta!

— Muito bem. — O zampolit suspirou fundo. — Como é que vai fazer?

— Vou actuar o mais rapidamente possível, antes que os americanos tenham possibilidade de nos destruir. Vá para o seu posto, camarada.

Os dois homens regressaram ao centro de controle. Os seis tubos de torpedo à proa do Konovalov foram carregados com torpedos orientáveis Mark C de 533 milímetros. Só precisavam que lhes dissessem o que atingir.

— Sonar, busca à proa com todos os sistemas activos! — ordenou o comandante.

O michman carregou no botão.

O “Outubro Vermelho”

— Comandante!—exclamou Jones, virando a cabeça. — Estamos a receber pings. A bombordo, a meio do barco, talvez um pouco mais à popa. Não é nenhum dos nossos, sir.

O “Pogy”

— Comandante, aqui sonar. O Alfa detectou o submarino! Rota um-nove-dois.

— Dois terços avante — ordenou Wood imediatamente.

— Dois terços avante.

Os motores do Pogy aceleraram e logo a hélice começou a dilacerar as águas escuras.

O “V. K. Konovalov”

— Distância, sete mil e seiscentos metros. Ângulo de elevação zero — informou o michman.

Ali estava, pois, o submarino que haviam sido encarregados de perseguir. O michman colocara uns auscultadores com microfone que lhe permitia falar directamente com o comandante e com o oficial de tiro.

O starpom era o supervisor do controle de tiro. Introduziu rapidamente os dados no computador. Tratava-se de um simples problema geométrico.

— Temos uma solução para os torpedos um e dois.

— Preparar para disparar.

— Inundar os tubos. — O starpom accionou ele próprio os interruptores, sem recorrer ao subalterno. — Escotilhas exteriores dos tubos dos torpedos abertas.

— Reconfirmar solução de fogo! — ordenou Tupolev.

O “Pogy”

O chefe de sonar do Pogy foi o único homem a ouvir o ruído, breve.

— Comandante, aqui sonar. Contacto Alfa... O Alfa acaba de inundar os tubos, sir! Rota do alvo, um-sete-nove.

O “V. K. Konovalov”

— Solução confirmada, camarada comandante — disse o starpom. —Disparar o um e o dois — ordenou Tupolev.

— Disparar o um... Disparar o dois.

O Konovalov estremeceu duas vezes, quando as cargas de ar comprimido ejectaram os torpedos eléctricos.

O “Outubro Vermelho”

Jones foi o primeiro a ouvi-los.

— Torpedos de alta velocidade a bombordo! — disse em voz alta e clara. — Torpedos a bombordo!

— Ryl nalyeva! — ordenou Ramius automaticamente.

— Quê? — perguntou Ryan.

— Leme esquerdo! — disse Ramius, desferindo um murro na balaustrada.

— Leme esquerdo todo!—ordenou Mancuso.

— Leme esquerdo todo.

Ryan rodou completamente o leme, mantendo-o nessa posição. Ramius ordenava, entretanto, saída pelo flanco a alta velocidade.

O “Pogy”

— Dois peixes disparados — disse Palmer. — A rota passa da direita para a esquerda. Repito, a rota dos torpedos passa rapidamente da direita para a esquerda. Vêm apontados ao Outubro Vermelho.

O “Dállas”

O Dállastambém os ouviu. Chambers ordenou o aumento de velocidade e rotação a bombordo. Com os torpedos disparados, as opções eram ’limitadas; fazia o que a prática americana lhe ensinara: esconder-se algures... muito depressa.

O “Outubro Vermelho”

— Preciso de uma rota! — exclamou Ryan.

— Jonesy, dá-me a rota! — gritou Mancuso.

— Três-dois-zero, sir. Dois peixes em aproximação — respondeu imediatamente Jones, manobrando os comandos para fixar a trajectória.

— Para estibordo, três-dois-zero, Ryan — ordenou Ramius —, se conseguirmos rodar tão rapidamente.

Obrigado, agradeceu Ryan mentalmente, furioso, vendo a bússula giroscópia saltar para três-cinco-sete. O leme resistia e, com o súbito aumento de velocidade dos motores do caterpillar, Ryan notava essa resistência na roda.

— Dois peixes aproximando-se. Rota três-dois-zero, repito, rota constante — anunciou Jones, mais calmo do que se sentia. — Lá vamos nós, rapazes...

O “Pogy”

O quadro táctico mostrava o Outubro, o Alfa e os dois torpedos. O Pogy encontrava-se quatro milhas a norte da acção.

—Podemos disparar? — perguntou o imediato.

— Contra o Aljal — Wood abanou energicamente a cabeça. — Não, diabo! Que adiantaria?

O “V. K. Konovalov”

Os dois torpedos Mark C cortavam as águas a quarenta e um nós, velocidade baixa para a circunstância, de modo a poderem ser mais facilmente guiados pelos sistemas de sonar do Konovalov. Demorariam seis minutos a atingir o alvo e um minuto já passara.

O “Outubro Vermelho”

— Rota três-quatro-cinco, leme aliviado — disse Ryan. Mancuso manteve o silêncio. Ramius utilizava uma táctica com a

qual não concordava muito: navegar de encontro aos torpedos. Oferecia um perfil mínimo de embate, mas permitiria ao inimigo uma solução de intercepção geométrica mais simples. Enfim, Ramius devia saber como funcionavam os torpedos russos. Mancuso, pelo menos, assim o esperava...

— Rota três-dois-zero estabilizada, comandante — disse Ryan, os olhos fixos na bússola giroscópica como se esta pudesse elucidá-lo sobre o que fazer.

Uma voz íntima felicitava-o por ter ido à casa de banho uma hora antes.

- Ryan, inclinação máxima para baixo nos hidroplanos de mergulho.

— Tudo para baixo.

Ryan executou a ordem. Estava aterrorizado, mais ainda por causa do risco de colisão. Devia presumir que os comandantes sabiam o que faziam. Não tinha por onde escolher. Uma coisa não ignorava: os torpedos guiados podem ser atraídos a um falso alvo. Tal como os sinais de radar dirigidos para terra, os impulsos de sonar podem ser confundidos, principalmente quando o submarino que tentam localizar está perto do fundo ou da superfície, áreas onde há tendência para a reflexão desses impulsos. Se o Outubro mergulhasse, beneficiaria de um campo opaco... desde que mergulhasse depressa.

O “V. K. Konovolov”

—O aspecto do alvo alterou-se, camarada comandante. O alvo é agora mais pequeno — disse o michman.

Tupolev reflectiu. Conhecia tudo sobre a doutrina de combate soviética — e sabia que Ramius era, em boa parte, o autor dela. Marko fará aquilo que nos ensinou, pensou Tupolev. Navegará ao encontro das armas para minimizar a área de embate, e mergulhará até ao fundo, com vista a perder-se na confusão dos ecos.

— O alvo tenta mergulhar até ao fundo. Mantenha-se alerta.

— Muito bem, camarada. Poderá ele chegar ao fundo com suficiente rapidez?—perguntou o starpom.

Tupolev procurou recordar-se das características do Outubro.

— Não. Não pode mergulhar assim tão rapidamente. Apanhámo-lo!

— Desculpa, meu velho amigo, mas tem de ser...

O “Outubro Vermelho”

Ryan contorcia-se de cada vez que o ping do sonar ecoava pelo casco duplo.

— Não é possível confundi-los? — perguntou.

— Paciência, Ryan — disse Ramius.

Nunca antes enfrentara torpedos a sério, mas estudara centenas de vezes a situação na sua carreira.

— Deixemo-lo, primeiro, convencer-se de que nos apanhou.

— Vocês têm iscas? — perguntou Mancuso.

— Temos quatro na sala dos torpedos, à popa... mas não temos pessoal.

