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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CERIMÔNIA DO CHÁ / Paulo Coelho
A CERIMÔNIA DO CHÁ / Paulo Coelho

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Contos do Alquimista

Volume VII

A CERIMÔNIA DO CHÁ

 

                   NO AEROPORTO

         Voava para Chicago, rumo à feira de livros da American Bookksellers Association. De repente, um rapaz fica em pé no corredor do avião:

         - Preciso de doze voluntários – disse. – Cada um carregará uma rosa quando aterrissarmos.

         Várias pessoas levantaram a mão. Eu também levantei, mas não fui escolhido.

Mesmo assim, resolvi acompanhar o grupo. Descemos, o rapaz apontou para uma moça no saguão do aeroporto. Um a um, os passageiros foram entregando suas rosas para ela. No final, o rapaz pediu-a em casamento – e ela aceitou.

         Um comissário d bordo comentou comigo:

         - Desde que trabalho aqui, foi a coisa mais romântica que aconteceu neste aeroporto.

 

                   PAGUE O PREÇO JUSTO

Nixivan havia reunido seus amigos para jantar, e estava cozinhando um suculento pedaço de carne. De repente, percebeu que o sal tinha terminado.

         Nixivan chamou o seu filho:

         - Vá até a aldeia e compre o sal. Mas pague um preço justo por ele: nem mais caro, nem mais barato.

         O filho ficou surpreso:

         - Compreendo que não deva pagar mais caro, papai. Mas, se puder barganhar um pouco, por que não economizar algum dinheiro?

         Numa cidade grande, isto é aconselhável. Mas, numa cidade pequena como a nossa, toda a aldeia perecerá.

         Quando os convidados, que tinham assistido à conversa, quiseram saber por que não se devia comprar o sal mais barato, Nixivan respondeu:

         - Quem vender o sal abaixo do preço deve estar agindo assim porque precisa desesperadamente de dinheiro. Quem se aproveitar desta situação estará mostrando desrespeito pelo suor e pela luta de um homem que trabalhou para produzir algo.

         - Mas isso é muito pouco para que uma aldeia seja destruída.

         - Também, no início do mundo, a injustiça era pequena. Mas cada um que veio depois terminou acrescentando algo, sempre achando que não tinha muita importância, e vejam onde terminamos chegando hoje.

 

                     DESCUBRA SUA PRÓPRIA LUZ

         Pela manhã, o discípulo foi visitar seu mestre:

         - Tenho um importante problema para resolver - disse. - Gostaria que me ajudasse.

         - Como posso ajudá-lo? Eu posso saber como me comportar diante de determinado problema, mas esta é a minha maneira de agir. Se você está procurando crescer, observe os outros, mas jamais procure agir exatamente como eles. Cada pessoa tem um caminho diferente nesta vida.

         “Não nos transformamos em mestres porque sabemos repetir o que os mestres fazem, mas porque aprendemos a pensar por nós mesmos. Descubra sua própria luz – ou passará o resto da vida sendo um pálido reflexo da luz alheia.”

 

                   O HOMEM QUE PERDOAVA

         Há muitos anos, vivia um homem que era capaz de amar e perdoar a todos que encontrava em seu caminho. Por causa disso, Deus enviou um anjo para conversar com ele.

         - Deus pediu que viesse visitá-lo, e lhe dizer que Ele quer recompensá-lo por sua bondade – disse o anjo. – Qualquer graça que desejar, lhe será concedida. Você gostaria de ter o dom de curar?

         - De maneira nenhuma – respondeu o homem. Prefiro que o próprio Deus selecione aqueles que devem ser curados.

         - E que tal trazer os pecadores para o caminho da Verdade?

         - Isso é uma tarefa de anjos como você. Eu não quero ser venerado por ninguém e ficar servindo de exemplo o tempo todo.

         - Eu não posso voltar para o céu sem lhe ter concedido um milagre. Se não escolher, será obrigado a aceitar um.

         O homem refletiu um pouco e terminou respondendo:

         - Então, eu desejo que o Bem seja feito por meu intermédio, mas sem que ninguém perceba – nem eu mesmo, que poderei pecar por vaidade.

         E o anjo fez com que a sombra daquele homem tivesse o poder de cura, mas só quando sol estivesse batendo em seu rosto. Desta maneira, por onde passasse, os doentes eram curados, a terra voltava a ser fértil, e as pessoas tristes recuperavam a alegria.

         O homem caminhou muitos anos pela Terra, sem jamais dar-se conta dos milagres que realizava, porque – quando estava de frente para o sol, a sombra estava sempre nas suas costas. Desta maneira, pôde viver e morrer sem ter consciência da própria sanidade.

 

                   A SABEDORIA PODE ESTAR ATRÁS

         O monge Shuan sempre alertava aos seus discípulos para a importância do estudo da filosofia ancestral. Um deles, conhecido pela sua força de vontade, anotava todos os ensinamentos de Shuan, e passava o resto do dia refletindo sobre os pensadores antigos.

