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A CASA DA COLINA / Jonathan Black
A CASA DA COLINA / Jonathan Black

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

Senador Russell Hatch, novo no Congresso, tinha uma reputação que combinava perfeitamente com a sua bela aparência física... até o dia em que concordou tornar-se um títere do seu partido.

Suzanne Loring, que apresentava com extrema habilidade o programa "Washington Pelo Avesso", bonita e sensual, era a Grande Inquisidora da televisão.

Lexa Talbot, filha do Presidente, uma "princesinha" que dominava com sua beleza magnética qualquer platéia - ou qualquer homem. Mas o único amor que ela queria era proibido.

Jordan B. Rickhoven in, dono de um poderoso império industrial e financeiro, considerava Washington seu feudo particular... até o dia em que teve de enfrentar alguém com uma ambição equivalente à sua.

A Casa da Colina, um romance em que não são poucas as referências a personalidades verdadeiras, é a história mais reveladora escrita em tempos recentes que tenha como pano de fundo a vida política da capital americana. Jonathan Black certamente repetirá com este seu novo e sensacional livro o êxito obtido com suas obras, Os Amorais, O Ouro Negro e O Tigre de Ouro.

 

 

 

 

Washington, D.C.: Terça-feira, 16 de fevereiro. De manhã cedo.

O robusto agente do Serviço Secreto que fazia a patrulha a pé no turno da madrugada pelos terrenos da Casa Branca entrou na guarita da sentinela para "marcar o ponto” das 5:45 com o guarda uniformizado do Portão Leste.

- Tudo em paz por aqui - falou o guarda do portão. Entediado, ele queria conversar. - Tudo em paz no palácio?

- Meio a meio. - O sujeito do Serviço Secreto ficou satisfeito de poder quebrar a monotonia da sua patrulha com um pouco de bate-papo. - O Homem desceu e entrou na Sala Oval às cinco horas.

- Há uma semana que ele vem fazendo isso. O gozado é que nunca fez isso antes.

Durante o período de pouco mais de dois anos desde que tomara posse, o dia de trabalho do Presidente Charles Pendleton Talbot na Casa Branca começara regularmente às 8:30. Recentemente, ele formara um novo padrão de hábitos, acordando antes do alvorecer e se fechando, sozinho, na Sala Oval.

- Também nunca teve tantas dores de cabeça antes - falou o musculoso agente à paisana. - Cristo, a economia está fedendo, o povo no país inteiro está botando pra #quebar,# e ainda tem aquela confusão africana. Ele provavelmente quer dar tratos à bola em particular. - O agente fez uma pausa, recordando algo. - Se você vir o Jaguar cinzento chegar, ligue para o chefe da segurança noturna.

- A filha do Homem saiu sem permissão outra vez?

- Hã-hã. Despistou o carro de apoio da segurança. Como de costume, quando lhe dá na telha.

O guarda do portão fez uma carranca.

- O raio do governo gasta uma fortuna para proteger esta fulana e ela acha que é tudo uma gozação. Ela é uma pedrinha na chuteira, se quer a minha opinião.

Por exemplo, o Jaguar que ela dirige. Importado... inglês, certo? Mas nós temos um monte de gente desempregada porque ninguém está comprando os carros que fazemos em Detroit. Se ela fosse minha filha...

- Mas não é - interrompeu bruscamente o agente do Serviço Secreto. Talvez houvesse algum microfone oculto na guaritada sentinela. O Presidente

Talbot não tolerava nenhuma crítica à filha. Qualquer pessoa da equipe da Casa Branca que fizesse (aberta ou discretamente) um comentário desairoso sobre ela logo recebia o bilhete azul. - Ela é Lexa Talbot, linda, inteligente, e o público a adora. - Era verdade. - Além disso, meu amigo, acontece que o pai dela é o Presidente.

Com tudo isso a seu favor, ela bem pode fazer quase tudo que desejar.

Saindo da guarita da sentinela para continuar a sua patrulha, o agente olhou para o céu.

- Vai ser uma merda de dia - resmungou.

Washington ainda parecia mais sombria e deserta do que costuma parecer às 5:45. Chovera fazia pouco; as ruas e as calçadas ainda estavam molhadas. A temperatura estava a poucos graus acima de zero. Grupos de nuvens escuras garantiam mais tempo ruim para mais tarde.

Seguindo em linha reta do Kalorama Circle do quadrante noroeste de Washington até a linha divisória com o Estado de Maryland, a Avenida Upper Connecticut parecia especialmente vazia e sem vida. Esta via de acesso é margeada por blocos de apartamentos densamente povoados. Mas eles estavam às escuras, e seus moradores dormiam.

No horário normal, o tráfego pela Avenida Upper Connecticut vai do congestionado ao caótico. Agora não havia nenhum... ou quase nenhum.

Vindo da direção do centro de Washington, um seda preto Lincoln Continental passou veloz pelo Departamento de Padrões e seguiu até o cruzamento da Rua Brandywine, onde diminuiu a marcha abruptamente e encostou no meio-fio do outro lado. As luzes se apagaram, mas o motor continuou ligado. Havia dois homens no banco da frente, e dois no de trás. O motorista virou a cabeça e falou com o homem grande e ossudo de sobretudo preto que estava sentado no banco de trás, perto da porta que dava para o meio-fio.

- Aqui está bom? - perguntou.

- Perfeito. Não quero chamar a atenção chegando de carro na porta da frente. Além disso, uma caminhada me fará bem. - O homem tinha voz grossa e pronunciava as palavras inarticuladamente. Saltou do carro, resmungou: - Boa noite... e obrigado - e fechou a porta. O seda permaneceu onde estava. O homem seguiu em frente, oscilando levemente. No meio do quarteirão, ele desceu da calçada e começou a cruzar a Avenida Connecticut. No mesmo instante os faróis se acenderam e o Lincoln Continental saltou para a frente. Surpreso, o grandalhão olhou para a esquerda e, ofuscado pelos faróis que se dirigiam para ele, ficou imóvel.

Por uma fração de segundo o ornamento no capo do Continental serviu de mira de revólver, bem no alvo. Depois, o impacto.

O peso e o impulso do carro foram o suficiente para lançar a figura-alvo de sobretudo preto pelos ares cerca de um metro. O seda diminuiu a marcha, mas não parou. As rodas dianteiras e traseiras sacolejaram enquanto os pneus esmagavam o corpo caído. O Lincoln acelerou e se afastou.

Um Chevrolet de cor parda materializou-se alguns momentos mais tarde, diminuiu a marcha ao máximo ao atingir o cruzamento da Rua Brandywine e parou próximo ao cadáver mutilado. O motorista e seu acompanhante espiaram pelo pára-brisa, menearam a cabeça e deram de ombros, desanimados. O Chevrolet fez meia-volta e voltou por onde viera para o centro de Washington.

O Potomac Plaza é um vasto complexo hotel-apartamentos que supera em luxo e aluguéis astronômicos o complexo vizinho, Watergate, sem trazer à mente conotações de escândalos políticos que destruíram uma Administração presidencial e convulsionaram a nação.

Os residentes no Potomac Plaza são necessariamente ricos. A maioria é influente, de um jeito ou de outro. Muitos são preeminentes, alguns famosos - poucos o são mais do que Suzanne Loring, ocupante da Cobertura "A" da Torre Lafayette do Potomac Plaza, pela qual pagava 48 mil dólares por ano. Aos 31 anos de idade Suzanne Loring era rica, glamourosa e uma força em Washington. O seu programa semanal Washington Pelo Avesso era o programa de entrevistas de fundo político mais badalado da televisão americana. Todas as terças-feiras à noite, vinte milhões de telespectadores de costa-a-costa do país assistiam enquanto ela interrogava (e com freqüência demolia) uma figura pública qualquer, com perguntas cirúrgicas, humor cortante e comentários cínicos.

Suzanne obtinha furos jornalísticos, desenterrava corpos há muito sepultados e criava inúmeras sensações no seu programa. Mas ela conhecia os limites tácitos para além dos quais era profissionalmente fatal se aventurar. Certos escândalos da capital e aspectos das maneiras, costumes e comportamentos da capital eram sacrossantos.

Tocar neles serviria para unir todos os elementos díspares do Establishment de Washington, que exerceriam a sua vingança coletiva sob a forma de ostracismo social, sonegação completa de informações, e retaliação por parte de serviços e agências federais como a FCC (Comissão Federal de Comunicações) e o Imposto de Renda. Suzanne pisava perigosamente próximo aos limites, mas nunca os ultrapassava, e ainda assim encantava sistematicamente a sua platéia sempre crescente. Ela recebia muitos elogios e publicidade, e era a queridinha dos seus patrocinadores de horário nobre e dos seus chefes na Continental Broadcasting Network.

Suzanne Loring - Fournier em solteira - alcançara o sucesso com dificuldade. Produto de um tempestuoso casamento misto entre um pai temperamental de ascendência francesa e uma mãe judia possessiva, ela nasceu com a capacidade de saber enfrentar a sua atmosfera familiar claustrofóbica, e até mesmo de enxergar o lado divertido das discussões incessantes dos pais. Uma criança inteligente e perceptiva, sentia-se fascinada pelo que acontecia no mundo que a cercava. Transformou-se numa criança precoce, graciosa, mais tarde numa adolescente desengonçada, e finalmente numa bela moça. Muitas pessoas afirmavam que, sob certos aspectos, ela se parecia tremendamente com Jacqueline Kennedy, embora achassem que Suzanne tinha mais calor e caráter, e mais um jeito agarotado, que era todo seu.

Ansiosa para ganhar experiência de Vida (e para ter a sua vida própria) Suzanne largou a faculdade aos dezenove anos, sem ter concluído o curso. Conseguiu que Anthony Loring lhe desse um emprego de secretária e "pau para toda a obra". Loring era um colunista político de segunda-classe que escrevia para um sindicato de notícias do terceiro time. Dentro de uma semana ele a havia desvirginado. Um mês depois, ela fora morar com ele, tornando-se sua amante, menina de recados, quebra-galho, ama-seca e governanta. Sentindo-se subitamente muito adulta, livre, independente - e maravilhosamente corrompida - Suzanne não se deu conta de que fora aprisionada numa espécie de escravidão e que estava sendo impiedosamente usada por Loring.

É claro que ela estava apaixonadíssima por ele. Embora sendo preguiçoso e gárrulo demais, Loring na verdade possuía um bocado de conhecimento mundano, e ensinou muito a ela. Ele também era muito bom de cama... e Suzanne só percebeu realmente quanto ele era bom vários anos e vários amantes depois. O relacionamento deles permaneceu o mesmo durante uns dezoito meses, quando então ofereceram, a Anthony Loring um contrato muito vantajoso como colunista político de um importante jornal de Washington.

A esta altura, Suzanne já fazia a maior parte do serviço dele... pesquisas, entrevistas, até mesmo a redação de muitas notas das colunas de Anthony. Ele não podia se arriscar a perdê-la e pediu-a em casamento. Ela aceitou sem hesitar, considerando-se felicíssima.

Três anos se passaram antes que ela descobrisse que o marido obtivera - e estava mantendo o seu contrato levando para a cama esporadicamente a viúva de meia-idade a quem pertencia o jornal.

"Puxa, mas eu custei a aprender", costumava comentar Suzanne, depois. Ingenuamente, ela exigiu que ele terminasse o tal caso. Ele se recusou. Ela pediu o divórcio. Logo que ele foi concedido, Loring casou-se com uma modelo magricela de Nova York e foi para a Europa como correspondente político de Time. Suzanne quase teve um colapso nervoso, mas em vez disso engordou. Ela não fazia nada senão comer, dormir e sentir pena de si mesma. Então, quando os cheques da sua pensão, que sempre foram esporádicos, pararam completamente de chegar às suas mãos, ela resolveu reagir. Fez uma dieta brutal e arranjou um emprego no setor de pesquisas na estação de televisão de Washington da Continental Broadcasting Network.

Ferozmente resolvia a ser eternamente independente, tanto emocional quanto financeiramente, Suzanne deu duro e trabalhou bem. Em pouco tempo estava "tapando os buracos” nas transmissões dos noticiários locais. A princípio ela exagerava a sua vaga semelhança com Jacqueline Kennedy, usando o cabelo longo num estilo bouffant e imitando o modo de vestir de Jackie. Quando fizeram uma experiência com ela, dando-lhe o lugar de apresentadora num programa de entrevistas local, Suzanne transformou o até então monótono programa matinal num espetáculo que nenhuma dona-de-casa perdia, mesmo que a louça do café da manhã ficasse por lavar.

A ascensão de Suzanne Loring para o programa nacional Washington Pelo Avesso e para o seu salário anual de seis algarismos foi rápida, e o sucesso permitiu que ela fosse ela mesma. Cortou o cabelo, num estilo suave e agarradinho à cabeça. Vestia roupas "pra frente" que enfatizavam ao máximo o busto bem feito e as pernas ainda mais bem feitas. A sua inteligência, o seu espírito, o seu humor e o seu sex appeal encantavam os espectadores, juntamente com o seu conhecimento muito especial das fofocas de Washington e os seus comentários cáusticos. Mas embora o programa dela tivesse o seu lugar garantido e a sua posição nas pesquisas Nielsen fosse impressionante, a ambição dela continuava forte. Havia cumes mais altos, e ela estava resolvida a chegar lá.

Às 5:45 o relógio digital de plástico no quarto de Suzanne Loring, no seu apartamento de cobertura do Potomac Plaza, emitiu o seu barulhinho de alarme matinal. Russell Hatch mexeu-se, acordou. Soltando-se do cálido emaranhado em que ele e Suzanne estavam dormindo, inclinou-se por sobre o corpo dela e apertou o botão aceso que silenciava o despertador e ligava o abajur de cabeceira. A mão dele deslizou sob o lençol listrado e acariciou suavemente os seios de Suzanne. Ela deixou escapar uns ruídos baixos, abafados pelo sono. Ele deu um sorriso largo. Com a cabeça baixa, os lábios contra a orelha dela, Russell Hatch imitou os ruídos.

Já acordada, por trás dos olhos ainda fechados, Suzanne Loring fingiu petulância.

- Vá embora Senador. Vá ver se tem quorum ou coisa parecida. - Virando-se para ele, ela abriu um dos olhos castanhos.

- Você sabe que sou péssima amante pela manhã. - O outro olho também se abriu. - A não ser que seja alguma ocasião especial.

- Levantou a sobrancelha direita, esperançosa. - Será que é?

- Mais ou menos, para você. Mas nada de sexo. Você não tem tempo.

- Oh, Deus - gemeu Suzanne. - Tem razão, Russ. -. O rosto dela, famoso pela sua mobilidade e expressividade, mostrou desânimo. Ela se sentou. As cobertas caíram até a cintura, revelando um tórax deliciosamente bem proporcionado, esguio e de carnes firmes. - Merda! Tenho que me levantar no meio da noite.

Não podemos fazer amor. Tudo porque Daniel A., de Aberração, Madigan não quer gravar a sua entrevista de tarde como todo o mundo. Tem que ser feito às oito da manhã.

Às oito, pelo amor de Deus!

- Calma, Suzy. Hoje à noite os seus telespectadores estarão extasiados.

- Aposto que eles vão dormir, ou vão jogar latas de cerveja nas telas. O meu Nielsen vai baixar loucamente.

- Use aquele vestido que você usava na noite em que eu fui a sua vítima e ele vai dobrar.

Fora assim que eles se haviam conhecido, quando Russell Hatch começou o seu primeiro mandato como senador do Oregon, há dois anos. Jovem, um dos mais promissores novos legisladores eleitos graças à bem-sucedida campanha "Renovem os Estados Unidos" feita pelo candidato à presidência Charles Talbot, Suzanne achou que Hatch era talhado para comparecer ao seu programa, e convidou-o. Ela achou Russell Hatch agradável, praticamente singular. Durante a entrevista ele se revelou um realista que ainda mantinha ideais, e um homem inteligente, informado e direto com um senso de humor desarmante. Ela sentiu-se atraída por ele instantaneamente. Depois de terem gravado o programa, foram tomar coquetéis no Hay-Adames, jantar no superfechado Jean-Pierre... e mais tarde, para a cama.

Desde então o relacionamento deles crescera, transformando-se em muito mais do que um "caso", e consideravelmente menos que uma situação de Casamento Inevitável.

Hatch era um viúvo sem filhos que nunca realmente se conformara com a morte da esposa. Suzanne, compreensivelmente "escaldada" na teoria e prática do matrimônio, dava grande valor à sua carreira e estilo de vida independente. Mas eles eram bons - muito bons - juntos, na cama e fora dela. Havia tranqüilidade entre eles. Suzanne obtinha completa satisfação com o modo de fazer amor de Russ, imaginativo mas sempre cheio de consideração. E ele era genuíno como pessoa, ao contrário do monte de falsos, egomaníacos e outros "lixos" com quem tive "casos" antes de conhecê-lo, pensou Suzy. Rindo, recomeçou a ladainha.

- Abomino Dan Madigan. O seu amigo, ou o seu "chefe", é um...

- Ei, cotfa essa. - Russ correu os dedos pela cabeleira vermelha e espessa. - Madigan faz o serviço dele e gostaria que ele fosse meu amigo. Isso me ajudaria a fazer o meu serviço.

- Diga-me como... estou fascinada.

- Querida, um Líder da Maioria do Senado tem peso. Um aceno de Madigan e quem sabe eu poderei fazer algo mais do que sentar-me numa das filas de trás e ler uns relatórios idiotas de sub-subcomitês.

Hatch veio para o Senado ansioso para cumprir as grandes promessas feitas pelo seu partido nas campanhas eleitorais. Em pouco tempo aprendeu que os senadores modernos situam-se um mero degrau acima dos mensageiros e merecem apenas acenos de cabeça condescendentes dos membros mais antigos dos Cem Ungidos.

Russ olhou para o relógio.

- Vá tomar o seu banho - falou, dando uma palmadinha leve no traseiro nu de Suzanne. Ela esticou o corpo flexível, deu-lhe um beijo afetuoso e foi para o banheiro.

Ele foi para a cozinha. Alguns momentos mais tarde, estava apoiado no balcão encerado esperando que a última aquisição de Suzanne em aparelhos eletrônicos transformasse água em café. Os olhos claros dele percorreram o aposento familiar e imaculado e ele sorriu. A cozinha mais elaboradamente equipada e menos usada a leste de Palm Springs, pensou. A cafeteira gorgolejou baixinho. Ele encheu duas canecas vermelho-vivo com a mistura preta e levou-as para o banheiro.

- A sua primeira dose do dia - ele anunciou, entregando a Suzanne uma das canecas, enquanto ela se deleitava num banho de espuma de Givenchy. Ele ficou sentado num banquinho acolchoado perto da grande banheira rebaixada, bebericando o seu café. Suzanne olhou para ele por cima da beirada da caneca de café e fez uma avaliação carinhosa e costumeira. Ele é musculoso, bem-dotado, jeitoso, pensou. Mas é aquele rosto franco e juvenil, a cabeleira vermelha e aquelas malditas sardas que o tornam tão simpático. Não é de admirar que Newsweek tenha se referido a ele como "um Tom Sawyer tamanho grande". E não é de admirar que eu me sinta protetora em relação a ele. - Suzy?

- Estou na linha.

- Qual é o tamanho do abridor de latas que você vai usar em Dan Madigan?

A sobrancelha direita dela se arqueou.

- E quem usa abridores de lata num mingau que só abre a boca para dizer lugares-comuns? - Os lábios dela curvaram-se numsorriso ao mesmo tempo brejeiro e malicioso.

- Mas eu vou atacar a jugular dele.

Hatch afastou com a mão um pouco da espuma que ficara presa no cabelo castanho-escuro e curto da moça.

- Não quer me dar uma amostra de como vai ser a coisa?

- Com prazer. Quero as opiniões dele, não citações da Bíblia ou de Bartlett, sobre se vão ser feitas ressuscitações boca a boca na economia antes que ela fique mortinha da silva. O que é que ele e o bobão do Taíbot pretendem fazer sobre os distúrbios em DetroH e nos pontos leste, oeste, norte e sul? Madigan apoia o safári africano Pentágono-CIA? - Suzy deu uma risadinha. - E isso é só pra começo de conversa.

Russ fez uma careta.

- Nenhuma piedade, não é?

- Russ! O país vai de mal a pior. As pessoas não apenas perderam a confiança, elas perderam a esperança. E você me fala em piedade?

- Querida, você é a linda, super-sexy Grande Inquisidora da televisão, e eu sou o seu fã Número Um. Mas você está exagerando... e estará exacerbando. As coisas não estão boas, mas não melhorarão a não ser que Taíbot e o Congresso se reunam e achem uma solução. Destroçar o Daniel Madigan não vai ajudar.

- Falou como um verdadeiro artista da corda bamba da Administração Taíbot. - Susy saiu do banho, enrolou-se num enorme robe atoalhado de cores vivas e fez um gesto na direção da banheira.

- É toda sua. - Ela deu um passo, parou bruscamente e fitou Hatch com os olhos estreitados. - Espere um minuto! Foi Madigan que insinuou a você que pedisse para eu maneirar?, - Ela o examinou.

- Foi ele, não foi, Russ?

As sardas dele pareceram desaparecer sob o rubor que inundou o seu rosto.

- Suzy... todo o mundo sabe como nós dois somos chegados. Madigan me deteve ontem no vestiário (a primeira vez em que me dirigiu mais de uma dúzia de palavras) e sim, mencionou o seu programa...

- Entendo. - Suzanne desviou o olhar, com a integridade profissional e os sentimentos pessoais entrando numa infeliz colisão. Ela na verdade abominava Dan Madigan, considerava-o um politiqueiro untuoso e corrupto que merecia o tratamento mais cruel que lhe pudesse dar. E o público tinha o direito de vê-lo exposto, assim como o resto da Administração débil e inepta de Charles Taíbot. Suzy ficou mordendo o lábio inferior. Por outro lado, Russ nunca, mas nunca mesmo, lhe pedira um favor. Isto é um milagre, nesta cidade, refletiu. Todo o mundo em Washington está sempre pedindo ou exigindo - favores, usando uns aos outros. Deus bem sabe que aquele filho da mãe do meu marido me usou. A maioria dos outros homens com quem me meti, talvez todos, mais cedo ou mais tarde me pediram para dar uma palavrinha por eles, um empurrãozinho, para ajudá-los a conseguir isto ou aquilo. Além disso, não acabei de dizer a mim mesma que me sinto protetora em relação a Russ?

A consciência profissional morreu uma morte dolorosa.

- Tá bem, Russ - falou finalmente. - Não vou engrossar.

- A despeito de si mesma, Suzanne não pôde evitar um pouco de frieza no seu tom de voz.

O Jaguar 72 elegante e cinza-prateado era inconfundível, assim como o era a belíssima moça loura cujas mãos enluvadas seguravam o volante. Os dois guardas armados que ladeavam a entrada para SOMENTE PESSOAL AUTORIZADO DA CASA BRANCA correram para abrir os portões e fizeram continência.

- Bom dia, Srta. Taíbot - disseram em uníssono, e foram recompensados com o famoso sorriso de Lexa Taíbot. Por trás dele, ela exultava, com a sensação familiar de excitação a percorrê-la. Os guardas eram como bonecos, bonecos vivos que lhe pertenciam, bonecos que ela podia fazer saltar, abrir portões, ficar em posição de sentido e fazer continência, com um simples olhar. E ela tinha tantos bonecos - centenas, milhares, até mesmo milhões, a sua disposição. Deus, mas era maravilhoso!

Lexa atravessou os portões abertos. Exceto pelo pai, ela era a única pessoa no mundo que podia cruzar aqueles portões sem mostrar um passe especial, tendo possivelmente que se submeter a uma revista no carro, ou mesmo pessoal.

A segurança da Casa Branca era mais rígida do que em qualquer Administração anterior, e fora reforçada ainda mais há alguns meses, quando começara a última leva de distúrbios civis. Os contingentes da Polícia, do Serviço Secreto e dos Fuzileiros’ foram dobrados, e fortunas foram gastas em novos dispositivos eletrônicos de vigilância e alarme. Os membros da equipe da Casa Branca e os empregados habituais tinham que mostrar os seus passes ao entrar nos terrenos, e mais uma vez ao entrar nos prédios. Qualquer outra pessoa, quer oficial de Gabinete quer entregador, tinha que passar por identificações ainda mais severas antes de ser permitida a sua entrada.

Lexa Taíbot estava isenta de todas essas regras e recebia o tratamento devido a uma Princesa Real. O Chefe da Segurança Noturna foi quem pessoalmente lhe abriu a porta da entrada da Família Presidencial. Ele tirou o casaco dela, e entregou-o cerimoniosamente a um sargento-fuzileiro da Artilharia.

O casaco era de pele sintética. Tinha que ser. A conservação e o proteção do meio ambiente tinham sido dois carros-chefes da campanha presidencial de Talbot e Lexa era a Presidente Honorária da Sociedade de Preservação da Vida Animal Americana. Outras organizações devotadas a causas valorosas tinham coberto a carismática filha de 25 anos do Presidente de títulos e posições costumeiramente reservados para matronas da sociedade e esposas de meia-idade de homens muito endinheirados.

O envolvimento dela em atividades humanitárias e filantrópicas reforçava as afirmações da Imprensa de que Lexa Talbot era o predicado político de maior valor do pai.

- O Presidente disse que gostaria de vê-la tão logo a senhorita chegasse - disse o Chefe da Segurança Noturna (outro boneco, pensou Lexa). - Ele está na Sala Oval.

As feições delicadas de Lexa, e os seus olhos, cinzentos como os do pai, demonstraram preocupação.

- Pobre Papai, ele devia ainda estar na cama, dormindo, mas obrigada, vou vê-lo imediatamente.

Ela desceu apressada o corredor, com as barreiras de aço eletricamente controladas abrindo-se à sua passagem enquanto o sargento fuzileiro apertava bot,ões. O Chefe da Segurança Noturna sentiu uma pontada de inveja. Ele tinha uma filha de mais ou menos a mesma idade, e desejaria que ela demonstrasse por ele uma fração do amor e afeição que Lexa Talbot tinha pelo pai.

Charles Talbot fez a filha entrar na Sala Oval e deu um riso largo quando ela o abraçou e beijou. Aos 54 anos de idade, Talbot apresentava traços da sua aparência de jogador universitário de futebol americano. Com um metro e setenta e oito, ele não tinha barriga, mas o rosto largo estava vincado e o cabelo cortado à escovinha estava cheio de fios grisalhos.

- Você está chegando cada dia mais tarde, Gatinha - falou, indulgente. Foram para um sofá situado em frente à mesa presidencial, onde se sentaram lado-a-lado.

- E você está acordando cada dia mais cedo - admoestou-o Lexa. Ela percebeu as pilhas de pastas sobre a mesa. Pilhas arrumadinhas. Era evidente que não tinham sido tocadas. - Você não estava trabalhando - falou ela, sentindo que ele queria conversar.

- Estava olhando para as paredes. Pode chamar a isso de pensar. - Talbot recostou-se contra as almofadas do sofá. - O negócio está ficando cada vez mais difícil, filhota. Coisa demais se avolumando que não consigo destrinchar.

- Que graça. Este lugar está infestado de conselheiros, assessores, peritos...

Talbot bufou.

- Eles se divertem contradizendo-se uns aos outros. - Os seus ombros largos descaíram. - Mil coisas estão dando errado… e então de repente Basanda ameaça explodir na nossa cara.

Um grande país da África Ocidental, riquíssimo em petróleo e minérios, Basanda ganhara a sua independência da Grã-Bretanha em 1968. As multinacionais americanas tinham investido muitíssimo para explorar os seus recursos naturais, e ajudaram a estabelecer um governo autoritário reacionário que governou durante vários anos. E então os dissidentes começaram uma revolta armada. Dinheiro e armas da CIA e assessoria militar americana ajudavam o governo nativo, cada vez mais opressivo, mas as forças rebeldes estavam começando a levar vantagem. Talbot estava sofrendo pressões crescentes para ordenar a intervenção americana em escala total.

- Quais as suas opções? - perguntou Lexa, casualmente. Filha de um político profissional, ela havia aprendido que a política era um jogo e um negócio lucrativo. Os candidatos eram - ou não eram - eleitos. Os que entravam regalavam-se com o poder. De lado de dentro ou de fora, os políticos faziam acordos, dividiam os espólios e mandavam os lucros para bancos suíços. Ela havia obtido os seus próprios lucros jogando ao lado do pai. Lexa também se regalava com o seu papel público como símbolo da Filha Perfeita da América, e Princesa Real substituta. Quanto à sua vida particular... isto era um outro jogo excitante, só dela, e da conta de mais ninguém.

- Opções? - ecoou o Presidente Talbot. - Bem, Pearce acha que devemos entrar rápido e bater pra valer. Diz que não podemos deixar um governo amigo ser derrubado sem destruir o pouco que resta da nossa credibilidade.

MacDonald Pearce, o Secretário de Estado secarrão, não era um dos favoritos de Lexa. O seu nariz finamente esculpido enrugou-se.

- Isso é sermão barato do pregador Pearce. Qual é o verdadeiro motivo?

- As companhias americanas vão perder bilhões se os rebeldes, comunas ou seja lá que diabo forem, ganharem e expropriarem os bens dos Estados Unidos.

- E ainda deve ter mais.

- E tem. A NAM*, figurões do mundo dos negócios como Jordan Rickhoven e mais um bando de outros sustentam que a intervenção militar vai incrementar a indústria e diminuir o desemprego. - Talbot enrolou num dos dedos uma mecha do cabelo louro de Lexa. - Nada como uma guerrinha para impulsionar a economia * NAM - Associação Nacional dos Fabricantes. (N. da T.)

- Papai, a Coreia destruiu Truman. O Vietnã acenou com Johnson.

- Agora é diferente. Os nossos militares são todos voluntários. Os homens são profissionais... mercenários, para falar francamente. Recebem uma nota para lutar por Deus, pela pátria e pela torta de maçã da mamãe. Não são convocados que despertem a ka do povo se forem mortos ou feridos.

- Parece que é uma decisão unânime, então.

- Mas não é. O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas é contra. Ele receia que os russos entrem na dança se mandarmos tropas de combate. E temos bandos de pombas barulhentas no Senado e na Câmara.

Talbot já estava se sentindo melhor, como sempre acontecia quando conversava com a filha. Eles eram muito parecidos, uma dupla, e ela era a única pessoa que nada queria dele (nada a não ser amor e afeição )> concluía ele.

Lexa apoiou a mão na coxa dele.

- E você, para que lado está pendendo?

- Até agora, para nenhum. Quero ouvir os conselhos de duas pessoas em cujos instintos confio. Uma delas é Avery Braithwaite. Ele é uma raposa velha e astuta.

Há uma década que Braithwaite era o Juiz-Presidente da Suprema Corte. Como Talbot, era oriundo da Pennsylvania. Os dois eram velhos amigos.

- Boa idéia. Quem mais?

- Prefiro não dizer.

- Nem mesmo para mim?

Lexa chegou a piscar os olhos. O pai nunca se recusara a responder a uma pergunta direta que ela lhe fizesse.

- Desculpe, Gatinha. Nem mesmo para você. Ele desviou os olhos.

- Ah... - Lexa pôs-se de pé. - Bem, estou morrendo de sono. - Começou a se encaminhar para a porta, depois parou. - Quase ia me esquecendo, Papai. Conheci um homem numa festa que daria um assessor de imprensa ou um redator de discursos fantástico...

- Não precisa falar mais nada. Diga ao encarregado dessas coisas para contratar o seu génio literário.

Isto devia compensar e evasiva à pergunta dela, pensou Talbot.

- Você é um amor.

Lexa inclinou-se e beijou-o nos lábios.

Sozinho de novo, com as portas da Sala Oval trancadas, Talbot esticou-se no sofá. Ele imaginava que Lexa já tivesse ido para a cama com o tal homem que mencionara.

Há muito tempo que adivinhara que Lexa havia herdado dele a natureza altamente sensual.

Pensamentos marcharam numa associação metódica. O seu problema pessoal era o sexo, ou melhor dizendo, a falta dele. esposa Evelyn, mãe de Lexa, era "hóspede residente” numa clínica do Estado de Nova York que se especializava em cuidar completamente, e com o máximo de segurança, de pacientes problemáticos Muito inportantes que sofriam de "distúrbios nervosos". para que Evelyn pudesse satisfazer as minhas necessidades, refletiu Ifat. Ela nunca pôde.

Enquanto foi Deputado, e mais tarde Senador, Talbot teve um séquito de mulheres. Mas o cargo de Presidente impunha severas sanções. Ele não podia trazer uma mulher para a Casa Branca. Já tinha havido muitas revelações sensacionalistas sobre os seus anores. Kefinedy, Johnson, Nixon e outros. A opinião pública e is líderes dos partidos não perdoariam mais nenhum escândalo referente ao que eles chamavam piedosamente de "sexo ilícito" na Casa Branca. Como Presidente, ele era forçado a obter a sua satisfàção sexual longe de Washington. Os preparativos para qualquer “encontro tinham que ser feitos com muita antecedência. E, onde quer que fosse, a certeza de que os homens do Serviço Secreto estejam atentos perto das portas e janelas era inibidora, diminuía o prazer. O que era pior, os acontecimentos recentes exigiam a Sua presença em tempo integral na Casa Branca, impedindo até mesmo estas saídas ocasionais.

Lexa tem sorte, Talbot disse a si mesmo. -Não está enjaulada e Uma visão súbita irrompeu na mente dele. Imaginou na cama, com o cabelo louro emaranhado, braços e pernas endo um homem sem rosto, o corpo arremetendo-se contra o e. -Talbot lutou para apagar a imagem, mas cenas diversas dos Sfls próprios encontros sexuais vieram substituí-la. Ele se esforçou Rir a detê-las, pois foi apenas o pesd da História que manteve a mão do presidente dos Estados Unidos afastada da fivela do seu cinto.

Os guardas do portão da Casa Branca assinalaram a entrada de Talbot às ?:51. Exatamente à mesma hora, um carro de patrulha da polícia que transitava pela Avenida Upper Connecticut chegou esquina da Brandwine. O guarda George Vreeland, que estava ao volante, viu o corpo, praguejou, parou o carro ao lado dele e ligou o pisca-fisca que ficava no topo do veículo. O seu parceiro, Lattimer, foi até o corpo e abaixou-se para examiná-lo .

Atropelou e fugiu - falou Lattimer, quando Vreeland foi juntar-se a ele. - Esse aí estava bêbado feito um gambá. - (o cheiro da bebida sobrepunha-se ao fedor do sangue e da matéria quínica despedçada. - Tome coragem e olhe para a cara dele.

O queixo quadrado e pesado, as sobrancelhas cerradas e a cic% triz irregular que cortava diagonalmente a testa alta eram inconfundíveis .

- Puxa! - Vreeland ficou aparvalhado. - O General Weidener!

- É. - Lattimer examinou os documentos que achou no corpo. Eles identificavam a vítima positivamente como o General Keith Weidener, detentor da Medalha de Honra na Coréia, galante comandante de divisão no Vietnã, herói nacional e atualmente Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Lattimer resmungou: Avise que temos um novecentos.

A polícia do Distrito de Columbia oferecia à elite de Washington um seguro considerável contra embaraço ou escândalo. Se aparece morto (ou mesmo numa situação comprometedora) alguém dos altos escalões do Governo, das Forças Armadas ou do Corpo Diplomático, a polícia não faz nenhum registro inicial. Em vez disso, a polícia civil notifica o departamento federal, ou a agência, ou a embaixada estrangeira à qual pertence o indivíduo. Tais notificações recebem o número de código 900. Mais tarde (freqüentemente muito mais tarde, e às vezes nunca) os registros da Polícia Distrital são modificados retroativamente para refletir as versões desejadas pelas autoridades apropriadas.

Embora fosse claro que fora vítima de um acidente de atropelamento-e-fuga, também era evidente que o General Weidener estava bêbado... um fato que com toda a certeza. o Exército não gostaria de ver registrado.

O guarda George Vreeland ligou o rádio do carro.

- Temos um 9-0-0, Exército - anunciou. Imediatamente a sua transmissão foi encaixada na linha do Oficial de Serviço do Forte McNair. O Oficial de Serviço respondeu, identificando-se como capitão fulano-de-tal.

- Um dos seus nove-zero-zero na Upper Connecticut com Brandywine - falou Vreeland. - Atropelamento-e-fuga, mas ele estava oito-seis... - código para bêbado.

- Que tamanho? - perguntou o capitão, o que significava qual o posto.

- Não podia ser maior,

- Vamos já mandar gente para aí. Cubra o corpo.

- Já foi feito.

Lattimer tirara um pedaço jde lona da mala do carro-patrulha e cobrira com ele o corpo, cuidando para ocultar bem o rosto, para evitar que qualquer transeunte reconhecesse o General Weidener.

 

Washington, D.C.: Terça-feira, 16 de fevereiro. Na metade da manhã.

Suzanne Loring mostrara-se cada vez mais retraída enquanto ela e Russel Hatch se vestiam e esperavam pela limusine da Central Broadcasting Network que a levaria ao estúdio. jHatch tirou o seu Pontiac da garagem subterrânea e foi para casa, um apartamento no Cleveland Park. Preparou presunto com ovos para suplementar o café tomado ao alvorecer. Nem a comida nem os cigarros sem filtro Pall Mall que ele fumou um atrás do outro, depois de comer, ajudaram a diminuir os seus sentimentos de culpa, cada vez maiores, e ele ficou andando daqui para lá desanimadamente.

Me enrasquei todo - Russ se recriminava. - Nunca deveria ter deixado que Dan Madigan me convencesse a usar o meu relacionamento com Suzy para tirá-lo do fogo. Isso fez de mim um sacana por um lado, e um maldito cafetão pelo outro.

Ele continuou a matar o tempo até as 10 horas; sabia que então a sessão de gravação de Suzy com Dan Madigan estaria definitivamente encerrada. Finalmente, decidiu que não deveria telefonar para ela. Fosse lá o que tivesse acontecido na entrevista, era de se esperar que o humor de Suzy estivesse ainda pior e nada receptivo às desculpas. Disse a si mesmo que iria compensar Suzy por aquela atitude percebeu mais uma vez o quanto ela significava para ele.

Russ acendeu mais um Pall Mall e foi para a sala de estar, onde largou pesadamente o seu metro e oitenta e cinco numa poltrona e ligou o rádio, sintonizando a WAVA-FM, uma estação que dava só notícias.

- unidades da Guarda Nacional continuam de prontidão em Detroit - ecoava a voz do locutor. - As autoridades locais voltaram a enfatizar que não há conotações de fundo racial nos distúrbios que vêm assolando a Cidade dos Automóveis há vários dias...

Psicologia reversa baixa e suja, pensou Russ, trincando os dentes. Os distúrbios em Detroit e noutras cidades industriais eram demonstrações violentas de desempregados de todas as raças, que estavam em situação desesperadora porque não havia mais fundos disponíveis para pagar-lhes compensação de desemprego. Essas negativas enfáticas de "conotações de fundo racial" só faziam com que o público constrangido e crédulo pensasse que os ódios raciais, afinal das contas, eram a verdadeira causa dos distúrbios.

- Mais notícias sombrias da República de Basanda, onde os rebeldes massacraram ontem quinhentos homens, mulheres e crianças inocentes...

Bela jogada, aplaudiu Hatch num silêncio amargo. Faz com que os negros americanos pensem que estamos sofrendo com o destino dos negros africanos.

- Porém os Legalistas de Basanda vão receber uma ajuda inesperada. O Governo de Israel anunciou que vai enviar-lhes grandes quantidades de armas e munições...

Isto explicava por que na semana passada o Pentágono concordara em dar a Israel um bilhão de dólares extra em armamentos. Russ estava cheio de raiva, intimamente.

Um golpe bem ao velho estilo de Henry Kissinger. Nós lhe daremos um monte de armas novinhas em folha se vocês mandarem um bocado da sua velharia para Basanda. O gambito marcava pontos para os falcões. Se Israel ajudava Basanda, os liberais americanos e uma grande parte da população judia dos Estados Unidos começariam a torcer para os legalistas basandanos numa espécie de reação de simpatia-por-associação. Hatch reconheceu a medida como apenas mais um passo na Longa Marcha para a intervenção americana.

- Merda! - falou em voz alta, desligando o rádio com raiva, enquanto a sua depressão aumentava. Ele era impotente para influenciar as tendências que apareciam.

Cometi um engano dos diabos me metendo em política, pensou. Já sou senador dos Estados Unidos - grande coisa! - há mais de dois anos e ainda não realizei uma única droga de coisa. Devia ter ficado em Portland, cuidando de petições legais e escrevendo sumários. Pelo menos teria a satisfação de vencer um caso, de vez em quando.

Russell Hatch se metera na política devido a uma mistura de acontecimentos. A morte súbita da esposa, de peritonite, em seguida a uma gravidez tubária, deixara-o perdido, sem rumo, e as exigências do seu escritório de advogacia não foram suficientes para preencher o vazio. Quando amigos seus instaram com ele para tomar parte ativa na campanha "Renovem os Estados Unidos" lançada pelo candidato à Presidência Charles Talbot, Hatch concordou relutantemente. Para sua surpresa, a seguir, instaram com ele para que se candidatasse ao Senado. Foi o que ele fez, e mal conseguiu passar por seus oponentes nas eleições primárias. Mas, beneficiando-se da vitória esmagadora de Talbot, ele ganhou por grande maioria na eleição final.

Russ havia se familiarizado com a ficha de Talbot. Ele fora Deputado e depois Senador, pelo Estado da Pennsylvania, e sabia que era um político profissional, um burro de carga esforçado do Partido. Contudo, nos três anos que antecederam a sua eleição para Presidente, Charles Talbot fora o Líder da Maioria no Senado, e naquele posto demonstrara habilidade e talentos até então insuspeitados. Ele obteve um sucesso espetacular na unificação das facções discordantes do partido, na reconciliação de diferenças entre rivais ferrenhos, agindo como moderador e árbitro entre os dois partidos quando havia assuntos importantes em pauta.

Como os quase 50 milhões de outros americanos que votaram em Talbot, Russell Hatch estava convencido de que essas eram precisamente as qualidades que uma nação abalada e dividida necessitava do seu Chefe do Executivo. Infelizmente, conquanto Charles Talbot fosse um exímio persuador e conciliador, ele não tinha virtualmente experiência nenhuma em tomar decisões e levá-las a cabo. Ao invés de exercer a autoridade, depois de empossado, Talbot a delegava ^.. ou a relegava. Conseqüentemente, departamentos linisteriais, serviços e agências seguiam cada um o seu caminho, que com freqüência eram conflitantes. Quem sabe Suzy estava certa, pensou Russ, lembrando-se sombriamente do diálogo matinal deles no quarto e no banheiro. Ela havia descrito Talbot como um "bobão deslumbrado manipulado por quem puxa o seu saco por último".

Talvez, Hatch disse a si mesmo. Mas Talbot é tudo o que temos para este ano e para o próximo. Quando um país elege um Presidente, casa-se com ele por quatro anos.

E conquanto o país não tenha que amar, honrar e respeitar o companheiro que escolheu, tem que agüentá-lo até que possa pedir o divórcio na eleição presidencial seguinte.

Forçando o seu ânimo a melhorar um pouco, Russ decidiu que era hora de sair para o escritório... nem que fosse apenas para responder ao monte diário de cartas imbecis dos seus eleitores.

O Boeing 727/1000 pessoal de Jordan B. Rickhoven in aterrissou no Aeroporto Nacional de Washington pontualmente às 10:45. Se assim não fosse, o pau ia comer. O bilionário Jordan B. Rickhoven in, chefe da dinastia da família Rickhoven e do seu império global industrial e financeiro, era maníaco por pontualidade... e um homem com enorme influência e poder. Era por isso que os controladores de vôo do Aeroporto Nacional haviam ordenado aos vôos comerciais que ficassem na espera, enquanto davam ao Boeing de Rickhoven prioridade absoluta para aterrissar.

Quanto a Jordan Rickhoven, ele próprio nunca se apressava. Não havia necessidade. Ele puxava os cordéis: os outros saltavam, corriam ou se ajoelhavam. Totalmente autoconfiante, até mesmo o modo como se vestia anunciava àqueles que por acaso não o soubessem que Jordan B. Rickhoven in não ligava para costumes, convenções, regras ou regulamentos. Usava as suas roupas caras e impecavelmente talhadas com um pouco caso insolente que combinava com as suas atitudes e personalidade.

Com um metro e noventa e três de altura, anguloso de cara e de corpo, Rickhoven atravessou com naturalidade o terminal do aeroporto, com a camisa de listras soberbamente talhada desabotoada no pescoço, gravata de seda pesada afrouxada, sobretudo de casimira claro jogado por sobre um ombro. Era flanqueado por assessores; que. caminhavam meio passo atrás dele, com deferência. Os colarinhos deles estavam bem abotoados, as gravatas no lugar, e os sobretudos escuros devidamente fechados... e carregavam pastas grandes e negras.

Uma limusine Cadillac estava à espera. Rickhoven despediu os assessores com um leve aceno de cabeça; eles já haviam recebido as suas instruções a bordo do Boeing.

Quando o Cadillac -começou a andar, Rickhoven apertou um botão. Um lâmina de vidro espessa e opaca selou o compartimento do motorista. A seguir ele ergueu a parte de cima de um dos braços de couro do banco do carro, revelando um radiotelefone que imediatamente utilizou.

Daniel Aloysius Madigan sucedera a Charles Talbot como Líder da Maioria do Senado. Madigan tirava o máximo de vantagens das prerrogativas que o seu cargo e a sua antiguidade como senador com quatro mandatos lhe conferiam. Os seus escritórios no Edifício Everett Dirksen eram imensos... doze cómodos, inclusive um apartamento - refúgio de dois cómodos. As salas nas quais trabalhavam os seus assistentes e secretários eram mobiliadas em estilo moderno. As dele eram opulentas.

O escritório particular de Madigan continha uma fortuna em arte e mobília antiga recrutadas das galerias de arte e museus federais. Embora sem aprovação legal expressa, estas instituições emprestam tesouros artísticos nacionais paia membros dos altos escalões do governo e legisladores com influência sobre as verbas orçamentárias.

Quadros valiosíssimos da Galeria Nacional de Arte estavam pendurados nas paredes do escritório particular de Dan Madigan - entre eles um Tintoretto e um Vandyke.

Os visitantes podiam sentar-se em sofás Luís XV ou em jogos de poltronas Rainha Anne. A escrivaninha de Madigan, uma magnífica mesa em pau-rosa de Charles Cressent, pertencera originariamente a Thomas Jefferson. O senador de Illinois, que cumpria o seu quarto mandato, conseguira que o Smithsonian Instituition pusesse à sua disposição essas peças graças à insinuação de que poderia instigar o Senado a fazer uma investigação especial sobre as despesas anuais do Smithsonian. Daniel Madigan lutara com unhas e dentes para sair de uma favela de Chicago e subir na política traiçoeira do Estado de Illinois; sempre bajulara servilmente os que estavam por cima, mas nunca hesitara em prestar favores aos que estavam por baixo. Ao longo da sua-trajetória adquirira um profundo amor pelo luxo e um verniz de cultura e classe. As suas roupas custosas não chegavam a se enquadrar na elegância discreta do Registro Social, que ele tanto tentava emular. O seu cabelo ralo era penteado um tantinho meticulosamente demais, os seus sapatos engraxados um tantinho exageradamente. Os eleitores de Madigan não enxergavam estas pequenas falhas. Eles (quer fossem magnatas do North Shore ou posseiros do sul do Estado) podiam confiar nele para lembrar dos seus nomes, ajuda-los quando tivessem problemas e fazer passar medidas legislativas que os beneficiassem.

Muito satisfeito com o resultado do seu encontro matinal com Suzanne Loring, o líder da Maioria no Senado Daniel Aloysius Madigan sentava-se à escrivaninha que pertencera a Thomas Jefferson .

As feições de Madigan (levemente distorcidas pela auto-indulgência e excessos freqüentes) estavam alertas e expectantes. As suas mãos manicuradas brincavam com um peso de papel de ônix. Os olhos, contudo, estavam firmes, fixos num telefone sobre a mesa. Estava esperando que ele tocasse.

A maioria dos Secretários de Estado sempre achou que o seu ambiente de trabalho devia combinar com o prestígio da sua posição e com a fortuna e o poder da Nação.

Este não era o caso de MacDonald Pearce, que acreditava que os enfeites distraíam e reduziam a eficiência.

Quando foi nomeado, Pearce mandou que os escritórios da Secretaria, no sétimo andar do Edifício do Departamento de Estado, fossem redecorados... ou melhor, "desdecorados".

Foram removidos os tapetes luxuosos, os lambris custosos e os lustres teatrais de doze braços. As salas usadas pelo pessoal que trabalhava diretamente com ele passaram a ser austeras. O seu próprio gabinete particular era espartano. Somente os quadros obrigatórios de George Washington e Abraham Lincoln, retratos coloridos autografados do Presidente Charles Talbot e do Vice-Presidente Alvin Durilap, e um mapa-múndi adornavam as paredes. Este ambiente ascético, na opinião de Pearce, servia de aviso aos diplomatas estrangeiros de que os Estados Unidos haviam finalmente retornado a uma política externa sem despropósitos.

A mesa do Secretário era estritamente funcional, e sem o menor apelo estético. Podia-se dizer quase o mesmo do Secretário. Com 60 anos de idade, corpulento, Mac Donald Pearce tinha uma cara severa e fechada, e normalmente usava ternos escuros e banais. Professor de ciência política, ele chegara ao Departamento de Estado pelo caminho tradicional Universidade de Harvard - Conselho das Relações Exteriores, ou, como dizia ferinamente o colunista Jack Anderson, "pela Velha Trilha Rockefeller".

Embora tivesse adotado a coloração liberal protetora exigida em relação aos assuntos domésticos enquanto estava em Harvard, Peaerce era ultra-reacionário quando se tratava de assuntos externos. Ele atendera ao chamado de Washington como quem atende a um Chamado Superior, um missionário zeloso que jurara apagar toda e qualquer dúvida sobre a supremacia americana no mundo. Mac Donald Pearce espiava através das lentes bifocais dos seus óculos antiquados, sem aro, para o relatório fechado envolto em plástico azul que estava sobre a sua escrivaninha. Da mesma forma que Daniel Madigan, ele esperava.

O telefone de Madigan foi o primeiro a tocar.

- Já cheguei, Dan - foi o que o Líder da Maioria no Senado escutou a voz de Jordan Rickhoven dizer. - Almoçaremos no clube, meio-dia.

- Lá estarei, J. B., com fome e com sede.

Daniel Madigan, o connoisseur dos tesouros de arte nacionais emprestados, conhecia a arte de misturar respeito e bonomia nas proporções corretas quando falava com um superior.

O Secretário de Estado MacDonald Pearce jogou para o lado o relatório que i ao estava lendo e ergueu o fone. O telefonema era aquele que esperava.

- Bom dia, Jordan, Fez boa viagem?

- Céu de brigadeiro, Mac. No clube para o almoço... ao. meio-dia.

- É claro, Jordan.

O tenente-general estava todo fardado e paramentado. O Patologista-Chefe do Hospital "Walter Reed, um general-de-brigada do Corpo Médico, usava um jaleco branco sem insígnia. Eles estavam sentados frente-a-frente, separados pela escrivaninha do PatologistaChef e.

- legalmente uma pessoa é considerada intoxicada quando o teor de álcool no sangue dela atinge dez centésimos de um por cento - dizia o oficial médico. Os nossos testes mostram mais de três -vezes esta quantidade... mas, é claro, este fato será omitido nos nossos relatórios.

- Vocês terão que fazer muito mais do que isso - declarou o tenente-general. - Mas muito mais mesmo.

- Mas como... num acidente de atropelamento-e-fuga? Santo Deus, por quê?

- Keith tinha uma amiguinha, preta, que mora no mesmo quarteirão onde ele foi morto. Ele devia estar indo visitá-la.

- Meu Deus! - exclamou o Patologista-Chefe. O Exército não podia dar-se ao luxo de que isto fosse tornado público. - E o que vamos fazer?

O tenente-general estava chegando de uma conferência de figurões do Exército que fora convocada às pressas para discutir o "Caso Weidener". Ele recitou o que fora decidido:

- Weidener morreu de um ataque cardíaco no seu alojamento no Forte McNair. Por volta de 5:30 ele desceu para fazer uma xícara de café. A Sra. Weidener ouviu-o gemer e cair. Encontrou-o caído no chão da cozinha e ligou para o Walter Reed pedindo uma ambulância. Trouxeram-no para cá, onde já chegou morto.

- A Sra. Weidener confirmará a história? - indagou o Patdlogista-Chefe.

- Betty Weidener é cria do Exército. O pai dela formou-se por West Point. Ela sabe como essas coisas são feitas.

- Então, tudo bem.

O Patologista-Chefe não se preocupava com o pessoal do Waiter Reed. Eles também sabiam como "essas coisas são feitas" e ficariam de boca bem fechada.

- Mandarei alguém notificar a imprensa e o Presidente que o General Weidener está morto - falou o tenente-general.

- Qual a versão que o Presidente vai ouvir?

- A única versão, ataque cardíaco. Do contrário, ele podem ordenar uma busca intensiva do carro que atropelou e fugiu, e aí toda a sujeira sobre o Weidener seria desencavada e publicada pela imprensa. O nosso Presidente não é...

- Não é muito inteligente - terminou o Patologista-Chefe, com uma careta. - Isto não é mais informação secreta.

- Pois é. Certifique-se de que os relatórios e o atestado de óbito estejam corretos.

- Estarão, senhor... nos mínimos detalhes falsificados.

- O Dorian, na Rua F, é um dos clubes privados mais elegante” de Washington e um dos que oferecem a mais absoluta segurança. Pode-se discutir ali os assuntos mais confidenciais, os Top Secrets, pode-se realizar negócios da maior magnitude, pode-se receber e oferecer subornos... tudo isto na mais completa confiança nas salas privadas à prova de som do 3.° andar do Dorian. Um membro que Teserva uma dessas salas pode mandá-las inspecionar por seus próprios técnicos para assegurar-se de que não haja dispositivos de escuta. Os assistentes de Jordan B. Rickhoven haviam completado esta tarefa antes do meio-dia, quando o bilionário e seus dois convidados se reuniram para o almoço na Sala de Jantar Um.

Rickhoven tomou um Gibson extra-seco. Daniel Madigan pediu um uísque duplo com água. MacDonald Pearce bebericou um sherry. Garçons de jaquetas roxas trouxeram a comida e o vinho em carrinhos, e depois desapareceram.

- Nós mesmos nos serviremos - falou Rickhoven. - Nada de interrupções.

Estavam sentados em volta da mesa e já tinham começado a comer quando Rickhoven perguntou a Pearce:

- Esteve com Talbot?

- Ontem, Jordan. Ele ainda não tomou uma decisão. - O Secretário de Estado pigarreou. - Enfatizei o interesse nacional...

Santo Jesus e todos os doze apóstolos - gemeu Dan Madigan, intimamentee. - Pearce fez a preleção n." 238 para Talbot e agora teremos que escutar a repetição. Ele esvaziou a taça de vinho, desejando poder tomar mais um uísque duplo, mas Jordan Rickhoven havia pedido o vinho.

- Ressaltei que Basanda atualmente fornece 20% do nosso petróleo cru importado e um bocado dos nossos metais comuns não ferrosos...

Com as companhias Rickhoven produzindo o petróleo e sendo donas da metade das minas, refletiu Madigan em silêncio, servindo-se de mais vinho.

- Ele retrucou que a nossa produção industrial caiu tanto que temos reservas de sobra de petróleo e metais.

- Que merda! - Madigan interrompeu com raiva. - A produção não vai subir até enviarmos tropas para Basanda e darmos um impulso na indústria com contratos de defesa! Já disse isso a Talbot centenas de vezes...

- É óbvio que ele não escutou, Daniel. - MacDonald Pearce ficou aborrecido por terem interrompido o seu monólogo. - Parece que ele só escuta os advogados da paz-a-qualquer-preço.

Jordan Rickhoven passou a concentrar a sua atenção em Madigan.

- Qual a sua opinião da tendência atual do Congresso, Dani”

- No momento, as pombas estão levando vantagem - ré plicou Madigan. - Mas ela pode ser anulada... se houver alguns incidentes convenientes e algumas conversinhas francas à socapa. Mas isto não vai acontecer da noite para o dia.

- Os incidentes convenientes são da sua alçada - Rickhcven disse a Pearce. - Coríquanto eu vá contribuir com a minha parte,, o grosso vai ficar por sua conta, Mac.

Os músculos faciais de Pearce pulsaram.

- Não é preciso dizer que eu farei o que for...

Tocou uma campainha. Rickhoven franziu a testa, foi ai é a porta, abriu-a e deu de cara com um tipo trintão com pinta de gente do Departamento do Estado.

- Minhas desculpas, senhor. Tenho uma mensagem urgertc para o Secretário Pearce.

Rickhoven se afastou. Pearce foi para o corredor, voltou e fechou a porta às suas costas. Permaneceu de pé.

- Uma notícia chocante - anunciou. - O General Weidener morreu de um ataque cardíaco hoje de manhã.

- Sinto muito saber disso - murmurou Jordan Rickhoven. - Ele era um belo soldado, um comandante brilhante.

- O maior desde MacArthur - comentou Dan Madigan, impassível. Louvemos ao Senhor e graças às coronárias, acrescentou mentalmente.

- Uma perda trágica - lamentou MacDonald Pearce.

Pois sim! - pensou Madigan. O Número Uno paz-a-qualquerpreço foi juntar-se à Grande Maioria. Viva o nosso lado!

Pearce falou que a morte de Weidener criava problemas que exigiam a sua presença no Departamento de Estado. Apertou as mãos dos demais, e se retirou.

- Vai ficar aqui até amanhã, J.B.? - Madigan perguntou depois que Pearce se foi.

- É provável... por quê?

- Vou fazer uma visita a Lady Norworth esta noite. Quet vir comigo?

Rickhoven esperou um momento antes de responder, e depois, um sorriso lento e estranho surgiu no seu rosto.

- Quero, sim. Gostaria muito.

O Presidente Charles Talbot foi informado da morte do General Keith Weidener às 11:30. Atordoado, não parou para se perguntar por que, se Weidener havia sofrido um ataque cardíaco fatal às 5:30, só o haviam comunicado a ele seis horas mais tarde. Mas as implicações da morte de Weidener foram aos poucos atingindo a sua consciência. A barreira que Weidener fornecia contra uma aventura militar americana na África havia desaparecido. Teria que ser escolhido um novo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, e todos os generais que preenchiam os requisitos eram falcões confirmados.

Talbot dissera à filha que queria conversar com duas pessoas antes de tomar a sua decisão sobre Basanda. Não podia mais adiar •essas conversas. Usou a linha externa direta que o Serviço Secreto •examinava de hora em hora, para verificar se não havia interferência, e pegou o Juiz-Presidente da Suprema Corte Avery Braithwaite antes que o venerável jurista saísse do escritório para ir almoçar.

- Estou honrado, Sr. Presidente - disse Braithwaite.

- Pare com esta bosta de Sr. Presidente, Avery. Ouço isso tantas vezes que até me esqueço do meu nome.

- Objeção aceita, Chuck. Em que posso servi-lo?

- Será que você poderia dar um pulinho aqui hoje às cinco •da tarde?

- Claro. - Para Avery Braithwaite um convite do Presidente dos Estados Unidos era uma ordem.

Foi uma empregada que atendeu ao segundo telefonema de Talbot.

- Lady Marjorie Norworth, por favor. - falou Talbot. - Diga a ela que é um velho amigo que não fala com ela há dois anos, completados em janeiro.

Alguns momentos mais tarde ele escutou a voz cálida, grave e modulada.

- Será que é quem eu penso que é?

- Nunca soube que você adivinhasse errado, Marjorie.

Ela reconheceu a voz, mas evitou cuidadosamente usar o nome dele.

- A sua gramática e sintaxe melhoraram. Costumavam ser piores dos que as de Eisenhower. Quando ele foi indicado para o seu segundo mandato eu disse a todo o mundo que seria melhor para Washington se, em vez disso, ele fizesse um curso de inglês de primeiro grau. - Lady Norworth deu uma risada rouca. - O meu comentário saiu em todos os jornais, mas foi atribuído a Perle Mesta. Fiquei furiosa.

Talbot deu um sorriso largo. Algumas pessoas nunca muda vam, e Lady Marjorie Norworth encabeçava a lista.

- Marjorie, gostaria de vê-la hoje à noite.

- Não é um pouco arriscado?

- Acho que é, um pouco, mas tenho que falar com você. Gostaria de passar aí lá pela meia-noite... há menos chances de ser visto, a esta hora... e usar a entrada dos fundos.

- É claro. Será mais do que bem-vindo.

Charles Talbot ficou agradecido. Era certo que o encontro seria de utilidade. Ninguém tinha opiniões mundanas mais sensatas ou podia oferecer sugestões mais práticas e terra-a-terra do que Marjorie Norworth.

 

Washington, D.C.: Terça-feira. 16 de fevereiro. À tarde.

Há muito que MacDonald Pearce deplorava as rivalidades entre o Departamento de Estado, o Departamento de Defesa, a CIA e os emissários especiais do Presidente no modo de conduzir os assuntos externos. Como Secretário de Estado ele convencera os homens-chave na Defesa e na CIA de que surgira uma nova era. Sob a sua égide, os objetivos delas seriam idênticos, e as suas atividades estreitamente (embora disfarçadamente) coordenadas. Os Estados Unidos voltariam a ocupar o lugar preeminente no mundo que por direito lhes pertencia.

Só quem atrapalhava o seu sucesso era o General Keith Wiedener, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. O herói cheio de medalhas da Coréia e do Vietnã, que conhecera a guerra de perto como poucos homens, era um advogado ardoroso da paz e um oponente ferrenho de políticas ou planos que pudessem levar ao conflito armado.

Com o desaparecimento de Weidener, era de se conceber que as coisas mudassem de feição.

Voltando às pressas do Clube Dorian para o Departamento de Estado, MacDonald Pearce convocou uma conferência intensiva com o Secretário de Defesa John Kurtz e o Diretor da CIA, G. Howard Denby.

- Parte do nosso dilema já foi solucionada para nós - Pearce disse a eles. Eles não precisaram de maiores explicações. - Podemos tomar novas iniciativas - declarou ele, tendo em mente as insistentes recomendações de Jordan Rickhoven.

O Secretário de Defesa Kurtz, fumando o seu cachimbo, declarou que estava pensando a mesma coisa. O Chefe da CIA, Denby, de cara inexpressiva e notoriamente taciturno, ficou calado.

- O Primeiro-Ministro de Basanda tornou-se um risco - continuou Pearce. - Ele se descartou de toda a discrição e prudência .

- Odu Mwandi é o homem forte de que Basanda precisa -f objetou Kurtz.

- Um homem forte, concordo... mas Mwandi já não é mais de utilidade. Ele devia ser substituído por alguém com mais... digamos, jinesse.

- Mudar a figura de proa não elimina a podridão do casco - sentenciou John Kurtz. Um entusiasta do iatismo, o Secretário da Defesa usava com freqüência analogias náuticas. Ele as considerava objetivas, incisivas.

Pearce, que pouco sabia a respeito de barcos, tentou igualá-lo.

- Uma figura de proa nova poderia persuadir aos que não estão convencidos de que valeria a pena a gente raspar a craca e consertar o casco.

- Vale a pena arriscar - concordou Kurtz. Os fins justificam os meios.

Os olhos descorados de Denby estavam inexpressivos.

- Mwandi pode ser removido - falou. - Dêem-nos uma semana... dez dias.

- Não pode ser antes? - perguntou Pearce.

- Precisamos navegar com cuidado... ou acabaremos nos escolhos - falou Kurtz.

Daniel Madigan voltou para o seu escritório no Edifício Everett Dirksen, serviu-se de uma boa dose de uísque, piscou o olho para a Madona de rosto triste do seu

Tintoretto emprestado, foi até a mesa de Jefferson e começou a trabalhar. Assinou a correspondência preparada pelas suas secretárias, atendeu alguns telefonemas, recusou outros, até que uma jovem espevitada de busto grande entrou e trancou a porta.

- São quatro horas, Senador.

O seu sorriso úmido e voluptuoso não conseguia dar vida à sua expressão vazia.

- Oi, Debbie - falou Madigan. A moça começou a cruzar a sala, desabotoando a blusa. Pena que ela é tão burra, ele pensou. Ora, não fazia mal. O salário de secretária dela de 19.760 dólares anuais era pago pelos contribuintes, e ele tinha outras que sabiam taquigrafar, datilografar, arquivar.

Ela ficou de pé ao lado da cadeira dele, de blusa aberta, sem sutiã.

- Vou ver você hoje à noite no programa de Suzanne Loring - ela matraqueou. - Estou doida de vontade de ver você na TV.

Ela se ajoelhou no tapete, levando as mãos às coxas dele.

O comentário ativou uma válvula-de-memória no cérebro de Madigan. Ignorando momentaneamente a garota que abria habilmente a braguilha das suas calças, ele pegou no telefone.- Ligue-me com o Senador Hatch - falou, e depois cobriu o bocal do fone com a mão. - Calma aí, Debbie. Tenho que falar com uma pessoa.

A garota já começara a acariciar os seus órgãos genitais.

- E daí... faça as duas coisas, é um gozo extra. E por que não, pensou Madigan.

- Chegue um pouquinho para lá, benzinho.

Ele virou a cadeira giratória para evitar o olhar da Madonna.

O Senador Russell Hatch, no seu primeiro mandato, só tinha direito a uns cômodos apertados que mal davam para ele mesmo e a sua pequena equipe no Edifício Senatorial

Richard Brevard Russell, uma velha construção em estilo clássico. Hatch estava estudando um projeto de lei sobre florestas para determinar se beneficiava ou não a indústria madeireira do Oregon.

O seu telefone tocou.

- O Senador Madigan - anunciou a secretária. Russ praguejou em silêncio.

- Vou atender.

- Al, Senador - a voz de Madigan era amável. - Eu deveria ter-lhe telefonado antes, mas estive ocupado. Queria agradecer...

- O quê? - Hatch não conseguia resistir à tentação de fazer Madigan especificar o motivo pelo qual estava grato. Pouco consolo, mas Russ necessitava urgentemente de qualquer bálsamo que aliviasse a sua consciência dilacerada.

Madigan tapou o bocal com a mão livre.

- Mais devagar, Debbie. - A mão foi do bocal para os seios grandes da moça. - Você tem um grande futuro no Senado, meu rapaz - falou no aparelho. Estou grato a você por... - a mão direita voltou dos seios para o bocal, cobrindo-o de novo. - Devagar, guria. - A mão voltou a massagear os seios da garota.

Falou com Hatch mais uma vez. - Estava dizendo que sou grato a você por ter intercedido com a sua bela dama.

Hatch foi vencido pela curiosidade:

- Como foi a coisa?

- Otimamente - foi a resposta de Madigan.

- Não deixou as marcas das garras? - Gostaria que Suzy tivesse massacrado você, como pretendia.

- Nem um arranhão.

- Fico muito satisfeito. - Fico uma ova!

- Russ. - O fato de estar tratando-o pelo primeiro nome era significativo. Hatch deu-se conta disso, e ficou esperando o testo, mas fez-se novo silêncio.

Os lábios e a língua de Debbie estavam levando Dan Madigan ao clímax. Ele já não agüentava mais. Tinha que acabar depressa com a conversa.

- Eu nunca esqueço favores, Russ... - A cabeça de Debbie movimentava-se violentamente entre as coxas dele. - Escute Russ... hummm... estou muito ocupado hoje.

Ligue para mim amanhã. - Madigan falava rapidamente. - Marcaremos um encontro, conversaremos. Não se esqueça, Russ.

Bateu o telefone, agarrou a cabeça da moça com as duas mãos, e meteu bem lá no fundo da garganta dela.

Detesto admitir isso, mas acho que estou satisfeito, afinal - pensou Russel Hatch, ao mesmo tempo pesaroso e eufórico. - Parece que encontrei a escada rolante que

SOBE, finalmente... graças a Suzy, e quem sabe ela está disposta a perdoar.

Ele ligou para a Continental Broadcasting Network, onde a telefonista lhe dise:

- A Srta. Loring já foi embora.

Ele tentou o apartamento de Suzanne. Depois do telefone tocar três vezes, ela atendeu.

- Boa tarde, Srta. Loring - começou ele.

- O que é, Russ?

A voz dela estava ainda mais fria do que pela manhã.

- Suzy, posso pedir desculpas levando-a hoje para jantar?

- Sinto muito, estou ocupada. Fria, não. Gélida.

- É amanhã à noite?

- Não posso falar agora. Ela estava avasiva. Clique.

Russell olhou com raiva para o instrumento desligado, com a cabeça funcionando. Embora não fosse nenhum porco chauvinista, ainda assim fora condicionado a acreditar que as mulheres apresenuvarn padrões-de-resposta emocionais previsíveis. Suzy está furiosa comigo por que eu a usei... o que é justo, refletiu ele. Mas ela está mais furiosa consigo mesma por ter deixado que eu a usasse e me culpa por isso, também. Portanto, ela está se vingando saindo com outro cara. É capaz até que ele estivesse na cama com ela quando eu liguei. Isto explicaria o tom de voz e as evasivas. Hatch pôs o fone no lugar vagarosamente, com a culpa se transformando em ciúme.

A limusine de Jordan B. Rickhoven in levou-o do Clube Dorian até o edifício pretensioso projetado por I. M. Pei, que era ocupado pela Embaixada de Basanda, na Avenida Massachusets, onde era esperado.

Basanda era uma das muitas antigas colônias britânicas cujas classes dominantes e educadas desprezavam as vestimentas nativas ese apegavam aos modos e costumes ingleses. Sua Excelência Percival Kwida, Embaixador bosandano nos Estados Unidos, fora educado em Cambridge e vestia-se nos alfaiates de Savile Row. A cara de lua negra de Kwida abria-se num sorriso cheio de dentes, irradiando hospitalidade de solar inglês, ao receber Jordan Rickhoven.

- Chá... ou quem sabe um dedinho de uísque, Sr. Rickhoven?

- Nada, obrigado, Excelência. - Rickhoven era o dono de Percival Kwida, do mesmo modo que era o dono do governo de Basanda e da maior parte dos seus recursos naturais, através da sua rede de companhias multinacionais. Divertia-o guardar as formalidades, mas não ia além de "Vossa Excelência". Sentou-se antes de ser convidado, cruzou as pernas compridas. - Quero que mande uma mensagem ao Primeiro-Ministro Mwandi pela mala diplomática.

- Certamente.

O Embaixador Percival Kwida ficou logo alerta.

- Informe a ele que você tem informações indiscutíveis de que não haverá mais ajuda americana para Basanda e que até mesmo há planos para chamar de volta os assessores militares americanos designados para lá.

Kwida ficou de boca escancarada, e as suas feições espelhavam alarma e horror.

- Sr. Rickhoven! Isto é desastroso! O Primeiro-Ministro deslocará as tropas das áreas vizinhas para proteger a província principal. Muitas minas serão perdidas.

O Exército basandano pode até dar um golpe de estado!

- Sim. - O sorriso de Jordan Rickhoven era retorcido, predatório. - Sejamos francos, Kwida. O Primeiro-Ministro transtotmouse num imenso risco. Um novo governo seria uma imensa vantagem.

O rosto de Kwida demonstrou crescente compreensão. Algumas minas americanas perdidas, alguns americanos mortos ou feitos reféns pelos rebeldes... e a opinião pública americana ia exigir retaliação. Uma mudança aparente no Governo de Basanda poderia repiescmar uma enorme vantagem.

Rickhoven leu a pergunta crucial nos olhos de Percival Kwida e deu a resposta:

- Você foi educado na Inglaterra. Serviu como embaixador aqui durante vários anos. Se alguém com os seus antecedentes e estatura sucedesse a Mwandi, os nossos legisladores, a nossa imprensa e o nosso público aclamariam o acontecimento como o renascimento da democracia no seu país.

O último vestígio de hesitação de Kwida desapareceu.

- A mensagem será enviada hoje, por via aérea, Sr. Rickhoven. Os olhos de Kwida ficaram vidrados enquanto ele contemplava mentalmente uma visão. O Palácio do Primeiro-Ministro em Kinsolo, capital de Basanda, era o mais belo da África. O imenso parque fronteiro a ele chamava-se Praça Odu Mwandi. Ele se viu ocupando o primeiro e rebatizando o último, com o seu nome.

Lexa Talbot dormiu até tarde, e não viu o pai até as três horas, e assim mesmo apenas por alguns minutos. Uma delegação do Conselho de Pequenos Negociantes da Nova

Inglaterra acabara de sair da Sala Oval. Os governadores do Colorado, do Arizona e do Novo México esperavam a sua vez.

- Os pequenos negociantes querem redução nos impostos - suspirou o Presidente Talbot. - Os governadores vêm pedir mais verbas federais. É isso aí... - Ele deu de ombros, sorriu. - O que há na sua agenda, hoje?

- Vou inaugurar uma nova ala hospitalar em Baltimore às seis horas - replicou Lexa. - Depois haverá um banquete da Junta do Hospital. - E uma festa da pesada noutro lugar, depois, se eu conseguir escapar dos palhaços do Serviço Secreto. - Não se preocupe mon cher père, vou sobreviver. Prometa-me que não vai levantar antes do alvorecer outra vez amanhã de manhã - disse, antes de sair.

- Prometo, Gatinha - falou Talbot. Não será preciso, acrescentou para si mesmo. Nesta hora é que eu vou estar chegando em casa.

O Presidente Talbot recebeu o Juiz-Presidente da Suprema Corte Avery Braithwaite no escritório do segundo andar dos Aposentos da Família Presidencial. Sentaram-se em poltronas fundas, Talbot serviu uísque de centeio, puro, que ambos apreciavam.

- À nossa, Juiz - falou Talbot, erguendo o copo.

- Aos velhos tempos, Chuck. - Braithwaite tinha 65 anos e aparentava todos eles. O rosto dele parecia talhado em granito, mas era inteligente e consciente. - Vamos conversar sobre eles, só para esquentar?

Talbot esvaziou o copo.

- Avery, eu fui um bom legislador...

- Foi.

- Mas sou uma porcaria de presidente.

- Já tivemos piores. - Os olhos negros penetrantes se fixaram em Talbot. - Você simplesmente está jogando fora da sua divisão de costume, Chuck. Na Câmara e no Senado, você fez as suas campanhas, disse as palavras certas, ganhou eleições. A liderança da Maioria no Senado foi uma extensão do mesmo princípio. Em vez de cultivar os eleitores da Pensylvania, você cultivou os seus colegas. Agora, você está no topo... mas ainda age como se estivesse em campanha, em vez de gritar ordens e botar pra quebrar se elas não são obedecidas. Contudo, imagino que você quer conversar sobre coisas específicas, e não generalidades.

- Quero. - Charles Talbot engoliu mais uísque de centeio, juntamente com o seu orgulho. Durante, a meia hora seguinte ele recitou desoladamente os problemas mais críticos da nação. Embora totalmente cônscio deles, o Juiz Braithwaite queria ver como eles apareciam vistos da perspectiva presidencial de Talbot. - e estou pedindo o seu conselho em grande escala, os aspectos constitucionais, as provisões estatutárias, e os precedentes legais - concluiu o Presidente Talbot. - O que é que eu posso, e devo, fazer?

Braithwaite esfregou o queixo áspero.

- Chuck, todo o juiz às vezes há veredictos apressados... Deus sabe que eu já o fiz. Mas, quando é possível, ele tem que se controlar...

- Procurando se escamar, Avery?

- Você me conhece, Chuck, sabe que não sou disso. Preciso ter tempo para pensar, sopesar, avaliar. - Para agonizar, Braithwaite acrescentou para si mesmo. Para agonizar... o único modo pelo qual se pode chegar a um veredicto justo quando há grandes assuntos em pauta. - Levantou-se da cadeira. - Terá notícias minhas.

Talbot sentiu-se mais animado. Avery Braithwaite havia aceito parte da carga, e podia-se contar com ele para carregá-la.

O Presidente Talbot voltou à Sala Oval, e o seu dia de trabalho estava longe de ter terminado. Os graudões do Pentágono iam chegar às sete horas, trazendo os planos propostos para o enterro de pompa e cerimonial do General Keith Weidener, que exigia um elogio fúnebre do Presidente. Às oito horas, Talbot, o seu assessor de Assuntos

Internos e o seu Secretário de Imprensa assistiriam ao programa de Suzanne Loring para avaliar o mal ou o bem que a sua entrevista com Dan Madigan fizera à Administração.

Depois do programa, jantariam juntos e discutiriam estratégias de relações públicas. O jantar de negócios duraria provavelmente até as 23 horas.

Sobraria uma hora até a meia-noite. Talbot já estava impaciente, ansiando pelo seu encontro com Lady Marjorie Norworth. Avery Braithwaite acabaria dando conselhos e apresentando idéias em larga escala e de longo alcance. Mas o que Charles Talbot sentia que precisava mais eram de "dicas" práticas, imediatas... estratagemas que produziriam resultados instantâneos. Marjorie podia fornecê-los. Deus sabe que ela tem experiência, pois já fez isso por outros, refletiu Talbot. Aprendeu cedo...

e vem fazendo isto por quase toda a vida.

Charles Talbot sentou-se atrás da mesa presidencial, sentindo-se reconfortado, confiante... e mais esperançoso do que se sentia na semanas.

 

                             O Mindo de Lady Marjorie Norworth

 

Warm Springs, Geórgia. Sábado, 8 de março de 1941, À noite.

O Grande Homem estava deitado e nu, com as pernas de músculos normalmente frouxos em contraste grotesco com o seu pênis grande e agora flácido, e os braços e tórax muito desenvolvidos. Como sempre a sua expressão e o seu ar tinham uma qualidade pretensiosa, que pe vinha da certeza de que ele tinha de que era um personagem ilustre com um poder imenso. Ele pegou uma cigarreira de ouro maciço da mesinha ao lado da cama, abriu-a e ofereceu-a à companheira.

A mulher jovem deitada ao lado dele “também possuía alguma fama. Inúmeras publicações haviam-na descrito no seu jargão peculiar como "arrebatadora debutante (noiva, viúva, milionária, anfitriã - locomotiva de Washington) de cabelos negros". Ela olhou para a cigarrera, meneou a bela cabeça languidamente e falou:

- Ainda posso sentir o teu gosto na boca. Fumar agora seria como orner caquis depois de caviar. - E exigiria esforço, acrescentou mentalmente. Estou exausta. – O Grande Homem tinha vigor e resistência espantosos. E, é claro, a paralisia das suas pernas exigia posições e técnicas bizarras. O papel dele era em grande parte passivo, necessariamente, mas ela gostava disso. Dava-lhe uma sensação embriagada de estar no comando, de ser o parceiro ativo, embora apenas por períodos relativamente breves.

- As pessoas podem se acostumar a qualquer coisa - riu o Grande Homem, enfiando um Camel numa piteira preta. - Imagino que ate se pudesse vir a gostar da combinação de caviar e caquis.

Cdocou a piteira entre os dentes. Era a sua marca registrada. Não esaria totalmente no seu papel sem ela... nem mesmo na cama.

- Ou pudesse vir a se viciar... como você é viciada nessas coisas.

Epregoiçando-se, felinamente, ela indicou o cigarro.

- Winston fuma charutos grandes e gordos.

- E eu não sei? Certa vez disse a ele que eles eram símbolos fálicos c ele soprou fumaça na minha cara.

- Uma acusação que você não sabe fazer-me, minha querida.

- Ah, mas eu posso. Foi o que você fez, há pouco mais de um ano, ni baile de Cissie Patterson.

- Não consigo lembrar-me do baile, e muito menos do incidente. Como é que você pode?

- Um, tenho uma memória fenomenal - o que era verdade. - Dois, escrevo no meu diário todos os dias - ela o fazia há anos, nos mínimos detalhes, metódica e clinicamente

- e três, porque todo o mundo pensou que você o havia feito deliberadamente. Eleanor estava lá. A cadela da McLean afirmou que você o havia feito expressamente para os olhos de Eleanor. A história circulou durante semanas. Está lembrado agora?

O Grande Homem derrubou a cinza num cinzeiro de cristal da mesinha de cabeceira.

- Devo presumir que o seu cartaz social desabou em conseqüência disso?

- Não banque o idiota. Não lhe fica bem.

Os assombrosos olhos violeta da mulher se estreitaram e o tom de voz dela ficou azedo. O círculo-fechado de Washington lambia cada gota de mexerico. Mulheres abastadas travavam uma luta de foice para conseguir destaque social na capital. A história da fumaça-na-cara, aumentada e enriquecida por cada pessoa que a contava, causara-lhe sérios danos. Finalmente, ela contra-atacara. Dera um jeito para que o Grande Homem a convidasse para fazer parte do grupo selecionado que viajava no seu trem especial durante uma campanha política pelos estados de Ohio e Kentucky. Os mexericos passaram a ser de inveja, então, e o terreno perdido foi recuperado.

- Você se compraz na intriga, Marge.

Um anel de fumaça flutuou no ar. O comentário condescendente irriteu-a.

- Que encantador... vindo de você, o Grande Mestre das maquinações...

- Eu considero isto um elogio. - Embora falasse com sarcasmo, havia uma ponta de orgulho na sua voz. O Grande Homem acreditava, e com justiça, que poderia "dar um banho" facilmente em Nicolau Machiavelli. - Os nossos impulsos de poder são inatos, o seu e o meu - disse ele, numa súbita veia filosófica. - Apenas operam em planos diferentes.

Será verdade? pensou Marjorie. Reis, ditadores, presidentes têm poder, mas por sua vez eles podem ser influenciados, até mesmo manipulados, por outros. Quem, então, detém o poder final e verdadeiro?

- as minhas ambições são políticas, as suas sociais. Eu já venci os meus oponentes. Você, infelizmente, ainda não derrotou as suas. As Senhores Patterson e McLean ainda imperam.

Ele era o divertido habitante do Olimpo que observava as rusgas insignificantes das criaturas inferiores e mortais. O cérebro do Grande Homem tinha uma capacidade ilimitada para criar idéias brilhantes e devastadoras, especialmente quando ativadas pelo seu profundo senso do s^dônico.

- Quantos cômodos tem a sua casa, minha cara? - perguntou abruptamente.

As pálpebras de cílios negros piscaram, surpresas.

- Quarenta e três.

Mais do que eu tenho em Hyde Park, deu-se conta o Grande Homem, e num impulso inconsciente cobriu as pernas aleijadas com o lençol.

- Você é mais rica do que Patterson e McLean e muito mais bonita. - O sorriso que tanto o ajudara a se tornar o Grande Homem adquiriu uma qualidade conspiradora.

- Acabe com as duas de um só golpe.

- Não consigo imaginar como, a não ser que eu envenene a comida delas.

- Uma sugestão de estarrecer... e sem imaginação, o que é pior. - O seu falar anasalado era caprichoso, o seu ar ladino. - Transforme parte da sua casa... digamos dez aposentos... numa replica da Casa Branca.

Marjorie sentou-se ereta, fitou-o assombrada.

- Seja perdulária, não poupe despesas - ele continuou, tranqüilamente. - Faça tudo até melhor que o original.

- Você não pode estar falando sério. Mas isso seria de um mau gosto a toda prova.

- Não há cidade no mundo que se iguale a Washington em matéria de mau gosto. - O Grande Homem achou graça. - E ela é povoada por carneiros. Eu comparecerei à sua primeira festa... dada na Sala de Jantar Oficial, magnificamente recriada, e conhecerei as esplêndidas duplicatas do Dormitório de Lincoln, da Sala Vermelha e do resto. - Ele fez uma pausa. - Tomarei providências para que os meus cortesãos mais devotados também compareçam. HuU Frankfurter (não podemos ignorar o voto judeu), Ickes...

- Eles vão debochar... e as esposas deles! Estremeço só em pensar!

- Au contraire. Quando eu declarar que as cópias sobrepujam os originais e me mostrar maravilhado com o efeito que você criou, os gritos de êxtase deles balançarão as paredes... e Washington inteira.

Marjorie meneou a cabeça devagar. Sim. Com o selo da aprovação dele, aquilo poderia ser um coup de main para ela, um coup de gráce para Cissie Patterson e Evelyn McLean.

- Mais um detalhe, Marge. O patriotismo é a onda do momento. Os americanos de todas as tendências aplaudirão você por gastar uma fortuna para reproduzir os aposentos nos quais foi feita a História da nação.Riu às gargalhadas, intimamente. A Roupa Nova do Imperador, pensou. Graças a Deus que havia aspectos hilariantes para o exercício ao poder.

Uma dúvida cruel imiscuiu-se na euforia crescente de Marjorie.

- Mas Eleanor... - ficará furiosa. - As gargalhadas íntimas vieram à tona. - Ela vai partir por aí numa cruzada qualquer como desculpa para sumir de Washington.

Marjorie Norworth contemplou a certeza do futuro triunfo, com a pulsação aumentando descontroladamente. Arrancou o lençol que cobria as coxas e pernas do Grande Homem e começou as carícias e sussurros que o excitavam. A reação dele foi rápida. Com a voz roufenha e os movimentos frenéticos, ela trepou nele.

Lady Marjorie Norworth - mais corretamente Marjorie, Lady Norworth - nasceu como Marjorie Trumbull. Em Minneapolis, Minnesota. Era filha única e única herdeira da imensa fortuna Trumbull, feita graças à madeira. Ela era uma beleza, e muito precoce. Quando tinha doze anos, roubou a chave do cofre da biblioteca onde o pai guardava a sua coleção de livros eróticos, pequena mas muito variada. Os livros eram fartamente ilustrados com desenhos e gravuras coloridas bem explícitos. Examinando os volumes, ela obteve uma educação sexual que ultrapassava a da maioria dos médicos da época, e o seu conhecimento teórico começou a exigir uma aplicação prática.

Marjorie deu à força o presente da sua virgindade a um infeliz criado. Usou para isto um expediente antiquíssimo:

- Se você não fizer vou dizer ao meu pai que você fez - ameaçou ela.

O criado tomou o que lhe foi oferecido com uma inépcia medrosa. Na manhã seguinte ele sumiu, sem aviso prévio e sem cobrar o salário que lhe era devido.

- Este homem deve ser maluco - Henry Trumbull comentou na frente da filha.

- Ele eta mesmo muito burro - concordou Marjorie, gravemente. Mas ela havia aprendido uma lição memorável. O sexo era por si só um poder.

Educada na Suíça e na França (onde a sua imaginação inventou inúmeros estratagemas para escapar da supervisão e ganhar mais experiência prática), Marjorie fez um début brilhante em Minneapolis. A este seguiu-se um outro em Londres, onde foi apresentada à Corte.

A esta altura o pai de Marjorie já era viúvo, e interpretou erroneamente os sinais do crescente interesse de Marjorie pelo podei como simples desejos de posição e prestígio. Um ano mais tarde (e o preço de dois milhões de dólares), Henry Trumbull deu urn jeitopara que a filha se casasse com um nobre inglês drian Norworth, 15.° Barão da sjua linhagem, oferecia uma genealogia impecável (nas suas veias havia até umas gotas de sangue real de Stuart), uma magnífica propriedade de campo em Surrey (hipotecada até a alma) e um diploma do Magdalen College em Oxford. Os outros bens de Lorde Adrian incluíam um queixo aristocrático (meio entrado, como convinha), dívidas estonteantes (que consumiram mais da metade do dote de Marjorie, antes do casamento) e tendências exclusivamente homossexuais. A Lady Norworth novinha em folha estava encantada com o seu título, e nem um pouco aborrecida com o seu marido pouco atraente e as inclinações sexuais dele. Podia dedicar-se às suas próprias extravagâncias sem nenhuma dor na consciência.

O assassinato de Lorde Adrian em 1931 causou um escândalo que ainda é comentado periodicamente nos jornais de domingo sensacionalistas da Grã-Bretanha. Ele foi espancado até a morte por um trio de jovens valentões que foram logo presos, condenados e executados pelo seu crime.

Marjorie, Lady Norworth, voltou para os Estados Unidos. Seis meses depois, o seu pai morria de câncer da próstata. Ele havia investido sabiamente a sua fortuna em obrigações do Governo antes da Queda da Bolsa de 1929. A fortuna Trumbull estava intacta, e Marjorie era a única beneficiária do testamento do pai.

Enquanto esteve na Inglaterra, Marjorie não conseguiu realizar totalmente as suas aspirações sociais. As camadas superiores da Sociedade Inglesa encaravam-na como mais outra Princesa Americana do Dólar, cujo pai pagara em excesso pela mercadoria de segunda que ele - e ela - haviam recebido. Naturalmente, depois que voltou para Minneapolis, ela foi a rainha suprema, e era a viúva mais avidamente cobiçada da cidade. Mas o estreito provincialismo de Minneapolis era insípido. A cidade de Nova York a atraía, mas ela sabia que mudar-se para lá exigiria uma subida laboriosa escada acima, pois a Sociedade de Nova York era rigidamente estratificada e não era muito hospitaleira para os recém-chegados dos ermos do Meio-Oeste. Marjorie pensou muito sobre onde mais ela poderia conseguir satisfazer rapidamente as suas ambições.

Sqb as Administrações de Coolidge e Hoover, Washington, D.C. era um lugarejo insípido. Calvin Coolidge, que sofria de prisão de ventre, vivia a se preocupar com os intestinos presos e com a relutância das nações européias em pagarem as suas dívidas de guerra. O seu sucessor, Herbert Hoover, eternamente sufocado pelos seus colarinhos engomados e destacáveis, passou presunçosamente pelaprimeira metade dó seu mandato. Durante a segunda metade, declarações negando que houvesse uma Depressão e mandou tíbpas com baionetas forçarem os manifestantes rasgados e famintos a se retirarem do seu patético acampamento de Anacostia Flats.

Quando Franklin Delano Roosevelt assumiu o governo, eíi 1933, houve uma transformação total da noite para o dia. A/Avenida Pennsylvania suplantou a Wall Street (chamada em tom df deboche de Travessa da Pobreza) como o verdadeiro centro de poder do país. Os presunçosos enfadonhos já não tinham mais vez. Uma nova raça de gente dinâmica e atualizada tomou o seu lugar. Muitos deles, como o próprio Roosevelt, eram formados por universidades da Ivy League, eram ricos e faziam parte do Registro Social de Nova York. Washington tornou-se o lugar onde tudo estava acontecendo.

Quando esteve na Europa e na Inglaterra, Marjorie TrumbulI Norworth pôde observar a influência que as mulheres ricas e espertas podiam exercer nos negócios de estado nos seus salões e salas de estar. Reconhecendo que o New Deal* estava criando uma Nova Elite em Washington, ela raciocinou que a sua beleza natural, fortuna herdada e título repatriado qualificavam-na para entrar naquele círculo mágico. Criando as suas estratégias com a dedicação de um marechal-de-campo que planejava uma ofensiva de grande importância, Marjorie invadiu Washington, e alugou uma suíte de sete cômodos no Mayflower.

Depois que as apresentações adequadas trouxeram, os convites esperados, Marjorie alugou uma casa na_cidade perto de Dumbarton Oaks, contribuiu generosamente para o Partido Democrático e para as caridades certas, deu jantares pequenos, mas elegantes, e foi aceita.

Seu próximo passo foi a compra de um terreno de quatro acres em Foxhall Road. Uma mansão em estilo de castelo normando foi construído no local. Quando ficou pronta, e depois de luxuosamente decorada, Marjosie deu jantares muito maiores e bailes faustosos. Não demorou muito e Lady Marjorie Norworth era considerada uma das principais anfitriãs e damas da sociedade de Wasliington. Mas ser "uma das" não era o que Marjorie almejava.

Um caso que teve com o distinto e muito cobiçado embaixador britânico (que ela tomou da sua amante antiga) valorizou o seu stafus. Um outro caso com o magnata Jordan B. Rickhoven Ir. (que ia a Washington com freqüência para proteger a sua fortuna bajulando o pessoal do New Deal) deu-lhe ainda mais brilho.

