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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CARTA / Yvonne Whittal
A CARTA / Yvonne Whittal

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Às vésperas do seu casamento, Tessa recebeu uma carta do seu noivo, Jeremy. Abriu e leu, espantada, as palavras que mudariam seu destino: "Tessa, eu não te amo, estava atrás apenas do seu dinheiro..." Depois dessa decepção amorosa, Tessa passou a desconfiar de todos os homens, achando que só queriam desfrutar de uma vida milionária, que sua fortuna poderia facilmente proporcionar. Era triste demais viver com esse pensamento! Tão triste que ela resolveu abandonar a família, o luxo e as mordomias para se tornar apenas uma garota comum. E foi trabalhando como uma humilde governanta que veio a conhecer Matthew, um homem experiente, capaz de lhe mostrar o outro lado do amor!

 

 


CAPÍTULO I
As longas horas ao piano, preparando-se para um recital, eram sempre carregadas de tensão para Theresa Ashton-Smylhe, e essa tensão atingia seu ápice na noite da apresentação. Quando tudo terminava, Theresa sentia apenas um enorme vazio e um terrível desânimo ao pensar que teria de enfrentar outra daquelas inevitáveis festas em sua homenagem. Isto era o que mais odiava. . . o champanhe, as pessoas que nunca tinha visto antes lhe apresentando suas congratulações, quando o que queria na verdade era cair na cama para recuperar as energias.
- Eu queria ensinar música e não me apresentar em recitais! - Tessa havia desabafado para sua mãe certa vez, num acesso de raiva.
- Mas você é tão talentosa! - argumentou Sheila Ashton-Smythe sem querer influenciá-la, pois sabia que a decisão cabia somente à filha. - Seria uma pena você abandonar tudo. . . Enfim, se é o que realmente deseja. . .
Tessa estava perdida em tais pensamentos, quando sentiu que alguém enchia sua taça de champanhe. Erguendo o olhar, viu um rapaz que sorria para ela. De alguma maneira ele havia conseguido chegar aos bastidoves após a apresentação para cumprimentá-la, e desde então seguia-a como uma sombra, sem nem ao menos disfarçar.
- Você não parece estar se divertindo - comentou, aproximando-se mais dela.
- Estou, sim. - Deu um sorriso forçado, escapando sutilmente daquela repentina intimidade nos olhos dele.
- Tessa, venha cá, quero lhe apresentar alguém... - Uma das anfitriãs a chamou e, para sua surpresa, viu-se cara a cara com a última pessoa no mundo que queria ver.
- Nós já nos conhecemos - antecipou-se Jeremy Fletcher, com aquele familiar tique nos lábios indicando que estava nervoso.
Era estranho que após mais de um ano ela pudesse se lembrar de pequenos detalhes como esse a seu respeito, pensou Tessa, ainda em estado de choque. Ao lado dele estava uma moça loira, de aspecto frágil e visivelmente deslocada.
- Deixe-me apresentar-lhe Meg, minha esposa.
Meg estendeu a mão e Tessa, inexplicavelmente, sentiu pena dela e ao mesmo tempo uma certa ternura, que a fez sorrir.
- Estou realmente surpresa em encontrá-lo aqui - observou, com uma calma que surpreendeu a si própria.
- Estou aqui como representante da companhia onde trabalho. Fomos nós que conseguimos a reserva do salão e as acomodações para o seu recital.
- Ah, sim.
Como podíam conversar tão civilizadamente, como se nada tivesse acontecido entre eles?, perguntava-se Tessa. Se Jeremy tivesse sido sincero, ela poderia estar hoje a seu lado como a sra. Jeremy Fletcher. Mas tratou de desviar tal pensamento ao olhar para Meg. Seus olhos tinham um ar desprotegido e suas mãos procuravam as do marido como se ali fosse encontrar segurança. Era óbvio que Jeretny a amava mas,curiosamente, Tessa não a invejava. Parecia que eles não tinham mais nada a dizer um para o outro. Afinal, o que poderia ser dito após tanto tempo? Afastou-se deles com uma desculpa e, para seu horror, sentiu que suas pernas tremiam.
A caminho de casa, num carro luxuoso dirigido por um chofer, Tessa recostou-se no banco e fechou os olhos, era fim de maio e, em Joanesburgo os meses de inverno traziam a certeza de noites muito frias, embora os dias fossem relativamente quentes. No aconchego do carro do pai, ela não experimentava nenhum dos desconfortos por que passavam os pedestres àquela hora da noite.
É uma das vantagens de se ter dinheiro!, pensou cinicamente. No entanto, trocaria todo o conforlo que o dinheiro podia lhe dar por momentos de verdadeira felicidade.
As luzes estavam acesas na imponente mansão dos Ashton-Smythe. Os pais de Tessa haviam assistido ao recital, mas não ficaram para a festa. Ela sabia que a estariam esperando, embora essa fosse uma daquelas noites em que preferia estar sozinha. Lembranças do passado lhe vinham à mente, e a única coisa que queria era ficar só, com seus pensamentos por mais dolorosos que fossem.
Philip Ashton-Smythe veio pessoalmente abrir a pesada porta de carvalho e conduziu a filha a uma sala espaçosa, com lustres de cristal e tapetes espessos cobrindo o chão. O aquecimento central estava ligado e Tessa tirou o casaco ao entrar.
- Estamos muito orgulhosos de você, Theresa - disse sua mãe, oferecendo o rosto para receber o beijo costumeiro.
Tessa sorriu ao ver que ela insistia em usar seu nome correto. Era a única pessoa a não chamá-la pelo apelido, Tessa.
- Você tocou maravilhosamente bem esta noite -- comentou Philip, enquanto lhe passava uma taça de sherry.
Um cumprimento desses vindo do pai era realmente lisonjeiro, pois embora ele não tocasse nenhum instrumento, tinha o que se pode chamar de um bom ouvido e uma paixão incondicional por boa música.
- Obrigada, papai. - Tomou um gole da bebida que ele lhe ofereceu e, então, algo além de seu controle a fez dizer: - Jeremy Fletcher e a esposa estavam na festa.
- Heín? - Os pais a olharam, surpresos, e e!a pôde sentir que, por trás daquela aparente calma em seus rostos, muitas perguntas se embaralhavam em suas mentes.
- O nome de sua esposa é Meg. . . Parece simpática. - Ao dizer isso, Tessa tinha um ar afetado tentando aparentar indiferença. Esvaziou o copo e o colocou cuidadosamente sobre a mesa de mármore ao lado da cadeira.
- Bem. se não se importam, vou para a cama. Boa noite.
Tessa subiu para o quarto e por alguns minutos ficou diante do espelho admirando o vestido branco que aderia suavemente ao corpo elegante e bern-feito. Ao redor do suave pescoço bronzeado havia uma corrente com um pingente de diamante e ouro que brilhava, refletindo a luz.Seus cabelos eram loiros, e normalmente os deixava soltos, mas naquela noite estavam presos num coque no alto da cabeça, acentuando as linhas esbeltas do pescoço. Sobrancelhas escuras arqueavam sobre olhos azuis e brilhantes como cristal; o nariz era pequeno e a boca delineada por lábios bem-feitos, ligeiramente curvados nos cantos, sugerindo um sorriso. Enquanto a boca dava a impressão de gentil submissão, o queixo, pequeno e quadrado, com uma covinha no centro, deixava transparecer a sua teimosa determinação. Determinação essa que a tinha sustentado como verdadeira muleta durante aqueles agonizantes dias depois que. . .
Tessa fazia careta enquanto tirava os grampos, deixando os cabelos caírem macios sobre os ombros. Trocou-se rapidamente, retirou a maquilagem e deitou com as luzes apagadas. Seus pensamentos voltaram-se para o passado, exatamente para o dia mais desastroso de sua vida, quase dois anos atrás. Tanta coisa havia acontecido desde então! Sua vida tinha sido tão atributada, cada momento ocupado com os estudos. Não se deu tempo para pensar em nada, deixou a ferida cicatrizar. Mas encontrar Jeremy tão inesperadamente fez com que as lembranças invadissem o presente de maneira viva, como se tudo tivesse ocorrido um dia antes.
Desde o momento em que Jeremy a havia pedido em casamento, Tessa vivia nas nuvens. Ele era seu primeiro amor e ela pensou, na época, que seria o único e verdadeiro, e que tudo seria simplesmente maravilhoso no futuro. Estava tão feliz que não enxergava a verdadeira razão da maneira um pouco distanciada dele com relação a ela, atribuindo essa atitude à sua natureza reservada. À medida que o dia do casamento se aproximava, ele parecia mais preocupado, mas também isso passou despercebido para ela.
Então, dois dias antes do casamento, recebeu uma carta dele cujas palavras permaneceram bem vivas em sua memória,como se tivessem sido gravadas a ferro quente.
A carta dizia: "Querida Theresa. É muito difícil escrever-lhe esta carta, mas acho que é a maneira menos dolorosa Theresa. confesso que ia casar com você somente por seu dinheiro e o status que essa união poderia me dar, mas agora vejo que não posso ir até o fim. Encontrei alguém a quem amo profundamente. Ela é uma garota comum, de uma família simples, e reconheço quão mesquinho estava sendo ao querer casar com alguém tão boa como você apenas por dinheiro. Afinal, dinheiro não é tudo e nem pode comprar a felicidade. Quando receber esta carta, provavelmente já estarei casado. Espero que consiga me perdoar pelos problemas e infelicidade que estou lhe causando. Com o tempo verá que foi melhor assim. Sinceramente,Jeremy Fletcher".
Ainda se lembrava do espanto dos pais quando lhes contou que não haveria mais casamento. Eles a olharam como se estivesse louca. E o seu próprio espanto, então, foi maior que tudo. . ,Tessa rolou na cama, admirada por poder se lembrar de tudo com tanta precisão. Na ocasião, Philip havia tirado o cigarro da boca e o anel de rubi no dedo brilhava muito, enquanto ele apagava o cigarro inacabado no cinzeiro. Lembra-se de ter comparado o reflexo vermelho do anel aos seus sentimentos feridos.
Sua mãe tinha sido a primeira a quebrar o silêncio, as sobrancelhas ligeiramente arqueadas ao encarar Tessa, que estava sentada rigidamente na ponta da cadeira batendo os dedos nervosamente na carta. - Isto deve ser uma brincadeira!
- Se é, é de muito mau gosto - Tessa respondeu secamente, tentando sufocar as lágrimas. - Leia você mesma. - Suas mãos tremiam ao entregar a carta à mãe.
Philip aproximou-se da esposa enquanto ela abria a carta e seus rostos empalideciam enquanto, juntos,tomavam conhecimento do conteúdo.
- Como ele ousou fazer isso? Como? - explodiu Philip, roxo de raiva, andando de um lado para o outro. - Vou processá-lo por isso! Vou arruiná-lo!
- Não!
Um silêncio seguiu-se ao grito de Tessa. Seus nervos estavam à flor da pele e sentia um nó na garganta.
- Mas, querida... - protestou Sheila, devolvendo-lhe a carta. - Jeremy deve ter reconhecido há muito tempo que não tinha nenhuma intenção de casar com você... Por que esperou para contar tudo dois dias antes do casamento? Por que nos fez continuar com os preparativos sem dizer uma palavra? Podia ter tido um pouco mais de consideração!
Sem se dar conta do que estava fazendo, Tessa rasgava a carta em pedacinhos.
- Pelo pouco que conheço Jeremy, ele só me escreveu porque estava desesperado. Nunca teria a coragem de me contar tudo frente a frenfe.
- É um covarde! - Philip estava exaltado. - Você teve sorte de livrar-se dele.
Não era bem assim, mas Tessa ficou calada. Não importava o que Jeremy tinha feito, ela o amava. Nem mesmo sua falta de sinceridade podia apagar um sentimento tão profundo. A carta havia sido um duro golpe, uma completa surpresa.
- O que faremos com todos os presentes que já chegaram? - Sheila perguntou, interrompendo os pensamentos de Tessa.
- Devolva-os! - A fúria estava estampada no rosto de Philip. - E pensar que fui tão tolo a ponto de não enxergar toda a verdade! Se pudesse colocar as mãos nele neste momento, lhe daria uma boa lição!
Tessa estava visivelmente perturbada e, percebendo isso, Sheila colocou a mão no braço do marido para fazê-lo calar-se e foi sentar-se no braço da cadeira onde ela estava, abraçando-a afetuosamente.
- Vá para a cama, filhinha - disse gentilmente. - Não lhe fará bem algum ficar aqui remoendo essas coisas agora. Conversaremos com mais calma pela manhã, está bem?
Tessa sorriu e ficou de pé. Conforme se levantava, os pedaços da carta em seu colo se esparramavam pelo chão.
- Sinto muito - apressou-se em dizer, agachando-se para apanhá-los ao mesmo tempo que se esforçava para esconder as lágrimas.
O pai aproximou-se, erguendo-a gentilmente e fazendo-a encará-lo.
- Tessa, daria tudo para que nada disso tivesse acontecido.
Foi então que as lágrimas correram livremente pelo seu rosto e ela chorou aconchegada ao peito do pai.
Tessa passou aquela noite em claro, exatamente como fazia agora; a única diferença era que suas lembranças não eram mais dolorosas. Sua mãe havia lhe trazido um copo de leite naquela noite terrível, o rosto sempre tão delicado marcado por rugas de preocupação. Tessa se lembrou que havia se sentido mais triste ainda ao ver que seu sofrimento afetava os pais. Eles sempre protegeram e mimaram a filha; os problemas dela eram seus também e, juntos, acabavam encontrando uma solução. Mas "aquele" problema era só dela,
- Trouxe um copo de leite e alguns comprimidos para dormir. - Sheila havia dito carinhosamente, colocando a bandeja na mesinha-de-cabeceira e sentando-se na beira da cama, enquanto Tessa tomava os comprimidos.
- Mãe, sinto muito ter que lhes causar essa preocupação. Se não estivesse tão cega por meu amor poderia ter percebido que Jeremy não estava sendo sincero, mas. ..
- Não pense mais nisso - Sheila interrompeu, enquanto arrumava as cobertas e lhe dava um leve beijo na testa.
- Conversaremos de manhã. Agora tente dormir. - À porta, hesitou um instante. - Theresa. isso não é o fim do mundo, certo?
Tessa suspirou e esforçou-se para voltar ao presente. Agora, sabia que nunca havia amado Jeremy. Tinha sido apenas um sonho romântico, cruelmente destruído, e nada além do próprio orgulho saíra ferido. Entretanto, saber que ele só se sentira atraído por seu dinheiro tinha um sabor terrivelmente amargo. Isto acabou com sua confiança nas pessoas, enchendo-a de amargura e desconfiança até dos que se diziam seus amigos.
Uma garota comum! Jeremy havia casado com uma garota comum de família simples. A única coisa que o tinha atraído em Tessa era o fato de ela ser a filha do milionário Philip Ashton-Smythe. E era isso que a perseguia e machucava.
Para sua surpresa. Tessa conseguiu dormir bem naquela noite. O reencontro com Jeremy não a tinha afetado tanto assim, só avivara lembranças que não possuíam mais o poder de feri-la, que apenas lhe davam vontade de ser amada sinceramente, por ela mesma e não por dinheiro.
Quando se juntou à mãe para tomar o café da manhã, havia um jornal ao lado de sua xícara, ignorando-o encheu o copo com suco de laranja e passou manteiga na torrada.
- Os críticos são unânimes quanto ao seu sucesso de ontem à noite. - Sheila estava muito entusiasmada.
- É mesmo?
- Sim. Não vai ler o que dizem a seu respeito?
- Mais tarde.
Lembrava-se de uma outra ocasião em que a mãe não estava tão ansiosa para que visse o jornal, muito pelo contrário. A manchete trazia em letras bem grandes: "Casamento na sociedade desmanchado". A reportagem mostrava uma fotografia do futuro casal, tirada dias antes do suposto casamento. A matéria dizia: "O casamento do ano entre Theresa Ashton-Smythe e Jeremy Fletcher foi desmanchado. O motivo do cancelamento não foi divulgado, mas sabe-se que o sr. Jeremy deixou a cidade dois dias antes das núpcias".
O artigo ocupava duas colunas onde o repórter se esmerava em descrever o "romance".
- O encontro com Jeremy a perturbou muito? - Sheila interrompeu seus pensamentos.
- Não. - Tessa franziu a testa. - Foi só um choque.
- Que lhe trouxe lembranças ruins do passado, não é?
- Mãe, já faz algum tempo que percebi que nunca amei Jeremy. Digamos que estava apaixonada pelo amor... quer dizer, nunca havia me apaixonado antes, era uma novidade para mim e estou convencida de que teria sido um casamento desastroso.
- Você parecia perturbada ontem. Tessa sorriu, confiante.
- Foi somente a surpresa de encontrá-lo cara a cara.
- Antes assim. Tive medo que esse encontro abrisse velhas feridas, o assunto foi encerrado aí. O pai juntou-se a elas momentos depois e leu em voz alta as críticas a respeito do recital, enquanto comia o usual prato de ovos com bacon:
- O que virá depois? - ele perguntou.
- Definitivamente não um outro recital. Estou exausta!
- Por que não faz um cruzeiro, ou coisa parecida? - sugeriu Sheila.
- Ah, não sei... Não estou com vontade de ir para lugar nenhum.
- Uma viagem para o exterior lhe faria bem - concordou Philip. - Por que não faz uma viagem à Europa, visita alguns lugares e volta quando já estiver cheia?
- Mas fui à Europa o ano passado. . .
- Bem, você pode escolher um outro lugar, então - insistiu.
- Vocês estão querendo se ver livres de mim?
Houve um silêncio culposo seguido de risadas. Sheila estendeu a mão e segurou a da filha.
- Não é nada disso, querida, só achamos que você deveria sair de joanesburgo por algum tempo. Talvez indo para o interior possa relaxar e divertir-se um pouco.
Tessa tinha de admitir que a ideia de sair por um tempo era tentadora. Se ao menos pudesse ir a algum lugar onde ninguém a conhecesse; onde fosse apenas uma garota comum... um ser anônimo.
Uma garota comum!
É isso!, pensou, os olhos brilhando de alegria, enquanto os planos surgiam em sua mente.
Levantou-se rapidamente e beijou a mãe.
- Você acaba de me dar uma ideia maravilhosa e vou já arrumar tudo! - Saiu correndo, subindo a escada de dois em dois degraus em direção ao quarto, deixando os pais boquiabertos de espanto.
Nesse mesmo dia, Tessa deu uma louca corrida pelas lojas. Precisava de roupas simples, diferentes das suas. Se queria parecer uma garota comum, tinha que se vestir como tal; não poderia usar nenhum daqueles modelos sofisticados que enchiam seu guarda-roupa. Chegando em casa, percebeu o olhar espantado da mãe ao vê-la entrar com uma pilha de pacotes, usando um lenço na cabeça que escondia o resultado de sua ida ao cabeleireiro.
Vai ser divertido, pensou animadamente enquanto corria para o quarto, para desembrulhar os pacotes.Havia meia dúzia de roupas para. o uso diário, um vestido de noite simples de chiffon para ocasiões especiais, várias calças com blusas combinando, uma camisa de seda à qual não pôde resistir, uma jaqueta e duas malhas bem folgadas. O único artigo de luxo que ia levar era o carro esporte e, é claro, o talão de cheques, mais por precaução. Já havia retirado algum dinheiro do banco, achando-o suficiente para passar um mês ou mais, dependendo das circunstâncias.
Para carregar as roupas, escolheu as duas malas mais velhas que pôde encontrar. A aparência gasta serviria para reforçar sua nova imagem. Arrumou tudo com cuidado, animadíssima com os planos. Há muito tempo que não se sentia tão livre e feliz assim. Seria uma aventura que não ia esquecer jamais e apreciaria cada minuto dela. O disfarce ia começar naquela noite, decidiu, e para isso escolheu um vestido de !ã. Era quase hora do jantar e logo teria que enfrentar os pais na nova imagem e informá-los de suas intenções. Admirando a imagem refletida no espelho, perguntava-se se ia funcionar.
Os longos cabelos haviam sido cortados emoldurando a face. Só isso já causaria enorme desgosto aos pais, A imprensa vivia elogiando sua estonteante beleza, mas naquele vestido simples e folgado estava até um pouco deselegante, igualzinha a qualquer outra jovem de sua idade. Naquele momento, não se poderia dizer que parecia bonita! Para completar o disfarce, retirou os anéis dos dedos e substituiu o caro relógio por um outro menos sofisticado.
Riu sozinha ao se olhar no espelho. Com os cabelos curtos, quase sem maquiíagem, ninguém adivinharia que era realmente Theresa Ashton-Smythe . Pelo menos era o que esperava.
A campainha para o jantar soou no hall, e Tessa esperou mais alguns minutos, pois gostaria que os pais já estivessem na sala de jantar quando entrasse. Assim, através de suas reações, poderia julgar se os esforços tinham sido válidos ou não.
Philip e Sheila estavam à mesa quando ela entrou, como havia planejado. Philip endireitou-se na cadeira com um olhar de interrogação, enquanto Sheila olhou Tessa vagamente, como se não a reconhecesse.
- Boa noite para todos - disse dramaticamente, abrindo os braços e fazendo uma reverência. - Esta é a nova Tessa Smilh!
Philip mexeu-se nervosamente em sua cadeira.
- Tessa! O que fez com seus cabelos? E o que significa essas roupas?
- Como estou? Pareço diferente? - Deu uma volta.
- Diferente? - Sheila estava perplexa. - Se não fosse minha própria filha e não a conhecesse tão bem, não a teria reconhecido!
- Pode me explicar o porquê de tudo isso? - perguntou Philip, servindo-se de um sherry com as mãos um pouco trémulas.
Tessa sentou-se em frente a eles.
- Olhem bem para mim, Será.que seria facilmente reconhecida? Mãe, o que acha?
- Bem. . . não a princípio - admitiu, sorrindo. - Mas é claro que se olharmos melhor. . . - Olhou hesitante para o marido. - Philip, o que acha?
- Acho que quem cortou os cabelos dela fez um péssimo trabalho. - Tinha um ar carrancudo. - Para que tudo isso, minha filha?
Tessa colocou os cotovelos na mesa e o queixo na palma da mão.
- Vou tirar umas férias como vocês sugeriram. Pretendo ir o mais longe possível de Joanesburgo e viver o mais que puder como uma. garota simples, como apenas Tessa Smith. - Enrugando o nariz, disse ao pai: - Acha que poderei passar despercebida?
- Não vejo por que não, mas para que o disfarce?
Os olhos de Tessa se embaçaram momentaneamente, enquanto desdobrava o guardanapo e colocava no colo.
- Pai, estou cansada de ser tratada como uma peça rara de porcelana. Quero me misturar às outras pessoas a ser tratada como uma igual. Daí o suposto, ou quase suposto, nome de Tessa Smith.
- E para onde vai? Tem certeza de que estará segura viajando sozinha?
- Mãe, tenho vinte e dois anos! - Estava um pouco exaltada. - Mas vou levar uma arma comigo para qualquer eventualidade. . Bem, quanto ao lugar para onde vou. . . - Encolheu os ombros. - Irei para onde minha vontade me levar. Não se preocupem, mandarei um cartão-posta! de vez em quando.
- Quando pretende partir?
- Amanhã de manhã.
- O que acontecerá se for reconhecida?
- Simplesmente mudarei de cidade - respondeu, determinada. - Mas espero que isso não aconteça.
- Bem, desejo-lhe boa sorte. Vai precisar dela, minha querida. Não será fácil fingir ser outra pessoa, você sabe.
Tessa concordou com um gesto da cabeça, engolindo em seco.
Se Philip e Sheila estavam preocupados com a filha, não demonstraram enquanto se despediam, na manhã seguinte. Tessa suspirou aliviada ao se ver fora dos limites da cidade. Enfiou o pé no acelerador e sorriu enquanto o poderoso motor do Porshe entrava em ação. Aquele carro havia sido presente de aniversário do pai, e ela ,nunca tinha se encantado tanto com um presente, apesar do receio da mãe de que sofresse um acidente.
A primeira parada seria Natal, onde o inverno sul-africano era menos rigoroso. Durante os meses de junho e julho era grande o número de pessoas que se dirigia para lá a fim de apreciar o clima mais ameno e a paisagem mais viçosa. Tessa não pretendia ir para nenhum dos lugares mais frequentados; preferia, em vez disso, visitar cidades menos conhecidas onde houvesse paz e tranquilidade entre colinas e riachos tortuosos.
Parou para almoçar num restaurante à beira da estrada, enquanto o carro era abastecido. Como não era uma viagem planejada, não tinha a menor ideia de onde ir. "Nunca conheci pessoa mais desorganizada", Jeremy lhe disse certa vez, num tom que lhe pareceu amoroso. Normalmente, não era uma pessoa desordeira, mas odiava planejar com antecedência os mínimos detalhes, Jeremy era o oposto. Tudo tinha que ser planejado para o dia de amanhã, o futuro e, por isso, vivia se desapontando quando algo saía errado. Ela preferia viver cada dia intensamente, sem se preocupar se o que viria depois era muito mais excitante. Ah, Jeremy que se dane!, ela disse para si mesma. Por que tinha pensado nele justo agora?
Seguindo seu instinto, desviou para uma estrada secundária que parecia dar em algum lugar interessante.
Depois de algum tempo, chegou numa cidadezinha meio deserta e não teve dificuldade alguma em conseguir um quarto para passar a noite num pequeno hotel. Após estacionar o carro, levou a mala pura o quarto, tomou um banho e trocou de roupa, antes de descer para o jantar. Sua companheira de mesa era uma jovem que lecíonava na escola primária local e Tessa, que preferia jantar sozinha, passou alguns momentos tensos, temendo ser reconhecida.
- Está de férias? - a jovem professora perguntou.
- Sim. - Sua resposta foi um tanto seca, a tensão crescendo ao ver que a outra estava disposta a continuar a conversa.
- Soube que veio de Joanesburgo - prosseguiu, indiferente à atitude distante de Tessa. - Mora com seus pais?
- Não, tenho meu próprio apartamento. - Apressou-se em responder, o que não era totalmente uma mentira, pois o comodo que ocupava na mansão dos pais era equivalente a um pequeno apartamento. Tinha o próprio quarto de dormir, um banheiro e uma sala de estar na ala esquerda da casa, embora sempre fizessem as refeições juntos. Era assim desde a adolescência.
- Em Hillbrow? - Os olhos da garota estavam maiores de curiosidade.
- Não, não em Hillbrow. - Tessa teve que sorrir. - Parece que andou ouvindo histórias sobre a vida em Joanesburgo e, especialmente, em Hillbrow.
- Como é realmente a vida lá? É tão extravagante como dizem?
- Eu diria que Hillbrow é a área mais densamente povoada de Joanesburgo, mas quanto a ser extravagante... - Franziu a testa. - Hillbrow é uma área cosmopolitana, não se pode dizer que a vida lá seja tão desregrada assim.
- Vai lá com frequência?
- Não, às vezes. - Para encerrar a conversa ali, concentrou-se no jantar. Não estava com disposição para longos papos, pelo menos não se sentia preparada ainda, e aquela garota parecia ansiosa por ter alguém de sua idade para conversar. Sentiu pena dela, mas não conseguia ficar à vontade em sua companhia.
Na manhã seguinte, viu a jovem professora de passagem, já que, felizmente, havia dormido até mais tarde.
- Aproveite bem as férias e pense em mim dando duro numa sala de aula enquanto você passeia - foi o comentário que a garota fez, enquanto arrumava os livros.
Tessa apenas sorriu, sem dizer para onde ia. A única coisa de que ela tinha certeza era de que não iria para a costa. Nas cidades litorâneas havia muitos repórteres e pretendia evítá-íos a qualquer custo. Não estava tão convencida assim de que seu disfarce fosse perfeito e temía ser descoberta.