         Depois de um ano de estudos, o discípulo adoeceu, mas continuou freqüentando as aulas.

         - Mesmo doente, continuarei estudando. Estou atrás da sabedoria e não há tempo a perder – disse ele ao mestre.

         Shuan indagou:

         - Como você sabe que a sabedoria está na sua frente, e que é preciso estar sempre correndo atrás dela? Talvez ela esteja caminhando atrás de você, querendo alcançá-lo, e de alguma maneira você não está deixando. Relaxar e deixar os pensamentos fluírem também é uma maneira de atingir a sabedoria.

 

                   DEPOIS DA MORTE

         O imperador mandou chamar o mestre zen Gudo à sua presença.

         - Gudo, ouvi falar que você é um homem que tudo compreende – disse o imperador. – Eu gostaria de saber o que acontece com o homem iluminado e com o pecador, depois que ambos morrem?

         - Como vou saber? – respondeu Gudo. – Mas, afinal de contas, você não é um mestre iluminado?

         - Sim, senhor. Mas não um mestre morto.

 

                   A IMPORTÂNCIA DOS NOMES

         Zilu perguntou a Confúcio:

         - Se o rei Wen o chamasse para governar o país, qual seria a primeira providência?

         - Aprender os nomes dos meus assessores.

         - Que bobagem! Isto é a grande preocupação de um primeiro-ministro?

         - Um homem nunca pode receber ajuda do que não conhece – respondeu Confúcio. – Se ele não entender a natureza humana, não compreenderá Deus. Da mesma maneira, se não sabe quem está do seu lado, não terá amigos. Sem amigos, não pode estabelecer um plano.

         “Sem um plano, não consegue dirigir ninguém. Sem direção, o país mergulha no escuro, e nem os dançarinos sabem decidir com que pé devem dar o próximo passo.”

         “Então, uma providência aparentemente banal – saber o nome de quem vai estar do seu lado – pode fazer uma diferença gigantesca. O mal do nosso tempo é que todo mundo quer consertar tudo de uma vez só, e ninguém se lembra de que precisa de muita gente para fazer isso.”

 

                   É PRECISO MANTER O DIÁLOGO

         A esposa do rabino Iaakov era considerada, por todos os seus amigos, uma mulher muita difícil. Por qualquer pretexto, iniciava uma discussão.

         Iaakov, porém, nunca respondia às provocações.

         Até que, no casamento de seu filho Ishmael, quando centenas de convidados comemoravam alegremente, o rabino começou a ofender sua mulher – mas de tal maneira, que todos na festa puderam perceber.

         - O que aconteceu? – perguntou um amigo de Iaakov, quando os ânimos serenaram. – Por que abandonou seu costume de jamais responder às provocações?

         - Veja como ela está mais contente – sussurrou o rabino.

         De fato, a mulher agora parecia estar se divertindo com a festa.

         - Vocês brigaram em público! Não entendo nem a sua reação, nem a dela – insistiu o amigo.

         - Faz alguns dias, entendi que o que mais perturbava minha mulher era o fato de eu ficar em silêncio. Agindo assim, eu parecia ignorá-la, distanciando-me com sentimentos virtuosos e a fazendo sentir mesquinha e inferior.

         “Já que a amo tanto, resolvi fingir perder a cabeça na frente de todo mundo. Ela viu que eu compreendia suas emoções, que era igual a ela, e que ainda quero manter o diálogo.”

 

                   A CORNETA E OS TIGRES

         Um homem chegou a uma aldeia com uma corneta misteriosa, de onde pendiam pano vermelho e amarelo, contas de cristal e ossos de animais.

         - Esta é uma corneta que afasta tigres – disse o homem. – A parir de hoje, por uma modesta quantia diária, eu a tocarei todas as manhãs, e vocês nunca serão devorados por estes terríveis animais.

         Os habitantes da aldeia, aterrorizados com a ameaça de ataque de um animal selvagem, concordaram em pagar o que o recém-chegado pediu.

         Assim se passaram muitos anos, o dono da corneta ficou rico e construiu um belo castelo para si mesmo. Certa manhã, um rapaz que passava pelo local, perguntou a quem pertencia aquele castelo. Ao saber da história, resolveu ir até lá conversar com o homem.

         - Ouvi dizer que o senhor tem uma corneta que afasta tigres – disse o rapaz. – Acontece, porém, que não existem tigres em nosso país.

         Na mesma hora, o homem convocou todos os habitantes da aldeia, e pediu ao rapaz que repetisse o que dissera.

         - Vocês escutaram bem o que ele disse? – gritou o homem, assim que o rapaz terminou. – Esta é a prova irrefutável do poder da minha corneta!

        

                   O SACERDOTE E O FILHO

         Durante muitos anos, um sacerdote brâmane cuidava de uma capela. Quando precisou

viajar, pediu ao seu filho que se encarregasse das tarefas diárias até o seu retorno. Entre essas tarefas, o menino devia colocar a oferenda de alimento diante da Divindade, e observar se Ela comia.

