Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
A CAMINHO DO ALTAR
A CHUVA caía sobre o telhado da pequena casa onde viviam os pais da Antonia Hayes. Era uma chuva fria. Antonia se alegrou de que fora verão, porque a princípios de outono começariam a sofrer verdadeiras tormentas de agua ou de neve. Bighorn, uma localidade do noroeste de Wyoming, não era um lugar onde resultasse fácil a vida quando a cobria o gelo. tratava-se de um simples povo, e apesar de contar com três mil habitantes, resultava muito pequeno para gozar dos meios de transporte de um lugar maior. Não havia nenhum aeroporto; só uma estação de ônibus e a ferrovia, mas os trens passavam muito de vez em quando, e a Antonia não serviam de nada.
Estava a ponto de começar o segundo ano da carreira na universidade do Arizona, no Tucson, um lugar onde a neve não fazia ato de presença nem sequer no inverno, salvo nas cúpulas das montanhas. Sofriam tormentas de areia, mas não tão pomposas para resultar molestas. Além disso, transcorrido seu primeiro ano de estudos, tinha estado muito ocupada tentando passar nos exames e curar seu coração quebrado para preocupar-se com o clima. Entretanto, aquele dia o calor lhe parecia sufocante, e se alegrou de que contassem com uma aparelho de ar condicionado.
Naquele instante, soou o relógio. Antonia se deu a volta, de maneira que seu curto e loiro cabelo se balançou no ar. Seus olhos cinzas estavam cheios de tristeza por ter que partir. Mas o curso começava em menos de uma semana, e tinha que retornar ao colégio maior onde vivia para ir preparando algumas costure. Ao menos, alegrava-lhe saber que Barrie Bell, a filha do George Rutherford, era sua companheira de habitação. levavam-se muito bem.
—foi maravilhoso te ter aqui durante uma semana—disse com suavidade Jessica, sua mãe—. Oxalá tivesse podido ficar todo o verão.
Sua voz se quebrou. Tanto ela como Ben, seu marido, e a própria Antonia, conheciam muito bem a razão pela que não podia ficar muito tempo. Tinha sido motivo de grande tristeza para todos eles, mas não tinham falado a respeito. Ainda doía muito, e as falações só começavam a sossegar-se então, quando quase tinha transcorrido um ano do acontecido. A súbita viagem a França do George Rutherford, apenas uns meses depois de que Antonia partisse, tinha apaziguado os falatórios.
Apesar do acontecido, George seguia sendo um bom amigo da Antonia e de sua família. Sua educação universitária era um presente que costeava ele. Embora pretendesse lhe devolver todo o dinheiro, no momento não podia fazê-lo. Seus pais tinham uma posição digna na comunidade, mas careciam dos recursos econômicos suficientes para lhe proporcionar uns estudos em um país em que a universidade pública era virtualmente inexistente. George se tinha decidido a ajudá-la, e sua amabilidade tinha tido um alto preço para todos.
Entretanto, tanto seu filho Dawson como sua filha Barrie saíram imediatamente em defesa da Antonia, para proteger a dos falatórios.
Tranqüilizava-a saber que os filhos do George, as duas pessoas que mais o queriam, não acreditavam que fora a amante de seu pai. Algo no que ajudava o fato de que Dawson e Powell Long fossem rivais; ambos queriam fazer-se com o controle sobre uma propriedade que separava seus respectivos ranchos no Bighorn. George tinha vivido na localidade até que estalou o escândalo. Então, partiu à casa familiar que compartilhava com seu filho no Sheridan. Esperava que daquele modo cessassem as falações, mas não conseguiu nada. Ao final, partiu-se a França, incrementando a inimizade entre Dawson e Powell Long. Inimizade que permanecia inalterável.
E, entretanto, apesar de que George se encontrava fora do país, e a pesar do apoio de seus amigos e de sua família, Sally Long fazia tanto machuco à reputação da Antonia que estava segura de que não poderia retornar jamais a seu lar.
Tentou deixar de pensar nisso e concentrar-se no que estava dizendo sua mãe. Ausente, murmurou:
—Já sabem que este verão tive várias aulas. Sinto-o muito, mas pensei que seria melhor. Além disso, estavam alguns de meus melhores amigos. Em realidade, resultou bastante divertido, embora teria preferido ficar em casa. Acredito que lhes vou jogar muito de menos.
Jessica a abraçou com calidez.
—E nós a ti.
—Essa estúpida da Sally Long—murmurou seu pai, que também a abraçou—. esteve pulverizando todo tipo de mentiras sobre ti para te afastar do Powell. Ainda não consigo entender que o muito cretino as acreditasse, nem que se casasse com ela. Por não falar do bebê. Nasceu só sete meses depois das bodas.
Antonia empalideceu, mas sorriu de todas formas.
—Esquece-o, papai. Todo isso pertence ao passado—observou, tentando animá-lo-se casaram e agora têm uma filha. Espero que seja feliz.
—Feliz? depois da forma em que te tratou?
Antonia fechou os olhos. A lembrança ainda resultava doloroso. Powell tinha sido o centro de sua vida. Jamais teria acreditado que fora possível amar tanto a alguém. Não lhe tinha declarado seu amor, mas estava segura de que seus sentimentos eram recíprocos. Entretanto, quando pensava nisso, dava-se conta de que não a tinha amado nunca. Só a tinha desejado. Até o ponto de que sempre tinha querido pospor qualquer compromisso.
Mas a espera tinha resultado bastante adequada, tendo em conta o acontecido.
Tinha-o amado com todo seu coração, mas conseguiu recuperar-se. Transcorrido um ano, ainda podia ver seus olhos negros, seu cabelo escuro e sua fina boca. A imagem permanecia em sua memória apesar de que tinha cancelado as bodas justa no dia anterior a que se levasse a cabo. Várias pessoas não receberam a tempo a notícia, e estiveram esperando um bom momento na igreja. Ao recordar a humilhação, estremeceu-se.
Ben ainda estava fazendo todo tipo de comentários ofensivos sobre a Sally. Sua esposa pôs uma mão sobre seu braço para tranqüilizá-lo.
—Já basta, Ben. É água passada—disse com firmeza.
Sua voz soou tão tranqüila que resultava difícil de acreditar que o escândalo tivesse afetado a seu coração. estava-se recuperando bastante bem, e Antonia fazia todo o possível por soslayar o tema para evitar que se entristecesse.
—Não acredito que Powell seja feliz—continuou Ben, a olhando a sua filha—. Não está nunca em casa, e nunca lhe vê em público com sua esposa. De fato, quase nunca vemos a Sally. Se for feliz, não o demonstra. Chamou casa pouco antes de Semana Santa, para nos pedir sua direção. Escreveu-te?
—Sim.
—E bem?—perguntou, com curiosidade.
—Devolvi-lhe a carta sem abri-la—respondeu, cada vez mais pálida—. Enfim, tal e como há dito mamãe, é água passada.
—Pode que queria desculpar-se—interveio sua mãe.
Antonia suspirou.
—Há certas coisas que as desculpas não podem arrumar. Amava ao Powell, sabe? Mas ele não sentia o mesmo por mim. Nunca disse que me quisesse em todo o tempo que estivemos juntos. Acreditou as mentiras da Sally. Anulou as bodas, disse o que pensava de mim e me abandonou. Tinha que partir. Foi algo muito doloroso.
Ainda recordava suas largas costas enquanto se afastava dela. A dor tinha resultado insuportável. E seguia sendo-o.
—Como se George fora esse tipo de homem—disse Jessica—. É o homem mais encantado do mundo, e te adora.
—É certo. Não é o tipo de homem que se dedica a jogar com jovencitas—comentou Ben—. Os que criam algo assim sobre ele são uns idiotas. Sei de sobra que partiu a França com a única intenção de evitar as falações.
—Bom, tendo em conta que os dois nos partimos, não acredito que a gente siga falando—sorriu Antonia—. Estou estudando muito. Quero que George se orgulhe de mim.
—Fará-o. Nós já o estamos—disse sua mãe.
—Suponho que para o Powell Long é castigo suficiente estar pacote a essa bruxa egoísta—insistiu Ben, irritado—. Acredita que vai se fazer rico com esse rancho de gado, mas só é um sonhador. Seu pai era um jogador e sua mãe uma pobre mulher. Não acredito que seja capaz de fazer dinheiro com esse negócio.
—Parece que o está conseguindo—contradisse sua esposa—. Acaba de comprar uma caminhonete nova, e um par de ranchos de Montana assinaram um contrato com ele para que lhes proporcione lhes semeie. Se tiver boa memória, recordasse que um de seus touros ganhou um prêmio nacional.
—Um touro não faz um império—espetou.
Antonia sentiu uma profunda angústia. Powell tinha compartilhado seus sonhos com ela. Tinham planejado levantar aquele rancho juntos e contar com as melhores cabeças de gado do estado.
—Poderíamos trocar de conversação, por favor?—perguntou. Antonia, com um sorriso forçado—. Ainda me dói.
—É obvio. Sentimo-lo muito—se desculpou sua mãe, com voz doce—. Voltará para casa por Natais?
—Tentarei-o. De verdade.
Só tinha uma pequena mala. Levou-a a carro e abraçou a sua mãe uma vez mais antes de subir ao interior do veículo. Seu pai ia levar a à estação de ônibus.
Ainda era cedo, mas fazia bastante calor. Quando chegaram a seu destino, Antonia saiu do automóvel, agarrou sua mala e esperou na rua enquanto seu pai se dirigia ao guichê que se encontrava no interior do pequeno supermercado. Havia penetra para comprar os bilhetes. Então olhou para a rua e ficou geada ao contemplar a um homem que se aproximava. Um frio e tranqüilo fantasma do passado.
Era tão imponente como recordava. Levava um traje mais caro que os que usava quando estavam juntos, e parecia mais magro. Mas seguia sendo o mesmo Powell Long.
Por sua culpa o tinha perdido tudo, salvo o orgulho. Ao ver que se aproximava pela calçada, com sua lenta e elegante maneira de caminhar, fez um esforço para olhá-lo diretamente aos olhos. Não estava disposta a permitir que notasse a profunda dor que lhe tinha causado. Nem sequer então.
A expressão do Powell não denotava emoção alguma. Quando chegou a sua altura se deteve e olhou a mala.
—Vá, vá—comentou, observando-a—. Tinha ouvido que estava aqui. Suponho que o pintinho a voltado para casa para assar-se, verdade?
—Não penso ficar aqui—respondeu com frieza—. vim a visitar meus pais e volta à universidade, ao Arizona.
—Em ônibus?—perguntou—. Seu amante não pode pagar um bilhete de avião? Ou é que te deixou na estacada quando partiu a França?
Antonia lhe pegou uma forte patada na tíbia. Não foi um pouco premeditado, e a surpresa do Powell foi tão grande como a sua quando se inclinou para esfregá-la perna.
—Oxalá levasse umas botas militares com ponteira de aço como algumas das garotas com as que estou na universidade—espetou—. Se voltar a me falar assim, a próxima vez te romperei uma perna.
Então se afastou dele.
Seu pai acabava de comprar o bilhete de ônibus. Tinha presenciado a cena e estava disposto a sair para arrumar as contas com o Powell, mas Antonia entrou e o impediu.
—Esperaremos aqui ao ônibus, papai—disse, com o rosto avermelhado pela fúria. Seu pai olhou ao Powell com frieza.
—Bom, ao menos parece que começa a controlar seu mau gênio. O ano passado não se teria partido—comentou seu pai—. Espero que lhe tenha feito mal.
Antonia sorriu.
—Não acredito. Não se pode fazer mal a alguém que não tem sensibilidade. Espero que Sally lhe pergunte pelo acontecido.
Seu ex-noivo desapareceu da vista, rua abaixo.
—Acredito que o ônibus chegou.
Seu pai a acompanhou ao exterior. Por fortuna, nem o vendedor de bilhetes nem as pessoas que se encontravam na cauda pareciam ter emprestado atenção à cena que se desenvolveu na rua. A gente da pequena localidade não teria necessitado muito mais para ressuscitar os falatórios.
Antonia abraçou a seu pai antes de subir ao ônibus. Queria olhar para a rua para ver se Powell ainda se encontrava perto. Mas não queria arriscar-se a que a visse, apesar de que os escuros guichês provavelmente o teriam impedido.
Segundos mais tarde, o ônibus saiu do terminal. Antonia fechou os olhos e passou o resto da viagem tentando esquecer a dor de ter visto o Powell de novo.
MUITO BEM, Martin, mas acredito que esqueceste algo, não te parece? A arma secreta que os gregos usavam nas batalhas.
Antonia falou com suavidade, sonriendo. Martin era muito tímido, inclusive para ter nove anos de idade, e não queria envergonhá-lo diante dos outros meninos da classe.
—Uma arma secreta—murmurou o menino, cujos olhos se iluminaram ao cair na conta—. As formações militares!
—Em efeito. Muito bem.
Martin olhou muito orgulhoso para a carteira onde se encontrava seu pior inimigo, na segunda fila. Esperava que não pudesse responder à pergunta, e parecia haver-se levado uma desilusão.
Antonia olhou o relógio. Faltava pouco para que terminasse a última hora de classe, e, com ela, a semana trabalhista. Pareceu-lhe estranho que o relógio de pulso dançasse em sua boneca.
—Bom, vamos recolher—informou a seus alunos—. Jack, poderia apagar a piçarra, por favor? Ah, Mary, fecha as persianas quando puder.
Os dois meninos obedeceram com rapidez, porque a senhorita Hayes lhes caía muito bem. Mary a olhou e sorriu. Antonia Hayes não era tão atrativa como a senhorita Bell; pelo general, levava trajes sérios, não minissaias nem camisas atrevidas; tinha um comprido cabelo loiro que resultava muito formoso quando não ficava aquele horrível coque, e seus olhos eram cinzas como um céu invernal. Faltava pouco para os Natais, e só uma semana para as férias. Mary se perguntou o que faria então a senhorita Hayes. Nunca ia a nenhum lugar interessante a passar as férias, nem falava sobre sua família. Pensou que talvez não tinha a ninguém.
Naquele momento, soou o timbre. Antonia sorriu e se despediu de seus alunos enquanto saíam da classe carregados com suas carteiras. Depois arrumou um pouco o escritório e se perguntou se seu pai iria visitar a aquele ano, por Natais. Ambos estavam muito solos desde que sua mãe tinha morrido, no ano anterior. A perda tinha resultado terrível, como terrível foi ter que ir ao enterro e ver que Powell se encontrava ali, com sua filha. Ao recordar o gesto de seu duro rosto se estremeceu. Sua expressão não se suavizou em nenhum momento, nem sequer quando finalmente deram sepultura a sua mãe. Tinham transcorrido nove anos e ainda a odiava. Antonia apenas se fixou na menina de cabelo escuro que ia com ele; era como uma faca que estivesse parecido em seu coração, a lembrança de que Powell se esteve deitando com a Sally quando ainda estavam comprometidos, como demonstrava o fato de que sua primogênita tivesse nascido sete meses depois das bodas.
Doeu-lhe tanto que só olhou para o lugar onde se encontravam em uma ocasião. E manteve o olhar do Powell.
Resultava incrível que ainda a odiasse, depois de haver-se casado e de ter uma filha, quando, certamente, teria ouvido a verdade por boca de diferentes pessoas ao longo dos anos. Agora era rico. Tinha dinheiro, poder e uma formosa mansão. Sua esposa tinha morrido três anos depois das bodas, e não se casou de novo. Supôs que sentiria falta da Sally. A diferença dela. Odiava a idéia de recordar à mulher que tinha sido seu melhor amiga. As mentiras da Sally tinham tido um preço muito alto, até o ponto de que tinha tido que abandonar seu lar. E o pior de tudo, era que Powell a tinha acreditado.
Entretanto, tinham transcorrido nove anos. Tempo mais que suficiente para que pudesse pensar nele sem sentir muito dor.
Naquele instante, alguém bateu na porta, devolvendo a à realidade. Era Barrie Bell, uma boa amiga dela, a professora de matemática que sempre levava minissaia. Barrie era uma mulher muito atrativa; magra, de preciosas pernas e com o cabelo comprido e quase negro. Seus olhos verdes brilhavam com certa ironia, e era de sorriso fácil.
—Poderia ficar comigo em Natal—disse seu amiga.
—No Sheridan?—perguntou sentida saudades.
Aquele era o lugar onde vivia seu pai. O lugar onde tinham vivido George Rutherford e sua última esposa, seu filho Dawson e Barrie antes de que seu amiga partisse e começasse a dar classes com a Antonia no Tucson.
—Não—respondeu, sonriendo—. Em meu piso do Tucson. Tenho quatro noivos, de modo que podemos dividi-los. Dois para ti e dois para mim. Podemos jogar um pouco.
Antonia sorriu.
—Tenho vinte e sete anos e sou um pouco major para alguns jueguecitos. Além disso, é possível que meu pai venha para ver-me. Mas obrigado de todas formas.
—Sinceramente, Annie, é bastante jovem embora te empenhe em dissimulá-lo com esses trajes de institutriz antiga—declarou seu amiga—. te Olhe. E esse coque infernal com o que te recolhe o cabelo... Parece uma postal vitoriana. Deveria te deixar o cabelo solto, te pôr uma minissaia, te maquiar um pouco e procurar um homem antes de que te faça muito velha. E não te viria mal comer um pouco. Está tão magra que lhe começam a notar os ossos.
Antonia sabia que tinha razão. Tinha perdido cinco quilogramas no último mês; estava tão preocupada que tinha chamado ao médico para pedir hora. Supunha que não seria nada importante, mas queria assegurar-se de todas formas. Tentou convencer-se de que, provavelmente, só andava um pouco baixa de ferro.
—É certo—continuou Barrie—. tiveste um ano muito duro. Primeiro com a morte de sua mãe e logo com essa ferida que te fez aquele aluno que trouxe a pistola de seu pai a classe e que nos manteve retidos durante uma hora o mês passado.
—O ensino está começando a ser uma profissão perigosa—sorriu com tristeza—. Talvez deveríamos fazer insistência nesse aspecto para que mais pessoas se animassem a dar classe.
—É uma boa idéia. Quer viver uma aventura? Dê classes! Quase posso ver o eslogan.
—Vou a casa—interrompeu Antonia.
—Bom, suponho que eu também. Tenho uma entrevista esta noite.
—Com quem?
—Com o Bob. É encantador, e nos levamos bem. Mas às vezes penso que não estou feita para ter uma relação com um homem tão convencional. Necessito um artista, ou um compositor, ou um piloto.
Antonia riu.
—Espero que encontre um.
—Se assim fora, provavelmente teria duas algemas escondidas em outro país, ou algo assim. Não tenho muita sorte com os homens.
—É por seu aspecto. É imponente e agressiva, e isso assusta a maior parte dos homens.
—Tolices. Se fossem o suficientemente seguros correriam, a minha porta—informou—. Estou segura de que em alguma parte há um homem para mim, me esperando.
—Não me cabe dúvida.
Nem sequer comentou que pensava que aquele homem existia, e que a estava esperando no Sheridan.
Sob a imagem agressiva do Barrie se escondia uma mulher triste e bastante sozinha. Não era absolutamente o que parecia. Em realidade tinha, medo dos homens, e em especial de Dawson. Ambos eram meio-irmãos, de pais diferentes. Dawson era filho do George, o ancião e encantador homem que tinha sido vítima das mentiras da Sally Long. Mentiras que não tinham afetado ao meio-irmão do Barrie, posto que era muito inteligente, além de ser o homem mais frio e intímidatorio com as mulheres que Antonia tinha conhecido em toda sua vida. Barrie não o mencionava nunca; não falava nunca dele. Se alguma vez saía a reluzir seu nome, trocava rapidamente de conversação. Todo mundo sabia que não se levavam bem. Mas em segredo suspeitava que havia algo em seu passado, algo do que seu amiga não falava nunca.
George tinha morrido tempo atrás, legando suas posses a seu filho. E os dois meio-irmãos tinham suas diferenças porque Barrie tinha herdado uma percentagem importante da indústria boiadeira de seu padrasto.
—Tenho que chamar a meu pai para ver que planos tem—murmurou Antonia, retornando à realidade.
—Se não poder vir, irá a sua casa em Natal?
—Não, não irei a casa.
—por que?—perguntou—. OH, sim. Tendo a esquecê-lo às vezes, porque nunca fala sobre ele. Sinto muito. Mas já aconteceram nove anos. Não acredito que depois de tanto tempo te siga guardando rancor. A fim de contas, foi ele quem cancelou as bodas e se casou com seu melhor amiga um mês mais tarde. E foi ela a causador de todo o escândalo.
—Sei.
—Devia estar muito apaixonada por ele para arriscar-se desse modo, embora suponha que ele já teria averiguado a verdade—continuou seu amiga, tornando-se para trás o cabelo.
Antonia suspirou.
—Você crie? Sim, imagino que alguém o haverá dito. Embora, certamente, não acreditaria. Pensa que sou uma canalha.
—Mas te amava.
—Não, só me desejava—disse com amargura—. Ao menos isso foi o que disse. Não me fazia iluda sobre as razões que tinha para querer casar-se comigo. Meu pai tinha uma boa posição no povo, embora não era rico, e ao Powell resultava muito conveniente. O amor que sentia por ele não era recíproco. Teve uma filha e se fez rico, embora tampouco amava a sua esposa. Pobre Sally—acrescentou com uma risada amarga—. Tantas mentiras e, quando conseguiu o que queria, não foi feliz.
—O merecia—espetou—. Destroçou sua reputação e a de seus pais.
—E a de seu padrasto—lhe recordou—. Queria muito a minha mãe.
Barrie sorriu com doçura.
—É certo. Foi uma sorte que se levasse tão bem com seu pai, e que fossem amigos. Quando seus pais se casaram, meu padrasto o aceitou bastante bem. Mas seguiu querendo-a. Por isso te ajudou tanto.
—Até o ponto de pagar meus estudos. Foi isso, precisamente, o que lhe causou tantos problemas. Powell não tragava ao George, Seu pai tinha perdido muitas terras por ele. De fato, Dawson e Powell ainda mantêm uma disputa sobre elas. Pode que viva no Sheridan, mas seu rancho tem centenas de hectares e lindo com o rancho do Powell. Conforme diz meu pai, faz-lhe a vida impossível sempre que pode.
—Dawson não esqueceu nem perdoado as mentiras que Sally disse sobre o George. Falou com ela, sabia? Disse-lhe tudo o que pensava, estando presente Powell.
—Não me tinha contado isso.
—Não sabia como fazê-lo. Sei que você não gosta que se mencione a seu ex-noivo.
—Suponho que Powell sairia em defesa de sua esposa.
—Não cria. Inclusive ele toma cuidado com Dawson—lhe recordou—. Além disso, o que podia dizer? Sally mentiu e descobriram suas mentiras. Embora muito tarde, porque já se casaram.
—Quer dizer que Powell soube a verdade todos estes anos?—perguntou, atônita.
—Eu não hei dito que acreditasse em meu meio-irmão—lhe recordou, evitando seu olhar.
—Ah, claro. Bom...
Antonia pensou que era ridículo supor que Powell tivesse acreditado a palavra de seu maior inimigo. Nunca se tinham levado bem.
—Como ia acreditar o? Meu padrasto ganhou todas as terras ao pai do Powell em uma partida de pôquer, quando eram jovens. Se por acaso fora pouco, ambos têm ranchos colindantes, e ambos se feito ricos com o negócio do gado. Cada vez que se apresenta uma oportunidade, lutam entre si para conseguir o contrato. De fato, agora se estão brigando por esse pedaço de terra que separa suas propriedades. A que pertence à viúva do Holton.
—Poderia dizer-se que entre ambos possuem meio mundo—observou Antonia.
—Sim, e querem aumentar suas propriedades—riu Barrie—. Enfim, não é nosso assunto. Pelo menos, não agora. Quanto menos veja meu meio-irmão, muito melhor.
Antonia só os havia visto juntos em uma ocasião, e estava de acordo com ela. Quando Dawson estava perto, Barrie se convertia em outra pessoa, muito mais tensa, e inclusive desajeitada até extremos cômicos.
—Se trocar de opinião com respeito às férias, só tem que me dizer isso lhe recordou seu amiga.
Antonia sorriu com calidez.
—Recordarei-o. Se meu pai não pode vir, poderia ir a casa comigo.
—Não, obrigado—se estremeceu—. Bighorn está muito perto da casa de Dawson para meu gosto.
—Mas ele vive no Sheridan.
—Não está ali sempre. de vez em quando fica no rancho do Bighorn. De fato, ultimamente passa muito tempo ali, pelo assunto da viúva do Holton. Seu defunto marido tinha muitas terras, e ainda não decidiu a quem vender-lhe
Uma viúva com terras. Barrie tinha comentado que Powell também queria as conseguir. Ou talvez suas miras estivessem centradas na própria viúva. Não em vão ele também tinha enviuvado e estava sozinho. Tão solo que quase se entristecia ao pensar nisso.
—Tem que comer mais—lhe recordou Barrie, preocupada com seu aspecto—. Está muito magra, Annie, embora isso acentuei a delicadeza de seus rasgos. Tem um corpo precioso, com uma pele suave e os maçãs do rosto muito marcados.
—Herdei os maçãs do rosto de uma de minhas avós, que era uma Índia cheyenne.
Recordou com tristeza que Powell a chamava Cheyenne de maneira carinhosa, embora em realidade se devia à similitude tonal da palavra com a expressão shy Ann. A tímida Ann. Não em vão se comportou com certo acanhamento em sua primeira entrevista.
—Leva bom sangue—brincou Barrie—.Entre meus antepassados, há um espanhol da Armada Invencível, que chegou a Irlanda quando seu navio se afundou em uma tormenta. A lenda diz que era um nobre que se casou com a irmã de um cavalheiro irlandês.
—Vá história.
—Sim, verdade? Acredito que algum dia deixarei as classes de matemática e me dedicarei à ficção histórica—brincou, olhando o relógio—. meu Deus, vou chegar tarde a minha entrevista com o Bob. Tenho que partir correndo. Verei-te na segunda-feira!
—Que te divirta.
—Sempre me divirto. E oxalá o fizesse você também, de vez em quando.
Barrie se despediu da porta, deixando um suave aroma de perfume na habitação.
Antonia alcançou sua maleta, onde levava os exames que tinha que corrigir e as lições da semana seguinte. Quando terminou de recolher tudo o que havia em cima da mesa olhou a seu redor e saiu do sala-de-aula.
O pequeno apartamento tinha vistas a enorme «A» da montanha do Tucson, letra gigante que simbolizava à universidade do Arizona e que todos os anos pintavam de novo os alunos. A localidade era de casas baixas; só no centro havia uns quantos edifícios altos que lhe davam certo aspecto de cidade. estendia-se ao longo e em todas direções, com ruas largas, muita areia e um mormaço. Não tinha nada que ver com o Bighorn, em Wyoming, o lugar onde a família da Antonia tinha vivido durante muitas gerações.
Recordou a morte de sua mãe, um ano atrás. Tinha tido que retornar ao Bighorn para assistir ao funeral, e a casa se enchia de vizinhos que se apresentavam para dar o pêsames ou para levar comida. Sua mãe tinha sido uma mulher muito querida na comunidade, e seus amigos enviaram muitos Ramos de flores.
O dia do funeral resultou ser ensolarado e brilhante, de maneira que a neve brilhava com reflexos chapeados. Recordou ter pensado que a sua mãe adorava a primavera. Mas já não veria nenhuma outra. Seu coração, sempre frágil, não tinha podido resistir por mais tempo; mas ao menos tinha sido uma morte rápida. Tinha morrido na cozinha, quando estava colocando um bolo no forno.
O serviço foi breve, mas doloroso. Depois, Antonia e seu pai retornaram à casa, que estava vazia. Dawson Rutherford se apresentou para dar o pêsames em nome do George; estava muito doente para fazer a viagem da França para assistir ao funeral. De fato, morreu duas semanas mais tarde.
Dawson se emprestou voluntário para levar ao Barrie ao aeroporto, de maneira que pudesse tomar o avião que devia levá-la ao Arizona. E Antonia notou claramente o muito que a afetava a presença de seu meio-irmão. Inclusive um simples trajeto de poucos minutos punha muito nervosa a seu amiga.
Tinha aquele dia gravado na memória.
Recordou que, pouco depois, seu pai teve que sair e que ela ficou guardando a roupa de sua mãe. Então se apresentou a senhora Harper, a vizinha do lado, que estava ajudando-os. E lhe anunciou que Powell Long estava na porta e que desejava vê-la.
Tinha passado os três piores dias de sua existência, e não se sentia com forças para enfrentar-se a ele.
—lhe diga que não tenho nada que falar com ele—declarou com orgulho.
—Suponho que sabe muito bem o que significa perder a alguém tão querido. Perdeu a Sally faz poucos anos—lhe recordou.
Antonia sabia que sua esposa tinha morrido. Mas não tinha enviado nenhum buquê de flores nem se pôs em contato com ele para lhe dar o pêsames, porque o falecimento tinha ocorrido três anos depois de que partisse do Bighorn. Um tempo muito curto para esquecer a amargura do acontecido.
—Estou segura de que compreenderá a situação—insistiu Antonia.
A senhora Harper partiu e ela continuou com o que estava fazendo até que a vizinha retornou cinco minutos mais tarde, com um cartão.
—Pediu-me que lhe dê—murmurou isso—, e que te diga que o chame se necessitar sua ajuda.
Antonia tomou o cartão e a rompeu sem olhá-la seguisse. Depois devolveu as partes à senhora Harper antes de continuar guardando a roupa de sua mãe.
A vizinha olhou os pedaços e partiu. Entendia perfeitamente sua reação.
Da morte de sua mãe, Antonia não havia tornado ou seja nada do Powell, salvo que tinha tido muito êxito com seu rancho. Não lhe interessava sua vida, embora não se casou de novo. O passado estava morto e enterrado para ela. Mas em qualquer caso, perguntou-se por que razão teria ido visitar a aquele dia. Talvez porque se sentia culpado. Ou talvez por alguma outra coisa. Fora como fosse, nunca saberia.
Antonia olhou a secretária eletrônica e observou que havia uma mensagem. Pulsou o botão para ouvi-lo. Como temia, seu pai sofria de sua habitual bronquite invernal e o médico não lhe permitia que subisse a um avião por medo de que a viagem afetasse a seus pulmões. Não gostava de ir em ônibus ou em trem, de modo que teria que retornar a casa se queria vê-lo, ou do contrário passariam os Natais sós e separados.
deixou-se cair no sofá de flores que tinha comprado em uma loja de móveis de segunda mão e suspirou. Não queria retornar a seu lar; de ter podido encontrar uma desculpa não teria ido, mas não podia deixar que seu pai passasse sozinho as festas, estando doente. De modo que desprendeu o telefone e reservou um lugar no seguinte vôo ao Billings, onde estava o aeroporto mais próximo ao Bighorn.
Wyoming estava muito pouco povoado, de maneira que havia poucos aeroportos. Powell Long, um homem rico que podia permitir-se aqueles luxos, tinha instalado uma pista de aterrissagem em seu rancho. No Bighorn não havia nenhum lugar onde pudesse tomar terra um avião de pequeno porte, por pequena que fora. Antonia sabia que o meio-irmão do Barrie dispunha de um pequeno reator e de um aeródromo como o do Powell em seu rancho, mas não queria abusar lhe pedindo um favor semelhante. Além disso, devia admitir que se sentia tão intimidada por Dawson Rutherford como seu amiga. Era um homem poderoso e de uma agressividade muito masculina, parecido em muitos aspectos a seu antigo noivo.
Alugou um veículo no aeroporto do Billings e se dirigiu ao Bighorn. Acostumada a percorrer largos trajetos ao volante, no Arizona, a viagem não a preocupava muito.
A paisagem era preciosa. Havia neve por toda parte, algo no que não tinha pensado quando alugou o carro. As estradas estavam limpas, mas temia as possíveis agrade de gelo que pudesse encontrar. Entretanto, supôs que as arrumaria. Pensou que no dia anterior, quando chamou a seu pai para lhe advertir de sua chegada, teria que lhe haver perguntado sobre o tempo que fazia. Entretanto, notava-se que estava doente e não queria cansá-lo muito mantendo uma larga conversação Telefónica. Em qualquer caso a estava esperando, e se demorava muito em chegar, enviaria a alguém para que a buscasse.
Olhou para as brancas montanhas e pensou no muito que tinha sentido falta daquele lugar, um sítio que tinha sido o lar de sua família durante muitas gerações. Nas montanhas, nos vales, e nas enormes árvores que se elevavam como sentinelas sobre arroios de águas claras, havia muito de sua própria história pessoal. Os bosques se estendiam por toda parte, verdes e majestosos, tal e como deviam elevar-se durante a pré-história. Arizona também tinha montanhas e bosques, mas Wyoming era outra coisa. Era seu lar.
O sentimento de nostalgia se incrementou à medida que se aproximava do povo. Precisamente aos subúrbios do Bighorn, o carro derrapou sobre uma placa de gelo e esteve a ponto de acabar na sarjeta, da que não teria podido sair porque era muito profunda.
Contente por ter podido controlar o automóvel, entrou na pequena localidade. Deixou atrás a igreja e a agência de correios e se dirigiu para a mansão vitoriana de seu pai, que se encontrava em uma rua larga, um pouco afastada do centro. Estacionou no vau, sob um algodonero. adorava estar de volta em casa por Natal.
junto à janela, havia uma grande árvore, adornado com os mesmos objetos que tinham utilizado durante anos e iluminado com multidão de pequenas luzes. Olhou um dos ornamentos, um pequeno cervo de cristal, e recordou com amargura que Powell o tinha agradável quando se comprometeram, em um Natal muito longínquo. Quando a abandonou pensou em rompê-lo, mas não foi capaz. Era muito bonito, muito frágil. Como sua antiga e passada relação.
Naquele instante, seu pai apareceu na porta, vestido com uma bata e um pijama. Abraçou-a com calidez e disse:
—Me alegro tanto de verte... Encontro-me muito melhor, mas o maldito médico não deixou que tomasse um avião.
—E tinha razão. Só faltava que te pilhasse uma pneumonia. Seu pai sorriu.
—Suponho que é verdade. Ficará até véspera de ano novo?
—Não, não posso. Sinto muito. Tenho que retornar-nos dia vinte e seis—respondeu.
Não comentou que tinha uma entrevista com o médico porque não queria preocupá-lo.
—Bom, de todas formas estará uma semana. Temo-me que não poderemos sair muito, mas estaremos juntos e nos faremos companhia, não te parece? Dawson disse que passaria por aqui alguma noite—acrescentou de repente—. Acaba de retornar a Europa, porque tem que assistir a uma convenção bastante importante.
—Ao menos nunca acreditou os falatórios sobre seu pai e eu.
—Conhecia muito bem a seu pai—declarou.
—George era um homem maravilhoso. Não sente saudades que fossem amigos durante tanto tempo.
—O sinto falta de. E também a sua mãe, que em paz descanse. Foi a pessoa mais importante de minha vida, contigo.
—E você é a pessoa mais importante para mim—disse ela, sonriendo—. Me alegro muito de estar em casa.
—Ainda você gosta do ensino?
—Mais que nunca.
—Há boas escolas aqui—observou—. Sempre necessitam professores. E duas das professoras estão grávidas, de modo que terão problemas para encontrar substitutos. Não consideraste a possibilidade de...?
—Eu gosto de Tucson—disse com firmeza.
—Duvido-o. É pelo Powell, não é certo? Esse maldito canalha... por que teria que escutar à bruxa da Sally? De todas formas, pagou um alto preço por seu engano. Converteu sua vida em um inferno.
Antonia se apressou a trocar de conversação.
—Quer um café?
—Suponho que sim. E não me importaria tomar uma sopita. Ainda fica um pouco da que preparou a senhora Harper.
—Ainda vive na casa do lado?
—Sim—respondeu com um sorriso—. E também é viúva. Não preciso te dizer por que trouxe a sopa.
—A senhora Harper sempre me tem cansado bem—sorriu a sua vez—. Era muito boa amiga de mamãe, e é como da família. Digo-lhe isso se por acaso te tinha perguntado o que pensaria a respeito.
—Só aconteceu um ano, filha—lhe recordou com tristeza.
—Mamãe te amava muito para querer que estivesse sozinho. Não lhe teria gostado que te enterrasse em vida.
Seu pai se encolheu de ombros.
—Estarei sozinho todo o tempo que queira.
—Como prefere. vou trocar me de roupa. Depois te levarei a sopa e o café.
Minutos mais tarde, Antonia saía de seu dormitório, com uns jeans e um pulôver branco com o pescoço de cor vermelha.
—Que tal está Barrie?—perguntou seu pai.
—Bem. como sempre.
—por que não veio contigo?
—Porque está muito ocupada com seus quatro noivos—respondeu, rendo, enquanto esquentava a sopa.
—Dawson não a esperará sempre.
Antonia o olhou.
—Você também o crie? Barrie não fala nunca sobre ele.
—Bom, ele tampouco fala sobre ela.
—E o que tem que esse rumor que ouvi sobre uma hipotética relação com a viúva do Holton?
Seu pai se sentou na cadeira e respirou profundamente.
—A senhora Holton é uma ruiva exuberante, toda uma devoradora de homens. Anda detrás de Dawson e do Powell Long. E de qualquer outro homem com dinheiro e um rosto mais ou menos atrativo.
—Já vejo.
—Não te lembra dela? Esteve aqui pouco antes de que te partisse a estudar à universidade, mas viajava muito com seu marido. Acredito que era atriz. Desde que seu marido morreu aconteceu muito tempo em sua casa.
—O que é o que faz?
—Refere a que se dedica agora?—perguntou, rendo e fazendo um esforço para não tossir—. Vive das rendas. Não tem que trabalhar. É uma mulher afortunada.
—Eu não gostaria de estar sem fazer nada—observou Antonia—. Eu gosto do ensino. É algo mais que um trabalho.
—Há muitas mulheres que preferem que as mantenham seus maridos. Ou que não estão feitas para trabalhar.
—Suponho que tem razão.
Antonia serve a sopa e o café que tinha preparado. Comeram em silêncio até que, ao cabo de um momento, seu pai disse:
—Oxalá estivesse aqui sua mãe.
