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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CASA DOS SONHOS / Brenda Joyce
A CASA DOS SONHOS / Brenda Joyce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Duas famílias aristocráticas, uma inglesa, uma espanhola, estão tragicamente destinados a se reunirem repetidamente ao longo dos séculos. Cassandra de Warenne passa seus dias em uma mansão inglesa tranquila, cuidando de sua sobrinha, enquanto sua irmã Tracey vive a vida glamorosa de uma socialite. Quando Cass conhece a mais nova conquista de Tracey, Antonio de La Barca, ela não está preparada para a intensa e imediata atração, uma atração que anuncia algo mais profundo, mais poderoso e mais perigoso do que Cass jamais poderia imaginar.
Tanto os de Warennes e os de La Barcas têm uma complicada e horrível história de corações partidos, amarga rivalidade, e derramamento de sangue, que começou há 450 anos atrás, com uma mulher, Isabel, abandonada e traída por sua família, seu amante e seus amigos. Hoje, Isabel convocou e uniu as duas famílias uma última vez, desta vez para completar uma busca por vingança do além-túmulo.

 

 

 


 

 

 


Capítulo Um

Belford House, Leste de Sussex - O presente

Simplesmente onde diabos estava sua irmã?

Cass gastou a maior parte de sua vida nas sombras da sua irmã, Tracey era uma das mais bonitas e glamorosas mulheres que Cass conheceu, e infelizmente, ela tinha uma propensão para se atrasar. Cass estava estressada. Certamente hoje, dentre todos os dias, Tracey podia ser pontual. Só desta vez.

Em outras duas horas a casa estaria cheia com os convidados de Tracey. Com os tipos do Forbes 4001, suas esposas troféu, o velho milionário do Vale de Silicone, celebridades, dignitários, a imprensa, dois banqueiros japoneses, uma dupla de rock-stars, um magnata de transporte israelita, um embaixador, e um punhado de duques, duquesas e condes. Tal pensamento fez com que o coração de Cass oscilasse desagradavelmente.

Mas sobretudo, Tracey devia chegar a tempo, porque ela não tinha visto sua própria filha em três meses, ainda que elas falassem ao telefone.

Cass permanecia nervosamente junto a janela, olhando além do seco caminho de cascalhos brancos e através das colinas verdes da zona rural do Leste de Sussex. Ela estava suando. As vacas leiterias pontilhavam os campos abrangendo a distância entre a casa e a pequena aldeia de Belford, que ela podia apenas distinguir como um amontoado de telhados de pedras claras. O dia era cinza, a ameaça de chuva iminente, reduzindo visibilidade. Mesmo assim, ela podia ver a cidade mais próxima, Romney, famosa por sua atração turística, um castelo intacto datando de cinco séculos completos, uma vez que estava construído sobre uma das colinas circundantes. Cass podia ver também uma estreita faixa de estrada sinuosa pelo campo. Nenhum carro à vista.

— Onde está mamãe? Por que ela ainda não está aqui? — Uma voz infantil perguntou.

O estômago do Cass estava embrulhado quando ela virou para enfrentar sua sobrinha de sete anos de idade.

— Sua mãe estará aqui a qualquer momento, eu estou certa disto — ela mentiu. E ela pensou, por favor, Trace. Por Alyssa, por mim, apenas chegue aqui!

Alyssa se sentou em sua imaculada cama rosa e branca, defronte aos numerosos travesseiros fofos, todos graciosamente bordados e na sua maior parte rosa, branco, e vermelho como o quarto, vestindo suas mais novas roupas, um pequeno vestido de pálido azul do Harrods, meia-calça azul marinho, e sapatos plataforma de camurça preta. Seu cabelo de corvo preto estava preso com uma presilha de casco de tartaruga, e seu rosto estava limpo e brilhante. Ela era tão bonita, mas não como sua mãe, de nenhuma forma.

— Ela deveria chegar há uma hora. — Alyssa disse melancolicamente. — E se ela não vem?

Cass se apressou para sua sobrinha, que acabava de verbalizar os piores temores de Cass.

— Ela está vindo, doçura. Você pode apostar nisto. Este é o jantar black-tie de Tracey, mesmo que tia Catherine esteja sediando o evento. Você sabe disso. Ela tem que aparecer.

Alyssa assentiu, mas não pareceu segura.

Cass sabia que sua irmã mais jovem era selvagem e irresponsável, mas ela não era tão selvagem, ou tão irresponsáveis. O evento da noite era por causa do novo trabalho de Tracey com a Sotheby’s em Londres. No momento em que Tracey perguntou a Catherine se ela poderia realizar um evento a fim de exibir um colar muito raro para três dúzias de potenciais compradores, o créme de la créme da sociedade internacional, Catherine concordou. Sua tia raramente se recusou a qualquer uma das suas duas sobrinhas. As têmporas de Cass começaram a latejar sombriamente. Tracey apareceria, não?

Cass não podia imaginar ajudar tia Catherine a realizar este evento. Ela não era uma socialite como sua irmã. Ela não frequentou hotéis cinco estrelas, voou de primeira classe, se envolveu com playboys e jogadores de polo, ou mesmo possuiu mais de um único vestido de noite. Ela não foi aos casamentos de top models. O último namorado de Cass tinha sido um jornalista, não um rock-star.

— Algumas pessoas simplesmente não podem evitar estar atrasadas. — Cass finalmente disse, forçando uma leveza em seu tom que ela não sentia. — É um hábito terrível. — Ela adicionou.

E isso era verdade. Cass sabia que Tracey não tinha a intenção de manter as pessoas esperando. Simplesmente acontecia. Era menos sobre egocentrismo do que sobre desorganização e gerenciamento de tempo. Ninguém vivia a vida do jeito que sua irmã fazia.

Ainda assim, Cass tinha sido preenchida com uma crescente sensação de pavor durante todo aquele dia. A noite, ou a visita da sua irmã, iriam ser um desastre. Cass nunca tinha sentido maior certeza de nada, mesmo que ela não conseguisse identificar o porquê.

Cass só esperava que a premonição de desastre não tivesse a ver com ela preenchendo o lugar de Tracey.

— Ela está tão ocupada agora com seu novo trabalho. — Alyssa disse, seus olhos escuros abaixados, seus cílios pretos grossos desdobrando-se em suas bochechas de alabastro. Ela era a cara do seu pai rock-star, Rick Tennant, que estava atualmente em uma excursão mundial e em algum lugar no Extremo Oriente.

Cass esperava que fosse isso. Sotheby’s parecia como o trabalho perfeito para sua irmã, ela podia se entrosar com os ricos e famosos, enquanto seus empregadores beneficiavam-se de sua condição de celebridade e suas associações com as celebridades. Desde seu casamento, e até mais desde seu divórcio, Tracey tinha sido uma presença constante nas páginas da sociedade da maioria de revistas importantes.

O casamento de Tracey com Rick tinha acabado em menos que três anos. Cass lamentou, por causa da Alyssa, que ele não durou. Mas Alyssa era a melhor coisa que já aconteceu para ela, e ela a amava como se fosse sua própria filha. Na verdade, algumas vezes ela se esquecia que se Tracey quisesse, ela podia passear em suas vidas e levar Alyssa embora, mesmo sem uma explicação. Que, claro, Cass rezava que ela nunca fizesse.

— Eu ouço um carro. — Alyssa exclamou, saltando, seu rosto inteiro brilhando.

Cass estava inundada com alívio. Alyssa correu para a janela, seu cabelo preto balançando como uma capa atrás dela, enquanto Cass se abraçou, suspirando, por que ela não teria que bancar a anfitriã e Alyssa veriam sua mãe depois do que se tornara uma interminável separação, do ponto de vista de uma menininha.

— Não é ela. — Alyssa disse, seu tom plano.

Cass se levantou, seu coração afundando, os olhos arregalados.

— O que? — Onde estava Tracey!

Alyssa parecia à beira de lágrimas. Cass deu uma olhada em seu rosto branco comprimido e pegou a mão dela.

— Ela está atrasada. Será que devemos dar uma volta? Poderia ajudar a passar o tempo. — Cass disse.

— Eu prefiro esperar aqui. Eu não quero perde-la. — Alyssa disse com uma inclinação teimosa do seu queixo.

Antes que Cass pudesse sugerir outra diversão, houve um golpe suave na porta e tia Catherine apareceu, segurando uma bandeja de prata em suas mãos. Seus olhos imediatamente conectados com os de Cass, antes que ela entrasse na sala e sorrisse para Alyssa.

— Bolinhos e chá, minhas queridas. Deve estar morta de fome, Alyssa. Você não comeu nada durante todo o dia.

Alyssa dobrou seus braços firmemente sobre seu peito.

— Por que ela tem que estar tão atrasada? Será que ela não sente a minha falta, também?

Catherine colocou lentamente a bandeja sobre a mesa de Chippendale na frente de outro conjunto de janelas, adornado por duas cadeiras de veludo cor de rosa.

Embora com setenta, a tia de Cass era uma escultural mulher alta, que não parecia mais velha do que cinquenta. Seu cabelo avermelhado era na altura dos ombros e preso em um coque, e ela permaneceu extremamente bonita, uma luz perpétua em seus olhos azuis. Até vestida simplesmente em calça comprida cinza, uma blusa branca, e uma jaqueta mais escura, ela tinha o porte de uma mulher muito nobre, segura e autossuficiente. Cass a admirava muito, por seu caráter, sua generosidade, e as muitas boas ações que ela dedicou em sua vida.

— Claro que ela sente. Nossos convidados estarão chegando às sete, e conhecendo sua mãe, que precisa de uma boa hora ou duas para se vestir para este tipo de evento, ela chegará a tempo. — Catherine disse, sorrindo.

Alyssa andou até a mesa e olhou para os bolinhos. Ela tinha estado tão excitada aquela manhã que ficou doente depois do café da manhã, e Cass tinha deixado ela ficar em casa em vez de ir à escola exclusiva de meninas que ela frequentava.

Cass foi até ela.

— Claro que ela sente falta de você, doçura. Ela é sua mãe. Ninguém é mais especial para ela, acredite em mim. Mas trabalhar para a Sotheby’s pode não ser fácil; eles a mandam pelo mundo inteiro. Eu acredito que ela estava em Madri só alguns dias atrás. Sua mãe está provavelmente muito cansada, doçura, e realmente nervosa sobre esta noite.

Alyssa olhou-a direito nos olhos.

— Ela estava na Vogue novamente. Com um novo homem. Ela tem outro namorado?

Cass piscou. Ela, obviamente, perdeu essa última edição. Na verdade, ela evitava os tipos de revistas e tabloides em que sua irmã geralmente aparecia. Cass não era ciumenta. Era apenas estranhamente doloroso ver sua irmã nessas páginas tantas vezes, rodeada por nomes muitos conhecidos parecendo tão perfeitos.

— Eu não sei. — Cass disse depois de uma pausa, com sinceridade. Tracey não mencionou um novo amante para Cass.

Catherine esfregou suas finas costas.

— Não se irrite, querida. Sua mãe estará aqui a qualquer momento, e então você mesma pode perguntar a ela sobre qualquer novo homem que poderia estar na vida dela.

Alyssa mordeu seu lábio, parecendo perigosamente perto de lágrimas.

Catherine disse, brilhantemente.

— Eu acho que todas neste quarto estão esgotadas. Eu quero dizer, nós tivemos os funcionários preparando tudo para esta noite, durante dois dias, para não mencionar a segurança da Sotheby’s para garantir que o colar de rubi não fosse roubado por um ladrão gatuno, esses homens fervilhando por toda a propriedade! Vamos tomar um pouco de chá. Todas nós nos sentiremos melhores, e quando terminarmos, eu não tenho dúvidas que Tracey irá aparecer por aquela porta.

Alyssa assentiu, lábios contraídos, sentando-se em uma das cadeiras de veludo cor de rosa, balançando os robustos sapatos de plataforma para trás e para frente. Enquanto ela pegava um bolinho, Catherine despejava o chá, Cass disse:

— Eu vou descer e tomar um pouco de ar, se vocês duas não se importam.

— Eu acho que você deve tomar um longo banho quente, Cassandra, e passar algum tempo se ajeitando diante do espelho para o evento desta noite. — Disse Catherine suavemente.

Cass pegou o breve vislumbre de seu próprio reflexo no espelho quando ela começou a virar para encarar sua tia. Ela não estava usando maquiagem, e o moletom Barnard que tinha colocado naquela manhã era tão velho e desbotado como seu jeans. Seu cabelo loiro mel estava na altura dos ombros e preso em um rabo de cavalo. Como sua tia, ela tinha as mesmas firmes feições e boa pele. Ao contrário de sua tia, ela não fazia cabeças virarem.

E ela sabia exatamente o que sua tia queria dizer, ela devia ter cuidados adicionais ao se vestir, porque nunca se sabe quem se pode conhecer.

— Eu? Embelezar? Você se importaria de definir isso para mim? — Cass teve que sorrir.

Alyssa até deu uma risadinha.

— Eu ajudarei a tia Cass a vestir-se — ela disse. — Ela pode usar meu batom. Ele ficaria ótimo em você, tia Cass.

Antes de Cass pudesse aceitar ou recusar, Catherine disse.

— Você é extremamente jovem para ter, muito menos usar, batom, Alyssa. — Seu tom era duro.

— Na verdade. — Cass cortou, — eu pensei em repassar as anotações que eu fiz ontem à noite. Eu estava tão cansada que acabei adormecendo na minha mesa, e eu gostaria de ter certeza que consigo decifrar minha caligrafia.

Catherine apenas olhou para ela, sua expressão uma mistura de resignação, reprovação e respeito.

Cass fugiu do quarto antes que elas pudessem começam a discutir sobre o foco único de Cass em sua carreira como autora de romances histórico, ela teve quatro trabalhos publicados nos últimos seis anos, e sua consequente, grave ausência de uma vida pessoal ou mesmo a mera busca de uma.

Cass correu escada abaixo em seus sapatos com sola de borracha. Elas tinham estado nessa velha aborrecida discussão uma dúzia de vezes, ela deveria sair mais, paquerar mais, deveria se casar, ter seus próprios filhos. Catherine simplesmente não entendia. Cuidar de Alyssa e de seu trabalho era simplesmente tudo o que ela podia suportar. Havia apenas tanto tempo em cada dia.

A empregada sorriu para ela quando ela passou apressada, por um corredor escuro com piso de pedra, sua mente dividida entre pensamentos da chegada de Tracey e sua partida, o desejo de proteger Alyssa de todas as decepções da vida, grandes e pequenas, e sua própria voz interior, que concordou com sua tia inteiramente. Cinco anos atrás, quando ela tinha empacotado sua vida e se mudou com Alyssa de seu pequeno apartamento em Nova York para Belford House, ela tinha desistido de sua busca por uma vida pessoal e não tinha refletido muito sobre isso desde então. Não houve nenhuma escolha a fazer. Alyssa tinha precisado dela desde o dia em que ela nasceu, e no momento em que Tracey e Rick tinham decidido se divorciar, tinha sido claro para Cass que se ela não amparasse a pequena criança, ninguém mais o faria. Ela não tinha os meios para ser uma mãe solteira, e ir morar com sua tia tinha sido a solução perfeita. Não houve arrependimentos.

Cass atravessou um par de portas que se abriam em um lado do jardim de flores da sua tia, a garagem à sua esquerda e apenas dentro do alcance de sua vista periférica. Ela balançou seu cabeça ao redor e hesitou, notando um Citroen preto na garagem. Sua irmã dirigia um Aston Martin. Ou melhor, seu motorista fazia. Tracey foi muito favorecida em seu acordo de divórcio.

Era muito cedo para quaisquer dos convidados ter chegado, e enquanto Cass ponderava essa noção, ela percebeu que alguém estava de pé nos jardins a sua direita, de costas para ela. Nesse momento ela se perguntou se ele era um dos homens de segurança do Sotheby’s. Ele era alto, de cabelo escuro, e bem vestido com calça comprida marrom e uma jaqueta esporte preta. A calça comprida marrom deu-lhe o diferenciamento da segurança, porque os homens de segurança vestiam tudo preto. Cass se aproximou, limpando a garganta, prestes a perguntar se ele precisava de ajuda, ou se estava realmente no lugar certo.

Ele virou.

Cass sentiu um lampejo de reconhecimento, mesmo antes de seus olhos se encontrarem. Ela tropeçou, um instante perdida na confusão.

Exatamente o que em nome de Deus estava Antonio de La Barca fazendo nos jardins de flores de sua tia? Ela não o conhecia pessoalmente, mas ele era o tipo de homem que uma mulher nunca iria esquecer, não tendo o conhecido uma vez sequer. Não que eles tinham realmente, de fato se conhecido. Ele era um professor de estudos medievais, de renome internacional, formado em Madrid, e Cass tinha assistido a uma série de palestras que ele tinha dado no Metropolitan Museum em Nova York há sete anos. Ela lembrava a série tão bem: Mito Medieval, Fato ou Fantasia, um Espelho para o Nosso Mundo. Ela estava pesquisando seu terceiro romance na época, e o curso dele tinha sido logo após o nascimento de Alyssa, mas antes do rápido divórcio de sua irmã.

— Señora, eu vejo que surpreendi você. Por favor, perdoe-me. — Ele disse, seu sorriso leve. Ele tinha um acento latino intrigante.

Cass tentou recuperar sua compostura.

— Eu não estava esperando que alguém estivesse aqui fora. — Ela conseguiu dizer, seu coração palpitando loucamente. Isto era um absurdo.

Por que ela estava tão surpresa ao vê-lo? Obviamente, ele devia estar ali para participar do jantar. Agora estava clicando em seu cérebro que o colar que era o destaque do próximo leilão da Sotheby’s era uma peça de época, que remonta ao século XVI. Artigo após artigo tinha sido escrito sobre a descoberta impressionante. Talvez ele tivesse até mesmo avaliado seu valor histórico.

— Um criado me garantiu que eu poderia dar um passeio pelos jardins sem perturbar ninguém, mas eu vejo que perturbei você. Mais uma vez, minhas sinceras desculpas. — Ele estava usando óculos de aro de tartaruga, que quase não prejudicou suas fortes, atraentes feições espanholas. Seu olhar era ao mesmo tempo confiante e interrogatório.

Cass sabia que ela estava corando. Ele parecia não se lembrar dela, mas, naturalmente, ele não iria. Mesmo que ela tivesse feito dezenas de perguntas após cada palestra. O olhar dela deslizou para as mãos dele, mas elas estavam enfiadas nos bolsos de suas calças. Ele usava uma aliança há sete anos atrás, e as fofocas entre todas as mulheres que frequentaram as aulas haviam corrido de forma desenfreada, porque, supostamente, sua esposa tinha simplesmente desaparecido sem deixar vestígios no ano anterior. Cass recordou a incessante especulação, isso era mesmo verdade? Teria ela fugido? Ou algo horrivelmente indescritível tinha se abatido sobre ela? Claro, ninguém tinha tido qualquer resposta. Mas isso tinha certamente tornando-o ainda mais uma figura romântica aos olhos das mulheres que frequentavam a série de palestras. Praticamente todas as mulheres tinham se apaixonado loucamente por ele.

Cass inclusive.

— Eu estou sendo uma anfitriã terrível. — Cass finalmente disse, achando sua língua. — Você deve estar aqui pelo jantar da noite. Minha tia é Catherine Belford. Eu sou Cassandra de Warenne.

Por um momento ele a estudou, não aceitando sua mão. Cass perguntou-se se ela havia dito algo errado, e então o momento passou, sua mão estava em seu aperto, que era firme e frio, e ele inclinou-se levemente.

— Você é americana? — Ele perguntou com certa surpresa.

Seu sotaque era uma dádiva.

— Minha mãe era americana, e, na verdade, eu nasci nos Estados Unidos, mas quando ela morreu, minha tia nos levou. Eu tinha onze anos na época. Passei muito tempo aqui, considero-me, pelo menos, metade britânica. — Cass sabia que ela estava falando em uma arremetida nervosa.

Ele tirou os óculos, colocando-os dentro do bolso de sua jaqueta azul marinho esporte impecavelmente costurada.

— Você foi para Barnard?

Cass de repente percebeu, sem uma pequena quantia de horror, como ela estava vestida. Infelizmente, ela podia sentir seu aumento de cor.

— Sim. Eu me formei dez anos atrás — ela disse. — Eu tirei um ano de folga, então voltei para o meu mestrado.

— Eu já lecionei várias vezes em Columbia — ele disse com um sorriso. — Eu conheço bem ambas as academias. Elas são excelentes escolas.

Cass enfiou suas mãos, que estavam úmidas, nos bolsos de sua calça jeans. Será que ela parecia uma idiota? Ou uma colegial corando?

— Na verdade, eu assisti a sua série de palestras no Metropolitan Museum alguns anos atrás. — Ele apenas olhou para ela, sua expressão difícil de ler. Cass sentiu como relembrando suas palavras. Ela devia ter admitido que se lembrava dele? — Você é Antonio de La Barca?

— Perdoe-me novamente. — Ele passou a mão pelos cabelos negros, cabelo que era muito mais escuro do que o de Alyssa. — Eu não sei o que há de errado comigo hoje. — Ele balançou a cabeça, como para limpá-la. Então ele olhou fixamente. — Sim, eu dei aquela palestra, sete anos atrás. — Algo cruzou seu rosto, uma expressão que Cass achou difícil de ler. — Uma grande instituição — ele murmurou, e ele virou-se ligeiramente, olhando em direção às colinas e Romney Castle. Cass percebeu que estava chuviscando.

Ela ignorou. Ela também ignorou a ligeira pontada que sentia, porque ele não tinha se lembrado dela de qualquer modo.

— Foi uma palestra maravilhosa, Señor de La Barca. Eu apreciei imensamente.

Ele olhou para ela, seus olhos se encontrando.

— Você é uma historiadora?

Ela hesitou, debatendo sobre dizer a ele a verdade.

— Eu me formei em história europeia em academia — ela disse. — Meu mestrado é em história britânica. E agora eu escrevo romances históricos. — Ela manteve suas mãos nos bolsos.

Seus olhos brilharam.

— Que interessante — ele disse, e não existia nada protetor em seu tom. — Eu adoraria uma lista dos títulos que você publicou.

— Eu teria muito prazer em dar um para você antes de partir. — Cass disse, perguntando-se se ele realmente leria um de seus livros, em seguida, se preocupando com a eventuais imprecisões que ele pudesse encontrar. — Você está aqui para ver o colar?

Ele assentiu, os olhos brilhando.

— Um pedaço de Século XVI? A forma como foi descrito, valeria a pena o resgate do rei, e teria pertencido a alguém exemplar. Se a peça é autêntica, que claramente deve ser visto que a Sotheby’s não é de cometer tais enganos graves, então eu estou mais interessado em descobrir quem poderia ter originalmente o possuído mais do que qualquer outra coisa. — Ele sorriu para ela.

— É impressionante, — disse Cass ansiosamente. — Claro, eu só vi as fotos. Esses rubis são cortados tão superficialmente e tão primitivamente que a pessoa comum assumiria que eles são de vidro. Mal posso esperar para realmente ver a peça esta noite.

Ele estava assentindo.

— Os rubis eram raríssimos no Século XVI — ele disse, seu olhar diretamente sobre ela novamente. — Apenas os mais ricos e poderosos possuíam rubis. Este colar poderia ter pertencido a uma rainha ou uma princesa. Que o Hepplewhites o descobriu em sua posse é bastante surpreendente.

— Você pode imaginar se Lady Hepplewhite tivesse o jogado fora como ela primeiramente pensou em fazer, supondo que fosse a peça de uma fantasia?

Ele estava sorrindo, balançando a cabeça. Cass estava sorrindo, também.

— Eu estou escrevendo um romance ambientado no reinado de Bloody Mary2 — ela disse impulsivamente. — Foi um período fascinante no tempo e Mary foi tão estereotipada e tão gravemente incompreendida.

Ambas suas sobrancelhas escuras erguidas. Ele encarou.

— Realmente.

Cass mordeu seu lábio.

— Eu não consigo evitar isso. Minha imaginação se move separada de mim. Aquele colar poderia ter sido um imprudente presente proferido por Mary a um de seus favoritos. Ela era muito leal e generosa com aqueles em sua casa.

— Sim, ele poderia ter sido. — Seus olhares se encontraram. — Ou poderia ter sido um presente de seu pai para praticamente qualquer um, para uma de suas esposas, uma de suas filhas, ou talvez seu filho Edward o passou para frente de uma maneira semelhante.

— Seria muito interessante traçar a linhagem do colar. — Cass meditou.

— Muito interessante. — Antonio de La Barca concordou, seu olhar ainda focado exclusivamente nela.

Havia algo em seu tom que deixou Cass tensa. Ela não conseguia desviar o olhar, e agora ela lembrou de ter falado com ele depois de uma palestra e ter estado fascinada pelo brilho de seus olhos castanhos. O brilho e a intensidade.

Ela teve que tomar um passo para trás, longe dele. Ainda que ele fosse um viúvo, estava fora de seu alcance. Além disso, ela tinha aprendido sua lição anos atrás. Há oito anos, para ser exata, pouco antes de Alyssa nascer. Quando você se apaixona, todo bom senso voa pela janela, e o resultado é trágico. Ter tido seu coração partido uma vez e para sempre era suficiente. O homem que o partiu era um relacionamento de faculdade, mas aparentemente tinha sido mais importante para ela que para ele. Ela sabia que tinha mudado após a decepção. Ela simplesmente nunca quis ir lá novamente.

— Está chovendo — ela disse, para quebrar o momento, que de alguma forma parecia extremamente íntimo e até embaraçoso.

Ele olhou para o firmamento, sorriu suavemente, enquanto os céus abriram-se e começava a chuva torrencial.

— Realmente está, — ele disse.

— Vamos. — Cass disse, girando para levá-lo para dentro.

Mas ele estava tirando a jaqueta esporte de grife e pendurando-a sobre seus ombros vestidos de moletom. Cass não teve tempo para ficar de boca aberta. Segurando seu cotovelo com muita firmeza, ele se apressou a voltar para dentro.

Uma vez fora da chuva, Cass entregou-lhe o casaco praticamente encharcado.

— Espero que você não tenha arruinado isso.

— Dificilmente importa — ele respondeu.

Cass hesitou, ciente das sombras escuras do final da tarde, e tão subitamente ciente do fato de que este convidado específico estava várias horas adiantado. O que ela ia fazer com ele?

Evidentemente seus pensamentos estavam escritos por todo o seu rosto, porque ele disse:

— Eu tenho um encontro com a Señora Tennant aqui, mas aparentemente ela está um pouco atrasada.

Cass enrijeceu. Ele veio se encontrando com Tracey aqui?

— Tracey é minha irmã.

Ele se sobressaltou.

— Ela nunca mencionou que tinha uma irmã. Eu estava supondo que você era prima dela.

Como de La Barca conheceu sua irmã?

— Não, nós somos irmãs, ainda que nós não nos parecemos em nada, — ela disse devagar. Uma nova sensação de pavor, muito diferente do que tinha a assombrado o dia todo, estava a enchendo.

Por que e veio se encontrar com Tracey? Antes que Cass pudesse começar a ordenar o que estava acontecendo, Alyssa veio correndo escadas abaixo, gritando de emoção que sua mãe tinha finalmente chegado.

E a porta da frente se abriu atrás deles. Cass ouviu apenas quando sentiu uma rajada de ar frio e úmido, mas ela estava olhando para as mãos dele agora, que pendiam pelas suas laterais. Ele estava usando um anel muito arrojado com uma pedra vermelho-sangue em sua mão direita, mas a aliança fina de casamento que tinha visto há sete anos tinha ido embora. Bem. Ele não havia se casado novamente. E isso explicava tudo, ela pensou sombriamente. Seu envolvimento com Tracey tinha nada a ver com o colar do século XVI. Cass sabia disso da forma como ela sabia que teria um tempo horrível naquela noite.

— Oi, todo mundo! — Tracey exclamou por trás de Cass.

Um enorme peso se estabeleceu sobre os ombros de Cass, e ela se virou.

Tracey estava na porta em um par de calças brancas maravilhosamente sob medida, uma jaqueta branca requintadamente cortada acinzentada com botões Chanel, e um par de botas brancas de salto alto. Seu longo cabelo loiro, pálido estava solto, a umidade fazendo com que ele se enrolasse sobre seu rosto e ombros. Ela parecia como se tivesse acabado de sair de uma passarela, ou saída das páginas da Vogue. Que, considerando os comentários anteriores de Alyssa, aparentemente, ela tinha.

Tracey era classicamente atraente. Suas feições estavam perfeitamente niveladas, seus olhos azuis, sua pele sem mácula. Ela era uma dessas mulheres que pareciam tão bem sem maquiagem como faziam com. E enquanto poderia haver mulheres mais bonitas na mesma sala com ela, Tracey era sempre a mais notável. Ela era a pessoa que virava cabeças. Porque ela era um modelo esbelto e de aproximadamente 1,83cm de altura. Ela também vivia em roupas de grife sensacionais. Ninguém fazia uma entrada como sua irmã fazia, Cass pensou amargamente. Ela percebeu que estava se abraçando.

— Cass, como você está? — Tracey sorriu, aparentemente, não tendo notado Alyssa, que estava no nível mais baixo da escada, agarrada ao corrimão. Ela abraçou Cass apertado, mas Cass quase não notou. Como diabos tinha sua irmã e de La Barca se conhecido? Como?

O olhar de Tracey se tornou questionador.

— Cass?

— Oi, mana. — Cass conseguiu dar um sorriso.

Tracey sorriu para ela, em seguida, virou-se para encarar Antonio de La Barca. O sorriso que ela enviou a ele disse a Cass tudo o que ela precisava saber. Eles eram amantes. Isso não era nada novo, então por que ela estava surpresa? Consternada?

— Eu vejo que vocês dois se conheceram — ela disse alegremente. — Não me diga que você já está vestida para o jantar? — Ela brincou.

— Ha ha. — Cass disse, observando Tracey beijar Antonio na bochecha.

Pelo menos ela foi poupada da coisa real. Como eles se conheceram? Quando eles tinham se tornado amantes? E por que, maldição, ela se importava? Tracey trocava de homens do modo como ela mudava seu guarda-roupa o que era sazonalmente, o mínimo. Cass estava acostumada a isso, ela não esperava menos.

Embora se ela fosse brutalmente honesta consigo mesma, ela podia admitir o quão bom seria ter um fluxo interminável de namorados.

Mas ela não era Tracey. Ela simplesmente não podia se contentar com boa aparência e bons momentos.

Tracey puxou seu rabo-de-cavalo.

— Por que você está tão amuada? Eu estava só brincando, mana. De fato — seu sorriso alargou-se — eu trouxe presentes para todo mundo!

Cass recuou um pouco.

— Como você está? Parece ótima, Trace. Eu acho que a Sotheby combina com você.

Tracey resplandeceu, o que só a fez mais adorável.

— Um monte de coisas está combinando comigo ultimamente — disse ela, seu olhar prendendo em de La Barca. Ela se deteve, localizando Alyssa com o nariz entre as barras do corrimão de ferro. — Querida, venha aqui! — Exclamou Tracey.

Alyssa lentamente se levantou, seu rosto vermelho como uma beterraba.

— Olá, mamãe — ela disse, com os olhos castanhos arregalados e fixos na figura de neve branca de Tracey.

Tracey se lançou sobre ela, abraçando-a uma vez, com força. Cass observou. Ela viu o corpo de Alyssa permanecer reto e rígido e esticado, e ela observou o sorriso desvanecer-se de Tracey e finalmente desaparecer quando ela se endireitou, um olhar de dor em seus olhos azuis. Alyssa subiu um lance de escadas, um aspecto semelhante de dor em seu olhar quase preto. No instante seguinte, Tracey recuperando o disfarce, o sorriso da menina firmemente no lugar quando ela se virou e correu para Antonio, laçando os braços no dele.

— Eu vejo que você conheceu todo mundo — disse ela muito alegremente.

Foi quase imperceptível, mas ele liberou seus braços.

— Eu conheci sua irmã, mas eu não conheci a sua filha — disse ele um tanto calmamente. Seu sorriso foi breve.

A antena de Cass subiu. Problemas no paraíso? Alguma coisa estava acontecendo, e ela tinha que saber o que.

— Alyssa, venha conhecer meu namorado, Antonio de La Barca. Tonio, esta é minha linda filha, que tem sete, eu poderia acrescentar.

Alyssa finalmente desceu as escadas.

— Eu vi sua foto na Vogue. Com minha mãe.

Antonio inclinou-se para que ele não estivesse muito acima dela. E ele sorriu e foi amplo e genuíno, marcando-o como um homem que gostava de crianças.

— Sua mãe é o tipo de mulher que os fotógrafos desejam fotografar. Eu não tenho nenhuma dúvida de que um dia você vai ser o mesmo tipo de mulher.

Cass se apaixonou por ele naquele momento. A súbita, chocante profundidade e intensidade do sentimento imobilizou-a. Era o tipo de sentimento que ela teve uma vez antes, uma sensação de queda livre absoluta, um mergulho de cabeça, para o abismo do espaço emocional.

Cass tinha ido lá uma vez antes e mal sobreviveu. Ela olhou para sua irmã, a sobrinha, e o estranho no meio delas, paralisada.

Antonio continuou a sorrir para Alyssa. Muito lentamente, muito ligeiramente, Alyssa sorriu de volta.

E Cass não podia se mover. Ela não podia nem pensar, ela podia só sentir. Ela estava atordoada. Apavorada.

Ele era tão lindo e tão Velho Mundo, tão masculino, tão inteligente... Jesus.

E ele era da sua irmã.

O qual era perfeito.

Isto não podia estar acontecendo, ela pensou.

— Eu tenho um filho, — Antonio continuou, — apenas três anos mais velhos que você. Talvez um dia você o conheça.

Os olhos de Alyssa brilharam. E quando ela falou, estava claro para Cass que ela estava fazendo todos o possível para soar imparcial, mas seu tom de voz estava ofegante.

— Qual é o nome dele?

— O nome dele é Eduardo, e ele vive comigo em Madri, só alguns quarteirões da Plaza de La Lealtad. Nós vivemos próximo a um parque bonito, El Retiro, onde muitas crianças brincam de futebol e Rollerblade3 à tarde. — Antonio se endireitou. Tracey estava usando saltos de dez centímetros. Naquele momento eles eram exatamente da mesma altura.

— Eu adoraria ir para Madri. — Alyssa respirou.

De repente clicou na muito confusa e atordoada mente de Cass por que Tracey havia mandado a Alyssa vários cartões postais de Madrid. Agora ela sabia por que Tracey estava mudando de canal. E ela tinha um impróprio, mas muito nova iorquino pensamento. Merda.

Cass tentou obter um controle. Ela tentou recuperar a compostura. Ela não conhecia de La Barca, absolutamente, e era loucura pensar que ela acabava de descobrir algum tipo de profundo sentimento por ele.

Ela não estava se apaixonando.

De jeito nenhum. Nem agora, nem nunca, não hoje.

— Bem, um dia eu tenho certeza que você irá. — Tracey disse, movendo-se para o centro do quadro vivo. — Olhe o que eu trouxe para você, querida — ela disse, tirando quatro pacotes de sua bolsa Vuitton e entregando todos de uma vez para Alyssa.

Alyssa juntou as mãos na frente dela, olhando para baixo para as caixas de presente embrulhadas.

— Obrigada, mamãe.

— Você tem que os abrir! — Então Tracey exclamou, — tia Catherine! Você está aí, e na hora certa. Eu tenho algo para você, também!

Catherine estava descendo os degraus. Ela estava sorrindo, e Tracey voou em seus braços. Elas calorosamente se abraçaram, e então Tracey deu-lhe uma caixa pequena que só podia ser de um joalheiro.

Cass foi para Alyssa, tentando evitar o olhar de La Barca.

— Você quer levar os presentes no andar superior em seu quarto e abri-los em privado? — Ela perguntou suavemente, apenas para os ouvidos de Alyssa.

Alyssa assentiu. As lágrimas formando-se nas pontas dos seus cílios.

Cass queria abraçá-la com força. De repente, ela queria virar e gritar com Tracey que todos os presentes no mundo não poderiam substituir seu estilo ausente da maternidade, que os presentes não podiam comprar o amor. Ela queria gritar, Acorde! Eu sei que você a ama, mas mostre-o, maldição! Passe algum tempo aqui, com sua família! Mas ela não disse nenhuma dessas coisas. O controle de Alyssa era frágil, na melhor das hipóteses. E agora, assim estava ela própria.

De La Barca não preferiria uma mulher intelectual?

— Oh, você tem que abrir o pacote rosa, você vai adorar esse! — Tracey exclamou, apressando-se a frente e entregando-o a filha. Era uma das menores embalagens de presentes. No mesmo instante Tracey mergulhou em sua bolsa e expôs uma caixa lisa longa para Cass. Ela sorriu. "E não se atreva a dizer não."

Cass sabia que era roupa. Sua irmã tinha um gosto incrível para roupas, era a pessoa mais chique que Cass conheceu, mas Cass não era Tracey. Ela não vestia minissaias e ela não usava saltos de estilete. Claro, ela era só tinha 1,60 cm. Ela nem sequer seria capaz de andar no tipo de sapatos que Tracey usava.

— Obrigada — ela disse.

— Tudo bem com você? — Tracey perguntou com preocupação.

— Absolutamente — disse Cass, imaginando se seu sorriso estava amplamente esticado e fino.

Catherine de repente disse.

— Oh, Tracey, querida, que adorável.

Seu tom de voz era estranho. Cass olhou para cima para encontrar Catherine segurando um impressionante broche Elizabeth Locke, uma grande pedra peridoto4 gravada com a figura de uma mulher, fixada em uma barra de ouro fosco com uma cadeia de diamantes. Mas ela não estava admirando o broche. Sua sobrancelha estava novamente sulcada, e ela estava olhando para seu visitante. Cass percebeu que tinha esquecido de apresentá-lo à sua tia.

Mas antes que pudesse fazê-lo, Tracey estava falando em uma precipitada alegria.

— Eu estava andando pela rua quando o vi pela janela e eu sabia que era perfeito para você — disse ela, sorrindo alegremente para sua tia.

— Eu desejava que você não tivesse feito — disse Catherine muito suavemente, pela centésima vez, seu olhar agora em sua sobrinha. Mas então ele se desviou novamente para de La Barca, e a expressão de sua tia deixou Cass aflita.

Alyssa tinha aberto seu pacote rosa, e agora ela se sentou no segundo lance das escadas, segurando algo contra seu peito.

Tracey virou ansiosamente.

— É um item de colecionador, querida. O nome dela é Sparkee. Ela não é simplesmente a mais bonita?

Alyssa mordeu o lábio, balançando a cabeça.

— Obrigado, Mãe.

Cass percebeu que ela estava segurando um Beanie Baby5. Alyssa adorava os pequenos animais de pelúcia e tinha ficado com o coração partido quando eles todos tinham sido aposentados no ano passado. Tracey provavelmente tinha encontrado o pequeno brinquedo em um leilão, ou até mesmo na Net. Ela teve um grande esforço, claramente. Mas Cass não poderia focalizar em mãe e filha agora.

— Tia Catherine? Você está bem? — A tia parecia estranhamente rígida com a tensão.

— Nós não fomos apresentados — tia Catherine disse calmamente.

— Perdoe-me, caso esteja me intrometendo essa é a última coisa que eu gostaria de fazer — disse Antonio de La Barca muito calmamente.

Mas Tracey foi precipitando-se sobre sua tia, tendo laçado seu braço em Antonio novamente.

— Como você podia se intrometer, querido? Tia Catherine, este é Antonio de La Barca, de Madri. Tonio, minha tia, Lady Catherine Belford.

Cass começou a avançar. Sua tia estava imóvel, como se com medo de se mover, a cor tendo drenado de seu rosto.

— Tia Catherine? Você está doente? — Ela perguntou com alarme.

Se Catherine a ouviu, ela não deu a nenhum sinal. Ela olhou fixamente de La Barca, sua expressão tensa. Ela não conseguia tirar seus olhos dele.

— Você se parece com seu pai — ela disse abafadamente.

Ele agarrou sua mão, e agora ele congelou.

— Você conheceu meu pai, Lady Belford?

Lentamente Catherine acenou com a cabeça, e algo terrivelmente triste passou rapidamente através de seus olhos.

— Muitos anos atrás — Catherine disse. E de repente seu rosto enrugou com o surgimento de lágrimas.

— Señora? — Antonio perguntou, alarmado.

— Oh! Acabei de me lembrar de que preciso pedir ao fornecedor algumas coisas. — Catherine virou, quase correndo, e empurrando consideravelmente Tracey ao passar.

— Tia Catherine! — Cass nunca tinha visto sua tia agir em tal maneira antes.

Tracey também estava com os olhos arregalados.

— Por que você não mostra ao nosso convidado o quarto dele. — Cass disse. Ela não esperou por uma resposta. Ela se apressou corredor abaixo depois de Catherine, abrindo a porta para a cozinha.

Dentro era uma enxurrada de atividades, tanto o fornecedor e sua equipe estavam ocupados fazendo os preparativos de última hora para um coquetel e uma ceia que serviria quarenta pessoas. Catherine estava no final do corredor central, debruçando sobre ele, inclinando-se nele, de costas para Cass. Ela estava tremendo.

Cass não entendia. Ela correu para sua tia, deslizando seu braço ao redor ela.

— O que há de errado? O que aconteceu? — Cass exclamou.

A princípio Catherine não podia falar. Ela só podia balançar a cabeça sem dizer nada, continuando a tremer.

— Tia Catherine, fale comigo, por favor. — Cass implorou. Um dos funcionários entregou a ela um lenço de papel e sua tia aceitou, enxugando seus olhos.

— Eu nunca teria esperado isso — ela sussurrou. — Depois de todos esses anos. Cassandra, devemos conseguir com que esse homem saia desta casa e fique fora da vida de Tracey.

Cass não podia acreditar.

— Por quê?

— Por quê? — Catherine se virou para ela, e Cass ficou chocada ao ver a dor e o medo nos olhos arregalados de sua tia. Catherine estava tremendo. — Eu direi a você o porquê, Cassandra. Eu matei o pai dele.


Capítulo Dois

— O que está errado com a tia Catherine? — Alyssa perguntou.

Ela estava sentada na cama com dossel no quarto de Cass. O quarto era com piso de pedra, mas inúmeros tapetes persas coloridos cobriam-no. As paredes eram pintadas de um adorável profundo matiz de salmão, quase alcançando a chaminé de mármore amarelada sobre a lareira. Havia uma área de estar lá, que Cass utilizava frequentemente, mas não tanto quanto ela usava a enorme escrivaninha do século XVIII em um canto da sala, onde seu laptop se encontrava.

— Eu não estou certa. — Cass disse vestindo apenas um par de meia-calça e sutiã. Cass permanecia atordoada. Catherine não explicou sua declaração surpreendente. Em vez disso, ela saiu da cozinha, deixando Cass ali de pé em choque absoluto.

Cass era muito próxima de sua tia. Catherine era sua melhor amiga no mundo inteiro, assim como sua mãe adotiva. O pai de Cass morreu quando ela tinha três anos; sua mãe morreu quando ela tinha onze anos, e Catherine tomou as irmãs para si. Catherine não teve seus próprios filhos. Muito cedo em seu casamento, seu marido, Robert Belford, sofreu um forte e debilitante ataque. Para todos os efeitos, a tia de Cass e Tracey era sua mãe.

Catherine era, na mente de Cass, uma mulher surpreendente. Ela não apenas tinha amparado as irmãs por si mesma enquanto cuidava de seu marido inválido, ela tinha se dedicado a uma boa dúzia de instituições de caridades ao longo de sua vida. Ela era um pilar da comunidade e um ser humano exemplar. Ela era uma doadora, não uma tomadora.

Ela não podia ter matado um homem.

Eu matei o pai dele.

Cass se sentia mal. Ela disse a si mesma que havia uma explicação, e que Catherine não tinha falando literalmente.

Mas e se ela tivesse? O que tinha acontecido, e quando aconteceu? Claramente Antonio de La Barca não sabia de nada.

Cass fez uma careta ao recordar a forma como sua irmã tinha se agarrado tão possessiva a ele mais cedo no vestíbulo.

— Tia Cass, você está tramando uma nova cena?

Alyssa cortou seus pensamentos e Cass piscou.

— Para falar a verdade não — Cass disse.

— Você tinha esse olhar engraçado em sua cara. É melhor você se apressar, tia Cass, ou você será a última a chegar na festa. — Alyssa disse gravemente. — Eu acho que você devia vestir aquele vestido vermelho que mamãe comprou para você.

— Eu não acho — Cass disse. Ela tinha que se vestir, mas ela não conseguia se concentrar na tarefa em mãos. Sua mente estava nadando... imagens de sua tia competindo com imagens de Antonio de La Barca e Tracey.

— Mamãe estava linda naquela roupa, não é? Ela é tão bonita. — O suspiro de Alyssa era admirado e melancólico.

Cass se ouviu suspirar, também. Como ela iria conseguir passar por esta agora? Sua enxaqueca se intensificou. Não deixou ela notar que Antonio estava dormindo no quarto de Tracey.

— Ela é sempre deslumbrante, querida. Isso não é novidade.

— Eu realmente gosto do seu novo namorado — Alyssa corou. — Eu espero que ela se case com ele.

Cass apenas olhou para ela, suas entranhas agitando desagradavelmente.

— E por que isto?

— Ele tem um filho, eu teria um irmão. E talvez nós seríamos uma família novamente — ela esperançosamente disse. — Todos nós, tia Cass. Isso não seria maravilhoso? Todos nós juntos?

Cass não podia pensar em nada pior.

— Doce, se sua mãe se casar, eu não penso que seria bem-vinda em sua nova casa. Simplesmente não funciona dessa maneira. — Ela estava começando a suar, ela percebeu.

Alyssa ficou surpreendida e desanimada.

— Mas por que não? Eu não posso viver com eles se você não estiver lá, também!

Cass estava prestes a abrir o armário; agora ela pausou. Ela nunca tinha visto Tracey olhar para qualquer um de seus outros amantes do jeito que ela olhou para de La Barca. Tracey estava apaixonada. E por que não? De La Barca era um bom partido.

Cass fechou seus olhos, indisposta. Os homens davam cambalhotas apaixonados por Tracey, cada um deles. Ela era a única a ir embora e romper seus corações. De La Barca estava provavelmente apaixonado neste mesmo momento. Tracey provavelmente poderia caminhar ao altar com ele amanhã se ela quisesse. E de La Barca era um homem de família, ele amava crianças. Cass já sabia que ele era um grande pai. Era tão óbvio. Eles levariam Alyssa longe dela...

— Tia Cass? O que está errado? Eu disse alguma coisa que a incomodou?

Cass lutou por ar. Ela sabia que tinha que cortar seus pensamentos ou ela nunca faria isto através da noite. Ela se virou, abrindo seu armário, mas em vez de ver as roupas penduradas no interior, ela continuou vendo Tracey andando pelo corredor em um vestido de noiva. Droga. Talvez Catherine estava certa. Talvez Antonio e Tracey não deviam estar juntos, porque talvez isso poderia levá-lo a uma verdade que Catherine não queria revelada. Uma verdade que poderia destruir sua tia, e até mesmo toda a família.

Cass encarou o vestido que ela segurava nas mãos sem vê-lo. O que ela estava pensando? Se sua tia havia matado um homem, então ela tinha cometido um crime, não tinha? Se tivesse sido encoberto? A polícia tinha sido envolvida? E a família de Antonio? Será que eles souberam?

Mas e se tinha sido autodefesa?

— Tia Cass! — Alyssa exclamou bruscamente.

— Eu estou bem. — Suas palavras soaram cortadas e muito alta até para seus próprios ouvidos. Ela estava perdendo. Ela estava permitindo que sua imaginação incrivelmente fértil a levasse junto. Ela tinha que se controlar. Ela não conhecia os fatos. Ela teve uma chocante confissão, uma confissão que poderia até não ser precisa.

Mas como poderia sua tia cometer esse erro?

— Você não está usando aquele vestido vermelho que mamãe comprou para você? — Alyssa exclamou quando Cass puxou um vestido de bainha até o joelho preto para fora do cabide. — Tia Cass, esse vestido é feio.

Cass desabou em um pufe de damasco azul real.

— Merda. — Ela tinha que falar com tia Catherine. Mais cedo, não mais tarde. O problema era, eles tinham uma casa cheia de convidados, e Cass não poderia imaginar achar um momento para falar com ela antes da próxima manhã.

— Tia Cass! — Alyssa estava com os olhos esbugalhados.

— Desculpe. A norte-americana em mim. — Cass se desculpou. De repente ela se sentiu desanimada. — Eu sou muito baixa para usar vermelho. Muito baixa, muito cheia de curvas, tudo muito. — Ela não disse à Alyssa que, no fundo de sua mente, alguma parte estupidamente vaidosa e tola dela temia fazer papel de boba na frente de La Barca. Não que isso importasse. Ele estava apaixonado por sua irmã. Ela poderia ir para o jantar black-tie completamente nua e ele nem sequer notaria. Não com Tracey ao redor.

Sempre tinha sido assim, também, desde que elas eram crianças.

Cass pensou que estava acostumada ao fato que sua irmã conseguia toda a atenção. Aparentemente ela não estava tão conformada e habituada ao fato como ela tinha acreditado.


— Tia Cass, você é bonita, e você vai ficar linda nesse vestido. — Alyssa estava tão séria.

— Você está sendo parcial, mas obrigada — Cass disse. Ela se levantou e abriu o zíper nas costas. Então ela percebeu cheirava a naftalina.

De repente Cass queria chorar. Sua vida era quase perfeita. Realmente era. Ela tinha sua tia, sua sobrinha, seu magnífico trabalho, e ela tinha Belford House. Sim, um marido que fosse um melhor amigo, assim como um amante, e mais uma criança ou duas, faltavam, mas entre a criação de Alyssa e suas pesquisas e trabalho, para não mencionar suas cavalgadas diárias, ela mal tinha tempo para sequer pensar nisso, muito menos no futuro.

Mas esta noite ela desejava ter sabido com antecedência que Tracey estava vindo com Antonio de La Barca. Ela teria estado psicologicamente preparada, e ela teria comprado um novo vestido preto, também.

E ela desejava, com todo o seu coração, que Catherine estivesse exagerando totalmente quando ela disse que ela matou pai do Antonio.

Antes de Cass pudesse entrar no vestido, houve uma batida na porta e Catherine entrou, roupas em suas mãos.

— Cass, eu quero me desculpar por meu terrível comportamento mais cedo. — Ela disse, seu rosto marcado de preocupação.

Cass esqueceu completamente seus próprios cuidados. Ela se sentou extremamente reta, hipnotizada pela expressão nos olhos de sua tia e o segredo que elas compartilhavam agora.

— Seu comportamento não foi terrível — ela disse cuidadosamente, seu pulso martelando. — Não há nada que se desculpar. Nós precisamos conversar sobre isso, tia Catherine.

— Não há realmente nada a dizer. — Catherine fez uma careta, olhando para longe. Incapaz de olhar para sua sobrinha nos olhos? Então. — Eu sei que você não vai usar esse belo Halston, não é?

Cass balançou a cabeça.

Catherine não hesitou.

— Eu escolhi este para você na semana passada. Eu não sei por que... eu estava comprando um traje novo para mim, mas quando eu vi este, eu apenas senti que era certo para você. — Ela colocou calças de jérsei pretas com fendas nas pernas sobre a cama, seguido por um top preto de contas. — É simples, mas elegante e irá realçar sua figura com perfeição, Cassandra — ela disse.

— Como eu poderia não gostar disso? — Cass sussurrou, tocando o top de contas. — É bonito. E o preto faz-me sentir segura.

Catherine sorriu para ela.

— Talvez um dia você vai descobrir a emoção de sentir-se insegura — ela disse suavemente.

Cass estendeu a mão para abraçá-la, com força, se sentindo sobrecarregada, mais uma vez.

— Não acho que sou geneticamente predisposta a viver perigosamente, tia Catherine. — Mas agora ela quis saber sobre sua tia como uma mulher mais jovem. Ela tinha se envolvido em alguma coisa perigosa? Ilegal? Algo que havia a colocado em uma situação em que ela havia matado o pai de Antonio de La Barca?

Catherine riu. Mas seus olhos estavam dilacerados; ela ainda estava perturbada. Ela se virou para que Cass não visse.

— Eu gosto do vermelho — Alyssa firmemente anunciou. — No meu aniversário você tem que vestir o vermelho.

Cass sorriu, mas foi forçado.

— Seria melhor eu me arrumar também. — Catherine disse. Ela pausou na porta. — Cassandra? Esqueça o que eu disse. Eu sou uma mulher velha cansada, e às vezes, bem, o passado é tão claro quanto um sino, muito mais nítido que ontem mesmo. Em outras ocasiões eu tenho quase certeza do que eu estou pensando. Eu estava exagerando, querida. É uma longa história... houve esse acidente... este trágico acidente... eu me culpava. E não é importante neste momento, Cassandra. — E ela sorriu, mas o sorriso não alcançou seus olhos, e a luz lá continha um questionamento. Será que Cass acreditava nela?

Desta vez Cass nem sequer tentou retribuir o sorriso.

Porque sua tia estava mentindo e Cass viu a mentira em seus olhos.


Tracey estudou a si mesma no espelho do banheiro. Ela estava usando um vestido azul pálido que era fino o suficiente para ver através, a parte superior e as costas lançando-se perigosamente para baixo. As duas pequenas tiras eram primorosamente de contas, como era a única fenda alta na coxa. Ela usava uma roupa de baixo cor de carne, que tinha comprado com o vestido.

Tracey sabia que ela era bonita; hoje, no entanto, ela não tinha o seu melhor aspecto. Então ela havia cuidadosamente ocultado dos círculos sob seus olhos, com o mesmo cuidado aplicou sombra e delineador para os olhos. Com sua tez clara, menos maquiagem sempre foi mais, e ela foi muito cuidadosa quando acrescentou um toque mais de blush nas suas maçãs do rosto salientes. Ela queria estar radiante; ela queria brilhar. E ela queria ver a fome no olhar de Antonio quando ele vislumbrasse ela no novíssimo vestido de noite Versace.

Tracey olhou-se fixamente. Ela parecia cansada. E não havia dúvidas sobre a preocupação em seus olhos.

Tudo estava dando errado, todas as coisas possíveis, mas era sempre assim quando ela chegava em casa.

Ela nunca deveria ter decidido realizar este jantar em Belford House. O que ela estava pensando?

Tracey tragou, tremendo. Suas têmporas latejavam. Ela tinha esperança de ter um magnífico jantar para lançar o leilão do colar de rubi, isso era o que ela estava pensando. E a fabulosa casa da família de sua tia tinha parecido ser o lugar ideal, um cenário que não poderia ser replicado em qualquer clube londrino ou moderno restaurante.

Tracey olhou para a taça de champanhe na pia. Ela não tinha intenção de festejar naquela noite. Sua intenção era permanecer sóbria, para ser uma magnífica anfitriã. A taça estava quase vazia. Tracey hesitou.

Por que não? Ela pensou.

Porque ela estava tão assustada. E o medo dela não tinha nada a ver com a questão do jantar black-tie, mesmo que ela quisesse que isso fosse bem, mesmo que ela quisesse que Sotheby’s ficasse satisfeito.

Por que não? Ela tinha que acalmar seus nervos.

Para inferno com isso, ela pensou, e esvaziou o resto da taça. Uma taça não iria machucá-la.

Por um momento, Tracey se acalmou, e em seguida, o calor desapareceu quase tão rapidamente quanto havia surgido. O medo ocupou seu lugar. Ela estava ciente de Antonio no quarto, vestindo-se. Ela virou para olhar fixamente seu perfil. Seu estômago era tão plano como uma tábua. Enquanto ela alisava seu vestido para baixo, ela podia ver os dois pontos salientes dos ossos do quadril.

Se ao menos ela não tivesse voltado para casa.

Sua porta do banheiro estava entreaberta, e ela ouviu Antonio aproximando-se. O incomodo em seu estômago cresceu. Ele estava zangado com ela, mas ela não sabia por quê. Ele tinha sido frio com ela desde que ela tinha chegado. E isso era tudo o que ela necessitava agora, nesta noite importante, que já tinha começado com um início totalmente estragado. O que ela tinha feito?

O que ela não tinha feito?

Tracey agarrou a taça. Alyssa odiou o Beanie Baby, Cass odiou o vestido, Catherine expressou seu desagrado, pois ela tinha gastado muito... ela jamais poderia agradá-las, não importava o quanto tentasse, e machucava. Machucava muito, ela odiava voltar para casa. Machucava tanto! Por que ela nunca poderia agradá-las, nunca fazia nada certo? Ela sabia que era uma porcaria de mãe, enquanto Cass era tão perfeita nisso. Ela sabia que todas a julgavam e encontravam suas falhas, até mesmo sua própria filha. Deus. Inferno. Maldição. Ela também sabia muito bem que ela não tinha voltado para Belford House por três meses. Todas pensavam que ela não sabia. Ela não era estúpida. Ela tinha um calendário. Ela sabia, tudo bem. Ela nunca tinha ido por tanto tempo antes, e isso fazia elas a odiarem, algumas vezes, e isso também fez ela odiar a si mesma.

Eu não aguento isso, ela pensou desesperadamente.

Alyssa amava sua tia mais do que ela amava a sua própria mãe.

Antonio estava no quarto ao lado, e ele estava descobrindo a verdade. Ela tinha visto isso lá em seus olhos.

Tracey queria chorar, mas agora não era o momento. Ela olhou seu impecável reflexo no espelho e se lembrou que a maioria das mulheres morreriam para estar no lugar dela para ser a modelo deslumbrante, para ter um corpo perfeito, para ser uma espécie de celebridade, ser rica, ter Antonio. Mas será que ela o tinha? E se sim, por quanto tempo?

Doente de medo, Tracey encarou a si mesma. No último fim de semana ele estava distraído, absorvido. Como se ele estivesse perdendo o interesse por ela...

Ela lembrou a si mesma que eles tinham tido ótimo sexo.

Por outro lado, ela conhecia os sinais. E, embora ela não o conhecia muito bem, ele não era como qualquer um dos outros, ela o conhecia bem o suficiente. Ele tinha sido difícil de seduzir, em primeiro lugar, mais difícil ainda para prender em um relacionamento, e agora ele estava se arrependendo de tudo.

Só mais um. Por que não? Do contrário eu simplesmente não posso lidar com nada disso.

Abruptamente, ela serviu outra taça de champanhe, com as mãos tremendo freneticamente. Os homens não a deixavam. Ela sempre os deixou... em primeiro lugar. Antes que eles pudessem entender completamente a verdade. Que sua beleza era só isso, beleza. E que por dentro, não havia nada senão amplos buracos negros de miséria e solidão.

Ela bebeu o champanhe, os olhos fechados. Ignorando uma outra voz interior que disse para ela não. Maldição. Ela iria espremer o inferno fora de Antonio, ele nunca iria deixá-la. Quando estivesse pronta, ela seria a única a se afastar. Ela sempre foi a única a ir embora. Sempre.

Ninguém nunca a deixou. Ela os deixava.

Ela tinha de alguma forma terminado a taça de champanhe. Tracey olhou para a taça em sua mão, sua visão borrada de lágrimas. Em pânico, ela se afligiu em borrar seu rímel. O pânico aumentou. O problema era que ela não poderia imaginar não ter Antonio em sua vida. Ela estava seriamente ferida, ela não se sentiu assim por ninguém além de seu ex-marido.

Ela o ouviu se deslocando no outro quarto enquanto ele terminava de se vestir. Os convidados estariam chegando a qualquer momento. Havia apenas alguns minutos de sobra. Plantando um sorriso em seu rosto, ela saiu do banheiro, caminhou com muito cuidado em suas sandálias de tiras de prata com seus saltos agulha extremamente finos. Era agora ou nunca, matar ou morrer. Porque ela jamais conseguiria passar a noite sem alguma garantia.

Antonio estava no meio do quarto, ajustando sua gravata borboleta preta, vestido com calças de smoking preto, sua camisa branca, e um cummerbund6 preto. Sua expressão era uma que ela reconheceu instantaneamente; ele estava perdido em pensamentos, quilômetros de distância. Ela nunca poderia entender por que ele estava sempre pensando tanto. Ele era o homem mais intrigante que ela já conhecera. E ele era gentil.

Ela nunca tinha tido um namorado gentil antes.

Rick tinha a espancado. Então houve os outros.

Tracey parou para observá-lo, seu coração derretendo.

— Eu tenho algo para você, — ela sussurrou. Ela sabia que ele nunca poderia resistir a ela.

Ele virou-se, claramente surpreso. Então, seu olhar deslizou sobre ela.

Ela lentamente rodopiou para ele.

— O que você acha?

Ele não sorriu. Seu conjunto de músculos faciais não relaxaram.

— Eu acho que você está linda, como sempre. — E ele se virou.

Seus olhos se arregalaram e ela olhou. Ele não se importava que ela estava praticamente nua no mais belo vestido de grife que ela já tinha visto! Abruptamente, ela veio atrás dele, seu pulso batendo de medo.

— Tonio, por favor, fale comigo, — ela se sobressaltou.

Ele virou-se lentamente.

— Nós deveríamos descer. Seus convidados estão chegando. Você é a anfitriã, mesmo que esta seja a casa de sua tia.

— Não fique zangado comigo — Tracey disse suavemente, pressionando mais perto dele. — O que eu fiz para desagradar você?

Ele a colocou a distância.

— Fiquei constrangido quando conheci sua irmã. Você jamais mencionou ela.

Tracey enrijeceu. Isto era sobre Cass?

— Ela nunca surgiu.

Ele olhou fixamente e sua expressão era impossível de ler.

— Você deixou de mencionar a existência de sua própria irmã, e que ela estaria aqui, mas isso eu posso aceitar. Mas o que não posso aceitar, o que eu não consigo entender, não pela a vida em mim, é como você não pode contar a sua filha que eu estaria aqui, ou me dizer que ela estaria aqui.

Tracey estava assustada. Antonio adorava seu filho, e ela conseguia sentir onde isso poderia levar.

— Tonio. Eu contei a ela. — Ela não tinha a intenção de mentir. A mentira tinha estalado fora. — Mas ela deve ter esquecido, ou isso, ou ela não me ouviu.

Ele a encarou.

— Eu tinha a impressão de que sua filha morava com você em Hempstead Heath.

Tracey se sentiu paralisada. O tom dele estava cheio de acusação. Acusação, não amor, não desejo. E ela pensou, Ele vê a verdade.

Desesperadamente ela sorriu para ele, estendendo-lhe a mão. Uma mistura de pânico com novo medo. Era tão cru.

As mãos dele se estabeleceram na cintura dela, segurando-a longe.

— Eu te conheço há três meses inteiros. Mas eu estou totalmente confuso. Quando você viu pela última vez a sua filha? Ou será que eu entendi mal? Ela vive aqui com sua tia e irmã? — Havia sombria desaprovação em seus olhos.

Tracey evitou seu olhar e, lentamente, ela se afastou. Ela se sentiu tonta, ela precisava de uma bebida. Só mais uma.

— Eu não menti — ela disse.

— Eu estou confuso.

Tracey se sentia como se estivesse girando, girando, rapidamente em círculo. Como isso podia estar acontecendo? Agora, quando ela finalmente tinha se apaixonado por alguém bom e gentil em vez de um canalha egoísta como Rick e todos os outros? Seu instinto era fugir.

— Antonio — ela sussurrou, a ponto de realmente correr para se esconder no banheiro.

Ele pegou seu braço gentilmente.

— Eu sinto muito — ele disse, suavizando seu olhar. — Não chore. Você vai estragar o seu rímel e nós devemos descer.

Tracey sentiu as lágrimas umedecendo seus olhos.

— Eu venho vê-la sempre que posso, — ela tentou. E era a verdade. — Eu realmente a amo. — E isto, também, era verdade.

Ele suavizou.

— Claro que você faz.

Ela tentou puxar sua mão livre, mas ele não iria deixá-la ir.

— Sua filha precisa de você — ele finalmente disse, lentamente. — Eu vi isto esta tarde, da forma como posso ver agora que você deseja ser muito mais do que você é.

Uma lágrima caiu. Tracey estava horrorizada.

— Claro que ela precisa de mim — ela disse, seu sorriso forçadamente largo. — Eu sou a mãe dela e ela é minha filha. Eu te disse que vou levá-la para esquiar em dezembro? Apenas nós duas, um feriado mamãe-filha. — Ela sorriu de novo, estranhamente sem fôlego. Ela não tinha planos para ir esquiar com Alyssa. Mas era por isso que ela era uma porcaria de mãe, não era?

— Essa é uma ideia maravilhosa — ele disse, estudando-a. — Onde vocês irão?

— São Moritz — Tracey disse rapidamente, inalando asperamente. — Talvez você e Eduardo possam se juntar a nós?

Ele deu-lhe um olhar estranho.

— Eu não iria me intrometer no seu tempo a sós com Alyssa. — Algo passou por seus olhos, assustando Tracey. Porque ela pensou que poderia ser pena.

Ela assentiu rapidamente, agarrando-se a ele.

— O que eu estava pensando? Eu estou tão nervosa por esta noite que eu não posso nem pensar com clareza! Todos os anos viajamos, apenas nós duas. — Outra mentira involuntária.

Ele roçou os nós dos dedos através de sua suave, bochecha de alabastro. Seus olhos percorriam seu rosto. Foi um momento antes dele falar.

— Nunca é tarde demais para compensar os próprios erros, Tracey. Não enquanto há a promessa de amanhã. Deixe-me dar-lhe esse conselho, porque eu tenho experimentado grande pesar, em primeira mão. — Ele sorriu ligeiramente para ela então.

Apesar do seu sorriso, Tracey permaneceu nauseada com o medo. O pânico não iria diminuir. Ela estava perdendo ele. Tracey sentiu as lágrimas brotarem dos seus olhos.

As sobrancelhas dele levantaram.

— Eu chateei você, e eu não queria. Nós deveríamos ir lá embaixo. Há cinco limusines no caminho.

Ele era gentil, mesmo agora, quando já não gostava dela. Ela deveria sair agora. Sem dizer mais nada. Apenas ir correr, rápido e longe. Partindo estaria segura. Oh, Deus. O que ela deveria fazer?

Partir. Ficar. Correr. Ficar. Fingir. Ir. Madri.

Tracey inalou. Quem sabe agora não era o momento de lhe dizer seus planos. Que ela iria acompanhar o leilão até o fim, depois deixaria seu emprego, mudando-se para Madri.

— Tracey. — Ele surgiu atrás dela, suas grandes palmas cobrindo os ombros dela. — Você ainda está chateada. Eu imploro seu perdão. — Ele virou-a de frente para ele. — Vamos descer, querida.

Tracey viu então em seus olhos. Ele iria deixá-la. Logo. E ela finalmente enfrentou o que ela tinha compreendido profundamente em seu coração o tempo todo. Ele só foi para Belford House por causa do condenado colar de rubis. O último fim de semana tinha sido o fim para ele.

— Por favor. — Tracey sussurrou, uma palavra que ela nunca tinha usado antes, não deste modo.

Ele estava surpreso. Seus olhos deslizaram sobre o rosto.

— Nós conversaremos sobre isso mais tarde — ele finalmente disse.

A mente de Tracey estava girando, ela não conseguia pensar com clareza, ela só podia sentir. E se ela se tornasse o tipo de mãe que Cass era? O tipo de mãe que Antonio esperava que ela fosse? Não iria mudar tudo?

Por que ela não tinha pensado nisso antes! Ela levaria Alyssa para Madri com ela.

— Antonio.

Ele fez uma pausa.

Tracey sorriu, e era uma máscara, uma escondendo o medo e pânico. Ela escorregou nos braços dele, pressionando completamente contra ele, de rosto colado, enquanto desliza sua longa coxa entre as dele, com força contra sua virilha. O vestido separava-se no quadril, revelando que ela não estava usando nada por baixo do deslizante nu.

— Eu amo você, querido — ela disse. — Nós ainda temos alguns minutos antes de termos que descer. — E sorridente, ela se apertou mais completamente contra ele.


Um por um, os convidados passavam do salão à sala de jantar para ver o colar de rubis. Que era a peça central da mesa. A mesa era longa e estreita, coberta com toalhas brancas, cristais Waterford e prataria Christofle, com capacidade para vinte em cada lado. Arranjos florais baixos consistindo de orquídeas brancas flutuando em taças rosa transparentes de água perfumada adornavam cada metade da mesa; no centro, sobre um pedestal, aninhando em veludo azul royal, estava o colar de três camadas.

Cass entrou na sala, consciente dos quatro seguranças em ternos pretos que estavam ao redor. Um casal estava se inclinando ansiosamente para ver a peça, e Cass esperou a vez dela de aproximação, mantendo uma distância discreta entre eles. No entanto, ela ouviu a mulher dizer:

— Eu sei que isso é uma fortuna em rubis, mas é tão mundano. Se parece com algo que poderia usar uma prostituta, comprados do piso térreo do Sloane's. Eu não sei, Roger. Eu simplesmente não sei.

— Eu estou um pouco de acordo — Roger disse. — Afinal, metade do valor representa a associação histórica da peça, assim seria uma vergonha sangrenta desmontá-lo a fim definir todos os rubis corretamente.

Cass mal podia acreditar no que ouvia, e ela observou-os se afastar.

— Agora, isso seria muito mais que uma vergonha, seria um pecado — de La Barca murmurou no ouvido dela por trás.

Cass quase saltou de sua pele. Ela tinha evitado entrar em contato com ele enquanto bebia uma taça de champanhe com os outros convidados. Como ela não conhecia ninguém, ela se sentiu completamente fora de lugar, demorando-se por si mesma com Alyssa, mas ela tinha sido muito consciente dele a partir do momento em que ele tinha entrado no salão, sozinho. Tracey chegou dez minutos depois, e Cass tinha então passado os próximos momentos tentando não notar o fato de que Tracey nunca estivera mais impressionante, ou mais corada de felicidade.

Ela estava muito rígida quando se virou para encarar de La Barca.

— Seria a pior piada, — ela concordou. — Espero que a pessoa que comprar esta peça não faça uma coisa tão terrível.

Ele sorriu para ela, seu olhar deslizando apenas uma vez e brevemente sobre seu cabelo, que era bastante grosso e caía em linha reta até os ombros; seu rosto, que estava desprovido de maquiagem com exceção de rímel, gloss e um toque de blush; e seu top de contas.

— Eu rezarei com você — ele disse. — Nenhuma blusa de moletom hoje à noite?

Cass corou, mas ele estava sorrindo, e um sorriso relutante se formou em seus próprios lábios.

— Eu não tive escolha — ela disse.

Ele riu.

— Você é adorável, señora.

— Por favor, me chame de Cass. Não há necessidade de ser formal.

Seus olhares se encontraram e tão rapidamente se separaram.

— Vamos? — Ele gesticulou.

Cass assentiu ansiosamente e eles se viraram e se aproximaram do colar de rubis. Cass ofegou. Nesse instante ela poderia imaginá-lo adornando o pescoço de Mary, filha de Henrique Tudor que tinha brevemente reinado como rainha católica da Inglaterra. O colar era impressionante. Cada camada de rubis era fixada em ouro. O primeiro nível ostentava pequenas gotas, o segundo maior, o terceiro maiores ainda. Mas pendurando na última camada estava um rubi do tamanho do polegar de Cass. E estava aninhado entre uma borda de pequenos e brilhantes diamantes.

— Que maravilhoso — Cass sussurrou, seu coração batendo loucamente, preso pela visão.

Antonio de La Barca ficou em silêncio.

Cass curvou-se para olhar de relance para ele e ficou surpresa ao encontrá-lo sério, os olhos arregalados e fixos. Se ela não estivesse enganada, ele nem sequer a tinha ouvido; ele estava atordoado.

— Antonio?

— Por Dios. — Ele respirou.

Era como se ele tivesse esquecido que estavam um ao lado do outro, meros centímetros separando-os. Cass molhou os lábios. Era impossível para ela não estar bem ciente dele como um homem, e um malditamente fantástico nisso. A manga de lã do paletó do smoking dele roçou o ombro nu dela. E ele cheirava tão bem quanto parecia. Ela de repente estava morrendo de ciúmes de sua irmã.

Antonio se endireitou, olhando para ela. Ele não sorriu. Sua expressão permaneceu atordoada.

— Você sabe algo sobre este colar? — Ela perguntou, incapaz de desviar seu olhar do dele, completamente afastada agora de seus pensamentos sobre Tracey.

Ele hesitou.

— Sim. Sim, eu acho que eu sei.

Cass se endireitou.

— O que? O que seria?

Ele hesitou novamente.

— Eu acredito que este colar, ou um muito semelhante a ele, foi usado por um dos meus antepassados.

Cass sentiu seus olhos se arregalarem.

— Mas como isso é possível? Você é espanhol e este colar foi achado pela Senhora Hepplewhite em sua casa em Highridge Hall. Que, como você deve saber, remonta ao século XIV.

Ele assentiu.

— Eu sei tudo sobre isso. Um de meus antepassados foi brevemente casado com uma mulher inglesa. Seu nome era Isabel de La Barca. Ela morreu pouco antes de 1562, quando o meu antepassado tomou sua segunda esposa.

Cass estava prestes a fazer um comentário sobre o seu conhecimento de sua própria árvore genealógica, quando Catherine disse, sua voz calma:

— Não.

Em uníssono eles se viraram. Pavor se arrastou ao longo da espinha de Cass quando ela viu como sua tia estava olhando para Antonio. Não havia dúvidas quanto ao medo dela. Ou seria repulsa?

— Não — ela disse novamente. — Seu nome não era Isabel de La Barca. Era Isabel de Warenne. Ela era filha do conde de Sussex, por volta do meio do Século XVI.

Cass encarou sua tia, uma pontada de excitação crescendo dentro dela, apesar de suas preocupações.

— De Warenne? — Cass perguntou sem fôlego. — Alguma relação conosco?

Catherine finalmente olhou para ela.

— Sim, mas não diretamente. Ela não teve nenhuma criança. Nós compartilhamos o pai do conde como nosso antepassado comum.

Cass estava pasma, não que Catherine soubesse tanto sobre a história da família, mas que ela revelou isto casualmente e ela estava pasma com a coincidência em que agora eles se encontravam.

— Nossas famílias se casaram no Século XVI. — Cass ofegou, de frente para Antonio. Ela quase agarrou suas mãos, mas conseguiu se conter. — Você sabe quais são as chances disso?

Ele sorriu para ela, como se varrido por sua excitação.

— Muito improvável. Há um retrato na casa da minha família, e o colar que Isabel está usando nele é notavelmente semelhante a este aqui.

— Eu adoraria vê-lo. — Cass disse sem vacilação. Era um grande eufemismo. Ela morreria para vê-lo.

— Seria um prazer mostrá-lo a você. — Antonio disse, seu olhar sobre o dela, e Cass sentiu o momento em que seus olhos se encontraram.

E enquanto ela olhava nas manchas castanho e verde de suas íris, ela teve visões de viajar para a Espanha, à sua casa ancestral, para ver um retrato da antepassada que tinha ligado seus familiares uma vez, séculos atrás.

— Não. Cassandra não irá para a Espanha.

A voz da sua tia era tão dura que Cass vacilou antes de enfrentá-la.

— O que?

Catherine corou.

— Como você pode ir para a Espanha? Você está no meio de um prazo final.

Cass olhou fixamente, percebendo o que sua tia estava fazendo. Ela não queria seu envolvimento com Antonio de La Barca, assim como ela não queria Tracey envolvida, por causa do segredo do passado. Porque Antonio poderia descobrir o que havia acontecido com o pai dele. Se a questão estivesse inteiramente encerrada, ou fosse totalmente simples, Catherine não estaria tão abalada.

— Eu estou no meio de um prazo final. — Cass finalmente concedeu, com um rápido sorriso para Antonio. Ela não lhe disse que ela tinha um ano inteiro para terminar o livro em que estava trabalhando, e ela estava igualmente desanimada. Por que ela queria ir para a Espanha, na casa deste homem, para ver o retrato de Isabel de Warenne, sua antepassada.

Se Antonio estava desapontado, Cass não podia dizer.

— Acho que eu podia fotografar o retrato — ele disse, estudando ambas. — E enviar as fotografias para você.

Catherine não respondeu. Então Cass disse:

— Isso seria ótimo — com um entusiasmo que ela não sentia. Mas agora ela estava determinada a chegar ao fundo do segredo de Catherine, e ir ver o retrato por si mesma sem abrir qualquer lata de vermes. — O retrato foi avaliado? — Cass perguntou. — Você sabe quando foi pintado? E por quem?

Antonio sorriu, talvez pelo fervor dela.

— Na verdade, não. Mas como eu disse, Alvarado de La Barca se casou novamente em 1562. Então o retrato foi pintado antes disto. Ela parece bastante jovem, dezoito, possivelmente, se bem me lembro. Eu não retornei para casa em vários anos.

Cass achou essa última afirmação um pouco estranha, e ela pensou ter visto uma escuridão voando através dos olhos dele, enquanto ele falava. Mas ela poderia ter imaginado, porque agora ele sorriu um pouco para ela.

— Onde é a casa de sua família? — Ela tinha que perguntar.

Antes que ele pudesse responder, a voz da Catherine ressoou. Em voz alta. Estranhamente.

— Ela morreu em 1555.

Cass enrijeceu, virando-se para olhar sua tia com surpresa.

— O que?

Catherine estava extremamente pálida.

— Ela morreu em 1555. Isabel. Ela era uma herege, e eles a queimaram na fogueira.

Cass olhou fixamente para sua tia, que encarava de volta, seus olhos arregalados, azuis, queimando, quase cegos, quase fanáticos. E Cass foi preenchida por pavor. Ela estremeceu.

Que péssima maneira de morrer.


Capítulo Três

Cass moveu-se rapidamente para Catherine, pondo seu braço ao redor dela. Sua mente estava girando, acelerada.

— O ano de 1555 seria o último ano do reinado de Mary. Vários hereges foram queimados na fogueira.

— Sim, eles foram. Até mesmo vários hereges foram queimados no império. — Antonio disse.

Cass sabia que ele se referia ao Império Habsburgo, herdado pelo marido de Mary, Philip II da Espanha.

— Que morte terrível. — Ela estremeceu. Ela se sentiu enjoada só pensando nisso. — Todavia quase todos que eram protestantes quando Mary subiu ao trono não professaram exteriormente ser católicos? Por que Isabel foi apontada por heresia, eu me pergunto?

Antonio olhou fixamente para Cass, e Cass pensou ter visto um novo respeito nos olhos dele.

— Só os fanáticos foram perseguidos, como uma advertência para o resto da população — ele disse. — Eu não conhecia o destino de Isabel. — Ele fitou Catherine. — No entanto você se inteirou da morte dela? E você está certa disso?

Catherine franziu a boca, seus olhos obscurecidos com lágrimas.

— Eu tinha esquecido — ela sussurrou de forma quase inaudível. — Por um tempo.

Mais alarmada do que nunca, se perguntando se sua tia se faria mal, Cass tentou mudar o assunto.

— Você já teve a oportunidade de ver esse impressionante colar? — Ela tentou levemente, esperando distrai-la.

Mas Catherine parecia fascinada por Antonio.

— Toda vez que olho para você, eu o vejo. Eu sinto tanto... — Sua voz quebrou. Ela clareou-a. — Ele estava pesquisando a história da sua família — ela disse. — Aqui na Biblioteca Britânica. Eu sinto tanto.

E Cass, olhando-a, ouvindo-a, teve que fechar os olhos. O pedido de perdão foi por demasiado evidente. Uma terrível tristeza começou a colocar Cass para baixo. Poderia isto realmente estar acontecendo? Tinha sua tia matado o pai de Antonio, ou se tivesse sido um acidente? E seguramente sua tia não tinha a intenção de confessar algo que tinha acontecido trinta anos atrás?

— É melhor voltar para nossos convidados, tia Catherine. — Ela conseguiu um pequeno sorriso para Antonio enquanto puxava sua tia.

— Eu tinha apenas quatro anos de idade quando ele morreu. — Antonio disse de repente, fazendo ambas Cass e sua tia virar. Seu olhar era inabalável. — Eu tenho muito poucas memórias. Minha mãe casou-se novamente dois anos depois de sua morte, e nunca falou dele. Eu estava esperando, talvez, quando você tiver tempo, que você poderia compartilhar suas memórias comigo. — Seus olhos estavam brilhantes, exigentes, intensos.

Cass ficou mais alarmada. Isso seria uma péssima ideia!

— Eu tenho certeza que minha tia adoraria se sentar com você e relembrar quando ela estiver se sentindo melhor. Ela combateu uma gripe a semana toda, — ela adicionou como uma reflexão tardia. E ela corou, odiando a mentira inocente.

De repente Catherine falou.

— Nós nos encontramos aqui em Londres. Eu fazia parte do conselho do Museu Britânico, onde ele também estava fazendo uma pesquisa — ela sorriu. — Nós nos conhecemos em uma festa para o museu. E rapidamente descobrimos os dois antepassados que tivemos em comum. — Mas Catherine estava chorando agora. As lágrimas deslizavam de seus olhos.

Cass deu a Antonio um olhar de advertência.

— Tia Catherine, você não está bem — ela disse firmemente, ela não admitiria nenhum protesto. — Talvez você devesse se deitar por alguns minutos antes de retornar à festa.

Catherine finalmente desviou o olhar de Antonio.

— Eu sinto muito — ela sussurrou, inclinando-se contra Cass. — Eu não estou bem. Sei que temos convidados, mas eu preciso subir. Cassandra, estou exausta.

— Eu te levarei diretamente. — Cass disse rapidamente. E ela estava aliviada, porque ela não queria sua tia conversando com de La Barca. — Dá-nos licença?

— Claro — ele disse. — Eu só espero que você se sinta melhor amanhã, Lady Belford.

— Cassandra? Eu estou tendo dificuldade para respirar. Está muito abafado e quente aqui. — Catherine disse.

Alarmada, Cass percebeu o quanto mais pálida sua tia estava ficando. Mas a declaração de sua tia era estranha, porque a sala de jantar permanecia estranhamente fria. E Cass ficou ainda mais alarmada, porque Catherine continuava tocando a garganta, e estava tomando respirações profundamente pesadas por sua boca. — Para a cama — Cass disse rapidamente. — E eu vou lhe trazer um pouco de chá de camomila.

— Cassandra. — A voz com sotaque a deteve em seu caminho. Ela olhou por cima do ombro para Antonio. — Eu adoraria continuar esta conversa sobre nossas famílias — disse ele.

Ela hesitou, e sua paixão pelo passado prevaleceu sobre seu bom senso e seu medo. Ela teve que sorrir.

— Assim como eu.

Elas atravessaram a sala.

— Não, Cassandra — disse Catherine, baixo e rouco, desse modo Antonio não ouviria. — O pai dele era obcecado com o passado. É evidente que ele é, também. Por que mais ele estaria aqui? Eu pedi muito pouco de você. — O olhar dela estava muito abertos, até selvagem. — Deixe esse assunto completamente abandonado, fique longe do Señor de La Barca, e por favor, tente tirá-lo da nossa casa. E depois simplesmente esqueça toda essa noite.

Catherine não estava mais fazendo sentido algum. Cass olhou fixamente para sua tia, quase embasbacada, e não viu uma mulher mais velha elegante em um terno Oscar de la Renta preto com um alfinete de diamantes e pérolas, mas alguém velho e tão terrivelmente cansado, alguém frágil e debilitado. De repente, as rugas de sua tia eram perceptíveis, quando Cass nunca tinha notado antes. De repente, seus olhos azuis pareciam aguados. De repente, ela parecia cada pedaço de sua idade. Ela era uma mulher de idade, e Cass nunca tinha percebido isso antes.

Cass colocou o braço em volta dela. Lágrimas caíram espontaneamente por suas bochechas.

— Eu farei o meu melhor, — ela mentiu. Ela não ia colocar Antonio para fora. Ela nunca poderia fazer uma coisa dessas. Ou ela poderia? Se ele saísse, seria um alívio, na medida em que era proteger o segredo de sua tia. — Está tarde. Tem sido um dia difícil. Não se preocupe com nada agora, tia Catherine, exceto ter uma boa noite de sono. — Ela não podia forçar um sorriso, mas ela abraçou sua tia, com força.

Catherine assentiu cansada, inclinando-se contra sua sobrinha.

— Obrigada, Cassandra. Obrigada. Eu sabia que podia confiar em você.

Confiança. Que palavra significativa, Cass pensou, de repente cansada. Conforme Cass guiava sua tia para fora da sala, ela finalmente olhou de volta para Antonio.

Seus olhos se encontraram.

E então ambos voltaram a olhar para o colar, simultaneamente, como se por sugestão. E desta vez, quando seus olhares se ergueram e encontraram, eram em comunicação silenciosa.

Faça chuva ou faça sol7, Cass sabia que estava indo para a Espanha ver o retrato de Isabel.


— Você é uma bênção, Cassandra. — Catherine disse, vestida em um quimono japonês de marfim, vermelho, e ouro, seu cabelo vermelho solto agora e caindo sobre seus ombros. Elas estavam no moderníssimo quarto de Catherine. — Por que você não liga para The Golden Hart e ver se eles têm um quarto para o Señor de La Barca?

Cass olhou fixamente.

— Tia Catherine — ela disse devagar, — isso é tão diferente de você. Como podemos pedir-lhe para sair? Ele é convidado de Tracey. Talvez fosse melhor simplesmente deixar isso se desenrolar; ele vai embora amanhã de qualquer maneira.

— Eu pensei que você tivesse compreendido. — Catherine exclamou.

Rapidamente Cass foi até ela.

— Tia Catherine, você precisa de um copo de água?

Catherine balançou a cabeça.

— Eu preciso de um gim-tônica e uma aspirina.

Cass mordeu o lábio.

— Vou pegar o drinque se você realmente quer, — mas ela não se moveu. — Tia Catherine, eu estou ficando louca de preocupação. Você realmente não queria dizer o que você disse antes, não é?

Catherine encontrou o olhar dela. Em seguida ela virou as costas para Cass, caminhando até a cama, mas sem se meter nela.

— Eu cometi um erro — ela disse baixinho. — Eu não deveria ter dito uma palavra. E agora eu não vou discutir o assunto. Não agora. Nem nunca. — Ela se virou, e seu rosto estava determinado.

O coração de Cass martelava. Ela tinha que saber o que tinha acontecido, mas ela também estava assustada pela saúde de sua tia e não queria empurrá-la agora.

— Vocês eram amantes? — Ela perguntou.

O rosto da Catherine mudou. Ela começou a sacudir a cabeça negativamente, e então ela cobriu o rosto com as mãos.

— Ele amava sua esposa, mas ainda mais do que ele a amava, ele amava o passado. Eu adorava Robert, eu sempre amei Robert. Eduardo e eu éramos amigos, reunidos pelo trabalho dele. — Ela não continuou.

Cass poderia preencher os espaços em branco. Eles haviam começado como amigos e terminaram na cama.

Catherine esfregou sua testa.

— Eu tinha apagado esta parte da minha vida de minha mente. Eu gostaria que Antonio de La Barca nunca tivesse entrado em nossas vidas! — Ela exclamou com veemência.

Cass olhou fixamente para sua tia, que estava tão pálida. Ela hesitou, então perguntou.

— Nós temos que nos preocupar com um processo criminal, tia Catherine?

Catherine olhou para ela. E disse:

— A polícia disse que foi um acidente.

O coração de Cass deu um tombo. Qual era o significado das palavras de Catherine? Seu tom tinha sido estranho, como se a polícia estivesse errada.

— Você disse que foi um acidente, também — ela sussurrou, um nó na garganta.

Catherine de repente agarrou sua bolsa pequena da noite enfeitada com contas, e puxou um lenço de papel para fora e enxugou os olhos.

— Eu preciso daquele drinque, Cassandra. Por favor.

A porta do quarto se abriu e Tracey entrou correndo; Cass deu uma olhada na expressão apertada de sua irmã e ela sabia que uma explosão era iminente. Ela correu para ela.

— Trace... — ela começou. Na esperança de avisar sua irmã a não continuar porque Catherine não estava bem.

— O que você duas fizeram? — Tracey gritou, as mãos nos quadris. — Meu Deus! Como vocês puderam!

Catherine se endireitou.

Cass a interceptou.

— Seja o que for que chateou você, este não é um bom momento. Catherine não está se sentindo bem. Vamos. — Ela agarrou o braço de Tracey, mas sua irmã não se moveu. — A janta está prestes a ser servida. Precisamos descer.

Tracey estava corada, e ela livrou-se de Cass.

— Antonio disse que está partindo. Ele disse que de alguma forma aborreceu tia Catherine, e que seria melhor se ele ficasse em outro lugar esta noite. Ele vai voltar para Londres! — Tracey fitou Cass com tal olhar de descrença que era quase cômico. Mas Cass também viu a dor genuína em seus olhos azuis. — Eu não posso acreditar nisto!

Cass mordeu seu lábio.

— Eu sinto muito — ela começou querendo dizer isso. — Você pode vê-lo em Londres...

— Eu não aceito isso! Este é assunto meu. Minha noite. Minha vida. — Ela olhou para Catherine. — E o meu namorado. Como você pode ser tão rude com ele!? — Ela gritou.

Cass enrijeceu.

— Tem certeza que a partida dele é nossa culpa?

Os olhos de Tracey escureceram.

— Exatamente o que diabos você está insinuando?

Antes dela pudesse responder, Catherine se levantou.

— Tracey, você deve confiar em mim, isto é o melhor. Deixe ele ir. Você não pode se envolver com ele. Coisas terríveis vão acontecer, eu estou muito certa disso, e eu estou com muito medo por você, por todos nós.

Os olhos de Tracey se arregalaram; assim como os de Cass.

— Não me envolver com ele? Eu o amo! Eu vou me casar com ele. — Ela declarou e se virou para Cass. — Eu não sei o que você está pensando. Mas se você e a tia Catherine fizeram ou disseram algo para fazê-lo decidir ir embora. Eu não tive nada a ver com isso.

Cass sentiu seu coração saltar uma série de batidas. Tracey estava sendo literal? Eles estavam noivos? Uma imagem passou por sua mente, de Tracey e Antonio juntos no dia do casamento. Cass não conseguiu empurrá-la de lado, pois Alyssa estava com eles, como a cama de honra. Cass olhou fixamente.

— Vocês vão se casar? — Ela mal conseguia pronunciar as palavras.

— Bem, nós não fizemos exatamente planos. — Tracey começou, e Cass realmente não ouviu o resto da frase, ela estava tão aliviada.

Eles não levariam Alyssa longe dela.

— Cass? Você está mesmo me escutando? Eu amo Antonio. — Tracey estava dizendo. — Mas você sempre toma o lado da tia Catherine.

— Tracey, eu entendo. — Cass disse rapidamente, incapaz de acreditar o quão abalada ela ficou, e tudo sem nenhuma razão real. — Olha, eu não estou sempre do lado de Catherine, mas talvez seja melhor se Antonio não passar a noite aqui. Catherine realmente não está bem.

Imediatamente os olhos de Tracey se encheram de lágrimas.

— Você quer expulsá-lo, também? Se ele partir, eu parto. — Tracey exclamou, de repente furiosa. — Tia Catherine, isto é absolutamente injusto.

Cass se enfureceu.

— Tracey, você não pode pegar leve com a tia Catherine? — Ela perguntou. — Será que tudo sempre tem que ser do seu jeito?

Tracey ficou pasma com ela.

— Sempre do meu jeito? Nada é sempre do meu jeito! Chego em casa e começo a me aproveitar de todas vocês, no momento em que passo na porta. Nada que eu faça jamais está certo.

— O que? — Cass engasgou.

— Não. — Catherine levantou. Ela estava tremendo. — Parem. Vocês duas. Parem com isso agora. E me escutem. Tracey, eu não quero que você se envolva com esse homem. Eu não aceito isso.

Tracey ficou boquiaberta. Até Cass piscou em sua tia e deu uma segunda olhada.

— Eu não aceitarei isso. — Catherine disse com firmeza.

— Pelo nosso bem.

Um enorme silêncio caiu sobre o quarto.

E Cass olhou de sua tia inflexível para sua irmã atônita. Naquele momento a única coisa que conseguia pensar era quando Tracey tinha vindo para casa um dia com a idade de quinze anos com um namorado trinta anos mais velho que dirigia um Jaguar vermelho e usava botas de crocodilo. Catherine tentou colocar algum juízo nela, mas não adiantou. Tracey havia namorado o homem por uns bons seis meses de qualquer forma. E Catherine jamais emitiu um ultimato.

Até agora.

Mas a culpa de Catherine na morte de um homem, acidental ou não, não era um problema então, tampouco.

— Você não vai aceitar? — Tracey finalmente ecoou.

— Eu não vou. Eu criei você como se fosse minha própria filha, e se você tem qualquer respeito por mim, qualquer amor, você vai respeitar a minha vontade neste assunto. — Catherine disse muito firmemente. — Você vai deixa-lo partir. E não o verá novamente.

Tracey olhou para ela, sem palavras.

Cass sentiu como se estivesse em algum sonho surreal.

— Tia Catherine, — ela interveio gentilmente, — vamos deixar este assunto neste momento. O que você diz?

— Eu preferiria que não, — disse Catherine firmemente.

Cass sentiu como se estivesse conversando com uma estranha completa. Era realmente sua tia falando?

— Esqueça isso. — Tracey disse para Cass, asperamente. — Não há nada para discutir, e ponto. — Ela lançou um último, furioso olhar para sua tia e saiu do quarto, seu pálido vestido azul transparente balançando aberto entre suas pernas.

Cass foi até sua tia, colocando sua mão nos ombros dela. Agora ela realmente compreendeu a sensação de pavor que teve durante todo o dia. Cass estava tão perturbada que ela não podia se imaginar indo lá embaixo para se juntar a seus convidados, muito menos sobreviver à noite.

Catherine mal olhou para ela.

— Querida, por favor me consiga aquele drinque — ela disse em um sussurro quase inaudível.

— Vindo em seguida — Cass disse tão alegremente quanto possível. E dando a sua tia um último olhar preocupado, ela saiu do quarto.

Catherine esperou até que ela se foi. E quando já não podia ouvir os passos de sua sobrinha, ela foi até a porta e fechou-a. Então ela foi até um armário, abriu-o e se ajoelhou ao lado da menor gaveta. Esta estava escondida, e uma trava secreta impedia que ela saltasse livre.

Ela retirou o velho desbotado livro encadernado em couro com cuidado, segurou-o contra o peito, e lutou contra as lágrimas de pânico crescente.

Era seu diário privado.

A última entrada tinha sido registada em julho de 1966, poucas horas depois da morte Eduardo de La Barca.

Ela nunca destruiu o diário; ela tinha sido estranhamente, insanamente, incapaz. E ela sempre se arrependeu.

Ela se preparou para destruí-lo agora.


Era bem depois da meia-noite, e Cass estava no vestíbulo contra uma parede, meio escondida por uma mesa de mármore enorme e um grande relógio do século XVII, os braços cruzados sobre o peito com força. Ela ainda estava vestida com sua roupa de noite, e todos os convidados tinham ido embora. Com exceção de um.

Ele estava descendo as escadas. Ela ouviu seus passos, mas não era como ela soubesse que era ele. Até mesmo se houvesse outros hóspedes ao redor, ela saberia. Havia algo em sua presença que a fazia tensa com a expectativa.

Ele entrou na fraca, bruxuleante luz do vestíbulo. Seus olhares se encontraram e retiveram.

Sentindo-se desconfortável, Cass desviou o olhar.

— Obrigado por ser tão compreensivo — ela disse.

— Não é um problema. Eu só espero que sua tia se sinta melhor amanhã.

Cass olhou em cima.

— Eu também.

Seu olhar era penetrante.

— Você vai me ligar e me informar? Eu gostaria disso.

Cass assentiu.

— Você tem um cartão? — Seu pulso estava estupidamente acelerado.

Ele sorriu para ela quando ele entregou a ela um.

— A última coisa que eu queria fazer era perturbar esta casa ou minha anfitriã.

Quanto ele supôs, quanto ele percebeu, e quanto tinha ouvido?

— É a gripe. Ela voltará a ser ela mesma num instante.

Ele não sorriu. Seu olhar fixo era examinador.

— Você é muito próxima dela, — ele disse.

— Ela nos criou, Trace e eu. — Cass disse simplesmente. — Ela é mais do que minha mãe adotiva. Ela é minha melhor amiga.

— Ela parece ser uma mulher admirável.

— Ela é. — Um silêncio caiu, pesado e incômodo, entre eles. — Bem, eu acho que a noite foi bem-sucedida. Eu sei que alguns convidados apreciaram o colar. — Cass tentou. Estranhamente, ela não queria que ele fosse. Ainda não.

— Sim. — Em seguida: — A peça pertence a um museu. Pretendo tentar convencer a Sotheby’s para oferecê-lo particularmente primeiro a várias instituições

Os olhos de Cass se arregalaram.

— Isto é possível?

— Aqui na Europa, sim. As casas de leilões, não fazem tal coisa no seu país.

Cass não podia deixar de sorrir. Um leve ruído a fez olhar para as escadas, mas ela não viu nada nem ninguém.

— Eu suponho que Tracey está dormindo?

Ele hesitou.

— Ela não foi gentil sobre esta situação. Está muito chateada.

Aparentemente Tracey tinha mudado de ideia sobre partir. Cass suspeitava que Antonio a tinha feito ficar. Ela ficou impressionada.

— Tracey é minha irmã mais nova. — Cass disse, incapaz de não a defender. — Ela sempre foi um pouco mimada. Não é culpa dela. Sua beleza lhe permitiu se safar de coisas que uma pessoa normal nunca poderia. — Cass deu de ombros. — Tem sido sempre assim.

— Às vezes, a beleza pode ser uma desvantagem e não um trunfo — ele disse.

Cass ficou tão surpresa que o encarou. Ele também estava a encarando. Ela ouviu o relógio atrás dela soando alto na noite.

Ele finalmente sorriu, ligeiramente.

— Foi um prazer te conhecer, Cassandra. E qualquer hora que você quiser discutir as consequências sociopolíticas do culto de Saint James sobre o povo espanhol e o Cristianismo, eu ficaria feliz em fazê-lo.

Cass sentiu sua boca cair aberta. Ele se lembrou dela. Ele não apenas se lembrava dela, lembrou-se de um breve debate intelectual que tinham tido sobre o assunto de um dos mais importantes santos padroeiros da Espanha, todos esses anos atrás no Metropolitan Museum.

Ele se curvou e passou por ela, para a noite.

Cass o assistiu ir sorrindo.


— Achei que você poderia ser capaz de ficar alguns dias, em vez de se apressar de volta para Londres assim. — Catherine disse no dia seguinte.

Tracey estava arrumando sua mala, vestindo uma minissaia plissada preta, um suéter sem mangas bege grosso, e preto, botas de montaria de cano alto com pequenos retalhos avulsos nas panturrilhas. Suas pernas estavam nuas, sua pele perfeita e brilhante. Mas seus movimentos eram bruscos e irritados.

— Eu nunca disse que estaria passando o fim de semana. Além disso, não há qualquer sentido em ficar. — Ela se endireitou para olhar para Catherine.

E a expressão de Catherine se encheu de mágoa e consternação.

— Nós adoraríamos ter você — ela começou suavemente.

— Ontem à noite foi um maldito desastre! — Tracey exclamou.

Cass estava também presente, permanecendo tensa aos pés da cama.

— Tracey, se você tem que ir nesta manhã, ao raiar do dia, — e isso era um exagero, — não poderíamos pelo menos conversar sobre isso primeiro? Para que não haja ressentimentos?

— Não. Eu realmente tenho que ir. Muita coisa para fazer. — Tracey sorriu para elas. Era frágil. Mágoa também se refletiu em seus olhos azuis, juntamente com uma angústia que Cass não tinha notado antes.

De repente, ocorreu a Cass que sua irmã estava atrás de Antonio. Que pela primeira vez, ela estava tão apaixonada que, como a maioria dos amantes, ela estava nervosa e cheia de dúvidas. E apesar de si mesma, Cass sentia muito por ela.

— O leilão é daqui a dez dias, — Cass tentou. — Seria tão bom se você não se apressasse.

Tracey começou a fechar o zíper da mala de roupas.

— Teria sido ótimo se Tonio não se sentisse compelido a partir a noite passada.

Cass foi ajudar a dobrar o largo Val-Pack e colocá-lo no chão.

— Olha, eu concordo. Ontem à noite não foi tão bem assim. Quero dizer, eu acho que os todos convidados tiveram um grande momento, mas nós certamente tivemos essa discussão. Sinto muito, Trace.

Tracey se endireitou, com as mãos nos quadris.

— Você sente? Eu acho que você ficou do lado de Catherine por outra razão. Porque você está com ciúmes.

Cass congelou.

— O que?

— Você me ouviu. — Tracey olhou fixamente.

Cass começou a se convencer que não estava com ciúmes, então ela desistiu. É claro que ela estava, só um pouquinho. Era natural. Uma mulher teria que ser cega para não ficar com ciúmes de sua irmã tanto quanto Antonio de La Barca estava envolvido.

— Se agi por qualquer desejo, diferente do de proteger a tia Catherine, peço desculpas — Cass disse rapidamente, e imediatamente lamentou sua escolha de palavras.

Tracey deu de ombros.

— Eu jantarei com ele hoje à noite antes dele retornar a Madri. — Ela sorriu.

Cass conseguiu dar um sorriso indiferente em troca.

— Tracey, nós temos que conversar. — Catherine disse com firmeza, seus braços cruzados firmemente sobre os seios.

Cass sabia o que estava por vir, mas ela fingiu que não. Ela carregou a bolsa pesada até a porta. Talvez fosse melhor se Tracey partisse. A tensão estava ficando insuportável.

Tracey enfrentou sua tia com um olhar muito inocente.

— Sobre?

— Eu acho que você sabe.

— Eu não tenho ideia. — Tracey sorriu, demasiado meloso, inconfundivelmente.

— Você tem que me escutar com muita atenção. — Catherine disse lentamente, sua coloração mais pálida do que o habitual. Ela parecia estar escolhendo as palavras com cuidado. — Há uma nuvem que paira sobre a família de La Barca. Uma nuvem de tragédia e morte. E... há uma história entre a nossa família e a de Antonio de La Barca. Nada de bom jamais resultou das famílias se envolvendo. Por favor, confie em mim, Tracey. Não vá vê-lo novamente.

Cass olhou fixamente para sua tia, considerando suas palavras. Antes que Tracey pudesse protestar, Cass passou rapidamente entre elas.

— Que tipo de história, tia Catherine? — Cass tentou encontrar o olhar de sua tia, mas Catherine não permitiria isso.

Catherine se ocupou em endireitar as almofadas em um sofá.

— Ao longo dos séculos, as nossas famílias têm se envolvido, Cassandra, repetidamente. No mundo dos negócios, no amor, na guerra, na política. E isso sempre acabou mal para todos os envolvidos. — Ainda assim Catherine não olhava para ela.

Cass encarou. O que sua tia não estava dizendo a ela?

— Como mal? — Cass perguntou. — Tão mal como Isabel sendo queimada na fogueira por não ser uma fiel católica? — Ela não acrescentou, tão mal como Eduardo estando tragicamente morto?

Catherine se sobressaltou, empalidecendo.

— Não vamos trazê-la para a conversa.

Cass estava em alerta.

— Por que não? Você ama a história da nossa família tanto quanto eu amo a história, daquela época.

Catherine balançou a cabeça.

— Nada de bom pode resultar disso — ela disse.

Antes de Cass pudesse perguntar se nada de bom poderia vir de discutir sua ancestral ou nada de bom poderia vir do envolvimento de Tracey com Antonio, Tracey cortou.

— Que absurdo — ela disse. — Isto é loucura. Quem se importa com o passado? Eu estou indo para Madri no final do mês, e eu pretendo passar a maior parte do verão lá.

Até Cass girou.

— E o seu trabalho?

— Eu estou indo embora. Eu pensei sobre isso e decidi que eu não me adequei ao Sotheby’s.

Cass apenas encarou, não realmente surpresa. E ela não tinha dúvidas que a decisão de Tracey tinha pouco a ver com a Sotheby’s e tudo a ver com Antonio de La Barca.

Catherine se aproximou, tomando mãos de Tracey.

— Oh, querida, não deixe. Você é tão perfeita para a Sotheby's. Você tem a classe e a elegância e visibilidade que eles necessitam...

— Meu lugar é com o Antonio, Catherine. Eu não posso gerenciar um relacionamento de longa distância, com todo um mar entre nós. Eu não posso suportar quando estamos separados. — Tracey deu as costas para elas para caminhar até o banheiro. A porta estava aberta, as luzes acesas, e ela pegou sua maleta de maquiagem.

— Por favor, Tracey, só dessa vez, ouça-me atentamente. Eu sei muito bem o que eu estou falando. — Catherine pediu.

Tracey encarou, segurando a caixa de maquiagem.

— Você não sabe. Antonio é maravilhoso, eu nunca conheci ninguém como ele antes. Eu não deixarei este aqui fugir de mim. Eu falei sério quando disse que vou me casar com ele.

Cass se ouviu dizendo:

— Você sabe, Trace, um bom casamento se constrói sobre uma base de interesses comuns. Você e Antonio não parecem ter muito em comum.

Tracey ergueu sua mão para ela.

— Eu sabia que você tomaria o lado dela. O que no maldito inferno você sabe sobre casamento, relações, ou, no que diz respeito a esse assunto, até mesmo homens? Você teve um relacionamento em sua vida inteira, e ele não estava nem apaixonado por você.

Cass sentiu como se tivesse sido atingida.

— Ponto feito. — Tracey disse friamente.

Antes que Cass pudesse ousar pensar através de seus pensamentos, a voz fria de Catherine interrompeu-a.

— Se você for... — Catherine virou-se lentamente, seu peito arfando com o esforço que suas palavras estavam custando-lhe, — eu deserdarei você.

Tracey ficou branca. Cass pensou que ela perdeu toda a sua própria coloração, também.

— Catherine. Você não quer dizer isto. — Ela sabia que sua tia estava enganada. Ela sabia que Catherine estava falando histericamente. Não poderia querer dizer que iria deserdar a sobrinha que ela tinha adorado por toda uma vida.

Mas ela nunca tinha visto a expressão da sua tia tão severamente determinada.

Meu Deus, Cass pensou, incapaz de respirar. Ela quer dizer isto.

— Eu não preciso de sua maldita herança. Vá em frente e me deserde. — Tracey estava furiosamente amarga.

— Tracey! — Cass exclamou. — Você não sabe o que você está dizendo! — Cass olhou de sua tia rígida para sua irmã igualmente rígida.

Tracey disse, queixo erguido:

— E não estou indo sozinha para Madri, eu estou levando Alyssa comigo.


Capítulo Quatro

— Por favor não chore, tia Cass.

Cass se ergueu de onde estava deitada em sua cama, não exatamente chorando, mas as lágrimas de alguma forma deslizando de seus olhos. Ela estava em pânico, pensando em Tracey levando Alyssa longe, e não importando o quanto tentasse, não conseguia pensar com clareza. Não tinha ela sempre sabido que isso ia acontecer?

Que um dia Tracey se dirigiria para Belford House e levaria Alyssa embora?

Mas isso não era o que estava acontecendo, ela tentou dizer a si mesma. Era somente um período de férias de verão, pelo amor de Deus!

Agora ela tentou sorrir para sua sobrinha preocupada e falhou.

Alyssa correu para a frente, e Cass lançou os braços em torno dela, segurando-a com força e apertado.

— Eu sou uma grande tola. — Cass sussurrou insegura.

— Você não é uma tola. — Alyssa disse categoricamente. — Elas vão fazer as pazes, eu sei que vão. — Ela sorriu esperançosamente, mas seus olhos marrons grandes estavam cheios de preocupação.

Cass acariciou o cabelo dela, felizmente Alyssa incorretamente pensou que suas lágrimas tinham sido causadas pela briga entre sua mãe e sua tia.

— Claro que elas vão, — mas ela estava pensando, E se não?

E se Tracey ficasse na Espanha, e não devolvesse Alyssa?

Não! Ela não devia antecipar o pior! Como ela podia sequer pensar uma coisa dessas?

Mas Cass estava tão mal. Como ela poderia não considerar o pior? O que ela faria se Tracey decidisse tornar-se uma mãe em tempo integral? Alyssa era a filha que Cass nunca tinha tido. Não poderia sobreviver se ela lhe fosse tirada. Será que ela deveria lutar pela sua custódia? Mas como ela poderia fazer uma coisa dessas, quando isso separaria as irmãs para sempre e destruiria sua sobrinha? Ela tentou dizer a si mesma mais uma vez que Tracey era tão imprevisível, tão mutável, que tudo isso acabaria em uma questão de dias. Por que, conhecendo Tracey, amanhã ela iria mudar seus planos completamente, decidindo se encontrar com de La Barca, no sul da França, sem levar Alyssa junto.

Ela não se acalmou nem tranquilizou.

Há uma nuvem que paira sobre aquela família.

Nada de bom jamais resultou das famílias se envolvendo.

Cristo. Tia Catherine estava certa? Era este o resultado de uma maldição de séculos ou algo assim?

Cass era uma escritora de ficção por várias boas razões. Como Tracey havia apontado sucintamente ela não tinha muito de uma vida real. Mas, mais importante, ela adorava o passado, e ela tinha uma imaginação fértil. Inventar histórias era a coisa mais fácil do mundo para Cass. Agora, sua imaginação chutava em marcha acelerada. Em um certo nível, Cass sabia que estava histérica e exagerando. Que ela estava inventando um cenário que poderia não ser a verdade. Mas ela não podia reduzir o pânico dentro dela. Ela não conseguia dar um passo atrás de seus piores medos.

— Então por que você está chorando?

A pequena, doce voz de Alyssa cortou seus pensamentos. Cass olhou fixamente.

— Machuca-me vê-las discutir — ela finalmente disse. Como ela odiava mentir para sua sobrinha.

— Eu odeio isto, também. — Alyssa se sentou na cama ao lado de Cass, — mas tia Cass, tia Catherine está errada. A mãe só quer me levar para umas férias na Espanha. — E seus olhos brilharam.

Cass piscou. E quando ela percebeu que Alyssa estava animada com a perspectiva de fazer uma viagem com sua mãe, algo dentro dela torceu-se dolorosamente. Ela estava sendo egoísta, bem como histérica? Tracey nunca tinha feito uma viagem com sua filha. Era somente um período de férias de verão. Alyssa estava sorrindo agora. Cass conseguiu dar um sorriso em troca, e acariciou o cabelo de sua sobrinha.

— É muito complicado, querida. Tia Catherine está apenas preocupada. Afinal, você nunca viajou com sua mãe antes. Mas você está certa. Umas férias com sua mãe, que, está muito atrasada. — A sensação de mal-estar interior não diminuiu. O pânico não foi embora.

Alyssa assentiu ansiosamente.

— E você vai vir, também.

Cass travou. Não tinha sido uma pergunta. E seu instinto foi de concordar, por que não? Antonio não havia a convidado para ir a Espanha para ver o retrato? Mas ela disse, lentamente:

— Querida, Tracey quer te levar, não a mim. Apenas vocês duas. Eu não fui convidada.

Alyssa deixou de sorrir.

— Mas não será só nós duas. O namorado dela vai estar lá, e seu filho. E eu vou sentir sua falta. Você tem que vir!

Não seria essa a solução perfeita? Cass pensou. Ela estaria presente durante o verão para se certificar que Tracey não pretendia ficar com Alyssa; ela poderia ver o retrato; e embora ela não estava muito entusiasmada com a ideia de passar o tempo com os dois pombinhos, ela poderia cuidar de Alyssa corretamente, uma vez que Tracey não tinha a menor ideia dos desejos e necessidades de uma criança de sete anos de idade.

— Sua mãe não me convidou. — Cass disse finalmente.

— Mas você pode dizer a ela que você tem que vir. — Alyssa olhou fixamente. — Tia Cass, eu não quero ir sem você.

Cass tragou. Era a solução perfeita. O que ela tinha a perder?

Tudo, ela pensou sombriamente.

— Certo. Eu irei ver Tracey hoje.


Cass sentou ereta dentro de seu BMW de duas portas estacionando no meio-fio. A pitoresca rua arborizada era atolada: Hempstead Heath era um bairro extremamente popular, especialmente com artistas, músicos, e os novos ricos. Os cafés ao ar livre e mesas no quarteirão eram cheios de jovens e hippies; igualmente elegantes pedestres estavam nas vitrines de diversas boutiques. E no lado oposto da rua havia uma série de mansões e casas de campo, atrás de paredes de pedra e portões de ferro forjado.

Seu coração estava martelando e o ar parecia restrito em seus pulmões e no peito. Cass saiu de seu carro, sentindo-se como se tivesse envelhecido uma década nas últimas vinte e quatro horas. E pelo que ela tinha visto naquela manhã apenas algumas horas atrás, quando ela havia tomado banho e se vestido, ela fez. Ela fechou a porta do sedan e caminhou até a faixa de pedestres. Ela estava em um atordoamento, bem como exausta e não esperou pelo semáforo antes de atravessar. Felizmente, não havia uma grande quantidade de tráfego de veículos, mas um motorista soou a buzina para ela do mesmo jeito.

Cass realmente não ouviu. Ela só podia ouvir uma voz, um pensamento, ali em sua mente. Ela não podia deixar Tracey levar Alyssa para longe. Ela tinha que ir com elas para a Espanha.

Os portões para a mansão de Tracey estavam abertos. Uma garagem estava localizada ao lado da calcário casa em estilo Tudorb, e as portas do Aston Martin preto de Tracey estavam abertas, e o interior estava visível. Cass esperava que significasse que ela estava em casa. E se não estivesse, ela iria esperar.

Apreensão encheu-a. Ela caminhou até o caminho de cascalho branco. Jardins de flores rodeavam a casa, mas Cass mal notou. Ela tocou a campainha. Lembrando-se de manter a calma, não importa o quê.

Cass conhecia sua irmã. Se Tracey visse como ela estava assustada, como ela estava se desfazendo, ela iria de alguma forma utilizar a fraqueza de Cass contra ela. Se ela berrasse e gritasse, a determinação de Tracey só iria aumentar. Se ela fosse esperta e gentil, ela poderia convencer Tracey que levar Alyssa junto sem ela só iria interferir em sua vida privada.

Um empregado lhe disse que a Sra. Tennant estava na residência, e pediu-lhe para esperar.

Depois de alguns minutos, Tracey desceu as escadas, vestindo uma calça jeans e um minúsculo top.

— Cass? — Seu tom e expressão eram cautelosos.

Cass tentou respirar uniformemente. Tanto estava em jogo.

— Olá, Tracey. Eu tinha que vir falar com você.

Tracey olhou fixamente, sua expressão não suavizando.

— Certo. Entre.

Cass conseguiu dar um sorriso, seguindo sua irmã em uma enorme, na maior parte branca, muito moderna sala de estar. Tracey e Rick Tennant tinham comprado a casa de seis quartos em conjunto, logo após seu casamento, e Tracey tinha conseguido mantê-la após o divórcio.

— Tracey, eu sinto muito sobre a briga.

Tracey fez uma careta.

— Você ouviu o que ela disse para mim?

— Ela não quis dizer isto. — Cass disse rapidamente.

— Sim ela quis. Ela quis dizer cada palavra, pois ela nunca realmente gostou de mim. Você sempre foi a perfeita, a única que nunca fazia nada de errado. Você sempre foi a sua favorita.

Cass encarou surpresa.

— Isto não é verdade! Você foi sempre a menina dos seus olhos, Trace. O retrato perfeito de anjo em tranças loiras.

Tracey riu asperamente.