         O garoto dirigiu-se, animado, até o templo onde o pai trabalhava. Colocou o alimento, e ficou aguardando as reações da imagem.

         Durante o resto do dia, ele ficou ali. E a estátua permaneceu imóvel. O menino, porém, fiel às instruções de seu pai, estava certo de que a Divindade desceria do altar para receber sua oferenda.

         Depois de muita espera, ele suplicou:

         - Ó Senhor, vinde e comei! Já é muito tarde. Não posso esperar mais.

         Nada aconteceu. Ele, então, começou a gritar:

         - Senhor, meu pai me pediu que eu estivesse aqui quando o Senhor descesse para aceitar a oferta. Por que não o fazeis? Só comeis a oferenda das mãos de meu pai? O que eu fiz de errado?

         E chorou copiosamente por muito tempo. Quando ergueu os olhos e limpou as lágrimas, levou um susto: ali estava a Divindade alimentando-se com o que lhe tinha sido oferecido.

         Alegre, o menino voltou correndo para casa. Qual foi sua surpresa quando, ao chegar, um de seus parentes lhe disse:

         - O serviço terminou. Onde está a comida?

         - Mas o Senhor a comeu – respondeu, surpreso, o menino.

         Todos ficaram assombrados:

         - O que é que está dizendo? Repete, pois não ouvimos bem.

         O menino repetiu com toda naturalidade e inocência:

         - O Senhor comeu tudo que lhe ofereci.

         - Não é possível! – disse um tio. – Seu pai lhe disse apenas para observar se ela comia. Todos nós sabemos que este é um ato meramente simbólico. Você deve ter roubado a comida.

         O menino, porém, não mudou sua história, mesmo quando o ameaçaram com uma surra.

         Desconfiados, os familiares foram até o templo, e encontraram a Divindade sentada, sorrindo.

         - Um pescador lançou ao rio a sua rede e conseguiu uma boa pesca – disse a Divindade. – Alguns peixes estavam imóveis, sem fazer nenhum esforço para sair. Outros lutavam desesperadamente, saltando, mas sem conseguir escapar. Só uns poucos eram afortunados em sua luta e conseguiam escapar.

         “Assim como os peixes, três tipos de homens vieram aqui para me trazer oferendas: uns não quiseram conversar comigo, achando que eu não ia responder. Outros tentaram, mas desistiram logo, com medo da decepção. Entretanto, este menino foi até o fim, e Eu, que jogo com a paciência e a perseverança dos homens, terminei por Me manifestar.”

 

                   O MELRO TOMA A DECISÃO

         Um velho melro encontrou um miolo de pão e saiu voando com ele. Ao vê-lo, os pássaros mais jovens correram para atacá-lo. Diante do combate iminente, o melro largou o miolo de pão na boca de uma serpente, pensando consigo mesmo:

         “Quando se está velho, a gente vê a vida de outra maneira: perdi meu alimento, é verdade, mas posso encontrar outro miolo de pão amanhã”. Entretanto, se insistisse em carregá-lo comigo, eu iria deflagrar uma guerra no céu: o vencedor passaria a ser invejado, os outros se armariam para combatê-lo, o ódio encheria o coração dos pássaros, e tal situação podia durar por muito tempo. A sabedoria da velhice é essa: saber trocar as vitórias imediatas pelas conquistas duradouras.

 

                   O MACACO E A MACACA DISCUTEM

         Sentados num galho de árvore, o macaco e a macaca contemplavam o pôr-do-sol. Em determinado momento, ela perguntou:

         - O que faz com que o céu mude de cor na hora em que o sol atinge o horizonte?

         - Se quisermos explicar tudo, deixamos de viver – respondeu o macaco. – Fique quieta. Vamos deixar o nosso coração alegre com este entardecer romântico.

         A macaca enfureceu-se:

         - Você é primitivo e supersticioso. Já não dá mais atenção à lógica e só quer saber de aproveitar a vida.

         Neste momento, passava uma centopéia.

         - Centopéia! – gritou o macaco. – Como é que você faz para mover tantas patas em perfeita harmonia?

         - Nunca pensei nisso! – foi a resposta.

         - Então pense! Minha mulher gostaria de uma explicação!

         A centopéia olhou para suas patas, e começou:

         - Bem... eu flexiono este músculo...não, não é bem isso, eu tenho que jogar o meu corpo por aqui...

         Durante meia hora tentou explicar como movia suas patas, e, à medida que tentava, ia confundindo-se cada vez mais. Quando quis continuar seu caminho, já não podia mais andar.

         - Está vendo o que você fez? – gritou desesperada. – Na ânsia de descobrir como funciono, perdi os movimentos!

         - Está vendo o que acontece com quem deseja explicar tudo? – disse o macaco, voltando a assistir ao pôr-do-sol em silêncio.