 

* Programa de reformas introduzido pela administração de Roosevelt. (N. da T.)

 

Seguiram-se ligações de intensidade e duração variadas com outros homens influentes. Marjorie dispensava os seus favores sexuais do mtsmo modo que dispensava a sua generosa hospitalidade... seletivaViente e de modo frio e calculado. Os homens achavam-na irresistivelmente encantadora, simpática, uma ouvinte excelente, magnífica na cama... e infalivelmente discreta. Quase todo o homem que conhrcia Lady Marjorie ficava encantado. Diversos ficaram embeiçados por ela. Uma exceção notável foi o General Douglas Mac Arthur. Marjorie esforçou-se ao máximo para seduzi-lo, mas ele não sucumbiu. Muitos anos mais tarde, ele teria motivos para lamentar profundamente a sua recusa.

Cada romance consolidava ainda mais a posição de Marjorie, e ela fazia questão de continuar amiga dos seus amantes depois que os ardores se híJwiam transformado num relacionamento platônico. É claro que as Esposas Muito Importantes de Washington odiavam-na fervorosamente... ainda mais porque não ousavam demonstrai o seu ódio. Fazê-lo seria uma admissão de inveja.., além disso, Marjorie sabia demais sobre elas e seus maridos. Quanto a Marjorie, ela pouco ligava para o que a maioria das mulheres pensava. Em Washington, a influência e o poder estavam nas mãos dos homens e eram controlados por eles.

Contudo, os seus muitos triunfos - sociais, políticos e sexuais - não bastaram para fazer com que Marjorie tivesse á preeminência que desejava. Evelyn Walsh McLean e Eleanor "Cissie" Tatterson continuavam firmemente entrincheiradas no topo da escala social, resistindo com sucesso ao esforço dela para subir mais alto. Apesar disso, observavam cada movimento dela com trepidação inquieta, pois Marjorie realmente possuía vantagens potencialmente decisivas. Era mais moça, mais bonita, mais rica, viúva... e não respeitava códigos ou estruturas morais.

Marjorie Norworth esperou a sua vez, a sua grande chance. Ela chegou depois que Roosevelt tomou posse em 1937. Ela deu uma festa tachada por Life de "A Festa do Século"... um grande baile, ostensivamente para conseguir fundos para a fundação de caridade de poliomielite preferida de FDR, e aumentou a receita com uma doação pessoal de cem mil dólares.

Franklin e Eleanor Roosevelt foram os convidados de honra. Marjorie já encontrara FDR em diversas ocasiões anteriores, e já tinham feito amizade. No baile, ela demonstrou um grande interesse na fundação da poliomielite como pretexto para uma hora de conversa particular com Roosevelt. Ela mostrou-se encantadora, bajulou-o bastante, contou-lhe as fofocas mais escandalosas de Washington que ele gostava de ouvir... e ele ficou impressionado de modo indelével com ela. Dentro de poucas semanas, ela era uma das confidentes dele. Marjorie esperara por um milagre, mas ele não se materializou. Embora a amizade dela com o Presidente eliminasse para sempre todas as contendoras de menor porte, ela só serviu para colocá-la no mesmo nível de

Evelyn McLean e Cissie Pattersor. Elas dividiam o cume e lutavam uma batalha a três, sem tréguas, pela supremacia absoluta.

Marjorie se consolou com o fato de que havia adquirido um bocado de poder. O pessoal que buscava favores, de todos os tipos, a paparicava, pois ela tinha acesso direto a Roosevelt ej a muitos outros dos mais altos níveis do governo. Ela podia ser (elo era com freqüência) responsável por nomeações, promoções... ou demissões.

Estava por dentro de todas as intrigas e conspirações cfe capital, e era capaz de influenciar, em muitos casos, o seu desenvolvimento e resultado. Conhecia as decisões importantes antes de muita gente... e às vezes era consultada antes que elas fossem tomadas. Mas ainda não havia atingido o seu objetivo máximo.

Marjorie Norworth estava exausta depois da última leva de esforços, e o próprio Grande Homem parecia ter-se saciado.

Mesmo enquanto estavam se amando, o pensamento de Marjorie estava voltado para a sugestão dele de fazer duplicatas dos aposentos da Casa Branca na sua mansão da

Foxhall Road. Ela já havia adotado a idéia como sua e estava fazendo planos, mentalmente. Mas lem brou-se de uma promessa que havia feito alguns dias antes cm Washington.

- Tem uma coisa que eu quero lhe pedir. - Um resmungo significou que o Grande Homem estava escutando. - Conhece Bradford Cooley?

Ele bufou com desprezo.

- A contribuição do Alabama ao ensopado sulino do Congresso com o qual eu estou sempre me engasgando? Conheço-o sim... e bem.

Bradford Cooley, jovem e excepcionalmente bonito, fora eleito para o Congresso pela primeira vez, como representante do Alabama em 1940. Não tinha ainda 27 anos e era descendente de uma rica família de latifundiários. Era, como o Grande Homem fez questão de ressaltar para Marjorie, "um Isolacionista, que se opõe à Administração".

- As aparências enganam - ela retrucou.

- Não diga!

O Grande Homem considerava o juízo que fazia das pessoa* infalível. Irritado, buscou a piteira e o cigarro.

- Brad Cooley é muito inteligente. Cursou * Universidade de Columbia...

- O que não é nem recomendação, nem desculpa. - A voz ressonante era sarcástica. - Mas continue, minha cara.

Ele vai se candidatar à reeleição no ano que vem, e essa #esperantio# oposição pesada nas primárias. A miteira ergueu-se num ângulo agudo.

- Suponho que você esteja me cantando para apoiá-lo.

- lima dedução muito exata.

Ela fez cócegas nas costelas dele, agradando-o. Houve iro silêncio.

- O que é que Cooley oferece em troca?

- Ele votará com a Administração.

- Já disse antes que ele é um isolaciomista ferrenho.

- Brad concorda em mudar de posição. Já disse a ele que era preciso.

Mais outro silêncio. Um volte-face tão abrupto tinha grand valor político e poderia ser explorado ainda mais, pensou o Grande Homem. Ele deu uma risadinha.

- Esta é uma noite para ser lembrada, minha cara. Começo colocando a inspiração aos seus pés... depois vejo que sou incapaz de recusar-lhe qualquer coisa. Os lábios dele se encresparam, pondo à mostra dentes fortes. A piteira ergueu-se ainda mais alto entre eles. - Com o seu patrocínio e o meu apoio, o futuro do

Deputado Cooley está assegurado.

 

Washington, D.C.: Terça-feira, 16 de fevereiro. À noite.

A Foxhall Road começa no limiar ocidental do campus da Universidade de Georgetown e atravessa o terreno que desce suavemente do Parque Glover-Archbold, lindamente arborizado. O famoso e sagaz colunista Russell Baker descreve Foxhall Road corno "... margeada de enormes casas em enormes lotes de terreno... parece ter a maior concentração de dinheiro de Washington. O que os seus moradores fazem, só Deus sabe. Muitas das mulheres dedicam-se a ser "anfitriãs"...

A mais imponente das casas de Foxhall Road é a grande mansão em estilo normando de Lady Marjorie Norworth. Fica em cima de uma colina que domina as áreas circundantes, é incrustada como uma jóia gigantesca cheia de arcos e pilastras no meio de gramados e jardins. Todo o love de quatro acres é cercado por um alto muro de pedra.

Aos visitantes só se permite a entrada por convite ou convocação. O pessoal de Washington que sabe das coisas há muito tempo que deu à mansão de Lady Norworth o nome de A Casa da Colina.

O deputado por Alabama Bradford "Brad Grande" Cooley pertencia à elite afortunada que tinha convite permanente para A Casa da Colina. Ele tinha pouco mais de um metro e setenta de altura, e recebera o apelido de "Brad Grande" por causa da sua circunferência... e por causa da sua estatura como membro antigo do Congresso e da importância da sua posição como Presidente do pré potente Comité de Verbas da Câmara. Mas esses não eram os mou vos por que ele tinha carta branca para entrar na Casa da Colina Cooley era o amigo mais querido e mais antigo de Marjorie Norworth.

Um monte de banha baixote enrolado num terno disforme, Bradford Cooley ocupava quase toda a largura de um exótico sofá Sheraton na réplica da Sala Verde da Casa

Branca de Lady Norworth Ele era quase calvo e tinha apenas um pouco de cabelo grisalho à volta da cabeça. Uma gravata de laço preta aparecia sob os seus queixos numerosos, e nas mãos segurava um copo de cristal cheio de bourbon puro.

ias os olhos de Cooley eram alertas e por dentro das coisas. No momento, tinham um ar divertido ao se deterem na seda verde que cobria as paredes da sala. Comentou com sotaque sulino grotescamente exagprado: - juro que jamais fico cansado deste pano verde!

Marjorie Norworth, sentada à sua frente, fez uma careta de impaciência.

- Patê com esta bobagem, Brad, fica cansativo, depois de todos estes anos.

O tom de voz dela era de repreensão maternal, embora fossem quase da mesma idade. Marjorie, contudo, aparentava ser muito mais jovem. Com sessenta e muitos anos, ela parecia ter cerca de cinquenta no máximo. Tinha um ar de vitalidade, e a aparência dela era um tributo à ciência e à arte-médica, cirúrgica e cosmética e à sua própria autodisciplina de ferro. O cabelo negro dela, cuidadosamente mechado de prateado, afastava-se do rosto em ondas suaves, enfatizando os olhos violeta e o perfil majestoso.

- Os velhos hábitos... como os velhos soldados... nunca morrem - falou Cooley com um riso largo, e na sua fala não havia mais vestígios de sotaque do interior do Alabama.

Marjorie Norworth fitou as mãos. Eram macias, sem nenhuma marca de velhice, ao seu modo tão perfeitas quanto as enormes esmeraldas que enfeitavam os seus dedos longos e graciosos e incrustavam a pulseira magnífica que rodeava um dos seus pulsos esguios. (Ela preferia usar esmeraldas quando recebia convidados na Sala Verde. O verde das pedras preciosas complementava o moiré de seda verde das paredes.) Ela sentiu uma pontada momentânea de nostalgia. Você foi um rapaz tão bonito, Brad, pensou.

Um belo rapaz... e suponho que o problema foi este. Foi então que se deu conta do comentário de Cooley sobre os velhos soldados. Marjorie franziu a testa, pôs-se de pé, exibindo o corpo notavelmente flexível sob o belo vestido de Halston, e foi até o espelho convexo que encimava a lareira. Fitando o espelho, ela examinou os reflexos distorcidos. Bradford Cooley tomava calmamente o seu bourbon. Ela se virou, e olhou para ele.

- Keith Weidener era um velho soldado - comentou. - E morreu hoje.

- Que irónico. - A expressão de Cooley era suave. - Ele sobreviveu a duas guerras, mas não conseguiu sobreviver a Washington.

- Brad. Keith morreu antes do alvorecer. A Casa Branca e a imprensa só vieram a saber da coisa perto do meio-dia.

- A eficiência dos seus meios de informação nunca deixa de me assombrar.

O que quer que acontecesse - ou fosse acontecer em Washington - uma das primeiras pessoas a sabê-lo era Lady Marjorie Norworth. Os homens em lugares de destaque que tinham para com ela dívidas de gratidão, e outros que estavam ansiosos para cair na ssua/ boas graças, davam informações e contavam os mexericos para Marjorie tão logo eles mesmos soubessem algo de interesse ou imoortância. A rede de sçrviço secreto dela, embora pessoal, informal e nfo oficial, era formidável. Muito pouco transpirava na capital que não chegava aos ouvidos de Marjorie Norworth, e ela armazenava tudo nos seus bancos de memória de capacidade ilimitada. Tais conhecimentos eram por si só uma forma de poder.

Marjorie demonstrou impaciência mais uma vez, e ignorou o comentário de Cooley.

- Às oito e meia desta manhã a amante de Keith recebeu a visita de um homem que não disse o nome nem mostrou credenciais. Ele lhe entregou um pacote contendo 30.000 dólares em espécie e mandou que ela saísse de Washington dentro de 72 horas... ou, nas palavras dele, ela se arrependeria muito. A garota ligou para um amigo, que, por sua vez, ligou para mim.

O congressista Cooley deu de ombros.

- Weidener era a figura do Grande Herói Americano, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e, pelo menos ostensivamente, um marido feliz e fiel. Mas ele tinha uma amante, uma garota negra, se não me engano. - Brad Grande Cooley também tinha a sua rede de espionagem eficiente em Washington. - Se ela falasse, ou se fosse descoberta pela imprensa, teríamos um escândalo. A imagem de Weidener se desintegraria, e por tabela se desintegraria também a imagem do Exército e da instituição militar.

- Ele fez uma pausa, e serviu-se de mais bourbon de uma garrafa de cristal. - As Forcas Armadas têm fundos gigantescos para cobrir este tipo de escândalo escondidos nos seus orçamentos. Trinta mil dólares é barato quando se trata de ficar livre de uma jovem tremendamente perigosa. É isso aí.

As feições clássicas de Marjorie Norworth se retesaram.

- Você é esperto e ardiloso, Brad... e venho me dando conta disto desde 1941. - Uma cutucada suave para fazer Cooley se lembrar que não estaria onde estava, se não fosse por ela. - A intuição me diz que ainda há mais. Estou farejando alguma coisa.

Cooley deu um suspiro.

- Talvez haja, mas a minha intuição me diz que é melhoi deixar as coisas (e os generais mortos) em paz.

Ele talvez tivesse falado mais, mas Holcomb, o mordomo de Lady Norworth e seu assistente de toda a confiança desde que a Casa da Colina ficara pronta, entrou no aposento. Um negro gigantesco com corpo de lutador de boxe e cabelos brancos, ele anunciou que o Senador Daniel Madigan e o Sr. Jordan Rickhoven haviam chegado. Os três homens se conheciam bem. Madigan e Rickoven eram amigos antigos de Marjorie e seus convidados freqüentes.

- Ainda afirmo que a sua Sala Verde faz com que a versão da Avenida Pennsylvania pareça uma imitação barata - disse Jordan Rickhoven, sorrindo.

- O seu pai, Jordan Jr. disse o mesmo a Eleanor em 1943 - disse Marjorie rindo. - Ouvi dizer que ela ficou emburrada por vários dias.

Bateram papo enquanto Holcomb servia as bebidas, depois mudaram as cadeiras e sofás de lugar para que ficassem de frente para as cortinas listradas de bege, verde e coral que estavam cerradas Holcomb acionou os controles que fizeram descer do teto uma tela de metal brilhante. Ele saiu da sala e voltou trazendo uma mesa de rodas sobre a qual estava o que parecia ser um projetor de cinema compacto, que ele colocou com cuidado sobre o tapete turco do século dezenove. Marjorie e seus convidados se sentaram. Holcomb ligou a máquina e se retirou.

Imagens maiores do que o tamanho natural de duas mulheres corpulentas jogando cabo-de-guerra com uma toalha de papel apareceram na tela metálica. "Mais fortes do que a mais forte das donas de casa... deixe que Tufftowels faça o trabalho pesado por você”

- instava uma voz masculina, durante a cena. Logo a seguir apareceu na tela rapidamente o logotipo da Continental Broadcasting Network. Uma charanga tocou oito estrofes do Hino Nacional Americano, deliberadamente desafinadas, e outra voz masculina anunciou:

- E agora, da capital do país, Suzanne Loring e Washington Pelo Avesso".

- Quebre a perna, Dan.* - falou Marjorie, como se fosse ver Madigan subir no palco em vez de vê-lo aparecer numa entrevista gravada naquela manhã.

- Alô, gente.

A câmara focalizava Suzanne Loring numa túnica de St. Laurent, com os cabelos castanhos cortados curtos enfatizando o seu jeito singular glamouroso-agarotado, com a sobrancelha direita arqueada de modo cético e sabido.

Sensualidade tranqüila, um toque da garota sapeca finalizado com uma sofisticação mundana, refletiu Marjorie com admiração. Uma combinação fantástica. Perfeita.

- o meu convidado de hoje é o Líder da Maioria no Senado, Daniel Madigan.

A câmera moveu-se para Madigan que se sentava tenso numa cadeira branca. A voz de Suzanne:

 

* Frase que substitui os votos de "boa sorte" para quem vai subir num palco e que a superstição teatral acredita que dão azar. (N. da T.)

 

- Senador, há mais de 14 anos que o senhor está no Senado...

- Uma pena grande... que não foi computada por bom com por lamento - interrompeu M.adigan rindo da própria piada.

Suzanne e Madigan trocaram as preliminares de praxe. Depois ela ficou séria.

- Senador, a taxa de desemprego continua subindo cada vez mais. O que é que o senhor e seus colegas estão fazendo a respeito?

- Tudo o que podemos... e ainda faremos mais. - O rosto de Madigan na TV ficou solene e sincero. - Não se deve esquecer que o Presidente Talbot herdou uma recessão contínua das administrações anteriores...

Ela está deixando que ele faça um discurso, pensou Marjorie Norworth, com surpresa crescente, enquanto o programa prosseguia. As perguntas e comentários de Suzanne

Loring eram superficiais, não iam lá no fundo, e permitiam aberturas para que Madigan fizesse mais discursos favoráveis ao seu partido. Brad Cooley estava sentindo a mesma coisa. A luta estava combinada, ele refletiu, imaginando o que (ou quem) estaria por trás daquilo.

Quando o programa terminou, foi um Dan Madigan de sorriso convencido na cara que desligou o projetor e acendeu os abajures. Como uma propaganda grátis para o Partido e para mim, vangloriava-se intimamente, e piscou o olho para Jordan Rickhoven, que lhe acenou com a cabeça, com ar divertido.

Marjorie sabia que os três homens queriam ter uma conversinha particular.

- Providenciarei para que tudo esteja pronto para vocês mais tarde, Dan, Jordan - ela disse, pedindo licença. Brad Cooley iria embora quando a conversa terminasse.

Ela beijou a face dele. - Volte breve, Brad.

A atmosfera da Sala Verde sofreu uma mudança drástica, trans formou-se naquela que prevalece nas reuniões importantes das juntas administrativas.

- Almoçamos com Pearce hoje - Madigan disse a Cooley

- Ouvi dizer.

- Está lacónico, Brad - Rickhoven observou amavelmente.

- Apenas cauteloso. As suas presas estão à mostra, J. B., e tenha a impressão que esta não é apenas mais uma reunião amistosa na Casa da Colina.

O Líder da Maioria no Senado e o bilionário trocaram olhares significativos. Brad Grande Cooley não estava num humor dócil Madigan falou francamente:

- Brad, o seu Comité de Verbas está adiando o projeto de ajuda de emergência para Basanda. Quando podemos esperar que cie saia?

- Nunca. Vou engavetar o projeto.

Dan Madigan ficou rubro. Jordan B. Rickhoven in falou, maneiroso:

- O que convenceria o amigo a abrir a gaveta?

- Estes dias pertencem ao passado, J. B. Já tenho condições -de deixar que a minha consciência seja o meu guia, e o Tio Sam não tem condições de enfiar mais um bilhão de dólares por aquele buraco de ratos africano. - Cooley parecia meio Alfred Hitchcock, meio Sidney Greenstreet, enquanto falava. - Já desperdiçamos demais em países de terceira do Terceiro Mundo. Noventa por cento dos fundos de ajuda vão para os bolsos dos ditadores de opereta que os governam. Cinco por cento acabam voltando para Washington, como suborno... para conseguir mais ajuda. Com sorte, só cinco poi cento é gasto com finalidades legítimas.

- Não é verdade, neste caso - protestou Dan Madigan.

- Dan, pare de verter estrume. Pode manchar o belo tapete - Isto foi dito no sotaque exagerado do interior do Alabama. No seu tom de voz normal, Cooley acrescentou:

- Coreia do Sul, Vietnã, Basanda, Ruritânia... são todos iguais.

Rickhoven pigarreou.

- Abomino ter que mencionar favores passados.

- E são passados mesmo, J.B., e eu abomino ter que lem brar-lhe que todos os que você me fez foram pagos... e com juros.

- Podemos fazer pressão - o tom de voz de Madigan era áspero.

Cooley deu um sorriso largo.

- Vão ter que fazer um bocado de pressão. Este monte de banha que eu carrego me acolchoa bastante.

- Podemos fazer pressão de outras direções - falou Madigan. Cooley reconheceu a natureza da ameaça, mas manteve a serenidade. Já passara da idade e da época em que isto o amedrontava.

- Vou dobrar as minhas sentinelas - falou despreocupadamente. Erguendo o corpanzil do sofá, apertou as mãos dos outros, cortesmente, e foi embora.

- Acha que ele vai mudar de idéia? - Rickhoven perguntou depois que Cooley tinha partido.

- Daremos um jeito para que mude - replicou Dan Madigan.

Marjorie voltou para a Sala Verde.

- Holcomb o levará lá para cima primeiro, Dan - disse ela. Madigan seguiu o mordomo pela larga escadaria que lhe era familiar e pelos corredores que levavam a uma porta igualmentefamiliar, onde Holcomb o deixou. Madigan abriu a porta, entrou, fechou a porta atrás de si.

O quarto não pretendia imitar nenhum da Casa Branca, mas somente 10 dos 43 cómodos eram réplicas. Era um quarto de dormir digno de um príncipe... espaçoso, suntuosamente mobiliado e decorado. Nas paredes havia um Fragonard, dois Watteau e trabalhos de artistas menos famosos. A imensa cama adornada pertencera a Maria Antonieta. A iluminação era fornecida por velas colocadas em arandelas douradas da Renascença Francesa, dignas de um museu. O quarto condensava todo o luxo que Daniel Madigan tanto desejava.

As moças que esperavam por ele também. Havia duas delas, uma loura e outra morena, esguias, de pernas longas e nuas. Nunca haviam visto Madigan antes, mas tinham sido orientadas sobre como deveriam agir. Cumprimentaram-no com cortesia e deferência, sem usar o seu nome (pois isso era contra as regras dele), e esperaram as instruções.

Uma espreguiçadeira de damasco de seda ficava sobre uma plataforma alta perto da cama de Maria Antonieta. Madigan recL nou-se nela.

- Dispam-me - murmurou.

As moças retiraram as roupas dele devagar, usando as mãos e, as bocas, habilmente, no corpo dele enquanto o despiam. Ele chafurdava nas sensações. Classe, pensava ele, enquanto uma língua lambia o seu escroto. Classe e finesse. Não como aquela chupada diária que aquela burralda me dá todas as tardes. Ele estava completamente nu. A loura chupava suavemente a carne da parte de dentro das coxas dele. A morena acariciava a parte de cima do seu corpo.

- Agora eu quero ver vocês duas brincarem - falou ele roucamente. As garotas foram para a cama. - A sua cabeça para este lado - ele indicou à loura.

- E você...

A morena havia antecipado as suas instruções. O pênis de Madigan estava ereto, pulsante. Ele adorava quando ele ficava assim enquanto ele espiava as pernas compridas das duas moças se enros carem no pescoço uma da outra, e escutava os sons úmidos de lambidas e os gemidos de prazer. Finalmente, os gemidos delas passaram a gritos abafados e elas se apertaram uma contra a outra. Quando os corpos delas se separaram ele saltou da espreguiçadeira e se enfiou entre as duas na cama. A boca dele buscou... e encontrou. A umidade da saliva de uma das garotas nas coxas e pêlos púbicos da outra levou-o a um grau de excitação quase insuportável. Os quadris delr começaram a se agitar loucamente. Uma mão pegou o seu membro e introduziu-o num buraco apertado e pulsante.

Madigan mal sabia qual era a loura e qual a morena... e nem se importava. Perdeu-se nas sensações... nas sensações mais luxu riosas, pensou no instante anterior à explosão do seu orgasmo.

Holcomb levou Jordan Rickhoven para uma outra ala da mansão, retirando-se apressadamente, como mandava o figurino.

Rickhoven ficou no corredor. A sua autoconfiança havia desaparecido. Tremia de medo, e isto o excitava. O rosto anguloso do déspota que chefiava a dinastia Rickhoven estava cinzento. As suas mãos tremiam e ele mordeu o lábio com força. Finalmente, bateu à porta.

- Por favor. - Ele choramingava. O ferrolho da porta foi puxado. Ele tinha vontade de fugir. Era tarde demais. A porta foi escancarada. Uma mulher gordota usando maquilagem pesada, espar tilho e calças de couro preto e botas de salto palito agitou o chicote que segurava na mão direita.

- Entre, seu pedaço de merda! - ela ordenou. Rickhoven se encolheu e passou por ela. Ela fechou a porta e correu o ferrolho. - Tire a roupa! - Com os dedos trémulos ele tentou obedecer, mas foi vagaroso demais. A mulher enfiou o salto da bota no peito do pé dele. A dor foi cruciante, intensa. - Ande com isso, seu filho da mãe

- ela grunhiu.

Rickhoven concordou calado e submisso... perdido nas delícias extáticas da apreensão e do medo. Ele arrancou as roupas do corpo e se afastou da pilha de vestes que havia jogado ao chão. A mulher rosnou outra ordem. Ele ficou de quatro, rastejando, e sua pele tinia de pavor expectante e erótico. O braço direito da mulher subiu e desceu, com o chicote estalando enquanto cortava as costas de Rickhoven. Ele gemia agradecido. Cada golpe sucessivo trazia Jordan B. Rickhoven in mais perto do alívio extático conseguido através da dor e da degradação total.

Lady Marjorie Norworth, dirigindo-se para a sua própria suíte, disse a Holcomb:

- Quando o Senador Madigan e o Sr. Rickhoven descerem, apresente as minhas desculpas... tive uma terrível dor de cabeça - O mordomo inclinou a cabeça, concordando. - E à meia-noite, espere o meu convidado especial na entrada de serviço e faça-o subir no meu elevador paríicular.

Não viu motivo para dizer a Holcomb que ele devia evitar dal qualquer demonstração de que havia reconhecido Charles Pendleton Talbot. Não seria a primeira vez que

Holcomb levaria um Presidente americano em segredo para os aposentos dela, no meio da noite.

 

Washington, D.C.: Terça-feira, 16 de fevereiro. Meia-noite.

Na sua terra natal, Portland, Oregon, Russell Hatch destacava-se por ser amadurecido, eminentemente sensato e, a não ser que fosse gravemente provocado, de bom gênio e bom humor. O Russell Hatcn que andava furioso daqui pra lá no seu apartamento de Qevelancf Park não estava demonstrando nenhuma dessas qualidades. Acendia um PallMall depois do outro, murmurando frases intermitentes e desconexas, e agia como se um pavio fosse denotar dentro dele uma explosão gigantesca, mais cedo do que tarde.

O rosto dele estav” lívido e as sardas que o pontilhavam se destacavam como se fossem manchas de doença, o que não era inteiramente de surpreender, pois Hatch estava sofrendo de um caso severo de orgulho masculino pulverizado.

Ele havia assistido ao programa de Suzanne Loring algumas horas antes, e ele o deixara enraivecido. Suzanne transformou a entrevista com Dan Madigan numa charada absurda e feia para me magoar, para esfregar o meu nariz na minha própria bosta, Russ falou consigo mesmo, e o fez diante de 2 milhões de pessoas. Por alguma razão, o fato de que a platéia não conseguiria jamais adivinhar os objetivos e motivos de Suzanne fazia com que ele ficasse com mais raiva ainda, e intensificava mais a sua humilhação.

Era imperativo para ele falar com Suzanne, muito embora nãotivesse certeza do que iria dizer-lhe. Perdeu a conta das vezes que ligou para o Potomac Plaza, para a casa dela. Cada vez que discava, não havia resposta. À meia-noite, ele fez a última tentativa, com o mesmo resultado. Bateu com força o telefone, com a frustração e o ciúme sexual primitivo se juntando para formar uma raiva ressentida. Ela está virando a faca na ferida, pensou. Saiu com algum sujeito, provavelmente está trepando com ele... o clássico padrão de represália da fêmea vingativa. Maldita seja!

De repente, Russ viu-se tendo pensamentos que nunca tivera antes, pois a sua integridade básica e o seu senso de justiça o impediam. Lembrou-se do seu casamento, começou a fazer comparações entre a esposa morta, ou melhor, entre as suas lembranças meio apagadas mas idealizadas de Virgínia, e Suzanne Loring. Virgima era amorosa, conciliatória, sabia perdoar, refletiu ele. Ela nunca...

Ele parou, com a razão prevalecendo. Dadas as mesmas circunstâncias, Virgínia teria agido do mesmo modo que Suzy agiu, Hatch admitiu para si mesmo. Virgínia também tinha os seus momentos de megera, mas porque ela morreu e fomos felizes juntos, eu evito pensar neles. Também tenho sido feliz com Susy, de um modo bem diferente, sem compromissos, mas ignorei um bocado de provas circunstanciais que deviam ter servido de aviso. O casamento desastroso e o divórcio de Suzy, a carreira dela e a sua obsessão em ser livre, auto-suficiente e independente são elementos capazes de produzir uma espécie irritante de supermegera... e foi o que aconteceu.

- Ora, danem-se! - Hatch falou em voz alta. Washington estava cheio de mulheres. Não eram todas Suzanne Lorings... faltava muito para isso, pensou sombriamente...

mas um bocado delas eram atraentes e simpáticas... e disponíveis. Russ caminhou em passos largos até o armário de bebidas, bebeu uma dose de quatro dedos de Remy e foi para o quarto. Esperava que o conhaque o fizesse dormir.

Suzanne Loring invariavelmente assistia ao seu programa sema nal de TV em casa, e sempre com objetividade crítica. Raramente assistia aos 45 minutos e 30 segundos do programa (14 minutos e 30 segundos de comerciais completavam uma hora de espetáculo; sem pensar na frase batida, "Você percorreu um longo caminho, moça." Ela estava orgulhosa do que tinha realizado na vida, e mais orgulhosa ainda de ter feito tudo sozinha.

Esta terça-feira era uma exceção. Olhando emburrada para a tela, Suzy ficou enojada ao ver o quanto havia caído no próprio conceito - e no conceito de quem estivesse assistindo a sua atuação com Dan Madigan, e que tivesse um grama de percepção. Não que ela se preocupasse com os patrocinadores ou os diretores da rede A reputação e a popularidade dela estavam firmemente estabelecidas. Não seria uma falha que iria prejudicá-las. Ela é que se odiava por ter tido uma reação exagerada, ter agido como criança malcriada, e ter "maneirado" de modo extremado e absoluto.

Por que agira assim?

Ela mesma se fez esta pergunta, e não precisou procurar a resposta. Porque achei que Russ estava explorando o nosso relacionamento, e estava magoada, furiosa e vingativa.

Queria que ele se sentisse pequenino, barato, culpado.

Suzanne deu outro passo na auto-analise dolorosa e envergonhada das suas respostas e reações emocionais.

Mais uma vez, por que... e por que especialmente contra Russ? De todos os homens que conhecera, Russell Hatch era o único que não era nem condescendente nem dominador para com ela. Ele dava apoio e proteção quando necessário, mas não botava banca em nenhum, dos casos. Eles raramente (ou nunca) discutiam ou brigavam a não ser quando armavam, de propósito, os maiores pegas para resolver a qual restaurante iriam ou em qual lugar do aposento devia ser colocado um móvel novo que ela comprara.

Cada um deles respeitava o outro como pessoa... ou pelo me nos o fizera até aquela manhã. Não eram adversários. Eram iguais, que se entrosavam. Esses eram os motivos pelos quais o relacionamento deles havia durado, ganhando profundidade e dimensão, e era tão gratificante para os dois. Esses... e o sexo, é claro,

Suzannc lembrou a si mesma. Russ era não somente magnífico na cama, mas pressentia as necessidades e humores dela, podendo ser infinitamente, terno ou maravilhosamente apaixonado. O modo dele fazer amor era cheio de imaginação, sem inibição...

- Quando fui para a cama com um monte de homens depois, do meu divórcio, compreendi como o meu ex-marido era bom de cama - ela admitiu para Russ certa noite, uns três meses depoisque se conheceram. - Mas você é... Cristo, não sei me expressar. Russ, juro que não sei.

- Comigo é a mesma coisa - ele disse com simplicidade ? sinceridade, acendendo um Pall Mall e acariciando o rosto dela com as costas da mão. - Nós trazemos à tona coisas um do outro... com as desculpas devidas ao Dr. Comfort, as alegrias do sexo entre elas.

Lembrando-se da conversa e da noite de amor deliciosa que se seguira (desta vez no apartamento de Hatch) Suzanne sentiu as, suas glândulas ficarem ativas, funcionarem.

Isto acontecia inevitavelmente quando ela pensava em Russ num contexto sexual... e com freqüência simplesmente quando ela pensava nele em qualquer outro contexto.

Ela fez força para desligar as reações glandulares, e voltar para um nível puramente cerebral. O momento da verdade, pensou deprimida, enfrentando conscientemente pela primeira vez o fato de que estava apaixonada por Russ e precisava dele. Tendo finalmente: admitido isto para si mesma, Suzanne ao mesmo tempo compreendeu muitas coisas e ficou numa profunda depressão.

Ela agora reconhecia que a encenação que fizera do fiasco Madigan fora causada pelo ressentimento violento contra o fato de estar tão apaixonada por Russ, que se deixara ceder a ele. A sua disposição para a vingança não fora dirigida a Russ, mas sim a ela própria, por ter sido fraca, dependente, e ter cedido a ele. Em vez de ficar satisfeita por ter descoberto o que ela sabia ser a explicação verdadeira, Suzanne ficou arrasada, nervosa e amedrontada. Estar apaixonada significava uma rendição da independência e da individualidade... e logo além ficavam a sujeição e a submissão, a perda da liberdade: emocional, mental, até mesmo pessoal. Suzanne viu-se ameaçada pela possibilidade de um repeteco à Ia Anthony Loring, e o seu estômago se contraiu.

Suzanne com freqüência trabalhava nas horas mais estranhas e dormia nos horários mais irregulares. Os telefones dela eram equipados com interruptores que permitiam evitar que tocassem audivelmente. Em vez disto, havia luzes que piscavam debaixo do disco cio aparelho quando alguém estava telefonando. Ela havia ligado o silenciador tão logo chegara em casa. Das 8:30 em diante, as luzes piscavam com tanta freqüência que Suzanne achou que o apartamento estava parecendo um parque de diversões cheio de pinball machines* Ela imaginava que alguns - provavelmente muitos - dos telefonemas estavam sendo dados por Russ, e outros por gente que queria saber por que cargas-d’água ela deixara Daniel A. Madigan sair da refrega parecendo um Senhor Limpo glorificado. Ela não conseguiria falar com Russ - o cérebro dela estava por demais confuso e não tinha a menor vontade de falar com mais ninguém. Ignorou as luzes que piscavam.

Suzanne tomou dois Seconal e foi para a cama, adormecendo poí volta das 9:45. O sedativo perdeu o efeito em cerca de duas horas. Ela foi buscar mais remédio no armarinho do banheiro; tomou outra cápsula. Quando voltou para a cama, viu que a luz do telefone da mesinha de cabeceira estava piscando de novo. Ela a ignorou, deu-lhe as costas e fechou os olhos. Estava pensando em Russell Hatch quando adormeceu de novo.

Lexa Talbot havia inaugurado a nova ala hospitalar em Baltimore com um discurso escrito pelo homem que ela pedira ao pai para colocar na lista de pagamentos da Casa

Branca. O discurso era curto, adequado para a ocasião, continha todos os requisitos necessários, elogiava a ciência médica, a equipe do hospital, e especialmente os doadores particulares cujas contribuições haviam pago a construção e a equipagem da ala. Ela concluiu com uma variação da cantada política que caracterizava toda e qualquer das suas falas públicas.

- Pouco antes de deixar a Casa Branca para vir para cá, Papai pediu-me que lhes transmitisse o seu recado pessoal. Anotei-o neste pedaço de papel - O papel que ela apanhou estava em branco, mas só ela sabia disso. Fingiu ler: - Tanto como Presidente quanto

 

* Jogos mecânicos em que luzes se acendem para marcar os pontos conseguidos. (N. da T.)

 

como indivíduo, gostaria de expressar os mais sinceros louvores a cada uma das pessoas que ajudaram a tornar realidade este projeto hospitalar. Espero que chegue o dia (e eu próprio farei o possível para que chegue logo) em que todas as comunidades americanas possam ter instalações médicas tão boas e tão modernas como essas que vocês estão ajudando a oferecer à sua cidade. - Fez-se uma pausa <le dois compassos e as feições de Lexa se amoldaram numa expressão apropriadamente reverente.

- Junto-me à minha filha para dizei que Deus os abençoe a todos.

Inchados de auto-satisfação, os presentes aplaudiram forte e longamente.

- Que moça formidável - comentou um doador de cara rosada com a esposa magra feito um caniço. Ela concordou com a cabe ca, vigorosamente.

- E como é linda... podia ser artista de cinema - disse a mulher, e depois emendou: - Não, ela é boazinha e refinada demais para isso...

Lexa, sentindo que tinha sido um sucesso absoluto, mais uma vez, estava efervescente no banquete que se seguiu. Lembrou-se dos nomes de todas as pessoas importantes e fez com que elas rissem gostosamente com as histórias engraçadas (e apócrifas) que contou sobre a vida na Casa Branca; distribuiu elogios e adulações, e injetou no meio de tudo referências sóbrias aos muitos problemas que o Presidente Talbot enfrentava e como ele trabalhava dia e noite para resolvê-los.

O banquete terminou antes das onze. Um dos homens do Ser viço Secreto designado para proteger Lexa aproximou-se, dela, amedrontado .

- Srta. Talbot... os caras que estavam de serviço na noite passada levaram a maior bronca por terem perdido a senhorita de vista. Por favor, Srta. Talbot, não despiste a gente hoje, sim?

Os olhos cinza-escuros de Lexa eram de uma inocência total.

- Eu prometo.

Ela desceu a auto-estrada Baltimore-Washington no seu Jaguar J72 cinza-prateado na velocidade patriótica e poupadora de combustível de 80km por hora. Os agentes do Serviço Secreto no carro da segurança relaxaram, e acompanharam o Jaguar a uma distância de uns cem metros.

Logo que chegou a Washington, Lexa dirigiu-se para a Avenida Rhode Island, o caminho curto-e-fácil que levava à Casa Branca. •Como conhecia muito bem os trajetos e os ritmos dos sinais de trânsito, o cálculo de tempo dela foi preciso. No cruzamento da Avenida Nova Jersey, Lexa acelerou no momento exato em que o sinal ficava vermelho e conseguiu chegar ao outro lado... na hora H, pois a Avenida Nova Jersey, que ficou para trás, era muito movi mentada. O carro de segurança já não^ conseguiu atravessar. O motorista meteu o pé no freio e soltou um palavrão.

Lexa virou para a direita no cruzamento seguinte, foi ziguezagueando em alta velocidade pelas ruas laterais até o Scott Circle, que ela rodeou; depois entrou na garagem subterrânea do Holiday Inn. Ela foi guiando o carro espalhafatoso pelas rampas inclinadas até o nível mais inferior da garagem, onde estacionou, saltou, e tomou um elevador até a entrada da garagem, ao nível da rua. Aí, deu ao garagista da noite a sua gorjeta habitual de cinco dólares. Ele tinha chamado um táxi logo que a vira entrar. Era parte do combinado. Lexa entrou no táxi e deu parabéns a si mesma, mais uma vez. O Jaguar dela era único em Washington, reconhecível à primeira vista. Mas quem (até mesmo o mais sabido dos agentes do Serviço Secreto) imaginaria que ela o estacionava na garagem de uma Holiday Inn que ficava a apenas sete quarteirões ao norte da Casa Branca?

O táxi levou Lexa a uma casa de tijolos estreita e de dois andares num bairro pobre nos limites de Georgetow. Ela subiu os três degraus que levavam à porta da frente e ficou bem na frente do olho mágico, depois tocou a campainha. Vários segundos se passaram antes que a porta fosse aberta por um homem no meio da casa dos 50 anos.

Ele seria atraente, se não estivesse com a barba por fazer, não usasse um roupão esmulambado e não estivesse de olhos vidrados.

- Andou abusando da erva, Jim? - perguntou Lexa, entran do na casa.

- Po-si-ti-va-men-te glutão - O homem fechou a porta, oscilou, depois se firmou. - Ei, falou com o teu Velho a meu respeito?

- Hum - falou Lexa, concordando com a cabeça. - Com ele e com o palhaço encarregado da papelada. Tá no papo. Agora vamos trepar.

As regras de segurança exigiam que um mínimo de seis agentes do Serviço Secreto acompanhassem o Presidente sempre que ele saísse da Casa Branca. Charles Talbot selecionava homens cuja lealdade pessoal a ele estava acima de qualquer dúvida. Eles usavam automóveis sem marca, particulares. Dois agentes iam no carro da frente, dois no do meio, com Talbot, os dois restantes seguiam no terceiro carro. O pequeno comboio não usou a entrada principal da Foxhall Road. Entrou na Casa da Colina pelo portão lateral, parou em frente da entrada de serviço, onde Holcomb estava à espera. Ele levou Talbot para dentro da casa, rapidamente.

Marjorie Norworth empregava extravagância e ostentação como meio de melhor conseguir os seus fins, mas ela própria preferia uma elegância tranqüila. Isto era_ evidenciado pelo gosto impecavelmente suave com que era decorada a sua suíte: saleta de recepção, quarto de dormir, quarto de vestir e banheiros. O pequeno elevador dos fundos da mansão dava diretamente no apartamento particular dela. Ela beijou Charles Talbot com carinho quando ele desceu do elevador.

- Que bom tê-lo de volta, Charlie.

Ele devolveu o beijo, deu um passo atrás, examinou-a, sorriu.

- Quando falei com você, hoje à tarde, disse a mim mesmo que você nunca muda, Marjorie. E não muda mesmo. Está a mesma coisa,

- Sente-se, Charlie... e pare de querer comprar o meu voto. - Marjorie Norworth sabia que a sua aparência não tinha se alterado nos últimos dois anos... nem mesmo tinha se alterado muito nos últimos dez, diga-se de passagem. Ela esperou que Talbot se acomodasse numa poltrona muito confortável. - Quer tomar aigu ma coisa?

- Por favor. Muito uísque de centeio, pouca água. Pode me ajudar a relaxar um pouco.

Marjorie havia trocado as suas ’esmeraldas por rubis. Ela adorava gozar do seu brilho vermelho, tarde da noite. Além disso, acreditava que combinavam melhor com a decoração da suíte dela, contrapondo-se vivamente às cores suaves. As jóias brilhavam cor de carmesim, refletindo a luz, enquanto ela estendia a mão para tocar um interruptor. Uma secção dos lambris de mogno clareado deslizou para um lado para revelar um bar muito bem sortido.

- Mas você mudou - ela falou, servindo a bebidas dele. - Você nunca precisou de bebida antes para relaxar. Só bebia para se divertir.

- Não me divirto muito hoje em dia - falou Talbot, pegando o copo que ela lhe entregara. Marjorie servira para si um copo de suco de laranja fresco. Nunca bebia nada mais forte. Abstinência total fazia parte do seu regime de preservação-da-juventude-e-da silhueta desde que completara 40 anos.

- Obrigado pela birita - falou Talbot, erguendo o copo. - E obrigado, ainda mais, por ter deixado que eu viesse.

Marjorie jogou a cabeça para trás e riu.

- Roosevelt costumava me olhar com a cara mais severa e dizer: "Nunca negue nada aos importantes nas suas horas de necessidade." Ele fazia com que parecesse um provérbio bíblico, e eu passei a levá-lo a sério. - Ela sentou-se numa poltrona que fazia jogo com aquela que Talbor ocupava, com movimentos graciosos, * com o vestido pérola longo ondulando. - O que posso oferecer-lhe agora que você é importante e está com problemas, Charlie?

Ele bebeu um grande gole de uísque antes de responder.

- Uma noção de perspectiva... digamos uma leitura de barómetro. Você conhece todo o mundo que vale a pena conhecer nesta cidade, ouve o que eles dizem. Gostaria de ter uma idéia de... bem, do consenso sobre eu e a minha Administração.

Marjorie já adivinhara que era aquilo.

- Na mesinha ao seu lado há alguns daquele horríveis cigarres mentolados de que você gosta - falou. - Sugiro que você acenda um. Juntamente com a bebida, podem agir como anestesia parcial.

- É tão ruim assim, é?

Ele apanhou um cigarro Salem da caixa que havia sobre a mesa, e acendeu-o nervosamente.

Marjorie Norworth suspirou.

- Sinto dizer que infelizmente você não está exatamente em primeiro lugar no coração dos seus compatriotas, Charlie. O consenso, Deus, como desprezo esta palavra idiota, o consenso é que você não está guiando. Você está seguindo, tentando andar em cadência com cento e um compassos diferentes. - Os olhos dela ficaram mais suaves, e ela olhou para ele com simpatia. - Talvez não devesse ter sido tão brusca, mas você pediu a verdade...

- Jesus, nada de desculpas, por favor. - As mãos de Talbot tremiam levemente. - Estou isolado na Avenida Pennsylvama, cercado de gente que me diz o que eles acham que devo ouvir. Nunca recebo uma resposta direta.

- Já ouvi queixas semelhantes de mais de um dos seus ilustres antecessores.

Talbot tragou a fumaça.

- Eles lhe pediam conselhos...

- Com freqüência.

- E você dava.

- Naturalmente.

- Fará o mesmo por mim?

- É claro.

Marjorie Norworth inclinou a cabeça, esperou. O Juiz Avery Braithwaite havia prometido ponderar as quês toes mais amplas e de longo alcance. O que Talbot desejava de Lady Marjorie Norworth era os conselhos de uma perita manipuladora portrás-do-pano de pessoas, familiar com cada corrente e contracorrente de Washington. Ela poderia oferecer sugestões para expedientes imediatos e exegüíveis.

Talbot começou a falar, contando a Marjorie mais ou menos as mesmas coisas que contara a Braithwaite, mas enfatizando mais os problemas que exigiam soluções imediatas.

Falou sem parar durante mais de uma hora, fazendo pausas somente quando Marjorie via que o copo dele estava vazio e insistia em enchê-lo de novo.

- E as coisas estão neste pé - terminou ele. - O que deixei de fora não é importante, e não acrescentei nenhuma filigrana. Portanto... - ele se interrompeu, de cenho franzido. - Droga, Marjorie! Você está sorrindo como uma professora que acabou de ouvir um garotinho se queixar...

- E foi isso mesmo que pareceu. - Ela alisou as dobras do vestido, com os rubis brilhando como gotas vermelhas enquanto as mãos se moviam. - Lembre-se que a minha iniciação nos mistérios da governança foi feita pelo grande mestre de todos os tempos. - Ela deu uma risadinha. - Nos seus momentos de humor mais leve, ele dizia que a única diferença entre um politiqueiro e um estadista era que o estadista tinha um saco de macetes ainda jnaior e um me ihor senso de oportunidade.

- Uma bela frase, mas...

- Ele ainda tinha uma melhor. "As pessoas íião sabem diferençar entre movimento e ação... um bocado da primeira faz com que acreditem estar vendo muito da última.”

- Marjorie...

- Psiu! Ouvi sem dizer palavra por mais de uma hora... um recorde para mim, achou eu. Agora- é a minha vez. O que vecê e o país precisam, e depressa, é de um pouco de drama em alto estilo e de algazarra. Para começo de conversa, é preciso limpar a sua barra, e publicamente. Vá para a televisão e confesse que você, mais do que qualquer um, tem consciência de que o país está à beira de nada menos que calamidade, catástrofe e caos...

- Como? - Talbot ficou estupefato.

- Charlie - o tom de voz de Marjorie era calmo e tranqüi iizante, mas levemente tingido de um humor sardónico. - As con fissões feitas pelos grandes e poderosos podem ganhar simpatia e apoio. Imagine a reação da galera quando o Presidente se revelar corajoso e honesto o bastante para admitir que a Utopia que ele idealizou não conseguiu se materializar porque ele foi atrapalhado e prejudicado...

- Com os diabos... você pode estar certa. Ele estava começando a entender.

- Estou certa, e escute até ouvir o resto da minha idéia. Você declara que tentou tomar medidas positivas, ínas que foi bio queado por elementos discordantes dentro da sua própria Administração, e, é claro, mais ainda pelo partido da oposição. Você praticamente está com lágrimas nos olhos quando implora à oposição paxá pôr de lado as políticas partidárias e garantir que você possa pôr em ordem a sua paróquia.

- Como?

- Com uma reorganização por atacado da sua Administracão... ou seja, expurgando os criadores de problemas e aproveitando os soluciona dores de problemas.

Talbot ficou pensativo.

- A idéia é genial... mas duvido que a nossa gente no Congresso e os’líderes dos partidos entrem nessa.

- Entrarão, se você fizer confidências aos esteios dos partidos mais dignos de confiança... explicando a eles que é muito mais movimento do que ação, apenas sons e fúria para distrair a atenção e ganhar tempo. Você apenas se descartará dos que podem ser sacrificados pelos motivos estratégicos; você os desacreditará tão completamente que ninguém prestará atenção aos seus uivos de protesto, ou sequer acreditará nas afirmações e acusações deles.

- Despedir gente em posições-chave é arriscado.

- Você é mesmo uma criança! - Marjorie Norworth sacudiu a cabeça, exasperada. - Lembro-me de Lyndon Johnson deblate rando na Sala Vermelha, (na minha) e dizendo a Hubert "Todo mundo neste maldito governo pode ser sacrificado, menos eu!" Esta é a atitude a ser tomada. - Ela se levantou, foi até a uma escrivaninha, de onde voltou com um bloco do seu papel gravado em relevo, que entregou a Talbot. - Anote umas coisas. - Ela voltou para a sua cadeira, e falou durante 3/4 de hora. - Pronto - concluiu alegremente. - Siga essas instruções e os descrentes se tornarão crentes o tempo suficiente para você manobrar e encontrar algumas fórmulas realmente construtivas. Ah, sim, mais uma coisa. Você vai precisar de um porta-estandarte. Um cara jovem, com uma ficha impecável e uma tonelada de carisma. O público tem que gostar dele e confiar nele, acreditar em cada palavra que ele disser quando ele for "vender" a Administração Talbot rejuvenescida.

- Está pensando em alguém?

- Não. Mas Dan Madigan é capaz de encontrar este Cavaleiro Branco. Uma versão mais jovem e mais limpa de Ted Kennedy.

Talbot anuiu, francamente assombrado. Não admira que Marjorie Norworth fosse reconhecida como o poder por detrás de tantos tronos.

- Eu devia ter falado com você antes - ele disse, com toda a sinceridade. - Com a sua ajuda e a de Avery...

- Avery Braithwaite?- É. Estive com ele esta tarde.

Ah, Ah... bem, isso quer dizer que muito breve terei notícias do nosso distinto Juiz Supremo, pensou Marjorie, disfarçando o seu divertimento. Ela olhou para Talbot por sob as pálpebras descidas, com uma sensação de triunfo a aquecê-la. Depois de mais de três décadas ela ainda era a confidente para a qual os figurões de Washington apelavam em última instância; ela ainda influenciava, até mesmo orientava, os homens que possuíam e manejavam o poder. Agora, como em nenhuma ocasião anterior, nem mesmo com o Grande Homem, ela exerceria um grande controle, talvez até um controle completo. Não talvez. Provavelmente, quase certamente. Ela exultou... pois o Presidente Talbot estava relendo as anotações que fizera no bloco de papel, estudando-as como um escolar dedicado a decorar as suas lições.

 

Washington, D.C.: Quarta-feira, 17 de fevereiro. De dia.

Como sua primeira tarefa diária, a Washington oficial passa os olhos pelo Washington Post e pelo New York Times. Nesta manhã, a manchete do Post era:

 

                     A GUARDA NACIONAL MATA SEIS

                   EM NOVOS DISTÚRBIOS EM DETROIT

 

A do Times era:

 

                    O GOVERNADOR DE MICHIGAN

                     PODE SOLICITAR TROPAS FEDERAIS

                     PARA ACABAR COM A VIOLÊNCIA

 

Mas a Washington oficial pouca atenção presta às manchetes e notícias gerais; concentra-se é nas colunas publicadas em cadeias de jornais, nos editoriais e nas páginas de finanças. Ao longo do Potomac é um Artigo de Fé que estes são os verdadeiros e fidedignos indicadores do Pulso Nacional.

O Presidente Charles Pendleton Talbot ocupou-se da sua leitura matinal obrigatória na Sala Oval. A maioria dos colunistas, dos editorialistas e dos comentaristas financeiros focalizava o quadro econômico cada vez pior, deplorando ou condenando, e exigindo ação rápida e decisiva por parte do Governo Federal. Talbot estava com ar quase presunçoso enquanto lia. O clamor era quase o mesmo que vinha ocorrendo há meses, mas agora ele percebia o quanto ele se encaixava na estratégia proposta por Marjorie Nprworth. Movimentação e azáfama serviriam não apenas para calar os críticos, como para lisonjeá-los, fazendo-os acreditar que as pressões que fizeram haviam sido sentidas e apresentaram resultados.

Talbot deixou de lado os jornais, e chamou o seu principal assessor da Casa Branca, Kenneth Ramsey. Corpulento, carrancudo, Rarnsey tinha a aparência e o ar de um leão-de-chácara, uma impressão que ele cultivava. Isto - e a sua camaradagem com Talbot permitia que ele intimidasse outros membros da entourage presidencial .

- Cancele os meus compromissos para esta manhã - Talbot disse a Ramsey. - Use qualquer desculpa.

Ramsey anuiu e se retirou, muito satisfeito em observar que o Presidente Talbot estava aparentemente muito mais animado do que nos últimos tempos. Talbot certificou-se de que as suas ordens seriam cumpridas. Ele apertou um controle ao lado da sua mesa, ativando trancas movidas eletricamente nas portas da Sala Oval e acendendo luzes vermelhas que as encimavam, pelo lado de fora. Essas últimas avisavam a todos os interessados que o Presidente não poderia ser perturbado sob qualquer circunstância, exceto um ataque nuclear iminente.

Satisfeito que estava a salvo das interrupções, Talbot tirou de uma das gavetas da escrivaninha uma pasta encadernada de couro. Ela continha os nomes de todo o pessoal do Executivo - de membros do Gabinete para baixo - que ele podia despedir ou forçar a se demitir. Colocando a pasta diante de si, ele apanhou uma esferográfica Parker.

Um v ao lado do nome significava que o indivíduo ficaria; um x que ele pularia fora; e um pequeno círculo que ele estaria "no muro" - tanto poderia cair para um lado como para o outro.

A tarefa levava tempo. Cada decisão individual tinha que ser feita cuidadosa e cautelosamente, avaliando-se e sopesando-se muitos fatores políticos. Talbot mudou de idéia várias vezes, riscando um dos sinais, fazendo outro, depois voltando ao primeiro. Finalmente, deu-se por satisfeito. Fechou a pasta, recolocou-a na gaveta da escrivaninha, e deu um telefonema para o Líder da Maioria no Senado, Daniel Madigan. Conquanto ainda fosse cedo demais para abrir o jogo completamente com Madigan, o passo seguinte tinha que ser dado.

- Dan, precisamos achar um porta-estandarte - disse Talbot a Madigan, depois que se cumprimentaram. - Estou procurando uma figura exemplar do partido, mais para moço, imaculadamente limpo, e que não apenas ande na linha, mas que vá ao inferno e volte, se nós pedirmos.

- Do Senado? - Madigan estava se perguntando o que é que Talbot tinha escondido na manga.

- Se for possível, e eu o quero bem depressa.

Lexa Talbot não deu a mínima para as luzes de advertência nem para os protestos dos guardas de segurança e dos secretários. Debruçando-se sobre a mesa da secretária-executiva, ela apertou a tecla do intercomunicador.

- Bom-dia, Paizinho. Eu também estou no ostracismo? Ouviu-se uma risadinha pelo intercomunicador.

- Você é a exceção, Gatinha.

Um clique abafado indicou que as portas estavam destrancada> Lexa lançou um sorriso estonteante a todos os que estavam na antesala e entrou na Sala Oval. O seu pai permanecia sentado atrás da escrivaninha. Ela se inclinou para beijá-lo. O cabelo louro e comprido dela roçou o^ rosto dele. Talbot notou que ela estava usando uma saia xadrez, suéter branca e blazer de veludo preto. Sexy e chique mas juvenilmente correto, pensou ele, lembrando-se que ela devia passar esta tarde no Abrigo do Soldado Americano. O seu traje era ideal para a ocasião.

- Estou com pressa - disse ela. - Minha tarefa mensal de prestar homenagem aos nossos bravos rapazes. Hoje à noite vou estai com a cara doendo de tanto sorrir um sorriso bobo enquanto escuto outra vez todas aquelas histórias batidas de guerra.

- E o negócio do hospital... tudo bem? - perguntou Talbot.

- Mais um triunfo para os Talbots. Encaixei os elogios de costume para o senhor, seu Presidente.

Ele a olhou com mais atenção.

- Ei, você está com um ar radiante. E estava mesmo.

- Dormi bem esta noite - mentiu ela. Ele adivinhou que era mentira, mas ficou calado. - Você também parece bem disposto, Paizinho. Dormiu até tarde?

- A minha noite também foi boa - desconversou ele.

- Fico contente... até logo mais. Ela o beijou de novo e saiu, apressada.

O cheiro do perfume de Lexa permaneceu no ar. Pois sim qut ela dormira bem esta noite, pensou Talbot, com tolerância permissiva. Lexa tinha o brilho especial da mulher cujo sono consistira apenas (se tanto) em breves cochilos entre orgasmos que recupera vam ao mesmo tempo que exauriam.

Eu sou um idiota completo, Talbot bronqueou a si mesmo. Fui ver Marjorie ontem à noite e não tomei nenhuma providência quanto à minha própria comichão. Teria sido uma barbada. Ela teria arranjando as coisas para mim. Eu só precisaria ter ficado mais um pouquinho... só isso. Visões de si mesmo entregando-se ao prazer...

prazer sexual puro e rude... cruzaram a sua mente como um caleidoscópio, resistiram aos esforços que fez para apagálas, criaram tensões urgentes e dolorosas. Lexa havia beijado o rosto dele alguns momentos antes. A lembrança deste beijo provocou fantasias de lábios femininos, abertos e úmidos, cobrindo a sua boca.. Ele deixou escapar um gemido de frustração.- Sr. Presidente - veio a voz preocupada pelo intercomumcador. - O senhor está bem?

Com um sobressalto, Talbot deu-se conta do onde e do quando. Buscou a tecla que transmitiria a sua voz, apertou-a.

- Como... o quê? Estou bem, sim. - Fez uma pausa. - Por quê?

- Escutamos um gemido pelo intercomunicador. Parecia que o senhor tinha se machucado.

Jesus!, pensou Talbot, lutando para recobrar a serenidade, pense numa desculpa.

- Hum... foi isso, eu me machuquei. Bati com a canela e reclamei. Desculpe.

Ele soltou a tecla da fala, girou a cadeira para a direita e amaldiçoou mais uma vez o dia em que tomara posse daquele gabinete.

Jordan B. Rickhoven estava animado, até mesmo jovial, ao embarcar no seu Boeing 727/100, dispensando amenidades aos seus assessores e,à tripulação. Dirigiu-se para o centro da aeronave, para o compartimento espaçoso que servia como seu quartel-general e centro de comunicações no ar. Ele se acomodou numa poltrona estofada de couro branco, e apertou o cinto. O piloto trouxe-lhe o plano de vôo e a hora aproximada de chegada ao Aeroporto Kennedy.

Rickhoven fez um sinal de aprovação com a cabeça. A sua conferência com os presidentes do Rickhoven National Bank, Jersey Continental Oil, Minas e Metais Consolidados

Rickhoven e outras gigantescas corporações que ele controlava estava marcada para o meio da tarde. Ele chegaria à cidade de Nova York com tempo de sobra.

O bilionário não se dera ao trabalho de telefonar se despedindo de ninguém em Washington. Não havia motivo para tal. Eles seriam avisados quando ele os quisesse ver outra vez.

Rickhoven pediu café a uma das aeromoças. Ela correu para a cozinha, encontrando-se com o co-piloto, que estava fazendo uma verificação final antes da decolagem.

- J. B. deve ter fechado um negócio dos grandes - a aeromoça comentou. - Ele está com cara do gato que comeu o viveiro inteiro.

- Ele está sempre fechando negócios dos grandes. - O copiloto deu de ombros e abaixou a voz. - É mais provável que ele esteja se sentindo tão bem porque comeu alguma gatinha bonita... como você.

Ele fez uma cara safada, bolinou a aeromoça e dirigiu-se para a cabine de comando.

O declínio do FBI começou em 1972, quando J. Edgar Hoover morreu. Seguiram-se à sua morte revelações de corrupção e abuso do poder, enfraquecendo ainda mais o outrora sacrossanto Serviço. Legisladores, por longo tempo intimidados pelos arquivos confidenciais com que Hoover os ameaçava, fizeram passar leis que diminuíam cada vez mais as responsabilidades e a autoridade do Serviço. O que quer que fosse tirado do FBI era dado à CIA.

Emmett Hopper era o diretor atual deste FBI grandemente debilitado. Externamente um burocrata marcador de ponto que operava (e vivia) estritamente de acordo com os regulamentos, na veidade Emmett Hopper vivia obcecado com a restauração do poder e do status do FBI. O caminho mais curto para o seu objetivo consistia em desacreditar a CIA e seu chefe, G. Howard Denby.

Hopper estivera em Denver, dirigindo-se a uma convenção nacional de Chefes de Polícia, e voltara ao seu escritório no Edifício J. Edgar Hoover pouco depois do meio-dia, na quarta-feira. O seu Delegado, Badley Wallace, recebeu-o exultante, e entregou-lhe um grande envelope de papel pardo.

- Que pena que não é o seu aniversário - riu Wallace à socapa. - Você não poderia pedir um presente melhor.

Emmett Hopper, Diretor do FBI, tirou de dentro do envelope uma pilha de fotos lustrosas de 40x50, e espalhou-as sobre a sua mesa.

- Santo Deus... são fantásticas! - exclamou, com os olhos arregalados e brilhantes.

- O pessoal do Derby está ficando descuidado - disse Bodley Wallace. - Eles o levaram para o Shoreham. Os nossos agentes pegaram cada palavra, sabiam com antecedência para onde o levariam, depois. Mandamos um carro e dois homens na frente para estacionar e esperar próximo à esquina. Estas aí são apenas algumas das ampliações de amostra, fotos que retiramos da fita de cinema tirada com teleobjetiva e filme de alta sensibilidade.

- Fantástico - repetiu Hopper. - A placa do Lincoln está perfeitamente nítida e reconhece-se Weidener facilmente.

- E agora, Chefe?

- Ponha tudo num cofre-forte. Denby e Companhia pensam que estão numa boa e que Pearce pode protegê-los. No momento preciso, apresentaremos o material e apreciaremos alegremente o massacre.

Entre os seus programas semanais, Suzanne Loring ia quase que diariamente aos estúdios da CBN, examinando as informações de apoio colhidas pelos pesquisadores e fazendo o planejamento preliminar para a apresentação seguinte.

Tendo acordado tarde e com uma leve ressaca de Seconal - que foi rapidamente curada com café preto - Suzanne chegou aos estúdios pouco antes do meio-dia, almoçou à sua escrivaninha com a sua secretária e o chefe do departamento de pesquisa, e ficou examinando recortes e sumários até as 3:30. Resolvendo dar o dia de trabalho por encerrado, ela se concentrou no assunto que estivera se intrometendo nos seus pensamentos desde a hora em que acordara.

Russell Hatch.

OK, ela capitulou mentalmente, estou apaixonada por ele. h aquilo que as pessoas insistem em chamar de intuição feminina me diz que ele está apaixonado por mim...

só que, como eu, ele tem tido medo de admitir a verdade, tem se esquivado, tem feito o possível para não se ligar nem se comprometer, embora tenhamos passado os dois últimos anos nos envolvendo cada vez mais um com o outro. Ora, os dois somos adultos. Devíamos dar conta do recado. Mas desde ontem pela manha que ambos agimos como um par de adolescentes retardados. Eu, pelo menos, venho agindo assim. Rusi foi tapeado... sacaneado... por Dan Madigan. Ele lamenta e sente muito. Tentou pedir desculpas ontem à tarde e eu não quis ouvir, nem sequer dei a ele uma chance de falar. Sei que ele tentou de novo... estou certa de que foi Russ que ficou ligando para mim on tem à noite... e eu tenho sido uma cretina. Uma cretina, burra e cheia de si.

Suzanne pegou o seu telefone e começou a apertar os números.

A secretária de Russell Hatch conhecia Suzanne e sabia do seu relacionamento com o seu patrão.

- Ah, Srta. Loring, ele saiu há alguns minutos - gorjeou a secretária. - Foi ver o Senador Madigan. Saiu às pressas... deve ser coisa importante. Quer deixar algum recado?

- Não. Obrigada.

Suzanne colocou o fone no gancho, com os pensamentos e os sentimentos mais uma vez em completa confusão.

O meu ex costumava me dizer que todo o mundo em Washington, sem exceção, era um hipócrita, um mentiroso e um filho da mãe oportunista e traidor, refletiu Suzanne.

A princípio eu não acreditei nele. Mas ele e mais um bando de outros machos fizeram de mim uma crente... convicta. Depois disso, surgiu na minha vida o Senador

Russell Hatch e eu pensei que afinal das contas eu encontrara uma (talvez a única) exceção. Voltei a chafurdar na merda de ontem de manhã. Russ deve ter feito algum tipo de acordo com Madigan.

Russ havia praticamente dito isso. Como foi mesmo que ele falou? Ah, sim. "Um aceno de Madigan é só do que eu preciso. Bem, eu me agachei e Russ deve ter recebido o seu aceno... e parece que saiu correndo para dar mais uma puxadinha-de-saco no acenante.

Outra vez a voz dentro de Suzane retrucou:

Não vá bancar a cretina e a burra outra vez. Em primeiro lugar, Russ Hatch é inocente até que provem (ou ele mesmo prove) que é culpado. Em segundo, mesmo se for culpado, ele poderá ser usado. E depois, pelo amor de Deus, você não acabou de jogar a toalha e admitir que estava apaixonada pelo fulano? Você pode reparar os danos, pô-lo em forma... orientá-lo para qualquer direção que você queira.

- Parece que eu ainda tenho um longo caminho a percorrer... moça - Suzanne murmurou com voz audível, dirigindo-se a si mesma. Não sabia como realmente se sentia quando entrou no banheiro do escritório para se ajeitar antes de mandar a limusine ir levá-la em casa.

Depois de passar um pente fino pela lista do pessoal do Senado, Daniel Madigan escolheu oito candidatos e mandou que seus dossiês pessoais fossem trazidos ao seu escritório. Examinou esses dossiês durante horas, e selecionou três prováveis... sendo que um deles era Russell Hatch. Fitou a ficha de Hatch e caiu na risada... rindo de si mesmo.

- Trepei tanto ontem que fiquei meio bobo - resmungou em voz alta. - Não estou pensando direito.

Russell Hatch era o homem, um candidato natural para o papel. Qual o cidadão que poderia duvidar de qualquer coisa que dissesse o imaculado senador moderno do Oregon com a cara de Tom Sawyer?

Hatch havia telefonado antes, mas Madigan, enfiado nos dossiês, mandara dizer que não estava. Agora, de próprio ligou para Hatch, pediu muitas desculpas e falou:

- Pode dar um pulinho até aqui imediatamente, Russ? É coisa da mais alta prioridade... e não posso falar pelo telefone.

Quando Russ chegou, Madigan deu-lhe um forte aperto de mão e fez a sua cara jovial e sincera. Tendo concluído esta cerimónia, o Líder da Maioria no Senado serviu drinques para os dois e meteu uma conversa exploratória, testando o outro para ver se achava sinais de ambição. Obteve resultados positivos. Russ admitiu claramente que tinha ambições de se destacar em Washington.

Madigan se convenceu. Hatch podia ser transformado com segurança no Cavaleiro Branco... desde que acreditasse nas virtudes da sua missão. Contudo, seria tarefa de Charles Talbot convencê-lo disso.

- O Presidente Talbot e eu estivemos conversando a seu respeito, Russ - falou Dan Madigan, tornando a encher os copos vazios e fazendo brilhar o seu ar sincero de mil quilowatts. -Lembramonos de como você foi formidável em Oregon durante a grande campanha - improvisou Madigan - e da excelente impressão que você causou e a mim e aos outros no Senado. Contei a ele também o favor que você me prestou, com a sua amiguinha...

Ele se deteve ao perceber a mudança abrupta na expressão de Russ e adivinhou o que deveria ter ocorrido entre Hatch e Suzanne Loring em conseqüência do "favor".

A sorte dos irlandeses, pensou. Eles estão sacaneados um com o outro... ou quem sabe é só ela que está sacaneada com ele. Não importa. Qualquer desavença entre Russ e Suzanne Loring só tornaria ainda mais simples a tarefa de sedução política.

- Quase seis horas - falou Madigan, dando uma olhada no seu relógio de pulso Patek Phillippe. - Vamos parar por aqui e continuar o nosso papo mais tarde, hoje à noite... na casa de Lady Norworth.

Russ quase caiu da cadeira. É claro que ele tinha ouvido falar na Casa da Cslina, mas como estava bem baixo da escada de Washington, nunca havia sido convidado para ir lá antes... e um convite eqüivalia, por si só, à ascensão de pelo menos um degrau.

- Pra mim está ótimo, Dan.

- Muito bem. Apanho você por volta das nove.

Às seis horas da tarde, o Juiz-Presidente da Suprema Corte, Avery Braithwaite, telefonou para Lady Marjorie Norworth.

- Minha cara Marjorie, seria possível eu usar o Dormitório de Lincoln hoje à noite e...

- Não é preciso entrar em detalhes, Avery. Providenciarei para que tudo seja preparado para você.

Marjorie Norworth estivera esperando o chamado de Braithwaite desde que Charles Talbot mencionara o nome dele. Contudo, não esperara pelo chamado que recebeu logo a seguir, da parte de Daniei Madigan. Ele pedia para ser convidado, juntamente com o Senador Russell Hatch.

Marjorie sabia que Hatch era um noviço, uma nulidade política. Se Madigan desejava introduzi-lo no círculo encantado dela, isto significava que Russell Hatch estava sendo ajeitado (ou tapeado) pelo Líder da Maioria no Senado. Antes do término da noite ela saberia ao certo qual era o caso.

O credo de Lady Marjorie Norworth parafraseava o adágio sobre o conhecimento conferir o poder. O conhecimento dos homens que manejavam o poder político conferia uma forma mais alta de poder, acima da qual só havia Deus. Mas Marjorie Trumbull Norworth não acreditava em Deus.

 

Washington, D.C.: Quarta-feira, 17 de fevereiro. À noite.

Russell Hatch visitara a Casa Branca naquelas ocasiões rituais quando até mesmo os senadores modernos eram incluídos na lista de convidados. Assim, ele reconheceu instantaneamente a Sala de Recepção Diplomática, meticulosamente reproduzida, a qual ele e Daniel Madigan foram levados. Nunca subestime o poder de uma mulher, refletiu ele. Não quando ela tem uma ambição feroz, uma vontade de ferro e duzentos ou trezentos milhões de dólares.

Só para duplicar o papel de parede de paisagens americanas deveria ter custado uma fortuna. O original, que datava de 1834 e fora feito na Alsácia, era de valor inestimável, uma autêntica obraprima artística. O, imenso tapete estilo Aubusson, cujo padrão era formado pelos selos de vários Estados da União, era superior em qualidade e artesanato àquele que fora tecido para a Casa Branca.

Hatch interrompeu a sua apreciação da decoração e assobiou mentalmente. Nenhuma das inúmeras fotografias que havia visto de Marjorie Norworth lhe fazia justiça.

A mulher que veio cumprimentá-los deveria ter... uns 65 anos? pensou. Devia ser isso mesmo, pois ela já era uma beleza internacionalmente conhecida na década de 30. Mas era impossível acreditar. O seu porte era ereto, quase régio. O rosto dela ainda era belo, o de uma mulher de 40 anos... e bem conservada.

- Dan, seu bandido.

Ela abraçou Madigan, com os enormes diamantes nas mãos e pulsos faiscando. Marjorie sempre usava diamantes nas noites em que tinha mais de um punhado de convidados.

Os diamantes estonteavam e intimidavam. Até mesmo o burocrata mais tacanho reconhecia o imenso valor deles. Washington inteira (e a maior parte do mundo, diga-se de passagem) sabia que ela possuía pedras tão famosas como os diamantes Wanderfill e Quahinat. Alguns anos antes, quando Richard Burton e Elizabeth Taylor ainda estavam casados e em meio à sua mania de comprar diamantes, Burton ofereceulhe dois milhões pelo Quahinat. Irritada porque alguém imaginava que ela pudesse sequer pensar em vender quaisquer das suas jóias, Marjorie enviou-lhe um bilhete seco e gélido de recusa; dizem as fofocas que isto causou uma depressão de duas semanas de duração em Elizabeth Taylor. Marjorie estava usando o Quahinat esta noite... como berloque pendurado numa pulseira que trazia no braço direito.

Dan Madigan começou a apresentar Russel Hatch. Marjorie deteve-o com uma risada e estendeu a mão para Russ. O Quahinat praticamente o deixou cego.

- Alô, Senador Russell Hatch - ela disse com calor. - O senhor é do Oregon, tem 39 anos de idade e este é o seu primeiro mandato. Sabe, Dan parece esquecer-se que eu decoro nomes, rostos exatos. Sei até que o senhor é advogado (ou foi), em Portland. Uma linda cidade. Eu abri o Festival das Rosas lá certa vez, há muitos anos...

Interessante, pensou Hatch. A Grande Dama - Grã-Duquesa - de Washington gosta de dar a impressão de ser uma falastrona compulsiva, mas uma que sabe de tudo sobre todos. Ele escutou até que ela terminou, disse as palavras certas em resposta, e, olhando nos fabulosos olhos violeta ficou imaginando quantos homens se haviam afogado nas suas profundezas tentadoras.

Marjorie Norworth leu os pensamentos dele enquanto examinava o rosto franco e sardento, admirava o corpo alto e de ombros largos, e fez a sua avaliação inicial.

Ele é atraente, disse a si mesma, e muito mais inteligente e sagaz do que alguém como Dan Madigan pudesse imaginar. O Senador Russell Hatch podia ir longe... com um pouquinho de orientação e um empurrãozinho na direção certa, de quando em vez.

Hatch deu-se conta de que estava sendo avaliado. Tudo o que falta a ela é um fluoroscópio, riu intimamente, pressentindo que Lady Marjorie estava lhe dando notas mais-do-que-simplesmente passáveis.

- Vamos, venha conhecer os outros - disse Marjorie, pegando Hatch pelo braço.

Vários homens estavam conversando e bebendo na réplica de Marjorie da Sala Azul da Casa Branca. Russ já conhecia dois deles: ambos senadores antigos por seus respectivos

Estados. Aaron Kugeiman, barrigudo e careca, de Nova York, e Early Frobase, esquálido e de tez amarelada, do Mississippi. Este era uma importante figura de Washington, pois era Presidente Interino do Senador. Hatcn gostava de Kugelman, um homem efusivo mas inteligente e conscien cioso que freqüentemente pontilhava as suas conversas com palavras e frases em iídiche. Mas Russ desprezava Frobase, que era um racista virulento e que havia amealhado uma fortuna considerável giaças à corrupção e ao suborno. Ficou surpreso ao ver Kugelman e Frobase sentados lado a lado, aparentemente na maior harmonia, como grandes amigos.

Entre os outros a quem foi apresentado, Hatch só conhecia três, e apenas de vista e de reputação: o Secretário da Agricultura e dois veteranos deputados do Meio-Oeste.

Sentavam-se à parte, e era evidente que estavam em meio a uma conversa séria. Russ imaginou que provavelmente estavam tramando alguma nova subvenção para os fazendeiros, mais um estupro do Tesouro e do contribuinte. O Secretário de Agricultura recebeu Dan Madigan como se ele fosse um velho camarada, e perguntou-lhe mordazmente se ele sabia que a National Gallery havia recém adquirido um novo Rembrandt.

- Ele ficaria muito bem acima da sua mesa, Dan - falou, rindo.

- A Galeria devia comprar outro - falou Aaron Kugelman. - Um grande macher como Dan devia tê-los aos pares.

- Quer dizer que ele não tem? - implicou o Senador Eariy Frobase. - Pelo que me contam, você sempre arranja dois de cada coisa, Dan.

- Claro, quando posso roubá-los - retrucou Madigan.

Um garçom de jaqueta branca engomada circulava entre os. convidados, com bebidas e canapés. Um dos deputados do MeioOeste fitou Russ.

- Você faz parte do Comitê de Agricultura.

- Não, não faço.

- Ah. - O congressista virou-se para o Secretário de Agricultura. - Precisamos ter mais apoio do Senado.

- Não se preocupe, Hank - Dan Madigan falou por sobre o ombro. - Você o terá. Está tudo acertado. Os fazendeiros do seu estado. natal ficarão mais gordos graças à gororoba que servimos do velho barril.

Mas isto é surrealista, pensou Hatch. Aqui não há partidos políticos, nem separações de poderes, de interesses, nem segredos. Não pôde evitar um sentimento de excitação...

misturado a algo semelhante ao choque. Todo o vasto e intricado aparato do governo reduzia-se a isto. Líderes políticos reunidos na Casa da Colina, onde ignoravam ideologias, faziam piadinhas sobre o ilegal e o ilícito, pré-arranjavam o que mais tarde fariam com que parecesse ter sido o resultado do processo democrático... e danem-se os eleitores.

Russ lembrou de um fragmento de uma parelha de versos de Ogden Nash: O estupro é um crime... a não ser que se estuprem os eleitores, um milhão de cada vez. Ele esvaziou o cálice de Remy que segurava.

Talvez este seja... e sempre tenha sido... o processo democrático. Marjorie Norworth estava sentada ao lado dele, bebericando suco de laranja. Ela virou-se para ele, falou em voz baixa.

- Não é possível que você seja tão ingênuo. - Russ piscou os olhos, fitou-a surpreso. - Sou médium - sorriu Marjorie. 79Você não é o primeiro novato de olhos arregalados que eu vejo. - Eia lançou um olhar ao garçom, que imediatamente trouxe mais um conhaque para Hatch. - Você é advogado - continuou Lady Norworth. - Acho difícil crer que sempre advogou num mundo de conto de fadas.

- Desculpe, não estou entendendo...

- Será que nunca houve acordos feitos entre advogados que se enfrentavam... ou com a promotoria e os juizes?

Russ estava prestes a dizer que aquela comparação era injusta, que o que acontecia na sua banca de advogados em Portland era uma coisa, no Governo Federal era outra bem diferente, mas ficou calado. As palavras de Marjorie fizeram com que ele visse a luz. Claro que a comparação era justa. As duas coisas diferiam apenas em escala e escopo comparativos.

- Não tenho visto o óbvio - ele disse... e ficou assombrado ao constatar que, com 39 anos e depois de dois anos em Washington, vinha fazendo precisamente isto.

Pensativo, fechou-se em si mesmo, mas apenas por um momento.

- e meus chapas, é melhor vocês ficarem de olho aqui no Russ - ouviu a voz de Dan Madigan dizer. - Ele vai longe, posso lhes garantir...

Hatch quase derramou o seu conhaque. Era praticamente uma declaração formal de que ele estava escalado para missões importantes. Levando em consideração os homens que a ouviram, Washington inteira saberia da novidade no dia seguinte.

Marjorie Norworth viu os pedaços começarem a se encaixar. Ela havia dito a Charles Talbot que ele precisaria de um Sir Lancelot para puxar o cordão. Dan Madigan já o encontrara. Mais outra das suas complexas manipulações estava tomando forma. Que pena que estou simpatizando com Hatch, refletiu... depois subitamente apagou o sentimento de pena. Conquanto não se possa voltar atrás o mecanismo, eu posso impedir que Russell Hatch seja magoado, posso tomá-lo aos meus cuidados, fazer dele alguém. Regojizava-se, intimamente. Quanto mais intrigas, melhor.

Early Frobase, o senador pelo Misstesippi, bebera tanto que já começara a sua ladainha favorita.

- Vejam Detroit. Qual é o problema ali? Crioulos. A mesmo coisa aqui em Washington, a mesma coisa em todo o canto...

- Pelo amor de Deus, Early, arranje uma letra nova para a sua música - bocejou Dan Madigan.

Aaron Kugelman defendeu Frobase.

- Talvez Early exagere um pouco, mas os schwarzers criam problemas.

E esse aí é Kugelman, o Grande Liberal, pensou Russ, com a simpatia que sentia por Aaron Kugelman se evaporando.

Marjorie reconheceu os sintomas familiares de Frobase e, aper tando uma campainha, mudou de assunto.

- Já contei a vocês a história de Ike e do General Vaughan... Holcomb apareceu na soleira da porta.

- A Srta. Quigley já chegou? - Marjorie perguntou-lhe. Holcomb respondeu que sim. - Por favor, mande-a entrar, Holcomb.

O mordomo fez entrar uma loura platinada escultural de 19 anos. Marjorie falou:

- Early, a Srta. Quigley quer vê-lo. Frobase pôs-se de pé.

- Obrigado por uma noite maravilhosa, Lady Norworth. - Fez um aceno de cabeça para os homens. - Até mais ver.

Ele foi até onde estava a moça, tomou-lhe a mão. Holcomb afastou-se. Frobase e a Srta. Quigley desapareceram.

- Era o primeiro mandato de Ike - Marjorie continuou de onde parará a sua história. - Harry Vaughan ligou para mim...

Early Frobase e a escultural Srta. Quigley subiram as escadas, dobraram uma curva do corredor principal, e pararam. Frobase entregou à moça uma nota de 50 dólares e falou:

- Você sai pelos fundos, certo?

- Certo. Obrigada, Senador.

Ela se afastou, com os quadris ondulando.

Early Frobase abriu a porta mais próxima, entrou num quaito de dormir. Uma mulher negra corpulenta, com grandes seios caídos estava nua, à espera. Frobase agarrou-a, abraçando-a febrilmente, beijando a sua boca, com as mão esmagando os seus seios.

- Os peitos! Quero gozar nos teus peitos! A voz dele era roufenha.

- Goze onde quiser, meu bem... depois que você tirar a roupa e formos para a cama. - Ela levantou o braço bem alto, e chegou o rosto dele para perto da sua axila. - Mas primeiro você quer isto, não quer?

Frobase ficou louco, inspirando sofregamente o cheiro pesado de suor.

O Secretário de Agricultuar deu uma risadinha.

- Early gosta mesmo das mocinhas e branquinhas. Acho que ele teria um enfarte só de ficar ao lado de uma mulher bem queimada de sol.

Os olhos de Marjorie Norworth estavam semicerrados. Ela nu intimamente do fingimento elaborado, tantas vezes repetido. OSÓ ferrenho racista invariavelmente usava uma jovem loura como camu flagem, apavorado que os outros homens pudessem descobrir o seu segredo patético. A menos que pudesse ejacular nos seios caídos de uma negra de meia-idade, que não tivesse se lavado, Frobase era totalmente impotente.

Mais uma hora de bebidas e conversas, e os convidados começaram a se retirar. Madigan fez sinal a Hatch para ficar mais um pouco. Russ divertia-se ao ver como a atitude dos demais em relação a ele havia se modificado desde que Madigan dissera que ele "iria longe". Cada um dos presentes apertou a mão dele e jurou que, se Hatch precisasse de algum favor... "é só falar comigo, Senador."

Russ e Madigan ficaram só mais um pouco. Dan pedira a Marjorie Norworth apenas um convite para vir visitá-la. Quando se trazia um convidado para a Casa da Colina pela primeira vez, ficava subentendido que somente depois que Lady Norworth examinasse detidamente o recém-chegado e desse a sua aprovação, poderiam ser feitos novos pedidos. Madigan ficou à espera de veredicto dela sobre Hatch. Ela o deu quando ele e Russ estavam prestes a se retirar.

- Você é sempre bem-vindo aqui, Russ - ela disse, lançando um olhar significativo para Madigan. - Por favor, volte de novo... e breve. - Que pena que a loura Srta. Quigley tenha ido embora, pensou Marjorie. Russell Hatch poderia ter gostado dela... mas, não, ela se corrigiu. Russ gostaria de uma moça mais inteligente... uma que tivesse senso de humor e um toque sutil de exotismo. - Telefone para mim quando tiver vontade de aparecer por aqui.

Dan Madigan escondeu a sua surpresa. Era raro que uma única visita desse a alguém carta branca para entrar na casa. Quem sabe Russ está excitando a velhota, ele imaginou. A idéia lhe pareceu estupidamente gozada... Lady Marjorie Norworth tentando seduzir Tom Sawyer. Era exatamente isso que Marjorie pretendia fazer... mas não da maneira que Dan Madigan estava imaginando.

Como o Presidente Talbot na noite anterior, o Juiz-Presidente da Suprema Corte, Avery Braithwaite, chegou à meia-noite. Ao contrário de Talbot, ele veio no seu próprio carro, entrou nos terrenos da casa pelos portões da Foxhall Road, e parou diante da entrada principal da mansão de Lady Norworth.

Marjorie levou Braithwaite para a Sala Azul, agora deserta. Ele estava abatido, com as feições de granito pálidas e encovadas. Ela o conhecia o suficiente para não lhe oferecer nenhuma bebida alcoólica numa noite em que ele pedira para usar o Dormitório de Lincoln. - Quer um pouco de café, chá... ?

- Não, obrigado - respondeu Braithwaite. Ele não havia comido nem bebido (nem sequer água) desde que conversara com Talbot. O jejum era uma forma de autopurificação que permitia à mente e ao corpo utilizarem cada porção de força e energia interiores para suportarem provações infinitamente mais severas.

- Quer conversar um pouquinho? - indagou Marjorie.

- Hoje não, minha cara.

- Quer que mande Holcomb levá-lo lá para cima?

- Por favor.

Uma peça de vestuário suja e rasgada, pouco mais que um tapasexo, estava colocada sobre a cama de mogno grande e entalhada que ficava no Dormitório de Lincoln. Os outros móveis haviam sido encostados às paredes, deixando uma clareira na qual havia sido erigida e estava firmemente presa uma cruz de madeira que ia quasaté o teto. Havia uma escadinha em frente da cruz, outra colocada ao lado dela.

Holcomb ajudou o Juiz-Presidente Braithwaite a tirar as roupas, e pendurou cada peça com cuidado no armário escuro e pesadão. Braithwaite pegou a veste rasgada que estava sobre a cama, vestiu-a.

- Exatamente cinco minutos, Holcomb.

- Sim, senhor.

O mordomo deixou o quarto.

Braithwaite, descalço, usando apenas o pano a cobrir-lhe as partes pudendas, ajoelhou-se ao lado da cama e rezou... rezou como acreditava que Abraham Lincoln devia ter feito antes de assinar a Proclamação da Emancipação no quarto original da Casa Branca. Lutando fervorosamente para estabelecer uma comunhão, ele implorou forças para agüentar a provação que se seguiria, suplicou a orientação e o esclarecimento que só poderiam ser conseguidos através da agonia que ele iria experimentar. -... Amém.

Pôs-se de pé, o rosto brilhando com uma luz interior.

Holcomb entrou com um homem e uma mulher. O homem vestia o uniforme de um legionário romano... capacete, túnica áspera sob um peitoral de metal, sandálias baixas e abertas. Havia uma espada curta pendendo do seu cinto. Segurava uma lança. A mulher usava um manto largo e branco com capuz. O rosto dela fora pintado espalhafatosamente para parecer uma Máscara da Tragédia.

- Pronto, senhor? - perguntou Holcomb. - Sim.

Era um sussurro. Braithwaite subiu as escadinhas fronteiras à cruz. No último degrau ele se virou, abriu bem os braços, encos 85tou-os à trave horizontal. Holcomb trouxera consigo tiras de couro, subiu a outra escadinha e com uma delas amarrou firmemente o pulso esquerdo de Braithwaite à trave. Depois desceu, mudou a escadinha de lugar e repetiu o processo com o pulso direito de Braith waite. Descendo mais uma vez, Holcomb utilizou uma terceira tira muito mais forte, para amarrar os tornozelos do Juiz-Presidente à trave vestical. Tirou a escadinha na qual Braithwaite estivera pisando. Braithwaite arquejou ao sentir o apoio dos pés ser removido e o corpo dele desabou subitamente, quase arrancando os seus braços dos respectivos encaixes.

- Obrigado, Holcomb.

O mordomo então se retirou do aposento. A mulher e o homem conheciam os seus papéis. Ela se ajoelhou aos pés da cruz, de cabeça baixa. O soldado romano assumiu uma pose insolente ao lado dela e praguejou. Braithwaite, com a dor física se intensificando, fitou-os e sentiu uma dor ainda maior e mais profunda. Ele ergueu a cabeça devagar e olhou para o teto, que agora, para ele, representava o céu aberto.

- Pai, ajudai aqueles que Vos suplicam.

O legionário romano dizia obscenidades. A mulher soluçava.

- Nós somos os Vossos filhos, perdidos "sem a Vossa misericórdia... - Braithwaite de um grito de angústia quando o legionário espetou a lança de madeira nas suas costelas. - Suplico-Vos que me mostreis o que é direito, e qual a Vossa vontade...

Mais uma espetadela da lança de madeira, desta vez mais forte, e o soldado cuspiu nele e rosnou:

- Seu filho da puta!

- Pai...

- Você não tem pai - debochava o legionário. Braithwaite olhou para baixo. O soldado agarrou a mulher, atirou-a ao chão. Ela chorava, se debatia. O legionário levantou o manto dela até a cintura, e rindo selvagemente, montou nela e penetrou-a. Cada uma das fibras do corpo de Avery Braithwaite urrava de dor, mas isso não era nada comparado à agonia interior que lhe causava o que era obrigado a assistir. Mordeu os lábios até tirar sangue, debateu-se contra as tiras que o prendiam.

- Deus, Vós que sois onisciente...

- Olhe para nós! - ordenou o legionário, com o corpo batendo contra o da mulher.

- Ajude-me - ela implorou, virando a cabeça para que Braithwaite pudesse ver a Máscara da Tragédia do rosto dela se contorcer ainda mais.

- Estamos todos implorando a Vossa ajuda, Pai. - Braithwaite ergueu a cabeça mais uma vez... e esperou pelo começo do” primeiros tremores.

O legionário gritou ao atingir o orgasmo. Braithwaite olhou para baixo, chorou. A minha agonia está completa, pensou. Dentro de um momento, o seu próprio corpo estremeceria no alívio físico... e este alívio seria acompanhado da percepção do que fazer.

Passaram-se vários minutos. A mulher e o legionário permaneceram imóveis, no quadro que formavam. Finalmente, Braithwaite percebeu que tinha falhado. Havia ocasiões em que o alívio e a revelação lhe fugiam. A minha agonia não foi suficientemente grande, pensou, e num sussurro rouco pediu:

- Tirem-me daqui.

O homem e a mulher se puseram de pé num salto. A espada curta do legionário era de verdade, afiada o bastante para cortar as tiras de couro. Eles ajudaram Braithwaite a descer da cruz e caminhar até a cama. Ele se jogou nela.

- O dinheiro está sobre a mesa - disse.

Eles ficaram calados. Não poderiam dizer outra palavra além das suas falas decoradas. Braithwaite fechou os olhos. Ouviu o homem e a mulher a se mexerem pelo quarto, e depois irem embora, fechando a porta atrás de si. Ele ficou deitado na cama durante uma hora, enquanto a dor diminuía e voltava um pouco das suas forças. Finalmente, com cada movimento representando um tormento, ele se levantou, tirou o pano que o cobria e se vestiu.

Já vestido, sentou-se à imitação da mesa que Abraham Lincoln usara enquanto residira temporariamente no Abrigo do Velho Soldado durante o período mais crítico da

Guerra Civil. Com as mãof, trêmulas, rabiscou um bilhete. Dobrou o papel, saiu do quarto e foi até a suíte de Morjorie Norworth. Enfiou o bilhete por baixo da porta e desceu. Holcomb, ainda acordado, trouxe-lhe o sobretudo, colocou-o sobre os ombros dele.