Naquele dia, dirigiu vagarosamente. Não tinha pressa, já que não havia um destino específico onde tivesse que chegar à hora marcada. Era já um pouco tarde quando se viu numa estrada tortuosa entre plantações de cana. Teria que achar uma cidade antes que escurecesse, pois queria evitar de guiar à noite. Parou no acostamento e examinou o mapa. Para seu espanto, descobriu que não tinha a mínima ideia de onde estava. Dirigira sem prestar atenção aos sinais, se é que havia algum, e agora estava perdida.
- Totalmente desorganizada - censurou-se, enquanto atirava o mapa no banco traseiro, com raiva. Agora só lhe restava uma alternativa: procurar uma fazenda próxima e pedir informações. Só Deus sabe o que iriam pensar dela, mas, a menos que quisesse continuar perdida, teria que fazer isso mesmo.
A cinco quilometros viu um trator entrando por um portão que tinha uma placa com o nome "M. D. Craig" impresso. De um lado da estrada, a cana havia sido cortada, reparou, enquanto procurava a casa. Dirigindo em baixa velocidade, o interior do carro parecia um forno e gotas de suor se formavam em sua testa.
A casa logo surgiu à sua frente, mas não era exatamente o tipo de construção que se espera encontrar numa fazenda. Ao contrário das casas em estilo colonial que tinha visto pelo caminho, esta era térrea e de estilo moderno, construída no topo de uma colina com um jardim enorme se alastrando pelas encostas. O gramado era bem tratado e, entre rochas, cresciam plantas viçosas. O jardim eta formado principalmente por arbustos que não precisavam de atenção, reduzindo-se o trabalho do jardineiro a cortar a grama e aparar as copas dos arbustos. Era realmente uma vista agradável.
Tessa hesitou antes de tomar a estrada que conduzia a casa. Como seria recebida?, perguntou-se. De qualquer maneira, não tinha outra escolha, pois estava mais perdida que nunca e, para piorar a situação, começava a ficar escuro. Acelerou, e em instantes o Porshe parava em frente a uma casa branca com uma varanda de pedra polida e uma trepadeira de hera que subia por várias colunas.
Estava para sair do carro quando notou que alguém se aproximava. Era um dos homens mais charmosos que já tinha visto. Alto, os ombros largos, vestia calça jeans justa e camiseta vermelha. Os cabelos claros pareciam dourados ao sol e a pele era bem bronzeada. Era óbvio que estava com pressa, pois se dirigia ao carro a passos largos e firmes, abrindo a porta para ajudá-la a sair.
Tessa ergueu os olhos e, ao deparar com um par de olhos verdes, muito brilhantes, não conseguiu dizer uma palavra sequer enquanto se deixava levar em direção à casa. O homem, quem quer que fosse, estava de muito mau humor. Sem entender sua súbita perda de voz e as perturbadoras sensações causadas pelo contato da mão dele em seu braço, Tessa viu-se passando pela varanda e pela porta de carvalho e parando ao final da entrada que tinha uma atmosfera sofisticada e fria.
Ele parou por instantes a sua esquerda e, num esforço, ela conseguiu dizer:
- Gostaria de...
Mas foi interrompida de modo muito, rude:
- Minha mãe terá prazer em ajudá-la. Não tenho tempo nem disposição para isso. Assim falando, ele abriu a porta e a fez entrar.
CAPÍTULO II
Ao lado da janela que dava para o jardim havia uma senhora de cabelos grisalhos, confortavelmente instalada numa poltrona. Uma das pernas estava engessada e ela a mantinha esticada, com o pé apoiado num pufe de couro. O olhar que dirigiu a Tessa foi de espanto, fazendo-a sentir-se desconfortável, o coração batendo forte no peito. Tessa estava arrependida de ter parado para pedir informações, pois a aventura se tornava um pouco assustadora e misteriosa demais para seu gosto.
- Mãe, a sta. Emmerson acaba de chegar. - A voz dele era alta e clara. - Deixarei que lhe explique os detalhes.
- Mas não é possível! - Ela parecia incrédula, medindo Tessa da cabeça aos pés, fixando-se nos olhos igualmente assustados. - Acabei de falar com ela pelo telefone. Disse que não poderia mais ocupar o cargo de governanta porque a mãe está doente.
- Então, quem diabos é você? - A voz do homem já não era tão clara quanto antes, pelo contrário, demonstrava toda a fúria que sentia, fazendo Tessa recuar de medo.
- Eu ... Sou Tessa Smith. - Olhou para a mulher na cadeira, e estava a ponto de esclarecer tudo, quando viu que um sorriso se esboçava em seus lábios.
- Claro! Você deve ser a substituta que ela mencionou.
A esta altura, Tessa sentiu como se afundasse em areia movediça. O que estava acontecendo, afinal? Só o que queria era pedir alguma orientação, e em questão de minutos já havia sido tomada por governanta e, antes que pudesse esclarecer tudo, por sua substituta.
- Você é a substituta, não?
Tessa não sabia o que responder. Fitando aqueles olhos verdes tão parecidos com os do filho, teve a sensação de que uma espécie de mensagem de súplica estava sendo emitida em sua direção. Antes que se desse conta, fez que sim com a cabeça.
- Bom - murmurou o vulcão em ponto de erupção a seu lado. - Vou deixá-las a sós para que acertem os detalhes.
Tessa estava de pé e, por um momento, ficou olhando a seu redor. A mobília era moderna e confortável, os quadros, com certeza, eram autênticos, e novamente havia aquele ar de sofisticação tão inesperado numa casa de fazenda. Em sua rápida olhada, não pôde deixar de notar um piano no canto da sala e imaginou que fosse apenas um objeto de decoração.
- Suponho que esteja sonhando que somos loucos. - Uma voz suave a acordou das divagações.
- É, tenho de admitir que essa ideia me passou pela cabeça. Receio que tenham se enganado a meu respeito.. . Não fui mandada aqui por ninguém, eu apenas queria pedir algumas informações. Estou viajando em férias e acabei me perdendo.
A mulher sacudiu a cabeça, as mãos entrelaçadas sobre o colo.
- Posso lhe dizer onde está. Está no coração de uma região cana-vieira, a trinta quilometros de uma cidadezinha chamada Idwala, uma expressão zulu que significa "rocha grande". A cidade foi construída ao pé de uma colina cujo formato se assemelha ao de uma rocha, daí o nome.
- Obrigada. . . - Suspirou aliviada. - Sinto muito tê-los incomodado. Agora que já me localizei vou retomar a viagem.
- Um momento, por favor. Não acha que está se esquecendo de algo?
- Não, o que é?
Ela sorria com desdém.
- Você admitiu, na presença do meu filho Matthew, que era a substituta da srta. Emmerson que, infelizmente, não pôde vir.
- Aquilo foi apenas uma brincadeira.
- Para mim, não. Estava falando sério.
O silêncio que se seguiu era perturbador. É tudo positivamente ridículo, Tessa pensou, fora de si. Não tinha a mínima intenção de trabalhar como governanta ou o que quer que fosse para ninguém, nem mesmo para aquela gentil senhora de olhos interrogativos e imobilizada pelo gesso na perna.
- Mas, senhora.. . - titubeou.
- Craig, Ethel Craig, e aquele rapaz que a conduziu de modo tão rude até aqui é meu filho Matthew.
- Sra. Craig, sinto muito, mas não posso ficar aqui como sua governanta.
- Por quê?
Tessa não esperava por uma pergunta tão direta e por alguns minutos ficou sem saber o que dizer.
- Eu não. . .
- Sim, eu sei. Não está qualificada para este tipo de trabalho. Mas isso não importa. Simpatizo com você e, com o tempo, verá que temos muitas coisas em comum. Prefiro tê-la conosco a ter qualquer outra escolhida por Matthew.
- Mas nem me conhece! Sou uma estranha! - Desesperou-se. Como iria se livrar dessa? Aquela mulher parecia ter uma resposta para tudo e, curiosamente, Tessa descobria que simpatizava cada vez mais com ela.
- Bem, deixe-me explicar melhor a situação - ela começou calmamente.
- Na semana passada, caí da escada, enquanto arrumava a despensa e o resultado está aí, uma perna quebrada. Após esse acidente. Matthew achou melhor contratar alguém para me ajudar com os serviços domésticos. Alguém que pudesse, também, cuidar dos meus interesses pessoais e fazer-me companhia, enquanto eu estiver presa a esta cadeira. Se meu filho pareceu um pouco hostil, foi porque detesta a ideia de ter estranhos em casa, mas acha que é um mal que tem que ser tolerado, pelo menostemporariamente. Bem, quando a srta. Emmerson ligou e disse que não viria mais, tremí só de pensar quem Matthew colocaria no lugar dela.
O ar da simpática senhora era confidencial quando continuou:
- Sabe, não tive uma boa impressão dessa moça. Entretanto, para minha surpresa, mal desligo o telefone e você entra, sendo anunciada como a srta. Emmerson. Mas gosto de você! - havia ternura em sua voz. - Acho que seria agradável tê-la comigo o dia todo. Não poderia ficar? Pretendo pagá-la muito bem.
A soma mencionada surpreendeu Tessa,e ela sabia que qualquer garota simples não pensaria duas vezes antes de aceitar. Uma garota comum! Não era exatamente o que tentava ser? Apenas uma moça simples? Mas, por outro lado, trabalhar durante as férias não estava nos seus planos. Bem, pensou, que mal podia haver? Por que não? Poderia ser divertido. Seria, no mínimo, diferente, apesar dos modos rudes de Matthew.
- Sra. Craig ,tinha que escolher as palavras com cuidado , na realidade, não tenho nenhuma experiência neste tipo de trabalho.
- Sabe cozinhar?
- Sim, mas...
- Então está decidido. - Tocou a campainha ao lado da poltrona e, momentos depois, entrava uma empregada, usando uniforme verde e avental branco, engomado. - Por favor, leve as malas da srta. Smith para aquele quarto reservado a ela.
Surpresa com a própria relutância em contradize-la, Tessa já ia saindo quando foi chamada.
- Srta. Smith, nenhuma palavra sobre a conversa que tivemos. Para todos os efeitos, veio por recomendação da srta. Emmerson, Matthew, principalmente, não deve saber da verdade.
Seu coração deu um salto no peito. Com Matthew Craig, certamente, teria que ser muito cautelosa, mas, com um pouco de sorte, seus caminhos dificilmente se cruzariam.
- Eu me lembrarei disso, sra. Craig.
- Volte aqui assim que estiver pronta, está bem?
Mais tarde, as malas já desfeitas, Tessa olhava para o próprio reflexo no espelho. Você ficou louca, Theresa Ashton-Smythe? perguntou-se sarcasticamente. Por que não fez pé firme e recusou ser envolvida nessa situação?
Sacudiu a cabeça em sinal de desaprovação, pensando no que diriam os pais se soubessem. E se Matthew Craig descobrisse sua verdadeira identidade? Seria duplamente embaraçoso se descobrisse que não só não era a substituta, como também não era Tessa Smith como havia se apresentado.
Seu quarto não tinha nenhuma sofisticação. O carpete era de um tom rosa-claro com cortinas e colcha combinando. O guarda-roupa e a cómoda eram de madeira escura, assim como a penteadeira que tinha um espelho bem grande. Contra a parede, ficava a cama e, a seu lado, uma mesinha com um abajur. O quarto era, de fato, de uma simplicidade aconchegante.
O sol havia se posto, mas o calor do dia permanecia no ar. Tessa retocou de leve a maquilagem e, antes de ir ao encontro da sra. Craig, pensou bem no que diria se ela fizesse perguntas.
- Ah, aí está você! Sente-se. - Um sorriso iluminava seu rosto.
- Srta. Smith. . . bem. . . qual é mesmo seu primeiro nome?
-Tessa.
- Sim, Tessa. Pode me chamar de Ethel que eu a chamarei pelo primeiro nome. De onde você é?
Hesitando um pouco, respondeu:
- Joanesburgo, por quê?
- Curiosidade, apenas.
- Sra. Craig, isto é, Ethel, já pensou no risco que está correndo ao me contratar? Como sabe se não sou, digamos, mau caráter?
Novamente, havia aquele estranho sorriso no rosto dela.
- Você fala como uma pessoa culta. .. Sua voz, além de ser agradável de se ouvir, me diz que teve uma boa educação. Sinto, também, que uma tristeza muito grande aperta seu coração; está escrito em seus olhos.
Aquela mulher era muito mais perspicaz do que parecia e não seria nada fácil enganá-la. Mas era um desafio que Tessa estava disposta a aceitar.
- Não quer me contar qual a causa de sua infelicidade? - Ethel continuou.
- Se não se incomoda, prefiro não tocar no assunto.
- Talvez um dia, quando não se sentir tão machucada, você me conte - disse, resignada.
- Talvez... Por quanto tempo precisará dos meus serviços?
- Por seis semanas, mais ou menos, até que possa me mover livremente.
Conversaram um pouco sobre o tipo de trabalho que deveria ser feito, e depois Ethel contou-lhe sobre sua vida.
-- Meu marido morreu há muitos anos, e desde então Matthew dirige a fazenda. Tenho dois filhos: Matthew, de trinta anos, e Barry, seis anos mais novo, que não se interessa muito pelos assuntos da fazenda, embora more aqui conosco. Ele quer ir para a cidade, mas Matthew insiste em mantê-lo aqui e, como já deve ter percebido, o que ele diz é lei. Herdou a sensatez do pai e sempre sabe o que é melhor para todos nós.
- Eles não brigam? Afinal, Barry tem idade suficiente para guiar a.própria vida, no entanto. . .
-Bem, há discussões de vez em quando - ela admitiu -, mas Barry é mais maleável, não é tão inflexível quanto o irmão. Ele é também mais estourado, como eu, e Malthew acha melhor vigiá-lo de perto até que tenha juízo suficiente.
- Como pretende se locomover?
- Compramos uma cadeira de rodas que está ali no canto. É confortável e me permite ir a praticamente todos os cantos da casa. Por falar nisso, com sua ajuda poderei mostrar-lhe os demais comodos.
- Matthew não vai achar ruim? - A última coisa que queria era causar algum atrito.
- Não, ele não morde - Ethel brincou.
Tessa ajudou-a a sentar-se na cadeira de rodas sem qualquer dificuldade, já que era de porte frágil. As duas passaram por toda a casa até chegarem à cozinha, onde havia um fogão à lenha muito antigo.
- É. . . é isso que usam para cozinha? - Tessa murmurou, enquanto olhava firmemente para o objeto que pensava nem mais existir. Achou que era muito primitivo ao ouvir as explicações sobre seu funcionamento, - Quando gostaria que começasse?
- Quanto antes tomar contato com o novo ambiente, melhor. Daisy - ela referia-se à empregada zulu - vai ajudá-la no que precisar. Bem, menina, leve-me de volta à sala e mãos à obra!
Foi exatamente o que Tessa fez. Quando o jantar. estava pronto, suspirou aliviada. Até que tinha se saído bem, graças aos ensinamentos de seu cozinheiro, Havia sujeira na testa, o nariz brilhava e as maçãs do rosto estavam coradas pelo calor do fogo. Na verdade, sentia-se imunda.
- Olá!
Um rapaz estava à porta. Tinha cabelos castanho-escuros e sorridentes olhos acizentados que a examinavam com interesse.
- Não me diga que é a terrível srta, Emmerson que todos temiam encontrar - gracejou, caminhando em sua direção.
- Sou a substituta dela.
- Seja bem-vinda ao nosso humilde lar, srta.. .
- Smith.
- Smith? E seu outro nome?
- É Tessa.
- Tessa. . . - Parecia estar degustando o nome, como um provar de vinhos.
- Gostei. Posso tratá-la por Tessa?
- Claro! - Ela não sabia ao certo como reagir.
Então, de modo brincalhão, fazendo uma reverência, ele disse:
- Srta. Tessa Smith, Barry Craig às suas ordens. Espero que sua estada seja das mais agradáveis. Da minha parte, posso lhe garantir que estou encantado com a substituição,
Tessa sentiu-se mais relaxada e, assumindo o mesmo tom de brincadeira, perguntou:
- Posso tomar como um elogio ou diz isso para todas? Ele colocou a mão sobre o peito, fingindo estar indignado.
- Não está sendo justa comigo.
- Não sei, não... - murmurou, feliz porque, pela primeira vez, estava sendo tratada como uma garota comum.
- Quando será sua noite de folga?
- Sr. Craig, mal cheguei. . . - protestou, sorrindo.
- E isso faz alguma diferença? Aliás, meu nome é Barry.
- Sou uma empregada de sua mãe e não acho que... - ia dizendo isso quando foi interrompida pela chegada de Matthew, que já vinha com um inconfundível olhar de ameaça,
Barry tratou logo de ir saindo e ela encarou Matthew com a estranha sensação de que tinha cometido uma falta. Instintivamente, cololcou as mãos para trás, esperando a bronca. O olhar de Mattbew era de desaprovação, mas Tessa tinha de admitir que ele era muito atraente, apesar do ar austero, e a presença dele exercia um estranho poder sobre seus nervos; era quase como se estivesse sendo tocada. A esta altura, esforçou-se em tirar essas ideias perturbadoras da cabeça.
- Srta. Smith... devo lembrá-la de que foi contratada para ajudar minha mãe, não para entreter meu irmão.
- Mas. . .
- Agradeceria se ficasse em seu lugar - interrompeu-a com uma rudeza que chegou a magoá-la e, sem mais. saiu da cozinha, os passos ecoando no corredor.
Como ele ousa falar dessa maneira comigo?, Tessa se perguntou, realmente furiosa. Mas, voltando a si, lembrou-se de seu novo papel, era uma simples empregada e tinha que ter isso sempre em mente,como Matthew a aconselhara. Entretanto, não conseguia controlar a raiva. Ele era arrogante e grosso e o odiava!
Apesar da insistência de Ethel para que se sentasse com eles à mesa na sala de jantar, Tessa não cedeu na decisão de comer na cozinha. Matthew tinha sido bem claro quanto à sua posição naquela casa e jamais esqueceria isso, ele tinha o poder de irritá-la e, num acesso de raiva, poderia se descontrolar e pôr tudo a perder. Quanto menos o visse melhor, decidiu com firmeza, embora soubesse que seria difícil, uma vez que estavam sob o mesmo teto.
Após o jantar foi ajudar Ethel a se deitar. Era uma experiência nova e, pela primeira vez, sentia-se útil para alguém. Quando a senhora já estava confonavelmente sentada na cama, recostada em alguns travesseiros, Tessa fez menção de sair.
- Não vá ainda, por favor. Fique um pouquinho mais, vamos conversar.
- Pensei que ia ler um pouco.
- Tenho o dia todo para ler. Fique e converse comigo, menina, senão morrerei de tédio,
- Receio que não seja a companhia ideal. Não sou de muita conversa, a senhora entende, não é? Não tenho muita experiência. . .
- Pelo menos é honesta - disse gentilmente -, e deve haver muitas perguntas que gostaria de me fazer. Por que não começamos por aí?
- Não vai me achar indelicada?
- Minha querida, eu mesma estou lhe dando a chance de perguntar, não é?
Tessa fez um gesto afirmativo com a cabeça e relaxou.
- Há quanto tempo mora aqui? - Era uma pergunta boba, mas foi a primeira que lhe ocorreu.
- Há trinta e quatro anos. Quase uma vida inteira, eu diria.
Os olhos de Tessa percorreram o quarto e observou, quase para si mesma:
- Esta casa não é velha.
- Tem razão, não é velha. Há quatro anos, houve um incêndio no canavial. O fogo se alastrou com o vento, atingindo a casa que,na época era coberta de palha, e, ...- ela gesticulava expressivamente com as mãos - a casa queimou toda.
- São frequentes os incêndios nos canaviais?
- Não. mas as vezes acontece.
Neste instante, ouviu-se a voz de Matthew. Foi o bastante para . deixar Tessa tensa.
- Seu filho se opõe tanto assim à ideia de ter alguém estranho em casa?
Ethel deu uma risada gostosa,
- Odeia a ideia mas, como já disse, aceita-a como um mal necessário. Não deixe que sua atitude a incomode, acabará se acostumando com sua presença.
- Quem se acostumará com o quê? - A voz vinha da porta, e fez Tessa pular da cadeira, assustada.
Malthew entrou trazendo consigo uma aura máscula que perturbava Tessa imensamente. Havia trocado o jeans e a camiseta vermelha por calça de flanela bege e camisa verde que combinava com os olhos. . . olhos que pareciam examinar cada detalhe de seu corpo de relance.
- Matthew, que bom que veio bater um papo comigo! Sente-se a meu lado. - Ethel indicou a beira da cama.
- Não responderam à pergunta - ele insistiu, dirigindo-se a Tessa que, a esta altura, queria sumir dali.
- Estava apenas dizendo que, com o tempo, a gente acaba se acostumando com a ideia de ficar semi-inválida. - Ethel veio em seu socorro.
- Se me dão licença. . .
- Srta. Smith!
Ao som daquele chamado autoritário, Tessa parou e, lentamente, virou o rosto na direção dele, com as mãos para trás. Ao deparar com aquele par de olhos verdes, sentiu o sangue subir-lhe à face.
Que homem mais abominável!, pensou. Era óbvio que não perderia mais esta chance de humilhá-la.
- Em que trabalhava anteriormente? - Matthew quis saber sem mais nem menos.
- Bem, eu. ...- era horrível sentir-se acuada - trabalhei um pouco como atriz. recepcionista e secretária. -- O que não chegava a ser uma mentira, graças às festas e bazares de caridade promovidos pela mãe.
- Suponho que tenha referências.
- Eu... eu...
- Claro que tem, meu. filho, eu as vi e estou inteiramente satisfeita.
- Bem, aceitarei sua palavra, mãe. -mas a curiosidade dele ainda não estava saciada. - Tem alguma dificuldade em falar? Pergunto porque está sempre gaguejando.
- Não, nem sempre.- Tessa tentava recobrar a calma.
- Então, presumo que esteja com medo de algo - ele deduziu. - Está escondendo alguma coisa, srta. Smith?
- Francamente, Matthew! - Ethel estava zangada. - Não acha que está indo longe demais?
- Pode deixar. - Tessa se adiantou, mal conseguindo conter a ira ao encarar seu interrogador. - Não tenho nada para esconder, sr. Craig, pelo menos, nada que seja de seu interesse.
- Será que sou eu quem a amedronta?
- Nem um pouco.
Matthew calou-se, mas podia se ver escrito em sua testa: "mentirosa". Antes que o interrogatório recomeçasse, Tessa vírou-se e saiu rapidamente do quarto, passando pelo corredor até a varanda, a procura de ar fresco e solidão, mas, na pressa colidiu violentamente com alguém, no escuro.
- Ei! Onde é o fogo?
Era Barry e Tessa sentiu um grande alívio.
- Sinto muito, Barry, não o vi no escuro.
- Ainda bem que não esbarrou em nenhuma daquelas colunas de pedra - ele gracejou. - Por que a pressa?
- Eu. . . eu queria dar uma volta - explicou, na falta de uma desculpa melhor.
- Matthew te deu alguma dura?
- Não exatamente. Por quê?
- Pensei que fosse. - Ficou calado por um momento e, então, pegou o braço dela. Se quer dar uma volta, é melhor acompanhá-la ou vai acabar se perdendo.
- No jardim? - Riu, recobrando a calma pouco a pouco.
- À noite o jardim parece não ter mais fim e, quando menos esperar, estará perdida no meio dos canaviais - ele explicou, andando devagar ao lado dela.
Permaneceram calados. Tessa sentindo o forte perfume de flores no ar.
- É bem calmo aqui - ela observou afinal, lamentando ter quebrado o silêncio.
- Calmo demais para o meu gosto. - Havia amargura em sua voz. - O silêncio às vezes dá uma depressão na gente.
- Não é possível que prefira trocar a paz e tranquilidade daqui pela vida louca e atribulada da cidade.
- Diz isso porque está aqui há pouco tempo. Espere para ver o que acontece depois de um mês ou dois. O silêncio e a monotonia deixam qualquer um maluco.
- Acha que a vida na cidade nunca é monótona?
- Com tudo que há para ver e fazer lá? - Barry riu, incrédulo.- Deve estar brincando!
- O que aconteceria depois que visse e fizesse de tudo? Continuaram caminhando em silêncio, enquanto Barry matutava sobre a pergunta.
- Ninguém melhor que você que vem de Joanesburgo para responder.
- Sr. Craig. . .
- Barry. . . lembra-se?
- Muito bem. Barry - corrigiu, sorrindo para si mesma no escuro. - Qual a verdadeira razão de querer ir para a cidade? Não seria a vontade de se livrar do domínio de seu irmão?
- É bem espertinha, hein? - ele brincou, apertando o braço dela. - Sim, é realmente o que quero. Matthew diz que preciso aprender o que é disciplina, e às vezes até concordo. Estou cansado de receber ordens, mas não adianta discutir, pois, bem no fundo, sei que tem razão. Ele é sensato, firme e alguém em quem se pode contar. - Novamente, havia uma certa amargura em sua voz. - Matthew sempre sabe o que é melhor. Pode ser dominador, mas um conselho seu não é de se jogar fora, embora eu já tenha discordado de muitos só para mostrar que tenho vontade própria. Depois me. arrependo e todos ficam achando que sou um irresponsável e indisciplinado. Ultimamente, tenho me sentido deslocado e desanimado, e talvez por isso a vida da cidade me atraia tanto.
O silêncio reinou uma vez mais e Tessa não pôde deixar de sentir simpatia pelo caçula da família Craig.
- Não sei por que estou incomodando você com meus problemas...,era como se ele estivesse se desculpando. - Mas, de qualquer maneira, foi muito bom conversarmos. Sabe, é uma boa ouvinte!
- E uma estranha, também. Às vezes fica mais fácil abrir-se com estranhos do que com os mais íntimos.
- Pode ser. . .
A lua surgiu timidamente por detrás das nuvens e os raios banhavam o jardim, emprestando-lhe um ar magnético; dois vultos podiam ser vistos, caminhando lentamente em direção à casa. A luz ainda estava acesa no quarto de Ethel, despertando a curiosidade de Tessa. Será que Matthew ainda estava lá? Daria tudo para saber sobre o que conversavam. Era bem capaz que ele tentasse extrair mais informações sobre a nova empregada. Ao pensar nessa possibilidade, um tremor percorreu-lhe o corpo. Talvez tivesse sido imprudente de sua parte aceitar, tão prontamente, a oferta de Ethel, considerando as circunstâncias.
- Está com frio? - Barry parecia ter percebido seu tremor.
- Não, foram apenas alguns pensamentos desagradáveis - admitiu, mudando rapidamente de assunto. - Já pensou na possibilidade de cultivar um pedaço de terra só seu e administrá-lo sozinho?
- Já. Cheguei até a conversar com Matthew a respeito, mas ele não me considera capaz de arcar com tanta responsabilidade. - Seu tom era de raiva. - Se pudesse convencê-lo do contrário! Herdamos a fazenda juntos e sugeri que pagasse minha parte em dinheiro para que pudesse comprar um terreno, mas ele não quis nem me ouvir,
- Que ridículo! Ele tem que entender seu ponto de vista, seu desejo de ter a própria vida. Será que não percebe que já não é mais uma criança e pode perfeitamente tomar decisões?
Barry deu um suspiro.
- É isso aí. Aprontei tantas que ninguém acredita na minha capacidade.
- Mas, se reconhece ter passado dos limites, por que continua a1 agir da mesma forma?
Ele balançou os ombros com ar de pouco-caso.
- Criancice, suponho. É a única explicação que posso dar.
- De onde se concluí que é o único responsável pela situação em que se encontra agora.
À luz da lua, ela pôde ver uma expressão pensativa no rosto dele.
- Tem razão, sou o único responsável.
- Posso entendê-lo - Tessa sussurrou, compreensiva. - Agiria| da mesma forma contra qualquer espécie de domínio, por mais bem intencionado que fosse.
Uma risada gostosa ecoou por todo o jardim.
- Temos almas gêmeas, então! Tenho a leve impressão de que vamos nos dar muito bem, Theresa Smith.
