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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CONFISSÃO / Julie Garwood
A CONFISSÃO / Julie Garwood

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Nas sombras calmas do confessionário, o penitente se ajoelha e faz uma revelação de gelar o sangue: Padre, perdoa-me, porque vou pecar... Lenta e sarcasticamente, o homem descreve seu passado assassino como ele observou sua vítima, entrou aos poucos na vida dela e então a trucidou com uma explosão de violência - e seu plano de matar novamente. Mas desta vez ele aumentou as apostas de seu jogo perverso, revelando o nome de sua próxima vítima e desafiando as autoridades a impedi-lo se forem capazes. Eu sou um destruidor de corações, e adoro desafios...
Em seu trabalho para uma das unidades de elite do FBI, o agente Nick Buchanan já esteve face a face com os piores monstros e as mentes mais depravadas da sociedade. Ele está prestes a desfrutar de férias muito necessárias de sua atividade altamente estressante quando é chamado para deter o assassino que zombeteiramente confessou o crime mortal que vai cometer. Nick não pode recusar, pois desta vez a ameaça é próxima: a vítima escolhida é a irmã de seu melhor amigo. Rapidamente, ele se vê envolvido na intrincada perseguição de um dos psicopatas mais astutos de sua carreira - num caso que inesperadamente o absorve como nenhum outro.
Laurant Madden encontrou um lar e a sensação de segurança ao se mudar para a pequena cidade de Holy Oaks em lowa - mas sua vida tranqüila é virada de pernas para o ar quando um predador obstinado a elege como alvo. Seu irmão, Tom, insiste que ela recorra ao único homem em quem confia para ajudá-la: Nick Buchanan. Ao mesmo tempo em que uma atração irresistível se desenvolve entre Laurant e Nick, o perigo cresce, e um passo em falso vai custar a ambos tudo aquilo que lhes é mais caro.

 


 

O confessionário estava mais quente do que o inferno. Uma grossa cortina negra, empoeirada pelos anos e pelo descaso, cobria a abertura estreita do teto do cubículo até o assoalho gasto de madeira, bloqueando tanto a luz quanto o ar.
Era como estar dentro de um caixão que alguém tivesse distraidamente esquecido junto à parede, e o Padre Thomas Madden agradeceu a Deus por não ser claustrofóbico. O desconforto, porém, estava se aproximando rapidamente do insuportável. O ar era pesado e cheirava a mofo, tornando o simples ato de respirar tão penoso quanto quando ele estava na Universidade da Pennsylvania, correndo a última jarda antes das traves do gol com a bola de futebol americano presa firmemente embaixo do braço. Mas ele não se importava com a dor nos pulmões naquela época, e certamente não se importaria com ela agora. Simplesmente fazia parte do trabalho.
Os padres mais velhos lhe diriam para oferecer seu desconforto a Deus pelas pobres almas do purgatório. Tom não via mal algum em fazer isso, embora se perguntasse como a sua própria aflição poderia aliviar a de qualquer outra pessoa.
Ele mudou de posição na cadeira dura de carvalho, irrequieto como os meninos do coro no ensaio de domingo. Podia sentir o suor descendo pelas laterais do rosto e do pescoço e escorrendo para dentro da batina. A longa túnica negra estava empapada de transpiração, e ele sinceramente duvidava que ainda recendesse ao sabonete Irish Spring que havia usado no banho pela manhã.
A temperatura estava em torno dos 35 graus centígrados na sombra da varanda da casa paroquial, conforme o termômetro pregado na parede de pedra caiada. A umidade tornava o calor tão opressivo que aquelas almas infelizes que eram obrigadas a sair de suas casas climatizadas e se aventurar na rua o faziam com o passo lento e o pavio curto.
Aquele fora um péssimo dia para o compressor do ar-condicionado entregar os pontos. A igreja tinha janelas, é claro, mas as que podiam ser abertas haviam sido lacradas há muito tempo, numa tentativa inútil de impedir a entrada de vândalos. As outras duas ficavam no alto do teto dourado e abobadado, lindos vitrais que mostravam os arcanjos Miguel e Gabriel brandindo espadas de luz Gabriel estava com os olhos voltados para o céu, com uma expressão beatífica no rosto, enquanto Miguel franzia o cenho para as cobras que subjugava com os pés descalços. As janelas coloridas eram consideradas obras de arte valiosas e inspiradoras pela congregação, mas pouco faziam para combater o calor, pois tinham sido acrescentadas para decorar, e não ventilar
Tom era um homem grande e robusto, com um pescoço de 45 centímetros de diâmetro remanescente de seus dias de glória esportiva, mas fora amaldiçoado com uma pele sensível como a de uni bebê, e o calor já começava a lhe dar brotoejas. Ele ergueu a batina até as coxas, revelando a cueca samba-canção preta e amarela com carinhas sorridentes que fora um presente de sua irmã, Laurant, tirou os chinelos de borracha da Wal-Mart manchados de tinta e pôs na boca um pedaço de Dubble Bubble.
Um ato de bondade o colocara naquela situação. Enquanto esperava pelos resultados dos exames que determinariam se iria precisar de outro ciclo de quimioterapia no Centro Médico da Universidade de Kansas, ele ficou hospedado com monsenhor McKindry, sacerdote da Igreja da Nossa Senhora da Misericórdia. A paróquia eslava localizada na zona esquecida de Kansas City, a muitas centenas de milhas ao sul de Holy Oaks, lowa, onde vivia Tom, num bairro que fora definido oficialmente pela força-tarefa de um prefeito anterior como zona das gangues. O monsenhor sempre ouvia as confissões no sábado à tarde, mas por causa do calor extraordinário, de sua idade avançada, do ar-condicionado estragado e de um conflito em sua agenda - o sacerdote estava ocupado com os preparativos para um reencontro com dois amigos de seu tempo de seminário na Abadia da Assunção - Tom tinha se oferecido para o posto, imaginando que se sentaria frente a frente com os penitentes numa sala com janelas abertas e muito ar fresco. McKindry, porém, se curvava às preferências de seus paroquianos fiéis, os quais se aferravam obstinadamente ao modo antigo de fazer a confissão, uni fato do qual Tom só foi informado após ter oferecido seus préstimos e depois que Lewis, o faz-tudo da paróquia, o conduzira ao forno no qual ele se sentaria pelos noventa minutos seguintes.
Em retribuição, o monsenhor havia lhe emprestado um ventilador movido à pilha que um membro do seu rebanho deixara na cesta de contribuições, urna coisa quase inútil que não era maior do que a mão de um homem. Tom ajustou o ângulo cio ventilador para que o ar soprasse diretamente em seu rosto, apoiou as costas na parede e começou a ler a Gazeta de Holy Oaks que trouxera consigo para Kansas City.
Ele procurou a página social em primeiro lugar, pois sempre se divertia com ela. Passou rapidamente os olhos pelas notícias habituais sobre o clube e as poucas participações - dois nascimentos, três noivados e um casamento - e então encontrou sua coluna predileta, chamada "Pela Cidade". A manchete era sempre a mesma: o jogo de bingo. O número de pessoas que tinham comparecido à noite do bingo no centro comunitário era apresentado, juntamente com os nomes dos vencedores dos prêmios especiais de vinte e cinco dólares. Seguiam-se entrevistas com os sortudos, contando o que planejavam fazer com a dádiva inesperada, e havia sempre um comentário do Rabino David Spears, o organizador do evento semanal, a respeito de como todos tinham se divertido. Tom desconfiava que a editora da página de sociedade, Lorna Hamburg, tinha uma paixão secreta pelo rabino viúvo, e que era por isso que o bingo figurava com tanta proeminência no jornal. O rabino dizia a mesma coisa todas as semanas, e Tom invariavelmente fazia troça disso quando jogavam golfe juntos nas tardes de quarta-feira. Como Dave geralmente o vencia de lavada, não se importava com suas provocações, mas acusava Tom de tentar desviar a atenção de seu jogo sofrível.
O resto da coluna era dedicado a informar a toda a cidade quem recebera quem em sua casa e o que tinham servido aos convidados. Se fosse difícil encontrar notícias numa determinada semana, Lorna preenchia o espaço com receitas populares.
Não havia segredos em Holy Oaks. A primeira página estava cheia de notícias sobre a proposta de modificações na praça central e a comemoração dos cem anos da Abadia da Assunção, com uma simpática menção à ajuda que sua irmã estava dando com os preparativos. A repórter a definia como uma voluntária incansável e sempre bem disposta, e descrevia com detalhes todos os projetos que Laurant tinha assumido. Ela não apenas ia organizar a tralha guardada no sótão para um bazar de caridade como também pretendia transferir todos os dados do velho arquivo poeirento para o computador recém-doado e, quando tivesse alguns minutos livres, se dedicaria a traduzir os diários franceses do Padre Henri VanKirk, recentemente falecido. Tom ria sozinho ao terminar de ler a candente homenagem a sua irmã. Na verdade, Laurant não tinha se oferecido para nenhuma daquelas tarefas, simplesmente tivera o azar de estar passando em frente à abadia no momento em que ele teve as idéias e, para não ser descortês, não havia recusado.
Quando Tom terminou de ler o resto da Gazeta, o colarinho encharcado estava grudado em seu pescoço. Ele largou o jornal no assento ao seu lado, secou novamente a testa e pensou em encerrar o expediente quinze minutos mais cedo.
Desistiu da idéia quase ao mesmo tempo em que ela surgiu na sua mente. Ele sabia que, se abandonasse o confessionário antes da hora, o monsenhor ficaria furioso, e depois do longo dia de trabalho braçal que tivera, Tom simplesmente não estava disposto a ouvir um sermão. A cada três meses, na primeira quarta-feira do mês - a quarta-feira de cinzas, como ele apelidara em segredo - ele chegava para uma curta estada na casa do Monsenhor McKindry, um irlandês velho, de nariz quebrado e pele crestada que nunca perdia uma oportunidade de arrancar o máximo de trabalho físico que pudesse de seu hóspede. McKindry era ríspido e mal-humorado, mas tinha um coração de ouro e uma natureza piedosa que não se deixava levar por sentimentalismos. Ele acreditava firmemente que as mãos ociosas eram o jardim do diabo, especialmente quando a casa paroquial estava tão necessitada de uma nova demão de tinta. O trabalho duro, pontificava ele, curava tudo, até mesmo o câncer.
Em certos dias, Tom tinha dificuldade de lembrar porque gostava tanto do monsenhor e sentia uma afinidade especial com ele. Talvez fosse porque ambos tinham sangue irlandês, ou talvez porque a filosofia do velho, de que somente os tolos choravam sobre o leite derramado, tinha lhe amparado em momentos mais difíceis do que os enfrentados por Jó. A batalha de Tom era brincadeira de criança comparada à vida de McKindry.
Ele faria tudo o que pudesse para tornar mais leve o fardo de seu amigo, pois o monsenhor estava ansioso para visitar seus velhos companheiros outra vez. Um deles era o Abade James Rockhill, o superior de Tom na Abadia da Assunção, e o outro, Vincent Moreno, era um padre que Tom não conhecia. Nenhum dos dois ia se hospedar com McKindry, pois preferiam os luxos oferecidos pela equipe da Paróquia da Santíssima Trindade, como água quente que durava mais de cinco minutos e ar-condicionado central. A igreja da Trindade ficava no coração de uma comunidade afluente do outro lado da fronteira que separava o Missouri do Kansas, à qual McKindry sarcasticamente se referia como "Nossa Senhora do Lexus". Pelo número de carros de luxo estacionados em torno da igreja nas manhãs de domingo, o apelido era certeiro. A maioria dos paroquianos da Misericórdia iam à igreja a pé, já que pouquíssimos tinham carros.
O estômago de Tom começou a roncar. Ele estava grudento, com calor e com sede, precisava de outra ducha e queria uma Bud Light gelada. Nenhum fiel tinha aparecido durante todo o tempo em que estivera ali assando como um peru, e o mais provável era que não houvesse mais ninguém dentro da igreja naquele momento, exceto talvez Lewis, que gostava de se esconder na chapelaria atrás do vestíbulo para tomar uns goles do uísque que guardava na caixa de ferramentas. Tom olhou o relógio, viu que faltavam apenas mais dois minutos e decidiu que já tinha agüentado o suficiente. Apagou a luz de cima do confessionário e já estava estendendo a mão para abrir a cortina quando ouviu o suspiro produzido pelo genuflexório de couro quando recebia o peso de alguém. O som foi seguido de uma tosse discreta no cubículo contíguo.
Tom imediatamente se aprumou na cadeira, tirou o chiclete da boca e o enrolou na própria embalagem, depois curvou a cabeça numa prece e levantou o painel de madeira deslizante.