- Posso ajudá-lo, senhor? - perguntou Holcomb, abrindo a porta principal.

- Não, obrigado, Holcomb. Boa noite.

Lady Marjorie Norworth não fora dormir. Ouviu o barulho que Avery Braithwaite fez do lado de fora da sua porta, e imaginou que ele estava deixando um bilhete - às vezes ele o fazia. Ela o achou sobre o tapete.

"Minha Cara Marjorie: Sou-lhe muito grato. Seria possível eu usar novamente o Dormitório de Lincoln amanhã à noite?"

Marjorie tinha os seus próprios meios de saber que a visita deie fora um fracasso. Entrando no seu quarto de dormir, apertou um botão oculto. Um grande espelho, aparentemente embutido na parede, deslizou para um lado sobre trilhos escondidos, deixando à mostra um cofre que seria motivo de orgulho numa agência bancária.Ela mexeu na combinação, abriu a porta de aço blindado e retirou lá de dentro o volume corrente dos diários que vinha fazendo há décadas. Sorriu ao olhar para as dúzias de volumes que se enfileiravam sobre duas prateleiras do cofre... e para as inúmeras caixas de papelão etiquetadas, pequenas e quadradas, que estavam empilhadas em outras prateleiras. É a História viva, refletiu.

Levou o diário até a penteadeira, escreveu os acontecimentos do dia na sua linguagem clara e fluente, e colou o bilhete de Braithwaite no final da página.

Ao ler o bilhete mais uma vez, Marjorie foi acometida de um acesso de risadinhas quase infantil. O que é que o público americano faria se algum dia viesse a saber ao que se referia o Juiz-Presidente da Corte Suprema quando dizia que "agonizava" quando se tratavde questões importantes? As risadinhas pararam. Inúmeros outros homens Grandes e Famosos - passados e presentes - tinham inclinações ainda mais bizarras. Os detalhes - e as provas - repousavam no cofre-forte dela.

 

O Mundo de Lady Marjorie Norworth. Novembro, 1941-Dezembro, 1947.

Gastos prodigiosos de dinheiro transformaram a sugestão do Grande Homem de que Marjorie Norworth reproduzisse na sua casa •dez aposentos da Casa Branca em realidade numa velocidade espantosa. Marjorie contratou arquitetos, historiadores de arte, desenhistas e decoradores de destaque e não poupou despesas, prometendo a todos gratificações generosas se o trabalho ficasse pronto dentro de seis meses. Eles entregaram o serviço dentro do prazo, e numa terçafeira à noite, 18 de novembro de 1941, ela deu uma festa de inauguração.

Franklin e Eleanor Roosevelt compareceram, assim como cerca de 500 membros da elite social e política de Washington e numerosos representantes da imprensa. Roosevelt elogiou efusivamente a imaginação, o bom gosto e o espírito patriótico de Marjorie. Como o Grande Homem havia previsto, os carneirinhos obedientemente fizeram elogios ainda maiores e em voz mais alta.

Somente Cissie Patterson e Evelyn McLean ficaram caladas, remoendo o seu ódio. Da noite para o dia, Marjorie Trumbuil Norworth, que aos olhos delas era uma arrivista libidinosa, tinha se tornado a Rainha Absoluta da Sociedade de Washington, relegando ambas a um segundo plano. E o que era pior, elas não poderiam retaliar. Três semanas mais tarde, os japoneses atacaram Pearl Harbor e os Estados Unidos entraram em guerra. A imprensa e o público não tolerariam mais as disputas por status na Alta Sociedade enquanto homens lutavam e morriam. A posição de Marjorie no topo estava segura enquanto durasse a guerra.

A casa dela se tornou o centro da vida social de Washington. Os convites para comparecer aos jantares, festas e bailes de Lady Norworth eram aceitos como se fossem Ordens Imperiais. Saboreando o fato de que poderia socialmente fazer ou destruir uma pessoa, convidando-a ou omilindo-a, Marjorie era altamente seletiva na escolha dos nomes para as suas listas de convidados.

Mas o Grande Homem nunca fizera nada na sua vida que mais tarde não desse um jeito de usar em proveito próprio. Tendo sido instrumento decisivo na escalada de Marjorie para o posto de Anfitriã número Um de Washington, ele exigiu pagamento pelos serviços prestados - e ela acendia a todos os desejos e caprichos dele. Com freqüência, quando desejava jogar no limbo algum subordinado, ele pedia a Marjorie para dar um jantar e convidá-lo e aos colegas do indivíduo marcado... e naturalmente o homem condenado não recebia convite. Era o modo cruel e torturoso do Grande Homem informar aos interessados que o vassalo conspicuamente ausente estava Fora. De modo inverso, fazia com que Marjorie o convidasse e convidasse diversos homens que ocupavam altos postos... e mais um ilustre desconhecido. Na manhã seguinte, Washington inteira havia compreendido o recado. O joão-ninguém de ontem era o novo favorito de hoje.

O Grande Homem usava com freqüência a mansão de Marjorie na Foxhall Road para conferências secretas e muito importantes com líderes dos partidos políticos e com homens de grande fortuna e influência. A decisão de afundar o Vice-Presidente Henry Agard Wallace foi tomada bem antes das eleições de 1944 - na Sala , Vermelha de Lady Norworth. Algum tempo depois, o Grande Homem e os "fazedores de reis" engendraram o que eles mesmos chamaram com desprezo de "O Acordo do Missouri", concordando em que Harry S. Truman devesse ser o candidato a Vice-Presidente. Esta reunião foi realizada na Sala Azul de Marjorie, onde o desprezo sem disfarces que o Grande

Homem sentia por Truman foi transmitido para Lady Norworth... e os efeitos disto vieram a custar-lhe muito caro.

O fato de estar no epicentro de decisões e acontecimentos momentosos aumentou ainda mais o stalus e a influência de Marjorie Norworth, e ela foi a rainha inconteste... até abril de 1945.

A saúde física e mental do Grande Homem deteriorava. O seu corpo se desgastava. A sua mente, que nunca ficara muito distante da megalomania, estava turva com fantasias de onisciência e onipotência. Com a guerra européia chegando ao fim, ele visualizava um mundo que ele e Josef Stalin dividiriam igualmente entre si. Os seus planos e decisões perderam o contato com a realidade política. Ele dava ordens que teriam produzido resultados catastróficos... mas os seus subordinados aturdidos as ignoravam, algo que podiam fazer impunemente, pois ele logo se esquecia das coisas.

Desde o começo da guerra, o Grande Homem fora guardado dia e noite por pelotões de polícia militar e de agentes de segurança. Um batalhão de auxiliares o acompanhava por toda parte, formado por assessores, peritos, médicos particulares, criados e outros... uma entourage exagerada que ele chamava depreciativamente de "A Minha Praga de Gafanhotos". Contudo, quando ele morreu, em abril de 1945, uma imprensa dócil e um público estonteado com o seu falecimento não se perguntaram por que naquele único dia - ele estava na imensa casa de Warm Springs sem guardas, assessores, auxiliares ou criados. Na verdade, a versão oficial declarava que ele estava sozinho, salvo pela "sua amiga de longa data, a famosa e fabulosamente rica anfitriã de Washington, Lady Marjorie Norworth".

Era verdade que Marjorie estivera a sós com o Grande Homem. Ela ficou intrigada com a ausência da entourage habitual, mas ficou calada. Ele não parecia se dar conta de que os homens - fardados eu não - que sempre enxameavam dentro e ao redor de qualquer prédio em que ele estivesse não estavam à vista em lugar algum. Mas, afinal, ele se preocupava unicamente com o propósito para o qual havia chamado Marjorie de Washington para Warm Springs.

Todo o corpo do Grande Homem agora estava tão magro e murcho quanto as suas pernas paralisadas. O rosto dele estava cadavérico, os olhos afundados nas órbitas. Somente o sonho de tornar-se em breve o governante da metade do globo ainda o mantinha vivo. Contudo, ele ainda precisava de alívio sexual. Ela se sentia como se estivesse praticando felação numa múmia. Marjorie Norworth disfarçou a repugnância que sentia, e sentada ao lado da cama tipo hospital do Grande Homem, controlada eletricamente, abaixou a cabeça sobre a sua virilha.

Foi então que os homens da OSS irromperam no quarto. Mãos agarraram os ombros de Marjorie, afastando-a, atirando-a ao chão. Uma outra mão, que segurava uma Colt calibre 45 automática munida de silenciador, disparou o gatilho duas vezes, enfiando duas balas na cabeça do Grande Homem.

Marjorie berrou e continuou berrando até que uma agulha de injeção foi espetada no seu braço, e sedativos de ação rápida deixaram-na inconsciente. Ela não se deu conta de que alguns homens tomaram as suas mãos e dedos flácidos e apertaram-nos contra o gatilho, o cabo, o cano e a câmara da Colt, que a seguir deixaram cair dentro de um saco de plástico.

Marjorie voltou a si várias horas depois, num outro quarto. Homens que ela conhecia bem, homens que ocupavam altos postos do governo, estavam ao lado da sua cama.

Com a memória voltando, ela pôde apenas gaguejar:

- Eles... eles o mataram...

Um oficial de gabinete de cabelos brancos, para quem ela oferecera uma recepção de gala uma semana antes, tomou a mão dela e falou-lhe com brandura. Tinha que ser feito, declarou ele. Não havia alternativa, pois a condição mental e as atitudes irracionais do Grande Homem eram uma ameaça grave aos interesses nacionais. A decisão de assassiná-lo fora tomada unanimemente por funcionários dos mais altos escalões do governo. Marjorie descobriu-se não apena* compreendendo, como também concordando... e até mesmo aprovando. Era verdade, admitiu para si mesma, que ele perdera a razão. Matá-lo - de modo rápido e indolor - antes que o mundo soubesse da verdade fora um ato de misericórdia. Ela pôs-se a chorar. Os homens deixaram que chorasse, sabendo que qualquer tentativa de consolá-la ou confortá-la seria inútil.

Coube a um dos seus amigos - um militar empertigado, em trajes civis que lhe caíam mal - revelar-lhe as precauções que haviam sido tomadas para garantir o silêncio dela. Ele lhe mostrou o saco de plástico que continha a Colt.

- As suas impressões digitais estão nela, Marjorie. Sinto muito, mas temos que estar absolutamente certos.

Deram a Marjorie uma declaração para assinar. Ela atestava que estivera conversando com o Grande Homem no solário da casa. Subitamente, ele dera um grito e caíra da cadeira em que estivera sentado. Ela correra para prestar-lhe ajuda, percebera que nada mais podia fazer, e tentara telefonar para um médico. O telefone estava enguiçado, mas alguns momentos mais tarde surgiu um carro oficial. Ela saíra correndo da casa, contara aos ocupantes do carro o ocorrido... e desmaiara. Marjorie assinou o documento.

- A causa da morte foi uma hemorragia cerebral - falou o oficial de gabinete.

- Sim - murmurou ela - eu me lembrarei.

Uma vez divulgada, a versão foi aceita universalmente como um fato histórico. O Grande Homem sofrerá uma maciça hemorragia cerebral que deixara a sua cabeça e o seu rosto horrivelmente preto-arroxeados. Foi por este motivo que o caixão foi lacrado e que ele foi enterrado sem ser visto por ninguém dentre os milhões que choraram a sua morte.

Quando o Presidente Franklin Delano Roosevelt morreu, Marjoiie Norworth perdeu um amigo querido. Perdeu também, e imediatamente, a sua primazia social. Mas isto fora culpa sua. Como muitos outros, ela imaginara que FDR (com apenas 63 anos de idade) viveria para terminar o seu quarto mandato. E, também, como muitos outros, ela seguia o exemplo do Grande Homem e esnobava o Vice-Presidente Harry S. Truman, considerando-o uma nulidade ridícula, um caipira e antigo dono de armarinho, cujos atributo” sociais limitavam-se a jogar pôquer (bem) e tocar piano (mai). A esposa dele, Bess, era uma típica dona-de-casa do Meio-Oeste que não se interessava a mínima pela haute couture ou pelo haute monde. Marjorie Norworth evitara qualquer aproximação com os Trumans, qualquer tentativa de cultivar a amizade deles.

O novo Presidente e o fim da guerra trouxeram mudanças drásticas nos padrões de poder e nos estilos de vida de Washington... e no mundo de Lady Marjorie Norworth.

Ela não tinha mais um padrinho na Casa Branca, sequer tinha acesso ao homem que a ocupava. A paz relaxou as restrições, e a luta pela supremacia social começou.

Mulheres que há muito tempo invejavam (e odiavam) Marjorie agarraram com unhas e dentes a oportunidade de depô-la. Novas competidoras, entre elas Perle Mesta e Gwendolyn Cafntz, entraram na liça. Tinham dinheiro para gastar e os novos manipuladores-do-poder da Administração Truman à sua disposição.

Os convites de Lady Marjorie Norworth não eram mais Ordens Imperiais. Muitas mulheres de Washington que antigamente a bajulavam, agora os ignoravam, deliberadamente.

Somente os que haviam restado do regime de Roosevelt permaneciam leais, recordando a hospitalidade recebida, as gentilezas feitas, e a intercessão de Marjorie em seu favor. Contudo, quando eram convidados com as esposas para a mansão Norworth, apareciam sozinhos com freqüência cada vez maior, oferecendo desculpas esfarrapadas pelo não comparecimento de Ellen ou Jocelyn ou Barbara. Dentro em breve, Marjorie viu-se presidindo à mesa em jantares constantes apenas de cavalheiros, e sendo convidada somente para aquelas tenebrosas festas de caridade ou recepções de Corpo Diplomático onde praticamente qualquer um era bem-vindo.

Bradford Cooley liderava os homens que permaneciam seus -amigos e defensores leais. Cooley nunca se esquecera que fora graça” às importunações de Marjorie ao Grande Homem que ele ganhara um segundo mandato para o Congresso em 1942. Daí por diante, os seus eleitores do Alabama o reelegeram naturalmente, e Marjorie continuou a ser uma aliada fiel e ativa. Já em 1947 ele era um membro influente do poderoso Comitê de Verbas da Câmara. Mas não era mais um jovem quase impressionantemente belo.

Tinha engordado demais em seis anos. O rosto dele lembrava o de um querubim dissoluto, e já estava ficando calvo.

Alguns anos antes, Marjorie desejara desesperadamente tornar-se amante de Cooley. Confiando nela implicitamente, ele confessou o begredo da impossibilidade de um caso entre eles. Ele era um homossexual convicto - e o fora desde os 14 anos.

- Eu praticamente violentei o farmacêutico local - ele confidenciou. A confissão conseguiu fortalecer ainda mais a amizade deles.

Certa noite, no meio do mês de dezembro de 1947, Bradford Cooley jantou a sós com Marjorie Norworth. Ela não se deu por achada, trocava com ele as fofocas da capital, ria dos comentários ferinos dele sobre os figurões da Administração Truman. Mas ek percebeu facilmente que isso era apenas uma fachada.

- Você se sente muito ferida e magoada - ele disse. Nada havia a esconder de Cooley, pensou Marjorie, e, brincando com o garfo da sobremesa, anuiu desanimadamente.

- Eu não teria me importado de abdicar guciosamente... Deus sabe que tive um reinado longo e feliz... mas ter sido subitamente deposta - ela forçou um sorriso retorcido - ter sido defenestrada...

Ela bebericava champanha (isto foi antes que a abstinência totaJ passasse a fazer parte do seu regime) e observava enquanto Cooley se servia de mais bourbon da garrafa de cristal Waterford que sempre ficava ao lado do seu prato quando vinha jantar. Com o copo cheio, ele o ergueu num brinde zombeteiro.

- À sua miopia... que ela seja curada, e depressa. Ele bebeu.

- Isto é alguma espécie de espírito engarrafado do Alabama?

- É um diagnóstico. Você está míope, está incapaz de vei que o que parece derrota pode ser transformado em vantagem. Você não consegue enxergar que, apesar da sua "defenestração" (que pá lavra sublime), ainda detém uma infinidade de armas potentes no seu arsenal.

- Tais como?

- To chegando lá, dona. - O seu dialeto exagerado do Alabama irritava-a e divertia-a a um só tempo. Tendo conseguido o efeito desejado, ele o largou de lado. - Onde vamos começar o inventário? Com o dinheiro, suponho. Os juros sobre aquela mor>- tanha de dinheiro que você herdou dos Trumbull resistem aos seus esforços mais extravagantes para diminuir o capital. A seguir, a beleza. A sua está intacta. - Cooley bebeu mais bourbon. - Gostaria de dizer o mesmo da minha, mas não estamos aqui para derramar lágrimas pelos meus pecados e as minhas tristezas. Além disso, você tem um núcleo de bom tamanho de amigos devotados...

- Todos homens. As mulheres me puseram no ostracismo...

- Mais miopia. Você está equiparando a badalação social à influência...

- É claro.

- Sim... quando existe um autocrático Roosevelt na Casa Branca e você é a confidente dele e ele demonstra favorecê-la especialmente. Não... quando um Harry Truman senta-se na cadeira presidencial. Ele tem camaradas... todos homens. As suas únicas confidentes são Bess e Margaret.

- Mas Gwen Cafritz, Perle Mesta, Cissie...

- Dão festas e bailes, e podem influenciar o segundo time. Embora não muito, pois elas diluem a sua influência ao se concentrarem nas suas próprias briguinhas mutuamente destrutivas. - Cooley esvaziou o copo e estendeu a mão para a garrafa. - Volto à minha tese. As armas no seu arsenal. Você tem esta casa com as famosas réplicas dos aposentos da Casa Branca. Teve uma experiência infinita como a principal anfitriã de Washington. Tem um conhecimento enciclopédico de tudo o que foi feito, planejado, conspirado e suprimido em Washington durante uma década...

- Infelizmente, você não está contando com...

- Você é que não está contando, Marjorie. Repito, mispia. Os homens do Governo não apreciam realmente as extravagâncias de Cafritz, Mesta e companhia.

Vão apenas porque são arrastados pelas mulheres ou porque acham que devem comparecer. Santo Deus, quantas vezes eu os ouvi reclamar.

Marjorie teve um sobressalto.

- Eles reclamavam das minhas... ?

- Nunca. FDR reinava, aqui era o centro de tudo, e você tinha um jeitinho e uma bossa que as outras não têm. Mais importante ainda, conquanto você fofocasse, guardava as confidências. As outras falam, indiscreta e incessantemente.

Marjorie pressentiu que era verdade, se descontraiu. Cooley prosseguiu:

- Seja honesta. Você pouco se importava que as mulheres comparecessem às suas reuniões. Os homens eram os meios para os seus fins. Agora, você pode ter os fins, e através dos mesmos meios, mas sem a presença supérflua e, imagino eu, cansativa das mulheres decorativas.

Ela esperou, e a sua intuição lhe dizia que ele tinha uma idéia, um plano. O talento dele para intriga e maquinações rivalizava com o do Grande Homem.

- Use o núcleo dos homens em altos postos... homens que permaneceram seus amigos, como uma nova base - murmurou Cooley. - Faça daqui um lugar onde os que governam... ou seja lá qual o nome_do que fazemos... possam vir, ficar à vontade, beber e conversar sem as chatas das suas mulheres. Capitalize sobre este conceito.

- Talvez isto seja viável, Brad.

- E ainda há mais. Lá no fundo do coração de cada político e funcionário nomeado em Washington há uma fagulha de esperança que devora como um câncer. Talvez, por algum milagre, ele algum dia venha a ser o Homem na Casa Branca.

- É, eu sei disso.

- A esperança... ou câncer... é o mais potente de todos os afrodisíacos. Imagine que proezas sexuais um homem poderia fazer, os orgasmos que poderia alcançar, no Dormitório de Lincoln no Dormitório da Rainha... ou no quarto do próprio Presidente.

- Não preciso imaginar. Experimentei os efeitos aqui mesmo nos quartos de imitação com diversos homens. Os mais mansos viram touros.

- A sua visão está melhorando - debochou Cooley. Foi então que ela percebeu.

- Santo Deus, Brad! Você está sugerindo que eu transforme esta casa num bordel?

- Não exatamente. Num oásis onde os homens que são a nata do Establishment poderão se reunir e, em certas ocasiões, gratificar as suas fantasias.

- Você está louco de pedra.

- Nunca estive no juízo mais perfeito. Proponho que você #lê# festas e jantares para homens em altos postos do Governo e ocasionalmente (não freqüentemente, e apenas como favor especial para determinados indivíduos) arranje para eles parceiras sexuais. Ficaria bem claro que você não aceitaria dinheiro. Os arranjos financeiros seriam entre eles e as parceiras... exceto nos casos em que você quisesse fazer um favor particular a certo indivíduo, e você mesma pagasse a conta.

- Eles ainda estariam usando os quartos desta casa.

- No pensamento deles, estariam nos quartos da Casa Branca de verdade... no máximo do seu mundo de fantasia.

- Eu estaria operando uma casa de tolerância. Aos olhos da Lei...

- Lei? - debochou Cooley. - Os homens que você convidaria são a própria lei. E você estaria simplesmente operando o mais exclusivo salon de Washington.

Salon, refletiu Marjorie. Sim, DuBarry e Pompadour, Mesdames de Montespan e de Maintenon, tiveram os seus salons e arranjaram ligações e encontros entre homens importantes e moças atraentes. Mas estamos no século vinte.

- Há perigos demais - ela objetou. - Imprensa pode descobrir... e as mulheres podem falar.

- Não há motivo para temer nem uma coisa nem a outra. A imprensa pode atacar indivíduos ou grupos pequenos... mas, como você sabe, nunca ousa revelar nada que possa antagonizar o Establishment como um todo. Quanto às mulheres, o silêncio delas é assegurado pela importância e pelo poder dos homens com quem teriam relações. Teriam medo das conseqüências, das represálias, se dissessem alguma coisa.

Marjorie ficou calada, pensativa... depois meneou a cabeça.

- Impossível, Brad. A maioria dos homens são casados e as suas esposas moram aqui em Washington. Inevitavelmente, essas mulheres descobririam e criariam um escândalo.

- Errado. As esposas de Washington são umas cadelas egoístas e ambiciosas que morrem de medo que os maridos possam ser comprometidos de algum modo e venham a perder prestígio e posição. É verdade que têm dançado de alegria com a sua queda aparente. Mas faça o que aconselhei e, conquanto fiquem cheias de ódio, elas a invejarão mais uma vez... e, ao mesmo tempo, a tratarão como a uma rainha que recuperou o trono. Não terão outra escolha; se não o fizerem, será admitir abertamente que os maridos estão vindo a esta casa para propósitos que elas, supostamente, devem ignorar.

- Uma frase enrolada, mas faz sentido. - Marjorie sorriu para ele com carinho. - Sempre fico assombrada de ver como você entende de psicologia feminina.

- Temo que isto seja devido às minhas próprias inclinações” sexuais. - Cooley esvaziou o copo. - Foi um jantar magnífico, Marjorie. - Enxugou os lábios com o guardanapo. - Mais uma coisa. Se você vier a seguir o meu Grande Plano, lembre-se que a simulação da Casa Branca é a chave de tudo. Os presidentes e as suas esposas irão redecorar. os cômodos, se desfazer de velhos moveis, trazer novos. Você deverá fazer alterações idênticas... substituindo até os cinzeiros e os panos que cobrem os sofás. Os homens que usarão estes cômodos conhecerão bem o interior da Casa Branca. A ilusão que você vai criar tem que ser exata, impecável.

- Brad, diversas das nossas figuras políticas mais destacadas exigem uma parafernália e uma encenação extremamente elaboradas para a satisfação dos seus desejos.

- É verdade. - Cooley deu uma risadinha e afastou a cadeira em que se sentava. - Você simplesmente comprará e guardará os artigos e o material necessários para estes efeitos especiais. Qualquer investimento que assegure a gratificação sexual dos Tarados Muito Importantes certamente pagará dividendos enormes... sob a forma de gratidão e senso de obrigação imorredouros e inspirados pela culpa. Você pode anotar isso no seu caderninho como a Lei de Coley.

Ele se levantou, foi até a cadeira de Marjorie e afastou-a para ela. Marjorie sorria enigmaticamente. Estava pensando naquela noite de março de 1941 em que o Grande Homem lhe sugerira que ela reproduzisse os aposentos da Casa Branca na casa dela. Ela seguira o conselho dele... e dera certo. Ela quase que podia escutar a risada sardónica dele, pois ele terai sido o primeiro a endossar o GrandPlano de Bradford Cooley... e assegurar a ela que também ele daria certo.

 

Washington, D.C.: Quinta-feira, 18 de fevereiro.

Durante a Administração Nixon, a mesa telefónica da Casa Branca tinha 17 linhas-tronco. Vinte telefonistas trabalhavam em turnos, atendendo entre seis e dez mil telefonemas diários. Desde então, as linhas-tronco, as telefonistas e o volume de ligações havia mais do que dobrado, e o sistema funcionava com uma eficiência notável... até esta manhã.

Por volta das nove horas já havia um colapso quase completo. Os telefonemas chegavam aos montes; avaliava-se que eram recebidos mais de cinco mil por hora. A maioria era ligações interurbanas, provocadas por acontecimentos da véspera que fizeram manchetes dos jornais e levaram as estações de rádio e televisão a interromper os seus programas regulares para dar freqüentes boletins extraordinários.

 

"O GOVERNADOR DE MICHIGAN SOLICITA FORMALMENTE TROPAS REGULARES DO EXÉRCITO PARA MANTER A ORDEM EM DETROIT... MAIS DOZE MORTOS, CENTENAS DE FERIDOS NA NOVA ONDA DE VIOLÊNCIA NA CIDADE DOS AUTOMÓVEIS...

 

Numa evidente reação aos acontecimentos de Detroit, turbas promoveram tumultos nas ruas de Pittsburgh, Cleveland, St. Louis e Los Angeles... cidades com taxas de desemprego extremamente altas... e frustraram os esforços da polícia para dispersá-las...

 

LÍDERES SINDICAIS ADVERTEM QUANTO A POSSÍVEIS REVOLTAS CIVIS EM GRANDE ESCALA...

 

Na noite passada, os chefes dos sindicatos nacionais uniram-se para instar os seus membros a começarem uma campanha maciça de Telefone-para-o Presidente. Um importante porta-voz sindical declarou que dez ou vinte milhões de telefonemas para o Chefe do Executivo talvez conseguissem finalmente despertá-lo para a urgência da situação..."

O Presidente Charles Talbot sorriu quando os três homens entraram na Sala Oval. O sorriso não era nem forçado nem sombr"o notou com surpresa o Secretário de Defesa John Kurtz. O Líder da Maioria no Senado, Dan Madígan, achou que Talbot estava apenas apresentando uma fachada de coragem. O Assessor-Chefe Presidencial Kenneth Ramsey devolveu o sorriso confiantemente. Ele sabia por que Talbot havia convocado Kurtz e Madigan com urgência à Casa Branca.

- Fiquem à vontade - Talbot disse ao trio. - A conversa vai ser demorada.

Kurtz encheu o cachimbo. Madigan acendeu uma panatela Cortez Vilar.

- John. - O Secretário de Defesa Kurtz parou de cutucar o bojo do cachimbo, ergueu os olhos para o Presidente, prestou atenção. - Quero uma brigada de pára-quedistas enviada para Detroit. As tropas deverão acampar fora dos limites da cidade e não agirão antes de receber ordens minhas. - O sorriso de Talbot ficou mais largo. Depois, um batalhão da infantaria para cada uma dessas cidades: Cleveland, St. Louis e Los Angeles... na mesma base.

- As autoridades destes três últimos lugares não fizeram nenhuma solicitação formal - objetou Kurtz.

- E eu estou me cagando. Nós podemos mandar tropas para onde quisermos... serve como desculpa exercícios de treinamento.

- Você deixou Pittsburgh de fora - falou Kurtz com sarcasmo.

- Apenas porque o senhor me interrompeu, Senhor Secretário - disse Talbot, com sarcasmo ainda maior. - O batalhão de Boinas Verdes que serve no Forte Meyer vai para Pittsburgh. Quero todas as tropas a caminho antes das cinco horas de hoje.

- Os Boinas Verdes são a sua força de segurança de reserva para Washington - protestou Dan Madigan.

- É, são sim. Mas vão para Pittsburgh.

Que filho da mãe, pensou Kurtz. Está jogando para a galera, como sempre, mandando a sua guarda de elite para uma cidade no seu estado natal.

- Bem, Sr. Presidente - Kurtz deu de ombros. - Suponho que a demonstração de força ajudará a acalmar os revoltosos.

- Você daria uma porcaria de político, John - disse Talbot. Lançou um olhar para Ramsey. - Leia a declaração que vamos "deixar escapar", Ken. Ramsey pegou uma folha datilografada e leu:

- Uma fonte que ocupa alta posição no Governo diz que as tropas que estão sendo despachadas ficarão de prontidão para prevenir mais excessos das .autoridades locais de manutenção da paz e das unidades da Guarda Nacional que estão sob o comando dos governadores estaduais.

O cachimbo caiu da boca de John Kurtz. Ele conseguiu apanhá-lo. O seu ar de consternação era igualado pelo de Dan Madigan.

- Será que ouvi direito? - falou Madigan com voz rouca.- Ouviu, sim - assegurou-lhe Talbot. - O Tio Sam está protegendo os fracos e indefesos. Sabe de algum macete melhor para fazer parar um pouco os distúrbios e calar os sindicatos?

Madigan refletiu, depois abriu um largo sorriso.

- Não, por Deus que não sei. É uma beleza.

Talbot estava com ar presunçoso, quase esquecido que a idéia, e até mesmo a redação da declaração que "escaparia", fora-lhe dada por Marjorie Norworth. - Use o meu telefone, John. Ligue para os generais.

Kurtz ligou para o Pentágono, obedientemente. Depois de 15 minutos - durante os quais escutou tanto quanto falou - desligou e disse:

- Eles vão acionar os dispositivos, mas não estão nada satisfeitos.

- Que pena! - rosnou Talbot. - Abriu uma pasta encadeinada em couro que estava sobre o mata-borrão da sua escrivaninha••. - John, você e Dan, os dois, preparem-se.

- Fez uma pausa, falou outra vez. - Cavalheiros, esta Administração está prestes a ser rejuvenescida. Vamos balançar as suas estruturas.

Kurtz e Madigan se fitaram, atordoados.

- Você e MacPearce ficam, John - continuou Talbot. - Não posso mudar os Secretários da Defesa e do Estado sem dizer ao mundo que a nossa política externa também está liquidada. Contudo, podemos convencer o público - lembrou-se da frase de Marjorie - de que vamos expurgar os criadores de problemas e aproveitar os solucionadores de problemas.

Um político calejado, Madigan entrou logo na onda de Talbot e abriu um largo sorriso, com a panatela que trazia entre os dentes fazendo um ângulo gracioso enquanto escutava o Presidente percorrer a sua lista. Os fazendeiros do país não estavam mais satisfeitos que os líderes sindicais, prosseguia Talbot, portanto o Secretário da Agricultura teria que pular fora. O mesmo teria que acontecer ao Secretário da Fazenda... uma mudança neste ministério invariavelmente dava uma melhorada na Wall Street.

Madigan fez uma objeção:

- Ele foi recomendado por Jordan Rickhoven...

- Explique a situação para Rickhoven. Ele vai sugerir um substituto, não tenha dúvida. - Os olhos de Talbot voltaram para a pasta aberta. - Justiça e Interior ficam... não podemos exagerar. O Comércio está OK, mas é imprescindível que haja um novo Secretário do Trabalho. Alguém que os sindicatos achem que é a coisa melhor que lhes aconteceu desde Francês Perkins.

- Você deu uma idéia - manifestou-se Ken Ramsey. •- Uma mulher como Secretária do Trabalho. Matam-se dois pássaros com uma só nomeação.

John Kurtz estava começando a amolecer.

- Alguma senhora bem liberal - falou. Talbot anuiu e continuou: - Um bocado de mudanças nos escalões inferiores do Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar deve resolver a coisa por lá. Nenhuma mudança nos Transportes, mas uma bem barulhentaem Moradias e Bem-Estar Urbano. Um novo Secretário que entre de sola, anunciando os maiores planos para programas fantásticos. - Ele fechou a pasta. - Estas serão as mudanças iniciais.

John Kurtz fumava o seu cachimbo.

- Pode ser que eu seja uma porcaria de político... mas exatamente o que vamos ganhar, Sr. Presidente?

- Espaço para respirar, John. Agora, mande-se para o Pentágono para verificar se as altas patentes estão fazendo o que mandamos .

Ken Ramsey e Dan Madigan permaneceram na sala.

- O seu trabalho é o pior, Dan - declarou Talbot. - Quero uma verba de emergência de dez bilhões de dólares para reabastecer os fundos de compensação-desemprego... e eu quero este dinheiro depressa. Use todo e qualquer truque existente, inclusive aquele do Fisco. Diga aos recalcitrantes que darei ordens ao novo Secretário da Fazenda para não questionar as suas declarações... não importa o que eles declarem ou não declarem.

- Isto deve dar maioria, na certa - concordou Madigan. •- Mas os projetos de verbas têm que ter origem na Câmara, e...

- Fale com Brad Cooley.

- Ora, ele engavetou o projeto de auxílio á Basanda...

- Temos uma troca perfeita. A bronca de Cooley é que temos gasto demais com a defesa e a ajuda externa, e não o suficiente com o pessoal de casa. Deixamos de lado o projeto de Basanda, e dizemos a Cooley que ele nos convenceu que ele era errado, e passamos nele a cantada de que é preciso ajudar os desempregados...

- Os slogans fazem o Brad vomitar... bem na cara da gente.

- Ele não pode repudiar as suas declarações sobre a necessidade de fundos de auxílio interno. Ele fará passar os dez bilhões pelo comité.

- E então como ficamos com Basanda? - indagou Madigan, franzindo o cenho.

- Existem fundos discricionários do Poder Executivo. - Talbot olhou para Ken Ramsey. - Informou-se a quanto montam?

- Um-vírgula-dois bilhões empilhados aqui e ali - replicou Ramsey. - Acho ue poderíamos desviar cerca de meio bilhão sem ninguém tomar conhecimento.- Isto serve como tapa-buraco, Dan? - perguntou Talbot.

- Serve. - Madigan estava radiante. Meio bilhão agora, mais depois. Rickhoven não podia se queixar. - Como damos o chute inicial no grande rejuvenescimento?

- Farei um discurso em cadeia para toda a nação. - Talbot acariciou o queixo. - Posso até mesmo dar uma deixa amanhã, quando fizer o elogio fúnebre do General Weidener. - Ele fitou o teto, improvisando. - Como se pode prestar o tributo adequado à memória deste homem dos mais bravos? Prometendo a ele e a todos que serviram e estão servindo à nação, fardados ou não, que em breve tomaremos um novo rumo que trará prosperidade interna, paz externa, etc. Que tal?

- Bom, mas vai precisar de muito polimento - falou Ken Ramsey.

- Afinal, para que diabo pagamos os redatores de discursos?

- Para que eles fiquem se masturbando sustentados pelo governo - brincou Madigan. Talbot lançou-lhe um olhar súbito e inexplicavelmente feroz. Quem sabe ele quer que eu me vá, pensou Madigan. - Isto é tudo, Charlie?

- É..., não. Fez algum progresso no nosso prOjeto do Cavaleiro Branco?

- Já o arranjei, está todo entrouxado e pronto para o forno. Russell Hatch. O tal que dizem se parece com Tom Sawyer.

Talbot lembrou-se de Hatch. Por Deus, parece o cara certo, pensou.

- Traga-o até aqui hoje... Ken, arranje uma hora vaga para mim entre as três e as quatro. Venha nessa hora, Dan.

Talbot almoçou com a filha Lexa nos aposentos da família. Estava pensando no discurso que faria à nação, estava preocupado com ele. A turma que redigia os discursos na Casa Branca, na opinião dele, era um bando de gente sem imaginação. O discurso iria exigir força, brilho. Fitou Lexa. Talvez, pensou... talvez.

- Gatinha, o tal rapaz que você mencionou, o tal escritor...

- Ele não é bem um rapaz... tem quase a sua idade. O nome dele é James Zander.

Quase da minha idade, pensou Talbot. Devia estar errado quando imaginei que Lexa tinha dormido com ele.

- Ele é mesmo bom? - indagou.

- É, acho que ele é provavelmente muito bom.

- Pode dizer a ele para vir ver-me hoje às cinco e meia da tarde?

- Eu mesma o trarei, Paizinho.

- Obrigado, querida. Mais um favor. É bem possível que o Senador Russell Hatch vá aparecer muitas vezes aqui por este asilo de #louc^i.# Dê a ele o tratamento completo de encanto e hospitalidade, está bem?

- Não tenha medo - sorriu Lexa. - Eu encantarei e enfeitiçarei.

O Presidente Charles Talbot falava. Os Senadores Daniel A. Madigan e Russell Hatch escutavam. Russ estava tenso, estourando de entusiasmo ao ver que a sua confiança original em Talbot estava sendo justificada.

O Presidente repassou com franqueza os problemas que o país e o governo enfrentavam, depois fez um esboço do que já havia feito (mandar tropas para cinco cidades) e do que pretendia fazer no futuro imediato. Talbot está tomando as rédeas, Hatch disse a si mesmo, eufórico, está finalmente exercendo a autoridade que um Presidente deve exercer. Apesar disso, Russ estava perturbado foi uma dúvida. Por que Talbot estava contando a ele, um senador que cumpria o seu primeiro mandato, com apenas dois anos no cargo, os planos e propostas que senadores com muito mais antigüidade ainda ignoravam?

Esta pergunta foi respondida quando Talbot chegou ao fim da sua fala.

- Precisamos de sangue novo. Preciso do’ apoio de homens moços, com mentalidades abertas e motivos sinceros. Dan - e Talbot indicou Madigan com a cabeça - responsabiliza-se cem por cento por você. - Voltou para Russ, com um largo sorriso de homem para homem. - Conhecendo Dan como conheço, ele provavelmente já verificou tudo a seu respeito... até mesmo os seus hábitos no banheiro.

Talbot deu uma risadinha e prosseguiu.

- Teremos bastante, mais do que o bastante, para você fazer depois que eu reorganizar a Administração. Ao mesmo tempo, Dan e eu queremos que você tenha responsabilidades adicionais no Senado. Você fará parte do Comitê do Trabalho e Bem-Estar Público. Mas isso não é tudo. O meu novo programa vai precisar de um comitê de vigilância, um comitê cão de guarda especial. Dan e eu queremos você nele... e espeto que você se considere o meu cãode guarda pessoal, fazendo com que os outros membros andem a linha.

Russell Hatch teve que se controlar para não gritar de alegria quando ele e Madigan saíram da Sala Oval. Pediu para dar um telefonema, imediatamente. Madigan levou-o ao escritório de Ken Ramsey.

Hatch ligou para os estúdios da CBN e mandou chamar Suzanne Loring. Ela veio atender.

- Suzy! - Ele estava eufórico. - Está livre esta noite? Tenho montes de novidades... todas boas... para lhe contar.

- Que bom, Russ, mas não esta noite... estou pregada. - E preciso de mais um dia para pôr mais ou menos em ordem, num estado que se assemelhe ao que passa por normal, a minha cabeça confusa, os meus nervos abalados e as minhas emoções castigadas. Se visse você hoje, provavelmente acabaria chorando e dizendo um monte de besteiras. Ela forçou o seu tom de voz a ser brejeiro e afetuoso. - Tenho um encontro às sete da noite, senador... com um banho fervente, lençóis limpos e frescos e um cara chamado Morf eu.

- Nem mesmo um drinque?

- Não, hoje não. Mas será que os senadores com boas novas deixam o convite de pé para outra hora?

- Só quando é absolutamente necessário. - Embora desapontado, ele fez força para igualar o modo brincalhão dela. Peio menos havia sinais de que a tempestade havia passado... e isto significava mais boas novas. - Que tal amanhã à noite?

- Certo, Russ. - Já devo ter-me controlado, a esta altura, pensou Suzy. Sabe Deus o que serei capaz de fazer se não tiver conseguido .

- Apanho você no estúdio?

- Telefone primeiro, posso ir para casa bem cedo, ou nun vir trabalhar. Se não tiver vindo, ou já tiver ido embora, ligue para a minha casa e estarei com o chá de camomila pronto na hora que você chegar lá.

- Certo, meu bem.

Que esquisito, pensou Russ. Cá estou eu na Casa Branca e acabo de estar na Sala Oval com o Presidente... e quando saio de lá, o meu primeiro e único impulso foi falar com Suzy. Quando as explicações para esta atitude começaram a se formar na sua cabeça, ele as afastou nervosa, quase medrosamente.

James Zander tinha um ar casual, usava um velho paletó de tweed e calças contrastantes, que não estavam muito bem passadas. O Presidente Talbot não conseguia se decidir se gostava ou não de Zander e ficou imaginando em que lugar Lexa o havia conhecido, e por que o recomendara tanto. Mas, à medida que os dois homens conversavam.

Talbot começou a perceber que James Zander era vivo, e que tinha uma noção muito boa - e realista - da política.

- Talvez eu deva falar-lhe do meu curriculum vitae, Sr. Pré sidente - ofereceu Zander, depois de um quarto de hora de conversa sobre assuntos gerais. - Tenho 51 anos. Escrevi três romances antes de completar 40 anos... e foram todos fracassos. A minha folha de serviços faz os gerentes de pessoal torcerem o nariz, de tão irregular. Trabalhei, sempre por pouco tempo, como relações públicas e repórter. Escrevi discursos... trabalhei durante algum tempo na assessoria de imprensa do Partido Republicano durante os úitimos meses do Governo Nixon. Para falar com franqueza, não sou muito bom para receber ordens dos outros, e tenho fases de preguiça.

Lexa o havia aconselhado a ser franco e direto. Pois bem, pensou. Estou sendo, até certo ponto. Vamos ver o que vai acontecer agora.

Ele é honesto quanto a si mesmo, refletiu Talbot... e isto era uma coisa que ele considerava um ponto a favor de qualquer homem. A maioria dos políticos profissionais pensa assim, porque esta é uma qualidade que eles próprios não podem possuir, se é que esperam receber votos. Mas não estou bancando Diógenes. Estou procurando um redator de discursos de primeira, Talbot lembrou a si mesmo.

- O senhor se incomoda de fazer um teste, Sr. Zander? - indagou.

- Nem um pouco, Sr. Presidente.

Talbot disse que faria o elogio fúnebre no enterro do General Keith’ Weidner e esboçou com cuidado o que queria introduzido no seu discurso.

- Não quero falar mais do que quinze minutos - concluiu. - Quanto tempo você vai levar para escrevê-lo?

- Meia hora, quarenta e cinco minutos. Se puder usar a maquina de escrever de alguma secretária...

Talbot fez com que Ken Ramsey o levasse a um escritório lá fora. Zander passou apenas alguns minutos do prazo que se havia imposto, mas depois teve que esperar enquanto o Presidente atendia um telefone do Secretário de Defesa Kurtz... que avisava que todas as tropas já estavam a caminho.

- A imprensa está endoidando - falou Kurtz.

- Que bom - respondeu Talbot. - Há dois anos que ela vem endoidando a gente.

Quando a conversa terminou, mandou Ken Ramsey ir buscar Zander. O homem entregou-lhe algumas folhas datilografadas. Eram rascunhos, mas Talbot não esperara receber a versão final. Começou a ler com ceticismo, mas depois de alguns parágrafos, todas as suas reservas desapareceram.

- Parabéns, Sr. Zander - disse. - O senhor é bom... muito bom.

A minha filha tinha Às oito da noite, Kenneth Ramsey veio relatar que a "deixa’’ sobre o "motivo real" por trás da movimentação das tropas tinha "escapado"... e que a imprensa que cobria a Casa Branca tinha engolido a isca direitinho. A seguir, o Presidente Talbot jantou a sós, uma reefeição simples... e depois foi para a cama. Dormiu bem.

O Juiz Avery Braithwaite voltou à Casa da Colina e ao Dormitório de Lincoln à meia-noite... novamente sem resultado. Marjorie Norworth encontrou outro bilhete escrito com letra trêmula enfiado debaixo da sua porta.

"Marjorie, Minha Cara: Por favor, permita que eu use o Dorditório de Lincoln mais uma vez amanhã à noite. Serei enormemente grato a você."

Ela deixou o bilhete de lado, e voltou àquilo que fizera a noite toda... escutar as transmissões contínuas de noticiários. O que ouvia enchia-a de um prazer e uma satisfação que eram quase sexuais. O cenário que havia preparado para o Presidente Talbot estava sendo seguido ao pé da letra. Finalmente, fez a sua anotação habitual de todas as noites no diário e foi para a cama. Dormiu como uma criança satisfeita.

 

Washington, D.C.: Sexta-feira, 19 de fevereiro.

Acertei na mosca! O Presidente Charles Talbot dava os parabens a si mesmo enquanto passava os olhos pelos sumários das reações da imprensa.

 

"ATITUDES GOVERNAMENTAIS ELETRIZAM A NAÇÃO...

 

Os líderes sindicais entrevistados ontem à noite elogiaram a atitude do Presidente Talbot, citando fontes fidedignas que disseram que as unidades do Exército protegeriam os participantes das demonstrações, se necessário...

 

DETROIT TEM UMA NOITE TRANQÜILA APÓS A RETIRADA DA GUARDA NACIONAL DA CIDADE ORDENADA PELO GOVERNADOR...

 

Boatos de que o Presidente Talbot em breve pedirá verbas maciças para ajudar os desempregados do país se espalharam por Washington ontem...

 

FONTES DA CAPITAL AFIRMAM QUE GRANDES MUDANÇAS PODERÃO SER FEITAS NO GABINETE."

 

A maioria dos editorialistas e colunistas fez elogios cautelosos a Talbot, intercalados dos predizíveis "sés" e "mas". Algumas aclamaram abertamente a coragem e a decisão dele. Uns poucos foram abertamente céticos, instando a nação a adotar uma atitude de "espere-para-ver". Contudo, o padrão geral de reações era decididamente favorável.

- Ei, que horas são? - perguntou Lexa Talbot, sentando na cama e tentando focalizar a vista.

- E quem se importa? - riu James Zander. Ele tomou a mão dela, levando-a ao pênis dele que se endurecia. - Brinque um pouquinho com ele... e depois vamos trepar.

- EU me importo - ela disse, olhando por cima do ombro dele para o despertador. Passavam alguns minutos das nove. - Tenho que comparecer àquele maldito enterro. - Soltou a mão que ele prendia. - Sinto muito, Jimbo... mas a política vem antes do sexo, até mesmo no dicionário.

Deram ao General Keith Weidener um enterro com todas as honras. A cerimônia religiosa realizou-se na Catedral de Washington, de estilo gótico, e a ela compareceram generais, almirantes, políticos e dignitários estrangeiros. O Presidente Talbot e a filha sentaram-se com a viúva e a família de Weidener.

Seguiu-se o tradicional cortejo até o Cemitério Nacional ie Arlington. O Presidente Talbot leu o elogio fúnebre diante de uma multidão de pranteadores, de turistas bisbilhoteiros, de repórteres e cinegrafistas de TV. Ao falar numa bateria de microfones, ele dedicou um tributo emocionante ao heroísmo de Keith Weidener em duas guerras e nos seus serviços extraordinários como Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas; depois mudou de rumo:

- O General Weidener repousará aqui em Arlington com muitos milhares de outros que viveram (e morreram) pelo seu país. É um lugar apropriado para que eu faça um juramento solene. Acabaremos com as lutas e dissensões, com a pobreza e a fome do nosso país e entre o nosso povo. As ordens que darei em breve e as leis que instarei o Congresso a promulgar sem demora serão tributos a Keith Weidener e a todos os nossos mortos heróicos, dedicados a nação em nome deles, em sua memória.

Como esperara, a imprensa interpretou as suas palavras come confirmação dos boatos que corriam em Washington desde a véspera. Grandes coisas estavam para acontecer.

O embaixador de cara-de-lua de Basanda, Percival Kwida, apareceu com uma asma diplomática para não assistir ao enterro. A mensagem que ele havia enviado ao Primeiro-Ministro

Odu Mwandí, instigado por Jordan Rickhoven, estava produzindo uma tempestade de reações vindas de Kinsolo, a capital basandana. O PrimeiroMinistro Odu Mwandi, que não era o mais equilibrado dos homens, estava reagindo com pânico e fúria histéricos e cada vez mais irracionais.

Uma mensagem de rádio vinda de Kinsolo ordenava ao Embaixador Kwida que obtivesse uma audiência imediata com o Presidente Talbot. A mensagem seguinte, minutos mais tarde, revogava a ordem. Uma terceira, quinze minutos depois, mandava Kwida retornar a Kinsolo. Mais meia hora, e a ordem de retorno era cancelada, e o Embaixador

Kwida recebia instruções de transmitir uma ameaça a Jordan B. Rickhoven :

 

""SE A AJUDA FOR REDUZIDA E OS ASSESSORES MILITARES RETIRADOS, DESTRUIREMOS AS INSTAÇÕES DE MINERAÇÃO E OS CAMPOS DE PETRÓLEO.

 

Depois, o amigo de Kwida, o Ministro do Exterior de Basanda, mandou o seguinte rádio:

 

NOSSO GLORIOSO IMORTAL PRIMEIRO-MINISTRO PODERÁ TRAZER DE VOLTA TODAS AS TROPAS DAS ÁREAS REMOTAS PARA PROTEGER PROVÍNCIAS CENTRAIS.

 

Ao meio-dia, mais uma vez do Ministro do Exterior:

 

UNIDADES NO NORTE RECEBERAM ORDENS PARA ABANDONAR AS SUAS POSIÇÕES.

 

Às 12:47... do Primeiro-Ministro Odu Mwandi:

 

TODOS OS MEMBROS DA SUA FAMÍLIA FORAM COLOCADOS SOB CUSTÓDIA PROTETORA, A SEGURANÇA DELES DEPENDE DOS RESULTADOS QUE VOCÊ OBTIVER EM WASHINGTON.

 

Isto horrorizou Percival Kwida. Sob o regime de Odu Mwandi, dezenas de milhares de pessoas haviam sido colocadas sob "custódia protetora". Pouquíssimas haviam sobrevivido.

Kwida telefonou para o Secretário de Estado americano, MacDonald Pearce, e, alegando ser um caso de "extrema urgência", obteve uma audiência com Pearce e contou a ele das mensagens recebidas de Kinsolo.

- A retirada das tropas já começou? - perguntou Pearce, com os músculos do rosto se contraindo. Kwida disse que sim. Pearce tirou os óculos bifocais sem aro, brincou com eles durante um momento.

- Entrarei em contato com o senhor mais tarde, Excelência - falou.

Kwida se retirou. Pearce mandou que um assessor localizasse Jordan Rickhoven e ligasse para ele. Ele próprio fez uma ligação para o Diretor da CIA, G. Howard Denby, e disse a este:

- Preciso vê-lo imediatamente.

Jordan Rickhoven foi localizado em Paris. Pearce fez para ele um resumo dos últimos acontecimentos relatados por Percival Kwida. Rickhoven expressou o grau de preocupação adequado, apenas para constar, para o caso de haver alguém à escuta na linha entre Washington e Paris. Por dentro, ria ínaldosamente. Não ia demorar muito e os Estados

Unidos não teriam outra opção senão intervir em Basanda.

- Mantenha-me informado, Mac - falou. - Tenho completa fé e confiança em você. - E mais sm mim mesmo e nos meus cálculos.

Alguém disse certa vez que, se é qvie G. Howard Denby mijava, ele mijava água gelada. O comentário chegou aos ouvidos de Denby, que o considerou um elogio. O chefe cía CIA não tinha nervos, não permitia que nenhum sentimento interferisse quando cumpria seus deveres oficiais. Isto é que o tornara capaz de transformar a sua agência naquilo que era.

Denby esperou até que MacDonald Pearce acabasse de falar, depois fez apenas um comentário lacôríico.

- Temos um problema dos infernos pela frente, Mac. Pearce pigarreou:

- Mwandi precisa ser eliminado... e depressa. Não podemos esperar uma semana ou dez dias, agora.

- As equipes de especialistas foram para lá na quarta-feira - falou Denby com um dar de ombros. - Podemos fazer a coisa antes, mas será arriscado... e caro pra burro. Odu Mwandi tem um batalhão como guarda palaciana. O comandante da guarda, oficiais subalternos e soldados terão que ser subornados com tanta grana que não pensarão duas vezes.

- Quanto você calcula?

- Dois milhões para o comandante... ele terá que abandonar Basanda para sempre, ou alguém o matará por vingança. Duzentos e cinqüenta mil por cabeça para os oficiais subalternos, 50 mil pata cada soldado. Mais alguns extras, e eu diria que chegaremos perto de 15 milhões.

- Você tem fundos secretos...

- Desculpe, mas não vou usar dinheiro da Agência para as suas operações drásticas. Quero os fundos transferidos do Estado.

- Está bem - capitulou Pearce. - Quando é que Mwandi some?

- Quarenta e oito horas depois que os mensageiros da Agência levarem a grana para Basanda. Com sorte, até um pouco mais cedo.

Daniel Madigan compareceu à cerimónia religiosa na Catedral de Washington, mas não ao Cemitério de Arlington. Uma visita aos escritórios do congressista Bradford

Cooley no monstruosamente feio Edifício Rayburn teve prioridade.

O elegante Líder da Maioria no Senado e o corpulento Presidente do Comité das Verbas da Câmara no seu terno folgado apertaram-se as mãos, e Madigan começou a conversa com um pedido de desculpas.

- J. B. e eu fomos muito grossos com você na outra noite, na casa da Marjorie. Por favor, ponha na conta de bebida e tensão demais, Brad.

Bebida e tensão, uma ova, pensou Cooley. Madigan acrescentou.

- Nós dois sentimos muito. Cooley não se deu por achado.

- Perdoado e esquecido - disse, mas a sua expresseão instava Madigan a dizer logo qual o motivo da sua visita.

- O Presidente Talbot pediu-me que lhe dissesse que quer que o projeto de ajuda a Basanda não vá adiante, Brad.

- Isto faz dele um cúmplice posterior do crime. Já esganei e matei o tal projeto. - Cooley estava por dentro das artimanhas dos presidentes. - Você está aqui para me engabelar, Dan. Tudo bem. Mas eu sou cria de fazenda e reconheço de longe o cheiro de bosta. Talbot retira o projeto e tapa-o-buraco com os seus fundos discricionários secretos. - A frase final foi um tiro no escuro, mas acertou na mosca, percebeu Cooley, vendo os lábios de Madigan se contraírem. - Não posso detê-lo, mas se a verdade vier à tona algum dia, ele terá que assumir a responsabilidade total. O que mais?

Madigan contou-lhe os planos de Talbot, e terminou com a informação de que o Presidente solicitaria dez bilhões de dólares para uso interno de emergência.

- Ele está mandando redigir o projeto o mais depressa possível. Podemos contar com o apoio e a ação rápida da sua parte e da parte do seu comité, Brad?

- Naturalmente - concordou Cooley. Seria o suicídio político criar obstáculos ou protelar uma medida desta ordem. - Com uma condição, Dan. - Os olhos astutos dele brilhavam. - Charlie Talbot agita a sua varinha mágica e joga para os lados do Alabama uns 50 milhões destes fundos discricionários que ele está utilizando... e imediatamente. A turma por lá não está numa boa.

- Negócio fechado. - Madigan deu um sorriso largo, apreciando a política prática de Cooley. Sempre pense nos eleitores do seu estado natal em primeiro lugar, obtenha para eles tudo o que puder. - Acho que vou exigir de Charlie a mesma coisa para Illinois.

De volta à Casa Branca, vindo de Arlington, o Presidente Talbot se fechou na Sala Oval com Kenneth Ramsey.

- Que tal me saí? - indagou Talbot.

- Não podia ter sido melhor. Não havia um único olho seco na platéia.

- Ken, mande Zander meter os peitos na grande produção... e mexa os pauzinhos. Quero uma hora de transmissão em cadeia, no horário nobre, neste domingo.

- Mas está perto demais. Hoje já é sexta e...

- Tem que ser assim. Quero anunciar a reorganização do Gabinete antes que o pessoal que estou pondo no olho da rua tenha chance de se organizar e começar a criar caso.

- A imprensa irá chamar o programa de outra Chacina de Domingo à Noite.

- Talvez até mesmo eu assuma e chame-o assim.

- Quer que marque uma reunião do Gabinete? – perguntou

Ramsey.

- Na segunda-feira, quando as ovelhas do sacrifício estiverem tontas e sangrando.

- E quanto às listas de possíveis substitutos?

Tinham apenas 48 horas para selecionar os possíveis, fazer uma verificação super-rápida deles, em termos de segurança e passado pessoal... e entrar em contato com os indivíduos para determinar se aceitariam as nomeações.

- Madigan está cuidando disso. Temos muitas outras coisas para fazer.

Talbot ficou calado, levantou-se da cadeira e foi até as janelas, de onde fitou os jardins lá fora. Tinha se conscientizado dos enormes riscos que estava correndo, e fora assaltado subitamente por dúvidas e ansiedades.

- Pra que lado está soprando o vento? - perguntou, quase como se estivesse com medo de saber a resposta.

O pobre e inseguro filho da mãe vai precisar de um bocado de estímulo, pensou Ramsey. Felizmente, o que tinha a relatar era grandemente favorável.

- A mesa telefônica hoje está pior do que ontem, só que os telefonemas são de parabéns, e não de críticas. Os telegramas são de 3 contra l, a seu favor. O Governador de Michigan não está muito satisfeito, mas e daí? A imprensa esta clamando por declarações, mas os correspondentes não estão demonstrando a velha hostilidade costumeira...

- Nada de declarações antes de domingo - falou Talbot, começando a se recompor.

- Foi o que imaginei. Deixe ver, o que mais? Os chefes de gabinete e de departamentos estão quase loucos com os boatos...

- Ótimo. Essa agonia só lhes fará bem.

- O seu pedido dos dez bilhões está sendo redigido no Edifício do Poder Executivo. Todo o mundo ali jurou segredo.

Talbot estava animado de novo.

- E imagino como você os fez jurar, Ken - riu ele. - Conheço os seus métodos. Provavelmente posso repetir as suas palavras, literalmente. "Olhem aqui, seus sacanas, se alguma coisa disso escapar, vocês vão ser despedidos, mas tão depressa que os seus testículos vão rachar ao meio quando vocês romperem a barreira do som.”

- Foi mais ou menos isso, Chefe - riu Ramsey.

- Você merece uma medalha, Ken. Agora, traga Jim Zander aqui. Vou dar-lhe as dicas sobre o que quero para domingo.

Ciente de que a estrela de Russell Hatch estava numa ascensão rápida, Marjorie decidiu dar uma das suas recepções improvisadas e repentinas em honra dele. Todas as pessoas para quem telefonou convidando para a festa aceitaram com alegria. Era sempre assim quando o mundo oficial de Washington escutava rumores conflitantes e pressentia agitações no ar. A Casa da Colina era o local onde provavelmente obteriam as informações mais precisas a respeito.

Marjorie ligou para Russ.

- Esteja aqui às oito - disse a ele, com amabilidade. - A minha lista de convidados é de impressionar... e a recepção é em sua homenagem.

Hatch sabia que não podia recusar, e aceitou com elegância e gratidão. Mais tarde, lembrou-se do seu encontro com Suzanne. Ligou para ela, primeiro para o estúdio.

. não fora trabalhar naquele dia... depois para o apartamento dela, onde a encontrou.

- Querida, detesto ter que fazer isto... e estou falando de coração... mas vou ter que dar o bolo em você.

Suzanne estivera se preparando para o que deveria ser, efetivamente, uma reunião festiva. O desapontamento deixou-a entorpecida.

- Não me diga que vai ficar trabalhando até tarde - falou, conseguindo fazer com que o seu imenso desapontamento não transparecesse na voz.

- Não... mas vou trabalhar. Paparicando, os figurões. - Ele contou a ela sobre o convite de Lady Norworth. - Sinto muito...

- Não sinta. Ambos temos as nossas carreiras - e nenhum de nós pode desistir delas, ou desistiria, mesmo se pudesse, porque somos ambiciosos demais e estamos muito ligados nelas - e não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar oportunidades. Ligue para mim amanhã. - Ela mal conseguiu evitar acrescentar um "por favor, querido”

muito sentido.

- Ligarei... e contarei para você tudo o que vem acontecendo, de A a Z.

Russ ficou espantado com o comparecimento à reunião. - O andar principal da casa de Lady Norworth fervilhava de legisladores, oficiais de gabinete, chefes de departamentos e de agências e dos seus eventuais sucessores. Se os russos soltassem uma bomba naquele lugar, Russ riu consigo mesmo, o Governo ficaria paralisado.

Hatch achou divertido ver (e ficou lisonjeado, a despeito de si mesmo) a atenção que recebia dos outros convidados. Homens que anteriormente nem se dignavam a reconhecê-lo estavam ansiosos para apertar a mão dele, contar piadas, sugerir almoços e jantares. Era óbvio que todos queriam cair nas boas graças dele. , É uma coisa de doido, refletiu Russ. Da pobreza à riqueza em apenas três dias... é uma variação política sobre o tema de Horatio Alger. Não casei com a filha do patrão, mas subornei Smy... e eureca! Estão fazendo fila para vir lamber meus sapatos. - Embora tentasse, Russ não conseguia negar que era uma experiência Jesfuziante, de estofar o ego. Pela primeira vez desde que viera terá Washington, ele estava tomando um gostinho em primeira jnão (um simples gostinho, mas assim mesmo válido) do que era o poder, do que significava e das implicações que continha. Sentiu uma pontada de pena por Suzanne não estar ali partilhando da experiência com ele.

Na verdade, sentia um desejo vago e indefinido de que pudesse partilhar tudo com ela... o presente e o futuro aparentemente belo e promissor. Afastou os pensamentos, timidamente. Como Suzanne dissera algumas horas antes, ambos tinham as suas carreiras. Ela já era um grande sucesso na dela. Comparativamente, o que parecia ser para ele o Grande Salto, era café pequeno na arena política.

Hatch passou duas horas circulando, conversando, escutando, absorvendo a cancha e os padrões, aprendendo mais sobre como o Governo realmente funcionava do que aprendera nos seus dois anos como senador de pouca projeção. Depois, encontrou o senador por Nova York Aaron Kugelman, que havia visto na casa de Marjorie duas noites antes.

- Dan Madigan me disse que eu e você vamos fazer parte de novo comitê de vigilância, do comitê cão-de-guarda - falou Kugel man. - Precisamos nos conhecer melhor.

- Nós já nos conhecemos - Russ retorquiu de modo azedo. - Você é o liberal batalhador que não suporta schwarzers.

Kugelman ficou escarlate.

- Aquilo foi só conversa fiada para agradar Early Frobase. Ele tinha acabado de concordar em mudar o seu voto e aprovar um projeto meu. Tinha que jogar um osso para ele.

Em quem e no que a gente pode acreditar nesta cidade? pensou Russ. É tudo Max Ernst, Hieronimus Bosch e Alice no f’ais das Maravilhas. Ele passou para a Sala Vermelha.

Marjorie Norworth, com os seus diamantes faiscando, vestindo um longo de chtffon de seda de Dior, interceptou-o. Tomou a mão dele, levou-o lá para cima.

- Estou apenas seguindo a máxima de Roosevelt - ela disse. - Preste depressa as suas homenagens aos bem-sucedidos. - Ela nu. Haviam parado diante de uma porta com almofadas. - A minha oblação é um jantar intime para você. Infelizmente, sou muito velha para você... senão nós dois estaríamos jantando juntos. - Ela abriu a porta, fez com que ele entrasse. - Divirtam-se. - Ela fechou a porta. Russ viu-se na sala de estar de uma suíte esplendida.

A luz provinha de um candelabro de prata Lamerie colocado no centro de uma mesa ricamente posta para dois. Um balde para champanha de prata de lei continha uma garrafa de Roederer Cristal. Uma moça miúda, com bejas feições que tinham um toque exótico, quase eurasiano, estendeu a mão para ele.

- bou Christine e sei que você é Russ.

A voz dela era suave, sedutora. A mão dela era pequenina e cálida.

- Não sabia que tinha um encontro com uma desconhecida, esta noite - disse ele, acrescentando um elogio sincero. - Mas a desconhecida não poderia ser mais bela.

- Outro surpreendente benefício suplementar do sucesso, pensou ele... só que este de jeito nenhum eu poderia partilhar com Suzy.

Christine usava uma túnica vermelha simples que acentuava as curvas e as superfícies planas do seu corpo, aumentando a sua sensualidade.

- O prazer é mútuo - ela murmurou - ou talvez eu deva dizer que estou certa que será.

Holcom serviu-lhe um jantar que teria deixado o Tour d’Argent envergonhado. A conversa de Christine era animada, espirituosa, e cada movimento dela era uma promessa sutil que o excitava, fazia o sangue descer para os seus quadris. Ela o tantalizava, comendo devagar, bebericando champanha, demorando a tomar o café, até que, finalmente, o desejo dele estava no auge, e eles entraram no dormitório adjacente. Ela puxou Russ para junto de si, com os lábios sensuais úmidos, beijou-o, enfiando a língua bem dentro da boca dele, e depois afastou-se.

- Deixe-me despir você - ela disse, retirando a túnica vermelha. Nada usava por baixo. Os seios dela eram altos, firmes, os mamilos rosa-coral e intumescidos.

- Sente-se na beira da cama, Russ.

Ela oferecia o corpinho delicioso às suas carícias e afagos enquanto tirava as roupas dele. Os lábios e a língua dela o excitavam ao roçarem e beijarem e percorrerem o corpo dele.

- Você é enorme... que beleza - falou encantada, segurando na concha das mãos o membro intumescido dele. Ele a agarrou, não rudemente, mas com a urgência do seu desejo físico, e caíram na cama. Ele podia sentir o calor úmido dela contra a sua coxa. Ela estava ensopada, e o seu corpo inteiro suplicava.

Pressentindo que ele desejava ter contato vaginal em primeiro lugar, ela abriu as coxas, segurou o pênis dele e, com um movimento vagaroso e sensual dos quadris, engoliu-o dentro de si. Mais tarde, depois que o primeiro orgasmo dele explodiu simultaneamente com o dela, Christine logo descobriu que Russ gostava de variar, e quenão tinha inibições. Algumas horas mais tarde, os dois se disseram que haviam sido magníficos juntos. Ambos falavam com sinceridade.

A experiência dizia a Lady Marjorie Norworth que aquela seria uma noite comprida. Os seus convidados continuariam a beber, conversar, especular, bisbilhotar e sondar uns aos outros à cata de informações... ou de insinuações passíveis de fornecer um pouco mais de esclarecimento adicional... e a beber ainda mais.

O padrão era muito familiar a Marjorie. Era sempre a mesma coisa quando Washington tinha premonições de próximas convulsões políticas. Fora assim durante a Crise Cubana dos Mísseis, nos dias que antecederam a declaração de Lyndon Johnson de que não disputaria a Presidência em 1968, durante a vigília de uma semana antes de Richard Nixon finalmente renunciar ao seu cargo.

Nessas ocasiões, A Casa da Colina era um santuário para os homens que temiam as conseqüências eventuais e a perda do poder (ou tinham esperanças de ganhar ainda maior poder) e Lady Marjorie Norworth era o Oráculo, a Figura Materna, e a Rainha.

Pouco depois da meia-noite, o Juiz-Presidente da Suprema Corte, Avery Braithwaite, entrou pela entrada desserviço dos fundos para evitar qualquer possibilidade de ser visto pelos convidados de Marjorie. Holcomb levou-o ao Dormitório de Lincoln pela escada dos fundos e notou que o rosto de Braithwaite apresentava uma coloração doentia e esbranquiçada, e que os seus olhos estavam fundos e injetados de sangue.

O drama foi encenado novamente, exatamente como antes, salvo por um toque adicional. Antes de subir a escadinha para ser atado à cruz, Braithwaite, com voz que mal se ouvia, pediu ao legionário romano para fingir que espancava impiedosamente com os punhos a mulher encapuzada.

Vestindo o tapa-sexo rasgado, Braithwaite foi amarrado à cruz e recebeu de bom grado a dor que lhe rasgou os ombros quando tiraram o apoio de sob seus pés.

O ritual começou.

- Pai, ajudai àqueles que vos suplicam...

O legionário praguejou, espancou a mulher com os punhos cerrados. Ela soluçava. O soldado enfiou a lança nas costelas de Braithwaite.

- Suplico-vos que me mostreis o que é certo...

A lança foi espetada mais uma vez, com mais força. O soldado cuspiu na figura crucificada e rosnou:

- Filho da puta!

Começou a maltratar a mulher. Lançou-a ao chão, de costas, levantou o manto ao redor da cintura dela, continuou a lhe bater. Dizendo obscenidades, montou nela.

A boca de Avery Braithwaite se abriu.

pai; eu vos agradeço! - O grito dele era de êxtase. O seu corpo era sacudido por tremores, que aumentavam de força, até que os seus músculos doloridos estremeceram violentamente. - Ahhh...

ppaü Os pulsos e os tornozelos lutavam contra as tiras de couro que os prendiam. O corpo se retorcia, se contorcia. - Ahhhh...!

A erupção física, elementar e líquida, trouxe o brilho fulgurante que iluminou claramente a resposta que ele buscava. Obrigado, Pai, pela graça do Vosso esclarecimento,

Braithwaite falou intimamente... e desmaiou.

- Finalmente, ele conseguiu - disse a mulher, se pondo de pé. Chame Holcomb. Vamos precisar de ajuda para tirá-lo daí.

O legionário romano olhou para a figura crucificada. Ela tinha mesmo perdido a consciência, e a parte interna das suas coxas brilhava, molhada com o sêmem fresco.

O soldado tirou o capacete, artigo de guarda-roupa de teatro, rodeou a cruz e apertou uma campainha para chamar Holcomb.

 

O Mundo de Lady Marjorie Norworth. Dezembro de 1947.

Perle Mesta ia dar uma gigantesca festa de réveillon. Os colunistas sociais da capital prediziam que seria "a festança maior e mais brilhante desde antes da guerra".

A lista de convidados ia desde os Trumans até os congressistas que cumpriam os seus segundos mandatos e os Subsecretários dos departamentos do Gabinete. O nome de Lady Norworth foi omitido propositalmente da lista.

Inspirada por Bradford Cooley, Marjorie fez a primeira jogada no complexo jogo de xadrez da sua renascença. A maioria dos homens que ia comparecer (ou ia ser forçada a comparecer) à festa de Perle Mesta com certeza beberia exageradamente. Com mais certeza ainda, eles teriam ressacas monumentais, no dia seguinte. Os casados teriam que aturar as reclamações e espinafrações das esposas, além dos monólogos ferinos sobre o que as outras pessoas haviam dito e as outras mulheres usado.

Durante a última semana de dezembro, Marjorie disse aos seus amigos leais que ia dar uma Festa Só Para Homens na sua casa, sem limite de convidados, no dia Primeiro do Ano. Uma Festa de Primeiros Socorros do Dia Primeira de Janeiro, assim chamou ela à festa. Os homens que buscassem um abrigo seguro e poções curadoras, quer fossem café preto, Alka-Setzers, bebidas geladas ou bourbon puro envelhecido há vinte e cinco anos; eram todos bem-vindos... podiam vir buscar refúgio e cura na sua mansão.

- A minha criadagem estará preparada para atender a todo c qualquer "acidentado" - disse ela, rindo. - Podem difundir o convite.

Contratou uma dúzia de criadas suplementares, as mais bonitas que encontrou, e mandou comprar uniformes de enfermeira para elas. Holcomb, o seu barman regular e dois outros contratados para a ocasião receberam jalecos brancos de médico... e estetoscópios para usar ao redor do pescoço. (O Grande Homem não dissera que nenhuma-cidade do mundo se igualava a Washington em matéria de mau gosto?)

Marjorie calculara que talvez uns 150 homens, nos mais variados estágios de ressaca e mal-estar, apareceriam durante o dia. Por volta de uma da tarde já havia quase 70, inclusive dois oficiais de Gabinete, o presidente do Congresso, e o assessor militar do Presidente Truman. Lá pelas três horas, o número havia mais do que duplicado. Antes que a reunião terminasse (às duas horas da manhã seguinte) cerca de 300 homens se haviam embebedado de novo. A apreciação que demonstraram pela festa de Marjorie Norwarth foi unânime e sem limites. Daí por diante, a Festa de Primeiros Socorros do Dia Primeiro de Janeiro tornou-se um acontecimento anual.

Marjorie planejara a reunião do Dia Primeiro do Ano com astúcia e habilidade consumadas. Durante a noite, ela selecionou um senador democrata muito antigo, um oficial de gabinete e um importante congressista republicano. Cada um deles era famoso por ter aspirações presidenciais. Com a ajuda de Holcomb, ela conseguiu deixar os três tão bêbados que mal se agüentavam em pé. Insistiu, então, que eles fossem para o andar superior (ajudados pelos criados) para dormirem até passar o porre. Só então iriam para casa.

Ao senador republicano coube o Dormitório Lincoln. Deram ao oficial de gabinete o Dormitório da Rainha. Quanto ao senador democrata muito antigo, foi semicarregado até o quarto de dormir que era uma réplica daquele que o próprio Presidente ocupava na Casa Branca.

Depois de períodos diversos de sono pesado, cada um dos homens acordou e se achou na cama... e acompanhado. Uma "enfermeira"... nua e ansiosa... estava enroscada ao seu lado. Cada homem perguntou atordoado mais ou menos a mesma coisa: - "Santo Deus, onde estou?" - Como é que você chegou aqui?" Cada um deles recebeu respostas semelhantes: - "Vou acender a luz para que você possa ver onde está." - "Não se lembra, você pediu. Eu subi às escondidas. Ninguém me viu."

As respostas confortadoras aliviaram as ansiedades, diminuíram o mal-estar da ressaca e alimentaram os egos masculinos. Os corpos nus ativaram glândulas. A ilusão de estar nos dormitórios da Casa Branca teve efeitos afrodisíacos de força descomunal. Mais tarde (s no caso do senador democrata muito antigo, só lá pelo meio-dia) cada uma das garotas repetiu o mesmo refrão:

"- Você foi fantástico! Não se preocupe, vou descer pela escada dos fundos." Quando lhe ofereceram dinheiro, cada uma das moças recusou. (Ah, rião! Eu tive vontade!)

Isto forneceu mais alimento para o ego masculino se nutrir e engordar. Quando cada um dos homens desceu, encontrou Holcomb à espera, com café preto e o recado de que Lady Norworth há muito se recolhera. Ela estava muito cansada, depois da festa.

Mais tarde, durante o dia, Marjorie recebeu montes de flores, bilhetes entregues por mensageiros pedindo desculpas por "ter apagado" e agradecendo-lhe por ter sido tão gentil, hospitaleira e cheia de consideração. Como é fácil de compreender, nada foi dito a respeito das moças que haviam aparecido tão inesperadamente nos diversos quartos e camas Mas, sendo homens, nenhum dos três políticos pôde resistir por muito tempo à tentação de se vangloriar das suas experiências diante dos amigos e colegas.

- Ela tinha uns dezenove anos e era linda. (Isto foi dito com um ar adequadamente modesto e confuso.) Não entendo o que ela queria com um traste velho como eu, mas ela era uma verdadeira gata selvagem! (Voz mais baixa, quase reverente.) E puxa vida! Trepar na mesma cama em que Lincoln dormiu... fantástico!

- Lá estava eu, trepando a mais não poder no quarto que abriga a realeza!

- Não tenho a menor idéia de como é que o Harry faz com a Bess, mas agora eu sei o que eu faria se tivesse uma chance de usar aquela cama presidencial...

Dando tempo ao. tempo, construindo discretamente sobre a sua "nova base", dentro de um ano Lady Marjorie Norworth havia recuperado todo o terreno perdido, e ganho ainda mais. Foi recolocada num trono ainda mais alto, muito acima e muito distante do campo de batalha mundano onde as Mestas, Cafritzes e McLeans continuavam as suas briguinhas pela supremacia social ordinária e corriqueira. Por volta de 1950, embora ela ainda fosse ignorada pelos Trumans, o salon de Lady Norworth era mais uma vez a Bolsa do Poder inconteste, em que os gêneros da influência política eram trocados, avaliados, comprados e vendidos, e onde o valor das ações (e dos futuros) pessoais dos políticos era estabelecido. Finalmente, em 1951, até mesmo Harry Truman teve que ceder um pouco.

A Guerra da Coréia ia de mal a pior, e Truman estava numa entalada. O General Douglas MacArthur criticava publicamente a política e as ordens dele, e ficava cada vez mais insubordinado. Instado a demitir o seu comandante do Extremo-Oriente. Truman vacilava. MacArthur tinha gente poderosa a apoiá-lo no Poder Legislativo, e uma imensa popularidade. "Demitir Mac" com certeza teria repercussões danosas e de grande alcance.

Truman não teve coragem de visitar A Casa da Colina pessoalmente. Num dia chuvoso de abril, ele estava brincando com o letreiro que mantinha sobre a sua mesa, e que recebera muita publicidade, THE BUCK STOPS HERE, * e conferenciando com o seu popular (e controverso) assessor militar, o General-de-divisão Harry Vaughn.

- Falam que ninguém está mais por dentro das transas políticas do que Lady Norworth - disse Truman, e quando Vaughn admitiu que isto provavelmente era verdade, continuou:

- Gostaria que você tivesse uma conversinha com ela e descobrisse exatamente quais são os sentimentos do pessoal em relação a este caso MacArthur .

Vaughn fez o que o presidente mandou, foi falar com Marjorie. Ela fez a cara mais séria possível.

- O Presidente pode ser condenado se mandar Douglas passear, mas a maioria das pessoas que vêm aqui em caráter particular acha que ele seria um fraco e um completo idiota se não o fizesse. Já deviam ter dispensado o Douglas há muito tempo.

O General Vaughn foi prestar contas a Truman. Se este foi ou não o toque final que desequilibrou a balança é uma incógnita... mas, provavelmente, foi sim. Dois dias mais tarde, no dia 10 de abril de 1951, Truman exonsfou MacArthur do seu comando.

Marjorie ronronava de satisfação. Tinha acertado duas contas. Logo que ela viera para Washington, Douglas MacArthur havia rechaçado com toda a frieza as tentativas dela de ter um caso com ele... e agora ela havia ajudado a acabar com a carreira militar dele. Harry S. Truman a esnobara seguidamente desde que FDR morrera. O fato dele exonerar MacArthur seria, sem dúvida, um fator de grande importância na destruição da sua carreira política. A vingança era doce; o poder de obter vingança contra os importantes e poderosos ainda mais doce.

Marjorie Norworth não tinha lealdades partidárias. Partidos políticos - republicanos, democráticos ou vegetarianos - para ela era tudo a mesma coisa. Ela contribuía regularmente com grandes quantias para o partido que estava no poder, e durante as campanhas eleitorais, para o partido que ela acreditava venceria (os palpites dela eram infalivelmente corretos). Contudo, ela mantinha, prudentemente, relacionamentos igualmente estreitos e cordiais com membros da oposição, e não apenas porque quem estava de FORA hoje podia estar DENTRO amanhã. A primeira lição que ela aprendeu com o Grande Homem foi que quando os seus interesses particulares coincidiam, os oponentes pouco ligavam para as diretrizes partidárias, e tornavam-se aliados firmes. Marjorie dava valor à vantagem

 

* To pass the buck - significa passar para terceiros a responsabilidade de uma decisão; Truman queria deixar claro que ele assumia essa responsabilidade, não a delegava a ninguém. (N. da T.)

 

de poder manejar os fios de todas as marionetes, não importa em que lado do palco elas estivessem.

Adiai Stevenson foi uma exceção à regra que ela mesma se impôs. Ela o "riscou do seu caderno" sem mais delongas em 1952. Ele era um idealista e um intelectaul...

uma mistura letal paia qualquer candidato à Presidência. De qualquer modo, ele nunca compareceu à Casa da Colina, e os homens que aí compareciam debochavam da sua ingenuidade política de intelectual. Embora se desse conta de que a eleição de Dwight Eisenhower era uma conclusão precipitada, e que ele tinha à sua disposição fundos ilimitados para a campanha, Marjorie doou 200 mil dólares para o seu comitê eleitoral.

Ela foi convidada para o Baile da Posse de Eisenhower, e teve uma conversinha particular de 15 minutos com o novo Presidente. Embora abismada com a sintaxe dele, que mal era compreensível, ela considerou que a conversa que tiveram valeu cada centavo dos 200 mil dólares que lhe custara. Mais uma vez, tinha acesso à Casa Branca e seus ocupantes. A inveja furiosa que isto causou às mulheres colunáveis de Washington foram juros deliciosos do seu investimento .

Marjorie sabia do episódio Kay Summersby (capitão do Serviço Feminino de Transportes) na vida de Eisenhower (Marshall contara o caso a ela em 1944) e tinha pleno conhecimento dos seus muitos e difíceis problemas pessoais.

Durante os seus dois mandatos, Eisenhower consultava Marjorie Norworth com freqüência e desabafava com ela os seus problemas pessoais e oficiais. Ela lhe dava mais do que conselhos e compreensão. Vários uniformes de capitão da época da Segunda Guerra Mundial do Serviço Feminino de Transportes Britânicos estavam trancados num armário da Casa da Colina. Em algumas das visitas que fazia à mansão, Ike era conduzido por Holcomb a um dos dormitórios do andar superior. Aí, ele ficava de mãos dadas com a moça alta e esguia que vestia, desta feita, um dos tais uniformes; ele a chamava de Kay, depois a beijava com ternura... e desatava a chorar.

Marjorie Norworth achava que até mesmo os Presidentes tinham direito a realizar as suas fantasias.

Marjorie reconhecia a falha grave de Dwight Eisenhower. Um soldado profissional condicionado a se manter distante enquanto os, oficiais do Estado-Maior decidiam e finalmente davam as sugestões; ele carregou este hábito consigo para a Casa Branca. Delegava virtualmente toda a responsabilidade para uma equipe dirigido pelo seu Assistente Administrativo-Chefe, o ex-governador de New Hamp 120 shire Sherman Adams... o qual, muitos afirmavam, era o Presidente de fato enquanto Eisenhower se dedicava principalmente a jogar golfe.

Majorie não gostava de Adams porque ele logo se tornou o único a conceder os favores da Casa Branca, e não demorou a ter um monopólio exclusivo de influência sobre Eisenhower. Certa noite, um grupo de "fazedores de reis" e senadores republicanos discutia acaloradamente sobre Adams na réplica da Sala Vermelha da Casa Branca da mansão de Marjorie.

- Sherman Adams domina Ike completamente - queixava-se Jordan B. Rickhoven, Jr., amargamente. - E não há nada que possamos fazer.

Mariorie lembrou-se de um comentário bem-humorado que Ike fizera sobre como Sherman Adams gostava de ganhar presentes.

- Ele ganha tapetes orientais... e alguém até lhe deu um casaco de vicunha que deve ter custado tanto que nem mesmo eu teria condições de comprá-lo, se quisesse - dissera Ihe.

Marjorie fez aos homens na Sala Vermelha uma pergunta:

- Quem é do pessoal da Casa Branca que mais deseja o lugar de Adams?

Um senador forneceu um nome. Os demais concordaram com a cabeça.

- Tragam-no aqui em casa... e logo - sorriu Marjorie.

O homem apareceu com Jordan Rickhoven, Jr. algumas noites mais tarde. Marjorie derreteu-se para o lado dele, convidou-o para voltar dentro de poucos dias. Quando ele voltou, ela o recebeu como se fosse um velho amigo, foi falar com ele em particular e, contando a ele qual o ponto fraco de Sherman Adams, deu-lhe conselhos.

Uma semana depois, o aspirante à posição que Sherman Adams ocupava tinha obtido provas detalhadas, e deixado que a imprensa tomasse conhecimento delas. No escândalo exagerado de tráfego de influências que se seguiu, Adams foi forçado a pedir demissão. Eisenhower nunca suspeitou do papel desempenhado por Marjorie Norworth. Privado do fluxo constante de conselhos que emanava de Adams, e sentindo-se pouco à vontade com o seu sucessor, Ike retomou o hábito de aconselhar-se freqüentemente com Marjorie. O s tatus e a influência dela em Washington elevaram-se ainda mais do que antes.

Durante os seus anos como deputado, depois senador, pelo Estado de Massachusets, John F. Kennedy foi um visitante freqüente na Casa da Colina. Lady Norworth percebeu que ele possuía muitas qualidades e características semelhantes às do Grande Homem - encanto, uma ambição feroz, uma maneira pragmática de encarar as coisas, e mais do que um toque de crueldade e megalomania. Mas faltava-lhe a inteligência do Grande Homem, a sua lar gueza de visão, o seu tato e habilidade. Ela contribuiu para a campanha eleitoral dele apenas porque sabia que ele ia ganhar. O trato que assegurava a Kennedy uma margem de vitória mínima e conseguida através da máquina política fora feito à sua mesa de jantar. Contudo, ela não se impressionou particularmente com a Camelot-àsmargens-do-Potomac de Kennedy.

- Carisma e charme simplesmente não bastam - ela comentou com Brad Ccoley alguns meses depois que Kennedy tomara posse.

Ele ainda foi mais negativo.

- Eu conheço Jack... ainda mais, enxergo através dele. Conquanto não tenha ilusões sobre a democracia com liberdade e justiça para todos, ele me deixa nervoso.

A expressão "Kennedy, Kith & Kin" (Kennedy e parentela) abreviada para KKK, numa alusão ferina, já estava na moda entre o pessoal de Washington que se desencantara com o novo Presidente. Algumas pessoas ainda iam mais adiante, e falavam abertamente nos. "seis K" - Kennedy Kith-and-Kin Ku Klux Klan. Uma imprensa deferente minimizou as duas versões, transformando-as numa brincadeira amistosa, a "Máfia Irlandesa". Esta versão foi largamente difundida e tinha pouca, ou nenhuma, conotação pejorativa.

Cooley proferia o original.

- Jack e a KKK dele são perigosos - falou. - As operações deles nos bastidores são ultrajes contra os poucos farrapos de moialidade política ainda existentes.

As antenas supersensíveis de Marjorie captaram os primeiros e débeis sinais em março de 1963. Políticos dos dois maiores partidos que se reuniam na Casa da Colina estavam ficando inquietos, preocupados, trocavam boatos sobre acontecimentos sinistros que aparentemente estavam sendo preparados pelo Poder Executivo. Lá por meados de junho, falavam dos "planos nas pranchetas dos seis K" que bem podiam perturbar os padrões econômicos, sociais e políticos da nação, mas concordavam que estavam impotentes para interferir.

- Kennedy conseguiu hipnotizar a imprensa e as massas. Eles linchariam qualquer um que sugerisse que ele não é o maior Presidente desde Washington.

Dois meses mais tarde, a intuição aguçada por vagas insinuações e comentários ocasionais e velados advertiram Marjorie que estava para acontecer um repeteco do caso de 1945, em Warm Springs. Ela não tinha o menor desejo de se envolver, de maneira alguma.

O homem que liderava a facção anti-Kennedy dentro do Partido Democrático fora seu amante, e eles confiavam um no outro, implicitamente. Ela fez a ele uma única pergunta, de uma só palavra:

- Quando?

- Antes do fim do ano - ele retrucou, percebendo que haviam contado a ela (ou ela havia deduzido) o segredo.

- Vou para a Europa - declarou Marjorie, e correu as pontas dos dedos sobre as faces. - Estou com vincos e rugas... e na Suíça estão os melhores cirurgiões plásticos do mundo. Está na hora de refazer o meu rosto.

Ela fechou a Casa da Colina em setembro, foi para a Suíça, fez o lifting facial e permaneceu na Europa.

A coisa aconteceu no dia 23 de novembro de 1963, em Daílas, no Texas. Marjorie Norworth estava em Paris quando recebeu as primeiras notícias. Uma semana depois ela voltou para Washington, reabriu a sua mansão.

A esta altura, Marjorie Trumbull Norworth estava tão firmemente estabelecida, que as mudanças nas administrações presidenciais - mesmo quando ocorridas por motivo de assassínio - não exigiam que ela alterasse nenhuma faceta da sua vida. Na realidade, ela sentiu que o novo Governo Johnson tinha sido criado para o seu benefício pessoal, pois nunca fora tão fácil para ela, anteriormente, influenciar e manipular. (Mas, afinal, refletiu, nunca houvera, anteriormente, um Presidente ou uma Administração tão desgraciosos, sem tato e sem classe.)

Marjorie mal precisou erguer um dedinho... e Bradford Cooley passou a ser o Presidente do Comitê de Verbas da Câmara. Ela apresentou Lyndon Johnson a Jordan B. Rickhoven in (J. B. Jr. morrera em 1961), uma apresentação com a qual os dois lucraram fartamente... e pela qual demonstraram uma gratidão sem limites.

Lyndon Johnson estava ciente de que Marjorie não confiara em John F. Kennedy e nem gostara dele... e Johnson odiara Kennedy. Só isto já fez com que LBJ confiasse nela, atendesse aos seus desejos (e ela, por sua vez, providenciava para que os capriches grosseiros dele fossem plenamente satisfeitos na Casa da Colina). Quando um subsecretário de Estado fez comentários desairosos sobre Lady Norworth durante um almoço no Clube Dorian, Lyndon Johnson exigiu a sua demissão imediata. Um homem de quem Marjorie gostava recebeu um importante posto de embaixador porque Marjorie intercedeu por ele junto a Johnson. A arma utilizada em Warm Springs em 1945 e que tinha as suas impressões digitais, as fotos destas impressões digitais retiradas da arma (e documentos pertinentes guardados de reserva para incriminar Marjorie se isto fosse necessário), tudo isto lhe foi entregue. Ela obteve inúmeras outras demonstrações de apreço por parte do Presidente; houve uma festa em sua homenagem na Casa Branca e outra no Rancho do Texas. Em 1967, uma moça que havia tido relações com diversas figuras políticas nos dormitórios do andar superior da Casa da Colina (mas que aparentemente não tinha noção do poder do Estabhshment) tentou chantagear Marjorie. Exigiu mil dólares, ou então revelaria tudo o que sabia ao National Interrogator, uma revista semanal vulgar com uma circulação de cinco milhões, que vivia de publicar revelações sensacionalistas.

Marjorie informou a Johnson - que deu uma ordem a J. Edgar Hoover. Em poucas horas a garota foi detida; mostraram a ela oseu dossiê do FBI, e lhe disseram que ali havia o suficiente para justificar a sua prisão por uma dúzia de motivos diferentes... e que era melhor ela ficar de boca fechada. Senão... A polícia local deu um toque de ênfase adicional. Ela foi imediatamente presa por suspeita de roubo em lojas e prostituição; ficou detida por 48 horas na cela de bêbedas. Quando finalmente a soltaram, ela foi até Lady Norworth, implorou para que "afrouxassem a pressão" e jurou que ficaria calada para sempre. Marjorie perdoou-a e ainda disse a Holcomb para dar cem dólares para a garota. Foi a primeira e última tentativa de chantagem. Os segredos da Casa da Colina permaneceram inviolados.

As tolices que Lyndon Johnson cometeu em relação ao Vietnã não afetaram Marjorie Norworth. Num nível emocional, ela abominava a Guerra do Vietnã. Num nível cerebral, ela a aceitava como uma inevitabilidade histórica. Demonstrações antiguerra, marchas de protesto, distúrbios - quer por causa da guerra ou por motivos raciais tudo isto não a tocava. Também eles eram inevitabilidades históricas, e não afetavam o mundo particular dela.

Quando, em março de 1968, LBJ anunciou que não buscaria se reeleger, Marjorie Norworth fez uma predição sinistramente exata.

- Lyndon não vai viver mais do que 3 ou 4 anos depois que deixar o cargo.

Johnson abandonou a Presidência em janeiro de 1969. Morreu em janeiro de 1973. Marjorie aprendera a conhecê-lo bem o bastante para saber que ele vivia exclusivamente para o poder. Uma vez privado dele, a sua força vital se esvaiu.