— Oh, por favor. — Ela tocou um enorme cinzeiro de cristal em uma mesa na sala de estar.

Cass não soube o que dizer.

— Não entendo como isto aconteceu. Eu não acho que Catherine esteja bem. Tenho a certeza de que ela cairá em si em algum momento.

Tracey ergueu o olhar e deu de ombros.

— Não me importa se ela está ficando maluca. Ela odeia Antonio, mas eu o amo. E isso é tudo.

Cass se virou, olhou para os jardins exteriores, em seguida, virou-se de volta.

— Sabe, você está certa. Eu estou um pouco ciumenta, e eu sinto muito, realmente sinto, por isso. — Tracey arregalou os olhos. — Quero dizer, ele é um grande cara e é óbvio. Desejo-lhe o melhor, Trace.

— É por isso que você dirigiu até aqui hoje? Para me desejar o melhor? — Tracey estava incrédula.

— Eu realmente estou chateada com essa briga. Eu não quis tomar partido. Eu não tinha percebido que às vezes eu colocava o meu nariz onde não pertencia. É realmente difícil, Trace, ser a cola nesta família. Nós parecemos precisar de cola. Eu só estou tentando ajudar. — Cass quis dizer cada palavra. Ela era a cola na família. O mediador, o pacificador, o fica-entre. Nunca foi fácil, porém talvez, às vezes, ela não deveria interferir. Mas ela só estava tentando ajudar.

Tracey olhou fixamente.

— Você é muito boa às vezes — ela finalmente disse. — Às vezes eu desejo ser mais como você.

Cass olhou para cima.

— Está brincando né?

Tracey deu de ombros.

— Eu sei que sou selvagem demais. Tem de ser um defeito genético.

O pulso de Cass correu.

— Olhe para mim. Sempre com meu nariz em um livro.

Elas sorriram timidamente uma para a outra.

— Então quando você está partindo? — Cass perguntou, sem respirar.

— Eu reservei passagens para o dia oito. E, francamente, eu não sei quando eu vou voltar. — Tracey disse.

O coração de Cass sentiu como se balançasse para uma parada. Ela achou difícil de respirar, Tracey tinha acabado de admitir aquilo que Cass tinha medo.

— Tracey, Alyssa começa a escola na última semana de agosto. No trigésimo dia, para ser exata.

Tracey acenou para ela.

— Eu não tinha pensado tão à frente. Não se preocupe, ela não vai faltar à escola.

Cass sentiu a tensão crivando seu corpo. Será que ela deveria acreditar nela? Nada de bom jamais resultou de as famílias ser envolvendo. Cass podia praticamente ver Tracey e Antonio, com Alyssa entre eles, passeando pela quadra de alguma pitoresca aldeia espanhola, assim como uma família de verdade.

— Tracey, você já pensou sobre como será, cuidar de uma criança tudo por si mesma a maior parte do verão? Quero dizer, você não pode sair para jantar com Antonio e deixar as crianças para trás por conta própria. Sempre que você quiser sair, você terá que contratar uma babá.

— Vou contratar uma babá quando eu chegar lá. Tempo integral. Eu já pensei sobre isso, Cass — Tracey disse com um sorriso.

Cass estava alarmada.

— Você tem que verificar as referências da pessoa completamente. Você não tem nenhuma ideia o quão podres algumas babás são!

— Você está realmente preocupada. — Tracey disse, aparecendo um pouco divertida.

E Cass sentiu seus olhos umedecerem.

— Eu a amo muito. E nós duas sabemos que você não é boa em cuidar dela. As crianças pequenas precisam de muito. Eles podem agir e soar como adultos, mas elas são crianças, com corações assustados, que anseiam por amor e atenção.

— Eu não vou mudar de ideia. — Tracey disse sem rodeios, sem sorrir. — Alyssa vem junto. Ela terá um grande verão. Eduardo é um menino muito bom. Tenho certeza que eles serão amigos.

Cass encarou, suando.

— Eu podia ir. Posso cuidar das crianças enquanto você e Antonio fazem o que quer que vocês dois gostariam de fazer.

Tracey olhou para ela, olhos mais amplos agora, e então ela riu, sacudindo a cabeça.

— Não. Acho que não. A questão toda é para Antonio ver que eu posso ser uma boa mãe. Se você vier, ele verá o quão boa você é com crianças e como eu sou ruim. Nenhuma maldita chance! — Ela balançou a cabeça novamente.

Cass cruzou os braços.

— Eu sabia que tinha que haver algo — ela disse de forma imprudente, ignorando a voz dentro dela que lhe dizia para não tomar este rumo. — Então, isto é, sobre o que são estas férias? Usar Alyssa para escorar sua relação com seu namorado?

— Eu não estou usando Alyssa. — Tracey disse ferozmente. — E quem disse qualquer coisa sobre escorar minha relação? Antonio é apaixonado por mim, caso você não tenha notado.

— Então, o que há de novo? — Cass replicou. — Ele é apenas o número cento e cinquenta e seis. Ou é duzentos e cinquenta e seis?

Tracey empalideceu. Então seu rosto ficou vermelho.

— Saia.

Cass saltou.

— Eu sinto muito. Isso era desnecessário. É só...

— Não. Você quis dizer isto. Você é tão petulante, como se você fosse melhor do que eu porque você é igual a tia Catherine, uma solteirona envelhecendo que é praticamente uma virgem. Deus, é tão triste! O que há para se orgulhar?

Cass deu um passo para trás, seu coração bombeando duro agora. Seus punhos cerrados.

— Talvez eu tenha orgulho por ser uma mãe de verdade para Alyssa, sendo que sua mãe biológica está ocupada demais marcando novos amantes para se preocupar muito com sua própria filha.

— Apenas saia, Cass, antes que eu te jogue para fora. — Tracey relampejou perigosamente.

Cass não se moveu.

— O que lhe dá o direito de entrar em nossas vidas e destruí-las? O que lhe dá o direito de decidir como Alyssa passa o verão? Ela não quer ir sem mim, Tracey. Ela disse-me hoje de manhã. Criei-a desde que ela tinha dois anos. Você deveria pelo menos pedir a minha autorização antes de você fazer planos para ela.

— Pedir a sua autorização?! — Tracey estava incrédula. — Eu não penso assim! O que me dá todo o direito é o fato de que eu sou a mãe dela, e não só biologicamente. Não me lembro de que você a tenha adotado. Não é?

Cass sentiu como se tivesse sido atingida.

— Você sabe que você não pode cuidar dela. Você não tem qualquer senso de responsabilidade. Isto não está certo.

— Adeus, Cass. Eu ligarei para a casa para que você saiba quando meu motorista for buscar minha filha. — Tracey virou e começou a deixar a sala.

E pela sua vida, Cass não podia se mover. Ela disse:

— Eu não sei como você pode olhar para si mesma no espelho.

Tracey congelou. Então ela se virou.

— É realmente fácil, Cass. Realmente fácil, tão fácil quanto estar olhando para mim mesma nas páginas de sociedade de todas as principais revistas. — Ela sorriu. — Como você faz isto? Eu quero dizer, você é um tamanho quarenta e dois agora? Vamos ver, um e sessenta, isso faria você, o que? Quatro quilo e meio acima do peso, ou são quase sete? Ou nove? Você já deu uma boa olhada em si mesma recentemente? Você parece ter quarenta anos Cass, pelo menos. Oh, mas você já deve saber disso. Por que mais você se fecharia em Belford House, escrevendo livros que ninguém dá a mínima, que ninguém realmente compra, enquanto brinca de babá para minha filha?

Cass deu um tapa no rosto dela.

Tracey sacudiu para trás, gritando.

Cass não podia acreditar no que ela fez, mas nunca palavras tinham machucado tanto. Nunca tinha a verdade machucado tanto. E por um momento, as duas irmãs se entreolharam, igualmente atordoadas, igualmente bravas.

— Talvez eu deva adotá-la. — Cass ouviu-se dizer asperamente.

— Apenas tente. — Tracey respondeu furiosamente.

Seus olhares se encontraram, e o único pensamento de Cass foi, como isso aconteceu? Ela tinha vindo para fazer as pazes, não para ameaçar Tracey com a tomada de sua filha longe dela.

— Thomas! — Tracey gritou. Um homem enorme em calças pretas e uma camisa polo branca apareceu na entrada. — Por favor escolte a Srta de Warenne ao seu carro. — Ela disse.

Cass não se moveu quando o guarda-costas veio e ficou ao lado dela.

— Trace. — Cass tentou.

Mas Tracey tinha saído da sala.

Cass foi escoltada para fora.


No momento em que Cass chegou a Belford House, era tarde da noite. Nuvens altas cobriam o céu noturno, e uma brisa fresca era trazida da praia. Cass estacionou o BMW na garagem e caminhou até a casa, aproximando-se por trás. Ali um terraço de laje dava para o campo de Sussex, com vista para uma série de colinas que desciam gradualmente, cruzando com paredes de pedra e intercaladas com clareiras de árvores frondosas. Mesmo à noite, havia luz suficiente da aldeia e da cidade de Romney para perceber as colinas ondulantes; durante o dia se podia espiar o ocasional deslocamento das gaivotas, vagando muito longe em direção ao interior de Beachy Head.

Cass estava em estado de choque.

E ela estava furiosa consigo mesma.

Em vez de resolver o problema que Tracey causou, ela o piorou. Tracey estava indo para a Espanha, com Alyssa, e ela firmemente rejeitou a oferta de Cass para ir. Mas foi muito pior do que isso. As irmãs haviam chegado às vias de fato e Cass ameaçou lutar com Tracey pela custódia de Alyssa.

E ela não quis dizer isto. Deus querido, ela não quis. Ou ela quis?

Cass fechou os olhos e pensou, a contragosto, se acontecesse o pior, eu poderia levar Tracey ao tribunal e eu ganharia. Não importa o que custasse.

Os olhos de Cass se abriram; ela ficou horrorizada com ela mesma. Como ela poderia estar pensando uma coisa dessas? Ela precisava de uma bebida, mas mais do que isso, ela precisava de uma bola de cristal com a qual pudesse predizer o futuro.

— Cassandra? É você?

Cass olhou em cima. As duas portas do terraço que levam até a casa estavam abertas, e Cass viu sua tia aparecer entre elas, sombreada pelas luzes interiores da casa.

— Sim. — Ela marchou através do terraço, recusou-se a encontrar os olhos questionadores de sua tia, e entrou na pequena sala de estar onde um fogo dançava na lareira.

— O que foi? O que aconteceu? Eu estava tão preocupada, onde você esteve? — Catherine perguntou.

— Onde está Alyssa? — Cass perguntou. O desespero tomou conta dela.

— No quarto dela. Ela está lendo. — Catherine disse. — Você foi ver sua irmã, não é?

Cass não tinha contado a ninguém para onde estava indo.

— Isso mesmo. — Ela foi até o bar e desarrolhou o Porto. Suas mãos, ela viu, estavam tremendo um pouco enquanto se servia de uma bebida forte.

— Eu posso ver a partir da expressão em seu rosto que não correu bem.

Cass bebeu, sentiu as lágrimas picar seus olhos quando o porto queimou seu estômago, e ela disse:

— Eu estraguei tudo.

Catherine colocou sua palma confortantemente no ombro de Cass. Cass deu de ombros.

— O que aconteceu? — Catherine perguntou.

— Eu bati nela. — Cass finalmente olhou-a nos olhos. — Eu lhe dei um tapa em seu rosto e agora ela vai levar Alyssa embora, e eu não sei se ela voltará. — Cass sentiu-se começando a se perder então. Ela teve que lutar por autocontrole. Mas não existia nenhum controle, não de qualquer tipo. Suas vidas pareceram estar desfazendo na frente de seus olhos.

— Oh Deus. Já está começando, não é? — Catherine sussurrou, torcendo suas mãos.

Cass se encolheu, e quando ela olhou para sua tia, ela sentiu um grau espantoso de veemência em sua direção.

— Não comece com essas asneiras agora! — Ela quase gritou. — Nem comece a sugerir que isso tem alguma coisa a ver com de La Barcas e de Warennes e um dos nossos antepassados infames! — Ela podia sentir-se tremendo, e ela viu sua tia recuar. Nada de bom jamais resultou das famílias se envolvendo...

— Você apenas não sabe. — Catherine disse simplesmente.

— Eu sei que você começou tudo isso!

Catherine ficou branca.

— Isto não é sobre mim, e eu acho que você está começando a entender isso.

— Eu sinto muito! — Cass exclamou, agarrando sua tia, que se afastou. — Sinto muito, mas como você pôde deserdá-la? Como?

— Eu pretendia protegê-la. — Catherine disse fracamente, afundando em uma cadeira.

— Protegê-la? Não há nada para protegê-la, exceto dela mesma. Se ela quer ter um caso ou até casar com Antonio de La Barca, isso é assunto dela! Ela é adulta, mesmo se ela for a única a se ferrar!

— Nós devemos protegê-la, Cassandra. — Catherine disse cansada. — Nós devemos.

Cass encarou. As palavras anteriores de sua tia continuaram a repetir-se em sua mente, assombrando-a. De maneira alguma Cass compraria para si o que sua tia parecia acreditar.

— Isto não é sobre duas famílias se envolverem, com consequências trágicas. Não. Isto é sobre o pai da Antonio de La Barca. De alguma maneira você esteve envolvida em sua morte. Então não é Tracey que você está tentando proteger, não é? Você está tentando proteger a si mesma.

Sobressaltada, Catherine cambaleou para trás, e Cass sentiu como se uma parte dela estivesse fora de si, assistindo ela fazer isso à mulher que a tinha criado como uma mãe, a mulher que ela amava como sua mãe e melhor amiga. Ela quis parar seu discurso, as acusações, a raiva, ela queria, mas ela não podia. Não quando Alyssa estava sendo tirada do meio delas.

Cass olhou fixamente para o rosto pálido, devastado de sua tia.

— O que aconteceu? E não se atreva a me dizer que você se recusa a falar sobre isso! Eu tenho todo o direito de saber! Tracey pretende se casar com Antonio! — Cass estava gritando. Ela também estava chorando. — Ele dificilmente é estúpido! E ele é um historiador. Você não acha que ele vai descobrir isso, mais cedo ou mais tarde? E se ele quiser justiça? Vingança?

Catherine se quebrou em uma cadeira. Ela escondeu suas mãos atrás de seu rosto. Ela murmurou:

— Não lhe ocorreu que morte do pai dele foi apenas mais uma parte de todo o padrão terrível?

— Não existe nenhum padrão! — Cass correu para ela. Seu instinto era agarrar seus pequenos ombros, sacudir algum bom senso nela. Em vez disso, ela se conteve, horrorizada com tudo que estava acontecendo, verdadeiramente horrorizada consigo mesma. Mas ela não podia parar agora. Ela ajoelhou na frente de sua tia. — Eu te imploro. Eu estou implorando a você. Eu quero salvar esta família de qualquer coisa que possa vir. Se Antonio de La Barca é uma ameaça, eu tenho que saber exatamente por que ele é uma ameaça, e não me diga que tem a ver com o passado de séculos de idade. Eu quero minha filha de volta, tia Catherine. Eu quero a minha filha de volta. Mas eu não posso lutar por ela no escuro assim. Você o matou?

Catherine deixou cair as mãos de seu rosto, seus olhos arregalados, pálidos, aguados. Seus olhares se encontraram, sustentaram, travados.

Cass esperou.

— É complicado. — Catherine finalmente disse.

Primeiro a descrença, em seguida a raiva, tomou conta de Cass. E ela estava tão arrasada que não podia se mover. Ela estava tremendo.

Atrás delas, o telefone tocou.

Nem tia nem sobrinha se moveram.

Cass lutou para manter a compostura, percebeu que estava ofegante.

— Eu não estou dando-lhe uma escolha — ela advertiu.

Catherine se endireitou com sua dignidade inata quando o telefone parou de tocar.

— Não fale comigo em tal maneira, Cassandra. Eu sou a mais velha, sua tia.

Cass permaneceu ajoelhada; sua tia permaneceu sentada extremamente reta. Cass estava prestes a dizer-lhe que ela estava sendo egoísta, palavras que a feririam infinitamente. E ela sabia que não devia dizê-las, ela sabia, mas novamente, ela estava fora de controle. E no momento em que as palavras estavam prestes a sair da ponta da sua língua, uma das criadas apareceu na porta e disse:

— Srta de Warenne. Você tem uma ligação.

Cass mal olhou para cima.

— Anote a mensagem, por favor. — Ela olhou fixamente para sua tia, que agora olhava para suas mãos nodosas, cheias de veias. Um enorme anel de safira, cravejado de diamantes, dado a ela por Robert em um de seus aniversários, o seu vigésimo quinto, Cass pensou, assentava-se em seu dedo anular esquerdo.

A empregada hesitou.

— É a Sra. Tennant e ela diz que é urgente.

Cass pulou como se tivesse sido atingida. Ela deu a sua tia um último olhar e correu para o telefone sobre a pequena, escrivaninha de couro incrustada no canto da sala.

Cass tentou limpar sua mente. Ela tentou empurrar de lado o pânico e o medo e pensar racionalmente quando ela pegou o fone, mas era impossível. Cass se sentiu frágil.

— Trace?

— Sim. — Sua irmã disse, seu tom tão frio quanto gelo.

— Trace, eu estou tão triste sobre...

Tracey a cortou.

— O nome do meu advogado é Mark Hopkins. Meu motorista vai pegar Alyssa amanhã. Por favor embale a maior parte de suas coisas. Mark vai estar em contato com você e Catherine. — E ela desligou.

— Tracey! — Cass gritou.

Ela bateu o botão de conversa freneticamente, mas a única resposta era um tom de discagem. E quando ela agarrou o telefone, rediscando desesperadamente, por um momento ela quase pensou ter visto as paredes começando a vir abaixo em torno dela, lentamente, em câmera lenta. Claro, era sua imaginação, as paredes não estavam ondulando ante seus olhos, elas eram sólidas. Era a sua vida que estava desmoronando sobre ela.

O telefone tocou. E tocou. E tocou. Até secretária eletrônica de Tracey atender.

— Tracey! — Cass exclamou. — Eu sei que você está aí. Por favor, por favor, atende! Por favor! — Mas sua irmã não atendeu o telefone.

Cass tentou o telefone celular dela, com os mesmos resultados. Então ela tentou a casa dela novamente, e novamente, e então o celular, e finalmente ela se sentou na cadeira ao lado da mesinha, o fone escorregou de suas mãos, e ela começou a chorar.

— Isto é apenas o começo. — Tia Catherine disse lentamente, de pé ao lado dela agora.

Cass olhou para cima em meio as lágrimas e disse, amargamente:

— Sim. Isto é apenas o começo. — Embora ela sabia que elas não estavam falando sobre a mesma coisa. — Como você pode se apegar a explicações de seu próprio interesse egoísta, sabendo que amanhã Alyssa estará partindo, talvez para sempre, e que o advogado de Tracey estará nos contatando?

Catherine parecia como se fosse desmoronar a qualquer momento. Ela disse:

— Ele foi atropelado por um carro, em um pequeno vilarejo na Espanha, que você nunca ouviu falar. Pedraza.

Cass piscou. Sua tia tinha falado no tom de um robô. Ela havia sido terrivelmente ferida. Cass vacilou, mas disse:

— Então foi um acidente depois de tudo. — Era muito tarde para o alívio.

Catherine nem estava olhando para ela. Ela estava olhando fixamente por ela, ou através dela, na parede, ou nos alcances muito distantes do passado.

— Dificilmente.

Suas têmporas batiam tão forte que ela podia ouvir a batida de sangue dentro de sua própria cabeça. Cass de alguma forma balançou a cabeça.

— O que você descreveu é um acidente.

Catherine apenas sorriu para ela, tristemente.

— Eu deliberadamente o atraí para frente do carro. Eu queria destruí-lo.


Capítulo Cinco

Cass andou até Belford House, entorpecida e exausta. Alyssa tinha sido levada naquela manhã pelo motorista de Tracey. Cass não contou a sua sobrinha o que estava acontecendo, porque ela estava esperando desesperadamente que tudo isso passasse. Alyssa pensou que ela iria ficar fora por uma semana ou duas com sua mãe; entretanto, Cass nunca iria esquecer seu pequeno rosto quando ela se instalou na parte de trás do Mercedes sedan. Ela tinha estado a ponto de chorar, mas bravamente combateu suas lágrimas.

Chovia muito no exterior, tinha chovido durante o dia todo, e a melancolia sentia-se como uma mortalha nos ombros de Cass. Ela não usava uma capa impermeável, e estava encharcada. Lentamente ela caminhou pelo vestíbulo e vagou pelo corredor.

O que eu vou fazer agora? Ela não parava de pensar. Era uma ladainha, em sua mente.

— Eu já sinto falta de você, tia Cass. — Alyssa tinha dito, com seus lábios tremendo.

O coração de Cass tinha quebrado ali mesmo. Ela tinha de alguma maneira controlado sua expressão, chegando a entrar no carro para abraçá-la mais uma vez. Perguntando-se se seria a última vez.

— Boas férias com sua mãe — ela disse, tentando manter os sufocados soluços fora de seu tom.

— Mas por que você não pode vir? E por que eu estou indo agora? — Alyssa exclamou.

— Você conhece sua mãe, sempre mudando os planos. — Cass disse com falsa alegria.

Alyssa assentiu e a porta foi fechada e Cass ficou ali na neblina e chuva, observando o carro afastando-se, até que ela estava encarando nada além de um trecho vazio de estrada.

Ela não tinha chorado. Ela tinha pulado sobre seu cavalo e cavalgado por todo campo, enjoada por dentro, tão enjoada que ela finalmente vomitou. E agora estava chovendo, e ela estava molhada e fria e exausta, enquanto Harry, seu cão de caça, estava quente e seco e deleitando-se com a mistura de farelo.

Ela sabia que ela devia se concentrar em seu trabalho, que o trabalho seria sua salvação, mas ela estava cheia de pânico e dor, e sentar-se em seu laptop era impossível agora.

E se isso não passar? E se Alyssa não voltar? Nunca?

O pânico tomou conta dela. Cass tentou desligar seus pensamentos. Nada de bom jamais resultou das famílias se envolvendo... ela entrou na biblioteca severamente, indo para uma janela enorme, olhando cegamente para fora no molhado campo cinza de Sussex. A noite caía. Ela nunca deveria ter deixado Alyssa ir. Ela poderia ter encontrado uma maneira de enganar Tracey. Isto não tinha nada a ver com Antonio de que La Barca entrando em suas vidas.

Ela odiava sua irmã. Deus, ela odiava.

E o ódio repentino chocou-a. Cass puxou os ombros para atrás, endureceu sua espinha, e tremendo com o frio que estava dentro de sua alma, e não apenas de seu corpo, ela atravessou o corredor até que viu uma das empregadas. Ela não odiava sua própria irmã.

— Alguma mensagem? Algum telefonema?

— Eu receio que não, Srta de Warenne.

Ela realmente não tinha expectativa ou esperança de um telefonema de Alyssa, mas o advogado não ligou, também. Cass estava aliviada. Ela estava tão aliviada que se sentiu fraca, e o mundo ao seu redor começou a borrar e empalidecer.

— Srta de Warenne?

Cass conseguiu olhar para a mulher idosa que ela conhecia desde que tinha onze anos de idade, uma gentil mulher local com filhos crescidos e netos adolescentes que se recusavam chamá-la de Cass ou mesmo Cassandra.

— Sim, Celia?

— Lady Catherine foi para cama. Eu receio que ela não esteja bem. Você esteve fora o dia todo, e eu tentei chamar o Dr. Stolman, mas ela não quis ouvir falar disto. Talvez você devesse ir verificá-la, já que ela me enxota toda vez que eu tento entrar em seu quarto.

O rosto rechonchudo da Celia estava enrugado pela idade e preocupação. Cass se sentiu drenada, ela não tinha nada para dar, e certamente nada para dar a sua tia. Ainda era muito difícil não a culpar por tudo isso. Mas ela balançou a cabeça.

— Ok.

— E, Srta de Warenne? Talvez você devesse tirar estas roupas molhadas e enlameadas. Não ajudará a Srta Alyssa se você duas vêm à baixo com pneumonia.

Cass examinou os olhos castanhos preocupados de Celia e começou a chorar. Silenciosamente.

— Ela vai voltar. — Celia disse, colocando sua palma nas costas de Cass. — Eu não tenho nenhuma dúvida.

Cass lutou contra as lágrimas e assentiu enquanto se afastava de Celia, enxugando os olhos com seu punho.

— Eu irei verificar minha tia. — Ela disse automaticamente. Se ao menos sua irmã não fosse tão imprudente. Mas ela era, ela sempre foi impossível de predizer, e pensamentos ilusórios não iriam mudar esse fato.

Cass fez uma pausa quando abriu a porta do quarto de sua tia. Todas as luzes estavam apagadas, exceto por uma luminária ao lado da cama, e sua tia deitada ali, imóvel. A tensão intensificada dentro de Cass. E com ela veio a preocupação.

Se sua tia estava dormindo, ela não queria acordá-la. Lentamente, tentando ser a mais silenciosa possível, ela entrou no quarto. E de repente a temperatura pareceu cair drasticamente dentro. Cass congelou.

O que estava acontecendo? Por que o quarto estava tão frio? Havia até um fogo crepitando na lareira. Intrigada, Cass aproximou-se da cama de dossel.

E quando o fez, mais e mais tensão parecia construir-se dentro dela.

Isto é apenas o começo... Nada de bom pode vir disso...

Cass sacudiu a mente livrando-se das palavras de sua tia. Catherine não estava deitada sossegadamente, ela estava virando e revirando sem descanso, provavelmente no meio de um sonho. De repente Cass fez uma pausa e se esforçou para ver tanto quanto ela vislumbrasse ao seu redor.

Mas o que ela estava procurando?

Ela não sabia; ela só sabia que algo parecia terrivelmente errado.

— O que está errado, — ela murmurou em voz alta, — é que minha tia está doente e este quarto não está nem morno. Isto vai causar sua morte.

Cass reajustou o termostato, que não parecia estar funcionando corretamente, então foi para o lado da cama de sua tia. Quando ela tocou em seu ombro suavemente, os cílios de Catherine tremularam e ela piscou para ela.

— Tracey?

Abruptamente Cass congelou, porque mesmo através da malha da camisola de sua tia, Cass podia sentir que ela estava com febre alta. Muito assustada, ela tocou o rosto de sua tia, sua pele estava queimando.

— Tracey. — Catherine sussurrou.

Cass não queria preocupá-la agora.

— Tracey está muito bem. — Ela ligou outra luz ao lado da cama, abrindo a gaveta no criado mudo. Ela encontrou a agenda de telefones de sua tia e rapidamente discou ao seu médico local, que ainda fazia atendimento domiciliar, quando necessário. Ela deixou uma mensagem com sua secretária, correu para o banheiro, localizando as aspirinas, e retornando ao lado da cama de sua tia.

— Onde está Tracey? — Catherine gemeu.

Cass estava perdida. E então ela decidiu mentir.

— Ela não partiu para a Espanha ainda, tia Catherine. — Cass disse, sentando-se ao lado dela. — Você tem que se sentar e tomar uma aspirina.

— Não. — Catherine disse fracamente. — Cassandra, eu vou morrer.

Cass gritou. Em seguida.

— Tia Catherine, não fale assim! — As lágrimas encheram seus olhos de repente. Se sua tia morresse, ela nunca iria se recuperar. Um pedaço de seu coração teria ido para sempre.

— Tarde demais. — Catherine sussurrou asperamente. — Ela está aqui.

Cass encarou, perguntando-se se sua tia estava delirando. Mas, em seguida, Catherine disse:

— Eu estou tão mal, Cassandra, tão mal. — As lágrimas deslizaram por suas bochechas.

Cass decidiu que levaria sua tia diretamente para a sala de emergência.

— Tia Catherine, você tem que se sentar — ela tentou, deslizando seu braço debaixo dela, segurando o pânico.

— Eu não posso — ela sussurrou. — Eu esperava vencer, mas eu não posso.

Cass estava imóvel. Catherine estava delirando, ela decidiu. Ela agarrou um copo de água, segurando sua tia em uma posição sentada.

— Vamos lá, tia Catherine, você pode fazer isto. — Ela mesma estava suando, ela percebeu, apesar de estar gelado no quarto.

— Cassandra, eu não lhe disse a verdade.

Cass congelou.

— Não completamente — ela acrescentou, seus olhos fechando.

— Agora não é o momento. — Muito determinadamente, Cass forçou dois comprimidos na boca de sua tia, em seguida pressionou um copo de água aos seus lábios. Ela foi recompensada quando Catherine finalmente engoliu. Cass a colocou de volta contra os travesseiros, brevemente imobilizada com o alívio. Mas seu alívio foi de curta duração.

— A verdade... — Catherine não deixaria ir. — Oh, Deus. — Ela lutou para se sentar novamente.

Cass não tinha outra escolha além de ajudá-la.

— Não me importa qual é a verdade — ela disse, intencionalmente. — Eu só quero você bem e esta família junta novamente.

Catherine balançou a cabeça, forçando seus olhos abertos.

— Isabel. Eu estou falando de Isabel.

— Isabel? — Cass exclamou, incrédula. Sua tia queria conversar sobre sua antepassada agora? A têmporas de Cass latejavam. Passou pela cabeça dela que as coisas tinham começado a piorar e piorar desde o maldito evento black-tie. Cass realmente não queria a compreensão, ela realmente não queria saber mais nada, mas ela tinha. Ela tinha que escutar. — O que? O que sobre Isabel?

— Ela voltou.

Cass encarou. Foi uma reação reflexiva e ela disse:

— Não existe essa coisa de fantasmas, se é isso que você quer dizer.

— Voltou, para vencer.

Cass estava, no que se referia a sua corada, febril tia, lembrando-se que qualquer coisa que ela dissesse era indubitavelmente sem sentido, quando Catherine olhou bem nos seus olhos.

— Ela está aqui. — Ela disse.

E os olhos dela mudaram. A luz desfocada desapareceu, e em seu lugar ardiam inteligência e assustadora intensidade. Cass pulou da cama.

E quando ela olhou de volta para sua tia, um instante depois, seus olhos estavam fechados, seu rosto estava calmo, e Cass sabia que não havia nenhuma maneira dela ter visto tal... o que? Como ela podia até mesmo descrever a expressão que ela pensou que tinha visto?

Se ela ousasse tentar, ela iria nomeá-la como selvagem.

Ou assassina.

Eu queria destruí-lo.

Cass encarou sua tia, que parecia estar dormindo pacificamente agora. Seu rosto tinha relaxado. O olhar de ódio, cheio de raiva tinha ido embora.

Se ele alguma vez tivesse estado presente.

Cass sentiu lágrimas formar em seus olhos. Ela estava exausta por si só. Ela imaginou aquele olhar indescritível. Ela devia se concentrar agora em obter cuidados médicos para sua tia, porque se qualquer coisa acontecesse com ela, dados os acontecimentos dos últimos dias, Cass sabia que nunca se perdoaria ou a sua irmã.

De repente ela se sentiu sobrecarregada. Ela afundou-se na cama ao lado de sua tia, agarrando sua mão. Alyssa tinha ido embora, Tracey tinha fisgado Antonio de La Barca, sua tia tinha setenta anos de idade e estava doente com pneumonia, se ela não estivesse errada, e Cass deveria fazer o que? Salvar a vida de sua tia e salvá-la de um constrangimento público no mínimo e acusação criminal no máximo? Brigar com Tracey com unhas e dentes para o retorno de Alyssa? Expulsar Antonio de La Barca de suas vidas? Enterrar um segredo que ela nunca pediu para conhecer em primeiro lugar?

Apenas como no inferno ela poderia conseguir tudo isso? Ela era uma única mulher, e imperfeita nisso.

O telefone tocou. Era o Dr. Stolman, e Cass rapidamente o atualizou. Ele a instruiu a medir a temperatura de sua tia, que ela fez. Estava em quase 39°. Ele disse que iria chamar uma ambulância e que iria encontrá-la no hospital.

Imediatamente Cass foi até a porta e chamou Celia. Enquanto a empregada estava recolhendo algumas coisas para sua tia, Cass retornou ao lado da Catherine, sentando-se e apertando-lhe a mão, muito assustada agora.

Os minutos passavam infindavelmente. Cass estava irracional pelo medo. Ela continuou dizendo a si mesma que tudo ficaria bem. Era um mantra, um que ela cantava silenciosamente, uma e outra vez, um que ela realmente não acreditava.

Se ao menos elas pudessem voltar no tempo de maneira que pudessem rebobinar a fita, ela pensou. Se ao menos elas pudessem começar de novo...

— Tudo está pronto, Srta de Warenne. Por que você não vai recolher algumas roupas limpas para si mesma?

Cass mal ouviu Celia. Mas ela disse:

— Eu vou ficar aqui. Onde estão eles? — E então, por falta de qualquer outra coisa para fazer, ela fechou a tampa do frasco de aspirina e repôs a agenda telefônica que ela tinha usado na gaveta do criado mudo, onde ele pertencia. E quando fez isso, ela notou o livro azul de couro dentro.

Cass hesitou, porque o livro era velho e costurado a mão, a capa de couro desgastada e desbotada. Não havia nenhum título na capa.

Ela não se conteve. Ela o pegou, abriu-o e ficou paralisada.

Era obviamente um diário. E a primeira entrada era datada de 1964. Cass mal podia respirar. Porque ela reconheceu a caligrafia como sendo de sua tia.

As palavras de Catherine assombravam sua mente. Eu deliberadamente o atraí para frente do carro. Eu queria destruí-lo.

Cass tremeu. Ela de repente, sem discussão, folheou até a última entrada, 15 de julho de 1966.

E nomes saltavam fora das páginas para ela.

Casa de Sueños.

Pedraza.

Eduardo de La Barca.

Isabel de Warenne.

Cass fechou ruidosamente o diário, empurrou-o de volta na gaveta, e pulou para fora da cama. Um momento depois os paramédicos estavam tocando na porta da frente.


— Eu pergunto-me por que Antonio não nos encontrou no aeroporto. — Alyssa questionou, de pé ao lado de sua mãe nas sombras do corredor de um edifício de apartamentos da virada do século.

Tracey estava esgotada. O voo tinha sido adiado por duas horas, tempo que ela e Alyssa tinham passado no salão VIP, com pouco a fazer além de bate-papo. O problema era que Tracey realmente não conhecia sua própria filha, e todos os assuntos que interessavam Alyssa eram estranhos para ela, até mesmo os amigos dela. Quanto mais tempo passava com Alyssa, mais inapta Tracey se sentia. Quanto mais tempo passavam juntas, mais Tracey continuava a se comparar com sua irmã perfeita. Cass estaria apreciando o atraso. Ela seria todos sorrisos, toda bom humor. Tracey tinha começado a se arrepender de trazer Alyssa com ela para Madri. E se Antonio visse o quão incompetente ela era como mãe? Ela queria impressioná-lo, e agora ela estava preocupada que o contrário seria o caso.

Mas não houve nenhuma escolha. Sua tia e sua irmã haviam tornado esta viagem inevitável.

Tracey sentiu toda a mágoa e raiva brotando dela quando pensou sobre como Cass e Catherine tinham tomado lados, mais uma vez, contra ela. E para piorar as coisas, talvez ela deveria ter esperado alguns dias antes de viajar. Ela estava exausta; ela não se sentia bem. Sentia-se fraca e trêmula.

— Mãe? Você está bem?

A voz da sua filha empurrou-a de volta ao presente, e Tracey teve que tomar um par de profundas, suaves respirações.

— Sim. — Ela sorriu para Alyssa, mas era forçado. — Na verdade, ele não está realmente nos esperando. Nós estamos surpreendendo-o.

Alyssa quase ficou pasma com sua mãe.

E Tracey estava com raiva, porque existia uma censura na reação de sua filha para ela, também.

— Ele ficará encantado ao nos ver — ela assegurou a si mesma tanto quanto a Alyssa. Ele ficará encantado, não é?

Alyssa corou e olhou para baixo.

Se Tracey não soubesse melhor, ela pensaria que sua filha de sete anos de idade achava que era incorreto aparecer sem convite. Cass já tinha incutido tais valores nela? Tracey bateu novamente, seu estômago perturbado com a tensão, suando agora em sua saia de verão e na fina regata de caxemira. Deus, a Espanha era tão quente. Entretanto, ela já sabia disso.

Ela olhou para o seu relógio. Antonio deveria estar em casa. As aulas tinham acabado há mais de uma semana agora, e conhecendo-o, embora ele estivesse submerso na pesquisa de algum tipo ou outro, a esta hora ele estaria tendo um almoço tardio com seu filho.

Ela nunca tinha visto um pai tão dedicado antes. De certa forma, ele era como Cass.

Passou pela mente dela que eles mereciam um ao outro. Tracey não gostava desse pensamento, nem um pouco. Ela lembrou-se que Cass dificilmente era o tipo dele. Não houve resposta, e depois que alguns minutos se passaram, Tracey começou a perceber que ninguém estava em casa. Ela sentiu seu temperamento subindo:

— Ótimo — ela murmurou. — Agora o que eu vou fazer? Sentar no chão e esperar?

— Mãe?

Por um momento, Tracey tinha esquecido que Alyssa estava de pé ao lado dela.

— O que é?

Alyssa corou.

— Eu preciso usar o banheiro.

— Oh, ótimo! — Tracey exclamou.

Agora ela estava lamentando o fato de que Antonio nunca tinha lhe dado uma chave do seu apartamento. Deus sabia que ele deveria ter dado. Ela certamente passou tempo suficiente lá. E as memórias que a inundaram, naquele momento, eram todos de sua tórrida vida amorosa. Ela começou a relaxar. Sua confiança vacilante começou a retornar. Antonio era um homem. Um homem muito apaixonado. Ela podia controlá-lo, claro que ela podia.

O elevador zumbiu atrás dela, e Tracey virou-se, esperando que fosse Antonio. Mas sua vizinha, uma mulher de meia-idade, saiu do elevador em vez disso.

— Señora, buenos días — disse ela, olhando com curiosamente para Alyssa.

— Oi. — Tracey disse. Em seguida: — Você viu o Señor de La Barca hoje? Você sabe se ele está em seu escritório na universidade?

Seus olhos se arregalaram um pouco.

— Señora, meu inglês não é bom. Señor no está en la universidad. Está en Castilla.

Tracey não falava espanhol, mas ela pegou a essência.

— Ele está em Castilha? No norte? Em sua casa de campo, Casa de Sueños? — Ela exclamou, distraída e incrédula.

— Sí. Señor fue a Castilla.

— O que?

— Ahh, foi... ayer. Ayer.

Ontem. Antonio foi para o campo ontem. Tracey apenas olhava, incapaz de acreditar em sua sorte condenável.

Alyssa puxou sua mão.

Tracey quase retrucou:

— Não agora, — mas a mulher mais velha estava sorrindo gentilmente para ambas. Ela inalou. Sua casa de campo era uma hora ao norte de Segovia. Ele mostrou-lhe uma vez em um mapa. Qual era o nome daquela pequena cidade que estava além? Droga! Pedamo, Pedaso, não, Pedraza. Tracey estava certa que era isto.

— Minha filha pode usar seu banheiro, por favor? El servicio? Por favor?

Um instante depois Alyssa estava entrando no apartamento da mulher, enquanto Tracey estava fazendo planos.


Na manhã seguinte, Cass se sentou na escrivaninha em que trabalhava na biblioteca. Estava coberta com livros, muitos dos quais estavam abertos. Ela estava fazendo anotações, mas ela não conseguia se concentrar.

A esta altura, Tracey e Alyssa deveriam estar em Madri a várias horas. Cass tinha contatado Mark Hopkins mais cedo, com grande apreensão. Ele tinha sido extremamente taciturno, mas pelo menos ele admitiu que mãe e filha voaram ao exterior na noite anterior. Ele não levantou o tema de uma batalha de custódia, mas ele disse que entraria em contato.

Cass empurrou a biografia de Mary Tudor de lado, ciente de uma dor de cabeça contínua apenas atrás de suas têmporas. Quando o fez, a fotografia que ela havia escondido na parte de trás do livro começou a escorregar para fora.

Cass pegou a impressão do colar de rubi de Século XVI, olhando fixamente para ele sem realmente vê-lo. Ela devia estar aliviada que Hopkins não havia ligado e não levantou o tema que ela temia? Ela devia se atrever a esperar que Tracey estivesse blefando quando disse que o advogado dela entraria em contato? Tracey na realidade não tinha especificado exatamente por que seu advogado estaria chamando, mas então, a quem Cass estava enganando? Elas tinham brigado por Alyssa. E o que dizer de sua tia, que permanecia doente com uma infecção bacteriana? Catherine estava tomando antibióticos, mas a febre permanecia elevada, quase 38°. Para uma mulher de setenta, isso era sério. E se sua tia morresse?

Cass estava repleta de preocupação, pânico, remorso e culpa. Ela lamentou os argumentos delas. Ela ainda não entendia como tanta impetuosidade floresceu entre elas, quando elas unicamente compartilhavam calor e camaradagem até então.

E Cass continuava a ouvir Catherine em seu delírio. Pelo menos ela não estivera delirante novamente.

Cass encontrou-se olhando fixamente a fotografia que segurava em suas mãos. Isso tudo começou, não é, quando Antonio de La Barca apareceu em sua casa? Ou começou décadas atrás, quando o pai dele tinha sido morto, acidentalmente ou não, por um automóvel em algum vilarejo chamado Pedraza?

Ou começou séculos atrás?

Cass estava consternada por seu último pensamento.

Nada de bom jamais resultou das famílias se envolvendo... você está começando a entender...

As palavras de sua tia ecoavam perturbadoramente em sua mente. A dor de cabeça de Cass aumentava. Séculos atrás, um de seus antepassados tinha sido, aparentemente, queimada até a morte na fogueira. Uma mulher importante, a filha do conde de Sussex, uma nobre casada com um nobre espanhol. Cass tinha feito um pouco de pesquisa. Os herdeiros de La Barca eram os condes de Pedraza. Vários hereges tinham sido queimados na fogueira no final do reinado de Mary. Mas a maioria das pessoas que sofreram tal morte foram protestantes fanáticos. Isabel tinha sido uma fanática religiosa? Entretanto como ela casou-se com um espanhol, que obviamente seria devotamente católico?

De repente Cass podia pressentir uma mulher encantadora no vestido do período Tudor, em correntes e algemas. Ela estava acostumada à sua imaginação levá-la, na verdade, ela esperava, por isso seu voo de fantasia dificilmente a surpreendeu. Mas sua repentina compaixão fez. Pobre Isabel. Se ela realmente encontrou um destino tão trágico.

De repente Cass se perguntou se Antonio estava incitando vários museus, na esperança de fazer um museu comprar confidencialmente o colar de rubi. Ela estudou isto extremamente agora, perguntando-se se Isabel usou-o, e se Isabel era realmente seu antepassado, o que significaria que sua família estava realmente conectada com os de La Barcas. E se Isabel tivera filhos? Então a família de Antonio eram parentes muito distantes dela. Cass levantou-se abruptamente, completamente perturbada, deixando de lado o colar.

Tracey e Antonio, Catherine e Eduardo. Então ela pensou em sua própria reação a Antonio.

Isso não faz sentido, ela decidiu com raiva. Mesmo ela sendo uma romântica e o tipo de mulher que acredita em destino, não havia nenhum destino aqui. Catherine poderia pensar assim, mas era tudo terrível coincidência.

Cass cruzou seus braços. Inquieta ela olhou fixamente a fotografia. O problema era que ela acreditava em destino e sina. Ela sempre tinha, e foi um tema em seus romances, um que ela repetiu uma e outra vez. Haviam algumas coincidências demais aqui presentes?

Catherine dissera que Isabel morrera em 1555, o último ano do reinado da Rainha Mary. Como no inferno sua tia sabia, ou até mesmo lembrava, isto?

A última entrada no diário da sua tia tinha mencionado Isabel. Cass estremeceu. Ela estava tão fria, e era uma frieza que começou em seus próprios ossos.

Cass subitamente olhou ao redor da biblioteca onde ela habitualmente trabalhava, um cômodo que ela amava. As paredes eram pintadas numa cor de musgo com um acabamento acetinado, o teto era rosa com uma estrela de ouro no centro, o madeiramento e lambris eram todos dourados, e cada peça de mobiliário no cômodo tinha seu próprio passado precioso. O passado. Era uma parte do presente, uma parte de todas as suas vidas; sempre tinha sido assim.

Mas ele nunca se sentira mais presente, ou mais forte, ou mais iminente, ou ainda mais urgente, do que agora.

— Srta de Warenne?

Cass estava tão absorta em seu próprio alvoroço mental que pulou ao som da voz de Celia.

— Você me assustou. — Seu coração estava trovejando.

— Perdão. A febre de Lady Belford rompeu. Ela está acordada, e ela chamou por você.

— Graças a Deus. — Cass exclamou, dominada pelo alívio. Só levaria meia hora para chegar ao hospital. Graças a Deus!

— E você tem uma ligação telefônica. — Celia acrescentou.

Cass nem sequer ouviu o telefone tocar.

— Você poderia por favor anotar a mensagem.

Celia a olhou no olho.

— É a Sra. Tennant.

Cass congelou. E então ela saltou para frente, correndo para o telefone. Ela estava ofegante quando o pegou, e podia ouvir o batimento ensurdecedor de seu próprio coração.

— Trace? — Ela exclamou ansiosamente.

— Oi, mana. — Tracey disse com um pouco de hesitação.

Alívio tomou conta de Cass repentinamente. Catherine estava se recuperando, sua irmã havia ligado.

— Obrigada por ligar. Tracey, eu sinto muito sobre nossa briga. Como está Alyssa? Ela está bem?

— Alyssa está bem. — Houve uma pausa. — Você realmente sente muito?

— Sim, eu sinto. — Cass disse rapidamente. — Eu faria qualquer coisa para fazer as pazes com você! — E falava sério.

— Eu sinto muito, também. — Tracey disse, e seu tom de voz ficou rouco. — Eu não quis dizer todas aquelas coisas terríveis que eu disse.

— Nem eu. — Cass exclamou, segurando o telefone com tanta força que lhe doía a mão.

— Nós fomos retidas. — Tracey disse. — Cass, nós precisamos de ajuda.

Cass estava imediatamente alarmada.

— Retidas?! Onde vocês estão?

— No Ritz, em Madri. Cass, eu preciso da sua ajuda.

Cass finalmente absorveu a declaração dramática de Tracey. Estar presa no Ritz dificilmente era um sofrimento, mas ela disse rapidamente:

— Como posso ajudar?

— Antonio foi até Castilha. Eu não consigo um maldito motorista em tão pouco tempo, você pode acreditar nisto? A casa de campo de Tonio está umas boas três horas daqui. Eu tenho uma ótima ideia. Por que você não toma o próximo voo para Madri, que é às oito da noite, e vamos todas juntas logo pela manhã?

Cass encarou cegamente o telefone.

— O que?

— Tem um Air Ibéria às oito. Saindo de Gatwick. É só meio-dia. Se você ir pela dois, você pode fazê-lo. Eu preciso de você para dirigir, Cass. Caso contrário nós temos que esperar até segunda-feira para conseguir um motorista. E você pode passar o fim de semana conosco. Isso é o que você queria primeiramente, não é?

Cass não teve que pensar sobre isso.

— Claro que eu irei — ela exclamou ansiosamente. — Você reserva esse voo enquanto eu faço a mala! Eu conseguirei esse das oito da noite, Trace, eu juro.

— Cass, eu já reservei o voo para você, e seu retorno também.

Por um segundo Cass digeriu as implicações da declaração de Tracey, especialmente a de seu retorno sendo finalizado após o fim de semana. E então ela empurrou esses pensamentos, e o descontentamento que eles trariam, afastando à parte.

— Posso falar com Alyssa? — Cass perguntou ansiosamente. Isso estava passando. Elas não estavam mais brigando, ainda que coisas não fossem perfeitas. Ela iria se juntar a sua irmã e Alyssa na Espanha, mesmo que apenas por um curto período de tempo. Ela conseguiria reforçar a trégua delas, e ter certeza que Alyssa voltaria para casa quando o verão acabasse. E Antonio de La Barca, que a convidou para ver o retrato de Isabel, estaria lá também.

Cass de repente afundou-se na cadeira. A febre da tia Catherine rompera. Tudo ir ficar bem. Ela percebeu que estava tremendo. Isso tudo tinha sido muito barulho por nada.

— Alyssa está cochilando. — Tracey disse. — Eu terei alguém para apanhá-la amanhã. Ligue-me quando você tiver feito o check-in no aeroporto.

Cass concordou, e as irmãs desligaram. Então ela apenas ficou lá, agradecendo aos céus por esta virada do destino e recusando-se a pensar sobre o segredo de Catherine. Graças a Deus Tracey odiava dirigir, e se negava a ficar atrás do volante de um carro.

Depois Cass pensou em sua tia, que estava acordada e pedindo para vê-la. Após instruir Celia a arrumar uma mala para ela, Cass pulou em seu BMW. Ela chegou ao hospital em exatamente vinte e três minutos; o trânsito tinha sido leve.

As luzes estavam ligadas no quarto privado de sua tia, assim como a televisão. O volume estava baixo. Sua tia estava apoiada em travesseiros na cama, mas seus olhos estavam fechados. Cass não sabia se ela estava descansando ou se ela tinha adormecido novamente. O mais silenciosamente possível, ela fechou a porta e se aproximou.

Ela tocou sua testa, que estava fresca. Mais alívio surgiu dentro dela e ela afundou ao lado de sua tia na cama. Ela amava tanto Catherine, e ela não teria sido capaz de suportar se alguma coisa acontecesse com ela. Cass não podia enfrentar seus pensamentos mais profundos. Catherine ficou doente pela tensão do tumulto e conflito em que sua família mergulhou. Porque Cass foi batalhar, em vez de ser a pacificadora.

Nunca mais, Cass prometeu.

— Cassandra? — Catherine sussurrou.

— Estou aqui. E você estava doente, tia Catherine, mas sua febre baixou agora, e você vai ficar bem. — Cass sorriu para ela.

Catherine sorriu ligeiramente de volta.

— E Alyssa está bem. Tracey ligou. Ambas estão muito bem e nós fizemos as pazes. Tudo vai ficar bem.

Os olhos de sua tia abriram e ela olhou para Cass.

— Nada está bem.

Cass ficou assustada e em seguida desanimada.

— O quê?

Catherine apertou seus olhos fechados. Uma lágrima deslizou livre de qualquer maneira.

Cass não queria afligir sua tia agora.

— Tudo está bem — ela disse muito alegremente. — De fato, eu estou a caminho da Espanha para me juntar a Tracey e Alyssa. Vê? As coisas não poderiam ser melhores.

As pálpebras de Catherine abriram.

— Não vá!

Cass paralisou, muito perturbada.

— Eu tenho que ir, porque eu preciso cuidar de Alyssa e ter certeza que ela volte para casa.

Catherine balançou sua cabeça fracamente.

— Essa é sua intenção? As férias com elas em Castilha?

Cass estava séria, sua tia tinha adivinhado as intenções dela.

— Sim. Vamos conversar sobre assuntos mais felizes, tia Catherine. Eu aposto que você poderá voltar para casa amanhã.

Mas Catherine não seria dissuadida.

— Eu estou com muito medo por você, por Alyssa, por Tracey. — Ela disse. Ela alcançou e agarrou a mão de Cass. — Custe o que custar, não vá à Castilha. Não deixe Tracey e Alyssa irem. Só vá para a Espanha e traga elas para casa. Prometa-me.

Cass inalou.

— Eu faria se pudesse, mas você conhece minha irmã, tia Catherine. Ela está apaixonada e determinada a encontrar seu namorado. Eu não posso impedi-la.

— Mas você tem! Você não tem ideia, Cass, nenhuma ideia do que acontecerá se você for, ou ela for, lá.

Cass estava desconfortável, mas ela sorriu.

— Você tem certeza. Tia Catherine, o que você está tentando dizer? O que você acha que acontecerá se nós formos para Castilha? Olhe, talvez tenha havido algumas tragédias quando os de La Barcas e os de Warennes estiveram envolvidos, mas foi apenas coincidência. Eu estou certa disso.

— Você está errada. — Catherine disse categoricamente. — E eu sei que você sabe, em seu coração, a verdade. Porque eu sei quem você é, Cassandra. Você é uma romântica e uma fatalista. Eu li cada um de seus livros! Eu sei como sua mente funciona. E eu conheço o seu coração.

A inquietação de Cass aumentou. Ela não podia responder. Porque se ela ousasse parar as negações, sua tia estava certa. Catherine tinha agarrado a mão dela.

— Estava tudo bem entre eu e Eduardo até que nós chegamos a Casa de Sueños. Tudo estava muito bem então.

— O que você quer dizer? — Cass perguntou cautelosamente.

— Nós não éramos nem amantes antes disso. — Catherine disse. — Nós éramos amigos e associados, nós respeitávamos um ao outro, nós amávamos nossos respectivos cônjuges! Eu me juntei a ele lá para pesquisar a vida dela! Nós estávamos tão encantados com nossa busca da antepassada que parecíamos compartilhar. Mas em poucos dias, nós passamos de ser amantes para detestar um ao outro, para tentar ferir um ao outro. Nós nos tornamos selvagens, e então ele estava morto.

De repente Cass compreendeu. Sua tia nunca se recuperou do trauma da morte de Eduardo, que era por isso que ela não podia ser racional sobre a família de La Barca. Como ela estava aliviada. Claro, sua tia precisava de terapia. Cass tinha a intenção de certificar-se que ela conseguisse isso.

— Eu farei meu melhor para conseguir que todos voltem para casa — ela disse, para apaziguar sua tia. Mas era uma pequena mentira inocente.

Ela estava indo para a Espanha, e ela tinha toda a intenção de ir à casa ancestral de Antonio em Castilha. Na verdade, agora que a crise mais recente tinha passado, ela estava ciente de quão animada ela estava, animada e impaciente. Cass percebeu que estava sorrindo. A historiadora nela não podia ser mantida à distância.

E quanto a mulher nela, bem, Antonio não estava disponível, ele estava fora de seu alcance, e a mulher nela teria que ser ignorada.

Mas Catherine estava encarando. —

Eu não posso acreditar que você iria mesmo tentar me enganar — ela disse calmamente. — Oh, Deus. Você irá, e nada que eu diga ou faça vai pará-la.

Sem saber o que fazer, já sem sorrir, Cass disse:

— Por favor não se preocupe. Tudo ficará bem.

— Não. Nada jamais ficará bem novamente.

 

 


PARTE DOIS

 

A Convocação

 

 

 

 

Capítulo Seis

Castilha – O primeiro dia

— Nós estamos perdidas? — Alyssa perguntou.

Cass tentou sorrir no espelho retrovisor. Mas não havia outro carro na estrada, e a última aldeia que haviam passado tinha sido um amontoado de edifícios antigos de pedra, nenhum com janelas de vidro, posicionada no meio do desolado terreno acidentado pelo qual elas estavam cruzando. Cass não tinha visto uma placa ostentando ASAR AL HORNO, ela teria pensado que o lugar era uma cidade fantasma. Como estava, a aldeia maldita não estava nem no mapa.

E agora ela entendia a frase la tierra muerta. A terra morta.

Na última hora, elas dirigiram através do terreno áspero, estéril, rochoso que claramente não podia apoiar a agricultura ou praticamente qualquer outra coisa. Mas nem instantes antes disso, a terra tinha sido plana, fértil, com campos verdes, enquanto a cidade medieval cercada de Pedraza estava situada entre as belas colinas.

Pedraza. Tinha sido tão singular. Cass achou difícil de acreditar que Eduardo tinha morrido tão tragicamente lá, vítima de um acidente de carro. E tinha sido um acidente. Não importa o que Catherine reivindicou, agora que Cass teve algum tempo para refletir, algum tempo para relaxar, pondo uma distância entre elas, ela estava convencida que sua tia estava se culpando por algo que não era culpa dela. Porque ela permaneceu traumatizada, e talvez não só pelo acidente. Talvez ela nunca se recuperou da culpa pelo caso.

— Eu pensei que aquela velha mulher em Pedraza disse que o castelo estava à direita da estrada. — Tracey disse com aborrecimento.

Cass estava séria, e contente com a interrupção de seus pensamentos.

— Isso foi o que eu pensei. Mas nenhuma de nós fala espanhol, então talvez nos confundimos. Talvez devêssemos ter ido para a direita na última interseção fora de Pedraza.

— Eu acho que não. — Tracey respondeu, seu tom conciso.

Cass abruptamente parou o carro, olhando pelo para-brisa, apesar dos óculos de sol que ela usava.

— Posso ver aquele mapa?

Tracey o entregou a ela, não que Cass sentiu que faria algum bem. Inacreditavelmente, Tracey não tinha nenhuma direção, um endereço, nem o número de telefone da casa dos de La Barca. Mas a casa não estava longe de Pedraza, ela insistiu, e os aldeãos lá entusiasticamente movimentaram a cabeça, apontando o caminho, com a menção do de La Barca e a Casa de Sueños.

Casa de Sueños. Cass sabia espanhol o suficiente para saber que a casa de Antonio era chamada Casa dos Sonhos. Não era apenas um nome incomum; Cass achou incrivelmente, ainda um pouco estranhamente, romântico.

Tracey já estava saindo do carro para acender um cigarro. Estava terrivelmente quente fora, mas em seu top descobrindo o umbigo e mini saia branca, ela parecia incrivelmente fresca. Cass olhou-a, não se importaria com um pouco de ajuda com o mapa, mas Tracey evitou seus olhos. Tinha sido assim desde sua chegada ao hotel no meio da noite.

A tensão entre elas permanecia, e era inevitável. Tanto para sua trégua.

Tristemente Cass tentou localizar onde elas estavam no mapa. Lá fora, Tracey continuou a baforada em seu cigarro, com irritação óbvia e até mesmo impaciência. Cass sentiu queimar seu próprio temperamento, porque se isto era culpa de alguém, era da sua irmã.

Alyssa se inclinou sobre o banco traseiro.

— Mesmo se estivermos perdidas, isto é uma aventura, não é? E nós estamos todas juntas agora. — Ela sorriu, ao mesmo tempo preocupada e aliviada.

Cass se virou para ela e não pode resistir a abraçá-la com força.

— É uma aventura — ela disse alegremente. — E eu aposto que aquele castelo está logo na esquina.

Tracey lançou seu cigarro de lado.

Cass levantou a cabeça e viu sua irmã avaliando ela e Alyssa muito atentamente. Mais tensão cresceu em Cass. Ela liberou sua sobrinha.

— Não está marcado no mapa — ela disse.

— Ei oh. — Alyssa disse, apontando pela janela lateral. — O que é isto?

Cass se virou para olhar na direção que ela estava apontando, apertando os olhos.

— O que é que você vê, querida? — Ela perguntou.

— Uma construção. Aposto que é o castelo onde nós deveríamos virar. — Alyssa exclamou animadamente.

Cass não conseguia ver nada, mas ela fervorosamente esperava que fosse.

— Vamos ver — ela disse com um sorriso.

Tracey voltou ao carro depois de esmigalhar o cigarro. Cass mudou a marcha, enquanto Tracey tentou achar uma estação de rádio com a recepção decente, e falhou.

— Cristo, eu pensei que se tornaria mais frio quanto mais ao norte fossemos. Bem estúpido da minha parte.

Cass não respondeu visto que Alyssa gritou:

— Lá, lá, eu te disse!

Cass finalmente viu o castelo de pedra.

— Graças a Deus — ela disse, acelerando. As duas torres redondas e paredes apodrecendo eram exatamente do mesmo tom que o terreno circundante, e empoeirado como estava em uma ribanceira mais elevada, e em contraluz ao alto sol da tarde, ela podia ter passado direito por ele sem nunca perceber. — Você tem olhos de águia — ela disse a Alyssa, que estava radiante de orgulho.

— Finalmente! — Tracey disse animadamente. — Vire à esquerda, Cass. Nós viramos à esquerda nas ruínas do castelo.

Cass obedeceu. Quando passaram o castelo em um ritmo mais tranquilo, a última coisa que precisavam agora era um pneu furado, pois a estrada de terra estava esburacada e cheia de pedras, ela esticou o pescoço para ver melhor.

— Eu tenho que datar isto. — Ela disse, mais para ela mesma que para alguém. — Podia ser do século XIV.

— Esqueça o castelo, Cass. Aí está, eu vejo a casa. — Tracey exclamou, alívio em seu tom.

Cass redirecionou seu olhar e viu, erguendo-se do nada, altos muros de pedra e portões de ferro. Não muito longe dos portões, ela podia ver uma extensa casa de pedra, de dois andares com um telhado de telhas, numa das extremidades uma torre quadrada, com três outras construções menores ao lado. Algumas árvores altas enfeitavam a casa, e flores silvestres pareciam estar florescendo no enorme jardim gramado. O terreno que se estendia distante da casa era principalmente plano e estéril, mas ao longe ela podia distinguir os contornos sombrios dos picos das montanhas distantes.

Cass parou o carro na frente dos portões, que estavam fechados. Ela pulou para fora, enquanto Tracey esperou no carro, e não viu nenhum sinal de qualquer campainha ou interfone; pior, a propriedade parecia deserta. Cass estava confusa quando ela olhou ao redor, desejando ver ou um carro estacionado fora da casa ou algum sinal de atividade humana.

— O que há? — Tracey chamou do carro, abrindo sua janela.

Cass hesitou, os portões não pareciam estar trancados.

— Eu espero que nós estejamos no lugar certo — ela disse. E exatamente quando ela estava para empurrá-los para abri-los, ela ouviu um veículo se aproximar.

Cass virou-se, assistindo quando um modelo mais antigo de jipe correu até a estrada do sentido em que ela tinha vindo. O veículo coberto de poeira não tinha topo, apenas uma barra cilíndrica, e Cass teve uma visão perfeita do motorista. Imediatamente sua boca ficou seca, e a saudação que ela secretamente ensaiou escapou da sua mente.

O jipe parou ao lado do Renault. Antonio estava usando óculos de sol escuros, mas seu olhar era claramente dirigido a ela. Cass tentou relaxar, decidiu que era impossível, colou um sorriso em seu rosto, e caminhou em direção a ele quando ele saiu do jipe. Ela estava prestes a oferecer uma saudação muito casual, quando Tracey saltou do Renault com um grito, atirando-se sobre ele. Cass parou em sua trajetória.

Ela observou o abraço deles, em seguida, rapidamente se virou. Ela já sabia que este fim de semana não ia ser fácil. Não até onde sua irmã e Antonio estavam em causa. Mas ela se recusara a pensar nisso. Agora ela sentiu a tensão aumentar dentro dela. Maldição.

— Surpresa! — Tracey exclamou alegremente.

Ele tirou os óculos de sol, e Cass virou bem a tempo de ver o choque no rosto dele. Ele não estava esperado por elas. A absoluta mortificação a encheu.

— O que em nome de Deus deu em você para vir aqui? — Ele perguntou, seu olhar agora para o carro e seu único ocupante restante.

— Esta não é uma surpresa maravilhosa? — Tracey disse depressa, ainda sorrindo amplamente e pressionando-se contra ele.

Cass queria estrangular sua irmã até que ela ganhasse algum bom senso. Como ela pôde fazer isso? Ela não teve tempo de pensar nas coisas, porém, pois Antonio tinha virado em direção a ela.

— Cassandra. — Ele sorriu, mas brevemente. — Perdoe-me. Perdoe minha falta de maneiras. Eu não estou acostumado a surpresas como esta.

— Eu não fazia ideia. — Cass disse, permanecendo mortificada.

Ele olhou-a diretamente novamente. Cass sabia que suas bochechas estavam aquecendo. Como Tracey poderia ter essa coragem mesmo ele sendo seu amante?

— Querido, a vida nem sempre pode ser planejada. — Tracey disse, mas seu sorriso era vacilante, como se ela tivesse perdido um pouco de sua autoconfiança. Seus olhos azuis estavam arregalados, a imagem de inocência levemente ferida. — Você me disse que adoraria que Alyssa o visitasse, e olhe, ela está aqui. Nós passamos horas e horas tentando encontrar este lugar! Você está no meio do nada! Estamos tão acaloradas, cansadas, sujas e sedentas!

— Se tivéssemos planejado essas férias, eu podia ter-lhes dado instruções — ele disse ironicamente. — E quanto ao leilão? Você deve ter uma quantidade enorme de afazeres.

Cass perguntou-se como Tracey explicaria isto.

— A tensão estava se fazendo impossível para eu comer e dormir. — Tracey disse depressa, sorrindo. — Meu médico me aconselhou a deixar outra pessoa lidar com o leilão.

Cass percebeu que estava com a boca aberta e fechou-a.

Então para Alyssa, Antonio disse:

— Buenas tardes, señorita. Lamento que eu não estava preparado para recebe-la mais corretamente. Venha. Vamos aquí.

Alyssa estava saindo do carro, e pelo seu rubor, Cass saiba que ela se sentia estranha e desconfortável, também.

— Eu espero que nós não estejamos nos impondo.

— Você nunca podia impor-se, querida. — Antonio respondeu com outro sorriso, este mais genuíno. Cass viu que ele estava recuperando sua compostura.

Alyssa sorriu novamente.

— Esta serão as melhores férias, eu prometo a todos. — Tracey disse intencionalmente. Ela falou com Antonio e Alyssa, claramente excluindo Cass.

— Eu vou abrir os portões. Será apenas um momento. — Antonio disse.

Cass observou-o se afastar e abrir os portões. Ele estava vestindo uma camisa polo azul desbotada, na garganta do que ela vira de relance alguma coisa dourada, shorts cáqui, meias grossas, e botas de caminhada bem gastas. Ele poderia vir de uma antiga e nobre família castelhana, mas ele não parecia um sangue azul agora. Na verdade, ele não parecia um professor de história medieval, tampouco. Um transeunte poderia supor que ele era o capataz de alguma fazenda ou bodega, ela decidiu, ou até mesmo um guia de montanha.

Todas subiram novamente no Renault. Enquanto Cass dirigia devagar depois do jipe, ela não se conteve e disse:

— Como você pôde?

Tracey a enfrentou.

— Você não perde a oportunidade de implicar comigo!

Cass segurou o volante com força. Ela forçou para baixo a réplica que ela tanto queria fazer e permaneceu em silêncio.

— Além disso, ele é meu namorado e eu sei exatamente o que eu estou fazendo. — Tracey disse, uma borda áspera em seu tom.

Cass lançou-lhe um olhar. Ela estava séria. Não havia razão para discutir; a façanha estava feita.

— Você está certa. Você o conhece muito melhor que eu — ela disse.

Mas ela realmente não acreditou nisto. Antonio de La Barca não era um homem simples. Cass estava bastante certa de que haviam muitas camadas lá e que sua irmã não tinha a menor ideia.

Cass estacionou ao lado do jipe na sombra de várias árvores, na frente da casa. Uma dor de cabeça havia surgido do nada. Seu anfitrião estava esperando por elas, e ele permaneceu em silêncio enquanto levou-as para dentro. Cass evitou seus olhos, desejando poder agir mais naturalmente ao redor dele. Enquanto Tracey começou oohs e aahs8 sobre quão adorável a casa era, o quão pitoresca e tão espanhola, Cass fez uma pausa, perguntando-se imediatamente onde o retrato da Isabel estava.

Nada jamais ficará bem novamente.

Cass recusou-se a ouvir os disparates da sua tia. Ela começou a tremer. Estava escuro com sombras no interior, e abençoadamente fresco. Ela se abraçou, permitindo que seus olhos se ajustassem do clarão ofuscante do sol para a escuridão da casa. Levou um momento, enquanto Alyssa deslizou a mão na dobra de seu braço. Então ela se aproximou de Cass.

— Tia Cass? — Alyssa sussurrou, parecendo nervosa.

Cass deslizou seu braço ao redor ela, enquanto ela percebia o quão decadente a propriedade estava. Eles estavam em um amplo salão de chão de pedra, com tetos extremamente altos, em sua maioria destituída de móveis, os ladrilhos sob os pés lascados e quebrados, as paredes de estuque grosseiras, gastos, manchados pelo tempo, e descamando. Cass olhou para uma dúzia de espadas penduradas nas paredes, juntamente com um escudo contendo um brasão. Havia também uma tapeçaria do tamanho da parede que descrevia uma cena pastoral que estava desbotada e rasgada, mas extraordinária, no entanto.

Sua pulsação estava batendo acelerado agora. Mas não exatamente com entusiasmo. Ela adorava história em qualquer aspecto ou forma, mas estranhamente, ela estava cheia de ansiedade.

Cass fez uma careta. Claro que ela estava ansiosa. Sua tia tinha feito um número com ela, aparentemente. E ela e a irmã estavam em desacordo, e as apostas eram tão terrivelmente altas. As apostas eram Alyssa, e talvez até mesmo Antonio de La Barca.

Cass congelou, incapaz de acreditar em seu último pensamento.

As apostas eram Antonio de La Barca.

— Tia Cass? Por que esta casa está tão fria e escura? — Alyssa sussurrou.

— Estas casas são construídas para serem deste modo. — Cass respondeu, automaticamente sussurrando de volta. Ela estava chocada consigo mesma. O que havia de errado com ela? Ela ia ter que reajustar seu pensamento, ela decidiu. Antes que ela se metesse em sérias encrencas. Ela não tinha nenhuma intenção de competir com Tracey por um homem.

Gelou completamente agora, mas por dentro, não por fora, Cass olhou ao redor.

A casa era construída em torno de um pátio. Um par de portas se abriam para ele, e Cass vislumbrou uma fonte de calcária quebrada, ostentando a escultura sem cabeça de um homem nu, em quem também faltava um braço. Não estava correndo água. Uma sacada decrépita corria ao longo de todo o segundo andar ao redor do pátio interior. Cass não achou que seria sensato se inclinar contra a grade. Ela viu as ervas daninhas empurrando para fora dos ladrilhos de ardósia vermelhas rachada e marcadas no caminho exterior.

— Eu não sei se eu gosto daqui tia Cass.

Cass olhou para sua sobrinha, com a intenção de acalmá-la, mas suas palavras morreram antes que ela pudesse falá-las. A casa era adorável, mesmo que estivesse terrivelmente decadente. Seu olho estético disse-lhe isso. Ela era uma historiadora e ela podia apreciar a arquitetura e móveis espanhóis com seu leve acento árabe. Mas ela realmente não estava louca sobre isso também.

— Cassandra?

Cass percebeu que seu anfitrião tentava se dirigir a ela. Ela tinha estado tão imersa em seus devaneios e reflexões das cercanias, que ela não o ouviu a princípio. Ela sorriu um pouco culpada.

— Sua casa. É... esmagadora.

Seus olhos se encontraram, mas não se sustentaram.

— Eu concordo. A princípio há algo bastante esmagador referente la casa. — Ele deu de ombros de uma forma muito europeia, mas ele não sorriu. Ele olhou ao redor. — Na verdade, eu não estive aqui em muitos anos, e nós só chegamos há poucos dias. Eu tinha esquecido da sensação desta casa, assim como eu havia esquecido todos os tesouros dentro dela.

— Nós? — Tracey perguntou depressa, dando um passo mais perto dele.

Cass perguntou-se por que ele não tinha estado na sua casa ancestral em anos. Ela não podia evitar pensar que isso tinha algo a ver com sua esposa desaparecida. Talvez estar aqui sem ela era doloroso demais.

Antonio explicou que ele estava aqui com Eduardo e Alfonso. Cass não tinha nenhuma ideia de quem era o último, e ela achava que ele se referiu a muito histórica sensação da casa. Ou ele se referiu a alguma outra coisa, algo menos tangível?

Ela estava finalmente colocando seu dedo no que a incomodava, e que estava, sem dúvida, perturbando Alyssa. A casa não era convidativa, não de maneira nenhuma. Estava tão frio, tão escuro.

Mas antes que sua imaginação ficasse descontrolada, ela se lembrou de que não era convidativa, porque ninguém tinha vivido nela ou a mantido por anos e anos.

— Quando este lugar foi construído? — Ela tinha que perguntar, ondulando seu pescoço para tentar tirar um pouco da tensão, que apenas continuava crescendo.

— No início do século XV, embora a torre, onde a capela está, data de um século antes — ele disse, sorrindo ligeiramente para ela.

Cass inalou. E se perguntou se sua antepassada Isabel de Warenne tinha vivido ali.

— E o castelo?

Seus olhos pareciam brilhar.

— Era uma fortificação militar que permaneceu nas mãos de minha família por muitos anos. A maior parte da estrutura existente foi construída no século XIV, mas em cima das fundações anteriores. Como você provavelmente sabe, havia uma grande necessidade de fortificações militares aqui na Espanha, até o fim da reconquista. Mas mesmo depois disso, às vezes, nobres lutaram contra nobres, ou mais provavelmente, contrabandos de bandidos foras da lei. — Ele sorriu, como se a ideia o encantasse. — Porém, — ele continuou. — Minha família caiu rapidamente em desgraça com a família real, e no final do Século XVI o castelo estava decadente devido ao abandono, tendo sido desocupado por perto de um século. — Seu olhar sustentou o dela. — Foi uma incrivelmente rápida queda em desgraça.

— Por quê? — Cass perguntou avidamente, todos outros pensamentos momentaneamente esquecidos. — O que aconteceu?

Tracey se colocou entre eles.

— Nós viajamos durante todo o dia e vocês dois vão discutir história? — Ela se virou e laçou seu braço no de Antonio. — Tonio, eu senti sua falta — ela disse suavemente, inclinando-se para beijar-lhe a boca. Em suas sandálias rasteiras, ela teve que levantar-se na ponta dos pés para fazê-lo.

Cass imediatamente se virou, recusando-se a assistir o momento íntimo. Ela sorriu para Alyssa, mas agora era forçado. Talvez para se consolar, ela pegou a mão de Alyssa.

— Deixe-me apresentar-lhes o meu filho e mostrar-lhes os seus quartos. — Antonio disse. — Eduardo?

— Eu estou aqui, Papá. — Uma pequena voz disse do outro lado do salão, de pé na esquina de um corredor.

Cass virou com um sorriso de saudação, perguntando-se quanto tempo ele tinha estado ali nas sombras de outro corredor, quando seu sorriso falhou. Ninguém a advertiu que o filho de Antonio usava cintas de perna e muletas. Ela agarrou a mão de Alyssa com mais força, para evitar qualquer exclamação de surpresa. Ela se perguntou se Eduardo tivesse sido a vítima de poliomielite.

— Eduardo, nós temos convidados.

Cass ouviu a suavidade e o amor no tom dele e lhe lançou um olhar. Ele estava sorrindo para o filho, que era muito ágil em suas muletas, e ele mancou rapidamente adiante.

Conforme Antonio fez as apresentações, levou a Cass dois segundos para perceber que Eduardo não gostava de sua irmã, mas isso dificilmente era incomum, porque ele poderia pensar nela como uma ameaça à sua própria mãe. Eduardo chamou-a señora, perguntando educadamente sobre sua viagem, e depois se recusou a olhar para ela novamente.

— Eduardo. — Tracey estava excessivamente entusiasmada, apressando-se para o menino pequeno e beijou-o de leve em ambas as bochechas. — É tão maravilhoso vê-lo novamente.

Cass estremeceu. Sua irmã dificilmente era o Pied Piper9 quando se tratava de crianças, e seus esforços forçados eram dolorosamente óbvios. Ela se perguntava se Antonio se deixava enganar.

— Oi, Eduardo — ela disse, dando um passo em direção a ele. — Eu sou Cass. Espero que você não se importe de compartilhar seu pai com todas nós.

Ele encontrou seus olhos, surpreso.

— Em meu país, — ele disse em perfeito inglês apesar do sotaque carregado, — não existe essa coisa que você falou. Minha casa é sua casa.

— Obrigada — Cass respondeu. — Minha sobrinha tem sete. Quantos anos você tem?

Ele olhou para Alyssa.

— Dez.

— Talvez você possa levar Alyssa a explorar. — Cass sugeriu.

Ele encontrou o olhar dela.

— Explorar?

— Bem, esta casa certamente vale a pena explorar, você não acha? E depois há o castelo, que eu até me juntaria a vocês, se vocês me deixarem. — Ela sorriu.

Ele a encarou e depois se virou para olhar para Antonio por permissão.

— Vamos ver. — Antonio disse, sem sorrir.

Cass esperava não ter ultrapassado seus limites. Mas certamente ele não estava superprotegendo o filho dele por causa de sua deficiência, ou ele estava? Ela esperava que não. Pelo que ela tinha visto, Eduardo podia mover-se muito bem.

— Bem, eu espero fazer algumas explorações amanhã, com jet lag10 e tudo mais. Talvez você e Alyssa poderiam vir junto.

Eduardo mordeu o lábio e olhou para seu pai novamente.

— Eu acho que é uma grande ideia. — Tracey interviu.

Cass podia imaginar por que ela estava apoiando.

— Talvez possamos até mesmo fazer um piquenique no castelo. — Cass se entusiasmou.

Antonio olhou fixamente para ela.

— Papá, por favor — implorou Eduardo.

Cass mordeu seu lábio. A essência era clara, Eduardo queria vir.

— Cassandra, por que nós não discutimos a agenda de amanhã em algum outro momento? — Disse Antonio um tanto sombriamente.

— Eu estou sendo muito ousada? — Cass perguntou abruptamente. Pela primeira vez, ela teve a coragem de olhá-lo nos olhos.

— Você é muito ousada, — mas ele parecia sorrir.

— É uma coisa americana. — Cass disse ligeiramente, incapaz de desviar o olhar. — Se não no castelo, talvez possamos fazer um piquenique em outro lugar, ou talvez eu posso até mesmo levar as crianças para almoçar em Pedraza. — Não que ela realmente quisesse voltar lá.

Ele finalmente suavizou.

— Possivelmente.

Cass percebeu que ele continuava a encará-la, e ela finalmente corou e desviou o olhar. Ela olhou de Eduardo, que estava claramente esperançoso, para Alyssa, que não tinha dito uma palavra, mas cujos olhos estavam brilhando de expectativa. Ela tentou não olhar para Tracey, que iria lê-la como um livro, se ela não fosse muito cuidadosa.

— Que tal uma soneca? — Ela perguntou a sua sobrinha. — Eu estou exausta por toda essa condução.

— Eu estou um pouco sonolenta. — Alyssa admitiu.

— Certo. Vamos seguir nosso anfitrião. Eduardo, quer se mexer11 junto?

Ele parecia surpreso.

— Mexer?

— Gíria americana. Significa passear.

Pela primeira vez, ele sorriu. Ele se parecia exatamente como o pai, Cass pensou; ele um dia seria um homem extraordinariamente atraente.

— Eu vou me mexer junto — ele disse com seu forte acento espanhol.

Um momento depois eles estavam andando por um corredor que corria paralelo ao corredor oposto, no interior do pátio exterior e entre os dois salões. Janelas e portas alinhadas pelo longo corredor, dando a Cass uma visão clara de ambos os pátios e o lado oposto da casa. Não havia nenhum móvel no pátio, nem sob a varanda do outro lado. A negligência era uma pena. Cass se perguntou o quão empobrecida a família de La Barca estava. Não seria incomum para uma antiga família intitulada, e ele certamente não poderia fazer muito com sua profissão como professor.

Passou pela mente dela que o colar de rubi poderia pertencer a família dele, e que eles poderiam usar a renda.

No final do corredor, eles subiram, e Antonio abriu a porta para um quarto escuro com uma magnífica cama de dossel se não fosse desgastada.

— Cassandra, você pode usar este quarto. Alfonso e eu traremos as suas malas em breve.

Cass passou pela soleira e seu anfitrião, extremamente consciente dele enquanto ela fazia isso. Ela olhou ao redor, o quarto era adorável, as paredes esbranquiçadas mesmo que desbotada, espessas cortinas douradas até o chão fechadas acima das janelas, requintado, mas gastos, tapetes Persas uma vez coloridos sobre o chão de pedra, a cama feita em tons de pêssego, azul, e dourado, uma mistura de faixas e padrões de paisley12. Uma cornija de mármore avermelhada cobria a lareira. Acima disso, em uma antiga moldura dourada, havia um retrato de um homem de aparência severa num traje de época. Cass correu para ele.

— Um antepassado meu.

Cass não tinha ouvido ele se aproximar por trás dela e ela saltou, meio virando-se para encará-lo.

— Do final do Século XVI. — Ela disparou. — Olhe o quão alta a gola daquele pescoço é, e observe a forma da barriga, era chamado de Peascod13 — ela exclamou. Ela escutou Tracey suspirar de exasperação e ignorou. — O calção arredondado bufante, a capa de pele forrada. Oh, Deus, olhe as pedras naquela cruz que ele está usando. Uau.

Antonio riu.

— Eu estou completamente de acordo com você. — Ele disse.

Cass se sentiu absurdamente satisfeita que o impressionou com seu conhecimento.

— Minha irmã é uma traça de livros. — Tracey disse categoricamente. — Tudo que ela faz é ler, quando ela não está escrevendo, sempre sobre o passado. Ela ama o passado. — Não era exatamente um elogio.

Cass se sentiu um pouco murcha, mas dificilmente desejava se defender mergulhando em um debate sobre os detalhes do seu estilo de vida.

— A leitura é uma das coisas boas da vida. — Antonio disse, sério, de costas para Tracey. — E eu sou fascinado pelo passado, às vezes muito mais do que pelo presente.

Cass olhou para seu semblante tenso. Ele tinha acabado de defendê-la, enquanto rebaixava Tracey. Cass olhou para Tracey, que parecia surpresa.

— Vocês dois tem algo em comum, então — Tracey disse, indo para Antonio e ficando tão perto dele que ela roçava o lado dele e ele teve que olhar para ela.

— De fato temos — ele se virou para Cass. — Ele é Alvarado de La Barca.

A mudança de assunto foi abrupta, mas Cass sabia exatamente o que ele queria dizer, e ela se virou para olhar fixamente o espanhol no retrato, o homem que havia se casado com Isabel de Warenne.

— Oh, Deus — ela sussurrou, os cabelos subindo na sua nuca. E ela tinha uma sensação distintamente ruim.

Antonio sorriu ligeiramente para ela.

— O retrato dela está na sala em frente — ele disse.

Cass percebeu a consideração dele.

— Eu mal posso esperar para vê-lo — ela disse, inegavelmente animada.

— Estou ansioso para mostrá-lo a você — ele respondeu.

— Antonio, ela era uma fanática? Foi por isso que ela foi queimada na fogueira? — Cass tinha que perguntar.

— Nós sabemos com certeza que ela foi queimada na fogueira, e que ela morreu em 1555? — Ele respondeu. — Eu preferiria verificar as alegações de sua tia.

Cass encarou-o completamente.

— Antes de eu sair de casa, eu peguei uma caixa de panfletos e brochuras que eu comprei quando Alyssa e eu viajamos o Castelo de Romney alguns anos atrás. Os de Warennes eram os condes de Sussex no Século XVI, e lá era a sede deles. Eu não tive uma chance de vasculhar o material porque eu estava com tanta pressa. Mas pode ser que encontramos alguma menção a respeito de Isabel lá.

— O que vocês dois estão falando? — Tracey perguntou.

Cass tinha esquecido momentaneamente que sua irmã estava presente; de fato, por alguns instantes ela havia esquecido que qualquer outra pessoa permanecia ainda no quarto, exceto ela mesma e Antonio.

Antonio disse:

— Meu pai passou os últimos anos de sua vida recolhendo informações sobre a história da minha família. A biblioteca aqui é um tesouro, embora nada tenha sido classificado ou arquivado. Eu apenas comecei a mergulhar nos arquivos e notas dele.

Cass encontrou os intensos olhos castanhos dele mais uma vez. Ela hesitou, e disse, lentamente.

— Quantos anos você tinha quando ele morreu?

— Quatro.

Cass pensou que era isso que ele dissera antes.

— Como ele morreu? — Seus batimentos cardíacos estavam tão altos agora. Certamente todos no quarto podiam ouvi-lo. E sua tensão estava tão elevada que ela estava suando baldes. Claro, se alguém notasse, pensariam que era do calor do verão.

— Foi um trágico acidente — ele disse tão lentamente. — Ele foi atingido por um carro.

Cass acenou com a cabeça, sentindo-se como uma mentirosa e uma cúmplice. O alívio quase a inundou. Ela nunca deveria tê-lo testado para ver o que ele sabia.

— Na verdade, — Antonio disse, o tom dele estranhamente casual, — eu fui até a polícia no outro dia.

Cass piscou para ele, rezando para que ela tivesse entendido mal.

— O que?

— Voltar aqui me deixou mais do que curioso — ele disse, e agora seu olhar estava sobre ela, verde e âmbar e dourado, pupilas pretas e largas. — Eu queria entender como isso aconteceu. Você entende, — ele não sorriu, mas continuou a olhá-la com tanta intensidade que Cass estava ofegante, — minha mãe jamais falava dele depois de sua morte. Nem mesmo do acidente. Ela estava muito amarga.

Cass pensou que conseguiu sacodir sua cabeça para cima e para baixo numa paródia de um aceno de cabeça. Claro que sua mãe ficaria amarga, se ela descobrisse sobre o caso de seu marido com a tia de Cass.

— Havia uma mulher com ele lá, naquele dia, o dia em que ele morreu.

Cass congelou. Incapaz de se mover, de tomar um gole de ar, de nada mesmo. E ela pensou: Não.

— Sim. — Ele disse calmamente. — Era Lady Belford. Sua tia estava com ele quando ele morreu. De fato, ele morreu em seus braços.


Capítulo Sete

Belford House – O mesmo dia

Os rostos olhavam de soslaio para ela, grotescamente alterados por memórias e à passagem do tempo. Mas ela conhecia eles, ela conhecia. Eduardo, seus dois filhos, sua esposa. E Isabel...

Catherine acordou com um grito. E por um instante ela não sabia onde estava, por um instante ela pensou que ela estava em algum lugar frio e assustador e escuro, e o cheiro adocicado de violetas estava em toda parte.

Mas, em seguida, seus olhos se adaptaram à luz do entardecer e ela reconheceu os contornos familiares de seu quarto, um quarto que tinha sido seu santuário desde que ela tinha vindo pela primeira vez para Belford House como uma muito jovem inocente noiva. Ela tinha sonhado com o passado, um pesadelo que não a assombrava em décadas, mas que agora ela tinha todas as noites desde aquele maldito evento black-tie. Ela se sentou, empurrando as cobertas, ainda trêmula e ofegante.

E quando ela finalmente parou, cheia de tristeza e atingida pelo medo, ela vislumbrou seu devastado reflexo no espelho através do quarto e ficou chocada com sua aparência. Ela não era mais a jovem menina, bonita com estrelas em seus olhos que havia casado com um homem muito mais velho; ela já não era mais a mulher madura, segura de si que tinha feito uma escolha terrivelmente imoral, em seguida cometeu um crime indescritível. Nem era a elegante mulher mais velha escondendo um segredo insuportável que era tia, mãe, e tia-avó de suas sobrinhas e sobrinha-neta. De repente ela era velha e idosa além de descrição.

O ditado favorito de Eduardo soou em seus ouvidos, tanto que ela podia ouvir sua voz aristocrática com seu tentador sotaque estrangeiro. O que é passado é prólogo. Quantas vezes ele tinha lhe dito isso?

Ela pensou em Tracey e no filho de Eduardo, e lágrimas corriam pelo seu rosto.

Havia uma escrivaninha no canto do seu quarto. Catherine lentamente fez seu caminho em direção a ela, ciente agora de ter gelado totalmente, apesar do fogo que ardia na lareira, apesar do robe de lã pesado que ela usava. Em sua escrivaninha ela se acomodou em uma das cadeiras Louis XV, e então ela pegou o telefone.

— Lady Belford! O que você está fazendo, fora da cama, perambulando, com você tão fraca quanto um gatinho recém-nascido?

— Celia exclamou da porta.

Ela estava tão fraca quanto um gatinho recém-nascido, e Catherine fechou os olhos, imaginando qual seria a reação de Celia se ela lhe dissesse a verdade, como ela havia dito a Cass. Catherine nunca iria esquecer o olhar no rosto de sua sobrinha quando ela confessou o assassinato de Eduardo. O olhar tinha sido de incredulidade, seguido de choque, e horror.

Exatamente o mesmo olhar tinha estado no rosto de Eduardo, naqueles últimos segundos quando ele percebeu o que ela tinha feito e que ele estava morrendo.

Celia se aproximara e Catherine olhou para cima.

— Ligue para a companhia aérea. Reserve um voo para mim. Eu tenho que ir para a Espanha.

Celia estava atônita, com razão.

— Lady Belford! Sem querer desrespeitá-la, mas eu devo dizer o que penso!

Catherine pensou, cansada, Quando alguma vez você não disse o que pensa? Celia tinha vindo trabalhar para ela logo após o terrível acidente vascular cerebral (AVC) de Robert.

— Você tem estado muito doente, e agora não é o momento de ir atrás de suas sobrinhas e Alyssa. Confie em mim. Tudo vai ficar bem.

Catherine se sentiu muito mais velha que seus setenta anos naquele momento, mas ela sempre tinha sido uma mulher forte, e ela contou com toda a sua força agora.

— Eu estou indo para a Espanha. Mesmo que isso seja o que ela quer. E você deve reservar tanto meu voo, bem como um motorista, ou eu o farei. Eu partirei, o mais rapidamente possível.

Celia olhou-a boquiaberta.

Catherine finalmente olhou para cima.

E Celia deve ter visto a determinação nos olhos dela, porque ela fez uma careta.

— Pelo menos a febre foi embora — ela disse. — Eu farei os telefonemas de outro quarto, então. — E quando ela saiu, Catherine a ouviu resmungando para si mesma.

Catherine não se importava.

Ela estava velha, e agora ela sabia que ela iria morrer muito mais cedo do que tarde. Porque o passado era prólogo, e ela estava indo para a Espanha, para evitar que o pior acontecesse, para salvar sua família. E ninguém iria impedi-la, não a leal Celia, não a polícia, e nem uma mulher que estava morta há 445 anos.


3 de maio de 1966


Estas últimas semanas têm sido as mais emocionantes da minha vida. Eduardo e eu temos trabalhado lado a lado sem interrupção, montando o quebra-cabeça da vida de Isabel de Warenne. Eu comecei a admirá-lo imensamente. Eduardo é brilhante, mas ao contrário de muitos homens brilhantes apaixonadamente dedicados a suas carreiras, ele nunca sacrificou sua família por seu trabalho. Porém, eu começo a suspeitar que sua esposa não consegue entendê-lo como deveria. Tendo a encontrado várias vezes, inclusive recentemente para um almoço que todos nós compartilhados, eu começo a sentir que ela está com ciúmes do nosso relacionamento.

É uma vergonha. Ela não tem nada que ter ciúmes. Eduardo e eu nos tornamos amigos íntimos em nossa busca por Isabel de Warenne, mas nada mais.

Eu compreendo-o muito bem. A ligação amorosa é tão estranha para ele como um idioma como o chinês. E mesmo que Robert e eu não tivemos relações desde o AVC, nem eu poderia viver comigo mesma se eu tomasse um amante.

Juntos temos conseguido mais do que ele jamais poderia sozinho, ou com a ajuda de um de seus alunos. Nós temos mais de mil páginas de anotações documentadas.

Ele me convidou para sua casa em Castilha. Para Casa de Sueños, onde o marido de Isabel uma vez viveu, onde ela, talvez, também viveu. Sei que eu devia ter recusado, por causa de Maria. Mas como eu poderia recusar? Quando eu mal posso esperar para colocar os pés na casa dele, quando cada instinto que tenho me diz que as respostas que buscamos repousam ali?

Enquanto escrevo esta entrada mais recente, o meu avião está descendo, a ponto de aterrissar em Madri. Em mais algumas horas, eu estarei em Castilha. Estou tão impaciente quanto uma garotinha. Eu mal posso esperar. Nossa primeira ordem de trabalhos, decidimos, é explorar a cripta de família na esperança de finalmente localizar o túmulo de Isabel.

 

Casa de Sueños – A primeira noite

Cass fechou o armário empoeirado, que rangeu em protesto, e sorrindo para Alyssa.

— Pronta para aquela soneca? — Ela perguntou. Elas tinham acabado de desembalar uma parte de suas coisas. Para Cass, a tarefa tinha sido apresentada quase sem pensar. As palavras de Antonio continuavam a soar em seus ouvidos, e tudo o que ela conseguia pensar era: O que ele sabe?

Será que ele sabia alguma coisa além do fato de que a tia dela tinha estado com Eduardo quando ele morreu? Certamente ele não suspeitava que aquele crime se abatera sobre seu pai? Mas por que mais ele teria respondido, e olhado para ela, do modo que ele fez?

— Eu estou muito cansada. — Alyssa admitiu.

Cass a levou para a cama, completamente exausta por si só. A maior parte disso, ela sabia, era emocional.

— Enquanto você cochila, eu vou explorar a casa — ela disse.

Ela se sentia compelida a localizar o retrato de Isabel. Mas o que ela devia fazer em relação a Antonio agora que ele sabia, ou suspeitava, que sua tia estava envolvida na morte do pai dele?

O que ela poderia fazer, além de reagir a tudo o que ele lançasse na próxima vez?

Alyssa fez uma pausa, não subindo na cama alta.

— Tia Cass, eu não quero ficar aqui sozinha.

Cass teve que encarar sua sobrinha. Mas mesmo enquanto o fazia, ela podia sentir o que estava por vir. O quarto tinha uma sensação sombria e desconfortável nele.

— Por que não?

Alyssa cruzou os braços sobre o peito plano.

— Eu realmente não gosto deste quarto — ela disse devagar.

Cass encontrou o olhar dela. E não pôde deixar de olhar ao redor do quarto delas. Era um quarto encantador. Ela sabia disso. Mas era tão insuportavelmente quieto lá dentro.

De repente ela percebeu que ela não estava realmente entusiasmada em deixar Alyssa sozinha no quarto, também.

— Este lugar é muito antigo, é assustador. — Alyssa sussurrou, sem se mover para entrar na cama.

Cass olhou para ela, então esquadrinhou o quarto. Ela abriu parcialmente os quatro conjuntos de cortinas, e ainda que fosse quase sete da noite, a luz do sol entrava no quarto. Pelas cortinas abertas ela podia vislumbrar o austero terreno se estirando para longe da casa. Ela podia até vislumbrar as torres gêmeas do castelo. Do outro lado do quarto, tinham vista para o pátio e para a ala oposta da casa. E embora o quarto e os móveis fossem antigos, tudo era inegavelmente bonito. Exceto... exceto que?

Algo não estava certo, algo estava errado. A casa inteira estava tão quieta e escura e fria. Era quase como se a casa estivesse apenas esperando que acontecesse alguma coisa.

O que era um absurdo.

Cass esquadrinhou o quarto novamente. Seu olhar pousou sobre o retrato pendurado sobre a lareira, e ela ficou imediatamente tensa. O marido de Isabel de Warenne não parecia ser um homem agradável. Seu rosto era severo e determinado; Cass tinha poucas dúvidas de que ele tinha sido um tanto difícil e um homem de mente estreita. Era o retrato dele que estava perturbando, ela decidiu. Ele era perturbador.

Alyssa seguiu o olhar dela.

— Ele é assustador. Ele parece um homem mau.

Cass afagou-lhe a cabeça.

— Querida, eu não poderia concordar mais, mas é apenas uma pintura. — Pobre Isabel. Cass estremeceu. Como ela conseguiu se casar com Alvarado? As diferenças culturais e religiosas deles por si só teriam condenado o casamento, muito menos que a natureza de sua personalidade.

Cass estremeceu novamente.

— Não posso ir com você? — Alyssa perguntou, uma súplica em seu tom.

— Não. — Cass foi tranquilamente firme. — Irá para a cama, e eu já volto. — Ela descartou suas apreensões como ridículas. — Nós duas estamos cansadas — ela disse. — Isto é tudo.

O rosto da Alyssa estava cheio de ansiedade enquanto fazia o que Cass solicitou. Cass removeu as cobertas, com exceção de um lençol dourado. E acariciou o cabelo de Alyssa, apenas uma vez.

— Vou abrir as janelas. Talvez haja alguma brisa da noite.

Cass abriu duas janelas. Quando ela se virou, sua sobrinha estava dormindo profundamente.

A visão da criança dormindo a fez sorrir, amor jorrando de dentro do peito dela. Graças a Deus que ela tinha vindo para a Espanha se juntar a Tracey e Alyssa. Graças a Deus que elas passaram pelo pior. Cass sabia que teria que fazer algo para se certificar que um incidente como este nunca mais acontecesse. Mas o que?

Lutar com sua irmã por Alyssa.

Cass devia ser mãe da Alyssa. Tracey não merecia ser a mãe de sua própria filha.

Cass congelou.

Ela ficou chocada. Como ela poderia ter tido tais pensamentos horríveis? De onde tais pensamentos vieram?

Ela nunca havia pensado em tirar Alyssa de Tracey. Porque apesar do quão difícil Tracey podia ser, apesar do quão irresponsável e incoerente, ela era mãe de Alyssa. E ela também era sua irmã e Cass a amava. Cass nunca quis machucá-la. Elas eram uma família, pelo amor de Deus.

Cass se virou, assustada, desejando jamais identificar seus pensamentos. E quando ela deixou o quarto, desconforto cutucando-a novamente. Para alguma maldita razão, ela odiava deixar Alyssa sozinha.

Ela virou-se, hesitando. Mas a luz solar estava entrando no quarto, partículas de poeira flutuavam no ar, e Alyssa estava sorrindo ligeiramente à medida que dormia. Cass se virou.

No corredor, Cass fez uma pausa. Tracey havia recebido um quarto ao lado do banheiro que elas compartilhariam, e sua porta estava solidamente fechada. Cass não sabia se sua irmã estava lá dentro, e realmente não se importava. Ela desconfiava que Tracey e Antonio iriam saltar muitas vezes de uma cama para a outra devido à necessidade de quartos separados, que Tracey não parecera particularmente feliz. Não era assunto dela o que eles faziam às escondidas de todos, e ela se negou a insistir nisto.

Ela queria ver o retrato de Isabel. De fato, quanto mais tempo deste fim de semana ela passasse meditando sobre Isabel, menos tempo ela seria capaz de contemplar a relação de sua irmã com Antonio. Ele dissera que a pintura estava do outro lado da casa.

Cass caminhava tranquilamente pelo corredor até o espaçoso terraço no alto da escada. Ela encontrou o corredor oposto, que seguia paralelamente ao que ela tinha acabado de estar. Todas as portas alinhadas ao corredor estavam fechadas; um lado do corredor tinha as janelas com vista para a varanda acima do pátio. Como Cass desceu, ela estava frustrada, porque não havia quadros pendurados em parte alguma absolutamente. Ela havia entendido mal?

Alguém saiu das sombras.

Cass gritou, mas era só Tracey. Ela tinha acabado de sair de um quarto, e como Cass, ela se assustou. Então Tracey disse, com um pouco de raiva:

— Você me assustou! O que você está fazendo rondando por aqui?

O próprio coração de Cass batia muito rapidamente; ela praticamente pulou fora de sua pele.

— Você também me deu um susto — ela disse. — Eu estou explorando.

Tracey olhou-a, aproximando-se, ainda em sua minissaia e top minúsculo mas descalça, seus cabelos soltos. Estava despenteado.

— Do lado de fora do quarto de Antonio? — Ela perguntou intencionalmente.

Cass ficou completamente quieta. Ela percebeu então que Tracey estava com seu anfitrião, mas realmente não queria que isso fosse enfiado em seu rosto e em sua garganta. Estar ali com eles era difícil o suficiente.

— Eu estava esperando encontrar o retrato de Isabel.

— Certo — Tracey disse, alcançando o bolso de sua saia e retirando um maço de cigarros e um isqueiro. — Certo. — Ela acendeu.

Cass sentiu seu temperamento cansado chamejar mesmo enquanto ela tentava dizer a si mesma para ir embora até que ela estivesse bem descansada; nada de bom poderia resultar desta conversa, e o fim de semana tinha apenas começado.

— Pelo menos você esperou até que sua filha estivesse dormindo — ela ouviu-se dizer. E no momento em que ela falou, ela se arrependeu.

Tracey se aproximou.

— Não me julgue. — E por um instante, a luz em seus olhos azuis era absolutamente detestável.

Cass ficou tão chocada com o ódio que viu que deu instintivamente um passo para trás. E quando ela piscou, Tracey estava ali de pé, olhando aborrecida e irritada, mas não havia nenhum ódio em seu rosto, nenhum ardor em seus olhos. Cass percebeu que ela estava tremendo. Ela tinha acabado de ver o que ela achava que tinha visto, ou ela tinha imaginado isso?

— Eu não estou julgando você — ela disse com cuidado. — Não me importa o que você faça. Desde que isso não afete Alyssa.

— Claro. Minha filha. Minha filha e Santa Cassandra. — Tracey cruzou seus braços firmemente, ainda apertando o cigarro.

Cass endureceu.

— Não vamos brigar. Tem sido um inferno de um longo dia. Nós duas estamos cansadas...

— Merda! — Tracey disse, batendo o pé. — O que está errado em querer fazer amor? Especialmente quando se está apaixonado? Eu estou de saco cheio dessa sua atitude de santinha! Eu simplesmente não aguento mais!

Cass recuou. Isso foi um instante antes que ela pudesse falar.

— Eu não quero brigar, eu não vim aqui para brigar...

— Não, você veio aqui para nos dirigir pelo país.

Cass piscou. Ela lutou contra seus instintos básicos, e perdeu.

— Na verdade, eu vim aqui para te salvar de ficar presa no Ritz pelo fim de semana.

Tracey sorriu.

— Santa Cassandra ao resgate. Sempre fazendo o que é certo.

— Eu dificilmente sou perfeita, de jeito nenhum. — Cass disse, tentando manter seu tom calmo. — Embora eu odeie dizer isso, eu não sou aquela com pretensão. Eu não sou a que está guardando rancor. Eu vim aqui esperando deixar aquela briga horrível para trás, por que não podemos fazer isto?

Tracey inalou com raiva seu cigarro.

— É isso que você realmente quer?

— Claro — disse Cass automaticamente, mas seus pensamentos anteriores ecoaram na mente dela, ela podia brigar com sua irmã por Alyssa... Tracey não merecia ser a mãe de sua própria filha.

E depois havia Antonio. Por que Tracey deveria tê-lo, também?

Cass não queria esse último pensamento, não queria sequer admiti-lo, enfrenta-lo, ou qualquer outra coisa, mas isso elevou-se, incontrolável em sua mente. Seu coração se afundou. Ela era incapaz de controlar sua própria mente, seus próprios sentimentos, e isso era assustador.

— Eu acho que você veio aqui por outra uma razão completamente diferente. — Tracey disse categoricamente, exalando uma nuvem de fumaça acima no ar.

Cass estava quieta.

— Realmente? Bem, o que você está pensando, está errado.

— Por que você estava realmente aqui em cima, então? — Tracey pressionou. — E não me diga que depois de todo o caminho que fizemos hoje, você subiu para olhar alguma pintura antiga mofada! Você estava procurando Antonio?

Cass sentiu seu coração cambaleando.

— Você está louca — ela finalmente disse.

Tracey se aproximou, seus olhos atentos no rosto de Cass.

— Seus sentimentos são óbvios. Toda vez que você olha para ele, é óbvio. Você devia se envergonhar, Cass. — E era uma advertência com muitas camadas para contar.

Cass encarou, desanimada e se irritando.

— Eu não tenho sentimentos por ele.

— Você o come vivo com seus olhos. Toda vez que ele olha para você, você cora! Falam sobre algum decrépito sujeito! — Tracey percebeu que seu cigarro estava prestes a queimar a ponta de seus dedos. Ela hesitou, olhando em volta, mas não havia nenhum cinzeiro lá no meio do corredor. Ela cuidadosamente apagou-o no rodapé. Cass só podia olhar.

Suas orelhas estavam zunindo. Seu rosto estava queimando. A verdade doía.

— Cass. — Tracey se endireitou, seu tom mais calmo. — Você realmente acha que todo o seu tagarelar sobre essa Isabel de Warenne vai pegá-lo? — Ela balançou a cabeça. — Você poderia entretê-lo, mas isto é tudo. Ele é o homem com quem pretendo me casar e eu o amo. Mas você é minha irmã, e eu me importo com você, também. E eu não quero vê-la ferida, ou se fazendo de tola. Quero dizer, seus sentimentos são realmente óbvios, e Antonio dificilmente é estúpido.

Cass moveu-se, sentindo como se acabasse de ser pega de surpresa.

— Obrigada pelo conselho, mana — ela se controlou com dificuldade, — mas eu não estou interessada em seu namorado, não dessa forma. Eu o acho brilhante como um estudioso, ponto final. Eu sei que não sou o tipo dele. Assim como eu sei que ele é seu.

— Eu acho que vou tirar aquela soneca agora. — Tracey disse. Seu olhar era significativo. — Estou exausta.

Cass cruzou os braços e encarou. Pensando: Ok, fica repetindo isso, sua cadela.

E então ela recuou, e embora o ato físico era dar um passo para trás e longe de sua irmã, seu horror foi dirigido a si mesma. Ela sentira tal onda de hostilidade e ardor em direção a sua própria irmã que quase tinha sido como ódio.

O que estava acontecendo com ela?

Como isto poderia estar acontecendo?

Estava acontecendo porque Antonio de La Barca se interpunha entre elas. Assim como Catherine advertiu.

— Vem? — Tracey perguntou, com um breve sorriso, como se toda a conversação nunca tivesse ocorrido.

E de repente Cass encontrou-se caminhando pelo corredor com sua irmã. Sentia-se atordoada, entorpecida. E ela não podia evitar perguntar-se: sua tia estava certa?

Cass olhou para ela, ainda mais perplexa. Ela acabou de ouvir o que ela achava que tinha ouvido?

— O que?

— Eu não sei como alguém pode viver do jeito que você faz. — Tracey disse, muito agradavelmente. — Sabe, os homens espanhóis têm algo. Eles realmente têm. Por que você não tem um caso enquanto você está aqui? Seria bom para você, eu posso garantir isto. — Ela sorriu.

— Não, obrigada. — Cass administrou, imaginando se tinha entrado no Twilight Zone14. Com muita determinação ela estudou seus pés enquanto se moviam um após o outro. — Lembre-se? Estou aqui apenas pelo fim de semana, — mas ela não conseguia afastar a imagem de sua tia neste momento, implorando que ela não fosse para Castilha, e que não deixasse Tracey e Alyssa irem, também.

Eles pararam em frente à porta do quarto de Tracey.

— Cass, você está com trinta e dois agindo como noventa, destinada a ser solteirona como a tia Catherine. Mas não é muito tarde para mudar. — Tracey a tocou. — Você é minha irmã. Eu quero que você seja feliz. Eu realmente quero.

Cass conseguiu das um sorriso breve e frágil.

— Eu vou pensar sobre isso — ela mentiu.

— Vejo você no jantar, então — Tracey hesitou, então a abraçou, com força. Em seguida ela entrou em seu quarto. Cass se encontrou encarando a porta fechada.

Trinta e dois agindo como noventa. Destinada a ser solteirona.

Se fazer de tola.

Entreter Antonio... tagarelando.

E por um momento, Cass apenas ficou lá sombriamente. Este, ela pensou, seria o fim de semana para recordar.


Era quase meia-noite. Alyssa estava dormindo, e a porta de Tracey permanecia fechada, embora Cass estava bastante segura que ela não estava lá dentro. Cass estava hesitante quando fez seu caminho para baixo, seus passos clicando ruidosamente no chão de pedra. A noite lá fora estava densa, escura, e sem estrelas, sem qualquer brisa. Ela estava tensa. Muito mais tensa do que fazia sentido. Ela não conseguia dormir.

A janta tinha sido um evento miserável, com ela se recusando a olhar para seu anfitrião, com medo que iria corar se o fizesse, mesmo que por agora ela estava sentindo que tinha sido completamente manipulada por sua irmã. Se era isso, tinha funcionado. Ela estava determinada a ficar tão longe de Antonio tanto era possível. Isso estragou a noite, e estragou todo o fim de semana. Tracey, é claro, tagarelou a maior parte da refeição, em muito bom humor aparentemente, e as duas crianças pareciam se dar bem. Antonio não havia falado muito. Ele parecia cansado. Impiedosamente, Cass entendia o porquê.

A casa estava tão escura.

Cass estremeceu. Haviam castiçais de parede enfileirando no corredor e nas escadas, mas suas luzes eram q e bruxuleantes. E a casa estava tão quieta. Não havia nenhum som dos aparelhos de ar condicionado ou ventiladores, nenhuma TV, nenhum rádio, e não existiam quaisquer ruídos exteriores, mesmo em Belford House, podia-se ouvir ocasionalmente um carro na estrada, o latido dos cães, o relinchar de um cavalo ou o sino de uma vaca. Era quase assustador.

Custe o que custar, não vá à Castilla...

Oh, bobagens! Cass pensou com exasperação. Tanto quanto doía admitir isto, sua tia era irracional quando se tratava dos de La Barcas. Isso fazia sentido. Nada mais fazia.

Cass parou no corredor central do vestíbulo. Ela lentamente olhou em volta. E um por um, os cabelos da sua nuca subiram.

Ela olhou ao redor novamente, mas ela estava sozinha. Por que ela estava tão nervosa? Todos na casa estavam dormindo. Não havia nenhuma razão para estar nervosa ou intranquila; Cass nunca teve medo do escuro antes, e ela não teria medo do escuro agora. Exceto que ela quase sentia como se alguém ou algo estivesse espreitando pelos cantos ou nas sombras, prestes a saltar para ela.

— Cristo — ela resmungou irritada.

Ela pensou em Alyssa, dormindo profundamente no andar de cima. Uma vez mais ela se sentiu desconfortável por tê-la deixado lá, mesmo sabendo que sua ansiedade era infundada. Ocorreu-lhe que ela poderia dar meia volta e voltar lá para cima; ela poderia pegar um livro ou entrar on-line e navegar na Web. Ela trouxe seu laptop com ela; ela nunca viajou sem ele.

Finalmente Cass continuou até o próximo corredor. Ela tinha um fim de semana em Castilha para explorar. Ela era uma louca por história para começar, mas sua curiosidade sobre a história de sua família e sua conexão com a de La Barcas foi completamente despertada nos últimos dias. O mistério de Isabel de Warenne permanecia na vanguarda de sua mente. E já que o fim de semana não estava saindo do jeito que ela esperava, não que ela tivesse muito tempo para refletir sobre isso, ela bem poderia satisfazer a sua própria ardente curiosidade em vez de se afligir pelo tórrido caso amoroso de Tracey ou envolvimento de Catherine na morte de Eduardo. Ou o fato de que Antonio realmente dispôs de algum tempo e teve o empenho de examinar cuidadosamente os arquivos da polícia de trinta anos atrás.

Cass estremeceu novamente, desta vez seu coração afundando com intensidade doentia. Seu plano de ação era enfocar no passado, o passado distante, como em Século XVI, e evitar todas e quaisquer referências à sua tia e o pai de Antonio se ele alguma vez tocar no assunto novamente.

O primeiro passo era ver o retrato de Isabel. Talvez ela tivesse entendido mal Antonio. Talvez o retrato estivesse no corredor oposto no térreo, não no andar de cima. Cass de repente hesitou.

A última porta nesta ala da casa estava aberta, e a sala além estava bem iluminada. Era uma biblioteca, prateleiras alinhadas numa parede que Cass podia vislumbrar, e Antonio estava inclinado sobre uma enorme mesa. Ela o fitou por um instante, pensou: Merda, e virou abruptamente ao redor.

Mas não antes dele erguer os olhos, vendo-a.

Cass hesitou, prestes a fugir, e ele disse:

— Cassandra?

Cass amaldiçoou consigo mesma novamente. Ele era agora a última pessoa que ela desejava ver, certo? Lentamente ela se virou.

Ele estava de pé.

Cass ouviu seu coração martelar. Ela hesitou, e disse:

— Oi.

Ele sorriu, movendo-se para a porta.

— Eu pensei que todo mundo estava dormindo.

De alguma forma, Cass moveu- se adiante.

— Assim como eu. — Ela não podia deixar de se perguntar no que ele estava trabalhando.

Ele apenas a olhava.

Cass realmente se sentiu começar a corar. Cristo, sua irmã tinha razão!

Ela desviou o olhar, para qualquer lugar exceto nele, e fez um rápido inventário da sala. Estantes de livros forravam duas paredes, abarrotadas até transbordar não apenas com livros, mas com pastas e documentos. Outra parede detinha uma grande lareira com uma cornija de mármore preto; sua escrivaninha era independente. As paredes eram pintadas de verde musgo, o teto, ostentando uma estrela circular moldada no gesso em seu centro e painéis com vários motivos, rosas e dourados. A maior parte dos móveis era gasta e enfadonha, e dois conjuntos de portas amplas abriam para o jardim à frente da casa.

Ele estava trabalhando. A mesa estava coberta com notas, livros abertos, e mais notas. Havia um vidro de conhaque sobre ela, também.

— Eu espero não estar interrompendo.

— Claro que não. — Ele tirou os óculos de aro de tartaruga. — Gostaria de uma bebida? — Ele perguntou.

Cass quase se embasbacou.

— Eu... na verdade, eu estava esperando por um vislumbre de retrato da Isabel.

Os olhos dele brilharam.

— Quanta negligência minha. Eu ofereci-lhe uma exibição na sua casa em Sussex, mas na confusão de chegada de vocês hoje, eu esqueci completamente disso. Peço desculpas.

Cass encarou.

— Antonio, eu sou a única que sente muito. — As palavras derramando adiante espontaneamente. — Eu não tinha ideia que nós estávamos chegando sem convite.

— Estou ciente que você não estava envolvida no esquema de sua irmã — ele disse simplesmente, um sorriso irônico em sua boca.

Ele tinha feito isso tão fácil. Cass encarou. Ele estava usando uma pequena, mas consideravelmente trabalhada cruz de ouro em uma corrente em seu peito, e isso chamou a atenção dela.

— Mas agora que você está aqui, eu realmente desejo que você aproveite sua estadia em Castilha — ele disse.

Cass encontrou seus olhos castanhos, que pareciam pretos no meio da noite.

— Eu não acho que já conheci alguém tão educado quanto você. Devia expulsar todas nós.

Ele riu, o som quente e rico, caindo sobre Cass como chocolate derretido.

— Cassandra. Eu nunca digo o que eu não quero dizer.

Cass desviou o olhar. Seus olhos estavam muito intensos.

— No que você está trabalhando?

— Estou tentando compilar a história de minha família, como meu pai tentou fazer.

Cass ergueu os olhos lentamente.

Ele se virou casualmente para longe, dedilhando os documentos sobre sua mesa.

— Vai levar meses para arquivar todas as suas notas e registros. — Ele se virou. — Vamos?

— Vamos? — Ela ecoou.

— O retrato dela está lá em cima. — E com os olhos iluminados, ele foi para sua mesa e pegou o que Cass viu era uma fotografia do colar de rubi. — Venha. — Ele sorriu, inclinando a cabeça.

Cass o precedeu para fora da biblioteca e para o corredor. Ela olhou de relance para o perfil dele conforme ela caminhava ao lado dele.

— O retrato. O retrato de Isabel de Warenne — ela perguntou ansiosamente. — Será que os colares combinam?

O sorriso dele foi breve, sua contemplação tão breve, mas penetrante.

— Você julgará por si mesma.

— Eu mal posso esperar. — Cass disse, querendo dizer isso.

Eles alcançaram o patamar do segundo andar da casa. Era o mesmo corredor onde ela e Tracey haviam brigado apenas algumas horas mais cedo. Ela o seguiu até o meio do corredor, então parou atrás dele quando ele abriu uma porta. E Cass seguiu-o até um quarto escuro como a noite.

