Às vésperas do casamento com Michael Trent, o conde de Westhampton, Rachel Aincourt tentou fugir com outro homem, mas foi entregue novamente para o noivo por seu velho e teimoso pai.
Atormentada pela culpa e pela vergonha, Rachel achava que tinha o que merecia: um casamento sem amor com um marido frio e misterioso.
Mas por trás das maneiras formais de Michael, estava um homem que adorava o perigo e as intrigas. E que agora se encontra envolvido em um dos casos mais difíceis de Bow Street. Quando o crime se transforma em um assassinato e Rachel está envolvida nele, Michael tem uma nova oportunidade para fazer uso de seu grande talento para disfarces, e seduzir a esposa a quem amava em segredo.
Agora, Michael terá de usar com cautela a sua última chance para conquistar o coração de Rachel... ou destruir de vez a possibilidade de encontrar a felicidade.
Rachel se apoiou no estofo brando de veludo que cobria a parede da carruagem e reprimiu um suspiro. Olhou Gabriela, que dormia acurrucada no rincão do assento de em frente, e invejou o sonho fácil da juventude.
Ela não conseguia dormir apesar do ronronar monótono da carruagem. Não podia suprimir a sensação de aborrecimento, de pena inclusive, que a embargava desde que saiu do Westhampton no dia anterior pela manhã. Quando Michael a acompanhou à carruagem, sentiu o impulso de voltar-se e dizer que tinha decidido atrasar uns dias a viagem. É obvio, não o fez. Já tinha esperado três dias mais do previsto; tinha que devolver Gabriela a seus tutores, que a esperavam em Darkwater.
Um grito no exterior a tirou de seus pensamentos e levantou a cortina para olhar. Só se via o claroscuro do entardecer, com os ramos das árvores mais escuras contra o céu cinza. O chofer soltou um grito e a carruagem se lançou para diante. Imediatamente seguinte, Rachel ouviu o som agudo de um disparo e soltou a cortina com um coice.
Soou a voz do chofer que chamava os cavalos e a carruagem se deteve. Rachel se agarrou ao laço de couro situado ao lado de seu assento. Gabriela, por sua parte, caiu ao chão com um grito de surpresa. Voltou a sentar-se e olhou ao Rachel com olhos muito abertos.
-O que acontece? -sussurrou –. O que ocorre?
-Não sei - Rachel procurou que não se notasse seu medo. Não lhe ocorria nenhuma razão boa para que se ouvissem tiros e o chofer detivera a carruagem. Pensava em salteadores de caminhos, mas lhe parecia estranho encontrá-los tão longe de Londres.
Ouviu vozes e olhou a porta. prometeu-se que seria valente, já que tinha que cuidar da Gabriela e tentou pensar o que fariam nesse momento sua temerária cunhada Miranda ou seu amiga Jessica, com sua coragem de filha de militar. Mas não pôde evitar desejar que Michael as tivesse acompanhado ao Darkwater.
Abriu-se a porta e entrou uma figura embelezada de negro. Rachel se esforçou por manter um rosto inexpressivo. disse-se que era um homem pequeno e que seu ar sinistro se devia à roupa negra e o lenço que lhe tampava o rosto. Daria-lhe o dinheiro que levava, partiria e o incidente terminaria sem perigo para ninguém.
Os olhos do homem pareciam surpreendidos por cima do lenço. Olhou a seu redor antes de voltar a vista ao Rachel.
-Vamos – disse com voz quejumbrosa. Baixou o lenço e mostrou o resto da cara. - Onde está milord?
O medo do Rachel cedeu muitos inteiros ante aquele rosto que resultava quase cômico por sua surpresa.
-O que lhes oferece? -perguntou, agradada pela calma de sua voz.
-O lorde -continuou o homem –. Este é sua carruagem. Vi o desenho na porta.
-Esta é a carruagem de lorde Westhampton -repôs Rachel –. Na porta está seu brasão, se lhes referirem a isso.
-Sim, isso. Westhampton. É o que procuro.
-Temo-me que o buscam no lugar equivocado. Westhampton está em sua casa
O visitante guardou silêncio um momento.
-Vocês são a senhora? -perguntou logo.
-Sou lady Westhampton -assentiu Rachel.
-Vale. Nesse caso, acredito que podem lhe dar a mensagem a milord.
-A mensagem? -Rachel tinha a sensação de ter entrado por engano em uma peça de teatro em que todo mundo sabia o diálogo menos ela.
-Sim. lhe digam que o envia Rede Geordie. lhe digam que tem que andar-se com cuidado, que há alguém que lhe deseja mau.
Rachel o olhou de marco em marco.
-Importaria-lhes repetir isso?
-Que parece que se aproxima muito e há gente a que não gosta. ouvi que alguém quer tirar o de no meio -fez uma inclinação de cabeça, satisfeito ao parecer com suas palavras.
Rachel piscou, incapaz de pensar uma resposta adequada.
O homem sorriu.
-Sinto muito, tenho que me levar algo -disse –. Já sabem, pelos moços. -assinalou ao Rachel –. Esses pendentes estão bem.
Rachel deu um coice e se cobriu com as mãos os pendentes de esmeraldas.
-Não! Isto não. Me deu de presente isso Michael. Foram um presente de bodas.
O homem pensou naquilo.
-OH!, bem, não quero enfurecer a milord, certamente.
-Querem dinheiro? -ofereceu Rachel, tirou um moedeiro de sua bolsa de tecido e o tendeu.
O homenzinho sorriu, abriu o moedeiro e olhou em seu interior.
-Sim, isso servirá, milady. Vejo que são tão amável como milord. É um prazer trabalhar com você -saudou a Gabriela com uma inclinação de cabeça –. Senhorita. boa noite às duas.
subiu de novo o lenço para tampar o rosto, abriu a porta e saltou da carruagem.
Gabriela e Rachel se olharam em meio de um silêncio atônito. Fora se ouviu ruído apagado de vozes, seguido do relincho de um cavalo e o som de cascos ao afastar-se.
-O que foi isso? -perguntou Gabriela com os olhos como pratos.
-Não tenho nem idéia -respondeu Rachel com sinceridade.
abriu-se de novo a porta, mas essa vez apareceu o rosto preocupado do chofer.
-Estão bem, milady?
-Se, muito bem, Daniels. Não aconteceu nada
-Havia quatro com pistolas, milady. Jenks e eu pensamos que seria melhor não resistir. Milord me arrancaria a pele se lhes ocorresse algo a você ou à senhorita.
-Fizeram bem -assegurou-lhe Rachel –. Westhampton não quereria que arriscassem sua vida nem a nosso desse modo. Fizeram bem. Prossigamos a viagem, por favor.
-Se, milady -o chofer fez uma reverência respeitosa e fechou a porta.
Ouviram-no subir de novo à boléia e um momento depois a carruagem voltava a ficar em marcha. Rachel olhou à garota.
-Está bem, Gabriela?
-OH, se. Mas foi muito emocionante verdade?
-Muito -repôs Rachel com secura.
-Se, suponho que sim -a garota não parecia convencida., mas eu não tinha visto nunca a um salteador de caminhos.
-Eu tampouco.
-Conheciam-no? Parecia conhecer tio Não é estranho?
-Muito. Não imagino do que poderia conhecer o Michael.
Seu marido não era um homem que contasse com salteadores de caminhos entre suas amizades. Se se tivesse tratado de seu irmão Dev, Rachel se haveria sentido mais inclinada a acreditar no bandoleiro. Até que se casou com o Miranda e se assentou, Devin tinha conhecido a muitos personagens de má vida, mas Michael? A idéia era absurda.
Michael era um homem tranqüilo, estudioso, amável, responsável e generoso, a personificação de um cavalheiro. Seu título era um dos mais antigos e respeitados do país e, a diferença de seu pai, Michael jamais tinha feito nada para manchá-lo. Era feliz em sua propriedade do campo, revisando as reformas da casa e os edifícios exteriores e experimentando com os últimos inventos agrícolas. Mantinha correspondência com homens de inclinações e natureza similares, que incluíam desde cavalheiros com vastas plantações nos Estados Unidos até homens de ciência de diversas universidades do Reino Unido e o resto da Europa. Não era o tipo de homem que tivesse amigos entre os salteadores de caminhos e muito menos que recebesse mensagens deles.
E o que havia dito o homem? Que Michael se “aproximava muito”. Que alguém lhe “desejava algum mal”. A que se aproximava muito? E quem era esse inimigo?
Não podia imaginar-se ao Michael com inimigos. Os desacordos que pudesse ter com a gente eram educados e normalmente se referiam a algum tema de estudo do que poucas pessoas tinham ouvido falar. Quão pior tinha ouvido dizer do era que se tratava de um homem muito respeitável, vizinho no aborrecimento. Nada que justificasse que lhe fizessem ameaças.
-É ridículo -disse Rachel com firmeza –. Michael não tem nem um solo inimigo em todo mundo. Esse homem deve estar confundido.
Olhou a Gabriela, que parecia um pouco alterada. A pobrezinha tinha sofrido muito em que pese a sua curta idade. Seus pais tinham morrido quando só tinha oito anos e foi viver com um tio avô até que ele morreu também no ano anterior, deixando-a aos cuidados de um tutor que tinha sido amigo de seu pai muitos anos antes. Foi através desse tutor, o duque do Cleybourne, como conheceu Rachel à garota de quatorze anos. O duque tinha estado casado com o Caroline, a irmã maior do Rachel, que morreu junto com sua filha em um trágico acidente de carruagem. Rachel tinha seguido sendo amiga do Cleybourne; sentindo-se muito preocupada com o terrível de sua dor nos anos que seguiram a sua perda.
Gabriela tinha chegado ao castelo Cleybourne no Natal anterior e com ela seu institutriz, Jessica Maitland, uma beleza ruiva com um escândalo trágico em seu passado. Jessica e Cleybourne se apaixonaram, mas a morte manchou também esse momento feliz e a segurança que proporcionava a Gabriela. Um assassino atacou o castelo, matou a um dos convidados e esteve a ponto de fazer o mesmo com a Jessica.
Não era de sentir saudades que as ameaças do desconhecido tivessem despertado os medos da garota. Gabriela acabava de passar dois meses com o Michael e Rachel, que a tinham levado a sua casa depois das bodas para que o duque e sua nova duquesa desfrutassem a sós da lua de mel, e se tinha afeiçoado bastante com os dois.
Rachel tomou uma das mãos da menina e a apertou com gentileza.
-Não tema, Gaby. Estou segura de que tudo isto é uma confusão. Ninguém pode desejar nenhum mal ao Michael. Isso de que “se aproxima muito” tem que ser um engano. A que poderia aproximar-se ele? A uma teoria política? Um descobrimento científico? Um método novo de rotação das colheitas? Dificilmente mata ninguém por essas causas.
A garota sorriu e em seus olhos remeteu a preocupação.
-Têm razão. Quem ia desejar lhe nada mau ao tio Michael? -apertou a mão do Rachel –. Devem lhes alegrar muito de estar casada com ele.
Rachel sabia que muita gente pensaria igual. Seu marido era nobre e rico, descendente de uma das melhores famílias da Inglaterra. Isso em si mesmo bastava para que seu matrimônio se considerasse um êxito. Mas além disso, Michael era considerado e amável. Punha ao seu dispor um pagamento generoso e embora preferia viver no campo, não impunha essa preferência a ela. Rachel era livre de viver como quisesse, de dar festas em sua casa elegante de Londres e levar a vida de uma anfitriã da boa sociedade. Tinha um círculo amplo de amigos e admiradores e estava considerada como uma das belezas de seu entorno social. Em resumo, sua vida era perfeita... sempre que não lhe importasse que seu matrimônio fora um engano.
Não havia amor em seu matrimônio. Viviam separados, nunca compartilhavam a cama, jamais pronunciavam palavras de amor ou paixão. E não lhe servia de muito saber que era culpa dela.
Sorriu a Gabriela.
-Sim -assentiu –. Sou muito afortunada de ser lady Westhampton.
As tochas iluminavam Darkwater. Era uma casa formosa, que recebia o nome de um lago próximo tão negro como a noite e não das paredes de pedra calcária da casa, que à luz do sol do Derbyshire eram pálidas, quase douradas. De noite não se apreciavam suas linhas cheias de graça nem seus ventanales de séculos, só se via sua mole considerável. Mas Rachel se criou ali e a conhecia sem ter que vê-la.
Abriu a porta da carruagem assim que este se deteve e apareceu a olhar a casa.
Jenks saltou do boléia para colocar os degraus e as ajudar a sair. antes de que o fizessem se abriu a porta e apareceram dois lacaios com velas para escoltar às damas.
– Lady Westhampton! – exclamou um homem de idade média, vestido com o traje formal de mordomo, com um grande sorriso –. Me alegro de voltar a lhes ver no Darkwater. esperamos sua chegada todo o dia.
– Olá, Cummings – Rachel sorriu com calor ao homem que trabalhava ali de mordomo desde que ela era menina –. Me permitam que vos presente à senhorita Gabriela Carstairs, a pupila do duque do Cleybourne.
O homem saudou a garota com uma reverência.
– Bem-vinda ao Darkwater, senhorita Carstairs. O duque e a duquesa esperam impacientem sua chegada. Ah, aí vêm.
Os habitantes da casa saíam nesse momento pela porta a pesar do ar frio da noite. Diante foram uma mulher ruiva, alta e exuberante, e um homem moreno, ambos muito sorridentes. Ligeiramente detrás deles havia outro casal, uma bonita mulher grávida e um homem muito atrativo seguidos de uma garota de uma idade aproximada da Gabriela.
– Gaby! – a ruiva, que era a nova duquesa do Cleybourne, abriu os braços a sua pupila. Tinha sido institutriz da garota durante seis anos antes de casar-se com seu tutor e a considerava quase como a sua filha.
– Senhorita Jessie! – Gabriela se tornou em seus braços e a estreitou com força. Sorriu logo com acanhamento ao homem que havia ao lado da duquesa.
– Milord.
O duque lhe devolveu o sorriso.
– Gabriela, esqueceste que não íamos ser tão formais?
– Tio Richard – corrigiu ela com um sorriso. E ele a abraçou a sua vez.
Os duques se voltaram para o Rachel, que abraçava à outro casal, formada por seu irmão Devin, conde do Ravenscar, e sua esposa Miranda, que estava grávida. Richard apresentou a sua pupila aos condes.
– E – disse a Gabriela com um sorriso- há alguém mais que espera impaciente sua chegada. A senhorita Verônica Upshaw, irmã de lady Ravenscar, está de visita e fez quinze anos o mês passado. Verônica...
A garota se adiantou e sorriu a Gabriela. Era uma moça muito bonita, de cavalo castanho claro e olhos azuis. Não se parecia nada ao Miranda, mas Rachel sabia que eram meio-irmãs e não irmãs de sangue, já que Verônica era filha da mulher com a que se casou em segundas núpcias o pai do Miranda. Os senhores Upshaw viviam grande parte do tempo em Londres, mas tinham decidido que o campo era o melhor lugar para a garota. Já teria tempo de sobra de estar em Londres quando se apresentasse em sociedade em uns anos.
Rachel pensou sorridente que certamente as duas garotas entrariam em sociedade o mesmo ano. E a boa sociedade sofreria então o assalto conjunto da formidável equipe que formariam a duquesa e a condessa. propôs-se não perder-se nenhuma festa dessa temporada.
O grupo entrou na casa conversando e rendo. As garotas, encantada ambas de poder falar com alguém de sua idade, subiram à habitação de Verônica, enquanto os adultos voltavam para a sala de música, onde os dois casais tinham esperado a chegada do Rachel.
A conversação versou primeira sobre a viagem desta.
– foi muito bom – comentou ela com calma-, exceto porque nos parou um salteador de caminhos.
Os outros quatro a olharam um momento sem fala. Devin ficou em pé de um salto.
– O que? É uma brincadeira?
– Não, absolutamente. foi que o mais peculiar.
– Peculiar! – exclamou Dev –. Eu não o descreveria assim.
– OH, sim o descreveria assim de ter estado ali.
– Rachel! por que não o há dito imediatamente? – perguntou Miranda, que se aproximou de sua cunhada –. Está bem? Não lhe têm feito nada, verdade?
– Não. perdi umas quantas moedas, nada mais. Nem sequer me ameaçaram.
– E que diabos fazia por esta zona? – perguntou Cleybourne –. Tinha ouvido algo antes, Dev?
– Não, nada. E não acredito que seja muito proveitoso assaltar os caminhos do Derbyshire.
– Não estou segura de que seu principal motivo fora tirar proveito. Indicou-me que se levava o dinheiro para que seus homens não suspeitassem nada.
– Nada do que? – Dev olhou a sua irmã com receio –. Seguro que não te burla de nós?
– Seguro, prometo-lhe isso. Já lhes hei dito que era muito peculiar. Parecia... bom, ao parecer acreditava que Michael ia na carruagem. Disse que tinha visto o brasão na porta. Não sei se se referia a que estava esperando a carruagem ou a que se dirigia ao Westhampton e topou conosco.
– Um salteador de caminhos queria ver o Michael? -perguntou Miranda –. Para que?
– Disse que queria lhe advertir e me pediu que lhe desse a mensagem de que alguém quer lhe fazer danifico e que se está “aproximando muito” e há gente que quer impedir-lhe.
Um silêncio atônito seguiu a suas palavras.
– Seguro que ouviu bem? – perguntou Dev ao fim.
– Sim. lhe pergunte a Gabriela, ela estava ali. Logo disse que o sentia, mas que tinha que levar-se algo para dissimular. Queria meus pendentes de esmeraldas, mas eu protestei e lhe disse que eram um presente de bodas do Michael e se levou meu moedeiro.
– Perdão – murmurou Jessica –. Eu não conheço lorde Westhampton tão bem como todos vós. A que se referia com isso?
– Não tenho nem idéia – repôs Rachel com franqueza –. Esperava que Richard ou Dev soubessem algo, que talvez estivessem envoltos em algum tipo de atividade masculina que tivessem decidido nos ocultar às mulheres.
– Eu não tenho nem idéia – repôs seu irmão, perplexo –. E se tivesse algum segredo masculino, pode estar segura de que Miranda me teria tirado isso já – olhou a sua esposa, quem lhe sorriu.
– Talvez é alguma espécie de chave – murmurou esta –. Westhampton me disse uma vez que sempre lhe tinham gostado dos enigmas e essas coisas.
– Sim, é certo.
– A meu só me ocorre que esse tipo esteja louco – interveio Richard –. O melhor, suponho, é enviar uma mensagem ao Westhampton e lhe contar o ocorrido. Talvez ele sim compreenda.
– Sim, suponho que tem razão – assentiu Rachel –. Esta noite lhe escreverei uma carta.
– A enviarei com uma das moços amanhã a primeira hora – assegurou seu irmão –. Suponho que o incidente não terá importância, mas é melhor assegurar-se.
Rachel, pois, escreveu mais tarde em sua habitação ao Michael para lhe contar o incidente com o estranho. Acrescentou também algumas pergunta próprias. Dev confiou a missiva a uma de suas moços, que partiria para a manhã seguinte.
Mas saber que tinha feito todo o possível por avisar ao Michael, caso que este na verdade corresse algum perigo, não serve para tranqüilizar ao Rachel. Enquanto se preparava para deitar-se, não deixava de pensar naquele sucesso. de repente todo o relacionado com seu marido lhe parecia incerto.
Michael e ela não estavam tão unidos como Miranda e Dev por exemplo. Não havia entre eles essa intimidade que aparentemente só dão o amor e a paixão. Mas ela acreditava conhecer bem a seu marido. Sabia que temas lhe interessavam, que comida gostava e qual não. Podia nomear à alfaiate e o sapateiro que freqüentava e os clubes aos que pertencia, sabia os nomes da maioria das pessoas com as que mantinha correspondência.
Não obstante, o encontro com o salteador de caminhos lhe fez perguntar-se quanto sabia em realidade do Michael. O homem do que “Rede Geordie” tinha falado parecia alguém muito distinto ao Westhampton que ela conhecia, uma pessoa mesclada em algo que supunha uma ameaça para alguém, uma pessoa a que terei que advertir. Alguém que conhecia salteadores de caminhos. Seguia pensando que o bandoleiro andava equivocado e que sem dúvida se referia a outro homem e não a seu marido. Mas havia dito que reconhecia o brasão e o tinha chamado Westhampton... ou foi ela a primeira que pronunciou o nome e ele se limitou a assentir?
Talvez o homem estava louco. Ou tudo formava parte de uma brincadeira de mau gosto. depois de tudo, nem Dev nem Richard sabiam nada. E Richard era amigo do Michael desde antes de que Rachel o conhecesse. Se estivesse misturado com salteadores de caminhos, certamente saberia. Mas Rachel não podia evitar pensar que uma esposa não deveria ter que depender do que outros soubessem de seu marido. Uma esposa deveria ser a que melhor o conhecesse. Estava segura de que, de ter estado Miranda em sua situação, teria sabido muito bem a que se dedicava Dev.
Suspirou e começou a escovar o cabelo. Ao fazê-lo observou sua imagem no espelho. Seguia sendo uma mulher atrativa. Seu cabelo era moreno e espesso e seus admiradores escreviam ainda odes a seus olhos verdes. Conservava a figura esbelta de sua juventude e nenhuma ruga sulcava sua pele. Tinha vinte e sete anos, seguia sendo jovem.
Deixou de escovar-se e se olhou com interesse. Tinha trocado desde dia em que Michael a conheceu? Certamente sim, mas a mudança tinha sido interior.
Apertou com força a escova. casou-se tal e como se supunha que era seu dever, como esperava a sociedade e exigia seu pai. Mas ao cumprir com seu dever tinha renunciado a suas esperanças e sonhos. Tinha negado os desejos de seu coração.
Recordava muito bem a terrível dor de sua decisão. Sabia que não tinha podido fazer outra coisa e que seu pai tinha razão. Desde não haver-se casado com o Michael, teria sido um escândalo e uma desonra para sua família e para ela mesma, além do Michael, que era completamente inocente. Fazia o que tinha que fazer, mas com isso tinha condenado a seu coração ao desespero. Porque ao casar-se com o Michael havia dito adeus ao homem que amava.
Rachel recordava com claridade o dia que conheceu o Michael. Foi em uma reunião em casa de lady Wetherford, um acontecimento aborrecido no que parecia estar presente a metade da boa sociedade de Londres. Lady Wetherford apresentou a lorde Westhampton a sua mãe e a ela e sua primeira impressão foi a de um homem alto e loiro, vários anos maior que ela e muito atrativo. Conhecendo o Michael como o conhecia agora, estava segura de que ia impecavelmente vestido com roupa escura e formal; nada que pudesse chamar a atenção. A imagem perfeita do cavalheiro inglês, como sempre.
Mas Rachel lhe emprestou pouca atenção e se limitou a sorrir, tão radiante se sentia por dentro, e conversar sobre o tempo e a ópera, a que tinha assistido a noite anterior. E enquanto falava, não deixava de procurar com a vista à mesma pessoa a que procurava em todos os acontecimentos sociais, ao homem responsável por sua radiante alegria de esta noite. Porque se recordava aquela velada concreta não era devido ao Michael, mas sim a que aquela foi a noite em que Anthony Birkshaw lhe disse que a amava.
A pesar do tempo transcorrido, um sorriso entreabriu os lábios do Rachel ao recordá-lo.
Rachel tinha dezenove anos e sua era primeira temporada em Londres. devido à falta de dinheiro de sua família, apresentou-se em sociedade um ano mais tarde. Cleybourne, o marido de sua irmã maior, tinha-lhe dado a sua mãe o dinheiro que necessitavam para a temporada e Rachel era muito consciente de que tocava a ela fazer o possível por restaurar a fortuna familiar. Poucos esperavam que imitasse o êxito de sua irmã, já que Caroline se casou com um duque, o degrau mais alto na escala da nobreza. Mas Rachel tinha a beleza dos Aincourt e um caráter agradável e sua família era uma das melhores da Inglaterra, por isso se esperava que ela também faria um bom matrimônio.
Rachel não questionava seu papel nestes planos. depois de tudo, assim era como se casava a gente de sua classe. Já não eram os matrimônios acordados de antigamente, é obvio, nos que umas bodas era acima de tudo uma aliança de duas famílias por motivos de riqueza, poder e conquistas políticas e o casal podia muito bem não haver-se visto até o dia das bodas. Mas de todos os modos, a aristocracia não se casava ainda por amor, como sua mãe se encarregou de lhe recordar desde que era menina; casava-se pelo bem de sua família tão presente como futura.
No caso da família Aincourt, isso se traduzia quase sempre em que terei que casar-se com alguém de dinheiro. Os condes do Ravenscar levavam gerações ganhando e perdendo dinheiro, mas ao parecer saía mais ouro de suas mãos de que entrava nelas. O motivo, segundo o pai do Rachel, um homem de mente estreita e idéias religiosas dogmáticas, era uma maldição papista lançada contra o primeiro conde do Ravenscar, quem recebeu a Abadia Branton de seu amigo o rei Enrique VIII quando este se separou da Igreja Católica. Edward Aincourt, conde do Ravenscar, derrubou a abadia e construiu com suas pedras a mansão familiar. Segundo a lenda, o abate do Branton tinha tido que ser tirado a força da abadia e, enquanto o levavam os homens do conde, lançou uma maldição sobre este e seus descendentes, para que “ninguém que vivesse entre aquelas pedras conhecesse nunca a felicidade”.
Já fora resultado da maldição ou simplesmente a natureza de uma família muito dada ao orgulho e o esbanjamento, o certo era que os Aincourt estranha vez tinham sido felizes nem em temas do coração nem em temas de dinheiro. Todo mundo estava de acordo em que era uma boa coisa que fossem também uma família de homens altos e esbeltos e mulheres formosas, já que sempre se viam obrigados a fazer fortuna através do matrimônio, embora havia também quem assinalava que talvez era essa dependência o que os condenava a cumprir as profecias da maldição.
A escassez de dinheiro se feito especialmente patente nessa geração concreta da família. O conde, um homem religioso de idéias estritas, não tinha deixado entretanto que suas crenças religiosas o levassem a uma vida ascética. Gostava de viver bem e comprar coisas formosas, o que diminuiu ainda mais a fortuna familiar. considerava-se que tocava às filhas da família resolver o problema, já que o conde tinha perdido toda esperança em seu filho Devin, o herdeiro do título. Devin levava dez anos entregue a uma vida que seu pai qualificava de excessos pagãos, levava anos de amante de uma mulher casada e tinha recusado casar-se como desejava seu pai.
Rachel, pois, tinha que casar-se como decidisse seu pai, mas isso não lhe impedia de sonhar em segredo com que seu matrimônio pudesse ser também por amor além de por dever, como tinha sido o de sua irmã Caroline. Todo mundo sabia que o duque do Cleybourne amava loucamente a sua esposa e que ela parecia lhe corresponder, embora mais tarde se visse que os sentimentos dela tinham sido mais superficiais. Como mínimo, Rachel tinha intenção de desfrutar de do tempo em que procurava marido, luzindo os vestidos novos comprados para sua apresentação em sociedade, indo a festas e bailes e desfrutando das peças de teatro, as óperas e demais diversões que podia oferecer Londres a uma garota que tinha passado quase toda sua vida escondida no Derbyshire.
E teve um êxito imediato. Sua vida era um torvelinho de atividades sociais que teriam esgotado a qualquer que não fora uma jovem cheia de vida. Sua agenda de baile se enchia sempre aos poucos minutos de chegar a uma festa. Podia escolher entre um sem-fim de ramalhetes de flores que lhe enviavam pretendentes esperançados antes de cada baile e nunca faltavam jovens que fossem visitar a.
Mas ela só tinha olhos para um homem. Conheceu o Anthony Birkshaw às duas semanas de chegar a Londres e em conto o viu soube que era o homem de seus sonhos. Era um cavalheiro arrumado, uns anos maior que ela, cujos maneiras francos e abertos a conquistaram imediatamente. Tinha um cabelo castanho espesso que caía com descuido sobre a frente e olhos que lhe pareciam de poeta: grandes e marrons, bordeados de pestanas muito negras.
E milagrosamente, estava tão louco por ela como ela por ele. É obvio, não ficava em ridículo como Jasper Hopkins, que dançava com ela os dois bailes que permitia a etiqueta a um cavalheiro que não fora o prometido de uma garota e logo permanecia o resto da velada olhando-a sem dançar com ninguém mais. Anthony se mostrava cortês e amável e dançava e conversava com outras jovens, não se dedicava tão em exclusiva ao Rachel para suscitar comentários.
Aquela noite, depois de dançar juntos uma valsa, havia-lhe dito que a amava e ela não tinha deixado de flutuar após.
Passou o resto do verão em uma nuvem de amor. Dado o modo em que se vigiava às jovens, quase nunca estava a sós com o Anthony. Seu amor se alimentava de olhares, sonhos e valsas. O “encontrava” às vezes quando voltava com sua donzela da biblioteca. Se lhe enviava flores, dormia com elas ao lado da cama e quando começavam a murchar-se, colocava-as entre os livros para as conservar. de vez em quando podiam acontecer uns momentos juntos, perder-se entre a multidão depois de um baile ou um jantar e procurar um lugar nos jardins ou no batente de algum ventanal. Ali se sussurravam o que sentiam e intercambiavam um beijo casto ou dois. Rachel vivia para aqueles momentos.
Perdida em sua nuvem de amor, Rachel apenas se deu conta da freqüência com que lorde Westhampton ia visitá-la ou a convidava a dançar. Estava muito pendente do Anthony para fixar-se muito em outros pretendentes, e ao Michael nem sequer o tinha colocado entre aquele grupo. Era quase dez anos maior que ela e amigo do marido do Caroline, e a jovem assumiu que formava parte do círculo de amigos dos duques. Como sua família e ela passavam a temporada na grande mansão Cleybourne, não lhe pareceu estranho que um amigo do duque fosse de visita freqüentemente ou fora incluído nas distintas saídas. Não formava parte do círculo de jovens que a rodeavam nas festas e competiam entre si por lhe levar um copo de ponche, recolher uma luva dele que caía ao chão ou conduzir a à mesa nos jantares. De ter sido mais maior ou menos ingênua, teria se dado conta de que sua ausência indicava uma intenção mais séria para seus pais. Era muito amadurecido e importante, muito sério em suas intenções para unir-se ao grupo que a perseguia. Não era um homem que queria paquerar e admirar; era um homem que tinha intenção de casar-se.
Rachel não pensava muito nele, embora, de havê-lo feito, haveria dito que gostava de lorde Westhampton. Era calado, bom ouvinte, e se ela cometia um engano de etiqueta ou fazia um comentário ingênuo, ele o passava por cima com um sorriso. Como não o incluía em seu círculo de admiradores, não se sentia obrigada a conquistá-lo. Embora não lhe interessava nenhum além do Anthony, estava acostumado a se dar por sentado que o número de pretendentes do círculo da mulher era a medida do êxito que esta tênia em sociedade, por isso não convinha que a gente visse que diminuía o número de seus admiradores, razão pela qual tinha que paquerar sem parecer atrevida e mostrar-se engenhosa e animada.
Com o Westhampton, em troca, podia falar facilmente. Não lhe preocupava tratar de lhe gostar de nem manter uma certa imagem. Simplesmente o tratava como a outros amigos de seus irmãos maiores. Não demorou para dar-se conta de que se tinha algum problema referente à etiqueta ou precisava averiguar quem era alguém e onde encaixava na sociedade, lorde Westhampton era a pessoa a que acudir.
Até que um dia, no fim de julho, seu pai as convocou a sua mãe e a ela na biblioteca. O coração lhe pulsou com força e se ruborizou. Uma chamada assim implicava que ocorria algo importante e pensou imediatamente no Anthony Birkshaw. Só podia ser que este tivesse pedido sua mão em matrimônio.
Seu pai estava em pé detrás de uma das mesas, com aspecto tão imponente como sempre. Rachel se tinha criado temendo a aquele homem. O conde do Ravenscar, severo, religioso e sem senso de humor, não apreciava nem entendia aos meninos. Logo que via os seus exceto no domingo, quando a família ia à igreja do povo e escutava depois ao conde ler a Bíblia e catequizá-los. Vivia com a convicção de que os meninos chegavam ao mundo para honrar e obedecer a seu pai e qualquer forma de rebelião tinha que ser esmagada imediatamente.
Rachel, a mais pequena dos três irmãos, cresceu vendo as batalhas entre seu irmão e seu pai que terminaram em uma ruptura total, em que o conde jogou ao Devin de sua casa e lhe disse que não voltaria a ser bem recebido nunca mais. Após, Rachel não tinha visto seu irmão até esse verão. A dor dessa separação e o terror à fúria de pai ficaram impressos firmemente em sua mente. Ela tinha conseguido evitar essas confrontações afastando-o mais possível da presença de seu pai e não enfrentando-se a ele abertamente.
Em concreto, esse dia na biblioteca, seu pai se mostrava sorridente e agradado.
– Bem, Rachel – disse corajoso –. Imagino que tem alguma idéia de por que te chamei.
– Acredito que sim – repôs ela, com certa vacilação. Surpreendia-lhe um pouco que seu pai se mostrasse tão agradado com a proposta do Anthony. Não sabia nada de suas finanças, claro, mas era o filho pequeno de um filho pequeno e embora sua linhagem era muito respeitável, não possuía um título nem parecia ser tão rico para agradar a seu pai.
– com certeza que sim – continuou o conde –. Lorde Westhampton é uma boa captura. Não é um duque, claro, como o de sua irmã... – soltou uma risita-, mas sim um pretendente excelente. Título, propriedades, uma família que se remonta até os barões do Guillermo o Conquistador. Sim, agrada-me muito que Westhampton se fixou em ti. É obvio, oferece um acordo muito generoso, embora ainda não fixamos os detalhes. E é obvio, quer te fazer a pergunta pessoalmente, mas acredito que todos sabemos qual será a resposta, né?
– Lorde... Lorde Westhampton? -perguntou Rachel, surpreendida. Sentia um rugido estranho nos ouvidos e por um terrível momento acreditou que ia deprimir se –. Lorde Westhampton pediu minha mão?
– Sim – seu pai a olhou com receio –. por que? Estava pensando em outra pessoa? entregaste seu carinho a outro?
– Tolices – a mãe do Rachel pôs uma mão protetora no braço de sua filha –. É obvio que não entregou seu carinho a ninguém. Simplesmente lhe surpreende que um homem como lorde Westhampton esteja tão prendado dela. A qualquer jovem modesta ocorreria o mesmo. É uma boa partida, como você mesmo há dito.
– Sim, suponho que tem razão – murmurou o conde, que não podia imaginar que sua filha mais pequena, a que menos espírito tinha dos três, enfrentasse-se a ele.
Sua esposa lhe disse que Rachel e ela tinham que decidir o que vestido escolher para a proposição do Westhampton e tirou sua filha da biblioteca.
– No que estava pensando? – disse-lhe assim que estiveram no saloncito das damas e teve fechado a porta –. Deste-me um bom susto. De verdade te surpreende tanto? Westhampton não saiu que a mansão Cleybourne em todo o verão.
– Mas... mas é amigo do duque e eu pensava...
Sua mãe suspirou com exasperação.
– E eu que pensava que o estava levando muito bem! Ah, bom, dá igual. Sem dúvida assumiu que é modesta e inocente. Os homens apaixonados, por sorte, são bastante tolos. Agora temos que fazer planos. Sem dúvida virá esta tarde a falar contigo, já que seu pai lhe deu permissão. Terá que decidir o que te vais pôr. Talvez Caroline empreste ao Lucy para te arrumar o cabelo. Tem que estar muito formosa, mas não parecer que está esperando sua pergunta.
– Mas mamãe! – exclamou Rachel com pânico –. Não pôde aceitar a lorde Westhampton
Sua mãe a olhou atônita.
– Está louca? – perguntou com uma voz que ressonou como uma chicotada –. Como que não pode aceitar...? – respirou com força –. Não! Seu pai tinha razão? puseste seu afeto em outra parte? meu deus, filha! O que tem feito? – o medo e a fúria se mesclavam em sua voz –. Não me diga que entregaste a um homem.
– Não! – exclamou Rachel, escandalizada –. Como pode pensar isso? Eu nunca... ele jamais...
– Bem – a condessa se relaxou um pouco –. Então não passa nada que não possa arrumar-se. Quem é esse homem? Não posso acreditar que não tenha notado nada.
– É o senhor Birkshaw. Anthony Birkshaw. E não tem feito nada indevido. Sempre se mostrou muito correto. Nem sequer suscitou comentários ficando sempre a meu lado.
– Birkshaw! – sua mãe a olhou horrorizada –. Anthony Birkshaw! Esse jovencito sem fortuna ousou tentar conseguir seu afeto? OH, Rachel! Como pudeste ser tão tola? O que lhe há dito? Prometeste-lhe...? Mas não, ninguém consideraria lhe vincule a promessa de uma menina tola quando ele não teve nem a cortesia nem a coragem de falar antes com seu pai.
– Não me pediu que me case com – lhe assegurou Rachel –. Já te digo que sempre foi muito correto. Não nos temos feito promessas, juro-o. Mas eu o amo e sei que ele me corresponde. E hoje, quando pai nos chamou à biblioteca, pensei que era ele o que tinha pedido minha mão.
Sua mãe a olhou com um indício de compaixão.
– Minha querida menina, não pode pensar que o conde aprovaria essa união verdade? O senhor Birkshaw jamais conseguiria sua permissão. Não tem dinheiro nem perspectivas de futuro. Seu pai é o terceiro filho de lorde Moreston. Teria que haver uma praga para que o título chegasse até ele. E seria só uma baronía. Não me ocorre como pôde acreditar que podia aspirar à filha de um conde.
– Não acredito que tenha pensado muito no título de meu pai – repôs Rachel, com mais aspereza da que usava habitualmente com sua mãe –. É de mim de quem se apaixonou.
– Nesse caso, só posso dizer que é um imbecil e você também – a condessa moveu a cabeça –. Bem, mais vale que esqueça todas essas tolices. Esta tarde tem que aceitar ao Westhampton e não pode aparecer com ar desgraçado que lhe faça trocar de idéia.
Ao Rachel deu um tombo o coração
– Mas mãe, como vou aceitar o? Não o amo. Apenas o conheço. Amo a outro homem.
– Não há motivo para que ele saiba – replicou sua mãe –. E o melhor será que você também te tire essa idéia da cabeça. Seu pai jamais te permitiria ver o Anthony Birkshaw. Custa-me acreditar que tenha sido tão parva para entregar seu coração a um... a um mendigo.
– Não é um mendigo!
– Ora! Você não sabe nada disso – a condessa olhou a sua filha com frieza –. Crie que alguma de nós se casou por amor? O que alguma de nós conhecíamos nossos maridos antes de nos prometer? Posso-te assegurar que eu não e sua irmã tampouco.
– Mas Caroline e Richard se amam.
– Sua irmã foi o bastante lista para não entregar seu coração até que teve dado sua mão – replicou sua mãe –. Não posso acreditar que esteja atuando assim. Você sempre foste a mais obediente de meus filhos – fez uma pausa para recuperar a compostura –. A que te acreditava que vínhamos aqui? A que passasse um verão de festas e diversão? Seu pai teve que tragar o orgulho e aceitar um empréstimo do Cleybourne para que você tivesse esta temporada. E conhecia muito bem qual era o objetivo. Sabia o que se esperava de ti.
– Sim, mas... – os olhos do Rachel se encheram de lágrimas. O mundo de sonho no que tinha passado o verão se derrubava a seu redor. Compreendia que tinha sido uma parva ao pensar que seus pais aceitariam ao homem do que se apaixonou –. Não posso! – gemeu –. Não posso me casar com lorde Westhampton quando amo a outra pessoa.
– Pode e o fará – a voz da condessa era implacável –. Sinto que tenha sido tão parva para entregar seus sentimentos. Teria que te haver vigiado melhor e te peço desculpas por não havê-lo feito, mas corrigirei agora mesmo esse engano. Direi ao Caroline que relatório ao mordomo de que não está em casa quando vier o senhor Birkshaw.
– Não! – a dor atravessou o peito do Rachel como uma faca –. Mãe, não pode...
Lady Ravenscar lhe lançou um olhar pétreo.
– Se for preciso, o direi a seu pai e o despedirá.
– Não! – a idéia de que seu pai falasse com o Anthony e lhe proibisse a entrada na casa a aterrorizava mais ainda. Seu pai tinha um temperamento terrível; impossível saber o que podia lhe dizer ou lhe fazer ao Anthony. Não seria surpreendente que o açoitasse com sua fortificação.
– Superará esse capricho – seguiu sua mãe com voz fria –. Sei que agora te parecerá que se acaba o mundo, mas essa sensação passará logo. Os caprichos das jovens sempre são assim. dentro de umas semanas estará planejando suas bodas e escolhendo vestidos para seu enxoval e te dará conta de quão absurdo foi tudo isto.
– Não – repôs Rachel com voz estrangulada –. Não será assim.
– Tem que tentá-lo. Porque posso te assegurar que não te casará com o senhor Berkshaw. Se o pensar bem, seguro que entende por que te ofendeu. Suponho que logo que tem dinheiro para manter-se só e possivelmente foi tão parvo para pensar que você foi rica.
– Não é questão de dinheiro! – gritou a garota –. Amamo-nos.
– Pois é um amor sem esperança – repôs sua mãe, implacável –. Seu pai e eu jamais permitiremos que te case com ele. E se for tão parva para rechaçar a lorde Westhampton por essa loucura, garanto-te que o lamentará pelo resto de sua vida.
Rachel já não pôde reter mais tempo as lágrimas. Começou a soluçar, afundou-se na poltrona mais próxima e se tampou o rosto com as mãos. Sua mãe a olhou um momento exasperada e logo tirou um lenço de seu bolso e o passou.
– Chora – disse –. E quando terminar, te tombe com um trapo frio nos olhos para impedir que se enchem. Não pode receber esta tarde a lorde Westhampton com os olhos avermelhados pelo pranto.
– Não posso me casar com ele – repetiu Rachel entre lágrimas-, morreria.
– Não. Asseguro-te que não. Não é a primeira garota que se crie perdidamente apaixonada e certamente não será a última. E nunca morrem. É obvio, se decide rechaçar a perspectiva de ser lady Westhampton, de ter um marido que te adora e te concederá todos os caprichos, de ser proprietária de duas das mansões mais admiradas por país e de um número ilimitado de vestidos e jóias... – interrompeu-se com um suspiro –. Bom, não posso te obrigar a aceitá-lo, embora não quero nem pensar no que dirá seu pai. Seria um milagre que pudesse convencer o de que não nos levasse ao Darkwater em seguida e esse seria o fim de suas esperanças. Mas talvez se mostrasse razoável. Tem outros admiradores, embora nenhum tão boa partida como lorde Westhampton. Pode que tenha outra oportunidade de receber uma oferta decente antes de que termine a temporada, quando todos voltaremos para campo a terminar nossas vidas na penúria.
Rachel pensou horrorizada na obrigação de seguir ali toda a temporada, de ir a festas e tentar atrair um marido quando seu coração estaria já quebrado.
– Mãe, não posso...
– E pensa ser solteirona o resto de sua vida? Porque não terá mais oportunidades de conhecer homens casaderos. Não podemos pagar outra temporada e te asseguro que seu pai não desejará fazer nada mais por ti se lhe levar a contrária agora.
Rachel pensou na ira de seu pai e se estremeceu. Nunca tinha sido objeto de um de seus espantosos ataques de fúria.
– Mãe, por favor...
– Filha, não posso te ajudar. Solo tem duas opções... cumprir seu dever para a família, aceitar a lorde Westhampton e levar uma vida agradável e satisfatória, ou recusar e ficar conosco até nossa morte, e logo suponho que teria que viver como acompanhante de sua irmã Caroline.
Suspirou com força.
– Agora quero que te tombe. Enviarei-te à donzela com rodelas de pepino e um trapo frio para os olhos. E quero que pense no que vais fazer. Quero que considere o que ocorrerá a todos se não te casar com lorde Westhampton. Quero que recorde esta temporada e tudo o que temos feito para que receba uma boa oferta e leve uma boa vida. Logo decide se quer envergonhar desse modo a sua família. Se de verdade for negar a fazer o que se espera de ti, o que tem que fazer. Estou segura de que tomará a decisão correta sobre lorde Westhampton.
Rachel fechou os olhos e acreditou sentir ainda a dor que havia sentido tantos anos atrás, a infelicidade que sentia quando foi a seu quarto a tombasse na cama. Esgotada pela pena e sumida no desespero, tinha chorado até não poder mais, enquanto a donzela lhe secava as lágrimas e se esmerava por reparar o dano que o pranto lhe tinha causado na cara.
ficou tombada pensando, como lhe tinha aconselhado sua mãe. Compreendeu com amargura quão tola tinha sido, como tinha vivido em um mundo de sonho. E confrontou o vazio de seu futuro, solteira no Darkwater e objeto da desaprovação de seu pai, que lhe recordaria constantemente o má filha que tinha sido. Sem permissão de seu pai não podia casar-se com o Anthony até os vinte e um anos pelo menos, e sabia que seu pai não daria essa permissão. Sabia também, com desespero, que sua mãe tinha razão sobre o estado das finanças do Anthony. Lady Ravenscar sempre estava a par dessas coisas. Além disso, isso explicava por que, apesar de seu amor por ela, não tinha pedido sua mão. Sabia que seu pai não o aceitaria; certamente ele também tinha que procurar um matrimônio de conveniência.
Seu sonho de amor morreu aquela tarde. Confrontou o mundo tal e como era, o mundo no que uma filha fazia as bodas que devia fazer, a que desejavam seus pais. Viu a realidade, em que não mandava o amor, a não ser a razão fria e dura. Todo seu ser lhe doía ante a idéia de entrar nesse mundo. Mas ao final se levantou e deixou que a donzela lhe pusesse o vestido de tarde eleito por sua mãe, que Lucy lhe arrumasse o cabelo e escondesse os círculos vermelhos de seus olhos sob um pingo de pós de arroz. Logo descendeu as escadas e aceitou a proposição de matrimônio de lorde Westhampton.
Michael despertou com um sobressalto. Permaneceu um momento imóvel, suando, com o coração lhe pulsando com força. Tinha sonhado com o Rachel. Não recordava os detalhes, mas a sensação era clara... a mesma mescla de prazer e excitação tinta de pena que sentia sempre que sonhava com sua esposa.
Estar com o Rachel era muito diferente. Os sentimentos em seu interior eram os mesmos, mas ampliados muitas vezes e mesclados com nervosismo e incerteza. Ao menos em sonhos era capaz de falar com ela sem converter-se em um parvo estirado, como lhe passava na vida real. Em sonhos podia beijá-la e acariciá-la com luxúria. Mas assim que sua mente recuperava a consciencia e se impunha a realidade, retornava a tristeza.
Sempre era pior quando ela tinha estado de visita. Então os sonhos eram mais freqüentes e intensos. Com sua ausência tendiam a decair. Era mais fácil viver sem ela, como tinha descoberto quando levavam um ano casados. Por grande que fora a alegria de estar a seu lado, a dor aumentava até um ponto insuportável, até que já não podia viver com ela, vê-la todos os dias, sofrer de amor e paixão por ela sem ser nunca seu marido no sentido estrito da palavra. Era quase insuportável amá-la como a amava e saber que não lhe correspondia, que nunca o tinha amado e nunca o amaria. Saber que, desde que se casou com ele, levava uma vida de tristeza calada e sofria, como ele, por alguém a quem não teria nunca. Sabia o que sentia e desejava com todo seu coração ter podido lhe economizar essa pena. E o pior de tudo era que também sabia que tinha sido ele o que a tinha condenado a essa vida.
Apartou as mantas com um suspiro e saltou da cama. A carícia do ar fresco em sua pele quente resultava agradável, e não ficou a bata; aproximou-se da cômoda e se serve um copo de água de uma jarra que havia em cima. Bebeu com ansiedade e foi à janela, onde apartou uma esquina do pesado cortinón de veludo para olhar a noite.
Seu dormitório dava a uma parte do caminho de entrada alinhado de árvores que levava a porta principal da elegante mansão. Mais à frente se viam as colinas que caracterizavam aquele distrito. Ainda não era de dia, mas a escuridão se esclarecia e se podiam distinguir as formas das árvores e matagais. Amanheceria logo, assim não tinha sentido voltar para a cama. O que tinha que fazer era ficá-la bata e as sapatilhas, acender uma vela e começar o dia.
Mas lhe parecia um esforço inútil. O dia só lhe oferecia solidão e a dor da perda. Sabia que seria assim durante muitos dias ainda. Sabia por experiência. A casa estava ainda cheia de lembranças do Rachel, de sua presença. Ainda o assaltava a louca esperança de dobrar uma esquina e encontrar-se com ela, ou de ouvir sua risada em um corredor. Essa vez tinha estado mais que de costume, quase três meses, e acompanhada da Gabriela, o que implicava que também tinha havido risadas infantis, um som que fazia muitos, muitos anos que não se ouvia na casa.
Rachel parecia mais feliz que outras vezes. Estava contente pelo Dev e Richard, alegrava-se de que ao fim tivessem encontrado o amor. Queria profundamente a seu irmão e a seu cunhado e sua infelicidade tinha aumentado ainda mais a dela. E ao contrário, sua alegria tinha servido para animá-la. E a presença da Gabriela também lhe tinha levado felicidade. A menina era inteligente e corajosa e sua presença facilitava as coisas entre os maridos. Era difícil manter os formalismos com ela perto, que ria, conversava e se inundava com entusiasmo em tudo o que lhe oferecia.
O que fazia pensar ao Michael que Rachel teria sido feliz tendo filhos, outra das coisas que lhe tinha roubado ao casar-se com ela. Ele tinha querido dar-lhe tinha pensado que os teriam; mas isso foi nos primeiros tempos, quando acreditava que ela chegaria a amá-lo algum dia, que a profundidade e a intensidade de seu amor por ela acabariam por conquistá-la. Então pensava que com o tempo teriam um matrimônio normal, com intimidade e com filhos. Mas isso era porque não sabia que a mulher a que amava tinha entregue já seu coração a outro homem.
Tinha sido um ingênuo ao não ver que estava apaixonada. Naquela época sabia muito de livros e muito pouco sobre o coração de uma mulher.
Tinha quase trinta anos quando conheceu o Rachel, muito major para saber tão pouco de amores e conquistas. Ao contrário que seu pai, tinha sido um jovem tranqüilo e amante dos livros. Seu pai tinha manchado de escândalo o nome do Westhampton. Era um homem que vivia como lhe agradava, comia e bebia em excesso, jogava e perseguia a toda classe de mulheres.
Michael, em troca, parecia-se com sua mãe, uma mulher tranqüila e inteligente que desfrutava mais com livros e conhecimentos que com vestidos e festas. Michael tinha visto a dor em seus olhos e sabido que o causador era seu pai. Odiava a seu pai por seus excessos e jurou que não seria nunca como ele.
Aprendeu a montar e a caçar, ensinaram-lhe a arte viril do boxe e o mais elegante da esgrima. Seu pai insistiu em que aprendesse essas coisas, que para ele constituíam a educação de um cavalheiro britânico, e Michael as aprendeu como fazia todo o resto, com tranqüila determinação. Mas embora dava o melhor de si nessas atividades, não gostava tanto como a educação de sua mente. Sua felicidade estava nos livros e nas horas tranqüilas que passava lendo e pensando nos mistérios do universo. Tinha tanta sede de conhecimentos como seu pai de álcool.
Desprezava a seu pai por sua vida hedonista e libertina, pela vergonha que tinha causado no nome da família e a dor que tinha ocasionado a seu gentil algema, e se jurou que nunca seria como ele. Desfrutou de seus anos em Oxford e fez amigos entre os homens de letras e ciências que encontrou ali. E quando seu pai morreu ao cair do cavalo uma noite que voltava para casa bêbado, Michael passou muito tempo só na propriedade familiar do Lake District lendo, administrando a propriedade e escrevendo-se com homens que tinham seus mesmos interesses.
A única vez que se afastou dessa vida tranqüila foi durante a guerra, quando sir Robert Blount, um amigo dele que trabalhava no Governo, suplicou-lhe que ajudasse a capturar a uns espiões do Napoleón que operavam na Inglaterra. Seu amigo lhe pediu que provasse a decifrar as mensagens em chave que usavam os espiões, consciente de que Michael desfrutava com esse tipo de enigmas. E este não demorou para decifrar a chave e se encontrou cada vez mais imerso naquele jogo de intrigas. disse-se que o fazia por patriotismo e por provocação intelectual, mas sabia, com certa vergonha, que gostava da excitação e o perigo que representavam. Satisfazia-lhe além de usar sua inteligência e habilidades físicas para derrotar a seus oponentes, e lhe causava prazer escapar do perigo. Descobriu que tinha um talento até então oculto para disfarces e acentos, que podia mesclar-se com pessoas de distintas classes e lugares sem ser detectado. Suas maneiras tranqüilos e seu aspecto, atrativo mas pouco chamativo, obtinham que o fora fácil passar desapercebido.
Quando terminou a guerra, sua vida voltou para a rotina tranqüila de antes. Preocupou-lhe um pouco comprovar que sentia falta da excitação da intriga; o amor pelo perigo lhe recordava muito a seu pai e odiava ver em si mesmo algo do defunto lorde Westhampton.
Não procurava expressamente uma esposa. Quando pensava casualmente no tema, assumia que um dia se casaria com alguém de boa família e interesses similares, uma mulher com a que pudesse formar uma família e compartilhar sua vida. Não esperava a paixão arrebatadora que o assaltou a primeira vez que viu o Rachel Aincourt.
Tinha ido passar parte da temporada a Londres, como tinha por costume, e tinha assistido a uma festa com seu amigo Peregrin Overhill. Perry tinha gabado muito à nova beleza da cidade, mas como tendia a fazê-lo freqüentemente, Michael não emprestou muita atenção a suas palavras sobre a filha mais jovem de lorde Ravenscar. Não duvidava de que seria formosa. Era amigo do duque do Cleybourne e Caroline, a filha maior do Ravenscar, era na verdade uma beleza.
Mas quando entrou no salão de baile e viu o Rachel, alta e esbelta com seu elegante vestido branco, a palavra «beleza» não lhe pareceu digna de descrevê-la. Brilhava-lhe o rosto, tinha manchas rosas nas bochechas, suaves como o veludo e seus olhos verdes, emoldurados por pestanas tão negras como os cachos de seu cabelo, eram brilhantes e enormes. E quando sorria... não havia palavras para descrever como lhe acelerava o coração no peito e como sua vida, antes tão rotineira, organizada e tranqüila, passou a converter-se em um tumulto de sensações caóticas e gloriosas.
Todas suas idéias prévias sobre um matrimônio agradável saíram pela janela. Assim que cruzou a estadia e falou com ela, soube que era a mulher a que queria como esposa. Aquela garota de falar suave e sorriso resplandecente despertava nele tal paixão, tanta emoção, que sabia que jamais poderia sentir o mesmo por ninguém mais.
dispôs-se a cortejá-la como um cavalheiro, sem fazer nunca nada impróprio, é obvio, mas visitando-a com freqüência, levando-a a passear em calesa, dançando com ela os dois bailes que lhe permitia a etiqueta. Ajudou a seus esforços o fato de que já era amigo do duque do Cleybourne e tinha portanto acesso freqüente à casa. Tanto a duquesa como lady Ravenscar, atentas a qualquer amostra de interesse por parte dos homens casaderos, incluíam-no em qualquer acontecimento que organizassem, já fora um picnic; uma noite na ópera ou uma visita à última peça de teatro do Drury Lane.
Michael sabia que não era uma figura muito romântica para uma garota jovem, mas era consciente de que lhe considerava uma boa partida, já que não só tinha título e dinheiro, mas sim além disso era muito apresentável de aspecto e maneiras. Sabia que Rachel não o amava, mas confiava em poder ganhar seu coração com o tempo. Ela não rechaçava seus oferecimentos de passear pelo Rotthen Row e sempre parecia contente de falar com ele quando estava perto. lhe tivesse gostado de ir mais devagar, lhe dar tempo para que tomasse afeto, mas sabia pelo Cleybourne que Ravenscar, sempre necessitado de dinheiro, entregaria a mão de sua filha ao primeiro solteiro cotizado que lhe fizesse uma oferta. E tendo em conta que um dos homens que mais probabilidades tinham de fazê-lo era sir Wilfred Hamerston Smythe, um viúvo o bastante major para ser pai do Rachel e do que se dizia que sua esposa tinha morrido para fugir dele, pensou que não era arrogante por sua parte supor que Rachel seria mais feliz casada com ele.
Não considerou a possibilidade de que ela o rechaçasse. As filhas geralmente se casavam segundo os desejos de seus pais e ela também devia saber que sua oferta era de quão melhores podia esperar. Por isso, embora ela se mostrou tímida e calada ao aceitar sua proposição, ele o atribuiu a que tinha tido que matar suas esperanças de que seu futuro marido fora um príncipe azul que fosse a resgatada montado em um cavalo branco e se prometeu a si mesmo que a faria feliz. Sabia que certamente resultaria aborrecido para uma moça, mas pensava que sua amabilidade, seu respeito e seu amor engendrariam nela um afeto que daria passo, se não ao fogo da paixão, ao menos sim a calidez do amor.
Não se deu conta de que não só não o amava a ele mas sim amava a outro.
O mero feito de pensar nisso lhe causava uma dor lacerante no peito. Suspirou e deixou cair a cortina. ficou a bata e se sentou em uma poltrona pensando no momento, sete anos atrás e só dois dias antes das bodas, em que descobriu que sua prometida se fugiu com outro homem.
As bodas ia se celebrar no Westhampton, na pequena igreja de pedra normanda do povo onde se casaram todos os condes do Westhampton desde que alguém podia recordar. A casa estava cheia de amigos e familiares que tinham ido celebrar as bodas, e ainda havia mais que se hospedavam no povo e em casa de sir Edward Moreton, um vizinho cuja amável algema tinha aceito a carga de albergar a vários hóspedes.