Os dois comandantes mantinham uma calma olímpica, verificou Ryan, irritado, ele que sentia tanto medo. Nenhum estava disposto a ceder perante o outro. Tinham sido preparados para se comportarem assim.

— Comandante — disse Jones —, dois peixes. Rota constante, três-dois-zero... Acabam de ser activados. Repito, os peixes acabam de ser activados... Merda! Parecem 48. Comandante, parecem Mark 48.

Ramius já calculava.

—’Sim, roubámos o vosso sistema de sonar dos torpedos há cinco anos, mas não roubámos os motores. Bugayev!

Na sala de sonar, Bugayev activara ao máximo o equipamento de interferência acústica, mal os torpedos haviam sido lançados. Ajustava agora, cuidadosamente, os impulsos, de modo a que coincidissem com os dos torpedos em aproximação. Os impulsos eram emitidos na mesma frequência e ao mesmo ritmo. O ajuste tinha de ser preciso. Enviando ecos ligeiramente distorcidos, criava alguns fantasmas. Não muitos, nem muito longe; poucos e perto. Podia, assim, confundir os operadores de tiro do Alfa atacante. Manobrou cuidadosamente o interruptor, enquanto mordia um cigarro americano.

O “V. K. Konovolov”

— Raios! Estamos a ser interferidos!

O michman, tendo recebido dois retornos desgarrados, mostrou o primeiro sinal de emoção. O sinal do alvo era agora acompanhado de dois novos sinais, um a norte, perto, outro a sul, mais distante.

— Comandante, o alvo utiliza equipamento de interferência soviético.

— Está a ver? — disse Tupolev ao zampolit. — Cautela, agora — ordenou ao starpom.

O “Outubro Vermelho”

— Ryan, tudo para cima nos hidroplanos! — ordenou Ramius.

— Tudo para cima. — Ryan accionou os comandos, puxando a alavanca contra o peito e rezando para que Ramius soubesse o que estava a fazer.

— Jones, tempo e distância.

— Muito bem. — A interferência dava-lhes uma imagem de sonar nos écrans principais. — Dois peixes, rota três-dois-zero. Distância ao número um, dois mil metros; ao número dois, dois mil e trezentos... Ângulo de depressão no número um! O número um desceu um pouco, sir.

Talvez Bugayev não fosse tão estúpido quanto parecia, pensou Jones. Mas teriam de se aguentar com dois torpedos...

O “Pogy”

O comandante do Pogy estava furioso. As malditas regras impediam-no de fazer uma certa coisa, excepto...

— Sonar, um ping no filho da mãe! Força máxima!

O BQQ-5 do Pogy atingiu o Alfa com potentes ondas sonoras. O Pogy não podia disparar, mas talvez o russo não soubesse disso e talvez os pings interferissem com o sonar dos torpedos.

O “Outubro Vermelho”

— Um dos torpedos vai atingir-nos, sir. Não sei qual.

Jones tirou um dos auscultadores, tapando o ouvido com a mão. O sonar de um dos torpedos já os fixara. Más notícias. Se eram como os Mark 48... Jones sabia que coisas dessas não costumavam errar o alvo. Detectou uma alteração no comprimento de onda da vibração das hélices, quando um dos torpedos passou por baixo do Outubro Vermelho.

— Um falhou, sir. O número um falhou. O número dois aproxima-se. O intervalo dos pings reduz-se.

Estendeu a mão e bateu amigavelmente no ombro de Bugayev. Talvez ele fosse o génio que os russos proclamavam.

O “V. K. Konovalov”

O segundo torpedo Mark C cruzava as águas a quarenta e um nós. Entrando em linha de conta com a velocidade do alvo, navegava a cinquenta e cinco. O sistema de orientação e decisão era complexo. Incapazes de reproduzir o sistema computarizado do Mark 48 americano, os soviéticos utilizavam o retorno de sonar do torpedo ao vaso lançador, através de um fio isolado. O starpom dispunha de vários dados de sonar para orientar os torpedos — os do sonar montado no submarino e os do sonar no próprio torpedo. O primeiro peixe fora iludido pelas imagens que a interferência duplicara na frequência do sonar. No segundo, o starpom utilizava o sonar da popa, de frequência mais reduzida. O primeiro falhara o alvo por pouco, já o sabia. Significava isto que o alvo era acusado pelo ping médio. Uma rápida alteração de frequência pelo michman limpou a imagem de sonar por uns segundos, antes que a interferência fosse ajustada. Friamente e com perícia, o starpom ordenou ao segundo torpedo que escolhesse o alvo central.

A carga de duzentos e cinquenta quilos atingiu o alvo a meio do barco, na direcção da popa, logo adiante do centro do controle. Explodiu um milionésimo de segundo mais tarde.

O “Outubro Vermelho”

A força da explosão arrancou Ryan da cadeira. Ryan bateu com a cabeça na coberta. Despertou de um momento de inconsciência com os ouvidos a zumbir no escuro. O choque da explosão provocara um curto-circuito em vários painéis eléctricos, e passaram vários segundos antes de as luzes vermelhas de alarme começarem a piscar. À popa, Jones tirara os auscultadores dos ouvidos no momento exacto, mas Bugayev, que tentara até ao último instante iludir o torpedo, não o fizera. Rebolava-se na coberta, sofrendo muito, um tímpano rebentado, totalmente surdo. Na zona das máquinas, os homens procuravam pôr-se de pé. Aí, as luzes não se tinham apagado e o primeiro gesto de Melekhin foi examinar o quadro de controle de danos.

A explosão verificara-se no casco exterior, uma placa de aço leve. Do lado de dentro, havia um tanque de lastro cheio de água e um conjunto de reflectores celulares com dois metros de largura. Atrás do tanque existiam câmaras-de-ar e alta pressão. A seguir, as baterias do Outubro e o casco de pressão interna. O torpedo atingira a placa de aço do casco exterior a vários metros de qualquer das junções. A força da explosão abrira um buraco de mais de três metros, destrocara os reflectores do tanque de lastro e rompera várias câmaras-de-ar. Muita da sua força, porém, já se dissipara, depois de provocar os últimos danos em trinta das grandes células das baterias de níquel-cádmio. Os engenheiros soviéticos haviam-nas colocado naquele sítio deliberadamente. Sabiam que dificilmente poderiam ser inspeccionadas e recarregadas e, acima de tudo, que ficariam expostas à contaminação da água do mar. Tudo isto tendo em vista o objectivo secundário de servirem como reforço adicional do casco. As baterias do Outubro salvaram-no. Sem elas, a força da explosão ter-se-ia libertado no casco de pressão. Assim, fora grandemente reduzida pelo sistema defensivo, que não tinha similar no Ocidente. No casco interior, abrira-se uma brecha e a água entrava no centro de comunicações como saída de uma mangueira de alta pressão; tirando isso, o casco aguentava-se perfeitamente.

No centro de controle, Ryan não tardou a voltar ao seu posto. Procurou logo verificar se os instrumentos ainda funcionavam. Ouvia a água a inundar o compartimento seguinte, à popa. Não sabia o que fazer. Sabia, contudo, que não era altura para entrar em pânico, por muito que lhe apetecesse fugir.

— Que faço?

— Ainda está vivo? — O rosto de Mancuso assumia uma expressão satânica às luzes vermelhas.

— Não, raios! Estou morto! Que faço?

— Ramius?

O comandante russo empunhava uma lanterna que retirara de um suporte na antepara da popa.

— Mergulhar para o fundo.

Ramius pegou no telefone e mandou parar os motores. Melekhin já tinha dado a ordem.

Ryan accionou os controles que lhe competiam. Num maldito submarino com um maldito buraco, mandam mergulhar!

O “V. K. Konovalov”

— Bom tiro, camarada comandante — disse o michman. — Os motores pararam. Ouço ruídos de casco. A profundidade aumenta.