- "Em nome do Pai, do Filho..." - ele recitou em voz baixa enquanto fazia o sinal da cruz.
Alguns segundos de silêncio se passaram. O penitente estava organizando os pensamentos ou reunindo coragem antes de confessar suas transgressões. Tom ajustou a estola em torno do pescoço e continuou pacientemente a esperar.
O aroma de Obsession de Calvin Klein atravessou a treliça que os separava. Era uma fragrância distinta, pesada e doce, que Tom reconhecia porque sua empregada de Roma havia lhe dado um frasco em seu último aniversário. Algumas gotas daquele perfume eram suficientes para se fazer notar, e o retardatário obviamente tinha exagerado. O aroma, combinado com o cheiro de mofo e suor, deu a Tom a sensação de estar respirando dentro de um saco plástico. Seu estômago se revoltou, e ele teve que se controlar para não vomitar.
- Padre, você está aí?
- Estou aqui - sussurrou Tom. - Quando estiver pronto para confessar seus pecados, você pode começar.
- Isso é... difícil para mim. Minha última confissão foi há um ano, e eu não fui absolvido daquela vez. Você vai me absolver agora?
A voz tinha uma qualidade estranha, gelada, e um tom sarcástico que fez Tom levantar a guarda. O estranho estava simplesmente nervoso porque não se confessava havia tanto tempo ou estava sendo deliberadamente irreverente?
- Você não foi absolvido?
- Não, padre, não fui. Meu confessor ficou zangado. Você também vai se zangar comigo. O que eu tenho para confessar vai... chocá-lo. E depois você vai ficar furioso, como o outro padre.
- Nada que você disser vai me chocar ou me enfurecer - assegurou Tom.
- Você já ouviu de tudo? É isso, padre?
Antes que ele pudesse responder, o penitente sussurrou: - Odeie o pecado, não o pecador.
O sarcasmo tinha se intensificado, & Tom decidiu ser mais firme. - Pode começar.
- Sim - respondeu o estranho. - Padre, perdoa-me, porque eu vou pecar.
Confuso com o que tinha escutado, Tom se aproximou mais da treliça e pediu que o homem recomeçasse.
- Padre, perdoa-me, porque eu vou pecar.
- Você quer confessar um pecado que ainda vai cometer?
- Sim.
- Isso é alguma brincadeira ou...
- Não, não, não é uma brincadeira - disse o homem. - Eu estou falando sério. Você já está se zangando?
Uma gargalhada tão perturbadora quanto o som de tiros no meio da noite ressoou através da treliça.
Tom tomou cuidado para manter a voz neutra ao responder. - Não, eu não estou zangado, mas estou confuso. Certamente você compreende que não pode ser absolvido de pecados que está pensando em cometer. O perdão é para aqueles que perceberam seus erros e estão realmente arrependidos e dispostos a fazer uma reparação.
- Mas padre, você ainda não sabe quais são os pecados. Como pode me negar a absolvição?
- Dar nome aos pecados não muda nada.
- Ah, é claro que muda. Há um ano, eu contei a outro padre exatamente o que ia fazer, mas ele não acreditou em mim até que fosse tarde demais. Não cometa o mesmo erro.
- Como sabe que o padre não acreditou em você?
- Ele não tentou me deter. É assim que eu sei.
- Há quanto tempo você é católico?
- Toda a minha vida.
- Então você sabe que um padre não pode falar do pecado nem do pecador fora do confessionário. O sigilo da confissão é sagrado. Exatamente como este outro padre poderia tê-lo detido?
- Ele poderia ter encontrado um meio. Naquela época eu esta vá... ensaiando, e era menos ousado. Teria sido fácil me impedir, de modo que a culpa é dele, e não minha. Agora não vai ser tão fácil.
Tom estava tentando desesperadamente encontrar um sentido no que o homem estava dizendo. Ensaiando? Ensaiando o quê? E qual era o pecado que o padre poderia ter evitado?
- Eu achava que podia controlar - disse o homem.
- Controlar o quê?
- A necessidade.
- Qual foi o pecado que você confessou?
- O nome dela era Millicent. Um nome bonito, antiquado, não acha? Suas amigas a chamavam de Millie, mas eu não. Eu preferia Millicent. É claro que eu não era o que se poderia chamar de amigo.
Outra gargalhada rasgou o ar parado. A testa de Tom estava coberta de suor, mas ele subitamente começou a sentir frio. Aquilo não era um trote. Ele temia o que poderia escutar, mas mesmo assim foi impelido a perguntar.
- O que aconteceu com Millicent?
- Eu destruí seu coração.
- Não compreendo...
- O que você acha que aconteceu com ela? - retrucou o homem, agora com clara impaciência. - Eu a matei. Fiz muita sujeira, o sangue jorrou por toda parte e também sobre mim. Eu era terrivelmente inexperiente naquela época, ainda não tinha aperfeiçoado minha técnica. Quando me confessei, eu ainda não a tinha matado. Estava na fase de planejamento, e o padre poderia ter me impedido. Eu contei a ele o que ia fazer.
- Mas me diga, como ele poderia tê-lo impedido?
- Rezando - respondeu ele com voz de desdém. - Eu disse a ele que rezasse por mim, mas ele não se esforçou o suficiente, não é mesmo? Mesmo assim a matei. Foi uma pena, realmente. Ela era uma coisinha tão bonitinha... muito mais bonita do que as outras.
Meu Deus, houve outras mulheres? Quantas mais?
- Quantos crimes você - o estranho o interrompeu. - Pecados, padre - disse ele. - Eu cometi pecados, mas poderia ter sido capaz de resistir se aquele padre tivesse me ajudado. Ele não me deu o que eu precisava.
- O que você precisava?
- Absolvição e aceitação. Ambas me foram negadas.
Subitamente, o estranho deu um soco na treliça. A ira que devia estar fermentando logo abaixo da superfície explodiu com força total, e ele descreveu com detalhes grotescos exatamente o que tinha feito com a pobre e inocente Millicent.
Tom ficou estarrecido e enojado com todo aquele horror. Meu Deus, o que devia fazer? Ele tinha declarado que não ficaria chocado nem furioso, mas nada poderia tê-lo preparado para as atrocidades que o estranho parecia ter tanto prazer em relatar.
Odeie o pecado, não o pecador.
- Eu tomei gosto pela coisa - sussurrou o louco.
- Quantas mulheres mais você matou?
- Millicent foi a primeira. Tive outras paixões, e quando elas me decepcionavam eu era obrigado a machucá-las, mas não matei nenhuma delas. Depois que conheci Millicent, tudo mudou. Eu a observei por muito tempo, e tudo nela era... perfeito. - Sua voz se transformou num rosnado à medida em que ele prosseguia. - Mas ela me traiu, exatamente como as outras. Achou que podia jogar seus joguinhos com outros homens e que eu não iria perceber. Eu não podia permitir que ela me atormentasse daquele jeito. Eu não queria - ele se corrigiu. - Tive que puni-la.
Ele soltou um suspiro ruidoso, exagerado, e depois riu. - Eu matei aquela putinha faz doze meses, e a enterrei fundo, bem fundo. Ninguém jamais vai encontrá-la. Agora não há como voltar atrás. Não, senhor. Eu não tinha idéia do quanto matar seria emocionante. Eu fiz Millicent implorar por misericórdia, e Deus sabe o quanto ela implorou. - Ele riu. - Gritava como um porco, e ah, como eu adorei aquele som. Fiquei tão excitado, mais excitado do que imaginava que fosse possível, então eu tinha que fazê-la gritar mais, não é mesmo? Quando acabei com ela, eu estava explodindo de alegria. Bem, padre, você não vai me perguntar se eu estou arrependido dos meus pecados? - ele provocou.
- Não, você não está arrependido.
Um silêncio sufocante tomou conta do confessionário. Então, como o silvo de uma serpente, a voz sussurrou.
- A necessidade voltou.
Os braços de Tom se arrepiaram. - Existem pessoas que podem.
- Você acha que eu deveria ser preso? Eu puno somente aqueles que me machucam, de modo que não sou culpável, compreende? Mas você acha que eu sou doente, não é? Isto é uma confissão, Padre. Você tem que falar a verdade.
- Sim, eu acho que você é doente.
- Mas eu não acho. Sou apenas dedicado.
- Existem pessoas que podem ajudá-lo.
- Eu sou brilhante, sabe? Não vai ser fácil me deter. Eu estudo minhas clientes antes de atendê-las. Sei tudo sobre suas famílias e seus amigos. Tudo. Sim, vai ser muito mais difícil me deter agora, mas desta vez decidi dificultar as coisas para mim mesmo também. Está vendo? Eu não quero pecar. Eu sinceramente não quero. - A voz irônica estava de volta.
- Escute - suplicou Tom. - Saia do confessionário comigo e vamos nos sentar e conversar sobre isso. Eu quero ajudá-lo, se você permitir.
- Não, eu precisei de ajuda antes, e ela me foi negada, lembra' Eu quero a absolvição.
- Não.
O suspiro foi longo e forçado. - Muito bem - disse ele. - Desta vez vou mudar as regras. Você tem minha permissão para contar o que eu lhe disse para quem quiser. Está vendo como eu tenho boa vontade?
- Não importa se você dá permissão ou não, esta conversa vai permanecer confidencial. O sigilo deve ser mantido para proteger a integridade do confessionário.
- Não importando o que eu confessar?
- Não.
- Eu exijo que você conte.
- Exija o quanto quiser, não vai fazer diferença. Eu não posso contar a ninguém o que você me disse. Não vou fazer isso.
Um momento de silêncio se passou, e então o estranho começou a rir. - Um padre com escrúpulos. Que coisa extraordinária. Hummm, que dilema o seu. Mas não se aflija, padre. Eu estou dez passos na sua frente. Sim, senhor.
- O que você quer dizer?
- Eu elegi uma nova cliente.
- Você já escolheu sua próxima... - o louco o interrompeu. - Já avisei as autoridades. Logo vão receber uma carta minha. É claro que isso foi antes de saber que você era tão apegado às regras. Mesmo assim, foi muita consideração da minha parte, não foi? Enviei um bilhetinho educado explicando as minhas intenções. É uma pena que eu tenha esquecido de assiná-lo.
- Você deu o nome da pessoa que pretende atacar?
- Atacar? Que palavra curiosa para um assassinato. Sim, eu a identifiquei.
- É outra mulher? - a voz de Tom falhou ao fazer a pergunta.
- Eu só atendo clientes do sexo feminino.
- Você explicou no bilhete o motivo de querer matar esta mulher?
- Não.
- Existe um motivo?
- Sim.
- Pode explicá-lo para mim?
- Prática, padre.
- Não compreendo.
- A prática conduz à perfeição - ele disse. - Esta é ainda mais especial do que Millicent. Eu me envolvo na sua fragrância e adoro observá-la dormindo. Ela é tão linda. Pergunte, e depois que eu lhe disser o nome dela, você pode me perdoar.
- Eu não vou lhe dar a absolvição.
- Como está indo a quimioterapia? Tem sentido náuseas? Os resultados dos exames foram bons?
A cabeça de Tom se ergueu de um salto. - O quê? - perguntou quase gritando.
O louco riu. - Eu disse que estudo minhas clientes antes de atendê-las. Pode-se dizer que eu as analiso. - ele sussurrou.
- Como você sabia?
- Ah, Tommy, você está sendo tão bobinho. Não ficou curioso para saber por que eu o segui até aqui para confessar meus pecados a você? Pense nisso quando estiver voltando para a abadia. Eu fiz o meu dever de casa, não é mesmo?
- Quem é você?
- Bem, eu sou um destruidor de corações. E adoro desafios. Dificulte as coisas para mim. A polícia logo virá procurá-lo para conversar, e então você poderá contar para quem quiser. - O tom de zombaria retornou mais uma vez. - Eu sei para quem você vai ligar primeiro! O seu amigo figurão do FBI. Você vai ligar para Nick, não vai? Eu espero que sim, e ele vai vir correndo ajudá-lo. É melhor dizer a ele para escondê-la de mim. Eu posso desistir dela e começar a procurar outra pessoa. Pelo menos vou tentar.
- Como você sabe...
- Pergunte.
- Perguntar o quê?
- O nome dela - sussurrou o louco. - Pergunte quem é a minha cliente.
- Você precisa imediatamente procurar ajuda - recomeçou Tom. - O que está fazendo...
- Pergunte. Pergunte. Pergunte.
Tom fechou os olhos. - Sim. Quem é ela?
- Ela é adorável - ele respondeu. - Seios maravilhosos e cabelos longos e escuros. Não existe uma única marca no seu corpo perfeito, e seu rosto é delicado como o de um anjo. Ela é... de tirar o fôlego... mas eu pretendo deixá-la sem fôlego.