—Também eu gostaria de—sorriu com tristeza.
—Bom, suponho que devemos dar obrigado pelo que temos.
—Que é muito mais do que têm muitos pessoas.
Seu pai sorriu e a olhou. Quase podia ver seu difunta algema no rosto de sua filha.
—Certo. Me alegro muito de que passe os Natais comigo.
—E eu. Mas agora, tome a sopa.
Serve-lhe um pouco mais e pensou que faria o possível para que Ben passasse uns Natais muito felizes.
Dawson RUTHERFORD era um homem alto, magro, loiro, com um corpo magnífico e olhos penetrantes. Embora não tivesse sido bonito, sua presença física era mais que suficiente para fazê-lo atrativo, ao que devia acrescentar-se sua profunda voz, cuja suavidade ligeiramente aveludada não desaparecia nunca, embora estivesse zangado. Mas também era o homem mais frio que tinha conhecido nunca, sobre tudo o relativo às mulheres. Recordou que em funeral de seu pai se afastou de uma formosa jovem para evitar seu contato; um pouco bastante estranho se se tinha em conta que sempre tinha sido muito mulherengo.
Desde não ter sido porque se apaixonou pelo Powell Long, certamente, teria tentado algo com Dawson, por intimidatorio que lhe parecesse.
Mas de todas formas, estava feito para outro tipo de mulher. Para o Barrie, talvez.
O dia de véspera de natal apareceu tal e como tinha prometido, com uma pipa de presente para seu pai. Antonia o encontrou no alpendre minutos mais tarde:
—Deveria te envergonhar por lhe haver agradável uma pipa—murmurou.
—Recuperará-se da bronquite. Além disso, sabe que não deixará de fumar em nenhum caso. tentamos convencê-lo durante muitos anos sem êxito.
—Sei. foi um detalhe muito bonito por sua parte.
—Quer ver o que me deu de presente ?—perguntou.
Então tirou um acendedor prateado, com a parte superior de cor turquesa.
—Não sabia que fumasse.
—E não fumo. Bom, de vez em quando fumava algum puro que outro—corrigiu—. Mas o deixei faz uns meses. Não sabe, e preferi não dizer-lhe
—Em tal caso, eu tampouco o direi—disse com tom de aprovação.
Dawson se encolheu de ombros e a olhou com olhos entrecerrados.
—Não tenho nada contra o tabaco. Embora alguns fumantes são um pouco exagerados. Conheço um especialmente contumaz.
Antonia soube imediatamente que estava falando sobre o Powell, que sempre tinha fumado puros, e que, com toda probabilidade, continuava fazendo-o.
—Não o diga—lhe advertiu.
—Não o farei. Parece te incomodar.
—passaram nove anos.
—Alguém deveu lhe pegar um tiro pela forma que teve de te tratar—espetou—. Nunca me gostou, e, certamente, aquele assunto não melhorou nossa relação. Queria muito a meu pai. Sally se comportou com uma baixeza absoluta ao lhe fazer acreditar que havia alguma relação entre o George e você.
—Sempre tinha estado apaixonada pelo Powell.
—E o conseguiu. Mas devo te dizer que Powell a fez pagar por suas mentiras. Ao final, começou a beber. Ele nunca estava em casa, e odiava a sua filha.
—por que?—perguntou, assombrada—. Sei que ao Powell gosta dos meninos.
—Sally o apanhou com essa menina. Desde não ter sido por ela, a teria abandonado. Crie que não sabe quão estúpido foi? Sabe a verdade, quase desde dia de suas bodas.
—Mas permaneceu com sua esposa.
—Tinha que fazê-lo. Estava tentando que seu rancho funcionasse, e esta é uma localidade pequena. Não podia abandonar a sua esposa estando grávida—declarou, apertando os lábios—. Te odeia, sabia? Odeia-te por não havê-lo obrigado a te escutar, por ter fugido. Culpa-te por tudo o que lhe aconteceu.
—Como é possível que saiba tantas coisas sobre ele, se for seu pior inimigo?—perguntou.
—Tenho meus espiões—suspirou—. Não é capaz de reconhecer que foi ele quem cometeu o engano, ao não acreditar que Sally fora capaz de mentir. Não soube que o tinha enganado até depois das bodas. Em realidade, não era tão má mulher. Estava apaixonada e não podia suportar a idéia de perdê-lo, embora fora contigo. O amor faz que algumas pessoas façam loucuras.
—Destruiu minha reputação e a de seu pai. Tive que partir de minha própria casa—disse sem sentir piedade alguma—. Era minha inimizade e segue sendo-o. Não cria que albergo nenhum bom sentimento para o Powell. Se pudesse, cortaria-lhe o pescoço à primeira oportunidade. Dawson arqueou as sobrancelhas. Antonia era uma mulher muito tranqüila quase sempre, exceção feita de algumas saídas de tom ocasionais que surpreendiam às pessoas. Não era vingativa, mas compreendia que albergasse tais sentimentos para a mulher que tinha sido seu melhor amiga. Não podia culpá-la por isso.
—Como está Barrie?—perguntou, brincando com o acendedor.
—Tentando arrumar-lhe com seus noivos—sorriu, com olhos brilhantes—. Tinha quatro quando a deixei.
Dawson riu com frieza.
—Não me surpreende. Um homem nunca foi suficiente para ela, nem sequer quando era uma quinceañera.
Seu antagonismo para sua meio-irmã a surpreendeu. Parecia desconjurado.
—por que a odeia tanto?—perguntou. Dawson a olhou surpreso.
—Odiá-la? Eu não a ódio. Decepciona-me seu comportamento, isso é tudo.
—Não é nada promíscua. Pode que goste de dar essa imagem, mas não o é. Não sabia?
—Pode que saiba mais coisas das que crie—respondeu, olhando seu acendedor—. Talvez você seja a que não vê certas coisas.
—Ou pode que você veja só o que quer ver—espetou com delicadeza.
Dawson se meteu o acendedor no bolso.
—Será melhor que vá. Tenho que assinar um contrato, e não quero perder o cliente.
—Obrigado por dever ver a meu pai. Animaste-o muito.
—É meu amigo—sorriu—. E você também, embora metas os narizes onde não deveria.
—Barrie é amiga minha.
—Bom, eu não posso dizer o mesmo. Feliz Natal, Annie.
—Feliz Natal—sorriu com calidez.
Dawson era um homem encantador, a seu modo. Caía-lhe muito bem, mas o sentia pelo Barrie. A menos que se equivocasse, seu amiga estava apaixonada por ele; quanto aos sentimentos de seu meio-irmão, não tinha idéia de se aquele amor era recíproco.
Quando partiu, retornou com seu pai. Estava na cozinha, fazendo chocolate quente. Para ouvi-la entrar, voltou-se para olhá-la.
—partiu-se?
—Sim. Posso te ajudar?
Ben negou com a cabeça. Serve o chocolate em duas taças e fez um gesto para que se sentasse enquanto enchia a caçarola de água para que os restos não se pegassem.
—Me deu de presente uma pipa—disse, tomando assento—. Não tive coração para lhe dizer que deixei que fumar.
—Papai!—exclamou, alegre—. É uma notícia maravilhosa.
Seu pai riu.
—Supus que te alegraria. Pode que a partir de agora não tenha tantos problemas pulmonares.
—Falando de pulmões, sei que deste de presente um acendedor a Dawson. E sabe uma coisa? Não se atreveu a te dizer que tinha deixado de fumar.
Ben estalou em uma gargalhada.
—Bom, poderá utilizá-lo para acender fogueiras ou para fazer andaimes em seu rancho.
—Boa idéia. O direi a próxima vez que o veja.
—Pois já pode esperar. Viaja muito ultimamente. Não o vejo quase nunca—comentou, olhando-a fixamente—. Por certo, Powell esteve aqui a semana passada.
Antonia sentiu uma pontada no coração, embora sua expressão não variou.
—Para que?
—Tinha ouvido que estava doente e queria perguntar por minha saúde. Também queria saber onde estava.
—Sim?—perguntou, geada.
—Disse-lhe que você não sabia o de minha bronquite e que se metesse em seus próprios assuntos.
—Já vejo.
Ben tomou um gole de seu chocolate quente.
—Ia com sua filha. Uma garota preciosa e muito calada. Nem sequer se moveu. limitou-se a sentar-se e a nos olhar. parece-se muitíssimo a sua mãe.
Antonia olhou sua taça, furiosa. A filha daquela mulher tinha estado ali, em seu lar, com o homem de que tinha estado apaixonada. A idéia lhe parecia insuportável, quase uma violação.
—Parece triste—disse seu pai—. Supus que você não gostaria, mas pensei que era melhor que soubesse. Disse que viria de novo depois de Natal, para ver que tal estava. E lhe devia advertir isso embora não o convidei. De fato, surpreendeu-me que viesse a me visitar. Certamente, tinha muito carinho a sua mãe. Doeu-lhe que o escândalo a afetasse tanto como para causar seu primeiro ataque ao coração—acrescentou—. Em qualquer caso, parece que decidiu converter-se em meu anjo da guarda. Até enviou ao médico quando me pus doente, conspirando com a senhora Harper a minhas costas.
Parecia lhe desgostar aquele assunto, mas sorriu de todas formas.
—Foi um bonito detalhe por sua parte—declarou sua filha, embora as ações do Powell lhe surpreendiam—. Mas obrigado por me advertir isso Se aparecer por aqui, arrumarei-me isso para ter que fazer algo na cozinha.
—Já aconteceram nove anos—lhe recordou.
—E crie que deveria havê-lo esquecido. É muito pormenorizado com as pessoas, papai. Perdoa a outros com muita facilidade. antes de que acontecesse todo aquilo, eu também era assim. Pode que devesse ser mais pormenorizada, mas não posso sê-lo. Powell e Sally converteram minha vida em um inferno.
—Mas em todo este tempo não saíste com ninguém mais. Não tiveste vida social, nem entrevistas. vais converter te em uma velha solitária, sem marido ou companheiro, sem filhos, sem nenhuma segurança emocional.
—Eu gosto de estar sozinha—disse com tranqüilidade—. E não quero ter filhos.
Em realidade era mentira, embora só parcialmente. Só queria ter filhos com o Powell. Não queria os ter com ninguém mais.
O DIA DE Natal transcorreu sem muitos acontecimentos dignos de menção, salvo os presentes que intercambiaram e as lembranças da Jessica.
Ao dia seguinte, Antonia já tinha feito as malas. pôs-se um traje de ponto cor rosa, com pantys e sapatos de salto baixos, disposta para a viagem. recolheu-se o cabelo em um coque e levava o casaco de veludo sobre um braço. Quando deixou a mala no chão para despedir-se de seu pai, a malha do objeto brilhou sob a luz.
Enquanto avançava para o salão ouviu vozes que chamaram sua atenção. E ao chegar à entrada, ficou geada no sítio. Reconhecia perfeitamente aquele tom profundo e grave, apesar dos anos que tinham transcorrido. Era uma voz tão familiar como a sua própria.
Quando o alto e magro homem se voltou, uns olhos negros se cravaram no rosto da Antonia. os do Powell.
Antonia tentou manter a compostura. Não queria que seu olhar traísse seus sentimentos. limitou-se a observá-lo e a comparar a aquele homem de trinta e tantos anos jovem que tinha estado a ponto de casar-se com ela. É obvio, a comparação resultou desfavorável. Tinha cãs nas têmporas e algumas enruga nas comissuras da boca e ao redor dos olhos.
A sua vez, Powell a olhava com idênticos pensamentos. A garota que tinha conhecido se converteu em uma mulher tranqüila, com um gosto para a roupa bastante conservador e um horrível coque na cabeça. Parecia uma professora solteirona. Mas lhe surpreendeu que, apesar dos anos transcorridos, sua visão lhe provocasse uma pontada no coração. Sentia curiosidade por ela. Queria vê-la de novo, embora não sabia por que. Talvez porque se negou a recebê-lo quando morreu sua mãe. Mas agora que se encontrava ante ela não estava seguro de alegrar-se. Acabava de despertar em seu interior algo que tinha estado dormido muito tempo.
Antonia foi primeira em apartar o olhar. A intensidade de seus olhos conseguiu estremecê-la, mas soube controlar-se. Não tinha intenção de demonstrar nenhuma debilidade.
—Sinto-o—disse a seu pai—. Não tinha dado conta de que tinha visita. Só vim para me despedir. Partirei-me em seguida.
Seu pai parecia incômodo.
—Powell queria saber que tal estou.
—Parte-te tão logo?—perguntou. Aquela foi a primeira vez que se dirigia a ela em muito tempo.
—Tenho que retornar ao colégio antes que os alunos, para prepará-lo tudo—respondeu, contente por manter a calma.
—Ah, é certo. É professora, verdade?
Antonia não podia manter seu olhar. Seus olhos pareciam escapar a qualquer observação, entre sua agressiva mandíbula, sua fina mas sensual boca, seu reta nariz, seus definidos maçãs do rosto e seu formoso rosto. Não podia dizer-se que fora bonito, mas qualquer mulher o teria encontrado atrativo aos cinco minutos. Destilava um carisma intangível, talvez certo ar de autoridade, ou de segurança em seus movimentos, inclusive na maneira de inclinar a cabeça. Resultava avassalador.
—Sim, sou professora—disse, antes de dirigir-se a seu pai—. Papai?
Ben se desculpou e se aproximou de sua filha para abraçá-la.
—te cuide. me chame quando chegar, para que saiba que está bem, de acordo? esteve nevando outra vez.
—Não se preocupe por mim. Se tiver algum problema, levo telefone no carro.
—Pensa conduzir até o Arizona com este tempo?—perguntou Powell.
—estive conduzindo toda minha vida com um tempo parecido—respondeu.
—De jovem te aterrorizava conduzir nestas condições—recordou com solenidade. Antonia sorriu fríamente.
—Comunico-te que já cresci.
O olhar da Antonia deixou bem claro o que sentia por ele. Powell não apartou o olhar; bem ao contrário, seus olhos denotavam uma calada acusação.
—Sally deixou uma carta para ti—disse de repente—. Nunca lhe enviei isso. Com o passo dos anos, terminei por esquecê-lo.
Antonia respirou profundamente, irritada. Recordou a carta que lhe tinha enviado pouco tempo depois de que partisse do Bighorn, a carta que nunca abriu.
—Outra?—perguntou, com absoluta frieza—Não quero nada dela, nem sequer uma carta.
—Foi amiga tua—lhe recordou.
—Era minha inimizade—corrigiu—. Arruinou minha reputação e quase poderia dizer-se que matou a minha mãe. De verdade crie que quero recordar o que fez?
Powell não vacilou. Seu rosto se endureceu antes de declarar:
—Nunca quis te ferir deliberadamente.
—Sério? E crie que seu último arrependimento haveria devolvido a vida a minha mãe ou ao George Rutherford?—perguntou, com veemência—. Crie que teria sossegado os falatórios que ela mesma propagou?
Powell se deu a volta e inclinou a cabeça para acender um cigarro, aparentemente tranqüilo. Antonia fez um esforço por manter a calma. Quando recolheu a mala, tinha as mãos geladas. Seu pai a observava com preocupação.
—Chamarei-te, papai. te cuide muito, por favor.
—Espera um pouco. Está muito alterada.
—Não, não posso. Adeus, papai—se despediu com voz rota.
Nem sequer olhou ao Powell. Saiu da casa com rapidez; em dois minutos tinha guardado sua bagagem no porta-malas e tinha aberto a porta do veículo. Mas antes de que pudesse subir ao carro, seu antigo noivo se dirigiu a ela.
—te tranqüilize—disse com frieza, obrigando-a a olhá-lo—. Não fará nenhum favor a seu pai se terminar em uma sarjeta em metade de nenhuma parte.
Antonia se estremeceu ante sua cercania e se apartou deliberadamente, com olhar acusatório.
—Parece tão frágil—continuou ele, como se as palavras se escaparam contra sua vontade—. É que não come?
—Como o suficiente—respondeu—. Adeus.
Powell cobriu com os dedos a mão que tinha na fechadura da porta.
—Que fazia Dawson Rutherford aqui, faz um par de noites?—perguntou.
Antonia não esperava aquela pergunta.
—Não é teu assunto.
—Poderia sê-lo-se burlou—. O pai do Rutherford arruinou a meu pai, ou é que não o recorda? Não tenho nenhuma intenção de permitir que seu filho me arruíne também a sua vez.
—Se por acaso não o recorda, George Rutherford e meu pai eram amigos.
—E George e você, amantes.
Antonia não reagiu. limitou-se a olhá-lo com desprezo.
—Sabe a verdade. Mas não quer acreditá-lo.
—George te pagou os estudos—lhe recordou.
—Certo—sorriu—. E eu recompensei sua generosidade tirando matricula de honra e terminando a segunda de minha promoção. Era um filantropo e o melhor amigo que teve minha família. Jogo muito de menos.
—Era um velho verde carregado de dinheiro que te tinha jogado o olho, queira-o aceitar ou não!
Antonia o olhou diretamente aos olhos. Powell não sorria nunca. Era um homem duro, ao que o passo dos anos tinha conferido um ar sarcástico de que carecia em sua juventude. Tinha crescido na pobreza, em uma má situação social por culpa de seus pais, e tinha lutado muito para chegar ao lugar onde se encontrava. Antonia sabia o difícil que lhe tinha resultado. Mas sua dura vida distorcia a visão que tinha das pessoas. Sempre se fixava no lado negativo, algo do que sempre tinha pecado, inclusive durante a época em que foram noivos. Tinha-o amado com todo seu coração, tinha querido compensá-lo por todos seus sofrimentos, mas já então a estava traindo; queria mais a Sally, tal e como tinha declarado quando romperam seu compromisso, quando a chamou prostituta troca.
Powell colocou as mãos nos bolsos da calça, irritado.
—Estava recordando como foi antes—disse ela—. Não trocaste. Sempre foste um solitário que não confia em ninguém, que sempre espera o pior das pessoas.
—Em certa ocasião acreditei em ti—disse com solenidade.
—Não, não é certo—sorriu—. De havê-lo feito não te teria tragado as mentiras da Sally sem...
—Maldita seja!
Powell a agarrou pelos ombros. Seu cigarro caiu à neve que cobria o chão. Esteve a ponto de atirá-la ao chão sem pretendê-lo. Antonia era magra e frágil e ele tinha muita força, desenvolvida ao longo dos anos em duros trabalhos de rancheiro.
Olhou-o e se deu conta de que não tênia medo dele. Embora não entendia muito bem por que. Seus olhos negros brilhavam com fúria e seu cabelo, da mesma cor, caía sobre suas largas sobrancelhas.
—Sally não mentia!—exclamou—. É repugnante que diga algo assim! Era uma mulher encantadora que nunca me mentiu. Chorou quando soube que tinha tido que partir do povo depois do acontecido. Chorou durante semanas e semanas, porque não queria me dizer o que sabia sobre a relação que mantinha com o George. Não podia suportar que me tivessem traído.
Antonia se afastou dele empurrando-o, com tal força que se surpreendeu.
—Merecia chorar!—disse entre dentes.
Powell a insultou. Chamou-a puta, uma vez mais. Mas Antonia se limitou a sorrir naquela ocasião.
—Powell, é imbecil. Se voltar a me dizer algo assim te responderei da mesma forma em que o fiz aquele dia, na parada do ônibus.
Powell recordava ainda o impacto de seu pé na perna. Apesar de seu aborrecimento, agradou-lhe recordá-lo. Antonia sempre tinha tido caráter. Entretanto, também recordava outras coisas. Recordava que se negou a falar com ele depois da morte de sua mãe, quando lhe ofereceu sua ajuda. Sally tinha morrido tempo atrás, mas não tinha tido a oportunidade de aproximar-se de sua antiga noiva para saber se ainda sentia algo por ele. E não parecia querer saber nada dele, apesar de todo o tempo transcorrido. Aquilo o tirava de suas casinhas. Nunca deixaria que descobrisse se ainda ficava algo do amor que tinham compartilhado. Não lhe importava nada.
—E agora, se já me insultaste o bastante, tenho que partir —acrescentou com firmeza.
—Poderia te haver ajudado quando morreu sua mãe—continuou ele—. Nem sequer quis lombriga.
Antonia teve a impressão de que sua negativa a vê-lo-o tinha ferido, por irônico que fosse.
—Não tinha nada que falar contigo—particularizou, sem olhá-lo—. Nem meu pai nem eu necessitávamos sua ajuda. De uma ou outra forma já obteve suficiente ajuda de nós para conseguir sua fortuna.
—Que diabos quer dizer com isso? Antonia o olhou então, sonriendo com sarcasmo.
—Já te esqueceste? Enfim, se me perdoar...
Powell não se moveu. Apertou os punhos e a observou enquanto entrava no veículo.
Sua antiga noiva arrancou, deu marcha atrás, e saiu à rua principal sem olhá-lo sequer. Talvez lhe tremessem as mãos, mas ele não pôde vê-lo.
Powell a observou enquanto se afastava; suas botas absorviam o frio sorvete da neve que o rodeava, enquanto os flocos caíam sobre seu chapéu texano. Não tinha idéia do que tinha querido dizer com suas últimas palavras. Enfurecia-lhe que nem sequer queria falar com ele. Tinham passado nove anos. Nove anos acumulando frustração e aborrecimento. Precisava dizer o que sentia, discutir com ela, esclarecer tudo. Queria uma segunda oportunidade.
—Quer um chocolate quente?—perguntou Ben Hayes da porta.
Powell demorou uns segundos em responder.
—Não, obrigado.
Ben se fechou a bata que levava posta.
—Pode culpá-la até o dia de sua morte, mas isso não trocará nada—declarou.
Powell o observou com uma expressão estranha.
—Sally não mentiu—insistiu com obstinação—. Não me importa o que outros digam. A gente inocente não sai correndo, como fizeram eles.
O pai da Antonia observou seus atormentados olhos durante uns segundos.
—Suponho que não tem mais opção que acreditar o que diz—declarou com frieza—. Porque se não fora assim teria que te enfrentar a um montão de anos sem sentido. O ódio que sente pela Antonia é o único firme que fica em sua vida.
Powell não disse nada. Caminhou zangado para seu todo terreno e subiu sem voltar a vista atrás.
Antonia pôde retornar ao Tucson sem nenhum incidente, embora em dois lances da estrada havia placas de gelo que lhe criaram algum problema. Estava muito alterada, mas aquilo não afeto sua tranqüilidade ao volante. Powell Long tinha destruído bastante sua vida, e não estava disposta a preocupar-se com ele nem um minuto mais, embora o ódio se interpor na relação que mantinham.
Passou ocupada o resto das férias, e o dia de véspera de ano novo não viu ninguém. limitou-se a chamar a seu pai para falar com ele. Nenhum dos dois mencionou a seu antigo noivo.
Barrie a visitou o primeiro dia de janeiro. Levava jeans e um pulôver, e tentou não demonstrar muito interesse pela visita que Dawson fazia à casa de seu pai. Sempre era igual. Cada vez que Antonia ia a Wyoming, Barrie esperava com paciência até que dizia algo sobre seu meio-irmão. Depois, fazia como se não estivesse interessada e trocava de conversação.
Mas esta vez não o fez. Olhou a seu amiga aos olhos e perguntou:
—Está bem?
—Sim, claro—respondeu—. deixou que fumar.
—Mencionou algo sobre a viúva? Antonia sorriu e moveu a cabeça em gesto negativo.
—Não mantém relações com nenhuma mulher. De fato, meu pai o chama «o homem de gelo do Bighorn». Ainda estão procurando uma mulher que possa apanhá-lo.
—A Dawson? Mas se sempre esteve com todas as mulheres que quis.
—Pois acredito que já não. Ao parecer, só está interessado em seu negócio. Barrie parecia surpreendida.
—Desde quando?
—Não sei. Há uns anos—respondeu, franzindo o cenho—. Dawson é seu meio-irmão. Seu saberá tanto como eu, não te parece?
Barrie evitou seu olhar.
—Não o vejo nunca. Não vou nunca a casa.
—Sim, sei, mas estou segura de que ouve coisas sobre ele.
—Só quando você me diz algo—espetou—. Eu... não temos amigos comuns.
—Alguma vez te visita?
Seu amiga empalideceu.
—Não o faria—respondeu, forçando um sorriso—. Se poderia dizer que não nos levamos bem. Enfim, me vou dançar. Quer vir comigo?
Antonia negou com a cabeça.
—Não. Estou muito cansada. Verei-te no trabalho.
—Claro. Tem pior aspecto que quando te partiu. É que viu ao Powell?
Antonia vacilou, ferida.
—OH, sinto-o—continuou Barrie—. Escuta, não me diga nada sobre Dawson embora lhe negue isso e te juro que não voltarei a tirar colação ao Powell. Parece-te bem? Sinto-o de verdade. Suponho que ambas temos muitas feridas abertas. Até mais tarde.
Barrie partiu e Antonia encontrou com rapidez algo no que ocupar-se, para não pensar mais em seu antigo noivo.
Mas lhe resultou difícil. Tinha-a abandonado no dia anterior à bodas, quando já tinha enviado os convites, quando tudo estava preparado na igreja, quando o pároco estava disposto a oficiar a cerimônia. Antonia tinha comprado um vestido precioso, com a ajuda econômica do George; um detalhe que ainda zangou mais ao Powell quando soube. E então, de repente, Sally deixou cair a bomba. Disse ao Powell que mantinha uma relação com o George Rutherford em troca de dinheiro. Todo mundo se inteirou, porque Sally se encarregou de propagar a calúnia pelo Bighorn. Os falatórios bastaram para tirar de suas casinhas ao homem com o que ia casar se. Abandonou a Antonia e cancelou as bodas. Nem sequer queria recordar as coisas terríveis que havia dito.
Alguns dos convidados não receberam a notícia do cancelamento a tempo, e se apresentaram na igreja esperando que as bodas se levasse a cabo. Teve que enfrentar-se a eles e lhes contar o acontecido. Tinham-na humilhado publicamente, e se por acaso fora pouco o escândalo envolvia ao pobre George. Teve que partir ao Sheridan, ao rancho onde tinha a central de seu império econômico. Algo que lhe doeu muito, porque o rancho que tinha no Bighorn era seu preferido. Em realidade, não se tinha ido tanto por ele para evitar a Antonia mais sofrimentos, razão pela qual decidiu partir do país. Mas Ben, sua esposa e sua filha sofreram em qualquer caso a terrível situação que se criou no conservador e injusto povo. De nada serve que negasse as acusações. Não podia defender-se dos olhares de recriminação, nem do desprezo. Os falatórios feriram sobre tudo a sua mãe, até o ponto de que quase ficou sem amigas, até o ponto de que sofreu um ataque ao coração ao saber como estavam tratando a sua filha. Antonia decidiu então partir do povo para evitar mais dor a sua mãe. E ao ir-se, levou-se consigo um coração quebrado.
Talvez, se as bodas não tivesse tido que celebrar-se ao dia seguinte, as coisas teriam acabado de outro modo. Powell era um homem de mau gênio, muito impulsivo. Não gostava que lhe levantassem a voz. Antonia soube que tinha falado com três pessoas, e que uma delas era o sacerdote que devia oficiar a cerimônia. Mais tarde descobriu que os três eram amigos da Sally e de sua família.
Em qualquer caso, Powell já estava acostumado aos escândalos. Seu pai tinha sido um jogador contumaz que tinha perdido tudo o que tinha, exceto a uma mulher a que escravizava nos trabalhos do lar. Ao final se suicidó por culpa de uma dívida que não podia pagar.
Powell tinha tido que observar como as canallescas gente do lugar davam de lado a sua mãe, até que a dor e a tristeza fizeram que aparecesse morta uma manhã.
Antonia o animou como pôde. Assistiu ao funeral e não se separou dele nem um só instante. Sabia o muito que tinha querido a sua mãe. Com sua morte, e embora tentasse ocultá-lo, quebrado-se algo em seu interior. Nunca se recuperou da perda, e Sally aproveitou a circunstância para tentar enrolá-lo quando Antonia não se encontrava perto. Em seu estado, tinha emprestado atenção a suaves palavras que não devia escutar. Ao final acreditou na Sally, e se casou com ela. Nunca disse a Antonia que a amasse. Pouco antes das bodas, tinha começado a conseguir contratos graças a excelente fama do Ben, e com o dinheiro pôde recuperar algumas das terras de seu pai. Estava começando sua escalada para o êxito quando cancelou as bodas.
A dor que sentiu foi tão terrível como se lhe tivessem parecido uma faca. Amava ao Powell mais que a sua própria vida. Sua traição a destroçou. Só lhe consolava saber que, ao menos, não tinham consumado sua relação. Embora aquilo lhe teria doído mais a ele. Em sua cegueira, teria pensado que enquanto isso se esteve deitando com o George. De todas formas, não podia trocar o passado. Só podia continuar. Mas o futuro lhe parecia mais negro ainda e mais vazio que o passado.
Retornou ao trabalho ao cabo de uns dias, aparentemente recuperada e sem preocupações. Mas ainda tinha que assistir à entrevista com o médico a finais da primeira semana.
Não esperava que descobrisse nada. Estava cansada e tinha perdido muitos quilogramas. Provavelmente necessitava vitaminas, comprimidos de ferro ou um pouco parecido. Quando o médico lhe pediu que se fizesse umas análise de sangue, foi ao laboratório e esperou pacientemente enquanto lhe extraíam a suficiente para fazer as provas. Mais tarde partiu a casa, sem suspeitar o que ia acontecer.
na segunda-feira pela manhã recebeu uma chamada da consulta do médico. Pediram-lhe que se apresentasse imediatamente.
Estava muito assustada para perguntar pelo motivo de tangia urgência. Deixou sua classe ao cuidado do chefe de estudos e partiu ao despacho do doutor Claridge.
Não teve que esperar. Fizeram que entrasse assim que chegou, embora não tinha entrevista prévia. Quando viu que entrava em sua consulta, o médico se levantou e estreitou sua mão.
—Sente-se, Antonia. recebi os resultados de sua análise de sangue. Teremos que tomar uma decisão rapidamente.
—Rapidamente?—perguntou, cada vez mais assustada—. Que tipo de decisão?
Seu coração começou a pulsar mais depressa. Logo que podia respirar, e tinha as mãos geladas.
O médico se inclinou para diante.
—Antonia, conhecemo-nos há muitos anos. Não me resulta fácil te dizer isto. Tem leucemia.
Antonia o olhou, atônita. De repente, recordou que a leucemia era um tipo de câncer muito grave.
—vou morrer?—acertou a perguntar, quase em um sussurro.
—Não—respondeu—. Atualmente, a leucemia tem cura na maioria dos casos. Terá que receber tratamento de bomba de cobalto e quimioterapia. Com sorte, manteremos a enfermidade em seu estado atual durante anos.
Radiação e quimioterapia. Antonia repetiu mentalmente as palavras. Sua tia tinha morrido de câncer quando era uma menina, e recordava com terror os efeitos que tinha tido nela aquela terapia. Entre eles, tremendos dores de cabeça e náuseas.
levantou-se e disse:
—Não sei, não posso pensar agora. O doutor Claridge se incorporou e monte suas mãos com delicadeza.
—Antonia, a leucemia não significa que vás morrer. Podemos começar o tratamento imediatamente. Faremos que vivas muitos anos.
Antonia fechou os olhos. Tinha estado preocupada com a discussão que tinha mantido com o Powell, pela raiva do passado, pela crueldade da Sally e por sua próprio tortura. Agora ia morrer, e já não lhe importava nada.
ia morrer.
—Quero pensá-lo com atenção.
—É obvio. Mas não demore muito em tomar uma decisão. De acordo?
Antonia assentiu e lhe deu as obrigado. Depois, pagou à enfermeira que se encontrava em recepção, sorriu a jovem e saiu da consulta. Fez-o tudo sem dar-se conta disso, como em um sonho. Conduziu para seu piso, fechou a porta e se deixou cair no chão, chorando.
Leucemia. Como não sabia que os avance médicos tinham convertido à leucemia em um dos cânceres mais amigáveis, pensou que era uma espécie de sentença de morte. Já não tinha futuro. Não poderia passar mais Natais com seu pai, nem casar-se e ter filhos. Tudo tinha terminado. Quando se cansou de chorar e conseguiu recuperar-se, caminhou para a cozinha para preparar um café. Era algo mundano, ordinário, mas naquele instante incluso um ato tão singelo parecia ter um significado macabro. Não sabia quantas taças mais de café poderia tomar antes de morrer. Sorriu, burlando-se de seu autocondescendencia. Aquela atitude não ia ajudar a absolutamente. Tinha que tomar uma decisão. Não sabia se queria prolongar sua agonia, tal e como tinha feito sua tia. Estados Unidos era um país tão atrasado e egoísta que não tinha segurança social. Teria que gastar-se até a última moeda que tivesse no tratamento, arruinar-se a si mesmo e a seu pai sem saber sequer se ao final teria êxito. E sua qualidade de vida podia ser tão malote como a que tinha tido sua tia.
Tinha que pensá-lo com atenção. Não só devia decidir o que era o melhor para ela, mas também também o que era o melhor para seu pai. Não pensava embarcar-se em um tratamento tão dificultoso se não tinha a certeza de que cabia a possibilidade de que sobrevivesse. Se pelo contrário só conseguia burlar à morte durante uns meses, e de forma dolorosa, teria que tomar decisões muito difíceis. Mas não podia pensar com claridade. Estava muito alterada para atuar com certo sentido comum. Necessitava tempo e tranqüilidade.
De repente, desejou retornar a seu lar. Desejo estar com seu pai, em casa. Tinha passado toda a vida correndo. E agora, as coisas tinham trocado tanto que tinha chegado o momento de enfrentar-se ao passado, de reconciliar-se com ele. de retornar à comunidade que tão injustamente a tinha tratado. Ainda tinha tempo para ajustar certas contas.
O velho médico da família, o doutor Harris seguia tendo sua consulta no Bighorn. Pensou que poderia lhe pedir ao doutor Claridge que lhe enviasse os resultados das análise. Com um pouco de sorte, talvez tivesse idéias diferentes sobre o tratamento. E se não se podia fazer nada, ao menos poderia passar o resto de seus dias com a única família que ainda ficava.
Assim que tomou a decisão, atuou imediatamente. Assinou sua renúncia ao posto que ocupava no colégio e disse ao Barrie que seu pai a necessitava em casa.
—Não disse nada quando retornou—disse seu amiga com desconfiança.
—Porque o estava pensando—mentiu, sonriendo—. Está muito sozinho. chegou o momento de que retorne e me em frente a meus fantasmas. estive fugindo durante muito tempo.
—Mas, o que vais fazer?
—Conseguirei um trabalho como professora substituta. Meu pai disse que duas das professoras de primário estavam grávidas e que não contavam com pessoal para as substituir. Bighorn não é como Tucson. Não é tão fácil encontrar professores que queiram viver em metade de nenhuma parte.
Barrie suspirou.
—Deve havê-lo pensado muito bem.
—Sim. E te sentirei falta de. Mas é possível que você também possa retornar, algum dia, para te enfrentar também a seus próprios fantasmas.
Seu amiga se estremeceu.
—meu som muito grandes—disse com um sorriso enigmático—. Mas voltarei por ti. Posso te ajudar em algo?
—Sim, claro. Pode me ajudar a fazer as malas.
O DESTINO jogou a seu favor. Quando ficou em contato com a direção do colégio do Bighorn, soube que uma das professora grávidas estava hospitalizada e que necessitavam a alguém desesperadamente, para dá as aulas de quarto. Era justo o que queria de maneira que aceitou. Alegrou-lhe saber que ninguém disse nada sobre as razões que tinha tido para partir da localidade. Talvez algum; recordassem-no, mas tinha bons amigos que não acreditavam nas terríveis acusações que Sally tinha estendido. Entretanto, Powell estaria ali. E não queria pensar que aquele fato tivesse afetado sua decisão de retornar a casa.
Chegou a seu povo natal com emoções contraditórias. Teria dado algo por ver a expressão de seu pai quando soube que ia retornar, com a intenção de ficar de forma permanente. Mas se sentia culpado porque não podia lhe dizer qual era a verdadeira razão.
—Agora poderemos passar juntos muito tempo—disse—. De todas formas, Arizona era um sítio muito caloroso para mim.
—Bom, se você gostar da neve, vieste ao lugar mais adequado.
Seu pai sorriu e olhou para a capa de vários centímetros de neve que cobria o jardim dianteiro.
Antonia passou o fim de semana guardando suas coisas, e começou a trabalhar na segunda-feira seguinte. Caía-lhe muito bem a diretora, uma moça com idéias inovadoras a respeito da educação. Recordava a duas de suas companheiras, que tinham sido suas professoras no instituto; nenhuma parecia ter nada contra sua volta.
E é obvio, gostava das classes. Passou o primeiro dia aprendendo os nomes dos alunos. Mas uma delas a emocionou particularmente. Maggie Long. Ao observar o nome pensou que podia tratar-se de uma coincidência, mas quando se levantou e viu seus olhos azuis e seu cabelo curto soube quem era. parecia-se muitíssimo a sua mãe, salvo pelo olhar. Tinha o olhar de seu pai.
Levantou o queixo e olhou à menina. Passou a seu lado e caminhou pelo corredor até que chegou à carteira onde se encontrava Julie Ame. Sorriu, e a garota lhe devolveu o sorriso. Recordava muito bem a seu pai, Danny Ame, com o que tinha estudado. Sua ruiva filha se parecia muito a ele. A teria reconhecido em qualquer parte.
Tirou seus apontamentos e os olhou por cima antes de abrir o livro e começar com a classe. Ao cabo de um momento, acrescentou com um sorriso:
—Quero que na sexta-feira me tragam uma redação de uma página em que falem sobre vós mesmos. Dessa maneira, poderei sabe algo sobre vós, posto que não tive a oportunidade de lhes dar aula desde o começo do curso.
Julie levantou a mão.
—Senhorita Hayes, a senhorita Donalds sempre nos encarregava que um de nós estivesse vigiando a classe quando não se encontrava nela. Escolhia a um distinto cada semana. Pensa fazer o mesmo?
—Acredito que é uma boa idéia, Julie. Pode te encarregar disso a primeira semana—disse encantada.