Ao ouvir seu nome pronunciado por inteiro, Tessa sentiu o coração pular alto.
- Per que me chamou de Theresa?
- Tessa vem de Theresa, não é?.
- Bem, sim.,. - Teve que respirar fundo para se controlar. - Mas preferia que me chamasse de Tessa.
- Está bem, Tessa.
Para sua tristeza, encontraram Matthew, fumando na varanda.
- Mamãe está esperando para lhe dar boa-noite. - Como sempre, seu tom era ríspido.
- Estou indo - Barry respondeu, despedindo-se de Tessa.
Ela pretendia segui-lo, mas foi impedida por uma mão que agarrou firmemente seu braço.
- Um momenío, srta. Smith.
Tessa estava dura como uma estátua de pedra, sentindo novamente aquela estranha sensação no contato com ele. Mas preferiu atribuir isso à força com que a apertava.
- Está me machucando!
- Desculpe. - Soltou-a imediatamente.
Na escuridão da noite, não se podia distinguir os olhos verdes, mas o perfume da loção pós-barba misturada ao cheiro de tabaco tornava-a mais consciente da presença de Matthew. Podia sentir um certo perigo no ar, embora não soubesse bem de onde vinha.
__ Queria falar comigo? - perguntou nervosa, não aguentando mais o silêncio.
- Sim. - Ele jogou o toco do cigarro, amassando-o com o pé.
__ Pensei que tivesse ficado claro que seu negócio aqui não é com meu irmão.
Os olhos de Tessa faiscaram de ódio.
- Sim, sr. Craig, entendi perfeitamente. Acontece que vim tomar um pouco de ar fresco e, literalmente, esbarrei nele. Ele insistiu em me fazer companhia, e para não ser indelicada deixei que ficasse. - Seu olhar era, agora, de desafio. - Para ser sincera, apreciei imensamente a companhia dele e não vejo razão para evitá-la.
- Não perde tempo, não é?
- Como assim? - Claro que sabia a que ele se referia e já não podia disfarçar a raiva.
- Quero dizer que não perde tempo em se aproximar dos homens.
- Será que está despeitado por não ter sido abordado?
Mal acabou de falar e já se arrependia, vendo o quanto suas palavras o chocaram.
- Não quero nada com mulheres do seu tipo. - Sua voz era mais gelada do que os ventos frios de inverno.
- E que tipo acha que sou? - desafiou-o.
- O tipo que venderia a alma por dinheiro - disse, sem pestanejar. - Mas comigo por perto não terá nenhuma chance!
Então era isso que pensava dela? Uma caça-dotes? Estava tão surpresa que não se conteve e caiu na risada. Se ele soubesse!
- Boa noite, sr. Craig - conseguiu dizer em meio à risada e retirou-se.
Ao chegar à privacidade do quarto, o riso deu lugar a uma inexplicável tristeza. O que importava o que ele pensava dela?, se perguntou. O mais curioso, no entanto, era que realmente se importava tom isso. Era ridículo que a opinião de alguém que mal conhecia tivesse tanta importância assim, mas os esforços que fez naquela noite para não pensar mais nele foram em vão.
CAPÍTULO III
Tessa teve uma noite agitada, pensando sobre o rumo que as coisas tomaram. Sua nova imagem era um desafio que tinha aceitado, mas não podia deixar de se perguntar: será que me arrependerei no futuro?
Por algum motivo, Matthew suspeitava dela e, pensando bem, ela mesma havia lhe dado razões. Se tosse mesmo a substituta da tal srta. Emmerson, agiria com mais tranquilidade e teria referências para confirmar sua idoneidade e capacidade; em vez disso, só o que havia demonstrado era falta de segurança e profissionalismo, dando sempre respostas vagas. Sabia que não seria perdoada se ele descobrisse que estava sendo enganado.
Às cinco e meia estava de pé, devidamente vestida, e tentando não fazer barulho, foi para a cozinha preparar o café. Quinze minutos haviam se passado e ainda se encontrava às voltas com o fogão. A paciência começava a se esgotar e, numa última tentativa, riscou outro fósforo; a única coisa que conseguiu foi queimar o dedo.
- Droga! - praguejou baixo, chupando o dedo queimado.
- Algum problema?
Tessa pulou de susto e seu coração disparou ao som daquela voz. Matthew estava recostado à porta, de braços cruzados, com um ar sarcástico.
- O fogo não pega.
O olhar dele parecia queimá-la e, para aumentar seu embaraço, ela corou. Como odiava aquele homem tão arrogante e cheio de si!
- Talvez possa ajudá-la.
Era evidente que sentia grande prazer era enfatizar a incapacidade dela. Entretanto, Tessa nada podia fazer, pois tinha sido mesmo incapaz de acender o fogo.Sentiu-se uma boba ao ouviv as explicações tão simples de como proceder.
Finalmente, o maldito fogo foi aceso. Ao ver as chamas crescendo, Matthew olhou-a fixamente, deleitando-se com a situação. - Viu como é fácil quando se sabe como fazer?
__ Obrigada pela ajuda, sr. Craig. Sinto muito tê-lo incomodado.
__ Incomodo nenhum - disse casualmente. - Queria ter certeza de que tomaria café antes de eu ir para os campos. A porta, antes de sair, ele ainda se virou para falar: - Aliás, há uma mancha preta em seu nariz. - E desapareceu pelo corredor.
Tessa instintivamente levou a mão ao nariz. Estava a ponto de chorar de raiva. Por que tinha que fazê-la de boba?
Colocou a chaleira no fogo e, enquanto esperava a água ferver, tentou imaginar a reação dos pais ao vê-la naquele instante. A mãe ficaria transtornada, ao passo que o pai acharia tudo uma grande piada. Logo, logo deveria escrever-lhes mandando notícias, como havia prometido. Jamais teria passado pela sua cabeça que acabaria empregada sem nem ao menos se candidatar a um emprego, pensou com um sorriso.
- Algo a diverte?
A expressão divertida sumiu de seu rosto. Matthew havia voltado silenciosamente, puxado uma cadeira e sentado, deixando-a tensa. Foi então que percebeu como ele estava atraente em um conjunto caqui contrastado com a pele bronzeada, os cabelos ainda úmidos e penteados para trás. Sem saber por quê, pensou que seu pai o aprovaria, pois, segundo Barry e a mãe, era sensato e alguém em quem se podia confiar, duas qualidades que Philip admirava nas pessoas.
Os olhos verdes tinham uma expressão indagadora e, percebendo que não tinha tirado os olhos dele desde que entrou, Tessa se virou rapidamente, vermelha como um pimentão.
- Gostaria de saber o que a fazia rir quando entrei - ele insistiu, recebendo uma xícara de café das mãos dela.
- Não sou de rir por qualquer coisa - procurou concentrar-se na bandeja que preparava para Ethel.
- Verdade? - Pensativamente, tomou um gole de café. -- Algo que eu disse fez com que você risse.
- Você não entenderia. - Seu coração batia tão fortemente que leve receio que as batidas fossem ouvidas.
Ele parece um tigre prestes a dar o bote, pensou, recuando mentalmente e dando graças a Deus por ter algo com que ocupar as mãos.
- Por que não confia seu segredo a mim? Sou um bom ouvinte.
- Não tenho segredo nenhum -- replicou friamente, um nó na garganta. - E, mesmo que tivesse, certamente não o escolheria para confidente.
A expressão do rosto dele endureceu.
- Ainda terá que confiar em mim, e quando isso acontecer. . . - os lábios se contraíram - corre o risco de me encontrar menos disposto a ouvi-la do que hoje.
Tessa conseguiu escapar para o quarto de Ethel com a bandeja de café. Não teria aguentado ficar nem mais um minuto naquela cozinha com ele e pensava em pedir que Ethel a liberasse imediatamente. Covarde!, sua consciência a acusava.
- Parece preocupada. O que houve?
- Ethel, acho que não foi. mesmo uma boa ideia contratar-me. Não estou capacitada para o serviço.
- Que bobagem! Não acha que cabe a mim julgar se está ou não qualificada?
- Pois é. Nem lhe ofereci referências para que me julgasse melhor. O que realmente sabe de mim? Como pode ter certeza de que não trairei sua confiança?
- Confio inteiramente em você.
Tais palavras tão sinceras a inquietaram ainda mais.
- Se descobrisse que eu. . . menti, o que diria?
- Bem, diria que teve uma boa razão para fazer isso.
Como um desabafo, falou:
- Seu filho. Mathew, não gosta de mim e acho que a melhor coisa seria contratar outra pessoa. . . mais qualificada.
- A lhe disse que ele era um pouco intransigente com estranhos. Só o que precisa é de tempo para conhecê-la melhor e se acostumar com sua presença na casa, minha querida.
- Duvido que isso aconteça. Nas poucas vezes em que estivemos juntos, chegamos bem perto de uma declaração de guerra.
- Deixar o emprego é o mesmo que admitir a derrota, e estará fazendo o jogo dele.
Um desafio era algo que Tessa não podia recusar. Se houvesse uma guerra aberta entre eles, pelo menos tinha o apoio da mãe dele.
Mais tarde. Barry entrou na cozinha e, instintivamente, Tessa espiou para ver se Matthew estava atrás dele.
- Não se preocupe, estou só. - Ele havia percebido seu gesto. - Posso tomar um chá?
- Sim. Vou pôr a água para ferver. Experimente um desses enquanto espera. - Apontou para um prato de biscoitos recém-saídos do forno.
- Hum. . . foi você quem fez?
- Sim, com a ajuda de Daisy, é claro. Ela é uma maravilha para explicar as coisas.
- Estão deliciosos. . . - aprovou. - Vou pegar mais um. Tessa estava concentrada em tirar fornada de biscoitos do forno.
- Onde está mamãe?
- Na sala escrevendo umas cartas. Por que não vai fazer companhia a ela enquanto preparo o chá? - Na verdade, não se sentia à vontade com e!e ali.
- Está querendo se livrar de mim?
- Não, mas não gostaria que seu irmão nos visse conversando na cozinha. - Sentia-se como uma criança fazendo travessura. Matthew havia mandado que se afastasse de Barry e, apesar de não querer dar-lhe atenção, não podia deixar de sentir que estava desobedecendo ordens. Como odiava aquela atitude superior de!e!
- Ele suspeita de você, sabia? - Tessa virou-se. - Diz que não tem mãos de quem dá duro e que nenhuma garota que tenha que trabalhar para se sustentar poderia ter um Porsche último tipo, a menos que... - Parou, percebendo que ia longe demais.
- A menos que o quê? Vamos, diga, foi longe demais para parar.
- A menos que -- ele recomeçou, servindo-se de outro biscoito - o conseguisse fazendo um trabalhinho extra.. . se entende o que quero dizer. . .
0 sangue subiu-lhe à cabeça.
- Então é isso que ele pensa de mim?
As insinuações eram mais do que claras. Matthew a via como uma garota fácil e, pelo pouco que o conhecia, faria tudo para provar que estava certo, Arrepiou-se só de pensar nisso. Pressentiu desde o começo que não deveria ter parado para pedir informações: gora, encontrava-se numa situação bastante embaraçosa.
- Não disse que ele pensa mal de você. mas sim que suspeita de. algo. - Barry tentava consertar a situação. - Por falar nisso, onde conseguiu aquele carro?
O rosto de Tessa alegrou-se ao dizer:
- Foi presente de duas pessoas muito queridas..
- Você trabalhava para eles?
- Não.
- Então como..,
- Não me faça mais perguntas, por favor - interrompeu-o e foi tirar a chaleira do fogo.
- Você é tão misteriosa, Tessa... Sabe que mistérios são o meu fraco?
- Não deixe que sua imaginação o leve muito longe - aconselhou. - Sou apenas uma garota como outra qualquer, dando o melhor de si no trabalho.
Das janelas da cozinha podia-se ter uma vista magnífica, do vale e das plantações que se estendiam até onde os olhos podiam alcançar. Ao soprar de um vento suave, no fim da tarde, a paisagem ganhava vida e movimento com o canavial todo se balançando ao sabor da brisa.
Tessa sentia a cabeça fervilhar. Não podia culpar Matthew por especular sobre seu caráter, pois ninguém sabia de seu passado. Pensou até que seria melhor contar-lhe toda a verdade em vez de deixá-lo alimentar ideias falsas a seu respeito. Sabia que ninguém gosta de ser enganado, muito menos ele. Era muito orgulhoso e, acima de tudo, um homem honesto.
- Bom dia, mãe.Matthew entrou sem dar a mínima atenção a Tessa, o que a magoou profundamente. Preferia mil vezes tê-lo como amigo do que como inimigo.
- Terei que ir a Idwala esta tarde - comunicou, puxando uma cadeira perto da mãe. - Quer que lhe traga algo? Ethel ficou pensativa por um momento.
- Não, gostaria apenas que pusesse estas cartas no correio - pediu, apontando paraas cartas sobre a mesa. - Ah. . . tem algo que poderia fazer por mim. Por que não leva Tessa junto para mostrar-lhe a cidade?
Ele ergueu as sobrancelhas e parecia a ponto de recusar quando Tessa se antecipou em dizer:
- Ah, por favor, estou certa de que o sr. Craig não gostaria da ideia de andar comigo a tiracolo.
- Bobagem, Matthew não se importará, não é, meu filho?
- Bem, eu...
- Há também o jantar a ser preparado. - Tessa se intrometeu novamente, mordendo os lábios. - Não poderia mesmo ir.
- Daisy pode muito bem arrumar tudo até você voltar. Você mesma poderia colocar as cartas no correio. Afinal, isso também faz parte de suas tarefas.
- Bem, já que é assim, acho que não terei como recusar - disse, notando a expressão nada animadora dele.
- Sairei logo após o almoço - Matthew avisou secamente, pondo-se de pé. - E não me faça esperar. - Sem mais, virou-se e saiu.
- Não entendo o que se passa com ele. - Ethel estava nitidamente embaraçada. - Tão rude, sem necessidade alguma! Peço-lhe desculpas por ele. . . Deve estar preocupado com alguma coisa, pois ele não é assim.
Não era difícil adivinhar o motivo de sua inquietação, mas Tessa optou por ficar calada e tentou tranquilizá-la:
- Por favor, não deixe que isso a aborreça. Está sendo cauteloso e a senhora deveria agradecer por ele ser assim.
- Isso não justifica sua grossura. Nunca o vi tão perturbado!
- O que acha que faria se descobrisse que não fui indicada pela srta. Emmerson e que eu...
- Ficaria furioso, é claro. -- Ethel a interrompeu. - Naturalmente vou contar-lhe tudo depois que você for embora. Tenho certeza de que entenderá meus motivos,
Tessa só queria ser uma mosquínha para presenciar a reação de Matthew quando soubesse de tudo. Seria engraçado!
Marthew parecia determinado a permanecer calado durante toda a viagem, e o pior era que Tessa não conseguia pensar em nada para quebrar aquele silêncio torturante. Pena que ele não a tivesse aceitado com a mesma facilidade que Barry.
Antes do almoço tinha escrito uma carta aos pais, informando-os da estranha situação em que se encontrava e lembrando-se de que, se quisessem escrever-lhe, mandassem a carta para Tessa Smith. E lógico que não havia sido louca de contar a "calorosa" recepção de Matthew, pintando o quadro da melhor maneira que pôde. Torcia para que ele não a acompanhasse ao correio; já tinha motivos de sobra para desconfiar dela.
Seu rosto atraente não demonstrava o que sentia e os olhos não se desviavam nem por um minuto da estrada. Em que estaria pensando? Observando as rugas de perto da área dos olhos, Tessa se deu conta de que nunca o tinha visto sorrir.
Ele devia ter percebido que estava sendo observado., pois olhou para ela de relance antes de concentrar-se de novo na estrada. Mais do que depressa, Tessa desviou o olhar e começou a se entreter com a fivela da bolsa.
- Acho que lhe devo desculpas por ter, de certa maneira, forçado a minha vinda. - Enfim, ela achou uma maneira de quebrar o silêncio.
- Pelo menos não será uma viagem totalmente inútil, pois, de agora em diante, poderá vir a Idwaia sozinha.
- Não pense que estou gostando da viagem mais do que você. - Havia veneno na declaração. - Estou odiando cada minuto dela e nem quero pensar na ideia de repeti-la.
- É um alívio saber que é assim que se sente. - Seu tom era conclusivo, mas Tessa não ia desistir.
- Por que tem tanta raiva de mim?
- Está enganada. Não gosto nem desgosto de você. Só isso.
- Então, por que é tão ríspido comigo? - insistiu, buscando conseguir uma trégua.
- Se fui rude, peço desculpas - retrucou secamente. - Ao que parece, minha atitude a magoou... Ou será que está tão acostumada a ter os homens a seus pés que uma atitude distante a desagrada?
- Isso nem me passou pela cabeça. - Esforçava-se em manter o controle, apesar de eslar fervendo por dentro. - Só queria que soubesse o quanto isso aborrece sua mãe. Embora nossos genios sejam incompatíveis, esperava que pudéssemos agir de maneira civilizada pelo menos na frente dela.
Ele parou no acostamento, puxando o breque.
- O que entende por maneira civilizada? - Havia um tom de troça em sua voz,
- Certamente não é do tipo da que você tem em mente! - E, dizendo isso, instintivamente recuou o mais que pôde, para se manter fora do alcance de suas mãos.
- Que decepção, Tessa! - Olhava-a insistentemente e se aproximava mais e mais. - Então, o_ que tinha em mente?
Aquela proximidade a perturbava.
- Eu... pensei em uma trégua que duraria, no máximo, seis semanas. Tempo suficiente para sua mãe se restabelecer por completo.
O olhar de Matthew continuava cravado nela, chegando a atemorizá-la. Então, quando ele se afastou e deu a partida, Tessa sentiu-se aliviada.
- Concordo com a trégua. Mas isso não quer dizer que estou inteiramente satisfeito.
Idwaia não era uma cidade grande e Tessa pôde relaxar um pouco, já que Matthew a havia deixado ir sozinha ao correio, marcando uma hora para se encontrarem no estacionamento. Após ter remetido as cartas, ela teve tempo para dar uma olhada nas vitrines e comprar umas revistas. Depois, tratou de voltar ao carro com receio de fazê-lo esperar.
Estava tão concentrada numa das revistas que nem notou a chegada de Matthew, Somente se deu conta de sua presença quando o ouviu propor:
- Que tal tomarmos um chá antes de ir?
Aquele convite era tão inesperado que, por instantes, Tessa ficou sem saber o que dizer.
- Se não quiser, entenderei. - Suas feições indicavam que já estava se irritando. - Só pensei que poderíamos celebrar nosso acordo.
- Adoraria. - Apressou-se em aceitar, temendo que uma hesitação pudesse irritá-lo ainda mais.
Já dentro do café, ele comentou:
- Você pareceu surpresa com o convite.
- É, realmente não esperava. - Era terrível estar ali sentada na frente dele, com apenas aquela mesa separando-os, sem a mínima idéia do verdadeiro motivo daquele convite.
- Não foi você mesma quem propôs a trégua?
- Sim, mas...
- Quer voltar atrás?
- Não! - Tessa reagiu violentamente. - Não, não quero. Apenas não contava que aceitasse tão depressa.
O chá foi trazido interrompendo a conversa, Tessa o serviu e suas mãos tremiam ao sentir-se observada.
- Diga-me, srta. Smirh. Por que, ao contrário da maioria das moças, hoje em dia, prefere ter empregos temporários, como esse? Tem algo contra um emprego permanente?
- Não, absolutamente - murmurou, um tanto confusa com a pergunta. - Digamos que faz parte do meu temperamento.
Sabia que seria muito difícil enganar alguém como ele e, da maneira como a questionava, sabia que não descansaria enquanto não descobrisse toda a verdade.
- Não sei como explicar, mas algo me diz que não está dizendo a verdade. - Inclinou-se, mais na direção dela, os olhos verdes brilhando ameaçadoramente. - Espero estar enganado.
Tessa sentiu como se estivesse sendo esganada por um gigante, O que poderia dizer para apagar as suspeitas? Contar-lhe a verdade? Seu desejo de passar despercebida, de ser aceita pelo que era, lhe parecia ridículo, ele nunca atenderia. No entanto, guardar segredo implicaria em mais mentiras, o que já se tornava cansativo.
- Sr. Craig, por que não me aceita como sou? - Seus olhos azuis suplicavam com sinceridade. - Estou aqui para ajudar sua mãe e farei o melhor possível, prometo.
- Tem alguma coisa em você que me soa falso, mas até agora não pude descobrir o que é. - Havia determinação no olhar dele. - Não há de ser nada, mais dia menos dia acabo descobrindo, não se preocupe.
Na viagem de votta, Tessa sentia a mente em total estado de caos. Não sabia ao certo o que temia mais: que ele descobrisse sua verdadeira identidade ou que suas emoções .a levassem a um envolvimento maior com ele.
- Há uma última coisa que gostaria de discutir com você. Trata-se de sua recusa em fazer as refeições com a família.
- Sinceramente, prefiro. ..
- Não me importa o que prefere ou deixa de preferir - ele disse, agora tão rude quanto antes. - Daqui para a frente, comerá conosco. E isso é uma ordem!
CAPITULO IV
Os temores de Tessa foram diminuindo no decorrer dos dias. Desde que Matthew havia concordado com a trégua, as atitudes dele eram amáveis. Se ainda suspeitava de algo, nada demonstrava. Ela sabia que a segurança que sentia era falsa, mas os laços de amizade com Ethel e os dois filhos se estreitavam e não queria estragar tudo com pensamentos pessimistas.
A temporada de colheita havia começado para os plantadores de cana, e as duas mulheres ficavam praticamente sós durante todo o dia. Os dois irmãos ficavam nas plantações supervisionando os trabalhos e raramente voltavam antes do anoitecer. Após o jantar, Barry sempre tinha um programa, ao passo que Matthew ia-para o estúdio. Certa vez, Tessa lhe levou uma xícara de café e começaram a conversar. E isso passou a se repetir com alguma frequência. No início, sentia-se muito nervosa, mas pouco a pouco foi relaxando na companhia dele, percebendo que não linha intenção de fazer perguntas pessoais e embaraçosas. Somente numa ocasião havia sido mais pessoal. Ela comprara uns aventais para usar sobre as roupas e isso pareceu aborrecê-lo.
- Tem que usar esses aventais ridículos? Ficara desengonçada neles!
- Tenho sim. Quer dizer, é melhor. . , protegem minha roupa - ela brincava com um dos botões.
- Prefiro vê-la sem eles, - Dizendo isso, caminhou na direção dela com um olhar estranho. - Tem um corpo muito bonito. Para que escondê-lo debaixo desse avenfal?
O coração de Tessa disparou, enquanto Matthew desabotoava e tirava o avental, revelando um vestido de lã que marcava suavemente as curvas do corpo dela. Ele o jogou displicentemente sobre uma cadeira, sem tirar os olhos de Tessa, fazendo-a corar, totalmente sem graça.
- Tenho certeza que se usasse roupas mais sofisticadas ficaria bem atraente. Muito atraente mesmo.
Estava tão perto que ela podia sentir sua respiração assim como um desejo inexplicável de se deixar envolver por aqueles braços fortes. O desejo, porém, transformou-se em pânico. Rapidamente pegou o avental e pediu licença para sair. ja no corredor, colocou as mãos sobre o rosto em brasa e deu um tempo para que o coração voltasse ao normal. O que estava acontecendo com ela? Nenhum homem a tinha transtornado tanto, mas sabia que Matthew não era um homem qualquer. Era, ... Respirou fundo e não quis mais pensar no assunto.
Certo dia, Barry foi a Idwala e voltou com uma carta para ela.
Tessa reconheceu a letra da mãe no envelope e colocou-a no botso para ler mais tarde. Barry estava curioso.
- É do seu namorado?
- Por que acha isso? - Assumiu um ar de inocência.
- Um palpite, apenas. - Ele balançou os ombros.
Tessa não confirmou nem negou, divertindo-se com a ideia e deixando que imaginasse o que quisesse.
Foi somente depois do almoço que conseguiu ler a carta, na privacidade do quarto onde não seria interrompida. Estava fora de casa há três semanas, ansiosa por notícias das pessoas que mais amava.
"Querida Tessa, ficamos horrorizados em saber o que está fazendo e, ao mesmo tempo, mais tranquilos por não estar rodando sem destino por essas estradas afora. Seu pai me pediu que lhe transmitisse um recado: enganar pessoas com quem temos um rápido e casual contato é uma coisa, diz ele, mas quando se trata de pessoas com quem mantemos um relacionamento diário, é bem diferente, pode até ser desastroso. Dessa vez tenho que concordar. Ninguém gosta de ser enganado, seja qual for o pretexto.
Jeremy ligou. Após tanto tempo, preocupou-se com você, mas eu o tranquilizei. Confesso que fiquei tentada a lhe dizer umas poucas e boas, mas me calei, pois reconheço que há males que vêm para bem. Escreva-nos dizendo quando pretende voltar. Enquanto isso, cuide-se e pense bem no que está fazendo. Te amamos muito."
Tessa dobrou a carta e se aproximou da janela de onde podia ver os canaviais. Jeremy! Curiosamente, não se sentia mais deprimida ao ouvir esse nome e sequer pensava nele.
A campainha de Ethel a trouxe de volta a realidade. Tinha que esconder aquela carta e, na primeira oportunidade, destruí-la. Antes, porém. queria relê-la com calma.
Estava ocupada na cozinha, logo após o jantar, quando o telefone tocou no corredor.
- Alô! - uma voz melodiosa falou. - É a governanta?
- Sim.
- Srta. . . Smith, certo?
Por que sempre hesitavam ante o sobrenome "Smíth"?
- Sim.
- Aqui é Angela Sinclair- a mulher apresentou-se. - Já deve ter ouvido falar a meu respeito.
- Sinto muito, mas não me lembro de ter ouvido. - Era a pura verdade.
- Ah... Bem, Matthew está? - Ela parecia um pouco desapontada.
- Um momento, por favor. Vou chamá-lo. Instantes depois, batia à porta do estúdio.
- Entre.
- Com licença. É a srfa. Sinclair ao telefone.
- Obrigado. - Ele franziu a tesfa e, largando o lápis na mesa, seguiu-a na penumbra do corredor.
Tessa voltou correndo para a cozinha de onde podia ouvir cada palavra.
- Alo, Angela? Não, não muito... Sim, está bem. Estarei aí o mais rápido possível.. Tchau.
Tessa não pôde conter um suspiro ao sentir, de repente, um peso oprimindo-lhe o peito, tentou concentrar-se na lista de compras, mas aquela voz sensual continuava em seus ouvidos. Certamente Angela significava muito para Matthew, já que conseguia fazê-lo largar o trabalho e ir correndo a seu encontro.
- O que faz aqui a esta hora da noite?
O que é que "ele" estava fazendo ali?, pensou ironica. Não devia fazer a srta. Sinclair esperar.
- É que terei que ir às compras amanhã - disse seca, evitando encará-lo. - Estou apenas fazendo uma lista do que precisamos.
Matthew aproximou-se, ficando a seu lado na mesa, tão perto que, ao menor movimento que fizesse, poderia tocá-la.
Se mamãe perguntar diga-lhe que fui a Idwala ver Angela, está bem?
- Sim, direi - respondeu mecanicamente, sem desviar os olhos do papel.
- Au revoir - despediu-se, já na porta. . .
Ouviu a porta da frenle abrir e fechar e o ronco do motor do Mercedes. Um desespero incomum tomou conta de Tessa. Sabia que só havia um meio de extravasar as emoções reprimidas: tocando piano, Quando tocava, seus sentimentos mais profundos fluíam pelos dedos e saíam em forma de música. Ficou com receio de acordar Ethel e, antes de tocar, decidiu verificar se já estava num sono profundo. Para sua tristeza, encontrou-a acordada.
- Foi o telefone que tocou agora há pouco?
- Sim, Ethel. Acordou com o barulho?
- Não, estava lendo. Quem era?
- A srta. Sinclair. Queria falar com Matthew.
- Ah... sim.