Era uma ocasião alegre. Michael não recordava ter sido nunca tão feliz. Acreditava que Rachel tinha começado a apreciá-lo nos últimos meses. Desde que estavam prometidos, permitiam-lhes acontecer mais tempo juntos. E embora sempre que ia de visita os acompanhavam a mãe ou a irmã dela, agora se sentavam freqüentemente a certa distância e lhes deixavam falar com certa liberdade. E nos bailes podia ser seu casal em mais de duas peças sem suscitar falações.
O fato de que ela parecia apreciá-lo mais quanto mais tempo passavam juntos, dava-lhe esperanças de poder conquistar seu amor quando passasse todas aquilo das bodas e pudessem ao fim estar sozinhos.
Faltavam dois dias para as bodas e os prometidos saíram juntos da sala de música depois de uma velada tranqüila de canções entre amigos. Michael pensava com antecipação no momento em que ao fim ficassem sozinhos. Não era sua intenção consumar o matrimônio a primeira noite; sabia que seria muito duro para uma garota jovem entregar-se assim a um quase desconhecido. Apesar do muito que a desejava, queria tomar-se tempo para que confiasse nele, para despertar sua paixão de maneira gradual. Tinha jurado fazia muito que não faria sofrer a nenhuma mulher e não podia infligir dano algum ao Rachel, a que amava.
Mas seria maravilhoso estar a sós com ela, sem a presença constante de uma carabina, poder falar com ela, rir e fazer o que quisessem, aprender a conhecer-se, beijá-la e abraçá-la, tomar a mão sem que ninguém os visse nem murmurasse. Nos últimos meses se perguntou em ocasiões se chegaria alguma vez esse momento.
Rachel se tinha mostrado mais calada que de costume durante a velada e ao Michael pareceu que estava algo pálida, mas o atribuiu aos nervos pelo iminente das bodas.
Quando passavam ante o estufa, vazio e escuro, tirou-a do braço e atirou dela para a porta. A jovem o olhou sobressaltada, com olhos muito abertos.
-O que acontece? -sussurrou.
Michael lhe sorriu.
- Não há por que ter medo.
-O que? -Rachel soltou uma risita –. Medo do que?
-Não sei. Das bodas. Superaremo-la sem problemas. Todo mundo sobrevive.
-OH, sim, suponho que sim -sorriu ela –. Acredito que estou algo nervosa.
-Não temam. Eu estarei a seu lado. Solo têm que me cravar os dedos no braço se criem que lhes ides deprimir e eu lhes sustentarei.
-Está bem.
Michael acreditou ver um brilho de lágrimas em seus olhos, mas ela apartou a vista e, quando voltou a olhá-lo um instante depois, seus olhos estavam secos. Pô-lhe uma mão sob o queixo e a olhou aos olhos.
-Confiam em mim, verdade? -perguntou com suavidade –. Por favor, asseguro-lhes que podem confiar. Não lhes farei mal, prometo-o.
-OH, Michael... -a voz dela se quebrou pela emoção e fechou uma mão em torno da dele –. Não sou... digna de você.
-Que tolice! -sorriu ele –. São digna de qualquer homem.
Vencido pelo amor que alagava seu coração quando a olhava, inclinou-se a olhá-la. Os lábios dela estavam quentes e suaves sob os seus e insinuavam tal prazer que quase não pôde suportá-lo. Naquele momento a desejava mais que nunca. O sangue lhe golpeava os ouvidos e rugia em suas veias. Pensou no corpo dela complacente em seus braços, em sua boca abrindo-se a ele com paixão.
Rodeou-a com seus braços e atirou dela para si ao tempo que aprofundava o beijo. Uma quebra de onda de calor atravessou seu corpo e a apertou contra ele. Seus lábios provavam a doçura com a que levava meses sonhando. Pensou nos dias e semanas que os esperavam, nos que faria conhecer o Rachel os prazeres da carne, pensou em explorar seu corpo com as mãos e a boca, em lhe ensinar o prazer que podiam dar-se mutuamente, e um tremor de luxúria atravessou seu corpo.
Quão último desejava era finalizar o beijo, soltá-la e apartar-se, mas se obrigou a fazê-lo. Não devia assustá-la com a enormidade da paixão que pulsava nele.
Rachel o olhava com os olhos muito abertos pela surpresa. Seus lábios eram suaves e úmidos, escuros pela pressão da boca dele, e lhe bastou vendo-os para voltar a sentir a luxúria. Retrocedeu um passo mais e pigarreou.
-Perdão. Não devi... -o desejo nublava de tal modo sua mente que não podia pensar em nada racional –. Acredito que deveríamos damos as boa noite.
-Sim, milord - sussurrou ela antes de sair apressadamente da estadia.
Michael deu um passo para ela, preocupado de repente se por acaso era medo o que tinha visto em seus olhos e não só surpresa. deteve-se, pensando que se a tinha assustado sua perseguição só conseguiria aumentar o medo. Sem dúvida seu beijo repentino a tinha sobressaltado. Não era próprio dele, que estava acostumado a controlar seus atos. Mas a beleza do Rachel punha a prova sua compostura, e durante os meses de compromisso, tinha tido que exercitar um forte controle sobre seus desejos. E agora que se aproximava o final, tinha baixado o guarda. Teria que ir com mais cuidado, manter as distâncias com sua prometida até depois da cerimônia.
o melhor que podia fazer nesse momento seria deixá-la sozinha. Se sua paixão a tinha incomodado, sua mãe ou sua irmã poderiam sossegar seus medos melhor que ele.
retirou-se a seu estudo e se serve um brandy.
Uma hora mais tarde, seguia ainda ali, lendo um livro e terminando seu segundo brandy, quando bateram na porta. Era o mordomo, com ar de embaraço.
-Milord -murmurou –. Ah, o chefe de quadras quer lhes falar. Hei-lhe dito que estavam em seu estudo, mas se mostra muito insistente. Não quis me dizer do que se trata. Lamento lhes incomodar, mas como se trata do Tanner...
-Sim, fazem bem -Michael ficou em pé com curiosidade. Supunha que devia haver um problema com um dos cavalos, ou possivelmente com algum animal dos convidados. Tanner era um homem fleumático, pouco propenso a acudir correndo a pedir o conselho do amo.
O homem o esperava na porta que levava a jardim traseiro; tinha o chapéu nas mãos e lhe dava voltas com nervosismo. Michael o conhecia desde que tinha entrado em trabalhar ali quando ele era um moço, e a expressão de seu curtido rosto fez que o olhasse com apreensão.
-O que acontece? -perguntou sem preâmbulos –. Trata-se do Saladino? -era seu cavalo predileto, um alazão negro de graça e velocidade pouco comuns.
Tanner pareceu surpreso.
-O que? OH, não, milord. Nada disso. Saladino está bem e tão em forma como sempre. É algo muito... -deteve-se e o olhou incômodo –. Espero que não me interpretem mau, senhor. Eu não teria vindo a você de não ser porque o moço está acostumado a ter a cabeça bem posta sobre os ombros e não é dos que inventam histórias.
-Sinto muito, Tanner, não compreendo. De que falas?
-Uma das moços de quadra, senhor. Dougie. É um bom menino, um de quão melhores tive aqui, e eu diria que muito de confiar. veio a me contar...
-Sim? -respirou-o Michael ao ver que se interrompia –. Algo que crie que eu devo saber?
-Exato -suspirou Tanner –. A questão é que a moço acreditou ver a senhorita Aincourt.
-A senhorita Aincourt? Minha prometida?
-Sim. Assim é. Nos jardins, no caminho que leva a prado.
-Ao prado? Quando? Refere a esta noite?
-Sim, senhor -o outro apartou a vista –. Faz uma meia hora. Dougie dava um passeio antes de deitar-se e há voltado alterado e me chamou fora para me dizer que tinha visto a senhorita Aincourt ali.
-Tem que estar equivocado -repôs Michael –. A esta hora da noite? Eu vi a senhorita Aincourt recentemente mais de uma hora e se ia à cama.
-Perguntei-lhe, senhor, e jura que era ela. Diz que lhe surpreendeu tanto vê-la que se aproximou para certificar-se -o homem vacilou –. Diz que falava com um homem -terminou apressadamente.
Michael ficou frio de repente.
-Continua -disse, surpreso de poder falar.
-Dougie ao princípio acreditou que foram vocês e se tornou para partir, mas então relinchou um cavalo e viu que havia um baio maço a uma das árvores, escondido nas sombras. Dougie entende de cavalos e esse não era dos nossos, assim não sabia o que fazer, senhor. Pensava que não devia deixar à senhorita Aincourt ali só e sabia que o homem era de fora pelo cavalo, assim que se ficou olhando, tratando de decidir. E logo o homem tirou o cavalo e Dougie lhe viu a cara e diz que não o tinha visto nunca e ajudou a montar à senhorita, subiu com ela e se partiram.
O chefe de quadras estudava os paralelepípedos sob seus pés. Michael tinha a sensação de que não podia respirar. Recordou o rosto do Rachel depois de beijá-la, o que parecia surpresa e que talvez era medo. A força de sua paixão a teria assustado até o ponto de fugir dele? Recordou logo que se mostrou estranha toda a velada.
Respirou com força e tentou esclarecer sua mente.
-Está seguro?
-Jura que viu isso. De ser outro das moços não lhes teria incomodado, mas Dougie... Nunca o vi mentir e nem sequer exagerar. O perguntei uma e outra vez e insiste em que não se equivoca. Não há aroma de genebra em seu fôlego e não sabia o que fazer, senhor, mas ao fim lhes decidi contar isso -Nadie más sabe nada y no lo sabrán. Dougie me ha jurado ya silencio. Sabe que lo despedirán sin referencias si le dice una palabra a alguien, incluidos los otros mozos.
-Comprovarei-o agora mesmo -assegurou-lhe Michael sombrio –. Não faz falta que lhes diga...
-Ninguém mais sabe nada e não saberão. Dougie me jurou já silêncio. Sabe que o despedirão sem referências se lhe disser uma palavra a alguém, incluídos as outras moços.
-Obrigado, Tanner.
Michael voltou a entrar na casa e foi bater na porta de lorde Ravenscar. O conde foi a abrir com o gorro de dormir posto e uma bata arremesso sobre os ombros.
Michael lhe contou em voz baixa o que lhe haviam dito. Ravenscar o olhou atônito um momento e logo se ruborizou intensamente.
-O que? O que dizem? -ladrou –. Ousam insinuar que... ?
-Eu não insinúo nada -repôs Michael com frieza –. Solo lhes peço que lady Ravenscar entre na habitação da senhorita Aincourt e veja se estiver em seu leito.
O conde parecia a ponto de lhe dar com a porta nos narizes, mas se voltou e Michael lhe ouviu falar com sua esposa. Retrocedeu uns passos e esperou. Um momento depois saía lady Ravenscar envolta em uma bata. Michael só viu seu rosto um instante, mas lhe pareceu que estava branco e rígido de medo. Compreendeu que ela sabia algo que seu marido desconhecia.
O conde seguiu a sua esposa a um passo mais tranqüilo. antes de que chegasse a seu destino, a condessa saiu de novo ao corredor. Olhou a seu marido e logo ao Michael, incapaz de falar. Ravenscar, impaciente, entrou na habitação e Michael se aproximou da mãe do Rachel e a tirou do braço para sustentá-la. Parecia a ponto de deprimir-se.
-foi-se? -perguntou ele em voz baixa.
Lady Ravenscar assentiu sem palavras, com os olhos cheios de lágrimas. levou-se as mãos às bochechas.
-Não sei o que vai dizer -olhou com ansiedade a habitação em que tinha desaparecido seu marido. Michael a conduziu ao quarto do Rachel e fechou a porta atrás deles antes de deixar à condessa em uma poltrona. O conde estava em metade da estadia e a surpresa começava a dar passo à fúria em seu rosto.
-Falta alguma de suas coisas? -perguntou Michael com rapidez, para antecipar-se à explosão do conde.
Lady Ravenscar moveu a cabeça.
-Não sei; não acredito.
Michael olhou a seu redor. A cama estava aberta e o fogo apagado. Sobre a cama havia uma camisola e uma bata brancos. Assumiu que ela se deitou e logo havia tornado a vestir-se e escapado na noite. Não se via uma nota nenhuma carta por nenhuma parte. perguntou-se se teria saído sem intenção de abandonar a propriedade ou se tinha deixado suas coisas ali para ocultar mais tempo sua fuga.
-Têm idéia de quem é ele? -perguntou Michael a lady Ravenscar.
-É obvio que não! -gritou Ravenscar.
Michael viu que a condessa lançava um olhar furtivo a seu marido, mas não disse nada.
-Não faz muito que se foram e Dougie diz que montam os dois juntos. É muito provável que possamos alcançá-los se sairmos agora. Pedirei à moço que sele dois cavalos se querem me acompanhar.
O conde, que parecia ainda a ponto de explorar em qualquer momento, assentiu com a cabeça.
-vou vestir me.
Saiu da estadia. Lady Ravenscar fez gesto de segui-lo, mas Michael lhe pôs uma mão no braço.
-Conhecem vocês o nome dele, milady?
A mãe do Rachel lhe lançou um olhar agônico.
-Não estou... segura. Havia um homem... a parva dela acreditava que se apaixonou por ele. Mas me assegurei de que não voltassem a admiti-lo na casa e de não deixá-la nunca sozinha. Juraria que faz quatro meses que não se viram. Eu acreditava que se esqueceu dele.
-Qual é seu nome? -tinha que sabê-lo embora lhe doía em seu orgulho perguntá-lo.
-Anthony Birkshaw.
-Birkshaw - Michael procurou um momento em sua mente. Recordava vagamente a um jovem moreno entre o grupo dos que rodeavam ao Rachel antes de seu compromisso –. Amava-o quando aceitou minha proposição?
-Amar? Ela não sabe o que é o amor -replicou lady Ravenscar com desprezo –. Sentia-se adulada e ele é um jovem bonito. Expliquei-lhe que era impossível, que já sabia qual era seu dever. Não sei o que pode lhe haver passado para atirar assim seu futuro.
«Seu dever». Essas palavras caíram como chumbo no coração dele. Era o dever que lhe tinha imposto sua família. Sabia que não o amava, mas antes tinha esperanças e era muito doloroso saber que amava a outro, que tinha fugido dele no último momento, incapaz de suportar a idéia de casar-se com ele.
Uma parte dele desejava voltar para seu quarto e fechar a porta, permitir que se fora com seu amor, desfrutar-se em sua desgraça e deixar que Ravenscar respondesse às perguntas dos convidados.
Mas sabia que não podia fazê-lo. Tinha visto a fúria nos olhos do conde. Não podia permitir que alcançasse ao Rachel sozinho. Além disso, se transcendía o ocorrido aquela noite, ela ficaria desonrada sem remédio. O escândalo mancharia também o nome dele, mas depois de tudo, ele era a parte ofendida e, quando tudo passasse, voltaria a ser um solteiro cotizado. Além disso, a boa sociedade de Londres lhe importava muito pouco e podia deixar acontecer a tormenta no Westhampton, longe de olhadas compassivas e sussurros maliciosos.
Ao Rachel, em troca, crucificariam-na as falações. Deixar a um noivo quase no altar... fugir-se com um homem e passar tempo a sós com ele... sua reputação ficaria arruinada sem remédio. As falações a perseguiriam toda sua vida. Haveria muitas anfitriãs que não a convidariam a festas nem a receberiam se ia ver as. É obvio, tendo em conta as finanças do Birkshaw, Rachel de todos os modos já não poderia mover-se no círculo social de sua família. Viveria em uma habitação de aluguel, sem saber de onde sairia sua próxima comida, remendando seus vestidos porque não poderia permitir comprar outros novos, e com a carga de meninos aos que teria que preocupar-se também de alimentar.
Michael não podia suportar imaginá-la nessas circunstâncias. Tinha sido uma parva. por que tinha aceito sua proposição? por que não lhe havia dito que amava a outro? Mas arruinar sua vida era um castigo muito cruel por um engano adolescente. Tinha que encontrá-la e lhe impedir que atirasse seu futuro ao lixo.
Afastou-se pois de lady Ravenscar e saiu da casa para correr em sua perseguição.
Michael suspirou e ficou em pé. passou-se as mãos pelo cabelo com cansaço. Fazia muito tempo que não pensava na noite em que Rachel fugiu dele. Aquela noite o atormentou continuamente durante os dois primeiros anos de seu matrimônio, mas sua lembrança começou a ceder com o tempo, embora, quando lhe voltava para a mente como nesse momento, era vívido e doloroso. Sentia de novo a tristeza de seu coração, o medo ao que encontraria quando alcançasse ao casal, a angústia de saber que ao Rachel enojava tanto a perspectiva de casar-se com ele que estava disposta a arruinar sua reputação e uma vida de comodidades com tal de evitar converter-se em sua esposa.
Aquela noite chegou a conhecer a profundidade da dor que pode causar o amor, assim como também até que ponto seu amor pelo Rachel se instalou em seu coração e em seu corpo, até o ponto de que não podia desprezá-la embora quisesse, não podia lhe desejar a pena que sentia seu coração ferido. O orgulho e a dor clamavam vingança e, entretanto, sabia que se dele dependia não levaria a cabo essa vingança.
A donzela de acima entrou sem fazer ruído em sua habitação e se sobressaltou ao vê-lo levantado. Recolheu as cinzas do fogo da noite, acendeu outro e voltou a sair. Michael chamou para pedir o café da manhã. depois disso, sua ajuda de câmara lhe levaria água quente para barbear-se, prepararia-lhe a roupa e começaria o dia. Mas no momento estava de pé ante o fogo, com as mãos tendidas para o calor, contemplava o baile das chamas e recordava a noite em que levou ao Rachel de volta.
Ravenscar e ele avançavam em silencio na escuridão. Não era difícil seguir ao casal. O rastro do cavalo carregado com dois começava ao pé dos jardins e levava com o passar do prado e até o caminho, onde tinham torcido ao este, em direção ao povo. Ali, Ravenscar e ele pararam a perguntar na estalagem se tinha passado um casal e o hospedeiro respondeu que sim, que um jovem tinha tentado alugar uma carruagem uma hora atrás e uma mulher o esperava no pátio, mas levava uma capa com gorro e não a tinha visto bem.
-seus amigos, milord? -perguntou o hospedeiro com uma mescla de curiosidade e respeito.
Michael sorriu com uma tranqüilidade que não sentia, contente de que suas experiências com espiões durante a guerra lhe tivessem dado a habilidade de dissimular e repôs:
-Sim, um jovem parvo que se deu por ofendido e saiu correndo durante a noite. Tenho que conseguir que retorne antes de que seu jovem algema sofra algum dano.
-Ah, compreendo. Sim, há-me, sentido saudades que procurassem um veículo a essas horas. É obvio, eu não tenho nenhum e assim o hei dito. A casa de postas mais próxima está na estalagem do Coxley; enviei-os ali.
-Muito bem. Talvez os alcancemos ali. Obrigado por todo – Michael lhe deu uma moeda para assegurar-se sua lealdade futura e foi reunir se com lorde Ravenscar.
-Esse idiota tentou alugar uma carruagem aqui a estas horas -disse com raiva. Como podia ter convencido ao Rachel de que fugisse com ele sabendo que não tinha planejado sua fuga? Claramente se tratava de um vilão, um idiota ou ambas as coisas.
Seguiram avançando e alcançaram ao casal no Coxley pouco depois de meia-noite. No pátio da estalagem não se via que estivessem preparando nenhuma carruagem, mas dentro havia luz e um hospedeiro irritado lhes abriu a porta.
Quando ouviu que procuravam um casal jovem, assinalou por cima do ombro com o polegar uma porta fechada no corredor, em frente do botequim.
-Estão nesse saloncito privado, senhor, e se podem colocar um pouco de sentido comum na cabeça desse jovem, farão-me um grande favor. O idiota quer que levante minhas moços e lhes alugue um carro a sua esposa e a ele a estas horas da noite. Hei-lhe dito que terá que esperar a manhã, como faria qualquer pessoa decente, mas diz que não pode acontecer a noite em uma «sórdida estalagem do campo». Lhes digo...
-Não ganhará nenhum prêmio ao tato – assentiu Michael com calma –. Não temam, já nos ocupamos nós. Voltem para a cama e não lhes preocupem de nada. partirão conosco.
-Obrigado, senhor -o hospedeiro lhe fez uma reverência –. Eu sei distinguir a um cavalheiro, senhor, e você são isso -tomou sua vela e se afastou pelo corredor para seus aposentos.
Ravenscar tinha esperado impaciente durante a conversação com o hospedeiro, e assim que este se afastou, aproximou-se sem cerimônias ao saloncito e entrou sem chamar. Michael o seguiu com rapidez e fechou a porta a suas costas.
Rachel estava sentada com o cotovelo apoiado em um braço da poltrona, a cabeça na mão e aspecto cansado. Um homem jovem, de cabelo moreno espesso e rasgos atrativos, passeava impaciente pela estadia. voltou-se para ouvi-los, mas sua expressão de surpresa denotava que não esperava vê-los ali.
-Santo céu! -exclamou involuntariamente.
Rachel levantou a vista e ficou em pé de um salto sujeitando-as saias com as mãos. O medo de seu rosto cortou o coração do Michael como uma faca.
-Pai! Lorde Westhampton!
-Pensava que escaparia? -rugiu lorde Ravenscar com o rosto vermelho de fúria –. Acreditava que podia te largar e não passaria nada? Tornaste-te louca? Não fica nada de decência?
-Lorde Ravenscar... -começou a dizer Michael. O conde o olhou com frieza.
-Não. Por desgraça não é sua esposa ainda, Westhampton. Segue sendo meu assunto -olhou a sua filha –. Sua mãe está prostrada pela dor. Desonraste a todos.
O rosto da jovem empalideceu ainda mais e seus olhos se encheram de lágrimas.
-Sinto muito. Sinto-o muito. Eu não queria prejudicar a ninguém.
-Milord, é minha culpa, -Birkshaw se colocou entre o Rachel e seu pai –. Eu lhe pedi que se fuja e se case comigo.
-Claro que é sua culpa! -rugiu Ravenscar –. Criem que não sei? Ela não tem cabeça para idear algo assim. Mas não pudestes evitar seduzida, verdade?
-Milord! -exclamou o jovem –. Não a hei meio doido, juro-o. Amo a sua filha.
O rosto do Ravenscar passou do vermelho ao púrpura e as palavras do Birkshaw o deixaram sem fala no momento.
-Têm um modo muito estranho de demonstrar seu afeto -interveio Michael com crispação –. Convencer à senhorita Aincourt de que se fuja com você virtualmente a véspera de suas bodas, com montões de convidados para presenciar o escândalo. Têm-na exposto a falações incríveis e animado a romper sua palavra sabendo que não têm médios para manter a uma esposa. E nem sequer tivestes a cortesia de assegurasse uma carruagem para a fuga -terminou aborrecido.
Birkshaw se ruborizou, embora Michael não soube se era de raiva ou de vergonha.
-Sei que têm motivos para me odiar, milord, e lhes peço perdão. Não era minha intenção lhes prejudicar a você, mas meu amor pela senhorita Aincourt é entristecedor.
Olhou ao Rachel e lhe sorriu entre lágrimas com o rosto reluzente de amor. Michael sentiu como se uma faca seccionara seus órgãos vitais. voltou-se e se afastou uns passos, lutando por controlar-se. Rachel nunca o tinha cuidadoso assim e viu claramente que não tinha nenhuma esperança de converter-se no homem que ela amava. aproximou-se do aparador e baixou a vista; solo via o manto negro que cobria o resto de sua vida. Uma vida sem o Rachel. Sem amor.
-Entristecedor! -gritou Ravenscar –. São um idiota. Entre os dois arruinastes sua vida. Fugir-se... passar a noite no caminho com um homem que não é seu marido... Santo céu, o mundo inteiro saberá que é uma prostituta. Sua reputação está arruinada. Tão parvo são que não vêem isso? Nenhum homem se casaria com ela agora.
-Eu me casarei com ela -declarou Birkshaw com dramatismo.
-por cima de meu cadáver! -uivou Ravenscar –. Arruinaste-nos com suas tolices, ouvem-me? De verdade pensam que, depois do que têm feito, permitiria-lhes casasse com minha filha? Pensaram nisso antes de convencê-la para que fugisse com você? Né? O que farão... levá-la a seus aposentos de solteiro? Viver com o ridículo pagamento que recebem de seu pai?
-Procurarei emprego, milord -repôs o jovem, muito rígido.
-OH, sim, claro. Secretário de algum nobre, sem dúvida. Não poderiam viver com o que lhes pagariam, e embora pudessem, que homem lhes contrataria? Os secretários são homens responsáveis, não dos que se fogem com a prometida de outro em metade da noite. E o mesmo passa com os trabalhos do Governo. Com que tivessem o sentido comum de um gato, saberiam. depois disto, ninguém quererá ter nada que ver com nenhum dos dois. Terão sorte se encontrarem um trabalho de dependente. Conheço sua situação. Têm que lhes casar por dinheiro. Apostaria a que agora vivem com recursos emprestados. Acreditavam que ela tinha dinheiro? Pensavam que, se enlodavam seu nome, não teria mais opção que lhes permitir lhes casar com ela e queriam viver a minha costa o resto de sua vida?
-Nada disso, milord -Birkshaw apertou os dentes –. Sei que minhas perspectivas não são muito boas...
-Que não são boas? São terríveis! -gritou Ravenscar –. E querem arrastar a minha filha a isso? Querem albergá-la em uma habitação alugada no East End? Como a alimentarão? Como cuidarão dos desafortunados filhos que tenham?
-Não... não sei -repôs Birkshaw.
-Não sabem -repetiu Ravenscar com sarcasmo –. E por isso arruinastes a minha família.
De lábios do Rachel escapou um soluço. Seu pai se voltou para olhar.
-E bem, senhorita, não esperava isto de ti -disse com amargura –. Sempre pensei que seria Dev o que desonrasse nosso bom nome. Temia seus modos licenciosos. Que idiota fui ao não ver que você está atalho com o mesmo patrão! É uma mulher lasciva, uma rameira!
-Pai, não, por favor! – Rachel chorava E todo seu corpo se estremecia com seus soluços –. Não tenho feito nada mau.
-Ravenscar! -Michael se voltou –. Isso é desnecessário.
-É a verdade! -gritou o conde com olhos chamejantes, como os de um profeta bíblico. Assinalou a sua filha com um dedo acusador –. Por seus desejos carnais desonraste o bom nome de sua família! Não é sozinho a ti a que não voltarão a receber em nenhuma casa decente. A sua mãe tampouco. Eu sentirei muita vergonha para pisar no White's de novo. É uma mancha no nome do Aincourt.
-Sinto muito, sinto muito -chorou Rachel. Olhou a seu pai suplicante –. Não o pensei... Era sozinho... -cobriu-se o rosto com as mãos, incapaz de continuar.
-É evidente que não o pensaste -replicou seu pai –. Arrastar nosso nome pelo lodo só para poder gozar com este moço! Será impossível silenciar isto. A casa está cheia de convidados à bodas. Toda a boa sociedade saberá que deixou plantado ao Westhampton no altar.
Rachel apartou a mão do rosto e olhou horrorizada a seu pai. Era evidente que até aquele momento não tinha pensado nas conseqüências que teriam seus atos para o Michael.
-Não, eu não pretendia...
-Fez que fique como um imbecil! rugiu Ravenscar –. desonraste a um homem excelente, traído sua confiança...
-Basta! -Michael se aproximou –. Já é suficiente, senhor. Ela não ficará desonrada E eu tampouco. Porque disto não sairá nada mau.
-O que? -todos o olharam atônitos. Ravenscar franziu o cenho.
-O que dizem? Não podemos ocultar isto.
-Sim podemos. Se nos casarmos dentro de dois dias como está previsto, ninguém saberá que a senhorita Aincourt me deixou plantado.
O conde o olhou de marco em marco.
-Casariam-lhes ainda com ela depois disto?
Michael procurou não olhar ao Rachel.
-Se a senhorita Aincourt assim o desejar. É o único modo de manter o segredo. Estou seguro de que o senhor Birkshaw, se de verdade a ama como diz, partirá e nunca falará disto -olhou ao jovem com fixidez. Birkshaw baixou os olhos e assentiu com a cabeça. -Meus serventes não dirão nenhuma palavra -continuou Michael –. São muito leais. Acredito que podemos contar com que lady Ravenscar e vocês não revelarão nada.
-Podem estar seguro! -exclamou o conde.
-Então o único modo de que se saiba seria que eu repudiasse nosso contrato de matrimônio. Se voltarmos para a casa sem fazer ruído e a senhorita Aincourt e eu nos casamos depois de amanhã, ninguém saberá nada.
Houve um comprido silencio. Michael olhou ao Rachel, que se secava as lágrimas com a vista baixa.
-E bem, senhorita Aincourt? Estão disposta a lhes casar comigo na sexta-feira?
-É obvio que sim -apressou-se a dizer o conde –. E já pode considerar-se afortunada de que queiram seguir adiante depois disto.
-Não. Deixem que ela fale -disse Michael com firmeza, sem apartar os olhos da jovem –. É evidente que antes me aceitou contra seu parecer e não quero que isso volte a ocorrer. A decisão é sua, senhorita Aincourt.
Rachel levantou os olhos, alagados ainda em lágrimas.
-Sim -repôs em voz baixa –. Casarei-me com você na sexta-feira. E o sinto muito. Meu comportamento foi imperdoável. Dou-lhes as obrigado por sua generosidade.
Michael assentiu gravemente com a cabeça. Tinha falado porque não podia suportar que seu pai seguisse ofendendo-a; a idéia de que voltasse a viver com ele para sempre o enchia de desgosto. Sabia que aquele era o único modo de que Rachel sobrevivesse a esse episódio com sua reputação intacta. Mas também sabia que seus motivos eram egoístas. Fazia sua oferta porque não podia suportar deixá-la partir. Tinha que unida a ele até sabendo que amava a outro.
Birkshaw lançou um som inarticulado de frustração e dor e saiu da estadia. Rachel lhe lançou um olhar de angústia, mas não tentou detê-lo. Pouco depois abandonavam os três a estalagem e voltavam em silencio ao Westhampton. Rachel montava no cavalo de seu pai, detrás deste. na sexta-feira, como estava previsto, converteu-se em lady Westhampton.
Levavam sete anos casados e nunca tinha sido sua esposa no verdadeiro sentido da palavra.
Ao princípio, Michael ainda tinha esperanças de que Rachel chegasse a amá-lo, ou ao menos gostasse do suficiente para formar um verdadeiro matrimônio com ele. A tarde antes de suas bodas lhe prometeu que não a pressionaria nem esperaria uma relação física com ela conhecendo seus sentimentos. Mas em seu interior acreditava ainda que, com o tempo, cuidados e consideração por sua parte, ela trocaria respeito a ele.
Com os anos, entretanto, a relação tinha trocado pouco. Seu matrimônio tinha começado como uma união distante e cortês e assim se mantinha. Michael, ferido e surpreso ainda, não queria apressá-la nem lhe causar dor e se manteve escrupulosamente educado e contido com ela. Passaram a lua de mel em Paris, aberto de novo aos ingleses agora que a guerra com o Napoleón tinha terminado. Tomaram habitações separadas, unidas por uma porta comum que não se abria nunca. Foram à ópera e ao teatro, e a um baile na embaixada britânica.
Voltaram para Londres, onde Rachel se introduziu pouco a pouco na vida de uma matrona da boa sociedade, começando com festas e jantares pequenos e subindo até um baile espetacular ao final de sua primeira temporada. Michael a ajudava a sortear os pequenos detalhes, às vezes traiçoeiros, da vida em sociedade. Ela respondia com gratidão, mas sempre havia entre eles certo desconforto. Embora descobriram distintas facetas do outro, a um nível importante seguiam sendo estranhos. Parecia que, quanto mais incômodo se sentia ele, mais cortês e contido se mostrava, e Rachel respondia do mesmo modo, até que ao fim ele compreendeu com desespero que nunca haveria amor entre eles. Não sabia se ela seguia amando ao Anthony Birkshaw e não pensava perguntar-lhe solo sabia que não havia tornado a vê-lo desde suas bodas, já que essa foi a única condição que ele pôs a seu matrimônio. Mas amasse ou não ao Birkshaw, para o Michael resultava claro que não o amava a ele.
depois de um ano de matrimônio, decidiu que era pior viver com o Rachel, amá-la, desejá-la e não ser correspondido nem no amor nem no desejo, que viver sem ela. Sua separação, como todo o resto, foi cortês, educada inclusive. Michael lhe recordou seu amor pelo campo e a tranqüilidade, mas lhe assegurou que não era sua intenção lhe impor uma vida campestre. Ela podia permanecer em Londres, levando a vida que gostava, e ele se retiraria a sua propriedade no Lake District. Ficava nele certa esperança de que ela se negasse a viver sozinha em Londres e o acompanhasse ou lhe pedisse que dividissem seu tempo entre ambas as residências, mas ela não o fez. limitou-se a assentir com cortesia e sem paixão.
A viagem ao norte foi duro e solitário para ele, e foi seguido de um inverno ainda mais duro nas paisagens nevadas da Cumbria. Ali estava toda a beleza que sempre tinha amado... seus livros, seus estudos, as reformas da casa e jardins, experimentos que fazer nos campos, sua correspondência; tudo o que tinha conformado sua vida antes do Rachel. Mas nada disso lhe resultava satisfatório.
E essa tinha sido sua vida durante mais de cinco anos. Rachel e ele viviam por separado. Ele visitava Londres às vezes durante a temporada, solo para fazer ato de presença e ela ia ao Westhampton por Natal. Estavam casados e não o estavam. E Michael se acostumou a aquele fato.
Houve uma chamada discreta à porta. Sua ajuda de câmara a abriu e entrou com a bandeja do café da manhã. Deixou-a na mesita diante das duas poltronas, serve o chá e desentupiu os pratos.
-bom dia, milord -disse.
Garson procedeu a abrir as cortinas e se deteve logo ao lado da poltrona do Michael, onde esperou até que este teve tomado uns sorvos de chá. Westhampton o olhou interrogante.
-Tem algo que me dizer?
-Esta manhã chegou uma pessoa -repôs Garson –. Uma moço de quadra, acredito, da propriedade de lorde Ravenscar. Tenho entendido que saiu dali ontem pela manhã e viajou sem interrupção.
-Lorde Ravenscar!-Michael deixou a taça de chá e ficou em pé –. por que? acontece algo? aconteceu-lhe algo a lady Westhampton?
-Diz que está tudo bem, milord; se não, teria lhes trazido imediatamente a nota que transportava -tirou uma nota pequena do bolso.
Michael a tirou das mãos.
-Deus santo, homem! por que não o tem feito? Garson parecia doído.
-Pensei lhes dar antes um momento para tomar o chá, milord.
Michael fez uma careta. Rompeu o selo, desdobrou a carta e leu a letra familiar do Rachel. Um momento depois lançou um juramento e se sentou para voltar para 1eerla.
Garson seguia na estadia, preparando a roupa para o dia. deteve-se logo ao lado da poltrona de seu amo.
-Vai tudo bem com milady? -perguntou.
Michael golpeou com irritação o braço da poltrona.
-Não, tudo vai mau -comentou –. Prepara minha bagagem, Garson. Reunirei-me com lady Westhampton no Darkwater.
Rachel olhou a Jessica, que estava de pé e observava o trabalho de ponto que Miranda tinha nas mãos. Jessica apertou os lábios e Miranda levantou a vista com um suspiro.
-Vale, ria. Já sei que parece absurdo.
-Não... -Jessica olhou ao Miranda e uma gargalhada escapou de seus lábios –. Vale, tem razão; parece absurdo. O que tem feito?
-Não tenho nem a menor idéia -confessou Miranda, rendo a sua vez –. É evidente que descuidaram muito minha educação. Não sei nada de todo isso que Rachel e você fazem com tanta facilidade.
-Ah, mas sabe disparar um fuzil -sorriu Rachel a sua cunhada.
Miranda, filha de um norte-americano que tinha feito fortuna no comércio de peles, tinha sido educada de um modo quase inconcebível para o Rachel. Acompanhava a seu pai em suas viagens às terras selvagens, onde conheceu índios e trapaceiros e aprendeu não só a disparar mas também a usar uma faca. Quando o negócio de seu pai começou a crescer, levava-lhe as contas e investia o dinheiro em propriedades imobiliárias na cidade de Nova Iorque, com o que conseguiu triplicar sua fortuna. Embora Rachel queria muito a sua cunhada, entre outras coisas porque tinha resgatado ao Dev de uma vida desastrosa, havia vezes nas que sua energia a deixava sem fôlego.
-É certo -assentiu Miranda-, mas isso não serve de muito quando te prepara para a chegada de um menino. Neste momento seria mais prático uma manta -olhou a manta amarela clara que havia na poltrona da Jessica –. Como aprendeu a tecer tão bem?
-Ensinou-me o regulamento de meu pai -repôs a outra, que era filha de um militar –. Lhe dava muito bem remendar e tecer meias três-quartos, mas a costura fina não era seu forte. Por isso, embora eu posso te tecer gorros, patucos e mantitas, Rachel terá que encarregar do vestido do batismo e os bordados.
Aludida-a sorriu.
-Será um prazer. De fato, comecei a costurar desde que me deu a boa notícia, Miranda. Pensou que era estranho que um ano antes não conhecesse aquelas duas mulheres e agora as contasse entre seus melhores amigas.
Miranda sorriu.
-Quem ia pensar que quando me casasse com o Devin encontraria também amigas tão maravilhosas? -perguntou –. A verdade é que nunca tive muitas amigas, e nenhuma em que pudesse confiar como em vocês.
Ao Rachel não surpreendia. Suspeitava que a maioria das mulheres de sua idade lhe teriam um pouco de medo. Era fácil ver por que Jessica e ela tinham intimado tanto em poucos dias; ambas possuíam uma personalidade forte e uns maneiras abertos e diretos, quase bruscos. Entendia menos o que era o que as atraía dela; não tinha sua força e nenhuma das outras tinha cometido os enganos que tinha cometido ela.
Voltou para sua costura, um vestido comprido para batizar ao futuro menino do Miranda. Era feito de raso e costurado com pontos muito pequenos. Tinha terminado de costurá-lo e agora lhe colocava as filas e filas de delicado encaixe belga que decoravam a prega, as mangas e o pescoço. Depois pensava lhe bordar flores brancas e o toque final seriam uns patucos e um gorro de raso a jogo, mas bordeado também de encaixe e maço com as mesmas cintas de raso que a parte dianteira do vestido.
Rachel tinha trabalhado no vestido esse inverno no Westhampton, assim como em outros objetos de roupa e mantitas de algodão para o enxoval do bebê. Miranda lhe tinha contado sua falta de experiência naquele campo e ela estava mais que satisfeita de ajudá-la.
Jessica se aproximou de admirar o objeto.
-É uma beleza -murmurou –. Faz umas coisas preciosas.
-Obrigado -sorriu Rachel. Alisou a fileira de encaixes. Era consciente de uma pequena dor em uma zona de seu coração. Ocorria-lhe às vezes quando trabalhava em objetos de bebê, a dor de saber que ela provavelmente nunca teria um filho para o que fazer essas coisas. Era parte do preço que pagava, a pior parte, por haver-se comportado como uma parva antes de suas bodas.
Mas estava tão habituada a lutar com isso que sorriu sem esforço e voltou para seu trabalho com a agulha. O ruído de vozes de homem rompeu a quietude da habitação e as três mulheres levantaram a vista.
-tornaram! -exclamou Jessica com alegria. Devin e Richard tinham saído a montar essa tarde e a casa parecia vazia sem eles.
-Bem. Temia ter que avisar à cozinheira de que atrasasse o jantar -comentou Miranda; mas o brilho que iluminou seu rosto traía a aspereza de seu tom.
Dev foi o primeiro que entrou na estadia com rosto sorridente.
-Adivinhem a quem nos encontramos quando vínhamos para cá.
Richard o seguiu de perto, acompanhado de outro homem alto e loiro.
-Michael! -Rachel ficou em pé com um sorriso. O coração lhe pulsava com força e quase se sentia enjoada. Deu um passo adiante e logo se deteve, um pouco envergonhada –. O que faz aqui?
-Aborrecia-me muito quando foi -repôs seu marido com ligeireza. aproximou-se de lhe beijar a mão –. Há muito silêncio no Westhampton sem o som da risada da Gabriela.
-Pois aqui terá ruído de sobra com a Gabriela e Veronica -disse-lhe Jessica com uma risita.
Michael saudou as outras duas mulheres e felicitou ao Miranda por seu embaraço. Rachel notou, com certa dor, que seu marido parecia mais depravado com seus amigas que com ela mesma.
-Alegra-me que tenha vindo -disse Miranda, sorridente –. Sentíamos que não tivesse viajado com o Rachel.
-De ter sabido que os salteadores de caminhos se meteriam na carruagem de lady Westhampton, o teria feito -repôs ele –. E pensei que, se podem ocorrer coisas assim, será melhor que acompanhe ao Rachel a Londres.
-Boa idéia -assentiu Dev –. Tinha pensado em ir eu mesmo.
-Não diga tolices -repôs Rachel –. Seguro que não ocorrerá nada -olhou ao Michael –. Temo-me que te incomodaste para nada.
-Para nada não -repôs seu marido com cortesia –. Terei o prazer de sua companhia na viagem a Londres.
Ela pensou que era o tipo de completo cortês que faziam os homens a mulheres às que não conheciam muito bem. Embora, é obvio, não importava. Sua vida era bastante agradável. Era ver o Miranda e Jessica com seus maridos o que fazia que não se sentisse satisfeita com seu matrimônio. Muitas mulheres se considerariam afortunadas de ter um marido como o seu, que lhe exigia tão pouco e sempre se mostrava considerado e cortês.
-Quem era o homem, Michael? – perguntou Miranda, com seu modo direto –. De verdade o conhecia? Michael lhe sorriu.
-Crie a sério que sou o tipo de homem que pode ter amigos salteadores? Não, temo-me que devia ser um lunático. O único que me ocorre é que formasse parte de uma brincadeira grotesca, que um de meus amigos contratasse a esse homem e, ao ver que eu não ia na carruagem, não soubesse o que fazer exceto lhe contar ao Rachel a história que tinha preparada.
-Uma brincadeira estranha -comentou Jessica.
-Sim, bom, alguns dos homens com os que me escrevo são bastante excêntricos. O doutor Walter, por exemplo...
-O cientista? -perguntou Rachel.
-Sim, já sei que é um gênio, mas tem um senso de humor muito estranho.
-E que o diga -grunhiu Dev –. Se sua idéia de uma brincadeira é ir por aí assustando a damas...
Michael não olhava ao Rachel enquanto falava e ela teve a suspeita de que mentia. Lhe teria gostado de insistir no tema, mas não podia acusar a seu marido de embusteiro diante de sua família.
-É obvio, escrevi-lhe imediatamente para lhe perguntar -continuou Michael. Olhou ao Rachel –. Mas se por acaso não foi ele nem um engano, acreditei oportuno te acompanhar a Londres.
Ela pensou então que suas suspeitas tinham sido ridículas. É obvio que ele não conhecia aquele homem; não se relacionava com ladrões nem salteadores de caminhos. Era absurdo pensá-lo nem sequer por um momento.
-Obrigado -repôs –. A viagem assim será muito mais prazenteiro.
Quando o disse se deu conta de que era certo. No trajeto entre o Darkwater e Westhampton tinha sentido falta da companhia do Michael. De fato, agora que o pensava, tinha-lhe entristecido partir. Ele possuía um engenho sutil e uns maneiras tranqüilos que faziam agradável qualquer situação. Inteligente e bem educado, podia falar de quase qualquer tema e era muito cortês para demonstrar aborrecimento em uma conversação. Pensou que seria agradável que ficasse um tempo em Londres.
Ouviu com surpresa que Jessica parecia lhe ler o pensamento.
-Possivelmente possa acontecer a temporada em Londres -disse.
Rachel a olhou a ela e logo a seu marido.
-Resulta tentador -repôs este-, mas temo que tenho que voltar para o Westhampton. É a época mais ocupada no campo. Tenho certos experimentos em marcha relativos às granjas.
Rachel sabia que seu administrador conhecia todos os planos e que não alteraria muito seus experimentos que passasse parte da primavera e o verão em Londres. A razão de que não queria fazê-lo era que preferia estar sozinho no campo. Tinha vivido com ela o primeiro ano de matrimônio, certamente para cobrir as aparências, e logo se retirou ao Westhampton e visitava Londres raramente. Supunha que para ele era mais fácil não ter que vê-la diariamente e recordar sua traição. Não ter que fingir uma cortesia e amabilidade que não sentia. E às vezes lhe surpreendia que essa idéia ainda lhe doesse.
Miranda atirou do cordão do sino.
-Direi a quão serventes preparem seu habi... – deteve-se e franziu o cenho –. Sinto muito, sua habitação de sempre é uma das que estamos reformando. Desde que Dev e Miranda se casaram, tinham começado a restaurar Darkwater habitação por habitação, começando com as zonas em pior estado: os tetos, chaminés e os corrimões comidos pela traça. Como resultado, não tinha havido um só dia nos últimos sete meses nos que não houvesse obras em uma estadia ou em outra. Miranda estava empenhada em terminar com a zona da família, dormitórios e saloncitos, antes de que nascesse o menino.
Em conseqüência, todas as habitações de convidados, com exceção das que ocupavam os duques e Rachel, estavam imprestáveis nesse momento.
Miranda olhou ansiosa ao Rachel e logo ao Michael. Sabia, como todos, que os Westhampton não tinham o tipo de matrimônio íntimo e quente que desfrutavam do Devin e ela ou Jessica e Richard. Rachel lhe tinha contado fazia tempo que o seu não era um matrimônio de amor e que «viviam separados». Sabia também que, quando ambos estavam ali, dormiam em quartos distintos. Entretanto, isso era bastante comum entre a aristocracia e não implicava necessariamente que não houvesse intimidade em um casal.
Normalmente, se havia escassez de habitações, albergava-se aos matrimônios juntos, mas o do Rachel não era um matrimônio normal. Embora não tinham falado claramente do tema, Miranda suspeitava que seus cunhados nunca tinham dormido juntos. Era, pois, uma situação incômoda, e seria embaraçoso discutir o tema. Fazer algum acerto especial para o Michael seria ressaltar o estranho de seu matrimônio, ao que tanto Rachel como ele desejavam dar uma aparência normal. Mas compartilhar a habitação criaria uma situação incômoda para o casal.
Houve um silêncio bastante largo, que Michael foi o primeiro em romper.
-É obvio, não vou insistir no luxo de uma habitação separada nesta situação. lhe diga a meu lacaio que leve minha bagagem ao quarto do Rachel.
-É obvio.
-Suponho que quererá te lavar depois da viagem -disse Rachel com rapidez, consciente de que se ruborizou –. Levarei-te a nossa habitação. Saiu da estadia sem olhar a ninguém e Michael a seguiu. Tampouco o olhou a ele, mas sim cruzou o vestíbulo e começou a subir as escadas. É obvio, não era necessário que lhe mostrasse onde estava a habitação; ele sabia muito bem depois de tantos anos. Mas ela sentia a necessidade de escapar dos outros casais. Sua família conhecia sua situação matrimonial, ao menos em términos gerais, mas resultava embaraçoso recordar-lhe a todo mundo.
-Não tema -disse ele em voz baixa a seu lado –. Será fácil conseguir que um dos serventes me prepare um leito de campanha em seu vestidor. Se não recordar mau, é bastante amplo.
-Sim, certamente -repôs ela. De repente se sentiu parva por haver-se devotado a lhe mostrar a habitação. Acreditava ele que o tinha feito porque queria protestar por ter que dormir no mesmo quarto?
Seguiram subindo as escadas e ela tentou pensar algo para romper o silêncio. Queria lhe dizer que se alegrava de sua chegada, mas não lhe ocorria um modo apropriado de fazê-lo.
-foste muito amável ao vir até aqui -murmurou –. Seguro que não havia necessidade.
-Talvez não -assentiu ele com a mesma cortesia que ela –. Entretanto, não podia correr o risco. Pareceria muito covarde se deixasse a minha esposa viajar sozinha até Londres depois de um sucesso assim.
É obvio. As aparências. Eram o único que importava em seu matrimônio.
Rachel assentiu com a cabeça e avançou pelo corredor para seu quarto.
-Bom... -abriu a porta –. Aqui é.
Olhou a estadia, em particular o leito alto e grande onde tinha dormido toda sua vida, e sentiu que se ruborizava de novo. Pensou que essa noite tinha que preparar-se para dormir na mesma habitação que ele. Michael não a tinha visto nunca com um pouco mais íntimo que uma bata. Nunca tinham compartilhado habitação nem sequer para dormir em camas separadas.
-Bom -repetiu –. Hmmm, suponho que quererá te refrescar.
Até essa situação resultava embaraçosa. Sem dúvida ele quereria tirar o pó do caminho e, é obvio, teria que trocar-se para o jantar.
-Deixarei-te sozinho -seguiu ela com rapidez –. vou dizer lhe a Gabriela que está aqui. Alegrará-se de verte. Retrocedeu com rapidez, deixou-o entrar e fechou a porta.
Permaneceu um momento no corredor. Como tinha chegado seu matrimônio a aquela situação? Mas, é obvio, ela conhecia a resposta: era culpa dela.
Ela não amava ao Michael quando se prometeram, mas ele a ela sim, e era um homem amável e paciente. Ao olhar para trás, pensava que talvez teriam encontrado o modo de manter uma relação medianamente satisfatória.
Se ela não o tivesse quebrado tudo antes de começar.
Três dias antes das bodas, sua mãe falou com ela e lhe explicou em términos vagos o que podia esperar da noite de bodas. Rachel se escandalizou e se assustou. Resultava difícil entendê-lo bem porque sua mãe falava com muitos eufemismos, mas recebeu a impressão de que era algo desagradável e o empenho de lady Ravenscar em lhe dizer que «a dor não durava muito» a encheu de apreensão.
Passou grande parte do dia seguinte preocupada com as advertências de sua mãe. Para piorado tudo ainda mais, quando essa tarde entrou no salão, encontrou-se ao Anthony Birkshaw conversando com duas primos do Michael. Fazia quatro meses que não o via e sua presença a impressionou o bastante. Tinha esquecido quão bonito era e como se frisava seu cabelo moreno na frente. O sorriso que lhe dedicou ao vê-la foi direta a seu coração. Todos seus sentimentos por ele voltaram com força e sentiu desejos de rir, chorar, deitar-se em seus braços e sair correndo, tudo de uma vez. Custou-lhe muito saudado com normalidade.
Apenas se falaram depois disso, mas quando ele se levantou para partir e se inclinou sobre sua mão, sussurrou:
-Venham para ver-me esta noite ao jardim. Às dez.
Rachel não respondeu. Em realidade não tinha intenção de ir. Embora a tinha alterado vedo, sabia que seria uma tolice falar com ele. Por muito que o amasse, tinha um dever para com o Michael.
Mas logo, essa noite, seu prometido a beijou inesperadamente e seu beijo foi profundo, ansioso e muito diferente ao Michael gentil e paciente que era sempre. E ela sentiu uma pontada de algo escuro e desconhecido no abdômen, algo que quase a assustou mais que o abraço forte e repentino do Michael estreitando-a contra si. dela se apoderou o pânico, um pânico que a impulsionou a sair minutos depois ao jardim.
Anthony a esperava e ela correu para ele com o coração cheio de amor. depois de tanto tempo não tinha renunciado a ela. E chegava a resgatá-la no último momento, como o príncipe azul de um conto.
Quando a viu, correu para ela e a estreitou em seus braços. A acurrucó contra si e apoiou sua cabeça na dela.
-Rachel, meu amor -murmurou –. Tinha tanto medo de que não viesse, de que houvessem lhe tornado contra mim!
-Jamais! -exclamou ela em voz baixa e estrangulada. separou-se para olhá-lo e naquele momento estava segura de que o que dizia era certo. Amaria-o sempre, nada poderia impedir-lhe Estaria casada, maça de por vida a um homem ao que não amava e seu coração sofreria com a mesma pena que sentia nesse momento –. Sempre te amarei.
-te case comigo.
-O que? Não posso -olhou-o horrorizada –. Estou prometida com lorde Westhampton.
-Você não o ama! -a voz dele tremia de emoção –. Ama-me . Não pode te casar com ele.
-Mas pai jamais...
-Não tem por que sabê-lo -argumentou Anthony –. Lhe vejam comigo agora. Iremos a Gretna Green e nos casaremos ali. Então será minha esposa e seu pai não terá poder sobre ti. Eu lutarei com ele se nos perseguir. E você e eu estaremos sempre juntos.
-Mas o dinheiro...
-O dinheiro não me importa nada sempre que estivermos juntos. O que é o dinheiro comparado com nossa felicidade? Prefere viver nesta mansão enorme sem amor ou comigo em uma casita acolhedora?
-Contigo. Você sabe que quero estar contigo.
-Então o que importa o dinheiro? Eu trabalharei. Lorde Muggeridge me disse a semana passada que necessita um secretário. Sei que me contratará. O trabalho honrado não é uma desonra.
-Claro que não.
-E saber que você me espera em casa faria que valesse a pena -olhou-a com amor.
Rachel lhe devolveu o olhar com o coração saturado de emoções. Ignorou a pequena voz fria da sensatez e escutou sozinho o tamborilar de seu coração, viu sozinho o amor que brilhava nos olhos do Anthony e que não se parecia nada ao olhar fera e fogosa que tinha visto essa noite nos olhos do Michael. Anthony era seguro e o resplendor quente e puro que sentia quando o olhava não se parecia com a sensação de fogo que a embargava quando a beijava Michael. recordou-se que o que importava era o amor; ela não era uma mercenária que se casasse por dinheiro.
Pensou na baixada pelo corredor da igreja até o altar, com todo mundo olhando-a, em entregar sua vida inteira a um homem ao que não amava, um homem que era pouco mais que um desconhecido para ela.
-Mas todo mundo espera que...
-Ao porrete com o que esperem outros! -exclamou Anthony –. O que importa é o que espera você de ti mesma. É muito boa e nobre para te casar por dinheiro. Por favor... Não posso deixar que entregue a um homem que...
-Não, tem razão. Não posso fazê-lo – assentiu ela, assustada sozinho de pensá-lo.
-Então lhe vejam comigo. Seremos mais felizes do que poderia ser nunca enterrada em um castelo e casada com um homem ao que logo que conhece, por muito título que tenha. te entregue ao amor.
Rachel vacilou um instante. Logo se tornou em seus braços.
-Sim! -murmurou, com a sensação de que lhe tinham tirado um grande peso de cima –. Sim! Irei contigo.
Anthony a ajudou a subir ao cavalo detrás dele e se afastaram juntos na noite. Ao princípio ela era muito feliz, arranca-rabo à costas forte dele e pensando sozinho na alegria que lhe esperava. Até que não esteve no pátio da estalagem do povo, esperando a que Anthony tentasse procurar uma carruagem, não começou a pensar no que tinha feito. Escondida ali na escuridão, sentia-se como um criminoso e essa sensação manchava sua alegria.
Tiveram que prosseguir a cavalo, já que na estalagem não havia carruagem, e a viagem era lenta com a dobro carrega. Enquanto avançavam, ela pensava no que tinha feito e no que ocorreria à manhã seguinte quando sua família e Michael descobrissem sua marcha. Lhe ocorreu que nem sequer tinha deixado uma nota. Pensariam que lhe tinha ocorrido algo mau? assustariam-se e sairiam em sua busca?
Seus remorsos e seu desconforto não deixavam de crescer e, quando chegaram à estalagem do seguinte povo, começava a compreender a enormidade do que tinha feito. sentou-se encolhida no saloncito privado, congelada pelo ar da noite e muito cansada, enquanto Anthony tratava de convencer ao hospedeiro de que lhes preparasse uma carruagem. Nos olhos do hospedeiro viu que duvidava da história do Anthony e se deu conta do que devia pensar dela... pelo que pensaria todo mundo. Queria chorar; queria dar meia volta e retornar ao Westhampton.
A aparição do Michael e de seu pai o piorou tudo ainda mais. Ao ver este último, levantou-se de um salto morto. Ele a brigou, lhe dizendo o que ela começava ou seja em seu coração, que o escândalo daquela fuga a perseguiria toda sua vida e a mancha se estenderia a toda sua família, seus pais e inclusive Caroline e Richard, embora eles não tinham feito nada mau. Não tinha completo seu dever para com sua família. Darkwater se converteria em uma ruína e seus pais teriam que viver sempre da generosidade do Richard.
Mas pior que as palavras de seu pai era a expressão do rosto tenso e pálido do Michael. Pela primeira vez compreendeu o que lhe tinha feito. Queria-a. Desde não ser assim, não teria ignorado a desvantagem evidente da situação econômica de sua família. e agora, na dor de seus olhos cinzas, via que seus sentimentos eram mais profundos do que imaginava. Sua fuga era uma bofetada em pleno rosto para ele, uma declaração de que ele para ela não significava nada e embora não tinha sido essa sua intenção, via que o tinha ferido profundamente.
Mais ainda, aquilo o mesclaria em um grande escândalo. Embora não tinha nenhuma culpa, ficaria exposto ao ridículo da sociedade, seria objeto de brincadeira e regozijo por ter sido plantado ante o altar. Michael sempre se levou bem com ela e Rachel compreendia nesse momento o egoísta e malvada que tinha sido ao tratá-lo assim. Não importava que não tivesse sido sua intenção feri-lo e humilhar o daquele modo; a realidade era que o tinha feito, e por puro egoísmo.
sentiu-se cheia de culpa e a sensação se intensificou ainda mais quando Michael ofereceu arrumado seguindo adiante com as bodas. A amabilidade de sua oferta parecia enfatizar a enormidade do egoísmo dela.