 

                  O MOMENTO DA AURORA

         Um rabino reuniu seus alunos, e perguntou:

         - Como é que sabemos o momento em que a noite acaba e o dia começa?

         - Quando, à distância, distinguimos uma ovelha de um cachorro – disse um menino.

         O rabino não ficou contente com a resposta.

         - Na verdade – disse outro aluno -, sabemos que já é dia quando podemos distinguir, à distância, uma oliveira de uma figueira.

         - Não é uma boa definição.

         - Qual a resposta, então?

         E o rabino disse:

         - Quando um estrangeiro se aproxima e nós o confundimos com o nosso irmão, este é o momento em que a noite acaba e o dia começa.

 

                   EL GRECO E A LUZ

         Numa agradável tarde de primavera, um amigo foi visitar o pintor El Greco. Para sua surpresa, encontrou-o em seu ateliê com todas as cortinas fechadas.

         Greco trabalhava num quadro que tinha como tema central a Virgem Maria, usando apenas uma vela para iluminar o ambiente. Surpreso, o amigo comentou:

         - Sempre ouvi dizer que os pintores gostam do sol para escolher direito as cores que vão usar. Por que voe não abre as cortinas?

         - Agora não – respondeu El Greco. – Perturbaria o fogo brilhante da inspiração que está incendiando minha alma, e enchendo de luz tudo à minha volta.

 

                   O LAGO E NARCISO

         Quase todo mundo conhece a história original (grega) sobre Narciso: um belo rapaz que, todos os dias, ia contemplar seu rosto num lago. Era tão fascinado por si mesmo que, certa manhã, quando procurava admirar-se mais de perto, caiu na água e terminou morrendo afogado. No lugar onde caiu, nasceu uma flor, que passamos a chamar de Narciso.

         O escritor Oscar Wilde, porém, tem uma maneira diferente de terminar esta história.

         Ele diz que, quando Narciso morreu, vieram as Oréiades – deusas do bosque – e viram que a água doce do lago havia se transformado em lágrimas salgadas.

         - Por que você chora? – perguntaram as Oréiadas.

         - Choro por Narciso.

         - Ah, não nos espanta que você chore por Narciso – continuaram elas. – Afinal de contas, todas nós sempre corremos atrás dele pelo bosque, mas apenas você era o único que tinha a oportunidade de contemplar de perto sua beleza.

         - Mas Narciso era belo? – quis saber o lago.

         - Quem melhor do que você poderia saber? – responderam, surpresas, as Oréiades. –Afinal de contas, era em suas margens que ele se debruçava todos os dias.

         O lago ficou algum tempo quieto. Por fim, disse:

         - Eu choro por Narciso, mas jamais havia percebido que Narciso era belo.

         “Choro por ele porque, todas as vezes que ele se deitava sobre minhas margens, eu podia ver, no fundo dos seus olhos, a minha própria beleza refletida.”

 

                     A CERIMÔNIA DO CHÁ

         Consigo que meu editor, Masao Masuda, finalmente me convide para a tradicional cerimônia do chá. Ele acha que não vou entender direito: “não acontece nada especial”, repete várias vezes.

         Vamos para uma montanha perto de Hakone, entramos num pequeno quarto e sua irmã, vestida ritualmente em quimono, nos serve chá. Só isso: mas tudo é feito com tanta seriedade e protocolo que uma prática cotidiana transforma-se num momento de comunhão com o Universo.

         O mestre do chá, Okakusa Kasuko, explica o que acontece: “A cerimônia é a adoração do belo. Todo seu esforço concentra-se na tentativa de atingir o perfeito através dos gestos imperfeitos da vida cotidiana. Toda a sua beleza consiste em respeitar as coisas simples que fazemos, pois elas podem nos transportar até Deus.”

         Se um mero encontro para beber chá pode nos transportar até Deus, o que dizer das outras oportunidades que acontecem todo dia – e sobre as quais não nos damos conta.

 

                   O MATADOR DE DRAGÕES

         Zhuangzi, um célebre autor chinês, conta a história de Zhu Pingman, que foi procurar um mestre para aprender a melhor maneira de matar dragões.

         O mestre treinou Pingman por dez anos seguidos, até que este conseguiu desenvolver - `a perfeição, - a técnica mais sofisticada de matar dragões.

         A partir daí, Pingman passou o resto da vida procurando dragões, a fim de que pudesse mostrar a todos sua habilidade. Para sua decepção, nunca encontrou nenhum.

O autor da história comenta: “Todos nós nos preparamos para matar dragões, e terminamos sendo devorados pelas formigas dos detalhes, as quais nunca prestamos atenção.”

 

                   A PONTE E A PINGUELA

         Existe gente que, em vez de tentar melhorar aquilo que faz, procura sempre destruir o que os outros estão tentando fazer. A história seguinte é baseada num conto de Sílvio Paulo Albino:

 

         Certo homem, depois de muitos anos de trabalho e meditação sobre a melhor maneira de atravessar o rio diante de sua casa, construiu uma pinguela sobre ele. Acontece que os habitantes da aldeia raramente ousavam atravessá-la por causa de sua precariedade.