Marjorie Norworth não sentiu nenhuma pena quando Johnson anunciou a sua decisão, nem quando deixou a Presidência... nem mesmo quando ele morreu. Ela sabia que o poder continuava poder, e que aqueles que o manejavam sutil e invisivelmente, por trás dos tronos, sobreviviam àqueles que tinham a pompa exterior, mas que apenas subiam e caíam, surgiam e desapareciam.

Marjorie sentia uma antipatia solene por Richard Nixon, e no entanto apoiou a sua candidatura generosamente, com grandes quantias para o seu comitê eleitoral. O instinto lhe dizia que ele daria um jeito de ser o vencedor. Além disso, ela o considerava dos males o menor, pois na sua opinião Hubert Humphrey era um palhaço desajeitado e tagarela, cercado por incompetentes e tontos.

Já que fora tão generosa com as doações para a campanha dele, Lady Marjorie foi convidada para o Baile Oficial da Posse de Nixon, e um mês depois, para tomar chá com os Nixons. Ele foi agradável. Patrícia Nixon conversou e sorriu - um tanto afetada e mecanicamente, observou Marjorie.

- A senhora será colocada na lista-A, Lady Norworth - falou Nixon, quando Marjorie se despedia. - Toda a vez que a senhora me telefonar, será atendida diretamente por um dos meus assessores principais, em vez de vir passando de uma secretária para outra.

Eisenhower e Johnson haviam dado a ela o número dos seus telefones particulares, refletiu Marjorie. Ela suspeitou que Nixon iria instituir métodos rigidamente burocráticos na Casa Branca, e que pretendia usar os seus assessores como escudos protetores, selando-o hermeticamente do mundo exterior. Um ano mais tarde, um dos "assessores principais" fez uma visita inesperada a Marjorie. Ele foi polido, mas havia uma nota latente de exigência - quase de coação - no seu tom de voz e nos seus modos.

- Como a senhora foi tão generosa durante a campanha presidencial, estamos contando com 50 mil dólares seus para serem usados nas eleições secundárias.

Marjorie ficou furiosa. Ninguém tinha o direito de vir pedirlhe contribuições políticas. As que ela havia feito - e foram muitas e imensas - foram de livre e espontânea vontade. Ela disse a Holcomb para botar o assessor na rua e ligou para a Casa Branca. Era uma daquelas ocasiões, cada vez mais raras, em que Nixon estava na Sala Oval, e não de férias ou excursionando com fins políticos. Ela deu sorte e a sua ligação foi transferida para ele. Ela relatou o que ocorrera e recebeu pedidos de desculpas gaguejados e obviamente improvisados às pressas. Devia ter havido um erro, um engano.

- Eu... quero dizer, nada sabia a respeito, Lady Norworth. Tomarei providências para que isto não se repita.

Estava claro que Richard Nixon não estava a par (ou não se punha a par) daquilo que os seus assessores faziam em seu nome.

Durante o início do segundo mandato de Nixon, um diretor assistente da CIA que devia muitos favores a Marjorie pediu a ela que fosse dar um passeio com ele nos jardins.

Ela protestou que estava um frio de rachar, lá fora.

- Enrole-se nas suas zibelinas - ele disse. - É um passeio importante.

Quandoolo tinham se afastado da casa, ele indagou: -Você Sé andou redecorando a casa de novo, não é?

- Apesienas para atualizar as mudanças que os Nixons fizeram na Casa Branca.

- Mamrjorie. Alguns dos operários eram encanadores.

- Estâtá brincando! - Ela já sabia o que significava "encanadores" no u regime de Nixon e ficou horrorizada. Se as conversas realizadas natia casa dele fossem ouvidas e gravadas

- Não to, não estou. Você deve contratar técnicos para vasculharem a casa. Há microfones em cada aposento... mas por favor, pelo amor cMe Deus, não deixe ninguém saber que eu lhe contei

Marjorieiie agiu naquele mesmo dia. Os dispositivos de escuta eletrônicos foram localizados e removidos. Mas o incidente deu uma idéia asa Marjorie. Nas semanas seguintes, ela mandou instalar outros equipamentos eletrônicos (muito mais elaborados e sofisticados). Para a sua própria diversão, pensou ela, e possivelmente também para a sua proteção e benefício.

Lady NINorworth não ficou nem surpresa nem abalada com Watergate e se as suas conseqüências. Nada foi revelado que ela já não soubessese... e ela sabia muito mais que foi suprimido ou passado por cima. Ela literalmente riu durante os dois anos e seis meses da desajeitada da Administração Ford (como o fez a maioria dos homens que se se reuniam na Casa da Colina).

Ela ficou espantada com a escolha de Cárter como candidato à Presidência pelo Partido Democrático, mas contribuiu generosamente para a campanha eleitoral dele (por canais tortuosos) porque, mais uma vez, achava que ele seria o vendedor. Foi a mesma coisa com o sucessssor dele, durante cujo governo completamente corrupto e ineficiente ; a nação enfrentou o pior colapso econômico da sua história, e cada problema que atormentava os governos anteriores foi multiplicado várias vezes.

Marjorie conhecia Charles Pendleton Talbot desde o seu segundo mandato no Congresso. Ela gostava dele, mas sabia que ele era um político profissional, que não era inteligente demais, nem mais honesto que : a maioria dos seus pares na Câmara... e depois no Senado. Contlatudo, Talbot demonstrou uma habilidade para mediar e conciliar quanando serviu como Líder da Maioria no Senado. Quando ele anunciou a sua candidatura à Presidência, Lady Norworth previu a sua vitória... e, admitiu para si mesma, até mesmo Charles Talbot era melhor que o sujeito que seria o seu adversário na eleição.

Existem sempre meios de burlar as leis. Marjorie nem ligou para as restnrrições impostas às contribuições políticas e fez a maior doação eleitoral da sua vida - meio milhão de dólares - passando o dinheiro por diversas peneiras purificadoras até atingir os cofiec da campanha de Talbot.

Depois da sua espetacular vitória esmagadora - ele ganhou em todos os Estados exceto o Havaí - Talbot se atrapalhou e não conseguiu tomar pé. Tornou-se evidente que o concilidador não tinha capacidade de assumir o comando. Ele achava que podia confiar nos homens que nomeara para desempenharem as suas tarefas, e se abstinha de criticá-los ou repreendê-los, pois os considerava a todos seus amigos e aliados políticos. Não haviam eles prometido, jurado, apoiar e executar as promessas amplas e risonhas que ele fizera durante a sua campanha? Por seu lado, os subalternos esperaram pelas ordens vivas, bem-definidas e resolutas que deveriam vir do seu Presidente.

Depois de perceber que esperava em vão, cada um deles embarcou no próprio projeto particular de desenvolvimento. As condições no país e no exterior ficavam cada vez piores, e o Presidente Charles Talbot não conseguia entender por que as palavras apaziguadoras, as lisonjas gentis e as palmadinhas nas costas aduladoras não as faziam melhorar.

O estado da União não perturbava excessivamente Marjoiie Norworth, pois o seu mundo particular - de fortuna, posição, influência, poder e manipulação dos poderosos - permanecia intacto. O que contava era que o Presidente dos Estados Unidos viera a ela não apenas para ouvir conselhos, mas para obter uma orientação detalhada.

Marjorie exultava. Tinha atingido um ponto de onde exercei ia controle direto sobre o Presidente, moldando, deste modo, as decisões e acontecimentos que determinariam o destino dos Estados Unidos e de grande parte do mundo.

 

Washington, D.C.: Sábado, 20 de fevereiro.

Suzanne Loring acordou às nove horas, consideravelmente mais cedo do que costumava acordar aos sábados. Russ Hatch deveria telefonar a qualquer momento para fazer um resumo do que acontecera na véspera na Casa da Colina, e para marcar um encontro para logo mais, quando então lhe contaria tudo com detalhes. E, dissç,, Suzanne a si mesma, passaremos a noite nos amando. Ela ansiará pelos beijos e pelos abraços e pelo amor dele, mas esperava conseguir manter um certo grau de controle sobre as suas emoções profundas, e evitar ser sentimental em excesso. Ela abominava mulheres chorosas e dramáticas, e as cenas que elas faziam, e sabia que Russ sentia o mesmo.

Quando ele ainda não havia telefonado até as 9:45, Suzanne imaginou que ele deveria estar dormindo após uma bebedeira tamanho-família. Era do conhecimento de todos que os políticos que se reuniam na mansão de Lady Norworth com freqüência transformavam as festas e recepções delas em colossais bebedeiras. Mas, afinal, refletiu Suzanne, por que a casa de Lady Norworth deveria ser diferente de outro lugar qualquer em Washington onde se davam festas? O Distrito de Colúmbia e os seus subúrbios em Maryland e Virgínia tinham, disparado, a maior taxa de consumo de bebida per capita do que qualquer outra área na face da terra. Pobre Russ, pensou com carinho, servindo-se da sua quarta caneca de café. Ele vai ter uma ressaca dos diabos. Ela bebericou o café, sorriu consigo mesma, satisfeita. Vou aplicar todas as curas convencionais... e algumas não tão convencionais, mas (pelo menos no caso de Russ) até mais eficazes.

Às 10 horas, ele ainda não havia telefonado, mas Suzanne ouviu o chamado do porteiro do prédio e foi até a porta do apartamento, onde atendeu ansiosa o telefone interno. Quem sabe era Russ, que havia vindo direto do seu apartamento, sem telefonar primeiro.

Qualquer pessoa que quisesse visitar os moradores do Potomac Plaza tinha que passar primeiro pelos porteiros, e ser anunciada.

- Um Sr. Noah Sturdevant deseja vê-la, Srta. Loring •- ela ouviu a voz do porteiro dizer.

Suzanne ficou incrédula. Noah Sturdevant era o tirânico presidente do conselho administrativo da Continental Broadcasting Net•vrorke. Ele raramente saía de Nova York, especialmente nos fins de semana, e nunca - mas nunca mesmo - fazia visitas pessoais a casas dos empregados da CBN, não importa qual a posição deles.

- Não acredito - ela falou. - Deve ser um impostor. Depois ela riu. Também podia ser Russ, pilheriando.

- O cavalheiro insiste que é o Sr. Sturdevant, Srta. Loring. Não quer ligar a sua TV em circuito-fechado?

Suzanne ergueu as sobrancelhas. Girou o botão do receptor de TV em circuito-fechado que ficava na parede, próximo à porta. As feições progratas de Noah Sturdevant apareceram na tela. Suzanne suspirou, sem conseguir atirwr com os motivos por trás da visita sem precedentes de Sturdevant, e resignada a aceitar o que desse e viesse.

Ao mesmo tempo, estava meio chateada com a perspectiva de ter que escutar uma das arengas do presidente da CBN. Não importa o que Sturdevant tivesse a dizer a uma pessoa, era sempre uma arenga. Graças a Deus que pelo menos eu estou vestida e a empregada já arrumou a casa, pensou Suzanne.

- Por favor, conduza o Sr. Sturdevant até o elevador - falou, no telefone interno. E eu vou me preparar para uma misteriosa sessão com o Pequeno Hitler da CBN.

Ela foi recebê-lo no elevador. Ele passou por ela, entrou no apartamento, tirou o sobretudo e entregou-o à empregada de Suzanne sem dizer palavra. Esquadrinhou num segundo a grande sala de visitas, escolheu sem errar a poltrona mais confortável, sentou-se nela e inclinou-se para a frente antes que Suzanne tivesse tempo de se sentar.

- Srta. Loring. - Noah Sturdevant não costumava usar os nomes de batismo. - A minha visita a Washington é segredo. - Falava como se tivesse tomados lições de dicção assistindo a antigos jornais falados de cinema. - A nossa conversa precisa ser completamente, absolutamente confidencial. Por favor, certifique-se de que a sua empregada não possa escutar.

A empregada já desaparecera dentro da cozinha, fechando atrás de si as duas portas de comunicação.

Suzanne tentou ser uma anfitriã educada.

- Quer tomar alguma coisa, eu... ?

- Cedo demais para um drinque. E nada mais. Vou voar de volta para Nova York dentro de uma hora.

Sem pedir permissão, Sturdevant enfiou um charuto grande na boca de lábios finos, fazendo felação nele até acendê-lo. Suzy permanecia calada. As conversas com Noah Sturdevant eram unilaterais. Todo o mundo escutava até que ele fizesse uma pergunta direta.

- O seu programa da terça-feira passada foi uma droga... - A entrevista com Madigan vai me perseguir pelo rosto da vida, pensou Suzanne, sombriamente.... mas eu consegui enxergar

através dele. Fui a única pessoa que conseguiu. - O pesado maxilar inferior, de onde pendia o charuto, movia-se, expressando orgulho e autccongratulações. A senhorita tinha tido informações previas de que Talbot iria fazer algo espetacular... - Suzy fez a expressão mais enigmática possível. - não disse, eu sabia.

Quando paparicou Madigan, você caiu nas boas graças dos "fazedores de decisões". Bela jogada. Quero que você continue, que esmiuce todos os detalhes daquilo que está por detrás das atitudes de Talbot.

- Sr. Sturdevant, eu tenho um programa de entrevistas...

- Estou familiarizado com o tipo de programa. - Uma reprimenda. - Continue como sempre... mas também banque a detetive.

Você é pirado, pensou Suzy, mas também é o Chefão. Contudo, suponho que deva esclarecer as coisas para você.

- Talbot vai aparecer numa transmissão em cadeia amanhã à noite com uma mensagem especial. Ele provavelmente dará a publico toda a história. Mesmo que não dê todos os analistas políticos e repórteres investigadores estarão fuçando...

"A senhorita tem muitas vantagens sobre eles, Srta. Loring. Quando conseguir chegar ao fundo das coisas, porei a senhorita num programa de costa-a-costa. Sozinha.

Fará à nação um relatório das suas descobertas. Pode contar com uma bonificação de cem mil dólares... livre de impostos. - A cinza do charuto caiu sobre o tapete.

Sturdevant se pôs de pé, pronto para ir embora. - Lembrese, este é o nosso projeto... seu e meu. Faça os relatórios dos seus progressos diretamente a mim.

Suzanne também se levantou. O projeto tinha lá os seus encantos... isto é, se houvesse mais alguma coisa a ser desenterrada. Se assim fosse, o programa especial teria um valor imenso para a CBN.

- Cem mil dólares, não, Sr. Sturdevant. Duzentos. Ele olhou fixamente para ela.

- Cento e cinqüenta, nem um níquel a mais. Caso contrário, talvez seja constrangido a sugerir ao conselho que reveja o seu contrato. Ninguém é insubstituível, Srta. Loring.

Já, Mein Fuehrer, já wohl, disse Suzy consigo mesma. E vá tomar no..., acrescentou mentalmente. Em voz alta, disse a Sturdevant que era negócio fechado, e que faria o melhor possível. A empregada trouxe o sobretudo dele, e ele se retirou. Antes que Suzanne tivesse tempo de pensar detidamente na sua breve conversa, o telefone tocou. Era Russell Hatch. O pulso dela bateu ynuito mais rápido; ela afastou tudo o mais do pensamento, mas deu um jeito de agir e falar despreocupadamente.

- Bom dia, senador... está com uma ressaca das brabas?

- Bem, tive uma noite e tanto, querida.

- Foi o que imaginei. - Oh, Russ, por favor vá logo ao Assunto: quando vou ver você? - Quem mais estava lá?

- Pelo que pude ver, cerca de metade do Governo.

- Estou louca para ouvir os detalhes... e as demais novidades.

- Que tal hoje à noite?

E por que não logo agora? Que diabo, não pareça ansiosa demais.

- Na verdade, não vou fazer nada o dia todo... nem à noite Portanto...

- Eu convidaria você para almoçar... E por que não convida?

- mas trouxe para casa uma pilha de relatórios e outros troços. Gostaria de passar os olhos por eles esta tarde. Que tal às seis ou às sete... e onde iremos jantar?

- Seis horas está ótimo - se não puder ser mais cedo - e não iremos a lugar nenhum. Vou dar um jantarzinho esta noite, e eu mesma vou cozinhar para provar que a minha cozinha é usada... e você é o único convidado, só que vai ter que fazer o café amanhã de amanhã. E bem tarde, não como da última vez... que ambos devemos esquecer.

Russell Hatch riu-se do fluxo ininterrupto de palavras perguntou:

- Devo levar alguma coisa ?

- Só umas palavras gentis, sua peste.

Bradford Cooley herdara milhões da família. Ele tinha condições de construir com facilidade a casa que construiu (em 1948) no bairro de Forte Hills, em Washington.

Localizada a poucos quarteirões da casa que Lyndon Johnson ocupava antes de se tornar Presidente, a residência de Cooley estraçalhava todas as convenções arquitetônicas de Forest Hills. Copiava uma villa romana do Século I A. C., ocupava um belo love de terreno e encerrava completamemte um jardim peristilo interno. As paredes externas tinham apenas pequeninas janelas gradeadas bem no alto, próximas ao telhado inclinado, o que tornava impossível para qualquer pessoa espiar para dentro. Isto era frustrante para vizinhos e transeuntes que gostariam de ter uma visão do interior da casa. e alguma indicação do estilo de vida doméstico de Cooley. Ao longo dos anos, apenas alguns amigos muito chegados tinham sido convidados para a villa, e eles ficaram calados a respeito do que haviam visto dentro das quatro paredes.

Na verdade, o interior era luxuoso, reproduzindo fielmente o lar de um rico romano do Século I: O peristilo interno era quadran-galai, cercado por pórticos e grandes janelas que davam para um jardim e um lago. Ao sul do pátio ficava um átrio espaçoso, que correspondia a uma sala de visitas e uma sala de estar. Corredores conduziam a uma outra sala de estar, a dormitórios, e a banheiras rebaixadas que teriam aquecido, o coração de um César. O mobiliário harmonizava totalmente com a arquitetura.

Somente a cozinha, e aparelhos modernos como televisões, rádios e telefones eram anacronismos. Bradford Cooley morava só, exceto por um único criado, que tinha sempre longos fins de semana de folga desde a noite de sexta-feira até a manhã de segunda.

Brad Grande Cooley levantou o corpanzil do enorme divã romano que havia no dormitório principal. Descalço, caminhou sem fazer barulho até o banheiro adjacente e desceu com cuidado os degraus de mosaico até a banheira rebaixada. A água, que era mantida a uma temperatura constante (e quente), era perfumada. Ele se molhou, esfregou o corpo com uma esponja natural, saiu do banho e usou um lençol enorme para se enxugar. Havia várias togas limpas penduradas num cabide. Ele escolheu uma delas, vestiu-a e afixou um broche de pedras preciosas ao ombro esquerdo. Calçando sandálias, desceu um corredor de paredes de mármore e começou a preparar o desjejum.

Para dois.

Cooley assou na brasa dois filés, preparou ovos de tarambola pochê, num molho grosso delicadamente temperado com ervas, e preparou bellinis (champanha de primeira e suco de pêra fresco). Ele arrumou tudo isso numa bandeja, colocou-a sobre um carrinho com rodas, acrescentou os talheres e guardanapos de linho, e levou o carrinho para o seu quarto de dormir.

Havia uma pessoa deitada no divã, ainda adormecida, com os lábios entreabertos. Cooley segurou as dobras da sua toga, inclinouse e beijou os lábios parcialmente abertos, enfiando de leve a língua entre eles.

- Bom dia - falou.

O Diretor do FBI, Emmett Hopper, abriu os olhos, com os dentes mordiscando a língua de Cooley, e sentou-se na cama. Cooley pegou os bellinis que estavam sobre a bandeja, e entregou uma das taças a Hopper.

- Néctar dos deuses - sorriu Cooley, erguendo a taça. - Tomei um desses pela primeira vez em Florença, depois da guerra.

- Sozinho? - perguntou Emmett Hopper, maliciosamente.

- Não seja absurdo. Um jovem italiano, belo como Apoio, foi quem me apresentou aos bellini. Ele fez do meu verão italiano uma delícia eterna.

Cooley e Hopper eram velhos (se bem que esporádicos) amantes, e conversaram tranqüilamente enquanto comiam o desjejum, que Hopper declarou estar soberbo. Depois, Hopper também fez a sua peregrinação à banheira rebaixada, e vestiu uma toga.. Os dois homens levaram o carrinho até à cozinha juntos. Cooley raspou os pratos dentro da pia, onde aparelhos modernos de trituração de lixo logo acabaram com os restos. Depois, Hopper empilhou pratos e talheres num elevador de pratos elétrico, ultra-anacrônico.

Cooley preparou mais bellinis, que levaram para o átrio, onde os dois se semi-reclinaram nos divãs ali existentes.

- Você disse que queria conversar a sério ontem à noite - declarou Cooley. - Acabou que não tivemos tempo. Vamos conversar agora?

- E por que não? Estou procurando aliados, Brad.

- Está pretendendo se eleger alguma coisa?

- Não. Estou contente onde estou... ou estaria, se o FBI pudesse ser revitalizado.

Cooley fitou o fundo do copo.

- Esta é uma tarefa difícil. Denby e a CIA estão na crista da onda. - Suspirou. - Eles têm apoio integral de Talbot, Pearce e Kurtz... para não falar em Jordan Rickhoven e companhia. O máximo que eu posso fazer é tentar conseguir um aumento modesto de verbas.

Hopper olhou para ele, vivamente.

- Brad, a CIA assassinou Weidener. Cooley não demonstrou surpresa.

- Suspeitei da história do ataque de coração.

- Três dos agentes de Denby o atraíram a uma suíte do Shoreham, sob um pretexto qualquer, e depois o embebedaram. Os meus agentes estão sempre de olho na CIA. Eles os seguiram, usaram dispositivos de escuta e souberam para onde iam levar Weidener... para o apartamento da amante. Mandamos um carro do FBI ficar esperando próximo ao local. Os agentes tiraram fotografias. - Hopper descreveu o que os agentes haviam visto e filmado. - Pearce e Denby queriam ver Weidener morto porque ele se opunha à aventura africana deles.

- E agora a Administração vai arquivar o projeto de ajuda a Basanda - comentou Cooley. - Talbot vai tapar o buraco com os seus fundos discricionários. A cabala já preparou um intricado plano de jogo.

- Com conseqüências a longo prazo potencialmente letais - falou Hopper. - Vou segurar as fotos e outras provas até o momento em que tenham o máximo impacto, mas elas não serão o bastante. É por isso que preciso de...

- Aliados - anuiu Cooley. - Aliados poderosos. - Fez uma pausa. - Acho que podemos obtê-los.

Uma idéia estava se formando no seu cérebro.

O Presidente Talbot e seu Assessor-Chefe estavam na Sala Oval. Kenneth Ramsey percebeu que Talbot estava mais uma vez atormentado por dúvidas e ansiedades, e tentou reconfortá-lo.

- Tudo pronto para a transmissão de amanhã, Chefe. Cada um dos candidatos para o novo gabinete foi sondado... e todos disseram sim. Na segunda-feira, você terá um país inteiro a apoiá-lo solidamente.

- Pode sempre haver um escorregão.

- Chefe, pelo amor de Deus, olha o pensamento positivo, tá.-’ -”JE quanto ao meu discurso? - Talbot abriu uma gaveta, pegou um frasco de Valium, engoliu um tablete de dez miligramas. - Quando vou poder dar uma lida nele?

- Hoje mesmo, mais tarde. Zander está no Edifício do Poder Executivo, dando os toques finais nele. - Ramsey sorriu. - Lexa está com ele... dando sugestões para entusiasmar as mulheres.

Uma idéia súbita ocorreu a Talbot.

- Alguém já fez as verificações de segurança sobre Zander?

- Lexa disse ao pessoal do EPE para colocá-lo na folha de pagamentos e deixar de lado toda esta besteira de investigações de segurança.

- Ah - falou Talbot, mas a resposta de Ramsey deixou-o inquieto.

O Juiz-Presidente da Corte Suprema, Avery Braithwaite, telefonou para a Casa Branca uma hora mais tarde, perguntando se podia ir até lá imediatamente. Talbot ficou chocado ao ver Braithwaite, que parecia ter acabado de sair de um leito de doente.

- Estou apenas um pouco cansado - explicou Braithwaite, sentando-se numa cadeira ao lado da escrivaninha do Presidente. - Não tenho dormido muito ultimamente, mas acredito que os meus esforços tenham apresentado as respostas aos seus problemas de larga escala.

Talbot inclinou-se para a frente.

- Avery, sou-lhe grato pra burro...

- Espere. - Braithwaite ergueu uma mão cheia de tendões. - Ouça as conclusões a que cheguei. Primeiro, é preciso compiar tempo com expedientes... que é o que você está fazendo. Contudo não pode haver soluções duradouras a não ser que você esteja preparado para agir rigorosamente.

- Você faz a coisa parecer o Juízo Final.

- Não. O desastre pode ser evitado desde que, no momento propício... que me será revelado... você faça valer os fortes poderes especiais que tem nas mãos, como Presidente.

- O quê? - Os olhos de Talbot se arregalaram. - Você não está querendo dizer que eu devo declarar uma emergência nacio nal ou...

- É uma cpção. Se a crise africana aumentar, você terá uma base firme...

- Meu Deus, Avery... você é a favor da intervenção militar?

- Sou a favor do que melhor serve aos interesses, e ao destino, do nosso país, Chuck.

- Mas o Congresso não concordará com isso! - protestou Talbot.

- Os legisladores não são imunes ao medo.

Talbot imaginou que Braithwaite estivesse se referindo ao medü do caos interno. Nervosamente, começou a questionar um ponto: - A Constituição...

- Sr. Presidente! - Os olhos de Braithwaite brilharam - Posso lhe garantir uma maioria de seis a três na Corte Suprema, não importa o que o senhor faça. Trabalhando juntos, eu e o senhor devolveremos a sanidade aos Estados Unidos, faremos da nossa uma grande nação, outra vez... Isto já me foi revelado... Tenha fé em que a História não é um acidente, mas que é orientada...

É, acho que é mesmo, refletiu Talbot, sem perceber as estranhas inflexões no tom de voz de Braithwaite. É para isso que aqui estamos todos em Washington... para orientar aquilo a que dão o nome de História.

- conversaremos na semana que vem, Chuck. A esta altura terei um estudo completo dos precedentes legais para apresentar para você.

Russell Hatch trouxe rosas... vermelhas, de haste longa, várias dúzias delas. Com muita vontade de ver Suzanne de novo, mas ainda se sentindo culpado pela entrevista com Madigan, e agora com a culpa adicional (e irracional, procurava ele se convencer) pela sua maratona sexual com Christine na Casa da Colina, ele se sentia quase encabulado ao entregar a ela a enorme caixa do florista.

Suzy percebeu a reticência do jeito dele, considerou-a come mais uma manifestação da qualidade juvenil que; havia na sua natureza, e sentiu o corpo ser invadido por aquele calor que ela vinha chamando há muito tempo, para si mesma, de afeição, mas que finalmente se dera conta de que era amor. Um amor profundo.- Alô, sardento.

- ela disse, aceitando a caixa e colocando-a sobre uma mesa para poder beijá-lo... a princípio um beijo carinhoso de boas-vindas, e depois, quando as suas bocas se uniram fortemente e as emoções íntimas se agitaram, um beijo apaixonado.

Suzanne usava um vestido bege-e-branco com decote redondo e profundo... e nada por baixo, percebeu Russ, quando ela apertou o corpo contra o dele, conseguindo uma reação glandular instantânea. Ela se soltou dele, riu feliz.

- Prepare as bebidas, Senador. Vou tentar arranjar vasos bastantes para acomodar este mar de rosas. - Ela deu um passo, parou, olhou por cima do ombro. - Prepare um bocado de bebidas. Mudei de idéia depois de falar com você. Resolvi que uma ceia à meia-noite seria mais divertida que um jantar.

Russ preparou uma jarra de martínis supersecos. Ela sentou-se bem juntinho dele, no sofá, e Hatch, sem conseguir conter-se mais, começou a relatar tudo o que acontecera com Madigan e o Presidente Talbot... o que ele vira e ouvira, o que Talbot estava fazendo e planejando, e as promessas que lhe fizeram o Presidente e o Lidei da Maioria no Senado.

A primeira jarra de martínis estava vazia e uma segunda fora esvaziada pela metade quando ele acabou de contar tudo.

- então, parece que nós temos um futuro fascinante às margens do Potomac, meu bem. - Hatch deu um sorriso largo. O sorriso estava torto... ele estava meio bêbado, porém mais pelo prazer de contar a Suzy que pelo álcool.

Talvez seja o gim mexendo comigo, pensou Suzanne, mas o sangue dela ferveu quando ele usou o pronome nós ao se referir ao futuro.

- Oh, Deus, Russ.

Ela chegou mais para perto dele, inclinou o rosto. Ele abaixou a cabeça para encontrar os lábios abertos dela. O vestido dela começou a escorregar do ombro direito.

Russ puxou-a para junto de si, e seu beijo era faminto, e as suas mãos renovavam alucinadamente o conhecimento do corpo dela, enquanto procuravam o fecho do seu vestido.

- Suzy...

- Não fale, Russ... por favor. Se você falar, eu poderei dizer coisas das quais poderei me arrepender depois... coisas que não direi, não terei coragem de dizer até estar certa. Certa de você... de nós. Certa de que aquele "nós" não foi apenas um lapso não intencional.

Guiando as mãos dele para os colchetes ocultos, Suzy mexeu os ombros, girando o tórax. A parte de cima do vestido caiu. Os bicos dos seis dela, que pareciam estar buscando desesperadamente o toque e o beijo dele, ficaram ainda mais rígidos quando ele os tocou e beijou.

Ele a abraçou e os dois rolaram no sofá para o chão espessamente atapetado. Deus, como eu o desejo, pensou Suzanne. Ele está apenas me tocando e já estou ensopada, e tenho que morder os lábios para evitar o gozo. Mas nada podia deter o orgasmo que se aproximava. Os lábios e a língua dele estavam no seio dela, a mão dele se mexeu, e o gemido dela transformou-se num grito de alegria quando os seus músculos se retesaram.

Russ abraçou-a, depois se afastou, arrancou as roupas e atirou-se sobre ela. Culpa, ego masculino tentando se redimir, e um outro elemento que ele não conseguia identificar intensificaram o seu desejo por Suzanne, produziram um grau de excitação que o assombrou, e quase lhe deu medo.

 

Washington, D.C.: Domingo, 21 de fevereiro.

O Presidente Talbot se dirigiria à nação de Salão de Recepção Diplomática da Casa Branca. Era daí - antes do surgimento da televisão - que Franklin Delano Roosevelt transmitia as suas famosas Conversas ao Pé da Lareira. (A escolha era uma das piadinhas particulares de FDR. A lareira deste Salão era a única da Casa Branca que não funcionava. Isto inspirou um trocadilho infame e revelador. "O político sabido sempre fala de uma lareira fria"* - disse Roosevelt a Harry Hopkins.)

Charles Talbot ia falar sentado a uma escrivaninha trazida dos depósitos da Casa Branca e lustrada às pressas. Um esclarecimento preparado para a imprensa alegava que ela fora usada tanto pelo Presidente Theodore Roosevelt quanto pelo Presidente Woodrow Wilson. A escrivaninha era ladeada pela bandeira americana e pela bandeira presidencial... e duas pessoas iriam sentar-se à escrivaninha, ladeando o próprio Talbot. À sua direita, o Vice-Presidente Alvin Dunlap. À sua esquerda, Lexa Talbot.

Quando anunciaram que Alvin Dunlap estaria presente, houve rísinhos de deboche da parte da imprensa credenciada junto à Casa Branca. Dunlap era um Vice-Presidente à moda antiga - um homem perpetuamente invisível. Desde que fora eleito, o VicePresidente Dunlap não fizera nenhuma excursão com fins políticos, nem pelo país nem pelo exterior, e quase não fizera aparições em público, ou declarações. Por outro lado, os correspondentes concordaram com unanimidade que Lexa Talbot enfeitaria o pronunciamento, daria um toque de classe e sexappeal.

As equipes das redes de rádio e TV chegaram cedo com o seu equipamento complexo. Depois de serem checados e inspecionados pelo Serviço Secreto, prepararam-se para a transmissão da noite. Ken Ramsey providenciou para que recebessem quantidades copiosas de comida e rações razoáveis de bebida durante todo o dia.

A transmissão estava marcada para as oito da noite, hora do leste. Às dez da manhã, Charles Talbot examinava a versão final

 

* Hearth é lareira, e Reart é coração, em inglês. (N. da T.)

 

do seu discurso. À princípio, ele o achou um trabalho excelente. Na segunda e terceira leituras, começou a ficar nervoso, inseguro sobre certos trechos. Fez algumas alterações. Ao meio-dia, ele havia massacrado completamente o texto, e convocou Kenneth Ramsey e James Zander à Sala Oval. O discurso teria que ser reescrito, Talbot anunciou para um Zander horrorizado. Ken Ramsey não se alterou, pediu licença e voltou alguns minutos mais tarde com o contra-almirante do Corpo Médico que servia como médico do Presidente.

- Sr. Presidente, o senhor precisa dormir um pouco - falou o contra-almirante, notando que Talbot estava, a esta altura, extremamente nervoso e agitado.

Talbot saiu com ele da Sala Oval, humildemente. Jim Zander fitou Ken Ramsey, acenou com o discurso alterado. Parágrafos inteiros haviam sido cortados, e sentenças quase ilegíveis haviam sido rabiscadas nas margens das páginas.

- E agora? - indagou Zander.

- Nada. - Ramsey deu um sorriso largo. Tirou as páginas das mãos de Zander, colocou-as na máquina retalhadora. - O doutor vai aplicar uma injeção nele para que ele durma até as cinco horas, mais ou menos; depois vai aplicar outra para acordá-lo, relaxar os seus nervos e agir como antidepressivo. Às sete e meia, nós lhe entregaremos outra cópia do original... e ele vai ter uma atuação digna de um Oscar.

Zander acendeu um cigarro. A fumaça era acre, típico...

- Pelo amor de Deus, fique perto de uma saída de ventilação tá?

O pedido foi feito com bom humor. Qualquer homem capaz de escrever discursos da qualidade dos que Zander escrevia era valioso demais para ser repreendido.

O médico do Presidente conhecia as duas bolinhas, calmantes, tranqüilizantes, antidepressivos, estimulantes... e o seu ilustre paciente. Quando o Presidente Charles Talbot entrou no Salão de Recepção Diplomática com a filha e o Vice-Presidente Dunlap, estava na sua melhor forma.

Faltavam dez minutos para o programa ir ao ar. Talbot falou algumas palavras de improviso para as equipes de TV e os correspondentes.

- Normalmente, eu cumprimentaria vocês com as costumeiras piadas para quebrar o gelo. Mas não posso tentar ser engraçado, esta noite... e vocês vão compreender por quê. Gostaria de pedir desculpas, contudo, porque vocês terão que ficar em pé, enquanto nós - indicou Dunlap e Lexa - estaremos sentados.

Ele segurou a cadeira de Lexa para ela, esperou educadamente até que o Vice-Presidente Dunlap tivesse se acomodado, depois sentou-se à mesa, colocando à sua frente o texto do discurso.

- Não há cópias impressas entregues previamente - comentou um jornalista da AP com um colega.

- Bem, logo vamos descobrir se é outra embromação, ou se ele realmente tem algo a dizer.

Um alvoroço final, silêncio repentino, e Talbot estava no ar, enfrentando diretamente as câmaras, com a expressão séria e sincera.

- Meus compatriotas. A maioria dos Presidentes na nossa História foi acusada de ter cometido erros. Poucos, se é que houve algum, jamais admitiram publicamente tê-los cometido. - Pausa de um compasso. - Estou aqui esta noite porque acho que se deve abril um precedente... e para declarar aberta e honestamente que o meu Governo tem sido culpado de muitos erros e enganos graves.

Escutaram murmúrios de assombro vindos dos membros das equipes de TV e dos correspondentes da Casa Branca.

- - Assumo total culpa e responsabilidade por ter permitido um planejamento falho, uma coordenação inadequada e outras deficiências que criaram crise após crise.

Se você está desempregado, é minha culpa por ter permitido que o Governo seguisse políticas econômicas erradas. Se um dos seus entes queridos foi morto ou ferido nos distúrbios que ocorreram em muitas das nossas cidades, isto também é minha culpa.

- Ele está cometendo suicídio político - sussurrou um carneraman.

- Não esteja tão certo... ainda - retrucou o seu assistente. Talbot continuou:

- Esta é uma democracia. Sou um Presidente eleito, não um ditador. Apesar disso, um Presidente tem certos poderes... poderes que eu devia ter exercido para evitar a violência e o derramamento de sangue...

Daniel Madigan, McDonald Pearce e John Kurtz assistiam à transmissão num aposento particular do Clube Dorian.

- A esta altura a boca do público está tão escancarada que vai engolir qualquer coisa que ele lhe oferecer - observou Madigan, todo feliz.

- Talvez. - John Kurtz ainda não ia entregar os pontos.

- E talvez não - comentou MacDonald Pearce, secamente. - Isto vai depender do que ele tem a dizer depois de tirar a camisa da penitência. - a movimentação de tropas que ordenei na sexta-feira foi tardia, mas rezo para que elas detenham as mortes e a destruição, e para que chamem ao bom senso tanto as forças mantenedoras da lei locais quanto os revoltosos...

Suzanne Loring ergueu ceticamente uma sobrancelha. Segundo Russell Hatch, Talbot prometera castigar as autoridades locais por ter exagerado nas suas reações e ter causado a matança dos revoltosos. Ela se virou para Russ, que estava sentado ao seu lado na cama, assistindo ao programa.

- Ele está recuando - disse ela. - Eu sabia.

- Espere - retrucou Russ, apertando a mão dela e beij andelhe a têmpora.

Na tela de televisão, via-se Talbot virando uma página.

- Tenho motivos para crer que os demonstradores foram freqüentemente provocados a se rebelarem - continuou a voz do Presidente. - Darei ordem às agências federais para promoverem investigações completas...

- Está vendo? - exultou Russ, desmanchando a cabeleira curta e castanha de Suzanne.

Gostaria de poder ver - pensou Suzy. - Ver dentro da cabeça de Charlie Talbot e enxergar toda a história desta vigarice, forque a minha intuição me diz que isto é uma vigarice, pura-mas-não-simples. - Ativou-se o mecanismo da ambição dela. Deus, mas conseguir fazer um embrulhinho perfeito disto tudo, e entregá-lo ao público, com exclusividade especial da CBN!

Charles Talbot virou mais uma página do seu discurso. Aí vem a grande cantada, advertiu a si mesmo, fazendo seu rosto assumir uma expressão de determinação corajosa.

- Os erros podem ser corrigidos. As medidas a serem tomadas têm que ser rápidas e drásticas. - Pausa. - Amanhã, vários homens do meu Gabinete gritarão para o mundo ouvir que eu sou implacável, pois amanhã eu farei uma reunião especial do Gabinete e exigirei a exoneração imediata daqueles que não corresponderam às promessas que eu fiz a todos vocês. Os criadores de problemas serão expurgados, e substituídos pelos solucionadores de problemas...

Ken Ramsey estava de pé, no fundo do aposento. Que virada perfeita, pensou, está ainda melhor do que parecia no papel. O Chefe bate no peito... mea culpa... e o público mal pode acreditar. Eis ai um homem honesto. IJm modelo de virtudes. Só que, de repente, ela passa a culpa adiante... e o público vai acreditar, vai aceitar a palavra do homem honesto, sem hesitação.

- Isto será apenas o começo - continuou Talbot. - Na semana que vem, pedirei ao Congresso para aprovar um projeto de emergência concedendo uma verba de dez milhões de dólares para o reabastecimento do fundo de compensação por desemprego, e para auxiliar os fazendeiros e pequenos negociantes. Se for necessário mais dinheiro, não hesitarei em requerer verbas adicionais...

- Mas eu hesitarei em fornecer mais verbas até ver o que você fez com os primeiros dez bilhões - Bradford Cooley disse à imagem televisionada de Charles Talbot.

Cooley e Emmett Hopper haviam vestido roupas comuns. As togas estavam penduradas num armário trancado, para serem usadas de novo num outro fim de semana. Eles estavam sentados na sala de estar, assistindo ao programa de Talbot.

- Não vai ser fácil para você detê-lo... não depois da representação teatral de hoje - falou o Diretor do FBI, lançando um olhar azedo para Cooley.

- Emmett, já conversamos longamente sobre os... recursos que temos e que poderemos obter. Certo?

- Certo.

- Nós o deteremos... se isto se tornar necessário, não receie.

- Algumas pessoas poderão se opor ao aumento de gastos federais. A elas eu digo que a caridade começa em casa. - Talbot cerrou os maxilares. - Há muito tempo que gastamos bilhões em ajuda a países estrangeiros... sem receber sequer um obrigado em troca. Não podemos mais auxiliar os outros enquanto o nosso povo passa necessidade. Precisamos cortar os nossos programas de ajuda. Já mandei cancelar um projeto em que o Governo concedia um bilhão de dólares ao país africano chamado Basanda. Vamos tomar conta do nosso povo.

Charles Talbot agora passava a fazer confidências aos espectadores e ouvintes.

- Já falei sobre programas e políticas. Agora, quero que vocês saibam os detalhes das mudanças que vou fazer no Gabinete.

Passou a ler os nomes dos oficiais de Gabinete cuja exoneração exigiria na segunda-feira. O ar e o tom de voz dele fizeram com que 200 milhões de americanos sentissem que ele estava partilhando cada um deles, pessoalmente, um alto segredo de Estado, que eram amigos dele, todos unidos numa causa comum contra incompetentes e vilões. Era teatro do mais alto gabarito, e Talbot sabia disso.

- Finalmente, deixem que eu lhes explique por que o VicePresidente Alvin Dunlap e a minha filha, Lexa, estão aqui comigo, esta noite. O Vice-Presidente Dunlap será o meu vigilante pessoal em Washington, controlando de perto o progresso dos nossos novos programas e os funcionários encarregados de executá-los. Tenho, também, um cargo para a minha filha. Criarei um Departamento de Acesso Direto do Público à Casa Bransa. - Talbot virou-se, sorriu para Lexa, voltou a fitar as câmaras.

- Este departamento receberá as suas sugestões... e as suas queixas; irá estudá-las e depois recomendar qual o curso de ação a ser seguido. Lexa chefiará este departamento, sem receber pagamento, e será o seu elo direto com o Poder Executivo do seu Governo.

Ele se pôs de pé, estendeu uma das mãos a Lexa, a outra a Dunlap. Eles também se levantaram.

- Boa noite, meus concidadãos - falou Talbot para as câmaras e microfones. - Que Deus os abençoe a todos.

A reação dos representantes da Imprensa no Salão de Recepção Diplomática foi sem precedentes. Eles começaram a aplaudir e a dar vivas.

Ken Ramsey tinha mandado uma equipe completa de telefonistas ficar de prontidão. Foi uma sábia precaução. O número de telefonemas recebido quebrou todos os recordes anteriores, congestionando os circuitos locais e interurbanos. Meia hora depois do término do discurso, uma contagem inicial veio demonstrar que os telefonemas eram, numa proporção de 100-a-l, entusiasticamente a favor do Presidente Talbot.

- Devemos tomar uma bebida para comemorar - insistiu Lexa. Talbot se negou. Ele queria ficar sozinho na Sala Oval, durante algum tempo.

- E depois eu vou sair - disse à filha.

Tão logo entrou na Sala Oval, ligou para Marjorie Norworth.

- Você foi fabuloso, Charlie - ela o cumprimentou. - Parecia George Washington, Abraham Lincoln e Franklin Delano Roosevelt, juntos num só. - Porque estava seguindo as minhas instruções ao pé da letra... e pode ficar descansado que vou preparar muitas outras mais para você.

- Posso ir até aí hoje à noite, Marjorie?

- Quer mais conselhos?

- Vou precisar disso mais tarde, mas não hoje. Eu...

- Ah! Você se sente como Franklin se sentia depois das suas Conversas ao Pé da Lareira. Excitado sexualmente, ligado ao MÁXIMO. Quer algum quarto em especial?

- Qualquer um serve... contanto que não tenha nenhuma decoração da Casa Branca.

- Vou providenciar tudo.

Marjorie não precisava perguntar mais nada. Sabia instintivamente quais as especificações de Charles Talbot... uma bela moça, com longos cabelos louros e no máximo 25 anos da idade.

Ken Ramsey tomou um drinque com Lexa Talbot e James Zander, deu boa noite e foi para casa, para a esposa e os filhos.

- Vamos subir até os aposntos da família - Lexa convidou Zander. Ele reconheceu o tipo de olhar que ela lhe lançou.

- Não acha que isso é besteira? - perguntou Zander. - Este lugar está fervendo de agentes de segurança, criados...

- E daí? Eu sou Lexa Talbot. Posso convidar quem quiser para me visitar.

Foram para os aposentos da família. Lexa levou Zander até à sala de estar dela. Ele acendeu um cigarro, deu uma boa tragada, passou o cigarro para ela.

- Nunca sonhei que iria trepar na Casa Branca. - Zander deu uma risadinha, olhando ao seu redor. - Tem certeza de que o seu velho não está?

- Absoluta. - Lexa devolveu-lhe o cigarro. - E também tenho certeza absoluta do que você pensando... o bolo nas suas calças está aparecendo. - Os olhos dela ficaram ardentes. - Vamos usar a cama dele.

Trepar com a filha do Presidente na cama presidencial era o afrodisíaco mais louco de todos os tempos - refletiu Jim Zander, tragando a fumaça. Olhou para Lexa.

E ela ainda está querendo mais do que eu, ele se deu conta, e desatou numa risada obscena, deixando que ela o conduzisse ao dormitório de Talbot.

 

Kinsolo, Basanda: Segunda-feira, 22 de fevereiro.

Em 1854, um cartografo do Departamento Colonial Britânico desenhou uma linha curva e desigual num mapa da África Ocidental. A linha delimitava uma área de umas 450.000 milhas quadradas habitadas por cerca de 15 milhões de nativos que pertenciam a nada menos de vinte tribos importantes, mutuamente hostis. Deste modo foram estabelecidas as fronteiras da nova colônia britânica de Basanda.

O domínio britânico era benigno. Os administradores e soldados coloniais detiveram o florescente comércio de escravos, mantiveram a paz entre as tribos, construíram estradas, escolas e hospitais. (No processo, também contraíram malária, dengue e várias outras moléstias de alta taxa de mortalidade.) Kinsolo, uma cidade costeira caindo aos pedaços, foi reconstruída e transformada na capital de Basanda, uma cidade razoavelmente limpa, de estilo inglês.

Por volta de 1900, a Grã-Bretanha já conseguira treinar um corpo de funcionários públicos nativos, e estabelecer uma certa democracia local. A maioria dos basandanos aceitava de bom grado o domínio e a proteção britânicos. Muitos aprenderam avidamente o inglês; as classes educadas em Kinsolo e nas capitais das províncias emulavam o modo de vestir inglês, os modos e os costumes... até mesmo formando excelentes equipes de criquete e rúgbi.

Os colonizadores brancos plantavam tabaco, algodão, cereais, amendoim, produziam óleo de palma, e cortavam madeira. Sem ter visão ou compreensão, eles ignoravam a possibilidade de que Basanda pudesse possuir recursos naturais mais valiosos. (Surgiram alguns garimpeiros na colônia, mas vinham em busca de ouro e diamantes.

Como não acharam nenhum, foram embora.) Basanda e os basandanos se beneficiavam com a presença britânica. Contudo, a economia quase que totalmente agrícola não conseguia fazer com que a colônia fosse auto-suficiente. O tesouro britânico cobria regularmente os enormes déficits anuais.

O império Britânico começou a se desintegrar depois da Segunda Guerra Mundial. As colônias e as possessões clamavam pela inde 14.5pendência... todas menos Basanda, que não tinha a menor vontade de cortar o cordão umbilical que a ligava à Grã-Bretanha. Mas, por volta de 1967, a economia vacilante da Grã-Bretanha não tinha mais condições de sustentar a colónia africana. Forçou-se a independência, literalmente, aos basandanos. A esta altura, a população de Basanua quase alcançava trinta milhões, e, no vácuo criado pela súbita independência, reinílamaram-se os antigos ódios tribais.

Dois milhões de basandanos morreram em guerras e massacres tribais. O país estava sem liderança, no caos. Uma facção formada por diversas grandes tribos formou-se à volta de Odu Mwandi, um antigo sargento dos Rifles Basandanos do Rei, um regimento que lutou com os Aliados na Segunda Guerra Mundial. Ecêntrico, estrambótico e intitulando-se Marechal-de-Campo, Odu Mwandi terminou com a guerra interna por meio de métodos selvagens e brutais. Aldeias inteiras eram destruídas; tribos completas eram dizimadas. A fome e as moléstias se seguiram, matando ainda mais gente.

Novos exércitos invadiram Basanda - exércitos de geólogos, mineralogistas e outros especialistas americanos. Dentro de poucos meses, descobriram imensos depósitos de minérios de metal comum... e petróleo. O Governo dos Estados Unidos enviou dinheiro, alimentos, armas e outros suprimentos para apoiar Odu Mwandi e assegurar-se de que ele se tornaria o Primeiro-Ministro de Basanda. Logo que assumiu o poder, o primeiro ato oficial de Mwandi foi outorgar concessões das minas e do petróleo para companhias americanas - a maioria das quais era da propriedade da dinastia Rickhoven, ou controlada por ela. A seguir, Mwandi ordenou a construção de um Palácio para o Primeiro-Ministro em Kinsolo, decretando que ele deveria sobrepujar qualquer outra construção do continente africano em tamanho e esplendor. Ele insistia para que fosse uma versão ultramoderna do Palácio de Buckingham... só que quatro vezes maior.

O resultado foi uma paródia monstruosa do Palácio de Buckingham feita de mármore negro e aço inoxidável. Circundando-o havia o Parque Odu Mwandi, uma extensão de relvados verdes e árvores frondosas que rivalizava com qualquer dos parques de Londres... só que era vedada a entrada ao público em geral. Mwandi instalou-se no palácio com um exército de concubinas e um exército ainda maior de guarda-costas pessoais, e governava Basanda com o terror, a forca e a metralhadora. Os espiões, torturadores e carrascos dele estavam em todo o canto, e chacinas em massa eram coisa comum.

As companhias americanas que operavam em Basanda ignoravam tudo isto. Mwandi mantinha os salários dos nativos a um nível absurdamente baixo. As minas e os campos de petróleo davam lucros prodigiosos. O que mais podiam desejar os diretores e os acionistas?

Quanto ao Governo dos Estados Unidos, estava radiante em podei contar com um "fiel aliado" no continente africano... e um "Tratado de Amizade’’ entre os Estados Unidos e Basanda foi considerado um triunfo diplomático.

A revolta basandana teve origem no que, de acordo com os padrões que lá prevaleciam, parecia um incidente trivial. Odu Mwandi queria um palácio de verão num local fresco, e mandou tropas para evacuarem e arrasarem uma aldeia escolhida por ele como o lugar ideal para a construção. Cento e vinte aldeões, membros da orgulhosa tribo Sawila, resistiram; foram metralhados e seus corpos queimados. A crença tribal dos Sawila determina que a cremação após a morte destina a alma a vagar eternamente.

A notícia da chacina em massa e da cremação espalhou-se a outras aldeias Sawila. Um grupo de guerreiros Sawila emboscou e massacrou os soldados. Odu Mwandi ordenou o extermínio de todos os Sawila, o que era uma tarefa fantástica, já que havia mais de 300.000 deles na tribo.

Batalhões de tropas de Mwandi, equipadas pelos americanos, deram início à campanha. Os Sawila esconderam-se na selva e nos matos e começaram uma guerrilha. Logo outras tribos juntaram-se a eles. A luta aumentou ainda mais. Sob o "Tratado de Amizade", os Estados Unidos deveriam fornecer ajuda financeira, armas e "numemeros limitados de assessores militares" a Basanda, quando formalmente solicitados. O Primeiro-Ministro Mwandi invocou esta cláusula do tratado. Os Estados Unidos acederam, mas a luta continuou, e os rebeldes ganhavam cada vez mais força.

O Coronel Leabua Rwati, treinado em Sandhurst, comandava a guarda pessoal do Primeiro-Ministro Odu Mwandi. Tendo sabido do relatório que Mwandi recebera do Embaixador basandano em Washington, e ciente das ordens enviadas às unidades legalistas nas regiões vizinhas, o Coronel Rwati fora contagiado pelo pânico que se alastrava rapidamente.

Rwati havia jurado lealdade imorredoura a Odu Mwandi e cumpria o seu juramento. As recompensas haviam sido grandes. O Coronel Rwati possuía enormes lotes de terreno (que Mwandi havia confiscado e depois distribuído entre os seus favoritos) e tinha quase um milhão de dólares num banco suíço. Mas Rwati farejava o desastre e os seus instintos de sobrevivência eram fortes. Conseqüentemente, foi afável e receptivo quando foi se encontrar com os três civis americanos na sala de operações da pista de pouso do Grupo Assessor Militar americano em Basanda, a cerca de um quilômetro e meio a leste de Kinsolo. Entre os aviões parados ao longo da pista estavam um jato quadrimotor de transporte e um grande helicóptero Bell. Rwati notou isto e sentiu-se confortado.

- O dinheiro está todo aí, Coronel - falou um dos americanos, dando uma palmadinha nas malas colocadas sobre uma mesa. - Uma vez que a coisa esteja feita, o senhor e os outros que precisarão partir poderão embarcar naquele avião de transporte juntamente com o seu dinheiro... e partir rumo à Suíça, ou a outro lugar qualquer para onde todos queiram ir.

O Coronel Rwati hesitou.

- O pessoal em Washington poderia mudar de idéia, de recente - falou. Isto já tinha acontecido muitas vezes, no passado.

- De jeito nenhum. - O mais alto dos americanos balançou a cabeça. - A decisão é definitiva: Mwandi vai passar à História... depressa, se o senhor cooperar, e não tão depressa, se o senhor não cooperar, mas então o senhor seguirá o seu chefe. Entrará pelo cano.

Com ou sem juramento, Leabua Rwati queria viver muito tempo e aproveitar o milhão que já possuía na Suíça, e mais os dois milhões que receberia.

- Vocês garantirão a minha segurança? - perguntou. O trio de americanos à paisana anuiu.

Rwati endireitou os ombros.

- Muito bem.

Os quatro homens saíram da sala de operações, caminharam até um carro oficial da GAMB (Grupo Assessor Militar em Basanda), entraram nele e dirigiram-se para o Palácio do Primeiro-Ministro, em Kinsolo. Os guardas detiveram o carro no portão, reconheceram o Coronel Rwati, fizeram continência e deixaram o veículo passar.

As sentinelas apresentaram armas qrando Rwati e seus companheiros saltaram do carro e entraram no palácio. Rwati foi mostrando o caminho pelos corredores de mármore até a ala onde Odu Mwandi tinha as suas salas de audiência, e o que ele chamava de "Posto de Comando". Pararam diante de portas incrustradas em marfim. Rwati falou em M’ba, o dialeto tribal usado pelos altos funcionários quando não estavam falando inglês, e um assessor do Primeiro-Ministro conduziu-os à presença de Odu Mwandi.

Mwandi usava a sua farda espalhafatosa de Marechal-de-Campo, e estava cercado por oficiais de patentes mais baixas. Um gigante de olhos saltados e barba messiânica, o Primeiro-Ministro rugiu uma ordem despedindo o seu séquito, respondeu à continência de Rwati e olhos fixo para os americanos.

- Estes cavalheiros vieram de Washington e apresentaram-me as suas credenciais, Excelência - falou o Coronel Rwati.

- Qual é a assinatura que está nas credenciais? - indagou

Mwandi.

- A do Secretário de Estado, MacDonald Pearce. Mwandi agitou uma mão imperiosa.

- Que outras perfídias vieram revelar? - Odu Mwandi falava deste modo. - Vieram causar mais danos à gloriosa nação que eu criei?

Um dos americanos, de estatura média e forte de corpo falou:

- Excelência, têm havido sérios mal-entendidos. Fomos enviados para esclarecer as coisas e tranqüilizá-lo sobre as intenções americanas.

- Dinheiro, armas... onde estão? Isto o que eu quero ouvir!

- Logo estarão aqui, Excelência. Contudo, precisamos fazer um levantamento imediato das condições e apresentar o nosso relatório pelo rádio, ainda hoje.

- Eu direi a vocês o que relatar.

Alternadamente, os americanos explicaram que tinham ordens específicas. Deviam solicitar ao Primeiro-Ministro que os acompanhasse numa viagem de reconhecimento, de helicóptero, num raio de 160 km de Kinsolo. Se não houvesse sinais de retirada desenfreada pelas tropas legalistas, Washington enviaria ajuda imediatamente. Naturalmente, eles precisavam da interpretação pessoal de Odu Mwandi para aquilo que observassem.

- Eu acompanharei Vossa Excelência e protegerei a sua pessoa - falou o Coronel Rwati, dando uma palmadinha no coldre preso ao cinto, que continha uma pistola automática.

Odu Mwandi deliberou. Não haveria provas da retirada militar na área de Kinsolo. Os americanos nada veriam que pudesse alarmálos. Mas, se ele se recusasse a fazer o vôo de reconhecimento, eles na certa suspeitaram de algo, e enviariam relatórios prejudiciais a Washington.

- Nós vamos - ele anunciou.

Um comboio de bom tamanho deixou a palácio. Um carro blindado ia na frente. Dois jipes equipados com metralhadoras M-60 o seguiam. O Rolls-Royce folheado a ouro e à prova de balas de Odu Mwandi vinha atrás. Depois, o carro oficial. Fechando o comboio, mais um carro blindado.

O Primeiro-Ministro Marechal-de-Campo Odu Mwandi vestiu o pára-quedas que lhe foi entregue e embarcou no helicóptero Bell. O Coronel Rwanti acompanhou-o. Os três americanos subiram a bordo, e o mais alto deles acomodou-se no assento do piloto. Alguns momentos mais tarde, o motor pegou e as hélices começaram a girar. O helicóptero decolou, ganhou altura, alcançou 600 metros de altitude, nivelou e seguiu direto para o leste.

- Tudo me parece normal - disse o piloto, depois de vários minutos. - O tráfego nas estradas é normal, nas duas direções.

- Talvez você deva sobrevoar os campos de petróleo operados pelos americanos - disse Odu Mwandi, rindo alto. - Não serão mais operados pelos americanos, a não ser que vocês mandem ajuda. Primeiramente, eu os expropriarei; se os rebeldes invadirem a província principal, farei com que sejam explodidos, completamente destruídos.

A risada dele parecia um cacarejo agudo.

O sacana é louco de pedra, pensou o piloto americano. Subiu até 750 meros, virou para a esquerda, voou reto por cerca de 16 km, virou à direita, diminuiu a velocidade.

- O que aquilo lá embaixo? - perguntou ao seu colega no assento do co-piloto. Sobrevoavam terreno rochoso. - Ali... perto daquele morrinho?

O outro homem usou binóculo, examinou o terreno lá embaixo.

- Não se pode ver nada direito por causa desta droga de vidro - exclamou.

- Abra a porta, seu idiota!

Americanos gritando um com outro, raivosamente, isto divertia enormemente Odu Mw?ndi. Rindo baixinho, ele soltou o cinto que o prendia à cadeira e debruçou-se para a frente para enxergar melhor.

- Agora - falou o piloto. - Acabem logo com isso.

O Coronel Rwati soltou o seu cinto. O homem sentado no assento do co-piloto jogou o binóculo para um lado. Os dois agarraram Odu Mwandi, puxando o seu corpo pesado...

enquanto o terceiro homem, o americano fortão o empurrava. O Primeiro-Mkiistro Mwandi foi arremessado pela porta aberta. Ele berrou enquanto caía, tentando a corda do pára-quedas. O pára-quedas não abriu. Umas gotas de solda nos lugares certos garantiam que isto não aconteceria...

O piloto girou bruscamente o helicóptero para a direita e acelerou ao máximo.

O GAMB tinha contato direto pelo rádio com Washington, através do satélite de comunicações, e o seu transmissor-receptor era equipado com dispositivos que tornavam os sinais ininteligíveis para qualquer outra pessoa que estivesse na escuta, bisbilhotando.

O americano alto que pilotava o helicóptero não teve problemas para falar com o assistente de G. Howard Denby, encarregado das operações especiais...., - Tudo jóia - declarou o agente em Basanda. - Mwandi já #“F*f# a.

- E quanto à guarda pessoal dele?

Rwati e a maioria dos seus oficiais já pegaram o dele e se mandaram para Zurique, há uma hora. Alguns oficiais preferiram ficar e estão distribuindo a grana entre seus subordinados e soldados. Aqui, tudo na santa paz...

só que precisamos saber quem vai assumir.

- O Departamento de Estado já aceitou tudo. O Número Um deles Pearce, falou com o nosso Número Um, Denby e Percival Kwida já está a caminho. Apronte uma gigantesca guarda de honra do GAMB para quando ele desembarcar. Ele fará um discurso na pista... anunciará que Basanda foi libertada da tirania a merda de sempre... e prometerá eleições livres tão logo os rebeldes sejam derrotados.

Tem mais alguma ordem para a nossa equipe?

- Sim. Fiquem onde estão e tornem^ conta para que o novo Primeiro-Ministro não caia de nenhum helicóptero.

Ouviu um barulho estranho, raspante e gorgolejante. Os dispo”, tivos que tornam os sinais ininteligíveis apresentam uma falha notável. Distorcem o riso.

 

Washington, D.C. e Wilmington, Delaware: Segunda-feira, 22 de fevereiro.

O Secretário da Fazenda enviou uma carta fria e formal de demissão, por mensageiro. Exceto pela dele, as demais cadeiras à mesa da Sala do Gabinete estavam ocupadas.

Os homens que estavam sendo demitidos estavam de cara feia, ressentidos. Aqueles que iam permanecer estavam tensos... exceção cfeita a MacDonald Pearce e John Kurtz, cujas expressões eram quase convencidas.

- Sr. Presidente. - Duane Tillinghast, o rubicundo e falso liberal Secretário do Trabalho, estava determinado a dizer o que pensava. - Quero expressar a minha indignação pela maneira por que o senhor humilhou publicamente a mim e aos outros membros deste Gabinete. Jamais na história...

- Ora! - bufou Charles Talbot... e depois deu um sorriso largo. Ele estava num humor excelente. A imprensa e o público estavam aclamando. A visita a Marjone fizera milagres. Não ligava nada para o que Tillinghast pensava. - Você é um bestalhão, Duane. Eu trouxe você para o Gabinete porque você jurou que podia amansar os sindicatos e manter a Secretaria do Trabalho sob controle. Você não fez nada disso. Portanto deixe de criar caso.

- Eu protesto...

- Estou me lixando, pode escrever uma carta para o Pravda. - Talbot acendeu um Salem, soltou fumaça pelas narinas. - Só quero que não se esqueça que eu tenho um arquivo dos memorandos confidenciais que você me escreveu recomendando... textualmente... "medidas drásticas para subjugar os líderes trabalhistas militantes".

Podemos xerocar estes memorandos e distribuir cópias para a Imprensa em cinco minutos.

Duane Tillinghast calou-se, com o rosto escarlate. Uma olhadela nos demais homens sentados em volta da mesa fez Talbot perceber que a sua mensagem fora bem clara, e que todos a entenderam. O Governo Talbot faria picadinho de qualquer dos demissionários que tentasse fazer onda.

Com uma sensação crescente de poder, Talbot falou:

- Cartas polidas de demissão recebidas antes do meio-dia, receberão cartas polidas em resposta, expressando os meus agradecimentos pelos serviços prestados, etc. - Fumou preguiçosamente c seu Salem. - Como não há mais nada a discutir, declaro que esta runião está encerrada.

MacDonald Pearce e John Kurtz foram ter com o Presidente na Sala Oval. depois da reunião. Kenneth Ramsey reuniu-se a eles.

- Você disse que era importante - dirigiu-se Talbot a Pearce. - Não disse por quê.

- O Primeiro-Ministro Odu Mwandi está morto – anunciou Pearce.

Os olhos cinzentos de Talbot se arregalaram.

- Quer dizer que os rebeldes...

- Não. Foi um acidente. Ele estava fazendo um vôo de reconhecimento, de helicóptero, e caiu lá de cima.

Ken Ramsey lançou um olhar penetrante ao Secretário de Estado.

- A quem pertencia o helicóptero... a Basanda ou ao GAMB?

- Ah... ao GAMB - replicou John Kurtz.

- Interessante - murmurou Ramsey. - Pilotei helicópteros no Vietnã durante duas temporadas de seis meses. Vi gente que levou tiro e caiu do helicóptero, vi alguns pularem, e alguns serem empurrados. Nunca vi ninguém cair acidentalmente.

- Este foi o relatório que recebemos. MacDonald Pearce estava empertigado.

- O que importa é que ele está morto - disse Talbot, desanimado. - Todo o raio do Governo basandono pode cair aos pedaços. - Ele mordeu o lábio inferior. - A Secretaria de Defesa precisa fazer planos para evacuar o nosso pessoal, civil e militar, e quanto àquele meio bilhão...

- A situação está sob controle - Pearce declarou com segurança. Ele ajeitou os seus bifocais. - Mwandi não era... ahmmm... assim tão valioso. A sua morte não será lamentada por aqueles que criticavam os seus métodos... ahmmm... às vezes pouco ortodoxos.

Mwandi era um sacana dum açougueiro, Kan Ramsey comentou consigo mesmo.

- O sucessor dele já foi designado por unanimidade pelo Estado-Maior basandono - falou John Kurtz, acariciando o cachimbo.

- Quem é ele? - indagou Talbot.

- Você já o encontrou com freqüência nas recepções diplomáticas - replicou Pearce. - Percival Kwida, o embaixador basandano, ou melhor, o ex-embaixador. John mandou que um jato da Força Aérea o levasse para Kinsolo tão logo soube que ele fora o escolhido do Estado-Maior.

Kwida, é?

O Presidente estava tentando equacionar as coisas.

- Uma escolha admirável - intrometeu-se MacDonald Pearce.

- Ele estudou na Inglaterra, na Universidade de Cambridge, e a sua longa experiência em Washington familiarizou-o com o nosso modo de ser.

Percebeu que Talbot estava engolindo com gratidão as pílulas açucaradas.

- Kwida dará novo ânimo aos legalistas - disse John Kurt-z.

- Não vejo motivo para fazermos planos para a evacuação. Quanto aos fundos discricionários, recomendo que sejam postos à disposição de Kwida, imediatamente.

- Concordo integralmente - anuiu Pearce.

Talbot ficou todo animado de novo. Pearce e Kurtz estavam, certos. Ora essa, Percival Kwida era praticamente um anglo-americano. Ele ergueria o moral dos legalistas, faria com que a causa deles fosse mais simpática aos olhos dos americanos e dos governos das democracias ocidentais.

- Está certo - disse. - Vocês me convenceram.

A coisa foi improvisada às pressas, mas o Presidente Talboc queria dar uma checada rápida no modo como Russel Hatch se conduzia em público e em como o público reagia a ele. Talbot teve uma conversa breve com Lexa, ligou para Dan Madigan e mandou que ele trouxesse Hatch para vê-lo às 11:30.

Logo que chegou, Madigan veio agitando com exuberância um exemplar do Washington Post.

- O editorial principal começa assim: "Num discurso sem precedentes que aparentemente galvanizou a nação..."

Talbot interrompeu:

- Ainda não tive tempo para ler, hoje.

- Escute o que lhe digo, não há críticas desfavoráveis em iugar nenhum - continuou Madigan.

- E os comentários lá na Colina?

- Todos positivos... e como! A verba dos dez bilhões deve passar fácil pela Câmara e pelo Senado. Aposto o que quiser como todas as pessoas que você nomear para o Gabinete receberão o selo de aprovação.

Dan Madigan esfregava as mãos.

Talbot olhou para Russel Hatch que estivera acompanhando a conversa com um misto de interesse e divertimento, mas que não conseguia entender por que Madigan o trouxera consigo.

- Qual a sua opinião, Russ? - perguntou o Presidente.

- Acho que tudo que o senhor fez até agora é formidável, Si Presidente - Russ respondeu prontamente, e depois ficou pensativo. - Mas o ímpeto terá que ser mantido com resultados materiais.

Isto deixou bem clara a sua posição. Ele faria o que Talbot e Madigan pedissem, desde que as palavras corajosas fossem realmente traduzidas em atitudes.

- De acordo - assentiu Talbot. - Há montanhas que precisam ser escaladas.

As portas da Sala Oval se abriram. Lexa Talbot entrou. Madigan e Heatch se puseram de pé, de um salto.

- Alô, Paizinho, Dan e - Lexa se aproximou, de mão estendida - a não ser que me engane, Senador Russell Hatch.

O aperto de mão foi firme, o sorriso ofuscante.

- Chame-o de Russ - sorriu Talbot. - Eu chamo.,. e é provável que ele seja um visitante freqüente.

- Você Russ... eu Lexa - ela riu, soltou a mão de Hatch e foi até a escrivaninha presidencial. Ela é de uma beleza estonteante, pensou Russ, vendo-a debruçar-se sobre a mesa e beijar o rosto de Talbot.

- Sentem-se, por favor... Dan, Russ - falou Lexa, virando-se de frente para eles. - Passei por aqui só um minutinho para fazer uma pergunta ao Papai. - Olhou de novo para Talbot. - Já escalou alguém para hoje à noite?

Talbot fingiu uma ignorância total.

- O que é que tem hoje à noite? Lexa suspirou, exasperada.

- Não diga que se esqueceu! Tenho aquela reunião da Liga de Homens-e-Mulheres Votantes em Wilmington...

- Santo Deus, esqueci.

- e você ia arrumar alguém para ir comigo e falar para a platéia, do ponto de vista masculino. - Lexa abanou a cabeça. - O meu Velho é assim - disse, com um dar-de-ombros afetado. - Acho que terei que ir sozinha... não, espere aí. - Os grandes olhos cinzentos dela foram até Russ, detiveram-se nele. - Russ, quanto tempo faz desde que uma mulher se atirou sobre você? Não, não precisa resresponder - Ela riu. - ’Como filha do Presidente, tenho algumas prerrogativas... entre elas a de laçar senadores. Você acaba de receber a tarefa de partilhar comigo o palco do auditório da Escola Secundária de Wilmington.

Russ tinha um encontro com Suzanne. Contudo, não podia se furtar ao pedido de Lexa, não na frente do pai dela, que expressava a sua aprovação.

- Terei que aprontar um discurso qualquer - ponderou Hatch..

- Para quê? Eu vou falar de improviso, você pode fa2er o mesmo. Alinhavaremos a coisa enquanto eu levo você para Wilmington no meu carro, hoje à noite.

Com que então eu vou até andar no famoso Jaguar cinza-prateado, pensou Russ.

- Não vamos ter que falar muito - continuou Lexa. - Provavelmente passaremos a maior parte do tempo rebatendo perguntas sobre o discurso e os planos do Papai.

- Usarei uma luva de beisebol bem acolchoada - retrucou Russ.

Lexa fez uma reverência, de brincadeira.

- Obrigada por salvar uma donzela do perigo. - Ficou séria. - Onde é que você mora Russ? - Ele contou a ela. - Os meus capangas do Serviço Secreto e eu apanharemos você às cinco e meia... ah, e use o seu smoking. Lá em Wilmington eles gostam que os políticos se vistam formalmente... até mesmo quando são altos, ruivos e bonitões como você, Senador.

Ela jogou um beijo para o pai e para Madigan, e saiu às pressas.

- Você fez um sucesso absoluto com a minha filha - comen tou Talbot, com um largo sorriso.

Ela ainda fez maior comigo, pensou Russ... e depois lembrou 3 si mesmo que Lexa era filha do Presidente, e portanto interditada a todos os senadores modernos e a demais ralé.

Russ ligou para Suzanne nos estúdios da CBN.

- Meu bem, vou ter que dar o bolo em você hoje à noite. Vou fazer uma palestra em, imagine só... Wilmington.

A sobrancelha direita de Suzy subiu ao auge. Isto não estava soando certo. As palestras dos senadores eram marcadas com muita antecedência.

- Leve-me com você. Adoraria ouvir você discusar.

- Ahmmm... não posso. Vou com Lexa Talbot. Explicou o que havia acontecido na Sala Oval.

Raios me partam, pensou Suzanne. Os Talbots (no plural) e Da” Madigan estão dando a Russel Hatch o tratamento real completo... e, embora seja inteligente, Russ está caindo feito um patinho. Sem dúvida já está ficando caído pela Srta. Peituda Talbot, também. Todos ficam. Mas aquela piranha loura não vai fazer parte de nenhum futuro que nós, Russ e eu, tenhamos, nesta cidade ou em outro lugar qualquer. Cuidarei disso.

- Mande brasa, Senador, e ligue para mim pela manhã - falou Suzanne. Vou ficar morrendo de vontade de saber se ela toma a pílula ou se você teve que usar camisinha.

Jordan B. Rickhoven in falou de Nova York com McDonald - Belo trabalho, Mac. - As palavras de Rickhoven eram cautelosas. - Pensei em vocês hoje quando almocei, à minha escrivaninha. Comi um sanduíche com quatro fatias grossas de queijo suíço. Pearce compreendeu. Quatro fatias grossas - 100.000 dólares - seriam depositadas nas contas bancárias suíças de MacDonald Pearce, John Kurtz, G. Howard Denby e Daniel Madigan. Por serviços extraordinários prestados.

O vestido de noite de Lexa Talbot, com as cores do arco-íris, era ainda mais provocante graças ao seu feitio aparentemente modesto, e ela guiava o possante Jaguar como se fizesse parte da máquina.

- Eu falarei do Papai, e de como ele quase ficou doente de preocupação antes de tomar a sua grande decisão - ela disse a Russ, com as mãos enluvadas segurando o volante na posição de nove-horastrês-horas. - Você fala um pouco dos antecedentes e elogia os planos dele. Certo?

- Está me parecendo ótimo, Lexa. - Hatch olhou por cima do Qmbro. O carro da segurança vinha firme atrás deles. Ele comentou: - Ouvi dizer que às vezes eles a deixam pouco à vontade.

- Deixam mesmo, e eu me livro deles. Lembre-me de lhe mostrar como faço, um dia desses. - Uma pausa. - Ou uma noite dessas.

O Auditório da Escola Secundária de Wilmington estava superlotado e pelotões de policiais e agentes de segurança ocupavam as paredes laterais e o fundo do aposento.

Lexa e Russ passaram pelas formalidades tradicionais, nos bastidores. Dignitários locais efusivos (todos com dinheiro saindo pelos poros, pois aquela era zona da Companhia E.I. Du Pont) derretiam-se diante ,de Lexa, enquanto as suas esposas tagarelavam em voz aguda. Quando Lexa apresentou Russ, os homens apertaram a mão dele e as mulheres o examinaram com graus diversos de aprovação lúbrica.

Finalmente, passaram para o palco. A plateia aplaudiu fortemente.

Deram a Lexa e Russ os lugares de honra na mesa comprida. Os discursos preliminares pelos representantes da Liga dos Votantes, altos funcionários locais e suas esposas, foram corriqueiros, sem objetivo e intermináveis. Finalmente, foi dada a palavra a Lexa. O aplauso foi ensurdecedor.

- Alô, todo mundo. - O sorriso de Lexa era mais brilhante que os holofotes. - Adoro estar aqui em Delaware por causa das estatísticas. Delawere é o quadragésimo nono Estado em área, e quadragésimo sexto em população... e o primeiro em termos de gente maravilhosa, com corações amigos e generosos.

A casa veio abaixo. Ela tem mesmo bossa, refletiu Russ. O auditório ficou em silêncio. Lexa começou a sua fala improvisada. Contou ao público o que ele acreditava ser olhadelas íntimas na vida e no trabalho do Presidente Talbot; falava de modo encantador, e aparentemente revelador, dando sempre um jeito de exaltar as virtudes incontáveis dele. Falou durante os vinte minutos a que tinha direito, depois disse estar à disposição para responder perguntas. Elas eram do tipo que se podia esperar, feitas principalmente pelas mulheres.

- Srta. Talbot, é a senhorita que cuida da parte doméstica, na Casa Branca?

- Eu tento. Felizmente há gente competente para me ajudar, senão eu me atrapalharia toda.

Risos.

- A senhorita cozinha para o Presidente Talbot?

- Às vezes... quando o Papai está cansado e quer uma refeição tranqüila. Temos uma cozinha pequena nos aposentos da família.

- O que prepara para ele?

- Bem... frito um pouco de galinha, ou faço uma omelete. Murmúrios solenes de elogio para a filha amorosa e dedicada. Quinze minutos, e terminou o período de perguntas.

Agora era a vez de Russell Hatch. Ele ficou de pé, e recebeu bem menos aplau sós do que Lexa.

- Boa-noite, senhoras e sonhores. Como disse o digno presidente da Liga dos Votantes quando me apresentou, sou do Oregon. O lema do nosso estado é "A União".

O de vocês, aqui em Delaware, e "Liberdade e Independência". Estamos funcionando na mesma freqüência.

Ouviram-se palmes polidas. E então um agitador pôs-se de pé.

- Para o inferno os seus lemas! - gritou. - Talbot concorreu à Presidência com um lema: "Renovem os Estados Unidos", e o país está é bom para o ferro-velho.

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Os guardas acercaram-se para prender o agitador. Russ, reconhecendo uma oportunidade, falou em voz alta no microfone:

- Deixem o cavalheiro em paz, por favor. - Os guardas se detiveram, voltaram aos seus postos. - Eu também concorri sob este lema - continuou Heatch, voltando a falar em tom normal. - Durante dois anos o Presidente Talbot vem envidando esforços para renovar os Estados Unidos. Sou testemunha disto. - Sou mesmo? Não, mas Talbot finalmente deixou de ficar sentado em cima da bunda, e dei a minha palavra que o ajudaria. - O próprio Presidente Talbot admitiu que não tem sido muito feliz, no domingo à noite, anunciou novos esforços...

Começaram os aplausos. Russ ergueu a mão. Eles pararam.

- O Presidente Talbot assumiu toda a culpa... mas na verdade os erros foram cometidos por outros homens. E isto nos inclui, a muitos de nós, no Poder Legislativo.

Protelamos os programas dele. Agora, talvez, liderados pelo Presidente, possamos por mãos à obra e cumprir a promessa dele de renovar os Estados Unidos. Para conseguir isto, precisamos do apoio de vocês... não de zombarias e agitação.

Palmas fortes e alguns vivas.

Russ usou o resto dos seus vinte minutos de prazo para parafrasear muito do que Talbot dissera no domingo à noite, e recebeu aplausos fortes, embora nem de longe ensurdecedores. Pediu que lhe fizessem perguntas. As indagações da platéia tinham a ver, principal mente, com as propostas anunciadas por Talbot para uma nova legislação para ajudar os operários, os fazendeiros e os pequenos comerciantes. Hatch deu respostas generalizadas, mas fez com que parecessem ser diretas e específicas. A platéia ficou satisfeita. O jovem senador alto e de cara franca, com aquela rebelde cabeleira ruiva, não podia estar deixando de dizer nada menos que a verdade total. Russ recebeu uma ovação.

Seguiu-se a costumeira recepção pós-orgástica. Realizou-se na casa suburbana de um alto funcionário, extremamente rico, da Liga dos Votantes de Wilmington.

- Ouvi dizer que você é advogado - falou o anfitrião, afastando-se um pouco com Russ.

- Sou, advogava em Portland.

- A sua própria firma?

- Uma sociedade. Vendi a minha parte quando fui eleito.

- Certo. - Uma piscadela e um sorriso jovial. - As minhas companhias têm negócios consideráveis em Oregon. Estão sempre à cata de firmas de advocacia de confiança, e pagam muito bem.

O mais antigo dos truques do tráfego de influência, pensou Russ. A antiga firma de advocacia de um legislador ganha honorários polpudos e dá uma boa parte para ele.

Algumas pessoas dizem que eu tenho cara de ingénuo. Devo ter mesmo, senão este bosta teria sido ao menos um pouco mais sutil.

- Sinto muito - respondeu Hatch. - Não sou mascate. Afastou-se O industrial suando fitou a sua retirada. Ora, ora, mas que me atolem na merda, pensou. Um senador honesto.

Lexa e Russ acabaram por conseguir escapulir. Russ ofereceu-se para guiar de volta a Washington. Lexa recusou.

- Eu gosto de guiar - falou.

Russ examinou o perfil bem delineado dela. Gosta mesmo, refletiu. Isto lhe dá um sentimento de estar no controle.

- A obsessão nacional de Washington - disse, com um sorriso largo. - Todo mundo quer estar no assento do motorista.

- E não é a mesma coisa, em todo lugar?

- Com variações de grau, suponho que sim. Lexa lançou-lhe um olhar enviesado.

- Não me diga que você não tem ambições mais altas” - Voltou a fitar a estrada. - Ambições políticas, quero dizer.

- Só tenho as ambições normais de fazer um bom trabalho durante o meu mandato na grande sociedade de debates.

Lexa achou graça.

- O que, não tem nenhuma esperança secreta de se candidatar à Presidência?

- Não. Duvido até que me candidate à reeleição pelo Senado. Ela tirou a mão direita do volante, deu uma palmadinha no ombro dele.

- Você está se enganando, Russ. - O cheiro do perfume dela tantalizava Hatch. - A mosca vai mordê-lo... espere e verá. - Ela retirou a mão. - Eu diria que já mordeu, mas você não se deu conta. Eu me dei conta. Observei você naquele palco idiota, saboreando os aplausos, excitando-se com aquilo tudo quase tanto quanto eu me excitei... e sempre me excito.

Será verdade? perguntou-se Russ; ficou remoendo a pergunta por um momento ou dois, depois admitiu com relutância que tinha gostado da experiência.

- Foi você quem fez a casa vir abaixo, Lexa.

- Muita prática... e mais a mística de Lexa Talbot criada por sabe lá Deus quantos relações-públicas de Papai. - Ela deu uru largo sorriso. - Fizemos um belo número, sabe. Talbot e Hatch, a dupla dinâmica com a sua conversa fiada adulta e sua tagarelice esperta.

- Você faz a coisa parecer teatro puro.

- Teatro, política... mesma diferença. Não notou?

- Notei. - E conm. - Como os antigos romanos diziam: dêem-lhes pão e circo.

A política e o governo eram Barnum e Bailey. Malabaristas, palhaços, banda e gente que andava na corda bamba. Suzy disse que eu era um sujeito que andava na corda bamba da Administração Talbot, semana passada. Vá ver que sou mesmo.

- Da próxima vez, vamos usar o seu carro e você pode guiar... estar no assento do motorista - disse Lexa, subitamente.

- Da próxima vez?

- Por que desfazer o número? Podemos até fazer uma turnê com ele.

Havia uma sugestão de sensualidade na voz de Lexa. Parecia oferecer promessas que fizeram o sangue de Russel Hatch correr mais depressa. Não, decidiu ele, é melhor não subentender nada.

- Precisamos de um bom agente - falou ele, tentando manter a conversa num nível de brincadeira.

- Nós já o temos, parceiro.

- E quem é?

- O Presidente Charles P. Talbot... quem mais?

 

Washington, D.C.: Terça-feira, 23 de fevereiro.

O Secretário de Compromissos do Presidente mantém um diário dos movimentos e atividades dele. Conquanto seja literalmente um registro de minuto a minuto, contém apenas os fatos em si. Aquilo que transpira entre o Presidente e as pessoas com quem ele se reúne ou fala é registrado em outro canto... ou em canto nenhum, exceto como lembranças incidentais nas mentes dos indivíduos em questão. No dia 23 de fevereiro, o Presidente Talbot teve um da cheio... como demonstrou o diário: O Presidente tomou o seu desjejum.

(Lexa fez companhia ao pai, declarou que a excursão a Wilmington fora um sucesso e instou para que ela e Russell Hatch fizessem outras apresentações em público.)

O Presidente foi para a Sala Oval.

(Talbot leu os sumários dos comentários da Imprensa. Eram todos altamente favoráveis.)

O Presidente reuniu-se com o Senador Daniel Madigan e o Deputado Bradford Colley.

(Talbot disse a Cooley que poria à disposição do Estado do Alabama 50 milhões de dólares em fundos discricionários, sob a Secção XXI do Ato Miller. Cooley prometeu ação imediata quanto ao projeto de ajuda interna de 10 bilhões.)

O Presidente reuniu-se com o seu Assessor-Chete, Kenneth Ramsey.

(Discutiram assuntos de rotina.)

O Presidente se reuniu com o Secretário de Estado, MacDonald Pearce, e o Secretário de Defesa, John Kurtz.

(Pearce e Kurtz fizeram relatórios encorajadores sobre a situação em Basanda. O novo Primeiro-Ministro havia rescindido as ordens do falecido Odu Mwandi que evacuavam as tropas legalistas das áreas remotas.)

O Presidente realizou uma reunião na Sala Roosevelt.

(Os "fazedores-de-reis" dos partidos, inclusive Jordan B. Rickhoven in, convergiram sobre Washington para uma conversa particular com Talbot sobre as intenções dele. Saíram convencidos de que, embora ele estivesse dando um belo espetáculo, ainda andava na linha, e que, no final das contas, eles ganhariam muito.)

#1140-1202:# O Presidente reuniu-se com o Presidente Interino do Senado, Early Frobase.

(Talbot trocou uma promessa de atenuar as questões dos direitos civis pela garantia de Frobase de "um sul sólido" por seis meses.)

O Presidente recebeu os novos nomeados para os lugares vagos no Gabinete.

O Presidente almoçou com os novos nomeados para o Gabinete.

O Presidente se reuniu com o Deputado Earle Clay, de Nova Jersey.

(Clay era negro, e era o porta-voz de facto para os legisladores negros do Congresso. Talbot trocou uma promessa de pressionar por maior legislação sobre os direitos civis, pela garantia de Clay de que os seus colegas negros apoiariam as novas políticas e programas da Administração.)

O Presidente se reuniu com o Secretário de Defesa, John Kurtz.

(Concordaram em que o General Merle Littlefield deveria substituir o General Weidener como Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.)

O Presidente reuniu-se com o Senador Aaron Kugelman, de Nova York.

(Sempre de olho no voto judeu, Talbot prometeu ainda mais ajuda a Israel e disse que os Estados Unidos compraria mais petróleo de Basanda, acrescentando: "Isto vai apertar um pouco os árabes.." Em troca, Kugelman prometeu que endeusaria a Administração no seu reduto eleitoral e entre as numerosas organizações judaica a que pertencia.)

O Presidente reuniu-se com Lester De Montt, Conselheiro Legislativo.

(De Mont declarou que o pedido de verbas de emergência de 10 bilhões estaria pronto para ser submetido ao Congresso dentro de um dia ou dois.)

Ainda havia mais doze anotações no diário para aquele dia, e a última delas era:

O Presidente deixou a Mansão para comparecer a uma reunião social particular.

Depois que toma posse, o novo Presideme americano eleito tradicionalmente tem uma "Lua-de-Mel de Cem Dias" com a Imprensa e até mesmo com os seus oponentes políticos.

Dão a ele este período de graça para efetuar a transição do poder, adaptar-se e aclimatar-se, e formular os seus programas. Depois que ele termina, o Presidente e o seu gcg/erno não são mais poupados.

Charles Talbot não havia sido exceção à lei-não-escrita. Mas, com pouco mais de três meses da sua posse, a Lua-de-Mel acabou. As críticas da imprensa e a insatisfação do público começaram e aumentaram. Os oponentes, dentro e fora de Washington, atacavam o seu governo. O sentimento anti-Talbot crescia gradativamente, tendo atingido um clímax virulento depois que ele terminou o segundo ano do seu mandato.

Mas, quando Charles Talbot mandou tropas para as cidades em revolta e fez o seu discurso de 21 de fevereiro, conseguiu um milagre. A maré de críticas não apenas se deteve, como reverteu. Na terçafeira de manhã, uma rápida pesquisa de opinião revelou que o índice nacional de popularidade de Charles Talbot havia atingido a marca incrível de 21 pontos.

Lady Marjorie Norworth teve uma das suas inspirações momentâneas. Às 8:30 da manhã, ligou para Daniel Madigan, na casa dele.

- Tive uma idéia fantástica, Dan! Charlie está por cima de novo, é como se ele tivesse sido reeleito por maioria esmagadora, outra vez. Quero dar uma festa muito especial para ele esta noite... uma festa muito grande tendo como tema "Segunda-Lua-de-Mel". Ele deve poder vir, você não acha?

O instinto de Madigan lhe disse que uma festa como esta seria tremendamente benéfica para Talbot e seu partido político.

- Brad Cooley e eu vamos nos reunir com ele em quinze minutos - disse Madigan. - Vou perguntar a ele, e depois ligo imediatamente para você.

Madigan tocou no assunto com Talbot durante a reunião de 08:55 até 09:31 (anotada no diário) que ele e Cooley tiveram com o Presidente na Sala Oval. Brad Cooley concordou com Madigan que a idéia de Marjorie para a festa era excelente. Ambos insistiram com Talbot para que comparecesse.

- Que diabo, vou sim - disse Talbot. Ele estava numa boa, e podia dar-se ao luxo de se mostrar em público... de se misturar aos demais, outra vez. - Diga a Marjorie que irei... não, eu mesmo digo.

Pegou o seu telefone particular e ligou para a Casa da Colina.

Marjorie Norworth e os seus empregados domésticos passaram uma manhã e uma tarde frenéticas. Banqueteiros, decoradores, floristas e outros receberam as suas ordens, e mais a recomendação: "O preço não é problema, mas tudo tem que ser feito, e à perfeição, até a noitinha".

Marjorie e sua secretária social percorreram a longa lista de homens a serem convidados, telefonaram para eles. Todos estavam perfeitamente cônscios de que Charles Talbot havia se transformado, definitivamente, no Homem à Testa. Perceberam as implicações do tema da festa. "Segunda Lua-de-Mel", e viram que era uma reunião que não tinham condições de perder. Os seus futuros políticos bem podiam depender da presença deles na festa, prestando homenagem a Talbot.

As criadas da casa de Marjorie e as garçonetes do serviço da buffet usavam vestidos de noiva brancos. Os criados, tantos os dela quanto os fornecidos pela firma de banqueteiros, vestiam-se como os padrinhos de um casamento de gala. Um pianista contratado para a ocasião conseguiu realizar a tarefa improvável de improvisar às pressas uma canção que combinasse as melodias de Aí vem a Noiva com Salve o Chefe. As mesas do buffet, dispostas na réplica da Sala de Jantar Oficial da Casa Branca, estavam carregadas de comestíveis suficientes para um exército de gourmets... ou de gourmands.

Havia mais caviar fresco (ao preço de 132 dólares por meio quilo) do que jamais fora visto nas recepções das embaixadas russa ou iraniana; havia mais (e melhor) champanha de classe do que era baixador francês algum já oferecera aos seus convivas. Como conhecia os gostos especiais dos seus convidados, sob todos os aspectos, Marjorie fez uma vistoria final com Holcomb e o cozinheiro-chefe.

Charles Talbot adorava lagosta à thermidor; Aaron Kugelman preferia salmão defumado da Nova Escócia ao caviar; suco de pêra fresco para Brad Cooley, para o caso desta ser uma das noites em que ele preferia bellinis ao bourbon puro. E ela seguia a lista, passando das figuras políticas americanas para os embaixadores estrangeiros.

Curry superquente para Sír Leslie Holloway, o embaixador britânico, empertigado o dono de um humor seco e brilhante. (Ele e a esposa, Ma|garet, uma escocesa deliciosamente encantadora, encontravam-se entre as pessoas preferidas de Marjorie Norworth. Ela os conhecia há anos, e lamentava que as suas festas fossem exclusivamente para o elemento masculino. Adoraria poder ver Lady Margaret Holloway,) O embaixador iugoslavo bebia somente absinto, e embora esta bebida fosse tecnicamente ilegal, por causa do seu conteúdo de absíntio em pó, era fácil encontrá-lo em Washington, se se sabia onde procurar... e era claro que Marjorie sabia. Finalmeente satisfeita de que não tinha havido omissões ou falhas, Marjorie foi para a sua suíte, onde tomou banho e se vestiu para a reunião.