- Diga o nome dela - exigiu Tom, rezando para que houvesse tempo para encontrar a pobre mulher e protegê-la.
- Laurant - sussurrou a serpente. - O nome dela é Laurant. O pânico atingiu Tom como um soco. - A minha Laurant?
- Isso mesmo. Agora você está entendendo, padre. Eu vou matar a sua irmã. Capítulo 2
O AGENTE NlCHOLAS BENJAMIN BuCHANAN ESTAVA PRESTeS A COMeçAR FÉRIAS
longas e há muito adiadas. Ele não tivera um único período de descanso nos últimos três anos, o que já começava a transparecer na sua atitude - pelo menos foi o que ouviu de seu superior, o Dr. Peter Morganstern, quando este lhe ordenou que tirasse uma licença de um mês. Ele também insinuara que Nick estava se tornando um pouco distante e cínico demais, e bem no fundo o agente temia que ele pudesse estar certo.
Morganstern era sempre claro e direto. Nick o admirava e respeitava quase tanto quanto a seu pai, e por isso raramente discutia com ele. O chefe era sólido como uma rocha, e não teria durado mais do que duas semanas no cargo se deixasse as emoções ditarem seu comportamento. Se ele tinha um defeito, era sua capacidade enervante de permanecer calmo ao ponto da catatonia. Nada jamais o abalava.
Os doze agentes escolhidos a dedo que trabalhavam sob sua supervisão direta o chamavam de Pete Prozac - pelas costas, é claro, mas ele sabia do apelido e não se ofendia com ele. Os boatos diziam que ele chegara a rir quando o escutou pela primeira vez, e este era outro motivo pelo qual se dava tão bem com seus agentes: ele era capaz de manter o senso de humor, uma façanha considerando o departamento que coordenava. Aparentemente, a única coisa que o fazia perder as estribeiras era ter que repetir uma ordem, embora fosse forçoso admitir que sua voz roufenha de anos e anos de charutos nunca se erguia um único decibel. Bem, talvez os outros agentes estivessem certos. Talvez Morganstern realmente tivesse Prozac correndo pelas veias.
Uma coisa era certa. Seus superiores sabiam reconhecer uma pepita de ouro quando a encontravam, e nos quatorze anos que Morganstern tinha trabalhado para o FBI, fora promovido seis vezes. Ainda assim, ele não repousava sobre seus louros. Nomeado chefe da divisão de "achados e perdidos", dedicara-se a montar uma força-tarefa extremamente eficiente para rastrear e resgatar pessoas desaparecidas e, quando esta ficou pronta, voltou seus esforços para um objetivo mais específico: criar uma unidade especializada nos casos mais difíceis envolvendo crianças perdidas e seqüestradas. Ele justificou esta nova unidade por escrito e depois passou um tempo considerável fazendo campanha pela sua concretização, jamais perdendo uma oportunidade de citar sua tese de 233 páginas na presença do diretor.
Tanta persistência teria que ser recompensada, e ele foi autorizado a tirar do papel aquela unidade de elite. Teve permissão para recrutar seus próprios homens, uma equipe no mínimo heterogênea, que foi buscar nas esferas mais distintas. Cada um deles teve que passar primeiro pelo programa de treinamento da academia em Quântico, sendo depois enviado a Morganstern para testes e treinamentos especiais. Poucos foram aprovados naquele programa extenuante, mas os que conseguiram eram excepcionais. Morganstern não hesitou em dizer ao diretor que acreditava piamente que tinha em mãos a nata do FBI, e dentro de um ano provou a todos os céticos que estava certo, entregou a coordenação dos "achados e perdidos" para seu assistente, Frank O'Leary, e passou a devotar toda sua atenção àquele grupo altamente especializado.
A equipe era singular. Os doze homens possuíam uma habilidade incomum para o rastreamento de crianças desaparecidas e se comportavam como caçadores, correndo constantemente contra o relógio com um único objetivo sagrado: encontrar e proteger antes que fosse tarde demais. Eram os grandes defensores de todas as crianças e a última linha de defesa contra os bichos-papões que as espreitavam nas sombras.
O estresse do trabalho teria causado uma parada cardíaca em um homem comum, mas não havia nada de comum naquele time. Nenhum deles se encaixava no perfil típico do agente do FBI, e o doutor tampouco era o líder típico. Devido ao número de agentes, os outros departamentos chamavam seu grupo de "Os Apóstolos", mas Morganstern não gostava do apelido porque, como líder, ele achava que não estava à altura do que aquilo sugeria a seu respeito. Sua humildade era mais uma razão pela qual ele era tão respeitado, e seus subordinados também valorizavam o fato de ele não se prender aos manuais, incentivando-os a fazerem seu trabalho com a maior liberdade possível e sempre os respaldando quando necessário. Sob muitos aspectos, ele era o seu grande defensor.
Certamente não havia dentro do FBI alguém mais dedicado ou qualificado, pois Morganstern era formado em Medicina com especialização em Psiquiatria, o que provavelmente explicava seu gosto pelas periódicas conversas em particular com seus agentes. Para ele, sentar-se com cada um deles para explorar o que se passava dentro de suas cabeças justificava o tempo e o dinheiro investidos nos estudos em Harvard. Era o único capricho que todos tinham que agüentar e todos odiavam.
Agora ele estava com vontade de conversar sobre o caso Stark, e para isso tinha voado de Washington para Cincinnati e pedira a Nick para fazer uma escala no retorno de um seminário em São Francisco. Nick não queria discutir o caso Stark - tudo acontecera havia mais de um mês, e ele nem mesmo queria pensar naquilo - mas não importava. Sabia que teria que falar no assunto mesmo que não quisesse.
Ele esperou seu superior no escritório regional e depois, sentados frente a frente em torno da mesa de carvalho polido da sala de reuniões, escutou-o repassar durante vinte minutos os detalhes daquele caso bizarro. Nick permaneceu calmo até Morganstern anunciar que ele ia receber uma condecoração por seus atos heróicos. Por um momento ele quase explodiu, mas estava tão acostumado a ocultar seus verdadeiros sentimentos que até mesmo seu chefe, com o olho treinado constantemente à espreita de sinais reveladores de estresse e desgaste, teve a impressão de que ele não se deixara perturbar. Pelo menos foi isso que Nick pensou.
Quando a conversa estava chegando ao fim, Morganstern fitou os penetrantes olhos azuis de seu agente por um longo e silencioso minuto, e então perguntou: - Quando atirou nela, o que você sentiu?
- Isso é necessário, senhor? Já faz um mês que tudo aconteceu. Nós realmente precisamos voltar a este assunto?
- Esta não é uma reunião formal, Nick. Somos só nós dois, e você não precisa me chamar de senhor. Sim, eu acho que é necessário. Agora responda, por favor. O que você sentiu?
Ele ainda tentou ganhar tempo, remexendo-se na cadeira de encosto duro como um garotinho sendo forçado a admitir que fizera alguma coisa errada. - Que diabos você quer dizer com isso, o que eu senti?
Ignorando a explosão de raiva, Morganstern calmamente repetiu a pergunta uma terceira vez. - Você sabe o que eu estou querendo saber. Naquele exato segundo, o que você sentiu? Consegue se lembrar?
Ele estava oferecendo uma escapatória. Nick sabia que podia mentir e dizer que não, ele não se lembrava, que estava ocupado demais naquele momento para registrar o que estava sentindo. Mas eles sempre haviam sido honestos um com o outro, e ele não queria estragar aquele bom relacionamento, além de ter certeza de que seu chefe saberia que ele estava mentindo. Percebendo como era inútil continuar se esquivando, ele desistiu e resolveu ser curto e grosso. - Sim, eu me lembro. Eu me senti bem - sussurrou. - Muito bem. Droga, Pete, eu fiquei eufórico. Se não tivesse dado a volta e entrado novamente na casa, se tivesse hesitado mais trinta segundos que fosse, e se não estivesse com a arma na mão, aquele menino estaria morto. Foi por muito pouco.
- Mas você chegou à criança a tempo.
- Eu deveria ter me dado conta antes.
Morganstern suspirou. De todos os seus agentes, Nick sempre era o mais crítico quanto ao próprio desempenho. - Você foi o único que percebeu o que estava acontecendo - lembrou. - Não seja tão duro consigo mesmo.
- Você leu os jornais? Os repórteres disseram que ela era louca, mas eles não viram a expressão nos olhos dela. Eu vi, e posso dizer que ela não tinha nada de louca. Era pura maldade.
- Sim, eu li os jornais, e você está certo, eles realmente a chamaram de louca, mas já esperava que fizessem isso - ele acrescentou. - Eu entendo por quê, e acho que você também entende. É a única maneira do público dar sentido a um crime tão odioso. Eles querem acreditar que só um louco pode fazer coisas tão obscenas com outro ser humano, que só uma pessoa demente pode ter prazer em assassinar inocentes. Um bom número deles são loucos, mas alguns não são. A maldade existe, nós dois já a vimos. Em algum momento, a mulher de Stark escolheu conscientemente passar do limite.
- As pessoas têm medo do que não compreendem.
- Sim - concordou Morganstern. - E uma grande parte dos acadêmicos não quer acreditar que a maldade existe. Se eles não forem capazes de justificar alguma coisa ou explicá-la com suas teorias estreitas, então ela simplesmente não existe. Acho que esta é uma das razões pelas quais nossa cultura é um terreno tão fértil para perversões. Alguns colegas meus acham que podem resolver qualquer coisa com um diagnóstico prolixo e alguns medicamentos psicotrópicos.
- Ouvi dizer que um de seus colegas acredita que o marido de Stark a controlava e que a aterrorizou tanto que ela enlouqueceu. Em outras palavras, nós deveríamos ter pena dela.
- É, eu também escutei essa bobagem. Aquela mulher era tão depravada quanto seu marido. Suas impressões digitais estavam nas fitas pornográficas junto com as dele. Ela participava voluntariamente, mas acredito que estivesse perdendo o controle, porque eles nunca tinham ido atrás de crianças antes.
- Juro por Deus, Pete, ela estava sorrindo para mim. Tinha o menino nos braços e segurava uma faca sobre o peito dele. Ele estava inconsciente, mas eu percebi que ainda estava respirando. Ela estava esperando por mim, sabia que eu tinha descoberto tudo, e acho que queria que eu a visse matar a criança. - Ele fez uma pausa e depois assentiu. - Sim, eu me senti bem quando acabei com ela, e só lamento que o marido não estivesse lá, porque gostaria de ter dado fim nele também. Já surgiu alguma pista? Eu ainda acho que você devia colocar o nosso amigo Noah no encalço dele.
- Eu estava pensando em fazer exatamente isso, mas eles querem pegar Donald Stark vivo para poderem interrogá-lo, e sabem que se ele dificultar as coisas, Noah não vai hesitar em matá-lo.
- A gente mata as baratas, Pete, não tenta domesticá-las. Noah está certo. - Ele girou os ombros para frente e para trás, tentando alongar os músculos tensos, massageou a nuca com a mão e então comentou: - Acho que preciso fazer outro retiro.
- Por que você diz isso?
- Sinto que talvez esteja perdendo a motivação. Estou? Morganstern balançou a cabeça. - Não, você está apenas um
pouco fatigado, é só. Esta conversa não vai constar do meu relatório. Eu falei sério quando disse que ficaria entre nós dois. Você já deveria ter tirado férias há muito tempo, mas isso é culpa minha, não sua. Quero que peça um mês de licença agora para clarear os pensamentos.
Um sorriso desconfiado suavizou a expressão sombria de Nick. - Clarear meus pensamentos?
- Relaxar - explicou Pete. - Ou pelo menos tentar. Quando foi a última vez que você subiu para Nathan's Bay para ver aquela sua família enorme?
- Já faz algum tempo - admitiu Nick. - Eu mantenho contatos com todos por e-mail. Eles são tão ocupados quanto eu.
- Vá para casa. Vai ser bom para você, e seus pais vão ficar felizes de vê-lo novamente. Como vai o juiz?
- Papai está bem - respondeu Nick.
- E aquele seu amigo, o Padre Madden?
- Falo com Tommy todas as noites.
- Por e-mail?
- Sim.
- Talvez fosse bom vocês se encontrarem para conversar frente a frente.
- Você acha que eu preciso de um pouco de orientação espiritual? - Nick perguntou com uma voz irônica.
- Acho que você precisa dar umas boas risadas.
- É, talvez eu precise mesmo - ele concordou. Depois ficou sério outra vez e disse: - Pete, e quanto a minha intuição? Você acha que eu estou perdendo o faro?