- Ele me pediu que lhe dissesse que tinha ido a Idwala, ve-la.
- É uma boa moça. . . Gostaria que ele tomasse uma decisão logo. Têm se visto bastante ultimamente, mas Matthew parece não ter pressa nenhuma em assumir um compromisso mais sério. Seria uma pena perdê-la para outro mais decidido... - suspirou.
- Certamente seria - Tessa concordou, com um nó na garganta.
- Barry também saiu?
- Sim, disse que ia joga xadrez com uns amigos.
- Que falta de consideração da parte deles, nos deixar sozinhas na fazenda, não acha?
- Mas... há algum perigo? - Estava surpresa. Nunca pensou que corresse perigo ali.
- Não com o velho Madala e os dois filhos vigiando - assegurou, confiante.
- Nunca pensei que fosse preciso vigiar a fazenda.
- Desde o incêndio, tornou-se rotina patrulhar as terras. Comentou-se, na época, que o fogo tinha sido provocado por dois empregados demitidos por Matthew.
- E eles foram presos?
- Não. - Sacudiu a cabeça, os cabelos grisalhos parecendo prateados sob o efeito da luz. - Se foram eles mesmo, deram-se por satisfeitos pelos danos causados e sumiram.
- Que horror! - Tessa arrepiou-se só de pensar que aquilo poderia acontecer de novo.
- Sim, foi terrível. .. Mas vamos mudar de assunto. - Aguçou o olhar, preocupada. - Nossa! Parece tão triste! O que a está preocupando?
- Não é nada, não precisa se preocupar.
- Não adianta. Eu já estou preocupada, meu bem - Ethel insistiu, endireitando-se para se aproximar mais. - Não gostaria de me contar o que é?
- É muito gentil... - Mal conseguia falar, as palavras eram quase um sussurro. - Mas não é nada, nada mesmo.
- Sente-se feliz aqui?
- Oh, sim!
- Malthew não está dificultando as coisas, está? - Ela parecia ansiosa em saber a resposta. - Se estiver, pode dizer porque vou puxar a orelha dele.
- Não. - Tessa levantou a cabeça e sorriu. - Não, desde que estipulamos uma trégua.
- Fico contente em saber, - Ethel recostou-se nos. travesseiros e, por um instante, fechou os olhos.
No silêncio que se fez, Tessa tomou coragem para fazer a pergunta que martelava na sua cabeça:
- Ethel, você se incomodaria se eu tocasse piano agora? Os olhos dela se abriram de espanto.
- Absolutamente, Tessa. Se tivesse me dito antes, eu mesma teria pedido que tocasse. Seria maravilhoso ouvir música nesta casa de novo, uma vez que Matthew está tão ocupado com a fazenda.
- Nunca poderia imaginar que ele tocasse. - Uma sensação estranha a percorreu,
- Costumava tocar com frequência, mas ultimamente parece ter perdido o interesse.
- Bem... Se tem certeza de que. . .
- Meu bem, sinta-se à vontade para tocar quando quiser. Não faço nenhuma objeção, assegurou.
- Obrigada! - E, num ato impulsivo, inclinou-se e deu-lhe um beijo. - Boa noite.
- Boa noite.
O silêncio era quase palpável àquela hora da noite. Há quanto tempo não tocava?, Tessa pensou enquanto erguia a tampa, acariciando as teclas do piano. Sentou-se e os ágeis dedos percorreram as teclas com segurança. Subitamente, a sala se encheu de música, e a atmosfera, de nostalgia.
Não se deu conta de quanto tempo ficou tocando, a música simplesmente fluía de dentro dela, era pura emoção em forma de música. Sentia que tocava com o coração e entendeu perfeitamente o que seu professor repetia sempre: "Toque com o coração, não com a cabeça. Não pressione as teclas como se fosse um robô apertando botões. Toque-as gentilmente, com as emoções do coração.. . Só assim será capaz de provocar o riso ou as lágrimas".
Naquela noite, a música mais parecia um lamento. Tessa rendeu-se à amargura que trazia no peito, deixando que viesse à tona livremente. Foi somente quando o som das últimas notas morreu no ar que ela pressentiu não estar sozinha. Virou-se lentamente no banco e viu Matthew jogado numa poltrona.
- Há quanto tempo está aí? - Automaticamente fechou o piano e levantou-se.
- Tempo suficiente. Ele também se levantou, indo ao encontro dela,
- Por que parou?
Tinha uma expressão impenetrável que a deixou confusa.
- Ah... Bem, já é tarde - murmurou, procurando se desviar dele.
- Boa noite, sr. Craig.
- Um momento! - Ele já a tinha segurado pelo pulso. - Onde aprendeu a tocar assim?
- Tive umas aulas de piano. - Não havia a menor entonação em sua voz. Tentou se libertar e, finalmente, conseguiu.
- Quem foi seu professor?
- Por que quer saber? - Sentia que ele preparava uma armadilha e, num esforço, tentou reunir as ideias embaralhadas.
- Não responda às minhas perguntas com outras perguntas. - Era quase uma ordem. --Quem foi seu professor?
Procurou lembrar o nome da primeira professora que teve, assim, caso fosse investigar, haveria pouca chance de que se recordasse dela.
- Sra. Doyle, de Joanesburgo.
- E quem mais?
Tessa desesperou-se e tentou passar por ele mais uma vez, sem sucesso.
- Por favor, sr. Craig, é tarde e eu.. .
- Tessa , ele disse gravemente, agarrando-a pelos ombros e forçando-a a encara-lo. Não aprendeu piano por mero passatempo, Toca bem demais.
Ela sentia a pele queimar nos pontos onde era tocada e o pulso acelerar de maneira alarmante.
- Parece entender de música - conseguiu dizer.
- O sufícienie para saber que foi treinada por um mestre no assunto. Deixe-me ver suas mãos.
Lá estava ele dando ordens de novo! Como Tessa hesitasse em mostrar-lhe as mãos, ele mesmo as pegou. Examinou-as com cuidado, reparando nos dedos fortes com pontas achatadas. "Mãos de pianista", o professor sempre lhe dizia. Se Mathew conhecesse tanto do assunto quanto ela suspeitava, notaria também, o que fez com que as puxasse, assustada.
- Estudou música na faculdade?
- Não! - A reação foi instantânea, mais em função da rapidez com que a pergunta foi feita. - Oh, por que insiste em me bombardear com tantas perguntas? - Estava a ponto de chorar, o que, aparentemente, não o abalou. Matthew não iria desistir tão facilmente de buscar a verdade.
- Se estou sendo persistente - continuou, sem soltá-la - é porque toca com mestria, com calor, profundidade, sentimento. . . E isso não se aprende tomando algumas lições, sem dedicação e muito exercício. - Puxou-a para mais perto, tão perto que ela podia sentir o calor daquele corpo. - Quem é você, Tessa?
- O que quer dizer com "quem sou eu"?
- Exatamente isso: quem é você?
- É uma pergunta ridicuta. - Tentou aparentar firmeza. - Sabe quem sou.
- Sei quem diz ser - concordou, soltando-a.
Tessa só fez esperar, o corpo tenso.
- Está bem, relaxe - ele mandou, passando a mão pelos cabelos. Também estava tenso, eu lhe faço uma pergunta simples e inocente e quase acabamos brigando. Segurou-a, pelo queixo, para que o encarasse. - Por que fica sempre na retaguarda quando quero saber mais a seu respeito?
Havia uma expressão indefinível no rosto dele. Tessa não sabia o que fazer, estava confusa e procurou esconder o que sentia mostrando-se zangada.
- Não estou sendo cautelosa, mas não pretendo divulgar informações pessoais. Por que não pára de me interrogar como faz sempre que tem oportunidade?
- Está bem. me responda só uma pergunta. Se disser a verdade, prometo não incomodá-la com mais perguntas. Fará isso?
Tessa não tinha como fugir. Mesmo que quisesse, sentia-se aprisionada por aqueles olhos verdes.
- Eu... eu tentarei.
- Ser uma espécie de governanta não é sua verdadeira profissão, não é?
Ela respirou fundo.
- Não.
Havia uma expressão de triunfo nos olhos dele, como se tivesse obtido a confirmação do que já sabia.
- Receio que a resposta negativa que acaba de dar me leve a uma pergunta final: de quem ou do que está fugindo?
- Acreditaria se lhe dissesse que estou me escondendo de mim mesma?
- Como devo interpretar isso?
- Como quiser - respondeu, dando-lhe as costas. - Só tem uma coisa que gostaria de deixar bem claro: não sou uma criminosa fugindo da polícia, isso eu garanto.
- Já imaginava.
Tessa virou-se de súbito, o coração aos pulos.
- Por acaso andou checando na delegacia de polícia local?
- Não. - Tirou a cigarreira e, mudando de ideia, colocou-a de volta no bolso, apertando os olhos. - Confio no meu próprio julgamento.
Ela não pôde conter as lágrimas há muito reprimidas.
- Obrigada, Matthew.
- É a primeira vez que me chama pelo nome - ele observou calmamente.
- Sinto muito.
- Não sinta. Não tenho nada contra.
O silêncio caiu como uma pesada cortina entre eles e Tessa sentiu-se desconfortável.
- Posso ir agora?
- Sim. . . Tessa. . . - Hesitou, aproximando-se, e, para surpresa dela tomou seu rosto gentilmente com ambas as mãos. - Espero que toque mais vezes.
Tessa prendeu a respiração, erguendo o rosto e encarando-o, imaginando o que se passava por detrás daquela máscara impenetrável. Era um homem muito estranho, ela pensou. Será que algum dia chegaria a entendê-lo?
Matíhew tirou as mãos do rosto dela, afastando-se.
- Boa noite.
- Boa noite - Tessa respondeu, num sussurro, saindo o mais depressa possível.
A noite estava calma e perfumada, e surpreendentemente quente para o mês de junho, quando o resto do país devia estar congelando de frio. Fora maravilhoso tocar de novo, encontrar o alívio de que precisava tão desesperadamente. Se Matthew não tivesse chegado, continuaria pela noite afora, deliciada com a possibilidade de extravasar seus sentimentos.
Será que ele manteria a promessa de não fazer mais perguntas? Ela própria respondeu que sim, queria acreditar que sim. Infelizmente, teve de confessar que aquela não era sua profissão, mas nem tudo estava perdido. Conseguiu manter a verdadeira identidade em segredo e ainda havia a chance de ser aceita como uma garota simples e talvez. . . ser amada por ela mesma.
Sacudiu a cabeça com certa violência. O que estava pensando? Não tinha ninguém em especial em mente, tinha? Quem? Matthew? Claro que não! Imediatamente, veio à mente a visão de vários pares de olhos verdes, ora ironicos, ora zangados ou meramente impenetráveis.
Ora, Matthew Craig que se dane! Por que tem de ser tão atraente? perguntou-se, meio zangada. De qualquer maneira, não se sentia preparada ainda para assumir um relacionamento dessa natureza.
Um certo temor apoderou-se dela. Matthew era bonito, seguro e confiável, um exemplo de masculinidade. E, devido ao estado emocional em que se encontrava, ninguém teria muita dificuldade em derrubar as barreiras que havia erguido para se proteger do mundo. Teria que ser mais cuidadosa no futuro, decidiu. Especialmente em relação a ele.
Na manhã seguinte, logo cedo, Barry entrou na cozinha penteando os cabelos emaranhados, com os dedos.
- Alguma chance de encontrar café pronto a esta hora? - Sorriu como uma criança, sentando-se.
- Acordou mais cedo hoje - observou Tessa, enquanto quebrava dois ovos na frigideira. - A que horas chegou ontem?
- Pouco antes da meia-noite, acho - bocejou, servindo-se de uma torrada.
- Como foi o jogo?
- Ganhei, é claro. Sou invencível! - Ele ergueu o queixo com ar de superioridade.
- E convencido, também. - Tessa riu afetuosamente, servindo-lhe o café.
- Acaba de ferir meu orgulho, sabia? Pensei que gostasse de mim.
- Gosto de você - afirmou solenemente. - Apesar de ser convencido.
- Gosto de você, também. . . embora seja insolente.
Os dois caíram na gargalhada, enchendo a cozinha de vida.
- Napoleão já tomou café?
- Napoleão? - ela repetiu perplexa.
- Napoleão, o imperador - Barry explicou, dramatizando. - Também conhecido como Matthew.
- Não devia falar assim do seu irmão - censurou-o, com seriedade. Aquela inocente alusão magoou-a como se fosse uma ofensa pessoal.
- Oh, oh! Não me diga que resolveu tomar as dores do grande Matthew?
Tessa não pôde evitar que o sangue lhe subisse às faces.
- Não seja bobo!
- Bobo, eu? - persistiu, rindo muito.
- Seu irmão dá o melhor de si - argumentou, tentando desviar o assunto. - Nunca o ouvi dizer qualquer coisa maldosa sobre você.
- Puxa! Nunca pensei que o velho Matthew pudesse ter uma aliada em você.
- Sinto muito, Barry, não quis repreendê-lo ou coisa parecida. Fiquei apenas chocada com o que disse.
Ela estava completamente sem jeito, incapaz de explicar a si própria o verdadeiro motivo de sua reação. O que, afinal, a havia levado a agir daquele modo?
- Não ligue para isso, Tessa. - Barry piscou, batendo de leve no ombro dela. - Eu entendo.
Algum tempo depois, estava sozinha a pensar no assunto. O que é que Barry entendia? Como tinha interpretado aquela reação? Será que imaginava que estava apaixonada pelo irmão? Que pensamento mais sem propósito! Matthew Craig não significava nada para ela, Absolutamente nada!
CAPITULO V
Certa tarde, o chá foi servido na varanda.
- Tessa você não tocou mais desde aquela noite. Tocou tão bem que esperava que repetisse a dose - observou Ethel.
- Não quero incomodar ninguém - Tessa replicou timidamente, perguntando-se se o filho havia comentado com ela sobre a discussão que tiveram.
- Santo Deus, Tessa! já não lhe disse que pode tocar quando sentir vontade?
- Sim, eu sei. Ê muito gentil.
- Não é uma questão de gentileza, mas sim de egoísmo. Pensava unicamente no meu próprio prazer. - Seu olhar era especulativo quando falou: - Toca excepcionalmente bem. |já deu algum recital?
Um redemoinho formou-se em sua cabeça, enquanto Tessa procurava uma resposta adequada.
- Eu... já pensei em abrir uma escola de música.
- Não respondeu à pergunta, mas não faz mal. - Ethel parecia resignada.
Tessa manteve o olhar baixo para não cruzar com o dela.
- Quer mais chá?
- Sim, meu bem, por favor. E. . . oh, deve ser Matthew. Disse que não se demoraria na cidade.
Tessa, automaticamente, colocou outra xícara na mesa. Nesse instante, o Mercedes parou na frente da casa e Matthew desceu acompanhado de uma moça.
- Não está sozinho - murmurou, quase para si mesma.
- Ah, que agradável surpresa! - Ethel estava realmente encantada com a visita. É Angela.
Tessa examinou com admiração a garota que caminhava de braço dado com Matthew, Estava muito elegante num vestido vermelho, que acentuava as curvas perfeitas de seu corpo, e Tessa sentiu vergonha do vestido simples que usava. Havia um certo ar de arrogância naqueles olhos acinzentados, e ela deu um sorriso, mostrando dentes muito brancos, ao ser recebida pela mãe de Matthew.
Então, essa era a srta. Sinclair!, Tessa pensou, com uma pontada de inveja. Não era à toa que Matthew parecia tão interessado, era realmente uma beleza! Os olhos dele se encontraram com os de Tessa por um instante e, depois, voltaram a se concentrar em Angela. Tessa interpretou esse olhar como puro desprezo e, imediatamente, baixou a cabeça.
- Olá, sra. Craig. - A voz da moça era muito sensual. - Espero que não se importe, mas convidei-me para o jantar.
- Minha querida, sabe que é bem-vínda a qualquer hora. E, gentilmente, apresentou-lhe Tessa.
Angela se limitou a acenar com a cabeça, embora tivesse consciência de que estava diante de uma rival em potencial.
- Nunca pensei que ainda fosse possível encontrar uma governanta, nos dias de hoje.
- Foi necessário, com a mamãe nesse estado - Matthew explicou puxando-lhe uma cadeira.
Angela sentou-se graciosamente na cadeira de cana-da-índia, cruzando as pernas bem-feitas, ignorando a presença de Tessa, cuja posição na casa não lhe inspirava maiores atenções.
- Vou preparar mais chá. Com licença. - Tessa conseguiu escapar, deixando os três conversando amigavelmente.
Angela Sinclair tinha conseguido colocá-la em seu devido lugar. Pensou ironicamente, enquanto colocava a chaleira no fogo e enxaguava o bule. Era o que queria, não era?, perguntou-se. Não queria escapar daquela badalação e falsos sorrisos por ser a filha de Philip Ashton- Smythe? Sim. tinha desejado escapar daquilo. Queria ser ela mesma e ser aceita por si só. Se aquela moça a tratava com indiferença, era uma reação natural. E sinceridade era o que sempre esperava das pessoas. Tinha que se conformar, não havia mais nada que pudesse fazer. Encheu o bule, colocando-o numa bandeja junto com uma jarra de leite e uma xícara de fina porcelana.
- Posso ajudá-la com a bandeja?
Lá estava ele, os ombros acentuados pelo modelo do paletó e, como sempre, com aquela expressão impenetrável, talvez um pouco zombeteira.
- Sou paga, entre outras coisas, para carregar bandejas, lembra-se?. - De repente, ela assumia um ar arrogante.
- Não gosta de ser colocada em seu devido lugar, não é? - Foi a resposta dele. O que mais irritou Tessa foi saber que ele estava certo.
- Não me importo de ser colocada no meu devido lugar, mas tenho minhas restrições quanto a aceitar sua ajuda - disse friamente. - Conheço o meu lugar, conhece o seu?
- Está pisando em terreno perigoso, Tessa. Não pense que vou tolerar que uma empregada fale nesse tom comigo,
Tessa engoliu em seco. sabendo que merecia ouvir aquilo, embora nao pudesse -negar o quanto a feria. Ah, por que não tinha simplesmente aceitado sua ajuda, sem desafiá-lo daquela forma? Por que tinha deixado a atitude de Angela afetá-la tanto?
-Sinto muito - desculpou-se, mordendo os lábios trémulos. - Sei que não tinha o direito de falar daquela maneira. . . Me desculpe, por favor.
- O que há, Tessa? Por que está se fazendo de vítima?
- Não estou me fazendo de vítima!
- Oh, sim, está - ele insistiu, agarrando o braço dela. - E não preciso ser muito esperto para perceber que está morrendo de inveja de Angela.
- Que absurdo! - Não sabia se estava mais nervosa pelo que ele dissera ou pelo modo como a olhava. - Não há nada nela que possa me causar inveja.
Matthew riu debochadamente, soltando-lhe o braço apenas para segurar seu rosto. Antes que Tessa pudesse fazer qualquer coisa, os lábios dele tocaram os seus com ternura.
- Lembra-se quando lhe disse que com as roupas certas ficaria muito elegante? - Sorria como nunca tinha feito antes na presença dela. - Sabia que tem os olhos mais lindos que já vi?
Tessa tremia da cabeça aos pés.
- Sei que está se divertindo às minhas custas.
- Talvez só um pouquinho - admitiu, distanciando-se.
- Isso não é nada gentil de sua parte, diga-se de passagem. - Seus lábios ainda latejavam em consequência do beijo e suas emoções nem ligavam para os conselhos da razão.
- Você é miserável, Tessa Smith. - Ele repetiu as palavras de Barry. - Pode me acusar se, às vezes, suspeito de você ou sou indelicado?
Tessa não conseguia pensar em nada sensato para dizer; só rezava para que Matthew não percebesse o domínio que exercia sobre ela. Cada nervo de seu corpo vibrava com a presença dele e havia aquele desejo de. . . ser aceita? Não, queria mais que isso. Queria algo que se recusava a admitir naquele momento...
- O chá está esfriando e sua mãe vai querer saber o porquê da demora.
- Deixe que eu levo a bandeja - Matthew falou com firmeza e, dessa vez, ela foi sensata o suficiente para não contrariá-lo.
- Finalmente, o chá! - exclamou Ethel ao vê-los entrar. - Por que demoraram tanto?
Tessa olhou de relance na direção de Mattbew como se o estivesse desafiando a dizer algo, porém o rosto dele permaneceu inalterado, enquanto colocava a bandeja na mesa e sentava ao lado de Angela. Só então retribuiu o olhar com o ar mais inocente do mundo. Estava claro que pretendia deixar para ela a desagradável tarefa de explicar a demora. Divertia-se com seu embaraço. Tessa, por sua vez, tinha caído novamente numa de suas armadilhas.
- A água custou a ferver - foi a única explicação que conseguiu encontrar. - Sinto tê-las feito esperar.
Ethel pareceu satisfeita, mas não se podia dizer o mesmo de Angela, que observava atentamente Tessa, que tinha as mãos tremulas ao servir o chá. Tessa odiou Matthew, primeiro por tê-la prendido na cozinha e. depois, por tê-la colocado deliberadamente naquela situação. Oh. como o odiava! Assim que serviu a todos, pediu licença e se retirou, os olhos inundados de lágrimas.
Jamais entenderia aquele homem, dizia a si mesma, enxugando as lágrimas com um lenço. Num minuto ele lhe preparava armadilhas e, no outro, estendia-me a mão. Mas seus próprios sentimentos também não tinham lógica alguma; uma hora o odiava e, então, um simples gesto de ternura bastava para quebrar-lhe o gelo. A raiva dele a amedrontava, no entanto, um sorriso de Matthew tinha o poder de acalmá-la por completo. Ninguém a perturbara tanto até então, nem mesmo Jeremy. a quem pensou ter amado um dia, O relacionamento com o ex-noivo havia sido afeíuoso, amigável e, principalmente, sereno. Não se lembrava de ter sentido o pulso acelerar só porque estava perto dele, nem um beijo seu a afetou tanto quanto o de Matthew.
Pela primeira vez conscientizava-se de que o relacionamento entre ela e Jeremy tinha sido absolutamente sem paixão... sem amor! Amara Jeremy, sim, com certeza, mas não da maneira que. . . Não! Não podia ser. verdade que estivesse apaixonada por Matthew. Impossível! Ele jamais a encorajara, no entanto, havia se tornado escrava de seu magnetismo desde o primeiro momento que fitou aqueles olhos verdes. Mas por quê? Por que tinha que ser justo ele?
A cabeça de Tessa latejava como se tivesse levado uma paulada e ela mais parecia uma barata tonta andando pra lá e pra cá, preparando o jantar. Um desejo incontrolável de fugir, antes que fosse tarde demais, a invadiu.
Felizmente havia Daisy para auxiliá-la pois, sem ela, não se responsabilizaria pelo que fosse servido. A imagem de Matthew surgia, de repente, em meio a pratos e panelas, e apesar de todo o esforço, não conseguia apagar da memória aquele rosto viril, o sorriso malicioso, os cabelos penteados para trás. . .
- Oh, meu Deus! - Daisy gritou, em pânico, acordando-a para a realidade. - As batatas! As batatas estão queimando!
Com a ajuda de um pano de prato, Tessa retirou a panela do fogo, bem na hora. Precisava prestar mais atenção no que fazia, repreendeu-se, ou Angela teria que se contentar com comida queimada. A ideia até que não era má, riu sozinha pensando nisso, deixando Daisy mais perplexa do que já estava.
O jantar com os Craig e a "adorável" convidada foi uma das experiências mais angustiantes que Tessa viveu. Descobrir que amava Matthew só serviu para torná-la mais sensível a sua presença, e foi com grande dificuldade que conseguiu se controlar e não olhar para ele o tempo todo. A aparente naturalidade com que ele conversava com Angela provocou-lhe ciúme, uma emoção que nunca tinha sentido antes.
Barry estava mais calado do que de costume. A conversa, porém, fluía animadamente e ninguém parecia notar que nenhum dos dois tomava parte nela. Afora umas ocasionais olhadas na direção de Angela, Barry mostrava-se indiferente. Tessa, mais sensível do que nunca, devido às circunstâncias, captou alguma coisa muito suspeita no ar. Além de muito bonita, aquela moça era dona de uma personalidade marcante, conseguindo, sem muito esforço, ser o centro das atenções.
Foram várias as ocasiões em que pegou Angela observando-a criticamente e, por algum motivo, isso a abalou a ponto de ficar com as mãos trémulas, chegando inclusive a derrubar a faca, o que a embaraçou ainda mais. Certamente, aquele não era o seu dia.
Quando trazia o café, irritou-se ao perceber que ela insistia em examiná-la. Afinal, o que estava querendo? Teve ura estranho pressentimento que preferiu ignorar.
- O jantar estava excelente - elogiou Ethel. - Não sei como vou me arranjar sem você quando já estiver boa. Só estou imaginando a chuva de reclamações!
- Nào seja modesta. Tenho certeza de que cozinha melhor que eu.
- Aí é que você se engana! Para cozinhar bem é preciso gostar. E eu detesto.
Houve um zunzum geral interrompido por Matthew.
- Se é assim, por que não a contrata em caráter permanente?
A pergunta pegou todos desprevenidos, provocando um silêncio repentino. Era uma nova armadilha, astutamente preparada, e Tessa respirou fundo, aguardando o desenrolar dos acontecimentos.
- O que acha, Tessa? Aceitaria continuar conosco?
Agora, ela era o centro das atenções.
- Eu. . . Bem, eu. . . - Sua respiração era irregular. - Receio que não possa ficar mais do que as seis semanas inicialmente combinadas.
- Por que não? - Matthew insistiu. - Tem algum emprego esperando por você?
- Não, não é isso...
Ele estava visivelmente impaciente.
- Vamos esclarecer as coisas. Disse que não pode ficar mais do que o tempo combinado, entretanto, não tem nenhum compromisso marcado, pelo menos na área profissional. Poderia ser mais explícita?
De repente, era como se estivesse se debatendo em águas profundas, sem nenhuma perspectiva de salvar-se. Do outro lado da mesa, a fisionomia de Barry era simpática. Ao menos ele estava do seu lado! Ethel parecia ansiosa por uma resposta afirmativa, ao passo que Angela estava visivelmente entediada e Matthew esperava, determinado.
- Na verdade, gostaria de encontrar um emprego mais perto de casa.
- É compreensível, meu bem. - A velha senhora aceitou prontamente a desculpa dela.
- Srta. Smith - era a primeira vez que Angela se dirigia a ela diretamente, o que contribuiu para piorar o estado de nervos em que se encontrava -, desculpe, mas tenho a impressão de que já nos conhecemos.
- Não, acho que não. - E agora? Era só o que faltava! Ser reconhecida justo por ela!
- Seu rosto não me é estranho... Especialmente agora que tive a oportunidade de observá-la melhor.
Tessa não pôde deixar de olhar apreensivamente para Matthew. É claro que aquela observação causual era o estímulo de que ele precisava para continuar suspeitando dela.
- Srta. Sinclair - Tessa falou suavemente -, tenho uma excelente memória para fisionomias, e certeza absoluta de que não nos conhecemos.
- Vai ver tem uma sósia, Tessa - brincou Barry.
- É. . . parece. - Ela sorriu, agradecida. - Alguém quer mais café?
Como não suportasse mais ficar naquela sala, Tessa levou as xícaras para a cozinha e deu uma escapada para o jardim, pela porta dos fundos. O ar fresco agia como um verdadeiro calmante, enquanto passeava entre os arbustos. Em contraste com os minutos anteriores, aquela calma era o céu.
Estava ficando cada vez mais difícil prosseguir com a farsa. Devido às insistentes perguntas, havia sido obrigada a criar uma aura de mistério à sua volta, indo contra os próprios princípios de honestidade. Seu pai tinha razão, afinal. Todo aquele que se aventura pelos caminhos da falsidade acaba se vendo em apuros.
- Parece que não sou o único a precisar de ar fresco, - Era Barry quem se aproximava.
- Resolvi dar uma volta para espairecer, já que sua mãe não está precisando de mim, justificou-se.