Ela estava radiante. E por que não deveria estar, perguntou a si mesma, cantarolando alguns compassos de uma canção de Cole Porter. Charles Talbot pode ser o convidado de honra oficial, mas esta festa é para mim, na verdade. Charles ainda estaria se afogando em esterco se eu não lhe tivesse dado instruções detalhadas... até a última linha, palavra e sílaba.

Como era hábito seu sempre que Marjorie Norworth dava uma festa elaborada, Bradford Cooley chegou meia hora mais cedo. Dedos gorduchos demais seguravam um copo de bourbon - esta não era uma noite de bellinis - enquanto ele arrastava as banhas acompanhando Marjorie numa volta pelas salas do andar térreo em que seria realizada a festa.

- Cafonice - debochou Cooley, quando completaram o circuito e sentaram-se na imitação da Sala Verde. - Mas os seus convidados vão chafurdar nela, e as celebridades reunidas vão se prostrar diante de Talbot.

Ele tomou um gole do uísque, fez uma careta e continuou:

- É triste dizer isso, mas duvido que a sua segunda lua-de-mel política dure muito tempo.

- Isto vai depender do Charlie - falou Lady Norworth. - Ou, para ser mais exata, de mim, acrescentou mentalmente.

- Somente dentro de limites muito estreitos. Há outros que estão fazendo a pescaria. Ele está apenas cortando as iscas para eles, embora não se dê conta disso.

- E você está me tentando com a isca. O que você andou ouvindo, Brad?

- Lembra da conversa que tivemos sobre Weidener, há alguns dias?

- Lembro.

- Emmett Hopper...

Marjorie interrompeu-o com uma risadinha.

- Nunca um caso de amor em Washington durou tanto.

- Durou mesmo, não é? - Coley sorriu, depois ficou sério. - Mas não mencionei Emmett para iniciar uma discussão sobre a minha vida sexual. Emmett tem provas conclusivas de que Weidener foi morto pelos capangas da CIA de Howard Denby.

Marjorie não demonstrou nenhuma emoção. Muitas mortes que se dizia terem sido "devidas a causas naturais" eram tudo, menos isso.

Cooley prosseguiu, contando a ela o que ele e Hopper sabiam... e do que suspeitavam.

- Pearce, Rickhoven, Kurtz, Madigan, Denby... - foi enumerando os nomes. - São todos os ingredientes necessários para arruinar um Presidente.

Uma ruga profunda marcou o rosto clássico de Marjorie. Ela acreditava em Cooley. Por dentro, fervia de raiva. Trabalhando em conjunto, os homens que ele havia enumerado podiam manipular Charles Talbot ao seu bel-prazer. Isto destruiria o Grande Plano dela de tornar-se o poder por detrás de Talbot e do seu Governo.

- As provas que Emmett tem não bastam. Elas somente implicam os agentes da CIA diretamente envolvidos no caso, o Denby, como todo o mundo sabe, considera que eles podem ser sacrificados sem problemas. - Cooley suspirou. - Infelizmente, Emmett e o seu FBI rebaixado não têm nenhum dossiê tipo J. Edgar Hoover com o qual possam exercer influência e pressão...

- Com o qual possam fazer chantagem - corrigiu Marjorie.

- Simples questão de semântica - falou Cooley, dando de ombros. - Aonde eu quero chegar é que você tem o material para a matança numa escala que atordoa até mesmo a minha imaginação completamente depravada. Refiro-me, é claro, aos depósitos de informação que você me contou que tem, mas que nunca vi.

- E nem verá... nem você nem ninguém. - Marjorie forçou um sorriso. - Temo que você e Emmett, os co-conspiradores...

- #Co-co/ra-conspiradores# estaria mais perto da verdade.

- Simples questão de semântica, como você mesmo disse. Mas, afinal, o que você espera ganhar com isso, Brad?

- Pessoalmente, pouca coisa, ou nada. Já passei da idade e do estágio de ser afetado pela ambição. Porém, dois anos mais de um Charles Talbot controlado por uma Madame de Maintenon é infinitamente preferível ao que teremos se ele for controlado por Rickhoven, Pearce e companhia.

Marjorie ficou calada, séria, depois se animou.

- Conversaremos sobre isso outro dia. Esta noite, vou me concentrar na minha festa e em ser uma anfitriã sem igual.

Quase trezentos convidados em traje de noite enchiam os salões, reunindo-se em grupos, trocando informações e fofocas, discutindo a "volta" espetacular de Charles Talbot, ou simplesmente bebendo e escutando. Quando se anunciou a chegada da limusine presidencial, cessou toda a conversa. Os homens se dirigiram (alguns empurrarão e deram encontrões) para o saguão da entrada. Holcomb manteve as portas abertas. Lady Marjorie Norworth estava a postos para receber Talbot. O pianista executava a sua mistura de Aí vem a Noiva com Salve o Chefe.

Talbot entrou em largas passadas, trazendo consigo uma aura de herói conquistador, e meia dúzia de agentes do Serviço Secreto. Ele e Marjorie se abraçaram e se beijaram.

As regras normais do protocolo não funcionavam na Casa da Colina. Os homens que haviam forçado a passagem foram os primeiros a apertar a mão do Presidente, não os que eram mais graduados. Seguindo as instruções de Lady Norworth, cada um dos convidados cumprimentou Talbot com as mesmas palavras.

- Feliz Segunda Lua-de-Mel, Sr. Presidente.

Talbot percebeu que Marjorie obtivera êxito impressionante ao reunir gente tão diferente ou antagônica. Havia políticos dos principais partidos presentes... e vários membros de cada um deles que se odiavam pessoalmente, e que faziam questão de evitar reuniões sociais onde pudessem se encontrar. A quantidade de embaixadores estrangeiros era impressionante, pois a festa era patentemente uma reunião política americana. Charles Talbot ficou todo envaidecido, tomando o que via como prova de que o triunfo dele era universalmente aceito.

Russell Hatch foi dos últimos a cumprimentar Talbot.

- Que bom vê-lo, Russ - sorriu Talbot. - Lexa me contou que você fez um belo trabalho lá no pique-nique de Wilmington. Obrigado.

Hatch afastou-se para deixar mais um convidado- se acercar do Presidente.

MacDonald Pearce bebericou modestamente o seu champanha.

- Lady Norworth tem mesmo bossa para receber - falou. O comentário era banal, até mesmo tolo, mas serviu para dar início à conversa.

- Se ela já não fosse tão rica, podia fazer fortuna organizando bar mitzvahs - comentou o Senador Aaron Kugelman. Vamos ver, Pearce, a fala seguinte é sua, pensou.

Estou curioso fará ver qual será.

O Secretário de Estado enrugou a cara no que ele considerava uma expressão jovial.

- Isto faz a gente imaginar um quadro divertido, Senador. Já pensou em todo o mundo aqui indo para um bar mitzvah de Lady Norworth!

- Usando yarmulkas... uma graça! - Ande logo, seu bobalhão.

- É mesmo, uma graça. - Pearce umedeceu os lábios com champanha outra vez. - Ah, por falar nisso... o Presidente Talbot já lhe falou das suas intenções de aumentar a ajuda a Israel?

- Falou, sim. Hoje à tarde.

- Você pode passar a coisa adiante para o Embaixador israelense, sem citar diretamente o Presidente ou eu mesmo, é claro.

Kugelman era tudo, menos tolo:

- E então, qual é o tizkeh pelo tschatchkeb?

- Sinto muito, mas não estou...

- O que é que vai ser pago na mesma moeda, Sr. Secretário?

- Ah, você já leu ou ouviu falar das declarações feitas pelo novo Primeiro-Ministro de Basanda, imagino.

- Claro. Ele está prometendo eleições livres... no futuro. Que bem pode ser o Além, nunca se sabe.

- Ora, ora, Senador. Nós estamos por cima. Faremos com que ele cumpra a sua palavra, e você pode fazer muito para ajudar. Você tem muitos seguidores entre pessoas de todas as tendências religiosas. Se fizesse uma ou duas declarações indicando que aprova o novo Primeiro-Ministro, a tarefa do Departamento de Estado ficaria muito mais fácil.

- Adoce um pouco a minha boca, e negócio fechado. O seu Departamento deixa escapar suficiente confirmação da ajuda a Israel para que o pessoal não fique pensando que estou tentando engabelá-los. Então eu gritarei a plenos pulmões que Percival Kwida é um George Washington moderno. De acordo?

- De acordo, Senador.

O recém-nomeado Secretário do Departamento de Agricultura viu-se encurralado pelo Senador pelo Mississippi (e Presidente Interino do Senado) Early Frobase.

- Uma pergunta - falou Frobase na sua voz arrastada. - E quanto aos subsídios do algodão e do tabaco?

- Recomendarei ao Presidente para que sejam aumentados ao máximo possível - veio a resposta.

- Era só o que eu queria ouvir - riu-se Frobase. - Você não terá nenhum problema com o Senado. Vamos nos dar esplendidamente.

Frobase procurou Dan Madigan, levou-o para um canto deserto da Sala Azul.

- Alguns dos nossos lá do Sul não estão muito satisfeitos com este envolvimento cada vez maior com Basanda - começou, e desnecessariamente, pois Madigan sabia muito bem que Frobase e vários dos seus colegas sulinos estavam dando uma de pomba. - Não estamos com a menor vontade de tirar as castanhas do fogo para um punhado de crioulos africanos. - Ele fez uma cara astuta. - Isto não quer dizer que não possamos reestudar a nossa posição.

- O que vai custar, Early?

- Acabei de falar com o cara que vai assumir o Departamento de Agricultura. Ele mencionou que vai tentar subir os subsídios do algodão e do tabaco. Você está disposto a obter a concordância dos nortistas do Senado?

- Estou.

- Dan, suponho que o Sul pode ficar daltônico... quero dizer, Dode esquecer que os basandanos são crioulos, está me entendendo?

Houve um grito e o barulho de louça e cristais se quebrando. Um congressista texano tinha enfiado a mão embaixo da saia de uma garçonete vestida de noiva, que carregava uma bandeja pesada. Um outro congressista, do Utah, imediatamente deu um soco no texano, que revidou chutando-lhe os órgãos genitais. Os agentes do Serviço Secreto e os guardas de segurança contratados por Lady Norworth agarraram os dois homens e os conduziram para fora.

O Secretário de Defesa John Kurtz estava comendo um pouco de caviar. Sentiu uma mão tocar-lhe o ombro, virou-se.

- Oh, alô Eccleston.

Eccleston era um general de três estrelas e chefe da Diretoria de Material Bélico do Exército, mas, como os demais convivas, vestia um smoking à paisana.

Eccleston certificou-se de que ninguém poderia ouvi-los.

- Estou saltando por cima dos meus superiores, Sr. Secretário. - Os olhos dele não condiziam com a gravidade da sua voz. - Considerei ser no melhor interesse do serviço comunicar-me diretamente com o senhor. Alguém deu mancada.

Os dois homens sabiam que isto não era nenhuma comunicação oficial, mas sim a confirmação de que um gambito pré-combinado tinha sido jogado.

- Como? - Kurtz continuou o fingimento, apesar de tudo. - O que aconteceu?

- Dez helicópteros desarmados de salvamento-aéreo deviam ter sido mandados para a GAMB. Houve uma confusão, seguiram dez helicópteros armados, a bordo de transportes

C-5-A que decolaram às seis horas da tarde de hoje.

- Seria uma perda de tempo chamá-los de volta - falou Kurtz. - Suponho que o comandante do GAMB poderá mandar retirar as metralhadoras, se for isto que resolver fazer. E quanto aos registros e à papelada?

- Raios, senhor, marcamos outra bobeira. Todos os documentos parecem ter-se extraviado. Não posso calcular quanto tempo levaremos para encontrá-los.

- Faça o melhor que puder, Eccleston. - Kurtz deu uma piscadela. - Ninguém pode esperar que você faça mais que isso.

O Presidente Talbot e uma dúzia dos seus antigos colegas do Senado estavam contando histórias do tempo em que Talbot era o Líder da Maioria. Um agente do Serviço Secreto interrompeu-os.

- O Juiz Braithwaite gostaria de dar uma palavrinha com o senhor, Sr. Presidente.

- Volto já - falou Talbot, por sobre o ombro, acompanhando o agente até o saguão. Braithwaite estava prestes a se retirar.

- Queria dizer boa-noite e Deus o abençoe, Chuck - disse ele. - Você vai ter muito, muito mais do que uma segunda lua-de-mel de cem dias. Mas, por enquanto, só eu e você sabemos disso.

Ele agarrou a mão de Talbot com as duas mãos, e havia um brilho quase fanático nos olhos dele.

Mas como o Avery estava esquisito - pensou Talbot, enquanto voltava para junto dos seus amigos do Senado. - Ora, que diabo, provavelmente bebeu um pouco além da conta.

A festa estava ficando mais turbulenta. Marjorie Norworth chamou Emmett Hopper, levou-o para uma sala de estar pequena e isolada. Contou a ele que Brad Cooley tinha falado com ela.

- Pensei que podia afastar do pensamento o que ele disse, ao menos por hoje, mas não posso - declarou ela. - Queria ouvir a sua versão, curta e direta, Emmett.

- Pois não. Existe gente que quer nos envolver no que será, na melhor das hipóteses, uma guerra limitada, e na pior, um passo para um conflito nuclear declarado.

Mesmo que a guerra seja limitada, eles sonham com declarações de emergência nacional por um Presidente que aceita calado ordens deles. Depois, daqui a dois anos, uma eleição com cartas marcadas, ou mesmo nenhuma eleição...

- Impossível!

- Hopper deu de ombros levemente, com ar cansado.

- Você e Brad querem que eu me envolva...

- Nenhum de nós dois vai tentar influenciar mais você, Marjorie. Qualquer decisão que você tome, será somente sua.

O Presidente da Comissão de Valores e Operações Cambiais estava muito bêbado.

- Seu sacana! - berrou para o Subsecretário do Comércio, e arremessou uma garrafa vazia de champanha na cabeça dele. O Subsecretário, que também estava bêbado, desviou-se tropegamente. A garrafa não o pegou, mas, ele caiu no chão da Sala Verde e começou a vomitar.

Eram 2:15 da manhã. Hora de acabar com a festa, pensou Lady Marjorie, e de mandar os últimos convidados para casa.

Muitos daqueles que acataram as insinuações dela e foram embora, obedientemente, ficaram surpresos de ver que Charles Talbot, o convidado de honra, não estava no saguão para aceitar as despedidas deles. Contudo, alguns notaram que os seus guarda-costas do Serviço Secreto ainda estavam lá, tentando em vão parecer discretos.

Os convidados que se retiravam tinham que contentar-se em agradecer a Lady Norworth, efusivamente, pelo que, todos concordavam, fora uma festa engenhosamente concebida e magnificamente executada.

Somente Dan Madigan fez a pergunta diretamente, sussurrando-a no ouvido de Marjorie, enquanto beijava o rosto dela.

- Onde está o Homem?

- Não é da sua conta, Dan - sussurrou ela em resposta.

Madigan fez uma cara de malícia. Era óbvio que Marjorie Norworth, a anfitriã máxima de Washington, levara o tema da festa da "Segunda Lua-de-Mel" à sua conclusão suprema. O Presidente dos Estados Unidos estava trepando lá no andar superior.

 

Washington, D.C.: Quarta-feira, 24 de fevereiro.

Kenneth Ramsey estava sentado próximo à escrivaninha do Presidente, lendo em voz alta os sumários dos relatórios e comentários da Imprensa.

- Quase todos elogiosos - comentou. - O senhor não poderia querer coisa melhor, Chefe. - Pensou que Talbot ficaria animado, contente. Mas o Presidente estava fechado, distante, e com olheiras profundas. Provavelmente está de ressaca, imaginou Ramsey. Deve ter sido uma festa daquelas. - Gostaria que o médico lhe desse uma injeção ou um comprimido? - perguntou solícito.

- Não! - respondeu Talbot com aspereza - Basta você dar o fora daqui e cuidar para que me deixem em paz essa manhã.

Isto não tem jeito de ressaca, pensou Ken Ramsey, saindo da Sala Oval. Ele está com a cuca fundida... mas por que, agora que está no topo do mundo outra vez? O que será que o está comendo por dentro?

Russell Hatch examinou o quadro de Van Dyck existente no escritório particular de Dan Madigan.

- E excelente - observou. - Do período genovês de Van Dyck.

- Opa, você é perito em arte? - perguntou Madigan.

- O que é isso! Só fiz alguns cursos de história da arte. Um ponto a ser lembrado, pensou o Líder da Maioria no Senado.

Os intelectualóides vão adorar um senador que entende de artes e artistas.

- O Presidente quer que você fique logo por dentro das coisas, Russ - falou. - Dei um jeito de arranjar uma meia horinha esta manhã para começar o serviço. - Debruçou-se para a frente, apoiando os cotovelos na escrivaninha de Jefferson. - Sente-se. Vou ser breve. Todo o mundo diz que você foi fantástico em Wilmington. O Governo vai usá-lo para apresentar a sua posição perante o público: discursos, programas de TV e rádio...

- Dan, exceto por Suzanne Loring, não tenho nenhum contato com gente desse meio.

- E nem precisa. Quem vai mexer os pauzinhos são os relaçõespúblicas contratados pela Casa Branca. Eles entram em contato com os executivos das redes que apoiam o partido ou que querem algo da Administração. Quanto aos clubes, organizações, faculdades... Estão sempre pedindo oradores. Alguns até mesmo pagam dois, três mil dólares, mais as despesas.

- A mamata do circuito de palestras - interrompeu Russ secamente. Os membros antigos da Câmara e do Senado aumentavam os seus salários com o dinheiro ganho nestas palestras. Ele sorriu. - Os senadores novatos não têm acesso a ela.

- Virgem Maria e os nove arcanjos! Você é o Garoto-de-Ouro de Talbot. Vai chover convite!

Russ franziu a testa.

- E suponho que terei que fazer os discursos preparados pelo partido.

- Neca. Escreva-os você mesmo, ou fale de improviso, como fez...

- Agüente aí. Primeiro, dizem que serei indicado para fazei parte de dois comitês. Agora, são palestras...

- E daí? Qual é o problema?

- Como é que vou achar tempo para trabalhar nos comitês e ainda ler e fazer pesquisas sobre assuntos de que não entendo nada?

- Filho, o trabalho dos comitês é uma barbada, pergunte só a qualquer veterano. E quando você fizer um discurso, a turma da assessoria de imprensa faz as pesquisas para você.

Hatch acendeu um Pall-Mall.

- Como falei, material preparado. Suponha que eu não goste da pesquisa que for embrulhadinha e entregue nas minhas mãos?

- Puxa vida, seja realista. Se você não concordar com as políticas básicas do governo, então você está no time errado. Se você diverge em pontos de pequena importância, vá em frente e expresse as suas opiniões... isto é saudável.

- Você quer dizer que um pouco de discordância sem importância dará à estocada final maior significação?

Este filho da mãe talvez não seja tão fácil de manter na linha refletiu Madigan, mas e daí? É tão fácil derrubar um testa-de-ferro quanto fazê-lo.

- Certo - assentiu Madigan. - Ceda um pouco, ganhe muito. Isto é boa psicologia, e política ainda melhor.

Ele teria falado mais, porém uma voz feminina chamou pelo intercomunicador.

- A delegação das VFW* já chegou, Senador Madigan.

 

* Veterans of Foreign Wars - Veteranos das Guerras no Estrangeiro. (N. da T.)

 

- Já vou atendê-los - Madigan respondeu, depois virou-se para Russ. - Veteranos catando mais benefícios... é o que mais há de novo... e eu tenho que fazer continência.

Apareça aqui às quatro horas. Continuaremos de onde paramos.

Suzanne Loring ligou para Russ depois que ele voltou para o escritório.

- Quer me levar para almoçar, Senador?

- Pergunta boba. Vou reservar uma mesa no Sans Souci para uma hora.

- O Sans Souci?

- Estou fazendo um levantamento dos hábitos alimentares das classes superiores. Per falar nisto, tenho mais novidades para fasciná-la e regalá-la.

- Prometo escutar, guru.

A garota dormiu até às 10 e meia, tomou banho, vestiu-se, e, seguindo as instruções que recebera na véspera, foi até a suíte de Marjorie Norworth. Marjorie, vestindo um quimono de cetim acolchoado, estava começando a tomar o seu café da manhã, trazido por Holcomb para a sua sala de estar. O desjejum dela nunca variava: suco de laranja, iogurte, torrada de pão integral (uma fatia, sem manteiga) e café preto.

- Está com fome, Claire? - perguntou à garota, que era muitíssimo atraente e tinha cabelos longos e lisos. - Se estiver, mando chamar Holcomb.

- Não, obrigada, Lady Norworth.

- Nem mesmo café? Tenho uma xícara e um pires sobressalentes.

- Está bem, aceito o café - sorriu Claire. - Gostaria de ouvir os detalhes? - Marjorie assentiu, com um largo sorriso, e serviu o café. - Bem, a coisa aconteceu do jeito que a senhora falou - disse Claire.

- Eu não tinha tanta certeza assim, minha cara.

- A senhora me disse que certas coisas provavelmente aconteceriam. E aconteceram.

- Por favor, continue. Não está dando para agüentar o suspense.

- Certo. Eu estava usando o vestido de noiva de cetim e as lentes de contato cinzas. Ele entrou no quarto. Não podia me ver direito, pois só havia uma lâmpada pequena acesa, mas não ficou nada surpreso...

- Ele sabia que haveria alguém.

- A primeira coisa que notou foi o vestido de noiva. Ele comentou: "- Marjorie sabe como embrulhar um presente de lua-demel." Bem, o vestido era todo abotoado nas costas, com muitos botõezinhos. Ele começou a desabotoá-los, mas parava freqüentemente para beijar e alisar o meu cabelo...

- Ah... ah... - Os olhos de Marjorie Norworth se estreitaram.

- Quando ele havia desabotoado cerca de metade dos botões, eu liguei a lâmpada bem forte, que iluminou o meu rosto. Meu Deus, o efeito que causou! Ele me fitou e começou a tremer... tremer violentamente.

- Você falou com ele?

- Como a senhora mandou. Perguntei a ele se havia alguma coisa errada. Ele deu uma espécie de gemido e falou: "- Você também tem os olhos cinzentos.”

- As minhas homenagens ao inventor das lentes de contato coloridas.

- Ele estava completamente vestido, mas estava com uma ereção fantástica. - Claire bebeu o café, deu uma risadinha. - Eu estava com medo que fosse furar as calças dele. Ele finalmente conseguiu falar de novo e perguntou como eu me chamava. Dei a resposta que a senhora me ensinou: "- É Alexandra, mas os meus amigos me chamam de Sandra."

A moça esvaziou a xícara de café, e continuou:

- Ele se descontrolou completamente. Perguntou, aos tropeços e gaguejando: "- Alguém já chamou você de Lexa?". Eu disse que não, mas que ele podia. Foi a conta.

Ele arrancou o vestido de noiva do meu corpo, e ficava repetindo "Lexa, Lexa... e eu descobri o que é estar com um maníaco sexual. Ele não parou durante horas... gozou cinco vezes, já pensou?

- Já - riu-se Marjorie. Ela foi até a sua escrivaninha, tirou um punhado de dinheiro de uma gaveta e entregou-o à moça.

- Lady Norworth! - exclamou Claire. - Mas são mil dólares... mais do dobro que...

- Você fez mais do que jus a ele, minha cara.

Agora, Marjorie Norworth estava certa de algo que suspeitava há muito tempo, e esta certeza reforçaria o seu domínio sobre Charles Talbot. Vou testar, flexionar os meus músculos, pensou quando a moça foi embora. Pegando o telefone, ela discou para o número direto de Charles Talbot na Sala Oval.

O Presidente Talbot ficou sozinho depois de ter mandado Ken Ramsey retirar-se da Sala Oval. Ficou fitando o espaço, sem conseguir livrar a mente dos pensamentos e imagens que rervilhavam nela. Quando o seu telerone particular ressoou, com o seu toque abafado, eíe o apanhou, agradecido. Qualquer distração seria bem-vinda, contanto que ele não tivesse que ver outra pessoa.

- Sim?

- Bom-dia, Charlie.

Talbot empalideceu. A voz de Marjorie Norworth era como um punhal a remexer na ferida. O telefonema dela poderia significar coisa bem pior. Ele gaguejou:

- Eu... eu ia ligar para você mais tarde e agradecer pela festa.

- Mas, não há de quê! Você a mereceu, Charlie. Fez-me lembrar dos velhos dias e de FDR... - as tensões de Charlie afrouxaram um pouquinho. Ela estava tagarelando.

- mas tenho um motivo para ligar para você... - o parafuso da tensão deu mais uma volta... - li os jornais e tive uma idéia sensacional. Os soldados que você mandou para Detroit e as outras cidades... ordene que voltem para as suas bases.

- Ha... como é que é, Marjorie?

- Ouça a tônica do negócio: o povo está demonstrando confiança nos seus representantes eleitos. Portanto, o Governo vai demonstrar a sua confiança no povo. Doure a pílula falando nos Direitos do Estado e no bom senso fundamental do público americano e você vai ouvir vivas mais altos e mais entusiásticos...

Talbot descontraiu-se por completo. Marjorie só estava ligando para dar-lhe bons conselhos... e por nenhum outro motivo, graças a Deus.

- não protele esta atitude, e nem deixe ninguém convencê-lo a não tomá-la...

- Certo, Marjorie... e mais uma vez, obrigado. Por tudo. Talbot recolocou o fone no gancho e chamou Ken Ramsey.

- Desculpe o meu mau humor de hoje de manhã, Ken. - Ransey sorriu. Talbot estava com uma cara muito melhor! - Fale com Kurtz. Quero que as tropas que mandamos para os locais-problemas sejam chamadas de volta imediatamente. - Talbot foi enfático. - imediatamente, mesmo.

Ramsey piscou os olhos.

- Isto não é perigosamente prematuro, Chefe?

- Não. O que vamos declarar à imprensa é o seguinte: o/bona senso fundamental do público americano prevaleceu. O povo demonstrou a sua confiança na Administração...

não, ponha aí nos seus representantes eleitos. Cabe ao Governo, em troca, demonstrar a sua confiança no povo. O Governo Federal não deve usurpar os Direitos do Estado exceto em graves emergências... etc. e tal. Ajeitem a coisa.

Nada mau, concordou Ramsey, mentalmente. Havia horas em que Charles Talbot tinha ideias simplesmente geniais.

O Sans Souci, na Rua 17, era escandalosamente caro. Era mais uma vitrina do que um restaurante, e a sua clientela constava daqueles que estavam nos níveis máximos de influência-e-poder e que gostavam de exibir a sua fortuna e seus contatos. A comida ali é francesa e boa, mas não de qualidade superior. A decoração esforça-se para sei luxuosa... com painéis de madeira escura, couros de boa qualidade, lustres de cristal enfeitados e montes de flores naturais. As paredes são adornadas com reproduções de telas de impressionistas franceses... cópias perfeitas demais, como tantas outras coisas em Washington, falsificações pretensiosas.

Suzanne Loring e Russel Hatch foram levados para uns banquinhos estofados. Ela pediu um bloody rmry e ele um bullshot. Os drinques foram servidos em seguida.

- Você perdeu o meu programa ontem à noite - falou Suzanne. estendendo a mão para o seu copo. - Arrasei com Joey Skeffington, a dádiva de Deus para Deus.

Russ riu. O Reverendo Joey Skeffington - de cabelos de prata, voz de ouro e falso até as raízes dos cabelos - fazia um Alto Negócio da Religião à Moda Antiga, e havia servido como Conselheiro Religioso ex-officio para quatro presidentes. Washington inteira o desprezava, mas temia o seu poder entre os eleitores beatos.

- A festança da Segunda Lua-de-Mel na casa de Lady Marjorie foi um espetáculo - comentou Russ. - Eu fiquei de boca aberta feito um turista.

- Você devia é ter se vangloriado, meu chapa. Bebo à sua ascensão meteórica.

Hatch provou o seu drinque.

- Ainda não consegui atinar com o porquê disto tudo, meu bem. Estão preparando você para ser bode expiatório, Suzanne disse a ele mentalmente. Em voz alta, falou:

- Todo o mundo tem que ganhar, ocasionalmente. Agora, conte-me as últimas.

- Bem, por exemplo, querem que eu faça um bocado de discursos, alguns deles com Lexa...

- Lexa Talbot?

Russ não se deu conta da sobrancelha erguida bruscamente de Suzy, nem do tom azedo da voz dela.

- Sem tirar nem pôr. Sabe, ela tem uma presença fantástica, O auditório em Wilmington ficou doido por ela.

E não apenas o auditório, refletiu Suzanne com azedume, com as garras de fora ao perceber a expressão de Russ ao falar de Lexa.

- Acho que vou convidá-la a aparecer no meu programa, e intitulá-lo a Batalha das Safadas.

- Ah, pó, meu bem, ela não é desse tipo...

- Mas eu sou?

Russ enrubesceu, completamente desorientado. Esvaziou o copo, tez sinal ao garçom para trazer outra rodada.

- Santo Cristo! Eu não falei nada disso, o que eu quis dizer...

- Tudo bem - acalmou-o Suzanne. - Regale-me, como você prometeu, com as histórias das folias de ontem à noite.

Hatch deu um suspiro de alívio.

- Excetuando-se as frescuras, era puro Washington. Talbot ficou sufocado com tantos cumprimentos. Alguns dos presentes se juntaram para transar os seus negócios.

Outros trocaram informações, mentiras, piadas sujas, ou todas as três. Mais para o fim da noite, quando todo o mundo estava praticamente afogado em álcool, houve gente que trocou socos.

- Pearce e Kurtz estavam lá?

- É claro.

- E como é que pareciam... chateados, furiosos?

- Que diabo! não. Calmos, tranqüilos, felizes. E por que não?

- Porque são falcões de quatro costados. Talbot engavetou o projeto de ajuda a Basanda que eles estavam trabalhando. Como é que isso iria fazê-los ficar felizes?

- Talbot limpou o Gabinete, mas deixou que eles ficassem. O meu palpite é que foi um dá-la, toma-cá: eles concordaram em desistit de pressionar a favor do projeto, em troca da segurança nos seus cargos.

- É possível. - Mas eu não creio. - Por falar nisso, ouviu contar que Talbot mandou o Exército desocupar Detroit e outros pontos no leste, oeste, norte e sul? Estava dando no Telex quando eu saía do estúdio.

Hatch ficou surpreso.

- Isto é novidade para mim. O noticiário dizia por que motivo?

- Parece que o nosso Líder Destemido afirmou que o Governo tem que demonstrar confiança no público, ou qualquer titica dessas.

Russ pediu um cardápio. Suzy continuou:

- Mais uma notícia. Os legalistas afiançam que estão fazendo avanços em Basanda. Uma mudança estranha e rápida, não acha?

Russ fitou o cardápio deu de ombros.

- Quem sabe o novo Primeiro-Ministro reorganizou as tropas... ou então chegaram as armas israelenses.

Os olhos castanho-escuros de Suzanne estavam fitos no cardápio dela.

- Hummm, o bouillabaisse é uma tentação. - Ela ergueu os olhos. - As coincidências abundam, Russ. Mwandi cai de um helicóptero. Ele mal acabou de chegar ao chão, e já Kwida sai de Washington para tomar o seu lugar. Entrementes, aqui na Avenida Pennsylvania, Talbot retira o projeto de ajuda... deixando os nossos aliados africanos a ver navios. Mas eles afiançam que estão vencendo, de repente.

- Hem? Ah, desculpe... eu estava indeciso entre o pato e o crabe en chemise. - Ele franziu o cenho. - Vendo-se as coisas do jeito que você falou, amor meu, devo admitir que algo não está cheirando bem... e não é nem o bouilabaisse nem o siri.

- Por que não seguir o seu faro, Senador?

- Talvez eu o faça. Pode ser que alguém esteja mexendo alguns pauzinhos pelas costas de Talbot. Vou bancar um pouco o Sherlock Holmes.

Que nem eu, pensou Suzanne, depois perguntou:

- O que é que você vai fazer hoje, na hora do jantar?

- Meu bem, isto não é apenas a pergunta mais absurda do século, é também um sinal de gula. Nós ainda nem pedimos o almoço.

- Mas eu vou cozinhar de novo. Depois.

- Neste caso, eu andarei sobre brasas para estar lá.

Estou jazendo progressos com ele, refletiu Suzanne, lançando um olhar carinhoso para Hatch. Consegui despertar dúvidas na sua mente e, sendo o tipo de homem que é, Russ não descansara enquanto não resolvê-las. Ele pode até me ajudar a arranjar o meu grande furo. Ela queria muito isto.

Ocasionalmente, o Secretário de Defesa John Kurtz almoçava numa das lanchonetes atrozes do Pentágono, operadas por concessionários. Ele tinha ânsias com os sanduíches de mata-borrão e com o café aguado e com gosto de chicória. Mas acreditava que a sua presença entre os oficiais muito modernos, os praças e os funcionários civis de baixo salário, levantava o moral deles.

Hoje, ele conseguiu engolir o que passava por sopa de tomate, comeu um sanduíche de presunto e bebeu uma Coca-Cola em vez de café. Depois, enfiando na boca o seu cachimbo marca-registrada, Kurtz conseguiu chamar bastante atenção enquanto levava o prato de papelão, a vasilha e a colher de plástico, e o copo de papel para os recipientes de lixo adequados.

- Ei, olhem lá, é o Figurão em pessoa - ouviu um cabo de faces rosadas comentar com seus companheiros. Esta tora uma recompensa gratificante pelas atrocidades cometidas contra o seu paladar e aparelho digestivo, pensou John Kurtz, enquanto caminhava pelo labi rinto de corredores, de volta ao seu escritório.

Havia duas mensagens de rádio CONFIDENCIAIS decodificadas à sua espera. As duas haviam sido enviadas pelo comandante do GAMB em Kinsolo. A primeira delas dizia:

 

O PRIMEIRO-MINISTRO KWIDA DEU A SI MESMO O TÍTULO DE SALVADOR NACIONAL E ESTÁ EXPURGANDO O EXÉRCITO BASANDANO. SOMENTE NAS ÚLTIMAS HORAS FORAM REALIZADAS QUARENTA E TRÊS EXECUÇÕES EM KINSOLO.

 

E a segunda:

 

AO CONTRARIO DO QUE AFIRMAM AS FONTES DO REGIME DE KWIDA SOBRE AS VITÓRIAS LEGALISTAS, AS FORÇAS REBELDES ESTÃO AVANÇANDO SOBRE UMA LARGA FRENTE. NO NORTE ELAS JÁ INVADIRAM A MINA DE CO BRE DA RICKHOVEN INTERNATIONAL METALS CORPORATION, EM GIDUNA. TODAS AS COMUNICAÇÕES COM GIDUNA FORAM CORTADAS. NÃO TEMOS INFORMAÇÕES SOBRE O DESTINO DOS CIDADÃOS AMERICANOS QUE TRABALHAVAM NA MINA, MAS HELICÓPTEROS DA GAMB FARÃO MISSÕES DE RECONHECIMENTO, SE ELAS FOREM AUTORIZADAS.

 

O Secretário de Defesa John Kurtz teve enormes dificuldades em não devolver o seu almoço de sopa de tomate, sanduíche de presunto e Coca-Cola, enquanto dava instruções a um assessor para providenciar cinco telefonemas da máxima prioridade. Para Jordan B. Rickhoven in, o Diretor da CIA, G. Howard Denby, o Secretário de Estado, MacDonald Pearce, o Líder da Maioria no Senado, Daniel Madigan. e para o Presidente Charles Talbot.

- Nessa ordem, senhor? - indagou o assessor, polidamente.

- Que merda, é sim... e ande logo! - rosnou Kurtz. Serviu-se de um copo d’água da garrafa térmica que havia sobre a sua mesa, bebeu-o de um trago só e esperou que aquilo pudesse acalmar o seu estômago revolto.

 

Washington, D.C.: Quinta-feira, 25 de fevereiro. De manhã bem cedo.

Levara um bocado de tempo para localizar Jordan B. Rickhoven in; finalmente, acharam-no em Londres, e conquanto ele tivesse concordado em partir para Washington imediatamente, o seu avião não conseguiria chegar antes da uma da madrugada. Como nenhuma decisão sobre a situação em Basanda poderia ser tomada sem a presença dele, a conferência foi marcada para as duas da madrugada.

Dentro da Casa Branca a atmosfera estava tensa, volátil. A maior parte do pessoal efetivo - assessores, assistentes, secretários - recebera ordens para ficar de serviço durante a noite. Até o momento, nada tinham tido para fazer. Muitos deles cochilavam desassossegadamente em sofás, ou com a cabeça apoiada sobre a escrivaninha.

Alguns deles até se esticavam no chão atapetado dos seus escritórios. No saguão da Imprensa da Ala Oeste, um bando de correspondentes clamava por declarações, informações, uma palavra qualquer do Presidente. Clamavam em vão.

Charles Talbot, com os nervos controlados graças às injeções administradas por seu médico, estava trancado na Sala Oval com Kenneth Ramsey. Pouco se falavam enquanto escutavam os noticiários do rádio, e esperavam.

"... e ainda não há comentários da Casa Branca ou do Departamento da Defesa..."

Ken Ramsey brincava com um vaso de cerâmica chinesa que estava sobre a lareira. Não haverá nenhum comentário até que Jordan Rickhoven dê a sua opinião, pensou com amargura o Assessor-Chefe do Presidente.

"... o destino de mais de cem funcionários americanos e dos seus dependentes em Giduna continua desconhecido...”

- Qual é o seu palpite, Ken? - gemeu Talbot. - Eles estão vivos?

- Não estou dando palpite, Chefe. Estou rezando.

"... em alguns setores especula-se que Washington sabia de antemão o que ia acontecer. Esta teoria é reforçada pela retirada de ontem dos contingentes do Exército das cinco cidades americanas para as quais tinham sido enviados na semana passada. Todos eles unidades de primeira ordem, talvez estejam sendo necessários agora para formar uma força de ataque..."

Ramsey cruzou a sala e desligou o aparelho. As suas feições de homem durão suavizaram-se de compaixão por Talbot, que parecia ter diminuído de tamanho.

- Não foi por isso que mandei chamar as tropas de volta -• protestou Talbot com voz rouca. - Eu estava tentando...

- Acalmar e conciliar - assentiu Ramsey, terminando a frase. - Teria funcionado lindamente... só que aconteceu na hora errada.

O intercomunicador anunciou que os homens que deviam comparecer à conferência das duas da manhã já haviam chegado. Ramsey foi até a porta, fê-los entrar. MacDonald

Pearce foi o primeiro, depois seguiram-se John Kurtz, Jordan B. Rickhoven e G. Howard Denby. Dan Madigan foi o último. Cada um deles apertou a mão do Presidente, depois os cinco se sentaram. Ken Ramsey continuou de pé, apoiado à lareira.

- Quem é que está mais por dentro desta coisa? - perguntou Talbot.

- Acho que eu - replicou John Kurtz. Ele abriu uma maleta e .tirou uma pilha de documentos.

- Ponha-me a par de tudo... e depressa - talou o Presidente. Kurtz olhou para os papéis que estavam nas suas mãos.

- Às 23 horas de ontem, recebi uma mensagem do comandante da GAMB contando que o Primeiro-Ministro Kwida havia mandado realizar mais duzentas outras execuções em Kinsolo. A mensagem seguinte... alguns minutos mais tarde... dizia que três dos nossos agentes da CIA foram detidos...

- Aqueles que estavam no helicóptero de onde caiu Mwandi? - interrompeu Ken Ramsey.

- Não sei ao certo - mentiu G. Howard Denby. - Não se mencionou nomes.

- Qual é a diferença? - falou Talbot bruscamente. - São gente nossa.

- Como aqueles que estavam em Giduna - aparteou Rickhoven, piedosamente.

Kurtz acendeu o cachimbo, Madigan tirou um charuto do bolso. O Presidente Talbot concentrou a sua atenção em MacDonald Pearce.

- Que atitude você tomou, Mac?

- O nosso Embaixador fará um protesto formal...

- Rotina diplomática... - rosnou Talbot. - E você, John?

- O pessoal da GAMB está em alerta vermelho – respondeu Kurtz.

Talbot fez uma carranca. O charuto de Dan Madigan brilhava vivamente enquanto ele falava com o Secretário de Defesa.

- John, você me contou que a GAMB solicitou permissão para enviar helicópteros para Giduna...

- Não ousamos fazer isso - interrompeu o Presidente. - Todas as aeronaves da GAMB são desarmadas. Os rebeldes podem abatê-las.

- Senhor Presidente - falou John Kurtz, sem tirar o cachimbo da boca. - Ontem o Departamento de Material Bélico cometeu um erro sério, e agora devemos dar graças a Deus por isso. Por engano, dez helicópteros armados foram enviados por via aérea para Kinsolo.

Já chegaram lá.

Sacanas, remoía-se Ken Ramsey, em silêncio. Isto tudo é uma sacanagem preparada, ensaiada até a última fala.

- Eu já tinha preparado uma ordem para que eles voltassem imediatamente - acrescentou Kurtz. - Ela devia ter sido transmitida esta tarde, mas eu a sustive...

- Que sorte que você o fez - assentiu Dan Madigan, grave rrente.

Talbot ficou calado. Sentia-se enjaulado, de volta à estaca zero Desejava desesperadamente poder falar com Marjorie Norworth, pedir conselhos a ela. Isto era impossível.

Os cinco homens que o observavam atentamente tinham trazido consigo um complexo de problemas que exigiam decisões instantâneas.

- Os helicópteros armados têm condições de proteger os de sal vamento? - perguntou, finalmente.

- Devem ser adequados - declarou o Secretário de Defesa.

- E quanto a Kwida?

Os bifocais de MacDonald Pearce brilharam com a luz refletida - Pode-se dar um jeito nele. Os fundos discricionários ainda não foram postos à sua disposição. O nosso Embaixador dará a Kwida um ultimato. Nenhuma ajuda lhe será entregue até que solte os agentes de Denby e detenha os expurgos e execuções.

- O meu representante pessoal em Kinsolo continuará a pressão - falou Jordan Rickhoven, mansamente. - Grande parte da renda de Basanda provém de interesses que eu controlo. Ameaçaremos fechat todas as nossas minas e campos petrolíferos a não ser que Kwida se comporte.

É como ir ao dentista, pensou Charles Talbot (ele sofria de intensa ansiedade dental). Medo, até mesmo terror, antes. Depois, um clímax momentâneo e o dente é arrancado.

Ele agarrou com força osbraços da sua cadeira... exatamente como fazia no consultório do dentista.

- Vou autorizar uma missão de evacuação aérea, e mandar os helicópteros armados para darem a cobertura protetora.

Pronto, o dente tinha saído. Talbot soltou os braços da cadeira.

Ken Ramsey gemeu em voz alta. Ninguém deu atenção. O Chefe caiu como um patinho... Começou a escalada... para a Maior Glória do Império Rickhoven. E o pior estava por vir. Ele podia ver Talbot endireitar os ombros, tomando fôlego para fazer outro pronunciamento.

- Se bem me lembro, temos direito a um número limitado de forças de combate para proteger o nosso pessoal de assessoria - falou Talbot.

- Temos - confirmou MacDonald Pearce. - Mas não mandamos nenhuma.

- A situação nunca exigiu isto, antes - Talbot estava recobrando confiança, exercendo a s>ua machice. - Mande para lá duas companhias do batalhão de Boinas Verdes que retiramos de Pittsburgh, John. Deixe bem claro que não devem dar um único tiro, exceto para proteger vidas americanas. - Ele virou-se para Madigan. - Dan, você vai explicar o que estamos fazendo, e por que, ao Senado, e vai con ferenciar com os nossos líderes na Câmara. Eles podem vir falar diretamente comigo, se isto não os satisfizer.

- Certo - anuiu Madigan, e depois perguntou: - E quanto à Imprensa?

- Ken, ache Jim Zander - disse Talbot ao seu Assessor-Chefe. - Mande buscá-lo em casa, ou seja lá onde estiver. Quero-o aqui o mais depressa possível. Vamos preparar declarações para a Imprensa. Acho que cuidamos de tudo, até o momento... de acordo?

Todos, menos Ken Ramsey, concordaram e, liderados por MacDonald Pearce, puseram-se de pé, apertaram a mão de Talbot, disseram-lhe que ele havia tomado as decisões certas... e saíram, de um em um, da Sala Oval.

Meia hora mais tarde, Ken Ramsey veio avisar que não se conseguia encontrar James Zander.

- Ele não atende ao telefone, e eu mandei um homem à casa dele em Georgetown. Não tem ninguém lá.

- Que inferno! - Talbot franziu o cenho. - Ele é o único redator capaz de preparar o tipo de discurso que devemos dar a público. - A testa franzida deu lugar a um riso torto. - Tire Emmett Hopper da cama.

- Hopper? Para quê?

- Ele anda chateado porque o FBI não recebe atenção minha ou do meu governo. Diga a ele que ele fará pontos aos meus olhos se os agentes dele conseguirem achar Zander e trazê-lo aqui até as... que horas são agora, 3:15?... as cinco horas. Ele vai dar o máximo. Especialmente quando você acrescentar que o pessoal dele pode arrombar todas as portas do Distrito de Colúmbia, se for necessário. Eu os cobrirei.

- Chefe...

- Não discuta. Vá berrar nos ouvidos de Hopper.

A despeito da sua perda de status e do seu contingente reduzido de homens, o FBI permanecia altamente eficiente. Isto era o resultado dos esforços incansáveis de Emmett Hopper para torná-lo um instrumento formidável a ser utilizado no dia inevitável em que a CIA cairia em desgraça.

Tirado da cama em meio ao sono, Emmett Hopper ficou imediatamente alerta ao ouvir a voz de Kenneth Ramsey ao telefone. Quando Ramsey acabou de lhe dar as instruções do Presidente Talbot, Hopper desligou e depois usou o seu telefone (equipado com dispositivos que impediam que estranhos entendessem a conversa) para ligar para o Agente Encarregado do Plantão Noturno no quartelgeneral do FBI, no Edifício J. Edgar Hoover. Ele passou adiante a informação que Ramsey lhe dera sobre James Zander.

- Despache todos os agentes no plantão noturno, chame outros... digamos mais uns trinta... e mande que comecem a procurar - ordenou Hopper. - Temos carta branca.

Talbot parece achar que é importante, e nos apoiará em qualquer circunstância. Eu estarei aí em vinte minutos.

Informado de que tinha "carta branca", o bando de agentes do plantão noturno entrou em ação para valer. Punhos cerrados bateram nas portas dos vizinhos de James Zander. Mostrados os cartões de identificação azul-sobre-branco do FBI, os agentes entravam porta adentro, sala adentro, bombardeavam os moradores com perguntas, ameaças, mais perguntas.

Mas foram os dois homens do FBI que foram à casa de Zander, forçaram a fechadura da frente e entraram na casa, que tiveram sorte. O interior da casa era malcuidado, desmazelado. Havia esteiras, mas nenhum móvel na sala de estar, e havia cachimbos de ópio espalhados pelo chão. No andar superior as camas estavam desfeitas, e os lençóis tinham manchas de sêmen, e havia potes e sacos plásticoss cheios de drogas nas gavetas da cômoda.

- Jesus, vamos pôr este cara atrás das grades pelo resto da vida - disse um dos agentes.

- Duvido - replicou o seu parceiro. - Temos que levar este vagabundo deste Zander para a Casa Branca, não para o xilindró. É melhor a gente pisar com cuidado, meu chapa... senão a gente pode-se atolar em bosta até as orelhas.

Ele desceu, achou uma agenda barata ao lado do telefone, no corredor. Abriu-a. Havia um endereço na Rua A Nordeste rabiscado na página de Quarta-Feira, 24 de fevereiro.

Ele o anotou, chamou o outro agente. Eles voltaram para o carro deles, chamaram o quartel-general pelo rádio e, depois de fazer o seu relatório inicial, ouviram a voz do Diretor Emmett Hopper pela fonia.

- Deixem tudo como acharam - disse Hopper. - Vão lá checar o tal endereço.

- A vizinhança inteira está fervilhando com os nossos carros, senhor. Devemos dizer aos agentes...

- Nós nos preocuparemos com eles. Vocês se preocupem com a Rua A.

Numa parte da Rua A Nordeste encontram-se casas de um século de idade que foram renovadas e viraram moradias agradáveis. Na outra parte, vê-se uma favela imunda.

O endereço que constava da agenda era o de uma casa de favela, caindo aos pedaços. A campainha da porta estava desligada, ou enguiçada. Havia três fechaduras na porta. Os agentes conseguiram abrir duas delas, forçaram a terceira. Descobriram um interruptor de luz, acenderam-no e depararam com uma sala de estar que era uma versão mais suja e desmazelada da de Zander... e com uma dúzia ou mais de corpos despidos que jaziam em amontoados justapostos sobre as esteiras. Algumas das pessoas se mexeram, abriram os olhos, e imediatamente os fecharam outra vez. Uma garota afastou-se de outra garota, acercou-se de um homem. Ele nem se moveu.

- Orgia... e estão todos dopados.

- Obrigado por me contar... eu jamais teria adivinhado... mas estamos procurando é por Zander. Ainda bem que temos uma boa descrição... vamos começar a chapinhar no meio de toda esta carne.

Logo acharam James Zander, sacudiram-no. Ele não reagiu.

- Completamente apagado. Vou ligar para o chefe, você fica aqui. - O agente que estava falando passou com cuidado entre os corpos, e de repente parou de chofre.

- Santo Cristo! Venha cá. - Ele apontou para uma garota loira cuja cabeça estava apoiada na virilha de um dos homens. - Será que estou ficando maluco, ou esta é...

- É, meu chapa. É Lexa Talbot.

Emmett Hopper escutou, deu ordens.

- Fotografe todos eles... especialmente a garota... mas não toquem nela. Ela fica. Levem Zander para o seu carro e tragam-no aqui. Vamos dar-lhe umas injeções para traze-lo de volta à consciência, ou algo parecido. Andem depressa!

Hopper exultava, intimamente. Primeiro o dossiê Weidener, agora isto. Aos poucos, o FBI começava a reaparecer.

O terno que tinham arranjado para James Zander era um número menor do que o que ele costumava vestir, e a sua boca estava com um gosto terrível. Mas as drogas da farmácia do FBI tinham feito o seu papel. Zander estava consciente e funcionando. Apesar de tudo, ele estava contente de ter dois homens do FBI segurando os seus braços enquanto desciam o corredor em direção à Sala Oval, pois as suas pernas ainda estavam bambas.

- O FBI está com Zander aí fora - Ken Ramsey disse ao Presidente.

Talbot deu uma olhada para o seu relógio de mesa.

Nove minutos antes do prazo limite.

- Telefone para Hopper dando os parabéns em meu nome, e mande Zander entrar.

Os agentes ampararam Zander, enquanto entravam na Sala Oval.

- O Sr. Zander estava um pouco bêbado, Sr. Presidente - falou um dos agentes, seguindo as instruções de Emmett Hopper. - Ele estava em casa, mas não escutou nem o telefone nem a campainha da porta. Um banho de chuveiro frio e café preto resolveram o problema.

- Sinto muito, Sr. Presidente.

A voz de Zander estava apenas levemente embotada.

- Todo o mundo tem o direito de encher a cara de vez em quando - disse Talbot. Ele fez um gesto de cabeça para os agentes do FBI. - Obrigado a vocês e ao seu departamento pelo seu trabalho.

Os agentes despediram-se, polidamente, e se retiraram.

- Está se sentindo com disposição para compor um pouco da sua poesia? - Talbot perguntou a Zander.

- Um discurso?

- Não, umas declarações à imprensa.

- Acho que sim - respondeu Zander. Espero que sim. Estou me borrando de medo. Se não escrever o que ele quer, estou frito. Se este sujeito vier a saber sobre a Lexa, estou frito duas vezes... como estarei se não fizer o que Hopper quer. Deus, aquelas fotos, as declarações que ele me fez assinar.

- É, acho que sim, Sr. Presidente.

- Ótimo. Ken Ramsey e eu lhe daremos as dicas. Depois você pode se sentar em frente a uma máquina de escrever e compor palavras que cantem.

 

Kinsolo, Basanda: Terça-feira, 25 de fevereiro. À tarde.

O General-Comandante do Grupo Assessor Militar do Exército americano em Basanda possuía apenas duas estrelas e aspirava avidamente a uma terceira. Quando chegou a mensagem de rádio vinda de Washington, ele exultou. Serei tenente-general no mês que vem, sem falta, disse a si mesmo. Tenente-general e com uma Medalha de Serviços

Distintos. Novas estrelas e MSD vinham rápida e automaticamente sempre que havia tiroteios. Ele deu ordens breves, sucintas. Todos os helicópteros de salvamento da GAMB, assim come* todas as naves armadas recém-chegadas deveriam decolar sem demora, e voar para Giduna.

- A missão deles é salvar os americanos detidos pelas forças rebeldes. Os helicópteros armados só deverão disparar como defesa, ou para proteger as operações de evacuação.

Logo que começaram a sobrevoar Giduna, as helicópteros se defrontaram com uma tempestade de tiros disparados por baterias antiaéreas dos rebeldes, ocultas na densa folhagem. Três dos helicópteros de salvamento, desarmados, foram abatidos, ficaram carbonizados; as suas tripulações foram dadas como mortas. Os helicópteros armados não tiveram nenhuma serventia.

- Nós atiramos em terrenos, mais nada - relataram os artilheiros ao voltar da missão. Várias das aeronaves apresentavam buracos feitos pelas balas das metralhadoras rebeldes. Um artilheiro fora morto, dois outros seriamente feridos.

A missão fora um desastre.

Um criado desmazelado acompanhou o Embaixador americano até a sala de audiências onde o Salvador Nacional Percival Kwida ocupava o lugar do falecido Odu Mwandi.

O insulto fora calculado, rude, propositado. O Embaixador americano fingiu indiferença e entregou o ultimato que viera pelo rádio, da parte do Secretário de Estado, MacDonald Pearce.

Percival Kwida fez um muxoxo de escárnio.

- Informe ao seu Governo que vou fazer um leilão - ele disse. - Os rebeldes têm o apoio da União Soviética. Isto perturba os chineses, que ontem me fizeram uma oferta formal de ajuda considerável, tanto em dinheiro quanto em material bélico. Eu ficarei à espera da contraproposta americana com muito interesse, mas não ’Mj por muito tempo. Digamos, 72 horas? Exatamente. A audiência "J terminou, Excelência.

Frederick Dollinger não teve melhor sorte. Doilinger eia o vicepresidente executivo da Rickhoven International Properties (África) Inc., a companhia detentora que controlava as demais companhias do Império Rickhoven que operavam em Basanda. Sob o regime Mwandi, Frederick Dollinger era uma força atuante, e Odu Mwandi sempre o tratara com deferência.

- Excelência... - começou Frederick Dollinger.

- Silêncio - grasnou Percival Kwida. - Temo que o senhor não tenha lido os meus decretos. Todas as pessoas que não fazem parte do Corpo Diplomático terão que dirigir-se a mim usando o meu título, Salvador Nacional, e empregando o pronome da terceira pessoa ao falar comigo.

Dollinger engoliu em seco, umedeceu os lábios e engoliu outra vez... desta vez o seu orgulho.

- Com a permissão do Salvador Nacional, tenho instruções de entregar-lhe uma mensagem da parte do Sr. Jordan Rickhoven.

- Prossiga.

- O Sr. Rickhoven está muito preocupado com os últimos acontecimentos. Ele deseja - preciso florear isto, pensou Dollinger - com o máximo respeito ao Salvador Nacional, ele deseja que eu transmita os receios dele de que talvez se torne necessário suspender a produção das minas e do petróleo. Infelizmente, como sem dúvida o Salvador Nacional compreende, tal ação viria provocar a suspensão dos pagamentos de royalties.

Percival Kwida deu um riso de deboche.

- Rickhoven é um idiota completo! A minha assinatura num único documento pode nacionalizar instantaneamente todas as minas e campos petrolíferos. Então ele economizará os seus patéticos pagamentos de royalties... e perderá as suas montanhas de lucro!

Frederick Dollinger deu-se conta abruptamente que ele - e o Império Rickhoven - estavam sendo jogados contra a parede, e fez um esforço derradeiro.

- Com o máximo respeito, posso lembrar ao Salvador Nacional que o Sr. Rickhoven foi sempre extremamente generoso, no passado?

- -Você é incrivelmente burro, Dollinger - A cara de lua de Kwida zombava dele abertamente. - O que me importa algumas centenas de milhares de dólares depositados em bancos suíços quando sou dono, eu sou dono, está ouvindo?, de um dos países mais ricos do continente africano? Diga isso a Rickhoven. Com o choque talvez ele deixe de ser tão idiota e fique mais respeitador e cooperador.

O General-Comandante do GAMB - como a maioria dos militares - desconfiava da imprensa, ressentia-se das suas bisbilhotices nos assuntos que diziam respeito às forças armadas. Ele também temia uma publicidade adversa que pudesse prejudicar a sua reputação. Além disso, raciocinava, fora o Departamento de Defesa quem dera as ordens para a operação de salvamento aéreo de Giduna... portanto cabia a ele agüentar a barra e anunciar a débâcle. Ele não permitiu que se divulgasse nenhum comunicado sobre a operação. Foi um erro grave de julgamento.

Percival Kwida agarrou com ambas as mãos a oportunidade; com o comandante do GAMB se abstinha de falar, ele convocou uma conferência de imprensa. Kwida conhecia a tendência chauvinista latente em todos os americanos. Se o seu país fosse humilhado, eles exigiriam vingança e represália. Ele calculou que as notícias do fiasco de Giduna - se se soubesse lidar adequadamente com elas - levantariam a opinião pública americana contra os rebeldes. Isto poderia forçar o Governo americano a dar-lhe ajuda financeira e militar, ilimitada e incondicional. Com sorte, talvez até pudesse provocar a intervenção americana em escala total... nos termos dele, Kwida, com as forças americanas ficando sobre o seu comando geral. Uma vez que elas houvessem destruído os rebeldes, ele as expulsaria de Basanda... e depois nacionalizaria todas as propriedades americanas Depois do término da conferência de imprensa de Kwida, os jornalistas enviaram despachos aflitivos:

... somente um único helicóptero americano retornou à base...

... consta que grande número de oficiais e soldados americanos foram mortos ou feridos...

... o Primeiro-Ministro Kwida expressou o seu assombro pelo fato do GAMB ter se utilizado de helicópteros armados sem consulta prévia...

... Kwida declarou secamente que ele e o seu Estado-Maior teriam vetado a operação Giduna se tivessem sido informados dela previamente, como exige o tratado Estados

Unidos-Basanda...

 

Washington, D.C.: Terça-feira, 25 de fevereiro. Do meio da manhã até a noite.

À medida que se divulgavam as notícias dadas por Percival Kwida, tornava-se cada vez mais aparente que a presença dos Estados Unidos em Basanda não passava de uma triste piada, e que a orientação política americana, no tocante a Basanda, era caótica.

As declarações que James Zander preparou e que foram distribuídas ao pessoal da Imprensa creditado junto à Casa Branca, às 7:30, provaram ser mais do que inúteis.

Os correspondentes ignoraram o elemento de diferença-horária entre Washington e Kinsolo. As declarações foram consideradas tentativas incrivelmente desajeitadas para salvar as aparências.

Charles Talbot estava desabado numa poltrona da Sala Oval. Fitava MacDonald Pearce e John Kurtz, que se sentavam à sua frente. Eles tinham vindo à Casa Branca trazer as últimas mensagens do GAMB.

- O GAMB meteu os pés pelas mãos, agiu precipitadamente, sem o suficiente planejamento prévio - falou John Kurtz, tentando escamar-se de toda a responsabilidade.

Talbot soltou a respiração como um homem resignando-se a ser executado.

- Quais as opções que nos restam? - perguntou.

- Somente duas - replicou MacDonald Pearce. - Retirada total... com a destruição conseqüente da credibilidade e do prestígio americano...

- Já mandei uma força-tarefa de porta-aviões da Sexta Esqua dra no Mediterrâneo dirigir-se a todo o vapor para Kinsolo - interrompeu Kurtz. - É apenas uma medida de precaução, caso tenhamos que evacuar o nosso pessoal. Há cerca de três mil civis americanos, e mais o pessoal do GAMB e do Corpo Diplomático, em Basanda.

Talbot passou a mão pelo rosto.

- Qual é a segunda opção?

- Ação punitiva contra os rebeldes - disse Pearce.

- Tem que haver outro jeito. Kwida...

- Sr. Presidente. - Pearce pigarreou. - Kwida já iniciou negociações com os chineses. Ele nos deu 72 horas...

- Livrem-se deste filho da mãe!

- É impossível. Nós lhe demos a nossa bênção oficial após o... ha... infeliz acidente de Odu Mwandi. Se exercermos pressão para remover Kwida asim tão cedo, seremos acusados de estarmos transformando Basanda, abertamente, num estado títere. Temo que precisemos aceitar as exigências dele... pelo menos no momento.

- Explique para mim de novo o que isto envolve - falou Talbot, com voz cansada. A cabeça dele parecia que ia explodir a qualquer segundo.

John Kurtz ocultou-se por detrás do seu ritual de encher o cachimbo.

Pearce foi enumerando:

- Entregamos o meio bilhão retirado dos fundos discricionários imediatamente. Agimos em represália contra os rebeldes com o que temos à nossa disposição em Basanda:

os helicópteros armados e as duas companhias de Boinas Verdes que desembarcarão hoje.

- Sim quanto ao dinheiro - resmungou Talbot. - Não quanto à represália. Não no momento. Vamos rever a decisão depois que a força-tarefa chegar e tivermos mais algum apoio.

- Devemos mandar alguns reforços por via aérea, por via das dúvidas - falou John Kurtz. - O nosso pessoal nas minas e nos campos de petróleo está espalhado por áreas extensas. Se os rebeldes romperem as linhas legalistas, precisaremos de mais homens e aviões para retirar a nossa gente e cobrir a evacuação. - Ele mudou o cachimbo de posição. - Recomendo uma brigada de pára-quedistas, um esquadrão de combatentes táticos.

- Somente para proteger vidas e propriedades americanas? - indagou Talbot.

- E por nenhum outro motivo.

- Está bem.

Kurtz e Pearce trocaram olhares significativos.

Suzanne Loring jogou mentalmente um beijinho de despedida para a sua bonificação de 150.000 dólares, livre de impostos, e telefonou para o quartel-general da CBN em Nova York. Como de costume, o telefonema dela teve que passar por várias secretárias até que lhe permitissem falar diretamente com Noah Sturdevant, o presidente da junta administrativa de rede de televisão.

- Ah, sim, Srta. Loring. O que há de novo?

- As minhas regras.

Ela ouviu Sturdevant gaguejar indignado, depois escutou a voz dele dizer com azedume:

- O seu contrato conosco não é como comediante, Srta. Loring.

- Mas devia ser, se levarmos em consideração a comédia de situações que está havendo por aqui... mas não ia colar. Não tem suspense. Todo o mundo já conhece o final.

- Srta. Loring. A senhorita andou bebendo?

- Somente a borra amarga, Sr. Sturdevant. Não há mais nenhuma história para eu perseguir. É tudo propriedade pública. Talbot estava lançando uma cortina de fumaça... peidando feito pomba mas cagando feito falcão. - Ele gaguejou outra vez. - Pelo amor de Deus! - Suzanne quase gritou. - Você queria um especial que expusesse o que o Talbot estava realmente fazendo. Ele entregou a rapadura hoje de manhã. Ele nos meteu numa bela de uma guerra!

- Tem havido relatórios confusos, nada ao certo.

- Nada? Uma força-tarefa de porta-aviões está indo a todo o vapor para Basanda. Estão mandando para lá parte de uma divisão de pára-quedistas e aviões de caça.

É um repeteco do Vietnã.

- Onde obteve esta informação?

- Extra-oficialmente - De Russ, que a obteve de Dan Madigan - mas a qualquer minuto deve ser dada uma declaração oficial.

Noah Sturdevant era convencido de muitas coisas, uma delas sendo uma imagem de si mesmo como conceptualista. Suzanne Loring tinha razão. Contudo, ele ainda era capaz de passar a perna nas outras redes de TV.

- Srta. Loring. - A voz dele era untuosa. - Não quero que a senhorita perca esta bonificação, ou uma chance de valorizar a sua reputação.

- Quando o senhor e o dinheiro falam, Sr. Sturdevant, prendem toda a minha atenção.

- Parta para Basanda esta tarde.

- O quê?

- Mandarei uma equipe de cinegrafistas daqui de Nova York para lá, de avião. Você gravará a entrevista da semana que vem com um soldado comum, de patente bem baixa, e dará ao público uma visão bem por dentro da situação...

- Não, obrigada. - Não vou chegar nem perto daquela bagunça, por dinheiro nenhum. - Não posso ir.

- E por que não?

- Já lhe disse. As minhas regras vieram.

- E o que uma coisa tem a ver com a outra, Srta. Loring?

Suzy fez uma careta para o local do telefone.

- Não há tampões à venda em Kinsolo. As mulheres nativas usam trapos fervidos... e mesmo estes estão em falta. Até qualquer hora, Sr. Sturdevant.

E vá tomar no... Ela podia imaginar o Pequeno Hitler da CBN ficando roxo de raixa. Apagando esta imagem da mente, sorriu pensativa. Russ estava abatido, deprimido, quando ligara para ela dizendo o que soubera por Madigan. Era um bom sinal. Quem. sabe agora, finalmente, ele enxergaria o que havia por trás da fachada que o Governo

Talbot apresentava, e seria de novo o homem que fora... independente, razoável, e completamente maravilhoso, disse a si mesma, enquanto seu sorriso ficava mais largo.

O Juiz Avery Braithwaite veio até à Casa Branca sem avisar. Mas o Presidente Talbot disse que o receberia na Sala Oval. Levantouse da cadeira presidencial para cumprimentar

Braithwaite.

- Que bom que você veio até cá, Avery - disse. - Neste momento, não há nada que possa me fazer mais bem do que uma cara amiga... e algumas palavras de conforto.

Ele apertou a mão do Juiz. Que engraçado, pensou. A mão de Avery está suada, pegajosa. Nunca esteve assim antes. Olhou mais atentamente para Braithwaite. O rosto grosseiro estava avermelhado. As artérias da testa pulsavam. Talbot voltou a sentar-se, enxugando a mão disfarçadamente na perna das calças.

- Parece-me que você está excitado com alguma coisa, Avery. Braithwaite sentou-se próximo à mesa do Presidente, e puxou .s cadeira ainda mais para perto dela.

- As portas estão trancadas e os gravadores desligados? - indagou.

Talbot mexeu no mecanismo que trancava as portas, assentiu.

- Você conseguiu dar um golpe magnífico - falou Braithwaite.

- Golpe? - repetiu Talbot, completamente confuso.

- É, golpe. - Os olhos de Braithwaite pareciam queimar. - A atitude que você tomou no caso de Basanda será a solução... a salvação... dos Estados Unidos!

- Avery, escaramuças e tiroteios na África, logo na África...

- Todo homem tem o seu destino, Sr. Presidente. O seu é unir a nossa nação reafirmando o poderio dos Estados Unidos. A lei ficará ao seu lado...

- Você se refere aos precedentes legais...

- Estou falando na Lei que transcende aquela feita pelos homens, chamemo-la a Lei da Continuidade Histórica.

A conversa deles continuou por dez minutos... mas Talbot não conseguiu entender direito o propósito e o objetivo das palavras pesadas, até mesmo solenes de Braithwaite.

O significado delas ficava além do seu alcance. Ele comentou com Kenneth Ramsey, depois que o Juiz saiu, - Braithwaite parecia febril, talvez doente, não achou, Ken?

- Pareceu-me mesmo um pouco estranho, Chefe. Se quiser que eu faça alguma coisa... fale com o médico dele ou...

- Não. - Talbot meneou a cabeça. - Acho que na idade de Avery um homem pega vírus, sente-se mal, às vezes. - Ele voltou a concentrar-se nos assuntos mais importantes.

- O que vem a seguir na agenda?

- Um milhão de pedaços de papel... e o Senador Kugelman está aí fora. Ele tinha hora marcada, mas como o Juiz Braithwaite chegou...

- Mande Kugelman entrar e fique por perto enquanto ele estiver aqui.

O Senador Aaron Kugelman estava com a fisionomia sombria.

- O Embaixador israelense me deu uma dica antecipada, Sr. Presidente. O Governo dele vai roer a corda no acordo de armas para Basanda.

- Eles não podem fazer isso! - protestou Talbot. - Juro por Deus que cancelaremos o bilhão de ajuda para Israel!

- Não dá - intrometeu-se Ken Ramsey. - Estaríamos contando ao mundo inteiro que foi uma troca fajuta, por-baixo-da-mesa, desde o começo.

Talbot remexeu-se, inquieto.

- Qual é a desculpa israelense?

- Se eles mandarem as armas agora, depois da grande tzimmis que provocou o nosso ataque a Giduna, os Vermelhos e o bloco do Terceiro Mundo vão cair no pêlo deles, acusando-os de serem parceiros títeres numa agressão imperialista - replicou Kugelman, desconsolado. - Eles não podem se dar ao luxo de correr este risco.

Quando Kugelman tinha ido embora, Talbot lançou a Ken Ramsey um olhar sombrio e desesperançado.

- Estamos afundando cada vez mais.

- Você vai arranjar uma corda, Chefe. Ramsey tentou convencer a si próprio.

MacDonald Pearce comparecia a muitos acontecimentos sociais na Casa da Colina, mas ia para lá sozinho somente quando as tensões e pressões internas e externas atingiam níveis insuportáveis. Em tais ocasiões, ele guiava um carro alugado, entrava pelos portões laterais e usava a entrada de serviço. Como já telefonara a Marjorie Norworth mais cedo, pedindo se podia ir, ele chegou às 10 horas, foi recebido por Holcomb e conduzido para o andar superior, para a réplica do Quarto de Dormir Presidencial.

Até ter vinte e muitos anos MacDonald Pearce sonhava e devaneava tornar-se algum dia o Presidente dos Estados Unidos. Ele acabou por ter que admitir que qualquer cargo eletivo estava além do seu alcance, devido ao seu temperamento e personalidade, que afastavam os eleitores em potencial. As suas ambições políticas só podiam se realizar através de nomeação para um alto cargo. Como Secretário de Estado, ele atingira o ápice, mas o antigo sonho permanecia encravado num canto remoto do seu cérebro. O uso do Quarto de Dormir Presidencial - embora apenas uma versão reproduzida - reacendia o sonho e, por um processo de alquimia psicológica, revitalizava Pearce, dotava-o de um vigor notável.

- Alô!

A menina com a camisola transparente, virginalmente branca, não parecia-ter mais que treze anos. Pearce lambeu os lábios finos, com os olhos a devorá-la através dos bifocais antiquados que usava. Os seios da garota ainda não estavam nem formados, estavam em botão.

- Vire-se, por favor - ele ordenou. Ela obedeceu. Tinha as nádegas pequenas e achatadas, e a pele lisa. (Ele tinha fobia de tocar uma pele manchada por cravos ou espinhas.) Ele começou a despir-se, metodicamente. - Tire a camisola.

- Como quiser.

Pearce era muito pouco atraente quando despido. O corpo er.i flácido, o pênis curto e anormalmente fino, mesmo quando estava ereto, como agora. Colocando os óculos na mesinha de cabeceira, Pearce subiu na cama presidencial, ficou deitado de costas.

- Quer começar? - a garota perguntou.

Ele resmungou que sim. Ela pegou um vidro aberto que estava sobre umacômoda, caminhou até a cama. Pearce apanhou o vidro, tirou um bocado de vaselina com o indicador, colocou-o ao lado dos óculos.

- Estou pronto.

Como já fora instruída, a garota subiu na cama e montou nas coxas dele, mas com a cara virada para os pés da cama... e para os pés dele, dobrando-se quase ao meio.

Ela pegou as próprias nádegas com as duas mãos e abriu-as o mais que pôde.

- Abaixe-se. - Agarrou o seu membro fino e conduziu-o. - Cavalgue-me! - ele falou com voz rouca. Ela começou a balançar-se para cima e para baixo. Ele buscou os seios minúsculos dela, e esfregou vigorosamente os mamilos.

Pearce fechou os olhos. Era um garoto de novo. Um garoto de doze anos, cheio de paixão infantil por uma garota da mesma idade, uma coleguinha de classe. Ele a levou ao cinema, certa vez, uma matinê de sábado, e eles sentaram-se numa fileira, vazia exceto pelos dois. Ele tentou tocar os seios dela... também eles estavam em formação, eram minúsculos. Ela saltou da cadeira, fugiu. Ele ficou sozinho, morto de medo que ela o denunciasse, mas excitado sexualmente. Fechou os olhos e se masturbou.

Ele a imaginava sentada no colo dele, com a cara para a tela, submetendo-se às ordens dele, cavalgando-o enquanto ele manuseava e amassava os seios dela, Um dia, serei Presidente, jurou para si mesmo, sacudindo o seu pênis, e eu farei com que ela faça, por que os presidentes podem fazer qualquer um fazer qualquer coisa.

Esta ficou sendo a sua fantasia masturbatória até os seus dias de estudante em Harvard, depois virou uma fixação...

- Me cavalgue mais depressa! - Os dedos dele beliscavam os mamilos da menina. Ela fez uma careta, acelerou os movimentos. - Balance-se com mais força!

A menina ficou agradecida quando os músculos flácidos de Pearce se retesaram e ele virou a cabeça para o lado, mordendo o travesseiro. Depois ele a empurrou, virou de barriga para baixo e chorou como criança.

Marjorie Norworth estava sentada com Bradford Cooley e Emmert Hopper na sala de visitas da sua suíte. Havia examinado os documentos e fotos que eles trouxeram para ela ver.

- E daí... Keith Weidener foi morto e Lexa Talbot tomou parte numa orgia - ela deu de ombros. - Faz lembrar J. Edgar e os arquivos oficiais e confidenciais que ele usava para intimidar Washington.

- Exatamente... faz lembrar. - Cooley falou. - Precisa-se de muito mais para impedir um catálogo inteiro de calamidades.

- Dom Quixote e Sancho Pança lutando contra os moinhos!

- Errado, Marjorie - falou Hopper. - Somos motivados pelo instinto da autopreservação e da sobrevivência.

- A franqueza é agradável... mas é cacete. Prefiro muito mais a falsidade elaborada. Qualquer idiota pode ser franco e sincero... estão vendo, criei um aforismo.

Mas eles a estavam tocando. Marjorie podia visualizar novas dimensões para os jogos de intrigas e manipulações que ela adorava. Os homens que puxavam e empurravam

Charles Talbot eram astutos, poderosos, ela refletiu. Eu sentiria uma satisfação sem limites em provar que posso ser mais esperta e mais ardilosa que todas eles.

- Permitam-me refletir mais um pouco sobre a minha decisão, Dom Quixote e Sancho.

Ela beijou Brad Cooley, deu uma palmadinha afetuosa no rosto de Emmett Hopper. Quando Holcomb acompanhou os dois ao andar inferior, ela trancou e aferrolhou a porta.

Marjorie mexeu num interruptor de parede oculto. Um painel como aquele que disfarçava o seu bar deslizou para o lado e expôs um complexo consolo eletrônico encimado por uma tela de TV de 21 polegadas. Ela apertou uma alavanca. A tela iluminou-se, e as imagens apareceram nítidas e a cores.

Os olhos baços de MacDonald Pearce estavam inchados de chorar, mas ele estava deitado de costas, com o indicador enfiado num vidro aberto. A menina estava mudando de posição para montá-lo direito.

- Abra-se de novo.

A menina agarrou as nádegas, dobrando o corpo para a frente até que a cabeça quase tocasse as pernas dele. O indicador mexia e cutucava.

Marjorie desligou o aparelho, tomando cuidado para não apertar as alavancas que fariam parar o aparelho de videotape. Preciso me lembrar de passar o tape/dirüegunda

Lua-de-Mel de Talbot, ela lembrou a si mesma. Ainda não o havia feito, e a descrição que Claire fizera da noite fora (hilariante. Ah, sem dúvida que eu tenho as armas - pensou Lady Norworth. A questão é: será que eu quero, ou tenho algum motivo válido, para usá-las, e se o fizer, como posso empregá-las da maneira mais eficaz?

 

Washington, D.C.: Sexta-feira, 26 de fevereiro.

A manchete do Washington Pos t era a seguinte:

 

SOVIÉTICOS DENUNCIAM ACÃO MILITAR AMERICANA, AMEAÇAM ACÃO DE REPRESÁLIA.

 

A do New York limes era mais moderada, em comparação.

 

TENSÃO AUMENTA ENQUANTO REFORÇOS AMERICANOS DIRIGEM-SE A TODA PARA PROTEGER AMERICANOS EM BASANDA.

 

Dan Madigan estava coordenando uma demonstração "espontânea" pró-Talbot no Senado. Às 9:30, ele conferenciou com Russell Hatch.

- Temos de dar apoio integral ao Presidente, Russ. A boca de Hatch comprimiu-se.

- O safári africano dele não me inspira a gritar "burra.”

- Seja objetivo. O tratado original foi feito com as bênçãos de Dick Nixon; Jerry Ford teceu-lhe os maiores elogios. O Garotão Boa-Praça da Geórgia deu vivas a ele - Madigan deu um sorriso retorcido - ou quem sabe ele estava de olho nalguma guria de Kinsolo. - O sorriso desapareceu. - O governo passado aumentou o monte de esterco, e então jogaram toda a carga fedorenta no colo de Charles Talbot.

Isto era verdade, admitiu Russ em silêncio. Contudo...

Os rebeldes têm Gidanu e mais de cem prisioneiros (ou cadáveres) americanos - continuou Madigan. - Há ainda milhares dos nossos em Basanda. Como ficamos se eles forem capturados... ou massacrados?

Hatch fitou o chão, soltando vagarosamente a fumaça do cigarro. Ora, pensou. Às vezes é preciso voar agora, pagar depois. Há vidas em jogo.

- Você quer que eu fale o quê?

- Faça um pequeno discurso no plenário hoje à tarde. Expresse a sua confiança no Presidente e sugira... não apresente uma moção, apenas sugira... que o Senado possa considerar uma resolução no mesmo teor.

- Isso é tarefa para uma pessoa com mais antigüidade.

- O Presidente Talbot pediu que você o fizesse. - A sua cara de João Honesto e o seu jeito de caipirão são o que a gente está precisando, meu chapa. - E então, Russ?

- Estamos aí. - Somente porque, a esta altura dos acontecimentos, não vejo outra alternativa senão apoiar Talbot.

Quando acordou na quinta-feira de manhã, na casa da Rua A, Lexa Talbot ficou furiosa ao ver que James Zander não estava lá. Recompondo-se, ainda meio drogada, ela se vestiu, saiu da casa e tomou um táxi. Foi buscar o seu Jaguar na garagem do Holiday Inn e foi para a Casa Branca, que estava no maior rebuliço. Viu James Zander que descia apressado por um dos corredores da Ala Oeste, agarrou o braço dele.

- Seu filho da puta!

Ele soltou o braço com força.

- É melhor ficarmos longe um do outro por algum tempo - disse ele. - Nem sequer me telefone. Explico depois.

Afastou-se, apressadamente.

Lexa viu o pai à noitinha, fez uma referência casual a Zander.

- Ele parecia estranho, hoje de manhã.

- O pobre sujeito passou por mau pedaço - disse Talbot. - Nós precisamos dele com urgência por volta das três da madrugada e mandamos o FBI ir procurá-lo.

O sangue de Lexa gelou.

- O FBI? Ah... e onde ele es - Em casa, bêbado. Mas os ageptes de Hopper trouxeram-no para cá.

Meu Deus, pensou Lexa. Os homens do FBI devem ter seguido Zander até à casa da Rua A. Não é de admirar que ele estivesse apavorado e que me mandasse ficar longe dele. O estômago dela estava crispado de medo. Será que os agentes me viram? Não é provável, senão eles me teriam levado com eles, e limpado a minha barra, como é óbvio que limparam a de Jim. Ou será que não o fariam?

Atormentada pela ansiedade, Lexa não dormiu na noite de quintafeira. Na sexta de manhã, ela disse à empregada que estava resfriada e que ficaria na cama.

O Presidente Charles Talbot leu o resumo dos noticiários da manhã de sexta-feira, e o seu sistema nervoso foi duramente castigado. As opiniões contra e a favor estavam divididas meio a meio. As últimas deixaram-no eufórico, as primeiras o abateram tremendamente. Esta ambigüidade deixou-o deprimido. Os seus primeiros compromissos do dia não melhoraram o seu ânimo.

MacDonald Pearce relatou um beco-sem-saída no setor diploma tico. O Secretário de Defesa John Kurtz veio a seguir, declarando que a situação militar em Basanda permanecia "fluida". As duas companhias dos Boinas Verdes se haviam entrincheirado ao redor do quartel-general do GAMB e da pista de vôo. Os primeiros contingentes da brigada de pára-quedistas já tinham chegado e estavam à espera das próximas ordens.

- O envio dos suprimentos já começou - acrescentou Kurtz. Era uma fala preparada. As pílulas da escalada para a intervenção tinham que ser dadas aos poucos, suavemente.

Como? Mas eu não autorizei envio de suprimentos...

- Você autorizou homens e aviões. - Kurtz fingiu-se espantado. - Não podemos mandá-los se não mandarmos também equipamento, suprimentos.

Merda, não pensei nisso, percebeu Talbot.

- Todos os aviões de carga disponíveis da Força Aérea estão fazendo viagens de ida-e-volta - continuou Kurtz. - E mais vinte que requisitamos das companhias de aviação civis.

Eles estavam transportando material suficiente para manter duas divisões completas - que era o que ele e Pearce estavam pretendendo ter em Basanda para o passo seguinte da escalada. Logo dariam um jeitinho para que Talbot acabasse tendo que dar a sua aprovação retroativa.

O Presidente culpou-se por ter se esquecido da questão dos suprimentos... e lembrou-se do aspecto do custo.

- John, de onde é que está saindo o dinheiro? A verba da defesa...

- Sempre tem uma gordurinha escondida... - Kurtz deu uma piscadela.

- O quanto isto nos custou, até agora?

- Mal chega a meio por cento do orçamento da Defesa - respondeu Kurtz, tranqüilamente. Talbot era fraco em aritmética.

Mesmo que se lembrasse que o orçamento passava de 140 bilhões de dólares, não se daria conta que aquilo significava 700 milhões.

Kurtz saiu. Talbot ficou cada vez mais deprimido. As paredes curvas da Sala Oval davam-lhe uma sensação de claustrofobia. Ansiava por uma fuga temporária. Ken Ramsey entrou, trazendo documentos.

- Lexa já desceu? - indagou Talbot. Ela poderia animá-lo um pouco.

- Não, a empregada dela disse que está resfriada.

- Agüente as coisas um bocado, Ken. Vou lá em cima vê-la.

Lexa estava na cama, com o lençol elétrico puxado até a cintura, os cabelos dourados soltos sobre o travesseiro, e os seios claramente visíveis através da fazenda transparente e prateada do seu pijama Fernando Sanchez. O rosto dela estava de uma palidez fora do comum. Talbot sentou-se na beirada da cama, tocou-lhe a testa com a mão.

- Está sem febre, isto é bom. Ele sorriu.

- Febre? Mas eu só estou incomodada. Desta vez foi pior do que de costume. - Preciso tomar cuidado para não misturar as minhas histórias, pensou Lexa, e continuou:

- Disse à empregada que estava resfriada. Os meus ciclos menstruais não sãqKoa conta dela.

Ela sentou-se na cama. A blusa do pijama, solta/ e decotada, deixou aparecer os seios perfeitos. A garganta de Talbot pareceu ficar trancada. Ele pigarreou... com esforço.

- Gatinha, você vai se resfriar se ficar descoberta.

- Sim, doutor. - Lexa jogou o lençol para o lado... Talbot percebeu o triângulo dourado por sob a gaze prateada das calças do pijama... depois puxou o lençol até em cima, debaixo dos braços. - Pronto, já estou enrolada.

Dando-se conta que seu coração batia desordenadamente, Talbot se pôs de pé.

- Vá com calma, hoje... descanse, tá?

Ele se inclinou, deu-lhe um beijo e um abraço rápidos e formais e saiu às pressas do quarto.

Holcomb trazia exemplares do Post e do Times para a suíte de Lady Marjorie Norworth todas as manhãs, juntamente com o seu dêsjejum. A experiência ensinara a Marjorie que os jornais deviam set lidos nas entrelinhas. As primeiras páginas eram devotadas, na sua maior parte, à crise de Basanda. Os fatos reais eram escassos, e eram enfeitados com rumores e especulações atribuídos a fontes anónimas. Marjorie refletiu que a impressão global que se tinha confirmava os temores expressos por Brad Cooley e Emmett Hopper. Apesar disso, tendo tido tempo de pensar nas propostas deles, ela decidiu não tomar parte nos seus planos. Eu vou fazer a coreografia do meu próprio bale, pensou ela, e passou a ler as páginas financeiras do New York Times.

Marjorie encarava com complacência os gastos pródigos do Governo Federal. Desperdício e corrupção eram não apenas os acompanhamentos, mas sim a própria essência da política. Paradoxalmente, a atitude dela em relação às empresas privadas era severamente puritana. Não tolerava desonestidade ou mesmo má administração financeira no setor privado. Os homens de negócios tinham a obrigação e o dever de preservar o sistema da livre-empresa, de manter os padrões éticos, e de tratar o dinheiro do investidor como responsabilidade sagrada. Os homens de negócios (e especialmente os banqueiros e financistas) que transgrediam eram culpados de traição contra a sua classe e contra o próprio sistema da livre-empresa.

Ela pretendia simplesmente passar os olhos pela seção financeira do Times, mas um artigo chamou-lhe a atenção.

"Um alto funcionário do Sistema de Reserva Federal revelou hoje que três dos dez maiores bancos comerciais do país estão na "lista crítica" do sistema, devido a sérios problemas de liquidez. Ele recusou-se a dar os nomes dos bancos, mas disse que...

Alguma coisa fez "clique" no cérebro de Marjorie. Largando o jornal, ela ligou para Samuel Goldwasser, o sócio principal da firma Goldwasser, Pritchard e Symes, os seus advogados em Washington. Ela mencionou o artigo que lera, e pediu:

- Por favor, Sam, descubra qual a posição do Rickhoven National Bank, sim?

Goldwasser ligou de volta em poucos minutos.

- O Rickhoven National está encimando a lista crítica...

- Obrigada, Sam.

As pecinhas que antes não se encaixavam ajustaram-se no cérebro de Marjorie. O banco de Jordan Rickhoven, pedra angular do seu império financeiro e industrial, estava em apuros. E bancos com mais de 40 bilhões em depósitos só encabeçavam a lista crítica da Reserva Federal se os indivíduos que os controlavam fossem ou ineptos ou incompetentes... ou desonestos e sem princípios.

Como Jordan Rickhoven in não era nem inepto nem incompetente, não havia como fugir à conclusão restante. Ele havia sangrado o banco, provavelmente fazendo imensos empréstimos para corporações fictícias que ele e outros membros da família Rickhoven possuíam através de cadeias corporativas intricadas e inidentifiçáveis. Com o banco em má situação, o inteiro complexo global Rickhoven estaria a perigo.

Isto explicaria o terror de Jordan de perder as minas e campos petrolíferos de Basanda, raciocinou Marjorie. A renda que provinha deles deveria ser a principal esperança de Jordan de impedir o colapso. Se ele pudesse fabricar uma guerra, e a procura de metais e petróleo, os lucros dele iriam às alturas. Ela fez o seu julgamento silencioso e solitário, e chegou a um veredicto. Jordan Rickhoven não era apenas culpado de traição contra a sua classe e o sistema. Ele era um arquitraidor, pois era um Rickhoven, e o seu nome era um símbolo (virtualmente um sinónimo) do sistema que havia atraiçoado.

- A prerrogativa da mulher - murmurou Lady Norworth em voz alta, modificando a sua decisão. Ela pegou o seu telefone e ligou para o escritório de Bradford

Cooley- Ele dstava lá. Ela pediu que ele e Emmett Hopper viessem à Casa da Colina "esta noite, para uma visita longa e muito particular".

Russell Hatch fez o seu discurso no Senado. A brevidade acrescentou força e convicção às suas palavras.

- Se eu acreditasse, por um único momento, que o Presidente Talbot desejasse forçar a nossa participação no conflito de Basanda, eu condenaria as suas ações e o repudiaria, assim como ao partido a que ele e eu pertencemos. Mas qualquer presidente americano que falhasse na proteção a vidas americanas seria condenado e repudiado por este Senado, pelos cidadãos do nosso país... e pela História...

Ele concluiu como Madigan havia pedido.

- Sendo um membro muito moderno desta Casa, não me sinto qualificado para propor moções sobre assuntos de tal importância. Posso apenas sugerir respeitosamente que demonstremos uma unidade não-partidária. Talvez fosse apropriado apresentarmos uma resolução expressando o apoio das medidas tomadas para proteger os nossos cidadãos...

Hatch recebeu aplausos consideráveis dos colegas, e uma ovação das galerias públicas. Ele não suspeitou de que Dan Madigan mexera os seus pauzinhos e lotara as galerias com uma claque de focas treinadas, homens e mulheres que tinham empregos conseguidos pelo partido na capital.

Às quatro da tarde, Jordan B. Rickhoven passou insolentemente peio” assessores e assistentes e irrompeu no gabinete de MadVonalds Pearce.

- Jordan! - Pearce piscou os olhos, consternado. Não sabia que o bilionário estava em Washington. - Mas que... ha... surpresa!

Rickhoven jogou-se numa cadeira.

- O que é que você está fazendo a respeito daquele filho da mãe do Kwida? - perguntou, furioso.

- Jordan, Percival Kwida foi escolhido a dedo por você...

- E você também foi, Mac. Coloquei você aqui, posso jogá-lo no olho da rua. E é o que farei, se você não tiver puxado a descarga no Kwida até segunda-feira.

- Aceleramos o mais possível a coisa...

- Pois acelerem ainda mais. Não sei como, isto é problema seu, mas se você não o fizer, farei com que se arrependa! - Cada dia, cada hora conta. As notícias de que o Rickhoven Bank estava na lista crítica já estavam se espalhando. Se Kwida nacionalizar cs minhas propriedades, ou se os rebeldes vencerem, tudo vai se desmoronar. O Império Rickboven acabará. - Já disse o que tinha que dizer, Mac. Deixo os detalhes nas suas mãos.

Quando o bilionário se foi, MacDonald Pearce umedeceu os lábios, dominou os tremores que acometeram as suas mãos, e pegou no telefone.

Suzanne Loring e Russell Hatch foram tomar coquetéis no HayAdams. Suzanne bebia devagarinho um Bacardi Manhattan e fazia perguntas a Russ sobre o discurso que ele fizera no Senado durante a tarde.

- A idéia original nlo foi sua.

- Não - admitiu Russ. - Foi Madigan que falou comigo, a pedido de Talbot.

- E portanto, battg! Você entregou os pontos.

- Fui persuadido.

- O que é que eles lhe prometeram, desta feita?

- Nada. - Russ engoliu o seu Johnnie Walker Black duplo. Estava precisando. - Os argumentos foram lógicos e convincentes. O nosso pessoal que está lá precisa de proteção ou, se o pior vier a acontecer, precisa ser evacuado com segurança. Que diabo, não podemos abandoná-los.

- Suponhamos... apenas suponhamos... que isto é apenas uma desculpa esfarrapada para a intervenção? Você mudará a sua posição?

- Meu bem, eu disse que o faria... e farei.

- Talvez tenha que fazê-lo... e mais cedo do que imagina.

- Está olhando na bola de cristal, Suzy?

- Olhando para os teletipos. - Como de costume, ela verificara os boletins de última hora antes de sair dos estúdios da CBN. - Há rumores bem consistentes de uma operação aérea de suprimentos de proporções bem, bem exageradas. A Secretaria de Defesa até mesmo requisitou uma esquadrilha de aviões de carga civis que está fazendo viagens de ida-e-volta a Basanda.