Ele apertou o interruptor da parede, mas nada aconteceu.

Cass não se moveu, era quase impossível ver, enquanto ele tateava no escuro em torno do que deveria ser uma cama. Ela ouviu outro interruptor clicando, mas nenhuma luz se acendeu.

— Eu terei que conseguir uma lâmpada. — Ele disse, movendo-se por ela na escuridão. — Eu já volto.

Os olhos de Cass se alargaram, ela quase lhe disse que esperasse, que ela iria com ele, mas ele já tinha ido.

A tensão dela aumentou dramaticamente.

O que era um absurdo, ela estava apenas em um quarto escuro. Cass estava prestes a retirar-se para o corredor do lado de fora, quando todos os seus instintos se sobrecarregaram.

Ela fez uma pausa. Esforçando-se para ouvir; para ver.

O que fazia absolutamente nenhum sentido, pois não havia nada para ver, e certamente nada para ouvir, a menos que fosse um rato. Certo? Não existia nenhuma razão para ela se sentir alerta ou alarmada.

Mas ela estava alarmada, e nervosa como o inferno, e o quarto era muito mais frio do que ela tinha percebido, ou a temperatura acabara de cair? Cass se abraçou. Seus olhos começaram a ajustar-se à escuridão, enquanto a inquietação continuou a rastejar ao longo de sua espinha. A cama, um outro arranjo de dossel, começou a emergir das sombras. O quarto parecia grande; ela se sentiu isolada e sozinha. Cass de repente se deu conta de algo mais, ela cheirou o ar. Um perfume floral muito fraco estava presente.

Ela se deu conta que não gostava deste quarto, embora ela não tivesse visto-o. Ela não gostou nada dele. Cass estava prestes a caminhar para o corredor; em vez disso, ela nem se moveu.

Algo estava muito errado, mas o que?

O quarto estava extremamente frio, mas o ar era espesso e abafado. E daí? Na verdade, a atmosfera era mais que espessa, era pesada, entretanto, a noite castelhana tinha sido pesada e opressiva toda a noite. Sua imaginação estava levando-a. Devia ser isso, nada estava diferente ou errado. Assim como nada havia de errado com seu próprio quarto no andar de cima.

Por outro lado, talvez algo estivesse errado com toda essa maldita casa.

Ela queria sair, mas seus pés pareciam ser blocos de cimento. E de repente o aroma floral estava lá, flutuando ao redor ela, espesso e enjoativamente doce. E tão terrivelmente avassalador.

De repente em pânico, Cass saiu do quarto. Mas sozinha no longo corredor, com os castiçais de parede lançando luzes oscilantes e sombras dançantes, ela não se sentiu aliviada ou relaxada. De fato, seus ombros estavam tão duros quanto uma tábua. A tensão martelou ao longo de seu pescoço e invadiu seus ombros. Ela mal conseguia movê-los, ela mal conseguia respirar.

— Sua covarde — ela tentou sussurrar, mas ela não parecia conseguir ar suficiente e suas palavras eram resmungos roucos.

De onde no inferno que o perfume vinha?

Passagens de ar, foi seu primeiro pensamento. Mas seu quarto, e o de Tracy, estavam no outro lado da casa, o pátio entre eles. Elas eram as únicas mulheres na casa. E nenhuma delas usava perfume doce.

De repente Antonio se aproximava, uma lâmpada na mão.

— Na verdade — ele disse, quando se aproximou, — eu coloquei lâmpadas novas no outro dia. Elas deviam ser velhas ou defeituosas. — Seu olhar se tornou examinador. — Você está bem?

Cass molhou os lábios.

— Estou me comportando como uma covarde. Aquele quarto me deixou nervosa — ela admitiu com certa relutância.

Por um momento ele a observou, e então ele disse:

— Não é um quarto agradável.

Cass ficou pasma enquanto ele caminhava de volta para o lado de dentro. Então ela correu atrás dele. O que isso quis dizer?

Um instante depois, uma luminária ao lado acendeu.

Cass olhou de relance ao redor, esperando toda sua boba inquietação desaparecer. Não fez. Na verdade, aumentou. E ela realmente não viu nada do quarto, não a cama enorme, não os tapetes Orientais, as cadeiras e sofás, a pequena escrivaninha. Sua contemplação estacou sobre o retrato suspenso sobre a lareira.

— Isabel de La Barca. — Antonio disse, seu tom abafado.

Cass não se moveu.

Ela olhou fixamente.

Ela encarou Isabel de Warenne.

A mulher no retrato, uma jovem mulher com pele de alabastro e cabelo vermelho-ouro espreitando por baixo de seu enfeite de cabeça, encarando-a de volta.

— Oh, Deus. — Cass respirou, tremendo e esquecendo todos os seus medos.

— Exatamente meus sentimentos. — Antonio murmurou do outro lado do quarto.

Era uma das obras de arte mais impressionantes que Cass já tinha visto. Seja quem for o artista, ele capturou esta mulher tão impressionante que era como se ela estivesse ali na tela, cheia de energia e viva, de carne e osso. E então Cass percebeu que os impressionantes olhos azuis segurando seus próprios estavam cheios de tristeza.

— Ela era incrivelmente infeliz. — Cass exalou em um sussurro.

Antonio falou em um sussurro, também.

— Há também uma acusação em seus olhos.

Cass finalmente se aproximou. Isabel tinha sido bonita de um modo muito clássico. Seu rosto era oval, suas maçãs do rosto altas, sua boca cheia. E seu vestido era requintado, veludo vermelho, Cass pensou, com uma gola alta branca no pescoço, com mangas bufantes vazadas, uma estreita cintura marcada. Seu olhar disparou para o colar de rubis pendurado ao redor da garganta dela. Vermelho escuro no branco pálido.

Era o mesmo.

Tinha que ser.

— Sim. — Antonio disse suavemente, finalmente vindo ficar ao lado dela. Ele começou a entregar-lhe a fotografia, mas Cass acenou afastando-a.

— Era dela. — Cass disse animadamente, incapaz de desviar o olhar do retrato.

— Ela usou-o para este retrato, pelo menos. — Antonio murmurou baixinho. — Eu usei uma lupa para comparar a fotografia e a pintura.

Cass encontrou-se olhando para aqueles assombrosos olhos azuis novamente.

— O que você sabe sobre ela?

— Eu não tenho nenhuma data sobre ela. O que eu sei é isto: Alvarado casou com sua segunda esposa, Elena, em 1562, e eles tiveram três filhos.

Cass ainda estava hipnotizada, e agora ela percebeu que estava suando muito ligeiramente.

— Se minha tia está certa, se ela foi queimada na fogueira em 1555, existe um registro em algum lugar. Mais importante, eu quero encontrar uma árvore genealógica da família de Warenne no Século XVI. Como filha do Conde de Sussex, ela teria que ser incluída na mesma. — A mulher no retrato não podia ser muito mais velha que vinte, talvez ela tinha apenas dezessete ou dezoito. Então Cass percebeu que eles estavam ainda sussurrando. — Por que nós estamos sussurrando?

Ele sorriu brevemente, mas não riu.

— Eu não sei. Temor, talvez. Este retrato é datado. Novamente, a lupa. O artista é holandês, penso eu, alguém que eu nunca ouvi falar, Vandeerleck, e logo abaixo de seu nome é o ano 1554. — Ele olhou para ela.

Um monte de informações estava clicando dentro da mente de Cass ao mesmo tempo. Ela agarrou o braço dele, vagamente percebendo que ela nunca o havia tocado antes.

— Se ela morreu em 1555, isso foi apenas um ano, mais ou menos, depois que este retrato foi terminado. Meu Deus. Olhe quão jovem ela é!

— Eu tive exatamente esses mesmos sentimentos — ele disse.

— Temos que achar uma árvore genealógica. — Cass disse.

— Há outras maneiras. Se ela fosse acusada de heresia, teria havido acusações e um julgamento.

— E registros. — Cass disse severamente, esperando que esta jovem mulher não tivesse sofrido um destino tão trágico.

— Elena era uma grande herdeira. Rica assim como intitulada. Eu sou descendente dela e de Alvarado, a propósito. — Cass soube que ele estava para fazer uma observação. — É possível que Isabel foi eliminada de uma outra maneira. — Ele deu de ombros.

— O que você quer dizer, eliminada? Você quer dizer, trancada? Como, colocada em um convento em algum lugar, ou a torre de uma velha propriedade afastada, e deixada lá para definhar e morrer?

— Alvarado não teria sido o primeiro nobre a livrar-se de uma esposa não desejada dessa forma. — Antonio calmamente disse, segurando seu olhar no dela.

Cass encarou, então virou para olhar de volta para Isabel.

— Se ela soubesse que ele estava planejando tal destino, não admira que ela estava tão angustiada, e você está certo, há uma acusação em seus olhos. — E ela pensou sobre o retrato de Alvarado, pendurando em seu próprio quarto. Duas pessoas já tinham sido mais incompatíveis? Espanhol e britânico, católico e protestante, de meia-idade e jovem. A compaixão de Cass por sua antepassada não tinha limites.

Cass de repente se abraçou; ela tinha que fazê-lo. Ela não estava se sentindo muito otimista sobre o destino de Isabel, qualquer que poderia ter sido.

— Sussex era protestante antes dele juntar-se a insurreição pública que ajudou a colocar Mary Tudor no trono. Mas muitos nobres fizeram exatamente como ele, associando-se a ela quando ficou aparente que ela iria realmente suceder a Edward, e eles exteriormente ajustaram-se a religião católica. Mas só uma dúzia ou mais foram realmente julgados por heresia e condenados à fogueira.

Ele sorriu para ela.

— Você conhece sua história.

Cass corou com prazer.

— Obviamente você também.

Eles sorriram, então ambos se viraram simultaneamente para encarar o retrato de Isabel em silêncio. De repente o quarto estava tão quieto que Cass podia ouvir até a lenta respiração de Antonio, e a sua própria, que estava mais trabalhosa do que a dele. Ela estremeceu novamente, mas não mais porque estava frio. Ela quase quis olhar para trás, para se certificar que eles estavam sozinhos. E de repente ela tinha certeza de que Tracey estava ali de pé na soleira da porta, espiando-os. Cass virou-se; estava errada. A soleira estava vazia.

Cass voltou-se para o retrato. Houvera tragédia na vida da Isabel, ela decidiu; estava escrito ali mesmo em seus olhos para qualquer um ver.

— Este foi o quarto dela? — Ela perguntou.

— Eu não sei. Mas eu acredito que sim. O quarto principal fica ao lado.

O quarto dele, o quarto que Tracey havia saído mais cedo, descalça e despenteada. Cass percebeu que ela ainda estava se abraçando, e ela soltou seus braços.

— Talvez, — ela disse devagar, — é por isso que este quarto parece tão... estranho. Tão escuro e desagradável. Tão... intenso. Porque ela viveu aqui, talvez até mesmo morreu aqui, e ela era tão infeliz aqui.

Ele não riu para ela.

— O quarto é estranho, como você disse. Eu me sinto incomodado toda vez que eu entro aqui. — Ele fez uma pausa, então disse. — Eduardo não entrará. — Seus olhares se encontraram.

Cass não conseguia desviar o olhar, e mesmo enquanto ela estava muito ciente de estar a sós com ele ali no quarto perturbador, no meio da noite, ela continuava muito desconfortável. Ela não podia deixar de olhar ao redor, mas é claro, o quarto era apenas isto, um quarto velho com móveis velhos, gastos. Alguma coisa estava incomodando-a, entretanto, e ela não podia definir o que era. Isso era algo que sua tia havia dito.

— Você sente o cheiro disto? É violetas?

— Sim. — Seu olhar era penetrante. — Alfonso provavelmente usou um ambientador esta tarde, quando ele foi informado que vocês chegaram.

Estranhamente, Cass estava muito aliviada. Ela riu.

— Deus, por um momento eu estava estupidamente pensando que era o perfume da mulher morta. — E no momento em que ela falou, ela parou de rir, atordoada, porque ela não tinha pensado nisso, de onde diabos tinham vindo as palavras?

Antonio não chegou a sorriu para ela.

— Nós não temos exatamente o mesmo apreço aqui por fantasmas que vocês britânicos tem.

Cass desejou que ele tivesse sorrido. Tão ligeiramente quanto possível, de repente determinada a sair do quarto, e rapidamente, ela deu de ombros, dizendo.

— Você conhece os britânicos. Um fantasma em cada mansão, dois em cada castelo. — Determinada a sair, ela se achou enlaçada pelos olhos azuis de Isabel novamente, e de repente ela franziu a testa.

Cass caminhou alguns passos à direita, se virou e enfrentou o retrato. Isabel olhou diretamente para ela.

Incapaz de respirar, Cass caminhou à esquerda para o lado mais distante do quarto, então se virou. Mais uma vez estava presa pelo olhar assombrado de Isabel.

— Os olhos dela — ela exclamou, baixo. — Bom Deus, não importa onde você esteja no quarto, os olhos dela seguem você.

— Eu percebi isso. — Antonio disse calmamente. — Este artista era brilhante, eu diria. Não é?

Cass não sabia se estava espantada ou abalada, mas ela rapidamente voltou a ficar ao lado de Antonio. Ela estava prestes a perguntar-lhe se ele estava pronto para ir, quando o quarto foi repentinamente lançado na escuridão.

A frequência cardíaca dela acelerou descontroladamente.

Ele tocou a mão dela.

— Ou é uma lâmpada defeituosa ou a fiação defeituosa. Ninguém mora aqui há trinta e quatro anos, Cassandra. — Seu tom era tranquilizador, como se ele adivinhasse seus pensamentos.

— Claro. — Cass disse. Mas ela não gostou da sensação que ela estava finalmente identificando, uma sensação que estava incomodando-a desde que entraram no quarto. Era a sensação de ser observado. A sensação de não estar só.

Que era verdadeiramente absurdo.

Porque eles estavam sozinhos; ela tinha verificado o quarto uma dezena de vezes nos últimos cinco minutos.

Ele pegou-a pelo braço e eles cruzaram o quarto. Mais tarde Cass percebeu que era um gesto reflexivo da parte dele, mas enquanto eles saíram pela porta, ele bateu no interruptor, como se faria para desligar automaticamente as luzes ao sair.

O abajur ao lado da cama ligou.

Cass vacilou, quase caindo nos braços de Antonio. Ele endireitou-a, e por um momento ela olhou para o rosto dele, sentindo não apenas surpresa, mas choque, e um arrepio de medo.

Ele deve ter visto e compreendido o olhar no rosto dela, porque ele firmou-a e disse.

— Se eu for ficar todo o verão, eu terei que chamar um eletricista para a casa. A fiação está claramente defeituosa.

A fiação, claro. Ele apagou as luzes e eles saíram para o corredor. Cass observou-o fechar firmemente a porta. Ela sabia que não devia estar agitada com isto. Mas a casa não era apenas enorme, era muito antiga, e ela não havia sido habitada por anos.

— Sabe, — ela disse lentamente, seu coração rufando em seu peito, ciente que ela não devia mencionar sua tia, mas incapaz de parar a si mesma, — minha tia me implorou para não vir aqui.

Ele encarou-a, seu olhar penetrante.

— Realmente.

Cass estava se abraçando.

— Ela não está pensando claramente estes últimos dias. Ela adoeceu pouco antes de eu partir e esteve brevemente hospitalizada.

— Sinto muito. Eu estou contente que ela está se recuperando. O que ela disse? — Ele perguntou.

Cass não conseguiu sorrir quando ela quis ser leve, brincando.

— Ela disse que... — Ela hesitou. — Ela acha que nossas famílias compartilham algum tipo de destino terrível. Que qualquer envolvimento entre sua família e a minha leva apenas a tragédia. — E finalmente ela riu, mas o som era rouco e torcido.

Ela esperava que ele zombasse dela. Ele não fez nada disso. Ele a encarou.

O sorriso de Cass enfraqueceu.

— Minha tia adoeceu. E Tracey... — Ela respirou. — Nós temos brigado terrivelmente, mas não é porque um de La Barca está em nosso meio.

Ele disse:

— Isto é interessante.

— É?

— Minha mãe tem algumas noções estranhas, também. Não que ela irá falar sobre elas.

Cass se tornou mais receosa.

— Que tipo de noções estranhas?

O olhar dele sustentou o dela.

— Ela acha que Isabel está aqui. — Seus olhos se encontraram. — Minha mãe jurará isso sobre a Bíblia, e ela é devota.

Cass sentiu sua boca formar um sorriso sem graça.

— Bem, eu suponho que é possível. Eu acredito nesse tipo de coisa. — Ela acrescentou. — Mais ou menos. — Em seguida: — Provavelmente há uma enorme quantidade de seus ancestrais mortos vagando em torno deste lugar. Talvez por isso esta casa pareça tão escura e triste e estranha. — Ela não conseguia deixar de olhar acima e abaixo do corredor, como se esperando ver um fantasma. Felizmente, ela não viu.

E então isso atingiu Cass, duro, o que sua tia havia dito pouco antes dela ser hospitalizada. Ela disse: Ela voltou. E ela estava falando sobre Isabel.

Cass sentiu uma sensação terrivelmente gélida atravessá-la, como um véu de ar gelado.

— Eu duvido que minha mãe esteja certa. — Antonio cortou seus pensamentos. — Ela é uma mulher de idade — ele disse, encarando. — Como sua tia.

Seus olhares colidiram. Cass disse rapidamente:

— Talvez devêssemos chamar aquele eletricista mais cedo em lugar de mais tarde? — Porque ele modulou na palavra “tia”.

Ele sorriu, e era sombrio.

— Minha mãe também odeia sua tia. Você sabia disso?

Os joelhos de Cass fraquejaram. Ela piscou para ele e não conseguia pensar em uma única coisa a dizer. Mas o golpe estava vindo e ela sabia disso.

— Na verdade, ela odeia sua família inteira — ele disse. — Furiosamente.


Capítulo Oito

Casa de Sueños – Dia dois

— Que dia glorioso. — Cass exclamou quando saiu do carro de aluguel com as duas crianças, tinha acabado de estacionar em frente as ruínas do castelo. — Você precisa de ajuda, Eduardo? — Ela perguntou, como se fosse a pergunta mais natural no mundo. Mas claro, observando-o ajustar suas muletas e manobrar as pernas do carro até o chão preocupou ela. Seu impulso foi de se adiantar e ajudar.

— No, señora, gracias. — Ele disse gravemente, empurrando-se sobre as muletas. Alyssa estava esperando pacientemente por ele, e ela fechou a porta quando ele saiu.

Cass abriu o porta-malas e tirou dois cobertores e sua cesta de piquenique. Ela fechou-o, sem sorrir. Ela mal conseguiu dormir à noite toda. Antonio estava brincando de gato e rato com ela?

Cass não queria pensar sobre as últimas palavras que haviam trocado. Tais pensamentos só arruinavam o belo dia. De fato, à luz de tal dia, a maioria de seus temores da noite anterior parecia absurda.

— Este castelo realmente pertenceu a sua família? — Alyssa estava perguntando, seu tom abafado com admiração.

Eduardo sorriu com orgulho.

— Sí. Por centenas de anos. Foi usado para lutar contra os povos árabes.

— Os árabes estiveram na Espanha? — Alyssa perguntou, perplexa.

Enquanto Eduardo dava sua explicação rudimentar, Cass separou os itens do piquenique, pegando sua câmera de sua bolsa de ombro. Ela se afastou do carro, olhando para a primeira torre, e o muro incompleto que corria dele para a segunda torre, recusando-se a pensar sobre seu próximo encontro com Antonio de La Barca. Era um dia perfeito para um piquenique, um dia perfeito para as crianças se divertirem, um dia perfeito para ela se divertir.

Não existia uma única nuvem no céu extremamente azul. Embora estivesse quente, uma brisa fresca acariciou a pele de Cass. A estrada por onde ela chegou estava parcialmente à vista, mas era de terra batida, nem um único carro passava ali, e era fácil ignorar. E logo atrás do castelo havia um enorme grupo de árvores de abeto, um surpreendente ato da natureza. Cass estava apenas começando a perceber que ela gostava de Castilha. Havia algo interessante sobre a desolação, a aridez, algo atraente e grandioso. Era muito ruim que ela estava ali em tais estranhas e estressantes circunstâncias. Um dia, ela prometeu a si mesma, ela gostaria de voltar para umas autênticas férias.

Cass começou a tirar fotos.

— Tia Cass? Nós podemos ir no interior do castelo? — Alyssa chamou.

— Esperem por mim. — Cass instruiu, colocando sua câmera sobre seu ombro.

— Eu estou bem, señora. — Eduardo disse seriamente.

Cass tinha prometido a Antonio que ela seria muito cuidadosa quando estavam saindo. Mas os olhos de Eduardo estavam tão sérios e esperançosos, e como ele se movia tão agilmente como um esquilo em suas muletas, apesar de suas cintas, que ela percebeu que ele sentia falta de brincar como qualquer outra criança podia. Ela não perguntou, mas ela estava bastante certa que ele sofrera de pólio quando criança. Era uma pena terrível.

— Tudo bem. — Cass decidiu impulsivamente. Ela viu as duas crianças cruzarem um conjunto de pranchas sobre a vala que cercava as ruínas. E era exatamente isso, uma vala, pois tinha apenas um a dois metros de profundidade e não podia ser considerado um fosso por nenhum esforço da imaginação. Cass pensou que a erosão natural tinha criado isso.

Ela não podia deixar de pensar se Isabel alguma vez se incomodou em visitar estas ruínas.

Isabel. A mãe do Antonio acreditava que ela estava assombrando a Casa de Sueños. Ou ela acreditava que Isabel estava assombrando a família de La Barca? Sua tia tinha feito uma declaração semelhante. Ela voltou. Claro, sua tia tinha sofrido de uma febre muito alta quando havia pronunciado aquelas palavras. Ainda assim, era muito estranho que ela tivesse escrito sobre Isabel de Warenne em seu diário.

Cass fez alguns cálculos. Antonio tinha quatro anos de idade quando o pai dele morreu, ele tinha agora trinta e oito. Eduardo tinha morrido em 1966.

E o último registro no diário de Catherine tinha sido em julho de 1966.

Cass particularmente não gostou da direção em que todos os pedaços e fragmentos de informações estavam apontando. Ela ficaria muito aflita caso ela soubesse que Eduardo tinha morrido em julho daquele ano. E ela não sabia se ficava contente ou alarmada por não ter lido o diário da sua tia. Na verdade, ela tinha medo do que poderia conter nele.

Mas mesmo se os registros estivessem incriminando sua tia, se podia ainda afirmar que sua tia estava tão traumatizada pela morte do Eduardo, mesmo assim, trinta e quatro anos atrás, aqueles seus devaneios eram irrelevantes.

Agora, em pé diante das ruínas de século XVI, Cass não podia deixar de se perguntar se a casa de Antonio não abrigava alguns dos antepassados dele. Casas assombradas eram uma realidade na Inglaterra, e Cass certamente visitou sua cota. Isso explicaria por que a casa era tão hostil e tão assustadora, tão fria e tão sombria. Além disso, a vila era tão antiga. Como não poderia abrigar uma entidade ou duas?

A casa era desconfortável, mas isso era até onde foi. Todas as terríveis advertências da sua tia em relação aos de La Barcas e Castilha eram divagações insensatas. Ponto.

As crianças tinham parado na entrada arqueada de um lado da torre. Cass assistiu-os desaparecer de repente por trás da parede de pedra apodrecida, ante seus olhos.

De repente Cass foi apanhada por incerteza e medo.

Isto não era, ela decidiu, uma boa ideia. Se qualquer coisa acontecesse com Eduardo, Antonio nunca iria perdoa-la, e ela nunca se perdoaria. Cada instinto que ela tinha estava agora gritando com ela, estúpida, estúpida, estúpida! E seus medos não tinham nada a ver com espíritos persistentes. Ela se apressou para a cesta de piquenique e cobertores, em seguida, correu atrás das crianças. Seria tão fácil para Eduardo tropeçar e machucar-se.

No momento em que Cass cruzou o fosso seco e entrou nas ruínas, ela viu-os de pé no centro do que uma vez tinha sido o grande salão. O alívio a fez parar e suspirar. De agora em diante, ela iria mantê-los à vista.

Cass olhou com curiosidade ao redor. Pedaços de pedra eram visíveis aqui e ali no chão, elevando-se das camadas de sujeira do chão e um pequeno monte do que tinha sido uma parede ou uma coluna. Então ela percebeu que Alyssa e Eduardo não estavam se movendo.

— Crianças? Tudo bem? — Eles estavam olhando através de uma abertura na parede, mas afastada, de costas para Cass. Ela estava levemente alarmada. Em uníssono eles a enfrentaram, seus pequenos rostos comprimidos e brancos. Seu alarme aumentando. — O que foi? — Cass gritou, correndo para eles.

— Tia Cass, alguém está lá fora. — Alyssa sussurrou.

Cass hesitou, instintivamente puxando ambas as crianças para ela, virando-se para olhar através da abertura na parede. O que ela viu foi o conjunto de abetos, mas sua mente estava correndo. Não existia nenhum outro carro à vista. A aldeia mais próxima estava a vinte minutos de distância, de carro. Quem podia estar lá fora, e por que? E como tinha ele, ou ela, chegado ali? Ela não gostava de estar sozinha com as duas crianças se um estranho estava espreitando.

Ela não gostava disto nem um pouco.

— Eu não vejo ninguém — ela disse secamente. — Vocês têm certeza que viram alguém?

Ambos assentiram.

— Uma pessoa entrou naquelas árvores muito depressa — Eduardo disse. — Como se ela não quisesse que a gente a visse.

— Eu pensei que era um homem — Alyssa disse. — Um homem pequeno, gordo.

— Meus olhos são muito bons. — Eduardo disse simplesmente.

A pulsação de Cass disparou. Ela olhou para o conjunto de árvores, mas não viu nenhum movimento, e nenhum sinal de qualquer ser humano.

— Crianças, é possível que vocês imaginaram alguém lá fora? Não faz muito sentido alguém fazer todo o caminho até aqui sem um carro.

As duas crianças se entreolharam.

— Os aldeãos costumam usar bicicletas, — Eduardo disse. — Ou eles caminham.

Cass tentou recuperar a calma.

— Bem, quem quer que fosse está muito longe agora. Vamos explorar? Ou devemos comer primeiro e explorar mais tarde? — Ela sorriu para os dois rostos sérios que viraram em sua direção, mas ela estava preocupada e tentando esconder isto. E se eles tinham visto alguém à espreita?

— Comer. — Alyssa disse com um sorriso tímido para Eduardo.

— Comer. — Eduardo disse, sorrindo para Cass.

Cass olhou duas vezes. Se não estava enganada, sua sobrinha tinha uma queda pelo filho de Antonio! Era doce, e ela sorriu quando estendeu os cobertores. Então seu prazer desapareceu. Ela não deixar de olhar para trás em direção ao conjunto de abetos à medida que todos se sentaram. Mas não havia nenhum movimento, nenhum mesmo.

Relaxe, ordenou a si mesma. Relaxe e aprecie a paz e a solidão, porque quando você voltar para a casa, não será metade tão pacífica. E ela não estava pensando sobre a esquisitice da noite anterior, ou Isabel ou qualquer outro antepassado de La Barca, mas em sua irmã e seu anfitrião.

Cass ajudou as crianças, entregando-lhes pratos, seguidos por pedaços de pão fresco, carne de porco defumada, presunto, salsichas, e uma variedade de queijos deliciosos.

— Você gosta de Pokémon? — Eduardo perguntou a Alyssa.

Os olhos da Alyssa se arregalaram.

— Eu amo Pokémon. Eu tenho noventa e três cartões. Eu consegui Drowzee no outro dia.

— Eu tenho duzentos e dois cartões — Eduardo disse. — Mas eu sou mais velho que você.

Os olhos da Alyssa estavam brilhando.

Cass deixou de prestar atenção, seu olhar indo imediatamente para a abertura na parede, o qual ela estava propositalmente encarando. Não havia ninguém lá fora. As crianças não tinham visto o que eles achavam que tinham visto. Então por que os cabelos em sua nuca estavam arrepiados? Por que ela não conseguia relaxar? De repente ela se levantou.

Um falcão sobrevoou no alto. Ela não conseguia admirá-lo em seu voo.

Cass pegou sua câmera.

— Eu vou tirar algumas fotos deste castelo, — ela disse, — e comer mais tarde.

As crianças estavam agora imersas em uma discussão sobre as características de Charmander e Gengar. Cass inclinou sua câmera, tirando uma variedade de fotos das muralhas, as torres, os topos ameados das torres, o arco. Ela se agachou, esperando obter uma difícil foto do muro e a segunda torre. Ela subiu um conjunto de degraus e tirou fotos da vista do muro onde ela estava agora. Finalmente ela estava satisfeita.

Cass saltou do muro, voltando às crianças, que terminaram seus lanches.

— Agora podemos explorar, señora? — Eduardo perguntou esperançoso.

— Claro — Cass respondeu. Era difícil sorrir de volta. E ela teve que olhar sobre seu ombro mais uma vez, mas é claro, ninguém mais estava presente entre as ruínas naquele dia.

Antonio aparentemente estava esperando por eles quando retornaram. Seu olhar foi direito para seu filho. Cass viu alívio encher seus olhos. E ele sorriu para todos eles.

— Como foi o piquenique de vocês? — Ele perguntou.

— Muy bueno. — Eduardo disse com um sorriso de resposta.

— As crianças tiveram um grande momento. — Cass disse a ele.

O olhar dele pousou no rosto ela.

— E você? Você se divertiu?

Cass hesitou. Então.

— Eu tive um grande momento, também. — Ela desviou o olhar, então retornou. — Consegui algumas fotos maravilhosas das ruínas.

Ele encarou, e Cass tinha um pressentimento de que ele sabia que ela estava escondendo alguma coisa.

Eduardo disse:

— Vimos alguém nas árvores, Papá.

Antonio olhou para o filho.

— Nas ruínas? — Ele estava incrédulo.

Cass interrompeu.

— As crianças pensam que viram alguma coisa — ela disse, — mas ninguém estava lá fora, era imaginação deles.

Ele assentiu.

— Tempo para uma siesta, — ele disse ao filho. Então ele olhou para Cass. — Sua tia ligou. — Seu olhar se estreitou. — Ela parecia angustiada.

Cass concordou, imediatamente desconfortável, evitando o olhar dele. Isso era suspeito, Cass tinha certeza. A inquietação de Catherine só aumentaria a sua própria tensão. Ainda assim, ela tinha que retornar o telefonema e tranquiliza-la de que todos estavam bem. — Vou ligar mais tarde. Alyssa, é hora da soneca para você, também.

Mas Alyssa já estava bocejando, uma vítima do calor e do jet lag.

— Está bem, tia Cass.

— Cassandra.

Cass parou no meio do caminho. Ela nunca se acostumaria com o modo como ele falava seu nome completo com sua voz melódica e sotaque sensual.

— Sim?

— Enquanto as crianças cochilam, talvez você possa se juntar mim em uma pequena investigação? — Seu olhar procurou o dela.

O pulso dela disparou.

— Que tipo de investigação?

— Eu quero verificar a cripta da família. A senhora em questão deve estar enterrada lá, e nós podemos pelo menos ficar sabendo de algumas datas.

— Eu adoraria ir. — Cass disse tão rapidamente que ele riu.

— Vou encontrá-la aqui em meia hora, — ele disse. — Se estiver bem para você.

Ela precisava de um banho; ela tinha que se apressar.

— Está mais do que bem, — ela disse. Então. — Onde está Tracey?

Antes que Antonio pudesse falar, Tracey entrou no saguão pelo corredor que levava para seus quartos.

— Bem aqui, — ela disse, seu olhar tão duro como aço e tão frio como gelo, e dirigido a Cass.

Cass foi tomada de surpresa.

— Nós tivemos um grande piquenique, — ela disse.

O sorriso do Tracey era frágil.

— Eu gostaria de ir para a cripta, também. Contem comigo.

E naquela fração de segundos Cass sabia que ela não confundiu o puro ódio encrustado que presenciou nos olhos da irmã. Mas então o momento tinha ido. Tracey voltou sua atenção para Antonio.

Cass não conseguia respirar.

Oh, Deus.

Tracey a via como uma ameaça.

Mas então, ela não deveria? Não porque Cass realmente poderia roubar Antonio, mas porque ela tinha tido esses terríveis pensamentos sobre fazer isso.

— Meia hora. — Antonio estava dizendo. — Eu sugiro que você use sapatos fechados.

— Não há problema. — Tracey disse, passeando até ele e envolvendo um braço em torno dele. Ela estava vestindo shorts curtos, tangas cravejadas, e uma camiseta minúscula. A maioria de homens estariam enlouquecendo ao redor ela. Pela primeira vez, Cass percebeu que Antonio não estava retornando à afeição dela; em vez disso, ele se afastou.

Cass não tinha ideia do que aquele gesto significava. Ela fugiu.


— Este foi outrora um monastério próspero. — Antonio disse. — Ele foi finalmente abandonado há cerca de sessenta anos atrás, não devido à falta de devoção religiosa, que meu país tem em excesso, mas por razões econômicas. — Ele estacionou no que tinha sido um estacionamento do monastério, olhando para Cass em seu espelho retrovisor.

— Que interessante. — Tracey disse animadamente, até demais. Cass sabia que ela estava entediada e fingindo interesse em sua expedição.

— Eu pensei que você não soubesse muito sobre esta área. — Cass disse quando todos saíram do jipe. Algumas construções antigas de pedra os encaravam, a maior uma retangular, sem janelas. Havia um poço à sua direita, e alguns equipamentos agrícolas abandonados.

— Eu estive lendo os arquivos e material de pesquisa do meu pai desde que eu cheguei na casa no início da semana, — Antonio disse a ela. — Ele era um homem brilhante, mas como a maioria dos homens brilhantes, ele era muito desorganizado. Eu gostaria que ele tivesse arquivado tudo metodicamente.

— Isso tornaria a nossa busca bem mais fácil. — Cass concordou.

— O que procuram? — Tracey exigiu enquanto eles cruzavam o muro da construção de pedra longa e retangular com seu telhado inclinado. Cascalho rangia sob os pés.

Cass desejou que ela tivesse expressado suas palavras diferentemente.

— Desde quando vocês dois estão procurando algo juntos? — Tracey perguntou novamente.

Um cemitério estava adiante, inúmeras lápides manchadas pelo tempo, de mármore e de granito levantando-se da terra gramínea, um mausoléu com um templo frontão15 em seu meio. Cass estava ciente do seu pulso batendo um pouco irregular. A Missão deles parecera intrigante quando eles tinham discutido o assunto em teoria, de repente Cass percebeu o que eles estavam para fazer. Bom Deus, ela não podia deixar de pensar. Eles realmente iriam entrar no interior de uma cripta?

Antonio disse, calmamente:

— Eu pedi a sua irmã para me ajudar na pesquisa. Afinal de contas, ela compartilha meu amor pelo passado.

Tracey olhou dele para Cass com os olhos esbugalhados de descrença.

Cass suspirou interiormente, sem humor para novos conflitos com sua irmã.

— É apenas uma pesquisa, — ela resmungou, irritada. Ela olhou Tracey. — E só pelo fim de semana. Lembre-se, eu estou indo para casa na segunda-feira.

Tracey não relaxou visivelmente.

— Você é bem-vinda a ficar, — Antonio disse. Cass virou-se para olhá-lo, surpresa. — Eu poderia usar a sua ajuda.

— Ela irá embora. — Tracey disse com firmeza. Ela pareceu determinada, e confusa. O olhar de confusão em seus olhos a fez parecer jovem e vulnerável. — Ela fez seus planos. — Ela olhou de um lado para outro entre eles novamente.

Eles entraram no repleto cemitério em silêncio. Algumas árvores disformes guardavam o perímetro do terreno, e a grama roçou os joelhos de Cass. Estava muito quieto ao redor deles, quieto e silencioso. Ela desejava que um pássaro cantasse, pelo menos.

— Quem está enterrado aqui? — Ela perguntou, com a voz soando alta e abrasiva para seus próprios ouvidos.

— Nobres. Monges. Membros menores da família. — O olhar dele encontrou e segurou o dela.

Cass achou difícil desviar o olhar. Ela pensou que ele podia sentir seu leve mal-estar. Quando ele sorriu para ela, ela virou-se depressa para estudar uma pedra de mármore magnífica, anos de pó e sujeira arruinando o que de outra forma seria uma superfície branca e lisa. Datas do século XVII foram gravadas na pedra, com uma inscrição que não conseguia ler.

— Um de La Barca, — ela murmurou.

— Isto é loucura. — Tracey disse, abraçando-se. — Vagar em torno de um maldito cemitério.

Antonio não respondeu, levando-os através dos túmulos, ele e Cass parando para ler as datas e inscrições nas pedras por onde passavam. Eles finalmente fizeram uma pausa fora do mausoléu, uma construção que agora parecia imponente. Quatro colunas grossas sustentavam o frontão, uma série de degraus de pedra levavam à porta da frente, e um enorme cadeado estava na fechadura.

— Está trancada! — Cass exclamou, ouvindo as notas em conflito de alívio e decepção em seu tom.

Antonio fez uma careta.

— Eu devia ter adivinhado. Claro que a cripta estaria fechada, a fim de desencorajar vândalos. — Ele franziu a testa.

— Eu tenho uma grande ideia, — Tracey disse, puxando o braço dele. — Vamos dirigir até Pedraza para uma bebida fresca e algumas tapas16.

Ninguém lhe respondeu.

Cass estava dividida. E se a resposta que eles estavam procurando estava dentro daquele mausoléu? E ela não queria que Antonio pensasse que ela era uma covarde. Ela inalou.

— Talvez possamos arrombar a fechadura, — ela disse, e com determinação subiu os degraus de mármore sujos.

— Exatamente meus pensamentos. — Antonio estava atrás dela. A respiração dele suave como uma pluma na orelha dela. Este não era, Cass sabia, um bom momento para começar a notar pequenos detalhes como esse.

Cass agarrou o cadeado e puxou tão forte quanto ela podia. Ele quebrou com tanta facilidade que ela foi voando para trás, aterrissando em um dos degraus mais baixos e caindo de costas para o chão abaixo.

— Você está bem? — Antonio desceu correndo os degraus, ajoelhando ao seu lado, suas mãos grandes fechando sobre os ombros dela, que de repente pareciam ridiculamente pequenos.

Cass olhou em seus olhos, viu a preocupação ali, percebida como ela devia parecer, e começou a rir.

— Eureca. — Ela disse.

Ele riu, também, sacudindo a cabeça. Então estendeu a mão. Cass tomou-a, e ele a ajudou a ficar em pé.

Então ela deixou cair sua mão e se virou para encarar Tracey. Duas manchas brilhantes coloriam suas bochechas. As irmãs se encararam. Cass queria dizer para ela se acalmar quando Antonio se afastou, mas ela disse.

— Eu não posso evitar se ambos amamos o passado.

A mandíbula de Tracy cerrou.

— Você com certeza não pode.

Cass desejava ter dito qualquer outra coisa. Por que ela tinha colocado mais lenha na fogueira?

— Vamos entrar. — Antonio sugeriu como se ele não notasse a tensão crescente entre elas.

Eles entraram no mausoléu, que estava lançado na mais completa escuridão. Antonio ligou a lanterna que estava carregando, mas o pequeno feixe não iluminava nada além de uma circunferência muito pequena de talvez um metro. Cass começou a tremer. Não era apenas escuro do lado de dentro, era úmido e frio, e muito, muito bolorento.

— Ninguém esteve aqui há anos, — Cass murmurou, avistando um par de tumbas a sua direita. — Espero que isto não seja considerado uma violação dos direitos de ninguém.

— Estamos bem — Antonio disse, a emoção em sua voz.

— Você dois estão loucos. Quem iria querer descer aqui com um bando de pessoas mortas? — Tracey gritou nervosamente.

— Trace, todo mundo aqui embaixo está morto e enterrado. — Cass deu um sorriu tranquilizador, embora sua irmã possivelmente não podia ver seu rosto claramente. E agora não era o momento para pensar sobre as sensações estranhas que ela teve na noite passada, ou sobre a casa estar sendo assombrada, se a mãe de Antonio estava certa, ou se perguntar se Isabel era a constante. Tracey estava certa. Eles estavam loucos.

— Não existe essa coisa de fantasmas, — Tracey murmurou, claramente esperando acreditar em suas próprias palavras.

— Ssh. — Antonio disse, andando além das primeiras duas tumbas. Elas eram magníficas: efígies de pedra dos mortos esculpidos no topo das criptas de pedra.

Cass encarou, tremendo. E então a historiadora em si levou a melhor sobre ela. Tinha pesquisa para fazer, uma tumba para encontrar. Cass tinha uma pequena lanterna em sua bolsa, que ela tirou. Ela seguiu Antonio passando por mais tumbas, observando as datas gravadas à medida que ela passava.

— Isto é fascinante, embora um pouquinho enervante. — Ela finalmente disse para as costas de Antonio.

Ele estava muito à frente dela, e ela e Tracey se apressaram para continuar.

— Esta seção é cheia de túmulos do século XVII — ele disse avidamente.

Cass surgiu por trás dele. Ela não podia deixar de estar animada por si só. E não foi tão ruim quanto ela tinha pensado, descendo lá na cripta. Nem uma única vez ela começou a se acostumar com isso.

— Se ela se casou em 1554, e ela tinha vinte anos, no máximo, e minha aposta é que era mais jovem, e não foi queimada na fogueira, e se viveu até cinquenta ou mais, ela morreu na virada do século. — Estranhamente, ela não queria falar o nome de Isabel.

— Eu já pensei sobre isto. Se ela morreu antes do casamento de Alvarado com Elena... — Ele parou. — Dios mío. Aqui estão eles.

Cass quase trombou em suas costas; ela se viu segurando a cintura dele por trás, olhando em torno de seu ombro largo, que nem sequer era no nível de seus olhos.

— Quem? Alvarado e...? — Ela parou.

— Alvarado e Elena — ele respirou.

Tracey veio ficar ao lado deles, sem dizer nada.

Cass sentiu uma decepção absurda; ela tinha pensado que era Alvarado e Isabel a quem ele estava se referindo. Antonio lançou sua luz sobre ambos os túmulos, e Cass imediatamente viu que a efígie esculpida de Alvarado era realmente semelhante a ele. Embora ameaçador na aparência, ele tinha sido um homem atraente. Ele tinha nascido em 1528, e morrido em 1575. Elena tinha sido muito mais jovem do que ele, Cass viu, e ela morreu mais cedo; suas datas eram 1544-1571.

Cass tremeu.

— Ela era uma noiva criança. Você não disse que eles se casaram em 1560?

— Em 1562, — ele lançou a luz ao redor. — Ela deve estar aqui. Mas onde?

Cass seguiu a luz, lendo nomes e datas.

— Talvez ela sobreviveu a ambos. Talvez você esteja certo. Talvez ele a mandou para um convento em algum lugar, ou em outra propriedade, e ela morreu e foi enterrada lá.

— Ou talvez ela foi queimada na fogueira e ninguém se importou em recolher suas cinzas e enterrá-la corretamente, — foi a resposta perturbadora de Antonio.

— Eu espero que não, — Cass murmurou. E sua própria minúscula lanterna se extinguiu. Cass tentou encaixá-la de volta, mas não iria funcionar. — Inferno — ela disse. — Tanto coisa por nada.

— Olá? Quem se importa com aquela mulher? Acho que deveríamos ir. Eu não gosto disso aqui embaixo. — Tracey disse, pressionando-se contra Cass. Cass podia sentir sua irmã tremendo, entretanto, entre seu shorts e camiseta minúsculos, ela estava bastante nua.

— Eu detesto dizer isto, eu não me importaria em sair. — Cass disse. — Antonio, você está nos meados do século XV. Ela não está aqui.

— Você está certa. Ela não está aqui. — Seu tom era pesado com decepção.

— Está tudo bem. Vamos encontrá-la. Precisamos reduzir consideravelmente toda a papelada do seu pai. — Cass disse tranquilizadora. Então ela pensou sobre seu uso da palavra “nós”.

— Você está certa. Há tanta coisa para fazer. — Ele se virou e seus olhos seguraram os dela. — Eu realmente aprecio sua ajuda, Cassandra.

Cass se encontrou olhando, sem vê-lo claramente, e incapaz de sorrir.

— É um prazer, realmente. — As palavras saíram por vontade própria. Elas eram salvo as circunstâncias incomuns, e verdadeiras.

— Devemos ir? — Antonio removeu abruptamente a luz da última tumba.

— Pode apostar. — Cass disse.

Antonio encontrou seus olhos, e neste momento seus olhares se sustentaram.

E Cass finalmente teve que enfrentar o fato de que quando ele olhava para ela, seu coração disparava, seus joelhos ficavam fracos, e seu interior virava geleia. Maldição.

— Você sabia que minha tia e seu pai foram amantes? — Tracey disse alto.

Cass virou. Ciente de Antonio enrijecendo, sacudindo a cabeça ao redor. O sorriso de sua irmã era desagradável.

E Cass sabia que não tinha ouvido mal, mas como diabos Tracey sabia?

Tracey cruzou seus braços e enfrentou ambos. Sua expressão era feia.

— Eu ouvi tia Catherine dizendo-lhe tudo sobre isso, Cass. — Ela sorriu para Cass. O sorriso era frio, ameaçador. — Que interessante, não, conversa fascinante vocês duas tiveram.

O coração de Cass parou brevemente. O suor escorria por suas têmporas.

— Trace, por favor, não faça. — Quanto Tracey tinha ouvido? Quanto ela sabia? Certamente ela não iria sacrificar tia Catherine, não faria isso a fim de machucar ela e Antonio?

— Eles eram amantes. — Tracey olhou para Antonio. — Bem aqui, na Casa de Sueños.

Antonio encarou-a. Cass deu uma rápida olhada para ele e viu que estava incrivelmente pálido. Sem pensar, ela estendeu, e segurou a mão dele, com força.

— Eu sinto muito — ela sussurrou. — Eu sinto muitíssimo.

Ele estava sem palavras.

Então Cass olhou para a irmã.

— Eu não acredito que você pode fazer isso — ela disse muito friamente.

Tracey deu de ombros.

— A tia Catherine tem muita história para contar. Não é, Cass?

Cass sentiu a tensão rígida na mão de Antonio antes dele puxar se liberando. Todas as suas suspeitas tinham fundamento, Tracey tinha ouvido tudo. Cass tinha certeza. E ela queria estrangular sua irmã, por não ser nenhum pouco diferente de uma criança mimada buscando atenção da única maneira que ela sabia como conseguir. Mas mais do que isso, ela tinha que impedir que ela revelasse qualquer outra coisa.

— Eu não sei, — Cass mentiu. — Acho que devemos sair daqui. Antonio?

Seu olhar oscilou de Tracey para Cass em si.

— Eu suspeitava que eles eram amantes, — ele disse lentamente, olhando fixamente para Cass. — Suspeitava disso quando eu descobri que sua tia estava aqui quando ele morreu. Quando eu descobri o quanto minha mãe a odiava.

Cass estava quieta.

— Eu sinto muito — ela disse novamente, impotente.

O olhar dele era duro.

— O que é que você não me contou?

Cass endureceu. E enquanto ela debatia uma resposta, o seu pulso acelerou, e ela ouviu a porta do mausoléu se fechar acima de suas cabeças.

E eles ficaram de pé entre os túmulos na escuridão pesada.


Capítulo Nove

Casa de Sueños – A segunda tarde

— A porta! — Tracey gritou em pânico. — E se estivermos presos aqui dentro?

Cass permaneceu ao lado de Antonio. Sabendo que seus olhos estavam arregalados, e registrando o mesmo pânico que havia no tom de Tracey, ela se virou para ele. Era difícil distinguir seus traços na escuridão.

— Isso foi a porta? — Sua voz não soava como sua; seu tom estava muito alto.

— Acho que sim. Fiquem calmas. Nós não estamos trancados. — Seu próprio tom era plano e firme e infinitamente tranquilizador.

Ele já estava movendo através delas, pelo caminho que eles entraram. Cass estava brevemente imobilizada, pensando, Alguém fechou a porta.

Assim como alguém esteve espreitando ao redor do castelo algumas horas atrás?

— Alguém fechou a porta. — Tracey sussurrou, de repente de pé ao lado dela como que ecoando os próprios pensamentos de Cass. — E nós estamos presos aqui embaixo com os malditos mortos.

Cass abriu sua boca para negar isto, dizer-lhe que foi o vento. Mas não havia nenhum vento, e eles sabiam muito bem.

— Não amaldiçoe os mortos — ela disse.

Cass e Tracey se entreolharam. O rosto da sua irmã era uma sombra mais pálida na escuridão da cripta, com exceção de seus olhos, que estavam surpreendentemente brancos. E então elas correram atrás de Antonio.

Ele estava no topo da escada, empurrando a porta da cripta. Cass quase desmaiou de alívio quando a viu se abrindo. Ela e Tracey trocaram olhares novamente, então elas correram escadas acima e para fora.

Antonio estava lá esperando por elas, esquadrinhando a paisagem circundante. Ele não sorriu para elas.

— Prontas para voltar para casa? — Ele perguntou, fechando a porta. — Amanhã vou colocar um cadeado novo aqui.

Cass percebeu que seu coração ainda estava trovejando dentro do seu peito. Ela também estava esquadrinhando seus arredores, não havia ninguém à vista. E havia somente um veículo estacionado em frente ao monastério.

— Nenhuma alma à vista. — Ela murmurou.

O olhar de Antonio voltou-se para ela e era perspicaz.

Cass percebeu o que sua escolha de linguagem tinha sido.

— Quem fechou aquela porta? — Tracey exigiu enquanto eles desciam correndo os degraus e se distanciavam do mausoléu.

Cass olhou para Antonio conforme eles se moviam rapidamente pelo cemitério. Ele não respondeu.

— Bem — ela disse, tão suavemente quanto possível. — Talvez uma rajada súbita de vento soprou.

Tracey ficou boquiaberta com ela, parando em seu caminho.

— E você é uma intelectual? Não apenas não há uma brisa, como aquela porta é pesada. Muito pesada. Teria que ser empurrada para fechar, e você sabe disso.

Cass não sabia o que dizer. Ela nem sabia o que pensar. Mas Tracey estava certa. Alguém tinha fechado aquela porta; não havia outra explicação. Os passos de Cass diminuíram e ela começou a olhar ao redor mais uma vez.

— Não vamos demorar. — Tracey murmurou, ultrapassando-a. Mas ela estava olhando para Cass, e ela caminhou direito para uma pequena lápide na altura do joelho. Ela gritou.

Cass se virou no momento que Antonio a ajudou a se endireitar. Tracey afastou-se da pequena pedra cinza, afastando o cabelo de seu rosto. Suas mãos estavam tremendo, Cass percebeu.

— Você está bem? — Cass perguntou, aproximando-se rapidamente.

— Só uma canela machucada. Vamos dar o fora daqui. Este cemitério me dá arrepios.

— Por Dios. — Antonio disse, chocado.

Cass se virou.

Ele estava inclinado sobre a pedra.

— Cassandra. — A excitação tinha substituído o choque em sua voz.

E Cass sabia.

— É Isabel? — Ela exclamou.

— Venha. — Ele não desviou o olhar, agachando agora.

Cass se ajoelhou ao lado dele. O epitáfio era gravado em espanhol, mas o nome Isabel de La Barca e as datas 1535-1555 eram eminentemente visíveis.

— Oh meu Deus! — Cass exclamou, tão animada agora que ela não se importava que estava encostada em Antonio.

Ele não parecia notar. E ele leu, sua voz estranhamente ressonante agora,


“AQUI JAZ ISABEL DE LA BARCA

NASCEU 1535 MORREU 1555

A SOBRINHA DE JOHN DE WARENNE CONDE DE SUSSEX

E ESPOSA DE ALVARADO DE LA BARCA CONDE DE PEDRAZA

UMA HEREGE E LIBERTINA DEUS SALVE SUA ALMA

QUE ELA DESCANSE EM PAZ.


Cass não podia se mover.

Antonio também permaneceu imóvel.

E então, lentamente, seus olhos se encontraram.


Aeroporto de Gatwick – A mesma tarde


O que estava fazendo? Catherine pensou, segurando Celia como apoio. As duas mulheres estavam em uma fila, movendo-se lentamente pelo corredor de um Boeing 747, procurando seus lugares. Pela primeira vez em sua vida, Catherine estava usando uma bengala. Ela ainda estava tão fraca.

O que estava fazendo? Não era muito tarde para mudar de ideia e voltar.

— Aqui estamos nós, Lady Belford, aqui estão nossos lugares. — Celia disse alegremente. Ela insistiu em vir com Catherine. Em troca, Catherine insistiu que não precisava de uma escolta ou um acompanhante. Mas no fim, ela rendeu-se, não tendo ou sua habitual determinação ou força de vontade.

E Celia, é claro, estava agora numa alegria sem fim. Ela não era o tipo que ficava reprovando por muito tempo. Catherine tomou o assento da janela na classe executiva, acomodando-se com alívio, mas a sensação de alívio era só física. A apreensão a enchia. Ela estava esmagada por isto.

— Você está bem, Lady Belford? — Celia perguntou, tendo tomado seu assento ao lado dela.

O sorriso da Catherine parecia débil. Ela assentiu com a cabeça.

— Obrigada, querida.

Celia sorriu de volta, mas a preocupação estava refletida em seus olhos cálidos.

Estou velha demais para isso, Catherine pensou, suspirando. Estou velha demais para enfrentar esse tipo de conflito, eu estou velha demais para confrontar o passado. O que em nome do Deus me possuiu?

Mas no momento em que esses pensamentos se formaram, ela soube.

Ela soube, e não era um “quê”, mas um “quem”. Ela fechou seus olhos quando um dos pilotos começou a falar pelo sistema de interfone. Ela não ouviu uma palavra do que ele disse.

Em vez disso, o passado se tornou o presente, enquanto imagem após imagem tomou conta dela, cristalina e incrivelmente vívida.

Memórias vivas.

Memórias de carne e osso.

As memórias que ela queria esquecer, mas eram inesquecíveis.

E imperdoáveis.

O avião começou a taxiar na pista.


6 de junho de 1966


A culpa me enche infinitamente.

Sua esposa não está aqui. Ela não estava aqui quando cheguei. Seu ciúme a fez levar os dois meninos até a mãe dela em Sevilla. Ela não vai responder ou retornar as ligações de Eduardo.

Ele está lá embaixo abrindo uma garrafa de Rioja enquanto eu escrevo. Como isso aconteceu? Como nos tornamos amantes, nessa mesma primeira noite que eu cheguei aqui na vila? E como é que, mesmo agora, cheia de vergonha e culpa, eu deito na cama, pensando nele, provando-o, desejando-o?

Tão terrivelmente que dói?

E eu amo meu marido. Apesar de sua condição, eu nunca tive um caso. Nunca me ocorreu fazê-lo. Eu não sei como fiz isso agora.

E eu não estou apaixonada. Não por Eduardo, pelo menos. Por que eu amo meu marido. Eu faço.

A culpa, a vergonha, a luxúria, estão todas lá, em minha mente, atormentando-me, rodopiando, girando e girando, como um carrossel, rodando, tornando quase impossível pensar claramente.

Sim. Não. Fique. Vá.

Eu estou com medo.

Eu tenho medo de mim mesma e minhas paixões. Eu tenho medo porque, pela primeira vez que em minha vida, eu não tenho integridade, nenhuma ética, nenhum autocontrole, nenhum senso de certo ou errado. E eu tenho medo desta casa.

Às vezes eu penso que eu estou começando a ter medo dela.

Por que na semana passada, quando nós mergulhamos mais profundamente na vida de Isabel, quando começamos a juntar os eventos que a levaram ao seu destino, eu comecei a notar uma estranha semelhança entre ela e eu. Eu não ousei mencionar isto, mas quando eu olho no espelho, já não me vejo. Eu vejo ela.

E Eduardo a vê também. Ontem à noite ele despertou no meio da noite, e me chamou de Isabel.


O jipe saltou descontrolavelmente ao longo da estrada. Cass se sentou na parte de trás, pendurada em seu banco apertando a lateral do jipe; Tracey estava na frente ao lado de Antonio, seu cabelo longo chicoteando descontroladamente.

Aqui jaz Isabel de La Barca... herege e libertina... Deus salve sua alma.

Cass permaneceu atordoada. Eles tinham tropeçado na sua sepultura; ela tinha morrido em 1555, provavelmente na fogueira, e ela tinha apenas vinte anos de idade.

Antonio não tinha dito uma palavra desde que deixaram o cemitério tampouco.

Cass se inclinou para frente, e como o jipe estava aberto, ela teve que gritar acima do rugido do seu motor.

— Você pode acreditar nisto?

Ela não precisou elaborar.

— Eles nem sequer a enterraram com seu marido, — ele disse, olhando brevemente para ela por seu espelho retrovisor.

— Ela tinha apenas vinte anos quando morreu! — Cass exclamou. — Não admira que ela está tão triste naquele retrato. — Cass se perguntou se Isabel pressentira o que seu destino estava para se tornar. Isso também explicaria a profundidade de sua expressão triste.

Deus. Quão só e assustada ela deve ter se sentido.

Vinte era muito jovem.

— Vocês dois nunca deixam de me surpreender. — Tracey gritou, virando-se brevemente para encarar Cass. — Nós quase fomos enterrados vivos naquela maldita casa dos mortos, e tudo o que vocês conseguem pensar é sobre uma mulher que morreu séculos atrás?

Cass ficou séria, um pouco de sua alegria desaparecendo. Tracey estava certa.

— Antonio, talvez as crianças realmente viram alguém pelas ruínas mais cedo hoje. — Cass disse, sua mão agora atrás do banco dele. — O castelo não é tão longe daqui, é? Até mesmo a pé?

— Não. — Antonio respondeu com outra olhada pelo retrovisor para ela. No espelho, momentaneamente, seus olhos se encontraram. — Não é.

À luz do dia brilhante, talvez porque ele usava uma camisa polo azul pálido, seus olhos pareciam impressionantemente verdes. Caminho a percorrer, Cass, ela pensou com aborrecimento dirigido a si mesma. Agora não estava o momento para pensar nos olhos dele.

— Há moradores de rua por aqui? — Cass perguntou quando os portões dianteiros da casa, forjados de ferro, apareceram à frente deles, e além, a casa e sua capela adjacente recortada contra o totalmente exposto, terreno rochoso.

— É claro. — Antonio disse. — Mas eles não se afastam da aldeia e das cidades.

Cass olhou para as costas de Tracey.

— Bem, eu acho que temos nossa resposta. Alguém deve ter se desviado.

Tracey virou-se para encará-la. E de repente a luz mais esquisita entrou em seus olhos, mudando-os, iluminando-os, clareando-os. Tornando-os irreconhecíveis. E ela sorriu para Cass.

O sorriso era desafiador e superior. Era tão irreconhecível quanto seus olhos.

Cass não entendeu. Seu pulso se alterou. E um instante depois, quando ela olhou para sua irmã novamente, tendo que olhar duas vezes, a expressão estranha tinha ido embora.

O alívio de Cass durou pouco tempo.

Tracey disse:

— Nós fomos e deixamos a maldita Isabel puta da vida, nós ressuscitamos os mortos, é isso que eu penso.

Cass quase caiu de seu lugar.

Tracey seguiu Antonio pela casa.

— Eu preciso falar com você. — Ela disse.

Ele não lhe respondeu, entrando a biblioteca.

Tracey seguiu-o, desejando que ela não tivesse dito o que disse anteriormente na cripta, desesperadamente. Ela não queria magoa-lo; ela o amava. Ela tinha estragado tudo, imensamente. O que havia de errado com ela?

Tracey estava prestes a chorar. A questão toda de vir à Espanha era para reavivar o enfraquecido relacionamento deles. Até agora, nada parecia estar acontecendo da maneira que deveria, ou da forma como ela esperava. Ela pensou que seduzi-lo no dia de sua chegada teria acertado as coisas, mas não tinha. Nem um pouco.

A tensão continuava a rastejar sobre ela. Isto é tudo culpa da Cass.

Ela observou ele caminhar para as portas que se abriam para o jardim da frente da casa. Ele ficou ali, de costas para ela, olhando para o feio terreno amarronzado.

Ela estava perdendo-o, de verdade, mas lentamente, e parecia que tudo que ela dizia e fazia estava empurrando-o para longe. Ela finalmente tinha se apaixonado, no entanto ela continuava dizendo as coisas erradas, continuava fazendo as coisas erradas, e o resultado estava apenas expondo a si mesma. Ela continuou expondo a verdade, e era feia.

Tracey apertou seus olhos fechados. Ela ainda podia fugir, ela devia fugir, mas de alguma maneira, ela o amava ainda mais agora do que antes, e não tinha forças para ir embora. Ela estava tão assustada, porque realmente não tinha a coragem para ficar, tampouco.

Se ela pudesse se livrar de sua irmã.

Ela piscou. Era tudo culpa de Cass, ela pensou, atordoada com o funcionamento de sua mente, mas se livrar dela? Cass estava partindo na segunda-feira. Talvez ela devia até enviar Alyssa de volta com ela, já que ter Cass aqui com sua filha apenas ressaltou suas próprias imperfeições como mãe. Tracey se desesperou, torcendo as mãos. Ela simplesmente não sabia o que fazer. Desta vez não parecia haver nenhuma maneira fácil de lidar com seu dilema.

Como isso aconteceu?

— Antonio? Eu sinto muito pelo que eu disse anteriormente lá na cripta. — Tracey estava arrependida.

— Você sente? — Ele se virou e olhou enigmaticamente. De repente Tracey percebeu que ela não tinha ideia do que ele estava realmente pensando, ou sentindo.

Tracey umedeceu e mordeu o lábio. Ela sabia que deveria dizer-lhe que ela fazia isso, e mentir nunca tinham sido extremamente difícil para ela antes, mas agora, estranhamente, sua língua se recusou a liberar as palavras, seus lábios se recusava a se separar.

— Meu pai amava muito a minha mãe. Na verdade, ele a adorava. — Antonio encarou-a. — Isto é algo do qual não tenho nenhuma dúvida.

Tracey não conseguia falar. Ela só conseguia pensar, amaldiçoando interiormente.

— Mas eu também sabia que ele estava tendo um caso com sua tia. Embora ela nunca admitiu isso na época de sua morte, eu li os relatórios da polícia com muito cuidado, e havia muitas pistas. — Ele fez uma careta.

— Eu gostaria de não ter trazido o assunto à tona. — Tracey caminhou até ele e pôs as mãos em seu braço, inclinando-se contra ele. — Peço desculpas. Eu apenas...

— Você não para e pensa — ele disse, se afastando. — Você é imprudente.

Tracey congelou. Seu coração parou em meia batida. E quando recomeçou, ela sentiu a dor começando, e era a semente de algo enorme e insuportável.

Ninguém, nenhum amante pelo menos, havia alguma vez ficado diante dela, catalogando suas imperfeições, reclamando.

Só ela mesma fazia isso.

Ele se afastou dela.

— Não! — Tracey exclamou, ainda atordoada. As lágrimas de repente encheram seus olhos.

— Eu sinto muito. — Ele se virou e sustentou a mão, como se para preveni-la. — Tracey, eu acho que será melhor se você partir na segunda-feira também. Você não devia ter vindo em primeiro lugar.

Ela mal podia respirar. Ela mal podia compreender o que ele estava dizendo. Ela só conseguia olhar com descrença.

— Eu tenho trabalho a fazer, e eu tenho que verificar o Eduardo. — Ele estava prestes a sair.

Tracey não se mexeu. Sua mente, seu coração, tudo estava dormente. Ela disse, sem pensar:

— Eduardo? Trabalho? Eu estou tentando falar com você!

Ele vacilou.

Tracey também vacilou, porque ela não conseguia acreditar na crueldade em seu tom. O que estava de errado com ela? O que estava acontecendo? Ela correu para frente.

— Eu sinto muito. Antonio, perdoe-me. Eu te amo. Eu não sei o que eu estava só pensando! Só dê a mim alguns minutos, por favor, para provar isto a você. — Ela estendeu-lhe a mão.

Ele agarrou seus pulsos, não permitindo que ela o tocasse.

— Não.

Ela cambaleou, chocada com o tom inflexível e sua expressão igualmente inflexível.

— Por favor não me mande embora. — Tracey se ouviu dizer, estendendo a mão para ele. — Eu preciso de você. Eu preciso de você mais do que nunca.

Ele a cortou.

— Acabou. — Seu rosto endurecido. — O que aconteceu ontem foi um erro.

— Um erro? — Ela estava chocada, e de repente ela estava tão furiosa. — Você não estava reclamando enquanto eu estava lhe dando a chupada de toda uma vida, Tonio.

— Eu tenho trabalho a fazer, — ele disse, dispensando-a. E afastou-se dela, indo para sua mesa.

Ela ficou olhando para o perfil perfeito dele enquanto folheava algumas pastas e notas. E então ela se precipitou. E mesmo enquanto ela sabia que não adiantava perder seu temperamento, sua língua começou, e não iria parar.

— Eu estou bem aqui, quase nua, apaixonada por você, e você quer enfiar seu nariz em um livro? Que tipo de homem você é? — Ela provocou.

Ele ignorou seu discurso, na verdade sentou-se na mesa, e quando ele alcançou um bloco de notas, uma fotografia caiu dele.

O colar de rubi, o usado, talvez, por sua ancestral Isabel.

E as imagens inundaram Tracey, de Antonio e Cass inclinando-se sobre a sepultura junto, deles ombro a ombro no mausoléu, deles cochichando juntos na sala de jantar em Belford House enquanto analisavam o colar em exibição.

— Isto é sobre Cass! — Ela exclamou.

A cadeira era giratória e ele se virou, ombros desenhados rígidos e firmes.

— Perdão?

— Isto é sobre minha irmã, Srta Traça de Livros, Srta Mãe Terra, Srta Disposta a Tudo para Chamar Sua Atenção, Antonio, não é? — Tracey começou a tremer violentamente. Quando ela já tinha sentindo tanta raiva? Ela não conseguia lembrar de uma única vez.

— Isto não tem nada a ver com a sua irmã. — Antonio disse. E desta vez ele se levantou abruptamente e saiu do ambiente, deixando-a ali de pé sozinha.

Mas Tracey não ouviu o que ele disse. Ela só conseguia pensar, Cass. Droga Cass. E ela cerrou os punhos com força e mais forte ainda.

Isso tinha ido longe demais.

Cass tinha ido longe demais.


Cass estava prestes a subir para acordar Alyssa quando sua irmã apareceu do outro lado do grande corredor. Cass hesitou porque Tracey estava encarando-a.

— Há algo errado? — Ela perguntou lentamente.

Tracey disse.

— Sim.

— Tracey? O que foi? — Ela avançou depressa. E o medo desfraldou dentro dela.

— O que você fez? — Tracey perguntou severamente. Seus olhos azuis estavam brilhantes.

Cass percebeu que sua irmã estava com raiva.

— O que aconteceu? Eu não fiz nada.

— Não? — Tracey disse. Em seguida. — Fique longe dele.

Cass parou no meio do caminho.

— O que? — Ela nunca tinha escutado um tom tão perigoso na voz da sua irmã antes. — Do que você está falando? — Mas ela sabia exatamente do que, e de quem, Tracey estava falando.

— “O quê? ” — Tracey gritou ironicamente. — “Do que você está falando? ” Você está tentando roubar Antonio de mim. Não tente malditamente negá-lo.

Cass enrijeceu absurdamente.

— Eu não estou. Isto é um absurdo. — Mas... ela não estava?

— Você está mentindo. — Tracey disse, avançando para ela.

Cass deu um passo atrás, atordoada.

— Eu nunca interferiria no seu relacionamento, e se você e Antonio estão tendo dificuldades, não me culpe.

As palavras mal tinham saído da boca de Cass quando Tracey empurrou-a com força. Cass cambaleou para trás, contra a parede. Ela não conseguia acreditar. E então ela estava com medo.

Porque sua irmã de quase 1,83m de altura elevava-se sobre ela, agarrando-a pela sua camisa agora.

— Não é por isso que você queria vir para a Espanha em primeiro lugar? Para me fazer parecer ruim?

— Não, não é. Tracey, pare. — Cass exclamou.

Tracey puxou Cass da parede e lançou-a com força na direção oposta. Cass foi arremessada de volta em direção ao centro do corredor, e ela atingiu o chão de pedra com suas mãos e joelhos. E então ela ouviu Tracey vindo.

Cass se encolheu, olhando para cima. Ela não tinha percebido o quão forte sua irmã era.

— O que você está fazendo? — Gritou para ela. Porém passou por sua cabeça que Tracey tinha perdido todo o autocontrole, que ela estava momentaneamente, temporariamente, insana.

— Eu odeio você. — Tracey gritou, chutando-a.

Cass tentou rolar para longe. Mas o pé de Tracey fez contato com sua mandíbula mesmo assim, e embora ela estivesse usando sandálias, machucou. Cass ofegou, sua mão voando para seu rosto, de repente percebendo o perigo em que ela estava.

Ela não era páreo para sua irmã, que era muito maior do que ela. Que estava enfurecida e fora de si.

E Tracey prosseguiu, sobre ela.

— Você me ouviu? — Ela se enfureceu.

Cass a encarou, chocada, com medo. Ela não sabia para quem estava olhando. Ela nunca tinha visto sua irmã desse jeito antes. Na verdade, Tracey realmente não se parecia com Tracey. Ela se parecia uma estranha, enfurecida.

— Eu sempre odiei você. — Tracey gritou para ela.

E Cass encontrou seus olhos e ela acreditou nela, e talvez foi então que algo nela morreu.

— Mas nós somos irmãs. — Ela sussurrou. — Você é minha irmã. — Tracey olhou para ela, e olhou para a sua bochecha, Cass imaginou que um vergão estava lá, e de repente a desagradável luz de irritação em seus olhos começaram a se desvanecer. Cass se levantou lentamente. Um de seus joelhos estava sangrando. — Você é minha irmã. Eu sempre vou te amar, Trace, não importa o que você diz ou faça.

A expressão de Tracey mudou lentamente. A raiva desapareceu, e só permaneceu a confusão. E então veio o horror. Ela se afastou, seu olhar nunca deixando Cass.

— Oh, Deus — ela disse. — Oh, Deus, o que foi que eu fiz!

Cass se abraçou, de repente lágrimas brotaram de seus olhos.

— Você me bateu. — Ela repetiu. — Como você pôde me chutar?

Tracey recuou, sacudindo a cabeça.

— Eu não sei. Estou tão confusa, eu não consigo pensar, me desculpe, eu não sei!

Cass tentou inspirar, ela tinha esquecido de respirar. Foi só então que ela percebeu quão violentamente ela começava a tremer.

Mas Tracey continuou a sacudir a cabeça, tendo perdido toda a sua cor, e ela se virou, correndo para fora da porta dianteira da casa.

Cass pensou que ela estava chorando, mas não podia ter certeza.

Ocorreu-lhe que deveria ir atrás dela, mas ela não se moveu. A cena cruel repetindo em sua mente. Cass fechou os olhos. Naqueles poucos momentos de violência, Tracey quis matá-la. Cass tinha certeza disso.

Cass encontrou Alyssa sacudindo-se inquieta quando entrou no seu quarto.

Ela recuperou um pouco a sua compostura, mas apenas por dizer a si mesma muito firmemente que Tracey tinha simplesmente perdido a paciência. Que ela não quis fazer mal a sua própria irmã, muito menos matá-la. Isso era um absurdo. Apesar de suas diferenças, elas se amavam. Cass imaginara a cruel, brutal intenção.

Vir para a Espanha tinha sido um erro.

Tentando não se demorar nesses pensamentos, Cass correu para sua sobrinha, que parecia estar presa na agonia de um sonho desagradável. Alyssa estava fazendo pequenos sons, choramingando.

— Acorde, doçura. — Cass disse, acariciando sua testa. Seu queixo ainda doía onde Tracey a chutou. — Acorde, Alyssa. Você está tendo um sonho ruim, isto é tudo.

Os olhos de Alyssa se abriram. Com os olhos arregalados e assustados, ela olhou sem ver Cass.

— Não!

— Querida, sou eu, sua tia Cass.

Alyssa olhou para ela, e suspirou alto.

— Oh, tia... tia Cass! Você está machucada! — Ela exclamou, completamente acordada agora.

— Eu estou bem, é apenas uma contusão. — Cass disse.

— Parece terrível. — Alyssa disse. — O que aconteceu?

Cass não respondeu. Ela ainda estava em choque, ela percebeu, e nenhuma quantia de racionalidade ou respiração funda iria ajudar. Tracey aparecia muito desequilibrada, se ela ousasse a ser franca consigo mesma. — Eu caí. Não se preocupe. — Cass tranquilizou sua sobrinha.

— Tia Cass, seu joelho está sangrando. — Alyssa assinalou com o interesse de uma criança de sete anos de idade é interesse em detalhes ensanguentados.

— Eu acho que foi uma senhora queda, hein? — Ela disse com um falso sorriso. — Eu estou bem, querida. — Ela colocou seu braço ao redor de sua sobrinha. Para distraí-la, Cass perguntou. — Então com o que você estava sonhando? Eu entrei e você estava fazendo muito barulho. Pesadelo?

Alyssa mordeu o lábio, balançando a cabeça. Agora ela se aproximou de Cass, enquanto encarava temerosa por cima do seu ombro, atrás delas.

— Tia Cass, eu tive um sonho tão ruim. Eu não gosto daqui. Eu quero ir para casa.

Cass ficou olhando, não era realmente tudo isso tão surpreendente.

— Eu odeio esta casa demais! — Alyssa estourou.

Cass foi pega de surpresa. Sua sobrinha não era descontroladamente emocional. Cass se preocupou, de fato, porque geralmente ela era muito autossuficiente para uma criança. Mas não existia nada autossuficiente sobre ela agora. Cass nunca antes tinha visto ela tão agitada.

Cass deslizou seu braço ao redor dela, e inclusive enquanto fazia isso, ela pensou sobre seu encontro com Tracey e seu pulso acelerou. Vir para a Espanha foi um erro. Ela sabia disso com certeza agora.

— Por que você odeia isto aqui, doçura? — Ela perguntou cuidadosamente. Ela tinha quase certeza que a resposta tinha a ver com a tensão crescente entre ela e sua irmã. As crianças eram as primeiras a captar esses tipos de dinâmica familiar. Graças a Deus Alyssa não tinha visto Tracey empurrá-la e chutá-la.

— Tia Cass, você acredita em fantasmas? — Foi a resposta de Alyssa, e ela estava sussurrando.

O coração de Cass pulou uma batida enquanto ela pegava a calça jeans infantil rosa aos pés da cama.

— Claro que não — ela mentiu. Por que até mesmo Alyssa faria uma pergunta dessas?

Tão claro quanto um sino, ela podia ouvir o barulho da porta do mausoléu quando esta bateu fechando-se.

Alyssa cruzou seus braços magros com força contra seu peito.

— Eu também não. — Ela firmemente disse.

Cass sorriu para sua sobrinha. Era forçado e cauteloso.

— Doçura, o que te fez até mesmo perguntar?

— Eu não sei. — Alyssa soou genuinamente confusa, mas ela permaneceu preocupada. — Talvez porque esta casa é tão grande e tão velha. E tão fria. — Ela estremeceu. — Você não está com frio, tia Cass? Eu estou sempre com frio neste lugar. Eu realmente odeio isto aqui. Eu sei que minha mãe quer ficar, mas você acha que nós poderíamos ir para casa?

O pulso de Cass saltou.

— Eu me programei para retornar na segunda-feira. Talvez sua mãe deixe você voltar para casa comigo. — Ela sabia que não deveria, mas estava manipulando a criança. Então ela acrescentou. — Eu adoraria que você voltasse comigo, doçura. Mas isso caberá a sua mãe. Estas são férias apenas para vocês duas.

Alyssa assentiu, não parecendo muito feliz.

E Cass, recordando o que tinha acontecido no corredor no andar de baixo, não poderia enfrentar o pensamento de deixar Alyssa para trás com sua mãe.

— Sabe, — disse o mais suavemente possível, estendendo a calça jeans dela. — Belford House é velho, Alyssa, e você é feliz lá.

Alyssa encarou-a antes de colocar sua calça jeans.

— Belford House é diferente. — Ela disse.

— Por quê? Por que é diferente?

Alyssa hesitou.

— É uma sensação diferente, tia Cass. É uma casa agradável. É feliz. E eu não tenho sonhos ruins lá como eu faço aqui. — As lágrimas finalmente encheram seus olhos. — Eu não quero dormir sozinha, tia Cass.

— Foi apenas um sonho. — Cass acalmou-a, acariciando seu cabelo. Mas a ideia mais estranha acabara de cruzar sua mente: Ela não ouviu em algum lugar, talvez em um talk show17 com um daqueles supostos médios, que as crianças eram muito mais aptas a ver “entidades” do que os adultos? E Alyssa não estava certa? Esta casa era triste. — E eu estou dormindo com você, lembra?

Alyssa estava séria.

— Eu não quero tirar um cochilo amanhã se você não estiver aqui.

— Tudo bem. — Cass pegou na mão de sua sobrinha e saíram do quarto. — Você quer conversar sobre o sonho que você teve? Será que isso ajudaria?

— Eu não sei. Mas era tão real. Havia esta bela dama, e ela continuava sussurrando coisas no meu ouvido. Ela era tão linda, mas ela realmente me assustou, ela era tão má e detestável.

Cass encarou, a imagem de Isabel imediatamente vindo à mente. Ela disse a si mesma para não ser ridícula, não havia nenhuma conexão entre o sonho de Alyssa e sua ancestral. Alyssa pode ter escutado eles conversando sobre ela, mas ela nunca viu seu retrato, e com certeza não tinha sonhado com ela.

— Bem, você está acordada agora, e isso era apenas um sonho. — Ela se deteve. — Todos nós temos sonhos muito estranhos, Alyssa. Normalmente eles não querem dizer nada.

— Esta dama estava vestida como as mulheres em um daqueles filmes que você gosta tanto, tia Cass. Por que eu sonharia com ela?

Elas se encararam.

— O que ela estava vestindo? — Cass perguntou cautelosamente.

— Um vestido vermelho longo com uma saia enorme, e este colarinho de babados branco. Seu vestido tinha mangas grandes bufantes, e ela tinha um colar, assim como o do Sotheby’s que minha mãe trouxe para nossa casa.

E Cass não podia acreditar no que estava ouvindo. Ela se lembrou que Alyssa viu o colar de rubi quando tinha sido exposto durante o jantar black-tie. A própria Cass tinha mostrando-o a ela. E Cass certamente tinha levado Alyssa para muitos museus, Alyssa tinha visto vestidos do Século XVI em manequins e em obras de arte muitas vezes. Mas ela também tinha visto vestidos anteriores e posteriores à época. Não, Cass pensou. Isto é apenas uma coincidência.

— Como era a aparência dela? — Ela perguntou muito lentamente.

— Ela era muito clara, seus olhos eram muito azuis, e seu cabelo não era loiro, mas não era vermelho tampouco. — Alyssa disse seriamente. — Tia Cass, por que você está tão surpresa?

Cass não podia responder. Ela só podia encarar sua sobrinha, pensando, como isso é possível? Por que Alyssa teve um sonho com Isabel de Warenne? Poderia o sonho ser uma espécie de telepatia? Alyssa estava captando o fascínio de Cass? Porque Alyssa nem sequer tinha visto o retrato de Isabel.

Isabel deixou-a morta de medo.

— Você sabe quem é esta dama? Você sabe o nome dela? — Cass perguntou.

— Não, mas eu não quero sonhar com ela nunca mais. — Alyssa disse com firmeza.

Cass inalou.

— O que você está dizendo? Que você já sonhou com ela mais de uma vez?

Alyssa assentiu em prantos.

— Eu sonhei com ela ontem à noite, também, tia Cass. E eu tenho medo. Eu tenho tanto medo de sonhar com ela de novo.

Cass ficou imóvel. Foi um momento antes de conseguir se mover, e então ela agarrou a mão da sua sobrinha.

— Bem, — ela disse asperamente, — é apenas um sonho.

— Eu sei. — Alyssa disse. Em seguida: — Eu estou com fome.

Mas Cass hesitou. E mesmo enquanto falava, ela não queria realmente saber.

— Alyssa. Você disse que ela estava sussurrando em seu ouvido. Você se lembra o que ela dizia?

Alyssa empalideceu.

— Sim.

Cass encarou, não gostando do olhar nos olhos escuros dela.

— Doçura?

— É a mesma coisa. Ela sempre diz a mesma coisa. Ela diz, “Eu serei sua mãe agora. ”


Cass deixou Alyssa com Eduardo na cozinha, sob a supervisão de Alfonso, bebendo chocolate com leite e conversando sobre filmes que eles recentemente tinham visto. Ela estava ficando ansiosa. Era 7:30 dá noite; Tracey não tinha retornado. Ela tinha saído da casa aproximadamente uma hora atrás.

No grande corredor, Cass foi até a porta da frente, abriu-a, e olhou para fora. Antonio tinha obviamente estacionado o jipe na garagem, e só seu carro de aluguel estava em frente. A entrada se estendia a uma distância pequena dos portões dianteiros, que estavam abertos. Tanto o caminho quanto a estrada além estavam absolutamente desertos. O terreno estéril áspero, se estendia até onde os olhos podiam ver, finalmente juntando os contornos sombrios de uma cordilheira distante e o céu azul sem nuvens. E finalmente, o calor estava diminuindo. O sol permanecia forte, mas estava apenas começando a se pôr.

Onde estava Tracey? Onde ela podia ter ido? E o que Cass devia pensar sobre o sonho de Alyssa?

Nada, Cass disse a si mesma firmemente. Era apenas um sonho, e como tal não tinha sentido.

Custe o que custar, não vá à Castilha ...

Ela voltou...

Eu matei o pai dele...

Cass voltou para a casa. Sentia-se estranhamente nervosa. Ela tinha vindo à Espanha para consertar sua relação com Tracey e levar Alyssa para casa; em vez disso, Tracey recentemente a atacou, e Cass estava mais interessada do que nunca em Antonio de La Barca, contra toda a ética e todo melhor julgamento. Cass percebeu que ela tinha uma dor de cabeça intensa. E quanto ao fato que sua tia confessou seu envolvimento na morte violenta de um homem três décadas atrás enquanto estava em Castilha, e o comportamento de sua irmã cerca de uma hora atrás? Tracey havia sido violenta, irracional e perigosa. Havia uma conexão?

Cass se sacudiu para se livrar de seus pensamentos. Não existia nenhum paralelismo a estabelecer; ela estava excessivamente dramática, como era sua natureza.

Ela tinha sua câmera pendurada no ombro, mas antes de tirar algumas fotos da casa de Antonio, ela achou prudente pedir sua permissão. Um momento mais tarde ela o encontrou na biblioteca, debruçado sobre sua mesa, suas armações de casco de tartaruga escorregando de seu nariz reto.

Ela odiou interrompê-lo. Ele estava claramente redigindo.

— Antonio? Toc, Toc. — Ela sorriu para ele. E imediatamente se perguntou se Tracey estava certa.

Em algum nível subconsciente, ela estava tentando roubar Antonio de sua irmã?

Ele olhou em cima.

— Eu encontrei... — Ele parou. Imediatamente estava de pé. — O que aconteceu? — Ele perguntou seriamente.

Cass olhou para cima e encontrou seus olhos cor de avelã. Ela não conseguia desviar o olhar. E ela pensou por um momento, que Tracey tinha razão. Ela queria este homem, ela faria qualquer coisa para consegui-lo, e era extremamente errado.

— O que aconteceu com seu rosto?

— Eu... esbarrei em uma porta. — Cass corou, dando um passo para trás. Ela jamais devia deixar sua mente ir naquela direção novamente.

Ele deu a ela seu olhar de descrença.

Cass molhado seus lábios.

— Você se importaria se eu fotografasse sua casa? — Seu coração estava martelando loucamente. Ele pertencia a sua irmã mais que nunca após o incidente no grande corredor. Ela devia permanecer no controle.

Ele olhou para seu rosto machucado por mais um instante.

— Claro que não.

— Ótimo. — Cass disse. Ela caminhou até as janelas, olhando para fora. Tracey ainda não estava à vista. Onde ela poderia estar?

— O que há de errado?

— Você viu Tracey recentemente? — Ela perguntou preocupada.

— Cerca de uma hora ou duas atrás.

Cass sabia que ele a estava encarando; lentamente ela o enfrentou. Seus olhares se encontraram, e depressa se separaram.

— Tracey e eu tivemos uma briga enorme. Eu gostaria de saber onde ela está. Eu gostaria que ela não estivesse vagando lá fora, é tão incomum dela.

Ele encarou com crescente preocupação.

— Nós também brigamos — ele disse finalmente.

A antena dela subiu. Não admira que Tracey tinha sido tão desagradável, ela era tão boa em colocar a culpa em qualquer outro lugar exceto em si mesma.

— Oh?

Ele apenas olhou para ela, claramente não prestes a dizer-lhe os detalhes de sua discussão. Mas agora ele estava andando até a janela e esquadrinhando o terreno lá fora.

A cena na cripta repetindo-se novamente na mente dela. Ela foi até ele, tocando seu braço.

— Antonio.

Seus olhos se encontraram.

— Minha irmã está confusa, — ela disse desigualmente. — Uma confusão completa, mas... ela não é uma pessoa má. Ela realmente não é.

— Ela precisa crescer, — ele disse, seu olhar firme e direto. — Ela não pode ter sempre a vontade dela, e deve aprender a administrar a decepção. Ela é uma criança. Temperamental e imprudente, mimada. — Ele se virou para olhar para fora novamente. Algo escuro passou por seus olhos.

Cass não podia concordar mais com que ele havia dito. Mas como ele poderia estar namorando-a se ele se sentia assim em relação a ela? E claramente ele estava agora começando a se preocupar com o desaparecimento dela.

— Eu sinto muito sobre o que ela disse na cripta.

Ele enrijeceu.

— Ela queria me magoar. O que eu posso entender, realmente. O que eu não entendo, entretanto, Cassandra, é você. — Ele encarou-a totalmente.

Cass ficou tensa. Por que ela havia trazido este assunto à tona?

— Quando você iria me dizer a verdade sobre sua tia e meu pai?

Ela hesitou.

— Eu não vejo o propósito. Eu não queria magoa-lo. Você era tão jovem quando perdeu seu pai, e eu tenho certeza que você valoriza as poucas lembranças que tem dele.

O olhar dele era penetrante.

— O que é que você ainda não está me contando?

Cass balançou a cabeça, seu coração enlouquecendo. Ela não queria estar na berlinda assim, não agora, não por ele.

— Tracey disse mais alguma coisa? — Ela tinha que perguntar.

Ele se virou.

— Não.

Ele não estava sendo honesto. Ela tinha certeza. Ela desviou o olhar para fora; logo seria crepúsculo. Ela olhou o alto relógio de pé centenário: 7:45.

— Deveríamos ir procurar Tracey?

Ele estava pegando algo de sua mesa. E quando ele se virou para ela, Cass sabia. Ela simplesmente sabia o que ele tinha em suas mãos.

Seus olhares se encontraram.

Cass se sentia mal.

— Uma cópia do relatório da polícia. É uma leitura muito interessante. — Ele disse.

Ela se sentiu paralisada.

— Aposto. — Ela conseguiu dizer.

— Embora a polícia determinou que morte do meu pai era um acidente, o caso dificilmente era preto e branco.

Os ouvidos dela começaram a soar.

— O motorista do carro que tirou a vida do meu pai insistiu que não foi um acidente.


Capítulo Dez

Casa de Sueños – Noite dois, 8 horas da noite

Cass permaneceu paralisada.

Antonio ficou olhando em seus olhos.

Ela se controlou.

— O que? Não foi um acidente?

— Eu gostaria de conversar com sua tia. Eu tenho um grande número de perguntas para fazer a ela. — Ele se afastou após jogar o relatório sobre a mesa.

E Cass sabia que ela devia proteger Catherine a todo custo. Ela correu atrás dele.

— Tenho certeza que ela estaria contente em falar com você na próxima vez que estiver na Inglaterra. — Ela mentiu freneticamente.

— Você é miseravelmente incompetente quando se trata de desonestidade. — Ele disse categoricamente. — Cass piscou. — Não minta para mim, — ele disse com menos severidade, seu olho movendo-se sobre seus traços lentamente, um a um.

Ela tinha o desejo de confessar, então exclamou.

— Eu não estou! Quer dizer, eu não sou uma mentirosa, não é da minha natureza.

— Isto é mais do que óbvio. — Seus olhares se sustentaram.

Ela molhou seus lábios.

— Não me faça dizer algo que eu não sou autorizada a dizer, — ela tentou.

As sobrancelhas dele se uniram em uma expressão de perplexidade.

Cass sentiu como se estivesse implorando agora, e talvez ela estivesse.

— Não podemos deixar o passado descansar, onde ele pertence?

— Isto é realmente possível, para qualquer um de nós? — A resposta dele foi falada da forma mais honesta, e tão suavemente.

Claro que não era. Ambos estavam fascinados, hipnotizados, e compelidos por todas as coisas velhas e antigas.

— Eu acho que eu deveria ir procurar por minha irmã. — Cass disse, para escapar.

Ele a deteve em seus passos.

— Suicídio. Como se meu pai realmente tivesse cometido suicídio.

Ela o encarou, chocada.

Ele se virou, mas não antes dela ver o pesar, a confusão, e descrença em seus olhos.

Ela ficou aliviada por seu próprio bem, pelo bem de Catherine, mas por ele, ela sofreu.

— É isso o que eles pensam?

Ele não olhou para ela.

— É o que o motorista disse, repetidamente. Que meu pai caminhou diretamente na direção do carro dele, que era deliberado, que ele queria morrer.

Ela estava tremendo. Estava lhe sendo dada a oportunidade de uma vida, mas de alguma forma ela não poderia aproveitá-la. E odiava mentir para ele mais uma vez.

— Por que meu pai iria querer morrer? — Antonio perguntou melancolicamente.

Cass olhou para ele. Ela mordeu o lábio, se perguntando se ele podia ouvir seus batimentos cardíacos ensurdecedores. E ela cedeu ao desejo de confortá-lo do jeito que ela faria com Alyssa ou qualquer outro ser humano em necessidade. Ela se aproximou dele e colocou sua mão no ombro dele por trás.

— Antonio, talvez nós nunca saberemos a verdade. Talvez não devêssemos saber a verdade.

Ele se virou lentamente.

— Eu não acho que posso aceitar isso, — ele disse, novamente procurando o rosto dela com seu olhar.

— Isto é terrível. — Cass disse, querendo dizer isso. O desejo de confessar e dizer a ele o que Catherine confessou quase a superou então.

— Sim, é. E não só é terrível, eu estou apenas começando a compreender a incrível coincidência de os de La Barcas se tornando intimamente envolvidos com os de Warennes, repetidamente, ao longo dos séculos, sem nada bom resultando disto.

Por alguma razão, ali de pé tão perto dele, na sala agora escurecida com sombras, ela quase sentiu que era o envolvimento deles que estava na mente dele, mesmo tão intelectual e platônico quanto era. E ela pensou sobre Isabel e Alvarado, sua tia e Eduardo, e agora Tracey e Antonio.

Cass fechou seus olhos. Tracey e Antonio, ou eu e Antonio?

— Cassandra?

Os olhos dela se abriram, e uma eternidade se fez dentro da pulsação que se seguiu e seus olhares se prenderam. E Cass sabia, ela simplesmente sabia, que ele estava se perguntando exatamente a mesma coisa.

E ele inclinou o queixo, debruçando-se para frente, e antes que Cass pudesse realmente entender o que ele estava fazendo, os lábios dele se moviam sobre os dela. Cass sentiu o chão sob seus pés pender. Ela agarrou os braços dele, apertado, triunfante, nada jamais foi tão certo!

As mãos dele se fecharam em sua cintura. E de repente os mais simples dos beijos mudou rapidamente; de repente os lábios se separaram, travados, chupando com força, e as línguas ousaram se tocar. De repente Cass foi envolvida nos braços dele, seu pequeno corpo aninhado completamente contra o dele.

E Cass foi subjugada por cada centímetro do corpo duro e musculoso dele, pela sensação de seu corpo, sua força, seu toque, seu gosto. Até mesmo seu cheiro estava atordoando-a com urgência...

E tão abruptamente, o beijo terminou. Antonio empurrou-a para longe; Cass mal podia compreender o que estava acontecendo.

Eles só podiam encarar um ao outro, de olhos arregalados e sem fôlego, e Cass não podia decidir quem estava mais surpreendido, Antonio ou ela mesma.

Cass sentiu o rosto esquentar. Ainda assim ela não conseguia respirar. Ela permaneceu em choque. O namorado da sua irmã...

— Eu... é melhor eu ir procurar a Tracey antes que fique mais escuro. — Suas palavras saíram apressadamente.

— Cassandra, — ele disse, lentamente. Havia um rubor no rosto dele também. Ele parecia aturdido.

Cass tremeu, apertando suas mãos no peito. Ele já estava se arrependendo? Enquanto ela estava tentando não ceder à euforia e todos os tipos de esperança?

— Acho que devemos conversar. Agora.

Cass não sabia o que fazer, o que pensar. Ela estava com medo.

— Eu acho que nós deveríamos procurar por Tracey.

Ele parecia triste e finalmente olhou para o relógio. Eram oito horas. Lá fora, o sol estava se pondo, e enquanto Cass não podia ver isto diretamente, o céu estava escurecendo e manchado com tons cor-de-rosa e laranja. Antonio de repente caminhou até a janela.

— Eu não a quero vagando lá fora depois de escurecer, — ele disse. — Talvez ela já esteja voltando.

O coração dela continuou a se comportar como um tambor da selva africana. Cass ficou olhando. Havia uma insinuação em suas palavras que ela não gostou, de modo algum.

— Eu duvido que ela foi longe. — Cass disse desesperadamente. — Ela nunca dirige, ambos os carros estão aqui, então ela está a pé.

A mandíbula dele flexionou. E desta vez, quando ele tentou encontrar o olhar dela, ela foi a única a desviar o olhar.

Ela era uma idiota, Cass pensou, correndo para a porta. Ele estava preocupado sobre sua irmã, ela acabou de ver isto estampado no rosto dele. Como ela poderia ter alguma vez deixado um momento como este acontecer? Droga, droga, droga.

Isto era muito mais que impróprio. Cass estremeceu. Se Tracey queria matá-la antes, só seria pior se ela alguma vez soubesse sobre este breve, equivocado momento de paixão.

Cass estremeceu novamente.

Antonio pegou seu braço por detrás, detendo-a.

— Não fuja. Eu tenho que me explicar.

Cass queria se afastar, mas ela não conseguia se mover.

— O que há para explicar? Você e eu, nós nos deixamos levar. De alguma forma. Você é apaixonado pela minha irmã.

Seus olhos se alargaram.

— É isso que você acha?

Cass assentiu.

— Todo cara com quem ela já namorou ficou totalmente apaixonado. Homens. Não podem superar o rosto perfeito, o corpo perfeito, o cabelo perfeito. — Ela deu de ombros.

— Eu não estou apaixonado por sua irmã, — ele disse sem rodeios.

Cass encarou, se perguntando se ela deveria acreditar nele.

A mandíbula dele flexionou novamente.

— Nosso relacionamento acabou, — ele disse, seu olhar diretamente excruciante.

Cass estava sem palavras. Tinha acabado?!

— Não temos nada em comum. Eu estava ciente de nossas diferenças desde o momento que nós nos conhecemos. Nunca deveria ter começado.

Cass se abraçou, absolutamente sem fôlego.

— Como vocês se conheceram?

— No Hotel Palace em Madri. Eu fui encontrar um colega para uns drinks; sua irmã estava com um amigo. — Ele deu de ombros.

Cass realmente não queria saber mais.

De repente ele amaldiçoou em espanhol.

— Isto é tão estranho. — Ele disse.

Cass estava imóvel. O que era tão estranho? O assunto, ou a atração crescente entre eles? O fato de que eles tinham se beijado?

Ele andou passando uma mão por seu cabelo. Então ele olhou para ela.

— Você é mais uma mãe para Alyssa do que Tracey é. Há quanto tempo isto está acontecendo?

Cass achou difícil responder.

— Desde o divórcio de Tracey. Desde que Alyssa tinha dois anos.

— Eu admiro você, Cassandra, — ele disse. Ele não sorriu para ela.

Cass já estava atordoada. Agora sentiu como se as palavras dele de alguma forma, arrancasse o ar diretamente de seus pulmões. Ele a admirava. Antonio de La Barca a admirava. Ela sabia que deveria se controlar, refrear-se; ele tinha sido amante de Tracey, não dela, mas Cristo, nunca em seus sonhos mais selvagens ela iria imaginar um homem como este dizendo-lhe que a admirava. Ela deu de ombros.

— Minha vida é Alyssa e minha carreira, minha tia, e Belford House.

Ele sorriu brevemente.

— Parece que temos vidas semelhantes.

Cass só podia olhar. Eles tinham vidas semelhantes, de certa forma.

— Acho que sim. — Que patético.

O sorriso dele desapareceu.

— O que acabou de acontecer...

— Está tudo bem. — Cass exclamou. De repente ela precisava de ar. Ela estava desequilibrada; ela precisava de tempo para pensar e se reagrupar. Mas principalmente, pensar.

Ele tinha terminado com Tracey. Será que ela ousaria?

Ouse.

Era a mais diminuta voz lá em sua mente, mas Cass ouviu-a.

Claro que você deve ousar.

A voz era mais forte agora, igualmente inquietante.

— Não, não está tudo bem. Estou sob muita pressão, mas até isto é uma desculpa inadequada. — Ele andou novamente, mas apenas para a janela. A noite caia. O céu estava escuro, rico tom de preto azulado, e uma estrela estava piscando abaixo deles. O relógio não estava longe de onde ele estava. Era agora 8:15.

— Peço desculpas por meu comportamento, — ele finalmente disse, encarando-a. — Você é minha convidada, dormindo aqui em minha casa. Foi indesculpável, dadas as circunstâncias complicadas, pôr você em uma posição tão insustentável.

Cass forçou o que esperava ser um sorriso muito brilhante em seu rosto.

— Desculpas aceitas — ela disse muito ligeiramente.

O olhar dele era penetrante.

Cass evitou-o desviando seu olhar.

— Porém, há algo que eu quero lhe perguntar.

Cass assentiu, incomodada agora.

— Atire. — Ela estava tentando ser irreverente. Como se não importasse que o beijo deles era um erro. Como se ela totalmente não se importasse que ele a admirava. Deus, agora mesmo ela tinha vontade de estrangular Tracey.

Tracey, que estava em seu caminho.

E a extensão de sua súbita hostilidade em direção a Tracey a surpreendeu.

— Você compartilha minha paixão pelo passado. A quantidade de pesquisas que meu pai fez é incrível. Eu percebi no momento em que cheguei aqui que a primeira ordem de trabalhos é arquivar tudo. Seria preciso meses se eu tentar fazê-lo sozinho.

Cass não tinha percebido que havia tanto material, mas ele estava certo.

— Você deve arquivar tudo. Fará toda a pesquisa futura muito mais fácil de fazer.

— Eu quero que você fique, — ele disse abruptamente. — Eu podia usar sua ajuda.

Ela travou.

— Eu acho que se nós dois trabalharmos juntos, poderíamos organizar a biblioteca dentro de trinta dias.

Cass continuou a encarar. Ela estava devastada, não havia nada que ela gostaria mais do que de trabalhar com ele, lado a lado, dia após dia, catalogando a pesquisa do pai dele, ela percebeu. Deus, eles poderiam até reconstruir a intrigante ainda oh- tão-trágica vida de Isabel de Warenne.

— Como eu poderia? — Ela finalmente perguntou.

— É o seu prazo ou sua irmã que está no caminho de você aceitar minha oferta? — Ele perguntou.

Ela mordeu o lábio.

— Eu tenho quase um ano antes do meu prazo final, e quando estou inspirada, eu sou rápida. É Tracey. E quanto à Alyssa? Alyssa teria que ficar comigo. — Ela não podia acreditar que estava mesmo considerando sua assombrosa proposta. E Alyssa odiou a Espanha. Ela queria partir, e Cass praticamente prometeu que elas partiriam juntas na segunda-feira.

— Isto não é um problema — ele disse, e agora ele estava sorrindo calorosamente. — Eduardo poderia aproveitar a companhia; ele poderia aproveitar a amizade.

O coração de Cass virou tão duro e tão rápido que ela estava atordoada com a percepção de que ela era um caso perdido. Um beijo, uma proposta profissional, e ela era um completo caso pedido. Ela estava apaixonada por este homem, e negá-lo por mais tempo seria absurdo. Merda, ela pensou. Merda. E agora?

Ouse.

— Pense nisso, — ele disse.

Cass olhou para ele. Ela estava quase pronta para deixar escapar que não existia nada para pensar, é claro que ela ficaria. Mas ela não era idiota. Era uma adulta sensata, inteligente e responsável. Se ela ficasse arriscando sua relação com sua irmã, ela também acabaria com o coração partido, e indubitavelmente um monte de ovos em seu rosto18, também.

E depois havia Alyssa. Se Tracey decidisse jogar duro, ela poderia perder Alyssa para sempre.

— Eu vou pensar nisso. — Cass girou apressadamente para longe antes que ele pudesse tentar convencê-la novamente. — Vamos tentar encontrar Tracey, — ela disse, cortando-o. — Você procura pela casa, eu vou lá fora. — Não lhe dando a chance de responder, ela saiu correndo da sala.


Cass finalmente viu sua irmã sentada debaixo de uma pequena árvore, baixa e grossa atrás do chalé e da garagem. A escuridão tinha finalmente caído. Muitas estrelas para contar emergiram na escuridão do escancarado céu sobre suas cabeças. Ela parou, não realmente vendo a forma curvada de Tracy, desejando ter respondido a proposta de Antonio de uma maneira mais digna e composta. Como ela poderia ter acabado assim? Se ele não tinha percebido antes, agora ele devia saber como ela estava se sentindo sobre ele. Cass se sentia uma idiota.

Ela caminhou lentamente em direção a sua irmã, de repente temendo seu encontro, e pior, repentinamente tão irritada porque isto não era justo. Cass e Antonio tinham tanto em comum, e o que Tracey tinha em comum com ele que não fosse a incrível beleza que eles compartilhavam?

— Tracey. — Ela gritou sombriamente. Tracey não olhou para cima. E de repente Cass sentiu um frisson de medo. Tracey estava tão quieta, tão imóvel, que ela poderia ser uma estátua. Cass começou a correr. — Tracey!

Sua irmã, que estava sentada com suas pernas estendidas, de costas para a árvore, olhando fixamente para frente, não respondeu. Como se ela não ouvisse Cass, ou como se ela estivesse morta.

Uma imagem de Isabel passou pela cabeça de Cass, sussurrando no ouvido de Alyssa. Eu serei sua mãe agora. Cass não queria recordar aquela mensagem estranha agora, ela não queria nem pensar nisso como uma mensagem. O que havia de errado com ela?

— Tracey! — Cass gritou.

Não houve resposta.

Cass correu adiante, finalmente alcançando sua irmã. Levou um instante para perceber que embora imóvel, Tracey estava muito viva. Morna e quase catatônica, mas respirando, viva.

— Trace? — Cass se agachou, retirando sua mão da frente do nariz de sua irmã, onde ela sentiu sua respiração fraca. Sua irmã ainda não tinha a reconhecido, ela ainda não havia se movido. Mancha de lágrimas em seu rosto, assim como algumas pequenas manchas de sangue seco. Seu short branco estava imundo, tanto com manchas de sangue e sujeira; poeira e sujeira cobrindo suas pernas. Cass viu uma formiga rastejando em sua coxa. Ela golpeou-a. Sua irmã nem sequer piscou. — Trace! — Ela agarrou seus ombros, agitando-a. O que estava acontecendo?

E Tracey olhou para baixo, mais lágrimas correndo por suas bochechas.

— Tudo o que é errado.

— Não, isso não é verdade. — Cass exclamou, empurrando seu cabelo loiro para trás das orelhas dela. — Querida, por favor, se levante, você está sentada no chão e há insetos. — O alívio superou Cass. Tracey estava bem; nada estava errado. Tudo estava muito bem.

— Eu estou tão fodida.

Cass inalou, com força.

— Não, Trace, você não está fodida, isto é apenas... isto é uma trapalhada, estamos todas em uma trapalhada, juntas, embora só Deus sabe por quê. — Cass a pegou pelo braço. — Por favor, se levante. Vamos voltar para a casa, vamos deixar tudo limpo, e então você e eu, nos sentaremos e conversaremos tomando um bom, denso gim-tônica.

— Eu não sei o que está acontecendo. — Tracey sussurrou, ainda não olhando para Cass. — Estava com tanta raiva. Eu nunca senti tal escuridão antes. — Ela começou a tremer.

E a sua violenta discussão daquela tarde cintilou em sua totalidade pela cabeça de Cass.

— Tracey, acabou. Você não queria fazer aquilo. Eu sei que você não queria me machucar. Nós somos irmãs e nós amamos, certo? — Cass sentiu o desespero a superando. — Eu sinto muito, também. Talvez você tenha razão. Talvez eu esteja tipo meio apaixonada por Antonio, mas eu juro, não significa nada, realmente, e eu nunca tentaria ficar entre vocês. — Naquele instante, Cass queria dizer isto, com todo o seu coração e todo seu ser, mas maldição, ela estava mentindo agora também. E ela sabia disto também.

— O que eu devo fazer? — Tracey gritou, finalmente olhando para Cass. — Ele está me dispensando. Me mandando embora. Ele não me quer mais porque ele sabe a verdade.

Cass encarou, consciente de que ela, também, estava agora tremendo. Ela estava confusa, porque Antonio não sabia a verdade.

— Vamos falar sobre isso em casa. — Cass sussurrou, lamentando o beijo, a proposta dele, e pior, seus próprios malditos sentimentos. Lamentando tudo. A culpa era uma coisa feia.

Ela estremeceu e teve que olhar para trás delas, mas elas estavam sozinhas.

— Está muito escuro aqui fora, e está ficando frio. — A casa parecia encará-la de longe, as janelas, iluminadas por dentro, como olhos ocos, vazios. — Vamos voltar.

Tracey encarou-a, seus olhos cravados no rosto de Cass.

— Eu fiz isto — ela sussurrou.

Cass tocou o vergão em sua mandíbula, que esquecera.

— Isso não importa. Foi um erro. Você não tinha a intenção de fazer isto.

— Você não entende? Por que você não entende? Eu tinha a intenção, Cass. Eu fiz intencionalmente isto — ela disse.

Cass encarou. Desconforto deslizou de cima a baixo em sua espinha.

Lágrimas encheram os olhos de Tracey.

— Estou com medo, Cass. Estou com tanto medo!

De alguma forma Cass a puxou em pé, embora o corpo dela estivesse rígido, imóvel, como pesos de chumbo, e ela embrulhou seus braços ao redor dela e a segurou, com força.

— Tudo vai ficar bem. Eu prometo. Assim que chegarmos em casa. Porque é isso que precisamos fazer, você, eu, e Alyssa, nós precisamos ir para casa. — E Cass estava falando sério, fervorosamente.

Para o inferno com a proposta de Antonio.

Este lugar era problema.

Cass de repente estava certa disso; ela nunca teve mais certeza de nada antes.


Cass deixou Tracey se preparando para tomar banho antes do jantar uma vez que se sentiu segura de que sua irmã estava recuperando sua compostura. Ela estava absorvida em seus pensamentos quando desceu as escadas. Tracey estava tendo algum tipo de colapso nervoso? Sua fragilidade emocional preocupava Cass.

Você não entende? Eu tinha a intenção.

Cass ligou seu laptop, rígida com a tensão, repetindo a última conversa com sua irmã em sua mente, uma e outra vez. Um momento depois, ela estava na Web. Ela começou uma busca por sites que lidavam com fantasmas.

Não se conteve. Ela precisava de informações. Porque não tinha como ela continuar ignorando o fato de que toda vez que ela entrou no quarto de Isabel, ela se sentiu extremamente perturbada. A casa inteira era perturbadora. Cass estava preparada para aceitar a ideia de que a Casa de Sueños era assombrada, embora se recusasse a comparar esse evento com todas as coisas estranhas que aconteceram desde a chegada delas. Cass sabia que ela iria descobrir um monte de besteiras, mas se peneirasse com cuidado, ela poderia também descobrir alguns fatos interessantes sobre o sobrenatural.

E quando ela começou a rolar pela lista de sites, ela estava ciente que alguma coisa a incomodando. Ela estava inquieta, e assumiu que era o comportamento estranho de sua irmã que estava perturbando-a.

Para espanto de Cass, havia milhares de Web sites que tratavam de uma forma ou de outra com o tema de fantasmas. Ela olhou com desânimo para sua tela. Pelo amor de Deus, uma visão sobre práticas satânicas surgiu.

Cass percebeu que seria muito difícil de eliminar as pesquisas e informações científicas sérias de todo o lixo. Ela contemplou meticulosamente sua tela, descendo a lista, quando as palavras na frente dela ficaram borradas e distorcidas antes de ficar normal novamente.

Cass congelou. Aconteceu tão depressa, em um piscar de olhos, ela tinha imaginado isto, também?

Porque computadores não têm estática.

Computadores não se comportam como TVs de vinte anos atrás.

E então aconteceu novamente. A palavra fantasma, digitada na caixa de pesquisa, esticou, oscilou, esticou novamente, como fizeram todas as imagens em sua tela. E no instante seguinte, sua tela ficou em branco.

Cass olhou incrédula, porque era como se ela tivesse desligado. Ela pressionou a barra de espaço e a tecla Enter algumas vezes, no caso dela ter entrado no modo de suspensão, mas sua janela não reapareceu. Ela ligou. A tela se iluminou.

— O que está errado, tia Cass?

Cass não se virou.

— Isto é tão estranho. Meu laptop acabou de desligar, isto nunca aconteceu antes. — Então ela começou a se preocupar. Sem dúvida, ela teve um problema técnico. A última coisa que ela precisava, agora ou em qualquer outro momento, era um colapso. — Maldição. — Ela abriu novamente na Web, mas antes que ela pudesse se conectar, a tela ficou preta novamente.

Cass saltou em seus pés ao mesmo tempo que Alyssa perambulava por perto.

— Está tudo certo. — Cass disse tranquilizadora, e claro, estava tudo certo, seu laptop de dois anos de uso precisava de conserto, obviamente, mas Cass não podia deixar de pensar quão estranho isso ter acontecido tão subitamente.

Não vá pular no fundo do poço19, disse a si mesma. Mas ela não estava se acalmando. Pelo contrário, ela apenas ficou ali encarando a tela escura, pensando nos assombrados olhos azuis de Isabel. E de repente, em sua mente, Cass podia ver Isabel claramente, e seu olhar era cheio de agressividade.

Era enervante.

Cass lembrou que os olhos de Isabel, no retrato, eram cheios de tristeza. Ainda assim, ela não conseguia afastar a expressão hostil dos olhos dela de sua mente. E Antonio não disse que achava o olhar dela acusador?

Cass fez careta, mais determinada do que nunca a descobrir mais sobre Isabel. De repente ela congelou.

Aqui jaz Isabel de La Barca... a sobrinha de John de Warenne Conde de Sussex.

Cass piscou.

— Mas ela era a filha do conde, — ela disse em voz alta. — Não era?

Um som atrás dela fez seu coração saltar de forma irregular. Cass girou. Sua porta estava entreaberta.

— Antonio?

Não houve resposta.

— Talvez devêssemos descer. — Alyssa disse inquieta. Em seguida. — Tia Cass!

Cass girou. E se deparou com uma visão que ela jamais vira antes: seu laptop estava ligado, mas ele parecia uma tela de TV preenchida com estática preta e branca quando nenhuma recepção era possível. Ela encarou a tela brilhante.

— Tia Cass? Alguém está aqui. — Alyssa sussurrou com medo.

Cass virou, estendendo a mão para ela, pensando o pior, quando ela ouviu claramente uma porta de carro batendo do lado de fora.

Isso foi quando a fragrância de violetas foi notada.

Por um momento, a mente de Cass ficou em branco com o choque. No instante seguinte, ela decidiu, sombriamente, que a resposta tinha a ver com a ventilação e nada mais.

Alguém começou a bater na porta da frente.

Ambas Cass e Alyssa saltaram.

Cass franziu os olhos até o mostrador iluminado de seu relógio. Era mais ou menos nove e meia. Quem em nome do Deus podia ser?

— Tia Cass? — Alyssa se pressionou mais perto dela enquanto alguém continuava a bater urgentemente na porta da frente.

— Não há nada com que se preocupar. — Cass mentiu, seu coração um traidor de sua própria causa. O cheiro de violetas estava mais forte. Cass não podia pensar nisso agora. Ela pensou sobre o fato que existiam duas crianças na casa, uma das quais era deficiente físico, e um homem muito velho. Na sua próxima respiração, ela se repreendeu por até mesmo pensar na necessidade de defendê-los. — Vamos. — Ela disse, quando as batidas continuaram.

Ela agarrou a mão de Alyssa e se apressaram pelo corredor abaixo, Cass penosamente, decidiu que teria que chamar seu consultor de informática em Londres logo de manhã. Obviamente um chip ou alguma coisa tinha dado pane em sua máquina, e ele teria algum tipo de explicação incrivelmente brilhante para a estática, se isso era o que era.

O bater havia parado. Cass e Alyssa entraram no grande salão bem a tempo de ver Antonio abrindo a porta da frente. Um segundo depois um homem alto de cabelo loiro escuro entrou na casa, sua gravata torta, seu terno de risca de giz cinza amarrotado.

— Gregory. — Antonio exclamou, seus olhos arregalados. — O que você está fazendo aqui?

Gregory respondeu em uma avalanche de espanhol, jogando seus braços para o ar.

Cass foi tomada pelo alívio. Claramente eles eram amigos, e ela suspeitou que eles eram mais, primos ou irmãos, por suas características serem tão semelhantes.

— Está tudo bem. — Ela sussurrou para Alyssa.

Mas o sorriso de Alyssa era fraco.

Antonio agarrou o braço do homem.

— Acalme-se. Tenemos invitados, — ele disse, apontando para Cass e Alyssa.

Gregory olhou para ela, mas por pouco tempo, antes de enfrentar Antonio novamente.

— Eu tive o pior pressentimento o dia todo, — ele disse intensamente. — Eu liguei para o seu escritório, sua casa, repetidamente, mas é claro, você está aqui, e eu não sabia, então não havia resposta.

— Eu estou aqui, e tudo está bem, — Antonio disse calmamente.

Cass duvidava disso. E então ela se deu conta do que ela estava pensando, algo estava errado, e ela sentiu isto em cada fibra do seu ser.

Gregory, um homem muito atraente com desgrenhado cabelo loiro escuro, não sorriu.

— Você nunca vem aqui. Quem teria imaginado! Eu finalmente localizei sua secretária, quando encontrei o número da casa dela na escrivaninha do seu apartamento. — Ele estava ficando bravo agora.

— Não me passou pela cabeça repassar minha agenda para você, — disse Antonio calmamente. — Posso lhe apresentar nossos hóspedes?

Gregory finalmente olhou para Cass, e depois para Alyssa. Ele sorriu.

— Peço desculpas. Eu estava angustiado. — O sorriso dele era conciso. — Você deve ser Tracey Tennant. Eu sou o irmão caçula do Antonio, Gregory. — Seu sorriso reluziu, e era irônico.

Cass corou, nunca tinha sido confundida com sua irmã antes.

— Eu sou irmã dela, Cass de Warenne, e esta é a filha dela, Alyssa, — ela disse.