Morganstern se divertiu com a idéia. - Sua intuição não poderia estar melhor. A mulher de Stark enganou a todos, menos você. Todos - ele repetiu com mais ênfase. - Parentes, amigos, vizinhos, seu grupo da igreja. Mas ela não enganou você. Sim, tenho certeza de que os moradores acabariam descobrindo, mas a esta altura aquele menino já estaria morto e enterrado, e ela já teria seqüestrado outra criança. Você sabe tão bem quanto eu que quando eles começam, não param mais.
Pete bateu com o nó dos dedos numa grossa pasta de papelão.
- Nas entrevistas, li que ela se sentava ao lado da pobre mãe dia após dia, consolando-a, e fazia parte do comitê de solidariedade da igreja - acrescentou sacudindo a cabeça. Até mesmo ele, que já tinha visto e ouvido de tudo, parecia chocado com a ousadia da mulher.
- A polícia falou com todo aquele grupo, e não conseguiu descobrir nada - disse Nick. - Eles não foram muito meticulosos - acrescentou. - Mas era uma cidadezinha pequena, e o xerife não sabia o que procurar.
- Ele foi inteligente o bastante para não esperar. Telefonou para nós imediatamente - disse Morganstern. - Ele e os outros moradores estavam convencidos de que um forasteiro tinha levado o menino, não estavam? E todos os seus esforços estavam voltados para esta hipótese.
- Sim - concordou Nick. - É difícil acreditar que um dos seus possa fazer uma coisa destas. Eles tinham duas testemunhas que diziam ter visto um andarilho perto do pátio da escola, mas suas descrições não batiam. A equipe de Cincinnati estava a caminho - acrescentou. - E eles a teriam desmascarado com muita rapidez.
- O que exatamente chamou sua atenção? Como você soube?
- Pequenas coisas fora de esquadro - respondeu Nick. - Não sei explicar o que foi que me incomodou nela, ou por que decidi segui-la até em casa.
- Eu posso explicar. Intuição.
- Acho que sim - ele concordou. - Eu sabia que precisava fazer uma checagem completa daquela mulher. Algo não estava certo, mas eu não conseguia definir exatamente o quê. Tive uma sensação estranha na barriga com relação a ela, que ficou mais forte quando entrei na casa... entende o que quero dizer?
- Explique. Como era a casa?
- Imaculada. Não vi um grão de poeira ou sujeira em lugar nenhum. A sala era pequena - duas poltronas reclináveis, um sofá, uma TV - mas sabe o que era estranho, Pete? Não havia quadros nas paredes nem fotos de família. Sim, lembro que achei aquilo muito estranho. Ela usava capas plásticas nos móveis, mas acho que muitas pessoas fazem isso. Eu não sei. De qualquer maneira, como eu disse, a casa era impecável, mas tinha um cheiro peculiar.
- Que tipo de cheiro?
- Vinagre... misturado com amônia. O cheiro era tão forte que fez meus olhos arderem, mas pensei que ela fosse apenas uma limpadora compulsiva... até que entramos na cozinha. A peça era ainda mais limpa do que a sala. Nenhum utensílio sobre os balcões, nenhum pano de prato pendurado na pia, nada. Ela me disse para sentar enquanto preparava um café, e eu comecei a examinar as coisas que estavam sobre a mesa. Havia um saleiro e um pimenteiro, mas no meio dos dois um enorme frasco transparente de pastilhas antiácidas cor-de-rosa, e ao lado dele uma embalagem de molho de pimenta. Aquilo me pareceu muito estranho... e então eu vi o cachorro. Foi o animal que me abriu os olhos. Era um cocker spaniel preto, sentado num canto ao lado da porta dos fundos com os olhos fixos na mulher. Ela pôs um prato de biscoitos de chocolate na mesa e, quando se virou para preparar o café, peguei um dos biscoitos e joguei no chão ao meu lado para ver se o cachorro viria comer, mas ele nem sequer olhou para mim. Ele tinha medo até de piscar, e ficava observando cada movimento dela. Se o xerife tivesse visto o cachorro junto com a dona, teria percebido que alguma coisa estava muito errada, mas quando ele a entrevistou o cocker estava preso no canil.
- Ele entrou na casa dela e não notou nada de incomum.
- Eu tive sorte, e ela foi arrogante e descuidada.
- O que fez você voltar depois que já tinha saído da casa?
- Eu ia pedir reforços e esperar para ver aonde ela iria, mas assim que botei o pé na rua eu soube que tinha que voltar, e rápido. Tive a sensação de que ela sabia que eu desconfiava dela, e também senti que o garoto estava em algum lugar daquela casa.
- Sua intuição não podia ser mais afiada - disse Morganstern. - E você sabe que foi por isso que eu o escolhi para fazer parte da equipe.
- Eu sei. Aquela famosa partida de futebol americano.
Morganstern sorriu. - Eu a vi de novo na CNN Esporte há umas duas semanas. Eles devem passar aquelas cenas no mínimo duas vezes por ano.
- Pois eu gostaria que eles me esquecessem. Aquilo é notícia velha.
Os dois homens se levantaram, evidenciando suas diferenças físicas. Morganstern, com seus mocassins de couro preto com tirinhas, tinha apenas 1,70 metros, e Nick, mais de 1,80 metros. O chefe era franzino, com um cabelo ralo e loiro que estava rapidamente ficando grisalho, e suas bifocais grossas escorregavam constantemente pelo nariz fino. Ele vestia sempre os mesmos ternos pretos ou azuis-marinhos conservadores, com camisas brancas engomadas de manga comprida e gravatas listradas discretas. Para um observador casual, Morganstern parecia um professor universitário, mas para os agentes sob sua supervisão ele era, em todos os aspectos, um gigante que encarava o trabalho difícil e suas tremendas pressões com uma facilidade invejável.
- Vejo você daqui a um mês, Nick, nem um dia antes. Combinado?
- Combinado.
Pete deu alguns passos em direção à porta e se deteve. - Você ainda passa mal cada vez que entra num avião?
- Existe alguma coisa que você não saiba a meu respeito?
- Acredito que não.
- É mesmo? Quando foi a última vez que eu transei? Morganstern fingiu ficar chocado com a pergunta. -Já faz um
bom tempo, agente. Ao que parece, você está passando por um período de seca.
Nick riu. - É mesmo?
- Um dia desses você vai encontrar a mulher certa, que Deus a ajude.
- Eu não estou procurando a mulher certa.
Morganstern abriu um sorriso paternal. - E é exatamente assim que vai encontrá-la. Você não vai procurar, e ela vai pegá-lo de surpresa como a minha Kate me pegou. Eu não tive chance, e já prevejo que você também não terá. Ela está em algum lugar por aí, só esperando.
- Então vai ter que esperar muito - retrucou Nick. - No nosso tipo de trabalho, o casamento não faz parte da equação.
- Katie e eu estamos juntos há mais de vinte anos.
- Katie é uma santa.
- Você não respondeu a minha pergunta, Nick.
- Se eu passo mal cada vez que entro num avião? É claro que sim.
Morganstern riu. - Boa sorte nas férias, então.
- Sabe, Pete, a maioria dos psiquiatras tentaria chegar à raiz da minha fobia, mas você se diverte com ela, não é?
Ele riu outra vez. - Vejo você em um mês - repetiu enquanto saía do escritório.
Nick reuniu seus papéis, fez alguns telefonemas necessários para o escritório de Boston e para Frank 0'Leary em Quântico, e depois pegou uma carona até o aeroporto com um dos agentes locais. Já que não havia como escapar das férias forçadas, começou a fazer alguns planos. Ele realmente ia tentar relaxar, talvez velejando com seu irmãos mais velho, Theo, se conseguisse arrancá-lo do trabalho por uns dias, depois ia atravessar metade do país de carro para visitar seu melhor amigo, Tommy, em Holy Oaks, e talvez ainda lhe sobrasse tempo para umas pescarias. Morganstern não mencionara a proposta que O'Leary tinha deixado sobre sua mesa duas semanas atrás. Durante as férias, Nick planejava pesar os prós e os contras do novo emprego, e contava com a ajuda de Tom para tomar uma decisão. Ele era mais ligado ao amigo do que a qualquer um dos seus cinco irmãos, e confiava cegamente nele. Tom assumiria seu papel habitual de advogado do diabo, e quando Nick retornasse ao trabalho, esperava já ter claro o que iria fazer.
Ele sabia que Tommy estava preocupado com ele, pois há seis . meses insistia, por e-mail, que Nick fosse visitá-lo. Assim como Morganstern, Tommy compreendia o estresse e os pesadelos do trabalho de Nick, e também achava que ele precisava de um descanso.
Tommy tinha seu próprio calvário para enfrentar, e a cada três meses, quando se internava no Centro Médico do Kansas para exames, era Nick quem ficava com uma sensação de náusea na boca do estômago até receber uma mensagem de Tommy com boas notícias. Até então seu amigo tinha tido sorte, e o câncer permanecia sob controle Mas estava sempre lá, pairando sobre ele, esperando para atacar, e, se Tommy tinha aprendido a lidar com sua doença, Nick não tivera a mesma habilidade. Se pudesse acabar com a dor e o sofrimento do amigo, daria de bom grado seu braço direito, mas não era assim que as coisas funcionavam. Como o próprio Tommy havia dito, esta era uma guerra que ele devia vencer sozinho, e tudo o que Nick podia fazer era estar por perto quando ele precisasse.
Subitamente, o agente se sentiu ansioso para ver o amigo outra vez. Quem sabe até conseguisse convencê-lo a tirar o colarinho de padre por uma noite e encher a cara com ele como costumavam fazer quando dividiam um quarto no dormitório da universidade.
E ele finalmente iria conhecer a única parente de Tommy, sua irmã mais nova, Laurant, que era oito anos mais jovem do que o irmão e fora criada por freiras num internato para meninas ricas nas montanhas próximas a Genebra. Tommy tinha tentado traze-la para os Estados Unidos muitas vezes, mas as condições impostas pelo testamento de seus pais e os advogados que zelavam pelo dinheiro da herança convenceram os juizes a mantê-la na Suíça até que ela tivesse idade bastante para decidir por si mesma. Tommy dizia a Nick que a situação não era tão ruim quanto parecia, e que, ao cumprirem o testamento ao pé da letra, os advogados estavam de fato protegendo o patrimônio da família.
Laurant já era maior de idade havia algum tempo e tinha se mudado para Holy Oaks um ano antes para estar mais perto do irmão. Nick nunca a conhecera pessoalmente, mas se lembrava de uma fotografia que Tommy mantinha colada no espelho do quarto. Nela, Laurant parecia uma criança de rua, uma menina de aparência desleixada vestindo um uniforme de saia preta plissada, com uma das pontas da blusa branca pendendo para fora e as meias três-quartos caídas em volta dos tornozelos. Seus dois joelhos estavam esfolados, e o cabelo castanho comprido e crespo cobria um dos olhos. Ele e Tommy tinham dado boas risadas ao ver a foto. Laurant não podia ter mais do que sete ou oito anos de idade quando ela foi tirada, mas na mente de Nick ficaram fixadas a alegria em seu sorriso e a chama em seus olhos, sugerindo que as crônicas reclamações das freiras a respeito de seu comportamento não eram injustificadas. Ela parecia ter um quê de diabólico e um gosto pela vida que certamente iria metê-la em encrencas algum dia.
Sim, férias eram exatamente o que ele precisava, concluiu. Mas a chave para todos os seus planos era voltar para sua base, Boston, o que significava ter que entrar em mais uma porcaria de avião. Ninguém odiava voar tanto quanto Nick. Para dizer a verdade, ele ficava totalmente apavorado, e assim que entrou no aeroporto de Cincinnati começou a suar frio e teve a certeza de que seu rosto já estaria verde quando embarcasse no avião. O 777 estava indo para Londres com uma pequena parada em Boston, onde Nick, com a graça de Deus, iria descer e se dirigir a sua casa em Beacon Hill. Ele havia comprado a construção de um tio há três anos, mas ainda não tinha aberto a maioria das caixas de papelão que a empresa de mudanças largara no meio de sua sala de estar, e muito menos instalado o aparelho de som ultra-sofisticado que seu irmão mais novo, Zachary, insistira em comprar para ele.
Seu estômago dava cambalhotas enquanto ele caminhava na direção do balcão de check-in. Nick conhecia a rotina. Apresentou-se e mostrou suas credenciais e a autorização para porte de arma ao oficial de segurança. O homem empertigado de meia-idade chamado Johnson mordiscou nervosamente o lábio superior fino até o computador verificar o nome e o código de Nick, e depois o acompanhou para liberá-lo do detector de metais que os outros passageiros teriam que atravessar, entregou-lhe o cartão de embarque e indicou a passarela que levava ao seu avião.
