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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A COBRA E A CONCUBINA / Bonnie Vanak
A COBRA E A CONCUBINA / Bonnie Vanak

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Badra se refugiou no deserto do Saara, mas não há como escapar do xeque que roubou sua infância. O vilão acendeu uma paixão nos homens que significou apenas dor e nem sua morte ou a proteção de seus salvadores, os Khamsin, mudou isso.

Badra não pôde esquecer como os olhos de safira de um Khamsin queimam. Kenneth Tristan, herdeiro do Duque de Caldwell, andava com os Khamsin desde o massacre de sua família inglesa. Conhecido como Khepri, a Cobra, foi criado no Egito.

Ele amava esta terra, toda a areia ao vento, mas nada era completo, pois não podia tocar a mulher que ama, não pode salvá-la do passado. Mas vai sacrificar tudo por ela. E até que chegue esse momento seriam apenas... A Cobra e a concubina...

“Ele a contemplou sob a brilhante luz da lua. A lua. Sua xará. Gesticulou para o céu.

— A beleza da lua cheia empalidece ao lado da tua, Badra.

Um nervosismo carregado de um ansioso desejo retornou a ela enquanto olhava a ‘teia de aranha’ de estrelas que reluzia no céu noturno.

— Nada é tão encantador como as estrelas. Fazem me sentir como se as pudesse tocar. Como umas gemas brilhantes que vi uma vez no Cairo.

— Você é mais formosa que todas as estrelas do céu do Egito.

Sua voz rouca era como o veludo quente. Khepri a pegou ligeiramente pelos ombros. O calor emanava dele, era como o dos carvões acesos da fogueira do acampamento.

— Jabari me liberou de meu voto para não te tocar. Você… quer que a beije? — Perguntou ele brandamente. — Badra?

Sim, gemeu seu coração.”

 

 

 

 

Deserto Oriental do Egito, 1889

‘Alguém, por favor, me ajude.’

A súplica silenciosa varreu a mente de Badra em um cântico frenético. Tremia atrás da grande rocha de pedra calcária, fora das calorosas tendas negras de pêlo de cabra. Os sons da batalha rugiam: os gritos de homens agonizantes, os gritos triunfantes de guerra de seus inimigos que ganhavam a fortaleza. As duas tribos mais violentas do deserto, o Al-Hajid do Egito e os Guerreiros do Vento Khamsin, lutando uns contra outros em uma feroz batalha.

Aparecendo ao redor da pedra, Farah, a amiga de Badra, olhou. O sol caía sem piedade sobre ambas. O vento ia à deriva através da areia escura, agitando o comprido cabelo negro de Farah. Tinha vinte anos, era mais velha que Badra cinco anos, tanto em experiência como em sabedoria. Era ela quem tinha impulsionado esta fuga.

Farah virou-se, seu rosto ruborizado pela urgência.

— Os Khamsin partem de nosso acampamento! Agora é o momento.

Os pés de Badra permaneceram congelados na areia. Tinham escapado da tenda do harém em meio a confusão e tinham saído do acampamento. Elas ainda corriam, o Sheik Fareeq as encontraria.

— Você é minha escrava, Badra — tinha grunhido ele. — Embora você escape até o Sinai, a encontrarei. Não deixo os escravos livres. Jamais.

A voz de Farah devolveu Badra ao presente.

— Por favor, fujamos — suplicou.

Em algum lugar, profundamente dentro dela, Badra encontrou uma diminuta parte de força e a utilizou. Farah e ela saíram correndo das rochas que as protegiam.

O caos se instalou, um impreciso movimento de rápidos e lustrosos cavalos árabes. Os Khamsin tinham recuperado seu amado garanhão reprodutor. O formoso cavalo branco foi amarrado aos arreios do Sheik dos Khamsin que agora cavalgava voltando para o seu lar.

Farah não vacilou. Imediatamente se lançou atrás dele, agarrando a mão de Badra e gritando para que ele se detivesse.

O Sheik dos Khamsin freou seus arreios com um movimento de perito, as fossas nasais da égua flamejaram. Ele tinha uma figura magnífica. Um véu de cor anil cobria a parte inferior de seu rosto, protegendo seus traços. Se inclinou para frente e seus olhos escuros brilharam com fúria, até que Farah pôs uma mão sobre sua coxa coberta por uma calça.

— Por favor — rogou ela, com voz frenética, — pertencemos ao Sheik Fareeq. Por favor, rogo-lhe senhor, nos leve com você como suas concubinas. Sei que você é Jabari bin Tarik Hassid, o Sheik dos Khamsin. Ouvi que é um líder justo e honrado.

Badra levantou seus olhos com esperança, suplicando silenciosamente ao homem. As palavras fugiram. Não podia falar. Os olhos do líder se enrugaram, fazendo uma careta, dois guerreiros, um baixo, mas com uma poderosa constituição, e outro mais alto e mais magro, a apanharam com eficácia entre o Sheik e seus cavalos. Três caras veladas olharam fixamente para baixo com uma ameaça oculta. Badra começou a tremer violentamente, se perguntando se tinha escapado de um horror familiar para um ainda desconhecido.

— Senhor, por que tarda? — Perguntou o guerreiro mais musculoso.

— Estas mulheres, Nazim. Pedem proteção como minhas concubinas.

Nazim se inclinou sobre sua égua e deu uma olhada superficial às mulheres.

— Então ofereça, vaiou. — Mas nos apressemos!

Jabari olhou para baixo, para Badra, depois para Farah, logo depois de maneira inquiridora ao terceiro guerreiro.

— Khepri, irmão, o que opina? É uma armadilha, ou devo tomá-las sob meu cuidado?

— Poderia fazer delas suas concubinas — respondeu divertido o guerreiro alto e magro. — Possivelmente se elas o mantiverem bastante ocupado na cama, estará menos inclinado a cavalgar em busca de problemas.

— Cuida de sua língua, senão, talvez eu a corte — grunhiu Jabari, mas a Badra pareceu que havia riso em sua voz. — Muito bem — disse às mulheres. — Lhes oferecerei refúgio em minha casa.

O Sheik dos Khamsin olhou fixamente para Farah e cabeceou. Se inclinou e a acomodou na sua sela.

— Khepri, toma à pequena — instruiu. — Confio em que a mantenha segura para mim.

— Vem pequena — a chamou o guerreiro chamado Khepri.

Badra não podia se mover; estava muito aterrorizada. A partida constituíra o ato mais valente que tinha empreendido desde que tinha sido vendida a Fareeq fazia quatro anos quando tinha onze.

O pó se elevou em uma nuvem espessa quando os outros cavalgaram se afastando. Khepri lhe fez gestos, seu véu azul ocultava tudo exceto seus olhos.

Ante sua contínua vacilação, o guerreiro olhou sobre seu ombro. Gritos distantes, zangados encheram o ar com sons de homens se reunindo. Os Al-Hajid se recuperariam e logo cavalgariam em sua perseguição. Ele deslizou de sua égua com um movimento cheio de graça e se aproximou dela, lhe oferecendo sua mão. Badra arrastou seu olhar fixo e assustado até encontrá-lo, logo retrocedeu. Ele tinha o mesmo tom bronzeado que aqueles homens familiares, mas seus olhos eram de um feroz azul, como o céu egípcio.

O homem arrancou seu véu, revelando traços que cortaram o fôlego de seus pulmões. Badra o olhou fixamente, aterrada. Bochechas afiladas, esculpidas, uma mandíbula forte e um queixo escuro e barbudo que o faziam parecer violento, mas lhe ofereceu uma risada aprazível e seu tom era calmante e baixo.

— Sou Khepri bin Tarik Hassid, irmão do Sheik. Não tenha medo, pequena. Está a salvo comigo. — Aqueles olhos incrivelmente azuis de repente arderam com travessura. — Te asseguro que Jabari é um homem considerado. Se tiver algum problema, o castigarei severamente. — Ele piscou os olhos.

Fosse uma piada ou modos gentis, algo neste homem a puxou. Badra assentiu. Ele a elevou facilmente sobre sua sela de montar e depois se acomodou atrás dela, a embalando com seu corpo firme, quente. Outro tremor passou através dela, desta vez não de medo, mas sim de uma intensidade mais profunda.

Cavalgaram rapidamente por caminhos difíceis e profundos do deserto, finalmente, se encontraram com outros; cavalgaram quase sem parar, fazendo só as curtas paradas requeridas pelos cavalos. Badra não falou. Durante os períodos de descanso, alguns guerreiros Khamsin lhe lançaram olhadas penetrantes, que foram seguidos de comentários ardilosos.

— Fareeq roubou nosso garanhão de reprodução, assim, nosso Sheik se deitará com suas concubinas, como vingança. Jabari demonstrará que é o líder viril que Fareeq não é — comentou um homem.

Dando a Badra uma pele de cabra cheia de água, Khepri franziu o cenho.

— Devem falar ao redor destas mulheres como se elas não existissem? Tem tantas palavras como uma tormenta tem areia Hassan, mas uma tempestade de areia é muito mais agradável para os ouvidos.

Um pânico agudo se apoderou de Badra quando todos os homens riram. O Sheik dos Khamsin a levaria para sua cama imediatamente, para provar-se ante seus guerreiros. Ele também a trataria brutalmente? Encontrou-se aterrorizada enquanto cavalgava.

Quando alcançaram o acampamento Khamsin, Badra olhou ao redor com os olhos muito abertos pela curiosidade. Mulheres vestidas com túnicas azuis a olhavam curiosamente. Farah se aproximou, lhe oferecendo uma risada alentadora. Khepri as escoltou a uma tenda de bastante autoridade. Uma mulher de meia idade que se apresentou como Asriyah, a tia do Sheik, lhes deu as boas-vindas. Deram a Badra água para se lavar, uma muda de roupa e lhe mostraram uma suave cama. Dormiu assim que seu corpo tocou o colchão.

No dia seguinte, despertou confusa e com medo. Jogou uma olhada ao redor, a mesa baixa de sândalo perto de sua cama, aos ricos tapetes, espessos, o jogo de esculturas elegantes sobre um formoso cofre de madeira. Logo recordou. O acampamento Khamsin. Tinha um novo amo. Tocou os lençóis de algodão com a mão tremula. Apesar da segurança que Khepri lhe tinha dado ontem à noite, Badra não podia acreditar que estivesse a salvo.

Inclusive se Jabari fosse amável, Fareeq viria por ela. Era uma de suas favoritas. O único momento em que tinha evitado sua atenção era enquanto estava grávida. Fareeq não tinha filhos e estava desesperado por ter um, logo tinha quebrado o pacto secreto entre suas concubinas para se assegurar que ele permaneceria sem meninos; tinha deixado de tomar as ervas que acautelavam a concepção. Recordando sua gravidez difícil e seu parto que começou duas semanas antes do tempo, Badra engoliu o nó em sua garganta. Sua pequena menina. Tinha sustentado a menina em seus braços e se maravilhou da vida diminuta, preciosa. Logo a levaram quando Badra caiu em um sono esgotado. Quando despertou, soube que Jazmine tinha sido muito pequena e tinha morrido. Mal tinha se recuperado quando Fareeq começou a violá-la e açoitá-la uma vez mais…

Badra agarrou o lençol quando a porta de seu aposento se levantou. Farah entrou sorrindo, felizmente.

— O Sheik me tomou em sua cama! É um amante maravilhoso e me deu um prazer que nunca imaginei. É solteiro. Possivelmente se case comigo — disse Farah.

Sua amiga possuía uma graça sinuosa. Como outras mulheres de Fareeq, tinha evitado o chicote, usando suas artimanhas, artimanhas que, eventualmente, tinha ensinado a Badra, para diminuir o abuso de Fareeq. Um olhar sábio encheu seus olhos escuros.

— Ele a chamará logo. É bastante viril, único.

Badra se estremeceu, recordando todas as noites que Fareeq a visitava, o modo rude dele dentro dela até que gritava. Os homens não entregavam prazer. Só dor.

A expressão de Farah se suavizou.

— Deve ir Badra, não o zangue. Quer voltar para Fareeq?

O medo se retorceu como uma serpente asquerosa pela coluna da Badra. Como poderia agüentar compartilhar a cama de seu novo amo? Mas não tinha escolha. Sua boca secou.

Farah saiu, com uma expressão sonhadora em sua cara. Asriyah a substituiu.

— Me disseram que a chamam, Badra — disse a tia do Sheik. — Fui instruída para te levar a tenda de Jabari assim que esteja preparada para ele. Se apresse — disse a mulher.

Badra se lavou, vestiu e se submeteu ao toque aprazível da mulher enquanto ela escovava seu cabelo.

— É bastante formosa — comentou Asriyah. — Meu sobrinho estará agradado.

Badra se esticou, pensando nos horrores que viriam.

A tia do Sheik a escoltou a uma tenda maior. Badra tirou suas sandálias. Aspirando profundamente ela entrou no quarto principal da tenda, seus pés pisando silenciosamente sobre um espesso tapete de tons brilhantes. O vento soprou brandamente pelo recinto, por entre as lapelas parcialmente enroladas. Jabari estava sentado com as pernas cruzadas no chão ao lado do guerreiro que tinha ouvido chamar de Nazim. Os homens comiam tâmaras de uma tigela no chão, falavam e riam. Badra estudou a seu novo amo com cuidado. Era muito mais jovem do que tinha pensado, tinha vinte e poucos anos. Bastante atraente e alto, com o cabelo comprido negro transbordando de seu turbante cor anil. Ela rezou para que os olhos de ébano mostrassem bondade, um pouco do calor que ela tinha vislumbrado ontem.

Jabari olhou para cima. Um sorriso tranqüilizador apareceu em sua boca. Suas maneiras pareciam aprazíveis.

— Nazim — disse ele com voz rouca. — Nos deixe.

O guerreiro lançou um sorriso zombador a seu Sheik, uma piscada e partiu. Badra tremeu. Jabari a convidou a se sentar e lhe ofereceu uma tâmara. Ela tomou uma enquanto ele falava. Sua voz era profunda e calmante, mas ela ouviu pouco. O suor gotejou abaixo por suas costas. Seu estômago se revolveu quando ele revelou seu corpo musculoso e parou.

— Vem — disse ele, oferecendo sua mão.

O Sheik a conduziu a um quarto traseiro. Uma cama imensa estava apoiada perto de uma parede da tenda. Sabia o que ele queria. Seu coração fez um ruído surdo.

— Se dispa para mim — ordenou ele brandamente.

O suor umedeceu suas palmas. Badra mordeu o lábio, cheia de repulsa. Mas se não obedecesse, este homem poderia açoitá-la como Fareeq fazia. Os amplos e musculosos ombros do Sheik insinuavam que poderia dirigir um chicote com mais força que Fareeq. Se sentiu desamparada.

Seus dedos trêmulos tiraram seu kuftan índigo e tirou a ampla camisa interior kamis, fora da calça. Nua, ficou em pé diante de Jabari, mostrando o que Fareeq tinha cobiçado desde que a viu no Palácio do Prazer, o bordel para onde seus pais a tinham vendido. A mandíbula do Sheik caiu.

— Por Alá — disse com voz rouca. — É encantadora.

Ela odiou isso. Odiou a si mesma. Badra tentou reprimir o horror que o brilho luxurioso em seus olhos escuros provocou nela. Ele pôs uma palma sobre seu peito.

Não! Não outra vez! Ela não poderia. Aterrorizada, se afastou de um puxão. Não havia para onde correr. Se sentiu apanhada. O instinto a conduziu para um canto da tenda. Se enrolou sobre o tapete, se agachando em frente a parede. Envolveu seus braços ao seu redor para se proteger.

Talvez se enroscando muito forte e não fazendo nenhum ruído, ele a deixasse sozinha. Tremores violentos a atormentaram.

— Badra, o que acontece? O que faz? — A perplexidade encheu a voz do Sheik.

Badra se arrastou mais para o canto. Se sentiu humilhada e envergonhada. Mas não podia se deter.

— Não tenha medo — disse ele.

O ar acariciou sua pele nua quando ele levantou seu cabelo. Uma mão morna se assentou de repente sobre suas costas expostas, sobre a mais profunda das cicatrizes esculpidas ali. Ela estremeceu. Badra meteu um punho na boca para sufocar um grito.

Não fez ruído. O ruído significava que ele a golpearia mais forte.

— Por Alá — disse o Sheik com voz sobressaltada. — Aquele chacal gordo e bastardo, o que fez a suas costas?

Badra choramingou.

— Por favor, Badra, sai. Não te farei mal.

Mentiras. Sempre mentiras. Certamente você diz que não me fará mal. Logo o fará. OH, por favor, não me toque. Não posso suportar.

As palavras de Jabari se converteram em um zumbido em seus ouvidos. Deu uma olhada a ele e viu que lhe oferecia sua roupa. Outro truque. Ele ofereceria para que se cobrisse e logo a arrancaria. E a golpearia. E riria.

Finalmente o Sheik se levantou. O ouviu partir. Uns minutos mais tarde, ele voltou e ela ouviu a voz de Farah.

— Ela não me dirá uma palavra. O que fez esse bastardo a essa pobre moça? — disse Jabari.

— Badra não falou com ninguém em meses. Era a favorita de nosso amo. Ele desfrutava… a açoitando.

Farah se agachou. Badra lhe deu uma olhada.

— Badra, pare antes que o Sheik se zangue — suplicou sua amiga. — Ele é um amante experiente, muito mais que nosso antigo amo. Bom, o membro do Sheik Khamsin é muito maior que o de nosso antigo amo. Como os altos obeliscos do Egito é...

— Obrigado — disse o Sheik secamente. — Pode partir agora. Chame Nazim.

Ele levou Farah à seção principal da tenda. Badra ouviu os passos de um homem e uma voz profunda, alegre.

— Necessita minha ajuda, meu senhor? Assessoramento? Eu tinha pensado que não necessitaria instruções neste caso.

— Deixa de brincar, Nazim. Badra correu para o canto e não sairá. Farah tentou tranqüilizá-la dizendo que meu membro é tão grande como os obeliscos do Egito.

— OH, muito tranqüilizador. E não verdadeiro. — Nazim riu em silêncio.

— A moça está aterrorizada. Fareeq a açoitou. Vem ver se pode utilizar seu famoso encanto para vesti-la e fazê-la sair.

Badra os ouviu entrar na câmara. Manteve seus olhos fechados. Se Jabari a queria, teria que obrigá-la. Nenhuma palavra a moveria da frágil segurança do canto.

— Olha como treme a pobre moça. Eu deveria enterrar minha adaga nesse bastardo do Fareeq pelo que lhe tem feito — disse Nazim.

Abrindo um olho, Badra viu o homem se inclinar, o ouviu murmurar algo calmante. A compaixão brilhou em seus estranhos olhos da cor do uísque, mas sabia que as olhadas podiam enganar. Ele tocou seu braço nu.

Ela chiou e se apertou mais longe no canto.

Um suspiro pesado saiu de Nazim.

— Tem muito medo, Jabari. Aconselho que você seja aprazível com ela. Dê-lhe tempo.

Ela o ouviu sair, logo o Sheik foi se sentar perto.

— Vejo que estamos em um beco sem saída, Badra. — disse Jabari silenciosamente. — Mas sou um homem paciente, e esperarei que saia. Tanto tempo quanto for necessário.

 

Duas horas. O que Jabari fazia com ela?

Ele tinha contado cada minuto desde que o Sheik tomou a nova moça, Badra, em sua tenda. Finalmente, Khepri não pôde suportar mais. Ele estava parado perto dos aposentos de Jabari, fazendo novos arreios para o asno de um granjeiro. Irritado, olhou com o cenho franzido a dois guerreiros que intercambiavam maliciosos sorrisos e jogavam uma olhada a tenda do Sheik. Seguiram comentários obscenos sobre o vigor sexual de Jabari, nem todos eles positivos. Jabari ainda tinha que se por a prova. Tinha só vinte e três anos e tinha assumido o comando fazia só dois meses. Colocar as concubinas de Fareeq em seu leito ganharia o respeito dos guerreiros.

— Duas horas! Nosso Sheik é um homem forte — disse um.

Khepri fez uma careta. Vendo-o o outro guerreiro riu. Disse ao primeiro:

— Olhe, seu irmão já pensa em como ultrapassá-lo. Sempre decidido a ser o melhor. Soube que os pais encerram suas filhas quando Khepri visita o povo. Viram como suas amantes não podem andar direito durante dias depois de estar com ele. Possivelmente, nosso Sheik fará o mesmo com sua nova concubina.

O estômago de Khepri revolveu. A pequena concubina chamada Badra tinha parecido aterrorizada. Seus olhos escuros tinham pedido sua ajuda. A compaixão e um desconhecido sentimento protetor o golpearam. Ele também tinha tremido de medo quando chegou a Khamsin, os gritos de morte de seus pais ainda ressoavam em seus ouvidos.

Para cobrir sua agitação e qualquer ruído de emparelhamento dentro da tenda do Sheik, começou a cantar. Tentou não pensar em Jabari no leito com Badra. Ela pertencia ao Sheik e ele era um insensato por cobiçá-la. Mas não podia deter os ciúmes que o cravavam como uma agulha de cacto.

Seus músculos doíam. Badra não se atreveu a se mover. O Sheik estudava um montão de papéis. Seu corpo doía por se apinhar em uma posição por tanto tempo. Mas assim estava segura.

Um ruído horrível soou do lado de fora. Soava como alguém... o que… cantava? De algum modo, Badra compreendeu que era o homem com quem tinha cavalgado. Era Khepri. Ele estava gritando pior que um zurro de asno. Para confirmar seus pensamentos, um asno zurrou. Seus lábios se curvaram com uma alegria repentina.

— Ele soa como um peido de camelo — murmurou Jabari.

O guerreiro cantou mais forte. O asno fez um ruído inconfundivelmente grosseiro. Badra sufocou uma risada.

— Besta obstinada! Sou o guerreiro mais feroz do Egito. Não tem nenhum respeito? — gritou Khepri. Sua frustração era evidente.

Desta vez, Badra deixou escapar uma risada tola. Jabari a olhou.

— Ele te faz rir, não é?

Ela não pôde afogar uma pequena risada.

— Badra, se você gostar de Khepri, eu posso trazê-lo aqui. Eu, realmente, desfrutaria te ver rir outra vez. Gostaria disso?

Ela mordeu o lábio, considerando. Khepri parecia aprazível e protetor. Mais seguro que o Sheik. Sua mente trabalhou desesperadamente. O Sheik parecia um homem orgulhoso. Não a abordaria diante de Khepri. Ela assentiu.

— Se o trouxer aqui, deve se vestir e sair do canto.

Badra vacilou, olhando fixamente a roupa que o Sheik sustentava em suas mãos estendidas. Era um truque? Sua expressão era alentadora. Arrebatou-lhe o kuftan.

Seus músculos gritaram em protesto quando se levantou. Notava suas pernas cambaleantes, mas cautelosamente seguiu Jabari ao quarto principal da tenda. O Sheik foi para a porta da tenda.

— Khepri, entra aqui imediatamente. Seus ruídos podem ser ouvidos até no Sinaí.

Logo Jabari se virou. A risada relaxou as linhas severas de seus traços. Possivelmente, não era uma besta, pensou Badra.

O guerreiro Khamsin convocado entrou penosamente, parecendo triste.

— Peça perdão a minha concubina por sua grosseria — ordenou Jabari. — Seu canto danificou seus ouvidos. É pior que escutar os peidos de um asno.

Khepri franziu o cenho, logo viu que o xeque sorria zombador. Ofereceu a Badra uma risada encantadora.

— Peço perdão pelos ruídos que ouviu, mas o asno é o grosseiro. Ele não acredita na arte de minha voz, assim, me graceja... como meu irmão. — disse, lhe piscando um olho.

Um pequeno riso lhe escapou.

— Zomba de minha dor — a gracejou. — Mas asseguro que Jabari não canta melhor. Peço a ele que lhe demonstre isso?

— Não peça ao cantor o canto até que ele deseje cantar por si mesmo — grasnou ela, recordando um antigo provérbio árabe.

As palavras, as primeiras que havia dito desde que perdeu o seu bebê e toda esperança, a tinham impressionado. Sua voz parecia quebrada e seca. A mandíbula de Jabari caiu. Khepri riu.

A apreensão deslizou por ela. Compreendeu que o Sheik tinha retrocedido, lhe dando um necessário espaço. Quando ele disse a Khepri que saísse e chamasse Nazim, enrolando completamente as lapelas da tenda para expor o quarto ao ar exterior, ela já não sentiu medo. Ele não fez nenhum movimento para tocá-la, mas falou brandamente.

— Badra, eu não posso mudar o passado e o que Fareeq te fez. Mas prometo, que sob meus cuidados não acontecerá outra vez.

Nazim apareceu, sorrindo de prazer ao vê-la. O Sheik lhe ordenou com gestos tanto a ele como a Badra para se sentarem sobre o tapete perto dos arreios de camelo empilhados, longe dos ouvidos que pudessem escutar. Ela obedeceu cautelosamente.

— Nazim, eu não posso fazê-la minha concubina. Não o fiz e não a levarei a cama, vendo o que Fareeq lhe fez. Farah, oh, vai me manter bastante ocupado.

Nazim o olhou preocupado.

— Senhor, os homens acreditam que está agradado com ela, já que está aqui há duas horas.

Jabari franziu o cenho.

— Vejo que contava os minutos.

— Todos os homens o fizeram — disse Nazim. — A tribo inteira fala de suas… assombrosas habilidades. Se não a tiver como sua concubina, irá envergonhá-la. — Mas seu olhar disse o que as palavras não fizeram: Você se envergonhará.

Um suspiro frustrado escapou do Sheik. Ele a estudou.

— Então, Badra, a chamarei de minha concubina, mas só de nome. Não compartilhará minha cama. Está sob meu amparo. Entende? Já não pertence mais a Fareeq.

— Se equivoca — ela respondeu em um sussurro quebrado.

— Sempre pertencerei a Fareeq. Ele nunca deixará de me buscar. Você e seus homens estão em grave perigo.

Nazim pôs uma mão sobre o punho de sua cimitarra e falou.

— Me escute, Badra. Por muito tempo fomos inimigos dos Al-Hajid. Eles nunca nos derrotaram em batalha, nem o farão. Prometo-lhe isso assim como cada guerreiro nesta tribo.

— Você não pode evitar que venha por mim — insistiu ela.

— Então te darei um guerreiro forte para que a proteja, para proteger seus passos até que se sinta segura — Jabari assegurou. — Khepri conduz meu ‘saqrs’, é meu Falcão Guardião. Meu guarda-costas. O designo como seu protetor. Aonde vá, permanecerá com você. Ele é um guerreiro valente. Confio nele absolutamente e você deveria fazê-lo. Já não é mais escrava de Fareeq.

— Fareeq nunca a golpeará outra vez — somou Nazim. Seus olhos cor de âmbar a olhavam com compaixão.

A vergonha dominou Badra. Todos os membros da tribo a olhariam do mesmo modo? Ela não poderia suportar se soubessem de seu escuro segredo.

— Por favor, não o diga a mais ninguém … o que Fareeq me fez. Eu rogo — ela suplicou .

— Devo dizer a Khepri, deve conhecer seu passado e quão importante é te proteger — disse o xeque.

— Não — ela gritou. — Por favor, eu imploro. Não posso suportá-lo.

Ela não poderia suportar a vergonha se alguém mais soubesse. Eles sentiriam repulsa por ela. Eles iriam culpá-la.

Jabari suspirou.

— Como desejar. Permanecerá dentro das paredes desta tenda. — Ele se virou para Nazim. — Chama Khepri.

Quando Nazim se afastou, Jabari se inclinou.

— Badra, deve aceitar Khepri como seu protetor, deve confiar em mim. Confiará em mim? Ou ao menos tentará?

— Tentarei — sussurrou.

Khepri tinha parecido amável.

Uma torrente de emoções selvagens a alagou quando o jovem guerreiro voltou. Seus alegres olhos azuis cintilavam com simpatia enquanto a olhava. Ela tentou rir. Sentia sua cara gretada em duas, mas o obteve.

A expressão não escapou à atenção de Jabari. Um olhar satisfeito passou sobre ele.

— Não esteja consternada por seu jovem aspecto. Khepri tem só dezenove anos, é impetuoso e imprudente, mas é um guerreiro valente e feroz.

— Ser impetuoso é um traço compartilhado nesta família —respondeu Khepri, sorrindo impertinente. — A diferença é ser o melhor guerreiro.

Nazim o aplaudiu em um gesto amistoso.

— Cuida de suas maneiras, jovem. Não faça afirmações que não possa defender.

— OH, o guardião de meu irmão se ofende comigo por dizer que Jabari é melhor guerreiro que ele. Peço desculpas por dizer a verdade — disse Khepri com tom zombador.

— Já é suficiente! — ordenou Jabari, uma risada carinhosa tocou sua boca. Badra relaxou ainda mais, vendo a camaradagem entre o trio.

O Sheik se tornou sério.

— O chamei aqui para te confiar e atribuir um dever muito especial. Não levei Badra para a cama e não vou fazê-lo. Mas esta informação permanecerá dentro das paredes desta tenda. Ela seguirá sendo reconhecida como minha concubina.

— Não o fez? Por quê? É formosa — soltou Khepri.

Jabari lançou a ele um olhar severo que indicava que não era assunto dele, mas o cenho perplexo do guerreiro indicava que ainda queria uma resposta. O olhar frenético de Badra procurou o Sheik.

— Ela é muito jovem e frágil — disse Jabari com cuidado. —Diferente de meu inimigo, sou mais considerado com as mulheres que levo para minha cama. Mas já que a tribo inteira parece pensar que já a tomei, é melhor que siga sendo minha concubina.

Jogou um olhar conhecedor a Badra. A tensão fluiu de seu corpo. O Sheik tinha dito a verdade sem revelar seu segredo. Sim, possivelmente poderia confiar nesse homem.

Surpresa e alívio se notavam nos amplos olhos do jovem Khepri.

— Certamente — ele disse solenemente. — O que quer de mim?

— Badra será sua responsabilidade desde este momento em diante. É atribuído exclusivamente para ser seu Guardião Falcão e a proteger de todo dano. Necessito de um guerreiro em quem possa confiar, já que ela é muito formosa e muitos homens a cobiçarão. Não permitirá que nenhum homem a toque. — O Sheik fez uma pausa e lhe lançou um intenso olhar. — Nenhum homem, incluindo você. Te dou esta honra porque sei que cairia sobre sua cimitarra para defender sua honra e sua vida. Compreende?

Um olhar de reservado orgulho se assentou sobre Khepri quando compreendeu, colocando uma mão sobre o punho de sua espada.

— Sim, meu senhor — ele declarou. — Defenderei a honra de Badra e sua vida até a morte.

— Como seu totem, a cobra, sempre poderá golpear aos seus inimigos com tanta ferocidade como golpeou aos meus — disse Jabari em tom formal.

Suas palavras cerimoniosas deveriam tê-la tranqüilizado, mas não o fizeram. Badra conhecia Fareeq. Viria procurá-la. E quando o fizesse, muito sangue se derramaria. Incluído o seu.

 

A noite se assentou sobre o acampamento Khamsin como um suspiro suave do vento do deserto. Badra se deitou. Asriyah tinha deixado um pequeno abajur de azeite aceso, mas nem sequer essa luz deu um pouco de paz as sombras em sua mente, os tremores diminuíram, mas ainda batiam sobre ela.

Sabia que ele viria. Khepri a tinha tranqüilizado lhe dizendo que Fareeq não a reclamaria mais, mas conhecia a resolução de Fareeq, sua inapetência em abandonar algo que lhe pertencia. Se ele não podia tê-la, iria matá-la. Certamente, a morte seria uma bem-vinda liberação aos sofrimentos bárbaros que tinha agüentado. Quase choraria com alegria ante a mordida fria de uma espada.

O ar da noite se assentou ao redor dela com uma frieza que se afundou em seus ossos. Sentiu, o sentia no ar, tão espesso e ameaçador como uma nuvem escura de fogo: ele vinha por ela.

Os gritos encheram o ar, junto com o som de cascos sobre a areia dura. Se sentando muito erguida, Badra tremeu violentamente. A porta tecida de sua câmara se fez a um lado e Khepri entrou, agarrando sua cimitarra. Ele se abaixou e lhe fez gestos. Se levantou da cama, sua camisola se aderindo quando correu para ele.

— O Al-Hajid nos assaltam em represália. Jabari esperava isto e devo permanecer a seu lado. Não tema, pequena. A protegerei.

Badra se balançou para frente e para trás, com lágrimas correndo por suas bochechas.

— Fareeq é poderoso. Sua gente morrerá.

Uma risada arrogante tocou sua boca quando Khepri sustentou sua cimitarra larga, curva no alto.

— Ao que parece nunca viu os guerreiros Khamsin em batalha.

Ele tinha terminado de falar quando uma faca cortou as paredes da tenda. Badra gritou quando dois guerreiros Al-Hajid entraram, espadas no alto, com os olhos brilhando com crueldade.

Khepri cobriu o rosto com o extremo de seu turbante cor anil. Tocou com o punho de sua espada seu coração e logo seus lábios, logo gorjeou um grito comprido, ondulante que Badra sabia era o grito Khamsin de guerra. Ele deu um passo adiante, a protegendo com seu musculoso corpo e cortando o ar com sua cimitarra.

— Diga a esse asqueroso cão do deserto, Fareeq, que Badra já não é dele. Ela é Khamsin agora. Sou a Cobra, seu Falcão Guardião, e verterei a última gota de meu sangue antes que vocês, chacais, ponham uma mão sobre ela.

— Melhor para nós — riram de uma vez.

— Veremos — respondeu Khepri com calma, se lançando para frente.

Badra se encolheu quando ele sem esforço se bateu a duelo com os dois guerreiros. Os sons ásperos de metal contra metal soaram em seus ouvidos. Gritos soavam fora da tenda enquanto outros Khamsin combatiam aos assaltantes. Se encolheu para trás e fechou seus olhos.

O silêncio caiu de repente. Ela abriu seus olhos. Khepri se virou, com um olhar de selvagem satisfação. Seus inimigos estavam mortos. Ele olhou fixamente para fora da tenda.

— O resto está fugindo, covardes. — Limpou sua espada nas roupas de seus inimigos, logo embainhou. Girou, olhando de um modo tranqüilizador e aprazível. — Está a salvo agora, Badra. Nenhum homem te causará dano.

Badra olhou para os mortos que estavam sobre o tapete e não sentiu nenhuma tranqüilidade. Fareeq não se deteria. Uma tentativa não era o bastante. Outros viriam por ela, para devolvê-la a negra tenda da dor. Tinha permitido que um pouco de esperança entrasse em sua mente, mas esta se foi.

Só ficava uma opção. A salvação estava pendurada no cinturão deste jovem guerreiro Khamsin. A cruel curva de sua adaga transpassaria seu coração. Se lançando para frente, a tirou de sua bainha. Khepri se virou com um movimento digno de seu totem de cobra. Badra gritou quando ele envolveu sua mão sobre a lâmina e lhe deu um puxão, fez uma careta quando ele a lançou.

Lágrimas quentes encheram seus olhos. Badra olhou a adaga desprezada com profunda vergonha.

— Por favor, me deixe morrer antes que os outros venham. Me deixe sentir a paz da morte, porque só a lâmina da espada me libertará de Fareeq.

— Não, Badra — disse Khepri brandamente, seus olhos nunca abandonaram os seus. — Está tão equivocada. A Morte nunca é a opção correta.

— É para mim. Não posso viver mais tempo como uma escrava.

— Tem uma nova vida agora, Badra — disse, dando um passo mais, se aproximando. — E um Falcão Guardião. — A resolução brilhou em seus profundos olhos azuis. — Um Falcão Guardião que tem feito um juramento para com seu Sheik de te proteger com sua vida. Não é um juramento dado facilmente e honrarei todos meus dias.

Mas suas palavras não significavam nada.

— Levou a minha última possibilidade de paz — sussurrou ela.

A compaixão encheu seus olhos enquanto a olhava fixamente.

— Não, Badra — disse. — Agora é livre de escolher seu próprio destino. Fareeq não tem nenhum poder sobre você. Confia em mim, é um novo começo. Sei. Já que não nasci Khamsin.

Enquanto suas palavras não influíram nela, seu olhar angustiado o fez.

— Seus olhos — ela disse de repente.

Um sorriso amargo tocou seus traços.

— Todos sabem que minha família era de estrangeiros que cruzavam o deserto perto do Mar Vermelho. Sua caravana foi atacada e todos assassinados. Lembro pouco, mas o pai de Jabari, Tarik, me contou a história para que eu honrasse meus pais, que morreram para me manter seguro.

— O que aconteceu? — perguntou Badra.

— Quando tinha quatro anos, os Al-Hajid assaltaram nossa caravana. Meus pais me ocultaram em uma cesta grande. Os Khamsin atacaram aos Al-Hajid quando eles cavalgavam se afastando com o os despojos do saque e tomaram a cesta. Tremi de medo quando a tampa se soltou, pensando que morreria como meus pais, meu irmão e os criados. Olhei para cima e vi duas caras que me olhavam fixamente, uma com olhos negros e outra com olhos âmbar. O de olhos negros disse… — Aí, ele fez uma pausa e riu. —Disse: Pai, não há nenhum tesouro nesta cesta. Não acredito que haja algo de valor aqui.

Badra olhou a tensa mandíbula de Khepri, e ele olhou ao longe à medida que continuava com a história.

— O pai de Jabari examinou a cesta e disse: Se equivoca, filho. Há algo de enorme valor. Um pequeno moço. — O Sheik me olhou e me disse as mesmas palavras que disse a você.

— Não tenha medo, pequeno — repetiu Badra brandamente.

Khepri balançou a cabeça solene.

— Tarik enviou guerreiros para investigar a caravana, mas só encontraram mortos. Fareeq tinha queimado os corpos, assim, ficaram irreconhecíveis. — Seus olhos se fecharam. — O pai de Jabari me educou como seu filho. — Ele a olhou, suplicando. — Há paz aqui, Badra. Pode construir uma vida nova. Eu a ajudarei. O pai de Jabari me chamou Khepri, como o deus egípcio da saída do sol, para refletir o novo amanhecer de minha vida.

Sua voz tremeu.

— Khepri, o deus da saída do sol. E eu sou Badra, nomeada pela lua cheia. Somos opostos.

Uma pequena risada curvou seus lábios para cima.

— Pode parecer assim, mas nem o sol nem a lua podem existir um sem o outro.

Ela o olhou fixamente, querendo confiar nele. Ele era tão atraente, parecia tão bom.

— Mas se atreveria a lua a confiar na saída do sol? A empurra do céu com sua luz que cega, longe da nutritiva escuridão. A saída do sol queima. É muito mais forte que a lua.

Uma expressão feroz encheu o rosto de Khepri, afugentando o encanto infantil que ela tinha vislumbrado antes. Ele agora mostrava a dura resolução de um guerreiro jurado ao dever.

— Poderoso, sim. Proteger a lua para que nenhum possa encontrá-la. Badra sou seu Falcão Guardião, dado a você como seu protetor. Jurei te defender até a morte. Sou um Khamsin, um guerreiro do vento e nunca deixarei que algo aconteça a você. Prometo. Agora entende isto: está a salvo de Fareeq.

Lançando um sorriso tranqüilizador, com cuidado tocou sua bochecha e apagou suas lágrimas com seu polegar. Algo morno e molhado substituiu a água salgada que corria de seus olhos. Seu sangue?

Ela girou sua palma para examiná-lo. Ele tinha se ferido lutando por ela.

— Está ferido!

Dando um suave grito de angústia, pegou a bandagem de seu cinturão e a envolveu ao redor de sua mão ensangüentada. Ela pressionou, apertando, olhando fixamente para Khepri. Nenhum homem nunca se feriu por ela. Nenhum homem nunca tinha combatido com outro para defendê-la e protegê-la.

Uma cintilação acendeu seus olhos, os tornando de um azul mais profundo.

— OH, se tivesse sabido que me ferir teria feito com que se abrandasse. Teria me ferido muito antes.

Pela primeira vez em muitos anos, Badra ofereceu um verdadeiro sorriso.

— Jurou ser meu Falcão Guardião e me proteger, Khepri. Então suponho que terei que cuidar bem suas feridas. Já que jurou renunciar a sua vida por mim, é o pouco que posso fazer em troca.

— Pequena. Não é um grande sacrifício. Por te ver sorrir, renderia alegre minha vida — disse Khepri brandamente.

Badra se sentiu hipnotizada pela ternura de seu rosto. Ela se viu se aproximando. Se elevando, pela primeira vez desde que tinha sido escravizada, de bom grado tocou a um homem. Sua mão tremula acariciou a suavidade da barba escura de Khepri.

Ele gemeu profundamente e se afastou. Fechou seus olhos. Quando os abriu, tinha um olhar distante.

— OH, pequena — refletiu, e ela ouviu um estranho tom de pesar em sua voz. — As adagas e as cimitarras não têm nenhum perigo para mim. Por você. Acredite, sou mortal. Tem o poder de escravizar meu coração. Poderia me apaixonar por você. Deus me ajude, acredito que já estou. E isso me ferirá muito mais profundamente do que qualquer faca alguma vez poderia. Até o osso. Até meus ossos.

 

Acampamento Khamsin, Janeiro de 1894

A guerra ainda não tinha terminado. As duas tribos que uma vez tinham sido inimigos desumanos enfrentaram a seus melhores guerreiros em uma feroz luta até o final… a carreira de camelos.

Observando da multidão, o coração da Badra martelou enquanto as bestas leonadas galopavam com seu perigoso, mas poderoso passo. Rashid, um guerreiro Al-Hajid, competia com Khepri, seu Falcão Guardião. Borlas de cores índigo, amarelo e branco adornavam a manta sobre a cadeira de madeira de Khepri. A própria Badra a tinha confeccionado como presente de aniversário.

Os guerreiros animavam e gritavam a seus favoritos. As relações entre as duas tribos tinham sido amistosas a partir do momento que Jabari matou Fareeq. O monstruoso líder dos Al-Hajid tinha seqüestrado Elizabeth, a esposa americana de Jabari, e isso tinha sido o cúmulo. Depois, o tio de Elizabeth se converteu no novo xeque da tribo. A carreira de camelos tinha substituído ao amargo derramamento de sangue. Era um bom trato.

Nuvens de espesso pó se elevavam atrás das pegadas dos animais. Uma feroz decisão se mostrava no rosto de Khepri enquanto animava seus arreios para frente, se adiantando a seu oponente justo ao chegar à linha da meta. Selvagens felicitações troavam.

Khepri apeou deslizando de seu camelo e dedicou um sorriso de superioridade a todos. Badra correu para ele e se chocou contra seu duro peito.

—OH! Isso foi magnífico!

O abraçou, saboreando o aroma de especiarias de seu binish[1] empapado em suor.

O olhar dele se adoçou ao abraçá-la. De repente uma multidão se agrupou a seu redor, gritando e o felicitando. Ganhar uma carreira tão prestigiosa supunha uma extraordinária honra. Badra se afastou. Khepri avermelhou quando Jabari bateu em suas costas.

—Bem feito, irmão — gritou o xeque dos Khamsin.

Com roupas negras e vermelhas, o competidor de Khepri, Rashid se aproximou. Possuía a graça de um grande gato. Badra o estudou, o recordando de tempo atrás. Ao contrário dos homens de sua tribo, as feições deste homem eram delicadas, inclusive estrangeiras. Tinha um nariz fino, altas maçãs do rosto e grandes olhos com abundantes pestanas. Um quase o chamaria bonito. Um guerreiro o fez. Rashid o matou brutalmente em um duelo após dizê-lo. E depois cortou os testículo dele, os convertendo em uma bolsa. Na privacidade da tenda de Fareeq tinha bramado e espetado. —Já que disse que eu não tinha devido ao que esse bastardo me fez, posso ficar com estes?

Sentada perto, Badra tinha se sobressaltado. Fareeq rugiu a gargalhadas e replicou, — não voltará a servir sobre suas mãos e joelhos como uma moça. O reconhecerei como a um guerreiro.

Rashid tinha sido uma vítima, assim como tinha sido Badra.

Sua expressão era vazia quando a reconheceu. Ela moveu os lábios sem som para lhe dizer, — não contarei seu segredo.

Ela viu o alívio nos escuros olhos dele. Assentiu e logo foi para Khepri.

—Felicidades — disse cortesmente.

O Falcão Guardião se afastou com rudeza. Jabari franziu o cenho e repreendeu a seu irmão.

—Deveria dar as boas-vindas a Rashid. Vai ser um guerreiro Khamsin.

Khepri deixou cair a mandíbula.

—O que? — pigarreou.

—Minha irmã se casou com seu primo — respondeu Rashid, seu olhar atento—. Desejo me unir a esta tribo, assim ela tem a sua família e não se sente sozinha. Amanhã pronunciarei o juramento de lealdade.

O silêncio encheu o ar.

—Você pode chamá-lo Khamsin, mas para mim, sempre será Al-Hajid — disse Khepri com firmeza—. Não confie nele, Jabari. Não confie em nenhum deles. Talvez haja paz entre nossa gente, mas no fundo, são assassinos sem piedade de mulheres e meninos.

O coração de Badra doeu com suas palavras. Khepri não podia perdoar nem esquecer em seu interior, o assassinato de seus pais e irmão. De alguma forma, o compreendia. Seu olhar de preocupação topou com o de Rashid. O rosto barbudo do guerreiro permanecia inexpressivo, mas ela vislumbrou uma vulnerável solidão. Logo se desvaneceu. Ele murmurou uma desculpa e foi se reunir com sua irmã e seu recente marido.

Khepri bramava em sua tenda, tentando dominar sua violenta cólera. Rashid, um guerreiro Khamsin? Jabari poderia lhe chamar primo, mas ele nunca o faria. Lutou por acalmar a fúria enquanto colocava roupas limpas.

De caminho às dependências que serviam como banhos para os homens, Khepri cantarolava desafinando enquanto chutava o pó. Pensou na brilhante adulação nos olhos de Badra. Suas maneiras amáveis dissimulavam uma fera tenacidade. Ele admirava secretamente sua determinação por adquirir cultura. Ela em troca o instigava a seguir seus sonhos. Badra acreditava que ele poderia fazer algo. Com ela a seu lado, poderia. Seu amor era como o amanhecer da criação. Cada dia ressoava com a rica harmonia da risada compartilhada e uma melodia de paixão ardente. E tudo aguardava a faísca de seu primeiro beijo.

No dia anterior tinha pedido formalmente a Jabari que o relevasse de seu juramento de não tocá-la nunca. O xeque tinha concordado. Mas, tinha acrescentado com seriedade,

—Recorda sua honra. Seja muito amável. E paciente.

Esta noite iniciaria Badra com ternura nos prazeres que a aguardavam entre seus braços. Um beijo, nada mais… mas, OH, tanto. Seu corpo estremeceu prazerosamente. Ele a tinha visto observando com desejo o bebê do xeque. Quando as mulheres olham aos bebês dessa forma, normalmente significava que desejavam um próprio.

Ele se sentiria mais que feliz de lhe dar um. Sorriu. Poderiam se casar na próxima lua cheia e passar uma deliciosa semana concebendo a seu filho. Ou filha.

Ao acabar, verteu a água suja em uma bacia que logo levaria para regar um jardim de ervas. Apesar da cova secreta com seu borbulhante manancial, no deserto ninguém esbanjava a água.

Durante cinco anos, se manteve fiel a seu juramento de nunca tocar em Badra. Com Jabari casado, a lei da tribo requeria a liberação de suas concubinas. Farah tinha se casado com um guerreiro. Khepri tinha pedido imediatamente a mão de Badra, mas ela tinha recusado. No ano passado, tinha voltado a pedi-la. Ela disse que ainda não estava preparada.

Mas agora, rodeada de casamentos e bebês, certamente estaria preparada. Inclusive o mulherengo Nazim, o guardião do xeque e seu melhor amigo, tinha rendido seu celibato. Se casou e trocou seu nome pelo de Ramses de acordo à tradição do guardião. Agora esperava gêmeos junto a sua esposa, Catherine.

Como um homem paciente, Khepri tinha esperado cinco anos por Badra. Podia esperar mais, se fosse necessário. Mas esperava que depois de uma pequena e gentil sedução essa noite, ela diria sim.

Badra estava sentada sob uma acácia inclinada e desenhava Elizabeth, a qual alimentava seu filho. Um livro jazia perto. Tinha chegado em um carregamento enviado pelo pai de Catherine, Lorde Smithfield. O homem, um rico nobre inglês, desejava ajudar Elizabeth para que ensinasse aos meninos da tribo. Graças ao trabalho da esposa do xeque, muitos dos membros da tribo eram instruídos em árabe, e alguns, como Badra, tanto em árabe como em inglês.

—Basta de desenhar. É hora de sua lição. Me leia em inglês — ordenou Elizabeth.

Um tanto vacilante, Badra leu. Elizabeth acabou de alimentar ao pequeno Tarik e escutou. Uns passos que se aproximavam atraíram sua atenção.

Jabari e Khepri. O xeque se agachou e tomou ao bebê dos braços de sua esposa. Com destreza colocou o menino sobre seu ombro. Badra se emocionou vendo Jabari arrulhando seu filho. Os olhos azuis de Khepri procuravam os seu quando o xeque devolveu o bebê.

—É um menino formoso e forte, Jabari. Talvez um dia eu também terei um filho — comentou, seu olhar sem se afastar do de Badra.

Uma dor oca se assentou no peito dela. Por muito que seu coração desejasse o casamento com Khepri, não poderia ter bebês com ele. A única canção de ninar que cantaria ficou com sua filha morta. Embora as gentis forma de Jabari tinham sanado lentamente seu espírito ferido, e a atitude protetora de Khepri a tinham feito se sentir a salvo e querida, a intimidade física com os homens ainda era a última coisa que desejava.

Os homens partiram, falando brandamente. Tarik capturou uma mecha de cabelo dourado que escapava do lenço azul de sua mãe. Badra o olhava fixamente.

—Elizabeth, como é quando concebe filhos com o homem que ama? —Suas bochechas avermelharam. Mas devia sabê-lo.

A expressão de sua amiga se suavizou.

—É o sentimento mais maravilhoso do mundo. É uma proximidade do espírito que compartilha tanto como o êxtase.

Êxtase? Possivelmente o matrimônio e os bebês com seu Falcão Guardião não eram sonhos tão estúpidos e vãos. Continuou lendo até que voltou a escutar o passo de pegadas masculinas. Jabari se deteve seu lado, olhando a sua esposa.

—Elizabeth — disse, e sua voz era rouca.

Uma faísca iluminou os olhos da mulher. Ficando em pé, pediu a Badra que cuidasse de Tarik. Tomando a mão estendida de seu marido, o permitiu conduzi-la para sua tenda, baixando as lapelas atrás deles.

Badra olhou para a tenda negra. Elizabeth tinha dito que queria dar um irmão a Tarik. O xeque estava bastante decidido a cumprir com seu dever.

Profundamente curiosa e ligeiramente envergonhada, Badra foi pedir à tia-avó de Tarik que cuidasse do menino. Logo se aproximou com ar despreocupado da parte traseira da tenda do xeque, atraída pelos baixos gemidos e suaves gemidos do interior. Elizabeth gritou de repente. Badra se esticou. Logo se precaveu que o grito tinha sido de prazer.

Uma lembrança longínqua retornou. Ela tinha dezessete anos e vivia em um edifício muito custodiado na cidade de Amarna. Jabari as tinha levado ali, a ela e Farah para as manter a salvo durante a guerra entre as tribos. Cada vez que ia a alguma parte, Khepri a acompanhava. Mas nesse dia, ele tinha sido liberado de seus deveres. Um guerreiro chamado Ali a escoltava ao mercado.

Passaram junto à casa de Najla. No mercado, Khepri tinha paquerado com a jovem viúva, recém chegada ao povo. Ao passar junto à morada da mulher, uma súbita intuição cintilou. Badra pediu a Ali que recuperasse a lã que ela tinha esquecido. Ele hesitou, mas ela assegurou que estaria a salvo.

Quando se foi, Badra deslizou ao redor da casa de Najla. Escutou os profundos murmúrios de Khepri e as suaves réplicas da mulher, e olhou através de uma janela gradeada.

A habitação era um dormitório com suntuosos móveis e grossos tapetes. Mas era a cama e seus ocupantes os que atraíram a atenção da Badra. Khepri e Najla, ambos nus, se abraçavam sobre ela. Ele beijava à mulher e a mão desta se aferrava a sua cabeça. Najla acariciava seus compridos e escuros cabelos. Os dedos de Badra se apertaram sobre o marco da janela. De repente Khepri se sentou sobre os joelhos. Ela pôde ver seu exposto perfil. O suor reluzia sobre seus duros músculos. Ele era simplesmente formoso, a perfeição masculina esculpida. Seu espesso e escuro cabelo pendurava sobre seus ombros e ele o afastou com impaciência da frente. Os famintos olhos de Badra seguiram a firmeza de seu peito, o escuro pêlo que descendia passando sua cintura até o ninho mais espesso de suas virilhas e a grossura sobressalente de seu… oh, por Al...ficou boquiaberta de assombro.

As partes masculinas de Fareeq eram como uma tâmara enrugada em comparação.

Khepri deslizou suas mãos entre as esbeltas coxas cor de mel de Najla, as abrindo para montá-la. Ela proferiu um grito de alarme quando ele empurrou em seu interior, suas mãos se cravando nos ombros dele.

—É muito grande — ofegou.

Badra fez uma careta de simpatia e assentiu em silêncio.

Khepri cantarolou brandamente, beijou Najla e logo empurrou com força. Os dedos de Najla relaxaram seu tenso agarre e suspirou.

Incapaz de afastar os olhos da vista de suas tensas e oscilantes nádegas, Badra olhava fixamente em emocionada fascinação. Najla se arqueou. Badra se sobressaltou quando a mulher gritou, cravando seus dedos nos firmes músculos das costas de Khepri. Ele murmurou e logo a beijou. Observando a extasiada expressão de Najla, Badra se deu conta que o grito tinha sido de prazer. Depois o poderoso corpo de Khepri estremeceu, ele gemeu e ficou quieto.

O ato que somente tinha lhe trazido dor, não tinha trazido outra coisa mais que prazer para Najla. Os ciúmes a atravessaram. Seu Falcão Guardião não era exclusivamente dela. Ardia por conhecer o mesmo êxtase poderoso que Khepri tinha provocado em Najla, por sentir seu peso sobre ela e deslizar seus dedos sobre o musculoso corpo que lutava por protegê-la. Mas ainda assim, tinha medo. O tinha afastado dela por essa mesma razão.

Uma tosse baixa afastou sua atenção do passado. Girando, viu Khepri com a mão no punho de sua cimitarra. Seu rosto de barba escura a contemplava com diversão. Ela avermelhou, sabendo que a tinha pego escutando às escondidas Elizabeth e Jabari.

—Badra — disse brandamente—. Venha, caminha comigo.

Ele diminuiu sua passada para encaixar com o passo dela. Quando chegaram a sua tenda, Khepri tocou sua bochecha, apenas uma carícia.

—Meu irmão e sua esposa estão ansiosos por outro bebê. É natural. Algum dia você desejará o mesmo.

Aturdida, Badra afastou o olhar.

—Você não gosta dos bebês? Eu conheço um só caminho para concebê-los — ele disse, com uma cintilação em seus olhos azuis.

—Tenho trabalho — murmurou ela.

Quando se moveu para entrar em sua tenda, ele a capturou com suavidade pela cintura.

—Venha minha tenda quando a lua suba no céu — lhe disse—. Tenho que te mostrar algo. Algo especial.

Badra estremeceu de temor e ansiedade.

Uma lua cheia derramava sobre o acampamento quando Khepri a recebeu muito mais tarde. A cinzenta luz brilhava sobre o comprido e escuro cabelo que se sobressaía sob seu turbante azul e cintilava sobre a cimitarra de aço presa a sua cintura.

Caminharam em silêncio, passando os rescaldos dos fogos e as tendas negras que alojavam às famílias Khamsin em seu interior. Havia uma extraordinária calma, exceto pelo roce do vento contra a areia e os cavalos que se moviam na borda do acampamento.

—Está muito tranqüilo esta noite — comentou ela.

—Não o ouve?

—Ouvir o que?

—O som da noite — respondeu ele com suavidade—. Da paixão.

Ela não escutava nada, mas então seus ouvidos se abriram. Suaves gemidos de uma mulher se mesclavam com os profundos gemidos de um homem. Tecidos rangendo, sussurros roucos. Corpos deslizando contra corpos. Algo escuro, vital e carnal, era uma erótica dança de sons. Se derramava sobre seus sentidos, a desafiando a imaginar…

Khepri falou lentamente.

—Quando um homem e uma mulher desfrutam compartilhando seus corpos, criam a música do amor. É o som mais doce do deserto.

Passaram o grupo principal de tendas e a área onde os cavalos se mantinham presos para a noite. Uma curva da montanha jazia frente a eles, dentadas rochas cujas bordas reluziam cinza-escuro sob a pálida luz da lua. Khepri continuou caminhando.

—O que quer me mostrar? — perguntou Badra.

Khepri se deteve perto da entrada de um estreito canhão que ela reconheceu.

—Aqui dentro — disse ele com um gesto.

Paredes de pedra calcária os flanquearam quando entraram no canhão. Finalmente Khepri se deteve ante um punhado de cantos compridos.

—Aqui — disse com satisfação.

Ela ofegou de deleite. Sobre umas das altas rochas calcárias, Khepri tinha gravado uma cobra egípcia à altura da cintura. Sua cabeça encapuzada se elevava com beleza ameaçadora, pronta para atacar.

—Desejava que o visse à luz da lua. — Deslizou uma mão acariciadora sobre sua criação—. Quando a luz a toca…

—Parece real — se maravilhou ela.

—Foi aqui onde recebi meu totem cobra, então quis mostrar a lembrança —lhe contou, apoiando o esbelto quadril contra uma rocha.

—Me conte — disse ela com ânsia.

—Foi durante uma caça com Jabari, procurando um pouco de diversão. Ele se deteve perto destas rochas e escutamos um chiado. Eu a vi antes. Uma cobra. Tínhamos interrompido seu descanso.

—A matou?

—Não. Meu pai me disse que estas cobras não cospem veneno e segundo a história egípcia são sagradas, reverenciadas como protetoras de reis. Se eu a matava, a má sorte visitaria Jabari. Recordei um truque que me ensinou uma vez um velho encantador de serpentes. Peguei meu rifle, obriguei à serpente que se enroscasse a seu redor e se acalmou. Após me conhece como Cobra, que atua veloz como uma serpente.

Ela sorriu, recordando como os assombrosos reflexos dele tinham evitado que sua mão utilizasse sua adaga para matar a si mesma.

—Você é a Cobra. Seu totem o serve bem.

Ele a estudou na brilhante luz da lua. A lua. Sua xará. Ele apontou para o céu.

—Como o faz seu nome. Embora a beleza da lua cheia empalidece a seu lado, Badra.

O tenso temor junto com um estranho desejo retornaram a ela. Levantou o olhar para o conjunto de estrelas que brilhavam no céu da noite.

—Mas nada é tão formoso como as estrelas. Me fazem sentir como se pudesse tocá-las. Como as brilhantes gemas que uma vez vi no Cairo.

—Você é mais formosa que todas as estrelas do céu do Egito.

Sua voz rouca era como quente veludo. Khepri segurou com suavidade os ombros dela. O calor emanava dele como as brilhantes chama do fogo.

—Jabari me liberou de meu juramento de não te tocar. Deseja… deseja que a beije? — perguntou brandamente—. Badra?

Sim, gritou o coração dela. A esperança se elevou em seu peito. O contemplou sob a luz da lua. A forma em que disse seu nome, tão suave e doce, acariciava sua sensibilizada pele. Estremeceu e desejou, temendo e ainda ansiando esta nova proximidade, esta ardente intensidade. Ele deslizou um dedo por sua bochecha, descendo para seus trêmulos lábios e ela assentiu. Sim. Me beije.

—Esperei tanto por você, Badra — murmurou.

Um olhar decidido e resolvido cintilou em suas mãos. Khepri capturou o rosto de Badra em suas fortes palmas e o elevou para tomar posse de sua boca. A reclamou com um beijo que roubou sua alma e a deixou sem fôlego. Os lábios dele roçaram os dela com adoração, uma ligeira carícia.

Intrigada, ela moveu sua boca contra a dele. Então ele pressionou seus lábios com força contra os seus, sua língua percorrendo seu lábio inferior, dando suaves golpes. Quando Badra emitiu um pequeno som de prazer, ele deslizou dentro da boca dela. Emocionada, ela apertou os lábios.

—Vamos, Badra, se abra para mim —urgiu ele. Depois seus lábios capturaram os dela de novo.

O fôlego dela se entrecortou quando abriu a boca. A língua sedosa de Khepri empurrava, saboreando-a, reclamando e acendendo fogo em seu interior enquanto se pendurava dele. O corpo dele se apertou contra o dela, tudo duros músculos e ossos. Ele continuou seu assalto sem piedade, atacando sua boca com golpes peritos. Encantou sua boca, fazendo crescer uma estranha plenitude em suas vísceras. O calor que criava provocou uma nova esperança em Badra. Sim, possivelmente isto era o prazer ao qual Elizabeth se referia.

Então sentiu a dureza de sua masculinidade contra ela. Seus firmes braços a capturando como grilhões, a apanhando contra a rocha com seu peso e força. Khepri proferiu um profundo gemido. Sua repentina intensidade a atemorizou, a fazendo se sentir indefesa e impotente. O terror substituiu sua excitação. Ele grunhiria e a machucaria enquanto violava seu corpo com luxúria sem sentido tal como tinha feito Fareeq. E o odiaria por isso…

Ele a soltou, ofegante. A luz da lua e o escuro desejo cintilavam em seus olhos.

—Volta louco a um homem com sua beleza. Quase não pude me deter. Se estivéssemos casados, não teria que fazê-lo — disse ele com voz rouca.

—Não o faria? — perguntou ela, profundamente agitada.

—Nunca te permitiria abandonar minha cama. A manteria muito ocupada para passear sob a luz da lua.

Suas palavras prometiam antigos horrores. Badra não poderia suportar ver sua gentil e protetora forma de ser mudar enquanto o desejo obscurecia seus olhos, se encolhendo de pânico enquanto seu poderoso corpo cobria o seu e se introduzia nela com rudeza como Fareeq tinha feito.

Se precaveu da horrenda verdade: se se casavam, não sairiam gemidos de prazer de sua tenda, somente seus gritos de terror. Os guerreiros olhariam para Khepri com desprezo. Os rumores começariam. O estimava muito para o envergonhar assim. Não poderia suportar condenar a um homem tão viril e apaixonado a um casamento tão seco como a areia. Ou a empurra-lo aos braços de outra mulher que satisfizesse as necessidades de seu corpo… como tinha feito no passado com Najla.

Enquanto voltavam para o acampamento, tragou a angustiosa pena que se amontoava em sua garganta. O qual não representava um desafio; tinha ampla experiência em fazê-lo.

 

O passado de Khepri chegou galopando no dia seguinte.

Cantarolando feliz, pensando no flexíveis e suaves que eram os lábios de Badra sob os seus, se sentava diante de sua tenda, esculpindo um novo tear de madeira para ela. Ante o trovão de cavalos que se aproximavam, levantou a vista. Uma nuvem de pó se elevava no horizonte. O sangue gelou em suas veias quando se aproximaram mais. Um grupo de ingleses de pele pálida, escoltados por seus irmãos, se aproximavam sobre esbeltos cavalos árabes.

Jabari o tinha avisado sobre os estranhos que chegavam de visita. Reclamavam ser familiares de Khepri. A inquietação o capturou, mas Khepri brincou com que nenhum inglês o quereria. Era muito teimoso, muito presumido… muito egípcio para ser inglês.

Dois pálidos estrangeiros, um com cabelo castanho claro e outro mais velho com um arbusto de cabelo grisalho, desmontaram. Vestiam os estranhos trajes de linho que os arqueólogos ingleses preferiam. Com a boca seca, Khepri observou como Jabari os saudava. O xeque escoltou o casal para a tenda de Khepri. Com uma velocidade surpreendente em alguém tão velho, o inglês de cabelo branco correu para frente.

Se deteve abruptamente. As rugas esculpiam seu rosto como uma rocha. Khepri olhou fixamente um par de olhos tão azuis como os seus.

—Bom Deus, é certo — disse o inglês com voz áspera—. É igual a Michael, tal como era quando tinha sua idade.

O olhar nervoso de Khepri voou para Jabari, mas o rosto de seu irmão se endureceu e afastou a vista.

—Kenneth, sou seu avô. Rezei tanto tempo para te encontrar. Sou Charles Tristán, duque de Caldwell — continuou o homem.

O inglês mais jovem, com um grosso bigode de pontas largas e seu cabelo castanho claro já raleando, deu um passo à frente.

—Olá — disse cordialmente—. Sou Víctor Edwards. Segundo primo por parte de seu pai. É um alívio te encontrar.

Khepri cambaleou emocionado.

—Eu não tenho família inglesa — grasnou para deter o inglês—. Foram assassinados por um inimigo da tribo faz anos. Os Al-Hajid assassinaram meus pais e a meu irmão.

—Sim — a pena apareceu nos olhos azuis do homem velho—. Mas a você não. E agora o encontramos. Kenneth Tristán. Meu herdeiro.

Herdeiro? O que era um herdeiro?

—Sou seu avô, Kenneth — afirmou de novo.

Avô? Seu avô, Nkosi, estava visitando Al-Hajid e sua esposa. O olhar desesperado de Khepri suplicou a Jabari, mas o xeque continuava olhando com fixidez à distância. Como poderia ser isto? Ele era um Khamsin, guerreiro do vento. Egípcio. Cavalgava as poeirentas areias. Era irmão do maior xeque do Egito. E agora um inglês estranho de além mar o reclamava? O estômago de Khepri se retorcia. Devia jogar a estes intrusos.

Mostrou as plantas dos pés.

—Se afastem de mim. Não sei nada de vocês — disse com brutalidade.

É obvio eles não entendiam a rudeza do gesto. Eram ingleses. Mas Jabari se esticou com fúria.

—Khepri! — disse com dureza. Logo acrescentou em um tom mais amável—. Esquece suas maneiras. Um Khamsin sempre mostra cortesia aos convidados. — Girou para os dois ingleses—. Ahlan wa sahlan. São bem-vindos a minha tenda.

As notícias se estenderam como uma tormenta de areia. Enquanto os serventes egípcios dos ingleses descarregavam seus baús, Jabari lhes deu pessoalmente as bom-vindas com guhwa. A cerimônia do café era uma honra que o xeque reservava para os convidados mais importantes. Elizabeth, Ramses e sua esposa inglesa, Catherine, se uniram a eles enquanto uma multidão de espectadores rondavam no exterior, olhando fixamente aos dois ingleses.

Khepri se orgulhou ante a hábil forma em que seu irmão torrava os grãos de café em uma frigideira colocada sobre um diminuto braseiro, logo os esfriando em um prato de madeira para moê-los. Os dois ingleses se sentavam sobre o grosso tapete vermelho observando e falando tranqüilamente. Ele os olhou, irritado. Acaso não escutavam a formosa música que o morteiro emitia ao golpear? A habilidade de Jabari não conseguiu impressionar aos estrangeiros. Khepri cruzou os braços, os olhando fixamente com indignação.

Quando o café esteve preparado, o xeque serviu cortesmente aos dois convidados em umas xícaras pequenas sem asas. A preciosa porcelana tinha estado na família ha gerações. Os ingleses murmuraram seu agradecimento e sorveram. Uma careta mal dissimulada torceu os lábios de Víctor. Khepri sentiu uma nova irritação.

Quando os convidados estiveram servidos, ele sorveu seu café, desfrutando do picante beliscão do cardamomo[2]. Com secreto regozijo se precaveu que os ingleses chupavam tâmaras entre cada sorvo. As tâmaras adoçavam a amarga infusão. Estes homens não podiam ser sua família. Nem sequer podiam beber café.

Khepri continuou observando ao homem velho cujo rosto possuía feições tão similares ao seu próprio. Não podia negar o parecido. O mundo cambaleou sobre seu eixo enquanto escutava o homem lhe contar a Jabari quão importante era ter encontrado seu neto.

Quando o xeque assentiu lentamente, ele gritou em seu interior. Não! Este homem não era família. Não dele. A gente observava com aberta curiosidade aos visitantes. Na borda da multidão, viu Rashid. Vestido agora de índigo, o guerreiro olhava intensamente aos visitantes ingleses. Depois seu olhar topou com o de Khepri. Rashid girou e partiu a passos longos.

Confuso e inseguro, os pensamentos de Khepri voltaram para Badra. E se os estranhos pretendiam lhe levar a sua terra de verde erva? Todo seu ser estava centrado em protegê-la. Em cuidá-la. Mantendo seu amor e seu desejo profundamente encravado em seu coração, sua necessidade dela lhe provocando uma funda dor. Não a deixaria.

—Khepri — disse Jabari em árabe—. Seu avô está te fazendo uma pergunta.

Não é meu avô, pensou ressentidamente.

—Mantive a esperança que você ou seu irmão ainda vivessem — disse o inglês—. Kenneth, é o herdeiro de um dos títulos mais importantes da Inglaterra. Herdará uma enorme riqueza e propriedades. Sei o difícil que deve ser isto, mas te peço que volte comigo para a Inglaterra.

Herdeiro? Título? Olhou para Jabari, quem rapidamente traduziu. Khepri sentiu uma nova comoção o golpear. Deixar o Egito por umas riquezas? Quem necessitava riqueza? Possuía a riqueza do largo deserto.

—Quem te pediu que viesse aqui? — exigiu, furioso.

—Eu o fiz — disse Catherine com sua suave voz. A esposa de Nazim, agora Ramses, parecia preocupada—. Meu pai, o Conde de Smithfield, era um bom amigo de sua família. Escrevi a meu pai a respeito de um guerreiro de olhos azuis que vivia com os Khamsin, cuja família tinha sido assassinada, e ele o contou imediatamente a seu avô.

O guardião de Jabari deslizou um braço consolador ao redor da cintura de sua esposa.

—Catherine não pretendia fazer mal. Desejava que encontrasse sua verdadeira família.

Verdadeira família. Uma família longínqua, muito longínqua, o obrigando a partir. Não. Não o faria. Sua terra era o árido deserto. Os canhões rochosos e a calorosa areia. Não uma terra estrangeira de água e erva. Como poderia deixar atrás o ardente céu azul e o sol amarelo? Como poderia abandonar seu amado Egito?