         Um belo dia, apareceu por ali um engenheiro. Junto com os habitantes, construíram uma ponte, o que deixou enfurecido o construtor da pinguela. A partir daí, ele começou a dizer, para quem quisesse ouvir, que o engenheiro tinha desrespeitado o seu trabalho.

         - Mas a pinguela ainda está lá! – respondiam os habitantes. – É um monumento aos seus anos de esforço e meditação.

         - Ninguém a usa – o homem, nervoso, insistia.

         - O senhor é um cidadão respeitado, e nós gostamos do senhor. Acontece que, se as pessoas acham a ponte mais bela e mais útil que a pinguela, o que podemos fazer?

         - Ela está cruzando o meu rio!

         - Mas, senhor, apesar de todo o respeito que temos pelo seu trabalho, queríamos dizer que o rio não é seu. Ele pode ser atravessado a pé, por barco, a nado, de qualquer maneira que desejarmos; se as pessoas preferem cruzar a ponte, por que não respeitar o desejo delas?

         “Finalmente, como podemos confiar em alguém que, em vez de tentar melhorar a sua pinguela, passa o tempo todo criticando a ponte?”

 

                   DECEPÇÕES PATERNAS

         Anthony de Mello conta a historia do rabino Abraão, que vivera uma vida exemplar. Quando morreu, foi direto para o paraíso, e os anjos deram-lhe boas vindas com cânticos de louvor.

Mesmo assim, Abraão permanecia distante e aflito, mantendo a cabeça entre as mãos, e recusando-se a ser consolado. Finalmente, foi levado diante do Todo-Poderoso, e escutou uma voz, com infinita ternura, perguntar-lhe:

         - Meu adorado servo, que amargura carregas em teu peito?

         - Sou indigno das homenagens que estou recebendo – respondeu o rabino. – Embora eu fosse considerado um exemplo para o meu povo, devo ter feito algo de muito errado. Meu único filho, a quem dediquei o melhor de meus ensinamentos, tornou-se cristão!

         - Não se preocupe com isso – disse a voz do Todo-Poderoso. – Eu também tive um único filho, e ele fez a mesma coisa!

 

                  O CAMINHO QUE LEVA AO CÉU

         Quando perguntaram ao abade Antonio se o caminho do sacrifício levava ao céu, este respondeu:

         - Existem dois caminhos de sacrifício. O primeiro é o do homem que mortifica a carne, faz penitência, porque acha que estamos condenados. Este homem sente-se culpado, e julga-se indigno de viver feliz. Neste caso, ele não chega a lugar nenhum, porque Deus não habita a culpa.

         “O segundo é o do homem que, embora sabendo que o mundo não é perfeito como todos queríamos, reza, faz penitência, oferece seu tempo e seu trabalho para melhorar o ambiente ao seu redor. Então, ele entende que a palavra sacrifício vem de sacro ofício. Neste caso, a presença divina o ajuda o tempo todo, e ele consegue resultados no Céu.”

 

                   A PINTURA DOS DOIS ANJOS

         No ano de 1476, dois homens conversam no interior de uma igreja medieval. Param por alguns minutos diante de um quadro que mostra dois anjos, de mãos dadas, descendo em direção a uma cidade.

         - Estamos vivendo o terror da peste bubônica – comenta um deles. – Pessoas estão morrendo. Não quero ver imagens de anjos.

         - Esta pintura é sobre a peste – diz o outro. - É uma representação da Lenda Áurea. O anjo vestido de vermelho é Lúcifer, o Maligno. Repara como ele tem, preso ao cinto, um pequeno saco. Ali dentro está a epidemia que tem devastado nossas vidas e as vidas de nossas famílias.

         O homem olha a pintura com cuidado. Realmente, Lúcifer carrega uma pequena sacola. Entretanto, o anjo que o conduz tem uma aparência serena, pacífica, iluminada.

         - Se Lúcifer traz a Peste, quem é este outro que o leva pela mão?

- Este é o anjo do Senhor, o mensageiro do Bem. Sem sua permissão, o Mal jamais poderia se manifestar.

- O que está fazendo, então?

- Mostrando o local onde os homens devem ser purificados por uma tragédia

 

                   CONTINUE NO DESERTO

- Por que o senhor vive no deserto – perguntou o cavaleiro.

- Porque não consigo ser o que sou – respondeu o monge.

- Ninguém consegue. Mas é preciso tentar – insistiu o cavaleiro.

- Impossível. Quando começo a ser eu mesmo, as pessoas me tratam com uma reverência falsa. Quando sou verdadeiro a respeito de minha fé, então elas é que começam a duvidar. Todos acreditam que são mais santos do que eu, mas fingem-se de pecadores com medo de insultar minha solidão. Procuram mostrar o tempo todo que me consideram um santo; e assim se transformam em emissários do demônio, me tentando com o orgulho.