Hatch sentiu um mal-estar na boca do estômago. A Força Aérea tinha um número mais do que suficiente de aviões de carga para transportar suprimentos para a quantidade de soldados que fora enviada para Basanda. Ele fez sinal a um garçom que estava por perto, pedindo mais bebida.

- Se forem apenas boatos e não houver confirmação...

- Digamos que seja tudo verdadeiro, Russ. E então?

O garçom trouxe mais drinques. Mais uma vez, Russ engoliu o dele de uma vez só. Precisava deste ainda mais que do primeiro.

- Então isto significa que estamos partindo para a intervenção, e que eu fui feito de besta por Madigan e pelo Presidente - Hatch admitiu, ressentido. - Talbot...

- Não ponha logo a culpa em Talbot.

- Santo Deus, Suzy? Está virando casaca?

- De jeito nenhum. A minha opinião sobre Charlie T. continua a mesma de sempre. Ele é ainda mais burro que o Jerry de Grand Rapids. Talbot não apenas não consegue mascar chiclete e andar ao mesmo tempo, como ainda precisa que lhe digam em qual dos buracos deve enfiar o chiclete.

- Ele anda bem mais sabido, ultimamente - protestou Russ.

- Ele está é representando o papel de sabido, sardento. Alguém, ou uma coleção de alguéns, anda lhe fornecendo as falas ensaiadas e que servem de cortina de fumaça.

Ele faz o seu papel como compete a um político profissional pré-fabricado. Mas que merda, Russ, você sabe tão bem quanto eu que Talbot não está governando o país.

Os únicos ruídos que ele faz por conta própria fazem com que ele pareça ser ainda só um candidato à presidência. - Ela percebeu que ele ficou pensativo, depois preocupado.

Perguntou:

- As suas dúvidas estão se acumulando?

- Acho que já se acumularam. Tudo o que você diz faz sentido demais, amor meu.

- Você merece pagamento por essas palavras amáveis, parceiro. Pode me levar para jantar. Depois, passaremos a noite na minha casa. Esta será a minha recompensa.

Dan Madigan ficou de fora da reunião, propositalmente. As exigências e ameaças que MacDonald Pearce iria fazer não teriam em Madigan o mesmo impacto que teriam em

John Kurtz e G. Howard Denby. Dan Madigan era um senador eleito, que ainda tinha quatro anos do seu mandato atual a cumprir; não podia ser jogado fora sumariamente, nem mesmo por um Jordan Rickhoven.

Embora Kurtz e Denby concordassem com Pearce que as últimas exigências de Rickhoven eram "impossíveis", eram unânimes em afirmar que era ainda mais impossível para eles não cumpri-las. Mas> como? Várias idéias foram ventiladas, dissecadas, abandonadas e a tarde ia passando sem nenhum resultado concreto até que Kurtz sugeriu que havia tropas de combate suficientes em Kinsolo para iniciar um ataque ao Palácio do Primeiro-Ministro. A primeira reação de MacDonald Pearce foi um veto seco.

Um ataque desses seria uma desobediência direta às ordens presidenciais de que não deveria haver tiroteios, salvo em defesa própria ou para proteger as vidas americanas.

Além disso, Kwida era o chefe de um país ostensivamente amigo, um aliado.

John Kurtz escutou a arenga de Pearce e teve uma inspiração. Virou-se para o Diretor da CIA, Denby.

- Howard, e quanto àqueles três homens seus que Kwida estava mantendo prisioneiros?

- Ainda estão prisioneiros, no palácio de Kwida.

- Pronto! - Kurtz exclamou, com um largo sorriso. - Plena justificativa. Tornamos público que Kwida aprisionou cidadãos americanos e que se recusa a soltá-los...

- Excelente! - A cara afetada de MacDonald Pearce se iluminou. - Soubemos por fontes absolutamente seguras que eles estão sendo torturados... acrescente isso.

E não tenho dúvida que estão, mesmo, pensou Denby, placidamente.

Kurtz, percebendo que estava próximo à solução, foi fazendo a sinopse:

- As tropas de pára-quedistas cercarão o palácio, para dar força às nossas exigências de que os prisioneiros sejam soltos. A Guarda Palaciana oferecerá resistência, um mínimo, e tomará alguma atitude que os nossos comandantes interpretarão como ameaçadoras. Então, ordenarão aos seus homens que invadam o palácio e procurem o;> prisioneiros... para salvar as suas vidas. Um pelotão, com alguns dos seus homens a tiracolo, Howard, encurrala Kwida, cujos guardacostas abrem fogo.

- Se não o fizerem, meus homens darão um jeito para parecei que o fizeram.

- Certo. As nossas tropas disparam em defesa própria. Na cor. fusão, uma bala perdida atinge Kwida.

- Sim - assentiu Pearce. - O Presidente ordenou que as vidas americanas fossem protegidas. O... ha... programa que você sugere provará que ele estava sendo completamente sincero e imparcial. Os nossos soldados cumprem as suas missões independente do lado que signifique uma ameaça para os cidadãos americanos.

O Secretário da Defesa fez uma careta maliciosa.

- Depois disso, as unidades terrestres e aéreas dirigem-se para Gidanu numa outra missão de salvamento "dispare-apenas-se-dispararem-primeiro". É lógico que vão encontrar grande resistência por parte dos rebeldes, e seremos forçados a enviar mais reforços.

- Uma pergunta - interrompeu G. Howard Denby. - Não seria interessante que as tropas que atacassem o palácio sofressem algumas baixas?

- Reforçaria a nossa posição - concordou Pearce.

- O meu pessoal dará um jeito - falou Denby.

O Juiz Avery Braithwaite ligou para Lady Marjorie Nonvorth e solicitou um convite especial - e o uso do Dormitório de Lincoln - para aquela noite. Gostaria de estar na Casa da Colina às 10 e meia, disse. A princípio, Marjorie tentou desencorajá-lo. Braithwaite não parecera nada bem na sua última (e bem recente) visita. Contudo, ele insistiu, quase implorou, e Marjorie concordou. Mandou Holcomb preparar o cenário e as fantasias e chamar os atores.

Como estaria recebendo outros convidados na sua suíte, e não queria ser interrompida, Marjorie acrescentou que Holcomb deveria levar Braithwaite diretamente para o Dormitório de Lincoln.

- Diga a ele que tive uma tremenda dor de cabeça e que fui dormir cedo - falou.

- E transmito-lhe as suas desculpas por não poder recebê-lo pessoalmente, Lady Norworth?

- Naturalmente - Marjorie sorriu. - Os Juízes-Presidente? da Corte Suprema devem ser sempre tratados com a maior deferência e polidez, Holcomb. - O sorriso dela ficou quase melancólico.

Ela e Holcomb eram os guardiões conjuntos de inúmeros segredos. - Os Juízes-Presidentes são augustos personagens... merecedores do nosso maior respeito, Holcomb.

Ela deu uma risada. O mordomo corpulento da Casa da Colina •deu um largo sorriso.

- É claro, Lady Norworth.

Bradford Cooley e Emmett Hopper sentaram-se na sala de estar da suíte particular de Marjorie. Cooley saboreava um bom bourbon Emmett Hopper matava uma sede genuína com cerveja Coors gelada. A anfitriã, “com seus esplêndidos rubis a brilhar, segurava um copo da sua bebida de costume: suco de laranja recém-espremido e levemente gelado.

Falaram nos últimos acontecimentos, internacionais e locais, cm termos gerais, até que Holcomb servisse o jantar. Durante a refeição a conversa continuou animada e corriqueira. Depois de terminarem o jantar, dois dos criados de Marjorie tiraram a mesa. Brad Cooley sentou-se numa ampla poltrona, com mais bourbon; Hopper sentouse numa outra, com um cálice de Otard de cinqüenta anos nas mãos. Marjorie ocppou um sofá que ficava em frente a eles, e apoiava-se graciosamente contra um dos braços do sofá. Ela entrelaçou os dedos e sorriu.

- Qual’ de vocês vai dar início à nossa reunião? Brad Cooley bateu com os nós dos dedos contra o copo.

- Pronto, Marjorie. A palavra é sua, para começar.

- Então farei uma declaração cuidadosamente preparada. Insisto que sejamos franços e diretos uns com os outros. De acordo? - Os dois homens assentiram. Isto estando resolvido, exatamente o que é que vocês querem de mim?

- Espadas de Dâmocles - respondeu Cooley. - Material que façamos pender sobre a cabeça deles... e que teriam um efeito letal se deixássemos cair. - Ele ergueu um ombro obeso, pesadamente. - Pensei que tínhamos deixado isto bem claro na outra noite.

- E tinham mesmo, Brad, mas prefiro estar duplamente certa... e dar um passo de cada vez. Você e Emmett pretendem usar o que eu talvez vá, o que eu provavelmente vá, fornecer contra certos indivíduos, correto?

- Correto.

- Vocês se dirigiriam, digamos, ao Senador Smith, depois ao Chefe de Gabinete Jones e daí por diante?

- É.

- Tenho idéia para uma estratégia muito melhor... mas falo nela depois. - Marjorie soltou ao mãos, acariciou o enorme rubi no indicador direito. - É, falo nela depois. - O sorriso dela era enig mático. - Vamos dar nome aos bois? Quais os mais importantes.- Por exemplo, vocês concordam comigo que MacDonald Pearce é uma figura chave?

- Definitivamente ’- declarou Emmett Hopper.

- Fiquem descansados. Tenho mais do que vocês precisam.

- John Kurtz? - perguntou Hopper.

- Sim, amplamente.

- Dan Madigan?

- Considerando-se que ele é um Cavaleiro Papal ,e que a sua mulher é chefe da Congregação Católica de Illinois, teimo sim, atJ em demasia.

- Charles Talbot? - perguntou Cooley.

- Ah, não. - Marjorie meneou a cabeça. - De mim vocês> não terão nada para usar contra Charlie. Não tenho objeções a que Emmett dispare o primeiro tiro com as fotos de Weidener, mas Charles Talboí é minha propriedade particular. - Os olhos violeta dela eram felinos. - Exclusivamente minha propriedade. Não darei a vocês nenhuma espada, de Dâmocles ou outra qualquer, para deixar pender sobre a cabeça dele.

- Nem mesmo em último caso, se todo o resto fracassar?

- Todo o resto não vai fracassar - ela ronronou. - Sabem, é que não há nada que eu deteste mais que o fracasso... especialmnete o meu. Portanto, eu não me permito fracassar. - Ela fitou Hopper. - Você não mencionou Jordan Rickhoven, Emmett.

Hopper mexeu-se na cadeira, constrangido.

- Rickhoven tem poder demais, contatos demais, que ultrapassam, e muito, as fronteiras de Washington.

- Entendo. Os bilionários amedrontam você.

- A minha preocupação é com o departamento. A influência de Rickhoven é global. Ele pode pressionar governos estrangeiros a cessarem a sua cooperação com o FBI, e enfraquecê-lo ainda mais Não ousaria tocar nele a não ser que houvesse algo tão comprome tedor...

- Espere um minuto. - Marjorie se levantou, entrou no seu quarto e voltou momentos depois com uma caixa de plástico que continha um vídeotape Meia hora mais tarde, ela ria gostosamente dos dois homens, que estavam de boca aberta, e perguntava: - Ainda está com medo de pôr o Rickhoven na lista, Emmett?

O Diretor do FBI fechou a boca.

- Não. - Hopper jamais sonhara que Marjoríe Norworth possuísse armas de tal magnitude. E ela assegurara a eles, confiante, que o que eles haviam visto e ouvido era apenas "uma amostra suave". Os olhos de Hopper brilhavam. - Marjorie, com você ajudando a gente...

- Emmett, a ordem da precedência mudou - ela o corrigiu, bruscamente. - O que eu tenho me coloca à testa. Você e Brad são os ajudantes.

Cooley dispunha-se a falar quando bateram com urgência na porta de Marjorie. Ela foi abrir. Holcomb estava do lado de fora. Ela leu a pergunta que havia nos olhos dele.

- Pode falar.

Fosse o que fosse, Cooley e Hopper podiam ouvir.

- O Juiz Baithwaite... aconteceu uma coisa com ele. O cérebro de Marjorie funcionava a toda.

- Brad, Emmett... por favor se retirem. Falo com vocês de novo amanhã.

Ela correu para o Dormitório de Lincoln com Holcomb. O legionário romano e a mulher com o manto branco encostavam-se à parede oposta à porta. Pareciam petrificados, e fitavam aterrorizados a figura semidespida de Avery Braithwaite, que rolava e esperneava no chão. Uma baba viscosa escorria da sua boca.

- Ele ficou assim quando o tiramos da cruz - disse a mulher.

- Segurem-no e vistam-no - Marjorie ordenou a Holcomb e aos outros dois. - Volto já.

Ela foi depressa ao seu quarto, tirou dois mil dólares em notas de cem da gaveta da escrivaninha, e ficou com o dinheiro na mão enquanto telefonava para um médico de renome que conhecia bem. O médico ganhava uma fortuna atendendo a casos de emergência potencialmente embaraçosos para os membros do Establishment de Washington.

Podia-se confiar nele para ficar calado, para "cuidar" das suas fichas com a mesma habilidade com que cuidava dos doentes... ou para simplesmente não fazer ficha nenhuma. Ele prometeu a Marjorie que viria imediatamente.

Voltando ao Dormitório de Lincoln, ela viu que Braithwaite continuava a se debater, mas que agora estava usando calça e camisa. Ela mandou que ele e o resto das suas roupas fossem levados para um quarto de dormir comum. Holcomb e o legionário puseram Braithwaite na cama. Holcomb ficou contendo-o.

Marjorie deu ao soldado romano e à mulher do manto branco mil dólares por cabeça.

- Por favor, troquem de roupa e saiam depressa pelos fundos - disse. Eles assentiram e se foram.

Lady Norworth sabia que não havia necessidade de fazer advertências ou exigir silêncio, e não apenas por causa do dinheiro. A maior parte daqueles que atendiam às necessidades sexuais dos convidados da Casa da Colina fazia aquilo como "bico", para aumentar a renda obtida em sinecuras governamentais que Marjorie dava um jeito de arranjar para eles. Se eles falassem, Marjorie poderia fazer com que fossem despedidos na hora, a despeito de todo o regulamento do funcionalismo público. E ela faria isso. Os dois atores na encenação da crucificação de Braithwaite não eram exceções à regra. A mulher do manto era uma "analista de sistemas" Nível 13 que ganhava 25 mil dólares por ano numa agência obscura que não tinha sistemas para analisar. O legionário romano ganhava 3.400 dólares a mais por ano e ficava um nível acima na escala de classificação como supervisor de auditoria do Departamento do Interior, cargo este que exigia que ele comparecesse duas vezes por semana, durante uma hora, ao seu escritório. Nenhum dos dois falaria.

Marjorie trancou o Dormitório de Lincoln. Alguns minutos depois, chegava o médico. Ela o levou até Braithwaite.

- Alguma coisa se soltou aqui em cima - o doutor falou, batendo no lado da própria cabeça, depois de ter examinado Braithawite e ter-lhe dado uma injeção sedativa.

- Não tenho certeza se é temporário ou permanente, mas temo que seja permanente. - Ele lançou um olhar astuto para Marjorie. - Como foi que aconteceu?

- O que ele queria dizer era "Como foi que aconteceu, para todos os efeitos?”

- O Juiz Braithwaite e eu estávamos conversando na minha sala de estar. Holcomb tinha acabado de nos trazer café. Ele, Avery Braithwaite, de repente agarrou a garganta. Caiu da cadeira. Holcomb e eu afrouxamos a roupa dele e o trouxemos para cá. Depois, eu liguei para você.

O olhar do médico ficou ainda mais astuto.

- Não seria melhor se ele fosse achado na rua... digamos no bairro de Dumbarton Oaks? Holcomb poderia guiar o carro dele até lá.

- Seria possível arranjar isso? - perguntou Marjorie Era claro que o médico iria cobrar honorários muito altos, de cinco algarismos, mas ainda assim seria barato.

- Acho que sim. Quando, ou se, o Juiz Braithwaite se recuperar, não terá a menor lembrança das circunstâncias em que sofreu o ataque... provavelmente não se lembrará de toda a noite.

- Ele desviou o olhar de Marjorie, fitou o espaço e continuou:

Os meus registros mostrarão que recebi um telefonema anônimo. Alguém dizia que havia um homem caído dentro de um automóvel. Fui até lá porque moro muito perto de Dumbarton Oaks. Encontrei o Juiz, dei-lhe um sedativo e chamei uma ambulância particular para levá-lo para o Hospital Naval de Bethesda. Este relatório satisfará a todo o mundo. - Ele olhou para Holcomb. - Vamos levá-lo lá para baixo?

- Eu mesmo posso fazê-lo, Doutor.

Holcomb ergueu com facilidade o corpo inconsciente de Braithwaite, jogou-o por cima dos ombros largos e musculosos, carregando-o como fazem os bombeiros, e saiu com ele para o corredor.

 

Washington, D.C.: Sábado, 27 de fevereiro. Manhã e tarde.

Charles Talbot acordou e praguejou. Havia diversos compromissos marcados para este sábado e domingo. Engoliu sem água um antidepressivo e foi para o banheiro.

A medicação ainda não fizera efeito quando ele apareceu na Sala Oval. Percebendo que Kenneth Ramsey estava com ar preocupado, ficou irritado.

- Diga logo o que houve, Ken! - falou bruscamente.

- Chefe... Avery Braithwaite teve um esgotamento nervoso ontem à noite. Moitamos a coisa até agora. Ele está no Hospital Naval de Bethesda.

- Meu Deus!

Talbot estendeu a mão para o telefone. Ramsey o deteve.

- Não faça isso. Ele não consegue falar com ninguém, e se o senhor for perguntar por ele, pessoalmente, vai tumultuar o Bethesda. Eu ficarei em contato com os médicos e lhe passarei as informações.

- Está certo - concordou Talbot, com voz cansada. - Mais alguma coisa?

- Lady Norworth ligou pouco antes do senhor descer.

- É cedo para Marjorie. Deve ser importante.

Talbot usou o seu telefone direto. Holcomb atendeu. Logo a seguir, ouviu a voz de Marjorie.

- Já soube da coisa terrível que aconteceu com Avery? - ela perguntou.

- Já. - Espere um momento, pensou Talbot. Ken disse qur o negócio estava sendo moitado. A forte pontada de dúvida passou instantaneamente. Marjorie sempre sabia do que se passava em Washington antes de qualquer outra pessoa.

- Mas não foi por este motivo que telefonei - disse ela. - Falei com Emmett Hopper ontem à noite. Ele tem informações para você.

- Ele que as mande pelos canais normais do Departamento de Justiça.

- Isto é totalmente impossível. Por favor, receba-o hoje... e a sós.

Ela está do meu lado, refletiu Talbot, portanto o que Hopper tem deve ser urgente.

- O que está marcado na agenda para as onze horas? - ele perguntou a Ken Ramsey.

- O resumo da situação de Basanda pelas Forças Armadas que o senhor pediu.

- Cancele. Emmett Hopper no lugar disso. - Terminando a conversa com Marjorie, ele se dirigiu a Ramsey de novo. - Tem alguém esperando?

- Não, mas tem uma pilha de papéis que precisam ser assinados.

Talbot ficou mais animado. Ele gostava de assinar documentos oficiais. Cada assinatura era prova de que ele realmente era o Presidente dos Estados Unidos O Diretor do FBI, Emmett Hopper, colocou uma pasta de tamanho bem grande sobre a escrivaninha presidencial, e sentou-se na cadeira que Talbot indicara. O antidepressivo que tomara já fizera efeito, e Talbot estava jovial. Cumprimentou Hopper pela rapidez com que o FBI localizara Zander, e não percebeu que isto fez os lábios de Hopper retorcerem-se, num ar divertido.

- Pois bem - falou Talbot, equilibrando a cadeira para trás - Qual é o grande problema que não pode esperar?

- Sr. Presidente - Hopper abriu a pasta. - O General Weidener...

- Agora é tarde. Ele morreu há dez dias.

- Ele não "morreu", Sr. Presidente. Foi assassinado.

- Ridículo. Os relatórios da autópsia do Exército...

- Pura ficção. - Hopper tirou várias dúzias de fotos da pasta, começou a passá-las para Talbot. - Ampliações de trechos tirados de um filme de cinema - falou. Primeiro, Weidener caminhando pela calçada. Agora, ele pára. A seguir, vira para a esquerda. Começa a cruzar a Upper Connecticut. Aqui, um Lincoln Continental afasta-se do meio-fio. De novo Weidener, no meio da travessia da avenida. O carro vai em cima dele. Bate nele. - Hopper colocou sobre a mesa uma série de fotos em seqüência.

- Estas fotos mostram o Lincoln passando deliberadamente por cima do corpo dele. Tenho também traslados de conversas gravadas e o depoimento dos meus agentes.

Talbot, estupefato, apertou uma tecla do intercomunicador.

- Vou trancar as portas e desligar o intercomunicador. Não podemos ser perturbados por ninguém.

A secretária quis ter certeza.

- Nem mesmo pela Srta. Talbot, senhor?

- Nem mesmo pela minha filha.

Lexa Talbot entrou toda fagueira na ante-sala da Sala Oval às onze e meia.

- Bom dia para todos.

Continuou o seu caminho na direção das portas da Sala Oval. Um agente do Serviço Secreto interceptou-a.

- Sinto muito, Srta. Talbot. O Presidente...

- Não seja bobo. Papai nunca me impede de entrar. A secretária falou.

- Ele disse que nem mesmo a senhorita.

Lexa sorriu de modo radioso, e debruçou-se sobre a mesa da secretária para usar o intercomunicador.

- Vou falar com ele.

- O Presidente desligou o aparelho.

- Bobagem. - Lexa apertou uma tecla. - Paizinho, você está com uma filha rejeitada aqui fora. - Nenhuma resposta. O aparelho estava mudo. Os olhares de "eu-não-disse”

trocados pela secretária e pelos homens do Serviço Secreto deixaram-na furiosa. - Têm certeza que o Papai me incluiu? Se não me incluiu, vocês todos vão se arrepender!

Ora vejam só, pensou um agente do Serviço Secreto. - Há uma jennha raivosa embaixo de toda aquela doçura e meiguice.

- Quem está com ele? - ela perguntou, zangada.

- O Sr. Emmett Hopper.

Não tinham recebido ordens para manter isso em segredo.

Lexa empalideceu. O Diretor do FBI nunca ficara a portas fechadas com o seu pai antes. O medo fez com que tirasse uma conclusão apressada. O único motivo pelo qual

Hopper poderia estar ali... e a entrada dela na sala estando proibida... era que ele estava contando ao pai dela sobre Jím Zander. E possivelmente sobre ela.

- Alguém... alguém viu o Sr. Zander? - perguntou, com voz alterada.

- Disseram a ele que não precisava vir trabalhar hoje - dis^e a secretária. A resposta pareceu confirmar os temores de Lexa. Ela partiu sem dizer mais nada. Tinha que ver Zander. Imediatamente.

Despistar urn carro de segurança durante a noite é uma coisa, com dia claro é outra bem diferente. Lexa guiou o Jaguar até a loja de departamentos Garfinckel, parou em fila dupla na frente de uma das entradas da Rua F, entrou correndo na loja, saiu às pressas por uma das saídas da Rua 14. Ela fez parar um táxi que passava, enfiou na mão do motorista uma nota de dez dólares e deu-lhe o endereço de Jim Zander, em Georgetown.

- Estou morta de pressa.

- Calma. - Zander estava pensando. Desesperadamente. - Escute. Você é a coisa mais importante para o seu velho. Não importa o que Hopper diga ou mostre a ele, alegue que é forjado, faça uma cena, ameace suicidar-se, use todos os truques. É a única chance que a gente tem de salvar o pescoço.

Você está com a razão... em farte, pensou Lexa. Eu vou salvar o meu pescoço. Não tenho muita certeza quanto ao seu.

Zander bateu a porta às costas deles, crancou-a e aferrolhou-a.

- Você está doida varrida? - perguntou furioso. - Eu lhe disse...

- Precisamos conversar. Você está sozinho?

O tom de voz dela era desesperado, aterrorizado.

Ele a conduziu à sala de visitas. Estava tudo em ordem. As esteiras haviam sido substituídas por tapetes e móveis baratos, mas novos.

- Precisei sanear a casa - falou Zander. - Vamos, desembuche!

As palavras amedrontadas vieram aos borbotões.

- Soube que o FBI saiu à sua procura... o Papai me disse... e juntei as coisas. Eles devem ter achado você lá na Rua A. Hoje, não me deixaram entrar na Sala Oval.

Ele, Papai, estava com Emmett Hopper. Deve ser alguma coisa relacionada com você ou conosco, e...

- Aquele sacana do Hopper prometeu...

- Por que é que Hopper iria prometer alguma coisa a você? É melhor contar logo para ela, pensou Zander. Serviu duas doses grandes de Seagram’s. Lexa engoliu a dela de uma só vez. O álcool aqueceu o bloco de gelo que era o seu estômago. Zander bebeu, depois falou.

- Escute. Aqueles cretinos do FBI me levaram da Rua A ate o Edifício Hoover como me encontraram, apagadão e nuzinho da silva. Fizeram com que eu voltasse à consciência, me deram umas roupas e me levaram até o Hopper. Eles tinham fotos desta casa daqui, da orgia da Rua A, fotos de mim e de você...

- Oh, meu Deus! Não!

- e fizeram com que eu assinasse declarações...

- Em troca de quê? Tinha que haver uma troca.

- Eles ficariam de boca fechada se eu concordasse en com ar ao FBI tudo que eu visse e ouvisse na Casa Branca.

- Seu calhorda estúpido!

Por volta de meio-dia e meia, Emmett Hopper já convencera o Presidente Talbot de que havia uma conspiração sendo feita contra ele.

- Felizmente, o senhor ainda não passou do ponto sem volta - dizia Hopper. - Faça com que os homens metidos nisso se demitam.

- Não posso - resmungou Talbot. - Não depois da mudança ministerial da semana passada. Eu estaria despedindo os homens que mantive e que cobri de elogios. O público não toleraria isso... e quanto à imprensa...

- Sr. Presidente, existem meios..

- Chefe! - Ken Ramsey estava berrando do lado de fora. - É urgente, abra a porta!

- Vou embora - disse Hopper. - Quando quiser me ver...

Talbot assentiu vagamente, destrancou as portas. Ramsey irrompeu na sala. Emmett Hopper, de pasta na mão, foi saindo. Ramsey entregou a Talbot, apressadamente, uma mensagem decifrada.

- A companhia de pára-quedistas atacou o palácio de Kwida, e atirou nele. Ele está morto.

Talbot fitou a mensagem, sem poder acreditar. Finalmente, conseguiu falar.

- Mande Pearce, Madigan, Kurtz e Denby virem para cá. - O ponto sem volta, pensou, desolado, e continuou: - Por favor, fique ao meu lado enquanto eles estiverem aqui, Ken.

Ramsey engoliu em seco, assentiu.

- Certo, Chefe.

Era um confronto, não uma conferência, e Ramsey atendeu aã pedido de Talbot literalmente; ficou de pé ao lado da cadeira presidencial.

- Kurtz - Talbot não conseguia sequer usar nomes de batismo - quem foi que tramou isto?

Ele mostrou o papel da mensagem, com a mão trêmula.

- Não aceito a palavra "tramou", Sr. Presidente. - John Kurtz fumava o seu cachimbo serenamente. - Foi o senhor que autorizou as tropas de combate para proteger os cidadãos americanos. O Primeiro-Ministro Kwida tinha três prisioneiros americanos.

MacDonald Pearce pegou a bola.

- O nosso Embaixador solicitou formalmente que fossem soltos. De nada adiantou.

Kurtz outra vez.

- De acordo com as suas diretrizes, ordenei ação militar para salvar os homens. A tragédia é que chegamos tarde demais. Foram executados antes que as nossas tropas alcançassem as celas deles.

Como eu previra, refletiu Howard Denby. Eles eram os três agentes da CIA que tinham estado no Lincoln Continental e, mais tarde, no helicóptero com Odu Mwandi. Todas as pistas tinham sido apagadas.

- Atiraram em Kwida para matar! - vociferou Talbot.

- O senhor está caluniando os nossos soldados, Sr. Presidente - protestou Kurtz. - Foi a guarda pessoal de Kwida que começou a atirar. As nossas tropas reagiram em defesa própria. Infelizmente, o Primeiro-Ministro foi atingido pelo fogo cruzado.

Mas que conveniente, pensou Ken Ramsey.

- Os nossos soldados devem ficar confinados aos seus acampamentos, e sem demora...

- Isto é impossível, Sr. Presidente. - O Secretário de Defesa mudou o cachimbo de posição. - A brigada de pára-quedistas está avançando sobre Gidanu.

Os músculos faciais de Talbot pulsavam.

- Com ordem de quem?

- Sua, senhor. - O sorriso de Kurtz era zombeteiro, falso. - A operação para proteger os americanos continua. A unidade de páraquedistas irá liberar os cidadãos dos Estados Unidos em poder dos rebeldes em Gidanu. Não era isso o que o senhor desejava?

- Meu Deus, mas eu não aprovei ação ofensiva!

- O senhor deu ordens e declarações garantindo a segurança dos americanos - falou Pearce, melifluamente. - Os peritos legais das Secretarias do Estado e da Defesa consideram que as medidas tomadas são consistentes com as suas ordens.

John Kurtz aproveitou a deixa.

- Eu fui até mais alto pedir uma opinião... ao Juiz-Presidentc <ia Corte Suprema, Avery Braithwaite. Ele teve a bondade de me dar um memorando, ontem de manhã.

- Kurtz desdobrou uma folha de papel de carta e leu: "- O Presidente Talbot concorda comigo que a nossa honra nacional exige ação decisiva em Basanda. Precisamos carregar o peso de uma cruzada..." quer que eu prossiga?

- Braithwaite está numa cela acolchoada! - exclamou impulsivamente Ken Ramsey.

- Mais motivo para que este memorando provasse ser muito embaraçoso se a imprensa tomasse conhecimento dele - observou Howard Denby.

Talbot virou-se para ele, furioso.

- Denby, você mandou assassinar o General Weidener!

- Charlie - Dan Madigan falou pela primeira vez desde que entrara na Sala Oval. Sentia pena de Talbot. - Cuidado com o que está dizendo...

- Protesto! - interrompeu Denby. - Mesmo imaginando que Weidener foi morto, quem poderia apresentar uma migalha de prova que foi a meu mando?

Talbot compreendeu. O chefe da CIA tinha se precavido.

- Quero a sua resignação... agora - o Presidente falou, num murmúrio rouco.

- Sr. Presidente - disse MacDonald Pearce. - Antes de fazer mais acusações ou exigências, acho que o senhor deve escutar isto.

Ele tirou um pedaço de papel do bolso interno do paletó.

Lexa Talbot voltou para a Casa Branca de táxi, e correu para a ante-sala da Sala Oval. Havia um novo time dos agentes secretos de serviço. A secretária não estava à sua mesa. Ela bancou a garotinha arteira.

- Oi, centuriões... passei a perna nos seus amigos de novo: deixei o meu carro na frente do #GarfinckePs,# de piada. Têm alguma idéia do que houve com ele?

- O Chefe da Segurança mandou rebocá-lo para cá, Srta. Talbot. Ela deu um sorriso cintilante.

- Gostaria de ver o meu pai. Será que posso entrar?

- Não, senhora. Não podemos deixar ninguém se acercar das portas.

Lexa fez beicinho.

- Ele ainda está ocupado com o Sr. Hopper?

- Sinto muito, Srta. Talbot. Não temos permissão de dizer. Então não pode ser Hopper, pensou Lexa.

- Faça-me um favor. Quando Papai vier à tona, diga a e’e que estou lá em cima na suíte.

MacDonald Pearce ajeitou os óculos.

- Sr. Presidente, é com grande pesar que leio para o senhor o Artigo Quarto da Vigésima quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos...

Seus filhos da mãe nojentos, gritou mentalmente Ken Ramsey. Ele pôs a mão no ombro de Talbot, apertou-o num gesto de apoio e proteção. A voz de Pearce continuava:

- Sempre que o Vice-Presidente e uma maioria ou dos funcionários principais dos departamentos executivos ou de algum outro corpo provido por lei pelo Congresso, transmitirem ao Presidente Interino do Senado e ao Presidente da Câmara a sua declaração por escrito de que o Presidente está incapaz de exercer os poderes e deveres do seu cargo, o Vice-Presidente imediatamente assumirá os poderes e deveres do cargo, como Presidente em Exercício.

Talbot soltou uma exclamação abafada. Ramsey apertou ainda mais o ombro dele.

- Há pessoas que têm expressado preocupação quanto ao seu “stado mental e emocional, Sr. Presidente - falou Pearce, com faisa solicitude.

- Dan! - Era um pedido de ajuda. - Isto não vai colar! Madigan desviou os olhos.

- Charlie, ninguém quer...

- Sr. Presidente. - Pearce interrompeu Madigan. - Semana passada, o senhor demitiu impulsivamente diversos membros do Gabinete. Hoje, numa crise de raiva evidente, o senhor exige mais demissões e faz acusações sem base contra funcionários responsáveis. O senhor nega (ou esquece) ter dado certas ordens e diretrizes. Estas não são atitudes racionais...

- Isso não vai colar - repetiu Talbot, com voz monótona e sem vida.

Dan Madigan meneou a cabeça, com tristeza.

- É provável que não, mas basta levantarmos a bola para acabar com você, Charlie. Um bocado de gente vai entrar no cordão de linchem-o-Talbot.

- Alvim Dunlap não vai - falou Talbot.

- Que é isso, homem! O seu Vice-Presidente invisível faria qualquer coisa para terminar o seu mandato e depois candidatar-se ele mesmo.

- Dan, o Presidente Interino do Senado tem que...

- Early Frobase? Você esqueceu como ele é, Charlie? Ele faria uma histerectomia na própria mãe, se pudesse vender os ovários dela para transplantes.

Talbot estava com vontade de vomitar.

- Tire-os daqui, Ken - sussurrou.

- Certo, Chefe. - Ramsey ergueu a voz. - A reunião está encerrada. - Se pudesse, teria espancado até à morte os quatro homens. - Saiam... e depressa!

Pearce, Kurtz e Denby estavam lampeiros, confiantes de que tinham vencido e que Talbot estava impotente e indefeso. Só Dan Madigan saiu da sala devagar, olhando para Talbot, desejando falar... mas sem encontrar as palavras.

- Cancele os meus compromissos, Ken - gemeu Talbot quando estavam sós. - Acho... que é melhor eu subir.

Lexa Talbot andava para lá e para cá na sala de estar do pai, com a ansiedade e apreensão que sentia aumentando a cada instante. Já passava das quatro. Parecia que ela estava esperando há uma eternidade. Parou na frente de um espelho, examinou o seu reflexo. O efeito que ela desejara obter ainda permanecia. Ela parecia estar de cara lavada, com ar angélico... mas alguns toques de maquilagem acrescentavam um brilho sedutor. O cabelo dela, escovado e lustroso, estava solto, do jeito que ele gostava.

A porta se abriu. Ela se afastou do espelho.

- Alô, Gatinha. Disseram que você estava aqui em cima. - Lexa fitou o pai. Ele estava com uma cara horrível, e mal se agüentava em pé. Ela sentiu o corpo dele descair quando o abraçou. - Estou cansado. Exausto.

A voz dele era débil, sem vida.

- Quer deitar um pouco, Paizinho? - perguntou Lexa. Ele assentiu. Ela o ajudou a ir para o quarto. Ele sentou-se na cama pesadamente. Ela se ajoelhou, tirou os sapatos e as meias dele. Ele alisou o cabelo dela, enrolou uma mecha espessa no indicador, deu um puxãozinho fraco. Ela ficou de pé, soltou a gravata dele, ajudou-o a tirar o paletó.

- Você deve ter tido um dia horrível. Lexa e<=tava jogando verde.

- ior da minha vida.

Ele uesabou sobre os travesseiros, de olhos fechados.

Por causa de Emmett Hopper? - indagou ela, tentando sã

- Acho que tudo começou com ele e aquelas fotos. Lexa prendeu a respiração.

- Fotos? Preparou-se para o pior.

- É. Ele trouxe fotos que mostram que o General Weidener foi assassinado. - Talbot estremeceu. - Pela CIA...

Lexa sentiu um alívio que não conseguiria descrever.

- Isto o perturba, Paizinho. Não fale. Tente dormir.

Estou a salvo... até agora, pensou. Mas não o suficiente. Não até livrar-me de ]im Zander e fazer um seguro adicional. Acreditava saber como fazer as duas coisas, e depressa.

Suzanne Loring, muito sabiamente, absteve-se de fazer qualquer comentário quando ouviram os primeiros boletins de Kinsolo no seu rádio FM. Mas isso fora há duas horas, e Russel Hatch continuava a deblaterar, fazer tentativas vãs de entrar em contato com Dan Madigan, e deblaterar ainda mais. Ele tem que parar ou vai me deixar biruta, pensou Suzanne. Ela foi até o bar da sua sala de visitas, preparou mais um outro uísque com soda e trouxe-o para Hatch... que era uma máquina de xingar lívida derreada num canto do sofá.

- aquele esporro, aquele filho de uma puta sifilítica...

- Você ganhou, Russ. - Ela entregou-lhe o copo. - Já me convenceu.

Ele pegou a bebida.

- Convenceu do que, meu bem?

- Que você conhece todas as palavras obscenas, blasfemas e escatológicas do idioma inglês. Agora, acalme-se, ou eu vou lavar a sua boca com ZAP, o detergente milagroso que entope os seus ralos permanentemente.

Ele deu um leve sorriso, que logo morreu.

- Madigan me fez de trouxa. Sabe lá o que é a gente sentir que foi feito de trouxa... mas trouxa completo?

- Sei. Tony, o meu ex, me deu um curso de pós-graduação, e lô fasz a segébe. Um diplomata húngaro me ensinou isto, uma noite. Quer dizer "o pau do cavalo enfiado na bunda dele". Está vendo, eu também tenho um vocabulário sujo.

- E é poliglota, ainda por cima. - O sorriso apareceu mai.s uma vez, e permaneceu. - Obrigado, Suzy.

- Pela bebida ou pela aula de húngaro?

- Por não me dizer "eu não disse?".

Os olhos dele dirigiram-se ao telefone que ficava na mesinha, ao seu lado.

- Ande - suspirou Suzanne. - Tente outra vez.

Ele ligou para a residência de Madigan. A empregada disse que ele acabara de chegar.

- Direi a ele que o senhor está ao telefone, Senador Hatch.

Hatch, pensou Madigan, com uma careta. Estava esperando esquivar-me dele até segunda-feira. Ele pegou a extensão.

- A minha empregada me disse que você tem telefonado a cada dez minutos, Russ. O que posso fazer por você, meu chapa?

- Encontre-se comigo. Quero ter uma conversa...

- Sinto demais, Russ. Mas hoje e amanhã não dá.

- Então vou abrir o jogo com a imprensa sem ouvir o seu lado.

- Ha... espere aí. Vou à casa de Lady Norworth às dez horas. Quer se encontrar comigo lá? Vou perguntar a ela se não se importa...

- Eu mesmo ligo para ela, Dan. Sabe, é que não posso mais confiar em você para dar recados com exatidão.

A libertação do Senador Russell Hatch, pensou Suzanne, exultante, com amor e com orgulho, pois ela podia vangloriar-se de ter contribuído para ela.

A seguir, Russ ligou para Lady Norworth. Holcomb foi chamá-la.

- Você nunca liga para o seu serviço de recados? - repreendeu-o Marjorie. - Estive ligando para o seu apartamento a tarde inteira. Gostaria que você viesse participar de uma pequena reunião, às oito horas.

- Oito? Acabei de falar com Madigan. Ele disse dez...

- Temos muito que conversar antes que ele chegue Ah, e por favor. Use um terno comum, não traje a rigor.

Hatch desligou.

- Lady N. está aprontando alguma - falou.

- Adoraria saber o quê - disse Suzanne.

- Você vai saber, meu bem... logo que eu próprio descubra. Russ estava usando camisa esporte e calças bem à vontade. Saiu cedo da casa de Suzanne e foi para o seu apartamento mudar de roupa.

 

Washington, D.C.: Sábado, 27 de fevereiro.... Fim da tarde, começo da noite.

Lexa deu ao pai dois tabletes de Quaalude. Eles o relaxariam, fariam com que dormisse profundamente durante horas. Ela esperou até ouvi-lo roncar levemente, saiu do quarto dele e foi para o seu próprio. Inesperadamente, percebeu que estava introspectiva, que estava tirando lembranças ao acaso dos seus bancos de memória.

Quando era garotinha, Lexa brincava freqüentemente com massa de modelar. Ela fazia figuras humanas, geralmente masculinas, e depois retorcia-as e espremia-as até que ficassem deformadas e irreconhecíveis. Precocidade qu,e Freud explica, ela pensava agora, mas que diabo, prefiro ser uma que uma escultora, sem dúvida alguma. Especialmente hoje em dia. É uma verdadeira arte, e eu a aprendi honestamente.

Desde a infância, a vida de Lexa havia sido um curso de Imersão Total nas técnicas de manipular as pessoas, como era de se esperar no caso da filha única de qualquer político profissional. A influência materna era inexistente, a não ser como um fator negativo e desorientador. A mãe dela era uma figura vaga e desagradável na mente de Lexa, uma mulher neurótica e descontente, que passava eternamente de bebedeiras solitárias para clínicas caríssimas que sempre prometiam curas, mas nunca as realizavam.

As forças formativas eram fornecidas pelo pai e pelos homens que vinham à casa deles e varavam a noite falando sobre política... sobre como obter o apoio de tal pessoa, conseguir que outra largasse a oposição, como "ganhar" um distrito eleitoral, influenciar os votos de uma cidade, um condado,... ou finalmente, um estado.

Trocar, vender, comprar, ameaçar, tapear...

Chega. Lexa forçou-se a voltar para o aqui e agora. Mudou a roupa, e escolheu um .vestido preto simples que era ideal para criar ilusões de ótica. Com um cinto bem apertado, era atraente, feminino, sutil mas indisfarçavelmente sensual. Sem o cinto ele era largão, quase deselegante. Ela enrolou o cinto, enfiou-o na sua espaçosa bolsa a tiracolo, e foi até à penteadeira. Renovou a maquilagem, alterou-a sutilmente, forjando uma certa palidez, sombreando os olhos e as faces para que parecessem um tanto encovados. Satisfeita com os resultados, vestiu um casaco de pele sintética e desceu para o gabinete de Ken Ramsey.

Ramsey estava visivelmente nervoso e abatido. Lexa não fez perguntas. Em vez disso, falou que o pai estava dormindo e que cia ia visitar uns amigos.

- Feche a loja, Ken... vá para casa - ela sugeriu.

- Vou sim, logo - ele disse com voz preocupada. - Depois que der uns dois telefonemas. - E tomar um desvio, acrescentou em silêncio, pensando no cassete que jogara dentro de uma gaveta quando Lexa entrara na sala. - Divirta-se, Srta. Talbot.

- Vou me divertir, sim. - E como!

Desta feita, Lexa Talbot não fez força nenhuma para despistar a sua segurança quando guiou até a residência de James Zander.

- Você não está com boa cara - disse Zander, preocupado, ao passarem para a sala de visitas .- O seu velho discutiu com você?

- Ele está subindo nas paredes. Me contou que Hopper mostrou a ele as suas fotos... não consegui descobrir por que, ele não quis dizer.

- Só as minhas, as suas não?

- Parece que não. Hopper deve estar segurando as minhas... e eu estou quase maluca. Estou com medo de que ele esteja planejando usá-las, mostrando-as ao Papai, ou a mim, mais tarde.

- Jesus Cristo! O que é que você acha que eu posso fazer?

- Você não pode dar as caras na Casa Branca, Jim. O papai estava uma fera, dizendo que você pode prejudicá-lo um bocado, politicamente. Jurou que "ia pegar você "... sei lá o que quis dizer com isso. - A voz de Lexa ficou mais fraca. - Ele me deu a maior bronca, também... me culpou por eu ter recomendado você.

- Mais alguma coisa? - Zander perguntou, servindo-se com mãos trémulas de um copo de Seagram’s e engolindo o uísque de uma só vez.

- Muita. Cheguei até a pensar que ele sabia tudo a nosso respeito. Fez o maior interrogatório sobre o nosso relacionamento. Fiquei olhando para ele com cara de boba, como se não tivesse a mínima idéia do que ele estava falando e disse coisas como "Jim sempre foi um perfeito cavalheiro", e "eu apenas o via em festas e aqui na Casa Branca".

- Ele acreditou em você?

- Acreditou... finalmente.

Graças a Deus, pelo menos por isso, pensou Zander. Nem sei o que Talbot faria se suspeitasse que andei comendo a filha dele.

- Que diabo, como é que eu vou sair deste monte de merda? - ele gemeu.

Lexa fez uma coisa que nem Zander nem ninguém jamais a viram fazer. Ela roeu as unhas.

- Jim, odeio ter que dizer isso, mas quem sabe você devia se mandar, sumir de Washington. Tenho certeza de que posso convencer o Papai a segurar os sabujos. Direi a ele que ele só estaria causando o escândalo que quer evitar, se puser gente na sua pista.

É, vai ver que ela pode fazer isso, refletiu Zander, e não há mesmo nada que me prenda por essas bandas. O aluguel da casa era renovado a cada mês, e não havia dentro dela nada que lhe importasse. Posso arrumar as minhas coisas e dar o fora num minuto, disse a si mesmo. Mas, como sempre, estou duro.

- Que diabo, não tenho dinheiro para ir muito longe - resmungou, desanimado.

Lexa franziu o cenho.

- Eu posso ajudar você. Acho que devo. De certo modo, eu tenho uma parte da responsabilidade. - Abriu a bolsa, tirou um talão de cheques e uma esferográfica. Ele observou em silêncio enquanto ela preenchia um cheque, destacava-o e entregava-o a ele.

- Vá ao banco segunda-feira bem cedo. Eu falarei com o gerente. Você pega o dinheiro e pode se arrancar... para o México, o Canadá, para onde quiser.

Zander fitou o cheque.

- Cinco mil! Tutu às pampas. Por que, Lexa? Com os olhos marejados, ela mordeu o lábio inferior.

- Porque foi bacana com a gente... não, não vou mentir, não foi este o motivo. Estou me protegendo. Se eles pegarem você, como Papai ameaçou, provavelmente vai ser com alguma acusação fajuta do governo. O FBI, ou os repórteres, vão fuçar a coisa e mais cedo ou mais tarde vão descobrir a meu respeito.

- É, sem dúvida. - Ela está com medo, e não posso culpá-la, pensou Zander. E ela está sendo legal comigo, não está botando banca. Deus, nunca esperei ver

Lexa Talbot mordendo o lábio, e roendo as unhas, e prestes a cair no choro a qualquer minuto. Ele pegou a garrafa de Seagram’s. - Quer tomar um pouco disso?

- Queria tomar tudo. Só que já passa das seis. Tenho que voltar. Disse ao Papai que não demoraria mais de meia hora, e com o humor que ele está...

- É, não vale a pena comprar mais barulho - concordou Zander. Correu os dedos pelo cheque. - Ha... obrigado, Lexa. E foi mesmo bacana...

Uma figura de massa já era, riu-se Lexa. Dirigiu dois quarteirões, virou para a esquerda e encostou o carro no meio-fio, depois desligou o motor do Jaguar. Desceu o tapa-sol. Havia um espelho iluminado nas costas dele. Ela ligou a luz e renovou mais uma vez (alterando-a de novo) a sua maquilagem, até que ficasse com aparência menos abatida, mas esfregou os olhos até deixá-lqs vermelhos. Tirou o cinto enrolado de dentro da bolsa e depois contorceu-se um pouco até colocá-lo, bem apertado, por sob o casaco.

Srta. Inocência Preocupada, ela pensou, dando uma última espiada no espelho. Ergueu o tapa-sol. O começo da minha Época de Reforma... e toda a Reforma necessita de uma figura de proa. Ela lembrou-se das suas aulas de francês no Goucher College. Um chevalier sans reproche. Lexa riu. Como o Presidente Talbot já tinha arrumado um, por que a sua filha não poderia partilhar do chevalier? Na verdade, por que não? Proteção perfeita num pacote preparado paternalmente, aliterou ela mentalmente, ainda dando risada. Ligou o motor e foi para Cleveland Park.

Russell Hatch chegou ao seu apartamento pouco depois das seis. Precisava tomar uma chuveirada escaldante, depois gelada, decidiu, Isso ajudaria a clarear a sua cabeça depois dos numerosos uísques que tomara na casa de Suzanne, e o poria em forma para a visita à casa de Lady Norworth e para o ajuste de contas que pretendia ter com Dan Madigan.

Cerca de 20 minutos mais tarde estava no boxe do chuveiro, com a temperatura da água ao nível que desejava, esfregando-se vigorosamente com uma bucha áspera. O seu corpo esguio reagia agradecido à água e aos movimentos da bucha, e se livrava das tensões, juntamente com os resíduos do álcool, pelos poros abertos e estimulados.

Um dia, eu vou mandar instalar uma dessas saunas de banheiro, prometeu a si mesmo, e riu, imaginando como ele e Suzanne se divertiriam entrando nela juntos.

Mal escutou o barulho da campainha da porta, por causa da água que caía. Resmungando, chateado, fechou as torneiras, saiu do boxe e enrolou uma enorme toalha de banho branca na cintura. Foi deixando pegadas molhadas enquanto corria até à porta, e abriu-a de cara amarrada.

Caiu-lhe o queixo.

- Srta. Tal... quero dizer, Lexa!

A sua confusão e o seu espanto completos, ele instintivamente procurem agarrar a toalha que o cobria. O movimento foi desajeitado e soltou a ponta da toalha que a prendia ao redor da cintura. Ela se abriu. Ele agarrou as pontas, que nem doido, e prendeu de novo a toalha... mas não antes que Lexa pudesse perceber os seus órgãos sexuais. Ele é muito bem feito, ela pensou, que equipamento magnífico... uma bonificação inesperada.

Ela fingiu estar encabulada.

- Por favor, Russ, me perdoe. Eu... eu devia ter telefonado, mas estou muito nervosa e queria ver você. - Ela fez menção de ir embora. - Mas eu vou indo...

- Ha... espere, não. Não vá - tartamudeou Russ. - Entre, por favor. A sala é ali. O bar fica no canto. Fique à vontade. Volto num instante.

- Bem, se não vou atrapalhar demais...

Ela já estava dentro do apartamento. Ele fechou a porta e correu pelo corredor que dava no seu quarto e banheiro. Quebrou todas as marcas secando-se e vestindo as roupas com que mais tarde iria à Casa da Colina.

Reuniu-se a Lexa na sala de visitas. Ela tirara o casaco, e estava sentada, torcendo as mãos desconsolada, sem ter se servido de bebida alguma.

- Puxa vida! Mas o que é que há? Você...

- Não sou eu, Russ. - Ela balançou a cabeça, e os cabelos louros brilhavam. - É o Papai... vim procurá-lo porque ele gosta de você e confia em você. - Os lábios dela formaram um sorriso triste mas sincero. - E eu também... desde aquela vez em que fomos a Wilmington juntos...

- Que é isso, calma, Lexa. - O tom de voz e o sorriso dele eram o do macho protetor. – Vou-lhe preparar uma bebida...

- Não. Prefiro não tomar nada.

Ela levantou os olhos para ele. Ele percebeu que ela devia ter chorado.

- Está bem... vamos com vagar. o Presidente... o seu pai...

- Sofreu algum choque terrível.

- Acho que sofreu vários, Lexa. As notícias da África...

Hatch interrompeu a frase. Talbot sofrerá "um choque terrível"? Se o que Lexa dizia era verdade (e ele não duvidava nem por um segundo, pois ela própria estava perturbadíssima), isto vinha a confirmar a teoria de Suzanne de que Talbot era na verdade uma vítima, não um criminoso.

Você começou a dizer queTodos nós sofremos.

- É culpa daqueles homens horrorosos - Lexa falou, como se tivesse lido os pensamentos dele. - Estão acabando com ele!

- Quem, em especial? - perguntou Russ. Ele ficou momentaneamente num dilema ambivalente. Por um lado, queria consolar Lexa. Por outro, queria arrancar dela o máximo de informações.

- Há tantos. - Ela procurou um nome. - Por exemplo, MacDonald Pearce. - Ela detestava Pearce. - Ele e os outros! Você nunca acreditaria que Charles Talbot era presidente quando ele veio para o quarto, hoje de tarde. Ele estava uma pilha de nervos.

- Ela enxugou os olhos com um lencinho. - Eu... eu dei um remédio de dormir para ele e vim até aqui pedir a sua ajuda.

- Lexa - Russ disse, paciente e bondosamente. - Você escolheu a pessoa errada. Sou um joão-ninguém em Washington. Serei ainda menos depois que repudiar o discurso que fiz ontem. Não há muito... não há nada... que eu possa fazer para ajudar o Presidente Talbot.

- Mas há sim! Kenneth Ramsey e eu somos as únicas pessoas próximas a ele que lhe são leais. Ele não pode confiar no resto... mas confia em você. Se você viesse à Casa Branca com mais freqüência, para animá-lo, para dizer a ele o que os outros não dizem...

- Santo Deus, Lexa! Não posso ir entrando pela Casa Branca adentro para visitar o Presidente sem passar por toda aquela burocracia de marcar hora e...

- Eu também moro lá, Russ. Posso convidar quem eu quiser.

- Mas...

- Sempre que você for lá, darei um jeito para que você e Papai possam conversar. - Ela ficou de pé, segurou ambas as mãos dele. Os olhos dela eram súplices.

- A começar de amanhã à noite. Vamos jantar juntos... nós três. Isto lhe fará um bem enorme.

- E a mim também. Você vai ser o meu acompanhante cada vez mais freqüente, Senador. A imprensa e o público vão adorar o falo de que o Cavaleiro Branco de Charles Talbot esteja também fazendo o papel do meu chevalier blanc... a figura de proa da minha Reforma.

- Por favor, Russ. Estou convidando você... oficialmente, pessoalmente, do jeito que você quiser... mas por favor diga que virá.

- É claro, Lexa. Naturalmente... Estou... bem, estou honrado. - Que mais posso dizer?

Ele estava totalmente desprevenido para o que aconteceu a seguir. Lexa abraçou-o.

- Ah, estou tão feliz... tão agradecida. - Havia lágrimas nos olhos dela, e os seus lábios estavam abertos quando o beijaram. Ela o abraçou bem forte... depois se afastou. - Você é uma pessoa maravilhosa, Russ. - Ela forçou um sorriso. - Tenho que ir, agora. Quero dar uma espiada no Papai.

O sorriso era cativante... e excitante. Russ lutou para controlar as glândulas ativadas pelo beijo dela e pelo modo com que o abraçara.

- Amanhã às oito? - perguntou Lexa com voz rouca, fitando-o nos olhos... e mexendo ainda mais com os hormônios de Russ.

- Oito horas está ótimo.

A garganta dele estava apertada, ele falava com dificuldades; um minuto mais tade, ela fechou-se quase que completamente. Ela o beijou de novo... e não havia como negar a pressão do pelvis dela contra a coxa dele. Ela o soltou, apanhou o seu casaco de pele.

Ele segurou o casaco para ela. Ela virou-se subitamente, e os seus seios firmes roçaram contra as costas das mãos dele.

- Mais uma vez, obrigada, Russ.

Depois, enfiou os braços nas mangas do casaco. Lexa recusouse a deixar que Russ a acompanhasse até lá embaixo. Foram até o elevador; as portas se abriram. O elevador estava vazio. Ela entrou nele, deu um sorriso, tocou o rosto dele.

- Sabe, sempre tive uma quedinha por sardas.

Retirou a mão, enquanto as portas do elevador se fechavam. Russ ficou fitando as portas fechadas por vários segundos antes de voltar para o apartamento.

 

A Casa da Colina: Sábado, 27 de fevereiro. À noite.

Lady Marjorie Norwort recebeu Russell Hatch na Sala Verde, beijando-lhe a face. A sua túnica simples de seda cinza-escuro - criada para ela com exclusividade por Llngaro - teria ficado chocha e antiquada em outra mulher qualquer. Em Marjorie era uma exótica sutileza da alta costura. E somente ela teria condições de usar a jóia única que exibia naquela noite. Um enorme medalhão de jade branco, intrincadamente entalhado - um colar cerimonial da Dinastia T’ang - ele lhe fora dada por Aristóteles Onassis num gesto principesco de gratidão.

Muitos anos antes, um grupo de armadores americanos organizou uma campanha para arruinar Onassis. O grupo comprou legisladores, funcionários do Poder Executivo e membros do judiciário, e estava certo de ter sucesso. O Governo Federal processou Onassis criminal e civilmente por supostas violações das leis marítimas americanas, e imediatamente apreendeu cinco navios-tanque dele que estavam em águas e portos americanos.

Embora as acusações fossem baseadas em aspectos técnicos de somenos importância, ou forjados, os advogados do armador grego não tinham esperanças de vencer. Cientes das forças avassaladoras empregadas contra o seu cliente, eles predisseram que (na melhor das hipóteses) ele perderia os navios-tanque apreendidos, teria uma sentença em suspenso de dois anos e pagaria uma multa de muitos milhões.

Marjorie e Onassis eram velhos conhecidos. Ela gostava dele, divertia-se com as canções e o humor licencioso dele, admirava a# bra vá tá# com que enfrentava os seus adversários. Reconheceu a situação difícil em que ele se encontrava como uma oportunidade para demonstrar os próprios poderes, e entrou na liça, mexendo os pauzinhos e fazendo pressões nos níveis superiores do funcionalismo federal. As acusações contra Onassis foram retiradas. Ele perguntou a Marjorie o que ela gostaria de receber como símbolo da gratidão dele.

- Ah, não sei, Ari - falou ela, rindo. - Devia ser alguma coisa que ninguém tem... como um disco seu cantando o Bispo Devasso. Em som estereofónico, é claro; não quero perder nenhuma das suas entonações de baixo profundo ou tenor castrado, quando for tocá-lo.

A canção constava de várias dúzias de versinhos extremamente pornográficos references ao bispo.

Ari Onasis enfeitava os versos que se seguiam, intercalando gemidos e roncos em baixo profundo - do Bispo e suas vítimas - e gritos e guinchos agudos dos cantores do coro que o clérico sodomizava.

Aristóteles Onassis, gravou mesmo um disco dos versos licenciosos e deu-o a Marjorie, juntamente com o colar de jade que ninguém também podia ter. Não havia outro igual no mundo. Ele comprou a jóia singular do Xá do Irã. Por 850 mil dólares.

- Menos da terça parte do que desperdicei com advogados que não conseguiram nada - disse a ela, com franqueza.

Washington inteira sabia do presente e da história que o acompanhava. Marjorie exibia o magnífico ornamento somente nas ocasiões em que queria que os seus convidados (ou algum deles em especial) se lembrassem até onde ia a sua influência e o que podia obter. Ela o usava agora como parte de um plano muito bem traçado para desmoralizar um convidado que só chegaria mais tarde.

Russ Hatch conhecia Bradford Cooley, mas nunca encontrara c aparentemente afável Diretor do FBI, Emmett Hopper. Marjorie os apresentara, e jovialmente (e aos olhos de Russ enigmaticamente) dispensara as conversas preliminares.

- Russ, certa noite, cerca de duas semanas após o assassinato de Kennedy, Lyndon Johnson e os seus cupinchas tiveram uma longa sessão na Sala Vermelha...

na minha não na outra. Lyndon deu a ela o nome de seminário de cirurgia política. Ele e os seus Comandos Texanos dissecaram as sobras da Máfia Irlandesa de Kennedy... in absentia, não é preciso dizer... e fizeram biópsias exploratórias uns nos outros. Nós vamos fazer mais ou menos a mesma coisa.

Hatch pegou o conhaque que Holcomb lhe trazia.

- Para continuar com as metáforas que não estou entendendo direito, esta é a minha anestesia?

- É o soro da verdade, o mais mortífero de todos os venenos para um político - disse Brad Coolley ironicamente, e bebeu um pouco do seu bourbon.

- Brad e Emmett são céticos inveterados - disse Marjorie a Russ. - Até mesmo sobre as minhas intuições, que eu considero infalíveis. Eu creio que você é totalmente digno de confiança. Eles querem certificar-se de que você é. Russ ficou todo abespinhado.

- Vocês me convidaram a vir aqui para fazer um juramento de lealdade à velha moda do FBI? - perguntou, irritado.

- Depende de que lado está a sua lealdade - respondeu Emmett Hopper.

- Eu próprio às vezes me faço esta pergunta.

- Todos nós a fazemos, às vezes - murmurou Cooley. O tom de voz dele ficou mais cortante. - Você falou no Senado exaltando a política africana do Governo.

- Com grande pesar, tenho que me declarar culpado.

- Você disse, ao discursar, que renegaria Talbot se houvesse algum indício de escalada ou intervenção.

- Disse, e o farei.

- Mas não antes de consultar o seu mentor, Madigan? - perguntou Hopper.

- Não se aplica a palavra "consultar" ao caso. Quero a versão dele porque de repente tudo saiu dos eixos. Não quero botar a boca no mundo sem razão e prejudicar...

- O Governo? - interrompeu Hopper.

- O interesse nacional, por mais cafona que pareça.

- Você considera Charles Talbot o responsável pelos últimos acontecimentos ?

Não estou gostando nada de ser interrogado deste jeito, pensou Russ. Parece que estou num tribunal secreto e arbitrário. Contudo, vou em frente... e depois farei as minhas próprias perguntas.

- De direito... a responsabilidade final é dele. Ele é o Presidente, o Chefe do Poder Executivo. De fato... não tenho tanta certeza. Comecei a ter dúvidas e formular teorias que podem ou não ser válidas...

- Provavelmente o são. - falou Cooley. - Os políticos sobrevivem criando ilusões. Madigan deu-lhe a ilusão de que estava obedecendo a Talbot, seguindo ordens.

A verdade é bem outra. Madigan, Pearce (e sabe Deus quantos outros em Washington) recebem as suas ordens de Jordan B. Rickhoven in. E Charles Talbot também, até certo ponto.

Isto confere com o nervosismo de Lexa, refletiu Hatch... e com as suspeitas de Suzy.

- E o que é pior, os supostos subordinados de Talbot tomam decisões de porte sem o conhecimento dele, freqüentemente em conflito direto com os seus desejos - falou

Emmett Hopper.

- Espere, Emmett - interrompeu Marjorie. - Charlie Talbct não é nem um homem de ferro, nem um gigante intelectual, mas asseguro-lhe que presidentes que eram as duas coisas tiveram problemas semelhantes. Tome Roosevelt, por exemplo. Ele abominava Chiang Kai-shek e desprezava todos os chineses. Contudo, apoiou Chiang. Por quê? Porque as principais companhias de petróleo disseram a ele que devia. Chiang lhes havia prometido concessões petrolíferas na China. Franklin não podia dar-se ao luxo de antagonizar as companhias de petróleo.

Hatch saboreou o soberbo Otard que lhe fora servido.

- Para resumir, vocês estão me dizendo que o Presidente Talbot é um joguete?

- Não totalmente sem culpa ou inconsciente... mas, é, sim - concordou Cooley. - Ele foi feito de joguete e está sendo feito de joguete mais ainda.

A conversa continuou por mais meia hora, e cada vez mais deixava de ser um interrogatório para se tornar uma troca de pensamentos, opiniões, avaliações. Russ sentia que estava sendo aceito por Cooley e Hopper. Mas qual o motivo ou o propósito de o estarem testando? As explicações não demoraram.

Brad Cooley ficou puxando um dos seus muitos queixos.

- Tenha paciência enquanto eu faço uma preleção, Russ. - Deu um gole no bourbon, como se precisasse lubrificar as cordas vocais. - Os homens de quem estamos falando formaram quase que uma junta civil. Até o dia de hoje, Charles Talbot tentou, embora debilmente, exercer algum controle sobre eles. Hoje à tarde, ele foi forçado a se tornar o sócio passivo e submisso deles. Do jeito que as coisas estão, este país está caminhando direto para a guerra, e embora isto lhe possa parecer absurdo, para além da guerra. Para uma forma do que chamaremos de ditadura, por não encontrar um termo melhor. - Ele olhou para Hopper. - Quer continuar?

Hopper concordou e falou durante quinze minutos, fazendo um resumo nu e cru dos acontecimentos dos bastidores e de fora do palco que começaram com o assassinato de Weidener e culminaram com a conversa daquela tarde na Sala Oval.

- Kenneth Ramsey tomou a precaução de gravar secretamente a conversa entre Talbot e o quadrunvirato liderado por MacDonald Pearce, que é, aparentemente, o porta-voz de Jordan Rickhoven em Washington. Ramsey me trouxe uma cópia da gravação no começo da noite. Você pode escutá-la, se quiser, ou aceitar a minha palavra. Esmagaram em Charles Talbot a última fagulha da autoridade, ou da capacidade de resistência.

Coincide quase que exatamente com a descrição que Lexa deu da reação do pai, pensou Russ, mas estava desconfiado, com a guarda fechada.

- Concordo que Dan Madigan me arrastou a uma conspiração - falou. - Mas agora vocês estão tentando me envolver, obviamente, naquilo que tem toda a aparência de outra conspiração. Por que.

E por que eu?

- Pelos mesmos motivos de Madigan - respondeu Cooley.

- Você é jovem... o que significa que tem energia e elasticidade. Não está na política há tempo suficiente para ter perdido todos os ideais e a integridade.

Você é carismático (Deus, como eu detesto esta palavra), uma qualidade inestimável se formos forçados a enfrentar o público. Além do que, você já criou um certo grau de afinidade com Talbot, e tem acesso a ele...

- Devo ir jantar com ele amanhã na Casa Branca - deixou escapar Russ.

Marjorie Norworth demonstrou surpresa.

- O Charlie convidou você?

- Não, foi a filha dele, Lexa. - Hatch não entrou em detalhes. Lexa Talbot! Marjorie escondeu-se sob as pálpebras semicerra das, com a cabeça funcionando a todo o vapor. Como foi que eu não •pensei nela? Lexa Talbot poderia ser uma peça muito importante, talvez até decisiva, no meu joguinho de xadrez particular. As jogadas potenciais que faria com Lexa estavam se formando no cérebro de Lady Norworth.

Marjorie havia se desligado da conversa dos homens, depois ligou-se de novo, a tempo de ouvir Cooley dizer:

- não estamos pedindo que você assuma um compromisso antes de ter certeza absoluta, Russ. Pedimos apenas que você adie a retratação do seu discurso no Senado.

Você vai começar a entender por que, antes do fim da noite.

Hatch protestou imediatamente.

- Isto não faz sentido. Os falcões...

- Serão aquietados e tapeados - disse Hopper calmamente. - O que não é vital, mas será na certa de muita utilidade para a nossa estratégia global.

- E que é... ?

- Daremos os detalhes quando você tiver tomado a sua decisão definitiva de defender a nossa causa - riu-se Brad Cooley. - Os pontos-chave... por que não? Um: erguemos uma muralha defensiva ao redor de Talbot... que, a despeito de todas as suas falhas, é o Presidente. Dois: neutralizamos a junta civil, a começar por Dan Madigan, ainda esta noite. Três: depois de arrancarmos as presas da cabala, fazemos Talbot ficar de pé e polimos a imagem dele até que ele praticamente cegue todo mundo com a luz da sua capacidade de estadista. Não é preciso acrescentar que a iluminação será artificial. Son et lumière fornecidos pela Sociedade Protetora Charles Pendleton Talbot.

Isto não é estratégia, pensou Russ Hatch. É um jogo muito arriscado. Por outro lado, até mesmo uma guerra limitada destroçaria o país. O mesmo aconteceria se o Presidente fosse substituído com base na Vigésima Quinta Emenda. Âlvin Dunlap, totalmente desmiolado e sem princípios na cadeira presidencial? Inconcebível. Ainda mais inconcebível era a perspectiva daquilo que Brad Cooley denominara "governo por uma junta civil".

Ouviu-se o barulho de pneus de automóvel no cascalho, lá fora.

- Dan Madigan - advertiu Marjorie e imediatamente assumiu o seu papel de anfitriã-de-Washington... famosa... mas-tagarela. - Já contei a vocês qual foi o aspecto mais penoso da Administração Cárter? Pois bem: durante o primeiro ano do governo, era de praxe que todo o mundo devorasse amendoins. Naturalmente, eu tinha que ter potinhos com aquelas coisas nauseantes espalhados por todo o canto. Os convidados apanhavam os amendoins aos punhados... era praticamente considerado um ato de traição se não o fizessem... e invariavelmente deixavam cair alguns nos tapetes, onde eram pisados e amassados, formando maçarocas gordurosas.

As minhas contas de lavagem de tapete eram astronômicas...

Holcomb anunciou o Senador Daniel Madigan. Russ levou um susto. Madigan estava resplandecente, vestido a rigor, com camisa de peito franzido e uma faixa colorida na cintura... importada de Basanda, e que era o último grito da moda entre os falcões da capital. O rosto de Madigan ficou escarlate. Ele pensara que Marjorie o havia convidado para uma festa a rigor de sábado à noite. Os únicos convidados na Sala Verde eram Bradford Cooley, Emmett Hopper e Russell Hatch, todos usando traje passeio comum.

Lady Norworth riu com malícia, intimamente. Quando falara com Madigan escolhera as palavras com cuidado. Sem dizer nada expressamente, dera a impressão de que haveria muitos convidados presentes, e todos a rigor. O golpe psicológico foi eficaz. Madigan, que tinha obsessão por estar vestido de modo apropriado, percebeu que estava enfeitado demais para a ocasião, e sentiu-se como um idiota.

- Ha... desculpem - gaguejou, já na defensiva... e portanto começando com desvantagem. - Devo ter entendido mal...

- Todo o mundo comete erros, Dan - sorriu Marjorie, brincando com o medalhão de jade branco. - Tire a gravata se isto o deixa mais à vontade.

A sugestão chamava ainda mais a atenção para a gafe dele. O fato dela ficar alisando o colar de jade aumentava o embaraço de Madigan.

Madigan prestara bons serviços ao grupo de armadores que pretendia arruinar Aristóteles Onassis. No Senado, ele exigira um comitê especial de investigação para esmiuçar os negócios e a vida particular de Onassis. Protegido pela imunidade conferida aos oradores no Senado, ele denunciara o armador grego em numerosos discursos, acusando-o abertamente de todo o crime e perfídia imagináveis.

Quando as acusações federais contra Onassis foram subitamente retiradas, Dan Madigan sofreu choques em níveis diversos. Ele realmente acreditara que o tal grupo fosse onipotente. Tinha certeza de que o resultado da pressão seria a destruição e a falência de Onassis. E o que era pior, ele perdeu o gordo abono (que já considerava praticamente no bolso) que teria ganho do grupo pelos serviços prestados.

Agora, Marjorie Norworth estava sacudindo o medalhão de jade na cara dele, para lembrá-lo de como havia conseguido virar a mesa.

Madigan fabricou um sorriso, pediu a Holcomb uísque de centeio, puro, e sentou-se. A atmosfera esta toda errada, pensou. Oi fluidos não estão apenas ruins... estão declaradamente hostis.

- Ouvi contar que vocês confabularam um bocado com o Presidente, Dan - falou Brad Cooley, preguiçosamente. - Você, Pearce, Kurtz e o capa-e-espada Kirby.

- Charlie, o Presidente Talbot, nos chamou...

- Para uma sessão de porrada, só que ele levou a pior.

- Acho que você está por fora, Brad. - Seu sacana, filho da mãe.

- Estou não, Dan, você é que está. Você pensa que todos os ângulos estão cobertos e que as engrenagens não podem ser detidas... - Madigan puxou o colarinho, inconscientemente. - e talvez não possam. Pode ser que vocês, falcões, consigam a sua guerra. Mas isto vai acabar com você, pessoalmente, na política.

Já parou para pensar nisso? Claro que agora você está a salvo no Senado... mas até à próxima eleição, quando Dan Madigan, o fomentador de guerras, não vai conseguir sequer ser eleito Comissário dos Esgotos do Condado de Cook, O Líder da Maioria no Senado jogou com força o copo sobre a mesa.

- Vou-me embora.

- Fique para os jogos de salão - falou Lady Norworth, mexendo mais uma vez no colar de jade. - Estou pensando num número. Sete mil, setecentos e noventa e dois...

- Dan Madigan enrijeceu o corpo, fkou branco - o número da sua conta no Bauer Kreditbank, em Zurique. Você bebeu demais numa festa que dei há três anos, levou-me para um canto do salão e vangloriou-se dela. Eu tenho uma memória fenomenal, Dan.

Emmett Hopper inclinou-se para a frente.

- O FBI não é mais o que era, Senador, mas manteve os contatos com várias agências em países estrangeiros. Podemos ter a caminho cópias fotostáticas de todos os registros pertinentes dentro de 36 horas.

- Elas mostrarão todos aqueles depósitos generosos feitos por Rickhoven e sabe lá Deus quem mais - debochou Brad Cooley. - Jack Anderson as acharia fascinantes.

Ou será que você prefere que Woodward e Bernstein tenham a primeira opção?

- Vocês estão fazendo chantagem! - foi só o que Dan Madigan conseguiu dizer, ganindo as palavras.

- Estamos, sim - falou Emmett Hopper amavelmente. - Mas não com a Vigésima-Quinta Emenda.

Os olhos de Madigan saltaram das órbitas. Como é que Hopper ficou sabendo? De que jeito? Será que Talbot falou? Ou Pearce, ou Kurtz ou Denby? Não. Não podia ser nenhum deles. Ele murchou sob os olhares fixos e implacáveis de quatro pares de olhos. Sentia como se estivessem pregando-o na cadeira. Ou no meu caixão político, pensou.

- Que diabo vocês querem? - falou com voz rouca. - Que estão querendo de mim?

- Muito pouco - replicou Cooley. - Na verdade, nós queremos que você não faça nada, absolutamente nada, até, digamos, sexta-feira. Não faça discursos ou declarações. Fique na sua. Se Rickhoven ou outro qualquer perguntar por que você ficou mudo e paralisado, você tem uma desculpa plausível. É a sua tática de discrição para prevenir suspeitas de uma trama ou uma conspiração. Você está mostrando ao mundo que o Poder Legislativo não interfere nas ações do Poder Executivo.

- Vejo as coisas sob outro ângulo, Dan - murmurou Lady Norworth. Você é um político calejado, pragmático. A esta altura, deve estar claro que vai haver contra-ataques dirigidos ao círculo criador-de-problemas de Jordan Rickhoven... e orgulho-me disto. De qualquer modo, entre esta noite e a sexta-feira, você vai poder julgar para que lado está pendendo a balança, e aderir ao lado vencedor com fanfarras e floreios.

Não tenho a menor dúvida de quem vai ganhar, pensou Madigan. Não há quem consiga vencer a combinação Rickkoven-Estado-Defesa. E então os olhos dele deram com o ornamento de jade entalhado de Marjorie. Sentiu uma dúvida súbita... mas apenas por uma fração de segundo. Não têm nem uma sombra de chance. Isto é diferente. Não há ninguém no topo que Marjorie possa apertar porque todo o mundo no topo ou está na jogada ou está impotente. Ela não pode fazer nada para deter o que já começou... e nem podem Cooley, Hopper ou este traidor do Hatch. Não que eu consiga adivinhar r> que ele está jazendo (ou pensa que está jazendo) nisto tudo. Mas eles podem me machucar pessoalmente, e machucar com vontade, se não entrar no jogo deles. Que diabo, é só até sexta-feira... pelo menos é o que dizem... e embora eu deteste ter que admiti-lo, Cooley está certo. Não apenas as desculpas vão colar, como ainda é capaz de J.B. me cumprimentar por ser tão astuto.

- Vamos deixar as coisas bem claras... o que vocês pediram é só mesmo o que vocês querem? - perguntou Madigan.

- Exceto por um pequenino favor, é sim - sorriu Marjorie. - Não assuma nenhum compromisso para a noite da próxima quartafeira. Vou dar uma das minhas festas-tema.

Começará às dez... e é a rigor. Você precisa vir.

- Você me fez um convite que não posso recusar - falou Dan Madigan com azedume.

- Ele vai se comportar*- disse Emmett Hopper depois que Madigan partiu.

- Na certa, até quarta à noite - concordou Marjorie.

- Depois disso, a sorte estará lançada - brincou Brad Cooley, sem conseguir obter o efeito humorístico que procurava. - Cruzaremos o Rubicão.

Foi servida uma ceia na petite salle à manger de Lady Norworth, que não era cópia de nada, e que ficava próxima à Sala Vermelha. Ela pediu a Russell Hatch que se sentasse à sua direita na mesa redonda que acomodaria facilmente oito pessoas. Estavam começando a comer o homard a 1’absinthe - que Brad Cooley atacou vorazmente e Emmett Hopper saboreou com o prazer de um gourmet - quando Marjorie sorriu para Russ e fez uma observação totalmente inesperada e incongruente.

- Sabe, embora possa parecer estranho, conheço quase todo o mundo que conta em Washington, mas ainda não conheço uma das nossas principais celebridades, Suzanne

Loring. - Ela percebeu a expressão de surpresa dele e seu sorriso ficou mais largo. - Russ, nenhum relacionamento durou duas semanas (que dirá dois anos) nesta cidade sem que eu soubesse da sua existência.

- Suzy e eu nunca nos escondemos por trás das moitas - riu-se Russ, recobrando-se da surpresa. - Só que você falou nela assim sem mais nem menos...

- Com um objetivo. Gostaria de conhecê-la, e bem depressa. Será que você me poderia fazer um grande favor e traze-la aqui na segunda-feira, para tomar chá?

Hatch refugou, lembrando-se de como Dan Madigan fizera com que ele usasse Suzanne. Não haveria repetecos, nem mesmo para Lady Marjorie Norworth.

- Preciso dos conselhos profissionais dela e quero oferecer-lhe uma oportunidade única para dar maior impulso à sua carreira.

- Isto é meio indefinido... até nebuloso...

- Tem que ser, até que converse com ela pessoalmente. Russ ficou fitando a sua lagosta.

- Acho que não vai ser possível, Marjorie. Meti o nariz na vida profissional de Suzy uma vez, para nunca mais. Nós quase rompemos...

- A Srta. Loring terá Liberdade para tomar as próprias decisões - disse Lady Norworth. - Simplesmente achei que você gostaria de acompanhá-la. Se não quiser, sempre posso arranjar outro intermediário... ou entrar diretamente em contato com ela.

Isto é verdade, pensou Russ. Falou:

- Você ganhou, Marjorie. Transmitirei a Suzy o que você disse. Ela é que vai decidir se quer vir ou não. Não vou pressionar...

- Santo Deus! Nunca pretendi que você o fizesse. - Marjorie estava satisfeita. Suzanne Loring vai agarrar com unhas e dentes a chance de viistar a Casa da Colina e satisfazer a sua curiosidade d respeito dela... e a meu respeito. E vai aceitar as minhas propostas tom mais entusiasmo ainda. - Ande, Russ - falou com uma risadinha maternal. - Como a sua lagosta antes que derreta.

Os homens conversavam, Marjorie Norworth não escutava. Sentia-se supremamente confiante de que iria acrescentar não uma, mas duas peças, ao seu jogo de xadrez particular... ambas rainhas, capazes de percorrer o tabuleiro em qualquer direção. A mente dela ocupava-se em tramar permutações das jogadas que poferia fazer com elas.

 

Washington, D.C.: Domingo, 28 de fevereiro.

A conversa continuou na Casa da Colina até quase três da manhã. Sendo veteranos experimentados de inúmeras intrigas, Lady Norworth, Cooley e Hopper falavam reservadamente, mas foram francos em avisar a Russ que assim o faziam. Os detalhes só seriam revelados depois que ele lançasse a sua própria sorte, o que teria que ser feito na segunda-feira, como enfatizou Lady Norworth, pois o tempo era curto. Mesmo assim, eles puseram carne suficiente no esqueleto dos seus planos para que Russ pudesse compreender que tinham poderosos recursos à sua disposição, e que estavam resolvidos a usá-los todos.

Quase estourando de vontade de contar a Suzanne Loring o que ouvira e soubera, Hatch voltou para o seu apartamento, mas não telefonou para ela. Disse a si mesmo que era tarde demais e que ela devia estar dormindo a sono solto, mas isto era uma racionalização. As conspirações bizantinas para que fora (e continuava sendo) atraído consternavam Hatch. As suas implicações sobrecarregavam os circuitos cerebrais dele.

Ele queria ficar sozinho, rever as informações, avaliá-las por si próprio.

Russ estava sentado na sua cozinha, bebendo café com um pouco de conhaque Remy-Martin, entretido com o seu quebra-cabeça mental. Não ponseguia acertar. Havia peças demais ou de menos, e poucas delas tinham contornos que se encaixavam. Sou apenas um advogado caipira, pensou chateado, servindo mais café e conhaque na sua xícara.

Bebeu a mistura e repetiu o processo... aumentando desta feita a ração de conhaque. Sou de um time tão rastaqüera que não deviam nem deixar eu entrar no estádio.

Que bosta! Não me deixaram entrar, me forçaram a entrar.

Ele esvaziou a xícara, estendeu a mão para o bule de café, depois para a garrafa de conhaque.

Bosta de novo! A honestidade inata dele prevaleceu. Eu não fui forçado. Não fiz cena nenhuma, não fui arrastado aos berros. Meritíssimo, estipulamos que o acusado portou-se tranqüilamente e não ofereceu resistência.

Se fui feito de otário - e se estou sendo tapeado outra vez - então o que Brad Cooley disse sobre Charles Talbot também se aplica a num. "Não inteiramente sem culpa ou inconsciente." Só que eu sou ainda menos sem culpa ou inconsciente do que Talboi.

E estou bêbado e ficando cada vez mais bêbado.

A minha taça se esvazia. Ele apertou os olhos para espiar os resíduos do líquido escuro. Eu podia achar umas respostas lendo a borra do café. Como quem lê as folhas do chã. Ora, o que estou, precisando é de uma boa conversa com a Suzy. Se houver alguma resposta a ser dada, ela a dará.

Russ enfiou os dedos pela cabeleira ruiva, depois estendeu a mão para a garrafa de Remy. Admitiu pesaroso que Suzanne Loring era melhor equipada para interpretar e interpolar, analisar e avaliar.

Intuição feminina. Não, é mais do que isso. Suzy está com o dedo no pulso de Washington, como dizem... seja lá quem forem eles, e seja lá onde o pulso estiver localizado.

Preciso pedir a Suzy que me diga. Devia ter perguntado a Marjorie.

O seu monólogo silencioso e movido a conhaque deu uma guinada súbita e abrupta.

Suzanne Loring-Lady Marjorie Norworth.

De repente ele percebera que a despeito da grande diferença de idades e antecedentes, as duas mulheres tinham muito em comum. As duas eram motivadas... impulsionadas...

por um desejo obsessivo de estar por dentro e fazer parte de qualquer coisa que transpirasse nos escalões do poder em Washington.

É aí que o pulso está localizado... onde mais? refletiu Hatch, enfiando goela abaixo uma dose de café misturado com Remy. Quem está ligando para saber se os estenógrafos ou os porteiros, ou quaisquer dos bestalhões que puxam as alavancas das cabines eleitorais, sequer têm pulso? Ninguém. Na verdade, ninguém. Se eles não estiverem respirando - faça-os votar ainda que mortos. Como Hague e Tammany e Daley costumavam fazer... e como Fraine e Belding e Reiserman ainda estão fazendo. Os homens da ressurreição. Tire os nomes das pedras lapidares e coloque-os na lista de eleitores... e três vivas para o Vermelho, Azul e Branco.

Suzy sabe disso. Marjorie sabe disso. Elas se aproveitam ao máximo da coisa, contando cada pulsação, percebendo cada batida fora do ritmo e cada fibrilaçao.

A xícara estava vazia. A garrafa de Remy também. Russ ficou indeciso se devia apanhar uma nova garrafa no bar; levou a questão a votação. Os nãos venceram. Já estou bem bombardeado e o dia que me espera vai ser cheio. Suzy... e depois a Avenida Pennsylvania 1600.

EÍ Lexa Talbot. Que é que há comigo? Espiou para o relógio da cozinha. Marcava 4:45. Estou sentado aqui há mais de 1 e meia e nem sequer pensei nela. Excitado pelos estimulantes alcoólicos, o ego dele inchou. Lexa não estava apenas provocando, era mais do que isso, muito mais.

O sonho machista dele se desfez. Como é que a gente trepa com a filha de um presidente? Será que os agentes do Serviço Secreto amarram vendas nos olhos ou ficam por perto, segurando vela enquanto espiam?

Ele fez uma careta.

Já que estou pensando nela, gostaria de saber se Lexa também toma o pulso e manipula o poder? Creio que sim... à moda dela. Ela admitiu que gosta de se sentar no lugar do motorista. Acho que disse a verdade. Mas não posso compará-la a Suzy ou a Lady Norworth. Lexa senta-se à mão direita do pai que fica na Sala Oval, e conquanto ele não seja mesmo onisciente e onipotente, ela pode relaxar e gozar do poder e da glória, por tabela, Amém.

Com a mente turva achando muito engraçada a tirada idiótica, Russ riu alto e foi aos trancos e barrancos da cozinha para o banheiro. Estava escovando os dentes, atabalhoadamente, quando ocorreu-lhe um novo pensamento. Havia agora três mulheres na sua vida. Suzanne, Lady Marjorie Norworth e Lexa Talbot. Suzy é a N.° Um, disse a si mesmo. Marjorie está num plano muito distante. Quanto a Lexa... ela é mais um pedaço do meu quebra-cabeça que não se encaixa, e acho que nunca se encaixará.

Apesar desse pensamento, quando foi dormir, Russ sonhou com Lexa Talbot. Os sonhos eram eróticos e a despeito da quantidade de bebida que ingerira e embora não se desse conta disso, o pênis dele ficou ereto e duro como pedra.

O Presidente Charles Talbot começou o seu dia às 9 da manhã, e terminou-o após uma conversa de 15 minutos com Kenneth Ramsey. Ramsey ficou estupefato com a mudança ocorrida no Presidente, da noite para o dia. Talbot sorria amplamente, estava com ar tranqüilo, agia como se não tivesse uma única preocupação no mundo.

- Chefe, o pessoal da imprensa está agitadíssimo, exigindo uma declaração...

- Requente umas declarações velhas, Ken, e deixe estar.

- Mas os últimos boletins...

- Que se fodam. Todas as perguntas deverão ser dirigidas aos departamentos ministeriais adequados. Ah, e cancele todos os meus compromissos. Diga que fui pescar ou que fugi com a camareira.

- Não entendo a sua atitude, Chefe. Não faz sentido.

- Faz para mim. Me arrancaram a pele, e pregaram-na na parede. Acordei hoje de manhã depois de dormir umas 14 ou 15 horas, dei uma boa cagada, tomei um banho quente e uma decisão importante. Vou terminar o meu mandato numa boa, e não vou dar a menoi pelota para o que os livros de História dirão a meu respeito.

- Não vai lutar contra aqueles hinos da mãe?

- E ser chutado da Presidência sob a alegação de que sou mentalmente incompetente? Ken, há uma lição que todo o político aprende. Quando você foi vencido, de maneira limpa ou suja, aperte a mão dos sacanas que o derrotaram. Do contrário, não conseguirá salvar nada. - Talbot deu de ombros. - Daqui por diante, vou jogar golíe como Eisenhower, trepar adoidado como Kennedy e Johnson e esquiar como Ford.

K.en Ramsey engoliu em seco, umedeceu os lábios.

- O senhor tem quase uma dúzia de compromissos marcados. Tem certeza de que não quer ver esta gente?

- O que, num domingo? - Talbot exclamou com indignação fingida. - Recuso-me a profanar o dia de descanso. - Deu um largo sorriso. - Mas hoje à noite vou fazer vida social. Lexa falou comigo quando eu vinha descendo. Ela convidou Russ Hatch para jantar. Vai ser bom estar com Lexa e Hatch. Eles são jovens, animados, e não vão tentar escalpelar o Velho e Bom Charlie Talbot, a maravilha sem pele.

Suzanne Loring tinha uma refeição ligeira pronta quando Russ chegou à uma hora. A ressaca e o sono insuficiente fizeram com que ele fosse mais receptivo aos fortes aperitivos que ela serviu do que às torradas cobertas com um creme de carne e cogumelos que preparara, mas não o impediram de falar rápida e ininterruptamente.

Suzanne escutou atentamente enquanto ele lhe contava como fora a longa noite na casa de Lady Norworth. Logo no início do monólogo dele a sobrancelha direita da moça se erguera bem alto, e ficara assim o tempo todo. Os olhos castanhos grandes e profundos dela ficavam cada vez mais brilhantes à medida que ele falava. Pela sua cabeça passavam visões dos prêmios Pulitizer e Emmy. Ela já recuperara os planos abandonados para o grande especial em cadeia que Noah Sturdevant queria que ela fizesse... já tinha passado um espanador neles, e estava expandindo-os mentalmente. O programa seria infinitamente maior e mais sensacional do que ele - ou ela sonhara ser possível.

- pode dar-lhe o nome de cabala, mas eu prefiro o rótulo de Cooley, uma "junta civil". Eles deram a Talbot um ultimato. Se ele quiser criar caso, eles darão um chute nele, apoiando-se na Vigésima-Quinta Emenda...

Deus, como eu gostaria de estar anotando tudo isto, pensou Suzanne, mas isto poderia distrair Russ, interromper o fluxo das palavras dele.

- Hopper diz que tem uma gravação da reunião, que eu podia ouvi-la...

Ele tomou um longo gole do seu terceiro bullshot, e continuou, descrevendo a cena com Dan Madigan e o que se seguiu. Estava terminando a sua quarta bebida ao chegar ao final da narrativa... e então se lembrou.

- Ah, eu prometi dar-lhe um recado, meu bem...

- Para mim? - Suzanne piscou os olhos, surpreendida. - De quem?

- De Marjorie Norworth. Ela me pediu para ver se você gostaria de ir tomar chá com ela amanhã... quer que eu leve você. Disse que queria o seu conselho profissional...

e fazer-lhe uma proposta que ajudaria você na sua carreira. Não entrou em detalhes...

- O que você respondeu? - perguntou Suzanne, ansiosa.

- Eu não tinha a menor vontade de meter os pés pelas mãos, como fiz com aquela entrevista do Madigan, por isso me esquivei. Concordei apenas em bancar o moço de recados... e deixar que você mesma decidisse se queria ir ou não.

- Graças a Deus!

Russ sorriu, satisfeito, como se ela tivesse confirmado a opinião original dele.

- Ainda bem que me esquivei e deixei a coisa bem clara. Tive um palpite que você iria recusar…

- Recusar? Você está doido? Eu quis dizer graças a Deus que você não recusou o convite e nem se esqueceu de mencioná-lo para mim. Eu não deixaria de ir lá nem que estivesse em trabalho de parto...

Ela guilhotinou o resto da frase, lembrando-se que a esposa de Kussell Hatch morrera com grande sofrimento por causa de uma gravidez tubária.

- Desculpe, Russ - murmurou, estendendo a mão para a dele, e segurando-a.

Ele apertou a mão dela.

- Gozado, até que você pediu desculpas eu nem tinha ligado uma coisa com a outra.

Ele sorriu. Não havia vestígios de lembrança da perda que só frera nos seus olhos.

O coração de Suzanne ficou feliz e agitado. Ele finalmente c â se recuperando, pensou. Mesmo assim, ela sentiu que deveria ser cautelosa. Não force a barra, guria, advertiu a si mesma, e pelo amor de Deus, não o force. Deixe que o momento da verdade "eu também-te-amo" chegue naturalmente.

- Quer dizer que você quer mesmo ir? - perguntou Russ.

- Você acha que eu ia perder a chance de ser apresentada a Sua Majestade, a maior lenda viva de Washington? A que horas?