Disparou mais uns pings, mas não obteve resposta. A explosão perturbara muito a água. Havia ecos da explosão inicial reverberando pelos mares. Triliões de bolhas de água tinham-se formado, criando uma “zona insonorizada” em redor do alvo que rapidamente o obscureceu. Os pings eram reflectidos pela nuvem de bolhas e o sonar passivo ressentia-se dos ruídos recorrentes. O michman sabia apenas que um dos torpedos atingira o alvo, provavelmente o segundo. Era um homem experiente, tentando identificar os ruídos e o sinal. Reconstituiu correctamente quase tudo o que se passara.

O “Dállas”

— Um a zero para aqueles bandidos — disse o chefe de sanar.

O Dállas navegava depressa de mais para poder utilizar com proveito o sonar, mas a explosão, essa não podia ter-lhe falhado. Todos os tripulantes a tinham ouvido através do casco.

No centro de ataque, Chambers anotou a posição, a duas milhas de onde o Outubro estivera. Os outros olharam os instrumentos sem emoção. Dez dos seus companheiros acabavam de ser atacados e o inimigo estava do outro lado da parede de ruído.

— Abrandar para um terço — ordenou Chambers.

— Um terço avante — repetiu o oficial de quarto.

— Sonar, preciso de dados — disse Chambers.

— Estou a tentar, sir.

O chefe Lavai esforçou-se por compreender o que ouvia. Demorou alguns minutos, enquanto o Dállas abrandava a velocidade para dez nós.

—Comandante, aqui sonar. O submarino foi atingido por um torpedo. Não ouço os motores... mas também não ouço ruídos de ruptura no casco. Repito, não ouço ruídos de ruptura no casco.

— Consegue ouvir o Alfa?

— Não, sir, há muita agitação na água.

Chambers fez uma careta. És um oficial, disse consigo, pagam-te para pensar. Primeiro, que se passa? Segundo, que podes fazer? Pensa e depois actua.

— Distância calculada ao alvo?

— Nove mil metros, mais ou menos, sir — disse o tenente Goodman, lendo a última solução de fogo no computador. — Deve estar no extremo da zona insonorizada.

— Descer a cento e oitenta metros.

O oficial de mergulho transmitiu a ordem ao timoneiro. Chambers reflectiu e tomou uma decisão. Desejou que Mancuso e Mannion estivessem presentes. O comandante e o navegador eram os outros dois membros do que se poderia chamar comissão de manobra táctica do Dállas. Precisava de trocar ideias com oficiais experimentados... mas não havia nenhum.

— Ouçam. Vamos descer. A perturbação provocada pela explosão vai manter-se ainda durante algum tempo. A modificar-se, será no sentido ascendente; portanto, nós vamos para baixo. Primeiro, precisamos de localizar o submarino. Se não o encontrarmos, é porque está no fundo. A profundidade aqui é apenas de duzentos e setenta metros, logo, o submarino pode estar no fundo com a tripulação viva. Esteja ou não esteja, temos de nos colocar entre ele e o Alfa.

E se o Alfa dispara? Nesse caso, disparo também e para o diabo com as regras! Tinham de trocar as voltas àquele tipo; como? Onde estava o Outubro Vermelho?

O “Outubro Vermelho”

O Outubro Vermelho mergulhava mais rapidamente do que o previsto. A explosão rompera também um dos tanques de equilíbrio, provocando maior flutuabilidade negativa do que aquela com que contavam.

A ruptura no centro de comunicações era grave; Melekhin, porém, reagira imediatamente perante a inundação do painel de controle de danos. Cada compartimento possuía a sua bomba eléctrica. A bomba do centro de comunicações, auxiliada por uma bomba geral, que também activara, mal conseguia competir com a inundação. Os rádios estavam já destruídos, mas ninguém planeava enviar mensagens.

— Ryan, tudo para cima e leme todo para a direita — disse Ramius.

— Leme todo para a direita, tudo para cima nos hidroplanos — disse Ryan. — Vamos bater no fundo?

— Tentaremos evitá-lo — disse Mancuso. — Se batermos, a brecha ainda abrirá mais.

— Bonito... — resmungou Ryan.

O Outubro Vermelho abrandou na descida, curvando a leste, para debaixo da zona insonorizada. Ramius queria esta zona entre o submarino e o Alfa. Mancuso estava convencido de que escapariam. Precisava de estudar bem os planos daquele barco.

O “Dállas”

— Sonar, dois pings de baixa frequência no submarino. Não quero que ninguém ouça, chefe.

— Muito bem.—O chefe Lavai ajustou os controles e enviou os sinais. — Comandante, aqui sonar. Apanhei-o! Rota dois-zero-três, distância dois mil metros. Não está, repito, não está no fundo, sir.

— Quinze graus no leme esquerdo, rota dois-zero-três — ordenou Chambers.

— Quinze graus no leme esquerdo! — repetiu o timoneiro. — Nova rota dois-zero-três, sir. Leme esquerdo a quinze graus.

— Francês, o submarino?

— Ouço, sir... ruídos de bombas, penso... Está a deslocar-se. Rota dois-zero-um. Estou a apanhá-lo no sonar passivo, sir.

— Thompson, calcule a rota do submarino. Mister Goodman, ainda temos o MOSS pronto para lançamento?

— Temos, sir — respondeu o oficial de torpedos.

O “V. K. Konovalov”

— Tê-lo-emos afundado? — perguntou o zampolit.

— Provavelmente — respondeu Tupolev sem saber ao certo. — É melhor aproximarmo-nos para termos a certeza. Avante, devagar.

— Avante, devagar.

O “Pogy”

O Pogy encontrava-se agora a dois mil metros do Konovalov, disparando contra ele pings impiedosos.

—Está a andar, sir. Apanho-o no sonar passivo — disse o chefe Palmer.

— Muito bem, suspenda os pings — ordenou.

— Pings suspensos.

— Temos solução de fogo?

— Perfeitíssima — respondeu Reynolds. — Dentro de um minuto e zero segundos. Os dois torpedos prontos.

—’Um terço avante.

— Um terço avante.

O Pogy abrandou. O comandante procurava uma desculpa para disparar.

O “Outubro Vermelho”

— Comandante, recebemos um ping de um dos nossos-sonares, a nor-nordeste. De baixa frequência, sir. Deve estar perto.

— Achas que podes falar com ele pelo telefone?

— Posso, sir!

— Comandante — perguntou Mancuso —, autoriza-me a comunicar com o meu barco?

— Autorizo.

— Jones, fala!

— Jones chama Francês. Ouvem-me? — O operador de sonar franziu o sobrolho. — Francês, responde!

O “Dállas”

—’ Comandante, aqui sonar. Tenho Jonesy ao telefone. Chambers pegou no telefone do centro de controle.

— Jones, fala Chambers. Qual a vossa situação? Mancuso tirou o microfone da mão do seu operador.

— Wally, fala Bart — disse. — Apanhámos um a meio do barco, mas o casco aguenta-se. Pode fazer interferência?

— Posso. É para já! Terminado. —Chambers pousou o telefone. — Goodman, inundar o tubo do MOSS. Vamos seguir o MOSS. Se o Alfa disparar contra ele, reagimos. Dois mil metros a direito, depois desvio para sul.

— Muito bem. Escotilha exterior aberta, ar.

— Lançar!

— MOSS lançado, sir.

A isca partiu a vinte nós, em protecção do Dállas, cruzando a água a esta velocidade durante dois minutos; depois, abrandou. Possuía corpo do torpedo e transportava à frente um poderoso transdutor de sonar que accionava um gravador e transmitia os ruídos previamente registados de um submarino da classe 688. De quatro em quatro minutos, calava-se. O Dállas seguia mil metros atrás da isca e bastante abaixo dela.