Grosseiramente seu olhar de pânico percorreu a tenda, examinando os rostos. Elizabeth parecia preocupada. Jabari e Ramses estavam sérios. Catherine o observava suplicante.

—É um bom homem, Khepri. Descende de uma honorável linhagem tão nobre como qualquer rei egípcio. Ele é seu avô — lhe disse.

O deixavam partir. Como podiam? A família não significava nada para Jabari? Mas não era de seu sangue. Suas vísceras se retorceram. Não eram verdadeira família.

Badra era sua única esperança. Se se casava com ele, certamente seu irmão não abandonaria a este estranho de cabelo branco procedente de além mar. Ele a necessitava. Como poderia deixá-la?

Khepri se acalmou. Sim, certamente se casaria com ele. Todo seu afeto, os presentes que tinha devotado a ela ao longo dos anos, sua camaradagem, e o beijo. A calidez alagou suas veias ao recordar seus suaves lábios. Badra sentia por ele o mesmo que ele por ela. O casamento era a resposta. Inclusive deixar aos Khamsin parecia menos ameaçador com ela a seu lado. Poderia encarar a terra de verde erva se devia fazê-lo.

Se desculpando cortesmente, abandonou a tenda, ignorando a preocupada expressão de Jabari. Encontrou Badra sob uma acácia, tecendo uma colorida manta.

—Acreditava que estava tomando café com seu avô — lhe disse sorrindo—. Não é maravilhoso que sua família o tenha encontrado? A tribo inteira está fofocando a respeito de seus honoráveis ancestrais, de como possuirá maior riqueza que os antigos reis do Egito.

Ela também? Ele fez uma careta e se sentou, sentindo paz simplesmente ao estar junto a ela.

—Não desejo nada disso.

O lábio inferior de Badra tremeu.

—Não compreendo. É seu neto. Se eu soubesse que um filho ou um neto que pensasse que tinha morrido estivesse vivo, moveria montanhas para estar com ele de novo. Foi abençoado. Confia em mim.

Ele odiava vê-la desgostada. Khepri roçou uma bochecha com o nódulo. Um tremulo sorriso apareceu em seus lábios. Por Alá, desejava sustentá-la entre seus braços. E não deixá-la ir nunca.

—Tenho algo importante para perguntar.

Ela se esticou quando ele se deslizou até ficar de joelhos ante ela.

—Se case comigo, Badra — disse Khepri, com o olhar desesperado—. Não queria pedi-lo assim, mas o tempo está escasso. Não me abandone. Case comigo e renunciarei a tudo… à riqueza e as propriedades que me aguardam. Case comigo e permaneceremos aqui, como Khamsin. Ou se o deseja, teremos uma vida na Inglaterra com riquezas tão vastas como as areias do Egito. Poderei enfrentar a algo com você a meu lado.

Por favor, suplicavam seus olhos. Não posso te perder.

Ela permaneceu em silêncio, mordendo o lábio. Ele aguardava com esperançosa ansiedade. Certamente atrás de seu beijo, seus sentimentos por ele…

Quando falou, as palavras o golpearam como um objeto molhado.

—Sinto muito, Khepri. Eu… eu não posso me casar com você. Não posso sentir por você o mesmo você sente por mim — murmurou.

Durante um minuto ele permaneceu sem fala pela comoção. Examinou o rosto dela. Não? Ela afastou o olhar. Um grande peso se incrustou em seu peito quando sua última esperança se desvaneceu. Todos estes anos, esperando. Honrando-a. Mantendo a esperança. Acreditando que o queria. Não o fazia.

A agonia voou, substituída por uma amargura tão espessa como uma tormenta de areia. Khepri se levantou e agarrou a adaga de sua cintura, a mesma que ela uma vez utilizou para tentar pôr fim a sua vida. Algo em seu interior murchou como pó seco.

Com um profundo chiado, gravou em sua palma uma lembrança simbólica de como a tinha salvado a primeira vez que se conheceram.

—Esta é a última vez que derramo meu sangue por você, Badra. Mas não terá que atender minhas feridas nunca mais. Toma isto. É sua agora. Não a necessitarei para nada na Inglaterra — espetou ele. Com um olhar de desgosto, jogou a faca na areia. Se cravou ali, tremendo.

Logo partiu, as gotas de sangue caindo ao chão como um rio de lágrimas vermelhas. Mas a ardente dor de sua palma doía muito menos que a de seu interior.

O tempo parecia passar a um ritmo agonizante para Khepri, embora somente tinham passado uns poucos dias. Tinha tomado uma decisão. Iria a Inglaterra. Não havia nada para ele aqui. Badra o tinha rechaçado. Amanhã, partiria.

Jabari expressou sua simpatia depois do rechaço de Badra, mas o xeque parecia inconsciente da dor de Khepri. Khepri sufocou radicalmente uma gargalhada amarga enquanto ia à tenda do xeque. Em seu caminho quase colidiu com Rashid. O musculoso guerreiro bloqueava seu passo, lhe dedicando um áspero olhar.

—Se afaste de meu caminho — ordenou Khepri—. Não tenho tempo para discutir com você.

Mas o guerreiro não se moveu. Em lugar disso continuou olhando fixamente para Khepri, com a boca torcida. Seus escuros olhos eram frios.

—Se tiver algo que dizer, diga — espetou Khepri—. Devo ver meu irmão antes de partir para Inglaterra.

Um gesto de desprezo substituiu o olhar de Rashid.

—Seu irmão? Já não mais. Vá a Inglaterra. Pertence à terra dos ingleses de ventres suaves e encaixará muito bem — ele mofou.

Khepri fez um gesto rude. O outro homem sorriu ameaçador.

—Deveria mostrar respeito pelo novo Falcão Guardião de Badra.

A comoção o golpeou. Rashid riu brandamente ante sua assombrada expressão e partiu.

Khepri ainda estava perturbado quando entrou na tenda de Jabari. O xeque lhe fez gestos para que tomasse assento junto a Ramses. Assim o fez.

—Rashid diz que é o Falcão guardião da Badra —deixou escapar.

O xeque e seu guardião intercambiaram olhadas.

—É verdade. Desejo que Badra se sinta protegida quando você parta. Atribuí-lhe um novo Falcão Guardião.

—Ela não necessita nenhum. Fareeq faz muito tempo que está morto —protestou. Alá, não poderia suportar que Rashid estivesse perto de sua amada…

—Existem outros homens que poderiam não honrá-la. E Badra… pediu a Rashid — apontou Ramses.

Ela tinha pedido? Um porco Al-Hajid? Rashid protegeria o que uma vez tinha sido dele? Todo o mundo de Khepri se convertia em pó. Nada familiar ficava, nem sequer sua própria maldita dignidade.

—Khepri… uh, Kenneth. Pedi que viesse por uma razão muito especial —Jabari extraiu uma adaga ricamente adornada de sua capa de pele. Um olhar de respeito apareceu nos olhos de Ramses.

—Não é um irmão de meu sangue, mas antes que vá, o converterei em tal. Esta noite, sob a lua e as estrelas, nos vincularemos como irmãos de sangue. E te entregarei isto formalmente. A adaga matrimonial dos Hassid. Passou de irmão a irmão. Entregarei isso a você, porque embora não seja meu irmão de sangue, é o irmão de meu coração. — O xeque sustentava a adaga em suas palmas com reverência. Levantou o olhar solenemente—. Lhe entrego isso para quando se casar, de modo que sempre saiba que nosso vínculo nunca finalizará.

Casamento? Um sentimento vazio se instalou no peito de Khepri. Como podia Jabari estar tão cego? Como podia o homem mais próximo a ele que um irmão esperar que se casasse com ninguém mais que a única mulher que tinha desejado durante anos? A mulher que tinha quebrado seu coração.

Uma corrente selvagem de cólera e amargura se elevou em seu interior. Eles o deixavam partir. Jabari nem sequer tinha emitido um fraco protesto. Não o queriam. Badra não o queria. Abandonaria o Egito e nunca olharia atrás. E maldita fosse, se asseguraria que soubessem que nunca voltaria.

Afastou a um lado a formosa adaga coberta de rubis e diamantes.

—Não, Jabari. Não a quero.

O xeque se tornou para trás, com o assombro refletido em seus olhos negros. A mandíbula de Ramses se abriu de par em par.

—Você… rechaça minha sagrada adaga matrimonial?

Os intestinos de Khepri se agitaram.

—Guarde sua maldita adaga. Não sou seu irmão. Nunca o fui e nunca o serei — grunhiu. Depois ficou em pé e partiu, ignorando seus perturbados rostos.

Passou uma solitária noite em sua tenda pela última vez. Incapaz de dormir escutou o som do deserto se revelando. A angústia retorcia suas vísceras. Badra o tinha rechaçado. Não o amava. Nunca o tinha feito.

Uma mortal quietude tinha caído sobre a tribo quando Khepri se preparava para partir no dia seguinte. Muitos evitavam olhar para ele. Todas as suas posses cabiam em um baú. Suas esculturas em pedra. Sua cimitarra. Livros em árabe. Um fraco ruído soou no exterior. Afastou as lapelas da entrada da tenda. Era ela.

Badra entrou, inclusive embora Khepri não a tinha convidado a entrar. A ignorando, introduzia objetos em um grande baú. O tinha ferido, tal como ele tinha ferido Jabari. O xeque ainda parecia profundamente doído.

O suor umedecia suas palmas enquanto retorcia as bordas de seu adorável lenço azul. Lhe dizer adeus a rasgava.

—De modo que pediu que Rashid fosse seu Falcão Guardião — grunhiu ele.

—É um bom guerreiro, valente…

Sua voz se apagou. Quando Khepri tinha anunciado sua partida, ela tinha se aproximado de Rashid e chegado a um pacto. Cada um jurou manter o segredo de seus tormentosos passados e assim afastar a possíveis pretendentes fingindo um noivado. Nenhum deles desejava se casar.

O segredo que ela desejava confessar tremia em seus lábios. Devia lhe dizer por que o tinha rechaçado. Mas seu perfil alto e musculoso parecia distante. E seus olhos… oh, seus olhos… eram gelo azul.

Sua coragem falhou. Não podia dizer-lhe.

—Khepri, vim para te dizer adeus e desejar o melhor. — Sua voz se rompeu—. Sentirei sua falta… terrivelmente.

O pé dele golpeou o baú para fechá-lo. Não a olhou.

—Desejaria que as coisas… pudessem ser diferentes — sussurrou ela.

Desejaria que eu pudesse ser diferente. Irá a Inglaterra. Encontrará uma mulher que o amará como eu não posso. E cada vez que pense nela entre seus braços, morrerei por dentro. Mas não posso estar contigo. Meu passado me pôs grilhões e tenho muito medo.

—Saia, Badra. Tenho que terminar de empacotar — disse ele com frieza. Utilizou um inglês tenso, mas perfeito.

Ela se foi, com um soluço entupido em sua garganta.

Não houve cerimônia para lhe dizer adeus. Nenhum abraço de despedida, exceto de Elizabeth. E de Catherine, quem lhe disse que visitasse seu pai. Um silêncio incômodo caiu sobre os Khamsin reunidos nos confins do acampamento para observar a partida dos ingleses. Para observar Kenneth, o herdeiro do duque, deixar atrás a única família que tinha conhecido.

Um duro vento do deserto soprava sobre a areia, enviando agudo cascalho para seus olhos. Khepri montou em seu cavalo, dedicando um último olhar a Badra. Ela apertava a mão do xeque para o consolar. Jabari parecia aflito, como se Khepri o tivesse apunhalado no coração.

Eles não significavam nada para ele agora. Girou e começou a marcha, seguindo seu avô, primo e serventes.

Não olhou atrás.

 

Cairo, janeiro de 1895

Minha filha vive… como uma escrava em um bordel!

Badra olhou angustiada à encantadora menina que ela pensou que tinha morrido. A luz do sol se derramava pelas grades das janelas, jogando sobre as rosadas bochechas do rosto da moça. Jazmine se reclinou contra as almofadas de seda sobre um estreito divã, olhando como uma mulher pintava seus pés com alfena vermelha.

Uma decoração pensada para o futuro prazer de um homem. Com apenas sete anos e o treinamento de Jazmine no Palácio do Prazer tinha começado. O bordel se especializava no treinamento de moças como concubinas. A maioria era vendida e nunca eram vistas outra vez. As moças mais formosas permaneciam prisioneiras no Palácio, sendo leiloadas por períodos de um mês. Os homens adquiriam seus contratos a preços exorbitantes pelo privilégio de possuir brevemente uma escrava para realizar suas fantasias sexuais.

Assim que experimentasse seu primeiro sangramento, Jazmine seria vendida. Tal como Badra o tinha sido, há muito tempo.

Um olhar calculista apareceu nos olhos do eunuco principal do bordel enquanto observava Badra olhar fixamente a Jazmine. Com sua rechonchuda cara picada de varíola, e uns escuros olhos marrons, agudos e avaliadores, Masud governava o Palácio do Prazer.

Dois guardas com turbantes e cimitarras afiadas atadas com correias as suas cinturas, estavam de pé a seu lado. Homens mais armados custodiavam o protegido edifício. O suor ácido de seus corpos masculinos sem lavar cobriu as doces fragrâncias perfumadas do harém.

Os pensamentos se amontoaram na frenética mente de Badra. O que é o melhor para Jazmine? Um futuro como uma escrava, golpeada e violada como eu fui? Ou ter morrido ao nascer?

A anônima mensagem que tinha recebido do acampamento Khamsin tinha sido urgente. Sua filha seria levada ao Xeque Fareeq para viver como uma escrava no Palácio do Prazer. -Venha ao Cairo em troca de sua liberdade. Esta viajem ao Cairo para se abastecer com Rashid, Jabari, e Elizabeth, lhe proporcionaria uma perfeita oportunidade para investigar.

E Fareeq tinha vendido Jazmine recém-nascida. Badra tinha uma filha com brilhantes olhos negros e risada tímida. Queria percorrer a cara oval de Jazmine, contar todos os dedos de suas mãos e pés.

- Não posso desfazer o passado, mas posso estar aqui para você agora, prometeu ela silenciosamente. Mas eu não posso admitir que é minha, nem sequer por um instante.

Como poderia ela confessar o nascimento da menina de Fareeq? Quando Fareeq morreu sem descendência, o xeque Khamsin se alegrou. Meu inimigo teria vivido através de seus meninos e me obrigariam a destruí-los também, tinha insistido Jabari.

Masud finalmente falou, interrompendo seus pensamentos.

—Ela é uma bonita menina e obterá um bom preço no leilão.

A voz de Badra tremeu.

—Eu lhe rogo, a libere.

—Nunca. É muito valiosa.

Para conseguir esse milagre, Badra faria qualquer coisa para resgatar sua menina.

—Tenho o dinheiro. Seguro. Posso comprar sua liberdade.

O olhar fixo de Masud era claramente calculista.

—Não. O preço de sua liberdade não é o dinheiro. É você.

Sobressaltada, Badra cambaleou para trás sobre seus pés calçados com sandálias.

—Eu?

—Toma seu lugar e ela será livre. Omar a deseja de volta.

Badra começou a ver partes de sua vida passada encaixando como os blocos de uma pirâmide. Incapaz de se preocuparem com ela, os pais de Badra a venderam quando tinha onze anos. Omar, o dono, a tinha desejado, mas a tinha vendido a Fareeq. Os dedos ásperos e calosos de Omar, tinham acariciado sua bochecha tremula.

—É muito jovem agora, mas a recuperarei, Badra. Quando for mais velha, a terei em minha cama, minha escrava para sempre.

Fareeq tinha tomado a coisa mais preciosa na vida de Badra e a tinha vendido, dando a Omar o instrumento que ele necessitava. Ela não se submeteria. Devia ter outro caminho.

—Não. Não posso. —Badra disse.

O olhar de Masud se voltou perspicaz.

—Por que não passa algum tempo com ela e pensa? Você mal a conhece.

Ela não confiava nele, mas tinha muita vontade de abraçar a sua pequena menina. Quando a mulher terminou de pintar os pés de Jazmine e partiu, Badra se precipitou para a pequena. Ela acariciou o cabelo de ébano da moça enquanto Masud olhava.

—Sou Badra. Sua… quase irmã — sussurrou ela.

Jazmine sorriu timidamente e começou a fazer perguntas. Badra a abraçou e tentou dar as respostas.

—Minha tribo, os Khamsin, é antiga, dos tempos do Faraó Akhenaten. Nosso xeque é valoroso e nobre. Criamos cavalos de pura raça árabe e nossos guerreiros correm como o vento.

—Cavalos?—A cara de Jazmine se iluminou. —Me tirará daqui para vê-los?

Ah, como quero isso, mais que nada no mundo. —Tentarei - sussurrou Badra.

O sorriso de gratidão particularmente doce da pequena rompeu o coração de Badra. Cada um de seus instintos gritava por agarrá-la, escapar e nunca olhar para trás. Badra estudou a porta que conduzia à liberdade, se levantava ante ela, grossa, impenetrável e protegida por dois enormes eunucos, com cimitarras curvas em suas cinturas.

Enquanto elas falavam, compreendeu que Jazmine tinha um comportamento atrativo. A mente da menina era aguda como a de seu pai, mas ela não mostrava nenhuma das sádicas tendências de Fareeq. Quando Jazmine lhe rogou por uma história, Badra lhe contou a respeito de um valoroso guerreiro chamado Khepri que uma vez a tinha protegido com sua própria vida.

—Se casou com Khepri? — disse Jazmine de repente.

—Khepri vive na Inglaterra. Ele é um poderoso Lorde inglês. —Disse ela tentando mudar de assunto. — A Inglaterra tem muitos nobres. Ramses, um guerreiro de nossa tribo, sua esposa e os gêmeos logo partirão para a Inglaterra para uma visita. Eles levarão a seu pai valiosas antiguidades. Lorde Smithfield é um nobre inglês.

—Irá com eles?

—Não. Lorde Smithfield lhes enviou a passagem para a viagem.

—Mas deve. Tem que ir ver Khepri e se casar com ele e ter bebês. É como tem que terminar. —Jazmine fez uma careta.

Uma dor repentina apunhalou seu coração. Badra escolheu suas palavras com cuidado.

—Não acredito que ele desejasse.

—Mas esta é uma história de amor. Todas as histórias de amor têm finais felizes. Então ele iria querer te ver porque ele a ama - insistiu Jazmine.

Como poderia ela arruinar a resplandecente crença de sua inocente filha nos finais felizes? Esta história particular não tinha nenhum. Se a vida real pudesse ser assim. Badra acariciou o sedoso cabelo de sua filha.

—Possivelmente— disse ela rapidamente.

Masud lançou um olhar ardiloso.

—É suficiente. É hora de Jazmine ir para as suas lições.

Badra sabia o que as lições significavam. A repulsão se estendeu através dela quando pensou em sua pequena menina exposta a tal conhecimento. Badra pediu outra vez, com apenas um sussurro, comprá-la.

—Ela não está à venda.

A esperança murchou como os caules secos da erva sob o sol ardente. Não estava à venda. Ele falava de sua preciosa filha como os Khamsin negociavam a carne de cavalo. Possivelmente ela poderia raciocinar com Omar.

—Por favor— sussurrou Badra. —Me deixe falar com Omar.

Masud parecia pensativo.

—Omar não está aqui. Ele vive no estrangeiro agora. Entretanto, ele necessita um favor. Faça-o e ele poderia liberar à moça. Conhece a zona de escavação em Dashur?

Na rota ao Cairo, Elizabeth tinha insistido em visitar a escavação. Khepri, agora Kenneth, a patrocinava. Ela se perguntou por que, quando ele partiu com tanta cólera em seu coração.

—Eu estava ali quando eles descobriram um colar sem preço.

—Conhece a lenda do colar?

Badra assentiu com um terrível pressentimento. Dois colares com antigas lendas enterrados na areia. A lenda dizia que quem usasse o colar com a inscrição do Faraó Senusret III ficaria como um escravo, tanto como sua filha Meret tinha estado atada à vontade de seu pai. Mas o colar com a inscrição de Amenemhat II concedia ao portador o poder de escravizar os corações das pessoas, tal como Meret tinha escravizado o coração de seu marido.

Masud tirou um peitoral de ouro brilhante de uma pequena bolsa aveludada e o deslizou em suas mãos.

—É este. Disse que Ramses ia à Inglaterra. Vá com ele, passa este contrabando ao distribuidor de antiguidades em Londres que o necessita para fazer cópias. Ele te dará dinheiro em troca.

O pesado colar roubado, parecia quase pulsar com um perverso poder. Durante um selvagem momento, Badra sentiu as más vibrações que emanavam dele como uma névoa invisível. O sentia quente em sua fria palma.

—Qual dos dois colares é este?

—Que escraviza a outros.

—Não posso roubar – ela protestou.

Se descobrisse seu crime, Khepri não vacilaria em reclamar vingança. Pelas feridas passadas e por esta nova. O colar a queimou como um ferro quente. Certamente havia outro modo de libertar Jazmine. O xeque Khamsin enviaria os guerreiros de seu exército de guardas armados para resgatar Jazmine. Mas tal assalto seria difícil, e ela não podia arriscar a vida de sua filha em uma incursão armada.

O ouro brilhou à luz do sol que derramava no harém. Um sinistro presságio se apropriou dela. Se Khepri a apanhasse com o antigo colar de Meret, ele usaria seu poder para escravizá-la?

—Não. Não posso — Ela lançou o colar sobre o divã.

A cólera alagou a corpulenta cara de Masud. Ele se voltou para Jazmine, quem ficou imóvel.

—É má, Jazmine. Disseram-lhe que deixasse os cavalos dos convidados sozinhos, mas você os mimou a semana passada. Venha agora, é tempo de receber seu castigo.

A moça se encolheu nas almofadas de seda. Seus grandes e escuros olhos se alargaram.

—Sinto muito — gritou ela. —Prometo que não o farei outra vez. Prometeu não me machucar. Prometeu!

Masud pegou o kurbash, o látego de pele de crocodilo, de uma prateleira próxima. Uma feia linha cortou o ar quando ele o sacudiu. Jazmine se enroscou em uma bola. Badra levou um punho à boca para sufocar um grito. Nenhum ruído. O ruído significava que Masud golpearia mais duro.

—Não! Por favor!—Rogou Jazmine.

Sua imobilidade gerada pelo terror se rompeu; Badra agarrou o forte braço de Masud, ele a jogou no chão. Badra envolveu seus braços ao redor de sua perna, se arrastando sobre o tapete quando ele ameaçou a sua inocente filha.

—Eu imploro, por favor, não faça mal a ela — soluçou Badra.

—Só uma coisa manterá meu látego longe de sua carne.

De sua posição encolhida no chão, Badra olhou para sua cara inflexível. Seu olhar choroso foi para Jazmine, tremendo sobre o divã. A decisão parecia clara.

Uns minutos mais tarde, ela forçou um sorriso para Rashid quando ela voltou para a recepção. Havia dito a ele que queria comprar a liberdade de um escravo, e que ao menos uma moça não sofreria como Badra o tinha feito em sua infância. Seu amigo a estudou.

—Badra? Tudo foi bem?

—Não, Rashid, não.

Ela abandonou o bordel, seus passos trôpegos, sua mente entorpecida. Badra se sentiu maldita.

 

Londres, fevereiro de 1895

A calça nova estava muito apertada entre as pernas.

O ar escapou de seus pulmões com angustia quando seu alfaiate deu um puxão em cima do pano negro. Kenneth Tristán, Duque de Caldwell, ofegou dolorosamente quando o corte da calça tocou sua região inferior. Ele murmurou uma maldição em árabe sobre o alfaiate ir se ver com sua família e a fêmea de um chacal do deserto.

—Bom, tive medo disto, Sua Graça. Meu novo ajudante não tinha o tamanho correto. Sua Graça simplesmente é muito maior do que ele falou — o velho alfaiate disse preocupado. Se ajoelhou e estudou a virilha de Kenneth com a mesma intensidade que o cozinheiro francês estudava um corte de vitela.

—Por todos os infernos! Tire isso antes que você me transforme em um eunuco.

O alfaiate olhou para cima com um olhar confuso.

—Peço seu perdão, Sua Graça. Não entendo…

Seu inglês era quase perfeito, mas o grosso acento egípcio causava confusão e muitas testas enrugadas.

Ele apertou seus dentes e disse tão claramente como pôde:

—Tire. A calça não cabe.

Parando, o alfaiate retorceu as mãos.

—Peço perdão, Sua Graça. Temo que meu novo ajudante precise aprender a tomar medidas corretamente.

—Então envie uma mulher para fazer a tarefa. As mulheres sabem como medir corretamente. Confie em mim – ele grunhiu.

Imóvel, Flandes olhou horrorizado. Antes de morrer, o avô de Kenneth tinha contratado um professor de protocolo para ensiná-lo. Ele tinha esperado que Kenneth fosse rapidamente aceito na sociedade inglesa. Mas isto não tinha acontecido.

—Uma mulher nunca, Sua Graça. Seus amigos ficariam horrorizados — comentou Flandes.

Sempre preocupado com seus amigos, os nobres que o desprezavam porque vinha da pagã terra da Arábia. Kenneth olhou para baixo quando o alfaiate deslizou a calça.

—Tampouco cabem nas pernas.

—Recorde, Sua Graça. A gente não diz “perna” ou nenhuma outra parte do corpo — disse Flandes o instruindo. —Não entre companhia educada, ao menos. “Membro” é o termo correto.

Sempre lhe dizendo como falar, o que dizer. Kenneth franziu o cenho.

—Falando de pernas, por que a mesa da sala de jantar está tampada? As pernas são de mogno esculpido à mão e deveriam ser mostradas.

Flandes baixou o tom de sua voz…

—Porque, a visão da mesa… das pernas... Você já sabe… excita aos homens. Simplesmente… não se mostram.

—Bom Deus. Os ingleses podem chegar a estar excitados pelas pernas de uma mesa? —Realmente esta era uma cultura estranha. Humilhado pelos meses de instrução, Kenneth cruzou a longos passos para a sala de estar adjacente, com suas paredes de seda raiada e móveis reluzentes. Ele se inclinou, olhando fixamente o escritório de madeira polida de seu secretário.

Seu acompanhante andou arrastando os pés depois dele, como um grupo de insetos muito apropriadamente vestido de negro. A voz preocupada de Flandes soava atrás dele.

—Peço seu perdão, Sua Graça, mas o que foi?

—Estudo as pernas da mesa. — Ele se endireitou e jogou uma olhada para baixo, na sua virilha. —Não, realmente isto não funciona comigo. Não estou excitado.

Suprimindo um sorriso zombeteiro, ele voltou para seu quarto, resignado a continuar com a tortura. O ajudante do cozinheiro entrou rápido, olhando a seu redor. Kenneth padecia com problemas intestinais. Seu cozinheiro francês preparava molhos de creme muito pesados que erão difíceis de digerir. Mas a pessoa não é respeitada se não tem um chef altamente considerado, e Pomeroy veio extremamente recomendado, contratado pessoalmente por seu primo Victor.

—Peço seu perdão, Sua Graça, o Cozinheiro Pomeroy deseja saber se quer frango ou vitela para o jantar desta noite.

Kenneth fixou o olhar em Flandes.

—Diga que desejo o peito… do frango.

Flandes estremeceu.

—Sim, verdade. Um peito agradável, rechonchudo, branco. Desejo muitíssimo o peito. O maior e melhor.

Esquecido, o ajudante do cozinheiro assentiu e se foi.

Kenneth ficou de pé em sua suntuosa mansão, assombrado de como tinham arrumado sua vida em peças ordenadas: um mordomo para responder sua porta, um criado para acender suas luzes, um cozinheiro para lhe provocar uma indigestão.

O alfaiate tirou uma corda larga.

—Com sua permissão, tomarei suas medidas corretas, Sua Graça.

Em total rendição, Kenneth tirou sua camisa e ficou de pé vestido só com sua cueca branca de seda. Ele estirou os braços, se sentindo como um maldito idiota. O alfaiate colocou a corda na curva de sua garganta. Nenhuma dignidade. Nenhuma privacidade.

—Isto deveria ser o trabalho de uma mulher. Conheço a pessoa perfeita — se queixou ao alfaiate. E fechou seus olhos.

Recordou as tendas negras no deserto egípcio onde um homem podia desfrutar do prazer de uma mulher. Badra. Olhos escuros que brilhavam como as estrelas do firmamento em uma noite negra e aveludada. Seu coração retumbou quando ele recordou beijando suas bochechas ao sol. O balanço cheio de graça de seus quadris fazia que as cabeças dos homens girassem para admirá-la quando passava. O beijo que eles tinham compartilhado sob a pálida luz da lua do deserto…

O sangue se precipitou a sua região inferior.

Kenneth olhou para baixo e emitiu um gemido. O inchaço de seu membro balançou e cabeceou em reação a seus pensamentos. Badra pensou. É obvio, sim, sim, gosto muitíssimo dela. Como um menino desobediente, seu pênis tinha mente própria.

Flandes o olhou horrorizado preparado para desmaiar; o descarado e atrativo alfaiate o olhou impressionado.

—Ai de mim — disse o alfaiate apenas, pondo uma mão em sua cara. —Er... Agora sei que a calça nunca lhe cairá bem.

O gélido olhar de Kenneth se fixou em seu instrutor.

—E qual é, exatamente, o protocolo em um momento como este? — Sem esperar uma resposta, agitou a mão imperiosamente. —Fora! Todos vocês! Enviem meu criado por uma roupa que me sirva, maldito seja! E dê ao alfaiate um traje velho e que tome minhas medidas dele!

Escaparam com a velocidade de um trenó atirado por cães. Kenneth se deixou cair ao chão, sentado como um beduíno. Fechou seus olhos, e começou a respirar profundamente afrouxando facilmente a tensão em seus ombros. Estava tão cansado desde que seu avô morreu. E as pesadas e cremosas comidas que o cozinheiro francês servia não ajudavam. Durante os dois últimos meses se familiarizou muito com um elemento da grande mansão em particular: seu extremamente, extravagante e moderno banheiro.

Um minuto mais tarde soou um golpe na porta. Ele ordenou entrar e abriu um olho. Seu novo criado entrou timidamente, levando a roupa.

—Peço seu perdão, Sua Graça. Se sente bem?

—Eu gosto de me sentar. —disse Kenneth com calma.

O rubor alagou a cara do criado. Kenneth se levantou.

—Você é o criado novo. Hawkins, correto?

—Sim, Sua Graça.

—Contanto que não tome medidas, tudo bem. —resmungou. O jovem lhe ofereceu um indeciso sorriso.

Curioso sobre a vida do criado, Kenneth perguntou a Hawkins sobre suas raízes, descobrindo que o criado vinha de uma família grande ao leste de Londres. O homem conversou sobre eles enquanto recolhia a roupa jogada ao chão, logo chamou Kenneth com gestos para lhe pôr uma camisa nova. O duque ficou em pé, dando volta outra vez com o passar do dourado espelho montado na parede do quarto. Ele ofereceu seus braços e então Hawkins pôde deslizar a camisa.

—Isto, certamente, é uma marca estranha, Sua Graça.

Kenneth olhou os músculos de seu braço direito. A pequena tatuagem de uma cobra que se desenrola chiando de uma forte cor azul. A tocou reverentemente, e logo afastou sua mão como se o queimasse.

—Nunca vi nada parecido. O que significa?

—É um símbolo de meu passado — disse Kenneth brevemente.

A ávida curiosidade brilhou nos olhos de Hawkins quando ajudou Kenneth a colocar o linho grosso e branco sobre seus ombros.

—De seu passado no Egito? Ouvi algo disso. Você viveu com uma tribo egípcia de guerreiros? — Hawkins acomodava o pescoço estranho e apertado que Kenneth ainda encontrava restritivo depois de um ano de levar a roupa inglesa.

Uma dor familiar apertou seu coração como se um punho o espremesse. O assessoramento útil de Flandes de repente soou em sua mente. Não seja familiar com os criados.

—Somente me ajude a me vestir, Hawkins. Não lhe pago para fazer perguntas — disse, fixando o olhar no criado através do espelho.

Hawkins tragando com força disse…

—Eu… peço perdão — gaguejou.

Kenneth sentiu remorso pela apreensão nos olhos do jovem. Hawkins se despediu provavelmente temeroso por ter sido tão familiar. Tinha sido um engano de Hawkins por tê-lo desafiado lhe fazendo perguntas. Acostumado à familiaridade ocasional dos Khamsin, Kenneth ainda achava difícil a adaptação às estritas classes sociais inglesas. Mas sua afabilidade natural devia ser contida.

Você é o Duque de Caldwell agora. Não mais Khepri.

Mas ele estava sozinho. Em um ano, tinha ido viver por acidente entre duas mil pessoas a uma vida de solidão, com apenas criados por companhia em uma casa imensa. Sua vida não tinha nenhum propósito até que ele recebeu os telegramas do Egito.

O olhar fixo de Kenneth vagou pelo mobiliário extremamente gentil de seu enorme quarto de descanso. Sobre o escritório de madeira polida, dois telegramas estavam ao lado de um tinteiro de cobre da Índia e uma pluma de ouro brilhante. Notícias reveladoras e apaixonantes: Um dos colares da Princesa Meret tinha sido encontrado.

O maior sonho de seu pai se realizava.

Durante anos, o pai de Kenneth tinha procurado os colares legendários de pedras preciosas da Princesa Meret. Quando Kenneth tinha quatro anos, seu pai patrocinou uma escavação em Dashur, certamente ele esperava encontrar a entrada à pirâmide e as tumbas subjacentes. Querendo que sua família estivesse presente em seu momento de glória, seu pai os tinha levado ao Egito. Primeiro cruzaram o deserto até o Mar Vermelho em um passeio turístico para explorar a terra antiga.

Foi então quando o Al-Hajid atacou. Os projetos de escavação e seus sonhos tinham morrido com ele.

Mas fazia dois meses Kenneth tinha atribuído uma enorme quantidade de dinheiro para seguir o trabalho de seu pai. Jacques de Morgan, o Diretor Geral de Antiguidades do Egito, tinha estado escavando. Tinha encontrado a entrada às tumbas ocultas, e um dos colares. Exultante, Kenneth tinha começado a planejar sua viagem ao Egito para visitar a escavação ele mesmo. Então tinha se detido.

Quando ele se partiu o ano passado, tinha jurado que nunca voltaria. Muitas lembranças tristes se encerravam no arenoso Egito. Resolvido a receber notícias de longe, ele tinha ordenado que sua bagagem fosse desempacotada.

Mas agora ele tinha recebido outro telegrama. Neste o informavam que alguém tinha roubado o colar. As notícias liberaram o guerreiro dentro dele. Gritos antigos que foram transmitidos por dois mil anos ressoaram em seu interior. O grito de guerra Khamsin. Seu sangue ferveu com essa febre que clama vingança. Hawkins terminou de escovar seu casaco cinza escuro e a calça rajada. Kenneth tocou sua cintura e retrocedeu. Os hábitos demoram para morrer. Não havia nenhuma cimitarra.

Não, ele já não era um Khamsin, mas se sentiu nu sem suas armas.

Mas ao menos seu objetivo de encontrar o ladrão lhe proporcionou um novo propósito. Inglaterra tinha o melhor mercado negro do mundo para antiguidades roubadas. Silenciosamente procuraria nas lojas e acharia a peça que faltava. O desafio o agradou. Ao inferno, necessitava um desafio. Kenneth deu a seu ansioso criado um sorriso de aprovação e silenciosamente o agradeceu. O alívio brilhou visivelmente na cara do homem.

—Chame Zaid — ordenou Kenneth, falando devagar.

—Sim, Sua Graça. — O criado fez uma inclinação com a cabeça respeitosamente.

Tocando o rígido tecido que o cobria, Kenneth olhou fixamente ao forasteiro refletido no espelho gentil. Tinha tudo: riqueza, título, respeito.

E com tudo isso, não tinha nada. Um sentimento de vazio o alagou. Ficou ereto, não fazendo caso à opressão que sentia em seu peito.

—Você me chamou Sua Graça?

Seu secretário apareceu no espelho. Kenneth deu a volta, confundido. Ele não tinha ouvido Zaid se aproximar. Estava perdendo sua legendária capacidade de ouvir um grão de areia na terra? Suas prioridades tinham mudado como mudava a areia sobre as dunas do Egito. Harmonizado agora com o estilo de vida dos ingleses, sua vigilância de guerreiro tinha diminuído.

Estudou o homem de meia idade que estava parado ante ele. Seu avô o tinha encontrado durante uma viagem ao Egito e o tinha resgatado da pobreza. A pele de Zaid era da cor do rico café árabe aliviado com creme. Instruído em inglês e árabe, possuía uma forma de ser, metódica e inteligente. Zaid controlava os assuntos de negócios do ducado com uma tranqüila eficácia; seu avô tinha total confiança nele.

—Disse-lhe, Zaid, que quando estivermos sozinhos, sou Kenneth.

—Sim, Sua Graça. — Um sorriso apareceu nos lábios do secretário.

Kenneth escovou as lapelas de sua jaqueta.

—Mais telegramas do Egito?

—Chegou esta manhã. — Disse Zaid. Kenneth se alarmou e perguntou enquanto acabava de ajustar o laço de sua gravata…

—Quais são as últimas notícias?

Seu secretário leu em voz alta o relatório de Morgan sobre a escavação Dashur. Suas mãos paralisaram sobre sua gravata de fantasia quando assimilou a informação: uma parte de tecido foi encontrada na areia onde o colar tinha sido roubado. O tecido de cor anil era de uma tribo do deserto chamada Khamsin. Morgan disse que quatro Khamsin o tinham visitado justo antes do colar desaparecer. Jabari, Rashid, Elizabeth e Badra.

Ele manteve sua voz tranqüila quando se despediu de Zaid. Então, se perdeu em seus pensamentos, enquanto andava agitado.

Poderia Jabari ter roubado o colar?

A vingança perfeita. Como ele tinha insultado ao xeique quando partiu do Egito. Mas Jabari honrava as antigas ruínas egípcias. Isto não tinha sentido. Profundamente alterado, alcançou um tigela de porcelana cheia de gotas de limão. Pôs um caramelo em sua boca. E rapidamente o saboreou, mas a fome ainda impelia dele. Baixou a escada polida e se dirigiu à cozinha. Na porta fez uma pausa, recordando as instruções de Flandes. Tocar o sino se desejava algo.

Ao diabo com o maldito sino. Por que simplesmente não podia conseguir um pedaço de fruta em vez de toda esta pompa e cerimônia? Ele queria cortar uma laranja com seus próprios dedos, inalar o forte aroma cítrico, sentir o jorro de suco em sua boca quando a mordia, e não a que era oferecida em quartos delicadamente cortados.

Kenneth empurrou a porta da cozinha a abrindo e se deteve.         

Seu cozinheiro francês estava de pé ante a mesa de madeira, franzindo o cenho a uma criada da cozinha que soluçava. Uma parte grande de vitela crua e vermelha estava exposta sobre a tábua de cortar como se fosse um sacrifício. Por um momento, pensou em partir. Em troca, olhou fixamente ao cozinheiro, que de repente notou sua presença. O homem gritou uma ordem e todos os outros no cômodo inclinaram suas cabeças.

—Por que está gritando? —perguntou Kenneth sinceramente.

Um tic nervoso apareceu na bochecha rechonchuda do cozinheiro.

—Realmente, Sua Graça, não é nada pelo que você deva estar preocupado. É sobre… um mero assunto do pessoal. Eu estava despedindo a moça.

Instintivamente, Kenneth avaliou o assunto quando descobriu o ventre arredondado da moça. Estudou a criada. Seu olhar avermelhado sustentou o seu, de uma maneira suplicante.

Kenneth pensou nas legiões de criados que estavam preparados para cumprir suas ordens, alfaiates que mediam suas partes íntimas, e um secretário social que se preocupava excessivamente do apropriado protocolo para um duque. Seus pensamentos retornaram a Londres, a névoa fria e a esta moça que vagaria por essas úmidas ruas, pedindo um trabalho, caminhando arrastando os pés devagar, suas bochechas gastas e com desesperança em seus olhos.

A cólera ferveu lentamente dentro dele. Como esta sociedade podia tão facilmente despedir uma mulher que levava um menino ilegítimo quando fazia ostentação de seus maiores pecados?

—Você não a despedirá — disse com autoridade tranqüila.

Beady de Pomeroy o olhou incômodo. As ninharias de seu fino bigode tremeram. Jogava faíscas como lança a manteiga quando cai sobre uma frigideira quente. Kenneth o olhou com interesse; o efeito era bastante cômico.

—Mas Sua Gr… Graça — gaguejou o cozinheiro.

—Simplesmente porque a pobre moça está em uma circunstância desafortunada, você a jogará na rua?

Pomeroy gaguejou um pouco mais. Sua cara ficou mais carmim que a porção de vitela sobre a tábua de madeira.

Kenneth foi para a criada, que secava o rosto com seu avental manchado.

—Você não vai embora. Não perderei uma boa ajuda.

—Obrigado, Sua Graça — sussurrou ela, retorcendo suas mãos gretadas. — Ele disse que se casaria comigo e logo se foi.

—Todo mundo comete enganos. — Kenneth pensou em Badra, seu mais triste e próprio engano, e de seu rechaço ao matrimônio.

O sangue quente subiu à cara de Pomeroy. Ele o olhou preparado para explodir.

—Sua Graça. Devo insistir… você não deve permitir que ela permaneça aqui. Isto daria mal exemplo para o resto dos criados.

Kenneth virou para a criada da cozinha.

—Você pode cozinhar?

Ela assentiu com a cabeça.

—Cozinhei para minha família, Sua Graça. Pratos simples, mas…

—Bem. Simples soa encantador. Pode começar com o jantar esta noite. Você é agora a nova cozinheira. — Kenneth dirigiu ao cozinheiro francês um tranqüilo e calmo olhar. —Recolha suas coisas. Você está despedido.

A mandíbula de Pomeroy caiu,

—Mas, mas… — balbuciou.

—Hoje — disse Kenneth em tom tranqüilo.

Então, se sentindo muito mais alegre, foi fazendo caso omisso do protesto encolerizado de Pomeroy que gritava em francês e escapou à tranqüilidade de sua biblioteca. Ali se afundou em uma cadeira acolchoada e apoiou seu queixo sobre o punho, olhando fixamente as chamas que rangiam na branca chaminé de mármore. Cada quarto tinha um fogo rugiente. Ele era rico e podia se permitir o carvão. E ainda assim, sentia um maldito frio…

Um pequeno ruído chamou sua atenção para a entrada. Zaid estava parado ali, com um montão de papéis na mão. O coração de Kenneth se encolheu.

—Necessitam minha assinatura?

Zaid assentiu. Kenneth fez gestos para a escrivaninha de madeira polida. Se sentou em sua cadeira maciça e olhou fixamente os grossos documentos que Zaid lhe entregou. Pareciam oficiais e importantes.

Devagar molhou a pluma grosa de ouro no tinteiro. Sua mão se abateu em cima da vitela. Kenneth endireitou suas costas e desenhou os curvilíneos e intrincados redemoinhos, que de fato não tinham sentido para ele. Se viam muito oficiais. Zaid regava areia sobre sua assinatura para secá-la.

Kenneth pegou seu relógio de ouro do bolso de seu colete. Seu amigo, Landon Burton, o Conde doe Smithfield, tinha lhe pedido que se encontrassem na loja de antiguidades de seu primo Victor. Tinha prometido uma pequena surpresa.

—Ordene a carruagem, Zaid. Chego tarde para minha reunião com Lorde Smithfield.

Quando o secretário partiu, Kenneth olhou fixamente as partículas que se aderiam à tinta negra sobre o papel. Areia. Egito. Seus pés tinham muita vontade de andar pela terra a que ele uma vez chamou lar. Mas aquilo já não era seu lar.

Que ironia. O duque inglês que tinha jurado nunca mais voltar para o Egito e que tinha saudades daquela terra mais que nada, além disso. Se sentiu à deriva, sem um país ou cultura a que pertencer. Desde o momento em que tinha abandonado o Egito, jurou esquecer à mulher que tinha esmagado seu coração. Badra pertencia a seu passado, quão mesmo ele quando montava a cavalo e o vento soprava através da praia escura e balançava uma cimitarra com seu poderoso braço. Quando o chamavam Khepri. A lembrança da beleza de Badra o chamava como a canção de uma sereia. Teve que tampar seus ouvidos para não ouvir a melodia.

Deus o ajudasse se alguma vez voltasse a vê—la. Que Deus ajudasse a ambos.

 

Esta tarefa era muito mais perigosa do que ela tinha esperado. O coração de Badra saltou quando olhou fixamente pela janela da carruagem. Empanando a janela com seu hálito, escreveu nele seu nome em inglês. As letras a fizeram sorrir. Antes tinha sido uma analfabeta. Agora podia ler e escrever em ambos os idiomas, tanto em inglês como em árabe. Este tinha sido seu lucro maior.

A preocupação se apoderava dela. Ia enfrentar agora a seu pior fracasso?

O contrabando de artigos roubados que pertenciam a um desconhecido era uma coisa. Mas um colar que pertencia a Khepri? O suor umedeceu suas mãos, fortemente apertadas dentro de seu manto de pele.

A terra fria e cinza que agora Khepri chamava sua casa, esfriou seu sangue. Badra tinha saudades das mornas areias do Egito, das brisas suaves do deserto e do calor dourado do sol. Estremeceu ante os aromas de Londres e da multidão, pelo grosso manto de fumaça negra procedente do carvão que enchia o ar, pelas súplicas lastimosas dos meninos que mendigavam se agrupando nos portais, e o clipe-clop contínuo das carruagens que se precipitavam pelas ruas, indiferentes à sujeira e lixo acumuladas no meio-fio.

Deu uma olhada em Rashid, que estava falando com Lorde Smithfield.

O pai de Catherine. O conde os tinha ajudado a localizar um contato de confiança para vender as peças de ouro Khamsin. Com esse dinheiro, eles poderiam educar aos meninos da tribo na Inglaterra. Rashid ainda usava sua calça e seu binish de cor anil, o turbante que escondia seus compridos e escuros cabelos. Sua única concessão ao estilo inglês era a capa de lã grossa, e isso somente para evitar o gelado ambiente.

Chegando a seu destino, Badra apertou firmemente sua capa de lã, porque o vento assobiava a seu redor. Com esta roupa se sentia estranha. Tinha um ou outro problema para andar com as botas de cordões. Um quadro de madeira balançava a mercê do vento invernal, por cima da entrada. Nele leu: ANTIGUIDADES.

Badra seguiu Rashid e o conde dentro do estabelecimento. Um pequeno sino de prata tilintou alegremente quando a porta se abriu. Ela ficou atrás, fingindo que admirava os brilhantes artigos em suas vitrines de vidro. Quando o proprietário convidou os homens a uma sala discreta para fazer suas transações, conteve a respiração.

Os olhos de um empregado se encontraram com os seus. Era um dos que vendiam artigos no mercado negro escondido de seu patrão.

Badra, tal como lhe tinham explicado, retirou furtivamente o colar egípcio da pequena bolsa que levava e o colocou sobre o mostrador. A culpa a assaltou. Se Jabari soubesse o que ela estava fazendo, desonrando sua herança para ser uma assaltante de tumbas…

Deixando de lado a culpa, falou rapidamente em um inglês perfeito. O empregado estudou o peitoral egípcio. Nele se destacavam um desenho de dois Grifos e Nekhbet, a Deusa Abutre. Cornalinas e lapislázulis brilharam sob a luz.

—Encantador — disse ele, maravilhado com seu intenso brilho.—. Será difícil de duplicar, mas proporcionará um bom dinheiro quando estiver feito.

Duplicar? Então esse era o motivo pelo qual Masud queria que o colar passasse de contrabando por aqui. O empregado fazia copia. Não importava. Sua tarefa tinha acabado, garantindo a segurança de Jazmine. O empregado entregou um maço de notas de uma libra para Masud. Quando segurou, a mão de Badra tremeu. Se convertera em um meio de transporte para bens roubados e dinheiro sujo.

Tinha guardado as notas em seu manto quando o pequeno sino de prata tilintou outra vez. Badra deu a volta para olhar o visitante. Um suspiro entrecortado saiu de seus lábios quando olhou fixamente o par de ardentes olhos azuis, tinha pensado que nunca voltaria a vê-los outra vez.

Khepri.

Badra.

O tempo deu um passo atrás, enquanto ele avançava.

Cambaleando pelo choque, Kenneth olhou fixamente a mulher que ele tinha amado uma vez. Não podia pensar ou respirar. Adorou sua beleza exótica, o familiar feitiço das mil e uma noites quentes, e os segredos dentro das negras pupilas sob o céu imensamente estrelado. Aqueles luminosos olhos negros, maçãs do rosto delicadas e a boca suave que ainda faziam seu coração palpitar com um frenético pulsar. Seus olhos se dilataram como se tivesse medo. A boca de Badra se contraiu violentamente. Ela deu um passo para frente, tremendo como um potro recém-nascido, e ameaçando cair...

O hábito — enraizado durante cinco anos — de protegê-la, mesmo se somente seu pé se machucasse pelo raspão em uma rocha, fez com que ele se precipitasse para segurá-la pelo cotovelo, a estabilizando. Seus olhares se encontraram e se uniram, marrom escuro sobre um azul profundo. Sua boca em forma de coração se separou brandamente,

—OH!…

Kenneth compreendeu que o braço que tinha segurado estava vestido com um tecido cinza suave e inglês. O choque o sobressaltou.

Badra vestida com roupas inglesas... era como ver a estátua de pedra calcária do Faraó Ramses II com traje e gravata.

Sublimemente ridículo.

Mas nem isso podia diminuir sua beleza, mesmo que estivesse vestida com o tecido de um saco.

Controlando suas emoções, Kenneth se endireitou e cruzou suas mãos atrás de suas costas.

—Olá! Badra — disse em um inglês formal.

—Khepri — respondeu ela. Sua voz criou uma nota de sensualidade ao redor dele como um cachecol de seda, levando seus sentidos à loucura.

—Kenneth — corrigiu ele.

Khepri recolheu o manto que ela tinha deixado cair, e uma nota de uma libra que rodopiou até o chão. Kenneth ofereceu ambas as coisas, profundamente curioso. Levantou suas sobrancelhas inquisidoramente.

—Eu… Não sei onde pôr o dinheiro inglês — gaguejou ela.

Inclinando a cabeça para a ridícula bolsinha que balançava em seu braço, indicou o lugar exato para levá-lo.

—Foi bom ver você outra vez, Khep…, quero dizer, Kenneth. — Badra pegou o dinheiro e o agasalho. Uma brilhante e atraente cor rosada manchou suas bochechas, enquanto pensava que ele estava nervoso, mas que ela se notava muito mais.

—Vejo que está bastante bem — assumiu ela.

Ele a olhou fixamente. Bastante bem? Quando tudo o que ele queria era aprisioná-la entre seus braços e beijá-la até a loucura? Quando ela o tinha ferido profundamente com seu desprezo? Uma risadinha seca lhe escapou. Cruelmente, isso o fez voltar para a realidade.

—O que faz aqui, Badra?

—Rashid e eu estamos visitando lorde Smithfield.

Silenciosamente ele amaldiçoou. O conde provavelmente pensou que ele gostaria de ver os membros da tribo que o criaram. Não acreditava possível.

—Por que? —perguntou sem rodeios.

—Ramses devia vir, mas Catherine está grávida, e ele estava preocupado se uma viagem tão longa a prejudicaria. Viemos em seu lugar. Recorda os artigos armazenados na tumba do antepassado de Ramses?

Ante sua repentina inclinação de cabeça, continuou.

—Lorde Smithfield está nos ajudando a vender algumas peças. Com esse dinheiro, Jabari enviará alguns dos meninos à escola na Inglaterra. Precisam aumentar sua educação. — Sorriu. — está seu avô?

Sua garganta se contraiu.

—Meu avô… morreu faz dois meses. Adoeceu repentinamente. Agora, eu sou o Duque de Caldwell. — Ele fechou seus olhos brevemente, então os abriu. —Mas fui muito afortunado, porque pudemos passar algum tempo juntos antes que falecesse.

A compaixão encheu seu rosto encantador.

—Oh, Kenneth, quanto o sinto. Por que não nos escreveu contando isso?

   Ele queria esquecer a tribo. Eles não conheciam nada de sua vida privada. Tinha tido muita vontade de compartilhar com eles a profunda dor que sentiu após recuperar a terra de seu avô, e quando o perdeu. Havia se sentido terrivelmente sozinho.

Mas não podia dizer-lhe...

Bruscamente, mudou de assunto.

—Entendi que você visitou minha escavação em Dashur. Viu algo que você gostasse?

Duas manchas escarlates coloriram suas bochechas.

—Isto...foi muito educativo. Como você soube que nós estivemos lá?

—Sei tudo sobre essa escavação. — Estudou seu rosto, seus grandes e formosos olhos. Perdido enquanto a olhava fixamente, Kenneth sentiu aumentar o desejo familiar. Lutou contra ele. — Como está Elizabeth? Apreciou a pirâmide?

—Muitíssimo. Ela e Jabari. Foi uma surpresa bem-vinda para eles. Tarik está perto dos dois anos e é muito… — um brilho cintilou em seus olhos — é como um menino.

Outra vez, a saudade pela areia do deserto que uma vez chamou de lar o afligiu. Kenneth olhou para Badra. Ela usava um suave vestido cinza com mangas bordadas. Um quente chapeuzinho de feltro cobria seu sedoso cabelo, da cor da meia-noite, penteado em um coque apertado. De todas as mulheres inglesas com que ele se encontrou, e daquelas com que se deitou em uma frenética tentativa de esquecer Badra, nenhuma podia igualar sua beleza exótica.

Manteve suas emoções controladas, não se deviam mostrar ao inimigo. Jabari assim o tinha aconselhado. Será assassinado sem piedade, disse-lhe. Deus, o xeque tinha razão, só que nunca o tinha advertido que o inimigo poderia ser uma formosa mulher.

—Transmita a ele minhas saudações — disse a Badra resolutamente.

Depois daquelas depreciativas palavras, se dirigiu até o empregado da loja que lhe dirigiu um amável sorriso. Kenneth colocou suas mãos sobre o balcão e o olhou penetrantemente.

—Chegou-lhes alguma peça nova? Estou interessado, em particular, por um peitoral egípcio de ouro. Um desenho com dois Grifos e uma Deusa Abutre.

 

Ah me ajude, Deus, pensou Badra desesperadamente. Seu coração batia como um tambor contra seu peito. Seus olhos implorando ao empregado, que voltasse seu fixo olhar de volta a Kenneth.

—Não, Sua Graça. Não tenho tal preciosidade. — O alívio a fez relaxar seus ombros quando ele discretamente fechou a gaveta que continha o colar roubado.

Kenneth tamborilou seus dedos sobre o mostrador, olhando atentamente na vitrine. Badra o estudou, este homem que uma vez jurou protegê-la com sua vida. Agora era um desconhecido. Ela nunca poderia tê-lo reconhecido, a não ser por aqueles intensos olhos azuis. Seu longo e grosso cabelo negro se acomodava contra o colarinho de seu casaco. As bochechas que tinham estado cobertas com uma barba bem recortada, estavam agora completamente barbeadas. Tinha um queixo quadrado. A barba tinha ocultado este traço. O barbeado acentuava seus lábios cheios, sensuais e um nariz fino. Se Khepri tinha sido simplesmente bonito, este chamativo desconhecido era assombroso, tanto em seu aspecto bem másculo como em suas maneiras decididas. Seu sobretudo de lã pendurava em linhas retas sobre suas coxas. Ela jogou uma olhada a seus pés, não calçados com botas de suave couro azul, e sim com sapatos negros extremamente polidos.

Uma vez, aqueles olhos azuis tinham sido amistosos. Agora pareciam mais frios que o gélido ar do ártico. Estava observando a um verdadeiro duque inglês, os amplos ombros do Kenneth tinham uma postura real com as mãos entrelaçadas a suas costas.

Ele sempre tinha parecido alerta e serio, vigiando cada um de seus movimentos, e agora ela temia que lhe dirigisse um olhar por sua respiração acelerada e que lhe fizesse perguntas, exigindo respostas. Mas ele simplesmente estudou os artefatos, perguntando por suas origens. Escutaram vozes quando a porta da habitação traseira rangeu se abrindo. O coração de Badra falhou um batimento quando Rashid entrou.

Ante o som, Kenneth se voltou. Rashid se deteve. Os batimentos do coração de Badra se triplicaram.

Os dois homens se encaravam olho no olho. Badra estremeceu ante a antipatia ardente refletida nos olhos café de Rashid. Lealmente, considerava Kenneth um traidor a seu xeque.

Seus olhos se entrecerraron.

—Olá! Khepri — disse Rashid em árabe, sua mandíbula tensa sob sua cerrada barba negra. —Vejo que está ainda vivo e bem. Uma lástima.

O peito de Badra se contraiu pelo pânico quando Kenneth entrecerrou seus olhos e respondeu na mesma língua,

—Não pensei que alguma vez o veria de novo, Rashid. — Fez uma pausa e lhe dirigiu um sorriso glacial. — Uma lástima.

—Acredito que deve algo por ter insultado Jabari com sua partida, Khepri. — falou Rashid.

Kenneth sorriu com gravidade.

— Me mostre a conta então, se for o suficientemente homem, já que não quero estar em dívida com você.

Rashid dirigiu sua mão a seu flanco, ao mesmo tempo em que Kenneth o fazia. Badra olhou com assombro.

Agradecia que nenhum levasse armas. A hostilidade gritava em suas posturas quando deram voltas entre si como cães grunhindo. Ambos apertaram seus punhos à altura de seu peito. Ambos os homens eram aproximadamente da mesma altura, com o mesmo peso e músculos. Facilmente poderiam matar um ao outro com as mãos nuas.

Escutaram vozes quando a porta da habitação traseira foi aberta de repente outra vez. O proprietário e Lorde Smithfield entraram. Imediatamente, o conde deu um passo adiante e colocou uma mão sobre o braço de Rashid.

—Acertaremos depois — disse o conde secamente.

O guerreiro Khamsin se arrepiou com raiva, logo afastou o braço do nobre. Deu um passo para trás com uma breve inclinação de cabeça.

—Por honrar meu anfitrião, não derramarei seu sangue aqui — disse Rashid, o olhando com cautela—. Mas se considere advertido, traidor. Chegará o dia.

—Será bem-vindo então — respondeu Kenneth com voz perigosamente suave—. Não me subestime simplesmente porque levo roupa inglesa agora. Sabe que posso te derrotar.

Ela respirou mais facilmente quando Kenneth pareceu controlar seu temperamento. A cara de Rashid ainda estava avermelhada de fúria. A expressão de Kenneth se endureceu quando lhe deu uma olhada.

— Usa melhor sua destreza em combate para proteger a Badra. Ela é sua primeira obrigação. Ou esqueceu que Jabari te ordenou cuidá-la?

Seu estômago se sacudiu com repugnância ante a violência refletida nos olhos escuros de Rashid.

—Não esqueci. Minha primeira obrigação é proteger Badra de você.

Ah, Rashid, Badra disse silenciosamente, suplicando com seus olhos. Por favor não… não o machuque mais que já tenho feito…

Mas era muito tarde. A mandíbula de Kenneth se esticou como se Rashid lhe tivesse dado um golpe mortal com sua cimitarra.

—Realmente crê que eu abandonaria tudo o que honrei como um guerreiro Khamsin e deliberadamente machucaria à mulher a que com um juramento de sangue prometi proteger?

—Você já não é um Khamsin — disse Rashid sem se alterar. As palavras ficaram no ar, que vibrava com silenciosa ameaça.

Kenneth se voltou para ele.

—Pensa que desejo vingança?

Acaso se vingaria se a oportunidade se apresentasse? Badra se perguntou. Ela pensou no colar. Sorriu para ocultar sua ansiedade.

—Acredito que tomamos muito tempo deste bom comerciante e lhe proporcionamos bastante drama para uma tarde. Possivelmente será melhor que nós partamos. Agora mesmo — disse ela.

Kenneth retrocedeu, como se o tivesse esbofeteado.

Badra tinha evitado responder a sua pergunta direta. Isto significava que ela acreditava que ele na realidade lhe faria mal? Depois de todos os anos que tinha passado protegendo sua vida mais que a sua própria?

Dando-se conta de que tinha a boca aberta, Kenneth assumiu uma expressão neutra. Comprimiu os lábios, ocultando sua confusão interior. Smithfield girou para ele com um olhar de desculpa. Kenneth curvou seus lábios em um sorriso frio.

—Agradável surpresa — disse.

O conde suspirou.

—Pensei que você gostaria de ver as peças que eles trouxeram consigo para vender a seu primo.

Kenneth jogou um olhar tranqüilo, mas carrancudo a Rashid.

—Só se houver uma adaga muito afiada entre elas.

Badra olhou fixamente a Víctor. Estava de pé tão alto como Kenneth. A aguda inteligência irradiava de seus brilhantes olhos azuis, seu rosto era magro e longo.

—O Sr. Edwards, o proprietário… ele é seu primo? — Perguntou ela.

—Deveria recordar dele. O viu no acampamento Khamsin quando ele e meu avô chegaram para me levar com eles — disse Kenneth com serenidade.

—Não me dei conta… — Ela andou ao redor de Víctor —. Não tem barba agora, e seu cabelo é…

—Pouco — Víctor esfregou uma mão sobre sua cabeça quase calva—. E ganhei peso. Lamento dizer que não recordo de você. Ou deste moço Rashid, aqui, tampouco. Conheci muitos de vocês naquele dia. Os rostos se parecem muito.

—Sim, nós parecemos todos iguais — cortou Rashid, franzindo o cenho.

Smithfield parecia incômodo. Cabeceou para sua carruagem.

—É melhor que partamos agora. Caldwell? Parte também? — O conde olhou atentamente a janela—. Seu chofer está aqui?

—O enviei a casa com instruções para voltar em uma hora — admitiu Kenneth.

Ele deu uma olhada para o lado de fora pela vidraça e notou a carruagem do conde. O sangue quente esquentou sua cara de repentino constrangimento. Outra bola fora. Os nobres ingleses não enviavam seus choferes de volta para esquentar seus ossos congelados diante do fogo enquanto seus patrões faziam as compras. Os nobres os faziam esperar sob o frio. E se eram amáveis como Smithfield, equipavam seus choferes com peles quentes e lhes davam pequenas estufas de carvão para esquentar seus pés.

—Estou indo agora — cortou Smithfield com delicadeza—. Há muito espaço em meu carro. Gostaria de me acompanhar?

O alívio o alagou ao não ter necessidade de voltar andando no rigoroso vento. Kenneth se inclinou energicamente, e silenciosamente agradeceu ao homem com seus olhos. O conde viúvo, quem se tinha casado com uma princesa egípcia, era um amigo. Estava familiarizado com a cultura egípcia. Tinha demonstrado ser uma verdadeira fonte de informações quando Kenneth lutava para se adaptar à cultura inglesa. Quantas vezes o homem o tinha resgatado do desastre social, o tinha treinado nas maneiras mais finas e o tinha instruído nos temas apropriados aos ricos ingleses, mas completamente estranhos para ele?

Smithfield se voltou para Rashid.

—Prefiro caminhar — disse Rashid. Dirigiu um olhar significativo a Badra—. Caminhará comigo?

Badra deu um passo adiante e cambaleou.

—Duvido que pudesse caminhar com esse calçado — disse Kenneth secamente—. A não ser que a carregue durante todo o caminho.

—Possivelmente o faria — disparou Rashid a suas costas.

—Não, estarei bem — disse ela rapidamente. —Rashid, te espero na casa do conde.

Seu Falcão guardião caminhou com passo majestoso e abandonou a loja.

Dentro da carruagem, Badra se permitiu um trêmulo suspiro de alívio quando o veículo arrancou. Kenneth tomou assento em frente a ela. Ele acomodou suas largas costas em uma esquina, olhando fixamente em silencio pela janela. A agitação sacudiu seu frágil controle. Seu Khepri. Como sentia falta dele! Badra queria entrelaçar seus dedos com os dele, sentir a força bruta que a tinha protegido durante cinco anos e encontrar o guerreiro no que este novo inglês se transformou. Possivelmente poderia encontrá-lo outra vez, considerando o tempo. O destino os tinha reunido uma vez mais. Mas a cara doce, inocente de Jazmine apareceu ante ela. Seus punhos se apertaram dentro de seu manto. Devia voltar para o Egito quanto antes para salvar sua filha da escravidão.

Badra se apoiou contra o aveludado assento e viu que Smithfield lhe sorria.

—Sente saudades do Egito? — Perguntou em inglês.

—Sim — admitiu—. Sinto que nunca estarei aquecida outra vez até que sinta seu sol sobre minha cara.

—O Egito é de longe muito diferente da Inglaterra. Às vezes me pergunto como se adapta Catherine — comentou.

—Ela o faz muito bem e sente falta de seu pai.

O conde sorriu afetuosamente. Tristemente, tocou o único fio de cabelo cinza sobre seu cabelo escuro.

—Outro neto. Sou muito jovem para ser avô. Mas não me preocupo com ela. Ramses é um bom marido e pai.

E se preocupa muito com Catherine, pensou. Badra facilmente tinha convencido ao protetor guerreiro de que fazer uma viagem tão comprida exigiria muito de sua esposa recém grávida. Tinha assegurado que ela poderia entregar em seu lugar a máscara de ouro da múmia para Lorde Smithfield em seu lugar. Seu Falcão guardião tinha retrocedido, se negou a visitar a Inglaterra. Badra fez uma careta de dor, recordando quando ele finalmente tinha admitido por que: Um inglês que tinha visitado o acampamento Al-Hajid fazia tempo e tinha abusado de Rashid, ainda vagava por aí livre…

A carruagem foi mais devagar. O conde deu uma olhada pela janela.

—Tráfico. Insólito nesta época do ano.

Ela e Kenneth centraram sua atenção no exterior, estudando o vívido quadro congelado, bancos vazios e árvores despojadas de folhas. De repente os limites da carruagem pareceram muito apertados e quentes. Badra deslizou a janela para baixo, permitindo que uma rajada de ar fresco, gelado se filtrasse na carruagem.

Passaram junto a um transporte negro reluzente adornado com um brasão de ouro. O carro se balançava para frente e para trás violentamente. As janelas estavam fechadas com venezianas e com cortinas espessas.

Smithfield fez um som impaciente e abriu a porta, saindo da carruagem.

—Vou ver qual é o problema. Temo que estejamos presos. Fiquem ai — ele saiu, e fechou a porta.

—Aquela carruagem se balança. Muitíssimo — observou Kenneth.

Agradecida de que ele tivesse quebrado seu detestável silêncio, Badra se inclinou para frente e olhou com atenção o lado de fora. Por sua janela aberta escutava os ruidosos gemidos e os gritos que provinham do veículo.

Sua cara se tornou escarlate. Ela gaguejou, pensando que os ingleses só faziam isso atrás das portas fechadas.

—Sua porta está fechada.

—Mas, eles… estão em público!

Ele olhou outra vez.

—Sim. Meu instrutor de protocolo poderia fazer um comentário ou dois sobre sua escolha de lugar.

Uma faísca repentina de risada brilhou em seus olhos. Então desapareceu, sendo substituída por um olhar calculador quando ele observou suas bochechas escarlates. Um frio repentino se apoderou dela. Estava desfrutando de sua humilhação. O Duque de Caldwell se inclinou para frente. Seu olhar ia para a carruagem e logo retornava sobrecarregado a ela. Seu olhar caiu então em suas apertadas coxas ocultas por capas de lã. Um sorriso lento e perigoso curvou seus lábios.

Anteriormente, seu guardião nunca teria considerado tal pensamento e olhar calculador. O punho de Khepri teria acertado imediatamente o queixo do outro homem por tal impertinência.

Mas ele era Kenneth agora. Já não era Khepri.

A cólera ardente a percorreu.

—Isto é algo que faz também? Isto é vulgar, algo que eu nunca teria esperado de você.

Um olhar gélido se deslizou sobre ele.

—Isso não. Não tenho necessidade de uma carruagem. Algumas mulheres inglesas encontram minha cama perfeitamente encantadora.

O sangue alagou suas bochechas novamente quando as agulhadas de ciúmes a atravessaram. Surgiram imagens de uma preciosa loira inglesa que gemendo envolvia suas brancas coxas ao redor das nádegas de Kenneth enquanto ele a investia contra o colchão.

Outra imagem a substituiu: o corpo inchado e gordo do Xeque Fareeq se inclinando para ela, seu gordo punho cruelmente machucando e marcando sua tenra pele e logo se lançando para ela sobre as peles de cordeiro e se empurrando dentro dela. Ela gemendo e gritando de dor…

Badra tragou saliva e subiu a janela com um estalo agudo.

O ar gelado entrou na carruagem quando Smithfield abriu a porta e subiu dentro.

—Não deve demorar agora. O carro deu um tranco quando passou em um buraco. Estão limpando o caminho. — Seu olhar se dirigiu ao objeto de sua atenção. —É a carruagem do Barão Ashbury. Mas ele está doente, em sua propriedade rural. Sua esposa deve estar na cidade, e não pôde conseguir a ninguém que despertasse.

—Ou, provavelmente ela conseguiu despertar a alguém — falou Kenneth.

Os olhos azuis do conde se alargaram quando captou o significado ante a visão do carro se balançando.

—Bom Deus. Ela certamente o fez.

O peito de Kenneth retumbou com uma profunda gargalhada. Badra sentiu avermelhar suas bochechas ante a ardente vergonha. Agradeceu que sua carruagem se movesse nesse momento e eles puderam avançar.

O conde a olhou com uma desculpa em sua expressão.

—Espero que isto não a incomode, Badra.

Ela esboçou um trêmulo sorriso, sem querer causar constrangimento a seu bom anfitrião.

—Está tudo bem, Lorde Smithfield Só que não estou acostumada a ver… tais coisas.

—Certamente que não, especialmente vivendo no harém de um xeque —disse Kenneth em tom zombador em árabe.

Smithfield disse quedamente na mesma língua,

—Acredito que deveríamos falar em inglês. Badra está desejosa de praticar a língua e possivelmente se você a pratica atuará melhor como o civilizado cavalheiro inglês no que quer se converter.

Kenneth murmurou uma desculpa em inglês.Um pesado silêncio caiu quando ele centrou sua atenção na janela. Seu corpo estava tão rígido como um pedaço de madeira. Uma vez mais Badra pensou como seu guardião tinha mudado. Ele já não pertencia a seu mundo.

Smithfield riu para romper a tensão.

—Você terá muitas oportunidades de praticar o inglês em meu jantar, Badra. Caldwell, acredito que você ainda virá?