- Às cinco. Venho buscar você às quatro e meia.

Ele fez cócegas na palma da mão dela com o dedo indicador.

Como era domingo, e dia de folga da empregada, ela se levantou e começou a tirar a mesa.

Hatch guardara por último a novidade de que ia jantar na Casa Branca. Contou a coisa com uma indiferença tão exagerada que despertou as suspeitas de Suzanne.

- Talbot convidou você para ir dar comida na boquinha dele? Russ sentiu-se enrubescer, mas não pôde mentir.

- Não. Lexa...

- Ah? A Srta. Xoxota-assanhada vai fazer um bolo? Ele ficou ainda mais vermelho.

- Ela acha que Talbot precisa se descontrair, conversar com alguém que não o esteja apunhalando pelas costas... e puxa vida, meu bem, você está errada quanto a ela. Lexa é...

Ele se interrompeu, sem conseguir achar uma palavra ou uma expressão que não piorasse as coisas.

- Vamos lá, Sir Galahad - insistiu Suzanne. - Lexa Talbot é o quê?

Ele respirou fundo, foi em frente.

- É uma garota preocupada com o pai. - Ele devia ter parado por ali, mas não o fez. - Ora, ela até se descontrolou e chorou ontem...

- Você esteve na Casa Branca?

Opa, agora estou atolado até o pescoço, se não mais, Russ gemeu em silêncio.

- Não. Ela... ha... foi até à minha casa.

Mas que merda, a gente pensa que ganhou um metro e perdeu um quilômetro, pensou Suzanne com raiva, e deixou escapar:

- Naturalmente, vocês treparam!

- Claro que não!

Suzy conhecia-o o suficiente para saber que estava dizendo a verdade. Mas vão trepar, refletiu ela com uma resignação amarga. E de um jeito ou outro você vai se estrepar. Mas quem é que pode avisar isso a um homem cujo cérebro já começou a descer para o seu epidímo? Jogou os pratos dentro da pia com tanta força que dois se quebraram.

Arrependeu-se imediatamente da cena de ciúme. Os homens têm um sentido retorcido de galanteria e espírito esportivo. Pulam logo para a defesa do objeto de uma explosão de ciúme... ficam do lado da parte mais fraca, digamos assim, refletiu ela, e pôs-se a trabalhar para reparar o malfeito.

Ela paparicou Russ, fez piadinhas sobre a sua ciumeira, levou-o a brincar também... e daí foi um passo para beijos e carícias... e para o quarto de dormir dela.

Aí, ela atuou brilhantemente... mas, pela primeira vez no relacionamento deles, teve que fingir os seus orgasmos.

Por que não estou conseguindo gozar? cismava ela. Será porque estou realmente enciumada, com medo de Lexa Talbot, que é sete anos mais moça do que eu, a filha do Presidente e (segundo me dizem os meus instintos) uma fulana louca por sexo por quem Russ já está embeiçado? Ou será que sou eu que estou excitada demais £om o programa especial que vou fazer (e vou mesmo) e não consigo me concentrar em jazer amor?

Seja lá por que motivo for, eu é que não presto, ela se acusava. Estou fingind^ orgasmos com o homem que eu amo. Isto é uma forma de enganar pior do que trepar com outro pelas costas dele.

A Sala de Estar Ocidental fica contígua à suíte presidencial nos aposentos da família da Casa Branca. Sob a égide de Lexa Talbot como anfitriã do pai, a Sala de Estar Ocidental foi redecorada com motivos art deco e abajures de lonça colorida. Foi aí que Charles Talbot preparou pessoalmente os martínis de aperitivio. Eles os preparou extremamente fortes, secos e gelados; serviu três deles, ergueu o seu copo e deu um sorriso largo para Russell Hatch.

- Como é que falam os cucarachas? Mi casa es su casa ou coisa parecida. Deu para você entender, não é... mesmo que a mi casa seja a Casa Branca.

O tom de voz e o jeito de Talbot deixavam bem claro que aquela não era a primeira bebida que tomava naquele dia.

- Isto é uma coisa perigosa para se dizer a um senador - riu-se Lexa. - Ele pode levar a frase ao pé da letra.

- E se mudar para a Sala Oval? Ela é toda sua, Russ .^.. depois que eu for embora, é claro. - Talbot engoliu o seu martíni, e serviu-se de outro, imediatamente.

- Mas isto ainda vai demorar.

Russ Hatch bebia vagarosa e pensativamente. O Presidente podia ter tomado umas e outras, mas estava alegre, sem os sinais de depressão e abatimento que Lexa descrevera.

- Joga golfe, Russ?

- Um pouco... e muito mal.

- Então estamos empatados. Que tal uma partida quando o tempo esquentar um pouco?

- Será um prazer, Sr. Presidente.

- Que é isso, homem. Você é um convidado do andar superior, um amigo da família. Deixe de lado esta história de Sr. Presidente. Que tal Charlie?

Em meio a engolir um pouco de mistura de gim-e-vermute, dezesseis-para-um, preparada por Talbot, Russ esperou que o processo se completasse antes de poder falar.

- Você sabe preparar um martíni excelente... Charlie.

- Não se pode ter sucesso na política sem ser um bom barman - brincou Talbot, e começou a preparar mais uma jarra do aperitivo. - Pus no bolso a Máquina da Filadélfia graças aos martínis, na segunda vez que me candidatei ao Senado. Lembra, Gatinha?

Lexa assentiu.

- Como é que ia esquecer? Timberlake, era esse o nome dele, o manda-chuva local acabou por berrar "Estamos com você, Charlie", e mijou por uma janela aberta, aos gritos de "Estou mijando para o resto".

- E quase que caiu pela janela. Teria caído, se eu não o tivesse agarrado.

- Ele babou você todo, agradecido. Dizia que você tinha salvo a vida dele.

- Conseguimos com isto quase oitenta mil votos. - Talbot deu uma palmadinha na jarra, agarrou a alça dela, encheu de novo os copos. - Um brinde aos meus martínis.

E aos votos... tem algum sobrando por aí, Russ?

- Só o meu. E este você conseguiu no primeiro drinque.

- Devo estar melhorando. Você não mijou pela janela.

- Graças a Deus! - exclamou Lexa. - Provavelmente tem um guarda embaixo dela.

A Sala de Jantar da família presidencial está ligada à Sala de Estar Ocidental. Talbot foi mostrando o caminho, depois de terem tomado mais outra rodada de aperitivos.

Ele sentou-se à cabeceira da mesa alongada, Lexa ficou à sua direita e Russ à sua esquerda, de frente um para o outro. O jantar foi servido por taifeiros da Marinha destacados para a Casa Branca, e começou com paté de foie gras, seguido por peito de carneiro, batatinhas assadas e uma variedade de legumes. Lexa e Russ tomaram vinho e tiveram pouca oportunidade de falar. Talbot continuou com os martínis, ficou bêbado e mono l polizou toda a conversa Passava de um monólogo a outro, contando, histórias da sua longa carreira política, dando a Russ conselhos práticos (e quase sempre cínicos) sobre como ganhar votos e como, depois de eleito, continuar tendo a lealdade dos seus eleitores.

- é o voto rural que decide muitas eleições. Todo o condado rural tem a sua Quadrilha de Tribunal. Prometa aos seus integrantes o que eles pedirem... depois dê a eles cerca da metade. Eles ficam felizes e do seu lado.

"- fique por dentro da agricultura, Russ. Esqueça os assuntos de monta quando estiver fazendo a sua campanha na roça. Fale sobre colheitas e fertilizantes...

os fazendeiros têm mais respeito por um sujeito que entende de fertilizantes do que pelo perito em déficits comerciais, pode crer...

"... quando chegar a uma cidade grande, concentre-se noaspecto étnico. Pretos, judeus, irlandeses, carcamanos, polacos... esprema-os o mais que puder, e eles dão um bocado de caldo. - Ele olhou para Lexa. - A Gatinha costumava viajar comigo levando uma mala cheia de fantasias. Se íamos fazer um comício num bairro polaco, ela vestia uma blusa polonesa. Depois passávamos para um bairro italiano e ela vestia uma s ía e blusa de carcamano... e se trocava no banco de trás do carro...

Talbot parou de falar, franziu o cenho.

- Ei, você é solteiro, não é, Russ?

- Minha esposa morreu faz quatro anos.

- Puxa, você tem que tomar uma providência, filho. O público gosta de ver uma mulher, não confia nos candidatos que não têm nenhuma. Começam logo a murmurar que ele é bicha. Acho que Lexa ganhou mais eleições para mim que os meus martínis, não é, Gatinha?

A voz de Talbot estava espessa, pastosa. Quando serviram o café, ele o recusou com um gesto frouxo de cabeça, pediu para lhe trazerem mais um martíni.

- Esses rapazes preparam uns martínis quase tão bons quantos os meus. Não é de admirar, fui eu quem lhes ensinou. - O drinque chegou, ele tomou metade, depois deu um sorriso. - Você precisa aparecer mais vezes, Russ. Ver você à mesa me anima. Faz-me lembrar de quando eu era moço. - Ele terminou o martíni, engasgando-se levemente. - Opa... acho que este foi demais. Melhor eu ir para a cama antes de começar a mijar pelas janelas.

Pôs-se de pé, com dificuldade. Russ levsntou-se imediatamente.

- Sente, filho. Vocês dois fiquem aí. Terminem o seu café. Tomem mais uma bebidinha. - Talbot deu a volta na mesa, beijon a testa de Lexa, deu uma palmadinha desajeitada nos ombros de Russ. - Apareça outra vez logo, viu, filho? Gatinha, deixo isso aos seus cuidados.

Saiu cambaleando na direção da sua suíte. Russ esperou um momento, depois disse:

- Lexa, ele...

- Psiu, aqui não. Os criados podem ouvir. - Ela ficou de pé, tomou a mão dele. - Vamos até a minha suíte. Lá nós podemos conversar.

A suíte de Lexa ficava ao lado do Dormitório da Rainha. Pediu a Russ que se sentasse ao seu lado num sofá da sala de estar da suíte.

- Ele desistiu - falou ela, sem preâmbulos.

É compreensível, pensou Russ. Talhot não tem outra alternativa, se quiser continuar como presidente. Uma só jogada que desagrade à "junta" e ele pula fora... por incapacidade mental, segundo a Vigésima Quinta Emenda. A não ser que a trama Norwortb-Cooley-Hopper funcione... seja lá quais forem os seus detalhes operacionais.

Só tenho até amanhã para resolver se quero ou não unir-me a eles, lembrou a si mesmo. Mas isso não posso discutir com Lexa Talbot.

- Gostaria de poder fazer alguma coisa. Não sabia o que mais dizer a ela.

- Russ! - Havia lágrimas nos olhos de Lexa (mais do que na véspera) e ela o abraçou. - Você fez muito essa noite. Fez com que ele se sentisse melhor. Ele precisa de você. - Os braços dela o apertaram com mais força. - Eu... eu também preciso de você. - E de muitas maneiras, Senador! - Por favor, me abrace e me beije, Russ!

A sua boca cobriu a dele, e ela enfiava a língua bem fundo. A mão direita dela movia-se rapidamente, agitadamente, afrouxava a gravata dele, desabotoava-lhe o colarinho.

Os dedos dela meteram-se por baixo da camisa dele, agarraram-lhe a pele.

- Lexa... - gaguejava Russ, de encontro aos lábios da moça. - O seu pai... os criados... o pessoal da segurança...

Ele estava loucamente, totalmente excitado, mas a sua cabeça era uma confusão completa. Sou mesmo um caipirão americano, lá no fundo. Estou intimidado. Por estar na Casa Branca. Pelo Presidente dos Estados Unidos. Que está completamente apagado (Santo Deus, espero que esteja) a pouca distância daqui. É por isso que está havendo esta troca de papéis, e eu estou bancando a donzela relutante.

Deixe de ser besta, seu. Se ela não está preocupada, por que você deveria estar? Lembrou-se das histórias de Werren G. Harding engravidando a amante num armário da Casa Branca, e das farrinhas a três de Kennedy no Dormitório de Lincoln. Pelo menos não estamos numa rouparia, e nem vamos brincar a três, pensou. É claro que alguém pode saltar de trás das cortinas a qualquer minuto. Nada mais - nada mais mesmo - me surpreenderia.

- Tenho desejado você desde Wilmington - Lexa murmurou com voz rouca. Ela afastou-se dele por um momento, abriu o zíper dianteiro do seu macacão de noite preto de Régine, desnudou a parte de cima do corpo. Agarrando as mãos dele, levou-as aos seios. - Olhe... sinta o quanto!

Os seios perfeitos latejavam ao toque dele, os mamilos rijos roçavam a palma das suas mãos. Lexa agarrou o pulso direito dele, enfiou a mão dele entre as suas coxas.

Ela estava ensopada, pegando fogo.

- Estou assim a noite inteira!

As mãos dela desceram até as calças dele, seguraram e massagearam o bolo duro que parecia querer furar a fazenda.

Ninguém em sã consciência lutaria contra isto, capitulou Russ, mentalmente. Os dedos dele começaram a acariciar vagarosamente o clitóris intumescido dela.

- Aaaah... mais depressa! - implorava Lexa. - Faça eu gozar uma vez antes de tirarmos a roupa!

Ela enterrou o rosto contra o pescoço dele, sugando-lhe a pele, e as mãos apertando mais forte o pênis dele, ainda coberto pelas calças. Ela mordeu o pescoço dele, com todos os músculos se retesando. O gemido dela foi longo, extático. Depois, ela relaxou o corpo.

- Jesus... Russ! - ofegou. Endireitou-se, chutou longe as sandálias de noite, livrou-se do macacão. O corpo dela era perfeitamente proporcionado, impecável.

A pele era espantosamente macia, parecia exigir o toque de lábios e mãos. Creme chantilly, pensou Russ. É como creme chantilly. - Depressa, Russ. Quero sentir você dentro de mim!

Ela estava frenética enquanto o ajudava a despir-se.

 

Washington, D.C.: Segunda-feira, 1.° de março. Da manhã à noite.

Kenneth Ramsey cumpriu desanimado a sua primeira tarefa matinal: a leitura dos sumários do que fora publicado na imprensa. Os colunistas e comentaristas, na sua maior parte, criticavam ferozmente Charles Talbot. Grupos pró paz convocavam marchas de protesto e demonstrações. Uma pesquisa por telefone feita pela NBC mostrou que 52% dos consultados desaprovava as últimas atitudes americanas em Basanda. Uma percentagem de 31% achava que a nação estava sendo levada a outra débâcle interminável e sanguinolenta como a Guerra do Vietnã. Uma percentagem ainda mais ameaçadora de 43% punha a culpa do que acontecera diretamente no Presidente.

Talbot desceu para a Sala Oval um pouco depois das nove, obviamente de ressaca. Isto não foi surpresa para Ken Ramsey. Ele dera uma espiada no Registro dos Visitantes.

Estava anotado ali que o Senador Russell Hatch (Oregon) deixara a Casa Branca às 4:17.

- Foi uma noite agradável com Hatch, Chefe?

- Diverti-me e dei umas boas risadas, para variar, - Ainda bem. Quer ver os sumários da imprensa?

- Não, obrigado. Devem ser horríveis... ou pior.

- E são. E quanto aos seus compromissos para hoje?

- Coloque um sinal de quarentena. E não suprima as imprecações.

Russ Hatch chegou em casa exausto, caiu na cama, não acertou o despertador. Às 11:15 o seu telefone tocou. Ele tateou até encontrá-lo, resmungou um alô, reconheceu a voz de Suzanne Loring, que estava irritada, aborrecida.

- O que é que Talbot deu para você tomar... sedativos? Você ficou de ligar para Lady Nonvorth às dez e depois falar comigo. Está lembrado?

- Ah, que merda! Dormi demais. Fui dormir muito tarde. Talbot não parava de falar. - Lexa não parava de trepar. Meu Deus, ela foi fantástica. - Vou falar agora para Marjorie, e depois ligo para você, meu bem.

Marjorie Norworth também estava aborrecida.

- Esperava que você me ligasse às dez horas.

Russ pediu desculpas, repetindo a sua explicação depurada. Marjorie amoleceu. - Quando Charlie bebe e quer falar, ninguém o segura. Qual era o seu estado de ânimo básico?

- Derrota e resignação, segundo Lexa me disse depois que ele foi dormir.

As antenas supersensitivas de Marjorie Norworth captaram sinais leves, e amplificaram-nos. Lexa de novo. Ela está se tornando rapidamente onipresente na vida de Russ Hatch, confiando a ele mais e mais segredos de família. Depois que o pai dela vai dormir. Marjorie estava visualizando novas possibilidades. Enquanto falava, não deixu^ de examiná-las.

- Hoje é segunda-feira, Russ. O seu dia D... de decisão.

- Eu a tomei ontem à noite. Estou com vocês... para o que der e vier.

- Ótimo. E o que foi que a Srta. Loring resolveu?

- Adoraria ir tomar chá com você.

- Mas que prazer. Espero os dois às cinco.

Marjorie encontrara Lexa Talbot em numerosas recepções e festas, ao longo dos anos. Fez um inventário mental das impressões que tivera de Lexa, charme e classe...

qualidades óbvias, mas superficiais no presente contexto. Debaixo do verniz? Um desejo de ser adulada, uma vontade imperiosa de ser o centro da atração e da atenção.

Uma camada de puro egoísmo e egocentrismo... muito útil, refletiu Marjorie. Mais útil ainda era o forte sentimento de insegurança de Lexa. Isso era de se esperar em alguém cuja existência inteira foi ligada ao destino de um político profissional. O destino de Charles Talbot, e por conseguinte o da sua filha, dependia dos caprichos dos manda-chuvas políticos e do eleitorado, o que era um amplo motivo para a ansiedade e a insegurança.

Lady Norworth estava se vendo como coreógrafa e diretora de elenco. É, pensou, sempre há jeito de se melhorar um bale, e se houver dois candidatos para o mesmo papel de destaque, recém-criado, eles devem ser entrevistados em separado, mas um logo em seguida do outro, se for possível.

Marjorie ligou para a Casa Branca, deu o seu nome e mandou chamar Lexa Talbot. Não passou um minuto e ela estava na linha. Embora surpresa com o telefonema, Lexa aceitou-o sem hesitar. Lady Norworth era uma das amigas e aliadas do pai dela, e tinha a influência e o poder que Lexa respeitava e invejava.

- Eu sei que estou ligando muito em cima da hora, Lexa, mas gostaria de falar com você sobre o seu pai. Pode almoçar comigo?

O pessoal desta cidade não recusa os convites dela, nem que sejam de última hora, refletiu Lexa. Marjorie Norworth devia estar a par dos problemas do pai dela; era famosa (e temida) por vir a saber de tudo o que ocorria oficialmente em Washington quase que na mesma hora em que ocorria. Quem sabe até pudesse ajudar um pouco.

- Posso sim, Lady Norworth - disse ela, enquanto fazia mentalmente planos para cancelar o encontro que já tinha para o almoço. - Onde e quando devemos nos encontrar?

- Aqui... e estou a par das suas dificuldades de segurança. Contudo, eles não a seguirão enquanto você permanecer dentro do complexo da Casa Branca. Vá pelo corredor subterrâneo até o Edifício do Poder Executivo, depois esgueire-se pela saída da Rua 17. O meu chofer estará à sua espera às quinze para a uma. O carro é um Rolls, placa cento e...

A velhota sabe de tudo e tem tudo, pensou Lexa. Em Washington, qualquer placa de carro menor que 1250 é um importante símbolo de status. Um cidadão comum ter uma placa cento-e-qualquer-coisa... Santo Deus!

Lady Norworth recebeu Lexa no saguão de entrada. Lexa já tinha concluído que o que a esperava era mais do que uma conversa sobre o pai. Agora, ela pressentiu instantaneamente que estava sendo submetida a um exame de raios-X por Lady Norworth. Por quê? Não demoro a descobrir, pensou. Fique na sua e aja com cuidado, ela se advertiu enquanto mantinha uma fachada afável e cativante.

Mocinha esperta. Marjorie cumprimentou Lexa em silêncio, enquanto subiam as escadas que as levariam à suíte dela. A sua intui cão é aguda. Você ficou na defensiva.

Contudo, é capaz de funcionai em dois (talvez mais) níveis, simultaneamente. Gosto disto. Agora vamos ver como você se comporta, reage, face a surpresas, sugestões (e choques), e se está disposta a receber orientação, quando isto lhe trouxer vantagens.

O bar escondido por trás do painel estava à mostra, na sala, e havia uma mesa posta para o almoço. Holcomb serviu a Lexa o Bloody Mary que ela pediu, e a Marjorie o suco de laranja fresco de costume. Depois, retirou-se.

- Vamos comer depois que você tiver tomado a sua bebida, portanto vá sentar-se ali, por favor, para que possamos olhar uma para a outra - disse Marjorie, sorriu...

e disparou o seu primeiro tiro exploratório. - Lexa, seu pai está com problemas muito sérios.

Lexa escutou a frase sem modificar a expressão do seu rosto.

- E, acho que está mesmo. Para que tentar negá-lo?

- Estou preocupada com a situação dele... e ainda mais com o seu estado mental e emocional. Russell Hatch me disse que você também está.

Lady Norworth estava observando Lexa atentamente, viu quando os olhos da moça loira se estreitaram quase imperceptivelmente à menção do nome de Hatch. Ainda posso confiar nos meus instintos, pensou Marjore, satisfeita.

E o que mais que aquele filho da mãe contou para ela? imaginou Lexa.

A esta altura, Marjorie estava lendo os pensamentos dela quase que textualmente.

- Russ tem você e Charlie na mais alta consideração - ela sorriu, de modo desarmante, para diminuir a pressão por um momento, ao mesmo tempo em que testava a reação da moça.

- Nós também o consideramos muito - Lexa disse. - Russ é uma das poucas pessoas sinceras e dignas de confiança desta cidade.

Boa resposta, mas você está fervendo de raiva porque não mono poliza Hatch totalmente, riu-se Marjorie intimamente, e falou:

- Hummm. O fã-clube do jovem Senador vem crescendo muito, ultimamente. - Acrescentou uma frase calculada. - É claro que Suzanne Loring sempre esteve ao lado dele.

- Ouvi dizer que eles têm um caso dos grandes. - Mas não tão grande que eu não pudesse fazer-lhe mossa ontem à noite. Haverá mais mossas até que o Caipira Hatch seja minha propriedade particular para carregar por aí e mostrar a todo mundo que mulher fiel, de um homem-só, eu sou. E então Emmett Hopper pode enfiar.no rabo as suas fotografias e declarações. Ele não vai ousar mostrá-las a Charlie P. Talbot... não quando eu estiver numa boa com o amigão do peito predileto do presidente.

- Não é difícil afeiçoar-se a Russ... ele tem muitas qualidades em potencial - falou Marjorie. O instinto e a experiência mantinham-na na faixa de PÉS de Lexa, e o tom de voz dela indicava propositalmente um double entendre. Ficou satisfeita ao ver que Lexa tirou de letra as insinuações.

- Estamos unânimes. - Interprete a frase como quiser. É só isso que você vai conseguir de mim, até que eu consiga um bocado mais de você. - Mas íamos falar do Papai, não íamos?

- Desculpe-me por sair pelas tangentes, Lexa. íamos sim. - Os olhos cor de violeta de Marjorie se velaram. Vou sondar mais fundo para determinar o que está...

ou não está... no seu íntimo. 258Você quer que Charlie complete o mandato dele como Presidente, não quer?

- Santo Deus... quero.

Nos olhos de Lexa houve um clarão de medo.

Medo mais por ela mesma e por sua posição ao que pelo pai, refletiu Marjorie, aprovadoramente. Lexa estava passando no exame... até agora.

- Você também gostaria que ele se fortalecesse, deixasse de ser apenas uma figura decorativa?

- Sim!

Nunca houve uma resposta afirmativa mais definida... e nunca se disse tanto com uma só palavra, refletiu Marjorie. Percebo em você o que existe em mim... ou melhor, o que existirá em você, com um pouco de orientação. Os adlerianos chamam a isto a vontade de prevalecer, o desejo de poder. A vontade de prevalecer sobre os homens, em especial.

- Lexa, você conhece a teoria freudiana da inveja-do-pênis? A filha do Presidente piscou os olhos, deu uma risada.

- E quem não conhece? Marjorie também riu, assentindo.

- É um lugar-comum. Mas já leu o que disse a respeito uma psiquiatra, a Dra. Sofie Lazarsfeld? - Fez uma pausa; Lexa meneou a cabeça. Marjorie prosseguiu, citando a doutora de cor: - "Na realidade, o que as mulheres desejam não é a posse de um pênis no organismo delas, mas o poder e os privilégios que os possuidores dos pênis obtiveram para si mesmos."

Lexa remoeu a frase por alguns segundos, depois os seus olhos se iluminaram.

- ”Por Deus, mas como é verdade! - exclamou. Fitou Lady Norworth. - Estou começando a perceber aonde a senhora quer chegar.

- Que podemos ter muita coisa a nos oferecer, mutuamente?

- É, sim... provavelmente temos. Marjorie ficou de pé.

- Estou vendo que já acabou a sua bebida. Não vou lhe oferecer outra. Temos muita coisa para conversar durante o almoço.

Ela tocou a campainha, chamando Holcomb.

As duas mulheres estavam sentadas à mesa e Holcomb havia servido o primeiro prato e se retirado, quando Marjorie Norworth recomeçou a falar.

- Lexa, há muitas coisas que você não sabe, mas que deve saber, se esperamos salvar a carreira de Charlie... e o próprio Charlie.

Durante a hora seguinte Lexa Talbot escutou... com reações emocionais bem diversas que não fez mais nenhuma tentativa de ocultar.

O Secretário de Estado MacDonald Pearce debruçou-se para a frente, com os braços sobre a mesa.

- Que tal estamos progredindo? - perguntou ao Secretário de Defesa, John Kurtz.

- Estamos mandando brasa o quanto podemos - replicou Kurtz. - As duas divisões que vamos mandar por via aérea entram em Alerta Vermelho amanhã. Na quarta-feira, começam a se deslocar para os campos de aviação designados. Na quinta à noite, no máximo na sexta de manhã embarcam nos aviões de transporte. É impossível montar uma operação deste tamanho mais depressa.

Os lábios finos de Pearce se estreitaram.

- Algum receio, John?

Kurtz encheu o cachimbo de fumo, deu de ombros.

- Há sempre a possibilidade de alguma coisa sair errado.

- Um riso calculado, em qualquer caso - falou Pearce. - Neste caso, é mínimo. Por um lado, Talbot está impotente e tem ciência do fato. Pelo outro, tomamos todas as providências para que ele seja considerado culpado, não importa o que aconteça.

Ela é incrível, pensou Suzanne Loring, observando enquanto Marjorie Norworth servia o chá. Lady Norworth estava usando um vêstido-túnica com penas de faisão, uma criação de Marc Bohan, adivinhou Suzanne. Se eu o estivesse usando estaria espalhafatoso, nela está sensacional. Meu Deus, mas esta mulher deve estar com sessenta e lá vai fumaça, mas quem diria, olhando para ela? Eu não reclamarei nem acharei ruim se estiver como ela quando chegar aos quarenta!

Suzanne tomou o chá apenas com açúcar, Russ com açúcar e creme. Marjorie tomou o dela puro e não tocou nos sanduíches minúsculos ou nas tortas apetitosas.

- Sou alérgica a calorias - falou. - Fico logo toda cheia de calombos... enormes, nos lugares errados.

- Eu também - falou Suzanne, servindo-se das iguarias, apesar de tudo. - Tenho que fazer uma hora de ioga diária para não aparecerem os calombos.

- Você ainda é jovem, minha cara... talvez uns trinta anos...

- Obrigada, gentil senhora - replicou ela, enrubescendo. - Farei 33 anos no próximo dia 5 de agosto.

- Ah, do signo de Leão.

- Não me diga que a senhora acredita em astrologia, Lady Norworth?

- Você acredita?

- Não.

- Nem eu. - Um ponto a seu favor. Você é franca e direta, Suzanne. Dei uma "deixa" fará você, insinuei que era vidrada em astrologia, para ver se você dizia que também era, fará cair nas minhas boas graças. - Já que isto está claro, insisto que você me chame de Marjorie.

Russ Hatch olhou para as duas mulheres e se sentiu estranhamente "sobrando". Era como se elas estivessem numa faixa de onda que o excluía.

Marjorie Norworth fizera a sua avaliação inicial de Suzanne, e ela fora favorável. A moça é tão inteligente e atraente em carne e osso quanto na tela da televisão, pensou Marjorie. Ela tem autocontrole e existe força (possivelmente até mesmo dureza do aço) por baixo daquele belo envoltório feminino. Sentindo o constrangimento de Russ, ela sorriu para ele.

- Você precisa entender que Suzanne eu somos aliadas naturais, Russ. Au fond, somos da mesma raça. - Marjorie percebeu que a sobrancelha direita de Suzanne se erguia interrogativamente, e deu um largo sorriso. - Ambas temos - sim, pode usar o termo adieriano de novo, ele se encaixa - um desejo muito forte de prevalecer.

A sobrancelha de Suzanne voltou ao lugar e o seu rosto expressou concordância. Outro ponto para você, Srta. Loring, pensou Marjorie.

- E todos não temos? - perguntou Russ.

- Num certo grau, mas...

- Isso não falta em Russ - interpôs Suzanne.

Você saltou para a defesa dele depressa demais, refletiu Marjorie. Ate é que você está completamente apaixonada por ele. Ela subtraiu pontos da tabela de Suzanne.

Mulheres que estão apaixonadas deste jeito por um homem são vulneráveis e, provavelmente serão adversamente afetadas no nível cerebral se forem feridas no nível emocional Contudo...

- Estou certa de que não - disse ela. - Os homens são condicionados. Desde o nascimento são treinados para lutar, para desempenhar o papel masculino tradicional.

Mulheres como você ainda são uma minoria, Suzanne. Você se fez por si mesma, é independente. Tem uma carreira brilhante. Não teria conseguido o que conseguiu sem um impulso propulsor muito grande.

- Compensação - replicou Suzanne, constrangida. Só me falta agora que Lady Marjorie enfie na cabeça de Russ a idéia de que eu sou uma carreirista castradora. - Fiquei cansada de ser pisada.

- Isso não é uma racionalização? Não consigo imaginar você preocupada com o revestimento de cera do chão da sua cozinha, depois de conseguir com que vinte milhões de pessoas fiquem presas a cada palavra sua, todas as semanas.

- Acredite se quiser, Marjorie, mas isto não me excita.

- Alguma coisa deve excitá-la, senão você não seria um sucesso. Suzanne deu uma risada gostosa.

- Sou abelhuda. Minha mãe era judia, e ela dizia que eu era uma yenta natural. Eu sempre quis saber o que se estava passando... e por quê. Acho que foi assim que tudo começou Depois, aprendi que podia desmontar os pretensiosos e os hipócritas, e fazer com que parecessem ser os idiotas que são na realidade... e ainda ser paga para fazê-lo. Tudo isto somado vira motivação, de qualquer ângulo que se olhe.

Tenho que dar-lhe vários pontos, agora, falou Marjorie, em silêncio. O que você está dizendo, na realidade, é que tem um forte desejo de poder e que gosta de manipular as pessoas. Você simplesmente ainda não se deu conta disso... ou ainda não conseguiu admiti-lo para si mesma. Mas você o fará. O seu apetite aumentará... e acabará por se tornar insaciável, como o meu.

- Só estou intrigada com uma coisa - falou Marjorie, em voz alta. - A entrevista com Dan Madigan...

Ela percebeu os olhares rápidos e encabulados trocados entre Suzanne e Russ, e a explicação ficou evidente. Russ prevalecera, e Suzanne se submetera. Você é vulnerável, Suzanne, e vou subtrair alguns pontos - mas deixemos isso para lá. A não ser que entre logo no assunto, ficarei saindo pelas tangentes o tempo todo. - Marjorie Norworth ficou muito séria. - Suzanne, você tem o seu programa de televisão, mas o quanto você conhece do aspecto técnico das transmissões?

- Depende do que você quer dizer com técnico. Se se refere a como os programas são planejados, organizados, produzidos, e ou filmados, ou gravados, ou passados ao vivo, sei um bocado. Afinal de contas, comecei de baixo.

- Então talvez você possa responder a muitas perguntas que quero fazer.

- Farei o melhor que puder.

- Quer que eu esteja presente? - perguntou Russ Hatch.

- Sem dúvida - Marjorie afirmou. - Brad, Emmett e eu escondemos de você os detalhes do nosso plano de salvar-o-Talbot anteontem. À medida que for fazendo as minhas perguntas a Suzanne, darei a ambos estes detalhes.

Russ acomodou-se na cadeka, acendeu um Pall Mall.

- Antes de terminarmos, vocês saberão de tudo - continuou Lady Norworth. - A não ser que eu esteja enganada como nunca estive na minha vida, vocês entenderão por que estamos tão confiantes. E Suzanne... para usar a sua expressão... você ficará excitada como nunca ficou na sua vida.

Três horas mais tarde, quando Suzanne e Russ saíram da Casa da Colina, concordaram que as promessas de Marjorie haviam sido até discretas, face ao que fora exposto.

- Para onde vamos? - indagou Russ, ao entrarem no Pontiac dele.

- Primeiro para o meu apartamento... vamos começar por lá. - Suzy estava sem fôlego. - Temos muito o que fazer... Santo Cristo, mas como temos o que fazer!

Lady Marjorie Norworth estava supremamente satisfeita e telefonou para Brad Cooley na casa dele. Não fez nenhuma referência ao fato de ter almoçado com Lexa Talbot.

- Russ está com a gente - disse a Cooley. - E a Logrin também.

- Deduzo que você confia nela.

- No que diz respeito ao nosso projeto... implicitamente.

- E quanto aos aspectos técnicos?

- Suzanne diz que não há obstáculos... na realidade, é tudo mais simples do que eu imaginara. Ela assumiu o compromisso de tomar todas as providências necessárias através da rede de TV dela. - Como eu havia previsto que faria. - Devo acrescentar que ela está loucamente entusiasmada.

- Eu preferia a CBS ou a NBC, em vez da Continental - comentou Cooley, com uma nota de descontentamento na voz. - São maiores e têm mais estações locais pelo país todo.

- Deixe de ser ranzinza, Brad. A CBN é grande o bastante, e temos a margem de segurança extra de poder controlar Suzanne Loring, através de Russell Hatch.

- Talvez você esteja certa, Marjorie.

- Eu raramente estou errada, Brad. Muito raramente.

<264>

Quando acabou a sua conversa com Cooley, Marjorie Norworth acomodou-se na cadeira e somou as notas mentais que havia dado durante o dia. Não era uma competição muito acirrada, pensou, e escolheu a rainha que com certeza venceria disparado no joguinho particular de xadrez dela.

 

Washington, D.C.: Segunda-feira, 1.° de março. À noite.

Lexa Talbot concordara com Marjorie Norworth de que não devia comentar com o pai o encontro que tiveram. Devido ao estado mental dele, (e como Talbot mudava de humor, de um extremo a outro, com certa freqüência) o bom-senso ditava que ele não devia saber de nada do que estava sendo planejado até o último momento possível. Por outro lado, o planejamento em si exigia que Lexa Talbot achasse um pretexto para garantir a presença de Charles Talbot na Casa da Colina na quarta-feira à noite.

Por motivos pessoais, Lexa também queria ver Russell Hatch a sós, e ela imaginou um meio lógico de atingir as duas finalidades. Contudo, o artifício de duplo propósito teria que esperar até depois que ela e o pai tivessem jantado.

O dia fora longo, agitado e irritante para Kenneth Ramsey. Finalmente, quando achava que hão ia agüentar mais, viu que podia escapar e ir para casa. Estava trancando a sua escrivaninha quando um correspondente da Associated Press (e amigo pessoal seu) telefonou.

- Ele diz que é urgente - declarou a exausta secretária de Ramsey.

- Vou atender - Ramsey falou, com voz cansada.

- Estou lhe dando uma dica, Ken - falou o jornalista. - Um grupo que se intitula "Comitê de Emergência para Impedir a Guerra de Talbot" vai fazer uma marcha de protesto sem aviso prévio pela Avenida Pennsylvania, hoje à noite.

Ramsey gemeu.

- Sabe dos detalhes?

- Não. O meu palpite é que vão carregar faixas, gritar slogans...

- E fazer o impossível para que a gente reaja com severidade, para que eles recebam o máximo de publicidade.

- É, confere. Não invejo as dores de cabeça que vocês têm.

- Obrigado pelo aviso.

E eu que ia para casa, pensou Ramsey, ligando para a esposa.

- Vou ficar preso aqui, não sei por quanto tempo - disse a ela. Podia ser uma noite bem comprida.

#Depôs# que avisou a mulher, Ken Ramsey concentrou-se no problema da marcha de protesto. Que merda, eu é que vou ter que cuidar disso, perecebeu. Não adiantava consultar (sequer informar) o Presidente. Talbot havia passado a maior parte do dia lá em cima "curando a ressaca de hoje e preparando os alicerces da que terei amanhã", segundo dissera a Ramsey.

Teremos que tomar precauções de segurança, pensou Ken Ramsey. Mas discretas, um mínimo delas. Era imperativo que se evitasse qualquer provocação. O claudicante Governo

Talbot não podia dar-se ao luxo de ter uma revolta sangrenta acontecendo literalmente na porta da casa do Presidente.

Ramsey conferenciou com o Chefe de Segurança da Casa Branca, um fanático da-lei-e-da-ordem calejado que tinha pontos de vista diferentes.

- Uma barbada. Isolamos a Avenida Pennsylvania e todas as ruas laterais por vários quarteirões. Se os sacanas tentarem romper o bloqueio, sufocamos eles com gás lacrimogêneo e de vômito...

- Nem pense numa bosta destas! - latiu Ramsey. Ele estava severo, durão... o leão-de-chácara exibindo os seus músculos. - Esta coisa foi organizada em cima da perna... vai haver pouco comparecimento. Ficamos na nossa. Não esquentamos a cabeça, entendeu?

- O que... e deixar esta corja à vontade?

- Enquanto a marcha for pacífica, não interferimos. Convoque cem tiras do Distrito fardados normalmente. Nada de equipamento contra distúrbios. Eles devem ficar bem à vista, margeando as calçadas, com as mãos bem longe dos cassetetes e os nervos sob controle.

- Sou contra. Suponha que os filhos da mãe protestadores virem uma turba e comecem a quebrar o pau... ou coisa pior?

- Então nós usaremos um daqueles nove milhões e seis planos para eventualidades enfiados nos arquivos de vocês.

- Sr. Ramsey, quem está assumindo a responsabilidade final?

- Eu. - E quem mais? - Farei a coisa por escrito... como uma diretriz presidencial.

- Você é a produtora... onde começamos? - perguntou Russell Hatch quando ele e Suzanne estavam no apartamento dela.

Ela deu uma olhada no relógio de pulso: 8:40. O chá mais longo (e o mais fascinante) de que se tem notícia, refletiu.

- Começamos nos organizando, meu amigo. Um: mando brasa na minha máquina tomando notas enquanto a coisa ainda está fresquinha na minha cabeça. Você manda vir comida, bifes bem grossos e mal-passados, ouviu? - porque vamos sentir fome não demora muito. Dois: você responde a perguntas, e me fornece toda a migalha de informação que tiver.

- Só isso?

- Santo Deus, Não! Três: eu sigo o rastro do dragão de duas cabeças da CBN e falo... ou luto... com ele. Quatro: fuçamos o material de pesquisas e antecedentes que tenho aqui.

- Cinco: cama, quem sabe? - Falou Russ, com ar lúbrico.

- Nem por sombra, meu chapa, portanto trate de abotoar a braguilha. Cinco: juntamos tudo o que temos até então, até fazer sentido... e maquinamos, provavelmente a noite toda.

- Eu sempre pensei que os grandes produtores de programas de TV ficavam sentados sobre o traseiro, fumando grossos charutos. Pelo menos, foi o que você sempre me disse.

- Se arranque, Senador, para eu poder trabalhar... ou vai ganhar um belo chute bem nos testículos.

Suzanne trabalhou febrilmente, engoliu o bife com batatas, completou as suas anotações, interrogou Russ e, às 10:55, anunciou alegremente:

- Já temos o bastante para deixar o dragão babando.

Noah Sturdevant, o presidente da junta administrativa da Continental Broadcasting Network, morava em Nova York, na Park Avenue. Suzanne tinha o número do telefone da sua casa, e resolveu arriscar uma ligação, torcendo para que ele estivesse em casa. Ela usou o telefone da sala de visitas e apertou os botões do código de área 212 e mais sete alagarismos. Uma empregada atendeu no segundo toque. Suzanne identificou-se. A empregada pediu que ela esperasse... o que significava que Suzanne estava com sorte. O dragão estava em casa, e acabou por vir atender, muito aborrecido.

- Srta. Loring, estou dando uma festinha. Espero que o que a senhorita tenha para dizer justifique eu abandonar meus convidados.

- Sr. Sturdevant, o que eu tenho para dizer justificará o senhor abandonar a sua esposa, seus filhos... e a sua amante, se tiver uma.

Falando rápida e sucintamente, Suzanne delineou o que havia sabido por Lady Marjorie Norworth e Russ Hatch e disse a ele o que kia acontecer na quarta-feira à noite.

- Se isto não lhe der tesão mental, Sr. Sturdevant, o senhor é completamente pirado - concluiu ela.

Sturdevant escutou a grossura dela sem o menor vestígio de indignação. Estava eufórico.

- Fantástico, Srta. Loring! Um golpe magnífico! Estou fascinado... completamente fascinado... só de pensar no que isto v^i significar para a CBN... e para a senhorita, é claro... - ele está mijando nas calças, riu-se Suzanne, intimamente. - Agora, diga-me como a CBN e eu podemos ajudá-la?

- Façam de mim Rainha por um Dia... ou melhor, por dois dias. Cancele o meu programa de amanhã à noite. Não terei tempo de gravar uma entrevista. A seguir, preciso de uma licença-de-caça sem-limites para a minha estação local. Eu dou as ordens, ninguém faz perguntas. Amanhã, mande vir de avião aí de Nova York o equipamento especial que mencionei e os melhores técnicos da rede. Avise ao pessoal para ficar de boca fechada e seguir as instruções. As minhas. Até o momento, esta é a minha lista de compras.

- Considere-a cumprida, Srta. Loring. - Uma pausa, depois com certa má vontade. - O acordo antigo sobre a bonificação está vigorando de novo.

- Era o que eu imaginava, Sr. Sturdevant. Sem sombra de dúvida.

Ela desligou, deu uma risada... mas estava cansada. A excitação, o ritmo de atividades do dia e as pressões fizeram com que ela e Russ se sentissem esgotados, e eram apenas 11:25.

- Estamos precisando de um café - disse Russ. - Vou fazê-lo.

Ele foi para a cozinha e apertou o botão da máquina de fazer café, programando-a para fazer um litro de EXPRESSO FORÇA TRIPLA (N.° 30, o mais alto na escala iluminada da máquina). Após alguns minutos ele voltou para a sala de estar com uma garrafa térmica e duas canecas.

Suzanne espiou para dentro da caneca que Russ lhe dera, erguendo a sobrancelha direita.

- Você não demorou o bastante para esvaziar um cárter, e ninguém mais masca tabaco. Portanto tem que ser uma outra coisa.

Russ teve ânsias ao beber da sua caneca.

- Pura cafeína e 250 gramas de açúcar energético. Delicioso. Prove.

Ela deu uma provadinha.

- Santo Deus! Quem lhe deu a receita?... Lucrécia Bórgia?

- Um frágil médico chinês que tratava os pacientes com ervas, e a quem salvei da morte pelas mãos da Associação Médica Americana. O Presidente Mão só tomava isso.

- Puxa! Foi isso que o matou. Tá legal, vamos beber até o fim e voltar ao trabalho.

Charles Talbot e a filha jantaram a sós. Já era meio tarde, pois ele só viera a sala de jantar da família presidencial alguns minutos antes das neve. Ele beliscou a comida, tomou martínis. É melhor eu entrar logo no assunto antes que ele passe da conta e fique embotado, pensou Lexa.

- Eu e você temos um encontro quarta-feira à noite, Paizinho - anunciou. - Vamos juntos a uma festa.

- Quem está dando a festa, e por que, Gatinha?

- Prometi que não contava. É para ser uma surpresa.

- Vamos deixar para outro dia. Não ando com disposição de ir a festas.

- Bobinho! Já aceitei por nós dois. - Ela lançou-lhe o seu sorriso mais meigo e cativante. Agora a isca que vai me dar uma desculpa para ver Russ. - Além disso, você vai adorar ir. Vai se divertir às pampas. Russ Hatch estará lá, juntamente com um monte dos seus amigos. - E um monte ainda maior dos seus inimigos, mas esta vai ser a maior (e mais doida) das surpresas.

Talbot, embora ainda não estivesse de porre, estava longe de estar sóbrio. Animou-se ao ouvir falar de Russ, enrugou o cenho.

- Ah, quer dizer que você e Russ vão à festa e vão me levar junto. - Desenrugou a testa, e deu um riso torto. - Negócio fechado, Gatinha. Qualquer lugar em que vocês dois forem não pode deixar de ser divertido.

Ele mordeu a isca, ainda mais depressa do que eu esperava, pensou Lexa. Ele me deu a desculpa. Russ não devia ir conosco... /á devia estar lá quando nós chegássemos.

Posso dizer a ele que Papji só ira se ele passar por aqui e formos à festa os três juntos. A desculpa é meio fraca, mas dou um jeito de torná-la mais forte.

Talbot voltou a franzir o cenho.

- Ei, querida, você até que simpatiza com o Russ Hatch, não é?

- Ele é muito agradável e boa companhia.

- Endosso a moção. - Já começava a desenrugar a testa de novo, mas voltou atrás, e a ruga se aprofundou enquanto Talbot inclinava a cabeça. - Ei, que barulho é esse?

- Embora a sala de jantar da família fosse à prova de som, ouvia-se um cantochão débil e abafado vindo do exterior do prédio. Talbot pisou numa campainha que ficava embaixo da mesa. Um agente do Serviço Secreto apareceu imediatamente. - Quem está fazendo essa barulheira? - indagou Talbot. Ela ficava cada vez mais alta.

- Sr. Presidente, acho que o Sr. Ramsey deve falar sobre isso com o senhor.

- Ken ainda está aqui? Diga a ele para subir, filho.

Ramsey logo apareceu.

- São alguns participantes de uma marcha pró-paz que estão subindo a Avenida Penn - explicou, ocultando a verdade. Eles eram mais anti-Talbot do que antiguerra, e à frente da passeata vinha um caminhão com uma forca improvisada. Um boneco pendia da corda... o Presidente Charles Talbot, enforcado em efígie. - Não tem muita gente... menos de mil pessoas.

Isto era verdade, era exato.

- Avisem a Segurança!

- Já fiz isso, Chefe. Mandei vir -alguns policiais do Distrito para manter a passeata em ordem, e sempre em movimento.

- Mande que eles baixem o pau nos filhos da mãe!

- Não é uma boa, Paizinho - avisou Lexa, pensando do mesmo modo que Ramsey pensara, algumas horas antes. - Você estaria comprando barulho. Finja que eles nem sequer estão aí.

Ramsey lançou-lhe um olhar agradecido.

- É mais prudente ignorá-los, Chefe. Se os tiras quebrarem um? única cabeça, a imprensa vai gritar que é brutalidade policial, que o senhor é um fascista, e que o país está virando nazista.

A passeata estava exatamente em frente da Casa Branca. Os slogans que o pessoal gritava eram bem audíveis.

- Chega de armas! Chega de homens! Outro Vietnã, nunca mais!

- Mandem Talbot, e não tropas, para a África!

- Dane-se Basanda! Dane-se a Guerra! Dane-se você, Charlie! Lexa e Ramsey ficaram calados enquanto a gritaria ia sumindo, aos poucos. Talbot parecia ter afundado na maior das depressões.

- Deve ser gente da Klu-Klux-Klan - resmungou, finalmente. - Racistas.

- Errado - disse Ramsey. - Contando grosso modo, dois terços deles são pretos.

Sentia um alívio enorme por ter adivinhado corretamente. A passeata fora organizada às pressas - bastava ouvir os slogans sem imaginação para ter certeza disso e a violência fora evitada. Os participantes da marcha se arrastariam por mais alguns quarteirões, e depois se dispersariam. Ele disse isto a Talbot.

O Presidente não deu mostras de ter ouvido. Ficou fitando Lexa, do outro lado da mesa, estupor que crescia rapidamente.

- Devem ser umas dez e meia, não é?

- Já é quase meia-noite, Paizinho.

- Puxa vida. Boa-noite, Gatinha, Ken. Vou para a cama.

Um pensamento reconfortante formou-se na sua mente entorpecida pelo álcool. Um #Quaaluãe# em cima de toda esta bebida e eu vou dormir, esquecer Easanda, Pearces, Kurtzes, Vigésimas Quintas Emendas, até mesmo todos estes bostas que estavam lá fora berrando...

- vamos usar o mesmo filme as duas vezes, com um comentário em off na quarta à noite, e outro no programa especial de quinta-feira - dizia Suzanne Loring.

Não gostei muito da idéia, mas faz parte do trato que fiz com Lady N. e...

Ela parou de falar quando o telefone tocou.

- Deve ser o Sr. Sturdevant, tendo um ataque de genialidade... ou apenas um ataque - falou, pegando o telefone. Disse "Alô", escutou durante um momento e entregou o fone para Russ Hatch. - O seu serviço de recados.

Hatch informara ao serviço de recados que estaria na casa de Suzanne, com as instruções de que o número não deveria ser dado a ninguém, mas que ele deveria ser avisado se houvesse algum telefonema que parecesse ser importante.

- Senador, pode ser alguém fazendo uma brincadeira, mas uma moça que se identificou como Srta. Lexa Talbot diz que precisa falar com o senhor. Ela deixou o número da Casa Branca. É...

- Sei qual é... e obrigado.

Russ desligou o telefone apertando o gancho com um dedo. O rosto dele estava vermelho e constrangido enquanto contava a Suzanne o recado que recebera. Evitava olhar nos olhos dela à medida que falava.

Quer dizer que você trepou mesmo com ela, acusou-o a moça em silêncio. Quando, onde... e pelo amor de Deus, por quê?

- Não deixe a Princesa ficar esperando - falou Suzanne, desnecessariamente, pois ele já estava discando.

- Ah, sim, Senador Hatch - disse a telefonista da Casa Branca. - A Srta. Talbot falou que atenderia o senhor imediatamente.

Um segundo de silêncio, um clique abafado, e depois:

- Russ! Que bom que você ligou. Quero pedir uma coisa a você... em particular. Está em casa?

- Não. - O rosto dele ficou ainda mais vermelho. - Estou no apartamento de Suzanne Loring.

- Ah. - Isto vai estuporar a coisa para mim... ou será que vai? Podia ser uma chance de ouro para pôr mais uma mossa ou duas no Grande Caso deles. - Vocês estão muito ocupados? - O tom de voz dela indicava claramente que ela queria dizer "Estão na cama juntos?"

- Estamos trabalhando.

- Acha que ela se importaria se eu fosse até aí, dentro de uns quinze minutos?

Russ ficou estupefato com o pedido. Lexa aqui? A consternação dele diminuiu só um pouquinho, ao lembrar-se que ela queria falar com ele com urgência e em particular, e gaguejou ao dizer:

- Ha... não sei... vou perguntar. - Cobriu o bocal com a mão livre. - Suzy... não faz sentido... é uma coisa de doido... mas Lexa Talbot quer vir para cá, e imediatamente. Você se importa... se importaria... se ela viesse?

Suzanne não ficou menos espantada que ele. Os grandes olhos dela ficaram imensos.

- Por quê? - for que não? Há vantagem em enfrentar a competição no meu próprio terreno. - Convide-a. Será bem-vinda. Vou estender o tapete vermelho.

Usando como desculpa a passeata de protesto, Lexa solicitou uma escolta dobrada de segurança. Quando chegou ao Potomac Plaza, fez com que dois dos quatro homens do Serviço Secreto a acompanhassem até lá em cima. Raciocinou que eles serviriam para enfatizar a posição dela, para fazer com que Suzanne Loring se mancasse.

Suzanne abriu a porta do apartamento. Ela e Lexa Talbot ficaram cara a cara. Os sorrisos fixos de ambas foram do falsamente encantador ao declaradamente fingido sob o impacto de uma antipatia mútua instantânea que ultrapassava o ciúme sexual.

- Alô, Srta. Talbot... eu a reconheceria em qualquer lugar. - Pelo que você é. Uma piranha. Suzy olhou para os guarda-costas que ladeavam Lexa. - Puxa! E eu só fiz um bolinho pequeno.

- Eles ficarão no corredor. - falou Lexa. Que diabo! Esforço perdido. Era óbvio que os agentes do Serviço Secreto não haviam conseguido intimidar Suzzane Loring, nem sequer impressioná-la. Lexa consolou-se atribuindo a falta de reação ao ego inchado das celebridades de TV. - Estou tão feliz em conhecê-la. Russ me contou tanto a seu respeito.

- Também me contaram muito a seu respeito, Srta. Talbot - Suzanne falou secamente.

- Por favor, chame-me de Lexa... posso chamá-la de Suzanne?

- Á vontade, Lexa. Queira entrar. - Ela se afastou, piscou o olho para os agentes de segurança. - Não fiquem preocupados se ouvirem barulhos estranhos... não há nada mais chato que uma orgia calma.

Ela fechou a porta, pegou o casaco de Lexa, levou-a até à sala. Russ estava de pé, francamente pouco à vontade. Apertou a mão de Lexa. Ela segurou a dele um pouquinho mais do que devia, certificando-se de que Suzanne havia percebido, soltou-a, virou-se, observou os papéis empilhados e espalhados pela sala toda.

- Que casa encantadora que você tem, Suzanne - sorriu Lexa, mas a voz dela dava o seguinte recado: Como é que você conseguiu transformar uma cobertura elegante num pardieiro desarrumado?

, Suzanne estava tirando uns papéis de uma cadeira para arranjar um lugar para Lexa se sentar.

- É, ela tem cara de que mora mesmo gente nela - rebateu a moça, com indiferença. - Quer uma bebida, Lexa?

- Não, mas adoraria tomar um café. O rosto de Suzy se iluminou.

- Temos um pouco... fresquinho.

Russ ia protestar, mas cerrou as mandíbulas.

- Russ e eu usamos canecas em vez de xícaras, mas se preferir uma xícara... - Tradução: Não vou ter nenhum trabalho por sua causa.

- Não, por favor não se incomode. Uma caneca está ótimo. - Tradução: Não me importo de bancar a favelada.

Suzanne encheu uma caneca com o café da garrafa térmica. Lexi apanhou-a.

- Hummm, parece forte. Bem do que eu estou precisando. - Um gole e ela se engasgou. Sua cachorra! - Marca nova?

- A fórmula secreta de Russ. - Suzanne lançou um sorriso malicioso para Hatch. - Ele é louco por ela.

Lexa mudou de lugar, ostensivamente, diversas pastas sobre a mesa de tampo de vidro próxima, para abrir um espaço onde colocar a caneca.

Russ observava calado o espetáculo... sentia-se ao mesmo tempo constrangido, encurralado e, lisonjeado e intrigado. Viu-se fazendo comparações entre as duas mulheres.

Ambas eram desejáveis, atraentes, famosas. Numa atitude bem masculina, imaginou ser a única causa do antagonismo palpável entre elas. Estranho. Lexa tinha 25 anos, estava impecavelmente arrumada e vestida, tinha muita pose. Embora estivesse perto dos 33 anos, Suzy - com os cabelos curtos em desordem, jean desmazelados e camisa desbotada - parecia mais moça. Suzanne Loring era a moça que tinha a sua carreira, auto-suficiente, ferozmente independente. Contudo, paradoxalmente, ele sentiu dentro de si agitarem-se uns sentimentos de proteção nada familiares em relação a ela.

A voz de Lexa interrompeu os seus devaneios.

- Estou muito constrangida, Suzanne. O que eu tenho para falar com Russ é... bem, confidencial. Mas não vai levar mais que uns minutos.

- Não se desculpe. Vou ficar zanzando no banheiro.

Que diabo, pensou Russ, Lexa está bancando a importantona filha do Presidente, e dizendo a Suzanne para dar o fora Ficou irritado.

- Espere aí, Suzy - disse, e virou-se para Lexa. - Lexa, o que eu sei, Suzy sabe. - A não ser que você queira comentar as nos sãs trepadas na Casa Branca, mas isso eu duvido. - Se ela não souber agora, por você, saberá depois por mim .

Muito obrigada, meu amor, pensou Suzanne, jogando um beijo mental para ele. Você não tem só os testículos na cabeça, e quem sabs eu não tenho tanto com que me preocupar, como pensava. Pode ser que de algum modo você esteja percebendo que a Srfa. Completamente Encantadora e Maravilhosa é veneno puro.

- Mas é sobre o Papai! - exclamou Lexa.

Papai, ve-a só, pensou Suzanne. Mas que gracinha! Eu ainda vou precisar ir ao banheiro... para vomitar.

- Não faz diferença. - Russ deu de ombros. - Suzy está por dentro.

Ele está mesmo amarrado nela, admitiu Lexa.

- Está certo, vou ter que confiar em vocês dois - falou Lexa. - Papai está terrivelmente inseguro... está com medo de quase todo o mundo. Está se apoiando cada vez mais em você, Russ. Recusa-se a ir à festa na quarta à noite a não ser que você e eu o levemos, juntos. - Ela fez uma pausa, fez um olhar súplice. - Será que você poderia vir à Casa Branca um pouco mais cedo na quarta à noite, tomar um drinque com ele e reconfortá-lo antes de irmos?

- Claro. - Russ esfregou o cabelo vermelho. - Que mais você quer que eu faça?

- Só isso.

Hatch franziu a testa, intrigado. Que diabo, porque é que ela não podia ter leito este pedido pelo telefone?

Lexa entendeu a pergunta que não foi feita, e já tinha a resposta pronta.

- Sei que parece estranho eu ter vindo até aqui... mas eu não queria que ninguém me ouvisse contar a você que o Papai está nervoso, abalado. - Ela mudou de assunto abruptamente, dirigiu-se a Suzanne. - Você não se importa que Russ me leve e ao Papai, não é?

Suzanne ferveu intimamente. Esta maquinadora fajuta está bancando a condescendente para o meu lado...o que ela vai tirar da manga a seguir, um punhal? Imitou o tom de voz açucarado de Lexa quando replicou:

- Virgem! - Isto bate o "Papai" na escala Shirley Temple, irmã. - Mas por que eu iria me importar? Vou até ajudar o Senador a se vestir, ajeitar a gravata borboleta dele e providenciar para que chegue a tempo.

Desisto, é demais para mim, pensou Russ, desanimado. Quem é que pode entender as mulheres?

Lexa foi embora a seguir. Foi efusiva nas suas desculpas pela intromissão e nos seus agradecimentos a Suzanne pela hospitalidade. Depois, abraçou Suzanne e deu um beijinho no ar, próximo à face dela.

- Não quero borrar a sua maquilagem - falou.

- Que maquilagem? - riu Russ. Ele estendeu a mão e beliscou de leve a face de Suzanne. - Essa é a pele natural e genuína da natureza. Exceto pelo creme umidificante que Suzy procura no armarinho de remédios todas as manhãs.

Suzanne se derreteu.

- Você tem tanta sorte - Lexa tentou consertar a mancada. - Pode usar a maquilagem para as câmaras só uma vez na semana. Eu tenho que estar no palco o tempo todo.

Quando a porta finalmente se fechou e ficaram a sós, Suzanne pegou Russ pelo braço e impulsionou-o para o quarto de dormir.

- Senador, você acaba de fazer de mim a fêmea natural mais fogosa do lado de cá do equador - disse ela.

- Pensei que íamos trabalhar...

- A noite toda. E vamos. Depois.

Nesta noite, Suzanne Loring não teve necessidade de fingir os seus orgasmos. Nem o primeiro... nem mesmo o segundo... ou o terceiro...

 

Washington, D.C.: Terça-feira, 2 de março.

Vidros, garrafas e recipientes de plástico caíam para todo o lado enquanto Suzanne Loring vasculhava o armarinho de remédio. Russel Hatch, abatido e de olhos injetados, apoiava-se contra o portal do banheiro.

- Perdeu o creme umidificante de novo? - perguntou, bocejando. Nem o banho quente nem o café quente haviam ajudado muito a aliviar o seu cansaço.

- Hum-hum. - replicou Suzanne, continuando a sua busca. - Dexies. Sei que tenho uma garrafa cheia... oba, aqui está! - Abriu a garrafa, deixou cair dois comprimidos na palma da mão. - Um para cada um, para começar.

Russ pegou um comprimido, agradecido, engoliu-o em seco. Dexedrina era a única coisa que poderia fazer com que eles funcionassem o dia todo.

- Meu carro, o seu, ou devo pedir uma limusine? Suzy engoliu a dexedrina dela com água.

- O meu.

Às oito da manhã, os dois, uma sacola Vuitton abarrotada (e a garrafa com 23 comprimidos de dexedrina) chegavam aos estúdios da CBN em Washington. Para a surpresa e divertimento de Suzanne, o gerente da estação (que raramente, ou nunca, chegava antes das 9:30) já estava lá. O modo de agir dele era respeitoso, servil. Como era de se esperar da parte de qualquer gerente de uma estação pertencente à rede da CBN que fora acordado à meia-noite para receber ordens de Noah Srurdevant.

- Todas as nossas instalações estão à sua disposição, Srta. Loring - falou ele, praticamente em posição de sentido.

Suzanne derramou a papelada que enchia a sacola em cima da sua escrivaninha.

- Essas são as boas novas. E quanto às más? Onde está a minha secretária? Onde está o resto da turma que trabalha de dia?

- Avisei a todos que deviam estar aqui cedo. Devem estar chegando a qualquer momento.

Tiques nervosos do rosto acompanharam a resposta.

Russ instalou-se numa poltrona estofada de couro. A dexedrina já tinha agido, ele estava se sentindo bem desperto e estava apreciando o espetáculo.

- Até que cheguem... você é as "instalações", meu chapa. - Suzy vasculhou os papéis, retirou uma folha em que tinha datilografado uma longa lista de itens e instruções.

Entregou-a ao gerente da estação. - Pode começar... e sem perda de tempo.

O gerente da estação se mandou, agarrando o papel e lendo-o à medida que se afastava. Suzy olhou para Russ.

- Levante o rabo da arquibancada, Senador... este não é um esporte para espectadores. - Ela indicou com o dedo uma cadeira de espaldar reto fronteira à sua escrivaninha.

- Sente-se ali. Quando o bobalhão começar a trazer o material, metemos a cara nele juntos... e pra valer.

- Já tuohl, chefe.

E há umas oito ou nove horas atrás eu estava me sentindo p"fi tetor. Devia estar biruta.

A passeata de protesto pela Avenida Pennsylvania saiu na primeira página do Times e do Post... mas quase que não saía. Outras histórias tiveram primazia.

"Bombardeiros de caça da Força Aérea americana atacaram as forças rebeldes basandanas próximo a Gidanu...”

"Uma força tarefa num porta-aviões pertencente à Sexta Esquadra da Marinha no Mediterrâneo já chegou ao porto de Kinsolo. O porta-aviões é o Martin Luther King, de 100.000 toneladas e movido a energia nuclear, o vaso de guerra mais moderno e poderoso...”

"O Grande Conselho Militar basandano, formado para governar interinamente o país depois da morte do Primeiro-Ministro Kwida, declarou estado de sítio e impôs a lei marcial...”

"Consta que tropas cubanas estão a caminho para ajudar as forças rebeldes de Basanda...”

"Um pronunciamento do Kremlin declara que a União Soviética vai exigir que as Nações Unidas condenem a ação militar americana..."

A ressaca do Presidente Talbot era pior do que a da véspera. - Vou pedir ao médico para lhe dar uma injeção qualquer • disse Ken Ramsey quando Talbot desceu para a Sala Oval.

- Não. Vou sofrer.

- Mas que diabo, Chefe, o senhor não pode...

- Não pode o quê? Sofrer uma ressaca? Besteira.

- Como quiser.

Ramsey lhe apresentou os sumários das notícias.

- Jogue-os na cesta de papéis, Ken.

- O senhor tem que saber o que está se passando.

- Ora, que droga! Leia um resumo rápido para mim. - Charles Talbot afundou-se na cadeira presidencial, fechou os olhos.

- Mas baixinho, tá? Estou com uma fábrica de caldeiras funcionando a todo o vapor dentro da minha cabeça.

Ramsey levou cinco minutos para ler os destaques. Os olhos de Talbot continuavam fechados. A dor de cabeça dele aumentara.

- Pronto, agora eu sei - resmungou. - E ainda não posso fazer nada a respeito de nada.

- Pode, sim.

- Me diga o quê.

- Deixe que o doutor lhe dê alguma coisa para deixá-lo apagado o dia todo. Fique longe da bebida até amanhã à noite...

- Amanhã à noite. É quarta-feira. Que diabo, o que é que vai acontecer na quarta à noite? - Talbot forçou-se a abrir os olhos.

- Lexa já andou insistindo comigo ontem à noite... ela e Russ Hatch estão aprontando alguma coisa. E agora você.

- Em quem o senhor acha que pode confiar, Chefe?

- Confiar? Que diabo... em você, acho. Em Lexa. Em Hatch, talvez. - Em Avery Braitbwaite... mas este já não conta mais. Em Marjorie? Não.

Não sei qual a posição dela, ultimamente. - Lista curta, Ken.

- Ela é muito mais longa de que o senhor pensa... mas não vou entrar em detalhes. Faz de conta que é só Lexa, Hatch (mesmo com o talvez) e eu. Agüente firme até quarta à noite. O quadro inteiro pode mudar.

- Como? Por que todo o mistério?

- Porque sim. Acredite em mim... e em Lexa.

Talbot teria insistido mais, mas foi acometido por uma onda de náusea. Teve ânsias e ficou com uma cor esverdeada. Agarrou-se à sua mesa, esquecendo-se do que ele e Ramsey estavam conversando. Lembrava-se apenas da insistência deste em que o médico da Casa Branca lhe desse alguma coisa.

- Ha... Ken. - Teve ânsias de novo. - Quero ver o médico Graças a Deus, pensou Ramsey. O médico encheria Talbot de sedativos, para deixá-lo apagadão até umas cinco horas do dia seguinte, quando então daria um jeito de pô-lo em condições normais. A esta altura, já seria seguro contar a Charlie Talbot sobre o que iria acontecer naquela noite.

Lady Marjorie Norworth começou a telefonar para uma lista altamente selecionada de homens às dez da manhã. O Senador Early Frobase, Presidente Interino do Senado, foi o primeiro.

- Early, tive uma inspiração fabulosa para uma festa-tema superatual - disse ela, efusivamente. - Vou dar-lhe o nome de festa "Apoie a Luta de Basanda pela Liberdade", e só estou convidando aqueles que estão a favor da nossa política em relação a Basanda. Ela começa às dez, amanhã à noite. Suponho que Washington inteira vai dizer que estou virando a minha casa num ninho de falcão... mas e daí? - A risada de Marjorie indicava que estava partilhando de um segredo.

- Sempre fui um falcão, no íntimo... desde os tempos de Roosevelt e do plano de ajuda militar.

Ela fez uma pausa para escutar por um minuto.

- Ah, sim, Early - ela assegurou a Frobase. - Todas as copeiras extras vão ser negras... e mandarei que a Srta. Quigley apareça por aqui, mais tarde.

MacDonald Pearce foi o próximo.

- uma demonstração de solidariedade. Imagine só como vai deixar desconcertada a turma da paz-a-qualquer-preço!

Pearce aceitou entusiasmado. Como aceitaram John Kurtz, G. Howard Denby, Senador Atherton Pace...

O número de aceitações definitivas crescia a olhos vistos, à medida que Marjorie telefonava e fazia os convites entusiasticamente. Não houve nenhuma recusa do pessoal que constava da lista, e apenas dois não deram certeza (funcionários relativamente pouco importantes, que disseram ter compromissos anteriores, mas que prometeram solene - e sinceramente - fazer todo o esforço possível para cancelá-los).

Pouco depois das sete horas, Marjorie recebeu um telefonema de Suzanne Loring.

- Está tudo saindo uma beleza - disse Marjorie. - Ainda tenho que ligar para umas poucas pessoas, mas já temos certeza de uma casa cheia amanhã à noite.

- Você vai ter uma casa cheia dentro de uma hora - falou Suzanne. - A equipe técnica e os especialistas chegaram de Nova York. Vão se "espalhar" na sua casa.

- Mas que prazer. Eu simplesmente extraio energia de um alvoroço de atividade à minha volta!

- Você devia estar aqui... temos tanta gente alvoroçada e correndo que você conseguiria mais energia do que se estivesse ligada a um gerador. Russ e eu estamos pregados, e estamos conseguindo a nossa energia na base da dexedrina. Opa... parece que já estão prontos na sala de projeção. Tenho que ir andando, Marjorie... temos quilômetros de filme para projetar e editar. Falo com você depois.

Era impossível ignorar por muito tempo as exigências dos correspondentes da Casa Branca. Com Charles Talbot na cama... e num outro mundo, criado pelo sódio-pentotal...

Ken Ramsey tomou a iniciativa e compôs uma declaração. Ele a entregou, com severas instruções, para o Secretário de Imprensa presidencial, Michael Harris.

- Qualquer alteração, e lhe arranco os ovos, Mike.

- Isso não é ameaça - falou Harris, em tom azedo. - Aqueles jornalistas filhos da mãe já me arrancaram os ovos, o pau e os pêlos púbicos. - Ele ergueu a declaração datilografada. - Isto não vai fazer com que os sacanas devolvam eles para mim, posso lhe garantir.

- Diga a eles que eles podem ficar com os meus dois.

- Ovos?

- Paus. O pequeno que eu tenho aqui na frente... e o tamanhofamília que me enfiaram atrás desde o dia em que assumi este cargo.

- É, a coisa é dura para você, também, Ken. - Harris deu um sorriso de simpatia. - Farei o possível para engabelar as tropas.

A sala de imprensa estava lotada. Michael Harris subiu corajosamente numa pequena plataforma e leu a declaração preparada por Ramsey.

- O Presidente não tem nenhum plano imediato de convocar uma entrevista coletiva, por achar que ela não serviria para nenhum propósito construtivo. O programa interno que ele anunciou recentemente é familiar a todos vocês. As medidas para a sua execução estão para serem aprovadas pelo Congresso. As perguntas referentes à situação africana devem ser dirigidas aos departamentos ministeriais apropriados: o do Estado no que diz respeito aos assuntos diplomáticos, o da Defesa no que diz respeito aos assuntos militares. - Ele inspirou fundo. - É isso aí, minha gente, fim da declaração.

- O que é isto, um blackout de notícias? - berrou uma voz, acima da barulheira zangada que se seguiu.

- De jeito nenhum. O Presidente simplesmente acredita que as informações precisas podem ser melhor obtidas pelas fontes diretamente...

- O Presidente é o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas...

- Entre os seus inúmeros outros deveres. É impossível que ele tenha todos os detalhes constantemente na ponta dos dedos.

- Detalhes? Desde quando o começo de uma guerra pra valer é um detalhe?

- As perguntas militares devem ser feitas ao Departamento da Defesa.

- Pelo menos Talbot admite que há uma guerra para valer?

- Ao que eu saiba, ele não fez nenhuma declaração a este respeito.

- Mas fará?

- O Presidente é quem vai decidir.

Harris esquivou-se da barragem de perguntas cada vez mais raivosas e formuladas com amargura durante meia hora... depois desistiu e fugiu.

- Acrescente outro pau tamanho-gigante ao inventário da Casa Branca - disse ele, relatando a conversa com os jornalistas a Ramsey.

- Enfiaram ele no teu rabo, Mike?

- No meu, não. Mas vão enfiar no de Talbot... e com tanta força que vai chegar até as amígdalas dele, se ele as tiver.

- Não tem lugar. Há alguns dias meteram no rabo dele o maior pau do mundo... o Monumento de Washington é um palito, em comparação, escute o que estou dizendo.

- Santo Cristo, ele é o Presidente. Por que não age como um e arranca fora este pau?

- Só uma dica para animar você, Mike. Peritos na arte delicada de remoção-de-pau estão fazendo serão.

Marjorie Norworth exultou com satisfação maligna ao correr os olhos pela lista de aceitações definitivas. Só faltava uma pessoa paia quem telefonar. Ela a deixara por último porque a certeza de que os outros estariam presentes era o que garantiria o comparecimento dela. Já que havia equipes de homens com ferramentas e apetrechos esotéricos se "espalhando" (segundo as palavras de Suzanne Loring) nas salas do andar inferior, e outra equipe com aparelhagem ainda mais complexa havia invadido a suíte dela, Marjorie retirou-se para o gabinete da sua secretária social. Aí, ela se dedicou à tarefa complicada e demorada de localizar Jordan B. Rickhoven.

Depois de quase uma hora... e quinze telefonemas... ela soube que Rickhoven estava em San Clemente, Califórnia. Ele estava fazendo uma "visita puramente social”

ao amigo Presidente que ele chamara pejorativamente, em particular, de "aquele macaco de barba azulada", mas que continuava a exercer influência com diversos Chefes de Estado estrangeiros.

Houve longas demoras enquanto tanto os assessores do exPresidente quanto os do bilionário "checavam" o telefonema e o passavam de uma a outra pessoa de maior autoridade, até chegar ao topo.

Rickhcven e o seu anfitrião se haviam retirado para conferenciar no pequeno escritório que o antigo Presidente, famoso pelo seu uso obsessivo de expressões futebolísticas, chamava de "O Vestiário". Foi aí que finalmente informaram a Rickhoven:

- Uma ligação de Washington para o senhor; Lady Marjorie Norworth.

- Falarei com ela.

Jordan Rickhoven não se incomodou de pedir licença ao seu amigo macaco de barba azulada para usar a extensão do Vestiário. Tais delicadezas eram supérfluas. Fora o dinheiro de Rickhoven - dinheiro da "caixinha" - que custeara a grande propriedade de San Clemente.

Marjorie contou a Rickhoven sobre a sua festa de quarta à noite.

- Você não pode deixar de vir à festa, Jordan. - Ela foi enumerando as personalidades mais importantes que estariam presentes. - Eles ficarão encantados em vê-lo... e você terá uma oportunidade totalmente única de conversar com eles na atmosfera mais favorável.

Ela está certa, pensou o bilionário, admirando a intuição infalível de Marjorie. Ela invariavelmente pressentia o momento certo de cair nas boas graças do lado vencedor.

E a festa permitiria que ele se atualizasse, aperfeiçoasse os planos, impedisse falhas e aplicasse pressões. Ele só tinha uma pergunta a fazer.

- Marjorie. Talbot estará... ?

- Jordan! - O tom de voz dela era reprovador. - Como é que você pôde pensar que eu cometeria o tremendo faux pás de pedir a ele que se misturasse com os convidados que apoiam a causa legalista de Basanda?

Rickhoven deu um largo sorriso. Era uma pergunta ridícula. Marjorie estava por dentro de toda a nuança e tendência oculta de Washington.

- Minhas desculpas, Marjorie. Estarei presente.

Suzanne e Russ saíram dos estúdios da CBN um pouco depois das 10 da noite. Não haviam parado de trabalhar desde a sua chegada ao local, quatorze horas antes.

Ambos estavam exaustos. Nem mesmo a dexedrina conseguiria fazê-los funcionar mais.

Suzanne acomodou-se no banco do carro de Hatch, apoiou a cabeça no ombro dele.

- Cansado, também? - perguntou.

- Mal estou respirando. - Ele ligou o motor.

- Cansado demais para, também?

- A resposta é: estou, sim.

- Eu também. Somos dois que estamos cansados demais para, também. - Ela bocejou, fechando as pálpebras. - Console-se com a idéia de que estamos fazendo a História.

Russ ligou os limpadores de pára-brisa contra a chuvinha leve que caía.

- Ou quem sabe vamos fazer é parte das colunas fúnebres... como o General Weidener.

Duas outras cabeças pensavam de modo semelhante. Bradford Cooley e Emmett Hopper descansavam no átrio da casa de Cooley.

- Dez e vinte - falou Cooley, olhando para o relógio de pulso. - Mais umas vinte e sete horas, aproximadamente, e estaremos colhendo os frutos da Fase Um. Digamos umas quarenta e oito horas, e começarão a aparecer os da Fase Dois. Quer calcular as probabilidades, Emmett?

- É um empate... ou nós os enforcamos, ou eles nos enforcam, quem sabe até literalmente.

Marjorie Norworth não estava preocupada. Ainda no gabinete da sua secretária social, pois os homens continuavam a trabalhar na sua suíte, estava sentada à mesa, escrevendo. As palavras vinham com facilidade. Amanhã à noite, seriam ditas por seu convidado de honra.

 

Washington, D.C.: Quarta-feira, 3 de março. De dia e à noitinha.

Como o Secretário de Imprensa Michael Harris havia predito, os ataques dos jornalistas contra Charles Talbot iam do sarcástico ao malévolo. Vários colunistas sugeriram claramente que deviam ser tomadas providências para o impeachment. O mestre Abel Shaneycroft, cuja coluna saía numa cadeia nacional de jornais, com toda a raiva acusou abertamente o Presidente Charles Talbot de fraude premeditada em escala global:

- Tapeando o público americano com uma conversa liberal falsificada, o Presidente Charles Talbot acaba de se revelar um trapaceiro amoral. Ele desviou a atenção dos seus objetivos reais, e fingiu ter tomado atitudes corajosas para acabar com as revoltas civis e para reviver a economia interna. Mas o seu plano-mestre nada mais era que cometer um estupro... estupro do público americano, estupro da República de Basanda, e, por extensão, estupro do mundo...

Ken Ramsey parou de ler.

Felizmente, Charles Talbot continuava num sono dopado. O médico dele dissera a Ramsey que seria fácil acordar Talbot às cinco horas, e dentro de meia hora fazer com que estivesse de novo totalmente consciente.

- Ele estará em ótimas condições... só que, pelo amor de Deus, não deixe que ele saiba dos noticiários senão ele vai pegar a garrafa mais próxima e esvaziá-la - falou o médico da Marinha.

- Não faz mal se ele tomar uns dois drinques?

- Não... desde que ele só saiba de coisas positivas.

- Vai saber, Almirante. Vai saber.

Suzanne e Russ, recuperados pelas horas de sono, voltaram para os estúdios da CBN. Ainda faltava muita coisa para ser feita... e Suzanne estava chateada com os telefonemas de hora em hora que recebia de Noah Sturdevant, para saber "dos progressos feitos".

Ao meio-dia, ela perdeu a paciência e a educação.

- Olhe aqui, Sr. Sturdevant, estamos colando os filmes, colocando as vozes em off, escrevendo roteiros, ajeitando cerca de 62 mil detalhezinhos. Não estou de calcinhas porque pus um penico em cima da cadeira para não ter que correr para o banheiro cada vez que tiver que urinar... mijar, em linguagem corriqueira.

- Sr tá. Loring...

- Espere aí, Calígula. Estou mijando. Pronto. Acabei a última gota. Se você quer este especial vá você à privada, tranque a porta e sente no vaso.

Faça o que quiser. Mas pare de me encher!

- #Tsc-tsc# - falou Russ Hatch, em tom de reprovação, levantando os olhos do papel que lia: o rascunho final do comentário a ser apresentado pelo locutor. - Você é uma mentirosa. Está de calcinhas. Notei quando enfiei a mão debaixo da sua saia.

- Engraçadinho! - riu-se Suzanne. - Sabe, aquele monstro provavelmente acredita que estou mesmo sentada num penico.

Russ ficou sério, bateu na pilha de papéis.

- Um parágrafo horrível na página dois. O redator endeusa a CBN duas vezes... é um exagero para a versão a ser exibida em particular, não é?

- Claro que é. Risque um dos elogios... ou os dois. Estes íedatores burraldos parece que não entendem que a badalação e o endeusamento da CBN são para a segunda versão. - Ela estendeu a mão para o telefone. - Está com fome? Mando vir o almoço?

- Legal... qualquer coisa que eu possa comer com uma mão só. Mande caprichar nos carboidratos, meu bem. Desde as três horas, quando tenho que me encontrar com a Marjorie, vou ficar correndo daqui pra lá, sem parar.

Os quatro agentes do FBI eram experientes, durões, inteligentes... e pretos. Emmett Hopper havia pedido que eles assinassem J um juramento de sigilo especial antes de pô-los a par da sua missão. Os homens concordaram... e a reunião que começara às 10 ainda continuava, embora já fossem 12:30.

Ao contrário de que se podia esperar, nenhum dos quatro agentes demonstrava sinais de tédio. Estavam, isto sim, alertas, ansiosos, entusiasmados... a despeito de Emmett Hopper tê-los advertido, francamente, do que poderia ocorrer, tanto no começo da reunião quanto agora, no seu encerramento.

- Há uma chance de que todos venhamos a perder os nossos empregos, talvez até mesmo de que sejamos presos, julgados, mandados para a prisão. Se algum de vocês quiser mudar de idéia, recusar a missão, fiquem à vontade. Não deporá contra vocês nas suas fichas do departamento. Naturalmente, se o fizerem, ainda assim terão que respeitar o juramento de sigilo. - Hopper fez uma pausa, fitando os rostos pretos de várias tonalidades. - E então? Silêncio.

- Nichols?

Hopper começou com o homem mais distante de si, à sua esquerda.

- Quero esta missão, Sr. Hopper. O agente seguinte.

- Kidderly?

- Eu também a quero, senhor.

Os outros dois homens deram respostas idênticas. O agente Kidderly teve vontade de acrescentar que não trocaria esta missão por nada no mundo, mas resolveu ficar calado. Sabia que o diretor Hopper não gostava de prolixidade.

- Apresentem-se a mim às duas e meia - falou Hopper. - Irei até lá com vocês.

A pequena horda de homens que Suzanne e a CBN mandaram para a Casa da Colina terminou o seu trabalho às 3 da madrugada, e se retirou. Uma meia-dúzia de especialistas voltaria na parte da tarde. Mas a paz e tranqüilidade que se seguiram à retirada dos homens só durou até as 8 e meia da manhã de quarta-feira, quando começaram a chegar os furgões dos decoradores, floristas e banqueteiros.

Lady Norworth estava no andar inferior, supervisionando o caos pessoalmente. Embora só tivesse dormido cinco horas, estava no auge da sua forma... e radiante.

- Não consigo me lembrar de quando a senhora esteve com melhor aparência, Lady Norworth - disse-lhe Holcomb.

- Obrigada, Holcomb. Para falar a verdade, também não posso me lembrar de quando me senti melhor... ou mais excitada.

- Ela viu que diversos homens carregavam um caixote grande e pesado na direção do Salão Vermelho. - Não! - gritou para eles.

- Esta deve ser a estátua da Deusa da Fertilidade... vai para a Sala de Jantar Oficial. Holcomb, por favor, mostre a eles onde é... e não se esqueça, quando as orquídeas chegarem, deverão ser amontoadas aos pés da estátua...

- Lady Norworth. - Era um dos criados. - O pessoal das máscaras chegou.

- Só deviam ser entregues às onze horas! Ora, vou ter que mostrar a eles onde pendurar cada uma delas... e por favor, me traga um pouco de suco de laranja.

O criado afastou-se depressa. Não dá pra entender, pensou ele, balançando a cabeça. - Ela está com cara e jeito de vinte anos, hoje.

Russ chegou à Casa da Colina às 3 em ponto. Ficou espantado com os efeitos que os decoradores haviam criado... e ainda estavam criando.

Marjorie Norworth gastara mais outra fortuna para arranjar um cenário apropriado para uma das suas festas-tema. Mostras de arte e artefatos africanos (presumivelmente basandanos) estavam por toda a parte. Máscaras de madeira entalhadas estavam penduradas nas paredes. Jóias de fabricação primitiva, de ouro, prata e cobre estavam casual, mas artisticamente, expostas sobre as superfícies planas. Duas figuras entalhadas de tamanho natural estavam no vestíbulo - e cada uma delas devia valer vinte mil dólares ou mais, caso fossem genuínas. Russ adivinhou (e corretamente) que eram. Percebeu outras estátuas, ainda mais magníficas, através de portas abertas.

Holcomb levou Russ lá para cima, não para a suíte de Marjorie, mas para o gabinete da sua secretária social.

- Tenho certeza de que o Senador adoraria um uísque bem grande, Holcomb - falou Marjorie, beijando Russ. - Você e Suzanne devem ter trabalhado como escravos - disse ela, depois que Russ estava acomodado numa cadeira, com o copo na mão.

- Suzy fez a maior parte/., e ainda está trabalhando. Sintome culpado de estar sentado aqui, de copo na mão, sem fazer nada.

- Ela é uma moça fabulosa, Russ. - Os olhos cor de violeta ficaram velados. - Você está apaixonado por ela? - Russ quase deixou cair o copo. - Não fique com cara de quem acabou de levar com um tijolo na cabeça. Está... ou não está?

- Eu... que diabo, talvez. Não sei... nunca falamos em termos de estarmos apaixonados. Temos estado juntos, nos dado bem...

- Você já falou demais. Isto mostra que não está, de verdade. Uma pena, mas, talvez seja melhor.

Russ estava totalmente confuso.

- Por quê?

- Por causa do seu futuro político. Quero discuti-lo com você rapidamente agora. Foi este o motivo pelo qual pedi a você que viesse aqui às três horas, durante a calmaria que precede a tempestade.

- Marjorie, eu não tenho futuro político!

- Como é que alguém pode ser tão ingênuo? Depois de hoje à noite, e mais especialmente de amanhã à noite, você estará estabelecido como uma figura importante.

A sua carreira política estará assegurada... e você poderá fazer dela o que quiser. Se estivesse apaixonado por Suzanne, terminaria casando com ela, sem dúvida...

- Apenas como curiosidade, o que haveria de errado nisto? Russ dava grandes goles no seu uísque.

- Um bocado de coisas. Ela é devotada à própria carreira... o que daria motivo para conflitos. Depois, os eleitores não gostam muito de candidatos cujas esposas são independentes e têm as suas carreiras. Os votantes preferem homens cujas mulheres são companheiras e ajudantes amorosas. E não se esqueça do conflito de interesses óbvio: você, um político, com uma esposa que adora acabar com a raça da polícia e dos políticos. Os dois seriam suspeitos. Suzanne, de repetir aquilo que você estaria dizendo a ela, você de...

- Discussão puramente acadêmica, Marjorie. Acabo de entrar no terceiro ano do meu primeiro mandato como senador. Não estaria na minha vez de me recandidatar (mesmo que eu quisesse me candidatar de novo) senão em...

- Há uma campanha presidencial no ano que vem.

- O QUÊ?

- Preste atenção, Russ. Daqui a dois anos você estará com 41 anos. Charlie Talbot não será candidato de novo, posso lhe garantir. O país estará pronto para outro Presidente jovem e carismático. Com o apoio financeiro suficiente, dado por mim, e graças à reputação que você vai ter depois de amanhã à noite, você será indicado, na certa. Quanto à sua eleição... bem, estou disposta a apo"star muitos, muitos milhões nela.

Russell Hatch estava de boca aberta. Se Marjorie Norworth falasse a sério, a idéia não era tão loucamente absurda como parecia. Meu Deus! Ser Presidente!

Marjorie quase que podia enxergar dentro do cérebro dele, e o sorriso dela ficaria bem numa Madame de Maintenon... ou num Mediei.

- Nós não temos apenas duas grandes noites à nossa frente, mas dois grandes anos - murmurou... e o nós tinha um jeito de proprietária. Depois disso, mais quatro anos, acrescentou para si mesma. O que eu comecei irá crescer... para ser o sucesso culminante da minha carreira política.

- Quando é que você vai à Casa Branca? - ela perguntou.

- Às sete... e se você me der licença, Marjorie, acho que está na hora de ir-me embora. Tenho muito o que fazer... e depois me vestir...

- Xô... dê o fora.

Marjorie sorriu e fez gestos exagerados de enxotá-lo com as mãos graciosas.

- Ah, esqueci. Vou voltar para cá às seis e meia. Suzanne tem que verificar as instalações e falar com os homens da equipe técnica principal. Prometi que a traria para cá.

- Então, até às seis e meia. - Ela ficou de pé e o beijou. - Se você tiver um momento livre em todas essas idas-e-vindas, pense um pouco no seu futuro... como o futuro Presidente Russell Hatch. Presidente Hatch. Soa muito bem, Russ.

Emmett Hopper apareceu alguns minutos depois que Russ foi embora. Estava acompanhado pelos quatro agentes negros do FBI, que usavam o "uniforme" da agência... ternos de passeio escuros, monocromáticos e conservadores. Cada um deles trazia uma pequena mala. Holcomb disse que Lady Norworth estava no andar superior.

- Devo avisá-la que o senhor está aqui, Sr. Hopper?

- Não há motivo para incomodá-la, Holcomb. Estes cavalheiros serão os seus barmen e garçons extras. Passarão o resto da tarde familiarizando-se com a casa.

As perucas e as vestes deles estão nas malas.

Depois de ter entregue os seus agentes, Hopper voltou para o Edifício J. Edgar Hoover.

Russ, já vestido a rigor, trouxe Suzanne até a casa de Lady Norworth. Ela estava vestida de modo informal, mas trazia consigo as roupas que usaria mais tarde.

Os decoradores e floristas haviam completado o seu trabalho. Os empregados -- tanto os regulares como os especiais - estavam vestidos de acordo com o tema da festa.

Até mesmo Holcomb usava uma peruca afro exagerada e uma túnica africana colorida. Demais, pensou Russ. No entanto, no dizer de Marjorie, Washington aprecia o mau gosto.

- Estou surpreso de não ver leões à solta por aí, nem um osso enfiado no seu nariz - sorriu ele mordazmente para Holcomb.

- Não se pode ter tudo, Senador - respondeu o mordomo, rindo também. - Mas os empregados vão chamar os convidados de bwana, esta noite.

- Eles vão endoidar - riu Suzanne. - Quem sabe poderemos acender um fogo baixo e encolher a cabeça deles.

Marjorie Norworth veio descendo a larga escadaria. Ainda não se havia trocado para a festa, e estava vestida, pelos seus padrões, de modo simples.

- Suzanne, minha cara - abraçou Suzy. - Por favor, vamos lá para cima. - Lançou um olhar para Russ. - E você, meu rapaz, vá andando. Não queremos que você ganhe notas baixas por chegar atrasado à Casa Branca.

- Ele não vai chegar. - Suzanne sorriu para Hatch. - Jurei a Lexa Talbot que ele chegaria na hora. Com a gravata no lugar... e ela está. Vá andando, bwana... até mais tarde.

Lexa Talbot estava à espera de Russ na Sala de Estar Ocidental.

- Você fica lindo vestido a rigor, Russ - disse ela depois que se cumprimentaram. - Parece que fica ainda mais alto e com os ombros mais largos.

- Vou arranjar um emprego como maítre nalgum restaurante.

- Eu vou ser freguesa assídua. Vou aparecer por lá todas as noites para admirá-lo.

Russ notou que ela estava usando o mesmo vestido que usara no sábado à noite, quando fora ao apartamento dele. Ficou surpreso Nunca esperei ver Lexa Talbot usando o mesmo vestido duas vezes, refletiu. Especialmente um como esse: informal, um simples "pretinha", como dizem as mulheres... e para uma noite importante. Tinha certeza de que ela estaria exótica, glamourosa, ou coisa assim.

Lexa congratulou-se, mentalmente. Era brincadeira de criança ler os pensamentos dele. O efeito duplo que ela buscara conseguir fora conseguido. O vestido fazia com que ele lembrasse do sábado... e por um processo de associação, do domingo à noite. Alem do mais, era certo que Suzanne Loring estivesse vestida "botando pra quebrar."

O contraste causaria um impacto em Russ, faria com que ele tivesse vontade de proteger e amparar... a pobrezinha da Lexa.