O Konovalov aproximou-se da parede de bolhas cuidadosamente, com o Pogy navegando para norte.

— Dispara contra a isca, filho da mãe — disse Chambers baixinho. A tripulação do centro de ataque ouviu-o e sorriu em concordância.

O “Outubro Vermelho”

Ramius calculou que a zona insonorizada estava agora entre o seu submarino e o Alfa. Mandou inverter a marcha dos motores. O Outubro Vermelho continuou numa rota nordeste.

O “V. K. Konovalov”

— Dez graus no leme esquerdo — ordenou Tupolev calmamente. — Vamos rodear a zona de silêncio pelo norte, a ver se ele ainda mexe quando regressarmos. Primeiro, temos de isolar o ruído.

— Por enquanto, nada — disse o michman. — Não embateu no fundo. Não há ruídos de colapso... Novo contacto, rota um-sete-zero... Som diferente, camarada comandante. Uma hélice... Parece americano.

— Direcção?

— Sul, creio. Sim, ruma a sul... O som está a alterar-se. É americano.

— Uma isca de um submarino americano. Não fazemos caso.

— Não fazemos caso? — repetiu o zampolit.

— Camarada, se rumássemos a norte e fôssemos torpedeados viraria para sul? Sim, você viraria... Marko não. É demasiado evidente. Este americano lança-nos uma isca na tentativa de nos repelir. Pouco inteligente. Marko faria melhor. E navega para norte. Eu conheço-o, sei como pensa. Navega para norte, talvez nordeste. Não teriam disparado a isca se o Outubro Vermelho se tivesse afundado. Ficamos a saber que continua a navegar, embora atingido. Havemos de o descobrir e acabar com ele — disse Tupolev, sem se excitar.

De todo concentrado na perseguição ao Outubro Vermelho, Tupolev relembrava tudo o que aprendera. Demonstraria agora que era ele o novo professor. Tinha a consciência tranquila. Tupolev cumpria o seu destino.

— Mas os americanos...

— Não dispararão, camarada — disse o comandante, esboçando um sorriso. — Se pudessem disparar já teríamos sido atingidos pelo que navega em direcção ao norte. Não podem disparar sem autorização. Têm de pedir autorização, tal como nós .. mas nós já temos essa autorização. Estamos, portanto, em vantagem. Encontramo-nos agora na zona onde o torpedo o atingiu; quando a perturbação cessar, tornaremos a encontrá-lo. E, nessa altura, não nos fugirá.

O “Outubro Vermelho”

Não podiam utilizar o caterpillar. Um dos lados fora destruído pelo torpedo. O Outubro navegava a seis nós, impelido pelas hélices, que faziam mais barulho do que o outro sistema. A situação equivalia a um exercício de protecção de um submarino equipado com mísseis. Mas o exercício pressupunha sempre que os barcos da escolta poderiam disparar para afastar os perseguidores...

— Leme esquerdo, inverter a rota — ordenou Ramius.

— Quê? — exclamou Mancuso, atónito.

— Penso, Mancuso — disse Ramius, observando Ryan para ter a certeza de que ele executava a ordem.

Ryan executou-a sem saber porquê.

— Pense, comandante Mancuso — repetiu Ramius. — Que aconteceu? Moscovo mandou um submarino ficar para trás, talvez um barco da classe Politovskiy, um Alfa, como lhe chama. Eu conheço os comandantes deles. Todos jovens, agressivos, compreende? Sim, agressivos. Já deve ter descoberto que não nos afundou. Vai, portanto, continuar a perseguir-nos. Devemos pois recuar como uma raposa e deixá-lo passar.

Mancuso não concordava, bem via Ryan pela sua expressão.

— Não podemos disparar. Os seus homens não podem disparar. Não podemos fugir-lhe porque ele é mais rápido. Não podemos esconder-nos porque o sonar dele é melhor. Vai navegar para leste, tirando partido da velocidade e do sonar para nos detectar. Se navegarmos para oeste, teremos mais possibilidades de lhe fugir. Ele não contará com isso.

Mancuso continuava a discordar, mas tinha de admitir que se tratava de uma manobra inteligente. Extremamente inteligente. Tornou a olhar o mapa. Não era o seu submarino.

O “Dállas”

— O safado passou adiante. Ou ignorou a isca ou fez de conta que não a ouviu. Está de través em relação a nós. Não tardaremos a ser detectados — disse o chefe Lavai.

Chambers praguejou baixinho.

— Bonito! Quinze graus no leme direito.

Pelo menos o Dállas não fora ouvido. O submarino respondeu rapidamente às ordens.

— Vamo-nos pôr atrás dele.

O “Pogy”

O Pogy encontrava-se agora uma milha a bombordo do Alfa. Perseguia o Dállasno sonar e registou a sua mudança de rota. O comandante Wood não sabia simplesmente o que fazer. A solução mais fácil era disparar, mas não podia. Pensou em fazer fogo por sua própria conta; tudo nele o instigava a disparar... O Alfa perseguia americanos... não podia, contudo, ceder ao instinto. Em primeiro lugar, o dever.

Nada pior do que o excesso de confiança, disse consigo, amargurado. A operação fora delineada na presunção de que a rota estaria livre e de que, em caso contrário, os submarinos poderiam avisar o Outubro Vermelho antecipadamente. Estavam a aprender uma lição para o futuro, mas Wood achou que não era a altura indicada para reflectir nisso.

O “V. K. Konovalov”

— Contacto — disse o michman ao microfone. — À frente, quase parado. Navega com hélices a baixa velocidade. Rota zero-quatro-quatro, distância desconhecida.

— É o Outubro Vermelho? — perguntou Tupolev.

— Não sei, camarada comandante. Pode ser um americano. Vem na nossa direcção, penso.

— Raios!

Tupolev olhou em redor. Teriam ultrapassado o Outubro Vermelho! Poderiam já tê-lo afundado?

O “Dállas”

— Ele saberá onde estamos, Frenchie? — perguntou Chambers, de novo no sonar.

— Não sei, sir. — Lavai abanou a cabeça. — Estamos mesmo atrás dele. Só um momento... —O chefe franziu o sobrolho. — Outro contacto, distante do Alfa. Deve ser o nosso amigo, sir. Meu Deus! Parece que vem para aqui. Navega com hélices, não aquela engenhoca...

— Distância ao Alfa!

— Menos de três mil metros, sir.

— Avante dois terços! Dez nós à esquerda! — ordenou Chambers. — Francês, enviava um ping, mas pelo sonar de alta frequência. A ver se o desorientamos. A ver se acredita que somos nós o Outubro Vermelho.

— Muito bem, sir!

O “V. K. Konovalov”

— Ping de alta frequência à popa! — disse o michman. — Não parece sonar americano, camarada.

Tupolev ficou subitamente perplexo. Teria um americano ao largo? O outro, a bombordo, era certamente americano. Não, tinha de ser o Outubro. Marko era uma velha raposa. Parara e deixara-os passar para poder disparar contra eles!

— Tudo para a esquerda, velocidade máxima!

O “Outubro Vermelho”

— Contacto!—anunciou Jones. — À frente, em silêncio. Um momento... Há um Alfa! Muito perto! Parece que dá a volta... Alguém lhe atira pings do outro lado. Meu Deus, está mesmo muito perto, Comandante, consigo distinguir o ruído do motor e da hélice.

— Comandante — disse Mancuso.

Os dois comandantes entreolharam-se e transmitiram-se uma ideia, como por telepatia. Ramius concordou de cabeça.

— Distância!

— Jonesy, um ping nesse patife!—ordenou Mancuso, correndo à popa.

— Muito bem.

Os sistemas foram activados ao máximo. Jones enviou um único ping.

— Distância mil e quinhentos metros. Ângulo de elevação zero, sir. Estamos ao mesmo nível.