—Obrigado, senhorita Hayes!—declarou a menina, entusiasmada.
Maggie Long a olhou com malícia. Atuava como se odiasse a Antonia, e durante uns segundos, perguntou-se se saberia o que tinha acontecido no passado. Mas não era possível. Devia tratar-se de imaginações delas.
As classes lhe permitiram estar ocupada sem pensar em nada mais. Mas quando chegou o final do dia, ressurgiu o terror. E ainda não tinha falado com o doutor Harris.
Tinha-o chamado por telefone para vê-lo quando retornasse a casa. Quanto a seu pai, limitou-se a lhe dizer com um sorriso que só necessitava umas vitaminas.
Entretanto, o médico da família se preocupou bastante quando conheceu o diagnóstico de seu colega.
—Não deveria esperar—disse—. É melhor começar com o tratamento quanto antes. Vêem aqui, Antonia.
Examinou seu pescoço com mãos peritas.
—perdeste peso?—perguntou enquanto tomava seu pulso.
—Sim. estive trabalhando muito.
—Dói-te a garganta? Antonia assentiu depois de duvidar. O médico suspirou e disse:
—Enviarei um fax para que me mandem seu histórico médico. Há um bom especialista em oncologia no Sheridan. Mas deveria retornar ao Tucson.
—me diga a que devo atenerme.
O médico parecia resistir a falar, mas ela insistiu e ao final teve que dizer-lhe Antonia se tornou para trás na cadeira, pálida.
—Pode lutar contra isso. Pode vencer à enfermidade.
—Durante quanto tempo?
—Bom, algumas pessoas conseguiram viver mais de vinte e cinco anos.
Antonia entrecerró os olhos e o olhou.
—Mas não crie que possa viver tanto tempo.
—A investigação médica avança muito. Sempre existe a possibilidade de que descubram um tratamento que cure a enfermidade em todos os casos.
—De todas formas, não quero tomar uma decisão agora mesmo. Necessito mais tempo—acrescentou com um sorriso—. Só um pouco de tempo. O médico a observou como se estivesse fazendo grandes esforços para não discutir com ela.
—De acordo. Darei-te uns dias, mas te vigiarei. Pode que quando tiver considerado as opções, anime-te a iniciar o tratamento. Em tal caso, farei tudo o que possa. Mas te asseguro que os milagres médicos não existem, e muito menos no relativo ao câncer. Se estiver disposta a lutar, não espere muito.
—Não o farei.
Antonia estreitou sua mão e saiu da consulta. sentia-se muito mais em paz consigo mesma do que tinha estado em muito tempo. Começava a aceitar seu estado e era mais forte que antes. Podia enfrentar-se ao que tivesse que fazer, e se alegrava de ter retornado. O destino lhe tinha dado uns quantos golpes baixos, mas em seu lar poderia fazer frente a todo isso. Só tinha que começar a acreditar que agora que estava em casa, a sorte lhe seria menos esquiva.
Se o destino tinha tido alguma razão para levar a de volta ao Bighorn, Maggie Long não era uma delas. A menina era rebelde e problemática, e se negava a fazer seus deveres.
Ao final da semana, obrigou-a a ficar depois de classe para lhe ensinar o zero que tinha tirado o exame de língua. E se por acaso fora pouco, nem sequer se tinha incomodado em fazer a redação que lhe tinha pedido.
—Se quer repetir quarto começaste muito bem, Maggie—disse com frieza—. Deve saber que não aprovará se não fazer seus deveres.
—A senhorita Donalds não era tão malote como você—espetou a menina—. Não nos obrigava a fazer estúpidas redações, e se havia algum exame, sempre me ajudava a estudá-lo.
—Tenho trinta e cinco alunos em classe. E suponho que se estiver nela é porque é capaz de fazer seu trabalho.
—Poderia se quisesse. Mas não quero. E não me obrigará a fazê-lo!
—Posso te suspender—continuou, com calma—. E o farei se persistir nessa atitude. Dou-te a oportunidade de escapar a outro zero se fizer a redação durante o fim de semana e a traz na segunda-feira.
—Meu pai vem hoje a casa—disse com altivez—. Lhe direi que foi malote comigo e virá para pô-la em seu sítio. O asseguro.
—E o que crie que dirá quando vir que não faz seus deveres, Maggie?
—Não sou nenhuma vaga!
—Em tal caso, faz-os.
—Julie tampouco respondeu a todas as perguntas do exame, e não lhe pôs um zero.
—Julie não é tão rápida como outros alunos, e isso é algo que tenho em consideração.
—Julie está conectada—a acusou—. Por isso a trata tão bem. Seguro que não lhe teria posto um zero se não tivesse feito seus deveres!
—Isso não tem nada que ver com sua capacidade, e não penso discutir sobre isso. Faz seus deveres ou atente às conseqüências. Já pode partir a casa.
Maggie a olhou, furiosa. Tomou seus livros e caminho para a saída, mas se deteve na porta.
—Espere a que o diga a meu pai! Fará que a despeçam!
Antonia arqueou uma sobrancelha.
—Não acredito que seu pai faça tal coisa, Maggie.
A garota abriu a porta.
—A ódio! Oxalá não tivesse vindo—exclamou.
A menina saiu correndo corredor abaixo e Antonia se tornou para trás em sua poltrona. Respirou profundamente. Aquela aluna era insuportável. Surpreendia-lhe que fora tão distinta de sua mãe. Sally, a sua idade, era uma menina encantadora e amigável, nada mal educada, nem muito menos difícil.
Sally. O simples nome lhe doía. Tinha ido ali para exorcizar seus fantasmas, mas não o estava conseguindo. Sua antiga amiga ainda conseguia arruinar sua vida. Mas pensou que se Powell intervinha, ao menos conseguiria que sua filha fizesse os deveres. Odiava ter que chegar a aquele ponto, mas não tinha imaginado o que ia sentir se se encontrava com a filha do Long em classe. Por desgraça, não podia sentir nenhuma avaliação por ela. .De fato, perguntou-se se alguém a apreciaria. Era uma menina mimada e ressentida.
Supôs que Powell lhe dava tudo o que pedia. E entretanto, chegava ao colégio em ônibus e vestia com jeans e pulôveres desgastados e sujos. Talvez seu pai não soubesse. Talvez se apresentava suja para chamar a atenção, porque estava segura de que teriam um ama de chaves ou alguém que se encarregasse daquele tipo de coisas.
Sabia que Maggie se ficou com a Julie durante a semana, porque a outra menina o havia dito. A pequena ruiva era a menina mais encantada que tinha conhecido em toda sua vida, e a adorava. Era a viva imagem de seu pai, que tinha formado parte do grupo de amigos da Antonia durante sua juventude no Bighorn. Em certa ocasião, o tinha comentado e a garota se alegrou muito disso. Saber que seu pai e sua professora tinham sido amigos a orgulhava.
Entretanto, ao Maggie não o fazia tanta graça. Durante no dia anterior não tinha dirigido a palavra a sua companheira, e parecia disposta a manter aquela atitude. Antonia se perguntou pela relação que mantinham. Julie era generosa, compassiva e amável, justamente o contrário que a filha do Powell. Era provável que a menina visse aquelas qualidades na Julie, qualidades que não tinha. Mas não tinha idéia do que Julie podia ver no Maggie.
POWELL LONG retornou a casa bastante cansado. Acabava de terminar uma viagem de negócios depois de visitar três ranchos em menos de uma semana, e tinha passado muitas horas subido a um avião. tratava-se de comprar mais cabeças de gado. Tinha tido a ocasião de ver os animais em vídeo, tal e como fazia às vezes se conhecia dono, mas naquela oportunidade preferiu comprovar pessoalmente o estado do gado, porque teve a impressão de que as cabeças de gado de um dos ranchos correspondiam a outro proprietário. De fato, descobriu que os animais estavam mal alimentados e que alguns nem sequer contavam com a qualidade mínima exigida.
Entretanto, tinha resultado uma viagem bastante benéfica. Tinha economizado vários milhares de dólares pelo simples procedimento de visitasse os rancheiros em pessoa. Agora estava em casa de novo, mas não gostava de muito. Aquela casa, ao igual a seu difunta algema, provocava-lhe muitos lembranças dolorosas. Era o lugar onde tinha vivido com a Sally, onde ainda vivia sua filha. Não podia olhar ao Maggie sem ver sua mãe. Comprava-lhe brinquedos caros, tudo o que desejasse, mas não podia lhe dar amor. Não podia tirar amor de um matrimônio tão desgraçado. Por culpa da Sally, tinha tido que renunciar ao que mais amava no mundo: Antonia.
Quando entrou no salão descobriu que sua filha estava sentada sozinha, com um livro. Levantou o olhar ao vê-lo, mas a apartou imediatamente.
—Trouxeste-me algo?—perguntou. Sempre o fazia. Era uma maneira de lhe demonstrar que era importante para ele, mas a menina conhecia seus sentimentos. Nem sequer sabia quais eram seus gostos; do contrário, não lhe teria levado ositos de peluche e bonecas. Gostava de muito ler, mas seu pai não o tinha notado. Também gostava dos documentários sobre a natureza e as ciências naturais. Mas nunca lhe dava de presente um pouco relacionado com aqueles temas. Não sabia como era.
—Trouxe-te uma boneca nova. Está em minha mala.
—Obrigado—disse.
Nunca sorria, nem ria. Era como uma pequena mulher no corpo de uma menina, e quando o olhava, o fazia sentir-se culpado.
—Onde está a senhora Bate?—perguntou incômodo.
—Na cozinha, preparando a comida.
—Que tal te foi no colégio?
A menina fechou o livro.
—Temos uma professora nova que chegou a semana passada. Tomou-me mania, e me faz a vida impossível.
Powell arqueou as sobrancelhas.
—por que?
Ela se encolheu de ombros.
—Não sei. Trata bem a todos outros alunos. Mas me olhe todo o tempo. Pô-me um zero no exame e agora vai pôr me outro zero pelos deveres. Diz que me vai suspender e que vou ter que repetir quarto.
Powell se surpreendeu. Maggie sempre tinha tirado boas notas. Era uma garota muito inteligente, embora seu mau humor e sua natureza introvertida ganhassem inimigos. Não tinha nenhuma amiga íntima, salvo Julie. De fato, a semana passava tinha deixado que ficasse em casa dos pais da menina, que estavam encantados de ficar com ela quando ele não podia estar no povo.
—O que faz aqui, em lugar de estar com a Julie?—perguntou de repente.
—Disse a seus pais que queria retornar porque hoje chegava de viagem e sempre me traz presentes.
—Ah.
Sua filha não comentou que a amizade da Julie com a professora Hayes tinha esfriado bastante sua relação, e que aquela mesma manhã tinham discutido. Por fortuna, a senhora Bate estava trabalhando na mansão, de maneira que tinha podido retornar ao rancho.
—À nova professora gosta de Julie, mas me odeia. Diz que sou vaga e estúpida.
—Há dito isso?
Era a primeira vez que Powell reagia daquele modo, como se verdadeiramente lhe importasse que sua filha pudesse não cair bem a alguém. Maggie olhou seus olhos negros e notou que estava zangado. Seu pai a intimidava, algo nada estranho tendo em conta que intimidava a todo mundo. De fato, pareciam-se o bastante. Também ele era introvertido, de mau gênio e maneiras sarcásticos que se manifestavam sempre que alguém o irritava. Com o passo dos anos, a moça tinha descoberto que podia utilizar a seu pai para intimidar a outros.
No povo, Powell era uma lenda. A maior parte de suas professoras tinham cedido a todos seus caprichos para não ter que enfrentar-se com ele. Maggie aprendeu em seguida que não precisava estudar para tirar boas notas; era uma menina brilhante, mas não se incomodava em tentá-lo, porque a menção de seu pai bastava para arrumar qualquer problema. Sorriu ao pensar que também podia utilizá-lo no caso da senhorita Hayes.
—Diz que sou vaga e estúpida—repetiu.
—Como se chama sua professora?—perguntou com frieza.
—A senhorita Hayes. Powell a olhou, atônito.
—Antonia Hayes?—perguntou.
—Não conheço seu nome de pilha. Substitui à senhorita Donalds. A senhorita Donalds era amiga minha. A sinto falta de.
—Quando chegou essa mulher?—perguntou.
Surpreendeu-lhe não ter sabido nada de sua volta ao Bighorn. Embora por outra parte tinha estado fora uma semana.
—Já lhe hei isso dito. A semana passada. Disse que tinha vivido aqui no passado—declarou, observando-o—. É verdade, papai?
—Sim, é certo. Muito bem, veremos como se comporta sua professora quando tiver que enfrentar-se a outro adulto.
Desprendeu o telefone e chamou imediatamente ao diretor do colégio de ensino fundamental do Bighorn.
A senhora Jameson se surpreendeu para ouvir a voz do Powell Long ao outro lado do aparelho. Até então não tinha interferido nunca nos assuntos do colégio, embora Maggie tivesse problemas com outros alunos.
—Eu gostaria de saber como é possível que permitam que uma professora insulte a uma menina, chamando-a vaga e estúpida—exigiu.
—Como diz?—perguntou a diretora, surpreendida.
—Maggie acaba de me dizer a senhorita Hayes lhe disse que era vaga e estúpida. Quero que fale com essa professora, e muito a sério. Eu não gostaria de ter que ir eu mesmo. Está claro?
A senhora Jameson conhecia o Powell Long, e a assustou tanto que se mostrou de acordo em falar com a Antonia na segunda-feira.
E de fato o fez, embora a contra gosto.
—Recebi uma chamada do pai do Maggie Long na sexta-feira, pouco depois de que te partisse—informou a diretora—. Não acreditei nem por um momento que insultasse deliberadamente a essa menina. Sei muito bem que todos os professores tiveram problemas com o Maggie, exceto a senhorita Donalds. Mas Long não tinha intervindo nunca. Surpreende-me bastante que agora tenha intenção de fazê-lo. E, certamente, surpreendem-me as acusações da menina.
—Eu não a chamei estúpida—espetou Antonia com tranqüilidade, sentada ao outro extremo do escritório—. Lhe disse que se se negar a fazer os deveres e a responder as perguntas dos exames terei que suspendê-la. Não tenho por costume aprovar aos alunos sem um mínimo esforço por sua parte, e não aceito favoritismos com eles.
—Estou segura disso. Seu expediente no Tucson é irrepreensível. Até falei com seu antigo diretor, que parecia realmente decepcionado por te haver perdido. Falou muito bem a respeito de sua inteligência e de sua competência.
—Alegra-me sabê-lo. Mas em todo caso, não sei o que fazer com o Maggie. É evidente que não me traga. Sinto-o muito, mas não vejo como posso conseguir que troque de opinião. Oxalá colaborasse tanto como sua amiga Julie. A diferença dela, é uma magnífica estudante.
—Todo mundo quer a Julie—declarou a diretora—. De todas formas, não te incomode se te faço certa pergunta. Não estará saldando velhas dívidas com a menina, de maneira inconsciente? Sei que esteve comprometida com seu pai em certa ocasião. Tenha em conta que este é um povo muito pequeno e todo se sabe. E também sei que sua mãe te traiu e que se dedicou a contar terríveis mentiras sobre ti.
—Certas pessoas ainda acreditam que suas difamações eram certas. De fato, minha mãe morreu pela pressão que exerceu sobre ela a maior parte dos membros da comunidade.
—Sinto-o muito. Não sabia.
—Sofria do coração. Tive que partir do povo para pôr fim aos falatórios, mas não se recuperou nunca—disse, fazendo um esforço por sorrir—. Era inocente de todas as acusações, mas paguei um muito alto preço.
A doutora parecia profundamente emocionada.
—me perdoe, Antonia. Não devi tirar o tema.
—Ao contrário. Fez bem. Tinha direito ou seja se estava perseguindo deliberadamente a uma aluna. Desprezo a Sally pelo que me fez, e te asseguro que sinto algo muito parecido pelo Powell. Mas não sou tão má pessoa para fazer pagar à menina pelas culpas de seus pais. Jamais permitiria que sofresse por algo que não tem feito.
—Sei. Entretanto, é uma situação comprometida. O senhor Long tem muita influência na comunidade. É rico, e seu mau caráter é legendário. Não lhe preocupa absolutamente dar um espetáculo público, e ameaçou vindo pessoalmente se não resolver a situação—riu com nervosismo—. Antonia, tenho quarenta e cinco anos. trabalhei muito para chegar a este posto, e me resultaria muito difícil encontrar outro trabalho se o perdesse. Se por acaso fora pouco, tenho que cuidar de um marido inválido e de um filho que está estudando na universidade. Rogo-te que não ponha em perigo meu emprego.
—Nunca o faria—prometeu—. Preferiria renunciar ao posto antes de ver que uma pessoa inocente paga as conseqüências de minhas ações. Mas o senhor Long se equivoca com respeito à forma em que trato ao Maggie. De fato, é uma interminável fonte de problemas. nega-se a fazer o trabalho, e sabe que não posso obrigá-la a fazê-lo pela força.
—É certo, sabe. Correria a pedir ajuda a seu pai, e não duvido que se apresentaria aqui e falaria com o conselho de administração do colégio. Acredito que um dos membros lhe deve dinheiro, e outros três lhe têm pânico—comentou, esclarecendo-a garganta—. Em realidade, se tiver que ser sincera, eu também tenho medo dele.
—Observo que neste lugar não existe a liberdade de expressão.
—Se chocar com seus interesses, não. É um maldito tirano. Embora suponha que não podemos culpá-lo por interessar-se por sua filha.
—Não, claro.
Antonia suspirou. Entretanto, aquele assunto não lhe preocupava em excesso. Tinha suas próprias preocupações, e muito mais graves. Não temia ao Powell Long. Temia a sua enfermidade.
—Tentará solucionar o assunto do Maggie?—perguntou a diretora.
—É obvio que sim—sorriu—. Mas se não consigo resolver o problema, posso contar com sua ajuda?
—Sim, se posso te ajudar em algo—particularizou—. Mas duvido que Maggie queira cooperar. E ambas sabemos que temos muito que perder se seu pai não está contente.
—Pretende que a aprove de qualquer jeito? Pretende que a aprove sem ter estudado nada, só porque seu pai pode zangar-se?
A diretora se ruborizou.
—Não posso te pedir que faça algo assim. supõe-se que educamos aos meninos sem nenhum favoritismo.
—Isso pensava.
—E imagino que te estará perguntando se eu o faria. Pois sim, passaria-a. Tenho medo de perder meu trabalho. E quando chegar a minha idade, você também terá medo de perdê-lo.
Antonia a olhou com profunda tristeza. A diretora adotava uma posição imoral e indigna em uma pessoa que ocupasse seu posto; a covardia não tinha nada que ver com a idade. Mas em todo caso, nunca teria aquele problema. Era provável que jamais chegasse a cumprir seus anos. Deu as graças à senhora Jameson e retornou à classe, deprimida e decepcionada.
Maggie a observou enquanto se sentava em seu escritório e começava a dar a aula de língua.
Não parecia estar muito contente. Supôs que seu pai a teria posto em seu sítio e sorriu, vitoriosa. Não pensava fazer os deveres, nem responder às perguntas do exame. E quando suspendesse, seu pai se apresentaria no colégio, porque nunca duvidaria da palavra de sua filha. Jogaria à senhorita Hayes. Com um pouco de sorte, a senhorita Donalds retornaria quando tivesse seu menino e tudo voltaria para a normalidade.
Olhou a Julie, que não o fazia caso. Estava farta dela. passava-se a vida fazendo a bola à senhorita Hayes. Já não sabia se lhe desgostava mais a professora ou a menina que tinha sido seu amiga.
antes de que terminasse a classe, obteve outro pequeno triunfo. A senhorita Hayes lhe concedeu de agrado até na sexta-feira para que entregasse os deveres.
A semana transcorreu com extremada lentidão, mas ao fim que chegou o dia em que Antonia pediu os deveres que tinha posto a princípios de semana. E Maggie não entregou os seus.
—Terei que te pôr um zero se não os trouxer esta mesma tarde, incluindo a redação.
Antonia esperava não ter que enfrentar-se com a insuportável criatura. Mas suas esperanças não serviram de muito. Tinha tentado fazer todo o possível para tratá-la como ao resto dos alunos, mas a menina parecia disposta para lhe buscar as cócegas.
—Não o farei—insistiu, sonriendo—. Se me suspenda o direi a meu pai e virá. Antonia a observou com certa ironia.
—É que crie que tenho medo dele?
—Todo mundo tem medo dele—respondeu orgulhosa.
—Pois eu não—disse com frieza—. Seu pai pode vir quando queira, mas lhe direi o mesmo que te estou dizendo a ti. Se não fazer os deveres, não passará. E ponto.
—Ah, sim?
Antonia assentiu.
—Sim. Como terá ocasião de descobrir se não os trouxeste antes de que terminem as classes da tarde—concluiu.
—Ja!
Antonia não tinha intenção de discutir com a menina. Mas quando ao final do dia Maggie não lhe entregou seus deveres, não teve outra opção que lhe pôr um zero. Deu-lhe as notas e disse:
—Faz o favor de dar-lhe a seu pai. Maggie tomou e sorriu. Depois se dirigiu para a porta sem dizer uma só palavra. A senhorita Hayes não sabia que seu pai ia recolhê-la à saída do colégio. Mas estava a ponto de descobri-lo.
Antonia tinha que terminar vários assuntos antes de partir a casa. Não duvidava que a menina se queixaria a seu pai, tal e como tinha ameaçado. Mas não lhe preocupava absolutamente. Não tinha nada que perder. Nem sequer lhe importava perder seu posto de trabalho. Nenhuma pessoa que tivesse um mínimo de dignidade se teria deixado extorquir por uma menina de nove anos.
Logo que tinham transcorrido uns minutos desde que terminasse a classe, quando ouviu passos no corredor. Só ficavam uns quantos professores no edifício, mas aqueles passos eram fortes e poderosos. Sabia muito bem a quem pertenciam.
deu-se a volta no preciso momento em que se abria a porta. Uma alta e familiar figura entrou no sala-de-aula, com olhos brilhantes e escuros como a morte.
Powell não se incomodou em saudá-la, nem em tirar o chapéu texano. Levava um traje muito caro e botas de bom material. Parecia que as coisas foram bem. Mas os olhos da Antonia viam um homem muito distinto, a um solitário jovem que não encaixava em nenhuma parte, e que sonhava saindo da pobreza. Às vezes recordava aquela imagem e o amava em sonhos com uma paixão arrebatadora.
—Estava-te esperando—disse, retornando à presente—. Sua filha suspendeu, e o merece. Dava-lhe toda uma semana para que trouxesse os deveres e não o tem feito.
—Ah, sim, agora tenta me convencer de que não tem outros motivos. Sei muito bem por que te coloca com minha filha, e quero que deixe de incomodá-la. Está aqui para ensinar. De modo que não pague suas frustrações com ela.
Antonia estava sentada no escritório. Passou as mãos pelo tabuleiro da mesa e o olhou com tranqüilidade.
—Sua filha vai suspender o curso. Não participa das classes, não faz os deveres, e se nega a responder os exames. Francamente, surpreende-me que não tenha repetido nenhum curso—sorriu com frieza—. Embora, conforme me há dito a diretora, que também te teme, tem a influência suficiente para se despedir de qualquer que não a passe.
Powell a olhou, surpreso.
—Não utilizaria nunca meu poder para algo assim. É uma menina muito inteligente.
Antonia abriu a gaveta do escritório e tirou o último exame do Maggie.
—De verdade?—perguntou.
Long caminhou para o soalho e tomou o exame. Observou-o e depois olhou a Antonia com firmeza.
—Está em branco.
Ela assentiu e recolheu o exame de novo.
—Em efeito. sentou-se com os braços cruzados, sonriendo todo o tempo, e não moveu um músculo em trinta minutos.
—Nunca se tinha comportado desse modo.
—Não posso sabê-lo. Sou nova aqui.
—Mas resulta evidente que minha filha não te cai bem.
Antonia manteve seu frio olhar.
—Crie de verdade que retornei a Wyoming para me vingar da Sally na pessoa de sua filha?—perguntou, embora lhe desagradava expor as coisas naqueles términos.
Entretanto, não tinha outra opção. Maggie era absolutamente insuportável.
—De sua filha e de minha filha—particularizou, como se soubesse o muito que lhe doía recordar.
—É obvio. É filha dos dois.
Powell assentiu lentamente.
—De modo que isso é o que ocorre. Odeia-a porque se parece com a Sally.
—Certamente, é seu viva imagem.
—E segue odiando-a depois de todos estes anos.
Antonia apertou os punhos, sem apartar o olhar.
—Estamos falando de sua filha.
—Nem sequer você gosta de pronunciar seu nome—espetou, apoiando-se no escritório—. Se supõe que os professores devem ser imparciais, que devem ensinar a todos por igual, independentemente do que sintam pelos alunos.
—É certo.
—Pois está transgredindo seu código deontológico—continuou, sonriendo com dureza—. Deixa que te diga algo, Antonia. retornaste a sua casa, mas está em meu povo. A metade da localidade é minha, e conheço todos os membros da direção. Se quer seguir trabalhando aqui, será melhor que mantenha uma atitude imparcial com todos os alunos.
—Sobre tudo no relativo a sua filha, suponho.
—Já vejo que o compreende.
—Não a tratarei de forma injusta, mas não terei nenhum favoritismo para ela—disse, em idêntico tom gelado—. Não aprovará nenhum exame que não mereça passar. E se quer me despedir, adiante.
—Maldita seja, não quero que lhe despeçam—disse de repente—. Não me importa que viva com seu pai; nem sequer me importam as razões que tenha tido para retornar. Mas não permitirei que persiga a minha filha por algo que não tem feito. Não é culpado do que aconteceu no passado. Não tem nada que ver.
—Nada?—perguntou, irônica—. Sally estava grávida dela quando te casou, e de fato nasceu sete meses depois das bodas. Estava-te deitando com ela enquanto me jurava amor eterno .
Aquela declaração lhe doeu mais que o que pudesse acontecer com sua leucemia. Mas era certo. Sally já estava grávida quando se casou com o Powell.
Seu antigo noivo respirou profundamente e cravou os olhos nela, furioso, como se queria lhe arrojar algo à cabeça. Antonia apartou o olhar pela primeira vez, enquanto se aferrava com força ao escritório. Mas ao dar-se conta disso relaxou os músculos para que não notasse sua tensão.
—Sinto muito. Não devi dizer algo assim—continuou depois de uns segundos de silêncio—. Não tinha direito. Seu matrimônio é teu assunto, ao igual a sua filha. E te asseguro que não estou sendo injusta com ela. Mas espero que trabalhe como o resto dos alunos. Se não o fizer, suspenderá.
Powell se separou da mesa e colocou as mãos nos bolsos. Então a olhou e disse, de forma enigmática:
—Maggie já pagou um preço muito alto por tudo isso, embora não saiba. Entretanto, não permitirei que a fira.
—Pense o que pense sobre mim, não tenho por costume resolver meus problemas pessoais fazendo pagar aos inocentes.
—Agora tem vinte e sete anos—disse ele, surpreendendo-a—. Ainda segue solteira. Não tem filhos.
—Sim, é certo—sorriu.
—E não tem intenção de encontrar a ninguém? Não tem intenção de te lavrar um futuro?
—Já o estou fazendo.
Imediatamente, ressurgiu seu medo a morrer. Talvez não tivesse nenhum futuro, absolutamente.
—De verdade? Seu pai morrerá um destes dias, e ficará sozinha.
—estive sozinha muito tempo—declarou com mais tranqüilidade da que sentia—. E se aprende a viver com a solidão.
Powell não disse nada durante uns segundos.
—por que retornaste?—perguntou em voz muito baixa.
—Por meu pai.
—Cada dia está melhor. Não te necessita.
Antonia levantou o olhar e o observou. Uma vez mais viu a sensual boca e os escuros olhos do jovem que tinha amado.
—Mas eu necessitava a alguém.
Powell riu de maneira estranha.
—Não me olhe desse modo, Antonia. Pode que você necessite a alguém, mas eu não. E muito menos a ti.
antes de que pudesse dizer nada, seu antigo noivo saiu do sala-de-aula e se afastou tão rapidamente como tinha aparecido.
Maggie estava esperando na porta quando seu pai chegou à casa. Tinha-a levado a mansão antes de sair para falar com a Antonia.
—falaste com ela? conseguiste que a despeçam?—perguntou excitada—. Sabia que lhe demonstraria quem é o chefe aqui!
Powell a observou com olhos entrecerrados. Não tinha demonstrado um entusiasmo semelhante em muitos anos.
—O que tem que seus deveres?
A menina se encolheu de ombros.
—São estúpidos. Queria que escrevêssemos uma redação sobre nós mesmos, que resolvesse uns problemas e que respondesse às perguntas de um exame de língua.
—Quer dizer que não o fez?
—Bom, suponho que já lhe haverá dito que não tenho por que fazê-lo, verdade?
Powell arrojou o chapéu na mesita do saguão e a olhou zangado.
—Fez seus deveres ou não?
—Não. Eram ridículos, já lhe hei isso dito.
—Maldita seja! mentiste.
A menina retrocedeu. Não gostava de nada o olhar de seu pai. Assustava-a e o fazia sentir-se culpado. Não mentia de forma sistemática, mas aquilo era distinto. A senhorita Hayes a tinha ferido e queria vingar-se dela.
—A partir de agora fará seus deveres, entendido?—perguntou, irritado—. E a próxima vez que tenha um exame, não ficará com os braços cruzados, sem fazer nada. Está claro?
Maggie apertou os lábios.
—Sim, papai.
—meu deus—disse ele, furioso—. É exatamente igual a sua mãe, verdade? Pois bem, isto se terminou. Não quero que volte a me mentir. Jamais.
—Mas papai, se eu não mentir nunca.
Powell não a escutou. separou-se dela e se afastou. Maggie o observou com lágrimas nos olhos, apertando os punhos. Havia dito que era como sua mãe, quão mesmo dizia a senhora Bate de vez em quando. Sabia que seu pai não estava apaixonado por sua mãe, e que sua mãe se embebedava e chorava por isso. O ama de chaves tinha comentado em certa ocasião que Sally tinha mentido e que Powell a odiava por isso. Rapidamente, chegou à conclusão de que também a odiaria a ela se mentia. De modo que correu em sua busca.
—Papai!—exclamou
—O que?
—É que eu não gosta!
—tentaste cooperar com ela?—perguntou com frieza.
A menina se encolheu de ombros e apartou o olhar para que não pudesse notar suas lágrimas. Estava acostumada a esconder seus sentimentos, naquela fria e vazia mansão. Caminhou para as escadas e subiu a seu dormitório sem dizer nada.
Seu pai a observou com certa sensação de impotência. Maggie o tinha utilizado para que atacasse a sua professora, e ele tinha cansado na armadilha. Tinha deslocado ao colégio para lançar todo tipo de acusações contra uma pessoa inocente. Tinha-o manipulado para vingar-se dela, e estava furioso por ter sido tão estúpido. Supôs que não poderia havê-lo feito de não ter sido porque em realidade não conhecia sua filha. Passava muito pouco tempo a seu lado, tão pouco como podia, pela singela razão de que recordava a sua mãe.
prometeu-se a si mesmo que a seguinte vez analisaria os fatos antes de atacar a nenhum professor. Em todo caso, não sentia o que havia dito a Antonia. Quase se alegrava, porque com um pouco de sorte, sua estratégia sortiria efeito e se cuidaria muito de ferir premeditadamente ao Maggie. Sabia muito bem o que sentia pela Sally. Seu ressentimento aparecia em cada um de seus gestos.
perguntou-se por que teria retornado. Ao longo dos anos quase tinha conseguido esquecer-se dela. Embora ao final, tinha ido falar com seu pai porque a solidão o estava destroçando e queria saber algo, algo, sobre sua vida. De fato, surpreendeu-se a si mesmo pensando se ainda caberia a possibilidade de que renascesse a magia que tinham compartilhado no passado.
Fora como fosse, Antonia se tinha encarregado de destroçar qualquer esperança a respeito. Sua atitude era fria e distante. Parecia haver-se transformado em um témpano durante os anos que tinha passado longe do Bighorn.
Entretanto, não podia culpá-la. Todas as desgraças da Antonia recaíam sobre suas costas. Ele era o culpado, por ter sido tão desconfiado, por ter chegado a conclusões aceleradas e por não ter acreditado na sinceridade e inocência de sua antiga noiva. Uma decisão impulsiva lhe havia flanco tudo o que tinha querido. Em ocasiões, perguntava-se como pôde ter sido tão estúpido.
Em ocasiões como aquela. Tinha permitido que sua filha o manipulasse para conseguir que atacasse a Antonia por algo que não tinha feito. Como no passado. A filha da Sally demonstrava grandes aptidões como manipuladora, embora só tivesse nove anos. E parecia que ele seguia sendo tão impulsivo e imbecil como de costume. Não tinha trocado absolutamente. Só era mais rico.
Enquanto isso, estava o assunto da volta da Antonia, e o de sua inquietante magreza e palidez. Não parecia encontrar-se bem. Durante um instante, perguntou-se se não teria alguma enfermidade, e se, em tal caso, não seria aquele o verdadeiro motivo de sua volta. Mas desprezou a opção imediatamente. Qualquer médico lhe teria recomendado um clima mais aprazível para a maior parte das enfermidades. Nenhum médico a teria enviado ao norte do Wypming em pleno inverno.
Em qualquer caso, não tinha respostas. Irritado, disse-se que não tinha sentido pensar nisso, porque não chegaria a nenhuma parte. O passado estava morto. E era melhor que o deixasse estar, se não queria que voltasse a destroçar sua vida, uma vez mais.
QUANDO Powell partiu do sala-de-aula, Antonia permaneceu em seu sítio durante uns minutos, olhando-as mãos. Resultava evidente que não a queria. Mas talvez, de forma inconsciente, ela tivesse esperado o contrário. Agora estava claro que aquelas vões esperanças não tinham nenhum sentido.
levantou-se, limpou o escritório, recolheu suas coisas e retornou a casa. Não tinha tempo para autocompadecerse, embora fora de forma silenciosa. Tinha que aproveitar os dias que ficavam. Tinha que tomar uma decisão.
Enquanto preparava o jantar, tanto para ela como para seu pai, pensou em tudo o que queria fazer e em tudo o que não poderia fazer por falta de tempo. Sempre tinha sonhado viajando, desde muito pequena, e participando mais nos assuntos da comunidade. Por desgraça, tinha passado quase toda sua vida fazendo planos a muito curto prazo, como preparar as lições do dia seguinte. Quando as coisas foram bem sempre se tinha a impressão de que se tinha todo o tempo do mundo. Mas tinha cruzado uma linha imaginária e estava mais perto do final que do princípio.
De entre todas as coisas das que se arrependia, destacava o ocorrido com o Powell. tornou-se para trás e se perguntou o que teria acontecido se em lugar de sair correndo se enfrentou a ele; se em lugar de fugir tivesse desafiado a Sally a provar seus infundadas e injustas acusações. Mas só tinha dezoito anos, e era ingênua e sonhadora. Não tinha a dureza nem a moderação suficientes para enfrentar-se a Sally em seu próprio terreno e derrotá-la. Não era desconfiada, e jamais teria acreditado que seu melhor amiga pudesse trair a daquele modo, lhe pegando uma punhalada pelas costas. Tinha sido uma estúpida ao não dar-se conta de que os melhores amigos podiam ser também os piores inimigos; conheciam todas as debilidades de uma pessoa.
E a maior de suas debilidades tinha sido o amor que sentia pelo Powell, um amor que parecia invencível, como se nada pudesse separá-los. Não tinha contado com a habilidade dramática da Sally.
Por outra parte, Powell nunca lhe havia dito que a amasse. Resultava estranho que não se deu conta disso até sua separação. Powell sempre tinha demonstrado paixão por ela, mas nunca fora de controle. Algo que não sentia saudades tendo em conta o que se esteve deitando com seu melhor amiga. Não compreendia por que teria querido deitar-se com outra se estava apaixonado por ela.
Entretanto, a proposição de matrimônio havia partido dele. Os pais da Antonia eram muito respeitados na comunidade, a diferença de seus pais. adorava contar com seu apoio entre a gente, e passava tanto tempo com o Ben e Jessica como com ela mesma. Quando falava sobre seus planos de levantar um rancho de gado e recuperar a fortuna de seu pai, sempre era Ben quem lhe dava conselhos ou lhe abria portas para conseguir créditos. Conhecendo o passado de jogador que tinha seu pai, ninguém teria apoiado ao Powell; ninguém teria crédulo nele. Mas o pai da Antonia era um aval muito diferente. Era um homem honesto sem nenhum vício conhecido.
Antonia não suspeitou que um homem tão ambicioso como Powell poderia estar procurando algo mais em sua relação que o simples amor. Mas agora, quando analisava o passado, dava-se conta de que tinha pedido sua mão porque lhe convinha. Não a amava. Só queria contar com as influências de seu pai. E graças a elas, tinha levantado um rancho e um império multimilionário de terras e gado. Até cabia a possibilidade de que a ruptura de seu compromisso tivesse sido premeditada. Talvez formasse parte de um plano. Assim que tivesse conseguido o apoio financeiro necessário, podia casar-se com a mulher que realmente amava: Sally.
Quando soube que sua esposa tinha trabalhado cotovelo com cotovelo com ele para ajudá-lo a conseguir seus objetivos não se surpreendeu. O único estranho era que todo mundo dizia que não tinham sido felizes.
Não entendia como tinha podido passar por cima aquelas questões durante os anos transcorridos. Considerou que talvez o paixão com o que o vivia a tinha cegado. Mas de todas formas, parecia-lhe algo vão e irreal. Powell era água passada, e não devia dar voltas ao passado. De algum modo, as arrumaria para esquecer e perdoar. Seria uma pena levar tanto ressentimento e ódio à tumba.
A tumba. Olhou a caçarola em que estava preparando o jantar. Nunca lhe tinha ocorrido pensar onde gostaria que a enterrassem. Tinha um seguro que cobriria quase todos os gastos. Sempre tinha pensado que descansaria junto a sua mãe, no pequeno cemitério que havia junto à igreja. Agora teria que encarregar-se de todos os detalhes, se por acaso o tratamento não dava resultado, no caso de que optasse por ele. Mas devia encontrar um modo de evitar que se inteirasse seu pai. Não o diria enquanto pudesse evitá-lo.