O capitão James T. Sorensky o esperava na porta da aeronave. Nick tinha voado com ele pelo menos seis vezes nos últimos três anos e sabia que o homem era um excelente piloto e absolutamente meticuloso no trabalho, pois tinha checado seu histórico para ter certeza de que não havia nada em seu passado que sugerisse a possibilidade de um colapso nervoso em pleno ar. Ele sabia até mesmo qual a marca de creme dental preferida do capitão, mas nenhum destes fatos fazia seu nervosismo ceder. Sorensky tinha se formado na Academia da Força Aérea como um dos primeiros da classe e trabalhava havia dezoito anos para a Delta Airlines com ficha imaculada, mas isso tampouco importava: Nick simplesmente odiava a experiência de voar. Sabia que tudo se resumia a uma questão de confiança, e embora Sorensky não fosse um completo estranho, ele ainda assim não gostava de ser forçado a confiar na capacidade de outro homem de manter quase 159 toneladas de aço suspensas no ar.
Sorensky parecia um modelo de anúncio de companhia aérea, com seu cabelo de pontas grisalhas impecavelmente aparado, o uniforme azul-marinho perfeitamente passado com vincos indestrutíveis nas calças e o físico alto e esguio. Nick não estava de modo algum acima do peso ideal, mas mesmo assim se sentia um brutamontes desajeitado perto dele. O capitão irradiava confiança, e também era rígido em relação a suas próprias regras, o que Nick respeitava. Embora tivesse autorização do governo e da FAA (nota de tradução:Fedem Aviation Administration, Administração Federal da Aviação - fim da nota) para portar sua Sig Sauer carregada no avião, ele sabia que isso deixava Sorensky nervoso, e essa era a última coisa que Nick queria ou precisava. Por isso já tinha descarregado a arma, e quando o capitão o cumprimentou, largou discretamente o pente de balas na sua mão.
- É um prazer vê-lo novamente, Nick.
- Como está se sentindo hoje, Jim?
Sorensky sorriu. - Ainda preocupado que eu possa ter um ataque do coração enquanto estivermos no ar?
Nick desviou o olhar para disfarçar seu constrangimento. - A idéia passou pela minha cabeça - disse. - Pode acontecer.
- Sim, pode, mas eu não sou o único homem a bordo capaz de controlar o avião.
- Eu sei.
- Mas isso não faz você se sentir melhor, faz?
- Não.
- Com a freqüência com que você é obrigado a voar, seria de esperar que acabasse se acostumando.
- Seria, mas isso ainda não aconteceu.
- Seu chefe sabe que você passa mal toda a vez que entra num avião?
- É claro que sabe - respondeu Nick. - Ele é um sádico. Sorensky riu. - Vamos dar um passeio bem tranqüilo hoje -
prometeu. - Você não vai conosco até Londres, vai?
- Voar por cima de um oceano? Isso jamais vai acontecer. - Só de pensar naquilo, seu estômago se contraía. - Estou indo para casa.
- Você já foi à Europa? .
- Não, ainda não. Quando puder ir de carro, vou com o maior prazer.
O capitão olhou para o pente na sua mão. - Obrigado por me deixar guardar isto. Eu sei que, legalmente, não posso exigir que você me entregue as balas.
- Mas você fica nervoso sabendo que existe uma arma carregada a bordo, e eu não quero um piloto nervoso comandando este avião.
Nick tentou passar por Sorensky para se acomodar em seu lugar, mas o capitão estava com vontade de bater papo.
- A propósito, cerca de um mês atrás eu li um artigo muito interessante no jornal a respeito de como você salvou a vida daquele pobre garotinho. Foi interessante ler sobre a sua vida e sobre aquele seu amigo padre... como vocês dois acabaram seguindo caminhos diferentes. Agora você usa um distintivo e ele usa uma cruz. E salvar aquela criança... senti orgulho de conhecer você.
- Eu estava apenas fazendo o meu trabalho.
- O artigo mencionava a unidade da qual você faz parte. Como é mesmo que chamam vocês? - Antes que Nick pudesse responder, o capitão se lembrou. - Ah, sim, os Apóstolos.
- Ainda não descobri como o jornalista conseguiu esta informação. Eu achava que ninguém de fora do departamento conhecesse o apelido.
- Mesmo assim, é adequado. Você salvou a vida do menino.
- Nós tivemos sorte daquela vez.
- O repórter disse que você se recusou a ser entrevistado.
- Não tinha sentido querer me glorificar, Jim. Eu fiz o que tinha que fazer, é só.
A humildade do agente impressionou o capitão. Com um aceno de cabeça, ele disse: -Você fez uma coisa maravilhosa. Aquela criança está novamente com os pais, e isso é o que conta.
- Como eu disse, nós tivemos sorte.
Sorensky, percebendo o desconforto de Nick com os elogios, rapidamente mudou de assunto. - Um inspetor de polícia chamado Downing está a bordo. Ele teve que me entregar sua arma - acrescentou com um sorriso. - Você não o conhece?
- O nome não é familiar. Ele não está escoltando um preso, está?
- Sim, está.
- E o que estão fazendo num vôo comercial? Eles não têm seus próprios aviões?
- Esta é uma situação extraordinária, segundo Downing. Ele está levando o preso de volta a Boston para ser julgado, e está com pressa. O rapaz não é violento - explicou. - Foi pego em flagrante vendendo drogas, mas Downing tem medo de que os advogados dêem um jeito de libertá-lo antes que o juiz consiga tocar no martelo. Eles embarcaram antes, como você. O inspetor é do Texas, pude identificar pelo sotaque, e parece ser um sujeito muito simpático. Você devia ir conversar com ele.
Nick assentiu. - Onde eles estão sentados? - perguntou, dando uma olhada para dentro da imensa cabine do avião.
- Não dá para vê-los daqui. Eles estão do lado esquerdo, última fileira. Downing algemou o rapaz pelos pulsos e tornozelos. Você vai ver, Nick, ele não pode ser muito mais velho do que o meu filho Andy, que tem apenas quatorze anos. É uma pena que alguém tão jovem vá passar o resto da vida entrando e saindo da prisão.
- Os criminosos estão ficando cada vez mais jovens e mais burros - observou Nick. - Obrigado por me avisar. Eu vou até lá cumprimentá-lo. O avião vai estar cheio hoje?
- Não - respondeu Sorensky guardando o pente no bolso das calças. - Vamos com meia lotação até o Logan, mas de lá vamos sair cheios.
Depois de insistir que Nick o procurasse caso precisasse de qualquer coisa, Sorensky voltou para a cabine de comando, onde um homem de uniforme azul-marinho e crachá da companhia o esperava com uma prancheta cheia de papéis coloridos. Ele seguiu o capitão para dentro da cabine e fechou a porta atrás dos dois. Nick guardou sua maleta no compartimento acima do assento, largou a velha pasta de couro craquelado e atravessou para o lado esquerdo do avião na direção do inspetor de polícia. Estava no meio do caminho quando mudou de idéia. Os outros passageiros tinham começado a embarcar, e ele decidiu esperar até que decolassem e ele se acalmasse um pouco para ir falar com Downing, mas não sem antes dar uma boa olhada na dupla. O inspetor estava com uma das pernas esticada no corredor, e Nick pôde ver o bordado em arabescos da sua bota de caubói. Alto e magro, ele parecia mesmo um vaqueiro com sua pele crestada, o grosso bigode castanho e o colete de couro preto. Nick não conseguiu ver o cinto, mas teria apostado seu salário inteiro que Downing estava usando uma grande fivela de prata.
O capitão Sorensky acertara na mosca em sua avaliação do prisioneiro. À primeira vista ele parecia mesmo uma criança, mas seu rosto exibia uma dureza que Nick já vira inúmeras vezes antes. Aquele já era um criminoso experiente, e provavelmente tinha matado sua consciência há muito tempo. É, eles estavam mesmo ficando mais jovens e mais burros ultimamente, pensou Nick. Além do pouco discernimento, o preso fora dotado de genes sofríveis. Seu rosto era marcado pela acne, e os olhos frios como bolas de gude eram tão próximos que ele parecia vesgo. Alguém tinha feito um péssimo serviço no seu cabelo, sem dúvida por solicitação do dono, e as mechas espetadas por toda a cabeça o deixavam um pouco parecido com a Estátua da Liberdade. Ele provavelmente queria ter aquela aparência, mas o que importava que tipo de corte punk ele usasse? Para onde estava indo, ele teria muitos amigos esperando na fila por uma chance de pegá-lo.
Nick voltou para a dianteira do avião e se acomodou em seu lugar. Estava na primeira classe, e embora o assento fosse mais largo, ele ainda se sentia espremido, pois suas pernas eram longas demais para que as esticasse direito. Depois de guardar a pasta sob o assento da frente, ele se recostou, afivelou o cinto de segurança e fechou parcialmente os olhos. Seria ótimo se pelo menos pudesse ficar mais à vontade, mas isso estava fora de questão porque ele sabia que, se tirasse o paletó, os outros passageiros ficariam apavorados ao ver sua arma no coldre. Eles não teriam como saber que a Sig estava descarregada, e Nick não estava com vontade de ter que acalmar ninguém. Droga, ele agora estava à beira de um ataque de pânico, e sabia que continuaria assim até o avião decolar e só ficaria mais ou menos bem até começarem a descer no Aeroporto Logan, quando então a ansiedade o dominaria outra vez. No seu atual estado claustrofóbico e neurótico, ele achava irônico que O'Leary tivesse lhe convidado para fazer parte de uma equipe de manejo de emergências.
Controle-se, ele disse a si mesmo, já que com ou sem pânico estava determinado a botar em dia a papelada que trouxera consigo enquanto estivesse no ar. Ele já tinha se informado e sabia que ninguém ia ocupar o assento da janela. Nick sempre ficava no corredor, mesmo que isso significasse trocar outro passageiro de lugar, para poder ver o rosto de todas as pessoas que entrassem no avião. Depois da decolagem, ele poderia espalhar seus arquivos pelos bancos enquanto decifrava anotações e passava os dados para o laptop.
Ele gostaria de não ser tão obcecado por controle. Morganstern havia dito que lhes ensinara técnicas de relaxamento durante o período de treinamento isolado que passara com seus colegas de equipe, mas Nick não tinha qualquer lembrança do que acontecera naquelas duas semanas, e sabia que os outros também não se recordavam de nada. Todos tinham concordado com as condições de Pete, que sentara com eles e explicara o que queria fazer, mas não como, e depois pedira que confiassem nele. Nick foi o que teve mais dificuldade em se decidir, pois aquilo significava abrir mão do seu controle, mas acabou concordando. Pete tinha avisado que eles não se lembrariam de nada, e estava certo.
Às vezes, um aroma ou um som o fazia pensar no treinamento, e seu corpo reagia ficando tenso, mas tão subitamente quanto tinha surgido, a lembrança desaparecia de sua mente. Ele sabia que o retiro se passara numa floresta em algum lugar dos Estados Unidos, e tinha as cicatrizes para provar: uma com formato de lua crescente no ombro esquerdo e outra, maior, logo acima do olho direito. Ele voltara do treinamento com cortes e esfoladuras nas mãos e pernas, e só Deus sabia quantas mordidas de mosquito tinha para provar que estivera em contato íntimo com a natureza. Os outros Apóstolos também haviam ficado com cicatrizes? Ele não sabia, e nunca conseguia reter a pergunta em sua mente por tempo suficiente para perguntar.
Certa vez, durante uma reunião individual, Pete tinha tocado no assunto do treinamento, e Nick lhe perguntara se eles tinham sofrido lavagem cerebral. Seu chefe ficou perplexo com a pergunta. - De forma alguma! - exclamou. - Eu simplesmente tentei ensinar a vocês como maximizar os dons que Deus lhes deu.
Em outras palavras, os jogos mentais de Pete tinham por objetivo realçar ainda mais seus instintos naturalmente aguçados, ou, como dizia o slogan dos anúncios de recrutamento do exército americano, ajudá-los a ser tudo o que eles podiam ser.
O avião estava se movendo. Eles taxiaram até o fim da pista e depois pararam. Nick supôs que estivessem esperando a vez de entrar na fila com os outros aviões - Cincinnati era a base nacional de operação de várias empresas aéreas, e tinha sempre muito tráfego - mas depois de quinze minutos eles ainda não tinham se movido um centímetro sequer. Quando se debruçou sobre o assento desocupado e olhou pela janela, viu dois aviões se afastando a uma velocidade incomumente alta na direção oposta.
Uma mulher jovem e loira sorriu para ele do outro lado do corredor e tentou puxar conversa, perguntando se ele estava nervoso. O fato de seus dedos estarem brancos com a força com que ele se agarrava ao braço da cadeira provavelmente o denunciara. Ele respondeu com um aceno de cabeça e depois se virou outra vez para a janela, para desencorajar o papo-furado. Ela não era feia, e as roupas justas que usava não deixavam dúvida de que tinha um corpo bonito, mas ele não queria ser obrigado a conversar e certamente não estava no clima para flertar. Ele devia estar mais cansado do que pensara, além de cada vez mais parecido com seu irmão Theo, que nunca estava no clima para nada além de trabalho.