- Seu problema não é tentar ser quem é, mas aceitar os outros como são. Enquanto você não puder respeitar a maneira de os outros agirem, é melhor continuar no deserto – disse o cavaleiro, afastando-se.

 

                   A ILUMINAÇÃO EM SETE DIAS

         Um mestre zen dizia:

         - Buda disse aos seus discípulos: quem se esforça, pode alcançar a iluminação em sete dias. Se não conseguir, com certeza alcançará em sete meses, ou em sete anos.

         Entusiasmado, o jovem perguntou como conseguiria chegar à sabedoria em sete dias.

         - Concentração – foi a resposta.

         O jovem começou a praticar, mas em dez minutos já havia se distraído. Recomeçou, e de novo perdeu a concentração.

         Depois de uma semana, não havia conseguido nada de concreto, mas estava mais atento à sua ansiedade e suas fantasias. Aos poucos, foi se acostumando com a idéia de que o tempo não é tão importante no caminho espiritual.

         Um belo dia, o rapaz decidiu que não era preciso chegar tão rápido à sua meta, já que o caminho estava lhe ensinando muitas coisas.

         E foi neste momento que se tornou um iluminado.

 

                   O PEQUENO SÍTIO E A VACA

         Um filósofo passeava por uma floresta com um discípulo, conversando sobre a importância dos encontros inesperados. Segundo o mestre, tudo o que está diante de nós nos dá uma chance de aprender ou ensinar.

         Neste momento, cruzavam a porteira de um sítio que, embora muito bem localizado, tinha uma aparência miserável.

         - Veja este lugar – comentou o discípulo. – O senhor tem razão. Acabo de aprender que muita gente está no paraíso, mas não se dá conta, e continua a viver em condições miseráveis.

         - Eu disse aprender e ensinar – retrucou o mestre. – Constatar o que acontece não basta. É preciso verificar as causas, pois só entendemos o mundo quando entendemos as causas.

         Bateram à porta, e foram recebidos pelos moradores: um casal e três filhos, com as roupas rasgadas e sujas.

         - O senhor está no meio desta floresta, e não há qualquer comércio nas redondezas – disse o mestre para o pai de família. – Como sobrevivem aqui?

         - E o senhor, calmamente, respondeu:

         - Meu amigo, nós temos uma vaquinha que nos dá vários litros de leite todos os dias. Uma parte desse produto nós vendemos ou trocamos na cidade vizinha por outros gêneros de alimentos; com a outra parte, nós produzimos queijo, coalhada e manteiga para o nosso consumo. E assim vamos sobrevivendo.

         O filósofo agradeceu a informação, contemplou o lugar por uns momentos, e foi embora. No meio do caminho, disse ao discípulo:

         - Pegue a vaquinha, leve-a ao precipício ali em frente, e jogue-a lá em baixo.

         - Mas ela é a única forma de sustento daquela família!

         O filósofo permaneceu mudo. Sem ter outra alternativa, o rapaz fez o que lhe era pedido, e a vaca morreu na queda.

         A cena ficou marcada na memória do discípulo. Depois de muitos anos, quando já era um empresário bem sucedido, resolveu voltar ao mesmo lugar, contar tudo à família, pedir perdão, e ajuda-los financeiramente.

         Qual foi sua surpresa ao ver o local transformado num belo sítio, com árvores floridas, carro na garagem, e algumas crianças brincando no jardim. Ficou desesperado, imaginando que a família humilde tivera de vender o sítio para sobreviver. Apertou o passo, e foi recebido por um caseiro muito simpático.

         - Para onde foi à família que vivia aqui há dez anos? – perguntou.

         - Continuam donos do sítio – foi a resposta.

         Espantado, ele entrou correndo na casa, e o senhor o reconheceu. Perguntou como estava o filósofo, mas o rapaz estava ansioso demais para saber como conseguira melhorar o sítio, e ficar tão bem de vida:

         - Bem, nós tínhamos uma vaca, mas ela caiu no precipício e morreu – disse o senhor. – Então, para sustentar minha família, tive de plantar ervas e legumes. As plantas demoravam a crescer, e comecei a cortar madeira para venda. Ao fazer isto, tive de replantar as árvores, e precisei comprar mudas. Ao comprar mudas, lembrei-me da roupa de meus filhos e pensei que podia, talvez, cultivar algodão. Passei um ano difícil, mas, quando a colheita chegou, eu já estava exportando legumes, algodão e ervas aromáticas. Nunca havia me dado conta de todo o meu potencial aqui. Ainda bem que aquela vaquinha morreu!

 

                   O ALUNO LADRÃO

         Um discípulo do mestre zen Bankei foi pego roubando durante a aula. Todos os outros pediram a expulsão dele, mas Bankei resolveu não fazer nada.

         Dias depois, o aluno voltou a roubar, e o mestre continuou calado. Inconformados, os outros discípulos exigiram que o ladrão fosse punido, já que o mau exemplo não podia continuar.