- Não vai voltar à sala até ser chamada?
- Têm visita, hoje. Além do mais, sei qual é o meu lugar.
- O que quer dizer com isso?
Tessa encolheu os ombros, .com ar de descaso.
- Sou uma empregada da casa. . . uma simples criada.
- Não diga bobagem. é mais do que isso. E como se fosse um membro da família.
As lágrimas logo se formaram, embaçando sua vista.
- Faz muito tempo que ninguém me diz uma coisa tão bonita. Obrigada, Barry.
- É a pura verdade. Faz parte da família, você sabe.
- Acho que seu irmão não concorda com você. - Tentou rir, imaginando como seria ouvir Matthew dizer isso. Naturalmente, não conseguiria.
- Quem liga para o que ele pensa?
Eu ligo,essas palavras quase escaparam de sua boca, mas engoliu-as a tempo.
- Angela é realmente atraente, não acha? - Foi o que acabou dizendo.
- Sim. - Os músculos do rosto dele se endureceram.
- Matthew deve amá-la muito. - Tentava colher mais informações a respeito do relacionamento dos dois,
Fez-se um silêncio sinistro e Tessa começava a achar que tinha passado dos limites em sua ávida investigação.
- Ele não a ama.
Essa afirmação de Barry trouxe um lampejo de esperança para ela.
- Por que diz isso?
Barry acendeu um cigarro e fumou em silêncio por alguns segundos.
- Se realmente a amasse, teria casado com ela há muilo tempo. Em vez disso, fica enrolando e isso já dura mais de dois anos.
- Talvez ela não se sinta preparada para casar.
- Oh, sim, ela está. - Fez uma nova pausa antes de dizer: - Com o homem certo, é claro.
Um turbilhão de ideias encheu a cabeça de Tessa, enquanto ela tentava entender aquela declaração. Antes que chegasse a uma conclusão, Barry se antecipou:
- Eu pretendo casar com ela. Matthew teve tempo suficiente para decidir-se, e agora é a minha vez. E. de mais a mais, meu genio é mais compatível com o dela. Temos o mesmo espírito.
- Está muito seguro de si, até demais, eu diria. Como sabe se vai ser correspondido? Talvez uma declaração de sua parte sirva para empurrá-la para os braços dele.
- Onde pensa que estive todas essas noites? Com amigos?
- Esteve com... Ângeta? - Não conseguia acreditar nisso.
- Acertou na mosca!
- Mas. . . e o jogo de xadrez, era tudo mentira?
- Ah, não, dessa vez foi verdade. As outras vezes, não.
- Oh! - O que mais podia dizer? Apesar da pontinha de esperança que começava a surgir sentiu pena de Matthew. E se ele realmente amasse Angela? Será que aceitaria perdê-la para o irmão?
- Não conte nada a ninguém, ouviu? -- Ele advertiu-a, jogando o cigarro fora.
- Por que o segredo?
- Bom. . . - Hesitou, meio sem jeito, parando para chutar uma pedra no caminho, - Se Matthew, por acaso, a ama de verdade, não gostaria que ficasse sabendo de tudo de uma vez. Seria duro demais. Então, achei melhor que tudo viesse a tona aos poucos.
- E por isso que praticamente nem conversaram esta noite! - Começava a entender e sentiu ternura por Barry que, apesar de tudo, tinha consideração pelo irmão.
- É isso aí. - Agora ele brincava com o cabelos dela. - Aliás, em termos de temperamento, você e ele formariam um par perfeito.
Antes que ela pudesse responder, Barry já tinha entrado. Tessa deixou-se ficar um pouco mais ali fora, tentando acalmar as violentas batidas no coração e procurando não pensar em nada. Ao chegar à cozinha, refletiu sobre a confissão de Barry. Se fosse verdade que Matthew não estava interessado em Angela, será que teria alguma chance? Corou só com o pensamento. Ele estava absolutamente fora de seu alcance e, quanto antes reconhecesse isso, melhor. Para Matthew, ela era somente uma farsante que queria, a qualquer custo, desmascarar, jamais se rebaixaria a ponto de se interessar pela empregada da mãe.
Era tudo tão irreal, tão estranho! Queria, precisava ser amada sinceramente. No entanto, na ânsia de atingir esse objetivo, encontrava-se agora num grande dilema.
Ouviu passos no corredor em direção à cozinha, e seu sexto sentido lhe disse que era Matthew. Não se surpreendeu ao vê-lo entrar.
- Pensei que fosse se juntar a nós na sala. Angela estava ansiosa para ouvi-la tocar quando lhe contamos sobre seus dotes musicais.
- Sinto tanto tê-la desapontado! - Havía um toque de sarcasmo em sua voz, a única arma contra o cinismo dele.
- O que tem contra ela?
- Não tenho nada contra Angela... quero dizer, a srta. Sínclair. Que ideia! - Suspirou, mostrando impaciência.
- Não precisa ser tão formal, chame-a de Angela mesmo. - Ele estava mais impaciente do que ela. - Aliás, Angela pode jurar que já a viu antes em algum lugar e eu lhe pedi que procurasse lembrar onde.
O coração de Tessa foi parar na boca e a voz, quando conseguiu recuperá-la, era pouco mais que um sussurro;
- Por quê?
- Pode chamar de curiosidade, se quiser.
Sem querer, Angela se tornava uma ameaça real à sua felicidade.
Pela primeira vez, Tessa notou no olhar de Matthew algo muito diferente de sarcasmo ou zombaria. Uma expressão que fez seu coração disparar loucamente. Mas ele jamais deveria descobrir o que eía sentia: não suportaria ver um sentimento tão sincero ser ridicularizado.
- Náo está satisfeito com o trabalho?
- Não tenho queixas quanto ao trabalho, porém tenho restrições quanto à sua conduta, como pessoa.
- Entendo. Ainda duvida de mim, não é?
Tinha certeza de que Angela se lembraria dela, mais cedo ou mais tarde. Havia insistido muito no fato de tê-la visto antes em algum iugar e, agora que Matthew tinha pedido, procuraria avivar a memória. Mesmo assim, decidiu manter a farsa. Contar a verdade implicaria em ir embora e, provavelmente, nunca mais o ver. O dia da revelação chegaria, mas faria o que pudesse para adiá-lo.
- Não duvido de você, apenas gostaria de conhecê-la melhor. - Novamente aquele silêncio, breve, porém constrangedor, - Na realidade, vim aquí avisá-la de que vou levar Angela para casa e que pode levar mamãe para o quarto.
- Irei já. - Correu para a porta, parando ao ouvi-lo falar: Acho melhor tirar a chaleira do fogo, senão vai acabar secando.
- Ah, claro. - Esíava com tanta pressa de sair que nem se lembrou da chaleira. - Pus a água para ferver, caso quisessem tomar mais café.
- Não, não agora. Talvez mais tarde, quando chegar.
Será que estava sugerindo que esperasse por ele ou era apenas uma brincadeira? Ele mesmo respondeu, como se tivesse adivinhado os pensamentos dela:
- Pode deixá-la aí mesmo no fogão. Eu a esquentarei antes de dormir, não precisa ficar acordada.
Antes de entrar na sala, Tessa parou um momento para se recompor. Não queria, de jeito nenhum, que Ethel percebesse seu estado
CAPITULO VI
Na terceira semana de julho, o gesso foi retirado da perna de Ethel. O médico, porém, recomendou que Tessa ficasse pelo menos mais duas semanas, dando-lhe tempo para que voltasse a andar aos poucos. No íntimo, ela dava pulos de alegria, mas tomava cuidado para que ninguém percebesse.
O aniversário de Barry seria naquela semana e ele sugeriu que fizessem um churrasco para poder convidar alguns amigos. Matthew se opôs à ideia a princípio, depois acabou cedendo quando Tessa se ofereceu para ajudar nos preparativos.
- Espero que não deixe mamãe se envolver nessa bobagem de festa. Ela não pode fazer esforço - advertiu-a.
- Não se preocupe, não deixarei que mova uma palha - Tessa prometeu, sorrindo ao notar que ele franzia a testa. -- O que há? Não quer que Barry traga alguns amigos para festejar o aniversário?
- Não é nada disso. Queria apenas evitar mais trabalho.
- Não devia se preocupar com isso. Afinal, quando se dá uma festa, os únicos a serem sobrecarregados, sem receber nenhuma recompensa, são os empregados.
Isso foi demais para ele. Agarrou-a pelos ombros com força, olhando-a nos olhos e dizendo:
- Se fizer outro comentário desse fipo, eu...
- Você o quê? - desafiou-o.
Por um segundo que pareceu interminável, seus olhares se cruzaram. Então, antes que Tessa pudesse gritar ou tomar uma atitude, ele a beijou com raiva, deixando claro que era mais um beijo de punição do que qualquer outra coisa. Não havia ternura e os olhos dela se encheram de lágrimas.
Matthew a soltou tão subitamente quanto a tinha agarrado e Tessa, um pouco tonta, olhou para ele, as lágrimas transbordando. . - Nunca resisto a um desafio - ele disse, ofegante. - já está avisada!
Virou-se nos calcanhares e saiu. Tessa passou os dedos pelos lábios machucados, limpando as lágrimas com as mãos. Por vários minutos ficou parada, incapaz sequer de pensar, até que uma ideia aterrorizante passou por sua cabeça. Se um beijo sem paixão, dado apenas para castigá-la e humilhá-la, a tinha transtornado tanto, imagine o que aconteceria quando ele a beijasse com desejo! Era, sem dúvida, um pensamento tentador que fez seu corpo formigar e seus lábios tremulos se abrirem num sorriso.
Pouco depois, Barry apareceu.
- Fiz a lista dos convidados e... - Interrompeu-se ao vê-la parada no meio da cozinha, olhando para o nada. - Se não soubesse que não há ninguém por aqui a não ser eu e o Napoleão, juraria que está apaixonada.
Tessa voltou à realidade e fitou-o com cara de boba, embaraçadíssima porque ele a examinava curiosamente. Viu o sorriso abandonar seu rosto e ser substituído por uma expressão de espanto.
- Ah, não! Não me; diga que está caidinha por Matthew?
Era mais uma afirmação do que uma pergunta, e ela quis, desesperadamente, dizer algo, sabendo que o silêncio só serviria para delatá-la.
- Tessa. Tessa... - Barry continuou, sacudindo a cabeça. - Se estivesse apaixonada por mim, seria fácil de' entender, afinal, com minha personalidade extrovertida e irresistível... Mas, por Matthew? Está sempre tão sério e sisudo, sem nunca parar para relaxar e se divertir!
- Talvez nunca tenham lhe dado chance - defendeu-o.
A julgar pela cara, Barry não gostou nada daquela observação e mudou de assunto:
- Aqui está a lista que me pediu. Verá que convidei somente quatro casais e Angela, naturalmente.
- Vai ser mesmo um churrasco?
- Sim, mas dessa parte cuido eu. Vou comprar a carne, preparar a churrasqueira e bancar o mestre-cuca por uma noite. Serei o anfitrião perfeito, não vou envergonhar meu irmãozinho.
- Ah, Barry! Não pode falar sério, só de vez em quando?
- Mas falo sério! - insistiu. - Tudo que terá que fazer é preparar uma salada e alguns petiscos. Que tal?
- Tudo bem. - Só para brincar com ele, disse: - E o bolo?
- Francamente, Tessa! - Ele ergueu os olhos para o teto. - Na minha idade? Um bolo com vinte e cinco velinhas?
- Qual o problema? No ultimo aniversário da minha mãe, havia um bolo com quarenta e seis velas e ninguém achou estranho.
- É mesmo? - Esperava ansiosamente que ela continuasse e lhe contasse um pouco de sua vida, mas não houve jeito.
- Por que não liga já para os seus amigos, enquanto penso na salada e no resto?
- Não tem muito tempo para pensar - disse, piscando. - O dia "D" é depois de amanhã.
- E eu não sei? - Ela suspirou, empurrando-o para fora.
Tessa passou o dia do aniversário na cozinha, preparando a salada e alguns salgadinhos, e depois foi ajudar Ethel a se vestir. Estava exausta, depois de ficar o tempo todo em pé, naquela cozinha abafada. Da janela do quarto pôde ver Barry preparando a churrasqueira numa área livre do jardim e Matthew, a quem tinha evitado desde aquele encontro desastroso, sair para apanhar a namorada.
A casa estava mergulhada num completo silêncio; a não ser pela melodia assobiada por Barry. não havia nenhum outro som no ar quando Tessa foi para o próprio quarto tomar um banho e se trocar. Escolheu um vestido creme que nunca tinha usado antes, de um tecido sedoso e leve. Ao contrário do que vestia normalmente, este era mais justo, com a cimura bem marcada, um decote discreto e mangas bufantes.
Escovou os cabelos vigorosamente para dar-lhes brilho e esmerou-se na maquilagem, sorrindo maliciosamente ao se dar conta de que se arrumava para Matthew.
Não seja tão reservada com ele hoje, enfeitice-o, dizia uma voz dentro dela. E daí, se ele achar sua atitude estranha? Logo, logo você estará indo embora mesmo, insistia a voz. Instantaneamente, apagou-se o sorriso, o semblante ficou sombrio. Era verdade. ia embora dentro de duas semanas. O que importava o que ele pensasse ou deixasse de pensar, ou mesmo se Angela descobrisse a verdade a seu respeito? Refletiu por um instante e decidiu que aquela era a noite de Barry e a sua também.
Matthew finalmente chegou, acompanhado de Angela, que usava um vestido azul esvoaçante que sem dúvida, iria atrair a atenção dos homens da festa. Seus cabelos estavam presos, dando-lhe um ar aristocrático. Logo depois, os outros convidados foram chegando, também. Havia três casais de Idwala e um jovem fazendeiro da vizinhança, com a namorada. O tempo parecia contribuir com o que prometia ser uma grande noitada; era uma daquelas noites gostosas, agradavelmente quentes. Barry logo serviu os drinques e acendeu a churrasqueira, enquanto Tessa dava uma última checada na cozinha.
- Angela está mais linda do que nunca esta noite - Tessa cochichou ao ouvido de Barry, de passagem.
- Se está! - ele concordou, entusiasmado. - Ei, você não está nada mal, também! É por causa dele?
- Não seja bobo!
- Vou contar-lhe um segredo - Barry continuou, sério. - Ainda agora passei por ele e o peguei olhando para você... Pude ouvir também o gelo derretendo em volta do coração.
- Pare com isso, Barry! - Tessa ria muito, vermelha como um pimentão.
- É verdade insistiu, muito sério. - Com jeito, você o terá em suas mãos.
Matthew estava ao lado da mãe, ouvindo atentamente o que Angela dizia, e Tessa tinha certeza de que Barry tinha inventado tudo.
Todos pareciam envolvidos pelo clima da festa, e suas risadas eram ouvidas por toda parte.
- Ei, Tessa! -- Barry a chamou. - Seja boazinha e traga-me a carne, está bem? O fogo já está aceso.
- Eu a ajudo -- Angela se ofereceu, seguindo-a,
- Eu levo a carne; e você, a salada. - Sorriu, agradecida. - Pode colocá-la na mesa lá fora, está bem?
Aparentemente, Angela tinha perdido aquele ar de arrogância do primeiro encontro e, no decorrer da festa, Tessa passou a simpatizar com ela. O delicioso aroma da carne grelhada espalhou-se pelo ar e não houve quem não apreciasse o cheiro.
- Meus pais adoravam fazer churrascos - comentou Angela, observando Barry virar a carne. - A carne está tão cara, ultimamente, que churrascos estão se tornando uma extravagância. É assim também em Joanesburgo?
- Dependendo da época, suponho que sim - respondeu vagamente, pois nunca havia se preocupado com preços. Em casa era a mãe quem cuidava das contas e Tessa não tinha a menor ideia do que era caro ou barato.
- Ouvi dizer que vai embora logo - Angela continuou, tomando um gole de bebida. - A sra. Craig vai-sentir saudade, tenho certeza,
Só Ethel, ela pensou, triste. Será que Matthew sentiria sua falta? Provavelmente não ia fazer a menor diferença para ele. Tessa estar ali ou não.
- Vai continuar no mesmo tipo de emprego?
- Não sei ainda. - Felizmente, não houve tempo para mais perguntas. Barry anunciava que o churrasco estava pronto.
A festa continuou animada, com todos rindo das palhaçadas do aniversariante, e acabou, como toda a festa que se preze, na sala onde o carpete foi enrolado para que a dança começasse.
Matthew instalou a mãe confortavelmente num canto da sala, de onde poderia apreciar tudo sem ser incomodada, e Tessa trouxe os peliscos, para o caso de alguém querer beliscar entre uma dança e outra. Por algum tempo, Barry se encarregou de trocar os discos na vitrola, mas logo se cansou, colocou um substituto no lugar e dançou todas as músicas seguintes com Angela.
Tessa não pôde resistir à tentação de olhar para Matthew e ver sua reação; estava sentado, fumando e não parecia nem um pouco preocupado ou enciumado. Será que não se importava mesmo?, perguntou-se, curiosa, ou estava somente fingindo para não dar o braço a torcer?
Ethel parecia particularmente fascinada.
- Sabe. Tessa - disse, com um brilho intenso nos olhos. - Quando era mais jovem, eu e meu marido costumávamos dar muitas festas e ficávamos dançando até o dia clarear.
- Quando ainda moravam na casa velha?
- Sim. Lembre-me de lhe mostrar uma foto dela, um dia. Era em estilo colonial, muito na moda naquela época.
- Às vezes, tenho a impressão de que gostava mais da outra casa do que dessa - Matthew intrometeu-se na conversa.
- Nunca disse isso, meu filho. Não tenho nada contra casas modernas, é só uma questão de antigas memórias que me vêm à cabeça.
Ele estava jogado numa poltrona, com as pernas esticadas e particularmente atraente com uma camisa azul-marinho e calça cinzenta.
- Com o tempo, esta casa lhe trará tantas lembranças quanto a outra.
- Isso só acontecerá quando vozes de crianças ecoarem entre as paredes. Estou ficando velha e gostaria de ter netos logo.
Tessa sentiu um frio na boca do estômago que subiu até o coração. A ideia de Matthew casado, com filhos, era muito dolorosa, totalmente inconcebível. Estava distraída com esses pensamentos quando percebeu que ele a olhava intensamente. Quase perdeu a respiração e começou a esfregar as mãos nervosamente.
- Talvez não tenha que esperar tanto, mãe - ele comentou, calmamente, e Tessa fechou os olhos para conter a dor.
- Vou preparar um chá para nós - murmurou, com um pretexto para sair dali.
Encheu a chaleira mecanicamente, procurando não ouvir á música e alegria na sala e afastando qualquer pensamento romântico da cabeça. Era melhor não pensar... não sentir.
Ia colocar a chaleira no fogo, quando sentiu que uma mão fria lhe tocava o ombro, Com o coração aos pulos, virou e deu de cara com aqueles magnetizantes olhos verdes, que lhe diziam algo que não conseguiu definir no momento, mas que encheu-a de esperança.
- Isso não é hora de fazer chá - Matthew lembrou gentilmente. - Quer dançar comigo?
Imagine se iria recusar ser enlaçada pelos braços dele!
- Com todo o prazer. - Ela tremia, mas tentou dar um toque despreocupado à resposta.
O sorriso de Ethel Craig ao ver o filho segurando-a pela cintura era, certamente, de aprovação. Para Tessa, naquele momento só existia o ritmo lento da música e os braços de Matthew à sua volta. Seus passos eram harmonicos e ela se deixou levar numa nuvem de felicidade e sonho. Não importava que fosse um momento passageiro. Ninguém poderia condená-la por tentar agarrar com as duas mãos um pouco de felicidade.
Estranho, pensou, meio sonhando, como os outros pares pareciam desaparecer, ficando apenas os dois no meio da sala. Era como se ninguém mais existisse. Seu pulso acelerou. Tinha sido imaginação ou sentiu mesmo os lábios dele tocando carinhosamente seus cabelos? Não, não era sonho, agora sentia o calor dos lábios de Matthew em sua testa. Qual o significado daquele gesto? Será que pensava ter Angela nos braços? Afastou-se ante essa hipótese desagradável, as mãos no peito dele.
- Aconteceu alguma coisa, Tessa? Por acaso pisei no seu pé?
- Não, não foi nada... Estava pensando em outra coisa.
- Algo desagradável?
- Foi só um pensamento estúpido. - Suspirou aliviada, voltando aos braços dele.
Gentilmente ele a conduziu para a varanda, iluminada apenas pela luz da lua. Parecia, para Tessa, que em lugar do coração havia um passarinho assustado, batendo as asas dentro de seu peito. A música tinha parado, mas nenhum dos dois queria se afastar. A música recomeçou e ela fechou os olhos aspirando o perfume másculo, adorando estarem assim tão perto, sentindo as batidas do coração dele sob os dedos.
Quase não se podia distingui-los na sombra. Matthew inclinou-se e seus lábios roçaram os dela. Foi um beijo gentil, tão diferente daquele de dois dias atrás, que Tessa sentiu-se estremecer.
A boca de Matlhew passeou carinhosamente por todo o rosto dela, voltando depois, ávida, em busca dos lábios. Desta vez foi um beijo apaixonado, capaz de acordar sentimentos que Tessa nem sabia existir. Não teve forças para resistir às mãos que a acariciavam, de um jeito que nenhum outro havia ousado fazer. Isso a assustava e, ao mesmo tempo, dava-lhe um prazer imenso. Será então que aquilo era o amor?, perguntou-se extasiada, passando os dedos pelos cabelos dele.. O amor era aquele desejo louco de entregar-se por inteira, de corpo e alma?
Matthew soltou-a e ela mal conseguia respirar, os lábios ainda quentes dos beijos. Ao encará-lo na escuridão, voltou realidade.
- Matthew, isso é loucura! - Virou de costas na tentativa de fugir do irresistível magnetismo dele.
- Uma doce loucura - ele sussurrou, beijando-a na nuca e mordiscando sua orelha.
- Pare com isso, por favor. - Era quase uma súplica. Ele riu baixinho, segurando-a por trás, pela cintura.
- Por que não admite estar gostando disso, tanto quanto eu? Tessa tentou falar, mas negar estava acima de suas forças. Percebeu as mãos dele subindo perigosamente em direçâo a seus seios e ficou completamente perdida. Virou-se, oferecendo os lábios numa volúpia que surpreendeu a si própria. Beijaram-se fervorosamente, apaixonadamente, e ela sentiu-se deliciosamente tonta, desejando que aquefe momento não terminasse jamais.
Foi o som de vozes que, finalmente, os separou.
Embora Tessa se sentisse meio embriagada de desejo, pôde ver que eram Barry e Angela, abraçados, passando pela varanda em direção ao jardim. Foi então que tomou consciência da figura calada de Matthew e uma fria onda de realidade varreu qualquer sombra de felicidade de seu coração.
O sentimento que Barry e Angela partilhavam estava bem claro e, intimamente, Tessa chorava por Matthew, assim como por ela mesma. Tinha agido levianamente ao permitir que ele a tocasse daquela maneira. O que estaria pensando dela? Havia mostrado abertamente o que sentia. O que a fizera agir assim? Sofria interiormente, humilhada.
- Acho melhor entrarmos - sugeriu, desejando exatamente o contrário. - Não devíamos ter deixado sua mãe sozinha tanto tempo.
Ele se moveu, concentrando a atenção nela, embora pouco pudesse se ver de sua expressão por causa da sombra.
- Sim, vamos entrar - disse, tomando uma certa distância, como se evitasse toca-la, mesmo acidentalmente. Será que a menosprezava tanto assim?
Ethel mostrava sinais de cansaço.
- Se não se importa, Tessa, gostaria de ir para cama.
- Claro, foi um dia, bem cansativo.
Ela despediu-se dos convidados antes de ir para o quarto.
- O que houve com Barry e Angela? - quis saber logo que se encontraram a sós, e Tessa não sabia bem se devia dizer a verdade.
- Acho que foram passear no jardim.
- Será que há algo entre eles? Sempre pensei que ela e Matthew... - Franziu a testa em sinal de preocupação. - Bem que notei a atitude deles esta noite... E quando um homem leva uma garota bonita para o jardim numa noite enluarada, só pode ser por um motivo, estou certa?
- Sim, está - admitiu, sem outra alternativa.
- Hum... Como Matthew vai reagir quando souber?
- Ele já sabe. Estávamos na varanda quando os dois saíram abraçados e rindo, muito felizes.
- Sei. Vi vocês dois indo para a varanda. Ficaram um bom tempo lá.
Tessa corou, mas preferiu não fazer comentários.
- Acha que ele ficou magoado? - Ethel continuou.
Tessa hesitou um momento, lembrando-se da mudança da atitude dele após tê-los visto sair.
- Sim, acho que sim. Muito magoado.
Tanto quanto eu, gritava seu coração, arrancando-lhe um suspiro sentido.
Havia uma bagunça geral no fim da festa. Barry tinha ido levar Angela para casa e Matthew estava na sala, afundado numa poltrona, seguindo cada movimento de Tessa, que tentava colocar alguma ordem no local. Ela sabia que teria de achar um meio de justificar seu comportamento daquela noite para evitar mal-entendidos. O problema era: como? O que dizer?
O mais simples seria dizer: "Matthew, eu te amo. Sinto muito se o estou embaraçando com esta confissão, mas eu mesma estou morrendo de vergonha".
Mentalizou a cena que se seguiria após sua confissão. Seria ridicularizada e colocada em seu devido lugar, exatamente como fazia agora com os móveis. Em que ele estaria pensando? Poderia estar pensando, que afinal, sua primeira impressão sobre o caráter duvidoso dela estava certa. Sentiu um arrepio de horror ao perceber que não havia feito nada para impedir seus avanços e tinha, de fato, correspondido com desejo a seus beijos. As reações dela, certamente, teriam confirmado suas suspeitas se tudo fizesse parte de uma espécie de teste.
Na cozinha, longe daqueles olhos insistentes, pensou no assunto uma vez mais e não pôde acreditar que ele descesse tão baixo. Não, não era justo julgá-lo tão mal.
Olhou à sua volta, desanimada. Havia talheres, copos e pratos sujos por toda parte. Era quase meia-noite, e adoraria ir para a cama, mas não podia deixar que Daisy fizesse tudo pela manhã. Então, decidida, colocou o aventai, arregaçou as mangas e pôs-se a lavar a louça.
Ouviu passos e, para seu espanto, Matthew pegou um pano de prato e começou a enxugar a louça. Era realmente o homem mais imprevisível que já conhecera. Nunca teria imaginado que fosse do tipo que aceita fazer serviços domésticos, como enxugar pratos; no entanto, fazia-o com naturalidade. Ele apenas sorriu em resposta ao seu olhar perplexo, e trabalharam em silêncio o resto do tempo. Quando terminaram, Tessa esperava que saísse, mas ele continuou lá, deíxando-a nervosa.
Por que não sai?, pensou furiosa, enquanto guardava tudo no armário. Entretanto, Matthew não parecia ter nenhuma intenção de ir embora; estava recostado na mesa, de braços cruzados e mudo. Se pelo menos dissesse alguma coisa em vez de ficar me seguindo com os olhos!, Tessa desejou.
Tinha que falar, decidiu. Explicar que não costumava se deixar levar pelas emoções como fez naquela noite. Tirou o avental com dedos trémulos, decidida a esclarecer tudo.
- Matthew, eu queria... - Virou-se enquanto falava, mas não viu mais nada. Antes que se desse conta do que acontecia, já estava nos braços dele, silenciada por seus lábios. A princípio, estava perplexa demais para reagir, mas depois procurou reunir todas as forças que tinha e concentrou-se em não responder àqueles lábios que já haviam quase arrasado com suas defesas.
Essa tática surtiu efeito. Matthew afastou a cabeça, olhando-a interrogativamente, e ela tentou livrar-se de seus braços, aproveitando-se daquele breve momento de distração.
- Matthew, eu acho que...