Retornou ao Westhampton envergonhada e chorosa e entrou na casa às escondidas para não ser vista. Michael não a olhou nem lhe dirigiu a palavra em todo o caminho.
À manhã seguinte, Rachel escutou em silêncio outro dos sermões de seu pai, quem ao terminar declarou que se lavava as mãos dela e a deixou com sua mãe.
-É o único modo de que lorde Westhampton possa salvar seu nome do escândalo -disse-lhe esta –. Por isso se tragou seu orgulho. Mesmo assim... há muitos homens que não o tivessem feito suspirou –. Não sei como pôde fazer algo tão estúpido. Sem dúvida terá que passar o resto de sua vida tentando que te perdoe.
Suspirou de novo e olhou a sua filha com uma mescla de confusão e lástima.
-Bem, provavelmente é justo o que merece por seu comportamento. Não sei de onde tiraste essa falta de bom julgamento.
-Eu tampouco -repôs Rachel com secura. Sabia que ninguém mais de sua família se teria comportado assim. Até o Caroline, que era a pessoa da que mais perto se sentia no mundo, horrorizou-se ao inteirar-se do que tinha feito. E Dev, por sua parte, jamais teria aceito casar-se por agradar a seus pais para começar.
Lady Ravenscar a olhou com certa irritação, não muito segura de se sua filha se estava mostrando impertinente. Uma chamada à porta salvou ao Rachel de responder. Era uma das donzelas.
-Lorde Westhampton solicita a presença da senhorita Aincourt no estudo -murmurou.
Lady Ravenscar pareceu alarmada e, assim que se retirou a donzela, olhou a sua filha com preocupação.
-Não crie que vá retirar sua oferta de seguir adiante com as bodas, verdade?
Rachel sentiu um calafrio de medo nas costas.
-Não -repôs para tranqüilizar tanto a sua mãe como a si mesmo –. Lorde Westhampton não se voltaria atrás em sua palavra.
-Mais vale que assim seja -lady Ravenscar a examinou com ar crítico e lhe tirou um penugem do vestido –. Em qualquer caso, você te mostre humilde.
-Farei-o -o peso da culpa seguia sendo como uma carga física em seus ombros. Baixou as escadas e se dirigiu ao estudo. A porta estava aberta e lorde Westhampton se achava dentro, de costas a ela. Rachel se deteve um momento a reunir forças e logo entrou.
Ele se voltou para ouvi-la e seus olhos se encontraram um instante, antes de que ambos baixassem a vista.
-Senhorita Aincourt. Obrigado por vir.
Assinalou uma das poltronas, fechou a porta e foi sentar se em frente dela.
-Eu gostaria que me houvessem isso dito, senhorita.
-Sinto muito -Rachel apertou as mãos no regaço –. Não queria que ocorresse isso. Quando lhes aceitei, tinha intenção de me casar com você. Não pensava... -interrompeu-se para respirar –. Não pensava voltar a vê-lo.
-Mesmo assim, teria sido... mais fácil se o tivesse sabido.
-Sei -assentiu ela com ar desgraçado –. Sinto muito.
-Bom, não saiu bem. Não como eu esperava... e seguro que você tampouco.
-Não -a voz dela era apenas um sussurro.
-Senhorita Aincourt, quero que saibam -Michael se deteve; levantou-se e começou a andar com brutalidade –. Acredito que não me explico bem. O que quero saber é se seu pai lhes está obrigando a me aceitar. Não desejo lhes forçar a lhes casar comigo nem que lhes sintam obrigada a fazê-lo. Podemos fazer um anúncio conjunto, se quiserem. Podem romper o compromisso.
Rachel o olhou com lágrimas nos olhos. Oferecia-lhe uma saída, não uma saída perfeita, mas sim muito melhor que a de sua fuga. Se ela rompia o compromisso, todo mundo assumiria que ele tinha feito algo para obrigá-la a fazê-lo; oferecia-lhe carregar com a culpa em seu lugar.
-Não -repôs ela com voz estrangulada –. Não quero rompê-lo. Pai tinha razão. Até o senhor Birkshaw o admitiu. Necessita umas boas bodas. Sei que não há... Bom, espero ser uma pessoa mais responsável pelo que pareci até agora. Sei que lhes dei poucos motivos para confiar em mim, mas lhes prometo que nunca voltarei a fazer algo assim -fez uma pausa –. Quer dizer, a menos que vocês tenham trocado de idéia e prefiram romper o compromisso- terminou com incerteza.
-Não troquei que idéia. -Michael a olhou e apartou a vista. Rachel pensou que não podia suportar olhá-la mais de uns segundos, o que lhe encheu o coração de tristeza e culpabilidade –. nos casar é o melhor para os dois -prosseguiu ele com voz distante e tranqüila –. Sei que é duro para você. Para mim tampouco é fácil. Mas evitará as falações e vocês hão dito já que não podem lhes casar como... como vocês gostariam.
Rachel assentiu, com a vista fixa nas mãos unidas em seu regaço.
-Sim, seria o melhor.
-Sabendo o que sentem... quer dizer, dada a situação, naturalmente, eu não espero que seja um matrimônio de verdade, é obvio. Jamais lhes pressionaria. Não compartilharíamos a cama.
Rachel o olhou sobressaltada. Isso implicava que as coisas que lhe tinha contado sua mãe não teriam lugar? Sentiu surpresa, seguida de alívio. Até que se deu conta, com uma pontada de remorsos e de dor, de que ele dizia aquilo porque já não a queria. Tinha matado o amor dele com seu comportamento. Talvez agora a desprezava, sentia asco dela.
Tinha que ser assim. Tinha-o humilhado e se sentia obrigado a casar-se com ela para salvar seu bom nome do escândalo causado por ela. Como podia sentir algo por ela que não fora desgosto? Simplesmente era muito cavalheiresco para dizer-lhe assim.
-Compreendo -repôs.
-Espero que não encontrem muito pesada a carga do matrimônio -seguiu ele com o mesmo tom rígido de voz –. Não obstante, tenho uma... condição. A reputação de minha família é importante para mim e não posso permitir que se manche.
Rachel se ruborizou.
-Por favor, milord, sinto-o muito. Prometo-lhes que não farei nada que possa danificar seu nome nem sua reputação. Sei que me levei que um modo que lhes faz pensar que sou irresponsável e dissoluta, mas, por favor, me acreditem, foi uma aberração.
-Acredito assim. Sei que são uma mulher de honra. Mas, por doloroso que resulte aos dois, devem me prometer que não voltarão a ver o senhor Birkshaw.
Rachel o olhou horrorizada.
-Não! Claro que não. Lorde Westhampton, não farei nada que possa danificar seu bom nome. Juro-lhes que não violarei os votos matrimoniais.
-Acredito-lhes -repôs ele-, mas não podemos tolerar nem o mais mínimo indício de...
-É obvio que não -ela se levantou e apertou os punhos com determinação –. Juro-lhes que não voltarei a ver o senhor Birkshaw, não falarei com ele nem lhe escreverei. Sei o bom que fostes comigo e o facilmente que poderiam haver deixado a mercê do desprezo da gente. Isso não lhes poderei pagar isso nunca, mas jamais lhes desonrarei nem a você nem a mim mesma.
-Obrigado -o sorriso dele tinha mais de careta que de sorriso franco. Retrocedeu um passo –. Até manhã, pois.
E esse tinha sido o tom de seu matrimônio após... formal, levemente incômodo e distante. É obvio, para ela foi um alívio que não se esperasse que compartilhasse o leito do Michael. Tinha o coração quebrado e não podia nem imaginar quão horrível teria sido ter que fingir estar apaixonada por seu marido e lhe deixar que fizesse o que quisesse com ela quando a mera idéia de beijar a outro que não fora Anthony lhe dava calafrios. Estava agradecida ao Michael por isso, mas às vezes não podia evitar pensar que possivelmente se perdeu o aspecto mais importante da vida. Não tinha filhos e não era uma esposa no verdadeiro sentido da palavra. Seu matrimônio era uma farsa tal que a idéia de passar a noite na mesma habitação resultava embaraçosa para os dois. Rachel olhou a porta da habitação que acabava de deixar e desejou, não pela primeira vez, não ter sido tão parva aquela noite sete anos atrás.
Rachel olhou por enésima vez o relógio de cobre que decorava a chaminé da sala de música. Parecia que os ponteiros de relógio corriam agora mais depressa, aproximando-se do momento no que todos decidiriam retirar-se. Seu estômago tinha sido um nó de nervos toda a velada e logo que tinha podido desfrutar da conversação nem das canções que Verônica e Gabriela haviam meio doido para eles, já que não podia deixar de pensar no que faria quando Michael e ela subissem à habitação.
Pensou na donzela ajudando-a a despir-se com o Michael presente e se ruborizou. Seria muito humilhante, e entretanto... algo quente alagou seu abdômen ao pensá-lo. Não pôde evitar perguntar-se como reagiria Michael ao vê-la. Olharia-a? daria-se a volta com cortesia e falta de interesse? Pensava alguma vez no distanciamento de seu matrimônio?
Ela não era já a garota ingênua de outros tempos.
Não tinha tido nenhuma experiência sexual, mas com os anos tinha ouvido falar muito com mulheres casadas que assumiam que ela compartilhava seus conhecimentos do que ocorria na cama. Ao igual ao discurso de sua mãe, sua conversação estava acostumada estar infestada de eufemismos que dificultavam a aprendizagem, mas Rachel acreditava ter um entendimento mais ou menos básico do que acontecia.
Ao parecer, aos homens interessava mais o ato que a suas algemas, até tal ponto que freqüentemente violavam seus votos matrimoniais e tinham aventuras e amantes... às vezes, inclusive, para alívio de suas algemas. Não obstante, também tinha descoberto que havia um certo número de mulheres que desfrutavam com as cuidados de seus maridos. E nos últimos meses tinha sido testemunha de que Miranda e Jessica pareciam deleitar-se com a paixão tanto como Dev e Richard. Ultimamente pensava mais freqüentemente no tema e se perguntava qual seria sua reação ao ato do amor, se desfrutaria dele, como era evidente que ocorria ao Miranda, dado o modo em que franzia os lábios e lhe brilhavam os olhos quando aludia ao ato que a tinha deixado grávida, ou se o contemplaria com desdém e resignação como sua mãe.
É obvio, havia uma grande diferencia entre a situação da Jessica e Miranda e a sua. As duas amavam profundamente a seus maridos e eram correspondidas, enquanto que Michael e ela... bom, não sabia o que havia entre eles, mas sem dúvida não era amor. uma espécie de amizade, talvez, apesar de que às vezes se sentiam incômodos em presença do outro.
Certamente, sabia que podia apoiar-se nele e às vezes tinha ido a ele com algum problema. Admirava-o e respeitava mais que a nenhum outro homem que conhecesse. Mas não sentia o que tinha sentido pelo Anthony Birkshaw tantos anos atrás.
Mesmo assim, era o único homem em sua vida. Não tinha visto o Anthony da terrível noite de sua fuga e jamais haveria outro homem. Não faria nada para trair ao Michael nem sujar seu nome.
portanto sabia que, se queria conhecer o que acontecia entre um homem e uma mulher, teria que ser com ele e quando pensava o que acontecia cada vez com mais freqüência, em como seria o beijo ou a carícia de um homem, era ao Michael ao que imaginava com ela. Não obstante, parecia bastante improvável e quando tirava o chapéu pensando assim, procurava trocar o trem de seus pensamentos.
Era uma tolice pensar no que se perdia. Conhecia muitas mulheres casadas que lhe haveriam dito que tinha sorte, que desfrutava de todas as vantagens de uma dama casada e nenhum dos problemas e certamente era certo. Mas havia ocasiões nas que, como essa noite, não podia evitar perguntar-se como seria... que Michael a observasse enquanto a donzela a despia até que estivesse virtualmente sem nada... ou lhe tirasse a escova da mão e começasse a escovar-lhe a larga juba, como tinha ouvido dizer ao Miranda que fazia Devin... ou jazer a seu lado na cama, escutar o ritmo pausado de sua respiração e sentir o calor de seu corpo masculino.
Sentiu que se ruborizava e olhou ao Michael, que escutava ao Miranda falar das reformas da casa. Viu-o assentir sorridente e inclinar-se para frente para falar com ênfase. Tinha notado já que seu marido não se mostrava tão reticente com outros membros de sua família como com ela. Seus olhos cinzas brilhavam de interesse e seus formosos lábios se curvavam em um sorriso.
Pensou que era um homem atrativo... não tanto como seu irmão, já que o cabelo moreno e os olhos verdes do Devin atordoavam às mulheres, mas era agradável à vista, de cabelo loiro e olhos cinzas grandes e inteligentes e sua boca também resultava muito atrativa, com uma cicatriz perto da comissura dos lábios que lhe dava um ar diablesco quando sorria.
perguntou-se o que pensaria ele se conhecesse seus pensamentos. arrependia-se alguma vez da decisão que tinha tirado de não compartilhar sua cama? perguntava-se alguma vez como seria se seu matrimônio fora distinto? Tinha pensado naquela noite, quando subissem à habitação? e de ser assim, estava tão nervoso como ela?
Tão absorta estava em seus pensamentos que não se deu conta de que Jessica lhe falava até que esta disse:
-Ouviste-me?
Rachel olhou a seu amiga.
-O que? Perdoa. Há-me dito algo?
Jessica se pôs-se a rir.
-Sim. Mas me temo que te estava dormindo. Rachel se ruborizou.
-Não, claro que não. Perdoa minha grosseria.
-Não faz falta. É indubitável que tem sonho. Eu também.
-Temo-me que nos tornamos todos muito campestres -comentou Dev, que as escutava –. Aqui me levanto mais ou menos à hora em que me deitava em Londres. A luz da manhã é muito formosa para desperdiçá-la.
Rachel sorriu a seu irmão.
-Me alegro muito de que haja tornado a pintar. É muito formoso o que tem feito nos últimos meses.
-Obrigado -sorriu ele –. Mas todo se deve ao Miranda, sabe? -Contemplou a sua esposa, que seguia falando com o Michael –. Olha-a. Viu alguma vez uma mulher assim? Acredito que agora fala da rotação das colheitas -soltou uma risita –. Quando me apresentou isso, fez-me um grande favor.
-Me alegro muito.
-Já solo faltaria que... -começou a dizer ele impulsivamente, mas se conteve.
-Só faltaria o que?
Dev moveu a cabeça.
-Nada. Às vezes me contagio do Miranda e quero me colocar onde não me chamam. voltou-se e levantou a voz para falar com sua esposa.
-Miranda, meu amor, sei que você não te cansa nunca, mas tenha compaixão do pobre Michael. Hoje tem feito um comprido viaje e suspeito que gostaria de deitar-se.
Miranda se mostrou contrita.
-OH! Sinto-o muito, Michael. Não pensei nisso. É tão maravilhoso falar com alguém a quem lhe interessam estes temas que esqueci que deve estar cansado.
-me interessa muito o que diz -assegurou-lhe ele sorridente –. Não obstante, suponho que precisa dormir bem.
-Eu não me canso nunca -protestou Miranda; sorriu a seu marido –. Mas Dev se preocupa mais do necessário e procuro lhe seguir a corrente às vezes.
ficou em pé e a velada terminou com brutalidade. Outros a imitaram e se deram as boa noite uns aos outros. Ao Rachel pulsava com força o coração, embora conseguiu manter uma aparência de calma, ou isso esperava.
Michael se aproximou e lhe tendeu o braço. Ela tomou, confiando em que não notasse o tremor de seus dedos, e saiu com ele da estadia. Dev e Miranda os seguiam, falando e rendo. Rachel procurou algo que dizer para romper o silêncio entre seu marido e ela, mas não lhe ocorreu nada. O silêncio se prolongou; estava segura de que outros se dariam conta e isso a pôs mais nervosa ainda.
Na porta da habitação, Michael se fez a um lado com cortesia para deixá-la passar diante e logo fechou a porta atrás deles, aproximou-se do vestidor e olhou em seu interior.
-Bem -disse com voz tranqüila –. Já me prepararam um leito de campanha -olhou ao Rachel –. Pode chamar a sua donzela se quiser. Eu vou baixar à biblioteca a procurar um livro para que tenha intimidade.
-OH, obrigado -murmurou ela. Pensou por que não lhe teria ocorrido aquela solução. Era bastante singela e eliminava grande parte do desconforto de sua situação.
Michael se aproximou da porta e se deteve com uma mão no trinco.
-boa noite -disse.
-boa noite -respondeu ela.
Viu-o sair e se disse que era um grande alívio que a situação se resolveu tão facilmente. Sempre podia contar com o Michael. E a sensação estranha que a embargava por dentro não era tristeza, a não ser restos dos nervos que tinha passado toda a velada.
Suspirou e atirou do cordão do sino para chamar à donzela.
Michael baixou à biblioteca sem fazer ruído. Sair da habitação do Rachel tinha sido uma das coisas mais difíceis que tinha feito em sua vida. Tinha pensado toda a velada na noite que lhes esperava... as largas horas convexo a poucas jardas de onde ela dormia sozinha na cama. Sabia que seria um milagre que pudesse dormir algo. Não pensaria em outra coisa que não fora a proximidade dela e quão fácil seria aproximar-se da cama e deslizar-se entre os lençóis.
Tinha todo o direito. Era seu marido. Ninguém pensaria mal dele. Ninguém saberia sequer. Exceto Rachel, é obvio. E ela era quão única importava.
Sabia que não podia fazê-lo. Tinha-lhe prometido fazia muito que não o faria e o passado do tempo não invalidava em nada a promessa. É obvio, tinha tido esperanças de que ela trocasse, de que tomasse carinho e procurasse suas carícias, mas isso não tinha ocorrido. Estava seguro de que se sentiria horrorizada se acudia essa noite a sua cama.
Não podia aproveitar-se da situação, o que implicava que passaria uma noite larga, exaustiva e profundamente insatisfactoria. Já estava excitado sozinho pensando que ela se despia nesse momento. Toda a velada tinha imaginado como gostaria de se despedir da donzela e assumir ele aquela tarefa. Tinha imaginado o que seria lhe beijar o pescoço, baixar as mãos Y...
A verdade era que não tinha ouvido quase nada da música que tocaram as garotas e menos ainda do que lhe dizia Miranda. Sua mente parecia incapaz de concentrar-se em outra coisa que não fora aquilo que ele tinha o firme propósito de não fazer.
Uma vez na biblioteca, aproximou-se com o abajur à parede mais longínqua, onde havia livros em estanterías que foram do chão até o teto. Procurou entre os lombos algo que lhe interessasse o bastante para se separar de sua mente ao Rachel, mas não era fácil.
-Vá, Michael... -disse uma voz de homem a suas costas. voltou-se com um sobressalto. O duque do Cleybourne estava na soleira da biblioteca, com os braços cruzados e um sorriso sardônico no rosto.
-Cleybourne -murmurou Michael –. Assustaste-me. Surpreende-me verte aqui.
-A mim também -Richard entrou na estadia e fechou a porta –. Com franqueza, na hora de dormir prefiro estar com minha esposa. E por que está aqui?
O duque fez uma careta.
-Porque quero saber que demônios passa. Onde anda metido? Quem era esse tipo que parou a carruagem do Rachel? E não me diga que foi uma brincadeira pesada. É evidente que Dev e Rachel estão às escuras, mas eu conheço sua vida secreta.
Michael o olhou comprido momento.
-De acordo -disse ao fim –. A verdade é que não estou seguro, mas Rede Geordie é um salteador que me vendeu informação no passado, mas não sei a que se referia. Suponho que esperava que lhe pagasse por essa informação tão inútil. -Fez uma careta –. Algo que te asseguro que não tenho intenção de fazer quando o localizar e lhe diga o que penso de que ande por aí assustando ao Rachel.
-E ela não sabe que você ajuda aos inspetores do Bow Street?
-Não, é obvio que não. Nem sequer sabe o que fiz na guerra, e muito menos que Rob me pede ajuda com alguns casos. Quase ninguém sabe, além dele, de ti e de um par de amigos da guerra. Quanta menos gente saiba, melhor. E com franqueza, neste momento lhe lamento haver isso dito a ti.
-Sim, mas estamos falando de sua esposa. Como pode lhe ocultar algo assim?
Michael se encolheu de ombros.
-Não é tão difícil. A maior parte do tempo não estamos juntos. Ela está em Londres e eu no Westhampton.
-Ou por aí com um de seus disfarces.
-Em qualquer caso, não estamos juntos. Ela não me vê sair de casa e não voltar em um par de semanas.
Richard o olhou duvidoso.
-Sim, mas lhe esconder algo assim... não acredito que gostasse se soubesse.
-Sim, bom, por isso não penso dizer-lhe Olhe, não é que eu decidisse não dizer-lhe Quando nos casamos, a guerra tinha terminado fazia tempo. Não tinha sentido lhe contar que tinha ajudado ao Rob a capturar alguns espiões.
-Alguns! -Richard moveu a cabeça –. Muitos homens lhe teriam contado suas façanhas durante a guerra só para impressioná-la.
-Vamos, Richard. -Michael parecia envergonhado –. Não foram para tanto. Mas bem trabalho de cabeça que outra coisa. Haveria-me sentido como um parvo contando-lhe -Vale, te daba vergüenza decir que fuiste un héroe en la guerra y nos salvaste a todos de los espías de Napoleón -asintió Richard con sorna –. ¿Pero por qué no le contaste que Rob te había pedido ayuda con los casos de Bow Street?
-Sim -assentiu Richard com um sorriso –. Disso estou seguro.
Conhecia o Michael o bastante bem para saber o que ocultava a relutância de seu amigo a revelar seu heroísmo. Michael odiava pensar que pudesse parecer-se com seu pai, sempre disposto a correr depois do perigo. O defunto lorde Westhampton desfrutava com a emoção da caça, a injeção de adrenalina que supunha saltar uma cerca a cavalo, a provocação de enfrentar-se a alguém com a espada ou a murros. Michael lhe havia dito uma vez ao duque que temia que fora a herança de seu pai o que lhe tinha feito meter-se na espionagem durante a guerra.
-Vale, dava-te vergonha dizer que foi um herói na guerra e salvou a todos dos espiões do Napoleón -assentiu Richard com ironia –. Mas por que não lhe contou que Rob te tinha pedido ajuda com os casos do Bow Street?
Michael fez uma careta.
-Teria tido que lhe explicar que tinha trabalhado com ele na guerra e ela teria querido saber por que não o havia dito. E as explicações que me ocorriam me faziam ficar como um parvo. Além disso, pensei que solo seria um caso. Era um favor para um amigo do Rob que era magistrado do Bow Street. Não sabia que ao ano seguinte voltariam a me pedir ajuda. Além disso, Rachel estava em Londres e eu no Westhampton e não podia contar-lhe por carta. Quando ela voltou por Natal, tudo tinha acabado já.
Richard moveu a cabeça.
-Entendo.
-Além disso, não é tema para uma dama – assinalou Michael –. Você lhe teria contado ao Caroline que investigava assassinatos?
-Bom, não -admitiu Richard –. Mas após aprendi muito. Jessica me arrancaria a cabeça se lhe ocultasse algo assim. E dado o modo em que Miranda e ela reagiram aos perigos que confrontaram o ano passado...
-É um tema bastante diferente -argumentou Michael –. Rachel não é filha de militar, como sua esposa. Nem um trapaceiro norte-americano lhe ensinou a disparar um rifle quando tinha oito anos, como ao Miranda. Rachel é uma mulher inglesa da nobreza e não está habituada a histórias de roubos e assassinatos. Santo céu, Richard, não tem nem idéia de como são os distritos baixos de Londres. Da pobreza, os delitos, a sujeira nem as enfermidades. Horrorizaria-lhe inteirar-se de minhas incursões nesse mundo. Solo serviria para preocupá-la.
Em ocasiões tinha desejado lhe falar com o Rachel de seus casos. Teria sido agradável poder confiar nela, lhe contar o que pensava dos mistérios aos que se enfrentava e escutar sua opinião. Mas sempre se conteve a tempo. Teria sido muito injusto aliviar sua carga a costa do Rachel.
-Talvez -disse Richard, que não parecia nada convencido –. Mas nos últimos meses aprendi que as mulheres são muito mais fortes do que pensamos. Possivelmente te surpreendesse a tua.
Não disse tudo o que pensava, que não se podia ter uma relação plena com uma esposa se ela sabia tão pouco da vida do marido. Sabia que o matrimônio do Michael se parecia pouco a sua relação intensa e às vezes tempestuosa com a Jessica. Michael não lhe tinha contado a fuga do Rachel no último momento, mas Caroline, a irmã desta, mostrou-se menos reticente. E só terei que vê-los juntos para saber que aquela greta não se fechou.
Richard apreciava muito a ambos. Michael tinha sido um de seus melhores amigos durante quase quinze anos, já que se tinham conhecido em Londres sendo muito jovens e Rachel tinha sido um grande apoio para ele nos anos escuros que seguiram à morte de sua irmã. Faria quase algo por ajudá-los a superar o passado e ter um matrimônio feliz, mas estava seguro de que Michael não aprovaria sua intromissão.
-Não vejo motivos para preocupá-la com isso -repôs Michael.
Richard se encolheu de ombros.
-Então já pode ocultar-lhe bem, porque se se inteira, lamentará não haver-lhe dito. As mulheres odeiam os segredos, se não serem deles. -Fez uma pausa –. Quem quer verte morto?
Michael levantou os olhos ao teto.
-Ninguém que eu saiba. E não me ocorre nenhum motivo. Não tenho feito nenhum progrido no último caso para o que me recomendou Cooper. Não sou um perigo para ninguém; não tenho nem a menor idéia de quem pôde roubar o manuscrito.
Richard franziu o cenho.
-Manuscrito?
-Sim. Um manuscrito do século XI muito estranho e valioso. Pertencia ao conde do Setworth.
-Esse que gagueja?
-O mesmo. Foi para mim porque sir William Godfrey lhe contou que tinha ajudado ao Cooper a resolver o mistério do colar de sua esposa. Já havia um inspetor investigando, outro que não era Cooper, mas não tinham tido sorte. O manuscrito era a posse apreciada do Setworth e o guardava em um quarto secreto em sua biblioteca. Evidentemente, o primeiro que pensamos tanto a polícia como eu foi que não podia ter sido um ladrão da rua, que teve que ser alguém de dentro.
-Um dos serventes?
Michael se encolheu de ombros.
-Setworth jura que nenhum deles conhece o mecanismo que abre a porta dessa sala. Acredita que nem sequer sabem que há uma habitação secreta na biblioteca. O inspetor os investigou e nenhum deles tinha deixado o emprego nos meses seguintes ao roubo nem tinha dado amostras de uma riqueza repentina. E tampouco tinha havido nenhuma demissão em mais de um ano e o último tinha sido uma servente da cozinha que jamais tinha entrado na biblioteca. Fiz que um de meus homens se fizesse passar por servente e o contratassem ali e não descobriu nada. Setworth jura que seus dois filhos são quão únicos sabem operar o mecanismo e, é obvio, insiste em que nenhum deles teria roubado o manuscrito.
-E você o crie?
-Eu quase nunca confio em ninguém tanto como parecem fazê-lo-as vítimas, mas não encontrei nenhuma razão para acreditar que o tenha roubado algum deles. Parece que vivem dentro de seus limites econômicos, sem dívidas grandes nem amigos estranhos. O conde me contou que tinha dado uma festa na casa umas semanas antes do roubo e tinha mostrado o manuscrito a alguns dos convidados. Entretanto, não acredita que nenhum pudesse ver o truque que usou para abrir a porta. me pareceram os suspeitos mais prováveis, mas investiguei suas finanças e nenhum tinha tido ganhos suspeitos ultimamente. Bom, um deles sim, um homem que herdou de seu tio, mas isso foi uns meses antes da festa. Não todos eram ricos, é obvio, mas tampouco tinham grandes dívidas nem amigos duvidosos.
-E crie que foi um roubo ao azar... alguém de fora?
-Não é possível. que entrou na casa tinha que conhecer a existência do manuscrito e saber onde o guardavam, já que foi o único que se levaram. Não havia portas nem janelas forçadas, Setworth nem sequer notou o desaparecimento até uma manhã em que foi admirá-lo e descobriu que não estava. Puderam levar-lhe em qualquer momento das duas semanas prévias.
-É fácil que se corresse a voz sobre o manuscrito -disse Richard –. Ele o ensinou a amigos e estes falaram. Às vezes um ladrão se inteira por acaso, inclusive ouça que há uma habitação secreta, e pode entrar e encontrar o mecanismo. Talvez não é tão difícil como lorde Setworth crie.
-Talvez. Mas nesse caso, o ladrão é mais preparado que eu. Eu estive na casa e passei quase um dia inteiro procurando o quarto secreto. Ao fim calculei onde devia estar pela grossura das paredes que unem a biblioteca com o estudo. Entretanto, não fui capaz de abri-lo. Teve que vir Setworth a fazê-lo por mim. Quão único descobri foi que ele não o abria tão às escondidas como pensava, já que pude ver o suficiente para abri-lo mais tarde por minha conta. Mas mesmo assim, deve haver umas cinqüenta ou cem pessoas às que o terá mostrado Setworth ao longo dos anos, e é impossível saber quantos deles terão falado do mecanismo a outros.
-Bem, caso que fossem os convidados mais recentes, os da última festa....
Michael fez uma careta.
-É difícil estabelecer se pôde fazê-lo algum. Há um período de duas semanas durante o que pôde ocorrer. É difícil ter um álibi para duas semanas completas... embora um deles parece ser que esteve doente em cama todo esse tempo e outra semana convalescente. E há outro do que sua esposa, seus filhos e seus serventes juram que não saiu de Londres.
-Quer dizer que está disposto a te render?
-Pensava fazê-lo -confessou Michael –. Até que aconteceu isto. Agora me pergunto se estarei perto da resposta sem sabê-lo. E embora não seja assim, tenho que voltar a tentá-lo. Não posso deixá-lo passar se forem mesclar ao Rachel. Se alguém me desejar de verdade algum dano, seria mais fácil me fazer isso através dela. Estará sozinha em Londres, desprotegido...
-Pensa ficar com ela toda a temporada, pois?
Michael negou com a cabeça.
-Não. enviei uma nota ao Cooper para que contrate a alguém que guarde a casa e ao Rachel. Mas o melhor que posso fazer para protegê-la é resolver o caso e colocar entre grades ao ladrão. Além disso, ela suspeitaria algo se ficasse em Londres toda a temporada. Adotarei um de meus disfarces.
-Irá a casa do Lilith?
-Sim. E verei se posso conseguir a ajuda do Rob, embora ele já está fora desse mundinho.
Cleybourne olhou pensativo a seu amigo.
-É um jogo arriscado. Espero que saiba o que faz.
Michael sabia que se referia a algo mais que o perigo físico. A seu amigo preocupava o estado de seu matrimônio. O não lhe disse o que pensava, mas via pouco sentido em preocupar-se com um matrimônio que levava muitos anos moribundo.
Quando se retirou Richard, Michael permaneceu uns minutos mais na biblioteca antes de renunciar a sua esperança de encontrar um livro que ocupasse sua mente. Tinha dado ao Rachel tempo de sobra para despir-se e meter-se na cama. Com sorte, certamente já estaria dormida. Ele por sua parte sabia que passaria a noite pensando nela; impossível evitá-lo estando tão perto.
Subiu à habitação e se deslizou ao interior. Rachel estava deitada com os olhos fechados e o cabelo estendido como uma catarata sobre o travesseiro. Michael a contemplou um momento. Tinha-lhe deixado um abajur aceso sobre a cômoda, mas com a mecha baixa não iluminava o suficiente para vê-la bem; era seu memore a que proporcionava as imagens enganadoras dela instalada entre os lençóis. Apartou a vista, tomou o abajur e entrou no vestidor, onde tinham preparado um leito estreito de campanha. No transcurso de suas investigações tinha dormido em sítios piores; o que lhe dificultaria o sonho seria a proximidade de sua esposa, não a cama. Deixou o abajur sobre um baú e se despiu com rapidez. Apagou a luz de um sopro, meteu-se na cama e fechou os olhos. Não tinha sonho. Sua mente estava infestada de pensamentos do Rachel, cada um mais tentador que o anterior.
colocou-se de lado com um suspiro. ia ser uma noite muito larga.
Miranda ficou nas pontas dos pés para abraçar a sua cunhada, mais alta que ela.
-Eu gostaria que não fosse tão logo. Westhampton chegou sozinho ontem -lançou um olhar acusador ao Michael, que esperava ao lado da carruagem.
Este a olhou envergonhado.
-Sinto muito, Miranda... -parecia procurar algo mais que dizer.
-Sim, sei, é um ditador -comentou Rachel com ligeireza, indo em seu resgate. Suspeitava que Michael tinha insistido em que se fossem essa manhã principalmente porque não queria ter que passar outra noite na mesma habitação que ela. Isso lhe doía, mas por outro lado, também ela preferia não ter que passar outra noite por aquela situação incômoda.
-A primavera é uma época importante no campo -continuou com mais seriedade- e Michael já vai faltar bastante por seu empenho em me acompanhar a Londres. Não quero que prolongue ainda mais sua ausência.
-Bem, de acordo, não o brigarei mais -assentiu Miranda –. Entretanto, tem que me prometer que voltará a tempo para o parto -enrugou a frente –. Quero que esteja a meu lado quando chegar o momento. Estará minha madrasta, e lady Ravenscar também se ofereceu, mas... prefiro que você venha. Estou um pouco assustada, sabe?
Rachel abriu muito os olhos, surpreendida por aquela confissão de parte do Miranda; apertou-lhe a mão com ternura.
-Prometo que estarei aqui. Penso deixar Londres no fim de julho, assim terei mais de um mês antes de que nasça o menino. E se tiver alguma preocupação ou desejas que venha antes, me escreva e virei. Haverá muitas outras temporadas em Londres, mas você sozinho será mãe primeriza uma vez.
Miranda sorriu.
-Obrigado. Não me atrevo a decide ao Dev que estou nervosa. Já se preocupa suficiente sem sabê-lo.
-Naturalmente. Necessita outra mulher.
-Necessito a ti.
Os olhos do Rachel se encheram de lágrimas. Era vários anos menor que seus irmãos e quase nunca tinha sido uma mulher em que se apoiava a gente. Em geral, considerava-se com menos talento que Dev, menos formosa que Caroline e, apesar de que apreciava ao Miranda, sua segurança e competência também a afligiam às vezes.
Abraçou-a uma vez mais antes de voltar-se para despedir-se de outros. Depois Michael a ajudou a subir à carruagem e subiu a sua vez. Quando ficaram em marcha, Rachel apartou a cortina para olhar a sua família.
-Sinto te haver separado deles antes de tempo -murmurou Michael.
-Não se preocupe, não passa nada. De todos os modos retornarei dentro de uns meses.
Não disse que também seria um alívio afastar-se dos outros dois casais. Queria a sua família e se alegrava de que Dev e Richard tivessem encontrado amores estranhos e maravilhosos, mas havia vezes nas que lhe causava uma forte inveja vê-los tão apaixonados.
Pensou como seria sentir isso, ter um homem que a olhasse como olhava Richard a Jessica, um olhar que fazia que lhe brilhassem os olhos e se ruborizasse. Estava claro que não eram sozinho os homens os que desfrutavam de do aspecto físico desses matrimônios.
Em ocasiões, Rachel desejava sentir o que sentiam Miranda e Jessica e não lhe ajudava saber que era ela mesma a que tinha quebrado todas as possibilidades que tivesse tido de viver um matrimônio assim.
Sabia que era uma pessoa terrível por pensar essas coisas. Pior ainda, não podia negar que também invejava ao Miranda seu embaraço. Desejava filhos. A vida que levava, as festas e visitas sociais, não a enchiam. Necessitava mais, e o desejo de ter filhos crescia a cada ano que passava.
Olhou a seu marido, sentado em frente, e se perguntou se lamentaria alguma vez não ter filhos. Seguro que preferia que seu título e sua fortuna os herdasse uma vergôntea dele.
Pensou que seria um pai maravilhoso. Imaginou passeando pelos jardins com seus filhos... dois meninos e uma menina... lhes falando das novelo e respondendo a suas perguntas.
-Rachel? Está bem?
-O que? -perguntou ela, desconcertada, voltando para a realidade.
-Digo-lhe ao chofer que dê a volta? -perguntou ele com gentileza –. Não devi insistir em que partíssemos. Podemos ficamos uns dias mais.
-Não. Não. De verdade -sorriu ela –. Já estou bem -procurou algo que dizer para trocar de tema –. Crie que nos visitará seu protetor?
-Quem? OH! -o rosto do Michael se obscureceu –. Eu gostaria de muito me encontrar com esse vilão. Como se atreve a te assustar desse modo!
Rachel o olhou surpreendida. Por um momento acreditou ver um pouco desconhecido nos olhos dele. Não estava segura do que era.
-Mas não acredito que apareça -prosseguiu ele com sua voz serena de costume –. Deu-lhe dinheiro e suponho que isso o deixou satisfeito. Não passará nada, mas já me conhece. Eu gosto de estar preparado.
-Sim, sei -era consciente de que ele o preparava tudo com antecipação e cuidado. Em muitos sentidos era o oposto a seu irmão Dev, muito mais impulsivo e emocional. Ou talvez era simplesmente o contrário de seu pai, um homem que, a julgar pelo que se dizia dele, entregou-se quase por completo a seus apetites físicos.
Michael se mostrava sempre sereno e controlando a situação; sempre pensando com lógica e claridade.
Demoraram dois dias em realizar a viagem do Darkwater a Londres. Rachel tinha percorrido aquele caminho muitas vezes, mas resultava mais fácil e rápido quando a acompanhava Michael. Com ele podia falar de muitos tema e quase sempre tinha uma resposta para qualquer pergunta que pudesse lhe fazer. Tinha uma voz rica e profunda e gostava de escutá-lo.
Pensava que permaneceria uma semana ou dois em Londres com ela; seria divertido que a acompanhasse às reuniões sociais em lugar de ir com seu amiga lady Sylvia Montgomery ou com Peregrine Overhill, amigo do Michael, que a acompanhava freqüentemente. Mas para seu desmaio, o dia que chegaram, seu marido lhe disse que partiria para o Westhampton ao dia seguinte.
-Amanhã! -protestou ela –. Tão logo? Mas não tiveste tempo de descansar. Seguro que pode ficar um par de dias em Londres. Ir a seu clube, ver alguns amigos, ao Perry O... o que me diz desse homem do museu com o que te leva tão bem? e deveríamos ir ver a Amarinta.
Michael fez uma careta.
-O que passa é que quer companhia para visitar minha irmã -comentou com ar zombador.
-Bom, é mais fácil quando há duas pessoas para suportar sua desaprovação -admitiu ela. Amarinta, irmã maior do Michael, era uma mulher de costumes estritos e gestos igualmente estritos, e nunca tinha aprovado ao Rachel como esposa de seu irmão. Advertiu ao leste de que não emparentara com a família Aincourt, aos que considerava muito promíscuos e esbanjadores apesar de que o pai do Rachel era um homem religioso. Quando Michael retornou a sua propriedade do campo depois de um ano de matrimônio, Amarinta pensou que sua advertência se cumpriu. Inclusive chegou a decide ao Rachel em uma ocasião que estava claro que Michael lamentava havê-la eleito por esposa.
-Sinto muito, querida -disse ele-, mas não posso me permitir passar mais tempo longe das granjas. Este ano começamos um experimento novo com legumes e não posso confiar em que Jenks se mostre todo o cientista que quero. Terá que semear logo e quero estar ali para fiscalizá-lo.
Sentiu uma pontada de tristeza ao ver a decepção que expressava o rosto dela. Lhe teria gostado de ficar, acompanhá-la a festas e dançar com ela até a madrugada. como sempre, era uma mescla de céu e inferno estar continuamente a seu lado, desfrutar de do prazer de vedação, escutá-la, estar perto, e ao mesmo tempo sofrer o desejo que sua proximidade lhe produzia sempre, saber que a desejava e não podia tê-la, que se tentava beijá-la ou tocá-la romperia a amizade que havia entre eles. Estava acostumado a ficar a seu lado até que a dor crescia muito, até que o desejo alcançava um ponto no que pensava que tinha que fazê-la sua ou morrer, e então se afastava.
Essa vez, entretanto, não podia permitir-se aquele luxo. Acompanhá-la na viagem não tinha sido seu único motivo para ir a Londres. Tinha que ver o Cooper, seu aliado do Bow Street, para lhe pedir que contratasse a um homem que guardasse ao Rachel, e comentar com ele o tema daquele inimigo que acreditava que sabia mais do que sabia. O melhor modo de estar seguro de que sua esposa não correria perigo, seria resolver aquele caso com rapidez. Isso entranharia não só falar com o Cooper e seu amigo sir Robert, mas também usar seus disfarces para introduzir-se no submundo de Londres e averiguar o que pudesse entre os ladrões, prostitutas e outros criminosos que habitavam ali. Não podia adotar esses disfarces na casa, perto do Rachel, nem tampouco podia investigar se tinha que empregar o tempo levando-a a festas e peças de teatro.
À manhã seguinte, pois, despediu-se dela com um beijo formal na mão, e saiu com rapidez. Fora o esperava uma moço com seu cavalo. Montou sem voltar-se para olhar a casa, e portanto, não viu o Rachel de pé no ventanal da sala. Duas maçãs mais à frente, quando já não podiam vê-lo da casa, trocou de direção para uma parte distinta de Londres e a casa de outra mulher.
Rachel voltou com tristeza a seu saloncito de acima. Sabia que tinha que ir ver a irmã do Michael. Exigia-o a etiqueta, já que tinha retornado a Londres depois de uma larga ausência e Amarinta era a parente mais próxima de seu marido. Pela mesma razão, deveria ir ver também a sua mãe, quem desfrutava da vida em Londres, livre do isolamento do Darkwater e das privações da escassez de dinheiro. Suspeitava que a nenhuma delas lhe importava muito vê-la, mas ambas considerariam uma afronta que não fora.
E a realidade era que não gostava de ir. sentou-se no sofá pensativa. Parecia-lhe estranho que Michael tivesse que partir tão logo. Tão ansioso estava por escapar dela? Quando lhe explicou no dia anterior por que tinha que ir-se já, havia algo em sua cara... algo que lhe recordava o olhar que tinha quando lhe perguntou pelo homem que tinha detido a carruagem. disse-se que era absurdo pensar que Michael não lhe dissesse a verdade. Seu marido era a personificação da sinceridade.
ficou em pé, desgostada consigo mesma por pensar aquelas coisas. Uma visita a seu amiga Sylvia levantaria o ânimo. Lady Sylvia Montgomery era uma das jóias da sociedade de Londres. Baixa e voluptuosa, possuía uma risada argentina contagiosa e um fornecimento inacabável de fofocas. Seu marido, sir Ian, adorava-a e se maravilhava constantemente de ter encontrado uma esposa assim. E era justamente a classe de amiga capaz de tirar qualquer da tristeza.
Rachel tocou o sino para chamar à donzela. Uma hora depois partia para casa de lady Montgomery, embelezada com um vestido verde marinho e uma capa a jogo forrada de pele.
Era logo e Sylvia ainda não tinha visitas. Quando anunciaram ao Rachel, levantou-se da poltrona com um grito de alegria e correu a seu encontro.
-Rachel, meu amor! -abraçou-a com força –. Faz séculos que não te vejo. deveste estar todo o inverno no campo.
-Se. Em Natal ficamos cercados pela neve no castelo Cleybourne Y... -sorriu –. Tenho notícias para ti.
Os olhos da Sylvia se iluminaram.
-Sobre o duque? Lady Aspwich me contou que se casou, mas me custava acreditá-lo. É verdade? E é certo que a nova duquesa saiu de Londres faz anos sob uma nuvem de escândalo?
-Contarei-lhe isso tudo -prometeu Rachel; sentaram-se para conversar dos sucessos do passado inverno no castelo Cleybourne e do surpreendente passado da nova esposa do duque.
Quando terminaram, houve uns momentos de silêncio enquanto Sylvia dava voltas em sua cabeça à complicada história que acabava de ouvir.
-Sylvia... -murmurou Rachel com incerteza.
Seu amiga a olhou.
-Sim?
-Perguntava-me... ouviste contar algo sobre o Michael?
-Westhampton? - perguntou a outra, abrindo muito seus olhos azuis –. A que te refere? Ouvir o que?
-Não estou segura -agora que tinha começado, dava-se conta de quão vagas soavam suas preocupações –. Sobre se está misturado em algo, por exemplo?
-Em algo? -Sylvia arqueou as sobrancelhas –. Algo de que tipo?
-Algo perigoso.
Seu amiga a olhou comprido momento com seriedade. Logo se pôs-se a rir.
-Entendo. Está-me gastando uma brincadeira.
-Não! Nada disso, assim deixa de rir.
Sylvia obedeceu.
-Mas Rachel, querida, isso são tolices. por que ia se mesclar Michael em algo perigoso? E o que poderia ser isso?
-Não sei. E já sei que parece uma loucura, mas... -respirou fundo e lhe contou a história do salteador de caminhos que tinha parado sua carruagem.
Quando terminou, seu amiga a olhava com a boca aberta.
-E bem? -inquiriu Rachel –. Entende agora por que o pergunto?
-Sim, mas o que significa isso? A que se referia esse homem? Quem era?
-Você sabe tanto como eu. Nada.
-O disse ao Westhampton? O que te disse?
-Que não era nada, que esse homem devia ser um lunático.
-Sim, bom, é o que parece.
-Mas você não o viu. Não parecia para nada estar louco. Parecia muito sério, como se de verdade conhecesse o Michael e soubesse que estava em apuros. Michael sugeriu que podia ser uma brincadeira pesada de algum amigo.
-Devo dizer que, nesse caso, tem amigos muito estranhos.
-Sim, bom, alguns dos homens com os que se escreve são um pouco estranhos, isso é certo. Mas mas bem no sentido de que falam de coisas nas que ninguém mais pensa e esquecem ficar o chapéu quando chove e coisas assim, mas recordam muito bem o que disse um filósofo faz centenas de anos.
-OH, quer dizer como o tio de lady Wendhaven?
-Bom, não, não é que vão pela cidade em camisola. Mas bem como Naomi Armistead.
-A que se guarda os lápis no cabelo e logo sempre está procurando um?
-E os tira para escrever poesias. Exato.
-Sim, bom, todos os Armistead são um pouco estranhos. Todos têm nomes estranhos.
-Bíblicos.
-Bom, suponho que isso não é culpa deles, mas me parece que seus pais podiam ter tido mais consideração. Matthew não está mau e Ruth tampouco, mas chamar Job a um menino é tentar ao destino, não te parece?
-Sim, suponho que sim, mas essa não é a questão. O que intento dizer é que os amigos com os que se escreve Michael são excêntricos nesse sentido, mas não acredito que contratem a alguém para que se faça passar por salteador de caminhos e advirta ao Michael de algum perigo e embora fora uma brincadeira, que sentido teria?
-Não sei -repôs Sylvia, duvidosa –. Não parece muito graciosa, verdade?
-E se o homem é um lunático, por que escolheu ao Michael? Não foi ao azar. Pronunciou seu nome, reconheceu seu brasão na porta da carruagem, comportava-se como se o conhecesse. Mas não crie que se Michael conhecesse alguém assim, teria sabido de quem se tratava por minha descrição? Disse-me que se chamava Rede Geordie. Não crie que se teria acordado de alguém com esse nome?
-Não parece fácil de esquecer -assentiu Sylvia –. Crie que Michael sim sabia quem era e te mentiu?
Rachel pensou um momento.
-Não -confessou, com o cenho franzido –. Não acredito que Michael minta a ninguém e menos a sua esposa vacilou –. Mas quando me disse que não sabia quem era esse homem, apartou a vista e eu tive a intuição de que algo ia mau. De que... bom, talvez não mentia, mas não dizia toda a verdade -olhou a seu amiga –. Crie que me oculta algo?
Sylvia se encolheu de ombros.
-Sir Ian me oculta coisas todo o tempo.
-De verdade? -Rachel a olhou surpreendida –. E não te incomoda?
-Não especialmente. Às vezes é porque tem medo de que o rixa. O doutor lhe disse que deixasse de beber oporto, pela gota, e às vezes, quando vem de seu clube, eu sei que bebeu, mas ele diz que não. E outras vezes acredita que eu não entenderia algo. Os homens pensam que somos criaturas tolas sem nada na cabeça.
-Michael não é assim -comentou Rachel –. me fala de filosofia e de ciência e às vezes me resulta muito complicado, mas não me trata como se fora tola.
-Então suponho que o faz para te proteger.
-Do que?
-Não sei -repôs Sylvia –. Talvez do fato de que o homem diz a verdade e ele corre perigo, por estranho que pareça. Ao melhor não quer preocupar-se.
-Bom, preocuparia-me, mas não seria justo me ocultar isso E além disso, isso significa que faz algo perigoso, e seria outra coisa da que tampouco sei nada.
-Certamente algo de seu passado -murmurou Sylvia –. De antes de te conhecer. Os homens sempre se metem em alguma confusão quando são jovens, até os que são como Michael. Dará-lhe vergonha te confessar um pecadillo de juventude.
-Crie-o assim?
Seu amiga assentiu com ênfase.
-OH, sim. E se quer descobrir do que se trata, sei o que pode fazer. me acompanhe esta noite à festa de lady Tarleton.
Rachel arqueou as sobrancelhas com cepticismo.
-E no que me vai ajudar isso?
-Lady Belmartin assistirá seguro. É muito boa amiga do Harriet Tarleton. E lady Belmartin sabe tudo o que terá que saber sobre tudo o mundo. Se alguém souber se Michael esteve metido em algo estranho no passado, é ela.
-Não posso me dedicar a perguntar às pessoas se souber algo de meu marido -protestou Rachel –. Então sim que falariam.
-Não o perguntaremos diretamente, tola. A lady Belmartin não terá que lhe insistir muito para que fale, o difícil é fazer que pare. Saudamo-la, falamos de algo e logo eu comento que ninguém poderia dizer nada mau do Westhampton.
-E não o encontrará estranho?
-Claro que não. Tomará como uma provocação. Se houver algo mau que dizer do Michael, dirá-o ela.
-Comigo diante?
-É evidente que não a conhece muito. Fará-o de propósito para ver sua reação.
-Que horrível!
-Sim que o é. É muito amiga da mãe do Ian, outra com uma língua de serpente, assim tenho experiência lutando com ela. Eu a adulo e lhe deixo pensar que sou tola. Solo tem que fingir que admira o muito que sabe de tudo e a deixará contente.
Rachel não tinha pensado sair aquela noite, já que estava cansada. Mas a idéia de passar a larga velada só na mansão Westhampton não gostava de muito.
Sorriu a seu amiga.
-Muito bem. Estou segura de que não terá nada que dizer sobre o Michael, de que tudo isto são minhas tolices, mas será agradável confirmá-lo. E possivelmente uma noite fora é justo o que necessito.
-É obvio. É o que necessitamos sempre.
Lady Sylvia chegou em sua carruagem para levar ao Rachel à velada de lady Tarleton pouco antes das onze, solo uma hora mais tarde que o que tinha prometido. Rachel, que conhecia seu amiga, tinha calculado seu acerto pessoal para estar lista meia hora mais tarde e não ter que esperar muito. Sylvia resplandecia com um vestido prateado e os diamantes que lhe tinha comprado sir Ian quando nasceu seu primeiro filho e herdeiro. Rachel tinha eleito um vestido de veludo azul que ia muito bem com sua pele clara e seu cabelo escuro. Uma cinta a jogo decorava os cachos do cabelo e nas orelhas e o pescoço luzia discretas safiras.
A mansão Tarleton estava iluminada por dentro e por fora, e a fila de carruagens que se dirigiam à porta se prolongava durante mais de uma maçã. Quando chegaram, tiveram que esperar de novo na cauda para ser recebidos, que começava na entrada, subia pelas escadas e terminava no grande salão de baile. Lady Sylvia distraiu a seu amiga comentando por detrás de seu leque quão vestidos levavam as demais convidadas.
Rachel não acreditava que fora possível encontrar a lady Belmartin entre aquela multidão, e muito menos falar com ela, mas Sylvia lhe assegurou que sabia exatamente onde achá-la e, quando chegaram ao salão, tirou-a do braço e a conduziu entre a gente até uma fileira de cadeiras alinhadas na parede em frente da que tocavam os músicos.
-Lady Belmartin e minha sogra sempre se sintam e não gostam de estar perto da música porque não podem falar -explicou-lhe enquanto chegavam ao sítio onde, como havia predito, estavam as duas amigas.
Lady Belmartin era tão pequena e angulosa como alta e gordinha era lady Montgomery, assim formavam um contraste interessante. As duas viúvas vestiam de negro, embora fazia muitos anos que tinham morrido seus maridos. Ao Rachel, lady Belmartin recordou a um corvo, com suas roupagens negras e seus olhos escuros brilhantes, e as peles negras reluzentes que decoravam seu cabelo acentuavam ainda mais aquela impressão.
-Sylvia, filha -lady Montgomery tendeu a mão a sua nora –. E lady Westhampton. Quando voltastes para Londres?
-Retornei ontem, lady Montgomery -Rachel lhe fez uma reverência. A mãe de sir Ian tinha a habilidade de fazer que se sentisse como uma menina em sua primeira festa, assim normalmente procurava evitá-la sempre que podia.
-Ainda não há muita gente na cidade - comentou lady Montgomery com uma careta de desdém –. Embora ninguém o diria esta noite. Harriet nunca soube separar o grão da palha. Vejo que até convidou a essa horrível Blackheath.
Procedeu a destroçar a pobre mulher, começando com seu acento, que traía sua procedência do norte de Bretanha, e seguindo com seu cabelo, seu vestido e suas maneiras. viu-se assistida na tarefa por sua companheira, quem acrescentou que ao menos o pai da mulher era um fidalgo do campo, mas que a mãe era neta de um proprietário de ovelhas do Yorkshire.
-É obvio, nunca falam disso. Embora não é de sentir saudades, verdade? Mas eu sei por lady Featherstone, quem se criou a menos de vinte milhas dali.
-E aí está lady Vesey! -exclamou lady Montgomery com desgosto –. Não sei o que faz aqui. Não acredito que nem sequer Harriet seja tão parva para convidá-la.
Rachel se voltou a olhar. Teria que procurar não cruzar-se aquela noite com Leoa Vesey. Não havia muitas pessoas às que odiasse, mas lady Vesey era uma delas. Apesar de que era mais velha e estava casada, tinha seduzido ao Dev quando este chegou a Londres de jovencito, introduziu-o em más companhias e aumentou a brecha entre o jovem e seu pai. Mas o pior, em opinião do Rachel, era que o tinha separado de sua arte. Até que chegou Miranda e trocou a vida a seu irmão, Rachel acreditava que Leoa tinha destroçado seu futuro. O triunfo do Miranda sobre lhe causou uma grande alegria, mas seguia sem suportar a presença de Leoa.
-Os Vesey estão a um passo do cárcere por dívidas, todo mundo sabe -acrescentou lady Belmartin –. Embora me hão dito que ela tem um admirador novo que, a julgar pelas jóias que leva esta noite, deve ser rico.
-Vá, lady Belmartin -disse Sylvia com admiração e um olhar de soslaio ao Rachel –. Conhecem todo mundo.
-OH, sim -assentiu a mulher com orgulho –. Conheço alguns dos segredos melhor guardados da cidade.
-Mas imagino que há pessoas das que não sabem nenhum secreto, verdade? -perguntou Rachel
Lady Belmartin lhe lançou um olhar duro.
-Tolices. Todo mundo tem secretos. O que passa é que alguns não se descoberto ainda.
-Mas têm que admitir que há pessoas que têm vistas exemplares -insistiu Sylvia –. Sir Ian, por exemplo, é...
Lady Belmartin soltou um grunhido.
-Sir Ian não é melhor do que deve ser, como estou segura de que lhes dirá lady Montgomery. Mas, é obvio, eu não faço comentários sobre meus amigos.
-Bom, pode que Ian não seja um bom exemplo. Ponhamos melhor o marido do Rachel. Seguro que não podem dizer nada mau de lorde Westhampton.
Rachel olhou a lady Belmartin, consciente de que um suor frio cobria suas mãos dentro das luvas e o coração lhe pulsava com rapidez.
Lady Belmartin lhe lançou um olhar afiado.
-Estão casada com o Michael Trent, verdade? Posso lhes dizer que seu pai foi um autêntico dissoluto, um libertino -assentiu com a cabeça –. A seu pobre algema sozinho lhe causou sofrimentos. Estou segura de que suas escapadas lhe cortaram a vida. ouvi que tem vários filhos ilegítimos. Certo que não é o único, mas ele nunca cumpriu com suas responsabilidades. Se um homem se for comportar assim, o menos que pode fazer é manter aos pobrezinhos -fez uma pausa –. Embora nunca houve melhor cavaleiro que ele. Nenhuma cerca podia detê-lo.
-Mas isso não é nada do Michael -disse Rachel. Lady Belmartin se encolheu de ombros.
-Bom, de tal pau, tal lasca, querida. Rachel se ruborizou.
-Como? Que classe de calúnia infundada é essa? Estão dizendo que Michael..?
-Querida menina -riu a anciã –. Não me arranque a cabeça. Solo queria insinuar... Bom, depois de tudo, é um homem. É um homem honorável, e não se parece nada a seu pai.
-Não, é obvio que não -os olhos de lady Belmartin brilharam de um modo que ao Rachel não gostou de nada.
Sylvia se apressou a tomá-la do braço e a separou das anciãs.
-Temo-me que devemos ir. Tenho que apresentar ao Rachel a meus amigos.