— Perdoe meu engano. — Gregory disse. Ele avançou para apertar sua mão e afagar a cabeça de Alyssa. Então ele olhou de volta para Antonio com preocupação. — Está tudo bem? — Ele perguntou.

— Tudo está bem. — Antonio disse com firmeza. — Sinto muito que você dirigiu todo o caminho até aqui quando você podia ter ligado em vez disso.

Gregory encarou.

— O que você quer dizer? Sua secretária me disse que eu devia vir.

Antonio também parou.

— Perdão?

Cass olhou de um ao outro, ficando inquieta.

— Sua secretária me disse que eu deveria vir, e imediatamente. — Gregory disse, diretamente.

Antonio encarou e balançou a cabeça.

— Deve haver algum engano. Ela não diria uma coisa dessas. Eu nunca sugeri que você deviria se juntar a mim aqui. Eu nem sequer pensei nisso.

— Ela foi muito clara. — Gregory disse. — A convocação foi muito clara.

Cass se espantou com a estranha terminologia dele.

— Bem, você está aqui agora, então por que nós não planejamos desfrutar do fim de semana? — Antonio sorriu com um encolher de ombros. — Faz muito tempo desde que estivemos aqui juntos, hein?

— Isto é um eufemismo. — Gregory disse, parecendo infeliz. — Eu ainda não posso acreditar que você realmente decidiu passar férias aqui, de todos os lugares.

Cass não se moveu. O que ele quis dizer? O que estava faltando? Ela assistiu os dois irmãos começarem a descer o corredor, Antonio dizendo a ele sobre a pesquisa que estava fazendo. Alyssa puxou sua mão. Cass continuou a encarar.

As palavras de Gregory ecoando. A convocação foi muito clara.

— O que foi, tia Cass? — Alyssa sussurrou.

E de repente Cass sentiu olhos em suas costas. Ela girou, mas ninguém estava lá. Cass não conseguia relaxar. Naquele momento ela sabia que estava sendo vigiada.

— Oh, Deus! — Ela exclamou, segurando a mão de Alyssa com tanta força que Alyssa gritou. Tia Catherine estava certa? Esta casa era assombrada? As duas famílias estavam destinadas a sofrer tragédias juntas?

— Tia Cass — Alyssa puxou sua mão, — ela está convocando todos a este lugar.

Assustada, certa que tinha ouvido errado, Cass olhou para baixo. Ela gritou, se afastando para longe. Porque ela não viu a sobrinha, mas olhos brilhantes ajustados em um rosto alongado tenso com malevolência.

O rosto sorriu e foi assustador. E quando Cass encarou o rosto da mulher adulta, ajustado no pequeno corpo de sua sobrinha, ela voltou ao normal. Cass piscou, e se encontrou com o semblante infantil de Alyssa mais uma vez.

Cass não parecia capaz de conseguir qualquer ar. Tinha acabado de ver o que ela pensou que tinha visto, e acabou de ouvir o que ela pensou que ouviu? Ou ela estava ficando louca?

— O que? O que você disse?

Alyssa disse, o retrato da inocência:

— Ela está convocando todos nós juntos, e logo tia Catherine vai chegar.

Cass arfou quando Alyssa se virou, seguindo o rastro de Antonio e do irmão dele.

— Mas a tia Catherine não está chegando — Cass sussurrou.

Alyssa parecia não a ouvir.

Ela lutou para pensar com clareza, mas era impossível, especialmente porque agora estava sozinha no enorme Salão Principal, onde as luzes eram poucas e fracas. Cass estava consciente do fraco aroma de violetas neste momento, e ela conseguiu pensar, lentamente, Isabel está aqui. Minha tia está certa, e ela está de algum modo aqui, e é responsável por tudo; ou isso ou eu sou aquela que está louca.

De repente Cass não queria ficar sozinha no corredor, ou sozinha em qualquer lugar da casa. Ela correu pelo corredor, logo atrás de Alyssa e os dois irmãos. E quando ela chegou à biblioteca, foi recebida por uma cena quente e aconchegante que devia ter sido reconfortante: Antonio estava fazendo bebidas, Gregory ao lado dele, as duas crianças estavam acomodadas em um sofá compartilhando um livro, e um enorme fogo dançado na lareira. Cass não conseguia relaxar.

Ela percebeu que Gregory estava em relação a ela um pouco perto demais. Automaticamente Cass lançou-lhe um sorriso. Ele sorriu de volta.

Ele havia parecido nervoso quando chegou na casa. Agora ele parecia alegre, descontraído.

A convocação foi clara.

Ela está convocando todos nós.

Seria possível?

Cass afundou-se em um sofá de seda verde musgo com almofadas grandes, multicoloridas, com franjas. Sua mente parecia atordoada, mas mesmo assim, fez correr. Todas as ocorrências estranhas que ela testemunhou desde que chegou ontem foi girando e girando em seu cérebro, como um carrossel mental. E aquela expressão em rosto da Alyssa...

— Martinis? — Antonio perguntou alegremente.

Cass estava com os olhos arregalados. Por que seu humor era tão otimista? Era por causa de chegada do seu irmão?

Antonio estava entregando-lhe uma taça. Ele estava sorrindo, como se este fosse um mundo perfeito.

Cass encarou-o. Talvez ela estava enlouquecendo, porque todo mundo parecia contente, normal, enquanto ela era a pessoa em meio a uma histeria crescente. De fato, ela quase sentia como se estivesse assistindo um filme surrealista.

— Esta noite parece estranha para você?

Ele continuou a sorrir.

— Somente meu irmão aparecer é estranho, e isto é porque foi tão inesperado.

O fogo dançava alegremente na lareira. As crianças riram juntas de algo que um deles tinha lido. Os homens estavam saboreando suas bebidas. Cass olhou cautelosamente ao redor. Por que ela era a única a ficar alarmada e inquieta? Ela tomou sua bebida de uma só vez. Não tinha mais ninguém sentindo a tensão que caiu sobre todos eles como um enorme manto escuro?

— Mas por que sua secretária o instruiria a vir aqui?

— Sem dúvida, eles entenderam errado um ao outro.

As luzes da sala de repente esmaeceram, antes de clarearem.

Cass levantou-se, alarmada.

— É apenas a fiação. — Antonio disse a ela. — Você está bem, Cassandra?

Ela encarou-o, perguntando-se o que ele diria se ela lhe dissesse que Alyssa tinha mudado diante de seus olhos apenas alguns minutos atrás, que ela falou sobre a convocação, que Cass achava que aquela fragrância estranha era o perfume de uma mulher morta... A lista era interminável.

— Talvez não seja a fiação — ela disse devagar. — Meu laptop pifou subitamente mais cedo, e eu não consigo descobrir o que aconteceu.

— Tem sido um longo dia — Antonio disse, sorrindo para ela mais uma vez.

Ele não era um tipo de cara sorridente. Cass sentiu como se ela estivesse olhando para um estranho, era o rosto de Antonio, seu corpo, mas não o seu caráter.

Ele se virou para o irmão. Cass assistiu eles conversando em voz baixa, e então ela olhou para as crianças. E Alyssa parecia alheia a seus medos anteriores, escutando Eduardo enquanto ele lia em voz alta, como se fosse a hora da história na escola. O que eles estavam lendo? Bom Deus, era “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”20

No andar superior, diretamente acima deles, algo bateu.

Cass quase pulou fora de sua pele.

— Vocês ouviram isto? — Ela exclamou.

Antonio retornou para ela.

— Por que você está tão nervosa? As casas velhas fazem barulho. Certamente você sabe disso.

— Isso foi do quarto de Isabel. — Cass disse.

Gregory se moveu para ficar ao lado deles.

— Eu ouvi algo também. Alfonso está lá em cima? — Ele perguntou. Ele parecia menos descontraído do que seu irmão.

— Alfonso está na cozinha. — Antonio retornou.

De repente Cass perguntou-se onde Tracey estava.

Gregory recuou para o bonito carrinho dourado que servia de bar seco e estava fazendo outra batedeira de bebidas. Cass foi até sua sobrinha.

— Alyssa — ela sussurrou, assim os irmãos não ouviriam. — O que você disse para mim lá atrás no grande salão?

Alyssa piscou para ela enquanto Eduardo fez uma pausa em sua leitura.

— Eu não lembro — ela sussurrou de volta. Em seguida. — Por que nós estamos sussurrando, tia Cass?

Antes que Cass pudesse responder, Antonio virou-se abruptamente afastando-se de seu irmão.

— Eu tenho uma boa notícia, — ele disse para ela.

— Sério? — Cass perguntou, desejando que Antonio tivesse estado com ela quando Alyssa tinha parecido transformada em outra pessoa. Ela desejou que tivesse uma testemunha, assim ela não estaria duvidando de si mesma. Mas ela estava duvidando de si mesma. Não poderia ter visto o que ela pensou que tinha visto. Sua imaginação estava lhe pregando uma peça.

Ele puxou um pufe bege adornado e se sentou.

— Cassandra, eu achei uma árvore genealógica, claramente feita pela própria mão do meu pai. — Seus olhos brilhavam. — Estava rabiscado a lápis, mas legível o suficiente.

Cass teve que se sentar direito. Todas suas preocupações foram esquecidas.

— O que você descobriu?

— Vou te mostrar — ele disse, sorrindo ligeiramente agora. Ele se levantou e foi para sua mesa, e quando retornou, entregou-lhe várias páginas de papel.

O coração de Cass estava acelerado. E suas mãos tremiam quando ela tomou as páginas dele e estendeu-as no sofá, deslizando no chão de joelhos. Antonio se ajoelhou ao lado dela.

Ela estava prestes a ir para a primeira página mas teve que parar. Cass arregalou os olhos, porque as últimas entradas eram “Catherine de Warenne, nascida 1930, morte? casada com Sir Robert Belford, nascido 1912, morte?”, em seguida um registro para os nascimentos e mortes dos próprios pais dela.

— Meu pai morreu em 1966, — Antonio disse suavemente, sua respiração soprando na orelha dela.

— Dois anos antes de eu nascer. — Cass disse muito suavemente. O que explicou por que seu próprio nascimento não havia sido registrado.

Sua pulsação estava batendo tão alto agora que todos deviam ouvi-lo. Cass teve que olhar para Antonio, e seus olhares se encontraram.

— Vá para a primeira página, — ele sussurrou, seus olhos brilhantes.

Ela folheou as páginas.

— Isabel — ela ofegou.

E tudo que eles quiseram saber estavam ali mesmo, legivelmente impresso na caligrafia de Eduardo. Isabel de Warenne havia nascido em 1535 e tinha morrido em 1555, nenhuma surpresa aí. Ela havia se casado com Alvarado de La Barca um ano antes de sua morte. Se eles tivessem tido um filho, o que era improvável, não havia sido registrado. Cass usou seu dedo e rolando para cima e imediatamente entendeu o que tinha acontecido.

— Ela era a filha do conde — ela respirou, — mas ele morreu em 1543 e seu irmão herdou o título.

— Sim. — Antonio disse.

O tom de voz dele era estranho. Mas Cass não olhou para ele neste momento, porque a extensão de uma tragédia terrível estava bem ali na frente de seus olhos na página escrita.

— Oh meu Deus, — Cass sussurrou. — Todos eles morreram. Seu pai, sua mãe, seu irmão, todos morto em 1543.

— Sim, — Antonio disse. — Todos eles morreram.


Capítulo Onze

Leste de Sussex – 18 de julho de 1543

Mesmo em suas saias, ela podia correr mais rápido de que seu irmão, Tom, que era apenas dois anos mais velho do que ela. Rindo, Isabel se distanciou de seu irmão de dez anos de idade, ignorando os gritos de Lady Caroline. A arrebentação quebrou em seus pés. O litoral de Sussex era verde, idílico, e belo, a compacta praia coberta com cintilantes conchas esmagadas, correndo pelas dunas ondulantes e as férteis colinas florescendo de Sussex. Mas Isabel cresceu no leste Sussex, e embora não fosse imune a beleza ao seu redor, ela ignorou isto, do jeito que ignorava a sua ama, que continuava a chamá-la e ao seu irmão. Alcançando a grande bola desgastada, a palha cutucando a partir do couro rasgado, ela agarrou-a, o esforço fazendo-a voar através da areia e aterrissar duro em seu rosto, a bola apertada firmemente em seus braços.

Uma boca cheia de areia não perturbou Isabel, que simplesmente cuspiu arduamente para se livrar das pedrinhas e grãos. Um momento depois, seu irmão estava em cima dela, aterrissando ali com um indignado whoop! e eles estavam gritando e rindo e gritando enquanto lutavam pela bola.

As ondas quebrando finalmente lavou-se sobre eles, e ambos gritaram em uníssono, porque mesmo no verão, o mar estava terrivelmente frio. Acima da cabeça deles, gaivotas circulavam e grasnavam no brilhante céu de verão ensolarado, procurando o jantar.

— Isabel! Thomas! Seus dois moleques malcriados, prestem atenção em mim neste momento! — Sua prima estava gritando furiosa, seus gritos mais altos agora.

Havia algo em seu tom que fazia Isabel parar de rir, e como ela se sentou, coberta de areia, seu irmão fez o mesmo. Ela viu de repente a expressão perplexa dele que tinha ouvido a nota de alarme e pânico em voz de Lady Caroline também. Isabel encontrou seu olhar. Ambos tinham olhos vividamente azuis, mas de outra forma, existiria pouca semelhança entre eles, como Tom assemelhou-se a seu pai, o conde de Sussex, um homem grande e escuro e Isabel a sua mãe, a condessa, que era magra, reta, e de cabelos vermelhos. Ela tomou sua mão, seu coração balançando.

— Ela é um papagaio — ela sussurrou. — Sempre com tanto medo, e tomando junto a asa sem jamais pensar duas vezes.

Thomas levantou-se e a puxou-a sobre os pés. Seu rosto moreno estava sóbrio agora.

— Ela está sem dúvida perturbada porque estamos atrasados. — Ele compartilhou outro significativo olhar com ela.

O coração de Isabel balançou desagradavelmente. Seus pais tinham ido a corte para o casamento do rei com Catherine Parr, sua sexta esposa, e era esperado a volta deles naquele dia. Pouco antes de seu pai o conde partir para a corte, ele a chicoteou por suas travessuras e por seu selvagem jeito de moleque. Isabel tinha prometido se comportar da maneira mais exemplar condizente com uma dama cristã, e debatendo-se na areia com seu irmão não ajudaria sua causa. Ela estava com medo de outro chicoteamento.

Felizmente, o conde odiava o chicote tanto quanto seus filhos, e o castigo nunca durava por muito tempo.

— Não se preocupe. — Thomas aconselhou, deslizando o braço ao redor de seus ombros magros. — Isto foi minha culpa desta vez, e eu informarei a sua senhoria disto.

— Não, não faça. — Isabel disse, ciente das lágrimas contidas que subitamente enchia seu tom. — Eu não quero que você sofra a chicotada, também.

— Eu não me importo. — Thomas disse gentilmente. — É mais fácil para mim porque eu sou um homem.

Isabel teve que dar-lhe um olhar.

— Não ainda, Sir. Tolo. Você nem sequer tem suas esporas, então como você pode ser um homem feito!

Eles começaram a descer a praia, em direção a Lady Caroline, que estava acenando freneticamente para eles. Isabel tinha certeza agora que seus pais haviam retornado ao Castelo de Romney, e seus passos desaceleraram.

— O pai me disse, como eu sou o herdeiro, eu sou um homem, não importa minha idade. — Thomas estava firme. — E eu nunca devo esquecer que um dia eu serei conde, um dos pares mais importantes no reino, assim, eu devo sempre agir de acordo com minha posição neste mundo. — Ele suspirou então, pesadamente.

Isabel compreendida, e ela apertou a mão dele.

— Nunca se arrependa de sua bênção, Tom. Você poderia ser não mais do que o pirralho do padeiro. Ao invés, você é um dos mais nobres.

— Não, eu não nutro arrependimento, — ele disse prontamente.

Mas Isabel o conhecia, assim como a si mesma, eles eram muito próximos. Ela sabia que ele amava jogar bola mais que esgrimir com seu mestre, que ele preferia falcoaria ao latim e grego e matemática, e que ele ternamente menosprezava os ensinos de gente como Platão, Plutarch, Cicero, e Seneca, que ele alegava que não podia compreender de modo algum. E Tom simplesmente não tinha nenhum uso aos assuntos que se tornaram popular devido à propensão do Rei Henry por eles, alquimia, astronomia, astrologia. Ele não sabia o quão sortudo era, Isabel pensou melancolicamente. Enquanto ele falava três línguas, embora não fluentemente, ela era perita em picar seus polegares enquanto tecia seu bordado. Ele montava escarranchado enquanto caçava com falcões; ela falcoava na posição elegante da sela de amazona. O que ela não daria por um tutor que lhe permitisse estudar quatro ou cinco idiomas, somar e subtrair números com facilidade, decifrar os tratados de filósofos da Grécia e Roma Antiga, em vez de aprender de cor passagens da Bíblia e Sobre a Instrução de uma Mulher Cristã. O conde tinha sido ligeiro em declarar, muitas vezes, que uma mulher só precisa obedecer a Deus e casar bem, e a educação de Isabel era baseada naquela premissa. Ela se perguntou o que seu pai diria, e faria, se soubesse que ela frequentemente escutou clandestinamente as lições de seu irmão e que ela podia discursar sobre uma passagem de Sócrates.

— Lady Caroline parece mais perturbada do que o habitual. — Tom disse de repente, enxugando suor de sua sobrancelha. — O que pode estar errado?

Isabel estava se perguntando exatamente o mesmo, quando de repente ela percebeu que ele estava muito corado, e ainda suando profusamente, o que era estranho. E algumas estranhas pequenas manchas que pareciam picadas de sangue eclodiram em suas bochechas redondas. Mas antes que ela pudesse reagir, Lady Caroline estava abatendo-se sobre eles.

Ela era uma viúva rechonchuda de dezenove anos, soprando e bufando para respirar.

— O Senhor tem piedade de nós todos. — Ela lamentou.

Isabel hesitou, percebendo que tudo o que estava acontecendo, dificilmente era tão simples como ser apanhada por seu poderoso pai na travessura compartilhada com Tom.

— Prima Caroline, o que acontece? — Ela dirigiu, num sussurro de pavor.

— O conde retornou da corte. Querido Deus, que Ele tenha misericórdia de todos nós!

— Lady Caroline. — Tom estalou, — o que se passou?

O olhar dela era selvagem e cheio de lágrimas.

— Sua mãe está acometida pela doença do suor! — Caroline exclamou, seu rosto redondo pálido.

Isabel encarou.

E ela imaginou sua bela, ruiva mãe, Lady Margaret, como a tinha visto pela última vez, poucas semanas atrás, em brocado púrpura e cintilantes safiras, um toucado dourado escondendo a maior parte de seu cabelo extravagante, um caloroso, bonito sorriso em seus lábios, e seu bebê recém-nascido, a irmã bebê de Isabel, Catherine, em homenagem a nova rainha, em seus braços. Ela imaginou seu pai orgulhoso ao lado delas, sorrindo, apesar de seu desejo por outro filho. E então outras imagens cintilaram em sua mente, das casas na aldeia onde a doença seguiu seu percurso de morte. Das fechadas janelas e portas bloqueadas, do sinal exigido, tufos de palha e uma barra branca, marcando todas as casas onde a doença havia atingido.

— Não. — Isabel disse, de repente cambaleando com tontura e medo. — Não, isto é um engano!

Mas não era um engano.

A doença do suor chegara finalmente a Romney.

Quando eles alcançaram o castelo, situado no alto da colina, com vista para a baía abaixo, onde Isabel e Tom tão frequentemente jogavam, Tom estava começando a tossir.

À medida que eles correram pelo pátio, Isabel percebeu quão estranhamente silenciosa e calma a muralha externa estava. Normalmente ele era um formigueiro, cheio com liteiras e cavalariços, cavaleiros e escudeiros, soldados e vigias, como também comerciantes locais ávidos por vender seus produtos e mercadorias. Cavalos, burros, e bois se misturavam com vacas, cachorros, e ocasionais ovelhas. Mas agora apenas dois homens estavam apressados acerca de seus negócios, passaram correndo por Isabel, Tom, e sua prima enquanto atravessavam a muralha. Tom tossiu novamente.

Isabel virou-se para olhá-lo enquanto eles corriam para o grande salão. Seu rosto estava corado no tom de beterrabas. Ela congelou.

— Eu estou bem, — ele sussurrou com voz rouca.

Isabel sabia demais sobre a doença do suor, e o medo tomou conta dela. Os primeiros sinais eram frequentemente uma tosse, a febre, dores de cabeça, e em poucas horas, antes mesmo de ser capaz de voltar para casa para seus entes queridos, às vezes, a vítima estava morta.

— Tom, — ela gritou, agarrando seu braço.

Mas ele se afastou.

— Não me toque! — Ele gritou. E então ele agarrou a cabeça, gemendo.

Em puro horror, Isabel assistia seu irmão amado lutando com sua dor de cabeça.

Por trás, Caroline agarrou Isabel, arrastando-a para longe.

— Não! — Isabel gritou, lutando para ficar livre. — Não! Deixe-me ir para o meu irmão, por favor!

— Você não pode. — Caroline ofegou, ambos seus braços robustos bloqueados ao redor de Isabel. — Ele pegou a doença, também, querido Deus! — Ela inalou. — Mestre Tom! Suba para seu quarto e se apresse. Cama para você, está me ouvindo?

Tom assentiu, incapaz de ficar em pé, dobrando-se de dor.

— Ele precisa de mim, deixe-me ajudá-lo! — Isabel gritou.

Caroline deu um tapa forte em seu rosto. — Não pense em ser uma pirralha agora! Nossas vidas dependem disto!

Isabel odiou-a. Naquele instante ela odiou-a, quando só tinha a amado até então.

— Eu quero meu pai — ela exigiu furiosamente. — Eu quero o Conde. Onde ele está? Ele vai colocá-la em seu lugar, ele vai!

— Ele está andando a passos largos do lado de fora dos aposentos da condessa. — Caroline replicou.

— Então é para onde eu estou indo. Liberte-me agora, Lady Catherine. — Isabel ordenou, ainda lutando para se livrar do agarre.

Thomas caiu no chão aos seus pés.

Ambas Caroline e Isabel estavam atordoadas, por um instante incapazes de fazer mais que encarar. E então Isabel se deu conta que Caroline tinha cessado sua guarda. Ela se contorceu se libertando de sua captora, correndo para seu irmão, inclinando-se sobre ele. Mas antes que ela pudesse virá-lo de costas, Caroline tinha agarrado seu cabelo e estava arrastando-a de volta novamente. Isabel gritou de dor.

— Não toque nele! — Sua ama ordenada freneticamente.

— Deixe-me ir. — Isabel gritou, tão frenética. Então, para sua surpresa, Caroline fez exatamente isso.

Suas orelhas estavam zumbido da dor de ter seu cabelo quase arrancado de seu couro cabeludo. Ela correu de volta ao seu irmão, ajoelhando-se sobre ele, ciente agora das lágrimas começando um deslizamento incessante pelo seu rosto. Ela virou-o, e viu mais manchas de sangue aparecendo no rosto dele.

— Oh, Tom, — ela disse, soluçando agora. — Não morra, você não pode! Tom!

Os cílios dele tremularam, mas ele não respondeu. E ele estava queimando como fogo ao toque dela.

— Onde estão todos? — Isabel gritou, olhando em volta descontroladamente. — Eu preciso de um servo para colocá-lo na cama!

— Não há ninguém aqui que fará isto, — Caroline exclamou, alguns metros afastada, — por medo de contágio.

Isabel de repente estava frenética. Ela não temia o contágio, se Tom morresse, ela queria morrer, também. Ela iria cuidar dele, mas precisava colocá-lo na cama dele. Seu pai! Ninguém ousaria desobedecer ao conde!

Isabel correu pelo corredor e ao andar de cima, esperando encontrar seu pai do lado de fora dos aposentos de sua mãe. Em vez disso, ela viu duas damas de sua mãe, amontoadas juntas, soluçando. Isabel correu para elas.

— Cecilia, — ela exclamou, torcendo o braço dela. — Onde está o conde? Como está a minha mãe? Onde está todo mundo?

Lady Cecilia Farqhuier piscou para ela através de seus olhos vermelhos e inchados.

— Sua mãe está queimando com febre e esvaindo-se em feridas. — Ela lamentou novamente. — O conde a levou para sua própria cama. Lady Mary e Lady Jane estão mortas. Elas morreram esta manhã dentro de poucos minutos uma da outra.

Isabel encarou, em choque agora. Duas das damas de sua mãe em serviço, mortas. Seu pai, em sua cama?

— Pai? — Ela mal conseguiu dizer a palavra.

— A doença tomou, ele, também.

Isabel recuou, descrente.

— Não. Isso é impossível.

Lady Anne olhou para ela em meio a suas lágrimas com profundo pesar.

— Vá ver por si mesma, então.

Isabel continuou a retroceder, balançando a cabeça em negação. Seu pai o conde era o homem mais poderoso que ela conhecia. Quando ele falava, os homens ouviam; quando ele caminhava, o chão tremia. Ele era conselheiro do rei, era membro de posição no conselho, e era, como seu suserano, igualmente temido e reverenciados. Embora em seus quarenta e tantos anos, ele permaneceu um homem grande, tempestuoso, que ainda apreciava e vencia torneios, que ainda apreciava a caça, e que continuava virando os olhos de muitas damas. Isabel sempre temeu seu pai tanto como ela o respeitava. Ela jamais conseguia recordar um momento em que ele estivera errado.

Ele não poderia estar doente. Não seu poderoso, bonito, brilhante pai. Não com a doença do suor, que não mostrou misericórdia para suas vítimas. Pois ninguém sobrevivia.

De repente um sacerdote saiu dos aposentos de sua mãe.

Os olhos da Isabel se arregalaram. Reservadamente Lady Margaret mantinha a antiga fé, mas muito reservadamente e muito secretamente, e o conde escolheu olhar para o outro lado. O coração da Isabel virou repetidas vezes com medo. O que o Padre Joseph estava fazendo nos aposentos da sua mãe neste momento do dia, querido Deus? Para qualquer um ver? Se uma palavra disto chegasse a corte, sua mãe poderia ser julgada por heresia e traição.

— Padre? — Ela tentou, profundamente dentro de si já sabendo a resposta.

Ele se ajoelhou.

— Caríssima Isabel — ele disse gravemente. — Eu sinto muito, mas sua mãe caminha com o Senhor agora, e saiba você que ela está em paz.

Isabel achou difícil respirar. Sua mãe, morta? E ela nem sequer pode dizer adeus?

— Não. — Ela sussurrou, seu coração começando a rasgar e machucar tão dolorosamente que teve que apertar a palma da mão em seu peito plano. — Não. — Ela sentiu começar a tremer violentamente.

O padre sorriu tristemente para ela.

— Ela era uma devota e boa mulher, e tenha a certeza que ela acha o Céu um lugar maravilhoso. Está com o Senhor agora, Isabel. Onde ela deve finalmente estar.

Isabel balançou a cabeça, pensando, não, não, não, enquanto as duas damas explodiram repentinamente em alto, agudos soluços. Então ela se virou e correu pelo corredor, mas estava vazio. Nenhum único lorde estava fora dos aposentos de seu pai, e Isabel não entendeu.

Ou entendia?

Eles estavam ou todos mortos, ou com medo da morte.

Isabel mordeu o lábio, seu coração bombeando dolorosamente, lágrimas salgadas em seus lábios, e ela abriu a porta. Uma forma enorme jazia imóvel na maciça cama com dossel.

— Milorde? — Ela tentou. Seu tom soou cru para seus próprios ouvidos.

Não houve resposta.

E Isabel ficou apavorada.

Até demais para ir adiante e descobrir se ele ainda vivia, ou se também tinha morrido.

Ela virou e fugiu, correndo de volta no andar de baixo, só para encontrar o grande salão vazio, com exceção de Tom, que estava deitado onde ela o deixara.

Isabel desabou ao lado dele, já sabendo a verdade, já sabendo que seu pai estava morto, também.

— Tom — ela chorou — você não pode morrer. Você não pode me deixar, eu preciso de você, não morra!

Não houve resposta, nem mesmo a mais básica agitação de seus cílios grossos, e em meio às lágrimas, Isabel percebeu que ele parecia terrivelmente quieto. Mas sua vista estava embaçada e disforme por causa de suas lágrimas, e ela piscou furiosamente, para melhorar sua visão, determinada a vê-lo respirando, vivo. Sua visão clareou. Ele estava tão quieto. Mas certamente ele respirava?

Mais pavor, mais terror, agarrou-a.

Isabel ergueu uma mão tremula e segurou-a sobre a boca dele.

Nenhuma respiração soprava em sua mão.

Ela tentou novamente, com a mão tremendo incontrolavelmente agora, determinada a sentir a respiração morna e úmida dele em sua carne.

E ela não sentiu nada.

Desesperadamente Isabel rasgou a túnica e a camisa dele e colocou seu ouvido no peito em chamas dele. Não houve nenhum movimento sob sua bochecha, sem ascensão e queda de sua caixa torácica à medida que ele respirasse, e pior, não havia nenhum batimento cardíaco, nada.

Ele estava morto.

E quando seu tio, John de Warenne, chegou três dias mais tarde para os enterros, sua irmã bebê e Caroline estavam mortas, também. Mas Isabel sobreviveu.

Ela não sabia o porquê.


Capítulo Doze

Casa de Sueños – 9 e 30 da noite

— Eu suspeitaria da peste.

A voz dele soava tão distante. Cass teve que fechar os olhos, tentando bloquear a imagem de uma linda menina de pé em um pátio medieval vazio, simplesmente atordoada pela perda de toda a sua família.

Não, não toda a sua família. Seu tio sobreviveu. Seu tio se tornou o conde de Sussex quando o pai da Isabel morreu.

Ela abriu seus olhos para encontrar Antonio olhando-a com preocupação.

— Que trágico, — ela sussurrou. — Se foi a peste, isso deve ser fácil de descobrir.

— Amanhã — ele prometeu a ela.

Lá fora, um vento levantou. As rajadas sacudiram as vidraças.

Cass segurou o olhar dele, a imagem de Isabel vindo a mente novamente como uma criança pequena.

— Ela era órfã. — Cass disse severamente. — Ela era a sobrinha do conde de Sussex uma vez que seu pai morreu. Sussex provavelmente se tornou seu guardião; eu imagino que ele deve ter arranjado o casamento para ela.

— Eu acho que sim. — Antonio disse, seu olho fixo no rosto dela. — Isabel deve ter tido um bom dote para conseguir o casamento. Você está bem?

Cass estava de frente para ele, ciente que seu entusiasmo tinha sido substituído pela preocupação por ela. Ela ainda se sentia em estado de choque. E ficava surpresa com sua reação aos fatos que haviam acabaram de descobrir.

Ela estava ficando muito preocupada com a vida de Isabel. Ou era compelida?

— Cassandra? — Eles se ajoelharam lado a lado; seu ombro pressionado contra o dela. — Algo está incomodando você. O que é?

A luz do fogo iluminou a clara, ligeiramente dourada pele dele, seus olhos castanhos. Cass tomou seu primeiro gole de martini. Era fresco, amargo e seco. Ela acabou de perceber o quão perto ele estava dela, e Tracey estaria entrando a qualquer momento.

Cass se levantou abruptamente, consciente de sua culpa.

— Ela teve uma vida trágica do princípio ao fim. Quero dizer, ela perdeu tudo quando tinha oito, e ela morreu na fogueira doze anos mais tarde. Eu estou estarrecida.

— Eu posso ver isto. — O olhar dele sustentou o dela enquanto também levantava. — Talvez isso ajude a explicar a frieza desta casa.

Ela olhou fixamente.

— Você acredita em fantasmas?

— Eu não tenho certeza — ele disse com sinceridade. — Há imenso encanto ao fazê-lo, não há? — Ele sorriu ligeiramente.

Cass teve que sorrir um pouco, também.

— Sim, é romântico — ela concordou. — Estou um pouco confusa — confessou. — Isabel não teria que se converter ao catolicismo para se casar com Alvarado?

— Sim.

— Então como ela podia ter sido julgada por ser uma herege?

— No curso da história, — Antonio disse, — no curso da nossa história, os convertidos era frequentemente os primeiros bodes expiatórios da Inquisição.

— Eu não tinha percebido. — Cass disse. — Mas por alguma razão, eu presumi que ela morreu na Inglaterra. Mas talvez você esteja certo, talvez ela morreu aqui. — Cass estremeceu. — Bem, se ela estiver assombrando esta casa, é compreensível. Eu o faria também, se eu estivesse em seu lugar.

— Você acha que ela está assombrando esta casa? — Antonio perguntou, sua consideração inabalável.

Cass encontrou seus olhos. — Eu não sei, — ela disse lentamente. Em seguida. — Eu espero que não. Mas...

— Mas o que?

Antes que Cass pudesse deixar escapar tudo o que estava em sua mente, Gregory disse.

— Você finalmente encontrou a sua metade, Tonio. Uma mulher tão obcecada pelo passado quanto você. — Ele sorriu para ambos.

Cass olhou para o belo rosto e viu que o sorriso era falso, que não alcançou seus olhos. Ela ficou surpresa. E se perguntou se ele não gostava dela.

E nesse instante, o olhar que ele deu a ela era penetrante e malévolo.

Cass recuou, apoiando-se diretamente em Antonio, que a firmou. Quando ela enfrentou Gregory novamente, ele estava sorrindo e era o epítome do charme masculino descontraído.

Cass não conseguia respirar. Ela tinha acabado de ver o que ela pensou que tinha visto? Ele acabou de dar-lhe um olhar de profundo ódio implacável? E se sim, por quê?

Pelo amor de Deus, eles acabaram de se conhecer!

Cass estava abalada. Ela se afastou de Antonio, e foi então que ela sentiu a presença dela, antes mesmo de vê-la. Ela lentamente ergueu os olhos para encontrar Tracey no limiar da sala.

Cass endureceu, uma imagem de sua irmã, em uma minissaia, seus pés descalços, saindo furtivamente do quarto de Antonio atravessou sua mente. E foi seguida de outra imagem, de sua irmã quase catatônico debaixo da árvore.

E de repente Cass odiou Tracey. Era Tracey ficando entre ela e Antonio, era por causa de Tracey que ela teria que recusar a proposta de Antonio e retornar para casa, era Tracey que pode, e poderia levar Alyssa para longe dela a qualquer momento.

E a profundidade de seu ódio surpreendeu Cass.

— Oi. — Tracey disse um pouco excitante. Ela sorriu para Antonio, depois Cass, e finalmente ela deu uma olhada em Gregory.

Os olhos dele estavam arregalados. Sua admiração imediata por sua irmã era óbvia, Cass viu tais reações muitas vezes para contar.

Cass se virou quando Antonio fez as apresentações. Ela estava tremendo. E se odiou por seu ciúme. Por que ela estava sendo reduzida a tal emoção básica? Era a boa e velha confiável, sensata e responsável Cass! Ela era a pessoa que orientava a família, a sobrinha obediente, a irmã encorajadora, a tia materna. Ela era a pacificadora!

Ela se afastou do grupo para ficar na frente do fogo, olhando fixamente as chamas dançarem, ciente agora da enxaqueca que se formou atrás de suas têmporas. E por um instante, Isabel sorriu para ela do meio das chamas.

Cass gritou, saltando para longe do fogo.

Antonio correu para ela.

— Você se queimou? — Ele exigiu, olhos arregalados.

Ela agarrou os braços dele, olhando sem ver o rosto dele, vendo ao invés Isabel, sorrindo, e não lindamente. Cass lançou um olhar para trás para a lareira. O fogo crepitava alegremente, inocentemente, dentro de seus limites.

Ela estava tremendo como uma folha.

— Você se queimou? — Antonio estava perguntando novamente, segurando-a de pé.

Cass sentiu seu mundo inclinar e girar.

— Ela está bem?

Isso partiu de sua irmã, sua condenada irmã.

— Eu acho que ela vai desmaiar. — Gregory disse.

Cass nunca desmaiou uma única vez em sua vida, e ela quis dizer-lhes isto, mas antes que ela pudesse obter as palavras, seu mundo girou em tons de cinza e preto, enquanto as janelas chacoalhavam e o vento rugia, e então a escuridão era completa.

A peste.

Você acredita em fantasmas?

Ela está convocando todos nós juntos.

Cass se sentia enjoada. As vozes deles, de Antonio, de Alyssa, ecoavam em sua mente. E então ela realmente ouviu suas vozes, da mesma maneira abrindo-se rapidamente.

Antonio estava debruçado sobre ela, segurando sais aromáticos. Ele começou a empurrá-los na direção dela novamente, e Cass virou a cabeça.

— Eu estou bem.

— Você não está bem. — Seu tom era conciso. — Deve estar exausta.

— Ela nunca desmaiou em sua vida, eu acho. — Isso partiu de Tracey, que estava ao lado de Gregory, os dois de pé ao lado do sofá.

Cass tentou se sentar, mas ela ainda estava um pouco atordoada e desmoronou.

— Fique quieta. — Antonio disse bruscamente.

Os olhos de Cass voaram para ele, pois não havia dúvida quanto ao seu tom. Ele estava preocupado com seu bem-estar, extremamente.

Algo se transformou em mingau dentro de seu coração.

— Eu estou bem, — ela disse, ciente do estremecimento em seu tom. — Não sei o que aconteceu... — E congelou. Ela viu Isabel no fogo.

— Tia Cass? — A voz de Alyssa soou, cheia de medo infantil.

Não, Cass pensou freneticamente. Ela não viu Isabel no fogo. Ela estava obcecada por Isabel, e sua imaginação estava pregando terríveis peças nela.

— Carinho, eu desmaiei. Estou exausta. Mas eu estou bem.

Alyssa deslizou ao redor de Antonio, e Cass estendeu a mão para pegar a dela.

— Sem mais martinis. — Antonio disse firmemente. Enquanto falava, o telefone tocou. — Alfonso atenderá. — Ele deslizou seu braço por baixo das costas de Cass e a ajudou a se sentar.

Cass estava intensamente ciente dele, e se sentiu corar. Ela olhou para Tracey. Sua irmã estava encarando. Nada mudou.

Ou teria?

Gregory também estava encarando.

Alfonso apareceu no limiar da sala. Ele era um homem ágil de sessenta anos com uma cabeça de cabelo branco espesso.

— Señora — ele disse para Cass. — Teléfono. Señor? — Ele falou com Antonio. — La cena.

Cass sabia que Antonio estava prestes a dizer ao mordomo que ele deveria anotar a mensagem, e ela lutou para ficar em pé. De alguma forma ela sabia que era sua tia, a quem ela tinha esquecido de ligar. Um momento depois, ela tinha o telefone em sua mão. Antonio tocou seu ombro; todo mundo estava deixando a sala. — A ceia está servida — ele disse calmamente. — Nós estaremos na sala de jantar.

Cass movimentou a cabeça, voltando sua atenção à chamada à medida que todos saiam.

— Tia Catherine?

— Eu estou tão feliz... você. — A conexão estava terrível, cheia de eco e estática. — Pior dificuldade — sua tia disse, soando muito longe.

— Eu mal posso ouvir você. — Cass gritou, segurando o telefone. — Você pode me ouvir? Está tudo bem?

— Muito bem, — sua tia parecia dizer. Ela continuou a falar, mas Cass não conseguia entender outra palavra.

— Tia Catherine, eu não posso ouvir você! — Cass gritou bem alto. — Estamos perdendo esta conexão. Você consegue me ouvir?

Sua tia falou novamente. Cass ouviu.

— Voo... Madri.

— Tia Catherine? — Ela enrijeceu. Era como se alguém tivesse fixado duas tábuas pesadas em seus ombros, que foram pesando por todo seu corpo. Cass percebeu que as luzes na biblioteca estavam oscilando. Ou isso eram apenas sombras? Ela não poderia eventualmente desmaiar de novo, não é? — O que você disse?

— Castilha. — Sua tia pareceu gritar. — Amanhã!

E Cass congelou, esquecendo de respirar. Naquele momento ela compreendia. Sua tia estava em Madri e ela chegaria em Castilha amanhã.

E logo tia Catherine vai chegar...

— Não! — Ela gritou. — Tia Catherine, não venha, nós estaremos em casa em alguns dias... — Ela parou. A linha caiu.

E então, de repente, as luzes da biblioteca apagaram.

Cass estava imóvel. Ela continuou a apertar o telefone enquanto estava lá na escuridão, seu coração batia com força excessiva, medo lavava sobre ela em ondas nauseantes.

Sua tia estava vindo para Casa de Sueños.

Primeiro ela, Tracey e Alyssa vieram, então Gregory, e agora tia Catherine...

— Pare com isso. — Ela disse a si mesma, lentamente desligando o telefone.

Ela tateou à procura de luz e tentou o interruptor, mas as luzes não voltaram. O medo aumentou. Cass se lembrou que a instalação elétrica estava com defeito; esta era uma casa muito antiga, muito malcuidada. Se virou e esbarrou em uma cadeira, a dor disparou por seu joelho, e de repente ela sentiu olhos nela.

Cass estava congelada, incapaz de se movimentar, esforçando-se para ouvir, sua pele arrepiando. A sensação de estar sendo vigiada não diminuiu. Cass girou.

— Isabel? — Como ela podia sentir o cheiro dela agora, o cheiro de violetas flutuava aproximando-se mais e mais ainda. Cass não tinha nenhuma dúvida a quem o perfume pertencia. — Isabel? — Ela não se sentia como uma boba; se sentia como um terrível covarde. Ela estava tremendo, seu pulso batendo com força alarmante. — Você está aqui?

A fragrância estava dominando agora.

Um tronco caiu na lareira.

Coisa que dificilmente era incomum, mas neste momento Cass se encolheu. Cautelosamente ela esquadrinhou o cômodo. Cass enfrentou ninguém, só uma sala cheia de móveis e pinturas. Ela recuou lentamente, olhando ao redor novamente, mas estava completamente só.

Seu ombro foi tocado por algo suave.

Cass gritou, saltando, girando, mas foi apenas uma seção ondulante da cortina. Ainda assim, ela não conseguia respirar uniformemente. Então ela percebeu que todas as janelas estavam fechadas, não havia ar condicionado na casa, mas as malditas cortinas se moveram.

Elas se moveram.

Ela está aqui, Cass pensou, desesperadamente.

E então, ninguém está aqui! Não seja ridícula!

Mas ela encarou as cortinas, tal como estavam ainda agora.

— Isabel? O que você quer? Eu não sou seu inimigo. Eu sou sua amiga. O que você quer? — Cass não soube o que ela esperava, mas não houve nenhuma resposta. Ela estremeceu.

— Cassandra?

Cass girou ao som da voz de Antonio. Ele estava de pé na soleira, segurando uma vela. Sua luz era muito estável, porque o ar na casa estava muito quieto.

— Com quem você está conversando? — Ele perguntou.

Cass estava agora ciente da transpiração cobrindo seu corpo em uma fina camada de umidade. Ela desviou através de algumas cadeiras e mesas, em direção a ele.

— Antonio, eu mudei de ideia. — Ela manteve a voz baixa. Ela o alcançou no limite da sala e sentiu um grande alívio. Teve que se conter para não pressionar seu corpo junto ao dele.

— Em relação? — Ele perguntou.

— Em relação você acreditar em fantasmas.

Ele a encarou. E ele disse:

— Eu tenho certeza que a iluminação com defeito é devido à falta de manutenção e reparo, não por ela.

Cass encarou o rosto dele, que estava fundido na sombra, mas iluminado pela vela que ele segurava.

— Você sente esse aroma floral?

Não houve hesitação.

— Sim.

Cass molhou os lábios.

— É o cheiro dela. É ela. Isabel.

Pelo menos ele não riu. Ele disse.

— Eu vou chamar um eletricista amanhã. A casa inteira está apagada. Gregory e Alfonso estão procurando pela caixa de fusível.

Cass fez uma careta.

— Existe um porão?

— Algo do tipo. — Antonio disse.

Ela ficou rígida.

— Em castelos, os calabouços são abaixo do solo. Eu nunca pensei sobre isto, mas...

— Esta era uma mansão fortificada. Você está certa. Os calabouços estão embaixo.

— Só do que precisamos. — Cass disse. — A propósito, os telefones também estão mudos.

Ele tocou seu cotovelo, ainda segurando a vela.

— Nós comeremos a luz de velas, — ele disse.

Cass não achava que podia convocar qualquer apetite. Convocar. Dane-se tudo, a palavra estava gravada em sua mente agora.

Enquanto eles andavam no corredor, Antonio disse.

— Mas talvez o momento de ser honesto com você chegou para mim. — Ele se deteve.

Cass aguardou com expectativa.

— Eu penso que a senti, também.

Seus ombros roçaram à medida que se aproximavam da sala de jantar, que estava agora iluminada com velas. O efeito não era calmante, porque as sombras dançavam. E certamente não era romântico.

— O que você quis dizer, você a sentiu, também? — Cass sussurrou.

— Eu acho que a presença é muito forte naquele quarto no andar de cima. Eu esperava que estivesse imaginando. — Ele possivelmente corou. Era difícil de dizer. — Aquele quarto parece pesado. É espesso e denso. Infeliz até. — Ele deu de ombros.

Cass se deteve encarando-o.

— Esta casa inteira é infeliz. Mas então, ela deve ter sido terrivelmente infeliz quando veio para cá.

— Bem, se ela estiver assombrando Casa de Sueños, provavelmente é por uma boa causa, mas também é bastante irrelevante. — Antonio disse. — Sem dúvida o fantasma dela tem estado aqui há quatrocentos e quarenta e cinco anos. — Ele sorriu brevemente, seus olhos procurando os dela.

Eles estavam de pé do lado de fora da sala de jantar. Cass estava ciente de Tracey observando-os enquanto ela se sentava sozinha na mesa com as crianças. Ambos Eduardo e Alyssa também estavam atentos.

— Eu estou preocupada. — Ela finalmente disse em um sussurro assim as crianças não escutariam. — A tia Catherine está vindo para cá, e isso significa todo o de Warennes e de La Barcas estarão presentes, com a exceção de sua mãe.

— Eu não entendo o que você está sugerindo, — ele disse devagar.

Cass inalou.

— E se todos nós deveríamos estar aqui por uma razão? E se essa razão tem algo a ver com o passado? Com ela? Tragédia parece resultar sempre que as duas famílias se reúnem. Nós estamos certamente todos juntos agora. — Então, sombriamente. — Eu imagino que Isabel odeia sua família.

— Isabel está morta. — Antonio estava sério. — Tenho pensado muito sobre essa coincidência extraordinária, na verdade.

Seus olhares se encontraram.

— Achei isto, mas não vai nos ajudar muito. — Gregory disse, andando a passos largos para eles, uma lanterna na mão. — Você precisa de alguma manutenção neste lugar, Tonio. Os fusíveis estão queimados na totalidade, eu nunca vi uma coisa dessas antes.

— Nós não temos alguns fusíveis em algum lugar? — Cass perguntou, alarmada.

— Alfonso está verificando. — Antonio disse. — Por que nós não nos sentamos e tentamos comer algo? — Ele tocou o ombro de Cass, guiando-a em direção a sala de jantar, quando a lanterna na mão do Gregory apagou.

Gregory amaldiçoou em espanhol, dando pancadas leves no botão repetidamente. Então ele olhou para seu irmão.

— Eu não acredito nisto. Você tem pilhas para isso?

Antonio encarou a potente lanterna, que estava morta.

— Eu não sei.

Gregory gemeu.

Cass olhou para dentro da sala de jantar para os rostos preocupados das duas crianças. Então ela olhou uma segunda vez, fascinada pela expressão de Tracey. Algo pareceu tão estranho. Seu rosto estava tão, relaxado.

— Está tudo bem, pessoal. Amanhã nós teremos toda a energia de volta. — Cass disse alegremente.

Mas ela estava pensando sobre seu laptop, as luzes, a lanterna, e aquela misteriosa estática em sua tela. Estava pensando sobre aquele rosto que ela viu no fogo, embora ela estava agora convencida de que tinha sido sua imaginação. Ainda assim, existia uma possibilidade crescente de que Isabel estava assombrando-os.

Não, existia uma probabilidade crescente.

Mas será que isso realmente importava?

Afinal, Isabel era um espírito triste e trágico. O que ela podia realmente fazer?

Tracey de repente se levantou.

— Sim, está tudo bem.

Cass continuou alerta. Os modos de sua irmã estavam estranhos, quase demasiado calma, muito tranquila. Cass não gostou disto. Não quando ela não podia evitar recordar o comportamento estranho de Tracey quando a achou em algum tipo de transe mais cedo aquele dia.

— Trace?

Tracey sorriu para ela.

— Eu não estou com fome. Estou cansada, eu vou para meu quarto.

Cass observou-a caminhar casualmente diante todo mundo, a cada segundo mais incomodada. De repente não gostou de sua irmã indo ao andar superior sozinha, nem um pouco. Ela correu atrás dela.

— Você não pode esperar? Em vinte minutos Alyssa e eu iremos, também.

Tracey olhou em seus olhos, seu próprio olhar o retrato de inocência.

— O que está errado, Cassandra? — Ela perguntou. — Você tem medo do escuro?

— Um pouco. — Cass admitiu. — Especialmente em uma noite como esta.

Tracey sorriu.

— Eu amo o escuro — ela disse. — Boa noite. — Ela se virou e deslizou para o grande corredor.

Cass a assistiu ir. E foi só quando Tracey virou a esquina que ela percebeu que sua irmã nunca a chamou de Cassandra, e que ela sempre teve medo do escuro.


Alyssa estava segurando a mão de Cass com força quando todos disseram boa noite um ao outro no grande corredor. O coração de Cass balançou desagradavelmente quando Antonio, com Eduardo na mão, Gregory ao lado dele, desceram o respectivo corredor do outro lado da casa. Ela ficou olhando-os. A noite parecia opressiva. Pior, parecia ameaçadora.

Pelo menos o vento se acalmou.

Mas agora o silêncio parecia antinatural. Era mortal.

— Está tão quieto, — Alyssa sussurrou. — Tia Cass, nós temos que dormir lá em cima?

Cass olhou rapidamente para sua sobrinha enquanto elas faziam seu caminho à luz de velas pelo corredor terrivelmente escuro, sombrio. Aquele corredor era suficiente para lhe causar arrepios. Seus passos soavam muito altos no chão de madeira. Ela queria olhar por cima de seu ombro repetidamente.

Esta noite, sabia, ela jamais pregaria o olho. E não importava o quanto ela se repreendeu, simplesmente não conseguia relaxar.

— Onde mais poderíamos dormir?

— Eu não sei. — Alyssa disse impotente.

No andar superior estava tão quieto quanto abaixo. A porta de Tracey estava firmemente fechada. As entranhas de Cass coalhando à medida que passou; ela odiou a ideia de sua irmã dormindo sozinha. Ela debateu em verificá-la, mas uma olhada ao apertado rosto pálido de Alyssa, a fez mudar de ideia. Sua sobrinha precisava de toda a sua atenção agora.

Ela tinha deixado a porta do quarto delas escancarada, e agora elas entraram. E Cass congelou. A tela de seu computador encarava-a, brilhando com a luz, um prompt do DOS piscando. Alyssa também compreendeu ou sentiu sua tensão, porque sua mão apertou a de Cass.

Cass encarou, incapaz de se mover, mal capaz de pensar. Ela tinha fechado o laptop. Ela tinha o desligado. E o resto da energia estava desligada na casa, não estava? Ela virou e bateu o interruptor na parede, mas nenhuma luz acendeu.

Então ocorreu-lhe que seu laptop estava funcionando devido a bateria. Mas ela tinha fechado a tampa. Não tinha?

— O que é isso? — Alyssa choramingou nervosamente.

Cass começou a suar. Ela não iria tirar uma conclusão muito estúpida. Como Antonio tinha dito, e daí se Isabel estava por perto? Sem dúvida ela assombrou sua casa por 445 anos. Dificilmente era grande coisa; metade dos castelos e mansões na Inglaterra eram supostamente assombrados, também.

Os fantasmas não abriram laptops e ligava-os. Existia uma explicação razoável.

— Eu não quero dormir aqui. — Alyssa anunciou com desespero em seu tom. — Eu não quero!

Alguém a tocou por trás. Cass gritou, girando.

Era só Alyssa. Mas o movimento brusco fez sua vela apagar.

— Agora não temos nenhuma luz. — Alyssa exclamou, sufocando em lágrimas.

— Nós não podemos dormir com uma vela acesa, doçura. — Cass pretendia ser alegre. Mas uma gota de suor escorregou por sua têmpora. Agora ela não queria desligar seu computador, era a única luz que elas tinham. Ela olhou lentamente ao redor de seu quarto, mas só podia ver formas distorcidas e sombras. — Eu tenho uma ótima ideia. Vamos pegar um cobertor e alguns travesseiros e dormir no andar de baixo... na biblioteca. — Ela se sentiria melhor dormindo no mesmo lado da casa que todo mundo, ela achou e esperava. E se algum cômodo poderia ser considerado acolhedor, a biblioteca o era.

— Ok. — Alyssa concordou avidamente.

Um momento depois elas estavam a caminho.


— Então como você pretende fazê-lo? — Gregory perguntou a Antonio enquanto eles deixavam Eduardo acomodado na cama de Antonio.

Antonio abriu a porta para outro quarto mais distante no corredor.

— O que você quer dizer? — Eles estavam falando baixinho em espanhol, para não despertar a criança adormecida.

Gregory sorriu para seu irmão, cruzando os braços sobre seu tórax e detendo-se na porta enquanto Antonio fixava uma vela acesa.

— Sua namorada é requintada, mas ela não é o seu tipo. De modo nenhum.

— Você está certo.

E Gregory sorriu. Tinha sido óbvio para ele a partir do momento em que deu seu primeiro passo na casa, e só se tornou mais evidente enquanto a noite passava lentamente.

— De fato, conhecendo você como eu me conheço, — ele disse, — eu diria que você está um pouco afeiçoado por Cassandra. — Apesar de como ele se sentia sobre retornar à Casa de Sueños, a dinâmica pessoal que se desenrolava diante de seus olhos era bem interessante.

Antonio olhou-o.

— Por que você tem o prazer de se meter em meus assuntos pessoais? — Ele perguntou finalmente, sem rancor.

— Porque eu sou sete minutos e meio mais jovem que você. — Gregory sorriu. — Eu vivo indiretamente por você, — ele brincou. Uma vez que ele era o único com um fluxo interminável de namoradas e os fins de semana no Sul da França, e não seu irmão. Então, seriamente, ele apertou o ombro dele. — Porque tem sido muito tempo desde que eu vi um sorriso em seus olhos, — ele disse.

Os olhos dos gêmeos se encontraram e sustentaram, e por um breve momento ambos estavam pensando na mesma mulher, a esposa de Antonio. Antonio rapidamente desviou o olhar.

— Durma um pouco. Você teve um dia longo. — Antonio virou, segurando sua própria vela. Então ele se deteve. — Oh, a propósito. Cassandra e eu somos amigos, e isto é tudo.

Gregory acenou com a cabeça, sem perder o fato que seu irmão ainda encerrava o assunto de Margarita antes até de começar a surgir. Mas foi bom vê-lo, mesmo que remotamente interessado no tipo de mulher que ele devia estar namorando.

— Que saia justa, — ele disse levemente. — Irmãs. Humm.

— Buenas noches. — Antonio disse firmemente, praticamente fechando a porta na cara dele.

Gregory riu então, jogando o paletó na cama, contente por ver que Alfonso trouxera sua mala para o quarto. Quando ele tirou a gravata, seu bom humor imediatamente desapareceu. O que foi que o possuiu para retornar a sua antiga casa? Ele não tinha voltado desde o verão em que seu pai morreu.

Todo o prazer que ele sentiu ao ver seu irmão e sobrinho novamente, e todo o alívio que teve em saber que eles estavam bem, desapareceu. Ele odiava a Casa de Sueños, o lugar da morte de seu pai. Às vezes ele achava que a odiava ainda mais que Antonio.

Tão bem, como se fosse dias atrás, e não trinta e cinco anos, ele se lembrou de ser um menino pequeno e escondido no armário de sua mãe, escondendo-se... do que? Ou de quem?

Ele fechou os olhos. Seu psiquiatra lhe dissera que crianças possuíam uma imaginação gigantesca, e que todas tinham amigos imaginários. Gregory tentou explicar para ele, repetidamente, que não tinha sido um amigo, que tinha sido um demônio. Um bonito demônio fêmea que aparecia quando ele menos estava esperando, fazendo-o fugir e se esconder em seu esconderijo com um medo terrível.

Ele congelou no ato de remover sua camisa. Ele acabou de ouvir alguém no corredor?

Não, ele decidiu, não tinha. Gregory lembrou a si mesmo que não era mais aquela criança covarde, assustada. Ele era um diretor financeiro do Barclays, Madri, com uma bonita casa naquela cidade, e uma outra em Marbella na Costa Del Sol. E que o psiquiatra, a quem ele dispensou, estava indubitavelmente certo: ela tinha sido uma invenção de sua imaginação, mesmo que ela não tivesse sido um amigo. E ela nunca tinha feito qualquer coisa, de qualquer maneira. Até hoje, ele não sabia por que com a idade de três e quatro ela tinha assustado ele tão implacavelmente.

Ainda assim, sua pulsação estava acelerada agora. Ele não podia deixar de odiar a casa. Já o ar parecia como se estivesse o sufocando, era tão denso, tão espesso, o que tornava difícil para respirar. E apesar de ser uma noite bonita, cheias de milhões de estrelas, tanto quanto lhe dizia respeito, a noite era um abismo de silêncio e quietude, enquanto estavam sem luz, os telefones inúteis, como se eles tivessem viajado no tempo de volta para o mais bárbaro dos tempos passados.

Imagens caiam por sua mente, rápido demais para ele separar, mas todas eram sangrentas, até que ele finalmente percebeu que estava imaginando Margarita em uma morte feia, violenta, e seu pai antes dela, atropelado por um carro nas ruas de Pedraza.

Claro, ele nunca tinha visto ou seu pai ou sua cunhada em tal estado.

Uma imagem da mulher tentou entrar em foco em sua mente. O pânico crescente, ele afastou. Embora ele se recusou a vê-la, ele sabia quem ela era, ele não queria recordar quaisquer demônios de infância agora. Anos atrás ela tinha sido tão vívida que ele pensou que era real. Agora ele estava determinado a mantê-la relegada as sombras empoeiradas de antigas e indesejadas memórias.

Algo raspou do lado de fora de sua porta. Gregory enrijeceu.

E então ele ouviu, muito claramente, unhas arranhando sua porta.

E ele sabia. Por um instante, puro pânico tomou conta dele, e ele foi reduzido a uma criança de três ou quatro anos de idade novamente.


Cass e Alyssa, com os braços cheios de travesseiros e cobertores, se aproximaram da biblioteca, então pararam no meio do caminho. Prestes a entrar, no mesmo cômodo que estava Antonio, com um Eduardo adormecido, cobertores e um travesseiro em seus braços.

Ele se virou e olhou para elas. Ele havia colocado várias velas na biblioteca, que fornecia apenas suficiente iluminação no corredor para Cass fazer sua expressão de surpresa.

Ela percebeu que ele não seria capaz de vê-la tão claramente, e ela chamou-lhe à medida que elas avançaram.

— O que você está fazendo? — Ela perguntou em voz baixa.

Agora ele sorriu.

— Eu podia te perguntar a mesma coisa.

— Nós decidimos acampar aqui. — Ela sorriu de volta.

Ele continuou a sorrir.

— Eu ia ler durante algum tempo.

Cass fez um gesto ao menino dormindo em seus braços, seu sorriso desaparecendo. Ele também estava relutante em deixar Eduardo sozinho?

O sorriso dele desapareceu.

— Eu não quis deixar ele dormindo sozinho lá em cima, embora meu irmão tem um quarto no final do corredor.

Seus olhares se mantiveram em uma compreensão mútua formada entre eles. Cass percebeu que eles tinham que conversar, e francamente. Eles entraram na biblioteca e instalaram as crianças em seus cobertores com seus travesseiros em uma parte confortável da sala, perto do sofá, não muito longe da enorme mesa de Antonio.

— Como está? — Cass perguntou a Alyssa, beijando sua bochecha. Eduardo, que acordou por um instante, estava a apenas alguns metros dela.

— Muito melhor. — Alyssa disse, bocejando, suas pálpebras baixando abruptamente. Cass observou-a cair no sono imediatamente, com um Beanie Baby que ela dormiu por um o ano todo escondido em seus braços.

Ela se endireitou, e encontrou Antonio observando-as, olhando para ela. Seu coração acelerou abruptamente porque seu olhar era tão intenso.

Cass não se moveu. Tudo bateu nela de uma vez. Era logo após a meia-noite, a casa era enorme e escura, a noite silenciosa e tranquila, e ela estava sozinha com ele. De alguma forma, as duas crianças adormecidas não pareciam contar. Seu coração acelerou. E ela pensou, isto é tão perigoso.

E ela não estava pensando em Isabel de Warenne agora.

Cass tentou conseguir um controle sobre si mesma. Era íntimo, mas ambos eram adultos, sua irmã estava lá em cima, e nada iria acontecer só porque eles estavam sozinhos juntos em tal hora em tal noite. Nada.

— Esta é uma noite incomum, — ele disse suavemente.

— Muito. — Cass foi para o lado dele. — Esta casa é muito assustadora à noite. Eu não gosto de deixar Alyssa sozinha, também.

Seus olhares se encontraram novamente, mantidos pelo que pareceu um interminável longo tempo. Ele falou lentamente.

— Sinceramente, eu prefiro muito mais ter convidados do que residir aqui sozinho.

— Eu não o culpo. — Ela hesitou. — Antonio, ela está aqui? Ou somos malucos em pensar assim?

O olhar dele vagou pelos traços dela, um por um.

— Eu não tenho muitas memórias de infância de antes de meu pai morrer. Mas a única coisa que eu me lembro, e bem, foi uma terrível discussão que eu ouvi entre meus pais, aqui.

De alguma maneira Cass sentiu o que estava por vir.

— Sobre o que eles estavam discutindo?

— Minha mãe estava chorando. Eu nunca ouvi ela tão chateada. De fato, foi a única vez que eu a ouvi tão chateada desde a morte do meu pai. Ela continuou dizendo a meu pai que ela odiava este lugar, que nós tínhamos que ir para casa para Madri. — Ele estava sombrio. Cass viu um nervo se contrair em sua bochecha.

— Você se lembra de alguma coisa?

Ele hesitou, seu olhar franco.

— Na verdade, eu acho que só. Eu acho que ela disse, “Eu estou com muito medo. ”

— Estou tão pronta para tirar conclusões. — Cass sussurrou, agora procurando nos quatro cantos do cômodo e então no corredor escuro.

A mão dele se fechou sobre a dela, brevemente, surpreendentemente.

— Eu sei que você está. Sua imaginação é encantadora.

Ela conteve o fôlego. Ela encontrou o olhar dele e sentiu a intensidade lá. Ela não queria se mover, e ela não conseguia pensar em uma resposta. Ao invés, ela disse, apressadamente.

— Você mencionou que sua mãe se casou novamente. Onde ela vive? Eu poderia conversar com ela algum dia?

Ele deixou cair a mão dela.

— Ela vive em Sevilla. Seu marido morreu alguns anos atrás. Eu temo que ela não seria muito comunicativa. Não sobre esta casa, o passado, ou Isabel. — Ele segurou o olhar dela. — Seu próprio nome a colocaria contra você.

A intranquilidade de Cass cresceu. Ela tinha que revelar sobre sua tia.

— Minha tia se culpa pela morte do seu pai, Antonio. Eu não sei por quê. — Pronto, ela havia dito. E ela sentiu como se um peso enorme tivesse sido tirado de seus ombros.

O olhar dele vacilou.

— Eu gostaria de falar com ela. — Ele disse em voz baixa.

Ela só podia encarar. Ela não queria que eles discutissem o passado. Ela sabia que Catherine se incriminaria.

— Assim que os telefones forem reparados, vou ligar para ela e tentar conseguir com que fale com você. — Antonio disse.

Ele quis dizer a mãe dele. Cass derreteu um pouco, por dentro, incapaz de desviar o olhar.

— Eu prometo mudar de assunto se ela ficar chateada, mesmo que ligeiramente. — Ela disse, intencionalmente.

— Eu sei que você nunca a perturbaria, ou a qualquer um, não intencionalmente.

O pulso de Cass acelerou.

— Obrigada.

— Você é uma pessoa muito gentil, Cassandra. — Ele disse, e por um momento Cass pensou que ele poderia aproximá-la. Mas ele não o fez. Em vez disso, se virou, deixando-a sem fôlego.

— Esta casa tem uma história enorme, e eu preciso saber que história é essa. — Ele andou de um lado para outro, em seguida se deteve. Seu olhar fixo no dela. — Eu nunca senti algo tão intenso sobre qualquer outra coisa, Cassandra. Tantas perguntas, e as respostas estão todas aqui.

Cass disse a si mesma para se concentrar na conversação, e não no homem.

— Eu sinto isto também. — Ela disse, baixo. — Há algo tão persuasivo sobre sua casa. É como se existisse um imã aqui, atraindo todos nós, nos mantendo cativados.

No instante em que ela falou, seu coração pulou. Ela está convocando todos nós juntos...

— Eu preciso de você aqui para me ajudar, — ele disse.

Os olhos de Cass se arregalaram. Ela não esperava que ele repetisse sua proposta.

Ele não quebrou seu olhar interligados.

— Você já teve tempo para considerar ficar? — Ele perguntou muito suavemente.

E ela se ouviu dizer.

— Eu quero ficar.

O que eu estou fazendo?! Mas era verdade. Ela queria ficar. Desesperadamente. E não apenas por causa da compulsão enigmática da casa, ou Isabel. Ela queria ficar. Mesmo que ela estivesse tão assustada. Ela queria ficar porque ela era uma mulher que não se permitiu sentir qualquer coisa por um homem em um tempo muito longo, e este homem, que pertenceu a sua irmã, estava fazendo ela se sentir viva novamente de uma forma que não esperava, não queria, tinha abandonado para sempre.

— Então está decidido, — ele murmurou.

Seu tom era tão baixo e sensual que Cass permaneceu congelada, olhando-o.

Ele deve ter percebido, sem querer, pelo menos, que estava se aproximando dela, porque ele se afastou dela abruptamente. Era difícil dizer, mas Cass achou que ele estava corando. E seu coração estava batendo em torno do seu tórax como uma bola de ping-pong descontrolada. Ela colocou as mãos nos bolsos de sua calça nervosamente. As coisas estavam a ponto de fugir do controle, decidiu, e ela tinha que partir na segunda-feira.

Mas como ela poderia, Maldição? Como?

Ela se lembrou que sua relação com sua irmã estava em jogo.

Que Alyssa poderia estar em jogo.

E se suas suspeitas anteriores estavam corretas? E se tia Catherine estava certa? E se a mãe de Antonio estava certa? E se, querido Deus, houve uma convocação... Cass mal podia acreditar em si mesma.

— Antonio, eu quero ficar, mas é contra todo meu bom senso... — ela começou.

— Está resolvido. — Ele disse com insistência. Por ele ser um homem astuto, e claramente, por ter visto a batalha interna que ela travava.

Nada estava resolvido. Cass se abraçou. Ela disse a si mesma que tinha dois dias para tomar uma decisão.

— Se eu ficar — Cass disse lentamente. — Talvez nós devêssemos enviar as crianças para casa com minha tia. Talvez eles não devessem ficar aqui. — No momento em que ela falou, corou, esperando que ele não pensasse que ela estava tentando se livrar das crianças para assim eles poderem ficar sozinhos.

Mas claramente a noção nunca passou pela mente dele.

— Eduardo aguarda ansiosamente passar o verão comigo. É muito importante para nós. — Ele estendeu a mão para ela. Quando suas mãos se estabeleceram em seus ombros, e foi platônico, Cass ficou atordoada. — Cassandra, ela não pode nos ferir. — Ele falou lentamente. — Ela pode nos deixar um pouco desconfortáveis, mas isso não está tudo em nossas mentes? — Seu olhar era decidido e profundo.

Cass pensou sobre tudo que aconteceu desde que eles chegaram. Ela pensou sobre como a casa parecia um imã.

— Você está provavelmente certo — ela disse lentamente.

— Você se sentirá diferentemente amanhã, à luz do dia, quando nós tivermos um eletricista aqui e quando as linhas telefônicas forem restabelecidas. — Ele não a soltou.

— Sim, acho que sim.

Cass esperava, mas realmente não acreditou nisto nem por um instante. O que ela estava fazendo? Ela estava entrando mais fundo e mais fundo. Ele pensou que ela estava ficando, com Alyssa, eles estariam trabalhando lado a lado todo dia, ela estava apaixonada, ele não estava, ela indubitavelmente se machucaria, e pior, como nunca antes. E para esconder seus pensamentos, ela desviou o olhar.

Ele tocou em sua bochecha. Surpresa, Cass chicoteou seu olhar de volta para o rosto dele.

— Eu preciso de você, Cassandra. Juntos nós podemos revelar os fatos da vida de Isabel e aprender o que foi a causa deste destino que parece ligar nossas famílias. Nós podemos reconstituir o quebra-cabeça do que aconteceu com ela entre a idade de oito, quando ela perdeu sua família, e a idade de dezenove, quando ela se casou. E então podemos descobrir se ela foi realmente julgada por heresia, se ela foi realmente queimada na fogueira. — Seu tom era baixo e rouco e muito sedutor, não porque ele estava tentando seduzi-la, mas porque ele estava tão empenhado. Seus olhos ardiam pela mesma razão.

— Não é justo. — Cass murmurou. Seu pulso foi nas alturas. Um homem brilhante, um homem fascinante, e uma cobiça pelo passado que ambos compartilhavam. Ele estava se aproveitando disso. — E você sabe.

— Eu sei. — Ele disse, sem retirar as mãos de sua bochecha.

Eles olharam um para o outro.

E Cass pensou, seria tão fácil deslizar em seus braços. Quem poderia saber? Eles já tinham se beijado, e escapado. Tão fácil...

— Você está tentando me seduzir. — Ela disse com firmeza. Mas ela não foi embora.

— Estou tentando seduzir sua mente — ele disse, sorrindo um pouco. — Porque você é uma mulher que deve ser seduzida pela mente, não pelo corpo.

Ele estava tão certo, e tão errado. Cass se afastou. Ela estava mais do que intelectualmente despertada; seus pensamentos tinham se desviado em direções eróticas.

Ele a soltou.

Cass se afastou, completamente abalada.

— Cassandra.

Ela se deteve, de costas para ele. Sua tensão se intensificou dez vezes.

Ele girou-a, e a próxima coisa que soube é que ela estava em seus braços, e suas bocas estavam travadas.

E a partir desse primeiro roçar de lábios, algo acendeu imediatamente, as mãos dele seguravam sua cabeça quieta e sua boca enchia a dela. A demanda era inconfundível, intensa. E Cass foi esmagada contra seu peito, envolta no corpo dele. A língua dele estava na sua boca. Seus mamilos duros, apertados estavam nodosos contra seu suéter de casimira, e ela se agarrou a ele, se abrindo, por mais. Seus dentes rasparam. Doía. Mas o prazer atravessou Cass, emanando de seu sexo.

Cass sentiu uma das coxas impossivelmente duras dele se movendo entre suas coxas, pressionando seus lábios. A fricção inchou seu clitóris. Desejo, do tipo que ela nunca experimentou, o tipo que ela só tinha lido, o tipo que ela tinha suspeitado só existir em romances e suas próprias fantasias secretas, a subjugou. Ela o montou. Duro.

Ele falou com ela em espanhol. Palavras duras, palavras guturais.

Cass sentiu a primeira explosão minúscula, um prenuncio do que estava por vir, e ela clamou.

Assim como ele. Em seguida, sua bunda estava nas mãos dele, ela se inclinou para trás sobre um objeto, uma cadeira, uma mesa, uma escrivaninha, enquanto suas línguas acasalavam freneticamente e seus corpos experimentavam. As mãos dele eram tão grandes que uma nádega praticamente preenchia cada palma. De repente ele se moveu.

E Cass foi pressionada de costas, e ela percebeu que estava em sua mesa, e algo caiu no chão, quebrando, e ele se moveu para cima dela, e a maravilhosa protuberância, dura de sua masculinidade estava arqueando-se contra seu púbis, prometendo-lhe êxtase. Ela conseguiu pensar, Oh meu Deus, quando ela abriu suas pernas largamente.

Ele alcançou e abriu o zíper da calça jeans dela. Em seguida ele tocou seu molhado, acalorado sexo através de sua calcinha de cetim. Cass se moveu e gozou, descontroladamente, ruidosamente.

Uma das crianças gritou em seu sono.

Simultaneamente eles se moveram.

E a mente de Cass entrou em ação.

— As crianças!

Ele imediatamente se levantou, erguendo-a em pé, e quando ela encontrou seu olhar, viu que ele estava tão atordoado e excitado quanto ela. A expressão em seu rosto, e em seus arregalados olhos salpicados de ouro, era uma que ela jamais esqueceria.

Eduardo gritou inquieto novamente.

Ela não se moveu, exceto para fechar sua calça jeans. Sua respiração ofegante parecia terrivelmente alta, seus batimentos trovejavam em seus ouvidos, e Cass se preocupou que ela acordaria ambas as crianças conforme Antonio rapidamente foi para seu filho, curvando-se acima dele e murmurando palavras tranquilizadoras. Ela seguiu seu alto e musculosos corpo com seus olhos. A cobiça a encheu. Uma cobiça que era fome pura e crua. Cass só podia olhar. Ela só podia pensar em como seria tê-lo dentro dela.

Ela fechou os olhos, engolindo um gemido. Não houvera nenhuma dúvida em sua paixão. Ele a queria do jeito que ela o queria.

E ela tinha gozado, pelo amor de Deus. Ela tinha gozado e ele só tocou nela.

Quando ela abriu os olhos, ele estava de pé com a maior parte de suas costas virada para ela, mas uma lua quarto crescente era visível na noite lá fora, e o luar estavam derramando sobre ele. Cass viu que ele estava muito rígido, suas pernas estavam firmadas separadamente, e ele ainda estava respirando com dificuldade. Ele ainda estava excitado.

Ele ainda a queria.

Era quase inacreditável.

Cass não estava exatamente certa do que aconteceu primeiro, e depois. Pois foi nesse momento que ela pensou no fato dele ter sido amante de Tracey, mas também foi então que ela o viu endurecer impossivelmente, bruscamente ereto que nem uma marionete em uma corda, e ele exclamou.

Cass olhou além dele na janela, e seu coração caiu bem aos seus pés.

De pé ali, claramente impossivelmente janela, iluminada pela lua, estava uma mulher com cabelo comprido, encaracolado e um pálido rosto oval.

Seu cabelo estava desgrenhado, seu rosto selvagem. E não era Isabel.


Gregory moveu-se decididamente para a porta, abrindo-a. Ele quase saltou de surpresa com a visão de Tracey ali de pé, sorrindo para ele, em vez do demônio fêmea que ele meio que tinha esperado.

— Eu sei que você vai me achar horrível, simplesmente horrível, — ela disse suavemente, — mas eu não consigo dormir. Antonio terminou comigo, e minha irmã e eu estamos brigadas. — Seu olhar era suave e melancólico. Ela levantou uma garrafa de vinho tinto, que até agora tinha sido escondida atrás da diáfana camada de seu vestido preto, através da qual ele podia vislumbrar suas longas, intermináveis, provocativas pernas.

Ele sabia o que ela queria, ou pelo menos, ele achava que ela fazia. Embora ela tivesse docilmente o ignorado a noite toda, ele sentiu isso o tempo todo. Antonio tinha concordado com ele, que ela não era o tipo dele. Mas ela era amante do seu irmão. Jesus! O que ele estava pensando?

Ele encontrou sua língua.

— Isto é uma surpresa — ele disse calmamente. Ele tinha que mandá-la embora. Ele se perguntou quando foi a última vez que seu irmão fez amor com ela.

Ela encolheu os ombros um pouco, segurando duas taças de vinho em sua outra mão.

— Eu realmente não consigo dormir — ela disse. — E você ainda está acordado, também.

Ela era a mulher mais bonita que já tinha visto e ele já estava duro. Mas ele olhou pelo corredor escuro, em direção ao quarto do irmão.

— Esta não é uma boa ideia — ele disse.

Ela encarou, o sorriso desapareceu.

— Antonio e eu rompemos, — ela disse, sem rodeios. — Ele quer minha irmã.

Gregory estava severo.

— Você parece estar aceitando isto bem.

— Eu acho que nós não éramos certos um para o outro, — ela disse filosoficamente. Ela sorriu novamente. Seus olhos foram direito para a boca dele, antes de deslizar por toda a extensão de seu corpo.

— Sua irmã tem muito em comum com meu irmão. — Gregory concordou, em guerra consigo mesmo. Então: — Tracey, eu adoraria nada mais do que tomar uma bebida com você. Mas não agora, não aqui, na casa do meu irmão. Por que eu não pego o seu número? Eu estarei em Londres a negócios em mais três semanas. Se ainda estiver disponível, eu ligo para você.

Ela deu-lhe uma olhada e deslizou por ele, roçando seu quadril contra a virilha dele quando ela fez isso. Gregory foi tomado por um desejo quase violento. Por um instante ele não podia pensar em nada além de jogá-la na cama e enterrar-se dentro dela. Ele deu um passo atrás, longe dela, chocado com a breve quase insana paixão que acabara de sentir.

Ela caminhou até a cama e sentou-se nela. Balançou suas pernas longas e sorriu para ele.

Só uma bebida. O que é uma bebida? Você é um homem adulto, você pode controlar-se. As racionalizações aceleraram como um raio por sua cabeça.

— É só uma bebida, — ela sussurrou. — Eu não estou pedindo para você dormir comigo. — Ela sorriu. — Eu não faria isto. Quero dizer, ele está diretamente acima no corredor, com o filho.

Ele se moveu na direção dela, quase contra sua vontade, com o coração batendo forte dentro da caixa de seu peito.

— Sim, só uma bebida — ele repetiu, tomando uma taça dela. Ele serviu as duas taças, então colocou a garrafa no chão, de repente encontrou-se sentando na cama ao lado dela.

Ela se moveu, cruzando as pernas, as saias subindo sobre os joelhos. Ele olhou.

— Saúde — ela disse, tilintando as taças.

— Saúde — ele respondeu, achando cada vez mais difícil pensar coerentemente. Seu perfume era tão fascinante como seu corpo e rosto. Ele não conseguia definir o cheiro.

E ela estava de joelhos, o vinho esquecido, derramado todo sobre a cama, avançando, em cima dele. Um instante depois, enquanto suas bocas se tocavam, a quente e úmida entrepernas dela, que estava nua, estavam montando-o enquanto ele afundava de costas.

Suas bocas abertas e travadas violentamente. Gregory não tinha mais pensamentos coerentes.

Em vez disso, ele a virou de costas, beijando-a freneticamente, empurrando suas saias para cima, apalpando sua molhada, latejante buceta. Ela alcançou e abriu o zíper dele e ele saltou quente e grosso e longo em suas mãos.

Ela se inclinou para chupá-lo garganta abaixo.

Ele empurrou duro e profundo, conseguindo pensar que isto foi o mais perto que ele jamais iria do céu.

E então ele a empurrou de costas, apunhalando dentro dela, enquanto ela clamou, suas unhas arranhando as costas dele.

E quando terminou, quando ambos estavam deitados lado a lado, meio vestidos, ele pensou, Jesus. O que eu fiz?

Ele de repente se sentou, alcançando acima de seu ombro para tocar suas próprias costas.

— Por Dios, — ele disse. — Eu estou sangrando.

— Eu sinto muito — ela sussurrou.

Ele olhou para baixo, e viu as pernas intermináveis e exuberantemente sensuais, suas saias torcidas ao redor da cintura dela. Ela ergueu uma perna, alto e mais alto ainda, até que ele pudesse beijar seu dedo do pé.

— O que você está usando? — Ele murmurou.

Seus olhares se encontraram, os dela tão azul e intensos que ele teve que recuar e olhar para longe.

— Violetas — ela disse devagar. — Meu favorito.


Capítulo Treze

Meia-noite

Antonio girou e correu da biblioteca.

Cass não pensou duas vezes, ela correu atrás dele. Quem diabos poderia estar do lado de fora em uma noite dessas?

Antonio abriu a porta da frente da casa; Ele correu na escuridão da noite. Cass parou nos degraus da frente, observando, sua mente correndo. Antonio tinha corrido em torno da lateral da casa, desaparecendo de vista.

Ela encarou. Sua reação foi surpreendente, ele conhecia a mulher? Ela começou a se sentir mal. Obviamente ele conhecia. Obviamente sabia mais do que ela. E Cass teve um pressentimento terrível.

Lentamente ela desceu os degraus, apenas para vê-lo retornando. No débil luar seu rosto pareceu horrivelmente branco.

— Você a viu, também? — Ele perguntou asperamente.

— Eu vi uma mulher — ela disse devagar.

— Não era minha imaginação — ele sussurrou, quase para si mesmo. — Oh, Deus!

Cass não se moveu em direção a ele. Ele estava tremendo. Uma náusea terrível a encheu de dentro para fora.

— Você a reconheceu? — Ela perguntou.

Ele a olhou com perplexidade absoluta. Ele parecia estar em estado de choque.

— Sim.

Cass não queria perguntar. Ela disse.

— Quem ela é? — Já sabendo a resposta.

O rosto dele se contorceu.

— Minha esposa.


No grande corredor Cass parou, abraçando-se, nauseada agora. Antonio estava do lado de fora, chamando o nome da sua esposa. Engraçado, mas ela não sabia o nome dela antes; não que importasse. Mas era Margarita.

Ela olhou quase cegamente na escuridão da noite. Um milhão de estrelas permaneciam acima. Em qualquer outra noite ela teria admirado o céu brilhante. A noite morna de verão. O brilho da lua quarto crescente. Mas não agora.

Isto era impossível, não era?

Ele tinha gritado por ela, circulando a casa, pelo que pareceram horas agora, e sua voz estava muito rouca. Cass sentiu lágrimas encherem seus olhos. E ela pensou: Sua estúpida, estúpida, boba. Você realmente pensou que ele ficaria por você?

Ela se afundou nos degraus da frente. Ele estava preocupado agora com uma mulher que tinha desaparecido há oito anos atrás. A última coisa em sua mente era a paixão que eles tinham acabado de compartilhar. E ela chorou um pouco.

De repente ele estava de pé diante dela, tão pálido como um fantasma, seus olhos arredondados, com as bordas vermelhas, a luz neles desnorteada, desesperadas.

— Alguma sorte? — Cass questionou, enxugando seus próprios olhos com a parte de trás de sua mão e esperando que ele não notasse sua miséria e infelicidade.

Ele nem sequer respondeu. Ele passou por ela, e Cass percebeu que ele permanecia em estado de choque.

E sua miséria desapareceu. Naquele instante lhe ocorreu que eles eram parecidos. Oito anos atrás seu amante simplesmente partiu. E mesmo que em algum lugar em seu subconsciente ela já suspeitava a verdade sobre ele, ela já suspeitava que haviam mentiras amontoadas sobre mentiras, ela simplesmente se recusou a acreditar nisto. Bem, a esposa de Antonio simplesmente partiu um dia, também. Ou desapareceu.

Cass se levantou e caminhou para dentro, depois dele.

— Antonio?

Ele pareceu assustado com a voz dela, e se virou, finalmente encontrando seus olhos. Em seguida ele se esquivou, vendo a porta da frente, que permanecia aberta. Ele foi até ela, fechando e trancando-a. Ela ficou olhando seus ombros largos e suas costas. Então caminhou até ele, recusando-se a debater o que ela pretendia, e ela virou-o e o abraçou. Surpreendentemente, ele não se afastou. Os braços dele cercaram-na muito frouxamente.

— Você consegue falar sobre isto? — Ela perguntou suavemente, dando um passo atrás. Ela estava recuperando sua própria compostura agora. Cass decidiu que devia haver uma explicação razoável. Sua esposa era um amnésico, correndo em torno do campo, perdida e confusa? Se ao menos ela não tivesse visto a mulher, também. Mas uma mulher tinha estado ali, Cass tinha certeza disso. — Você tem certeza que era a sua... — Ela não podia dizer a palavra “esposa”. — Você tem certeza que era Margarita?

Ele olhou para ela.

— Sim.

Ele não tinha nenhuma dúvida. Se Cass não tivesse visto uma mulher ali de pé sozinha, ela pensaria que ele tinha visto um produto de sua imaginação, que tinha visto algo que ele desejava ver a muito tempo agora. De repente ela estremeceu. Se estava preocupada com Isabel assombrando-os, e o que seria da possibilidade de ser a esposa dele? Presumido que ela estava morta?

Cass molhou os lábios.

— Antonio?

Ele se virou, e Cass sentiu o impacto total da sua expressão, que era uma de derrota.

— Que tipo de perfume ela usava? — Ela perguntou.

— O que?

Cass repetiu a pergunta.

— Sua esposa. Que tipo de perfume ela usava?

Ele olhou para ela como se ela estivesse perdendo a cabeça.

— Algo floral mais picante. Eu não lembro o nome, mas era de Loewe.

— O cheiro era de violetas?

Os olhos dele se arregalaram.

— Não, não era. Jesus! Você está pensando que nós vimos o fantasma dela? — Ele exclamou.

— Eu não sei o que pensar. — Cass disse suavemente. Ela esfregou o ombro dele, mas ele não parecia notar. — Você tem certeza que era ela? Talvez fosse outra mulher. Olha, a casa está sem luz. Talvez não havia nem mesmo uma mulher lá fora. — Cass não pensava assim; ainda assim não sabia o que pensar. — Você não esteve aqui em anos. Talvez viu o que você queria ver.

Ele apenas olhou para ela com uma expressão estranha.

— Eu não penso assim. Ela era tão real.

De repente ele cobriu o rosto com as mãos.

Cass pegou o braço dele.

— Vamos voltar para a biblioteca.

Ele assentiu.

E enquanto eles caminharam de volta para dentro, Cass estava dividida. Ele ainda amava sua esposa desaparecida. Isso parecia tão claro. Como ela podia não sentir por ele? Mas Deus, ele já não estava nem remotamente interessado nela, Cass. E não era como devia ser?

Ela se perguntou como seria ser tão amada, dessa forma, por este homem. Ela não podia imaginar isto.

E Cass queria saber o que tinha acontecido. Mas agora não era o momento para bisbilhotar.

Mas antes mesmo deles alcançarem a biblioteca, ele disse.

— Nunca houve uma resposta. Nunca houve uma única explicação. Havia apenas teorias.

Cass vacilou em surpresa.

Ele entrou na biblioteca, foi direto para o carrinho do bar, e serviu-se uma dose de uísque. Para crédito dele, não virou o copo. Ele nem sequer saboreou-o. Ele apenas segurou-o, encarando a bebida.

Cass manteve sua compostura e sua coragem.

— O que aconteceu?

— Nós viemos para um feriado. — Ele olhou para ela. Seu sorriso era uma paródia, e era medonho. — Na verdade, foi ideia minha. Não tinha estado aqui desde a morte do meu pai quando eu tinha quatro anos, e eu estava pronto, tão pronto, para voltar, olhar para o passado, até mesmo para procurar respostas sobre meu pai e sua vida. Margarita estava emocionada. Ela me encorajou por anos para vir aqui. Ela pensou que seria bom para mim. — Ele finalmente tomou um gole de uísque, em seguida entornou-o com uma careta.

Cass achou melhor não falar.

— Dois dias depois, eu acordei. A cama ao meu lado estava vazia. Houve uma enorme tempestade. Algo estava batendo no andar de baixo. Eu não estava preocupado, mas eu me levantei para verificar, e encontrei a porta da frente escancarada. Então eu fiquei ligeiramente preocupado. Eu fechei e tranquei a porta. Achei uma janela aqui na biblioteca aberta. Ela estava fazendo todo o barulho. Os trovões e raios haviam parado; tinha começado a chover. Eu voltei lá para cima esperando encontrar Margarita adormecida na cama. Mas ainda estava vazia. — Ele fez uma pausa.

Até então, ele tinha falado sobre o assunto com naturalidade. Agora seu tom engasgou. Ele não olhou para Cass.

— Ela não estava no banheiro, como eu tinha pensado. Ela não estava com Eduardo. Não estava em lugar algum. Ela tinha sumido.

Cass encarou.

— Sumido? — Então os rumores que circularam entre os alunos em sua palestra tinham sido verdadeiros, ela conseguiu pensar.

— Desapareceu. Sem deixar rastro. Para nunca mais ser vista novamente.

Cass percebeu naquele instante que eles não eram parecidos, não em tudo. Ele tinha adorado sua esposa. Ele tinha um bom casamento. Ela podia sentir tudo isso. E então a esposa dele simplesmente desapareceu.

— Ela era feliz. Uma das pessoas mais felizes, mais amáveis que eu já conheci. Nós éramos felizes. Ela amava a mim e o nosso filho. Não me abandonaria e o meu filho. Ela não fugiu com um amante. Não fugiu para cometer suicídio. Não havia nenhum sinal de uma entrada forçada em qualquer lugar. Ela não foi sequestrada, e nunca houve uma nota de resgate.

— Meu Deus. — Cass sussurrou.

— Ela era uma pessoa sensata, saudável. Não havia história de doença mental na família dela. Nada. — Ele agarrou a bebida tão forte que seus dedos ficaram brancos.

— Eu sinto muito. — Cass disse, impotente.

— Mas a porta da frente estava aberta. Haviam alguns rastros. Suas pegadas. Seus pés estavam descalços. Ela não levou nada. Ela estava em seus pijamas. Ela deixou a casa e foi embora na noite.

Cass não sabia o que dizer.

O rosto dele mudou. Ele franziu medonhamente, tornando-se feroz, assustador. Ele lançou o copo com toda sua força na parede. Este quebrou.


Cass despertou com um sol brilhante. Estava banhando seu rosto, e ela forçou os olhos fechados, exausta, não querendo acordar. Havia tanta paz no sono.

Então os eventos da antes noite anterior a atingiram. Imediatamente ela se sentou, ainda grogue, piscando contra a luz ofuscante.

Ela estava sozinha na biblioteca, no chão, onde tinha se enrolado com Alyssa, apenas para se remexer sem descanso, com medo e pavor, até o amanhecer. Agora ela estimava que fosse perto do meio-dia. Cass jogou o cobertor e ficou de pé.

Por um momento ela não se moveu. Eles realmente viram Margarita fora da janela na noite passada? Ela estudou a biblioteca, e em seguida o campo que era visível através das janelas. À luz do dia, seus temores da noite anterior pareciam absurdos. O dia parecia incrivelmente benigno.

Havia uma explicação, ela pensou. Sempre havia uma explicação.

As pessoas tendem a ver o que elas querem ver. Talvez Margarita não tinha sido apaixonada por seu marido, talvez houvesse outra pessoa. Talvez ela não tinha sido feliz. Talvez ela tivesse estado seriamente deprimida, mas escondeu isso e fez um maldito bom trabalho. Talvez tivesse havido sequestradores. Profissionais de verdade.

Cass suspirou. Eles provavelmente nunca iriam saber a verdade. A menos que era realmente Margarita e eles a encontrassem novamente. Ela recordou como Antonio ficou devastado, e seu coração virou do avesso, com força.

Percebeu que ela mesma estava um pouco deprimida. Agora não era o momento para pensar sobre a paixão que eles tinham brevemente encontrado, e tão rapidamente perdido.

Abruptamente Cass testou uma das luminárias, mas ainda estavam sem luz. Ela levantou o telefone; ainda sem tom de discagem. Alguém teria que dirigir até uma aldeia próxima para chamar um eletricista, comprar fusíveis, e alertar a companhia telefônica sobre a situação deles.

Ela deixou a biblioteca. Encontrou Alfonso na cozinha, preparando o que ela suspeitou seria o almoço deles, e no exterior, no pátio interno, ela viu Alyssa e Eduardo jogando amarelinha. Eduardo mancava com agilidade surpreendente pelos quadrados desenhados com giz no chão de pedra. Alyssa estava torcendo. Cass teve que sorrir apesar do humor sombrio.

— Buenos días, señora. — Alfonso disse com um sorriso. — Los niños... eles brincam... Bueno.

— Buenos días. Sim, eles brincam bem juntos. — Cass de repente percebeu que ela estava faminta, ela mal comeu algo o dia todo ontem. — Onde estão Antonio e seu irmão, por favor?

Sua resposta estava em espanhol fluente, e Cass só podia piscar.

— Pedraza — ele firmemente disse. — Pedraza.

Claro, os irmãos foram para a cidade. Cass se serviu de um copo de suco de laranja fresco.

— Alfonso, você viu minha irmã? Por favor, Tracey, hermana mía?

— No he visto — ele disse, sorrindo.

Cass pegou a essência e não estava feliz. Ele estava oferecendo a ela um apetitoso prato de ovo, que pareceu ser uma fritada feita com batatas, e Cass sorriu avidamente. Enquanto ele esquentava-o no forno, ela subiu as escadas para tomar banho e se trocar. Mas uma vez que ela deixou o corredor de entrada, seus passos desaceleraram.

A casa já não parecia tão benigna.

Haviam sombras nas escadas. O ar estava espesso e quieto. Os cabelos na nuca de Cass se ergueram.

Cass disse a si mesma para não ser ridícula. Afinal, ela raciocinou, ainda que a casa fosse assombrada, nada tinha realmente acontecido desde a sua chegada; dificilmente era grande coisa que as luzes e os telefones apagaram por causa da falta de manutenção.

Ou que eles tenham visto, ou achavam ter visto, uma mulher do lado de fora da janela na noite passada, uma mulher que desapareceu sem deixar rastro há oito anos atrás.

Cass apressou o passo. Era grande coisa. Assim como era grande coisa que sua tia Catherine estava vindo de tão longe à Espanha.

No andar de cima, ela fugiu para seu quarto, recusando-se a olhar ao redor; ela rapidamente juntou roupas limpas e correu para o banheiro. Ela trancou a porta, em seguida abriu-a. Tampouco a agradou. Enquanto esperava que a água aquecesse, ela se remexeu, desconfortável. Finalmente ela começou a massagear os músculos na sua nuca. Ok, ela era um covarde. A casa ainda era assustadora, mesmo à luz do dia. Cass tomou banho e se vestiu em exatos cinco minutos.

A porta de Tracey esteve firmemente fechada. Cass bateu rapidamente, com a intenção de despertar sua irmã. Ela não esqueceu o quão estranha ela tinha agido na noite anterior. Não houve resposta. Seu coração balançou desagradavelmente, Cass olhou ao seu redor, mas o corredor estava vazio. A luz solar estava infiltrando a partir da extremidade oposta.

— Tracey? Levante e brilhe. — Ela abriu a porta e piscou.

Tracey não estava em sua cama. Na verdade, ela estava perfeitamente arrumada, como se ela não tivesse dormido ali. Cass sabia que sua irmã não iria fazer sua cama, e ainda que, por algum motivo, ela tivesse feito, nunca iria fazê-lo como uma empregada doméstica profissional.

Ela olhou ao redor do quarto, notando o short de Tracey, juntamente com uma tanga e a regata que ela tinha usado antes. Se Cass esperava encontrar qualquer roupa jogada ao redor, teria sido o minúsculo vestido preto diáfano que ela usou no jantar.

De repente Cass estava alarmada. Tracey não estava lá. Ela claramente não tinha dormido em sua cama. Se Cass não tivesse visto Antonio adormecer em sua mesa ontem à noite na biblioteca, sobre um livro, ainda com os óculos, ela teria sabido exatamente onde, e com quem, ela tinha dormido. Mas isto era tão estranho. Assim como o comportamento de sua irmã tinha sido tão estranho na noite passada.

Cass sentiu uma bolha pequena de pânico. Ela empurrou-o para baixo. Tracey não estava desaparecida. Um pensamento a atingiu. E se tivesse sido Tracey fora daquela janela, não a esposa de Antonio? De repente ela tinha uma imagem dela mais cedo naquele dia, sentada debaixo da árvore, quase catatônica. Cass estremeceu. E ela soube.

Isabel. Isabel estava de alguma forma por trás disso.

Ela não queria ter tais pensamentos, mas eles tinham vindo do nada, tão fortemente que eles eram inegáveis.

Eu serei sua mãe agora.

Cass endureceu. Ela não sabia o que significava aquela declaração absurda, e ela desejava que ela nunca tivesse se lembrado disto, ou que Alyssa nunca tivesse sonhado isto.

— Droga, Tracey, onde você está? — Cass exclamou. — Eu tenho Alyssa para cuidar, e talvez até mesmo Antonio. Maldição, por que eu tenho que cuidar de você, também?

A porta fechou atrás dela. Cass pulou, gritando. Ela enfrentou a porta fechada, com os olhos arregalados.

— Tracey?

Não houve resposta.

— Tracey? — Cass perguntou, assustada. Mas por que sua irmã pregaria peças nela?

Ninguém a respondeu. E naquele momento, tanto passou pela mente de Cass. As advertências de sua tia. O comportamento estranho de Tracey. Os sonhos de Alyssa. A força caindo na noite passada. Ter visto Margarita, ou alguém, do lado de fora.

Alguém fechando a porta da cripta.

Assim como alguém tinha acabado de fechar a porta do quarto, neste instante. Alguém..., mas quem? Alguém estava pregando peças em todos eles? Alguém estava simplesmente sendo travesso?

Mas quem? E por quê?

Gregory.

Cass endureceu.

Ele parecia um tipo decente, e ele era o irmão gêmeo de Antonio, pelo amor de Deus. Ela estava convencida agora que tinha imaginado o olhar de ódio que ele lhe dera. Mas e se não tivesse imaginado? Porque o que ela pensou ter visto era maldade absoluta.

Ela se lembrou que ele só tinha chegado na noite passada, mas podia ter mentido. Talvez tivesse chegado mais cedo, talvez ele tenha fechado a porta da cripta.

Talvez ele tivesse mexido em seu laptop, mas por que ele faria tais coisas?

E de repente Cass pensou no modo como ele olhou para Tracey. Certamente Tracey não rastejou para cama com ele, e em todo caso, certamente ele teria a jogado para fora. Certamente ele não a seduziu.

Muito inquieta, Cass enfrentou a porta. Então ela a abriu.

Ela não sabia o que esperava, Gregory, todo charme sorridente, ou hostilidade absoluta; sua irmã, encantadoramente serena, ou furiosamente exigindo saber o que Cass estava fazendo em seu quarto; Margarita; Isabel.

Ninguém estava lá. Cass deu uma olhada à esquerda, então à direita, e correu pelo corredor. Ela pisou degraus abaixo, consciente que suas suspeitas poderiam ser mais que suspeitas, elas poderiam muito bem-estar se transformando em pura paranoia. Mas realmente poderia ser responsabilizada se fosse assim?

Um momento depois, ela ouviu duas vozes masculinas à frente dela, e de repente ela virou a esquina e viu Antonio e Gregory adiante, bandeando para a cozinha. Ela os seguiu.

— Bom dia. — Antonio disse, pousando uma sacola de compras. Ele encontrou o olhar dela. Seu irmão pousou outra sacola. — Estou feliz que você teve uma chance de descansar. — Ele sorriu e foi como se a noite passada nunca tivesse acontecido. Era como se ele não tivesse sido devastado pela visão de uma mulher que pode ou não ter sido sua, por muito tempo perdida, esposa.

Ela foi enlaçada por seus olhos enquanto seu coração batia incontrolavelmente, e mesmo enquanto ela estava dizendo a si mesma que os quinhentos obstáculos que estavam entre eles eram para o melhor, por causa de sua irmã e por causa de tia Catherine, ela sabia que estava mentindo para si mesma. Ela estava fascinada. Intrigada. Cheia de luxúria. Apaixonada. Irremediavelmente assim por diante em todos os aspectos.

— Eu tive dificuldade para adormecer.

— Foi uma longa noite. — Então, seu tom de voz mudou. — Fusíveis. Hoje à noite teremos luzes. Infelizmente, o técnico do telefone não estará aqui até segunda ou terça-feira, mas um eletricista prometeu aparecer esta tarde.

Cass deve ter mostrado sua descrença, porque Gregory disse.

— Esta é a Espanha, Cass. Aqui nunca há qualquer urgência.

— Eu esqueci. — Cass disse, quando Alfonso pousou a fritada na frente dela. Ela se sentou e se enterrou, seu apetite retornando instantaneamente, e foi recompensado com os melhores ovos que ela já saboreou. — Uau.

— Nós chamamos isso de uma tortilla española21. — Gregory disse-lhe amistosamente. — Normalmente nós a comemos como um tapa22, em vez de uma refeição.

Cass olhou de repente para ele.

— Algum de vocês viu Tracey esta manhã? — Ela manteve seu tom de voz leve e casual. Ela não revelou, contudo que Tracey não tinha dormido em sua cama.

— Eu não a vi desde o jantar. — Antonio estava ocupado virando o pacote de fusíveis. Ele também tinha se abastecido de velas e fósforos, ela viu.

— Nem eu. — Gregory concordou com Antonio.

Cass olhou para os dois irmãos. Lentamente ela disse.

— Ela não está em seu quarto. Eu verifiquei. Ninguém a viu desde a noite passada?

Gregory parecia alarmado.

— Eu assumi que ela estava dormindo até tarde, como você estava.

— Ela provavelmente está dando um passeio. — Antonio disse, desempacotando mantimentos. — Está um dia lindo.

Cass se levantou.

— Sua cama não foi desarrumada. — E ela olhou Gregory direito nos olhos.

Ele desviou o olhar. Desempacotando outra sacola de mercado.

Cass encarou, pasma. Ele dormiu com sua irmã, ela estava quase certa, e ele estava mentindo agora. Ele era um idiota com pouca moral.

— Ninguém mais a viu desde o jantar de ontem à noite? — Antonio perguntou, imóvel. — Sua cama não estava desarrumada?

E o alarme dele fez ela se virar. Cass pensou no fato que ela tinha estado em seus braços ontem à noite. Ela era a última pessoa que devia estar lançando pedras em alguém, muito menos Gregory, ela percebeu com o coração apertado.

— Eu acho que não.

A mandíbula de Antonio se flexionou e seu olhos se encontraram. Naquele instante Cass soube que ele não esqueceu ou até mesmo excluiu qualquer dos eventos de ontem à noite. Ele estava meramente vestindo uma fachada, mas esta não foi difícil de desmoronar. Ele falou bruscamente para Alfonso, e Cass sabia que ele estava pensando em Margarita tendo desaparecido uma vez deste mesmo lugar.

— Tracey não está desaparecida. Ela vai aparecer. — Cass disse.

A mandíbula dele não relaxou. Ele enfiou a cabeça para fora da janela aberta, chamando as crianças. Nem Alyssa ou Eduardo viram Tracey desde que ela deixou o jantar na noite anterior.

Agora Cass estava tentando não sucumbir ao pânico que crescia dentro dela.

— Ela aparecerá — ela repetiu.

— Eu tenho certeza que você tem razão. — Antonio disse, mas sua expressão desmentia suas palavras. Ele não acreditava em suas próprias garantias; ele também estava alarmado.

Cass conseguiu um torto, sorriso falso.

— Ela está provavelmente lá fora tomando banhos de sol ou algo assim.

— Provavelmente. — Antonio disse.

Cass pensou na pele de porcelana impecável de sua irmã, e sabia que ela nunca estaria fora ao sol nesta vida, e encontrou o olhar de Antonio e sabia que ele também sabia isso. De repente ela disse.

— Antes eu fui até o quarto dela. Alguém fechou a porta enquanto eu estava lá dentro.

Antonio olhou para ela.

Ela teve que olhar para Gregory, mas ele estava passando manteiga em um pedaço de pão. Ela olhou de volta para Antonio, pensando sobre a cripta, pensando sobre Isabel. O que ele disse ontem? Que mais ela poderia fazer para deixá-los desconfortáveis. Que isso estava tudo em suas mentes.

— Eu não posso nem me conectar na Web para fazer qualquer pesquisa com os telefones mudos — ela disse.

— Eu vou dirigir de volta a Pedraza mais tarde e informarei a urgência da situação na companhia telefônica. — Antonio respondeu.

— Dê-lhes dinheiro. — Cass disse categoricamente.

— Eu fiz isso. — Ele devolveu.

Cass sentiu os olhos de ambos. Ela olhou para cima. Gregory estava encarando. E ela o viu corar.

— Na verdade, — ele disse, limpando a garganta — nós tomamos uma bebida juntos depois do jantar.

Antonio olhou-o com uma leve surpresa.

— Você e Tracey?

— Quando foi isso? — Cass atirou. Pensando sobre o fato de que inicialmente ele mentiu, e que estava certa.

— Era mais ou menos onze e trinta. — Ele hesitou, olhando para Antonio, mas Antonio estava colocando um caixa de leite e ovos na geladeira. Ele suspirou. — Ela disse que não conseguia dormir. Nós tomamos uma bebida, num dos salões. Eu não a vi desde então.

Cass encarou. Ela não acreditou nele. Ele encontrou seu olhar, e desta vez ele não desviou.

Não havia nenhuma razão para duvidar dele. Mas ela fez.

— Eu não posso acreditar nisto. — Ela estava séria, enfrentando Antonio. — São doze e trinta. A última pessoa a ver minha irmã foi Gregory, por volta da meia-noite na noite passada. Doze horas atrás. Antonio, eu não gosto disto! É possível que foi Tracey que vimos do lado de fora da janela de biblioteca ontem à noite?

Ele endureceu e empalideceu.

— Não.

Cass não conseguia desviar o olhar. Ela ouviu-se dizer.

— Estava muito escuro lá fora.

Gregory cortou a conversação deles, olhando de um para o outro.

— Sobre o que vocês dois estão falando?

Cass molhou os lábios. Antonio se afastou de ambos. Cass hesitou.

— Muitas coisas estranhas aconteceram desde que eu cheguei aqui antes de ontem. E ontem à noite...

— Ontem à noite. — Antonio virou. — Eu vi Margarita de pé do lado de fora da janela.

Gregory ficou branco.


Antonio estava com o eletricista quando Catherine e Celia chegaram. Tracey ainda tinha que reaparecer, e embora Cass tivesse passado várias horas com Antonio e Gregory na biblioteca, ordenando o material de pesquisa de Eduardo, sua preocupação tinha aumentado vertiginosamente. Neste momento ela abraçava sua tia, com força, pensando, se ela apenas não tivesse vindo.

Ela está convocando todos nós juntos.

Celia correu ao encontro de Alyssa, e Cass foi deixada sozinha com sua tia no grande salão.

— Como foi sua viagem? — Cass perguntou, estudando sua tia, que parecia terrivelmente exausta e cansada.

Catherine, usando calças preta, um blazer combinando, e uma camisa branca sob medida, deu um sorriso cansado.

— Pelo menos não nos perdemos no caminho para cá. — Lentamente ela olhou ao redor do enorme salão com uma expressão que era uma combinação de descrença e talvez desgosto.

— Eu não posso acreditar que você contratou um motorista, tia Catherine. — Cass disse, de propósito. — Se eu somente poderia ter pego você no aeroporto.

Catherine olhou para ela, sua expressão estranha, e ela lentamente caminhou até o limite do salão e encarou o interior.

— Tia Catherine? — Cass perguntou, preocupada.

Catherine não virou.

— Nada mudou — ela disse com voz rouca. — Eu odiava esta casa então, e eu também a odeio agora.

Cass encarou-a.

— Ela está aqui?

Catherine disse.

— Você não pode senti-la?

Cass tremeu.

— É ela, não é mesmo, tornando este lugar tão frio, tão pesado, tão tenso?

Catherine se abraçou.

— Eu acho que não deveria ter vindo.

Antonio apareceu, em um par de calça e uma camisa polo vermelha, o eletricista ao lado dele com sua caixa de ferramentas na mão.

— Lady Belford — ele disse, seu olhar de repente intenso em Catherine.

Cass enrijeceu insuportavelmente. Já era ruim o suficiente suspeitar que Isabel estava espreitando, que as famílias foram de alguma forma amaldiçoadas, ao passo que era atraía para ele e tendo que lidar com sua irmã e seus sentimentos por sua esposa perdida, mas o segredo de Catherine de repente parecia esmagador. Ela rezou para que eles não entrassem no tópico do que realmente aconteceu com Eduardo neste momento.

— Señor. — Catherine tomou sua mão. — Eu sinto muito que não estamos reunidos sob circunstâncias mais agradáveis. E espero que não esteja me impondo.

Ele encarou-a por um momento.

— Claro que você não está se impondo. É um prazer tê-la aqui. — Ele hesitou, e Cass podia imaginar o que estava em sua mente. Então ele se virou. — Cassandra, há um quarto ao lado do de Tracey. Você pode mostrá-lo a sua tia? Eu preciso de um momento com o eletricista.

— Está tudo sob controle? — Cass perguntou, não gostando da expressão dele.

Antonio encontrou seu olhar.

— O raio deve ter atingido a casa. Os fios estão bastante danificados. Ele diz que nunca viu tanta destruição localizada antes.

Cass encarou, seu coração acelerando, a frase “destruição localizada” enchendo sua mente.

— Mas não houve nenhuma tempestade.

— Houve tempestades aqui algumas semanas atrás.

— Algumas semanas atrás? — Cass não tinha um pressentimento otimista. — Ele pode consertá-lo, certo?

Antonio estava sombrio.

— Não hoje.

Cass estava descrente; o eletricista já estava do lado de fora, carregando seu caminhão.

— Quando teremos luzes? — Ela perguntou, as imagens da noite passada caindo por sua mente.

— Ele retornará na segunda-feira. — Antonio disse. — Eu voltarei em um momento. — Ele fez uma pausa, olhando para Catherine. Então ele se apressou do lado de fora depois do eletricista.

Cass não gostava exatamente desse olhar. Ela se virou, apenas para encontrar sua tia observando-a. Ela sorriu, sabia que estava miserável.

— A energia caiu ontem à noite. Os telefones ficaram mudos, também. Esta é uma casa muito antiga e precisa refazer a instalação elétrica...

— Espero que sim. — Catherine disse, olhando a dupla junto ao caminhão de serviço.

Cass encarou. Que diabo isso significava?

— O que você está insinuando?

Catherine deu-lhe um olhar.

— Você sabe o que eu estou insinuando. Ela está aqui, por uma razão, e agora nós estamos todos aqui. Onde estão Tracey e Alyssa?

Imediatamente Cass levantou a pequena bolsa23 aos pés de sua tia. Ela não tinha intenção de preocupar sua tia sobre o paradeiro de Tracey.

— Alyssa e Eduardo estão brincando lá atrás. Qual razão? Eu quero dizer, fantasmas ficam para trás, não é, porque eles são infelizes? Essa é a razão dela. — Ela não gostou da direção em que o diálogo estava indo.

— Oh, Cassandra. — Catherine disse, com pena. — Ela está aqui por uma razão, que é para se vingar de todos nós.

Cass foi deixada de pé no corredor, sozinha e espantada.

Isabel estava aqui porque ela queria vingança? Cass não acreditou nisto. Nem por um minuto. Os fantasmas não eram capazes de pensamento ou motivação. Ela não tinha dúvida.

Então ela percebeu que sua tia tinha ido lá para cima. Subindo os degraus errados. Para a ala dos donos da casa. Para a ala onde o quarto de Isabel estava.

— Tia Catherine, não é esse o caminho — ela chamou. — Seu quarto está na ala sul!

Mas Catherine não parou, e ela desapareceu no próximo patamar.

Oh, grande, Cass pensou, e seguiu sua tia ao andar de cima.

Cass avistou-a na porta de Isabel. Ela quase gritou. Ao invés, estranhamente, sua língua parecia colada à parte inferior de sua boca. Ela parou e observou. Catherine hesitou do lado de fora da porta do quarto de Isabel e lentamente abriu-a. Ela estremeceu, e entrou. Cass seguiu. Seus pés pareciam chumbo; ainda assim, eles se moveram por vontade própria.

Catherine estava olhando fixamente para o quarto. Ela finalmente enfrentou o retrato. Cass percebeu que ela estava ofegante. Ela se abraçou, estava tão malditamente frio no quarto de Isabel. Frio, sombrio e feio. Cass estava rígida de tensão; mais rígida que qualquer tábua.

— O que foi? — Ela suavemente perguntou.

Catherine não a enfrentou.

— Este é o lugar onde eu fiquei.

Cass se sobressaltou.

— Você usou este quarto?

Catherine assentiu, o olhar dela no retrato.

— A primeira vez que vim aqui, foi para ajudar Eduardo a terminar sua pesquisa. Nós dois ficamos obcecados por ela. — Catherine estremeceu novamente. — Ela teve a mais trágica das vidas.

— Nós achamos sua lápide.

— Uma no cemitério? — Catherine acenou com a cabeça sem se virar. — Estou surpresa que ele ainda trouxesse suas cinzas de volta aqui.

— Ela não morreu na Espanha?

— Oh, não — disse Catherine suavemente. — Ela foi queimada na fogueira em Tower Hill em Londres.

Cass tremeu.

— Mas ela esteve aqui?

— Brevemente, nós pensamos. Há cartas na biblioteca, ou haviam, cartas de Isabel a seu primo, Rob de Warenne.

A excitação tomou Cass.

— Cartas? Oh, Deus, o que um achado desses será! — Então. — Quem era Rob de Warenne? Filho do tio dela?

— Foi há muito tempo. — Catherine murmurou. — Mas ele era um primo distante, eu penso, não o filho do conde. Ele era seu amante.

Cass congelou.

— O que?

— Ele era seu amante. Se você ler as cartas, é tão óbvio. — Catherine engoliu. — Ela era a última coisa que eu via antes de adormecer toda noite, e a primeira coisa via ao despertar toda manhã.

Cass ainda estava tentando absorver o fato, ou a especulação, de que Isabel teve um amante.

— Até que nos tornamos amantes.

Cass encarou. O medo substituiu todo o seu entusiasmo.

— Você não tem que falar sobre isso, se você não quiser — ela tentou, sua língua colada ao céu de sua boca.

Porque ela sentiu o que estava por vir, e ela não queria saber de mais nada. Não agora, quando ela se tornou próxima de Antonio. Não agora, quando ela teria que mentir para ele a fim de proteger sua tia. E tinha quase certeza que não podia mais mentir para ele, nem mesmo por omissão.

Catherine virou-se para encará-la.

— O que era verdadeiramente espantoso é que nós nunca sequer fingimos amar um ao outro. Era meramente luxúria.

Cass não sabia o que dizer.

— Isso acontece. Vamos lá. Este quarto não é o mais agradável dos lugares...

— E a luxúria se transformou em ódio, e o ódio em violência e morte.

— Por favor — Cass sussurrou, suas orelhas zumbindo. — Eu não quero saber.

— Mas eu tenho que lhe dizer! — Catherine exclamou, seus olhos cheios de lágrimas. — Nós fizemos amor violentamente e nós lutamos viciosamente. Lembro-me de pensar o quanto eu o odiava, mas eu não conseguia reunir forças para partir. Eu não consigo nem recordar por que nós dirigimos à Pedraza, mas eu recordo de esperar, desesperadamente, que uma vez lá, nos separaríamos, e eu poderia ter a oportunidade de abandoná-lo.

Cass só podia olhar. Sua tia estava dizendo-lhe uma história sobre uma estranha. Cass achava impossível acreditar que ela fosse mesma mulher.

— Ele estava do outro lado da rua. As ruas na aldeia são tão estreitas. E eu vi um carro virando a esquina. Eu sabia que Eduardo não podia vê-lo. E eu o chamei, acenando-lhe em excesso.

Cass sentiu como se batessem as mãos dela em seus ouvidos.

— Ele atravessou a rua sem olhar. Um segundo mais tarde, menos, o carro se chocou. — Catherine disse com a voz rouca.