- Não ache, Tessa - interrompeu, aproximando-se e segurando-lhe o rosto gentilmente. - Vamos ignorar argumentos sensatos e aproveitar ao máximo este momento.
Tessa ficou imóvel ao vê-lo inclinar a cabeça à procura de seus lábios. Desta vez, não pôde deixar de corresponder. Encostou seu corpo ao dele, e imediatamente Matthew a abraçou.
"Aproveite ao máximo este momento", as palavras ditas há pouco permaneciam vivas em sua memória. E foi a ordem mais fácil de ser obedecida em toda a sua vida. Colocou os braços ao redor do pescoço dele e entregou-se ao calor dos beijos com uma espécie de
amarga felicidade.
Os lábios quentes de Matthew deslizavam pelo pescoço de Tessa, voltando, em seguida, para a boca, ansiosamente à espera. Ela não queria nem saber se estava sendo usada como substituta. Esse momento era só seu, ficaria para sempre guardado na lembrança, mesmo que aqueles beijos fossem destinados a outra mulher.
Uma eternidade se passou até que ele a soltasse, e então Tessa se viu obrigada a deixar o mundo dos sonhos e enfrentar a dura realidade. Fim! Aquele momento estava para sempre acabado.
- Boa noite, Tessa. Durma bem.
Sem nem olhar direito para ele, Tessa murmurou qualquer coisa e saiu correndo, sentindo um vazio imenso no coração entorpecido. Não significava nada para ele e nem poderia, não teria nenhuma chance contra alguém tão fascinante quanto Angela Sinclair. Nem mesmo Theresa Ashton-Smythe poderia se comparar ou competir em charme e encantamento.
Despiu-se na penumbra e escorregou para a cama, onde ficou rolando de um lado para o outro, sem conseguir dormir. As ideias estavam num caos total em sua cabeça, e o cansaço impedia que pensasse de modo coerente. Era tudo muito recente para que visse a situação pelo ângulo certo. Talvez de manhã pudesse encontrar uma solução para o que, no momento, parecia insolúvel.
CAPÍTULO VII
Ela evitou o mais que pôde encontrar-se com Matthew nos dias que se seguiram e, de fato, só o via durante as refeições. A atitude dele também era reservada. Com a mãe e o irmão continuava o mesmo, talvez um pouco mais distante, mas com Tessa, era frio como uma pedra de gelo, embora, em nenhum momento, fosse rude. Essa atitude veio confirmar a suspeita de Tessa de que na noite da festa ele queria apenas fugir da realidade e teria, mais tarde, se arrependido por ter sucumbido a uma fraqueza momentânea.
- Estou preocupada com Matthew - confidenciou-lhe Ethel certa vez, após o jantar, quando as duas conversavam na sala. - Quando ele fica assim sisudo e calado é porque tem algo em mente. É óbvio que alguma coisa o está perturbando. Será que tem a ver com Angela?
- È possível... - admitiu, hesitante, o coração em pedaços. - Ele a amava mais do que qualquer um de nós podia imaginar e foi um golpe duro descobrir por quem ela estava realmente apaixonada, o que ficou patente outro dia, na festa. Ela e Barry não se largaram um minuto.
Ethel tricotava em silêncio, pensativa, enquanto as agulhas e a lã se entrelaçavam num jogo harmónico.
- Sabe - disse Ethel, de súbito, colocando o tricô sobre o colo-- apesar do que acaba de dizer, ninguém me tira da cabeça que ele nunca a amou.
- O que a faz pensar assim?
- Ele não é o tipo de pessoa que fica sentado, enquanto alguém lhe toma algo que quer, bem debaixo de seu nariz. Não - sacudiu a cabeça -, Matthew teria brigado pelo amor dela, tenho certeza.
Tessa não concordava com essa teoria, mas não estava com a mínima disposição de ficar discutindo se ele amava Angela ou não. Era por demais doloroso saber que as chances de ganhar seu amor eram quase nulas, para não dizer impossíveis de se realizar.
- Onde ele está agora? - Elhel quis saber, recomeçando o tricô.
- No escritório. Aliás, é onde mais tem estado, ultimamente. Não que se importasse, disse a si mesma, pois enquanto estivesse lá não correria o risco de cruzar com ele. Mas, de qualquer modo, parte de você está sempre com ele, dizia-lhe sua consciência. E era verdade. Pensava nele a todo instante, desejando estar a seu lado.
- Não quer fazer chá para nós? - Ethel sugeriu casualmente. - Gostaria de tomar uma xícara antes de me deitar. - Tessa já se levantava quando ouviu-a dizer: - Leve uma xícara para Matthew, talvez isso o anime um pouco. - Havia um tom de malícia em sua voz.
Tessa estremeceu só de imaginar que ficaria novamente a sós com ele. Fez que sim com a cabeça, tentando aparentar calma, e dirigiu-se para a cozinha. Arrumou a bandeja com carinho, lembrando-se de que fazia muito tempo que não levava nada para ele no escritório. E se ele pensasse que era um pretexto que tinha inventado só para vê-lo? Bem. daria um jeito de tirar essa ideia de sua cabeça, pensou com firmeza, carregando a bandeja.
- Misture um pouco de leite no dele e coloque duas colheres de açúcar - instruiu-a Ethel.
Após servi-la, foi levar o chá dele com as pernas bambas e as mãos suando frio. Bateu a porta, ouviu um "entre", meio contrariado, e cruzou os dedos antes de entrar. Matthew estava sentado com mil papéis esparramados à sua frente e tinha um olhar espantado ao vê-la.
- Sua mãe sugeriu que lhe trouxesse uma xícara de chá - foi logo explicando, antes que fizesse mal juízo dela. Deixou a bandeja sobre a escrivaninha e já estava com a mão na maçaneta quando ele a chamou.
Por um breve instante, Tessa pensou que ele fosse levantar, entretanto., fechou a cara e disse:
- Não é nada. Pode ir.
O que ele tinha tentado lhe dizer? Sentia-se decepcionada e curiosa. Por que mudou de ideia? Ora, dane-se!, pensou furiosa. Com tanto homem por aí tinha que se apaixonar justo por um tão complicado. Por que não podia ter um relacionamento normal com um rapaz, como outra garota qualquer? Por que era tão difícil para ela ser feliz?
Tomou chá em companhia de Ethel, envolvida numa onda de pena de si mesma, e depois ajudou-a a ir para o quarto.
- Está andando muito bem com a bengala - comentou.
- É... mas é bom saber que está a meu lado, caso precise. Dá mais segurança.
- Que grande mentirosa a senhora está me saindo! - provocou-a, sorrindo. - Não precisa de mim desde que tirou o gesso. Está auto--suficiente de novo.
- Confesso que não sou tão dependente de você quanto antes, mas digamos que me acostumei com sua companhia e estou relutante em deixá-la ir. Estou perdoada?
Em resposta, Tessa deu-lhe um beijo.
- Adorei trabalhar aqui. Foi muito bom conviver com a senhora, e... - Sentiu um nó na garganta que dificultava a fala. As lágrimas ameaçavam brotar. - Eu não gosto da ideia de ir embora tanto quanto a senhora.
- Então fique!
- Meu trabalho aqui é totalmente dispensável agora que já está quase boa. -- Havia tomado uma decisão e não voltaria atrás. - Não. Vou mesmo embora no fím da semana que vem, se não antes.
- Ah. não, Tessa! Antes não. por favor.
Tessa não respondeu e fingiu estar concentrada em aprontar a cama para que ela se deitasse. Mesmo que quisesse, estava consciente de que não podia permanecer naquela casa nem mais um dia além do combinado. Não, amando Matthew como amava.
- Não vá ainda. Fique e vamos conversar - Ethel pediu, enquanto se ajeitava debaixo das cobertas.
- Não sei como não está cheia de conversar comigo.
- Minha querida, você é tão inteligente e bem informada que não me canso de ouvi-la falar. - Num gesto espontâneo, pegou sua mão e apertou-a afetuosamente. - Quem será o sortudo que a terá como esposa?
"O sorludo que a terá como esposa"! Essas palavras ecoavam em sua cabeça e feriam o já sofrido coração. Certamente o "sortudo" não era Malthew e, se não fosse ele, achava muito difícil que fosse outro qualquer.
- Há alguém especial em sua vida, Tessa?
Ela pensou por um momento e achou que, no meio de tanta mentira, não faria mal nenhum dizer a verdade, por uma única vez.
- Sim. há.
- Em Joanesburgo?
- Não.
- Alguem que conheço? Tessa sorria nervosamente.
- Isto é segredo!
- Desculpe uma velha intrometida como eu.
- Quem é intrometida? - Matthew havia se aproximado silenciosamente, surpreendendo-as.
- Não é da sua conta - Elhel repreendeu o filho, brincando. - Que mania a sua de chegar de mansinho e escutar a conversa dos outros! Isso é muito feio. ouviu? Especialmente se a conversa é particular.
- O que sugere que eu faça? - Ele parecia mais bem-humorado, agora. - Quer que ande com um sininho no pescoço? Assim, quando eu estiver me aproximando, vão saber logo.
- Que bobagem! Estou feliz porque resolveu sair daquele escritório e dar atenção à sua velha mãe. Sabia que não tem ligado para mim, ultimamente?
- Desculpe, mãe. Há muito trabalho a fazer, você sabe. - De repente virou-se para Tessa com o olhar de quem tem algo em mente.
- Por acaso você sabe datilografar?
- Devo estar meio fora de forma, mas costumava ser boa nisso.
- Ótimo!
- Vá se preparando, Tessa. Acho que vai ter mais trabalho para fazer.
- Mamãe está certa, Há uma dúzia de cartas que preciso enviar, mas minha letra é horrível e na máquina sou pior ainda. Seria pedir muito que as datilografasse amanhã de manhã para mim? - E, virando-se para a mãe, disse: - Isto é, se não for precisar dela,
- Se ela não se incomodar, está bem para mim.
Tessa sentiu como se as paredes estivessem se fechando sobre ela ao vê-lo olhá-la interrogativamente.
- Bem. o que me diz?
- Está certo, vou datilografá-tas para você.
- Muito bem. Venha ao escritório amanhã, depois do café. Então começou a conversar com a mãe, ignorando Tessa por completo e dando-lhe a tão desejada chance de escapar.
No corredor, Tessa encontrou Barry que a segurou pelo braço, fazendo-a parar.
- Por que está sempre com pressa? Onde é o fogo desta vez? - ele brincou.
- Como sempre, não há fogo nenhum. ja devia estar acostumado com meus alarmes falsos. - Entrou no mesmo tom de brincadeira.
- Senti uma necessidade incontrolável de ar fresco.
- Puxa, nunca vi ninguém gostar tanto de ar fresco! - Nesse instante ouviu a voz do irmão vinda do quarto da mãe. - Não me diga que estava fugindo de Matthew outra vez!
Tessa saiu para a varanda, sem responder, e a brisa fria da noite ajudou a esfriar as faces em fogo. Por que era sempre tão difícil relaxar na presença da Matthew? Havia uma barreira invisível entre eles que não tinha cedido nem por aqueles momentos de amor. Não, não foram momentos de amor, muito pelo contrário. Ele a tinha usado friamente, talvez para provar a si próprio que podia dominá-la a seu bel-prazer. O pior era que havia conseguido. Barry a seguiu até o jardim.
- Quando vai parar de fugir dele? já não lhe disse que com jeito, encorajando-o um pouco, pode tê-lo em suas mãos?
Tessa sorriu, porém era um sorriso amargo.
- A única coisa que vou conseguir me insinuando para ele é tornar-me sua. amante.
- Não diria isso se o conhecesse bem.
- É ... eu não o conheço, mas sei o que pensa de mim e já tive provas de que não é nada lisonjeiro. - Não queria ter dito isso. Como sempre, não pensara duas vezes antes de abrir a boca.
- Que provas?
- Esqueça - cortou o assunto, distanciando-se rapidamente. O cenário à sua volta era de uma beleza rara, deslumbrante, banhado pela luz da lua. No entanto, estava tão envolvida em seus pensamentos que, com certeza, nem reparava.
Barry deteu-a, segurando seu braço.
- Devagar, garota! Não estou com a mínima vontade de correr no jardim a esta hora.
- Desculpe.
Andaram em silêncio, envoltos numa atmosfera de paz,
- Posso lhe fazer uma pergunta? Mas tem que ser honesta comigo. - Nem esperou a resposta e prosseguiu: - Ama Matthew?
Uma indescritível emoção a invadiu.
- Sim... Está tão na cara assim?
- Para mim, sim. Mas não creio que alguém mais tenha notado - ele tranqúilizou-a, adivinhando sua ansiedade. - Tem outra coisa que notei - continuou, mais sério que nunca. - Matthew tem passado mais tempo em casa do que de costume. Isso lhe diz algo?
- Que está me vigiando para ter certeza de que não vou fugir com a prataria da casa - disse com amargura.
- Ah! Não diga besteira. Eu vejo como ele olha para você.
- Eu também. - Seus olhos se encheram de lágrimas. - Com suspeita e menosprezo.
- Tem gente que insiste em enterrar a cabeça na areia, como um avestruz, e você é uma delas. - Sentaram-se num banco próximo.
- Eu me lembro de uma vez quando éramos criança ainda... Havia um cachorrinho numa loja de Idwala. Matthew queria que papai o comprasse, mas ele disse que já tínhamos cachorros demais na fazenda e não quis comprar. Aí nós ficamos o resto da manhã na loja e Malthew ficou namorando o cachorrinho com o olhar mais derretido do mundo.
- Por que está me contando essa história?
- Porque é exatamente como olha para você.
Um lampejo de esperança ia nascendo no coração de Tessa, porém foi logo sufocado, Barry só podia estar enganado. Talvez Matthew a desejasse como mulher, mas isso não era amor. Se a amasse teria se declarado na noite da festa. Ela não podia ter sido mais explícita quanto ao que sentia; tinha se entregado apaixonadamente.
Meu Deus, gritava por dentro, por que fui permitir que ele passasse por minhas defesas? Havia desejado aqueles beijos e carícias, mas não pelas razões que ele, certamente, imaginava.
- Tessa?
Sentiu como se estivesse acordando de um sonho triste.
- Não vamos mais tocar nesse assunto, está bem? - disse para Barry. - Não quero pensar nisso. Prefiro que me conte como estão as coisas entre você e Angela.
- Está tudo bem. - O rosto dele se iluminou. - Tenho boas novas. Ela aceitou meu pedido de casamento.
Apesar de seu estado emocional, Tessa se alegrou por ele.
- Barry, estou tão feliz! Quando pretendem anunciar o noivado?
- Estamos pensando em oficializar tudo no sábado que vem. Pensei em convidar os pais dela para um jantar de comemoração.
- Sua mãe já sabe? E... Matthew?
- Ainda não - admitiu, tranquilo. - Vou contar a mamãe esta noite mesmo, quando for lhe dar boa-noite. E depois comunico a Matthew.
- Tem alguma ideia de como ele vai receber a notícia?
- Não vejo razão para me preocupar - respondeu, confiante. - Já que está interessado em outra.
- Não vai começar, vai?
- Não, não vou - assegurou.
- Vamos entrar, quero conversar com mamãe.
Tessa acompanhou-o até o quarto de Ethel e foi para o seu. Muito tempo já tinha se passado quando ouviu-o sair de lá e bater na porta do escritório do irmão. Ficou tensa em pensar no que poderia acontecer.
Estava de camisoia e chinelos e, como fazia sempre antes de se deitar, foi para o quarto de Ethel verificar se estava tudo certo. Desta vez, porém, sentiu remorsos porque tinha segundas intenções: queria saber como ela havia recebido a notícia.
Ao entrar, constatou logo que a notícia havia sido boa: Ethel estava radiante.
- Barry acaba de me dar uma notícia maravilhosa! Estou tão feliz que quero comemorar já!
Tessa também estava feliz. Por Barry, por ÂngeJa, e principalmente por aquela senhora tão boa a quem tinha sido útil por algum tempo.
- Agora só me falta ver Matthew casado e feliz. - Havia melancolia em sua voz, que encontrou eco no coração de Tessa.
- Que tal um brinde com chocolate quente?
- Está bem. Vou preparar.
Ao passar pela porta do escritório, pôde ouvir vozes, mas não conseguiu entender o que diziam. Pelo menos era um consolo ver que não estavam brigando. Tratou logo de ir saindo; não queria que pensassem que tinha o hábito de ouvir atrás das portas. O chocolate estava quase pronto, o aroma se espalhando pela casa, quando ouviu alguém se aproximar.
Matthew! O coração lhe dizia que era ele e suas mãos tremiam, totalmente desgovernadas.
- É chocolate? - Um calafrio subiu pela espinha dela.
- É. Quer um pouco?
- Sim, por favor, se não for muito trabalho...
Essa exagerada polidez a irritou e, ao mesmo tempo, a feriu. Olhou, os olhos azuis faiscando de ódio.
- Se fosse me dar trabalho, garanto que não ofereceria.
Para seu embaraço, ele a media da cabeça aos pés. Corou e, inconscientemente, apertou o cinto que amarrava o penhoar. A primeira vista, não dava para perceber qual o efeito que as notícias de Barry haviam causado nele.
- Alguém já lhe disse que fica muito bonita quando está zangada e absolutamente encantadora quando fica corada?
Tessa estava embaraçada e confusa, o que, no entanto, não a impediu de dar uma resposta à altura:
- E alguém já lhe disse que é simplesmente insuportável?
Por um momento pensou que. mais uma vez, tinha ido longe demais ao notar que o rosto dele assumia um ar sério. Então, curiosamente, ele- pareceu divertir-se.
- Se pretende servir o chocolate quente, sugiro que o faça já, senão esfria - disse, brincalhão, e Tessa quis atirar uma panela nele.
A atmosfera era pesada e ela não disfarçou a raiva que sentia ao passar-lhe a caneca, procurando, no entanto, não olhar para ele.
- Já sabe das notícias a respeito de Barry e Angela?
Agora tinha que olhar bem para ele e descobrir o que realmente sentia. Mas nenhum traço do rosto dele traiu suas emoções.
- Sim - respondeu, no tom mais casual que conseguiu.
- Á não era sem tempo que meu irmão se assentasse na vida, e Angela é a garota certa para torná-lo feliz. Foram feitos um para o outro.
- Não se importa? - Não conseguiu esconder o espanto.
- Por que deveria?
- Bem... Eu pensei...
- Que eu estava apaixonado por ela. - Ele mesmo concluiu a frase, com um sorriso meio cínico.
- É... é isso - admitiu, sentindo-se uma completa boba, além de surpresa com o comportamento dele.
- Sinto desapontá-la, mas não estou com o coração partido.
- Nunca pensei que estivesse com o coração partido. A bem da verdade, acho pouco provável que isso chegue a acontecer.
- Mesmo? - Seu cinismo era nauseante. - Como sabe?
- Em primeiro lugar, é o homem mais arrogante e cínico que já conheci, incapaz de amar alguém com sinceridade e, por isso, não corre o risco de ter o coração partido, se é que tem um... aposto que tem um pedaço de tijolo ou qualquer coisa do género no lugar do coração.
Sem olhar para ele, pegou a bandeja e se dirigiu para a porta, só que a passagem estava bloqueada por um Matthew totalmente transfigurado. Estava vermelho de raiva, os olhos parecendo duas metralhadoras prontas para disparar contra ela, os músculos do rosto tensos pelo esforço que fazia para não explodir.
- Ponha a bandeja na mesa - ordenou, os dentes cerrados.
- Sua mãe está esperando. - Tentou desesperadamente se desviar dele, mas a ordem foi repetida e ela achou mais sensato obedecer.
Matthew fechou a porta e avançou na direção dela, agarrando-a firmemente pelos ombros, puxando-a contra si. Tessa estava aterrorrizada e lutava para escapar, porém seus esforços eram em vão. Não podia lutar contra ele.
- Foi longe demais desta vez, Tessa. - Ele estava transformado de ódio.
- Matthew, por favor - suplicou. - Eu juro que não tive a intenção de...
- Teve, sim! E agora vai se arrepender pelas palavras que disse
- Não, me solte! Por favor. ..
Seus gritos foram sufocados por um beijo selvagem, a forma de punição mais dolorosa que já havia experimentado. Cada parte de seu corpo resistiu à investida até que Matthew resolveu mudar de tática. Forçou-a a abrir os lábios e beijou-a com uma sensualidade que a desarmou totalmente. Tessa deu-se por vencida e, pressentindo isso, ele a abraçou com mais intensidade, as mãos explorando cada centímetro de seu corpo.
- Ainda acha que não tenho coração? - sussurrou-lhe ao ouvido.
- Isto não tem nada a ver com coração ou amor, Matthew - conseguiu dizer, tentando, uma vez mais, livrar-se dele.
- Trata-se de puro instinto animal.
- Talvez, mas pode ser um perfeito substituto para o amor. - Puxou-a para mais perto de si. - Não acha?
Tessa tremia incontrolavelmente ao contato do corpo dele e experimentava várias sensações simultâneas que iam da raiva, frustração e decepção ao desejo de ser totalmente possuída. No fim, não pôde se controlar e chorou convulsivamente, como uma criança. Ele a observava com sarcasmo e uma frieza se apoderou do coração dela, afastando qualquer outra emoção.
- Me solte! - pediu o mais friamente que pôde e, surpreendentemente, ele a soltou.
- Pode levar o chocolate para sua mãe, por favor? - Antes de receber uma resposta, saiu correndo, deixando a porta escancarada.
Sozinha no escuro do quarto, Tessa se jogou na cama, chorando até não poder mais. O que não adiantou nada para diminuir a dor que a dominava; só aumentou a consciência de sua fraqueza. Deitou-se de costas, ficando o olhar na escuridão e procurando conter os soluços. A situação era intolerável e só havia uma coisa a fazer. Teria que ir embora imediatamente.
Tinha entrado naquela casa sob falso pretexto, ajudada e encorajada pela própria Ethel, que insistiu para que ficasse no lugar da tal srta. Emmerson. Além disso, havia escondido a própria identidade, adotando, inclusive, um nome falso. O que no começo era uma aventura sem maiores consequências iria, fatalmente, acabar em tragédia se não partisse agora.
Barry havia insinuado que Matthew se interessava por ela, mas estava redondamente enganado. Agora, mais do que nunca, tinha a certeza de que ele continuava com uma opinião equivocada a seu respeito. Uma das alternativas seria contar-lhe toda a verdade, arriscando-se a vê-lo furioso por ter sido enganado todo esse tempo.
Socou o travesseiro com raiva. Contar a verdade seria admitir o fracasso, viver o resto da vida sem ter atingido seu maior objetívo: ser amada por ela mesma. Pesou os prós e os contras desse gesto e uma sombra de dúvida surgiu ao pensar na possibilidade de que Barry afinal, estivesse com a razão. A atitude de Matthew a levava a pensar exatamente o contrário, porém, não podia descartar essa possibilidade... Supondo que ele a amasse de verdade, como reagiria se soubesse da farsa?
Levantou-se e começou a andar, sem parar, de um lado para o outro. Sabia que não a perdoaria e era bem capaz de mandá-la arrumar as malas e sumir dali, indiferente aos próprios sentimentos. De qualquer ângulo que analisasse a situação, sempre saía perdendo e havia somente um caminho a seguir: deixar a casa o quanto antes, mesmo sabendo que teria que conviver pelo resto da vida com um sentimento de frustração por não conquistar o homem que amava.
CAPITULO VIII
Tessa dormiu mal aquela noite. Em consequência, mal começava o dia e já estava com uma terrível dor de cabeça. Suas profundas olheiras eram provas mais do que suficientes da noite maldormida. Odiava a ideia de enfrentar Matthew naquela manhã, contudo não havia jeito de evitá-lo, pois tinha se comprometido a datilografar as cartas. Com um suspiro, pulou fora da cama, tomou um banho e vestiu calça bege e uma blusa vermelha, na esperança de que essa cor desse vida à sua aparência. Procurou disfarçar os sinais de cansaço, mas não havia maquilagem que fizesse milagres.
- Que cheiro bom de bacon - disse Mathew, farejando o ar. - Nem tinha notado que estava com tanta fome.
Como conseguiu, ficar tão frio e imperturbável após o que tinha acontecido?
- Sente-se, eu já lhe sirvo o café - ela disse secamente.
Ele mal tinha começado a comer quando Barry surgiu, esfregando as mãos e dando tapinhas no estômago.
- Puxa, que fome!
- Está sempre com fome - ela brincou, aliviada com a presença dele.
- O que posso fazer se estou em fase de crescimento e meu organismo clama por comida?
- Só tem um problema. Não é mais nenhum garotinho e a única direção em que vai crescer é para os lados.
- Por acaso está insinuando que estou gordo?
- Não - Tessa riu, mas se não tomar cuidado vai chegar lá! Matlhew simplesmente ignorava a brincadeira deles e limitou-se a avisá-la:
- Não esqueça que tem que ir ao escritório assim que tomar o café.
- Não esquecerei, pode ficar sossegado.
Como poderia esquecer?, perguntou-se, no corredor, a caminho do quarto de Ethel para onde ia levando o café. Só de pensar em passar umas horas com ele. num recinto fechado, a amedrontava, mas, se ele queria agir como se nada tivesse acontecido, então ela faria seu jogo, decidiu, assumindo um ar de desafio.
- Desculpe dizer-lhe isso - Ethel a observou -, mas está com cara de quem vai paia uma batalha.
Tessa admirou-se da perspicácia dela e riu, relaxando sensivelmente.
- Talvez esteja indo para uma, mesmo. Quem sabe?
Essa pergunta vaga não perturbou Ethel e, após ter ajeitado tudo, Tessa voltou para a cozinha para tomar o café. Eslava nervosa demais para comer e contentou-se com uma torrada e uma xícara de café. Assim que Daisy chegou, recomendou-lhe que desse toda a assistência a Ethel, enquanto estivesse ocupada.
A porta do escritório estava aberta e, ao entrar, encontrou Matthew parado à janela, compenetrado na paisagem. De costas para e!a, a luz marcava bem as dimensões de seu corpo, os ombros largos e as coxas musculosas. Finalmente, sentindo a presença dela, virou-se e falou:
- Acho que devo pedir desculpas por querer abusar de sua bondade, mas ficarei muito grato pela ajuda.
Às vezes, ele até parece humano. Tessa pensou sinicamente.
- Mostre-me o que deve ser feito - pediu. Ele apontou para a escrivaninha.
- Coloquei a máquina ali porque achei que precisaria de espaço para trabalhar. Se a cadeira não estiver na altura adequada, pode girá-la até achar a posição ideal. - E, mostrando um maço de papéis e carbono, acrescentou: - Acho que isso chega, não?
- É mais do que suficiente - assegurou, cruzando os braços para esconder o nervosismo.
Ele lhe passou um bloco de papéis com o rascunho das cartas a serem datilografadas.
- Espero que consiga decifrar a letra.
Tessa passou os olhos pelas folhas, lendo alguns trechos aqui e ali. A letra era bem firme e grande, como a da maioria dos homens, e era inacreditável como até a letra dele mostrava um traço distinto de arrogância.
- Acho que não haverá problemas.
Matthew a olhou em silêncio por alguns segundos que pareceram horas, desconcertando-a.
- Está com olheiras, Não se sente bem?
- É só dor de cabeça.
- .Tomou algum remédio?
- Não... mais tarde eu tomo.
Para sua surpresa, ouviu o barulho de água enchendo um copo; depois ele abriu uma das gavetas e pegou um vidrinho de comprimidos. Tirou a tampa e depositou dois na palma da mão.
- Tome - disse gentilmente, a mão raspando de leve na dela ao lhe entregar os comprimidos. - A água está ali do lado.
Não estando acostumada a receber qualquer consideração da parte dele, por um momento, Tessa ficou a olhá-lo, espantada.
- O que há? Não quer se livrar da dor?
- Sim, claro.
- Então tome o remédio. - Seu olhar tinha um toque de sarcasmo,não se preocupe, não é veneno.
Apesar de tudo, Tessa não pôde deixar de sorrir.