— Mancuso, o seu operador que nos vá dando a distância e a rota! — disse Ramius, accionando vigorosamente o anunciador.

— Jonesy, és o nosso controle de fogo. Não o deixes fugir.

O “V. K. Konovalov”

— Um ping de sonar activo a estibordo, distância desconhecida, rota zero-quatro-zero. O alvo ao largo acaba de medir a distância — disse o michman.

— Qual é? — perguntou Tupolev.

— Muito longe, à popa, comandante. Estou a perdê-do...

Um deles era o Outubro... mas qual? Poderia correr o risco de disparar contra um submarino americano? Não!

— Solução para o alvo da frente?

— Não é muito boa — respondeu o starpom. — Ele está a manobrar e a aumentar a velocidade.

O michman concentrou-se no alvo, a ocidente.

— Comandante, o contacto à frente não é, repito, não é soviético. O contacto à frente é americano.

— Qual deles? — gritou Tupolev.

— A oeste e a noroeste são ambos americanos. Alvo a leste desconhecido.

— Manter o leme todo à esquerda.

— Leme todo à esquerda — respondeu o timoneiro, segurando a roda.

—O alvo está atrás de nós. Temos de o fixar e disparar ao dar a volta. Raios, vamos depressa de mais. Reduzir para um terço.

O Konovalov era, em princípio, rápido a virar, mas a redução da velocidade fez que a sua hélice se comportasse como um travão, atrasando a manobra. Tupolev fazia, no entanto, o que devia fazer.

Devia apontar os seus torpedos para a rota do alvo e abrandar rapidamente para que o sonar lhe fornecesse informação de fogo rigorosa.

O “Outubro Vermelho”

— O Alfa continua a virar, agora da direita para a esquerda... Os ruídos de propulsão diminuíram um pouco. Reduziu a velocidade— disse Jones, observando o écran.

O cérebro de Jones trabalhava vertiginosamente, calculando a rota, a velocidade e a distância.

— A distância é agora de mil e duzentos metros. Continua a virar. Fazemos aquilo em que estou a pensar?

— Acho que sim.

Jones colocou o sonar activo em ping automático.

— Vamos lá a ver o que ele faz, sir. Se for esperto, continua para sul e desaparece.

— Então, reza para que não seja esperto — disse Mancuso na passagem.—Atrás dele!

— Atrás dele — disse Ryan, perguntando a si próprio se outro torpedo os afundaria.

— Continua a rodar. Estamos agora a estibordo, talvez a estibordo da proa. —Jones ergueu a cabeça. — Vai dar a volta primeiro. Cá estão os pings.

O Outubro Vermelho acelerou para dezoito nós.

O “V. K. Konovalov”

— Já o fixei — disse o michman. — Distância mil metros, rota zero-quatro-cinco. Ângulo zero.

— Aponte — ordenou Tupolev ao imediato.

— Terá de ser um tiro de ângulo neutro. Estamos a rodar depressa de mais — disse o starpom.

Apontou o mais depressa que pôde. Os submarinos aproximavam-se a mais de quarenta nós.

—Só pode ser o tubo cinco! Tubo inundado, escotilha... aberta. Pronto!

— Fogo!

— Fogo no cinco! — exclamou o starpom, carregando no botão.

O “Outubro Vermelho”

— Distância reduzida para novecentos metros. Hélices rodando a alta velocidade, em frente! Vem um torpedo em direcção a nós. Um peixe em direcção a nós!

— Deixa, não percas o Alfa!

— A rota do Alfa é dois-dois-cinco, a estabilizar. Temos de rodar um pouco para a esquerda, sir.

— Ryan, cinco graus para a esquerda, rota dois-dois-cinco.

— Cinco graus no lado esquerdo, rota dois-dois-cinco.

— O peixe aproxima-se rapidamente, sir — disse Jones.

— Deixa! Não largues o Alfa.

— Está bem. A rota continua a ser dois-dois-cinco. A mesma do peixe.

A velocidade combinada neutralizou rapidamente a distância entre os dois submarinos. O torpedo aproximava-se do Outubro mais depressa ainda, mas tinha incorporado um mecanismo de segurança. Para que não explodissem na plataforma de lançamento, os torpedos só eram activados a uma distância de quinhentos a mil metros do barco lançador. Se o Outubro se aproximasse do Alfa suficientemente depressa, não seria danificado. O Outubro ultrapassara já os vinte nós.

— Distância ao Alfa setecentos e cinquenta metros, rota dois-dois-cinco. O torpedo está perto, sir. Mais alguns segundos...

Jones contraiu-se, lendo o écran.

Klonk!

O torpedo atingiu o Outubro Vermelho na proa hemisférica. O dispositivo de segurança precisava ainda de mais cem metros para ser activado. O impacte desfê-lo em três bocados que o submarino ignorou na sua marcha rápida.

—Não rebentou!—disse Jones, rindo. — Graças a Deus! O alvo continua na rota dois-dois-cinco, distância setecentos metros.

O “V. K. Konovalov”

— Não explodiu? — perguntou Tupolev.

— O dispositivo de segurança!

O starpom praguejou. A distância entre os dois submarinos era pequena de mais.

— Onde está o alvo?

— Rota zero-quatro-cinco, camarada. Constante — respondeu o núchman. — Reduz-se rapidamente.

Tupolev empalideceu.

— Leme todo à esquerda, velocidade máxima!

O “Outubro Vermelho”

— Está a virar da esquerda para a direita — disse Jones. — A rota é agora dois-três-zero, a abrir ligeiramente. Preciso de um pouco de leme direito, sir.

— Ryan, cinco graus no leme direito.

— Cinco graus no leme direito — respondeu Jack.

— Não, dez graus! — disse Ramius, contrariando a ordem de Mancuso.

Ramius, servindo-se de papel e lápis, reproduzira a rota do submarino atacante. Conhecia os Alfas.

— Dez graus no leme direito — disse Ryan.

— Efeito de aproximação, distância reduzida para quatrocentos metros, rota dois-dois-cinco ao centro do alvo. O alvo oscila para a esquerda e para a direita, sobretudo para a esquerda — disse Jones rapidamente. — Distância... trezentos metros. Ângulo de elevação zero, estamos ao mesmo nível. Distância duzentos e cinquenta, rota dois-dois-cinco ao centro do alvo. Já não podemos fugir, comandante.

— Vamos bater! — exclamou Mancuso.

Tupolev devia ter mudado de profundidade. Assim, dependia da aceleração e da manobrabilidade do Alfa, esquecendo-se de que Ramius as conhecia perfeitamente.

—Contacto à nossa frente... Tenho retorno instantâneo, szW

— Segurem-se, vamos colidir!

Ramius esquecera o alarme de colisão. Accionou-o apenas dez segundos antes do impacte.

O Outubro Vermelho atingiu o Konovalov a meio, mais na direcção da popa, num ângulo de trinta graus. A violência da colisão rasgou o casco da pressão de titânio do Konovalov e amolgou a popa do Outubro como se fosse uma lata de cerveja.

Ryan não se segurara com força bastante. Foi projectado para a frente e bateu com a cara no painel de instrumentos. À popa, Williams foi catapultado da cama e seguro por Noyes a tempo de não bater com a cabeça na coberta. Os sistemas de sonar de Jones avariaram-se. O submarino saltou por cima do Alfa, a quilha raspando pela coberta superior do barco mais pequeno, impelido para cima e para a frente pelo impacte.