         - Como vocês são sábios – disse Bankai. – Aprenderam a distinguir o certo do errado, e podem estudar em qualquer outro lugar. Mas este pobre irmão não sabe o que é certo ou errado e só tem a mim para ensiná-lo.

         Os discípulos nunca mais duvidaram da sabedoria e da generosidade de Bankei, e o

ladrão nunca mais tornou a roubar.

A cidade do outro lado

 

         Um eremita do mosteiro de Sceta se aproximou do abade Teodoro:

         - Sei exatamente qual o objetivo da vida. Sei o que Deus pede ao homem, e conheço a melhor maneira de servi-lo. E, mesmo assim, sou incapaz de fazer aquilo tudo que devia estar fazendo para servir ao Senhor.

         O abade Teodoro ficou um longo tempo em silêncio. Finalmente, disse:

         - Você sabe que existe uma cidade do outro lado do oceano. Mas ainda não encontrou o navio, não colocou sua bagagem a bordo, e não cruzou o mar. Por que ficar comentando como ela é, ou como devemos caminhar por suas ruas?

         “Saber o objetivo da vida, ou conhecer a melhor maneira de servir ao Senhor, não basta. Coloque em prática o que você está pensando, e o caminho se mostrará por si mesmo”.

 

                   UM RECORTE AO ACASO

         Num vôo de Belgrado para Barcelona, recorto um texto do jornal que estou lendo, e o coloco na maleta de mão. O autor é W. Timothy Gallway:

 

         “Quando plantamos uma roseira, notamos que ela fica dormindo muito tempo no seio da terra, mas ninguém ousa criticá-la, dizendo: ‘Você não tem raízes profundas’ ou ‘falta entusiasmo na sua relação com o campo’. Ao contrário, nós a tratamos com paciência, água, e adubo.”

         “Quando a semente se transforma em muda, não passa pela cabeça de ninguém condena-la como frágil, imatura, incapaz de nos brindar imediatamente com as rosas que estamos esperando. Ao contrário, nos maravilhamos com o processo do nascimento das folhas, seguido dos botões, e, no dia em que as flores aparecem, nosso coração se enche de alegria.”

         “Entretanto, a rosa é a rosa desde o momento em que colocamos a semente na terra até o instante em que, passado seu período de esplendor, termina murchando e morrendo. A cada estágio que atravessa – semente, broto, botão, flor-, expressa o melhor de si.”

         “Também nós, em nosso crescimento e constante mutação, passamos por vários estágios. Vamos aprender a reconhecê-los antes de criticar a lentidão de nossas mudanças.”

 

                   A JANELA E O ESPELHO

         Um jovem muito rico foi encontrar-se com um rabi e lhe pediu um conselho para orientar a vida. Este o conduziu até a janela e perguntou:

         - O que você vê através dos vidros?

         - Vejo homens que vão e vêm, e um cego pedindo esmolas na rua.

         Então, o rabi mostrou-lhe um grande espelho e novamente o interrogou:

         - Olhe neste espelho e diga-me agora o que você vê.

         - Vejo a mim mesmo.

         - E já não vê os outros! Repara que a janela e o espelho são ambos feitos da mesma matéria-prima: o vidro; mas no espelho, porque há uma fina camada de prata colada a vidro, você não vê nele mais do que a tua pessoa. Você deve de se comparar a estas duas espécies de vidro. Quando pobre, via os outros e tinha compaixão por eles. Coberto de prata, rico, vê apenas a sua imagem. Só valerá alguma coisa quando tiver coragem de arrancar o revestimento de prata que tapa os olhos para poder de novo ver e amar os outros.

 

                     O VELHO QUE IMPORTUNAVA

         G.I. Gurdjeff foi uma das mais intrigantes personalidades deste século. Bastante conhecido nos círculos que estudam ocultismo, é ainda ignorado como um importante estudioso da psicologia humana.

         A história a seguir passa-se quando ele, já morando em Paris, criou seu famoso instituto para o desenvolvimento do homem.

         As aulas eram sempre bem concorridas. Mas, entre os alunos, havia um velho – sempre de mau humor – que não parava de criticar o que ali era ensinado. Dizia que Gurdjeff era um charlatão, seus métodos não tinham qualquer base científica, e o fato de considerar-se um mago nada tinha a ver com sua verdadeira condição. Os alunos sentiam-se importunados pela presença daquele velho, mas Gurdjeff parecia não se importar.

         Um belo dia, ele abandonou o grupo. Todos sentiram-se aliviados, achando que, dali por diante, as aulas seriam mais tranqüilas e produtivas. Para surpresa dos alunos, porém, Gurdjeff foi até a casa do homem, e pediu para que voltasse a freqüentar o instituto.

         O velho recusou-se no início, e só aceitou quando lhe foi oferecido um salário para assistir às aulas.