Cass sentia-se paralisada.

— Eu não acho que você está recordando o que aconteceu corretamente.

Catherine não a ouviu.

— Mas naquele curto espaço de tempo, ele percebeu o que estava acontecendo, e vi o choque, a descrença, o horror em seu rosto, logo antes que o carro atingisse.

— Vamos sair daqui. — Cass disse severamente.

Catherine agitou sua cabeça.

— Claro, eu estava em choque, também. No momento em que aconteceu, todo o meu ódio se foi, eu não conseguia entender como tinha chegado a isso, e o segurei, mas ele já estava morto, e quando olhei para cima, ela estava lá.

Cass agarrou os ombros dela.

— Quem? Isabel?

— Sim. E ela parecia triunfante.

Cass encarou. Sua tia finalmente encontrou o olhar dela, encarando-a de volta. As lágrimas deslizaram pelo seu rosto.

Então Catherine disse.

— Mas talvez eu esteja errada. Talvez tenha sido um truque da luz, minha imaginação, eu não sei. Eu mesma estava em choque. E vivi com este retrato por quase uma semana inteira. — Ela virou-se para olhá-lo novamente. — Eu odeio esta casa — ela disse. — Eu odeio-a.

Cass não podia responder. Sua mente estava correndo na velocidade de luz. Era possível que Catherine realmente tivesse visto Isabel? E nesse caso, importava? Claro que importava! Porque se ela estava certa, Isabel tinha se exaltado pela morte de Eduardo de La Barca. Mas isso significaria que Isabel era mais do que alguma energia persistente; isso significaria que ela tinha sentimentos e pensamentos.

Mas isso não significava que ela era capaz de convocar todos juntos.

Por que lhe daria motivação, uma agenda.

— Você não poderia tê-la visto — disse Cass rapidamente. — Era sua imaginação.

— Você provavelmente está certa.

— Eu sei que eu estou certa. — Cass disse, agarrando o braço de sua tia. E ela pensou, Eduardo tinha sido a vingança de Isabel. — Você parece cansada. — Ela começou. — Vamos sair daqui. — Quanto mais cedo melhor.

Eduardo não tinha sido a vingança de Isabel. De jeito nenhum.

Catherine olhou-a. E de repente seu rosto ficou torcido: seus lábios esticados em um sorriso grotesco, sua pele retesou e cedeu e retesou novamente, seu rosto tornando-se o rosto de uma mulher muito jovem, e seus olhos, seus olhos se transformaram nos penetrantes azuis observadores de Isabel.

— Sim — ela disse. — Sim, ele foi.

Cass gritou.

Sua tia, que já não era sua tia, ficou lá sorrido para ela, e estava zombadora, malévola e horrível.

Cass deixou cair a bolsa. Ela estava a um passo de fugir, mas de alguma forma ela ficou lá, incapaz de avaliar quantos segundos haviam passado, e ela estendeu a mão, e tocou o braço de sua tia.

E ela estava olhando para Catherine novamente.

Não Isabel.

— O que você disse? Eu sinto muito, eu não acompanhei você. — Catherine disse, sua cor mais pálida do que o normal agora.

Cass não podia falar. Ela tinha acabado de ser enfrentada por um monstro horrível, ela estava certa disto, uma mulher que não era sua tia, uma mulher que tinha estado morta por mais de quatrocentos anos, ou teria sido alucinação? Ela estava louca? Ela estava perdendo a cabeça?

— Eu desejava que você não tivesse vindo — ela sussurrou, suor escorrendo pelo seu rosto. E ela pensou, algo terrível está acontecendo.

Catherine mordeu o lábio e de repente a abraçou, com força.

— Algo terrível vai acontecer, mas nós estamos nisso juntos, Cassandra. E é tarde demais. Muito tarde para pará-lo, porque nós estamos todos aqui, juntos, nesta casa, simplesmente do jeito que ela quer.

Cass sentiu como se estivesse perdendo toda a sua compostura. Ela não podia enfrentar outra noite novamente, não sem luzes, e ela de repente estava tão assustada, suas têmporas latejavam dolorosamente.

— Ninguém viu Tracey desde ontem à noite — ela sussurrou. — Eu não queria te dizer.

— Oh, Deus. — Disse Catherine. — Não Tracey! — Ela começou a chorar.

— Tracey vai ficar bem. — Cass disse bruscamente. Mas ela tinha que enfrentar suas próprias dúvidas, ela não estava convencida, não de todo. — Na verdade, por que deveríamos ficar inclusive até segunda-feira? Assim que ela retorne, que será a qualquer momento, nós podemos nos arrumar e partir na primeira hora da manhã.

Catherine assentiu, as lágrimas deslizando por suas bochechas.

— Se você diz.

Cass olhou-a nos olhos e sabia que ela não tinha esperança.

— Há algo mais, não é? Alguma outra coisa que você não me disse.

— Sim. O próprio pai de Eduardo morreu de facadas brutais, durante seus primeiros quarenta anos.

O coração de Cass cambaleou.

— Eduardo tinha quarenta e dois quando ele mesmo morreu, não é?

Catherine assentiu.

— O que está sugerindo? — Cass perguntou inquieta. Mas a extensão da tragédia que tinha continuamente atingido os de La Barcas pelos séculos era agora gritante. O pai e avô de Antonio morreram violentamente ainda como jovens homens. E... Antonio estava no final de seus trinta anos.

Cass estava congelada.

— Sua esposa o apunhalou. — Catherine olhou-a enquanto Cass ficava ali, sacudida por seus pensamentos horripilantes, horrorizada. — Ela foi considerada culpada por insanidade, e passou o resto de sua vida em uma instituição mental.

Cass olhou para sua tia quando o perfume de violetas surgiu junto a elas, crescendo rapidamente em poder e força.

— Antonio nunca disse nada — ela sussurrou. — Tia Catherine?

Catherine deu uma olhada inquieta ao redor.

— Vamos sair agora. — Ela disse, girando para a porta.

Cass não estava prestes a discutir. Ela pensou que podia sentir a outra mulher com um sexto sentido, de pé lá, entre elas, mas estava, sem dúvida, tudo em sua mente, com exceção do cheiro doentio de violetas; isso era real. E sua tia parecia estar ciente de sua presença, também, porque apesar de suas palavras, ela não se moveu, apenas ficou presa ao chão, de olhos arregalados, respirando superficialmente. Isabel, se ela estava presente, se ela estava ao lado delas, estava aprisionando-as agora em seu perfume. Nunca tinha sido mais forte. Era esmagador. Cass tossiu.

Sua tia estava completamente branca. Catherine estendeu a mão e soltou vários botões de sua camisa, abanando-se com uma mão. Ela tossiu.

— Você está bem? — Cass conseguiu, tossindo novamente, estender-lhe a mão, pois ela parecia como se fosse desmaiar a qualquer momento.

Catherine continuou a tossir, tão forte agora que ela não podia falar.

Cass ficou alarmada. Ela deu um tapinha nas costas de sua tia, mas Catherine de repente estava sufocando.

Cass gritou, pegando sua tia em seus braços quando ela afundou no chão, com o rosto começando a ficar vermelho, seus olhos inchados, suas mãos em sua garganta, como se ela estivesse sendo asfixiada. Cass percebeu sua tia estava tendo algum tipo de ataque terrível, uma convulsão, talvez, e que ela precisava de oxigênio.

— Antonio! — Ela gritou. — Antonio! Antonio! — Ela não sabia o que fazer. Sua tia não conseguia respirar, seu rosto estava ficando roxo. Cass rasgou sua camisa. Ela nunca havia realizado um RCP24, mas ela sabia o que fazer.

Antonio veio correndo.

— Nós temos que levá-la a um hospital! — Cass gritou para ele. — Eu acho que ela está tendo uma convulsão.

Antonio se ajoelhou ao lado de Catherine, que, Cass viu com horror, havia parado de respirar. Seu rosto estava azul, olhos arregalados, sem nada ver. Imediatamente ele começou a realizar o RCP.

Cass assistiu em miserável terror como Antonio pressionava seu tórax e soprava em seus pulmões, sem sucesso. Não, ela pensou histericamente, isto não pode estar acontecendo, não, isso é impossível!

E através da névoa de seu pânico e medo, ela estava vagamente consciente que o odor de violetas estava diminuindo.

Cass continuou a assistir Antonio enquanto ele tentava forçar ar nos pulmões de sua tia, suplicando sem pensar agora, repetidas vezes, Deus, Deus, Deus.

Antonio se sentou.

Cass compreendeu então, e ela olhou dele para sua tia, que jazia imóvel no chão, seu rosto azul e pálido.

— Não pare! — Ela gritou para ele.

Ele lentamente se virou para ela, mas não antes de fechar as pálpebras de sua tia. — Eu sinto muito, Cassandra. — Ele disse.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


PARTE TRÊS

 

Isabel

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo Quatorze

Solar Stonehill – julho de 1550

Ele finalmente chegou. Seu tio, o conde, que a exilou neste lugar sete anos atrás, estava esperando por ela.

Isabel se agachou atrás de uma árvore, sabendo que ela devia ir, mas não queria se mover. Seu coração batia com velocidade excruciante. Uma dúzia de soldados vestindo as cores do conde de Sussex estavam fervilhando sobre o pátio, seu pátio, toda turbulenta camaradagem masculina. Seus servos estavam longe de ser vistos, não que Isabel os culpasse. Os soldados pareciam cansados e esfarrapados. Ela tinha poucas dúvidas que eles tinham vindo do Norte. Apenas algumas semanas atrás milhares de rebeldes tinham se reunido em Sittingbourne para protestar por remuneração elevada e comida escassa, e vastas forças haviam sido despachadas para superá-los.

— Isabel! — Lady Helen foi chamá-la.

Isabel suspirou. Ela não gostava muito de sua acompanhante, seu tio escolheu a esposa de seu primo para cuidá-la anos atrás, logo após a perda de sua família. Helen era uma megera, mesmo após todos esses anos que passaram juntas. Isabel também suspeitava que ela era uma espiã. Ela com certeza relatou o comportamento de Isabel a seu tutor. Não que houvesse muito a relatar, pois em sete anos, vivendo entre as florestas do leste Sussex e tocas, ela tornou-se não muito mais que um retraído rato do campo.

— Isabel!

Ela não podia adiar este encontro. Ela saiu de trás da árvore.

Helen permaneceu no meio do pátio; ela avistou-a e gritou.

— De todos os dias, hoje você escolheu para colher amoras?

Isabel endireitou os ombros, ergueu o queixo. Ela estava descalça, e agarrou seu avental para que as amoras não caíssem ao chão.

— Ele não nos informou de sua visita.

As sobrancelhas escuras de Helen arquearam.

— Você vai ser arrogante, também? Deixe-me lembrá-la, milady, ele é seu guardião, mas ele se esqueceu de sua existência, até agora. Porque você tem idade suficiente para um marido.

— Eu dificilmente esqueci os fatos da minha vida — Isabel disse.

Ela manteve sua cabeça alta enquanto caminhou pelos homens rudes e cavalos, ignorando algumas piscadelas lascivas e igualmente rudes sugestões. Apesar de sua bravata, ela tinha medo. Ela tinha que causar uma impressão favorável ao seu tio. Todo seu futuro dependia disso.

Helen golpeou um escudo.

— Ela é sobrinha do Sussex. Cuidem de seus modos, brutamontes!

Isabel quase não ouviu Helen quando ela empurrou a pesada porta da frente.

O conde estava no corredor, andando com certa irritação, e ele não estava sozinho. Dois cavaleiros o acompanhavam. Isabel hesitou, pois ele já a tinha visto, absorto como estava em uma conversa profunda. Se ao menos ela tivesse uma chance de correr para seus quartos e vestir uma roupa apropriada.

O conde de Sussex de repente parou no meio do caminho. Ele encarou ela e Helen friamente.

— Nós pedimos vinho. Onde está?

Isabel fez uma reverência, afundando no chão. Desde que o solar onde ela vivia não era nada como o Castelo de Romney, que tinha originalmente sido construído como um alojamento de caça, as pedras eram ásperas e nocivas sob seus pés e até mesmo seu nariz, que ela tocou no chão. Ela não podia culpar o conde por pensar que ela era uma serva.

— Milorde, eu imploro seu perdão, mas vou providenciar para que esse vinho seja diretamente trazido.

— Isabel? — Ele perguntou.

Isabel ficou em pé, ainda segurando seu avental para que não perdesse as amoras.

— Sim, milorde — ela sussurrou, de repente com a língua presa.

Ele estava usando o pendente de granada do seu pai em uma corrente pesada suspensa em seu tórax. Ela não podia se mover. Memórias que ela se recusou a acolher tentaram assaltá-la, e no pior momento possível, Isabel sentiu-se tonta e fraca, e uma profunda, penetrante pontada de tristeza atravessou seu ser.

— Minha sobrinha querida. — Ele finalmente disse. Seus olhos azuis eram penetrantes. — Já faz muito tempo. Deixe-me olhar para você, filha do meu adorado irmão.

Isabel não falou. Suas palavras pareciam melosas e falsas. Ou era sua imaginação?

Mas ela já sabia que ele não se importava nem um pouco com ela. A mesada que ele lhe deu era generosa, mas ela não poderia gastá-la, vivendo no campo, mas boatos declararam que ele era um dos homens mais poderosos no reino. Como seu próprio pai, seu tio era um conselheiro do rei. Se ele se importasse com ela, teria permitido que ela permanecesse no Castelo de Romney ou teria se correspondido com ela, ainda que apenas uma ou duas vezes por ano. Não ele simplesmente não se importava com ela ou sua situação, pensou, com um pouco de raiva, ela sempre acreditaria que a morte de seu pai o agradou. Do contrário não seria tão poderoso ou tão rico.

Ele estava falando. Isabel percebeu que ela não tinha ouvido uma única palavra; ela corou.

— Eu imploro seu perdão, milorde, o que você disse?

— Eu disse que você é a imagem de sua mãe, Deus a mantenha em paz.

Isabel não conseguia decidir se ele queria dizer essas palavras. Ele indubitavelmente mentia. Pelo que ela lembrava, sua mãe tinha sido a mais amável, mais gentil, e mais bonita de mulheres.

— Obrigado, milorde — ela sussurrou. — Mas você elogia excessivamente, eu acho.

Helen deu-lhe uma cotovelada.

— E modesta, como ela era, eu vejo. — John de Warenne acenou para ela. Ele era um homem de cerca de quarenta anos, com cabelos grisalhos e uma barba mais escura. Ele olhou-a de cima e então abaixo novamente. — Eu mal posso acreditar. Como tenho sido negligente. Mais tempo se passou do que percebi; quando a vi pela última vez, você era mais uma criança magricela, toda olhos, pernas e cabelo.

Isabel sabiamente segurou a língua. A última vez que o tinha visto, tinha sido um ano depois do enterro, quando ele veio para assumir o comando do Castelo de Romney para si e conspirar com Lorde Seymour, tio do príncipe Edward, quanto à sucessão ao trono, enquanto o rei estava prestes a levar um exército próprio para a guerra na França, contra todos os conselhos. Isabel tinha escutado atrás da porta e ouviu todas as palavras deles. Henry tinha retornado depois de um empreendimento bem-sucedido e viveu três anos.

O príncipe Edward tornou-se rei da Inglaterra depois que ele morreu.

— Minha sobrinha querida, vou passar um dia ou dois aqui, e devemos nos readaptar. Mas no momento, eu tenho negócios urgentes para conduzir. Se você me desculpar? — Ele sorriu, mas não alcançou seus olhos, e já estava virando para seus homens.

Isabel ficou atordoada com a dispensa abrupta. Ele nem mesmo insinuaria que ele poderia arranjar um casamento para ela? Certamente ele podia ver que ela era quase uma mulher adulta.

Helen agarrou seu braço.

— Obrigado, milorde, e você deverá ter o vinho a toda pressa.

Isabel não podia acreditar em seu infortúnio. Eles apenas tinham trocado algumas meras palavras. Ela tinha que saber o seu futuro.

— Milorde — ela começou rapidamente.

De repente Lady Helen estava girando ao redor dela.

— Não agora — ela sussurrou em seu ouvido.

Se estivessem sozinhas, Isabel teria libertado seu braço. Mas elas não estavam sozinhas, e como estava quase sendo arrastada para longe, ela inadvertidamente capturou o olhar de um dos cavaleiros. Ele sorriu para ela.

Ela desviou o olhar e seguiu Lady Helen pelo corredor. Isabel se sentou nos degraus no momento em que ela estava fora de vista. Acima dela, Helen hesitou, em seguida virou.

— O que você fará agora? — Ela perguntou em um sussurro. — Venha comigo neste momento!

— Não. — Isabel sussurrou de volta, tão inflexivelmente.

Os homens estavam começando a falar. Isabel se esforçou para ouvir. Alguém estava dizendo:

— E então a fuga falhou. Ela não está em Antwerp como o imperador quis nos fazer crer. Ela permanece em Maldon, milorde.

Um momento de silêncio se seguiu, e então uma exclamação, a partir de outros dos cavaleiros.

— Sangue de Deus! — Ele estava com raiva.

— Aguenta, Robbie, aguenta. Devemos pensar cuidadosamente agora em nosso curso. — Disse Sussex.

— O que de bom pode vir disto? — O cavaleiro, Robbie, perguntou. — Uma princesa real temendo por sua vida, forçada a tais extremos, é insuportável.

Isabel abafou seu suspiro com a mão. Meu Deus querido do Céu! Eles estavam discutindo sobre a princesa Mary, que sem dúvida, tentou fugir da Inglaterra, mas falhou. Isabel se agachou mais, tentada a rastejar de volta ao andar de baixo assim ela poderia escutar com mais facilidade.

— Você é muito exaltado, como sempre. — O conde disse. — Devemos refletir sobre estes eventos. — Ele praguejou. — Dudley rege o conselho, o rei é um menino doentio, facções conspiram cada complô concebível... Rob, nós devemos enviar uma mensagem para Mary. Uma mensagem muito cuidadosamente redigida indicando nossa preocupação por seu bem-estar, nosso desgosto com a tirania do conselho, mas não devemos ser ousados quanto a proclamar nossa lealdade a qualquer causa em particular, ainda.

Um silêncio caiu. O coração da Isabel trovejou com tanta força que ela se perguntou se os homens no salão abaixo podiam ouvi-lo. Ela também estava suando. O que seu tio planejava? Até ela acreditava que Mary era a herdeira legítima de Edward, mesmo ela sendo católica. Por que Sussex não a apoiou completamente? E se Sussex se aliou a outra causa? As têmporas de Isabel pulsavam. Ela sabia que ela devia sempre se aliar com seu tutor, mas algum instinto advertiu-a para não confiar no conde, apenas confiar em si mesma. Não que isso realmente importava, enquanto ela estava presa em Stonehill. Questões de estado, política e conspirações, dificilmente a afetavam.

— Milorde, terei prazer em levar a ela a mensagem eu mesmo. — Robbie falava vigorosamente. — Na verdade, eu imploro que me deixe executar este serviço.

— As estradas estão vigiadas. Como estão os rios e canais. Não será uma tarefa fácil, Rob. O conselho tem espiões até na casa dela.

— Eu devo ir, milorde.

— Muito bem. Mas você deve viajar disfarçado. E somente de dia, será muito perigoso para você viajar à noite. Parta ao amanhecer.

Houve apenas um silêncio, mas Isabel podia imaginar os homens sorrindo agora. O breve, fascinante interlúdio de conspiração tinha acabado. Agora Isabel podia se preocupar sobre seu próprio futuro mais uma vez. E ela pensou, de alguma maneira eu devo chamar a atenção de Sussex antes dele partir.

E nunca imaginou que ela iria, e não de qualquer maneira que ela poderia ter previsto.


Isabel permaneceu perto da porta da frente aberta no corredor. A noite era doce. O ar era sazonalmente fresco e extremamente agradável, e como tinha sido um dia claro e ensolarado, a noite estava cheia de estrelas cintilantes. Ela não tinha vontade de dormir. Na verdade, como ela poderia até mesmo pensar nisto? Sussex estava no salão até agora, jogando cartas com aquele jovem cavaleiro, Robbie, enquanto seu próprio bufão tocava o alaúde para o entretenimento deles. Lá fora, os quarenta ou cinquenta homens que seu tio trouxe com ele estavam descansando sobre seu pátio no acampamento improvisado que eles ergueram desde que chegaram, jantando ao redor das fogueiras, jogando dados, e até paquerando com várias camponesas que vieram da aldeia e fazendas vizinhas poucas horas depois da chegada dos homens. O solar de Stonehill nunca tinha sido assim.

Helen tinha se retirado, mas uma vez que sua prima estava em seu próprio quarto, Isabel rapidamente retornou no andar de baixo. Ela nunca tinha estado mais acordada. Sua mente estava em uma corrida contínua. Ela sabia que seu futuro estava à mão, se só ela pudesse ganhar a atenção do seu tio.

— E que enormes fardos você carrega, milady?

Isabel se assustou ao som de uma familiar voz masculina. Ela virou e viu o cavaleiro loiro, de olhos cinzas que ela ficou sabendo ser Robbie, aquele que levaria uma mensagem para a princesa Mary no dia seguinte.

O olho dele se estreitou com especulação.

— Você aparece tão triste — ele disse.

Isabel estava quase desfeita, e era um momento singular em sua vida. Enquanto seus olhares se mantinham, ela lutou por sua compostura e ganhou. Ainda assim, ela não podia sorrir.

— Simplesmente o fardo de saber se você se atreveu a ganhar de meu tio — ela disse bastante friamente.

Ele olhou inquisitivamente, fazendo com que Isabel vacilasse e olhasse para longe, e finalmente ele riu. Era um som livre e maravilhoso. Isabel se assustou.

A risada dele morreu, seu sorriso desapareceu. Após uma longa pausa, ele disse.

— Seus olhos podem desfazer um homem, milady.

Isabel recusou-se a corar.

— Eu não penso assim — ela disse. — Você é sempre tão ousado?

— Só quando me confrontado com uma lady como você. Como é possível, — ele perguntou-se, — que Sussex esteja certo e você seja tão modesta? Você não possui um espelho?

O coração de Isabel estava bombeando de forma irregular, apesar de sua intenção para permanecer indiferente. Ela estava muito consciente que ele estava meramente sendo galante e flertando; ainda assim, haviam muito poucos homens em Stonehill de sua posição, e ela não era perita em tais interações. Ela esperava que não estivesse ruborizando; suas bochechas pareciam mornas.

— Claro que eu tenho. — Ela sabia que devia mudar de assunto. — Você foi melhor que meu tio nos jogos esta noite, plebeu?

A atenção dele se tornou muito pensativa.

— Eu creio que Sussex ainda é melhor, mademoiselle, mas não por falta de tentar. — E ele sorriu ligeiramente para ela.

Foi um muito genuíno, se não hesitante sorriso, e Isabel agora desejava que ele permanecesse excessivamente ousado.

— Seria sensato superar seu benfeitor? — Ela perguntou com cautela.

— Talvez não, entretanto, eu não declaro ser o mais sábio dos homens. — Ele sorriu novamente para ela. Seu olhar era sério, procurando. — E como você sabe que ele é meu benfeitor?

— É apenas um palpite, Sir Robert. — Isabel não estava disposta a admitir a conversa que tinha escutado mais cedo, em que Robbie estava determinado a levar a bandeira do conde por ele.

— Então é um bom palpite, milady, porque como você, eu não tenho nenhuma família a declarar que não seja Sussex, e ele é meu tutor, bem como meu benfeitor.

Os olhos de Isabel arregalaram. Ele sabia algo sobre ela, e ela estava estranhamente contente bem como mais ainda desconcertada.

— Por favor, explique — ela disse. — Como você veio a estar sozinho neste mundo.

Seu sorriso era torto.

— Você sabe que não fomos devidamente apresentados — ele disse, curvando-se a ela em uma reverencia cortês. — Robert de Warenne, ao seu serviço, milady, e isso eu pretendo com todo o meu coração.

Isabel ficou imóvel, o olhar penetrante dele sobre o dela.

— De Warenne?

— Parece que nós somos primos, mas muito distantes — ele disse ironicamente. — Venha. — Ele estendeu o braço.

Isabel olhou para ele. Ele tinha há muito tempo tirado sua armadura, e usava um gibão aveludado verde escuro que era estreito na cintura, mas cheio nas mangas sobre uma camisa de linho com bordado espanhol piscando do colarinho e punhos de manga. Seu casaco era sem mangas e uma sombra mais pálida de verde, seu calção marrom claro. Ele não usava uma braguilha extremamente exagerada como alguns dos outros homens faziam, que de alguma maneira aliviava-a.

Ela olhou para sua mão. Era bronzeada e forte e sem anéis.

— Eu não mordo, milady — ele disse, baixo.

Uma voz dentro de sua cabeça lhe disse para não ir com ele, que seria mais do que irresponsável, seria perigoso. Ela não tinha interesse em um flerte frívolo. Ela não tinha interesse em uma amizade genuína. Ela só queria deixar Stonehill e encontrar seu lugar de direito neste mundo. Isabel deu-lhe a mão. Ninguém ficou mais surpreso do que ela.

Estava escuro, e um cigano começou a cantar, mas se alguém os notou ou prestou-lhes qualquer atenção, Isabel não poderia dizer. Sua mão era quente e forte e esmagadora. O último homem a segurar a mão dela tinha sido seu irmão, Tom.

E de repente, desesperadamente, Isabel sentiu falta de seu irmão e desejou que ele estivesse vivo.

Isabel retirou sua mão da dele. Ele olhou para ela, mas não protestou, enquanto eles passeavam pelo pátio.

— Meu pai era o primo favorito de Sussex, seus pais eram irmãos — ele disse a ela em sua voz quente e rica. — Meu pai, Guy de Warenne, era bastante impetuoso e envolveu-se com a facção errada quando eu era apenas uma criança. Eu temo que nosso último falecido rei decidiu que ele deveria pagar o preço de sua traição com a sua cabeça. — Robert sorriu para ela.

— Aí. — Isabel disse, sorrindo um pouco de volta a despeito de si.

— Para piorar a situação, Guy era um jovem na época, e ele nunca se casou.

Ela olhou em seu rosto bonito. Suas características eram fortes e varonis.

— Oh, eu começo a entender. — Robert era um bastardo.

Ele deu de ombros, como se indiferente à sua ilegitimidade.

— Minha mãe era uma viúva na época de seu caso, mas quando ela se casou novamente, bem, ela já tinha três pirralhos legítimos, e eu era um bastardo que podia ser poupado. Eu tinha apenas oito anos quando Sussex me aceitou em sua casa. Isso foi há doze anos. — Eles pausaram na extremidade da colina. Abaixo deles eles podiam ver a fazenda Thomson, e além disto, a aldeia e a capela no vale. A grama pelos joelhos varria contra as saias de Isabel, que escovavam as pernas de Robert.

— Você se saiu bem por si mesmo, então, Sir Rob. Você usa o distintivo de Cavaleiro da Jarreteira25.

Ele sorriu enquanto a encarava de frente.

— Eu sou incansável em minha busca — ele disse. — Se eu não tivesse sido assim, eu poderia ainda ser um servo nos estábulos em Chiswick.

— Você lutou muitas batalhas? — Sua curiosidade levou a melhor.

— De fato eu tenho lutado, bela Isabel. — O olhar dele vagava pelo rosto dela. — Meu primeiro contato com a guerra foi com Rei Henry. Nós tomamos Boulogne. — Seus olhos nunca a deixaram. — Só para ter aquela mão covarde do Suffolk entregando-o de volta aos franceses. — Ele adicionou. — É onde eu ganhei minhas esporas.

Isabel estava extasiada.

— Mas você era apenas um menino.

— Eu era quase na sua idade — ele disse calmamente. — E você não é uma mulher?

Isabel se sentiu cegada pela intensidade do olhar dele. Ela não podia se mover, falar ou respirar. Ela não podia desviar o olhar, e ela queria, ela realmente queria. E aquela pequena voz de advertência estava lá, não faça isto, não comece a se importar, não existe nenhuma esperança, apenas perigo... o rosto sorridente de Tom apareceu em sua mente. Isabel deu um passo ligeiramente de lado, para colocar mais distância entre eles. Ela estava sem fôlego.

— Talvez você poderia trazer esse fato à atenção do meu tio. — Ela finalmente disse.

Ele a estudou.

— Por quê? Assim ele pode casar você com algum lorde poderoso? — Ele perguntou insolentemente como uma brisa do mar varrido até a colina.

— Eu tenho quinze anos, e eu não posso ficar em Stonehill para sempre — ela disse com firmeza. — Eu sou a herdeira do meu pai, meu dote é generoso, eu tenho muito para oferecer ao nobre certo.

— O nobre certo — ele disse, sério, sua mandíbula dura e inflexível. — Mas não um bastardo, que teve de ganhar todo seu centavo, suas esporas, sua única propriedade de Cornish. — Não era uma pergunta.

Isabel quase o olhou boquiaberta. Ele estava com raiva? Abruptamente ela se virou para partir.

— Eu devo ir.

Ele agarrou-lhe o braço por trás.

— Por quê? Porque eu tenho a coragem de dizer o que penso?

— Você fala bobagens — ela exclamou, recusando-se a encará-lo. Ele não era apropriado como um marido em potencial. E isso nunca mudaria.

Ele a girou ao redor.

— Oh, eu o faço? Atrevo-me a ser honesto. E você? Sua resposta é fugir.

Ele estava certo, mas Isabel nunca admitiria isso.

— Se você desejar pedir minha mão, então eu sugiro que fale com seu benfeitor.

— Eu não sabia que você era tão determinada sobre sua posição social.

— É tudo que me resta no mundo — Isabel disse.

Ele encarou, seu rosto fixo, então fez o que ela pediu. Isabel se virou e começou a caminhar para longe, de volta ao acampamento na frente do solar, de volta para a casa. Seus instintos estavam certos. Ela deveria ter ficado longe dele em primeiro lugar.

— Eu parto ao amanhecer — ele disse calmamente. — E nós poderíamos nunca nos ver novamente.

Isabel parou em suas passadas. Ela não podia se mover adiante, embora ela queria muito fazê-lo.

As estradas estão guardadas... o conselho tem espiões até na casa dela...

Ela o ouviu aproximar-se por trás.

— Não fuja de mim — ele disse. — Isabel, eu fui golpeado hoje, e precisamos conversar.

Ele foi golpeado. E ele estava partindo em uma Missão cheia de perigos, e embora ele fosse jovem e forte e inteligente, e se ele falhasse, e se não retornasse? Isabel aprendeu há sete anos que não existia justiça no mundo. Deus frequentemente sancionou coisas terríveis. Quando ela finalmente virou-se para olhar para ele, foi para assentir, e as lágrimas encheram seus olhos.

Ele não era para ela. Mas certamente não machucaria conversar; nunca se perdoaria se ela lhe negasse isso e ele nunca retornasse para Maldon.

Ele tocou seu rosto.

— Não chore. Por que você chora? Eu certamente não sou a causa de suas lágrimas!

Isabel só podia chorar, tentando não pensar em sua família e Tom, tentando não pensar nele, mas era impossível. Seu pai, enquanto ele caminhava pelo salão no Castelo de Romney, revigorado de uma caça ao veado, sua capa arrastando lama, radiante de satisfação, sua mãe levantando-se para saudá-lo, sua barriga inchada com o bebê que nasceria logo depois, e morreria tão brevemente, o rosto dela iluminado com expectativa e felicidade, e Tom, nos calcanhares de seu pai, tão sujo, sorrindo de orelha à orelha, correndo para Isabel para deliciá-la com contos de suas proezas... As memórias inundaram-na junto com as lágrimas.

Rob a puxou contra seu peito e a segurou lá. Isabel afundou em seus braços. Ninguém a segurou assim, nem homem nem mulher, em sete anos. Era tão bom, tão perfeitamente certo.

Ele acariciou seus cabelos. Isabel se agarrou a ele, suas lágrimas cessando lentamente. As mãos dele deslizaram pelas costas dela.

E pela primeira vez em sua jovem vida, Isabel sentiu o desejo começar a acordar dentro dela.

A boca dele se moveu sobre o topo de sua cabeça, os beijos suaves e gentis e simples. Isabel ficou quieta.

Ela estava ciente da boca dele em seu cabelo, mas ainda mais ciente de um enorme peso que sentia como se estivesse erguendo de seu corpo real. E de alguma maneira seus braços escorregaram em torno da cintura dura dele, de alguma forma seu rosto estava enterrado contra seu peito forte. Ela podia ouvir o coração dele trovejando.

Lentamente Isabel olhou para cima.

— Eu amo você — ele disse, e abaixou sua boca na dela.

A exaltação foi tão feroz que chocou e surpreendeu Isabel, e então ela conheceu a completa alegria, e ela disse, contra os lábios questionadores dele.

— Eu amo você também, Robert. — E ela nunca quis dizer qualquer coisa mais.


Sussex encarava com descrença absoluta.

— Você o que?

Fora do solar, o sol estava nascendo, lançando um rubor rosa sobre as colinas. Do lado de dentro, Robert e Isabel estavam lado a lado, sem se atrever a dar as mãos.

— Milorde, eu desejo me casar com Isabel. Como somos primos, eu não considero demasiado impróprio um pedido. — Robert permaneceu extremamente reto, olhos arregalados e inflexível. Ao lado dele, Isabel começou a tremer, assistindo seu tio virar uma beterraba vermelha de raiva.

Sussex o olhou boquiaberto; em seguida ele olhou para Isabel.

— Desapareça — ele gritou para ela.

Aterrorizada, e de repente cheia de um sentimento terrível, ela rapidamente fez como ele pediu, mas não antes dela lançar um olhar confuso a Robert, que não se atreveu a olhá-la. Ela agarrou suas saias e fugiu escadas acima, tropeçando em sua pressa. Perdida no aperto de terror, começando a entrar em pânico, tentando convencer-se de que estaria tudo bem, ela se agachou na escada.

Sussex caminhou até seu rosto estar a centímetros do de Robert.

— Você a tomou? — Ele exigiu.

— Eu não fiz — disse Robert, dois pontos rosas manchando seu rosto bronzeado. Ele permaneceu como se usasse toda a sua armadura, rigidamente em atenção, imóvel.

Sussex encarou, e então ele visivelmente relaxou.

— Rob — ele finalmente disse, em um tom mais tranquilo. — Você é jovem, e eu esqueço o que é estar na sua idade quando uma “moça graciosa”26 está por perto. Mas ela vai se casar em outro lugar quando chegar a hora certa, como você deve saber. Por Deus! Um dia em breve ela será uma ferramenta útil, para nós dois! Talvez até neste rolo condenável com Dudley. — Ele estava andando; imediatamente ele parou. — E você, meu rapaz? Você esqueceu sua ambição? Tem muito o que fazer se você almeja um lugar para si na Inglaterra, e eu sei que você bem sabe isto. Ou está repentinamente satisfeito com um maldito par de esporas? — Agora Sussex estava com raiva. — Eu te criei por todos estes anos para nada? Devo apenas estalar meus dedos para achar outro sargento, Rob. Não é isso que eu tive em mente para você, e até recentemente, não é isso que você tinha em mente para si mesmo!

— Minha ambição não diminuiu — Robert disse rigidamente. — Mas meu coração achou seu amor verdadeiro, milorde.

Sussex levantou ambas as sobrancelhas, encarou, e explodiu num riso zombeteiro.

— Amor verdadeiro? Não existe tal coisa. O que você sente agora não tem nada a ver com qualquer coisa além do pênis que paira entre suas pernas, e não tenho dúvidas de que em uma semana ou duas, outra “moça graciosa” vai atiçar mais sentimentos de amor verdadeiro. Pelos olhos de Deus! Você tem um serviço para fazer, meu rapaz, e faça-o bem. Traga de volta qualquer mensagem que a princesa se interesse em dar. Preste bem atenção nela, e recolha cuidadosamente quaisquer conspirações que ela possa compartilhar com você. Meu futuro, e o seu, dependem disto. Você deve me encontrar em Chiswick, visto que devo deixar Stonehill amanhã. Agora, desapareça, e nada mais de divagações sobre amor verdadeiro. — Este último foi dito de uma forma totalmente zombeteira, seguido por uma breve gargalhada.

Isabel tinha coberto sua boca com ambas as mãos, para não guinchar ou gritar. Ela se levantou. Robert estava imóvel, seu rosto vermelho, e finalmente ele inclinou-se e se afastou. Seus passos eram duros quando ele cruzou o corredor, as passadas de suas botas barulhentas, esporas tilintando.

Isabel fechou os olhos. Querida doce Virgem Maria, mas ela tinha visto o olhar firme, severo nos olhos de Rob. E estava acontecendo novamente...

Amar completamente, incessantemente, de forma imprudente, e ter tudo destruído e perdido.

— Rob! — O conde de Sussex gritou. Rob se deteve, mas não virou. — Com a tempo você me agradecerá por impedi-lo de tomar uma decisão muito tola. Daqui a alguns anos, eu aposto nisto, você realmente me agradecerá.

Robert deixou o salão.

Sem se importar que seu tio visse, Isabel correu atrás dele.

Robert estava puxando as escuras, vestes marrons de um frade viajante. Seu próprio escudeiro preparou uma montaria e uma mula de carga e estava disfarçado como um coroinha.

Ele pretendia deixar por isso mesmo? Sem outra palavra, sem sequer um adeus? Será que ele desistiria então, tão facilmente? Brevemente Isabel fechou os olhos. Como ela odiava seu tio. Ela o odiou desde o momento em que chegou ao Castelo de Romney, um usurpador audaz e satisfeito.

Robert a viu, mas ele não se moveu para ela. Ele estava triste.

Eles apertaram as mãos. Isabel sentiu as lágrimas se formando em seus olhos.

— O que vamos fazer? — Ela sussurrou, suas mãos duras e mornas e fortes, cobrindo as dela. — Este é um adeus, então? Depois de tudo o que dissemos e compartilhamos?

— Não, para nós dois, nunca poderá ser adeus. — Seu tom era baixo e urgente enquanto ele levou-a para longe da casa. — Apesar do que nós queremos, assuntos importantes abundam, assuntos que são muito maiores do que você e eu, e eu devo ir agora.

— Isto eu entendo bem. Afinal, ambos somos somente peões no grande esquema das coisas conforme projetado por Deus e meu tio o conde. — Ela lutou não chorar. Antes de ontem à noite, estar casada por uma aliança política era o que ela esperava e sonhara. Agora era o beijo da morte em seu coração.

— Silêncio. — Robert disse. Seu olhar fixo dominando os dela. — Ouça-me bem.

Isabel ouviu a urgência em sua voz, e lentamente ela assentiu.

— Se eu puder, vou parar aqui a caminho de Chiswick.

A esperança floresceu em seu peito tão rapidamente que ela se sentiu surpresa.

— Eu não quero que você saia da graça de Sussex. Ouvi dizer que ele é um homem perigoso quando contrariado.

— Eu não sairei de sua graça, por que eu o servirei com todo o meu coração, como sempre. — Robert disse sem rodeios.

Isabel completou, recordando o olhar que ela tinha vislumbrado em seus olhos no salão, um assustador e severo olhar, ainda se perguntando o que ele quis dizer, ainda esperando contra toda a esperança.

— Muito bem.

— Não se preocupe, Isabel — ele sussurrou, apertando as suas mãos com mais força. Ele respirou fundo. — Eu preciso de dois ou três anos, pelo menos. Dois ou três anos para avançar bem além do grau de cavaleiro. Você pode me dar esses poucos anos, meu amor? Você esperará por mim, Isabel?

Os olhos deles se travaram. Ela começou a compreender. Ela começou a assentir.

— Sim. Sim. Claro que eu esperarei por você, Rob. — E a completa compreensão a atingiu então. Ele queria que ela esperasse por ele! Porque ele a amava... — Claro que eu esperarei por você — ela repetiu mais firmemente. — Eu não me tornarei noiva de outro homem. Isto eu juro a você, Rob. Eu prefiro morrer.

Ele a encarou penetrantemente, e então eles se beijaram.

E em poucos minutos, ele estava em seu cavalo. Atravessando o pátio. Partindo. Seriam pelo menos dois anos antes de vê-lo novamente, a menos que ele pudesse desviar-se para Stonehill em seu retorno a Chiswick.

— Boa sorte — Isabel sussurrou, as lágrimas salgadas em seus lábios.

Ele olhou-a uma última vez enquanto cavalgava para fora do portão.

E não foram dois anos antes de vê-lo novamente, foram quase cinco. Até lá, era tarde demais.


Capítulo Quinze

Casa de Sueños – O terceiro dia, 5 horas da tarde

Gregory estava ficando preocupado. Ele não mentiu quando ele disse à Cass que tinha visto Tracey pela última vez por volta da meia-noite. Depois de um momento de louca atividade sexual, se pudesse até mesmo ser chamado assim, ela se levantou abruptamente, sorriu estranhamente, e saiu sem dizer uma palavra. Ele estivera repleto de culpa durante todo o dia.

Gregory sentia como se tivesse traído seu irmão, e era uma sensação que ele nunca tinha tido antes. Pior, ele sentia o impulso de dizer a Antonio o que aconteceu e implorar por seu perdão. Ele resistia a esse impulso, por medo. Mesmo que Antonio não sentisse mais nada por Tracey, o que eles tinham feito era terrivelmente errado.

Seu irmão e Cass acabavam de voltar com as autoridades; o corpo de Catherine tinha sido levado para um hospital na cidade de Segovia. Em sua ausência, Gregory ficou encarregado das crianças, e Alfonso de Celia, levando-a para cama dela em um estado de pesar e choque. Antonio estava agora no andar debaixo em algum lugar; Cass desapareceu em seu quarto. Gregory se sentia tão triste por ela.

Agora Gregory fez uma pausa no limiar do corredor no andar de cima, os sons das vozes das crianças flutuando até ele da cozinha abaixo, onde eles estavam tendo um almoço tardio de sanduíches e pegajoso sorvete derretido. As crianças ainda não tinham sido informadas sobre Catherine Belford. E a força na casa permanecia desligada.

Ele não podia ajudar a si mesmo. Ele caminhou até a porta e empurrou-a abrindo-a. Ele estava tão estranhamente compelido. Ele nem sequer se lembrava deste quarto de sua infância. E a luz no interior do amplo quarto era fraca; isso levou um momento para seus olhos se ajustarem.

Então ele a viu, o demônio de seus sonhos de infância.

O suor escorria pelo seu corpo em correntes.

E Gregory estava quase descrente, olhando fixamente para o retrato da mulher no vestido vermelho e colar de rubi, a mulher que olhou fixamente de volta para ele como se ela fosse real, como se estivesse viva. Ele mal podia pensar. Ele só sabia que era ela, seu algoz de infância; não havia nenhum engano.

E os olhos dela, os olhos dela eram tão perversos...

Tão abruptamente quanto seus pés o levaram àquele quarto sem vontade consciente, ele recuou, batendo a porta, e quando ele fez isso, ele podia ter jurado que ele ouviu seu nome, suavemente, ironicamente, sendo chamado do interior do quarto. O impulso era fugir para o andar debaixo como um covarde. Em vez disso, ele não se mexeu, furioso consigo mesmo.

Ele não era um covarde, ele havia saltado de aviões, pelo amor de Deus. Ele participava de corridas automobilísticas. Ele esquiava em locais onde só se chegava de helicóptero27. Ele até saltou de bungee-jumped. E no ano passado ele tinha ido num safari em uma parte politicamente instável da África.

Sua mente começou a trabalhar, tão furiosamente. Indubitavelmente, quando menino, ele viu aquele retrato, e por qualquer razão, permaneceu gravado em sua mente. E a mente era uma coisa engraçada. Sua mente havia usado aquela imagem, emergindo como um algoz assustador em vez de um amigo imaginário. Ele deixaria isto para um novo psiquiatra descobrir o porquê.

E ele não tinha acabado de ouvir seu nome. Disso ele não tinha dúvida.

— Papá! Papá!

Ao som da voz alarmada de Eduardo, Gregory veio à vida, esforçando-se para ouvir se Antonio estava respondendo a seu filho. Em vez disso, Eduardo estava gritando novamente. Gregory rapidamente atravessou o corredor, correndo de volta ao andar de baixo.

— Eduardo! Qué tal?

Eduardo e Alyssa estavam sentados na mesa da cozinha com Alfonso, olhando para fotografias. Antonio apareceu atrás dele.

— O que aconteceu? — Ele perguntou. Ele pareceu esgotado e cansado.

Todos à mesa, tanto as duas crianças pequenas e o homem de idade avançada, pareciam pálidos e aflitos com o choque.

— O que está errado? — Gregory perguntou, um arrepio de mal-estar infiltrando através dele.

Eduardo olhou para ambos, seu olhar arregalado.

— Dios mío — ele sussurrou. — A tia de Alyssa tirou estas fotografias, e alguma coisa está muito estranha!

Gregory não queria saber o que era. Ele não se moveu quando Antonio avançou, com óbvia relutância. Gregory assistiu seu irmão despentear o cabelo de seu filho com um sorriso. Entretanto seu sorriso morreu, porque Eduardo estava empurrando uma fotografia para ele.

Antonio estava congelado.

Gregory não queria perguntar, ele não queria saber.

— O que é isto?

Antonio finalmente veio à vida, e entregou-lhe a fotografia.

Ela tinha sido tirada nas ruínas apenas descendo a estrada. Nesta fotografia uma parte do muro em ruínas e uma torre eram claramente visíveis. E ferrolhos e redemoinhos de luz, ou eletricidade, a cor de ouro avermelhado das chamas reais, preenchendo esse quadro, como se descargas elétricas estivessem ricochetando de um lado para outro ao longo do muro em ruínas.

E claramente visíveis nas espirais das faíscas estava uma figura e um rosto.

Era Isabel.


Cass estava deitada de bruços em sua cama, imóvel. Sua tia estava morta. Catherine estava morta, e Cass chorou e chorou e chorou, e agora ela estava exausta, e todas as suas lágrimas pareciam gastas.

Ela nunca tinha conhecido uma sensação tão terrível de perda antes. Esse enorme vazio doloroso. Essa profunda e penetrante dor. Seu coração parecia estar em pedaços, e Cass não achava que algum dia seria inteiro novamente. Catherine tinha sido muito mais que sua tia, ela tem sido sua mãe e sua melhor amiga. Como isto podia estar acontecendo? Como ela podia ter morrido? Como ela realmente podia ter ido?

Na segunda-feira haveria uma autópsia.

Mas segunda-feira era tarde demais.

Se ao menos Catherine não tivesse vindo!

Ela está convocando todos nós juntos.

Alyssa. Ela não sabia. De alguma forma, de alguma maneira, em algum momento em breve, Cass teria de se recompor e dizer a sua sobrinha a verdade terrível.

Ela não achava que poderia fazê-lo.

Uma mão deslizou sobre sua cabeça, em seu cabelo.

E no momento em que ela sentiu sua grande palma, ela sabia que era Antonio, e olhou para cima. Surpreendentemente, mais lágrimas encheram seus olhos.

— Eu pensei que você estava dormindo — ele sussurrou. — Espero não a ter acordado. — Seus olhos estavam cheios de tristeza.

— Você não o fez — ela se controlou, engasgando com as duas únicas palavras.

Ele hesitou.

— Eu só quis verificar você. Posso trazer-lhe algo? Qualquer coisa?

Cass balançou a cabeça, em seguida conseguiu pensar na pobre Celia.

— Você deu a ela o Valium?

— Sim. — Ele não teve que perguntar-lhe a quem se referia. — Ela está dormindo agora. — Seu olhar sustentou o dela.

Por incrível que pareça, mais lágrimas vieram, enchendo seus olhos.

— Por que você não toma um Valium também? — Ele perguntou suavemente.

— Você sabe do que eu preciso? — Cass sussurrou.

Ele se afundou na cama e a puxou em seus braços. Cass enterrou-se profundamente lá, contra seu peito, segurando-se tão firmemente.

Ela queria lamentar novamente, mas ela chorou durante toda a tarde, e apenas algumas lágrimas poderiam escoar para fora.

Antonio a abraçou, acariciando seus cabelos, suas costas.

— Eu sinto muito — ele disse.

Cass já sabia. Ela se perguntou se ela poderia ficar em seus braços assim para sempre. A dor, ela pensou, nunca iria diminuir, nunca desapareceria, mas ela precisava dele assim.

— As crianças?

— Eles estão comendo sorvete derretido, eles estão bem. Vamos dizer-lhes mais tarde, juntos.

Ela queria perguntar sobre Tracey. Ela não ousou.

Ele abraçou-a.

Cass deixou-o.

E de repente, abruptamente, Cass soube o que era que ela procurava, o que era que ela sentia. De repente, abruptamente, tudo mudou. O pesar de Cass desapareceu. E em seu lugar havia um desejo violento.

Ela olhou para ele, atordoada pelo apelo febril de seu corpo. Seus olhos se encontraram. E em seus olhos ela viu a mesma luxúria, idêntica.

Cass não pensou. Ela agarrou a cabeça dele, enfiando seus dedos por seu cabelo espesso, assim como ele agarrou sua nuca, prendendo-a no lugar. Suas bocas se uniram, fundindo-se, e então seus lábios estavam abertos, fundindo-se novamente, e Cass sentiu os dentes dele, ralando suas gengivas, e ela estava completamente deitada de costas, espalhando suas coxas, completamente e ainda mais completamente, e ele estava entre elas, e embora eles estivessem ambos vestidos, ela sentiu uma estimulação enorme lá. Cass ofegou, arrancando sua boca da dele.

— Cristo. — Disse ele, levantando-se sobre ela, segurando sua calça jeans, e abriu-a rapidamente.

— Oh sim. — Cass disse, empurrando seus quadris para cima em direção a seu rosto quando ele arrancou ambas, a calças jeans e sua calcinha para baixo. E ocorreu-lhe que eles estavam sendo observados. A sensação era distinta.

Mas ela não podia se importar. Ele disse algo em espanhol, algo que ela soube era áspero e bruto, lançando suas pernas acima de seus ombros, seus dedos a encontrando e a abrindo; tocando-a.

— Coma-me. — Cass disse asperamente, uma ordem.

Ele enterrou seu rosto entre suas pernas e sua língua estava em toda parte.

— Oh Deus. — Cass chorou, segurando sua cabeça.

Sua língua deslizou sobre cada polegada dela, lambendo-a repetidamente, deliciosamente, dolorosamente. Cass mal podia suportá-lo. Ela não podia aguentar a pressão se construindo, ela tentou afastá-lo; ela tentou puxá-lo para mais perto. O prazer estava na borda, misturando-se com a dor. Mas ele não pararia.

Sua língua começou a esfolá-la. Ela lamentou.

O perfume de violetas veio à tona mais fortemente; Cass vagamente percebeu com alguma parte distante em funcionamento de sua mente que o odor tinha estado presente por algum tempo.

E Cass estava vindo. Ela pensou, Isabel está aqui, mas sua língua não pararia e ela não queria que ele parasse e seu orgasmo era uma série infinita de espasmos que estavam balançando seu corpo de modo selvagem, e quase morreu quando ele disse.

— Eu quero foder você.

Ele estava levantando-se sobre ela, arrancando seu cinto. Cass agarrou seu pulso, firme, seus olhos no que ela queria, aquele pênis enorme único, apenas contido por sua calça comprida, tão perto de seu rosto.

— Não.

Os olhos dele flamejavam.

— Não?

Ela agarrou o cós de suas calças, estalando-os abertos.

— Entre na minha boca. — Ela comandou.

Os olhos dele se alargaram e um instante depois Cass estava enfrentando cada centímetro inchado, despertado o dele. Ela segurou suas nádegas enquanto ele empurrava fundo, uma e outra vez, e quando ele corcoveou sobre dela, ela chupou mais duro, engolindo cada gota.

Ele não desmoronou. Ele segurou o rosto dela, beijando-a, e Cass o beijou de volta, ainda o saboreando, saboreando a si mesma, suas bocas rasgando um ao outro, insaciavelmente, e finalmente ela o sentiu crescendo novamente.

— Foda-me agora.

— Eu vou foder você a noite toda. — E ele empurrou dentro dela.

Cass arranhou suas costas e gritava de prazer e encorajamento; ela o quis mais, mais rápido, mais duro, e ela podia ainda o saborear, salgado e acre, e as mãos dele, em suas nádegas, começaram a machucar, mas o prazer recusou morrer; ao invés, estava construindo e construindo...

Ele retirou-se.

— Vire.

Cass não hesitou, e quando ele a levou por trás, ela gritou, dor misturando-se com o prazer, indistinguível, e quando a mão dele a encontrou desta vez, mantendo-a aberta, ele amaldiçoou, e Cass soube que era porque era tão bom como era insuportável...

Eles vieram novamente.

E nesse momento ele desmoronou em cima dela, e ela não encontrava forças para se mover.

Antonio deslizou fora dela. A pulsação de Cass finalmente começou a diminuir a velocidade; sua mente começou a funcionar, compreendendo o que eles acabaram de fazer. E de repente uma nova tensão a superou. E com essa nova tensão vieram a coerência absoluta e a completa compreensão.

Cass congelou. O odor doce enjoativo de violetas estava em todos os lugares; eles foram envolvidos por ele, afogando-se nele.

Ela deu uma olhada em Antonio, que estava deitado de costas, ainda completamente vestido, suas calças abertas. Seus olhos estavam fechados e seu tórax estava subindo e descendo rapidamente.

Cass sentou-se, ainda encarando. E lentamente ela olhou ao redor.

Ela esperou ver Isabel, sorrindo para eles. Ela viu um quarto vazio preenchido por longas sombras, um quarto que estava frio e feio.

As pálpebras dele se elevaram e seu olhares se encontraram. Cass corou, e tomou seu jeans e roupa íntima mais próxima, ela procurou cobrir a parte mais baixa de seu corpo.

— Ela está aqui.

Ele também se sentou.

— Oh meu Deus. — Cass de repente se abraçou. E um frio a penetrou, congelando-a até os ossos.

Antonio fechou suas calças.

— Cassandra.

Ela olhou de modo selvagem para ele.

— A tia Catherine acabou de morrer, e você e eu... — Ela não podia achar as palavras certas para descrever o que eles acabaram de fazer.

— Aconteceu — ele finalmente disse, claramente perdido como ela.

Ela pensou sobre o que tinham feito. Pensou sobre o que ela tinha dito. Ela ficou horrorizada, em choque.

— Eu nunca fiz essas coisas antes — ela explicou.

Ele hesitou.

— Algumas das coisas que eu disse... eu não sei o que se apossou de mim...

Cass de repente saltou fora da cama, sabendo que ele a estava observando, e ela encontrou sua roupa íntima e a vestiu rapidamente. Então ela pulou em sua calça jeans.

— Eu não sei o que me deu, também — ela exclamou, ciente do calor em suas bochechas. Ela nunca quis ninguém do modo que ela quis Antonio. A intensidade de seu desejo tinha sido tão grande, tinha sido tão violenta que, ela tinha realmente apreciado a dor. Suas têmporas começaram a pulsar.

Antonio estava de pé.

— Você está me entendendo mal — ele disse.

Cass não podia enfrentá-lo. A tia Catherine estava morta, ela e Antonio praticamente profanaram sua morte. O que estava acontecendo?

— Cassandra. — Ela virou-a para ele. — Eu não me arrependo disso. — Ela não teve nenhuma escolha a não ser encontrar seus olhos. — Eu lamento o momento. Não consigo explicar... certas coisas. Mas eu não lamento fazer amor com você.

Cass o encarou.

— Nós não estávamos fazendo amor. — O amor não tinha estado em sua mente enquanto eles estiveram juntos na cama. O sexo tinha estado em sua mente. Não, não sexo. Foda. Foda animal.

Antonio realmente corou.

— Antonio, eu estou preocupada.

— Como assim?

Cass passou um olhar rápido em torno do quarto; eles estavam sós.

— Ela estava aqui enquanto nós estávamos... fazendo isto. Eu estou certa.

— Cassandra — ele protestou devagar.


— Ela estava nos assistindo. Eu senti isto. Você não? — Cass exclamou. — Nós não estávamos sós!

— Cassandra — A mandíbula dele contraiu. — Você está em estado de choque e pesar. Eu admito que fui pego de surpresa, também. Mas Isabel não estava aqui agora mesmo, nos assistindo.

Cass dobrou seus braços.

— Eu adoraria concordar com você, mas eu não posso. Você não sentiu o cheiro de seu perfume? Ele se foi agora; mas alguns minutos atrás este quarto estava emanando um cheiro forte de violetas.

Ele hesitou.

— Não, eu não senti. — Ele foi firme; e sombrio.

Cass o enfrentou.

— Talvez eu esteja confusa... eu gostaria que esse fosse o caso. Antonio, existe algo que eu tenho que dizer a você.

— O que é?

— Quando Catherine teve sua convulsão, ou o que quer que fosse, eu mal conseguia respirar, também. Aquele odor maldito estava lá...

— O que você está sugerindo? — Ele de repente estava bravo. — Que Isabel está nos assombrando; e que ela matou sua tia? Que ela tem esse perfume venenoso?

Cass empalideceu.

— Eu não sei o que eu estou sugerindo!

— Eu sinto muito. — Ele a puxou para perto de si. Cass endureceu em surpresa, resistindo a ele, mas por pouco tempo, ele a abraçou antes de soltá-la. — Nós estamos todos exaustos.

— Sim, nós estamos — Cass concordou desigualmente. — Mas vamos olhar para os fatos. Minha tia sofreu algum tipo de ataque alguns minutos após chegar aqui. Minha tia, que era amante do seu pai; que estava aqui trinta e quatro anos atrás quando ele morreu. Tragicamente. Você não me disse que seu avô também morreu cedo, aos quarenta anos; apunhalado até a morte por sua própria esposa.

Antonio empalideceu.

— Não. Eu não disse.

Cass sentiu dificuldade para respirar.

— Quantos anos você tem, Antonio? — Ela perguntou vacilante, embora ela já soubesse.

Os olhos dele se arregalaram.

— Trinta e oito. O que isto tem a ver com... — Ele parou.

Cass sentiu seus olhos se encherem de lágrimas.

— Eu não quero que nada aconteça com você.

A mandíbula dele tensionou.

— Nada acontecerá a mim.

— Mas algo está acontecendo aqui. Seu pai, seu avô, agora minha tia. E se Margarita está ligada a tudo isto? — Ele empalideceu. Cass não lamentou suas palavras. — Eu senti Isabel aqui, momentos atrás, eu estou certa que, não era minha imaginação; e eu penso que ela estava muito contente, não, satisfeita, com isto; conosco. Antonio. Eu não estou louca. Minha tia estava certa. Existe um padrão aqui. Nós só não sabemos o que é, exatamente. — Ela pausou. — Minha tia disse a mim que Isabel quer vingança.

Ele a olhou fixamente. Ela o encarou de volta. Ele finalmente disse.

— Isabel está morta. Se fantasmas existem, eles não têm desejos, ou ambições, Cassandra.

De repente ela estava tão brava.

— Então agora você é um perito em fantasmas?

Ele suspirou.

— Dificilmente.

— Bem, e se eles têm desejos? Pensamentos? Motivos? — Quando ele permaneceu obstinadamente mudo, ela berrou. — Nós realmente vimos Margarita ontem à noite? Talvez fosse Tracey. Talvez tenha sido a própria Isabel.

— Neste momento, eu não sei o que nós vimos ontem à noite — ele disse com ar sombrio.

— Talvez tia Catherine estivesse errada — ela gritou. E então ela recordou que Catherine estava morta, lágrimas escorregaram e deslizaram pelo seu rosto. — Mas até agora ela tem estado certa, não é? Ela disse que tragédias aconteceriam quando nossas famílias estivessem juntas. Seu pai está morto. Minha tia está morta. E onde está minha irmã? São quase seis horas. Em algumas horas mais ela terá ido por vinte e quatro horas! — De repente, para horror de Cass, ela começou a chorar. — Eu acabei de perder minha tia, eu não posso perder Tracey, também.

Antonio a puxou ao abrigo de seus braços.

— Tracey estará bem. Nós a acharemos. Existirá uma explicação simples. Quanto ao resto, é apenas coincidência.

Cass queria acreditar nele. Mas existia uma tensão em seu tom e ela olhou para cima, encontrando seus olhos.

— Você está dizendo as palavras, — ela disse, — mas você não acredita nelas, agora também, não é?

Ele não respondeu.

Cass tremia.

— Existe algo que você está escondendo de mim. O que é?

Ele a olhou fixamente.

— Existe uma fotografia — ele finalmente disse. — Mas eu estou certo que existe uma explicação racional.


A procura por Tracey começou.

Eles procuraram em todos quartos, armários, banheiros, até mesmo nas escuras masmorras cavernosas inferiores. E então eles deixaram as crianças com Alfonso enquanto Cass, Gregory, e Antonio se separaram para cobrir o terreno em torno da casa.

Cass estava tentando não ceder a histeria e pânico. Mas era mais de sete horas. Em duas horas estaria escuro.

Ela dirigiu-se à garagem e à cabana, enquanto Gregory tomou o lado oposto da casa, Antonio o jipe, o melhor para cobrir mais território. Enquanto ela caminhava para mais e mais distante longe da casa, tropeçando no chão desigual, rochoso, o sol ainda alto, mas não tão brilhante, ela desesperadamente tentou conter as ondas de medo ondulante, enquanto sua mente queria girar e correr, concebendo toda explicação possível.

Isto não fazia sentido. Tracey não podia ter simplesmente desaparecido.

E agora ela estava finalmente começando a entender o que Antonio perdeu há oito anos atrás. O desaparecimento da Margarita não fez nenhum sentido então, também. Como ele pôde viver com aquele tipo de perda não resolvida? Nunca sabendo o que realmente aconteceu, não sabendo se quem você amou estava vivo ou morto?

Cass resolveu não deixar seus pensamentos irem lá. Era muito cedo. E Tracey não era Margarita. Ela era um perigo eminente. Uma bomba prestes a explodir. Ela tinha sido rejeitada por Antonio. E se ela simplesmente decidiu partir?

Mas Cass não podia imaginar sua irmã caminhando estrada abaixo até encontrar um veículo que lhe desse carona para a civilização.

E tragédia já havia acontecido duas vezes, três vezes se incluísse Margarita na equação. Cass não podia deixar de lado o medo atroz. O desaparecimento de Tracey não era uma coincidência.

Cass percebeu que a casa não era mais vista. Ela fez uma pausa, em pé sobre uma pequena colina, semicerrando os olhos, o sol atrás dela, percebendo que ela tinha caminhado por uma boa hora. Seu corpo estava cansado, seus pés doíam. Entretanto, seu corpo estava dolorido por uma razão muito boa. Não; ela não deveria se lembrar o que aconteceu mais cedo aquela tarde. Ela ainda mal podia acreditar nisto.

Isabel os tinha assistido? Cass estremeceu.

Ela olhou ao redor, com medo que ela pudesse estar perdida. Seu coração balançou desagradavelmente, ela não podia lidar com estar perdida hoje à noite, não depois de tudo que havia acontecido. E se ela não pudesse voltar para a casa antes de anoitecer? Ela devia ter retornado mais cedo, pensou, com o coração apertado. A ideia de vagar na escuridão, perdida e sozinha, era distintamente desagradável.

A imagem zombeteira de Isabel encheu sua mente.

Cass sentiu um medo profundo.

— Vá embora — ela murmurou nervosamente.

Mas e se ela estava certa e Antonio estava errado? E se Isabel fosse uma presença muito real entre eles? Cass viu aquela fotografia maldita. Antonio e Gregory continuaram insistindo que não era uma fotografia de um fantasma, que a imagem era muito pouco clara. Cass discordou. A imagem era clara o suficiente para ela.

Só que Isabel seria capaz de fazer algo? Ela podia sentir, pensar, planejar?

Trêmula, Cass virou-se para olhar na outra direção do seu ponto de vista. Ela não achou sua irmã e ela iria ter que voltar. Logo adiante estavam as ruínas do castelo. Sombras enormes derramavam-se adiante das paredes desintegradas e das duas torres.

Cass estava pronta para retornar quando algo chamou sua atenção, e ela encarou as ruínas novamente, levantando uma mão para proteger seus olhos da luz do sol. Uma luz brilhou abaixo das paredes de castelo, um tipo de reflexo.

E se fosse Tracey? E se fosse Isabel?

Cass começou a correr em direção às ruínas, que eram mais distantes que ela havia pensado. Ela não diminuiu seu passo, rezando para que o reflexo que ela tinha vislumbrado tivesse sido causado por sua irmã, recusando-se a pensar que poderia ser alguém; ou qualquer outra coisa. De fato, Tracey nunca foi a qualquer lugar sem seu isqueiro de ouro Cartier. Isso podia certamente causar um reflexo luminoso.

Ela pegou a estrada, correndo mais intensamente agora, com o sol continuando a se por, com as sombras prolongadas cercando as ruínas, com o céu tingindo-se de cor-de-rosa, malva. Estava rapidamente transformando-se em crepúsculo, impossibilitando-a de ver claramente.

Ela teria que seguir a estrada de volta para a casa na escuridão, ela percebeu, muito infeliz com o pensamento. Ela esqueceu como depressa o sol se põe. Mas pelo menos ela não podia se perder na estrada, ainda que isso significasse viajar uma distância mais longa.

A imagem de Isabel veio à sua mente, seus olhos penetrantes e intensos.

— Não pense nela agora. — Cass disse a si mesma, falando em voz alta. Ela odiou o som de sua própria voz. Na desolação da noite, parecia dissonante.

De repente ela diminuiu seu passo. O caminhão do eletricista estava logo adiante. Talvez ele tivesse causado a reflexão de luz que ela tinha visto. Por um momento, Cass olhou fixamente para o veículo muito velho, e ela pensou que estava estacionado em um ângulo estranho; e então ela percebeu que sua frente estava esmagada na parede de castelo.

Houve um acidente.

Cass irrompeu em uma corrida, e um momento mais tarde ela estava ao lado da porta da frente. Ela gritou. O eletricista estava caído em cima da coluna de direção, e o para-brisa inteiro estava quebrado. A frente do caminhão estava esmagada em si mesma como um acordeão.

— Oh, Deus. — Cass soube que ele estava morto, mas ela abriu a porta e tocou em seu pescoço, procurando por uma pulsação enquanto cuidava para não o mover.

Ela saltou para longe dele, sem nunca ter tocado uma pessoa morta antes, de repente, violentamente, querendo vomitar. Cass virou e levantou. E quando as náuseas passaram, ela se sentou lá em seus joelhos, sombras caindo, tentando entender como o eletricista saiu da estrada em uma velocidade tão alta. Ela finalmente levantou, pensando que talvez seus freios falharam, ou a direção, ou talvez ele simplesmente teve um ataque cardíaco. E enquanto ela estava lá debatendo as possibilidades, de repente o rádio do carro ligou.

Cass saltou em choque e medo com o rádio vociferando, algum disc-jóquei espanhol falando rapidamente, de forma ininteligível. E assim como começou, o rádio foi silenciado.

Cass permaneceu longe.

Um curto-circuito, ela finalmente disse a si mesma, um curto-circuito causado pelo impacto.

O homem morto de repente caiu para um lado. Cass gritou. Ela havia deixado a porta aberta, e sua cabeça pendeu para fora. Cass encontrou um par de olhos escancarados, atônitos. E ela viu a faca saindo de seu peito.


Cass quase não conseguia respirar quando ela correu pela estrada, tropeçando em pedras e buracos. A noite abruptamente ficou totalmente escura. Ela estava submersa no que era escuridão quase total. Ela estava tentando não pensar no pior, tentando não pensar sobre fantasmas e assassinos, desesperadamente não tentando ficar subjugada pelo pânico e medo. Claro que ela estava sozinha lá fora em meio as ruínas. Mas nada no mundo podia tê-la impedido de olhar repetidamente acima de seu ombro, ela estava apavorada.

O eletricista estava morto.

Esfaqueado até a morte.

Sua tia estava morta.

Casa de Sueños já era um lugar de tragédias terríveis. Mas também seria um lugar de morte?

De repente a noite parecia suspirar.

Cass correu mais forte, ofegando por ar, suas pernas começando a falhar, até que ela percebeu era apenas uma brisa, suspirando por entre as árvores. Não era? E suas coxas estavam gritando agora em dor, suas panturrilhas se contraindo, em câimbras; ela não sabia por quanto tempo mais, poderia manter o ritmo, mas ela se recusou a diminuir a velocidade. Ela não ousou.

Cass lutou para correr mais rápido, incapaz não pensar. Os fantasmas não apunhalavam pessoas. Pessoas apunhalam pessoas. E se o eletricista não tivesse caído de seu veículo, e se ele tivesse sido empurrado para fora? E se quem foi responsável por seu assassinato ainda estava espreitando? Finalmente o terror a superou.

Por isso, quando faróis de repente a iluminaram, seu primeiro instinto era o de saltar fora da estrada e esconder-se. Mas não, ela congelou, brevemente. Presa pelos faróis do carro. Cass jogou-se fora da estrada. Ela caiu sobre suas mãos e joelhos, afundou sobre sua barriga, pedras cortando sua bochecha e queixo, sujeira em sua boca, tremendo como uma folha.

A porta do carro bateu.

Cass imaginou o assassino, aproximando-se dela, perseguindo-a.

— Cassandra!

De repente Cass estava de pé.

— Antonio! — Ela gritou. Sua forma alta era a aparição mais feliz que ela já tinha visto.

— Cassandra! Graças a Deus! — Ele correu em direção a ela.

Ela voou em seus braços. Ele segurou-a com força.

— Onde você esteve? Droga, você deveria estar em casa às oito e meia! — Ele exclamou.

Ela agarrou sua camisa.

— Ele está morto! Oh, Deus, ele está morto. Antonio, ele foi apunhalado até a morte!

— O que? Quem está morto? — Antonio ainda a segurava.

— O eletricista — ela exclamou.

Seus olhos se arregalaram. Um momento mais tarde ela estava ao lado dele no jipe e eles estavam voando estrada abaixo para as ruínas. Ele freou próximo ao caminhão, agarrou sua lanterna, e pulou. Cass o seguiu relutantemente até o cadáver.

O rádio continuou a tocar.

Antonio exclamou.

— O que? — Cass sussurrou, olhando sua expressão chocada para as sombras em torno deles.

— Aquela faca veio da casa. — Antonio disse sombriamente.


Cass parou na porta de seu quarto, inquieta porque ela era a única em cima. Todo os outros se reuniram na biblioteca para uma bebida enquanto Antonio dirigia para Pedraza a fim de alertar a polícia sobre o assassinato.

A casa estava imersa na escuridão absoluta; Cass segurou uma vela. Ela estava desesperadamente tentando não pensar no eletricista morto. Pelo menos a casa estava firmemente fechada para a noite. Ela entrou em seu quarto, colocando a vela em uma mesa. Ela estava ciente de uma sensação terrível de urgência agora.

Cass se inclinou e ergueu a bolsa da sua tia, preste a passar por ela quando o odor inconfundível de violetas começou a permear o ambiente. Ela congelou.

Ficou mais forte.

Cass estava paralisada. Eu estou imaginando isso, ela desesperadamente tentou dizer a si mesma. Ela não estava detectando o perfume de Isabel. Fantasmas, espíritos, entidades, por qualquer nome que você queira chamá-los, não existiam. Catherine teve uma convulsão; seguramente a autópsia na segunda-feira mostraria isto. O eletricista tinha sido vítima de algum crime coincidente.

Ela recusou pensar sobre o fato do avô de Antonio também tinha sido apunhalado até a morte. Ela recusou-se a imaginar que ele tivesse morrido lá na casa. Ela esvaziou a bolsa de cabeça para baixo, retirando as coisas da sua tia.

De repente Cass diminuiu a velocidade e parou. Ela não estava preparada para a dor monumental e penetrante, a angústia absoluta, que de repente a sufocou, fazendo-a sentir-se tonta e fraca. Cass teve que se sentar na cama ao lado das coisas de sua tia.

Como Catherine podia ter ido? Se isto fosse apenas um sonho terrível, se ela apenas acordasse em casa, em Belford House, com tudo do mesmo modo que tinha sido antes de visualizar o colar.

Cass fechou seus olhos, de repente enjoada. E o que dizer de Tracey, que desapareceu, assim como Margarita?

E lá em sua mente, ela podia ver Isabel, muito claramente. E ela estava sorrindo. Com ódio, com maldade.

Cass odiou sua própria imaginação.

O eletricista morto e seu olhar atônito encheu sua mente.

— Maldita seja, Cass, — ela disse a si mesma em voz alta, — pare com isso! — Ninguém, ela decidiu, podia ser melhor em assustá-la do que ela mesma.

O diário estava lá, entre suas coisas. Cass olhou fixamente para o caderno desgastado encadernado em couro azul desbotado.

Ela o pegou.

Antonio não conheceu a verdade sobre seu pai. Estaria a verdade aqui, nestas páginas? Ela deveria esclarecer tudo?

Cass tremeu. Se existisse qualquer chance de algum tipo de amizade ou de uma relação muito mais profunda desenvolver-se entre eles, seguramente o conhecimento que Catherine atraiu seu pai para sua morte destruiria isto. Antonio nunca iria querer qualquer coisa com ela ou qualquer um de sua família, se esse fosse o caso. E ela não devia sentir-se da mesma forma, dado tudo que tinha acontecido?

E então, lentamente, ela olhou para cima.

A tampa em seu laptop estava fechada. Mas a luz verde intermitente em um dos indicadores significava que o aparelho estava ligado.

O coração de Cass saltava violentamente, loucamente.

Ela soltou o diário.

Ela percebeu que o odor enjoativo de violetas tinha aumentado. Cass não podia se mover. Ela não podia respirar. O odor a cercou, tornando difícil de respirar. Ela pensou que ela poderia começar a sufocar, apenas do mesmo modo que sua tia.

Cass finalmente olhou ao redor do quarto. Estava cheio de sombras inconstantes, e não era mais um lugar onde ela queria estar. Então olhou para seu laptop, e ela olhou para a luz verde brilhante. Uma voz pequena dentro de si disse a ela que iria ter que levantar e abrir o aparelho.

Ela temia fazê-lo.

Então ela olhou cautelosamente para a porta. Ela tinha acabado de ouvir alguém parando lá? Seu coração estava batendo com força irregular.

— Antonio? — Sua voz terminou como um ininteligível coaxar. — Antonio? — Ela tentou novamente.

Não houve nenhuma resposta.

Cass agarrou a cama. Alguém estava lá fora, ela estava certa disso; ela sabia disso com todo seu ser, com todo o seu coração.

O assassino?

Pare com isto! Cass gritou silenciosamente para si mesma. Abruptamente ela levantou e correu para o laptop, abrindo-o. Ela exclamou.

O prompt do DOS estava piscando, apontando para três palavras.

ELES ME TRAÍRAM.

Cass inalou, tomada por tremores convulsivos, dando um passo para trás, para longe.

ELES ME TRAÍRAM.

Não. Era impossível. Isto era uma piada, uma piada terrível, e quando Cass descobrisse quem era o brincalhão, ela mesma cometeria um assassinato.

Assassinato. De repente passou pela sua mente que Tracey poderia estar morta.

— Não. — Ela sussurrou, afastando-se do laptop ainda com sua inconfundível e impossível mensagem, lentamente girando ao redor em um círculo de 360 graus. As sombras pareceram dançar ao redor dela, olhando de soslaio. Mas ela estava só.

O olhar de Cass oscilava freneticamente para a porta.

A porta.

Ela tinha que a abrir.

Cass fechou seus olhos por um momento, inalando profundamente. Claro que ela tinha que a abrir. Porque ela tinha que dar o fora deste quarto. Mas e se ela estava certa? E se alguém estava de pé lá no outro lado da porta?

O assassino podia estar lá.

Era Gregory?

Cass se esforçou para ouvir enquanto o suor escorria em seus olhos. Mas tudo que ela podia ouvir era sua própria respiração ofegante, seus próprios batimentos ensurdecedores. Droga! Droga! Droga!

Vá para a porta.

As palavras apareceram vivamente, poderosamente, em sua mente. Cass hesitou. Porque ela soube que algo terrível aconteceria se ela abrisse aquela porta.

E então ela ouviu, e não existia dúvida quanto ao som, unhas arranhando a parte de fora de sua porta.

Era um convite e ela sabia disso.

Cass se agitou. Vá para a porta, ela disse a si mesma silenciosamente. E uma voz ecoou dentro de sua cabeça. Não era a sua própria.

Vá para a porta.

De repente Cass se moveu, recusando-se a pensar sobre as consequências, seu cérebro muito paralisado de medo para fazê-lo. E ela abriu a porta.

Isabel ficou lá, encarando-a, séria, e desta vez, desta vez, ela não desapareceu.


Capítulo Dezesseis

Londres – 17 de abril de 1554

A convocação veio uma semana atrás, e tinha sido tão urgente que quase não houve tempo para se preparar. Isabel pensou que Sussex nunca iria levá-la à corte, onde ele era um membro do conselho da Rainha Mary. Mas estava errada.

Certamente ela logo veria Rob.

Suas cartas tinham cessado bem mais que um ano atrás.

— Ponte de Londres, minhas senhoras. — Um dos soldados de Sussex cavalgava sobre a liteira que levava Isabel e Helen, interrompendo seus pensamentos.

Isabel apertou seu pequeno spaniel preto e branco, Zeus, que continuou lambendo suas mãos. Eles estavam realmente lá, com Londres do outro lado da ponte. Ela inalou. Não existia nenhuma explicação para a convocação do seu tio, mas ela podia imaginar por que ele finalmente decretou isto. De alguma maneira ele recordou de sua própria existência, e tinha a intenção de organizar um casamento para ela. Isabel temia a perspectiva.

Ela não podia, não entendia por que Rob tinha deixado de escrever para ela. No princípio, quando eles tinham sido previamente recusados por Sussex, as cartas de Rob tinham sido tanto frequentes quanto longas, cheias com a narrativa de suas aventuras na Escócia, França e Flanders. Suas cartas a fizeram sorrir, dar risada, e finalmente chorar, especialmente aquela em que ele havia compartilhado as boas novidades de sua nomeação por Dudley para servir o lorde chanceler. Claro que, com a morte do Rei Edward e a queda de Jane Grey, Dudley tinha sido julgado por traição e decapitado; agora a Rainha Mary estava no trono. Seu tio juntou-se a insurreição popular em seu apoio em Framlingham no último julho, poucos dias antes de sua coroação, como o fizeram muitos outros nobres. Isabel ponderou que se seu tio agora servia a rainha, Rob o fez, também.

Isabel estava tremendo, pois, a excitação de ver ambos, Londres e Rob, finalmente, mais uma vez, era tão esmagadora que ela mal podia respirar.

— A que distância nós estamos de Westminster, Sir Thomas?

— Uma boa hora, minha senhora, mas não se preocupe. Nossa jornada está quase concluída, e sem nenhuma inconveniência, eu poderia adicionar. — Ele sorriu para ela através de sua barba.

— E eu devo felizmente informar meu tio desse fato. — Isabel disse, sua mente correndo a frente. Ela podia ver a Torre de Londres através do Tamisa, a sua direita, como também a Torre Bridge. Barcaças e galés e pequenos barcos pesqueiros28 encheram o rio. Ela estava com os olhos arregalados. Não havia nenhuma dúvida, Isabel pensou, que ela era um rato do campo. Londres com suas ruas lotadas, estreitas, cheias com cavaleiros, carroceiros, charretes, e outras liteiras, com cavalheiros e seus servos, com nobres, clérigos, camponeses da periferia da cidade, aprendizes, mendigos, e vagabundos, era o espetáculo mais excitante que ela já tinha visto. Não importa o mau cheiro, ela teve que manter seu pomander29 próximo de seu nariz, e não importa o ruído de rodas, o barulho de cascos, os gritos e clamores de mendigos e bandidos.

Isabel amou Londres. Tinha sido amor à primeira vista. Ela nunca queria ir para casa.

À frente dela, dois cavalheiros estavam envolvidos em uma luta deselegante de socos. Os soldados à frente de sua comitiva xingaram e gritaram furiosamente com os cavaleiros, carros, e pedestres em seu caminho, abrindo um caminho para ela, às vezes com as pontas de suas espadas.

— Eis a Torre, Helen, olhe. — Isabel disse, agarrando a mão de Helen. Zeus começou a abanar seu rabo. Seus olhos esbugalhados eram escuros e brilhantes.

— Eu não tinha pensado ver esta vista novamente. — Helen disse com um sorriso leve, seguindo o olhar de Isabel.

Isabel sabia bem o suficiente o papel da Torre no governo, e ela estremeceu e desviou o olhar.

— E aquela deve ser Saint Paul! — Ela exclamou, apontando para sua esquerda. Os pináculos da catedral eram gloriosos, majestosos, a visão mais grandiosa que Isabel já viu. Seu coração estava batendo mais que poderosamente. Ela teria permissão para permanecer na cidade por algum tempo? Oh, mas ela imploraria de joelhos a seu tio para ficar em Londres, imaginando que o verão logo chegaria. Isabel tinha ouvido dizer que todo o nobre e alta burguesia deixavam Londres no verão, mas Isabel sabia que ela desejaria permanecer.

E neste verão a rainha estava para se casar com Philip, o filho e herdeiro do imperador. Isabel tremeu com a ideia, como ela adoraria assistir ao casamento!

A imagem bonita de Rob veio a sua mente novamente, e o coração de Isabel deu uma guinada. Ela tinha ensaiado o que diria a ele toda essa jornada. Mas seguramente, uma vez que eles estivessem cara a cara, não haveria necessidade de qualquer fala ensaiada. Seguramente, uma vez que eles se encontrassem novamente, tudo estaria bem, como antes. Isabel abraçou seu cachorrinho, esfregando sua bochecha em seu pelo longo.

— Realmente, aquela é Saint Paul, e a Torre está na nossa direita. — Sir Thomas estava sorrindo para ela. — Você se importaria de ir além da Torre, minha senhora, para um olhar mais de perto?

Isabel encarou-o. Ela poderia ser um rato do campo, mas ela não era nenhuma boba. A Torre era onde os prisioneiros políticos mais poderosos do país eram encarcerados. Frequentemente, aqueles que foram mantidos lá acabavam sem suas cabeças.

— Quem está na Torre agora? — Ela respirou, quase com medo de saber.

— Sir Thomas Wyatt foi executado na semana passada, como você já deve saber, mas o velho bispo de Worcester, John Hooper permanece dentro — Sir Thomas disse a ela.

Wyatt chefiou uma grande rebelião contra a rainha, indo tão longe para entrar em Londres com suas forças. Claro, no fim ele tinha sido derrotado e preso. Isabel estava cheia de tensão.

— Um bispo na Torre? E quais são seus crimes, Sir Thomas? — Ela pensou que o nome soou vagamente familiar, mas não podia posicioná-lo.

— Heresia, claro. Ele se recusa a desistir de suas doutrinas malignas e corruptas e confessar-se um filho fiel do papa.

— Entendo. — Isabel disse devagar.

Sua mente girava. Ela estava ciente que sua rainha era uma católica devota, e ela estava certamente ciente de que muitos dos aldeãos próximos de Stonehill, e até alguns de sua própria casa, agora assistiam a missa. Ela mesma nunca tinha pensado duas vezes antes de continuar a adorar na maneira em que ela tinha sido criada. Ela se surpreendeu quando Helen alcançou e tomou sua mão, apertando-a em advertência.

As coisas não eram as mesmas em Londres, Isabel percebeu então.

— Deus abençoe a Rainha Mary. — Helen falou com firmeza. — Para salvar este país e todas as boas pessoas nele de tal heresia grave como temos sido obrigados a suportar. — Ela assentiu com a cabeça enfaticamente.

Isabel piscou para sua companheira, que era uma Calvinista devota.

— Amém. — Sir Thomas disse. — Vamos fazer um pequeno desvio. Embora eles tenham esquartejado Wyatt abaixo da Torre Hill para distribuir seu cadáver entre os rebeldes como uma advertência, suficientes pecadores balançam no topo da colina, e é uma grande visão, eu asseguro a você.

— Eles não removem os cadáveres? — Isabel perguntou, chocada.

— Esta é uma lição para todos sobre os males da heresia, milady. Uma advertência para não desviar do caminho do verdadeiro Deus.

— Sir Thomas, não há necessidade de ir além da colina. — Isabel disse, forçando um sorriso. — Eu estou sobrecarregada com tudo o que vimos e com tudo o que falamos.

— Muito bem. — Ele se curvou na sela. — Em seguida, para Westminster, milady.

Isabel não podia evitar pensar em Rob e ela mordeu seu lábio.

— Obrigado, Sir Thomas — ela disse.

Sir Thomas e dois de seus homens as levaram pelas multidões de bajuladores numa antecâmara após outra. Sussex estava em conferência e não podia atendê-los; elas seriam escoltadas ao quarto de Isabel. Isabel estava atordoada. Nunca tinha visto tantos e tantos nobres em um lugar, de uma só vez. Ela mal podia absorver a visão de Westminster propriamente, com suas paredes de pedra e tetos cupulados altos, com seus quartos e janelas de numerosos vidros coloridos, muito menos a visão de tanto veludo, renda, e elegante cetim. Joias relampejavam em todos os lugares. Isabel vislumbrou anéis, correntes e pendentes, rubis e esmeraldas e safiras, babados e laços e bordados, e peles. Coelho, esquilo, raposa, vison, e zibelina30 forrando capas e casacos. Sua cabeça parecia que estava girando. O ar era demais morno, muito sufocante, e o odor de corpos encheu cada quarto. Então seu confuso olhar foi de pescoços adornados até bocas em movimento, de braguilhas exageradas até seios arfantes, de tapeçarias até pinturas para pilares e colunas gigantes, perguntou-se se ela poderia desfalecer.

Ela estava aliviada por não encontrar seu tio imediatamente.

Em um andar superior, a milhas dos corredores lotados abaixo, parecia que uma porta foi aberta para uma câmara pequena com uma janela, uma cama de dossel, e um pequeno estrado para Helen. Existia uma lareira em uma parede, mas nenhum fogo dentro, e uma escrivaninha pequena em um canto do quarto. Não existia nenhum outro móvel, nem mesmo uma cadeira, nem mesmo um único tapete.

Helen olhou ao redor, enquanto Zeus, acomodado por um empregado, avidamente começou a explorar.

— Nós organizaremos os móveis. — Ela anunciou.

Isabel se aproximou da janela e sorriu. Londres estava esparramada em todo o horizonte, e diretamente abaixo, ela viu uma série de jardins pequenos.

— Obrigado, Sir Thomas. — Helen disse, fechando a porta.

Isabel sentiu vontade de dançar erguendo suas saias; e ela fez exatamente isto. Seu spaniel veio correndo para ela, pulando e atacando seus pés.

— Isto não é glorioso, Helen?

Helen não respondeu, e Isabel parou de girar, percebendo que Helen havia encontrado uma carta sobre a escrivaninha.

— É para você, minha senhora.

Isabel já havia reconhecido o selo de cera do seu tio na Missiva. Seu coração afundou. Imediatamente ela pegou seu filhote de cachorro, apertando-o tão firmemente que ele começou a mexer em protesto.

— Por que você demora? — Helen ralhou, retirando Zeus de seus braços.

Isabel tomou a Missiva, e lentamente ela quebrou o selo e a abriu. Ela esquadrinhou a página, seu coração balançando desagradavelmente, e finalmente ela cuidadosamente tornou a dobrá-la.

— Bem? Você parece transtornada. O que acontece?

Isabel olhou fixamente.

— Ele me encontrou um pretendente, e eu devo me preparar enquanto nós conversamos para que eu possa recebê-lo.

Isabel se preparou para seu convidado com cuidado desesperado. Primeiro ela enviou Helen em uma incumbência que levaria o dia todo. Ela então rapidamente encharcou suas saias em urina roubada de vários penicos de quartos adjacentes. Ela enegreceu dois de seus dentes com chumbo, e subornou outra empregada de serviço para trazer suas claras de ovo, que ela se misturou com alume31 para listrar de branco seu cabelo vermelho ouro vivo. O toque final foi pegar um punhado de cerejas, finamente moídas, e lavar seu rosto com elas. O efeito foi manchar sua rara pele clara e com aparência de porcelana.

Isabel estava frenética. Seguramente este estratagema daria certo. Mas e se Sussex já havia descoberto isto? A mera noção a aterrorizava.

O empregado do seu tio a escoltou até uma antecâmara em precisamente quatro horas. O estômago da Isabel estava em nós, suas têmporas pulsavam, e ela permaneceu ansiosa e com medo. O cavalheiro desistiu de qualquer tentativa de conversação, ao invés segurando seu pomander em seu nariz. Ele abriu a porta.

— Lorde Montgomery, milady — ele disse.

Isabel não olhou para dentro.

— Meu tio estará juntando-se a nós? — Ela perguntou.

— O conde pretende falar com você hoje à noite depois do entretenimento noturno — o homem respondeu. Ele curvou-se e partiu.

Isabel respirou fundo, tomando coragem. Então ela entrou no pequeno, mas agradável quarto indicado.

Ela já sabia que Douglas Montgomery era o segundo filho e mais jovem de um barão, mas como seu irmão mais velho estava doente, seu tio a informou que existia pouca dúvida que ele iria um dia, mais cedo que mais tarde, herdar as terras e o título do seu pai. Ele era um viúvo com duas crianças, ela fora informada, e ele também era um amigo pessoal do seu tio, o que significava que eles eram aliados nesta terra de constantes mudanças de ventos políticos e alianças.

Ele estava de costas para Isabel quando ela entrou na câmara, e quando ele se virou, Isabel vacilou. Ela estava esperando que Montgomery fosse ser mais velho, se não deficiente em outros atributos físicos. Mas ele era alto e de ombros largos e ele dificilmente tinha chegado aos trinta. Seu cabelo era preto como um corvo e seus olhos azuis e penetrantes. Para um momento, quando seus olhares se encontraram, Isabel ficou atordoada por sua juventude e sua aparência.

E naquele momento, seus olhos se arregalaram em choque quando ele olhou para ela. Uma pequena voz atravessou sua cabeça, e lhe disse que ela fosse lá para cima, desfazer seu disfarce, e ser ela mesma com este homem. Imediatamente Isabel desligou esse tão terrível pensamento desleal, e cabeçudo, pois ela logo estaria reunida com Rob.

Montgomery recuperou-se. Ele adiantou-se a passos largos, seu rosto uma máscara que ela não podia ler. Ele curvou-se.

— Lady de Warenne. Seu tio exalta suas qualidades, e eu estou honrado que você me receba.

Mesmo quando ela se agarrou a sua determinação, Isabel se achou confusa, dividida, e menosprezando o que ela estava fazendo. Ela se curvou em retorno.

— Meu tio me elogia demais, eu penso. Bom dia, milorde.

Ele endireitou, como fez ela, e seus olhos se encontraram. Seus olhos eram de um azul mais profundo, mais escuros que os de Rob.

— Eu acredito que sua viagem foi segura?

— Sim, foi, muito obrigado, milorde. — Ele continuou a tentar segurar seu olhar e ela continuou a tentar evitá-lo.

Ele agora estava segurando seu lenço um pouco discretamente em seu nariz.

— Isto é uma bênção, então. — Seu sorriso foi breve.

Isabel teve que encará-lo. Ele estava lá, apesar de seu odor, que era, ela pensou, muito pior que sua aparência, e tentou uma conversação agradável com ela. Como podia ser isto? Seu coração estava naufragando rapidamente.

— Você tem estado na corte por muito tempo, milorde?

— Eu só cheguei há dois dias atrás. Eu raramente venho à Londres, milady, embora eu mantenha uma casa não muito longe daqui.

Isabel podia compreendê-lo. Ele veio para cidade só para encontrá-la na esperança de achar uma nova esposa.

— Esta é minha primeira visita aqui, e eu estou muito contente. — Ela sorriu. — Não existe locais tão interessantes no Condado de Sussex.

Ele arregalou os olhos, seu olhar se tornou avaliador.

Isabel se sentiu mais desconfortável.

Finalmente ele disse.

— Eu confesso que estou confuso, milady. Os rumores de sua beleza precederam você. Eu esperei me encontrar com uma mulher jovem de dezenove anos, com cabelo de ouro vermelho surpreendente e uma aparência impecável. Raramente eu pude encontrar um rumor que seja tão... infundado.

Isabel se sentiu ruborizar.

— Claramente, milorde, eu não sou nenhuma beleza, e eu sinto muito que você foi enganado. Mas rumor é só isto, não é?

— Eu não pretendi insultar você — ele disse depressa, realmente tocando sua mão. — Você tem estado doente recentemente?

Ela tremeu, afastando-se.

— Você não me insultou. Eu possuo um espelho. Claro, eu não me preocupei em usá-lo. — Ela não podia mais olhar para ele agora. — Eu raramente fico doente.

Um silêncio caiu. Ela olhou para ele de relance e viu que ele pareceria dividido. A própria confusão dela retornou. Por que ela estava enganando este homem, que não era só bonito, mas que parecia forte de espírito e maneiras?

— Lady Isabel... — Ele suspirou. — Eu posso acompanhar você no jantar hoje à noite? O prazer seria meu.

Isabel não podia acreditar em seus ouvidos.

— Milorde, eu tive um dia cansativo, e eu temo que esteja indisposta. Nós poderíamos continuar esta conversação outra hora? — Ela já estava correndo para a porta. — Eu imploro seu perdão, sir. — Isabel exclamou.

E ela não parou para ouvir sua resposta, mas sabia que ele ficou olhando fixamente para ela, em surpresa e consternação.

Isabel fugiu para seu quarto.

— O que é isto? Como você pode estar dessa maneira horrorosa e suja? — Helen gritou.

Isabel se sobressaltou, não percebendo que Helen estava presente, não tendo esperado sua volta por horas.

— Deus querido do Céu, o que você fez? — Helen ofegou.

Isabel depressa agarrou Zeus, que não ficou ofendido por seu odor ou sua aparência. Ele lambeu seu pescoço, contorcendo-se em seus braços.

— Eu não compreendo você. — Helen continuou a balbuciar. — Este truque, é para afugentar seu pretendente enquanto você me mandou para o mercado fazendo papel de boba!

Isabel não conseguia pensar em uma resposta. Ela estava ainda se recuperando de seu encontro com Montgomery. Por que ele pareceu consternado quando ela correu do quarto? Certamente ele tinha se sentido aliviado.

— Espere só o que vai acontecer quando o conde ouvir sobre esta sua maior transgressão! — Helen disse, as mãos em seus quadris estreitos ossudos agora. — Você não vai escapar impunemente, milady, eu asseguro-lhe isto.

— O quão leal você é. — Isabel suavemente disse.

— Eu sou leal, mais do que você jamais saberá. Eu cuidei de você desde que você tinha oito anos de idade, e eu quero só o melhor para você, Isabel. — Helen discordou severamente.

— Você tem uma boa maneira de mostrar isso. — Isabel disse, acariciando a pele sedosa de Zeus, imagens de Rob, e Montgomery, dançando em sua cabeça.

Nunca antes ela se arrependeu de entregar-se a Rob. Tinha sido a noite mais gloriosa de sua vida. Como ela podia arrepender-se agora?

Os olhos azuis intensos de Montgomery, destacados em seu rosto impressionante, enchiam sua mente.

Isabel cerrou seus olhos firmemente fechados. Ela jurou esperar por Rob, e ela teria que esperar. Ela não lamentava nada. Ela amava Rob, com todo o seu coração, sim, com toda a sua alma. Mas... se Montgomery fosse menos gentil, menos inteligente, e menos notável em sua aparência. Se ele apenas fosse baixo, gordo, e calvo, com dentes podres que caem fora de sua cabeça!

Helen estava sombria.

— Eu não entendo você. Vejo o propósito teimoso em seus olhos. Ouça-me bem, Isabel. Seu tio claramente chamou você aqui a fim de encontrar-lhe um marido. Seu cérebro está estragado? — Ela pareceu brava. — Eu sei que você não é devota, pois se você pensasse em casar com Deus, eu entenderia. Você deve casar e ter filhos, Isabel. Esta é a razão porque Deus lhe deu a vida, e a poupou quando sua família morreu.

— Você não sabe nada da vontade de Deus. — Isabel disse sem rodeios. E ela estava brava que Helen se atreveu a adivinhar a vontade de Deus e falar de sua família na mesma respiração.

— Lady Isabel. — Helen se empertigou. — Eu sugiro que você tome banho neste instante e vista-se apropriadamente, e junte-se a sua senhoria no andar de baixo com o resto da corte para a ceia e dançar.

Isabel encarou.

— Diga a sua senhoria que eu estou indisposta, e eu não posso juntar-me a ele hoje à noite.

Helen fez um som de incredulidade e virou-se e saiu do quarto.

Isabel se sentou na cama, desesperada. Agora ela estava desafiando abertamente seu tio mais uma vez. Mas ela não teve nenhuma escolha, caso contrário Montgomery poderia vislumbrá-la como ela verdadeiramente era. Nada de bom, ela pensou, podia resultar desse engano. E ela tinha medo.

Mas talvez ela estivesse errada. No dia seguinte e foi informada que Montgomery não pretendia continuar seu processo de compromisso, e que ele deixou a corte indo para sua casa no norte da Inglaterra. E Isabel não podia deixar de sentir um breve momento afiado de remorso.

Sussex convocou-a, não no dia seguinte, mas quatro dias mais tarde ao meio-dia.

— Uma advertência, Isabel. — Helen sussurrou para ela enquanto elas se apressavam pelos muitos corredores da corte.

A tensão de Isabel, já alta, aumentou. Ela estava temerosa deste encontro, estava bastante certa que seu castigo para a decepção de Montgomery seria forte e brutal. Sussex era conhecido por ser um homem de pouca tolerância; ele recompensou seus aliados generosamente e puniu seus inimigos severamente. Ele nunca tinha sido conhecido por perdoar uma traição. Isabel rezou para que ele a amasse um pouco, e que ele poderia mostrar a clemência que ele não mostrou aos outros que perderam seu favor.

— Eu não informei seu tio de sua deslealdade.

Isabel parou. Ela olhou fixamente, atordoada.

— Mas...

— O ato foi feito e não havia como desfazê-lo. Eu não vi nenhuma razão para você sofrer, enquanto eu tenho toda esperança que você percebeu o erro de seus atos, e pode em breve sofrer o suficiente como é.

Isabel permaneceu atordoada, e ela não respondeu. Helen não a traiu.

— Espero que isso nunca aconteça novamente. — Helen disse, em voz baixa.

Isabel hesitou, então assentiu rapidamente. Ela lidaria com o próximo pretendente quando chegasse a hora, e nem um momento mais cedo. Mas Deus querido, por agora ela foi poupada da vara, se não do exílio de volta para Stonehill.

— Bom. — Helen disse firmemente.

Elas estavam seguindo Sir Thomas. Isabel de repente foi detida por uma mão em seu ombro. Ela endureceu em surpresa e virou.

Familiares, amados olhos azuis encontraram os dela.

Isabel sentiu sua própria boca aberta, enquanto seu coração saltava descontroladamente. Rob!

— Isabel? — Robert de Warenne perguntou incrédulo.

Imediatamente, calor inundando suas bochechas, Isabel fez uma reverência. O barulho da sala lotada desapareceu, estava agora absolutamente silenciosa, e tudo que ela podia ouvir era seu próprio coração trovejando e sua própria respiração rápida. Ela esqueceu todo mundo, todo o resto. Rob. Ele estava aqui. Finalmente, após estes anos.

— Por favor, suba. — Rob disse, e então suas mãos estavam em baixo de seus cotovelos e ele a estava erguendo em seus pés.

E Isabel absorveu todas as suas características amadas, notando todas as mudanças, e tudo que era muito dolorosamente familiar. Ele amadureceu. Sua mandíbula endureceu, seu nariz era mais direto agora, mais cheio. Existiam linhas nos cantos de seus deslumbrantes olhos azuis. De fato, ele estava muito mais impressionante que ele tinha sido como um jovem de vinte, porque ele era um homem adulto.

Ele também estava boquiaberto.

— Mal posso acreditar neste encontro. — Ele finalmente exclamou. — Isabel, como você está linda.

E Isabel encontrou seu olhar novamente e sentiu lágrimas vindo para seus olhos. Ela pôde ver em sua expressão tudo que ela precisava ver.

— Rob. — Ela parou. E sorrindo. — Oi.

Ele sorriu então, pela primeira vez, seus dentes tinham permanecido brancos e uniformes.

— Milady. — Ele disse, e soltou seus cotovelos para se curvar. — Você é uma visão, Isabel. — Sua mandíbula flexionou então e ele tocou em seu tórax. — Meu coração bate como se eu estivesse no meio de uma batalha.

Foi quando Isabel percebeu o quão finamente ele estava vestido. Seu gibão era de veludo dourado. Punhos de renda francesas derramando de suas mangas. Sua mangueira32 também era dourada, mas de cetim. Seu punhal era adornado. Um pingente enorme estava em seu tórax, suspenso por uma grossa corrente de ouro; era ou um rubi ou granada. Isabel notou que ele usava dois anéis, uma safira e uma pedra preciosa verde pálido que poderia ser jade. E havia um emblema em sua manga esquerda. Isabel reconheceu que pertencia a rainha.

— Rob, nós temos tanto para conversar. — Isabel conseguiu dizer, pensando que ele fez muito bem por si mesmo, realmente. E ela estava muito feliz por ele, por ambos. Não tinha sido sua falta de recursos a questão que estava entre o caminho dos dois? Seguramente Sussex mudaria de ideia sobre sua partida agora.

— Realmente precisamos. — Ele disse, e de repente estava tomando sua mão.

Uma tosse soou atrás deles. Isabel de repente lembrou-se que Helen estava lá, escutando cada palavra, Sir Thomas atrás dela. O medo a encheu à medida que ela congelou, e seu olhar voou para Rob. Ela girou.

— Helen, eu desejo que você conheça meu primo, Sir Robert de Warenne. Lady Helen Courtney, Sir Robert.

Robert curvou-se; Isabel percebeu quanto o olhar de Helen era penetrante e direto. Seu coração apertou, Helen não era nenhuma boba.

— Eu estou mais do que feliz em conhecê-la. — Robert disse, sorrindo para Helen. Então, para Isabel. — É Almirante de Warenne agora, milady.

Isabel quase ofegou em voz alta com surpresa e prazer, mas ela conseguiu abafar o som.

— Você subiu na vida, Rob.

— Sim, eu o fiz. A rainha me recompensou pessoalmente por minha defesa de Ludgate contra o traidor Sir Wyatt. — Seus olhos encontraram os dela e eles estavam cintilantes.

— Almirante de Warenne. — Isabel respirou, amando o som de seu título em seus lábios.

— Então você lutou contra as forças rebeldes? — Helen perguntou friamente.

Isabel olhou para sua expressão contrita e teve medo que ela suspeitasse de tudo.

— Realmente eu lutei, como o fizeram muitos outros dos seguidores leais da rainha. — Rob voltou-se para Isabel, seu braço estendido. — Eu tenho negócios com o conselho, mas isso pode esperar. Vamos caminhar nos jardins, pois temos tanto para dizer. Eu estou certo que você não se importa, Lady Helen?

Helen não estava fazendo um bom trabalho de sua desaprovação.

— Lady Isabel foi chamada para se encontrar com seu tio, o conde de Sussex. Nós não devemos fazê-lo esperar.

— Seu tio, meu primo, não retornará dos negócios com a rainha até muito mais tarde no dia. — Rob disse com um sorriso rápido. — Estará esperando aqui por várias horas, isso eu posso assegurar a você. Thomas, eu entregarei sua carga com segurança de volta para o conde. Venha, Isabel — ele disse, não dando a Helen outra chance de interferir enquanto Sir Thomas, que claramente reconheceu Rob, movimentava a cabeça com deferência.

Rob conhecia bem os caminhos pelos corredores e salas da residência real, Isabel percebeu. Ela permaneceu atordoada enquanto eles se apressavam longe dos quartos lotados perto das salas de recepção da rainha. Ela teve que se reassegurar de vez em quando que era realmente ele; ela roubava um olhar rápido de seu perfil perfeito e seu coração parecia estourar de felicidade. E ele olhava para ela também, ela sabia, quando virava sua cabeça.

A luz solar derramava-se no vasto corredor em que eles entraram. Só alguns cortesãos estavam de passagem, e adiante, além das colunas volumosas sustentando o teto alto, abobadado, Isabel viu um pequeno jardim cheio de flores e árvores.

E ela também viu um homem de estatura mediana de pé com seu ombro apoiado em uma coluna, olhando um pouco melancolicamente para fora.

Os passos largos do Rob diminuíram a velocidade quando eles o abordaram.

— Don Alvarado — ele disse firmemente. — Bom dia para você, milorde.

O homem, um espanhol, virou-se. Isabel nunca tinha visto tanta elegância ou tais joias, e ele fez o resto dos cortesãos parecem pobres em comparação com seu esplendor. Ele curvou-se.

— Almirante de Warenne, bom dia. — Seu sotaque era pesado, e difícil de entender. Seu olhar caiu sobre Isabel.

— Eu posso ajudá-lo, milorde? — Rob perguntou com deferência. Então, em francês. — Je voudrais vous aider, s’il vous plait33?

— Je suis bien, merci34. — Don Alvarado estava olhando para Isabel novamente.

— Oh, perdoe-me, eu falhei em meus modos. — Rob disse. — Pardonnez moi35. — Rob voltou-se para Isabel. — Alvarado de La Barca, el conde de Pedraza, um enviado de Príncipe Philip, rei da Espanha, herdeiro do imperador, esposo amado de nossa rainha.

Isabel fez uma reverência, não gostando realmente do olhar fixo do conde e desejando nada mais do que estar sozinha com Rob.

— Estou muito feliz em conhecê-lo, milorde — ela disse em francês, depois que Rob a apresentou.

Eles trocaram algumas palavras, o conde não deu um sorriso, seu olhar extremamente intenso, até que Rob pediu suas desculpas e se apressou a afastá-los.

— Foi um escândalo. — Rob observou. — Em todos estes meses desde que o tratado de casamento foi assinado, não havia uma carta ou um único presente de Philip para a rainha até que Don Alvarado chegou alguns dias atrás.

Os olhos arregalados de Isabel procuraram seu rosto bronzeado.

— Que comportamento rude e deselegante — ela disse. — Pobre rainha! — Mas sua pulsação estava correndo e ela não estava pensando em Mary Tudor.

— Todos nós concordamos com isto. — Rob disse, um pouco triste. — Era quase um insulto, porém — e sua expressão se iluminou— o conde trouxe tais presentes, eu não posso nem começar a descrevê-los. Os vestidos e peles e joias, a rainha chorou na frente de seus senhores e senhoras, Isabel, com prazer e com alegria.

— Oh, eu estou feliz. — Isabel disse, assim que eles entraram em um pequeno jardim, sombreado. Ela só agora estava ciente disto. Deus querido, eles estavam juntos, e eles estavam sozinhos.

De repente ele estava olhando fixamente para ela, sério. Isabel ficou paralisada, e toda pergunta que ela desejou fazer, toda declaração que desejasse fazer, desapareceu. Existia só a expectativa e a súbita e familiar tensão de seu corpo, e sua respiração acelerada.

— Oh, Rob — ela se ouviu dizer.

Tomou suas mãos firmemente nas dele e ele as segurou junto a seu peito. Mesmo através do gibão que usava, com a camisa por baixo, ela podia sentir as fortes batidas do seu coração.

— Este dia é mais que surpreendente — ele sussurrou com voz rouca. E então ele ergueu suas mãos para sua boca e beijou as pontas de cada dedo.

As lágrimas encheram os olhos de Isabel, porque seus beijos eram tão ternos e tão gentis, tão cheios com a declaração implícita de seu amor.

— Rob. — Ela sussurrou, piscando de volta as lágrimas, querendo perguntar a ele o que aconteceu, por que ela não tinha ouvido falar dele, mas seu olhar continuava vagando de seus olhos azuis para sua boca firme e masculina.

— Eu estou, novamente, arruinado. — Ele disse asperamente, e seus olhos se encontraram com os dela.

Isabel percebeu o que ele iria fazer antes dele a puxar em seus braços, antes que sua boca macia tocasse suavemente a dela. E quando ela afundou em seu abraço, ela soube que estava em casa, finalmente, ela soube que não havia nenhum erro, nenhuma ilusão, e reconheceu que ela iria amar completamente esse homem até o dia de sua morte.

E então suas bocas se fundiram com uma fome alimentada por quatro anos de separação. Seus lábios se separaram, suas línguas se encontraram.

Eles se separaram, olhos arregalados e atordoados, e Isabel percebeu que ela estava sorrindo e chorando exatamente ao mesmo tempo. Nada mudou afinal.

— Eu machuquei você! — Ele exclamou, espantado, tentando enxugar as lágrimas de suas bochechas com seus polegares.

— Como você pode me machucar quando eu te amo tanto? — Isabel perguntou, ainda sorridente. Ele congelou.

Isabel parou de sorrir. Algo estava errado. Estava escrito por toda parte de seu semblante, estava escrito lá em seus olhos espantados.

— Rob?

Ele molhou seus lábios.

— Isabel. — Ele falou seu nome com grande precaução. — Você não sabe?

O coração de Isabel começou a bater e martelar.

— Eu não sei o que, Rob?

Ele olhou fixamente, como se fosse incapaz de responder.

— Rob! O que é que eu devo saber? — Ela gritou, uma demanda assustada. — Certamente não há nada de errado entre nós?

Rob inalou ruidosamente, soltou suas mãos, e girou de costas para ela. Seus punhos em seus quadris. Sua posição era rígida, suas coxas posicionadas separadamente.

Ela sentiu seu coração como se estivesse iniciando uma descida infernal.

— Rob. Você me assusta. — Ela caminhou ao redor dele para enfrentá-lo e viu que ele havia empalidecido. — Você verdadeiramente me assusta!

— Eu não quero assustar você. Mas parece que eu esqueci que você viveu em Stonehill todos estes anos. — Ele não encontrou seus olhos agora. — Certamente, mesmo lá, você recebe notícias dos acontecimentos na corte?

— Às vezes. — Isabel disse devagar, ofegante, com medo. — O que aconteceu?

— Um ano atrás eu me casei com Lady Anne Hammond, uma viúva e uma herdeira.

Isabel encarou, pensando se ela havia ouvido mal.

— O que?

Ele não tornou a repetir, e não queria olhá-la nos olhos.

Um ano atrás eu me casei com Lady Anne Hammond...

Ela piscou, surpreendida ao perceber lágrimas arruinando sua visão.

— É uma brincadeira?

Ele deu uma olhada nela.

— Não, Isabel, eu dificilmente faria tal brincadeira.

Não era uma brincadeira. Ela permaneceu atordoada, em absoluta descrença. Um ano atrás ele se casou...

— Isabel. — Ele a agarrou, com um tom preocupado.

Isabel escapou de seus braços. Seu coração batia tão furiosamente agora que ela não conseguia respirar e ela ofegou por ar.

— Não! Não... Como se atreve... não! — Ela se afastou, compreensão absoluta iniciando, e com essa compreensão horrível veio uma sensação ainda pior, angústia absoluta, puro desgosto. Isabel sentiu como se ela fosse uma casa feita de madeira, a madeiras cortadas separadas, e com o colapso delas, o mundo sólido inteiro, uma vez sustentado pelo peso delas, veio trovejando ao chão. E as lágrimas começaram a cair.

— Oh, Deus! Eu nunca pretendi isto! — Rob exclamou. — Fazem muitos anos, Isabel, desde que nós éramos crianças tolas fazendo votos tolos!

Votos tolos, ela pensou, olhando para ele, e então ela se dobrou, dilacerada pela dor. Ela nunca sobreviveria a esta traição.

Ele tinha matado seus sonhos, e agora ele estava matando-a.


Capítulo Dezessete

Casa de Sueños – A terceira noite, 9 horas da noite

Cass estava congelada com choque, medo e pavor. Isabel não desapareceu. Ela não desapareceu ou evaporou. Ela ficou ali olhando Cass nos olhos. Ela não era uma invenção da imaginação, e Cass sabia disto.

E então Isabel sorriu. Não foi um sorriso gentil. Foi assustador.

Todos os pelos do corpo de Cass se arrepiaram, seu coração estava batendo contra as paredes de seu peito, ela se sentiu paralisada, mas de alguma maneira ela conseguiu falar. Suas palavras eram cruas e secas.

— O que? O que você quer? — Ela tinha que estar sonhando. Ela devia estar perdendo a cabeça. Isto não era real.

Isabel passou por ela.

Cass se moveu para observar a mulher quando ela parou no meio do quarto, não longe da mesa onde o laptop de Cass estava. Ela estava de costas para Cass. Os olhos arregalados de Cass foram tomados pela compreensão, e à medida que o fez, Isabel desapareceu. O que foi deixado em seu lugar era a tela brilhante do computador com as três palavras escritas nela.

ELES ME TRAÍRAM.

Isabel quis que ela visse a mensagem novamente.

Cass virou-se e fugiu do quarto, nem mesmo pensando em pegar uma vela, e um momento mais tarde ela bateu em uma parede humana de carne. Ela gritou.

Antonio a sacudiu.

— Sou eu, Cassandra.

— Oh Deus! — Cass agarrou sua mão e o arrastou de volta para onde ele veio, mas mesmo enquanto eles escapavam da extensão do corredor, Antonio exigia saber o que estava errado. A mente de Cass estava revirando sobre o incidente incrível. Ela acabou de ser confrontada por uma mulher morta há 445 anos. Ela acabou de ter sido confrontada por um fantasma. Ela não sonhou isto, imaginou isto. O fantasma de Isabel não pareceu nem um pouco agradável.

E não havia como negar outro fato, Isabel se comunicou com ela.

Eles me traíram.

Isabel estava presente. E ela não era só uma forma de energia abstrata, ela possui inteligência, e esta experiência provou isto.

Inteligência, e vontade.

Inteligência, e o que mais?

Cass começou a se agitar. Quem traiu Isabel? E por que ela estava enviando para Cass sua perversa comunicação? O que isso significa? O que ela queria? Certamente ela queria alguma coisa!

Eles estavam no topo dos degraus. Antonio estava exigindo saber o que estava errado. Cass não tinha estado ciente dele a confrontando, ou mesmo que eles estivessem parados. Ele estava segurando Cass por ambos os braços. Ela piscou para ele quando ele gritou.

— Converse comigo! — Então ele exigiu. — Que diabos está acontecendo?

Cass não podia falar. Um fantasma com inteligência, um fantasma com força de vontade, um fantasma com planos?

— Onde estão as crianças? — Ela perguntou quando outra ideia terrível a atingiu. As paredes e corredores e portas e degraus não limitariam Isabel. Não havia como escapar dela, não se ela escolhesse o contrário.

E até agora mesmo ela podia estar no andar debaixo, caçando as crianças.

Fantasmas não apunhalam pessoas.

Como diabos Antonio poderia saber isto?

— Onde estão as crianças? — Cass gritou freneticamente.

Antonio a olhou fixamente.

— Na biblioteca. Com Gregory e Celia. Alfonso não está se sentindo bem, ele foi para a cama.

Cass piscou para ele, quase sem compreender.

— Antonio. Eu acabei de vê-la.

Ele se sobressaltou, os olhos arregalados.

— Tracey?

Cass de repente sentiu-se mal; ela havia momentaneamente esquecido por completo sua irmã desaparecida. E agora ela tinha medo que Isabel estivesse ligada ao desaparecimento de Tracey. Eles me traíram. Isabel queria vingança? Tia Catherine estava certa?

— Não. — Cass disse, sufocando, finalmente olhando para ele. — Eu vi Isabel.

Ele a encarou, ficando horrorizado.

E Cass viu a dúvida nos olhos dele. Ela agarrou sua camisa.