A cara do duque se endureceu.

—Não perderia isso por nada. Espero com impaciência.

A tensão enrijeceu os músculos de Badra. Um jantar formal? Ela já se sentia estranha quando as pessoas a olhava na rua. Ela era egípcia. Diferente. Khepri tinha seus amigos ingleses, suas tradições inglesas e a cultura. Se confundia com a estrutura desta sociedade. Ela se destacava como uma pirâmide sobre as ruas úmidas e sujas de Londres.

O silêncio caiu outra vez sobre a carruagem. Badra tocou o dinheiro que ela tinha recebido, recordando-se sua maior prioridade. Suprimiu um estremecimento de temor ante a possibilidade de ser apanhada. Detida, publicamente envergonhada, desonrando a sua tribo. Mas sua filha devia ser salva. Não importava qual fosse o custo.

Badra dirigiu um olhar furtivo para Kenneth, quem olhava fixamente a janela. Inclusive se o custo fosse a sua própria vida.

 

Tarde da noite Kenneth estava deitado em sua pesada cama com dossel onde nobres gerações do Tristán tinham sido concebidos. O opulento leito era tão radical, como as dunas do Egito, com intrincadas flores esculpidas sobre grossos postes de madeira como troncos de árvore. Sentia saudades de sua simples cama Khamsin; suave, portátil e cômoda.

As lembranças o atormentaram, quentes noites desérticas e o canto sensual de Badra. Se voltou e golpeou o travesseiro de plumas. Tratando de conciliar o sono, o bendito esquecimento. Mas este não chegou.

E se ela tivesse casado com ele e ele ficado como um guerreiro Khamsin? Ou se ela tivesse escolhido deixar sua vida no deserto para ser sua duquesa? Um pálido sonho zombou dele: Badra do seu lado dando um passeio pela Rua Bond. Badra presidindo sua mesa com encanto e elegância. O corpo nu de Badra apertado embaixo dele, dando suaves gritos de prazer, enquanto concebiam ao próximo duque de Caldwell. Seu primogênito crescendo dentro de Badra, seu brilho de orgulho igualando ao próprio.

A dor o atacou, tão intensa como se uma cimitarra cravasse em seu coração. Kenneth enterrou sua cara em seu travesseiro, sufocando um profundo gemido. Ele devia esquecê-la.

Mas como poderia fazê-lo?

Tinha apagado da mente cada um de seus movimentos durante cinco anos. Agora o destino tinha pregado uma brincadeira cruel; ela agora o relembrava a ele com igual zelo.

Infernos sangrentos, gostava desta frase inglesa, seu corpo ainda pulsava de desejo por ela, a desejando tão loucamente como um homem que morria de sede lentamente no deserto. Ele tinha pensado que era capaz de desterrar as lembranças de seu tímido e doce sorriso. Não podia apaga-la de sua mente da mesma maneira que não podia eliminar a tatuagem de cobra em seu braço direito. Ambos estavam esculpidos nele permanentemente.

Um suor frio deslizou por suas costas. Queria encontrar ao ladrão ele mesmo, não depender de outros. Kenneth se comprazia com as imagens dele mesmo capturando ao ladrão, imaginando o brusco som da porta de sua cela se fechando atrás dele.

Aos poucos caiu no sono. Até que algo o despertou. Seu agudo sentido de guerreiro, afiado pelos anos de batalha, voltou à vida. Seu olhar se dirigiu as janelas de vidro abertas que conduziam ao terraço, que davam para o jardim. Uma sombra caiu justo dentro do quarto.

Kenneth estava estendido perfeitamente imóvel mesmo quando o intruso se deslizou para dentro. O brilho da lua refletia com um brilho de prata.

A faca baixou com a velocidade de um relâmpago, mas ele reagiu de imediato e rodou, agarrando a munheca de seu atacante. A dor flamejou brevemente quando a faca arranhou seu braço. Kenneth lançou um murro diretamente no peito de seu atacante. Um gemido de dor foi sua recompensa, e seu atacante se dobrou e se afastou. Então ele escapou.

Kenneth saltou da cama e se lançou atrás da figura que escapava, que repentinamente deu a volta e lhe acertou um chute no estômago. Kenneth ofegou, o fôlego escapou de seus pulmões. Seu atacante saltou sobre o corrimão. Quando Kenneth chegou ao terraço, a única evidência abandonada era uma corda pendurada na sacada.

Sua respiração finalmente se acalmou, ele segurou seu braço ferido. A incredulidade o atingiu, ao mesmo tempo que uma cólera profunda e um horror crescente.

A pessoa que fugia na fantasmal noite londrina era escorregadia, mas a roupa que levava não era nenhum mistério. Um tipo de roupa, usado pelos guerreiros do deserto que estavam orgulhosos de sua honra, de seu dever e de sua feroz capacidade de luta. Um traje que ele antigamente tinha usado com orgulho, agora levava em seu peito lembranças que era melhor esquecer. A roupa índigo de um guerreiro do vento.

Um de seus antigos irmãos acabava de tentar assassiná-lo.

 

Pouco depois da hora do café da manhã, indiferente ao fato de que o horário de visitas apropriado era pela tarde, Kenneth golpeou a porta com a aldrava[3]. O mordomo abriu a porta, mostrando uma expressão de surpresa em sua cara severa. Sem pronunciar uma palavra, Kenneth tirou seu casaco, o jogou e se dirigiu com raiva para o salão. O conde de Smithfield se encontrava lendo diante de um crepitante fogo. Levantou o olhar.

— Onde está Rashid? — Exigiu Kenneth.

Os olhos azuis de Smithfield se abriram completamente enquanto fechava seu livro.

— Passeando pelo parque. O pobrezinho fica trancado dentro de seu quarto. Pedi que saísse para tomar ar fresco. Por quê?

— Vou torcer aquele seu maldito pescoço.

— Calma — pediu Smithfield. — Fez soar a campainha para chamar o lacaio e pediu que ele servisse um conhaque. Kenneth aceitou a taça de cristal esculpido e bebeu alguns goles, degustando com prazer o ardor que lhe produzia o licor na garganta.

— Agora, por favor, me explique o que o deixa tão preocupado, Caldwell.

Quando Kenneth terminou de relatar o ataque e suas suspeitas, o conde franziu o cenho.

— Está seguro que era Rashid?

— Seguro — disse Kenneth bruscamente. — Ele me odeia.

O conde tamborilou os dedos durante muito tempo sobre o braço da cadeira.

— Suspeita que ele esteja aqui para vender o seu colar assim como o ouro da tribo?

— Sim. Certamente não o pôde vender ainda. Dirigiu um fixo e escrutinador olhar a seu amigo. — Quero que me dê permissão para revistar seu quarto.

— E se encontrar o colar? O que acontecerá? Irá prendê-lo? — A voz do conde adquiriu um estranho tom neutro.

— Decidirei mais tarde. Neste momento, o que preciso é entrar em seu quarto.

— Muito bem. É a terceira porta à esquerda.

Kenneth se levantou, assentindo e apontando sua taça vazia, disse…

— Obrigado pela bebida. Assentaria melhor em um estomago cheio e o meu não o esteve desde que despedi meu cozinheiro.

— Despediu Pomeroy, o melhor chefe de cozinha francês de toda a Londres?

— Tive que fazê-lo. Seus pratos transtornavam meu estômago.

O conde juntou suas negras sobrancelhas como se algo o desgostasse enormemente.

— Caldwell, sobre seu avô. Ele tinha estado doente antes de morrer?

Kenneth remoia as lembranças.

— Lembro de um par de vezes em que se queixou de dor de estômago. Por quê?

— Por nenhuma razão em particular — disse Smithfield. — Vá revistar o quarto de Rashid. Tenho que te deixar. Tenho uma entrevista com meu advogado. Saia assim que tenha terminado. Mas tenha pressa. Provavelmente, retornará logo.

O conteúdo do quarto de Rashid não surpreendeu Kenneth. Uma cama de dossel de carvalho esculpido à mão, adornada por uma colcha de seda cor verde musgo. Sobre o tapete de brilhantes tons se encontrava um pequeno colchão com um travesseiro. Rashid sempre tinha dormido melhor sobre o chão.

Cautelosamente, Kenneth abriu as gavetas da alta e polida cômoda, revisando sistematicamente o conteúdo. Revistou o quarto com eficiente meticulosidade até que por fim encontrou escondido no mais profundo do colchão de Rashid uma vistosa e colorida bolsa de tecido. Objetos pessoais.

Kenneth desatou a corda e derrubou o conteúdo sobre a manta: uma pequena bolsa que continha dinheiro inglês, uma tesoura, e um brilhante objeto de ouro que refulgia pelos raios de luz que se filtravam através do gentil cristal da janela.

Kenneth recolheu o pingente de ouro. Era o colar que tinha perdido. Uma cólera crua percorreu todo seu corpo.

Ele tocou o pingente, examinando a brilhante perfeição do antigo artesanato egípcio. Seu pai tinha morrido tentando recuperar esta jóia. Por que Rashid quereria roubá-lo agora? Como vingança porque Kenneth o insultou na presença de Jabari? E porque Rashid também tinha tentado matá-lo?

Rashid era um guerreiro poderoso. Ele poderia ter lutado com Kenneth ontem à noite, fazê-lo lutar por sua vida. Mas em troca, apenas lhe fez um arranhão e fugiu. Isto não tinha sentido.

Não importa. Tinha lhe roubado; portanto, Kenneth ordenaria sua detenção.

Sua consciência o atormentava. A detenção de Rashid desonraria Jabari e a tribo.

Ele não lhes devia nada.

E lhes devia tudo.

Confuso, deixou o pingente em seu lugar. O Duque de Caldwell desejava ver as autoridades, colocar Rashid na prisão. Mas o guerreiro Khamsin que ele tinha sido resistia a ordenar essa desonra pública.

Por todos os infernos, ele não podia ordenar a detenção de Rashid. Devia a Jabari, pela maneira que o tinha tratado quando partiu. Deve enfrentá-lo, disse a si mesmo com humor melancólico. Passou um ano tentando esquecer que era um Khamsin. Mas no seu íntimo, ainda tinha saudades de galopar pela areia e reatar sua amizade com ele. Odeio envergonhar a tribo que foi minha família. E isso desgostaria Badra profundamente. Ele estremeceu, imaginando seu medo ao ver seu Falcão Guardião ser enjaulado em uma prisão.

Mas não ordenar a detenção de Rashid significava que a justiça Khamsin devia prevalecer. Jabari deve dizê-lo. Kenneth tocou sua tatuagem de cobra, se culpando pelo acontecido. Enfrentar ao homem que ele uma vez chamou irmão, não seria fácil. Mas teria alguma outra alternativa?

Só a prisão aqui na Inglaterra. Ele passou a mão através de seu espesso cabelo. Não havia outra opção, só voltar para o Egito e dizer ao Sheik o que aconteceu. Ver como se aplicava a justiça Khamsin.

Possivelmente Rashid trabalhava com outros, uma rede de contrabandistas ainda presente na escavação. Necessitava de mais informação. Kenneth decidiu imediatamente enviar Zaid, seu leal secretário, ao Egito para investigar. Então começaria a fazer planos e seu primo o seguiria. Seu primo, perito em antiguidades, seria de grande ajuda.

Caminhando sem fazer ruído, saiu do quarto e caminhou pelo vestíbulo abaixo.

Uma música chegou a seus ouvidos. Ele ficou imóvel. Uma melodia doce enchia o ar, era tão inesquecível que o deixou sem fôlego. O dedilhar das cordas de um instrumento exótico que fazia mais de um ano que não escutava. Em outro tempo e lugar.

A voz de Badra o seguia, acompanhando o dedilhar das cordas de crina da rebaba[4], o enchendo de um doloroso desejo. Ah, como recordava seus doces tons. Encantado, tinha estado hipnotizado, em pé à entrada da sala. Emaranhado nos fios de seda de sua voz, ficou preso em uma rede enlouquecedora de tortura, de insatisfeita fome por ela.

Nunca teria imaginado que voltaria escutar ela cantar.

Essa mesma voz agora o envolvia com seus tons exóticos. A melancólica lembrança de seu passado lutava com a necessidade de Kenneth. Sua voz arrasava toda a parafernália inglesa. Os magníficos salões, os rígidos e resplandecentes tecidos adornados com brocado, o aroma da cera de abelhas e glicerina o transportava ao passado.

Recordando intensamente os suaves passos através da areia arrastando suas botas de couro, a risada dos meninos, as conversas das mulheres enquanto eles enchiam os odres de couro com o leite de cabra, o agudo som que emitiam as lâminas dos sabres enquanto os guerreiros as afiavam contra as rochas.

Kenneth respirou profundamente, sua mente recordava várias sensações. Assando cordeiro, o agudo assobio que produzia a gordura ao gotejar no fogo. O aroma dos cavalos. O aroma de jasmim fresco que perfumava a suave pele de uma mulher e o calor do deserto que continha esses ocultos lugares desafiando o sonho de um guerreiro, aquele aveludado calor que o embargava e rodeava com um intenso prazer, tão intenso que teria se queimado enquanto o sol dourado descia…

Ele tocou sua oculta tatuagem de cobra. Durante todo um ano, a verdade tinha estado oculta sob a superfície. Ele tinha rejeitado a sua tribo e a si mesmo, mas ainda tinha muita vontade de ser chamado o irmão de Jabari. Não podia se desfazer de sua educação tão facilmente, como fazer a barba ou cortar o cabelo.

Seus olhos se abriram de repente. A canção de Badra se tornou triste, um réquiem. Por que essas palavras amargas saíam de seus doces lábios? As palavras árabes o atingiram.

 

Quando você se converteu em nada mais do que uma sombra para meu coração?

Meu coração dói com o peso que colocou sobre ele, com sua morte você me abandonou.

Sozinha em minha pena, lágrimas de dor criaram um rio.

Tão profundo como o Nilo

Assim poderei me afogar e não sentir mais dor, minha alma está dolorida pelas tenras risadas que uma vez dei com você.

Você partiu para sempre, mas ainda permanece

em carne e osso, diante de mim

como um silencioso fantasma.

 

Kenneth pressionou seus dedos contra a porta de madeira. Imóvel, em pé, perdido em desculpas do passado. Por que os fantasmas o tinham golpeado no mais profundo de seu ser?

Ela me amou alguma vez? Ele não queria saber.

Kenneth deslizou silenciosamente, descendo pela ampla escada, impaciente por retornar a sua muito inglesa casa. Nenhuma lembrança o espreitaria ali. Mas uma vez no vestíbulo, enquanto ele alcançava a porta, esta se abriu de repente.

Rashid deu um passo para dentro. Seu assustado olhar se encontrou com o de Kenneth. Durante um minuto algo profundo e inescrutável se refletiu em seus olhos escuros. Então desapareceu, substituído por sua habitual hostilidade.

— Rashid. Bom dia — disse Kenneth rudemente.

— Ou pelo menos o era, até que o vi. Saia do meu caminho.

Apertando os punhos, já brancos pela ira, Kenneth amaldiçoou. Prendam-no, gritou Kenneth, o ultrajado duque inglês. Não, protestou Khepri, o guerreiro Khamsin que uma vez tinha sido.

Um pequeno som se escutou da escada. Ele se virou. Era Badra, ali em pé, régia, majestosa. A angústia marcava tão profundamente o seu rosto como se marcavam as linhas em uma gravura.

Kenneth olhou Rashid furiosamente durante um longo tempo, então, o empurrou e saiu para o frio cortante.

 

—Isso foi imperdoavelmente grosseiro. Onde estão suas maneiras? — de pé sobre a escada, Badra contemplou friamente seu amigo. Seu protetor. Seu companheiro na dor.

A face de aparência agradável de Rashid se transformou com pena repentina.

—Sinto muito, Badra. Não tive intenção de te contrariar.

Ela desceu e deslizou de um lado para o outro pelo brilhante chão de madeira.

—Por que o odeia assim? Foi pelo que fez a Jabari?

Uma profunda pena se refletiu nos olhos dele. Logo se desvaneceu. Ele grunhiu.

—É mais ciúmes que ódio. Khepri sempre teve sorte para tudo. Ele sempre teve… vantagens que a maioria dos outros não tiveram.

A áspera argumentação de seu amigo a sobressaltou.

—Rashid, não se atormente. Sempre há outros que têm vantagens que nos são negadas. A vida algumas vezes nos despoja de fazer escolhas e nós devemos tirar vantagem do que nos é oferecido.

Uma escura expressão refletiu na face de Rashid. Badra reconheceu o olhar: terror misturado com profunda vergonha.

—Você deve ser cordial com Khepri, especialmente no jantar de Lorde Smithfield esta noite.

—Isso não é necessário. Não vou.

—Mas Rashid, você prometeu.

—Não posso agüentar aos ingleses que ficam me olhando como se eu fosse uma obra em exposição. Os odeio — disse ele rigidamente. Mas ela percebia uma razão mais importante por trás de sua negativa.

—Rashid, o que aconteceu? Sei que aconteceu algo. Posso me dar conta.

Ele guardou silêncio. Uma criada levando flores passou por eles. Badra sentiu a ansiedade de Rashid.

—Falemos em particular. Em meu quarto.

No andar de cima, ela fechou a porta e o olhou se sentar no chão com as pernas cruzadas. Esperou pacientemente. O guerreiro respirou fundo, sua cara estava pálida, brilhando pelo suor.

—Enquanto caminhava pelo parque… vi alguém. Ele se via exatamente… — Rashid deu um grande suspiro.

—Era o inglês que o machucou — terminou ela.

Com a cabeça inclinada, ele riscou uma linha imaginaria sobre a elegante tapeçaria.

—Badra, há algo de mim que você deveria saber. Ele não o fez… não me forçou.

Badra ficou olhando, se sentindo ligeiramente enjoada.

—Ele era um nobre inglês que estava de visita, comprando um de nossos cavalos árabes. Um homem de grande poder e respeito. Roguei a ele que me ajudasse a me liberar do homem que me machucava cada noite. Ele me disse que um grande favor se fazia em troca de um grande preço. Ele, ele… me desejava. Se eu não lutava… ele me ajudaria. Quando me neguei, ele me perguntou o que era uma vez com ele comparado com toda uma vida com meu torturante. Estava tão desesperado que cheguei a um acordo. Quando isso… quando isso esteve terminado, me advertiu que se o dizia a qualquer, ele me culparia. Logo riu e se foi. Ele me deixou ali, Badra. Destruído. Não houve escapatória.

A voz de Rashid se rachava através de seu corpo tremulo.

—Esta é a verdadeira razão pela que odiei vir para Inglaterra. Ele está aqui, em Londres. Sei. Não posso suportar lhe ver outra vez. Essa cara, seu cabelo vermelho; ele ronda meus sonhos mais profundos.

— Quantos anos tinha? — perguntou ela sombriamente.

Seu comprido cabelo negro cobriu sua expressão.

—O suficiente para saber o que ele fez. O que o permiti fazer. Tinha oito anos.

Badra tragou à bílis que lhe chegou a garganta firmemente ante o pensamento do garotinho sujeito a tais horrores. Mesmo comparando tudo o que ela tinha sofrido, Rashid tinha sofrido o dobro.

—Não culpe a si mesmo. Desperdicei anos fazendo isso. Deve aprender a viver com as lembranças. Com o tempo, se desvanecerão. — Mesmo que ela tratasse lhe reconfortar, uma nota vazia soava em sua voz.

Ele a captou.

—Fazem? — perguntou ele. A dúvida aparecia no tom de sua voz—. Durante anos vivi com essa tortura. Não posso olhar a qualquer inglês sem sentir um suor frio. Me sinto tão… envergonhado.

Seus angustiados olhos encontraram os dela.

— Me diga, Badra. Por favor. Me diga que se desvanecerá, que serei um homem outra vez.

O coração dela se rasgou pela metade. Imaginando os gritos aterrorizados de um jovenzinho enquanto o segundo ao mando de Fareeq se consentia seu malvado prazer… e logo a vergonha do menino enquanto permitia a um inglês fazer o mesmo.

—Você é um homem, Rashid. Um guerreiro valente, honorável. E ninguém nunca duvidou deste fato. Seu segredo permanecerá guardado comigo.

Rashid segurou suas mão, assentindo. Recuperou algum grau de controle, e seu antigo e, familiar olhar de autoridade retornou.

—Como o desejar — concordou formalmente.

Ela apertou sua mão. Por um momento se sentaram, perdidos na lembrança. E na pena.

 

Foi um engano horrível aparecer no jantar de Lorde Smithfield. Badra se dava conta agora. Ela desejava se encerrar em si mesma e se lamentar por sua covardia ao rechaçar a oferta de casamento de Kenneth no ano passado, mas emoções conflitivas a tinham esmigalhado. Sua curiosidade tinha ganho. Ela tinha querido experimentar a sociedade inglesa que teria se convertido em seu mundo se tivesse se casado com Khepri. Assim Badra tinha chamado uma donzela para que a ajudasse a se vestir e logo tinha baixado a escada para o banquete.

Sob seu elegante traje de noite de seda esmeralda, Badra começou a suar frio enquanto jogava um olhar à multidão. Um pânico asfixiante fluiu a sua garganta.

O redemoinho de mulheres elegantes em trajes de seda franzida e de cavalheiros elegantes em trajes negros a assustavam à medida que Lorde Smithfield a apresentava. Os homens lhe brindaram sorrisos e olhares especulativos. As mulheres eram frias e a avaliavam. Badra se sentia como uma peça em exposição, contemplada e examinada por espectadores curiosos.

E logo uma face familiar destacou entre a multidão. O Duque de Caldwell. Sua boca secou.

Uma mulher em um traje de noite de cor limão vinha de braços dados com Kenneth, claramente cativada. Badra notou que várias outras damas também fixavam sua atenção nele. Sua prodigiosa estatura, a beleza morena e os penetrantes olhos azuis atraíam às fêmeas como areia à pele úmida. Com desenvoltura evidente, ele conversava com sua admiradora.

Então Kenneth levantou a cabeça. Seu olhar apanhou o olhar de Badra e a sustentou através da sala. Por um momento seus olhos queimaram os dela, a abrasando com um calor mais intenso que o de seu amado sol egípcio. Logo ele voltou sua atenção a sua acompanhante. Sua risada, rica e profunda, ressoou quando respondeu a algo que ela lhe disse.

A ansiedade atacou o estômago de Badra. Ela estava aqui no estranho e imponente mundo dele. Por vontade própria. Se cometia algum engano social sério, ele não a resgataria. O suor umedeceu as palmas de suas mãos.

Quando o lacaio anunciou o jantar e eles foram conduzidos para a sala de jantar, um pânico imenso surgiu nela. Queria dar a volta e escapar.

Mas seus pés, e seu orgulho, não a permitiam fugir.

Uma mesa enorme adornada com uma toalha tecida à mão exibia pratos luxuosos, cristal cintilante e prata resplandecente. Um lacaio de cara empertigada parou perto, suas maneiras tão rígidas como o uniforme azul escuro com galões de ouro que ele vestia. A relativa despreocupação habitual nos jantares de Lorde Smithfield não convinha com esta fria formalidade. Não sentiu pesar por Rashid permanecer acima.

Seu coração galopava enquanto seu companheiro de mesa, o Visconde Oates, galantemente afastava sua cadeira. Por um longo momento as pernas de Badra se congelaram. Como podia estar fazendo isto? Ela era uma simples mulher beduína que se sentava sobre grossos tapetes na areia, comia com pão picado a modo de talheres e bebia taças de leite de camelo, rico e espesso. Um lacaio se movia metodicamente ao longo da mesa, servindo vinho da cor do rubi nas taças. Ela não bebia álcool, tampouco.

Olhou através da mesa para o duque, quem conversava com sua bonita companheira. Badra percorreu a mesa com o olhar. Qual garfo usar? O que ocorreria se derramava algo? Havia tantas taças de cristal.

As mulheres a olhavam com um interesse ávido, os olhos brilhantes e ansiosos de vê-la falhar. Como podia resolver isto? Não posso.

Badra cravou os olhos em Kenneth, desejando que a olhasse, que lhe desse alguma tranqüilidade. Parecia que ele a ignorava de propósito.

Por favor me olhe, Kenneth. Por favor. Tenho medo.

Finalmente, ele fez. Desesperada Badra sustentou o firme olhar dele. Impotentemente, ela tocou os talheres brilhantes próximos a seu prato. Levantou o olhar para Kenneth em uma muda petição.

—Me observe — vocalizou ele.

Os serventes começaram a servir o primeiro prato. Badra estudou o líquido branco ante ela em uma tigela de delicada porcelana da China, e logo o sortimento de colheres. O duque levantou a colher maior e a inundou na sopa, levando-a lentamente para sua boca. Badra tentou o mesmo, saboreando a beberagem, surpreendida ante o cremoso sabor. Seguiu comendo, sorrindo cortesmente enquanto Lorde Oates conversava a respeito da fina coleção de cavalos de sua família.

Não parecerei uma selvagem. Posso usar o talher correto.

Badra observou Kenneth cuidadosamente enquanto os lacaios retiravam os pratos fundos e traziam o seguinte prato. Ele agarrou o pesado talher de prata, cravou o branco ovalóide salpicado com limagens verdes e o levou a sua boca. Ela seguiu o exemplo, resistindo o forte impulso de arrancar algo do grosso pão branco o utilizando para recolher a comida, tal como desejava empurrar para trás a pesada cadeira de mogno e se sentar no chão.

Um nobre de rosto corado sentado perto dirigiu a palavra a Kenneth através da mesa.

—Então, Caldwell — trovejou — iremos novamente a minha fazenda este ano para disparar um pouco? Para abatermos um faisão, ou dois?

—Com tal de que seja um faisão e não um camponês que derrube, Huntly. Temo que da última vez estive perto de abater a um de seus arrendatários em lugar de um pássaro — brincou Kenneth meigamente, ante a divertida risada dos que escutavam.

Uma pontada de ciúmes retorceu as vísceras de Badra ante as devotas olhadas femininas. Khepri se tinha ido para sempre, Kenneth, o duque, deslizou limpamente em seu lugar, uma refinação, sofisticada nobre que se assimilou sem contratempos a este mundo estranho e brilhante. Ela se sentia como um pedaço de vidro opaco rodeado de cintilantes rubis e diamantes.

Surpreendendo-a, Lorde Oates burlou.

—Nos cobrar camponeses soa um tanto melhor, mas você raramente assistiu a algum baile da última temporada. Está evitando o mercado matrimonial? Ou é dançar a valsa o que o espanta? Não o ensinaram nenhuma habilidade social no Egito?

Kenneth entrecerrou seus olhos.

—OH, certo, esqueci. Essa preguiçosa tribo pagã que o criou não dança. Exceto quando a atiça com um sabre britânico — A risada de Oates se ouviu. Badra escoiceou ante o insulto.

Um som escapou dos lábios de Kenneth: Um sussurro, um familiar ronrono ondulante do passado, um grito de guerra que Badra sabia que ele emitia quando enfrentava outro macho agressivo. Era a chamada às armas que seu pai tinha lhe ensinado. Não seu pai verdadeiro, a não ser o xeque que o tinha criado.

—O que foi isso? — exclamou uma mulher.

O silêncio caiu ao redor da mesa como uma pesada cortina. Badra perfurou Kenneth com seu olhar escuro, absolutamente perturbada mas secretamente jubilosa. Khepri podia ter sido tragado pelo cortês duque, mas ainda podia sair à superfície o grito de guerra khamsin ondulando desde seus lábios. O duque voltou sua atenção para a mulher.

—Isso, minha estimada Lady Huntly, foi uma demonstração da chamada para participar da dançar da tribo que me criou. Está correto, Oates. Os khamsin não dançam no sentido tradicional inglês. Seus bailes são ferozes desdobramentos de força antes da batalha. Os guerreiros se despem até a cintura, se ungem com decorações cerimoniosas e se reúnen ante uma potente fogueira, se preparando para a sangria que se aproxima. Dançam para mostrar ao xeque sua vontade para morrer.

—Estão permitidas as mulheres nestas cerimônias? — perguntou a mulher fracamente, se abanando. Uma diminuta gota de suor baixou rodando por sua têmpora.

Kenneth jogou um eloqüente olhar a Badra.

—Não, pois se teme que uma dama desmaiaria ao presenciar tal espetáculo — e adicionou brandamente—, para as mulheres, tais desdobramentos de potência masculina estão reservados para a privacidade de suas tendas negras.

Badra sentiu suas bochechas em chamas ante o comentário dele. Seus olhos cor safira arderam nos dela. O calor de suas bochechas se espalhou através de seu corpo, o esquentando como um fogo vivo… como se estivessem sozinhos, e ele tivesse ousado lhe transmitir um segredo proibido, exótico e misterioso.

OH, sim. Ele seguia sendo vagamente ameaçador e excitante. Os lábios de Badra se abriram enquanto ela observava os compridos e elegantes dedos dele enquanto acariciavam o caule de sua taça como se fosse a uma amante. Sua imaginação ondulou à medida que imaginava suas mãos acariciando a coxa suave de uma mulher, paquerando e excitando…

Sua imagem mental mudou. As coxas eram as dela mesma, o olhar entreaberto e preguiçoso do Duque era eloqüente enquanto continuava a deslizar seus dedos lentamente para cima, o calor estalando em seu despertar. Badra conteve seu agitado fôlego, perturbada e excitada.

Os leques se agitavam grosseiramente agora, enquanto várias ruborizadas mulheres suspiravam. Kenneth lhes perguntou com matreiro regozijo.

—Interessaria-lhes que explicasse sobre a dança da guerra dos guerreiros khamsin?

Um coro de vozes femininas elevou a voz em uníssono.

—OH, sim!

O duque sorriu e as agradou. As mulheres estiraram seus pescoços para diante para ouvir. Um suspiro generalizado de suas admiradoras flutuou enquanto ele esboçava com suas mãos como os guerreiros se enredavam uns com os outros como gatos monteses, para demonstrar sua destreza ao xeque. E como se negavam a companhia de suas mulheres antes da batalha; mas depois da vitória, os guerreiros entravam impetuosamente em suas tendas e demonstravam uma “selvagem e insaciável destreza”. O sugestivo olhar de Kenneth deixou sua insinuação no ar, que se encheu com diferentes gritos… femininos gritos de prazer.

Todos escutavam, claramente cativados. E assim quando ele terminou, cada mulher estava ruborizada. Várias se viam quase desfalecidas.

O duque dedicou a cada uma, um sorriso educado antes de fixar sua atenção em Badra. As vísceras dela se sentiam tão liquidas como iogurte recém feito. O ardente olhar de Kenneth a atravessou.

—Bem Badra, espero que minha explicação dos rituais khamsin não a tenha feito se sentir nostálgica — disse ele.

—Soa como se você fosse o nostálgico — observou ela.

A expressão sobressaltada dele deteve o suspiro que crescia nos pulmões dela. A tristeza permaneceu ali, evadindo suas emoções. Na cara dele viu o desejo, a chamada da areia e o sol e o canto dos guerreiros correndo em suas éguas para a batalha. Logo, o olhar desapareceu como se fosse água derramada em areia quente.

—Por que, minha querida Badra? — Disse entediado, seu acento egípcio se desvanecendo, substituído por uma apropriada pronúncia britânica—. Como posso estar nostálgico quando está claro que estou perfeitamente em casa?

Ele recolheu sua taça de cristal. Mas ela não poderia esquecer a tristeza. Recordou a Badra tudo o que ela perdeu dele. Sua camaradagem. Sua natureza ferozmente protetora. Seu amor.

Pois ela se converteu em seu inimigo.

Era aterrador. Muito dentro dele, Kenneth seguia sendo um guerreiro khamsin, controlando sua força com um verniz de corteses ditos engenhosos e refinada nobreza. Se ele conhecesse o crime dela… liberaria as turbulentas emoções que rugiam dentro dele e as desataria sobre ela?

Seu coração deu inclinações bruscas. Badra baixou o olhar, recordando seu sonho secreto. Ela tinha se convertido em sua esposa e tinha ingressado com ele neste estranho, novo mundo… Um período juntos, uma provocação confrontada como um único coração, uma única alma.

Mas era um sonho tão elusivo como a névoa. Ela era uma amante, uma concubina. Agora era uma contrabandista do tesouro do duque, e pertencia a uma tribo que tinha banido Kenneth de seu meio para sempre.

 

Como poderia ter esquecido o efeito que Badra tinha sobre ele?

Ele exerceu todo o domínio e controle de suas emoções que tinha aprendido como guerreiro. Seu aroma sutil de jasmim provocava seus sentidos. Um brilho da luz suave do abajur de vidro se refletia no fundo escuro de seus olhos. Quando as damas se levantaram para se retirar, Kenneth exalou um fôlego áspero, olhando para Badra com a intensidade de uma cobra que vigia a sua presa.

Deus, como a queria ainda. A dor não ia cessar nunca? Quando a viu caminhar com graça na sala de espera, ocultou suas emoções atrás de uma máscara inexpressiva como seu irmão Khamsin lhe tinha ensinado. Então sua desconsolada expressão tinha golpeado no coração e ele a tinha guiado no jantar.

As mulheres se retiraram ao salão agora, arrastando Badra, insistindo em que contasse histórias do Egito. Ela tinha lançado a Kenneth um olhar de pânico sobre seu ombro.

O protocolo dizia que devia permanecer com os homens. Kenneth girou o copo com seu brandy. Uma suspeita repugnante se elevou nele. As mulheres iam sondar os detalhes de sua vida. A curiosidade escrita em seus rostos. Cada osso em seu corpo o impulsionava a resgatá-la. Jurou, uma vez jurou resgatá-la do perigo e aqui estava ele, a abandonando em mãos de mulheres cujas línguas eram mais agudas que uma espada Al-Hajid… Mas isto não era mais sua preocupação, recordou ele.

Lorde Huntly tragou uma baforada de seu charuto e dirigiu sua atenção para Kenneth.

—Simplesmente assombroso, Caldwell, como seu avô o encontrou depois de todos estes anos. Um verdadeiro milagre. Vendo que você era o único sobrevivente e agora, o herdeiro. Se não fosse por você, seu primo herdaria o título, não é verdade?

Ele ofereceu uma risada calculada.

—Víctor é um segundo primo, mas sim, suponho que é correto. Ele teria herdado.

—Os velhos Caldwell nunca abandonaram a esperança que um de vocês poderia estar ainda vivo, você ou seu irmão.

Graham, o irmão que ele vagamente recordava. Tinha seis anos quando o Hajid assaltou sua caravana. O peito de Kenneth se encolheu como o couro molhado quando suas longínquas lembranças voltavam. Seus pais que desesperadamente tentavam encontrar um lugar bastante grande para ocultar Graham. O olhar de horror e terror na cara de seu irmão quando ele girou sua cabeça e viu os Hajid galopando para eles. Sua mãe que empurrava Kenneth na cesta e fechava a tampa. Os gritos de morte…

—E digo, que vergonha seu avô morrendo tão rapidamente. Sinto falta do velho. Compartilhamos uma ou duas aventuras em nossa juventude quando ele me arrastou ao Egito. — A voz do Huntly desceu de tom—. Inclusive visitamos um daqueles bordéis proibidos no Cairo. Ele chegou a estar bastante apaixonado por uma pequena garota ali.

Kenneth se assustou.

—Meu avô?

—Era bastante brincalhão em seus tempos de juventude. — A cara de Huntly se retorceu quando o silêncio se fez ao redor—. Desculpas, Caldwell.

O Visconde Oates viu sua oportunidade. Seu olhar cúmplice queimava em Kenneth.

—Brincalhão como seu neto, estou seguro. Embora, olhe como encaixou na sociedade, Caldwell. Porque, me atrevo a dizer, algo que até vocês não poderiam adivinhar que você pertencia a aqueles pagãos mal educados que o levaram.

—Não mais que os pagãos mal educados que o levaram — disparou Kenneth atrás com calma. Lorde Huntly tossiu da fumaça e balbuciou com a risada. Na esquina, Smithfield levantou uma sobrancelha e riu silencioso pelo entretenimento.

Sim, Kenneth poderia sustentar a si mesmo entre os que o desprezavam devido a sua educação árabe: ele tinha aprendido. Mas Badra? As mulheres a desprezavam como os homens faziam com ele desde sua primeira volta a Inglaterra? O pânico tinha cintilado sobre sua cara quando as mulheres a escoltaram fora.

Ele não podia ignorar o impulso por mais tempo; Kenneth murmurou uma desculpa cortês e com a desculpa de uma taça de brandy deu um passeio pelo salão. A porta permanecia aberta. Ele ficou fora, escutando com cautela, depois de tudo não tinha esquecido todos seus anos de treinamento.

Dentro, com as costas rígidas, Badra estava sentada sobre uma cadeira felpuda carmesim. As mulheres a olhavam como os abutres olham a carniça fresca. O alarme de Kenneth se intensificou quando ele descobriu a várias de suas antigas amantes. Alguém pressionava perto de Badra, seus olhos cor avelã brilhando com maldade. Ele sufocou um gemido. A Honorável Millicent William, recém saída da temporada anterior e não, como ele mesmo tinha descoberto, uma virgem. Em um esforço frenético para esquecer Badra, ele tinha se deitado com várias damas, tinha sido um semental árabe brincalhão entre uma manada de dispostas potrancas inglesas.

Informado de seus assuntos, seu avô com suavidade tinha lhe pedido um pouco de discrição. Kenneth rapidamente se desembaraçou de seus casos, compreendendo que ele não tinha que atuar como seus pares no dormitório para assimilar esta nova e estranha sociedade, sociedade que desdenhava as pernas da mesa nuas, mas não a busca do prazer entre as nuas pernas abertas das esposas de outros homens, enquanto os assuntos se parecessem com as pernas da mesa, discretamente fora da vista. Suas amantes tinham posto má cara, mas ele tinha sido firme e cortês quando eles se encontravam em eventos sociais. Muito mais cortês do que elas eram com Badra agora. Seu coração se encolheu ante seu olhar aflito.

—Ah, a vida deve ser muito fascinante no Egito. Imagino que você viveu em um harém. Você usava aquelas roupas terrivelmente escandalosas? —perguntou uma mulher com impaciência.

Badra estremeceu. Seus delicados dedos apertaram fortemente suas saias de seda.

A Senhora Millicent fez um gesto de aversão dissimulada.

—ouvi que estas tribos têm mulheres que existem só para servir aos homens. Ouvi que há haréns de mulheres negras sem cabelo, mulheres imorais que não levam virtualmente nada e fazem todo tipo de atos imorais. —O olhar de ódio que lançou a Badra indicou sua intenção.

A raiva de Kenneth cresceu. Atos imorais? Ele recordou a infame boca de Millicent ao redor seu muito disposto pênis, o atormentando cheio de excitação. Agora aqueles mesmos lábios arrojavam um moralismo hipócrita. Quase subconscientemente, ele começou a se zangar pelo rubor que alagava as bochechas encantadoras de Badra.

Mas Badra disse olhando orgulhosamente para Millicent,

—Os Khamsin são uma tribo honorável e suas mulheres são igualmente honoráveis.

Bravo, disse Kenneth silenciosamente.

A Senhora Stephens, uma anciã quase surda se inclinava para frente com uma faísca de interesse em seus olhos míopes.

—Os árabes têm haréns onde as mulheres fazem todo tipo de coisas repugnantes — disse quase gritando.

Badra retrocedeu quando os olhos maliciosos da mulher percorreram sua figura. As demais inclinadas para frente, seus olhos brilhando com cruel especulação. A antiga protegida de Kenneth se parecia com um cavalo aterrorizado preparado para sair desbocado. A raiva silenciosa o encheu. Ele vacilou, recordando que ela já não era sua responsabilidade. A necessidade de protegê-la combatia com antigos danos, mas os velhos hábitos eram difíceis de suprimir.

O olhar carrancudo de Kenneth se fez mais profundo. Ele instintivamente sabia que todos tinham percebido como a tinha ajudado durante o jantar e tinham notado sua debilidade, como os crocodilos que arrastavam sua presa sob o Nilo para uma matança.

O instinto despertou a tormenta em seu interior, Badra esticou seus ombros e endireitou suas costas, afogando o grito de guerra Khamsin para fazer a todas aquelas harpias tremer de terror. Elas se inclinaram se aproximando, ferindo com suas palavras afiadas como garras, abutres vestidos de cetim, jóias pendurando de seus ouvidos e pescoços. Mas Badra mantinha seu pequeno queixo corajosamente elevado. Então ele a viu tremer. Kenneth se armou de coragem como um guerreiro e se preparou para a batalha.

—Senhoras? Certamente esta não é uma conversação que eu esperaria em damas bem educadas como vocês.

Com porte orgulhoso, Kenneth cruzou com longas passadas o salão decorado de seda. Ofegos suaves, e assustados encheram o ar. Badra olhou com alívio e orgulho sua entrada. Cada costas engomada das mulheres ali reunidas voltou sua atenção para ele fazendo ranger as baleias de seus espartilhos. A autoridade o rodeava como uma capa sobre seus ombros cobertos de seda negra. O duque escrutinou a cada mulher com agudos olhos azuis e um olhar depreciativo.

—Meu sentido da hospitalidade inglesa era que sempre se fazia um visitante se sentir bem-vindo neste país. Sobre tudo a um visitante que desconhece a cultura inglesa. Um visitante da terra, e da tribo, onde fui educado.

Sua voz se voltou perigosamente suave.

—Quando vocês insultam, estão me insultando. Graças aos Khamsin, fui resgatado da morte. Devo-lhes uma grande dívida.

Uma agitação de vozes femininas se elevou em um coro de falsos protestos, envolvendo Badra com olhadas ansiosas. Kenneth jogou às mulheres um olhar o bastante duro para cortar diamantes.

—Suficiente — disse em tom cortante, sua voz profunda com um matiz de acento maravilhosamente calmante que recordou a todos que ele tinha crescido em outra terra. A terra de Badra. Sua cultura. Ele ofereceu uma mão a Badra, não o bastante obscurecida pelo sol. Badra tomou rigidamente se despedindo das demais.

No vestíbulo, ela lutou contra o impulso de abraçá-lo. Ele parecia frio e distante, a estudando silenciosamente. O que teria passado caso ele não a tivesse levado, a protegendo do perigo? Realmente estou sozinha no mundo. Khepri nem sempre estará ali para mim. Nunca outra vez.

—Se for correto, partirei agora. Diga ao Smithfield que o chamarei amanhã.

Ele riu brevemente, e tocou sua bochecha. Então retirou sua mão e saiu da casa. Deixando-a. Distante e remoto, como uma rocha das grandes pirâmides que eles uma vez tinham admirado.

Badra correu para fora, e colocou uma mão enluvada sobre seu braço.

—Por favor espere um minuto, Khep… quero dizer, Kenneth. — A umidade turvou seus olhos quando ele se voltou—. Obrigado pelo que fez por mim. Não sei se eu teria podido suportar outro minuto mais a aquelas mulheres.

Kenneth secou uma lágrima que corria para baixo em sua bochecha. A gotinha que brilhava se aderiu a seu dedo. Sua expressão se abrandou.

—São umas mal educadas, apesar de seus títulos, e muito rápidas para julgar o que não entendem. Disfarçam e aparecem como vistosos pássaros de cores, mas suas mentes estão tão vazias como tumbas. —Ele fez uma pausa e considerou, arqueando suas sobrancelhas—. Na realidade, isto é um insulto aos mortos.

Ela riu. Ele prosseguiu:

—Elas estão muito por debaixo de você, Badra, insípidas mulheres que nunca se esforçam por melhorar suas mentes como você. Não merecem que pense nelas…

Uma risada trêmula tocou seus lábios.

—O mesmo Khepri, indo outra vez em meu resgate, desta vez de uma multidão de mulheres em vez de guerreiros inimigos.

—Com línguas mais agudas que as cimitarras daqueles guerreiros — brincou ele, e ela riu, pressionando seus dedos contra seu braço mais forte.

—Verdadeiramente sinto falta de você.

Ele se esticou e se separou.

—Devo partir.

Seus olhos eram frios como o ar gelado. Badra o sentiu se retrair em seu interior. Era tão difícil tentar recuperar o antigo terreno. Mas ela não podia deixá-lo se afastar sem tentar reparar a greta entre eles.

Seu quente fôlego empanou o ar quando ela exalou, lutando com suas palavras. Antes, ela podia lhe dizer algo. Tudo exceto seu abuso nas mãos de Fareeq. Essa era sua profunda vergonha.

—Kenneth, sei que isto deve ser igualmente difícil para você como o é para mim. Eu possivelmente tinha esperado que nós pudéssemos reparar a relação entre nós. Ao menos poderíamos ser amigos.

Ele lhe dirigiu um olhar neutro.

—Por que?

Badra tragou com força.

—Eu não queria te fazer sofrer. Realmente, não o fiz. E penso que você está ressentido com Rashid por se converter em meu guardião quando você deixou o Egito.

Sua cara permaneceu inexpressiva. Como o guerreiro Khamsin que ele ainda seguia sendo, ocultou seus sentimentos.

—Desejo que você e Rashid deixassem a um lado suas diferenças. Isto preocupa a meu Ieb, meu coração. Ele é meu amigo.

—Um amigo e nada mais? — Com um encolhimento de ombros despreocupado, e um olhar fixo e afiado, disse — Não se aproxime muito de Rashid, Badra. Pode ter problemas com…

—Problemas? É uma advertência?

—Considere um conselho.

Ruminando sobre suas enigmáticas palavras, ela cabeceou. —Eu desfrutaria vendo sua casa, Kenneth. Realmente. Posso te visitar? —Ela fez uma pausa. —Levarei Rashid. Ele te deve uma desculpa por sua grosseria.

Ele olhou ao longe, um tic no músculo de sua mandíbula mostrou que lutava contra alguma emoção profunda.

—Sim, certamente. Deveriam vir para o chá amanhã. O chá inglês se serve às quatro da tarde.

Nenhuma emoção apareceu em sua voz. O educado e frio duque inglês substituiu ao guerreiro apaixonado que havia dentro dele. Badra suspirou e, recordando um gesto de cortesia ocidental, estendeu a palma de sua mão.

—Obrigado. Não quero relações tensas entre nós. Amigos? —Perguntou ela brandamente.

Kenneth estudou sua mão silenciosamente. Devagar, ele estendeu a mão e estreitou sua palma. Ela olhou fixamente para ele. Então, ele segurou sua mão, rapidamente, e como o ataque de uma serpente, a atraiu para ele. Seus braços se fecharam como bandas de aço ao redor dela. Ela ofegou, com pânico, parecendo uma presa imobilizada entre os anéis de uma sucuri gigantesca sobre a que ela tinha lido em um dos livros de Lorde Smithfield.

Uma risada lenta apareceu em sua cara. Badra se sentiu alarmada quando o corpo masculino se pegou contra o dela. Tinha esquecido quão forte ele era. Tinha esquecido sua persistência na perseguição de algo que ele queria. Tinha esquecido muitas coisas.

Ele inclinou sua cabeça para ela. Seu interior se voltou como de gelatina quente. Havia medo combatido com desejo pelo toque de sua boca.

Seu aroma a envolveu em uma nuvem quente. Um aroma estrangeiro picante que se aderia a suas lisas bochechas barbeadas com sabão de sândalo. Isto a recordou que era Khepri, seu guerreiro protetor. Uma vez, com fervente devoção lhe tinha assegurado sua obediência com entusiasmo. Se lhe tivesse pedido que caminhasse para o escarpado da Amarna, ele o teria feito.

Mais, a determinação brilhou em seus olhos azuis. Seu implacável abraço, a advertiu que ela já não tinha o controle. O conhecimento a alagou com renovado pânico.

Ele acalmou seus medos quando posou sua boca sobre a dela em um beijo delicado, e reverente. Seus lábios como plumas sobre os seus. Para sua surpresa, ela se encontrou aceitando o convite. Atrevidamente ela o provou, cativada pelo calor que surgia dela, pela união de sensações novas como se um lento e contínuo fogo ardesse.

Ele agarrou sua cabeça por trás e colocando-a em ângulo posou sua boca sobre a dela, e então aprofundou seu casto beijo em algo mais. A intensidade fez que seu coração golpeasse desordenadamente. Badra abriu sua boca mais amplamente quando ele a provou, sondando seu interior com toques peritos. Seus dentes beliscaram seu lábio inferior. Um pequeno gemido de prazer se elevou de sua garganta.

Então, de repente, ele a liberou. Ela cambaleou para trás, a ponto de perder seu equilíbrio.

—Amigos, Badra? Está realmente segura de que quer isso? — Perguntou com voz rouca.

Ela ainda tremia quando ele se foi ofendido. Sua mão tremeu visivelmente quando ela girou a maçaneta de cobre e entrou. Ela correu escada acima. Tinha que ver Rashid e lhe contar sobre a enigmática advertência de Kenneth.

Badra começou a golpear sua porta. Sons de angústia vinham de dentro. Alarmada, ela entrou, acendendo um abajur.

Rashid estava sobre sua manta, se sacudindo e girando, gemendo em sonhos. Se compadecendo dele, Badra acariciou sua testa.

—Rashid, acorde. Está sonhando.

Ele se sentou sobressaltado. O suor gotejava por suas têmporas. Seu olhar fixo se encontrou com o dela e ele retrocedeu.

—Não deveria estar aqui, Badra.

—Devo falar com você. Khepri me advertiu de que o evitasse e disse que poderia ter problemas. Porque diria tal coisa?

Um comprido suspiro escapou dos lábios de Rashid.

—É o que pensei. Ele o encontrou e pensa que sou o ladrão.

Badra seguia sentindo pânico.

—Ladrão?

—Alguém examinou minha bolsa. A marca que coloquei nela foi alterada. —Ele soprou burlonamente. —Khepri não é o guerreiro que uma vez foi. Mudou muito.

—O que é isto? O que quer conseguir de você?

Seu olhar de falcão baixou a suas mantas, retirou sua bolsa tecida e colocou sua mão dentro. Ele sustentou o objeto em alto.

—Isto —, disse moderadamente.

“Isto” era o colar de ouro da Princesa Meret.

 

Ela brincou com o colar enquanto esfregava os olhos com incredulidade. Ele tinha conseguido retornar, ingressou como pequenos grãos de uma areia ruim que não poderia ser retirada.

Assim, Rashid sabia que ela tinha vendido o colar. O olhar escuro dele se encontrou com o dela.

—Por que, Badra? — Ele perguntou a ela, suas palavras soaram ásperas no cômodo silencioso. — Por que roubou Khepri? Por dinheiro?

Ela encolheu os ombros.

—Como conseguiu?

Ele soltou um suspiro profundo, balançando o colar entre seus dedos.

—Vi você vendê-lo. Quando a loja fechou, retornei, forcei a entrada e o peguei. Seu rosto se tornou cruel. —Você devolverá o colar à tumba.

O estômago dela embrulhou. Ela permaneceu em silêncio.

—Você fará isso, ou o entregarei a Khepri e confessarei que eu fui o ladrão. E aceitarei o castigo que me espera.

O pânico se apoderou dela.

—Por favor, Rashid, não pode fazer isso!

—É meu dever. Sou seu Falcão guardião, jurei te proteger. Se não o devolver, eu farei isso. Por que o roubou? — Seus olhos escuros a olharam preocupados.

As palavras saíram fervendo de seus lábios.

—Em troca da liberdade de um escravo de um bordel do Cairo. Eles não aceitaram o dinheiro.

Isso era um pequeno vislumbre da verdade, diante da situação real.

Ele suspirou profundamente.

—É um acordo equivocado para alguém que não quer envolver sua honra, Badra.

—Por favor, Rashid. Não faça mais perguntas para chegar ao fundo disto.

—É a mulher mais obstinada que conheço. Mas não verei você castigada como uma ladra.

Rashid preso e publicamente humilhado? A dolorosa imagem a atormentava: seu Falcão guardião humilhado e preso por um Khepri irado. Como poderia permitir que isso ocorresse?

—Esconderei o colar na casa de Khepri, assim deixará de ser um objeto roubado. Pedi a ele que me mostre a casa. - raciocinou Badra.

Enquanto Rashid concordava, o colar ardia com frieza na palma de sua mão igual a seu passado que se gravava em vermelho na sua memória, a escravizando como tinha estado uma vez pela luxúria de um homem. Nunca mais.

 

O colar de ouro estava costurado no interior de sua saia, puxando Badra como pesados grilhões. Ela tremeu, sua supersticiosa alma se lamentava por ter que tocar o objeto.

Ela e Rashid tinham vindo na brilhante carruagem negra de Lorde Smithfield para tomar chá na casa de Kenneth. Ela olhou ao redor com ávida curiosidade. Dois homens tensos permaneciam de pé com absorta atenção, seus ornamentos verdes e dourados brilhavam como as douradas cadeiras do vestíbulo. A mansão irradiava uma tranqüila dignidade, brilhando com cuidadosa elegância. Mas sentiu que a recepção era fria como uma tumba de pedra. Qual era o melhor lugar para o colar neste imenso museu?

A expressão de Rashid parecia tensa enquanto um lacaio os escoltava até a sala de visitas. Lançou a seu guardião um olhar de advertência: se comporte.

Kenneth os saudou com cortesia, vestido com um elegante e austero traje cinza e uma gravata de seda. Nem seus beijos nem o brilho de seus olhos refletiam nenhum tipo de emoção. Badra se sentiu ferida.

Ele os escoltou através da imensa casa, explicando a história de como a família Tristán tinha esse título há mais de duzentos anos. O suor gotejava das têmporas de Rashid. A expressão de sua face começava a se esticar, como se não pudesse suportar a opulência. A alma de Badra caiu aos pés enquanto percorriam os cômodos. Não conseguia encontrar um bom esconderijo.

Quando retornaram ao salão, ela se sentou no sofá grande de listras. Kenneth se sentou a seu lado, Rashid no outro lado, ela ficou “cercada por dois mundos”. Egito e Inglaterra. Sim, Khepri tinha ido, oculto sob as camadas do rígido tecido cinza, sua gravata de seda negra estava bem atada a sua garganta; o duque tinha absorvido seu amigo enquanto as dunas de areia engoliam os restos mortais. Sentiu uma dor no peito pela tristeza.

Um ruído ecoou. E apareceu um lacaio.

—Uma chamada telefônica, Sua Graça. É o administrador de seus imóveis, em relação às contas deste mês — ele informou.

Kenneth suspirou. Virou-se para Badra.

—Receio que terei que tratar particularmente. Por favor, fiquem aqui. Estarei de volta em um momento.

Ela o olhou partir. Agora era o momento.

—Vou dar uma olhada - sussurrou para Rashid.

Seus olhos se fecharam e assentiu. Pobre Rashid. Ele parecia um recluso miserável inclusive estando na casa de um duque.

Um esconderijo, ela meditava, enquanto deslizava pelo vestíbulo. Um lugar onde Kenneth não encontrasse imediatamente o colar. Na sala de jantar? Badra se dirigiu até a sala, olhando a imponente mesa polida que combinava com o aparador, as paredes recobertas caras e artesanais seda. Um brilhante serviço de chá de prata estava sobre o aparador. Badra levantou a brilhante tampa de prata.

—Posso ajudá-la?

Ela deu um pulo ao ouvir a pomposa voz atrás dela. Badra virou.

—Ehh, não obrigada. Eu estava… procurando o duque.

—Dentro do bule?

Ela olhou atentamente o fundo do pote e começou a rir.

—Você tem razão. Realmente acredito que ele é muito pequeno para ele.

O lacaio a olhou fixamente sem se alterar. Nenhuma ponta de sorriso se refletia em seu rosto. Suspirando abandonou o lugar. Estes ingleses, não tinham senso de humor? Possivelmente os criados eram proibidos de ter.

Badra se apressou para voltar ao salão, acabava de se sentar quando Kenneth entrou no escritório.

—E então? Gostariam de um chá? — ele perguntou.

Os criados prepararam o serviço de chá no salão, completando-o com toalhas de mesa decoradas e engomados guardanapos de linho. Havia sanduíches tão finos como papel, recheados com muita verdura, pães-doces açucarados e partes de forma quadrada de uma bolacha de cor marrom escura que segundo Kenneth tinha explicado era pão de gengibre.

Fazendo uma careta disse:

—Meu irmão Graham adorava o pão de gengibre. O avô me contou que ele comia no Natal até adoecer.

Ela tinha esquecido tudo o que tinha perdido. A morte recente de seu avô que provavelmente a tinha feito lembrar sobre a tragédia de perder os outros membros de sua família.

—Eram muito unidos? — perguntou com doçura, comovida pela tristeza que refletiam seus olhos.

—Só tinha quatro anos. Então não tenho muitas lembranças, exceto que Graham era mais velho. — Sua boca se torceu para formar um sorriso. —Lembro uma única coisa. Graham costumava me chamar “girino”. E eu o chamava de “canário” porque passava todo o tempo assobiando, como nosso pássaro favorito.

Ela se perguntava como se sentia, completamente sozinho nesta enorme casa, com a única companhia dos criados, e os fantasmas do passado que atormentavam suas lembranças. Afetada por seu melancólico olhar, ela tentou dirigi-lo para uma conversa mais alegre; perguntou sobre a história da casa. O olhar atormentado desapareceu de suas feições, substituído por um orgulho reservado enquanto relatava como as gerações de nobres Tristán tinham entretido a reis e rainhas dentro da mansão. Badra sentiu que sua angústia começava a se dissipar. Ela odiava ver Kenneth desesperado e perdido. Continuou pressionando-o, perguntando como ia sua nova vida na Inglaterra, desejando convencê-lo para que afastasse a tristeza de seu passado.

Isso funcionou, seu encanto e engenho saíram à superfície enquanto diligentemente contava a ela e a Rashid historia de bailes e chás na sociedade. Uma nova tristeza a embargou; não podia ver nenhum rastro do guerreiro Khamsin que a tinha protegido e que tinha lhe jurado amor eterno. Aquele homem parecia ter desaparecido.

Ela pegou outro pão-doce e o mordiscou pelas bordas. Rashid bebeu mais chá e comeu outra bolacha de pão de gengibre. Logo os doces desapareceram. A conversa começou a ficar sem assunto. Rashid parecia se preparar para partir. Badra lhe dirigiu um olhar suplicante, que Kenneth, para sua consternação, interceptou.

—Pedirei a meu homem que o leve de volta com Lorde Smithfield. Badra, você pode ficar aqui. Tenho algo para te mostrar. Posso pedir a meu homem que a leve de volta um pouco mais tarde.

Ela ficou assombrada com este novo Kenneth, pela facilidade com que dava ordens aos criados, pela implacável determinação de seus lábios. Ela sentiu desenhar em sua boca, a sensual curva de seu lábio inferior. Seu ar de arrogância mesclada com um cortês respeito que a cativava, apesar que em seu interior permanecia a decepção.

Ela deixou sua xícara de chá com um tremulo tinido. Rashid partiu. Kenneth se inclinou para frente, com suas mãos sobre os joelhos.

—Não vou mostrar a você a casa inteira. Há algo muito especial que acredito que você gostará.

Ele ficou em pé. Badra reuniu sua coragem e sorriu. Como poderia colocar o pingente com ele pairando sobre ela?

Com as mãos entrelaçadas as suas costas, o duque andou junto dela subindo pela escada principal. O aroma de limão e cera de abelhas flutuavam no ar, se mesclando com o suave aroma de sua colônia. Ela o olhou de soslaio. Tão brilhante como a escada, seu anel de selo negro reluzia com a luz.

Como poderia enganar esse homem?

Kenneth captou seu olhar e levantou as sobrancelhas de maneira inquiridora.

—Está nervosa por estar a sós comigo, Badra?

Uma especulativa luz brilhou tênuamente em seus olhos. Assustada por seu escrutínio, ela tropeçou e caiu para frente. Kenneth estendeu a mão e a agarrou pelo braço para estabilizá-la. Os dedos dela se seguraram fortemente ao redor de seus duros músculos, e ele a olhava solenemente enquanto a segurava.

—Eu a machuquei?

Sim, quis dizer ela. Estou ferida pela fria distância que há entre nós, embora tenha feito algo desprezível para chegar a esse resultado. Estou ferida porque nossos mundos são muito diferentes para se estender uma ponte entre o abismo que se colocou entre nós.

—Não — disse ela automaticamente. — Estou bem.

Ele a segurou pelo cotovelo enquanto davam os últimos passos através do vestíbulo. Suas bochechas avermelharam por seu contato permanente, que a queimava através de sua manga de lã. Ele a guiou através de uma imensa porta de madeira e girou uma fechadura de cobre, a introduzindo cerimoniosamente dentro.

Um suspiro de surpresa escapou de seus lábios.

Ele permaneceu em pé com um tranqüilo ar de orgulho, sua mão mostrava as estantes que se elevavam do chão até o teto, o tapete verde bosque e a chaminé esculpida de mogno. Dois abajures altos de cobre flanqueavam uma enorme poltrona de couro. O efeito era simplesmente masculino e, entretanto ao aspirar o aroma das encadernações de couro, Badra nunca tinha se sentido mais em casa.

—Ah, Khepri! —Ela se deu conta do engano, ruborizou e corrigiu - quis dizer, Kenneth. — Ela se virou, seus olhos brilhavam, ardiam pelo entusiasmo e pela surpresa. —Posso?

—Certamente. —Ele deu um passo até a estante de madeira e folheou as coleções. Escolheu um e o pegou com reverência. Ela tocou o tomo e leu em voz alta as letras gravadas em ouro na capa.

—David Copperfield de Charles Dickens. Que tipo de livro é este?

—Alguns o chamam de popular - disse ele, dando uma olhada sobre seu ombro.

Badra apertou o livro contra seu peito como um menino entesourando um brinquedo.

—Posso pega-lo emprestado?

Kenneth riu.

—Certamente.

Começou a ficar nervosa enquanto acariciava a encadernação de pele de bezerro. Ninguém nunca tinha lhe dado um tesouro assim.

—Nunca te disse isso, Badra, mas sabe que fiquei muito orgulhoso quando aprendeu a ler?

Um rubor de prazer pelo seu elogio cobriu sua face.

—Obrigada — ela disse timidamente.

O toque alto do telefone foi seguido por uma suave batida na porta, rompeu a tensão entre eles.

—Sim — ele disse impacientemente.

Um lacaio com luvas brancas entrou.

—Peço perdão, Sua Graça, mas tem outra chamada telefônica.

—Muito bem. — Olhando-a disse - receio ter assuntos de negócios urgentes que devo terminar. Por favor, se divirta. Estarei de volta em uns minutos. Se vir algo mais que você goste, tome a liberdade de pegar emprestado.

Ela o agradeceu, deixando o Sr. Dickens. E como um homem faminto olhando um banquete, Badra repassou os livros, ávida por cada um deles. Entre os montões, ela ocultaria o pendente.

Depois de uns minutos, algo a chateou sobre a coleção de Kenneth. Os livros pareciam todos muito novos. Nenhum parecia ter sido usado, não havia páginas marcadas nem a encadernação estava dobrada pelo uso freqüente como estavam os queridos livros enviados por Lorde Smithfield ao acampamento Khamsin. Todos eram títulos armazenados por Kenneth simplesmente para mostrá-los, como mostraria estranhos artigos egípcios?

Ela não acreditava que ele fosse um homem superficial, embora tivesse mudado…

Badra vagou por outra prateleira examinando os títulos. Os livros estavam todos em árabe. Ela escolheu um e passou as páginas. Este sim tinha sido usado, muito usado. Alguns outros também mostravam esses sinais.

Ela duvidava que qualquer um de seus amigos ingleses lesse livros árabes. Evidentemente Kenneth lia estes. Por que não os que estavam em inglês?

Ela franziu os lábios diante deste mistério. Possivelmente o árabe era um elo de uma vida a que ele tinha se proposto deixar para trás, mas que ainda não podia. Badra se encolheu. Uma escada de madeira estava encostada ali perto. Levantando suas saias, ela liberou o colar dos fios que o mantinham preso. Com o colar na mão, ela subiu pela escada, e com cuidado deslizou o pingente entre dois volumes, e olhou atentamente entre eles. Excelente. Estava bem escondido.

Um volume com um interessante título captou sua atenção. Badra o pegou.

—Kama Sutra de Vatsyayana — disse ela devagar em voz alta. —Traduzido pelo senhor Richard Burton.

Ela começou a lê-lo por cima e quase caiu da escada. Seus olhos se abriram completamente. Ah Deus. Um livro de instrução sobre o prazer sexual!

Badra o substituiu, selecionando outro livro com ilustrações. Ela olhou atentamente neles com exaltada fascinação.

Podiam um homem e uma mulher fazer isto realmente?

Parecia difícil, como um dos atrevidos movimentos que Ramses fazia com sua cimitarra enquanto realizava o Baile das Espadas.

Desceu da escala com o livro e o pôs sobre uma pequena mesa polida e começou a folhear as ilustrações. Um rubor cobriu suas bochechas quando viu uma imagem em particular. Antes que ela se precavesse a erótica imagem tinha provocado uma sensação de calor em seu ventre. Kenneth fazia estas coisas?

Badra continuou folheando, se detendo em outro desenho que ela achou particularmente interessante: um homem nu e uma mulher. O rosto da mulher estava retorcido não de dor, mas sim de prazer.

Seu antigo Falcão guardião fazia isto com as mulheres inglesas? Seus brancos membros cobriam seus quadris, o aproximando mais? Seus rostos mostravam as mesmas emoções que a mulher do desenho?

Elas cobriam Kenneth com seu pesado e enjoativo perfume e o almiscarado aroma de seu sexo?

Badra tremeu. Ela não podia digerir tais idéias. De todos os modos os desenhos a atraíam fascinando-a, passou outra página e olhou fixamente a ilustração de uma mulher nua com os olhos fechados com evidente prazer. O homem tinha seu rosto… Ohh Deus. Ohh Deus!

Ela tinha ouvido os sussurros de prazer quando uma mulher recebia de seu guerreiro Khamsin o segredo dos cem beijos. E ainda assim ela não podia imaginar tal coisa. O medo a percorreu profundamente.

De todos os modos ela marcou a página para considerar a possibilidade e seguir folheando o livro.

Umas pegadas soavam no vestíbulo. Com desespero, Badra fechou o livro com um estalo e olhou ao redor. Não encontrou nenhum lugar para inseri-lo entre os livros fortemente apertados das estantes mais baixas. Não tinha tempo para subir a escada e devolvê-lo a seu lugar.

Kenneth retornava. O que pensaria dela se a descobrisse com esse privado e revelador livro?

O pânico a percorreu, ela ia ser pega.

 

Ela tinha que ocultar o livro. Badra olhou para suas amplas saias, e o escondeu debaixo delas. Assim que a porta se abriu, suas saias voltaram para o lugar com uma sacudida.

Kenneth se aproximou.

—Encontrou algo que você gostasse?

—Oh sim, de fato, tenho o Dickens e gostaria muito de me dar esse capricho — balbuciou ela.

Ele assentiu.

—Excelente. Por que não o lê para mim?

—Quer leia para você?

—Sinto falta do som de sua voz. — Seu cálido olhar se uniu com o dela. —Quando fala, é como se escutasse o Egito. Me agradaria muito te ouvir ler um livro em inglês.

Essa simples admissão a comoveu. O duque fez um gesto para o divã estofado com listras. Badra se ruborizou envergonhada. Queria parecer cômoda com um pesado livro encadernado em couro entre suas coxas? Só até começar a andar.

Mas tampouco podia permanecer ali de pé, luzindo um sorriso tolo. Badra tragou, movendo seus pés com passos torpes.

A testa de Kenneth se enrugou.

—Ainda a incomodam os sapatos? Lorde Smithfield pode te buscar outro par que seja mais cômodo.

—Estes são magníficos — respondeu ela, dando outro torpe passo, enquanto notava como a encadernação começava a deslizar para baixo.

Badra se deteve.

Kenneth franziu o cenho.

—Pois caminha como se padecesse uma tremenda dor, me deixe te ajudar.

Ela levantou uma mão.

—Não, por favor, sou completamente…

Thunk! O volume caiu de entre suas apertadas coxas com um ruído surdo sobre o tapete.

Kenneth levantou uma sobrancelha surpreso.

— Deixou cair algo? — perguntou ele educadamente. Suas bochechas avermelharam enquanto ele olhava de forma significativa a prega de sua saia.

Badra deu um passo para trás, revelando o livro proibido que escondia entre suas saias. Kenneth se inclinou, o recolheu, o volteou e este se abriu na página que tanto a tinha fascinado, a do homem que pressionava sua cara profundamente entre as coxas rechonchudas de uma mulher.

—Interessante — murmurou ele, seus azuis olhos brilhavam. —Badra, se desejava aprender mais sobre isto, a aconselho que leia o livro, em vez de utilizá-lo para imitar a ilustração. — O brilho em seus olhos se intensificou enquanto deixava o livro sobre a mesa.

Tinha suas bochechas acesas.

—… eu quis conhecer seus gostos. —Então ela se ruborizou ainda mais, ao se dar conta do que significavam suas palavras.

O duque simplesmente a olhou. A fome encheu seus ricos olhos azuis, que brilhavam como jóias. A alcançou.

Seu indicador acariciava cuidadosamente seu lábio inferior.

—Meus gostos sempre são constantes.

Badra fechou seus olhos, tremia pela calidez de seu toque. Um fragmento de um profundo desejo a embargou.

—É tão formosa. — Sua voz provocou estremecimentos de necessidade dentro dela.

Por que não pôde reunir a coragem para lhe dizer que sim quando ele o tinha proposto? Kenneth lhe teria feito mal como o fez seu antigo captor? Ela não tinha suficiente coragem. Nunca poderia fazer as coisas que a mulher do livro fazia. Ao menos não voluntariamente. Nunca. Tinha que recordar que Kenneth merecia uma mulher com uma paixão que igualasse à sua.

Se tão somente pudesse se atrever a sentir um pouco do desejo que flamejava em seus intensos olhos. Seria capaz? Badra desejava tentá-lo.

Ele se aproximou, seu polegar descansou em seu lábio inferior, provocando-a com uma carícia tão leve como uma pluma para frente e para trás. Seus olhares se encontraram. Tão diferente. E tão familiar de uma vez. Acariciou com firmeza sua cinzelada mandíbula, enquanto seu olhar se aprofundava, intrigada pela mescla de tons esverdeados que encontrou em seus profundos olhos azuis, delineados por umas extensas, longas e escuras pestanas.

Uma espessa mecha de cabelo negro caía sobre sua testa. Com uma mão trêmula, o retirou de sua cara. As vezes que tinha repetido este gesto suas mãos tinham chegado até seus ombros; agora, seu cabelo estava muito curto. Compreendia a seu Khepri, o homem que teria dado a vida ou sua mão para protegê-la.