O “V. K. Konovalov”

O Konovalov era, em princípio, estanque. Na realidade, dois compartimentos abriram-se imediatamente ao mar, e a antepara entre o centro de controle e a popa cedeu quase de imediato, devido à deformação do casco. A última coisa que Tupolev viu foi uma barreira de espuma branca entrando por estibordo. O Alfa rolou para bombordo, virado pela fricção da quilha do Outubro. Em segundos, estava invertido. Em toda a sua extensão, homens e equipamento desmoronaram-se como dados. Metade dos tripulantes afogava-se já. O contacto com o Outubro acabou aqui, quando o Konovalov inundado começou a mergulhar de popa. O último acto consciente do comissário político foi accionar o farol de alarme, inutilmente, porém: o submarino invertera-se e o cabo ensarilhou-se na torre. O único sinal do túmulo do Konovalov era uma massa de bolhas de água.

O “Outubro Vermelho”

— Ainda estamos vivos? — perguntou Ryan, a face sangrando profusamente.

— Hidroplanos para cima! — gritou Ramius.

— Tudo para cima.

Ryan executou a ordem com a mão esquerda, levando à cara a direita.

— Danos — disse Ramius em russo.

— O sistema do reactor está intacto — respondeu Melekhin imediatamente.— O painel de controle de danos acusa inundação na sala dos torpedos... creio. Abri o ar de alta pressão e a bomba foi activada. Devemos subir à superfície para avaliar os danos.

— Da!

Ramius dirigiu-se, coxeando, ao painel dos comandos dos tanques e começou a enchê-los todos de ar.

O “Dállas”

— Meu Deus — disse o chefe de sonar —, alguém bateu em alguém. Ouço ruídos de ruptura ascendentes e estouros de casco descendentes. Não sei a que submarino pertencem, sir. Os dois motores estão parados.

— Subir à altura do periscópio, já! — ordenou Chambers.

O “Outubro Vermelho”

Eram 16 e 54, hora local, quando o Outubro Vermelho rompeu a superfície do oceano Atlântico pela primeira vez, quarenta e sete milhas a sudeste de Norfolk. Não havia outro barco à vista.

— O sanar não funciona, comandante. — Jones desligou todos os interruptores. — Tudo avariado. Temos os hidrofones laterais e mais nada, uma miséria... O som do sonar activo foi-se e o telefone subaquático também.

— Vai para a proa, Jonesy. Belo trabalho. Jones tirou o último cigarro do maço.

— Sempre que queira, sir... mas saio no próximo Verão. Saio mesmo.

Bugayev acompanhou-o, ainda surdo e chocado devido ao embate do torpedo.

O Outubro vogava à superfície, inclinado à proa e vinte graus para bombordo, devido aos tanques de lastro rasgados.

O “Dálias”

— E esta? — exclamou Chambers, pegando no microfone. — Fala o comandante Chambers. Afundaram o Alfa! Os nossos rapazes estão a salvo. Subiram à superfície. Alerta à equipa de salvamento e incêndios!

O “Outubro Vermelho”

— Está bem, comandante Ryan? — Jones virou a medo a cabeça. — Foi como se tivesse batido com a cara numa porta envidraçada, sir...

— Quando parar de sangrar é que vou ver como estou — disse Ryan, tonto.

— Pois é...—Jones enxugou-lhe os ferimentos com o lenço.— Oxalá nunca lhe torne a acontecer outra, sir.

— Comandante Ramius, posso comunicar com o meu barco, da ponte? — perguntou Mancuso.

— Com certeza. Vamos, talvez, precisar de ajuda.

Mancuso vestiu o dólman e certificou-se de que o seu pequeno rádio de atracar continuava no bolso onde o deixara. Trinta segundos depois, encontrava-se na ponte. Examinou o horizonte e viu o Dállas subindo à superfície. O céu nunca lhe parecera tão belo.

Não conseguia identificar o rosto, a quatrocentos metros de distância, mas tinha de ser Chambers.

— Dállas, fala Mancuso.

— Comandante, fala Chambers. Está tudo bem?

— Está! Mas precisamos de ajuda. Temos a proa metida dentro e apanhámos com um torpedo a meio do barco.

— Estou a ver, Bart. Olhe para baixo...

— Meu Deus!

O buraco, irregular, era à tona de água e o submarino inclinava-se para a proa. Mancuso admirou-se como flutuava ainda, mas não era altura para procurar razões.

— Venha cá, Wally, e traga a jangada.

— É para já. As equipas de salvamento e de incêndios estão a postos. Eu... Lá está o nosso outro amigo — disse Chambers.

O Pogy emergiu trezentos metros adiante do Outubro.

— O Pogy diz que a área está livre. Só cá nos encontramos nós. Já ouvi essa uma vez, não foi? — observou Chambers, rindo tristemente. — E se mandássemos uma mensagem rádio?

— Não. Vamos ver se resolvemos isto primeiro.

O Dállas aproximou-se do Outubro. Minutos mais tarde, o submarino de Mancuso encontrava-se setenta metros a bombordo, e dois homens numa jangada lutavam contra as ondas. Até então, apenas um punhado de homens a bordo do Dállas sabia do que se passara; agora, tudo era do conhecimento de todos. Mancuso via os seus homens apontando e conversando. Que romance!

Os danos não eram tão graves quanto haviam temido. A sala de torpedos não fora inundada, afinal — um sensor avariado pelo impacte dera uma falsa leitura. Os tanques de lastro, à popa, estavam abertos ao mar, mas o submarino era tão grande e os seus tanques de lastro tão subdivididos que apenas mergulhava cerca de três metros à proa. A inclinação para bombordo praticamente não contava. Em duas horas, a ruptura no centro de comunicações fora colmatada e, após uma longa discussão entre Ramius, Melekhin e Mancuso, decidira-se que podiam mergulhar novamente se mantivessem a velocidade baixa e não ultrapassassem os trinta metros. Iam chegar tarde a Norfolk.

 

                     Segunda-feira, 20 de Dezembro

                     O “Outubro Vermelho”

Ryan encontrava-se outra vez na ponte, graças a Ramius. O comandante russo achava que ele merecia. Em troca do favor, Jack ajudara-o a subir. Mancuso estava com eles. Havia agora uma tripulação americana no centro de controle e a equipa da casa das máquinas fora reforçada, aproximando-se já de um quarto normal. A fuga no centro de comunicações não fora ainda de todo dominada, mas estava acima da linha de água. O compartimento fora escoado e a inclinação do Outubro diminuirá para quinze graus. O submarino continuava inclinado para a proa, situação parcialmente compensada quando os tanques de ’astro intactos foram esvaziados. A proa amolgada dava ao submarino uma esteira bastante assimétrica, mal visível; o céu carregado de nuvens não deixava ver a Lua. O Dállase o Pogy continuavam submersos, ligeiramente à popa, atentos a novas interferências, rumando aos cabos Henry e Charles.

Mais afastado, à popa, um transporte de LNG (gás natural liquefeito) aproximava-se da passagem que a guarda-costeira tinha fechado ao tráfego normal, a fim de permitir à bomba flutuante viajar sem intromissões desde o terminal do LNG em Cove Point, Maryland... pelo menos era essa a versão oficial. Ryan perguntou a si próprio de que modo tinha a Marinha convencido o comandante do barco a fingir uma avaria no motor ou a atrasar fosse lá como fosse a chegada. Traziam seis horas de atraso. A Marinha devia ter sofrido enquanto não os viu subir à superfície quarenta minutos antes, imediatamente localizados por um Orion.

As luzes das bóias vermelhas e verdes saudavam-nos, dançando nas ondas. Ryan identificou adiante as luzes da ponte de Chesapeake Bay, mas não viu faróis de automóveis. A CIA encenara provavelmente um desastre qualquer para a encerrar, talvez um reboque ou dois cheios de ovos ou gasolina... Coisa bem pensada...

— Nunca esteve na América, pois não? — perguntou Ryan para quebrar o silêncio.

— Não, nunca estive num país ocidental. Estive em Cuba uma vez, há muitos anos.