- Não pensei que fosse. - Tratou de engolir os comprimidos antes que ele dissesse mais alguma coisa. - Obrigada - sussurrou, entregando-lhe o copo vazio. - É muito gentil.
- Não estava sendo gentil. Queria apenas que não usasse a dor de cabeça como desculpa para não fazer o trabalho.
Isso era demais! A raiva dominou-a, embora soubesse que ele estava brincando. Incapaz de se controlar, colocou toda a raiva para fora numa torrente de palavras:
- Deveria saber que nunca faz nada sem segundas intenções. Retiro o que disse, estava enganada. Não existe um pingo de bondade em você. É a pessoa mais arrogante e egoísta que já tive a infelicidade de encontrar e espero não ve-lo de novo depois que for embora!
O silêncio que se seguiu a essa explosão foi carregado de tensão e uma olhada rápida para a expressão fria nos olhos dele foi suficiente para trazê-la de volta à razão. Uma veia na garganta latejava, provocando dor, e ela estava a ponto de chorar.
- Sinto muito - sussurrou, desconcertada, o olhar baixo. - Minha cabeça dói muito, não dormi bem e estou à beira de um colapso nervoso. Quero que leve isso em conta e perdoe as bobagens que falei. Não queria dizê-las.
De novo houve silêncio. Então, Tessa ouviu um suspiro de impaciência.
- Aceitarei as desculpas com reservas. - A voz grave vibrava no ar. Sem mais, Matthew virou-se e a deixou sozinha.
Três horas depois, Tessa terminou e, ao se levantar, sentiu as costas doloridas. Arrumou as cartas numa pilha sobre a mesa e saíu à procura de Ethel. Havia pensado em mil maneiras de dizer o que tinha em mente, mas cada vez que pensava tirava ou acrescentava uma parte ao discurso que preparara. Talvez fosse mais sensato deixar que tudo saísse naturalmente, sem clichés e palavras bonitas.
Encontrou-a na varanda e a maneira como a velha senhora se alegrou ao vê-la deu-lhe uma dorzinha no coração, quase fazendo com que mudasse de ideia.
- Chegou bem na hora do chá - Ethel disse alegremente. - Pedi a Daisy que o servisse mais tarde hoje, na esperança de que pudesse me acompanhar. Está um dia maravilhoso e foi uma maldade ficar trancada naquele-escritório por tanto tempo!
- Eu já terminei. Tenho o resto do dia para ficar com a senhora.
- Pode não acreditar no que vou dizer - ela começou, após uma breve pausa. - Mas, a cada dia que passa eu me afeiçoo mais a você.
- E eu à senhora - Tessa respondeu sinceramente.
- Gostaria de encontrar um meio de mantê-la aqui.
Aquela era justamente a deixa de que precisava para abrir-se, e começou a falar sem demora:
- Ethel, adorei ter trabalhado aqui e vou sentir uma falta imensa da senhora, mas... queria lhe pedir que me deixasse ir amanhã mesmo. - Mordeu os lábios diante da expressão de desânimo no rosto de Ethel. - Sei que é repentino e que esperava que ficasse até o fim da semana que vem, mas. .. tenho que partir antes que... - não teve forças para continuar, os olhos miseravelmente cravados no chão.
- Por quê? Não quer me contar?
As lágrimas transbordavam e corriam livremente pelo rosto de Tessa-
- Bem... eu estive pensando nas circunstâncias que me trouxeram a esta casa, lembra?
- Sim, concordamos em pregar uma mentirinha e dizer que era a substituta da srta. Emmerson. Mas não é isso que a perturba, não é?
- Receio que a. farsa tenha começado bem antes. Antes mesmo de eu chegar a esta casa.
- Está se referindo ao fato de ser Theresa Ashton-Smythe em vez de Tessa Smith?
A serenidade dela se opunha o espanto de Tessa.
- Então já sabia?
Um sorriso suave surgiu nos lábios de Ethel. - Soube desde o início.
- Mas... mas como? E, por que não me disse?
- Bem, durante o tempo que fiquei presa à cadeira de rodas tinha que arrumar algo com que me ocupar. Lia tudo o que me vinha parar nas mãos e, um dia, aconteceu de encontrar umas revistas muito antigas que nem me lembrava mais se havia lido ou não. Só para passar o tempo, comecei a folhea-las. Por coincidência, foi numa delas que li a matéria sobre seu futuro casamento. Pode ver que eram revistas bem velhas mesmo. Confesso que, no começo, os cabelos curtos e as roupas simples me enganaram, mas Theresa Ashton-Smythe estava lá, bem escondida. Você chegou num momento muito oportuno, e eu, imediatamente, pensei em faze-la aceitar o emprego.
- Mas por quê? - Estava completamente zonza.
- Quando se apresentou como Tessa Smith, imaginei que estava fugindo de algo, que as circunstâncias haviam feito com que precisasse ficar anónima. O que realmente aconteceu, Tessa?
Ela sentia-se aliviada por ter a chance de confiar o segredo a alguém e não omitiu nada.
- Meu casamento com jeremy Fletcher não chegou a se concretizar. Ele me deu o fora. Alguns dias antes do casamento, recebi uma carta em que ele contava que estava para casar com uma moça a quem amava e que a única razão pela qual ia casar comigo era dinheiro. Nem preciso lhe dizer que foi um golpe muito duro que teria efeitos permanentes sobre mim.
Tessa passava os dedos sobre o braço da cadeira e deixou que seus pensamentos voltassem uns dois anos atrás. Depois continuou:
- Na época, estava estudando música na universidade; faltava um ano para terminar e pretendia fazê-lo depois de casada. Logo depois do rompimento, recebi um convite para continuar os estudos na Europa e me agarrei à chance de fugir de tudo e de todos. Meus pais. claro, concordaram que uma mudança de ares só me faria bem, emocionalmente. Passei um ano na Europa antes de voltar à África do Sul com a intenção de abrir uma escola de música. Entretanto, as coisas tomaram um outro rumo e eu me vi dando recitais, o que não era bem o que queria fazer. Mamãe gostaria que me tornasse pianista profissional e papai não se opunha à ideia, mas não quero que pense que me forçaram a isso. Não, para eles o que importava era a minha felicidade.
Levantou-se, pois não aguentava mais ficar sentada, quieta. Ficou a andar impacientemenle, enquanto continuava a história:
- Tinha muitos amigos e gostava muito deles, mas a atitude de Jeremy semeou a dúvida no meu coração. Fui me tornando cética, desconfiava de todos, e comecei a me perguntar quantos deles eram realmente amigos, pessoas em quem eu podia confiar, que estavam a meu lado porque gostavam de mim. Passei a duvidar deles e eles, fatalmente, perceberam que algo estava errado.
- Entendo - Ethel observou com compreensão. - Queria ser amada por suas virtudes e defeitos e não por ser a filha de um milionário.
- Exatamente. Certa noite, após um exaustivo recital, fui a uma festa em minha homenagem e encontrei Jeremy lá com a esposa. Nós nos cumprimentamos como pessoas civilizadas, ele me apresentou a mulher e passamos o resto da noite tentando nos evitar. Não sentia mais nada por ele, entretanto, doía muito lembrar de tudo e eu me revoltei... Foi aí que resolvi fugir de novo, mas desta vez assumi uma identidade falsa só para ver o que aconteceria, como as pessoas tratariam Tessa Smíth.
- Seus pais não se opuseram a ideia?
- Não. - Sorriu. - É claro que ficaram preocupados com minha segurança, mas felizmente entenderam. O plano original era visitar o interior e encontrar lugares e caras novas. Ia ser divertido... Por obra do destino, eu me perdi e vim parar em sua fazenda para pedir alguma orientação... Depois disso...bem, já sabe o resto.
- Desculpe por te-la forçado a aceitar o emprego. Não sou uma pessoa impulsiva, porém senti que estava deprimida e queria ajudá-la.
Tessa ajoelhou-se perto dela, segurando-lhe as mãos
- Tem sido muito boa, Ethel.
- Há uma coisa que gostaria de enfatizar - ela disse, apertando com força as mãos de Tessa. - Saber de sua verdadeira identidade não influiu no meu conceito sobre você. Gosto de você e foi uma revelação conhecê-la melhor e ver que a riqueza e o dinheiro não a estragaram: É sincera e afetuosa e há muito amor trancado em seu coração para aquele que tiver a sorte de encontrar a chave. Provou que nenhuma tarefa é dura demais para você. Confesso que, às vezes, receei que estragasse suas mãos, tão delicadas - dizendo isso, examinou-as de perto. - Parece que, graças a Deus, elas conseguiram sobreviver. Por que está chorando?
Tessa não se esforçava em conter as lágrimas que rolavam livremente sobre suas faces.
- Porque, pela primeira vez na vida, sinto que tenho uma verdadeira amiga e que, por uma grande ironia, terei que deixá-la. Saiba que aqui encontrei a felicidade... -E o mor, gritava seu coração. - Infelizmente, tenho que partir, não ousaria ficar um dia mais.
- Por que não?
- Se Matíhew descobrir a verdade, nunca me perdoará. Tenho; que ir antes que isso aconteça.
,- Se a opinião dele é tão importante, por que admitir a derrota sem nem ir para a luta?
- Vejo que é inútil esconder... Eu estou apaixonada por ele. Um sorriso de satisfação brotou nos lábios de Ethel.
- Não vai me desapontar fugindo dessa maneira, vai?
- Dessa vez, não há outro jeito - Tessa sussurrou, profundamente infeliz. - Ele não me ama.
- Tem certeza?
Tessa pôs-se de pé e recomeçou a andar impacientemente pela varanda. Tinha certeza? Não, estava confusa demais para ter certeza de qualquer coisa. Até o momento, não tivera nenhuma indicação de que ele se interessava por ela. As vezes em que Matthew havia se aproximado foram meramente um teste para confirmar as suspeitas dele quanto à sua reputação. Ou não? E se ela o tivesse interpretado mal? Olhou para o jardim, ansiosa por uma resposta. Se ao menos tivesse certeza!
Conseguiu arrancar de Ethel a promessa de que não revelaria seu segredo se ficasse até o final da semana seguinte. Ela concordou, embora achasse que era uma "chantagem emocional". No que se referia a Matthew, Tessa continuava sem coragem para enfrentá-lo e. evitou-o o mais que pôde nos dias seguintes.
Era sábado, Angela e os pais haviam sido convidados para o jantar, para oficializar o noivado, e Tessa ficou quase o dia todo ocupada com os preparativos. Finalmente, teve um momento de descanso e permitiu-se dar um passeio pelo jardim, a fim de espairecer.
- Essa flor se chama pássaro do paraíso - Matthew falou por detrás dela. Tessa estava tão distraída, admirando a beleza da flor. que nem notou sua chegada.
- Pensei que se chamasse Sírelituia - observou, provocando-o.
- Se quer saber, o nome botânico completo é Strelttsia reginae.
Está satisfeita?
Ela ergueu as sobrancelhas, mostrando-se surpresa, só para caçoar dele.
- Puxa, não tinha reparado que era assim tão "sabido"!
- Talvez porque nunca tenha se interessado em me conhecer melhor.
Os olhos verdes a encaravam. Como sempre, estavam a ponto de ter uma discussão e, sinceramente, Tessa não tinha a mínima disposição para uma luta, fosse verbal ou física.
- Bom... eu preciso ir.
- Vai fugir de novo?
- O que quer dizer com isso?
- Ora, vamos, Tessa! - Riu ironicamente. - Tem me evitado ultimamente como se eu fosse uma doença contagiosa ou coisa parecida. Toda vez que entro num lugar, você sai apressada. Fique sabendo que já está perdendo a graça.
- Gozado... não pensei que fizesse questão da minha companhia. Infelizmente, tenho muito trabalho para fazer, e se me der licença... - já ia se retirando quando ele a segurou pelo pulso.
- Me solte... está me machucando!
- Pare de fugir, Tessa - insistiu, aparentemente calmo; afrouxando os dedos mas sem soltá-la.
-- Não estou fugindo de ninguém - ela disse, furiosa. - Agora, deixe-me passar!
Matthew olhou-a-pensativamente por um instante, e então soltou-a, desviando o olhar para algo atrás dela.
- A propósito, há uma cobra bem atrás de você.
- Não! - Gritou, tomada de pânico, e atirou-se para a segurança dos braços que já a esperavam. - Onde? - Tentou olhar por cima do ombro.
- Não se preocupe, não há cobra nenhuma. - Ele sorriu maliciosamente, abraçando-a com mais força. - Mas parece que deu certo!
- Seu... seu estúpido! - Batia no peito dele numa tentativa de se desvencilhar. - Que golpe baixo! Eu o odeio!
- Você me odeia? - Matthew perguntou gentilmente, inclinando a cabeça e deslizando os lábios pelo pescoço dela, onde uma veia pulsava loucamente ao seu toque. - Me odeia mesmo?
- Eu... eu... oh, Matthew, por favor não - suplicou, percebendo que não tinha mais forças para resistir.
Fez um último esforço para soltar-se, mas foi inútil e se viu tão fortemente apertada contra ele que não se surpreenderia se tivesse umas costelas quebradas. Ele a beijou repetidas vezes até que ela se entregou, assustada pela intensidade daqueles beijos, mas quase suplicando por mais.
- Não podemos continuar assim, Tessa - falou, de súbito, - Está se tornando intolerável.
- O que está se tornando... intolerável? - gaguejou, nervosa.
- Eu te querendo e você fugindo de mim.
- O que sugere que façamos a respeito? Ele a olhava com intensidade.
- Sugiro que admitamos que precisamos um do outro e deixemos a coisa rolar daí para diante.
Era como se um balde de água fria tivesse sido jogado em sua cabeça.
- Está sugerindo - disse sem jeito - que eu me torne sua... amante?
- Pelo amor de Deus, Tessa! Que tipo de homem pensa que sou?
- O que espera que eu pense? - gritou, em desespero. - Vem com uma conversa de que me quer e que temos que reconhecer a necessidade que temos um do outro. . . De que outra maneira poderia interpretá-lo?
Matthew passou os dedos pelos cabelos, um sinal, ela sabia, de que estava nervoso.
- Por que não entende o que estou tentando dizer? Assim não vamos chegar a nada!
- Onde exatamente quer chegar?
- Tessa, estou tentando dizer que amo você, mas se insiste em torcer minhas palavras...
Ele continuou a falar, no entanto ela nem o ouvia maís. A mais extraordinária alegria invadiu-a, acelerando as batidas de seu coração e deixando-a boquiaberta com a inacreditável confissão que acabava de ouvir.
- Está sempre me evitando - ele continuava. - É só eu me aproximar e você arruma um pretexto para se afastar.
- Matthew, meu amor. quando vai parar de falar e me dar um beijo?
Ele ficou parado um momento, e então envolveu-a nos braços, não encontrando resistência alguma ao beijá-la.
- Oh, Matthew - ela suspirou, aconchegada ao peito dele. - Por que não me disse logo que me amava? Por que me deixou pensar que estava apenas se divertindo comigo?
- Você não me dava nenhuma chance - disse, deslizando as mãos pelas costas de Tessa, provocando-lhe deliciosos arrepios na espinha.
- O que me diz da noite da festa de Barry? Com o dedo. ele ergueu o rosto dela pelo queixo.
- Apesar de ter minhas dúvidas, não pude me controlar naquela
noite, Tessa.
- Agora não tem mais dúvidas, não é?
- Não terei se disser que me ama. - Seu olhar era interrogativo.
- Oh, Matthew, eu te amo, sim - confessou, quase sem respirar,
pela primeira vez tomando a iniciativa de beijá-lo.
- Você é linda, Tessa. Eu te amo muito - ele falava e admirava
aqueles brilhantes olhos azuis.
- Não consigo acreditar - ela disse, como se estivesse sonhando, enquanto caminhavam de volta para casa. - Sempre pensei que gostasse de Angela.
- Nunca a amei. O único motivo pelo qual a trazia aqui era a esperança de que Barry se interessasse por ela. E a garota ideal para e!e, não acha?
- Sua raposa velha. - Riu, admirada por poder agir tão naturalmente, agora que tinha a certeza do amor dele.
A única coisa que impedia a felicidade de ser completa era o fato de ter que lhe contar o segredo. Não agora, dizia seu coração, ainda não. Aquele momento era sublime demais para ser atrapalhado com uma confissão, especialmente daquele tipo. Precisava de mais tempo antes de contar a verdade. Precisava de mais coragem. Ele, certamente, não ia gostar nada da ideia, mas rezava para que fosse compreensivo.
Na varanda, abraçaram-se e beijavam-se de novo.
- Esteve longe de mim em pensamento por um momento. Onde estava?
Tessa passava os dedos pelo contorno dos lábios dele.
- Estava pensando em você. Desde que o conheci, não faço outra coisa senão pensar em você.
- Apesar de contrariado por sua presença na casa, não pude refrear a paixão. Ainda não sei qual o mistério que a cerca, mas já nem me importo.
Tessa emocionou-se e lágrimas marejaram seus olhos.
- É a coisa mais bonita que já me disse... Sei que devo esclarecer o mistério, mas tenho medo de estragar este momemo. - Passou a mão pelos cabelos dele. - Tenha um pouco de paciência, está bem?
- Como posso negar um pedido assim? Não tocaremos nesse assunto por enquanto, é melhor deixar passar o noivado de Barry.
Ela concordou prontamente. Não queria, também, que nada desse errado naquela noite.
O milagre, afinal, havia acontecido. Matthew a amava! Ele a amava pelo que era, a Theresa Ashton-Smythe não tinha nada a ver com isso. A parte mais difícil, no entanto, estava ainda por vir, antes que pudesse gozar a felicidade completa. Era um rio turbulento, cuja travessia não poderia ser indefinidamente adiada.
CAPÍTULO IX
Eles não se viram mais aquela tarde. Depois de certificar-se de que tudo estava em ordem para o jantar, Tessa foi se arrumar. Ethel já podia se vestir sem a ajuda dela, o que lhe dava mais tempo para dedicar a si mesma. Aquele ar atormentado havia desaparecido de seu olhar e, em seu lugar, surgiu um brilho imenso que não tinha nada a ver com a iluminação do quarto. O que o amor faz por uma pessoa!, pensou, enquanto se admirava no espelho. Estava absolutamente radiante!
Ia saindo quando viu, encantada, que Matthew vinha ao seu encontro, usando um terno escuro e gravata. Era a primeira vez que o via vestido socialmente. Em instantes estava ao lado dela e, antes que Tessa se desse conta de suas intenções, foi gentilmente empurrada de volta para o quarto. O coração foi parar na boca quando sentiu os braços dele na cintura.
- Não devia estar aqui no meu quarto - protestou. - O que vão pensar se nos encontrarem aqui sozinhos?
- O que eu posso fazer? Você é a culpada, está linda demais. Não pude resistir - sussurrou, beijando-a de um jeito que fazia o corpo dela queimar de emoção. - Sabe, estive pensando e me lembrei de que ainda não a fiz pagar pelas coisas feias que disse a meu respeito. Quais eram mesmo? - Ergueu a cabeça, pensativamente, assumindo um ar grave que nem a assustou porque estava claro que era uma brincadeira. - Ah, sim. Você me chamou de arrogante e egoísta.
- Sabe que só disse aquilo porque estava com raiva - ela defendeu-se, percebendo que não podia mais controlar as emoções enquanto as mãos dele passeavam por suas costas.
- Não adianta inventar desculpas agora que está contra a parede. Aceite a punição de bom grado.
A punição dele foi beijá-la ardentemente, fazendo com que o coração de Tessa disparasse,, deixando-a totalmente indefesa. Ela entregou-se avidamente àquela torrente de emoções até que sentiu que ele procurava por seus seios.
- Matthew, meu amor... acho melhor irmos - conseguiu dizer. a respiração um pouco difícil.
Relutantemente ele a soltou, mas as mãos ainda se demoraram por algum tempo na cintura dela, emitindo ondas de calor.
- É... acho que os Sinclair estão para chegar - ele suspirou afinal, virando-se para abrir a porta. - Queria que fosse o nosso noivado.
- Eu tambem - Tessa confessou amorosamenle. Diante dessa declaração, ele a teria tomado nos braços se ela não tivesse se apressado em sair.
Angela era a própria encarnação da felicidade naquela noite, e Tessa nunca tinha-visto Barry tão sério e seguro de si, Seu comportamento era exemplar, sem nenhuma das observações irreverentes que costumava fazer. Ele estava totalmente embevecido com a noiva, embora se limitasse a pegar na mão dela.
Os pais de Angela eram muito símpálicos e não tentavam esconder o imenso prazer que sentiam pela união das duas famílias. Aprovavam inteiramente a escolha da filha, identificando-se com os sentimentos de Ethel. tambem muito contente.
Antes do jantar, serviu-se o champanhe e Barry falou cerimoniosamente, chamando a atenção de todos:
- Senhoras e senhores, todos sabem o motivo desse nosso encontro, por isso não vou me demorar na questão. - Puxou a noiva para junto de si, - Angela aceitou casar comigo e temos a bênção de seus pais.
- E a minha - acrescentou Ethel, alegre,
- E a sua, mãe - Barry disse, sorridente. Colocou a mão no bolso e dele tirou uma caixinha aveludada. - O anel já está pesando no meu bolso, então vamos colocá-lo em seu devido lugar.
Pôs o anel no dedo de Angela e, para a alegria de todos, beijou-a ternamente. Brindaram à saúde dos noivos e houve uma pequena confusão na hora dos cumprimentos. Todos queriam abraçá-los e ver o anel, um solitário maravilhoso,
- Quando será o casamento? - Tessa quis saber, admirando o anel:
- Não decidimos ainda, mas concordamos num ponto: um noivado longo, jamais!
- Não quero dar-lhe tempo para mudar de ideia - Barry comentou, o mesmo ar brincalhão de sempre.
- Tem medo que eu fuja do altar?
- Não, mas não custa nada tomar certas precauções. Fazê-la concordar da primeira vez não foi tão fácil assim, não arriscaria uma segunda.
- Coitadínho do meu benzinho! - Angela fez um beicinho, acariciando o rosto dele-.
Só bem mais tarde, depois de ter acompanhado Ethel até a cama, Tessa conseguiu falar com Matthew. Ia saindo do quarto quando viu que ele a esperava no corredor. Porém, sua expressão não era nada boa.
- Vamos ao escritório. Lá poderemos conversar a sós.
Tessa seguiu-o em silêncio e, a cada passo que dava, aumentava seu pressentimento de que algo desastroso estava prestes a ocorrer. Havia somente um motivo para justificar aquela atitude distante: eie tinha descoberto a verdade. Será que era isso?
- Matthew, o que há? Por que está tão zangado?
Sem uma palavra, ele colocou a mão no bolso, tirou um pedaço de papel e entregou-o a Tessa. As mãos dela tremiam ao pegá-lo e constatar que era um antigo recorte de jornal com uma foto sua com Jeremy, num dos bazares organizados pela mãe. O artigo se referia ao futuro casamento. Diante do inevitável, Tessa decidiu que a melhor coisa seria assumir um ar indiferente e tratar o assunto com absoluta calma.
- Não é um bom retrato - disse, jogando o recorte sobre a escrivaninha.
- Então, não nega que é você?
- De que adiantaria?
- Tanto melhor - ele continuou friamente. - Tomei a liberdade de revistar seu quarto enquanto estava com minha mãe e encontrei mais isto.
Atirou-lhe o talão de chegues, com o nome claramente impresso em cada folha: "T. Ashton-Smythe".
Tessa teve a estranha sensação de que havia um pedaço de chumbo dentro de seu peito ao encontrar o olhar acusador dele.
- Eu posso explicar, Matthew.
- Garanto que pode - disse cinicamente, apontando para a foto. - O que aconteceu, a ele?
- Casou com outra - encarou-o, aparentemente calma.
- Por quê?
- Não me amava. Estava de olho no meu dinheiro.
- Entendo.
- Mesmo? - Seu coração se encheu de esperança, embora a fisionomia de Matthew contínuasse séria. - Suponho que, a esta altura, já sabia qual a razão do meu mistério.
- Pode ter me feito de bobo, Tessa - ele explodiu, assustando-a. - Mas não sou nenhum imbecil.
- Não tive a intenção de fazê-lo de bobo - argumentou, os lábios trémulos. - E sei que não é nenhum idiota, mas por favor não fique tão zangado!
- O que quer que eu faça? Que eu ria disso tudo?
- Não. - Mordeu os lábios para fazê-los parar de tremer. - Prefiro que compreenda em vez de se zangar.
- Meu Deus. Tessa! - Ele passou as mãos pelos cabelos, afastando-se dela. - Quando penso nas coisas que lhe disse, na maneira como a tratei. Você, Theresa Ashton-Smythe, uma empregada em nossa casa e tratada como tal esse tempo todo! Sei que o salário que lhe pagamos faria qualquer garota simples sentir-se uma rainha, mas você... Meu Deus, fez todos nós de idiotas!
- Não todos vocês. Sua mãe sabia.
A revelação o fez parar de andar de um lado para o outro.
- Ela sabia? - Parecia incrédulo. - Então, por que diabos não me contou?
- Não sei. Eu mesma só descobri que ela sabia alguns dias atrás. Ele caminhou até a escrivaninha e jogou-se na cadeira. Acendeu um cigarro com as mãos trémulas e ficou sentado, olhando raivosamente para o mata-borrão. Tessa. por sua vez. sentíu-se fraca, como se as pernas não fossem aguentar mais o peso do corpo, e sentou-se.
- Matthew - falou, hesitante , isto não faz nenhuma diferença para nós, não é?
- Se faz! - ele exclamou furioso, dando uma tragada profunda. - Faz muita diferença!
- Não para o nosso amor. Não muda nada!
- Muda tudo. Como posso enfiá-la nesta fazenda para o resto da vida?
- Mas se é o que quero!.. -
- Por quanto tempo? - Matthew provocou-a cinicamente. - Alguns meses? Um ano, talvez?
- Imagina que meu amor é algo assim tão insignificante que não resista ao teste do tempo? - O olhar dela era suplicante. - Já não dei provas suficientes de que posso me adaptar?
Ele não parecia estar ouvindo, concentrado nos próprios pensamentos.
- Tudo se encaixa agora, Estudou música na universidade, é por isso que toca tão bem. Deu vários recitais em Joanesburgo, se não me falha a memória. - Esmagou o cigarro no cinzeiro. - Não consigo entender como não a reconheci antes. Acho que foram os cabelos curtos e as roupas que me tiraram da trilha certa. Bem que suspeitei de você desde o começo, mas fugiu às perguntas até .o ponto em que eu já nem me importava mais em descobrir a verdade, - Seus olhos pareciam queimá-la. - Não foi enviada para substituir a srta.... nem me lembro mais do nome dela.
- Não.
O silêncio se prolongou angustiantemente, enquanto ele a examinava com um olhar acusador.
- Quantas mentiras ainda vou descobrir? Alguma vez disse a verdade?
Tessa entendeu perfeitamente a que ele se referia e uma pontada no coração quase lhe tirou a respiração.
- As mentiras que contei foram necessárias para esconder a minha identidade. Quando disse que o amava, estava sendo sincera.
- Tenho as minhas dúvidas se já não se tornou um hábito para você mentir. Se conseguiu fingir ser outra pessoa, pode muito bem fingir-se de apaixonada...
- Sabe que não é verdade!
- Não sei, não.
Ela fechou os olhos. tentando se controlar,
- Onde achou o recorte? - A curiosidade era muito grande.
- Foi Angela quem me deu. Tinha lhe pedido que procurasse se lembrar de onde a conhecia.
Angela! Sentiu-se terrivelmente magoada, mas, no momento, resolveu desviar esse pensamento. Sua felicidade estava em jogo e tinha que lutar, para derrubar a barreira que Mattbew havia erguido entre eles. Levantou-se e foi se ajoelhar ao lado dele.
- Matthew, sinto muito. Por favor, perdoe-me. Não deixe que isso estrague tudo entre nós. Por favor, querido.
- Não há futuro para nós juntos e sugiro que vá embora amanhã bem cedo.