Assim que terminou o jantar, chamou o Ben para que se sentasse à mesa. Tomou cuidado de falar sobre coisas corriqueiras, e tentou demonstrar felicidade por estar de novo em casa.
Mas não conseguiu enganá-lo. Seu pai a observou com intensidade e disse:
—Algo se preocupa. Do que se trata?
—Do Maggie Long—mentiu.
—Já vejo. Suponho que é como seu pai a sua idade. Insuportável.
—Só comigo. Conforme parece, levava-se bem com a senhorita Donalds.
—Não sente saudades—comentou, enquanto terminava seu café—. A senhorita Donalds é prima dela. Mimava-a, tinha favoritismos com ela e fazia algo por ajudá-la, salvo responder as perguntas de seus exames. Maggie era a típica menina conectada. Era a primeira vez que uma professora a tratava daquele modo, assim que lhe deveu subir à cabeça.
—Como sabe?
—Vive em um povo pequeno, filha—lhe recordou, rendo—. Sei tudo o que acontece aqui. Até sei que Powell te visitou esta tarde no colégio. Imagino que te faria passar um mau momento com o assunto do Maggie, verdade?
Antonia ficou tensa.
—Eu não tenho favoritismos com ninguém. E não me importa que consiga me despedir.
—Duvido que possa fazê-lo—declarou com tranqüilidade—. Eu também tenho amigos na junta diretiva.
—Talvez poderiam trocar à menina a outra classe.
—Não, isso só serviria para alimentar os falatórios—disse Ben Hayes—. E já tivemos muitos. Segue com seu trabalho e não ceda. Mais tarde ou mais cedo, essa menina mimada cederá.
—Eu não estaria tão segura—declarou, passando uma mão por seu loiro cabelo—. Estou cansada. Importa-te se vou à cama a dormir?
—É obvio que não—respondeu, preocupado—. Pensei que tinha ido ver o médico. Não te receitou nada para te animar?
—Disse que necessitava vitaminas—mentiu de novo—. E as comprei, mas demorarão certo tempo em fazer efeito. Também disse que devia comer mais.
—Pois se não te põe bem logo, será melhor que volte para sua consulta e lhe peça que te examine a fundo—disse, sem acreditá-la de tudo—. Não é normal que uma garota de sua idade esteja cansada todo o tempo.
Antonia sentiu uma pressão no peito. Obviamente não era nada normal, mas não queria que conhecesse a natureza de sua enfermidade.
—Farei-o—lhe assegurou, enquanto se levantava para recolher os pratos—. Me encarregarei de limpá-lo tudo e logo te deixarei com sua televisão.
—OH, ódio a televisão. Prefiro ler pelas noites. Só a acendo para escutar um pouco de ruído de fundo.
Sua filha riu.
—Eu fazia o mesmo no Tucson—confessou—. Te faz te sentir acompanhado.
—Certo, mas prefiro estar contigo. Me alegro muito de que tenha retornado a casa. Já não me sinto tão sozinho.
Antonia sentiu uma profunda angústia. Seu pai tinha perdido a sua esposa e agora a ia perder a ela. perguntou-se como as arrumaria sozinho no mundo, sem nenhum familiar. Ela era filha único, e a única irmã de seu pai tinha morrido de câncer anos atrás. mordeu-se o lábio. Corria o perigo de perder a sua filha e era muito covarde para dizer-lhe
Ben lhe deu um tapinha no ombro.
—Não te incomode em esfregar. te deite logo. Eu me encarregarei de tudo mais tarde.
—Não me importa fazê-lo—protestou, sonriendo—. Te verei amanhã pela manhã.
—Bom, mas não desperte quando te partir—disse enquanto se afastava—. Penso me deitar tarde.
—É um farrista.
Seu pai riu e a deixou a sós com os pratos.
Quando terminou de esfregar se foi à cama, mas não dormiu imediatamente. Permaneceu acordada, recordando a expressão seca do Maggie Long, seus ódios cheios de ódio e o olhar intenso e inimizade do Powell. A ambos teria gostado que retornasse ao Arizona, e pareciam decididos a fazer um inferno de sua estadia no Bighorn. O resto do curso ia resultar muito problemático. Se Maggie continuava negando-se a fazer seus deveres, seu pai se apresentaria diariamente para queixar-se.
Elevou os olhos ao céu e suspirou. As coisas se complicaram gradualmente desde que tinha dezoito anos. Fechou os olhos, doída. Tinha desejado casar-se e ter filhos. De fato, Maggie teria sido sua filha, com cabelo loiro e talvez olhos cinzas, como ela mesma. E de ter sido dela, teria recebido amor, compreensão e apoio. Não teria tido aquele olhar de ódio, nem aquela expressão infeliz.
Recordou que Powell havia dito algo estranho com respeito ao Maggie. Algo que não entendia muito bem. Ao parecer, tinha pago um preço mais alto que todos eles. Entretanto, estava segura de que seu pai a queria; ao menos, tinha lutado por ela com todas suas forças.
Mas, finalmente, decidiu que não era problema dele. E não estava disposta a deixar que o fora. Ainda tinha que decidir o que fazer com respeito à leucemia.
Julie era o mais formoso que havia na vida da Antonia. A menina era encantadora, simpática e doce, e fazia o possível para lhe facilitar as classes. Recordava onde tinha deixado as coisas a senhorita Donalds e que lições se deram já. Sempre estava disposta a fazer o que lhe pedissem.
Quanto ao Maggie, seguia com a mesma atitude de sempre. Não fazia nada de forma voluntária. Seguia negando-se a fazer os deveres, e não lhe servia de nada falar com ela. limitava-se a olhá-la com desprezo.
—Darei-te uma oportunidade mais—lhe disse Antonia, ao final da segunda semana—. Mas se não trazer todos os deveres na próxima segunda-feira, suspenderá de novo.
A menina sorriu com rebeldia.
—E meu pai virá de novo para pô-la em seu sítio. Direi-lhe que me pegou.
Os olhos cinzas da Antonia se cravaram nela.
—Seria capaz de fazê-lo, verdade?—perguntou com frieza—. Não duvido de sua capacidade para mentir, Maggie. Muito bem, faz-o se quiser. A ver quanto dano é capaz de fazer.
A reação da menina foi inesperada. Seus olhos se encheram de lágrimas e se estremeceu.
Segundos mais tarde, saía correndo da classe. Antonia ficou no sala-de-aula, triste e deprimida por ela. aferrou-se ao escritório, recriminando-se sua atitude por ter sido tão fria com a pequena.
Limpou-o tudo, esperando que Powell se apresentasse de novo. Mas não foi assim. Retornou a casa e passou uma velada aparentemente tranqüila com seu pai. Embora no fundo estava muito nervosa, esperando que se produzira uma visita que ao final não se produziu.
Mas a maior das surpresas a recebeu na segunda-feira seguinte. Maggie apareceu, deixou uns papéis sobre o escritório e se sentou em sua carteira sem olhá-la. Estavam revoltos, mas eram os deveres que lhe tinha pedido. E se por acaso fora pouco, bem feitos.
Antonia não disse nada. Era uma pequena vitória, a todos os efeitos. Não queria admitir que estava encantada. Mas em todo caso, pô-lhe um dez. Muito castigo.
Julie começou a sentar-se com a Antonia nos recreios, e compartilhava com ela os bolos e pão-doces que sua mãe lhe dava quando ia ao colégio.
—Minha mãe diz que está fazendo um grande trabalho comigo, senhorita Hayes—disse a menina—. Meu pai a recorda do colégio, sabia? Diz que era uma menina encantadora, e muito tímida. É certo?
Antonia riu.
—Isso me temo. Eu também me lembro de seu pai. Era o brincalhão da classe.
—Meu pai? De verdade?
—De verdade. Mas não lhe diga que lhe hei isso dito, quer?—brincou, sonriendo.
Maggie as observou, desde certa distância. como sempre, estava sozinha. Não se levava bem com os outros meninos. As meninas a odiavam, e os meninos riam dela porque tinha as pernas muito magras, e sempre cheias de arranhões por suas correrias pelo rancho. Um dos meninos, Jake Weldon, era particularmente hiriente, embora Maggie tentava não lhe fazer caso. E sua solidão se incrementou porque Julie já não passava tempo com ela.
Maggie as odiava às duas. Julie era querida por todo mundo, e agora preferia a companhia da professora à sua. Mas queria demonstrar à senhorita Hayes que era não era tão malote como sua mãe. Sabia o que tinha feito sua mãe porque tinha escutado uma conversação em certa ocasião, sem que ninguém o notasse. Recordou que tinha acusado a seu pai de não amá-la, e que seu pai tinha respondido a sua vez que tinha estragado sua vida por culpa dela e de sua filha prematura. Por desgraça, também tinha escutado outro comentário. Seu pai havia dito que de não ter estado bêbado não se teria deitado com ela, e que, em tal caso, nunca teria nascido.
Naquela época não compreendeu o sentido daquelas palavras. Mas mais tarde ouviu que seu pai dizia um pouco parecido à ama de chaves. depois daquilo, deixou de escutar às escondidas as conversações de outros. Sabia que seu pai não a queria, e deixou de tentar ser boa.
Também sabia que conhecia a senhorita Hayes. Tinha comentado à ama de chaves que tinha retornado ao Bighorn para lhe fazer a vida impossível, e que não desejava que permanecesse ali. De ter sido capaz de falar com sua professora, haveria-lhe dito que seu pai as odiava às duas. Algo que, em certo modo, unia-as.
Começava a pensar que seu pai não tinha querido casar-se com sua mãe, mas se perguntava por que o teria feito. Fora qual fosse a razão, tinha algo que ver com que não a quisesse. A gente dizia que Sally não queria a sua filha, que Maggie só tinha sido uma armadilha para caçar ao Powell Long. E talvez estivessem no certo, porque sua mãe nunca passava tempo com ela. Resultava evidente que não a queria.
sentou-se no chão, apoiando-se em uma árvore e manchando-se com isso os jeans. A senhorita Bate, o ama de chaves, haveria-se posto furiosa se a tivesse visto, mas não lhe importava. Tinha atirado quase toda sua roupa, com a desculpa de que estava muito suja para limpá-la. Mas não o havia dito a seu pai. Pensou que era possível que, quando começasse a ir nua, alguém advertisse sua presença.
Lhe teria gostado de cair bem à senhora Bate, como Julie, que até ficava com ela no recreio para obter benefícios. No fundo Julie lhe caía bem, apesar de que era uma bola, sempre disposta a fazer algo para gostar. Às vezes se perguntava por que razão se teria feito amiga dela. Não necessitava amigos. bastava-se a si mesmo. Estava disposta a lhe demonstrar a todo mundo que era uma pessoa muito especial. Estava decidida a que todos a quisessem, algum dia. Mas de momento, limitou-se a suspirar e a fechar os olhos. Lhe teria gostado de conhecer o segredo da Julie. Saber por que gostava tanto.
—Aí está Maggie—disse Julie, fazendo um gesto para sua companheira de classe—. Não lhe cai bem a ninguém, salvo a mim. É capaz de ganhar nos meninos jogando beisebol, assim não se leva bem com eles. E as garotas são tão simples que a odeiam porque não quer jogar a coisas tolas. Sinto-o muito por ela. Diz que seu pai não a quer, que sempre está de viagem. Normalmente, fica conosco quando ele parte, mas não quis vir a casa esta semana porque...
Julie se deteve, como se tivesse medo de ter falado mais da conta.
—por que?—perguntou Antonia.
—OH, não é nada importante. O caso é que quase sempre fica em casa de minha família quando seu pai parte.
A menina não queria lhe dizer à professora que tinha discutido com seu amiga.
De forma involuntária, Antonia olhou ao Maggie, que estava as observando com aqueles frios olhos. Rapidamente recordou a sua mãe. Sally, ciumenta de sua beleza, ciumenta de suas notas, ciumenta de seus amigas, ciumenta da relação que mantinha com o Powell.
estremeceu-se e apartou o olhar da menina, cansada. perguntou-se se poderia fazer algo para conseguir que a trocassem a outra classe. Mas se não podiam fazê-lo, não tinha mais opções. Tal e como estavam as coisas, não tinha tempo de procurar outro posto de trabalho, que em todo caso não conseguiria no Bighorn. Fechou os olhos e se perguntou que diabos estava fazendo com o pouco que ficava de vida. tentou-se convencer de que tinha retornado para enfrentar-se às lembranças, mas eram muito pesados. Não podia lutar contra o passado. Nem sequer podia lutar contra o presente. Tinha que deter-se e considerar com seriedade o que ia fazer com seu futuro.
—Senhorita Hayes?
Antonia abriu, os olhos e notou que Julie a olhava com preocupação.
—encontra-se bem?—perguntou.
—Sim. Estou cansada, isso é tudo—respondeu, sonriendo—. Será melhor que vamos.
Então deu por terminado o recreio, chamou os meninos e esperou a que entrassem no edifício.
Durante o resto do dia, Maggie se comportou pior que nunca. Respondeu várias vezes de má maneira e se negou a obedecer, fazendo caso omisso da Antonia quando se dirigia a ela. Quando terminaram as classes, esperou a que todos partissem para entrar de novo e olhar a sua professora.
—Meu pai diz que gostaria que partisse e que não retornasse jamais—disse em alto—. Diz que converte sua vida em um inferno e que não pode suportá-la. Diz que lhe põe doente!
Antonia se ruborizou, surpreendida.
Maggie se deu a volta então e saiu do sala-de-aula. Em realidade, não tinha mentido. Seu pai havia dito algo muito parecido, embora pensando em voz alta, e ela se limitou a repeti-lo no lugar adequado. Resultava evidente que tinha conseguido feri-la. Só queria vingar-se dela pelo que havia sentido quando a olhou durante o recreio e se estremeceu. Sabia que não lhe caía bem e não lhe importava, porque a senhorita Hayes tampouco gostava a ela.
Maggie esteve tranqüila ao dia seguinte. Não se meteu com a Antonia e fez o trabalho em classe. Mas uma vez mais se negou a realizar os deveres e desafiou a sua professora a suspendê-la de novo. Até se atreveu a ameaçá-la dizendo que enviaria uma nota a seu pai imediatamente.
Antonia não se tomou a sério sua ameaça, mas não disse nada. Cada dia que passava se sentia pior, e tinha que fazer verdadeiros esforços para levantar-se pela manhã para ir trabalhar. A enfermidade evoluía mais depressa do que tinha pensado, e a menina não facilitava as coisas.
Durante o resto da semana, Antonia pensou na possibilidade de trocar a de classe. Pensou que podia falar com a diretora, e assim que terminaram as classes entrou em seu escritório.
A senhora Jameson sorriu com certa precaução quando viu que Antonia entrava e se sentava frente a seu escritório.
—Imagino que vieste para falar do Maggie Long, outra vez.
—Em efeito—disse, surpreendida.
—Esperava-o—declarou a mulher, com resignação—. A senhorita Donalds se levava bastante bem com ela, mas foi a única professora em muitos anos que pôde tratá-la. É uma rebelde. Seu pai viaja muito, e sempre a deixa com a família da Julie. Em certa ocasião, ouvimos o rumor de que o senhor Powell pensava casar-se de novo, e a menina escapou de casa. Não gosta de muito a viúva do Holton.
Antonia começava a perguntar-se se aquela mulher gostaria a alguém. Já sabia algo sobre ela, graças aos comentários do Barrie. Mas lhe surpreendia ouvir que Powell tinha considerado a possibilidade do matrimônio. Embora podia tratar-se de um falso rumor.
A diretora suspirou e centrou sua atenção no tema principal.
—Suponho que quer que troque ao Maggie de classe. E eu gostaria de fazê-lo, mas só temos uma aula de quarto. Tenha em conta que é um colégio pequeno. Sinto-o muito, de verdade. Mas não é possível. Talvez, se falasse com seu pai...
—Já o tenho feito—disse com calma.
—E bem?
—Disse que se o pressionava, faria o possível para que me expulsassem do colégio. A diretora apertou os lábios.
—Bom, já conversamos sobre isso, e sabe que poderia fazê-lo. É uma situação bastante difícil. Sinto não poder ser mais otimista.
Antonia se recostou em seu assento e suspirou.
—Não devi retornar ao Bighorn—disse, quase pensando em alto—. Não sei por que o fiz.
—Pode que estivesse procurando algo.
—Sim, algo que já não existe—confessou, ausente—. Uma parte perdida de minha vida que não encontrarei aqui.
—Mas pensa ficar até final de curso, verdade? Seus alunos dizem coisas maravilhosas de ti. Sobre tudo Julie—acrescentou com um sorriso.
—Estudei com seu pai, nesta mesma escola. É exatamente igual a ele.
—Conheço-o, e tem razão. parecem-se muito. É uma pena que não todos seus estudantes possam ser tão energéticos e entusiastas como ela.
—Sim, certamente. Mas todos têm sua própria personalidade.
—Bom, darei-te todo o apoio moral que possa. Temos um bom psicólogo infantil. Enviamos ao Maggie um par de vezes a vê-lo, mas nem sequer abriu a boca. Também o enviamos a sua casa para que falasse com o senhor Long, mas se negou a colaborar. É uma situação muito complexa.
—Pode que se solucione por si só.
—Pensará seriamente na possibilidade de ficar ?—perguntou.
Antonia não podia prometer algo assim. Fez um esforço por sorrir e respondeu:
—Pensarei-o.
Quando saiu do despacho da diretora, estava mais deprimida que nunca. Maggie a odiava, e, obviamente, não quereria colaborar com ela. Se as coisas seguiam assim, só era questão de tempo que se visse obrigada a suspendê-la, e Powell retornaria para falar com ela ou faria o possível para despedi-la. Não sabia se estava preparada para enfrentar-se a ele de novo. E quanto à possibilidade de perder seu posto de trabalho, tampouco sabia se lhe importava. Sua saúde pioraria pouco a pouco, e então, careceria de importância.
Ao retornar à classe descobriu ao Powell, sentado sobre o escritório. Levava um traje cinza e uma gravata vermelha, com um chapéu longínquo e botas feitas à mão como perfeito complemento. Na mão levava o mesmo anel que tinha levado sempre, inclusive na época em que estiveram comprometidos. Um anel de ouro de dez kilates, não muito caro e muito singelo, com uma simples inscrição, a letra «L». Sua mãe o tinha agradável quando terminou os estudos no instituto, e para comprá-lo tinha tido que trabalhar muito duramente. O muito caro relógio que levava na boneca esquerda o tinha conseguido por seus próprios méritos. Os Long não tinham ganho suficiente dinheiro em toda sua vida para comprar algo assim. Ao pensar nisso, perguntou-se se Powell não pensaria de vez em quando nos duros dias de sua juventude.
Assim que entrou na habitação, voltou-se e a olhou. Antonia levava um vestido de cor nata e o cabelo recolhido em um coque. Parecia mais magra que nunca, e muito digna.
—trocaste muito—disse ele, de forma involuntária.
Caminhou para o escritório e se sentou. Andar, embora fora pouco, cansava-a terrivelmente. Olhou-o com fadiga e declarou:
—Estava pensando o mesmo de ti. Enfim, tenho que partir a casa. Sei por que vieste. Mas não podemos trocar ao Maggie a outra classe, porque não há nenhuma. A única alternativa é que abandone meu posto de trabalho.
—Essa não é a razão pela que estou aqui.
—Não?
Powell agarrou um clipe que havia sobre o escritório e o olhou.
—Pensei que poderíamos jantar juntos. Poderíamos falar sobre o Maggie.
Antonia se encontrava tão mal que sentia náuseas. Logo que ouvia sua voz.
—Como há dito?
—Hei dito que podíamos jantar juntos esta noite—respondeu, franzindo o cenho—. Tem muito má cara. te jogue para diante.
Antonia obedeceu e inclinou a cabeça, apoiando-a sobre as mãos. Os enjôos e náuseas se repetiam dia a dia, cada vez com maior intensidade e freqüência. Nem sequer sabia quanto tempo poderia continuar trabalhando com normalidade. E a idéia a assustava. Teria que arrumá-lo tudo para começar com o tratamento, enquanto ainda estivesse a tempo. Uma coisa era dizer que a morte não importava, quando se estava são, e outra muito distinta enfrentar-se realmente a ela.
—Está muito magra—continuou ele—. Viu a um médico?
—Se alguém voltar a me perguntar algo assim... Sim, fui ao médico. Só estou um pouco cansada. foi um ano muito difícil.
Respirou profundamente e levantou a cabeça de novo. jogou-se o cabelo para trás, tentando conter o enjôo.
—Sim, sei—disse, ausente, enquanto a observava.
Antonia observou seu preocupada olhar. Em outras circunstâncias a teria analisado, mas estava muito esgotada como para que lhe importasse.
—Maggie esteve causando problemas a todo mundo—disse, sem que o esperasse—. Sobre tudo a ti. Pensei que, se conversávamos sobre isso, poderíamos encontrar alguma solução.
—Acreditei que minha opinião não te importava.
—Tenho muitas coisas na cabeça, mas sua opinião me importa muito. Temos que falar.
Antonia quis lhe dizer que não compreendia por que. Não entendia que queria falar com quando lhe havia dito a sua filha que não a suportava e que desejava que partisse do povo. Mas não o mencionou. Não teria sido muito educado por sua parte, embora lhe doesse terrivelmente.
—E bem?—perguntou, impaciente.
—Parece-me perfeito. A que hora quer que te veja, e onde?
Pergunta-a pareceu surpreendê-lo.
—Em sua casa, é obvio. irei recolher te por volta das seis.
Pensou que devia negar-se, mas bastou um olhar a seus olhos negros para convencer-se do contrário. Com tristeza, disse-se que seria sua última entrevista. A última entrevista antes de que os acontecimentos se desencadeassem para um final trágico.
—De acordo—disse, fazendo um esforço por sorrir.
Powell a observou enquanto ordenava com paciência os papéis que tinha sobre o escritório. Se fixo em suas mãos, muito mais magras do normal. Compreendia que a morte de sua mãe a tivesse afetado, mas aquilo parecia algo mais que uma depressão comum. Estava nos ossos.
—Verei-te as seis—disse Antonia.
Saíram juntos da classe. Powell era perfeitamente consciente de sua fragilidade. E, entretanto, os anos não pareciam ter passado. Ainda era muito mais alto que ela, e quando a olhava via uma jovencita vivaz e encantada de dezoito anos, e não a uma mulher de vinte e sete. perguntou-se o que teria passado para que sua personalidade trocasse de forma tão drástica. Como se seu jovem corpo albergasse uma alma velha. Talvez fora ele o culpado.
Antonia o olhou com curiosidade.
—Queria algo mais?
Powell se encolheu de ombros.
—Maggie me ensinou o dez que lhe tinha posto.
—Não foi minha coisa. Ganhou. Fez um bom trabalho.
—É uma garota brilhante quando quer—disse, metendo-as mãos nos bolsos—. Disse coisas terríveis a última vez que nos vimos, e quero me desculpar. Excedi-me.
Não quis ir mais longe e reconhecer que Maggie lhe tinha mentido. tratava-se de algo que ainda lhe doía, tanto como as mentiras da Sally tinham doído a Antonia. Resultava difícil admitir que se parecia muito a sua mãe.
—Qualquer pai se teria preocupado ao saber que sua filha tinha tirado um zero.
—Eu não fui muito bom pai—confessou de repente—. Enfim, verei-te as seis.
Antonia o observou com tristeza enquanto se afastava. A visão de seus largos ombros lhe recordou o dia que romperam seu compromisso.
Powell se deteve na porta do colégio, como se tivesse notado que o estava observando. deu-se a volta de repente e a olhou. Foi algo tão súbito que notou sua profunda angústia. De fato, vacilou ao vê-la; devia ter a mesma expressão que nove anos atrás, quando a sotaque. Mas não podia estar seguro, porque naquela ocasião não se tornou para olhá-la.
A professora respirou profundamente e tentou manter a compostura. Não disse nada. Não havia nada que dizer. Nada que não houvesse dito já seu rosto.
—Às seis—repetiu Antonia.
Ele assentiu. E esta vez, partiu.
Antonia olhou todos quão vestidos tinha no armário antes de escolher uma de cor negra, bonito mas singelo, de manga curta e decote modesto. Chegava-lhe justo por debaixo dos joelhos, e embora remarcava sua figura talvez ficava muito folgado. Em realidade, não tinha quase nada que ficasse bem. Fazia frio, de modo que decidiu ficar um casaco de couro que tinha comprado no ano anterior em umas ofertas. Daquele modo cobriria o vestido, e quando estivesse sentada, não se notaria que era uma ou duas talhas maior da que lhe correspondia. Como complemento ficou um cinturão, uns pendentes de ouro e uma pequena cadeia que lhe tinha agradável sua mãe quando terminou os estudos no instituto. Não levava outras jóias, salvo um relógio normal na boneca. Então reparou em ao anel de compromisso que lhe tinha agradável Powell, de ouro e com um modesto diamante. Tinha tentado devolver-lhe mas se negou a aceitá-lo. De maneira que o tinha guardado em uma cajita, junto com a cadeia de sua mãe.
Tomou o anel e o olhou com seus olhos cinzas. Sua vida, e a de seu antigo noivo, teria podido ser muito diferente se ele não tivesse chegado a conclusões apressadas e se ela não tivesse fugido.
Deixou a lembrança na cajita, encerrado no passado, aonde pertencia. Aquela ia ser a última vez que veria o Powell. Só queria falar sobre o Maggie. Se queria casar-se com a viúva do Holton, tal e como tinha ouvido, não quereria repetir aquela entrevista. E embora o pedisse, negaria-se. Seu coração ainda era muito vulnerável. Mas em todo caso, maquiou-se com supremo cuidado e deixou solto seu cabelo. Embora magra, seguia sendo atrativa, e esperava que Powell também acreditasse assim.
sentou-se no salão com seu pai, que permanecia em silêncio embora o carcomia a curiosidade, e esperou a que o relógio marcasse as seis. Faltavam dez minutos. No passado, Powell era sempre bastante pontual. perguntou-se se ainda o seria.
—Nervosa?—perguntou Ben Hayes.
Antonia sorriu e assentiu.
—Não sei por que quer falar sobre o Maggie em outro sítio. Poderíamos falar aqui, ou no colégio.
Seu pai se cruzou de pernas e passou uma mão por uma dê suas botas.
—Pode que tente arrumar as coisas contigo.
—Duvido-o—espetou—. ouvi que passa muito tempo com a viúva Holton.
—Dawson também passa muito tempo com ela, mas o amor não é a razão de seu interesse. Ambos querem fazer um negócio. Obter umas terras que confinam com seus ranchos.
—Mas todo mundo diz que é uma mulher muito bela.
—É certo. Mas Dawson não tem intenção de manter uma aventura, e Powell se limita a ser amável.
—Hão-me dito que tem intenção de casar-se.
—De verdade?—perguntou, franzindo o sonho—. Me surpreende.
—A senhora Jameson disse que sua filha escapou de sua casa porque pensou que queria casar-se com a viúva.
Seu pai negou com a cabeça.
—Isso não me surpreende tanto. Maggie não se leva bem com ninguém. Se alguém não se encarregar dela, acabará mau.
Antonia brincou com a bolsa negra que tinha eleito.
—Temo não ter sido justa com ela—confessou—. Se parece muito a Sally. Deve jogar a de menos.
—Duvido-o. Sua mãe a deixava com uma babá sempre que podia, e se dedicava a beber até que não podia mais. Nunca foi boa condutora. Talvez essa foi a razão de que acabasse no rio.
No rio. Antonia recordou ter ouvido uma resenha sobre o acidente nas notícias. Powell era um homem rico, e a morte de sua esposa merecia a atenção dos meios de comunicação. Quando soube, sentiu-o por ela, mas não assistiu ao funeral. Não tinha sentido. Sally tinha sido sua inimizade durante muito tempo. Muito tempo.
O som de um carro que estacionava no vau interrompeu seus pensamentos. levantou-se para abrir a porta e o fez no preciso momento em que Powell chamava.
Quando viu como ia vestido se envergonhou de haver-se arrumado. Levava jeans, uma camisa de flanela, jaqueta e umas velhas botas.
Sua surpresa foi tão grande como a dele. Antonia estava muito elegante com seu vestido negro e seu casaco escuro. De fato, teve que conter a respiração ao vê-la. Apesar de sua excessiva magreza, estava tão atrativa como sempre.
—cheguei tarde a casa—mentiu ela, para explicar sua indumentária—. Acabo de retornar do povo. Mas se esperas um momento me trocarei de roupa em um segundo. Pode falar com meu pai enquanto isso. Sinto muito...
Envergonhada e ruborizada retornou a seu dormitório e fechou a porta. Todos seus sonhos estavam quebrados, uma vez mais. vestiu-se para ir a um restaurante e ele tinha aspecto de querer compartilhar um café e umas tampas em qualquer bar. Tinha cometido um engano ao interpretar suas palavras. Teria que lhe haver perguntado a respeito das intenções que tinha.
Rapidamente ficou uns jeans e um pulôver e voltou a colocar o habitual coque. Então pensou, com ironia, que ao menos os jeans se ajustavam melhor a seu corpo que o vestido.
Powell a olhou enquanto se afastava e fez um gesto de desagrado.
—Tive uma emergência no rancho com uma das cabeças de gado—murmurou—. Não pensei que fora a vestir-se tão bem, de maneira que nem sequer, troquei-me de roupa.
—Não piore as coisas—disse Ben Hayes—Respeita seu orgulho e feixe como se tivesse acreditado sua explicação.
—Nunca faço nem digo o correto—suspirou, com olhos cheios de tristeza—. Ela sofreu mais que ninguém, e só consigo lhe causar mais dor.
Ben se surpreendeu muito ao escutar suas palavras, mas, em qualquer caso, não apreciava absolutamente ao Powell Long. Não podia perdoá-lo pelo tortura que tinha causado a sua filha, e não podia esquecer o comentário da Antonia, no sentido de que os tinha utilizado para fazer-se rico. O suposto interesse que demonstrava por sua saúde não tinha trocado sua opinião sobre ele, nem a entrevista daquela noite. Não gostava de ver como alguém envergonhava a sua filha.
—Não a tenha até muito tarde por aí—disse com frieza—. Não se encontra bem. Powell olhou ao pai de sua ex-noiva.
—O que lhe ocorre?—perguntou.
—Ainda não aconteceu um ano da morte de sua mãe—lhe recordou—. Joga muito de menos.
—perdeu peso, verdade?
Ben se acomodou.
—Agora que voltou para casa, recuperará-o—respondeu, olhando-o com intensidade—. Não volte a lhe fazer danifico. Se quer falar com ela sobre sua filha, perfeito. Mas não espere nada. Ainda está furiosa pelo que aconteceu no passado, e não a culpo. Cometeu um terrível engano e não quis escutar. De nada serve que te arrependa. Foi ela quem teve que partir do povo.
Powell apertou os dentes e o olhou irritado, mas não respondeu.
Quando Antonia retornou ao salão a atmosfera era muito tensa. Seu pai estava visivelmente zangado, e Powell tinha uma expressão muito estranha.
—Já estou preparada—disse. colocou-se de novo o casaco de couro e seu antigo noivo assentiu.
—Podemos ir ao bar do Ted. Está aberto toda a noite e tem bom café, se te parecer bem.
Antonia tomou o comentário como um insultou e se ruborizou.
—Disse-te que me tinha vestido assim porque acabava de chegar do povo. O bar do Ted me parece um lugar tão bom como qualquer outro.
Powell se surpreendeu com sua reação. Não tinha tido nenhuma intenção de feri-la. Abriu-lhe a porta da casa e disse:
—Muito bem, vamos então.
Antonia se despediu de seu pai antes de sair. A noite era fria, e estava nevando. Um Mercedes de cor metálica estava estacionada no vau, em lugar do todo terreno que utilizava de maneira habitual. Levava cadeias nas rodas para poder rodar sobre a neve e o gelo, mas era um veículo luxuoso que nada tinha que ver com a antiga caminhonete que usava quando eram noivos.
O local do Ted era bar e assador, e se encontrava longe do Bighorn. O dono do estabelecimento tinha fama de servir bom vinho, boa cerveja e boa comida, mas Antonia não tinha entrado nunca. Socialmente se tratava de um lugar muito bem visto, tanto que se perguntou por que razão quereria levá-la ali. Talvez, para enfatizar que aquilo não era uma entrevista qualquer, a não ser uma reunião quase de negócios para tratar sobre sua filha. Ou acaso não quisesse que o reconhecessem, em cujo caso podia ser certo o rumor de que pretendia casar-se com a viúva do Holton. Ao pensar nisso se entristeceu, embora soubesse que não tinha futuro com ele, nem com nenhuma outra pessoa.
—Está muito calada—comentou ele, enquanto estacionava.
O estacionamento estava vazio. Ainda era logo e só podiam ver-se um par de tratores.
—Suponho que sim—replicou.
Powell se sentia inquieto e algo triste. Não podia evitar certo sentimento de culpabilidade por havê-la levado a aquele lugar. vestiu-se de forma elegante para sair com ele e sem querer o tinha quebrado tudo. Nem sequer tinha pensado que pudesse considerar aquela reunião como uma entrevista. Seguia sendo tão sensível como aos dezoito anos.
Saiu do carro e deu a volta para lhe abrir a porta, mas Antonia saiu antes de que pudesse fazê-lo e o esperou de pé sob a neve que caía. Caminharam para o bar. Por desgraça para ela, não tinha previsto o mau tempo e se pôs umas sapatilhas esportivas e uns meias três-quartos que ficaram impregnados em pouco tempo. Entretanto, e tendo em sua conta estado de ânimo, pouco lhe importava ter os pés gelados.
Powell se deu conta e apertou os lábios. A velada estava resultando catastrófica, e tudo por sua culpa.
Entraram no local e se sentaram. A garçonete, uma moréia de bom tamanho chamada Dá-la, sorriu e lhes deu a carta.
—Só quero café—disse Antonia, sonriendo a sua vez.
Os olhos do Powell se iluminaram.
—Trouxe-te para que jantemos—lhe recordou com firmeza.
—Bem, em tal caso tomarei chili com carne. E café.
Powell pediu um filete e uma salada antes de devolver a carta à garçonete. Não recordava haver-se sentido tão envergonhado e impotente em muito tempo.
—Precisa comer algo mais—disse ele, com suavidade.
O tom doce de sua voz recordou a Antonia tempos passados. Durante sua juventude saíam poucas vezes, mas quando o faziam, sempre utilizavam sua velha e desmantelada caminhonete. Às vezes só tinham dinheiro para um par de sanduíches, mas sua companhia bastava. Devoravam a comida e conduziam até a pradaria que havia perto da casa do Powell. Então, ele apagava o motor e ela se jogava em seus braços, apaixonada e candida como uma pomba.
Ainda recordava o sabor dos apaixonados e profundos beijos que compartilhavam. Quando pensava nisso, surpreendia-lhe dar-se conta de que Powell tinha tido o suficiente controle para evitar que as coisas fossem mais longe. Desejava-o tanto que teria sido capaz de fazer algo, mas sempre se encontrava com seu sentido comum. Nunca tentou ultrapassar-se, e ela o interpretou como um gesto de respeito algo tradicional, como se não queria fazer o amor antes de que se casassem. Mas quando se casou com a Sally pouco depois, e quando imaginou que tinham estado deitando-se, chegou a conclusões bem distintas. Nunca a tinha amado, nem desejado. Só queria obter os contatos de seu pai. Estava tão apaixonada que não se deu conta.
—Hei dito que precisa comer algo mais—repetiu.
Antonia olhou seus escuros olhos, recordando.
—Não me hei sentido bem em todo o dia—disse de forma evasiva—. Em realidade, não tenho fome.
Powell observou suas profundas olheiras. Obviamente, tampouco dormia bem.
—Queria falar contigo a respeito de minha filha—declarou de repente, porque não queria recordar o passado que o assaltava—. Sei que te está causando problemas, e espero que possamos encontrar uma solução, juntos.
—Não é necessário. Fez os deveres, e suponho que mais tarde ou mais cedo cederá.
—Ontem à noite disse muitas coisas sobre ti. Disse que tinha ameaçado pegando-a. Antonia o olhou, sem surpreender-se.
—De verdade?
—Também comentou que há dito que a odeia e que não quer que esteja em sua classe porque te recorda muito a sua mãe.
Antonia não apartou o olhar. A menina tinha mentido, mas sem querer estava muito perto da verdade. Maggie era muito mais perceptiva do que parecia com simples vista. E Powell a tinha acreditado.
Agora já sabia por que a tinha levado a aquele lugar. Para lhe demonstrar que não merecia outro melhor, nem mais elegante. Era uma maneira sutil e fria de pô-la em seu sítio por ter incomodado a sua filha.
De todas formas, fez um esforço por sorrir antes de falar.
—É possível encontrar algum táxi por aqui?—perguntou, tensa—. Desse modo não terei que te pedir que me leve a casa.
Fez gesto de levantar-se, mas Powell o impediu.
Naquele momento chegou a garçonete, que levava duas taças de café fumegante.
—Sinto ter demorado. Algo anda mau?—perguntou.
—Não—respondeu Powell, sem deixar de olhar a Antonia—. Nada. Se não ser muito tarde para trocar de opinião, acredito que não jantaremos nada. Só tomaremos o café.
—Perfeito. Encarregarei-me disso.
A garçonete partiu, não sem antes observar as lágrimas que se formaram nos olhos da Antonia. Podia reconhecer uma discussão quando a via. Enquanto escrevia a conta, pensou que conhecia o suficiente às mulheres para saber que aquela ia estalar em questão de segundos. Depois, deixou a conta sobre a mesa, sorriu e se afastou antes de que começassem os fogos de artifício.
—Não chore—disse Powell entre dentes—. Por favor.
Antonia respirou profundamente e se aferrou com ambas as mãos à taça de café antes de olhá-lo, tremente.
Powell fechou os olhos, lutando contra as lembranças que o assaltavam, contra os falatórios, contra a dor. Não tinha esquecido nada, nem perdoado. E quando a via ali, era como se tudo começasse de novo.