— Eu a vi. Nós estivemos cara a cara, eu não sei por quanto tempo. Mas antes de vê-la, meu laptop ligou sozinho. Eu fui até ele e o abri, e então, havia um aviso do DOS, com três palavras, Antonio. Três palavras. Eles me traíram.

Ele continuou a encarar.

— Você está escutando? — Ela gritou, querendo bater nele. — Ela se comunicou comigo através do meu laptop!

Ele colocou suas mãos em seus ombros.

— Eu quero acreditar em você — ele disse. — Eu quero. Mas Cassandra, fantasmas não digitam. De fato, em minha opinião, fantasmas não fazem nada mais do que pairar sobre qualquer edifício que eles estão assombrando.

Cass estava furiosa.

— Este fantasma faz muito mais que pairar, Antonio, este fantasma se comunica, este fantasma é inteligente, este fantasma quer algo!

A expressão dele mudou.

— Por que você está tão zangada? — Sua mão tocou em sua bochecha.

Cass endureceu, quase lançando sua mão longe. Ela estava mais que zangada, quase se sentia enfurecida e ela queria bater nele. Ela começou a lutar para manter-se calma. O que havia de errado com ela? Ela e Antonio eram amigos, e muito mais. Como ela podia estar tão zangada com ele, quase violentamente assim? Cass olhou fixamente para ele. E quando ela o fez, recordou como eles fizeram amor intensamente só algumas horas atrás.

E a lembrança de Tracey a atingindo, chutando-a, também veio a sua mente.

Cass não gostou disso.

— Cassandra? O que está acontecendo? — Antonio estava perguntando.

Cass realmente não o ouviu. E o eletricista tinha sido apunhalado, tia Catherine sufocou violentamente até a morte, e Eduardo tinha sofrido uma morte igualmente violenta. E que tal o avô do Antonio?

— Parece haver um padrão emergindo aqui, Antonio, um de violência e morte.

— Cassandra...

— Não! Seu pai, seu avô, minha tia, o eletricista! — Ela estava gritando. — Eles estão todos mortos e, eles foram todos assassinados de alguma maneira.

Ele a encarou.

— Não me diga que você pensa que Isabel está envolvida.

— Mas ela está aqui, comunicando-se comigo. — Cass disse. Ela deu uma olhada atrás dele, além do corredor escuro, de repente trêmula, e ela estava decidida. — Vamos! — Ela agarrou sua mão e o arrastou atrás dela, alongando seus passos. A náusea a encheu agora, acompanhada por medo.

— Tudo bem — ele disse, sua lanterna balançando em sua mão enquanto se apressava para ficar junto dela.

Na entrada de seu quarto, Cass parou. Mas Isabel não estava à vista, graças a Deus, e quando Cass cheirou o ar, ela percebeu que nenhum perfume havia permanecido. Ela se foi.

Antonio andou passando por ela, a luz no laptop brilhando. A tampa permaneceu aberta, o maldito lembrete de DOS, mas a mensagem tinha sumido.

Sumido.

Cass olhou fixamente com incredulidade.

— Cassandra — ele disse suavemente.

Ela soube o que ele iria dizer e ela voltou-se.

— Não! Eu não a imaginei, e eu não imaginei o que eu vi na tela! Você vai ter que acreditar em minha palavra, Antonio!

Ele não respondeu.

Cass se ouviu amaldiçoar. Então ela correu para a cama para pegar o diário, talvez existam respostas dentro disto, respostas que eles agora precisavam desesperadamente.

— Vamos sair daqui — ela disse.

Antonio permitiu que ela o precedesse para fora.

E Cass estava com tal pressa para partir que ela se esqueceu de desligar o computador.


— Eu já volto. — Gregory prometeu às duas crianças e Celia.

Dentro da biblioteca, que estava assustadoramente brilhante, com um fogo enorme rugido na lareira. Várias velas também tinham sido acesas e colocadas sobre o cômodo. Eduardo e Alyssa estavam sentados em seus cobertores, Eduardo lendo uma história em voz alta. Ambas as crianças se olharam, alarmadas.

Celia se sentou embrulhada em cobertores, parecendo terrivelmente velha e exausta; derrotada. O chá que há muito tempo havia esfriado estava na mesa pequena ao lado de sua cadeira.

— Señor Gregory, onde você está indo? — Ela perguntou.

Ele brevemente sorriu.

— Ao banheiro.

Alyssa e Eduardo o assistiram partir, e então eles olharam um para o outro, o livro esquecido. Por um momento a biblioteca estava absolutamente silenciosa com exceção do crepitar das longas chamas e Celia deu um suspiro pesado.

— Ele logo estará de volta. — Eduardo disse com um sorriso rápido.

Alyssa olhou para ele, cheia de inquietação, desejando que sua tia Cass se apressasse de volta para a biblioteca, perguntando-se porque podia estar demorando tanto. A preocupação a subjugou. Sua tia-avó estava no hospital, e Alyssa quis saber o que estava errado com ela e por que ninguém conversava com ela sobre isto. E onde estava sua mãe? Cass procurou tranquilizá-la dizendo que Tracey provavelmente estava fora, na cidade, agindo sem pensar, como ela normalmente faz, mas Alyssa sabia que algo estava terrivelmente errado. Não só ela podia sentir isto, ela podia ver isto nos olhos escuros da sua tia. E o que estava errado com Celia? Ela parecia doente. Alyssa tentou conversar com ela, mas ela nem sequer a ouviu.

— Eu não gosto de seu tio nos deixando — ela disse devagar, desejando que o fogo não fizesse a dança das sombras, alongando-as e então as encurtando ao longo das paredes do cômodo.

Eduardo deu um sorriso fraco.

— Você não tem que se preocupar — ele disse corajosamente.

Alyssa dobrou suas pernas em baixo dela, olhando ao redor do cômodo enorme, os quatro cantos que estavam quase completamente imersos na escuridão.

— Eu desejaria que tia Cass voltasse. Porque ela está demorando tanto?

Eduardo deu um tapinha em seu braço.

— Se ela está com meu pai, eles estão provavelmente muito ocupados com a investigação.

Alyssa seriamente movimentou a cabeça.

— Minha tia é a mulher mais inteligente que eu conheço. Mais inteligente até que minha tia-avó.

Eduardo concordou.

— Ela é a senhora mais inteligente que eu conheço, também. E meu pai é o homem mais inteligente que eu conheço. Ele faz conferências no mundo inteiro!

Alyssa pensou que sentia um cheiro estranho no cômodo.

— Eu penso que eles gostam um do outro — ela disse. — Seu pai não gosta mais de minha mãe. — De repente ela se calou, mais uma vez preocupada. Onde estava sua mãe? Como ela podia simplesmente deixá-los assim? E se ela resolveu ausentar-se por muito tempo? Alyssa só queria saber quando ela a veria novamente.

Como se lendo seus pensamentos, Eduardo disse.

— Talvez sua mãe esteja perdida. — Ele bateu levemente no joelho dela.

Alyssa franziu a testa, com seu coração acelerado.

— Espero que não!

— Não se preocupe. Se ela está, eu estou certo que eles a acharão. Lembre-se, sua tia e meu pai são realmente inteligentes.

Alyssa sorriu um pouco, então ela tossiu.

— Que cheiro engraçado é esse? — Era doce, como flores. Alyssa não gostou dele.

— Eu não sei. — Eduardo agarrou suas muletas enquanto deu uma olhada na porta. — O que está fazendo meu tio demorar tanto?

Alyssa ficou parada, por via das dúvidas caso ele precisasse de ajuda para se levantar. Ela o observou posicionar as muletas, apoiando a si mesmo, e de alguma maneira erguendo-se sozinho. Ele era muito forte, ela pensou. De repente algo bateu atrás deles.

Alyssa girou, Eduardo mancou ao redor.

— O que foi isto? — Alyssa gritou, olhando fixamente em direção às sombras escuras da parede distante. Todas as janelas estavam fechadas, as cortinas só parcialmente levantadas. Fora dali, havia uma lua quatro crescente, estrelas numerosas e brilhantes, iluminando a noite.

— Eu não sei. Eu acho que algo caiu. — Eduardo disse, baixo.

— Eu sei. — Celia falou pela primeira vez. As duas crianças viraram para olhar para ela. — Esta casa é assombrada — ela disse.

Alyssa congelou.

— Não diga isto, señora. — Eduardo disse, seu tom nervosamente alto.

— Você não pode sentir isto? — Celia perguntou firmemente. — Catherine sentiu isto. — Celia ficou em silêncio, uma lágrima deslizando pelo seu rosto.

Atrás deles, havia outro ruído, seguido por um alto som de assobio. As crianças viraram simultaneamente.

— É apenas o fogo. — Eduardo gritou. — Onde está meu tio?

— Talvez ele desapareceu, também. — Alyssa sussurrou, segurando sua mão enquanto ele se agarrava as suas muletas.

Seus olhos se encontraram. Alyssa corou. Ela não queria verbalizar o que ela desejava que nunca tivesse ouvido os adultos dizerem. Sua mãe desapareceu. Ela não estava perdida. Ela desapareceu.

Assim como a mãe de Eduardo tinha desaparecido, há muito tempo atrás.

Isso significava que ela nunca mais voltaria?

— Ele não desapareceu. — Eduardo nervosamente disse, olhando o modo como Alyssa ficou, como se ela estivesse prestes a chorar, quando o som de uma suave batida começou atrás deles.

Alyssa ofegou quando todos eles viraram, de frente para a janela, e então ela gritou. Uma mulher estava lá, suas feições um pouco confusas, mas seu cabelo longo era uma massa selvagem iluminada pela lua, voando sobre seu rosto e ombros.

— Mãe! — Alyssa gritou.

A mulher encarou, em seguida, deu um passo atrás, longe e fora de vista.

Alyssa não pensou. Sua mãe voltou! Ela não se perdeu, ela não desapareceu, afinal. Ela correu para fora da biblioteca tão rápida quanto ela podia.

— Mãe! Espere!

Celia estava de pé.

— Pare! — Ela exclamou. — Senhorita Alyssa, não vá!

Não houve nenhuma resposta.

Celia correu atrás dela, movendo-se com uma velocidade assombrosa.

E Eduardo foi deixado só.


Cass e Antonio viraram a esquina do corredor, guiados pela lanterna de Antonio, quando eles viram Gregory caminhando de volta em direção à biblioteca. O radar de Cass imediatamente subiu. Por que ele deixou as crianças sozinhas, até por um minuto?

— Gregory! — Ela chamou.

Ele parou antes de entrar na biblioteca, e quando Cass correu para ele, ela percebeu que algo estava terrivelmente errado. E no momento em que ela parou ao lado dele, ela viu que seus piores medos poderiam ter se tornado realidade, ambas as crianças tinham sumido. Celia se foi. A biblioteca estava completamente vazia.

— Você os deixou! — Ela gritou — Oh, Deus, eles se foram!

Antonio surgiu atrás deles.

— Não entre em pânico. Eles estão sem dúvida na cozinha, procurando por um lanche.

— Eu só os deixei por um momento. — Gregory disse.

Ela escancarou a porta da cozinha, mas ela estava na mais completa escuridão e ninguém estava lá. Ela pensou, eu o matarei se qualquer coisa acontecer as crianças. E ela foi sincera.

Cass correu de volta para fora, para o grande corredor.

A porta da frente estava escancarada.

Cass tropeçou, agarrando-se em Antonio.

— Você havia trancado tudo.

— Sim. Eles devem tê-la aberto. — Ele caminhou para a porta, balançando sua lanterna em um arco abrangente. A paisagem fora era uma massa de formas sombrias e obscuras.

— Por que eles iriam para fora no meio da noite? — Cass gritou. Mas ela sabia. Isabel teve algo a ver com isso. Isabel teve algo a ver com todas as ocorrências estranhas que aconteceram desde que eles tinham chegado em Casa de Sueños. Porque Isabel tinha um plano. — Oh, Deus. — Ela passou entre os homens.

— Eduardo! — Antonio chamou com as mãos em concha.

Cass começou a chamar por Alyssa. Gregory juntou-se a eles, dizendo.

— Eles não podem ter ido longe. Nós devíamos nos separar.

Cass deu a ele um olhar furioso, isso era culpa dele.

Antonio a tocou.

— Cassandra — ele disse firmemente, com calma.

Ela escapou dele.

— Não! Se qualquer coisa acontecer, Gregory será o culpado!

— Eles estão bem. Nada acontecerá. — Mas seus olhos brilharam com inquietação.

— Eu sinto tanto. — Gregory disse, com a angústia estampada em seu rosto. — Eu nunca pensei que eles deixariam a biblioteca. Eu estava só indo por alguns minutos, e Celia estava com eles.

— Celia? — Cass foi mordaz. — A mulher está em choque!

— Não é sua culpa. — Antonio disse categoricamente para seu irmão. Ele deu a Cass um olhar frio. — Nós devíamos nos separar. Eu concordo.

As têmporas de Cass pulsavam com força excruciante. Separe. Divida e conquiste. Ela odiou o rumo de seus próprios pensamentos.

— Eu não gosto da ideia — ela sussurrou. — Nós parecemos estar esquecendo algo. Existe um homem morto nas ruínas. Existe um assassino solto ao redor aqui, talvez até mesmo entre nós. E, há Isabel.

Os dois homens olharam para ela. Até na escuridão, Gregory empalideceu.

— Não há nenhum fantasma de nossos antepassados entre nós — ele disse, mas seu tom não era firme.

— Oh, não? Eu acabei de vê-la. — Cass quase se sentiu triunfante. E uma parte dela mesma pareceu transtornada, e estava perguntando-se por que ela tinha jogado aos ventos toda precaução, por que ela estava sendo tão indelicada, quando descortesia não fazia parte da sua natureza, assim como crueldade ou malícia. — Quem o assassinou estava dentro de sua casa, Antonio — ela disse, incapaz de se conter. E seu olhar foi direto para Gregory.

O rosto de Gregory estava tenso.

— Eu não gosto do que você está sugerindo. Obviamente meu irmão e eu estamos acima de qualquer suspeita, assim como Alfonso.

Cass enrijeceu.

— Oh, então eu sou culpada? Ou talvez nós devíamos culpar uma mulher de sessenta e cinco anos de idade, Celia?

— Eu disse isto? — Ele atirou de volta.

Cass olhou fixamente para ele, perguntando-se se ele era um assassino perturbado. Desde que ela o tinha conhecido, ele tinha se comportado estranhamente, ela decidiu. Secretamente. Ele estava escondendo algo.

— Eu duvido que o eletricista apunhalou a si mesmo, no peito.

— No coração. — Antonio murmurou.

Cass estremeceu.

— Ele foi apunhalado diretamente no coração.

— As crianças. — Cass disse. — Nós temos que encontrá-las. — Seu tom agudo e um pouco alto. E então ela viu o olhar que os dois homens estavam trocando, e era um olhar de compreensão que a excluiu. — O que está havendo? — Ela exigiu. — O que vocês dois sabem que não estão me dizendo?

— Nós não sabemos nada. — Antonio disse, afastando-se e gritando por Eduardo novamente.

Cass pensou ter ouvido algo, e ela agarrou seu braço por trás.

— Shh. Escute!

O grito, se ele fosse um grito, era fraco.

Mas Antonio decolou como um foguete, em torno do lado esquerdo da casa.

— Eduardo! Onde está você!

Cass e Gregory estavam correndo atrás dele, e eles ouviram a pequena, frágil, voz.

— Papá! Papá!

Antonio se abaixou de repente. Eduardo estava de bruços no chão, suas muletas jogadas a alguma distância dele, e seu pai o puxou apertado em seus braços.

Cass agarrou o ombro do menino por trás.

— Ele está bem? Onde está Alyssa?

— Você está bem? — Antonio exclamou, alívio em seu tom de voz.

— Eu caí. Ela estava correndo tão rápido... — Sua voz falhou.

— Onde está Alyssa? — Cass exclamou, com o medo a inundando.

— Eu não sei. Ela fugiu, naquela direção, eu acho. — Eduardo disse, parecendo à beira das lágrimas.

Cass sentiu o medo apunhalar seu coração.

— Não.

Antonio alisou sua testa, e Cass percebeu que ambos pai e filho estavam tremendo.

— Converse comigo, pequeno. Diga-me o que aconteceu.

Eduardo concordou com a cabeça.

— Nós estávamos lendo na biblioteca e em seguida nós ouvimos ruídos. E então nós olhamos para a janela, e havia uma mulher de pé lá. Alyssa pensou que era sua mãe.

Eduardo olhou para Cass.

— Ela tinha cabelos claros. E Alyssa correu para fora. Celia a perseguiu. Eu tentei segui-las, mas eu não consegui continuar. — Seus olhos se encheram de lágrimas. — Quando eu cheguei ao corredor, a porta da frente estava aberta, então eu saí, mas eu não pude achar qualquer uma delas. — Sua voz tornou-se estridente.

Antonio acariciou seu cabelo, em seguida o abraçou.

— Você fez o melhor que podia. — Olhando acima do ombro de Eduardo, ele encontrou o olhar de Cass.

Cass estava tremendo incontrolavelmente. Tracey havia retornado? Alyssa encontrou sua mãe? Ou foi alguma brincadeira horrível? E se fosse uma brincadeira, quem a fez? O assassino?

Antonio se levantou, ajudando Eduardo a ficar em pé. Gregory recuperou as muletas e as deu para o menino. Antonio olhou para Cass.

— Leve-o para casa. Espere na biblioteca. Gregory e eu procuraremos. Não se preocupe. Ela não pode ter ido longe. Nós a acharemos.

Cass sentiu uma lágrima começar a deslizar por sua bochecha.

— Eu quero ir, também.

Ele se debruçou em direção a ela e beijou sua boca, brevemente.

— Por favor fique com meu filho. Ele está abalado. Só tenha certeza de fechar a porta da frente quando você voltar ao lado de dentro.

Cass quis recusar. Ela olhou para o rosto pálido de Eduardo, com os olhos cheios de lágrimas, e de repente, brutalmente, ela amaldiçoou sua irmã, desejando que ela estivesse morta.


Cass se sentou com Eduardo, abraçando-o, olhando para o fogo fixamente sem ver, rezando para que Alyssa retornasse em segurança. Lágrimas continuavam a cair espontaneamente dos seus olhos; ela estava doente de medo e pavor. E ela estava usando toda a sua força de vontade para abster-se de interrogar Eduardo, que permanecia terrivelmente abalado.

Catherine estava morta, Tracey estava desaparecida, e agora Alyssa se foi, também? Cass sentiu como se ela estivesse à beira da loucura completa.

Ela fechou seus olhos para lutar contra lágrimas de pânico e medo real. Isabel estava atrás de tudo. Ela não tinha nenhuma dúvida.

Era difícil pensar claramente agora, mas Cass soube que ela tinha que tentar. E se ela fosse Isabel? E se ela tivesse sido esta mulher jovem órfã aos oito anos, e queimada na fogueira doze anos mais tarde? Depois de ser forçada a um casamento que deve ter sido sem amor, com um estrangeiro, enquanto abandonava qualquer possibilidade de amor verdadeiro?

Eu não ficaria triste, Cass pensou. Eu estaria chateada e com raiva.

Cass congelou. Raiva, fúria, ira, ódio ...

Eles me traíram.

Isabel queria vingança. Não existia nenhuma outra conclusão. Mas por que envolver sua família como também a de La Barca?

Eles me traíram.

— Isto tudo é minha culpa.

O sussurro de Eduardo interrompeu o turbilhão de pensamentos de Cass.

— Claro que não é. — Ela disse rapidamente, mas não pôde sorrir. — Seu pai vai encontrar Alyssa num instante de qualquer modo.

Cass deu uma olhada em seu relógio. Quinze minutos passaram. Ela não podia fazer isto. Ela não podia se sentar lá parada como um dois de paus enquanto a coisa mais preciosa no mundo inteiro para ela estava em perigo. Mas em perigo como?

Cass teve que lidar com a pior ideia, uma ideia que ela não queria enfrentar. Se Isabel podia enviar uma mensagem para ela em seu laptop, ela seria capaz de outros atos físicos?

Cass fechou seus olhos, sentindo uma dor na boca do estômago. Seguramente ela não era capaz de enfiar uma faca no peito de um homem.

O avô de Antonio também tinha sido apunhalado...

— Cass. — Eduardo sussurrou, assim que o som de passos chegou até eles.

Ela deu um pulo quando Antonio e Gregory apareceram, entrando no cômodo, Alyssa nos braços de Antonio, segurando seu pescoço como um pequeno macaco.

— Alyssa! — O alívio brevemente a imobilizou, e as lágrimas começaram a cair incontroláveis. — Graças a Deus. — Ela engasgou.

Antonio sorriu para ela enquanto deixava Alyssa no chão.

— Ela estava assustada e se escondeu nos arbustos — ele disse rapidamente, como se nada tivesse acontecido.

Cass encontrou seu olhar, viu uma mensagem de advertência lá, e entendeu que ele não queria assustar mais as crianças, havia algo que ele queria dizer a ela. Ela abraçou forte sua sobrinha. Alyssa agarrou-se ao pescoço de Cass. Seu pequeno corpo era morno e real; Cass a embalou.

— Não fuja assim novamente, você está me ouvindo? — Cass gritou. — Ou você estará de castigo pelo resto de sua vida!

Alyssa assentiu com a cabeça, seus olhos vermelhos e inchados de chorar.

— Eu sinto tanto, tia Cass. Eu não sei o que aconteceu. Mas eu pensei que vi minha mãe e eu tive que ir encontrá-la. — As lágrimas jorravam.

Cass a abraçou novamente.

— Tudo bem, querida. — Alyssa viu Tracey? Ela não ousou perguntar agora. — Eu acho que você e Eduardo deviam entrar naqueles cobertores para uma boa noite de sono. — Agora ela estava inspecionando Alyssa da cabeça até o dedão do pé. Ela tinha alguns arranhões em seus braços e um em sua bochecha, causado por um arbusto, Cass pensou, e seu cabelo estava uma bagunça selvagem, mas fora isso, ela pareceu bem. Mas o que realmente aconteceu?

E onde estava Celia?

Lentamente Cass olhou para cima, para o semblante sombrio de Antonio.

— Você ficará aqui? A noite toda? — Alyssa perguntou ansiosamente.

— Prometo. — Cass disse, acariciando seu cabelo. Ela deu um sorriso e rezou para que fosse alegre e tranquilizante. — Vamos lá, garotos. Naqueles cobertores, vamos. Amanhã é outro dia. — Ela rezou para que eles todos conseguissem passar essa noite sem qualquer incidente adicional. Mas ela não achava isto provável.

As crianças estavam acomodadas, e então o tempo parecia uma eternidade enquanto Cass esperava que eles adormecessem, assim ela poderia conversar seriamente com Antonio e seu irmão. Quando ambos pareciam estar apagados, Cass correu para os dois homens, que estavam acomodados na escrivaninha de Antonio cada um com um copo de uísque escocês.

— O que aconteceu? — Ela sussurrou.

Antonio encontrou seu olhar.

— Ela deu a entender que havia uma mulher, que não era sua mãe, uma mulher que a assustou terrivelmente e fez com que ela corresse para se esconder. Eu assegurei que era sua imaginação e que não há nada para temer.

— Isabel. — Cass suspirou.

— Aquela mulher não está aqui. — Gregory interrompeu secamente. — Jesus! Eu estou cansado de ouvir falar sobre ela.

— Oh, ela está aqui. — Cass disse categoricamente. — Antonio não acredita em mim, também, mas eu a vi. Ela está assombrando esta casa, mas é pior que isto. — Mantendo sua voz baixa, Cass disse. — Ela quer vingança nesta família.

Gregory levantou-se, bebida na mão, derramando metade dela. Cass percebeu que ele estava tão branco quanto uma folha, uma palidez muito antinatural para um homem com uma aparência dourada e um bronzeado da Costa Del Sol.

— O que há? — Ela perguntou inquieta.

Ele amaldiçoou.

— Eu voto que amanhã nós paremos com tudo e todos partamos.

— E quanto a Celia? — Antonio perguntou calmamente.

Gregory amaldiçoou novamente.

Automaticamente Cass estendeu a mão e achou a mão de Antonio. Ele era de carne e osso, forte, um homem, e ela se sentiu imediatamente confortada. Seus olhares se encontraram.

— Por favor, por favor, não me diga que algo aconteceu com Celia.

— Nós não pudemos encontrá-la. Não de noite, na escuridão, de qualquer maneira. — Ele estava mais que sombrio. — Eu vou esperar até amanhã para dirigir até Pedraza e chamar a polícia. Eu não quero deixar você só aqui com as crianças hoje à noite.

Cass encarou-o, tremendo.

— Então você admite que algo terrível está acontecendo aqui, e que um por um de nós somos todos vítimas dessa tragédia?

Antonio tomou um gole de sua bebida.

— Vamos supor, por um momento, que você está correta. Que Isabel está presente, que ela lhe enviou uma mensagem. O que nós devemos deduzir esses dois fatos?

— Ela é inteligente e capaz de uma certa quantia de ação intencional. — Cass prontamente disse.

— Isto é tolice. — Gregory exclamou. — Existe um assassino à solta. Isto é um fato. Todo o resto é tolice.

Cass furiosamente o enfrentou.

— É tolice que seu pai morreu, e não foi um acidente? É tolice que seu avô também morreu brutalmente, tragicamente? É tolice que a esposa de Antonio desapareceu enquanto estava aqui? Que minha irmã desapareceu? Que o eletricista, foi assassinado? E agora Celia se foi, também? — Ela enfrentou Antonio, que ficou em pé. — Seu avô morreu aqui?

Antonio assentiu com a cabeça, olhos fixos nela.

— O que você quer dizer, que a morte do meu pai não foi um acidente?

Cass o confrontou.

— Minha tia o matou. — Ela disse.


Gregory tinha ido para a cama. Cass pensou que ele não parecia muito feliz em ir dormir sozinho no andar de cima, mas ela não sugeriu que ele dormisse na biblioteca, e seu rosto determinado disse a ela que seu orgulho machista estava ditando sua decisão. Isso foi bom para ela.

Antonio se sentou na escrivaninha, curvado sobre ela, lendo o diário de Catherine. Toda vez que Cass o ouviu virar uma página, ela voltava seu olhar para ele, querendo ir até ele e abraçá-lo. Mas ela não o fez.

Agora ela tinha medo de sua rejeição. Temia o que ele poderia achar no diário de Catherine. Ela tinha medo que eles nunca pudessem se recuperar do fato da culpabilidade de Catherine, se esse fosse um fato.

Cass estava rezando para que sua tia estivesse enganada.

Mas não havia nenhum tempo a perder agora. Havia muito trabalho a fazer, e ela continuou a sentir que não havia tempo suficiente para fazê-lo. Já eram onze horas. Ela estava passando pelos livros, arquivos, e pastas cheias de papéis nas estantes de livros, procurando por uma pista, qualquer pista, que pudesse ajudá-los a entender Isabel e assim eles podiam lutar contra ela. Mas como se luta contra um fantasma?

O que Cass sabia sobre o sobrenatural era baseado em talk-shows de televisão dramas, cinema, ficção popular, e talvez a ocasional New Age, livros de autoajuda. Se resumia a suposições. Os fantasmas supostamente deveriam estar descansando; em vez de assombrar pessoas, lugares, e coisas, eles deveriam ir para a “luz”. Mas como se envia um fantasma para o Céu, ou para o inferno?

Antonio de repente fechou o diário com um baque. Cass voltou-se, uma biografia da Rainha Mary em uma mão, uma biografia de sua irmã, Rainha Elizabeth, na outra. As prateleiras estavam cheias com livros de história medieval e as biografias das figuras históricas famosas, a maior parte referentes aos assuntos da Espanha e dos espanhóis, ou da Europa. Mas Cass estava achando cada vez mais obras da história inglesa da dinastia Tudor, e especificamente do período de tempo em que Isabel viveu. Cass podia imaginar por que.

Antonio se sentou afundando de volta na cadeira, seu segundo uísque na mão.

Cass caminhou até ele.

— Você está bem? — Ela perguntou inquieta, com medo de tocá-lo.

Ele se virou para olhar para ela.

— Eles estavam tendo um caso.

— Eu sinto muito. — Cass disse, desejando saber mais.

Ele esfregou suas têmporas.

— Sua tia estava cheia de culpa. Assim como meu pai. Eles dois, eu penso, nunca deixaram de amar seus respectivos cônjuges. Mas isso não os impediu. Eu não entendo o que realmente aconteceu... como sua tia e meu pai realmente cruzaram a linha. Eles não entenderam, aparentemente, também.

Cass engoliu, pensando sobre tudo que sua tia disse.

— Ela eventualmente veio a desprezá-lo?

— Sim.

Cass congelou. Essa não era a resposta que ela esperava ouvir.

Ele parou abruptamente e caminhou até as crianças, curvando-se sobre seu filho para reorganizar os cobertores. Cass moveu-se para ficar atrás dele.

— Você pensa que minha tia o matou? — Ela indagou. — Propositadamente?

Ele a enfrentou.

— Eu não sei, Cassandra. Eu simplesmente não sei.

— Há alguma relação com Isabel?

Ele a olhou fixamente.

— Eles estavam ambos obcecados por ela.

— O que?

— Ambos vieram aqui para trabalhar lado a lado descobrindo todos aspectos de sua vida. Eles estavam ambos obcecados, até o ponto em que meu pai chamou sua tia de Isabel e ela imaginou que se parecia com sua antepassada.

Cass o olhou de repente fixamente.

— Antonio, você e eu... nós estamos aqui, trabalhando lado a lado, fazendo exatamente a mesma coisa.

— Eu sei.


Ele sonhou com fogo, e no meio das chamas, ela estava sempre lá, olhando de soslaio para ele, a mulher demoníaca de sua infância. Gregory agitou-se sem parar, suando, embora ele tenha dormido com nada além de um par de cuecas. Acorde, sussurrou a criatura em seus sonhos. Acorde.

Ele não queria acordar, mas ele não queria que ela estivesse lá, em seus sonhos, com aquele rosto bonito ainda feio. Como uma mulher tão bonita podia ser tão má? Ele perguntou-se.

Acorde.

Os olhos de Gregory se abriram e ele de repente estava, bruscamente, acordado.

E ele soube que não estava sozinho.

Ele congelou com medo, então viu a mulher ao pé da cama, uma sombra obscura na escuridão do quarto escurecido pela noite.

— Gregory? — Tracey sussurrou.

Percebendo que era Tracey, não aquela criatura, Isabel, ele levantou-se rapidamente.

— Tracey! Você está bem?

Ela avançou e foi deslizando para a cama; ele agarrou seus ombros magros enquanto seu cabelo multicolorido caiu sobre suas mãos e pulsos.

— Eu acho que sim. — Ela sussurrou com a voz rouca.

Ele soltou suas mãos, lançando suas pernas para o lado da cama, tateando no escuro quase cegamente por fósforos e vela em sua mesinha de cabeceira. Quando a vela estava acesa, ele a ergueu e encontrou seus olhos azul pálido.

— Graças a Deus! — Ele disse, segurando sua cabeça com uma mão. — Graças a Deus. O que aconteceu? Onde você estava?

Ela olhou para ele.

— Eu estou bem. Por favor me abrace agora.

Ele percebeu que ela não estava bem. Existia uma contusão em seu rosto do tamanho de uma bola de beisebol. Sua camiseta e shorts estavam sujos e rasgados. E eram manchas de sangue que ele viu em suas roupas? Ele congelou.

— Por favor. — Ela sussurrou novamente.

Ele abaixou a vela e a puxou em seus braços, agradecendo Deus que ela estava viva, porque secretamente ele acreditou que estivesse morta. Assim como ele soube que Margarita estava morta. Ele soube isto em seu coração e alma, com toda a sua intuição.

Tracey estava magra, mas quente, maravilhosamente quente e viva em seus braços, e ela estava tremendo. Ele acariciou seu cabelo e suas costas. E no momento em que o corpo dela respondeu ao seu no modo primitivo de macho e fêmea, ele se sentiu dessa forma, também.

Ele ficou imediatamente ereto.

Ela sorriu contra sua bochecha, então eles giraram suas cabeças e suas bocas se encontraram e se fundiram quase imediatamente. Quando Gregory se moveu acima dela, sua língua em sua garganta, passou pela sua mente que isto tudo era tão insano.

Ela achou e acariciou seu pênis, e ele não podia esperar. Ele rasgou seu short fora, e sua calcinha fio dental com ele, e freneticamente suas mãos se moviam acima de seu púbis. Um momento mais tarde ele estava dirigindo profundamente dentro dela, e ambos estavam gemendo.

Dentro de momentos, estava terminado. O orgasmo de Tracey pareceu violento para ele, e ele imediatamente veio. Tarde demais, ele esqueceu de usar um preservativo novamente. Tarde demais, ele também esqueceu de perguntar a ela se ela estava usando controle de natalidade.

Droga, ele pensou, de repente tão satisfeito que era incapaz de mover.

Ela riu.

O som era estranho e ele endureceu, rolando para o seu lado, olhando para ela.

Isabel sorriu para ele.

Gregory saltou da cama, olhando fixamente com horror absoluto para a mulher de cabelos avermelhados que assombrou seus pesadelos de infância e que jazia seminua em sua cama.

— Saia. — Ele gritou.

Isabel riu novamente.


Capítulo Dezoito

Meia-noite

A ravina estava coberta com arbustos, e ela se torceu abaixo, entre a miríade de ramos, rezando que os arbustos e a noite iriam escondê-la.

Ela mal conseguia respirar, ela nunca teve que correr tão longe, tão rápido e com tanto terror; ofegando fortemente, ela estava tentando esconder o som. Ela estava apavorada.

Acima, sobre a falésia de onde tinha caído, ela podia ouvir o arranhar ocasional de sapato sobre pedra. Ou seria o vento sobre os ramos?

Importava? Ela seria descoberta.

Rochas e pedras escavavam em suas canelas e joelhos. Seus dedos arranharam o chão duro de terra. Ela provou sujeira, e medo. E ela saboreou sangue. Havia tanto dele. Era o seu próprio.


Eles trabalharam lado a lado, removendo livros, folheando por eles, colocando cada um em pilhas distintas por assunto e período de tempo. As pastas de papéis eram adicionadas às pilhas. A noite estava terrivelmente silenciosa.

E estava escuro. O fogo diminuiu tornando-se meras chamas pequenas.

Cass desejou que fosse mais tarde; ela desejava que o sol surgisse. Não gostava mais da noite; ela ficou com medo da escuridão. Ela olhou para Antonio. Ele permanecia muito transtornado. O que mais ele leu no diário de Catherine? O que ele não estava dizendo a ela?

— Antonio?

Ele olhou para ela, um livro em suas mãos.

— Sim?

— Algo tem me incomodado quanto mais que eu penso sobre isto. Isabel não transmitiu “ele” me traiu. Ela usou “eles” me traíram.

Ele encostou um ombro contra a estante de livros.

— Assumindo que você viu o que você viu.

Seu temperamento explodiu.

— Eu vi o que eu disse que vi. E se Isabel não transmitiu aquelas palavras para mim, então outra pessoa entre nós aqui é um brincalhão podre. E então isso significaria também que existe um assassino solto. E quem seria? — Quando ele não respondeu, ela disse. — Não existe coincidência demais? Deus, minha tia está morta!

Ele a agarrou.

— Eu acredito que sua tia teve um ataque cardíaco, mas parece haver uma quantidade de coincidências terríveis. Nós estamos fazendo exatamente o que meu pai e sua tia estavam fazendo, obsessivamente investigando a vida da Isabel. — Ele encontrou seus olhos. — E nós também cruzamos a linha.

Cass ficou imóvel, livrando-se de seu abraço. Então ela se afastou.

— Sim, nós cruzamos. — Ela estava tentando não sentir a dor causada por suas palavras; era impossível.

— A história se repetindo. — Antonio disse suavemente.

Cass abraçou um livro em seu peito. Catherine e Eduardo se tornaram amantes, e ela e Antonio se tornaram amantes.

— Eu já me perguntei sobre este fato. Existe uma linha que parece conectar tudo.

— E qual é? — Ele estava atento.

— Violência. O que nós fizemos foi violento, ou pelo menos, eu acho. Seu pai, seu avô, minha tia, eles morreram todos violentamente. Eu quero dizer, ainda que Catherine tenha morrido de causas naturais, eu estava lá. Foi brutal. Um acidente de carro, se foi um acidente, é violento. O modo como Tracey me bateu...

— Ela bateu em você? — Ele a olhou fixamente. — Por que você não me disse antes?

Cass estava seria.

— Ela não quis fazer isto. Ela teve um surto. Ela não era ela mesma.

Ele absorveu isto.

— Então o que você está sugerindo? Que Isabel, que também morreu violentamente, de alguma maneira espalhou esta doença?

Cass repensou. Ela não considerou a morte da Isabel na equação, mas Antonio estava certo.

— Eu não sei, Antonio — ela disse. — Mas você é um de La Barca, e eu sou uma de Warenne. As duas famílias, envolvidas novamente. A tia Catherine parecia estar certa. — Pesar a apunhalou. Ela perguntou-se se seria sempre daquele modo.

— E sobre o eletricista? Por que ele foi assassinado? Ele nem é um de La Barca nem um de Warenne. Ele era um espectador inocente. Talvez sua morte tenha sido uma coincidência.

— Eu poderia acreditar nisso, exceto pelo fato dele ter sido apunhalado com uma faca que veio desta casa. — Cass suspirou. — Eu estou tendo dificuldade suficiente tentando entender por que ela odeia minha família, também.

— Sussex a forçou a casar-se com Alvarado. — Antonio deu de ombros. — Seres humanos são tão complexos. O que motiva você pode não me motivar. Isabel poderia ter odiado seu tio pelo simples fato de que ele arranjou o casamento.

— Talvez, em algum outro nível subconsciente, ela o odiou porque ele tomou o lugar do seu pai.

— Talvez.

— Então quem são “eles”? Sussex e seu marido?

— Nós estamos tirando conclusões precipitadas. — Disse ele, mas sorriu.

Cass sorriu de volta.

— Sim, nós estamos. — Eles começaram a se divertir. O sorriso dela desapareceu. Agora não era o momento para conversas agradáveis. Sua tia estava morta, Tracey e Celia desaparecidas, só pensar nisso a deixava doente, e Isabel estava espreitando-os. Cass quase pensou que podia senti-la escutando sua conversa. — Nós temos que descobrir o que aconteceu com Isabel. Pois então nós poderemos compreender o que é que ela quer. — Ela voltou para o livro que segurava em suas mãos.

Ele a parou.

— Nós podemos estar dando a Isabel demasiado crédito, Cassandra. Eu ainda não posso imaginar um fantasma com uma agenda.

Cass o encarou de volta.

— Eu realmente espero que você esteja certo. Mas eu sei que você está errado. A história está se repetindo. — Ela deu uma olhada para baixo no livro que ela segurava, um estudo realizado por diferentes autores sobre a reformação. — Nós temos que situar Isabel, descobrir o que ela quer, e dar isto para ela, ou pará-la, se o que ela deseja é nos destruir. — Cass disse seriamente, sacudindo o livro aberto. Quando ela fez isso, um pedaço de papel caiu no chão.

Antes dela poder recuperá-lo, Antonio agarrou seu braço.

— Você tem uma imaginação incrível — ele disse asperamente. — Mas agora você foi longe demais!

Ela encontrou seu olhar.

— Existe um padrão, droga, e nós dois sabemos disso.

— Nada vai acontecer comigo, ou com você, ou com qualquer outra pessoa — ele disse com firmemente. — Nós vamos encontrar Tracey e Celia, e tudo ficara bem.

Cass se endireitou.

— E se nós não pudermos achá-las?

Ele hesitou.

— Amanhã vamos trazer a polícia, e amanhã eu quero que todos partam.

Cass não se moveu.

— Eu não gosto de seu tom.

— Eu não terminei meu trabalho aqui. Eu ficarei.

Cass não podia acreditar em seus ouvidos.

— Você não pode ficar aqui sozinho!

Ele se virou, mas não antes dela ver o quão determinada era sua expressão.

Cass encarou suas costas. Como ela podia partir se ele ficaria para trás? Ela começou a tremer. Um desastre, ela pensou, seria um desastre esperando para acontecer.

Ou outra tragédia.

— Ela está nos controlando. — Cass sussurrou. — Dividir e conquistar

— Tolice. — Antonio disse bruscamente.

— Você não pode ficar aqui sozinho. — Cass disse severamente. — Eu posso ver isto em seus olhos. É ela. Isabel. Você não vai partir por causa dela. Você tem feito o papel de advogado do diabo, mas você acredita. Você acredita em tudo que eu venho dizendo! — Ela gritou.

Ele cruzou seus braços.

— O que há naquele papel que caiu do livro?

Ela ficou furiosa. Homem teimoso! Ela se abaixou para pegar o pedaço de papel. Era uma página cuidadosamente dobrada. No momento em que ela o abriu, ela percebeu que continha mais anotações de Eduardo.

— O que é isto? — Antonio perguntou muito secamente.

— Eu reconheço a caligrafia do seu pai — Cass disse, — mas eu ainda não consigo ler espanhol. — Uma palavra chamou sua atenção na página amarelada. Sussex.

Antonio pegou a página. Ele apertou os olhos contra a escuridão.

— Isto diz, “Farmer, páginas quinhentas dezesseis a quinhentas e dezessete, Grantham, páginas vinte e dois a vinte e três e duzentas e oito, Sussex. ”

Cass piscou para ele, imediatamente ciente de excitação crescendo dentro dela.

— Eu acabei de ver esses livros, um dos quais, pelo menos, é a biografia de Mary Tudor. — Ela inclinou-se sobre mais de uma pilha, classificando-os rapidamente, e trouxe os dois livros. — Qual pagina em Farmer? — Ela perguntou.

— Páginas quinhentos e dezesseis a quinhentos e dezessete. — Antonio falou, agachando ao lado dela.

Cass esquadrinhou uma página longa.

— Eu preciso de mais luz. — Ela correu para a lareira, Antonio ao lado dela. — Isto é sobre a nomeação de Sussex para o conselho de Mary logo depois que ela se tornou rainha. Menciona aqui que ele não se juntou a sua causa até o último minuto, poucos dias antes de sua coroação. Claro, ele não foi o único nobre a fazer isso. — Cass se sentiu desapontada. — Não há nada novo aqui.

— O Grantham. Esta é uma biografia de Rainha Elizabeth, eu penso.

Cass correu de volta para o outro livro.

— Vinte o que?

Antonio disse a ela as páginas e Cass as achou. Ela disse.

— Bem, aqui vamos nós. Sussex também foi nomeado para o conselho de Elizabeth, poucos dias depois de sua coroação. — Ela olhou para Antonio, então virou-se para a página 208. — E ele foi acusado de traição no fim do primeiro ano de seu reinado. — Cass estava perplexa.

Um silêncio caiu sobre o cômodo.

Era tão profundo e enorme que Cass foi arrancada de suas especulações, de repente preocupada, de repente intranquila, e com medo. O medo nela aumentou incrivelmente. Ela ergueu os olhos, mas ambas as crianças continuavam a dormir pacificamente. Logo atrás dela, o fogo estava morrendo, reduzido a algumas chamas minúsculas.

Cass deu o livro a Antonio e o deixou ler a página inteira, de repente gelada até os ossos. Algo iria acontecer antes da noite terminar, ela tinha certeza disso.

Algo iria acontecer agora.

Antonio ergueu a cabeça e seus olhos se encontraram.

— Isto é importante? — Ela perguntou num sussurro. Ela continuou olhando cautelosamente ao redor. — Eu estou de alguma maneira perdendo algo? Grantham continua a dizer que Sussex escapou com vida, embora ele tenha perdido seu título e suas terras. Isto aconteceu bem depois da morte da Isabel. — Ela continuou a sussurrar.

— Ele era um homem de conveniência política, um sobrevivente político. — Antonio disse. — Durante a maior parte de sua vida, ao que parece. Ele mudou a lealdade para apoiar Mary, em seguida fez o mesmo para apoiar sua irmã. Mas tais criaturas políticas dificilmente eram incomuns na época.

— Não, eles não eram. — Cass disse devagar. — Eu acho que isso significa que ele não era um homem leal a qualquer causa ou convicção. Ele era leal só a si mesmo. — Ela virou-se, mas ninguém estava atrás dela. Isabel não estava atrás dela.

Antonio levantou-se.

— É estranho, você não acha, por ele ter casado sua sobrinha com um espanhol?

— Sim, é. O que você está dizendo? — Mas mesmo quando Cass falou, de repente ela sabia, e não podia acreditar que ela não percebeu isso antes.

Eles permaneceram imóveis, encarando um ao outro. Uma única vela continuava a queimar, não longe de onde as crianças dormiam. Cass podia ouvir a respiração de Antonio. Era rápida e superficial agora.

O perfume de violetas veio à tona, rapidamente.

— Ela está aqui. — Cass disse. Ela queria segurar as mãos dele. Ela não conseguia se mover.

Antonio lentamente se virou e esquadrinhou o ambiente.

De repente a página contendo as notas de Eduardo, que ela estava segurando, explodiu em chamas. Ela gritou, deixando cair o papel em chamas, recuando. Antonio correu, pisando-o repetidamente. E então o fogo estava apagado.

Cinzas estavam sobre o tapete, um pequeno amontoado de cinzas, com apenas algumas pequenas partes da página carbonizada. Imóvel, Cass encarou as cinzas, então ela olhou para Antonio. Ele estava tão branco quanto um fantasma.

— Cinzas. — Cass disse.

Ela olhou ao redor, em toda parte, esperando que Isabel se materializasse a qualquer momento, e então o que? Então o que ela faria? E se as crianças despertassem e a vissem? E se ela se voltasse contra eles? Ela tinha incendiado a página. O que mais ela podia fazer? O silêncio permaneceu grande, absoluto, e o odor de violetas rapidamente começou a diminuir.

Cass percebeu que ela estava tremendo como uma folha.

Antonio estava imóvel, encarando-a, de olhos arregalados. Cass soube que ele estava percebendo exatamente a mesma coisa. Ele inalou, duro.

— Sussex — ele disse. — A nota que ela queimou era sobre Sussex.

— Ela o odeia. — Cass sussurrou. — Nós estamos certos.

— Ele a usou. — Antonio disse, seu tom retornando ao normal agora. Seus olhos se encontraram.

— E ela está nos deixando saber disto. — Cass concluiu.


Londres – 28 de julho de 1554

Eles se casaram na Catedral de Westminster em 28 de julho de 1554.

No salão do bispo, Isabel se sentou ao lado de seu noivo na cabeceira da mais longa de quatro mesas de jantar, onde pratos após pratos tinham sido servidos. Ela permaneceu atordoada. Só havia sido há um mês atrás que Sussex a informou do desejo de Pedraza por sua mão? Aquela conversa parecia que havia acontecido toda uma vida atrás.

Isabel estava só vagamente ciente da festança ao redor ela. Em uma plataforma levantada, a Rainha Mary e Philip se sentaram lado a lado, acima de Isabel e seu marido, jantando em pratos de ouro sólido, enquanto o noivo, a noiva, e todos os convidados jantavam em prata pura. Ao redor de Isabel e Alvarado de La Barca, Lordes e Ladies espanhóis e ingleses e comiam e bebiam cerveja sem parar, cerveja inglesa e vinhos espanhóis estavam sobre a mesa, e trinta ou quarenta pratos tinham sido servidos. Havia dança também, mas não se saíram muito bem, pois os espanhóis não conheciam as danças dos ingleses. Isabel mal notou a falta de jeito, o mal humor, a alegria ruidosa, o barulho, o riso, a rainha e seu cônjuge, que ainda teria que ser coroado rei.

E mesmo que ela tivesse notado, ela não teria se importado. Não havia nada com que ela se importasse. Nem mesmo seu futuro como uma condessa de uma terra distante. E nenhuma repreensão de Helen conseguiu fazer com que ela se importasse.

Isabel percebeu Alvarado, que estava a alimentando com seus pedaços de pombo e perdiz, que ela aceitou com submissão, embora seu estômago estava ameaçando descarregar seu conteúdo. Ele então ofereceu a ela vinho de sua própria taça de prata, e ela forçou-se a engolir. Ela sabia que precisava pelo menos tentar um sorriso; mas ela não podia. Alguém perto dela em sua mesa sussurrou.

— Como ela está assustada, pobre querida.

Ela estava assustada? Como ela podia estar assustada? Isto era provavelmente um sonho. Um sonho mal concebido. E então ela viu Rob sentando-se em uma mesa abaixo, um pouco mais distante, com Lady de Warenne.

Isabel congelou em choque. Era como se tivesse sido lançada água gelada sobre ela, e de repente o dia de sonho desapareceu. Ela obrigou-se a engolir, ela saboreou o vinho tinto pesado, e ela podia ouvir o barulho ensurdecedor de riso e conversação no corredor. Ela olhou fixamente. A esposa dele era uma formosa jovem com cabelo muito escuro e pele pálida. Rob olhava fixamente para frente, sem olhar para ela.

E de repente Isabel perguntou-se, O que eu fiz?

E as palavras sussurraram novamente em sua mente.

Assustando....Provocando...

Ela tremia, tomada pelo pânico e medo súbito, a coxa de seu marido pressionada contra a sua própria agora. Ela realmente se tornou esposa deste homem? Ela não podia recordar a cerimonia católica. Ela não podia recordar sua preparação para o casamento. Seu pânico aumentava. Ela não podia lembrar de um único dia de destaque no último mês, assim como não podia recordar a conversa longa com seu tio quando ele a havia apresentado a de La Barca como um pretendente.

De repente ela olhou diretamente para o homem sentado ao lado dela.

Ele não era muito mais alto que ela. Ele tinha a pele muito escura, olho quase ébano, e nem atraente nem acolhedor. Porém ele raramente sorria. E olhando para ele agora, Isabel sentiu o mais puro terror.

Ela estava usando um vestido prateado, incrustrado com milhares de pérolas brancas minúsculas e rodeado por rubis e safiras. Pela primeira vez desde que tinha sido vestida aquela manhã, Isabel percebeu o quão pesado era o vestido. Mas o peso de seu vestido não era nada como o peso de seu próprio súbito, absoluto desespero.

Vou morrer, ela pensou, e logo.

Mas não será logo o bastante.

De repente um barulho enorme encheu o corredor, chocando Isabel uma vez mais, e ela percebeu que todos os convidados do casamento estavam de pé, assim como estava seu marido. Seus gritos irreverentes de encorajamento encheram o corredor. Isabel sentiu a mão do seu marido em seu ombro, e imediatamente ela olhou para cima.

Ele sorriu para ela, ligeiramente, a primeira vez que ele já tinha feito isso.

Isabel não podia sorrir de volta. Ela percebeu que aquele jantar estava terminado, e que ela e Alvarado seriam escoltados de volta para o quarto que eles compartilhariam durante os próximos dias, como era de costume. Ela não podia se mover.

E ela sentiu os olhos de Rob.

Sem vontade consciente, Isabel encontrou o olhar dele pela primeira vez em meses.

Seu olhar era ofuscante em intensidade. Ela congelou, e rapidamente desviou o olhar.

— Levante-se, meu doce, levante-se — seu marido comandou suavemente no idioma que eles estavam usando para comunicar-se, francês.

Isabel se viu em pé, uma imagem da expressão de Rob competindo com imagens de uma enorme cama de dossel drapejada com panos da estação. Oh, Deus. Como ela poderia receber Alvarado? Como?

E se ele percebesse que ela não era mais virgem?

Isabel de repente se lembrou que Helen escondeu um alfinete nas dobras de seu vestido. De alguma maneira Helen soube a verdade. Isabel começou a tremer.

E a multidão estava apressando-os no corredor.


Na escuridão, ele acariciou seus seios nus, sua cintura, seus quadris.

Isabel deitou-se imóvel, arrepiada, tremendo, seus olhos firmemente fechados. A imagem e lembranças de Rob, de seu amor e paixão recusaram-se a deixá-la.

Ele falou com ela em espanhol, sua voz profunda e grossa com luxúria. Isabel mal entendeu o que ele disse, mas ela ouviu sua resposta, um soluço sufocado.

— Não tenha medo — ele sussurrou, movendo-se sobre ela.

Isabel ficou tensa, pois ele estava duro e pronto, e ela não conseguia responder. Como isto podia estar acontecendo? Como? O que ela fez, ela perguntou-se, para Deus castigá-la tanto?

Ele a penetrou, não abruptamente, mas aos poucos, com dificuldade. Isabel gritou, porque ele a estava machucando. Seguiram-se mais palavras em espanhol, e suas palavras baixas quiseram acalmá-la.

Isabel não podia relaxar. Lágrimas fluíam pelo seu rosto. Muito tarde, ela percebeu apavorada a imensidão apavorante de seu erro. Muito tarde, ela percebeu que ela ainda amava outro homem.

— Eu sinto muito, eu sinto muito — ele disse, e então estava empurrando nela, novamente. Nesse momento, Isabel sentiu as represas estourarem, e ela chorou, sem controle.

O sol alto que fluía através das venezianas que estavam só parcialmente fechadas acordou Isabel. E naquele mesmo singular momento, a realidade atingiu-a rudemente: ela era agora, verdadeiramente, a esposa do Conde de Pedraza.

O desespero tomou conta dela, uma e outra vez. Isabel abriu seus olhos relutantemente, com medo. Ela viu que seu lado da cama estava realmente vazio. Ela fechou seus olhos com alívio, desejando nada mais do que o santuário do sono. Mas ela estava acordada agora, e nesse momento, nada mudaria isto.

A tradição inglesa exigia que eles permanecessem dentro de seus quartos sozinhos por vários dias. Isabel mordeu seu lábio para impedir as lágrimas de encher seus olhos.

Ela finalmente se sentou, esfregou seus olhos com as pontas dos dedos, ansiando por Zeus ou até mesmo Helen. Estava feito. Ela estava casada, e com um nobre poderoso e bom. Ela devia aceitar sua sorte na vida. Ela devia fazer o melhor disto. Ela devia agradar a Alvarado, seu marido, até que a morte os separasse.

Isabel saiu da cama, seu coração tão pesado, em seguida olhou para o sangue que saiu das muitas picadas que ela deu nas suas pontas do dedo. Seu marido não se preocupou em verificar a cama procurando sinais de sua inocência. Amargura brotou dentro dela.

Rob disse que ele se casou com uma viúva e uma herdeira. Ela presumiu que sua esposa deveria ser mais velha, uma bruxa. Mas ela era jovem e bonita, e Isabel sentiu náuseas só de pensar nisso.

Não faça isso consigo mesma, ela tentou, mas seu próprio apelo silencioso não teve nenhum efeito. Tudo que ela podia pensar era que não queria ser a esposa deste espanhol, não importa quão bom e nobre ele era, e que ela verdadeiramente odiava Anne de Warenne.

Abruptamente Isabel levantou-se, e nua, ela foi até o robe pendurado no gancho da parede. Ela o vestiu, foi para seu baú, e ergueu a tampa. Ela hesitou, seu pulso numa batida selvagem, então cavou fundo até o meio do baú, finalmente extraindo um grosso livro de poesia.

Seu coração batia quando ela segurou o livro junto ao peito.

Rapidamente então, ela correu para a cama, se sentou, e retirou as três cartas que ela havia escondido dentro do livro, todas as três Missivas seladas e não lidas, todas as três de Rob.

Ela olhou fixamente para os selos. Ele tinha tentado se comunicar com ela desde que ele confessou seu casamento. Mas ela não tinha sido capaz de devolver as cartas, com seus selos intactos, ou lançá-las ao fogo. Deste modo ela as manteve.

Ela estava tremendo. No passado, a voz de razão a advertiu para não manter as cartas, e não as ler, qualquer uma. Agora, sem se atrever a pensar, Isabel usou sua unha para abrir uma das cartas.

Ela leu. “Minha querida Isabel, eu ofereço a você minhas mais sinceras felicitações referentes à grande ocasião de seu noivado com Alvarado de La Barca. Não posso conceber uma aliança mais digna para você do que esta, nem tão grande e afortunada. Minha prima querida, lembranças de você permanecem sempre comigo, cheias de carinho. Tanto tempo decorreu desde que nós falamos pela última vez, e eu ainda tenho tantos remorsos por aquele lapso, que eu rezo que você concordará em me receber antes das núpcias. Para sempre seu primo mais leal e dedicado, Almirante Robert de Warenne. ”

Isabel olhou fixamente para a carta em sua mão. A página estava tremendo violentamente, mas não, não era a página, era sua própria mão.

O que esta Missiva significa?

Isabel não conseguia respirar. Devoção de primo... uma aliança mais digna? Isto era uma piada? Mas ele sugeriu que eles se encontrassem. Antes de seu casamento. Mas por que? Para oferecer os seus mais cordiais, alegres parabéns? Ou por outra razão?

Devoção de primo. Isso era o que ele sentia agora?

E se ele ainda a amasse? E se ele quis se encontrar com ela para dize-lhe isto?

Ela leu a carta novamente. Ele a assinou. “Para sempre seu primo mais leal e dedicado. ” O que isso significava? Significava alguma coisa?

E de repente ela foi capturada pela determinação, encontrar Rob, sem rodeios, e exigir o que suas declarações de lealdade e devoção queriam dizer. Se ele não mais a amasse do modo que ele uma vez a amou, então devia saber, e ela devia saber isto agora. Porque, Deus querido, ela achava que ainda o amava.

A porta externa de seus aposentos reservados se abriu e ouviram-se passos.

Isabel congelou. Mas só por um momento, e então ela deslizou a carta aberta, seu envelope, e os outros dois dentro do livro, e assim que ela rapidamente o fechou, os passos ficaram mais altos, se aproximando. Isabel viu o selo de cera quebrada na cama, próximo ao seu quadril. Quando Alvarado passou pela porta do quarto, ela se moveu para se sentar sobre os pedaços de cera carmesim, o livro agarrado firmemente em sua mão.

Ele a estava estudando.

Isabel encarou a ele, seu coração trovejando com medo, pensando, se ele achar estas cartas, ele saberá tudo e eu estou condenada.

— Isabel? — Sua atenção se tornou inquisitiva. — Você está indisposta?

Isabel sorriu então, a tensão de sua mentira era um peso esmagador sobre ela.

— Eu me sinto fraca — ela sussurrou.

— Você não comeu ontem à noite — ele disse, seu olhar indo de seu rosto para o livro que ela segurava na mão.

Muito tarde, Isabel olhou para o livro, seu coração batendo muito ruidosamente, certamente ele podia ouvir, e então, lentamente, ela olhou para cima e encontrou seus olhos.

Ele avançou, sério, e antes dela poder tomar outro fôlego, ele pegou o livro dela. Brevemente ele deu uma olhada no título.

— Poesia? — Suas sobrancelhas erguidas e ele deitou o livro na mesa onde uma bandeja tinha sido colocada com pão, carnes, queijos, e cerveja inglesa enquanto ela dormia. Ele agitou sua cabeça. — Eu detesto essa bebida fermentada. Será que eles não sabem que eu só bebo vinho?

Isabel ficou em pé, tentando não olhar para o livro na mesa do café da manhã deles. Havia um pedaço de pergaminho saindo das páginas?

— Eu devo certificar-me, milorde, que de agora em diante, vinho seja servido em todas suas refeições — ela disse depressa.

Ele olhou para ela, os olhos quentes.

— Você me agrada muito, Isabel — ele disse.

Ela desejou ter ficado corada. Mas ela sentiu como se não existisse nenhuma cor em todo em seu rosto, da mesma maneira que sentiu como se nenhum sangue morno corresse em suas veias. Ela estava tão fria, tão terrivelmente gelada.

— Eu fico feliz — ela disse suavemente.

A luz em seus olhos mudou.

— Eu pensei em compartilhar algum pão e vinho com você. Mas olhando para você, diante da sua beleza, me veem outros pensamentos.

Isabel não se moveu. Ela não podia.

Ele avançou, e quando ele deslizou as mãos sobre seus braços, seu olhar se moveu sobre seu ombro para o livro que foi deixado sobre a mesa.

— Meus pensamentos me levam para procriar um herdeiro — ele disse, baixo.

Isabel ergueu seu olhar para ele, sorriu e disse.

— Estes são exatamente meus pensamentos, milorde.


Hampton Corteja – 4 de agosto de 1554

A chuva caia fortemente.

Caia com um duro, ritmado som, ecoando com a batida do coração de Isabel. Ela estava sozinha embaixo de uma fila de colunas, fora da chuva, um jardim pequeno à sua frente, no qual ela não fez nenhuma tentativa para entrar. Ela manteve o capuz de sua capa puxado sobre sua cabeça. Ele escondia seu rosto.

Cada único instante que passava era torturante, parecia uma eternidade inteira. Ela sabia que Rob havia recebido sua mensagem cuidadosamente redigida. Não havia ninguém em que ela podia confiar exceto Helen, e ela enviou sua acompanhante na incumbência de entregá-la com segurança diretamente em suas próprias mãos. Mas ele se dignaria a vir? Suas têmporas pulsavam, seu corpo estava rígido com uma tensão insuportável. Ele era seu primo, ela disse a si mesma, claro que ele viria.

Um barulho atrás dela a fez voltar-se, mas era só um par de cortesãos de passagem pelo palácio. Isabel olhou para longe antes deles poderem vislumbrar seu rosto embaixo do capuz, mas eles nem sequer a notaram, absortos como eles estavam em sua própria baixa conversa privada. Ela reconheceu um deles, o chanceler da rainha, John Gardiner. Esquisitamente, ele fez sua pele arrepiar-se com inquietação.

— Isabel?

Ela voltou-se novamente, desta vez para ver Rob de pé na chuva, o capuz de seu capote vermelho lançado negligentemente acima de sua cabeça. Seu olhar azul era brilhante.

Seus olhares se encontraram e seu coração disparou, dizendo a Isabel tudo o que ela precisava saber. Ela tinha se casado a menos de uma semana. Dois dias atrás eles retornaram aos seus aposentos no palácio. Seu marido estava procurando por alojamentos nas proximidades, e ontem mesmo ele a presenteou com um magnífico colar de rubis, fixados em três voltas, por ela estar tão feliz, ele disse. Mas Deus querido, nada mudou. Rob mexeu com ela como nenhum outro homem poderia fazê-lo.

Ele livrou-se de seu capuz e aproximou-se rapidamente, em baixo da fila abobadada de colunas.

— Como você tem passado, Isabel? — Ele perguntou, seu olhar procurando o dela.

Ela deu um sorriso trêmulo.

— Muito bem — ela mentiu.

Seu olhar não parou de analisá-la.

— Então você está de acordo com o casamento?

Outra mentira saiu de seus lábios.

— Milorde é um homem muito bom. Eu estou honrada por ele, entre todas as propostas, ter me escolhido.

— A corte comentou sobre seu compromisso por semanas antes do casamento. — Rob disse, sério. — O quão escandaloso foi, que de La Barca se casaria por amor.

— Eu estou certa que foi um escândalo. — Isabel disse, olhando para longe, ouvindo a amargura em sua própria voz. Seu marido casou-se por amor. Rob não o fez, e agora eles estavam ambos casados com outros.

— Isabel. — Existia algo em seu tom baixo, rouco que a fez retomar sua atenção mais uma vez. — Eu temi que você poderia nunca mais falar comigo novamente.

E o medo estava lá em seus olhos, ela percebeu.

— Você é meu primo — ela disse. — Realmente, suas cartas me lembraram poderosamente disto.

Seus olhos se arregalaram com surpresa.

— Eu não posso derramar meu coração em uma página de pergaminho — ele disse depressa. — Querido Deus, há espiões por toda parte.

Ela o olhou fixamente.

— Quer dizer, que você escreveu como se tivesse medo que um espião lesse suas palavras?

— Claro. — Ele respondeu imediatamente.

Sua mente estava girando, e a alegria crescia em seu peito.

— Rob, que espiões?

Ele riu então, mas repentinamente, o som grave e baixo.

— Bom Cristo, todo lorde importante tem espiões. Seu tio, o príncipe, Noailles, Gardiner, Paget, talvez até seu marido.

Isabel empalideceu.

— Meu marido poderia me espionar?

Rob a olhou fixamente.

— Você pertence a ele agora, Isabel. Ele está apaixonado por você. Eu penso que ele iria protegê-la bem. Eu o faria, se eu fosse ele.

Isabel tremeu.

— Você o faria?

— Eu não penso em mais nada além de você desde que nós nos encontramos pela última vez — ele sussurrou com voz rouca. — E agora eu me torturo todos os dias e todas as noites, pensando em você nos braços do espanhol. Você o ama?

Ela sentiu seu corpo inclinar-se, em direção a ele.

— Não.

Ele tomou suas mãos.

— Você ainda me ama?

Isabel molhou seus lábios, ignorando a voz da precaução, que dizia que ela o negasse agora, ou pelo menos evitasse sua pergunta.

— Sim.

Ele fechou seus olhos, um som que escapou de seu peito, e então seu olho azul estava sobre ela, carregado de desejo, e ele a estava puxando contra a parede, onde as sombras eram escuras e fundas. Suas mãos grandes, quentes, fortes envolviam seus cotovelos.

— Eu preciso encontrar alguma pequena medida para nos consolar então, a partir desse pensamento.

Isabel sentiu suas coxas se apertarem contra suas pernas, eles estavam muito próximos, juntos.

— Rob, o que você teria escrito se você estivesse livre para abrir seu coração?

Seu olhar moveu-se sobre seu rosto, traço por traço.

— Que o ciúme me devora, que eu lamento tudo, que eu ainda amo você, e que eu não posso aguentar a ideia de que nunca mais a terei novamente.

Isabel tremeu.

— Eu escreveria estas mesmas palavras, se eu fosse livre para fazer isso — ela sussurrou baixinho.

Seus olhos brilharam e de alguma maneira ela estava em seus braços, de alguma maneira sua boca estava sobre a sua, firme, exigente, inflexível.

Ele se afastou primeiro, olhando ao redor em todas as direções.

— Isto é extremamente perigoso.

— Nós fomos vistos? — Ela gritou, tremendo.

Ela foi surpreendida pelo desejo urgente de seu corpo. Ela precisava deste homem desesperadamente, além de toda razão, de toda sanidade. Poderia ser loucura, mas era uma loucura que ela acatou.

— Não, eu acho que não. Seu capuz caiu. — Ele agarrou sua extremidade e a puxou novamente acima de seu rosto.

O coração de Isabel continuava a bater fortemente em seu peito.

— O que nós faremos agora, Rob?

Ele estava amargurado.

— Ou nós nunca mais devemos ver um ao outro novamente, ou eu devo ceder à tentação, Isabel.

Ela olhou-o fixamente, assustada e atordoada.

— Eu não posso, — ela finalmente disse, — desistir de você.

Seu olhar era intenso.

— Então me encontre. Existe uma pousada. O Lobo e o Javali. Está só a algumas milhas do palácio, na estrada para Londres.

Ela continuou a tremer quando percebeu onde este encontro os levaria. Ele estava pedindo para ela trair seu marido e quebrar seus votos de casamento. Ela podia fazer isso?

Mas como ela não podia?

— Eu encontrarei você, Rob — ela disse. E esta seria uma decisão que mudaria sua vida.


— E onde você esteve este dia, eu poderia perguntar?

Isabel estremeceu. A última pessoa que ela desejava encontrar agora, além de seu marido, era Helen.

— Eu estava vagando pelo palácio, explorando os muitos salões diferentes e encontrando algumas das damas presentes — ela disse, sorrindo, mas evitando olhos de Helen.

Dentro de seu peito, seu coração estava cantando. Ela acabou de deixar a cama do Rob há uma hora atrás, e nada mudou. Sentia seu corpo glorioso, assim como seu coração, sua alma. E ela não podia parar de recordar toda sua carícia, sua língua perversa, e a força de sua masculinidade. Ela não podia parar de lembrar como era repousar, saciada, em seus braços, contra seu peito. Ela morreria, pensou, se qualquer coisa acontecesse com ele. Ela soube que não poderia viver sem ele. Não mais.

— Realmente? E por que a bainha de seu vestido esta com uma crosta de lama? Por que seu capote está encharcado? — Helen perguntou, as mãos em seus quadris estreitos. — E por que você parece tão contente, como um gatinho no leite, quando nestes últimos dias você tem tido um excessivo mau humor?

— Meu vestido esta manchado porque eu tolamente decidi cruzar o palácio por um dos jardins — Isabel disse brilhantemente. — Helen, eu realmente não gosto de suas perguntas.

— Eu só busco prevenir você de seu comportamento imprudente. — Helen estalou. — Estou preocupada com você, Isabel. Como vai seu primo, Almirante de Warenne?

Isabel congelou enquanto seu coração desabou.

— Eu dificilmente saberia, como ele tem ainda que responder a minha carta — ela disse docemente. — Eu estou molhada e suja e eu devo me trocar. — Ela se apressou antecipando Helen, na antecâmara de seu aposento, mas Helen estava em seus calcanhares.

— Seu tio deseja uma palavra privada com você, e ele diz que deve ir diretamente para seus aposentos.

Isabel hesitou quando ela abriu o baú contendo seus vestidos. Há espiões em toda parte. Sussex sabia de sua deslealdade já? Não! Era quase impossível.

— Você está pálida. Você agora sente-se mal? — Helen perguntou, tomando um vestido aveludado vermelho de suas mãos e o agitando. — Isto é grave.

— Não temos tempo, eu devo encontrar meu tio — Isabel disse. Ela deu suas costas para Helen assim ela poderia desfazer os botões lá. Seu medo não diminuiu. Todo nobre de importância tem espiões, Rob disse. E isso incluía seu marido?

Isabel de repente enfrentou Helen, vestida só em um chemise.

— Helen, você me trairia?

Helen a olhou fixamente, com o vestido encharcado de Isabel em suas mãos.

— Esta é uma pergunta muito estranha.

— Por favor, responda. — Isabel encontrou seu olhar.

Helen não a olhou.

— Nós temos estado juntas desde que você tinha oito anos de idade, ou você esqueceu isto?

— Meu tio colocou você comigo.

— Sim, ele o fez. Por ele ser inteligente o suficiente para saber que uma menina cabeçuda como você precisava de uma mão firme como a minha.

Elas olharam fixamente uma para a outra. Helen falou primeiro.

— Isabel, preste bem atenção em mim. Não faça nada para arriscar tudo que você tem tão repentinamente e fortuitamente adquirido. Alvarado de La Barca entesoura você. O quão afortunada você é.

— Eu nunca arriscaria meu casamento — ela disse, muito ligeiramente.

Helen a olhou fixamente, então disse.

— Muito bem. — E ela se virou para recuperar o vestido aveludado vermelho seco.

Foi só quando ela estava a caminho dos aposentos de seu tio que Isabel percebeu que Helen nunca respondeu sua pergunta.


Sussex estava só em sua escrivaninha, uma pena na mão, sua expressão sombria e cheia de concentração, quando Isabel foi introduzida na câmara. Seu próprio rosto, ela pensou, deve estar branco pálido, e ela estava torcendo suas mãos nervosamente. O momento em que ele ouviu seus passos, ele abandonou a pena e ergueu seus olhos. E ele sorriu.

Alívio tomou conta de Isabel. Ele não sabe, ela pensou, seus joelhos de repente fracos.

— Minha sobrinha mais querida — ele disse, erguendo-se. — Nós raramente tivemos a chance de falar desde seu casamento. — Ele moveu-se ao redor de sua escrivaninha e beijou sua bochecha. — Mas como você brilha. Eu vejo como seu marido combina com você.

A culpa assaltou Isabel.

— Eu estou muito contente com minha sorte na vida, milorde — ela disse afetadamente, mantendo seus olhos no chão.

Seu olhar deslizou para sua garganta.

— Eu ouvi que ele presenteou você com um colar de rubi magnífico, um que vale o resgate de um rei. — Sussex disse.

Isabel estava usando várias correntes de ouro simples e um medalhão que pertenceu a sua mãe.

— Sim, ele fez. Foi um presente mais que generoso.

— Você faz bem, Isabel, em agradar seu marido assim. — Sussex encontrou seu olhar, então girou e passou para trás de sua escrivaninha. Quando ele a encarou, ele não estava sorrindo. Isabel ficou tensa.

— Sente-se — ele disse calmamente. — Existe um assunto que eu desejo discutir com você.

Imediatamente Isabel obedeceu, uma vez mais cheia de medo. Ele soube de seu encontro com Rob afinal? Seu tio era um mestre em jogar com as pessoas. Isabel sabia que ela nunca poderia vencê-lo. Que ela nem deveria sequer tentar.

— O que nós agora discutiremos deverá permanecer para sempre em segredo entre você e eu — Sussex disse, seu olhar penetrante. — Você me compreende?

Isabel molhou seus lábios, movimentando a cabeça. Suas palmas ficaram frias e úmidas. Ela estava assustada.

— Bom. Eu cuidei de você por muitos anos, Isabel, e eu nunca pedi nada para você.

Isabel podia só movimentar a cabeça. Onde ele está indo agora? Ele sabia?

— Chegou a hora de você retribuir seu favor para mim. Sem vacilação, relutância, ou qualquer outra emoção, com exceção das de lealdade e devoção.

Isabel ficou fria. Aquelas eram palavras do Rob... seria uma coincidência?

— O que é que você deseja que eu faça, milorde? — Ela disse, forçando seus lábios a se mover.

Sussex se debruçou em direção a ela, as mãos em sua escrivaninha.

— É simples, realmente.

Isabel movimentou a cabeça medrosamente.

— Seu marido aconselha Philip. Eu desejo que você fique informada de todos os assuntos que ele e o rei espanhol discutem, e você deve passar essas informações para mim, reservadamente, sim, secretamente.

Isabel o encarou, atordoada.

As palavras de Rob ecoavam... há espiões em toda parte.

— Você deseja que... você deseja que eu espione meu marido? — Ela perguntou, chocada.

— Eu não desejo pôr um nome em cima de sua Missão. — Sussex disse friamente. — Nem eu desejo que você pense sobre o que deve fazer. O Governo é um vasto e pesado assunto, do qual eu sou uma parte. Caso a rainha morra, a terra enfrentará problemas graves. Eu devo estar preparado. Deste modo, informe-se sobre o que eles discutem, o que eles planejam, suas políticas, e transmita tudo para mim e só para mim. Você entende? — Ele estava de pé, elevando-se acima dela. E ele não estava dando a ela uma escolha.

Isabel movimentou a cabeça, e era difícil falar.

— Sim, milorde. — Ela começou a tremer.

— Bom — o conde finalmente disse. — Você pode ir, Isabel.

Isabel ergueu-se tão depressa que sua cadeira raspou rudemente o chão. Ela mal podia respirar, mas ela fez uma ligeira reverência, e saiu apressada do quarto. Ela nunca esteve mais ávida para escapar de alguém.

Mas seus olhos permaneciam nela, ela podia senti-los, duros e frios e também muito cruéis e assustadores.

E uma vez do outro lado da porta, uma vez no corredor comum, ela desmoronou contra a parede.

Primeiro amante de Rob, e agora isto.

Ela estava para se tornar espiã de Sussex.


Casa de Sueños


Capítulo Dezenove

Casa de Sueños – Dia quatro, 6 horas da manhã

Cass não sabia o que a despertou, mas ela de repente foi arrancada de um sonho perturbador. Por um momento, ela deitou no chão enrolando-se com Alyssa, seu coração batendo, dizendo a si mesma que era só um sonho, e então no próximo momento, ela pensou sobre seu confronto com Isabel ontem à noite e sua mensagem assustadora. Ela pensou sobre como Celia e Tracey haviam desaparecido, e de repente ela se lembrou que sua tia tinha ido embora.

O som de um tilintar de uma caneca ou xícara de café fez com que ela abrisse seus olhos. Empurrando seu cabelo fora de seu rosto, ela lentamente se sentou. Antonio estava acordado, sentado na escrivaninha, uma xícara de café fumegante ao lado dele. Ele estava curvado acima de algo, lendo avidamente, seus óculos escorregando para baixo de seu nariz reto. Cass o estudou. Era impossível para ela não o admirar; ele era um homem tão forte, brilhante, atraente. Ela suspirou. O que aconteceria uma vez que este pesadelo estivesse terminado? Uma vez que eles deixassem Castilha? Cass não ousou pensar no futuro.

Nem um deles conseguiu dormir muito ontem à noite. Eles começaram a pesquisar a vida de Sussex na esperança de descobrir mais sobre Isabel, até que Cass não conseguisse manter seus olhos abertos. Ela vagamente recordou de rastejar nos cobertores com Alyssa adormecendo imediatamente.

Eles deviam todos deixar Casa de Sueños. Ficar era perigoso, Cass estava certa disto. Mas eles teriam que achar Tracey e Celia primeiro. Cass não podia partir sem sua irmã e a mulher de idade avançada que ela conheceu a maior parte de sua vida.

E não haveria nenhuma maneira de que ela deixaria Antonio para trás.

Antonio percebeu que ela estava acordada. Cass podia imaginar que ela parecia destruída. Ela estava tentando levantar-se quando ele se virou.

— Ela teve uma criança. No mesmo ano em que ela morreu.

Cass se sobressaltou.

— Isabel teve uma criança? — Ela ofegou, todas as preocupações sobre sua aparência na primeira hora da manhã agora tinham desaparecido.

— Eu achei uma passagem em um dos livros do meu pai, e está marcada. — Ele hesitou, sorrindo. — Bom dia. — Seu olhar deslizando sobre ela.

Cass dormiu com sua calça jeans e um top. Ela sabia que seu cabelo estava embaraçado. Ela corou.

— Eu já volto — ela disse, levantando-se e fugindo da biblioteca.

À luz do dia, a casa não parecia tão ruim quanto era no silêncio da noite, ela pensou quando correu para o banheiro mais próximo a fim de escovar seus dentes e lavar-se. Mas tudo não estava completamente bem. Existia uma quietude agora, da qual ela estava intensamente ciente. Era quase como se fosse a calmaria antes da tempestade.

Descalça, ela correu de volta para a biblioteca. Antonio deu a ela uma caneca de café quente e seu breve, mas caloroso sorriso. Suas mãos se tocaram ligeiramente. Quando Cass sorveu o doce, café quente, ela pensou que não importava o que estava acontecendo, a atração que ela sentia por ele estava de alguma maneira mais forte do que nunca. Mas seria real? Ou era apenas uma parte do plano de mestre de Isabel? Assumindo que ela teria um?

Cass odiava esta ideia. Mas sua tia e Eduardo nunca tiveram a intenção de se tornarem amantes, e veja o que aconteceu, e onde aconteceu. Cass estava assustada.

— Alvarado estava na corte de Mary. — Antonio levantou um volume e o abriu em uma página marcada. — Meu pai achou este registro. O capítulo aqui é dedicado ao casamento de Mary com Philip. Alvarado estava a serviço do imperador. Esse assunto não é mencionado, mas ele diz, “Só um espanhol tinha permissão para frequentar todas as ceias oferecidas por Philip, Conde Alvarado de La Barca. ” E então, mais tarde neste livro, existe uma referência para a esposa grávida do Conde de Pedraza. Está inserido em uma seção descrevendo a suposta gravidez de Mary Tudor.

— Então Isabel estava grávida. Mas ela teve a criança?

— Eu me pergunto se a criança foi concebida fora do matrimônio. — Antonio disse.

Cass congelou.

— O que fez você pensar assim?

— Porque não existe nenhuma criança em nossa árvore genealógica. Se a criança tivesse morrido, mesmo sendo uma criança, deveria ter sido incluída.

— A menos que ele nunca tenha nascido.

— Eu acho é apenas um pressentimento que eu tenho.

Eles encararam um ao outro, tomando seu café em silêncio.

— O que nós vamos fazer? — Cass finalmente perguntou. Ela ouviu a nota de desespero que surgiu em seu próprio tom.

— Nós devemos alertar as autoridades sobre o assassinato do eletricista. E nós devemos também encontrar sua irmã e Celia.

Cass abaixou sua caneca. Então ela lentamente deu uma olhada em torno da biblioteca, e observou as crianças em atividade.

— Não sente que esta manhã está estranhamente quieta?

— Sim, notei. Eu notei no momento em que o sol nasceu. — Seus olhares se cruzaram.

— Nós não imaginamos o que aconteceu ontem à noite, Antonio.

Antes dele poder responder, Alyssa perambulava, bocejando.

— Bom dia, tia Cass.

Cass despenteou seu cabelo escuro.

— Por que você está acordada tão cedo? Não são nem sete ainda, dorminhoca.

— Eu não sei. — Ela bocejou novamente quando Eduardo adiantou-se em suas muletas. — Você acha que eles têm cereal aqui?

— Eu não sei. — Cass sorriu.

— Nós temos cereal. — Eduardo disse. — Venha comigo. Eu mostrarei a você onde está, na cozinha.

Cass observou as crianças saírem do cômodo em seus pijamas. Quando ela olhou, foi para encontrar Antonio olhando para ela com uma intensidade estranha. O coração de Cass deu um salto. O que significa esse olhar? Ele disse.

— Se Gregory for a Pedraza notificar a polícia, então você e eu podemos ficar aqui para procurar por sua irmã. Assim que nós a encontrarmos, você e as crianças partirão.

E Cass pensou sobre Tracey novamente. Um mal-estar a invadiu. O medo tomou conta dela.

— Eu tenho pensado a este respeito. Isabel quer vingar-se de sua família porque ela foi forçada a se casar com Alvarado enquanto ela amava outra pessoa, e ela quer vingar-se de minha família porque Sussex de alguma maneira a usou como um peão em seus jogos políticos.

— “A vingança” é uma palavra muito forte, Cassandra. Especialmente quando você está atribuindo o desejo por vingança a um fantasma. Eu simplesmente não consigo tirar essa conclusão a partir do que tem acontecido até agora. E se Isabel estiver presente, e inofensiva, porém um louco também está presente, um louco que é um assassino? Pelo menos isso faria sentido.

— Você a viu fazer o papel se queimar. Tudo o que restaram foram cinzas. — Cass estremeceu com o simbolismo. — E agora você está esquecendo tudo o que passou. Eu estou começando a pensar que ela apunhalou aquele eletricista. — Cass acrescentou, baixo. Ela finalmente disse isto. Ela finalmente pronunciou seus piores medos.

— Cassandra. — Ele foi firme. — Os fantasmas não assassinam pessoas.

— Talvez este aqui o faça.

— Se ela for capaz de assassinato, se ela quiser vingança, então por que ela não acabou comigo até agora? — Ele perguntou intencionalmente.

Cass estava quieta, não sabendo o que responder.

— Não me diga que você pensa que ela está jogando um jogo de gato e rato conosco, também?

A ideia não havia ocorrido para ela. Mas agora fazia sentido demais.

— Nós temos que achar Tracey e Celia e darmos o fora daqui! — Ela exclamou.

Ele agarrou sua mão. Cass estava intensamente ciente de seu toque. Ela olhou para cima, encontrando seus olhos. Nenhum dos dois desviou o olhar.

Uma necessidade urgente de estar em seus braços, de estar amparada por eles, a subjugou. Não era a mesma necessidade violenta e louca que ela sentiu ontem, quando eles tinham transado como animais em sua cama, poucas horas depois da morte da sua tia. Não foi violento ou sem sentido; Cass sentiu o quão profundamente ela estava se apaixonada por ele, e era atordoante. Ela conseguiu afastar seu olhar.

Ele se levantou, derrubando a xícara de café, que estava vazia. Nenhum deles notou. Cass estava imóvel. Apenas polegadas os separavam.

— Venha aqui — ele disse, com voz rouca e a próxima coisa que ela soube, foi que ela estava em seus braços, e ele a estava segurando, duro, contra seu corpo alto e forte.

— Bom dia. — Gregory disse.

Cass afastou-se de Antonio. A hostilidade em direção a seu irmão gêmeo surgiu dentro dela. Que grande momento, ela pensou. E a extensão de sua própria raiva e aversão a surpreenderam.

— Então nós estamos prontos para fechar a casa e voltar para Madri? Nós podemos parar e notificar a polícia do desaparecimento de Tracey e Celia, assim como o assassinato, em nosso caminho de volta à cidade.

Cass virou-se pronta para protestar.

— Você notifica a polícia. — Antonio disse a seu irmão. — Cassandra e eu procuraremos por Tracey e Celia. Elas não podem ter ido longe. Espero que nós consigamos encontrá-las até que você retorne.

— Você está louco? — Gregory perguntou incrédulo. — Nós devíamos todos sair agora. Deixe que a polícia as encontre. Eles são profissionais.

— Eu não partirei sem Tracey e Celia. — Cass disse com ardor. — Eu não abandonarei minha irmã e minha amiga. E eu não abandonarei Antonio, também.

Gregory a enfrentou.

— Quem disse qualquer coisa sobre abandono?

— Mas isso é o que é. — Cass disse friamente. Então ela olhou para Antonio. — E uma vez que nós acharmos Tracey e Celia, você estará partindo, também.

— Eu tenho trabalho para fazer aqui — ele disse firmemente. — Eu não posso partir. Não agora. Não ainda.

Existia ainda muito para fazer lá na casa, e uma parte de Cass o entendia bem, uma parte dela queria ficar para trás com ele. Apenas eles dois, trabalhando lado a lado, revelando a verdade sobre a vida da Isabel.

Como Catherine e Eduardo fizeram.

— Não. — Gregory estava sério. — Droga, Antonio, aquela mulher morta está assombrando esta casa, e ela tem estado aqui desde que nós éramos crianças. Ela é do mal. Eu estou certo disto. Ninguém devia ficar.

Cass piscou para ele, surpresa.

— Você certamente mudou seu tom.

Ele a ignorou.

Antonio cruzou seus braços.

— Algo aconteceu, Gregory?

Gregory estava sombrio.

— Para falar a verdade não.

Ele estava mentindo. Cass sabia disto. Mas por que ele mentiria, e sobre o que? E por que ele teve um vislumbre de culpa em seus olhos? O que estava acontecendo com ele?

Cass o olhou fixamente. Ele evitou seus olhos. Ela lembrou-se que ele era irmão de Antonio. Seu gêmeo. Mas as aparências podiam ser, e frequentemente eram, enganosas. Ainda... isso por si só não o tornava um psicótico, um louco, um assassino.

Ela virou-se e caminhou até a janela, não sabendo o que pensar. E de repente ela perguntou-se se devia tentar comunicar-se com Isabel.

Cass piscou. Ela estava olhando para fora da janela, mas prestando muito pouca atenção para a vista. Agora ela olhava fixamente para o carro de Gregory, estacionado um pouco longe, mas seu contorno era claramente visível.

— Oh meu Deus. Gregory, seu carro!

Ambos os irmãos correram para perto dela. Pelo que Cass podia ver, Gregory teve dois pneus furados. De repente um calafrio tomou conta de seu corpo inteiro, e Antonio deve ter tido o mesmo pressentimento, porque simultaneamente ele voltou-se e correu.

Com Gregory em seus calcanhares, eles saíram correndo da biblioteca e para a porta da frente. O BMW estava estacionado bem na frente da casa. Todos os quatro pneus estavam vazios.

— Por Dios! — Gregory gritou, correndo em torno do carro. — Meus pneus foram cortados!

Cortados. Seus pneus tinham sido cortados. Todos os quatro.

Cass de repente soube. Ela soube antes dela correr para a garagem. As portas estavam fechadas, mas havia uma porta lateral, que ela escancarou. E dentro da garagem estava o jipe, seus quatro pneus cortados, e seu carro alugado, exatamente na mesma condição.

Ambos os homens estavam parados ao lado dela.

Cortados. Com força e raiva, com ódio, com intenção.

Com uma agenda.

Eles estavam presos.

Todos ficaram atordoados. A mente de Cass ficou entorpecida. Foi Antonio que finalmente falou, depois de uma olhada rápida em baixo do capô do jipe. Os fios foram arrancados, torcidos e cortados.

— Eu terei que ir para a cidade a pé. — Ele disse seriamente. — Mas eu pretendo pegar uma carona.

Cass teve uma premonição horrível de Antonio sendo assaltado por algum assassino enlouquecido, assaltado e apunhalado pelas costas. E o que tudo isso tem a ver com Isabel? Certamente Antonio estava certo. Fantasmas não apunhalam pessoas, eles não furam pneus ou cortam fios. Quem fez tudo isso era alguém de carne e osso, um ser humano real e vivo.

Mas Isabel deixou uma mensagem em seu laptop, Isabel ateou fogo a anotação de Eduardo...

— Alguém nos deixou presos aqui propositalmente. Não vá. Não é seguro. — Ela agarrou-o; ele não a afastou.

Alguém... ou Isabel?

Cass não podia se ajudar. Seus cálculos mentais eram subconscientes, mas haviam quatro adultos presentes na casa, e duas crianças. Ela não incluiu Tracey e Celia, que estavam desaparecidas. Alfonso não era forte suficiente para assassinar ninguém ou para causar tal estrago nos carros. Ela confiava implicitamente em Antonio. Ela olhou fixamente para Gregory, pensando, Querido Deus. É ele? Ele é psicótico? E se ele secretamente odiasse seu irmão? E se ele fosse um assassino serial atrás da fachada de beleza, boa família, e sucesso profissional? Escondendo-se até mesmo atrás da fachada de Isabel?

Gregory olhou dela para Antonio.

— Eu irei. Eu estou em melhor forma que você, eu posso correr a maior parte do tempo.

Cass sentiu sua pulsação, que já estava irregular e alta, acelerar. Ela não queria que Antonio fosse, mas ela não confiava em Gregory, não nesse momento. Não mais. Ela perguntou-se se seu medo e pânico à estavam cegando. Tornando-a irracional.

— Não. — Antonio nitidamente disse.

Cass moveu-se mais próxima dele.

— Nós temos que conversar. — Ela sussurrou. — Por favor.

Ele balançou sua cabeça.

— Eu colocarei sapatos de corrida...

— Eu irei. — Gregory disse com algum calor. — Você devia ficar aqui com seu filho, Tonio.

Cass o enfrentou.

— Então o que é? Você pode fazer um tempo melhor, ou ele devia ficar com Eduardo? — Suas palavras terminaram com um toque mordaz.

Seu olhar fixo era fresco.

— Ambos.

Antonio andou entre eles.

— Eu sou mais velho. Eu irei.

Gregory olhou para ele incrédulo.

— Oh, perdón, el conde!

Antonio fez uma careta.

— Se você optar por ver as coisas desse modo, que assim seja. — Ele deu de ombros e começou a sair da garagem, a passos largos e resolutos.

Quando Gregory correu atrás dele, Cass sentiu seu coração apertar com medo e desespero. Ela sabia que algo terrível aconteceria na estrada para Pedraza, ela apenas sabia.

— Então vamos desempatar com palitos. — Gregory disse.

— Não.

— Antonio, ouça meus argumentos. Você tem um filho...

— Ele está certo. — Cass correu até eles, ofegando enquanto ela corria para alcançá-los. — Só deixe Gregory ir, por favor, Antonio. Eduardo precisa de você.

Antonio se deteve e olhou para ela. Ela podia ver o conflito em seus olhos. Finalmente ele concordou com a cabeça. Mas ele voltou-se para seu irmão.

— Eu quero que você seja muito, muito cuidadoso — ele disse. — Não confie em ninguém. Existe um assassino por perto. Um assassino que nos prendeu aqui por uma razão. Talvez ele oferecerá uma carona a você. Não confie em ninguém, Gregory.

Gregory empalideceu. Ele assentiu laconicamente.

— Você acha que eu já não sei disso? Eu sairei imediatamente.

Cass agarrou a mão de Antonio para impedi-lo de seguir Gregory de volta para casa. Quando Gregory estava fora de alcance de sua voz, ela olhou para Antonio, esperando ser capaz de dizer o que ela desejava dizer.

— O que é, Cassandra? — Seu olhar era penetrante.

— Eu sei que ele é seu irmão — ela começou devagar.

— Não. — Sua palavra foi como uma chicotada. — Ele é mais que meu irmão, ele é meu irmão gêmeo, e nunca se esqueça disso. — A raiva tomou conta de seu rosto, ele soltou sua mão e foi atrás de seu irmão.


Gregory havia partido.

Outra procura começou.

Cass e Antonio rapidamente estavam se aproximando das ruínas de um velho castelo, tendo decidido ficar juntos. Como Gregory disse, estariam mais seguros juntos. Eles tinham procurado por uma hora cheia, e nem Tracey nem Celia estavam em qualquer lugar para serem achadas.

Cass estava pessimista. Qualquer esperança que ela tinha parecia estar lenta e continuamente se desintegrando. Agora as duas torres se destacavam da paisagem seca e marrom, e o veículo azul estava refletindo a luz solar onde havia colidido na parede. Cass deu uma olhada para Antonio.

— Você não acha que elas podem estar por aqui? — Ela não queria chegar perto daquele eletricista morto novamente.

Antonio não respondeu.

Cass olhou para ele. Havia algo em sua mente, algo que ele não estava compartilhando com ela. Ou era apenas por que estava preocupado como ela por tudo o que estava acontecendo?

Eles pararam.

— Eu irei verificar as ruínas para ver se alguém está lá. — Antonio disse. — Você fica aqui. Eu já volto.

Cass assentiu, observando-o ir. Alguns minutos mais tarde, ele retornou.

— Sem sorte? — Ela perguntou, já sabendo a resposta.

Ele agitou sua cabeça.

— Vamos voltar para casa. Tomaremos um caminho diferente. — Antonio disse, sombriamente.

O sol estava alto e quente, e eles começaram a voltar rapidamente, em silêncio. Cass não conseguia pensar. Ela só sabia que estava começando a desvendar, embora ela tinha que manter sua compostura por mais algumas horas, só até a polícia chegar, pelo bem das crianças.

Pelo bem da sua própria sanidade.

— Cassandra. Existe algo que eu não disse a você.

Ela ficou tensa. Ela não gostou do tom da voz dele ou da expressão em seus olhos.

— Eu pensei assim.

— Meu pai enlouqueceu logo antes de morrer. — Antonio disse muito calmamente. — E sua tia também.

— O que?! — Cass pensou que tivesse ouvido mal.

— Ambos enlouqueceram dias antes da morte do meu pai — ele repetiu, dessa vez com menos calma.

Cass o encarou, a incredulidade dando lugar a qualquer outra coisa, uma suspeita, um pressentimento que ela não podia definir.

— Você tem certeza, Antonio?

Ele encontrou o olhar dela enquanto eles caminhavam ao longo da estrada esburacada.

— Foi horrível — ele disse finalmente. — Seu comportamento era cheio de ódio e raiva, e era dirigido a sua tia, mas não fazia nenhum sentido, nenhum mesmo.

A simples menção de Catherine encheu Cass de pesar.

Ele tocou as costas dela suavemente.

— Ela também era incoerente com a mesma raiva e ódio, Cassandra. Você não deve ler o diário.

Cass não queria. Ela queria se lembrar de sua tia com toda a sua genialidade e dignidade intatas. E então ela pensou sobre os pneus cortados.

Cortados... com ódio e raiva.

Cass parou bruscamente.

Antonio também parou.

— O que houve?

— No momento em que eu vi todos aqueles pneus cortados, pensei, quem quer que fez isto estava tão zangado, tão cheio de ódio. Parece haver tanta raiva e ódio presentes agora, Antonio.

Ele a olhou fixamente.

— Como meu pai e sua tia?

Cass acenou com a cabeça, e de repente tudo se encaixou.

Ele empalideceu. Ele, também, compreendeu.

— O modo que nós fizemos amor. Violentamente. Artificialmente. Eu nunca tentei machucar uma mulher antes. Eu queria machucar você.

Cass estremeceu.

— Eu tenho tido estes sentimentos de ódio e raiva, desde que nós chegamos. Em relação a Tracey, em relação a Gregory. Que são tão intensos que me assustam. Sentimentos que não são meus.

Ele olhou fixamente para ela.

— Eu os tenho, também — ele disse. — Eles vêm inesperadamente. E desaparecem abruptamente.

Seus olhares se encontraram.

— Você está pensando o que eu estou pensando? — Cass sussurrou.

Ele a olhou fixamente, com os olhos arregalados.

— Se você está certa... — Ele inalou, profundamente. — Quando eu vi pela primeira vez o seu retrato, ela parecia tão triste.

— Mas ele mudou. — Cass sussurrou. — Ele tem mudado.

Ele assentiu.

— Jesus. Se você olhar para seu retrato agora, você pode ver a raiva e ódio em seus olhos.

Ela arregaçou sua manga.

— E existe maldade lá, e, eu acho, beligerância36.

— Eu notei — ele disse, sombrio.

Seus olhos se encontraram.

— E ela tem suficiente energia para começar um incêndio, enviar uma mensagem. — Antonio disse.

— Ela tem suficiente energia para cortar pneus? Para apunhalar alguém? — Cass perguntou com medo. Já suspeitando da resposta. E era não.

— Não é isso que eu penso. — Antonio disse.

— Sua raiva é a doença contagiosa. — Cass sussurrou.

— E ela está envenenando nossas mentes — ele disse.


A caminhada parecia interminável; seus pés começaram a doer. Estava insuportavelmente quente, e Cass estava coberta de suor. Sua camiseta e shorts estavam grudando nela como uma segunda pele.

Eles se acomodaram em baixo de uma pedra plana para descansar e tomar um gole da água de uma garrafa squeeze que Antonio havia levado. Seus ombros se esbarraram.

Cass ficou imóvel. Assim como ele. E seus olhos se encontraram.

Cass não se conteve. Ela estava se apaixonando e eles estavam tendo esse breve momento para eles mesmos, quando só Deus sabe o que aconteceria a seguir.

— Antonio?

Seu olhar moveu-se para sua boca.

— Cassandra, você é uma mulher muito desejável — ele sussurrou, e sua voz era rouca.

Cass encontrou seus olhos.

— Ela está envenenando nossas mentes? — Ela sussurrou.

Ele a estava puxando em direção a ele. Cass estava ofegante com necessidade e expectativa.

— Não. Não agora. Não assim. — Ele disse, beijando-a suavemente.

Um momento depois Cass estava deitada de costas e ele a estava beijando duro e tocando-a em todos os lugares. E quando seus quadris se ajustaram um contra o outro, suave contra duro, calor contra calor, ela ofegou, porque ele já estava extremamente excitado.

Ele puxou sua camiseta e sutiã sobre a sua cabeça, lançando-os de lado. Suas próximas palavras eram em espanhol, mas Cass não precisava entendê-las para decifrar o que ele queria dizer. Ele a queria tão desesperadamente quanto ela o queria. Ela fechou seus olhos quando ele acariciou seus seios e ela começou a tremer.

Ele começou a chupar um mamilo.

Ela não podia suportar mais, isso, ele.

— Oh, Deus. — Cass disse, e ela precisava senti-lo enterrado profundamente, duro, enorme e grosso, dentro dela.

Suas bocas unidas. Ele a acariciou com força. Cass abriu seus shorts. Eles caíram na grama, Antonio puxando seus shorts e calcinha pelos quadris. Um momento mais tarde ele estava penetrando nela; quase imediatamente, Cass estava gozando.

E desta vez, não havia nenhum maldito perfume de violetas.

E quando ele desabou, foi para murmurar seu nome, um som que Cass soube que ela nunca iria esquecer.

Antonio rolou sobre um cotovelo e Cass podia olhar para ele.

Seu olhar era firme.

— Não é por causa de Isabel — ela sussurrou. — Isto não é por causa dela.

Ele virou-se de costas, ainda respirando com dificuldade.

— Eu quero fazer amor com você. Lentamente. Por horas e horas. Não assim, em alguma rocha plana, suja, infestada de formigas.

O desejo surgiu novamente, imediatamente.

— Você quer?

Ele voltou-se para encará-la, empurrando seu cabelo fora de seu rosto, colocando-o atrás de sua orelha. O gesto era tão gentil, tão suave.

— Claro que eu quero. — Ele se inclinou para a frente e eles se beijaram.

Desta vez, foi lento, suave, demorado, infinito. De alguma maneira ele achou uma cama de grama e ele deitou-se nela. De alguma maneira ela embrulhou seu corpo ao redor do dele. Suas línguas procurando a outra despertando o desejo. Seus quadris se moveram num ritmo antigo, incansável. E quando ele a penetrou agora, foi devagar, com cuidado excruciante.

Cass deixou que ele lhe mostrasse todas as possibilidades. Ele deixou-a ansiosamente aprender.

Antonio achou suas roupas, dando-as para ela. Cass tentou não olhar para ele. O sol estava em seu ápice agora, devia ser meio-dia, e eles fizeram amor a manhã toda. Cass não sabia o que pensar; ela estava atordoada.

Se ela não estivesse se apaixonando por ele antes, agora ela estaria. Ela nunca poderia deixar este homem, não depois do que eles acabaram de compartilhar. E o que eles tinham compartilhado tinha sido amor, não luxúria, Cass nunca tinha estado mais certa de outra coisa em sua vida.

Isabel não tinha estado com eles, envenenando suas mentes.

Cass terminou de se vestir. A culpa começou a fazer com que sua presença insidiosa fosse conhecida. Tracey e Celia estavam desaparecidas; Gregory estava pedindo carona em seu caminho para a cidade mais próxima. Isabel permanecia uma ameaça para eles todos. E Cass acabou de experimentar a manhã mais incrível de sua vida.

Antonio estava esperando por ela. Cass ainda ficou surpreendida quando ele tomou novamente seu cotovelo firmemente em suas mãos quando eles passaram pela cabana, em direção à garagem da casa. Seu toque agora fez coisas loucas com ela, lembrando-a do que eles tinham compartilhado, do que eles ainda podiam compartilhar, e o que ela realmente queria dele. Cass perguntou-se se eles poderiam já compartilhar um futuro.

Ela gostaria de ter esperança, mas então, confrontada com a presença ameaçadora da casa, e a visão da BMW de Gregory com seus quatro pneus furados na estrada, parecia não haver probabilidade.

— Tudo está tão quieto. — Antonio murmurou, interrompendo seus pensamentos.

Cass olhou para cima, tremendo, porque ele estava certo, o silêncio era estranho, inquietante, até mesmo carregado, e seu olhar passou pela BMW, indo para a porta da frente da casa, e então ela deu uma olhada atrás do carro de Gregory, e ela gritou.

Tracey estava sentada nele, e ela estava morta.

Cass ouviu-se gritando novamente.

Antonio a agarrou, tentando segurá-la, tentando impedi-la de ir até sua irmã, que estava sentada caída sobre o volante, imóvel e inerte, seu cabelo longo uma massa engraçada, escura, emaranhada.

— Vamos! — Cass gritou ferozmente, surpreendendo-o, e ela se soltou de seu abraço, já sabendo que cor horrível era aquela, era a cor de sangue velho, seco.

Ela abriu a porta, viu os arranhões nas pernas de Tracey, os cortes em seus braços, ambas as mãos agarradas ao volante. Seu cabelo era uma massa confusa, e suas roupas também estavam terrivelmente manchadas, com sangue.

— Não! — Cass a agarrou.

E para seu choque, o corpo de Tracey não cedeu ou caiu em seus braços. Permaneceu rígido com resistência, quase impossível.

Cass parou de respirar; e então ela empurrou o cabelo de Tracey longe de seu rosto, a observou, olhos sem brilho, mas ela também viu o vapor da respiração que vinha de seus lábios separados, e então ela viu o quão brancas suas juntas estavam, e a subida e descida quase imperceptível de seu tórax.

— Tracey! — Cass lançou seus braços ao redor ela, mas Tracey não se moveu.

— Cassandra! — Antonio exclamou atrás dela.

Cass apenas o ouviu.

— Ela está viva! Tracey, o que aconteceu, Tracey! — Cass lamentou, acariciando-a, tocando-a, segurando-a, tentando não pensar sobre o sangue.

O que aconteceu?

E Cass sentiu sua irmã amolecer em seus braços. Seu corpo relaxando em ondas, até que Tracey estava em seu abraço, tremendo de modo selvagem, incontrolavelmente.

Cass a ergueu pelos ombros, com a intenção de tirá-la fora do carro, quando Tracey olhou lentamente para ela, seus olhos enormes e vazios, como os olhos sem vida de uma pessoa cega. E Cass estava apavorada.

— Eu... quero... morrer. — Tracey disse.


Capítulo Vinte

Dia quatro – Meio-dia

Diferentemente da maioria dos europeus, ele se exercitava regularmente, e corria vária vezes por semana em El Retiro Parque. Gregory partiu para vila em uma corrida, mas depois que uma hora se passou, ele estava cansando, e agora, outra hora mais tarde, ele estava caminhando, mas vigorosamente. A estrada de duas pistas em que ele andava, estava completamente deserta, e o fato que era o fim de semana não ajudou. A estrada se estendia por um terreno elevado, ondulado, circundado por colinas arborizadas inclinadas para cima no outro lado da estrada, e por um desfiladeiro raso em seu lado direito. A cidade mais próxima, a vila medieval murada de Pedraza, estava talvez há quarenta quilômetros da casa, a maior parte uma subida. Se ele pudesse manter seu passo atual, ainda que ninguém aparecesse para oferecer a ele uma carona, chegaria em duas horas ou mais.

Ele estava determinado a manter o ritmo.

Ele estava tão perto...

Mas Deus, estava tão quente.

E com o suor escorrendo abaixo em seu rosto, queimando seus olhos, ele não podia parar de pensar sobre o horror de virar-se na cama esperando ver Tracey e ao invés, ser saudado pelo sorriso arrepiante de Isabel de La Barca.

Aterrorizando, zombando... assombrando.

Ele imaginou tudo isso. Ou ele tinha imaginado Tracey se transformando em uma réplica da mulher morta, ou ele havia sonhado o episódio inteiro de sexo.

A última hipótese era muito mais provável, ele disse a si mesmo firmemente. Mas seus lençóis tinham cheirado a sexo pela manhã, muito distintamente, de um modo que não podia ser produzido por um sonho molhado.

Gregory não queria pensar. Mas não existia nada mais para fazer. Seu estômago permaneceu apertado e enrolado com medo, com pânico, e com as piores das premonições.

Alguém iria morrer. Ele só sabia, do modo que sempre soube, desde que ele era um menino pequeno aterrorizado pelo demônio de seus sonhos. O demônio que ele agora soube que não era nenhum demônio, nenhuma invenção de sua imaginação, mas um maldito fantasma, e a prova estava ali mesmo naquela fotografia que Cass havia tirado. KE mesmo enquanto ele apressava seus passos, inesperadamente, calafrios tomaram conta de seu corpo inteiro.

Agora ele perguntava-se se Tracey realmente retornou ontem à noite. Nesse caso, por que ela então desapareceu? Claro, ele gritou com ela como um louco, e ela tinha fugido do quarto. Ele a teria afugentado? Ou ele teria estado na agonia de um sonho incrivelmente real? Um sonho causado por sua própria covardia, seus próprios piores medos? Se ele nunca tivesse visto aquela fotografia, então ele podia dizer a si mesmo que isto tudo era toda uma estranha obsessão que sobrou de sua infância.

Mas muito mais que pesadelos de infância estavam acontecendo na Casa de Sueños, ele pensou tristemente. Catherine Belford e outro homem estavam mortos. Duas mulheres estavam desaparecidas. E ela era de alguma maneira culpada.

No momento em que pensou nisso, ele negou-o com todo o seu ser. Aquele fantasma estava assombrando eles, mas fantasmas não assassinam pessoas. Os fantasmas não cortam pneus. Os fantasmas não destroem instalações elétricas. Os fantasmas não eram nada além de energia informe. Quando alguém alguma vez morreu pelas mãos de um fantasma?

Um reflexo de luz invadiu seus pensamentos. Gregory de repente percebeu que algo estava à frente dele na estrada, e ele piscou. E num momento percebeu que um homem, se aproximava devagar, e ele piscou novamente, hesitando em sua trilha, com medo de estar tendo uma alucinação. Mas ele não estava. Assim que ele recuperou seu folego, ele viu um homem em uma bicicleta, pedalando devagar, continuamente, em direção a ele. A exultação o encheu, e com ela, a esperança. Gregory correu adiante, acenando freneticamente, gritando.

— Hola, señor! Hola!

O homem era na verdade um adolescente e Gregory se dirigiu a ele, parando-o, olhando-o sem desconfiança, pois não tinha havido nenhum crime nesta região. Gregory pegou sua carteira, retirou dela uma nota de dois mil pesos, e a deu para ele, explicando que ele precisava da bicicleta.

Não havia como recusar a negociação feita, o menino podia comprar outra bicicleta por quinhentos ou seiscentos pesos, e assim que Gregory subiu nela, ele sentiu uma onda de alívio. Embora ele tivesse medo, no fundo de sua mente, que de alguma maneira seria impedido de chegar à polícia neste dia.

Ele partiu, pedalando forte. Estimava que alcançaria a cidade em menos de meia hora agora, e ele sorriu quando deu uma olhada no sol, ele estaria falando com a polícia local bem antes do meio-dia. Por Dios.

A buzina soou atrás dele.

Gregory quase caiu da bicicleta, a buzina era tão alta e tão próxima dele, apesar dele ter estado só na estrada por toda manhã. Ele desacelerou, olhando por cima do ombro, e então viu o enorme caminhão de doze rodas rumando contra ele.

Seu coração batia furiosamente; a buzina soou novamente, dois faróis enormes e um para-choque de metal brilhante muito maior, se aproximando dele a oitenta ou noventa quilômetros por hora.

O idiota, Gregory pensou, sua pulsação aumentando com puro medo. O que estava tentando fazer, jogá-lo fora da estrada?

Gregory mudou de direção para o estreito e sujo acostamento, que não tinha muito mais do que vinte centímetros de largura, e sentiu a explosão de calor do motor do caminhão, ouvindo seu rugido, diretamente atrás dele, e olhando para trás, viu o rosto do motorista no para-brisa, alguns metros longe.

Ele gritou.

O motorista era uma mulher.

E quando o caminhão continuou desviando-se para o acostamento da estrada, seguindo em direção a ele, Gregory empurrou duro nos guidões, a bicicleta bateu sobre o chão rochoso ao lado da estrada, e então um pneu enorme veio sobre a bicicleta. E ele soube.

Ele soube quando foi jogado para cima, para o alto, ainda montado na bicicleta, e então à medida que ele caiu, a bicicleta arrancada de suas mãos, ele sentiu como seu corpo bateu ao lado do desfiladeiro, a dor explodindo em todos lugares, quase de uma vez, e ele soube quando ele rolou de novo e de novo, ganhando velocidade, caindo precipício abaixo, que isto era o fim.

Ele aterrissou duro nas pedras, em uma poça de água no fundo do desfiladeiro. E logo antes dele perder a consciência, ele pensou, isto é o que ela sempre quis, desde que eu era um menino. Como ele poderia alguma vez ter tido dúvidas?

Ela ganhou.


Cass já estava assustada; agora as palavras ditas por sua irmã a deixaram apavorada.

— Cassandra, deixe-me ajudar. — Antonio disse.

Ansiosamente Cass deslizou fora do carro.

— Ela está machucada. Ela está muito machucada. — Seu coração não iria se acalmar. Cada batida era cheia com dor e medo.

Antonio alcançou o carro e ergueu Tracey em seus braços. Tracey agarrou-se a ele, enterrando seu rosto em seu ombro.

— Eu a levarei até seu quarto. — Antonio disse.

Dentro de... seu quarto... as crianças.

— Deus! Eu não quero que as crianças a vejam assim. — Cass brandou enquanto eles se apressaram em direção à casa.

— Eu estou absolutamente de acordo. — Antonio murmurou sombrio.

Com as mãos trêmulas, Cass destrancou a porta da frente para Antonio, e o seguiu quando ele levou sua irmã para cima. No patamar, ela apressou-se à frente deles; a porta do quarto estava aberta. Quando Cass deu uma olhada no quarto, ocorreu-lhe que algo estava errado, mas ela rejeitou qualquer ideia que sua mente estivesse tentando dizer a ela, porque a sua prioridade estava em limpar Tracey.

— Coloque-a no chuveiro. — Ela disse a Antonio, e ele movimentou sua cabeça de acordo.

Assim que Antonio a colocou na antiga banheira, Tracey continuou a se segurar firmemente nele como um apoio. Ela continuou a tremer e agitar-se, e ela manteve seus olhos firmemente fechados. Cass ligou as torneiras, ajustou a temperatura da água, então levantou a mangueira de chuveiro. E quando ela dirigiu o jato sobre sua irmã, ela se sentiu violentamente enjoada. A água misturou-se com o sangue seco incrustrado em suas roupas, e escorreu vermelha na banheira sob seus pés.

Cass lutou para não vomitar. Ela rapidamente despiu sua irmã, mas já era tarde demais, pois seu top branco e seus shorts já estavam ficando vermelho-rosados. E Cass respirou fundo.

Suas pernas estavam arranhadas em todos os lugares, mas isso não era nada comparado às contusões enormes em seu torso, e então Cass vislumbrou seus seios. Uma série de linhas vermelhas finas irradiavam através deles. O olhar de Cass deteve-se em seus braços. As mesmas linhas vermelhas finas cortavam através dos lados inferiores de seus pulsos e antebraços.

Enquanto ela segurava a mangueira sobre sua irmã, ela voltou seu olhar para Antonio, sabendo que seu choque estava lá em seus olhos arregalados. Seus olhos estavam tão espantados quanto os dela, tão espantados e tão horrorizados. Cass achou-se agitando a cabeça. Aqueles cortes, quem fez aquilo à sua irmã, com certeza usou uma faca. Oh, Deus. O que aconteceu?

— Eu faço isso para você — Antonio disse firmemente.

— Não! Ela é minha irmã. — Cass gritou, e então se odiou por gritar com ele quando ele estava tentando ajudar, e nada disso era sua culpa, ou era? Talvez fosse até culpa dela. Tracey foi embora porque ela era instável, mas a atração crescente entre ela e Antonio aumentou sua fragilidade. Isso teria provocado seu desaparecimento?

A culpa sufocou Cass.

E ela procurava, desesperadamente, convencer-se que todos estavam bem, que ela não era de nenhuma maneira responsável pelo que estava vendo agora, mas sua mente havia se desligado, e não existia nenhum argumento mental para ela elaborar.

E então ela pegou o xampu e lavou cabelo da sua irmã, refugiando-se na atividade. Mas ela não conseguia parar de dizer a si mesma que poderia ter evitado o que aconteceu a Tracey. Era algo que ela nunca perdoaria ou esqueceria.

Cass percebeu que estava chorando.

— Por favor vá e deixe-me terminar. — Antonio sussurrou.

Cass olhou para ele através de suas lágrimas. Seu tom tinha sido incrivelmente suave, incrivelmente gentil, cheio de empatia e compaixão. Mas era tarde demais. Essa foi a última gota. Cass não achava que eles fossem capazes de ir adiante no futuro, não após esse momento singular.

— Eu não posso deixá-la — ela disse com voz rouca.

Quando Tracey estava tão limpa quanto possível, eles a embrulharam em uma toalha e Antonio a levou para sua cama. Cass se sentou ao lado dela, mas os olhos de Tracey já estavam fechados, e quando Cass a cobriu com um cobertor, ela sentiu juntarem-se em seus olhos novas lágrimas quentes, e elas começaram a cair, continuamente, de modo torrencial.

Ele tocou em seu ombro. Cass sacudiu a cabeça. Ela não podia falar.

O que foi bom, porque se ela pudesse falar, ela pediria que ele fosse embora. Sua mão permaneceu até que ela sacudiu os ombros. Ela não quis que ele a confortasse. Depois de um silêncio, ele disse.

— Quando você precisar de mim, eu estarei no andar de baixo. Eu vou conferir as crianças e Alfonso.

Cass não respondeu, e ela não olhou para cima quando ele deixou o quarto, também.

Mas o que ela fez foi cobrir seu rosto com as mãos e chorar.

— Cass?

O sussurro foi baixo e de alguma maneira triste; Cass estremeceu e encontrou o olhar fixo e cheio de lágrimas de Tracy. Imediatamente ela estendeu a mão para acariciar sua testa, seu rosto, e então tomou sua mão.