Kenneth pegou sua mão, levando seus dedos para seus lábios. Seus olhos estavam fechados enquanto os beijava com delicadeza. Seus lábios estavam úmidos e quentes; então ele esfregou sua mão contra sua bochecha. O fascinante roçar com aquela pele masculina, bem barbeada provocou uma selvagem corrente de incerteza nela. Badra quis se afastar, dividida entre o desejo e o medo enraizado pela ânsia que evidenciava sua faminta e crua expressão. Aonde os conduziria isto?

Uma vez, ele tinha feito o juramento de derramar até a última gota de seu sangue para defender sua virtude. Ele a despojaria dessa mesma virtude? Já não era um Khamsin, ele era agora um poderoso duque inglês. Já não estava governado pelas mesmas regras.

Ela riu para ocultar seu nervosismo, descansando suas mãos sobre os ombros dele, sentindo os duros músculos sob a textura de sua jaqueta. O temperado aço de um guerreiro ainda existia sob seus finos ornamentos.

—Parece tão diferente. Mas a mudança o favorece. Como seu totem de cobra, muda a pele Khamsin pela de um inglês harmonizando perfeitamente.

Uma sombra de tristeza se refletiu em seus olhos.

—Talvez seja uma cobra, mas uma que está incômoda em sua nova pele — admitiu ele. — Vestindo uma pele totalmente desconhecida.

Sua honestidade a assustou.

—Mas se adaptou muito bem.

—Não tenho outra opção. Agora tenho as obrigações e os deveres de uma classe imensamente diferente, Badra. Deveres que devo aceitar tão seriamente como os que tinha, quando era um simples guerreiro.

Sentiu surgir um novo respeito por ele.

—É um dos guerreiros mais honoráveis que nossa gente conheceu alguma vez, Khepri. Estou segura que será um duque igualmente honorável.

Um olhar distante se refletiu em seus olhos. Sua mão estava cavada em sua bochecha, seu polegar a acariciava como o toque de uma pluma.

—Ainda sou Khepri para você, Badra? Sou um duque meio doido por um pequeno sentimento de nostalgia pelo Egito e seu passado. Ah, cheira como as flores do deserto, a luz do sol, o calor e a areia quente do Egito — disse ele com voz rouca. —Não importa de quantas capas de roupa inglesa esteja vestida, sempre será o deserto. Está dentro de você.

—E dentro de você também. Não pode esquecê-lo. Ainda é Khepri, aqui, em seu Ieb. — Ela tomou suas mãos e as uniu, as apertando no peito dele contra seu coração.

Ele se inclinou mais perto, a fome faiscava em seus olhos.

— Me leve de volta a meu deserto, Badra. Outro beijo, uma pequena lembrança da casa que deixei. Me beije, Badra, e me deixe provar o Egito uma vez mais — pediu Kenneth, o som de sua voz era baixo e rouco.

No profundo desses insondáveis olhos azuis como o mar, ela vislumbrou o verdadeiro Kenneth: à deriva e só sobre um oceano de incerteza, alagado por novas obrigações e uma vida nova, ainda tendo saudades do familiar e tórrido calor do Egito.

Como poderia ela lhe negar um beijo, uma lembrança da terra que ambos tinham amado e que ele tinha abandonado?

Com vertiginoso atrevimento, Badra elevou sua cabeça, convocando toda sua coragem. Ele era tão alto. Se apoiou sobre os dedos de seus pés, se elevando para ele como uma flor em florações a procura o sol, esperando que tocasse suas pétalas e lhe desse vida.

Seus lábios ardiam com a promessa da paixão. Recordavam-lhe as tendas negras do Egito, os sutis toques da carne contra a carne, os gritos tranqüilos que ressoavam nas noites do deserto. Fazia Badra pensar em mulheres recebendo prazer de seus guerreiros.

Ah, ela queria mais.

Um suspiro diminuto escapou de sua garganta. Kenneth cavou em sua nuca uma forte palma, ainda a sustentando enquanto sua boca se ajustava sobre a sua. Seu toque era gentil e ponderado, pouco exigente. Então sua língua acariciou ligeiramente a maciez de seus lábios fechados, se movendo rapidamente para obter um convite. Cativada, ela separou seus lábios.

Como uma serpente, sua língua se lançou para dentro, acariciando e explorando enquanto se introduzia em sua boca, reclamando-a. Badra abriu mais sua boca, disposta a que ele continuasse explorando.

Disposta a deixar que a reclamasse.

Kenneth deslizou um braço ao redor de sua cintura, a aproximando mais. Sua mão deslizou sobre a curva de seu quadril, parando na parte inferior de suas grosas saias, apertando com suaves carícias sua carne. Ela gemeu e se agarrou a seus ombros, que tremiam pelas desconhecidas sensações que sentia. O prazer que sentiu quando ele a tinha beijado pela primeira vez retornou. Certamente, isto era a paixão. Talvez ela pudesse vencer seus medos, se ele…

Então ele arrancou sua boca, ofegando. Baixou a vista para ela.

—Não, não pare — protestou ela com voz rouca. — Mais.

Badra esfregou seu corpo contra o dele, desejando aproximá-lo mais, precisando apagar o fogo em suas vísceras. Suas mãos rodearam seu pescoço, o puxando para baixo. Ela o beijou.

Um gemido estrangulado surgiu de sua garganta. Ele brandamente a apoiou contra o enorme e gentil escritório, e continuou beijando-a, se oprimindo contra ela. Badra sentiu a dura e sólida madeira sob ela, e o corpo forte e masculino em cima a apertando contra a mesa.

Uma sensação de irrealidade se apoderou de Badra, como se pudesse se ver através de um sonho. Ela deslizou em sua fantasia favorita sobre Khepri e sua proposta de casamento, em que ela obtinha a suficiente coragem para lhe responder que sim. Eles se casavam na Inglaterra. Sua noite de bodas…

A fantasia se combinava com a realidade pelo urgente calor da suave boca de Kenneth. Seus beijos eram mais doces que o mel quente, e seus braços seguros e fortes, como os pilares dos templos do Egito. Suas mãos, capazes de aplicar força bruta e de esmagar a um inimigo com facilidade, eram aprazíveis enquanto ele acariciava seu corpo. Ele sussurrou palavras doces de amor em seu ouvido.

Suas mãos…

Ela se deu conta das grandes e masculinas mãos que empurravam suas saias, subindo. As mãos eram quentes, e ela as sentiu acariciar seus nus quadris, um delicioso roçar contra sua pele enquanto ele deslizava para baixo os estranhos e brancos calções ingleses, tirando-os por suas pernas, passando-os pelas suaves sapatilhas de menina que não roçavam seus pés.

Um polegar percorreu a borda de suas meias de seda, acariciando ali, ascendendo então para cima, enquanto Kenneth acariciava a quente carne de sua coxa. Ela gemeu em sua boca. Respondendo com um grunhido, ele empurrou para cima suas saias, anáguas e a regata sobre seus quadris.

O toque a despertou da sonolenta paixão, da doçura de seu sonho inocente.

Assustada, ela pressionou fortemente suas pernas. A lã roçou sua sensível carne, enquanto o joelho de Kenneth se introduzia entre suas coxas. Ele permaneceu de pé entre suas separadas coxas. O ar acariciava as zonas mais íntimas e femininas dela. Badra se sentiu aberta e vulnerável. Quando Kenneth apartou sua boca da sua, ela abriu os olhos e viu a expressão de sua cara, algo a alertou.

Era uma cara tensa pela luxúria masculina, não pela ternura.

Kenneth desabotoou a calça, baixando-a por seus estreitos quadris, seguiu sua branca e fina cueca de seda. Seu membro saiu pesado e grosso pela excitação. Ele se inclinou para frente, a apanhando com ternura e calidez.

Isto era seu pesadelo, que se fazia realidade outra vez. A apanhando sob o peso de um homem, escrava de suas necessidades.

Uma selvagem possessividade flamejou nos olhos de Kenneth.

—É minha, Badra. Só minha. Sempre foi.

As palavras de Fareeq arderam em sua memória. Nunca a deixarei ir, Badra. É minha. Minha escrava.

Kenneth se inclinou sobre ela, suas mãos prenderam os pulsos dela contra a mesa. Badra sentiu a dureza que pressionava o suave vazio entre suas coxas e sentiu pânico.

Ela lutou contra seu tenaz abraço. Ele era um forte nobre inglês. Sua palavra aqui era a lei. Os criados não fariam caso de seus gritos. Ela estava desprotegida entre seus braços, vulnerável a sua paixão. A enorme força de seu abraço a assustou. Ele poderia esmagá-la como a uma pétala de flor e usar seu corpo. As lembranças emergiram, a cara torcida de Fareeq que brilhava pela cruel vitória enquanto ela estava deitada desamparadamente sob ele.

Substituído agora por Kenneth.

As lembranças do passado a assaltaram; o corpo de Fareeq que a esmagava contra as sujas peles de cordeiro, ardendo de dor enquanto ele empurrava contra seu corpo e ela gritava e lutava …

Nunca mais. Badra se retorceu contra o musculoso peso de Kenneth que a prendia, se desfazendo de seus acalorados beijos. Com o último lampejo de sua força, ela lutou até que ele liberou seus pulsos. A protuberância arredondada de seu membro começou a empurrar dentro dela. Badra empurrou seu musculoso peito.

—Para, me deixe descer! —chiou ela, golpeando-o.

Ofegando, ele afastou a vista, com um olhar ausente pela paixão. O desejo nu ardia dentro das profundidades de seu olhar. Durante um selvagem momento, o terror a atendeu. Ele não se aplacaria. Então Kenneth pronunciou uma maldição em árabe e se separou dela.

Badra imediatamente deslizou até o chão, se apoiando em seus joelhos, suas saias se amontoaram ao redor dela como pétalas de flor murchas. As lágrimas a cegaram. O medo se uniu a sua maldita vergonha.

Seus fortes dedos rodearam seu pulso.

—Não me toque! —gritou ela. Golpeou-lhe a bochecha com uma violenta bofetada.

Através da neblina de suas lágrimas ela o viu se distanciar, abotoando suas calças, sua respiração desigual.

—Estava tentando te ajudar a se levantar — ele disse finalmente.

Respirando tremulamente, ela ficou em pé. Kenneth tocou o débil sinal vermelho que sua bofetada tinha deixado.

—Badra, o que fiz de mal? — o desconcerto se refletiu nas rugas que apareceram sobre sua testa. Sua preocupação ameaçou soltar a corrente de emoções que se acumulavam dentro dela. Ela não podia soluçar e se derrubar …

Deliberadamente ela se obrigou a dizer com voz desgostada e desdém em sua cara.

—Foi um terrível engano. Tinha dito isso antes, Kenneth. Não posso retribuir os sentimentos que você sente por mim.

Sua ternura foi substituída pela inexpressividade.

—Ordenarei que tragam a carruagem e pedirei a uns de meus homens que acompanhem até sua casa.

Kenneth se virou, lhe dando as costas. Na entrada ele se deteve, descansando uma mão sobre o marco da porta, seu pesado selo brilhava com a luz.

—Adeus, Badra.

Ela sabia que a palavra significava adeus para sempre. Sua forma alta e solene se afastava com uma rígida resolução sobre seus ombros.

Badra piscou para desprender as lágrimas, doída e desprotegida. Com medo de confessar seu segredo. Durante um disparatado momento ela lamentou a promessa que fez a Jabari de não contar nunca como Fareeq a tinha açoitado e a tinha violado. Mas os anos tinham enterrado seu segredo como as capas da areia cobriam as tumbas do Egito. Seu passado estava morto e bem morto. Era muito tarde para expô-lo e confrontar a vergonha, e a compaixão.

—Sinto muito, Khepri. Como desejo que pudesse ter sido diferente —sussurrou ela depois que sua figura desapareceu.

Ele não a ouviu.

 

Kenneth subiu as escadas que conduziam a seu dormitório. Sua cabeça dava voltas ainda alagado pela fragrância de Badra. O sangue quente bombeava por suas veias. Suas vísceras doíam gritando pela liberação.

Tinha necessitado de todo refinamento e autocontrole que ele tinha aprendido como um guerreiro Khamsin para se separar dela. Durante um minuto tinha pensado que não poderia, tão grande era o impulso de estar dentro dela e reclamá-la por fim. A paixão e a autodisciplina tinham lutado com ele, e finalmente a contenção tinha ganhado. Kenneth deslizou sua língua ao redor de seus lábios, ainda encontrando a melosa doçura da boca de Badra. O atordoamento o arrasou. Dada a forma em que ela tinha respondido, seus suaves lábios avermelhados sob os dele, seus olhos obscurecidos pelo desejo, por que ela o tinha empurrado?

Ele se deteve ante sua porta, aflito pela lembrança de Jabari lhe pedindo que protegesse sua virtude. Mas seu xeque nunca tinha explicado a Kenneth nada referente ao passado dela. Kenneth tinha perguntado uma vez. E Jabari lhe tinha respondido tranqüilamente que seu dever consistia unicamente em protegê-la.

Agora, ele se perguntava. O que Fareeq teria feito a ela? Badra nunca tinha mostrado nenhum interesse em outro homem. Inclusive agora, em companhia de Rashid, os dois atuavam mais como amigos que como noivos.

Badra teria medo dele? Então, ele recordou seu olhar de repugnância. Suas palavras. Foi um terrível engano. Tinha dito isso antes, Kenneth, não posso te devolver os sentimentos que sente por mim.

Se sentiu como se o esfolassem, aberto e vulnerável. Ele era uma cobra desprovida de seu veneno e sem pele que o protegesse.

Pinçou em seu bolso em busca da chave e entrou em um quarto de armazém. Fantasmagóricas bolinhas de pó flutuavam através dos raios do sol das últimas horas da tarde que atravessavam a janela redonda. Um baú de cobre estava situado em um canto, e Kenneth se aproximou dele com uma tremenda cautela. Fechou seus olhos, inalando as lembranças.

Abriu o cofre e baixou a vista para seu interior. Sua mão tocou um montão de cartas amareladas e atadas com uma puída fita azul. Desatou a fita e pegou a primeira carta, entreabrindo os olhos pela débil luz e pela estranha tinta que se usou.

A asseada escritura em itálico o evitou.

Lê para mim, Badra. Suas palavras se repetiam zombadoramente em sua cabeça.

Lê para mim, Badra, já que não posso ler para mim. Não em inglês. Não na mesma língua do país onde nasci…

Não, mas aprenderei. Aqui, onde ninguém testemunhará meu vergonhoso segredo. Onde nenhum inglês possa me olhar com desprezo, como a um pagão, e riam de mim. Kenneth pressionou o indicador na primeira palavra, lutando corpo a corpo com o pouco que lhe tinham ensinado. Ele explorou as palavras, logo se deteve. Tinha esquecido. Um inglês lia de esquerda a direita. Ao contrário de como o fazem os árabes, de direita a esquerda. Para o coração. As letras eram tão diferentes dos caracteres árabes.

—Qu….e….r…iiii…d m….io

Devido à penetrante frustração golpeou a coxa com seu punho. Não podia ler as cartas. Nem sequer podia soletrar seu maldito nome. Sua própria assinatura zombava dele, uma série de intrincados círculos e curvas que davam um aspecto pomposo e oficial para um duque, mas que não significavam nada.

Kenneth poderia soletrar seu nome em árabe. Ele devorava os livros em árabe. Mas não podia escrever nem ler em inglês.

Instruído em ambas as línguas, Jabari o tinha ajudado com a leitura e a escritura até que seu árabe foi tão impecável como o de um egípcio nativo. Mas Jabari não tinha conseguido ensiná-lo a ler e escrever em inglês. Ah, ele o entendia. Mas Khepri se fez tão parte deles, tão egípcio, tão Khamsin, que ninguém o tinha acreditado necessário. Fazer um guerreiro, um lutador perito como Jabari e Ramses, tinha tido prioridade em sua vida. Kenneth nunca se incomodou em voltar e continuar com os estudos.

E nunca tinha lamentado a carência de educação até que voltou para a Inglaterra, até o dia em que seu avô lhe falou das cartas armazenadas no baú do apartamento de cobertura. As cartas que o pai de Kenneth lhe tinha escrito no dia que Kenneth nasceu. Um jornal que contava a crônica de sua vida. A risada suave de sua mãe. Seu irmão Graham e sua travessa inclinação de comer todo o pão de gengibre no Natal. Os dias de seu pai em Oxford. A história inteira de sua família registrada sobre grossas e amareladas folhas escritas em uma descolorida tinta.

E ele não podia ler nenhuma maldita palavra.

Kenneth cuidadosamente substituiu a carta, com um nó na garganta. Seu olhar caiu sobre um vulto de roupa dobrada de cor anil. O binish anil de um guerreiro Khamsin do vento. Sua mão tremia ao acariciar o pano. Preso junto à borda do baú havia uma vagem metálica que sustentava uma espada curva. Kenneth a levantou, aflito ao ver sua folha desfilada e deslustrada seu punho de prata.

Lentamente retirou a espada de sua vagem e a sustentou em alto. Seus olhos se fecharam e tentou fazer o baixo e ondulante grito que lhe tinham ensinado. Mas lhe saiu um rouco chiado.

Kenneth suspirou com força e devolveu a arma a seu lugar. Já não era um Khamsin. Agora era o Duque de Caldwell. O analfabeto Duque de Caldwell.

Ele baixou a tampa do baú de um golpe produzindo ao cair um surdo som que embotou seu coração. Olhou fixamente a arca, até que um pensamento o tirou de seu sonho.

Por que Badra tinha escolhido um volume que ele deliberadamente tinha mantido longe do alcance de sua mão? Se não a tivesse visto com ele, nunca teria cedido ante sua luxúria.

Se apressou a retornar à biblioteca, subiu pela escada e começou a folhear os volumes. Sua resposta chegou rapidamente, o colar da Princesa Meret caiu de entre dois livros.

Kenneth olhou fixamente o colar roubado. Badra o tinha escondido ali, por que? Ela o tinha tirado de Rashid? A gratidão de voltar a ver o que era seu se mesclou com centenas de perguntas que passavam por sua mente.

Sua mão acariciou o ouro e as pedras semipreciosas como um amante. Mas este tesouro não tinha vida, e ele ardia por sustentar o verdadeiro prêmio entre seus braços. Badra. Tinha-o unido a ela como uma serpente enroscada, se assegurando que ele era seu escravo.

Kenneth pensou na ligação que tinha recebido mais cedo de seu primo; Víctor tinha reservado uma passagem para eles. Zaid já tinha partido em um casco de navio a vapor com destino ao Egito. No Egito, ele encontraria Badra outra vez. Estava seguro disso.

 

Cairo. Uma tormenta de visões e aromas o assaltaram feito ondas; uma cacofonia encheu seus ouvidos. Kenneth se sentou em uma cadeira reclinável no amplo terraço do Hotel Shepherd.

Minaretes abobadados se elevavam por cima da cidade em arcos cheios de graça, os mulás chamavam os fiéis à oração do meio-dia. Os homens em thobes[5] parecido a uma larga camisa e calça folgada começaram a ir para as mesquitas. Névoas de vapor se curvavam no ar da cúpula azul-frisado situada a sua frente.

Kenneth voltou sua atenção à rua abaixo. Um encantador de serpentes hipnotizava um réptil que se deslizava de uma cesta. Artistas com macacos amestrados realizavam palhaçadas para regozijo de um moço inglês e uma moça cativada pelos forasteiros de pele morena. Seus pais horrorizados apareceram e os empurraram longe com zangadas advertências.

Kenneth deixou que um dedo deslizasse sobre o bordo de sua xícara de chá. Isto era ainda o mesmo no Egito. Embora diferente. Ele nunca antes tinha vislumbrado esta terra através dos olhos de um nobre inglês. Dois mundos colidindo. Os egípcios quem se inclinava e faziam mimos ante os rígidos ingleses quem passava ante eles com indiferença. Olhos escuros e ardilosos procurando uma oportunidade, mãos de pele morena se estirando em uma interminável súplica por uma gorjeta. Desaprovadores, os pálidos ingleses, de narizes elevados, irradiavam desprezo.

Aclamem a Bretanha! Allah-hu-Akbar!

Kenneth não se sentia cômodo em nenhum mundo agora. Ele jogou uma olhada às folhas de chá no fundo de sua xícara e sentiu uma repentina punhalada de desejo pelo espesso, rico e amargo café árabe servido em pequenas taças. Os grandes pedaços de pão de tâmara com amêndoas, orvalhados com o dourado mel. Sua boca fez água.

Ele tomou outro sorvo e engoliu suas nostalgias. Uma vez ele ficou aqui com Ramses quando os guardiões de Khamsin vieram ao Cairo para negociar uma venda de cavalos árabes a um rico comprador. Kenneth tinha se maravilhado ante a vista, com os olhos muito abertos pela fascinação. Naquele momento o encantador de serpentes e o dono do macaco lhe pareceram feiticeiros e encantadores. Agora, ele notava a imundície que sujava as pregas de seus largos thobes, as rugas de preocupação esculpidas em suas caras obscurecidas pelo sol, em suas formas esqueléticas.

- Sujo nativo o inglês os chamou.

Imperialismo britânico. Arrogante classe superior, com o lábio superior mostrando desprezo pelos desalinhados, preguiçosos e estúpidos egípcios.

Ramses rindo tinha chamado ao inglês pescado de barriga branca em troca, com brincadeira em sua voz, um lábio curvado.

Sim, o prejuízo existia em ambos os lados. Mas o próprio Ramses finalmente tinha admitido sua metade inglesa e a tinha abraçado. Ele tinha casado com a filha de um conde inglês. Eles estavam profundamente apaixonados. Poderiam o Egito e a Inglaterra se reconciliarem como Ramses e Catherine o tinham feito? Podia o imperialista sangue azul que percorria as veias de Kenneth alguma vez se mesclar livremente com a apaixonada sensualidade aprendida nas tendas negras?

Outra vez, ele se sentia como uma serpente sem pele. Nu, ao reverso,vulnerável e sozinho; sem pertencer a nenhum mundo.

—Seja cuidadoso com esses pacotes!

Sua atenção foi para uma severa inglesa em um vestido branco engomado com grandes e inchadas mangas, acompanhada por três moças jovens, vestidas de branco que a seguiam e um austero marido que a olhava. Dois moços que pareciam esgotados sopravam atrás da família e conduziam os pacotes para os degraus do mirante. Kenneth se inclinou para trás em sua cadeira, olhando com interesse. E os ingleses chamavam os egípcios de preguiçosos?

A matrona fez uma pausa em sua ascensão e inspecionou o mirante como o capitão de uma fragata que examina a linha da costa. Seu olhar caiu sobre Kenneth. Ela entrelaçou suas mãos e ferveu.

—Sua Graça!

A mulher se deslocou até ele, as saias ondeando ao vento, deixando atrás seu macilento marido. Os exaustos moços baixaram os vultos com suspiros agradecidos. Ela se deteve ante ele, fez uma reverência que fez ranger as baleias de seu espartilho, e indicou que as jovens fizessem o mesmo. Se elevandoe, ela sorriu, mostrando seus dentes amarelados.

Os Khamsin luziam brilhantes sorrisos brancos, sempre mastigavam folhas de hortelã para adoçar seu fôlego e limpavam seus dentes com mirra[6].

—Lady Stenson-Hines – ela se apresentou — Meu marido, Sir Walter Stenson-Hines. E estas são minhas filhas, Íris, Rose e Hyacinth.

Kenneth não se levantou. Concedeu à mulher e seu jardim de flores inglesas uma inclinação de cortesia. Lady Stenson-Hines soltou:

—É tão bom vê-lo aqui no Egito! Dizia a Walter outro dia que eu absolutamente não podia esperar para chegar a Shepherd e me mesclar com gente civilizada. Estes nativos... — Ela enrugou um nariz protuberante. —Asquerosa, a forma como eles vivem. Avaros, sem escrúpulos e covardes. Pagãos ardilosos, preguiçosos. Terá que mantê-los em constante vigilância.

Sir Walter pigarreou, olhando incômodo.

—Felicity, minha querida, penso que o duque foi criado…

Kenneth ofereceu um direto sorriso.

—Não quero atrasá-la, Lady Stenson-Hines. Estou seguro que você e sua família estão desejosos de se estabelecer, com a ajuda dos pagãos e preguiçosos moços - disse ele secamente.

Ela assentiu vigorosamente, seu sarcasmo sobrevoava sobre sua cabeça como um bando de pombas.

—Possivelmente mais tarde nós o veremos no salão. Venham, moças!

A matrona e seu jardim de flores desapareceram. O marido, girando seu encerado bigode, lançou um olhar compungido a Kenneth e se retirou.

O ácido se revolveu no estômago vazio de Kenneth. Ele chamou um garçom e ordenou um bolo adoçado com mel. Quando este chegou, o mordeu com deleite e tragou a decepção. Seu sabor era medíocre e nem sequer a metade de excelente que eram as tortas Khamsin.

Mas a decepção era uma emoção com a que ele tinha aprendido a viver estes dias. Enquanto Kenneth sacudia os miolos fora da mesa descobriu seu primo serpenteando em seu caminho através da multidão.

A bituca de um charuto molhado se sobressaía dos lábios de Víctor, seu extremo aceso destacava uma boca decidida. Levava uma pequena mala de couro, que rapidamente deixou em uma cadeira. Kenneth se levantou e seu primo energicamente sacudiu sua mão.

Os dois se sentaram enquanto Víctor secava sua testa que transpirava.

—Maldito calor - se queixou. — Sinto como se meu corpo estive pego a um forno, me dê qualquer dia do inverno de Londres.

—Ah, sim, a névoa amarela e os céus enegrecidos das fábricas. Eu saboreio o aroma do enxofre pela manhã - comentou Kenneth secamente.

Os olhos azuis de Víctor, muito parecidos com os seus, procuraram o terraço. O primo de Kenneth possuía uma próspera loja de antiguidades aqui no Cairo assim como uma loja em Londres. Tinha estabelecido uma bem-sucedida empresa comercial nelas. Também estava estreitamente conectado aos assuntos de Kenneth aqui, e à escavação em Dashur.

Embora, Kenneth se sentia pouco disposto a revelar o que tinha descoberto. Víctor exibia alguns dos mesmos preconceitos que muitos ingleses tinham para os egípcios. Se ele soubesse que Rashid, um egípcio da tribo que tinha criado Kenneth, era o ladrão, insistiria em chamar as autoridades do Cairo. O Khamsin seria desonrado. A honra irrevogavelmente estaria perdida. Esta era uma batalha que Kenneth tinha a intenção de lutar sozinho. Ele não envergonharia a tribo que o criou.

—E, alguma notícia de Dashur? — perguntou Víctor.

Kenneth examinou a borda de sua xícara de chá.

—Morgan me assegura que eles avançam cada dia, e ele espera encontrar o segundo colar logo, e mais jóia, fazendo disto a sensação mais espetacular da estação.

—Estou contente de poder te ajudar - comentou Víctor, olhando tranquilizadoramente para Kenneth. — Eu o entendo.

—Aprecio sua ajuda, Víctor, foi inestimável.

Seu primo deu golpezinhos a seu charuto na borda de sua cadeira. A cinza caiu como pó no terraço. Ele se inclinou para baixo, procurou em sua mala e retirou um maço grosso e intimidante de papéis.

—Enquanto esteja aqui, tenho alguns documentos para que assine, relacionados com a parte de seus benefícios das lojas.

As lojas. O pai de Kenneth tinha investido dinheiro no negócio de antiguidades de Víctor e tinha combinado uma fatia dos lucros como pagamento. Kenneth sentiu uma opressão no peito, desejando que Zaid estivesse aqui para decifrar os documentos. Mas o secretário tinha pedido a tarde livre. Ele pegou a pluma que seu primo lhe tinha dado, fingiu repassar os papéis, e os assinou.

Ele começou a devolvê-los, logo vacilou.

—Se não se importar, eu gostaria de fazer que meu secretário os revisasse, para registrar a informação pertinente. E tendo em conta que a loja do Cairo é minha metade, eu gostaria de ter uma chave - disse ele casualmente.

Os olhos de Víctor se alargaram, e o charuto oscilou entre seus lábios. A cólera apareceu com força por um momento, logo piscou, apartando o olhar. A consternação de Kenneth aumentou. O que seu primo estava lhe ocultando?

Víctor pegou no bolso de seu colete uma chave de cobre.

—A loja está bastante poeirenta. Eu tinha um ajudante, mas tive que despedi-lo. Não podia confiar o suficiente nele.

—Por que não vamos dar uma olhada agora mesmo? — Kenneth perguntou casualmente.

A cor alagou as bochechas de Víctor.

—Agora?

—Nada como o presente. Tenho que partir depois.

—À escavação? O acompanho? — perguntou Víctor, soprando sobre seu charuto quando eles empurraram as cadeiras para trás.

—Não. Tenho um pequeno assunto que resolver primeiro. O encontrarei em Dashur. — Kenneth pensou em seu seguinte destino e tragou com força. Necessitaria de toda sua força para fazer esta viagem. Ele temia voltar para o acampamento Khamsin, e ao xeque que tinha jurado nunca voltar a ver de novo.

—Prometeu liberá-la!

—Menti.

Badra reuniu sua dignidade sobre ela como uma cálida capa enquanto estava de pé no harém do Palácio do Prazer. A viagem da Inglaterra ao Egito tinha abalado seus nervos como os fios de seda desenredados de um tapete persa. Extremamente preocupada com Jazmine, ela tinha atrasado o retorno ao campo Khamsin, dando a Rashid a desculpa de que ela estaria às compras no Cairo durante um dia.

—Tem seu dinheiro, me dê ela - disse Badra.

—Algo passou enquanto foi. Seu valor aumentou. Há só uma maneira que ela saia daqui. Deve tomar seu lugar - grunhiu Masud.

Tudo dentro de Badra desmoronou. Ela não podia se converter em uma concubina outra vez.

—Nunca. Deve ter outro caminho.

—Possivelmente. Se nós pudéssemos conseguir o outro colar… Temos um trabalhador no lugar em que se conseguiu o primeiro, mas suspeitam dele. Eles não suspeitarão de uma mulher. Omar fez acertos com um alto funcionário no local da escavação para que esteja ali como artista. Encontra o segundo colar da Princesa Meret, traga-o aqui e sua filha será livre.

—Omar deseja que eu seja seu ladrão?

—Ou sua puta. Você escolhe.

Uma raiva impotente correu através de Badra. Ela soltou um tremulo fôlego e jogou uma olhada para Jazmine que estava sentada silenciosamente com uma mulher sobre um divã no final do longínquo quarto.

Masud apanhou seu olhar.

—Tenho um comprador.

O terror fustigou através dela.

—Dissee que ela não ia ser vendida! Tem só sete anos!

—Quase oito. Há um homem europeu que gostou de seu aspecto. Ofereceu um bom preço por seu contrato e já nos deu o dinheiro. Ela será vendida quando ele voltar dentro de seis semanas. Enquanto nós falamos, Jazmine está sendo instruída em seus novos deveres para com seu futuro amo.

O coração de Badra se retorceu quando ela olhou a sua filha. Jazmine parecia confundida e seus olhos pareciam alargados e escuros pelo medo.

Ah, Deus querido. Como ela poderia abandonar o seu bebê?

Badra se voltou para Masud.

—Se fizer isto por você, e trago o segundo colar, imediatamente a liberará. Se não, direi ao duque de Caldwell exatamente quem o está roubando. — Seus olhos endurecidos o olharam com resolução.

As janelas do nariz de Masud se inflamaram.

—Lhe diga algo e sua mucosa será vendida amanhã e nunca a encontrará outra vez.

Lutando contra o medo, Badra centrou seu olhar sobre ele.

—Está familiarizado com a falaka[7] eunuco? — o sangue escapou de sua cara, satisfeita, ela se inclinou para frente, e aproveitou sua vantagem. — Porque se não a liberar uma vez que devolva o colar, porei a responsabilidade de tudo isto sobre seus pés. O Duque de Caldwell entregará às autoridades para que golpeiem as plantas de seus pés até obter uma confissão.

Masud grunhiu.

—Isto é um acordo, então, traz o colar e ela será liberada. —Ele adicionou em um tom baixo, — mas se não devolver o colar, só poderá liberá-la permanecendo aqui, seu contrato será vendido cada mês a quem pagar mais. E isto é uma promessa.

Badra soltou um fôlego trêmulo. Fazer tal perigosa promessa a um réptil de sangue-frio como Masud era como dançar com uma serpente. Mas seu amor por Jazmine pesava mais que todos os riscos.

—Posso ter um momento a sós com minha filha? — perguntou ela.

Ele grunhiu outra vez, mas ordenou à outra mulher partir. Badra foi para Jazmine e a envolveu em um apertado abraço. Contraditórias emoções de gratidão e culpa passaram por ela.

—Cuidarei de você, preciosa.

—Badra, eu não entendo as coisas que a mulher me disse, por que um homem quereria fazer essas coisas? — perguntou Jazmine, a incerteza e o temor sombreavam seu doce rosto.

—Esquece, minha querida - sussurrou Badra, beijando sua face— Deixa-o escorregar de sua mente e pensa só em coisas bonitas, agradáveis. —Ela balançou a sua menina em seus braços e começou a cantar um arrulho inglês que tinha escutado Elizabeth cantar para seu filho.

Uns minutos mais tarde, um guarda apareceu.

—Tempo de partir.

Badra deu um último abraço em sua filha. Um valente sorriso tremeu em seus lábios. Nunca outra vez. Minha filha nunca sofrerá como eu. Inclusive se devo tomar seu lugar. Mas não falharei.

O passo do camelo acalmou Kenneth enquanto ele se balançava de um lado a outro. Quando ele se aproximava do acampamento Khamsin, Kenneth sentiu um agudo pesar porque ele não tinha aceitado a oferta de Víctor de acompanhá-lo.

A loja de seu primo tinha resultado ser uma poeirenta cristaleira em um beco deserto. As suspeitas do Kenneth aumentaram. Duvidava que se existia qualquer ganho, este proviesse da loja. Prometeu conseguir que Zaid fizesse um pouco de investigação sobre Víctor.

As tendas negras dedilhavam a granulosa areia. Os guerreiros vigilantes na borda do acampamento o perceberam e lançaram um grito.

Era de advertência, não de boas-vindas.

Kenneth deslizou de seu camelo, agarrando as rédeas. O suor pegava sua camisa sobre sua pele molhada. Ele nunca tinha suado no calor do verão tanto como o fazia agora, ao confrontar à tribo que ele tinha pensado evitar para enfrentar ao xeque que uma vez o tinha chamado irmão, e a quem nunca mais voltaria a lhe chamar assim.

As pessoas começaram a se juntar, sussurrando e cabeceando para ele. Já que era descortês apontar na cultura árabe, eles simplesmente o olhavam fixamente. Kenneth se sentiu nu e exposto. Ele devolveu seu olhar fixamente com um austero sorriso e se deteve na primeira tenda. Uma manada de ovelhas baliu, fugindo dele como se fosse um lobo.

Ele se sentiu como uma serpente deslizando no Paraíso. Nenhuma cara mostrou um sorriso de boas-vindas. Dois guerreiros franziram o cenho, sustentando seus rifles ao nível do peito, mas sem apontar para ele.

Não ainda, de todas as formas.

Uma bonita mulher com uma chalina[8] azul índigo envolta ao redor de sua loira cabeça, se precipitou para frente.

—Kenneth — gritou ela brandamente.

Os finos braços de Elizabeth o rodearam enquanto o abraçava com força. As emoções o alagaram enquanto abraçava à esposa do xeque. As mulheres estavam muito mais dispostas a perdoar que os homens.

—Voltou a nós — disse ela em inglês. — Eu sabia que não poderia nos esquecer.

Kenneth a soltou, seus dedos se curvando sobre seus braços, odiando desterrar o olhar de esperança em seus olhos azuis.

—Elizabeth, não é o que pensa… — ele começou.

Sua voz se apagou quando uma nutrida banda de guerreiros vestidos de anil partiu para ele. Ele descobriu duas caras muito familiares que guiavam o grupo. Uma vez eles tinham sido amigos. Não agora.

Dois pares de olhos, uns negros como o breu, outros de um dourado escuro, arderam sobre ele. Jabari e Ramses. O xeque e seu Guardião das Idades. Não havia nenhum sinal de boas-vindas em suas herméticas expressões. O xeque se aproximou seus olhos escuros resplandecendo. Ele desencapou sua cimitarra de marfim e a sustentou contra a garganta de Kenneth.

—Afasta suas mãos de minha esposa.

 

Seu irmão egípcio se converteu em seu inimigo.

A fria espada de aço se apoiava na garganta de Kenneth. Uma estranha calma o invadia, embora a cólera irradiasse das profundidades dos escuros olhos do Xeque Khamsin. Esses olhos que, em algum momento, tinham expressado carinho e conhecimento. Agora uma fria vacuidade residia neles. Kenneth não retirou suas mãos de Elizabeth. Não podia deixar que Jabari o intimidasse, ou incorreria ainda mais no desprezo do Xeque. Melhor sua ira que seu desprezo.

—Que maneira mais estranha de saudar uma visita, Jabari — disse, arrastando as palavras em árabe. — Suponho que isto não representa uma acolhedora xícara de café?

—Jabari, deixa-o. Agora mesmo. — falou Elizabeth.

O Xeque emitiu um grunhido de desaprovação, mas baixou sua cimitarra. Não a colocou em sua capa, mantendo-a fortemente apertada em sua mão.

Elizabeth retrocedeu, rompendo assim o agarre de Kenneth. O brilho de desaprovação em seus olhos azuis perdeu intensidade. Colocando uma mão obscurecida pelo sol sobre o ombro de seu marido, disse…

—Jabari, Kenneth só está de visita. Não poderia lhe mostrar ao menos hospitalidade?

Jabari lançou um grunhido outra vez.

—Suponho que deveria, já que como Xeque estou obrigado a mostrar hospitalidade às visitas.

Ramses deu um passo à frente, dirigindo a ele seus brilhantes olhos cor âmbar.

—Bem, não tem por que, — disse tranqüilamente, e repentinamente Kenneth sentiu seu imenso punho golpear sua boca. Elizabeth gritou. Kenneth cambaleou para trás, tonto pela dor e o enjôo.

Se recuperando, passou um lenço pelo fio de sangue que saía de seu lábio. Olhando as pontas de seus dedos, percebeu-as avermelhadas, enquanto formava uma careta pesarosa.

—Merecia isso—, admitiu. Manteve o olhar no guardião do Xeque. —Merecia isso pela forma que parti. Diremos que é um empate, ou vai me forçar a que lhe devolva sua generosidade?

O frio olhar de Ramses quase o queimou.

—Empate? Não estaria tão seguro.

—Parem, parem agora, todos vocês — gritou Elizabeth—. Kenneth é seu irmão adotivo, Jabari. Por que o está tratando deste modo? É da família!

A mulher normalmente serena, rompeu a chorar. Lágrimas que se amontoaram em seus azuis e luminosos olhos até que começaram a correr por suas bochechas.

—É da família, não faz isso com ele! — disse soluçando.

Imediatamente a expressão de Jabari mudou para arrependimento. Embainhou sua espada e abraçou sua esposa que chorava sobre seu peito.

—Sinto muito, meu amor, por contrariá-la.

—Elizabeth? Está bem? Kenneth perguntou brandamente, mais preocupado por sua tranqüilidade que pela hostilidade que tinha tido fazia um momento.

—Está muito emotiva devido ao bebê. Descobriu ontem que vai ter um menino—, explicou o Xeque.

Uma mulher pequena e de cabelos escuros vestida da mesma maneira que Elizabeth, com um kuftan índigo e um lenço de seda azul sobre sua cabeça, empurrou através da multidão. Uma cicatriz luzia sobre sua bochecha esquerda. Tinha fundos olhos verdes. - Catherine! Seu rosto se iluminou com um sorriso encantado.

—Khepri! —Exclamou, e o abraçou.

Com uma expressão neutra, Ramses estendeu a mão calmamente e o afastou de sua esposa.

Muito incomodado, Kenneth ofereceu um sorriso de arrependimento aos dois.

—Seu pai envia seus melhores desejos para todos vocês, Catherine, e para o futuro bebê que está esperando.

Houve um silêncio por parte dos homens. As mulheres pareciam preocupadas.

Maldito inferno, isto era tão difícil. Desejava que tivesse atacado a golpes, para descarregar a cólera que sentia por Jabari quando tivesse partido. Aquelas palavras o tinham ferido mais profundamente que qualquer ferida física que tivesse sofrido.

Tentou outra vez, se concentrando nas mulheres.

—Bem, não estou muito surpreso que esteja grávida. Ramses sempre se gabou que a longitude do cabelo de um homem era um sinal de fertilidade.

Enviou um olhar deliberado por volta dos dois Khamsins, cujas longas cabeleiras estavam ocultas debaixo de seus turbantes de cor índiga. Logo Kenneth tocou sua cabeça nua, suas ondas de cabelo marrom escuro cortado, que mal chegavam até o pescoço.

—Será um método anticoncepcional? — Indicou ele.

As mulheres riram, e Ramses e Jabari ofereceram uns sorrisos um tanto relutantes. Kenneth deu a volta e foi até seu camelo, pegando sua mochila. Retirou dela um pacote e uma carta, voltou sobre seus passos e deu essas duas coisas a Catherine.

—É de seu pai. Envia-lhe seu amor.

Catherine pegou os artigos, mostrando um olhar impaciente em seu rosto, quando passou o pacote a seu marido e rasgou o envelope.

—Uma carta de papai! Oh, é grande!

Ramses abriu a caixa quadrada e enrugou sua testa, lendo a etiqueta.

—Chá inglês?

—O melhor—, comentou Kenneth. Infernos, poderia ter sido arsênico pela forma como tinha lido a etiqueta.

Os olhos avermelhados de Elizabeth brilharam de prazer.

—Verdadeiro chá inglês. Que sorte!

—Obrigado. — Catherine deu uma olhada para Kenneth, depois de olhar ligeiramente as páginas. —É bom ver que você se tornou amigo de papai.

—Foi uma tremenda ajuda para mim.

—Kenneth—, disse Jabari devagar. — Você retornou.

O humor mudou, da mesma maneira que a areia quente se fundia sobre as dunas. Kenneth conhecia esse penetrante olhar do xeque.

—Não exatamente. Tenho que falar de algo importante sobre as tumbas. Em particular. A sala de cerimônias bastará. Vim aqui porque desejava honrar a amizade que uma vez compartilhamos.

Uma faísca de emoção veio à superfície no hermético rosto do Xeque. Assentiu com a cabeça e olhou para Ramses.

—Ouviremos o que tem a dizer. — Assinalou com a cabeça o lugar onde estava a negra e grande sala de cerimônias, onde faziam os conselhos de guerra e tomavam as decisões mais importantes.

Os homens se separaram de suas companheiras e caminharam com longas passadas para a casa. Catherine apertou o branco pergaminho em suas mãos, olhando para Kenneth um pouco perplexa. Não era um bom sinal. Isso e a negativa de Jabari em ordenar a seus homens que pusessem uma sala para os convidados, dava a entender que não tinha a intenção que ficassem.

Enganchou os polegares em seu cinturão e caminhou resolutamente, seguindo os dois guerreiros que uma vez foram um, seu amigo mais íntimo e o outro, seu irmão.

Ele se sentou com as pernas cruzadas sobre o colorido tapete da sala. As cortinas tinham sido fechadas para dar certa privacidade. O vento arrepiava os lados mais pesados. Kenneth estudou o Xeque e Ramses, se esforçando por mostrar calma e serenidade em si mesmo. Sua respiração era tranqüila. Nenhum rastro de sua preocupação se exteriorizava. Mas o suor molhava o interior de suas leves calças cáqui. Depois de muitos anos vivendo no calor do deserto, era como se seu corpo tivesse esquecido como se adaptar totalmente.

Uma vez tinha usado o uniforme de um guerreiro tribal: seu binish de cor índiga, calças, botas de couro macias, e uma cimitarra afiada que pendurava de seu cinturão. Mas já não. Hoje seu traje era cáqui e feito sob medida.

Jabari o olhou com expressão precavida. Kenneth estudou o Xeque com o mesmo cuidado. A animosidade rangeu como as chamas que saltavam no ar entre eles. A mão de Kenneth tocou brevemente a tatuagem de uma pequena cobra que tinha sobre seu braço direito, como se recordasse de outra vez que tinha lutado ao lado destes homens.

—Indicou muito claramente o dia que partiu para a Inglaterra que não desejava confusão outra vez—, disse Jabari, enfaticamente.

Kenneth esfregou a nuca, sentindo que os músculos ficavam tensos nesse local. Seguir adiante, com as notícias de que Rashid era um ladrão, não seria o mais sábio. Primeiro, deveria fazer as pazes com o Xeque. Os profundos e escuros olhos de Jabari mostraram a Kenneth o dano que lhe tinha infligido quando partiu. Não sou seu irmão, e nunca fui.

Essa raiva ardeu nos olhos de Jabari quando falou uma vez mais.

—O considerei meu irmão. Dei-lhe o posto de honra mais alta, ser o Falcão guardião de Badra. — O Xeque fez uma pausa—. Você sabe que adoro Badra da mesma maneira que a uma irmã. Quando você veio e pediu sua mão, pensei que ela seria uma boa esposa.

—Mas Badra me rejeitou. — Kenneth afastou o olhar.

—Não podia obrigá-la. —Jabari colocou suas mãos abertas sobre os joelhos. Kenneth recordou esse gesto. Queria dizer: o que quer de mim? As lembranças surgiram: a rejeição de Badra. Sua suave voz de veludo o machucando até as vísceras.

—Não, você não podia forçá-la — Kenneth estava de acordo nisso—. Mas nem sequer a animou para que o reconsiderasse. Não, o que você fez foi deixar que me afastasse com meu avô de volta à Inglaterra. Às vezes me pergunto se alguma vez me considerou realmente como seu irmão. —A amargura fluía de suas palavras, enchendo de silêncio a sala de campanha.

A voz de Jabari trovejou.

—Relembre! — O Xeque suspirou e formou um punho com mãos tremulas—. Não é meu irmão? Não é meu irmão, Kenneth? Claro que não é um irmão de sangue, mas é um irmão muito mais próximo a mim.

Jabari olhou para o lado, para a enfeitada adaga de bodas que estava ali. Retirou a folha. Com um movimento rápido, voando pelo ar, o símbolo do parentesco de Hassid cravou a algumas polegadas das botas de Kenneth.

—Dei isto a você. A adaga de bodas Hassid foi transmitida de geração em geração, durante centenas de anos, através do sangue. Você a rejeitou. Você me negou como seu irmão. Não eu!

Kenneth estudou a lâmina que o separou definitivamente da tribo que o criou, do irmão que amou. Desta maneira, tinha rejeitado Jabari tão cruelmente quanto Badra o tinha rechaçado. Seu coração pesava, enquanto continuava olhando fixamente a adaga. Esta tinha perfurado o tapete como uma linha divisória, o recordando dos laços que tinha feito com seus antigos irmãos.

Já não era um Khamsin.

Não, o Xeque, em toda sua vida, não poderia perdoar um insulto destas dimensões. Mas se soubesse das razões por trás da negativa…

—Jabari, por que pensa que recusei aceitar sua adaga?

O Xeque levantou seu queixo e endireitou os ombros, olhando para Kenneth com um ar digno e orgulhoso.

—Porque deu as costas a todo o egípcio. Você me deu as costas porque, quando descobriu que seria um endinheirado duque inglês, ficou envergonhado de nós. De mim como seu irmão.

—Envergonhado de você? Kenneth deu rédea solta a uma breve gargalhada. —Meu Deus, todo este tempo… você pensava que era algum esnobe inglês ditatorial?

Ramses e Jabari o olharam fixamente, como se tivesse perdido o juízo.

—O que exatamente é tão divertido? — perguntou Ramses calmamente.

Kenneth respirou profundamente.

—Tudo. Você pensou que eu estava envergonhado. Estava, mas não de você. Necessitei de toda minha força para abordar essa embarcação e deixar esta vida, tudo o que tinha conhecido, honrado e adorado. — Continuou.

A pura perplexidade cruzou suas expressões.

—Possivelmente o calor do deserto afetou seu cérebro—, sugeriu Ramses.

Engolindo seu orgulho, Kenneth lutou por continuar.

—Você sabe por que disse o que disse? —Sem esperar uma resposta, continuou, sabendo que somente a dolorosa verdade poderia curar o passado. Kenneth exigiu cada polegada de sua força.

—Estava envergonhado, Jabari. Mas não de você. Envergonhado para lhe dizer quão profundamente me importava Badra e quanto me doeu sua rejeição. Você me disse que guardasse a adaga para o dia em que me casasse. Como podia pensar em me casar com outra, sequer? Badra era minha vida. Durante cinco anos, a protegi em cada passo que dava. Vigiei cada movimento, a abriguei. E ela me recusou. Suas palavras troçavam de mim. Eram como essa adaga, rasgando meu coração.

Fazendo uma pausa, forçou a sair as palavras que não tinha admitido ante ninguém.

—A amava.

Ele continuou, se confessando a seu irmão adotivo.

—Se Elizabeth, a mulher a quem você quer mais que a sua própria vida, tivesse recusado sua proposta de casamento, e vem alguém querido pelos dois, e passa alegremente um símbolo do casamento, o que teria feito você? Você não teria arremetido com cólera? Você não teria abordado essa embarcação e assegurado que jamais voltaria?

A boca de Ramses fechou quando seus olhos de cor âmbar se abriram, surpreendidos. Tanto ele como Jabari se entreolharam. O Xeque parecia culpado, enquanto esfregava seu queixo barbudo.

—Por Alá, não me precavi de quão profundamente se preocupava. Pensava que sua perseguição por ela era uma simples determinação, o mesmo fanatismo que você exibiu para tudo. Não… nada tão profundo e tão significativo—, disse Jabari finalmente.

—Foi—, respondeu Kenneth. — E partir foi a coisa mais difícil que eu já fiz. Você foi minha família. O deserto era minha casa. A idéia de viver como um aristocrata inglês me aterrorizava. Demônios, nem sequer sabia se teriam bons cavalos ali. Ou se os ingleses sabiam montar.

O Xeque relaxou perceptivelmente, aparentemente perdido em seus pensamentos. Passado um momento perguntou,

—Recorda a prova de equitação em sua iniciação?

Kenneth riu entre dentes.

—Um guerreiro tinha que montar a sua égua através de uma série de movimentos complicados. — Ele tinha tido uma experiência diferente.

Ramses sorriu abertamente, mas dissimulando.

—Quando o pusemos à parte e dissemos que a verdadeira prova era outra, mas de virilidade?

Ramses e Jabari o tinham feito entrar em uma casa de tijolo onde vivia a puta do povo, uma mulher experimentada, conhecida por admitir jovens guerreiros. Tinham lhe dito que sua prova de equitação era quanto tempo podia durar estando com a mulher. Tinha perdido sua virgindade nesse dia.

—Você gabou para o pai que era o único guerreiro que podia ficar durante quinze minutos, ao menos — recordou Jabari.

—E ele te disse, «Hoje, meu filho, deve aprender a montar mais tempo. Ser um guerreiro representa muitas horas de equitação, até que chega ao final. Poderá estar dolorido, mas é seu dever. Mostra, com seus arreios, que é o amo. Seja suave, mas firme. Acaricia seu nariz para domá-la. Não desmonte se der mostras de querer empurrá-lo. Segure-a o com seus joelhos e movimentos até que ela se canse» —Kenneth recordou o passado.

—Assim você voltou, determinado a fazê-lo como ele lhe disse! —Jabari riu a gargalhadas.

Kenneth sorriu abertamente.

—Me golpeou quando acariciei seu nariz, mas esperei contente, como ele me ensinou.

—Ouvi que não pôde caminhar durante uma semana, mas teve um sorriso em seu rosto que durou muito mais tempo. Deveria ter casado com ela, em lugar de perseguir Badra. —Ramses riu, mas repentinamente parou.

Jabari coçou sua barba.

—Assim, Khepri, vai dizer sobre o que queria nos falar.

Khepri. Como se tivessem restituído os laços entre eles oficialmente. O uso do nome Khamsin demonstrava a aprovação do Xeque. Uma tranqüila paz caiu sobre Kenneth. Inspirou, quase feliz, mas o que estava a ponto de lhes dizer doeria. E bastante.

—É sobre o roubo das tumbas. — Kenneth fez uma pausa para chamar a atenção, observando as expressões sobressaltadas dos homens. Ramses pareceu zangado. A expressão estupefata de Jabari foi quase cômica—. Estou investigando os roubos aqui na tumba de Dashur, a escavação que estive patrocinando. Um artigo de ouro de um valor incalculável desapareceu dali, pouco depois de seu descobrimento.

Ramses grunhiu e acomodou uma mão sobre o punho de sua cimitarra. Mais que qualquer outro guerreiro Khamsin, desprezava os ladrões de tumbas.

Mas a cara de Jabari mostrava inquietação.

—Você não está aqui para compartilhar informação, Khepri. Por que está nos dizendo isto?

Kenneth colocou a mão dentro de seu colete e extraiu a única prova encontrada na tumba. Uma tira rasgada de cor índiga pendurava de entre seus dedos como um laço corrediço. Uma forte inspiração escapou da boca do Xeque. Ramses parecia abatido e soltou palavrões em voz baixa.

—Não é nenhum Khamsin o culpado disto—, negou o guardião ferozmente. —Alguém está colocando as provas a nossos pés.

—Isto não representa nada—, o Xeque estava de acordo nisso, inclusive quando suas bronzeadas bochechas perderam a cor. —Elizabeth, Rashid e Badra estavam na escavação comigo. Possivelmente Elizabeth rompeu algum de seus objetos de vestir.

—Possivelmente. Ou possivelmente alguém fascinado pelos objetos da tumba queria um para examiná-lo mais de perto. E o roubou.

—Se atreve a acusar Jabari de roubo?—Inquiriu Ramses.

—Não. A Rashid.

A consternação se refletiu na cara de Jabari.

—Está seguro? —Perguntou o Xeque.

—Encontrei o objeto em questão na bolsa de Rashid quando estava alojado na casa de seu sogro.

Houve um silêncio. Então:

—O que vai fazer? Levá-lo às autoridades inglesas? — O pesar abateu Jabari.

—Não. Manterei a honra dos Khamsin e não envergonharei à tribo que me criou. Podia ter ordenado a detenção de Rashid. Teria criado uma comoção pública nos jornais. Por isso não o fiz. — Deixou sair o ar profundamente. —Em troca, vim aqui.

O Xeque parecia visivelmente aliviado.

—Como podemos ajudar?

—Estou seguro que Rashid está trabalhando para uns contrabandistas. Ele provavelmente usa Badra para ter acesso às escavações. A usou antes. Não se surpreenda se ela solicitar se unir à escavação, provavelmente o fará como artista. Me dirijo agora ali para pegar Rashid. Assim que o faça, o trarei aqui para que possa decidir o castigo.

Os três homens permaneceram silenciosos, sabendo a lei tribal. Rashid seria expulso, despojado de sua cimitarra, adaga e anil, e rechaçado para sempre.

—Que assim seja—, disse devagar Jabari. —Confio em que fará o que deve, mas espero que esteja equivocado. Muito equivocado.

—Eu também acredito. — Mas Kenneth sabia que Rashid era culpado.

Quando se levantaram, o Xeque lhe deu um golpe no ombro. —Espero que fique conosco, pelo menos esta tarde.

—Me sentiria muito honrado—, respondeu formalmente.

Piscou ante a luz do sol quando saíram da tenda.

—E como está seu filho, Jabari?

Como se esta fosse a resposta, chegou até eles um som forte. Kenneth girou sua cabeça para ver um menino com o cabelo da mesma cor que o trigo movido pela brisa, passando correndo sobre umas perninhas gordinhas.

—Ah, sim, meu filho. Tarik pensa que é um cavalo.

Tarik galopou em círculos ao redor do trio. Completamente nu.

—Caca! —Chiava.

Jabari parecia resignado.

—Estamos tratando de lhe ensinar inglês e árabe. O árabe lhe é melhor que o inglês. A única palavra inglesa que sabe dizer é “Caca”.

Ante o olhar curioso de Kenneth, Jabari suspirou, olhando mais à maneira de um pai aflito que como um Xeque arrogante e orgulhoso.

—Aprendeu a palavra depois que Badra a ensinou, para que pudesse nos informar de uma necessidade de importância sem igual.

—Para a leitura?

—Para usar a latrina. Mas Tarik usa a palavra para tudo.

Kenneth riu quando o bebê correu ao redor deles, gritando.

—Onde… sua roupa? — perguntou.

—A jogou dentro da latrina outra vez.

Ramses riu estrepitosamente, segurando a barriga. Jabari franziu o cenho.

—Só espera, meu amigo, quando chegar seu turno. Se tiver gêmeos, duas vezes terá o problema. Serei eu quem rirá então.

Kenneth jogou uma olhada ao filho do Xeque. Ficou agachado, apoiando seu queixo em um punho.

—Olá, Tarik — disse em árabe.

O menino parou abruptamente e o olhou fixamente, seus olhos grandes e escuros sustentaram os de Kenneth. O vento do deserto fazia voar seu cabelo. Colocou um dedo em sua boca e o olhou, mudo.

Kenneth estendeu uma mão. A luz do sol recolheu um brilho na gema de seu anel ducal, fazendo-o brilhar. Notando o olhar fascinado de Tarik, o deslizou de seu dedo e o sustentou.

—Bonito? — Indicou ele em árabe.

O bebê tomou o anel com expressão de assombro em seus olhos. Atrás dele, escutou Jabari dizer:

—Khepri, não acredito que isso seja… sábio.

—Caca! —Chiou Tarik. Se separando deles com o anel de Kenneth entre as mãos, indo direito para as latrinas que estavam ao longe. Ramses correu atrás dele, persuadindo Tarik para que subisse em seus braços. Sorrindo abertamente quando devolveu a Jabari seu filho e a Kenneth seu anel.

—Seu anel estava a caminho do enterro mais horrível, meu amigo. E não pense nem por um minuto que o teria recuperado.

Kenneth olhou para o símbolo de seu ducado e o meteu em seu bolso.

—Acredito que estará mais seguro aqui — murmurou.

Na verdade o sentia muito pesado em seu dedo, muito estrangeiro. Como muito mais coisas, nestes dias.

 

Muito mais tarde, Kenneth foi jantar na tendo do xeque.

Com um movimento aperfeiçoado ao longo dos anos, se sentou com graça sobre o tapete. Se sentia estranho com roupas inglesas nesta tenda do deserto, mas a familiaridade ao redor aliviou a sensação de estar fora do lugar. O vento do deserto soprando através das areias, o agudo aroma dos fogos da cozinha, a suave risada das mulheres. A fome o assaltou enquanto Elizabeth e Catherine colocavam um prato atrás do outro num pequeno estrado elevado.

Jabari elevou uma sobrancelha para ele quando Kenneth olhou fixamente os pratos. Cordeiro assado misturado com arroz. Pequenos e saborosos bolos. Montões de pão ázimo[9] e molho de leite fermentado. Alho. Podia cheirar as fragrâncias que saíam dos pratos. Depois de anos de pratos pesados de vitela nadando em molhos de creme, notou que seu apetite retornava.

— Pensamos que desfrutaria de alguns de seus pratos favoritos - comentou o xeque.

Alguns. O olhar de Kenneth encontrou o seu, e viu o antigo afeto descansar ali. Um nó se formou na garganta. Isto, mais que as meras palavras, demonstraram tudo o que Jabari não dizia.

Bem-vindo de volta. Bem-vindo a casa.

Kenneth ocultou suas emoções enquanto o xeque partia um pedaço de pão, o lubrificava em molho e o estendia, servindo primeiro ao convidado como era o costume. Kenneth comeu e suspirou de prazer.

Tarik se sentou no regaço de sua mãe, olhando com os olhos muito abertos a comida. Sentados em meio de Ramsés e Catherine tinha dois bebês de um ano de idade, mais ou menos, uma menina e um menino idênticos em seu cabelo de ébano e seus brilhantes olhos verdes. Fátima e Assem, os gêmeos.

Elizabeth agarrou um pedacinho de pão, o embebeu no leite fermentado e o deu a Tarik. O menino o examinou com a seriedade de um arqueólogo estudando uma pirâmide, e logo o lançou à cara de seu pai. O leite fermentado branco caiu pela barba negra de Jabari.

—Poo! —disse Tarik alegremente.

—Ah, sim. Meu filho. O futuro líder de meu povo — disse Jabari secamente, secando sua cara com um pano limpo.

Tarik soprou e Elizabeth sorriu satisfeita.

—Venha, me deixe. Recordo o que seu pai me fez. Não deixou de me dizer em árabe “comer”, e essa foi a primeira palavra árabe que aprendi — Kenneth estendeu o menino. O jovem se sentia aquecido e suave em seus braços enquanto ajustava Tarik sobre seus joelhos. Sentiu uma breve punhalada de desejo de ter um bebê próprio, com grandes olhos de cor chocolate, como os de Badra. Pegou um pequeno pedaço de pão e pôs um pouco de arroz em cima.

—Come — disse firmemente em inglês, e repetiu a palavra. Tarik abriu sua boca e Kenneth colocou dentro a comida. O menino mastigou solenemente o arroz. Kenneth sorriu burlonamente —. Só terá que ensinar quem está no comando — aconselhou.

Os pais de Tarik trocaram olhares divertidos. Então seu filho cuspiu o arroz, dispersando grãos mastigados por toda a cara de Kenneth.

—Come! —borbulhou em inglês o menino.

Jabari e Elizabeth pareciam encantados.

—Tarik acaba de aprender uma nova palavra em inglês! Obrigado, Kenneth - disse Elizabeth.

—De nada - respondeu Kenneth, secando o arroz pegajoso grudado em suas bochechas.

Tarik saltou de seu regaço e rodeou os gêmeos, que estavam mastigando pedaços de pão. Tarik se deteve diante de Fátima, arrebatando o pão de suas mãos. Com o aprumo de seu pai, desabou sobre o tapete e começou a comer-lo. Um cenho se formou na testa de Elizabeth, mas Jabari levantou uma mão.

—Espera — disse em voz baixa—. Quero ver o que eles fazem.

Os adultos esperaram, olhando aos meninos. Fátima observou Tarik com grandes olhos verdes, sem piscar, logo balbuciou algo ininteligível a seu irmão. Seu pequeno punho saiu disparado, agarrando uma grande mecha do cabelo de cor trigo de Tarik. Deu um grande puxão.

Tarik soltou o pão, uivando, agarrando seu cabelo, mas a menina o pegou rapidamente. Seu irmão, Assem agarrou o pão, gorjeou e golpeou Tarik com ele, logo o devolveu a sua irmã. Tarik parecia tão desconsolado e atordoado que Kenneth riu até que as lágrimas rolaram por suas bochechas.

—Que par de pequenos guerreiros tem, Ramsés!

Ramsés sorriu orgulhoso.

— Saíram a sua mãe.

Logo se dedicaram a lançar perguntas a Kenneth, inquirindo sobre sua nova vida, ao que ele respondeu o mais diplomáticamente possível. Kenneth sentiu uma terrível nostalgia do que eles uma vez tinham compartilhado.

Para sua surpresa, viu Jabari e Ramsés retirar a comida, o orgulhoso xeque e seu guardião levando os pratos para inundá-los em uma grande terrina. Catherine lançou a Elizabeth um sorriso arrependido.

—Ele também lava? — perguntou Kenneth.

Elizabeth respondeu.

— Nas noites em que deito Tarik, ele lava. Jabari diz que lavar pratos é mais simples para os ouvidos. Os pratos não gritam.

Um momento depois, quando as mulheres retornaram as suas tendas para deitar os meninos, Kenneth se sentou com Ramsés e Jabari. Os três estudaram as estrelas que povoavam o céu noturno.

Kenneth olhou aos dois homens que considerava irmãos, os dois aos que sentia os mais próximos que ninguém no mundo. Tinham lutado juntos, sangrado juntos, estavam unidos como guerreiros em batalha e no calor da morte. Como desejava poder recuperar tudo isso com eles. Aqui, as responsabilidades de ser um duque se deslizaram para fora dele como uma pele velha. Aqui, ele podia relaxar.

Jabari descansou suas mãos sobre seus joelhos, de barriga para cima. Ramsés trocou olhadas com ele.

—Khepri?

Ele assentiu brandamente.

—É óbvio.

—Deseja de verdade se unir a nós, Khepri? Como um irmão? Aceitará a cerimônia de irmanamento de sangue?

O tom formal do xeque implicava na seriedade da pergunta. Kenneth não hesitou. Fez um solene assentimento.

—Que assim seja.

 

Com o torso nu, vestidos só com uma calça de cor anil, o trio se sentou sobre a areia nas terras cerimoniosas dos Khamsin. As luzes da fogueira criavam sombras ominosas em suas caras, que estavam sulcadas com a cinza da madeira queimada; eram as tatuagens cerimoniosas faciais que os guerreiros faziam na noite anterior da cavalgada para a batalha.

Kenneth abraçou a si mesmo e olhou fixamente ao fogo enquanto Jabari agarrava a adaga cerimoniosa e a limpava. O xeque a elevou para os grossos músculos do braço esquerdo de Kenneth.

—Está seguro disso? — perguntou.

Kenneth inclinou sua cabeça para um lado para o olhar, sem piscar, com a coluna vertebral reta e orgulhosa.

—Nunca estive mais seguro em minha vida. Quero ser seu irmão de sangue.

—Muito bem.

Colocaram suas mãos sobre seus joelhos e o xeque pronunciou as palavras com uma voz profunda e sombria.

—Sangue ao sangue, irmão para irmão, o ankh[10]? O símbolo da vida nos une juntos na vida. Que a coragem flua por nossas veias; que nossos corações sejam poderosos e seja forte o nosso vínculo de um para o outro. Inclusive ainda que fiquemos fracos e transtornados a beira da morte, nosso sangue fluirá nas veias do outro, nosso vínculo de irmandade permanecerá forte para sempre.

Kenneth chiou seus dentes fortemente enquanto a faca se afundava em sua carne. Se fortaleceu contra a dor, respirando uniformemente como Ramsés o tinha ensinado na infância, para se concentrar. Quando terminou, o xeque limpou seu braço com um pano limpo e passou a faca, brilhante com o sangue de Kenneth, em Ramsés.

Ramsés lhe ofereceu um alegre sorriso, rompendo a solenidade do momento.

—Ah, o primeiro. Meu xeque me estende uma adaga e me ameaça fazer sangue. Possivelmente uma tatuagem não seja suficiente. Um símbolo decorativo? Possivelmente a flor preferida de sua esposa?

—Podemos criar um mapa do Egito, assim se você se perder, sempre encontrará o caminho - ofereceu Kenneth alegremente.

Jabari grunhiu.

—Ramsés, faz isto antes que talhe um sorriso permanente em sua cara - o xeque Khamsin olhou fixamente e com gravidade ao fogo enquanto seu guardião fazia o corte. Quando acabou, Ramsés secou seu braço e lhe estendeu a adaga sangrenta.

O xeque olhou a seu guardião pensativamente. Kenneth observou sua confusão e começou a rir. Ramsés lançou um pesado suspiro.

—Tenho que ter outra? — elevou seus braços, cada um tão grosso como um tronco, uma com a tatuagem de um falcão, o outro com os intrincados símbolos que denotavam seu estado de casado—. Ficarei sem espaço - se queixou.

Seu xeque arqueou uma negra sobrancelha.

— Sempre posso encontrar espaço em outra parte do corpo — ofereceu amavelmente.

Ramsés alegremente o amaldiçoou. Kenneth riu contente pela camaradagem e a amizade restaurada. Se sentiu em casa por fim.

Jabari se conformou com um espaço sob a tatuagem do falcão. Terminou e elevou a adaga ao céu.

—Que esta adaga, que compartilhou nosso sangue, sirva como instrumento que nos una juntos como irmãos de sangue, tanto como o sagrado ankh de nossos braços sirva como lembrança eterna de que somos irmãos para toda a vida.

—Irmãos para toda a vida — ressoou Kenneth, solenemente.

—Irmãos para toda a vida — repetiu Ramsés.

O xeque limpou a adaga e reverentemente a guardou em sua caixa de cedro. Kenneth arqueou seu pescoço e olhou ao céu. A sensação de pertinência, de integridade que tinha sentido falta desde que se fora, se restabeleceu.

Ramsés lhe deu uma cotovelada e assinalou para o musculoso e liso peito de Jabari. O almha[11] tinha sido tatuado no peito do xeque uma noite antes de cavalgarem contra os Al-Hajid para reclamar esse sagrado disco.

—Recorda quando recebeu isso? — perguntou Ramsés.

Kenneth deu uma solene cabeçada de assentimento. Perdido na lembrança antiga, refletiu sobre a noite em que os guerreiros cantaram e dançaram ao redor do fogo e o xeque recebeu a tatuagem. Apoiou sua bochecha sobre um punho, olhando fixamente a areia. Finalmente, o xeque se levantou. Voltaram para o acampamento, Kenneth se perguntando quais seriam seus aposentos para a noite.

Para sua surpresa, Jabari se deteve diante da tenda de Badra, lançando a Kenneth um olhar de desculpa.

—Ela não voltará até amanhã a tarde. Os aposentos de Rashid são muito menos cômodos. Dado que é tarde, pensei que seria aceitável. Se o faz se sentir incômodo…

—Pode ficar conosco — terminou Ramsés.

—Não, está bem — ele encolheu ligeiramente os ombros—. Só por esta noite. Me porei a caminho com as primeiras luzes do amanhecer.

Desejou-lhes boa noite, tirou as botas e se meteu dentro da tenda negra. Um abajur de azeite piscava sobre uma mesa de madeira de sândalo. Kenneth se encaminhou para o dormitório separado da seção principal por uma cortina e se deteve.

O dormitório de Badra. Cheirou seu aroma. Jasmim fresco. Uma escova de prata descansava em uma mesa de madeira diante de um espelho ovalado. A grande e cômoda cama, muito bem feita com lençóis limpos, estava coberta com travesseiros de seda.

Ela sempre tinha apreciado dormir com muitos travesseiros.

Enfeitiçado pelas lembranças, fechou seus olhos, recordando a primeira vez que tinha salvado Badra dos Al-Hajid, quando perdeu seu coração para ela. Quando tinha sangrado por ela.

Levantou as abas da tenda para permitir a entrada de uma suave brisa; logo se lavou, lançou a água suja em um contêiner utilizado para regar o jardim de ervas e tombou na suave cama de Badra, caindo em um sono tão profundo como nunca tinha tido na Inglaterra. O Duque de Caldwell, antigo guerreiro Khamsin, começou a sonhar com jasmins e um tímido e sedutor sorriso.