Quanto a Antonia, bastante tinha com suas próprias lembranças. Tentou beber um pouco de café, mas se queimou os lábios.
—Vamos, dava que minha filha minta.
—Não tenho intenção de falar contigo—espetou, com doce frieza—. Não aprendo nunca. Pensei que queria conversar sobre o problema, mas isto não é um bate-papo. Parece um tribunal da inquisição. Em qualquer caso, direi-te que já pedi à diretora que a troque de classe. Mas não é possível, de modo que não tenho mais opção que renunciar a meu trabalho e retornar ao Arizona.
Powell a olhou sem dizer nada. Não esperava uma reação assim.
—Crie que sua filha é um anjinho?—continuou ela—. É estirada, rebelde no mau sentido do término, e mais mentirosa que sua própria mãe.
—Maldita seja!
O som de sua voz rompeu algo no interior da Antonia. Com rapidez, agarrou sua bolsa e se levantou. Correu para o exterior do local com os olhos cheios de lágrimas. Estava decidida a retornar andando ao povo se era necessário.
Mas escorregou sobre uma placa de gelo e caiu ao estou acostumado a dando um forte golpe. Pôde sentir a neve na cara no preciso momento em que duas mãos de ferro a levantavam e a levavam para o veículo.
Quando Powell abriu a porta e a introduziu em seu interior não reagiu. Não o olhou, nem disse uma só palavra, nem sequer quando lhe pôs o cinto de segurança e se dirigiram de volta ao Bighorn. Assim que chegaram à casa de seu pai, Antonia quis tirar o cinturão para sair, mas ele o impediu.
—por que não reconhece a verdade?—perguntou—. por que não deixa de mentir sobre a relação que mantinha com o George Rutherford? Comprou-te o vestido de noiva, e até pagou seus estudos. Todo o maldito povo sabia que te deitava com ele, mas conseguiu convencer de sua inocência a todo mundo, desde seu pai até Dawson. Pois bem, nunca conseguirá me convencer a mim.
—Sei—espetou, sem olhá-lo—. E agora, deixa que me parta.
Powell apertou a mão sobre ela.
—Deitava-te com ele!—acusou-a entre dentes—. Teria sido capaz de morrer por ti se...
—Não me deitava com ninguém. Em troca, você o fez com meu melhor amiga. Deixou-a grávida quando estávamos comprometidos. Crie de verdade que me importa algo sua opinião, ou seus sentimentos? Não estava ciumento do George, nem sequer me amava. Pediu minha mão porque queria obter os contatos e a influência de meu pai. Necessitava-os para salvar o rancho de sua família e te fazer rico.
A acusação o surpreendeu tanto que não soube o que dizer. Olhou-a como se pensasse que estava louca. A tênue luz que procedia do alpendre a iluminava.
—Os pais do Salty não podiam te ajudar—continuou ela, entre lágrimas de raiva e dor—. Mas meus sim. Utilizou-me! O único decente que fez foi não te deitar comigo. Embora tampouco te importava muito, posto que estava fazendo o amor com a Sally.
Powell não podia acreditar o que estava ouvindo. Era a primeira vez em sua vida que alguém lhe dizia algo assim, tão grave que se ficou sem palavras.
—E me acusa de mentir?—riu ela—. Sally mentiu. Mas você preferiu acreditá-la porque te deu a oportunidade de romper nosso compromisso o dia antes das bodas. E segue acreditando-a, porque não pode admitir que só estava comigo para satisfazer sua ambição. Aquilo não te rompeu o coração. Aquilo feriu seu orgulho. Já não contava com o sobrenome de minha família para te fazer rico.
—Consegui recuperar o rancho da família com meu próprio esforço—espetou ele, irritado.
—Usou o sobrenome de meu pai. Isso foi o que disse o senhor Sims, o diretor do banco.
Até riu ao recordar a maneira que tinha de utilizar o nome de meu pai para obter o que pretendia.
Até então, Powell não se deu conta de que tinha sido a influência do Ben Hayes, e não seus esforços, os que lhe tinham aberto tantas portas. Não tinha sido consciente de que com uma reputação como a de seu pai, um jogador e um alcoólico, não teria conseguido nada.
—Antonia...—disse ele, duvidando. Tentou tocá-la, mas ela se apartou.
—Não te atreva a me tocar. Já tive suficiente. E já que você gosta tanto fazer caso aos rumores, darei-te um. Sua filha suspenderá se não estudar. Embora me custe o emprego. Não me importa absolutamente.
Antonia conseguiu tirar o cinturão e sair do veículo, mas para então ele a estava esperando no exterior.
—Não penso deixar que te vingue do Maggie pelo que possa sentir por sua mãe. Se te atrever a fazer algo assim, ficará sem emprego. Prometo-lhe isso.
—Adiante—o convidou com doce veneno e olhar brilhante—. Não pode me ferir mais do que tem feito. E em pouco tempo estarei muito longe de qualquer intento de vingança por sua parte.
—Isso crie?
Então, e de maneira sorpresiva, equilibrou-se sobre ela. Abraçou-a e a beijou apaixonadamente.
Foi um beijo doloroso, não só no físico. Beijou-a sem desejo, sem ternura alguma, como se se tratasse de uma paródia de um ato de amor. Sua língua se passeou sobre seus lábios com frieza, e suas mãos atraíram seus quadris para seu corpo.
Antonia tentou resistir, mas estava tão fraco que não podia fazê-lo. Abriu os olhos e o olhou, até que ele pensou que já tinha tido o bastante. Mas naquele momento trocou de atitude. Começou a beijá-la com suavidade e sensualidade. Suas mãos foram baixando de novo até sua cintura e ela se estremeceu. Entretanto, negava-se a responder a suas carícias. manteve-se tensa e fria como um bloco de gelo, com os olhos abertos, a boca rígida e os olhos cheios de lágrimas.
Quando Powell a olhou de novo se sentiu culpado. Estava pálida.
—Não devi havê-lo feito—confessou.
Antonia riu com frieza.
—Não, não era necessário. Já captei a mensagem. Tem-me em tal avaliação que quando veio a me buscar a casa nem sequer trocou de roupa. E depois me leva a um bar... Acredito que deixaste bastante claro qual é sua opinião sobre mim.
separou-se dele, algo insegura.
—Não pretendia que as coisas terminassem assim—disse zangado.
—Não?
Olhou-o com uma estranha mescla de amor e de ódio, com olhos que em pouco tempo não voltariam a abrir-se. Respirou profundamente e fez um esforço para não soluçar.
—OH, Meu deus, não chore—gemeu ele—. O sinto, sinto-o tanto, Annie...
Então a abraçou de novo, mas esta vez sem paixão e sem aborrecimento. Manteve-a apertada contra seu corpo enquanto a acariciava brandamente com suas mãos, como se queria cuidá-la, protegê-la.
Era a primeira vez em muitos anos que usava aquele nome. Não a tinha chamado «Annie» desde sua juventude. E o som de sua profunda voz a acalmou um pouco. deixou-se levar, sabendo queijaria a última vez, e fechou os olhos. Queria acreditar que o tempo não tinha passado, que ainda era uma adolescente apaixonada com toda a vida por diante.
—passou tanto tempo...—murmurou ela.
—Toda uma vida—disse ele, acariciando seu cabelo—. por que não esperei? Um dia, só um dia mais Y...
Parecia que quase estava falando para si mesmo.
—Não podemos trocar o passado.
Seus fortes braços eram quentes em comparação frio que os rodeava. Antonia saboreou o instante sem tentar afastar-se. Não importava o que sentisse por ela. Poderia levar a lembrança daquele momento à escuridão de sua tumba.
Fez um esforço para evitar as lágrimas. No passado, teria sido capaz de fazer algo por ela. Ou ao menos, isso tinha acreditado. Resultava uma cruel ironia que só estivesse com ela para utilizá-la.
—Está nos ossos—disse ele, depois de uns segundos.
—foi um ano muito duro.
—Todos estes anos foram duros—declarou suspirando—. Sinto muito o que aconteceu esta noite. Sinto-o de verdade.
—Não importa. É possível que precisássemos esclarecer o ambiente.
—Não estou seguro de que tenhamos esclarecido nada. No passado, não te teria ferido deliberadamente. troquei, verdade, Annie?
Powell olhou sua cara e a acariciou, arrependido.
—Ambos trocamos. Somos maiores.
—Mas não mais sábios, ao menos em meu caso—disse, apartando uma mecha de seu loiro cabelo—. por que retornaste? Por mim?
Antonia não podia responder a verdade.
—Meu pai esteve doente—respondeu, fugindo de uma resposta mais direta—. Me necessita. Não me tinha dado conta até os Natais passados.
—Já vejo. O que te ocorre? Não me pode dizer isso
Antonia olhou seus escuros olhos e tentou sorrir.
—Estou cansada, isso é tudo. Só cansada—respondeu, enquanto acariciava sua bochecha—. Agora tenho que voltar para casa. Powell... poderia me beijar uma vez mais, só uma vez mais, tal e como o fazia antes?
Era uma petição estranha, mas os acontecimentos da noite tinham eliminado a capacidade de raciocínio do Powell. inclinou-se sobre ela e como única resposta a beijou apaixonadamente, tal e como o fazia quando estavam comprometidos. Fez-o com delicadeza, cautela e calidez, como se não queria assustá-la. E ela o abraçou e o atraiu para si. Durante uns preciosos segundos não teve acontecido nem futuro, só presente. Antonia se deixou levar e então notou a reação de seu corpo. Estava excitado, e a beijava de maneira insistente e íntima. Sabia que aquilo não duraria, mas ao menos poderia recordar que durante uns segundos tinha sido dele. E o amava com todo seu coração.
Uma eternidade mais tarde se separou dele sem dizer nada e retirou os braços de seu pescoço. Podia notar o aroma de sua colônia, e sentir ainda o sabor de sua boca. Só esperava não esquecer nunca aquele instante.
As arrumou para sorrir, estremecida.
—Obrigado—disse quase sem voz.
Olhou-o com tanta intensidade que Powell teve a impressão de que pretendia memorizar seu rosto. E de fato, acertou.
—Queria jantar contigo porque tinha intenção de que falássemos—disse ele.
—Já falamos—replicou, afastando-se—. Embora não tenhamos arrumado nada. Há muitas feridas, Powell. Não podemos trocar o passado, mas te asseguro que não farei nenhum machuco ao Maggie, embora para isso tenha que abandonar meu posto de trabalho.
—Não é necessário chegar tão longe.
Antonia sorriu.
—Se for necessário, farei-o. De todas formas, tem todas as cartas na mão, e sabe. Mas não importa—disse, suspirando—. A longo prazo não importa nada. É possível que até seja melhor assim. Adeus, Powell. Me alegro muito de que tenha tido tanto êxito. conseguiste tudo o que sempre quis. Sei feliz.
antes de dá-la volta o olhou um segundo mais para empapar-se dele. Então caminhou para a casa. deu-se conta de que não lhe tinha dado as obrigado pelo café, embora certamente ele não esperava que o fizesse. Quando entrou na casa, alegrou-se de que seu pai estivesse vendo um programa de televisão; estava tão concentrado que não fez perguntas a respeito da velada. Graças a isso, evitou-lhe uma dor desnecessária. Evitou-lhe a dor de ver sua filha chorando.
Powell caminhou lenta e pesadamente para a entrada de sua mansão. Estava emocionado, cansado e desesperado. Sempre tinha sonhado com que algum dia falaria de novo com a Antonia e arrumariam as coisas. Mas não tinham podido sobrepor-se ao passado, e aquela noite, ela tinha fechado todas as portas. Tinha-o beijado como se estivesse despedindo-se para sempre. E provavelmente, era certo. Supunha que sua filha não lhe caía bem, algo que em qualquer caso era recíproco. Sally se tinha partido, mas antes de morrer tinha deixado entre eles uma barreira que os separaria sempre, em forma de uma menina pequena e beligerante. Tinha chegado à errônea conclusão de que não podia chegar a nada com a Antonia por culpa de sua filha. Um pouco bastante triste, porque aquela noite tinha descoberto o muito que significava para ele.
Quando entrou se surpreendeu ao ver que sua filha estava sentada nas escadas da casa, com a roupa do colégio, esperando-o.
—O que está fazendo levantada? Onde está a senhora Bate?—perguntou. Ela se encolheu de ombros.
—Teve que partir a casa. Disse que voltaria logo de todas formas—respondeu, observando-o com olhos cheios de ressentimento—. Lhe há dito à senhorita Hayes que é melhor que seja boa comigo a partir de agora?
Powell franziu o cenho.
—Como sabe que estive com ela?
—Disse-me isso a senhora Bate. E também disse que a senhorita Hayes é encantadora, mas não é certo. É uma bruxa. Disse-lhe que a odiava. Disse-lhe que queria que partisse daqui e que não voltasse nunca. E é verdade, papai, disse-o.
Para ouvir sua filha ficou gelado. Não sentia saudades que Antonia se comportou com tanta suspicacia e hostilidade.
—Quando o disse?—perguntou.
—A semana passada—respondeu—. Eu também quero que parta. A ódio!
—por que?
—Porque é estúpida. alegra-se muito quando Julie lhe leva flores ou joga com ela. Nem sequer sabe que só tenta lhe fazer a bola. E Julie já não quer jogar comigo, porque está muito ocupada fazendo dibujitos para a senhorita Hayes.
O ressentimento que havia na voz de sua filha foi uma revelação para ele. Recordou que Sally sempre se comportou assim com a Antonia. Quando se casaram não deixava de atacar a por ir à universidade e pretender ser professora. Ela só queria casar-se com ele e deixar que a mantivera. Dizia que quando romperam seu compromisso, Antonia se tinha rido porque tinha intenção de casar-se com o George, um homem muito mais rico. E tudo eram mentiras. Sujas mentiras.
—Quero que a partir de agora faça os deveres—disse ele—. E deixa de te levar mal em classe.
—Não me Porto mau! E tenho feito os deveres! É certo!
Powell se passou uma mão pela frente. Maggie era uma menina muito desagradável. Sempre lhe levava presentes, mas não passava tempo com ela porque lhe recordava o passado e o fazia sentir-se culpado.
—Há-te dito ela que me estou levando mau?—continuou.
—O que importa o que me haja dito?—respondeu seu pai, olhando-a com irritação—. Será melhor que me obedeça, ou terá que atenerte às conseqüências.
Powell partiu, muito zangado e aborrecido. Não se deu conta do que um ato tão impulsivo podia significar para uma menina sensível, que se limitava a ocultar seus sentimentos ante os adultos. Sua beligerância só era uma máscara para que outros não soubessem que podiam feri-la com facilidade. Mas agora a máscara tinha cansado. Olhou a seu pai com seus olhos azuis cheios de lágrimas, apertando os punhos.
—Papai—suspirou em voz muito baixa—, por que não me quer? por que não pode me querer? Não sou má. Não sou má. Papai...
Mas Powell não a ouviu. E quando partiu à cama, começou a dar voltas ao assunto da senhorita Hayes. Estava decidida a lhe fazer pagar que seu pai a tivesse tratado daquele modo.
NA SEGUNDA-FEIRA seguinte tinham um exame. Maggie não se incomodou em responder nenhuma só das perguntas. Como de costume, limitou-se a sentar-se com os braços cruzados sem apartar a vista da professora. E a tormenta se desencadeou quando Antonia se aproximou de sua carteira para perguntar se não tinha intenção de responder.
—Não tenho por que fazê-lo. E não pode me obrigar.
Antonia se decidiu a levá-la ante a diretora. Não lhe importava que Powell cumprisse a ameaça de conseguir que a despedissem. Estava cansada do passado e do futuro, e não mais perto de encontrar uma solução para seu dilema. Parte dela queria arriscar-se a iniciar o tratamento, com todas suas conseqüências; mas outra parte estava morto de medo.
—Sinto-o—disse quando a diretora entrou na sala de espera—. Maggie se nega a responder as perguntas do exame. E pensei que se lhe explicava as implicações deste assunto...
Aquela era a oportunidade que Maggie estava esperando.
—Odeia-me!—exclamou, apontando-a com um dedo—. Diz que sou como minha mãe e que me odeia.
De fato, começou a soluçar e a chorar realmente.
Antonia se ruborizou, ofendida.
—Isso não é certo, e sabe.
—Sim que o é—insistiu—. Senhora Jameson, há dito que vai suspender me e que não posso fazer nada para evitá-lo. Odeia-me porque meu pai se casou com minha mãe em lugar de casar-se com ela!
Antonia se apoiou na porta, débil, e olhou à menina com olhos cheios de incredulidade. Era um ataque tão inesperado que não encontrava defesa alguma. Não podia acreditar que Powell fora tão cruel para lhe haver dito algo assim. Não podia acreditar que estivesse tão zangado.
—Antonia, estou segura de que isso não é certo, verdade?—perguntou a diretora, duvidando.
—Não, não o é—respondeu—. Não sei quem pôde lhe dizer algo assim, mas, certamente, não fui eu.
—Foi meu pai—espetou a menina.
Mentia de novo. A noite anterior tinha escutado a conversação Telefónica que mantinha a senhora Bate com uma amiga. E, sem querer o, tinha obtido a arma que necessitava.
Antonia se resintió do forte golpe. Sabia que seu antigo noivo estava zangado, mas não que tivesse tão pouco coração para lhe dizer algo assim a sua filha, sabendo que o utilizaria contra sua professora. Além disso, era uma acusação terrível para fazê-la no colégio. Uma das mães se encontrava presente, porque estava esperando para recolher a seu filho, e duas das secretárias contemplavam a cena com supremo interesse. À queda da noite já saberia todo o povo. Seria outro escândalo. Outra humilhação.
—É horrível comigo—continuou a menina, sem deixar de assinalá-la—. Diz que pode ser tão malote como quero porque ninguém me acreditará. Tenho medo dela! Você não deixará que me faça mal, verdade, senhora Jameson?—perguntou, olhando-a com olhos de cordeiro degolado—. Diz que me pegará!
Ao Maggie não resultava nada difícil chorar.
Só precisava pensar no muito que a odiava seu pai.
A senhora Jameson não acreditou em nenhum momento, mas chorava tanto que abriu a porta de seu escritório para que estivessem mais tranqüilas. Não tinha coração para fazer caso omisso da dor da menina.
—Entra e sente-se, por favor—disse ao Maggie—. E não chore. vamos solucionar isto. Ninguém te fará mal.
A menina soluçou e se limpou os olhos com o dorso da mão.
—Sim, senhora.
Baixou a cabeça para que Antonia não pudesse ver sua expressão de triunfo. Tinha vencido. Pensava que tinha obtido que a despedissem, e que a senhora Donalds retornaria para ocupar seu antigo posto.
Entrou no despacho e fechou a porta. Antonia se limitou a olhar à professora.
—Antonia, nunca a tinha visto tão alterada—disse a diretora, a contra gosto—. Jamais tinha chorado até agora. Acredito que realmente tem medo de ti.
Ao notar a indecisão da outra mulher, a professora soube imediatamente o que estava pensando. Tinha emprestado ouvidos os falatórios e não a conhecia a fundo. Temia o poder do Powell e, se por acaso fora pouco, sua filha tinha montado toda uma cena. Não fazia falta ser adivinha para saber o que ia ocorrer. Tinha perdido. Era como se o destino quisesse que retornasse ao Arizona. Mas talvez fora o melhor. Não podia lhe dizer a verdade a seu pai. Teria sido muito cruel; sua saúde piorava dia a dia e não queria entristecer à pessoa que mais queria no mundo.
Olhou aos olhos à senhora Jameson, cansada.
—Dá igual—declarou com suavidade—. De todas formas, teria que ter deixado o trabalho mais tarde ou mais cedo.
—Não te compreendo—disse a mulher, franzindo o cenho.
Antonia sorriu com tristeza, pensando que já o compreenderia quando muriese.
—vou evitar te a moléstia de ter que me despedir. Renuncio. Espero que ao menos não inclua nenhum comentário negativo em meu expediente. Já arrumaremos o assunto da quitação. Quanto ao Maggie, quem sabe. Talvez pude havê-la tratado melhor. irei recolher minhas coisas e me partirei imediatamente, se pode encontrar uma substituía.
Então se deu a volta e partiu do despacho. A diretora a olhou com profunda tristeza.
Quando Maggie retornou à classe, depois de manter uma larga conversação com a senhora Jameson na hora de comer, a senhorita Hayes já se partiu. Julie chorava em silêncio enquanto a professora substituía escrevia os deveres que deviam fazer na piçarra.
Durante o resto do dia, Julie não deixou de olhar ressentidamente ao Maggie, com quem se negou a falar até que saíram do edifício para alcançar o ônibus.
—A senhorita Hayes se partiu—a acusou—. E foi por sua culpa, verdade? Ouvi que a senhora Tarleton dizia que a tinham despedido.
Maggie se ruborizou.
—Bom, não sente saudades que te incomode, tendo em conta que foi sua menina mimada. Mas comigo era uma bruxa! Odiava-a, e me alegro de que se partiu.
—Era muito simpática... É uma mentirosa!
Maggie se ruborizou um pouco mais.
—O merecia! Me teria suspenso!
—Deveu fazê-lo!—exclamou zangada—. É uma vaga odiosa!
—Você tampouco eu gosto —espetou—. É uma bola, isso é o que é! À senhorita Donalds não gosta, e eu sim. dentro de pouco voltará.
—teve um bebê, e não voltará! Naquele instante chegaram à cauda do ônibus três meninos mais. Um deles perguntou:
—por que se teve que partir a senhorita Hayes?
—Porque Maggie disse um montão de mentiras sobre ela e a jogaram!—declarou Julie.
—Que a jogaram? Maldita bruxa! Era a melhor professora que tivemos!
O menino, que se chamava Jake, empurrou ao Maggie com força.
—Isso não é certo!—defendeu-se Maggie.
Não se tinha dado conta de que a gente saberia que a tinham despedido, nem de que fora tão querida entre os meninos do colégio.
—conseguiste que a despeçam porque não lhe caía bem—insistiu Jake, impedindo que os meninos subissem ao ônibus—. Pois bem, terão que jogar a todos do colégio, porque não lhe cai bem a ninguém. É feia e estúpida, e parece um menino!
Maggie não disse nada. Subiu ao ônibus e se sentou sozinha. Ninguém falava com ela. Todo mundo a olhava e murmurava. Tentou esconder-se, evitando o olhar do Jake. Estava louca por ele, mas agora a odiava. Por sorte, ninguém sabia o que sentia.
Mas ao menos a senhorita Hayes se partiu. Era a único bom que tinha conseguido em um dia, por outra parte, horrível.
Antonia teve que lhe dizer a seu pai que tinha perdido seu emprego e que tinha que partir de novo. Foi o mais difícil que tinha tido que fazer em toda sua vida.
—Essa miserável!—rugiu, correndo ao telefone—. Não vai sair se com a sua, com todas essas mentiras. Penso chamar o Powell e lhe dizer a verdade.
Antonia pôs uma mão sobre o auricular para impedir que o desprender-se. Levou a seu pai ao sofá e se sentou a sua vez no bordo, com as mãos unidas.
—Powell crie o que diz a menina—disse com firmeza—. Não tem motivos para duvidar de sua palavra. Ao parecer, não é uma mentirosa compulsiva. Não me acreditou, e tampouco te acreditará. Apoiará a sua filha ocorra o que ocorra. E não trocará nada. Nada absolutamente.
—Essa menina...
—Não me caía bem, e o notou—disse, enquanto se arrumava um pouco a saia—. Isso não é culpa dela. De todas formas não importa, papai. Virei a te visitar de vez em quando, e você poderá vir para ver-me. Não passará nada, de verdade.
—Mas acabava de voltar para casa...—comentou com tristeza.
—E pode que retorne definitivamente no futuro—observou, sonriendo, antes de Me abraçá-lo partirei amanhã pela manhã. É melhor que o faça quanto antes.
—O que farão agora no colégio?
—Bom, contratarão a seguinte pessoa que tivessem na lista—respondeu—. Não sou imprescindível.
—Para mim sim. Antonia o beijou.
—Você também o é para mim. Mas agora será melhor que vá fazer a bagagem.
Aquela noite telefonou ao Barrie, que a convidou a viver em seu piso até que encontrasse outro lugar. Entretanto, não contou a seu amiga o acontecido. Já o faria mais tarde.
despediu-se de seu pai, subiu a seu carro e conduziu para o Arizona. Ben tinha insistido em que tomasse o ônibus, mas ela desejava estar sozinha. Tinha muitas coisas nas que pensar. Devia enfrentar-se a seus medos. Tinha chegado o momento de tomar uma decisão muito difícil, uma decisão que tinha estado postergando muito tempo.
DE VOLTA no Arizona, Barrie lhe serve um café e uma parte de bolo enquanto aguardava com paciência a que lhe explicasse as razões de sua volta.
Quando Antonia lhe contou o acontecido com a filha do Powell, Barrie empalideceu e se mordeu o lábio, em um gesto nervoso que repetia quando não sabia o que fazer.
—Asseguro-te que eu os teria matado—disse irritada—. Está muito magra, Annie. Talvez seja melhor que tenha retornado. Tem pior aspecto que nunca.
—Agora que estou aqui, recuperarei-me. Mas tenho que procurar um trabalho, se é que há algum.
—A pessoa que passou a te substituir, a senhorita Garland, recebeu uma oferta de uma empresa que lhe pagava muito mais e partiu sem dizer nada. Imagino que estarão desejando encontrar a alguém que a substitua. Não há tantas pessoas dispostas a trabalhar tanto por tão pouco dinheiro. Antonia sorriu.
—Isso é certo. Bom, ao menos tenho sorte. Chamarei amanhã pela manhã.
—Me alegro de que haja tornado. Joguei-te muito de menos.
—E eu também a ti. soubeste um pouco de Dawson? Barrie...
Barrie se estava mordendo o lábio outra vez. Antonia lhe deu um lenço para que se limpasse o sangue.
—Deve deixar de fazer isso—continuou.
Alegrou-lhe poder pensar em um pouco menos sombrio que os motivos que tinha tido para abandonar Bighorn.
—Tento-o—disse, olhando a seu amiga—. Dawson veio para ver-me e tivemos uma discussão.
—Sobre o que? Barrie não respondeu.
—De acordo, não insistirei. Não te importa que fique contigo? De verdade?
—Claro que não—a abraçou—. Formas parte de minha família. Está em sua casa.
Antonia fez um esforço para não chorar pela emoção.
—Você também forma parte de minha família.
—Sei, mas agora vamos comer algo antes de que comecemos a nos dizer todo tipo de cumpridos. Assim poderei te contar os planos de expansão que têm para o departamento de matemática. É possível que me dêem a chefia do departamento.
—Vá, me alegro muito por ti.
—E eu. tive tanta sorte...
Seu entusiasmo era contagioso. Antonia fechou os olhos e procurou silencioso apoiou na fortaleza do Barrie. disse-se que tinha que encontrar o modo de seguir vivendo. Talvez tivesse sentido sua volta ao Arizona, em lugar da feliz existência que levava como professora no Bighorn. Queria acreditar que havia algum sentido oculto na cadeia de acontecimentos. A idéia de iniciar o tratamento da leucemia a assustava, mas não tanto como três semanas atrás. Estava decidida a ir falar com o médico e a discutir com ele as possíveis opções.
Maggie passou sozinha toda a semana. Julie não queria falar com ela, e não tinha nenhum outro amigo. A senhora Bate se inteirou do acontecido com a senhorita Hayes, e evitava sua companhia sempre que podia. encontrava-se na mansão para cuidar dela, porque se negava a ficar em casa da Julie. Mas aquilo não evitava que estivesse tensa, nem que não deixasse de murmurar enquanto fazia os trabalhos da casa.
Powell tinha tido que sair na quinta-feira para solucionar uns assuntos de negócios em Denver, no preciso momento em que começava todo o problema. Quando retornou, não sabia que Antonia se partiu. Não pensava em outra coisa que não fora a desastrosa entrevista que tinham tido, e as coisas que lhe havia dito. Ao final se convenceu de que jamais tinha mantido nenhuma relação com o George Rutherford. As acusações de que tinha utilizado o nome de seu pai para fazer-se rico tinham servido para lhe abrir os olhos.
Em todo caso, não era certo. Nunca teria feito uma coisa assim. Mas ela acreditava, o que explicava que não tivesse tentado defender-se. Não podia acreditar que lhe tivesse o mais mínimo afeto. Certamente, teria chegado à conclusão de que em realidade sempre tinha estado apaixonado pela Sally. A coincidência de que Maggie fora sietemesina a teria empurrado a pensar que tinha estado deitando-se com ela. E não era certo. De fato, só se tinham deitado em uma ocasião, a noite em que Antonia partiu do povo. Tinha o coração quebrado, sentia-se traído, e tão bêbado que não sabia o que estava fazendo.
Quando à manhã seguinte despertou junto à Sally, o horror do acontecido destroçou algo em seu interior. Sabia que já não podia solucionar nada. Tinha seduzido a Sally, e em uma população tão reacionária como Bighorn não tinha mais remedeio que casar-se com ela para evitar outro escândalo. Os protestantes eram pessoas mais preocupadas com a vida sentimental de outros que pelos assuntos verdadeiramente sérios. sentia-se apanhado, e mais apanhado esteve quando duas semanas mais tarde lhe contou que acreditava estar grávida.
Antonia não sabia. Não sabia que a amava sinceramente porque nunca o havia dito. Não tinha sido capaz de expressar o que sentia. E para então, já era muito tarde. Os anos transcorreram, vazios e frios, endurecendo-o. Quanto a Sally, sabia que não a amava; sabia que a odiava por havê-lo empurrado a romper seu compromisso com a que tinha sido seu melhor amiga, e pagou o preço de sua iniqüidade, junto com sua filha.
Ao cabo do tempo, começou a beber e se converteu em alcoólica, procurando uma forma de mitigar sua dor. Powell a enviou a sucessivas clínicas para que a curassem, mas não serve de nada. Seu rechaço total a tinha destroçado. Inclusive depois de sua morte, não pôde sentir nada por ela.
Nem pelo Maggie.
A menina não tinha recebido nenhum amor de seus pais, e era a pessoa mais fria que tinha conhecido nunca. Às vezes se perguntava se realmente seria sua filha, porque não se parecia nada a ele. Sally lhe tinha comentado em certa ocasião que não tinha sido seu primeiro amante, e até tinha insinuado que ele não era o pai. Após, não tinha deixado de pensar sobre isso, algo que tinha turvado mais ainda sua relação com o Maggie.
Deixou a mala no chão do saguão e olhou a seu redor. A casa estava vazia, ou parecia está-lo. Mas assim que olhou para a escada viu que Maggie estava sentada em um degrau, com jeans e pulôver desgastados.
—Onde está a senhora Bate?—perguntou.
—foi fazer a compra—respondeu, encolhendo-se de ombros.
—Não tem nada que fazer?
—Não.
Maggie não levantou o olhar, e isso o irritou.
—Bom, pois corre a ver a televisão, ou algo assim. Não terá tido mais problemas no colégio, verdade?
—Sim.
Powell caminhou para a escada e a observou com atenção.
—E bem?
—despediram da senhorita Hayes—confessou, inquieta.
Powell nem sequer piscou. sentia-se como se seu coração se deteve.
—por que?—perguntou, em um tom de voz tão suave como perigoso.
Maggie apertou as mãos sobre seus joelhos.
—Menti—acertou a responder—. Queria que partisse porque não lhe caía bem. Menti e a despediram. Todo mundo me odeia agora, sobre tudo Julie. E não me importa!—exclamou, olhando-o com beligerância—. Não me importa! Não gostava!
—E de quem crie que é a culpa?—perguntou irritado.
Maggie ocultou sua dor, tal e como fazia sempre. Levantou o queixo com orgulho e disse:
—Quero partir a viver a outro sítio.
—E aonde quer ir?—perguntou, pensando na Antonia—. Os pais da Sally vivem em Califórnia e som muito majores para cuidar de ti. Não temos mais família.
A menina evitou olhá-lo. Por seu tom de voz, parecia que ele também queria que partisse. Não podia suportá-lo por mais tempo.
—Amanhã pela manhã virá comigo ao colégio e dirá a verdade à diretora, estamos? E depois, pedirá desculpas à senhorita Hayes.
—Não está aqui—disse, apertando os dentes.
—Como?
—partiu-se. foi ao Arizona.
Ao ver o olhar de seu pai se estremeceu. Powell respirou profundamente. Seus olhos brilhavam de tal forma que a menina sentiu pânico.
—Disse que você não gostava—do acuso com voz quebrada—. O disse! Disse que queria que partisse!
—Não tinha direito a fazer que a jogassem—disse com frieza—. Que não te caia bem uma pessoa não te dá nenhum direito a lhe fazer danifico!
—A senhora Bate disse que sou como mamãe. Disse que sou uma mentirosa como minha mãe—declarou entre lágrimas—. E disse que me odeia tanto como odiava a mamãe.
Powell não disse nada. Não sabia o que dizer, nem como tratar a sua filha. Duvidou, e Maggie aproveitou aquele instante para correr escada acima e encerrar-se em seu dormitório. A senhora Bate tinha razão. Todo mundo a odiava.
—Sou malote—sussurrou quando esteve sozinha—. Sou má, e todo mundo me odeia por isso.
Devia ser certo. Sua mãe se converteu em uma bêbada que lhe tinha contado o muito que a odiava por apanhá-la em um matrimônio sem amor, por não parecer-se com seu pai, por ser como era. Tudo se teria solucionado civilizadamente pelo singelo procedimento de divorciar-se, mas a gente do Bighorn era muito conservadora. De todas formas, seu pai não sabia. E não podia falar com ele, nem lhe contar nada. Não a amavam, não a queriam, e não tinha nenhum sítio ao que ir. Embora escapasse, todo mundo a conhecia. E a trariam de novo a sua casa. Uma fuga só serviria para piorar as coisas, porque seu pai se zangaria muito.
sentou-se sobre o tapete e olhou os caros brinquedos que enchiam a espaçosa habitação. Não havia amor em nenhum deles. Eram como inúteis substitutos dos beijos, dos abraços, das saídas para parques de atrações, zoológicos ou circos. Eram objetos de um pai que se sentia culpado, de um pai que não a queria. Maggie os olhou com profunda angústia, e se perguntou por que teria nascido.
Powell entrou em seu veículo e conduziu até a casa do pai da Antonia. Não esperava que o deixasse entrar, mas, para sua surpresa, Ben abriu a porta.
—Não é necessário que me convide a passar—disse Powell—. Maggie me contou o que tem feito. Quero levá-la ao colégio amanhã pela manhã, para que fale com a senhora Jameson, diga a verdade e se desculpe pelo que tem feito. Estou seguro de que lhe devolverão seu posto de trabalho.
—Não voltará—disse Ben com tristeza—. Disse que quase se alegrava do acontecido porque não queria viver aqui.
Powell se tirou o chapéu e passou uma mão por seu cabelo negro.
—O que posso dizer, salvo que o sinto. Não sei por que a odeia tanto minha filha.
—Sim, sim que sabe—espetou de repente—. E também sabe por que cai mal a Antonia.
—Pode que seja verdade. cometi muitos enganos, e muito terríveis. Em certa ocasião, Antonia disse que não podia acreditar a verdade porque não tinha força para reconhecer quão cego tinha estado—suspirou—. Suponho que tinha razão. Sabia que não se deitou com o George. Mas admiti-lo teria significado admitir que não só tinha arruinado minha vida, mas também também a da Sally. E meu orgulho não me permitia isso.
—Às vezes se paga um alto preço pelos enganos. Antonia ainda está pagando por isso. passaram muitos anos após, mas nunca esteve com outro homem.
Powell sentiu uma intensa angústia no coração. Olhou aos olhos do Ben e perguntou:
—Crie que é muito tarde?
Ben o compreendeu imediatamente.
—Não sei—respondeu com sinceridade.
—Algo a preocupa. Algo que não tem que ver com o Maggie, nem com o passado. Parece doente.
—Obrigue-a, a ir ver o doutor Harris. Disse que lhe tinha receitado vitaminas.
Powell o olhou e reconheceu a suspeita que pulsava nos olhos do homem. A mesma suspeita que ele albergava.
—Você não o crie, e eu tampouco—respirou profundamente—. por que não chama o doutor Harris e lhe pergunta o que acontece?
—É domingo.
—Se não o fizer você, farei-o eu—disse o jovem. Ben duvidou durante uns segundos.
—Pode que tenha razão. Entra.
Telefonou ao médico. Intercambiaram uns quantas palavras educadas antes de que perguntasse diretamente pela Antonia.
—Sabe muito bem que é um assunto confidencial, Ben—disse com suavidade.
—Harris, Antonia retornou ao Arizona e tem muito mau aspecto. Disse que lhe tinha receitado vitaminas. Quero que me diga a verdade. O médico duvidou.
—Pediu-me que não o dissesse a ninguém. Nem sequer a ti.
Ben olhou ao Powell e disse:
—Sou seu pai.
Harris permaneceu em silêncio uns segundos antes de continuar.
—Muito bem. Está-a tratando um médico do Tucson. Darei-te seu telefone para que possa falar com ele. É o doutor Harry Claridge.
—Ted, diga-me isso por favor.
O médico suspirou.
—Ben, esperou muito tempo para decidir se quer começar ou não com o tratamento. Se não se der pressa... pode que seja muito tarde.
Ben se deixou cair no sofá, lívido e derrotado.
—Um tratamento? Para que?
Powell o olhou com profunda seriedade, escutando, esperando.
—Ódio ter que dizer lhe respondeu isso o médico—. Ao fazê-lo, estou rompendo o código ético de minha profissão. Mas devo fazê-lo, é por seu bem.
—Um tratamento para que?—insistiu de novo, observando o rosto assustado do Powell.
—Para o câncer, Ben. As análise de sangue demonstraram que tem leucemia. Sinto muito. Será melhor que fale com o doutor Claridge. E que veja se pode convencê-la. Poderíamos deter sua enfermidade durante anos, Ben, durante muitos anos. Mas só se iniciar de uma vez o tratamento. Constantemente tiram novos produtos, e descobrem novas formas de tratar o câncer. Não pode permitir que se renda tão logo!
Ben sentiu que seus olhos se enchiam de lágrimas.