- Não! Não pode estar falando sério! Não pode fazer isso!
- Não só posso, como vou fazer. Para mim está tudo acabado entre nós!
- Matthew. seja sensato ela suplicou, soluçando. - Não pode fazer isso comigo. Vou processá-lo por... quebra de compromisso matrimonial - ameaçou, sabendo que isso era legalmente viável, mas sem nenhuma intenção de levar a ameaça adiante.
- Não pode porque eu nunca pedi você em casamento.
- Oh. Matthew, não destrua nosso amor!
Teve-a satisfação de vé-lo empalidecer, entretanto, tudo o que disse foi:
- Tudo entre nós já foi destruído por sua mentira.e acho que nas atuais circunstâncias é mais correto falar em "nosso ódio".
Aquelas palavras foram um golpe quase físico, que tiraram qualquer vestígio de vida de seu rosto. Sabia que Matthew ficaria zangado quando descobrisse a verdade, mas não pordia prever que o orgulho o levasse tão longe. Examinou o rosto dele, procurando, desesperadamente, algum sinal de que não falava sério; contudo, não havia nada. exceto uma máscara fria de indiferença. Tessa podia suportar a raiva dele, mesmo o sarcasmo, mas indiferença era demais Sentiu o mundo desabar em volta. Só lhe restava uma coisa: dignidade. A dignidade que a tinha ajudado a superar a dor de ter sido enganada uma vez e que não iria abandoná-la agora.
Respirou fundo e, encarando-o, falou:
- Nunca tive que suplicar por nada neste mundo e acho que desta vez fui até um pouco longe demais. Se quer mesmo que eu vá embora, assim será.
Matthew virou-se de costas, sem coragem de encará-la, e ficou olhando para a escuridão lá fora, com as mãos enfiadas nos bolsos.
- Acredite, será melhor assim. Melhor para nós dois.
- O que... o que dirá à sua mãe?
- A verdade -- replicou asperamente. - Não haverá mais mentiras ou enganos.
Tessa olhou por um momento para aquela figura ínflexível, antes de sair correndo. Desta vez, ele não a impediu de fugir e ela conseguiu chegar à privacidade do quarto antes de se descontrolar totalmente, Soluços sufocantes sacudiam-lhe o corpo e, no escuro, atirou-se na cama. abafando o choro com o travesseiro.
Era inacreditável como num curto espaço de tempo pudesse ter passado de uma extrema felicidade a uma angustiante tristeza. A felicidade havia sido breve demais. Horas antes, naquele mesmo quarto, tinham partilhado momentos preciosíssimos, momentos em que se sentia segura quanto ao amor de Matthew. Estava certa de que, quando lhe contasse verdade, o amor prevaleceria sobre a raiva, a compreensão sobre o orgulho.
Riu amargurada da própria ingenuidade. Podia entender o receio de Matthew de que ela se cansasse da vida monótona de uma fazenda, estando tão acostumada à vida social intensa. Mas, sem dúvida, se amasse de verdade isso não chegaria a constituir um problema sério, intransponível. Será que não percebia que não dava a mínima para aquela vida fútil?
A manhã chegou e encontrou-a pronta para partir. Havia dormido pouco, mas esse era o menor dos males; se o cansaço a dominasse pararia para descansar. Dava uma última olhada ao redor para certificar-se de que não havia esquecido nada, quando ouviu uma leve batida à porta. Ficou imediatamente tensa.
- Quem é?
Sou eu, Barrv. Posso entrar?
Aliviada, abriu a porta, encontrando o jovem com um ar embaraçado.
- Entre, por favor. Estou apenas verificando se não esqueci nada.
- Então, está mesmo de partida? Tive esperanças de que fosse uma brincadeira. Estava visivelmente preocupado, apesar de tentar disfarçar, e Tessa sentiu uma imensa ternura por ele.
- Sim, vou mesmo embora. Já sabe por quê? Ele respondeu afirmativamente com a cabeça.
- Que diferença faz? Por dentro, continua sendo a mesma pessoa. Tessa estava chorando novamente ao se aproximar dele, colocando as duas mãos em seu rosto.
- Tem sido um amigo muito querido e não vou esquecê-lo.
Barry retirou as mãos dela do rosto para segurá-ias com firmeza.
- Acho que Matthew está louco e precisa de um psiquiatra. Não tem cabimento mandá-la embora, sendo que está complelamente apaixonado por você.
Talvez Matthew precisasse apenas de tempo para se acostumar à ideia. Tessa pensou de repente. Se pudesse acreditar nisso, partiria com o coração mais leve e lhe daria o tempo que precisasse.
- Vim para ajudá-la com as malas... - Barry interrompeu os pensamentos dela. - Matthew tambem me pediu para avisá-la de que o tanque do carro está cheio.
- Queria ve-lo antes de partir. - Os olhos azuis brilhavam de ansiedade.
- Eu o vi indo em direçâo aos canaviais, chutando tudo o que encontrava pela frente. Quando está assim, ninguém sabe o que vai fazer e ninguém ousa perguntar.
Ela não fez nenhum comentário e entregou-lhe as chaves. - Quando tíver guardado tudo. pode trazer o carro para a frente da casa, por favor?
Barry olhou-a demoradamente antes de pegar as chaves e sair com as malas.
- Eu me recuso a deixá-la ir assim! - Ethel anunciou, zangada,quando Tessa foi se despedir. - Matthew está deixando seu estúpido orgulho dominá-lo.
- Talvez, mas vou de qualquer maneira.
- Ele a ama - insistiu, erguendo a voz em desespero. - Sei que a ama!
Tessa pensou nisso durante um breve silêncio, Então, convenceu-se de que não deveria alimentar esperanças, inclinou-se e beijou Ethel.
- Se ele realmente me ama, tenho certeza de que deixará o orgulho de lado e virá me procurar.
- E vai aceitá-lo de voita, não é?
- Claro que aceitarei!
O jardim estava radiante à luz do sol quando Tessa saiu. Um esplendor incomum envolvia a casa. Para sua surpresa, Matthew estava recostado à capota do Porsche. Suas pernas tremiam enquanto se aproximava dele. Meu Deus, seria possível esquecer esse homem, algum dia? Se descobrisse que não a amava, o que seria dela, passaria o resto da vida sem ele?
- Não há razão para que vá embora sem tomar o café. - Era a última coisa que Tessa esperava ouvir, naquele momento, mas foi só o que Matthew disse.
- Prefiro comer alguma coisa no caminho.
Ele colocou a mão no bolso traseiro da calça e tirou um talão de cheques.
- Esqueceu isto no escritório, ontem à noite. Seus dedos se tocaram de leve e a determinação dela de permanecer calma quase foi por água abaixo.
- Obrigada.
Seus olhares se cruzaram por segundos intermináveis, o que tornou a partida ainda mais dolorosa, pois nenhum dos dois queria dar o braço a torcer e mostrar o que realmente sentia.
- Adeus Tessa.
Ela teve um sobressalto ante o caráter decisivo daquela despedida. Passou por trás do carro, bateu a porta e deu a partida. Ao ve-lo recuar, olhou-o com um sorriso maroto.
- Até a vista, Matthew.
Tessa acelerou pela estrada, entre os canaviais. Não olhou para trás, não podia, caso contrário perderia o controle. Queria, a todo custo, mostrar que sabia ser tão teimosa e orgulhosa quanto ele. Porém, apesar de suas intenções, o autocontrole se desintegrou a alguns quilómetros da fazenda, obrigando-a a parar no acostamento e enxugar as lágrimas que deslizavam por seu rosto.
CAPITULO X
Tessa sabia que só havia um meio de tirar Matthew da cabeça; dedicar-se ao piano. O primeiro convite para um recital foi aceito de bom grado e ela mergulhou nos ensaios, sem se dar tempo para pensar. Durante as oito semanas que estivera fora, tinha negligenciado os estudos e agora sofria as consequências. Isso, contudo não a desanimou. Exercitou-se dia e noite, o que por um lado. foi bom, pois assim podia esquecer da existência de alguém chamado Matthew Craig, mesmo que fosse por algumas horas.
No início, não falou dele com os pais; a ferida era muito recente para ser discutida racionalmente, sem a interferencia de lágrimas sentimentais. Mas. quando começou a falar, não parou mais. Ele a perseguia incansavelmente em pensamentos, durante o dia, e em sonho, à noite. Falou nele com os pais até se dar conta de que já estavam cheios do assunto.
- Quando vamos conhecer esse homem maravilhoso? - viviam perguntando.
- Breve, espero - respondia. Se Matthew a amasse, e tinha quase certeza que sim, não conseguiria ficar longe por muito mais tempo. Era óbvio que, sensato como era, não deixaria que a felicidade de duas pessoas fosse destruída por um orgulho sem sentido.
Um mês havia se passado, quando recebeu uma carta de Angela. A princípio, refutou em abri-la, mas a curiosidade falou mais alto.
"Querida Tessa, ninguém fica muito à vontade para falar no seu nome depois que foi embora. Matthew vira um furacão ambulante se alguém o faz em sua presença, e Barry tenta me convencer de que nada pode ser feito. Quando pedi uma explicação do que realmente havia acontecido, ele me respondeu com evasivas, dizendo que a culpa era dele próprio e que eu não deveria desperdiçar minhas simpatias com ele.
Ontem, conversei longamente com Ethel, aliás, ela está morrendo de saudades, e foi só então que fiquei sabendo da minha participação indireta em tudo o que aconteceu. Gostaria que acreditasse que nem pensei que pudesse mesmo ser Theresa Ashton-Smythe, quando entreguei o recorte a Matthew. Para mim, você era apenas muito parecida com ela. De qualquer maneira, ele não está feliz e não creio que você esteja. Foi puro orgulho que o fez mandá-la embora e é o mesmo orgulho que o impede de procurá-la e admitir o erro. Mas fique sossegada, porque eu, Barry e Ethel começamos uma conspiração. Se até hoje seu nome era raramente mencionado, de agora em diante só falaremos a seu respeito e o perseguiremos com sua lembrança."
Tessa sentiu uma inexplicável leveza de espírito após ler a carta. Não queria admitir, mas a idéia de que Angela tinha agido propositadamente para estragar tudo entre ela e Matthew a magoara muito, Havia, é claro, um outro motivo para a calma que se instalou em seu coração. Era a descoberta de que ele estava sofrendo tanto quanto ela, e, mais cedo ou mais tarde, viria à sua procura.
Sentia-se leve como uma pluma ao entrar na sala de música e, momentos depois, mergulhou de corpo e alma no Segundo Concerto para Piano, de Rachmaninoff. Praticava sem parar há três horas, quando sua mãe a interrompeu para um chá.
- Já tocou o bastante para esta manhã. Se ouvir uma nota sequer até a tarde, vou ficar maluca.
- Desculpe, mãezinha,
Sheila olhou de relance para a filha, sorrindo.
- Está tocando muito bem. Será que tem algo a ver com a carta de Idwala?
- Sim. tem a ver - reconheceu, mexendo o chá pensativamente.
- Não é bem o que estava escrito nela, mas o que li nas entrelinhas.
- Sei...
- Pode lê-la se quiser, e me diga se estou lendo demais e alimentando esperanças bobas.
- Esta moça é aquela pela qual pensou que ele estivesse apaixonado?
- É. Agora está noiva de Barry e devem se casar logo.
- Matthew ama você?
Embora a pergunta a tivesse apanhado de surpresa, respondeu sem pestanejar:
- Sim.
- Tem certeza?
- Ele disse que sim. A menos que seja do tipo que sai por aí se declarando para toda garota que beija, mas sei que ele não é assim,concluiu confiante.
- Então, não tem por que se preocupar.
Aparentemente, não tinha motivos, para se preocupar, entretanto, a cada dia que passava sem vê-lo, se preocupava mais. Acordava todos es dias com uma ansiedade fora do comum, que culminava à noite, quando ia dormir sem nenhum sinal de Matthew Essa situação continuou até que chegou à beira do desespero, suspeitando que jamais o veria novamente. lá estava em casa tempo equivalente ao que passara na fazenda e, sem dúvida, se ele a amasse teria vindo procurá-la.
Talvez estivesse muito ocupado com a administração da fazenda e não pudesse se dar ao luxo de se ausentar, tentava se consolar. Mas. no íntimo, não acreditava nísso.
O primeiro recital foi um sucesso e o segundo também, mas Tessa recusava-se a dar um terceiro e nada no mundo iria convencê-la do contrário. Seu coração já não estava no que fazia, e pensamentos confusos enchiam-lhe a cabeça a ponto de não sobrar lugar para mais nada. Os dias custavam a passar e, por várias vezes, quase caiu na tentação de ligar para a fazenda e falar com Matthew. Mas, se ele era teimoso, Tessa também podia ser. Ele a tinha expulsado de lá, logo, ele teria que dar o primeiro passo.
Certa tarde estava, como sempre, na sala de música, estudando algumas partifuras antigas, quando a empregada bateu à porta.
- Há um senhor que quer vê-la, srta. Theresa.
- Onde está? - perguntou, colocando as partituras sobre o piano.
- Na sala de estar.
Se fosse alguém tentando convencê-la a dar um outro recital, pensou contrariada, trataria de dispensá-lo com firmeza e deixar bem claro que não havia a menor possibilidade,
A porta estava entreaberta e Tessa empurrou-a, entrando. No instante seguinte, sentiu um calafrio, o coração querendo sair pela boca como um pássaro a procura da liberdade. Parado, de costas para ela, admirando um dos quadros, estava um homem usando um terno escuro que lhe acentuava os cabelos claros e marcava aquela silhueta inconfundível, larga nos ombros e se afilando nos quadris.
- Matthew...
O nome saiu como um suspiro, mas foi alto o suficiente para que ele ouvisse, fazendo-o se voltar em sua direção. Tessa não pôde se lembrar, mais tarde, do que pensou naquele instante. Estava consciente apenas daquele adorável rosto familiar e uma corrente de esperanças a invadiu, apesar da expressão nada promissora do olhar dele. - Então, pela primeira vez posso vê-la como realmente é. - Matthew mediu-a da cabeça aos pés com um sorriso cínico. - Theresa Ashton-Smythe, sem dúvida, desde o corte moderno dos cabelos até os sapatos feitos à mão. Mais a corrente de ouro no pescoço e o bracelete combinando. - Aproximou-se, passando os dedos pela manga do vestido dela. - Seda pura, suponho?
Tessa não conseguiu ficar indiferente àquela proximidade. Mas tentou se controlar.
- Fez toda essa viagem só para insinuar coisas sarcásticas sobre a minha aparência?
- Não. Estava apenas admirado pela felicidade com que se adapta a diferentes ambientes, como um camaleão - ele continuou, com aquela familiar expressão de sarcasmo no olhar . Neste momento,está combinando perfeitamente com o esplendor deste ambiente, ao passo que na fazenda usava roupas simples e esportivas, ficou claro , então, estava apenas representando, fazia parte de um disfarce.
- Matlhew, por favor! - Queria sentir a força daqueles braços a sua volta mais do que qualquer outra coisa no mundo, mas ele eslava mais distante do que nunca.
Matthew curvou-se zombeteiro.
- Desculpe por trazer recordações não muito agradáveis, se bem que, na época, você parecia achar divertido.
Tessa sentiu uma raiva quase incontrolável.
- Não tive intenção nenhuma de me-divertir às custas dos outros, sabe disso.
- Sei? Não, é muito difícil acreditar em sua sinceridade.
Ela queimava interiormente, porém não deixou transparecer o que sentia.
- Qual a razâo da visita?
Ficaram se olhando, cada um num canto da sala, e havia uma barreira invisível que os impedia de se aproximar, ele gesfículou impacientemente com as mãos.
- Vim porque precisava ve-la, mas agora que a vi não sei por que vim.
Tessa segurou-se com determinação, pois era um momento crítico e perder a calma agora seria arriscar perder tudo.
- Aceita alguma coisa para tomar?
- Não, obrigado.
Ela apontou para uma cadeira toda esculpida, com almofadas de veludo dourado.
- Sente-se, por favor.
- A perfeita anfitriã, certo? Fria e charmosa, não importa em que circunstância.
Suas pernas tremiam tanto que Tessa foi obrigada a sentar-se, deixando-o de pé.
- Matthew, estou fazendo o possível para entender sua atitude e manter a calma.
- Estou surpreso por não ter ainda tocado o alarme para me porem para fora.
Aparentemente, não havia meios de quebrar a inflexibilidade dele, mas, por um breve segundo, ele deixou a máscara cair e Tessa surpreendeu-se ao perceber seu nervosismo.
- Há três razões para eu não fazer o que acaba de dizer - falou calmamente. Primeiro, não há nenhum alarme nesta sala; segundo, não há ninguém na casa que possa colocá-lo para fora, e terceiro, ainda não fez nada para merecer uma atitude tão drástica da minha parte.
Ele não desviou o olhar dela, enquanto procurava o maço de cigarros e acendia um.
- Nunca pensei que fosse tão fácil vê-la - observou sarcastica-mente, - Pensei que teria que marcar uma entrevista.
- Oh, Matthew! - Havia censura misturada a impaciência em sua voz, e como resposta obteve um olhar irado.
- Onde estão seus pais?
- Papai está no escritório e mamãe foi jogar bridge com as amigas. E não se atreva a fazer nenhum comentário sarcástico a respeito da ociosidade dos ricos! Ela não é do tipo que joga frequentemente, acontece que é em benefício de uma obra de caridade.
- Mas eu nem abri a boca - ele proíestou, assumindo um ar de inocência.
- Eu o conheço o suficiente para saber que, se não ia dizer, pelo menos pensou. Levantou-se, visivelmente impaciente. - Vamos parar de nos agredir, está bem?
- Não percebi que estava agredindo você.
- Vamos para o jardim.
Surpreendentemente, não houve resistência da parte dele à sugestão e ela o conduziu pela porta que dava para o terraço. Caminharam em silêncio entre árvores enormes e de tipos variados, enquanto ele terminava o cigarro.
- Parece mais um parque do que um jardim. Tem fim?
- Sim - respondeu, distraída. - Há um banco ali atrás, à beira de um viveiro de peixes. Vamos para lá. é calmo e isolado. Percebeu que ele a olhava de modo estranho e sentiu-se ridiculamente nervosa.
- Como está sua mãe?
- A perna já está comptetamente boa. Ela lhe mandou lembranças.
- Sinío falta dela. E Barry?
- Ocupado com os preparativos para o casamento o mês que vem. Comprei a parte dele da fazenda e está agora às voltas com o terreno que comprou.
Afinal, Barry tinha conseguido o que queria, Tessa pensou, contente. O inflexível imperador havia concordado em dar os meios para a estabilidade do irmãozinho. Quase riu ao se ver usando o apelido que Barry tinha posto em Matthew.
O banco ficava sob um carvalho enorme. Tessa sentou-se numa ponta e ele na outra.
- Não pareceu muito surpresa ao me ver - comentou, olhando-a atentamente,
Novamente, um sorriso quase lhe escapou.
- Eu... sabia que viria.
- Mesmo? '- Suas sobrancelhas arquearam em espanto.
- Há um limite para a resistência de qualquer um, explicou corajosamente. E como a minha já estava no fim...
- Presumiu que a minha também estava e que eu viria correndo para os seus braços?
- Não exatamente correndo, mas... tinha esperanças de que viesse.
No viveiro, um peixe dourado nadava tranquilamente, alheio à atmosfera de tensão, enquanío pintasilvos voavam irrequietos no trabalho de construção dos ninhos nos galhos de um velho salgueiro. Era incrível como tudo à volta continuava no ritmo normal, enquanto suas emoções giravam num redemoinho, Tessa pensou. Até agora, a visita de Matthew estava sendo decepcionante, sem nenhuma perspectiva concreta. Não sabia exatamente o que esperava, no entanto, nunca lhe passara pela cabeça que a vinda dele fosse aumentar a distância entre eles.
Subitamente Matthew se levantou, caminhou na direção do viveiro e acendou outro cigano, observando o movimento dos peixes.
Em que estaria pensando?, Tessa se perguntou e então, como se tivesse adivinhado seus pensamentos, Matthew virou-se e voltou para o banco, sem pressa. Permaneceu em pé, guardando uma certa distância dela.
- Agora que a vi no ambiente a que pertence, estou convencido da inutilidade da minha visita.
- Matthew, eu...
- Deixe-me terminar, por favor. - Interrompeu-a com firmeza. - Não sou nenhum pobretão, como sabe. Tenho condições de sustentar uma família com conforto, mas não poderia lhe dar o luxo a que está acostumada.
- Mas...
- A fazenda é minha vida e não dá para mudar isso - prosseguiu, ignorando-a. Você vem de uma famíiia milionária e, como se não bastasse, tem uma profissão e é muito talentosa. Seria egoísmo da minha parte esperar que abandonasse tudo pela vida solitária de uma fazenda. - Atirou o cigarro no chão, esmagando-o com o pé. Tessa, estou tentando fazé-la entender que minhas razões para mandá-la embora e levar tanto tempo para procurá-la não foram fruto apenas de orgulho. Posso ver, mais claramente que você, as dificuldades que nos aguardam, no futuro e, para o seu próprio bem, quero evitá-las. Não há futuro para nós dois juntos.
O farfalhar das folhas do salgueiro pareciam se intensificar.
- E o que eu penso não conta?
- Não, infelizmente temos que ser práticos.
- Não está nem um pouco curioso em saber o que espero da vida, Matthew? Será que a minha felicidade não tem a mínima importância para você?
- Se é só na sua felicidade que estou pensando! - Havia um tom de exasperação na voz dele.
- É mesmo? Que grande ironia! Houve só dois homens na minha vida. O primeiro me queria apenas por causa da minha conta bancária e o segundo não me quer justamente porque sou rica. Riu, histericamente. - É tudo muito engraçado, para não dizer trágico, não acha?.
- Pare com isso!- A voz cortou o ar como uma chicotada, fazendo-a ficar séria,
- Por que temos sempre que pagar um preço pela felicidade? - Tessa chorava, incapaz de se controlar. De repente se levantou e se atirou cegamente nos braços de Matthew. Passou as mãos por dentro do paletó, agarrando-se a ele e sentindo uma familiar fragrância de loção pós-barba misturada com tabaco. Estava agindo impulsivameníe, indo contra sua própria natureza, mas não se importava. Deslizou suavemente as mãos pelas costas de Matthew e sentiu prazer ao perceber que ele tremia ao seu toque.
- Pelo amor de Deus, Tessa, não faça isso - ele implorou, ainda sem tocá-la. - Eu sou humano!
- Fico feliz por ouvir isso. - Sorriu, enterrando o rosto naquele peito forte e viril. Estava começando a achar que não era.
Os braços dele, quentes e firmes, enlaçaram a cintura de Tessa e nada mais parecia existir além da pressão de seus lábios buscando avidamente os dela, provocando-lhe a sensação de que pertencia a ele para sempre.
- Tessa, se soubesse como eu a quero! - Matthew murmurou com ternura. - Prestou atenção em tudo o que lhe disse?
- Sim, e entendo seu ponto de vista. - Olhavam-se apaixonadamente. - Mas está enganado, meu amor. Tudo o que quero é estar com você. - Ela o teria abraçado uma vez mais se Malthew não a segurasse pelos ombros.
- E a sua carreira? Tessa suspirou, afastando-se.
- A bem da verdade, meus pais gostariam muito que eu fosse uma pianista profissional, mas tudo o que quero é tocar para o meu próprio prazer e. talvez, ensinar música.
- Não terá muita oportunidade para isso, mesmo em Idwaia.
- Não faz diferença nenhuma ter um ou dez alunos.
- E se casasse comigo e se arrependesse mais tarde, o que faria? - Olhava-a ameaçadoramente. Fique sabendo que, uma vez casada comigo, não a deixarei escapar.
- Isso é uma proposta?
- Se quiser.
Foram várias as emoções que se misturaram dentro de Tessa, mas o sentimento mais eminente era o de um alívio imenso a uma felicidade indescritível.
- Oh, como eu quero! - Gritou, a voz ecoando pelo jardim, atirando-se nos braços dele. - A resposta é... sim, por favor!
- Pense bem antes de decidir. Seja sensata - ele insistiu, refreando as emoções.
- É só no que tenho pensado ultimamente - disse-lhe, os olhos brilhantes e suplicantes. - Não vai dizer que me ama?
- Oh, meu amor! - Abraçou-a com uma fúria que demonstrava agonia e alegria ao mesmo tempo. - Eu te amo tanto que nem ousava pensar na possibilidade de você não me querer mais.
- Isso nunca poderia acontecer - sussurrou, extasiada após um longo e apaixonado beijo. - Nem mesmo sua arrogância pode mudar meus sentimentos. E você tem que admitir que foi bem grosso quando chegou.
- Eu sei - ele reconheceu. - Estava inseguro e tudo na casa era tão imponente que me senti intimidado. Quando entrou, tão linda e tão parte de tudo, tive a certeza de que estava perdido.
- Então partiu para a autodefesa sem nem mesmo ter sido atacado.
- É, qualquer coisa assim. - Passou os lábios pelo rosto dela, deslizando para o pescoço. - Quer casar comigo?
- Já sabe a resposta - sussurrou.
Matthew coniinuou a explorar a região do pescoço dela, indo em direção aos ombros, provocando-lhe deliciosas sensações.
- Quando?
- Quando quiser.
- Suponho que queira uma grande festa - ele disse, algum tempo depois, quando já estavam sentados no banco, desta vez bem juntinhos.
Tessa riu, recostando a cabeça no ombro dele.
- Depois do fiasco que foi da primeira vez, tenho certeza de que a única coisa que meus -pais querem é um casamento bem discreto, com o mínimo de publicidade possível.
- Oh. Deus, não tinha pensado na publicidade!
- Se agirmos discretamente, poderemos evitá-la.
- Acha que seus pais vão concordar com nosso casamento?
- Sou maior de vinte e um anos.
- Vou pedir a sua mão, mesmo assim.
- Matthew, não será surpresa nenhuma para eles. - Passou os dedos pelo queixo dele, feliz por poder tocá-lo sem o medo de ser rejeitada. - Eles estão cansados de me ouvir falar em você e ansiosos para conhecê-lo.
Ele pegou as mãos dela. beijando-as provocadoramente.
- Suponho que vão fazer mil perguntas para ver se sirvo para você.
- Não, querido, muito pelo contrário. Vão implorar, se for preciso, para você me levar daqui.
Ele inclinou a cabeça para beijar os lábios que ela lhe oferecia.
- Será que terão algo contra, se eu sugerir que nos casemos até o fim da semana?
- Não.
Matthew se levantou, puxando-a.
- E você, tem alguma objecão?
- Oh, não. nenhuma-
Havia um desejo infenso expresso na pressão dos lábios dele e no toque das mãos que a acariciavam ardentemente. Excitada e trémula, Tessa viu-se obrigada a se afastar com as mãos no peito dele.
- Eu... eu acho melhor entrarmos. Se alguém nos vir, vai ficar escandalizado!
- E com razão! - Riu, acariciando-lhe os cabelos. - Tessa, tem certeza que...
Rapidamente ela o impediu de continuar, colocando um dedo sobre os lábios, sacudindo a cabeça num gesto de gentil repreensão.
- Nunca tive tanta certeza de uma coisa na vida. - Ficou na ponta dos pés e deu-lhe um leve beijo. - Nem mais uma dúvida, meu amor. Por favor.
O sol se punha no horizonte, enchendo de sombras o jardim, enquanto eles caminhavam abraçados de volta para casa. Nenhum dos dois sentiu a súbita queda de temperatura; quando se está queimando nas chamas da paixão, a temperatura ambiente não tem a mínima importância. Tampouco repararam que duas pessoas os observavam de uma das janelas. Sobre a mesinha, ao centro da sala, elas haviam deixado uma garrafa de champanhe, aninhada em meio a cubos de gelo, e duas taças. Estava tudo pronto para comemorarem a realização de um grande amor.

 

 

 

 

                                                                  Yvonne Whittal

 

 

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