 

Em casa por fim.

Badra os tinha empurrado a um frenético passo de volta ao acampamento, porque precisava voltar para Dashur tão rápido possível. A luz da lua vertia prata sobre a pedregosa areia enquanto ela e Rashid se encaminhavam silenciosamente para suas tendas.

Ela entrou na sua, se encaminhando ao dormitório, sorrindo ante a preocupação de alguém. Tinham enrolado ligeiramente as abas, permitindo entrar à luz da lua e uma fresca brisa do deserto. Se despindo à luz da lua, se lavou rapidamente, e colocou uma suave camisola de algodão que tinha comprado na Inglaterra. Badra acariciou melancolicamente o material, sentindo uma pequena conexão com Kenneth e sua terra natal, a única concessão que lhe permitia saborear o diminuto sonho de que ela podia ter sido sua esposa. Se tivesse posto isto no seu leito nupcial, olhando a cara de Kenneth brilhar com prazer enquanto gentilmente o tirava e o deixava cair a seus pés enquanto avançava sobre ela, com a fome flamejando em seus olhos. A teria apanhado sob seu poderoso peso, o brilho do desejo se convertendo na loucura da luxúria enquanto a beliscava, se introduzindo com crueldade dentro dela…

Badra tremeu. Foi para a cama, levantou os lençóis e deslizou sobre o colchão. Um pequeno suspiro de pesar escapou de seus lábios. Realmente teria sido tão repugnante compartilhar seu corpo com Kenneth? O que teria se passado se fosse permitido a ele fazer amor com ela? Se unicamente não tivesse tanto medo.

A estranha essência de madeira de sândalo e sabão encheu as aletas de seu nariz. O aroma de Kenneth. Estava tão apaixonada por ele que sua mente lhe jogava más recordações! Mas de repente ficou consciente de uma estável respiração. Um corpo masculino se apertava contra ela. Músculos e tendões se moldavam contra suas suaves curvas. Congelou, assustada, sua boca aberta para gritar e atrair Rashid e uma horda de guerreiros quando uma dormitada voz masculina falou:

—Mmmmm… Badra...

Kenneth?

Ela permaneceu absolutamente quieta, o assombro substituindo seu medo enquanto ele se aconchegava contra ela. Uma cálida mão deslizou por sua caixa torácica e subiu para cima para abranger um peito. Seu indicador e polegar agarraram um mamilo e gentilmente o amassaram. Um estranho comichão se instalou em seu íntimo. Ele enterrou sua cara no cabelo dela, sua cálida respiração fazendo cócegas em sua nuca.

Ela choramingou com prazer. Ele pronunciou um suave grunhido. Ela se deu conta que ele estava dormido, sonhando com ela.

Não moveu nem um só músculo rígido enquanto ele moldava seu corpo firmemente contra ela, o duro despertar de sua excitação se acomodando contra seu traseiro. As lembranças de Fareeq emergiram. Ela lutou contra elas.

As carícias leves como plumas continuaram, enviando fogo através de suas veias. Apanhada em um dilema, Badra permaneceu imóvel. Se ela o fazia despertar o sobressaltando ele poderia despertar a outros. Ela não queria uma cena.

E deliciosas sensações a percorreram enquanto ele gentilmente acariciava seu peito, a enchendo com pulsar do desejo. Ela esperou, se arqueando contra seu toque enquanto ele murmurava adormecido.

Repentinamente ele rodou se afastando. Badra deslizou silenciosamente fora dos lençóis, o olhand-. A luz da lua expunha a aguda margem de seu perfil, sua boca sensual aberta ligeiramente enquanto respirava. O lençol o cobria só até a cintura, revelando um peito nu coberto por abundante cabelo negro. A tatuagem de uma cobra aparecia em azul escuro no esculpido bíceps de seu braço direito.

Ele sonhava sustentando-a em seus braços. Ela só podia imaginar a coragem necessária para se deixar cair em seu acolhedor abraço. Um agudo pesar a apunhalou enquanto ela cruzava a tenda para dormir em um canto da quarto principal.

 

Antes que os primeiros raios cinza da alvorada entrassem na tenda, Kenneth despertou, com a fragrância do Jasmim se estendendo no ar. Inalou a essência que parecia envolver suas mãos. Tinha sido um sonho? Tinha sustentado Badra em seus braços? Tinham suas ternas carícias provocado suspiros de prazer que escaparam de seus doces lábios?

Depois de se vestir, olhou ao redor do quarto especulativamente. Acendeu um abajur e silenciosamente se encaminhou para a cortina que o separava da câmara principal. Elevando a malha, soube o que ia encontrar.

Badra estava deitada no chão, enroscada em uma apertada bola, profundamente adormecida. Então, não tinha sido um sonho.

A olhou durante um longo minuto, estudando as delicadas curvas de suas bochechas, seus viçosos lábios, seu comprido e fino pescoço e seus arredondados quadris. Tão bela. Então girou e voltou para o quarto para recolher suas coisas. A alvorada se arrastava sobre o horizonte, prometendo outro azul brilhante céu egípcio sem nuvens.

Kenneth selou seu camelo e escapuliu do acampamento Khamsin tão silenciosamente como a cobra que era seu totem.

 

Com uma pequena cratera partindo da sua superfície quase lisa a pirâmide de Senusret III em Dashur se assemelhava mais com um vulcão do que com um monumento egípcio. A areia, de uma cor marrom avermelhada, se estendia até onde abrangia a vista, subindo até as linhas gravadas daquela estrutura da décima segunda dinastia. Os tijolos de ébano da pirâmide, modelados com barro do Nilo secado ao sol, se elevavam para o céu. Kenneth estudou a fenda da pirâmide, formada nas escavações de 1839 por arqueólogos que tratavam de descobrir a entrada.

A luz do sol começava a esquentar o frio do sangue em suas veias. Elevou a vista ao céu azul espaçoso e calculou a hora, tal como tinham ensinado seus irmãos Khamsin. Era pela tarde. Kenneth se agachou, deixando passar a areia entre seus dedos. Deslizou entre eles como farinha, levada pelo vento. Robustas barracas de cor creme pontilhavam a zona em pequenos grupos; apesar de que o chefe da escavação, Jacques De Morgan, estava hospedado em uma cidade próxima, alguns membros de sua equipe preferiram acampar perto da pirâmide. Kenneth ficou em pé, sacudindo o pó das mãos. Suas botas de couro levantavam pequenas ondas de areia enquanto descia de novo ao acampamento.

O peitoral de ouro roubado da escavação tinha sido achado na seção norte da pirâmide, em uma série de galerias que continham as tumbas de Senusret e da família real. Os sarcófagos foram encontrados vazios e parecia que as múmias reais há muito tempo estavam desaparecidas. Kenneth suspeitava que haviam sido enterradas em outra tumba, por razões de segurança, um fato bastante usual entre os descendentes da realeza egípcia, que temiam que seus restos fossem desenterrados por ladrões de tumbas. Entretanto, o esplêndido peitoral tinha sido encontrado entre camadas e camadas de pó antiqüíssimo, ao pé do sarcófago de granito, assim De Morgan suspeitava que naquele lugar havia uma câmara secreta que se estendia por debaixo das galerias, uma câmara utilizada para armazenar artigos de grande valor que se enterravam com os mortos para sua comodidade na outra vida, após a morte.

Kenneth tinha dado instruções estritas para que não explorassem aquela teoria até sua chegada. Tinha que estar presente quando se achasse a câmara subterrânea. Se houvesse mais jóias, Rashid aproveitaria a oportunidade para roubá-las. Então Kenneth o apanharia e o devolveria aos Khamsin para que fizessem justiça.

Reunindo sangue-frio, avançou a passos largos em direção ao acampamento, repassando a armadilha que tinha preparado.

Se lavou na vasilha colocada sobre uma caixa vazia em sua barraca e saiu para comer. Sob um toldo branco, em uma mesinha portátil, Víctor e Jacques de Morgan comiam em pratos de porcelana e bebiam suco de frutas em taças de cristal. A alma austera de Kenneth não pôde evitar uma careta ante aquela opulência em meio da simplicidade acidentada do deserto.

No horizonte distante apareceu uma pequena nuvem e o barulho dos cascos dos cavalos trovejava sobre a areia. O pó espessou e formou redemoinhos. Protegendo os olhos do sol, Kenneth cravou o olhar na cena.

Dois guerreiros Khamsin chegaram ao acampamento montados em formosos e esbeltos cavalos árabes, os guiando habilmente com os joelhos, em lugar de utilizar as rédeas. Ao vê-los sentiu uma onda de inquietação, apesar que os esperava.

Kenneth olhou como Jabari e Ramses desmontavam.

Sabia que o líder dos Khamsin não ia deixar que um assunto tão grave como o assalto de tumbas ocorresse sem tomar uma atitude. A honra da tribo estava em jogo e Jabari a possuía em um sentido feroz. Igualmente ocorria com Ramses. O guardião Khamsin desprezava os ladrões de tumbas ainda mais que seu Sheik.

Com um pesado suspiro, Kenneth foi saudar seus amigos.

O olhar fixo e penetrante de Jabari cruzou com o seu.

— Como eu previ Khepri. Badra nos informou que De Morgan a tinha contratado para fazer um esboço da escavação. Rashid estará aqui com ela logo.

Uma onda de inquietação o percorreu… Jacques de Morgan a tinha contratado? Se perguntou sobre a motivação do arqueólogo francês. Fez um gesto para a mesa de De Morgan.

— Apresentarei a vocês.

Quando se aproximaram da tenda, Kenneth captou as palavras…

— …se o colar é roubado… — Seu primo elevou a cabeça ao vê-los, sobressaltado, se calou.

Depois das apresentações, Víctor olhou para De Morgan e disse:

— Tenho que verificar umas coisas. O vejo na escavação.

Kenneth olhou fixamente para seu primo enquanto partia. Do que tinha estado falando com De Morgan que estava tão ansioso por ocultar?

O arqueólogo francês olhou curioso para Jabari e Ramses.

— Mon Dieu, que arsenal eles carregam!

Os amplos ombros de Jabari adotaram um gesto de orgulho quando agarrou o punho de marfim de sua cimitarra, o símbolo de comando de seu clã, passado de geração em geração.

— Mas as pistolas e rifles são muito mais sofisticadas — continuou De Morgan, limpando o bigode com um guardanapo de linho. — Suponho que seja uma questão de cultura. Os egípcios são tão simples comparados com as sociedades civilizadas como a francesa...

Kenneth sentiu um espasmo no estômago. A boca de Jabari se esticou de cólera sob sua barba negra. O Sheik lançou a De Morgan um olhar de desprezo e se afastou, com os ombros rígidos de orgulho.

Ao ficar a sós com De Morgan e com Ramses, que parecia ferver de fúria, Kenneth sentiu, com sobressalto, como os dois mundos a que pertencia se chocavam entre si.

O olhar fixo de Ramses se cravava no seu, interrogativo. Quem é você? Parecia perguntar. O duque de Caldwell? Ou Khepri? Ainda é nosso irmão?

Um irmão não deixaria passar um insulto tão grave.

Ignorante da tensão que flutuava no ar, De Morgan ficou em pé, saiu do pequeno pavilhão e sacudiu a poeira de seu elegante traje de linho. Kenneth olhou para a tigela reluzente de frutas importadas que estava sobre a mesa. Laranjas e bananas. Ocorreu-lhe uma idéia. Pegou uma banana e jogou para Ramses e disse em árabe em voz baixa:

— Sente-se. Espere o sinal e então corta isso com sua adaga.

Os olhos cor âmbar do guardião reluziram de interesse. De Morgan voltou e se sentou de novo enquanto Kenneth apoiava um cotovelo na mesa.

— Você diz que os egípcios são simples. Monsieur De Morgan, ao viver com os Khamsin descobri que os guerreiros são ferozes lutadores, muito valentes e resistentes à dor. E suas armas são utilizadas para um… propósito muito útil. — Fez uma pausa dramática.

Ramses tirou sua afiada adaga e a sustentou no alto, admirando a lâmina. Seus olhos relampejavam de diversão.

— Como lhe dizia, os guerreiros são uns lutadores intrépidos e desumanos, que começam a receber seu treinamento ao chegar à puberdade. Quando o treinamento termina, passamos por um ritual que indica que alcançamos a dignidade. — Ocultando um sorriso, Kenneth prosseguiu: — Circuncisão — anunciou alegremente ao francês. — Um processo doloroso, mas que garante… como diria… um certo estoicismo entre os guerreiros.

Ramses começou a cortar a banana muito lenta e cuidadosamente com sua adaga.

— Para o processo é utilizada uma lâmina afiada e o guerreiro não deve fazer o menor movimento. Um pequeno descuido e…

Uma maldição em inglês escapou dos lábios de Ramses quando a adaga torceu seu curso, deixando uma profunda fenda na banana. De Morgan ficou branco. Kenneth podia jurar que até as pontas do bigode tinham empalidecido.

— Os guerreiros Khamsin aprendem a suportar a dor — acrescentou Kenneth. — E as mulheres afirmam que certos atos de amor resultam assim mais prazerosos. Muito mais.

Com uma piscada de cumplicidade, Ramses pegou um pedaço de banana descascada, mastigando gostosamente. O francês parecia fisicamente doente.

Ramses pegou outra banana e ofereceu a De Morgan. O arqueólogo enxugou a testa com um lenço e sacudiu a cabeça, murmurando desculpas a respeito de ir ver o que faziam os trabalhadores. Quando saiu disparado de sua cadeira, Kenneth deixou de fingir e soltou uma gargalhada. Ramses se uniu a ele, com a fruta restante na mão.

— Quer uma banana? Às mulheres adoram — piscou-lhe um olho.

— Só se estiver descascada — replicou ele e voltaram a rir como loucos.

 

Envolta em seu habitual kuftan cor anil, suas calças folgadas e o turbante azul, Badra inspecionou o acampamento em busca de seu contato, o escavador que segundo Masud tinha roubado o primeiro colar. Rashid, Jabari e Ramses estavam ocupados em montar as tendas.

O Sheik e seu guardião a faziam se sentir terrivelmente incômoda. Jabari lhe havia dito que tinha feito as pazes com Kenneth e que tinha decidido aceitar o convite para visitar a escavação e observar o trabalho. Mas o olhar do Sheik tinha sido franco e firme ao lhe explicar e aquilo a fez se sentir nervosa.

Cometer um roubo diante deles necessitaria de toda sua astúcia.

Um egípcio alto e magro com um thobe de chamativas raias azuis até os tornozelos e um branco turbante torcido sobre a cabeça, a divisou e assentiu levemente com a cabeça. Badra ficou tensa, lhe devolvendo a saudação. Era o escavador que ia ser seu contato. Devia tomar cuidado, ou tudo o que tinha planejado tão cuidadosamente viria abaixo.

Ou ainda pior, aquele colar egípcio ia ser a corda com que Kenneth a penduraria pelo pescoço.

Badra limpou as mãos suarentas no kuftan, tratando de acalmar os batimentos do seu coração. Tomou ar, girou bruscamente… e esteve a ponto de se chocar com o único homem que jamais poderia enganar: Kenneth.

Rápido como o raio, ele a sustentou com as duas mãos. Sua sombra a cobria enquanto ele a olhava do alto. Ela cravou o olhar em seu peito e na camisa branca que usava e depois jogou a cabeça atrás para olhá-lo.

— Olá, Badra — disse ele brandamente.

Ela contemplou seu rosto sombrio, seus penetrantes olhos azuis que sustentavam seu próprio olhar, com umas mechas de cabelo castanho escuro caindo sobre sua testa. Ele vestia uma camisa limpa, que mostrou apenas um vestígio de suor, apesar do dia estar relativamente quente. A gola aberta da camisa formava um amplo V que deixava a descoberto um triângulo de pêlos escuros. Ela cravava a vista em seu peito, enfeitiçada, recordando como ele se apertou contra ela. Como tinha posto uma mão sobre seu peito, a fazendo estremecer e pulsar com um estranho desejo que ela não tinha a coragem de explorar. Sua biblioteca, na Inglaterra: como este corpo poderoso tinha coberto o dela e como ela o empurrou para se afastar, gritando para parar, ...

— Por que está aqui? — perguntou ele. Ela compôs um sorriso trêmulo.

— Jacques De Morgan me convidou para que fizesse um esboço da escavação. E você? Você está colocando tudo no lugar?

— É ele quem está a cargo. Eu não sou arqueólogo.

A tensão se elevou entre eles, espessa como o calor ondulante que se elevava das areias escuras. Badra engoliu com dificuldade.

— Kenneth, sobre o que ocorreu na Inglaterra… — O rubor subiu a seu rosto. Não sabia como falar daquele assunto. A vergonha e a culpabilidade a invadiam. Os azuis olhos dele, intensos e tranqüilos, sujeitaram seu olhar, a avaliando com franqueza, sem emoção alguma. A voz dela desceu a um sussurro. — Espero que ambos possamos esquecê-lo e seguir adiante.

— Eu não posso. O que aconteceu, Badra? Por que se separou de mim?

Sua expressão seguia imparcial, como se ainda fosse um guerreiro Khansim, ou um duque inglês com a fria reserva de sua criação e sua cultura. Ela não podia lhe confessar seu passado brutal, os medos e a vergonha que sentia cada vez que ele a tocava.

— O que quer dizer? — A voz dela soou muito alta, muito na defensiva. Badra fingiu surpresa, embora estivesse segura que ele podia ouvir os batimentos ensurdecedores de seu coração. Ele se elevava sobre ela como uma alta coluna de pedra calcária em um daqueles antigos templos, sólido, gigantesco, imponente.

— Badra, tem medo de mim? — Sua voz era suave.

Durante um momento de frenesi ela quis confessar tudo, confiar no homem que tinha feito juramento de protegê-la. Todos seus medos sexuais. A verdade sobre Jazmine. Mas, em um instante, aquele impulso desapareceu. Devia fazer o que fosse necessário para proteger sua filha. Masud a tinha advertido que se contasse ao Duque, Jazmine seria vendida e desapareceria para sempre.

Não, tinha que afastar Kenneth dela. Se ele descobrisse que ela estava ali para encontrar o colar… Badra reuniu força para pronunciar umas palavras que sabia que resultariam prejudiciais.

— Recorda a noite sob as estrelas, no deserto, quando me beijou?

O olhar dele se adoçou.

— Jamais esquecerei.

— Pois eu me comportei assim em sua biblioteca porque sentia curiosidade em saber se me desejava tanto como antes, Kenneth. E assim era. Comprovei e logo mudei de opinião.

Seus olhos cintilaram com um brilho resistente, cortando em seco qualquer indício prévio de doçura.

— Admita, Badra. Você me desejava tanto como eu a você.

Ela elevou um ombro.

— Admito que eu sei atuar muito bem.

— Era só uma atuação, Badra? — perguntou ele brandamente.

A testa dela porejou de suor. Como poderia enganar a aquele homem? Seu olhar a transpassava, ardendo.

— Chame como quiser. Para mim será sempre um engano. Um engano que não repetirei.

— Às vezes nossos enganos se convertem nas lições mais importantes que aprendemos na vida. E algumas vezes temos que repetir o engano uma e outra vez. — Para sua surpresa, Kenneth segurou sua mão trêmula e posou um beijo na palma. Seus lábios eram quentes e firmes.

— Seria muito feliz de te ajudar a aprender sua lição, Badra — ele acrescentou. Sua voz profunda a acariciou como veludo.

Badra engoliu a saliva.

— Asseguro que não necessito lições de você.

— Isso, nós veremos — murmurou ele. Seu olhar penetrante a seguiu quando ela se foi precipitadamente.

Não se tratava simplesmente de uma atuação. Impossível. Kenneth sabia como respondiam as mulheres, os sinais da paixão. Ela os tinha mostrado na biblioteca. Por que tinha mudado de opinião? Era porque queria lhe fazer sofrer, como tinha feito quando ele era seu Falcão guardião?

— Foi um terrível engano. Já lhe disse isso uma vez, Kenneth, eu não sinto por você o que você sente por mim.

Kenneth apertou os punhos até que os nódulos ficaram brancos. Se obrigou a tomar ar lentamente, para se acalmar. O fazia se sentir frustrado, furioso. O atormentava. E ainda assim a desejava com uma ferocidade desumana. Eu teria feito qualquer coisa para tê-la.

Uma voz familiar soou a seu lado.

— Uma amiga, Sua Graça?

— Não exatamente — Kenneth olhou para Zaid, agradecido por vê-lo ali. Tinha dado instruções explícitas para que seu secretário se reunisse com ele em Dashur e que notificasse a escavação. Enrugou o nariz ao ver a barba e o bigode de Zaid.

— Nova imagem, Zaid? Trata de se encaixar entre os nativos?

Nos olhos escuros do homem brilharam por um momento, a surpresa e depois recuperaram sua expressão vazia habitual.

— As mulheres o apreciaram muito — replicou com sua voz suave.

Kenneth se pôs a rir.

— Imagino — pigarreou. — Tenho uns papéis que necessito que veja, uns papéis que meu primo me fez assinar. Os deixei no Hotel Shepherd. Também tenho a correspondência de que deve se ocupar. Dê uma olhada na loja de meu primo. Quero saber tudo: o que vende, se ele tem algum lucro…

— Tenho que voltar para o Cairo imediatamente?

— Pode ficar hoje, se quiser. A escavação promete ser emocionante, se o interessar.

Zaid meditou.

— É melhor que volte para o hotel para retomar meu trabalho imediatamente, se lhe parecer bem.

— Estupendo — Kenneth concordou distraidamente, vendo, nesse momento, Víctor à distância. — Não esqueça de colocar todos os gastos na minha conta. E deve falar comigo assim que tenha a informação que necessito.

 

Uma hora mais tarde, a tumba o rodeou.

Kenneth olhou com intensidade enquanto a escavação começava a descobrir a câmara secreta que De Morgan e ele sabiam que tinha que existir entre aqueles antigos muros. Um calor abafado empapava aos trabalhadores de suor, que escorria por seus rostos, por suas têmporas enquanto escavavam a terra. Um nauseabundo aroma de fezes de morcegos, pó e envelhecimento enchiam o ar, mas não podia ocultar o aroma de tensa excitação, afiada como aparas de cedro de Líbano.

Os trabalhadores amontoaram os escombros em um pequeno montão. Vestida com roupas egípcias, sua cabeça coberta com um lenço azul, Badra estava sentada em um tamborete esboçando a cena como Elizabeth lhe tinha ensinado. Seus dons artísticos saltaram à vida em matizes brilhantes capturados em seu papel.

Ela abandonou seu trabalho, levantando, se estirou sinuosamente e caminhou. Kenneth silenciosamente a olhou, afastando seu olhar dos escavadores. Formosa Badra, zombando dele com sua ágil graça. O provocando até a loucura com sua sedução em sua biblioteca, simplesmente para satisfazer sua curiosidade, e logo lhe pedindo que parasse.

De repente um pequeno grito dela ressoou através da câmara. Esquecendo todos os ressentimentos, toda a raiva, seu instinto protetor saiu à superfície. Como tinha feito muitas vezes antes, Kenneth correu para Badra. Seu olhar fixo encontrou o dele enquanto ele agarrava seus braços.

—O que acontece? — ele perguntou.

—N… nada — gaguejou ela. — Um morcego. Me assustei.

Os trabalhadores riram sonoramente, e um deles comentou sobre a má sorte de ter a uma mulher entre eles. Kenneth lhe lançou um olhar glacial, sossegando a algazarra.

—Voltem para o trabalho — ordenou.

Os grandes olhos marrons de Badra encontraram os seus.

—Obrigado, Kenneth, por sua preocupação — disse, brandamente.

Assentindo bruscamente para ela, ele se reuniu com De Morgan. O arqueólogo se centrava sobre uma seção particular de cavadores. Recordando a maneira em que seu coração tinha saltado ante seu grito, recordando seus gemidos de prazer enquanto ele a beijava e a pressionava contra o escritório, sacudiu sua cabeça. O confundia como o inferno. O trabalho era muito mais lógico, muito menos frustrante.

 

Badra permaneceu agüentando durante um comprido minuto. Não se atrevia a dar uma olhada. Quando se assegurou que ninguém olhava a ela, uma humilde mulher, levantou a barra de seu poeirento caftán anil, revelando suas calças largas e seus delicados pés calçados com sandálias. Seu pé esquerdo se afundava em uma pilha de escombros na borda de um sarcófago. A câmara oculta. A excitação correu através dela como água quente. Liberou sua sandália, mantendo a guarda perto dos escombros para evitar que ninguém caísse neles. Mais tarde essa noite, quando todos dormissem, voltaria. E cavaria.

 

Rosa, lavanda e ouro tingiam o céu enquanto o acampamento se preparava para o jantar. Pequenas fogueiras preparadas para cozinhar iluminavam as areias, com espessas chamas saltando na noite. O fedor acre da fumaça irritou o nariz de Kenneth.

Sob um pavilhão de cor creme, De Morgan e sua equipe se reuniram para o jantar, se sentando ante uma mesa com verdadeiras cadeiras e uma toalha de linho estendido sobre sua superfície. Faziam transportar o alimento de uma barcaça próxima.

Kenneth deslizou o olhar por seus irmãos Khamsin. Uma panela de cobre borbulhava sobre um fogo, enquanto Badra amassava. A pouca distância dos outros, o xeque Khamsin e seu guardião estavam sentados em um tapete, absortos em um jogo de xadrez, vigiados por Rashid. A cena enfatizava o duro contraste das duas culturas: os superiores europeus jantando com porcelana da China, a simples comida beduína servida no chão.

A simples comida beduína parecia muito apetitosa. Se aproximou deles e permaneceu de pé, olhando.

—Há espaço para mais um? — perguntou.

As mãos de Badra se detiveram no que faziam. Rashid o olhou por cima do ombro enquanto franzia o cenho. Kenneth sentiu uma estranha pena ante a animosidade do guerreiro. Em outro mundo, poderia ter considerado Rashid como um amigo. Mas ele odiava a todos os guerreiros Al-Hajid por matar a seus pais e irmão, e Rashid o desprezava por ter ferido Jabari. O círculo de ódio parecia nunca acabar. Continuaria, pensou Kenneth com gravidade, até que eles finalmente chegassem aos tapas. Mas não aqui.

Rashid se levantou, murmurou algo sobre ter perdido o apetite e partiu. Kenneth o viu se aproximar cautelosamente de um trabalhador e começar uma conversação.

O xeque Khamsin, sentado com suas longas pernas cruzadas, olhou o tabuleiro de xadrez.

—Sempre há espaço para você, Khepri — disse.

—Monsieur De Morgan não está comendo banana esta noite — anotou Kenneth.

Ramses deu uma gargalhada baixa e alegremente comeu um peão. Jabari franziu o cenho.

—Duvido que esse francês melindroso volte a ter vontades de cortar uma banana outra vez.

Kenneth sorriu.

—Bom, está aprendendo. Alguns homens só se preocupam do tamanho de sua banana, não de se estiver ou não descascado.

Jabari franziu o cenho de novo quando Ramses comeu um bispo.

—Fala com adivinhações — grunhiu.

Kenneth intercambiou um olhar divertido com Ramses.

—Elizabeth come bananas, Jabari? — perguntou, inocentemente.

O xeque Khamsin grunhiu enquanto estudava o tabuleiro de xadrez.

—Não desde que estamos casados.

—Uma pena — disse Kenneth, e então ele e Ramses começaram a rir. Jabari olhou para cima.

—O que?

—Não importa — disse Kenneth, piscando um olho a Ramses. Caminhou para trás para olhar Badra e logo se deixou cair na areia. Apoiou o queixo sobre um punho.

As mulheres Khamsin tinham uma graça inata nelas. Inclusive Badra possuía essa sinuosa elegância. Estava de joelhos, concentrada em sua tarefa, estirando a massa e a amassando. Os rítmicos movimentos de suas mãos e a risada distante e a conversação dos outros criavam sensações idênticas de calma e tensão em Kenneth. Calma por uma rotina tão familiar. Tensão por estar tão perto dela.

Se sentou com as pernas cruzadas no tapete e olhou para a silhueta da imensa pirâmide. Fechou os olhos, recordando as histórias contadas ao redor dos fogos de acampamento de noite durante sua juventude, quando o pai de Jabari tinha obsequiado aos idealistas meninos com contos dos antigos faraós do Egito. A lição de história estava gravada a fogo em seu cérebro.

Tinha estado tão desesperado por agradar a seu pai adotivo, por lhe mostrar que podia igualar a qualquer guerreiro em aptidões. Kenneth tinha crescido com as lições igual a um cordeiro recém-nascido crescia com o leite de sua mãe. Mas, ao final, não tinha importado.

—Devia ter sido uma pirâmide impressionante em sua época — refletiu, abrindo seus olhos e olhando as sombras púrpuras que descendiam sobre a dura estrutura—. Suponho que nunca foi enterrado ali porque sua família quis mantê-lo a salvo. Uma boa razão, e não somente pelos ladrões de tumbas. Senusret III foi um conquistador cruel. Queimou as colheitas, matou aos homens da Nubia e escravizou às mulheres e crianças. Era desumano. Destruir sua múmia teria dado a seus inimigos a vitória final, lhe negar as riquezas da outra vida.

—A qualquer que escravize mulheres e crianças deveria ser negada as riquezas da outra vida — disse Badra.

A hostilidade em sua voz o tirou de sua melancolia. Kenneth lhe lançou um olhar curioso.

—Certo. A escravidão é má. Mas era um fato da vida no antigo Egito.

—É um fato da vida no moderno Egito — ela agarrou um pedaço de massa grumosa e o golpeou de maneira dura contra a tabua com incomum violência.

De novo, ele se perguntou por seu tempo com Fareeq. Em todos os anos que passaram juntos, Badra nunca tinha mencionado nada de seu passado. Permanecia como uma porta fechada.

Uma que ele de repente desejava abrir mais que nada.

—Fareeq foi um amo cruel, parecido a Senusret.

Sua declaração casual, dirigida só a ela, fez que suas mãos se interrompessem. Badra permaneceu inclinada sobre a massa, imóvel.

—Por que diz isso?

—Ele gostava de açoitar seus prisioneiros, e algumas vezes violar às mulheres —disse Kenneth, a olhando cuidadosamente.

Seus magros ombros se elevaram sob o caftán anil e ela reassumiu sua tarefa.

Ele continuou.

—Sei algo sobre Fareeq e suas crueldades. Você foi sua escrava durante quatro anos. Ele alguma vez… a tratou dessa maneira? — insistiu ele, desesperadamente precisando saber.

Só depois da captura de Elizabeth, a esposa do xeque, por Fareeq, seu espancamento e que todo o assunto saísse à luz, Kenneth soube algo sobre a abusiva natureza do antigo captor de Badra. Tinha perguntado a ela, de maneira muito despreocupada então, se Fareeq tratava a todas suas mulheres dessa maneira.

Agora sua resposta o atingiu com a força de vários cavalos árabes. Ela não tinha respondido. Badra o tinha distraído com alguma outra coisa. Ele tinha se esquecido de perguntar de novo. Estudou suas mãos, que estavam tremendo ligeiramente enquanto amassavam a massa.

—Me olhe — ele ordenou brandamente. Ela arrastou seus grandes olhos marrons para encontrar os seus.

—Badra? — perguntou—. Alguma vez Fareeq te bateu?

A pergunta queimava em sua alma.

Anos atrás, ele tinha feito a mesma pergunta. Mas Jabari os tinha, graças a Deus, descoberto e se aproximou deles, dando a ela uma chance de evitar responder.

Se Kenneth soubesse a verdade, seu intenso olhar se suavizaria pela piedade. Ela não podia suportar sua piedade, ou sua própria humilhação. Não podia expor seu vergonhoso segredo. Esses tempos se foram. Ela temia as lembranças. Sua vida tinha continuado e estava orgulhosa de suas conquistas. Se Kenneth lhe mostrava sua piedade, todas essas maravilhosas conquistas se tornariam nada, esmagados pelos martelos de seu torturado passado.

Em todos estes anos desde que o conhecia, Badra nunca tinha mentido a Kenneth. Nem sequer quando rechaçou sua petição de matrimônio. Tinha dito a ele, quando pediu que se casasse com ele, não posso sentir por você o mesmo que você sente por mim Khepri.

Uma dura verdade. Não podia demonstrar a mesma intensa, acalorada paixão que ondulava nos olhos dele. Não podia lhe deixar sustentá-la e igualar seu desejo quando ele a beijava. Seu amor era muito profundo para o ferir com um casamento sem paixão, com seu coração tão seco como a areia do deserto. Onde não haveria nenhum suave grito de prazer saindo de seus lábios quando ele a introduzisse em sua tenda e a fizesse sua e reclamasse ao fim seu preço. Só haveria gritos de medo, e lutas, como tinha ocorrido na Inglaterra quando seu grande corpo tinha coberto o dela…

Badra elevou seu olhar e pela primeira vez em sua vida, mentiu para ele diretamente.

—Alguma vez Fareeq me bateu? Não. Nunca o fez.

Kenneth se inclinou para trás, relaxado, satisfeito com o direto de seu olhar e sua resposta. Não podia suportar a idéia do chicote do bastardo rasgando a suave pele de Badra. Se soubesse que Fareeq a tinha ferido, sua raiva teria uivado até os céus.

Mas o xeque não o tinha feito, assim Kenneth estava satisfeito. Badra estendeu a massa e começou cuidadosamente a cortar pedacinhos com sua pequena faca, os convertendo em triângulos.

Ele olhou com interesse.

—Esses parecem pães-doces.

Uma cor rosada apareceu nas bochechas dela.

—São. Eu… eu me acostumei a eles na Inglaterra. O cozinheiro de Lorde Smithfield foi o suficientemente amável para compartilhar sua receita. Fiz estes ontem — pescando um de um bote, o estendeu.

Ele adorava pão-doce, a única comida inglesa que realmente gostava. Kenneth deu uma pequena mordida, reticente de ferir seus sentimentos. Um delicioso sabor a mel, amêndoas e açúcar alagou sua boca. Deu uma grande dentada, mastigando com genuína fome enquanto consumia o bolo.

O ansioso olhar dela procurou o dele. Ele tragou.

—Um pão-doce inglês com sabor egípcio. Fascinante. E delicioso!

Um suave sorriso chegou a seus lábios em forma de coração. Encantado, ele esqueceu o pão-doce. Grãos marrons manchavam a comissura dos lábios dela.

—Tem açúcar em sua boca — disse ele.

Com o polegar, ele começou a tirá-lo, descansando o dedo na deliciosa curva de sua boca. Esfregou, recordando o sabor dos lábios dela sob os seus.

Uma expressão sensual apareceu nos olhos dela, os obscurecendo até fazê-los negros. Seus lábios se abriram e uma suave respiração escapou deles. Aquecido por seu desejo, Kenneth acariciou a curva superior de sua boca com seu polegar.

A língua dela saiu, lambendo o açúcar.

O desejo acendeu seu sangue, e na mesma hora teve uma nova certeza. Badra tinha mentido para ele. O que tinha sentido na Inglaterra não tinha sido uma atuação. Deus, ele a desejava. E ela desejava a ele. Deslizou uma mão atrás de sua nuca, a aproximando, encantado pelo hipnótico puxão de sua sensualidade.

O empurrou, brandamente, mas não o suficientemente forte. Kenneth estreitou seus olhos. Esticou seu corpo e girou para olhar para onde Jabari e Ramses jogavam um jogo muito menos complicado que o que Badra estava jogando.

 

O jantar esteve delicioso, apesar da quietude de Badra. Kenneth se concentrou em recuperar o velho laço com Jabari e Ramses, que o mantiveram entretido com histórias dos antigos reis, e ele os obsequiou com história inglesa. Rashid não disse nada durante o jantar mas se manteve vigilante com o olhar cauteloso. As faíscas se elevavam do fogo do acampamento para cima, tocando a noite aveludada, e Kenneth repentinamente se deu conta que estava tarde.

Se levantou, agradecendo educadamente a comida, e indicou que gostaria de se retirar a sua tenda. Enquanto se retirava, seu instinto guerreiro o alertou de se manter vigilante.

Um trabalhador se aproximou dele, o saudou e pediu que o ouvisse uns instantes.

—Estou de guarda esta noite. Deveria estar vigilante por algo em especial? —perguntou, tocando seu rifle com um gesto afetado. Um turbante branco estava ligeiramente torcido sobre sua cabeça. Seu thobe comprido até o tornozelo levava franjas azul pálido.

—Simplesmente vigia e me acorde se vir algo incomum — aconselhou Kenneth, assentindo enquanto o trabalhador voltava de caminho para a tumba.

Fingindo se acomodar em sua tenda, apagou o abajur e esperou. Esta era a noite. Estava seguro.

Badra deslizou de sua tenda com a cautela de um guerreiro Khamsin assaltando um acampamento inimigo, com uma bolsa enfeitada que tinha tirado do tear ao redor de seu ombro. Descendendo as escadas da tumba, Badra deixou que seus olhos se acostumassem a escuridão e ao débil resplendor de umas poucas tochas.

Seus sapatos de suaves solas sussurravam enquanto ela corria escada abaixo para a galeria em que os homens tinham trabalhado antes. Dentro, o trabalhador que era seu contato a esperava, sorrindo.

—A esperarei acima — sussurrou, logo se afastando, silencioso como a areia do deserto.

A culpa a atravessou. Aqueles que roubavam as tumbas que guardavam seus mortos roubavam não só aos anciões, mas também a todo o Egito. Sua própria herança descansava entre estes cuidadosamente escavados muros de rocha.

Não devia pensar nisso. Inclusive se sua natureza se rebelava contra o caminho que tinha escolhido, o bem-estar de Jazmine vinha primeiro. As dúvidas não ajudariam sua filha. Nem tampouco o faria a culpa constantemente a atacando.

Atada com uma correia a sua coxa por cima da calça turca e coberta por seu caftán anil, levava uma jambiya[12], uma pequena adaga curva. Era a adaga de Kenneth, com a que cortou a mão no dia que ela rechaçou sua proposta de casamento. Tinha-a guardado, o único objeto proveniente do homem que ela secretamente amava, quem teria dado sua vida para protegê-la.

Elevando sua bata, rapidamente pegou a faca e se ajoelhou, adaga na mão, começando a cavar a areia.

O solto montão de terra contra o que ela tinha tropeçado anteriormente certamente escondia a arca pequena das jóias. Um sorriso áspero tocou sua boca enquanto se dava conta da ironia de usar a adaga de Kenneth para encontrar seu tesouro e assim poder lhe roubar.

A areia cedia ante o intrometimento cruel da adaga. Ela recolheu terra com as mãos e a jogou em um lado. O método ineficaz de escavação lhe levaria algum tempo, mas ela não se atrevia a baixar instrumentos, não se atrevia a levantar suspeitas sobre sua busca.

Apenas uns minutos mais tarde, a jambiya fez o som surdo e oco de golpear uma câmara oculta. Badra limpou a terra e olhou atentamente nas escuras profundidades. O suave brilho de sua lamparina capturou um brilho.

Ouro!

Sentiu o sangue abandonar seu rosto enquanto olhava fixamente o conteúdo de um cofre pequeno, corroído pelo tempo coberto de fragmentos e pó. Mas o conteúdo permanecia intacto. Jóias. Peças e peças de deliciosas jóias, gemas preciosas, lâminas de ouro, prata, e lapislázuli. Com uma mão tremendo, alcançou um peitoral com um cartucho: o outro colar da Princesa Meret. O colar que condenava a quem o levasse a escravidão. O deixou cair em sua bolsa como se fosse um carvão aceso.

 

A noite caía sobre o acampamento. Jogado em sua estreita cama, Kenneth se impôs paciência. Uma suave voz o chamou da noite, baixa e cheia de urgência.

—Saibih, tem que despertar.

Kenneth se vestiu rapidamente e saiu de sua tenda. Era o guarda encarregado do turno que o tinha saudado, agarrando seu rifle.

—Há alguém na tumba.

Kenneth assentiu, se despedindo do homem. As estrelas brilhavam como punhados de diamantes dispersos no escuro veludo do céu. Uma redonda lua lançava um suave e prateado brilho sobre a areia.

As respostas descansavam abaixo, na própria tumba. Agarrou uma tocha acesa e se preparou para descer.

Um desagradável silêncio caiu sobre o interior da tumba. O suor caía pelo nariz de Badra. O fedor de excrementos de morcego enchia o ar. O estar abaixo, sob seu querido deserto, aumentando todas suas superstições. Fez o sinal contra o mal de olho que lhe tinham ensinado em sua infância. O colar roubado a fazia se sentir ligeiramente enjoada.

Olhou ao redor do lugar de descanso final do faraó, cuja tumba tinha sido desenhada no mesmo momento em que subiu ao trono. Seu coração se sacudiu de novo. Os Antigos Egípcios passavam toda sua vida se preparando para a outra vida.

Ao mexer estes objetos, os quais asseguravam que a Família Real manteria seus luxos, ela estava os despojando de tudo o que lhes assegurava uma nova vida feliz. Um ato semelhante constituía um pecado imperdoável.

Convocando sua força interior, tentou esquecer esses pensamentos de traição e desonestidade. Badra girou segurando sua adaga e escutou os suaves e característicos passos de alguém se aproximando pelo corredor que conectava a galeria.

Olhou ao redor, frenética. A câmara aberta carecia de qualquer esconderijo. Rodeando o sarcófago, se agachou e esperou. As pisada soavam cautelosas. Mas o que as fazia tinha um peso inequívoco. Um homem. Um homem fazendo o impossível para entrar na tumba sem ser descoberto.

Se ficava o suficientemente quieta, possivelmente o intruso encontraria o que tinha vindo procurar e iria embora. Sua suas mãos úmidas se agarraram às dobras de seu caftán anil. Outro ladrão de tumbas?

Um suor frio empapou suas têmporas. Ela contemplou outra possibilidade. Quem quer que estivesse vindo o fazia rapidamente. Sua mente rapidamente inventou uma lista de razões plausíveis para sua presença ali. Mas soavam débeis, como mentiras infantis.

Permanecer escondida era sua melhor opção. Badra se aconchegou ainda mais nas sombras. Pisadas soavam diretamente no exterior da câmara e logo entraram. Ela prestou a maior atenção. Eram passos rápidos, enérgicos, como se o homem tivesse um assunto que completar e planejasse fazê-lo rápido.

Se arriscando a ser descoberta, estirou o pescoço. Pôde ver calças ocidentais. Não calças anis e suaves botas de pele, assim não era Rashid. Roupas ocidentais. Seria possivelmente De Morgan?

O homem permanecia em silêncio. Nenhum ruído enchia a tumba exceto a errática cadência de seu coração. Se encolheu mais contra o ataúde de quartzo.

Uma leve raspagem e logo as pisadas soaram de novo. Um suspiro de alívio escapou de seus pulmões em um assobio sibilante. Esperou e ouviu o inequívoco som de alguém saindo. Com forçada paciência, esperou. Badra devagar desenrolou seu corpo, estirando seus encolhidos músculos. E deixou escapar um gemido que foi eficazmente reprimido quando uma grande mão cobriu sua boca e outra pegou sua cintura.

Uma profunda voz masculina soou brandamente em seu ouvido.

—O que está fazendo aqui, Badra?

 

Kenneth! Um frio gelado de puro terror espremeu seu coração quando sentiu o implacável agarre na cintura. O Duque de Caldwell a agarrou tão firmemente como uma serpente que oprime sua presa entre seus apertados anéis. O pânico se apoderou dela. Seus braços, fortes como o aço, a sustentaram ainda mais firmemente quando se retorceu tentando se liberar.

—Badra. — Seu quente sussurro chegou a seu ouvido.

—Kenneth, por favor, me solte – ela rogou.

—Não até que me diga por que está aqui.

—Eu… eu… estou aqui para honrar os meus antepassados.

Seu apertão diminuiu e a girou para olhá-la. Seu olhar azul e intenso, brilhante como o céu egípcio, a perfurou. Kenneth colocou a mão em seu queixo; seu toque a queimou como os carvões de um braseiro, quando lhe acariciou a parte inferior com o polegar.

Um tom perigoso e suave apareceu em sua voz.

—Recorde, Badra.

—Kenneth, por favor - protestou.

Seu olhar baixou para seus pés. Kenneth jogou para um lado a sujeira e descobriu o que ela tinha encontrado. A oculta arca pequena.

Sob a resplandecente luz que emitiam as tochas situadas nas paredes, seus olhos ardiam como duas safiras brilhantes. Uma furiosa cólera fazia avermelhar suas magras e esculpidas faces. Olhava para ela tão ameaçador, como os antigos faraós que tinham assaltado, queimado, arrasado e escravizado.

— Por que está aqui, Badra? Para quem rouba?

Um selvagem tremor arrasou seu corpo. Ele aproximou ainda mais seu rosto. Uma terrível beleza brilhava nele, junto com uma sombria fúria. Não viu maneira de escapar.

Encontrou uma dura determinação e um guerreiro que poderia extrair uma confissão de qualquer inimigo.

Kenneth se inclinou, a pressionando contra a parede.

—É uma benjamima, Badra. Rouba o que é meu. Sabe o que faz aos ladrões no Egito.

Necessitava do colar. Badra tentou não tremer quando a mão dele acariciou sua face.

—Quer o tesouro que encontrou aqui? Deseja vê-lo brilhar contra sua suave pele? — Seu tom mudou, se tornando baixo e rouco.

Ante seus assustados olhos, rebuscou em sua bolsa e extraiu o brilhante peitoral dourado, o colar de Meret que amaldiçoava ao portador com a escravidão.

—Tentou ocultar outro em minha biblioteca. Sua atitude sedutora encobriu seu verdadeiro objetivo. Por que voltou, Badra? Rashid lhe pediu isso? Ele sabe que o encontrei em sua bolsa?

A secura sufocou sua boca. Apenas podia falar.

—Kenneth, por favor…

—Que idiota fui! — Uma seca gargalhada saiu dele—. Conseguiu que fizesse o trabalho sujo por ele. É óbvio.

Ela ficou olhando com uma mescla de atordoamento e medo.

—Não importa. — Seus dedos agarraram sua trêmula munheca—. Levarei o assunto ante Jabari. Ele fará justiça.

—Não! — Seu chiado de protesto ecoou pela câmara.

—Não quer a justiça Khamsin, Badra? Posso fazer que as autoridades lhe detenham. O que prefere?

Ante seu agudo olhar, ela pensou desesperadamente. Jabari exigiria respostas. Os gritos e os prantos alertariam ao cavador que trabalhava para Masud. Jazmine seria vendida ao europeu. Imediatamente.

Não tinha outra opção. Devia voltar para o bordel e tomar o lugar de Jazmine. Mas, o tempo acabava. Kenneth a manteria ali presa. Olhou seu rosto furioso. E a idéia apareceu. Ele a desejava. A luxúria tornava os homens estúpidos.

Lhe sobreveio o instinto de acolhimento. Badra escolheu o único caminho que restava, enquanto as palavras que o eunuco chefe lhe havia dito no Palácio do Prazer ressoavam em sua cabeça.

Se não devolve o colar, a única coisa que libertará sua filha será tomar seu lugar.

Uma estranha tranqüilidade, nascida do desespero, a embargou. Badra impulsionou para frente os quadris, lhe dirigiu um sorriso sedutor. Lambeu seus lábios.

—Responderei em sua tenda. Esperarei ali. Me permita uns momentos para me preparar.

A confusão se mesclava com a fúria. Nunca tinha visto Badra atuar assim, tão abertamente sedutora. O que planejava? Pedir que ele reconsiderasse sua opinião de se dirigir a Jabari? Isto não o faria. Contou devagar até cem, depois se dirigiu para sua tumba. Endireitando as costas, se fortaleceu como se se dirigisse a uma batalha. Então Kenneth cruzou com um só passo e entrou em sua tenda.

Um abajur, situado sobre uma mesa dobradiça, enchia com uma suave luz o interior. Badra estava de pé, com as costas coladas à parede da tenda do acampamento; seu cabelo longo, da cor do ébano, se derramava até sua cintura em um emaranhado de cachos. Usava uma de suas camisolas brancas. Esta cobria além de sua delgadez, as coxas abertas e nuas. Então abriu a camisola para os lados, lhe mostrando o que ele só se atrevia a sonhar. Um forte desejo o golpeou como um violento vendaval. A observou fascinado.

Os eróticos sonhos que tinha tido sobre Badra, com ela nua e disposta em seus braços, empalideceram ao lado de seu autentica beleza. Seus peitos eram firmes e dourados como os pêssegos amadurecidos, com o topo de seus mamilos de um rosa escuro. A suave luz do abajur fazia brilhar seu corpo como o mel. Sua cintura era fina e seus quadris arredondados. Uma nuvem de suaves cachos negros descansava no topo de seu sexo. Embora apenas chegassem ao queixo, suas pernas eram longas, finas e com um indício de músculo.

Mas seu rosto, tinha uma expressão vazia, fria, que empanava sua beleza. Fria e morta, sem vida, como uma tumba.

Estava de pé imóvel, como uma brilhante estátua na luz suave.

Esta era sua intenção? Fazer amor?

Não podia acreditar que isto fosse o que ela queria. Kenneth agarrou seu queixo com uma mão, a obrigando a elevar a vista para ele. Seus quentes lábios, acetinados, encontraram com os seus em uma suave nuvem de sonho.

Kenneth se retirou, impressionado, deixando cair a mão que segurava seu queixo. Seu beijo o excitou até o bordo de uma crua cólera, afastando seu controle. Um redemoinho de prazer o invadiu. Fechou os olhos, deixando precipitar o desejo. Sua mão segurou brandamente sua cabeça quando a aproximou de novo. O sangue se precipitou ardente por suas veias quando sua boca acariciou a dela.

Repentinamente sua mente clareou.

Badra o beijava para o distrair. Os lábios que se apertavam contra os seus estavam passivos. A aproximou ainda mais, aprofundando o beijo, persuadindo sua boca para que lhe respondesse.

Badra gemeu lutando contra a excitação que Kenneth lhe provocava, contra esse beijo de castigo que enviava fogo por suas veias. Um calor se concentrou em seu corpo, criando uma tensão incrivelmente doce. Não assim, gritava em protesto sua mente. Não aqui. Se deixou cair em seu abraço. Ele beliscou seu lábio inferior, deslizando sua língua ao longo de sua boca, a excitando e a provocando. Como um guerreiro invasor, se afundou em sua boca, a devastando, a instigando a lhe responder.

Apanhada contra seu duro corpo, seu fôlego escapou em sua boca, se mesclando e dançando. Sua língua a acariciava e explorava, exigindo que se rendesse.

A paixão e o medo cresceram nela. Não podia deixar ir muito longe, unicamente tinha que despertar sua paixão. Convencer-lhe que valia a pena. Inflamar seu desejo até o ponto que a seguisse até os limites da terra.

Ou até um bordel no Cairo.

Badra se introduziu por si mesma naquele antigo baile, sendo uma participante em vez de uma observadora. Devia convencê-lo que valia a pena o preço que teria que pagar por ela. Era melhor ter a seu antigo Falcão guardião a comprando no Palácio do Prazer que ter que encarar outro cruel captor. Kenneth ao menos tentaria ser amável. E gostava dela.

A dura ponta de sua ereção pressionava contra a suavidade de seu ventre. Suas grandes e cálidas mãos alcançaram a parte baixa de sua camisola, acariciando brandamente seu traseiro. Deu-lhe um empurrão se separando de seu abraço antes que pudessem ir mais longe, e ajeitando a camisola enrugada, cobriu o traseiro.

—Não — disse—. Ainda não.

Kenneth amaldiçoou brandamente, dolorido pela sua frustrada necessidade. Fazia isso de novo. Badra. Seu amor. Sua maldição. Mas logo, só dele. Queria possui-la completamente e tomá-la como um homem tomava a sua mulher, sentindo a suave e quente pele sob dele, mas ela dançou vivamente longe de seu alcance.

Observou vigilante como se vestia com seu kuftán anil, protegendo seu encantador corpo nu de seu atento e faminto olhar. Ela levantou seu queixo.

—Não me deterá, Kenneth. Nem me entregará à justiça de Jabari. Mas serei sua concubina. Esse é o preço que pagarei por tomar o que te pertence. Somente te pedirei um favor. Vá ao Hotel Shepherd, no Cairo, e busca a uma pequena chamada Jazmine. Se ocupe de suas necessidades. Depois venha me buscar no Palácio do Prazer, no bordel onde me venderam pela primeira vez. Vão me leiloar. Se me quiser, compre.

—O quê? — Soltou, totalmente impressionado e confuso.

A tristeza brilhou em seus escuros olhos.

—Algumas coisas são mais fortes que a própria vida. Sua mãe sabia. Sacrificou sua vida quando o Al-Hajid os assaltou. O amor de uma mãe é mais forte que o Nilo, mais duradouro que o sol. Uma mãe que ama a seu filho fará algo para salvá-lo.

Sua tristeza se transformou em preocupação.

— Irá me deter, Khepri?

Ele fechou os olhos.

—Jamais. Não poderia, Badra. — Quando os voltou a abrir, ela tinha escapado para a noite.

 

Parada diante do chefe dos escravos do Palácio do Prazer, Badra disse as palavras que sua alma temia.

— Falhei em recuperar o colar e me ofereço no lugar de minha menina.

Nenhuma surpresa apareceu nos olhos escuros de Masud. Estavam no quarto dianteiro do bordel, onde os clientes entravam e realizavam os negócios. Luxuosos divãs escarlates e azul turquesa, e mesas de madeira acetinada incrustadas de madrepérola suavizavam o sério interior do quarto. Uma abarrotada mesa se situava de um lado.

Suas pernas trêmulas ameaçavam se dobrar. Badra queria terminar este negócio quanto antes.

Rezou para que Kenneth a seguisse. Embora estivesse confuso e furioso Khepri tinha um coração amável. Velaria pela segurança de sua filha. Só Jazmine importava.

Badra elevou seu queixo para o céu.

—Esse era nosso acordo. Estou me oferecendo em seu lugar. Traga ela a mim.

Masud estalou os dedos. Em uns minutos Jazmine apareceu na entrada, com aspecto assustado, até que seu olhar fixo aterrissou sobre Badra. Então seu rosto de duende brilhou de prazer. Agarrando uma pequena bolsa, correu para Badra. Badra se inclinou, a envolvendo em um apertado abraço. Logo, olhando para cima, franziu o cenho aos guardas e a Masud.

—Me dê um minuto a sós. É tudo o que peço.

Com um grunhido, os homens partiram.

Badra se inclinou, abraçando Jazmine com todo o amor, com todas as esperanças que alimentava em seu coração. Beijou à moça e lhe falou brandamente ao ouvido. Jogou uma olhada dentro da bolsa da menina, sentindo dor ante as poucas posses. Uma esfarrapada muda de roupa, pouco mais. Agarrando a palma da mão de sua filha, pregou algum dinheiro dentro dela.

—Vão te liberar. Toma este dinheiro, aluga um gharry e vai ao Hotel Shepherd. É um edifício grande, o condutor conhece o caminho. Espera a um inglês chamado Kenneth, o Duque de Caldwell. Não permita que ninguém a impeça de vê-lo. Diga-lhe que estou aqui. É amável e te protegerá.

A dúvida escureceu o rosto da pequena. Badra lhe oprimiu as mãos.

—Por favor, deve confiar em mim - implorou—. É a única forma em que posso te salvar de ficar aqui.

Jazmine a buscou, uns olhos que brilhavam com inocência e bondade. Neles Badra viu um vislumbre de sua própria infância, inocente e cheia de alegria, até que tudo lhe tinha sido roubado.

Devia salvar sua filha.

—Farei - sussurrou Jazmine.

Badra permaneceu de pé, agarrando o ombro de sua filha quando os homens voltaram.

—Vou levá-la para encontrar um transporte — disse a Masud com voz fria—. Não confio em você.

Dois guardas armados as escoltaram fora, ao pátio aberto que rodeava o edifício. Uma lua crescente pendia no céu. Badra elevou o olhar, esperando que sua xará guiasse os passos de sua filha. Agarrando seus braços, os guardas se colocaram ameaçadoramente a seus lados. Jazmine andava à frente, lançando olhadas ansiosas sobre seu ombro enquanto limpavam o pátio e se moviam para fora. O bordel estava situado ao final de uma rua deserta, em um claro privado, como uma mansão isolada de um pachá. Badra caminhou para o final da rua até que eles chegaram ao cruzamento, uma rua principal onde o tráfico de pedestres se fazia mais denso. Descobriu um condutor de gharry[13] esperando com seu cavalo.

—Vá com esse homem. Faz o que te digo — disse a Jazmine.

A menina se voltou, com a incerteza projetada sobre seu rosto.

—Vai - disse Badra a empurrando, enquanto sentia que lágrimas quentes queimavam seus olhos—. Agora! Corre, Jazmine.

Sua pequena moça partiu correndo, recolhendo as saias de seu vestido. Os guardas observaram silenciosamente enquanto Badra pronunciava uma prece em voz baixa.

—Vai com Deus, pequena. Possivelmente Ele possa te manter segura.

Então ela e os guardas voltaram e partiram de volta ao bordel.

 

Jabari não perdeu tempo com perguntas quando Kenneth lhe disse o que tinha acontecido; insistiu em acompanhar o duque. Kenneth comprou bilhetes para compartilhamento de primeira classe para o xeque, ele mesmo, Rashid e Ramses. Sua união o recordou dos fortes laços tecidos entre os Khamsin.

A preocupação e a raiva combatiam dentro dele. No trem para o Cairo, suas emoções o afogavam como os anéis de uma serpente. Deslizou a adaga que Badra tinha jogado na escavação fora de sua bainha, a olhando fixamente.

Uma vez ele tinha cortado sua palma com esta, e a tinha jogado aos pés dela. Agora tinha se convertido em um símbolo de seu passado. Seu presente.

Badra nunca fazia nada sem uma razão. Ela ansiava pelo familiar e confortável. Poucas coisas punham Badra em movimento, porém as que a atingiam reagia com desumana determinação.

Voltar para o bordel onde tinha sido vendida era igual a se lançar a uma fossa com serpentes sibilantes. Soava autodestrutivo, mas Kenneth reconheceu a obstinação em seu queixo. Isso só podia significar uma coisa. Algo terrivelmente importante estava em jogo.

Ela estava em graves problemas e tinha que saber por que. Se fechou para ele, erigindo barreiras mais grossas que os muros das pirâmides. Tinha que jogar as barreiras abaixo, averiguar o que ocultava.

Desembarcaram do trem no Cairo. No Hotel Shepherd, Kenneth se dirigiu para a entrada até o balcão principal, ignorando as olhadas perplexas dos clientes distinguidos. Passou um grupo de conversadores ingleses que se dirigiam saudações e parou como um morto quando uma garota pequena que usava um comprido vestido escarlate bordado com flores amarelas se lançou diante dele.

Uma garota magra, seu cabelo enredado era negro como a meia-noite. O olhou implorante.

—Por favor, senhor, é você o Duque de Caldwell?

Um porteiro, que cruzava dando grandes passadas, a descobriu. Uma corrente de árabe zangado encheu o ar.

— Marota! Te disse que fosse e deixasse de mendigar aos clientes! Esteve perguntando isso a cada inglês desde que chegou a noite passada.

O queixo da menina de cabelo escuro se elevou obstinadamente, lhe recordando Badra. Se aderiu à perna da calça de Kenneth como um marisco. Este, com um gesto real, despediu o porteiro e logo se agachou para encarar à menina.

—Você é Jazmine? — perguntou-lhe em árabe.

—Sim. Sou a irmã de Badra. Diz que o espera no Palácio do Prazer.

A consternação o carcomeu. Kenneth olhou fixamente à menina, sua expressão desconsolada, a forma valente como elevava o queixo. Uma aparência valorosa, quando seu interior queria se derrubar, ele supôs. Outra vez exatamente igual a Badra...

—De onde vem, pequena? — perguntou gentilmente.

O medo brilhou nesses enormes olhos marrons.

—Venho do Palácio do Prazer. Badra... Disse que iam me liberar, mas ela ficou. Por quê?

As palavras que Badra havia dito o golpearam repentinamente. Como se um véu caísse de seus olhos, entendeu repentinamente tudo. Sua garganta se contraiu pela emoção.

— Ela ficou porque deve te amar muito, muito, carinho.

O suficiente para se trocar por sua liberdade.

O xeque Khamsin e os outros os rodearam em um círculo.

—A irmã de Badra? — Jabari franziu o cenho.

—Sua irmã não - replicou Kenneth lentamente em inglês, se endireitando e encarando ao xeque—. Sua filha. E de Fareeq.

Durante um cômico momento desfrutou dos olhares sobressaltados no rosto dos outros. Jazmine se via claramente desconcertada ante a estranha língua que falavam os ingleses brancos. Kenneth a atraiu para seu lado, descansando uma mão sobre sua cabeça. Ao sentir um leve tremor, olhou para baixo. A pobre criatura tremia de medo. Retirou um pequeno oval envolto de seu bolso e tirou o papel. Kenneth se inclinou, oferecendo-lhe.

—Você gosta das gotas de limão?

Ela tomou o caramelo com uma expressão solene.

—O que são?

—Prova um — animou ele.

Sua cara de duende se iluminou de prazer quando arrebentou um na boca. Kenneth sorriu.

—Não se preocupe, Jazmine — lhe disse brandamente—. Badra confiou em mim para te proteger e isto eu vou fazer.

Seus grandes olhos, muito adultos e solenes para seus anos, o avaliaram.

—Badra disse que devia confiar em você. —Jazmine introduziu sua mão na dele—. Confio nela, assim confiarei em você.

A singela declaração oprimiu seu peito. Fez um gesto em direção a Ramses.

—Este é Ramses. Tem uma menina pequena e é um bom pai. Vai te cuidar por um momento.

Jazmine estudou com cautela ao musculoso guerreiro que sorria amavelmente.

—Tem mais gotas de limão?

Ramses estendeu a mão. Kenneth riu. Deu os doces a seu amigo.

—Agora sim. Vai com ele, carinho.

Olhou Ramses conduzi-la a um grupo de cadeiras muito acolchoadas no vestíbulo e fez o que qualquer bom pai faria, acalmar a uma menina que tinha sofrido um trauma óbvio. Jabari os olhou fixamente, boquiaberto, claramente aturdido.

—Por que Badra não nos disse isso? — conseguiu perguntar finalmente.

—Imagino que desejava manter sua identidade em segredo porque tinha medo ao ter dado a luz um menino ilegítimo. O filho do homem ao qual odiava acima de tudo.

O xeque pareceu horrorizado.

—Pensa que eu não daria as boas-vindas a sua filha na tribo?

O olhar de Kenneth era tranqüilo, não incriminador.

—Recorda o que disse uma vez, que consideraria a qualquer filho de Fareeq seu inimigo e se veria forçado a destruí-lo?

O sangue abandonou o rosto de Jabari. Pareceu ferido.

— Disse isso levado pela raiva. Nunca danificaria ao filho de Badra.

Kenneth suspirou.

—Sei. Deixe-me reservar quartos para todos nós. Tenho conta neste hotel.

O olhar de Jabari era tão calmo como tinha sido o de Kenneth minutos antes.

—E onde irá, Khepri?

—Vou conseguir que Badra volte - respondeu obstinado.

Rashid se arrepiou e falou.

—Esse é meu dever - disse irritado.

—Carece de dinheiro — replicou Kenneth com contundente honestidade—. E um duque inglês que deseja um pouco de entretenimento exótico levantará menos suspeita que um guerreiro egípcio.

—Então, o rico duque inglês deseja comprar Badra. Pensa que seu dinheiro comprará algo, não? Mas não comprará sua honra - replicou Rashid.

—Se atreve a me insultar?

Os olhos escuros do homem, cheios de veneno, encontraram os seus.

—Me atrevo a dizer a verdade. Quer comprar Badra para usá-la finalmente como sua puta.

Uma cólera violenta explodiu dentro de Kenneth. Elevou um punho, vacilando bem a tempo ao recordar Jazmine. Jogou uma olhada à menina pequena sentada ao lado de Ramses.

—Aqui não — cuspiu entre os dentes apertados. —Faremos isto fora.

Jabari permaneceu silencioso, assentindo ligeiramente quando o olhar de Rashid açoitou o seu. Com um grunhido, Rashid arrastou Kenneth fora. Passaram no elegante terraço onde homens anciões bebiam o chá da tarde a sorvos desceram as escadas e passaram diante do encantador de serpentes que entretinha aos turistas, e na rua de baixo se enfrentaram.

— Vamos resolver isto, Rashid. Você e eu. Agora mesmo.

O olhar escuro do homem se acendeu.

—Com muito gosto - replicou.

Kenneth não esperou. As mulheres que passeavam ociosamente com seus maridos ingleses gritaram quando seu punho alcançou o queixo de Rashid.

—Isso é por me insultar — grunhiu.

Rashid nem sequer se alterou. Os dois homens começaram a briga. O duro punho de Rashid impactou no estômago de Kenneth. Se dobrou sobre si mesmo, ofegando como um asmático. Maldição, o homem tinha uma pegada dura.

—Isto é por insultar Jabari, meu xeque, quando foi à Inglaterra - zombou Rashid.

Esquivando o golpe que se seguiu, Kenneth conseguiu impactar com um golpe oblíquo. Rashid estremeceu, recuando.

Isto era ridículo, brigando como meninos de escola. Kenneth agarrou Rashid pelas lapelas de seu binish índigo, o aproximando. As aletas do nariz do guerreiro estremeceram.

—Me escute — disse Kenneth em um tom baixo e perigoso. —Badra é minha. Sempre foi. Farei o que seja para salvá-la. Deixou tudo para liberar a sua menina da escravidão. Vou resgatá-la, mas duvido que possa fazê-lo sozinho. Se deixar de ser um idiota cabeçudo, me ajudará e deixará de me fazer perder tempo.

Os lábios de Rashid se apertaram até parecer uma navalhada, mas não elevou seus punhos de novo. Em lugar disso olhou iradamente a Kenneth.

—Sempre sua, Kenneth? Para degradá-la? Para usá-la e desprezá-la? Eu morreria antes de te permitir que fizesse mal a ela!

—Bom Deus — replicou Kenneth—. Pensa que faria isso? Primeiro me cravaria uma faca. Eu a amo!

Maldição. Não tinha pretendido confessar isso.

—O quê? —perguntou Rashid, juntando as sobrancelhas.

—Eu a amo — disse Kenneth simplesmente, o liberando. —Sempre o tenho feito. Sempre o farei. Todos estes anos que fui seu Falcão guardião a amei.

Um cenho preocupado tocou o rosto de Rashid. Pareceu se afundar em si mesmo, refletindo.

—A ama — repetiu incredulamente.

—A amo. E nunca, nunca lhe faria mal. Não de forma deliberada. Faria algo para garantir sua felicidade.

Uma sombra passou sobre as feições de Rashid.

—Então me ajudará? Vamos abandonar esta estúpida luta e, por uma vez, nos manteremos unidos para ajudar à mulher pela qual parece que ambos nos preocupamos. —Kenneth estendeu uma mão.

Durante um minuto pensou que o guerreiro se negaria e o apartaria com cólera. Mas em lugar disso, Rashid a estreitou.

—Ajudarei.

Um sorriso zombeteiro apareceu no rosto de Rashid.

—Bem. Agora se limpe, homem. Parece muito mal.

—Você parece pior — acusou Rashid enquanto subiam trabalhosamente as escadas.

 

Kenneth encontrou o bordel nos subúrbios do Cairo depois de deixar cair uma discreta palavra ao condutor do gharry, junto com umas poucas moedas. O edifício parecia um lar cairota de classe alta, com dois andares e uma sólida porta de madeira. Entretanto, se assentava em uma extensão de terreno isolada sem vizinhos próximos, sem ninguém que ouvisse os gritos das meninas pequenas ali escravizadas.

Um mobiliário opulento o saudou quando foi escoltado para dentro. Grossos tapetes persas com tons brilhantes como jóias descansavam sobre os pisos de mármore e os altos tetos estavam decorados com molduras simulando cornijas. Kenneth descobriu que aconteceria um leilão na tarde seguinte. Venderiam duas mulheres, uma delas era Badra.

Voltou para seu hotel, frustrado e agitado. Jabari disse pouco quando ouviu as notícias, só que tinha enviado por mais guerreiros para que se unissem a eles. Kenneth enviou um telegrama apressado para seu advogado em Londres, lhe dando instruções para que trocasse uma grande soma num banco no Cairo. Necessitaria disso para comprar Badra. Encontrou Zaid e o enviou à escavação para que explicasse sua rápida partida a De Morgan e Víctor como “um assunto de negócios urgente”. Kenneth disse a Zaid que permanecesse ali e vigiasse Víctor. Não confiava em seu primo.

Essa noite, em sua suntuosa suíte, não podia dormir. Se encontrava na cama grande e ampla. O mosquiteiro o cobria como um sudário. Seu sono esteve infestado de sonhos de outro homem comprando Badra, a arrastando para um quarto escuro, com a porta se fechando lentamente e seus olhos dilatados e aterrorizados fechados longe dele. Os gritos dela perfuraram seus ouvidos.

Voltou para o Palácio do Prazer na tarde seguinte. Revoando no k’ah, a espaçosa sala de recepções, com os outros homens que esperavam a venda, se forçou a afastar a raiva. Dúzias de homens se sentavam em almofadas vermelhas sobre o chão com travesseiros de costas eretas que descansavam contra a parede, ou vagavam ao redor, provando tâmaras e bebendo sucos de fruta. Kenneth se sentou, tamborilando com seus dedos sobre um joelho.

Quando os guardas do Palácio chamaram os potenciais compradores à sala adjacente, reforçou sua resolução. Mas nada podia prepara-lo para a agonia de ver quem estava no soalho elevado. Amplos olhos escuros, cabelo de ébano, ela era bela como a noite do deserto e suas milhares de estrelas que brilham no alto.

Umas saias escarlates agarradas por um punho apertado, seu queixo elevado e desafiante, Badra olhou fixamente ao mar de homens. Com a luxúria em seus olhos, faziam comentários ordinários. O instinto exigia que Kenneth a arrancasse da plataforma, a atraísse ao refúgio de seus braços e escapassem. Protegê-la era sua natureza. Tinha que salvá-la.

Ela ia ser vendida como concubina em lugar de sua filha, ele descobriu isto. Seu feroz amor o assombrou, o humilhou. Mas por que tinha roubado os colares? Pela mesma razão? Necessitava mais respostas.