-É obvio, querida -lady Belmartin e lady Montgomery começaram a despedaçar a outra vítima.
-A idéia não era discutir com ela a não ser lhe tirar informação -sussurrou Sylvia a seu amiga –. Menos mal que não o tomou mau.
-É evidente que não sabe nada do Michael -repôs Rachel, acalorada ainda –. Mostrou-se muito vaga. Se tivesse sabido algo, haveria-o dito sem rodeios.
-Mmmm. É provável -assentiu Sylvia com uma falta de interesse evidente –. Bom, aí o tem. Não há nenhum secreto no passado de seu marido. OH, olhe, aí chega Perry OverhilI.
Rachel olhou a um cavalheiro vestido na moda que se aproximava delas. Peregrine Overhill, Perry para seus amigos, era um homem largo, que não chegava a corpulento mas tampouco era magro, e cujo rosto amável podia encontrar-se em quase todos os eventos sociais. Embora era amigo do Michael, não compartilhava a afeição deste pelo campo e preferia viver em Londres. Gostava de vestir bem e estava acostumado a ir na moda. Confessava abertamente que sua preocupação principal era seu próprio conforto, mas também era um amigo leal.
Rachel o conheceu em sua primeira temporada, umas semanas depois de que Michael entrasse em sua vida, e Perry tinha estado após no círculo de seus admiradores. Qualquer beleza que se apreciasse, solteira ou casada, tinha um círculo assim. Os nomes e o número variavam. Uns eram homens jovens, apaixonados pela primeira vez; outros eram solteirões recalcitrantes que simplesmente desfrutavam de uma paquera superficial e sem importância. E outros, em opinião do Rachel, eram homens que não tinham nenhum interesse por ela como mulher mas que defendiam seu estilo e beleza de um modo puramente estético.
As normas da paquera eram delicadas e diferiam bastante das belezas casadas às solteiras. O interesse de um homem por uma solteira se considerava sério; com uma mulher casada, o objetivo era justamente o contrário. Para a mulher, seus admiradores eram pessoas que podiam acompanhá-la em ausência de seu marido. Podia contar com que a adulariam, levariam-lhe refrescos e a tirariam dançar. Para os homens, grande parte do interesse jazia em que podiam fazer todas essas coisas sem que os olhassem como possíveis maridos. É obvio, existia também a possibilidade de uma aventura entre uma mulher casada e um de seus admiradores, mas tal coisa se levava em segredo, separada da relação formal de uma bela e seus admiradores.
Perry era amigo do Michael e apreciava muito ao Rachel. Como era o único de seus admiradores que se manteve fiel desde sua primeira aparição em sociedade, Rachel se sentia cômoda com ele, e esse era um dos fatores que o convertiam em seu acompanhante favorito. Além disso, era amigo do Michael desde fazia anos, o que implicava que este não tinha nenhum motivo para duvidar de suas intenções. Rachel estava decidida a não permitir que nenhum indício de escândalo tocasse seu matrimônio.
Perry se aproximava sorridente entre a multidão. Apesar de seu amor pela moda, sempre mostrava também algum descuido: botões mau grampeados ou um lenço torcido no bolso. Essa noite não era exceção; sua gravata, atada em um estilo elegante e adornada com um alfinete de pérola, deu-se a volta no centro, o que lhe dava um ar estranho.
Rachel lhe devolveu o sorriso. Aquele indício de descuido era parte de seu encanto, como também o aspecto infantil de seu rosto, algo que lhe causava verdadeiro desespero. Tinha uma cara redonda, com bochechas de maçã, e quase sempre iluminada por um sorriso.
-Lady Westhampton! -exclamou com uma grande reverencia –. Agora sei por que me pareceu que hoje brilhava mais o sol. Porque voltastes para a cidade.
Rachel soltou uma risita e lhe tendeu a mão.
-Perry, descarado, deixa de tolices e venham aqui.
Ele se adiantou e tomou a mão, que se levou aos lábios para beijá-la.
-O campo lhes sinta bem, estão muito bonito. Mas Londres é espantosamente aborrecido sem você.
-Estou segura de que encontrastes algo que lhes divirta.
-Pobres substitutos de você -replicou ele.
-Não pensam me saudar sequer, Perry? -brigou-o Sylvia.
-Lady Montgomery -fez-lhe também uma reverência –. Esta noite são uma visão... uma estrela queda do céu.
Sylvia inclinou a cabeça a um lado.
-Está bem, esse completo lhes salvou. Perdôo-lhes que não me tenham saudado antes.
-Não faz falta que lhes pergunte como estão -interveio Rachel –. Têm muito bom aspecto apesar de seu suposto aborrecimento.
Perry sorriu e pareceu um pouco envergonhado pelo completo.
-Como está Gypsy? -perguntou Rachel, em referência ao cão mal-humorado e querido do Overhill.
-Jogou-lhes terrivelmente de menos. Levarei-o a lhes ver.
Rachel tinha suas dúvidas sobre a suposta adoração que lhe professava Gypsy, mas as guardou para si e assentiu com um sorriso.
-Como está Michael? -perguntou Perry –. veio com você?
-Acompanhou a Londres, mas me temo que já retornou ao Westhampton. Já sabem que se toma muito a peito a temporada da semeia.
Perry fez uma careta.
-Sim, bom, terei que lhe brigar por partir sem me fazer uma visita.
-Perry... -perguntou Rachel em um impulso –. Sabem algo dos segredos do Michael?
O homem a olhou um momento em silêncio.
-Secretos? -perguntou logo –. Rachel, querida, do que falam?
-Perguntava-me se souberem algo que possa ter feito O....
Overhill a olhou alarmado.
-Michael não tem secretos. Quem lhes há dito outra coisa? -olhou a Sylvia.
Esta levantou as mãos em um gesto de inocência.
-Eu não. Não me olhem assim.
-Mas é absurdo pensar que Michael tenha secretos para você, querida. Todo mundo sabe em quanta estima lhes tem. Quem lhes há dito isso?
-Ninguém -confessou Rachel. Observava ao Perry com atenção e lhe pareceu que se relaxava um pouco. Ou era sua imaginação que antes se mostrou bastante nervoso?
Contou-lhe a visita do salteador e ele a escutou com atenção.
-Perigo? -disse quando teve terminado –. Vamos, querida, isso são tolices. Como pode estar Michael em perigo? Seguro que esse homem só procurava dinheiro.
-Mas como sabia quem era Michael?
Overhill piscou.
-Bom, ah...
-Vêem-no?
-Vejo que têm algumas pergunta sem resposta -repôs ele com cautela –. Mas não acredito que daí se possa concluir necessariamente que Michael tem secretos para você.
-Secretos? -ladrou uma voz de mulher detrás deles –. O bom de lorde Westhampton? Estou escandalizada.
Perry fez uma careta para ouvir a voz.
-Lady Vesey.
Rachel se voltou também para olhá-la. Era uma mulher pequena, de figura voluptuosa, embelezada Com um atrevido vestido de seda verde. Seu amplo peito se elevava por cima do decote desço do vestido, e pelo modo em que o objeto se pegava a seu corpo, resultava claro que lady Vesey levava poucas anáguas debaixo. Era um estilo de vestir que tinham adotado algumas mulheres da boa sociedade. Havia-as tão atrevidas que molhavam os vestidos para fazer que se pegassem ainda mais, prática que Rachel considerava pouco saudável além de imodesta. Poucas mulheres, entretanto, enchiam tão bem seus vestidos como lady Leoa Vesey.
Sua conduta lhe tinha ganho as críticas da maioria das damas da boa sociedade. Não era recebida em muitas casas e Rachel sabia que muitos damas brigariam a lady Tarleton por havê-la convidado essa noite. Mas apesar da desaprovação da gente, poucas pessoas negariam que era uma das grandes belezas das duas últimas décadas. Embora se aproximava dos quarenta anos, nem a idade nem a vida dissipada tinham estragado ainda seu rosto, pelo menos à luz dos candelabros. Tinha uma pele suave clara e rosada, lábios cheios, grandes olhos dourados, pestanas largas e escuras e, embora Rachel suspeitava que seu rosto devia muito ao uso habilidoso de cosméticos, o resultado era bastante admirável.
Ela a odiava por seus anos de influência sobre o Dev e estava claro que Leoa Vesey lhe devolvia o sentimento na mesma medida. Rachel tinha estado presente o verão anterior na cena no Darkwater em que Miranda demonstrou a lady Vesey que tinha perdido todo controle sobre o Dev, e após, Leoa parecia olhá-la ainda com mais veneno que antes.
-Rachel... -murmurou em uma voz falsamente carinhosa –. Deveriam saber que não podem perguntar ao Perry pelos segredos de seu marido. Teriam que ter ido a mim. Eu lhes teria informado encantada de todas suas indiscrições.
Rachel a olhou de marco em marco.
-De ter acreditado que teriam conhecimentos ou capacidade para isso, talvez o teria feito.
voltou-se para o Perry e Sylvia, arrependida já de ter dirigido a palavra à outra. O melhor era ignorá-la.
Mas lady Vesey não estava disposta a deixar-se ignorar. Adiantou um passo e disse:
-OH, eu conheço os segredos de seu marido, lady Westhampton. Muita gente em Londres os conhece. Possivelmente deveriam lhe perguntar a lorde Westhampton por suas visitas à senhora Neeley. Seguro que encontrariam suas respostas muito interessantes.
Ao Rachel surpreenderam suas palavras. Tinha assumido que Leoa se mostrava simplesmente irritante; não se tinha parado a pensar que efetivamente tivesse algo que dizer sobre o Michael. Mesmo assim, não se teria alarmado de não ser porque viu que Perry ficava tenso e parecia que foram sair se o os olhos das órbitas.
Sentiu um calafrio. Era evidente que as palavras de Leoa lhe diziam algo. Olhou à mulher.
Esta sorriu.
-Ah, vejo que agora captei sua atenção.
-Não sei do que me falam, mas seguro que são tolices. Tolices sem fundamento.
-Sério? -Leoa soltou uma risita –. Se estivessem tão segura disso, suspeito que não seguiriam aí esperando que diga mais. A senhora Neeley é a proprietária de um estabelecimento de jogo bastante popular. Faz uns quantos anos que o é... quão mesmos leva entregando seus favores a lorde Westhampton.
Rachel deu um coice, como se tivesse recebido um murro no estômago.
Sylvia, a seu lado, disse com calor:
-Como lhes atrevem a dizer algo assim?
-Atrevo-me porque é a verdade. Lilith Neeley foi amante de lorde Westhampton durante anos. foi visto muitas vezes entrando e saindo de sua casa... a qualquer hora do dia ou da noite. Suas idas e vindas denotam uma grande familiaridade com a mulher.
Perry se situou entre lady Vesey e Rachel.
-Acredito que é hora de que vão -disse à primeira.
-OH, sim -repôs Leoa com desprezo –. Não devemos dizer nada que suje os ouvidos de lady Westhampton. Que mais dá que todo Londres conheça a relação de seu marido com o Lilith Neeley enquanto que Rachel possa seguir na ignorância? -olhou a esta –. Possivelmente se não fossem tão ignorante, querida, seu marido não lhes seria infiel.
Deu meia volta e se afastou com orgulho. Rachel a olhou sem vê-la; não podia mover-se nem logo que pensar. Temia que ia deprimir se.
-Perry... -murmurou. Tendeu uma mão e ele tomou e a agarrou a seu braço.
Sylvia se colocou rapidamente ao outro lado para lhe sujeitar o outro braço se era necessário e avançaram para um banco, onde Rachel se deixou cair em meio de seus dois amigos. Sylvia lhe apertou a mão.
-Não se preocupe pelo que há dito -pediu-lhe –. Leoa Vesey sempre foi uma embusteira. Você sabe que é capaz de dizer algo com tal de te fazer danifico.
-Mas há dito que sabe todo mundo!
-Eu não -repôs Sylvia –. E isso significa que a mãe de sir Ian tampouco, o qual é altamente improvável.
Rachel olhou a seu amigo.
-Perry?
-Rachel! Por minha honra! -disse ele –. Como podem me perguntar sequer? É obvio que não é certo.
-Mas eu lhes vi quando ela há dito esse nome -insistiu ela.
Perry piscou.
-OH, bom... -seu rosto avermelhou –. É obvio que conheço esse nome, mas lhes prometo que não é a amante do Michael.
-Michael não te seria infiel. Como pode pensar isso? -acrescentou Sylvia –. Vamos, não pode permitir que Leoa Vesey te faça duvidar de seu marido. Isso é o que ela quer. Não lhe importa se disser a verdade nem se depois descobrir que é mentira. Solo quer te fazer danifico.
-Tem razão -repôs Rachel; sorriu com esforço –. Não posso permitir que cria que me tem feito mal, causaria-lhe um grande prazer -respirou fundo –. Acredito que devemos tentar divertimos.
Estava decidida a não dar a Leoa a satisfação de ver que lhe tinha feito mal e conseguiu dar a impressão de que se divertia durante o resto da velada. Mas por dentro sentia outra coisa. Não estava tão segura como Sylvia de que Michael não lhe tivesse sido infiel. Seu amiga não conhecia a verdadeira situação de seu matrimônio. A honra era algo importante para o Michael, até tal ponto, que Rachel não havia nem considerado a possibilidade de que pudesse romper seus votos matrimoniais. Mas agora que Leoa tinha introduzido em sua mente o verme da dúvida, não podia evitar pensar quão provável era. Sim, Michael era honorável, mas também era um homem, com necessidades de homem. Levava sete anos casado com uma mulher que não compartilhava a cama com ele, uma mulher cuja falta de honra o tinha ofendido tanto que não a havia meio doido nunca.
Muitos homens mantinham amantes, inclusive os que diziam amar a suas algemas. Não era mais provável que o fizesse um homem que não amava a sua esposa, já que ela tinha matado o afeto dele com sua traição? Desde não ter sido uma ingênua, não lhe teria surpreso; o teria esperado.
Mas não era assim, e lhe doía. Não sabia bem por que, orgulho ferido talvez, mas lhe doía como se lhe tivessem dado uma punhalada no coração. Queria ir correndo a casa, meter-se na cama e chorar.
disse-se que existia a possibilidade de que Leoa tivesse mentido. Como havia dito Sylvia, era propensa a mentir e aproveitaria qualquer oportunidade de lhe fazer danifico. Mas como lhe tinha ocorrido tão rapidamente aquela história? Era absurdo pensar que a tivesse pensada; não sabia que ouviria o Rachel perguntar pelos segredos do Michael. De fato, nem sequer tinha motivos para pensar que estaria na festa, já que solo havia tornado no dia anterior.
Acreditava que Sylvia não tinha ouvido nada, o qual tirava peso à veracidade da história, mas, por outra parte, os homens não falavam geralmente com suas mulheres do outro mundo no que se moviam, o mundo do jogo, do álcool e das amantes. Não se considerava um tema apropriado para os ouvidos de uma dama. Uma mulher como Leoa sim podia inteirar-se facilmente... ela também se movia nesse entorno. Mas sir Ian jamais falaria com sua mãe nem a Sylvia de uma mulher que levava uma casa de jogo nem lhes comentaria que era amante do marido da melhor amiga da Sylvia.
Não obstante, estava segura de que Perry sabia mais sobre a senhora Neeley do que estava disposto a contar. Por muito que insistisse em que Michael e Lilith Neeley não eram amantes, Rachel tinha visto sua cara quando Leoa pronunciou pela primeira vez aquele nome. E sua afirmação de que solo reconhecia o nome como pertencente à proprietária de uma conhecida casa de jogo não era certa de tudo. De ter sido assim, teria se mostrado surpreso ou escandalizado pelo mau gosto de Leoa de pronunciar aquele nomeie ante duas damas da boa sociedade. Mas sua expressão nesse momento se parecia mais ao horror. E não lhe escandalizou que se pronunciasse o nome do Michael em associação com o daquela mulher; solo reagiu para protegê-la a ela de Leoa. Não negou o outro até mais tarde, quando Rachel lhe perguntou diretamente.
Tentou recordar o que havia dito ele exatamente. Tinha-o negado ou se limitou a evitar o tema? Mas supunha que dava igual, já que não podia confiar em sua sinceridade. Perry a apreciava, mas tinha sido amigo do Michael muito mais tempo e existia além disso um vínculo masculino que excluía às mulheres. Não podia acreditar o que lhe dissesse.
Não sabia por que lhe incomodava tanto. depois de tudo, Michael e ela não se amavam; o seu tinha sido um matrimônio só de nome. Embora seu marido sim a tinha amado uma vez, ao final se casou sozinho para evitar um escândalo. Supunha que uma mulher não podia esperar que o marido permanecesse fiel quando sua esposa e ele não tinham intimidade. E depois de tudo, Michael tinha sido muito discreto. Ela não tinha ouvido nem um rumor sobre ele até aquela noite.
Caso, claro, que existisse a aventura. E não podia silenciar de tudo em seu interior a voz da esperança.
Pensou que o que ocorria era que começava a ter a sensação de que não conhecia o Michael absolutamente. Embora o seu não tinha sido nunca um matrimônio de verdade, ele era a rocha sobre a que ela tinha construído sua vida. Era sua esposa. Seu título, sua posição em sociedade, até a roupa que levava, tudo procedia dele. Se tinha um problema, ia a ele, e embora solo fora através de cartas, ele a ajudava. Viviam juntos parte do ano, tinham passado juntos seis natais, incluída a última, quando ela ficou apanhada pela neve no castelo Cleybourne e Michael, preocupado porque não tivesse chegado ao Westhampton, conseguiu abrir-se passo na tempestade de neve até o castelo. Assim era ele... leal, firme, honorável. E ela estava orgulhosa de ser sua esposa.
Não tinha pensado nunca muito nisso, mas agora se dava conta, com certa surpresa, de que era assim: estava orgulhosa de ser lady Westhampton. Não pela riqueza ou o título, mas sim por como era Michael. E as palavras do salteador de caminhos e de Leoa lhe tinham feito pensar que não o conhecia e tinha a sensação de ter perdido o norte.
partiu da festa assim que pôde fazê-lo sem dar a sensação de que estava fugindo. Conversou agradavelmente com a Sylvia até que se despediu dela na porta e entrou em sua casa com um suspiro de alívio.
Despediu-se da donzela assim que esta a ajudou a tirar o vestido, com sua larga fileira de botões nas costas, e a soltar o cabelo. ficou a camisola e se sentou a escová-los cachos. Surpreendeu-lhe dar-se conta de que umas lágrimas silenciosas rodavam por suas bochechas.
Secou-as com raiva. disse-se que não era o fim do mundo. Sua vida seguiria como até então. Nem sequer sabia se Leoa havia dito a verdade. Desejou que houvesse alguém a quem poder perguntar. É obvio, podia escrever ao Dev ou Richard, mas não seria igual a perguntar cara a cara; por carta lhes resultaria fácil mentir. Além disso, eram amigos do Michael e certamente consideravam seu dever protegê-la embora isso implicasse lhe mentir. Com o Perry ocorria o mesmo. Podia tentar lhe tirar a verdade, mas nunca acreditaria de tudo.
Pensou em alguém mais que pudesse estar a par da vida do Michael e o único nome que lhe ocorreu foi o da Amarinta. Fez uma careta. Não queria ir ver a e muito menos lhe fazer perguntas pessoais. Não obstante, a cortesia social exigia que a visitasse retornar à cidade. E Amarinta jamais ocultaria a verdade por medo a não lhe fazer danifico, como sim fariam seus amigos e família.
É obvio, como irmã, era possível que desconhecesse também os rumores. Por outra parte, se se tratava de um rumor que podia fazer machuco a ela, era muito possível que alguma de seus amigas o tivesse contado, sabendo o pouco que gostava de Rachel.
Seria humilhante lhe perguntar isso, claro. Mas por outro lado, talvez valia a pena com tal de averiguar a verdade. Algo seria melhor que aquela dúvida e preocupação.
Tomou uma decisão e a trocou mil vezes enquanto dava voltas na cama sem poder conciliar o sonho. Quando se levantou pela manhã, estava segura de que devia ir ver a irmã do Michael e tentar sair de dúvidas.
Pela tarde ficou um vestido de seda verde escuro e foi visitar a Amarinta. A irmã do Michael vivia em uma casa cor nata de estilo reina Ana e, embora era um lugar formoso e atrativo, Rachel tinha ouvido comentar mais de uma vez a sua proprietária que não podia comparar-se com a mansão Westhampton. Rachel não sabia que objetivo cumpria aquele comentário, além de mostrar a insatisfação de sua cunhada com a vida em geral, mas conseguia que ela se sentisse culpado por viver ali, uma das muitas razões pelas que procurava evitar a Amarinta.
O mordomo a acompanhou ao salão e um momento depois entrou sua cunhada. A diferença do Michael, não era alta e sua figura tinha tendência à gordura, mas tinha o mesmo cabelo loiro e os olhos cinzas de seu irmão. Era sete anos maior que ele e se sentia em liberdade de lhe dar conselhos. O que no Michael era uma natureza tranqüila e cortês, era nela rigidez estrita.
Saudou sua cunhada com um sorriso pequeno.
-Rachel. Haviam-me dito que voltaste para Londres.
-Sim, recentemente.
Houve um silêncio. Rachel tentou procurar o modo de tirar o tema do Lilith Neeley.
-Esta vez passei mais tempo no Westhampton -disse ao fim –. O duque do Cleybourne se casou pouco depois de Natal e Michael e eu nos levamos a sua pupila ao Westhampton.
Como esperava, a menção do duque animou um pouco a Amarinta, a que gostaria de comentar detalhes da nova duquesa a seus amigas. Rachel descreveu a Jessica em detalhe e lhe contou parte dos sucessos ocorridos no castelo durante a tormenta de neve de antes de Natal.
Quando terminou, Amarinta lhe falou com sua vez das atividades que tinha realizado aquele inverno e depois Rachel tentou levar a conversação à propriedade familiar do Westhampton, com a esperança de poder entrar em fim no tema que a tinha levado ali.
Entretanto, não foi assim, e ao fim optou por confrontá-lo cara a cara.
-ouviste falar do Lilith Neeley?
ruborizou-se e baixou a vista, assim não viu a cara que pôs sua cunhada, mas sim a ouviu dar um coice.
Levantou os olhos e viu que a olhava com uma expressão de horrorizada surpresa.
-Rachel! Como pode...? Não posso acreditar que aborde um tema tão... delicado e embaraçoso -apertou os lábios –. Nego-me a falar de uma mulher assim. E devo dizer que te faz um fraco favor se for por aí falando dela. Em situações como esta, é muito melhor guardar silêncio. Rachel sentiu que lhe tinham parecido uma faca no peito. assim era verdade. Michael tinha uma amante.
A expressão da cara da Amarinta disse ao Rachel o que precisava saber e logo suas palavras o confirmaram. Amarinta tinha ouvido as histórias sobre a senhora Nee1ey e Michael e as acreditava certas.
-Nosso pai foi o que foi -disse sua cunhada com amargura –. Mas nunca imaginei que Michael... -interrompeu-se e ficou em pé com os lábios franzidos –. Acredito que é hora de que te retire, Rachel.
Esta a olhou com raiva. A julgar pela atitude de sua cunhada, parecia que era a ela a quem fazia danifico Michael ao tomar uma amante. levantou-se também.
-Lamento te haver alterado -disse com sarcasmo.
-Sim, bom, suponho que não pode evitá-lo. A educação se aprende a uma idade temprana.
Rachel apertou os dentes para evitar uma réplica malsoante. despediu-se da Amarinta com uma inclinação de cabeça e saiu da casa.
A fúria contra sua cunhada a distraiu ao princípio, mas quando chegou a sua casa, já não pensava em outra coisa que no fato de que o que havia dito Leoa era certo. Michael tinha uma amante desde fazia anos e ela não tinha suspeitado nada. O que temia era certo: não conhecia absolutamente a seu marido.
Ao longo desse dia e do seguinte, não pôde pensar em outra coisa. Suas emoções foram da dor à vergonha e a raiva. Ela tinha completo seu acordo ao pé da letra, não tinha visto o Anthony nem falado com ele desde aquele dia e se esmerou por não fazer nada que pudesse levar o escândalo ao Michael e sua família. mostrou-se muito discreta em seu trato com os homens... E não lhe tinha sido fiel!
Sabia que tinha sido ela a primeira em violar a confiança dele, em cometer uma tolice e matar seu amor por ela. Mas acaso não tinha pago já por aquilo? Então era jovem e estava apaixonada e, além disso, não tinha feito nada imoral. Não se entregou ao Anthony; quando se casou com o Michael era tão virgem e inocente como o dia em que se prometeram. Parecia-lhe que ele bem podia havê-la perdoado já. Talvez não sentisse por ela o que tinha sentido em outro tempo, mas por que lhe desgostava tanto que tinha que buscar-se outra mulher?
Sabia que os homens pareciam sentir desejos mais fortes que as mulheres, mas não podia entender por que tinha tido que recorrer a uma amante. por que não tinha ido a ela? Tão horrível e pouco desejável era? Tão terrível era o que tinha feito?
Ou simplesmente a outra mulher era tão desejável que ele não podia resistir? Talvez era a beleza do Lilith Neeley o que lhe tinha feito romper seus votos matrimoniais. perguntou-se como seria. Uma beleza ruiva como Jessica? Loira? Como era seu rosto? Era alta, baixa, graciosa, engenhosa?
Sentiu um forte desejo de vê-la. Queria contemplá-la, falar com ela. É obvio, seria muito pouco apropriado, mas não lhe importava. Queria conhecê-la, tinha que conhecê-la.
O problema era que não tinha nem a menor idéia de como obtê-lo. Não sabia onde vivia e seguro que nenhuma outra mulher sabia tampouco. Além disso, Rachel não se teria atrevido a perguntar-lhe a seus amigas, nem sequer a Sylvia. E se ia a um homem, olharia-a horrorizado e lhe esconderia a direção como se fora o segredo mais valioso do mundo. Além disso, resultava-lhe ainda mais embaraçoso perguntar a um homem.
Não obstante, quando Perry Overhill passou a vê-la ao dia seguinte, lhe ocorreu que, de todas as pessoas que conhecia, ele era com o que mais probabilidades tinha de averiguar a direção da senhora Neeley. E como além disso estava presente quando Leoa lhe deu a notícia, não resultaria tão embaraçoso abordá-lo a ele.
-Perry! -ficou em pé e foi para ele com os braços estendidos –. São o homem que queria ver. Overhill parecia um pouco surpreso.
-Me alegro... acredito. Parecem muito animada.
-Só porque estão aqui, asseguro-lhes isso. pensei muito no que me disse Leoa.
-Isso me temia. Por isso vim -Perry franziu o cenho –. Não devem dar voltas ao que diga essa mulher. Não lhes tem nenhuma avaliação.
-Sei. Mas não posso ignorar facilmente suas palavras. Ontem fui ver a Amarinta.
-A irmã do Michael? -Perry parecia atônito –. E por que?
-Porque era a única pessoa em que podia pensar que possivelmente dissesse a verdade sobre o Lilith Neeley.
Perry a olhava fixamente.
-E lhes disse isso?
Rachel assentiu e apartou a vista, porque temia chorar se seguia olhando-o aos olhos.
-Mais ou menos -fez uma pausa –. Perry, levarão-me a ver a senhora Neeley?
Seu amigo a olhou com o mesmo horror que se lhe tivesse pedido que se tirasse a roupa e corresse nu pela rua.
-Rachel! Não posso... Michael me arrancaria o coração se fizesse algo assim. Asseguro-lhes que seria do mais improcedente.
-Isso me importa um nada. Quero conhecer o Lilith Neeley.
-Não sabem o que dizem. Ela é... bom, dirige um estabelecimento de jogo e vive ali, na casa do lado. Se não me matasse Michael, faria-o seu irmão. Ou Cleybourne. E vocês não querem ser a causa de minha morte, verdade?
-Verdade -assentiu ela –. Mas eles não saberão. Eu não o direi, assim, se vocês fecharem a boca…
-Fecharia-a, asseguro-lhes isso -comentou ele –. Mas se saberia. Se lhes levasse ali... -estremeceu-se ao pensá-lo.
-Mmm. Sim, compreendo que isso seria um problema -disse ela com voz razoável –. por que não me dão sua direção e vou ver a por minha conta? Você não lhes mesclarão e Michael não saberá nunca.
-Rachel! -Perry parecia ainda mais agitado que antes –. Isso é impossível! Uma dama ir sozinha a um lugar assim? OH, não, não, não podem fazer isso. Eu jamais poderia... Não, é obvio que não -olhou-a com tristeza- Rachel, são uma deusa, a mulher mais formosa de Londres, e sabem que sempre serei seu fiel admirador, mas não podem me pedir que faça isso.
Rachel suspirou.
-Está bem. Não lhes pedirei isso mais.
-Obrigado - Perry franziu o cenho –. Não pedirão ajuda a outra pessoa, verdade?
-Isso não posso prometê-lo.
Seu amigo lançou um gemido.
-Rachel... me ides matar. Quando lhes tornastes tão... tão...?
-Teimosa? -sorriu ela –. Acredito que desde que conheci o Miranda.
-A americana? Devi supô-lo.
-Acredito que toda minha vida dependi muito de outros. Sempre fui a filha obediente, a esposa obediente. Talvez é hora de começar a assumir o controle de minha vida.
-Isso sonha muito perigoso. Michael não...
Rachel levantou um dedo.
-Mas Michael não saberá, verdade, Perry? Porque você não o dirão, verdade?
-Rachel...
-Perry...
-OH, está bem. Não o direi. Mas, por favor, por favor, me prometam que não farão nada que lhes meta em problemas.
-Serei muito discreta.
Quando partiu Perry, Rachel se sentou com um suspiro. Não lhe ocorria nenhum cavalheiro que estivesse disposto a levá-la a um estabelecimento de jogo e muito menos a lhe dar a direção e deixar que fora sozinha. Tivesse-lhe gostado que Miranda ou Jessica estivessem ali para aconselhá-la. Miranda teria pago a alguém para que averiguasse a direção e Rachel pensou se podia contratar a um inspetor do Bow Street para descobrir esse tipo de coisas. Certamente tinha que haver um crime para contratar a um inspetor.
Lhe ocorreu que, se elegia a um dos homens mais jovens, novo na cidade e certamente desejoso de mostrar-se mais sofisticado do que em realidade era, podia estar disposto a levada se lhe dizia que solo sentia curiosidade por ver um antro de jogo. Podia usar uma máscara para que ninguém a reconhecesse e observar à senhora Neeley sem que esta soubesse. E depois, se não a abandonava o valor, aproximaria-se dela e lhe pediria que falassem a sós. Revelaria sua identidade Y...
Não sabia o que faria logo. Solo sabia que tinha que vê-la, falar com ela. Não descansaria tranqüila até que o tivesse feito.
Ao dia seguinte seguia ainda ponderando o problema, tentando pensar a que jovem aproximar-se, quando entrou o mordomo no saloncito e anunciou uma visita.
-É o senhor Birkshaw, senhora -disse Stinson.
Rachel o olhou de marco em marco. Aquilo era tão inesperado que demorou um momento em entender o que havia dito.
-Anthony Birkshaw?
-Sim, milady. Hei-lhe dito que lhes perguntaria se querem recebê-lo, já que não reconheci ao cavalheiro. Pediu-me que lhes diga que é um assunto urgente.
O que podia querer Anthony depois de tantos anos? Não o tinha visto da noite de sua fuga, embora sabia que se casou com uma herdeira menos de um ano depois de suas bodas com o Michael e se transladou aos York. Viviam ali após e se deslocavam pouco a Londres. Não imaginava o que podia desejar dela.
-Bom, hmmm, lhe digam que descerei em um momento.
-Muito bem, milady.
Rachel ficou em pé pensando se tinha feito bem. Tinha-lhe prometido ao Michael não voltar a ver o Anthony, mas parecia estranho que este se apresentasse depois de tanto tempo e sentia curiosidade por conhecer o motivo. Sentia ainda mais curiosidade por ver como estaria depois desses anos e pelo que sentiria quando o visse.
Baixaria e lhe explicaria que não podiam voltar a ver-se. Era o mais cortês e, embora ao fazê-lo rompesse a letra da promessa que tinha feito ao Michael, não violaria o espírito desta. Além disso, parecia-lhe uma injustiça que seu marido esperasse que ela não voltasse a ver o Anthony quando por sua parte mantinha uma relação de anos com outra mulher.
olhou-se ao espelho E baixou a escada com o coração lhe pulsando com força no peito.
Anthony a esperava no salão formal, de pé ante a chaminé e de costas a ela. Rachel o olhou. Vestia de negro, com uma jaqueta bem atalho e de uma malha cara. Era mais baixo e forte do que recordava; ou talvez se acostumou à figura alta e magra do Michael. Seu cabelo, não obstante, seguia tão espesso e moreno como antes.
-Senhor Birkshaw? -entrou na estadia e deixou a porta aberta. Queria estar segura de que não houvesse nada impróprio no encontro.
Ele se voltou para ouvi-la.
-Olá, Rachel..., quer dizer, lady Westhampton.
Ela assinalou um sofá.
-Querem lhes sentar?
acomodou-se em uma poltrona situada em frente do sofá mas a certa distância. olharam-se longamente. Pensou que ele não tinha trocado muito. Talvez tinha engordado um pouco, mas os olhos escuros, a covinha no queixo, o cabelo moreno que caía sobre a frente... tudo seguia igual. Rachel notou surpreendida que todo aquilo não lhe produzia já nenhum efeito. Era um homem atrativo, sim, mas o coração não lhe saltava no peito nem lhe doía de amor. Ao olhá-lo solo sentia um leve desconforto. Que estranho que tivesse podido amá-lo tanto e não sentir outra coisa que certo embaraço!
Ele apartou a vista e olhou um momento o chão.
-Seguro que lhes perguntam por que vim.
-Surpreende-me um pouco -admitiu ela.
-A mim também. Mas não me ocorria ninguém mais a quem acudir.
-Temo-me que não compreendo.
-Ah... bem, suponho que sabem que me casei faz vários anos.
-Sim.
-Não vivi muito em Londres após. Doreen preferia York. Londres lhe parecia muito grande e ruidoso e não se sentia bem recebida pelas damas da boa sociedade. Sua família são comerciantes. perdi o contato de tudo -fez uma pausa e respirou fundo –. Doreen morreu faz uns meses.
-OH! Sinto-o muito -disse Rachel com sinceridade.
-Obrigado.
-Sei que agora deve parecer terrível -continuou ela, recordando a dor do Richard depois da morte do Caroline –. Mas melhora com o tempo. Logo já não dói tanto.
O levantou a vista e a olhou surpreso.
-OH, não. Não vim por isso. O nosso foi um matrimônio de conveniência, os dois entramos nele com os olhos abertos. Com os anos chegam a apreciamos bastante e lamento sua morte, mas não estou prostrado de dor.
-OH, entendo -ao Rachel pareciam bastante frite suas palavras. O seu também era um matrimônio de conveniência, mas não acreditava que ela aceitasse a morte do Michael com tanta tranqüilidade.
-O motivo de minha visita... não sei como dizê-lo sem que pareça muito dramático, mas... cheguei à conclusão de que Doreen foi assassinada.
-O que?
Anthony assentiu com a cabeça.
-Padeceu transtornos digestivos durante várias semanas; a ninguém surpreendeu muito e eu nem sequer estava ali. Tinha ido ver minha tia. Quando voltei, seguia doente. O doutor estava cada vez mais preocupado porque não sabia o que lhe ocorria. Ela piorou e morreu umas semanas depois. Nenhum pensamos que houvesse outra coisa que não fora a enfermidade, mas agora... -uniu e separou as mãos com agitação –. Agora acredito que pôde ser assassinada.
-Mas isso é espantoso! -exclamou Rachel, horrorizada.
-Sei. Não sei o que fazer -ficou em pé, como se não pudesse seguir quieto e começou a passear pela estadia.
Rachel o observou um momento.
-Mas não compreendo -disse logo –. por que vão para mim? Sinto-o muito, de verdade, mas não seria melhor levar o tema aos inspetores do Bow Street?
-É pelo escândalo. Ela o teria odiado e tampouco eu gosto. Se pudesse mantê-lo em silêncio...
Rachel franziu o cenho.
-Queria pedir ajuda a lorde Westhampton.
-Ao Michael? -Rachel o olhou surpreendida –. Mas...
-Sei que não tenho direito a pedir-lhe continuou o outro apressadamente –. Estaria-me bem empregado que não queria me ajudar. Mas pensei que talvez aceitasse. passaram já anos e lorde Arbuthnot, que foi o que me falou das investigações do Michael, tem-no em alta estima Y...
-Um momento! -interrompeu-o Rachel –. Me deixem pensar.
As investigações do Michael? Não sabia ao que se referia Anthony, mas tinha a intuição de que estava relacionado com as palavras do salteador de caminhos. Podia descobrir mais coisas de seu antigo amor, mas teria que dirigir o tema com cuidado. Se se dava conta de que ela não sabia nada, guardaria silêncio e entraria imediatamente na conspiração masculina para manter às mulheres na ignorância.
-Surpreende-me lorde Arbuthnot -comentou –. Supõe-se que o que faz Michael não é de domínio público. O que lhes disse?
-OH. Não sabia que fora secreto. Bom, sim, entendo que é melhor se não souber muita gente. me deixem pensar... foi faz um ano. Eu estava em Londres e me encontrei com o Arbuthnot. No colégio fui amigo de seu filho Henry. Falamos um pouco e não recordo como, mas começou a falar do roubo das jóias de lady Godfrey e me disse que tinha ouvido que lorde Westhampton tinha ajudado ao inspetor do Bow Street e que levava anos fazendo-o. Como não é algo corrente, recordei-o. Estou seguro de que Arbuthnot não pretendia prejudicar a ninguém.
-Não, claro que não -murmurou Rachel.
Estava surpreendida. Em certo modo absurdo, a idéia tinha sentido. Se Michael participava das investigações do Bow Street, a advertência. do salteador não resultava tão estranha. Michael certamente o tinha conhecido em algum de seus casos. Não havia dito o homem que o ajudava de vez em quando? Por outra parte, parecia uma loucura pensar que seu marido estivesse misturado com os inspetores do Bow Street. por que começou a ajudá-los e o que foi o que fez? E sobre tudo, por que alguma vez lhe havia dito nada de todo aquilo?
Mas essa resposta sim sabia. Porque não conhecia o Michael absolutamente. Estavam casados, mas Anthony sabia mais da vida de seu marido que ela. Antes pensava que, embora não compartilhassem a cama, ele a apreciava, confiava nela. Acreditava saber o que fazia no Westhampton, mas claramente não era assim. E Michael não confiava nela o bastante para lhe contar suas coisas.
-Pedirão-lhe que me ajude? -perguntou Anthony depois de um silêncio –. Sei que é muito pedir, mas não sei a quem mais acudir.
-Sim. Direi-lhe o que me contastes e verei se quer lhes ajudar. Mas agora está no Westhampton, terei que lhe escrever e passará tempo antes de que tenha a resposta -fez uma pausa –. E não sei se minhas palavras terão algum efeito nele. Temo-me que não estamos muito unidos -continuou com amargura.
-Sinto muito. A culpa disso é minha.
-Não, é minha. Fui uma parva -olhou-o aos olhos –.Mas há algo que quero lhes pedir em troca deste favor.
-Sim, é obvio. O que seja.
-Quero a direção da senhora Lilith Neeley.
-Quem? -o olhar dele passou da confusão a uma compreensão escandalizada –. A mulher que dirige a casa de jogo?
-Sim. Quero a direção de seu estabelecimento. Hão-me dito que vive ali.
Anthony seguia olhando-a fixamente.
-por que? O que podem vocês querer dela?
-É para uma amiga -mentiu ela com rapidez –. Seu irmão joga muito e corre o perigo de perder sua fortuna. Meu amiga acredita que, se fala com ela, pode conseguir que lhe negue a entrada.
Anthony se encolheu de ombros.
-Possivelmente. Mas ela não pode ir ali. Nenhuma dama pode ir a um lugar assim.
-Está decidida e eu prometi ajudá-la.
-Não estarão sugiriendo que vão ali com ela!
-Não, claro que não. Imagino que se levará um lacaio. E irá disfarçada. Por favor, Anthony, hão dito que fariam tudo o que lhes pedisse.
-Sim, claro que sim, mas... -suspirou –. Não é a melhor parte da cidade, mas suponho que se for de dia não passaria nada -disse-lhe a direção, ainda duvidoso.
-Obrigado. Esta tarde escreverei ao Michael -pôs-se a andar para a porta, impaciente já por livrar-se dele.
Assim que se teve partido, correu a seu dormitório. trocou-se com rapidez e baixou as escadas sem dar-se tempo a pensar no que ia fazer. Tinha que fazê-lo e se negava a confessar-se que tivesse medo. Já lutaria depois com as conseqüências, nesse momento estava decidida a atuar.
Levava um vestido singelo e ia sem jóias. Não queria dar a impressão de que alardeava de sua posição ante a senhora Neeley. Já seria bastante difícil conseguir que lhe falasse sem isso. Em cima do vestido ficou uma capa larga com capuz. Resultava bastante calorosa, mas sabia que seria um escândalo se a viam entrando em uma casa de jogo, e mais ainda se a dirigia a amante de seu marido.
O lacaio se ofereceu a lhe pedir a carruagem, mas ela recusou e disse que preferia ir dando um passeio até a biblioteca. Talvez lhe parecesse estranho que não a acompanhasse uma donzela, mas Rachel contava com que não se atreveria a interrogá-la.
Saiu da casa e pôs-se a andar pela calçada, em direção à biblioteca pública, se por acaso a olhavam o lacaio ou alguém mais. Sua rua era larga, com muito tráfico, e Rachel estava segura de que poderia tomar um carro de aluguel assim que perdesse de vista a casa.
Na maçã seguinte parou um carro coberto e deu a direção da senhora Neeley. O chofer a olhou duvidoso e ela repetiu a direção com firmeza, subiu e fechou a porta.
Ia sentada muito tensa, com os punhos apertados no regaço e sem deixar de ruminar em sua cabeça o que diria e como. Quando se deteve a carruagem, baixou-se o capuz tudo o que pôde e baixou com cautela. Olhou acima e abaixo da rua, que era mais estreita que onde vivia ela e com casas mais pequenas. Notou que havia um botequim na esquina, mas ninguém dos que andavam por ali parecia especialmente perigoso.
depois de pagar ao chofer, olhou a casa onde se detiveram e subiu as escadas. Era um edifício estreito de pedra, com venezianas recém pintadas, cristais limpos e uma aldrava de bronze reluzente. Não era uma casa elegante, mas embora cuidada.
Bateu na porta, e a abriu um servente tão alto e musculoso que quase enchia toda a soleira. Tinha o nariz rota e umas cicatrizes pequenas perto da boca e um olho. Além disso, parecia que lhe faltava uma parte de orelha. Rachel suspeitava que o tinham contratado mais por sua capacidade para lutar que para servir.
inclinou-se a olhar seu rosto debaixo do capuz.
-Desejam algo, senhorita? -perguntou com ar duvidoso.
-Quero falar com a senhora Neeley, obrigado. A senhora Lilith Neeley.
Ele seguia com seu ar duvidoso, mas retrocedeu um passo e lhe permitiu a entrada. Assinalou um banco no vestíbulo.
-Sentem-se aí. vou perguntar lhe.
Rachel obedeceu e ele fechou a porta e subiu as escadas. Ela olhou para as habitações situadas a ambos os lados do vestíbulo e pensou que nenhuma parecia um antro de iniqüidade. Tinha imaginado algo mais elaborado e gritão, com pouca luz.
O homem baixou uns minutos depois acompanhado de uma mulher loira esbelta e atrativa.
-Sou a senhora Neeley -disse com voz serena e só um leve deixe de acento, do Northumberland possivelmente, ou algum dos condados do norte –. Posso ajudá-la?
-Espero que sim -Rachel se tornou para trás o capuz –. Sou Rachel Trent -evitou de propósito o título para não parecer esnobe.
A senhora Neeley reconheceu seu nome, já que abriu muito os olhos.
-OH, milady, ah...
-Venho a lhes falar de meu marido - seguiu Rachel.
-Como dizem? -a senhora Neeley olhou nervosa a seu redor, talvez em busca de apoio, mas o homem grande tinha desaparecido nas regiões interiores da casa –. Temo-me que não posso lhes ajudar.
-Eu acredito que sim -replicou Rachel.
Apertou as mãos para evitar que tremessem.
Agora que estava ali, diante daquela mulher, que não tinha a vulgaridade que tinha esperado encontrar em uma amante e proprietária de uma casa de jogo, não sabia o que dizer.
-Por favor, não me mintam. Várias pessoas me falaram que você. Parece que sabem todos menos eu. Westhampton me ocultou isso muito bem. Parece que não sei nada absolutamente de meu marido -Rachel não podia reprimir a amargura –. Mas agora sei que fostes amante do Michael durante anos.
A outra mulher deu um coice e a olhou atônita.
-Lady Westhampton! Não! OH, isto é horrível! -estendeu uma mão como para tocada e a retirou com rapidez –. Perdão. Sim, conheço seu marido, ou ao menos sei quem é, mas não sou seu amante. Não o fui nunca. Perturba-me profundamente que pensem assim. OH, Por Deus... há outra pessoa, eu tenho um... Por favor, têm que me acreditar, não sou amante de lorde Westhampton. Ele não vem aqui; é algo muito diferente.
Curiosamente, Rachel acreditava. A senhora Neeley parecia tão turvada que se relaxou um pouco. Estava equivocada? Talvez havia uma explicação lógica depois de tudo.
-OH! -disse –. Sinto muito, mas... a gente me há dito que o viram entrar e sair daqui. E Amarinta, sua irmã, também sabia.
-Mas ela não pôde dizer isso! Não pôde dizer que ele e eu... Nesse momento se ouviram passos na escada. A senhora Neeley soltou um grito estrangulado e se voltou a olhar nessa direção. Rachel a imitou. Michael baixava a escada grampeando-se um dos gêmeos. Não levava jaqueta e seu colete ia aberto à frente.
-Lilith, sabe onde...?
deteve-se o ver as duas mulheres ao pé da escada.
-Michael.
Rachel apenas se ouviu sua própria voz... custava-lhe trabalho respirar. Tudo era certo. Michael nem sequer tinha ido ao Westhampton como lhe havia dito, mas sim tinha permanecido em Londres com seu amante. perguntou-se quantas vezes mais teria ocorrido isso.
-Que facilmente me enganaste! E com quanta freqüência! -disse. Tragou saliva com força para reprimir os soluços que lhe obstruíam a garganta e lançou um olhar fulminante à senhora Neeley –. São uma atriz excelente, senhora.
-Não! -gritou Lilith –. Não! Eu não lhes enganei. Esse... esse não é lorde Westhampton.
-O que? -Rachel voltou a olhar ao homem da escada. O homem parecia algo diferente ao Michael. Seu cabelo era mais escuro, mais castanho que loiro, e necessitava um barbeado. Vestia a camisa áspera de manga larga e as calças soltas de um trabalhador e suas botas eram velhas e trocas.
Rachel vacilou. Garson jamais teria permitido ao Michael sair de casa com aquele aspecto.
-Mas ah... não -sua voz se endureceu –. Tão parva criem que sou que não conheço meu marido? É obvio que é Michael.
-parece-se muito, é certo -disse Lilith –.Mas é porque é seu irmão.
Rachel arqueou uma sobrancelha.
-Michael não tem nenhum irmão.
-Legítimo não.
-O que? OH! -Rachel olhou de novo ao homem da escada. Havia diferenças entre o Michael e ele... a cor do cabelo, a roupa... e o pai do Michael sem dúvida tinha tido mais de um filho ilegítimo, já que sua vida dissoluta era bem conhecida –. Mas lhes parecem tanto a ele! -exclamou.
-Não sou o único -grunhiu o homem.
Sua voz também era distinta, mais baixa e grave, com um acento similar ao da senhora Neeley. Sentiu um alívio tão intenso que quase lhe dobraram os joelhos. Aquele homem não era Michael, a não ser um irmão ilegítimo que se parecia tanto que podiam ter sido gêmeos.
-É meu irmão -explicou a senhora Neeley.
-OH! OH, entendo! -sorriu Rachel –. Então vocês são...
-Lorde Westhampton é meu irmão -confirmou Lilith –. Os dois são meus irmãos.
O cabelo loiro da senhora Neeley se parecia muito ao do Michael, e seus olhos, cinzas também, tinham a mesma forma, embora era evidente que ela se obscurecia um pouco as pestanas.
Tudo começava a encaixar... não era estranho que a gente pensasse que Michael tinha uma relação com essa mulher. Aquele homem se parecia tanto ao Michael que quando o viam entrar e sair sem dúvida tomavam por ele. Ou talvez Michael também ia ali a ver seus irmãos.
-por que não me falou alguma vez de você? -perguntou –. por que me ocultou isso?
O homem fez uma careta.
-Não é algo que conte a sua esposa... sobre tudo se for uma dama como você.
Rachel franziu o cenho ante o tom depreciativo dele. Não sabia se lhe irritava Michael, ela, ou o mundo em geral.
-Milord não sabe nada de nós -interveio Lilith.
O homem das escadas lançou um grunhido e Rachel o olhou um instante.
-Compreendo -disse ao Lilith –. Por favor, aceitem minhas desculpas por ter vindo assim a lhes interrogar. Agora vejo que não tinha direito. A senhora Neeley a olhou surpreendida.
-Não importa, milady. Por favor, não lhes preocupem.
-Falarei-lhe com meu marido de você -continuou Rachel –. Você não o conhecem. Lorde Westhampton é um homem muito justo e bom. Estou segura de que desejará lhes conhecer.
-Sério? -a senhora Neeley a olhou duvidosa –. Mesmo assim, milady, não acredito que haja muitos maridos que queiram ouvir que suas algemas vieram a visitar uma casa de jogo ou falaram com parentes ilegítimos.
-Isso é certo -disse seu irmão; baixou uns degraus mais –. Aconselho-lhes que não lhe digam que viestes aqui a falar conosco.
-Isso é porque não conhecem o Michael.
Suspeitava que a seu marido não gostaria de saber que tinha ido sozinha a casa da mulher que acreditava seu amante, mas decidiu que já pensaria mais adiante como dizer-lhe De momento se sentia muito bem para preocupar-se dessas coisas. E não pensava permitir que aquele desconhecido denegrisse ao Michael.
-Obrigado por me receber, senhora Neeley -tendeu-lhe a mão –. fostes muito amável. Agora me parto -olhou ao homem, que seguia vários degraus por cima dela –. E a você, senhor...
-Hobson -disse ele –. James Hobson.
-bom dia, senhor Hobson. Espero que algum dia conheçam lorde Westhampton para que vejam o muito que lhes equivocam com ele.
O outro se encolheu de ombros e ela avançou para a porta.
-Esperem -Hobson terminou de baixar a escada com rapidez –. Não podem sair sozinha. Nesta rua não encontrarão carros de aluguel, pelo menos não até mais tarde, quando saem os cavalheiros bêbados.
-Estou segura de que encontrarei algum logo.
-OH, não, milady! -exclamou a senhora Neeley –. Tem razão. Não podem andar sozinha por aqui.
-Acompanharei-a a casa -grunhiu Hobson; tomou uma jaqueta e um chapéu do perchero ao lado da porta –. Vamos.
-Não faz falta -protestou Rachel –. Não têm por que lhes incomodar, senhor Hobson.
-Tenho que fazê-lo ou Lilith não deixaria de me brigar nunca -grunhiu ele. Tomou o braço com firmeza e a acompanhou ao exterior.
-Vamos, senhor Hobson, não é necessário que me empurrem -grunhiu Rachel, soltando seu braço.
-Desculpem -comentou ele com uma reverência –. Não me educaram como é devido.
-Suspeito que qualquer conversa sobre maneiras teria cansado em saco quebrado com você -replicou ela. voltou-se e pôs-se a andar rua acima. Era já tarde, o sol tinha baixado e o ocultavam as casas, assim que a rua quase se achava em penumbra. Embora Rachel jamais o teria admitido, alegrava-se de ir acompanhada. Não sabia em que direção ficava sua casa de ali nem que rua tomar para encontrar um carro de aluguel e não acabar em uma zona ainda mais perigosa da cidade.
-OH, têm muito temperamento! -exclamou Hobson, caminhando a seu lado com as mãos nos bolsos.
-Porque lhes respondi como lhes merecem? São um homem muito pouco amável.
Olhou em sua direção. Parecia algo mais grosso e algo mais baixo que Michael, embora com seu modo de andar resultava difícil dizer sua estatura. E seu parecido com lorde Westhampton era incrível, apesar de algumas diferencia evidentes. Era mais rude, por exemplo, o tipo de homem que sem dúvida não fugia de uma briga. Pensou que ele podia ser a razão das coisas estranhas que havia dito Anthony do Michael.
-Às vezes lhes fazem passar pelo Westhampton? perguntou.
Ele a olhou com curiosidade.
-Às vezes me confundem com ele. por que?
Rachel não respondeu, mas sim fez outra pergunta.
-Trabalham com os inspetores do Bow Street? Hobson se deteve.
-O que? Como...? O que dizem?
-Como sei? -perguntou ela –. Surpreenderiam-lhes do que sei.
-Começo a me dar conta.
Chegaram a um cruzamento de ruas e ele levantou uma mão para parar um carro. Quando se deteve um, ajudou-a a subir e subiu atrás dela.
-Não é necessário que me acompanhem até casa, senhor Hobson -disse Rachel com frieza –. Estarei bem agora que me procurastes um veículo.
-Pode que sim, mas quero lhes fazer umas perguntas.
Rachel o olhou. A carruagem estava em penumbra, mas via que lhe brilhavam os olhos cinzas. Não lhe custava nada imaginar-se a aquele homem trabalhando com o Bow Street; e tampouco lhe resultava difícil imaginá-lo ao outro lado da lei.
-Não sei se gosta de responder agora a suas perguntas -replicou.
-OH, responderão-as -ele apertou os lábios –. Agora lutam comigo, não com o perrito mulherengo de seu marido.
-Como lhes atrevem a falar assim do Michael? -replicou ela –. Meu marido vale dez vezes mais que você.
Aquela declaração pareceu lhe causar um grande regozijo.
-Ah, sim, está claro que pensam que vale muito. Sem dúvida por isso evitam sua companhia.
-Eu não evito sua companhia. Ao Michael gosta do campo... e seus experimentos rurais. E o que perseguem enquanto isso você na cidade?
Rachel o olhou de marco em marco.
-Não sei o que insinuam, mas o encontro do mais impertinente.
-Sem dúvida. Quero saber por que me perguntastes se trabalho com os inspetores do Bow Street. Há-lhes dito alguém que Westhampton trabalha com eles?
Rachel o olhou um momento com desafio, mas acabou por encolher-se de ombros.
-Sim. Um... meu amigo. Diz que lorde Arbuthnot lhe disse que Michael ajudava ao Bow Street com suas investigações.
-Abuthnot! E como diabos sabia ele?
-Não sei. Anthony só disse que Arbuthnot lhe havia dito algo sobre umas jóias que tinham sido recuperadas. Do Godfrey, acredito que disse.
Hobson se tinha ficado muito quieto a seu lado.
-Quem disse isso do Arbuthnot?
-Meu amigo. O homem que veio a me pedir ajuda.
-Como se chama? -perguntou ele com voz dura como a pedra –. Anthony o que?
Rachel arqueou as sobrancelhas para ouvir seu tom.
-Birkshaw, mas não entendo que seja seu assunto.
-Não sei -repôs ele com dureza –. Talvez ele ou seus amigos queiram me contratar alguma vez. Sempre me interessa fazer negócios com a boa sociedade.
-Talvez -Rachel não tinha intenção de lhe falar com o Anthony daquele homem. Não pensava revelar a ninguém os segredos de família do Michael –. Surpreendeu-me que me contasse isso de meu marido -disse, seguindo com a conversação anterior –. Mas parecia tão seguro...
-Não, não podia ser Westhampton. É muito estirado e aborrecido para fazer algo assim.
-Não é estirado nem aborrecido! -protestou ela –. É um homem muito inteligente e interessante.
-OH, sim, nota-se que estão fascinada por ele -comentou Hobson com voz grave e sorriso de ironia –. Tão fascinada que não suportam viver na mesma casa que ele.
-Isso não é certo. Já lhes hei dito que ele prefere o campo Y...
-E você a cidade -terminou ele –. Sem dúvida por que seu «amigo» está aqui.
Rachel fez uma careta. Não gostava de como a olhava; era muito atrevido, um cavalheiro não olharia assim. E o modo zombador em que lhe falava resultava muito irritante, como se conhecesse algum segredo escuro dela.
-por que o dizem desse modo? O que insinuam? É uma grosseria. Vocês são um grosseiro.
-Sim, isso me hão dito. O que deveria dizer em lugar de «amigo»? Vocês gostariam mais que o chamasse amante?
Rachel deu um coice, escandalizada por suas palavras.
-O que! Como lhes atrevem a dizer algo assim?
-Eu gosto de falar claro. E não é uma surpresa que queiram ter um amante, já que está claro que seu marido não lhes satisfaz. O pobrezinho é o perfeito cornudo...
interrompeu-se surpreso quando Rachel deu uma mão para trás e o esbofeteou com força. O golpe a surpreendeu a ela quase tanto como a ele, e ambos se olharam fixamente comprido momento. lhe brilhavam os olhos e tinha os lábios apertados.
Devagar, sem apartar a vista dela, estirou uma mão e a fechou em tomo à boneca dela. Rachel abriu muito os olhos e se dispunha a abrir a boca para protestar, quando ele atirou dela com força para si e a estreitou em seus braços. Baixou a boca e a beijou com paixão.