—Sim, é obvio. me dê... me dê esse número de telefone, quer, Ted?
Harris lhe deu o número do médico do Arizona.
—Não esquecerei nunca o favor que me tem feito. Muito obrigado—se despediu, antes de pendurar.
Powell o olhou, horrorizado.
—negou-se a receber um tratamento? Um tratamento para que?
Ben contemplou o rosto, pálido, do Powell.
—Leucemia. Não retornou ao Bighorn para ficar comigo. Veio para morrer aqui—declarou, fundo—. E agora está sozinha, sozinha! Só para enfrentar-se a seu destino.
POWELL não disse nada. limitou-se a olhar ao Ben enquanto o assaltavam todas as coisas horríveis que havia dito a Antonia. Recordou a brutalidade com a que a tinha beijado, os insultos que tinha deixado escapar. E para piorar as coisas, recordou como tinha reagido ela. Ao final o beijou com uma incrível ternura, olhando-o como se queria memorizar seu rosto.
—Estava despedindo-se—acertou a dizer, pensando em voz alta.
—Como?
Powell respirou profundamente. Não havia tempo para explicações, nem para remorsos. Não podia pensar em si mesmo. Devia pensar na Antonia, no que podia fazer por ela. Em primeiro lugar, o mais importante era conseguir que aceitasse sua ajuda.
—Parto ao Arizona—declarou, dando-a volta.
—Espera um momento—disse ele com secura—. É minha filha.
—E não quer que saiba que está doente—espetou, sem voltar—. Te asseguro que não penso ficar assim, sem fazer nada. Posso levar a à clínica Maio. Eu me encarregarei de pagar as faturas. Mas não deixarei que se mora sem lutar!
Ben sentiu que a esperança renascia em seu interior enquanto duvidava com respeito ao que podia fazer. Não sabia se seria melhor correr a lhe oferecer seu apoio ou permitir que acreditasse que não estava informado. Apesar de tudo, estava seguro de que Powell faria o possível para que obtivera o melhor cuidado médico; de fato, certamente, poderia conseguir mais costure que ele. Mas lhe tinha feito tanto machuco no passado que não sabia o que pensar.
Powell notou suas dúvidas e se deteve. Podia imaginar o que Ben sentia por sua única filha. Não estava tão apegado ao Maggie para saber como reagiria ante notícias similares, e certamente, era um pensamento do mais sombrio.
—Eu me encarregarei dela. Chamarei-te assim que tenha algo que te dizer—comentou com suavidade—. Se chegar a averiguar que sabe, deprimirá-se muito. Obviamente, queria mantê-lo em segredo para te proteger.
—Suponho-o, mas ódio os segredos.
—E eu. Entretanto, talvez seja melhor que mantenha este. Desse modo, estará mais tranqüila. Não se preocupará quando souber que eu sei—riu com amargura—. Acredita que a ódio.
Ben começava a notar os sentimentos do Powell, sentimentos que nada tinham que ver com o ódio. Assentiu e disse:
—Em tal caso ficarei aqui. Mas assim que saiba algo...
—Chamarei-te.
Powell conduziu até sua casa com o coração em um punho. Antonia não o haveria dito a ninguém. Com sua obstinação habitual, resistiria a começar com o tratamento e morreria sozinha, sentindo-se abandonada.
Quando chegou, subiu ao piso superior e fez as malas. As lembranças o assaltavam, mas já não podia retirar suas repugnantes acusações.
De repente, sentiu que o observavam. deu-se a volta e observou a sua filha, que o olhava com soma seriedade.
—O que quer?—perguntou com frieza.
—Parte-te outra vez?
—Sim. Ao Arizona.
—OH. E por que vai ao Arizona?—inquiriu com acritud.
Powell olhou com intensidade a sua filha.
—Para ver a Antonia. Para me desculpar em seu nome por lhe haver feito perder seu emprego. Veio ao Bighorn porque estava muito doente e queria estar com seu pai.
Apartou os olhos. A dor que sentia era quase insuportável. Estava aterrorizado; não podia imaginar um mundo sem ela.
Maggie era uma menina inteligente, o suficiente para entender imediatamente que a senhorita Hayes significava algo importante para ele.
—vai se morrer?—perguntou.
Powell respirou profundamente antes de responder.
—Não sei.
A menina se cruzou de braços. sentia-se pior que nunca. A senhorita Hayes estava morrendo e se teve que partir dali por sua culpa. Baixou o olhar e disse:
—Não sabia que estivesse doente. Sinto muito ter mentido.
—Deveria senti-lo. E é mais, irás ver comigo à senhora Jameson assim que retorne e lhe dirá a verdade.
—De acordo—disse, resignada.
Powell terminou de fazer as malas e ficou o casaco.
Os olhos azuis da menina esquadrinharam ao alto pai que não a queria. Tinha esperado toda sua vida a que alguma vez entrasse em casa rendo, a que estivesse feliz de vê-la, a que a levantasse em braços e a dissesse que a queria. Mas nunca tinha acontecido. Não a queria.
—vais trazer de novo à senhorita Hayes?
—Sim—respondeu—. E se você não gostar, terá que te agüentar.
Maggie não disse nada. Por culpa de suas mentiras, agora a queria menos que nunca. deu-se a volta e retornou a seu dormitório, fechando com cuidado a porta. A senhorita Hayes devia odiá-la pelo que tinha feito. Retornaria e não esqueceria o que tinha feito. Haveria outra pessoa disposta a fazê-la sofrer, a lhe fazer sentir que ninguém a queria. sentou-se na cama, muito triste para chorar. Nunca se havia sentido tão mal. E então, perguntou-se de repente se a senhorita Hayes não se sentiria do mesmo modo. Sabia que ia morrer e tinha perdido o emprego, vendo-se obrigada a partir a um lugar onde não tinha família.
—Sinto-o de verdade, senhorita Hayes—disse.
Esta vez começou a chorar, e não pôde fazer nada por evitá-lo. Mas na elegante e enorme mansão onde vivia, ninguém se aproximou de consolá-la.
Powell falou com a senhora Bate e lhe disse que partia ao Arizona, mas não explicou seus motivos. partiu com rapidez, sem ver de novo a sua filha. Tinha medo de que se o fazia não poderia ocultar a terrível decepção que sentia pelo que tinha feito.
Chegou ao Tucson a última hora da tarde, e reservou habitação em um hotel. Depois, tomou uma guia Telefónica e procurou o número de telefone da Antonia, mas estava desligado. De repente, caiu na conta de que teria deixado seu apartamento quando retornou ao Bighorn. Não sabia onde podia estar.
Pensou nisso durante uns minutos até que encontrou uma resposta. Certamente, estaria com a meio-irmã de Dawson Rutherford. Então, procurou o número de telefone do Barrie Bell. Só havia uma na guia. Era domingo pela tarde, de modo que supôs que estariam em casa.
Antonia respondeu a chamada. Sua voz soava cansada.
Powell duvidou. Agora que a tinha encontrado não sabia o que dizer. Enquanto duvidava, ela pensou que se equivocaram e pendurou. Então pensou que falar por telefone não era tão boa idéia. Apontou a direção do piso e decidiu que podia ir vê-la a primeira hora da manhã. O elemento surpresa resultava de crucial importância. Daria-lhe certa vantagem, que necessitava.
Tirou uma garrafa e se serve um uísque com água e gelo. Pelo general não bebia, mas necessitava um gole. Podia perder a Antonia por algo mais que seu próprio orgulho. E estava assustado pela primeira vez em toda sua vida.
Imaginou que Antonia não começaria a trabalhar imediatamente, e acertou. Quando chamou o timbre a meio-dia do dia seguinte, depois de uma noite em vela, foi ela quem abriu a porta. Barrie tinha tido que partir.
Ao vê-lo na soleira do apartamento, surpreendeu-se tanto que não soube o que fazer. Powell aproveitou a oportunidade para entrar e fechar a porta a suas costas.
—O que está fazendo aqui?—perguntou ela, recuperando-se.
Olhou-a com olhos cheios de preocupação e dor. Levava um pulôver, jeans e meias três-quartos, e parecia muito mais magra. odiou-se a si mesmo e a sua filha por lhe haver causado tantos sofrimentos.
—falei com o doutor Harris—disse.
Obviamente não comentou nada sobre seu pai, porque não queria que se inteirasse de que estava a par do que acontecia.
Antonia empalideceu. Sabia tudo. Podia vê-lo em seu rosto.
—Não tinha direito A...
—É você quem não tem direito—espetou—. Não tem direito a deixar morrer.
—Posso fazer o que quiser com minha vida!—exclamou.
—Não.
—Parte daqui!
—Não penso fazê-lo. Vai ver um médico. E será melhor que comece com o tratamento que ponham. Não se trata de um rogo, mas sim de uma ordem.
—Não pode me ordenar nada! Não tem nenhum direito sobre mim!
—Tenho o direito que qualquer ser humano tem a evitar que outro se suicide—declarou com tranqüilidade, olhando-a aos olhos—. vou cuidar de ti. E começarei agora mesmo. Vístete. Vamos ver o doutor Claridge. Chamei-o para que te desse hora antes de vir.
Antonia pensava em mil coisas de uma vez. Todo aquilo era tão repentino e tão extremo que não sabia o que fazer. limitou-se a olhá-lo.
Powell pôs as mãos sobre seus ombros e a observou com atenção.
—vou levar ao Maggie a ver a senhora Jameson para que se desculpe. Sei o que aconteceu. Devolverão-lhe o trabalho e poderá retornar a casa.
Antonia se separou dele.
—Já não tenho casa—espetou, sem olhá-lo à cara—. Não posso retornar porque meu pai descobriria que tenho leucemia. Não posso lhe fazer algo assim. A morte de minha mãe esteve a ponto de matá-lo, e se por acaso fora pouco, perdeu a sua irmã por um câncer. Foi algo terrível. Demorou muito tempo em morrer. Não posso deixar que volte a passar por uma experiência semelhante. Até acredito que cometi um engano ao voltar para o Bighorn. Não quero que saiba.
Powell não podia lhe dizer que já sabia. Colocou as mãos nos bolsos da calça e a olhou com intensidade.
—Precisa estar com gente que cuide de ti.
—Já estou com gente que cuida de mim. Barrie é parte de minha família.
Ele não sabia o que dizer; não tinha idéia de como aproximar-se dela. Brincou com as moedas que levava no bolso enquanto tentava encontrar uma forma de convencê-la. Mas Antonia notou sua indecisão e lhe deu as costas.
—Se estivesse em meu lugar, se se tratasse de sua vida, não deixaria que ninguém interferisse—continuou.
—Mas lutaria—disse ele, zangado por sua resignação—. E sabe.
—Sei que o faria. A fim de contas, tem coisas pelas que lutar. Sua filha, sua saúde, seus negócios...
Powell franziu o cenho. Antonia observou sua expressão e riu com amargura antes de prosseguir.
—É que não o compreende? Não tenho nada pelo que lutar. Não tenho nada! Meu pai me quer, mas é tudo o que tenho. Levanto-me pela manhã, vou trabalhar, intento educar a uns meninos que preferem fazer algo antes que realizar seus deveres... Depois, retorno a casa, janto e leão um livro antes de ir à cama. Assim é minha vida. Excetuando ao Barrie, nem sequer tenho mais amigos.
Derrotada, sentou-se no bordo de uma poltrona enquanto punha a cara entre as mãos. Quase se sentia aliviada agora que sabia alguém mais, embora não queria admiti-lo. Ao fim e ao cabo, ao Powell não importaria falar sobre sua condição porque não significava para ele.
—Estou cansada, Powell. A enfermidade me está vencendo. Ultimamente me sinto tão fraco que quase não posso fazer nada. Já não me importa o que aconteça. O tratamento me assusta mais que a idéia de morrer. Além disso, não tenho nenhuma razão para seguir vivendo. Só quero que isto termine.
Powell a olhava cada vez mais assustado. Nunca tinha observado a alguém tão derrotado. Com aquela atitude, nenhum tratamento serviria. rendeu-se.
Permaneceu ali, contemplando-a enquanto respirava com dificuldade, tentando encontrar algo que dizer, algo que servisse para ajudá-la, para animá-la a apresentar batalha. Mas não sabia o que fazer.
—Não há nada que queira, Antonia? Tem que existir alguma razão que possa te ajudar a resistir.
—Não. Agradeço-te muito que tenha percorrido todo o caminho só para ver-me, mas podia te haver economizado a viagem. Já tomei uma decisão. me deixe sozinha, Powell.
—te deixar sozinha...—repetiu—. Isso é exatamente o que estive fazendo durante nove malditos e largos anos.
Estava furioso. Queria começar a arrojar coisas ao chão, arrebentar sua aparente calma com a força de suas emoções.
Antonia se inclinou para diante e deixou que seu comprido e sedoso cabelo cobrisse sua cara.
—Não perca os estribos. Não posso lutar. Estou muito cansada.
A atitude derrotista da Antonia era tão estranha nela que Powell estava destroçado. ajoelho-se ante sua antiga noiva, agarrou-a pelas bonecas e a atraiu para si para que tivesse que olhá-lo. Seus olhos negros se cravaram nos cinzas da professora.
—conheci a pessoas que tinham leucemia. Com o tratamento atual, pode viver muitos anos. E enquanto isso, podem encontrar uma cura definitiva. É uma loucura renunciar, sem aproveitar sequer a oportunidade de viver.
Antonia esquadrinhou seus olhos com uma angústia que tinha estado ali durante muitos anos. Conseguiu soltar uma mão e acariciou seu rosto. Uma tez que sempre tinha amado. Acariciou seu cabelo encaracolado, suas povoadas e negras sobrancelhas, o nariz que se quebrado no passado, e foi descendendo para seu queixo. Sentiu que Powell esticava os músculos, e que seu olhar se acendia. Observava-a com atenção, respirando com muita dificuldade.
Tomou sua mão e a atraiu para sua bochecha. A expressão da Antonia denotou uma profunda tristeza.
—Ainda me ama—disse ele—. Crie que não sei?
Quis negá-lo, mas já tinha sentido. Sorriu com tristeza e respondeu:
—É certo. Amo-te. Nunca deixei de te amar e nunca deixarei de fazê-lo. Mas tudo tem seu final, Powell. Até a vida.
Acariciou sua boca enquanto ele a observava com surpresa. Depois, deteve sua mão de novo.
—As coisas não têm por que ser assim. Posso conseguir uma licença hoje mesmo. Podemos nos casar antes de três dias.
Antonia sentiu a tentação de responder afirmativamente.
—Obrigado—disse, com Isso sinceridade significa para mim muito mais do que possa acreditar, tendo em conta as circunstâncias. Mas não me casarei contigo. Não posso te dar nada.
—Tem o resto de sua vida, dure o que dure.
—Não—disse com voz rota.
Estava fazendo um esforço para não chorar. Torceu a cabeça e tentou levantar-se, mas ele o impediu.
—Pode viver comigo. Cuidarei de ti. Conseguirei tudo o que necessite. Os melhores médicos, os melhores tratamentos.
—O dinheiro não pode comprar a vida—disse—. O câncer é algo muito sério.
—Isso não é certo. Os ricos quase sempre se curam. Mas deixa de falar desse modo. Deixa de ser derrotista! Pode vencer qualquer obstáculo se o tenta—disse, abraçando-a.
—Acredito que isso me soa. Recorda seus começos? Sempre lhe diziam que não chegaria a nenhuma parte com um semental jovem e cinco vacas. E recorda o que disse? Disse que tudo era possível—declarou com calidez—. Eu te acreditei. Não duvidei nunca que o conseguiria. Foi tão orgulhoso, inclusive quando não tinha nada, que teria lutado contra qualquer com tal de seguir adiante. Era uma das coisas que mais admirava em ti.
Powell se emocionou. Seu coração se contraiu, como se o tivessem atravessado. levantou-se, separou-se dela e colocou as mãos nos bolsos.
—Mas me rendi contigo, não é verdade? uns quantos rumores, umas quantas mentiras e destruí sua vida.
Antonia se olhou as mãos. Ao menos estavam falando do acontecido, e por fim, admitia a verdade. Talvez fora mais fácil para os dois se podiam esquecer o passado.
—Sally estava apaixonada por ti—disse ela, tentando encontrar uma desculpa para o comportamento de seu amiga—. O amor faz que a gente faça coisas estranhas.
—Odiava-a. Odiei-a todos os dias que estivemos juntos, e ainda mais quando me disse que estava grávida do Maggie—suspirou com pesadez—. meu Deus, Annie, estou ressentido com minha própria filha porque nem sequer estou seguro de que seja minha. E nunca poderei está-lo. Embora o fora, cada vez que a Miro vejo sua mãe.
—As coisas lhe foram bastante bem se mim—disse sem malícia—. Levantou um rancho e fez uma fortuna. conseguiste influência, e que lhe respeitem.
—Mas ao preço de te perder. Um preço muito alto.
—Maggie é uma garota brilhante—disse com incerteza—. Não pode ser tão má. Julie a quer.
—Já não. Todo mundo está zangado com ela por ter conseguido que lhe jogassem. Julie não quer falar com ela.
—Que lástima. É uma menina e necessita amor. Antonia tinha estado pensando muito no acontecido durante as últimas semanas.
—O que quer dizer?
Ela sorriu. Começava a compreender com claridade as razões do comportamento da jovem.
—É que não te dá conta? Está sozinha, Powell, como você a sua idade. Não encaixa com os outros meninos. Sempre está apartada, separada. comporta-se com tanta beligerância por culpa de sua solidão.
Seu rosto se endureceu.
—Sempre estou muito ocupado.
—me culpe a mim, ou a Sally. Mas não culpe a sua filha pelo que aconteceu no passado—rogou—. Se algo bom sai de tudo isto, espero que seja para o Maggie.
—OH, Meu deus, acaba de falar Santa Antonia—declarou com sarcasmo, envergonhado por como tratava a sua filha—. perdeste o trabalho por sua culpa e seu insiste em que merece carinho.
—Porque é certo. Devi ter sido mais doce com ela. Mas também recordava a Sally. Inconscientemente a afastava de mim, embora não fosse de forma deliberada. Uma menina como Julie se deixa querer, porque dá amor com grande generosidade. Mas Maggie é introvertida e não confia facilmente. Não pode dar amor a outros porque não sabe como fazê-lo. Tem que aprender.
Powell pensou nisso durante uns segundos.
—De acordo. Se o necessitar, pode vir a casa comigo e me ensinar a fazê-lo. Antonia o observou com carinho.
—Por desgraça, já não posso fazer nada. Nem com ela nem com meu pai, nem contigo. Ficarei com o Barrie até que já não possa fazer nada, e então...
Naquele instante, Powell tomou em seus braços e a beijou no pescoço. Não disse nada, mas podia escutar sua respiração entrecortada. Abraçava-a com muita força, como se estivesse enfrentando-se a uma terrível dor que o destroçasse por dentro.
—Não deixarei que morra—espetou—. Me ouviste? Não o permitirei.
Antonia passou os braços ao redor de seu pescoço e se deixou levar. Agora sabia que era importante para o Powell, embora fosse a sua maneira, e o sentia por ele. Tinha aceito sua enfermidade porque a conhecia desde fazia semanas, mas ele o tinha sabido aquele mesmo dia, ou talvez no dia anterior.
—Suponho que tudo isto é de noite em que me levou a aquele bar, não é certo?—perguntou com tranqüilidade—. Não deve te sentir culpado pelo que disse. Sei que estes anos tampouco foram fáceis para ti. Já não te guardo rancor. Não tenho tempo. Durante as últimas semanas, aprendi a ver as coisas com certa perspectiva. Ódio, culpabilidade, fúria, vingança... Tudo se volta insignificante quando se sabe que o tempo é limitado.
Powell apertou os braços sobre ela. Deixou de levar a de um lado a outro e se deteve, gelado pelo medo.
—Se começar com o tratamento, pode ter uma oportunidade.
—Sim. Posso viver dia a dia, mas o medo permanecerá. A radiação me fará sentir pior, perderei o cabelo e perderei uma mínima qualidade de vida.
Powell respirou profundamente e se esfregou contra ela. Olhava-a com grandes olhos abertos, assustados.
—Estarei contigo e te ajudarei. A vida é muito preciosa para atirá-la pela amurada—disse, enquanto a beijava no pescoço—. te Case comigo, Annie. E embora só viva umas quantas semanas, ao menos teremos lembranças belas que nos levar a eternidade.
Sua voz soava baixa e sensual. Acabava de dizer o mais formoso que lhe havia dito nunca. Antonia estava a ponto de chorar.
—O que diz?—perguntou ele, em um sussurro.
Antonia não disse nada. A tentação era tão grande que não podia resistir. Não podia dizer que não, embora suspeitasse sobre seus motivos.
—Desejo-te—continuou ele—. Te desejo mais do que te tenha desejado em toda minha vida, doente ou não. Dava que te casará comigo. Diga-o.
Se se tratava de um pouco simplesmente físico, não estava segura de ter que aceitar. Mas não podia afastar-se dele outra vez. Apertou os braços ao redor de seu pescoço e disse:
—Se estiver seguro, se estiver tão seguro...
—Estou seguro.
Powell observou seus olhos chorosos e posou os lábios sobre eles antes de descer para sua boca. Beijou-a lenta e brandamente, obtendo uma resposta imediata. Ao cabo de uns segundos, começou a fazê-lo com paixão e intensidade, mas se apartou porque aquele não era momento para a paixão, a não ser para a ternura.
—Se responder aos tratamentos, se existir a remota possibilidade de que te salve, darei-te um filho.
Era uma jogada professora. Antonia o olhou com surpresa, como se houvesse se tornado louco de repente. Seus pálidos olhos o esquadrinharam com incer—tidumbre.
—Não quer ter um filho, Antonia?—continuou ele—. Antes queria. Não falava de outra coisa quando estávamos comprometidos. Estou seguro de que não terá renunciado a tal sonho.
Antonia se ruborizou. tratava-se de um tema muito íntimo. Apartou o olhar e contemplou sua saia.
—Não siga.
—Casaremo-nos—disse com firmeza.
—A sua filha não gostará de me ter em sua casa, viva o tempo que viva.
—Será melhor que se acostume. te ter ali pode ser o melhor que lhe tenha acontecido em toda sua vida. Mas deixa de falar sobre ela. Já te hei dito que nem sequer acredito que seja minha filha. É que crie que é quão única pagou um alto preço? Casei-me com uma alcoólica, que me odiava porque não queria tocá-la. Disse-me que Maggie não era minha, que era de outro homem.
Antonia tentou apartar-se, mas ele não o permitiu. Abraçou-a com força, sem deixar de olhá-la.
—Disse-te que acreditei quando te acusou de te deitar com o George, mas não era certo. E a partir daí tudo foram mentiras...
Soltou-a e caminhou para a janela com as mãos nos bolsos.
—Vivi um autêntico inferno—continuou—. Até que morreu, e inclusive mais tarde. Acredito recordar que disse que não suportava ter ao Maggie em sua classe porque te trazia lembranças, e me acusou por ser cruel. Mas também me acontece .
O comportamento da menina começava a ter um trágico sentido. Sua mãe não a tinha desejado, e seu pai não a queria. Ninguém a amava. Antonia não sentia saudades de que fora problemática.
—parece-se muito a Sally—disse ela.
—Certamente. Mas não se parece nada a mim, não te parece?
Antonia não pôde discutir-lhe embora lhe teria gostado. Caminhou para a janela, onde estava ele. A dor e a angústia da existência que tinha levado se refletiam com claridade em seu gesto. Parecia major do que era em realidade.
—cometemos muitos enganos estúpidos em nossa juventude, Antonia. Não te acreditei, e isso te doeu tanto que te partiu. Eu passei os anos tentando me convencer de que Sally não tinha mentido, porque não podia suportar a idéia de ter destruído tudo o que amava. Admitir as próprias culpas não resulta tão fácil. Lutei com unhas e dentes para evitá-lo, mas ao final tive que ceder.
—Carecíamos de experiência.
—Entretanto, não pretendi utilizar o sobrenome de seu pai. Nunca tentei fazer tal coisa.
Antonia não disse nada.
Powell se aproximou um pouco mais. Ela estava olhando o chão, de modo que suas pernas encheram o campo de visão. Eram pernas largas, musculosas e poderosas por ter acontecido horas e horas trabalhando a cavalo.
—Era um solitário. Cresci na pobreza, com um pai que se jogava o pouco dinheiro que tínhamos e uma mãe que tinha medo de que a abandonasse. Foi uma infância muito dura. Só queria sair da pobreza, não voltar a passar fome—continuou—. Queria que a gente se desse conta de que existia.
—E o conseguiu. Tem tudo o que queria. Dinheiro, poder e prestígio.
—Mas havia outra coisa que também desejava. A ti.
—Algo que já não deseja.
—Equivoca-te. Desejo-te mais do que tenha desejado nunca a nenhuma mulher. Sempre o soube.
—Mas só fisicamente.
—Não te burle disso. Estou seguro de que a estas alturas já teria aprendido aonde pode te levar a paixão.
Antonia o olhou com profunda inocência. Powell devolveu seu olhar surpreso e conteve a respiração.
—Não?
Powell agarrou uma de suas mãos e a acariciou brandamente com o polegar. Podia contemplar as veias azuis que atravessavam seu dorso.
—Eu não posso dizer o mesmo—continuou ele—. Não teria suportado todos estes anos sem estar com uma mulher de vez em quando.
—Suponho que é distinto para os homens.
—Não, só para alguns. E para algumas mulheres também. Mas todas eram você no fundo. Serviam para aliviar minha dor durante uns minutos.
Antonia acariciou seu escuro cabelo, frio sob seus dedos, limpo e com aroma de xampu.
—me abrace—rogou ele, agarrando-a pela cintura—. Estou tão assustado como você.
Aquelas palavras a surpreenderam. Quando conseguiu reagir, acariciou seu cabelo.
—Não penso deixar que morra, Antonia—sussurrou.
—O tratamento me assusta—confessou.
—Se estivesse contigo, assustaria-te menos?—perguntou com suavidade, observando-a—. Porque penso estar contigo.
—Não, não me assustaria tanto. Powell sorriu com doçura.
—A leucemia não é necessariamente fatal. pode-se deter o progresso da enfermidade durante muitos anos. ficará melhor e poderemos ter um filho juntos.
As lágrimas cobriram o rosto da Antonia.
—Se tiver que iniciar um tratamento com radiação duvido que possa ter filhos.
Powell não queria pensar nisso. Tomou sua mão e a beijou.
—Falaremos com o médico e nos asseguraremos.
Era como viver um sonho. Antonia deixou de preocupar-se e de pensar. Seus olhos procuraram o olhar do Powell, e pela primeira vez em muito tempo, sorriu.
—De acordo?—perguntou ele. Ela assentiu.
—De acordo.
O DOUTOR Claridge não foi muito otimista em relação às possibilidades que tinha de ficar grávida.
—Não pode ficar grávida enquanto esteja sob os efeitos do tratamento—explicou com paciência, embora detestava ser portador de más notícias.
—E depois?—perguntou ela, aferrando a mão do Powell.
—Não posso prometer nada. Tem um tipo de sangue pouco normal, o que complica as coisas.
—Um tipo de sangue pouco normal? Pensei que zero positivo era bastante habitual.
—Não tem zero positivo. Antonia se surpreendeu.
—Doutor Claridge, sei de sobra o tipo de sangue que tenho. Tive um acidente quando era uma adolescente e tiveram de me fazer uma transfusão. Recorda-o, verdade, Powell? Caí-me da bicicleta e sofri um corte na perna por culpa de uma lata que havia junto à casa.
—É certo, recordo-o.
—Pode comprová-lo com o doutor Harris—continuou Antonia, olhando ao médico—. Confirmará o que hei dito.
O médico franziu o cenho e comprovou de novo os resultados das análise.
—Não pode ser. Este é seu histórico. É o relatório que me enviaram do laboratório. Os nomes coincidem.
O médico chamou o intercomunicador para comprovar a exatidão do relatório com a enfermeira, que apareceu em seguida.
—Fizemos alguma análise de sangue a Antonia no passado?—perguntou—. No relatório não põe nada.
—Não—respondeu a enfermeira.
—Pois lhe faça um imediatamente. Aqui há algo que não me quadra.
—Sim, senhor.
A enfermeira partiu e retornou um minuto depois com a equipe necessária para fazer a análise. Extraiu-lhe o sangue em questão de segundos.
—Dê-se pressa. Leve-o a laboratório. Quero que me enviam os resultados pela manhã.
—Sim, senhor.
O médico se dirigiu então a seu paciente.
—Não se faça muitas ilusões. Pode que o tipo de sangue esteja equivocado, mas não o diagnóstico. Entretanto, comprovaremo-lo. Enquanto isso será melhor que esperemos até manhã para tomar decisões. Pode me chamar por volta das dez. Para então já saberei algo.
—Farei-o. Muito obrigado.
—Recorde, não espere muito. Antonia sorriu.
—Não se preocupe.
—De todas formas... esteve em contato com alguma pessoa doente de mononucleosis ultimamente?
—Sim. Uma de minhas alunas a teve faz umas semanas. Lembrança que sua mãe estava muito preocupada. Só tem dez anos—riu com nervosismo.
—Entrou em contato com sua saliva, de algum modo?
—Bom, não tenho por costume beijar desse modo a minhas alunas.
—Antonia...—recriminou-lhe Powell.
—Compartilhamos um refresco—continuou ela. O médico sorriu.
—Bem, bem. Cabe a possibilidade de que estejamos nos equivocando, porque a mononucleosis e a leucemia se parecem bastante nos sintomas. É possível que algum técnico do laboratório mesclasse os resultados das provas.
—pôde ser um engano?—perguntou ela, esperançada.
—Pode ser. De todas formas, não podemos passar por cima seus outros sintomas.
—Bom, ao menos agora tenho uma esperança. Quais são os sintomas da mononucleosis?
—Quão mesmos os da leucemia. Debilidade, garganta seca, fadiga, febre... E é altamente contagiosa—sentenciou, olhando ao Powell.
Powell sorriu.
—Não me importaria.
—Sei como se sente—riu o médico—. Muito bem, vá-se a casa, Antonia. Saberemos algo pela manhã. No laboratório têm muito cuidado, mas qualquer pode equivocar-se.
—Espero que se equivocaram nesta ocasião—disse Antonia.
Quando saíram, Powell a tirou da mão e a beijou com suavidade.
—Acredito que não me importaria absolutamente pilhar uma mononucleosis—comentou ele.
—Nem a mim—sorriu.
—Está segura de que seu tipo de sangue é zero positivo?
—Certamente.
—Em tal caso, cruzamento os dedos e reza. Mas agora vamos comer algo. Depois podemos sair a dar uma volta no carro.
—De acordo.
Powell a levou a seu hotel para comer algo no restaurante e depois saíram da cidade. Foram ao monumento nacional do Saguaro e puderam contemplar o cacto gigante. O ar era fresco, mas o sol brilhava e Antonia se sentia muito mais esperançada que antes.
Não disseram nada. Powell se limitou a abraçá-la com força enquanto na rádio do carro escutavam canções de música country.
Quando retornaram ao apartamento, Barrie estava em casa. Ao ver o Powell se surpreendeu muito, mas a expressão de seus rostos fez que sonriera.
—Boas notícias, espero—disse.
—Oxalá—disse Antonia.
Barrie franziu o cenho. Antonia compreendeu que seu amiga não sabia o que tinha ocorrido.
—vamos casar nos—anunciou Powell.
—De verdade?—perguntou, surpreendida.
—Acredito recordar que disse que sim. Crie que quero ter filhos contigo estando solteira?—riu—. Não tenho nenhuma intenção de fazer tal coisa.
—Nem eu!
—Em tal caso, me alegro muito—espetou sonriendo com doçura.
Antonia conteve à respiração ao sentir a força de seu olhar e se estremeceu dos pés à cabeça. Sua vida estava a ponto de começar de novo.
Barrie sorria de brinca a orelha.
—Posso lhes felicitar?
—Pode?—perguntou Powell.
Antonia duvidou. Pensava que Powell só a desejava, embora talvez também sentisse lástima por ela. Ainda não se tinha acostumado à idéia de que podia morrer. E seus possíveis motivos profundos a inquietavam. Entretanto, estava apaixonada por ele e não encontrava o que tinha que mau no matrimônio. Se tinham tempo suficiente, talvez aprenderia a amá-la.
—Direi-lhe isso amanhã—respondeu. Powell a olhou.
—Tudo sairá bem. Sei.
Antonia não estava tão segura. Tinha medo de alimentar esperanças, mas não discutiu com ele.
—Esta noite põem um bom filme na televisão, se por acaso querem ficar —informou Barrie ao Powell—. Pensei que podia fazer pipocas.
—Como quero Antonia. Seu amiga sorriu.
—eu gostaria de ficar —disse.
Powell se tirou o chapéu texano e sorriu.
—Muito bem. Em tal caso, ponha manteiga em minha pipocas.
FOI A NOITE mais larga da vida da Antonia. Powell partiu ao hotel a meia-noite, e ela se meteu na cama sem haver contado a seu amiga o acontecido com o médico.
À manhã seguinte, quando Barrie partiu a trabalhar, levantou-se e se vestiu. Powell se apresentou às nove, e para então já estava desejando ver o médico. Não queria inteirar-se por telefone de um pouco tão importante. E ao parecer, ele tampouco.
Chegaram à consulta às dez da manhã. sentaram-se na sala de espera e aguardaram pacientemente porque tinha surto uma emergência. Ao cabo de um momento, o médico saiu e os convidou a um café. Não tiveram que perguntar nada absolutamente. Seu aberto sorriso respondia qualquer pergunta.
—Tem zero positivo, tal e como havia dito—informou o médico, observando-os enquanto se abraçavam—. Mais ainda, chamei o laboratório onde tinham feito as primeiras análise e me comunicaram que tinham se despedido do culpado do engano, porque ao parecer não era a primeira vez que o fazia. São muito profissionais, e em questões médicas não pode permitir-se este tipo de coisas.
—Graças a Deus—suspirou ela.
—Sinto que tenha tido que acontecer tudo isto—se desculpou.
—Deveriam me dar uma bofetada. Se tivesse querido iniciar o tratamento antes, teria descoberto o engano e não teria estado tão preocupada.
—Bom, de todas formas tenho más notícias—disse sem deixar de sorrir—. Tal e como tinha suspeitado, padece mononucleosis.
O doutor Claridge lhe explicou as complicações da enfermidade e lhe advertiu sobre quão contagiosa era.
—Em certa ocasião, vi como se contagiava todo um colégio—recordou—. Às vezes terá que passar semanas e semanas na cama, mas não acredito que seja necessário em seu caso. Não lhe fará perder muito tempo de trabalho.
—Não tem que preocupar-se por isso—disse Powell—. vai se casar comigo, e se não querer trabalhar, não terá por que fazê-lo. De todas formas não acredito que lhe importe passar umas semanas em cama para livrar-se da infecção.
Antonia o olhou e ao observar seu sorriso compreendeu que pretendia casar-se com ela a pesar do novo diagnóstico. Ao princípio não entendeu por que insistia nisso, mas depois pensou que o fazia porque tinha dado sua palavra. Agora já não deixaria que se tornasse atrás. Seu orgulho e sua honra eram tão importantes em sua personalidade como sua obstinação.
—Falaremos sobre isso mais tarde—disse Antonia—. Doutor Claridge, não tenho palavras para agradecer seus esforços.
—Alegra-me saber que esta vez acertamos com seu diagnóstico. Estas coisas ocorrem de vez em quando, mas podem ter conseqüências trágicas. Em certo laboratório, cometeram um engano faz uns anos e provocaram o suicídio de um homem, que acreditava estar morrendo. Por normatiza general, animamos às pessoas a que se faça uma segunda análise de sangue para nos assegurar. Se tivesse vindo para ver-me antes, o teríamos feito.
Antonia se ruborizou.
—Sim, bom, tentarei ser mais responsável no futuro. Tenha em conta que estava muito assustada.
—Uma reação muito humana. Cuide-se. Se tiver algum problema, faça-me saber.
—vamos retornar ao Bighorn—informou Powell—. Mas o doutor Harris estará ficará em contato com você se fosse necessário.
—Harris é um bom homem—disse o médico—. Estava muito preocupado quando me chamou. Alegrará-se quando conhecer as notícias.
—Estou segura disso. Chamarei-o assim que chegue a casa—disse Antonia.
Quando saíram do edifício, Antonia se deteve na calçada para olhar a seu redor, com olhos novos.
—Pensei que o tinha perdido tudo—disse, olhando às pessoas, as árvores e as distantes montanhas—. Me tinha rendido, mas agora tudo é novo e maravilhoso.
Powell agarrou sua mão e a apertou.
—Oxalá o tivesse sabido antes.
—Era meu problema, não o teu—sorriu.
Powell não disse nada. Por seu comportamento, suspeitava que queria tornar-se atrás no do matrimônio. Mas estava a ponto de descobrir que resultaria mais complicado do que pensava. Tinha-a e não pensava deixá-la escapar.
—Se tiver fome, podemos ir comer ou a tomar algo, corno prefira. Mas antes que nada, encarregaremo-nos de comprar seus remédios.
Então, tomou a receita do médico a guardou em um bolso.
depois de comprar os medicamentos, dirigiram-se ao hotel e subiram no elevador à luxuosa suíte que ocupava Powell, com vistas ao deserto de Sonora.
—Podemos comer aqui. Desse modo, teremos a oportunidade de falar em privado—disse ele—. Mas primeiro quero chamar a seu pai.
—A meu pai? por que?
—Porque sabe.
—Como é possível?
—Obriguei-o a chamar o doutor Harris. Os dois sabíamos que algo andava mau. Queria vir ao Tucson, mas consideramos que era melhor que não soubesse.
Powell chamou o Ben e lhe comunicou que tudo tinha sido um engano e de que só tinha mononucleosis. Depois, disse a Antonia que queria falar com ela.
Antonia tomou o auricular e o saudou.
—Olá, papai. Não sabia que estivesse ao tanto.
—Powell não retrocedeu até que averiguou a verdade. foi um engano? sabe-se com certeza?
—Sim, graças a Deus—respondeu, aliviada—. Estava muito assustada.