Seu coração doeu quando a contemplou, com o medo brilhando em seus olhos escuros, e ainda assim se mantendo erguida regiamente sobre o assoalho. Badra não tremia. Uma mescla áspera de amor e desejo se precipitou por seu sangue acalorado quando o leiloeiro a girou, mostrando-a de um modo que Kenneth só se atreveu a sonhar nos anos em que Jabari a confiou a seu cuidado.

A violência correu através dele, o desejo de amassar com seus punhos ao leiloeiro que ria dissimuladamente e lhe mostrar a força de um guerreiro Khamsin zangado. Kenneth centrou seu olhar no rosto de Badra. Recorreu a toda a disciplina que tinha aprendido como guerreiro, quando seu próprio desejo se forjou dentro dele. Quando não tinha querido nada mais que deitar Badra na areia e empurrar profundamente dentro da entrada suave de seu corpo viçoso e sussurrar palavras de paixão em seu ouvido delicado e em forma de concha. Quando teria vendido sua alma simplesmente por estar ao redor dela.

Minha, minha, minha. O canto possessivo o enchia enquanto olhava iradamente aos outros homens. A mesma ânsia se refletia em suas caras ávidas, como se Badra fosse um prato saboroso preparado para consumir.

Mas ele nunca, nenhuma só vez nos cinco anos que a tinha protegido, tinha pensado nela como algo para ser usado e descartado. Estes homens não a conheciam, não podiam apreciá-la. Kenneth sentiu que todo o amor que tinha refreado aparecia, se vertendo como o mar sobre a areia seca. Olhou para Badra e silenciosamente lhe enviou uma mensagem, rezando que ela pudesse ouvi-lo de alguma forma.

Te amo. Não permitirei que outro homem a use para sua luxúria e viole o que procurei guardar durante cinco anos, sua honra e sua virtude. Não é mercadoria para ser comprada e vendida. Merece amor, um homem que te valorize como o tesouro que é. É mais preciosa para mim que o ouro. Abandonaria todas as riquezas que possuo para te sustentar em meus braços uma só noite. Sacrificaria todas minhas manhãs por uma noite de verdadeiro amor.

Se ardeu mais quando capturou um vislumbre de sua panturrilha de belas proporções. O leiloeiro tinha elevado o vestido, olhando com lascívia enquanto o fazia, para mostrar o que esperava o comprador de Badra na cama. Kenneth xingou silenciosamente, com sua mão que apoiava na cintura. Não havia espada. Apenas tinha sua perspicácia seu amor ardente para o guiar.

Kenneth apertou os dentes. Olhou ao redor, aos homens que lotavam a plataforma. Sentindo seu terror, enviou uma mensagem mental a Badra.

Não tema. Não os deixarei te arrematar.

Seu passado mal se desdobrou de novo diante de seus olhos. Badra ficou com o olhar fixo na multidão sem rosto, disposta a não lhes permitir ver seu medo, sua vergonha por ser vendida como uma ovelha. Já tinha confrontado isto à idade de onze anos, trêmula e confusa, cheia de medo pela escuridão nos olhos dos homens que a olhavam fixamente com grande fome. Então não tinha sabido nada dos homens. Agora sabia.

Os minutos passaram com uma lentidão angustiosa. Badra mordeu fortemente o lábio inferior quando o leiloeiro elevou seu vestido até a metade da coxa.

—Olhem aqui, meus bons amigos. Viram alguma vez um tesouro semelhante? Certamente lhes trará o paraíso quando a levarem à cama. Não é uma virgem, a não ser experimentada nas artes do prazer sensual.

Os murmúrios encheram o ar, ruídos estridentes que estilhaçavam seu autodomínio. Se percebessem seu medo se excitariam como chacais do deserto. Badra endireitou as costas e tentou acalmar o ritmo de seu coração. Não é um espetáculo. Não permita que estes homens a intimidem.

Necessitava um foco, um lugar pacífico de serenidade que a isolasse dos homens que olhavam com lascívia e de seus comentários obscenos.

Khepri. Não o via entre a multidão.

Sua imagem apareceu em sua mente. Seus surpreendentes olhos azuis, sua força de guerreiro feroz, seu encanto gentil e urbano como um duque inglês. Quanto tinha mudado. E ainda assim, nada. Era um homem de honra. Um homem de poder. Seu poder. O que diria Khepri para apagar seus medos?

Piscaria um olho e diria:

—Olhe-os. Não tenha medo. Os imagine nus e impotentes. As barrigas afundadas, as covinhas em seus traseiros excedidos de peso, suas diminutas e pequenas...

Uma borbulha de esperança se elevou. Pensou em Khepri ao esquadrinhar o homem corpulento da fila dianteira.

—Olhe-os. Viu alguma vez um homem com tantos queixos? Acha que tem três esposas para cada queixo? Tem cada queixo um nome?

OH Khepri, pensou silenciosamente, desejando lhe ver com todo seu coração. Uma vez me fez rir. Sempre me fez sentir segura. Inclusive agora, quando está longe, estou rodeada por suas lembranças e posso sobreviver.

A resolução a preencheu para suportar tudo erguida e jogar seus ombros para trás. Sorrindo, Badra manteve a imagem de Khepri em sua mente, seu sorriso amistoso e sua autoconfiança jovial, sua terna preocupação e sua coragem notável.

Khepri tinha estado situado em um tablado como este quando tinha retornado a Inglaterra, observando e estudando como seus licitadores potenciais o estavam fazendo com ela agora. A idéia a assustou. Kenneth se sentiu tão nu como ela? Ainda assim parecia dirigir o papel de nobre inglês com encanto, sem insinuar nenhuma só vez que fizesse caso do silencioso escrutínio de seus pares, que se importasse ser medido e pesado como uma mercadoria.

Saber que seu antigo Falcão guardião provavelmente tinha sofrido uma tortura similar lhe deu novo valor. Badra relaxou. Até que a luta começou. Então tragou com força.

—Cavalheiros! Esta encantadora dama está disponível para um homem, exclusivamente, durante um mês de puro prazer. A luta se abre em quinhentas libras.

Os dedos estalaram, as cabeças assentiram e as lutas subiram mais e mais alto. O pânico apertou seu peito. Forçada a suportar um novo amo cada mês? Era pior do que tinha pensado. A luta se elevou a mil libras. Dois mil. Badra pensou no sorriso confortador de Khepri, suas maneiras ternas. Não devia se render ao pânico. Os guerreiros Khamsin nunca mostravam emoções diante do inimigo. Nem ela o faria.

O homem que tinha feito a última luta estava de pé diante dela. Sua cara era fina e de bochechas ossudas. Tinha um sorriso cruel. Badra não pôde evitar que um estremecimento percorresse sua coluna vertebral, nem que os gelados dedos do medo envolvessem seu coração.

Então...

—Cinco mil libras - disse uma voz tranqüila, e que continha um ar de confiança arrogante.

Todas as cabeças giraram abruptamente para trás, para a voz autoritária que tinha dominado brandamente a sala mofada e sem ar. Tinha parecido com a voz de Khepri, mas Badra não podia estar segura. Estirou o pescoço para ver. O leiloeiro a golpeou com a mão.

—Mantenha seu lugar! — ladrou ele.

Se atreveria a esperar? Não seguiram outras ofertas. A sala permaneceu coberta pelo atemorizado silêncio.

O leiloeiro ladrou,

—Vendida! Bom senhor, por favor, retire a kit’ah para fazer os acertos para o pagamento e recolher sua nova concubina. Ela se ocupará de todos seus desejos mais selvagens.

Badra foi arremessada a empurrões antes que pudesse divisar o estranho alto e vestido de escuro com a cara coberta pelas sombras. Só podia rezar com todas suas forças para que a conduta de seu novo amo com ela não estivesse igual ao aço temperado dessa voz profunda.

 

O edifício estava construído como muitos fastuosos edifícios cairotas, com um grande pátio interior e janelas de engradado escuras que dominavam uns jardins exuberantes. Dentro, uns altos tetos trabalhados com elaborados azulejos decoravam os apartamentos particulares. Por todo o cômodo estavam dispersos divãs e pesadas almofadas. Situada em um pequeno quarto havia uma cama obscenamente grande. Travesseiros de seda descansavam sobre um cobertor luxuosamente bordado.

Dois eunucos guardavam a porta, evitando sua fuga e garantindo que ninguém salvo seu novo amo se aproximasse. Esfregando os braços, Badra passeou, lutando com o medo agudo como uma navalha de barbear. Pode fazer isto, assegurou a si mesma. É uma mulher amadurecida, com experiência, não uma atemorizada virgem de onze anos.

Mas se sentia tão assustada como essa menina de tanto tempo.

Um espelho grande com marco de bronze, pendurado em uma parede, captou sua atenção. Badra se aproximou para examinar sua aparência. Uns olhos grandes e aveludados, delineados com o Kohl negro, devolveram seu olhar. Um vestido de seda cor turquesa com sianinhas brancas cobria seu corpo. Um véu fino de gaze branca rodeado por moedas ocultava sua cara. O véu servia para incrementar o mistério do ambiente exótico e excitar a seu novo proprietário, não para cobrir sua modéstia.

Usava umas sapatilhas de menino de pele suave coloridas de açafrão, com um rebordo turquesa e bordadas com diminutas flores turquesa e brancas. As sapatilhas lhe provocaram um estremecimento, muito parecidas com aquelas que tinham usado quando a escravizaram a primeira vez.

Resignada, caminhou para a cama, provando-a com uma mão. Suave como uma nuvem. Saber o que aconteceria aí sacudiu sua confiança em si mesma. Badra se sentou, se envolvendo com os braços.

Quem seria? Outro homem cruel e sádico que riria e a violaria até que sua mente se entorpecesse? Possivelmente desta vez seria afortunada e seu amo só ofegaria sobre ela, mas não a esfolaria com um látego.

Ela pensou em Khepri, que gentilmente estava acostumado a tomar sua mão quando caminhavam pelo povoado de Amarna. Como a tinha guiado de volta ao lar de Jabari. Seus ferozes olhos azuis tinham errado pelas ruas, sempre vigilantes em busca de inimigos. Ela descansava confiada em sua espada, que sempre estava preparada para matar a quem se atrevesse a tocá-la.

Khepri. Agora Kenneth. Tão estrangeiro que só reconheceu, seu corpo alto, magro e musculoso, que só exsudava poder e confiança em si mesmo. Pertencia a uma terra verde, longe através da água, este homem que uma vez a tinha cuidado com tanto amor e devoção.

Uns passos se aproximaram pelo corredor. Badra se esticou. Seus dedos úmidos se separaram da gaze de suas calças de harém e se abraçou forte enquanto a porta de madeira se abria. Ouviu o estalo forte e firme dos saltos masculinos ao entrar dentro. Trêmula, Badra ficou com o olhar fixo no chão e viu que se aproximavam umas botas de couro marrom.

Ela se forçou a falar.

—Meu amo, estou mais que disposta a fazer o que desejar de mim. Tudo o que lhe peço é que, por favor, por favor, não me golpeie. — As palavras saíram em um sussurro trêmulo.

A cama se afundou com o peso de seu novo captor. Uma mão agarrou seu queixo e a elevou. Com cada onça de coragem que restava, Badra elevou seu olhar. E se encontrou olhando diretamente a um familiar par de profundos olhos azuis.

—Minha querida Badra — disse o Duque de Caldwell brandamente—. Como posso te fazer entender? Enquanto tiver fôlego ninguém a danificará nunca.

 

Um tremendo alívio a atingiu com a força de um vento furioso. Ela fechou seus olhos, os abriu, temendo que ele fosse uma miragem. Kenneth a observou meigamente.

— Jazmine? Está a salvo? — perguntou esperançosa.

Kenneth pôs um dedo sobre seus lábios. Ele olhou os eunucos que montavam guarda e emitiu uma ordem.

— Saiam.

Quando eles partiram, lhe dirigiu um olhar expectativa. Ante sua grave expressão sentiu um tremor de dúvida.

— Sua filha está a salvo com Jabari.

Ela só podia olhá-lo com crescente horror. Ele soltou a mandíbula enquanto lutava para dar sentido a suas palavras.

— Sua filha, Jazmine. Fez isto por ela?

— Ela é minha irmã … — retrucou ela.

Sua negação morreu com o olhar penetrante que lhe dirigiu.

— Não, Badra. Sua filha. Ela tem seus olhos, seu pequeno queixo obstinado. E os comentários que fez, sobre o amor de uma mãe. Ela é a filha que deu a Fareeq. Sei. Jabari também sabe.

O pânico se apoderou dela.

— Ele sabe? Tive medo de lhe dizer. Jabari uma vez disse que ele consideraria seu inimigo a qualquer filho de Fareeq e se veria obrigado a destrui-lo.

— Jabari disse faz muito tempo em um ataque de fúria. Ele nunca, jamais faria mal a nenhum filho seu — explicou ele gentilmente.

Os intensos olhos azuis de Kenneth encontraram os dela e ele colocou a mão em seu bolso. O baú de ouro com o nome de Amenemhat II pendurava de sua mão. Badra conteve o fôlego de forma audível.

— Por que tentou roubar isto, Badra? Por Rashid? — Enquanto a testa se enrugava pelo atordoamento, ele adicionou com gravidade — Rashid tentou me matar em Londres enquanto dormia.

— Rashid não o mataria — retrucou.

Então fez uma pausa. Recordou como eles quase tinham chegado às vias de fato na loja de antiguidades.

— Possivelmente ele simplesmente quis me ferir, ver se eu era ainda um guerreiro. Te pediu que roubasse para ele?

— Nunca! Ele sabia … tentou me proteger. Foi Omar, o dono do Palácio do Prazer. Fareeq vendeu Jazmine a Omar depois que eles me disseram que ela — sua voz falhou — tinha morrido. Omar me queria e usou Jazmine para me atrair. O preço por liberá-la era tomar seu lugar. A outra opção era roubar os baús. Quando não obtive o que estava em Dashur, tive que negociar minha liberdade pela dela. — Sua voz se apagou —. Sinto muito. Estava desesperada.

— Por que não me disse? Eu teria te ajudado.

— Invasão, tiros e Jazmine ferida? Eles ameaçaram vendê-la a um comprador rico se dissesse algo. Eu nunca voltaria a vê-la. — Um violento tremor a sacudiu.

Kenneth deixou cair o baú sobre a mesa ao lado da cama. As mãos dele depositaram sobre as suas, a acalmando. Ainda, apesar de sua coragem, ela sabia que ele não poderia tirá-la contrabandeada dali. O bordel tinha um pátio interior, com eunucos armados montando guarda. Era uma fortaleza.

Ela disse, acrescentando baixinho…

— Sei que é impossível, já que tentei escapar quando menina. E fracassei.

A segurança brilhou em seus olhos.

— Te tirar daqui vai ser um pequeno desafio, isso é tudo. Um desafio.

Uma esperança selvagem brotou dentro dela, logo morreu.

— Não. Você não pode me tirar daqui. É muito perigoso. Ninguém pode me salvar.

Kenneth mostrou seu velho sorriso zombador.

— Isso é o que disse quando nos vimos pela primeira vez, recorda? Recorda o que te disse?

Um débil sorriso emergiu.

— Um Khamsin nunca fracassa.

— Não fracassei então e não fracassarei agora. Encontrarei a maneira. Mas temo que isto leve algum tempo.

— Tem exatamente um mês. — Ela deixou de sorrir e suspirou —. Enquanto Jazmine esteja a salvo. Ela é tudo o que importa.

Kenneth se maravilhou da enorme coragem de Badra, e lhe doeu a resignação em sua suave voz. Formou um nó na garganta. Ele imaginou seu corpo envolvendo de maneira protetora a sua filha, seus grandes olhos cor chocolate assustados, mas resolvidos. O medo descansando dentro dela como um bloco de gelo, mas lutando contra isso, fazendo-o a um lado por Jazmine. Badra era feroz como um depredador quando se tratava de algo tão importante. Ela teria sido forçada a se tornar uma escrava só por Jazmine.

A profundidade daquele amor o fez se sentir humilde. Ele tocou sua mão com cuidado, para não assustá-la. Deus, pelo modo como foram as coisas já estava bastante assustada, e fria. Tão fria, como se tivesse estado submersa em água gelada.

Rígida como uma estátua de alabastro, ela se sentou sobre a cama, seus dedos agarravam tão forte sua calça de seda que seus nódulos ficaram brancos. Ela o olhou fixamente, as perguntas dançavam em seus grandes olhos marrons. E agora?

Ele sabia o que queria fazer. Ele queria esquentá-la, por dentro e por fora. Apagar o olhar de pânico de seu rosto com um beijo gentil. Sentir seus lábios se voltarem úmidos e flexíveis sob os seus, e logo aprofundar o beijo. Para derreter o medo até que tudo o que ficasse fosse uma quente, intensa expectativa. Ele queria fazê-la se retorcer e gemer em êxtase. Fazer a doce fossa entre suas pernas se empapar de umidade enquanto a excitava com sua boca e suas mãos. Se afundar lentamente nela e senti-la se apertar ao redor dele.

Ele queria fazer que ela se esticasse contra ele. Até que seu calor se vertesse nela e ela nunca tivesse frio outra vez. E quando por fim ele a levasse ao pico de prazer, ele queria tragar seu grito em sua boca e começar de novo, a amando sem piedade até que ela se pegasse a ele, esgotada. Só então se permitiria a liberação.

Mas ele precisava descobrir a verdade que ele suspeitava que ela escondia: a verdadeira razão pela qual ela se afastou dele.

— Badra, se dispa para mim. E vire. Preciso ver suas costas.

Um golpe convulsivo a impactou. Seria obrigada a revelar aquilo que mais odiava de si mesma ao homem que ela amava em segredo. Um grosso nó obstruiu sua garganta.

— Por favor. Não me peça que faça isso. Não posso. — A expressão de Kenneth se abrandava enquanto ele tocava sua bochecha.

— Não desejo te fazer mal, pequena. Mas devo saber.

Imóvel, ela o observou lhe tirar o véu. Quando seus dedos mergulharam lentamente e desataram a fita de cetim que mantinha fechado seu delicado vestido, sua mão que tremia agarrou a dele.

Ele se desfez facilmente de seu apertão e deslizou o vestido por seus ombros. Este caiu livremente, despindo seus seios. Seus grandes olhos assustados se encontraram com os dele.

— Por favor, Khepri — suplicou ela, com voz trêmula.

As lágrimas empaparam suas bochechas. O coração de Badra se afundou enquanto ela olhava seu rosto. Suas grandes mãos eram quentes sobre seus ombros trêmulos enquanto ele a virava.

— Sinto muito — disse ele calmamente —. Mas devo ver isto.

Kenneth jogou seu emaranhado de cachos de ébano sobre um ombro. Ela retrocedeu ante seu toque e tentou se afastar, mas ele a manteve firme. Pôs uma mão suave sobre a cicatriz retorcida que percorria suas costas. Uma profunda vergonha a fez ficar vermelha do pescoço às bochechas. Badra deixou cair sua cabeça enquanto as pontas de seus dedos acariciavam as velhas feridas que ainda lhe ardiam com vergonha.

— Que o diabo o leve — disse ele com voz rouca —. Esse gordo bastardo.

Ela tremeu e mordeu o lábio, as lembranças doendo tanto como a picada do chicote. Seu segredo já era conhecido.

A bílis subiu pela garganta dele.

A evidência da crueldade de Fareeq jazia em profundas marcas brancas esculpidas na pele sensível de Badra. O xeque, seu antigo amo, a tinha açoitado. Severamente. Badra lhe tinha mentido.

E a julgar por sua expressão atormentada, era ela que se envergonhava.

— Que mais ele fez, Badra? Também a violou? — Um aceno trêmulo confirmou suas suspeitas. Kenneth inspirou zangado —. Quantos anos tinha?

Um soluço sacudiu seus ombros.

— Eu t-tinha … onze.

Ele blasfemou em voz alta. Somente uma garotinha. A tripas de Kenneth se retorceram ao imaginar a doce menina que foi, com grandes olhos e bonita, se convertendo em um vazio fantasma de si mesma, silenciosa e atormentada. Seus gemidos confusos de medo e dor enquanto Fareeq a forçava.

Maldição! Por que não tinha visto? Porque não quis ver, admitiu Kenneth. Ele não quis conhecer a verdade.

— Sinto muito, Khepri — disse ela em um soluço afogado —. Jabari sabia mas lhe supliquei que guardasse silêncio. Eu deveria ter te contado. Antes tivesse feito. Você sempre me protegeu; sempre protegeu meus passos. Mas estava muito… envergonhada.

Ela tremia violentamente. Profundamente afetado, ele começou a esfregar suas costas nuas, tratando de acalmá-la. Doía-lhe ver a tortura que pulsava dentro dela.

— Oh Badra, — disse ele baixinho. — Juro que nunca voltará a sofrer tal injustiça outra vez, meu amor.

Uma primitiva fúria masculina cresceu nele. Desejou que Fareeq estivesse vivo, para então poder esmagá-lo sob seu calcanhar, pô-lo de joelhos ante Badra para suplicar perdão. Embora não corresse uma só gota de sangue egípcio por suas veias, ele compartilhava o furioso amparo que os Khamsin sentiam para suas mulheres.

Ele foi tomá-la em seus braços, e ela ficou rígida como se fosse de madeira. Quando ela falou, sua voz soava tão rígida como seu corpo.

— Bem, me comprou. E conhece o valor de sua compra. Sei o que sempre quis. Se for fazê-lo, por favor, acaba com isso.

Ela tirou o vestido e os sapatos. Nua, sentada sobre a cama, Badra se via a ponto de entrar em colapso. Se ele a tocasse, ela se quebraria como cristal. Frustrado, Kenneth passou uma mão por seu cabelo.

Quando ele não fez nenhum movimento para ela, ela o olhou.

— Por que me comprou, Khepri?

Por que? Uma vida de desejá-la, sonhá-la, cheirá-la em sonhos, de alcançá-la em seus sonhos. Ele a tinha amado por tanto tempo que ela tinha marcado a fogo seu coração.

Não disse nenhuma destas coisas a ela, somente acariciou uma linha através da cama, imaginando acariciar sua bochecha suave.

— A comprei porque faria qualquer coisa para impedir que te façam mal. Tal como jurei há muito tempo quando era seu Falcão guardião.

Aos guerreiros Khamsin era ensinado disciplina e um estrito autocontrole. Ele necessitou cada vírgula do que tinha aprendido. Com ternura e lhe devolvendo gentilmente a confiança, ele enrolaria Badra para seus braços. Lhe ensinaria os profundos prazeres que a esperavam. Mas só quando ela o desejasse. Quando ela soubesse que ele a amava. Quando ela quisesse que ele a amasse. Não agora.

— Tem fome?

Uma vacilante cautela apareceu em seu rosto.

— Sim.

— Bem. Se vista e pedirei que tragam comida.

Ele ordenou um banquete apropriado para um sultão. Ele conhecia seus gostos depois de todo esse tempo. Um grupo de criadas entrava e saía, levando bandejas com os pratos favoritos de Badra sobre suas mãos estendidas. Havia uma bandeja de prata de cordeiro assado sobre uma cama de arroz, um tigela de laranjas frescas, uvas, tâmaras e granadas, uma cesta de pãozinhos de levedura quentes sob um pano azul e branco, tortas de pão de alho, e Ful Mudammas[14]. Seguido por um garrafão de chá açucarado, com xícaras. Uma pequena tigela de mel. Um garrafão de generoso vinho tinto e duas taças de cristal.

Se sentaram em suaves almofadas de veludo no chão em lados opostos de uma mesa baixa de mogno. Kenneth pegou uma uva. A mordeu e a doçura alagou sua boca. Badra seria assim, decidiu, uma embriagadora, repentina sensação de intenso prazer em sua língua.

— Estou seguro que tem fome, e aqui há um banquete para dois — disse ele brandamente.

Ele podia ver desdobrar o interesse enquanto ela observava a comida. Cautelosamente, ela pegou uma tâmara, mordiscando-a com a ponta de seus pequenos dentes brancos.

Uma vívida percepção dela vibrou por seu corpo. Ele poderia tomá-la; estava em seu direito. Tinha-a comprado, e sabia que ela às vezes o queria. Mas essa não era sua maneira de atuar. Ela devia ir a ele, cálida e disposta. Ele simplesmente esperaria. Tomaria seu tempo, acalmaria seus medos naturais até eliminá-los, um a um. Ele desencadearia o profundo manancial de sua paixão e permitiria que alagasse todo o resto até que ela obedecesse à fome por se render de seu corpo.

Kenneth comeu lentamente outra uva, a saboreando enquanto um criado servia chá a ambos. Badra tomou um pouco e baixou sua taça, observando-o como um camundongo diante de uma cobra. Ele despediu a criada, que se retirou tão silenciosamente como tinha entrado.

Ele lambeu uma gota de seus lábios. Badra olhou, claramente cativada. Ele não disse nada, mas sorriu por dentro.

Podia cheirar a delicada fragrância de Jasmim que as mulheres tinham misturado no cabelo de Badra depois de tê-la banhado. Isto agitou seus sentidos. Seu sangue cantou em suas veias e se levantou, quente e espesso. Ele se permitiu saborear a antecipação, o anseio.

Apoiando o queixo sobre seu punho, Kenneth a olhou fixamente. Ele queria agradar cada sentido, olhar o suave balanço de seu longo cabelo negro enquanto ela inclinava sua cabeça sobre sua comida. Queria inundar seu corpo em seu calor acolhedor.

Beijar cada polegada de sua pele acetinada. Enterrar sua cara na massa sedosa de seus largos cachos. Kenneth queria riscar com sua língua cada polegada dela, fazê-la conhecer sua tumultuosa paixão.

Não, o alimento não tinha nenhum atrativo. Ele só poderia vê-la e ouvi-la e cheirá-la. Badra. Um banquete para os sentidos. Um Madeira exótico, tão deliciosa e aguda sobre a língua como o melhor dos vinhos.

Ela tomou outro gole de chá. Badra provou logo uma tâmara, depois mordiscou uma uva. Kenneth olhou, encantado, como sua língua diminuta lambia de seus lábios uma gota parecida com uma pérola. Ele pressionou suas mãos em seu colo, não se surpreendendo de como estava duro.

De repente, ela o olhou fixamente com olhos preocupados.

— Kenneth, não está comendo. Por que me olha assim?

— Eu gosto de te olhar. — Ele bebeu a sorvos seu vinho. Francês. Não estava mau. Sua perfeita boca rosada se abriu —. Come — disse ele brandamente —. Deve estar faminta.

— Não posso comer — Ela se abraçou, olhando ao redor com grandes, preocupados olhos — Este quarto… os aromas.

Sua testa se enrugou. Kenneth baixou sua taça de vinho e cheirou. Estava tão absorto estudando-a que não tinha notado. Agora o aroma soterrado o golpeou, um aroma de fumaça de cigarro, o aroma rançoso de perfume velho, e a contaminação almiscarada do sexo. Ficou de pé, se dirigiu para as janelas gradeadas, foi abri-las e se deu conta que estavam seladas.

— Eles o fazem para impedir que saltemos. Se nos é dado um amo que não… cheire tão bem.

Surpreso, ele jogou uma olhada e a viu tampar o nariz. Kenneth riu, encantado. Um pequeno sorriso tocou sua boca de casulo de rosa. Aquela boca, tão viçosa e carnal, ele ansiava prová-la. Em troca, ele voltou a sentar, se serviu um pouco de vinho e foi servir um pouco para ela também. Ela levantou uma mão.

Ele elevou uma sobrancelha.

— Somente por esta noite. Ajudará a dormir. Confia em mim.

A taça tremeu um pouco enquanto os dedos dela rodearam seu caule. Badra tomou um longo gole, logo retrocedeu, sua boca molhada pelo vinho. Ele a queria tão desesperadamente como o tinha feito há anos. Mas ele não era nenhum impaciente e apaixonado jovem de dezenove anos. Ele tinha o controle de um homem e a honra de um guerreiro. A tensão rangia no ar. Badra olhou para outro lado, estudando a deliciosa tapeçaria persa que cobria as paredes.

— Por que recusou quando te pedi que te casasse comigo, Badra? Agora quero a resposta verdadeira.

O silêncio caiu pesado no ar. Finalmente ela suspirou, o som tão aflito que espremeu seu coração.

— Como podia me casar com você, Kenneth? Depois de tudo o que acaba de saber? — Sua voz caiu uma oitava —. Disse a Jabari que foi um bom homem que merecia algo melhor. Eu sabia que nunca poderia ser o tipo de esposa que esperava.

— O tipo de esposa que esperava?

— Eu não podia ser sua esposa, Kenneth — sussurrou ela —. Me aterroriza… a intimidade que compartilham uma esposa e seu marido.

— OH, Badra — disse ele gentilmente, esticando sua mão para tocar a dela. Ela retrocedeu e enterrou sua cara em suas mãos.

— Nunca quis te insultar ou te fazer mal — Sua voz se filtrou entre suas mãos trêmulas.

Um ano tentando esquecê-la, e apesar disso ela seguia enterrada profundamente dentro dele como pequeninos grãos de areia cravados profundamente em seu coração. Naqueles olhos da cor do chocolate negro ele viu sua dor e seu medo. Por que não o tinha visto antes?

Orgulho, admitiu ele com brutal honestidade. Ele tinha se sentido humilhado porque ela o tinha rejeitado três vezes; ele não pensou nela.

Ele não tinha nada mais a perder. Kenneth estendeu seus braços através da mesa enquanto as mãos dela caíam. Ele agarrou seu queixo com um suave apertão, a obrigando a olhá-lo diretamente.

— Então, Badra, me responda outra pergunta. Alguma vez me amou?

A umidade brilhou em seus olhos, os fazendo brilhar como gemas escuras.

— Como podia não fazê-lo? — Sua voz baixa o quebrou —. Sua bondade, seu humor, a maneira em que põe minhas necessidades antes das tuas. Seu feroz sentido da honra e a coragem. A forma em que seus olhos me olhavam com um amor que nunca morreria. E todos aqueles anos em que manteve seu voto de nunca me tocar, apesar de querer fazê-lo! E eu sei quanto o queria! Aquele único beijo que quis roubar… quantas vezes, deitada em minha cama de noite, me arrependi de ter te afastado.

Ela fez uma pausa. Suas mãos pressionaram contra seu coração.

— Eu sabia que nunca poderia te dizer o que sentia; não podia retribuir sua paixão e você merece uma mulher apaixonada. Então mantive meu amor oculto dentro de mim como uma jóia preciosa. O amei a primeira vez que me fez rir. Eu estava morta antes de te conhecer, e você me reviveu. Sonhei que me tomava em seus fortes braços, me ensinando a não ter medo. Tantas vezes meu medo e meus sonhos se cruzaram como o aço Khamsin. O medo sempre ganhou, então o rejeitei. Mas nunca deixei de te amar.

Kenneth não podia respirar. Todos estes anos pensando que possivelmente ela não retribuía seu afeto, que ela simplesmente o considerava um amigo. Ele sentiu que seus sonhos jogavam faíscas e se desdobravam em um fogo que o consumia todo. O amor dela era verdadeiro e tão grande como o seu. Ela o tinha guardado, o abrigando, e o tinha afastado dela porque pensou que ele merecia alguém melhor.

Ele viu a vida dela, desdobrada como as areias estéreis do grande Sahara, querendo amor, temendo-o. Levantando barreiras para rejeitar seus afetos quando ele passou de ser seu amistoso e protetor guardião a ser um ardente pretendente.

Com toda sua força ele desejou poder voltar no tempo e cortejá-la como ela merecia. Demonstrar os prazeres de como um homem e uma mulher compartilhavam seus corpos, e acabar com seus medos.

Kenneth deixou de sustentar seu queixo para riscar com cuidado uma lágrima solitária que rodava por sua bochecha. Com seu polegar, ele a apagou.

Ela estava assustada, como uma égua caprichosa que cheira um semental. Ele devia apaziguar seus medos.

— Nunca outra vez — ele disse com voz rouca —. Lhe prometo isso, pequena. Nunca deixarei outro homem te fazer mal, não enquanto uma gota de sangue corra em minhas veias.

Badra lhe ofereceu um sorriso que parou seu coração.

— Sei que deseja ajudar, Khepri. Mas há algumas além de sua coragem e fortaleza. Não pode me resgatar daqui, por mais que o tente.

— Não me viu começar — declarou ele sério.

A confusão marcou seu rosto enquanto ele ficava de pé.

— Aonde vai?

— De volta ao hotel. Para dizer a Jabari que está a salvo — Ele se voltou —. Sob nenhuma circunstância abandone este quarto. Pagarei a alguém para que a proteja enquanto eu não esteja.

Ele fechou a porta atrás de si e partiu.

 

Kenneth desceu pelo vestíbulo, anotando mentalmente corredores, curvas, voltas e acessos. Dobrou uma esquina e encontrou uma porta vigiada por um severo eunuco calvo, uma espada atada com correia a seu flanco. Uma saída para o exterior?

A cara do guarda era impassível, embora o homem fosse cortês.

—Se você procura uma saída, senhor, use a entrada principal.

—Suponho que essa porta não me levará a k'ah — raciocinou ele, olhando aos olhos do homem.

—Isto só conduz ao balcão do segundo andar.

O balcão do segundo andar, que tinha uma escada que conduzia ao pátio interior. Bom. Kenneth encontrou o fixo olhar do homem.

—Tenho necessidade de umas poucas coisas. A quem posso chamar?

—Use a aldrava no quarto, senhor, e os criados lhe trarão o que você deseje.

—Necessito a alguém em quem posso confiar - Kenneth colocou a mão no bolso de sua calça e retirou um maço grande de cédulas de uma libra. Como esperava os olhos do guarda se alargaram.

—Quero a alguém vigiando a porta dos apartamentos de minha concubina. Não quero que ninguém entre.

O homem assentiu.

—Posso fazer que alguém me substitua aqui.

—Bom. Necessitarei alguém para ir ao mercado também, quero flores de jasmim. Flores frescas, não perfume.

—Quantas, senhor?

—As suficientes para encher um quarto. Mas devem ser frescas - Kenneth tirou umas cédulas, fazendo um espetáculo ao contá-las. A avareza brilhou como diamantes nos olhos do guarda. Kenneth lhe entregou as cédulas.

—Isto é para você, por me fazer este enorme favor. — Kenneth tomou mais cédulas e as entregou—. E isto é para as compras e para a pessoa que faça o recado.

Um pequeno sorriso como a borda de sua espada encurvou os lábios do guarda para cima. Kenneth rogou para que o homem fosse leal.

 

Guerreiros Khamsin tinham invadido o Hotel Shepherd.

Com divertido assombro, Kenneth se sentou em uma grande cadeira na sala que ele tinha reservado para Jabari. O xeque se sentou frente a ele, seu escuro olhar firme. Ao redor de Jabari havia uma maré de homens vestidos de cor anil, encolhidos em sacos de dormir, dormindo no chão, como faziam antes de lançar um ataque sobre uma tribo inimiga. Doze dos melhores lutadores da tribo. Ele se perguntou o que teria pensado o gerente sobre a invasão dos homens de anil e afiado aço Khamsin a este distinto hotel europeu.

—Ele protestou porque éramos muitos, mas quando descobriu que somos os convidados de honra do Duque de Caldwell, se acalmou — disse Jabari.

Kenneth olhou a espada que estava ao alcance do xeque, imaginando a visão de vários ferozes guerreiros empurrando o gerente. Isto explicaria seu consentimento mais que qualquer influência ducal.

—Nem todos têm que ficar contigo, Jabari.

—Meus homens conseguiram quartos, mas esta noite eles desejavam ficar aqui, até que nós tivéssemos notícias suas. Trouxemos uma mulher conosco para que se ocupasse da menina. Amanhã enviarei Jazmine outra vez a nosso acampamento, onde permanecerá com Elizabeth. Rashid está com ela, a protegendo até então. - O xeque arqueou uma negra sobrancelha, — não pedimos um quarto a mais e economizamos seu dinheiro.

—Obrigado por sua consideração. Imagino que a fatura da comida igualará a diferença. — Ele disse secamente.

—Quem pode comer algo como isto? — refletiu Jabari.

Vestido com uma cômoda bata branca, com suaves calças brancas de algodão, o xeque tirou seu turbante. Seu cabelo negro retinto caía abaixo de seus ombros. Mas, a despeito do cômodo adorno, a tensão embargava ao amigo de Kenneth. Sombras escuras se notavam sob seus olhos. O xeque se sentou rígido em sua cadeira, seus músculos apertados como se esperasse um ataque.

Kenneth não tinha visto seu irmão adotivo assim ansioso em anos, não desde que Elizabeth tinha sido mantida cativa por Fareeq. Jabari se preocupava profundamente por Badra. Kenneth se apressou a tranqüilizá-lo.

—Badra está bem. Ela é minha no momento.

—Você a comprou?

—Queria vê-la vendida a alguém mais?

—Eu não a teria vendido a ninguém — disse o xeque sem se alterar. —É consciente que esse é o mesmo bordel onde ela foi vendida quando era uma menina?

Kenneth grunhiu.

—Sim. E tenho a intenção de tirá-la dali.

—Bem. Então nos dê a ordem e invadiremos.

—Não, Jabari. Não pode irromper ali. Porá Badra e as outras mulheres em perigo. Me dê tempo para memorizar a disposição do harém, encontrar seus pontos fracos. Tenho um mês antes que ela seja vendida novamente.

O escuro olhar do xeque procurou o seu.

—Retorna para nós então, Khepri, quando souber a melhor maneira de como podemos resgatá-la. Mas cuida bem dela.

—Honrarei o voto que uma vez fiz sobre protegê-la com minha vida — disse ele solenemente.

O xeque lhe dirigiu um pensativo olhar.

—Você disse que a amava, Khepri. Badra necessita o amor de um homem bom. Ela é encantada como sua xará, a lua, mas como a lua, ela está rodeada pela escuridão.

Kenneth viu aonde conduzia isto e se inclinou para frente, sua voz séria e baixa.

—E seu pai me deu o honorável nome de um antigo deus-sol egípcio, Khepri. O deus representa a saída do sol, a criação e a nova vida. Recorda isto, Jabari? Ele disse que eu era tão brilhante e intenso como o sol. A lua e o sol não podem existir um sem o outro - Ele fez uma pausa—. Mas a lua é tímida, feminina, e deve ser persuadida com cuidado para se abrir totalmente. E eventualmente ela deverá se render ao ardente abraço do sol.

—Khepri, o deus sol quem dá a nova vida — refletiu Jabari—. Possivelmente você dará uma nova vida a Badra. — Os olhos do xeque escureceram—. Mas sabe isto. Se lhe fizer mal, não o perdoarei.

—Não lhe farei mal.

Khepri ficou de pé, se dirigiu para a entrada, passando pelo adormecidos corpos, logo fez uma pausa.

—Coloca tudo o que queira na minha conta. Só não acenda um fogo e prenda um cordeiro no quarto - lhe disse.

O xeque lhe dirigiu um olhar divertido.

—Crê que somos uns bárbaros, Khepri? Quando meus homens estiverem famintos, assaremos um cordeiro na sala de jantar.

Sua suave risada seguiu Kenneth enquanto saía.

 

Fortes saltos de botas golpeando sobre o piso de mármore a advertiram de sua volta. Badra imediatamente correu à cama e mergulhou sob os lençóis. Violentos estremecimentos atormentavam seu corpo.

Kenneth a tinha deixado sozinha durante algum tempo. Agora, durante a escuridão da noite, não a deixaria. Ela estava tanto excitada quanto assustada.

Se curvando em uma bola, ela ficou imóvel. A porta se abriu com um estalo. Um abajur de azeite ardia sobre uma mesa de sândalo. Os sons assaltaram seus ouvidos, os botões passando pelas casas enquanto ele abria sua camisa. A cama se afundou onde ele se sentou. Um ruído surdo se escutou quando suas botas golpearam o chão. Depois veio um apagado murmúrio de calças e roupa interior se deslizando.

Ele estava nu!

O ar frio refrescou seu corpo enquanto Kenneth levantava o lençol e se deslizava na cama. Badra se sentiu inundada num banheiro de gelo.

Sua profunda voz a assustou.

—Jabari sabe que está bem. Disse a ele que vou explorar cada polegada deste edifício e urdir um plano para conseguir te tirar daqui.

Suas palavras lhe ofereceram pouca tranqüilidade. E até então? A pergunta espessou sua língua. Quando ela encontrou sua voz, saiu como um chiado.

—O que vai fazer comigo, Khepri?

—Badra, não mentirei. Desejo você.

Lágrimas encheram seus olhos. O calor a envolveu enquanto ele se aproximava, até que a ardente dureza de seu corpo pressionou contra suas costas. Ele ficou imóvel, acariciando seu cabelo. A dureza masculina dele pressionada contra seu traseiro. Badra se esticou. Ela sabia, OH Deus, ela sabia o que passaria depois. OH por favor, se ele o fizer, não poderei suportá-lo, juro que não poderei. Se ele se convertia em uma furiosa besta violadora com um olhar de loucura em seus olhos, se empurrando grosseiramente dentro dela, ela não poderia suportar.

Não ele. Não Khepri. Por favor, não ele.

Mas ele não se moveu; simplesmente ficou imóvel, acariciando seu cabelo. Por fim ele se levantou e ela apertou seus olhos fechados, tentando desesperadamente se preparar para o inevitável, quando ele se voltaria uma besta andando as apalpadelas, grunhindo e empurrando seu pênis dentro dela, para se livrar daquela dureza e derramar sua semente profundamente em sua matriz. E logo ele se voltaria para trás, ofegando, seus olhos brilhando pela conquista.

A cama se moveu, rangeu. Algo grosso e suave caiu sobre ela. O tremor de Badra cessou. Abriu um olho.

Uma manta. Quente e de grossa lã jazia em cima de seu trêmulo corpo.

Kenneth se moveu silenciosamente pelo quarto, um guerreiro Khamsin ainda. Ela o ouviu suspirar brandamente enquanto ele acomodava seu alto, musculoso corpo no grande assento sob a janela gradeada.

Ela esperou. E esperou.

Suaves sons de uma profunda respiração vinham eventualmente da janela. Ele dormia. Badra agarrou a manta quente aproximando a ela. O alívio acalmou seu corpo.

Ele não a tinha tocado.

Ele era Khepri ainda. Um homem de honra.

Seu coração pulsou silenciosamente com amor por ele enquanto ela continuava acordada na escuridão, lágrimas escorregando por suas faces.

 

Aquela noite em seus sonhos, reviveu o passado. Parecia que perto uma manada de cavalos árabes sacudia a areia, mas não havia beleza nessa escura tenda. Ela tinha onze anos, uma escrava recém comprada pelo Xeque Fareeq. Badra repousava sobre uma fina cama de pele de cordeiro, de fibras velhas e cobertas com sujeira e pó, o fedor de suor velho e algo mais íntimo e escuro impregnava as peles da cama.

Um vestido fino vermelho de gaze cobria seu desenvolvido corpo magro. Seu véu estava formado do mesmo tecido, e umas sapatilhas delicadas de açafrão cobriam seus pés diminutos. Badra adorava essas sapatilhas. Era a única coisa que ela possuía quando seus pais a tinham abandonado, soluçando no bordel, e havia se agarrado a elas como um menino se agarraria a seu jogo favorito.

Uns passos se detiveram fora da tenda. A luz do sol iluminou a escuridão quando seu amo abriu a aba da porta e entrou. Ela tremeu de medo.

Um fôlego pestilento de cebola e alho inundou sua cara. Um fedor de suor velho. O xeque tirou seu traje e desfez seu turbante negro. Seu cabelo era grosso, gordurento e com mechas brancas pela idade.

Ele estava de pé ante ela, nu, seu torso flácido e sem cabelo menos um pequeno triangulo negro debaixo da curva de seu ventre. Um falo do tamanho de seu punho sobressaía dali.

Ela retrocedeu, o medo chegou ao terror quando ele foi para ela. O mesmo brilho enlouquecido enchia seu olhar fixo igual à dos homens que a olhavam fixamente sobre o tablado do leilão. Um enorme punho rasgou o vestido escarlate de seu corpo e arrancou seu véu.

Fareeq jogou uma olhada às sapatilhas de açafrão das que ela estava tão orgulhosa e riu.

—Tira isso — ordenou ele.

A atirou ao chão sobre seu traseiro, contra as peles de cordeiro. Ele a empurrou, fazendo-a retroceder nas peles. Espremeu seus sensíveis peitos, os quais começavam a mostrar os sinais de uma feminilidade próxima.

—Infantil — grunhiu ele com repugnância—. Ainda estão por florescer. Abrirá suas coxas para mim cada noite até que minha semente jogue raízes em você e meu filho cresça em seu ventre.

Então ele montou nela, seu peso a esmagava e a pressionava contra as peles de cordeiro suadas. Ela ofegou quando notou o pequeno membro duro dele, empurrando o lugar suave, secreto entre suas pernas.

Com um grunhido, ele empurrou dentro dela.

Um grito de medo saiu de sua garganta. Fareeq riu e empurrou mais duro. A dor a queimou quando ele a rasgou por dentro, empurrando mais forte.

Terminou em um minuto, ele grunhiu e caiu sobre ela. Se retirou, deixando uma raia sangrenta sobre suas trêmulas coxas.

—Nada como uma virgem — ele a olhou com lascívia, se limpando com os fragmentos desprezados de seu vestido—. Será minha nova favorita cada noite, já que sua vagina é apertada e me acomoda amavelmente. —Então colocou seu corpo sobre a cama e dormiu. Os roncos ruidosos encheram a tenda.

Badra encolheu seu corpo, gritando brandamente. Cada noite? Ela se fez o voto de que ele não a usaria outra vez. Amanhã a noite, ela lutaria.

Na noite seguinte Fareeq se despiu enquanto ela se encontrava sobre as peles de cordeiro.

—Abre suas pernas para seu novo amo - ordenou ele.

Ele a montou. Fechando seus dedos em um punho apertado, o golpeou. Fareeq uivou. A satisfação a percorreu quando viu a mancha vermelha sobre seu lábio.

—Nenhum homem é meu amo. — Ela levantou seu queixo.

Ele ofegante, se aproximou, seus olhos escurecendo. Fareeq a agarrou, levantando-a. O terror a inundou quando ele a colocou entre os grossos postes da tenda, atando seu corpo nu entre eles. A cólera selvagem brilhava nos olhos dele quando recolheu uma vara de couro e começou a açoitá-la.

—Não, puta? Mostrarei quem é seu amo.

Ela chiou quando a chicotada rasgou sua carne.

 

Badra deu um grito soluçante, e Kenneth se levantou assustado de seu profundo sono. O ruído o tinha alarmado. Ele correu à cama. Os ombros magros de Badra tremiam. Kenneth a sacudiu.

—Shhh, é um sonho, meu amor — sussurrou com doçura.

Mas ela não deixou de gritar. A violência de seus soluços o alarmou. Com voz baixa ele começou a cantar um arrulho que recordava Jabari cantando para Tarik quando era um menino.

Os ombros de Badra se agitavam ainda. Então seu corpo tremeu. Ela levantou sua cara molhada. Estava rindo.

—Oh, por favor, pára. Jabari canta melhor — balbuciou ela—. Sua voz soa realmente como o peido de um camelo.

Ele sorriu abertamente com vergonha e franziu seus lábios, soprando um ronrono baixo por entre eles. Um som entre um soluço afogado e uma risada capturou em sua garganta. Ele a apertou contra si.

Finalmente, ela se acalmou. Ele trouxe um pano. Enquanto ela limpava sua cara, Kenneth acariciou seu cabelo.

—Me diga — disse ele brandamente. Badra ficou rígida. Ele repetiu—. Me diga. Uma vez que o conta a alguém, os sonhos não têm nenhum poder sobre você - ele assegurou.

Finalmente, apertou sua mão. Devagar as palavras começaram a sair. Kenneth escutou, a cólera contraiu seus músculos. Maldito Fareeq!

Ele a sustentou contra ele, deixando-a tomar uma posição cômoda, estando sustentada e abrigada. Kenneth pressionou um beijo contra sua testa.

—Nunca outra vez — disse ele brandamente—. Prometo-lhe isso, pequeno amor, nunca novamente eu permitirei que outro homem te faça mal.

Ele a deitou na cama. Ela dormiu, repousando suas longas pestanas sobre suas faces. Durante muito tempo, Kenneth permaneceu sobre a cama a olhando fixamente, até que um golpe suave na porta o despertou de sua vigilância.

 

Badra despertou com olhos cansados e desorientados, se sentou esfregando seus olhos. Um aroma irresistivelmente doce inundou suas fossas nasais. Agora também ela estava alucinada! Uma ilusão fragrante, um aroma delicioso que recordou a um jardim de flores e a liberdade.

Badra abriu seus olhos e ofegou. A cama estava alagada de flores de jasmim. Flores e mais flores de Jasmim fresco flutuando em terrinas e floreiros de cerâmica por toda parte no quarto. O quarto já não cheirava a perfume antigo, fumaça rançosa ou sexo.

—Bom dia.

A voz profunda de Kenneth enviou um tremor a suas costas. Sentada, cobriu seus peitos com o lençol.

Kenneth se sentou no chão ante a mesa de sândalo. Uma cafeteira de prata, duas xícaras de porcelana e uma bandeja foram apresentadas. O vapor encheu o ar. Ela inalou o aroma forte do café turco e massas de levedura fresca. Kenneth mostrou a cama.

—Um presente para você — disse brandamente.

Olhando para baixo, ela viu um amontoado vermelho. Badra recolheu o traje, bordado com estrelas diminutas de ouro. Acariciou a seda da China, se maravilhando pelo tato sensual entre seus dedos.

—Obrigado — lhe disse ela.

Ela deixou escorregar a bata sobre seu vestido amarelo, foi ao pequeno quarto do lado, que servia para as necessidades urgentes, depois perguntaria sobre o banheiro de mulheres. Se banhar a cada manhã era uma exigência para os escravos.

Quando ela voltou, lhe ofereceu uma laranja. Badra se sentou a seu lado em frente a mesa, seu traje novo a cobria com dobras cheias de graça.

—Detesto as laranjas.

—Como alguém pode detestar as laranjas? É como a dentada de uma explosão de luz do sol. — Ele fez arrebentar um gume em sua boca.

Badra mordeu uma massa e tragou avidamente.

—Deve adorar as laranjas devido a seu nome, Khepri, e a estar associado com o sol. Mas se alguma vez desejo morder a luz do sol, simplesmente te morderei. — Ela assegurou brincando. Seu sorriso desapareceu quando compreendeu o que tinha dito.

Kenneth sorriu abertamente e piscou os olhos.

—Em outro tempo, se sentiu livre de usar seus dentes sobre mim. Não a morderei.

Depois de um momento ela cedeu ante um estranho impulso.

—Lástima - disse, jogando seu cabelo para trás.

Kenneth agüentou seu olhar fixo. Ele selecionou outro gume de laranja e o acariciou lentamente com a língua. — Embora, não disse nada sobre a surra — advertiu ele.

Um calor furioso subiu por suas faces. Badra se sentiu derreter como um leite desnatado quente. Kenneth a olhou, seus brilhantes olhos azuis nunca abandonaram sua cara. Ela recolheu seu café e o olhou por cima da borda da xícara.

—Meu nome é Badra pela lua cheia, Khepri. Viu alguma vez a lua? É pálida, fria e distante. Acredito que meus pais escolheram o nome por uma razão.

—Vi a lua cheia. A vi como se lavasse de prata a areia cinza, enchendo a terra com uma luz pálida. A lua do Egito é altivamente formosa, não fria e distante. Embora ceda à saída do sol, com cuidado se permite ser enrolada no abraço poderoso de Khepri, o sol.

Sua voz era um sussurro. Aqueles intensos olhos azuis a queimavam. Sua mão tremeu um pouco quando soltou sua xícara.

Por que ele não a tinha tomado ontem à noite, como ela tinha esperado? Se sentiu confusa. Apesar de sua posição relaxada, Kenneth parecia perigoso, um homem poderoso acostumado a fazer sua vontade. Ele a queria. Ela era sua concubina. Tinham lhe roubado e a tinha esperado durante anos. Mas ele a tinha deixado sozinha, exceto para lhe oferecer consolo quando ela soluçou por seu pesadelo.

Devagar ela desviou seu olhar do fixo olhar dele e se concentrou em comer. Quando ela levantou seus olhos outra vez, seu absorto olhar se foi, sendo substituído por uma risada encantadora. Kenneth lhe mostrou um montão de livros amontoados em cima de uma mesa.

—Pensei que desfrutaria da leitura por algum tempo, então te trouxe estes.

Com impaciência ela foi aos livros, sacudindo os miolos de seu vestido. Badra levantou um, faminta pelas palavras dentro da coberta de couro igual a seu corpo tinha tido fome de alimento.

São tesouros! Ela reconheceu o Dickens, que tinha abandonado em sua biblioteca e ruborizou, recordando o que tinha ocorrido ali.

—Quando terminar com o café da manhã pensei que poderíamos começar com suas lições.

—Mas já sei ler.

Ela girou, o encontrando de pé silenciosamente atrás dela, silencioso como seu símbolo, a cobra. Ele podia ser o Duque de Caldwell, mas também era um guerreiro Khamsin.

—Não para ler — disse Kenneth, tomando o livro dela e soltando-o—. Lutar.

Ela o olhou aturdida e ele pegou suas mãos.

—Se defender contra os homens que queiram te danificar, meu amor.

—Não posso. Não sou um guerreiro.

—Não. Mas posso te ensinar algumas valiosas habilidades. Habilidades que lhe servirão se por acaso outro homem alguma vez a ataca. Badra.

Intrigada, ela o estudou.

—Que habilidades?

—Badra, Rashid e eu, nem sempre estaremos a seu redor para te proteger. Obviamente. Se estiver alguma vez sozinha, será capaz de se defender. É uma boa sensação, saber que poderá fazê-lo.

—Muito bem, Khepri. Me ensina, então.

—Aqui é onde um homem é mais vulnerável. —Brandamente, com a calça e a jaqueta curta escarlate com mangas largas, ela parou frente a ele. Kenneth tomou sua mão e a colocou entre suas pernas.

—Um chute em um homem aqui e lhe causará uma dor e um dano considerável.

O choque de sentir sua mão sobre suas genitálias colidiu com a enérgica eficácia de suas palavras. Ele sustentou sua mão ao redor da dele, acariciando o suave pendente de seu testículo.

Dando um puxão a sua mão, ele se distanciou, a olhando criticamente.

— A melhor forma é lhe dar com o joelho, mas é muito baixa.

—Não sou baixa.

—Eu gosto assim - brincou ele—. Usa toda a perna.

Exasperada, ela apontou. Quando lançou sua perna para cima, ele manobrou fora de seu alcance.

—Outra vez - a incitou.

Ela repetiu o movimento várias vezes, mas ele seguiu se afastando, esquivando e se movendo. A frustração a encheu.

—Muito lento. Outra vez. Ponha mais força.

O suor gotejou descendo por sua nuca. Badra o olhou com um olhar calculador. Ele era muito maior, musculoso e rápido. Ela parecia um pássaro tentando dar chutes em um elefante.

Um bonito pássaro… que devia pegar o homem despreparado. Ela balançou seus quadris e sorriu coquetamente. Colocando suas mãos sobre seu peito, ela umedeceu os lábios. Então se balançou para frente e com toda sua força, deu-lhe um chute na virilha.

Ele apanhou sua perna… apenas.

Kenneth riu lentamente, a aprovando desta vez.

—Excelente. Pega um homem despreparado e logo ataca.

O rubor outra vez acendeu suas faces, desta vez de prazer por seu louvor.

Mostrou-lhe mais movimentos, incluindo os pontos do corpo onde podia infligir a maior parte de dano. Com cuidado, Kenneth pressionou um polegar em cima do oco de sua garganta.

—Com o canto de sua mão, dá um golpe rápido e agudo aqui. Isto pode estrangular a um homem e matá-lo - disse ele.

Ela estremeceu pelos conhecimentos que os guerreiros possuíam. Mas isto aumentou sua confiança, como Kenneth tinha assegurado.

Pararam para comer, e desfrutaram de grandes copos de chá frio e açucarado. Badra olhou o movimento de garganta de Kenneth enquanto ele bebia.

—Não me ensina isto simplesmente para me proteger contra um ataque arbitrário. Faz se por acaso tiver que escapar.

—Sim — disse baixinho —. Quando finalmente a tirarmos, Badra, se não estiver ali para te proteger, quero que lute por sua liberdade. Deve fazê-lo para escapar.

Ela soltou seu copo, consternada pelo gesto severo de sua mandíbula.

—O que significa se não estiver ali?

—Posso ser assassinado e ser incapaz de te ajudar - disse ele simplesmente.

Ele o disse com cuidado, olhando-a. Ela o olhou fixamente. Agarrando fôlego em seus pulmões.

—Khepri. Não poderia…

—Eu poderia. Disse-lhe isso, nunca outra vez deixarei outro homem te fazer mal enquanto o sangue corra por minhas veias. Mas…

Sua boca secou. Ela bebeu mais chá.

—Não é meu Falcão guardião. Por que arrisca sua vida por mim, Khepri?

Seu fixo olhar sustentou o dela atentamente.

—Porque estou ligado a você por algo mais forte que um mero juramento. Amo você, Badra. Morreria para te manter segura.

Seu copo tilintou quando ela o deixou. A declaração simples foi pronunciada com dura honestidade, e isto fez evidente todas as considerações que Khepri tinha. Sua boa vontade de sacrificar sua vida por sua liberdade e sua difícil resolução. Ela viu a determinação tranqüila de um homem que quer proteger a uma mulher. Não devido a um juramento, a não ser devido ao amor.

Kenneth pegou outro gume de laranja, o comeu e logo limpou suas mãos com uma toalha úmida que veio com a comida. Ficou de pé, seu brando olhar desaparecera, voltando a ser o guerreiro endurecido.

—Bem, voltamos para nossas lições?

Ele a deixou para descansar pela tarde enquanto explorava o edifício, mas Badra não pôde dormir. Ela recolheu o Dickens e se enrolou no assento sob a janela. Logo ficou absorta em outro mundo. Quando Kenneth voltou, ele se uniu a ela na cavidade sob a janela.

Sorriu-lhe tristemente.

—Lê para mim - disse ele.

Pigarreando, ela começou. Kenneth se apoiou contra a parede e fechou seus olhos. Ela leu umas páginas e parou.

—Estou cansada. Aqui, continua você. —Ela deu-lhe o livro.

Os olhos de Kenneth olhavam para longe. Ele olhou fixamente as páginas, sem as ver.

—Khepri? Pensei que você gostava da história?

—Eu gosto de ouvir sua voz, isso é tudo.

Ela não entendeu seu tom brusco.

—Outro livro então?

Kenneth esfregou sua nuca, suspirando. Quando seu fixo olhar encontrou o dela, sua dor a surpreendeu.

—Badra, não há mais segredos entre nós. Já é tempo que saiba algo sobre mim.

 

Deus, como poderia lhe dizer? Kenneth se abraçou e jogou o livro aberto. Seus músculos se esticaram…

—Não posso ler.

Ela piscou, claramente desconcertada.

—Mas lia todo o tempo, quando vivia entre nós. Sempre o via com um livro.

—Árabe, Badra. Não posso ler inglês. Nunca aprendi.

Sua boca se abriu.

—Você…

—Sabe o que é deixar tudo o que é familiar e retornar a um país que não conhece? Esses primeiros dias, eu necessitei de toda minha força para não voltar - uma dura risada lhe escapou—. Nasci na Inglaterra e não sabia nada a respeito de meu país. Nem sequer - frustrado, passou a mão por seu cabelo—, como ler um livro inglês.

Olhou para outro lado.

—Quando retornei a Inglaterra, não falei com ninguém de minha ignorância para ler. Estava muito envergonhado. É à única a quem falei.

Esperou. A expressão de Badra mudou passando da incredulidade a um tranqüilo sorriso. Badra gentilmente arrancou o livro de suas mãos e se deslizou para ele, até que suas coxas se tocaram.

—Agora sabemos os segredos de cada um, Khepri. Ler inglês é difícil, mas posso te ensinar. Deixará?

O alívio inundou Khepri. Não o tinha depreciado. Não é que o tivesse esperado, mas… assentiu lentamente.

Abriu a primeira página e tomou seu dedo, colocando-o sobre a grossa página.

—Capítulo Um. Nasci…

Durante quase toda a tarde, seu amor o ensinou a ler. Badra o fez pronunciar cada palavra. Kenneth lutou para dar sentido às letras, sua vergonha inicial sobre seu analfabetismo se desvanecia sob a paciente tutoría. Totalmente absorto na lição, leu em voz alta uma oração e ganhou um sorriso encantado.

—Obrigado — lhe disse, e algo se aliviou em seu peito.

Badra o ensinou. Logo seria seu turno de ensinar a ela, para lhe devolver o favor. Seu corpo se esticou com deliciosa antecipação quando tomou outro livro. Acariciou sua face.

—Leia para mim outra vez, Badra.

Quando tratou de alcançar o Dickens, pegou sua mão…

—Este…

Ficou olhando a cópia do Kama Sutra, que depositou em seu regaço. Havia trazido da Inglaterra, um livro que esperava ajudaria a realizar sua secreta fantasia, Badra lhe lendo os atos que queria realizar com ela.

Suas faces se ruborizaram quando olhou a página.

—Quer abraçar seus sonhos, Badra? Quer saber o que é conhecer a paixão?

Seu secreto desejo. Temia isto e o recordava.

Sua profunda voz se deslizava sobre ela como mel quente. Kenneth delineou sua mandíbula com seu polegar.

—Leia…

Baixou suas pálpebras e começou a ler. Seu calor se verteu sobre ela como seu xará, o deus da saída do sol. Foi consciente de sua coxa tocando a sua, sua palma descansando ligeiramente em seu joelho. Quando terminou de ler a página, Kenneth colocou sua mão sobre a sua e a apertou.

—Não temos nozes de betel — disse brandamente—. Mas temos tâmaras.

Kenneth pegou uma da fruteira. Seus lábios se separaram e deslizou a tâmara picada em sua boca e a sustentou aí, logo a pressionou contra seus lábios fechados. Ficou aí, morno e molhado pela umidade de sua boca; logo esfregou seus lábios com a tâmara. Um tremor interior a sobressaltou. Ela não abriu sua boca. Ele persistiu, gentilmente, mas determinado, pressionando ligeiramente para penetrar seus lábios, a outra mão descansando em suas costas. Sua essência a tentava, sândalo e masculinidade.

O simbolismo do ato se fez aparente com cada diminuto impulso contra sua boca. Kenneth inclinou sua cabeça e murmurou palavras alentadoras, lhe cantarolando em árabe todo o tempo. Sua língua queria a doçura da tâmara, provar a suculenta umidade. Ligeiramente tirou a língua para prová-lo e nesse preciso momento Kenneth deu o último e determinado impulso e o colocou dentro de sua boca.

Assustada tomou. Mastigou devagar, deixou que o sabor da fruta explorasse em sua boca, e tragou. Seus enormes olhos se encontraram com os dele.

—Assim é como se come a tâmara, meu amor - disse brandamente, logo cobriu sua boca com a dele. Seu beijo era profundo e a narcotizava, e pressionou seu corpo, devorando sua boca enquanto comia a tâmara. Se separou e emoldurou sua cara com suas mornas e fortes mãos. Sua profunda voz a inundou, sedutora e cheia de promessas.

—Me deixe cair de novo, Badra. Me deixe cair em você e me afogar na lua cheia. Como Khepri, deus da saída do sol, eu quero morrer em você, a lua. Deixa que o sol e a lua se choquem com paixão e que desapareça todo o resto. Prometo que estarei aí para te apanhar e nunca a deixarei cair. Venha e dança em minha luz como eu dançarei na sua. Me deixe te sustentar em meus braços e nunca deixar ir.

—Khepri — disse com um fio de voz—. Quero. Mas… tenho medo.

—Sei — disse com doçura—. Mas a melhor maneira de apagar os medos é enfrentá-los. O que é você mais teme?

Sustentou sua mão na dele, ligeiramente. Ela tragou com coragem.

—Estar amarrada, como estive na tenda de Fareeq, e sob a vara. Carente. — Sussurrou.

—Confia em mim?

Quando assentiu, acariciou sua face de novo.

—Então venha a mim, meu amor - disse, com voz suave, rouca, e irresistível. Se sentiu apanhada por seu tom hipnótico. Sua forte sensualidade a intoxicando. Este era Khepri não um duque inglês, a não ser seu guerreiro egípcio, perito à maneira oriental de homens enrolando às mulheres para sua cama, as seduzindo com sua masculinidade e paixão.

Badra tremeu com medo e desejo.

—Não me tema, pequena - disse com doçura—. Não te farei mal - sua voz se aprofundou até soar como um grunhido protetor—. Não permitirei que ninguém te faça mal outra vez.

Ela tragou com força. Seu pulso saltou. Cada pulsado de seu coração parecia soar em seus ouvidos. Levantou-a de seu assento. Kenneth começou a despi-la, as pontas de seus dedos roçando sua pele, uma suave carícia. Quando esteve frente a ele, totalmente nua, a percorreu com o olhar.

Admiração e desejo brilharam em seus olhos. Kenneth se inclinou, levantou seu cabelo e soprou no lóbulo de sua orelha, lambendo-o delicadamente. Um estremecimento de puro prazer a percorreu.

—Confia em mim - ele disse brandamente—. Fará isto? Para fazer isto, tenho que ter sua completa confiança.

Roçou um dedo através de sua face.

—Me dará sua completa confiança Badra? Sabe que eu não a machucaria?

Sua garganta se contraiu pela emoção. Não podia responder.

Para seu horror, tirou o crucifixo e o envolveu em seu pescoço. O ar lhe saiu. Era o maldito colar. Era sua escrava agora. Total e completamente. Impotente.

Fechando sua pequena mão na dele, a guiou às altas colunas de mármore. Dois grandes ganchos de aço se sobressaíam das pedras, brilhantes e perigosas. Um tremor percorreu sua coluna vertebral.

Sustentava sua vida em suas mãos. Nunca antes tinha se sentido tão impotente, nem quando Fareeq a tinha golpeado, porque tinha se obstinado a sua alma, sua crença, até quando a vara marcou sua sensível pele.

Então, o ódio a tinha mantido viva. Mas Kenneth, seu atual protetor, tinha o poder de lhe infligir feridas mais profundas que as que Fareeq tinha ocasionado.

Pegou suas palmas e pressionou um beijo em cada uma. Atou uma corda de seda em cada munheca. Velhos terrores a invadiram quando atou as cordas aos sinistros ganchos de aço, separando seus braços. Tinha a suficiente tensão para poder afrouxar os braços, mas os nós eram apertados sem piedade.

Não podia escapar.

Atou seus tornozelos da mesma maneira. Agora estava estirada, um sacrifício para seu prazer, atada nua entre as duas colunas. Era quase a mesma posição que Fareeq empregou quando a golpeou. Não podia evitar os violentos estremecimentos que atravessaram seu corpo. Badra tratou de reunir coragem.

Kenneth estava de pé a seu lado, alto, musculoso e poderoso. Uma vara de pele pendurava da parede. Com graça predadora, foi e pegou.

Um forte estalo se escutou no ar quando estalou a vara com experiência.

Seu corpo estirou as cordas. Por favor. Sua boca formou as palavras, mas nenhum som escapou. Kenneth se aproximou com a vara em suas mãos, sua expressão tensa e desumana.

A pele se arrepiou. Seu corpo se esticou, se apertando em antecipação à dor. O tempo avançou lentamente, minuto a minuto. Fechou seus olhos. Não podia ver o homem que jurava amá-la, ao guerreiro que jurou sacrificar sua vida pela sua, deixar uma marca em sua pele.

—Confia em mim, Badra.

Kenneth tinha sido um homem de honra. Poderia confiar nele, para que não a machucasse, apesar de como ela o tinha machucado.

Badra mordeu seu lábio inferior e se agarrou a um precário fio de esperança, de amor que cercasse ao medo. Seus olhos se abriram e a resolução a encheu.

—Confio em você.

Um pequeno ruído soou no chão. Kenneth estava ante ela, a vara a seus pés enrolada como uma serpente morta. Seu beijo gentil roçou seus lábios, com a suavidade da seda, como mel se deslizando sobre feridas abertas.

Afastando-se, a estudou e sua expressão era suave pela ternura. Suas fortes mãos, capazes de grande violência contra seus inimigos, sustentavam sua cara como se fosse de frágil cerâmica extraída de debaixo de uma pirâmide.

—Meu amor — disse densamente—. Me permita te mostrar a paixão secreta dos cem beijos de um guerreiro Khamsin.

Desapareceu atrás dela. Sua boca colocada com cuidado sobre suas costas cicatrizadas, seus lábios deixando um rastro suave de quente prazer sobre sua sensível pele. Beijo após beijo foi seguido por pequenos e ligeiros movimentos de sua aveludada língua.

Estava beijando suas cicatrizes, se deu conta com assombro, pressionando seus lábios por seu passado como se cada beijo pudesse aliviar a dor que tinha sofrido. Era um sensível bálsamo sobre sua alma. Um após o outro, cada ligeiro beijo, cada toque de sua morna boca encheu seu corpo. Badra sentiu descer lágrimas em seus olhos. Fechou os olhos e começou a contar, e um novo temor a inundou.

O segredo dos cem beijos.

Esta era a tradição dos guerreiros Khamsin que tinha escutado às mulheres sussurrar em suas escuras tendas, beijos desenhados para despertar a paixão da mulher. Os beijos terminavam no centro de prazer da mulher e a levavam às alturas do êxtase.

Os beijos de Kenneth a banharam em um morno mar de aceitação, para esquecer o passado, para afiançar seu amor. Cem beijos para acalmar a dor do açoite. Cada cruel golpe de látego que Fareeq tinha lhe dado, Kenneth o curava com sua amorosa boca e ternura.

Kenneth ficou frente a ela, seu intenso olhar sustentando o seu por um momento; logo começou a beijá-la de novo. Sua boca procurou seu peito, beijando o mamilo e ela se retorceu nas cordas. Logo ele caiu de joelhos. Seus braços ao redor de sua cintura pressionando sua boca contra sua quente pele, seus lábios tocando seu ventre, investigando ligeiramente seu umbigo com rápidas e peritas lambidas. Ela sentiu uma umidade quente entre suas coxas.

E logo com mãos poderosas que podiam matar, mas eram tão gentis, separou a suavidade entre suas coxas e pressionou sua boca contra seu centro feminino.

O prazer explodiu dentro dela com cada beijo quente, logo tomou sua carne em sua boca e chupou gentilmente. Badra se estirou contra as cordas, se retorcendo quando o calor se apoderou dela. O calor de sua boca, construindo um prazer que nunca tinha conhecido. A tensão crescia e ela se arqueava procurando algo que não estava aí, que estava fora de seu alcance.