Nick viu o caminhão dos bombeiros e os dois carros da polícia correndo na direção do avião ao mesmo tempo em que a voz do Capitão Sorensky surgiu nos auto-falantes, carregada de falsa animação.
"Senhoras e senhores, vai haver um pequeno atraso enquanto esperamos nossa vez de decolar". Em breve estaremos no ar, então relaxem e desfrutem de sua viagem.
Assim que as palavras cessaram, a porta da cabine de comando se abriu e Sorensky saiu para a cozinha, exalando segurança com um sorriso profissional bem treinado. Ele hesitou por uma fração de segundo com os olhos cravados em Nick, e depois começou a percorrer o corredor. Em seus calcanhares estava o jovem funcionário uniformizado da empresa aérea, seguindo o capitão tão de perto que parecia estar segurando as costas de seu paletó.
Lentamente, Nick abriu o cinto de segurança.
- Capitão, o senhor não deveria estar pilotando o avião? - perguntou a loira com um sorriso.
Sorensky não olhou para a mulher quando respondeu: - Só preciso verificar uma coisinha lá atrás.
Os punhos do capitão estavam cerrados ao lado do corpo, mas quando ele passou pelo assento de Nick, a mão direita se abriu e deixou cair o pente da Sig no colo do agente.
Com um único movimento fluido, Nick saltou da cadeira, agarrou o braço do funcionário e o segurou contra o descanso para a cabeça do assento atrás dele. O elemento surpresa estava do seu lado, e o homem sequer teve tempo de piscar antes de ter sua arma arrebatada da mão e se ver com a cara no chão e o pé de Nick apertando seu pescoço. O pente estava de volta na Sig Sauer, e o cano reluzente estava apontado para o falso funcionário antes do capitão terminar de se virar.
Tudo aconteceu tão rápido que os outros passageiros ficaram perplexos demais para gritar. Sorensky ergueu as mãos e avisou: - Está tudo bem, pessoal. - Voltando-se para Nick, ele disse: - Companheiro, você é muito rápido.
- Eu tenho prática - respondeu Nick enquanto prendia a arma no coldre outra vez e se ajoelhava para vasculhar os bolsos do homem deitado.
- Ele disse que é primo do preso e que ia tirá-lo do avião.
- Não se deu ao trabalho de planejar muito bem o resgate, não é? - Ele abriu a carteira do jovem e leu o nome na carteira de motorista do Kentucky. - William Robert Hendricks. - Cutucando-o com a ponta do pé, Nick perguntou: - Seus amigos o chamam de Billy Bob?
Em resposta, Billy Bob começou a se remexer como uma peixe numa canoa e a gritar a plenos pulmões que queria um advogado. Nick ignorou-o e pediu ao capitão que visse se o inspetor Downing por acaso não teria um par de algemas de reserva que pudesse lhe emprestar.
Quando o choque inicial passou, os passageiros começaram a reagir. Um murmúrio se ergueu acima do grupo e, como uma bola de neve, foi ganhando volume à medida em que se espalhava pelo corredor. O Capitão Sorensky, percebendo que o pânico estava se instalando, assumiu o comando e, com uma voz suave como um bom uísque, anunciou: - Acalmem-se, acalmem-se. Já está tudo sob controle. Podem sentar e relaxar. Assim que os agentes da lei cuidarem deste pequeno incidente, estaremos a caminho outra vez. Ninguém se machucou. - Depois, o capitão pediu que uma das aeromoças buscasse o inspetor de polícia no fundo da aeronave.
Com seu prisioneiro a reboque, Downing percorreu o corredor e entregou um par de algemas a Nick. Depois de fechá-las às costas de Billy Bob, ele o colocou de pé e então notou que o inspetor estava balançando a cabeça com uma expressão contrariada.
- Algum problema? - perguntou.
- Você sabe o que isso significa, não sabe? - Downing murmurou com um lento sotaque do Texas.
- O quê? - perguntou o capitão Sorensky.
- Mais um monte de formulários para preencher.
Depois de dar uma passada no escritório de Boston para largar algumas pastas, resolver assuntos pendentes e ser indagado sobre a possibilidade de ter planejado o seqüestro apenas para adiar a decolagem - todos no departamento pareciam achar seu medo de voar hilariante -, Nick finalmente tomou o caminho de casa. O trânsito estava horrível, mas isso não era novidade. Ele cogitou em levar seu Porsche 84 para a estrada e pisar fundo no acelerador, só para ver como o motor recém-recondicionado se sairia, mas decidiu que estava cansado demais e preferiu conduzir lentamente o seu brinquedinho pelas ruas internas menos movimentadas. O carro respondia com perfeição a todos os seus comandos. O que importava que suas irmãs Jordan e Sidney o tivessem apelidado de "Substituto", insinuando que um homem que dirigia um carro esporte tão sensual estava meramente compensando o que faltava em sua vida sexual?
Ele entrou na garagem no porão de sua casa de tijolos à vista, apertou o botão do controle remoto para fechar o portão e sentiu seu corpo inteiro começar a relaxar. Finalmente tinha chegado. Subiu a escada até o primeiro piso, deixou a sacola Hartmann em frente à porta da área de serviço - sua empregada, Rosie, o treinara muito bem - e arrancou a gravata e o paletó antes de chegar à cozinha recém-reformada. Largou a pasta e os óculos escuros no balcão de granito marrom reluzente, pegou uma cerveja no refrigerador SubZero que fazia um barulho estranho de sucção cada vez que ele fechava a porta e foi para seu refúgio, driblando a pirâmide de caixas fechadas que Rosie tinha empilhado no centro da sala com bilhetes hostis grudados com fita adesiva.
A biblioteca nos fundos do andar térreo era sua peça preferida na casa, e a única que ele se dera ao trabalho de mobiliar desde que tinha se mudado. Quando abriu a porta, o aroma de lustra-móveis de limão, couro e livros velhos o envolveu como uma onda agradável. A peça era grande e espaçosa, e ainda assim parecia quente e aconchegante nas noites brutais de inverno, quando uma nevasca rugia do lado de fora da janela e havia toras queimando na lareira. As paredes eram revestidas de madeira escura de nogueira e subiam quatro metros até os frisos de gesso ornamentados do séc. XVIII que emolduravam o teto. Duas das quatro paredes estavam cobertas por estantes ligeiramente arqueadas pelo peso dos livros, com escadas que corriam de uma extremidade à outra ao longo de um tubo metálico preso ao chão para que os volumes nas prateleiras de cima pudessem ser facilmente alcançados. Sua escrivaninha de mogno, um presente do tio, ficava virada para a lareira, cujo consolo estava coberto de fotografias levadas pela mãe e as irmãs. A luz do sol invadiu a biblioteca quando ele puxou as cortinas e abriu as portas francesas duplas, encimadas por um arco renascentista, que davam para o pátio de pedras vermelhas com sua fonte antiga de querubins. Na primavera, sentia-se primeiro a fragrância dos lilases e depois as madressilvas, mas naquela época do ano o perfume pesado dos heliotrópios ainda predominava.
Nick ficou parado contemplando seu recanto de paz por vários minutos, até que o calor começou a incomodá-lo e o ar-condicionado central entrou automaticamente em ação. Ele fechou as portas, bocejou ruidosamente e tomou um longo gole da cerveja, depois soltou o coldre da cintura, retirou o pente da arma e guardou tudo no cofre embutido na parede. Sentou-se na cadeira giratória de couro macio da escrivaninha, arregaçou as mangas e ligou o computador, soltando um gemido alto ao ver o número de e-mails que o esperavam, além das vinte e oito mensagens armazenadas em sua secretária eletrônica. Com um suspiro, ele tirou os sapatos, reclinou-se na cadeira e começou a ler os e-mails enquanto ouvia as mensagens telefônicas.
Cinco das chamadas eram de seu irmão Zachary, o caçula, que queria desesperadamente o Porsche emprestado no feriado de 4 de julho e prometia de todo o coração cuidar bem do carro. A sétima mensagem era de sua mãe, tão veemente quanto o irmão, advertindo que ele não deveria lhe emprestar o Porsche em circunstância nenhuma. Sua irmã financista amadora, Jordan, também havia telefonado para dizer que as ações que comprara para ele acabavam de alcançar U$ 150, o que significava que Nick já podia se aposentar e viver uma vida de ostentação se assim desejasse. A idéia o fez sorrir. Seu pai, que tanto se esforçara para inculcar nos filhos a ética do trabalho, teria um ataque cardíaco se um deles não tivesse uma ocupação produtiva. Segundo o juiz, o objetivo de todos na vida era tornar o mundo um pouco melhor, e em certos dias Nick tinha certeza de que iria morrer tentando.
A vigésima-quarta mensagem congelou seu sangue.
"Nick, sou eu, Tommy. Estou com um problema sério. São cinco e meia de sábado. Ligue assim que ouvir esta mensagem. Estou em Kansas City, na casa paroquial da Nossa Senhora da Misericórdia. Você sabe onde fica. Também vou ligar para Morganstern, talvez ele saiba onde você está. A polícia já está aqui, mas eles não sabem o que fazer, e ninguém consegue achar Laurant. Ligue para mim, não importa a hora."
Capítulo 3
ALGUÉM TINHA MATADO o PAPAI, E BESSIE JEAN VANDERMAN PRETENDIA descobrir quem era esse malfeitor. Todos disseram que fora a idade, e não veneno o que dera cabo dele, mas Bessie Jean não era boba. Papai estava muito bem até um dia simplesmente se levantar e virar de borco. Tinha sido veneno, sim, e ela ia provar.
De um jeito ou de outro, ela faria justiça. Ela devia ao Papai desmascarar o criminoso e botá-lo na cadeia. Tinha que haver alguma prova em algum lugar, talvez no próprio jardim onde ela prendia o Papai nos dias de sol para que ele tomasse ar fresco. Se havia algum vestígio por ali, por Deus que ela ia encontrar. A investigação estava nas suas mãos e de mais ninguém. A Mana tinha encurtado as férias em Des Moines e fizera o primo trazê-la de volta para casa quando recebeu a notícia. Ela estava tentando ajudar, mas não tinha muita serventia com aqueles olhos ruins e a vaidade que não a deixava usar as bifocais de aro de tartaruga. Bessie Jean agora se arrependia de ter dito que os óculos a faziam parecer uma uva passa de olhos saltados. É claro que ninguém ia ajudá-la a procurar as provas do crime, porque ninguém além delas dava a mínima para o assunto, nem mesmo aquele inútil do Xerife Lloyd MacGovern. Ele não gostava muito do Papai desde que ele se soltara da corrente e dera uma bela mordida no traseiro largo do xerife. Mas mesmo assim, seria de esperar que ele tivesse a decência de bater na porta delas para dar os pêsames pelo falecimento de Papai, já que ela e a Mana moravam a uma mísera quadra de distância da praça da cidade, onde ficava a delegacia. Que vergonha, Bessie Jean tinha dito à Mana. Não importava se ele gostava ou não do Papai, ele tinha que cumprir seu dever e descobrir quem era o assassino.
Nem todo mundo em Holy Oaks era insensível, lembrara a Mana. Outras pessoas que moravam no vale estavam sendo atenciosas e solícitas, porque sabiam o quanto Papai significava para Bessie Jean. Aquela vizinha presunçosa do lado, com aquele nome francês extravagante, Laurant, tinha sido a mais sensível de todas. O que elas teriam feito se ela não tivesse escutado Bessie Jean chorar e não tivesse vindo correndo ajudar? Bessie Jean estava de joelhos, debruçada sobre o pobre Papai morto, e Laurant ajudou-a a se levantar. Depois colocou-a juntamente com Mana no carro, soltou a corrente do Papai, pegou-o no colo com muito cuidado e o pôs no porta-malas. Ele já estava duro e frio como uma pedra, mas Laurant tinha corrido até a clínica do Dr. Basham e levado o Papai para dentro o mais rápido que podia, para ver se o doutor não conseguia fazer um milagre.
Como não havia milagres à disposição naquele dia triste, o veterinário tinha colocado Papai no freezer para esperar a autópsia que Bessie Jean insistia em fazer. Depois, Laurant levou-a juntamente com Mana para o consultório do Dr. Sweeney para tirar a pressão, porque Bessie Jean ainda estava muito abalada e a Mana estava com tontura.