- Que homem observador - comentou ela. - Está reconhecendo o meu vestido. Foi a coisa mais prática em que pude pensar... se levarmos em conta que eu e papai ficaremos de castigo no sótão de Lady Norworth durante horas.

- Não é bem no sótão dela - respondeu Russ, porque não sabia o direito o que dizer. - Apesar disso... - ora, droga, vamos mudar de assunto. - Há... como vai o seu pai?

- Papai está um amontoado de lugares-comuns, Russ. Está andando nas nuvens, no topo do mundo, rindo sozinho. Ken Ramsey e eu contamos a ele tudo o que ele precisa saber, até o momento.

Ken está ajudando-o a se vestir, e vigiando-o como um falcão... ei, que palavra legal, no caso!... quer dizer cuidando para que ele não fale com ninguém e deixe escapar por acaso as palavras erradas. Vamos tomar alguma coisa enquanto esperamos pela grande entrada dele.

Ela preparou dois martínis, deu um para Russ. Mal haviam começado a beber quando Charles Talbot veio reunir-se a eles. Era um novo homem, um bucaneiro resplendente em traje a rigor, autoconfiante e animado. Os vincos no rosto de atleta dele, que recentemente tinham se tornado muito profundos, haviam virado milagrosamente leves ruguinhas.

- Oi, Gatinha. - Ele beijou Lexa, apertou com força a mão de Hatch. - Como vai o galã da minha filha esta noite... e onde está a minha bebida?

Lexa preparou rapidamente um martíni fraco. Talbot provou-o, fez uma careta.

- Acabou o gim da casa?

- Você precisa estar com a cabeça desanuviada, Papai. Tem muita coisa para estudar e treinar enquanto estivermos escondidos no lugar que Russ afirma que não vai ser o sótão de Lady N.

Talbot fez outra careta.

- E temos mesmo que nos esgueirar pela porta dos fundos?

- Viu que Russ e Lexa faziam que sim com a cabeça. Que diabo!

- Esvaziou o copo. - Bem, vamos nos mandando.

 

A Casa da Colina: Quarta-feira, 3 de março. À noite.

Duas belas moças negras vestindo apenas uns saiotes africanos amarrados à altura dos quadris estavam no vestíbulo. Colares africanos serviam para acentuar a beleza dos seus seios nus. Entregaram a cada convidado que chegava um distintivo de lapela espalhafatoso: "Estou Apoiando Basanda." O Senador Daniel Aloysius Madigan prendeu o dele ao peito com um mau pressentimento, incapaz de entender ao certo o que havia por trás da extravagante festa "falconiana" de Marjorie Norworth. Ele ia de aposento em aposento, na esperança de descobrir alguma pista.

Early Frobase não foi de nenhuma ajuda. Agarrado a um copo de bebida, Frobase estava próximo às fartas mesas do buffet, na cópia da Sala de Jantar Oficial, fitando fascinado as criadas negras do busto de fora, sem a menor disposição para conversar. MacDonald Pearce estava mais falante e fez a Madigan um dos seus característicos sermões pedantes. A essência dele: Lady Norworth media com muita exatidão a temperatura das tendências e sempre, mas sempre, bandeava-se para o lado vencedor. A posição falconiana dela era "um indicador infinitamente mais válido do que os resultados de todas as pesquisas de opinião do país".

Madigan disse que concordava, e seguiu em frente, encontrandose com Russell Hatch, que se mostrou amistoso e afável.

- Qual vai ser o desfecho disto tudo? - perguntou Madigan. Russ tinha entregado Charles Talbot e a filha, às 7:45, nas boas mãos de Marjorie. Ele e Suzanne haviam passado as duas horas seguintes acertando os detalhes finais. Com tudo em ordem, ele podia dar-se ao luxo de relaxar, de se misturar aos convidados que principiaram a chegar às 10 horas, e de ser amável com todos. Até com Daniel Madigan.

- Ao que eu saiba, é só uma festa, Dan - falou, sorridente. - Relaxe, divirta-se.

Deu uma batidinha simpática no ombro de Madigan e se afastou. Madigan encontrou John Kurtz e G. Howard Denby confabulando num canto. Uniu-se a eles.

- Quando as pombas souberem desta festança, amanhã, vão ficar arrasadas - faiou Kurtz, todo satisfeito.

- Bandos delas vão mudar de lado, e correndo - predisse Denby. - Marjone é quem regula a marcha... os filhos da mãe vão perceber que é bom marcharem no compasso certo, senão...

Foi um discurso longo e veemente para o diretor da CIA, normalmente seco e taciturno.

A chegada de Emmett Hopper não causou nenhuma comoção. Pressupôs-se que o chefe do Fui resolvera proteger-se, aderindo à causa de Basanda. Mas houve grande surpresa quando, alguns minutos mais tarde, apareceu o Deputado Bradford Cooley. O senador pelo Estado de North Dakota, Atherton Pace, interceptou Cooley enquanto ele sacudia as suas banhas, dirigindo-se ao bar mais próximo.

- Não esperava ver você aqui, Brad. - A risada de Pace era um relincho. - Você sempre foi a pomba mais barulhenta e gorda da Câmara.

- Aceite meu conselho, Atherton, desista da ornitologia - disse Cooley, ambiguamente, e continuou o seu caminho para o bar.

Jordan B. Rickhoven in chegou às 10:30. A própria anfitriã conduziu-o até à códia da Sala de Jantar Oficial. Os homens amontoaram-se ao redor dele para prestar-lhe os seus respeitos. Para a maioria, ele era o "Sr. Rickhoven", pronunciado com a deferência devida ao homem que tinha direitos sobre a metade dos políticos de Washington, MacDonald Pearce orgulhava-se de poder tratar o bilionário por "Jordan". Dan Madigan ostentava o grau de familiaridade que lhe era permitido, chamando Rickhoven de "J.B."

Rickhoven aceitava as homenagens com a sua habitual despreocupação, mas Marjorie pressentia a sua impaciência de explorar a festa para os seus propósitos pessoais.

Ela deu uma desculpa plausível, saiu de perto dele e pareceu flutuar pela sala no seu vestido de noite de Zandra Rhodes, exoticamente bordado. Ela literalmente brilhava, ao caminhar. A noite era, na sua opinião astutamente precisa, definitivamente uma noite para diamantes... e ela estava usando os maiores e melhores que tinha.

Jordan Rickhoven escolheu a Sala Azul como a sua sala de conferências particular, onde ele, Pearce, Madigan, Kurtz, Denby e Early Frobase podiam conversar a portas trancadas.

- Talbot está sob controle? - perguntou Rickhoven.

- Amarrado e amordaçado - respondeu Howard Denby.

- Alvin Dunlap vem aqui hoje?

- Foi convidado e aceitou - disse John Kurtz. - Dissemos a ele que não viesse. Se tivermos que usar a Vigésima Quinta com Talbot, será mais eficaz que Dunlap apareça em cena como um neutro inocente suportando. com bravura a carga que lhe foi impingida.

Dan Madigan percebeu a sua chance. A presença de Early Frobase tornaria mais eficaz o álibi que estava tentando arranjar.

- Early e eu também devemos ficar na moita por alguns dias - falou. - Como ele é o Presidente Interino e eu o Líder da Maioria no Senado... bem, que diabo, por que nos arriscaremos a que as pessoas somem dois e dois, e achem quatro, caso tenhamos que enfiar a corda da Vigésima-Quinta no pescoço de Charles Talbot.

- Besteira - resmungou Pearce. - Talbot está indefeso. John Kurtz chupou o seu cachimbo frio.

- Ele pode refletir um pouco e tentar lutar contra a maré. Acho que concordo com Dan.

- Eu também - assentiu Rickhoven... para o imenso alívio de Madigan. O bilionário olhou para Kurtz. - Quais são as últimas no seu departamento, John?

- As duas divisões embarcam amanhã ou depois. Entrarão em ação tão logo desembarquem.

- Ótimo... e você, Mac. Alguma novidade?

- Bem... o nosso embaixador relata que houve distúrbios antigoverno em Kinsolo. Mas foram contidos. O Grande Comelho Militar agiu rapidamente...

usando de força, é claro. Cerca de duzentos manifestantes foram mortos.

- Mac, não tenho notícias de Dollinger, o meu homem em Basanda, há quase dois dias.

Era uma afirmação que exigia resposta. Pearce pigarreou, constrangido.

- Eu teria preferido contar-lhe isto em particular. - Ele viu a cara feia que Rickhoven fez e se apavorou. - Jordan... uma turba em Kinsolo atacou o carro dele e queimou-o...

- Com Dollinger lá dentro? - O rosto aquilino de Rickhoven ficou arroxeado. - Que diabo, mas leva anos, décadas, para fazer um grande executivo como Dollinger, e apenas uns minutos para acabar com um político! Enfiem isto na cabeça. Se mais alguém do meu pessoal de cima lá em Basanda sofrer um arranhão que seja, atribuirei a responsabilidade, pessoalmente, a vocês três: Pearce, Kurtz e Denby.

Ele recobrou a serenidade, e alguns minutos mais tarde declarou encerrada a conferência improvisada.

Lady Marjorie Norworth entrou de novo na Sala de Jantar Oficial com Suzanne Loring, que estava impressionante num vestido de chiffon de Saint-Laurent, com o cabelo escuro envolto num turbante de crèpe de cbine. A conversa dos homens cessou. Um convidado do sexo feminino? Destruía todas as tradições das festas-tema da Casa da Colina. O fato da convidada ser Suzanne Loring, a personalidade de televisão que adorava atormentar os políticos, aumentou a consternação masculina. Marjorie foi levando Suzanne de um grupo a outro, explicando o porquê da presença dela ali.

- O público precisa saber desta festa - dizia Lady Norworth, toda efervescente. - As pessoas precisam se dar conta do número de figuras importantes do nosso Governo que compareceram para demonstrar a sua simpatia pelos legalistas basandanos,... e nós queremos que o relato seja feito por uma pessoa digna de confiança. Preciso lembrar a vocês como a Srta. Loring foi maravilhosamente justa para com o Senador Madigan?

Os temores se acalmaram. Marjorie Norworth jamais causaria embaraço aos seus convidados, ou arriscaria prejudicar a própria posição, e publicidade do tipo certo era muitíssimo desejável. Os homens se descontraíram. A conversa deles se reiniciou, franca e livre como antes.

Marjorie e Suzanne foram para a Sala Vermelha. Jordan Rickhoven estava batendo papo com o novo Secretário do Tesouro. Marjorie fez as apresentações. Suzanne sorriu cativantemente para Rickhoven.

- Finalmente estou conhecendo o meu magnata preferido.

- E eu a minha celebridade de televisão preferida. Posso arranjar-lhe uma bebida?

- Por favor, obrigada. - Um criado negro de túnica africana ia passando com uma enorme bandeja cheia de copos. - Será que o senhor pode roubar uma taça de champanha do nosso leal carregador-de-bandejas?

Rickhoven fez um sinal. O criado disse:

- Sim, bwana.

Ofereceu a eles a bandeja. Rickhoven pegou duas taças de champanha, passou uma delas a Suzanne com um gesto cavalheiresco.

- Como será que dizem "à nossa" em basandano? - falou, sorrindo.

- Ouvi muitas das tribos falarem swahili - não ouvi, mas e daí? - e as únicas palavras em swahili que conheço são pika e cbunga kali. A primeira significa disparar, como em disparar um rifle, e a segunda significa perigo. Portanto, pika e cbunga kali, Sr. Rickhoven.

O sorriso vagaroso dele foi meio incerto, mas encostaram os copos um no outro e beberam.

Marjorie pediu aos oito ou dez homens que havia gravitado na direção da Sala Verde para fazerem o favor de sair por alguns minutos.

- Vamos preparar a sala para um programinha especial. Os criados vão mudar os móveis de lugar e trazer algumas cadeiras de dobrar.

Os homens se retiraram, obedientemente. Quando já não dava mais para Marjorie escutá-los, alguns resmungaram.

- Que merda, vai ver que vamos ter que assistir a um bando de crioulos se sacudindo pra lá e pra cá, agitando lanças.

- Batendo nos tambores enquanto dão os seus berros.

- Se tivermos sorte, não vai demorar muito.

- Se tivermos mais sorte, as crioulinhas é que vão dançar, balançando os peitos nus.

Este último comentário estimulou o deputado pelo Estado de Minnesqta, Boyd Sorenson... uma figura nacionalmente famosa, pela sua grande família (nove filhos), as suas cruzadas inflexíveis contra a pornografia, o sexo permissivo e o aborto, e pela sua observância das severas doutrinas calvinistas da religião à qual pertencia.

- Uma puta negra já chupou você? - perguntou aos seus companheiros. - A crioula quase que puxa a sua espinha pela cabeça do pau. Jesus, é uma coisa!

O Subsecretário da Marinha Peebles concordou, com um sorriso obsceno.

- Essa negrada pode ter ódio dos brancos, mas como as crioulas gostam de mandar brasa num pau branco!

Como era de se esperar, até mesmo as cadeiras dobráveis que Lady Norworth havia alugado para aquela noite eram luxuosas. Os assentos e os encostos eram estofados num padrão de pele-de-zebra. de acordo com o tema africano da noite. Dispostas em fileiras, elas transformaram a Sala Verde num teatro em miniatura... ou melhor, num cinema, pois a imensa tela metálica numa das extremidades da sala fora abaixada.

A complexa máquina de projeção, que podia exibir programas de televisão enquanto eram transmitidos, videotapes ou filmes cinematográficos, estava armada, na posição precisa. Holcomb, muito na dele, na sua peruca e túnica africanas, estava de pé ao lado do aparelho.

As várias dúzias de convidados, cada um deles trazendo um copo cheio da sua bebida favorita, tomaram rapidamente os seus lugares. Fosse lá qual fosse o programa especial, queriam que acabasse logo para poderem voltar às suas fofocas e negociatas.

Jordan Rickhoven pegou um lugar numa fileira que ficava a meio caminho do projetor e da tela. Os seus três acólitos (Pearce, Kurtz e Denby) automaticamente escolheram a mesma fileira. Eles ainda estavam sob o efeito da bronca de Rickhoven, e competiam um com o outro para voltar a cair nas boas graças do bilionário.

Dan Madigan e Early Frobase sentaram-se juntos, bem afastados de Rickhoven e do trio bajulador. O deputado por Minnesota, Sorenson, e o Subsecretário Peebles descuidadamente instalaram-se na fileira da frente. Não tinham o menor interesse em ver filmes. Estavam entretidos numa discussão sobre os méritos da felação realizada por prostitutas negras, e na comparação das suas experiências pessoais, descendo aos mínimos detalhes.

O auditório ficou cheio. Havia algumas cadeiras dobráveis agrupadas à volta do projetor. Eram ocupadas por Lady Norworth, Suzanne Loring, Emmett Hopper, Bradford

Cooley e Russell Hatch. Quatro negros, de peruca afro e túnica colorida, não se sentaram. Ficaram em pé, encostados à parede esquerda. Os convidados imaginaram que estavam ali para apanhar os copos usados e servir mais drinques.

- Acho que estamos prontos - murmurou Lady Norworth. Ela se pôs de pé, uma figura régia, com os diamantes falseando. - Meus caros amigos - falou, erguendo a voz.

Os homens se calaram, viraram o pescoço para poder olhar para ela. - Não encontro palavras, realmente não as encontro, para descrever a minha alegria e gratificação ao ver tantos de vocês aqui esta noite, porque não consigo lembrar-me de jamais ter dado outra festa tão significativa.

Ek fez uma pausa de uma fração de segundo, baixou os olhos para Bradford Cooley, que segurava com carinho um copo de Baccarat cheio de bourbon. Ele piscou para ela, que continuou:

- Sinto que a minha casa está simplesmente lotada de vibrações positivas... e que cada um de vocês também se sente gratificado. Esta é a prova final de que vocês, que governam o país, apoiam integralmente aqueles que estão resolvidos a levar a verdadeira democracia a Basanda.

É difícil bater palmas quando se está de copo na mão, mesmo quando se deseja aplaudir palavras que nos elogiam. Por isso os convidados de Marjorie tiveram que se contentar com murmúrios altos de aprovação.

- Esses bostas pensam que são heróis - Suzanne sussurrou para Russell Hatch, que estava sentado ao lado dela.

- Que mais deveriam pensar? - ele sussurrou de volta. - Eles provavelmente esperam que Jordan Rickhoven vá dar-lhes medalhas, mais tarde, como prendas de festa.

- É mais provável que esperem bolos de dinheiro.

- É o que ganham dois terços deles de qualquer modo - comentou Hatch com uma careta.

Os murmúrios foram sumindo. Marjorie recomeçou.

- Todos vocês estão apoiando a causa legalista de Basanda, mas temo que muitos poucos de nós alguma vez tenhamos estado de fato em Basanda. Talvez isto seja uma vantagem. Lembro-me do que Harry Truman comentou quando Ike Eisenhower anunciou que iria para a Coréia. "Aquele f.d.p. idiota não entende que os políticos devem ficar longe dos lugares em que as pessoas estão atirando umas nas outras. Já temos atiradores de tocaia que cheguem, aqui mesmo em Washington." - A platéia deu risada. - Mas na verdade devemos saber alguma coisa sobre o país e o seu povo. - Marjorie fez nova pausa, inclinou a sua bela cabeça na direção de Suzanne, e continuou: - Graças à Srta. Loring, temos um filme (que ela chama de colcha de retalhos de pedaços de filme) feito em Basanda por equipes de cinegrafistas da Continental Broadcasting Network. Nada do que vamos ver hoje à noite já foi mostrado publicamente. Espero que vocês achem o filme tão fascinante... e educativo... quanto eu achei, quando a Srta. Loring o passou para mim, hoje cedo.

Ladv Norworth se sentou.

- Uma merda dum fume para turistas - comentou uma voz anônima (e bêbeda).

MacDonald Pearce mexeu-se na cadeira, inquieto.

- Não faz o estilo de Marjorie... não faz mesmo - resmungou. - Não está dando pra entender. Percebo uma nota falsa...

- Pare de ser paranóico... - repreendeu-o Jordan Rickhoven, secamente; mas também ele estava vagamente preocupado.

Early Frobase cutucou Dan Madigan.

- Ela ficou biruta? Essa festança deve estar custando uma fortuna... e para quê? Para mostrar uma titica dum filme para a gente?

- Calma, Early - Madigan falou, numa voz arrastada que pretendia ocultar a apreensão crescente que ele próprio sentia. - Marjorie chegou aonde está fazendo coisas diferentes.

Bebeu de uma só vez a metade do que havia no seu copo cheio.

Bradford Cooley ocupava a cadeira ao lado da de Emmett Hopper.

- Não posso deixar de pensar em touradas - comentou Cooley.

- O momento da verdade? - A voz baixa de Hopper estava tensa.

- Exatamente.

Holcombo manipulou interruptores. As luzes da Sala Verde diminuíram, deixando apenas uma leve luminosidade no aposento.

Um cone cegante de luz irrompeu das lentes do projetor, esparramou-se contra a tela metálica e veio formar uma imagem do porto de Kinsolo. Uma cor vermelho-sangue veio escorrendo, formou um redemoinho que depois se transformou nas palavras superpostas:

 

                     BEM-VINDOS A BASANDA.

 

A Casa da Colina: Quarta-feira, 3 de março. Meia-noite.

Do título BEM-VINDOS A BASANDA passou-se para a imagem de uma clareira na selva, vista de longe. Bem no fundo da cena, percebiam-se negros vestindo peças de uniformes militares e segurando umas coisas compridas com que cutucavam e atingiam uns fardos informes que jaziam no chão.

A VOZ DO LOCUTOR: - K’tu, uma aldeia do interior do país, no começo do mês de janeiro deste ano.

As lentes das câmaras mostraram a cena bem de perto. Os fardos eram corpos horrendamente mutilados... um deles o de uma mulher jovem, com a barriga aberta. Mãos negras enfiaram um rifle com baioneta pela abertura. O rifle foi erguido. Na ponta da baioneta estava espetado um bebê quase totalmente formado.

A imagem agora era do exterior do Palácio do Primeiro-Ministro em Kinsolo.

A VOZ DO LOCUTOR: - Alguns dias depois deste incidente, o Primeiro-Ministro Odu Mwandi fez uma declaração aos nossos correspondentes.

Via-se agora a sala de audiências de Mwandi. Este, vestindo uma farda espalhafatosa incrustada de medalhas, fitava a câmara e dizia:

- As bestas rebeldes têm que ser eliminadas, aniquiladas.

A primeira seqüência teve o efeito de atordoar os convidados de Marjorie, deixando-os em completo silêncio. Agora, ouviam-se murmúrios de aprovação. Sem dúvida, os rebeldes capazes de tais atrocidades mereciam ser exterminados.

A câmara deteve-se na imagem fixa de Mwandi com a boca aberta.

A VOZ DO LOCUTOR: - O Primeiro-Ministro esqueceu-se de mencionar que os açougueiros eram as suas tropas e as vítimas os aldeões de K’tu. O crime deles: não comemoraram o aniversário dele com pompa suficiente.

Uma nova cena. Uma praça aberta em Kinsolo. Vinte estacas de madeira estavam enfiadas no chão. A cada uma delas estava amarrado um homem ou uma mulher. Soldados legalistas ensopando as figuras com o líquido contido em latas de gasolina de cinco galões. Uma multidão cercava a praça, contida por mais soldados brandindo rifles e metralhadoras.

A VOZ DO LOCUTOR: - Essas vítimas eram culpadas de absolutamente nada. Foram escolhidas ao acaso para servir de exemplo. O filme é silencioso, feito com câmaras de mão por cinegrafistas que conseguiram burlar a vigilância dos guardas e da polícia secreta de Basanda, e que se esconderam num prédio próximo.

As latas de gasolina foram esvaziadas. Os soldados afastaram-se das estacas, acenderam fósforos. Os vinte homens e mulheres explodiram em chamas.

A VOZ DO LOCUTOR: - Os seres humanos que acabaram de ver queimados vivos foram ensopados com gasolina fornecida pelo governo dos Estados Unidos.

MacDonald Pearce saltou da cadeira.

- Exijo que parem este filme! - berrou, com voz aguda. Houve outros protestos em voz alta.

Primeiro Ato, pensou JMarjorie, e disse:

- Muito bem, Holcomb.

O projetor foi desligado, e todas as luzes da Sala Verde se acenderam. Os convidados estavam praguejando, saindo dos lugares, dirigindo-se para as portas. Emmett

Hopper se levantou, fez um sinal. Os agentes negros do FBI que passavam por criados sacaram revólveres Magnum 375 de sob as vestes africanas. O agente Nichols apontou para o teto, disparou. O barulho ensurdecedor pregou no chão os convidados em fuga.

  1. Howard Denby ficou sem ar, e a sua pele ficou amareloesverdeada. Hopper. Um golpe do FBI. Um espasmo contorceu os intestinos de Denby. Hopper e o FBI não ousariam... a não ser que tivessem ordem de agir. E isto queria dizer Charles Talbot. Denby viu-se fitando o cano de uma Magnum, e foi acometido de outro espasmo. O Diretor da CIA que calmamente ordenava assassínios e encorajava massacres era um pobre covarde, fisicamente.

- Você está louca! - Jordan Rickhoven gritou para Marjorie Norworth. Agarrou MacDonal Pearce pelo braço, arrastou-o para a saída. O agente do FBI Kidderley adiantou-se e deu-lhe um curto golpe de caratê, que jogou Rickhoven ao chão.

- Chamem a polícia! - berrou Pearce, bistericamente.

- Voltem para os seus lugares, todos vocês! - ordenou a voz de Emmett Hopper.

John Kurtz se manifestou.

- Hopper, quando o Presidente vier a saber...

- Ele soube tudo o que precisava saber de você no sábado Kurtz.

A explicação, pensou Kurtz, era que Talbot havia escolhido o FBI e Hopper como a sua última esperança, como as derradeiras armas de retaliação.

- Deixe estes idiotas fazerem a jogada deles - falou Jordan Rickhoven, pondo-se de pé com a ajuda de Pearce. - Vamos invocai a Vigésima Quinta, logo de manhã.

Pearce viu Dan Madigan, fez-lhe um sinal. Madigan desviou os olhos, depressa. O instinto lhe disse que era melhor subir no muro, para ver de que lado devia saltar.

Pressionados pelos homens de Hopper, os convidados retornaram às suas cadeiras dobráveis. Somente Howard Denby permaneceu de pé. Não tinha coragem de sentar-se na sua própria sujeira. As luzes diminuíram de intensidade... mas apenas um pouco. O projetor começou de novo a funcionar. O locutor continuou de onde parará.

- o que não é, absolutamente, a única manifestação da generosidade americana. Os Primeiros-Ministros de Basanda fazem uso de mais de cinqüenta limusines Cadillac feitas sob encomenda... todas blindadas, seis delas também folheadas a ouro.

Apareceu na tela uma fila comprida de brilhantes limusines no pjátío do Palácio do Primeiro-Ministro. Logo a seguir, apareceu uma imagem de um enorme iate branco.

A VOZ DO LOCUTOR: - Construído secretamente, e tendo custado 54 milhões de dólares aos contribuintes americanos, este iate foi dado de presente a Odu Mwandi.

A cena seguinte foi uma vista de mansões opulentas numa colina.

A VOZ DO LOCUTOR: - Cada uma dessas casas custou ao povo americano mais de 200 mil dólares. Foram ofertadas aos altos membros do governo de Basanda.

Passou-se então para uma vista de uma favela obscena, com os seus casebres e barracos, crianças de barriga inchada pela inanição, adultos esquálidos de olhos vazios.

A VOZ DO LOCUTOR: - O bairro de Tsomba, a pouco mais de um quilômetro do Palácio do Primeiro-Ministro, onde morrem de fome vinte pessoas por dia.

Cena em primeiro plano de urubus dilacerando um corpo humano, A VOZ DO LOCUTOR: - O sucessor de Mwandi, Percival Kwida, continuou a lutar contra os pretensos rebeldes... gente como essa da tribo dos Bima, que protestou contra o confisco das suas colheitas e criação.

Na tela, trezentos ou mais basandanos de ambos os sexos e de todas as idades estavam presos num cercado de arame farpado. Tropas legalistas, agachadas por trás de metralhadoras, abriram fogo e acabaram com todos.

A VOZ DO LOCUTOR: - O governo de Kwida foi curto, mas não menos sangrento que o do seu predecessor. Em Kinsolo, ele ordenou a morte de milhares.

Imagem de centenas de corpos pendurados em forcas.

A VOZ DO LOCUTOR: - O Grande Conselho Militar que assumiu o poder depois da morte de Kwida opera sob a direção da Agência Central de Informações americana, mas o terror e os massacres continuam.

Mais cenas de carnificina e horror, depois BEM-VINDOS A BASANDA e o logotipo da CBN.

A VOZ DO LOCUTOR: - Esses filmes foram feitos violando as normas de censura dos governos basandano e americano. Não foram exibidos publicamente por causa das pressões exercidas pelas agências federais. Elas ameaçaram de represália não só a CBN como todos os outros meios de comunicação se transmitissem informações injuriosas à imagem legalista. Noah Sturdevant, presidente da junta administrativa da CBN, acredita que chegou a hora de se contar a verdade. Ele e os demais executivos da CBN estão preparados para aceitai as conseqüências.

A tela escureceu. Holcombe desligou o projetor, acendeu totalmente as luzes da sala.

  1. Howard Denby, ignorando a umidade pegajosa e o fedor dos próprios excrementos, recobrou a empáfia que confundia com coragem.

- Este filme viola a secção 151 da Lei de Segurança Nacional - declarou alto e bom som. - Como Diretor da CIA, estou autorizado a apreendê-lo e a deter todas as pessoas envolvidas na sua divulgação.

Hopper replicou.

- Denby, a Lei autoriza a apreensão ou pelo FBI ou pela CIA. Eu confisquei o filme, oficialmente, esta tarde. Também coloquei todas” as pessoas envolvidas sob detenção domiciliar protetora. Você terá que obter uma ordem presidencial antes que eu transfira este filme para a sua custódia ou suspenda a ordem de detenção protetora.

Jordan Rickhoven também tentou botar banca.

- Hopper, você nos deteve aqui ilegalmente, sob a mira de armas. Fomos privados das nossas liberdades civis...

- Arranje um mandado para a minha prisão - Hopper deu de ombros. - Ou queixe-se ao Presidente Talbot.

- Talbot! - exclamou Kurtz. - Aquele filho da mãe está acabado!

- Onde tem um telefone? - exigia Early Frobase. - Eu ainda sou o Presidente Interino do Senado, não se esqueçam. Vocês não podem me impedir de ligar para...

- Para quem, Senador? - perguntou Russell Hatch, pondo-se de pé. - Para Alvin Dunlap, para que o senhor possa dar início aos putsch do Führer Rickhoven?

- Talbot é mentalmente incompetente! - berrou Frobase, caindo na armadilha. Avançou para Hatch. Um agente de FBI de túnica colorida o agarrou.

- Tire essas mãos de cima de mim, seu negro sacana! Lady Norworth fez sinal para o seu mordomo.

- Temos mais filmes, cavalheiros - falou. - Filmes caseiros. Meus.

Holcomb havia substituído o rolo de filme por um videotape. O jato de luz do projetor iluminou a tela.

VÍDEO: O Senador Early Frobase e uma mulher negra estavam na cama, ambos nus. Ele agarrava os seios enormes e caídos dela.

AUDIO: A voz da mulher (entediada): - "Ande logo com isso. Faça o que quiser." A voz de Frobase (rouca, excitada): - "Junta os teus peitos".

VÍDEO: A mulher virou de lado, com as mãos apertando os seios até formarem o que parecia ser um enorme bolo de carne. Frobase, em justaposição, com a língua lambendo as grossas coxas dela, agarrou o pênis ereto com uma das mãos e bateu-o com força contra os seios dela.

AUDIO: Frobase grunhindo como um animal.

- Acho que chega - disse Marjorie. Holcomb desligou a máquina. A Sala Verde era sacudida por gargalhadas obscenas. Early Frobase soltou-se do agente do FBI e jogou-se ao chão, gemendo e arranhando o tapete.

- Um senador pelo Mississippi a menos - disse Russ Hatch a Suzanne. - Ele vai renunciar... e correndo.

- Ha - Ha - sorriu ela. - Devido a considerações pessoais urgentes.

Brad Cooley declarou em voz alta, carregando no seu sotaque falsificado do interior do Alabama:

- Estou simplesmente arrasado! O nosso distinto Senador realizando atos sexuais pervertidos com uma crioula! - Deu uma risada satisfeita, depois largou o sotaque:

- Não está na hora de fazer ordem no recinto... cavalheiros?

O tumulto cessou. Marjorie, com os olhos violeta brilhando de triunfo, falou:

- Eu tenho literalmente centenas de filmes caseiros estrelando muitos artistas diferentes. Vamos passar mais alguns?

Silêncio total. Quase todos os convidados tinham estado "lá em cima" pelo menos uma vez, no passado. Nenhum deles jamais sonhara que as suas palavras e ações estivessem sendo observadas em televisão de circuito fechado, e gravadas em videotape. O medo pesava sobre a sala.

MacDonald Pearce pensou nas garotinhas - "Cavalgue-me" - e agarrou as costas de uma cadeira, pois os seus joelhos ameaçaram ceder. Jordan Rickhoven quase que podia ouvir os guinchos de deboche com que seriam recebidas as imagens dele próprio arrastando-se de quatro, implorando para ser chicoteado e chutado. Os músculos faciais de Rickhoven ficaram flácidos; ele pareceu envelhecer 30 anos.

John Kurtz deixou cair o cachimbo, e não fez a menor tentativa de apanhá-lo. Howard Denby estava dobrado ao meio, agarrando o estômago com as duas mãos, tentando em vão abrandar a dor que q dilacerava. O Senador Atherton Pace suava profusamente...

Apenas Daniel Madigan permanecia sereno e tranqüilo. Marjorie e seus asseclas teriam mais "filmes caseiros" em que se apoiar, sem dúvida, fosse lá qual o propósito deles. Ainda não o haviam definido, mas logo o fariam, imaginava ele. Agora ou nunca, refletiu Madigan, decidindo que a sua segurança estava em passar para o outro lado. Ajeitando a gravata borboleta que saíra do lugar em meio ao tumulto e à correria, ele fez cara de meliante de segunda disposto a assumii a sua culpa.

- Cavalheiros, creio que devemos um voto de agradecimento a Lady Norworth - declarou, em voz alta, para que todos o ouvissem. - O filme sobre Basanda abriu os meus olhos. Deve ter aberto os de vocês.

Rickhoven acercou-se de Madigan com os olhos distilando puro ódio.

- Seu duas caras nojento...

- Calma, J. B., eu sou um velho profissional, já se esqueceu? Se não puder vencê-los, una-se a eles... o Primeiro Mandamento da política.

- Vou acabar com você!

- Vai uma ova. Amanhã, vou começar a organizar um comitê de investigação para o seu banco. Ouvi dizer que talvez não esteja solvente. Vamos rachar você ao meio.

- Isto não vai ser necessário, Dan.

Cabeças levantaram-se de chofre, em surpresa e estupefação. Eia a voz de Charles Talbot, vinda de um alto-falante oculto.

- Contei uma mentirinha, Jordan - disse Marjorie Norworth. - O Presidente está aqui. Ele e a filha estão na minha suíte, juntamente com os técnicos. - Virou-se para Suzanne. - Explique você.

- O prazer maldoso é todo meu - riu-se Suzanne. - Cavalheiros, o Irmão Grande esteve com vocês a noite toda. As equipes da CBN instalaram 36 microfones invisíveis nas salas onde vocês estiveram enchendo a cara e tagarelando... com um gravador ligado a cada microfone. Cada sussurro de vocês foi imortalizado eletronicamente lá em cima, na suíte de Lady Norworth... que é a cabine de controle e o centro monitor. - Ela fez uma pausa, depois acrescentou. - Muito bem, rapazes. Vamos divertir a boa gente com algumas amostras.

A suíte de Marjorie estava abarrotada de equipamentos eletrônicos. Charles Talbot, Lexa, seis agentes do Serviço Secreto e uma dúzia de técnicos tinham dificuldade em se locomover. Mas todos deram largos sorrisos quando os sonoplastas começaram a fazer funcionar o seu equipamento de playback.

Vozes claramente identificáveis saíam do alto-falante oculto na Sala Verde.

- Quero que essas divisões entrem em ação... entrem e fiquem em ação, haja o que houver. - Jordan Rickhoven.

Ouviu-se uns cuques amplificados.

- Todos nós estamos seguindo as suas instruções ao pé da letra, Jordan. - MacDonald Pearce.

Mais cliques.

- Se houver muita reação da parte do público, forçamos Talbot a declarar uma Emergência Nacional. Se ele se recusar, chutamos ele do cargo, colocamos Dunlap no lugar dele. Este não vai se recusar. - G. Howard Denby.

- Concordo plenamente. - John Kurtz. Novos diques.

- puta negra já chupou vocês? - O Deputado Boyd Sorenson.

Um clique e uma pausa.

- Talbot é mentalmente incompetente! - O Senador Early Frobase.

- Pausa para a identificação da emissora - disse Suzzanfle, para que os sonoplastas parassem o playback. Ela olhou com ar de deboche para os homens na Sala Verde.

- E agora, todos vocês aí, prestes a terem um enfarte, uma palavra do nosso patrocinador. Manda brasa, Sr. Presidente!

Charles Talbot inclinou-se na direção do microfone que fora colocado sobre uma mesinha, para ser usado por ele, olhou para o papel que lhe fora entregue mais cedo por Marjorie e leu as frases que passara uma hora ensaiando.

- Aqui fala o Presidente Charles Talbot... o Presidente dos Estados Unidos. O seu Presidente, eleito pelo povo americano e que jurou preservar, proteger e defender a Constituição. - Uma pausa de dois compassos. - Vou descer daqui a pouco. Os seguintes homens permanecerão na Sala Verde até que eu esteja pronto para vê-los:

Pearce, Kurtz, Madigan, Denby, Rickhoven. Os outros podem se retirar, mas não antes de que isto fique bem claro: eu, o Presidente, agora tenho todo o material de que preciso para me assegurar da sua obediência irrestrita às minhas ordens legais, da sua total cooperação para governar este país pelos processos democráticos...

e do seu silêncio absoluto sobre o que se passou aqui hoje. Eu, como cidadão, espero que vocês voltem para as suas casas. Leiam a Constituição... e depois orem pelo nosso País. Boa-noite.

Um sonoplasta desligou o microfone. Talbot virou-se para Lexa.

- Como me saí?

- Como Lincoln em Gettysburg.

Talbot e seus paladinos se reuniram na Sala Azul.

- Estou grato - disse ele, simplesmente.

- Ambos estamos - falou Lexa, com lágrimas nos olhos. Abraçou Marjorie Norworth, depois Suzanne, depois Russ, Bradford Cooley e Emmett Hopper, nesta ordem.

Talbot apertou as mãos dos homens, procurou ler os seus pensamentos. Favores da magnitude daquele que eles lhe haviam prestado não eram gratuitos em Washington.

O que oferecer como recompensa? Cooley freqüentara a Escola de Direito de Columbia. Av”ry Braithwaite teria que ser removido do Cargo de Juiz-Presidente de um jeito ou de outro. Um Juiz-Assistente poderia substituí-lo... e Cooley poderia ocupar a vaga resultante. Emmett Hopper? Isto é fácil, pensou Talbot. Eu darei a ele o grande prémio que ele sempre quis. Quanto a Russel Hatch... grandes comissões, muito contato com o público e mais convites para a Casa Branca.

Marjorie observava o quadro atentamente. Charles Talbot devia a ela a dívida maior de todas, e ela pretendia cobrá-la... e com juros de agiota. Talbot deixou-os, foi para Sala Verde. Quatro homens do Serviço Secreto o acompanharam. Dois ficaram junto a Lexa. Cooley, Hopper e Hatch seguiram atrás dos guarda-costas do Presidente.

A Sala Verde tinha o ar surrealista de um velório abandonado em pânico pela maioria dos pranteadores, que deixaram atrás de si uma confusão de cinzeiros sujos, copos...

e um grupinho de homens, tão desolados que não tiveram coragem de fugir.

Jordan Rickhoven estava sentado numa das extremidades do aposento com MacDonald Pearce e John Kurtz, os mais desolados dos últimos pranteadores, agrupados para melhor se confortarem em silêncio. Daniel Medigan relaxava numa cadeira, bem longe deles, fumando calmamente uma panatela... o parente que estava certo de ser o beneficiário principal do testamento que ainda não fora lido. G. Howard Denby, com o rosto sem cor e sem expressão, apoiava-se contra uma parede; um cadáver sem caixão, posto em exibição. O derradeiro toque surrealista era dado pelo quarteto de agentes negros do FBI... que bem poderiam ser cantores de Réquiem, espalhafatosamente vestidos, esperando que o agente funerário chegasse para pagar o que lhes era devido.

A porta se abriu. Um agente do Serviço Secreto anunciou:

- Cavalheiros, o Presidente dos Estados Unidos. Os homens sentados começaram a se levantar.

- Vamos deixar de formalidades.

Talbot entrou no aposento, cumprimentou os homens do FBI com um aceno amável de cabeça, caminhou até as cadeiras que cercavam o projetor, sentou-se numa delas, cruzou as pernas, fez sinal a Cooley, Hopper e Russ para que se sentassem perto dele. Os homens do Serviço Secreto ficaram de pé.

- O senhor quer que meus homens saiam, Sr. Presidente? - indagou Hopper.

- Não, eles fizeram jus às entradas. - Talbot abriu um caderninho de folhas soltas, que continha mais composições de Marjorie Norworth. - Secretário Kurtz.

- Sim, Sr. Presidente.

A resposta foi débil e trémula.

- Ao sair daqui, o senhor irá ao Pentágono e dará ordens para o cancelamento de todo o movimento de tropas e suprimentos para Basanda. As unidades destacadas para embarcar deverão voltar imediatamente para as suas bases permanentes. Todos os aviões que estão sendo empregados no transporte de material para Basanda não poderão mais levantar vôo. Estou sendo claro, até agora?

- Sim, senhor.

A voz dele era pouco mais do que um murmúrio.

- A seguir, o senhor notificará pelo rádio aos nossos comandantes em Basanda para efetuarem um cessar-fogo total e imediato. Eles deverão evacuar sem demora todos os civis americanos e preparar-se para retirar todo o pessoal militar.

- Eles... eles poderão ter que abrir caminho a bala.

- Duvido. Secretário Pearce, o senhor não dorme esta noite. Vá para o seu gabinete, tire o seu pessoal da cama. Estabeleça contato com os líderes rebeldes basandânos.

Informe a eles da nossa nova política de retirada completa. Solicite - não exija, solicite - que eles soltem os americanos que fizeram prisioneiros em Gidanu. Avise aos embaixadores britânicos, francês e soviético...

- Vamos dizer ao mundo que somos fracos, medrosos! - grasnou Pearce.

- Errado. Estaremos dizendo ao mundo que temos o bom senso de abandonar as causas perdidas.

- Temos as obrigações do tratado...

- Existem brechas em qualquer tratado... trate de encontrálas! - falou Talbot, irritado. - Ou vou arranjar um novo Secretário de Estado.

Pearce sentiu uma pontada de esperança. Ele estava certo de que Talbot ia exigir a sua demissão, mas este estava insinuando que ele poderia conservar o seu posto.

Se for assim, posso começar discretamente a reconstruir, pensou.

Charles Talbot lia em voz alta o que estava escrito no caderninho.

- A nossa posição é a que se segue: Os governos basandânos têm provado ser, sistematicamente, corruptos, tirânicos, selvagemente cruéis, e impiedosos. Recusamo-nos a repetir os horríveis erros das Administrações Johnson e Nixon. Os Estados Unidos não se devem meter (nem sofrer internamente por isso) numa guerra destinada a manter ladrões, torturadores e chacinadores no poder.

Dan Madigan se manifestou.

- Sr. Presidente, com a sua permissão, gostaria de repetir e endossar estas palavras no Senado.

Trabalhou bem, pensou Russ, não sem alguma admiração. Estou recebendo um curso-relâmpago em treinamento de sobrevivência.

Brad Cooley riu consigo mesmo. A Metamorfose Instantânea de Daniel Madigan de Brutus em Marco Antônio, pensou. Jordan Rickhoven não conseguiu mais ficar calado.

- Talbot, você está abandonando os nossos amigos e aliados...

- Besteira - rosnou Talbot. - Mas se o senhor tiver a cortesia de se dirigir a mim como "Sr. Presidente", eu o deixarei mais tranqüilo. O senhor fez muito pelo partido, no passado. Isto o torna um amigo e aliado. Não o estaremos abandonando. - Não podemos nos dar a este luxo.

- Minhas desculpas, Sr. Presidente.

Rickhoven pressentia que algum arranjo seria feito com ele.

- Quero vocês todos na Sala Oval às onze da manhã - falou Talbot. - Temos que estudar a sinopse de uma peça.

Ele ficou de pé. Os homens do Serviço Secreto o cercaram.

- Sr. Presidente. - A voz de G. Howard Denby era baixa e trêmula. - O senhor tem alguma instrução para mim?

- Terei... às onze. Há um grande papel na peça para você, Denby. Um papel muito grande.

Emmett Hopper e Bradford Cooley trocaram olhares marotos. Os olhos de Hopper brilhavam.

 

Washington, D.C.: Quinta-feira, 4 de março. Manhã e começo da tarde.

Kenneth Ramsey fez o grupo entrar na Sala Oval às onze horas em ponto. O Presidente Charles Talbot fez rápidas avaliações dos homens à medida que entravam.

MacDonald Pearce e John Kurtz estavam de olheiras, abatidos. Era óbvio que nenhum dos dois dormira. Dan Madigan estava bem posto, controlado. O ar despreocupado de Jordan Rickhoven estava um pouco exagerado, esta manhã. A seguir entraram Emmett Hopper - com ar esperto e eficiente - e Brad Cooley, com as roupas amassadas, como de costume, e uma expressão levemente sardónica. G. Howard Denby parecia adoentado. Russell Hatch estava animado, viçoso, ansioso.

Talbot ativou o mecanismo que trancava as portas, neutralizou o intercomunicador. Mandou que Hatch e o Diretor do FBI sentassem nas cadeiras mais próximas à sua mesa; os outros que sentassem onde quisessem. Fez um sinal de cabeça para o Secretário de Defesa Kurtz.

- Comece você, John - era uma medida prudente, esta de voltar a usar os nomes de batismo. - Mas ande depressa. Temos exatamente uma hora para confabular.

- As suas ordens foram cumpridas, Sr. Presidente - declarou Kurtz. - Ao pé da letra - acrescentou.

- Já deixou que a imprensa soubesse de alguma coisa?

- Ainda não.

- Muita bronca dos generais e almirantes?

- Só um pouquinho. - Eles tinham feito a maior zorra.

- E quanto ao seu Departamento, Mac? - Talbot perguntou a Pearce, preparando-se para o monólogo pedante que na certa se seguiria.

- O Departamento de Estado executou as suas ordens, Sr. Presidente. Estabeleceu-se comunicação direta com os rebeldes. Os revoltosos admitem estar detendo 97 civis americanos aprisionados quando eles invadiram Gidanu...

- Pensei que os presos fossem mais de cem.

- Ah... os rebeldes alegam que os outros foram mortos pelos nossos próprios aviões, durante os ataques. Não creio, é claro...

- Mas eu creio - resmungou Talbot. - Eles não admitiriam ter prisioneiros vivos que nos pudessem contar a verdade, se este não fosse o caso. Continue.

- O alto comando rebelde promete soltar todos os nossos prisioneiros quando as nossas tropas que estão avançando sobre Gidanu começarem a sua retirada para Kinsolo.

Era óbvio que Pearce emitia com nojo cada palavra.

- Não se pode confiar neles para cumprir a promessa - protestou Denby.

- Cale a boca, Denby - falou Talbot bruscamente, e voltou a se dirigir a Pearce. - As notificações para os governos estrangeiros? - Pearce hesitou. Talbot ficou zangado. - Que diabo, Mac, acabe logo com a sua humilhação!

MacDonald Pearce engoliu, e junto com a saliva amarga iam pedaços do seu orgulho destroçado.

- Os embaixadores francês e britânico aplaudem a nossa decisão. O... ha... embaixador soviético declara que o seu governo usará a sua influência com os rebeldes para prevenir incidentes que possam impedir a nossa retirada.

- Parece que estamos acertando em cheio - sorriu Talbot, satisfeito; depois olhou para Daniel Madigan. - Alguma contribuição, Dan?

- Humm-humm. Quero dizer, sim, Sr. Presidente. Early Frcbase está renunciando... devido a problemas de saúde. Se o senhor concorda, farei o meu discurso no Senado hoje à tarde.

- Ótimo. Eu vou anunciar à imprensa a mudança da minha diretriz política tão logo acabe esta reunião. - Se os bostas daqueles redatores já estiverem com a coisa pronta. Ainda não entendo por que ]im Zander de repente largou o emprego e desapareceu. Bem que poderia usá-lo. - O seu discurso vai coincidir perfeitamente, Dan.

- Ele se virou para Jordan Rickhoven. - J.B. conquanto não possa dizer, neste momento, que você é a minha pessoa favorita...

- Não costumo competir em concursos de popularidade - interrompeu Rickhoven. - O que costumo fazer é dirigir corporações... e contribuir financeiramente para carreiras políticas.

- É aí que quero chegar. O fato de eu estar furioso com você não vem ao caso. O Tio Sam precisa de você... digamos assim. Não podemos deixar você entrar pelo cano.

As suas companhias são grandes demais. - Um colapso do Império Rickhoven seria um golpe tremendo para a vacilante economia nacional. - Em números redondos, quanto custou a você a retirada de Basanda, J.B.?

- As nossas propriedades ali estão avaliadas em mais de quatro bilhões...

- Besteira. Só para constar. Pura ficção. As suas companhias já receberam de volta os seus investimentos originais mais de uma dúzia de vezes.

- O valor dos nossos bens...

- Olhe, estamos tentando ajudar. O Governo Federal tem autoridade estatutária para indenizar companhias americanas cujas propriedades no exterior sejam confiscadas ou nacionalizadas. - Talbot olhou para Brad Cooley. - Quanto o seu comitê concordará em despender, Brad?

- Um pouquinho menos de um bilhão, acho. Desde que a gente divida a quantia em pedaços para que ninguém se engasgue com ela. Você pode fazer com que o Senado aprove,

Dan?

- Para o J.B.? Claro - assentiu Madigan.

- Agora, vamos tratar do seu banco - falou Talbot para Rickhoven. - Governos anteriores livraram a cara de companhias de aviação, de utilidade pública e outras.

Não vejo por que não podemos fazer o mesmo eom um banco.

- Em conformidade com o Parágrafo Nove da Lei Classen •- sugeriu Brad Cooley.

- Uma injeção de cem milhões vai tirar o Rickhoven National da lista crítica - disse Madigan. - Verifiquei com a Reserva Federal.

- Quais são os mecanismos do Parágrafo Nove? - indagou Talbot.

Cooley estofou as bochechas gordas e rosadas.

- Na realidade, basta que o Poder Executivo dê sinal verde para o Sistema de Reserva Federal. Em outras palavras, depende do senhoi. Sr. Presidente.

- Não. Depende de você, J.B. - disse Talbot - A oferta total é de cerca de um bilhão pela perda dos seus bens em Basanda, e mais cem milhões para salvar o seu banco.

Isto põe você em circulação de novo?

Contando com as deduções de impostos, é passável... e nada mais, pensou Rickhoven. Deu de ombros.

- É, isto me põe de novo em circulação... mas gostaria de lembrar uma coisa a vocês. A operação de Basanda teria revivido a indústria, incrementado a economia...

- O que nos traz de volta à peça que mencionei na casa de Marjorie - riu-se Talbot. Não precisava agora das anotações dela. Tinha decorado os detalhes. - A apresentação da minha nova politica, hoje, é um repeteco da jogada que fiz há duas semanas. Basicamente, uma confissão franca de erros. Nós herdamos o tratado de Basanda, enviamos ajuda com toda a boa-fé, acreditando que ajudávamos uma democracia. Admitimos que nos fizeram de trouxa, e que estávamos apoiando uma ditadura cruel. Tão logo soubemos da verdade, fizemos a nossa retirada. - O Presidente encheu o peito. - De agora em diante, apoiaremos os nossos aliados somente se forem verdadeiramente livres e democráticos.

Não gastaremos vidas ou dinheiro americano para sustentar a tirania... em qualquer lugar, em qualquer época...

Franklin Delano Roosevelt atualizado, mais umas pitadas de Lyndon Johnson e Dick Nixon, refletiu Brad Cooley. Talbot está sendo controlado pelo sistema de orientação de Marjorie Norworth.

- não temos disputas com outras nações - prosseguiu Talbot, inconscientemente mudando para o estilo de comício eleitoral. - O nosso compromisso é com a paz. Como prova, vamos reduzir as nossas Forças Armadas...

- Você não está falando a sério! - exclamou o Secretário de Defesa Kurtz.

- John, vamos reduzir o efetivo militar... aos poucos, cerca de 5% ao ano, a começar do próximo ano fiscal.

Que beleza! aplaudiu Dan Madigan em silêncio, começando a perceber.

Talbot continuou a falar em tom de comício.

- Mas estamos resolvidos a garantir a nossa segurança nacional. Solicitarei verbas ao Congresso para reequipar as nossas Forças Armadas com o novo material exigido para manter a sua capacidade defensiva, a despeito da redução dos efetivos. - Ele desceu da plataforma, deu um largo sorriso. - Compraremos novos caminhões, tanques, fardas, marmitas, mísseis... a tralha toda. Vamos tocar a bomba e puxar a riqueza... sem guerra.

MacDonald Pearce gaguejou.

- Os russos e os chineses...

- Vão reconhecer o macete. Há anos que eles o vem usando, igual a nós... modernizando as Forças Armadas de quando em vez, para dar trabalho ao povo. - Talbot riu.

- Acho que até vou visitar Moscou e Pequim, como Nixon, para deixar que eles saibam que é um macete. - Os olhos acinzentados dele se estreitaram, tornaram-se sérios.

- Brad, Dan,- quanto poderemos obter?

- O Congresso sempre dá um suspiro de alívio quando cessa uma ameaça de guerra - disse Cooley. - Provavelmente de vinte a trinta bilhões em verbas de emergência, se fizermos um escarcéu.

- Vamos aclamá-la como a Doutrina Talbot! - entusiasmouse Madigan. - Santo Cristo, o Senado vai aprovar vinte bilhões.

- Quero trinta - disse Talbot.

Estão pechinchando como vendedores de tapete arménios, pensou Russ Hatch, rindo intimamente. Há algumas semanas atrás, ele estaria chocado e enraivecido.

- Trinta - concordou Brad Cooley. - É claro que teremos que prometer aos meus distintos colegas que as indústrias dos seus estados natais receberão gordas fatias dos contratos de defesa.

- Com os diabos, arranjarei trinta no Senado - disse Madigan. John Kurtz estava de testa franzida.

- Duas perguntas, Sr. Presidente. Em primeiro lugar, como e que vamos fazer para que esta história de Basanda cole?

- Com uma cola bem espalhafatosa. O agente Hopper e o Senador Hatch vão a público. Hoje à noite. No programa de Suzanne Loring... o que, a propósito, é o prémio dela por ter-me ajudado a sair do monte de merda em que vocês me colocaram. - Um lembrete de que Kurtz e seus colegas ainda tinham que redimir-se por completo. O público verá o fume que foi exibido em casa de Marjorie... só que com um comentário diferente. Depois, Emmett e Russ confirmarão o que eu tiver dito à imprensa.

A jogada está toda planejada para ter o máximo de impacto.

Pode ser, admitiu Kurtz.

- A minha segunda pergunta. A nossa história é que o governo foi enganado, tapeado... mas por quem? Como poderemos convencer...?

- Uma barbada. Lembram-se dos escândalos da CIA nos governos de Kennedy, Johnson, Nixon e Ford? A Baía dos Porcos, assassínios de líderes políticos estrangeiros, derrubada de governos estrangeiros e tudo o mais?

- Claro, mas...

- Nem mas nem meio mas. Basanda foi outra sujeira feita pela CIA. A agência ocultou os fatos, tapeou todo o mundo. Se não fosse pelo Diretor do FBI, Hopper, e pelos

Secretários de Gabinete Pearce e Kurtz, a CIA nos teria arrastado a mais uma catástrofe tipo Vietnã. Uma versão que será facilmente aceita pela nação agradecida.

  1. Howard Denby ficou pálido, engasgou-se.

- Quer dizer que... ?

- Eu disse que havia um grande papel na peça para você, Denby - falou Talbot num tom de voz glacial. - A bomba estoura na sua mão.

O impulso inicial de Denby foi tomar a ofensiva, ameaçar fazer revelações, mostrar documentos secretos que implicavam todos eles, a começar por Talbot. Mas então olhou para as fisionomias fechadas dos outros homens na Sala Oval.

- Se está pensando num contra-ataque com documentos secretos, é bom esquecer disso - falou Charles Talbot. - Mandei que todos os seus arquivos fossem lacrados e colocados sob a custódia do FBI... ah, e tem mais: você foi demitido. Despedido.

Uma cólica abdominal excruciante acometeu Howard Denby. Ele se dobrou em dois, gemeu em voz alta. Dan Madigan, que estava sentado mais perto dele, debruçou-se para ele... e endireitou o corpo depressa, fazendo uma careta de nojo.

- Meu Deus! - exclamou Madigan. - Ele borrou nas calças.

- Não me admira - comentou o Presidente Talbot. - Não me admira nada.

Os redatores haviam feito um belo trabalho. O discurso de três páginas era conciso, incisivo, cobria todos os aspectos que Charles Talbot queria enfatizar. Ao meio-dia e meia, Talbot estava diante dos correspondentes creditados junto à Casa Branca. Havia um ar resoluto no seu rosto, enquanto ele falava:

- Vou ler uma declaração. Não haverá perguntas depois. Vocês devem guardá-las para uma entrevista coletiva normal que pretendo convocar mais-para o fim da semana.

- Ele deu uma olhada nos papéis à sua frente e começou a ler. - Muitos presidentes americanos lamentaram não ter seguido o conselho contido no epigrama de Mark Twain:

"É mais fácil ficar de fora do que sair." Nós devíamos ter ficado fora de Basanda. Não o fizemos... e até hoje cedo, estávamos ficando cada vez mais envolvidos no conflito sangrento ali existente. Às duas da madrugada de hoje, dei ordens para que saíssemos... e sem demora. Há motivos fortes (e temo que chocantes) para eu ter modificado subitamente as minhas diretrizes políticas neste caso.

O resto da declaração reiterava o que Talbot havia dito na Sala Oval, e concluía:

- Cabe ao povo americano julgar se a minha decisão foi certa ou errada, e para os seus representantes eleitos aprovarem ou desaprovarem o programa que esbocei.

Talbot juntou as três folhas de papel enquanto os jornalistas começavam a ovacioná-lo.

- Ele está falando como um estadista! - berrou um correspondente no ouvido do outro.

- Puxa, meu chapa, eu já tinha escolhido esta frase para a minha reportagem. "Hoje o Presidente Charles Talbot pareceu assumir a envergadura de um estadista mundial quando..." etc.

  1. Howard Denby não estava em condições físicas de ir a lugar nenhum sozinho. Dois agentes do Serviço Secreto auxiliaram-no a saúda Sala Oval e conduziram-no a um banheiro da Ala Oeste, onde Denby conseguiu limpar-se um pouco. Quando saiu do lavatório, dois outros homens estavam à sua espera, e ofereceram-se para levá-lo em casa. Denby supôs que também eles fossem membros da equipe do Serviço Secreto da Casa Branca, e aceitou agradecido o oferecimento.

Os dois o conduziram lá para fora, e cada um segurava um dos braços de Denby, pois ele mal podia ficar de pé.

- Tá fazendo um pouco de frio - disse um dos homens. Ambos pararam, tiraram luvas dos bolsos e vestiram-nas. O mais alto dos dois ajudou Denby a sentar-se no lado direito do banco da frente do seu Chrysler Imperial estacionado, depois sentou-se ao volante. O seu companheiro entrou no banco de trás e disse:

- Um outro carro vai nos acompanhar.

Saíram pelos portões da Casa Branca, com um Ford seda preto atrás deles. Cerca de cinco minutos depois, Howard Denby percebeu vagamente que estavam indo na direção errada. Ele estendeu o braço para dar uma batidinha no ombro do motorista... e o homem no assento traseiro enfiou uma agulha hipodérmica no braço de Denby, apertou o embolo. Howard Denby arquejou, caiu de encontro ao encosto do banco... e morreu.

Os dois carros continuaram o seu caminho, entrando pelo Condado Príncipe George, em Maryland. Quando estavam em campo aberto, entraram numa estradinha escondida, de terra batida, cercada por densos arbustos. O carro de Denby parou, e o Ford fez o mesmo, alguns metros atrás.

- Não tem ninguém à vista? - perguntou o motorista do Chrysler.

- Não.

As duas portas do lado esquerdo se abriram. Os dois homens saltaram, arrastaram o corpo flácido de G. Howard Denby até o assento do motorista. O homem mais alto apareceu com uma pistola automática calibre 38, colocou no ângulo correto, de encontro à têmpora direita de Denby, e disparou um tiro. A bala penetrou no crânio de Denby. O homem ergueu a mão direita de Denby, apertando e esfregando os dedos mortos contra o cano, o gatilho e a coronha da pistola.

- Acho que já chega - resmungou, largando a arma sobre o banco dianteiro. Os dois homens fecharam as portas do Chrysler, correram até o Ford, entraram nele. O chofer do Ford ultrapassou o Chrysler.

- Vamos vê-lo de novo - comentou com voz entediada.

- Provavelmente antes do dia acabar - retrucou o homem que dera a injeção, removendo as luvas.

Tão logo o corpo fosse encontrado e identificado como sendo o do Diretor da CIA, G. Howard Denby, o FBI seria chamado para auxiliar as autoridades locais na investigação do suicídio. Os três homens no Ford seda eram os agentes que o Diretor do FBI destacaria para o caso. Tudo isto já fora acertado de manhã, antes”, que Hopper e o trio saíssem do Edifício J. Edgar Hoover para ir para a Casa Branca.

Lexa Talbot chegou pontualmente à l hora para o almoço que havia marcado com Lady Marjorie Norworth na véspera. A Casa da Colina sofrerá nova transformação. As máscaras, estátuas e artefatos africanos tinham desaparecido, e a Sala de Jantar Oficial estava limpa e de volta à sua costumeira elegância.

- Holcomb vai servir-nos na minha suíte - falou Marjorie. - O pessoal da CBN fez o favor de tirar de lá toda a sua parafernália. - Ela levou Lexa para o andar superior. - O seu pai já fez a declaração à imprensa? - perguntou Marjorie quando chegaram à porta da suíte e entraram.

- Ela estava marcada para as doze e meia. Até agora não deu nada no rádio... vim guiando com o aparelho ligado.

- Então, os boletins devem passar a ser transmitidos a qualquer minuto.

Marjorie ligou o rádio da sua sala de estar na faixa FM. Lexa viu que havia uma mesa posta para o almoço... como da outra vez.

- Quer tomar um drinque primeiro, Lexa?

- Quero sim. Um Eloody Mary, por favor.

- Vamos tomar um consommê à Ia Madriléne no almoço... não acha que vai ser tomate demais?

Ela tocou chamando Holcomb.

- Acho sim - concordou Lexa. - Um martíni, então. Holcomb entrou, começou a preparar a bebida numa jarra.

- e agora um boletim especial...

- Ah, deve ser a declaração de Charlie à imprensa - disse Marjorie, indo até o rádio e aumentando o volume.

- "Há apenas alguns minutos, o Presidente Charles P. Talbot deixou estupefatos os membros do corpo de imprensa da Casa Bran ca com uma série de declarações..."

Marjorie e Lexa, sentadas em poltronas, escutavam. Marjorie sorria ao ouvir os trechos do discurso de Talbot. As sentenças que ela havia escrito com tanto cuidado para ele. Lexa bebericava o seu martíni e também sorria. Quando o locutor terminou o longo boletim informativo, Marjorie desligou o rádio.

- Charlie está voltando a ficar por cima - comentou.

- Graças a você.

- É verdade. Mas acontece que quero bem a seu pai. Ele e eu tivemos um caso delicioso há alguns anos... sabia? Ah, está surpresa... não sabia. É claro que tive tantos casos que perdi a conta (e mais de um Presidente entre eles), como você já deve ter ouvido comentar. - Marjorie riu. - E, portanto, minha cara, tendo conhecido presidentes (até mesmo no sentido bíblico), reconheço com facilidade as falhas deles...

- Todos temos fraquezas, Marjorie.

- Naturalmente. Mas a nossa preocupação (a sua e a minha) é com as falhas de Charles Talbot. Temos que protegê-lo das próprias fraquezas. Ele é um belo político do tipo bom-camarada, mas como líder... sejamos honestas, Lexa... é deficiente...

Nem mesmo eu posso contestar isto, pensou Lexa.

- ele quer ser apreciado, quer ver todo o mundo à sua volta satisfeito e feliz. Charlie simplesmente não consegue forçar-se a seguir o que eu chamo de Lei de Truman.

- Acho que não estou entendendo.

- Harry Truman costumava dizer: "O único modo de governar um país, é dar um jeito para que 49% do povo não suportem você... então os outros 51% estarão do seu lado." - Marjorie deu uma risadinha. - Esta também era a técnica de Roosevelt, só que ele a usava apenas com políticos. Sempre manteve o seu charme com o público.

Lady Norworth parou por uns momentos para recordar, deu um suspiro, retornou ao presente.

- Você e eu teremos que cuidar de Charles Talbot como as galinhas com os pintinhos até ele terminar o mandato, Lexa.

- E depois que ele for reeleito, também.

- Minha querida, não se pode permitir que Charlie se candidate outra vez!

Os olhos de Lexa faiscaram.

- Você acabou de dizer que queria bem a ele...

- E quero. Mas também sou capaz de enfrentar os fatos. Podemos fazer com que Charles Talbot pareça e aja como um Presidente, aparente ser um líder, pelos próximos 22 meses. Ao final deste período, ele deixará o cargo coberto de glória... uma figura heróica.

- Uma figura heróica certamente será indicada de novo como candidato.

- A não ser que usemos de toda artimanha e artifício para impedir que ele aceite a sua indicação.

- Eu seria louca se o desencorajasse.

- Lexa, você seria louca se não o fizesse. Pense em Charlie, no seu pai, com objetividade. Se for indicado outra vez, ele passaria a acreditar que era mesmo como a imagem que criamos para ele, se convenceria de que é infalível. Não aceitaria conselhos; seria completamente incontrolável e acabaria por se destruir. Nós jamais conseguiríamos bancar a ama-seca dele por mais quatro anos.

- Você me convidou para almoçar... para quê? Para me dizer que pretende abandonar o Papai e apoiar a oposição na próxima eleição? - Lexa sentiu-se subitamente vazia, abandonada. Não queria ter que abrir mão do prestígio e dos privilégios de que gozava como filha do Presidente. - Marjorie...

- Você tira conclusões apressadas cedo demais, minha querida. Convidei-a para almoçar hoje porque esta noite o Senador Russel Hatch vai sair abruptamente do seu anonimato e tornar-se uma figura nacional. Uma figura nacional de muito destaque. Venha, vamos almoçar e conversar sobre ele...

 

Washington, D.C.: Quinta-feira, 4 de março. À noitinha e à noite.

A câmara focalizava Suzanne Loring.

- Washington realmente virou pelo avesso hoje, e a CBN está dedicando uma hora e meia a este programa especial como um serviço público. Normalmente, gravo com antecedência as minhas entrevistas. Essa noite, elas serão ao vivo... com o Sr. Emmett Hopper, diretor do Bureau Federal de Investigações, e com o Senador Russell Hatch, do Estado de Oregon.

A câmara mostrou Hopper e Hatch, voltou para Suzanne.

- Antes do começo das entrevistas, vocês verão um filme... mas primeiio vamos recapitular rapidamente as histórias sensacionais que estão ocorrendo na capital desde o início da tarde. Ao meio-dia e meia, o Presidente Charles Talbot anunciou o término de toda a participação americana em Basanda... e fez uma revelação que chocou a nação.

"O Presidente declarou francamente que a política adotada pelos Estados Unidos em relação a Basanda provinha de uma trama sinistra e contínua organizada pela Agência

Central de Informações. Ele acusou frontalmente o Diretor da CIA, G. Howard Denby, de tentar forçar os Estados Unidos a entrarem numa guerra declarada e de planejar um golpe que, nas palavras textuais do Presidente, transformaria os Estados Unidos num estado policial.

"Algumas horas mais tarde, G. Howard Denby foi encontrado morto no seu carro. De acordo com as autoridades mantenedoras da lei, ele cometera suicídio. A opinião geral ao longo do Potomac é de que o gesto de Denby foi equivalente a uma completa admissão de culpa.

Suzanne virou a cabeça para a esquerda, onde Emmett Hopper estava sentado ao lado dela. A câmara se afastou e mostrou os dois juntos.

- Esta também é a sua opinião, Sr. Hopper?

- Infelizmente, tenho que dizer que é, sim. A voz de Suzanne:

- O senhor tem algo a dizer, Senador Hatch? A câmara focalizando Russ:

- Foram descobertas provas extremamente comprometedoras contra Denby e a CIA.

Suzanne:

- Muitas delas estão contidas no filme que passaremos a seguir. No país todo, os telespectadores viram uma imagem do porto de Kinsolo e um título vermelho-sangue: BEN-VINDOS A BASANDA aparecer nas suas telas.

A VOZ DO LOCUTOR: Os filmes que verão a seguir os deixarão horrorizados. Até o dia de hoje, a CBN estava proibida de mostrá-los por ordem da Agência Central de Informações.

Os funcionários da CIA alegavam estar agindo segundo as instruções presidenciais. Sabemos agora que estas alegações eram falsas... mentiras deslavadas.

Do título BEM-VINDOS A BASANDA passou-se para a imagem de uma clareira na selva, vista de longe. Bem no fundo da cena, percebia-se negros vestindo peças de uniformes militares e segurando umas coisas compridas com que cutucavam e atingiam uns fardos informes que jaziam no chão. As lentes das câmaras mostraram a cena bem de perto.

Os fardos eram corpos horrivelmente mutilados... um deles o de uma mulher jovem, com a barriga aberta. Mãos negras enfiaram um rifle com baioneta pela abertura.

O rifle foi erguido. Na ponta da baioneta estava espetado um bebê quase totalmente formado.

A VOZ DO LOCUTOR: - Trabalhando lado a lado com estas ditaduras cruéis, uma organização superpoderosa como a CIA facilmente consegue manter em segredo tais atrocidades.

A imagem agora era do exterior do Palácio do Primeiro-Ministro, em Kinsolo.

A VOZ DO LOCUTOR: - Usando quantias enormes das quais não tinha que prestar contas, a CIA construiu este palácio para o seu títere, o falecido Primeiro-Ministro Odu Mwandi...

As cenas que se seguiram foram idênticas às apresentadas na versão exibida na festa de Marjorie Norworth, mas o comentário da trilha sonora era inteiramente diverso.

Odu Mwandi, Percival Kwida e o Grande Conselho Militar continuavam a ser vilões. Contudo, não havia críticas ao governo Talbot, aos Ministérios, ou às Forças Armadas americanas e seus comandantes. A culpa foi atribuída firme e inteiramente à CIA. Minutos antes do filme terminar, um produtorassistente entregou a Suzanne Loring um bilhete rabiscado.

"As mesas telefônicas de todas as estações da rede estão congestionadas. As chamadas são favoráveis 50-a-l. Deus (que era como o pessoal da CBN se referia a Noah

Sturdevant) telefonou de Nova York. Disse que se o resto do programa continuar assim, a sua bonificação será dobrada."

Vai continuar, pensou Suzanne, radiante.Uma luz piscou. Suzanne fez uma expressão sombria e compungida. Outra luz. Ela estava de novo no ar.

- Horrível, pavoroso - falou. Uma pausa de um compasso. - Sr. Hopper, gostaria de perguntar como o senhor se sente após ver estes filmes Hopper, também com nr sombrio

- Enojado e envergonhado, Srta. Loring. Suzanne:

- Sem dúvida, os nossos telespectadores estão se perguntando por que o FBI não teve nenhuma informação sobre isto.

Hopper, com ar pesaroso, amargo.

- O FBI não tem nenhuma autoridade investigadora fora dos limites continentais dos Estados Unidos.

Suzanne:

- Mas certamente existe um intercâmbio de informações entre as nossas duas principais agências de informações.

Hopper:

- Um engano muito difundido. Embora o FBI tenha sempre fornecido dados à CIA, regularmente, há anos que a recíproca não é verdadeira.

Suzanne:

- Senador Hatch, o senhor se apresentou voluntariamente para aparecer no programa como amigo e defensor do Presidente Talbot. Quer nos falar dos pontos de vista dele?

Tom Sawyer estava sério, resoluto.

- Esta política unilateral foi determinada pelos governos anteriores. O Presidente Talbot me assegurou que vai modificá-la... e que vai fazer modificações na CIA.

Suzanne:

- Ele está pretendendo dissolver a Agência? Hatch:

- Ele fará com que a CIA tenha que prestar contas. Suzanne:

- Prestar contas a quem, Senador? Hatch:

- Ao Presidente, ao Congresso, e ao povo americano. Suzanne:

- Cavalheiros, me é difícil imaginar como foi possível manter o Presidente e seus ministros na ignorância dos fatos sobre Basanda. Existe uma ^explicação?

Russ fora escolhido para rebater a pergunta. Hatch:

- Com toda a certeza. A CIA entregava ao Poder Executivo verdadeiros rios de relatórios, todos eles parecendo legítimos e exatos. Na realidade, foram grosseiramente distorcidos ou totalmente fabricados. - Ele correu os dedos pelos cabelos. Este gesto já estava se tornando consciente, feito para impressionar. - O Presidente e os membros do Gabinete recebem inúmeros relatórios diariamente. Precisam confiar nos seus subordinados. Se eles fossem investigar cada um dos relatórios pessoalmente, o Governo pararia de funcionar. Howard Denby sabia disso e se aproveitou integralmente do fato.

Uma mensagem apareceu na tela do monitor de Suzanne, que estava fora do alcance das câmaras.

 

"TELEFONEMAS AGORA FAVORÁVEIS 100-a-l. DEUS AVISOU POR TELEX QUE A SUA BONIFICAÇÃO FOI DOBRADA. DISSE QUE VOCÊ DEVE ESTAR CAUSANDO EPIDEMIAS DE APOPLEXIA NOS EXECUTIVOS DA NBC, CBS E ABC."

 

Suzanne conseguiu manter a fisionomia inalterada para as cama” rãs. Se Noah Sturdevant está fazendo piadinhas pelo telex, devemos estar fazendo um sucesso estrondoso.

Ela preparou a pergunta que Marjorie Norworth insistira que ela fizesse.

Suzanne:

- Cavalheiros, os senhores acreditam que Howard Denby e a CIA realmente planejavam um golpe de estado, aqui nos Estados Unidos?

Hopper:

- Não tenho nada a dizer (dito de uma maneira tal que não deixava dúvidas de que ele acreditava piamente).

Hatch:

- O Presidente Talbot fez a acusação quando Denby estava vivo e poderia tê-la refutado. Denby se matou. Eu sou advogada e me recuso a julgar um homem que não pode mais se defender ou oferecer explicações satisfatórias.

Que beleza, pensou Suzanne com azedume. Descanse em paz, G. Howard Denby... enforcado e esquartejado postumamente. Os patriotas americanos farão fila, de agora em diante, para mijar etn cima da sua sepultura.

Suzanne:

- Senador, o senhor e o Sr. Hopper colaboraram para abrir os olhos do Presidente para a verdade sobre Basanda e Denby. Por favor, digam-nos como souberam...

Hatch:

- Sinto muito, não posso comprometer as minhas fontes. Hopper:- Os meios que o Senador Hatch e eu empregamos precisam ser mantidos em segredo, pelo menos por enquanto, Srta. Loring.

Suzanne:

- Bem, neste caso, vamos passar para os espantosos novos planos de defesa do Presidente Talbot.

Russ deu mais uma mexida nos cabelos. Hatch:

- Ah, sim. A Doutrina Talbot. Suzanne (demonstrando surpresa):

- O senhor falou "Doutrina Talbot"? Hatch:

- É... (dito com um riso franco e juvenil). É esse o nome xjue estão lhe dando no Senado. Aposto que o programa vai ser aprovado brincando, no Congresso.

Livrai-me da tentação de abrir este jogo imundo completamente, pensou Susy. Pronto, já estou livre. Se eu der uma dessas, é adeus bonificação, contrato, carreira...

toda a minha vida profissional. Siga o roteiro, não mexa com o Sistema. A História não é feita, é fabricada. A verdade está onde estão os dólares.

Suzanne:

- O senhor prevê algum enfraquecimento do nosso poderio militar?

- Não, nenhum. Na realidade, o programa do Presidente Talbot nos tornará mais fortes, mais capazes de garantir a nossa segurança e de manter a paz...’

Quando o programa terminou, alguém veio correndo dizer a Suzanne que Noah Sturdevant estava esperando ao telefone... uma concessão inacreditável.

- Ele quer falar com a senhora, Srta. Loring. Ele está no Sétimo Céu!

- E onde mais deveria estar Deus? - pilheriou Susy, e virousíe para Russ. - Vou falar com ele... e depois eu vou levar você para jantar. Vamos comemorar.

O rosto dele ficou vermelho.

- Eu... eu não posso, meu bem. Estou com pressa.

- Pressa? De ir aonde? Ele ficou todo sem jeito.

- Lexa e o Presidente Talbot me convidaram para ir jantar na Casa Branca.

- Ah. Vamos comemorar amanhã à noite, então.

Ela estava conseguindo manter uma fachada, esconder o seu desapontamento.

- Puxa, sinto muito, mas nós... Lexa, Talbot e eu... vamos a um concerto no Kennedy Center. Ele quer ser visto em público e...

- Tudo bem, Russ.

Os cabos do elevador arrebentaram... Estou caindo.

- Ligo para você amanhã de manhã, meu bem. Hatch ia se afastando.

- Tá certo... e divirta-se hoje.

Suzanne pegou o fone que um produtor-assistente lhe entregava.

- Sr. Sturdevant, imagino?

- Srta. Loring! Meus parabéns!

Ela olhou por sobre o ombro. Emmett Hopper ainda estava lá, íio estúdio, dando autógrafos para os empregados da estação. Mas Russ já se fora.

- imagine o quanto a senhora ganhou hoje, Srta. Loring!

- Estou tentando não pensar no que perdi.

- Perdeu? Não estou entendendo.

- E nem daria para o senhor entender, Sr. Sturdevant. Boasnoite.

Noah Sturdevant ficou com o telefone mudo nas mãos, depois .que Suzanne desligou. Fez uma cara feia e indignada. Que cachorrona temperamental, pensou... ou quem sabe ela está menstruada de novo.

Ninguém na Casa Branca conseguia lembrar-se de outro dia como este. O movimento de telefones, telex e telegramas atingiu um ápice jamais igualado no começo da tarde, e permaneceu estacionário. Bandos de mensageiros traziam cartas, relatórios, despachos de ministérios, agências e departamentos federais, congressistas e senadores.

Caminhões de entrega faziam fila nos portões da entrada de serviço. Traziam os presentes com que as pessoas sinceras, os oportunistas e os excêntricos costumam homenagear os presidentes em ocasiões excepcionais.

Estes, chegando como chegavam em quantidades tão grandes, necessitavam de um tratamento especial. Os agentes do serviço secreto passavam pelos raios-X os embrulhos e pacotes, depois abriamnos para uma inspeção mais detalhada; depois disto as secretárias davam entrada nos presentes em formulários 102 PG (Presidential Gift - presente presidencial). Anotavam-se os nomes e endereços dos remetentes, e os cartões que acompanhavam os presentes eram grampeados aos formulários. (Posteriormente, cada remetente re-~ ceberia um bilhete de agradecimento contendo uma falsificação feita em massa da assinatura de Charles Talbot.)

A seguir os presentes eram separados em categorias. As flores eram enviadas para os hospitais de veteranos (era um belo golpe de relações públicas). Comestíveis, quer fossem bolos feitos em casa, quer cestas custosas compradas em mercearia de luxo, iam direto para o incinerador (sempre havia a possibilidade de que pudessem estar envenenados). Artigos duráveis, que iam de meias até esculturas de vidro pseudo-artísticas, eram colocadas no limbo dos depósitos. Os animais, hoje eram dois poodles toy, um pequeno cão galês, e um gatinho siamês) tornavam-se propriedade da seção de imprensa. Temporariamente. Até que fossem tirados retratos do Presidente acariciando os bichinhos (o que comoveria o público). Depois disso” as criaturinhas eram enviadas para o Centro de Guerra Química da Exército, para serem usadas em experiências de guerra biológica.

O Presidente Charles Talbot passou a tarde e a noitinha na Sala Oval, um monarca benigno ocupando a sua cadeira presidencial como se fosse um trono. Conferenciou com assessores e assistentes (cujo comportamento em relação a ele agora transcendia de muito o respeito normal), falou ao telefone, leu documentos (usando uma caneta de ponta de feltro para fazer um v naqueles que aprovava e para riscar com um X os que não aprovava). Ficou muito entretido com os sumários das notícias que eram trazidos para ele a cada meia hora, sempre atualizados. Ele estava sendo cada vez mais aclamado, nos meios de comunicação.

Às 5:25, Ken Ramsey trouxe o que pensava ser uma notícia ruim.

- Chefe, o Hospital Naval de Bethesda acaba de avisar que Avery Braithwaite rasgou um lençol e se enforcou.

Talbot nem sequer piscou.

- Que pena. - Uma ova! Mais um problema resolvido. -• Muito bem, Ken, você já conhece o procedimento de rotina. Uma declaração expressando o meu choque e a minha dor... querido amigo, grande jurista e tal e coisa. Telegramas pessoais à família. Um grande enterro. Bandeiras a meio-pau... aquilo de sempre” Ponha algumas pessoas trabalhando nisso. A propósito, ainda não> está na hora do novo sumário de notícias?

Talbot e Lexa assistiram ao programa especial de Suzanne Loring na Sala Oval. Ele estava exultante, e exibia sua autoconfiança, quando a transmissão chegou ao fim.

- Foi a gotinha final, Gatinha - declarou ele. - Agora ninguém me segura mais. Se alguém tentar me sacanear de novo, revido pra valer, boto pra quebrar.

Marjorie sabe direitinho como ele é, pensou Lexa. Já está um poço de egocentrismo, e vai ficar cada vez pior. Vai ser uma luta constante mantê-lo sob controle, protegê-lo de si mesmo.

- Querida, quando Hatch chegar para o jantar, você e ele vão lá para cima comer. Prefiro não me afastar da minha mesa enquanto as coisas ainda estão fervendo.

- Olhe... acho que você deve cultivar o Hatch. Ele vai ser cada vez mais valioso para você, depois desta noite. Ele parecia um Sir Lancelot, e ajudou a converter 20 milhões de pessoas em crentes, convictos de que você é o Rei Arthur defendendo-os com a sua espada mágica. - Ela deu um risinho, estalou os dedos. - A sua filha é um gênio, mon cher père. Vamos servir o jantar aqui mesmo.

- Na Sala Oval? Nunca ouvi falar de nenhum Presidente que...

- E daí? Você pode ficar perto da sua mesa e adular Russell Hatch enquanto passa manteiga no pão.

- Humm. Não é uma má idéia, Gatinha. Hatch vai achar que está recebendo uma honra especial.

Lexa foi buscar Russ no Saguão de Recepção.

- Você foi maravilhoso - disse, enquanto desciam os corredores que levavam à Sala Oval. - Desculpe não podermos oferecer-lhe um jantar particular lá em cima, mas o Papai ainda está ocupado..”

- Isto não me surpreende. Lexa, se ele preferir cancelar...

- Não, não... Ele insiste em que jantemos juntos. bora o jantar possa ser uma sessão de loucura.

em Os sofás que ladeavam a lareira da Sala Oval tinham sida afastados e uma mesa fora colocada no espaço aberto. Ela estava posta com o aparelho de ouro da Casa Branca que era geralmente reservado para os visitantes reais ou para os jantares oficiais ultraimportantes.

- O Papai quis esnobar hoje... para ficar de acordo com a ocasião - comentou Lexa, depois que Talbot havia apertado com força a mão de Russ, e batido no seu ombro.

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Talbot entregou a Russ uma pilha de mensagens e sumários de -notícias para ler, e foi preparar os martínis.

Russ, segurando os papéis, olhou à sua volta, em busca de um lugar onde sentar. Hoje estou funcionando ao nível de gênio, pensou Lexa.

- Sente-se à escrivaninha do Papai, Russ - falou rapidamente.

Ele hesitou.

- Pode ir, filho - disse Talbot por sobre o ombro. - Você •vai poder espalhar os papéis na mesa.

Hatch sentou-se na cadeira presidencial... e um instante depois experimentou o que ele só podia descrever para si mesmo como uma -espécie de choque elétrico, uma onda de energia. Fingiu ler os papéis que Talbot lhe entregara, mas as palavras se embaralhavam. Inconscientemente, os dedos dele acariciavam a superfície da mesa.

Truman e Cárter eram uns bestalhões, refletiu. - The buck stopí here, uma ova. Este é o cume, o ápice de onde podemos passar, ou arremessar, a responsabilidade da decisão, em qualquer direção.

Os pensamentos dele refletiam-se nas suas expressões faciais, e Lexa Talbot pôde lê-los. O sorriso dela era enigmático.

Charles Talbot terminou as suas tarefas de barman, levou os copos cheios para Lexa e Russ.

- Parece que ganhamos lindamente, não é? - riu ele, colocando um copo em cima do mata-borrão da escrivaninha. Depois, foi buscar o seu próprio.

Um assistente administrativo entrou com mais documentos.

- Empilhe-os ali ao lado do Senador - ordenou Talbot. - Vamos jantar dentro de alguns minutos... providencie para não .sermos incomodados por uma hora, mais ou menos, está bem?

- Claro, Sr. Presidente.

O assistente se retirou. Talbot ergueu o copo bem alto.

- Um brinde ao nosso próximo banquete da vitória...

Russ levantou-se da cadeira presidencial (para surpresa sua, com uma pontada de relutância) e ergueu seu copo.

- política é isso aí, Russ - continuava Talbot com um riso exultante. - Brigas feias, às vezes sujas como o diabo, vitórias, “ depois a alegria das comemorações.

- Tomou um pouco do seu jnartíni. - Lembro-me de uma vez em que estava fazendo uma campanha em Pittsburgh, tentando me eleger para o meu segundo mandato na Câmara, e os manda-chuvas locais se agruparam...

Um ruído ronronante ecoou na sala, interrompendo-o.

- Que droga, eu disse àquele cara que queríamos paz e tranqüilidade... ah, o meu telefone pessoal. - Talbot foi até a escriva cinha e pegou no seu aparelho particular, de linha-direta. - Alô? - falou no bocal.

- Marjorie... Sr. Presidente e senhor de tudo que a sua vista alcança.

- Oi, Marjorie...

- Está com o rádio ligado?

- Não. Lexa, Russ e eu estamos tomando um aperitivo. Por que está perguntando?

- Acabei de ouvir uma notícia de última hora de Beirute. Os libaneses começaram de novo a atirar uns nos outros.

- Isto é mixaria; Mac Pearce e seu pessoal que cuidem disto.

- Charlie, como FDR disse certa vez, na política sempre repita o número quando os aplausos forem grandes. Você está na crista da onda... suba mais ainda.

Ligue direto para o Kremlin. Sugira uma força mantenedora-da-paz conjunto Estados Unidos-Rússia para o Líbano.

- Ainda nem saímos de Basanda - protestou Talbot - vamos levar semanas para sair completamente desta confusão...

- Exatamente. Se você ligar para o Kremlin estará dando provas das suas intenções pacíficas para com todos, inclusive os russos. Banque o cooperador, e eles não vão criar nenhum caso com o novo programa de defesa. - O tom de voz dela tornou-se superior, indulgente, mas Talbot não percebeu a mudança. - Respire fundo, Charlie... deixe a idéia penetrar e se aprofundar.

Talbot franziu a testa, pensativo.

- Puxa vida, Marjorie, acho que você deu uma dentro. Vou em frente!

- Uma decisão inteligente, Charlie, muito inteligente. Mande lembranças minhas a Lexa e Russ... ah, e diga a Lexa que muito em breve nós precisamos ter uma outra reunião de mamães-galinha. Boa-noite, Charlie.

Talbot recolocou o fone no gancho, olhou para Lexa.

- Gatinha, que diabo é uma reunião de mamães-galinha?... Marjorie disse que vocês precisam ter mais uma.

- É um novo clube que formamos, Papai - replicou Lexa. •- Vamos, venha terminar a sua bebida com Russ e comigo.

- Num minuto. - Ele começou a tocar campainhas chamando assessores. - Tenho que achar alguém para fazer a ligação direta e um intérprete de russo. Vocês dois fiquem aqui e escutem a coisa. Vou deixar o mundo tonto... e esta noite é apenas o começo!

É mesmo, pensou Lexa. O começo de muitas coisas.

 

Washington, D.C.: Vinte e dois meses mais tarde. 20 de janeiro

O locutor de televisão da NBC estava eufórico.

- "... até mesmo a Mãe-Natureza parece estar satisfeita e feliz. O céu está claro, a temperatura de 14 graus é quente para a época. A enorme massa de espectadores está com cara de festa... talvez achem que o tempo ameno é mais um augúrio promissor para o futuro.

"Naturalmente, no palanque da cerimónia vemos o número habitual de altas personalidades... ministros, líderes da Câmara e do Senado e outras figuras de destaque.

Entre estas está Lady Marjorie Norworth, a famosa anfitriã de Washington. A presença dela causou certa surpresa aos observadores da capital. Embora Lady Norworth fosse amiga íntima de diversos presidentes, esta é a primeira vez em que ela recebe a honra cobiçada de subir ao palanque em que o Presidente tomará posse.

"Mas esta é mesmo uma cerimónia de posse sem precedentes. Jamais na História dos Estados Unidos um presidente que deixa o cargo é substituído pelo próprio genro...

vamos interromper os nossos comentários, senhores e senhoras. A banda dos Fuzileiros já está tocando os acordes iniciais de Salve o Chefe... creio que vocês estão ouvindo, ao fundo."

A cerimónia, como sempre, foi digna e impressionante. O discurso de posse, como sempre, deu esperanças e inspiração.

- "... todos nós, independente de raça, credo ou cor, unidos para manter os Estados Unidos forte, livre e próspero. Obrigado... e que o Deus que vocês adoram, no credo que professam, os abençoe... meus concidadãos.

O Presidente Russell Hatch afastou-se da floresta de microfones dispostos à sua frente.

- Lexa - disse... mas a sua esposa tinha dado alguns passos à direita e estava abraçando o pai.

- Sr. Presidente - Hatch reconheceu a voz de Lady Marjorie Norworth, girou sobre si mesmo e praticamente saltou para o lado dela. Ela segurou as duas mãos dele, apertou-as, sorriu. - Quero ser a primeira a dar-lhe os parabéns.

- Marjorie, se não fosse por você e tudo que fez...

- Idiota. - Ela abaixou a voz. - Não estou falando sobre a Presidência. Lexa me contou a grande novidade ontem... que está grávida.

O Presidente Russell Hatch, sorridente, fez que sim com a cabeça.

- Lexa, minha querida! - chamou Marjorie, por sobre o ombro dele. Como o marido, Lexa Hatch atendeu imediatamente, apressou-se a reunir-se a eles.

- Sim, Marjorie?

- Vou até a sua casa hoje à noite ajudá-la a vestir-se para o Baile da Posse... e vou levar-lhe um presentinho.

A Washington oficial ficou atordoada. Lexa Hatch apareceu no Baile da Posse usando o famoso colar de jade da dinastia T’ang que Onassis dera de presente a Lady Marjorie

Norworth. A nova Primeira Dama da nação e a rainha de longa data da Casa da Colina agora eram aliadas. Daí por diante, seriam elas que fariam ou derrubariam as pessoas, nos bastidores, as forças manipuladores decisivas nas lutas pelo poder... os árbitros finais e invensíveis.

Somente o Juiz-Assistente da Suprema Corte dos Estados Unidos, Bradford Cooley, não ficou surpreso. Os olhos dele brilhavam, divertidos e maliciosos, quando chamou

Marjorie Norworth para um canto, durante o baile.

- Mais outro golpe de mestre, Marjorie - riu-se ele. - Um? adversária em potencial está firmemente do seu lado, e foi desknada publicamente como a sua sucessora eventual. - Á expressão dele ficou zombeteira. - Mas você não tem medo de que a sua Princesa Herdeira fique impaciente e queira o trono todinho para si?

- Não tenho medo de nada disso, Brad - retrucou Marjorie. - Lexa se contentará em esperar, posso lhe garantir. - E se eu não puder, tenho um envelope no meu cofre que garantirá. Durante os últimos seis meses do mandato de Charles Talbot ela fizera com que ele tomasse as providências necessárias para consolidar o FBI e a CIA numa única agência de superinteligência, com Emmett Hopper como diretor. Hopper demonstrou a sua gratidão entregando a ela um envelope grande e grosso que continha os seus arquivos sobre Lexa e sobre James Zander, que incluíam as fotos que seus agentes haviam tirado de Lexa na orgia da Rua A.

Marjorie sabe em que terreno está pisando, pensou Cooley, e nunca foi pessoa de fazer erros de cálculo perigosos. Ergueu o seu copo de bourbon.

- A você, Marjorie... a verdadeira vencedora - disse, sorriso era carinhoso, seu tom de voz sincero.

- Obrigada, Brad.

Por sob as pálpebras semicerradas, os olhos cor de violeta Lady Marjorie Norworth brilhavam com o sentimento de enfim realizado integralmente.

  

                                                                  Jonathan Black

 

 

                      

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