Ele se deteve.

Tremendo, ofegou tomando ar, olhando-o. Uma doída frustração a encheu e se esticou contra as cordas, seu corpo palpitando com necessidade.

Khepri se levantou e rapidamente a desatou, logo a levou a cama. Sentiu o suave colchão debaixo dela, sua firme e quente boca em cima.

Quando tirou sua calça, obteve uma vista de sua considerável excitação. Badra ficou tensa esticou e se lançou para trás. Ele se deteve, com a angústia em seu olhar, e envolveu seu corpo com uma grossa bata negra. Kenneth foi para a porta e se deteve com a mão no pomo…

—Vou ao banho. Por que não permanece aqui e descansa?

Seu tom era suave, seguro. A frustração e o desconcerto a atravessaram. Badra o observou ir. É que não a desejava? Só estava sendo amável?

Se levantou tirando o crucifixo de Amenemhat II com um forte puxão. O colar aterrissou na mesa com um pesado tinido. Por muito tempo se escondeu da paixão. Do amor. Nunca mais. Era o tempo de fazer algo.

Kenneth tomava fôlego quando se dirigia aos banhos turcos. Tinha necessitado cada grama de controle para não terminar o que tinha começado. Seu doce sabor ainda estava em sua boca. Sentindo sua excitação, queria continuar até que alcançasse o topo, mas no último momento se retirou, precisando tomá-la entre seus braços enquanto a olhava experimentar sua gratificação sexual pela primeira vez. O medo que se estendeu em sua cara o fez mudar de idéia.

Queria enrolá-la, a encher de desejo até que a diminuta brasa estivesse pronta para incinerá-la. Melhor deixá-la ruminar pelo que tinha passado, tinha estado atada, necessitada, mas só experimentou prazer. A antecipação era quase tão doce como a realização. Deixaria que os demônios do passado brigassem com as novas sensações de paixão que a atravessavam. Eventualmente estaria deitada morna e desejosa em seus braços.

Morno vapor empanava o ar quando entrou na câmara de banho para homens. Kenneth franziu o cenho, desejando água fria. Olhou seu palpitante pênis. Água muito fria.

O quarto era amplo, com uma piscina retangular. Azulejos verdes e brancos com desenhos islâmicos adornavam o chão. Duas mulheres, exóticas e cheias de graça o saudaram. Era o único ocupante e se dirigiu diretamente à piscina. Quando entrou na morna água que lhe chegava à cintura, a pequena mulher veio, trazendo uma grande esponja de mar. Umedeceu seus ombros e braços e começou a lavá-lo.

Kenneth fechou os olhos desfrutando das suaves mãos ensaboando seus ombros, desejando que fossem de Badra.

Um ofego assustado encheu o ar.

Abriu um olho e quis aplaudir. Acompanhada pelo eunuco que contratou para cuidar da porta, Badra estava na beira da piscina, um biquinho visível em sua adorável boca. Parecia aborrecida.

Kenneth lhe ofereceu um sorriso preguiçoso, escondendo seu prazer.

—Olá.

—O que está fazendo?

—Tomando um banho…

—Com ela…

—Não com ela — a corrigiu, olhando à criada—. Ela simplesmente lava.

Arestas de gelo brilharam gélidas nos escuros olhos de Badra. Disse em um baixo e frio tom que nunca tinha utilizado,

—Nos deixem. — A ambos, à mulher e ao eunuco.

O olharam procurando sua confirmação. Ele assentiu. Quando se foram Badra entrecerrou os olhos.

Kenneth se sentou na borda, com as pernas estiradas, os braços na borda do banho.

—Bem, Badra. Não terminei de me banhar. Já que jogou a minha assistente…

O olhar de Kenneth era firme, avaliando francamente e com audácia o desafio. Badra tragou tão forte que os músculos de sua garganta se apertaram. Ofereceu-lhe a esponja.

Badra sabia que o desafio de Kenneth significava mais que um mero banho. Se aceitava, não haveria volta atrás. Mas, durante muito tempo tinha tido medo. O medo a tinha impedido de amar. Nunca mais.

Afundando seus joelhos, pegou a esponja, seus dedos roçando os dele. Com desiguais movimentos relutantes, começou a lavá-lo. A esponja se deslizava pela pele de Kenneth, o cobrindo de espumoso sabão. As borbulhas de sabão caíram em correntes sobre ele. Kenneth fechou os olhos e gemeu.

Ligeiramente encorajada, os movimentos de Badra se fizeram mais firmes, esfregando seus amplos ombros, os poderosos músculos de suas costas, debaixo dos grossos bíceps e as tatuagens, a cobra enrolada e a novo, a cruz egípcia, o símbolo da vida eterna. A espuma ficou apanhada no escuro pêlo de seu musculoso peito. Ensaboou seu torso e parou em seco. O intenso olhar de Kenneth a apanhou.

—Tudo, meu amor. Lave-me tudo - disse.

Ela sentiu que chegava a uma encruzilhada em seu caminho. Era sua decisão seguir adiante ou se deter. Teria a coragem para continuar?

Quer conhecer a paixão, meu amor?

Seu rouco sussurro soou em sua mente. Posso fazer isto, disse a si mesma. Não havia dura luxúria brilhando em seus olhos, só meditabunda paciência e um terno amor.

Tomando um trêmulo fôlego, afundou a esponja debaixo da água, para a endurecida longitude dele. Ele fechou os olhos e estremeceu quando o acariciou. Sua masculina carne se esticou sob sua trêmula mão. Um necessitado gemido retumbou em seu peito.

Com sobressalto, Badra se deu conta de que tinha feito isto a ele, seu Khepri. Seu guerreiro, quem tinha feito um voto de vida para protegê-la. Seus músculos se esticaram e apertaram como se fosse para a batalha. Uma repentina sensação de poder a embargou.

Seus brilhantes olhos azuis se abriram.

—Já basta — disse com voz rouca, lhe tirando a esponja—. Agora é sua vez.

Gotas de água se pulverizaram quando girou e se levantou, a atraindo a seus braços. Inundada na água, Badra soltou um chiado assustado. Seu vestido turquesa se aderiu a sua pele e o olhou com seus enormes olhos.

—Estou ensopada — ofegou.

—Certeza? — perguntou com voz profunda e suave—. Então precisamos tirar teu formoso vestido.

Devagar desabotoou cada diminuto botão de pérola e separou o tecido, logo deslizou o vestido por seus ombros. O fôlego de Badra tremeu quando beijou seu pescoço. Com um impaciente puxão, o vestido caiu na água, despindo seu corpo.

Kenneth a abraçou, beijando-a profundamente. Sua boca se sentia como morno mel, doce e deliciosa. Pulverizou beijos em seu queixo, logo ligeiramente através de seu pescoço até o profundo oco de sua garganta. Ela se sentiu em chamas. Sensações novas e aterradoras a alagaram.

Se separando, Kenneth a estudou, a paixão obscurecendo seus olhos azuis.

—Badra, Quer isto? Me deseja? Se disser que sim…

Ela queria o sopro sobre a faísca que ele acendeu com quentes beijos e tenras carícias. Badra assentiu lentamente.

—Sem lamentar? — perguntou densamente.

—Não — conseguiu ofegar. Um diminuto medo, como o pulso de um coração em miniatura, revoou—. O que… vai me fazer, Khepri?

Sua morna mão cobriu sua face, a acariciando.

—Vou te amar, Badra. Te amar por toda parte até que grite de desejo e de dor — disse baixinho.

Logo seus lábios descenderam sobre os seu em um beijo envolvente, os separando e sua língua investigou profundamente em sua boca, empurrando dentro e fora.

As mãos de Kenneth pousaram em seus peitos. Os polegares rodeando os mamilos começando lentas e suaves carícias. Uma doce e agonizante tensão surgiu nela. Logo rompeu o beijo e se deslizou para baixo, beijando-a até que sua boca encontrou o tenso mamilo. Sua língua raspou duro e rápido sobre o mamilo. Badra gemeu, sustentando sua cabeça.

—Khepri! Alguém pode vir — ofegou.

Kenneth separou sua boca, elevando a vista com absorta expressão.

—Isso eu espero — disse com voz rouca—. Você.

Mas saíram da piscina, encontrando duas grandes toalhas de linho. Kenneth enrolou uma em sua cintura e começou a secá-la com a outra. A acariciando com a toalha, investigou seus ocos e lugares secretos até que seu quadril se arqueou com cada suave carícia.

Um misterioso sorriso curvou seus lábios quando a envolveu com sua grossa e negra bata. Deixaram os banhos. Sentimentos encontrados de antecipação e agitação cresceram dentro dela quando retornaram a seus quartos. Dentro, Kenneth tirou sua bata e tirou a toalha de sua cintura, gotas de água molhavam seus cinzelados músculos. Gotas de prata brilhavam no escuro pêlo que descansava acima de sua grossa excitação. Levantou Badra com cuidado e a deixou sobre a cama. Seu olhar era terno e adorador.

—Está certa, meu amor? — perguntou.

—Sim — respondeu, tocando sua cara—. Te amo. Quero isto. Te desejo.

Seu beijo era gentil, seus lábios mornos e suaves. Provocou uma vertiginosa resposta dela, aprofundando o beijo, aplicando uma leve pressão até que seus lábios se separaram sob a insistência aprazível de sua língua.

Kenneth começou pequenos e íntimos impulsos, lambendo o interior de seus lábios. Sua essência a invadiu, sabão de sândalo e poder masculino. Badra gemeu com o fogo crescendo dentro dela, o necessitando quando tocava e acariciava. Seus músculos saltaram sob seus dedos. Logo vagou mais abaixo e a tocou intimamente entre as pernas, acariciando devagar. Badra se arqueou com um sobressaltado prazer.

Deslizou um dedo dentro dela. Badra se esticou, juntando as pernas, mas não podia evitar seu invasivo toque. Os músculos se apertaram ao redor dele quando acariciou e empurrou. A sustentou forte e a penetrou mais profundo. Ela se retorceu impressionada além das palavras quando uma doce tensão foi crescendo. Encontrando suas íntimas dobras, seu polegar começou lentas e longas carícias.

—Me olhe, meu amor — induziu brandamente—. É seu Khepri. Olhe meus olhos e vê quem te dá este prazer.

Um gemido surgiu nela. Badra respondeu mais, seus quadris se arqueando para encontrar suas carícias. Seu olhar fixo nele.

—Excelente, isso, relaxe, sim, assim…

A tensão cresceu, se estendendo quando suas carícias aumentaram e seus impulsos se voltaram mais insistentes. Badra se segurou a seus ombros.

—Khepri — sussurrou—. Eu não, ah… Oh…, é, Oh, Khepri…

—Solta — sua profunda voz cantarolou—. Deixe ir, meu amor…

Seu corpo se convulsionou e gritou quando o prazer a rasgou pela metade, seus quadris se balançando às demandas de suas carícias. Ele apanhou seu assustado grito em sua boca.

Seu fôlego saiu em curtos ofegos quando retornou a terra. O suor empapava seu corpo e se segurava nele como se estivesse se afogando.

Um feroz triunfo brilhava nas profundidades de seus brilhantes olhos azuis, que ardiam como safiras. Com a rapidez de seu símbolo, a cobra, Kenneth a fez rodar sobre suas costas e a cobriu. Longas e mornas mãos empurraram suas apertadas coxas.

—Abre suas pernas para mim, carinho — murmurou, olhando-a—. Confia em mim. Não a machucarei, meu amor.

Confia nele. Ele não a machucará. Badra obedeceu a seus antigos instintos. Se colocou entre suas pernas quando as abriu como uma flor florescendo. Seu pesado peso a pressionou contra a cama e lhe deu as boas-vindas.

Um grosso endurecimento se pressionou contra sua suavidade feminina. Seus dentes se apertaram sob a pressão insistente empurrando dentro dela. Instintivamente, retrocedeu, mas suas mãos se apertaram em suas coxas e a sustentou quieta.

—Não posso — ofegou ela.

—Sim pode — impulsionou brandamente—. Toma tudo de mim, meu amor.

A grossa excitação de Kenneth a encheu quando empurrou. Se sentiu estirada além do possível. Sussurrando suaves promessas, sustentou-a forte quando seguiu empurrando dentro dela. Badra jogou seus braços ao redor dele, sentindo a tensão dos músculos das costas. Ela desejava que a reclamasse, para ele e só ele. O primeiro homem em invadir seu corpo desde seu cativeiro por Fareeq se converteu em sua âncora, sua rocha quando ele continuou penetrando.

A fricção de seu corpo criava uma deliciosa tensão em seu ventre. A tensão cresceu quando ele deslizou sobre ela, murmurando tranqüilas promessas masculinas, palavras que não entendia, mas que a moviam com ternura.

Empurrou mais forte e ela enrijeceu. Tão inesperada era esta enorme, mas deliciosa pressão entre suas pernas.

—Vamos, meu amor, não tenha medo. Relaxe, sim, assim, assim está bem, muito bem - cantarolou.

Sem piedade devagar, pressionou mais profundo. Um assustado fôlego lhe escapou quando finalmente chegou a seu topo. Logo Kenneth começou a empurrar, seu fôlego saía em curtos ofegos. Sua carne se deslizou sobre ela, seu membro pulsando profundamente dentro. Antigos instintos a urgiram a se mover, levantando seus quadris para encontrar seus golpes. Sua profunda voz murmurando tranqüilas palavras de amor, a impulsionando a ser única com ele. Não mais lágrimas. Não mais terror. Só um sentimento de vinculação total, de aceitação e crescente ardor para se combinar completamente com ele. Nunca tinha acreditado em ninguém tão profundamente. Agora o fazia, disposta a ser sua escrava em suas ternas mãos, a se render a sua mútua paixão.

Os duros músculos de suas costas se esticaram sob seus dedos, demonstrando quanto controle exercitava. Pressionando suas mãos contra ele, inclinou seus quadris para conduzi-lo mais profundamente dentro dela.

Ele empurrou sem piedade dentro dela, como se sua resposta tivesse desvanecido todo seu controle. O suor escorregava por sua cara, umedecendo seu cabelo, cada urgente impulso reclamando-a. Kenneth gemeu, puxando suas coxas sobre seus quadris quando seu poderoso corpo empurrou mais e mais forte contra ela.

Finalmente, empurrou adiante uma última vez e deixou escapar um profundo gemido, se convulsionando. Seu nome escapou de seus lábios como uma prece. Sentiu a quente erupção de sua semente.

Lentamente se separou, seu coração trovejava e gradualmente se acalmou a uma cadência mais normal. Kenneth a atraiu para seus braços e beijou sua testa.

—Encontra-se bem?

Ela se aconchegou contra ele.

—Sinto como se tivesse morrido, voei além das estrelas e do sol e este é o paraíso. É?

—É, meu amor - disse brandamente acariciando seu cabelo—. Não posso imaginar nenhum lugar mais doce que este.

Seu possessivo olhar a percorreu quando se aconchegou contra ele. Apertou seu abraço como temendo que escapulisse como a pálida luz da lua. Gradualmente seus olhos se fecharam. Badra se moveu e se colocou em cima, e ele se amoldou a suas doces curvas, cobrindo-a com um braço para sustentá-la perto.

Caíram em um ditoso sono um nos braços do outro. Horas depois, Kenneth sentiu uma brisa acariciar seus nus ombros. Se moveu agitadamente, uma repentina frieza o sobressaltou como uma advertência de morte. Despertando, se levantou olhando desordenadamente ao redor. A pálida luz da lua se derramava através das gradeadas janelas, refletindo prateados padrões geométricos na cama. Mas não viu nada.

Devagar, se recostou de novo nos suaves travesseiros, tomando Badra em seus braços. Mas o sono demonstrou ser breve. Durante o resto da noite não pôde apagar a estranha sensação que alguém tinha estado ao lado da cama olhando-os dormir.

 

O peitoral de Amenemhat II desapareceu misteriosamente.

Ao amanhecer do dia seguinte, Kenneth começou a procurar se movendo silenciosamente enquanto Badra dormia. Se encheu de desânimo. Quem o tinha roubado? Pior, quem tinha estado em seu apartamento sem o seu conhecimento? Foi o misterioso Omar que desejava Badra?

Mas se o homem queria tanto possuir Badra, por que a tinha vendido?

A urgência o obrigou a pedir respostas diretamente ao amo dos escravos. Kenneth caminhou às escondidas pelo corredor para o vestíbulo. As portas de vários quartos se alinhavam no corredor. Quando uma começou a se abrir, se deteve imediatamente, mergulhou atrás de uma alta palmeira.

Um homem saiu, alisando seu escasso cabelo recheado de cinza e atando sua gravata. Se voltou brevemente. A débil luz dos candelabros da parede permitiu a Kenneth ver seu rosto. O homem era seu primo Víctor.

O medo cresceu dentro dele. Kenneth apertou o passo e parou diante dele. Uma cômica comoção passou pelo corado rosto de Víctor. Empunhou seu chapéu e sua garganta engoliu violentamente, mas não saiu nenhuma palavra.

— Olá — disse Kenneth em tom agradável. — Que estranho te encontrar aqui.

— O que… o que está fazendo aqui?

— Imagino que o mesmo que você.

As bochechas de Víctor se encheram de sangue quente.

— Bem, então, devo ir. Até mais tarde Kenneth.

Víctor correu pelo vestíbulo como se os cães do inferno mordessem seus calcanhares. Kenneth retornou ao quarto de Badra. Todos os seus pensamentos sobre as perguntas para o amo dos escravos se desvaneceram. Por que Víctor estava ali? Por que neste bordel? Uma estranha sensação lhe disse que logo averiguaria.

De volta ao quarto, se despiu e se meteu na cama, abraçando Badra fortemente contra ele. Ela se revolveu agitadamente, enquanto a alvorada se divisava pelos espaços da grade. A fome cresceu dentro dele, enquanto tirava o cabelo de Badra de seu rosto e beijava o lóbulo de sua orelha. Ela se revolveu e seu traseiro criou uma deliciosa fricção contra suas coxas. Ele já estava duro.

Ela piscou sonolentamente enquanto se voltava, respondendo a quente pressão de seus gentis beijos sobre suas bochechas e testa. Kenneth beijou a união de seu ombro e seu pescoço, lambendo-a delicadamente. Sua pele tinha sabor de sal e mel, resultado da paixão da noite anterior.

Kenneth deixou escapar um gemido estrangulado quando se sentiu pulsar, duro como o aço. Nenhum outro homem prometeu. Nenhum outro homem a teria outra vez. Ela era sua e estava a salvo.

Ela tremeu violentamente sob seu toque. Ele a teria. Agora. Se movendo rapidamente como seu totem de serpente, a fez rodar para baixo dele. Ah, tão suave, tão flexível. Beijou seu pescoço e o lambeu brandamente, degustando seu delicioso sabor. A paixão obscureceu seus olhos e ela tomou sua cabeça e o beijou.

Separando suas coxas com seu joelho, ele se colocou entre suas pernas e empurrou dentro de sua cálida e secreta profundidade. Manteve seu olhar no dela, vendo como o prazer transformava seus traços. Deslizou para dentro de um de seus sonhos favoritos: eles estavam casados. A vida podia ser mais doce que isto, que estar na cama com a mulher que você amou por anos, olhando seus lábios se abrirem e seus olhos se dilatarem pelo desejo enquanto a alvorada se divisava no horizonte? Cada dia prometia ser um refrescante começo e ele, silenciosamente, se fez a promessa que o faria tão formoso como pudesse, um a um, como um rico e escuro vinho.

Fazia tanto tempo que ele a ansiava e sonhava com ela e agora era dele. Marcou-a como dele e não havia como voltar atrás. Kenneth se inclinou e deu uma pequena dentada na sua carne suave, seguida de uma calmante carícia com sua língua. Ela se moveu debaixo ele, puxando-o para mais perto. Seus lentos e suaves golpes se fizeram intensos e duros, seus quadris empurraram com ritmo enquanto se enlaçavam, tentando conseguir o perfeito desfecho para essa comunhão de corpos e carne, a conexão que ambos ansiavam.

Ele finalmente se permitiu a liberação enquanto ela se apertava ao redor dele, soluçando seu nome. Kenneth caiu em cima dela durante um minuto, seu próprio fôlego, frenético, circulando no travesseiro enquanto descansava a testa sobre ela. Consciente de seu peso rodou para um lado, levando-a com ele.

Profundamente satisfeito, se deitou, acariciando seu cabelo. Não podia parar de tocá-la, se assegurando que isto não era um sonho.

— Bom dia — murmurou ela timidamente.

— É verdade — disse ele sorrindo.

Tudo tinha sentido em seu mundo. Iria contrabandear Badra com a ajuda de seus irmãos Khamsin.

Kenneth bocejou enquanto ela deslizava graciosamente saindo da cama, seus quadris balançavam com graça natural. Enquanto ela se banhava, ele se vestiu e pediu o café da manhã.

— Inclua muitas laranjas — disse ao criado. Um triste sorriso tocou seus lábios. — Embora minha concubina as deteste, eu não.

Vários minutos mais tarde, silenciosas e eficientes criadas entraram no quarto, trocando os lençóis, substituindo as toalhas e colocando a bandeja de prata com o café da manhã e o vaporoso café turco sobre a mesa de sândalo. Elas se apressavam enquanto Badra saía do banho, seu liso cabelo de ébano caía enredado sobre sua cintura. O traje vermelho de seda se aderia a sua pele. Seu coração pulsou violentamente quando a viu.

Com um movimento cheio de graça, ela se sentou no chão, bebendo goles de café. Ele olhou as fatias de laranja decoradas com amêndoas. Ficou com água na boca.

Ele deslizou uma fatia de laranja em sua boca, sentiu um estranho e ardente sabor. Pimenta sobre as amêndoas? Kenneth franziu o cenho, mordeu uma pequena parte e engoliu. Deixou a metade restante, obedecendo a um instinto de advertência. Bebeu uns goles de chá. Uns minutos depois, seu corpo, repentinamente, se retorcia em agonia.

O suor vertia sobre ele em rios. Seu corpo tremia. O que estava acontecendo? O fogo o alagou. Sua virilha queimava sem piedade. Kenneth se dobrou, agarrando seu estômago. Seu coração galopava com um ritmo perigoso.

De repente soube. Cantáridas?[15]. Um afrodisíaco em doses pequenas. O veneno perfeito para um bordel. Os homens o utilizavam freqüentemente em orgias. Ninguém suspeitaria que ele tivesse sido assassinado. As autoridades assumiriam que, acidentalmente, tinha consumido muito. Estava nas laranjas. E só ele gostava…

— Khepri, o que acontece? — gritou Badra.

 

Ele correu para o banheiro. Kenneth empurrou dois dedos dentro de sua garganta, e se obrigou a vomitar.

Quando tudo tinha terminado, ele continuava tremendo, fraco e incrédulo. Sua garganta queimava. Um pouco de água fria lhe viria bem. Levantou o olhar e viu Badra em pé, solenemente, com um copo em suas mãos. Kenneth cabeceou lhe dando um agradecimento e bebeu profundamente.

— O que aconteceu? — perguntou ela, franzindo sua encantadora sobrancelha.

Kenneth mostrou um sorriso instável.

— Suponho que eu não gosto das laranjas tanto como pensava.

Em instantes, os efeitos secundários da cantárida o atormentavam sem piedade. As chamas lambiam sua virilha. Estava duro como uma rocha. Kenneth se virou para Badra, que o estava ensinando a ler. Agarrando sua mão, ele a pressionou em seu regaço.

Sua voz era áspera.

— Badra, necessito de você … Eu, eu não posso ser gentil. Não desta vez.

Enquanto ela assentia, ele a conduziu à cama. Kenneth tirou seu vestido, rasgando-o com sua pressa. Ela se chocou com a fúria de sua paixão, o duro brilho de luxúria em seu olhar. Girando-a, a empurrou gentil, mas firmemente, sobre o colchão. Ela se sentiu horrivelmente vulnerável e exposta. Posso fazer isto. Ele me necessita, disse para si. Ela não permitiria que o medo a afogasse como as praias quentes do Egito.

— Badra, não tenha medo de mim, meu amor — pediu ele. Sua voz era como chocolate negro. Uma fresca brisa entrou pelas janelas gradeadas. Ela obrigou a seu corpo a relaxar.

— Não, Khepri. Não tenho medo.

O ar deslizou sobre sua pele nua em uma suave carícia. Badra sentiu a cama se afundar com o peso de Kenneth. Com os braços estendidos, ela esperou. Mordeu seu tremulo lábio inferior e se agarrou a seu amor por ele.

Com cuidado ele levantou seus quadris no ar. Sua carne nua se sentia dolorosamente quente enquanto se colocava atrás dela. Kenneth enroscou um duro e sólido braço ao redor de sua cintura, como se para sustentá-la para o que estava por vir. Uma dura rigidez empurrou em suas dobras femininas, tentando e invadindo. Tão quente, oh, ela era fogo, queimando, necessitando-o. Uma deliciosa antecipação inflamava seus músculos.

O primeiro impulso foi profundo e poderoso, sacudindo sua alma. Ele se sentia extremamente enorme enquanto a acariciava por dentro, grosso como uma barra de ferro. Seu fôlego quente roçou sua bochecha enquanto ele se inclinava. Então ele deslizou uma mão para baixo, seus dedos tocando, sondando e acariciando enquanto roçavam contra ela. Ele era o sol, brilhante, queimando, derretendo-a com seu calor. Ela palpitou e se retorceu contra os dedos acariciantes até que o fogo explodiu em um inferno.

— Khepri! — gritou ela, agarrando com força os lençóis.

Tragando ar com dificuldade, ela se derrubou contra o colchão. Ele gemeu e sem piedade seguiu empurrando-se nela. Cada golpe pesado de seu corpo, cada impulso poderoso, criava novas ondas de calor sensual até que ela se arqueou e se quebrou com furioso prazer uma vez mais. Estremecendo, ele se convulsionou e bombeou sua semente profundamente dentro dela enquanto seu grito rouco enchia o quarto.

O trovejar de seu coração mal tinha chegado à normalidade quando ele se derrubou sobre a cama. O suor cobria seu corpo enquanto a olhava com olhos ferozes de paixão.

— Desta vez, você o fará … — Tomando Badra em seus braços, ele se deitou de costas e a colocou em cima dele. — Sente-se, disse ele.

Colocando-a sobre sua ainda dura excitação, ele agarrou seus quadris. As perguntas dançavam em seus olhos escuros enquanto seus dedos se apertavam sobre seus ombros.

— Agora, meu amor, deslize para baixo — instruiu Kenneth.

Devagar, ela se afundou em sua grossa longitude. Sua boca se abriu em extasiada surpresa quando ele a empalou totalmente. Um gemido saiu de seu peito.

Badra colocou suas mãos sobre ele, sua cabeça para trás. Devagar ela se deslizou. O êxtase a venceu.

Kenneth deixou Badra montá-lo, agüentando sua dolorosa necessidade de ir ao seu encontro dura e rapidamente. Em troca, ele se concentrou em apalpar seus peitos, transformando os mamilos em pequenas e duras pérolas. Ele esfregou e acariciou enquanto os quadris dela bombeavam.

Quando um grito afogado retorceu seus lábios e ela se apertou ao redor dele, seu corpo atormentado não pôde esperar mais. Invertendo a posição, ele rodou, fixando-a debaixo ele. Agradou-lhe o cetim sob seus lábios quando beijou sua pele suave e acariciou a curva de seu peito. Tocou sua testa com a sua, ansiando aquela intensa conexão. Mais que pele a pele, alma a alma. Ele queria que seu coração se combinasse com o seu.

Badra dobrou seus quadris, se movendo sob ele. Ele não ia poder resistir mais. Kenneth se levantou em um impulso violento, tocando sua matriz. Ela gritou, pressionando-o mais perto.

— Você é todas as estrelas ardendo na noite do Egito, meu amor — disse ele em árabe, sua voz grossa pela paixão.

Ele empurrou profundamente dentro, marcando-a com seu toque, seu calor, seu corpo. Nenhum outro homem a tocaria outra vez. Ele curaria todas as suas feridas e eles estariam juntos para sempre.

Sobre a curva encantadora de seu pescoço fez chover beijos quentes, enterrando uma e outra vez nela, se deleitando na estreiteza que se deslizava contra ele tão quente e deliciosa. Ele atirou para trás sua cabeça, sua respiração desigual no tranqüilo quarto.

Tanto tempo. Ele tinha desejado, tinha esperado e tinha sonhado com isto muito tempo.

Seu corpo tremeu enquanto ele percebia cada sensação quente e pesada em suas coxas. Kenneth deu um último impulso, sustentou-a com força e culminou. Seu corpo tremeu e gritou seu nome enquanto se derramava outra vez profundamente dentro dela.

Depois de um momento: consciente de que a esmagava com seu peso, ele se levantou sobre seus cotovelos, olhando-a meigamente.

—Badra — Seu nome era um sussurro. Ela acariciou sua bochecha. Kenneth gemeu com seu toque.

Tão frágil e delicada, e de uma vez tão corpórea e sólida. Ela estava modelada como os robustos elementos de sua pátria, tão duradouros como os grandes blocos de pedra calcária das pirâmides. Nem o sol áspero nem os ventos furiosos de sua escravidão a tinham gasto; eles a tinham dotado com uma beleza amadurecida tão duradoura como aquelas grandes estruturas.

A contra gosto, ele deslizou para fora de seu úmido calor. Logo rodou para um lado, levando-a com ele.

— Sabe quanto te amo? — perguntou ele, emoldurando seu rosto com suas mãos.

As mãos dela rodearam as suas.

— Eu também te amo, Kenneth — sussurrou ela. — Sempre o tenho feito.

Caíram em um sono pacífico. Tempo depois, ele despertou. A amou outra vez, desta vez lentamente, como se ela fosse de uma frágil cerâmica. Sustentou-a meigamente enquanto ela gritava pelo prazer, seu grito ressoou no teto do grande quarto. E em seus braços, ele encontrou a cura necessária, refrigerando a liberação do calor vulcânico que atiçou o fogo dentro dele.

Muito depois, naquela tarde, ele a deixou descansar enquanto, silenciosamente, se vestiu e se dirigiu ao Shepherd. Foi diretamente à recepção, perguntando se havia mensagens de Londres. O recepcionista revisou sua caixa postal e retirou um papel amarelo. Um telegrama de Londres.

Ele abriu o telegrama, desejando saber ler. Kenneth jogou uma olhada ao empregado.

—Você sabe ler inglês?

—Não.

Kenneth colocou o envelope em seu colete de brocado. Se dirigindo à escada, engoliu com força. Não sabe ler, uma voz interna escarneceu dele. Nem sequer sabe ler seu maldito telegrama.

Quando alcançou seu quarto, Kenneth vacilou. Tinha que averiguar o que dizia. Ele confiava em só uma pessoa. Engolindo seu orgulho, caminhou até a porta de Jabari e chamou.

Rashid abriu. Murmurou-lhe uma saudação de cortesia e foi conduzido para dentro. Jabari estava sentado no chão, lendo rapidamente alguns papéis. Ramses estava sentado perto, afiando uma adaga sobre uma pequena pedra.

Eles elevaram a vista enquanto ele se sentava no chão ao lado deles. Kenneth cabeceou para Ramses.

— Se preparando para sacrificar um cordeiro para o jantar?

Ele segurou sua jambiya.

— Me preparando para sacrificar a uns quantos eunucos que protegem um bordel. — O regozijo cintilou em seus olhos âmbar.

— Embora, eu diria que eles já sacrificaram as duas coisas mais importantes.

— Como pode ver, estamos impacientes por saber quando podemos resgatar Badra — disse Jabari, deixando os papéis.

Kenneth olhou as folhas.

— Negócios?

— Extratos de contas de nossa propriedade, contabilidade. — O Sheik esfregou seus olhos. Sombras escuras se abateram sob eles.

Kenneth vacilou.

— Jabari, eu tenho algo particular para falar com você.

Ramses deu uma olhada a Rashid, murmurando algo sobre obter café no salão de entrada. Eles partiram e Jabari enfocou seu olhar intenso em Kenneth.

— É Badra?

— Não. — Suas entranhas se revolveram ferozmente enquanto entregava ao Sheik o telegrama. — Necessito que leia isso para mim.

A surpresa flamejou nos olhos de Jabari.

— Por que?

— Porque… eu não posso lê-lo. Nunca aprendi a ler em inglês. —Kenneth encolheu seus ombros.

O Sheik franziu suas sobrancelhas escuras, então de repente sua cara se afrouxou.

— Por Alá. Não o ensinei… só o árabe. Ah, Khepri, não me dei conta.

— Não importa — disse ele rapidamente. — Mas, por favor, leia-me isso.

Jabari desdobrou o papel, o som retumbou como trovões no quarto tranqüilo. Com sua voz profunda e rica leu:

— Fiz algumas investigações sobre a morte de seu avô. Ponto. O médico admite sinais de enfermidade parecida com o envenenamento por arsênico. Ponto. Mais por seguir. Ponto. Tome cuidado. Ponto. Smithfield.

Envenenamento por arsênico. O coração de Kenneth golpeou contra suas costelas. Jabari baixou o telegrama, seus lábios formaram uma linha fina.

— Khepri, o que significa isto?

Kenneth apertou seus punhos para controlar o impulso de rompê-los contra a parede. Alguém tinha matado seu avô. A comida, a rica comida francesa que o adoeceu com… arsênico. Ele era bastante forte para se recuperar, mas seu avô não. Kenneth engoliu com força. Viver era sua preocupação principal agora. Badra. Cada minuto que ela estava vinculada a ele, mas não livre, a punha em perigo. Tinha que tirá-la dali. Suspirou e olhou para o Sheik.

— Isso não é importante agora. O importante é tirar Badra dali. Amanhã pela manhã, quando todos ainda estiverem dormindo, voltarei aqui. Reúne a todos em meu quarto agora. Tenho um plano.

Na mesa de jantar de sua suíte no Hotel Shepherd, Kenneth esboçou um plano do interior do bordel para a equipe de resgate Khamsin.

— Tirá-la dali será difícil. Todos os visitantes masculinos devem deixar suas armas antes de visitar o harém. O bordel em si é um edifício de dois andares. Os quartos de recepção estão no primeiro andar, o harém no segundo. Há uma porta exterior no harém. Isto conduz a uma passagem de pedestres exterior que rodeia o edifício inteiro. Há uma porta de saída na escada exterior que vai para o pátio, bem protegida por todos os ângulos. Isto é uma fortaleza. Dois guardas, armados com cimitarras, estão postados, em todo lugar com ordens de pedir reforços.

Jabari franziu o cenho.

— Uma incursão é uma tolice então.

— Bom, não podemos chegar arrasando. Isto deve ser um ataque mais sutil — deu uma olhada aos guerreiros que ficavam por perto, esperando a palavra de seu Sheik. — Se enviar a estes homens, disfarçados como Sheiks ricos de férias e desejando um pouco de excitação, então eles podem estar dentro do harém para me assistir.

Rashid o olhou.

— Um bom começo. Entretanto, eles não estarão armados. O que sugere Khepri?

Kenneth ocultou sua surpresa pelo respeito recém descoberto na voz de Rashid. Ele tocou seu mapa, indicando o quarto onde se faziam os negócios.

— Esta porta conduz ao harém. Está protegido do lado das mulheres, mas não está fechado. Os guardas pararão a um homem que tente chegar, mas não a uma mulher. Um de vocês, vestido como uma mulher e levando armas ocultas, pode entrar e se unir a mim e passar armas aos outros. Necessito um bom lutador ao meu lado.

O guardião Khamsin captou os olhares espectadores de Kenneth e de seu Sheik. O sangue infundiu na cara de Ramses uma cor rosada.

— Ah, não. Não. Absolutamente não.

— Você não pode pretender que eu me vista de mulher. Sou o Sheik Khamsin. Se alguém souber que fiz este papel, seria o bobo de todo o Sinaí — disse Jabari lhe rogando.

— E eu estou melhor para o papel de mulher? — bramou Ramses.

— É muito mais baixo.

— Seu cabelo é mais comprido que o meu — discutiu Ramses.

— Igual a minha parte masculina.

— Arre! A minha é tão alta como uma pirâmide. A tua é só um cano de rio — resmungou Ramses.

— Vamos, Ramses. Isto é simplesmente para que um de nós tenha acesso ao harém. Até providenciarei para que tenha peitos grandes. Maiores que a lua cheia. Será a inveja das outras moças. O farei tão desejável como uma mulher que você desejasse seduzir — brincou Jabari.

O homem o olhou aturdido e murmurou um juramento vistoso sobre seu Sheik atrás de um camelo fêmea.

— Já chega — cortou Kenneth. — Nenhum de vocês se verá como uma mulher convincente. Ramses é muito musculoso, Jabari é muito…. bem, é muito Jabari. Há só um guerreiro que é adequado e um bom lutador. — Engoliu, esperando que esse guerreiro seguisse com o plano.

Três pares de olhos posaram em Rashid. Seus olhos se alargaram e franziu o cenho.

— Não farei o papel de uma moça — grunhiu ele.

— É o melhor homem para o papel — respondeu Kenneth.

— Não. — Rashid franziu o cenho com aberta hostilidade.

Kenneth enfrentou seu cenho com um olhar igual.

— Nem sequer por Badra, a mulher que jurou proteger? É seu Falcão Guardião.

Duas linhas danificaram a testa de Rashid. Ele parecia estar em um grande conflito. Então soltou um profundo suspiro.

— Muito bem. Por ela. Se este for o único meio para sua fuga.

Profundamente aliviado, Kenneth cabeceou.

— Uma vez que os homens estejam dentro do harém, escondidos nos quartos, cada um esperará o sinal que indicará que Rashid e eu estamos preparados para partir com Badra.

Seu Falcão Guardião o olhou pensativamente.

— Qual será o sinal? Um assobio? — Rashid emitiu um assobio agudo, perito. Os outros olharam para ele assustados. O assobio era considerado grosseiro entre a maior parte dos árabes. Um sentimento vibrante caiu sobre Kenneth. Ele o aceitou.

— Excelente. Esperem o assobio e se unam a nós no vestíbulo. Passaremos as armas, que ocultarão sob os trajes. Esperemos não ter que usá-las. — Franziu o cenho. — Uma coisa mais. Necessitaremos pequenas armas de fogo, mas não quero nenhum disparo no harém. Pela mesma razão que os eunucos não levam armas, não quero mulheres feridas por balas perdidas.

— Usaremos só as jambiyas e cimitarras então — acordou Jabari. — O melhor método de luta, para os homens de coragem. — Jogou uma olhada a Rashid e sorriu abertamente. — Ou as mulheres de coragem.

Rashid franziu o cenho.

Dobrando o mapa, Kenneth o deu a Jabari com um maço de notas.

— Vá ao souk[16] e compra o que necessite para os disfarces. Nos encontraremo aqui amanhã à tarde.

O Sheik o olhou sombriamente.

— A mantenha a salvo até então, Khepri. Confio em você para que assim seja.

— O farei — respondeu ele, pensando nas palavras sinistras do telegrama de Smithfield. — Com minha própria vida.

 

Amanhecia no Palácio do Prazer, com o familiar gemido do muezim chamando os fiéis à oração. Kenneth não tinha podido dormir, vigiando o sonho de Badra. Ele acariciou a suave curva de sua bochecha, se maravilhando de sua textura lisa.

Suas suaves pestanas negras revoaram quando ela abriu os olhos. O corpo de Kenneth se moveu e a beijou. Quando a acariciou, ela sorriu sonolenta e lutou para se sentar.

—Devo ir aos banhos. É uma regra para as mulheres se banhar cada manhã - disse ela.

—Depois - murmurou—. Me deixe te banhar primeiro de amor.

Ele se moveu para frente e emoldurou o rosto de Badra com suas mãos. Tremeram um pouco pela força de suas emoções, quando ele se apoiou para frente e a beijou.

Uma risada brincalhona, sedutora apareceu em sua boca. Seu corpo se esticou com a promessa do que havia ali. Ele tomou sua boca, saboreando-a com prazer, a incitando a lhe responder. Ela se parecia com o mel mais doce, e Kenneth a saboreava, respirando entrecortadamente.

Ele se moveu para fazer amor com ela, se levantando sobre seu corpo com um impulso violento que a deixou sem fôlego. Badra fechou os olhos, se agarrando quando ele a amou forte e rápido. Ela sentiu sua necessidade de reclamá-la. Suas mãos fechadas em punhos colocadas nos músculos tensos de suas costas, ela arqueava seus quadris para se encontrar com cada palpitante impulso. Indefesa ante a tensão se abandonou, se retorcendo, aflita pelo prazer sexual que ameaçava tragar tudo.

—Não posso suportar, é demais - ofegou ela.

—Sim pode - disse ele enigmáticamente, entrelaçando suas mãos com seu cabelo. Seus olhos se encontraram com os dela, se elevando de suas profundidades um triunfo feroz—. Pode, e o fará.

Trocando sua posição, o demonstrou provocativamente, mimando-a e a acariciando, se deslizando por sua pele úmida coberta de orvalho. A pressão cresceu dentro dela, desenvolvendo um inferno de calor que a queimava, pressionando e pressionando quando ele a incitava e a acariciava até que finalmente pediu clemência.

Mas não lhe deu nenhuma. Nenhuma piedade, montando-a forte e rápido justo quando ela se desfez, gritando e explodindo. Saciada.

Ele se retirou devagar de cima dela, ofegante sem fôlego, sentindo o suor escorregando por ambos os corpos, sua semente se filtrando devagar. Consciente de seu peso, Kenneth rolou longe, levando-a em seus braços.

Ficaram silenciosamente juntos, bebendo o silêncio como um potente vinho. Badra se encostou no seu ombro musculoso. Seus dedos deslizaram pelo abundante pêlo escuro de seu peito.

—Meu amor? —sussurrou—. O que passa se…. Me deu um menino?

Ela o sentiu se mover, sua mão acariciando seu cabelo com cuidado.

—Teríamos que nos casar - murmurou ele. Seguiu uma pausa audível, então soou sua voz cheia de esperança—. Você…?

Seu suspiro lhe pareceu um trovão.

—É óbvio — disse ela timidamente—. Não tenho nenhuma razão para o afastar agora. Se você ainda me quiser, claro.

—Humm, te querer? — Ele levantou a cabeça, olhando seu membro flácido. —Não agora mesmo. Mas talvez em uns minutos.

A risada retumbou em seu peito quando ela o golpeou.

—Não, não é isso o que digo!

—Então o que quer dizer? — brincou ele.

—De que maneira me quer? — disse ela brandamente, beijando-o.

Ela adorava o modo em que ria dela, sexy e atrativo.

—Desta maneira, casamento e meninos, então…? Quantos teremos?

—Muitos e muitos. Uma tribo inteira própria.

—Uma tribo de bebês rosados e gordinhos aos quais Jazmine possa governar. Eu gosto da idéia - refletiu Kenneth. Ele a beijou outra vez. — Vamos começar em seguida com o primeiro.

—Agora? — chiou ela—. Mas você disse…

Jogando uma olhada a sua virilha, ele sorriu abertamente.

—Parece que mudei de opinião.

Sua mão trêmula acariciou o bíceps de seu braço direito, esfregando a tatuagem da cobra. Kenneth fechou os olhos e ela sentiu como o músculo se esticava como se ela o tivesse marcado com um ferro candente.

Ela brandamente o acossou.

—A cobra, seu símbolo, te serve bem.

—Há ainda outra razão para meu nome. Tem a ver com… minha força, resistência e flexibilidade.

—Na batalha?

—Não. Em outra área igualmente importante para um guerreiro Khamsin.

—E qual é?

Ele sorriu abertamente.

—Me deixe lhe demonstrar isso.

O abraçou quando ele começou a mostrar. Depois de um tempo, Badra se voltou para trás ofegando, enquanto Kenneth deslizava fora dela, satisfeito e coberto de suor. Descansando sua cabeça em seu peito, seus membros trêmulos incapazes de se mover, ela aspirou ar.

—Eu gosto das serpentes - admitiu com voz instável.

A risada retumbou profundamente em seu peito, vibrando em seu ouvido. Contente, ela se aconchegou contra ele.

Gostava das serpentes. Kenneth sorriu abertamente.

Estava deitado de barriga para cima, contemplando a luz do sol dançando no artesanato do teto de madeira intrincadamente lavrado, sentindo uma onda de suave brisa que passava pela persiana de mashrabiya[17] e refrescava seus corpos. A paz deslizou sobre ele quando olhou fixamente para Badra, seus olhos fechados. Ela dormia.

Liberando-a de seu abraço, se levantou da cama. Ela protestou sonolenta pela perda do calor. Kenneth pegou vários travesseiros e os agrupando, os alinhou contra ela como se o substituíssem, deslizando um lençol por cima.

—Voltarei logo — disse ele brandamente.

Badra se colocando de costas, abriu um olho.

—Se apresse.

Ele deu de ombros, pegou uma túnica e se dirigiu aos banhos turcos. Quando uma concubina se ofereceu para banhá-lo, a recusou e energicamente se esfregou impaciente por voltar para Badra e tomar o café da manhã. Kenneth escorreu a esponja sobre sua cabeça, esquivas gotículas se deslizavam por seu rosto molhado. Sorriu alegremente. Café da manhã ou Badra? O que seria? Ambos?

Afastou a toalha longe rapidamente. Cantarolando alegremente, se dirigiu para o quarto de Badra.

Silenciosamente abriu a porta, Kenneth sorriu contente, entrando e avançando para a cama. Despertaria Badra tentando-a com uma tâmara pressionada contra seus lábios.

Se aproximou da cama e ficou congelado.

Badra estava totalmente acordada, seus escuros olhos abertos pelo pânico. Seus peitos baixavam e subiam por sua respiração acelerada. Com sua pele escamosa brilhando sob os raios de sol, uma cobra prateada deslizava para seus delicados pés. Silenciosa, mas mortal, avançava pouco a pouco, cada vez mais e mais perto.

Tranqüilo. Ele se obrigou a se acalmar enquanto se aproximava devagar.

—Mantenha a calma — sussurrou—. Não se mova e ela não a morderá.

Logo, ela pareceu ficar de pedra, só seus olhos se moveram para seguir o avanço da serpente. Esta descansou contra seu pé, cheirando sua carne com a língua bífida, logo farejou a seu redor, assobiando.

O olhar fixo de Kenneth se moveu ao redor do quarto. Revisou a linha de instrumentos para o amor colocados na parede. O Kurbash[18] ou vara de pele de crocodilo; feita de couro. Um louco pensamento emergiu comicamente em sua mente: golpear à cobra com as algemas. Kenneth descobriu uma vassoura num canto. Com toda cautela a pegou e se aproximou da cama. Enquanto, a cobra deslizava pela perna nua de Badra, ela gemeu.

—Não cuspirá — sussurrou ele—. Confia em mim, meu amor. Por favor, não se mova. Se mantenha totalmente quieta.

A cobra deslizou para frente subindo pelo joelho de Badra e alcançando sua coxa. A boca de Kenneth ficou seca. Adiantando o pau da vassoura, se colocou frente à cama.

—Recorda quando te falei sobre o treinamento de Jabari e as cobras? Como encantei à serpente? — disse ele brandamente, seus olhos fixos na serpente.

Kenneth se colocou olhando diretamente aos olhos negros da serpente, tão escuros como um poço negro. Devagar, fez girar o cabo da vassoura quando a cobra se ergueu, girando sobre si mesma.

A serpente assobiou, mas seguiu o movimento do cabo da vassoura que se balançava perto de sua cara. Cobra e homem, cada um observando ao outro. Enrolando-a, Kenneth seguiu o movimento. A serpente assobiou outra vez e deslizou do corpo de Badra, saindo das cobertas para ele.

Kenneth golpeou, cravando com o cabo na serpente. Esta assobiou, atacando a madeira e se retirou. Usando o cabo, Kenneth recolheu à serpente, obrigando à cobra a serpentear se enrolando ao redor da madeira.

Imediatamente, o réptil pareceu que estava em transe. Kenneth agarrou a dócil serpente por trás da cabeça. Suspirou de alívio e olhou para Badra.

—Está bem?

O sangue tinha desaparecido de seu rosto, mas ela assentiu com a cabeça. A olhou com admiração. Badra tinha o espírito de um guerreiro. Não havia muitas mulheres capazes de suportar que uma serpente mortal deslizasse por suas coxas. Inferno sangrento, sobretudo, não esta espécie de serpente. Ele viu nela o espírito que lhe tinha permitido suportar tantos anos de crueldade.

—Me diga, o que aconteceu?

—Não sei. Eu estava meio adormecida quando você foi e senti uma suave brisa, como se a porta se abrisse. Então senti que algo caía na cama. Abri os olhos e vi a cobra.

Kenneth foi para uma mesinha baixa que sustentava umas taças e uma jarra de água. Se ajoelhando, forçou à cobra a abrir a boca e pressionou suas presas contra o interior do cristal. Gotejou um fluido leitoso.

—O que faz? — A voz de Badra parecia instável, mas ela o tinha seguido através do quarto.

—Liberando-a de seu veneno. Um velho truque que aprendi - disse ele tranqüilamente. —As cobras são seguras se tiram seu veneno.

—É óbvio que não a matará, matar a seu símbolo traz má sorte. Você ainda é um Khamsin, Kenneth.

Satisfeito vendo aparecer seu sorriso, ele assentiu com a cabeça, enquanto seguia liberando à cobra de sua toxina, olhando filtrar venenoso fluido branco no cristal. Finalmente liberou à serpente, desenrolando-a do cabo e a agarrando pela cauda, lhe dando a volta para enfrentá-la.

—Serpente travessa, tratando de tomar meu lugar na cama - a repreendeu ele. Sorrindo abertamente para Badra—. Suponho que quando você consentiu em brincar antes de serpente comigo, não era isto o que queria dizer?

Sua risada encheu a habitação. Badra pressionou sua têmpora com as mãos, balbuciando.

—Está louco — ofegou ela.

—Completamente — ele esteve de acordo alegremente.

Kenneth tomou à cobra e se dirigiu para a porta.

—Aonde vai?

—Deixar este pequeno presente. Estarei de volta imediatamente.

Se encaminhou corredor abaixo, para ir ao quarto do homem que quase tinha comprado Badra, a quem ele tinha visto antes no vestíbulo com uma concubina toda machucada. Abrindo a porta, Kenneth o viu dormir sobre sua cama. Sozinho.

Ele pôs à cobra no chão.

—Vá, amigo. Tome cuidado. Esta é uma serpente mais perigosa que você.

Olhando à cobra deslizar para a cama, sorriu perigosamente. Então saiu outra vez ao vestíbulo, desvanecendo seu sorriso.

Dentro de seu quarto, ele olhou para Badra, que prática como sempre, tinha voltado a pegar a tigela de fruta e revisava as tâmaras.

Um suor frio umedeceu suas palmas. E se a tivesse perdido? Por que alguém colocaria deliberadamente uma cobra em sua cama? A serpente era oriunda do deserto. Não estava vagando na cidade por equívoco.

Um estremecimento o percorreu quando olhou Badra picar com esmero uma tâmara e logo deslizar a fruta diante de seus lábios separados. Primeiro o veneno. Agora uma cobra?

Ele jogou uma olhada à cama outra vez, tinha colocado os travesseiros empilhados ao lado de seu corpo para guardá-la quente enquanto ele estava fora. Travesseiros que pareciam o corpo de um homem…

Olhando ao redor do quarto, ele viu algo suspeito. Agarrou o cabo da vassoura outra vez e ficou de pé em cima da cama.

—O que faz? —Badra parecia divertida.

Ele pôs um dedo em seus lábios, indicando silêncio. E jogou uma olhada para cima. O cabo da vassoura se elevou no ar, para o teto. Empurrou e seus esforços foram recompensados. Uma pequena porta se deslizava para cima.

Um alçapão! Perfeito para deixar cair surpresas inesperadas sobre convidados confiantes. A cobra tinha sido deixada cair do teto, diretamente em cima dos travesseiros, que se parecia com a forma do corpo dormido de um homem.

Sim. Alguém tinha tentado matá-lo. Outra vez.

 

Nunca voltaria a deixar Badra sozinha. Quando ela partiu brevemente para ir aos banhos de mulheres, ele pagou a um eunuco para que a acompanhasse.

Um golpe suave soou de fora. Kenneth parou e abriu de repente uma das portas dupla.

Masud, o eunuco chefe, estava de pé no vestíbulo, seu rosto escuro parecia inquieto.

—Perdão por incomodá-lo, mas estou enormemente preocupado. Um dos hóspedes avisou que tinha encontrado uma serpente em seu quarto. Você viu algo… insólito?

Kenneth entrecerrou os olhos. Caminhou para fora do corredor e fechou a porta.

—Sim. Alguém tentou me matar com uma cobra. Esta quase morde Badra. Que, diabos, está acontecendo aqui?

As mãos do homem tremeram um pouco.

—Ela está… bem?

—Tão bem como pode estar considerando que quase morre.

—Minhas mais humildes desculpas. A serpente é um mascote que escapou, pertence a um hóspede. Deve ter entrado pelo teto.

—Um mascote? — Kenneth se inclinou para frente, se aproximando do rosto do homem. — Você permite mascotes venenosas dentro deste lugar? Não acredito em você. Quero respostas. Que diabos uma cobra estava fazendo aqui?

Masud retrocedeu, gesticulando para os guardas.

—Asseguro, senhor, não há nenhum equívoco. Simplesmente um hóspede que gosta de alguns entretenimentos exóticos e que perdeu seu mascote.

—Meu caráter está a ponto de explodir. — Soltou Kenneth, a fúria fervendo dentro dele—. Quero respostas. Me leve para ver o dono deste bordel. Agora mesmo.

—Senhor, eu asseguro, isto foi um acidente…

Kenneth tinha apoiado Masud contra a parede quando, de repente, um brilho de afiado aço apareceu contra seu peito. Um guarda sustentava uma espada apontando para seu esterno. Kenneth soltou um profundo fôlego e lançou ao homem um frio olhar.

—Bem. Mas saiba que eu estou em guarda deste momento em adiante, em caso de que outros… mascotes… de outros hóspedes… decidam passar a nos visitar sem se anunciar.

Se desculpando profusamente, com repetidas afirmações que não voltaria a passar outra vez, Masud se inclinou e partiu.

Kenneth viu o homem e seus guardas ir-se, agora totalmente seguro que ele tinha sido o objetivo e não Badra. E não confiava em que não ocorresse de novo.

Alguém tinha tentado matá-lo, e quase tinha tido êxito em assassinar sua amada em seu lugar. Mas quem o queria morto?

Ele tinha culpado Rashid do ataque em seu dormitório em Londres, mas agora via aparecer um amo mais intrincado. Alguém tinha tentado se disfarçar de Rashid, para se livrar da culpa?

Ele possivelmente poderia ter acreditado que a overdose de afrodisíaco foi um acidente. Mas a cobra que deslizou na cama não fora. Um áspero sorriso esticou seu rosto enquanto retornava para dentro de seu quarto e olhava fixamente a agonizante luz do abajur. Que poético. Matar à Cobra com uma cobra.

Infelizmente, mais de uma pessoa poderia se beneficiar de sua morte. Víctor, seu segundo primo, herdaria tudo, incluindo o título. E Víctor tinha estado dentro do bordel. Também De Morgan tinha um cofre. Com Kenneth morto, De Morgan poderia reclamar os artigos e jóias encontradas na escavação, o tornando um homem muito rico.

Os pensamentos de Kenneth foram para Badra, sua primeira preocupação. Ele acalmou suas mãos trêmulas as entrelaçando. Quase a tinha perdido. Seu plano tinha sido escapar hoje, levá-la ao Hotel Shepherd e formalmente pedir sua mão em casamento. Eles já tinham falado por cima a respeito de sua vida futura e a quantidade de bebês que teriam. Declararam seu amor um ao outro. Mas ele poderia se casar com ela quando estava sendo espreitado por um assassino?

Não. Era muito arriscado. Ele não podia pôr em perigo sua vida.

Melhor pô-la sob o amparo de Rashid até que o perigo passasse. Seus músculos se esticaram e Kenneth fez rodar um ombro.

Ele poderia informar Badra e Jabari sobre a ameaça a sua vida, mas Jabari insistiria em permanecer atrás dele para combater a ameaça. Seu irmão não o abandonaria. E Badra? Badra também insistiria. Ele tinha visto sua coragem, sua intrepidez. E então o assassino poderia usar à mulher que ele amava para prová-lo e atraí-lo a morte.

Quando ela voltou do banho, Kenneth deixou Badra com um suave beijo e um eunuco vigiando sua porta, e se dirigiu ao hotel. Ali foi para o mostrador de recepção e contratou a um mensageiro para levar uma nota a Dashur, dizendo ao Zaid que De Morgan, Víctor e a equipe voltassem de retorno ao Shepherd a tarde. Quando Badra estivesse a salvo, ele colocaria sua armadilha para caçar um assassino…

 

Na espaçosa sala de espera de sua suíte no Hotel Shepherd, ele organizou os guerreiros Khamsin de combate. Uma vez feito, retrocedeu, admirando seu trabalho.

Dez guerreiros Khamsin trocaram seu traje índigo tradicionais por finos trajes de seda cor marfim e carmesim, keffiyehs[19] e calças. Luziam como ricos xeques, e partiram imediatamente para o bordel. Inclusive Jabari e Ramsés estavam vestidos com trajes azuis claros e turbantes brancos em vez do índigo Khamsin.

Mas era Rashid quem atraía a maior parte da atenção.

Bem barbeado, parecia notavelmente diferente. Seu rosto liso mostrava traços clássicos, boa estrutura óssea, e um queixo arrogante. O guerreiro Khamsin usava a calça de Kenneth e camisa branca. Embora esta se visse rodeada sobre seu corpo mais musculoso, ficava bastante bem. Apesar de sua pele bronzeada, com o traje adaptado Rashid parecia alarmantemente inglês. Um estranho sentimento vibrou dentro de Kenneth. Ele o afastou.

Kenneth entregou ao Khamsin a roupa que ele tinha dado a uma costureira para que se adequasse a uma figura menor. Rashid o assegurou com uma corda ao redor de sua cintura, logo colocou adagas, pistolas e espadas ao redor de seu corpo as cobrindo com tecido. Ele se converteu em um arsenal andante.

Ramsés pegou o tecido, o acolchoou para fazer um peito falso, e o atou ao peito de Rashid. Rashid deslizou dentro de um imperfeito manto negro. Seu peito se sobressaía o bastante.

—Meus peitos são muito grandes. Não parecem de verdade.

—Também há uns assim. Sou um perito sobre isto — disse Ramsés.

Quando terminou, todos os homens olharam criticamente.

—As botas poderiam delatá-lo. Mas com sorte ninguém olhará seus pés - anotou Kenneth, olhando fixamente o suave couro que aparecia debaixo do manto.

Rashid colocou a coberta negra sobre a cabeça e se cobriu. Jabari tinha encontrado cosméticos e delineou seus olhos com o Kohl e sombra azul.

Ramsés o estudou.

—Está muito bonita.

—Pareço um idiota — grunhiu Rashid.

—Eu pagaria bom dinheiro por você — gracejou Jabari.

Os olhos com sombras azuis de Rashid o olharam carrancudo.

—Não tanto como ele pagaria por Ramsés — disse Kenneth.

Ramsés franziu o cenho para Kenneth.

Kenneth fez uma reverência.

—Bem, então vamos estar separados, não é? Vocês vão primeiro e eu os encontrarei ali.

 

Quando Kenneth chegou ao Palácio do Prazer, imediatamente sentiu algo estranho. Enquanto entregava sua pistola a Masud, viu Rashid. O guerreiro estava de pé silenciosamente perto de Jabari e Ramsés, a cabeça baixa, tentando parecer uma humilde mulher. Outro visitante rondava perto. Um turco, vestido com roupagens soltas, que olhava fixamente para Rashid como se estivesse fascinado. Claramente atordoado.

Kenneth murmurou uma maldição baixa. Ele não tinha contado com pretendentes masculinos atraídos por Rashid. O olhar frustrado de Jabari encontrou o seu. E qual é seu plano agora, Khepri? Perguntou-lhe silenciosamente.

Ele vocalizou como resposta: eu me encarregarei disso.

Ramsés perguntou em um tom estridente sobre quanto ele poderia obter por vender Wafa, sua irmã.

—Ela será uma excelente escrava de cozinha - adicionou Jabari. —É muito obediente.

Rashid manteve sua cabeça encurvada, seus ombros encurvados para reduzir ao mínimo sua altura.

—Uma escrava de cozinha? Semelhante jóia? A comprarei para meu dormitório — disse o turco, lambendo seus finos lábios.

Kenneth ouviu um balbucio muito fraco em inglês de Rashid.

—Sabia que os peitos eram muito grandes.

Masud levantou uma mão.

—Antes de fazer qualquer transação, devo inspecionar seu corpo. Não compramos mulheres doentes.

Ele foi para Rashid.

—Certamente — disse Ramsés facilmente, dando um passo agilmente para ele—. Mas nós quereremos inspecionar as suas mulheres também. Possivelmente possamos negociar minha irmã e eu, enquanto, aproveito e passo um tempo aqui, se suas mulheres forem bastante encantadoras. Nós gostaríamos de uma mulher escura, com peitos grandes. Uma etíope, possivelmente. Tem alguma?

Jabari assentiu, olhando impacientemente.

Um calculador olhar acendeu os escuros olhos de Masud.

— Levarei para você uma que poderia lhe interessar. — Se voltou para o turco—. Olhe até se fartar desta agora. Eu estarei de retorno em um momento para inspecioná-la, e discutiremos o preço.

Escoltou Jabari e Ramsés para fora do quarto. Assim que partiu, o gordo turco avançou, lançando a Rashid um crítico olhar. Kenneth retrocedeu, olhando com cautela.

O homem estalou sonoramente seus lábios.

—Se devo comprar para ser minha escrava, quero ver quão obediente é mulher.

Ele estendeu a mão e fechou de repente uma mão na virilha de Rashid. A surpresa se apoderou de seu rosto.

—O que é isto?

Rashid o esmurrou. O turco caiu sobre o suave tapete.

—Chamam-no pênis, seu filho de um chacal — grunhiu ele.

—Isto era necessário?

—Você não o considerará necessário, a próxima vez que um homem ponha uma mão sobre suas partes privadas? — resmungou Rashid.

Arrastaram o turco inconsciente a um canto e o esconderam entre algumas cestas e caixas.

—Com sorte não recuperará os sentidos antes que nós possamos partir daqui — refletiu Kenneth.

O suor brilhava sobre o rosto de Rashid.

—Está suando — disse Kenneth. Rashid limpou a umidade com a borda de sua echarpe. Maldição, isto era ir trabalhar? Ele foi à porta onde Masud tinha escoltado Jabari e Ramsés e escutou.

—Não estão no corredor. Vamos.

Ambos respiraram profundamente e Kenneth abriu a porta que conduzia ao harém. Dois guardas de pé lhes lançaram um olhar suspeito. Eles registraram Kenneth procurando armas. Ele rezou para que eles não fizessem o mesmo com seu companheiro. Um dos eunucos olhou atentamente o rosto velado de Rashid.

—É nova aqui?

Rashid tremeu.

—Eu… eu simplesmente fui comprada. —Bom. Sua voz normalmente profunda era bastante alta.

O guarda franziu o cenho.

—Quem quereria uma cerda feia como você?

—Ela é minha. Trouxe-a como uma criada para minha concubina - disse Kenneth rapidamente.

O guarda deu um brusco empurrão em Rashid.

—Sai de minha vista.

Rashid docilmente inclinou sua cabeça e caminhou arrastando os pés. Kenneth conteve o fôlego, rezando para que as armas que Rashid ocultava não soassem ao se chocar entre elas.

Quando alcançaram os apartamentos de Badra, ele deslizou dinheiro ao eunuco que vigiava para que lhe fizesse uma diligência. Quando entraram, Badra se precipitou para eles. Seus olhos se alargaram quando Rashid arrancou seu véu.

O prazer e a surpresa brilharam em seus olhos.

—Rashid, você aqui com Kenneth para me ajudar a escapar?

Sorrindo abertamente, ele se desfez do véu, logo limpou a maquiagem com um pano úmido que Kenneth lhe deu. Ele tirou as armas com cuidado da roupa Khamsin. Dez adagas, quatro espadas e seis pistolas. Rashid estava sentado sobre a cama, atirando as botas no chão, as sacudindo para Badra. Então ele pegou as tesouras de seu bolso e as deu a Kenneth.

—Aqui. Corta meu cabelo. Se devo parecer como um cavalheiro inglês, meu cabelo deve ser mais curto.

Kenneth lutou contra seu assombro. Rapidamente cortou o cabelo de Rashid justo debaixo da mandíbula. Rashid então colocou um par de sapatos lustrados de Kenneth e levantou, a transformação foi completa.

Com o cabelo curto e roupa de inglês, Rashid parecia alarmantemente familiar. Kenneth não podia recordar a quem se parecia. Sua atenção girou para Badra, quem emergiu detrás um biombo de seda. Eles preencheram de papel suas botas. Badra deslizou nelas. Kenneth enrolou um turbante ao redor de sua cabeça e cobriu a parte inferior de seu rosto. Inclusive disfarçada como um guerreiro Khamsin, ela não podia ser mais formosa. A preocupação se propagou através dele. Isto nunca funcionaria.

Teria que funcionar.

—Alertarei os outros — Rashid desapareceu no vestíbulo. Um minuto mais tarde, soou um assobio agudo.

Kenneth entrou no corredor, Badra atrás dele. Outros guerreiros Khamsin surgiram e vieram para eles e ele lhes passou as armas, as que os guerreiros ocultaram sob seus trajes. Só o que se chamava Musaf estava perdido. Uma porta se abriu e Musaf apareceu. Suas roupas estavam em desordem e seu rosto vermelho. Ele a toda pressa arrumou seu traje.

Kenneth sorriu abertamente e sacudiu um dedo quando lhe entregou uma adaga.

—Você não está aqui para sexo — lhe sussurrou.

—A moça me atacou - protestou Musaf. — Eu estava necessitado.

Com os guerreiros guiando o caminho, Kenneth e Rashid os seguiram, formando um escudo protetor ao redor de Badra. Kenneth agarrou uma adaga, esperando poder evitar o derramamento de sangue.

Masud emergiu de um quarto com Jabari e Ramsés e os viu. O poderoso punho de Ramsés cortou seu grito de alarme, mas não antes que os eunucos viessem correndo, as espadas relampejando. Dois guerreiros Khamsin passaram suas espadas a Jabari e Ramsés; então armados só com adagas, carregaram contra os eunucos atacantes para proteger seu xeque. Kenneth silenciosamente admirou sua coragem.

Os homens lançaram seus jambiyas com perita facilidade, derrubando a seus escandalosos opositores e tomando suas espadas. Jabari e Ramsés se uniram a outros guerreiros, dirigindo suas espadas, e foram para os seguintes guardas maiores que apareceram. Os gritos estalaram quando as concubinas jogaram uma olhada.

Usando seus corpos como escudos, Rashid protegendo o lado esquerdo de Badra, e Kenneth o direito, escaparam pelo vestíbulo pela a rota de saída. Os guerreiros Khamsin lutavam à frente, limpando o caminho para eles pelo corredor.

Quase tinham chegado ao corredor que conduzia à porta exterior quando os gritos soaram atrás de Kenneth. Ele se voltou para encontrar dois eunucos que se precipitavam do extremo oposto do corredor, espadas para o alto. Ele empurrou Badra para Rashid.

Ele apontou seu jambiya em uma postura perita.

—Tira ela daqui! Os entreterei! —Anunciou.

Um objeto de aço voou pelo ar. Kenneth colheu com uma mão a espada que Rashid lhe lançava e confrontou a seus atacantes, espada na mão direita, adaga na esquerda. O aço soava contra o aço enquanto lutava.

De repente os eunucos que combatiam aos guerreiros Khamsin na frente perderam terreno, permitindo ao grupo se precipitar do corredor ao exterior.

—Esqueçam a outros! Agarrem o duque! — Gritaram.

Convergiram sobre Kenneth como uma manada de lobos. Kenneth lutou com uma raiva furiosa. Seu olhar se alternava para ver Rashid, que empurrava Badra para a segurança.

Ela tinha sido a isca e ele a mosca nesta teia de aranha? Todas as tentativas recentes contra sua vida passaram ante ele. O afrodisíaco. O ataque em Londres. Sua enfermidade, atribuída a aquele insofrível cozinheiro francês. A cobra. Ele não partiria daqui vivo.

Amaldiçoando, ele se defendeu vigorosamente, mas havia muitos inimigos. Seis contra um. Ele riu com gravidade. Estava caindo, mas maldição, ele morreria como um guerreiro. Uma porta próxima se abriu um pouco e um par de olhos escuros o olhou atentamente. Mas a diferença dos assustados olhos das concubinas, estes olhos pareciam regozijados. Perversos. Satisfeitos.

Seu assassino?

—Khepri!

Seu nome foi rugido como um leão e Jabari, de repente, voou para seu lado, acompanhado por Rashid. Os dois se uniram à briga, suas espadas cintilando enquanto eles contra-atacaram a seus atacantes sem esforço.

—Por que estão aqui atrás, Jabari? Partam e se salvem… — gritou.

—Abandonar o meu irmão que me necessita? Nunca - gritou Jabari.

E, juntos, tiveram êxito. Golpearam o último guardião e se precipitaram para a saída, se apressando para a escada exterior como tinham planejado. No pátio, todo o inferno se desatou. Mais guardas tinham surgido como um enxame de abelhas zangadas. Eles combatiam aos Khamsin que tentavam levar Badra para a espessa porta exterior de madeira e para a liberdade. Kenneth se precipitou para o lado de Badra. O hábito nascido durante os anos de protegê-la apareceu quando saltou a seu lado, afastando a um inimigo quem quase a tinha alcançado. Viu Jabari e Ramsés surpreender a vários eunucos atacando suas costas. O movimento lançou as probabilidades em favor de sua partida, e eles ganharam terreno para a porta.

O turco ao que Rashid tinha golpeado se dirigiu para o pátio do k'ah. Ele jogou um olhar para o tumulto, deu meia volta e retornou depressa para dentro.

Quase chegamos. Kenneth se voltou, agarrando sua espada para deter um eunuco quando outro carregou contra ele com uma adaga. Um selvagem chiado rasgou o ar quando Badra se jogou contra seu atacante, desviando o objetivo do homem, lançando-o a terra. O fogo ardeu no peito de Kenneth enquanto ele cambaleava para trás, fazendo caretas ante sua leve ferida. Ofegando, foi para Badra, quem estava pronta para dar chutes entre as pernas do eunuco derrubado.