— Eu amo você.

Tracey piscou para ela enquanto as lágrimas caiam pelo seu rosto.

— Alyssa. Ela está bem?

Cass endureceu.

— Claro, — ela começou, entretanto ela percebeu que não viu Alyssa desde aquela manhã mais cedo. Ela recuperou sua compostura, forçou um sorriso, mesmo quando as lágrimas tornaram difícil para ela ver claramente, e disse. — Ela está bem.

— Diga a ela que eu a amo. — Tracey sussurrou.

Cass estava assustada. Sua irmã passou por algum tipo de horror, mas ela não era o tipo de pessoa para conversar deste modo.

— Pode dizer a ela você mesma quando você estiver com ela.

Tracey agitou sua cabeça.

— Não. Não. Não traga ela aqui. Por favor não o faça.

Tracey ficou perturbada.

— Bem, — Cass disse, percebendo que Tracey estava certa. A condição em que ela estava só assustaria Alyssa. Ela continuou segurando firmemente sua mão. — Tracey, por favor, diga-me o que aconteceu, quem fez isto com você?!

Tracey olhou fixamente para ela.

— Eu não sei o que aconteceu. — Ela finalmente disse.

Cass a olhou fixamente de volta, com desânimo.

— Como... como você pode não saber? — Mas enquanto ela falava, a palavra choque veio a sua mente, seguida por trauma e amnésia.

— Tudo é um borrão. — Tracey sussurrou, mais lágrimas caindo. — Eu estou tão cansada. Como você me achou?

Cass a olhou fixamente.

— Você voltou — ela finalmente disse. — Você estava no carro de Gregory.

Ela olhou para Cass com confusão em seus olhos.

— Você se lembra de deixar a casa? — Cass teve que perguntar.

Tracey hesitou, então movimentou a cabeça.

— Sim, eu lembro. Eu estava tão brava. Estava incrivelmente brava. Com você.

Cass sentiu como se ela tivesse sido atingida. Ela teve que fechar seus olhos.

— Eu sinto muito — ela ofegou. E ela sentia. Deus, ela sentia. Agora ela lamentava todo momento gasto com Antonio. O que ela estava pensando?

— Eu não quero ficar com raiva. Me assusta. — Tracey sussurrou.

Cass acariciou sua testa novamente.

— Você não tem que estar brava agora. Está aqui, e está segura. Eu cuidarei de você, Trace, eu prometo. Eu prometo — ela repetiu firmemente. E ela queria dizer isto.

— Estou assustada. — Tracey disse com voz rouca, mais uma vez.

Cass encontrou seu olhar.

— Não fique assustada agora — ela finalmente disse, forçando um sorriso tranquilizador o qual era uma mentira monumental. Então. — Por que você está assustada? Porque não consegue lembrar o que aconteceu?

Tracey piscou para ela. Hesitou um momento antes de falar, e quando ela o fez, suas palavras foram tão baixas que foi difícil para Cass entender, ela teve que se inclinar mais perto a fim de fazê-lo.

— Algo terrível está acontecendo. — Tracey disse. — Eu não entendo nada ... eu não entendo a mim mesma.

Cass a encarou. Muito assustada, e recusando-se a deixar sua mente ir onde ela desejava.

Mas ela tinha que perguntar. Havia muito em jogo. Vidas pareciam estar em jogo.

— O que está acontecendo?

Tracey agitou sua cabeça.

— Eu não sei — ela chorou.

Por um lado, Cass ficou aliviada que ela não respondeu, mas em seguida, Tracey ergueu ambos os braços para que Cass pudesse ver a série horrorosa de linhas vermelhas minúsculas cortadas em toda a parte inferior dela.

— Eu não queria — ela começou, e ela chorou.

Cass alcançou e agarrou suas mãos.

— O que aconteceu? Você lembra de algo, quem fez isso com você? —Tracey agitou sua cabeça. — Você não queria o que? — Cass exclamou, chorando novamente.

— Eu não queria fazer isto. — Tracey chorou. — Era como se existissem duas de mim. Eu me odiei e eu tive que fazer isto, eu me odeio tanto, mas eu tentei tão duramente me parar, mas minha mão esquerda não podia parar minha mão direita, e eu assisti a mim mesma fazendo isso, e havia tanto sangue e doía tanto, mas eu não conseguia parar.


Cass permaneceu completamente abalada e aflita até seu cerne, quando ela se deteve na entrada da biblioteca. A cena que a saudou era uma cena curiosa, as duas crianças jogando Monopólio Júnior no chão, Antonio acomodado no sofá ao lado deles, uma pilha de livros próxima a seu quadril, um aberto em suas mãos. Cass olhou fixamente sem ver. Não conseguiu registrar a cena aconchegante. Sua irmã infligiu aqueles ferimentos terríveis nela mesma. Era, ela sabia, algum tipo de desordem psicológica. Mas ela não sabia o nome.

O que estava acontecendo a Tracey?

Ela nunca fez qualquer coisa como essa antes. Cass tinha certeza. Tal transtorno podia aparecer tão tarde na vida de uma pessoa?

Cass fechou seus olhos. O transtorno aflorou lá, em Casa de Sueños. Outra ocorrência estranha e terrível que simplesmente não podia ser explicada... ou haveria alguma explicação?

A raiva da Isabel podia ser tão poderosa que podia infectar tanto uma pessoa fazendo com que ela se comportasse irracionalmente, loucamente, perigosamente, do modo como Tracey fez? Até chegando ao ponto de machucar outros, de machucar a si mesma?

— Cassandra. — Antonio a viu e fechou o livro, levantando-se, mas ao mesmo tempo Alyssa também a viu e saltou em pé, correndo para ela.

— Tia Cass! Minha mãe voltou! — Ela chorou com alívio óbvio.

Cass sorriu para ela, acariciando suas costas.

— Sim, ela voltou, e agora mesmo está tirando um bom e longo cochilo. — Cass estava tremendo. Ela simplesmente não conseguia parar.

Alyssa a observou muito seriamente, extremamente seria para alguém de sete anos de idade.

— Mas o que aconteceu? Onde ela esteve?

Agora a verdade era uma boa resposta.

— Ela não pode se lembrar, Alyssa. — Cass disse suavemente. — Às vezes pessoas perdem sua memória por um pequeno período de tempo. É uma espécie de doença, que vai embora, e é chamada amnésia. — Cass se sentou, assim ninguém notaria seu tremor descontrolado.

— Amnésia. — Alyssa quietamente repetiu. — Eu posso vê-la?

— Não agora. Mas ela perguntou por você antes dela conseguir dizer qualquer outra coisa, e pediu que eu dissesse a você que ela te ama. — Cass disse.

Alyssa a olhou fixamente e imediatamente percebeu que Cass estava dizendo a verdade. Ela suspirou com prazer.

— Eu estava tão assustada. Pensei que poderia nunca tornar a vê-la — ela sussurrou. — Como o que aconteceu com Eduardo com sua mãe.

Cass a encarou. As palavras da Alyssa fervilhavam em sua mente. Tracey retornou, então não existia nenhum vínculo óbvio entre os dois desaparecimentos. Ou existia? E se Isabel estivesse atrás de tudo? E se sua energia fosse tão poderosa que afetava todo mundo? A avó de Antonio, que apunhalou seu marido até a morte, Catherine, que atraiu Eduardo para a frente de um carro depois de se tornar sua amante, Margarita, que desapareceu, e agora sua própria irmã?

E sobre ela mesma e Antonio? E sobre Gregory?

Cass ainda não sabia o que ele estava escondendo, mas tinha bastante certeza que não era importante. Ele não estava envolvido no desaparecimento de Tracey, assim Cass podia agora seguramente assumir que ele não esteve envolvido em quaisquer dos eventos que aconteceram nos últimos quatro dias.

Cass tentou convencer-se que ela não teve nenhuma real evidência, que tudo era somente especulação, mas ela não estava convencida. Porque, mesmo agora, ela sentia que Isabel estava por perto.

Muito perto.

Alyssa saltou de volta para Eduardo, e Cass achou-se encontrando o olhar de Antonio. Ele andou até ela e ela se levantou; ele pôs seu braço ao redor dela, e eles saíram para o corredor.

— Como ela está? — Ele perguntou.

Cass se afastou. Ela tentou ser forte, mas seus olhos umedeceram quando contou a ele o que Tracey disse.

— Ela precisa ser hospitalizada — ele disse laconicamente. — Imediatamente. Graças a Deus Gregory foi chamar a polícia.

Cass olhou para ele.

— Eu suponho que todo aquele sangue veio dela. — Ela sussurrou com voz rouca.

Ele pôs a mão em seu ombro.

— Cassandra, aquela quantidade de sangue não veio daqueles cortes e arranhões. Asseguro-lhe isso.

Ela se afastou dele novamente.

— Oh, então agora você é um médico? Ou algum tipo de perito forense? — Ela perguntou tão estridente, que ambas as crianças pararam de jogar Monopólio no meio de uma jogada dos dados a fim de olhar fixamente para ela. Ela conseguiu abaixar sua voz. — O que diabos você quer sugerir?

Ele a olhou fixamente.

— Eu não sugeri nada. O que é que você pretende dizer?

— Nada — ela grunhiu, afastando-se.

Ele segurou seu braço e a virou de volta.

— Alguém apunhalou o eletricista.

— Não faça isso. — Cass nunca havia usado tal tom antes. Estava cheio de advertência e fúria. Ela protegeria sua irmã a todo custo.

Ele soltou sua mão.

— Nós não devíamos estar discutindo. Eu não quero brigar com você. Cassandra. Deus, eu estou me...

Ela soube que ele iria dizer a ela que ele estava apaixonado por ela; ela sabia disto da mesma forma que sabia que o sol iria se pôr em algumas horas e que então Isabel retornaria.

Ela o cortou.

— Nós estamos brigando? — Ela estava calma, embora sua serenidade estivesse em uma espiral descendente até uma massa de histeria e medo. — Eu não notei.

— Nós não somos culpados pelo que Tracey fez a ela mesma — ele disse, seu olhar firme e sério, tentando segurar o dela.

Cass evitou o contato visual. Besteira, Cass pensou.

— Eu nunca disse que nós éramos.

Ele a encarou.

Cass se virou, ciente que ela estava pondo uma parede enorme, insuperável entre eles. Ela cruzou seus braços no peito, desejando que não fosse tão difícil respirar. E também desejando que no fundo de seu peito, seu coração não estivesse doendo tanto.

E ele não se moveu; ele não foi embora.

Cass finalmente disse.

— Quanto tempo vai demorar para Gregory chegar a Pedraza, já que ele tem que andar todo o caminho?

— Eu diria que ele está quase lá. — Antonio respondeu muito calmamente.

Cass teve que olhar para ele, porque a gravidade em seu tom a desarmou. Ela não queria machucá-lo. Mas o que foi feito a Tracey era insuportável e ela estava ferida.

— Eu já encontrei algumas informações sobre nosso fantasma — ele disse, seu olhar percorrendo seu rosto.

— Eu não tenho certeza se eu me importo com isso agora mesmo — ela mentiu.

— E se Isabel envenenou a mente de Tracey, também? — Ele perguntou, e não era uma pergunta.

Cass o olhou fixamente. Sua mente brilhante estava tirando as mesmas conclusões que ela.

— Ela não o fez. — Antonio olhou para ela, e Cass pensou que ela viu piedade em seu olhar. — Ela não envenenou Tracey de maneira nenhuma! — Cass exclamou.

Antonio se virou, e quando a encarou, ele disse,

— Eu achei duas cartas, Cassandra. Há alguns momentos atrás. As cartas que sua tia mencionou. Uma é de Isabel para seu primo, Robert de Warenne, a outra era de Robert para ela. Aparentemente eles eram amantes, e se corresponderam enquanto Isabel estava grávida, e aqui, em Casa de Sueños, na Espanha.

Cass o olhou fixamente, sua mente absorvendo devagar e interpretando as informações.

— Ela era miseravelmente infeliz. — Antonio disse. — Mas existe uma outra coisa.

— O que? — Cass perguntou.

Ele olhou para ela.

— Por que a carta que Isabel enviou para seu amante na Inglaterra está aqui, em Castilha, entre as posses de La Barca?


Gregory deveria ter chegado a Pedraza várias horas atrás, então onde estava a polícia?

Eles haviam embalado a metade das anotações e livros do seu pai, e almoçaram, também. Manter-se ocupados parecia ser seu acordo implícito. Eles também procuraram brevemente por Celia, sem resultado. Agora Cass continuou olhando seu relógio. Eram 3 horas da tarde e ela tinha um mal pressentimento.

Antonio também deu uma olhada em seu relógio, então olhou para cima, e seus olhares se encontraram.

— Não quero preocupar você, mas onde ele está? — Cass perguntou.

— Ele já deveria ter voltado. — Antonio disse. Abruptamente ele se sentou em sua escrivaninha. — Algo aconteceu.

Cass quase tocou em seu ombro, mas ela pensou melhor. Ao invés, cruzou seus braços protetoramente sobre o peito.

— Estas coisas levam tempo.

— Não. Algo aconteceu. Por que eu o deixei ir? Por que não fui eu mesmo? Era minha responsabilidade.

Cass suspirou profundamente.

— Eu vou lá em cima para verificar Tracey — ela disse. Ela tinha feito isso a cada hora, mas Tracey continuava profundamente adormecida.

Antonio assentiu com a cabeça, sem olhar para ela.

Cass fugiu da biblioteca. Ela não podia lidar com muito mais agora. Estava sobrecarregada e intensamente ciente disto.

Mas e se Isabel já não estivesse com eles?

Sua tensão aumentou e tornou-se insuportável.

Assim que ela entrou no quarto de Tracey, ela viu que estava ainda adormecida, mas sua expressão não era relaxada. Era cheia de angústia. Ela estava se agitando sem parar, emitindo sons melancólicos, claramente no meio de um sonho terrível.

Cass se sentou ao lado dela, acariciando seu cabelo.

— Está tudo bem, Trace. É só um sonho.

Tracey gradualmente se acalmou, mas Cass decidiu se sentar com ela um pouco mais, e quando fez isso, ela se achou olhando em torno do quarto, perguntando-se o que era que a estava aborrecendo.

E então ela percebeu. As roupas que Tracey vestia no dia de seu desaparecimento estavam em uma pilha no chão. Elas não eram as roupas que Cass tirou dela no chuveiro.

Cass paralisou. Isso significava que Tracey retornou, sem o conhecimento de ninguém, a fim de se trocar. Não foi? Mas por que? E como isso era possível?

Cass se achou agarrando as roupas. Talvez ela estivesse cometendo um erro. Mas o pequeno short branco, o minúsculo top rosa, Tracey vestia aquelas roupas na cripta, tinha estado com elas quando brigaram no grande corredor, e quando ela correu para fora da casa.

Cass lançou o short, perplexa, e assim que ela o fez, algo rolou fora de um bolso. Ela pensou que era uma moeda, voltou-se para sua irmã, agora profundamente adormecida, então tornou a verificar. Uma corrente de ouro fino, delicado caiu no chão, com uma pequena cruz de ouro tendo um diamante minúsculo preso em seu centro. Cass olhou fixamente, incapaz de se mover, atordoada.

Ela o recuperou, reconhecendo-o, sentindo uma dor profunda em seu estomago. A corrente era de Celia. Ela a usava todos os dias; ela nunca a tirava. Cass estava certa que era dela.

Cass não podia entender por que Tracey tinha a corrente; de fato, era muito difícil raciocinar agora mesmo, muito menos claramente, ela estava tão chateada. Cass agarrou sua cabeça.

— Pare — ela sussurrou para si mesma. — Procure ser racional!

Tinha que haver uma explicação para aquela corrente. Da mesma maneira que havia uma explicação para o sangue nas roupas de Tracey, da mesma maneira que havia uma explicação para o assassinato do eletricista.

Cass começou a tremer. O desespero a tomou. De repente sentiu como se não houvesse uma saída. Ela amava Antonio, mas ela não podia tê-lo, não agora, não depois disso. Ela quis proteger Catherine; ao invés, Catherine estava morta. Como ela podia proteger Tracey? Como?

E então a fragrância de violetas encheu o quarto. Rapidamente. Dominando tudo em sua intensidade. Cass estava ciente de que estava tremendo; seus joelhos se tornaram inúteis, e ela caiu contra a cama. Isabel estava lá. E Cass não tinha dúvida de que ela se materializaria a qualquer momento. Cass não se moveu, esperando, impotente, apavorada.

O odor era tão forte que ela não podia respirar. Cass começou a tossir e sufocar, lágrimas começaram a escorrer em suas bochechas. Tracey até tossiu enquanto dormia. De repente Cass sentiu como se ela pudesse sufocar por falta de ar, da mesma maneira que sua tia tinha sido asfixiada, e ela não podia permanecer ali, ela precisava de ar, e ela saiu do quarto. Mas o corredor também estava cheio com o doce e repugnante odor.

Cass apertou sua garganta, sem saber o que estava acontecendo agora. Imagens de sua tia, convulsionando no chão, ficando azul por falta de oxigênio, encheram sua cabeça. E com os olhos fechados, quando ela engasgou e sufocou por falta de ar, a imagem de sua tia mudou, e Cass se viu, como se ela estivesse no alto, em cima de um poleiro, olhando para baixo em uma visão aérea, e ela se assistiu sufocando até a morte, e então ela estava de bruços no chão, seu rosto ficando azul.

A escuridão a envolveu.

Cass lutou com suas forças para sair daquela situação. E quando a escuridão se tornou cinza, quando ela viu a luz, ela abriu seus olhos, esperando achar Isabel de pé lá, olhando fixamente para ela. Mas ninguém estava lá. E Cass percebeu que estava no chão, deitada de costas, ofegando severamente, olhando fixamente para o teto.

O corredor estava muito quieto e silencioso. Sua respiração estava obscenamente alta em comparação.

E então Cass a viu. A alguns passos de distância. De pé, junto à parede. Isabel.

Cass ficou tensa. Esperando o lampejo de uma faca, quase certa que Isabel poderia esfaqueá-la até a morte assim como ela, ou alguém, apunhalou o eletricista até a morte, da mesma maneira que a avó de Antonio apunhalou seu marido até a morte. O medo tornava difícil respirar novamente.

Mas Isabel só ficou lá. Seu olhar fixo era brilhante, ardente, e então ela virou-se e caminhou corredor abaixo, em direção ao quarto de Cass.

Cass recomeçou a respirar. O odor de violetas estava diminuindo rapidamente. Ela aspirou com força o ar fresco, novamente, até que o odor tinha quase ido.

Cass conseguiu levantar-se. Se sentiu trêmula e desorientada. Mas ela não imaginou o que acabou de acontecer. Sofreu um ataque como o de sua tia, ela chegou muito perto da morte, e ela acabou de ver Isabel. Isabel, que permitiu que ela vivesse.

E ela tinha ido para o fim do corredor, ao quarto de Cass.

Cass cambaleou contra a parede. Ela olhou fixamente em direção a seu quarto, a porta estava fechada. Cass pensou que viu Isabel caminhar através dela, mas não estava certa.

Ela não queria se mover. Não a menos que fosse para fugir de volta para o andar de baixo. Mas de alguma maneira seus pés se moveram na direção oposta e ela caminhou para o fim do corredor, seu coração batendo agora de puro medo, não querendo fazer o que deveria fazer, incapaz de impedir seu movimento para a frente, usando a parede como apoio, cambaleando contra ela. Na porta ela parou, com medo.

Isabel estaria no outro lado. E então?

Cass novamente teve dificuldade para respirar, mas desta vez não tinha nada a ver com asfixia, mas tinha tudo a ver com pânico.

Abra a porta.

A voz estava lá, dentro de sua cabeça, alta e clara, um comando.

Abra a porta.

Ela encontrou-se estendendo a mão para a maçaneta. Embora ela não queria nada além de fugir, mais rápido e tão longe quanto possível. Embora soubesse que Isabel, estava dentro de sua mente, sussurrando para ela.

Abra a porta.

Cass obedeceu, empurrando a porta aberta. Isabel não estava presente. Seu quarto estava deserto. Cass apoiou-se contra o batente da porta. Graças a Deus!

E assim que ela suspirou com alivio imenso, ela viu a tela do computador brilhando. E até de longe, soube que palavras estavam lá, e ela entendeu.

Isabel deixou outra mensagem.

Cass não fez nenhum movimento, ela não podia.

Não teve nenhuma ideia de quanto tempo ela esteve congelada na porta, olhando fixamente para a tela de seu laptop, nas letras brancas minúsculas iluminadas lá, que eram impossíveis de ler claramente de longe. Ela finalmente se adiantou, um pé depois do outro, lentamente, apaticamente, silenciosamente, em estado de pavor. Cass deteve-se, então estendeu a mão apoiando-se a escrivaninha.

EU SOU SUA IRMÃ AGORA.

Capítulo Vinte e Um

Hampton Corteja – novembro de 1554

— E quando você dirá a Sua Senhoria a verdade?

As têmporas de Isabel pulsavam. Eles permaneceram em seus quartos no palácio depois de tudo, e ela se sentou em uma cadeira com apoio posterior, aliviando suas costas, que doíam constantemente nestes dias. Ela fechou seus olhos. Como ela desejou que Helen fosse embora. Ela se tornou uma resmungona e curiosa, e enganá-la nunca era uma tarefa fácil.

Helen deu a ela uma compressa fria para suas têmporas.

— Há uma razão pela qual você não deseja dizer a seu marido que você vai ter uma criança, Isabel?

Isabel não encontrou o olhar de Helen.

— Eu esperei para ter certeza que eu estou verdadeiramente esperando seu bebê. — Ela disse friamente. Abruptamente, levantou-se. Em seus pés, Zeus também o fez. Ele engordou nestes meses passados, comendo muitos restos de comida.

Helen fez um som, metade grunhido e metade descrença, e foi embora. Isabel ficou aliviada. E seus olhos se encheram de lágrimas. Sua barriga não se projetava em suas roupas, ainda não, mas quando ela estava nua, ela podia ver um pequeno e firme inchaço em seu abdômen. Ela não teve nenhum período mensal desde seu casamento, então ela poderia muito bem-estar grávida de quatro meses. O estômago de Isabel revirou.

Um penico estava perto e ela o usou, vomitando incontrolavelmente. Quando os espasmos passaram, ela permaneceu ajoelhada, chorando, até que o nariz molhado e morno de Zeus tocou em sua bochecha. Imediatamente ela se sentou no chão, puxando-o em seus braços, abraçando-o firmemente. E se a criança fosse de Rob?

Oh, o quão tola ela pôde ser, tomando um amante antes de conseguir um herdeiro! E se a criança tiver os olhos azuis e o cabelo loiro de Rob? Talvez, ela pensou, respirando irregularmente, Alvarado nunca saberia. Seus próprios olhos eram azuis, seu cabelo nem ruivo nem loiro, mas alguma tonalidade incomum entre os dois. Ele nunca deveria saber, eles todos nunca deverão saber, até que a criança estivesse bem crescida, e apresentasse alguma semelhança distinta entre um ou outro homem. Suas têmporas latejavam como se pudessem dividir seu crânio em dois.

— Oh, Zeus, — Isabel sussurrou, acariciando sua cabeça sedosa enquanto ele a observava, com grandes olhos de adoração. — O que eu fiz?

Mas agora era demasiado tarde para remorsos, e como ela podia lamentar seu amor por Rob, que perdurava mais forte do que nunca? Ela ainda tinha que dizer a Rob, mas ela viu a expressão em seus olhos ontem à noite, quando ele cobriu sua barriga pequena com sua mão grande, explorando sua nova firmeza. E quando ele levantou seu olhar, a pergunta estava lá sem sombra de dúvida, pois Isabel o conhecia tão bem agora, e ela desviou o olhar. Rob, que tinha acabado de ser pai de um menino natimorto e cuja esposa havia morrido durante o nascimento. Rob, que não teve nenhum herdeiro, nem mesmo um bastardo. Antes dela poder continuar mais em seu dilema, Helen reapareceu no quarto.

— Já está mais do que na hora de você descer para cear, Isabel, ou eu devo enviar à corte uma mensagem que não está bem o suficiente? — A desaprovação era evidente em seu tom de voz e em seus olhos.

Isabel mordeu seu lábio. Helen sabia que ela tinha um amante, Isabel estava muito certa. Haviam muitas tardes para contar quando Isabel apareceu em seus aposentos, com olhos sonhadores e sorridentes, incapaz de pensar em nada além de Rob, com Helen franzindo o cenho para ela. Se ela tivesse sido só um pouco mais discreta, ela pensou, em desespero. Isabel levantou-se.

— Não se mova assim tão de repente. — Helen ralhou. — Você deve ser cuidadosa, Isabel.

Isabel acenou para ela.

— Eu sou mais que cuidadosa. Não, eu descerei — Ela deu um sorriso pálido. Ela não estava juntando-se a seu marido porque ela desejava fazer isso, mas porque isso o agradava, e ela estava apavorada, com medo de desagradá-lo.

Isabel não se apressou quando ela atravessou os muitos salões e corredores do palácio. Há muito tempo ela estava familiarizada com o modo de vida na corte. Ela cumprimentou com a cabeça vários cavalheiros à medida que os encontrou, enquanto ignorava a discussão alta acontecendo entre um grupo de cortesãos espanhóis e seus pares ingleses. Os estrangeiros e ingleses estavam brigando, muitas vezes violentamente, todos os dias. De fato, seu marido frequentemente reclamou sobre o tratamento dado a seu povo, para não mencionar a corte, a comida, a bebida, o entretenimento, e praticamente tudo que fosse inglês.

Graças a Deus que ele não reclamou dela.

— Condessa?

A voz era familiar, mas ela não a reconheceu. Isabel hesitou, olhando para uma multidão de homens que andava a passos largos em direção a ela. Os olhos azuis vívidos encontraram e se mantiveram nos dela. Isabel de repente percebeu que ela estava cara a cara com Douglas Montgomery, e ela hesitou. Ela não o viu desde que o enganou quando ele veio para cortejá-la e pedir sua mão.

Ele se adiantou a passos largos, seu olhar nunca deixando seu rosto, e ele se curvou. Isabel estava atordoada por sua presença, e mais que isto, ela finalmente percebeu que seu coração trovejava forte em seu peito. Mas Deus querido, o que ele deve achar dela?

— Lorde Montgomery — ela conseguiu cumprimentá-lo.

Ele se endireitou, e agora seu olhar deslizou rapidamente pelo seu rosto antes de retornar a seus olhos.

— Sim. Eu percebo que eu causei uma impressão tão singular em você que ainda se lembra de mim.

Isabel percebeu, muito tarde, que ele estava se referindo a decepção repugnante que ela causou a ele, e corou.

— Milorde, eu realmente não sei por onde começar. Peço desculpas por meu comportamento quando nos conhecemos...

— Eu sabia que você estava disfarçada — ele disse.

Isabel só encarava ele, completamente perdida.

Seu sorriso era leve.

— Eu me senti muito insultado, mas isto tudo já é passado agora, não é? Você agora já está casada, assim como eu.

Seu coração continuava a trovejar, Isabel não podia entender por que.

— Eu verdadeiramente não desejei insultá-lo, milorde.

— Eu não tenho nenhum desejo em viver no passado. O futuro é o que me interessa, assim como o presente. — Seu olhar fixo com o dela.

Isabel entendeu e ela não conseguia se mover. Ela ainda o atraia. E ela não podia deixar de se sentir absurdamente contente.

— Eu desejo felicitar você por seu casamento — ele finalmente disse depois de um silêncio longo e desajeitado.

Isabel sentiu-se corar.

— E eu, pelo seu.

Ele sorriu então.

— Você já ouviu falar? Minha esposa está grávida! Nós esperamos o bebê para chegar em maio. — Seus olhos estavam iluminados com orgulho.

Ela se lembrou de seu próprio estado, e dilema, e seu sorriso desapareceu.

— Isto é maravilhoso, milorde.

Ele tomou sua mão novamente.

— O mais estranho olhar de preocupação, ou seria tristeza? acabou de passar por seus olhos, milady. O que possivelmente poderia causar a você tal pesar?

Isabel ficou surpresa. Ela molhou seus lábios, pensando freneticamente em uma resposta.

— Você me entendeu mal, milorde, mas eu quase não tenho preocupações nos dias de hoje.

— Então eu estou contente, mas eu sei o que eu vi.

Isabel o olhou fixamente. O desejo de confiar nele a dominou, e ela teve que dizer a si mesma para não ser uma boba.

— Então você sabe mais que eu — ela disse, tão ligeiramente quanto podia.

De repente ele colocou seu braço no dele.

— Vamos passear. Você caminhará comigo, milady?

Ela olhou para ele. Ela deveria continuar seu caminho, mas era muito agradável vê-lo novamente após este tempo, e ela assentiu com a cabeça assim que eles começaram a caminhar.

— Sim, por favor.

— O que você acha da vida na corte? — Ele perguntou.

— Eu acho interessante e divertida. — Ela disse. — Não esqueça, eu não passava de um rato do campo até que meu tio se recordou de minha existência.

Seu olhar era caloroso.

— Eu duvido que você fosse sempre um rato do campo. Você é muito inteligente e muito bonita.

Ela desacelerou. Não havia nenhuma dúvida que suas palavras eram um elogio. Mas ela não estava confusa, nem um pouco. Estava estranhamente eufórica. E quando ela reconheceu sua profunda estima, ela se sentiu maravilhada. Por que, ele é tão íntegro, tão orgulhoso e tão sincero, e tão bonito quanto Rob. Como ela não conseguiu notar quando ele veio cortejá-la como um pretendente? De repente ela perguntou-se se ela havia cometido um engano terrível. Então subitamente, consternada, ela cortou seus pensamentos.

— O que trouxe você até a corte? — Ela perguntou depressa.

— Na verdade, eu considerei a possibilidade de ver você novamente — ele disse baixinho, não mais sorridente.

Isabel se deteve. Seus olhares se encontraram e ela não podia se mover.

— Isso não é exatamente o que você está pensando. — Ele agarrou seu braço. — Desde aquele dia do nosso primeiro encontro, quando tentou me enganar com aquele disfarce miserável, eu não consigo esquecer de você. Na verdade, penso que eu sou um pouco louco. — Seu sorriso era autodepreciativo. — Mas não é por isso que eu vim falar com você.

Ela o estudou com crescente desconforto. Se ele não estava aqui para lisonjeá-la, então por que ele estava presente?

— Eu não entendo.

Ele estava com um olhar tão sombrio, quanto seu sombrio semblante.

— Isabel. Existem tantos rumores, rumores nos quais eu não acreditei, mas agora nós devemos falar deles.

Ela o enfrentou, de repente assustada.

— Que rumores? Oh, rumores de o desejo do rei ir guerrear na França? A rainha está grávida, sabe. — Ela sabia que ela estava falando muito depressa e que suas palavras eram confusas. — O rei nunca partirá antes do bebê nascer, até a primavera.

Ele agarrou seus braços.

— Os rumores abundam sobre você, Isabel, rumores em que eu não acreditei. Mas eu encontrei seu marido. Eu encontrei o almirante. E eu vejo a dor e conflito e a preocupação em seus olhos. Deus querido, eu entendo agora, tudo, inclusive por que você me rejeitou, mas você joga um jogo perigoso.

Isabel não podia se mover. Suas palavras a fizeram vacilar, quase cegando-a.

— Que ... rumores? Eu não sei do que você fala! — Ela exclamou, muito alto, seu tom alto e descompassado.

Ele apertou seu pulso.

— As conversas da corte sobre você e o Almirante de Warenne, minha querida.

Isabel olhou fixamente para seu rosto bonito e sóbrio. Ela queria dizer, Ele é meu primo. Mas ela não conseguia formar uma única palavra.

As conversas da corte sobre você e Almirante de Warenne.

Não! Não era possível! Sua vista ficou turva, o corredor a sua volta escureceu.

— Não desfaleça — ele disse, lançando um braço forte ao redor ela.

Antes dela se dar conta, ele a ergueu em seus braços, andando a passos largos através do corredor, enquanto ela lutava contra a escuridão, pensando, as conversas da corte sobre você e o Almirante de Warenne, e então ela estava sendo colocada sobre um banco de pedra em um jardim pequeno onde o ar era úmido e molhado com névoa.

— Respire profundamente, não, não se levante — ele disse com firmeza.

Isabel deitou-se no banco, respirando rapidamente, com dificuldade, suas palavras um feio, terrível refrão em sua mente. Quando ela abriu seus olhos, eles obscureceram com lágrimas, e seu rosto bonito, preocupado estava lá.

— Se o mundo sabe de sua ligação, é só uma questão de tempo até que seu marido o saiba, também — Montgomery disse.

Ela o olhou fixamente, e de repente ela estava segurando suas mãos firmemente, agitando sua cabeça. Ela devia mentir, negar tudo; ao invés, ela estava chorando.

— Como eles podiam saber? Como alguém podia saber? Exceto, por ventura, por Helen...

Seu olhar era penetrante.

— Importa como eles ficaram sabendo?

Ela lutou para levantar-se; imediatamente ele pôs seu braço ao redor dela para ajudá-la.

— Eu o amo. — Ela se ouviu sussurrar.

— Eu sei.

Existia algo em seu tom que a fez erguer seu olhar para ele.

Seu sorriso era contorcido.

— A vida é incompreensível, não é? Mesmo depois de meus trinta e dois anos, depois de tudo que tenho testemunhado, e vivido, ainda não consigo entender a vontade de Deus.

Isabel podia só concordar, silenciosamente. Toda a corte sabia? Oh, Deus! Ele tem que estar errado!

— De Warenne é um homem de sorte. — Montgomery disse.

Ela encontrou seu olhar.

— Não, milorde, conte mais — ela finalmente disse.

Mas suas próximas palavras não eram as que ela estava esperando.

— E ele não é merecedor de você.

— Não o calunie por causa de seu ciúme! — Ela lamentou.

— Eu não nego meu ciúme, mas eu falo a verdade. Porque se ele a amasse, ele não a colocaria nesta posição. — Montgomery continuou, sombrio.

— Não fale de um assunto que não é seu!

— Mas você é assunto meu, Isabel. Eu não menti quando eu disse que a vontade de Deus é estranha e incompreensível. Caso contrário existiria apenas uma mulher em meu coração, minha esposa. — Ele a olhou fixamente. — Você deve ser cuidadosa, Isabel. Não confie em ninguém. Há tantos ciúmes mesquinhos aqui, e há espiões por toda parte.

Ela o olhou fixamente.

— Eu entendo. — Ela percebeu que ele iria partir, e estranhamente, ela não estava pronta ainda para deixá-lo fazer isso.

— Caso você precise me encontrar, você pode deixar uma mensagem em Carew Hall. Minha mansão fica próxima ao Rio Tâmisa, e meus empregados são confiáveis. Eu não virarei minhas costas para você.

Isabel sentiu que mais lágrimas transbordavam, junto com uma confusão que ela não podia compreender, acompanhadas de um igualmente incompreensível, medo. Ela movimentou a cabeça.

— Obrigada, milorde. Esta é uma oferta que eu posso um dia aceitar.

— Eu rezo para que você nunca precise fazê-lo — ele disse.


— Sim, Isabel? Há algo que você deseja me dizer?

Seu marido estava trabalhando até tarde, como sempre, lidando com assuntos de diplomacia e estado. Isabel hesitou ante sua escrivaninha, a imagem sombria de Montgomery imediatamente vindo a sua mente. Ele tinha assombrado seus pensamentos desde seu encontro inesperado mais cedo naquele dia.

— Você tem um momento a ceder, milorde? — Isabel nervosamente perguntou. Pensando, A corte inteira não sabe. Montgomery estava errado. E Alvarado certamente não tinha nenhuma suspeita. Caso contrário ela, Isabel, sentiria que algo estava seriamente errado.

Eles continuaram a conversar principalmente em francês, embora ele tentasse falar um pouco de Inglês, e ela podia arranhar um pouco de espanhol se fosse necessário.

Ele estava esperando. Seu rosto era uma máscara que era impossível ler, entretanto, ele nunca tinha sido um homem muito expressivo. Isabel encontrou seu olhar por um momento, e naquele instante ela pensou que seus olhos estavam frios e duros. Ela olhou, apavorada, pensando, Doce Mãe Maria, ele sabe!

Ele segurou seu braço. Isabel não viu quando ele o fez. Seu toque a fez vacilar.

— Algo está errado, minha querida?

Ofegante, ela encontrou seu olhar, apenas para desviá-lo, com medo que ele visse sua culpa.

— O que você deseja falar, minha querida?

Isabel conseguiu pensar. Seu tom não era incomum, ela percebeu, e para ela era um pouco amável, bastante firme, e também ligeiramente protetor. Ela deve ter imaginado a luz fria em seus olhos, só porque Montgomery a deixou tão aflita. Ela não tinha nada com que se preocupar. Ela e Rob tinham sido demais cautelosos; eles tinham sido muito discretos. Isabel finalmente o enfrentou. Ela ainda não podia olha-lo diretamente nos olhos.

— Eu estou grávida, milorde.

Por um momento sua expressão não mudou, foi um momento em que Isabel ficou assustada novamente, e então ele sorriu.

— Eu esperei por este dia — ele disse.

— E eu também — ela respondeu, uma mentira terrível.

— Não admira que você tem estado ao mesmo tempo pálida e corada, com apetite e sem nenhum — ele disse, guiando-a para uma cadeira e pedindo-lhe para se sentar. — Para quando nós poderíamos esperar a criança?

Isabel sorriu para ele. Seu coração batia contra as paredes de seu tórax como as asas de uma borboleta enjaulada.

— Eu penso que em cinco ou seis meses, milorde. Eu tenho ainda que ver um médico. Eu desejei falei com você primeiro.

— O quão gentil você é, como sempre, Isabel. Novamente, você me deixa infinitamente satisfeito. Algum homem é mais afortunado que eu? Então você pensa que a criança foi concebida logo depois que nos casamos? — Ele perguntou.

— Logo depois que nos casamos — ela sussurrou, incapaz de respirar normalmente.

Ele movimentou a cabeça, sorrindo, então virou-se e moveu-se para uma mesa onde ele serviu duas taças de vinho branco.

— Nós devemos brindar o bebê por nascer, Isabel, e nós devemos brindar você, minha esposa bonita, inteligente, leal.

Isabel aceitou a taça com uma mão trêmula, tentando decifrar uma insinuação em suas palavras e não achando nenhuma. Montgomery também a chamou de inteligente e Alvarado não quis dizer nada além disto. Eles beberam pela chegada segura do bebê, e por sua própria rápida concepção da criança. Eles beberam pelo acontecimento de um filho. O vinho desceu com gosto de vinagre, fazendo revirar as entranhas de Isabel.

Ela sempre quis um filho, mas não assim. Nunca assim. Seu coração estava tão pesado. A extensão de sua traição estava finalmente caindo sobre ela. Como ela tinha chegado a um ponto tão terrível em sua vida? Quando ela tinha sido inocente e fidedigna, cheia de sonhos de casa e fogão, marido e obrigações e o amor? Pelo menos ele não sabia. Seguramente se suspeitasse, ele a mataria agora.

Alvarado terminou seu vinho e sorriu para ela.

— Chegou a hora, minha querida.

Isabel congelou.

— Que hora?

— Chegou a hora de você ir para a Espanha. Meu filho deve nascer em Castilha, como eu nasci, e meu pai e avô e seu pai antes dele. — Ele levantou sua taça vazia em uma saudação. — Você deve zarpar assim que os médicos completarem os exames e me assegurarem que tudo está bem.

Isabel estava atordoada. Com os olhos arregalados, ela olhou fixamente para ele com pura incredulidade. Deixar a corte? Ir para a Espanha? Agora? Mas... Como ela podia deixar Rob?

— Eu me reunirei a você assim que meu trabalho aqui estiver terminado, espero que antes da criança nascer — Alvarado disse.

Isabel permaneceu atordoada. Não, ela não podia ir. Ela não podia.

— Eu sou tão feliz aqui, milorde, nós estamos tão confortáveis...

— Você partirá dentro de uma semana, eu garanto a você — ele disse. — Comece seus preparativos agora. — E foi embora.

Sua conversa estava terminada.


24 de dezembro de 1554

Meu caríssimo Rob,

Meu coração dói com saudades de casa e de tudo que me é mais caro. Oh, Rob, não existem palavras suficientes na língua inglesa para descrever para você minha solidão e angústia. Esta terra é um lugar frio e estéril. É um lugar odioso. Nunca vou me sentir em casa. Quase dois meses se passaram desde que eu pus o pé nestas orlas estrangeiras, e estou com tanto medo de que eu nunca terei permissão para retornar a Inglaterra, que esta terra repugnante será meu lugar de enterro.

Eu me desespero, cercada por empregados cuja língua eu não posso entender, só tenho Helen para me confortar, e a criança que cresce rapidamente em meu útero. Até os doutores que vêm para me ver são estranhos e diferentes e eu não posso compreendê-los. Eu suponho que seus acenos com a cabeça e sorrisos signifiquem que tudo está bem, mas minha tristeza é tão grande que eu não me importo. Eu sinto falta de todos os momentos que nós compartilhamos. É tudo com que eu sonho. Você está sempre em meu coração e em meus pensamentos. Nem um único minuto, hora, dia se passa em que eu não pense em você, desesperadamente ansiando retornar para casa. Esta casa fria e feia com sólidas paredes de pedra se tornou minha prisão, meu marido, meu carcereiro.

Por favor me aconselhe. Eu aguardo ansiosamente sua correspondência.


Sua prima amorosa e dedicada, eternamente sua,

Isabel


21 de fevereiro de 1555

Minha caríssima prima,

Muito tempo se passou desde o último dia em que nos falamos. Lembro-me de nossas muitas conversas, com tristeza e alegria, e com saudade, e espero ansiosamente por muitas mais. Como você está passando, querida Isabel? Eu ouvi aqui na corte que tudo está bem, e eu não posso dizer a você como isso me agrada. Eu desejo com todo coração, a você e ao bebê que vai nascer, saúde e felicidade, como sempre.

Há muita notícia para dar. A rainha está bem, mas a hora do parto está próxima, embora Philip esteja ávido para ir guerrear na primavera, e ela está um pouco melancólica sabendo disto. E existe preocupação, também, para o país propriamente, caso o nascimento não ocorra bem, e até perguntas relativas ao trono. Mas eu não quero insistir nisto, embora aqueles assuntos ocupem meus pensamentos noite e dia.

Os rebeldes protestantes ainda afligem a terra em todos lugares, e a paz não foi restabelecida quando o Bispo Hooper encontrou seu destino. Ele foi, finalmente, condenado a fogueira por sua heresia, com vários outros hereges. Isso encorajou os rebeldes, especialmente no Sudeste. Minha mais querida prima, como eu gostaria que você estivesse aqui para compartilhar comigo as preocupações que eu aguento. Nosso país está dividido agora, muito pior que antes. Luterano contra Calvinista, anglicano contra católico. Noutro dia eu topei com dois ministros apedrejando um padre. Os ministros foram prontamente presos, mas o padre, um homem velho, já estava morto. Deus querido, como nós chegamos a tais tempos angustiantes? Eu não vejo fim para o conflito, pois paixões afloram sempre muito altas de todos os lados.

Eu não queria escurecer suas horas com tais pressentimentos, mas sempre, você era alguém com quem eu podia compartilhar meus pensamentos mais privados. Os antigos costumes não morrem facilmente, parece.

Eu aguardo ansioso, novidades de Castilha.

Deus abençoe você e a criança.


Seu dedicado, leal, e a mais amado primo,

Almirante Robert de Warenne


Capítulo Vinte e Dois

Dia quatro – 5 horas da tarde

Cass olhou fixamente para a tela de computador, recusando-se a compreender a mensagem, e quando ela fez isso, a tela piscou e escureceu e clareou novamente, e de repente estava cheia com palavras, sem qualquer pontuação.


EU SOU SUA IRMÃ AGORA EU SOU SUA IRMÃ AGORA EU SOU SUA IRMÃ AGORA EU SOU SUA IRMÃ AGORA EU SOU SUA IRMÃ AGORA EU SOU SUA IRMÃ AGORA EU


Cass começou a recuar, lentamente, passo a passo, seu coração batendo em seu peito, tão vigorosamente que ela pensou que poderia despedaçar sua caixa torácica, e então ela virou-se e correu. Ela correu como se estivesse sendo perseguida, invadiu o quarto de Tracey, e congelou no meio do caminho. Não estava certa do que ela esperava ver, talvez Isabel deitada lá na cama de Tracey, mas Tracey dormia lá, tão pacificamente quanto uma criança.

Oh, Deus, ela pensou, recuando.

Uma imagem de sua tela de computador permaneceu gravada em sua mente.

Uma imagem daquelas palavras terríveis.

No corredor ela olhou descontroladamente ao redor, mas Isabel não estava presente, e então ela correu escada abaixo. Ela tinha que achar Antonio. Tracey estava em perigo agora, todo mundo estava em perigo, Cass pensou, apavorada.

E quando ela entrou apressada na biblioteca, a primeira coisa que viu foi que as crianças não estavam presentes. Antonio estava de pé em uma escadinha, removendo livros de uma estante mais alta.

— Onde estão as crianças? — Ela gritou, assustada.

Ele quase caiu da escada, e então desceu mais cuidadosamente.

— Cassandra. — Ele agarrou seus ombros, seu olhar penetrante. Cass percebeu que ela estava tremendo. — O que aconteceu?!

Ela o agarrou.

— Onde estão as crianças?

— Alfonso os levou lá fora para brincar. Eles precisam de algum ar fresco e um pouco de exercício. Eles estão bem.

Cass agitou sua cabeça veementemente.

— Não. Eu os quero aqui, conosco!

Ele continuou a segurá-la, procurando seus olhos, seu rosto.

— O que aconteceu? — Ele falou devagar, calmamente.

— Eu tive um ataque, da mesma maneira que tia Catherine. Não conseguia respirar, eu estava sufocando, sufocando na droga do perfume dela!

Seus olhos arregalaram impossivelmente.

— Mas você está bem. — Seu braço estava ao redor dela agora.

Cass continuou a tremer. Sua língua parecia como se estivesse tropeçando em suas palavras, ela nunca falou tão rapidamente.

— Eu a segui até o meu quarto. Existe uma mensagem em meu laptop, uma nova mensagem. — Cass pareceu violentamente enjoada. O que aquela mensagem queria dizer? Ela se recusou a entendê-la.

— O que ela disse? — Antonio perguntou concisamente.

Ela deu uma olhada nele, porque ela pensou ter ouvido medo em sua voz, pela primeira vez. Medo. Ela estava tão terrivelmente assustada agora. Mas sua expressão era calma, uma máscara de ferro de compostura, e Deus, ela precisava dele agora, tranquilo e forte e racional. Mas ele tinha medo, ela acabou de ver isto, e agora seu próprio medo aumentava com força repugnante.

— Siga-me — ela disse.

Eles subiram os degraus. Cass não ficou surpresa ao ver que nada mudou em seu laptop, a tela de quatorze polegadas permaneceu cheia com aquela mensagem horrorosa, eternamente repetida: EU SOU SUA IRMÃ AGORA.

Antonio chegou mais perto e olhou fixamente.

Cass cruzou os braços.

— Eu não entendo. Não consigo entender. Eu não vou entender!

Era como se existissem duas de mim... minha mão esquerda não podia parar minha mão direita...

Antonio olhou para ela, abraçando-a ao mesmo tempo. Cass escapou de seu alcance.

— Não — ela disse, agitando sua cabeça.

Antonio encarou-a.

— Ela está nos dizendo que possuiu sua irmã, ou que ela é sua irmã? — Ele perguntou baixinho. — Eu acredito que existe uma enorme diferença.

Era como se existissem duas de mim... minha mão esquerda não podia parar minha mão direita...

Cass desejou que nunca tivesse ouvido aquelas palavras! Ela estava cheia de horror, de medo. Ela estava passando a borda de um precipício, em queda livre, e impotente para deter-se. Ela até se sentiu tonta.

— Qual é a diferença? — Ela finalmente sussurrou, e foi uma terrível capitulação diante da verdade.

Nesse momento ele tomou sua mão, apertando-a firmemente a seu lado.

— Se ela tem algum grau de controle da mente da sua irmã, existe esperança. De alcançar Tracey, e afugentar Isabel.

Cass não podia afastar seu olhar.

— Existe esperança? Existe? Ela fez alguém matar o eletricista. Ela fez sua avó matar seu avô. Ela fez Catherine atrair Eduardo para sua morte!

— Ela está tão brava — ele disse baixinho. — Mas a raiva pode ser controlada, até neutralizada.

Cass o olhou fixamente.

— Controlar? Neutralizar? Nós vamos jogar jogos mentais com ela? Ela é um fantasma, Antonio. Ela está morta. E zangada. De uma maneira enorme. E eu não tenho nenhuma pista de como lidar com ela! Talvez ela não ficará satisfeita até que nós estejamos todos mortos, cada um de nós! — Cass percebeu que seus dentes estavam batendo.

— Não pense no pior — ele disse bruscamente. — Nós devemos permanecer mentalmente fortes. Porque sua raiva contamina aqueles que não são fortes o suficiente para resistir. Não sucumba a histeria e pânico, Cassandra.

E havia uma advertência em seu tom. Era assustador, também.

Ela agarrou seus braços, impotente pensando, Tracey não é forte. Tracey é fraca.

— Tracey é a presa perfeita, não é? — Ela estava tremendo.

— Nós devíamos trancar Tracey em seu quarto, ou até mesmo amarrá-la, no momento. — Antonio respondeu de modo calmo.

Cass o olhou fixamente ainda mais horrorizada.

— Talvez você esteja certo — ela finalmente disse. Ela estava enjoada agora. — Você acha que ela matou o eletricista, não é?

— Se Tracey estava envolvida, ela não era ela mesma — ele disse firmemente.

Cass se afastou. Ele pensava que Tracey era culpada do assassinato, estava claro, lá em seus olhos.

— Talvez fosse Gregory — ela relampejou. — Ele está escondendo algo...

Antonio sobressaltou-se.

— É isso o que você pensa?!

— Eu não sei o que pensar! — Ela exclamou.

— Meu irmão não foi a pessoa que reapareceu depois de uma ausência misteriosa e prolongada, coberta de sangue — ele disse furiosamente.

Por um instante, Cass e Antonio ficaram encarando um ao outro, com uma súbita, assustadora compreensão. Eles estavam discutindo furiosamente, eles eram presas fáceis para Isabel, também.

— Vamos. — Antonio exclamou, agarrando sua mão. E eles se apressaram pela casa e para o pátio, mas as crianças estavam rindo, jogando do lado de fora sob os raios de sol, supervisionados por Alfonso.

Seus olhares se encontraram. Eles voltaram e subiram as escadas.

Tracey se foi.


A escuridão começou a clarear.

E quando o fez, sua mente, como um motor há muito tempo parado, lenta e dolorosamente, tentava clicar em alguma engrenagem e conseguir um pouco de coerência.

De repente havia dor, tanta dor, e havia absoluta confusão, pois, ele não entendia o que estava acontecendo, ou onde ele estava.

E então houve a compreensão total. Ele quase morreu, mas ele não estava morto.

Gregory não se moveu, totalmente consciente agora, concentrando-se na dor que irradiava em ondas enormes através de seu ombro direito. Nunca havia se machucado assim. E então havia também a dor em seu joelho, como punhaladas afiadas, infinitas, e o excruciante latejar em sua cabeça.

E ele estava deitado em suas costas no chão duro, pedregoso.

Mas estava vivo. Gregory lentamente abriu seus olhos, piscou, e se viu olhando para o céu azul claro, as nuvens de cúmulo espesso, e o forte sol espanhol.

E então ele recordou exatamente o que tinha acontecido, até o último detalhe horripilante, o caminhão que propositalmente o havia conduzido para fora da estrada e para o precipício. Sua respiração era difícil. Mas certamente, seguramente, Isabel não tinha estado atrás do volante. Com certeza ele tinha imaginado isto.

Ele de repente fechou seus olhos, respirando com dificuldade, com medo, com pânico. Quem ele estava enganando? Ela o queria morto. Ela tinha brincado com ele desde que era um menino pequeno, só que agora seus jogos ficaram mortalmente sérios, seus jogos tornaram-se de vida ou morte. Ele não sabia como uma mulher morta a mais de quatro séculos podia dirigir um trator-reboque, mas ela de alguma maneira realizou essa façanha. E desta vez ela quase venceu.

Ele cerrou seus dentes, e quando tentou se sentar, o suor escorreu por todo seu rosto e peito, e a dor em seu ombro era tão terrível que ele quase desmaiou. Ele lutou contra as ondas de escuridão, fazendo caretas, recusando-se a desmaiar, não ousando. Ele tinha medo que ela voltasse.

Ele estava finalmente sentado, incapaz de respirar por causa da dor, e segurando seu ombro direito com sua mão esquerda. Ele sentiu que o havia deslocado. Ele ia ter que empurrá-lo de volta. Mas antes dele poder até pensar sobre qualquer outra coisa, Gregory deu uma olhada ao redor. Não havia ninguém a vista.

Aliviado, ele conseguiu levantar-se, e quando estava em pé, a dor irradiando por seu joelho, ele viu uma árvore, não muito maior que ele próprio. Ele mancou até ela, respirando fundo, então empurrou seu ombro direito contra a árvore. Quando ele o fez, ele ouviu um estalo, e com isso, a dor quase passou.

Jesus, ele pensou, ali parado, suando baldes e tremendo como uma folha.

Ele esperou até que a náusea passasse, então deu uma olhada no desfiladeiro. Não era terrivelmente íngreme, e ele poderia eventualmente ser capaz de sair, mas dada a condição de seu joelho, poderia levar o dia todo. De repente ele pensou sobre sua família presa na Casa de Sueños e seu coração balançava com medo. Isabel tinha isolando-o, quase livrando-se dele, ela pensava que ele estava morto? O que ela pretendia com aqueles que permaneceram na vila? Ele estava enjoado com o pensamento.

Então ele viu a bicicleta.

Estava a uns bons onze metros de onde ele estava agora, e até mesmo desta distância, podia ver que o guidão estava curvado. Se os pneus não estivessem vazios, ele poderia até estar com sorte. Uma imagem das duas crianças brincando muito inocentemente na biblioteca, seguida por uma imagem de Isabel com seus olhos azuis malévolos, encheu sua mente. Gregory mancou tão depressa quanto possível para a bicicleta. Sua cabeça começou a doer ainda mais; ele tocou sua nuca, sentiu a viscosidade, e soube que era sangue.

Aconteça o que acontecer, ele teria que ignorar, ele penosamente decidiu.

A bicicleta estava, milagrosamente, pouco danificada em sua maior parte. Estava amassada, as barras dianteiras torcidas, mas ambos os pneus tinham ar. Quase triunfante, Gregory a ergueu. Então, quando ele começou a subir o desfiladeiro, mancando e indo muito lentamente, cada passo um feito difícil, ele deu uma olhada para o sol. Era tarde. Ele tinha ficado inconsciente por várias horas. Não era um bom sinal, medicamente falando; ele provavelmente teve uma concussão. Agora ele tinha uma escolha para fazer. Podia retornar por onde ele veio, e voltar para a vila na metade do tempo que levaria para chegar até a cidade. Ou ele podia continuar com sua Missão.

Mas ele já estava se sentindo fraco e cansado. Ele quase não podia caminhar; a distância para a estrada parecia quase insuperável. Seu joelho continuava a protestar a cada passo, e ele podia sentir algo como sangue, pingando pelo seu pescoço. Seu coração batia como um tambor de selva pelo esforço, desconfortavelmente, ameaçadoramente. De repente Gregory soube que ele nunca chegaria em Pedraza. E ele não estava certo que ele podia voltar para casa, também. Mas pelo menos estaria descendo a distância toda.

Ele não queria voltar.

Mas ele não queria morrer.


De mãos dadas, Cass e Antonio desceram correndo as escadas. Eles invadiram repentinamente o grande salão, Cass soltou imediatamente sua mão e correu para a porta da frente, que ela abriu. Ela só pensava, onde estava Tracey?

E a primeira coisa que viu quando ela abriu a porta foi Celia. Celia que cambaleava em direção à casa, seus óculos tortos, seu cabelo despenteado, seu vestido sujo, rasgado, e manchado com sangue.

Cass gritou, apressando-se a descer os degraus da frente. Celia a viu e começou a correr. Ela começou a chorar. Cass abraçou a mulher mais velha, apertado.

— Você está bem? O que aconteceu? — Ela exclamou.

Antonio as alcançou.

— Celia, deixe-me ajudar você. — Ele pôs seu braço ao redor ela.

Ela olhou para Cass com olhos grandes e assustados.

— Srta de Warenne, oh, Senhor nos salve a todos, você não pode imaginar o que aconteceu. — As lágrimas caíram.

De repente Cass tinha medo de ouvir o que ela ia dizer.

— Vamos primeiro levá-la para dentro. Você está machucada.

Celia tinha um enorme corte ao lado de sua cabeça, com uma crosta de sangue seco, como também numerosos arranhões e cortes. Ela também estava mancando.

— Existe um demônio terrível. — Celia chorou enquanto Antonio a ajudou a subir os degraus da frente. — Nós estamos sendo assombrados, mas ela é má, e ela tentou me matar.

Cass fechou a porta atrás deles.

Celia não podia parar de falar.

— Nós vimos sua irmã na janela, e então Alyssa correu para fora da casa. Eu nem pensei duas vezes e a segui. Foi a coisa mais horrível! Eu ficava chamando por ela, e eu seguia seus gritos, indo cada vez mais e mais distante da casa. E então eu vi esta mulher, que eu soube, Srta de Warenne, eu soube, naquele momento aterrorizante, que ela não era deste mundo. — Celia estava tremendo.

Cass quase não conseguia pensar. Mas ela deu uma olhada para Antonio, que retribuiu seu olhar. Ela soube o que ele estava pensando. Alyssa não tinha ido longe da casa quando ele a achou. Celia tinha sido propositalmente atraída para longe.

— Ela sorriu para mim e estava cheia de ódio. — Celia começou a chorar novamente. — Eu virei e comecei a correr. Oh, Srta de Warenne! Eu nunca vi tanta maldade, tanto ódio!

Cass não podia falar. Ela pôs seu braço em torno da mulher mais velha.

— Ela me seguiu! E eu tropecei e caí num precipício, batendo minha cabeça, machucando meu tornozelo, quase perdi a consciência. E ela começou a chamar meu nome. Sussurros suaves. Suaves, mas claros. Eu não sei! Talvez eles estivessem em minha cabeça. Talvez eles não fossem reais. Mas eles soaram como se fossem reais. Eram tão reais!

— Eu sei. — Cass sussurrou, tentando confortá-la. — Eu sei.

Celia não ouviu.

— Eu me escondi. Não sabia mais o que fazer. Eu me escondi a noite toda na parte inferior do desfiladeiro nos arbustos. E quando o sol surgiu nesta manhã, ela se foi. — Celia finalmente jogou-se em uma cadeira. Ela cobriu seu rosto com as mãos. Suas mãos estavam tremendo. Ela estava tremendo.

— Seu nome é Isabel. Nós sabemos sobre ela. — Cass disse, acariciando seu ombro. — Ela quer vingança de minha família, e da de La Barca, também.

Mas ela estava pensando sobre o fato de que Isabel não tinha usado Tracey para atrair Celia para fora. Ela tinha usado a maior fraqueza da própria Cass, sua preocupação e amor por Alyssa, para atraí-la para fora. Cass deu uma olhada para Antonio e seus olhares se encontraram. Ela soube ele havia compreendido, também. Ele estava horrorizado.

Celia não estava farta.

— E isso não é tudo! Eu acordei só para me achar dormindo ao lado de uma mulher morta!

Cass enrijeceu.

— O que?

— Eu estava dormindo próxima a um cadáver. Um cadáver muito antigo, podre, principalmente um esqueleto, em trapos. — Ela novamente lamentou.

— Oh Deus. — Cass sussurrou, abraçando-a novamente.

— Como você sabia que o cadáver era uma mulher se o esqueleto estava tão decomposto, e as roupas eram simples trapos? — Antonio perguntou.

Cass entendeu. O tom de Antonio era cheio de tensão. Imediatamente ela compreendeu. Ele estava se perguntando, ou esperando, ou temendo, que o cadáver poderia ser sua esposa.

— As joias. Ela tinha um lindo anel de noivado assim como também uma aliança de casamento.

Antonio não se moveu e ele não falou.

Cass quis esclarecer.

— Antonio? Margarita usava um anel de compromisso e uma aliança de casamento?

Ele olhou para ela. Sem vê-la. E soube que a resposta era sim. Cass percebeu que ela estava doente por dentro, em seu coração. Ela não podia parar agora para pensar e entender por que.

— Celia, você sabe onde estava este desfiladeiro? Você poderia achá-lo novamente?

Celia apontou em direção ao norte.

— Há um leito de rio seco, talvez um quilômetro depois da garagem. Eu o segui de volta para a casa.

Antonio, Cass viu, estava arrasado e coberto de suor. E ela pensou, existem apenas mais três horas de luz do dia.

— Alyssa? — Celia perguntou, agarrando a mão de Cass. — Ela está bem?

— Sim, ela está bem. Antonio a encontrou logo depois dela ter saído.

Celia afundou de volta na cadeira.

— Graças ao Senhor. Existe a bondade divina afinal.

As crianças. Cass olhou para Antonio e soube que ele estava perguntando-se a mesma coisa. Ela se apressou para as portas que estavam abertas para o pátio, e viu as duas crianças sentadas em um banco de pedra com Alfonso, e elas estavam no meio de uma discussão que ela não podia escutar.

— Ei, crianças! — Ela chamou tão alegremente quanto possível. — Está na hora de entrar! — Ela voltou-se. — Antonio? Por que nós não corremos rapidamente ao leito do rio seco e vemos se nós podemos achar o desfiladeiro onde a Celia viu... — Cass parou na metade da frase quando viu Tracey andando no corredor, um sanduíche meio comido em sua mão.

Ela congelou.

Eu sou sua irmã agora.

Ao lado dela, Cass sentiu Antonio endurecer, também.

Tracey parou no meio do caminho quando ela os viu.

O coração de Cass começou a trovejar. Ela rapidamente notou a aparência de sua irmã. Ela havia colocado uma camisa branca com botões de pressão, parcialmente aberta, revelando um top e calça jeans vintage desbotadas. As mangas da camisa esconderam as cicatrizes horrorosas em seus braços, e o resto de sua roupa escondeu os cortes e contusões em seu corpo. Seu cabelo longo não estava escovado, mas estava limpo, e só agradavelmente despenteado. Seus olhos estavam grandes, brilhantes, e enquanto seu rosto parecia esquelético, ela estava muito magra agora, nada realmente parecia errado. Ou não?

Cass examinou seus olhos azuis novamente. Passou por sua cabeça que os olhos de Isabel também eram azuis, mas ao mesmo tempo mais pálidos e mais brilhantes, de alguma maneira. Mais pálido, mais brilhante, e perverso.

— Oi. — Cass disse, seu coração batendo ensurdecedor em seus ouvidos.

— Oi. — Tracey disse, olhando agora para Antonio e então dando uma mordida em seu sanduíche.

Ela parecia normal. Cass deu uma olhada para Antonio, seus olhos se encontraram brevemente, e ela estudou Tracey novamente.

— Eu devia ter deduzido que você estaria com fome. — Ela tentou forçar um sorriso.

— Eu estou morta de fome. — Tracey disse com um sorriso pequeno, dando outra mordida enorme.

Cass percebeu que os dedos dela estavam cruzados.

— Como você está se sentindo? — Ela perguntou lentamente, tremendo e com medo.

— Exausta. — Tracey disse. — Mas melhor, eu penso.

Cass começou a respirar melhor.

— Você devia descansar.

— Sim, eu também acho. — Tracey se aproximou devagar. — Por que vocês dois estão olhando fixamente para mim?

— Eu sinto muito. — Cass disse depressa, e mais para se tranquilizar que qualquer outra coisa, ela tocou o ombro da sua irmã, mas ela era sólida, real, e muito magra, ela era Tracey. — Talvez queira um pouco de companhia?

Tracey engoliu em seco e disse.

— Eu vou descansar. Estou realmente cansada. Nunca tinha ficado tão cansada. — Então ela sorriu para Antonio. — Talvez nós possamos conversar mais tarde.

Ele assentiu.

— Isso seria bom.

Tracey o encarou com olhar penetrante, então deu uma olhada para Cass, como se pressentindo que algo havia acontecido durante sua ausência. Mas Cass estava certa que ela não deu qualquer indicação do que aconteceu entre ela e Antonio, seguramente ela estava meramente paranoica agora. A culpa de repente assomou em sua cabeça sendo que esteve adormecida por tanto tempo. Tracey então sorriu para ambos e subiu os degraus.

Cass e Antonio estavam lado a lado, olhando fixamente para ela, quase segurando juntos suas respirações. No terceiro ou quarto passo, Tracey parou, voltando-se para olhar para eles, sua expressão mais difícil de ler agora.

Cass percebeu que ela e Antonio estavam se tocando, ombro com ombro e quadril com quadril. Ela deu a Tracey um sorriso tranquilizador, mas isso foi indubitavelmente arruinado porque ela saltou longe de Antonio exatamente ao mesmo tempo. Tracey sorriu ligeiramente de volta, e continuou a subir, desaparecendo de vista. Cass se apoiou nele.

— Ela está bem. Ela não está possuída. Ela está totalmente bem.

— Cassandra. — Ele se afastou dela. — Eu vou procurar por aquele desfiladeiro. Você fica aqui com todo mundo até que eu volte.

Ela estava imediatamente alarmada.

— Eu vou com você, Antonio. Tudo está bem agora, Tracey está bem. Nós só temos que voltar antes de anoitecer.

Ele não respondeu. Ele já estava andando a passos largos pelo corredor.

Cass o seguiu.


— E se nós escrevermos histórias? Eu gosto de escrever histórias. Nós tivemos que escrever nossos próprios livros este ano na segunda série — Alyssa disse. — Nós até publicamos eles.

— Eu posso escrever minha história em espanhol e então traduzi-la para você? — Eduardo perguntou.

As duas crianças estavam sentadas na biblioteca enquanto Alfonso fazia o jantar para eles. Celia dormiu no sofá, embaixo de uma manta de lã pesada.

Alyssa gostou daquela ideia. Ela sorriu para Eduardo.

— Eu gostaria de aprender espanhol. Na escola nós estamos aprendendo francês, mas agora que nós somos amigos, eu desejo que fosse espanhol.

— Eu podia ensinar a você. — Eduardo disse, com seus olhos castanhos brilhando.

Alfonso entrou na biblioteca com uma bandeja.

— La comida, pequeños. — Ele disse.

— Nosso jantar. — Eduardo disse ansiosamente. — Eu estou tão faminto. Você não?

— Sim. — Alyssa sorriu de volta. Ela odiava a casa de campo dele, mas pelo menos ela tinha um novo amigo, e talvez até um namorado. Então ela viu um flash com o canto de seu olho.

Seu coração parecia que tinha parado. Alyssa virou-se, e viu sua mãe de pé na porta. Alyssa levantou-se abruptamente. Seu instinto era correr para ela, entretanto ela lembrou o que aconteceu quando viu sua mãe na janela, e ela congelou. Seu coração batia tão forte.

— Mãe? — Ela sussurrou hesitante.

Tracey sorriu para ela.

— Oi, meu bem.

Alyssa piscou novamente. Era sua mãe, isso não era uma ilusão. Isso não era sua imaginação e ela não era um fantasma.

— Señora? — Alfonso apoiou a bandeja. — Puedo ayudarle?

E Celia tinha acordado.

— Tracey?

Tracey não pareceu ouvir qualquer um deles. Ela continuou a sorrir para Alyssa. O pequeno sorriso que Alyssa havia dado em resposta, desapareceu. Algo estava errado? Sua mãe estava bem, não estava? Alyssa olhou fixamente para Tracey, que ainda pareceu ser a mais incrivelmente bela, a mulher mais fascinante do mundo.

— Você está se sentindo melhor agora, Mãe?

— Estou muito bem. — Ela olhou para sua filha. — Alyssa, venha comigo. Só venha.

Alyssa tinha toda intenção de obedecer, mas por alguma razão seus pés não se moviam, recusando-se a obedecer seu cérebro.

Ela estava ciente de Eduardo levantando-se lentamente, muletas na mão.

— Alyssa, venha comigo. — Tracey disse novamente.

— O que... o que é que você quer? — Celia estava sentada, sua voz abafada.

Tracey nem sequer olhou para ela.

— Señora, Celia quer saber onde você deseja ir. — Eduardo falou como se Tracey precisasse de um tradutor.

Tracey virou-se, séria. Seus olhos estavam muito brilhantes.

— Eu quero falar com minha filha.

— Señora. La comida. Ahora. Jantar. Aqui. — Alfonso sorriu animadamente. — Com as... crianças.

— Eu não quero jantar. — Tracey disse.

Celia continuou hesitante.

— Tracey? Você está bem?

Alyssa de repente achou difícil respirar. Sua mãe estava falando estranhamente. Sua expressão era estranha. Seus olhos eram estranhos. Até seu sorriso era estranho.

Tracey não respondeu. Ela sorriu.

— Vamos, Alyssa.

Alyssa não podia se mover. Algo estava errado com sua mãe. Terrivelmente errado. Alyssa não sabia o que fazer e ela estava assustada.

— Você me ouviu? — Tracey perguntou.

Alyssa movimentou a cabeça.

— Talvez nós devíamos todos permanecer aqui, juntos. — Ela sussurrou, suplicante.

Eduardo mancou permanecendo ao lado dela, e Alyssa sentiu seu coração se encher com gratidão.

Celia disse.

— Tracey, você parece exausta. Que tal um pouco do jantar? — Seu sorriso foi breve, fraco.

Tracey deu uma olhada para ela como se ela tivesse acabado de notar sua presença pela a primeira vez. Então ela voltou-se para sua filha.

— Alyssa. — Tracey disse. — Coisas terríveis vão acontecer. Venha comigo agora.

Celia avançou subitamente.

— Tracey.

E Alyssa de repente estava com medo de sua mãe. Por que ela estava agindo deste modo? E agora ela ficava vendo, em sua mente, a outra mulher, o fantasma. Aquele com que ela sonhou, a pessoa que ela tinha seguido. E o que ela queria dizer? Que coisas terríveis iriam acontecer?

— Eu não quero ir. — Alyssa sussurrou.

Alfonso aproximou-se de Tracey, sorrindo impassível. Ele segurava uma tigela de sopa em sua mão.

— La sopa. Ahora.

— Não interfira! — Tracey gritou, inesperadamente atingindo-o no rosto.

Alyssa estava tão chocada, e apavorada, que ela não pôde nem gritar quando viu a tigela de sopa voando fora de sua mão, e o velho homem caindo. Ele caiu sobre o chão, batendo sua cabeça com um baque alto. Celia deu um grito.

— Alfonso! — Eduardo ofegou.

E ela quis correr até ele, porque ele não se moveu e seus olhos estavam fechados e Alyssa tinha medo que ele estivesse morto. Mas foi Celia que correu para a frente, ajoelhando-se ao lado dele.

Alyssa tinha medo que sua mãe o tivesse matado.

— Alfonso! — Eduardo estava em cima dele também, com uma expressão de alarme.

De repente Alyssa ouviu Tracey se movendo, rápido e rude, ela andou a passos largos com determinação. Alyssa encolheu-se quando sua mãe agarrou seu braço.

— Eu disse que você viesse comigo. Como ousa me desobedecer?

Eu sinto muito, Alyssa quis dizer, mas ela estava chorando agora, morrendo de medo de sua própria mãe, que machucou e talvez matou um homem mais velho, e ela não podia conseguir as palavras com os soluços a sufocando.

— Não a machuque— Eduardo sussurrou.

— Venha... comigo. — Tracey grunhiu, puxando Alyssa através do cômodo.

— Tracey! Solte-a. Por favor! — Celia chorou.

Alyssa não queria ir, e ela empacou. Sua mãe a arrastou passo por passo para a porta.

— Por favor, — Alyssa soluçou. — Não me faça ir. — E ela se sentiu molhando suas calças.

Tracey a sacudiu mais uma vez.

— Você não ouviu o que eu disse? — Ela gritou.

Alyssa movimentou a cabeça, seus olhos colados no bonito e transtornado rosto de sua mãe, ciente das lágrimas escorrendo pelo seu rosto, e seu coração bombeando em enormes, terríveis batidas. Onde estava tia Cass? Ela rezou para que ela aparecesse.

— Solte-a! — Eduardo chorou, mancando atrás delas. — Señora!

Tracey aumentou seu aperto em Alyssa e a puxou com ainda mais força da biblioteca.

— Não! — Alyssa chorou. Ela lutou, mas era tão inútil. Sua força não era nada comparada a de sua mãe. — Eduardo! Celia! — Olhando para trás através de suas lágrimas, ela viu seus rostos completamente brancos, assustados. — Não, me deixe! Por favor! Não! Deixe-me!

Celia parecia paralisada. Mas Eduardo soltou suas muletas e mancou furiosamente atrás delas.

Alyssa percebeu que sua mãe a estava arrastando através do andar debaixo da casa. Sua expressão era impassível e muito rígida, seu rosto parecia ter-se tornado uma máscara de barro, e seus olhos azuis cintilavam. E a mente ofuscada e chocada de Alyssa concluiu que havia algo mais que errado com sua mãe, mas ela não sabia o que. E a próxima coisa que ela soube, era que uma porta estava sendo aberta.

Alyssa era confrontada com enorme buraco de escuridão.

Então, ela foi empurrada por trás.

Alyssa gritou quando ela rolou abaixo, tombando e caindo, finalmente aterrissando em um monte no fim de um voo muito curto pelos degraus de pedra íngreme, lisa.

— Mãe! — Ela choramingou.

Não houve nenhuma resposta.

Alyssa se encolheu onde ela aterrissou, com medo de se mover.

— Mãe!

Tracey não respondeu. Ao invés, uma porta em algum lugar acima fechou, o som estrondoso e final. E foi seguido por um clique.

— Mamãe! Não me deixe! — Ela gritou.


Capítulo Vinte e Três

Dia Quatro – 8 horas da noite

Pela centésima vez, Cass deu uma olhada em seu relógio. Eram quase oito horas.

— Nós nunca acharemos o desfiladeiro — ela exclamou. Antonio saiu do leito de rio seco e estava subindo uma colina leve. — Nós temos que voltar. — Ela deu uma olhada acima de seu ombro. A casa não estava mais a vista e a luz estava finalmente se desvanecendo. Ela sabia agora por experiência que dentro de outros quarenta e cinco minutos se não mais, ou se não menos, estaria escuro.

Eles teriam que voltar. Cass estremeceu. Mas não porque estava frio. Ela não sabia quais horrores a noite traria, mas Isabel estava livre, e ela não podia deixar as crianças sós. Ela deveria protegê-las a todo custo.

Antonio de repente gritou.

Cass deu um salto, e o viu esforçando-se para subir a colina, desaparecendo de vista. Ela correu atrás dele. Quando ela alcançou o topo do morro, ela viu Antonio de pé em um desfiladeiro rochoso abaixo, e não havia nenhuma dúvida do que estava ao lado dele.

Ela hesitou. Ele se ajoelhou devagar para o chão.

Oh, Deus. Era isso. Eles tinham encontrado Margarita depois de todos estes anos?

De repente Cass estava devastada. Uma parte dela estava esperando que a resposta fosse sim, mas outra parte dela estava temendo tal resposta, também. Ela disse a si mesma que não importava. Antonio precisava de um encerramento, mas qualquer que fosse sua resposta, não a afetaria. Suas vidas tinham sido destruídas pelas complicações que Isabel trouxe para eles todos. Não existia nenhuma chance agora deles seguirem adiante. Além disso, ela nem queria. Não agora, não mais. Ela tinha uma irmã para cuidar, e sua sobrinha. Ela não teria nenhum tempo para enfocar em qualquer coisa ou qualquer outro.

— Cassandra — ele disse com voz rouca.

Relutantemente ela começou a descer o lado íngreme, rochoso do desfiladeiro. Não existia nenhum odor, porque já não existia nenhuma carne. Os ossos estavam empoeirados e sujos, mas inteiros.

Ele não estava se movendo. Cass aproximou-se dele por trás. Ela se ajoelhou ao lado dele. Seu olhar foi imediatamente atraído para os farrapos de tecido colorido cor de pêssego, e então ela viu o brilho do solitário anel de diamante. Antonio levantou-se. Cass vislumbrou sua expressão, e ela soube que eles a encontraram. Ela também se levantou.

— Nós temos que voltar. — Ele começou a voltar subindo o desfiladeiro.

Cass correu atrás dele. Sem pensar, ela agarrou seu braço por trás, detendo-o.

— Eu sinto muito.

Ele finalmente olhou para ela. Sua expressão era uma máscara, impossível de ler.

— Eu também — Ele se soltou e começou a subir para o topo do morro novamente.

Cass ficou olhando para ele. Que diabos ele quis dizer? Ele ainda a amava? E por que ela estava com ciúmes? Um sopro de ar flutuou ao redor ela, como a carícia de uma brisa, ou cabelo.

Uma doçura bem leve parecia emanar do chão ao lado dela, violetas.

A pulsação de Cass foi à loucura. Isabel estava para se materializar, ela pensou freneticamente, e ela disparou em uma corrida, como se ela pudesse ultrapassá-la. Ela alcançou Antonio no caminho abaixo do outro lado da colina, quando eles chegaram ao leito seco do rio. Cass esquadrinhou a área sem fôlego. Não existia ninguém, Isabel não estava lá. Ela teria imaginado? Ela imaginou aquele odor? Ela inalou e não pôde decidir. Brevemente, Cass fechou seus olhos.

Ela estava se desfazendo, ela pensou. O medo seria a morte dela.

Os olhos de Cass abriram de repente. Ela desejou que ela nunca tivesse tido tal pensamento.

Antonio estava andando resolutamente pelo caminho por onde vieram. Cass tomou impulso e teve que correr para chegar até ele. Quando ela o alcançou, ela viu como seu rosto havia se tornado incrivelmente impassível. Ela não podia fazer nada; A compaixão a encheu.

— Você está bem? — Ela perguntou, baixinho.

— Não.

Suas têmporas, que provavelmente estavam pulsando por horas e horas, pareciam que iam explodir.

— Não é sua culpa. — Ela teve que correr ao lado dele para o acompanhar.

Ele virou-se, e ela foi confrontada com raiva pura, a qual ela nunca tinha visto antes em alguém.

— Não foi minha culpa?! Ela implorou que eu fosse para casa! Ela me implorou, Cassandra. Vozes. Ela ouviu vozes durante a noite. Ela disse que ela teve sonhos. Não sonhos, pesadelos. Uma mulher, sussurrando, ameaçando-a. Ameaçado sua vida. Ela estava tão malditamente apavorada e eu ri de seus medos! Porque meu trabalho era mais importante que escutá-la, compreendê-la, que retornar a Madri. Então não me diga que não foi minha culpa! E no futuro, droga, cuide da sua própria e fodida vida!

Cass recuou como se ela tivesse sido atingida.

Antonio virou-se e se afastou a passos largos.

Ela não podia se mover. Ela sentiu como se ela tivesse sido atingida por um rifle, com os dois canos. Se importe com sua própria e fodida vida? Então era nisso que sua amizade havia se transformado? Ele não disse a ela, algumas horas atrás, que ele estava apaixonado por ela? O que estava acontecendo com eles?

Antonio tropeçou e quase caiu.

Eles olharam para um para o outro. Cass imaginou que seus olhos estavam tão grandes e assustados como os dele.

— É ela. — Cass sussurrou. — Ela está fazendo isto. É a ira dela. Não a sua. Antonio, ela está envenenando sua mente.

Ele a olhou fixamente. E então.

— Nós temos que voltar para casa.

Eles correram.


— Mamãe, Mamãe! — Alyssa chorou. — Por favor volte!

Mas Tracey se foi, e Alyssa sabia disso. Então ela congelou quando ouviu um movimento acima dela nos degraus. Ela começou a tremer violentamente, perguntando-se o que estava lá em cima, um rato? Uma cobra? Ela se lembrou que as cobras não viviam dentro de casas, nem mesmo velhas como esta, quando mais lágrimas escorregaram impotentes pelo seu rosto.

E Alyssa soube o que estava lá em cima. Era um fantasma.

Não, não um fantasma, o fantasma.

A mulher malvada do sonho dela, a pessoa que continuava a dizer a ela que ela era sua mãe agora, a que a tinha perseguido lá fora ontem à noite. Alyssa estremeceu e tremeu e fez xixi em sua calcinha novamente.

Algo rolou vários degraus abaixo. Alyssa gritou, saltando mais longe de onde ela caiu sobre o chão de pedra, suas costas batendo contra a parede.

— Sou eu. — Eduardo sussurrou, e sua voz ecoou ruidosamente ao redor deles.

— Eduardo! — Alyssa chorou, aliviada. Ela percebeu que foi uma muleta, ou ambas as muletas, que caíram nos degraus.

— Você está bem? — Ele perguntou, um estremecimento em seu tom.

— Eu estou tão assustada.

Alyssa respondeu, e então, quando ela recordou a expressão quase maníaca da sua mãe, mais lágrimas caíram. Como sua mãe podia ter feito isso com ela? Por que ela fez isso? Não havia ninguém, ninguém, nem mesmo sua tia Cass, a quem Alyssa amou mais que sua própria mãe. Mas sua mãe não a amou. Sua mãe não quis ser sua mãe, que era por que tia Cass a criou.

Sua mãe a odiava? Sua mãe queria matá-la? Era por isso que ela a pôs neste lugar escuro embaixo da casa? Então ela morreria? Então Tracey podia estar livre para continuar bonita, viajando pelo mundo inteiro e posando para revistas com novos namorados? Alyssa sentiu que seu coração estava sendo rasgado dentro de seu pequeno corpo.

Eduardo estava descendo a escada devagar, degrau por degrau com cuidado. Alyssa de repente congelou ainda mais.

— Não desça, você ficará machucado. — Alyssa chorou. — Você tem suas muletas? Como você entrou aqui?

— Eu tenho... uma ...delas — ele arquejou. — Eu corri... antes dela... fechar a porta.

Os olhos de Alyssa estavam começando a se ajustar à escuridão, e como o quarto em que eles estavam era totalmente escuro, ela podia só ver ligeiramente uma sombra mais escura não muito longe de onde ela estava. Ela estava ainda com medo de se mover.

— Você pensa que podem existir ratos e camundongos aqui?

— Eu... não sei — ele arquejou, ainda pulando degraus abaixo. — Mas... eles terão medo... de nós, também.

Alyssa se encheu de coragem e avançou para a frente, quase cegamente, até que seu pé atingiu o que ela soube era sua muleta.

— Espere — ela sussurrou, sua voz ecoando. — Eu achei sua muleta.

Ela a pegou e rastejou para a frente, de quatro e agora usando suas mãos, até que chegou até a escada.

— Onde está você? — Ela procurou no escuro o segundo degrau.

— Bem aqui mesmo — ele sussurrou acima dela.

Alyssa estendeu a muleta, e foi recompensada quando ela sentiu ele tomá-la dela. Então ela se apressou para onde ele estava. Ela o abraçou, forte.

— Obrigado — ela sussurrou — por não me deixar só.

— Não foi nada — ele disse calmamente. Ele a abraçou de volta muito mais forte.

— Não, não é assim. Você é um herói, Eduardo, um herói corajoso.

Ela sentiu que ele estava sorrindo.

— Onde nós estamos? — Ele perguntou.

— Não sabe? — Ela estava desapontada. — Mas esta é sua casa.

— Eu só estive aqui uma vez antes, e eu nem sequer me lembro. Esta deve ser uma parte dos calabouços — ele disse, baixo.

Alyssa sabia tudo sobre calabouços, ela cresceu na Inglaterra, afinal. E se existissem pessoas mortas lá em baixo com eles? Ela tremeu.

— Por que ela fez isto? Por que ela fez isto comigo? — Ela ouviu sua própria voz quebrar em suas últimas palavras.

— Eu não sei. Mas não se preocupe. — Alyssa soube que ele estava corajosamente sorrindo. — Eles nos acharão. Você verá. Meu pai e sua tia são tão espertos. Eles nos acharão imediatamente.

Alyssa esperou que ele estivesse certo.

— Mas e se eles não o fizerem? — Ela sussurrou. — O que acontecerá conosco então?

Eduardo não respondeu.

Alyssa soube que era porque ele não tinha nenhuma resposta para dar.


Uma vez mais, a porta da frente da casa estava entreaberta, quando eles deliberadamente a deixaram fechada. Cass e Antonio trocaram olhares, apressando-se a entrar na casa e seguindo corredor abaixo. Eles dois ouviram ao mesmo tempo Alfonso gemer.

Eles correram para a biblioteca. Antonio gritou assim que Cass viu Alfonso sentado no chão, com Celia, que estava segurando um lenço úmido em sua cabeça. Ele estava tão branco que ela pensou que ele poderia desmaiar a qualquer momento. Celia estava igualmente pálida. E o resto do cômodo estava vazio. As crianças tinham desaparecido.

Cass correu na frente de Antonio. E mesmo enquanto falava, ela sabia que não devia estar acusando-os, ela sabia, de alguma maneira, que Isabel era a culpada, mas as palavras saíram contra sua própria vontade.

— Onde estão as crianças? — Ela gritou furiosamente. — Por que eles não estão aqui?

Alfonso se encolheu longe dela, começando a explicar, murmurando no idioma que ela não conseguia entender. Cass gemeu, segurando sua cabeça, andando, seu coração explodindo em seu peito, com muitas imagens horríveis das crianças passando pela sua mente descontroladamente. Quando Antonio se abaixou ao lado do homem mais velho, Celia chorou.

— Srta de Warenne, foi sua irmã!

Cass virou-se.

— O que?!

Celia estava tão horrorizada que algo dentro de Cass adoeceu de pavor.

— Ela entrou aqui e pediu a Alyssa para ir com ela. Quando Alfonso tentou trazer uma tigela de sopa para ela, ela o agrediu. Eu implorei para ela não ir e ficar aqui na biblioteca conosco. Ela não pareceu me ouvir. Alyssa não queria ir com ela, mas ela não lhe deu nenhuma escolha. — Celia parecia prestes a chorar. — O pequeno menino as seguiu, bendito garoto.

O coração de Cass parou. Quando bateu novamente, ela não podia respirar.

— Ela nunca prejudicaria sua própria filha.

Celia inalou, forte, como se fosse falar. Mas ela não teve chance.

— Ela não é mais Tracey! — Antonio disse, seus olhos relampejando. — Você não sabe do que ela é capaz.

Cass se afastou.

— Você viu há vinte minutos atrás que ela estava bem. Bem! Maldito seja você! — Ela se dirigiu para a porta; ele pegou seu pulso, puxando-a de volta.

— Ela não está bem! Ela perdeu sua memória e alguém matou aquele eletricista. Assim como alguém matou minha esposa!

Cass estremeceu e se soltou.

— Tracey certamente não teve nada a ver com o desaparecimento e morte da sua esposa. — Ela sentiu uma satisfação selvagem no modo como ela articulou as palavras, uma satisfação que ela sabia que estava errada de alguma maneira.

— Ela quase matou meu mordomo! — Antonio enfureceu. — Ele está sangrando e ele precisará de pontos!

Cass não teve nenhuma resposta a isto.

— Eu tenho certeza que as crianças e Tracey estão na cozinha ou no pátio. Eu vou achá-los. — Ela correu para a porta.

— Srta de Warenne! — Celia exclamou.

Cass não quis ouvir nada que Celia tinha a dizer. Ignorando-a, ela correu para o corredor. Ela mal podia pensar, seus pensamentos estavam confusos, incoerentes, loucos.

Antonio chegou até ela. Ela não parou.

— Alyssa! Alyssa! Onde estão vocês? — Ela gritou.

Ele agarrou seu pulso, puxando-a de volta.

— Escute-me! — Ele gritou.

— Deixe-me ir! Eu tenho que achar minha filha! — Cass percebeu o deslize de sua língua, mas não podia se importar menos. O que importava era encontrar Alyssa agora. Isso era tudo que importava. Tracey nunca a prejudicaria. Nem mesmo com Isabel a controlando. Alyssa era sua filha, pelo amor de Deus.

Mas Antonio segurou ambos seus braços e ele a imobilizou.

— Pare, Cassandra. Eu sinto muito. Eu sinto muito!

— Nós não temos tempo para isso. — Cass disse, mas ela não se afastou. Ela estava começando a chorar. Ela podia sentir as lágrimas queimando suas pálpebras.

— Não. Nós precisamos ter esse tempo. Escute. Ela está tentando nos dividir. Eu quase não posso pensar claramente. Eu continuo vendo Margarita e eu fico sentindo tanto desespero e tanta ira... nós não devemos deixar seu ódio entre nós. Se existe qualquer chance de solucionarmos isto, nós devemos estar fortes, juntos. Você entende o que eu estou dizendo?

Cass sentiu uma lágrima deslizar por sua bochecha. Ela de alguma maneira movimentou a cabeça, embora ela estivesse atordoada, entorpecida.

— Ela está nos dividindo — ela sussurrou. — Divida e conquiste.

— O modo que ela dividiu eu e minha esposa, sua tia e meu pai, meu avô e avó! — Ele estava sacudindo-a.

E Cass encontrou seu olhar.

— Tracey não machucaria Alyssa... machucaria?

Ele segurou seu rosto em concha entre ambas as mãos.

— Eu acredito que Isabel é de longe mais forte do que sua irmã jamais será. Cassandra. Escute cuidadosamente. Eu amo você. Eu preciso de você. Nós precisamos um do outro. Não me deixe agora.

Cass não se moveu, seu coração doendo, batendo, e ela olhou fixamente em seus olhos.

— Confie em mim — ele disse.

O cérebro de Cass parecia tão estranho, parecia atordoado, entorpecido, quase incapaz de qualquer pensamento racional, quase incapaz de qualquer coisa exceto histeria e pânico, ainda que ela soubesse que ele estava certo, ela começou a movimentar a cabeça.

E a expressão dele mudou. Seus lábios puxaram para trás em um grunhido ameaçador, seu olhar igualmente malicioso. Seu rosto estirou e apertou, a pele se tornou uma pedra branca, e seus olhos brilharam azuis com ódio.

Cass gritou.

— Cassandra? — Era Antonio a segurando, sacudindo-a, agora. — Cassandra! Eu preciso de você! Seja forte! Não deixe ela chegar a você! Você pode me entender?

Ela olhou fixamente para ele, um refrão único ecoando dentro de sua mente. Confie em mim.

Cass de alguma maneira soltou-se de seu aperto. Ela olhou fixamente em choque e medo, esperando ver alguma semelhança com Isabel lá em seu rosto, seus olhos. Confie em mim.

— Eu tenho que achar Alyssa.

— Bom. — Ele assentiu com a cabeça, satisfeito. — Vamos nos separar. No andar de baixo ou de cima?

— De baixo. — Cass não esperou a resposta dele.

Ela não podia esquecer a imagem dele grotescamente tornando-se Isabel fora de si. Ela não podia esperar para escapar. Ela virou e correu para o grande corredor, o tempo todo chamando sua sobrinha. Eu amo você. Eu preciso de você. Confie em mim.

Ela não podia.

Era uma armadilha.


As crianças não estavam no andar de baixo, não estavam no pátio, não estavam na cabana, na garagem, ou até nos carros. Talvez Antonio já os tivesse localizado em cima. Cass, estando sozinha do lado de fora, em frente da casa, girou lentamente em volta de um arco amplo, não querendo deixar qualquer pedra sobre pedra. Seu olhar se deparou com a capela.

Era o único lugar em que ela tinha ainda que procurar. Uma estrutura histórica quadrada de dois andares, tinha um telhado vermelho-ladrilhado e que estava preso a casa. Cass olhou fixamente. A porta exterior tinha sido apedrejada séculos atrás, embora Cass não soubesse por que. Existiam só duas janelas no segundo nível, ambas de vidro colorido escuro, com uma cruz no centro de cada janela. Uma cruz enorme também tinha sido gravada em ambos os lados do que uma vez tinha sido a porta da frente.

Cass sentiu os cabelos em sua nuca arrepiando. Ela lentamente caminhou de volta para casa. A capela só podia ser acessada a partir de uma porta. Quando Cass segurou a maçaneta de ferro enferrujado para abrir a porta, irrompeu em sua mente que algo terrível iria acontecer, que ela não devia abrir a porta. Mas Cass respirou fundo, e lentamente ela abriu a porta.

Nada no mundo podia tê-la preparado para a visão de sua irmã, ajoelhada, rezando na frente do altar.

A capela estava iluminada por centenas de velas vermelhas pequenas, e incenso que era doce e farto, incenso que era floral, incenso que era inconfundivelmente a fragrância de violetas, estava queimando. Cass estava paralisada.

E Tracey estava murmurando em voz alta, palavras que Cass não conseguia entender ou distinguir. Tracey estava rezando em um idioma estrangeiro?

Ela estava rezando em Latim?

Cass piscou encarando sua irmã novamente, que estava agora curvando-se. Tracey nunca teve um único osso religioso em seu corpo, ou assim Cass pensava.

Eu sou sua irmã agora.

Cass estava com medo. Ela não conseguia se mover. Aqui, então, estava a prova de suas piores suspeitas e medos.

Tracey levantou-se.

— Trace? — Cass chamou, um sussurro rouco, de pé com suas pernas contraídas, pronta para correr.

Tracey virou-se, olhos arregalados, claramente pega de surpresa.

Cass permaneceu atordoada. Sua mente simplesmente não funcionava; era como se alguém tivesse puxado um interruptor, desligando-a.

— Você está bem? — Tracey olhou fixamente para ela. Cass não reconheceu os olhos de sua irmã, embora ela tentasse. — Tracey. O que você está fazendo? — Seu tom soou casual aos seus próprios ouvidos.

Tracey a olhou fixamente.

— Eu estou rezando.

— Desde quando? Eu pensei que você era uma ateia.

Cass não podia se mover. Ela analisou a cena inteira novamente, as poucas filas de bancos de madeira antiga, desgastadas, cicatrizadas, o chão de pedra lisa, desigual, o altar cheio de velas em chamas, o crucifixo enorme acima dele. Eu sou sua irmã agora.

Cass se sentiu violentamente doente.

— Eu não sou uma ateia. — Tracey disse, sua mandíbula apertando. — Não me acuse de ateísmo. Eu nunca fui uma ateia. Jesus é o Salvador eterno.


Cass só podia encarar, tremendo. Ela finalmente disse, cuidadosamente.

— Você agora é uma católica?

Tracey olhou fixamente de volta.

— Não. Eu nunca fui uma católica. — Seu queixo ergueu-se quase beligerante. — Mas este lugar me fará. É uma casa de Deus.

Eu sou sua irmã agora. Cass estava falando com Tracey, ou Isabel?

— Fará o que? — Ela não podia sorrir, nem mesmo de inquietação.

Tracey olhou para ela com uma sobrancelha curvada.

— Talvez você devesse rezar. — Ela disse baixinho. — Poderia trazer paz para você.

Cass sentiu um calafrio.

— Onde você achou o incenso?

— O incenso? — Tracey olhou em volta, então apontou para o altar. — Estava lá. — Ela sorriu.

Cass não sorriu de volta.

De repente Tracey avançou. Seus passos largos eram rápidos, seguros.

— Eu acabei agora.

Instintivamente Cass se afastou, mantendo-se fora do alcance de sua irmã. Seus olhos se encontraram.

— Você sabe onde as crianças estão?

— Não, mas eu estou certa que eles estão seguros.

Cass deixou sua irmã sair da capela primeiro.

— Onde você levou Alyssa mais cedo? E onde está Eduardo?

Tracey parou no corredor.

— Eles estão seguros.

A pulsação de Cass acelerou.

— Mas onde eles estão? Como você sabe que eles estão seguros? — Ela implorou.

— Eu sei.

— É porque você é Isabel? — Então, ela fez a pergunta. E Cass se preparou para ouvir a pior resposta possível.

Tracey finalmente olhou para ela. Ela disse.

— Tudo mudou, não?

Cass não se moveu. Ela não podia. Ela estava, de fato, suando.

— O que?!

— Estou falando sobre você e Antonio.

Cass ficou estática.

— Eu não entendo — ela disse, tentando ganhar tempo.

— Eu penso que você entende. Você é sua amante. — Tracey disse, seus olhos sem vacilar. Não era uma pergunta.

Cass quase sufocou. Ela estava conversando com Isabel, ou não era ela?

— E você é minha irmã?

Tracey riu.

Cass agarrou sua própria cabeça. Irmãs. Ela era sua irmã. Não algum maldito fantasma. Ela estava falando com sua irmã. Suas têmporas estavam pulsando, ruidosamente, como bateria, lá dentro de seu cérebro. Doía.

— Nós somos apenas amigos. — Cass sussurrou. — Trace, eu amo você. Eu amo. Eu nunca quis magoar você. Eu nunca magoaria você deliberadamente. E não existe nada entre mim e Antonio, não pode haver. Só não pode haver. — E havia tanta culpa.

Mas ele disse, eu amo você, alguns minutos atrás.

Então Tracey olhou para ela como se ela não acreditasse uma única palavra e foi embora.


Isabel estava possuindo Tracey?

E nesse caso, onde Tracey termina e Isabel começa?

Cass permaneceu ao lado do fogo, que estava rugindo agora, abraçando-se. As crianças desapareceram. Eles não estavam em nenhum lugar onde pudessem ser encontradas. Tracey não disse a ela onde eles estavam, se ela soubesse. E Cass não estava certa que ela soubesse, porque ela estava tão estranha agora, como que em um limbo, presa entre si mesma e Isabel.

Antonio usou um kit de primeiros socorros que ele localizou na cozinha para colocar bandagem no enorme corte na cabeça de Alfonso. O homem mais velho estava consciente, mas manteve-se no sofá, sentindo-se terrivelmente fraco. Sua cabeça devia doer terrivelmente porque ele estava gemendo suavemente. Celia também estava pairando acima dele, segurando sua mão. Seus instintos maternos eram sempre fortes, e ela se recuperou rapidamente do estado mental no qual ela tinha estado mais cedo no momento em que ela viu que Alfonso estava machucado.

— Como você pôde deixá-la escapar! — Antonio disse furioso, andando de um lado para outro.

Cass se sentia atordoada. Ela se apoiou em uma das janelas, olhando para a noite.

— Isto não é justo — ela disse.

Agora eles não podiam achar Tracey. Quando Cass a seguiu no grande corredor, ela desapareceu. Uma procura rápida na casa não rendeu nenhum resultado.

— Meu filho se foi! Meu filho e sua sobrinha. Isto não é justo! — Ele gritou.

O quão surreal isso tudo se tornou. Cass se sentiu separada e distanciada de si mesma. E ela ainda não podia decifrar a conversação que ela teve na capela com Tracey. Com quem ela tinha falado? Isabel ou Tracey? Ou ambas?

— Ela apenas foi embora. Eu sinto muito. Mas ela disse que eles estavam seguros.

— E você acredita nela? Diga-me novamente, tudo que ela disse. — Antonio disse, parando na frente dela, bloqueando seu caminho.

— Nós já discutimos isso dez vezes. — Cass disse, começando a ficar brava. — Eu não gosto de ser interrogada. Eu não gosto que gritem comigo!

— Ela sabe onde as crianças estão — ele retornou sombrio. — Mas você deixou sua irmã ir embora!

— Então agora isso tudo é minha culpa? — Ela estava incrédula.

— Eu disse isso? — Ele retornou. — Como eu jamais me envolvi com aquela mulher louca, eu não consigo nem começar a entender isto!

Ela se enfureceu.

— Ela não é louca — ela disse em tom raivoso. — Você mesmo concorda, é Isabel que está a controlando.

— Como você pode defender o que ela fez? — Ele voltou-se. — Droga! Onde está Gregory? — Ele repetiu.

— Eu posso defendê-la, e vou defendê-la, porque ela é minha irmã.

Seus olhares se encontraram.

Ele olhou para ela.

— Eu penso que ela foi para onde ela escondeu as crianças.

— Ela não sabe onde as crianças estão. — Cass insistiu.

— E você acredita nela? — Ele zombou.

A vontade de atingi-lo foi repentina, maligna e avassaladora.

— Não tente isto — ele advertiu, raivoso.

E da mesma maneira que Cass estava para ceder ao desejo de bater nele, forte, com toda a sua raiva, as palavras que ele disse anteriormente ecoaram em sua mente. Eu amo você. Confie em mim.

O que ela estava fazendo?!

— Oh, Deus. — Antonio sussurrou, angustiado. — Cassandra...

— Ela está fazendo isso conosco! Ela está nos fazendo odiarmos um ao outro! — Ela agarrou as mãos dele.

Ele a abraçou

— Isto é minha culpa, pois eu entendo melhor. Eu não odeio você. Mas os momentos de ódio são tão puros e tão forte. Jesus! — Ele deu uma olhada ao redor, esperando, e perguntando-se, Cass saberia, se Isabel apareceria. Um momento longo se passou. Isabel não se materializou.

Mas Cass sabia que ela estava presente, não muito longe, assistindo-os.

— Antonio. — Ela disse, em voz baixa, ainda segurando sua mão. — Eu posso senti-la.

— Eu posso senti-la, também. Ela está brincando conosco.

— Mas por que? — Uma imagem de Tracey ajoelhada, rezando defronte do altar, encheu sua mente. Uma imagem dela negando calmamente ter conhecimento do paradeiro das crianças. Ela apertou sua mão. — Eu tive o suficiente. — Cass de repente exaltou-se. — Eu quero tentar me comunicar com ela.

Seus olhos brilharam.

— Comunicar? Ou negociar?

— Ambos. — Cass respondeu vacilando. Ela faria qualquer coisa, até vender sua alma para Isabel se, assim conseguisse as crianças de volta, em segurança.

Algo golpeou do lado de fora.

Cass quase saltou fora de sua pele. Em uníssono eles giraram, enfrentando a direção de onde veio o barulho. Soou como se alguém ou algo tivesse colidido com a frente da casa.

Outra pancada soou, mais alta, talvez contra a porta da frente.

— O que em nome do Deus é isto? — Antonio perguntou.

Eles trocaram olhares.

— Eu não tenho a menor ideia. — Cass sussurrou. Isabel? Tracey? O vento?

Não existia nenhum vento. O planalto central da Espanha era quente e seco no verão.

Antonio caminhou para a frente com determinação.

Loucamente, Cass desejou que ele estivesse armado. Ela correu atrás dele.

— Pare. — Ela o agarrou por trás. — E se todos nós estivermos errados? E se um assassino está lá fora, uma pessoa real, viva, alguém armado? Você não tem uma arma.

— Sua irmã poderia estar lá fora, e ela é a mais provável assassina na qual eu posso pensar — ele respondeu.

Cass recuou.

— Ela não está em seu juízo perfeito.

— E isso justifica seus pecados? — Ele pressionou, andando a passos largos corredor abaixo.

— Você é agora um juiz e júri? Você é a lei? — Cass disse amargamente.

— Eu protegerei meu filho, e sua família, e você, Cassandra, de qualquer modo que eu possa.

— Então vá atender a porra da porta — Cass disse friamente.

Ele virou e abriu a porta.

E no momento que ele abriu a porta, algo sombrio entrou no aposento. Cass gritou.

Um momento mais tarde o algo se tornou um alguém, Gregory, sombrio e ensanguentado, caindo de bruços no chão aos pés de seu irmão. Cass gritou novamente. E ela percebeu que Gregory estava terrivelmente ferido, sua fronte estava cortada, e um lado de seu rosto e sua camisa estavam manchados de sangue. Suas roupas estavam rasgadas e sujas. Antonio se abaixou ao lado dele, erguendo-o em seus braços, embalando-o.

O coração do Cass voltou a bater, irregularmente. Ela olhou dos irmãos gêmeos para a porta da frente aberta, no início da noite castelhana. Ela não pensou duas vezes. A maldade encheu a noite. Ela correu para a porta e a bateu, fechando-a com chave.

Como se chavear a porta mantivesse Isabel afastada.

Então ela virou-se para enfrentar os irmãos. O que tinha acontecido?

— O quanto ele está ferido?

— Sua cabeça está golpeada na frente e atrás. — Antonio disse com voz rouca. E ele o segurou duro contra seu peito.

— Eu pegarei o kit de primeiros socorros. — Cass disse.

Isabel. Isabel podia ter feito isso? Eles ainda não sabiam o que ela era fisicamente capaz de fazer.

O kit estava na biblioteca. Cass não esperou a resposta de Antonio, ela correu pela casa. E quando ela correu, passou por sua cabeça que Tracey não estava na casa. Não. Tracey não podia ter feito isto. Absolutamente não.

Cass sentiu vontade de vomitar. Seu estômago estava muito mal. O kit de primeiros socorros estava no chão ao lado de pilhas de livros. Cass hesitou. Ali também estava seu laptop. Mas ela não podia ignorar Gregory. Sem uma palavra, ela entregou o kit para Antonio e voltou para a biblioteca, atraída por seu laptop.

Seu pulso começou a latejar de um modo lento, intenso, assustador, Cass deu uma olhada do laptop até as janelas. Era noite agora. O céu estava escuro e denso, preto brilhante, com muito poucas estrelas muito distantes. Cass estremeceu e foi até o laptop, ligando-o. Sua pulsação aumentou. Uma mensagem. Uma negociação. Um apelo. Como o inferno ela devia prosseguir?

O que Isabel realmente queria?

Cass encolheu-se. Ela estava certa que ela queria vingança. Mas essa não era a resposta que ela desejava receber.

Cass observou enquanto seu programa Word apareceu. Ela começou a escolher uma fonte enorme, então percebeu não importava. Ela digitou as palavras.

ISABEL. O QUE VOCÊ QUER?

Cass hesitou. Então ela destacou a frase, copiou, e colou, e colou novamente, até que sua tela estava cheia com a pergunta.

— Srta de Warenne?

Cass ignorou Celia. Era tudo ou nada. Era fazer ou morrer. Talvez até literalmente. Ela tinha que falar com Isabel, realmente falar com ela, assim como negociadores de refém falam com sequestradores, mas ela era só uma escritora de ficção, e uma covarde para início de conversa.

E a noite estava só começando. O relógio no canto da biblioteca marcava 10 horas.

ISABEL. O QUE VOCÊ QUER?

Cass digitou novamente.

— Cassandra. — Celia exclamou com urgência e desespero.

O olhar de Cass voou de sua tela até a mulher mais velha. Mas Celia não estava nem olhando para ela. Ela estava olhando além de Cass, para a porta de entrada.

Lentamente Cass virou-se.

Tracey estava na entrada, olhando fixamente para ela, seus olhos azuis brilhantes, penetrantes.

— Sim? — Ela disse.

E Cass sabia que era Isabel.


Capítulo Vinte e Quatro

Londres – 3 de junho de 1555

Londres com suas muitas torres, pináculos, e telhados surgiu quando o navio Flemish trazendo Helen, Isabel, e seu filho recém-nascido subiu o Tâmisa. As águas eram lentas e pretas, o ar era espesso e úmido, estava excepcionalmente quente, e Isabel já tinha ouvido que a doença do suor tinha chegado novamente a Londres. Mas a cidade era a visão mais maravilhosa que ela já tinha visto, e enquanto ela olhava além da Ponte da Torre para os pináculos graciosos da Igreja de Saint Paul, seus olhos se encheram de lágrimas. Casa. Ela voltou para casa afinal.

— Eu nunca esperei ver a cidade tão cedo, e não sob estas circunstâncias. — Helen disse baixinho.

O pulso de Isabel disparou. Ela não respondeu. Helen só sabia metade da verdade. Isabel curvou-se para beijar a cabeça de seu filho, Philip, chamado assim em honra do rei marido da Rainha espanhola Mary. Ela tinha medo.

— Eu espero que seu marido perdoe você, Isabel. — Helen advertiu.

Isabel olhou para sua expressão sombria. Helen pensou que Isabel deixou a Espanha para surpreender seu marido, trazendo a dádiva de seu filho. Mas ela estava errada.

Isabel tinha fugido, e ela nunca pretendia retornar.

O navio foi deslizando em seu ancoradouro. Isabel beijou Philip novamente, que dormia pacificamente em seus braços. Ele tinha nascido facilmente, despertando com um berro, e ele tinha a pele pálida, seu cabelo tão loiro que era quase branco, seus olhos brilhantemente azuis. Isabel nunca amou ninguém do modo que ela amou sua criança. Quando ela olhou para ele, o sentimento mais maravilhoso, uma mistura de alegria e amor a fez sentir como se ela pudesse criar asas e desprender-se no céu, encheu seu peito. E quando ela olhava para ele, ela também via Rob.

Alvarado, assim que ele vislumbrasse a criança, imediatamente saberia a verdade.

— Bem? — Helen disse. — Nós devemos fazer investigações e descobrir onde a corte agora reside. Nós não devemos fixar um único pé na cidade com tantos mortos sobre ela.

— A corte está em Oatlands. — Isabel disse nervosamente.

— Bom. Eu providenciarei uma liteira e cavalos. — Helen disse.

Ela se virou. Isabel pegou seu braço.

— Nós não vamos para a corte, Helen — ela disse calmamente.

Helen piscou.

— Perdão?

— Você me ouviu da primeira vez. Nós não vamos para a corte. — Isabel a olhou fixamente.

Helen pôs suas mãos em seus quadris.

— E que travessuras você está fazendo agora, Isabel?

— Nós estamos indo para Carew Hall. Nós estamos indo para Lorde Montgomery.

Helen olhou fixamente para ela como se ela falasse latim ou grego.

— Eu estou deixando meu marido. Não diga uma palavra! Minha decisão é final, e Douglas me ajudará.

Mas enquanto ela falava, Isabel estava ciente do que ela estava fazendo, e do preço que ela podia pagar. Seu marido não era um indulgente ou mesmo homem amável. Ele nunca perdoaria esta sua traição. Ele buscaria alguma maneira de puni-la por isto.

Mas Isabel não tinha outra escolha. A criança claramente não era dele. E ela precisava de Rob, desesperadamente. Ela precisava dele como seu amante, seu amigo, e como pai de seu filho. Seguramente ele manteria ambos seguros, especialmente quando ele estava viúvo agora. Ele não poderia mandar embora sua amante e mãe de seu filho.

Ela deduziu que ele estava na corte. Mas ela não ousou procurá-lo lá, pois seu marido estaria lá, também. Ela precisava de um intermediário.

Montgomery disse sempre que se ela precisasse de um amigo, ele estaria lá.

Ela precisava de um amigo agora.

Helen olhou fixamente, espantada.

— Você perdeu todo seu juízo! — Ela disse finalmente. — E eu imploro a você, não faça isto!

Os olhos de Isabel se encheram de lágrimas.

— Helen, ele saberá a verdade assim que olhar para Philip.

— Não se você o convencer que seu filho se parece com você! — Helen gritou.

Elas nunca discutiram o assunto da paternidade de Philip, da mesma maneira que elas nunca discutiram o caso de Isabel. Mas Isabel estava certa que Helen sabia de tudo. Isabel agora a olhou fixamente, porque ela nunca viu sua companheira tão agitada, sua boca estava realmente trêmula, como se ela pudesse chorar lágrimas reais.

— Eu não posso viver minha vida com ele. Não posso viver naquela fria, terra inóspita, naquela casa tão escura, triste, melancólica, onde vou envelhecer, não só em idade, mas em humor, em meu coração. Eu não posso continuar sendo cercada por empregados que me menosprezam porque eu sou uma estrangeira, empregados que não entendem nem uma palavra que eu digo. Eu não posso aguentar esperar para ele retornar, esperando para agradá-lo, para ter outro filho, quando eu não posso nem tolerar seu toque. Não quando é outro que eu amo. E Philip não merece conhecer seu pai verdadeiro?

Helen agarrou a grade. Ela empalideceu consideravelmente.

— O pai de Philip é Alvarado de La Barca. Você destruirá a si mesma — ela sussurrou. — Que Deus tenha misericórdia de ti.


— Isabel? — Montgomery veio andando a passos largos no corredor da mansão que ele havia herdado de sua primeira esposa, com os olhos arregalados. Ele parou ao avistar todos eles, seu olhar sobre Isabel.

Ela não conseguia desviar o olhar de seus olhos hipnotizantes, não por um momento muito longo, e naquele instante sua pulsação acelerada parecia fora de controle. Isabel estava quase paralisada.

Ele se recuperou primeiro, avançando, seu olhar agora deslizando para Helen e o bebê, e então ele se inclinou sobre sua mão.

— Condessa, que surpresa. Eu pensei que você estivesse feliz na Espanha, nas terras de seu marido. — Ele ergueu seus olhos, seu olhar procurando o dela.

Isabel sentiu-se quase chorando.

— Eu imploro uma palavra com você reservadamente, milorde.

Seus olhos azuis moveram-se sobre seu rosto, deslizando para sua linda criança loira uma vez mais, e ele movimentou a cabeça. Ele tomou firmemente seu cotovelo.

— Venha comigo.

Um momento mais tarde ele estava fechando a porta para uma sala pequena, e eles estavam sós.

O coração de Isabel continuava a bater com força excessiva. Era tão difícil falar.

Ele a estudou.

— Eu tenho medo de descobrir o que trouxe você para mim — ele finalmente disse calmamente.

— Você me disse uma vez, não há muito tempo, que seria sempre meu amigo se eu tivesse necessidade — ela respondeu sem fôlego, desesperadamente.

Ele movimentou a cabeça, triste.

— Eu fiz esse voto, não só para você, mas para mim mesmo. Eu não quebro minha palavra, Isabel.

Ele era um homem impressionante, Isabel pensou exaurida. Um homem nobre e honrado.

— Meu marido não sabe que eu estou na Inglaterra.

— Eu suspeitei disso. — Ele avançou, segurando seus braços, preocupação espalhada por todo seu rosto forte. — Isabel...

— Eu fugi — ela chorou.

Ele empalideceu.

Ela continuou olhando fixamente para ele, começando a tremer, uma imagem de sua bela criança lá em sua mente.

— Eu temo pela vida do meu filho, querido Deus. Eu temo que Deus o castigará pelos meus pecados. Eu temo a ira do meu marido quando ele vir Philip. Eu temo ficar velha e desfigurada, sem amor e só, eu temo tanto, Douglas... eu temo morrer naquela terra repugnante e permanecer lá por toda a eternidade! — E foi um apelo.

De alguma maneira ele se moveu mais próximo, de alguma maneira ela estava em seu abraço forte, sólido, estranhamente familiar, como se ele a segurasse deste modo, intimamente, como fazem os amantes, muitas vezes antes. Mas claro, ele não o fez.

— Não, não tema — ele murmurou, enquanto Isabel ficou ciente de sua altura e força e até do calor de seu corpo.

— Eu não posso voltar. — Isabel sussurrou.

Suas saias foram esmagadas contra suas coxas, seus braços eram duros em suas costas, e de repente seus olhos se encontraram. E ela soube. Ela soube tão seguramente quanto ela soube que o sol deixaria aquela noite que ele a beijaria, e ele o fez.

Por uma breve eternidade, seus lábios manipularam os dela, suaves e ternos, e então de repente eles se separaram.

Isabel encarou-o chocada.

Sua expressão era quase atordoada. Foi amargo.

Ela se afastou. Sua mão encontrou sua boca.

— Eu... eu vim aqui para implorar um favor — ela ouviu-se sussurrar. — Eu vim aqui para implorar a você para levar um recado para Rob.

Ele riu asperamente, uma vez.

— Eu suspeitei disso.

— A criança...

— É do de Warenne — ele terminou para ela. — Isabel, você brinca com fogo. Você não deve continuar este jogo mortal. De La Barca nunca perdoará você por sua deslealdade.