         A história logo espalhou-se. Os estudantes, revoltados, queriam saber como um mestre podia recompensar alguém que não tinha aprendido coisa alguma.

         - Na verdade, eu o estou pagando para que continue a dar suas aulas – foi a resposta.

         - Como? – insistiram os alunos. – Tudo que ele faz vai totalmente contra aquilo que o senhor nos está ensinando!

         - Exatamente – comentou Gurdjeff. – Sem ele por perto, vocês custariam muito a aprender o que é raiva, intolerância, impaciência, falta de compaixão.

         “Entretanto, com este velho servindo de exemplo vivo, mostrando que tais sentimentos tornam a vida de qualquer comunidade um inferno, o aprendizado é muito mais rápido. Vocês me pagam para aprender a viver em harmonia, e eu contratei este homem para ajudar a ensina-los – pelo caminho oposto.”

                    O BOSQUE MOSTRA SUA FORÇA

         Todos os mestres dizem que o tesouro espiritual é uma descoberta solitária. Então, por que estamos juntos? – perguntou um dos discípulos ao mestre sufi Nasrudin.

         - Vocês estão juntos porque um bosque é sempre mais forte que uma árvore solitária – respondeu Nasrudin. – O bosque mantém a umidade do ar, resiste melhor a um furacão, ajuda o solo a ser fértil.

         “Mas o que faz uma árvore forte é a sua raiz. E a raiz de uma planta não pode ajudar outra planta a crescer”.

         “Estar juntos no mesmo propósito, e deixar que cada um cresça à sua maneira – este é o caminho dos que desejam comungar com Deus.”

 

                   UMA HISTÓRIA DE NATAL

         Certo homem, chamado Mogo, costumava olhar o Natal como uma festa sem o menor sentido. Segundo ele, a noite de dois de dezembro era a mais triste do ano, porque várias pessoas se davam conta de quão solitárias eram, ou da pessoa querida que havia morrido aquele ano.

         Mogo era um homem bom. Tinha uma família, procurava ajudar ao próximo, e era honesto nos seus negócios. Entretanto, não podia admitir que as pessoas fossem tão ingênuas a ponto de acreditar que um Deus havia descido à Terra só para consolar os homens. Sendo uma pessoa de princípios, não tinha medo de dizer a todos que o Natal, além de ser mais triste que alegre, também estava baseado numa história irreal – um Deus se transformando em homem.

         Como sempre, na véspera da celebração do nascimento de Cristo, sua esposa e seus filhos se prepararam para ir à igreja. E, como de costume, Mogo resolveu deixa-los ir sozinho, dizendo:

         - Seria hipócrita de minha parte acompanha-los. Estarei aqui esperando a volta de vocês.

         Quando a família saiu, Mogo sentou-se em sua cadeira preferida, acendeu a lareira, e começou a ler os jornais daquele dia. Entretanto, logo foi distraído por um barulho na sua janela, seguido de outro, e mais outro.

         Achando que era alguém jogando bolas de neve, Mogo pegou seu casaco e saiu, na esperança de dar um susto no intruso.

         Assim que abriu a porta, notou um bando de pássaros que haviam perdido seu rumo por causa de uma tempestade, e agora tremiam na neve. Como tinham notado a casa aquecida, tentaram entrar, mas, ao se chocarem contra o vidro, machucaram suas asas, e só poderiam voar de novo quando elas estivessem curadas.

         “Não posso deixar essas criaturas aí fora”, pensou Mogo. “Como ajudá-las”?

         Mogo foi até a porta da sua garagem, abriu-a, e acendeu a luz. Os pássaros, porém, não se moveram.

         “Eles estão com medo”, pensou Mogo.

         Então, tornou a entrar em casa, pegou alguns miolos de pão, e fez uma trilha até a garagem aquecida. Mas a estratégia não deu resultado.

         Mogo abriu os braços, tentou conduzi-los com gritos carinhosos, empurrou delicadamente um e outro, mas os pássaros ficaram mais nervosos ainda – começaram a se debater, andando sem direção pela neve e gastando inutilmente o pouco de força que ainda possuíam.

         Mogo já não sabia mais o que fazer.

         - Vocês devem estar me achando uma criatura aterradora – disse, em voz alta. – Será que não entendem que podem confiar em mim?

         Desesperado, gritou:

         - Se eu tivesse, neste momento, uma chance de me transformar em pássaro só por alguns minutos, vocês veriam que eu estou realmente querendo salva-los!    

         Neste momento, o sino da igreja tocou, anunciando a meia-noite. Um dos pássaros transformou-se em anjo, e perguntou a Mogo:

         - Agora você entende por que Deus precisava transformar-se em homem?

         Com os olhos cheios de lágrimas, ajoelhando-se na neve, Mogo respondeu:

         - Perdoai-me, anjo. Agora eu entendo que só podemos confiar naqueles que se parecem conosco e passam pelas mesmas coisas pelas quais nós passamos.

 

                                                                                Paulo Coelho  

 

                      

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