—Isso não é muito eficaz com estes tipos - disse ele timidamente, e lançou sua adaga quando o homem tentou dar uma estocada nele. O eunuco caiu na terra, a jambiya de Kenneth enterrada em seu estômago.

Ele recuperou a adaga enquanto Rashid e o khamsin armado com pistolas começavam a disparar. Os eunucos rapidamente desapareceram e voltaram a surgir do terraço acima, rifles nas mãos. Mais gritos chegaram de dentro. As mulheres estavam enclausuradas em quartos diretamente atrás. Uma bala perdida poderia as alcançar!

Kenneth amaldiçoou.

—Cuidado para onde disparam! As mulheres estão nos quartos atrás deles! —gritou.

Outro grito repentino congelou seu sangue.

—Mata ao xeque Khamsin! — ordenou o amo—. O alto em traje azul com a barba negra!

Ramsés se jogou diante de Jabari enquanto as balas salpicavam barro ao redor de seus pés. Eles procuraram refúgio atrás de uma fonte adornada com uma mulher nua que vertia água. Uma bala assobiou pelo ar, destruindo seu peito, orvalhando lascas de pedra calcária. Kenneth fez uma careta de dor e se aproximou de Badra.

—Me dê suas pistolas carregadas e vai! Eu os deterei! — Gritou Rashid.

Eles entregaram suas armas e correram para a porta do pátio. Ramsés fez uma careta quando uma bala roçou seu braço, mas ele levou Jabari para a saída. Kenneth fez o mesmo com Badra.

Quando alcançaram a porta, Ramsés empurrou Jabari por ela e correu atrás dele, protegendo sua retirada muito em seu papel como guardião de Jabari. Outros os seguiram. Kenneth começou a empurrar Badra, mas ela chiou. Rashid se voltou, um desesperado olhar sobre seu rosto.

Estava ficando sem munições. Apanhado.

—Rashid! —gritou ela, e se retorceu como se fosse voltar.

—Leve-a - gritou Kenneth a Musaf, que agarrou Badra e a levou para a segurança. Fazendo uma pausa na entrada, Kenneth pensou intensamente. Ele necessitava de uma distração. Os Khamsin estavam reunidos em um grupo fora, montados sobre cavalos e preparados para partir.

—Onde está Rashid? — perguntou Jabari.

—Sai! Eu o tirarei — gritou Kenneth em resposta.

Ele deu uns golpezinhos sobre seus bolsos e retirou seu conteúdo: um grosso maço de cédulas de uma libra, seguras com um clipe de prata. Amaldiçoou. Nenhuma arma. O dinheiro não podia comprar o tempo de Rashid para escapar. Então outra vez… recordou os abertos olhos do eunuco quando ele tinha repartido dinheiro em pagamento pelos encargos.

Desafiando as balas, Kenneth voltou correndo. Sustentou o dinheiro no alto.

—Detenham o fogo! Olhem! Dinheiro!

Obviamente surpreendidos pelo louco inglês, os homens deixaram de disparar. Kenneth aproveitou a vantagem, entrou correndo no pátio, lançando as cédulas de uma libra para o céu pelo balcão. Revoaram no ar como pombas lutando por levantar vôo.

Como tinha previsto, os eunucos abandonaram seus rifles, estendendo as mãos para pegar o dinheiro. Kenneth se lançou para a fonte e deu um puxão no braço de Rashid.

—Vamos — ordenou com voz rouca.

Correram para a porta, fechando de repente a pesada entrada de carvalho atrás deles, logo montaram seus cavalos e se dirigiram a galope para o hotel.

 

Badra tem o coração de uma leoa, pensou Kenneth com orgulho. Ele a agarrou firmemente enquanto entravam no Hotel Shepherd. Com gravidade se perguntou o que pensariam os hospedes que olhavam com olhos muito abertos ao duque inglês com sua jaqueta manchada de sangue levando em seus braços encostada em seu peito; uma mulher diminuta vestida como um guerreiro que o agarrava firmemente; e a Ramses que sustentava seu braço ferido, que jorrava sangue e se apoiava em um xeque sombrio.

Ele levou Badra a seu quarto no hotel, se derrubou em uma cadeira e deixou cair sua jaqueta. Ela arrancou seu turbante, logo abriu sua camisa e ofegou. Se apressando a trazer uma toalha, ela voltou, pressionando-a contra a ferida em seu peito.

—Aperta isso enquanto consigo água e ataduras — lhe disse. Ela desapareceu atrás da divisória e ele ouviu sons de tinido de porcelana e a água sendo vertida.

—Somente é um arranhão. Já deixou de sangrar — protestou ele.

A porta se abriu e a figura alta e solene do xeque Khamsin encheu seu marco. Inclusive vestido com roupas imundas, manchadas de sangue, seu turbante torcido, e uma pequena contusão danificando sua cara, ele irradiava um ar real. A preocupação sombreava sua expressão.

—Como está Ramses? — Kenneth perguntou.

Jabari fez uma careta.

—Viverá. A bala roçou seu braço e ele perdeu um pouco de sangue, mas estará bem. Descansa agora. — O xeque esfregou seu queixo—. Khepri, o que passou exatamente ali atrás? Por que eles me queriam morto?

Sua tripa se apertou.

—Porque é meu irmão e a pessoa que me quer morto quer fazer mal à pessoa mais próxima a mim — adivinhou Kenneth—. Você dirige a maior tribo do Egito. Certamente tem inimigos.

A suspeita brilhou nos olhos escuros do xeque.

—Em um bordel?

—Os homens morrem em bordéis todo o tempo — respondeu sem convicção.

—De prazer. Não por balas.

Badra apareceu por trás da divisória. Ela levava uma jarra e uma bacia.

—Me dê sua adaga — disse ela ao xeque.

Jabari arqueou uma sobrancelha.

— Por que? Planeja terminar o que os eunucos começaram? — Ante seu olhar severo, ele envergonhado entregou a adaga escondida entre as dobras de seu traje.

Badra desapareceu outra vez no banheiro. Os sons de tecido se rasgando flutuavam fora. Kenneth e Jabari trocaram olhadas.

—Ah, penso que sua conta do hotel acaba de aumentar, já que estou seguro que exigirão que substitua todos esses finos lençóis que ela está destruindo.

Kenneth dirigiu um olhar travesso a Jabari.

—Talvez ela possa costurar de novo os pedaços quando estiver curado.

Badra surgiu com uma braçada de tiras de algodão rasgado e entregou a Jabari sua adaga. Ela deixou as tiras sobre a mesa e começou a lavar o peito de Kenneth. Seu toque se sentia suave como uma nuvem. Ela atou seu peito com tiras de algodão.

Kenneth franziu o cenho.

—Devo levar a cama inteira?

Ela começou a enrolar mais atira sobre seu corpo.

—Te converto em uma múmia — explicou ela.

—Eu preferiria me converter em papai — respondeu Kenneth brandamente.

Um favorecedor rubor tingiu suas bochechas, Kenneth tentou forçar um sorriso, mas sentiu que estava se apagando. Isto não era nenhuma brincadeira. Ele realmente queria um menino. Ele queria ver Badra brilhar, seu ventre suavemente arredondado com seu menino dentro. Um sentimento horrível o venceu. Ele quase a tinha perdido quando ela desviou o golpe do eunuco. Não podia pô-la em perigo. Ou a Jabari. Sentiu uma pontada em seu peito que não tinha nada a ver com sua ferida de adaga.

—Devo comprovar como segue Ramses — disse Jabari, se endireitando. — Badra, confio que seus cuidados são suficientes para Khepri?

—Ele estará bem…sob meu cuidado. —Seus olhos se tornaram suaves quando olhou para Kenneth.

Emoções gêmeas de alegria e pena combatiam dentro de Kenneth como o choque de uma espada khamsin. Seu sangue clamava por ela a gritos. Quando Jabari partiu, Kenneth mal podia olhá-la, tal era sua necessidade. Ele ficou de pé, se encolhendo sobre sua camisa andrajosa manchada de sangue.

—Deixarei que descanse, Badra.

—Por favor, Khepri. Enfaixei sua ferida ao descoberto por uma razão. Assim Jabari pensaria que estava incapacitado e não suspeitaria…

Tomando sua mão, Badra o dirigiu ao dormitório. Ela pegou sua palma e a colocou sobre seu peito.

—Faz amor comigo. Aqui, neste lugar onde sou livre. Quero te amar como uma mulher ama a um homem, não como uma concubina com seu amo.

—Badra… — disse ele roucamente enquanto ela acariciava com sua mão devagar sobre seu peito.

Ele gemeu em agonia. A esmagou contra si, seus lábios se moviam sem piedade sobre os seus. Em sua impaciência, ambos arrancaram suas roupas e caíram sobre a cama macia, entrelaçados como serpentes, se beijando desesperadamente.

Badra sentiu a urgência ardente de Kenneth e a impressionou. Um pressentimento horroroso invadiu sua mente. Ele a beijou como se fosse sua última vez juntos, como se eles fossem ser separados para sempre.

Ela empurrou o pensamento a um lado e com impaciência abriu sua boca para ele, pressionando mais perto enquanto ele segurou sua nuca em sua palma forte e acariciou seu cabelo desatado.

Seus beijos a queimavam como as areias quentes do Sahara enquanto Kenneth cobria seu corpo nu com o dele. Pressionando-a profundo na suavidade de algodão do colchão, ele se conduziu sem piedade dentro dela. Ela não ficou atrás, mas sim se arqueou para encontrar cada impulso exigente, cada golpe furioso de sua carne contra a dela. Estavam ao mesmo tempo, tão violento como poderia ser, e isto era bom. Badra embalou a cabeça de Kenneth, levantando seus quadris, cobrindo seu pescoço e ombros com beijos urgentes. Ele grunhiu enquanto seus dentes o beliscavam, e agarrando seu traseiro, Kenneth levantou suas pernas e as fechou ao redor de seus quadris.

A tensão aumentou no ventre de Badra. Ela se retorceu contra sua pele úmida pelo suor, apertando seus quadris contra ele. Se agarrando, ela gritou seu nome, e ele lhe uniu enquanto o prazer transpassava a ambos.

Depois, ela se recostou em seus braços, relaxou contra seu calor. Se sentia completamente realizada. Por que então tinha um sentimento terrível que tudo estava a ponto de escorregar de entre seus dedos?

Kenneth esperou até que ela dormiu, logo a separou de seu abraço carinhoso. A pele de Badra estava úmida pela transpiração do frenesi de seu ato de amor e ele pressionou um beijo suave em sua bochecha uma última vez.

—Adeus, meu amor — sussurrou ele.

Um último beijo. Ele acariciou as mechas sedosas de Badra. Como poderia suportar deixá-la? Ela era sua vida, seu espírito. Deixando-o partido em dois. Mas o instinto de protegê-la anulou todo o resto. Até que ele soubesse que ela estava a salvo, não tinha nenhuma outra opção. Alguém tinha tentado matá-lo e tinha ameaçado Jabari também.

Kenneth lutou contra o desejo de dizer-lhe e recrutar a ajuda de Jabari. Mas ele não podia arriscar suas vidas. Alguém o queria morto e quase tinha conseguido matar tanto Badra como Jabari. Ele devia montar uma armadilha só para seu assassino.

—Khepri — sussurrou ela adormecida. —Te amo.

—Eu também te amo — sussurrou ele em resposta, olhando-a se render ao sono. —Nunca deixarei de te amar. —Ele desenhou as curvas de seu rosto com um dedo tremulo, memorizando cada traço. Ela era sua vida. Seu coração e sua alma. Mas ele não podia permitir que seu inimigo a usasse como um peão.

—Badra, devo te deixar agora. Se… se eu nunca te ver outra vez, saiba isto. Meu amor por você nunca morrerá. E se nosso menino cresce dentro de você, lhe conte esta história algum dia. Sobre como um guerreiro Khamsin se converteu em um duque rico e encontrou o tesouro mais precioso de todos, a mulher que ele pensava que tinha perdido para sempre.

O nó em sua garganta o impediu de dizer nada mais. Kenneth beijou sua testa ligeiramente e lutou para deixar a cama. Se vestiu rapidamente e deu uma última olhada. Um sorriso suave se refletia no rosto adormecido de Badra.

Ele abandonou o dormitório, silenciosamente fechando a porta. No vestíbulo, Kenneth pressionou uma palma contra a madeira, a angústia comprimindo seu peito.

—Khepri. O que está fazendo?

Ele girou e viu o guardião de Badra olhá-lo sem seu cenho habitual. Sem esperar sua resposta, Rashid abriu a porta. Kenneth o arrastou dentro do dormitório. Um protesto em seus lábios morreu silenciosamente quando Rashid observou que Badra dormia sobre a cama. Seu olhar fixo girou para a roupa enrugada de Kenneth.

Sem palavras, Kenneth abandonou o quarto, e o guerreiro o seguiu até o vestíbulo. Ali Kenneth o enfrentou com um olhar desafiante.

—Sim, é verdade. Somos amantes.

Rashid lhe dedicou um olhar pensativo.

—Por que os eunucos tentaram te matar tão insistentemente, Khepri? E por que, logo se fixaram em Jabari?

Os ombros de Kenneth se encolheram.

—Não sei.

—Sim sabe — disse Rashid brandamente. —Alguém tenta te matar. Possivelmente a mesma pessoa que apanhou Badra a atraindo para ali com sua filha, e talvez foi até quem o levou ali, também. Um homem que ordenou a seus comparsas matar ao xeque Khamsin porque Jabari é seu irmão, a pessoa mais próxima a você.

Kenneth se esticou.

—Eu dirigirei isto, Rashid. Sozinho. É o que isto…

—Não, Khepri — disse Rashid seriamente. —Não pode fazer isto sozinho. O ajudarei.

Mudo de surpresa, Kenneth o olhou fixamente

—Não posso me arriscar. Não arriscarei a vida de alguém mais, unicamente a minha.

Um sorriso zombador se estirou sobre a cara de Rashid.

—Não tem nenhuma opção. Ficarei a seu lado como a areia molhada.

— Por que? — perguntou Kenneth.

O sorriso desvaneceu.

—Possivelmente porque voltou por mim no bordel, Khepri. Possivelmente porque ama a Badra, e porque não é o inútil bastardo lascivo que pensei que era.

Kenneth estudou o homem.

—Eu poderia aproveitar sua ajuda — admitiu. —Mas deve fazer o que digo. Escute, com cuidado…

Kenneth saiu ao famoso terraço do Hotel Shepherd onde os homens bebiam o chá da tarde. Ele tinha pedido a Víctor, De Morgan e Zaid que o encontrassem. Víctor, quem teria herdado tudo se Kenneth não tivesse sido encontrado. Se ele não estivesse vivo.

Mas, Víctor o queria morto?

—Aproxima uma cadeira, Kenneth — disse Víctor, tragando um charuto.

De Morgan esfregou seu bigode barbeado.

—Sobre a escavação, Sua Graça. As jóias que encontramos foram carregadas em uma barcaça e se dirigem agora para aqui. Deseja as armazenar em um museu até que todo o conteúdo possa ser catalogado e avaliado totalmente?

—Não. Vou embarcar tudo para a Inglaterra para minha coleção pessoal. Todas as jóias. Não haverá nenhuma divisão do tesouro.

A cara de Morgan se tornou vermelha como a beterraba.

—Não é o que combinamos. Você planejou me atribuir uma parte dos achados — discutiu o diretor.

—É verdade. Entretanto, foi meu dinheiro o que pagou toda a escavação, por isso tenho direito a mudar minha opinião. —Ele adicionou uma última farpa para cravar as esperanças do arqueólogo. —Quando voltar a Inglaterra, darei um esclarecimento detalhando o achado para o London Teme. O mencionarei, certamente. E você receberá uma pequena fortuna por me ajudar. Em libras inglesas.

Adagas saíam dos olhos de Morgan. Interessante. Kenneth silenciosamente avaliou o olhar, logo girou para Víctor.

—Necessitarei algumas coisas de sua loja antes de partir para a Inglaterra. Poderá estar ali em, digamos, meia hora?

Víctor concordou abuptamente.

A loja de seu primo estava em um beco deserto e isolado, escondido entre vãos e sombras, o lugar perfeito para um assassino. A isca estava colocada, o destino selecionado, e a armadilha preparada. Agora tudo o que ele tinha a fazer era caminhar para ele e enfrentar a seu assassino.

 

Ela tinha perdido seu amor, a seu guerreiro protetor.

O imenso quarto lhe dava as boas-vindas como uma tumba. Suas ardentes lágrimas gotejavam sobre sua cara. Badra estava sentada sobre a suave cama, tentando entender. Kenneth a tinha enrolado com a paixão, tinha reclamado seu corpo, a tinha amado com a doce intensidade de um homem que adorava a uma mulher, a liberou dos demônios de seu passado… então. Por que? As palavras que ele havia dito enquanto pensou que ela dormia indicavam que ele nunca poderia vê-la outra vez. Nunca.

—Como ele pode me abandonar? — sussurrou.

Possivelmente o choque de suas culturas tinha provado ser muito. O duque rico ao que obrigariam a se relacionar em círculos estritamente ingleses tinha compreendido que ele não podia se casar com uma moça egípcia quem uma vez sido uma concubina. Mas ela não o entendia. Eram as doces palavras de amor que ele tinha sussurrado, os juramentos e promessas, tudo uma mentira?

Badra abraçou a si mesma. Suas emoções combatiam com sua confusão. Depois de fazer amor, Kenneth tinha sussurrado sobre o casamento e a criação de muitos bebês com bochechas gordinhas. O que tinha mudado em seu coração? Kenneth, a Cobra, tinha passado de seus deveres de guerreiro Khamsin à pele de um rico nobre inglês absorvido por um mundo cortês e sofisticado. Suas declarações de amor simplesmente tinham sido um estratagema final para reclamar seu corpo?

Mas ele a amou pelo que ela era, uma moça beduína com a pele colorida do sol, que bebia leite de camelo e vivia em uma tenda. Ela acreditou.

—Você é todas as estrelas que ardem na noite do Egito, meu amor — tinha sussurrado sua voz rouca enquanto faziam amor apaixonadamente, se retorcendo e se entrelaçando juntos, se enredando como as serpentes em uma tentativa se desesperada para se fazer um.

O perdi, ela se afligiu. Então Badra se incorporou enquanto deixava que a fúria e a resolução substituísse seu desespero.

Não! Não o deixarei me desprezar! Mereço uma explicação melhor. O que ocorre com o que eu quero?

Tendo descoberto a paixão e a realização como mulher em seus braços, Badra queria mais. Não voltaria a ser dócil, escolhendo manter suas necessidades a distância. Este era o tempo no que ela finalmente agarraria tudo o que a vida tinha a oferecer. Tudo o que o amor tinha para oferecer. Mereço isso.

Se Kenneth, o duque arrogante, não a queria, ela negociaria. Ela sabia que Khepri, o guerreiro feroz, a tinha amado. Se o duque urbano duvidava que uma simples moça beduína pudesse encaixar na refinada sociedade inglesa, ela demonstraria que sim podia.

—Não partirei até que ele me aceite, sejam quais sejam os termos —sussurrou. — O amo muito para simplesmente me afastar.

Ela saltou da cama e foi para o espelho. Começou a escovar seu cabelo até deixá-lo brilhante. Seu olhar fixo caiu sobre a jambiya em cima do aparador. A adaga de Kenneth. A adaga que ela tinha recuperado depois que ele a abandonasse na areia e se fosse a Inglaterra.

Badra a agarrou em suas mãos. Ela a devolveria como um símbolo, cortando os danos passados e começando de novo.

Levantando a prega de seu caftán anil, atou com uma correia a adaga a sua coxa. Logo, quando os outros preparativos estiveram terminados, saiu do quarto do hotel.

Com passos firmes e seguros, foi à porta de Kenneth e chamou firmemente. Não houve resposta. Certamente ele ainda não teria abandonado o Cairo.

—Ele não está. — A voz a sobressaltou. Badra girou e viu o primo de Kenneth de pé atrás dela—. Vou me encontrar com ele em minha loja. Vem?

Ela vacilou. Mas tinha pouco tempo e devia confrontar Kenneth antes de perder de tudo o coração. Badra assentiu.

A loja estava a umas quadras do hotel, ele a informou.

—Tenho medo que não esteja em uma boa zona da cidade, mas só estou começando. Decidi me mudar a uma zona melhor assim que os recursos estejam disponíveis — explicou.

Enquanto eles andavam pela cidade, Víctor perguntou sobre os esboços que ela tinha feito, elogiando a qualidade de seu trabalho. Atravessaram as aglomerações de gente que ia para o mercado. O labirinto de ruas e becos do Cairo se fez cada vez mais confuso, e Badra tentou desesperadamente seguir seus passos.

Víctor girou em uma esquina e entraram no mais profundo da Cidade Velha. Um débil arrepio subiu por sua coluna vertebral quando a zona se fez mais sórdida. As manchas cobriam as fachadas de vários edifícios. Montões de desperdícios alagavam os canais. Sobre um balcão mal inclinado alguém tinha tentado suavizar o entorno colocando um gerânio murcho sobre o concreto rachado. Um gato branco estava sentado imóvel, ante uma porta aberta.

Gatos, os guardiães da vida depois da morte, pensou Badra fracamente.

Chegaram a uma loja, seu vidro polido com cera. Com o sinal em árabe sobre a entrada que significa “Antiguidades”. A loja tinha um ar de negligência desesperada.

Víctor sustentou a porta aberta, se introduzindo em seu interior. O ar cheirava a pó, desuso e idade. Ela entortou os olhos na penumbra, percorrendo as estátuas poeirentas que desordenavam a mesa. Um espelho opaco de prata pendurava sobre uma parede. O ouro descascado de uma estatueta de Osiris, o deus da vida após a morte, mostrando a madeira de baixo. Inclusive seu olho inexperiente sabia que estas antiguidades eram falsificações.

Seu fôlego se deteve. Víctor vendia artefatos falsos? Como a estátua de Osiris, ela suspeitava que uma capa brilhante ocultava a verdadeira, mas sinistra fachada do primo de Kenneth.

Um som estranho saiu da parte de trás da loja. Kenneth surgiu da penumbra, seu traje branco brilhava como um amanhecer na escuridão. Sua cara ficou sem cor quando a descobriu.

—Badra, o que faz aqui? Vá embora — disse ele com brutalidade.

Se estirando em toda sua altura, ela deixou escapar em um só fôlego…

—Vim porque me abandonou. Pensava que dormia, mas ouvi cada palavra. O que aconteceu com suas promessas? Disse que me amava. — Sua boca tragou violentamente—. Eu antes deixei que se afastasse de mim por vergonha. Mas não posso fazê-lo outra vez. Te Amo.

—Ah, Deus querido — sussurrou ele, seus amplos ombros se sacudiram visivelmente—. Sua tenacidade… Você sempre persegue algo que quer com todo seu coração com ferocidade igual o vento Khamsin ruge pelo deserto…

—É um bastardo com sorte — Víctor sacudiu sua cabeça. — Sinto não ter uma mulher que me ame tanto.

O pequeno sino de prata sobre a porta de entrada tilintou outra vez. Badra e Víctor se deram a volta. Todos seus pensamentos cessaram, substituídos por um enorme horror. Não podia ser.

—Omar? — Sua voz soou como um grito estrangulado.

—Olá! Querida — disse ele em tom agradável, logo olhou zombador para Kenneth. —Ah, o Duque de Caldwell, Kenneth Tristán. Não acredito que eu volte a me dirigir a você como “Sua Graça”.

—Que diabos faz aqui? — grunhiu Víctor—. Você concordou não vir nunca aqui.

O antigo captor de Badra se voltou para o primo de Kenneth.

—Menti.

Um arrepiante som encheu o ar quando ele levantou a dourada estátua de Osiris e golpeou a têmpora de Víctor. Então suas mãos, oh Deus, se envolveram sobre o pescoço de Badra, apertando com enorme força. Seu grosso polegar pressionando justo em cima do oco da garganta, cortando seu fôlego.

—Não se mova — advertiu Omar a Kenneth quando avançou. —Um passo mais e a estrangularei.

 

— Zaid? — Kenneth olhou fixamente a seu leal secretário, cujas grandes e fortes mãos apertavam a garganta de Badra. Um mudo terror brilhou em seus escuros olhos. Ela o tinha chamado Omar.

Omar, o amo de escravos? Que a tinha vendido anos antes, ameaçando possuí-la outra vez?

— Zaid Omar Fareeq Tristán — cuspiu o homem. — Depois de tudo, somos aparentados. Seu avô era meu pai.

Kenneth lutou para manter o controle, contido pela selvagem súplica nos olhos de Badra, quando seu secretário pressionou seu grosso polegar mais forte em seu pescoço. Seu rosto ficou vermelho. Ela estava paralisada de terror.

— De que demônios você está falando? — exigiu-lhe.

— Do último Duque de Caldwell. Ele se recusou a reconhecer o filho bastardo de sua amante egípcia, a quem visitava no Palácio do Prazer sempre que viajava ao Egito. Seu avô deu dinheiro a minha mãe para que se calasse. Ela o usou para comprar o bordel. Todos aqueles anos, que viveu entre as putas, ela nunca foi capaz de confrontar a sociedade inglesa. Tudo o que sempre quis foi que me reconhecesse. E ele me manteve oculto, à distância, como um sujo e pequeno segredo, enquanto que em público, pregava sobre moralidade.

Uma sacudida de reconhecimento golpeou Kenneth de repente. Olhou fixamente para Zaid, reconhecendo nele, pela primeira vez, as duras linhas das feições de seu avô, embora a semelhança fosse débil.

— Meu pai… — começou Kenneth.

— Seu pai, o precioso filho único. Ele era tão nobre, tão condenadamente inglês! Ele entrou em contato comigo quando chegou ao Egito em busca dos colares Meret. Fui contratado para acompanhá-los a uma viagem às pirâmides de Giza e ele sugeriu que sua família viajasse ao redor da costa do Mar Vermelho antes de chegar a Dashur. Ao mesmo tempo, paguei a meu tio, o sheik, para que atacasse sua caravana.

— Você matou minha família? — disse Kenneth com voz rouca, doente.

— Não tinha outra opção! Enquanto seu pai, o precioso herdeiro vivesse meu pai não me reconheceria. Depois que seu pai morreu, supliquei ao duque para que me levasse. Trabalhei como um cão para ganhar sua confiança. Ele esteve a ponto de publicamente admitir nossa relação e então você apareceu. Maldito seja! — A fúria avermelhou o rosto de Zaid.

Olhando para Badra, Kenneth não se moveu. Sentiu em seu bolso a jambiya e a manteve ali oculta. Torcendo seu corpo ligeiramente, ocultou o movimento de Zaid.

— Então envenenou meu avô. E a mim — adivinhou ele, querendo estender a conversa com Zaid um pouco mais. Furtivamente, ele extraiu a lâmina de sua bainha.

— O ataquei em seu quarto, em sua casa, depois que Víctor me disse o quanto odiava Rashid, que se tinha feito Khamsin. Mas falhei. Sabia que isso faria dele um suspeito. Logo, decidi te matar no Palácio do Prazer. Eu sabia que compraria Badra se ela fosse uma escrava. A enganei para que tentasse roubar o colar e arrumei tudo para que não o conseguisse, forçando-a assim a tomar o lugar de sua filha.

Um novo horror o invadiu. Os papéis que ele tinha assinado na Inglaterra.

— E os papéis que me fez assinar? — exigiu Kenneth.

Zaid riu.

— Documentos nos quais você me reconhece como seu herdeiro e me deixa suas posses. Você nunca prestava muita atenção aos documentos que devia realmente ler. Também transferi o direito de propriedade do Palácio do Prazer para Omar Fareeq, o nome que uso no Egito. Quando morrer, o herdarei legalmente, sob meu verdadeiro nome, o novo Duque de Caldwell.

Zaid arrastou Badra para frente. Sua pele estava branca onde seu polegar se cravava nela. Kenneth se sentia gelado.

O medo apareceu em seus olhos escuros. Badra gemeu quando Zaid grunhiu e apertou mais forte.

— Basta de conversa — disse. — Me dê sua adaga.

Kenneth vacilou.

— Não a tenho.

— Ainda é um Khamsin e nunca sairia sem ela.

Seu polegar apertou com mais força no pescoço de Badra. Um     suspiro abafado saiu dela enquanto lutava para respirar. Kenneth lançou a adaga aos pés do homem. Zaid a agarrou. Badra ofegou lutando para tomar fôlego quando ele afrouxou seu apertão e sustentou sua faca contra sua garganta.

Se aproximando da mesa, ele pegou uma longa corda e disse a Badra…

— Amarre as mãos dele atrás de suas costas. Depois os tornozelos e o amarre à coluna.

Zaid pressionou a faca nas costas dela enquanto atava as mãos de Kenneth para trás dele, logo foram os pés, e atou a corda à coluna. Zaid apertou os nós.

Quando Zaid se afastou, com Badra ainda em suas garras, Kenneth testou os nós. E logo ouviu as palavras que congelaram seu coração pelo medo.

— Ainda a desejo Badra. E agora a terei.

Badra empalideceu quando Zaid retirou o colar de Amenemhat que levava no bolso. O colocou ao redor de seu pescoço.

— Agora é minha escrava — ele disse esmagando-a com um beijo.

O terror emudeceu Badra quando o colar maldito rodeou sua garganta como uma serpente que se enrola. Os frios lábios de Zaid desceram pelos seus machucando-a, castigando. Como quando Fareeq a violou, ela paralisou pelo medo. Mas algo dentro dela se rebelou.

Ela tinha passado toda sua vida com medo. Medo do sexo, medo de ser escrava. Impotente. Cativa de um homem. Temerosa de resistir, temerosa de sentir dor e sofrer.

Kenneth a amou. Ele a tinha visto através de seu medo e de suas cicatrizes e a tinha ensinado a superar suas inibições. Ele tinha lhe ensinado o prazer e a paixão. Ele acreditava nela. Já era tempo para que ela começasse a acreditar em si mesma, já era tempo de deixar de acreditar em colares malditos ou em magia.

Algo se elevou acima dela, emergindo de suas profundezas, com um rugido. Sentiu estalar como quando as ondas golpeiam sobre as rochas. Badra se retorceu e lutou. Ela cravou suas unhas sobre a bochecha de Zaid. Ele lançou um chiado assustado e retrocedeu. Olhando o ponto vulnerável entre suas pernas, ela o golpeou com força. Zaid uivou. Um filete de sangue corria por sua cara. Ela o golpeou outra vez e ele caiu ao chão.

— Isto realmente funciona — ela comentou, assombrada.

A risada encheu o ar. Ela girou e viu a cara de Kenneth retorcida de diversão.

— Como eu falei — ele disse.

Ela se lançou para ele, lutando com os grandes nós que o atavam. Mas uma advertência de Kenneth lhe disse que Zaid havia se recuperado.

A afiada ponta de uma lâmina de aço lhe pressionou nas costas.

— Sente-se de costas ele ordenou concisamente.

Ela o fez. Zaid enrolou a corda sobre sua cintura e a de Kenneth, os atando juntos. Passou outra corda ao redor de seus pulsos, atando seus braços diante dela, baixando a corda até seus tornozelos. Ela e Kenneth ficaram sentados costas contra costas, imobilizados. Seu inimigo retrocedeu, admirando sua obra.

— Poderia ter vivido Badra — grunhiu Zaid.

— Prefiro morrer sendo livre, a viver como uma escrava — ela replicou.

Desaparecendo no interior escuro da loja, Zaid voltou momentos depois com cartuchos de dinamite, capuzes, uma vela e um longo estopim. Varreu com um braço a mesa, limpando-a de poeirentos cacarecos. Com cuidado encapsulou a dinamite, atou a mecha e o estopim e deixou os cartuchos sobre a mesa.

— Víctor nunca teve dinheiro — disse Zaid, — exceto o que obtinha vendendo dinamite aos arqueólogos que a utilizam para escavar e explorar tumbas.

Zaid enrolou o estopim ao redor da vela. Empurrou a vela para o meio da mesa, apoiou com uns livros poeirentos, cobrindo o comprido estopim com eles e atrás colocou a dinamite. Colocando a mão no bolso de seu colete, ele acendeu a vela.

— Quando este estopim queimar já terá passado muito tempo, já terei ido. Ninguém suspeitará, já que todos sabem que Víctor faz sua própria dinamite em casa — os brindou com um sorriso torcido.

— Desfrutem de seus últimos momentos juntos.

 

A porta da loja se fechou atrás de Zaid. Kenneth sentiu seu coração se encolher enquanto olhava a vela gotejar cera no chão. Aproximando seus braços para os lados tanto como foi possível, tentou chegar aos nós que atavam seus pulsos. O suor umedecia suas palmas ajudando a abrandar a corda, mas o entorpecia para soltar os nós. Kenneth chiou os dentes, sentindo os nós, testando-os com seus dedos.

— Ajudaria uma adaga? — perguntou Badra.

— Poderia, se eu pudesse fazer aparecer uma no ar.

— Poderia fazer aparecer uma de minha perna.

Suas mãos se detiveram.

— Tem uma adaga na perna?

— Atada a minha coxa. Aquela que você lançou ao chão quando me neguei a me casar com você. Eu… eu ia devolver isso como um símbolo de cortar nosso passado e começar de novo — ela disse brandamente.

O arrependimento o atravessou. O afastou. Os lamentos eram para mais tarde.

— Badra, você vai ter que se liberar.

— Como? Meus braços estão atados a minha cintura.

— Pode fazê-lo, animou. — Levanta as pernas.

Ele a sentiu se mover atrás dele, lutando para alcançar a faca, enquanto ele cantarolava palavras de estímulo. Seus olhos se fixaram na vela acesa. A cera gotejou no chão e a chama piscava mais perto, agora muito perto do estopim.

— Tenho-a!

— Bom. Corte a corda que nos ata à coluna.

Ele não se atreveu a respirar ou pensar. A adaga não estaria bem afiada. O serrar da corda seria como usar uma faca de manteiga. Fechou seus olhos, sentindo o suor jorrar por seu rosto. Kenneth ouviu um pequeno grito de angústia quando ela obviamente se cortou. Mas Badra seguiu.

— Está cortado! — Gritou.

— Não há tempo para liberar seus tornozelos. Apóia seus pés e mãos contra a coluna, pressiona contra minhas costas e força seu peso para cima. Vamos nos levantar juntos e caminhar para a vela para apagá-la antes que acenda a mecha.

— Estou preparada.

Pondo seus pés planos contra o piso, Kenneth grunhiu e se esforçou por se erguer, fazendo força contra Badra enquanto ela se apoiava contra a coluna. Devagar eles lutaram por se levantar. Os olhos de Kenneth nunca deixaram de controlar a vela.

Menos de uma polegada faltava agora. Uma polegada de distância para morrer.

— Badra, escuta. Vou caminhar para lá para apagar a vela. Você vai ter que andar para trás enquanto o faço. Ele começou a andar com dificuldade para alcançar a vela, puxando Badra, sentindo sua tentativa de ajudar movendo seus pés para trás. Tão perto, ele quase podia alcançá-la, a piscada da chama de uma brilhante cor laranja perto do estopim… se queimando mais e mais perto. Ele caminhou mais rápido, a vida e o amor o pressionando.

Bastante perto agora. Ele inflou suas bochechas e soprou.

A vela se apagou.

O estopim se acendeu.

Kenneth amaldiçoou enquanto a faísca corria ao longo do estopim. Devia apagá-lo como fosse. Cuspiu. Falhou. Tentou outra vez. Falhou. Impotente olhou a faísca chispar para a dinamite.

— Vamos morrer — sussurrou Badra.

— Não — disse ele com ferocidade. Tenho muito pelo que viver.

A porta da loja se abriu de repente. Seu olhar saltou para o intruso. Rashid estava aí, empunhando a cimitarra.

— Corta o estopim! — rugiu Kenneth.

O guerreiro saltou para frente. Sua cimitarra assobiou pelo ar, cortando o estopim justo antes que alcançasse a dinamite. Kenneth relaxou, aliviado.

— Demorou — o acusou.

— Não conseguia encontrar a loja — respondeu Rashid.

— Pode se orientar de noite por todo o deserto só consultando as estrelas, mas não pode encontrar uma simples loja de antiguidades em plena luz do dia perguntando a direção? — Perguntou Kenneth arrastando as palavras.

Rashid gesticulou.

— Odeio pedir direções.

— Rashid, o que acontece? — gritou uma voz familiar.

Com as cimitarras desembainhadas, Jabari e Ramses correram para dentro. Eles avaliaram a situação e embainharam suas lâminas.

— Agradeço a Deus por você estar bem — respirou o Sheik.

O olhar fixo de acusação de Kenneth encontrou Rashid.

— Os avisou.

— Eu o fiz — respondeu Jabari. — Vi Badra sair com Víctor e sabia que algo estava mal. Sou seu irmão, Khepri. Aprecio que tente me proteger do perigo, mas esqueceu que um homem que está só, é só um guerreiro. Quando seus irmãos estão com ele, se converte em um exército.

— Não recorda o voto que fizemos sob as estrelas, Khepri? —perguntou Ramses. — Nossos sangues fluem nas veias um do outro, nossa união de irmandade permanece forte para sempre. Quando você nos necessita, estamos ali para você.

Profundamente comovido por suas palavras, Kenneth não podia responder. Seus amigos utilizaram suas jambiyas para soltá-lo. Jabari arqueou uma sobrancelha escura.

— Sei que quis se casar com Badra, mas este é o modo mais peculiar de se amarrar.

Kenneth gemeu e outros riram. Quando as cordas finalmente deslizaram livres, ele soltou um suspiro agradecido e trabalhou seus cansados músculos. Badra se apoiou contra ele, fazendo o mesmo.

Sua atenção se centrou no chão, enquanto Víctor despertava com um gemido, esfregando sua têmpora. Seus olhos se alargaram.

— Então primo, você também quis me matar? — perguntou Kenneth.

Víctor se via totalmente envergonhado quando se levantou.

— Sinto muito, Kenneth — disse de forma entrecortada. — Nunca quis te fazer nenhum mal. Zaid me prometeu os colares encontrados na escavação para que eu pudesse preparar cópias. Disse que depois os devolveria.

Kenneth recolheu a estátua de Osiris e a atirou ao chão.

— Réplicas que poderiam vender como autênticas a ignorantes e ricos ingleses? Como estas?

Um assentimento confirmou sua suspeita.

— Mas juro que não sabia nada sobre ele tentar te matar. Eu nunca teria ajudado com isso!

— Os papéis que me fez assinar. O que eles contêm? — Com um já familiar sentimento de vergonha ele perguntou rigidamente. — Sabia que não posso ler em inglês? Tentou me enganar, como fez Zaid?

— Bom Deus, não. Os papéis lhe explicavam as perdas. Tive que cobrir as perdas na loja do Cairo com lucros da loja de Londres. Eu esperava que os assinasse sem lê-los. Simplesmente não havia nenhum lucro. Estava desesperado para obter mais recursos e é por isso que comecei a fazer estas duplicatas.

Kenneth girou a estátua.

— À primeira vista poderia passar por autêntico, mas um perito poderia ver as diferenças. Os turistas não. Poderia produzir cópias em quantidades maciças e as vender?

— Sim, mas não há nenhuma razão.

— Agora há — disse Kenneth, deixando a estátua sobre uma mesa próxima. — Os visitantes do Egito não podem se permitir custear antiguidades verdadeiras, que pertencem ao museu de todos os modos. Mas não se oporiam a pagar por uma cópia de antiguidades verdadeiras.

A testa de Víctor se enrugou.

— Réplicas falsas no Egito para se vender a turistas? Que excelente idéia! Eu teria muito trabalho. Não tenho capital para financiá-lo.

— Financiarei os gastos. Dividiremos os lucros pela metade — disse Kenneth.

O alívio se refletiu na expressão de Víctor.

— Posso fazê-lo. Por Deus, que o farei.

Kenneth passou uma mão por seu cabelo.

— Zaid retornará logo, para averiguar se seu plano funcionou. Melhor irmos. Estou seguro que ele está por perto, vigiando.

— Primeiro me deixe ver se o beco está livre — ofereceu Rashid. Ele deixou a loja, mas rapidamente entrou de novo. — Alguém está chegando — ele pigarreou. — Se escondam.

Kenneth recuperou sua adaga enquanto Ramses empurrou Jabari e Badra para o escuro quarto traseiro da loja.

— Ali dentro, onde estarão a salvo — ordenou.

— Não me ocultarei como uma moça — protestou Jabari.

— Eu o farei — ofereceu Víctor, agarrando o braço do Sheik e o arrastando, a ele e a Badra.

Eles se dispersaram pela loja, Rashid e Ramses tomando posição à frente atrás de um sarcófago grande, Kenneth se ocultando atrás de um montão grande de caixas de madeira na parte de trás. Seu meio tio entrou no quarto empunhando uma pistola. Da sua posição vantajosa, Kenneth viu o avanço de Zaid. O suor umedeceu sua palma, fazendo a jambiya difícil de sustentar.

— Kenneth? Então, escapou. Sei que está aqui ainda. Sai e prometo que não te farei mal — chamou Zaid.

— Fique onde está, Zaid. Estou armado desta vez.

— Sai Kenneth — sussurrou a voz zombadora. — Sai e falemos. Prometo que não dispararei.

— Promessas do homem que pagou Fareeq para atacar a caravana e assassinar aos meus pais e irmão? Acredito que não — Kenneth respondeu aos gritos.

Zaid disparou contra as caixas. A bala assobiou pelo ar, explodindo no esconderijo de Kenneth. Ele tinha uma oportunidade. Saiu parcialmente de seu esconderijo. Vendo-o, Zaid grunhiu. Quando o homem apontou, um ruidoso som uivador ecoou pela loja. O orgulho encheu Kenneth. O grito de guerra khamsin.

Zaid girou. A comoção se registrou em seu rosto, balançando sua arma para a fonte daquele grito terrível. Era Rashid, sua cimitarra sustentada no alto, em sua mão direita.

Kenneth levantou sua adaga.

— Olá, tio! — cantarolou.

Zaid olhou para trás durante só um instante. Kenneth lançou sua jambiya. O antigo captor de Badra gritou quando a faca se afundou em suas costas, enquanto deixava cair sua arma. Rashid levantou sua cimitarra, a fúria retorcendo seu rosto e atacou.

O golpe mortal foi executado rapidamente. A fúria se desvaneceu do rosto de Rashid, substituída por um estranho olhar de paz, como se os demônios que o dominavam se acalmassem, por fim.

Kenneth parou, enquanto Badra e Jabari se precipitavam para dentro da loja. Kenneth agarrou Badra, ocultando seu rosto contra seu peito para protegê-la da visão do corpo de Zaid.

— Não olhe — sussurrou.

Seu olhar se encontrou com o de Rashid.

— Obrigado — disse silenciosamente.

— Ouvi o que disse sobre… sobre como ele arrumou para fazer a caravana ser atacada e matarem a sua família.

A voz de Rashid tremeu. Limpou sua cimitarra, a embainhou, logo olhou para Kenneth com uma expressão atormentada. Ele desenrolou seu turbante e sacudiu o tecido, cobrindo o corpo de Zaid com ele.

— Tudo terminou agora — Kenneth disse.

Badra se arrancou de seu peito.

— Ele realmente se foi? — perguntou ela. Uma nota trêmula encheu sua voz.

— Sim, meu amor. Ele nunca mais fará mal a você ou a mim outra vez. Meu tio está morto — lhe assegurou.

Víctor finalmente emergiu do quarto traseiro. Ele estremeceu quando olhou o corpo coberto.

— Zaid era seu tio?

Quando Kenneth o explicou, a fúria esticou o rosto de Rashid. Ele chutou o corpo com a ponta de sua bota.

— Deus apodreça sua alma, maldito bastardo. Espero que queime no inferno.

O comportamento do guerreiro deixou Kenneth perplexo. Parecia muito… pessoal.

— Rashid? Está bem?

Os olhos grandes, escuros do homem encontraram os seus.

— Há algo que você deve saber Kenneth. Tenho que confessar algo. Algo muito importante para dar paz ao meu coração. — Ele olhou fixamente ao chão. — É sobre a perda de sua família. Você pensou ser o único sobrevivente. Mas havia outro.

Rashid falou tão baixinho que Kenneth teve que se esforçar para escutar. O fino pêlo de sua nuca se arrepiou enquanto a suspeita começava a se afirmar. Ele se desenredou de Badra e deu um passo adiante, para o guerreiro que ele uma vez pensou que queria matá-lo.

O guerreiro que ele tinha pensado que o odiava.

O guerreiro que ele tinha pensado que não tinha nada em comum com ele.

—Outro?

—Seu irmão. Seu irmão era muito grande para que seus pais o ocultassem em uma cesta e ele foi capturado por Fareeq.

A angústia no rosto de Rashid encolheu o coração de Kenneth.

— Seu irmão que foi criado como um Al-Hajid.

Tudo fazia sentido. O pão de gengibre que Rashid tinha comido em sua casa na Inglaterra. Seu assobio, quando o assobio era considerado descortês no mundo árabe.

— Ah, Deus amado — pigarreou Kenneth. — Graham. Meu irmão.

Os dois homens se mantiveram imóveis como estátuas de alabastro, peitos subindo e baixando com a intensidade de suas emoções.

— Rashid é seu irmão? — perguntou Badra. Jabari e Ramses olhavam fixamente boquiabertos. Víctor fez um ruído estrangulado.

Kenneth não respondeu. De repente, sentiu que a pressão de seu passado o esmagava como pedras pesadas, mas deu um passo adiante. Vacilou. Queria tanto abraçá-lo. Temia ter existido muita hostilidade entre eles para se reconciliarem.

Rashid andou dois passos a frente.

— Pode me perdoar?

— Não há nada que perdoar — respondeu Kenneth.

Os dois irmãos, que tinham sido separados durante anos, se abraçaram com ferocidade. As lágrimas queimaram os olhos de Kenneth quando eles, finalmente, se separaram e ele viu a umidade brilhar nos olhos de Rashid. Nos olhos de Graham. Seus olhos eram os olhos de sua mãe.

— Quando você percebeu? — perguntou Kenneth com voz rouca.

— Eu não sabia que você tinha sobrevivido, até o ano passado, quando Katherine anunciou que tinha encontrado nosso avô. Então eu soube.

— Por quê? — A frustração embargou Kenneth que fechou, de repente, um punho em sua coxa. — Por que não me disse isso? Por que manteve o segredo?

Graham seguiu olhando para Ramses e Jabari, que ainda pareciam impressionados. Aferrava o punho em sua cimitarra tão forte que sua carne estava branca. Kenneth se deu conta que Graham tinha algo profundamente particular para compartilhar com ele que não podia revelar aos outros guerreiros. Ele pigarreou e Jabari intercedeu.

— Sairemos Kenneth, para que tenham tempo de se conhecer de novo — disse discretamente.

— Badra pode ficar — disse Graham rapidamente.

Jabari não pareceu surpreso. Quando ele, Ramses e Víctor abandonaram a loja, a crispação com que Graham segurava sua cimitarra se aliviou.

— Eu não podia voltar com você para a Inglaterra. Sabia que tinha que manter minha identidade oculta. — Sua voz baixou a um mero sussurro. — Eu estava ciumento. Você sobreviveu ao ataque e foi tratado como um filho honrado pelos Khamsin. E poderia retornar a vida inglesa tão facilmente como seu totem se desfaz de sua pele. Eu não poderia.

A angústia se refletia em seu rosto. Abaixou a cabeça.

— Eu não podia enfrentar a vergonha, o escândalo, se alguém averiguasse… o que tinha acontecido comigo quando fui tomado prisioneiro. Tomado por um dos homens de Fareeq, que gostava de garotos. Tinha medo que os outros descobrissem… que não sou um homem depois de tudo. — Ele rodou, sua cara ardendo.

— Ah, Rashid — Badra conseguiu dizer, lágrimas derramando por seu rosto. Ela se virou para Kenneth.

— Ele me contou tudo. Quando fiquei sabendo, contei-lhe o que Fareeq me fez. Fizemos um voto de fingir que ele me pretendia, então nós poderíamos evitar o exame de qualquer outro que perguntasse por que nenhum de nós desejava se casar. Por isso lhe pedi que se convertesse em meu Falcão Guardião.

Kenneth sentiu o desejo furioso, violento, de assassinar Fareeq com suas mãos nuas, pelo abuso que seu irmão tinha sido submetido. E por Badra. Desejou, fervorosamente, que o sheik ainda estivesse vivo, então ele poderia lhe fazer sofrer como as duas pessoas que ele amava tinham sofrido.

— O que o fez falar agora? — perguntou.

O olhar fixo atormentado de Graham se voltou para Badra.

— Quando me contou seu plano de comprar Badra porque a amava, compreendi a coragem que ela tinha necessitado para vender a si mesma por sua filha e se fazer uma escrava outra vez. E se ela podia ter tal coragem para confrontar os medos de seu passado, então, possivelmente, eu poderia fazê-lo também.

Kenneth se adiantou, colocou suas mãos sobre os ombros de seu irmão, o obrigando a confrontá-lo.

— Você tem essa coragem, Graham. Sobreviveu e se fez um guerreiro honorável e feroz também. Esta coragem te servirá quando voltarmos para Inglaterra. Deve voltar para a Inglaterra e assumir seu legítimo lugar.

O horror flamejou nos olhos escuros de seu irmão.

— Nunca — disse com força. — Nunca voltarei para a Inglaterra.

Confuso, Kenneth o estudou. Devagar, Graham começou a falar sobre o inglês ruivo.

— Eu tinha oito anos, Khepri. Eu o vi. E lhe pedi que passasse uma mensagem de como fui feito prisioneiro. Disse-lhe meu nome. Prometi-lhe riquezas, se enviasse alguém para me resgatar. Ele me disse que entregar tal mensagem tinha um preço diferente.

Uma cólera furiosa encheu Kenneth, enquanto compreendia a verdade. Depois, pelo bem de seu irmão, se acalmou.

— Depois, o ruivo inglês riu. Me advertiu que nunca devia dizer a ninguém, já que ele o negaria e me culparia. Roguei-lhe que me liberasse. Roguei e esperei que dissesse a alguém onde eu estava. Esperei. Mas a ajuda nunca chegou.

A resolução se acumulou dentro de Kenneth. Pôs uma mão tranqüilizadora no ombro de Graham.

— Você era só uma criança, Graham. Você não voltará sozinho para a Inglaterra. Estarei com você. A propriedade de nossa família em Yorkshire é distante. Iremos para lá e não para Londres. Deve vir comigo.

A esperança flamejou, brevemente, nos olhos de Graham. Então se desvaneceu.

— Venha. Por favor. Estarei a seu lado para te ajudar. Por favor. Agora que encontramos um ao outro, não posso suportar te perder.

Graham procurou o olhar de Badra. Ela fez um pequeno assentimento.

— Ele tem razão. Você pode fazê-lo, disse ela.

Graham soltou um suspiro profundo. A malicia, de repente, dançou em seus olhos.

— Só se você voltar como o marido de Badra.

Kenneth deu uma olhada ao seu rosto esperançoso. Mas antes que ele pudesse ficar de joelhos e tomar sua mão, Badra o surpreendeu fazendo justamente isso. O olhou com grandes e escuros olhos aveludados.

— Sei que me pediu para ser sua esposa e eu o recusei três vezes. É minha vez agora. Casa comigo? — sussurrou.

Pondo-a de pé, ele a beijou com cuidado.

— Te amo, Badra. Nunca deixei de te amar. Estaria honrado.

Ela tocou o colar que ainda levava.

— Isto significa que sou sua escrava.

Kenneth riu quando lhe tirou o colar.

— Não, isto significa o contrário. Este leva o cartucho de Amenemhat II. É por isso que o coloquei ao redor de seu pescoço em seu quarto no Palácio do Prazer. Te dava o poder de escravizar meu coração, meu amor. Zaid trocou os cartuchos.

Ele o colocou em seu bolso.

— O melhor lugar para isto, e toda a joalheria da escavação, é um museu.

Depois que ele chamou aos outros e lhes contou as notícias, Jabari riu de Kenneth.

— Estou feliz por você, Khepri, que tem um irmão verdadeiro. Os parentes de sangue são os mais importantes.

— Igual o são os parentes do coração, Jabari — respondeu Kenneth, jogando uma olhada ao redor. — Como Badra, a irmã que você recolheu quando ela veio para você como uma concubina assustada. E eu, o irmão que seu pai resgatou da morte. Isso é o que uma família verdadeira é, Jabari. Unidos, apesar das circunstâncias, apóiam uns aos outros nas boas e nas más ocasiões. Eu poderia descobrir que tenho dez irmãos, de quem nada sabia, mas sempre será o que é mais importante em minha vida, Jabari. Estava ali para mim quando mais necessitei de uma família.

A emoção brilhou nos olhos escuros do Sheik.

— E seguirei estando, se me necessitar, Khepri.

Kenneth mostrou seu velho sorriso arrogante.

— Necessitarei de você para realizar uma pequena cerimônia de bodas. Fará?

O Sheik jogou uma olhada ao rosto radiante de Badra.

— Certamente. Mas duvido que isto seja uma pequena cerimônia, Khepri. A tribo inteira desejará participar. Os Khamsin são sua família.

— Há um parente que não acredito que esteja presente — brincou Graham, assinalando Zaid. Kenneth fez uma careta.

Por fim, as mortes de seus pais foram vingadas. Só ficava um problema. Eles jogaram uma olhada ao corpo.

— Não podemos abandoná-lo aqui — refletiu Jabari.

Os guerreiros olharam um para outro. A areia cobria qualquer rastro dos corpos de seus inimigos no deserto.

Tudo tinha terminado; contudo, ainda ficava um tijolo de toda aquela pirâmide de mentiras, enganos e sofrimento que permanecia em pé. Kenneth recordou as bananas de dinamite que estavam sobre a mesa dentro da loja.

— Tenho uma idéia — disse.

Naquela noite, os guerreiros Khamsin invadiram o Palácio do Prazer outra vez. Encontraram pouca resistência. Depois disseram aos guardas que Kenneth era o novo dono. Ele olhou com orgulho como Graham, apresentando uma dignidade nova, ficou à frente e disse aos eunucos e mulheres que tinham uma opção: as ruas ou um trabalho montando réplicas de antiguidades.

Todos aceitaram o novo emprego. Instruiu-lhes para se apresentarem na loja de Víctor no dia seguinte e foram despedidos do bordel. Os guerreiros Khamsin escoltaram as mulheres quando partiram para seus novos quartos no Hotel Shepherd durante a noite. A custa de Kenneth.

Kenneth ocultou um sorriso, pensando na sobressaltada cara do gerente do hotel quando várias antigas concubinas protegidas por ferozes guerreiros Khamsin invadissem seu hotel.

Quando todos se foram do bordel, Jabari, Ramses e Graham introduziram o corpo de Zaid, enrolado em um tapete puído. Badra agarrou a mão de Kenneth quando puseram o corpo do homem que havia possuído o bordel sobre uma cama. Graham colocou a dinamite sobre a cama e atou um longo estopim para lhes permitir o tempo suficiente para escapar. Então o trio partiu, deixando Kenneth e Badra sozinhos.

Kenneth assentiu. Badra acendeu o fósforo. A chama brilhou, queimou com uma intensidade feroz. Sombras dançaram sobre seu severo rosto. Badra prendeu a chama ao estopim. Faiscou e queimou. De mãos dadas, ela e Kenneth saíram do bordel. Então se detiveram e esperaram, olhando da rua.

Minutos mais tarde, explosões ruidosas romperam a noite. Chamas alaranjadas saltaram para o céu. Badra olhou, recostada contra o peito de Kenneth, os braços dele apertados ao redor dela.

— Deixa-o queimar — sussurrou ela. — OH, deixa-o queimar até aos alicerces. Nunca mais haverá escravos nesta casa. Nunca mais.

Em silencio eles olharam as chamas de cor laranja lamber o ar e devorar o edifício. Os gritos podiam ser ouvidos enquanto as pessoas próximas viam o fogo. Kenneth convidou Badra e se foram.

Enquanto eles desapareciam nas sombras, em uma posição mais segura, ele a virou para confrontá-lo. O brilho áspero do fogo dançou através de sua expressão solene.

— Há algo que tenho que te dizer. Algo de que pode não querer se inteirar.

— Diga, meu amor. Pode me dizer tudo. Confio em você.

O olhar de Kenneth se obscureceu.

— Deve ter sido um inferno para Zaid. Imagine passar sua vida inteira esperando o reconhecimento de um pai que não te fez caso e que pensava que você era uma mancha sobre sua moralidade. Isto o levou a assassinar. Talvez se meu avô tivesse reconhecido que tinha um filho ilegítimo e talvez se Zaid, finalmente, tivesse recebido a atenção que ele ansiava, teria resultado de maneira diferente. Não sei.

Seus dedos lhe roçaram a bochecha.

— Você tem uma garotinha formosa, Badra. Sua risada. Sua doçura. Não pode negar a semelhança. E se negar a Jazmine uma relação com sua mãe, nega a si mesma também. Ser sua mãe importa mais que o fato dela ser ilegítima.

Ele acrescentou brandamente.

— Não me preocupa quem a engendrou. Só me preocupo com ela. Ela necessita uma mãe, Badra. Não uma irmã. Necessita de você. Não a teve durante anos. Não deveria começar a compensar o tempo perdido?

A emoção obstruiu a garganta de Badra. Jazmine realmente merecia saber a verdade e o reconhecimento como sua filha. Ela tinha querido proteger a menina da humilhação de ser uma bastarda, mas o maior crime era não reconhecê-la.

— Jazmine pode suportar ser uma bastarda, ter nascido fora do matrimônio — refletiu Badra brandamente.

— Tem a coragem de sua mãe. E não será uma bastarda. Ela terá você. E terá a mim. Vou adotar Jazmine, legalmente, como minha filha, assim que voltarmos para a Inglaterra.

O calor a atravessou com sua declaração de apoio. Com seu amor as protegendo da rígida sociedade inglesa. Jazmine e ela nunca voltariam a estar sozinhas.

Mas o que passaria com os Khamsin? Enfrentar a opinião da tribo, a tribo que tinha sido sua única família todos estes anos, seria muito mais difícil.

 

Dois dias mais tarde, Badra, Kenneth e Graham partiram para o acampamento Khamsin no deserto do Este. Jabari e os outros já tinham partido antes, dando tempo a Kenneth para resolver seu negócio em Dashur.

O áspero sol amarelo começou a se por, enquanto eles se aproximavam do acampamento sobre seus camelos. Badra não expressava seus medos. Negaria Jazmine para a tribo, sabendo que era filha de Fareeq? Ela não se preocupou. Tudo o que importava era Jazmine. Com orgulho reconheceria a menina como sua filha.

Graham deixou escapar um assobio fino e alto enquanto o acampamento de tendas negras aparecia sobre o horizonte. Ele sorriu abertamente.

— Agora estarão seguros de saber quem chega. Sou o único que é tão grosseiro.

Uma rajada de atividade teve lugar; pequenas figuras de cor anil se precipitaram como se fossem formigas atapetando a areia. Enquanto se aproximavam da borda do acampamento, Badra viu uma vista que imediatamente murchou seu coração: sob a sombra que projetava um cacto, Jazmine estava parada entre Elizabeth e Jabari, de mãos dadas com eles.

Badra puxou o camelo para uma parada e forçou o animal a ficar de joelhos. Saltando do camelo, cautelosamente, se aproximou de sua filha. Jazmine olhou para ela. O reconhecimento apareceu no rosto travesso da menina. Tantas mudanças, tantas pessoas novas. Ainda assim, sua filha mostrou coragem e força para enfrentar a situação.

— Jabari formalmente deu a Jazmine as boas-vindas à tribo como a filha de seu coração. O povo aceitou seu decreto e Jazmine também. — disse Elizabeth em inglês.

O olhar fixo do Sheik encontrou o de Badra. Ela sorriu em agradecimento. As boas-vindas pôs Jazmine sob seu amparo e assegurava que ninguém se atreveria a evitá-la quando descobrissem que Fareeq era seu pai.

Badra se ajoelhou, seu corpo tremia muito enquanto envolvia seus braços ao redor do corpo magro de sua filha. Ela abraçou a menina com toda a intensidade dos anos perdidos e as esperanças encontradas. Devagar se apartou, afastando uma mecha de cabelo sedoso e negro, dos olhos da menina.

— Jazmine, eu tenho algo para compartilhar com você — lhe sussurrou. — Sou sua mãe. Não sua irmã.

Aqueles olhos negros e solenes piscaram, logo uma risada encantada tocou os lábios da menina. Foi como olhar a explosão do sol saindo das nuvens.

— Você é minha mãe? Eles disseram que minha mãe estava morta!

— Eles estavam equivocados — respondeu Badra com a voz afogada. — Foi afastada de mim quando nasceu. Mas isso não é importante agora. Mas, isto é: prometo que nunca a abandonarei outra vez.

Uma mão quente se apoiou sobre o ombro de Badra. Ela levantou a vista para ver Kenneth. Ele se abaixou, com cuidado, tomando as pequenas mãos de Jazmine em suas grandes mãos. Sorriu-lhe tranquilizadoramente.

— E nós temos mais notícias para você, querida. Me caso com sua mãe, e isso significa que terá um pai novo também. Te parece bem?

Jazmine o estudou com olhos grandes, solenes.

— Acredito que sim — disse seriamente. — Eu gosto de você, realmente. Tem caramelos de limão.

Ele riu e tirou um caramelo de seu bolso. Ela o sustentou em sua pequena palma e entrou entre seus braços para receber um abraço, descansando sua bochecha contra a dele. Jazmine se afastou um passo para trás. Com uma expressão grave, parecida com um adulto, ela passou uma mão sobre seu rosto.

— Eu gosto de estar aqui, mas penso que eu gostarei mais de viver com você como meu pai. A cara do Sheik me arranha quando me abraça.

— Ah, sou recusado em favor de um inglês menos peludo — brincou Jabari enquanto tocava sua barba raspada.

— Ela tem bom gosto — disse Kenneth com ar de suficiência.

A menina desembrulhou o caramelo, o fez estalar em sua boca e se encostou contra ele. Julgando pela maneira segura de seu trato com sua filha, Kenneth seria um bom pai, pensava Badra com orgulho.

Tirando suas mãos dos bolsos de sua nova calça inglesa, Graham saudou Jabari e Elizabeth e conversou brevemente com eles. Então, o Sheik e sua esposa retornaram a sua tenda, os braços ao redor um do outro. Kenneth se liberou de Jazmine e apresentou Graham como seu novo tio.

Imediatamente, a menina elevou a vista com olhos brilhantes.

— Tenho uma família agora — disse ela feliz.

Badra engoliu o nó que obstruía sua garganta. Kenneth piscou um olho enquanto ele descansava uma mão protetora sobre o ombro de Jazmine.

— E sua mãe e eu teremos que pensar em te conseguir um irmão ou irmã com quem possa brincar querida.

Jazmine olhou para ele esperançosa.

— Como? De repente? Amanhã?

Graham sorriu abertamente. Kenneth pigarreou…

— Ah, não, penso que isso tomará um pouco mais de tempo.

Uma encantadora ruga se formou na testa da menina.

— Por que vai tomar tanto tempo? Não pode fazê-lo mais rápido?

— Prometo que tentarei fazê-lo tão rápido quanto possa. —Kenneth dissimulou seu sorriso enquanto Badra ruborizava.

Sua expressão se tornou séria quando ele se voltou para Graham.

— Realmente, quero voltar para a Inglaterra assim que Badra e eu estejamos casados.

Graham tocou o tecido de sua calça.

— Esta me fazem sentir apertado. Sempre devo usar a roupa inglesa?

— Vai se acostumar, assegurou Kenneth. — Somente nos asseguraremos que o alfaiate tome as medidas corretas e estará bem.

Ele jogou uma olhada para Badra.

— Há muitos ajustes pela frente, para todos nós. Não posso prometer que se levarão a cabo sem problemas.

— Não tenho medo — lhe disse Badra.

E não o tinha. O véu de terror tinha sido levantado de seus olhos. Poderia confrontar a sociedade inglesa, fofocar e olhar fixamente. Estava de pé no princípio de sua vida, pronta para fazer a viagem com Kenneth, a qualquer parte onde este pudesse conduzi-la. Seu olhar fixo caiu em Graham, que estava de pé, silenciosamente, ao lado dela. Um novo princípio, para todos eles. Ela apertou a mão de Graham, logo a de Kenneth, aproximando dela os dois homens mais importantes em sua vida.

Unidos, juntos, como a família que eram, ficaram de pé absortos na pincelada encantadora de cor que varria o céu de rosa profundo, violeta e pêssego. O círculo brilhante de uma lua cheia, pálida, pendurada no céu, que se obscurecia, e perseguia o sol em sua alta posição.

— Olhe — disse Kenneth brandamente. — Lua cheia. Este é seu tempo, Badra. A lua revelou seu rosto tímido, alagando a noite com sua luz suave. — Ele jogou uma olhada para Graham, que estudou a saída da lua com uma esperança nova refletida em seu absorto rosto.

— Às vezes, há segredos muitos dolorosos para revelar sob a dura luz do sol. Só sob os suaves e pálidos raios de uma lua aprazível podem ser revelados para sair à luz, e, finalmente, vencer a escuridão. — refletiu Graham.

Kenneth, silenciosamente, articulou um "obrigado" para Badra, cujo coração estava cheio da enorme alegria que a alagava. Graham confrontou muitas lutas difíceis, mas não as tinha confrontado sozinho. Ele era livre, por fim, do segredo terrível que o curvava. Livre para abraçar ao irmão que pensou que tinha perdido, e a vida a que ele foi destinado, tal como o amor de Kenneth a tinha liberado de seu passado cruel.

A liberdade os convidava, a todos eles, no silêncio do vento do deserto, que varria através da areia escura. Eles retornaram para o acampamento Khamsin, escutando a promessa em sua doce canção.

 

 

 

NOTA DA AUTORA

Os colares da Princesa Meret, junto com outros achados fantásticos de joalheria, na realidade, foram descobertos na pirâmide de Senusret III por Jacques de Morgan, durante os anos 1894-1895, período em que levou a cabo uma escavação no Egito. Usei a licença artística para tecer uma lenda sobre os dois colares e seu poder para escravizar.

Infelizmente, a base para a escravidão de Badra é verdadeira. A escravidão ainda existe no mundo moderno. Em Suam, as mulheres e meninos com freqüência são vendidos para escravidão. Me inteirei, pessoalmente, dos horrores da escravidão, viajando ao Haiti e encontrando antigos restavèks. Os restavèks são meninos haitianos, convertidos em escravos, quando um pai empobrecido os dá a uma família que promete se ocupar da alimentação, vestimenta e da educação, em troca do trabalho doméstico. Poucas daquelas promessas são cumpridas e com freqüência os trabalhos restavèk infantis duram longas horas e estão sujeitos a surras e as vezes a abuso sexual.

O tráfico humano ainda existe hoje nos Estados Unidos.

Um relatório de 2004, realizado pelo Ministério de Justiça americana, diz que mais de 17.000 pessoas são introduzidas, ilegalmente, nos Estados Unidos a cada ano, para trabalhar em sweatshops[20], na servidão doméstica ou na prostituição.

 

 

 

[1] Abrigo com mangas longas, similar ao caftán, normalmente com uma abertura por baixo. Está presente no Egito e próximo do Oriente; é usado habitualmente por escolares e monges.

[2] Planta da família das zingiberáceas (Elettaria repens), do S.E. asiático, cultivada por suas sementes, utilizadas como condimento aromático.

[3] Uma espécie de campainha. Uma argola de metal presa à porta, que se bate com ela para chamar a atenção de quem está dentro da casa.

[4] Rebaba ou Rabab: violino de colo do norte de África. Feito com a pele de cavalo e varas de madeira. É tocado com um arco cujas cordas são feitas de crina de cavalo. É usado na música clássica árabe. Também encontrado na Índia, no Oriente Médio e Espanha com nomes diferentes.

[5] Vestuário masculino islâmico parecido com uma toga.

[6] Designação comum a duas árvores da família das burseráceas (Commiphora mallis e C. myrrha), originárias da África, cuja resina dimana por incisão e se usa como incenso e em perfumes, ungüentos, etc.

[7] Espancamento da sola dos pés.

[8] Xale estreito.

[9] Sem fermento

[10] Cruz egípcia está formada de uma letra T com um círculo ou asa na parte superior. Encontra-se com frequencia nos monumentos, especialmente nas representações da deusa Sekhet, simbolizando o triunfo da vida sobre a morte. Foi um dos atributos de Isis, como símbolo de la reencarnação e da imortalidade.

[11] Da mitologia céltica.

[12] Jambiya – é uma espécie de adaga abrigada em exuberante bainha.

[13] É um cavalo atrelado a uma carruagem, utilizado como táxi especialmente na Índia

[14] Prato típico do Egito feito com feijões conhecidos no Brasil como fava.

[15] Cantárida – mosca espanhola – é uma droga feita do pó das asas de um besouro, vesicatoria Carotharia ou vesicatoria Lytta, que contêm uma substância que irrita os tecidos. O besouro produz uma irritação do trato urinário e rins e produz uma falsa sensação de excitação sexual, mas também causa dor ao urinar, febre e sangue na urina. Danifica os rins e órgãos genitais e como é muito difícil de dosar pode causar a morte.

[16] Souk - mercado

[17] Janelas redondas através das quais as mulheres muçulmanas podem observar, passando desapercebidas, o que ocorre em outra habitação ou na rua.

[18] Um chicote ou cinta de cerca de um metro de comprimento, feito da pele do hipopótamo ou rinoceronte. é um instrumento de punição e tortura que era usado em vários países muçulmanos , especialmente no Império Otomano.

[19] Tradicionais panos brancos e negros para a cabeça.

[20] O sweatshop é um ambiente de trabalho com circunstâncias muito difíceis ou perigosas, geralmente, onde os trabalhadores têm poucos direitos ou maneiras de dirigir a sua situação. Isto pode incluir a exposição aos materiais prejudiciais, às situações perigosas, às temperaturas extremas, ou ao abuso dos empregadores. Os trabalhadores do Sweatshop são forçados, frequentemente, a trabalhar longas horas, por quase nenhum pagamento, não obstante, todas as leis exigindo o pagamento de horas extras ou um salário mínimo. As leis trabalhistas para crianças podem também ser violadas. Os Sweatshops podem ser comparados às fábricas, do inicio da era industrial em países tais como o Reino Unido e os E.U., onde os regulamentos quase não existiam.

  

 

                                                                                                    Bonnie Vanak

 

 

 

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