Rachel subiu instintivamente as mãos ao peito dele, mas não o apartou. Não podia. Tinha a sensação de que todos seus ossos se converteram em gelatina. Envolveu-a uma onda de calor e um desejo como não tinha conhecido nunca se abriu como uma flor em seu interior. estremeceu-se com as mãos apoiadas no peito dele. Por um momento comprido, foi incapaz de fazer nada, de dizer nada... e se limitou a beber daquele beijo como se fora néctar.
O homem soltou um gemido. Logo, como se aquele ruído o houvesse devolvido à realidade, deteve-se tão bruscamente como tinha começado. Levantou a cabeça e a olhou com olhos intensos e escuros pelo desejo. Apartou os braços e retrocedeu até o rincão do carro. Seguiam olhando-se aos olhos. Rachel não podia apartar a vista; pensou que era uma sorte que pudesse respirar tendo em conta o estranha que se sentia.
Ao dar-se conta do que tinha feito, levou-se uma mão tremente à boca. Tinha beijado a aquele homem! Aquele irmão grosseiro de seu marido. E havia sentido um prazer glorioso e intenso que não tinha conhecido nunca.
Soltou um gritito estrangulado e se voltou. Tirou a cabeça pelo guichê e gritou ao chofer que parasse.
-Não! -ouviu dizer ao James a suas costas –. Esperem…
Tendeu um braço para ela, mas Rachel se soltou e abriu a porta do carro, que já estava quase parado. Saiu com rapidez, evitando de novo a mão de seu acompanhante.
Ouviu-o amaldiçoar, mas baixou os degraus sem olhá-lo e chegou ao chão. Correu pela rua até a calçada, olhando a seu redor. Viu que estava a poucas maçãs de sua casa e pôs-se a andar rua acima sem voltar-se para olhar a carruagem.
O homem a contemplava da porta do carro, embora não estava seguro de se seguir em seu interior ou saltar à rua e persegui-la.
-Sigam até que entre na casa e logo me levem de volta -ordenou ao chofer.
Voltou a entrar, fechou a porta e observou a figura do Rachel afastando-se. Quando a viu entrar em sua casa, recostou-se contra o respaldo do assento e olhou mal-humorado a escuridão durante a viagem de volta a casa de sua irmã.
Quando chegou onde Lilith, havia já vários jogadores diante da casa de jogo do lado, embora faltavam ainda quinze minutos para que abrisse. introduziu-se com rapidez no estreito beco que separava ambos os edifícios e entrou na casa pela porta de atrás. Subiu diretamente ao quarto do Lilith e bateu na porta.
Esperou a que lhe dessem permissão e entrou. Lilith estava sentada diante da cômoda, vestida com um traje de noite, e a donzela dava os últimos toques a seu penteado.
-Maldita seja, Lilith! -grunhiu sem preâmbulos, aproximando-se dela –. por que raios há dito todo isso? Colocaste-me em uma boa confusão.
-Ela acreditava que eu era seu amante! -gritou ela a sua vez –. Jurei-lhe que era uma mentira que lhe tinham contado e já quase a tinha convencido de que você nunca vinha aqui quando de repente baixas as escadas como se vivesse aqui. O que queria que fizesse?
-Não tinha que lhe dizer que sou outra pessoa -grunhiu ele –. por que não lhe dizer a verdade? por que lhe contar que sou meu irmão ilegítimo?
-Não sei. por que não lhe há dito você a verdade? -Lilith se levantou e o olhou com os braços em jarras –. Era evidente que queria ocultá-la. E estava tão distinto...! Foi o primeiro que me passou pela cabeça. Acabava de lhe negar que vinha aqui e me parecia absurdo dizer: «OH, sim, bom, aqui está agora. Que estranho!»
Respirou fundo.
-Além disso, parece-me que sua esposa talvez não se tomasse muito bem que me conheça há anos e nunca lhe haja dito que tem uma irmã ilegítima. As algemas são estranhas nesse ponto, sobre tudo quando você visita freqüentemente a sua irmã e inclusive fica em sua casa em vez de na tua. Feito que sem dúvida teve que notar a gente para começar a dizer que sou seu amante. E como queria que explicasse sua presença aqui e seu aspecto? Teria que ter falado de suas investigações e não conheço nenhuma algema a que não lhe enfurecesse um segredo assim.
Michael fez uma careta.
-Bom, visto assim...
-E do que outro modo se pode ver? É o que tem feito -suspirou, aproximou-se e o tirou do braço –. Entendo que não queira lhe falar de mim. A muitas damas horrorizaria saber que visita uma irmã ilegítima ou que a ajudou assim que se inteirou de que existia -sorriu –. É um homem muito bom e generoso e te quero muito pelo que tem feito por mim. Mas não todas as algemas lhe agradeceriam que confessasse estar aparentado com uma mulher que possui uma casa de jogo e é amante de um cavalheiro casado.
-Eu não lhe ocultei sua existência porque me envergonhe de ti -assegurou-lhe Michael, que parecia horrorizado –. Espero que não pense...
-Eu não penso nada mau de ti e sabe. Mas sou sua irmã, não sua esposa. Nenhuma esposa quer que falem de seu marido. Uma dama não deseja estar aparentada com uma mulher como eu.
-Rachel é uma mulher boa. Não me brigaria por verte.
-E então por que não lhe falaste que mim nem de suas investigações? Ocultaste-lhe muitas coisas.
-E não crie que me arrependo disso? -perguntou Michael; começou a andar agitadamente pela estadia –. Não tem nem idéia do muito que lamento não lhe haver dito nada. Eu nunca me propus enganá-la conscientemente, juro-lhe isso. Mas não são coisas que revele a alguém a quem logo que conhece. Envergonhava-me... não de ti, de ti não. De meu pai, de sua luxúria, seu comportamento, de que não te tivesse reconhecido e te tivesse deixado viver na pobreza. Era um vilão. E como vais confessar lhe isso à mulher que amas? E depois... bom, não estivemos muito unidos. Nunca parecia o momento oportuno. E logo, quando comecei a ajudar no Bow Street, resultava-me cômodo poder vir aqui quando adotava um disfarce. Não queria que os serventes me vissem entrar e sair de casa com todo tipo de roupa -suspirou –. Queria lhe falar com o Rachel do que faço. De ti. Mas depois de não havê-lo feito em tanto tempo, tinha medo do que pudesse pensar. fui um parvo. Agora o vejo.
-Não é tolo -assegurou-lhe ela –. É um homem maravilhoso e ela sabe.
-Como você há dito, minha esposa o veria de outro modo. Não acredito que ela me considerasse maravilhoso.
-Então é que está cega -replicou Lilith. sentou-se de novo ante o espelho para terminar seu asseio.
Michael se acomodou em uma cadeira próxima.
-E agora acredita que sou dois homens distintos. Vá confusão! Pensei que me reconheceria na carruagem. Estávamos muito perto.
Lilith se encolheu de ombros.
-A gente vê o que lhe dizem que veja. Se eu me visto de homem, você acreditaria que sou um homem; pequeno, mas um homem... porque assumiria que o que vê é certo e não um engano. Eu lhe hei dito que é alguém distinto e ela o aceitou. Viu que parecia distinto à pessoa que está habituada a ver e não lhe ia ocorrer pensar que te tinha escurecido o cabelo com azeite de amêndoas, adotado uma roupa áspera e um acento para realizar uma investigação. É mais fácil assumir que é alguém distinto que se parece com ti.
-Suponho.
-Além disso, James Hobson não voltará a vê-la. Não é necessário que siga com o jogo. A próxima vez que a veja, vestirá como você, falará como você, voltará a ser loiro e ela verá essas diferenças entre você e ele E certamente se perguntará como pôde pensar que lhes pareciam tanto.
Ele sorriu fracamente.
-Já me há dito que Michael é o dobro de homem que eu.
-Vê-o?
-Sim, mas o que passará quando me falar de ti e do James Hobson e queira que nos vejamos todos?
-Direi-lhe que James Hobson saiu que país.
Tampouco é de prever que vades passar muito tempo conosco.
-Tem razão.
-claro que sim. Tudo irá bem, prometo-lhe isso.
Michael suspirou. O que Lilith não sabia, e ele não ia dizer se o era que James Hobson tinha beijado à esposa do Michael com a classe de beijo que esquenta o sangue só pensando nele. Como tinha sonhado beijando-a sempre, como a tinha beijado aquela noite antes de suas bodas... e conseguido que saísse fugindo dele. Solo pensar no beijo fazia que o coração lhe pulsasse com força e o sangue lhe acelerasse nas veias. Desejava repetido, morria por sentida em seus braços.
E ela tinha respondido. A diferença daquela outra vez, anos atrás, derreteu-se em seus braços e lhe tinha aberto a boca tremendo de paixão.
O problema era que não o tinha beijado a ele, a não ser ao James Hobson, um homem muito distinto. Ao irmão ilegítimo de seu marido. A paixão que havia sentido não era por ele. E por muito que tivesse desfrutado de do beijo, não podia evitar arder também de ciúmes. E isso não era quão pior tinha ocorrido esse dia. Além disso tinha descoberto que ela via o Anthony Birkshaw. Quando se casaram prometeu que não voltaria a vedo e ele acreditou. Confiava em sua honra e sua integridade; acreditava que era uma mulher capaz de cumprir sua palavra.
Quando tinha começado a vê-lo de novo? riu-se dele todos esses anos e se viu em segredo com o Birkshaw do começo?
O ciúmes o embargavam até o ponto de cegá-lo a todo o resto. Um ciúmes tão ferozes e furiosos que o tinham empurrado a beijada. A lógica lhe dizia que não conhecia todos os fatos, que o modo direto em que falava daquele homem indicava que não tinha nada que ocultar. Mas, por outra parte, ela não acreditava estar falando com seu marido, a não ser com um irmão bastardo ao que Michael não conhecia.
ouviu-se uma chamada à porta, que se abriu quase imediatamente para deixar entrar em um homem. Ia bem vestido, com traje de noite negro e camisa branca. Era um ou dois anos maior que Michael, de cabelo e olhos escuros, de corpo pequeno e musculoso e rosto mais duro que atrativo. Não era dado a sorrir, mas quando o fazia, o sorriso iluminava seu rosto e lhe dava um ar encantador.
-Olá, Michael.
-Robert.
Seu nome era sir Robert Blount e era amigo do Michael desde fazia anos. Foi ele o que o introduziu na intriga e a aventura da contra-espionagem ao Bonaparte durante a guerra e o que mais tarde lhe ofereceu seu primeiro caso com os inspetores do Bow Street. Foi também ele o primeiro que lhe disse que tinha uma irmã ilegítima.
depois de lhe estreitar a mão, Robert se aproximou do Lilith e a beijou na bochecha. Foi um beijo casto e correto, mas o brilho de seus olhos detonava que era muito mais para o Lilith Neeley que o amigo de seu irmão.
Era, de fato, o cavalheiro casado ao que se referiu ela antes, o homem que tinha sido seu amante durante dez anos. Como irmão dele, Michael não podia evitar ver com reservas sua relação com um homem com o que não podia casar-se. Entretanto, como sir Robert tinha sido seu amante antes de que ele conhecesse a existência do Lilith e ela era uma mulher adulta que se ganhou a vida durante anos, sabia que ele tinha pouco que dizer no tema. Se queria manter a amizade com os dois, sabia que não devia exortá-los. Além disso, não era o mais indicado para dar conselhos a ninguém no tema do amor.
Conhecia também o estado matrimonial de sir Robert e o amor profundo e evidente que sentia pelo Lilith. Aquilo não era uma aventura casual, a não ser um compromisso a longo prazo que conheciam muitos varões da boa sociedade. Sir Robert, embora de boa família, não era rico. Seus contatos familiares lhe tinham procurado uma boa posição no Governo, onde tinha servido vários anos com habilidade e dedicação. A morte de uma tia uns anos atrás lhe proporcionou uma herança moderada, que ele multiplicou logo com investimentos acertados. Assim pôde deixar o Governo três anos atrás e viver de sua fortuna, e emprestou também ao Lilith o dinheiro para abrir sua casa de jogo. Estava acostumado a, além disso, emprestar sua presença ao local freqüentemente, o que fomentava sua reputação como um lugar de confiança.
Em muitos aspectos era o homem mais próximo ao Michael. Entretanto, este sabia também que havia zonas dele que não conheceria nunca. Apesar de seu ar sereno, sir Robert Blount não era um homem ao que fora aconselhável fazer zangar.
-Esta noite vai de caça, Michael? -perguntou-lhe, depois de haver-se sentado a seu lado.
-Pensava fazê-lo -repôs este –. Agora não estou seguro. Robert, o que sabe de um homem chamado Birkshaw? Anthony Birkshaw. ouviste falar dele?
O outro franziu o cenho.
-Em que contexto? Em meu trabalho? No jogo?
-No que seja. casou-se com uma herdeira faz uns anos. Filha de um comerciante dos York.
Robert se encolheu de ombros.
-Não me diz nada. Lilith?
Ela negou com a cabeça.
-Não, não o conheço. É a ele a quem persegue?
-Não. É outro assunto distinto. Bom, pelo menos sei que não deve ser um jogador contumaz se não terem ouvido falar dele.
Michael conversou uns minutos mais com os outros dois, até que Lilith teve que baixar a controlar seu negócio. Então foi a sua habitação, barbeou-se e ficou uma roupa mais aristocrática. Tinha decidido que, se procurava notícias sociais, tinha que ir a quem soubesse dessas coisas. assim, tomou um carro de aluguel até a casa de seu amigo Perry Overhill.
Overhill desfrutava de um copo de vinho em seu estudo antes de sair. Quando entrou Michael, ficou em pé surpreso.
-Não esperava verte aqui. Acreditava que tinha voltado para o Westhampton -aproximou-se com um sorriso –. Suponho que entendi mal o que disse Rachel.
-Olá, Perry -Michael lhe estreitou a mão com calor –. Não, não entendeu. mau. Rachel acredita que voltei para o Westhampton. Fiquei porque estou investigando algo. Estou em casa do Lilith, disfarçado, é obvio -assinalou seu cabelo escurecido.
Perry franziu o cenho.
-Já me parecia notar algo estranho. Devo dizer que te colocaste em uma situação complicada.
-Sei -suspirou Michael.
-Não, acredito que não sabe. Ao Rachel lhe colocou na cabeça que faz anos que tem uma aventura com o Lilith. Essa condenada de Leoa Vesey o disse assim a outra noite na festa de lady Tarleton. É obvio, eu lhe disse que não era certo, mas... bom, já sabe que não me dá bem mentir e as palavras de Leoa me pilharam despreparado e acredito que Rachel me notou algo na cara porque não me acreditou.
-Sei. veio a casa do Lilith.
-O que? -Perry o olhou alarmado –. E como diabos soube onde vivia? Juro-te que eu não lhe dava a direção. Pediu-me isso, mas não a dava.
-Pois parece que a deu outra pessoa.
-E o que há dito Lilith? O que vais fazer?
Michael agitou uma mão no ar.
-Não se preocupe. Acredito que Lilith conseguiu despistá-la. É uma inconveniência, mas...
-por que não lhe diz a verdade? Em minha opinião, economizaria-te muitos problemas.
-Sim, sei, todo mundo me diz o mesmo. E o faria, mas este não é o melhor momento. E se Rachel te comenta algo, não lhe diga que conheço o Lilith nem que não tenho um irmão ilegítimo.
Overhill o olhou com olhos muito abertos.
-Como? Está louco!
-Às vezes acredito que sim. Ou o estarei logo -suspirou e se passou uma mão pelo cabelo –. Mas não vim por isso -olhou a seu amigo aos olhos –. Perry... o que sabe do Anthony Birkshaw?
-Birkshaw? Não estou seguro. OH... o tipo que se casou com a herdeira de... Birminghan, verdade? Não, acredito que era dos York. mudou-se ali, não?
-Sim. Faz uns anos. Mas ao parecer agora está em Londres.
-OH, espera! Ouvi dizer algo dele. O que era? me deixe pensar -fechou os olhos –. Foi Fitzhugh o que disse algo dele? Não, Charles Wardlaw. A semana passada no clube. Disse que Birkshaw tinha voltado para a cidade, que sua esposa tinha morrido. Isso era.
-Sua esposa morreu? -Michael ficou tenso –. Quando? Como?
-Deus santo, não sei. foi uma sorte que recordasse tanto. Já sabe como fala Charlie Wardlaw. Não estou acostumado a emprestar atenção ao que diz. por que?
Michael forçou um sorriso.
-OH, certamente por nada...
Assim que sua esposa tinha morrido e agora visitava o Rachel... O ciúmes voltaram a atormentá-lo.
-É muito conveniente que sua esposa tenha morrido jovem lhe deixando muito dinheiro.
Overhill arqueou as sobrancelhas, surpreso.
-pode-se saber o que diz? Que a matou ele? Vamos, é um cavalheiro.
Michael lhe lançou um olhar de ironia e o outro moveu a cabeça.
-Vamos, acredito que leva muito tempo perseguindo criminais.
-Parece-me que tem razão. Entretanto, acredito que farei uma visita a meu amigo Cooper
-O inspetor do Bow Street? Não pensará...
Perry se deteve o dar-se conta de que falava sozinho. Michael saía já pela porta.
Rachel passou a velada em seu dormitório, onde pediu que lhe levassem o jantar. A donzela se trabalhava em excesso a seu redor, segura de que estava doente e Rachel acabou por despedi-la. Desejava estar sozinha e pensar no que tinha ocorrido esse dia.
Tinha beijado ao irmão do Michael, um homem ao que acabava de conhecer, um homem que não era seu marido. Fazia algo impróprio e imoral.
E o pior era que lhe tinha gostado. Tinha sido o momento de prazer mais intenso que tinha vivido nunca. E a tinha deixado muito confusa.
Mas de uma coisa estava segura... não podia voltar a ocorrer. E, entretanto, ela desejava que voltasse a ocorrer.
levou-se as mãos à cabeça, incapaz de acreditar o que estava pensando. Como podia ter perdido a vergonha de tal modo?
Era ridículo. Aquele homem era vulgar, descortês, grosseiro. Era absurdo que a excitasse o beijo de um homem assim. E além disso era irmão ilegítimo de seu marido.
Só a tinham beijado dois homens antes. Os beijos de adoração do Anthony antes de prometer-se com o Michael não lhe causavam esse efeito. Seu corpo não se enchia de calor como lhe tinha acontecido aquele dia. O outro homem tinha sido Michael, só duas noites antes de suas bodas. Seu beijo, exigente e apaixonado, sim estava mais na onda desse último, embora fazia tanto tempo daquilo que lhe custava recordar suas sensações. O que mais recordava era o medo que lhe produziu. E também que algo se agitou em seu interior, embora não com o prazer daquela tarde.
perguntou-se como seria se a beijasse Michael agora. Era possível que a diferença não estivesse nos homens a não ser nela? Talvez porque era mais velha, não tinha medo nem estava apaixonada por outro? Tratou de imaginar ao Michael abraçando-a como seu irmão. pareciam-se tanto que era difícil separar aos duas em sua mente. Michael, é obvio, não se mostraria tão rude; não levaria barba enchente de um dia, seus lábios seriam mais gentis e suaves. Podia tocá-la, beijá-la, e o que ela sentisse não estaria mau. Não haveria problemas morais, só paixão e desejo...
deu-se conta de que sorria e fez uma careta. Era uma tolice pensar na possibilidade de que Michael a beijasse. Não estava ali e não a beijaria. Preferia o campo, semear coisas e escrever-se com estranhos aos braços de sua esposa.
Sabia que não era justa. depois de tudo, assim tinha sido a vida de ambos. E lhe gostava.
Só que ultimamente tinha começado a pensar em trocar seu acordo.
Estava segura de que se devia a que queria um filho. Desde que descobriu que Miranda estava grávida, não tinha deixado de pensar em bebês, de desejar um para si. E tinha sido aquele desejo o que a levou a pensar no Michael daquele modo. E talvez fora também o mesmo desejo o que lhe tinha feito reagir assim ao beijo do Hobson. Tinha pensado tanto nisso, na possibilidade de convencer ao Michael de que trocassem seu acordo marital para ter um filho, que agora estava mais perto de seu instinto básico que nunca.
Sabia que aquilo não soava muito lógico, mas não podia evitar encontrar sentido a um nível emocional. Não foi o desejo por um homem, sobre tudo um estranho, o que fez que aquela paixão explorasse nela. Foi o desejo natural e feminino de ficar grávida.
Depois de ter chegado a aquela conclusão, decidiu abandonar em seguida aquele trem de pensamento. Era melhor pensar em outra coisa. No problema do Anthony, por exemplo.
Agora que tinha descoberto que não era Michael o que trabalhava com o Bow Street, não podia lhe pedir ajuda. É obvio, podia lhe falar com o Anthony do James, mas não queria revelar os segredos familiares de seu marido e menos a um homem ao que Michael apreciava tão pouco. É obvio, ficava a possibilidade de acudir ao James e lhe pedir que investigasse o assunto, mas sabia que não era boa idéia. Ela estaria mais segura se não se aproximava do Hobson. Se não o tinha perto, seria menos provável que se repetisse o beijo e tinha que assegurar-se de que não se repetia. Sua honra, e o do Michael, dependiam disso.
Teria que lhe dizer ao Anthony que Michael não podia investigar o assunto, mas não queria que seu marido parecesse mesquinho por isso.
Suspirou e fechou os olhos. por que não podia investigar o assunto pessoalmente?
Aquela idéia fez que se incorporasse na poltrona com os olhos abertos. Era absurdo, é obvio. Teria sido estranho que Michael investigasse assuntos criminais, mas que o fizesse uma dama se consideraria não só ridículo mas também escandaloso. E sabia que um ano atrás não lhe teria ocorrido.
Mas não podia evitar pensar no que faria Miranda em sua situação. Se queria resolver algo, meteria-se nisso a fundo. E acaso Rachel não estava presente em casa do Richard em Natal, quando Jessica ajudou a seu marido a resolver o mistério de quem tinha assassinado a um dos convidados? Rachel também podia fazer o mesmo.
Separou-se de sua mente a idéia de que Jessica tinha estado a ponto de morrer durante a investigação. depois de tudo, ela iria com muito cuidado, e certamente além nem sequer havia um assassino. Sem dúvida a morte da senhora Birkshaw tinha sido um acidente e era a dor o que impulsionava ao Anthony a pensar algo assim. Exceto, por outra parte, não parecia sentir uma grande dor.
Pensou em como se começava a investigar uma morte. A perspectiva trocava muito se pensava que a morte tinha tido lugar em outra cidade. Pensou um momento nisso.
Se Anthony estava em Londres, seguro que tinha levado consigo alguns dos serventes, e os serventes eram as pessoas que melhor sabiam o mau e quão bom ocorria em uma casa. Certamente, o mais lógico seria começar por eles. A donzela pessoal da senhora Birkshaw saberia muito de sua ama e da enfermidade desta.
portanto, à manhã seguinte enviou uma nota à residência do Anthony, em que lhe dizia que desejava falar com a donzela pessoal de seu difunta algema e outros serventes. Uma hora depois, Anthony se apresentava em sua casa.
-Michael aceita a investigação? -perguntou, esperançado –. Como pudestes contatar já com ele? Acreditava que estava no campo.
-E o está. Mas pensei que seria boa idéia poder lhe enviar alguma informação básica. Talvez se sinta mais inclinado a aceitar o caso se souber algo mais. Acredito que se posso falar com a donzela pessoal de sua esposa e solicitar detalhes de sua enfermidade...
-É obvio, é obvio. Isso seria muito amável por sua parte -sorriu Anthony –. São muito boa. Entretanto, a donzela já não está comigo. Era uma donzela pessoal muito boa e depois da morte do Doreen, bom, em casa não havia já um posto de suas características, assim que partiu.
-OH.
-Mas tenho sua direção. Era de Londres e voltou aqui. Jameson, o mordomo, deu-me sua direção. Posso lhe enviar uma nota e lhe pedir que venha a lhes ver. Seguro que não há inconveniente.
-Não, não lhes incomodem. Se tiverem sua direção, dêem-me isso e eu me porei em contato com ela. E se quero falar com algum outro dos serventes...
-Só têm que me avisar e lhes encarecerei que lhes digam o que queiram saber.
Quando partiu Anthony, depois de lhe dar as obrigado com profusão, Rachel suspirou de alívio. Sempre tinha falado tanto e com tão pouco propósito?
Agora que tinha a direção da donzela pessoal do Doreen Birkshaw, pensava ir ver a. Sem dúvida seria mais indicado lhe enviar uma nota e esperar a que fosse a sua casa, mas não tinha desejos de esperar. depois de ter ido a casa do Lilith Neeley, seguro que isto outro não supunha nenhum problema.
ficou seu vestido mais singelo e barato e tomou de novo um carro de aluguel a várias maçãs de sua casa. Deu a direção ao chofer e se instalou no veículo, felicitando-se pelo modo em que tinha tomado o assunto em suas mãos. Pensou que todo aquilo era bastante emocionante e que não era surpreendente que Miranda tivesse tendência a dirigir as coisas. Era muito mais fácil e interessante que esperar a que o fizesse um homem por ti, e a sensação de aventura que oferecia resultava também prazenteira.
Mas a aventura perdeu interesse quando o chofer a deixou em uma zona mais velha, mais suja e bastante mais povoada que a da casa do Lilith Neeley. Olhou o papel onde tinha cotado a direção e pôs-se a andar rua acima procurando um número. Era consciente de que a olhava todo mundo.
Uma mulher suja estava na soleira de uma casa estreita que parecia que levasse séculos ali e olhava ao Rachel avançar para ela. Quando se aproximou, gritou-lhe algo que a jovem não entendeu, tão forte era seu acento. Entretanto, bastou para que desejasse sair correndo.
-Desculpem, não encontro esta direção. Pergunto-me se podem me ajudar.
-Né? -a mulher pareceu encontrar graciosa sua petição, já que se pôs-se a rir ao tempo que se golpeava a coxa com a mão –. Lhes ajudar? Claro, milady -fez uma reverência zombadora.
Rachel se aproximou dela com cautela. A mulher emprestava a genebra, o que explicava seu regozijo e o incompreensível de seu acento.
-Procuro esta direção -disse Rachel; leu em voz alta a direção escrita na nota. Aquilo fez rir mais à mulher. Rachel se voltou com um suspiro.
-Esse não é Poppin's Way, milady. A terceira.
Levantou três dedos e Rachel colocou a mão na bolsa de tecido que pendurava de sua cintura, tirou uns peniques e os deu à mulher. Pôs-se a andar a bom passo pela rua e dobrou a seguinte esquina procurando ansioso alguma sinal que indicasse o nome da rua. Não a havia. Notou também, com desmaio, que tinha atraído a um grupo de meninos que lhe pediam moedas. Supôs que tinha sido um engano dar dinheiro à mulher. voltou-se e tratou de espantá-los com um grito, mas eles retrocederam um pouco, riram e a seguiram de novo assim que pôs-se a andar.
Rachel tomou a terceira rua e confiou em que a mulher não estivesse tão bêbada como para não saber o que dizia. Não via um número oito por nenhuma parte, mas depois de dois ou três passos, encontrou um oito arranhado na parede de uma casa e chamou vacilante à porta.
Esta se abriu um pouco e um olho a olhou pela fresta. Rachel se inclinou com um sorriso.
-Procuro o número 8 do Poppin's Way. É aqui?
-Né? -disse a voz áspera de uma mulher maior.
-O número 8 -repetiu Rachel.
-Que busca? -quis saber a anciã.
-Quero falar com o Martha Denton. Procuro uma donzela pessoal -mentiu, já que ela jamais renunciaria a seu Polly –. Tenho entendido que é uma donzela muito boa.
A mulher seguiu olhando-a um momento. Rachel, consciente do grupo de meninos que a seguiam, sentia-se reacia a voltar a tirar dinheiro, mas decidiu que não tinha opção. Abriu-o e começou a procurar moedas, não muito segura do que valia a informação. Tinha dado três peniques à outra mulher. Deveria lhe pagar mais a esta? Solo encontrou um par de florines e vários meios peniques, e considerou a possibilidade de lhe dar um florín inteiro. De ter sabido que teria que entregar moedas, teria saído com mais mudança de casa.
-Santo céu! -exclamou de repente uma voz masculina detrás dela. voltou-se e viu que um homem se abria passo entre os meninos. O primeiro que pensou foi que era Michael, mas, é obvio, tratava-se do James Hobson. Endireitou os ombros e o olhou com frieza.
-Que demônios fazem aqui? -perguntou ele com fúria.
Rachel arqueou as sobrancelhas.
-Não acredito que isso seja seu assunto.
O homem pareceu atônito um momento.
-Não, é assunto de seu marido, e devo dizer que descuida seus deveres. Não têm sentido da decência?
-Você ides falar isso comigo de decência? -perguntou ela com fúria.
-Alguém tem que fazê-lo -repôs ele –. Está claro que não sabem bastante do tema.
-Ensinaram-me boa educação desde dia em que nasci, senhor Hobson, e acredito que sou muito capaz de decidir o que devo fazer e o que não. Posso perguntar o que fazem aqui?
Pergunta-a pilhou despreparado ao Michael. ficou-se atônito ao vê-la nesse lugar e a tinha repreendido sem pensar em sua história. Era uma sorte que se pôs a roupa do James para visitar a donzela pessoal da senhora Birkshaw.
-Bem, como vocês hão dito antes, isso não é seu assunto, milady -disse.
A noite anterior tinha ido ver o inspetor do Bow Street ao que ajudava freqüentemente e lhe perguntou se tinha ouvido algo sobre a morte da senhora do Anthony Birkshaw. Michael sabia que atuava mais por ciúmes que por outra razão e certamente a mulher tinha morrido de morte natural, mas não pôde evitar perguntá-lo. Não era corrente que morrera uma mulher de sua idade e o fato de que seu marido, ainda de luto, visitasse a mulher com a que tinha querido casar-se em outro tempo podia despertar suspeitas.
Cooper lhe respondeu que o nome lhe resultava familiar e se ofereceu a investigar. Essa tarde foi a casa do Lilith e lhe disse que o caso tinha sido investigado por outro inspetor.
-Ben Mowbray, senhor. Um dos primos da difunta o contratou porque suspeitava do marido, que herdava tanto -encolheu-se de ombros –. É obvio, seria o primo o que herdaria se detinham o marido. De qualquer modo, Mowbray não pôde averiguar nada; o marido nem sequer estava ali quando ela adoeceu. Voltou uma semana mais tarde, quando se inteirou de seu estado. Mowbray falou com os serventes e com o doutor. Este não acreditava que houvesse nada estranho. Ao parecer, ela era propensa a esse tipo de enfermidades. Demorou várias semanas em morrer. Não parece veneno e todos os serventes pensavam que tinha sido morte natural. Têm vocês motivos para suspeitar outra coisa, senhor?
Michael teve que admitir que não os tinha e que tinha perguntado sozinho por curiosidade. Cooper lhe deu a direção da donzela pessoal da difunta e decidiu que valia a pena falar com menos com ela, assim saiu em busca do Martha Denton e ficou atônito ao ver o Rachel de pé entre um grupo de meninos em uma parte da cidade que não acreditava que ela soubesse que existia e falando com uma velha.
voltou-se para falar com a anciã, a que o espetáculo da rua parecia ter interessado o suficiente para ter aberto a porta umas quatro polegadas e mostrar todo seu rosto.
-Desculpem! -exclamou Rachel, que se colocou ante ele –. Acredito que cheguei primeiro. Por favor, se não lhes importa lhes apartar, continuarei minha conversação com esta boa mulher...
Tirou um florín e o levantou para que o visse a velha.
-íeis dizer me onde vive Martha Denton. O número 8 do Poppin's Way?
-Sim -a mulher olhou a moeda de prata com avidez e assinalou com o polegar as escadas estreitas que levavam a segundo piso da casa do lado –. O numero 8 é esse -tendeu a mão para a moeda.
Rachel ia dar se a mas se deteve.
-E Martha Denton vi vê aí? -perguntou.
-Vivia -confessou a velha.
-E onde está agora? Acredito que esta moeda vale essa informação, não lhes parece?
-Ah, sim -gemeu a velha –. Não sei onde está exatamente, mas disse que ia trabalhar para uma dama, lady Easter não se o que.
-Esterbrook? - perguntou Rachel –. Lady Esterbrook?
-Sim, esse é o nome -a velha assentiu com energia, tendeu a mão e Rachel lhe deu a moeda. voltou-se e sorriu ao senhor Hobson.
-E agora, se me desculparem...
-Espero que não pensem ir ensinando moedas por todo o bairro, milady, ou seguro que lhes atacam os ladrões.
-Seriamente? -procurou em sua bolsa as moedas do meio penique e as lançou aos meninos enquanto olhava ao Hobson com ire desafiador.
Pôs-se a andar rua abaixo. Ele não demorou para alcançá-la.
-Este não é lugar para uma mulher como você. Têm que pensar em sua segurança. Seguro que há alguém que choraria sua morte.
-Que amável! Mas lhes asseguro que posso me defender sozinha.
-OH, seriamente? -a voz dele estava impregnada de sarcasmo –. E posso saber como pensam sair daqui? Onde encontrarão um carro de aluguel?
Rachel vacilou. Por muito que lhe desgostasse, tinha que admitir que ele tinha razão. Não tinha nem a mais remota idéia de como sair dali. E apesar de sua rudeza, sentia-se muito mais segura agora que Hobson estava a seu lado.
-O que fazem aqui? -perguntou ele de novo, essa vez com mais calma –. por que dão dinheiro às pessoas para averiguar onde está Martha Denton?
Rachel o olhou.
-Bom, poderia dizer que necessito uma boa donzela pessoal.
-Poderiam, mas os dois sabemos que é mentira. Rachel pigarreou.
-Quero falar com ela. Estou tratando de ajudar A... um amigo. Martha Denton foi donzela de sua esposa, que morreu, e ele suspeita que foi assassinada.
-E lhes pediu a você que o investigassem? -perguntou Michael, levantando a voz.
-Não, é obvio que não. Ele não me pediria isso. Ninguém me pediria fazer algo útil.
Michael arqueou as sobrancelhas, mas não disse nada.
-Queria que pedisse ao Michael que o investigasse. Já vos pinjente que ele acreditava que era meu algemo o que trabalhava com o Bow Street. Não sabia que foram vocês. Eu lhe disse que o pediria ao Michael, mas é evidente que não posso, já que ele não se dedica a isso. Y... bom, meu amigo parecia tão afetado que não queria lhe dizer que Michael se negou a fazê-lo e, além disso, meu marido tem motivos para sentir antipatia por ele e o senhor Birkshaw ia pensar que seria por isso. E eu não queria que pensasse que Michael era mesquinho.
Este a olhou surpreso.
-por que não?
Ela também o olhou surpreendida.
-Porque não é nada mesquinho. E estou segura de que, se tivesse sabido o que ocorre e tivesse podido, teria tentado ajudar ao senhor Birkshaw. Seu acompanhante fez uma careta.
-Sua fé em seu marido é comovedora, milady. Poucos homens estão dispostos a ajudar a um... amigo de sua esposa.
-Falam como se fora o que não é -replicou ela –. Não concebo por que estão tão decidido a pensar o pior de todo o mundo... do Michael, do Anthony, de mim... quando nem sequer nos conhecem.
-Conheço a aristocracia -grunhiu ele.
-Compreendo que pensem assim -disse ela –. Mas lhes prometo que Michael não se parece nada a seu pai.
-Sério?
-Sim, sério. E não faz falta que sejam tão depreciativo. Michael é um homem muito justo.
-E pensam que é tão justo que gostaria que vocês vão a pé pelo East End, lhes mesclando com gente como eu e piores investigando um assassinato?
-Bom, não. Certamente não. Teria medo de que me ocorresse algo. Não sou uma pessoa a que se reveste considerar capaz de fazer algo sozinha.
Ele se voltou a olhá-la com o cenho franzido.
-Não acredito... -pigarreou –. Não acredito que lorde Westhampton o considere desse modo.
Rachel o olhou com curiosidade.
-Isso o diz um homem que acaba de desprezar a toda a aristocracia?
Michael fez uma careta.
-Só digo que é natural que um marido queira lhes proteger. E por isso não gostaria que andassem por aqui. Não porque cria que não podem fazer coisas. Que classe de coisas? me parecem muito capaz.
Rachel soltou uma risita.
-Não, não é certo. Seguro que você consideram isso mais inútil ainda que Michael. depois de tudo, sou como a maioria das mulheres de minha classe... educada para servir chá e costurar coisas bonitas, mas não para pensar nem fazer algo importante. Meu irmão se casou com uma mulher que dirige seu próprio negócio. Seu pai a levava com ele a território selvagem quando negociava com peles. Sabe disparar um rifle e usar uma faca.
-Sua cunhada parece muito estranha. Rachel soltou uma gargalhada.
-Não, não é estranha. É da América do Norte.
-Aí o têm.
-Mas meu outra... bom, suponho que não posso chamá-la cunhada, a não ser amiga... é uma inglesa bem educada, mas também é muito capaz. Trabalhou como institutriz durante anos e ajudou ao Richard em Natal a resolver um mistério em seu castelo. Y... e bom, diz o que pensa e seu marido respeita sua opinião.
-E seguro que seu marido respeita a sua.
-OH, respeita-me como respeita um cavalheiro a sua esposa, mas isso não é o mesmo que respeitar minha opinião... pensar que o que digo tem valor Y...
-Criem que lhes despreza?
Rachel pensou a resposta. Surpreendia-lhe estar falando livremente de todo aquilo com um homem ao que conhecia tão pouco. Mas havia algo liberador em falar com alguém que não a conhecia em realidade, ao que não lhe importava como falava ou se comportava. Ao James Hobson não importaria se ela dizia algo impróprio de uma dama, mas ao mesmo tempo, seu parecido com o Michael fazia que lhe resultasse familiar. Era quase como falar com seu marido, mas sem preocupar-se de como se tomaria o que dissesse.
-Não -repôs depois de um momento –. Michael não faria isso. Mas acredito que não poderia assumir que eu fora capaz de fazer algo difícil. Não o tenho feito nunca, por isso é normal, mas sim posso falar com o Martha Denton -disse –. Posso fazer o melhor que você, porque eu posso vê-la em seu novo emprego, mas duvido de que lady Esterbrook lhes desse a você permissão para falar com ela.
-Não, suponho que nisso têm razão. Andaram um momento em silêncio. Michael a olhou pensativo.
-Conheço uma estalagem não longe daqui. Podemos ir comer algo.
Rachel tinha que admitir que sentia fome, mas vacilou.
-Não posso. O que diria a gente se entrar em uma estalagem com um desconhecido?
Michael arqueou as sobrancelhas.
-Criem que ides ver algum conhecido por aqui?
-Bom, não -sorriu ela –. Provavelmente não, mas...
-Além disso, já sabem que me pareço muito a lorde Westhampton. E se lhes vê alguém, assumirá que vão com seu marido.
-Sim, suponho que têm razão. Embora se perguntariam o que fazem vestido assim.
-Podemos falar da investigação durante a comida.
Rachel o olhou incômoda.
-ides tentar me convencer de que não o faça?
Um sorriso iluminou o rosto dele, de um modo que ao Rachel recordou muito ao Michael.
-Não, refiro-me a que possivelmente poderíamos... trabalhar juntos. Talvez vocês podem fazer certas coisas, como falar com a nova donzela de lady Esterbrook e eu falarei com os homens que trabalham para o Birkshaw... de igual a igual, sabem?, porque me dirão coisas que não lhes diriam a você. E podemos contamos mutuamente o que averigüemos e analisá-lo juntos. depois de tudo, os dois procuramos o mesmo.
-Está bem -repôs ela. disse-se que não havia nada de mau em comer com aquele homem.
Recordou o que passou a última vez que tinha estado a sós com ele, mas desprezou a idéia imediatamente. Tinha sido uma aberração, um pouco provocado por aquela situação concreta. Estava em um momento muito emotivo e se viram encerrados sozinhos na carruagem. Falar com ele em um lugar público era algo muito distinto.
Cinco minutos depois chegavam à estalagem O Javali Vermelho, um lugar muito freqüentado por viajantes. Hobson conseguiu assegurar um saloncito privado para comer e lhes serve o hospedeiro em pessoa, quem os tratou de milord e milady.
Quando os deixou a sós, Rachel olhou a seu acompanhante com ire acusador.
-Têm-lhes feito passar pelo Michael, verdade?
Hobson se encolheu de ombros.
-Já lhes hei dito que a ninguém parecerá estranho que comam com seu marido. Além disso, consegui uma habitação privada. Não querem ser objeto dos olhares da gente do botequim, verdade?
-Não -admitiu ela –. Prefiro comer sozinha -olhou-o pensativa –. Fazem-lhes acontecer freqüentemente pelo Michael?
Ele sorriu.
-Só quando me convém... e posso me sair com a minha.
-São um desavergonhado -brigou-lhe ela, embora lhe custou não lhe devolver o sorriso, tão contagiosa resultava –. Não lhes preocupa dizer que o desprezam e logo usar sua identidade para conseguir o que querem?
Michael se encolheu de ombros.
-Tampouco lhe roubo nada. Nem sequer faço nada que possa lhe prejudicar. Só uso seu nome para que me consiga as coisas que consegue a ele. Ele recebeu esse sobrenome de seu pai, não? Não é algo que ganhasse ele, é de nascimento. E posto que seu pai é meu pai, parece-me que não tem nada de mau que eu também o use alguma vez.
-Têm a habilidade de fazer que as coisas pareçam lógicas -repôs ela.
-Porque sou um homem razoável -tomou a garrafa de vinho que lhes tinha levado o hospedeiro e olhou ao Rachel com ire interrogante. Ela vacilou. Não era apropriado que uma dama bebesse vinho, sobre tudo a essa hora tão temprana e com um desconhecido. Mas quem ia inteirar se? sentia-se estimulada pelas atividades da manhã, muito mais livre e atrevida, e não pôde resistir as vontades de fazer outra coisa mais pouco apropriada.
Assentiu com a cabeça e lhe serve meio copo. Rachel tomou um sorvo. O vinho não era muito bom, amargurava um pouco, mas bebeu vários sorvos mais solo pelo prazer de fazê-lo.
recostou-se na cadeira e olhou ao Hobson com seriedade.
-E agora me digam por que querem falar você com a donzela da senhora Birkshaw.
Michael vacilou.
-É justo -insistiu ela –. Eu lhes hei dito porquê. E se formos trabalhar juntos;..
-Sim, têm razão -mas não podia lhe dizer a verdade. Que o marido ao que acreditava tão incapaz de mesquinharias, era tão ciumento que via um possível assassinato onde certamente não o havia.
Decidiu usar a explicação do Cooper
-Contratou-me um sobressaio da difunta senhora Birkshaw que acredita que sua morte é suspeita.
-Mas Anthony nem sequer estava na casa quando ela adoeceu, verdade?
Michael assentiu.
-Mas sempre há algo suspeito quando uma pessoa morre jovem... e o marido herda muito dinheiro.
-E quem herdaria o dinheiro se Anthony Birkshaw fora achado culpado de assassinar a sua mulher? -perguntou ela com astúcia.
-Têm razão, é obvio. Herdaria o primo, assim que sua petição é interessada.
-Pergunto-me se poderemos trabalhar juntos neste caso -disse ela –. Vocês quererão provar que o fez o senhor Birkshaw e que...
Michael a olhou aos olhos.
-Eu espero que os dois queiramos procurar o mesmo: a verdade.
Rachel sentiu que de repente lhe custava trabalho respirar. Não podia apartar a vista dele e sentia muito calor. Falavam do Anthony e de um assassinato, mas sua mente parecia querer pensar sozinho no beijo que tinha compartilhado com ele no dia anterior.
-Sim, é obvio -repôs, sem logo que saber o que dizia.
A mão dele estava na mesa, com a palma para cima, e ela alargou a sua com cautela e tocou as pontas dos dedos. Os olhos dele se obscureceram. Voltou a mão e entrelaçou os dedos com os dela. A mão do Rachel ardia. Esta se inclinou instintivamente para frente, para ele.
O trinco da porta girou com força e os dois se sobressaltaram. Rachel se tornou para trás na cadeira, com as mãos juntas no regaço, e o hospedeiro entrou na estadia com uma bandeja grande. Seguia-o um menino com outra bandeja.
Deixaram as bandejas em uma mesa lateral e começaram a lhes servir. Rachel apartou a vista do Hobson e aproveitou a oportunidade para recuperar o fôlego... e o sentido comum. por que era tão débil, tão incapaz de controlar seus impulsos mais baixos?
Quando o hospedeiro terminou de lhes servir a comida e saiu da estadia, ela tinha recuperado a serenidade. Começou a comer sem olhar ao James.
Quando terminaram, já se sentia capaz de voltar a olhá-lo à cara. Sabia que não deveria trabalhar com ele na investigação. Era evidente que reagia a ele de um modo muito estranho.
Michael, por sua parte, perguntava-se que loucura lhe tinha impulsionado a lhe oferecer que trabalhassem juntos. Haveria muitas mais probabilidades de que descobrisse sua identidade, por não mencionar que assim colocava a sua esposa em situações e lugares muito afastados de tudo o que tinha conhecido em sua vida, e possivelmente inclusive em perigo.
– Sobre o de trabalhar juntos... -começou a dizer.
Rachel sentiu frio. Estava segura de que ele ia retirar a oferta, por isso se lançou a falar sem lhe dar tempo a fazê-lo.
– Sim, suponho que é melhor dividir o trabalho verdade? Eu falarei com a donzela da senhora Birkshaw. Não conheço muito a lady Esterbrook, mas seguro que me permitirá interrogar a sua donzela. Amanhã porei a isso O que farão vocês?
Michael vacilou um momento.
– Passarei pelo botequim que é mais provável que freqüentem os serventes do Birkshaw e falarei com eles.
– E se não beberem?
– Então terei que encontrar o modo de vê-los na casa. Uma confusão sobre uma entrega está acostumada ser um bom método.
– Suponho que isso levará tempo. Como nos... comunicaremos o que descubramos?
– Me enviem uma nota e irei ver lhes. Não, isso não pode ser.
– Não. A meus serventes pareceria estranho que Michael me fizesse uma visita vestido assim. Quando descobrir algo, irei a casa de sua irmã e lhes direi isso.
– De acordo.
Michael sabia que devia lhe dizer que não fora, que se limitasse a enviar uma nota com as notícias, mas não podia. Desejava voltar a vê-la, ter ocasião de passar mais tempo com ela. Resultava liberador estar com ela assim, sem as limitações que sentiam como marido e mulher. Ela falava com o James com uma facilidade que lhe alegrava e lhe doía ao mesmo tempo. por que alguma vez lhe tinha contado que acreditava que outros a consideravam incompetente?
A comida tinha terminado, mas Rachel se sentia reacia a partir. Era agradável ter a alguém com quem se podia falar com tanta liberdade, sem preocupar-se do que pensasse dela ou de se havia dito algo mau, como lhe ocorria tão freqüentemente com o Michael.
– Bem, acredito que é hora de ir-se...
– Sim.
Nenhum dos dois se moveu. Ela pensou no que a esperava em casa e sua vida lhe pareceu aborrecida. Pensou quando se cansou de não ter nada que fazer além de vestir-se, comer e assistir a eventos sociais.
Esse dia tinha sido muito mais interessante.
Apartou aquele pensamento com determinação e se levantou da cadeira.
– Tenho que encontrar um carro.
– Eu lhes acompanho.
Michael ficou em pé e lhe sustentou a porta para que passasse; saiu detrás dela e levou instintivamente uma mão a seu cotovelo em um gesto de cortesia.
Rachel sentiu o contato em todo o corpo. Manteve os olhos cravados à frente, temerosa de que, se o olhava, ruborizaria-se. Sentia ele também a mesma corrente explosiva que a atravessava a ela ante o mais leve contato? Ou era uma reação de loucura que só ocorria a ela?
Fora o que fosse, sabia que o melhor que podia fazer seria ir-se a casa e não voltar a ver aquele homem. Mas também sabia que não seguiria seu próprio conselho.
Rachel preparou seu plano para falar com a donzela da difunta senhora Birkshaw. Acreditava que lady Esterbrook não teria problemas em lhe permitir uma entrevista com ela, embora certamente encontraria estranha sua petição. Mas nesse caso, a conversação com a donzela seria incômoda e tensa. Certamente conseguiria uma reação mais sincera se a abordava de um modo mais natural.
Por uma feliz coincidência, lady Esterbrook vivia na rua que bordeaba o outro lado do parque em frente de onde vivia Rachel, a pouco mais de uma maçã de distância. portanto, Rachel tomou um caderno e lápis e se acomodou no parque em uma posição de onde podia ver a porta dos Esterbrook. Desenhou, ou fingiu fazê-lo, durante um dia e meio, sem perder de vista a porta que lhe interessava. A segunda tarde viu sair a lady Esterbrook seguida por uma mulher limpa mas de roupa muito mais humilde que caminhava uns passos detrás. Com sorte, seria sua donzela a que acompanhava a milady em seu passeio.
Rachel ficou em pé e o caderno e o lápis caíram ao chão. Deixou-os ali e cruzou com rapidez o parque na mesma direção que levavam as outras dois. Teve que desviar-se para sair do parque pela entrada principal e cortar logo à outra rua, e para então lhe tiravam já meia maçã. Entretanto, era fácil não perder as de vista e não queria aproximar-se mais e que a vissem.
Lady Esterbrook se deteve na cristaleira de uma sombrerería e Rachel teve que parar-se também para não as adiantar. Como onde estava não havia cristaleiras que olhar, brincou com os botões de sua luva, como se lhe acontecesse algo com eles. Quando viu que as outras se moviam, fez o mesmo. Lady Esterbrook voltou a parar-se em uma cristaleira uns minutos depois e Rachel sentiu uma pontada de impaciência.
Mas então lady Esterbrook disse algo à outra mulher e entrou na loja sozinha. Aquilo confirmou ao Rachel que se tratava da donzela, já que a uma amiga ou a uma mulher de companhia não as teria deixado na rua. Apertou o passo, passou diante dela, deteve-se e retrocedeu.
– Martha? – perguntou
– A donzela a olhou surpreendida.
– Sim, senhorita?
Rachel sorriu.
– São... sim, foram a donzela da senhora Birkshaw, verdade?
A mulher , que parecia uns anos mais jovem que Rachel, sorriu.
– Sim, senhorita. Como sabem?
– Conhecia-a. Vi-lhes uma vez em sua casa. Possivelmente não me recordem. Sou a senhora Glendenning.
– OH, se, senhora – disse a donzela, confusa.
Rachel contava com que Martha não contradiria a uma dama.
– Pobre Doreen! -exclamou –. Entristeceu-me muito me inteirar de sua morte.
– OH, se, senhora, era uma senhora encantadora -os olhos do Martha se encheram de lágrimas, o que fez que Rachel se envergonhasse de si mesmo.
Não obstante, recordou-se que tentava averiguar se a mulher tinha sido assassinada, e seguro que o empenho justificava algumas mentiras.
– Vejo que a queriam muito.
– OH, sim. Era muito boa comigo. Dava-me toda a roupa que descartava. Alguns vestidos eram muito luxuosos para mim, mas eu os dizia e usava o tecido para cortinas ou almofadas -suspirou.
– Espero que não sofresse muito.
Lágrimas novas encheram os olhos do Martha.
– Esteve muito doente, senhora. Do estômago. me dava muita pena, mas não podia fazer nada. Vomitava-o tudo e chegou um momento no que eu tinha que lhe dar o caldo -moveu a cabeça.
– Deveu ser muito duro para o senhor Birkshaw.
– OH, sim. É um cavalheiro. E tão bonito! -seu olhar brilhante dizia muito do que pensava do marido de sua antiga ama –. A senhora o queria muitíssimo. Só via por seus olhos. E ele era bom com ela. Quando lhe enviaram recado de que estava doente, voltou em seguida. E se passava o dia sentado ao lado de sua cama. Lembrança que, para o final, ela me disse: “Martha, é o melhor marido do mundo. É-o tudo para meu”. Apesar de quão doente estava, a fazia muito feliz que ele a visitasse.
Rachel sentiu que seus olhos se enchiam de lágrimas. As palavras da donzela tinham dotado de realidade a morte do Doreen Birkshaw, a dor e a pena dos que a queriam. Sua vida tinha terminado muito antes do normal e, se, como suspeitava Anthony, tinha sido assassinada, então o culpado tinha atuado de um modo tão malvado que ao Rachel custava trabalho concebê-lo. Não pôde evitar sentir pena para ouvir como tinha amado a mulher ao Anthony e saber que ele não a tinha correspondido.
– Sinto-o muito -disse com sinceridade –. Não parece justo que sua vida tivesse que terminar tão logo.
– Sei... quando há tantas pessoas no mundo que não merecem viver -um olhar rápido à loja deixou claro em que grupo se sentia inclinada a colocar a sua proprietária atual –. OH, aí está já milady.
– Bem, não lhes entretenho mais, Martha fostes muito amável. A senhora Birkshaw era muito afortunada de contar com você.
A mulher sorriu e lhe fez uma reverência.
– Obrigado, senhora. São muito amável.
Rachel viu que se abria já a porta da loja e se afastou em seguida. Não estaria bem que lady Esterbrook a chamasse por seu verdadeiro nome diante do Martha. Tinha que ter pensado antes nisso, mas solo tinha planejado a situação pela metade, consciente de que era pouco provável que a senhora Birkshaw dos York tivesse amigas com título em Londres. Se queria continuar investigando, teria que voltar-se mais conscienciosa.
Pôs-se a andar de retorno à casa, mas cruzou à rua seguinte para evitar a lady Esterbrook e ao Martha. Enquanto andava, ruminava o que lhe havia dito a donzela. antes de chegar a sua casa se deteve e parou um carro de aluguel. Deu ao chofer a direção do Lilith Neeley e subiu.
Quando chegou a casa do Lilith, uma donzela a acompanhou ao saloncito no que se encontrava a proprietária da casa em companhia de um cavalheiro bem vestido. Lilith ficou em pé assim que a anunciou a donzela.
– OH! Lady Westhampton... Ah… -olhou ao cavalheiro, que também se levantou. Era um homem moreno que lhe resultava algo familiar –. Lady Westhampton. Não sei se conhecerem sir Robert Blount.
– Acredito que não nos conhecemos pessoalmente -repôs Rachel com um sorriso.
Tinha ouvido aquele nomeie mais de uma vez e estava segura de que tinha que havê-lo visto também em festas, embora não se moviam exatamente no mesmo círculo. Entretanto, era óbvio que pertencia à aristocracia e sua presença em casa do Lilith, assim como seu modo de vestir informal, o fato de que se tirou a jaqueta, que estava dobrada no respaldo do sofá, fizeram que Rachel chegasse à conclusão de que era amante do Lilith.
Não sabia o que dizer. Nunca tinha estado em uma situação assim. Sua mãe ou Amarinta teriam levantado o queixo, dado meia volta e saído da estadia. Mas lhe resultava difícil tratar a alguém com desdém, e além gostava de Lilith. assim, cruzou a estadia e tendeu a mão ao homem.
– Tudo bem, sir Robert?
– Muito bem E você, milady?
– Muito bem, obrigado -Rachel tendeu a mão ao Lilith –. bom dia, senhora Neeley.
Lilith murmurou algo com as bochechas ruborizadas e assinalou vagamente uma poltrona
– Não querem lhes sentar, milady?
– Estou seguro de que as damas quererão falar a sós -disse sir Robert-, assim que me parto Lilith?
Esta lhe lançou um olhar agradecido e ele tomou sua jaqueta, a jogou ao braço e saiu da estadia.
– Perdoem, lady Westhampton -murmurou Lilith
– Não têm por que lhes desculpar -repôs Rachel com firmeza –. Sou eu a que devo pedir desculpas por vir sem avisar e jogar a seu convidado.
Lilith sorriu
– São muito amável, milady.
– Acredito que, como irmã de meu marido, poderíamos prescindir do tratamento. Desejo que me chamem Rachel.
A senhora Neely pareceu escandalizar-se.
– OH, não, milady! Não poderia.
– Por favor? Farão-o por mim? Sinto-me desconjurado com você usando meu título continuamente. Eu lhes imponho minha presença e você chamam isso “milady por aqui” e “milady por lá”.
Lilith sorriu
– De acordo... Rachel. São muito amável -vacilou um momento –. Querem ver A...?
– Ao senhor Hobson? Sim, sinto vir aqui, mas há algo que quero lhe contar.
– Temo-me que saiu. esteve fora toda a tarde. Se querem esperá-lo, são bem-vinda, mas não sei quando voltará.
– Se não vos molesta -murmurou Rachel, vacilante –. Eu gostaria de falar com ele, mas não quero lhes impor minha presença.
– Não é moléstia, asseguro-lhes isso -sorriu Lilith –. Mas se não lhes importa, há coisas que tenho que fazer na casa do lado. Assim, se estiverem bem aqui, direi-lhe à donzela que lhes traga chá.
– São muito amável. Estou muito bem aqui.
– Nesse caso... -Lilith pôs-se a andar para a porta, mas se voltou antes de sair –. Não são como esperava, Rachel.
– Esperavam outra Amarinta?
– Altar...? OH, a irmã do Michael. A ela tampouco a conheço.
– Ela também é irmã sua não?
– Sim, suponho que sim, mas a verdade é que não penso em nenhum deles como irmãos.
– Posso lhes dizer sem medo a me equivocar que preferiria não conhecer a Amarinta -assegurou-lhe Rachel –. Eu freqüentemente o desejo.
Lilith soltou uma gargalhada.
– Então não sofrerei por isso -disse antes de sair.
Rachel não teve que esperar muito. Acabava de começar a tomar o chá que lhe tinha levado a donzela quando se abriu a porta principal e se ouviram passos no vestíbulo. Michael apareço ao salão e se deteve bruscamente ao vê-la.
– Rachel! -arqueou as sobrancelhas e entrou depressa na estadia –. Acontece algo? Onde está Lilith?