—Não foi a única. Mas é uma notícia maravilhosa. Realmente maravilhosas. Quando retorna? Há-te dito Powell que Maggie pensa contar a verdade? Poderá recuperar seu posto de trabalho.
Antonia olhou ao Powell, que estava observando-a com atenção.
—Ainda não sei nada. Chamarei-te dentro de um par de dias para te contar o que tenha decidido, de acordo?
—De acordo. Menos mal que te encontra bem—disse—. passei dois dias horríveis, Antonia.
—Eu também. Falaremos logo. Quero-te muito, papai.
—E eu a ti.
Antonia pendurou e observou a seu antigo noivo.
—Tinha que interferir...
—Claro. Estou de acordo com seu pai. Tampouco eu gosto dos segredos.
Sem deixar de olhá-la, tirou-se o chapéu. Estava muito atrativo. Depois, desfez-se da jaqueta e da gravata, desabotoou-se a camisa e a tirou, deixando ver seu peito coberto de pêlo negra
A visão de seu corpo despertou nela antigas paixões.
—O que está fazendo?—perguntou. Powell se tirou o cinturão e se sentou em uma poltrona para ato seguido tirá-las botas.
—Estou me despindo—respondeu.
levantou-se e caminhou para ela.
Antonia quis apartar-se, mas era muito tarde. Levantou-a e a levou em braços até o dormitório. Ao chegar a posou sobre a cama e se colocou sobre ela, apoiado sobre seus braços.
—Powell...
—Sinto-o—murmurou ele, antes de beijá-la.
Em sempre passado se acariciaram com grande paixão, mas mais tarde ou mais cedo Powell encontrava o modo de tornar-se atrás. Suas reservas a tinham convencido de que em realidade não a amava.
Mas aquela vez não houve reservas; beijou-a de maneira completamente distinta, com carinho, paixão e certa violência. Antonia se estremeceu com emoções que não havia sentido nunca, nem sequer com ele. E enquanto isso, não deixava de acariciá-la. Só se ouvia sua rápida respiração e o som de seu coração contra seus seios.
Nem sequer se deu conta de que quase a tinha despido. Estava muito concentrada no prazer que lhe dava que deixou que acessasse a seu suave e cálida pele. Precisava sentir sua boca. E quando o prazer começou a ser mais do que podia suportar, arqueou-se contra ele.
Vagamente notou que podia sentir todo seu corpo. Um simples olhar bastou para que compreendesse que estavam nus, sem barreiras que os separassem. O pêlo de suas largas pernas lhe acariciava as coxas, enquanto ele se tombava até chegar a um ponto de intimidade que não tinham compartilhado nunca.
Antonia sentiu pânico e ficou geada ao notar seu sexo. Mas Powell a beijou com tal ternura que não pôde resistir, sem deixar de acariciá-la, sem deixar de sorrir.
—Tranqüila—sussurrou ele, levantando a cabeça para Te olhá-la dói?
Antonia se mordeu o lábio e respondeu:
—Sim...
—Está nervosa e assustada. Suponho que a primeira vez dói, mas a dor não durará muito.
Powell a olhou com carinho e a beijou brandamente.
—Isto é um equívoco—disse ela.
—Não, não o é. Mas se por acaso tanto se preocupa, vamos casar nos. Asseguro-lhe isso.
—Assegura-me isso?—perguntou, sentindo seu sexo.
—Sim. E penso te dar um filho, Antonia.
Powell começou a mover-se de novo, e esta vez, ela gemeu de prazer. Os movimentos foram acelerando-se pouco a pouco, até que Antonia começou a sentir um fogo interno que pouco a pouco foi elevando-a a cotas insuspeitadas, ascendendo e ascendendo, como se sulcasse os céus.
Powell não parecia sentir-se culpado. Quando Antonia abriu os olhos e o olhou, depois de fazer o amor, deu-se conta disso. Estava sonriendo, e a expressão de seus olhos fez que tivesse vontades de esbofeteá-lo. Era muito inocente e conservadora. A intimidade da posição que mantinham e a lembrança dos minutos cheios de paixão que tinham compartilhado bastaram para que se ruborizasse.
—Suponho que agora já não terá nada contra que nos casemos, verdade?—perguntou ele, apartando uma mecha de seu cabelo—. De ter feito o amor faz nove anos, não teria acontecido nada mau. E foi muito mais maravilhoso do que tinha pensado, me acredite. Tinha-o sonhado tantas vezes...
Antonia suspirou e o observou. Seus olhos negros estavam cheios de amor. Em sua ingenuidade, esperava que se sentisse culpado, mas não foi assim. Estar em seus braços era o mais natural do mundo, o mais lógico, o mais formoso.
—Não pensa te queixar de nada?—perguntou ele, beijando-a com suavidade—. Parece preocupada.
—Estou-o—disse—. Não tomo nenhum anticoncepcional.
Powell sorriu.
—muito melhor.
—Mas ficar grávida tão logo...
—Já é tarde. Recorda que tem vinte e sete anos.
—Sei, mas deve pensar no Maggie—disse—. Não me suporta. Não quererá me ter em sua casa, e muito menos ter que suportar a um novo menino. Será muito duro para ela.
—Já enfrentaremos aos obstáculos que surjam pelo caminho.
Powell observou seu corpo e o desejo se acendeu em seu interior. Começou a beijá-la e a acariciá-la. Quando sentiu que Antonia se estremecia, beijou-a com renovados esforços.
—Podemos fazê-lo outra vez?—perguntou ele, de forma provocadora—. Te doerá?
Como única resposta, Antonia se apertou contra ele e deixou que entrasse em seu corpo. Depois, olhou-o diretamente aos olhos e conteve a respiração quando começou a mover-se.
Powell a observou e se deteve durante uns segundos enquanto entrava nela. Antonia gemeu, atraindo-o para si com suas mãos. Ele sorriu lentamente e a cobriu de beijos. Não se havia sentido tão masculino em toda sua existência; os gemidos da professora o excitavam. Fechou os olhos e se entregou ao ato supremo do amor.
MUITO mais tarde comeram e se dirigiram ao apartamento do Barrie. A amiga da Antonia só necessitou um simples olhar para compreender o acontecido. Rapidamente a abraçou.
—Felicidades. Disse-te que algum dia o conseguiria.
—Tinha razão.
Antonia lhe contou então a verdadeira razão que tinha tido para retornar a Atizona. Ao sabê-lo, Barrie teve que sentar-se. Seus olhos verdes a olhavam com surpresa absoluta, preocupada com o inferno pelo que tinha tido que acontecer, em completa solidão.
—por que não me disse isso?
—Pela mesma razão pela que não me quis dizer isso —respondeu Powell com ironia—. Não queria que nos preocupássemos.
—Será idiota... Te teria obrigado a que fosses ver o médico—continuou Barrie.
—Precisamente por isso não lhe disse isso. Embora tinha intenção de lhe confessar isso mais tarde ou mais cedo.
—Vá, muito obrigado.
—Você teria feito o mesmo. Ou talvez teria sido pior—disse Antonia, sonriendo a seu amiga—. Agora terá que vir à bodas.
—Quando se celebra?
—Depois de amanhã às dez, no tribunal do Tucson—riu Powell—. consegui a licença e o doutor Claridge fez as análise de sangue, de modo que retornaremos ao Bighorn com os anéis postos.
—Bom, já sabem que tenho uma habitação livre.
Powell fez um gesto de negação com a cabeça.
—Obrigado, mas Antonia é minha agora—disse de forma possessiva, observando com paixão a sua prometida—. Não penso perder a de vista.
—Compreendo-o—disse Barrie—. Bom, têm planos para esta noite ou querem ver um filme comigo? Põem uma nova no cinema que há perto de casa.
—Por mim, perfeito—disse Antonia, olhando ao Powell.
—Sempre me gostaram dos dramas—disse ele.
Antonia estava tão cansada entre sua enfermidade e os jogos amorosos que tinham compartilhado que não podia fazer o amor, de modo que Powell considerou que ver um filme podia ser uma forma perfeita de matar o tempo, sempre e quando estivessem juntos. Preocupava-lhe sua saúde, mas mais tarde, Antonia disse que já descansaria quando chegassem ao Bighorn.
Durante a projeção do filme, não soltou a mão de sua amada. Mais tarde dormiram juntos e ela não se separou de seus braços. Powell não lhe havia dito ainda que a amasse, mas ao menos resultava evidente que a desejava. Pensou que com o tempo também chegaria o amor. Entretanto, preocupava-lhe pensar em como ia tomar se o Maggie quando soubesse; sobre tudo, quando tivessem o filho que queriam. Não tinham tomado nenhuma precaução, embora tinha a impressão de que era logo para ficar grávida. Em todo caso, Powell não pensava em sua filha. Só pensava em recuperar o tempo perdido, os anos que tinham acontecido inutilmente. Mas Antonia não podia evitar preocupar-se com o futuro que a esperava.
A cerimônia das bodas foi singela, mas digna. Antonia ficou um vestido de cor nata e um chapéu de palha com um véu que cobria seu rosto. Quando o juiz os nomeou marido e mulher, Powell levantou o véu e a olhou durante uns segundos antes de beijá-la. Ninguém a tinha beijado daquele modo com antecedência. Um simples olhar a seus olhos negros bastou para que se estremecesse. Amava-o mais que nunca.
Barrie foi a madrinha de bodas; e um xerife que se encontrava nos jogados, o padrinho. Assinaram todos os papéis e lhes deram a ata, com a data e a hora das bodas. Por fim, casaram-se.
Ao dia seguinte, retornaram ao Bighorn no Mercedes do Powell. Estava mais tenso que durante os três dias anteriores, e Antonia supôs que se devia a que seu corpo ainda não se repôs dos excessos amorosos. sentia-se muito melhor, mas a intimidade, por pequena que fosse, resultava-lhe molesta. Powell lhe tinha assegurado que era algo perfeitamente normal nas mulheres, e que a ligeira ardência desapareceria, mas cada vez que a olhava o fazia com um intenso desejo. Tinham iniciado uma nova relação e Antonia odiava ter que lhe negar o que desejava. Sobre tudo tendo em conta que acreditava que era o único que lhe podia dar.
Quando chegaram à fronteira de Wyoming, horas mais tarde, Powell se dirigiu a ela.
—Não se preocupe. O mundo não se terminou porque ainda não possa voltar a fazer o amor comigo.
—Estava pensando em ti, não em mim—corrigiu, ausente.
Powell olhou para a estrada.
—Pensei que você gostava de te deitar comigo.
Antonia o olhou e se deu conta de que sem pretendê-lo tinha ferido seu orgulho.
—É obvio que eu gosto. Mas acredito que ainda não sei te satisfazer. Quero dizer que...
—Não importa—disse ele, divertido—. Suponho que está pensando no que pinjente. Em que não podia viver sem me deitar com uma mulher. Mas referia a anos de castidade, Antonia, não a dias.
—OH.
Powell riu.
—É tão inocente como quando tinha dezoito anos.
—Já não.
—Bom, nem tanto—disse, agarrando uma de suas mãos enquanto conduzia—. Mas tudo está saindo bem, carinho. E será ainda melhor. Não se preocupe.
—O que tem que o Maggie?—perguntou ela.
O gesto do Powell se endureceu.
—Deixa que me eu preocupe.
Antonia não disse nada. Entretanto, teve a impressão de que aquela ia ser uma fonte permanente de problemas.
Assim que chegaram, detiveram-se em casa do pai da Antonia, para lhe informar sobre o acontecido. A notícia caiu como uma bomba.
—Casaste-lhes?—perguntou Ben—. Sem me dizer isso Sem me convidar à bodas?
—Foi minha idéia—confessou Powell, atraindo-a para si—. Não queria que se arrependesse.
Ben Hayes o olhou durante uns segundos. Entretanto, não podia esquecer que Powell se encarregou de tudo quando soube que sua filha estava doente. Aquilo significava que tinha coragem, e que a queria.
—Bom, os duas são majores para saber o que fazem—disse a contra gosto, antes de sorrir a sua filha, que o observava com insegurança—. Acredito que me levarei uma enorme alegria se como resultado de sua união me surpreendem com uns quantos netos.
—Terá-os—prometeu Antonia—. Incluindo uma muito crecidita, para começar.
Powell franziu o cenho. referia-se ao Maggie. Antonia o olhou e sorriu.
—Falando do rei de Roma, será melhor que nos partamos, não te parece?
Ben assentiu e estreitou a mão do Ben.
—Cuidarei de —lhe prometeu.
Ben permaneceu uns segundos em silêncio, ao cabo dos quais disse:
—Sim, sei que o fará.
Subiram ao carro e avançaram para a mansão do Powell, que estava situada no alto de uma enche, com vistas às próximas montanhas. Várias árvores flanqueavam a casa, e o gado pastava nos campos próximos. Nos velhos tempos, a mansão tinha sido uma simples cabana de telhado quebrado e alpendre semiderruído.
—Certamente, melhoraste muito, Powell.
Ele não a olhou. Pulsou um botão para que se abrisse a porta da garagem. Depois estacionou no interior. Até a garagem era grande e espaçosa.
—dentro de uns minutos voltarei a recolher sua bagagem—disse ele, ajudando-a a sair—. Recorda a Ida Bate? Essa minha ama de chaves. encarrega-se de cuidar a casa.
—Ida?—sorriu—. Era uma das melhores amigas de minha mãe. Cantavam juntas no coro da igreja.
—Pois ela segue fazendo-o. Entraram na cozinha. Ida Bate se encontrava ali. Ao vê-los-se deu a volta e observou a Antonia, surpreendida.
—Casamo-nos no Tucson—anunciou Powell—. De modo que te apresento à nova senhora da casa.
Ida deixou cair a colher na comida que estava preparando e correu a abraçar a Antonia com sincero afeto.
—Não pode imaginar quão feliz sou! Que surpresa!
—Também o foi para nós—murmurou ela, olhando a seu marido, que sorria.
Então, Ida se apartou e olhou ao Powell com preocupação.
—Maggie está em sua habitação. Não saiu em todo o dia e se nega a provar bocado.
Antonia se sentiu responsável pelo tortura da menina. Powell o notou e apertou os dentes antes de lhe tender uma mão.
—Subamos para lhe dar a boa notícia.
—Não espere nada dela—murmurou Ida.
A porta do dormitório do Maggie estava fechada. Powell nem sequer chamou. Abriu, e Antonia entrou com ele.
Maggie estava sentada no chão com um livro. Tinha o cabelo sujo e dava a impressão de que tinha estado dormindo vários dias com a roupa que levava. Ao ver a Antonia, seus olhos brilharam com terror. levantou-se e retrocedeu até apoiar-se em um dos postes da cama.
—O que te ocorre?—perguntou seu pai com frieza.
—É... real?
—Claro que sou real—respondeu Antonia.
—OH—disse Maggie, mais tranqüila—. Está doente de verdade?
—Sim, mas não tanto como pensávamos—respondeu Powell, sem mais preâmbulos—. Foi um engano. Tem uma enfermidade menos grave, e ficará bem.
Maggie se relaxou um pouco, embora não muito.
—Casamo-nos—anunciou seu pai—. A partir de agora viverá conosco, assim espero que lhe Portes bem com ela.
A menina não reagiu. Seus olhos azuis se cravaram na Antonia.
Maggie pensou que Antonia seria muito mais feliz naquela casa do que ela o tinha sido em toda sua vida. Olhou a seu pai de tal forma que a professora quis chorar. Powell não parecia notar a angústia de seu olhar.
Quis lhe pedir que a abraçasse, que a beijasse, que lhe dissesse que a queria, que nada trocaria depois do matrimônio. Mas Powell não o fez. Olhou a sua filha com tal seriedade que Antonia compreendeu perfeitamente o que havia dito. Não conhecia o Maggie e estava ressentido com ela. Algo que Maggie notava. Sua atitude era um segredo a vozes.
—Terei que ficar na cama durante certo tempo, Maggie—declarou Antonia—. eu adoraria que pudesse me ler algo de vez em quando.
Caminhou para o livro que estava no chão e o recolheu.
—Voltará a ser minha professora?—perguntou.
—Não—respondeu Powell com firmeza—. De momento, tem bastante recuperando-se. Antonia sorriu com cautela. Se queria recuperar seu trabalho na escola ia ter que lutar com unhas e dentes.
—Mas de todas formas, você e eu iremos ver a senhora Jameson—continuou ele—. Não cria que esqueci o acontecido.
Maggie levantou o queixo e olhou a seu pai.
—Já o tenho feito.
—Como?
—falei com a senhora Jameson—respondeu, lhe Olhando-o disse que tinha mentido sobre a senhorita Hayes e me desculpei.
Powell estava impressionado.
—foste ver a você sozinha?
A menina assentiu.
—Sinto-o—acrescentou, dirigindo-se a Antonia.
—foste muito valente ao ir você sozinha—declarou a professora—. Não teve medo?
Maggie não respondeu. limitou-se a encolher-se de ombros.
—Não deixe esse libero no estou acostumado a—ordenou seu pai—. Ah, e quero que te banhe e que te troque de roupa.
—Sim, papai—respondeu com tristeza.
Antonia observou à menina enquanto recolhia o livro do chão. Lhe teria gostado de poder fazer algo para intervir e corrigir a situação; dizer algo que animasse ao Maggie, que apagasse aquela expressão angustiada de seu rosto.
Mas Powell a tirou da habitação antes de que pudesse dizer nada. Entretanto, estava decidida a conseguir que as coisas trocassem.
A relação entre a Antonia e Maggie se deteriorou pelo acontecido no passado, mas agora a professora estava disposta a corrigir antigos enganos. Por fim, compreendia as palavras do Powell. A menina tinha pago um alto preço, a falta de amor.
Talvez não a quisesse. Entretanto, Maggie necessitava alguém que lutasse por ela naquela casa. E Antonia estava disposta a ser sua defensora.
Antonia se aproximou do Powell assim que estiveram juntos no dormitório principal.
—Alguma vez a abraçaste?—perguntou com suavidade—. Não a beijaste alguma vez, nem lhe há dito o muito que te alegra de vê-la?
Powell ficou tenso.
—Maggie não é o tipo de menina que precisa receber carinho dos adultos.
Sua atitude a surpreendeu.
—Estou segura de que não acreditará a sério o que há dito, verdade?—perguntou.
Olhava-o de tal forma que se sentiu incômodo.
—Nem sequer sei se for minha filha—respondeu, escolhendo as palavras à defensiva.
—Importaria tanto que não o fora?—perguntou—. viveu contigo desde que nasceu. É seu pai, e é responsável pelo que lhe ocorra. Viu-a crescer. Estou segura de que sente algo por ela.
Powell a agarrou pela boneca e a atraiu para si.
—Quero ter um filho contigo—disse com suavidade—. Te prometo que o quererei e que o cuidarei. Não lhe faltará nunca afeiçoado.
Antonia acariciou sua bochecha.
—Sei. Eu também o amarei, mas Maggie também nos necessita. Não pode lhe dar as costas.
—Sempre cumpri minhas responsabilidades com ela. Nunca quis que o passe mau, mas jamais mantivemos uma boa relação. E não acredito que vá aceitar te. Provavelmente, já estará pensando em alguma forma para livrar-se de ti.
—Pode que a conheça melhor do que crie—sorriu—. De todas formas, penso te amar até que te canse de mim. Encherei de amor esta casa, e mais tarde ou mais cedo quererá a sua filha, porque estou segura de que no fundo a quer.
Então se inclinou sobre ele e o beijou até que Powell deixou escapar um gemido e tomou entre seus braços, beijando-a com paixão, como se estivesse louco.
Antonia respondeu a seus beijos até que o cansaço a obrigou a apoiar-se em seu peito.
—Ainda está muito fraco—comentou ele, levando a para a cama—. Pedirei a Ida que subida o jantar à habitação. O doutor Claridge disse que precisa acontecer certo tempo em cama, e isso é o que vais fazer agora que está em casa.
—Mandão...—brincou.
Powell riu e se inclinou sobre ela.
—Só o sou quando tenho que sê-lo—espetou, antes de beijá-la.
Naquele instante, Maggie passou frente à porta do dormitório. Ao escutar a risada de seu pai soube que era feliz com a Antonia e se sentiu mais só que nunca. Caminhou pelo corredor, desceu pelas escadas e chegou à cozinha.
—Não manche o chão de barro—disse Ida Bate—. Acabo de esfregar.
Maggie não disse nada. Saiu e fechou a porta a suas costas.
Antonia comeu com o Powell, em uma bandeja. As coisas tinham trocado tanto que podia amá-lo abertamente, observando que a frieza tinha desaparecido de sua atitude. Era um homem muito diferente.
Mas Maggie a preocupava. Aquela noite, Ida levou outra bandeja com o jantar, mas Powell tinha tido que sair, de modo perguntou pelo Maggie à ama de chaves.
—Não sei onde se colocou—disse, surpreendida—. Saiu antes de comer e não retornou.
—E não está preocupada? Só tem nove anos.
—A pequena sempre vai aonde quer e quando quer. Provavelmente, estará no celeiro. Há novas cabeças de gado e gosta dos animais. Não irá muito longe. Não tem aonde ir. Mas agora, comete-o tudo. Virá-te bem comer algo quente—sorriu Ida, antes de partir—. Se me necessita, me chame.
Antonia não desfrutou da comida. Estava preocupada, embora outros tomassem como se fora o mais normal do mundo.
levantou-se, ficou uns jeans, uns meias três-quartos, umas sapatilhas e um pulôver. Depois, desceu pelas escadas e caminhou para a porta principal. O celeiro estava junto à casa, a certa distância por um caminho bastante sujo. Não se tinha dado conta de quão cansada estava, mas lhe preocupava a menina. estava-se fazendo de noite e tinha desaparecido muitas horas antes.
A porta do celeiro estava entreabierta.
Entrou e olhou ao redor até que seus olhos se acostumaram à escuridão. Caminhou pelo interior até que chegou ao pequeno curral onde se encontravam os bezerros que tinha mencionado Ida. Maggie estava com eles.
—Não comeste nada em todo o dia—disse.
A menina se sobressaltou. Olhou à mulher que tantos problemas lhe tinha cansado e sentiu uma pontada no estômago. Ninguém se tinha tomado a moléstia de lhe perguntar se queria comer. Resultava irônico que sua pior inimizade se preocupasse com ela.
—Não tem fome?—insistiu. Maggie se encolheu de ombros, olhando-a com seus grandes olhos azuis.
—comi uma barra de chocolate—respondeu, evitando seu olhar.
Antonia entrou com ela e se sentou sobre o feno, limpo e suave. Depois acariciou a um dos bezerros e sorriu.
—Têm o focinho muito suave, não te parece?—perguntou—. De pequena quis ter um animal, mas minha mãe era alérgica aos cães e aos gatos.
—Nós não temos nem cães nem gatos. A senhora Bate diz que os animais são sujos.
—Isso não é exatamente assim. Só terá que lhes ensinar o que se deve fazer e o que não se deve fazer.
Maggie se encolheu de ombros.
—Você gosta das cabeças de gado?
A menina a observou e assentiu.
—Sim, e sei tudo sobre as que cria meu pai.
—De verdade? Sabe ele?—perguntou, arqueando as sobrancelhas.
—Que mais dá. Odeia-me porque sou como minha mãe.
Antonia se surpreendeu de que a menina fora tão perceptiva.
—Mas sua mãe tinha maravilhosas qualidades—disse—. Quando estávamos no colégio, era meu melhor amiga.
Maggie a olhou.
—Entretanto, tirou-te ao noivo.
—Sim. Disse uma mentira, Maggie. Porque amava muito a seu pai.
—Não me queria. Quando papai não estava em casa me pegava, e dizia que era infeliz por minha culpa.
—Não era tua culpa—disse com firmeza.
—Ninguém me quer aqui—continuou a garota—E agora que vieste, meu pai me jogará...
—Terá que passar por cima de meu cadáver.
A menina a observou, quieta como uma estátua, como se não pudesse acreditar o que acabava de ouvir.
—Eu tampouco você gosta.
—É a filha do Powell. E o amo com loucura. Como poderia odiar a alguém que forma parte dele?
Pela primeira vez, pôde notar o medo nos olhos da menina.
—Não quer que me parta?
—Claro que não.
Maggie se mordeu o lábio e baixou o olhar.
—De todas formas, não me querem aqui. Papai está de viagem todo o tempo e a senhora Bate odeia ter que ficar comigo. Era melhor quando podia ficar com a Julie, mas agora também me odeia porque consegui que lhe despedissem.
Antonia sentiu uma terrível angustia pela menina. perguntou-se se algum adulto, em toda sua vida, teria tomado a moléstia de sentar um momento com ela para conversar. Talvez a senhorita Donalds. E talvez, aquele era o motivo pelo que a jogava tanto de menos.
—É muito jovem para entender certas coisas, mas obrigado a que conseguiu que me despedissem fui ao médico e averigüei que não estava tão doente como acreditava—sorriu—. Seu pai me obrigou a ir a uma consulta e, quando me parti, veio comigo. Às vezes, parece que existe o destino. Já sabe, como se as coisas tivessem algum sentido, como se estivessem determinadas de antemão. Embora não o estejam. De todas formas, não deveríamos culpar sempre às pessoas por seu comportamento. A vida é como um enorme exame que nos faz mais fortes ou mais débeis. Compreende o que te digo?
—Sim.
Antonia sorriu.
—Sai de vez em quando com seu pai?
—Nunca me leva a nenhum sítio.
A professora compreendia bem a dor da menina.
—De pequena saía muito com meus pais. Inclusive íamos ao cinema. Quer que...?
De repente duvidou. Não queria pressioná-la muito.
—Sim?—perguntou a menina, olhando-a.
—Quer que saiamos juntas alguma vez?
Pergunta-a teve um efeito inesperado. O rosto da jovem se iluminou.
—Sós você e eu?
—Ao princípio. Depois, seu pai poderia vir conosco.
—Já não está zangada comigo?
—Não.
—E não importará a papai?
—Claro que não—sorriu.
—Bom, nesse caso, eu gostaria de muito—disse, franzindo o cenho—. Mas não posso.
—Não pode? por que?
Maggie se encolheu de ombros.
—Não tenho nenhum vestido bonito.
Antonia sentiu que os olhos lhe enchiam de lágrimas. Não compreendia que Powell não tivesse notado a dor de sua filha.
—Vá...
A menina notou a angústia que havia em seu tom de voz. Observou suas lágrimas e se sentiu fatal.
—Antonia!
Uma voz profunda soou no celeiro. Era Powell, que caminhava para o lugar onde se encontravam.
—Que diabos está fazendo fora da cama?—perguntou ele, levantando-a com mãos firmes.
Ao ver as lágrimas de seus olhos olhou a sua filha com dureza.
—Está chorando... Que lhe tem feito?
—Powell, equivoca-te!—disse Antonia—. Não é culpa dela.
—Está defendendo-a!
—Maggie—disse com suavidade—. lhe Diga a seu pai o que acaba de me contar. Não tenha medo. Venha, diga-lhe
Maggie o olhou com beligerância.
—Não tenho nenhum vestido bonito—o acusou.
—E o que?—perguntou ele.
—Que quer ir ao cinema comigo. E não tem nada que ficar.
De repente, Powell olhou a sua filha e compreendeu o que acontecia.
—Não tem nenhum?
—Não, não tenho quase roupa!—espetou a menina.
—OH, Meu deus...
—Amanhã pela manhã iremos às compras juntas—disse Antonia.
—Você e eu?
—Sim.
Powell as olhou com aberta curiosidade. Maggie se levantou e observou a Antonia com incerteza.
—Uma vez ouvi um conto sobre uma mulher que se casava com um homem que tinha dois filhos pequenos. Logo os deixava abandonados em um bosque.
Antonia riu.
—Não penso te deixar abandonada em nenhuma parte, Maggie. De todas formas, Julie me disse que seria capaz de encontrar o caminho em qualquer sítio, e que segue muito bem as pistas.
—Isso disse?
—Quem te ensinou a seguir pistas?—perguntou seu pai.
—Ninguém. Aprendi lendo um livro que me emprestou Jake.
—E por que não pediu a seu pai que te comprasse um?
—Porque não o teria feito. Só me compra bonecas.
Antonia arqueou as sobrancelhas e olhou ao Powell com curiosidade.
—Bonecas?
—Sim, claro, é uma menina e pensei que gostaria de—respondeu.
—Pois ódio as bonecas—declarou a jovem—. Prefiro os livros.
—Já me tinha dado conta—comentou a professora.
Powell se sentia completamente idiota.
—Nunca disse nada—murmurou a sua filha. Maggie se aproximou da Antonia e espetou:
—Nunca perguntou.
Então se limpou o pulôver com uma mão. Seu pai a observou.
—Parece uma boneca de trapo, e está muito suja. Será melhor que te banhe e te troque de roupa.
—Já não tenho mais roupa. A senhora Bate diz que não quer lavar minhas coisas porque sempre está todo muito sujo para limpá-lo.
—O que?
—Atirou meu últimos jeans—continuou—. E este é o único pulôver que fica.
—OH, Maggie—interveio Antonia—. por que não o disse a seu pai?
—Porque não me teria escutado. Ninguém me escuta nunca. Quando crescer penso partir e não voltarei nunca! E se alguma vez tenho meninos, quererei-os.
Powell não sabia o que dizer.
—Anda, vá banhar te—disse Antonia—. Tem um pijama e uma bata?
—Sim, tenho pijamas. Escondo-os para que a senhora Bate não os atire.
—Pois te ponha um. Depois, levarei-te o jantar.
Powell quis dizer algo, mas Antonia o impediu de lhe tampando a boca com a mão.
—Vamos, Maggie—insistiu. Maggie obedeceu e desapareceu do celeiro não sem antes olhar com beligerância a seu pai.
—Certamente, parece-se muito a ti—disse ela quando se partiu—. O mesmo gesto, a mesma atitude impaciente, o mesmo temperamento e até o mesmo olhar.
—Não sabia que não tivesse roupa—comentou, incômodo.
—Pois agora sabe. Levarei-a às compras.
—Não está o suficientemente bem para andar de lojas por aí—murmurou—. O farei eu.
—Levará-a às compras?—perguntou, de forma malévola.
—Bom, acredito-me perfeitamente capaz.
—Estou segura disso. Mas me surpreende que te ofereça voluntário.
—Não me ofereço voluntário. Só tento te proteger.
—De verdade?—perguntou sonriendo—. É um homem encantador.
Então o beijou com suavidade. Powell resistiu durante um segundo, mas cedeu ao fim. Respondeu com certo paixão, mas sem ir muito longe para não lhe pedir algo que não podia fazer. Depois, tombou-a sobre o feno e a cobriu de quentes e carinhosos beijos.
QUANDO retornaram à casa, a senhora Bate os olhou com certa perplexidade, mas sorriu de todas formas ao ver que seu chefe levava a sua esposa em braços.
—Leva-a a ninho nupcial?—perguntou com malícia.
—Está cansada—corrigiu ele—. aconteceu Maggie por aqui?
—Sim—respondeu o ama de chaves—. Há dito que sou uma bruxa porque atirei a única roupa que ficava e porque agora terá que ir às compras.
—É certo—comentou Powell, sonriendo.
—Não sabia.
—Nem eu.
Ambos olharam a Antonia.
—Recordem que sou professora de colégio. Estou acostumada a tratar com os meninos.
—Suponho que não sei nada de nada sobre eles—confessou Powell com um suspiro.
—Mas aprenderá.
—Bom, que tal se subir uma bandeja com comida ao Maggie?
—É o menos que posso fazer—respondeu o ama de chaves—. Não esquecerei nunca o de sua roupa. Mas não pode imaginar no que estado se encontravam seu jeans. E seus pulôveres.
—Amanhã a levarei às compras quando sair do colégio—disse —.lhe comprarei coisas novas.
A senhora Bate estava muito surpreendida. Em todos os anos que levava na casa, Powell Long não tinha saído com sua filha a nenhuma parte a não ser que tivesse problemas.
—Sei—disse ele, compreendendo seu olhar—. Mas alguma vez tem que ser a primeira.
O ama de chaves assentiu.
—Suponho que sim. Para todos.
Antonia sorriu. Estava conseguindo fazer grandes progressos.
Powell se sentia completamente desconjurado na loja de roupas para meninos. A dependienta era de grande ajuda, mas Maggie não sabia o que comprar, e ele tampouco.
Os dois se olharam com certa impotência.
—Bom, o que quer comprar?—perguntou ele.
—Não sei!
—Poderia sugerir algo?—perguntou a dependienta, de forma diplomática.
Powell aceitou. Não compreendia no que trocariam as coisas se se ia às compras com sua filha, mas Antonia tinha insistido e não perdia nada fazendo-o. De todas formas, duvidava que Maggie fora a trocar.
Mas quando cinco minutos mais tarde saiu do vestidor, acompanhada pela dependienta, sua opinião trocou por completo. Olhou-a como se não a reconhecesse.
Levava um vestido de cor rosa, com encaixe no pescoço e saia por cima dos joelhos, e se tinha posto uns sapatos de couro. escovou-se o cabelo e levava uma cintita a um lado, que ficava muito graciosa.
—Maggie?—perguntou surpreso, para assegurar-se.
Ao olhá-lo, a menina pensou que tinha ocorrido um milagre. Observava-a como se não pudesse acreditar o que estava vendo. De fato, sorriu.
E ela devolveu o sorriso com expressão alegre. Pela primeira vez em toda sua vida, Powell se viu refletido em sua filha. Não tinham os olhos da mesma cor, mas eram idênticos na forma. Seu nariz ia ser tão reta como a sua, ou mas bem, como a que tinha antes de romper-lhe Sua boca era fina e larga como a sua, e também tinha altos maçãs do rosto. Sally também tinha mentido sobre sua filha. Maggie era dela, embora tivesse demorado muito tempo em dar-se conta.
Arqueou uma sobrancelha com ironia e disse:
—Vá, vá. O patito feio se transformou em um cisne. Está preciosa.
Maggie se emocionou e seus olhos azuis brilharam. Por uma vez, riu, iluminando o coração do Powell. Nunca a tinha visto rir. E o impacto daquela sensação foi suficiente para que se estremecesse, para que a observasse com olhos cheios de tristeza e arrependimento pelos anos perdidos. De maneira inconsciente, tinha-a culpado pela traição da Sally e pela perda da Antonia. Não tinha sido um verdadeiro pai em toda sua vida e se perguntava se ainda não seria muito tarde para começar.
A risada trocou totalmente o aspecto do Maggie. Powell não pôde evitar rir a sua vez.
—O que lhe pareceria um vestido azul para que vá jogo com seus olhos?—perguntou—. E uns jeans claros, não como esses escuros que tinha antes.
A dependienta assentiu, entusiasmada.
Maggie começou a dar voltas diante do espelho de corpo inteiro, tão surpreendida como seu pai por sua nova indumentária. Até estava bonita. perguntou-se se Jake se fixaria agora nela, e ao pensá-lo, seus olhos se iluminaram mais ainda. Agora que Antonia tinha retornado, talvez todo mundo deixasse de odiá-la.
Mas Antonia estava doente e não podia dar classes por sua culpa.
—O que ocorre?—perguntou Powell, que notou sua preocupação—. Acontece algo mau?
Maggie se surpreendeu ao notar sua preocupação e ao observar que se deu conta de sua tristeza. Em geral, não era tão perceptivo.
—A senhorita Hayes não pode dar classes por minha culpa.
—Antonia—corrigiu—. Já não é a senhorita Hayes para ti.
De repente, um pensamento cruzou a cabeça da menina.
—Então... agora é minha mãe?
—Sua madrasta—respondeu.
Maggie caminhou para seu pai e o tocou com incerteza e delicadeza.
—E agora que retornou já não me odeia, verdade?
Powell a olhou com angústia. inclinou-se, abraçou-a com força e a balançou. A menina começou a soluçar.
—Por favor, não me odeie, papai. Quero-te muito...
—OH, Meu deus—sussurrou ele, com os olhos fechados—. Claro que não te odeio. Nunca te odiei, Maggie.
A menina apoiou a cabeça em seu ombro e fechou também os olhos, saboreando o momento. Era uma sensação que não tinha conhecido nunca, e adorava que a abraçassem. Entre lágrimas, sorriu.
—Diga-o—disse ele depois de uns segundos—. Dava que é bonito que nos abracemos.
Maggie riu.
Powell a soltou e olhou seu rosto com intensidade. Ainda estava chorando, mas sorria. Colocou a mão no bolso, mas não encontrou o que procurava.
—Maldita seja, nunca levo lenços.
Maggie se limpou as lágrimas com o dorso da mão.
—Eu tampouco.
Naquele momento retornou a dependienta, com um montão de vestidos.
—encontrei um azul—disse com delicadeza—. E também outra saia e um Top a jogo da mesma cor.
—São muito bonitos—disse a menina, entusiasmada.
—Sim que o são. por que não lhe prova isso?—perguntou ele, convidando-a.
—Vale!
Maggie desapareceu de novo com a dependienta e Powell as observou, atônito. Aquela era sua filha. Uma menina preciosa que o queria apesar de todos os enganos que tinha cometido. Sorriu de forma reflexiva. A fim de contas, de vez em quando, aconteciam coisas que pareciam milagres. E de algum jeito, tudo tinha que ver com a Antonia, como se o círculo se fechou com sua volta. Ao pensar no processo que os tinha unido, e na mudança que se produziu em suas vidas, sorriu. Depois, olhou-se no espelho e se perguntou se o homem amargurado e duro que tinha sido até umas semanas atrás teria desaparecido para sempre.
MAGGIE CORREU ao dormitório da Antonia diante de seu pai, com seu novo vestido azul, seus meias-calças e seus sapatos.
Mas quando chegou à cama e a viu com sua bata de cor rosa sentiu certo acanhamento. Seu comprido e loiro cabelo estava solto e lhe caía por cima dos ombros. Parecia muito frágil, mas ao vê-la, sorriu lhe dando a bem-vinda.
—Vá, que bonito—disse, admirando a mudança que se produziu nela—. Parece uma menina diferente, Maggie!
—Papai me comprou novos jeans, saias, pulôveres, sapatos e roupa interior—disse a menina, quase sem fala—. E me abraçou!
O rosto da Antonia se iluminou.
—De verdade?
Maggie sorriu com acanhamento.