Laurant não era tão presunçosa no final das contas. Com seus oitenta e dois anos, Bessie Jean não costumava mudar uma opinião depois que estivesse formada, mas daquela vez abriria uma exceção Depois que o choque e a aflição por ter perdido Papai tinham diminuído, ela se deu conta de como Laurant era boazinha. Ela ainda era uma estrangeira, é claro. Tinha vindo para Holy Oaks diretamente daquele antro de pecado e devassidão, Chicago, mas a cidade não a contaminara. Ela ainda era uma moça muito boa. As freiras que a criaram naquele colégio interno chique na Suíça tinham lhe dado uma boa formação, e Bessie Jean, rígida e cabeça-dura como se achava, decidiu que podia agüentar um ou dois amigos estrangeiros. Claro que podia.
A Mana tinha sugerido que elas parassem de lamentar a morte do Papai só pelo tempo de preparar uma torta de maçã para Laurant, pois era o mínimo que uma boa vizinha deveria fazer, mas Bessie Jean tinha feito troça dela por ter uma memória tão ruim e se esquecer que os gêmeos Winston estavam cuidando da farmácia de Laurant enquanto ela ia de carro até Kansas City. Ela tinha dito que queria fazer uma surpresa para o irmão, aquele padre bonitão de cabelo fofo pelo qual as meninas da faculdade de Holy Oaks estavam sempre suspirando. Teriam que esperar até segunda-feira para fazer a torta, porque era nesse dia que a vizinha deveria voltar.
Depois que as duas irmãs decidiram que Laurant era uma pessoa decente, passaram naturalmente a acreditar que era dever delas interferir na sua vida sempre que possível, e se preocupar com ela como fariam com suas próprias filhas se tivessem se casado e constituído famílias. Bessie Jean esperava que Laurant se lembrasse de trancar as portas do carro. Ela era jovem, e portanto ingênua, enquanto elas eram mais velhas e mais sábias e conheciam todos os perigos do mundo. Tudo bem que nenhuma delas tivesse ido mais longe de Holy Oaks do que Dês Moines, onde moravam seus primos Ida e James Perkins, mas isso não queria dizer que elas não soubessem que coisas horríveis aconteciam hoje em dia. Elas não eram ignorantes. Liam o jornal todos os dias e sabiam que havia assassinos por aí afora, esperando na beira das estradas para atacar as moças que fossem bobas o bastante para lhes dar carona ou que tivessem problemas com o carro que as colocassem no caminho do perigo. Bonita como era, Laurant chamava a atenção de qualquer homem. Era só reparar em todos aqueles garotos do secundário que passavam o dia em torno de uma loja que ainda não estava nem aberta, na esperança que ela saísse e fosse falar com eles. Mas Bessie Jean tinha lembrado à Mana que a vizinha era tão esperta quanto bonita.
Tendo decidido não se preocupar mais com Laurant, Bessie Jean se sentou-se à mesa da sala e abriu a caixa de madeira que sua mãe lhe dera quando ela era uma menina. Pegou uma folha de papel cor-de-rosa perfumado com suas iniciais em relevo e empunhou a caneta. Já que o xerife Lloyd não pretendia fazer nada sobre o assassinato do Papai, Bessie Jean iria tomar o assunto nas suas próprias mãos Ela já tinha escrito para o FBI pedindo que eles mandassem um investigador para Holy Oaks, mas a carta devia ter se extraviado no correio, porque oito dias inteiros já haviam passaram e ela ainda não tinha recebido notícias de ninguém. Ela ia dar um jeito para que a próxima carta não se perdesse. Desta vez, ia enviar o pedido diretamente ao diretor, e por mais caro que fosse, faria questão de mandar uma carta registrada.
A Mana começou a limpar a casa Afinal de contas, elas iam ter visita. Qualquer dia desses, o FBI estaria batendo na porta delas.
Capítulo 4
A ESPERA A ENLOUQUECIA. QuANDO Se TRATAVA DA SAÚDE DO IRMÃO, Laurant achava impossível ser paciente, e ficar ao lado do telefone esperando que ele ligasse com os resultados dos exames de sangue, que exigia mais sangue-frio do que ela possuía. Tommy sempre telefonava nas noites de sexta-feira entre sete e nove horas, mas daquela vez tinha falhado, e quanto mais ela esperava, mais preocupada ficava.
Na tarde de sábado, Laurant já tinha se convencido de que as notícias não eram boas, e como até as seis horas Tommy ainda não havia telefonado, ela entrou no carro e pegou a estrada. Sabia que o irmão ia ficar chateado por ela segui-lo até Kansas City, mas, enquanto dirigia, pensou numa boa mentira para contar a ele. Ela era formada em História da Arte, lembraria a ele, e a exposição temporária de Degas no Museu Nelson Atkins em Kansas City era simplesmente imperdível. As obras expostas haviam sido mencionadas na Gazeta de Holy Oaks, e ela sabia que Tommy lia todas as notícias. Laurant já tinha visto a exposição em Chicago, várias vezes para dizer a verdade, quando trabalhava numa galeria de arte, mas talvez ele não se lembrasse. Além do mais, não havia uma regra dizendo que só se podia ver as maravilhosas bailarinas de Degas uma única vez, havia? Não, é claro que não.
Laurant não podia contar a verdade a Tommy, muito embora ambos soubessem que ela se consumia de pânico a cada três meses, quando ele se internava no centro médico para exames. Ela estava morta de medo de que os resultados desta vez não fossem satisfatórios, e que o câncer, como um urso em hibernação, tivesse despertado novamente. Tommy sempre tinha os resultados dos exames preliminares na sexta-feira à noite, então por que não havia telefonado? Não saber a verdade estava acabando com seus nervos, e o medo começava a lhe dar náuseas. Antes de sair de Holy Oaks, ela tinha ligado para a casa paroquial para falar com o Monsenhor McKindry, sem se importar de parecer uma superprotetora neurótica. O monsenhor tinha uma voz calma e gentil, mas as notícias que lhe dera não eram boas. Tommy tinha voltado para o hospital, explicou ele, e não, os médicos não tinham ficado felizes com os exames preliminares. Laurant sabia o que aquilo significava: seu irmão ia ser submetido a outro ciclo brutal de quimioterapia.
De modo algum ela poderia permitir que ele passasse por aquela provação sem a família ao seu lado. Família... Ele era toda a família que ela tinha. Depois da morte de seus pais, ela e o irmão, ainda crianças, tinham sido forçados a crescer em lados opostos do oceano. Muita coisa havia se perdido ao longo dos anos, mas agora tudo era diferente. Eles eram adultos e podiam fazer suas próprias escolhas, e isso significava que podiam estar perto um do outro quando as coisas ficassem difíceis.
A luz do alternador se acendeu um pouco antes da cidadezinha de Haverton. O único posto de gasolina estava fechado, e ela terminou passando a noite num hotelzinho simples na beira da estrada. Antes de partir na manhã seguinte, comprou um mapa de Kansas City e pediu ao recepcionista do hotel que lhe indicasse como chegar ao Fairmont, o hotel mais próximo do museu de arte.
Mesmo assim ela se perdeu. Não viu o acesso para sair da 1-435 e acabou avançando demais na rodovia que circundava a cidade espalhada. Dispensando o mapa empapado, sobre o qual tinha acidentalmente derramado uma lata quase cheia de Coca Light, ela parou em outro posto de gasolina para pedir informações.
Depois de se orientar, chegar ao hotel não foi difícil. Ela entrou no acesso seguinte e tomou a direção norte.
Tommy havia lhe dito que Kansas City era bonita e limpa, mas suas descrições não faziam jus à cidade, que era realmente adorável. As ruas eram ladeadas por casas antigas de dois andares com jardins bem cuidados e flores desabrochando em toda parte. Seguindo as instruções do frentista do posto de gasolina, ela pegou a rua que ele tinha jurado que a levaria até a porta do Fairmont, uma avenida dividida por largas faixas de grama. Por duas vezes ela passou por grupos de adolescentes que jogavam futebol e baseball nos canteiros, aparentemente imunes ao calor opressivo e à umidade asfixiante.
A rua fazia uma curva em declive suave, e quando Laurant já começava a achar que tinha se perdido outra vez, viu um agrupamento de lojas em estilo espanhol logo à frente, que só poderia ser a área que o frentista tinha chamado de Country Club Plaza, e respirou aliviada. Dois quarteirões mais adiante, lá estava o Fairmont à sua direita.
Ainda não era exatamente meio-dia, mas o recepcionista do hotel teve pena do seu estado e permitiu que ela ocupasse o quarto mais cedo. Uma hora depois, Laurant se sentia um ser humano outra vez. Tinha pego a estrada muito cedo naquela manhã, mas uma longa ducha fria a revitalizara. Embora soubesse que Tommy não iria se importar se ela aparecesse na casa paroquial usando jeans ou bermudas, tinha trazido suas "roupas de igreja". Era domingo, e a missa do meio-dia provavelmente estaria terminando quando ela chegasse, e Laurant não queria ofender o Monsenhor McKindry, o qual, segundo Tommy era extremamente conservador. Seu irmão brincava dizendo que, se pudesse, o monsenhor ainda estaria rezando a missa em latim.
Ela colocou um vestido longo de linho rosa-bebê, sem mangas e com gola mandarim. A saia tinha uma fenda do lado esquerdo, que ela esperava que o monsenhor não achasse ousada demais. Seu cabelo longo ainda estava úmido na nuca, mas ela não queria mais perder tempo e, depois de ajustar as tiras delicadas de suas sandálias, pegou a bolsa e os óculos de sol e desceu novamente.
O calor atingiu seu rosto como um tapa quando Laurant saiu do hotel, e ela não conseguiu respirar direito por alguns segundos. O pobre porteiro, um homem de idade com cabelo grisalho, parecia prestes a derreter dentro do uniforme cinza. Assim que o manobrista trouxe o carro, ele avançou para abrir a porta para ela com um enorme sorriso, que desapareceu quando ela pediu que confirmasse as instruções para chegar à Nossa Senhora da Misericórdia.
- Senhorita, existem igrejas muito mais próximas do hotel - ele disse. - Uma delas se chama Anunciação e fica a apenas duas quadras daqui, na rua principal. Se não estivesse tão quente, a senhorita poderia ir a pé. É uma igreja antiga e muito bonita, e fica numa zona segura.
- Eu preciso ir à igreja da Misericórdia - ela explicou.
Laurant notou que ele ainda queria argumentar, mas mordeu a língua. Enquanto ela se acomodava no carro, ele se inclinou para a frente e sugeriu que ela trancasse as portas e não parasse por motivo algum até entrar no estacionamento da igreja.
O bairro no qual ela entrou meia hora depois era deteriorado e deprimente. Prédios abandonados com janelas quebradas e portas de tábua se alinhavam ao longo das calçadas sujas, e pichações em negro nas paredes gritavam palavras raivosas aos transeuntes. Laurant passou por um terreno baldio que os moradores aparentemente usavam como depósito de lixo, e mesmo com as janelas fechadas e o ar-condicionado ligado ela ainda pôde sentir o fedor de carne apodrecida. Na esquina do quarteirão havia quatro meninas de seis ou sete anos de idade, todas vestidas com suas melhores roupas de domingo. Elas estavam pulando corda e cantando uma rima boba, rindo e brincando como qualquer criança, indiferentes à destruição em volta delas. Naquela decadência, a inocência e a beleza da cena emocionaram Laurant e a fizeram lembrar de uma pintura que ela tinha visto durante seus estudos em Paris. A tela mostrava um campo de terra marrom cercado por um arame farpado feio e ameaçador com suas pontas afiadas, sob um céu com redemoinhos cinzentos. A atmosfera era sombria e amarga e, contudo, no canto esquerdo da pintura, agarrada ao metal retorcido, uma solitária trepadeira amarela se enroscava até o alto da cerca, e ali, esticando-se na direção do céu, uma única rosa vermelha e perfeita estava prestes a desabrochar. O quadro se chamava Esperança, e enquanto Laurant observava as meninas brincando, recordava a mensagem do artista: a vida continua, e mesmo em meio a ruínas a esperança pode florescer. Laurant guardou na memória a imagem das meninas brincando, esperando que um dia, quando estivesse brincando com suas tintas, pudesse capturá-la numa tela.
Uma das meninas esticou a língua e depois acenou para Laurant, que retaliou na mesma moeda e sorriu quando as quatro se desmancharam em gargalhadas.
Três quarteirões à frente, em meio à desolação, ficava a Igreja da Nossa Senhora da Misericórdia, com dois pilares brancos guardando a entrada como sentinelas. A construção parecia exausta de seus deveres e desesperadamente necessitada de reparos, com a tinta se descolando do alto das paredes e tábuas apodrecidas e empenadas que deformavam as laterais. Laurant se perguntou quantos anos teria a igreja, e imaginou-a bonita outra vez. Olhando para os entalhes ornamentais nas bordas do telhado e as pedras trabalhadas da fachada, era fácil ver que a construção havia sido magnífica, e poderia ser novamente com um pouco de cuidado e dinheiro. Mas ela seria restaurada em sua glória original ou ignorada até ser tarde demais e então demolida, como era o triste hábito da época?