Rachel pensou que não se dava conta de que se dirigiu a ela por seu nome de pilha. Por alguma razão, gostou do som de seu nome em boca dele. levantou-se, consciente de que o mundo parecia de repente mais brilhante, mais quente e mais excitante. Sorriu porque não pôde evitá-lo
– Olá. Lilith está na casa do lado. Tinha algo que fazer. Não ocorre nada, solo vim a lhes dizer que falei com a donzela da senhora Birkshaw.
– OH! OH, se. Suponho que não esperava que tivessem algo tão logo.
– foi pura sorte -admitiu ela –. Hoje consegui me encontrar com ela “por acaso”.
– Mmmm. Parece mais uma questão de bom planejamento que de sorte -respondeu ele.
– Talvez um pouco de ambas as coisas -Rachel era consciente, com uma mescla de embaraço e surpresa, de que nesse momento desejava com força que James tomasse a mão. Ou voltasse a beijá-la.
Aparto a vista e assinalou a bandeja com a bule.
– Querem uma taça de chá? A donzela trouxe duas taças.
– Sim, seria muito agradável, obrigado.
Rachel se sentou de novo no sofá e serve o chá. Tremia-lhe a mão ao lhe passar a taça e confiou em que ele não se desse conta.
– O que têm descoberto? -perguntou ele.
– Que a donzela não viu nada fora do normal em sua morte. Ela acredita que foi um transtorno intestinal. Diz que a senhora Birkshaw estava muito doente e não podia reter a comida.
– Poderiam ser muitas coisas.
– Se. A garota parece que a queria muito. Diz que o senhor Birkshaw não estava presente quando adoeceu sua mulher, mas que retornou a casa em conto o avisaram. Também parece ter uma alta opinião dele. Acredita que os dois se amavam com devoção.
Seu acompanhante arqueou uma sobrancelha.
– Detecto uma nota de reserva nessa afirmação? Não se amavam tanto?
– Acredito que ela o amava e ele ao parecer se comportava muito bem com ela. Por isso me disse , não acredito que a amasse. Qualificou seu matrimônio como um de conveniência.
– Não lamenta a perda de sua esposa?
– Não comecem -disse Rachel com firmeza –. Apreciava-a e tanto a donzela como ele dão a entender que foi um bom marido, mas não acredito que a amasse -suspirou –. Parece-me muito triste essa disparidade de sentimentos.
– Possivelmente sempre é assim... os sentimentos são mais fortes em um lado que em outro.
Rachel o olhou.
– Isso seria ainda mais triste, verdade?
– O amor às vezes é injusto -disse ele com brutalidade. Deixou a taça e ficou em pé. Começou a passear pelo quarto –. Hoje falei com um dos lacaios do Birkshaw. Ele tampouco suspeita nada da morte da mulher, mas há dito algo interessante... um dos lacaios deixou seu emprego faz três meses e se transladou a Londres. que falou comigo o viu não faz muito em um botequim e lhe deu sua direção, que me vendeu encantado. Perguntei-lhe por que partiu o outro e diz que era de Londres e não gostava de viver nos York, que só tinha trabalhado seis meses com eles... três meses antes da morte da senhora Birkshaw .
– E deixou a residência três meses depois da morte?
– Sim -olhou-a aos olhos –. E o mais interessante é que era o lacaio que levava a bandeja da senhora Birkshaw a seu quarto quando adoeceu.
– Sempre?
– Em quase todas as comidas. Não era uma tarefa que gostasse a outros... subir dois pisos de escadas com uma bandeja pesada sem derramar o caldo do tigela. E tinham medo da enfermidade. Assim que encomendaram a tarefa a ele. E em uma ocasião em que o mordomo encarregou a missão a outro, ofereceu-se a fazê-lo ele.
– Isso é interessante. Sem dúvida teve a oportunidade de envenenar a comida da senhora Birkshaw... caso que morrera assim.
– Michael assentiu.
– Sim.
– Mas se a envenenou o lacaio, certamente isso significa que alguém lhe pagou para fazê-lo.
– Com toda probabilidade o marido da pobre mulher.
– Não foi Anthony -repôs Rachel com firmeza –. por que assumem que foi ele?
– Em um caso de assassinato tem que ver quem se beneficia. Neste caso é o marido.
– Mas por que pagar a alguém quando podia fazê-lo facilmente ele sozinho? Vivia na mesma casa.
– Sim, mas a primeira semana estava ausente, o que lhe dava uma espécie de álibi. É obvio, quando se inteirou de que estava doente, teve que ir interpretar o papel de marido preocupado.
– Não posso acreditá-lo.
– Vocês hão dito que não a amava.
– Sim, mas há uma grande diferencia entre não amar a sua esposa e matá-la.
– Para começar, não sabemos se a mataram. E de ser assim, se esse lacaio teve algo que ver. Por isso quero ir ver o.
– Agora? -Rachel ficou em pé –. Quero ir com você.
– Comigo? Não. Disso nada.
– por que não? Vocês disseram que trabalharíamos juntos nisto. Suponho que será melhor que haja duas pessoas para julgar se esse homem diz a verdade quando o interrogarem.
– Falamos de um homem que pode ter matado a uma mulher. Não penso permitir que estejam na mesma habitação que ele.
Rachel o olhou com desgosto.
– Envenenou-a. Prometo não comer nem beber nada do que me ofereça.
– Falo a sério.
– Eu também. O que me vai fazer com você ali? Não acredito que saque um par de pistolas e nos mate aos dois porque lhe façam umas perguntas. E duas pessoas serão melhor que uma se for perigoso.
– Pensam lutar com ele se for perigoso? -perguntou Michael.
– De ser preciso, faria-o -replicou ela –. Não obstante, se tiverem uma pistola pequena, posso escondê-la em minha bolsa e tirá-la se ocorrer algo.
– A ele não sei, mas me estão assustando.
– Se não ia a sério o de investigar juntos, continuarei por minha conta.
– Maldita seja! Não lhes permitirei...
Rachel se cruzou de braços e o olhou com as sobrancelhas levantadas.
– Perdão? Não acredito que vocês sejam quem para me permitir ou não me permitir algo.
Michael apertou os dentes.
– É obvio que não, lady Westhampton. Se querem lhes pôr em perigo, não há nada que eu possa fazer.
– Não me porei em perigo -replicou ela –. Não digam tolices. Posso levar um lacaio comigo, ou poderia me acompanhar Anthony. -É obvio sabia que não faria isso. Não tinha intenção de voltar a ver o Anthony devido à promessa que tinha feito ao Michael, mas aquele homem não sabia. Não havia razão para não lhe fazer acreditar que continuaria a investigação sem ele.
Os olhos dele brilharam com força.
– Você não... – golpeou uma mesa de mogno próxima, o que fez dançar as figuras de porcelana fina que havia em cima –. Maldita seja! São a mulher mais lhe exasperem que tive o infortúnio de conhecer.
– Nesse caso, presumo que vivestes muito sozinho -repôs ela com amabilidade. Sabia que tinha ganho a discussão.
– A ninguém exceto a você lhe ocorreria lhes levar a um possível assassino como amparo.
– OH, Anthony Birkshaw não é mais assassino que eu. vamos interrogar ao lacaio, sim ou não?
– Não podem ir vestida assim -protestou ele –. É evidente que são uma dama. Jamais falaria diante de você.
Rachel se olhou o vestido com o cenho franzido.
– Porei-me um de minha donzela -disse.
– Isso levaria muito tempo. Não tenho desejos de ir por aí com você de noite convidando aos ladrões a nos atacar.
– OH, só querem me pôr obstáculos -protestou ela.
– E o consigo? -sorriu ele.
– Sim. Lhes dá muito bem.
O homem suspirou.
– Está bem. Podem tomar emprestado um pouco do Lilith
– Não está aqui. foi à casa de jogo.
– Não importa. Pedirei-lhe à donzela que lhes busque algo. Ao Lilith não importará.
Rachel não estava tão segura disso, mas desejava tanto ir que não queria pôr pegas. Hobson chamou à donzela, que, depois de ouvir o que queriam, levou ao Rachel ao quarto do Lilith e tirou dois vestidos, um vermelho brilhante e outro azul muito vivo. Rachel, que se sentia atrevida, escolheu o vermelho e se trocou com ajuda da donzela.
Olhou-se ao espelho com uma mescla de alegria e medo. Não era um vestido que levaria uma dama. Tinha mais decote de que tinha brilhante nunca e, como além disso era algo mais grosa que Lilith, o tecido se atia nos peitos. Mas a cor alegre realçava sua compleição e a excitação fazia brilhar seus olhos e se sentia mais voluptuosa que nunca.
Baixou as escadas nervosa, pensando na reação do James. Não teve que esperar muito. Ele estava ao pé das escadas, e quando a viu assim embelezada, respirou com força, abriu a boca e voltou a fechá-la.
– Acredito que não vai ser fácil lhes proteger vestida assim -disse.
Mas Rachel tinha visto o fogo que tinha iluminado seus olhos ao vê-la e soube que a desejava. O terrível do fato era que esse desejo tinha despertado outro similar nela. Algo tremente, agarrou-se ao corrimão e seguiu baixando.
Olharam-se um momento ao pé das escadas. Os olhos dele se fixaram em seus lábios e Rachel se perguntou se ia beijá-la. Ela queria que o fizesse.
James pigarreou.
– Traz também uma das capas da senhora Neeley -gritou à donzela.
Rachel o olhou com ironia. O rosto dele se ruborizou um pouco e se voltou para a porta.
– vou procurar uma carruagem enquanto baixa.
Saiu aos degraus e Rachel se aproximou da porta para olhá-lo. Justo quando ele chegava à rua, ouviu-se um ruído surdo e algo golpeou os degraus de pedra. James se voltou pela metade e caiu ao chão.
Rachel soltou um grito e correu para ele.
– Não! Atrás! -Hobson ficou de pé agarrando o braço e começou a subir os degraus.
Rachel não fez conta, agarrou-lhe o braço ileso com as duas mãos e atirou dele pelos degraus e ao interior da casa. Fechou a porta com o pé e o ajudou a chegar à escada, onde ele se deixo cair sentado. sujeitava-se ainda o braço com a outra mão e baixou a vista para ali. A manga da jaqueta estava manchada de sangue.
Rachel seguiu seu olhar e tragou saliva.
– OH. OH!
Sentou-se rapidamente no degrau a seu lado e apoiou a cabeça nas mãos com os cotovelos sobre os joelhos.
– Eles dispararam, verdade? -conseguiu perguntar.
– Isso parece.
– por que? Quem?
– Não tenho nem idéia. me ajudem a me tirar a jaqueta.
– Mas...
– Rachel...
– Está bem. Têm razão. Isso agora não é importante -respirou fundo e agarrou com cuidado as lapelas da jaqueta. Desceu-a pelos ombros, mas seu cuidado não impediu que ele respirar com força e lançasse um gemido. Ao fim conseguiu lhe tirar o objeto. A camisa de debaixo estava ainda em pior estado, com grande parte do braço coberto de sangue e um buraco escuro onde tinha entrado a bala.
– vamos cortar essa manga -sugeriu ela –. Vamos. Onde está o estudo?
James assinalou a parte de atrás da casa e tomou o braço bom e o ajudou a levantar-se. Seguiram pelo corredor central até um estudo pequeno situado à esquerda.
– Há licor nesse armário -disse Hobson, assinalando um armário de mogno.
Rachel se aproximou dele e tirou uma garrafa de líquido marrom e um copo, que deixou na mesa onde Hobson se sentava no bordo, com as pernas firmes no chão. Lhe serve meio copo de uísque com mãos que tremiam tanto que os cristais chocavam entre si, e o passou.
Hobson deu um gole comprido.
– Tesouras -disse, assinalando a gaveta superiora da mesa.
Rachel o abriu e tirou as tesouras, voltou-se e começou a cortar com cuidado a manga à altura do ombro. Tirou a manga por abaixo e teve que atirar um pouco quando se enganchou na ferida. Hobson fez uma careta mas não disse nada e ela terminou de tirá-la e deixou ao descoberto a ferida.
Tendeu a mão, tirou-lhe o copo e tomou um gole. Deu um coice quando o líquido desço por sua garganta e caiu em seu estômago. Hobson soltou uma risita suave e lhe tirou o copo.
– Podem lombriga a parte de atrás do braço? A bala o atravessou?
Rachel inclinou a cabeça para ver o lado contrário do braço, onde havia outro buraco na carne.
– Sim, parece que o atravessou. Enviarei a um dos serventes a procurar o doutor.
– Não, não é necessário. Se a bala tiver saído, não o necessito. Só temos que limpar a ferida.
Rachel reprimiu um gemido.
– Não acredito que... endireitou os ombros. Não podia entregar-se nesse momento aos melindres de uma dama.
– De acordo -disse.
Hobson terminou o copo e se serve outro; logo chamou à donzela e pediu água e trapos. Seguiu bebendo até que chegaram e então Rachel começou a lhe limpar a ferida com cuidado com um trapo úmido.
Ele soltou um gemido e ela o olhou duvidosa.
– Deixo-o?
– Não, continuem. Não me façam caso e limpem bem -tragou outro sorvo de uísque.
Rachel fez o possível por seguir seu conselho e não lhe fazer caso enquanto lavava com gentileza o sangue da ferida, mas era difícil estando tão perto dele. Resultava-lhe muito estranho estar tão perto de um homem, cheirar seu fôlego a uísque e sentir o calor de seu corpo. Quando ele voltou a cabeça e a olhou aos olhos, ficou sem fôlego.
– São formosa -murmurou ele com voz pastosa.
– E vocês estão bebido -repôs ela.
Hobson soltou uma risita
– Têm que jogar uísque na ferida -disse
– O que? Estão louco? Não o farei! Queimará-lhes terrivelmente.
– Sei. E embora agradeça sua preocupação, é o que devem fazer. Ajudará-me.
Rachel o olhou comprido momento; suspirou e assentiu com a cabeça.
– Está claro que não é a primeira vez que lhes acontece isto.
Levantou seu braço com uma mão e jogou uísque diretamente na ferida. Ele emitiu um som surdo e ficou tenso, e Rachel o olhou com ansiedade. Seu rosto tinha empalidecido grandemente.
– Estão bem? -sussurrou.
Ele abriu os olhos e a olhou.
– por que sussurram? -perguntou, também em um murmúrio.
– Não sei -respondeu ela em voz alta. Soltou-lhe o braço com uma careta exasperada –. Tinha medo de lhes haver feito mal, mas já vejo que isso é impossível.
– Surpreenderiam-lhes.
– Não o duvido.
Colocou um trapo dobrado a ambos os lados da ferida e começou a envolvê-los com uma tira larga de linho.
– Criem que lhes dispararam por sua investigação da senhora Birkshaw? -perguntou.
– Não tenho nem idéia. Estou trabalhando em outras coisas. E há pessoas que me guardam rancor de antes.
– Alguém disse ao Michael que devia andar com cuidado, que havia uma pessoa a que não gostava do que fazia. É obvio, a advertência era para você. Tinha que lhes haver isso dito, mas não me ocorreu.
Hobson moveu a cabeça.
– Não lhes preocupem. É impossível proteger-se de alguém que espera escondido e te dispara quando sai pela porta -fez uma pausa –. Entretanto, acredito que no futuro sairei pela porta de atrás -acrescentou com um toque de humor.
– Viram a alguém?
– Não. Na rua não vi a ninguém. Estava escondido. Acredito que o disparo há partido de acima, possivelmente do edifício de em frente ou inclusive do telhado -olhou seu braço ferido, onde ela atava já os borde da atadura –. Qual foi o caminho da bala? A saída está mais baixa que a entrada, verdade?
– Sim. OH, entendo, isso significa que dispararam de acima.
Tomou as tesouras, cortou os borde da vendagem e os colocou para dentro.
– Já está; preparado.
Começou a apartar-se, mas ele a reteve lhe sujeitando a boneca com a outra mão.
– Obrigado.
Rachel o olhou. A risada tinha desaparecido e seus olhos estavam sérios.
– De nada
Soltou-lhe a boneca, levantou a mão e lhe roçou a bochecha com os nódulos.
– fostes muito gentil.
– Tentei-o -lhe fazia cócegas a pele onde a tocava e sentia que o calor sufocava suas bochechas.
Os olhos dele se fixaram em seus lábios e baixaram logo para a parte de peitos cremosos que mostrava o decote do vestido vermelho. Acariciou-lhe o lábio superior com o dedo indicador e baixou logo os dedos por seu pescoço, seguindo o atalho que tinham tomado seus olhos, até que descansaram na parte superior dos peitos dela.
Rachel se estremeceu. Todo seu corpo estava vivo. Não podia apartar a vista dele. E por muito que o tentava, não podia regular sua respiração, que era mais rápida e brusca. A mão dele roçou sua pele acetinada e se deslizou devagar para o outro peito.
– Estou... -disse ela, incapaz de pensar com coerência –. Estou casada.
– Seu marido não lhes merece -repôs ele com voz rouca, olhando como acariciava sua mão a parte superior dos peitos dela.
– OH, se! É um homem muito bom -lhe custava trabalho pensar.
– Não lhes satisfaz -continuou ele com voz rouca –. Isso se nota. Têm o aspecto de uma mulher que... -seus dedos se deslizaram por debaixo do bordo do vestido, acariciando a pele suave e descansaram no botão duro do mamilo –... não pertence a um homem.
O contato de seu dedo com o mamilo arrancou um gemido ao Rachel. Nunca havia sentido nada tão atrevido, tão pouco cavalheiresco Y... o dedo começou a mover-se no mamilo e ela se mordeu o lábio inferior.
Fechou os olhos com prazer e as mãos em um punho aos flancos.
Michael a observava, comovido pelo desejo evidente que expressava seu rosto. Baixou o decote com impaciência e tomou o peito na mão. Rachel se estremeceu e se cambaleou um pouco. Ele apertou com gentileza o peito ao tempo que acariciava com o dedo o mamilo, já duro.
Era vagamente consciente de que estava bastante bêbado e certamente lamentaria todo aquilo pela manhã, mas nesse momento não lhe importava. A mulher a que levava anos desejando estava agora ante ele, desfrutando de suas carícias, e não queria parar. Nem sequer estava seguro de poder fazê-lo. No momento não lhe importava se Rachel acreditava estar desfrutando das carícias de outro homem. Solo queria desfrutar dela.
Inclinou-se e a beijou nos lábios. Ela se conteve um pouco e logo jogou os braços ao pescoço e lhe devolveu o beijo com naturalidade. Ele a rodeou com seu braço são com um gemido e a estreitou contra si.
O desejo embargou ao Rachel, deixando-a atônita. Nunca havia sentido essa força, essa necessidade que ignorava todo o resto. Deixou de pensar e se limitou a sentir. aferrou-se a ele com força e lhe devolveu o beijo entrelaçando sua língua com a dele. Tinha os peitos tenros e inchados, ansiosos por sentir de novo sua mão. Gemeu fundo na garganta e se esfregou instintivamente contra ele.
A mão dele baixou até seus quadris e a apertou contra si. Rachel o sentia duro e vibrante contra ela e a mão dele acariciando a curva de suas nádegas a excitava ainda mais. Sentia um desejo profundo no abdômen, um calor úmido entre as pernas. As coisas que lhe tinha contado sua mãe anos atrás já não a assustavam nesse momento, em que solo havia excitação e desejo. Seu desejo interior queria ver-se realizado, queria-o a ele.
A mão dele subiu até os botões do vestido, começou a mover instintivamente o braço ferido para ajudar-se, mas o deteve uma pontada de dor foto instantânea. Seguiu trabalhando nos botões com uma só mão, mas entre sua estado de embriaguez e a falta de prática, progredia devagar e com estupidez.
Rachel se apartou e levou as mãos à costas para ajudá-lo com os botões, mas o gesto a desconectou por um momento, devolvendo a à realidade. achavam-se no estudo da casa do Lilith Neeley e ela estava a ponto de entregar-se ao James Hobson.
ficou imóvel e o horror pelo que fazia se refletiu em seu rosto.
– OH, meu deus! O que é...? Deveria estar na cama -ruborizou-se até a raiz do cabelo –. Quer dizer... não posso fazer isto. É uma loucura. Vocês estão bêbado e eu... eu acredito que estou louca.
– Rachel! Não! -tentou sujeitá-la, mas ela se soltou e correu à porta –. Não vão.
– É preciso. Não posso ficar. Isto é terrível. Não podemos... não sei o que me passou. Por favor... vou acima a me pôr outra vez meu vestido. Querem enviar um servente para me buscar um carro? Por favor...
– Sim.
Saiu da estadia e correu escada acima. A donzela do Lilith estava ali e a ajudou a trocar-se. Quando baixou de novo, James Hobson estava de pé no vestíbulo; parecia-se tanto ao Michael que ela se sentiu mais culpado ainda.
– Rachel...
– Não -levantou a mão –. Isso não pode voltar a ocorrer. Não podemos fazê-lo. Sei que você não me ides acreditar, mas sou uma mulher de moral. Tenho um marido e não o trairei desse modo; devem compreendê-lo.
Ele não respondeu.
– Me prometam que não... que isto não voltará a ocorrer. Não posso seguir trabalhando com você se não mantermos as distâncias.
– Você desejam isso -disse ele em voz baixa –. Sei. Sinto muito.
– Isso não significa que tenha que ceder ao desejo -repôs ela com firmeza.
Hobson apartou a vista.
– De acordo, compreendo-o. Não farão o amor com outro homem que não seja seu marido.
– Sim. Assim é. Têm que aceitá-lo.
– Aceito-o.
– Muito bem. Então... adeus -vacilou um instante e saiu pela porta.
Ao dia seguinte, Rachel ficou em casa sem receber a ninguém. Não havia ninguém a quem queria ver além do James Hobson nem nada que queria fazer exceto estar com ele. Sabia que era uma loucura e que, se seguia vendo-o, acabaria sendo um desastre. Pela primeira vez desde suas bodas estava sob o conjuro do Eros e isso a perturbava muito. Sempre se tinha considerado uma mulher fiel, digna de confiança, honesta, uma mulher que jamais pensaria em ser infiel. E a noite anterior tinha estado a ponto de deitar-se com o irmão de seu marido!
Hobson tinha desculpas, estava ébrio. Mas ela não tinha nenhuma, como não fora que o medo e a emoção depois do ataque ao Hobson, a preocupação e a tensão de lhe curar a ferida, tinham-na alterado de tal modo que não era ela mesma. Tinham-na levado a atuar de um modo impróprio dela.
Decidiu que, em circunstâncias normais, jamais teria feito isso e, portanto, não voltaria a ocorrer, já que não voltariam a ver-se na mesma situação. Certamente ao senhor Hobson não lhe pegavam um tiro todos os dias.
Além disso, tinha aceito sua atração pelo James Hobson e lhe havia dito que não se deitaria com ele. E ele havia dito que aceitava sua decisão. E se os dois estavam empenhados em evitá-lo, não havia perigo de que voltasse a ocorrer.
portanto, quando ao dia seguinte recebeu uma nota do James em que lhe dizia que queria ir ver o lacaio essa tarde, respondeu-lhe que estaria em casa de sua irmã à uma.
– Que tal o braço? -perguntou-lhe quando ele se sentou na carruagem em frente dela.
– Muito bem -assegurou-lhe ele, embora ela sabia que mentia pela careta de dor que fez ao sentar-se e pelo modo estranho no que levava o braço –. Por sorte é o esquerdo, assim não me imobilizará muito.
– Têm idéia de quem pôde fazê-lo ou por que?
Hobson negou com a cabeça
– Sir Robert cruzou a rua e conseguiu subir ao telhado. Há um bom sítio para esconder-se detrás da chaminé e havia telhas movidas e rotas. Acredita que o assaltante teve que disparar de ali. Mas isso não é de muita ajuda, já que não sabemos quem pôde ser. E eu posso fazer pouco para me proteger além de resolver o mistério.
– Ou os outros casos nos que trabalham.
– Sim. Ou os outros casos.
Olhou-a e sorriu fracamente.
– Vejo que assaltastes o guarda-roupa de sua donzela.
Era certo. Rachel levava um vestido que lhe tinha emprestado a donzela, um objeto marrom de pescoço redondo singelo e botões até o pescoço.
– Sim. E me tomou por louca quando o pedi.
Hobson sorriu com olhos brilhantes.
– Eu gostava mais do outro.
Ela se ruborizou, mas não pôde reprimir um sorriso de resposta. Tinha medo de que ambos se sentissem muito incômodos depois dos beijos lascivos do dia anterior, mas o comentário zombador dele tinha quebrado o gelo.
Não foi difícil encontrar a direção do lacaio, já que o carro os deixou quase na porta. Sua habitação estava situada a um flanco da casa e ainda por cima de uma escada estreita, e abriu a porta assim que chamou James.
Ao parecer esperava a alguém, já que franziu o cenho ao vê-los.
– Quais são?
– Meu nome não importa -repôs Hobson; empurrou a porta com força para impedir que o outro a fechasse e entrou no quarto seguido pelo Rachel.
O outro os olhou surpreso, mas se fez a um lado e lhes permitiu entrar. Rachel olhou a habitação. Estava escura, já que só havia uma janela com as venezianas parcialmente fechadas, mas havia luz suficiente para ver que era uma habitação bastante grande com uma cama sólida embora pequena, uma mesa, duas cadeiras e uma cômoda de carvalho. Entretanto, não estava poda... seu ocupante fazia semanas que não varria o chão nem limpava o pó e a roupa da cama estava amontoada.
Hobson tirou uma das cadeiras de respaldo reto para que ela se sentasse e se inclinou antes a lhe limpar o pó com seu lenço. Rachel se sentou e ele ficou de pé a seu lado.
– Ben Hargreaves? -perguntou-lhe ao lacaio.
– E o que se o for?-perguntou este a sua vez de mau humor.
– Então são o homem que procuro -repôs James. Tirou uma coroa de ouro do bolso e observou ao Hargreaves.
Este olhou a moeda e logo a ele.
– Sou Hargreaves. O que querem de mim?
– Um pouco de informação, nada mais. Tenho entendido que trabalharam para o senhor Anthony Birkshaw. É correto?
O outro ficou rígido e o olhou com nervosismo
– Se. E o que se for assim?
– Também tenho entendido que trabalhavam para ele durante a enfermidade e morte da senhora Birkshaw.
– Sim.
– E que você levavam isso a bandeja com a comida todos os dias de sua enfermidade.
– E o que? -perguntou Hargreaves com gesto de desafio.
– Nada. Só queria estabelecer que são o homem indicado.
– Do que falam? -grunhiu o outro –. O homem indicado para que?
– Para esta moeda de ouro -James a lançou ao ar e a apanhou com facilidade –. Quero que me falem da morte da senhora Birkshaw. Como ocorreu?
– Como? -disse o antigo lacaio –. ficou doente e morreu, isso é tudo.
– Eu esperava mais detalhes.
O homem suspirou
– Deveu comer algo que lhe sentou mau. Uma noite começou a vomitar. Mas não era a primeira vez. acontecia com miúdo. Solo que aquela vez não se parou. Então começaram a lhe enviar a comida em bandejas porque não gostava de levantar-se da cama.
– E recordam o que lhe levavam?
– Sopa, quase sempre. Mas estava tampada. E eu não a desentupia para olhar.
– E a deixavam na porta ou a passavam à habitação?
– Normalmente batia na porta e a dava à donzela.
– E isso foi assim antes e depois de que o senhor Birkshaw voltasse para casa?
– Sim. O que acontece isso Eu não fazia nada mau, solo lhe levar a bandeja.
– Nesse caso, suponho que não faziam nada mau.
Rachel notou que o acento do Hobson era mais espesso com esse homem que com ela. E pensando-o bem, o dia que o conheceu também falava assim. Pensou que era um esnobe à inversa, que queria que outros tomassem por menos fino do que era.
– E outros? -perguntou James –. Possivelmente viram alguém jogar algo na comida da senhora Birkshaw. Na cozinha, talvez, ou acima, depois de lhe entregar a bandeja à donzela.
– Não, claro que não. Quem ia jogar lhe algo à comida da senhora?
– Podia ser medicina -sugeriu Rachel. –. Alguém que lhe jogasse a medicina na comida.
Hargreaves esgotou os olhos.
– E por que foram fazer isso?
Rachel não respondeu; limitou-se a arquear as sobrancelhas e olhá-lo, até que ele apartou a vista.
– Para quem trabalham agora? -perguntou Hobson.
– Para ninguém – parecia aliviado de trocar de tema –. Por minha conta.
– Mmmm -James olhou a seu redor –. Têm uma boa habitação. Grande.
– Eu gosto -cruzou-se de braços e o olhou de marco em marco –. O que lhes importa a você?
– Nada -James se encolheu de ombros e tocou ao Rachel no braço –. Acredito que já vamos.
Hargreaves franziu o cenho.
– E se pode saber quem são e o que fazem aqui?
– Ganhar a vida, igual a você -repôs Hobson.
Rachel o precedeu até a porta, mas uma vez fora o olhou molesta.
– por que nos fomos? por que não lhe têm feito mais pergunta?
– Por exemplo? Mataram vocês à senhora Birkshaw? -sugeriu James –. Não nos haveria isso dito.
Tinham chegado ao pé das escadas e ele girou à direita.
– Poderiam lhe haver perguntado de onde tira o dinheiro se não trabalhar -Rachel se sentia frustrada.
Ele se encolheu de ombros.
– Não nos haveria dito a verdade.
– E o que fazemos agora?
– Bom, pensei que podemos ir comer à mesma estalagem do outro dia.
Rachel soltou uma risita.
– Sonha bem -ignorou uma vocecita interior que lhe advertia de que outra comida a sós em um saloncito privado não era o melhor que podia fazer –. Mas eu referia a qual será o próximo passo na investigação.
– OH, bom, voltarei aqui e passarei algumas veladas nesse botequim demais abaixo a vê o que contam seus vizinhos dele, se gasta muito dinheiro e desde quando. Logo acredito que Bow Street terá interesse em falar com ele.
Rachel fez gesto de falar, mas ele se adiantou e levantou uma mão.
– Não.
– Ainda não sabem o que ia dizer.
– A resposta é não. Não podem ir ao botequim comigo. Poria nervosos a todos, incluído eu, ter uma mulher ao lado enquanto bebo com a gente. E dá igual como lhes vestiram. Não averiguaria nada.
Rachel fez uma careta; sabia que ele tinha razão, mas de todos os modos se sentia deixada de lado.
– Não é justo.
– Não -assentiu com placidez –. O mundo quase nunca o é.
Algo em seu modo de falar lhe recordou tanto ao Michael que sentiu uma dor no peito. Que fazia ali? Estava mau, por muito que se dissesse outra coisa.
– Entretanto -seguiu ele, sem notar a mudança de expressão dela-, podem me acompanhar a entrevistar a outra pessoa. De fato, suponho que é necessária sua presença.
– A quem? -perguntou ela com curiosidade.
– A seu amigo o senhor Birkshaw.
– Anthony? por que?
– Há algo que me preocupa. por que vos conta agora essa historia sobre a morte de sua esposa?
– Já lhes disse isso, porque acreditava que Michael podia ajudá-lo.
– Sim, Mas por que seis ou sete meses depois de sua morte? Algo lhe tem feito pensar agora em assassinato onde antes supunha que solo havia enfermidade?
– Não sei. por que lhes contrataram agora os parentes da senhora Birkshaw?
– O que? OH. Contrataram a um inspetor do Bow Street faz algum tempo. Ele não encontrou nada e depois recorreram a mi. tive sorte com alguns casos.
– Entendo. Sim que é um pouco estranho, verdade? depois de tanto tempo...
– Me ocorre que possivelmente seu amigo sabe algo mais.
– Muito bem, iremos ver o -assentiu ela.
Michael a olhou surpreso. Sentia ciúmes desde que lhe dissesse que tinha falado com o Anthony, e seu ciúmes se acrescentaram ainda mais ao ver como o defendia de suas suspeitas. Esperava que se negasse a ir ver o com ele.
Ela franziu o cenho.
– Mas como vamos explicar quem são?
– O que querem dizer?
– Que ele sim notará seu parecido com o Michael.
Hobson se encolheu de ombros.
– E o que importa? Dizem-lhe que sou meio irmão do Westhampton.
– OH, não! – exclamou ela –. Saberia-se e Michael se sentiria envergonhado. Nem sequer conhece sua existência. Não posso lhe dar uma informação ao senhor Birkshaw que meu marido desconhece.
Michael a olhou, extrañamente comovido.
– Nesse caso, farei-me passar por ele.
– O que?
– Se me trouxerem roupa dela, asseguro-lhes que posso ser bastante aristocrata se me empenhar -adotou um gesto altivo, com o queixo levantado e olhando por cima de seu nariz –. Né, você, me aproxime da carruagem. Muito bem -tirou o lenço do bolso e o aproximou delicadamente ao nariz –. Ah, como cheiram as massas! Espantoso!
Rachel se tornou a reir.
– Se quiserem que tome pelo Michael, não podem atuar assim.
– Moderarei-o um pouco.
– E o cabelo?
Michael se encolheu de ombros.
– Tão bem conhece seu marido? Não acreditará mas bem que estava confundido respeito à cor do cabelo?
– Sim, é provável.
Chegaram à estalagem O Javali Vermelho, onde tinham comido uns dias atrás, e foram acompanhados de novo ao saloncito particular.
– Acredito que é melhor que falemos aqui -explicou ele –. Eu não gosto de incomodar a minha irmã mais do imprescindível e além não é lugar para uma dama como você, sobre tudo quando sir Robert está ali.
Rachel arqueou uma sobrancelha.
– Não precisam me proteger, senhor Hobson. Sou uma mulher adulta... e casada
– Ainda assim... é uma situação incômoda.
– Surpreende-me que tomem tão bem a relação de sir Robert com a senhora Neeley -confessou ela.
Michael sorriu fracamente.
– O certo é que não há muito que eu possa dizer a respeito. Como vocês acabam de dizer, ela é uma mulher adulta.
– Isso não deteria meu irmão -comentou ela.
– Não, seguro que não -sorriu ele.
Rachel o olhou sentida saudades
– O que hão dito?
Michael se deu conta de que tinha cometido um deslize, já que se supunha que ele não conhecia o Devin Aincourt.
– Ah... quero dizer que é aristocrata e não acredito que haja um deles que não tenha a arrogância de querer dirigir sua vida.
– Dev não é arrogante -defendeu-o ela –. Mas se sentiria obrigado a me proteger.
– Lilith não necessita que a protejam do Rob. Conheço-o bem. Trabalhamos juntos durante a guerra. E a verdade é que ama profundamente a minha irmã. Seguro que desafiaria todas as normas sociais e se casaria com ela se estivesse livre.
– Está casado?
– Sim. É uma situação terrível.
– Um matrimônio de conveniência?
– Não, o certo é que se casaram por amor. Ela só tinha dezessete anos, mas seus pais aprovaram as bodas. Embora esqueceram lhe mencionar a sir Robert que era mentalmente instável.
– O que?
– Tinha manias peculiares. Ao princípio Rob tomou por tolices infantis. Mas quando ela ficou grávida, piorou muito e ele começou a dar-se conta de que sofria... desórdenes mentais. Depois do nascimento do menino enlouqueceu o bastante. Uma noite incluso tentou fazer mal ao bebê. Sir Robert a levou a médicos, mas não lhe deram nenhuma esperança. Quão único podia fazer era procurar que não lhe faltasse de nada e que não se aproximasse do menino. Tiveram que tirar de sua habitação tudo o que pudesse usar para fazer mal a outros ou a si mesmo e pôr barrotes nas janelas e uma fechadura forte na porta. A maior parte do tempo está inofensiva, embora conversa com pessoas que não estão pressentem, mas de repente ataca a seu guardiana e afirma que o ordenou Deus ou o arcanjo San Miguel.
– Que horrível!
– Sim que o é. Ele suportou isso muitos anos. Procura que esteja bem cuidada, mas, é obvio, não pode levar uma vida de verdade com ela. Conheceu o Lilith e a quer muito, mas não pode casar-se com ela. E Lilith não quer a ninguém que não ele seja. Quem sou eu para lhe dizer que não pode viver como quer nem ter o amor que deseja?
– Que história tão triste! -os olhos do Rachel estavam cheios de lágrimas –. Não posso culpar a nenhum dos dois pelo que escolheram.
Michael lhe tocou a bochecha, por onde rodava uma lágrima
– Choram por eles embora apenas os conhecem
– Sua história é muito triste. E entretanto, também há beleza nela. Deve ser maravilhoso saber que a pessoa que amas te corresponde apesar das convenções sociais e segue contigo embora não o retenha nada além do amor. Sem dúvida é mais triste viver sem amor.
– Alguns diriam que são pecadores.
Rachel o olhou aos olhos.
– Não sei. O amor é um pecado?
– Alguns diriam que isso é sozinho desejo
Ela não podia apartar a vista dele.
– E o desejo está tão afastado do amor?
– Rachel... -ficou em pé com brutalidade e deu a volta à mesa.
Tomou a mão e a pôs em pé. Abraçou-a e ela não foi capaz de apartá-lo e se deixou fazer. Sentiu sua força e um comichão de resposta no ventre.
– Não deveria -murmurou.
– Não -assentiu ele. Estreitou-a contra si, inclinou-se a beijá-la e ela fechou os olhos e levantou o rosto para ele.
Michael se deteve contemplar a beleza de sua cara, o arco das sobrancelhas finas sobre os olhos fechados, as pestanas que o abanicaban as bochechas, a linha reta do nariz e a curva dos lábios. Naquele momento a desejava tanto que logo que podia respirar, tanto que não queria pensar em que ela não o desejava a ele, a não ser ao homem criado por ele.
Beijou-a e esqueceu todo o resto. A paixão estalou entre ambos e se beijaram uma e outra vez, com um desejo desesperado.
Rachel tremia com a força dessa paixão. Desejava-o, necessitava-o, desejava seu contato. Gemeu e passou as mãos pelos ombros e braços dele. Queria sentir sua pele nua sob os dedos, inundar-se em seu calor.
Aferravam-se um ao outro com os corpos famintos. Ele baixou as mãos pelas costas e os quadris dela e voltou a subir pelos flancos até o peito.
Rompeu o beijo e percorreu o pescoço dela com os lábios. Sua mão apertou com gentileza um de seus seios e lhe acariciou o mamilo até que se endureceu e apertou o tecido do vestido. Ela gemeu com suavidade e ele introduziu a mão pelo decote e chegou até o peito. Seus dedos se curvaram sobre ele, procuraram o botão duro do mamilo e jogaram com ele. Rachel conteve o fôlego e um desejo quente floresceu entre suas coxas. Apertou as pernas, consciente do desejo feroz de sentir sua mão ali.
– James -murmurou
Michael ficou imóvel, o nome de seu outro eu o devolveu à realidade. Rachel captou sua vacilação e se deu conta de onde estava e o que fazia.
– OH, Deus! -sussurrou. apartou-se envergonhada e se colocou o vestido –. Isto está muito mal!
– Sei, sinto muito -murmurou ele, apartando a vista. A paixão percorria seu corpo, mesclada com um ciúmes amargos que teriam sido risíveis de não doer tanto.
– Não posso fazê-lo. Não posso trair ao Michael -olhou confusa a seu redor e tomou a capa e a bolsa –. Tenho que ir.
Pôs-se a andar para a porta.
– Não. Permitam que lhes busque uma carruagem -disse ele.
– Não! -Rachel fez uma pausa –. Quero dizer que não é necessário. Vi vários diante da estalagem e não me passará nada -baixou a vista, incapaz de olhá-lo –. Sinto muito. Está claro que não devo estar perto de você. Não posso...
Interrompeu-se e apertou os lábios.
– Não posso voltar a lhes ver. Terão que continuar a investigação sozinho -soltou uma risita triste –. Não duvido de que trabalharão muito melhor assim. Obrigado por... me permitir lhes ajudar. Ah... Adeus.
– Rachel! -Michael pôs-se a andar atrás dela, disposto a lhe dizer a verdade. Não queria que se fora, queria lhe dizer quem era, lhe mostrar que podia seguir trabalhando com ele como até então.
Mas a cautela e a razão o detiveram. Se lhe dizia a verdade, já não seria igual. enfureceria-se e o odiaria por havê-la enganado. E teria razão. Nada podia desculpar o fato de que levava dias lhe mentindo. Certamente seria o fim de qualquer possibilidade que pudesse ter de ganhar seu amor como ele mesmo.
Quão único podia fazer era vê-la afastar-se.
Rachel foi a sua casa e passou o resto do dia na cama, feita uma bola. Estava segura de ter feito o correto, quão único podia fazer. Mas por que lhe doía tanto? A idéia de assistir a festas e bailes, de passar largas tardes às compras com a Sylvia ou visitando seu amplo círculo de amigas e conhecidas a enchia de aborrecimento. Tentou recordar por que antes acreditava desfrutar dessa vida; não valia nada comparado com o que tinha feito nos últimos dias.
Não era sozinho a excitação do possível perigo nem a liberdade de ir aonde quisesse. Nem sequer as explosões de paixão que desejava voltar a sentir. O que mais sentiria falta de era... a ele. Pensou que não voltaria a falar com o James Hobson e seus olhos se encheram de lágrimas uma vez mais. E então se deu conta de que não só desejava a um homem que não era seu marido, mas sim além disso estava perigosamente perto de amá-lo.
Mas como, é obvio, fazia ainda mais imperativo que se afastasse dele. Embora pudesse controlar sua paixão, e já tinha demonstrado que não era assim, estar a seu lado a aproximaria mais ao amor.
Nos dias seguintes, tentou distrair-se com suas atividades de sempre. Visitou sua mãe, a Sylvia e a várias amigas mais; até foi ver o pai e a madrasta do Miranda para lhes contar como estava sua filha. deixou-se acompanhar pelo Perry Overhill à ópera; assistiu ao baile de lady Evesham e à festa de Luta Farnham. Dançou, fofocou, passou uma tarde inteira na sombrerería e comprou três chapéus.
E através de todo isso, não deixava de pensar no James Hobson. No que faria e em seus progressos no caso.
Uma noite, quatro dias depois de ter decidido que não voltaria a ver o James Hobson, estava sozinha em sua sala de estar pensando que seria bom sair de Londres. Voltaria para o Darkwater para acompanhar ao Miranda durante os últimos meses do embaraço e poder ver o Michael.
Sabia que estava mal que queria ver seu marido porque recordava a outro homem, mas não saberia ninguém Y... talvez Michael e ela pudessem aprender a conhecer-se melhor. Talvez pudesse voltar a amá-la e ela possivelmente conseguisse sentir por ele parte do que sentia por seu irmão ilegítimo.
Estava distraída com esses pensamentos quando a sobressaltou um ruído de passos no corredor. Levantou a vista no preciso instante no que Michael aparecia na soleira.
Rachel o olhou e por um momento pensou que era um conjuro de sua imaginação. Logo se levantou com alegria.
– Michael!
Sabia que seu sorriso era muito ampla, que ele certamente se perguntaria o que lhe ocorria. Mas não podia controlar-se, assim correu para ele com os braços abertos. No último momento lhe ocorreu que pareceria estranho que o abraçasse, como era sua intenção, e deixou cair os braços.
Tendeu-lhe a mão.
– Tudo bem? O que faz aqui? Pensava que levava a menos duas semanas no campo.
Estava distinto... com o cabelo loiro mais claro e mais curto... ou não, talvez o que ocorria era que estava distinto ao James Hobson.
– E assim era -repôs ele. Beijou-lhe a mão.
O beijo provocou um calafrio ao Rachel, que confiou em que ele não se desse conta. Tão lasciva era que agora qualquer homem despertava seus instintos mais baixos? Mas sabia que esse não era o motivo, que o desejava porque se parecia com seu irmão Mas tão mal estava isso? O que teria sido pecado com o James não o seria com o Michael. De verdade seria tão horrível que pudesse encontrar prazer com seu marido?
– Estava preocupado por você -disse ele; soltou-lhe a mão –. Pensei que tinha sido uma tolice voltar assim para minhas terras; o administrador pode encarregar-se delas. E se te acontecesse algo, jamais me perdoaria isso, assim voltei para Londres.
– Vá, obrigado. É muito amável.
Sentaram-se e o silêncio se apoderou deles. Logo começaram a falar de uma vez, detiveram-se e sorriram envergonhados.
– Você primeiro -disse Rachel.
– Solo ia perguntar te o que tem feito. Se tiver estado ocupada.
– OH, se, com bailes, festas e essas coisas -Rachel esperou não haver-se ruborizado –. O outro dia fui com o Perry à ópera.
– Como está Perry?
– OH, como sempre.
– E lady Sylvia?
– como sempre também.
Queria lhe contar o ocorrido e lhe falar de seus irmãos, mas não podia. Duvidava de que um marido aristocrata, embora fora tão bom e tolerante como Michael, aprovasse que andasse sozinha pelas ruas do East End em busca de antigos serventes do Birkshaw para interrogá-los. Esquivar balas e freqüentar uma casa de jogo, conversar com uma mulher que tinha um amante. Não, seguro que ele se enfureceria.
– Bom -disse ao fim –. Suponho que quer ir a seu quarto a te lavar depois da viagem. Direi-lhe à cozinheira que está aqui.
– Sim, é obvio.
Ela subiu as escadas com ele, embora não havia nenhum motivo para isso. Pararam um momento fora da porta.
– Confio em que o encontre tudo a seu gosto -disse ela.
– Seguro que se.
Rachel assentiu e se dirigiu a seu dormitório, situado ao lado. Entrou e olhou a porta que comunicava com o do Michael. como sempre, estava fechada.
depois de informar à cozinheira da chegada de seu marido, chamou à donzela e começou a vestir-se para o jantar, esmerando-se nisso. disse-se que era uma tolice sustentar esperanças. Que algo tivesse trocado nela não implicava que lhe ocorresse igual.
Ainda assim, não podia evitar pensar que ele a tinha amado uma vez, tinha-a desejado e talvez ficasse uma faísca em alguma parte, uma chama pequena que pudesse ressuscitar.
ficou, pois, suas pérolas e seu vestido favorito de seda verde e lhe pediu à donzela que lhe recolhesse o cabelo em alto com cachos soltos aos lados e caindo em cascata sobre os ombros brancos. Sabia que estava bonita e, quando entrou no comilão, acreditou ver uma faísca brilhar um instante nos olhos do Michael, embora à luz suave das velas era difícil estar segura.
O lugar não era precisamente romântico, porque, embora jantaram no mais pequeno dos dois comilões, estavam sentados em extremos opostos da mesa, com um fruteiro no centro entre eles e dois lacaios que lhes serviam a comida.
depois do jantar, Michael se desculpou dizendo que tinha que acontecer seu clube. Em realidade, tinha uma entrevista com um de seus informadores em um botequim, mas não podia dizer-lhe e se amaldiçoou interiormente quando viu a expressão de dor dela.
Tinha sido um parvo ao voltar, mas a jogava tanto de menos que se convenceu de que podia instalar-se em sua casa com ela sem pensar nos problemas inerentes a trabalhar em segredo desde sua casa, as mentiras necessárias para explicar suas ausências nem nos problemas de ter que converter-se em uma pessoa distinta a que Rachel e seus serventes viam ali.
Sabia que não podia descuidar-se. Seria desastroso que ela soubesse que se feito passar por seu irmão. ficaria furiosa com ele por havê-la enganado e teria todo o direito do mundo.
portanto, não podia conduzir-se com a liberdade de gestos que usava James Hobson e se via apanhado na mesma relação distante e rígida que sempre tinha mantido com ela. depois de ter aprendido a estar cômodo a seu lado, seria ainda pior ver-se condenado a voltar para seus velhos hábitos.
Mas teria que apertar os dentes e suportá-lo. Era seu castigo por haver-se metido naquela farsa.
Rachel se deitou cedo e mal-humorada. Não queria dá-la impressão de que tinha esperado levantada a volta dele. depois de tudo, se seu marido preferia o clube a sua companhia, muito bem; ela não ia ser tão parva para lhe fazer ver que o sentia falta de.
Entretanto, demorou bastante em ficar dormida. Deu voltas na cama, pensando no James Hobson e no Michael e tratando de ouvir ruídos em sua habitação que indicassem que havia tornado. Isso não ocorreu até depois de meia-noite e, quando o ouviu mover-se por ali, esperou, com o corpo tenso, o som do trinco da porta de comunicação.
É obvio, não chegou, e muito depois ela ficou dormida.
Pela manhã despertou mais animada. Sylvia dava uma festa essa noite e pediria ao Michael que a acompanhasse. Talvez se passavam a velada juntos... Talvez. Sentiu uma pontada de culpabilidade, porque sabia muito bem que o estava usando como substituto do James Hobson.
Mas apartou aquele pensamento. Se conseguia criar uma biografia de autêntico matrimônio com o Michael, valeria a pena, não? A vida não sempre era perfeita, e as pessoas tampouco. Ela menos que ninguém.
Quando o ouviu mover-se no quarto do lado, saiu ao corredor e bateu na porta. Entrou e o viu barbeando-se diante do espelho, sem camisa, com uma toalha arremesso sobre os ombros e o recipiente de barbear-se na mão. Estava criando espuma com o sabão de barbear e se achava voltado pela metade para a porta. Ao vê-la pareceu sobressaltar-se e seu rosto se cobriu de rubor.
– OH! Rachel! Acreditava que era o lacaio com água quente.
Ela também se ruborizou, muito consciente do estado semidesnudo dele e da palpitação de seu abdômen. O que lhe ocorria? por que se tinha convertido de repente em uma mulher luxuriosa que sempre parecia com o bordo do desejo?
Apartou a vista com rapidez enquanto ele procurava rapidamente sua camisa. Mas se deu conta de que agora tinha em frente o espelho da cômoda e de que Michael se refletia nele. Estava de lado, com a parte direita para ela, mas no espelho da cômoda se refletia também o de barbear-se e neste resultava claramente visível o braço esquerdo.
Franziu o cenho e olhou com atenção enquanto ele ficava a camisa. Na parte de atrás do braço havia uma mancha vermelha. Ele se girou para colocar o braço na manga e ela viu que na parte dianteira havia outra.
de repente compreendeu o que eram... as cicatrizes recém fechadas das feridas onde tinha entrado a bala... no braço do James Hobson. Michael e James Hobson eram a mesma pessoa!
– Já está – disse ele; aproximou-se grampeando-a camisa.
Rachel se voltou e confiou em que seu rosto não registrasse a surpresa que sentia. Forçou um sorriso.
– Sinto muito. Não devi entrar assim
– Não é problema -assegurou-lhe ele com um sorriso –. Queria algo?
– OH. Sim... queria te dizer que esta noite penso ir a uma festa em casa da Sylvia. Espero que não te importe.
– Quer que te acompanhe?
– OH, não. É uma velada musical. Muito aborrecida, temo-me. Não quero te arrastar a isso. Eu tampouco iria de não ser porque o prometi a Sylvia. Só queria comprovar que você não tinha feito outros planos para nós.
– Não. Suponho que irei a meu clube.
– Muito bem -ela se voltou para a porta –. Possivelmente nos vejamos logo. Sem dúvida estará ocupado hoje.
– Tinha pensado sair a ver uns amigos
– Muito bem. Eu farei o mesmo -dedicou-lhe outro sorriso falso e saiu pela porta.
Conseguiu chegar a seu dormitório sem que lhe falhassem as pernas. sentou-se no chão sem pensar em seu vestido nem em nenhuma outra coisa. Michael era James Hobson!
Pensou um momento se James tinha decidido fazer-se passar pelo Michael para entrar na casa; depois de tudo, era capaz de imitá-lo. Mas não, era impossível, já que Michael tinha falado a noite anterior de suas propriedades e os serventes e dito costure que seu irmão ilegítimo não podia saber.
Soltou uma risita histérica.
Michael tinha fingido todo o tempo. Lilith Neeley e ele tinham criado aquela farsa e lhe tinham feito acreditar que Michael era em realidade seu irmão. Incomodou-lhe pensar que se riram dela daquele modo. Recordou envergonhada o tempo que tinha passado com ele. Que tola, que ingênua tinha sido!
Recordou como a tinha beijado, sabendo que era sua esposa mas permitindo que ela se sentisse culpado por trair a seu marido. Sentiu dor seguida de raiva por que? Tanto a odiava Michael?
Mas não importava. Porque agora ela também o odiava a ele.
Uma idéia cruzou por sua mente, tão brilhante e inesperada que ficou em pé de um salto Daria resultado? aproximou-se da janela e apareceu ao exterior, considerando todos os fatores. Podia funcionar. Sorriu com olhos brilhantes de fúria e atirou do cordão do sino.
– Que preparem a carruagem -disse à donzela que respondeu –. vou sair.
Foi primeiro ao Javali Vermelho, a estalagem onde tinha comido duas vezes com o James. O hospedeiro lhe mostrou as melhores habitações e ela viu que o lugar se adequava ainda melhor a suas intenções do que tinha suposto, já que tinha uma suíte de duas habitações com uma porta entre elas e as duas tinham também saída para corredor.
Alugou ambos quartos e se sentou a escrever uma nota ao James Hobson. Pagou a um moço para que a levasse a casa do Lilith Neeley com a esperança de que Michael passasse por ali para disfarçar-se ou de que Lilith lhe avisasse da mensagem. Era a única parte do plano que não controlava pessoalmente. Pensou pospô-lo um dia para lhe dar tempo de sobra a receber a mensagem, mas se deu conta de que não poderia suportá-lo. Sua dor e sua raiva exigiam vingança imediata. Não podia esperar, não podia dar-se tempo para pensar ou a dor a tragaria.
Depois foi a sua casa e começou a preparar o resto do plano. Tirou de seu armário um vestido verde esmeralda que realçava o tom de seus olhos, um objeto que ficava muito pouco porque era mais decotada do que gostava, mas que seria perfeita para aquela noite.
Sentou-se e descosturou os pontos que costuravam a tira de encaixe que decorava o decote, deixando-o ainda mais aberto. Logo colocou as costuras de ambos os lados e o deixou muito estreito. Quando o provou depois das alterações, viu que os peitos se sobressaíam por acima e por um momento duvidou se ficar o mas logo endireitou os ombros e se disse que não devia ser idiota. Esse era precisamente o efeito que procurava.
O seguinte foi um banho, lavar o cabelo e o comprido e tedioso processo de escová-lo diante do fogo até que se secasse. Seguiu um tratamento de beleza que deixou seu rosto suave e reluzente. Ao fim se fez um coque singelo no cabelo. Não queria que o fizesse a donzela, porque então a ajudaria também a vestir-se e Rachel não tinha intenção de que ninguém da casa a visse com aquele vestido.
Quando conseguiu meter-se no vestido, custou-lhe bastante grampear os botões da parte de atrás. Se Miro ao espelho e o que viu a escandalizou um pouco. Estava encantadora... a perspectiva da batalha lhe tinha posto uma luz nos olhos e um brilho nas bochechas que resultavam muito atrativos. E o vestido cumpria de sobra com suas expectativas. atia-se tanto no peito que podia ver os pequenos botões dos mamilos e o decote baixava quase até ali, com a parte superior dos peitos ameaçando saindo-se em qualquer momento.
É obvio, era o que procurava, mas sentiu certo temor a apresentar-se assim ante o Michael. Por um momento, duvidou de se poderia seguir adiante. Mas logo recordou uma vez mais como a tinha enganado e a invadiu a raiva. Teria sua vingança. Não se deixaria acovardar.
Envolveu-se em uma capa de veludo negro e saiu de casa.
Ao Michael custava concentrar-se em seu trabalho. E de todos os modos começava a parecer que não tinha muito sentido. reunia-se com seus distintos contatos e pedia uma informação que ninguém parecia, ou queria, lhe dar por muito que tentasse comprá-los ou inclusive ameaçá-los. E não lhe ajudava muito pensar em seu encontro com o Rachel daquela manhã.
Tinha deixado claro que não queria que a acompanhasse à festa da Sylvia. Até parecia nervosa, como se temesse que ele insistisse. disse-se que era sua imaginação, mas quando passou por casa de sua irmã, descobriu que tinha motivos para sentir receio.
Ali o esperava uma nota do Rachel dirigida ao James Hobson. Abriu-a e o coração lhe deu um tombo. Pedia-lhe que se reunisse com ela essa noite no Javali Vermelho. Por isso tinha recusado sua oferta de acompanhá-la a casa da Sylvia. Não acreditava que pensasse discutir o caso Birkshaw. propunha-se lhe ser infiel aquela noite.
Era irônico pensar que, se acudia, ficaria os chifres a si mesmo. Mas sabia que, embora aquilo lhe doía, iria à entrevista. Em seu interior se mesclavam a dor e a decepção com o desejo.
Pensou em beijá-la, tocá-la, inundar-se nela, e soube que não podia não ir por muito que lhe doesse pensar que ela esperava em realidade a outro homem.
Rachel esperava sentada no bordo do pequeno sofá. Seu estômago era um nó de nervos e lhe custava tanto respirar com aquele vestido estreito que se sentia um pouco enjoada. Desde sua chegada à estalagem tinha pensado uma dúzia de vezes em envolver-se na capa e sair correndo, mas se tinha obrigado a permanecer ali. Estava decidida a fazer aquilo.
A habitação estava iluminada com uma dúzia de velas que davam à estadia um brilho quente e dourado. O hospedeiro lhes tinha disposto um festim, embora ela não tinha intenção de prolongar tanto a velada. Também lhes tinha deixado uma garrafa de vinho e ela tinha bebido um copo para dar-se valor, com o resultado de que se achava um pouco enjoada.
Quase era a hora que tinha fixado para a entrevista E se ele não aparecia?
Ouviu ruído de passos no exterior e ficou em pé olhando a porta. Esta se abriu e entrou Michael vestido do James Hobson. Voltava a ter o cabelo castanho e ela duvidou um momento. Mas logo viu que sua longitude era quão mesma a do novo corte de cabelo do Michael embora tinha tentado penteá-lo de outro modo.