Ryan olhou para norte e para sul. Já deviam estar entre os cabos.

— Seja bem-vindo, comandante Ramius. Pessoalmente, sir, estou muito satisfeito por o ter aqui.

— E ainda mais satisfeito por estar aqui — observou Ramius. Ryan riu alto.

— Pode apostar! Mais uma vez obrigado por me ter deixado subir à ponte.

— Você merecia, Ryan.

— Trate-me por Jack, sir.

— Um diminutivo de John, não é? — perguntou Ramius. — John é o mesmo que Ivan, não?

— É, sir, creio que sim.

Ryan não compreendeu por que motivo Ramius se abriu num sorriso.

— Aproxima-se o rebocador — disse Mancuso.

O comandante americano tinha uma vista soberba. Ryan demorou um minuto a ver o barco pelo binóculo. Era uma sombra mais escura do que a noite, aí a uma milha de distância.

— Sceptre, aqui rebocador Paducah. Escuto. Mancuso tirou o rádio de atracar do bolso.

— Paducah, aqui Sceptre. Bom dia, sir. Falava com sotaque inglês.

— Ponha-se atrás de mim, por favor, comandante, e siga-me.

— Muito bem, Paducah. Terminado.

O HMS Sceptre era o nome de um submarino inglês. Devia estar longe, pensou Ryan, a patrulhar as Malvinas ou outra posição distante, e a sua chegada a Norfolk seria um acontecimento de rotina, vulgar, que não levantaria suspeitas. Preveniam-se, evidentemente, contra a desconfiança de algum agente, ao saber da chegada de um submarino estrangeiro.

O rebocador aproximou-se a poucas centenas de metros e começou a guiá-los, a cinco nós. No rebocador acendeu-se uma luz vermelha.

— Oxalá não deparemos com tráfego civil — disse Mancuso.

— Então a entrada do porto não está fechada? — perguntou Ramius.

— Pode andar por aí algum barquito à vela. As pessoas podem passar à vontade pelo porto para o canal de Dismal Swamp e ninguém as consegue apanhar no radar. Furam sempre, por aqui e por ali.

— Mas que loucura!

— Isto é um país livre, comandante — disse Ryan em voz tranquila. — Vai precisar de algum tempo para compreender o que significa a liberdade. É uma palavra que muitas vezes se usa a despropósito, mas acabará por reconhecer como foi sensata a sua decisão.

— Vive aqui, comandante Mancuso?

— Vivo. A minha esquadra está baseada em Norfolk. Tenho casa em Virgínia Beach, lá mais para baixo. Não estarei lá tão cedo. Vão mandar-nos outra vez para trás. Tem de ser. Enfim, mais um Natal que não passo em casa. Ossos do ofício.

— Tem família?

— Tenho, comandante. Mulher e dois filhos. Michael, de oito anos, e Dominic, de quatro. Estão habituados a não ver o pai.

— E você, Ryan?

— Um rapaz e uma rapariga. Espero passar o Natal em casa. Desculpe, comandante... Sabe, vi as coisas mal paradas... Depois de tudo composto, apetece-me comemorar de uma maneira muito especial.

— Vai ser cá uma conta de jantar! — gracejou Mancuso.

— A CIA paga!

— E que vai fazer a CIA connosco? — perguntou Ramius.

— Como lhe disse, comandante, daqui por um ano os senhores estarão a viver as vossas vidas onde quiserem, a fazerem o que quiserem.

— Mais nada?

— Mais nada. Orgulhamo-nos da nossa hospitalidade, sír. Se um dia eu for outra vez transferido para Londres, o senhor e os seus homens serão sempre bem-vindos a minha casa.

— O rebocador vai entrar no porto — disse Mancuso.

A conversa tornava-se demasiado sentimental para Mancuso.

— Dê a ordem, comandante — disse Ramius. Era, no fim de contas, o porto de Mancuso.

— Cinco graus no leme esquerdo — disse Mancuso ao microfone.

— Cinco graus no leme esquerdo — respondeu o timoneiro.

— Muito bem.

O Paducah entrou no canal principal, passou o Saratoga, que se encontrava debaixo de uma enorme grua, e dirigiu-se a um cais com o comprimento de uma milha no Estaleiro Naval de Norfolk. O canal estava absolutamente deserto; só o Outubro e o rebocador navegavam nele. Ryan perguntou a si próprio se o Paducah teria uma tripulação normal ou constituída na totalidade por almirantes. Seria incapaz de apostar num ou noutro sentido.

Norfolk, Virgínia

Minutos mais tarde, chegavam ao seu destino. A Doca Oito-Dez era uma nova doca seca construída para a manutenção de submarinos equipados com mísseis balísticos da classe Ohio, uma monumental caixa de cimento com mais de duzentos e quarenta metros de comprido, larguíssima, coberta com um telhado de aço, a fim de que os satélites espiões não pudessem saber se estava ocupada ou não. Fora construída na zona de segurança máxima da base e havia que passar várias barreiras com guardas armados — marines, não os habituais guardas civis — para chegar à doca, quanto mais para entrar nela.

— Tudo parado — ordenou Mancuso.

— Tudo parado.

O Outubro Vermelho abrandava a velocidade havia vários minutos, e duzentos metros adiante parou por completo. O Paducah rodou por estibordo, a fim de lhe colocar a proa. Os dois comandantes teriam preferido entrar sozinhos, mas a proa danificada tornaria a manobra perigosa. Um rebocador movido a diesel levou cinco minutos a alinhar a proa directamente apontada à doca cheia de água. Ramius deu as últimas ordens no seu submarino. Este cruzou a água escura, passando lentamente sob o amplo telhado. Mancuso ordenou aos seus homens que manobrassem os cabos lançados pelos marinheiros na orla da doca e o submarino parou exactamente no meio. Já a comporta que tinham atravessado se fechava e uma cobertura de lona do tamanho de uma vela grande a cobria. Só então as luzes foram acesas. De súbito, um grupo de cerca de trinta oficiais começou a gritar como fãs num jogo de futebol. Só faltava a banda.

— Desligar os motores — disse Ramius, em russo, à tripulação na sala de manobra, acrescentando depois em inglês, com uma nota de tristeza na voz. — Pronto. Cá estamos.

A grua avançou para eles e parou, a fim de levantar a prancha, que pousou cuidadosamente na coberta do submarino, adiante da torre. Mal a prancha se imobilizou, dois oficiais com listras douradas quase até aos cotovelos atravessaram-na a correr. Ryan reconheceu o primeiro. Era Dan Foster.

O chefe das operações navais saudou o oficial de quarto ao chegar ao extremo da prancha, depois olhou a torre.

— Peço autorização para entrar a bordo, sir.

— Autorização...

— Concedida — adiantou-se Mancuso.

— Autorização concedida — disse Ramius em voz alta.

Foster saltou para bordo e subiu a correr a escada da torre. Não era fácil, porque o submarino estava ainda bastante inclinado para bombordo. Foster ofegava quando chegou ao centro de controle.

— Comandante Ramius, sou Dan Foster.

Mancuso ajudou o CNO a saltar a braçola da ponte. O centro de controle ficou subitamente à cunha. O almirante americano e o comandante russo cumprimentaram-se. Depois, Foster apertou a mão de Mancuso. Jack foi o último.

— Parece que o uniforme está a precisar de conserto, Ryan. E a cara também...

— Tivemos uns problemazitos...

— Estou a ver. Que aconteceu?

Ryan não esperou pela explicação. Desceu sem pedir desculpa. Não era aquela a sua comunidade. No centro de controle, os homens trocavam sorrisos, mas calados, como se temessem que a magia do momento se evaporasse num instante. Para Ryan, já se evaporara. Procurou a escotilha da coberta e atravessou-a, levando consigo tudo o que trouxera para bordo. Cruzou a prancha e nenhum dos que com ele se cruzaram lhe prestou atenção. Dois maqueiros transportavam uma maca. Ryan decidiu esperar na doca por Williams. O oficial britânico não assistira a nada; só recuperara a consciência nas últimas três horas. Ryan fumou o seu último cigarro russo. A maca com Williams deitado foi retirada. Noyes e os enfermeiros dos submarinos seguiam atrás.