—Sim—riu—. Acredito que gosta.
—Eu também acredito—declarou ela, em um sussurro.
Naquele momento, notou que Maggie levava algo na mão. A menina a olhou e duvidou.
—Trouxemo-lhe uma coisa—confessou.
—De verdade?—perguntou.
Maggie avançou para ela e lhe deu uma cajita.
—Quando a abre, sonha uma canção.
Antonia agarrou a caixa e tirou o papel que a envolvia. No interior havia uma cajita de música, com forma de pequeno piano de porcelana. Ao abri-la, soou a melodia de Claro de lua.
—OH—exclamou—. Nunca tinha tido nada tão bonito. Maggie sorriu.
—Escolheu-a seu pai?—perguntou.
A expressão da menina se tornou sombria. Antonia soube imediatamente que não tinha sido Powell e se apressou a corrigir seu engano.
—Escolheu-a você, verdade? Tem muito bom gosto, Maggie. Muito obrigado.
Tinha que tomar cuidado para não danificar mais ainda sua frágil confiança.
—De nada—sorriu.
Naquele instante entrou Powell, que ao vê-la com a cajita de música, também sorriu.
—Você gosta?
—eu adoro—respondeu—. A guardarei sempre, como se fora um pequeno tesouro.
Olhou à menina com calidez, e Maggie se ruborizou.
—Bom, será melhor que te tire sua roupa nova—disse Powell.
Maggie se assustou ao notar o tom de ordem que havia em sua voz. Mas assim que o olhou comprovou que não estava zangado, nem impaciente. Sorria.
—De acordo, papai!
antes de sair da habitação sorriu de novo a Antonia.
—ouvi certo rumor a respeito de um abraço—murmurou. Powell riu.
—Sim, é certo. E acredito que poderia me acostumar.
—Ela também.
—E você?—perguntou com um olhar especulativo.
—por que não vem comigo à cama e o averigua?
Seu marido riu. Arrojou o chapéu texano sobre uma poltrona e se tombou no leito sobre ela, apoiando-se em seus braços. Antonia o atraiu para si e sorriu sob o suave contato de sua boca. Então, Powell a beijou com uma ternura que lhe recordou os primeiros dias que tinham acontecido juntos, em sua juventude. Amava o calor de seus beijos, a sensação de seu corpo, pego ao dele. arqueou-se seductoramente sob seu peso e notou que se esticava.
—Não—sussurrou ele, deixando cair a um lado.
—Homem sem coração...—suspirou.
—É por seu próprio bem—disse, riscando a curva de seus lábios—. Quero que te reponha quanto antes.
—Estou-o tentando.
Powell se inclinou sobre ela e a beijou na ponta do nariz.
—Maggie está muito bonita com seu vestido azul—observou.
—Sim, é certo. Deste-te conta, verdade?
—Que se me dei conta? Do que?
—Do muito que se parece com ti. Vi-o quando sorriu. Quando sorri lhe saem as mesmas covinhas que a ti. Embora também herdou seu terrível caráter.
—De tal pau tal lasca—brincou, rendo—. Quando saí para o Arizona, nunca sonhei que as coisas terminariam assim.
—É isso uma queixa?
—Você que crie?—murmurou, beijando-a de novo.
Powell a levou a mesa, e pela primeira vez, comeram todos juntos. Maggie estava nervosa, brigando com os talheres porque não sabia como usá-los corretamente.
—Já aprenderá—disse seu pai ao vê-la—. Ninguém te está observando com um microscópio, sabe? Pensei que para variar podia estar bem que comêssemos juntos.
Maggie olhou aos dois adultos.
—Não ides jogar me de casa, verdade?
—Não seja parva—brincou seu pai.
—Bom, antes não me queria—lhe recordou.
—Não te conhecia—replicou—. E sigo sem te conhecer a fundo. É minha culpa, mas as coisas vão trocar. Você e eu passaremos mais tempo juntos. De modo que, o que te parece se em lugar de tomar o ônibus te levo a colégio em carro?
A menina se alegrou muito ao princípio, mas em seguida se entristeceu. Jake ia no ônibus, e se não tomava não poderia vê-lo. Obviamente seu pai não sabia nada sobre o menino, mas notou suas dúvidas.
—Eu gostaria de muito—se ruborizou Maggie—, mas...
Antonia recordou o que Julie lhe havia dito.
—Talvez queira ver alguém que vai no ônibus, não é certo?—perguntou ela, agudizando seu sentimento de vergonha.
Powell apertou os lábios.
—Assim é isso...—riu—. E me diga, conheço afortunado jovem pelo que tanto sussurras?
—OH, papai—gemeu a menina.
—Não importa. Pode ir em ônibus—disse, olhando a Antonia—. Mas talvez possa vir comigo alguns sábados, quando sair a comprovar a estado das cabeças de gado.
—Eu gostaria de muito. Quero sabê-lo tudo sobre seu peso e sobre os fatores de herança.
Powell deixou cair o garfo que tinha na mão e olhou à menina. Escutar aqueles términos em boca de sua filha resultava tão surpreendente como chocante.
Maggie noto sua surpresa e sorriu.
—Eu gostaria de ler mais costure sobre ganho. Tenho uns quantos livros, mas só falam sobre as estatísticas genéticas da criação. Você os cria utilizando engenharia genética, papai?
—meu deus—suspirou ele—. É uma verdadeira ranchera.
—Certamente—disse Antonia—. Surpresa, surpresa. Mas falando de genética, pergunto-me de quem o terá herdado.
Powell não sabia o que dizer, mas sorriu de brinca a orelha.
—Sim, utilizo técnicas de engenharia genética—respondeu a sua filha, olhando-a com admiração—. Se te interessar, levarei-te aos estábulos e te ensinarei como o fazemos. E pensar que estava preocupado porque não tinha a ninguém a quem deixar o rancho... Antonia riu.
—Pois parece que vais deixar o em mãos adequadas—comentou, observando à menina.
Maggie se ruborizou. Ainda não se tinha reposto da súbita mudança que tinha dado sua vida, e todo o devia a Antonia. Era como sair da escuridão para ver o sol, brilhando.
Antonia sentiu algo muito parecido quando olhou a sua recém ganha família.
—Isso me recorda que seu avô quereria te levar a uma feira de antiguidades o fim de semana que vem—disse Antonia—. Vai a um leilão do Sheridan.
—Mas se não ter avô.
—Não o tinha—corrigiu ela, sonriendo—. Agora tem um. Meu pai.
—Um avô de verdade para mim sozinha?—perguntou, deixando a um lado o garfo—. Conhece?
—foste ver o com seu pai. Não o recorda?
—Sim, vive em uma casa muito grande—respondeu com alegria—. Mas tinha medo e não quis falar com ele. Não acredito que lhe caia bem.
—Gosta de muito—disse Antonia—. E adoraria te ensinar coisas sobre as antiguidades, se é que quer aprender. É seu maior divertimento.
—Será muito divertido!
—Acredito que a partir de agora vais estar muito solicitada, Maggie—sorriu Antonia—. Te importa?
Maggie fez um gesto negativo com a cabeça e sorriu com certo acanhamento.
—OH, não. Não me importa absolutamente!
Antonia se estava meio dormida quando Powell se meteu na cama, bocejou e se estirou.
—Ganhou-me—disse.
Ela se deu a volta e apoiou a cabeça em seu peito.
—A que?—perguntou.
—Às cartas. Ainda não sei como o conseguiu—bocejou—. Vá, estou morto de sonho.
—Eu também—declarou, apertando-se contra ele—. boa noite.
—boa noite.
Antonia sorrio antes de ficar dormida; pensou em quão felizes eram agora que estavam juntos. Powell tinha trocado muito. Talvez não a amasse tanto como ela a ele, mas parecia estar muito contente. E Maggie se comportava cada vez melhor. As coisas demorariam certo tempo em assentar-se, mas se sentia como em casa. O futuro, claramente, parecia brilhante.
À manhã seguinte, teve medo de haver-se feito falsas ilusões. Maggie partiu à escola e Powell a uma venda de gado, e ela teve que ficar em casa só porque a senhora Bate tinha livre o dia. Uma persistente chamada ao timbre da porta a tirou da cama. ficou uma bata branca e baixou a abrir, meio dormida.
A mulher que apareceu ao outro lado da porta entrou de repente. E Antonia se surpreendeu tanto como a imponente ruiva.
—Quem é você?—perguntou com altivez.
Antonia a observou. Levava um elegante traje cinza, com uma camisa e saia curta. Suas pernas eram larguísimas, tão belas como sua figura, mas talvez algo magras. Era uns cinco anos maior que ela, ou talvez mais.
—Sou a esposa do Powell Long—respondeu, com igual atitude—. O que posso fazer por você? A mulher a olhou.
—Está brincando.
—Não, não estou brincando—disse—. O que quer?
—vim para ver o Powell, por um assunto privado—respondeu.
—Meu marido e eu não temos secretos.
—De verdade? Então saberá que esteve ficando estas últimas noites em minha casa trabalhando nos detalhes de um negócio, verdade?
Antonia não soube o que responder. Powell tinha estado trabalhando até bastante tarde, mas não lhe tinha ocorrido pensar que pudesse tratar-se de algo não relacionado com aquela mulher. Mas agora não estava tão segura, a pesar do desejo que demonstrava por ela. O desejo e o amor não eram a mesma coisa, e aquela era a mulher mais bela que tinha conhecido em toda sua vida.
—Powell não retornará até tarde—declarou.
—Bom, em tal caso não esperarei—murmurou a ruiva.
—Quer que lhe deixe uma mensagem?
—Sim. lhe diga que Leslie Holton quer vê-lo. Estou segura de que ficará em contato comigo—respondeu, observando a figura da Antonia—. Certamente, não há quem entende aos homens.
Então se deu meia volta e partiu caminhando para um Cadillac último modelo.
Antonia a observou enquanto se afastava em seu veículo. Até conduzia bem, com eficiência e grandes dotes. Desejou que lhe cravassem as quatro rodas de repente, mas, obviamente, não aconteceu tal coisa. E se sentiu um pouco decepcionada.
Tão decepcionada como a própria viúva Holton, que tentava cravar suas unhas no Powell e em Dawson. Antonia se perguntou se teria tido êxito com seu marido. Obviamente, não tinha querido casar-se com ela, mas aquilo não significasse que não mantiveram uma relação íntima. Não podia negar-se que era muito formosa.
Começou a sentir-se insegura e inquieta. Não tinha nem a beleza nem a sofisticação necessárias para competir com uma mulher de sua talha. Sabia que Powell não a desejava, mas também adivinhava que aquela mulher conhecia bem a arte da sedução. Talvez tinham sido amantes. E até cabia a possibilidade de que seguissem sendo-o. Por outra parte, ela não tinha podido fazer o amor em uns quantos dias, e embora tinha brincado sobre o período de tempo que podia passar sem uma mulher, talvez só estivesse jogando com seus sentimentos. Em todo caso, tinha que descobri-lo.
Aquela mesma tarde se apresentou outra complicação inesperada. Julie Ame foi à casa com o Maggie; em seguida, quis ser útil e começou a limpar a habitação da menina, colocando bem todas as coisas. Até tinha levado um buquê de flores que entregou a sua antiga professora com grande carinho e amabilidade.
Maggie reagiu ante a atitude de seu amiga tal e como o tinha feito sempre, entristecendo-se. Antonia queria lhe dizer que Julie não pretendia feri-la, embora fora muito bola e bastante metomentodo.
—irei procurar um vaso—disse Maggie, deprimida.
—Estou segura de que a Julie não importará ir buscá-lo—disse Antonia, surpreendendo às duas meninas—. Importaria? Pode pedir-lhe à senhora Bate e enchê-lo com água.
—Eu gostaria de muito, senhora Long—respondeu Julie, entusiasmada.
Rapidamente partiu a cumprir com seu encargo.
Antonia sorriu ao Maggie, que a olhava com assombro.
—De quem foi a idéia de recolher as flores?—perguntou.
—Bom, foi minha—se ruborizou.
—Sim, já me tinha imaginado isso. E sua boa amiga se apressou a levar-se todos os elogios. Compreendo que isso dói.
—Sim—admitiu, ausente e surpreendida.
—Não sou tão parva como cria—disse—. Mas tenta recordar uma coisa. É minha filha e está em sua casa.
Maggie sorriu imediatamente.
—Bom, ou minha enteada—continuou ela—. Como prefere.
—Prefiro te chamar mamãe—disse, aproximando-se—, se não te importar.
—Claro que não, Maggie—sorriu—. Não me importa. Faria-me sentir muito honrada.
—Minha mãe não me queria—suspirou com tristeza—. E eu pensava que era minha culpa, que tinha algo mau.
—Não há nada mau em ti, carinho—disse com suavidade—. É perfeita.
—Muito obrigado.
Maggie estava a ponto de chorar pela emoção.
—Algo marcha mau de todas formas, não é certo? Não me quer contar isso Maggie se olhou os pés.
—Julie te abraçou.
—Bom, eu gosto que me abracem.
—Eu também posso fazê-lo?
Antonia sorriu. A menina duvidou, mas ao ver que sua madrasta estendia os braços correu a eles como uma pomba que tivesse retornado a seu ninho. A sensação resultava tão nova como incrível para a jovem. Primeiro a tinha abraçado seu pai, e agora Antonia. Não podia recordar tantos abraços em sua curta existência.
Uma vez mais, sorriu e suspirou.
—Eu gosto de muito que me abrace.
—E também eu gosto de—disse a menina. Antonia a soltou com um sorriso.
—Bom, ambas teremos que praticar o bastante. E também seu pai. Está muito bonita quando sorri.
Naquele instante retornou Julie com o vaso. Olhou ao Maggie e disse:
—Vá, ultimamente parece distinta.
—É que tenho roupa nova—observou.
—Não, não é isso. É que sorri muito—riu seu amiga—. Jake diz que te parece com essa atriz de sua série de televisão preferida. Não te fixaste em como te olhava hoje em classe?
—Não me olhe alguma vez—respondeu, ruborizada—. É certo que me olhava?
—Certamente. E os outros meninos riram dele. Mas não se zangou. limitou-se a sorrir.
O coração do Maggie se deteve. Olhou a sua madrasta com olhos brilhantes, cheios de alegria.
Antonia estava muito contente. Acabassem como acabassem as coisas, não se arrependia de haver-se casado com o Powell. Pensou na viúva do Holton e sentiu um intenso frio interior, mas não deixou que as meninas o notassem. limitou-se a sorrir e a escutar sua conversação enquanto se perguntava que diria seu marido quando soubesse que tinha tido visita aquela manhã.
Quando soube, não disse nada. Aquilo piorou as coisas. limitou-se a olhá-la com os olhos entrecerrados enquanto se dispunham a meter-se na cama.
—Não me disse do que queria falar contigo. Disse que era algo pessoal e que já te poria em contato com ela—comentou, olhando-o.
Sua dura expressão não se suavizou. Observou-a em busca de algum sintoma de ciúmes, mas não os encontrou em nenhuma parte. Tinha-lhe contado todo o acontecido durante a visita do Leslie sem emoção aparente. Mas se significava algo para ela teria que haver-se interessado as conversações privadas que pudesse ter com outra mulher. Por outra parte, todo mundo tinha associado seu nome ao da viúva do Holton durante os últimos anos. Antonia devia estar ao tanto.
—Isso é tudo?—perguntou. Ela se encolheu de ombros.
—Tudo o que lembrança—respondeu, sonriendo—. É muito bonita, verdade? Tem um cabelo precioso, comprido e encaracolado. Não tinha visto um cabelo assim em toda minha vida. É modelo?
—Não, foi atriz de cinema até que morreu seu marido. Estava cansada de ter que viajar de um lado a outro, de modo que quando herdou sua fortuna ficou aqui e deixou de trabalhar.
—E não se aborrece em um lugar tão pequeno?
—Não. Passa muito tempo em casa de Dawson Rutherford.
Antonia o sentiu pelo Barrie, e se perguntou se seu amiga conheceria a relação que Dawson mantinha com a viúva. Mas então recordou o que tinha comentado seu pai.
—Gosta a ele?
—Quer suas terras—respondeu—. Ambos estamos tentando conseguir as terras que separam nossas propriedades. Há um riu nelas. Se ele as conseguir, terei que levá-lo a julgamento pelos direitos de utilização da água. E o mesmo acontecerá se ganhar eu.
—De modo que é um simples assunto de negócios.
Powell arqueou uma sobrancelha.
—Eu não hei dito isso—se burlou—. Rutherford é um homem bastante frio, e Leslie é... como o diria... uma mulher com muito caráter que não necessita que a estimulem.
Antonia conteve a respiração.
—até que ponto? E quem a estimula?
—O que tenha feito no passado não é teu assunto—brincou.
Ela se incorporou e o olhou com atenção.
—Está-te deitando com ela?
—Como?
—Já me ouviste!—espetou—. Te perguntei se estiver tão decidido a conseguir essas terras que te deita com ela para obtê-lo.
—Crie que sou capaz de algo assim?—perguntou, olhando a de forma vagamente ameaçadora.
—por que outra razão quereria vir a esta casa?—perguntou—. E a uma hora em que geralmente está aqui, quando Maggie já se partiu ao colégio.
—Já vejo que te incomodou. O que te há dito?
—Disse que aconteceste todas estas noites em sua casa, quando se supunha que estava trabalhando—respondeu, irritada—. E atuou como se ela fora a proprietária da casa.
—Queria casar-se comigo—comentou, afundando mais ainda a faca.
—Bom, pois uniste a mim—espetou zangada—. E não penso permitir esta situação!
—Antonia...
—Sabe muito bem o que quero dizer.
—Isso espero—disse, olhando-a com curiosidade—. por que não me explica isso melhor?
—Se tivesse uma garrafa lhe explicaria isso, rompendo-lhe isso na cabeça—bramou. Powell a observou com humor.
—Está tão ciumenta que não pode pensar—riu.
—Dessa ruiva flacucha?
—Vá, vá—disse, aproximando-se lentamente, como um gato.
—Sou duas vezes mais mulher que ela!
—me pensa demonstrar isso perguntou com suavidade.
—vá fechar a porta e te ensinarei umas quantas coisas.
Powell riu encantado. levantou-se, fechou a porta e apagou a luz do abajur, deixando acesa a que havia na mesita de noite.
Antonia também se levantou. Quando caminhou para a cama, ela se tirou a camisola e deixou que caísse ao chão.
—E bem?—perguntou de forma te sugiram—. Pode que esteja mais magra do que eu gostaria, mas...
Powell se jogou sobre ela antes de que pudesse terminar a frase. Abraçou-a e começou a beijá-la com paixão. Antonia gemeu, mas não tentou protestar, nem discutir nada.
Seu marido se apressou a despir-se.
—Espera um momento—disse ela—. Se supõe que sou eu a que devo te demonstrar algo.
—Adiante então—a convidou.
Então se inclinou sobre sua esposa e começou a beijar seus seios enquanto suas mãos acariciavam territórios inexplorados.
Antonia quis dizer algo, mas não pôde fazer nada salvo gemer. arqueou-se e cravou as unhas em seus duros quadris. Quando sua boca se encontrou de novo com seus lábios, nem sequer foi capaz de emitir um som.
Fizeram o amor, e muito mais tarde ela estava tombada, suarenta e cansada, tremendo em seus braços. Havia sentido um prazer tão intenso que nem sequer podia coordenar seus movimentos.
—Está muito fraco—a acusou, riscando a linha de seus lábios com um dedo—. Não devi havê-lo feito.
—Claro que devia—sussurrou com sensualidade—. foi maravilhoso.
—Certamente—sorriu—. Espero que falasse a sério quando dizia que queria ter meninos. Ela riu.
—Queria e quero os ter. Mas já temos uma.
—conseguiste trocá-la por completo—comentou, observando-a.
—Não, ela me trocou . E a ti—disse, abraçando-o—. Agora somos uma família. Não tinha sido tão feliz em toda minha vida. E a partir de agora será ainda melhor.
—Ao menos me perdoou—observou—. Terei que ganhar a confiança que não soube ganhar até agora. Sinto vergonha quando penso no que sofreu.
—A vida está cheia de lições—disse—. Agora é verdadeiramente sua filha. E dentro de pouco poderá malcriar a mais meninos. Amo-te, Powell.
—E eu te amei durante toda minha vida. Não era capaz de lhe dizer isso É gracioso, não te parece? Não me tinha dado conta do muito que te amava até que te perdi. Se não tivesse sobrevivido teria preferido morrer.
Aquela declaração a surpreendeu. Era a primeira vez que escutava algo semelhante de seus lábios.
—Powell—sussurrou, entre lágrimas.
—E pensar que acreditaste que desejava ao Leslie...
—Bom, está muito magra, mas é preciosa.
—Só na aparência. Em troca, sua é bela em todos os sentidos, sobre tudo quando faz de mãe do Maggie.
Antonia sorriu.
—É fácil. Quero-a tanto como amo a seu pai—murmurou.
—E seu pai também te quer—sussurrou a sua vez—. se Desesperada e alocadamente.
—De verdade?—desafiou-o—. Demonstra-o então.
Powell gemeu.
—Resulta muito tentador, mas neste caso o espírito será mas forte que a carne—disse com suavidade—. Ainda não te recuperaste o suficiente para iniciar sessões intensivas. Prometo-te que quando puser bem te levarei às Bahamas e tentaremos bater todos as marcas mundiais.
—Parece-me muito bem.
Antonia o atraiu para si e fechou os olhos, deixando-se levar pela maravilhosa e divina sensação de ser amada.
A NOVA professora do Maggie encontrou nela uma garota tão encantadora e disposta a cooperar como sua amiga Julie. Maggie retornava a casa todos os dias com uma nova aparência e com grande alegria por poder ver seus pais. Passavam largas veladas vendo filmes frente ao fogo, lendo livros ou celebrando festas, que organizava Antonia e às que Maggie convidava a todos seus amigos, incluindo o Jake.
Powell já não viajava tanto, embora seguia lutando com Dawson Rutherford por conseguir a propriedade das terras da viúva do Holton, que separavam seus ranchos.
—Está cortejando-o—murmurou certa noite—. É a brincadeira do século. Dawson é frio como o gelo, evita às mulheres como se fossem uma praga, e entretanto, ela não faz outra coisa que insinuar-se.
—Sei. Fale com o Barrie a semana passada. Disse que Dawson queria que voltasse com ele, mas ao parecer tiveram uma séria discussão. Acredito que tem ciúmes do Leslie.
—Pobrecilla—disse, atraindo-a para si—. Não deveria estar ciumenta do Rutherford. Não gosta das mulheres.
—Os homens tampouco.
Powell riu.
—E eu menos que ninguém. O que queria dizer é que não está interessado em manter relações esporádicas, e menos com encantadoras viúvas. Só lhe interessam as terras e o gado.
—As mulheres são muito mais divertidas—brincou.
—Barrie deveria tentar demonstrar-lhe
—Não se atreve.
—Barrie? Estamos falando da mesma mulher que se encarregou de seduzir a três convidados de uma vez em um jantar?
—Dawson é diferente. Importa-lhe.
—Acredito que começo a compreender.
Antonia fechou os olhos e suspirou.
—É um grande homem. te cai mal por culpa de seu pai, mas não tem tão poucos escrúpulos como George no relativo aos negócios.
—Preferiria não falar sobre o George.
—Ainda segue sem acreditar que...
—Claro que não—disse imediatamente—. Só queria dizer que os Rutherford foram meus inimigos durante muitos anos, economicamente falando. Dawson e eu não poderemos ser amigos jamais.
—Eu não diria tanto. Tenha em conta que Barrie é meu amiga.
—E muito boa, conforme acredito.
—Sim. Estou segura de que mais tarde ou mais cedo acabará com Dawson.
—Mas são parentes.
—Só politicamente. São filhos de pais diferentes.
—Pois parece que se odeiam.
—Já sabe o que dizem sobre o amor e o ódio. Mas resulta suspeito, não te parece? Quando odeia a alguém, tenta evitá-lo, mas Dawson faz todo o possível por vê-la e lhe fazer a vida impossível.
—Ela faz o mesmo com ele.
—Tem que fazê-lo. Um homem como ele passaria por cima dela se não fizesse nada. Em certa forma, você também é assim—acrescentou, observando seus negros olhos—. Uma mulher delicada não poderia viver contigo.
—Tal e como descobriu Sally—disse, agarrando sua mão—. Há algo que não te contei sobre meu matrimônio, e, acredito que chegou o momento de que lhe diga isso. Maggie nasceu de forma prematura. Não me deitei com a Sally até que rompemos o compromisso. E estava tão bêbado que a confundi contigo. Pode imaginar como me senti quando despertei à manhã seguinte e vi o que realmente tinha feito. Mas era muito tarde para corrigir o engano.
Antonia não disse nada. limitou-se a tragar a dor que sentia.
—Já vejo.
—Foi muito cruel. Cruel e irresponsável. Mas paguei por isso. Como pagastes Sally, Maggie e você—declarou, procurando seu olhar—. Mas a partir de agora, acreditarei-te sempre, diga o que diga. lhe quis dizer isso desde dia em que te vi em casa de seu pai, quando retornou.
—Pois em lugar disso, fez umas quantas acusações bastante grosseiras.
Powell sorriu com tristeza.
—Dói muito saber o que se perdeu. Amava-te com toda minha alma e não lhe podia dizer isso porque pensei que me odiava.
—Em parte era certo.
—E logo, quando descobri a razão por laqueie realmente tinha retornado, quis morrer. Antonia se apertou contra ele.
—Não deve olhar atrás. Tudo terminou já. Estou a salvo, e também o estão Maggie e você.
—Meu Maggie—suspirou, sonriendo—. É uma grande ranchera.
—Não em vão se trata de sua filha.
—Mmmm. Sim, certamente. Me alegro de me haver dado conta ao final de que Sally também tinha mentido sobre minha paternidade. Há muitas similitudes entre nós.
—Muitas para meu gosto—sorriu contra seu peito—. aconteceram seis semanas desde aquela noite em que me empenhei em te demonstrar que era mais mulher que a viúva do Holton...
—E o fez.
Antonia se apartou uns centímetros para olhá-lo, enquanto sorria com certo secretismo. Mas Powell não estava para surpresas. Acariciou seu estômago e sorriu a sua vez, com olhos brilhantes.
—Sabe uma coisa?—perguntou ela, em um sussurro.
—Durmo contigo todas as noites—continuou, sem lhe fazer caso—. E fazemos o amor quase todos os dias. Não estou cego. Dei-me conta de que te saltaste o café da manhã durante a última semana,
—Vá, queria te surpreender.
—Tenta-o—sugeriu.
—Estou grávida—declarou, olhando-o.
Powell se incorporou, levou-se as mãos ao coração e a olhou com tal alegria que ela começou a rir.
—De verdade? meu deus!
Sua exagerada reação causou tal ataque de risada em sua esposa que esteve a ponto de acabar no chão. Mas naquele instante a senhora Bate apareceu a cabeça pela porta, alarmada pelo escândalo.
—Está grávida!—informou-lhe Powell.
—Vá! De verdade?—perguntou.
—Bom, ainda tenho que ir ao médico para confirmá-lo—respondeu ela.
—Sim—disse Powell—. Mas os resultados das provas não assustarão a ninguém.
Antonia assentiu com todo seu coração.
Aquela tarde o disseram ao Maggie. Quando a chamaram para que fora ao salão, suspeitou algo. As coisas tinham saído muito bem as últimas semanas, e até pensou que cabia a possibilidade de que tivessem trocado de opinião com ela, de que queriam enviá-la longe de casa, a algum internado.
—Antonia está grávida—anunciou seu pai.
Os olhos do Maggie se iluminaram.
—Ah, é isso!—disse, aliviada—. Pensei que se tratava de algo mau. Quer dizer que vais ter um menino, mamãe?—perguntou, correndo a abraçá-la ao sofá—. Julie morrerá da inveja. Poderei embalá-lo em braços quando nascer? Poderei cuidar dele? Posso conseguir alguns livros sobrebebes...
Antonia ria encantada.
—Sim, claro que poderá me ajudar. Pensei por um momento que ao melhor não gostava, porque tudo aconteceu muito depressa.
—OH, claro que eu gosto de—disse, franzindo o cenho—. eu adoraria ter um hermanito. Porque vai ser menino, verdade?
Powell riu.
—Bom, também eu gosto das meninas.
—Só você gosta porque sei distinguir uma vaca de outra—observou a menina, sonriendo.
—Também eu gosto porque é bonita.
—Agora terei algo importante do que falar—continuou Maggie—. Jogamos muito de menos no colégio, mamãe. Todos. A senhorita Tyler é simpática, mas você é especial.
—Algum dia voltarei para o ensino—prometeu—. É como montar em bicicleta. Não se esquece nunca.
—O que te parece se formos dizer-lhe ao avô?—perguntou Powell.
—De acordo—respondeu—. Vamos agora mesmo!
AS NOTÍCIAS assombraram e encantaram ao Ben. sentou-se em sua cadeira de balanço e os olhou aos três, que se tinham acomodado no sofá.
—Um bebê—exclamou, com rosto alegre—. Vá, vá.
—Será um menino, avô—assegurou Maggie—. Assim terá a alguém que aprecie os trens que coleciona. Sinto muito preferir o gado.
Ben riu.
—Não se preocupe, carinho. Pode que algum dia possa ensinar coisas a seu irmão sobre os tipos de móveis da época da rainha Ana.
Maggie explicou a seus pais que ao Ben adorava os móveis antigos.
—Bom, é divertido—disse o avô.
—É verdade—declarou sua neta—. Mas o gado é muito mais interessante, e também é algo cientista. Verdade, papai?
—Certamente, é minha filha—respondeu Powell—. Qualquer poderia dizê-lo.
Ben assentiu e sorriu. Desde que tinha ido visitar o pela primeira vez, sua vida tinha trocado. Às vezes o ajudava a organizar seus livros. Tinha muitos, e ambos compartilhavam o amor pela leitura.
—Isso me recorda uma coisa—disse Ben—. Encontrei algo para tí no último leilão.
levantou-se e tirou um livro antigo e formoso, do século dezenove. Com muito cuidado, o deu ao Maggie.
—Será melhor que dele cuide, porque é muito valioso.
—OH, avô...—disse, entusiasmada. Powell assobiou surpreso.
—Esse livro parece muito caro, Ben.
—Maggie sabe muito bem e cuidará dele. Nunca conheci a ninguém que cuide tanto os livros. Nunca os deixa abertos, nem dobra as folhas, e sempre os devolve a seu sítio. Até sotaque que agarre minhas primeiras edições. É uma pequena jóia.
Maggie escutou o comentário e olhou a seu avô com um sorriso cheia de afeto.
—Está me ensinando a cuidar deles—anunciou com orgulho.
—E é uma excelente aluna—continuou Ben, olhando a Antonia com amor—. Eu gostaria que sua mãe estivesse aqui. sentiria-se muito feliz e estaria muito orgulhosa.
—Sei. Mas estou segura de que também ela sabe, papai—disse Antonia com suavidade. E sorriu.
Aquela noite chamou o Barrie para lhe dar as boas notícias. Seu amiga se alegrou sinceramente.
—Tem que me dizer quando vai nascer para que possa tomar um avião e ir ver o.
—A vê-lo?
—Claro. Além disso, estou segura de que terá um menino. São muito simpáticos, e assim terá uma parejita com o Maggie.
—Bom, farei o que possa—lhe assegurou—. soubeste algo sobre Dawson?
Barrie permaneceu em silêncio uns segundos, antes de responder.
—Não.
—Recentemente que conheci a viúva do Holton...
—É muito velha?
—Uns cinco ou seis anos mais que eu—respondeu—. Tem uma figura imponente, é ruiva, de olhos verdes e muito elegante.
—Dawson deve estar muito contente, porque a vê todos os fins de semana.
—Barrie, eu não me preocuparia muito por isso—comentou com lentidão—. É fria, dura e com muita malícia, por isso ouvi. Ninguém sabe o que é capaz de fazer.
—Convidou-a a sua casa—disse Barrie—. E teve a audácia de me convidar também para que atuasse de sujetavelas, para que a gente não pensasse que há algo entre eles. Não penso observar como paquera com ela só para que sua imagem se mantenha intacta.
—Pode que te equivoque, Barrie. A Dawson não gosta das mulheres. Dizem que é... sexualmente frio.
—Dawson.
—Em efeito.
Barrie duvidou. Não podia contar a seu amiga o que estava pensando, nem o que recordava sobre ele.
—Ainda segue aí?—perguntou Antonia.
—Sim—suspirou—. É culpa dela. Deseja tanto essas terras que está disposto a fazer algo para as conseguir.
—Não acredito que pretenda a chegar tão longe. Eu diria que só a convidou para falar de negócios, mas é possível que ela pense que está interessado em algo mais e que agora não possa livrar-se da ruiva. Asseguro-te que pode ser muito pesada quando quer. Comigo foi. Tem muito caráter, e Dawson é rico. Acredito que é ela quem está paquerando com ele, não ao contrário.
—Nunca o tinha pensado.
—Deste-lhe a oportunidade de explicar-se?—perguntou.
—Não—admitiu—. Não quero me arriscar lhe dando a Dawson a oportunidade de me fazer a vida impossível durante um comprido fim de semana.
—Deveria tentá-lo. Pode que tenha trocado sentimentalmente.
—Não acredito—riu—. Mas o chamarei, e se voltar a me pedir que vá a sua casa, irei. Mas só se houver mais gente ao redor além da viúva.
—Chama-o e lhe diga o que pensa.
—Não sei se...
—Vamos, não é nenhum ogro. Só é um homem.
—Já—disse sem convicção.
—Barrie, nunca foste covarde. Salva-o.
—Não posso acreditar que o homem de gelo necessite que o salvem—duvidou—. Quem te disse que o chamavam assim?
—Todo mundo sabe. Não sai com ninguém. A viúva é a primeira mulher a que viu em muitos anos—respondeu com suavidade—. É curioso, não te parece?
Era-o, mas Barrie não se incomodou em comentar as suspeitas que tinha. perguntou-se se contava com a coragem suficiente para ir ao Sheridan e averiguar a verdade.
—Pode que vá.
—Deveria—continuou Antonia.
Minutos mais tarde pendurou o telefone, dando tempo a seu amiga para que pensasse nisso com profundidade. Quando terminou de falar, Powell se aproximou dela e sorriu com calidez. Depois, sentou-se no sofá, a seu lado.
—Está muito bonita vestida de rosa—comentou.
—Obrigado.
—Ocorre algo?
—Parece que Leslie está fazendo a vida impossível a Dawson.
—Me alegro.
—Deveria ter a decência de senti-lo por ele—espetou, olhando acredito recordar que esteve em seu ponto de olhe, no passado.
—Até que apareceu para me salvar, encantadora mulher.
inclinou-se e a beijou com suavidade.
—Ninguém pode salvar a Dawson, salvo Barrie.
—Estou seguro de que poderá lutar contra seus próprios fantasmas. Ou mas bem, contra suas próprias dragonas—riu.
—Ainda pretende conseguir essas terras?
—OH, renunciei a isso quando casamos—respondeu com tranqüilidade—. Supus que ela procurava algo mais que dinheiro, e você estava muito ciumenta.
—Vá.
—Não tinha por que preocupar-se. Não era meu tipo. Mas descobri que andava detrás de mim e preferi abandonar o assunto—acrescentou, rendo—. Além disso, não acredito que Dawson tenha mais êxito. Ela só está tentando descobrir se tiver alguma opção com ele, e se não a tem, não venderá suas terras.
—Pode que caia na armadilha.
—Não. Não me cai bem, mas não é nenhum idiota. Tampouco é seu tipo de mulher. Gosta de dar ordens. É muito forte para ela, e não se levariam bem. De fato, acredito que resulta tão atrativo ao Leslie porque não pode consegui-lo.
—Isso espero. Eu não gostaria que o enganasse com o matrimônio. Acredito que Barrie o quer mais do que está disposta a admitir.
Powell a atraiu para si.
—Que solucionem seus próprios problemas. Dá-te conta do muito que trocou esta casa desde que te casou comigo?
Ela sorriu.
—Sim. Maggie é uma pessoa completamente distinta.
—E eu, e você, e até seu pai e a senhora Bate. Mas se por acaso fora pouco, agora vamos ter um filho e Maggie está desejando que nasça. Sabe uma coisa? Temos o mundo nas mãos.
Antonia se apoiou nele e fechou os olhos.
—O mundo em nossas mãos—repetiu, encantada.
Sete meses mais tarde, Nelson Charles Long nascia no hospital provincial do Bighorn. Foi um parto rápido e singelo, e Powell permaneceu junto a sua esposa durante todo o processo. Depois, deixaram que Maggie entrasse com seu pai a ver seu irmão, enquanto o amamentava.
—parece-se muito a ti, papai—observou a menina.
—parece-se mais a Antonia—protestou ele—. Você é quem se parece mais a mim.
Maggie sorriu de brinca a orelha. estabeleceu-se uma relação completamente nova entre pai e filha. Não se sentia absolutamente ameaçada pelo bebê, porque sabia que seus pais a queriam. O frio e vazio passado tinha desaparecido para sempre, tal e como tinha acontecido entre a Antonia e Powell.
Antonia se tinha atrevido a perguntar a seu marido a respeito do que Sally tinha escrito na carta que lhe tinha enviado anos atrás, e que havia devolvido sem abrir. Powell lhe respondeu que não recordava muito sobre o que lhe havia dito seu anterior algema, exceto uma frase que tinha tirado de certo livro, de um autor que não podia recordar: «E Deus disse: toma o que queira e pagamento por isso.» Ao menos, aquela carta tinha servido para demonstrar que Sally tinha descoberto a dolorosa verdade que encerrava aquela entrevista. E o sentia por ela.
Embora fora tarde, é obvio. Muito tarde.
Para então já tinham perdoado a Sally, e o amor e a alegria que compartilhavam Maggie, Powell e sua esposa, crescia dia a dia. Quanto a Antonia, também tinha aprendido uma lição; em ocasiões era necessário agüentar e lutar. Olhou com adoração a seu orgulhoso marido e se disse que ensinaria aquela lição ao Maggie e ao menino que sustentava entre seus braços.
Diana Palmer
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