Ele se deteve bruscamente com uma expressão atônita no rosto. Seus olhos percorreram o corpo dela antes de voltar para a cara. Rachel sorriu. O vestido tinha produzido a reação desejada. Cruzou a estadia para ele movendo os quadris.
– Olá, James -disse com voz baixa e provocadora.
Ele pigarreou.
– Rachel.
– Começava a pensar que não foste vir -deteve-se solo umas polegadas dele e o olhou aos olhos.
– Como crie que poderia evitá-lo? -perguntou ele. Seus olhos, obscurecidos pelo desejo, mostravam a cor pesada das nuvens de tormenta.
Rachel sorriu brincalhona e subiu os dedos pelo peito dele.
– Esperava que não pudesse.
– Embora deva admitir que estou um pouco surpreso. Acreditei que tinha decidido ser fiel a seu marido -seu acento tropeçou um pouco nas últimas palavras e esse tropeço acrescentou a determinação do Rachel.
– Ao igual a você, tenho descoberto que não posso me manter afastada -disse –. Lorde Westhampton pode ser meu marido, mas você é o homem que desejo. É você o que me deixa sem fôlego, que me faz sentir como se...
Michael a abraçou e a estreitou contra si, lhe impedindo de seguir falando. Seu beijo a alterou o bastante, tremiam-lhe de tal modo as pernas que não estava segura de poder se ter em pé sem sua ajuda. apertou-se contra o corpo duro dele e se entregou ao prazer do momento; queria permitir-se sentir o que não voltaria a sentir.
As mãos dele percorriam o corpo dela, acariciando-a através da roupa, e Rachel introduziu os dedos no cabelo dele e gemeu com suavidade. Nesse instante se achava imersa na paixão, seu corpo vibrava de desejo. Queria entregar-se a aquele desejo, conhecer o prazer que não tinha conhecido nunca.
Mas se apartou com grande esforço daquele precipício. Não podia ser débil. Por uma vez seria forte... tomaria as rédeas de sua vida. Não obedeceria os ditados de seu pai nem os do Michael; não a manipulariam mas. Ela, e só ela, decidiria o que seria sua vida.
Com aquela determinação, distanciou-se mentalmente do prazer físico que a embargava. Baixou as mãos pelo corpo dele com um gemido e o acariciou através da camisa de tecido áspero que levava em seu papel do Hobson. Notou a carne dele estremecer-se sob seu contato, até através da camisa, e a embargou uma doce sensação de poder.
Atirou da camisa e levou as mãos à parte de atrás, debaixo da jaqueta, para tirá-la da calça. A respiração dele se voltou ofegante, soltou um gemido quando os dedos dela começaram a desabotoar o primeiro botão.
Levou as mãos aos botões das costas do vestido do Rachel, mas esta o distraiu tomando as mãos e as levando a seus peitos. Ele perdeu rapidamente interesse nos botões e introduziu os dedos sob o decote para explorar os seios.
Rachel terminou de lhe desabotoar a camisa e levou a mão à pele nua de seu peito. Acariciou-lhe os mamilos até que ficaram duros; levou depois as mãos aos ombros dele e atirou da camisa e a jaqueta para trás até que ambos os objetos caíram ao chão e ela pôde lhe acariciar livremente o peito.
Beijaram-se uma e outra vez, ao tempo que retrocediam devagar. Ela ia avançando pouco a pouco para a porta e, enquanto, abriu-lhe a fivela do cinturão e começou a fazer o mesmo com os botões das calças. Ele se deteve e se tirou os sapatos com rapidez. Rachel introduziu os polegares na cinturilla da calça e atirou deste para baixo até que chegou ao chão e ele ficou nu contra ela.
Michael fez um ruído surdo com a garganta, levou as mãos às nádegas dela e a apertou contra si. Ela ouvia o tamborilar de seu coração e sua respiração ofegante.
Seus beijos se intensificaram à medida que ela retrocedia devagar até que esteve de costas contra a porta. Estirou a mão a suas costas e procurou o trinco, que fez girar em silêncio. Levou a outra emano à cintura do Michael e o empurrou com gentileza a um lado, sem interromper o beijo. Abriu a porta em silêncio e o situou de modo que ficasse justo em metade do gonzo.
Levou rapidamente as mãos ao peito dele e jogou a cabeça para trás. Ele abriu os olhos e a olhou confuso, com o rosto pesado pela paixão.
– O que..? -deveu notar algo à costas, já que começou a voltar-se para olhar, mas tomou o rosto entre as mãos.
– Deseja-me? -perguntou, sem fôlego por causa dos beijos e do jogo que se trazia entre mãos.
– Sim -os olhos dele se obscureceram e se inclinou para beijá-la.
Rachel se moveu para diante, mas em lugar de arquear-se para beijá-lo, apoiou as mãos com firmeza em seu peito e empurrou com todas suas forças. Michael, tomado por surpresa, precipitou-se ao corredor.
– O que...?
– Pois eu não te desejo! – gritou ela com fúria –. Michael!
Retrocedeu e fechou a porta com chave.
– Rachel! -rugiu ele, começou a golpear a porta com os punhos –. Que diabos quer dizer com isso? me deixe entrar!
Ela se jogou a capa pelos ombros e tomou a roupa dele. Ouviu gritar fora a uma mulher e Michael amaldiçoou em voz alta e seguiu golpeando a porta. Rachel sorriu com malícia, abriu a porta de comunicação entre as duas habitações que tinha alugado e saiu ao corredor pela porta da outra.
Olhou corredor abaixo ao Michael, que golpeava a porta e gritava seu nome, tão nu como o dia que nasceu. aberto-se outras portas e por elas apareciam algumas cabeças. Na porta de em frente da do Michael uma mulher se tampava os olhos com as mãos e gritava com voz gritã enquanto a seu lado um homem insultava ao Michael.
– OH, Michael! -chamou-o Rachel.
Este se voltou e pôs-se a andar para ela.
– Sugiro que passe a noite em casa do Lilith -disse: arrojou sua roupa à habitação que acabava de deixar e saiu correndo escada abaixo.
Ouviu que Michael punha-se a correr também a suas costas e logo se detinha. Ela já tinha contado com que teria que vestir-se antes de persegui-la.
Saiu correndo pela porta até um dos carros de aluguel que esperavam perto. Deu sua direção e subiu à carruagem.
Subiu com rabia a sua habitação, onde se tirou o vestido e o jogou ao fogo. Tirou um vestido marrom de viagem e o pôs, procurou uma bolsa no fundo do vestidor e a coloco sobre a cama. Abriu gavetas e começou a tirar roupa interior e camisolas.
E todo o tempo estava atenta ao som da volta do Michael. disse-se que não apareceria. Se já sabia que ela o tinha descoberto, para que incomodar-se em persegui-la? Não podia seguir divertindo-se enganando-a.
Colocou camisolas e meias na bolsa. Ouviu ruído de passos no corredor e olhou a porta com o coração lhe golpeando com força. A porta se abriu de repente e Michael apareceu na soleira.
Não ia tão bem vestido como de costume. Não levava jaqueta nem chapéu e a camisa só estava grampeada pela metade e pendurava por cima da calça. Tinha a cara vermelha e o cabelo revolto. Respirava com força.
Rachel o olhou com frieza.
– Surpreende-me verte aqui. Eu pensava que iria correndo a ver seu amante para acalmar seu orgulho ferido.
– Amante! -exclamou ele –. Pode-se saber de que falas?
– Vamos, Michael, é um pouco tarde para fazer o inocente, não te parece?
Deu-lhe as costas e começou a dobrar outra camisola para colocá-lo na bolsa.
– Eu não tenho nenhuma amante! -deu uns passos para ela –. O que faz?
– Eu diria que é evidente.
– Faz a bagagem? -na voz dele havia uma leve nota de pânico –. Aonde vai?
– Não acredito que isso seja teu assunto -replicou ela sem olhá-lo.
– Maldita seja! Claro que é meu assunto! Sou seu marido!
– OH, seriamente? -perguntou ela com sarcasmo –. E eu que pensava que foi James Hobson, investigador e irmão ilegítimo de lorde Westhampton!
– Rachel... me deixe te explicar.
– Me explicar? -voltou-se, vibrando de fúria –. Quer te explicar? Sim, eu gostaria que o fizesse. me explique por que meu marido decidiu me enganar e me pôr em ridículo. Todo Londres sabia o de seu amante? Todos menos eu, é obvio. Contaste a seus amigos que sou tão imbecil que te acreditei quando me disse que foi seu irmão? Ou é algo que só sabem Lilith e você e lhes riem a gosto de...?
Interrompeu-se, porque as lágrimas afogavam sua voz, e se voltou. Não queria lhe deixar ver que a tinha feito chorar. Colocou outro objeto na bolsa.
– Não! Rachel! meu deus! Eu nunca me ri que ti. Nunca foi minha intenção te fazer danifico nem te pôr em ridículo.
– Bom, pois o fez muito bem. Felicidades.
– Rachel, me escute... -tomou pelos ombros e a fez voltar-se, mas ela se apartou com olhos chamejantes.
– Não me toque! Não te atreva a me tocar em sua vida por que fingiu que...? -interrompeu-se de novo para recuperar a calma –. Não. Entendo por que me mentiu. Quando apareci em casa do Lilith era mais fácil que dizer a verdade. E eu sou tão parva que lhes acreditei. Mas por que fingiu que... que você gostava? por que ela se comporta como se fora meu amiga? Tanto me odeia? Tão cruel é?
– Não! -Michael empalideceu como se o tivesse golpeado –. Por Deus, não Rachel, eu jamais tentaria te fazer danifico. Lilith não é meu amante.
– Tão parva te crie que sou? Agora te vais inventar outra história e crie que também me vou tragar isso?
– Eu não invento nada, juro-o. Lilith é minha irmã. Minha irmã ilegítima. Não há mais irmãos, ao menos que eu saiba. James Hobson não existe, mas Lilith é filha de meu pai e nasceu em uma granja próxima à cabana de caça de um de seus amigos. Eu não soube de sua existência até faz uns anos. Rob me falou dela. Ele a conheceu antes. Estava apaixonado por ela e lhe contou sua história e soube que... Vamos, você viu a sir Robert ali. Sabe que é o amante do Lilith. Não pode acreditar que lhe ia permitir ter outro homem ali, sob o teto que paga ele.
Rachel o olhou. Tinha que admitir que o que dizia tênia sentido. Não conhecia sir Robert, mas não parecia um homem inclinado a compartilhar.
Michael aproveitou sua vacilação.
– Eu não pretendia te contar essa história. Ocorreu ao Lilith no calor do momento e eu não soube o que fazer.
– E seguiu com a mentira?
– Bom... sim. Está bem, sei que foi uma idiotice. Ela não deveu inventar isso, mas só queria me ajudar, evitar que te zangasse comigo. E eu não o neguei. Não sabia o que fazer e quando ela disse isso, teria parecido mais idiota ainda que eu negasse suas palavras. Tomei a saída mais covarde e não disse nada. Pensei que não importaria, que não voltaria a verte.
– E quando me viu...? -perguntou ela com os braços cruzados –. O que te deteve então?
– Ah... OH, maldita seja! -voltou-se e golpeou a parede com o punho –. Fui um imbecil, não há outra explicação. Queria estar contigo.
– Você é meu marido. Podia estar comigo quando quisesse.
– Não do mesmo modo.
– Não, claro que não. Não teria tido o prazer de me enganar, de me fazer sentir culpado pensando que estava traindo meus votos matrimoniais quando todo o tempo... Ohhhh! -voltou-se com fúria- Quando penso nas coisas que fiz! as coisas que pinjente! E você te ria todo o tempo de mim!
– Eu nunca me ri que ti. meu deus, crie que eu gostava de te enganar?
– Pois parece que sim -replicou ela –. É evidente que você gosta. Enganaste-me desde dia em que nos casamos. levaste uma vida da que eu não sabia nada. Tem uma irmã a que me ocultaste. Como também me ocultaste suas investigações. Quando aquele salteador abriu minha carruagem para te dar um aviso, você seguiu me mentindo. Fingiu que não sabia quem era nem do que falava. Eu sou sua esposa, mas aquele salteador de caminhos te conhecia melhor que eu.
Michael lançou um gemido e se mesó os cabelos.
– Eu não pretendia te fazer danifico. Não me propus fríamente te enganar. Parecia-me... parvo lhe dizer isso Teria parecido um presumido, um galo de briga que quer impressionar a uma mulher.
– E preferiu ser um embusteiro?
– Eu não te menti! -fez uma pausa –. Bom, não te menti até o do salteador de caminhos.
– OH, com que não me mentiu. Solo esqueceu me contar todas as facetas importantes de sua vida.
– Foi algo que não... não surgiu. Logo que estávamos juntos. Era parte da vida que eu levava no Westhampton... Não estávamos muito unidos.
– Não. Como íamos estar o se eu não te conhecia absolutamente?
– Você levava a vida que queria em Londres -replicou ele ressentidamente –. Não te interessava formar parte de minha vida.
– Está-me dizendo que eu tenho a culpa de seu engano?
– Não, claro que não. Mas... maldita seja! Nós não compartilhávamos uma vida. Você não foi minha esposa de verdade nem eu te importava nada. E já que falamos de enganos, você também tem o teu não? Viu ao Anthony Birkshaw e me jurou que não o faria.
-Duas vezes. Solo o vi duas vezes. Faz uma semana veio aqui e me suplicou que lhe permitisse me falar porque era urgente. Falei com ele, escutei seu problema e lhe disse que lhe contaria isso a ti. E se tivesse estado aqui, lhe teria contado isso imediatamente. E logo o vi outra vez para averiguar algo mais sobre o caso. Eu nunca tentei te ocultar nada. Cometi um engano estúpido e passei sete anos pagando-o, mas é evidente que você nunca me perdoará.
-te perdoar? De que falas? Eu te perdoei faz muito.
– Não. Só me toleraste -Rachel voltou para a cama e seguiu enchendo a bolsa. de repente se sentia muito cansada, e tão triste que temia que ia tornar se a chorar.
Michael lançou um gemido.
– OH, Deus! Danifiquei-o tudo!
– fomos os dois -repôs ela –. Irei amanhã pela manhã. Esta noite estou muito cansada.
– aonde irá?
– Ao Darkwater, acredito. depois de tudo é meu lar e Miranda me necessitará logo.
– Entendo.
– Por favor... se não te importar, estou muito cansada. Eu gostaria de me deitar.
– Sim. É obvio.
Michael saiu da estadia e fechou a porta detrás de si.
A pesar do cansaço, ao Rachel custou dormir, e quando ao fim o conseguiu, passou uma noite intranqüila, despertando freqüentemente.
À manhã seguinte, a idéia de viajar ao Darkwater não a enchia de alegria precisamente. Sua vida estaria tão vazia ali como em Londres. O ímpeto de sua fúria tinha passado, sentia-se cansada, aborrecida e triste e não acreditava que uma viagem comprido melhorasse nenhum desses estados.
Atrasou chamar à donzela para que fizesse os baús e baixou a tomar o café da manhã. Michael a esperava, e a presença do lacaio foi o único que lhe impediu de dar meia volta e retirar-se.
– bom dia, Rachel -disse seu marido. Vestia tão pulcramente como sempre, mas as sombras azuis debaixo de seus olhos e a tensão de seu rosto indicavam uma noite tão intranqüila como a dela.
– Michael -ela se sentou e o lacaio lhe serve uma taça de café.
– Isso é tudo, Deavers -disse Michael ao criado –. Lady Westhampton e eu nos serviremos sozinhos -assinalou o aparador cheio de pratos.
O lacaio saiu e Rachel deixou sua taça.
– Acredito que irei a minha habitação. Não tenho fome.
– Não, por favor, não vá. Há lago do que quero te falar.
Rachel permaneceu onde estava, com os olhos fixos no prato.
– Sei que neste momento está muito zangada comigo -continuou ele –. E tem todo o direito a está-lo. Não serei tão impertinente para te pedir que me dê outra oportunidade, mas quero te recordar que o senhor Birkshaw conta contigo.
– O que? -ela levantou a vista surpreendida. Aquilo era quão último esperava ouvir.
–.Segue pendente o assunto de sua esposa. Eu segui investigando. Passei três noites pelo botequim para falar com seus criados, mas nenhum me disse nada de interesse além de que a ninguém gostava de Hargreaves e que não levava muito tempo trabalhando para os Birkshaw quando adoeceu a senhora.
– Entendo. E o que fará agora? -perguntou Rachel, interessada a seu pesar.
– Bom, você e eu tínhamos falado de ir ver o Anthony Birkshaw. pensei que poderíamos fazê-lo hoje... se seguir aqui, claro.
Rachel o olhou durante um comprido momento.
– Está dizendo que você e eu podemos seguir trabalhando juntos na investigação?
Michael se encolheu de ombros.
– Não vejo por que não. Suponho que tem interesse em averiguar a verdade sobre a morte da senhora Birkshaw. Às vezes há dito que pensava que eu não serei justo com o Anthony. E sua presença na investigação faria que recebesse um trato justo.
-Está-me subornando para que fique me oferecendo isto?
– Sim.
Rachel soltou uma risada surpreendida.
– Vá, esta manhã é muito direto.
– Intento ser plenamente sincero contigo -repôs ele –. Encontrei muito mais divertido trabalhar contigo que sozinho, e nossas conversações não eram sozinho agradáveis mas também interessantes.
Baixou a vista e ficou olhando a toalha.
– Por favor, fique. me dê uma oportunidade de me redimir.
– De acordo -disse ela –. Ficarei para ajudar ao senhor Birkshaw.
– É obvio -Michael levantou a cabeça e lhe sorriu.
Rachel ficou em pé e foi encher seu prato ao aparador. Tinha recuperado o apetite.
Rachel e Michael foram andando a casa do Anthony Birkshaw. Falaram pouco, já que persistia o desconforto entre eles. Rachel o olhava e desejava poder sentir ainda a fúria da noite anterior. Então se sentia poderosa, enquanto que agora daquele fogo só ficava uma dor triste.
Não tinham enviado uma nota ao Anthony anunciando sua chegada porque Michael queria surpreendê-lo. Pensava que assim seria mais fácil obter respostas sinceras. E a expressão do Anthony quando saiu a seu encontro denotava que sim o haviam, na verdade, surpreso.
– Lorde Westhampton, lady Westhampton, são muito amáveis de vir para ver-me. Por favor, sentem-se -assinalou um grupo de poltronas –. Querem tomar algo?
Ante a resposta negativa deles, fechou as portas do salão e foi sentar se em frente do matrimônio.
– Esta visita é porque têm descoberto algo? Sabem já se Doreen foi...? -vacilou.
Michael negou com a cabeça.
– avançamos um pouco, mas não o suficiente para saber se sua morte foi natural. Todos os que estavam perto parecem acreditar que foi uma enfermidade.
– Se, eu também acreditava.
– E então por que fostes ver minha esposa? -perguntou Michael com frieza.
– OH, ah... bom, comecei a lhe dar voltas... cada vez me parecia mais estranho que tivesse morrido assim... E tão jovem.
Olhou ao Michael, quem lhe devolveu o olhar sem dizer nada, mas deixando patente sua incredulidade. Anthony voltou a vista para o Rachel, como pedindo ajuda, mas ela também se limitou a olhá-lo.
– Muito bem -disse ao fim Birkshaw –. Suponho que devo dizê-lo. É tão.... estranho que não me atrevi a dizê-lo antes, mas faz umas semanas recebi uma carta e dentro havia uma parte de metal.
– Metal? -perguntou Rachel, surpreendida.
Anthony assentiu.
– Sim, e evidentemente procedia de uma lata de raticida. Havia muitos letras para deduzi-lo. Arsênico. Não soube o que pensar. Acreditei que me ameaçavam . Logo chegou uma segunda carta e vinha escrita em maiúsculas grandes e um pouco estranhas, como a letra de um menino. Dizia “favor por favor”.
– O que? -perguntou Rachel –. O que significa isso?
Michael não disse nada, limitava-se a observar ao Anthony.
– Não sei -repôs este, levantando as mãos –. Não podia entendê-lo. Mas também dizia: “O arsênico permanece no corpo depois da morte”.
Olhou ao Michael com a cara pálida.
– Acredito que falavam do Doreen.
– por que o criem?
– O que outra coisa poderia ser? Dava-lhe mil voltas à cabeça. E Doreen tinha morrido de uma enfermidade que bem podia ser causada pelo veneno, não?
Michael assentiu com a cabeça.
– Sim. Arsênico, por exemplo. Em pequenas dose faz adoecer à pessoa, mas não mata até que tomou muito. E permanece no corpo depois da morte... no cabelo e as unhas.
– Era como se me estivessem ameaçando -disse Anthony com medo nos olhos –. Como se me dissessem que podiam fazer acreditar às pessoas que tinha matado a minha esposa. É absurdo! Mas então comecei a pensar... como pode um provar que não tem feito algo?
– E por que ia querer alguém que pareça que mataram a sua esposa -perguntou Michael.
– Acredito... acredito que deve ser que querem que faça algo por eles. Por isso do “favor por favor”. Solo me ocorre queime vão pedir algo que eu não quereria fazer ou, não sei, me vão pedir dinheiro ou algo assim com a ameaça de contar que matei a minha esposa se não o fizer.
Michael não apartava a vista dele.
– Querem dizer que alguém a quem não conhecem decidiu matar a sua esposa para lhes chantagear uns meses mais tarde e conseguir que lhe fizessem um favor?
– Sei que sonha estranho -defendeu-se Anthony.
– Certamente.
– Mas o que outra coisa pode ser? -perguntou Birkshaw –. por que me enviam essas cartas? Averiguarão por favor o que aconteceu? Sei que não tenho direito a lhes pedir nada...
– Nisso acertam.
– Mas sou um homem desesperado. Não posso nem imaginar o que farei se...
– Claro que lhes ajudaremos, senhor Birkshaw -interveio Rachel –. De fato, ele já está trabalhando no caso, não é assim, Michael?
– investiguei um pouco -assentiu seu marido –. Querida, acredito que é hora de ir-se. Birkshaw... -levantou-se, fez uma inclinação de cabeça ao Anthony e tendeu a mão ao Rachel.
Ela a tomo e saiu com ele da estadia. Quando chegaram à rua, Michael a olhou.
– É um conto para idiotas! -explorou –. Não pode esperar que me cria isso.
– É muito estranho -admitiu ela –. Mas não crie que não teria sentido inventar algo tão tolo?
– Inventa-o porque ele é tolo.
Rachel não pôde reprimir uma risita.
– Talvez. Mas vamos examinar isto com lógica.
– Não sei se for possível.
– Tenta-o -replicou ela com firmeza.
de repente se sentia muito melhor, e se deu conta de que se devia a que seu desconforto com o Michael se desvaneceu. Era como voltar a estar de novo com o James, as palavras fluíam livremente entre eles.
– Solo há duas possibilidades -continuou –. Ou Anthony matou a sua mulher ou não a matou.
– De acordo.
– Se a matou e todo mundo tinha assumido que ela morreu de uma enfermidade, e nem sequer os inspetores do Bow Street encontraram nada, por que ia reabrir ele o tema seis meses depois te pedindo que você investigue? O que pode ganhar indo a um homem que se supõe que é um bom investigador? E se, por alguma razão que não entendemos, ganhasse algo com isso, por que inventar uma história tão parva como esta? Como álibi Uma parte de lata de raticida e uma nota não provariam sua inocência.
– Estou de acordo. Não tem sentido.
– Mas se não matou a sua esposa, as perguntas são as mesmas. por que te pedir que investigue? por que inventar-se essa história estúpida para justificá-lo? Não vejo que ninguém fizesse isso... a menos que seja a verdade.
Michael lhe lançou um olhar cáustico
– Matá-la com a esperança de que o senhor Birkshaw lhes faça um favor?
Rachel se encolheu de ombros.
– Admito que sonha bastante estranho. Mas talvez há algo mais. Algo que nós não vemos -fez uma pausa –. A mim o medo do Anthony me pareceu muito real. Não acredito que finja.
Michael suspirou.
– Não, estou de acordo. Mas possivelmente o meço é a que o pilhem. É certo que o assassino está acostumado a ser a pessoa que mais sai ganhando -declarou com firmeza.
– Mas suponho que não sempre será assim -protestou ela; no calor da discussão pôs sem dar-se conta a mão no braço do Michael –. Que às vezes será outro o assassino.
– Sim, é obvio -Michael queria lhe sujeitar a mão para evitar que a retirasse. Teve que fazer um grande esforço para seguir andando e falando como se não ocorresse nada –. Estou trabalhando em outro caso no que os suspeitos mais evidentes não puderam ser. É muito difícil de resolver.
Contou-lhe a história do manuscrito do conde do Setwoth.
– Acredito que o aviso de Rede Geordie estava relacionado com esse caso, mas não entendo que ninguém pensasse que me estava aproximando da verdade; não me aproximei nada. foi um fracasso completo, igual a outro que tive faz um ano. Meus últimos casos foram um desastre.
– Qual era o de faz um ano? -perguntou Rachel.
– Uma noite atacaram a um joalheiro ao sair de sua loja.
Tinham chegado ao parque de em frente de sua casa e Michael entrou nele e a conduziu até um banco para terminar sua história.
– Golpearam-no na cabeça e o mataram. O assaltante se levou seu relógio de bolso de ouro e as moedas que encontrou nos bolsos. Um caos aparentemente singelo. Matou-o um ladrão. Mas nos bolsos levava também uma chave que abria a porta de sua loja e entretanto o ladrão, que o assaltou ali mesmo, não usou a chave para roubar as jóias e o dinheiro da loja.
– Parece muito descuidado por sua parte -comentou Rachel. Era muito prazenteiro estar ali sentada vendo falar com o Michael com rosto animado. Como era possível que não tivesse notado antes quão atrativo era seu marido?
– A loja era do homem que morreu e de seu sócio, um tipo com menos talento e que além disso vivia por cima de seus meios -continuou Michael –. O sócio herdou a parte do morto porque este não tinha família e esse era seu acordo. Isso despertou minhas suspeitas, mas não pude encontrar nada que o relacionasse com o ataque. No momento do crime estava em um jantar, o relógio do defunto não apareceu em nenhuma casa de empenho e em nenhum dos antros que freqüentam os ladrões se comentou nunca nada do crime.
– E então por que diz que o assassino quase sempre é o que mais se beneficia? tiveste três casos assim, contando o do senhor Birkshaw.
– Sim, mas não é o normal. Se pensar em meus outros casos.... -deteve-se pensativo –. Que estranho! São bastante parecidos.
– No que está pensando?
– Não estou seguro. Pior há uma espécie de pauta. Nos delitos sempre se buscam pautas. Ladrões que seguem um método determinado, assassinos que utilizam a mesma arma. Uma das pautas é que o culpado é o que se beneficia do crime, mas aqui temos uma pauta em que a pessoa que se beneficia não pode ter sido. E quando vejo uma pauta que se afasta muito do normal, faz-me pensar.
– Se os três casos estão relacionados de algum modo?
– Parece improvável. E entretanto... seria mais estranho que fossem coincidências, não te parece?
– Podem ser obra da mesma pessoa?
– Isso também parece improvável. Um delito foi obra de um ladrão experiente, outro de um envenenador que teve que introduzir-se na casa, ou pagar a alguém que o fizesse por ele, e o outro de um assassino que esmagou um crânio. Aconteceram em distintos lugares do país. O roubo foi no Dorset, o joalheiro estava em Londres, a senhora Birkshaw nos York. E entretanto... acredito que pode ser interessante fazer uma visita ao Bow Street.
Em realidade não foram ao Bow Street, onde a presença de uma dama teria causado grande consternação, mas sim se reuniram com o John Cooper, o inspetor com o que Michael trabalhava freqüentemente, em uma estalagem não longe de ali. Se ao Cooper, um homem grande de movimentos lentos, pareceu-lhe estranho ver o Michael com uma mulher aristocrática, não deu amostras disso e se limitou a saudar o Rachel com gravidade.
– O que é isso tão importante? -perguntou –. averiguastes algo?
– Não estou seguro. De momento solo tenho perguntas.
– Isso é típico, verdade? -comentou Cooper de bom humor –. O que querem perguntar?
– Interessam-me casos sem resolver.
– Pois temos muitos -repôs o outro –. Parece que agora mais que nunca.
– Sério?
– Sim, há muitas coisas das que não pode culpar a ninguém, ou ao menos encontrar provas. Bom, você já sabem. Por isso vou a você tão freqüentemente. Mas no último par de anos parece haver mais que nunca.
– Interessam-me especialmente os delitos nos que a pessoa que mais se beneficia deles não pôde cometer o crime.
Cooper esgotou os olhos, pensativo.
– Têm alguma idéia, verdade?
– Pode ser. Mas primeiro necessito informação. me podem dar isso – Es muy bueno, ¿eh?
– Sim, suponho que sim. Sempre queime faça saber o que lhes inspire.
– É obvio.
O inspetor olhou ao Rachel com um sorriso.
– É muito bom, né?
– Sim -assentiu ela –. Tenho descoberto que é muito habilidoso.
Michael a olhou esgotando os olhos, mas Cooper pareceu não advertir nada estranho.
– Sim, é certo.
– E muito bom enganando às pessoas.
– OH, sim. É o melhor.
– Bem, Cooper. Obrigado pelas adulações -comentou Michael com secura.
– De nada, senhor -o brilho de seus olhos indicou ao Rachel que possivelmente o inspetor tinha captado o alcance da conversação melhor do que dava a entender.
À tarde seguinte, Cooper foi a sua casa. O matrimônio o recebeu no estudo do Michael, onde o inspetor deixou uma caixa grande sobre a mesa.
Michael a olhou com curiosidade.
– O que têm para mim? Parece bastante material.
– Sim, senhor -assentiu Cooper com bom humor; deixou uma lista de nomes em cima da caixa –. É uma lista de todos os casos do tipo que pediram que pude recordar. Sem dúvida haverá mais, mas pensei que isto bastaria para começar.
– Isso acredito -repôs Michael com secura.
– incluí o relatório do inspetor em alguns deles; espero que lhes seja de ajuda. Se alguém pode lhes encontrar sentido, são vocês.
– Obrigado pela confiança, Cooper. Temo-me que neste momento não a compartilho muito.
O inspetor partiu e Rachel se aproximou da mesa.
– Eu diria que tem bastante trabalho -comentou
– Temos, querida, temos.
Rachel se sentou ante o escritório. Não queria admitir quanto desejava ajudá-lo. Os casos seriam muito mais interessantes que fazer visitas ou as receber, mas sobre tudo, dava-se conta de que queria passar a tarde com o Michael. Embora encontrava humilhante que ainda queria estar com ele depois do que tinha feito.
Embora aceitava que ele não tinha montado aquela farsa porque queria ridicularizá-la ou humilhá-la, não podia ignorar que tinha mantido em segredo uma parte importante de sua vida durante todo o matrimônio. Claramente não confiava nela nem a amava. Era um estranho e seis anos de matrimônio não tinham trocado isso.
E o fato resultava ainda mais humilhante porque ela sim sentia algo. Uma mescla de excitação e alegria quando estava a seu lado conversando com ele, e uma solidão nova quando se retirava sozinha a seu dormitório.
Sabia que eram esses sentimentos, mais que seu desejo de ajudar ao Anthony, os que a tinham impulsionado a ficar... e os que agora a empurravam a ajudá-lo com os papéis.
– Leio eu uns e você outros? -perguntou.
– vamos revisar os juntos -sugeriu ele –. Será mais lento, sei, mas acredito que será melhor que duas mentes analisem o mesmo problema. Vêem te sentar a meu lado colocou uma cadeira ao lado da sua e dispôs os papéis entre as duas cadeiras.
– O que procuramos? -perguntou ela, que deu a volta ao escritório e se sentou a seu lado.
– Não estou seguro. Alguma relação. Uma pauta.
– Já sabemos que têm uma coisa em comum, verdade? Que a pessoa que mais se beneficiava do crime não pôde cometê-lo.
Michael assentiu.
– Isso e que nenhum foi resolvido -percorreu com o dedo a lista de em cima da caixa –. Ah, aqui está o último, o manuscrito de lorde Setworth. E sim, mais abaixo está o do joalheiro que te contei. Muito bem, vejamos que mais temos.
Deixou a lista a um lado.
– Primeiro temos ao Harold Benton. Assassinado. Hmmm -leu o relatório para si –. ia atestar em um julgamento contra seu antigo companheiro de crímenes, um tal Bart Mansfield. Esse Mansfield parece um verdadeiro patife -leu uma lista de crímenes dos que era suspeito.
– Meu deus! Parece todo um criminoso -comentou Rachel –. Eu diria que matou ele ao pobre senhor Benton para que não pudesse declarar.
– Essa teria sido também a opinião do Bow Street, mas estava no Newgate esperando o julgamento, assim não pôde fazê-lo -leu um pouco mais –. O inspetor ao cargo suspeita que Mansfield lhe encarregou o trabalho a outro, mas não puderam prová-lo.
Seguiu lendo os distintos casos, uma série aparentemente interminável de roubos e homicídios que o único parecido aparente que tinham entre si era que tinham confundido aos investigadores.
– Este -disse Michael assinalando o quinto relatório– é sobre o Dutton Parkhurst, um latifundiário. Apunhalaram-no uma noite quando voltava andando a casa desde seu clube. Um de seus serventes saiu para buscá-lo ao ver que não retornava, já que era um homem de costumes muito regulares, e o encontrou atirado contra uma porta. Ao princípio pensou que estava bêbado, embora não era próprio dele, mas logo viu sua jaqueta manchada de sangue. Não houve testemunhas. Não lhe tiraram nada. Seu sobrinho, que herdava sua fortuna, tinha estado toda a noite com um grupo de amigos, primeiro no teatro e leigo em uma casa de jogo. Havia numerosas testemunhas de sua presença ali Y... -deteve-se com o cenho franzido.
– O que ocorre? -perguntou Rachel –. encontraste algo?
– Não, é sozinho... o nome do sobrinho. Resulta-me familiar. Roland Ellerby.
Endireitou-se com rapidez
– Espera. Acredito...
Passou com rapidez os papéis que ficavam no montão até que encontrou um e o tirou.
– Sim! Já sabia que tinha ouvido esse nome. Roland Ellerby foi um dos convidados na festa de lorde Setworth duas semanas antes de que lhe roubassem o manuscrito.
Olhou ao Rachel com ar triunfante.
Ela se inclinou para diante.
– Michael, isto tem que significar algo. Não pode ser coincidência.
– Começo a pensar que nada disto é coincidência, mas sim tudo foi bem planejado e executado.
– Crie que há alguém que vai por aí fazendo o que diz Anthony? Comete um assassinato ou um roubo e logo obriga à pessoa que se beneficia dele a lhe fazer um favor? -perguntou ela.
– Isso segue sendo absurdo -Michael moveu a cabeça.
– Mas não é possível que todas as pessoas que se beneficiavam se juntassem e decidissem levar a cabo os distintos crímenes.
– Eu não acredito assim. Seria muito complicado. Haveria muito perigo de que a um deles lhe entrassem remorsos e denunciasse a outros.
Michael pôs os cotovelos na mesa, juntou as mãos e olhou pensativo à frente.
– Mas e se houver uma pessoa que não tem relação com o beneficiário de um crime e que sabe quanto gostaria a este que se cometesse esse delito, neste caso, que o liberassem de um tio rico? E dito criminoso vai ao sobrinho e se oferece a matar ao tio e lhe diz quando o fará para que o sobrinho se procure um bom álibi. E em troca só pede que no futuro o sobrinho, ou o beneficiário que seja, faça-lhe um favor. Neste caso, o favor resulta ser ir a uma festa em certa propriedade e averiguar o paradeiro de um objeto valioso que quer roubar. Logo o criminal contrata a um ladrão que entre a pelo objeto e o dinheiro que saca assim é seu pagamento por ter acabado com o tio.
– Ou suponho que em alguns casos pode pedir um pagamento direto, ou chantagear a alguém, como faz agora com o senhor Birkshaw -disse ela.
– Exato
– Mas seria possível? -murmurou ela –. Teria que ser alguém que soubesse muitas coisas de pessoas que tinham dinheiro ou posses valiosas, assim como de quem se beneficia mais quando morre um parente rico.
– Sim -Michael a olhou pensativo –. Quase parece que tenha que ser alguém da boa sociedade.
– Michael! -Rachel o olhou escandalizada –. Quer dizer que é alguém de nosso entorno social? Alguém que talvez conheçamos?
Seu marido se encolheu de ombros.
– Estou seguro de que na boa sociedade há muitos desaprensivos. Não obstante, que haja muitos o bastante inteligentes para ter ideado algo assim, é já outra questão.
Rachel soltou uma risita.
– É muito mau.
– Mmmm. Ou muito sincero.
– Poderia ser outra gente -sugeriu ela –. Os serventes ouvem muitos comentários, não só a seus amos, também aos serventes de outras casas. Freqüentemente se inteira de muitas coisas por sua donzela. Ou pelas costureiras e chapeleiras... e seguro que os homens também intercambiam muita informação diante dos alfaiates e sapateiros.
– Sim, e logo estão os secretários de homens ricos e poderosos -acrescentou ele –. Esse seria um bom campo para um homem assim. Um homem inteligente, inclusive de boa posição social, mas que carece de dinheiro ou não se teria visto obrigado a aceitar esse posto.
– Sim, tem razão. Ou possivelmente há mais de uma pessoa. Dois, por exemplo. Um que conhece o mundo criminal e outro que conhece os ricos.
Michael assentiu.
– Essa é uma boa idéia. Obrigado, Rachel -levantou-se com um sorriso –. Acredito que deveria ir falar disto com sir Robert.
– Blount? -perguntou ela, surpreendida e também decepcionada de que partisse –. por que?
– Tem a mente mais viva que conheço para este tipo de coisas.
– OH, sim, é certo. Foi ele o que te meteu nas investigações.
Michael lhe tinha contado que sir Robert lhe tinha pedido ajuda durante a guerra e o tinha introduzido logo no Bow Street. Embora quando o contou o fez como James Hobson.
ficou em pé. A comodidade que tinha sentido com ele acabava de evaporar-se, varrida pela lembrança de seu engano.
Michael a olhou e o coração lhe deu um tombo. arrependia-se de ter mencionado ao Blount. Ia tudo tão bem até esse momento! Agora Rachel parecia tão distante como no dia anterior pela manhã; dava a impressão de que suas conversações estavam infestadas de armadilhas ocultas, listas para saltar ao primeiro movimento descuidado que fazia.
– Suponho que esta noite irei à festa dos Wilkinson -disse ela. Não gostava de ir, mas seria um bom modo de encher umas horas vazias –. Presumo que passará toda a velada com sir Robert?
– Não estou seguro; sim, talvez -não teria sentido voltar logo para casa se ela não estava ali.
Michael vacilou um instante e logo a saudou com uma inclinação de cabeça, tomou a lista e saiu da estadia.
Rachel se deixou cair de novo na cadeira. Pensou em ir vestir se para jantar, mas parecia desnecessário se ele não ia estar presente. Talvez pedisse que lhe subissem o jantar a sua habitação. Sabia que não tinha nenhum interesse em ir à festa dos Wilkinson.
Jantou logo e passou a maior parte da velada lendo. A seu pesar, tinha a esperança de que Michael voltasse cedo.
Ao fim, em torno das dez, subiu a seu dormitório e chamou à donzela. Não queria que parecesse que estava esperando ao Michael, assim que ficou a camisola e a bata e se soltou o cabelo. sentou-se no assento do batente a escovar o cabelo e olhar a noite.
A lua era muito fina e oferecia pouca luz, mas as luzes dos extremos da maçã proporcionavam dois círculos de luz na negrume. Fora do resplendor das luzes só se via o vulto dos edifícios.
Rachel se escovava o cabelo com movimentos quase hipnóticos e o olhar cravado na rua. Não teria admitido, nem sequer ante si mesmo, que esperava ao Michael, mas quando na distância apareceu a figura escura de um homem, endireitou-se e cravou a vista nela. Quando entrou no círculo de luz da luz, viu que se tratava do Michael e lhe acelerou o pulso. Pensou o que devia fazer. Deitar-se e dar a entender que não importava a que hora chegasse? Ou baixar à biblioteca a por um livro e fingir surpresa quando o visse entrar? Não queria que pensasse que o estava esperando, mas gostaria de saber o que tinha falado com sir Robert.
Entretanto, todos esses pensamentos fugiram de sua cabeça porque, quando Michael saiu do círculo de luz e voltou a entrar na escuridão, surgiram três homens das sombras e se lançaram sobre ele a murros.
– Michael! -gritou Rachel. ficou em pé de um salto.
Saiu correndo da estadia chamando os serventes a pleno pulmão.
– Estão atacando ao Westhampton! Socorro! Socorro!
Quando chegou à porta da rua, lacaios, donzelas, o ajuda de câmara do Michael e o mordomo corriam para ela. Rachel abriu a porta, olhou um instante o paragüero colocado ao lado, tomou o guarda-chuva mais sólido que viu e saiu correndo blandiendo o guarda-chuva e gritando o nome do Michael.
Michael tinha permanecido mais tempo com sir Robert de que era sua intenção, porque depois de ter revisado os fatos dos casos e suas distintas possibilidades, sentia-se resistente a voltar para casa sabendo que Rachel não estaria ali. Procurava não imaginá-la em uma festa, rendo e falando com seus amigos e sem pensar para nada nele. Por isso Blount não teve que persuadi-lo muito para que tomasse uma taça e logo outra antes de voltar para casa.
Estava a ponto de chegar quando três homens saíram de repente de detrás dos matagais e se lançaram sobre ele. Pilado por surpresa, não conseguiu evitar do todo o primeiro murro, que lhe deu em um lado da cabeça. voltou-se e lançou a seu atacante um murro na mandíbula que o fez cambalear-se para trás. Mas os outros dois saltaram sobre ele e, embora lançava patadas e murros, levava todas as de perder, sobre tudo quando o terceiro se incorporou de novo à luta.
Caiu ao chão e, quando lutava por incorporar-se em meio de murros e brigas, viu o Rachel correndo para ele. Sujeitava um guarda-chuva com a manga para cima e gritava como uma possessa. detrás dela ia o resto da casa, do último lacaio até a moço de cozinha, todos gritando e armados com atiçadores, vassouras ou frigideiras.
– Jesus, Maria e José! -exclamou um dos atacantes, com claro acento irlandês, quando viu o que lhes vinha em cima.
Os três vacilaram um instante e depois saíram correndo, deixando a sua vítima no chão.
– Michael! -Rachel chegou a seu lado e se deixou cair de joelhos.
Sua bata se aberto durante a carreira e levava o cabelo solto e cansado sobre os ombros em uma espécie de catarata negra. Michael pensou que era a visão mais adorável que tinha visto em sua vida.
– Rachel -disse sorridente –. vieste em meu resgate.
– É obvio. Estava em minha janela e vi a esses homens te atacar.
– Milord, estão bem? -Garson, o ajuda de câmara, se acuclilló na calçada ao lado de seu amo e tendeu os braços para ajudá-lo a incorporar-se enquanto o mordomo os olhava com ansiedade.
Vários dos lacaios tinham saído em perseguição dos atacantes, mas a maioria dos serventes formavam um semicírculo em torno de Michael e Rachel.
– Estou bem -disse ele, embora lhe doíam o flanco e a cabeça.
Rachel tomou por um braço e entre o ajuda de câmara e ela o ajudaram a ficar em pé. Lhe aconteceu um braço pela cintura e ele se apoiou em seu ombro de caminho à casa, com os serventes detrás. O certo era que, embora sentia dor em várias partes do corpo, teria podido andar sem ajuda, mas gostava de muito a sensação do corpo do Rachel a seu lado.
Uma vez dentro da casa, o mordomo se fez cargo dos serventes e ordenou a uma donzela que levasse água fria e trapos à habitação do Michael.
Garzón subiu com ele escada acima, disposto a ajudá-lo se era necessário. Uma vez no dormitório, Rachel o levou até a cama, onde ele se sentou.
– Permitam que lhes ajude a lhes tirar a jaqueta, milord, para poder ver as feridas -disse o ajuda de câmara.
– Estou bem, Garzón. Não é necessário que fique. Lady Westhampton pode ocupar-se de mi.
O homem pareceu sobressaltado. Olhou ao Rachel e logo a ele.
– Muito bem, milord. Se estiverem seguro.
– Sim.
O ajuda de câmara fez uma reverência e saiu da estadia. Rachel ajudou ao Michael a tirá-la jaqueta e começou a lhe desabotoar a camisa. Estava inclinada, com a cabeça perto da dele, e ele aspirava seu perfume. Era muito consciente dos dedos dela nos botões da camisa e não podia evitar pensar no dia em que Rachel o seduziu e despiu como parte de sua vingança.
Ela pensava também naquele dia e lhe surpreendia ter tido tanto valor. Maravilhava-lhe ter tido o sangue-frio de lhe gastar aquela brincadeira quando agora solo podia pensar no muito que gostaria que tomasse em seus braços.
A chegada da donzela a sobressaltou. Retrocedeu um passo e esperou a que deixasse a água e os trapos e saísse da estadia. aproximou-se então à bacia, empapou nela um dos trapos e o escorreu.
Aplicou a compressa ao Michael no maçã do rosto, onde havia uma mancha vermelha. Ele terminou de tirá-la camisa e a jogou a um lado. Havia mais pontos vermelhos no peito e o estômago e um deles começava a voltar-se arroxeado.
Rachel conteve o fôlego ao vê-los.
– Te tombe – ordenou. Fez que ele sujeitasse o trapo na cara e molhou vários mais, que colocou nos lugares onde havia golpes.
Michael jazia com os olhos fechados, desfrutando-se no contato gentil dos dedos do Rachel, na frescura dos trapos. Tão doce era a sensação dela cuidando-o, que logo que notava as moléstias dos golpes.
Rachel estava segura de que devia ser uma mulher lasciva, porque olhava o peito masculino e não podia evitar pensamentos luxuriosos. Ele estava ferido e ela sozinho podia pensar no que sentiria se tocasse sua pele, em como desejava lhe acariciar o peito e inclinar-se a beijá-lo.
Olhou o rosto dele. Tinha os olhos fechados, as pestanas o abanicaban as bochechas e lhe davam um aspecto vulnerável que acrescentava ainda mais o desejo dela. Sem pensar no que fazia, levantou uma mão e lhe roçou levemente a bochecha.
Michael abriu os olhos e a olhou, e em seu olhar havia o mesmo desejo quente que ela tinha visto antes, quando se fazia passar pelo James Hobson. Respirou fundo. Não se atrevia a mover-se por medo a romper o feitiço e que retornasse o distanciamento.
Tomou a outra mão, que descansava em cima de uma das compressas do peito, e a cobriu com a sua. Subiu devagar os dedos pelo braço dela e voltou a baixá-los igual de devagar até a mão. lhe fazia cócegas a pele.
Com cautela, sem atrever-se a falar nem apenas a olhá-lo, baixou ela a outra emano do rosto dele até o plano duro de seu peito. Explorou com os dedos estendidos as distintas texturas da pele dele. Sentia sua resposta no estremecimento de sua pele, na aceleração de sua respiração, e isso lhe deu valor para baixar até o estômago.
– Rachel... -Michael se sentou e tomou o rosto entre as mãos.
A mulher o olhou. Seus olhos flamejavam e o desejo suavizava sua boca. Olhou-a comprido momento e ao parecer encontrou em sua cara a resposta que procurava, já que se inclinou para diante e a beijou na boca. beijaram-se com suavidade ao princípio, logo com paixão, com as línguas formando um baile íntimo e intrincado.
Michael gemeu e a estreitou contra si com força. Voltou a tombar-se, arrastando-a consigo. Com os braços e pernas em torno dela, apertou o corpo feminino contra o seu e Rachel se abraçou a ele, desejando fundir-se com ele. Rodaram pela cama, beijando-se e acariciando-se, fazendo saltar pelos ares os muros de reserva que tinham levantado durante anos.
Beijaram-se com paixão, tocando-se, explorando seus corpos com todo o ardor que se negaram durante tanto tempo.
Michael tinha metido as mãos por debaixo da bata aberta dela e acariciava todo seu corpo através do fino material da camisola. Atirou do objeto para cima até que seus dedos tocaram a pele nua das coxas femininas. Subiu por debaixo da camisola, explorando a suavidade da carne dela. Desejava afundar-se nela, precipitar o prazer que tanto tinha esperado e, entretanto, também queria saborear aquela sensação deliciosa, sentir tudo o que pudesse.
Rachel se estremeceu e cravou os dedos nos ombros dele, açoitada por sensações de prazer tais que não sabia onde estava. As mãos dele acariciavam suas coxas e quadris. Gemeu quando chegaram ao estômago e seguiram para seu peito, onde Michael jogou com um mamilo até endurecê-lo.
Rachel cravou os talões na cama e se arqueou contra ele para lhe deixar fazer. O desejo a embargou de tal modo que se tirou a bata. Ele a ajudou a tirar-se também a camisola e o atirou a um lado da cama.
Michael passeou o olhar por seu corpo branco nu. Era tão formosa como sempre tinha imaginado, com pele suave de alabastro e os círculos cheios de seus peitos decorados por mamilos de um tom marrom rosado.
Ela jazia na cama com os braços levantados por cima da cabeça. dava-se conta de que gostava de como a olhava, de que o contato de seu olhar resultava quase tão prazenteiro como o roce de sua mão.
Michael ficou em pé, sem deixar de olhá-la, e terminou de despir-se. Voltou para a cama, apoiou-se em um cotovelo e lhe acariciou o estômago.
Introduziu os dedos entre as pernas dela e Rachel se moveu surpreendida. Mas o prazer que lhe procurava não deixava lugar à modéstia; deu um coice, mordeu-se o lábio inferior e começou a mover-se ao ritmo da sensação. Ele abriu os dedos e explorou sua feminilidade suave, secreta, que acariciou até que ambos não podiam mais de paixão.
Inclinou-se e levou a língua ao mamilo dela e Rachel soltou um gemido estrangulado de prazer e cravou os dedos nos lençóis como se queria ancorar-se à cama. Os lábios e a língua dele acariciavam seu mamilo, convertido em um botão duro e enfermo, enquanto ele seguia esfregando seus clitóris até que ela começou a gemer com desespero, movendo os quadris na cama e cravando os dedos nos ombros dele.
Queria que a penetrasse, mas não podia fazer outra coisa que gemer seu nome como uma prece.
Michael se colocou entre suas pernas e a penetrou. Ela se esticou ante o espasmo de dor e ele se deteve e a beijou no pescoço enquanto lhe murmurava palavras tranqüilizadoras e lhe acariciava as pernas. Ela se relaxou e ele entrou mais nela, e de repente já não houve mais dor, solo uma satisfação profunda, mesclada com uma necessidade palpitante e urgente. Ele começou a mover-se em seu interior com um ritmo primitivo e ela o abraçou com braços e pernas e procurou segui-lo.
O prazer crescia em seu interior, vibrante, procurando liberar-se, até que ao fim explorou e a alagou de tal modo que gritou e tremeu sob seu impulso. Michael se estremeceu a sua vez, derrubou-se sobre ela e jazeram juntos, úmidos e acalorados e, ao fim, em paz.
À manhã seguinte, o mundo parecia um lugar mais brilhante. Rachel cantarolava para si minta se asseava. A porta de conexão estava aberta e podia ver a habitação do Michael, onde ele nesse momento se barbeava. Contemplou-o com um sorriso.
Essa manhã haviam tornado a fazer o amor, ao despertar ao amanhecer com o prazer desacostumado de encontrar-se em braços do outro. Essa vez foi um ato lento e sonhador, que culminou na mesma explosão de paixão. E Rachel soube que, depois de tanto tempo e de todo o ocorrido entre eles, apaixonou-se por seu marido. Não sabia como tinha ocorrido nem quando, se tinha sido pouco a pouco durante os anos de matrimônio ou nos últimos tempos, quando o viu como a uma pessoa distinta ao homem ao que tinha conhecido todo esse tempo.
Mas isso dava igual. Quão único importava era que o amava. Não sábia se ele a amava também, ou se seu amor tinha morrido durante os largos anos de seu matrimônio, mas estava segura de que a desejava e de momento lhe bastava com isso. Já procuraria ela que voltasse a amá-la de novo e, até então, conformava-se com o prazer de fazer o amor com ele.
Michael se aproximou da porta limpando-a espuma do queixo e lhe sorriu.
– Acredito que o melhor que se pode fazer agora é falar de novo com esse lacaio -disse –. Hargreaves é nosso melhor vínculo com a pessoa que há detrás de tudo isto. Se, como suspeitamos, nosso desconhecido criminal o contratou para envenenar à esposa do Birkshaw, de algum modo teve que ficar em contato com ele. Talvez inclusive lhe falasse pessoalmente.
E assim foi como, pouco momento depois, um carro de aluguel os deixava diante da residência do antigo lacaio. Subiram as escadas e Michael bateu na porta. Subiram as escadas e Michael bateu na porta. Para sua surpresa, esta se moveu sob sua mão e se abriu umas polegadas. Michael e Rachel se olharam com alarme.
– Fique aqui! -advertiu-lhe ele. Abriu a porta e apareceu com cuidado –. Hargreaves?
Rachel, colocada detrás de seu marido, não via nada, mas ouviu este dar um coice. Logo Michael se adiantou com rapidez e pôs um joelho no chão. Ela começou a segui-lo, mas se deteve com brutalidade ao dar-se conta de que havia um homem tendido no chão. O corpo do Michael lhe tampava o peito, mas via suas pernas estendidas e a cabeça volta para ela, com os olhos abertos e sem vida. O sangue manchava um lado de sua cara.
Um grito brotou de seus lábios.
– Michael! Está...?
– Sim -repôs ele, tenso –. Hargreaves está morto. Volta fora. Não é necessário que veja isto.
Rachel não discutiu. Saiu fora e se sentou no último degrau. Inclinou a cabeça e lutou contra a sensação de enjôo que lhe embargava. Nunca tinha visto nada tão horrível como os olhos daquele homem, pálidos e desprovidos de vida. Tragou saliva com força.
Ouviu ruído de passos a suas costas e Michael passou a seu lado e baixou as escadas. Chamou um menino que jogava na rua e lhe prometeu um xelim se voltava com um policial. Retornou junto a ela.
– Está bem? Eu não posso ir até que venha um policial, mas posso te colocar em um carro e que te leve a casa -disse-lhe.
Ela sorriu fracamente.
– Não, estou bem. Estava um pouco enjoada, mas se passou.
– Me alegro -sentou-se a seu lado –. Sinto que o tenha visto.
– Eu também -murmurou ela –. OH, Michael! Crie que lhe dispararam?
Seu marido franziu o cenho.
– Não o parece. Há uma pistola a seu lado no chão e deixou uma nota.
-Uma nota? Quer dizer... quer dizer que se há suicidado?
– Isso parece.
– O que diz a nota?
– Que envenenou à senhora Birkshaw com arsênico, que jogava todos os dias na comida que lhe levava a sua habitação -Michael tirou o papel do bolso e o tendeu –. Mas como pode ver, também diz que o senhor Birkshaw lhe pagou bastante dinheiro por isso. Tinha que fazê-lo antes de que este voltasse para a casa, mas se sentia tão culpado que não pôde terminar o que tinha começado.
Os olhos do Rachel percorreram a página com rapidez.
– “Por isso voltou o senhor Birkshaw e o terminou ele. Não posso guardar silêncio. Não posso viver mais tempo com a culpa”.
Deteve-se e olhou ao Michael confusa. Lhe tirou o papel e voltou a dobrá-lo.
-Não me acredito -disse ela com firmeza –. Não posso acreditar que a matasse Anthony.
-Uma confissão no leito de morte é uma prova muito poderosa.
-Sim, e também muito conveniente -repôs ela –. Justo quando estamos a ponto de interrogá-lo, escreve uma nota em que incrimina ao Anthony e se pega um tiro, o que impede que lhe pergunte por sua confissão.
-Ainda assim, parece bastante improvável que se matou só para incriminar ao Birkshaw.
-E sabe seguro que se matou ele? Não é possível que o tenha feito outro e tenha deixado a pistola aí para que pareça um suicídio? Sabe se a pistola era dele?
-Não, mas está a nota.
-Que pode ter escrito qualquer. Eu não conheço a letra desse homem. Você sim?
-Não, é obvio que não -Michael a tirou e voltou a lê-la –. Está cheia de faltas de ortografia , como se fora obra de alguém de classe baixa.
Rachel olhou também a letra torpe e desigual.
-Ou como se alguém quisesse que aparecesse que a tem escrito alguém sem muita educação. Nem sequer sabemos se Hargraves sabia ler e escrever.
-Tem razão -suspirou ele –. Tudo está muito bem pacote. Em minha experiência, na vida estranha vez acontece assim. Mas por que ia tomar se alguém tantas moléstias para incriminar ao Birkshaw? Quem o odeia tanto? Além de mim, claro.
-Não sei. Ao melhor o fazem para te dar uma pista falsa, para que vá a pelo Anthony não persiga o verdadeiro culpado -tomou o braço –. E se o culpado de todos estes delitos se assustou porque está investigando alguns deles? E se tiver montado tudo isto para te confundir, para que investigue algo que não tem nada que ver com todo o resto? Supón que alguém sabe que está disposto a pensar o pior do Anthony e se aproveita disso.
Michael a olhou um momento.
-Mas quem pode saber isso? Ninguém sabe que Anthony eu não gosto nem por que. Ninguém soube o que ocorreu aquela noite exceto nós três e seu pai. E Ravenscar não o haveria dito a ninguém.