— Como se sente? — perguntou Ryan, caminhando ao lado da maca, em direcção à ambulância.

— Vivo — respondeu Williams, pálido e magro.—E você?

— Sinto chão firme debaixo dos pés. Graças a Deus!

—O que ele vai sentir é uma cama de hospital. Gostei de o conhecer, Ryan — disse o médico. — Vamos embora.

Os maqueiros colocaram a maca numa ambulância estacionada junto dos portões enormes. Um minuto mais tarde, desaparecia.

— É o comandante Ryan, sir? — perguntou um sargento marine após fazer a continência.

Ryan correspondeu à saudação e respondeu:

— Sou.

— Tenho um carro à sua espera, sir. Quer fazer o favor de me seguir?

— Vamos lá, sargento.

O carro era um Chevy cinzento-azulado que o levou directamente à Base Aérea Naval de Norfolk. Ryan embarcou aí num helicóptero. Estava tão cansado que não distinguiria um helicóptero de um trenó puxado por renas. Durante a viagem de trinta e cinco minutos até à Base da Força Aérea de Andrews, Ryan sentou-se atrás, sozinho, os olhos fitos no espaço. Esperava-o outro carro que o conduziu directamente a Langley.

Quartel-General da CIA

Eram quatro da manhã quando Ryan entrou finalmente no gabinete de Greer. O almirante estava acompanhado de Moore e de Ritter. Ofereceu-lhe de beber — não café, mas um borbom Wild Turkey. Os três executivos apertaram-lhe a mão.

— Sente-se, rapaz — disse Moore.

— Extraordinariamente bem feito — disse Greer, sorrindo.

— Obrigado. — Ryan tomou um bom gole de álcool. — E agora?

— Agora vamos querer saber tudo — respondeu Greer.

— Não, sir. Agora vou para casa!

Os olhos de Greer brilharam quando tirou uma folha de papel do bolso do casaco e a pousou no regaço de Ryan.

— Tem lugar marcado no primeiro voo para Londres que sai de Dulles às 7 e 5 da manhã. Precisa de tomar banho, mudar de roupa e de ir buscar a sua Barbie Esquiadora.

Ryan tomou o resto da bebida. O súbito ardor do uísque trouxe-lhe lágrimas aos olhos; conseguiu, porém, impedir-se de tossir.

— Esse uniforme passou por um mau bocado — observou Ritter.

— Eu também. — Jack meteu a mão no bolso e tirou uma pistola automática. — E isto também.

— O agente do GRU? Não foi evacuado com o resto da tripulação? — perguntou Moore.

— Sabia da sua existência? Sabia e não me disse nada! Parece impossível!

— Acalme-se, meu filho — disse Moore. — Falhámos os contactos por meia hora. Pouca sorte... Bom, a verdade é que conseguiu! Isso é que conta!

Ryan estava fatigado de mais para gritar, para fazer fosse o que fosse. Greer alugou um gravador e pegou num bloco amarelo, cheio de perguntas.

— Williams, o oficial britânico, está mal — disse Ryan duas horas depois. — Mas o médico diz que escapa. O submarino não foge. Tem a proa metida dentro e um buraco enorme no sítio onde o torpedo o atingiu. Eles tinham razão acerca do Typhoon, almirante. Os russos construíram-no para aguentar tudo, graças a Deus. Sabe, é capaz de haver gente viva no Alfa...

— Uma pena... — observou Moore. Ryan acenou lentamente de cabeça.

—Pois... Não me agrada, sir, deixarmos morrer assim...

—’A nós também não — disse o juiz Moore—, não costumamos fazê-lo, mas se lá fôssemos, então tudo o que... tudo aquilo por que você passou teria sido inútil. É isso que quer?

— Uma possibilidade em mil, de qualquer modo — ajuntou Greer.

— Não sei.

Ryan acabou de beber a terceira bebida e sentiu-a. Não esperava que Moore se manifestasse interessado em investigar o Alfa à procura de sobreviventes; Greer, esse surpreendia-o. O velho marinheiro deixara-se corromper por aquele caso — ou, simplesmente, por estar na CIA — a ponto de esquecer o código dos marinheiros. E que teria Ryan a ver com esse código?

— Não sei.

— Foi uma guerra, Jack — disse Ritter, mais amável do que o costume—, uma verdadeira guerra. Você comportou-se bem, rapaz.

— Numa guerra comportamo-nos bem quando chegamos vivos a casa — disse Ryan, levantando-se — e é exactamente isso, meus senhores, que vou fazer. Já.

— Tem as coisas na casa de banho. — Greer olhou o relógio. — Se quiser, ainda tem tempo para se barbear.

—Já me esquecia...

Ryan meteu a mão pelo colarinho, tirou a chave e passou-a a Greer.

— Uma coisinha insignificante, não é? Pode matar cinquenta milhões de pessoas com ela. “Chamo-me Ozymandias, rei dos reis! Vede a minha obra, oh, poderosos, e desesperai!”

Ryan foi à casa de banho, confiante de que só muito bêbado citaria Shelley.

Viram-no desaparecer. Greer desligou o gravador e olhou para a chave na mão.

— Ainda quer levá-lo ao presidente?

— Não, não é boa ideia — disse Moore. — O rapaz está muito amachucado e não admira. Meta-o no avião, James. Mandaremos uma equipa a Londres, amanhã ou depois, para acabar o interrogatório.

— Está bem. — Greer olhou o copo vazio. — É muito cedo para isto, não é?

Moore acabou o seu terceiro copo.

— Também acho. Mas foi um dia magnífico e o Sol ainda não nasceu. Vamos embora, Bob. Temos que fazer.

Estaleiro Naval de Norfolk

Mancuso e os seus homens embarcaram no Paducah antes do alvorecer, a caminho do Dállas. O submarino da classe 688 partiu imediatamente e submergia antes do nascer do Sol. O Pogy, que não chegara a entrar no porto, completaria a sua missão sem o enfermeiro a bordo. Os dois submarinos tinham ordens para navegar durante mais trinta dias, durante os quais os tripulantes seriam encorajados a esquecer tudo o que tinham visto, ou ouvido, ou imaginado.

O Outubro Vermelho encontrava-se sozinho na doca seca, guardado por vinte marines armados. Não era uma situação invulgar na Doca Oito-Dez. Já um grupo seleccionado de engenheiros e técnicos inspeccionava o barco. As primeiras coisas retiradas foram os livros e as máquinas de cifra. Estariam na Agência Nacional de Segurança, em Fort Mead, antes do meio-dia.

Ramius e os oficiais, com os seus pertences, foram transportados de autocarro para o mesmo aeroporto que Ryan utilizara. Uma hora mais tarde, encontravam-se numa casa segura da CIA, nas colinas ondulantes a sul de Charlottesville, na Virgínia, Foram imediatamente para a cama — todos menos dois homens que ficaram a pé a ver televisão por cabo, entusiasmados já com o que podiam conhecer da vida dos Estados Unidos.

Aeroporto Internacional de Dulles

Ryan não deu pelo alvorecer. Embarcou num 747 da TWA, que partiu de Dállas às 7 e 5, exactamente à hora prevista. O céu estava coberto de nuvens, e quando o avião rompeu, banhando-se no sol, Ryan fez uma coisa que nunca antes fizera. Pela primeira vez na vida, Jack Ryan adormeceu no ar.

 

                                                                                Tom Clancy  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

           Voltar à Página do Autor