— E é por isso que eu fugi! — Ela chorou. — Por isso, e porque eu não posso viver sem amor, tendo o encontrado uma vez. Você não pode entender?

— Você achou amor com de Warenne? — Ele perguntou furiosamente.

Ela não gostou de seu olhar ou seu tom.

— Claro que eu achei.

Ele a olhou fixamente, mandíbula contraída. Existia tanta raiva em seus olhos, em seu rosto.

— Por que você olha para mim desse modo? Por que? — Ela estava cada vez mais assustada.

— Eu quero que você retorne para seu marido. Ouça-me bem, Isabel, eu, que amo você desinteressadamente. De La Barca caçará você se você fizer isto, e ninguém, nem mesmo eu, serei capaz de proteger você de sua ira.

Ela estremeceu.

— Como eu posso retornar? Como? A criança é obviamente de Rob. E Rob me protegerá! Sei que ele nos protegerá.

— Você vai mentir descaradamente! — Ele quase gritou. — Você o amará e mentirá para ele, e vai convencê-lo que a criança é dele!

Isabel se encolheu, pois ela nunca o viu em tal temperamento.

Ele caminhou. E quando ele a enfrentou, ele recuperou sua compostura, mas apenas com dificuldade.

— Isabel. Eu temo que ele matará você por isso. Você deve voltar para ele.

Ela se abraçou.

— Ele me matará se eu retornar, ainda que eu minta, lentamente, minuto por minuto, hora por hora, dia a dia. Eu odeio a Espanha! Eu odeio o povo espanhol! E seu toque. — Ela estremeceu. — É Rob que eu amo e necessito — ela implorou.

Ele andou a passos largos para ela. E de repente ele a estava sacudindo.

— Quando você acordará? Quando? — Ele estava gritando novamente.

— Eu não compreendo você — ela gritou. — E você está me machucando!

Ele a soltou. Mas seus punhos permaneceram fechados.

— Rob de Warenne não serve nenhum outro mestre a não ser ele mesmo. Ainda para fazer isso, ele deve ser muito inteligente. Seu marido serve o marido da rainha. Você não pode entender? De Warenne nunca arriscará seu pescoço para manter você e a criança! — Ele estava gritando com ela novamente.

— Você está errado — ela disse, lágrimas caindo. — Você está errado.

Ele se virou, mas Isabel vislumbrou algo em seus olhos, e ela se apressou atrás dele.

— O que é que você sabe que você não diz a mim? — Ela lamentou.

Ele lentamente virou, mas não falou.

O pânico a encheu, e com isto, uma suspeita.

— Douglas? — Ela mal conseguia pronunciar seu nome.

— Ele tem uma nova amante, Isabel.

 

Oatlands – 5 de junho de 1555

Ela estava deitada em sua cama, devastada. A mente dela recusou-se a pensar. Só existia a dor dilacerante em seu peito, uma dor com a qual ela tinha vivido nos últimos dois dias.

Na antecâmara do lado de fora, ela ouviu Philip começar a chorar, mas ela não podia se levantar. Os gritos famintos cessaram. Isabel ouviu Helen silenciando a criança, e no fundo de sua mente, ela podia imaginar sua acompanhante balançando seu filho.

Rob tem uma nova amante.

Sua dor não conhecia limites; era insuportável.

— Meu Deus, o que é isto? — Seu marido exclamou na antecâmara.

O corpo inteiro de Isabel enrijeceu com tensão. Ele chegou; os jogos agora começariam.

Os jogos que ela jogaria pelo resto de sua vida.

Isabel queria morrer.

Eles estavam falando, seu marido e Helen, mas Isabel quase não ouviu. Ela deveria recuperar toda a sua compostura agora, todas as habilidades teatrais, para ela conseguir enganar seu marido e enganá-lo bem. A vida e o futuro do seu filho estavam em jogo. E era por isso que ela viveria, e ser mais esperta que seu senhor agora.

Seus pesados passos de salto alto soaram. Isabel sabia que ele parou no limiar do quarto, e ela abriu seus olhos, sentando-se lentamente. Ele estava lá, olhando-a fixamente, uma figura resplandecente em um colete cor de vinho aveludado que era adornado por muitas joias e bordados. Seus olhos estavam arregalados; ele não sorriu.

Isabel sorriu.

— Surpresa, milorde — ela disse suavemente, sedutoramente.

Ele permaneceu imóvel.

Isabel deslizou da cama, vestida com um decotado vestido carmesim dourado com fios de ouro. Seu seio estava quase nu, sua cintura apertada em dimensões impossíveis. E ela havia tomado banho em sua fragrância favorita, violetas. O odor parecia encher o quarto.

Seu olhar deslizou sobre ela.

— Realmente, isto é uma surpresa — ele disse, em inglês preciso, mas com forte sotaque espanhol.

Isabel ficou surpresa.

— Milorde, o quão bem você está falando! — Ela exclamou, como se estivesse encantada.

— Eu tenho estado na corte por tempo suficiente — ele disse secamente.

Isabel se moveu em direção a ele.

— Eu vim trazer-lhe o maior presente que uma lady poderia dar a seu lorde — ela disse, movendo-se em seus braços. — Você viu seu filho? — E ela se apertou contra ele, sorrindo.

As mãos dele se fecharam em seus ombros, e passou pela mente entorpecida e aturdida de Isabel que ela estava tendo sucesso em seu engano. Ele disse.

— E é meu filho, minha querida?

Demorou um momento para compreender suas palavras, enquanto ela estava se erguendo na ponta dos pés para beijar sua bochecha. Ela piscou.

— Você não me ouviu? — Ele perguntou, perigosamente baixo.

Oh Deus, ele estava ciente da verdade, de suas traições e deslealdades, de seu adultério. O instinto da Isabel dizia para ela dar um passo para trás, longe dele, mas ela não fez isso, superando uma grande e repentina repulsa pelo homem com quem ela casou. Realmente, ela se apertou mais próxima dele.

— Claro, milorde. Que tipo de pergunta é essa? Você zomba agora, sobre nosso filho? — Ela disse, timidamente, batendo suas pestanas para ele. Então seu coração começou uma batida nova e desenfreada, cheia com um medo real e terrível.

Ele a soltou tão abruptamente que ela tropeçou e teria caído se não tivesse aterrissado contra a parede. Ele desapareceu, só para reaparecer em seguida com as páginas de uma carta em sua mão. Ele as agitou para ela.

— É meu filho? — Ele exigiu, seus olhos tão pretos quanto um temporal.

Ela era incapaz de compreender o que ele estava fazendo, e o que ele segurava.

— Claro — ela disse, e sorriu. — Como você pode duvidar?

Ele sorriu para ela, mas o sorriso era impiedoso, e ele leu.

— “Meu caríssimo Rob, meu coração dói com saudades de casa e de tudo que me é mais caro. Oh, Rob, não existem palavras suficientes na língua inglesa para descrever para você minha solidão e angústia. ” — Ele olhou para ela, soltou sua carta no chão, e novamente leu. — “Minha caríssima prima, muito tempo se passou desde o último dia em que nos falamos. Lembro-me de nossas muitas conversas, com tristeza e alegria, e com saudade, e espero ansiosamente por muitas mais. Como você está passando, querida Isabel? ”

Isabel olhou fixamente para ele, atordoada. Ele tinha suas cartas. Ele tinha as cartas de Rob. As consequências apenas começavam a acontecer.

Ele andou a passos largos para ela e atirou em seu rosto a página cheia da caligrafia cuidadosamente escrita por Rob.

— Eu devia continuar, querida Isabel?

Ele interceptou suas cartas. Ele roubou cartas de Rob. Ela começou a tremer, e estava verdadeiramente com medo.

— Eu não acreditei nisto, sabe — ele disse ferozmente. Seu corpo inteiro estava tremendo. — Os rumores de você e ele. Minha esposa bonita, carneando-me, não atrás de minhas costas, mas na frente de meu rosto. Eu não acreditei em nada disto, nem mesmo quando eu vi o modo com que de Warenne olhava para você, pois tantos dos cortesãos olhavam você do mesmo modo que ele, Isabel, minha bela esposa. Entretanto, então eu vi isto. — Ele curvou e agarrou a carta que ela escreveu para Rob na véspera de último Natal. — E então eu vi as cartas dele para você! Fale, maldita! Fale!

Ele estava gritando, ele estava enfurecido, mas Isabel não podia se mover, nem mesmo se salvar de sua ira.

— Você não falará? — Ele gritou.

As lágrimas vieram, e caíram.

— Eu o amei desde que eu tinha quinze anos — ela sussurrou.

Ele a atingiu. Tão dura que ela soube que ele quebrou os ossos em seu rosto, e ela caiu, soluçando, no chão de pedra dura.

Na antecâmara de fora, ela ouviu Philip começar a chorar.

E acima dela, ela ouviu Helen suplicar.

— Milorde, tenha clemência dela, por favor.

— Saia! — Alvarado gritou.

O pontapé em suas costelas a tomou de surpresa, e ela se enrolou, sentindo ondas excruciantes de dor. Mas ele a estava arrastando e levantando-a.

— A criança é minha? — Ele gritou com ela enquanto ela cambaleou na agonia de uma vertigem.

— Não. — Isabel ouviu se dizer.

Ele atingiu novamente seu rosto e Isabel tornou a cair no chão.

— Prostituta — ele gritou para ela, e então ela ouviu seu movimento, virar-se e sair. A porta bateu atrás dele.

Isabel começou a chorar, tanto de dor como de medo.

— Oh Deus. — Helen ajoelhou sobre dela, suas mãos suaves.

Isabel chorou.

— Oh, Deus! Deixe-me conseguir compressas, oh, Isabel! — Helen levantou-se com um salto e se foi.

Philip estava berrando agora.

Philip. Seu filho. Filho de Rob.

Não, não filho de Rob, nunca filho dele, só seu. Ela tinha que se levantar, ela tinha que ir até seu filho, e juntos eles deviam fugir, por suas vidas.

Isabel tentou se erguer sobre suas mãos e joelhos. Mas a dor em seu abdômen era tão intensa que ela gritou ao invés, e então as ondas de escuridão vieram.

Isabel lutou, e falhou.

A escuridão caiu, e era uma bênção breve.


Oatlands – Mais tarde naquela noite.

— Você pode me ouvir? Isabel?

Isabel ouviu Helen, mas sua voz era tão estranha e tão distante. E então existia a dor, tanta dor. Seu rosto latejava, mas isso não era nada em comparação com a agonia ardente em seu tórax, e aquela dentro de seu peito.

— Isabel, doce, por favor, você pode me ouvir?

Helen. Oatlands. Montgomery... Rob tinha uma nova amante e seu marido descobriu a verdade. Isabel de repente estava acordada. Philip!

— Graças a Deus! — Helen exclamou.

Nadando em dor, Isabel olhou desesperada para sua acompanhante.

— Philip! Onde está ele?

— Shh. — Helen a acalmou, acariciando sua testa. — Ele está adormecido no quarto ao lado.

— Não! — Isabel tentou se sentar, mas no momento em que ela se moveu, ela estava tão tonta quanto ela se sentia infeliz. E isso foi tão doloroso que ela chorou.

— Fique quieta! O doutor disse que você quebrou algumas costelas. Por favor, fique quieta. — Helen implorou.

A dor não aliviaria. Isabel suportou onda após onda, olhos fortemente fechados, o tempo todo desesperadamente ciente do fato que ela devia pegar seu filho e fugir de Alvarado e sua ira. Mas como? Quando ela estava tão ferida que não podia nem sair de sua cama.

Montgomery.

Ela encontrou o olhar de Helen.

— Vá até Douglas, agora. Diga a ele o que aconteceu. Ele deve me ajudar e a meu filho, nós devemos fugir, agora, hoje à noite. — Mesmo falar custava caro para ela, e ela estava ofegando para respirar através da dor feroz, implacável.

Helen, com a graça de Deus, não discutiu, desta vez. Em vez disso, ela estava de pé.

— Eu não quero deixar você — ela disse. — Mas não existe nenhum mensageiro no qual possamos confiar.

— Vá. Vá agora. — Isabel gritou. E lágrimas escorreram pelo seu rosto.

Helen assentiu com a cabeça, hesitou, então partiu. Isabel finalmente ouviu o estrondo de porta exterior. Graças a Deus. Dentro de horas, Montgomery estaria na corte, e Isabel sabia que ele moveria céus e terras para salvá-la.

A imagem de Rob veio a sua mente e uma nova dor foi adicionada a toda a velha, e com isto, pela primeira vez, ela sentiu um remorso profundo.

O quão tola ela tinha sido.

Batidas soaram na porta exterior.

Isabel ficou tensa, seus olhos arregalaram-se, e quando as batidas aumentaram, um empregado apressou-se para atender. Ela não podia ver o bastante devido à distância até o outro quarto, mas ela ouviu muitos homens entrando, o barulho alto de suas botas, seus passos rápidos, se aproximando. Isabel endureceu até mais, de repente não mais ciente da dor terrível que a afligia. Todo seu instinto lhe disse que ela tivesse medo. O medo a encheu.

E um soldado vestindo o distintivo do chanceler apareceu no limite de sua câmara, cercado por seu guarda.

Isabel se sentou.

— Em nome de Deus e do Papa, você está por este meio presa — ele disse.

— Presa? — E até que Isabel conseguisse articular a palavra, seus homens irromperam ao redor de sua cama, e ela estava sendo retirada dela. — Prisão! Em nome de Deus, por que? — E mesmo quando ela gritou, ela estava sendo empurrada, sendo levantada, e de repente seus braços foram forçados para trás dela, algemas colocadas.

— Você foi acusada pelo crime mais hediondo de todos, o crime de crenças falsas e traiçoeiras, o crime que é contra Deus — o soldado disse a ela severamente.

Isabel ofegou. Incapaz de compreender o que estava acontecendo que... ela estava sendo acusada de heresia?

— Isto é um engano terrível — ela chorou quando os soldados a empurraram através do quarto. A dor a atravessava, apunhalando-a, repetidamente, como uma faca. — Onde você está me levando? — Ninguém se preocupou em responder, ou até mesmo em olhar para ela, no que diz respeito a esse assunto, quando eles a arrastaram para fora.

— Por favor, onde vocês estão me levando! — Ela gritou enquanto lutou ao passar pela última porta.

E o sargento comandante finalmente respondeu.

— A Torre — ele disse.


Capítulo Vinte e Cinco

Casa de Sueños – A quarta noite, 11 horas da noite

Sua mãe não a queria. Sua mãe não a amava. Sua mãe a queria morta.

Alyssa quase quis morrer.

As lágrimas deslizaram silenciosamente pelo seu rosto, embora ela estivesse tentando com todas as forças não chorar. Estava com tanto frio e com tanto medo. Se sua mãe não queria que ela morresse, então por que a prendeu com Eduardo neste lugar escuro e horrível? Então por que ela não voltou? Era tão difícil não chorar. Seu coração nunca tinha sofrido assim antes. Mas agora ela entendeu por que Tracey nunca voltou para casa.

Mamãe, Mamãe, ela continuou pensando.

— Alyssa? — O sussurro do Eduardo era um súbito ruído na noite escura.

— Sim? — Ela tentou não permitir que ele percebesse as lágrimas em sua voz. Ela queria ser mais corajosa, como Eduardo, mas ela não era. Tinha apenas sete anos de idade, e ela queria sua tia desesperadamente.

A tia Cass viria. Alyssa estava certa disto.

Alyssa sabia que ela a abraçaria para sempre quando ela os encontrasse.

Eduardo tomou sua mão.

— Você está forte suficiente para tentar pedir ajuda novamente? — Ele perguntou. Alyssa ouviu a nota de ansiedade em sua voz.

— Eu tentarei.

Mas Alyssa não pensou que ela podia gritar mais. Eles gritaram e gritaram pedindo ajuda, pelo que pareceram horas e horas, no topo da pequena escadaria, estreita onde eles se sentaram bem juntos agora. Ninguém respondeu aos seus gritos. Sua garganta doía; estava áspera e seca, como se ela estivesse realmente doente.

— Em algum momento eles nos ouvirão. — Eduardo disse com uma confiança que Alyssa soube que ele realmente não sentia.

E as lágrimas começaram novamente, e desta vez elas não parariam.

Alyssa chorou.

— Por favor não chore. — Eduardo suplicou. — Eles logo nos acharão.

Como isto podia estar acontecendo?

E se eles nunca fossem encontrados?

Foi isso o que aconteceu com a mãe de Eduardo?

— Eu quero minha tia Cass. — Alyssa soluçou. — Mas eles nunca vão nos achar e nós vamos morrer!


Cass não podia se mover.

Atordoada, ela encarou sua irmã parada na soleira da biblioteca. E de alguma maneira clicou em seu cérebro chocado que ela acabou de tentar se comunicar com Isabel, e agora Tracey estava lá.

Tracey respondeu. Não Isabel.

Porque elas eram a mesma pessoa.

— Sim? — Tracey disse novamente, e era uma pergunta.

Cass estremeceu.

— Isabel? — Ela perguntou cautelosamente.

— Sim. O que é que você quer? — Os olhos de Tracey, que pareceram esquisitamente desfocados, foram de Cass até Celia e voltaram novamente. Ela não olhou para Alfonso.

Cass deu um olhar para Celia, viu seus olhos cheios de lágrimas e o medo em seu rosto. Alfonso desmaiou.

— Onde estão as crianças? O que você fez com eles? — Cass perguntou tão cautelosamente quanto antes.

— Eu disse a você. Eles estão seguros.

Cass a encarou, tremendo. Eu disse a você.

— Mas onde eles estão? Por favor! Por favor me diga.

— Eu não posso. — E Tracey sorriu.

O sorriso estava frio, gelado. O corpo de Cass arrepiou inteiro inesperadamente.

Tracey virou e foi embora.

Em qualquer outro momento, Cass poderia tê-la perseguido e agarrando-a por trás. Ela não fez isso. Ela nem se moveu.

— O que você quer? — Ela perguntou com voz rouca quando Tracey se moveu pela entrada. — O que é que você quer?!

Tracey hesitou. Lentamente ela se voltou para Cass. Seus olhos azuis eram brilhantes em sua intensidade.

— Eu quero somente o que é justo.

Cass sentiu seu olhar escurecendo, seus joelhos batendo juntos e exatamente ao mesmo tempo. Enjoo, pavor a inundaram. Ela mal podia suportar.

— Todos nós queremos justiça. Nós podemos ter justiça. Nós podemos. Tra...Isabel. Não envolva as crianças! Por favor!

Mas Tracey, ou seja, Isabel, não estava escutando; ela estava deixando o cômodo.

— Nós devemos encontrar a paz! — Cass gritou. — Tem que haver paz, Isabel, paz entre as duas famílias! Por favor! — Ela soluçou.

Cass percebeu que ela estava se apoiando à escrivaninha de Antonio, assistindo sua irmã ir embora, corredor abaixo, através de suas lágrimas. Ela devia segui-la? Ela a levaria às crianças?

Cass começou a tremer incontrolavelmente.

— Isabel! — Ela gritou. — Não vá!

Tracey deu uma olhada para trás, para Cass, uma vez, sem parar.

Cass afundou-se sobre a escrivaninha, sua mente girando inutilmente agora, como um carro girando suas rodas na lama.

Ela queria justiça.

Cass tinha medo do que isso significava.

Celia gritou.

— O que é? — Cass suspirou, virando.

— O computador. — Celia sussurrou.

Cass girou, olhou fixamente. Uma mensagem piscava na tela.

A PAZ É MORTE.


Cass encontrou Antonio de pé sobre seu irmão, olhos arregalados, rosto determinado, pernas apoiadas. Tracey o enfrentava.

Cass estava ofegante e pensando desesperadamente. A paz é morte. Ela não teve que insistir no significado de mensagem de Isabel. Ela queria, tinha a intenção, de matar alguém, se não todos eles.

— O que está acontecendo? — Cass perguntou, quebrando o silêncio que enchia o grande corredor. Gregory, ela viu, estava consciente e alerta, suas pupilas dilatadas, seus olhos muito arregalados e focados em Tracey.

Antonio não se moveu ou falou. Seu olhar era duro, e também dirigido para sua irmã.

Cass estava suando.

— O que aconteceu? — Ela estava apavorada. Porque ela teve que enfrentar os fatos. Não era Tracey. Ela estava sob o controle de Isabel. Parecia mais que provável agora que ela escondera as crianças e assassinara o eletricista. E Cass não ousou perguntar o que ela fez com as crianças. Não agora.

Cass estava tremendo. Antonio tinha o assassinato em seus olhos, e Cass sabia que ela precisava proteger Tracey, ainda que de alguma maneira eles tivessem que destruir Isabel, também.

E eles ainda não tiveram uma pista de como fazer isso.

Tracey voltou-se para Cass. Cass a ouviu dizer.

— Ele está vivo. — A declaração foi possivelmente uma surpresa, e interrompeu os pensamentos de Cass.

Cass congelou por dentro.

— Meu irmão está muito vivo. — Antonio disse asperamente.

Cass se moveu passando por Tracey, dando uma volta grande e ciente de sua extrema precaução de estar próxima a Antonio.

Os pequenos pedaços de todas as suas conversas recentes com Antonio a inundaram agora, inclusive aquela em que eles concordaram que Isabel estava tentando dividi-los a fim de conquistá-los. Cass deu uma olhada em Tracey, mas ela não viu nenhuma expressão em toda a máscara de seu rosto. Cass endureceu. O rosto da sua irmã parecia diferente? Mais cheio, menos magro? Suas sobrancelhas mais finas, mais arqueadas? Mas isso era impossível!

Antonio inclinou-se para seu irmão agora, que tentou afastá-lo.

— Eu estou bem agora. — Gregory disse. — Exausto, mas bem.

— Você não está bem. — Antonio disse, limpando o corte em sua fronte. — Um maníaco jogou você fora da estrada. Você estava quase morto!

Cass deu uma olhada no rosto impassível de Tracey. Agora, olhando para ela, pensou que ela podia ver uma semelhança com Isabel, que ela nunca viu antes. Ela começou a tremer, disse a si mesma que ela estava imaginando coisas. E de repente ela recordou outro pedaço do quebra-cabeça. Alguém não disse a ela que Catherine começou a se assemelhar a Isabel nos dias logo antes da morte de Eduardo?

Ela estava tremendo. Ela roubou outro olhar em Tracey. Maldição! Ela parecia um pouco com Isabel. Até seu cabelo pareceu avermelhado agora. Era um truque da luz? Ou um truque de sua própria mente?

Cass lembrou-se que Isabel se aproveita das mentes das pessoas.

Antonio estava pondo uma pomada no corte da testa de Gregory.

— Foi isso que aconteceu? — Ela perguntou, observando.

Gregory olhou para ela.

— É pior que isto. Mas você não acreditará em mim, acho que não. — Ele deu uma olhada em Tracey novamente. — Ela está bem?

Cass hesitou, ela olhou novamente para sua irmã. Seus lábios pareciam mais estreitos, seu nariz mais reto, seus olhos mais separados. Algo dentro de Cass estava desintegrando. Talvez tenha sido o que restava de esperança.

— Ela está bem. — Cass mentiu, sua pele se arrepiando em mal-estar.

Tracey não estava bem, mas onde Tracey terminava e Isabel começava? E se Tracey tivesse ido completamente, e se não restasse mais nada dela mesma? E o que Antonio faria se ele soubesse sobre sua conversa na biblioteca? Cass não podia mais confiar nele.

— O que mais aconteceu?

Eu amo você. Confie em mim.

Cass deixou suas lembranças de lado.

Gregory de repente empurrou Antonio.

— Ai, porra!

A resposta do Antonio foi breve e estranha.

— Era Isabel. Ela tentou me matar. Ela estava de alguma maneira atrás do volante do caminhão que me jogou fora da estrada. — Gregory disse.

Cass o encarou.

— Eu não penso que uma mulher que morreu em 1555 saberia como dirigir. — Antonio disse, sombrio. — Eu devo colocar bandagem em seu joelho? — Ele perguntou. — Poderia ajudar.

— Eu penso que será melhor depois de descansar um pouco. — Gregory disse. — Eu só sei o que eu vi — ele disse a ambos defensivamente. Seu olhar estava em Tracey novamente.

Cass não estava mais assistindo os irmãos, ela estava olhando fixamente para Tracey. Friamente, com extrema serenidade, Tracey encontrou o olhar dela. Havia uma luz de saber em seus olhos.

Antonio disse.

— Talvez fosse sua mente pregando peças em você. Ou talvez Isabel estava brincando com sua mente.

— E um louco me jogou fora da estrada? — Gregory perguntou sarcasticamente, enfurecendo.

Cass estava de cócoras, e agora ela se ergueu em sua total e diminuta altura.

— O que você acha? — Ela perguntou irritada.

Tracey encarou. Aquela estranha luz, quase presunçosa, cintilava em seus olhos. Ela disse.

— Eu não dirijo.

— Não. Você não dirige. Mas outros dirigem, não é?

Tracey sorriu.

— Outros dirigem — ela disse suavemente.

E Cass soube. Ela assumiu o comando da mente do motorista do caminhão.

— Quem é você? — Cass exigiu. E ela estava intensamente ciente dos dois homens olhando-as, escutando todas as palavras. Mas ela parecia não conseguir se conter.

— Você sabe quem eu sou.

Cass se afastou. Seu coração a machucava, batendo tão forte.

— Você não é minha irmã, não é?

— Eu sou sua irmã. — Tracey disse com outro pequeno sorriso. — Agora.

Antonio deu um salto.

Cass percebeu o que ele estava para fazer, o viu vindo, e tentou agarrá-lo e detê-lo, mas ela poderia também tentar parar uma locomotiva. Ele a empurrou de lado, de tal modo que ela caiu de joelhos, com força. E ele agarrou Tracey pelos braços, sacudindo-a.

— O que você fez para as crianças, sua puta? — Ele gritou.

Os olhos de Tracey mudaram. Eles empalideceram impossivelmente, de forma brilhante, ofuscante. E ela o lançou longe.

Cass gritou quando Antonio caiu no chão. Como sua irmã teve força para lançar um homem de quase 1 metro e 90 que pesava perto de 90 quilos? Ela perguntou-se, atordoada. E a resposta era óbvia. A energia da sua irmã não tinha limites, era sobrenatural.

Antonio estava furioso quando ele se levantou. Boca apertada, mandíbula contraída, ele se lançou em Tracey. Muito tarde, Cass gritou para ele.

— Pare! Vocês vão matar um ao outro!

E ele se lançou sobre Tracey.

Mas Tracey permaneceu de pé, e foi impressionante. O impulso os levou a ambos para trás, em direção à porta que levava ao pátio. E então eles estavam em uma luta corpo-a-corpo, Tracey segurando a si mesma, permanecendo em pé, com um esforço sobre-humano. Antonio não conseguia lutar submetendo-a ou jogando-a no chão. Ele não conseguia sequer forçar suas mãos para baixo ou para trás.

Tracey arranhou o rosto dele, deixando um conjunto sangrento de marcas das suas garras. Cass olhou ao redor desesperada procurando uma arma, ciente de Gregory levantando-se cambaleando. Havia só o kit de primeiros socorros, e quando ela agarrou a caixa, seu conteúdo derramou, e ela viu Gregory correndo em direção de Tracey e de Antonio.

Mais tarde, Cass não podia dizer se o ato foi idealizado por Tracey. Mas quando Gregory se aproximou dos dois, Tracey se moveu de lado, levando Antonio com ela. E Gregory se atirou de cabeça nas portas de vidro que se abriam para o pátio.

Cass gritou quando o vidro quebrou no momento do impacto e ele berrou, agitando-se sobre o chão no outro lado, como um homem queimando, exceto que ele estava coberto de sangue e vidro.

Antonio se livrou de Tracey, desviando sua atenção. Cass viu sangue em todos os lugares. E então, pelo canto de seu olho, ela viu Tracey levantando um longo pedaço de vidro. Erguendo-o alto como uma arma letal.

— Antonio! — Cass gritou em advertência.

Usando o fragmento como ela usaria uma faca, Tracey o mergulhou nas costas de Antonio. Seus olhos se arregalaram em choque e surpresa, e então ele caiu de bruços no chão.

Cass ficou congelada, e seu olhar travado com o de Tracey.

Tracey soltou o vidro, deu a Cass um olhar frio, virou-se e fugiu.

Cass se moveu. Ela correu para Antonio, usando ambas as mãos para cobrir o ferimento em suas costas.

— Tonio?

— Gregory — ele ofegou.

Cass o segurou, ainda cobrindo o ferimento com suas mãos, então ela o soltou, rasgou sua camiseta e a usou num monte, segurando-a firmemente sobre o ferimento.

— Deixe-me cuidar de você primeiro! — Ela exclamou.

E ela percebeu que se ele morresse, ela nunca, jamais seria a mesma porque ela o amava com todo o seu coração.

Ele deitou-se de rosto para o chão, mas sua cabeça estava voltada para um lado, seus olhos firmemente fechados. Eles abriram, cheios de dor.

— Eu estou bem — ele afirmou. — Deixe-me. Eu a matarei.

Cass ficou rígida.

— Não! Ela é minha irmã, ainda que esteja possuída, e você não vai matá-la!

— Ela sequestrou as crianças. — Antonio gritou, e então ele fechou seus olhos novamente, ofegando.

Cass pôs mais pressão no ferimento. Suas têmporas pulsavam, havia uma batida em suas orelhas, e ela não conseguia pensar claramente. Mas e se as crianças estivessem mortas? Isabel queria claramente matar Antonio e seu irmão. Ela queria matar Tracey? Ela queria matar Cass? Cass fechou fortemente seus olhos.

A paz é morte.

— Como nós vamos pará-la? — Cass sussurrou em desespero.

Seu coração parecia que estava sendo torcido pela metade. Ela estava com tanto medo por Tracey. Mas ela estava com mais medo pelas crianças e por Antonio.

Antonio não respondeu. Cass piscou para conter as lágrimas quentes e olhou para ele. Ele tinha desmaiado.

Ela congelou. E ela de repente ficou enfurecida. Ela precisava de ajuda, porra, ela precisava! Como ele podia desmaiar agora? Maldito seja!

E então ela sentiu suas lágrimas, e ela lamentou seus pensamentos, sua raiva, mas era Isabel que estava fazendo tudo isso, Isabel estava infectando todos eles, e tinha sido assim desde que eles chegaram pela primeira vez na Casa de Sueños. Ou teria sido desde que Tracey voltou para casa de Belford House com Antonio para o evento de gala?

E quão ruim era seu ferimento? E o de Gregory?

Cuidadosamente Cass ergueu a camiseta dele, mas ela estava atuando sobre o ferimento como um coágulo de sangue, que ela rezou para ser um bom sinal. Haviam algumas sobras de bandagens. Ela faria um curativo firme, deixando sua camiseta no lugar, ela decidiu freneticamente. E então ela confrontaria sua irmã.

Não. Ela confrontaria Isabel.

Alguns minutos mais tarde ela colocou a bandagem em volta de Antonio. Cass se apressou para ver Gregory, mas ele tinha muitos cortes em todos os lugares, inclusive em seu rosto bonito, que ela não soube por onde começar. Ela só sabia de uma coisa. Isabel fez algo com as crianças, e Isabel possuía sua irmã. Ela não quis deixar Gregory, não assim, mas ela não tinha nenhuma escolha. Isabel tinha que ser parada. As crianças tinham que ser salvas.


E Cass estava com muito medo. Todos os presentes na Casa de Sueños tinham sido machucados por Isabel, com exceção dela. As chances pareciam indicar que ela logo se tornaria a próxima vítima da Isabel. De alguma maneira tinha que haver alguma forma de enganá-la. Enganá-la e destruí-la.

Cass se levantou lentamente, tentando agora ouvir, tentando superar seu próprio e violento tremor e seu medo igualmente violento. Mas a noite no pátio estava em um retumbante silêncio. Não existiam sequer grilos para quebrar o silêncio. Nem uma coruja, ou o zumbido de um ventilador, o crepitar do fogo na biblioteca, nada. Apenas o silêncio na grande noite castelhana.

Ela molhou seus lábios. Sua pulsação batia intensamente. Toda fibra do seu ser estava em alerta. Este era, ela sabia, o pior momento de sua vida.

Um maldito pesadelo que se tornava real.

E ela andou de volta para a casa, ficando apenas alguns passos longe de Antonio, tentando ouvir algo, qualquer coisa.

Mais silêncio a saudou. Era vasto, absoluto.

— Onde você está? — Cass disse em voz alta. Mas sua voz era um mero sussurro. — Onde você está? — Ela tentou, mais alto agora, sua própria pulsação ensurdecendo. — Onde você está?!

Não houve nenhuma resposta.

Tracey tinha desaparecido no corredor que levava aos quartos que ela e Cass usaram. Cass olhou em volta. Antes de descer por aquele corredor, ela precisava se armar. Porque Tracey tinha uma força sobrenatural.

Cass finalmente pegou um fragmento longo, fino de vidro, embrulhando uma ponta com o que havia sobrado das bandagens. Seu coração continuou batendo como um tambor. Ela se recusou a pensar sobre o que ela poderia ter que fazer para se defender. Começou a descer o corredor, rapidamente deixando o salão iluminado para trás. Alfonso não se incomodou em colocar velas neste fim da casa, péssima sorte para ela. Diante de cada porta ela diminuía seu passo e depois parava, esperando por Tracey saltar sobre ela por trás. Cass olhou para as escadas. Ela tinha medo de subir, com medo do que poderia recebê-la ali, com medo do que, e quem, ela acharia.

A biblioteca ficava bem em frente ao pátio, e por causa do fogo que crepitava na lareira, havia alguma luz. Cass recomeçou a subir os degraus, e ela só podia pensar, Medo, medo, medo. O medo a estava consumindo.

No andar de cima, ela parou.

— Tracey?

Não houve nenhuma resposta.

Cass engoliu em seco. Seu próprio quarto estava a sua esquerda, no fim da casa. À sua direita, logo adiante, estava o quarto de Tracey e outro quarto não utilizado. O que ela devia fazer? Onde Tracey foi?

Enquanto Isabel podia ser capaz de caminhar através das paredes, Tracey não conseguia. Ela não podia ter simplesmente desaparecido.

Cass de repente ouviu um ranger de assoalho, e o som veio do seu próprio quarto, onde ela não havia entrado desde ontem. Ela congelou. E então ela caminhou para a porta, que estava entreaberta, com medo do que acharia no outro lado. Ela a empurrou abrindo-a lentamente, segurando o vidro firmemente em sua mão, atrás dela, se preparando para levantá-lo e usá-lo se isto fosse necessário.

Uma enorme escuridão a saudou, ligeiramente iluminada só por algumas poucas estrelas de fora das janelas do quarto.

— Tracey? — Cass tentou. Seu desconforto cresceu. Todo seu instinto disse a ela que Tracey estava do lado de dentro. — Sou eu, Cass. Não quero machucar você. Eu quero ajudar você.

— Então por que você está segurando esse vidro?

Cass saltou longe em choque e medo. Tracey falou atrás ela, tão próxima que Cass sentiu sua respiração em seu pescoço. Ela girou, vidro levantado. Tracey estava no outro lado do limite de seu quarto agora, e seus olhos se encontraram.

E Cass percebeu que aqueles não eram os olhos de sua irmã. Porque neles não havia nenhuma incerteza, nenhuma vulnerabilidade, nenhuma emoção, nada que se assemelhasse a qualquer humanidade mesmo.

— Eu quero ajudar. — Cass balbuciou.

Tracey não parecia se mover, ela nem parecia respirar, e Cass viu a semelhança com Isabel agora; estava lá, certo, e não só em sua mente. Era como se as características de Tracey fossem mudando devagar, pouco a pouco, como o rosto de um grande ator muda em resposta a diferentes papéis, e de repente a porta bateu fechando no rosto de Cass.

Entre elas.

Cass clamou, saltando longe, só para estar tremendo perto da cama no centro do quarto. Ela estava em choque. E enquanto ela estava tentando assimilar o que estava acontecendo, Tracey obviamente havia batido a porta fechada, ainda que ela não a visse se mover, ela ouviu o som da porta sendo trancada.

Seus olhos arregalaram, e ela pensou, Não. Isto é impossível.

Cass correu para a porta e torceu tentando abri-la, sem sucesso. Estava firmemente trancada. Uma janela bateu atrás dela.

Cass virou-se, mas ela continuava sozinha no quarto; Tracey não atravessou a parede, ela estava absolutamente só, e seguramente a janela não tinha batido fechada. E enquanto ela estava determinada a acreditar nisto, outra janela se fechou de repente, bem em frente aos seus olhos, seguidos por outra, e outra, em sucessão rápida.


Capítulo Vinte e Seis

A torre – 8 de junho de 1555

Havia uma janela pequena, estreita, gradeada, no alto da parede de sua cela, e à medida que a luz dentro de sua prisão mudava, Isabel podia localizar a passagem de tempo. Só dois dias e noites se passaram desde seu encarceramento, mas aqueles dois dias parecia ter sido como dois anos inteiros. Sentada no chão frio, úmido, sujo de urina, em um pallet que não tinha sido mudado no que pareceu como anos, Isabel encostou seu rosto em seus joelhos, não mais em estado de choque, mas em um estado de puro medo.

Ela havia sido acusada de heresia. Por que? Como?

Ela tremia, aflita internamente. A carta que havia recebido de Rob não contava a ela sobre a queima dos hereges? Mas seguramente esse não seria seu destino. Muitos protestantes assim como ela, quando se converteram a fé da rainha, foram deixados em paz. De fato, ela suspeitava de seu tio, Sussex, ser apenas um hipócrita. Por que ela tinha sido escolhida para ser acusada e presa?

A imagem furiosa de Alvarado veio à sua mente e de repente ela sentiu um cansaço enorme, que a fez sentir-se como se tivesse cem anos de idade. Seu marido era um católico devoto. Ele a odiava agora. Ele teria alguma coisa a ver com isso tudo?

E Philip, querido Deus? O que seria de seu filho?

Isabel gemeu, lágrimas deslizando pelo seu rosto. Se ela pudesse poupar seu filho da ira de Alvarado, ela morreria com prazer.

Alguns passos soaram.

Isabel se sentou ereta, ofegando com a dor causada pelo movimento abrupto. Suas costelas quebradas resultavam em agonia incessante; um fogo ardendo dentro de seu tórax. Mas agora a dor era secundaria, se comparada com seu medo e desespero. Era um engano terrível. Este não podia ser seu destino. Seguramente o homem, ou homens, chegando a livrariam e corrigiriam esta situação terrível.

Era meio-dia, o sol fora de sua janela lhe dizia, mas não obstante estava escuro com sombras em sua cela, e ela olhou em direção aos dois homens chegando. Ela viu batas clericais? Seu coração começou a afundar, e então disparou rapidamente quando ela reconheceu o segundo homem.

Douglas Montgomery agarrou as barras de fora de sua cela, empalidecendo quando seus olhares se encontraram.

— O que ele fez a você! — Ele gritou.

Em um momento, enquanto Isabel olhava fixamente para ele, sua vida inteira passou ante seus olhos. Muito tarde, ela lamentou tudo, seu desejo infantil por Rob, sua recusa a Douglas, seu casamento com Alvarado, e sua decisão de ver Rob e continuar seu caso depois de estar casada. Ela olhou fixamente para Douglas, viu o amor e medo em seus olhos, e algo explodiu dentro dela.

E nesse momento aconteceu a revelação. Eu amei o homem errado, ela pensou.

Oh, Deus, eu amei o homem errado, o homem errado foi o pai do meu filho, e se eu tivesse escolhido diferentemente, este homem poderia ter sido meu lorde, meu marido, minha vida.

As lágrimas encheram seus olhos, queimando com o mais amargo dos remorsos.

— Douglas. — Isabel sussurrou, tentando conter as lágrimas.

— O quanto você está machucada? — Douglas exigiu, segurando as barras tão fortemente que seus dedos ficaram brancos. — Eu me certificarei que um doutor venha vê-la hoje.

Isabel lentamente se levantou, contendo seus próprios gritos de dor. Ela agarrou as barras, suas mãos se tocando. O esforço para levantar e andar lhe custaram caro.

— Você está machucada — ele sussurrou, angustiado. Ele tocou seu rosto através das barras.

Seu toque era um toque que ela nunca tinha sentido antes, não desse jeito, e dentro dela, junto com a dor e medo, vieram também exultação e alívio. Eu o amo, ela pensou cansada, com os olhos fechados. E eu morrerei amando-o.

Ela ergueu os olhos e seus olhares se encontraram.

— Obrigada, Douglas — ela sussurrou.

— Por que? Eu tenho ainda que cumprir o que eu devo fazer. Você não queimará, Isabel. — Seus olhos escurecidos. — Seu marido está por trás disso. Ele traiu você. Não só ele sabe de seu caso, como suspeita de outra traição sua, ele suspeita que você seja uma espiã para os ingleses.

Isabel sentiu como se ela estivesse apanhando um pouco mais.

— Sussex é meu mestre, e ele me encarregou com a tarefa de espionar meu marido. Mas as informações que eu repassei antes de partir para a Espanha não era de grande consequência.

— Isso importa? O amor de De La Barca tornou-se ódio. Ele aconselha o rei da Espanha. Philip aconselha a rainha. De La Barca está determinado a libertar-se de você, e que modo melhor que a acusando de heresia?

Isabel agarrou as barras.

— Oh, Deus. Então não existe esperança?

Ele deslizou ambas as mãos pelas barras para segurar seu rosto.

— Você deve se arrepender. Confesse seus pecados e se arrependa, porque esta é a única chance que tem de ser poupada da fogueira. Eu conversarei com Sussex hoje à noite. Juntos nós atrairemos a rainha para nossa causa. Você me compreende, Isabel? — E haviam lágrimas em seus olhos. — Querido Deus, ela é uma mulher, ela é, e se alguém pode compreender este impasse, é ela.

Ela movimentou a cabeça, mas ela havia encontrado a Rainha Mary uma vez, e a tinha visto muitas vezes. Ela estava mais que assustada, porque se qualquer mulher parecesse como um homem, esta era a rainha, pois, apesar de seu tamanho pequeno, era forte de vontade e queimava com inteligência. Ela também estava queimando com a devoção para a causa de seu catolicismo. E Isabel recordou seu único encontro muito claramente. A rainha não gostou mesmo dela.

— Eu confesso meu caso com Rob?

Ele estava triste.

— De La Barca tem que provar, não tem? E a corte inteira soube de seu caso de qualquer maneira. Não encubra. Implore pela clemência de Deus, a clemência da igreja, e a da rainha.

Isabel olhou fixamente para seu rosto amado. O ar acima dela parecia tão pesado, como se estivesse esmagando seus ombros para baixo. E ela estava muito fraca, e muito cansada para, segurar isto. O quão fácil seria deixar que esse peso mortal a empurrasse para baixo, afundando-a no chão duro e frio, e só pedir a Deus para enterrá-la viva.

— Ela não gosta de mim. — Isabel ouviu-se dizer.

Montgomery amaldiçoou. E então ele se debruçou adiante e a beijou.

Isabel deslizou suas mãos pelas barras, até que ela agarrou seus braços, e quando eles se beijaram, até com as barras de ferro que apertavam seus rostos, o que começaram como algo tenro e carregado com medo e remorso se tornou qualquer outra coisa, algo selvagem e maravilhoso, mas oh, tão agridoce. Quando eles se separaram, lágrimas brilhavam nos olhos dos dois.

— Nós vamos passar por isso, você e eu — ele disse. — Eu juro, Isabel. Você sobreviverá.

Ela acreditou que ele tentaria. Mas estava apavorada que ele não teria sucesso. E ela tinha medo até de falar seus próprios piores medos em voz alta, como se isso pudesse fazer com que eles se tornassem realidade

— Eu estou preocupada com Philip. Douglas, o que acontecerá com meu filho?

Ela viu uma luz escura passar em seus olhos.

— Porventura o menino pode viver comigo, ou até com Rob. Eu imagino que La Barca não estará muito ansioso para criar a criança ele mesmo. Mas vamos primeiro libertar você, meu amor, e então nós lidaremos com o futuro do seu filho.

Isabel movimentou a cabeça.

— Douglas? Antes de você ir. Se não existir nenhuma clemência, se eu morrer, você jurará para mim, na Bíblia, que você se certificará que Philip estará seguro?

Ele agarrou suas mãos pelas barras.

— Não fale de tal acontecimento! E, Isabel, você não precisa fazer esta pergunta para mim. Eu protegeria e amaria seu filho do jeito que eu faço por você.

Isabel chorou então, impotente, porque ela confiou nele completamente.


Westminster Hall – 12 de junho de 1555

Quando Isabel entrou na assembleia da corte, seus passos diminuíram de velocidade e ela deu uma olhada ao redor.

A assembleia estava transbordando com nobres e aristocratas que vieram para ver seu julgamento pelo crime mais grave de todos. À frente dela, na outra extremidade da câmara, estavam três bispos, inclusive o chanceler, John Gardiner. A rainha não estava presente, mas Isabel soube que ela não viria, por estar ainda em repouso e aguardando o nascimento tardio de sua criança.

Isabel sentiu-se desfalecer, seus joelhos estavam fracos, e ela achava o ar muito quente, muito sufocante, era tão difícil respirar. O pânico corroía-a lentamente por dentro. Como sua vida chegou a este momento no tempo? O que ela estava fazendo lá, sendo julgada por heresia? Sendo encarada como se fosse um urso enjaulado em um circo? Sua vertigem aumentava, assim como seu medo. A multidão estava sanguinária, ela percebeu. E era seu sangue que eles desejavam derramar.

E de repente seu olhar encontrou Helen e ela tropeçou, incapaz de continuar a andar. Os olhos da Helen estavam vermelhos e inchados de chorar, seu rosto estava grotescamente pálido, e ela começou a lamentar ruidosamente novamente.

Isabel sentiu suas próprias lágrimas deslizarem abaixo de seu rosto. Ela olhou para a mulher que tinha sido sua companheira desde que ela era uma órfã de oito anos, uma companheira na qual ela nunca confiou e nunca gostou realmente, e de repente ela percebeu apenas quão errada tinha estado em sua avaliação da mulher. Helen não podia parar de soluçar. Suas lágrimas estavam cheias de pesar.

Isabel percebeu que Helen a amou, que ela era, de fato, uma amiga querida, fidedigna.

— Helen? — Ela sussurrou.

— Tenha força. — Helen chorou. — Oh, Isabel, tenha força, e implore pela clemência da corte.

— Volte para lá — um dos guardas disse, empurrando Helen de volta para a multidão que estava se apertando adiante para encarar Isabel.

— Philip? — Isabel chorou quando dois soldados a empurraram afastando-a de Helen. — Meu filho! Helen?

— Ele está bem — ela chorou. — O almirante de Warenne veio e tomou a criança em seu cuidado no dia que você foi presa.

Isabel colocou a mão em sua boca para abafar seu grito de alívio.

Os soldados a estavam apressando para o altar. Vários senhores levantaram-se na primeira fila, e quando eles se voltaram para vê-la, Isabel avistou seu tio, o conde de Sussex, entre eles. E logo diretamente atrás dele estava Douglas Montgomery.

Seu coração disparou, não com medo, mas com a emoção mais profunda de todas, amor verdadeiro e eterno.

Seus olhos se encontraram.

Ele estava extremamente pálido, mas ele forçou um sorriso, e naquele sorriso Isabel viu e sentiu todo o seu medo e toda a sua esperança.

— Isabel de La Barca.

Isabel foi colocada diante de uma cadeira, na qual ela foi rudemente empurrada. Ao ouvir o som possante de seu nome, ela olhou para cima. O chanceler estava diante dela.

— Você foi acusada de heresia. Se você confessar seus pecados e se arrepender, a corte terá clemência de você. Caso não confesse, caso não se arrependa, saiba que você sofrerá a morte pelo fogo, e a condenação eterna por Deus no inferno.

Isabel olhou fixamente para ele. Seu coração trovejava em seu peito.

— Eu confesso.

— O que? Você falou? Fale agora, senhora. O que é que você disse?

Isabel ouviu o chanceler muito claramente, mas de repente ela estava vendo a máscara do rosto do seu tio, e ele evitou seus olhos. Ela deu uma olhada em Douglas atrás dele, que movimentou a cabeça para ela, sua expressão cansada. Foi então que Isabel percebeu que Rob não se incomodou em vir para testemunhar seu julgamento de vida e morte.

— Deve confessar seus pecados, aqui e agora, e se arrepender de seus atos infiéis se você deseja que a igreja, este tribunal, Deus, e a rainha tenham clemência de você.

Seu olhar encontrou seu tio novamente. O usurpador. Mas em vez de vê-lo, ela viu sua mãe, ajoelhada orando em sua capela privada e secreta, o padre celebrando a missa. Isabel podia até sentir o incenso doce, ela podia ouvir Padre Joseph falando sem parar em latim como se ele estivesse agora falando claramente no tribunal da corte. E sua mãe delicada, bonita, tão séria em suas devoções, era tão vívida e tão real que Isabel estava bastante certa disto, se ela erguesse sua mão, se ela alcançasse, ela tocaria em sua carne como quando ela se ajoelhou lá no genuflexório da capela no Castelo de Romney. Os olhos de Isabel se encheram de lágrimas.

O chanceler estava falando novamente. Isabel também pensou ter ouvido soluços de Helen. Ela fechou seus olhos, imaginando seu pai então, forte e robusto, entrando no corredor depois de uma caça, sorrindo com prazer. E então ele estava abraçando Isabel, que era ainda uma criança fraca, de seis anos de idade, e sussurrando em sua orelha o quão orgulhoso dela ele era, de sua pequena condessa, e Isabel estava rindo e prometendo a ele que sempre estaria orgulhoso...

Seu pai, que permitiu a sua mãe a liberdade para adorar como a agradasse. Seu pai, que a amou incondicionalmente, e que foi ele mesmo um anglicano devoto.

Seu pai, que deu a ela sua fé, seu nome, e seu lugar neste mundo.

Isabel começou a chorar.

Sentiu como se tivesse sido ontem que ela e seu irmão, Thomas, se sentaram no banco da frente com seu pai para adorar e rezar. Como se fosse ontem... mas tinha sido pelo menos há assustadoramente doze longos anos atrás.

Isabel piscou de volta suas lágrimas e levantou-se cambaleando, buscando um braço da cadeira com que se sustentar. Foi só então que ela percebeu o chanceler tinha gritado com ela, e que a multidão estava murmurando ruidosamente em choque. Ela olhou fixamente para seu tio.

O usurpador. O mentiroso. O mestre de jogos de decepção, de deslealdade, e do poder.

— Você só me casou com meu marido para que eu o espionasse para você. — Ela disse, baixinho, mas claramente.

Os olhos de Sussex arregalaram. E de repente a multidão estava muda e tentando ouvir.

— Entretanto, lá nunca houve amor, poderia haver, para filha do seu irmão? Eu era sim, um outro peão, para ser jogado e usado de acordo com seus esquemas abomináveis. — Isabel disse amargamente.

— Quieta! — O chanceler comandou. — Não vai haver nenhuma conversa com as testemunhas presentes. Eu pergunto a você pela última vez, você confessa seus pecados? Confessa ser uma filha teimosa e infiel da igreja verdadeira, do papa, e como tal, da própria rainha?

— Eu confesso ter sido uma tola. — Isabel disse, e o esgotamento com o qual ela tinha vivido por dias, semanas, anos, tomou conta dela então quando ela se voltou para Douglas, com um sorriso cansado que era só para ele, e foi então que ela viu Rob.

Ele entrou na câmara sem o conhecimento dela, e agora ele permaneceu ao lado de Douglas, olhando fixamente para ela, sua expressão com olhos arregalados e sombrios.

E Isabel olhou para ele e não viu nada que a encantasse. Ele era quase tão bonito quanto ela uma vez pensou. Seu rosto, de fato, parecia fraco em comparação com o de Montgomery. Suas maçãs do rosto não eram quase tão altas quanto ela uma vez recordou. Seu queixo não era tão pronunciado, sua mandíbula não era tão larga. E agora ele evitava seus olhos. Ela analisou cada polegada de sua aparência, e o que ela viu foi um homem magro, usando seda e veludo, embelezada com cetim e pele e muitas joias ostentosas. Ela olhou de volta em seu rosto novamente, e ela viu as devastações do tempo, e então, quando ela finalmente vislumbrou, brevemente, seus olhos azuis, em suas pálidas, aguadas profundezas ela viu nada além de mentiras e egocentrismo e principalmente, desmedida ambição.

E rapidamente ele desviou seu olhar.

Isabel sorriu para Douglas, tentando não chorar e sabendo que ela falhou, ciente que ele estava silenciosamente implorando a ela para considerar o que ela deveria fazer agora. Em seu coração ela deu a ele o resto de seu amor, o pouco que havia restado, e ela enfrentou o chanceler.

— Eu confesso a ter cobiçado um homem que não merece limpar o pó do chão onde eu agora permaneço. Eu confesso que trai meus votos de casamento com a crueldade despreocupada da juventude. Eu confesso que espionei para meu tio, o conde, contra o melhor julgamento de meu coração, minha mente, e minha alma, e eu confesso agora amar um homem forte, valente, e verdadeiramente nobre, extremamente tarde, com muitos remorsos. — Seu sorriso foi breve. — E sim, eu me arrependo.

— Isabel. — Ela ouviu Douglas dizer, angustiado.

— Você não confessa o pecado de se afastar da única fé verdadeira? — Gardiner estava exigindo enquanto a multidão irrompeu em cochichos e murmúrios de assombro.

Isabel olhou fixamente para Gardiner, que estava com o rosto bastante corado, tão vermelho quanto seu fanatismo. Ela deu uma olhada em seu tio, e viu só a promessa cruel de vingança lá. Ela deu uma olhada em Douglas, e percebeu que ele estava chorando. E ela assistiu Rob deixando o tribunal da corte, seus passos largos apressados, seu rosto sombrio e cabisbaixo.

Ela deu uma olhada para seu marido. Seu ódio não diminuiu, mas isso era bom. Pois ela o odiou também. Ela nunca o perdoaria pelo tanto que ele havia abusado dela, e pelo que estava fazendo agora para ela.

— Fale mais alto agora, antes deste tribunal condenar você para a morte na fogueira. — Gardiner gritou com ela.

— Eu confesso adorar a Deus como meu pai fez antes de mim, com fé verdadeira, convicção verdadeira, e devoção verdadeira. Eu confesso para sempre adorar a Deus deste modo. Eu confesso que desejo adorar deste modo para o resto de minha vida, qualquer que poderia ser. Eu não tenho nada mais para me arrepender. — Ela finalmente terminou. E sua pulsação estava ensurdecendo em seus próprios ouvidos agora.

Gardiner olhou fixamente para ela incrédulo.

Sussex fez um som.

Douglas clamou, e Helen gritou.

— Não! Isabel, implore por clemência!

— Eu imploro — Isabel disse, sua respiração sufocada em seus pulmões, chorando novamente — ser libertada desta hipocrisia, deste fingimento, desta pretensão absoluta, de que é esta vida.

Gardiner exclamou.

— Assim seja. Amanhã ao meio-dia você morrerá na fogueira. — E ele andou a passos largos passando por ela, e saindo do salão.

Isabel estava ajoelhada.

— Que Deus te perdoe — ela disse para as costas de Gardiner, — de seus pecados, e que Deus perdoe os meus.


Torre de Hill – 13 de junho de 1555

Isabel olhou fixamente para as lascas de madeira cuidadosamente colocadas sobre suas pernas e pés. Quando ela olhou fixamente, ela viu dois homens adicionando toras para a pilha. Suas mãos estavam amarradas atrás de suas costas e ela estava amarrada a uma estaca.

Uma multidão juntou-se para assistir sua morte. Homens, mulheres, e crianças, senhores e senhoras, comerciantes, aristocratas, escreventes, aprendizes, empregados, e até monges, frades, e padres cercaram a pira onde Isabel estava, e eles zombavam dela ruidosamente, de maneira profana, chamando-a “prostituta”, “herege”, “espanhola”, “puta” e pior. Suas maldições e gritos só a fizeram mais entorpecida, mais ofuscada. Isabel sentiu como se tivesse sido drogada.

Um dos homens remexendo no que se tornaria sua pira fúnebre de repente tocou em suas pernas. Isabel vacilou.

— Acredite em mim, você vai querer isto, milady — ele disse quase se desculpando.

Isabel viu as bexigas de ovelhas que ele segurava em suas mãos.

— Cheio com pólvora — ele disse a ela. — Caso contrário você viverá enquanto seu corpo queima até torrar.

Seu coração de repente saltou e então pareceu bater como se fosse uma coisa viva. Isabel o viu prender as bexigas em suas coxas.

— Oh, Deus, tenha clemência — ela se ouviu sussurrar. E de repente ela sentiu medo. — Deus tenha clemência. — Isabel chorou.

Soldados rodearam sua pira. Eles apareceram do nada. Isabel olhou fixamente para seus rostos inexpressivos, e percebeu que sua hora havia chegado. Ela estava para morrer.

E ela viu um dos homens acender os gravetos que cercavam seus pés.

As chamas sibilaram e acenderam.

O terror tomou conta de Isabel.

— Oh, Deus. — Ela gritou. — Eu não quero morrer!

Muito tarde, muito tarde, ela percebeu que não queria morrer, não assim, dessa maneira covarde, e quando o fogo correu ao longo da lenha, ela pensou em seu filho e Douglas, ela nunca veria Douglas novamente, nunca mais veria, abraçaria ou beijaria seu filho, nunca o veria crescer e tornar-se um homem.

— Eu me arrependo! — Isabel gritou quando algumas das toras ficou repentinamente em chamas.

A multidão vaiou e zombou e gritou, e Isabel soube que ninguém a ouviu. Pior, ela sentiu o calor tocando em seus saltos de sapatos, seus dedões do pé. Era tão quente...

— Eu me arrependo! — Ela gritou para os soldados, mas se eles a ouviram, ou se importaram, eles não deram a nenhuma demonstração.

E então ela sentiu o fogo queimando seus dedões do pé, e então todos os seus pés.

Isabel gritou e gritou.

E de repente ela viu o cavaleiro cavalgando entre a multidão, esgrimindo sua espada, cortando aqueles em seu caminho. Ela viu seus olhos azuis ardentes e seu cabelo escuro ondulado e ela gritou para Douglas, novamente.

Ele veio para salvá-la, e enquanto sua carne queimava, ela sentiu ressurgir a esperança.

— Isabel! — Ele gritou, impulsionando seu corcel adiante.

E simultaneamente duas flechas o perfuraram na frente e atrás, mas assim mesmo ele continuou em direção a ela. Ele iria morrer por causa dela, e Isabel sabia que ele não devia morrer, porque ela o amava e porque ele era muito bom e honrado para morrer e porque ele deveria cuidar de seu filho. Mas não havia nenhum modo que ela pudesse pará-lo, e então outra flecha o acertou e ele caiu de seu cavalo, que girou e galopou para longe.

— Não! — Isabel gritou. — Douglas!

E então ela gritou novamente, porque o fogo estava queimando seus pés, e ela sentiu o calor em suas pernas, então incendiou seu vestido, e ele entrou em chamas.

Ela foi engolida.

Isabel olhou fixamente e de repente ela viu Sussex lá na multidão. Atrás dele ela viu Rob e de La Barca. E alguém arrastou Douglas longe da pira; Ele estava sentando, ele estava vivo.

E o terror se foi. Existia só a dor do inferno, indescritível, e pela névoa das chamas, existia ira vermelha, vermelha.

— Lembrem-se disto! Todos vocês!

O inferno piorou, mas existia mais. E ela gritou,

— Eu nunca deixarei vocês esquecerem!

As bexigas explodiram.

Por uma fração de segundo Isabel sentiu seus membros rasgando longe de seu corpo, e então ela não sentiu mais nada.


Capítulo Vinte e Sete

Casa de Sueños – Meia-noite

As duas últimas janelas no quarto bateram fechando-se numa sucessão tão rápida que foram quase simultâneas. E então se fez silêncio.

Cass estava paralisada. Ela permaneceu imóvel, banhada em suor, seu coração trovejando em suas orelhas, atordoada e com medo.

O silêncio não diminuiu.

Agora Cass só podia ouvir a batida ensurdecedora do próprio coração.

Lentamente ela inalou, lutando para ver. Ela estava lembrando-se que Tracey não podia caminhar pelas paredes, mas Isabel podia. E então Cass se moveu.

Sem pensar, ela correu para a janela mais próxima e tentou levantá-la para cima. Sua intenção era saltar para fora. Mas enquanto ela lutava para ergue-la, a alavanca de bloqueio estalou dando uma volta na frente de seus olhos, clicando fechada. Cass gritou e recuou, e então permaneceu em choque quando as alavancas em todas as janelas no quarto estalaram ficando trancadas.

Trancadas. Isabel testava prendendo-a.

A pergunta era por que?

Para machucá-la, isolá-la, o que importa? Isabel tinha a intenção de destruir a todos, e agora mesmo Antonio e Gregory estavam muito feridos e tão vulneráveis quanto as crianças. Cass não se importava mais como Isabel estava realizando seus feitos. Tudo que importava era que ela era capaz de ação real, ação ao vivo destinada a destruir todos eles.

Cass ofegou, de frente para a porta, esperando ver Isabel materializar-se a qualquer momento. A porta permanecia fechada, uma sombra mais pálida no quarto obscuro. Cass tinha que sair. Então ela se deu conta que, possuída ou não, Tracey esteva do lado de fora daquela porta, Tracey, sua irmã.

— Trace! — Cass gritou, aproximando-se da porta e girando a maçaneta, sem resultado. — Trace? Você pode me ouvir?

— Eu posso ouvir você. — Tracey respondeu muito calmamente.


— Por favor, Tracey, você tem que lutar contra ela, você tem que lutar contra ela e me ajudar. Deixe-me sair! — Cass gritou, sua bochecha contra a madeira, suas lágrimas fluindo pelo seu rosto abaixo. — Por favor, Tracey, por favor!

— Não.

Cass enrijeceu, odiando sua estranha irmã, seu tom desconexo, que era tão maldito afinal. Então ela bateu na porta, uma vez, com desespero.

— Tracey! Tracey, saia dessa! Tire essa bruxa de você! Por favor, Trace, por favor!

Não houve nenhuma resposta.

Cass sufocou de volta um soluço, uma imagem de Antonio deitado inconsciente no chão a assaltou, e de repente ela estava mais apavorada. Ela não podia deixar qualquer coisa acontecer para ele, ela não podia!

— Tracey! — Ela gritou, batendo na porta.

Uma lufada de ar soou atrás dela, alta e impressionante.

Cass voltou-se, de costas para a porta, esperando ver Isabel. Ao invés, ela viu um fogo que faiscava na lareira. E diante de seus olhos, ela o assistiu rapidamente crescer em tamanho. Dentro de três segundos, duas minúsculas chamas se combinaram tornando-se um grande incêndio, o fogo rugindo.

Cass estava tentando entender como isto aconteceu, o que significava, quando o fogo se tornou tão forte que aquelas chamas começaram a lamber os lados da lareira de mármore. Ela estava hipnotizada, pensando que mármore não podia queimar, quando de repente chamas saltaram através do espaço entre a lareira e o tapete, e imediatamente o tapete Persa ficou em chamas.

— Tracey! — Cass gritou, girando, batendo na porta. — Deixe-me sair, por favor, eu te imploro!

— Não.

Cass afundou no chão, soluçando, desesperada, sua vida inteira passando diante de seus olhos. O enterro de sua mãe, o chá depois da escola com tia Catherine, horas e horas gastas só em seu quarto, perdida em um bom livro; Tracey e seus namorados, um depois do outro, Cass assistindo, observando à distância, até que houve Rick Tennant. Cass se lembrou de segurar Alyssa no hospital logo após seu nascimento, quando ela estava com o rostinho vermelho e engraçado, e então, de repente, ela recordou claramente a primeira vez que ela deitou olhos em Antonio, quando ele entrou no salão de conferência no Metropolitan Museum, vestido com uma jaqueta esportiva preta, uma gola alta preta, e calças compridas pretas, suas anotações debaixo de um braço.

Oh, Deus. O que aconteceu com Alyssa e Eduardo? E com Antonio, que estava inconsciente?

— O que você quer? — Cass soluçou. — Isabel, maldita seja! O que você quer?

— Você sabe o que eu quero. — Tracey disse muito calmamente do outro lado da porta.

E Cass sabia.

O calor do fogo atrás dela era tão intenso que estava começando a queimar suas costas. Cass levantou-se, mas não havia nenhum lugar para correr.

Isabel intencionava queimá-la viva.

Da mesma maneira que Isabel queimou até a morte.


Tracey sentia-se como se estivesse em um trem, cuja velocidade era de centenas de milhas por hora, sem controle, passando parada depois de parada. Ela queria sair dele. Ela queria que o trem parasse. Mas o trem não estava nem diminuindo a velocidade, e não havia nenhum modo dela sair dele.

Era como um sonho. Um horrível, assustador sonho que parecia não ter fim. O tipo de sonho onde você tem que correr ou você morre, mas seus pés se recusam a obedecer aos comandos de sua mente e não se moviam, trazendo a morte mais e mais perto ainda. Ela estava sonhando? Tracey queria acordar.

Era Cass, sua irmã, gritando para ela? Implorando sua ajuda?

Mas sua voz soava longe, e de qualquer maneira, era só um sonho, não era?

Um sonho, uma noite, uma mulher, Isabel.

Os gritos de Cass pedindo ajuda continuaram. Tracey encarou inexpressivamente a porta quando o odor de lã queimada a invadiu. Ela devia abrir a porta, ela pensava de alguma maneira. Ao invés, seu corpo girou e seus pés se moveram e ela começou a caminhar para o andar de baixo.

Não, Tracey pensou, de repente tocada com uma onda de pânico. Eu devo ir para cima, eu devo ajudar Cass.

Não, ela respondeu para si mesma. Tudo está bem, você deve ir para o andar de baixo. Paz é morte.

Paz. Tracey fechou seus olhos brevemente quando ela entrou no corredor, que estava quase totalmente no escuro. Paz é morte. Como ela queria paz.

— Tracey! — Cass gritou lá de cima.

Tracey tropeçou embora suas pernas se recusavam a parar e continuaram levando-a adiante. Mais pânico a encheu então, ela quis virar e voltar para cima.

Não. Tudo está bem. Confie em mim, Tracey se ouviu pensar.

Tracey queria confiar. Ela queria paz. Deus, ela queria. Então por que ela não confiava? Suas pernas não obedeciam sua mente de qualquer maneira. Ela parecia não poder parar o movimento do seu corpo assim como ela não podia sair do trem...

Confie em mim... Paz é morte...

Existia tranquilidade no mantra. Tracey alcançou o grande corredor, o pânico diminuindo. Ela podia fazer isto, ela podia. Desde que ela confiasse em si mesma.

Sim. Confie em mim.

As palavras repercutiram nela, um sussurro suave, sedutor.

As velas que haviam sido deixadas queimando no corredor se apagaram, com exceção de duas, e a maior parte do corredor estava na sombra. Tracey olhou fixamente para Antonio, deitado no chão. Ele parecia estar morto. Então ela olhou novamente em direção à porta de vidro quebrado, e viu a forma igualmente prostrada de Gregory.

Uma parte de sua mente conseguiu pensar. Que pena. E com esse pensamento, com sua mão apertando uma faca, quando seu corpo se moveu para adiante novamente, em direção àquela porta, o pânico veio.

Não! Eu não quero isto!

Confie em mim... Paz é morte...

O pânico diminuiu. Tracey andou para o lado de fora.


Gregory gemeu. E ele ouviu a si mesmo quando ele fez isso. O som era alto, cheio de dor, e ele quase não podia acreditar que tinha vindo dele mesmo.

Jesus. Ele sentiu mais dores que antes, em todos lugares, e não conseguia ver. Ele piscou seus olhos furiosamente, e apenas quando ele pode finalmente focar, em algumas estrelas distantes, que se lembrou de tudo e literalmente sufocou com sua própria respiração. E quando conseguiu voltar a respirar, foi duro e rápido, com medo real, imenso.

Não. Com verdadeiro terror, vil.

Ele havia atravessado a porta de vidro. Quanto estaria machucado? Ele não queria morrer, maldição. Não, maldita Isabel. E onde ela estava agora? Por que ainda estava do lado de fora no chão de pedra do pátio? Gregory endureceu com medo.

O sangue estava atrapalhando sua visão, ele percebeu. Ele tinha um corte, ou cortes, em sua testa e têmpora que estavam sangrando profusamente. Gregory automaticamente tentou enxugar o sangue. Onde no inferno todo mundo estava? Por que eles o deixaram assim? O pânico acelerou sua respiração para uma velocidade quase impossível.

Ele usou sua mão esquerda para limpar o sangue, e tentou alavancar a si mesmo lentamente tentando sentar-se. Ele foi acometido por ondas de escuridão e desistiu depressa, mas depois de algum tempo a necessidade de desmaiar diminuiu. Porra. Ele estava realmente mal.

Quando conseguiu algum controle sobre sua respiração, quando sua pulsação diminuiu um pouco, ele torceu sua cabeça para o lado, assim ele podia ver a casa. E congelou.

Antonio estava deitado de bruços dentro da porta quebrada, suas costas e a parte superior do tronco enfaixados, o tecido manchado de vermelho.

Oh Deus. O que aconteceu? Gregory perguntou-se freneticamente. E onde estava Cass?

Ajuda. Ele tinha que ajudar seu irmão. Ele não podia deixar Antonio morrer. Gregory virou para o lado, ofegando com o esforço, cobrindo-se de suor, sua vista obscurecendo novamente. Ele conseguiu deitar-se sobre seu estômago e lentamente, penosamente, começou a rastejar em direção à casa.

Após alguns centímetros ele desmoronou. Mas se recusou a desistir, pretendendo só parar um momento para reunir suas forças, quando sentiu que estava sendo observado.

O instinto disse a ele que era Isabel. Todo cabelo em sua nuca se arrepiou. E ele olhou para cima.

Tracey estava parada dentro da porta quebrada, observando-o. O alívio o invadiu e ele desmoronou novamente.

— Tracey. — Ele pensou que seu sussurro era inaudível. Como precisava dela agora. Ele nunca tinha ficado mais feliz em ver alguém. Ele sentiu que ela estava vindo, mais do que ele realmente a ouviu, e se contorceu para assim poder olhar para cima. — Graças a Deus. Tonio? — Ele perguntou.

Ela parou, de pé acima dele.

— Tudo ficará bem — ela disse. — Confie em mim.

E havia algo no vazio de sua expressão, algo estranho e misterioso, ou algo em seu tom, igualmente estranho, que o deixou tenso com medo crescente e uma nova ideia, uma que ele não queria.

Ela sorriu. A mulher de seus pesadelos sorriu e ergueu a faca.

Gregory soube então que era o fim.

— Não!

Ele tentou se afastar quando viu o metal brilhando abaixo, mas no momento em que a faca entrou em sua carne, cortando músculos e ossos, ele soube que ele falhou e que era muito tarde.

Ela o apunhalou novamente.


Antonio tinha lutado para sair da escuridão por algum tempo. De alguma maneira, em algum lugar, dentro de sua mente inconsciente, ele sentiu uma urgência, um conhecimento, uma consciência, que não o deixaria ir. Ele tinha que acordar. Os riscos eram muito altos. As apostas eram de vida e morte.

Mas a escuridão era espessa e suave, e tão terrivelmente confortante. Seria tão fácil sucumbir ao seu abraço, sucumbir, afastar-se, esquecer... e morrer. Mas as imagens estavam lá, agitando-se dentro de seu cérebro.

Seu lindo filho. Sua esposa morta. Seu irmão gêmeo ferido. A garotinha. Cassandra...

Ele devia nadar através das sombras e enfrentar a maior escuridão, e lentamente, dolorosamente, ele fez isso. E quando a escuridão começou a enfraquecer, a dor começou, e a cada passo dado atrás na luz, a dor crescia e se intensificava. De repente Antonio estava consciente.

E com a consciência veio a lembrança completa e gritante.

Tracey era Isabel, e ele deveria destruí-la antes de ela destruir todos eles.

Antonio abriu seus olhos e por um momento ele teve que lutar para ver, porque muitas das velas deixadas no corredor queimaram. E quando ele conseguiu ver, ele viu a sombra dela, não muito longe de onde ele estava. Girando sua cabeça, deslocando-se sempre muito levemente, ele a viu parada não muito longe dele, de costas para ele, olhando para a noite.

Não, não para a noite, mas para seu irmão, que jazia ferido no pátio, incapaz de se defender. Ele tinha que se levantar, pensou com pânico e um princípio de raiva. Antes dela fazer o impensável.

E quando Antonio lutou para se sentar, ele a viu mover-se pelo canto de seu olho. Ele congelou, virando a cabeça na direção dela, e a viu apunhalar seu irmão pelas costas com uma faca.

A adrenalina deu a ele a velocidade, a força, e a agilidade que não poderia ter em outras circunstâncias. Ele ergueu-se com um salto, nunca afastando seu olhar de Tracey, assistindo enquanto ela ergueu a faca uma segunda vez, e ele não parou para pensar. Ele se lançou sobre ela.

E ela percebeu tarde demais que ele estava chegando. Logo antes dele se chocar nela com toda sua força e o peso de seus 90 quilos, ela deu uma olhada para trás e o viu. Tracey passou voando por Gregory, Antonio em cima dela.

E quando eles bateram no chão, Antonio segurou seu pulso e a mão que segurava a faca. Imediatamente ele foi recebido por uma força muito maior que a sua própria. E recordou, tardiamente, que Tracey não era Tracey, que ela era sobre-humana agora, e sua força ultrapassava e muito a dele.

Ela rosnou para ele e soltou sua mão livre, levantando a faca com a intenção óbvia de mergulhá-la em seu rosto. Antonio conseguiu afastar-se para o lado e a faca passou de raspão por sua orelha e pescoço, quebrando-se no chão de pedra dura embaixo deles.

E ele olhou para cima e encarou o par de olhos cruéis, os olhos com mais ódio que ele já tinha visto. Os olhos de quem não tinha nenhuma dúvida sequer. Ele achou sua pequena garganta com ambas suas mãos grandes e começou a apertá-la. Seus olhos se arregalaram com surpresa. Ele se encheu de uma satisfação que ele nunca havia sentido. A raiva o impulsionou. A estrangularia até a morte e amaria cada minuto dessa ação horrorosa.

Ela soltou a faca, agarrou seus pulsos, e arrancou suas mãos longe de seu pescoço. Antonio estava novamente chocado por sua força. Chocado, e com medo. Ela sorriu para ele uma vez, brevemente, barbaramente, e a próxima coisa que ele soube era que ela tinha uma pedra em sua mão e estava prestes a esmagar sua cabeça. Antonio agarrou seu pulso enquanto ele tentava se desvencilhar. Um momento mais tarde ele sentiu o golpe, a dor, e então havia só escuridão.


Cass apagou o resto do fogo com o último dos travesseiros, e quando as únicas chamas que restavam no quarto eram as que dançavam na lareira, ela desabou no chão como uma pilha. Ela estava tremendo de esgotamento absoluto. Sentia todo músculo em seu corpo flácido e inútil, suas costas queimadas, e seus pulmões estavam em carne viva e machucados pela fumaça. Ela se deitou no chão de madeira morna, fechando os olhos, incapaz de qualquer movimento.

Mas não havia nenhum tempo para descansar. Antonio estava no andar debaixo com seu irmão, os dois indefesos, Tracey e Isabel tinham que ser paradas, e querido Deus, as crianças precisavam ser encontradas. Cass de alguma maneira se sentou. Ela continuava a tremer com esgotamento, mas pelo menos conseguiu apagar o fogo, salvando a casa.

Cass se levantou, engolindo ar, continuando a tremer. Ela não sabia o que, exatamente, a aguardava no andar de baixo. Mas antes dela descer para lutar com Isabel, ela precisava de uma arma.

Seus olhos se encheram de lágrimas. Como ela iria lutar com Tracey, que era Isabel? Ainda que ela matasse sua própria irmã, isso não pararia Isabel.

Cass não podia parar de tremer. Ela não podia matar sua própria irmã. Mesmo sabendo que Isabel tinha a intenção de matá-la, usando Tracey para fazê-lo, ela não podia matar sua própria irmã.

Cass não sabia o que fazer. Se ela ao menos pudesse alcançar Tracey, de alguma maneira.

Ela foi para a porta, então se lembrou que estava trancada e que ela não podia sair aquele modo. Desesperada, ela achou o primeiro objeto à mão, um relógio de bronze pequeno, pesado e ela o lançou à uma das janelas, que se abria para o pátio. O vidro se quebrou.

Tentando não pensar agora, ela embrulhou um travesseiro ao redor de seu braço e limpou a moldura da janela de todo vidro restante. Tracey tinha que ser parada. Cass sentiu as lágrimas correndo pelo seu rosto. Oh, Deus.

Ela deu uma olhada acima do parapeito. A primeira coisa que ela viu foi uma série de tubos de drenagem, correndo perpendiculares entre si. Alguns corriam paralelos ao chão, e Cass perguntou-se se suportariam seu peso; os outros eram verticais, e terminavam talvez a uns 2 metros e meio acima do chão.

O coração do Cass disparou quando seu olhar foi para onde os tubos de drenagem terminavam, no chão do pátio abaixo. Era uma longa distância, mas ali de onde ela estava, podia ver duas formas confusas abaixo, e não havia dúvida que eram Gregory e Antonio. O coração de Cass disparou com medo, e então ela agiu.

Furiosa, ela se balançou acima do parapeito, e segurando-se com firmeza, ela desceu até que seus pés tocaram o tubo de drenagem paralelo ao chão. A medida em que ela apoiava seu peso no tubo, ela sentiu que ele se romperia. Mas Cass não tinha outra escolha.

Ela soltou-se do parapeito, o tubo rachou, mas Cass se lançou em um dos tubos perpendiculares, e conseguiu abraçá-lo, e enquanto ele cedeu perigosamente, ela estava descendo forte e rápida, e então o tubo se quebrou, levando-a com ele.

Cass caiu no chão, batendo com força suas costas, e por um momento, ela ficou imóvel. Mas ela não tinha tempo a perder. Ela rolou, atirou-se para a frente, e antes dela alcançar Antonio, ela viu a poça de sangue sob sua cabeça. Seu coração parou.

Eu morrerei se ele morrer.

— Não! — Cass soluçou, alcançando-o. Ela o embalou em seu colo, tentando recuperar o folego em meio as suas lágrimas de medo e choque.

O medo era um fogo dentro dela, queimando para sair, destruindo-a de dentro para fora e a angústia era insuportável.

Cass pensou que ela iria morrer, também.

E então ela ouviu uma voz da criança.

As crianças.

Cass ficou paralisada, tentando ouvir acima de sua própria pulsação e sua própria respiração. Ela ouviu uma voz de criança? De repente ela estava de pé. Aquele som, que ela não imaginou, porra! veio de dentro da casa, não longe do grande corredor.

As crianças. Ela tinha que salvar as crianças. Cass correu para dentro da casa, para o corredor, descuidando do vidro em seus pés. Ela não parou, correndo de volta em direção ao salão principal e o corredor que levava a seu quarto no andar de cima. Ela tinha acabado de virar a esquina quando ela viu Tracey. Cass se deteve em seu caminho.

A porta secreta estava aberta agora, no meio do corredor, mas era feita da mesma pedra que as paredes, e Cass nunca teria percebido sua existência nem em um milhão de anos. Tracey estava de costas para ela, mas Cass a ouviu dizer.

— Vocês podem sair agora.

Os joelhos do Cass começaram a fraquejar com alívio; ela percebeu que Tracey, sob o controle de Isabel, escondeu as crianças, e agora as estava deixando sair. Mas por que? E então ela viu Alyssa que emergiu daquele lugar que havia atrás daquela porta, suja e desgrenhada e segurando um braço, mas muito viva. As lágrimas a cegaram.

Eduardo veio mancando para fora, também.

— Tia Cass! — Alyssa gritou, reconhecendo Cass e correndo transtornada para ela.

Cass a pegou em seus braços, segurando-a firmemente, tão firmemente, sabendo que ela nunca amou ninguém ou qualquer coisa deste modo exceto Antonio, que estava morto. Ela chorou, por tudo o que Alyssa havia passado, por Gregory, e por Antonio. E ela chorou por Tracey, também.

— Não chore, tia Cass, eu estou bem, eu realmente estou bem. — Alyssa sussurrou, sua própria voz grossa com lágrimas não derramadas.

De repente os cabelos de todo o corpo de Cass arrepiaram e ela congelou.

Com Alyssa em seus braços, seu rosto contra seu cabelo suave, escuro. Lentamente Cass olhou para cima.

Tracey ficou diante dela, ao lado de Eduardo, olhando fixamente para ela com aquele olhar sem brilho, endiabrado. Cass puxou Alyssa para trás dela.

— Eduardo, venha aqui — ela disse suavemente, seu coração batendo furiosamente.

Eduardo não hesitou. Ele pulou, passando por Tracey, que não se moveu, vindo para ficar atrás de Cass, ao lado de Alyssa.

— Eu não machucaria as crianças. — Tracey disse.

Cass respirou fundo, com dificuldade.

— Tracey, você pode conversar comigo?

— Eu estou falando com você — ela disse.

— Não. Isabel está conversando comigo. Eu quero conversar com Tracey, minha irmã.

Ela sorriu.

— Eu sou sua irmã agora.

— Não. Você não é minha irmã, e eu quero minha irmã de volta. — Cass disse, seu pulso bombeando mais furiosamente agora. Suas bochechas pareciam quentes, ardendo muito. — Eu quero minha irmã de volta.

— Você está viva. — Tracey disse, seus olhos brilhando.

— Eu estou viva. Por que você quer me matar? Você já não fez o suficiente? — Cass gritou.

— Você me matou. — Tracey disse, com raiva. — Todos vocês.

— Não. Eu não matei você. Eu não tive nada a ver com aqueles que traíram você. Foi Sussex? Ele era um homem poderoso, seguramente ele podia ter evitado sua morte. Foi seu marido? Ele foi a pessoa que acusou você de heresia, foi ele a pessoa que quis vê-la sofrer daquele modo? Ou será que foi Rob? Foi seu amante e o pai de sua criança que verdadeiramente traiu você? — Cass gritou, encharcada com suor, o odor de seu medo espesso e pesado sobre ela.

— Eles todos me traíram, Sussex, Rob, de La Barca, que Deus os amaldiçoe para sempre. — Tracey disse, seus olhos frios e sem piscar.

Cass assimilou tudo o que ela disse.

— Tracey! Onde você está? Por que você não está lutando contra ela? Ela irá matar a ambas se você não lutar, porra!

— Eu sou Tracey — ela disse, e ela levantou a faca.

— Corram! — Cass gritou sem se virar para as crianças, e quando a faca desceu, Cass se esquivou, milagrosamente.

A expressão de Tracey endureceu com raiva e ela agarrou o braço de Cass, sua força chocante e incrível. Cass soube que ela nunca poderia dominar sua irmã enquanto ela estivesse sob o controle de Isabel. Quando Cass lutou para se livrar, Tracey levantou a faca novamente, e estava prestes a mergulhá-la na garganta de Cass.

Seus olhares se encontraram.

— Não faça isso, Tracey, não faça! — Cass gritou.

Tracey sorriu.

Um tiro soou no mesmo instante em que um buraco apareceu, vermelho, no braço de Tracey. Cass ofegou, atordoada, quando Tracey a deixou ir cambaleando para trás, a mancha vermelha aumentando rapidamente, e então ela caiu para trás, contra a mesa de mármore na parede.

Cass voltou-se e viu Antonio cambaleando no lado oposto, segurando uma arma de fogo pequena, seu rosto e tórax cobertos com sangue. Ele estava vivo. Cass ficou aliviada. Mas isso durou pouco.

— Você não pode... me matar. — Tracey ofegou, segurando seu braço e inclinando-se contra a mesa.

Cass a encarou, seu cérebro confuso tentando funcionar. Eles podiam matar Tracey fisicamente, mas isso não destruiria Isabel. De repente seu instinto a fez girar; Antonio havia levantado a arma de fogo e ele a estava apontando para Tracey.

— Não! — Ela gritou. — Não atire nela!

Seu olhar se desviou para o dela, cheio de ira, ódio, e medo, e então seus olhos suavizaram e ele abaixou a arma de fogo.

Cass correu para enfrentar sua irmã.

— Tracey — ela disse imediatamente, rapidamente. — Você tem que conversar comigo. Converse comigo, sua irmã! Eu amo você! Por favor, Tracey, livre-se dela!

— Você não pode... me matar. — Tracey ofegou, encolhida, seu braço continuando a sangrar, o sangue vazando por entre seus dedos.

— Tracey, eu sei que você está aqui. — Cass exclamou, ousando andar mais perto dela. Tracey estava fisicamente machucada, então talvez ela não seria útil como um vaso para Isabel. Cass rezou. — Tracey, lembra quando mamãe morreu? E nós achamos papai adormecido em sua cadeira favorita, chorando em seu sono? Lembra? Nós subimos e abraçamos uma a outra e choramos, também. Nós estávamos tão assustadas.

Tracey encontrou seu olhar. E Cass pensou que ela havia a alcançado, porque existia algo assustador em seus olhos, entretanto ela disse.

— Você não pode... me matar.

— Eu não quero matar você. — Cass exclamou, frustrada, desesperada, angustiada. — Eu amo você, você é minha irmã!

— Não. — Tracey arquejou, olhando para ela. — Não. Eu sou sua irmã agora.

Cass sabia que ela estava falhando.

— Eu amo você e eu quero você de volta! — Ela exclamou. — Eu amo você.

Houve uma eternidade de silêncio. Então.

— Não... não me ama. — Tracey sussurrou asperamente, fechando os olhos.

Por um instante, Cass congelou. Então ela disse.

— Eu sei que tinha ciúmes de você, por causa de sua beleza, por todos os sujeitos, e então, porra, eu admitirei isto, eu tinha ciúmes porque você é mãe da Alyssa e eu sou só sua tia, mas eu sou humana, certo? — Cass percebeu que ela estava chorando. Mas ela rezou esperando que, ela estivesse finalmente conseguindo comunicar-se com sua irmã. — Mas isso não significa que não amo você. Eu não quero que você morra!

— Não. Não... me... ama... — Tracey disse, num grito áspero, então ela afundou no chão, segurando seu braço ferido.

Cass inalou duro. Ela de alguma maneira conseguiu alcançar sua irmã afinal.

— Eu amo você — ela disse com voz rouca. — Eu a amo tanto que eu não deixarei Tonio matar você. E eu não deixarei Isabel destruir você, também.

Tracey caiu contra a parede.

— Tanta... dor. — Ela sussurrou.

Sua irmã estava saindo do poder de Isabel?

— Tracey?

— Dois... de... mim... — ela ofegou.

— Lute com ela. — Cass exclamou, aproximando-se dela e ajudando a sustentar-se e assim ela podia ficar em pé.

— Cassandra, não chegue mais perto dela! — Antonio gritou do outro lado do corredor.

Mas Cass o ignorou, seu braço ao redor Tracey.

— Lute com ela. Por mim, por Alyssa, todos nós amamos você tanto.

— Dois... de... mim... — ela disse, abrindo seus olhos, seu olhar encontrando o de Cass. E ela brevemente ficou lúcida, e ela era Tracey.

— Lute! Lute com aquela vadia! — Cass gritou.

— Não posso.

Tracey ofegou, e enquanto ela falou, Cass percebeu o que estava acontecendo. Os dedos de Tracey em sua mão esquerda, segurando seu braço ferido, estavam endurecendo e embranquecendo com a tensão. Claramente uma parte dela estava tentando segurar o braço ferido, outra parte dela estava tentando soltá-lo. E Cass imediatamente percebeu por que.

Porque Tracey ainda segurava a faca em sua mão direita, que pendia ao lado dela. Cass notou como a mão esquerda de Tracey se contraiu e lentamente começou a se abrir. Ela olhou para baixo e viu que seu controle sobre a faca estava apertando exatamente ao mesmo tempo.

E Antonio deve ter visto também, porque ele gritou.

— Saia do caminho!

Ele estava alguns metros longe, tendo chegado ao fundo do corredor. Cass não olhou de volta para ele. Ela não iria se afastar, dando a ele uma oportunidade de disparar contra sua irmã. Tracey tinha que derrotar Isabel. Cass não iria pensar no que aconteceria se ela não o fizesse.

Tracey lentamente moveu sua mão esquerda para longe de seu braço direito. As lágrimas estavam fluindo abaixo de seu rosto, misturando-se com a transpiração.

— Lute com ela, Trace, você pode fazer isto. — Cass sussurrou, perguntando-se se a lâmina iria ser usada contra ela.

— Muita dor. — Tracey sussurrou, e de repente seu braço direito estava livre, e no próximo momento ela levantou a faca.

Cass encarou a ponta sangrenta. Seu coração parou. Passou pela sua cabeça atordoada o que era isso. Ela havia perdido. Isabel ganharia afinal. Ela iria morrer.

E o que aconteceu a seguir aconteceu no movimento mais lento, como se todo o tempo tivesse parado.

Tracey olhou Cass no olho, e Cass viu quando ela empurrou a faca.

Não no peito de Cass.

Em seu próprio peito.


Capítulo Vinte e Oito

Cass não podia gritar.

Ela só podia permanecer em choque e olhar fixo para sua irmã.

— Mãe. — Eles ouviram um sussurro angustiado.

Cass se voltou, para encontrar Antonio abraçado a ambas as crianças, mas Alyssa estava lutando para soltar-se do círculo de seus braços. Lágrimas cobriam seu rosto branco, assustado.

Cass deu uma última olhada para Tracey, então correu apressada para sua sobrinha, puxando-a em seu abraço. Quando ela fez isso, seu olhar encontrou brevemente o de Antonio. Tudo o que ela esperava ver em seus olhos estava lá, preocupação, compaixão, amor, força.

— Ela está morta? — Ele perguntou.

Cass pensava que sim. Mas lhe ocorreu que ela não sabia com certeza, e até que ela se desse conta, ela ouviu Antonio passando por ela. Cass acariciava o cabelo de Alyssa, murmurando palavras tranquilizadoras para ela, segurando-a apertado.

Mas agora ela começou a perguntar-se, onde estava Isabel?

— Eu não entendo... — Alyssa sussurrou. — Será que aquela mulher foi embora?

— Eu explicarei, um dia. — Cass sussurrou, mas ela congelou, olhando para Antonio, que estava ajoelhado ao lado de Tracey. Isabel se foi? Seria possível?

Claro que ela não se foi, Cass imediatamente pensou. Ela sabia disso do mesmo modo que ela sabia que o sol voltaria amanhã.

— Ela está viva, mas ela precisa de um médico, logo. — Antonio disse, se levantando.

Cass soltou Alyssa, com certo alívio, mas por pouco tempo. Eles não tinham nenhuma maneira de conseguir uma ambulância ou um médico. Ela deu uma olhada cautelosamente em torno do corredor vagamente iluminado. Onde estava Isabel? Cass sentiu que ela estava próxima. O ar parecia pesado, denso, escuro, e feio, e ele estava pressionando Cass quase insuportavelmente. E ela quase sentiu como se a pressão estava vindo de dentro para fora, o que não fazia nenhum sentido mesmo. Os ombros de Cass pareciam tão rígidos da pressão e tensão, que ela se perguntou se eles se quebrariam.

Seus instintos gritavam para ela que eles estavam no olho da tempestade.

Que o pior ainda estava por vir.

— Nós não temos nenhum poder, nenhum telefone, nenhum transporte — ela disse devagar, movendo-se em direção a Antonio.

Seu olhar desconfiado.

— Cassandra?

— Não há nenhum médico aqui. — Cass disse. E enquanto ela falava, enquanto seu olhar encontrou o de Antonio, ela perguntou-se por que ele estava olhando para ela daquele modo, ela se ouviu e estava confusa com suas próprias palavras. Elas não soaram direito. Elas soaram... estranhas.

— Nós precisamos fazer um curativo sobre o ferimento. Eu tenho medo de remover a faca. — Ele a olhou fixamente. — Gregory precisa de um médico, também. Eu vou ter que procurar ajuda.

Cass se encontrou olhando fixamente para sua irmã, deitada em uma poça de seu próprio sangue morno, vermelho. Ela se sentiu mal, tão violentamente, mas uma outra coisa estava acontecendo, porque uma parte dela não parecia mesmo doente. Uma parte dela parecia satisfeita. Terrivelmente satisfeita.

Paz é morte.

— Eu removerei a faca — ela disse, e antes dela saber o que ela mesma pretendia fazer, ela estava se ajoelhando ao lado de Tracey, que não parecia estar respirando, e ela estava agarrando o cabo da faca.

— Não! — Antonio gritou, agarrando seu braço antes dela poder puxar a lâmina, retirando-a do perto de sua irmã.

Cass o lançou fora violentamente.

E ela o viu cair para trás, sobre o chão. E ela ficou muito estranhamente surpresa com sua própria força, entretanto ela percebeu que ele estava ferido; isso explicaria por que ele estava tão fraco. Ainda assim, não tinha a intenção de machucá-lo. Ela queria chamá-lo, mas sua boca não se abriu, e ela nem conseguiu formar as palavras que ela desejava dizer.

Paz é morte. Confie em mim.

Cass congelou, prestes a retirar a faca, só vagamente ciente da presença de Antonio, que estava dizendo a ela para não retirar a faca, pois removê-la poderia ser pior para sua irmã, e ele estava chamando seu nome, novamente, mas ele parecia tão longe agora.

A cena no grande salão tornou-se surreal, Cass pensou. Isto realmente estava acontecendo?

Paz é morte. Tire a faca. Faça o que você deve fazer para encontrar a paz.

Isabel, Cass conseguiu pensar, o rosto branco, quase sem vida de sua irmã, pairava dentro e fora de sua visão.

— Isabel. — Ela murmurou, sua mente, curiosamente lenta, tentando se agarrar a esse pensamento. Isabel havia retornado.

Isabel estava perseguindo Cass agora.

E Cass parecia estar acima da sala, olhando de lá, com desprezo para todo mundo. Antonio que olhava fixamente para ela, as duas crianças agachadas junto à parede, sua irmã morrendo no chão em uma poça de seu próprio sangue. E Cass só ali parada, pronta para tirar a faca do peito de sua irmã.

Antonio veio correndo atrás dela.

— Cassandra! — Antonio estava gritando.

E ele estava a segurando.

Nem mesmo ciente do que ela estava fazendo, Cass se livrou dele, e viu como ele foi lançado para trás novamente, caindo duramente no chão.

E ela perguntou-se como ela havia realizado tal feito.

Os soluços a alcançaram.

Soluços distantes, como se vindos de outro mundo, de outro plano sobrenatural.

Morte é paz. A voz dentro de sua cabeça era tão suave e reconfortante, hipnotizando-a. Havia conforto no refrão. Conforto profundo, inimaginável.

Mas as crianças estavam chorando.

Cass piscou e viu Alyssa abaixada ao lado da mesa de mármore, olhando fixamente para ela, chorando, Eduardo próximo a ela, segurando-a, também em lágrimas.

As crianças, ela pensou. Eu tenho que salvar as crianças.

— Cassandra. Não a deixe fazer isto. Cassandra. Olhe para mim. Cassandra. Você pode me ouvir? Olhe para mim! — Antonio exclamou, segurando-a pelos braços novamente.

Seu rosto estava a alguns centímetros do dela, e Cass encontrou seus olhos, mesmo quando seu corpo flexionou, com a intenção de jogá-lo longe, amaldiçoando-o por sua interferência.

Mate-o.

O selvagem, brutal pensamento se formou propriamente dentro de seu cérebro, e por um dilacerante momento, Cass quis tirar a faca de peito de sua irmã e mergulha-la no peito do Antonio. No momento seguinte, ela olhou dentro de seus olhos e sentiu sua força.

Eu amo você. Confie em mim.

Paz é morte. Mate-o.

Imagens inundaram seu cérebro confuso. Imagens dele palestrando vestido com sua gola rolê preta, enquanto ela se sentou empoleirada em sua mesinha, devorando cada palavra; imagens dela e Antonio lado a lado, analisando e discutindo sobre o colar de rubi; imagens de seu rosto iluminado com excitação intelectual; imagens de um olhar, um sorriso; imagens dele tocando em seu corpo nu, olhos arregalados, concentrados; imagens dele em cima dela, do seu corpo dentro dela. Eu o amo, Cass pensou, olhando fixamente, seu olhar encontrando seus olhos. Eu o amo, eu amo as crianças, eu os amo, sim eu amo.

— Cassandra. — Ele disse. — Você é mais forte que Tracey. Lute com ela. Lute com ela, agora. Por favor — ele exclamou, com um soluço.

Paz é morte! Isabel gritou novamente.

E Cass sentiu a dor, dentro de sua cabeça, escurecendo, queimando, um turbilhão sem fim, rasgando, rugindo, despedaçando seu cérebro.

Mas ela o amava. Como ela podia matá-lo?

— Eu amo você, maldição! — Ele gritou, suas mãos apertando seus braços, machucando-a. Ele a estava sacudindo.

Então Cass apreciou a dor, esperando que ela diminuísse a escuridão que girava em sua mente, a escuridão e a confusão. O rosto de Isabel apareceu lá, nos olhos de sua mente, sorrindo, zombando, perverso. Cass afastou Antonio.

— Vá embora! — Ela gritou.

Antonio a olhou fixamente.

— Não. Não. Eu não irei.

Cass sacudiu sua cabeça, Isabel diante dela, seu mantra ecoando em sua mente. Ela não conseguia clareá-la. Paz é morte... mate-o. Agora.

O corpo de Cass se cobriu de suor. Ela estava tremendo de modo selvagem, ela percebeu. Suas mãos estavam apertando suas orelhas. Ela sentiu que se os barulhos dentro de sua cabeça não parassem, ela ficaria surda, ou louca.

Paz é morte, paz é morte, mate-o, mate-o, confie em mim.

— Não! — Cass gritou.

— Cassandra! — Antonio exclamou.

Cass segurou sua cabeça, mais forte agora, e ela estava girando, girando furiosamente, deixando-a atordoada, deixando-a louca. Ela sentiu que se arrancasse sua cabeça de seus próprios ombros, pararia aquela demoníaca voz sedutora, pararia a dor.

— Cassandra! Não faça isto! — Antonio gritou.

Cass o ouviu, e ela ouviu as crianças chorando, mas ela não entendia. Mate-o mate-os todos, confie em mim... eu os amo, ela praguejou silenciosamente, e ela olhou para as duas crianças apavoradas, e então ela olhou para Antonio, tão branco quanto um fantasma de histórias em quadrinhos, e então ela olhou para baixo, para o peito ensanguentado de sua irmã, e para a faca em sua mão.

MATE TODOS ELES.

Cass olhou fixamente para sua mão, apertando a faca, e ela sentiu Isabel, atrás dela, nela, dentro dela, e ela pensou sobre como ela os amava, tanto, e ela sentiu o ódio e a fúria de Isabel, envolvendo-a cada vez mais e mais apertado, e Cass começou a sufocar por falta de ar, seu corpo parecia como se estivesse sendo esmagado em um torno, e Cass olhou para a faca.

MATE TODOS ELES.

Eu... os... amo... ela pensou, soluçando.

E ela ouviu o barulho da faca caindo no chão.

Ela olhou fixamente para ela, uma lâmina de metal ensanguentada, de alguma maneira surgindo em seus pés, então ela percebeu que seu próprio corpo também caiu, lentamente, em câmara lenta, para o chão, ao lado da faca.

— Cassandra. — Antonio murmurou, puxando-a em seus braços por trás.

A dor, o vórtice preto, o buraco negro enorme que havia dentro de sua mente, girando sem parar, cessou. Naquele momento singular, Cass sentiu um vazio abençoado, um vazio tenebroso, e então havia luz.

Dentro de seu cérebro. Tanta luz.

E Cass sentiu o calor de seus braços, seu peito, e ela ouviu a batida do seu coração em seu ouvido.

— Eu... estou bem?

— Eu pensei que havia perdido você. — Ele chorou contra seu cabelo. E a segurou forte contra seu peito.

E houve silêncio.


O sol ainda não havia subido quando as primeiras ambulâncias e carros de polícia chegaram.

Cass ficou sozinha lá fora, vestindo um suéter de lã leve, as mãos nos bolsos de sua calça jeans, observando a atividade ao redor da casa. Alguns policiais estavam caminhando ao redor, conversando uns com os outros sombriamente em sua língua nativa, parecendo atordoados e chocados. Os olhares que eles estavam trocando eram quase cômicos.

Os paramédicos afirmaram que sua irmã viveria. Tracey e Gregory tinham sido trazidos da casa em macas e carregados em uma ambulância que os levou para o hospital mais próximo em Segovia a algumas horas atrás. Alfonso tinha sido tratado pelos paramédicos dentro da casa, no mesmo local, que Antonio. Aparentemente após uma hora depois que ele deixou a casa à procura de ajuda, um caminhoneiro o ajudou, e usando o rádio de CB, eles pediram auxílio.

Ela estava horrorizada. Ninguém acreditaria em sua história. Tracey provavelmente ia acabar em uma instituição mental. Haveria um julgamento criminal primeiro? Ela seria acusada de assassinar o eletricista?

E estes policiais nunca estiveram em um caso como esse. Eles provavelmente nunca viram muito mais que uma briga ou um caso de violência doméstica, Cass pensou. Ela duvidou que existiam laboratórios ou técnicos em qualquer lugar próximo para analisar a cena do crime. Talvez isso fosse o melhor.

O sol estava mais alto agora.

O dia estava incrivelmente limpo, bonito, e absolutamente positivo.

Isabel se foi. Cass não tinha dúvida. Mas por quanto tempo?

Ela não podia evitar se perguntar se ela teria ido para sempre. Este dia estava diferente dos dias anteriores. Estava um dia quieto, mas não absolutamente mudo. Cass podia ouvir muito mais que as vozes sussurradas dos policiais, ela podia ouvir uma brisa suave suspirando, o latir do cachorro de alguém, e o gorjear de um pássaro. Periodicamente o rádio do carro de polícia tagarelava.

O dia quieto parecia quase preguiçoso; a tensão insuportável, notável com que eles tinham convivido desde que haviam chegado na Casa de Sueños se foi. Era quase como se uma tempestade enorme, que estava se formando, tivesse varrido violentamente a área, deixando como resultado o ar fresco, claro, limpo.

— Señora?

Cass olhou para cima. Um policial a estava abordando, e ele estava segurando seu laptop, que estava aberto. Atrás dele, ela viu Antonio em pé nos degraus da frente, um braço em uma tipoia para aliviar seu ombro no qual ele tinha sido apunhalado nas costas, falando com outro oficial, que Cass pensou, estava no comando. Eles ainda teriam que trocar mais que uma palavra ou duas desde que ele retornou, e desde que a polícia chegou.

Seu olhar se cruzou com o dele.

Cass sorriu.

Ele sorriu de volta, então voltou-se para o policial com que ele estava falando.

O coração de Cass balançou um pouco; ela disse a si mesma para não pensar sobre o que estava por vir para os dois agora. Ela estava exausta. Sobrecarregada. Tanta coisa aconteceu em apenas alguns dias. Mas... o que aconteceria agora?

— Señora, perdoe meu inglês — o policial disse. — Mas nós achamos isto na biblioteca. El conde disse que pertence a você. No momento você pode mantê-lo, mas no futuro, talvez, nós precisaremos dele como evidência.

Cass quase sorriu. Ela escondeu sua expressão. Evidência do que? Ela estava certa. Estes policiais estavam fora de seu território. Isso parecia um bom pressagio para sua irmã.

— É meu.

— Você traduziria, por favor? O que o computador diz?

De repente Cass congelou. E ela sentiu um calafrio varrer seu corpo inteiro.

— Posso? — Ela perguntou, tremendo.

Ele o deu para ela.

O coração de Cass parou.

Seu laptop permaneceu no programa Word. Mas a pergunta que ela havia escrito para Isabel se foi. Em seu lugar estava uma única frase, concisa, e estava ainda marcada como uma frase.

EU QUERO IR PARA CASA.

— Señora?


— “Aqui jaz Isabel de La Barca. Uma herege e mulher devassa. Deus salve sua alma. Que ela descanse em paz, ” — Cass sussurrou em voz alta.

O sol estava alto. Cass ficou olhando fixamente para o túmulo de Isabel. Isabel queria ir para casa.

Ela o sentiu primeiro, antes de ouvi-lo. Seu coração começou a cantar uma canção inconfundível. Cass não se virou. Mas quando ele parou ao lado dela, ela deslizou sua mão na dele. As lágrimas de repente encheram seus olhos.

Eles passaram por tanta coisa... E agora?

— Ela quer ir para casa. — Ela disse.

Ele libertou sua mão e a deslizou ao redor de seu ombro.

— Não seria o apropriado? — Ele perguntou. — Enterrá-la na Inglaterra, onde ela pertence?

Cass o encarou e seus olhos se encontraram.

— Há um cemitério no Castelo de Romney — ela disse. — Eu estou certa que nós podemos conseguir permissão para enterrá-la lá.

— Eu vou ajudar. — Ele disse simplesmente.

Ela se derreteu toda.

— E as crianças?

— Eles acabaram de acordar, e Celia está levando-as a Pedraza para um enorme café da manhã. Cortesia de um dos oficiais de polícia.

Cass assentiu. Ela sabia que ela teria que se sentar com Alyssa e tentar explicar tudo. Não seria uma tarefa fácil.

— Talvez nós deveríamos nos juntar a eles. — Ela disse. Pela primeira vez em dias, ela estava ciente de sentir algum apetite.

— Talvez. — Ele concordou. — Mas eu prefiro ficar aqui, só, com você, apesar do quão faminto eu estou.

Naquele momento Cass sabia o que queria, não havia mais como negar isso, nem mesmo para si mesma. Ela deslizou para o círculo de seus braços.

— Isso é tudo o que eu queria. — Ela sussurrou contra seu peito duro, forte. Então ela se inclinou para trás para olhar para ele. — Eu penso que ela se foi — ela disse. — Eu penso que ela verdadeiramente se foi. Tudo parece tão diferente hoje.

— Eu também penso que ela se foi — ele disse. Seus olhos nos dela. — Sua raiva queimou por séculos. Hoje, eu penso, que finalmente se esgotou.

De repente os olhos de Cass se encheram de lágrimas.

— Eu sei o que Tracey passou. Foi tão difícil. Eu quase matei você, e todo mundo. Ela era tão forte, Antonio. Mas, como eu posso culpá-la?

Ele sorriu e acariciou seu cabelo.

— Abençoe sua alma culpada — ele sussurrou. — Abençoe todos eles. Mas... Cassandra, você não chegou nem perto de fazê-lo.

Ela sorriu para ele, apreciando sua confiança nela.

— Deus, o sol parece tão bom hoje. Não acha?

— Sim, acho — ele disse. — Mas você parece muito melhor, Cassandra

Cass encontrou seu olhar, não mais sorrindo, cheia de uma nova tensão.

— O que acontecerá agora, Antonio?

— Nós demos nossas declarações para a polícia. Eles pensam que nós somos todos completamente loucos. — Seu sorriso era irônico. — Sua irmã nunca irá a julgamento, Cassandra, se é sobre isso que você está pensando.

— Ela assassinou o eletricista. — Cass não podia mais negar isto.

— Eu odeio dizer isso, mas as boas notícias são que o eletricista não tem nenhuma família. Eu estou tentando usar minha influência para que este assunto simplesmente, silenciosamente, desapareça.

A esperança encheu seu peito.

— Como isto seria possível?

— As pessoas do interior são assim — ele disse. — Elas são antiquadas e supersticiosas. Já existem tantos rumores sobre minha família e a nuvem de tragédia que paira acima de nós. Se contarmos a verdade, nós podemos assustar todo mundo o suficiente para que o caso seja arquivado como não solucionado. E caso isso não aconteça, Tracey seria diagnosticada como mentalmente incapaz de ir a julgamento. — Ele disse. — Qualquer advogado diria isso.

— Eu tenho medo. — Cass admitiu. — Por ela. Mas se ela fosse internada, talvez não seja uma coisa tão ruim. Deus, Tonio, ela ficou severamente traumatizada por todos estes acontecimentos. — E Cass fechou seus olhos. Eles todos tinham sido traumatizados por Isabel.

— Vocês têm um ditado do qual eu gosto muito. Ele diz: “Absorva a força de um golpe. Aceite o que foi causado a você! ” E é isso o que nós temos que fazer agora, Cassandra.

Cass sabia que ele tinha razão.

— Se for de qualquer ajuda, — ele disse suavemente, — eu tenho muito mais influência em Castilha do que já deixei transparecer. Eu me sinto confiante que tudo terminará bem... para ela, para todo mundo... para nós.

Cass congelou.

— Nós. — Uma palavra que ela nunca sonhou em ouvir, de ninguém, e não de Antonio de La Barca, até recentemente. — Existe um “nós”, não é? Isabel nos aproximou pela primeira vez, mas...

— É claro que definitivamente existe um “nós”. — Ele cortou sua frase, seu olhar franco. — E eu não acredito que ela tenha nos unido; você me intrigou desde o primeiro momento em que nós nos encontramos.

Cass ficou emocionada. E timidamente ela disse.

— No Metropolitan Museum?

Ele riu.

— Então agora você está curiosa? Mas se você deseja saber, embora eu ainda não tivesse chegado a uma conclusão sobre a perda de minha esposa, eu estava muito interessado em você, desde então. Beleza e inteligência são uma combinação irresistível, você sabe.

A euforia de Cass não conhecia limites. Então seu sorriso desapareceu.

— E se nós desejarmos esquecer este período terrível?

Ele assentiu.

— Você poderia? Você poderia esquecer tudo isso? Você poderia esquecê-la?

Cass viu Isabel como ela foi vista pela última vez, com uma fúria assassina, e então ela pensou nela como a mulher que tinha sido traída por seu tio, por seu amante, e por seu marido. Uma mulher que perdeu sua família inteira com a idade de oito anos.

— Eu não quero esquecê-la. O que aconteceu com ela foi uma tragédia terrível... uma grave injustiça — ela disse. — Não, eu não quero esquecê-la. Eu só quero pôr o passado onde ele pertence, no passado. E eu quero... — Ela parou.

— O que? — Ele perguntou.

Lágrimas turvaram seus olhos.

— Eu quero uma chance. — Ela disse. — Eu quero uma chance para ver se isto é real.

— Eu também — ele disse solenemente.

Seus olhares se encontraram. Cass mal podia acreditar que isso estava acontecendo. E quando ele tomou sua mão, ele disse.

— Eu preciso de umas férias. Quando você vai convidar Eduardo e eu para Belford House?

— Umas férias? — Ela sussurrou, a esperança subindo rapidamente.

— E você precisa de umas férias, também — ele disse, tão convicto como se ele fosse o médico dela.

Cass riu. O som era leve e despreocupado e ecoou ao redor deles naquele dia de verão castelhano brilhantemente ensolarado.

— Será que você e Eduardo gostaria de voltar conosco para Belford House? — Cass perguntou formalmente.

Ele sorriu lentamente.

— Eu achei que você nunca perguntaria — ele disse.


Epílogo

Castelo de Romney – O presente

O castelo ficava acima do pequeno cemitério, que estava situado no alto da colina. Cass caminhou devagar subindo o caminho para o cemitério, lutando contra as rajadas do vento de dezembro. Ela usava um casaco impermeável de capuz forrado com lã, mas o vento frio do mar ainda foi direto para ela. Um gorro de lã cobria seu cabelo. O céu estava pesado e sombrio, ameaçando um temporal.

Ela estava segurando dois buquês de rosas brancas em sua mão. Ela empurrou e abriu o portão do cemitério. Sua pulsação acelerou. Cass caminhou através das lápides, que tinham séculos de idade e agora eram familiares para ela como a palma de sua própria mão. Ela teve que parar então, ela sempre o fazia.

Em meio às muitas lápides escurecidas, havia uma na qual simplesmente se lia, “Philip de Warenne, Nascido em 10 de maio de 1555, morto em 1 de fevereiro de 1608. ” O filho de Isabel. O filho bastardo de seu amante. Ela tinha ficado chocada quando eles o acharam lá, enterrado em Romney, mas seu pai, Almirante de Warenne, também estava lá, então não deveria realmente ter sido uma grande surpresa.

Cass se ajoelhou e colocou um buquê ao pé de sua sepultura. Então ela se levantou. Uma grande lápide dominava o cemitério agora. Não tinha séculos de idade, tinha sido erguida há quatro meses. Ela se aproximou lentamente. A pedra era de mármore branco, imaculado como as lágrimas, e tão alto quanto ela. Era cercado por lápides menores, manchadas pelo tempo e Cass parou diante delas. A Terra na frente dele foi recentemente revirada, e havia um pequeno gramado verde e luxuriante. E um buquê estava lá, de rosas vermelhas murchas.


AQUI JAZ ISABEL DE WARENNE DE LA BARCA

NASCIDA EM? 1535 MORTA EM 13 DE JUNHO DE 1555

FILHA DE RALPH DE WARENNE CONDE DE SUSSEX

ESPOSA DE ALVARADO DE LA BARCA CONDE DE PEDRAZA

UMA MULHER QUE SOFREU A INJUSTIÇA MAIS CRUEL

QUE DEUS ABENÇOE SUA ALMA E QUE ELA DESCANSE EM PAZ

AGORA E PARA TODO O SEMPRE


Cass sentiu as lágrimas encherem seus olhos. Era sempre assim. Ela não podia visitar o túmulo de Isabel sem se tornar demais sentimental, e já se passou mais de um ano desde aqueles poucos dias em Castilha.

Dias que ela nunca esqueceria.

Existiam manhãs em que ela acordava e ainda sentia imensas saudades de sua tia. Mas não havia uma expressão, “Quando uma porta se fecha, uma outra se abre”? Ela sempre sentiria falta de Catherine, ela sempre a amaria. Mas ela nunca tinha sido mais feliz.

E Tracey não tinha sido acusada de qualquer ato criminoso. Ela foi, porém, internada em um hospital privado em Londres que era especializado em alcoolismo e vícios em drogas. Tracey era agora tratada em um ambulatório. Ela não consumiu mais bebidas desde que veio da Espanha, e ela também estava sendo tratada de depressão.

Cass colocou as flores frescas ao lado das murchas.

Abaixo, soou a buzina de um carro.

Cass deu um salto, porque ela havia dirigido sozinha até o estacionamento de carros do castelo, mas assim que ela se virou, ela sabia.

Um BMW preto ignorou todos os sinais proibindo os carros de ir mais longe, e estava estacionado logo abaixo dos portões do cemitério. Cass olhou enquanto a porta da frente se abriu e um homem saiu. Ele estava vestindo uma jaqueta esportiva preta, ele deveria estar com frio, e os óculos de tartaruga estavam escorregando abaixo de seu nariz. E ela soube que ele estava sorrindo para ela.

Seu coração disparou, forte. Ela não o tinha visto há semanas; ela não estava à espera dele nesse dia. Cass ansiosamente começou a descer o caminho, acenando.

Ele acenou de volta.

Ela voou em seus braços.

Depois que eles se beijaram por um longo tempo, eles se afastaram e seu marido escondeu vários fios de seu cabelo sob seu gorro de lã.

— Oi, Cassandra. — Ele disse.

— Você me disse que estava vindo amanhã. — Ela disse. Alguns flocos gordos de neve estavam começando a cair.

Ele a ajudou a entrar no carro.

— Eu menti. — Ele sorriu.

Cass sorriu de volta quando ele fechou a porta, e quando Antonio sentou-se no banco ao lado dela, eles se dirigiram colina abaixo, longe do sepulcro, longe do castelo onde isso tudo começou, e voltaram para Belford House.

 

 

                                                   Brenda Joyce         

 

 

 

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