-Não. Mas possivelmente o que tem feito isto não tem por que conhecer os detalhes. Talvez alguém viu que... bom, que Anthony e eu parecíamos estar... muito unidos antes de que você e eu nos prometêssemos. Não terei que ser muito preparado para assumir que você sentiria ciúmes dele. Ou talvez Anthony contou a alguém o que ocorreu, ou uma parte ao menos. Ou esse homem o conhece ele, sabe que não gosta e acredita que o sentimento é mútuo.
Via que suas palavras não caíam em saco quebrado e seguiu defendendo seu ponto de vista.
-por que ia pedir te Anthony que investigasse o que ocorreu a sua esposa se o culpado fora ele? Isso seria quão último quereria. E se tudo isto forma parte de uma conspiração mais ampla, como parece, de verdade crie que é obra do Anthony?
Michael a olhou pensativo. Ainda sentia restos de ciúmes ante a defesa dela, mas sabia que eram obra do sentimento, não da razão. Rachel nunca lhe tinha sido infiel; depois da noite anterior, sabia além de toda dúvida. Por volta de anos do ocorrido entre o Birkshaw e ela e não haviam tornado a ver-se até fazia pouco, quando ele foi a lhe pedir ajuda.
-Não -admitiu ao fim –. Não acredito.
-O senhor Birkshaw não me interessa nada -disse ela –. Não o defendo porque tenha algum sentimento por ele, mas sim porque é o que penso. Não quero que te equivoque.
Michael sorriu fracamente e lhe beijou a mão.
-Assim que chegue o policial iremos ver o Birkshaw e veremos se pode arrojar alguma luz sobre isto.
O policial não demorou para chegar e Michael o deixou com a nota e o cadáver e alegou a necessidade de afastar a sua esposa daquela cena. Depois procuraram um carro e foram a casa do Birkshaw.
O mordomo os acompanhou ao salão, e um momento depois entrava Anthony
-Lorde Westhampton. Lady Westhampton. É um prazer. Posso deduzir que têm descoberto algo?
-Sim. encontramos um cadáver -repôs Michael com brutalidade.
Rachel deixou que ele levasse a voz cantante e se dispôs a observar as reações do Anthony. Este empalideceu e abriu muito os olhos.
-Santo céu! De quem?
-Seu antigo lacaio. que levava a bandeja da comida a sua esposa.
-Matou-o alguém?
-por que assumem isso?
-Não sei. Porque não estava doente nem era velho, suponho. foi um acidente, pois?
-Parece ter sido suicídio.
-matou-se? Mas por que? por que... era responsável pela morte do Doreen?
-Na nota que deixou diz que o são vocês.
Anthony o olhou sem fala, com o rosto tão branco como sua imaculada camisa de linho. sentou-se com brutalidade na cadeira mais próxima.
-meu deus! Mas por que... por que tem feito algo assim?
-Diz que você pagaram isso para jogar arsênico na comida da senhora Birkshaw, que tinha que fazê-lo enquanto estavam fora, mas não pôde decidir-se a matá-la e por isso voltaram e acabaram vocês o trabalho.
Anthony o olhou com a boca aberta.
-Santo céu! Como pôde fazer isso? por que? -olhou suplicante ao Michael e depois ao Rachel –. Eu não o fiz, juro-o. Têm que me acreditar. Jamais teria feito mal ao Doreen. Não era uma mulher bonita nem inteligente, mas não tinha nenhuma maldade e, embora alguma vez brigávamos, em geral levávamos uma vida agradável. Eu não teria podido...
Apartou a vista e se passou uma mão pelos cuidados cachos do cabelo.
-Pensam que a gente acreditará? As autoridades?
Michael se encolheu de ombros.
-É uma acusação difícil de passar por cima, senhor Birkshaw.
-Mas é falsa! É injusto! Não tenho oportunidade de me defender contra ele.
-Sim -assentiu Michael, sem a menor amostra de simpatia –. Eu diria que sua única esperança é nos ajudar a descobrir o que ocorreu de verdade. Acredito que não fostes sincero conosco, verdade? Há mais do que nos contastes.
Anthony o olhou com um sobressalto.
-O que querem dizer?
Rachel viu a expressão de culpabilidade que cruzava seu rosto. ficou em pé com raiva.
-Michael tem razão! Mentiste-nos! Anthony, como pudestes?
-Não! Quer dizer, eu não fiz mal ao Doreen. Juro-lhes por tudo quão sagrado eu não fiz mal a minha esposa -suspirou –. Mas sim... não fui completamente sincero com você.
-Mentiram-nos? por que? -perguntou Rachel –. Não o compreendo.
-Eu tampouco o compreendo! -replicou Anthony –. Tudo o que vos pinjente era certo. Não menti. Tudo aconteceu como o contei. Doreen morreu e todos pensamos que tinha sido uma enfermidade. Logo, quando vim a Londres, recebi as cartas de que lhes falei e me assustei. Compreendi que alguém tinha matado ao Doreen e que agora queriam que os ajudasse. Supus que, se me negava, fariam acreditar nas autoridades que tinha sido eu. Bom, já vêem como terminou isto. Fizeram que pareça que a matei eu. E isso que fiz o que me pediram!
-O que? Quem? Quem lhes pediu isso? -ladrou Michael.
-Não sei. Isso é o terrível. OH, Deus, tudo é terrível! -o rosto do Anthony estava cheio de confusão e desespero e Rachel pensou que podia estalar em lágrimas em qualquer momento.
-Está bem, lhes acalme -disse com firmeza; tirou-o do braço e o levou a uma poltrona. sentou-se em frente e o olhou aos olhos –. Agora me contem o que ocorreu exatamente. Michael tem que sabê-lo tudo se quiserem que lhes ajude.
Birkshaw assentiu com a cabeça.
-Está bem. O que não lhes contei o outro dia foi que depois da segunda carta recebi uma terceira. E dizia que tinha que voltar a estabelecer contato com você.
-O que? -perguntaram os maridos de uma vez.
Michael se aproximou do Birkshaw.
-O que é isso de “voltar a estabelecer contato”? – perguntou com fúria.
Birkshaw o olhou confuso.
-Não sei. Acredito que as palavras exatas eram “recuperem sua amizade com lady Westhampton” ou um pouco parecido. Supus que queriam que fora a visitá-la, mas não sei por que. Para mim não tinha sentido.
-Não o tem -comentou Michael, mal-humorado.
– Foi o lacaio? -perguntou Anthony –. Hargreaves? É ele o que está detrás de tudo isto?
– Não -repôs Michael –. Se ele tivesse enviado as notas, teria pedido dinheiro para não lhes incriminar. A maioria da gente teria pedido dinheiro.
– Parece absurdo -continuou Birkshaw –. Sei que não me acreditaria ninguém, mas é a verdade.
– Onde está a nota sobre o Rachel? -perguntou Michael –. Quero vê-la.
Anthony baixou a vista.
– Enfureci-me e a joguei no fogo. Não a tenho. Agora compreendo que devi conservá-la. Teria sido uma prova, mas... bom, não o pensei.
– Por isso vieram a pedir ajuda ao Michael? -perguntou Rachel –. Dizia-lhes isso a nota?
– OH, não. Olhem, ao princípio pensei que não o faria. Não queria me deixar assustar, fora quem fora. Mas logo me pareceu que não era tão difícil, sobre tudo se o comparava com que a gente me acreditasse culpado da morte do Doreen. E comecei a pensar se de verdade a tinha matado alguém e por que. Só para que eu lhes fizesse uma visita? Era uma loucura.
– Isso parece -assentiu Michael.
– Então recordei que lorde Arbuthnot me tinha contado que haviam resolvido casos que os inspetores do Bow Street tinham deixado por impossíveis. E me pareceu que tinha a resposta a meu problema. Decidi ir ver lhes Rachel, e pensei que a pessoa que me tinha pedido saberia isso que tinha ido e não me faria nada. Mas pensei aproveitar a ocasião para pedir a ajuda de seu marido, e possivelmente assim poderia sair desta confusão para sempre.
Fez uma pausa e olhou aos maridos alternativamente.
– Sinto muito. lhes devi contar isso desde o começo. Como não o fiz, suspeitam de mim. Mas o certo era que me sentia como um covarde por ceder ao que me pediam. E parecia tão ridículo que pensei que tomariam por tolo. Sinto muito.
– Há algo mais que não nos hajam dito? -perguntou Michael com severidade –. Alguma outra instrução desse homem?
Anthony negou com a cabeça.
– Não. Não me enviou nada. Não compreendo por que me fazem isto. Fiz o que me pediu. Criem que sabe que lhes pedi ajuda?
– É possível.
– Não compreendo. por que me fazem isto? Quem me odeia tanto?
– Não estou seguro de que vá dirigido a você -repôs Michael, sombrio.
Michael olhou a sua esposa.
– Acredito que devemos ir. Eu em seu lugar, senhor Birkshaw, teria muito cuidado nos próximos dias. Tentarei descobrir o que ocorre o antes possível, mas não posso descartar a possibilidade de que estejam em perigo.
Anthony o olhou com os olhos tão abertos que pareciam a ponto de sair-se das órbitas.
Michael e Rachel o deixaram ali e puseram-se a andar para sua casa. Caminharam um momento em silêncio.
– Que fileira de tolices! -exclamou ao fim ele.
– Não o criem? -perguntou Rachel.
– Não, mas tampouco posso acreditar que ninguém inventasse uma história tão idiota. Se tivesse matado a sua esposa, seguro que teria sido capaz de inventar uma história mais inteligente.
Rachel assentiu.
– Sim, bom, eu acredito que sabemos uma coisa de certo. Anthony não pode ser a mente que está detrás desta... esta quebra de onda de crímenes. É muito estúpido.
Michael soltou uma gargalhada e a olhou. As palavras de sua esposa o convenciam de que não tinha necessidade de voltar a sentir ciúmes no que ao Anthony Birkshaw concernia.
– E bem? -perguntou ela desafiante –. É a verdade
– Sim, é-o. Acredito que detrás disto há alguém muito mais preparado que nosso amigo Birkshaw.
– E quando lhe hão dito que possivelmente não ia dirigido a ele, queriam dizer que o usam a ele para lhes atacar a você.
Michael assentiu.
– Fui um parvo ao não fazer mais caso ao aviso do salteador. Estava tão longe de descobrir algo que acreditava que nenhum vilão pensaria a sério que corria perigo por minha culpa. Atribuí o aviso a que o salteador queria dinheiro, e vim a Londres solo porque, embora fora uma possibilidade remota, temia que pudessem tratar de lhes fazer algo a você.
– E ele atuou através de mim, não? -disse ela –. por que enviou ao Anthony a ver-me? Sem dúvida porque esperava que isso despertasse sua desconfiança para ele.
– Sim, e eu caí na armadilha.
Caminharam um momento mais em silêncio.
– Michael... -disse ela –. Se alguém está planejando tudo isto, e tenta te fazer acreditar que Anthony matou a sua mulher, está-o usando como ceva, verdade? Para te distrair e que trabalhe neste assassinato em lugar de persegui-lo a ele.
– Isso parece.
– É monstruoso! -exclamou ela –. Isso implica que escolheu a um homem inocente e feito que pareça culpado de assassinato. Poderiam julgar ao Anthony, enforcá-lo inclusive. E também implica que o criminoso matou ao lacaio porque essa é a prova principal contra Anthony. E também teve que matar a pobre senhora Birkshaw ou não teria podido preparar tudo isto.
Michael assentiu.
– Suponho que a senhora Birkshaw pôde morrer de causas naturais, como todos pensaram, e que nosso vilão viu aí ocasião de me fazer suspeitar do Birkshaw. Mas sim acredito que matou ao lacaio para deixar a nota de suicídio em que culpa ao Anthony. E com toda segurança o preparou tudo. Eu diria que contratou ao lacaio para matar à senhora Birkshaw e logo o matou a ele.
– Que pessoa tão desumana deve ser! -exclamou Rachel –. Destruir assim às pessoas... nem sequer por ódio ou fúria, a não ser solo para te afastar de seu rastro! É abominável.
– Se, estou de acordo. É um ser desumano e calculador.
Seguiram andando pensando cada um em suas coisas.
Mas aquela noite, quando se instalaram na sala de música depois de jantar e Rachel tocava o piano enquanto ele lia, ela disse:
– Sinto muito, Michael.
– O que? -perguntou este surpreso –. O que sente?
– Que me tenha usado para te fazer danifico -disse ela –. Que tenha usado ao Anthony para te despistar
Michael se encolheu de ombros.
– Você não tem a culpa de que sua mente funcione assim.
– Não, mas sim a tenho de que tivesse motivos para estar ciumento do Anthony. Se você não gosta de é por minha culpa -fez uma pausa –. De verdade tem ciúmes dele?
Michael arqueou as sobrancelhas.
– Ciúmes? Claro que tenho ciúmes dele -ficou em pé com brutalidade –. Destroça-me a alma pensar que é o amor de sua vida -embora sabia que ela já não amava ao Anthony, não podia esquecer que este, e não ele, tinha sido o único homem em conquistar seu coração.
– Mas eu não o amo! -exclamou ela, horrorizada –. Faz... anos e anos que não o amo. Nem sequer recordo quando deixei de me sentir doída. Com franqueza, nem sequer estou segura de que o amasse alguma vez. Não o conhecia de verdade sabem? Sempre estávamos rodeados de pais, amigos Y... bom, nunca foi uma situação natural. Eu não tinha modo de saber que classe de homem era em realidade. Certamente só foi um capricho, como dizia minha mãe.
– Suponho que é impossível sabê-lo, já que não te permitiu seguir os ditados de seu coração -disse Michael sem olhá-la.
– Já não sinto nada por ele -insistiu ela –. Quando deveu pedir sua ajuda, perguntei-me o que sentiria ao vê-lo, mas a verdade é que não senti nada. Fora o que fora o que senti em outro tempo, faz anos que morreu. E me acredite, nada do que vi desde esse dia serviu para despertar nada em mim.
– Rachel! -Michael se aproximou de abraçá-la. Levantou-a em velo e a beijou com ferocidade.
Tomou em braços e a subiu assim escada acima até seu dormitório, sem lhe importar se os viam os serventes. Solo podia pensar que Rachel era dela e que ele precisava estar dentro dela, beijá-la e acariciá-la até que os dois alcançassem o fio do escuro torvelinho da paixão.
Fizeram o amor com avidez, apaixonadamente, como pessoas comprido tempo privadas dos prazeres de seu corpo, chegaram juntos ao clímax e depois ficaram dormidos abraçados.
Ao Michael despertou o frio umas horas mais tarde. Tampou a ambos com as mantas e ela murmurou algo em sonhos e se acurrucó contra ele. Ele a abraçou e sentiu uma paz e uma felicidade que não havia sentido nunca antes.
Jazeu comprido momento na escuridão, pensando no amor, o ciúmes e o tempo passado, em inimigos e amigos, e quando ao fim ficou dormido, sabia o que ia fazer.
– Acredito que sei como resolver esta investigação -disse Michael à manhã seguinte durante o café da manhã.
Rachel o olhou atenta.
– Sim? Como?
– Talvez possamos fazer que o criminoso saia à luz.
– Como?
– Contarei-lhe isso dentro de um momento -repôs ele com um sorriso –. Mas quero falar com o Perry, assim será mais fácil que lhes conte isso aos dois ao mesmo tempo.
– Perry Overhill? -perguntou ela confusa –. por que? O que pode fazer ele?
– Paciência. Explicarei-lhe isso tudo.
Pelo caminho até casa do Perry, Rachel não se sentia paciente precisamente. Acossava ao Michael a perguntas, que ele evitava com um sorriso.
O mordomo do Overhill os acompanhou ao salão, decorado com o gosto impecável do Perry. Este apareceu um momento depois sorridente. Beijou a mão do Rachel.
– Querida, estão adorável, como sempre. E Michael... é uma agradável surpresa verte de novo na cidade. Quando tornaste?
Michael estreitou a mão de seu amigo.
– Não te incomode, Perry. Rachel está à corrente.
– Do que?
– De tudo -sorriu ela –. Do Lilith, dos disfarces, de seu trabalho. Sei tudo o que tentastes me ocultar e, por certo, não lhes perdoei que me tenham enganado durante anos, assim podem abandonar esse ar de confusão.
– Não foi por minha vontade, asseguro-lhes isso -repôs Overhill –. O que te passou, Michael? -olhou a seu amigo e arqueou as sobrancelhas –. Ah, entendo.
– O que entendem?
– Vá, nosso Michael é um homem trocado. Pergunto-me o que lhe terá ocorrido.
– Pois não lhe pergunte isso. Sabe tão bem como eu que a mudança se deve ao Rachel -Michael beijou a mão de sua esposa e sorriu com ternura.
– Sentem-se, sentem-se -Perry assinalou o grupo de poltronas e sofá que ocupavam o centro do elegante salão azul –. Me deixem pedir um refresco e logo podem me contar que lhes traz por aqui, já que não me parece que necessitem companhia neste momento.
– Tenho que te pedir um favor -repôs Michael, direto ao grão. aproximou-se com o Rachel ao sofá, mas permaneceu de pé, com a mão detrás das costas.
Perry o olhou e franziu o cenho ao ver sua seriedade.
– O que ocorre, Westhampton?
– Estou um pouco preocupado -confessou este –. Por uma investigação em que estou trabalhando. Eu gostaria que acompanhasse ao Rachel esta noite à ópera. Eu tenho coisas que fazer e quero que esteja segura. Se souber que está contigo...
– Michael! -exclamaram Rachel e Perry ao uníssono.
– Mas o que diz? -continuou ela –. por que não ia estar segura? Onde estará você? O que vais fazer?
– Sim -murmurou Perry –. Devo dizer que isto eu não gosto de nada Qual é o perigo?
-Acredito que possivelmente... fui traído por uma pessoa próxima.
– Michael! -Rachel empalideceu –. De que falas? por que não me há isso dito?
– Queria explicá-lo só uma vez -disse ele –. Resulta-me difícil falar disso.
– Não sente saudades -Perry se sentou em uma poltrona –. Por favor, te explique.
– Estou trabalhando em um caso. Vários casos em realidade, que têm coisas em comum. Não é necessário entrar em detalhes, mas ontem comecei a suspeitar que me despistaram intencionadamente, que me encaminharam em uma direção falsa.
– Para o Anthony? -perguntou Rachel.
– Quem? -piscou Perry- Que Anthony? OH! Refere-te ao tipo pelo que me perguntou? Investiga-o a ele? por que? Por causa de sua esposa? Crie que ele a matou?
– suspeitei que ele -repôs Michael –. Havia pistas evidentes que o assinalavam a ele.
– Isso é incrível! -exclamou Overhill –. Não o conheço bem, mas... bom, não é algo que espere da gente -moveu a cabeça –. vão prender o?
– Não. Ainda não falei com o Bow Street. Isto não sabe ninguém exceto eu... bom, e o verdadeiro assassino.
– O verdadeiro agarra...? -Perry o olhou confuso –. Quer dizer que não é Birkshaw?
– Acredito que não. Não encaixa bem.
– O que quer dizer?
– Há pistas que fazem pensar que não foi Birkshaw o que matou a sua esposa. Mas ao princípio as passei por cima devido a meu ciúmes.
Perry o olhou de marco em marco.
– Ciúmes! A que t refere? -olhou ao Rachel –. Esse homem tem feito algo que...?
– Não -respondeu ela –. Mas uma vez, faz muito tempo, antes de me casar com o Michael, Anthony e eu creímos estar apaixonados. Não nos vimos em anos, pró..
– Mas quando surgiu seu nome, eu reagi mais como um marido ciumento que como um investigador imparcial. Assim que compreendi isso, dava-me conta de que tinham tentado me fazer suspeitar do Birkshaw porque sabiam que estaria disposto a acreditar algo dele.
– Mas por que queriam fazer isso? -perguntou Perry
– Para me desviar da verdade. Eu trabalhava em outra investigação e acredito que o criminoso pensou que tinha descoberto muito e me aproximava da verdade. Não sei por que, porque eu não sabia nada. Acredito que utilizou ao Birkshaw para me distrair, porque era um tema que me correspondia pessoalmente.
– Mas isso não é tudo -interveio Rachel –. Acredito que quer fazer machuco ao Michael
– O que? -Perry a olhou surpreso –. Não irá a sério.
Michael também a olhou. Ela fez uma careta.
– Acreditava que não me tinha dado conta? -olhou ao Perry –. Já houve dois intentos contra sua vida.
– Santo céu!
– Primeiro lhe dispararam e a outra noite se lançaram três homens sobre ele perto de casa.
– Acredito que esse criminoso quer acabar comigo e fazer que pareça que o culpado é Birkshaw -interveio Michael.
Overhill o olhou com a boca aberta.
– Resolveria todos seus problemas. Eu deixaria de persegui-lo e Anthony seria o culpado evidente, assim não investigariam a ninguém mais.
– Mas isso... é diabólico! -exclamou Perry, horrorizado.
– Acredito que lutamos com uma mente diabólica. Não obstante, tenho um plano para apanhá-lo.
– De verdade? -perguntou Rachel
– Sim. Por isso necessito que Perry cuide de ti esta noite, para me assegurar de que está afastada do perigo. vou pôr lhe uma armadilha ao criminoso.
– Mas como?
– Bom, olhe, acredito que sei quem é.
– O que? -Rachel elevou a voz –. Sabe quem é e não me há isso dito?
– Digo-lhe isso agora, querida -sorriu ele –. Mas antes me permita que lhe fale com o Perry dos crímenes.
Descreveu-lhe os distintos casos sem resolver nos que Bow Street e ele tinham trabalhado nos últimos anos e o modo estranho em que estavam relacionados.
– Assim já vê -disse ao terminar –. Acredito que tudo é obra de uma pessoa, alguém muito preparado que consegue que outros façam os crímenes, pessoas às que pagamento ou que não têm nenhuma relação com o caso em questão. Logo usa às pessoas que se beneficia desse crime para ajudá-lo em outro que beneficia a outra pessoa. Ele é o único que relaciona a todos outros, e está sempre entre bastidores, manipulando-o tudo.
– Mas como sabe quem é? -perguntou Perry –. Não há dito que não tinha podido resolver os crímenes?
– Não sabia até que surgiu isto do Anthony. Compreendi que a pessoa que o tinha utilizado tinha que conhecer meu ciúmes por ele. E a verdade é que eu não falei a ninguém disso.
– Nem eu tampouco -acrescentou Rachel.
– E os únicos que sabiam além do Rachel, Anthony Birkshaw e eu eram os pais do Rachel e estou seguro de que eles não hão dito nada.
– Eu jamais ouvi nada sobre esse tema -assentiu Perry –. Mas como...?
– Quando hei dito que não sabia ninguém , não é certo de tudo. O disse a uma pessoa... minha irmã Lilith.
Um silêncio atônito seguiu a suas palavras. Os outros dois o olharam fixamente.
– Lilith! -exclamou ela ao fim –. Michael, não pode falar a sério. Ela te quer, admira-te. Jamais te prejudicaria.
Seu marido sorriu.
– Estou de acordo. Não acredito que Lilith esteja detrás dos crímenes. Entretanto, ela tem um amante, e pode que o tenha contado.
– Sir Robert? -perguntou Rachel –. Crie que sir Robert é o cérebro que está detrás destes crímenes?
– Sir Robert Blount? -Perry parecia tão atônito como Rachel –. Vamos, Michael, isso é absurdo. Ele e você fostes amigos durante muitos anos. Como pode pensar que tentaria te matar ou que faria essas coisas?
– Sei -Michael parecia cansado –. Resisto a acreditá-lo, mas não posso ignorar os fatos. Em primeiro lugar, é uma das poucas pessoas que podia saber o do Anthony Birkshaw. Em segundo lugar, tem uma mente muito ardilosa. Quando combatemos junto aos espiões do Bonaparte, usou-a para o bem. Mas se se dedicasse ao crime, seria muito capaz de idear algo tão complexo como isto.
– Mas isso não significa que o tenha feito -protestou Rachel –. É seu amigo. Ama a sua irmã.
– Sei. Tenho que acreditar que ao princípio não tinha intenção de me fazer danifico. Que pensou que seu plano era tão inteligente que ninguém o descobriria. E teria sido assim, de não ser porque ele mesmo superestimou minha capacidade. Mas acredito que, quando viu que eu trabalhava em dois casos relacionados com ele, começou a lhe preocupar que o descobrisse. E quando comecei a investigar a morte da senhora Birkshaw, decidiu que não podia correr o risco de que encaixasse as peças. Eu gostaria de pensar que a primeira vez que me atacou foi um disparo de aviso destinado a fazer que deixasse a investigação. É um atirador excelente, mas solo me deu no ombro. E quando me assaltaram a outra noite... acabava de falar com ele e lhe contar os progressos que tínhamos feito. Acredito que se deu conta de que não podia me permitir seguir com vida.
– Ainda assim... -Perry moveu a cabeça.
– Há mais. Está o fator dinheiro. Seu pai não lhe deixou nada além do título e uma casa que teve que vender para pagar suas dívidas. Trabalhou para o Governo porque tinha que ganhá-la vida. Todo o tempo que trabalhamos juntos vivia com apuros, mas agora tem dinheiro suficiente para viver bem sem trabalhar. Até lhe comprou a casa de jogo ao Lilith. Disse-me que tinha recebido uma herança de uma tia e que logo a multiplicou com bons investimentos.
– E pode ser certo -assinalou Perry –. me ocorreu. Não a parte de investir bem, mas sim a herança. Meu avô me deixou dinheiro ao morrer.
– Sim, isso ocorre. Mas não sabemos se herdou de verdade. Poderia ser uma mentira para explicar sua nova riqueza. Quão único sabemos de certo é que no passado não tinha dinheiro e agora tem muito. Além disso, como membro da boa sociedade, conhece as fofocas. Quem necessita dinheiro e o receberia se morrera um parente, quem tem objetos valiosos que roubar, que marido ou esposa pagariam por livrar-se de seu cônjuge. Têm um conhecimento que a maioria dos membros das classes criminais não possuem. E, a diferença de muitos aristocratas, também tem acesso a um grande número de criminosos pelos anos que trabalhou em espionagem e com o Bow Street. Conhece ladrões, salteadores, homens que matariam por dinheiro.
Rachel franziu o cenho.
– Sim, entendo que ele poderia ser o cérebro, mas isso não significa que o seja. Muitas dessas coisas também se podem dizer de ti.
Sua resposta arrancou uma gargalhada ao Overhill.
– Um golpe direto, Rachel.
Michael sorriu.
– Sei. Embora acredite que podemos me absolver de contratar a alguém para me matar. O mais condenatório é que sem dúvida conhece o do Anthony.
– Mas até isso é sozinho uma possibilidade. Não sabe se o contou Lilith. Não tem provas.
– Certo. Não pode ir por aí acusando-o.
– Sei. Por isso vou preparar lhe uma armadilha.
Rachel esgotou os olhos.
– Que classe de armadilha? Por isso quer que Perry me além da cena, para poder fazer algo perigoso?
– Sentirei-me muito melhor sabendo que está segura, sim -repôs seu marido –. Isso não tem nada de mau.
– Solo que significa que você não estará seguro -replicou ela –. O que é o que planeja?
– É singelo. Direi a sir Robert que esta noite vou reunir me com o Anthony em certo lugar. Se ele estiver detrás de tudo isto, acredito que chegará ali antes e tentará me matar para poder culpar ao Anthony.
– Michael! – exclamou Rachel horrorizada –. Tornaste-te louco? Te vais oferecer como branco solo para poder provar que ele está detrás dos crímenes?
– Poderia ter fé em mim, querida. Chegarei ali antes que ele e quando chegar ele e se esconda, preparado para me disparar, terei a prova que necessito.
– Está louco -disse ela.
– Tem razão -assentiu Overhill –. Não pode ir sozinho.
– Não irá sozinho, porque eu irei com ele -interveio Rachel.
Os dois homens a olharam horrorizados.
– Não! Rachel... -disse Perry –. Então estariam os dois em perigo.
– É obvio que não! -Michael se cruzou de braços com gesto severo.
– Mas eu não posso ir à ópera enquanto você tenta fazer que lhe matem.
– Pois fica em casa. Perry e você podem acontecer a velada jogando às cartas.
– Necessita que te acompanhe alguém que te proteja as costas. Não pode ver em todas direções de uma vez. Pode aproximar-se sem que lhe veja.
– Ocuparei-me disso. Prometo-te que não me passará nada.
– Necessita uma testemunha! -gritou ela, contente de ter encontrado outro argumento –. Alguém que corrobore que sir Robert tentou te matar.
Michael arqueou uma sobrancelha.
– Crie que não bastaria com minha palavra?
– Não tente me confundir. Sabe que tenho razão. Todo mundo sabe que sua palavra vale muito, mas sir Robert é também um homem de aparente honra. Foi um herói contigo na guerra. Será-te difícil provar seu caso e te ajudaria muito ter outra testemunha de sua perfídia -argumentou ela –. Além disso, se houver duas pessoas, será menos provável que te dispare. Não pode ir por aí deixando um reguero de cadáveres.
– Se se sente esquecido, não sei o que será capaz de fazer. Não posso correr esse risco, Rachel.
– Você arrisca sua vida!
– Isso é distinto. Eu tenho experiência nestes assuntos. Levarei minhas pistolas e sir Robert sabe que as manejo bem. Você, entretanto, não só seria vulnerável, mas sim me faria vulnerável . Teria que estar pendente de ti e não poderia me concentrar no problema. Sua presença me distrairia e poderia ser fatal. Além disso, saberia que só tem que te ameaçar para me desarmar. Se eu o apontar com uma pistola, ele saberá que, se me disparar, ele também morre. Mas se você estiver ali, solo tem que te apontar a ti e já estou desarmado. Não me ajudaria, poria-me em perigo.
Rachel fez uma careta. Lhe teria gostado de seguir discutindo, mas sabia que ele tinha razão.
– Eu irei contigo -anunciou Perry –. Não me olhe assim. Não sou um inútil completo. Pode que não seja tão bom atirador como você, mas pratiquei bastante no clube. Posso te guardar as costas. E Rachel tem razão... terá mais peso a declaração de duas pessoas.
– Sim, te leve ao Perry -assentiu Rachel. Não pensava que Overhill fora de muita ajuda, teria preferido que estivessem ali Richard ou Devin, mas era melhor isso que estar sozinho.
– Não. Necessito que Perry fique contigo. Quero que esteja segura.
– Estarei em casa rodeada por todos os serventes -assinalou ela –. E o homem do que suspeitas estará contigo. O que vai ocorrer me a mim? Estarei segura. Você necessita ao Perry muito mais que eu.
– Tem razão -interveio este –. Sei sensato. Estou seguro de que, se se tratar do Blount, quer te apartar do caso mais que te fazer danifico. E se fizesse algo ao Rachel só conseguiria que você estivesse ainda mais empenhado em apanhá-lo. Seria muito parvo por sua parte.
Michael vacilou ainda um momento. Ao fim suspirou.
– De acordo -olhou ao Rachel com gravidade –. Mas solo se você ficar em casa, com a porta fechada e rodeada pelos serventes.
Sua esposa levantou os olhos ao céu.
– Prometo-o. Mas eu gostaria que atrasasse isto um pouco. Podemos escrever ao Dev e ao Richard e os dois viriam em sua ajuda imediatamente. Sei que o fariam.
– Não, tenho que fazê-lo agora. E não necessito um exército. Basta-me com o Perry.
assim, várias horas mais tarde, Rachel se dispunha a passar a velada em casa e Michael se despedia dela com um beijo.
– Espera! -disse ela, antes de que ele saísse –. Não acredito que isto seja boa idéia. Não sei por que pensei que Perry seria de ajuda. Por favor, espera. Escreverei ao Richard hoje mesmo.
Seu estômago tinha sido uma massa de nós da conversação da manhã e agora que tinha chegado o momento, não acreditava poder suportar que Michael se fora. E se o arrebatavam agora, quando ao fim se deu conta de que o amava?
– Não, não posso esperar. Além disso, até que capture ao vilão seguirei correndo o risco de que me mate.
– Isto é horrível. Não sei o que farei se te ocorre algo.
Michael a beijou na bochecha.
– Me alegro de que se preocupe por mim. Não sabe até que ponto -sorriu –. Mas não é necessário, prometo-lhe isso. Logo terá terminado tudo e estarei de volta.
Rachel conseguiu sorrir até que ele saiu pela porta. Logo se sentou em uma poltrona com a cabeça entre as mãos. Não sabia como ia sobreviver às horas seguintes. Não havia nada que pudesse distrair a do Michael e o que podia ocorrer. Ler seria impossível e sabia que tampouco podia concentrar-se costurando.
– Milady -anunciou um lacaio da porta –. A senhora Neeley solicita lhes ver
– Lilith? -a ansiedade do Rachel se converteu em pânico. Sabia que a presença da outra solo podia anunciar más notícias –. Façam passar.
ficou em pé e saiu a seu encontro.
– Lilith! Acontece algo?
A outra a olhou surpreendida.
– Não... Quer dizer... deveria acontecer?
Tendeu sua capa ao lacaio e ambas esperaram a que saísse da habitação.
– É... que me surpreende verte -disse Rachel. Não podia lhe contar o que fazia Michael. Se as suspeitas deste eram acertadas, já se inteiraria. E se não o eram, essas suspeitas podiam pôr certa tensão na relação entre os irmãos.
– Sabia que não devia vir -comentou ao Lilith –. Hei- dito ao Robert que não era apropriado, mas insistiu muito.
– Não, não pense isso -apressou-se a dizer Rachel –. Você sempre será bem-vinda nesta casa, é irmã do Michael. Simplesmente me surpreendeu verte. Ah... esta noite estou um pouco nervosa. Por favor, sente-se.
Chamou um servente para pedir chá e se sentou ao lado do Lilith no sofá.
Sir Robert queria que viesse? -perguntou.
– Sim. E não imagino por que -repôs a outra com gesto preocupado –. O perguntei e só me há dito que acreditava que se sentiria sozinha e você gostaria de ter companhia.
– É muito amável de sua parte – repôs Rachel.
O coração lhe deu um tombo. A única razão que lhe ocorria para a insistência de sir Robert era que ele queria tirar o Lilith de sua casa Talvez para que não o visse sair e lhe perguntasse aonde ia? Ou possivelmente queria assegurar-se de que Rachel estava ocupada. Fora como fora, sim era suspeito que escolhesse precisamente aquela noite para empurrar ao Lilith a lhe fazer uma visita.
Levaram o chá e Rachel tentou sustentar uma conversação cortês enquanto por dentro estava doente de preocupação. Não era fácil e via que Lilith franzia o cenho; sem dúvida se perguntava o que ocorria.
– Sinto muito -disse Rachel –. Temo-me que estou algo distraída.
– Então sou eu a que tem que te perguntar o que acontece. Posso te ajudar em algo?
– É muito amável, mas não, não acredito que ninguém possa me ajudar.
Lilith pareceu alarmada e Rachel se deu conta de quão dramática soava sua afirmação. Tratava de procurar uma desculpa que justificasse sua agitação quando o mesmo lacaio de antes entrou de novo na estadia.
– O senhor Birkshaw pergunta por você, milady.
-O que? -Rachel o olhou atônita –. Bem, lhe façam passar.
Olhou ao Lilith com gesto de desculpa.
-Sinto-o muito. Não sabia que pensasse vir. Anthony entrou na estadia com aspecto alterado.
-Rachel! Onde está lorde Westhampton? Tenho que vê-lo. chegou outra missiva de... -viu o Lilith pela primeira vez e a olhou surpreso –. OH, perdão. Não sabia que tinham convidados. Sinto-o muito.
-Não importa. Senhor Birkshaw, não sei se conhecerem a senhora Neeley.
-Não. Sim... quer dizer, acredito que nos vimos em um par de ocasiões -repôs Anthony nervoso. Sem dúvida lhe surpreendia encontrar-se ali à proprietária de uma casa de jogo.
-Estou muito bem, obrigado, senhor Birkshaw -o brilho malicioso dos olhos do Lilith indicava que era muito consciente do aspecto cômico da situação –. Tenho que falar com lorde Westhampton -disse Anthony.
-Sim, já hão dito que recebestes uma mensagem de... assumo que é do mesmo homem que lhes enviou os outros?
-Exatamente -Anthony pareceu aliviado de que ela o entendesse e lançou um olhar de cautela em direção ao Lilith.
-Podem falar livremente diante da senhora Neeley -disse Rachel. Confiou em que o que o outro tinha que dizer não fora sobre sir Robert –. Que classe de mensagem recebestes?
-Um muito estranho. Bom, todos são estranhos, não? -encolheu-se de ombros –. Diz que devo ir a certo lugar às nove em ponto. Acredito que é em um sítio perto dos moles.
-O que? -Rachel se endireitou no sofá. O armazém ao que foram Michael e Perry estava perto dos moles –. Qual é a direção exata?
-Water Street no Conover -disse ele com o cenho franzido –. Uma zona bastante sórdida a essas horas, temo-me.
Rachel se alegrou de estar sentada. A direção era a mesma onde Michael havia dito a sir Robert que se reuniria com o Anthony, mas o tempo era uma hora mais tarde. Parecia uma prova clara de que sir Robert era o homem que tinha enviado aquelas mensagens ao Anthony, o que implicava que tinha que ser também o cérebro detrás de todos os crímenes.
-Não sei o que fazer... devo ir ou não? O que quer de mim? O que significa isto?
-Não sei exatamente -repôs ela –. Mas acredito que certamente não devem ir. Pode interferir com uma armadilha que Michael lhe preparou A... uma pessoa.
-Uma armadilha! -Anthony a olhou surpreso –. Preparou-lhe uma armadilha A... esse homem?
-Sim.
-Não compreendo - interveio Lilith com o cenho franzido –. Acredito que Robert há dito que Michael tinha que reunir-se esta noite com o senhor Birkshaw. Por isso estavam vocês aqui só e necessitavam companhia.
-O que? -Anthony parecia cada vez mais confuso –. Mas eu não tenho planos para ver lorde Westhampton. Tinha que vê-lo?
-Não, não. Isso era parte da armadilha -explicou-lhe Rachel, incômoda.
-Mas por que há dito...? -Lilith se interrompeu de repente e olhou ao Rachel movendo a cabeça –. Não, não. Não podem me dizer que Michael preparou uma armadilha ao Robert.
Rachel procurou desesperadamente algo que dizer, mas seu silêncio foi suficiente resposta.
-É isso, verdade? -gritou Lilith –. Estão dizendo que Michael mentiu ao Robert. Que tenta apanhá-lo. por que?
-Sinto-o muito -disse Rachel –. Por favor, Lilith, asseguro-te que Michael não quer acreditá-lo.
-Acreditar o que? por que tenta apanhá-lo? O que acredita que tem feito Robert?
-Não sabe de certo -apressou-se a dizer Rachel –. Não quer acreditar que sir Robert faça nada mau, mas há uma possibilidade... tinha que averiguá-lo.
-Averiguar o que?
-Acredita que sir Robert pode estar... detrás de alguns delitos que investiga Michael.
-Os delitos nos que trabalhou as últimas semanas?
Rachel assentiu.
-E se for sir Robert, também quer acabar com o Michael.
-Acabar com o Michael? Querem dizer matá-lo? -Lilith ficou em pé com os olhos chamejantes e as bochechas ruborizadas –. Isso é absurdo! Rob jamais faria nada ao Michael. É como um irmão para ele. É como se dissessem que o faria eu, ou o duque, ou seu irmão.
-Lilith, por favor! -Rachel se aproximou e tomou as mãos –. Michael não está seguro. Por isso há...
-Preparado uma armadilha? -estalou a outra –. Como se fora um animal. Um vulgar criminal. Robert não teria que passar nenhuma prova. provou sua amizade e sua lealdade uma e outra vez.
-Sei. Michael não quer acreditá-lo nem eu tampouco. Estava segura de que esta noite ficaria provado que Michael se equivoca e todos poderíamos celebrá-lo. Mas agora, essa carta...
Lilith olhou ao Anthony.
-Têm essa carta?
-Sim. Sabia que Michael quereria vê-la.
-ensinem-me isso exigiu Lilith –. Eu lhes direi se for a letra de sir Robert.
Anthony olhou vacilante ao Rachel, que assentiu com a cabeça.
-Sim. Adiante. Acostumem -¡Dios mío! -musitó con voz que apenas era un susurro –. Yo conozco esa letra.
Anthony tirou um papel dobrado do bolso da jaqueta e o tendeu. Lilith o tirou da mão e começou a ler.
-Não é sua letra -disse com ar triunfante –.Isto não o tem escrito sir Robert.
-Está segura? Pode ter tentado trocá-la, fazê-la irreconhecível -Rachel se aproximou e tomou o papel. Olhou-o com atenção.
ficou imóvel com os olhos fixos na nota e o rosto muito branco.
-meu deus! -murmurou com voz que logo que era um sussurro –. Eu conheço essa letra.
Tal como Michael esperava, o armazém estava escuro e deserto. Era propriedade de um importador ao que tinha ajudado uma vez a descobrir a um ladrão que lhe roubava mercadorias. O homem não tinha tido inconveniente em lhe emprestar o local e lhe tinha dado a chave de uma pequena porta lateral que levava a armazém através dos escritórios.
Michael abriu a porta e deixou ao Perry passar diante. Dentro estava escuro. As únicas janelas estavam muito sujas e deixavam acontecer pouco a luz da lua. O farol do Michael, protegido em um dos lados, solo arrojava um pequeno semicírculo de luz, suficiente para mostrar os bustos vagos das mercadorias guardadas ali... gavetas, sacos e montões de fardos... uma visão que resultava tétrica na penumbra.
-Não podia ter encontrado um lugar mais propício para um encontro? -sussurrou Perry a seu lado.
-Serve a meus propósitos -repôs Michael –. Há lugares onde esconder-se e só uma entrada clara. Girou primeiro à direita e logo à esquerda e rodeou um montão de sacos gigantes que cheiravam a café.
Perry apareceu por um lado do montão e viu que tinham uma vista clara da porta através da qual tinha que entrar qualquer visitante.
-Bem -disse em voz baixa e nervosa –. Suponho que agora solo terá que esperar a que chegue Blount.
-Sim -a voz do Michael estava impregnada de tristeza –. Solo me cabe esperar que não venha. É muito duro descobrir que um amigo em quem confia é em realidade um ladrão e um assassino. Seria muito melhor que tudo isto terminasse em nada.
-OH, não acredito que seja assim -repôs Perry, que já não sussurrava.
Michael se voltou para ele. Perry tinha uma pistola na mão e o apontava com ela.
-Temos que ir! -exclamou Rachel: olhando ao Anthony –. Michael corre um grave perigo. Temos que I.
-Aonde? Não compreendo.
-A esta direção. Ao armazém.
Saiu da estadia e Anthony ficou olhando. Lilith, mais rápida de reflexos, corria já detrás dela.
-Esperem! -Anthony as seguiu também –. Rachel! O que acontece?
-Michael corre um perigo terrível -repetiu ela, saindo à rua –. Necessitamos uma carruagem.
-Mas...
Lilith agitava já um braço para parar um carro de aluguel. Subiram os três, com o Anthony ainda fazendo perguntas.
-De quem é a letra'? por que corre perigo Michael?
-A letra é do Perry Overhill.
-Overhill! Estão segura? É impossível. Eu o conheço. Bom, faz anos que não o vejo muito, mas... -pareceu envergonhado –. Foi meu amigo naquele período difícil depois de que vos prometierais com lorde Westhampton.
Rachel o olhou surpreendida.
-Perry é seu amigo?
-Foi. Ele também estava apaixonado por você e nos compadecemos mutuamente. É obvio, ele sabia que não tinha nenhuma possibilidade com você. Sabia que amavam a mi.
Lilith, sentada ao lado do Rachel, olhou-o atônita.
-Sim -disse-lhe Rachel –. Uma vez me acreditei apaixonada por senhor Birkshaw. Foi faz muitos anos, antes de me casar com o Michael.
-Foi Overhill o que respirou a não lhes dar por perdida -prosseguiu Anthony.
-O que querem dizer? -perguntou Rachel, receosa –. Dizem que Perry lhes respirou a vir ao Westhampton e me pedir que me fugisse...?
Anthony assentiu com ar envergonhado.
-Disse-me que estava seguro de que ainda me amavam, que quereriam escapar de um matrimônio forçoso... Suponho que nem ele nem eu pensamos nas conseqüências.
-Tenho o pressentimento de que ele sim – repôs Rachel com secura.
-Quem é esse Perry? -perguntou Lilith.
-É nosso amigo... ou isso pensávamos Michael e eu. Mas a letra dessa nota é dela. Vi-a muitas vezes nos cartões que me enviou com flores ou com um presente. OH, que parva fui! Nunca me dava conta de que era certo. Sempre acreditei que exagerava seus sentimentos por mim, que gostava de fazer o romântico. Nunca tomei a sério. Nem eu nem ninguém.
-Mas aonde vamos? -perguntou Lilith –. por que corre Michael perigo?
-Porque se levou ao Perry consigo à armadilha que montou para sir Robert.
Michael olhou a pistola que sustentava seu amigo.
-Assim é você o que está detrás dos crímenes -disse devagar.
Overhill sorriu.
-Sim -repôs com voz mais dura e sarcástica que de costume –. Eu, o pobrezinho Perry. Não é um mau disfarce, verdade? Ninguém suspeitaria que um parvo fora o cérebro de algo assim.
-Eu te acreditava um homem bom e honesto -repôs Michael –. É evidente que estive muito equivocado contigo todo este tempo.
-Mas bem -disse Perry com uma careta zombadora. Sua atitude tinha trocado. Estava mais reto, sustentava a pistola com facilidade, como se fora algo ao que estava acostumado –. Jogar contigo foi quase tão fácil como com esse idiota do Birkshaw. Com muita gente o é... umas quantas ameaças, um suborno aqui e lá. Meu plano foi muito fácil de levar a prática.
-Mas por que? por que começou isto?
-Por dinheiro, é obvio. Não herdei uma grande fortuna como você. Meu pai não era rico e, apesar do que me deixou meu avô, o dinheiro desaparecia com rapidez. Tenho gostos caros, sabe? E costa dinheiro manter contentes às mulheres como Leoa.
-Leoa? Você foi um dos amantes de Leoa Vesey?
-Custa-te acreditá-lo? Já sei que não pareço um mulherengo. Deus sabe que Rachel nunca me viu como um pretendente, mas as mulheres como Leoa são fáceis de convencer. Os diamantes fazem maravilhas -seu olhar era frio e remoto. Michael se dava conta de que nunca o tinha conhecido absolutamente. Perry tinha levado sempre um disfarce que mascarava sua personalidade.
-É obvio, Leoa. E não duvido de que foi você o que fez que contasse ao Rachel que Lilith era meu amante.
Overhill soltou uma risita.
-Sim. Não foi difícil convencer a de que lhes prejudicasse um pouco ao Rachel e a ti.
-Mas por que? -perguntou Michael, confuso –.Se pensava me matar de todos os modos, que mais dava que Rachel me acreditasse infiel?
-Meu querido amigo, é preferível uma viúva que não chora muito a morte de seu marido -explicou Perry –. É muito mais fácil de consolar.
Michael sentiu vontades de lhe dar um murro, mas se obrigou a permanecer tranqüilo.
-E não se preocupava lhe causar dor à mulher que diz amar?
Perry se encolheu de ombros.
-A dor passa.
-Isso não são ações motivadas pelo que eu chamaria amor -replicou Michael –. Mas bem obsessão.
-Chama-o como quer. Seu sarcasmo não me importa. Segue sendo o parvo apanhado em sua própria armadilha.
-Não exatamente -disse uma voz masculina na escuridão.
Perry, sobressaltado, olhou à direita, onde uma figura escura saía de entre as sobras e se aproximava deles. Era sir Robert Blount, que o apontava com uma pistola.
-esperaste o bastante, né, Robert? -perguntou Michael.
-Interessava-nos ouvir a história -repôs o outro.
-Sim, isso é certo -Cooper saiu também de entre as sombras a pouca distância do Blount. O inspetor do Bow Street levava duas pistolas, uma em cada mão –. E acredito que ao magistrado lhe interessará mais ainda.
Perry se deu conta de que tinha sido enganado e, com um grito de raiva, disparou a pistola.
Rachel e os outros dois desceram da carruagem e, enquanto Anthony pagava ao chofer, as duas mulheres corriam para a porta do armazém. Justo antes de chegar, soou um disparo, seguido de outros dois. Rachel entrou no edifício com um grito de angústia, seguida por seus acompanhantes.
Correu para onde brilhava a luz de um farol dentro do armazém. Quando chegou ali, deteve-se bruscamente. Sir Robert Blount e o senhor Cooper, corriam, aproximavam-se pistola em emano ao lugar em que jaziam dois corpos no chão. A gente era Perry. O outro era Michael.
Rachel sentiu uma dor intensa que a cravou ao chão. Não podia respirar. Solo podia pensar que sua vida tinha terminado. Justo quando ao fim tinha encontrado a felicidade, tudo se derrubava.
Então Michael se sentou e se levou uma mão à cabeça.
-Maldita seja! Dei-me na cabeça com essa caixa ao cair.
Rachel sentiu um alívio imenso. Seu coração começou a pulsar de novo. Blount se aproximou, tomou ao Michael do braço e o ajudou a incorporar-se.
-Michael! -Rachel correu a abraçá-lo.
-Rachel! -seu marido lhe devolveu o abraço com surpresa –. O que faz aqui?
-Está bem? Está ferido? -apartou-se para observado em busca de feridas.
Seus olhos estavam cheios de lágrimas e sua respiração era rápida e superficial.
Michael sorriu.
-Não, não me acertou, estou bem. Acredito que é Perry o que está ferido -olhou aos outros –. Como vai?
-Blount lhe acertou, eu não -repôs Cooper.
Arrancou- o peitilho ao Overhill e a apertou no ombro –. Ainda está vivo. Levarei-o a um médico.
-Bem -Michael voltou sua atenção a sua esposa –. O que faz aqui? Se chegar a vir antes, podiam te haver disparado -viu o Anthony e ao Lilith por cima do ombro do Rachel –. Vós também? -perguntou surpreso.
Sir Robert se voltou para sua vez.
-Que demônios...! -aproximou-se do Lilith e lhe aconteceu um braço pelos ombros –. O que faz aqui?
-Vínhamos a te resgatar -disse Rachel –. Temos descoberto que o cérebro detrás dos crímenes era Perry e eu acreditava que estava aqui solo com ele e tinha muito medo de que chegássemos tarde. -retrocedeu e olhou a seu marido com os braços cruzados –. É evidente que não nos necessitava.
-Sim -interveio Lilith –. E se alguém se incomodou em contamos a verdade, o teríamos sabido.
Michael e sir Robert se olharam entre si.
-Disse-lhe isso -murmurou o primeiro.
-Acredito que vou procurar uma carruagem para que Cooper se leve ao Overhill -anunciou sir Robert com rapidez.
-Covarde! -disse-lhe Lilith quando passou a seu lado, mas o sorriso de seus lábios tirava veneno a suas palavras.
Os homens ajudaram a levar ao Perry à carruagem.
-Irei com você se por acaso lhes dá mais problemas -ofereceu-se Anthony ao inspetor. Olhou ao ferido –. Riste-lhes que mim durante anos e será um prazer lhes ver entre grades.
Perry, consciente já, sujeitava com uma mão a atadura improvisada no ombro ferido e não parecia capaz de opor muita resistência.
Os outros quatro tomaram também um carro de aluguel até a casa do Michael e Rachel, onde tomaram um jantar tardio e repassaram o ocorrido aquele dia.
Rachel e Lilith contaram a visita do Anthony e como tinham descoberto que Perry era o autêntico criminoso.
-E resulta que você sabia já! -terminou Rachel, com fingida irritação –. Como sabia? me soou muito convincente quando explicou por que tinha que ser sir Robert.
-Sempre lhe deu bem me jogar as culpas -comentou Blount.
-Bom, é certo que pensei que o criminoso tinha que conhecer minha história passada com o Anthony, mas nunca suspeitei do Bob -confessou Michael –. Ele e eu passamos muitas coisas juntos e o conheço muito bem. Assim considerei quem mais podia estar ao tanto. Eu não o disse ao Perry e não sabia que ele tinha animado sua fuga, mas ele estava já presente na época em que nos prometemos e foi um dos muitos homens que lhe cortejaram então. Pensei que era possível que tivesse adivinhado que Anthony te amava ou que você o preferia a ele antes que a outros.
-Mas naquela época havia muita mais gente a meu redor que podia havê-lo adivinhado -assinalou Rachel.
-Sim, mas eu sabia que Perry tinha tido dificuldades econômicas no passado. E não terminava de entender por que tinham metido ao Birkshaw em tudo isto. Ao princípio pensei que era para me apartar do rastro do criminoso, e suponho, que em parte o era, mas quando compreendi que queriam me matar e jogar a culpa a ele, entendi que tinha que ser algo pessoal. O culpado queria acabar com o Birkshaw e comigo, com os dois. A conexão entre nós era Rachel. portanto, o criminoso tinha que estar obcecado por ela. por que, se não, ia querer livrar-se de uma vez de seu marido e do homem ao que tinha amado? Seguro que tinha medo de que, se me matava , Rachel fosse a seu antigo amor e não a ele. E tinha que tratar-se de um homem que a tinha amado desde sua apresentação em sociedade. E o mais evidente era Perry.
-Eu nunca tomei a sério! -exclamou Rachel –. Dedicava-me muitos cumpridos extravagantes, mas eu pensava que eram em brincadeira. Que para ele era mais fácil que cortejar a outra mulher e casar-se com ela. Sempre parecia tão... pouco eficiente!
-Sim, parece que fez acreditar em muita gente que era uma pessoa tranqüila e de bom coração -acrescentou sir Robert –. O tipo de homem ao que outros consideravam um acompanhante seguro para suas algemas ou irmãs.
-Mas como conhecia elemento criminal, às pessoas que cometiam os crímenes? -perguntou Lilith.
-Não sei. Mas é evidente que nenhum de nós conhecíamos verdadeiro Perry. Sempre foi um jogador. Lembrança que estava acostumado a freqüentar antros de jogo aos que eu não teria ido -comentou Michael –. Talvez seus primeiros contatos criminais os fez ali.
Rachel moveu a cabeça.
-Costa tanto acreditá-lo! me caía bem.
-A ti e a todos -assentiu seu marido com tristeza –. Minha pena por ele era autêntica.
Era já bastante tarde e sir Robert e Lilith se retiraram logo. Rachel e Michael subiram as escadas da mão.
-Não há necessidade de despertar a sua donzela -sorriu ele quando chegaram a seus aposentos –. Despirei-te eu.
Tirou-lhe as forquilhas do cabelo, que caiu em uma massa de cachos sobre os ombros dela. Rachel tomou uma escova e começou a escová-lo.
-É minha culpa, verdade? -comentou.
-O que? -perguntou ele surpreso –. Claro que não. Você não podia controlar que Perry ia fazer essas coisas.
-Mas tentou te matar por minha causa.
-Não. Tentou me matar porque é mau. Você não pode evitar ser uma mulher encantadora e desejável -tomou a mão –. Sem dúvida há dúzias de homens que lhe desejam, mas solo ao Perry lhe ocorreu matar a uns quantos para ganhar seu coração.
-Mas eu coloquei muito a pata quando lhes conheci o Perry e a ti. Tanto que você ainda não confia em mim.
-O que? -Michael lhe pôs uma mão no queixo e lhe levantou a cabeça –. Mas o que diz? Claro que confio em ti.
-Não me contou a verdade sobre o Perry. Contou-me a mesma história que a ele.
-Mas não porque não confiasse em ti. Não pode pensar isso. Não lhe disse isso porque é muito sincera, muito confiada. Tinha medo de que não pudesse dissimular diante do Perry, de que se te contava minhas suspeitas, ele o visse em seu rosto -levou-se a mão dela aos lábios –. Mas confio em ti com todo meu coração.
-Como é possível depois do que te fiz? -perguntou ela. apartou-se com os olhos brilhantes pelas lágrimas –. Traí sua confiança, teve que te casar comigo para proteger seu nome, mas sei que matei seu amor por mim. Distanciou-me de sua vida. Ocultou-me o que fazia... sua irmã, seu trabalho. E agora... agora eu te amo e quero ter filhos e levar uma vida normal e feliz. Mas tenho medo de que nunca poderei recuperar o amor que sentia por mim.
-Rachel! Não. Não -Michael tomou pelos ombros –. Crie que te desposei por proteger meu nome? Casei-me contigo por isso.
Atraiu-a para si e a beijou.
-Por isso -disse, quando ao fim levantou a cabeça –. O escândalo podia suportá-lo, mas viver sem ti não. Desejava-te e estava disposto a fazer o que fora preciso. Sabia que não lhe fazia nenhum favor te obrigando a entrar em um matrimônio que não desejava, mas não podia te deixar partir. Não podia suportar a idéia de viver sem ti. Não te falei de meu trabalho porque tinha medo de que você não gostasse, de que me considerasse tolo ou vulgar. Tinha medo de ficar mal ante seus olhos. Amo-te. Sempre te amei.
-De verdade? -sorriu ela quase com acanhamento.
-Sim, de verdade -beijou-a de novo; levantou a cabeça e a olhou aos olhos –. Amo-te. Simplesmente não sabia que você me amava. Claro que te amo. Jamais te tivesse pedido que compartilhasse meu leito se não te amasse. E quero quão mesmo você... filhos, uma vida feliz...
Rachel ficou nas pontas dos pés e o beijou.
-E possivelmente um mistério que resolver de vez em quando?
Seu marido soltou uma risita.
-Sim, possivelmente um mistério de vez em quando... sempre que você me ajude a resolvê-lo.
-Farei-o -prometeu ela –. Sempre estarei a seu lado.
-Me alegro -tomou o rosto entre as mãos –. E respeito por volta dos meninos, o que te parece se pomos a isso imediatamente?
-Acredito que é a melhor idéia que tiveste esta noite – repôs ela.
Michael se inclinou, tomou em braços e a levou a cama.
Candace Camp
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