Uma cerca de ferro batido com pelo menos dois metros e meio de altura cercava a propriedade por todos os lados, e no terreno que ela delimitava havia, além da igreja, um estacionamento amplo recentemente alcatroado e a casa paroquial de pedra caiada. Laurant atravessou os portões abertos e parou ao lado de um seda preto.
Estava trancando sua porta quando notou um carro de polícia estacionado junto à casa paroquial, praticamente invisível por causa dos ramos folhosos de um velho plátano. Por que a polícia estava ali? Provavelmente devido ao vandalismo, concluiu, pois Tommy havia lhe contado que os problemas com a vizinhança tinham aumentado muito no último mês. Ele achava que isso se devia ao excesso de garotos fora da escola e à escassez de empregos e atividades organizadas para mantê-los ocupados, mas o Monsenhor McKindry acreditava que a violência e as profanações estavam ligadas às gangues.
Laurant andou na direção da igreja. As portas estavam abertas, e ela escutou música e vozes cantando. Estava no meio do estacionamento quando a música terminou e, segundos depois, as pessoas começaram a sair. Algumas mulheres estavam usando os folhetos da igreja para se abanar, e vários homens secavam a testa com lenços. O monsenhor McKindry, parecendo à vontade apesar de vestido com a longa batina, logo veio se despedir da congregação. Laurant não conhecia pessoalmente o monsenhor, mas reconheceu-o pela descrição que Tommy havia feito de seus cabelos imaculadamente brancos e vincos profundos no rosto. Ele era alto e tão magro que parecia doente, mas, segundo seu irmão, comia como um estivador e tinha ótima saúde, considerando sua idade avançada.
A congregação obviamente o adorava. Ele tinha um sorriso e uma palavra bondosa para cada homem e mulher que paravam para falar com ele, e chamava a todos pelo nome, um feito impressionante dado o número de paroquianos. As crianças também o adoravam e cercavam, puxando os paramentos para chamar sua atenção.
Laurant ficou ao lado da escada à sombra da igreja, esperando que o monsenhor terminasse seus deveres. Depois que ele mudasse de roupa, eles iriam para a casa paroquial e poderiam conversar com mais calma a respeito de Tommy. O irmão sempre a protegera das notícias desagradáveis, tanto que ela tinha aprendido a não confiar nele no que dizia respeito a suas condições de saúde. Pelo que Tommy havia lhe contado sobre o monsenhor, ela sabia que, apesar de ser bondoso e compassivo, o velho padre também era extremamente franco, e Laurant esperava que ele não dourasse a pílula caso a doença de Tommy não estivesse mais em remissão.
Seu irmão tinha medo de que ela se preocupasse com ele, e eram ridículos os jogos que armava para poupá-la disso. Como era o mais velho e a família agora se resumia aos dois, ele tentava enfrentar tudo sozinho, sem se dar conta de que ela não era mais uma criança. Já era hora de parar com aquilo.
Ela estava olhando para a casa paroquial quando a porta da frente se abriu e um policial com uma barriga de cerveja bastante pronunciada saiu para a varanda, seguido por um homem mais jovem e alto. Ela observou os dois apertarem as mãos e o policial se dirigir ao seu carro.
O estranho na varanda capturou toda a sua atenção, e ela não pôde deixar de examiná-lo de cima abaixo. Impecavelmente vestido com camisa branca, blazer azul-marinho e calças caqui, ele parecia ter acabado de saltar da capa de uma revista de moda masculina. Não era o que se poderia chamar de lindo de morrer ou mesmo bonito, pelo menos não no sentido habitual, mas talvez fosse isso o que o tornava tão atraente aos olhos dela. Laurant tinha trabalhado como modelo para um estilista italiano em uma das férias de verão do internato, antes de Tommy descobrir e obrigá-la a parar, mas naqueles dois meses e meio tinha convivido com um bom número de homens bonitos. O estranho na varanda parecia rude e másculo demais para este rótulo, e muito, muito sensual.
Havia uma aura de autoridade em torno dele, como se estivesse acostumado a que as coisas fossem feitas ao seu modo. Ela notou o ângulo marcado do seu maxilar, a linha bem definida de sua boca. Ele podia ser perigoso, pensou, sem conseguir definir o quê nele a fazia se sentir daquela forma.
O estranho tinha um rosto marcante e a pele bronzeada como ela não estava mais acostumada a ver. Realmente muito interessante.
Um dos avisos constantes da Madre Superiora soou como um alarme dentro da sua cabeça. "Cuidado com os lobos em pele de carneiro, pois eles roubarão sua virtude."
Aquele homem não aparentava ter que roubar o que quer que fosse. Era mais provável que as mulheres se atirassem no seu colo, e ele somente desfrutasse do que lhe era livremente oferecido. Ela deu um pequeno suspiro, sentindo-se culpada por estar tendo aqueles pensamentos a alguns metros de uma igreja, e pensou que a Madre Maria Madalena estava certa quando dizia que ela seguiria direto para o inferno se não aprendesse a controlar sua imaginação pecaminosa.
O estranho devia ter percebido que estava sendo observado, porque subitamente se virou e olhou para ela. Constrangida por ter sido surpreendida com cara de boba, ela estava prestes a se virar quando a porta da frente se abriu outra vez e Tommy surgiu na varanda. Laurant ficou exultante ao vê-lo ali, e não numa cama de hospital como havia temido.
Vestido com a longa batina negra e o colarinho romano branco, ele parecia pálido e preocupado. Ela começou a abrir caminho entre a congregação.
Tommy e o estranho, com quem agora estava conversando, formavam um quadro notável. Os dois eram altos e morenos, mas seu irmão trazia a herança irlandesa nas bochechas rosadas e na dose generosa de sardas sobre o nariz. Ao contrário dela, quando se descuidava e passava tempo demais no sol, ele ficava queimado ao invés de se bronzear. Tommy tinha uma covinha adorável na bochecha direita, e seu jeito de menino lhe rendera o engraçado apelido de "Padre Desperdício" por parte de todas as meninas da faculdade e da escola secundária de Holy Oaks.
Certamente não havia nada de menino no homem parado ao lado de seu irmão, que ocasionalmente assentia para Tommy enquanto continuava a observá-la em seu percurso na direção da varanda.
Ao inclinar a cabeça na direção dela, o estranho finalmente interrompeu Tommy, que se virou, localizou-a e gritou seu nome. Descendo os degraus de dois em dois com a túnica preta flutuando em torno das pernas, ele correu para interceptá-la com uma expressão de alívio no rosto.
Laurant notou que o estranho permaneceu na varanda, mas agora não prestava mais atenção nela, e sim esquadrinhava a aglomeração que se dispersava no estacionamento.
Ela ficou perplexa com a reação do irmão ao vê-la. Achava que Tommy iria ficar furioso, ou pelo menos irritado, mas ele não parecia absolutamente contrariado e agia como se os dois não se vissem há anos, embora a tivesse levado para conhecer o sótão da abadia alguns dias-antes.
Tommy envolveu-a num abraço de urso. - Graças a Deus você está bem. Eu estava tão preocupado, Laurant. Por que não me disse que estava vindo para cá? Estou tão feliz em vê-la!
A voz dele tremia de emoção. Totalmente confusa com aquele comportamento, ela o afastou e disse: - Você está feliz em me ver? Eu estava esperando uma bronca por ter vindo até aqui. Tommy, por que você não telefonou na sexta à noite? Nós tínhamos combinado.
Ele finalmente a soltou. - E você ficou preocupada, não foi?
Ela olhou dentro de seus grandes olhos castanhos e decidiu falar a verdade. - Sim, fiquei. Você deveria ligar quando recebesse o resultado dos exames de sangue, mas como não ligou, eu concluí... que eles não eram muito bons.
- O laboratório se enganou e eu tive que refazer os testes, por isso não telefonei. Eu deveria ter ligado, mas droga, Laurant, você também deveria ter me avisado que estava vindo. Eu pus o xerife Lloyd a procurar você por toda Holy Oaks. Vamos entrar. Eu tenho que ligar para ele para avisar que você está sã e salva.
- Você mandou o Xerife Lloyd atrás de mim? Por quê?
Ele agarrou seu braço e a puxou para entrarem. - Vou explicar tudo assim que chegarmos lá dentro. É mais seguro.
- Mais seguro? Tommy, o que está acontecendo? Eu nunca vi você tão abalado. E quem é aquele homem parado na varanda?
A pergunta surpreendeu o padre. - Você ainda não o conhece, não é?
- Quem? - ela perguntou, cada vez mais frustrada.
- Nick. Aquele é Nick Buchanan.
Ela congelou no lugar e se virou para o irmão. - Você está doente outra vez, não está? É por isso que ele está aqui... como na última vez, quando você ficou mal e não me disse nada até... - Não - ele interrompeu. - Eu não estou doente outra vez. - Ela não parecia muito convencida, e Tommy insistiu. - Eu prometi que ia lhe contar se e quando tivesse que fazer quimioterapia de novo, lembra?
- Sim - ela sussurrou, com o medo ainda presente na voz.
- Desculpe eu não ter ligado na sexta. Foi uma desatenção da minha parte. Eu deveria ter lhe avisado que os exames tinham sido inúteis.
- Se você não precisa fazer quimioterapia de novo, por que Nick está aqui? - perguntou ela, olhando de relance para a varanda.
- Eu o chamei, mas por uma razão que não tem nada a ver com a minha saúde. - Ele continuou antes que ela conseguisse interrompê-lo. - Vamos, Laurant. Está na hora de vocês se conhecerem.
Com um sorriso, ela disse: - O famoso Nick Buchanan. Você não me contou que ele era tão... - Ela parou a tempo. Sempre sentira que podia contar tudo ao irmão, mas não parecia apropriado admitir que achava seu melhor amigo incrivelmente sensual. Era uma dupla desvantagem ter um irmão mais velho que por acaso também era padre: ele jamais iria compreender ou aceitar que sua irmã tivesse tais idéias.
Nick e Tommy eram mais irmãos do que amigos. Tinham se conhecido durante uma briga no recreio da escola quando estavam na segunda série. Fizeram o nariz um do outro sangrar e daquele dia em diante se tornaram inseparáveis. Por um conjunto estranho de circunstâncias, Tommy acabou morando com a família Buchanan a maior parte da sua vida escolar, e depois ele e Nick tinham ido para a Universidade Estadual da Pennsylvania juntos.
- Tão o quê? - perguntou Tommy enquanto a puxava.
- Como?
- Nick é tão o quê?
- Alto - disse ela, finalmente se lembrando sobre o que estavam falando.
- Eu nunca lhe mandei fotos dele?
- Não, não mandou - respondeu ela, reprovando-o intimamente pela negligência. Sentindo um súbito nervosismo, ela respirou fundo, alisou o vestido e subiu os degraus para ser apresentada.
Jesus Cristo, ele tinha olhos azuis. Olhos azuis inteligentes que não deixavam escapar nada, pensou Laurant enquanto Tommy fazia as apresentações. Ela estendeu a mão para cumprimentá-lo, mas Nick não a deixou ser tão formal, afastou a mão dela para o lado e a abraçou. Foi um gesto fraternal, e quando ela deu um passo para trás, ele continuou a segurar suas mãos.
- Estou feliz por finalmente nos encontrarmos. Ouvi falar tanto de você em todos estes anos - disse ela.
- Eu não consigo acreditar que nós ainda não tínhamos nos conhecido pessoalmente - retrucou ele. - Eu vi todas as suas fotografias de criança, mas já fazem tantos e, puxa vida, Laurant, você certamente mudou.
Ela riu. - Espero que sim. As irmãs do internato tinham o cuidado de enviar fotos para o meu irmão, mas ele, por sua vez, nunca me mandou nenhuma.
- Eu não tinha câmera - disse Tommy.
- Podia ter pedido uma emprestada. Você era muito preguiçoso.
- Os homens não pensam nestas coisas - ele argumentou. - Pelo menos eu não pensava. Nick, é melhor ela entrar, não?
- É claro - ele concordou.
Tommy abriu a porta de tela e empurrou Laurant para dentro.
- Em nome de Deus, o que há de errado com você? - ela perguntou.
- Vou explicar daqui a um minuto - ele prometeu.
O hall de entrada estava escuro e úmido, e seu irmão indicou o caminho da cozinha nos fundos da casa de dois andares. Havia um recanto para o café-da-manhã em frente à janela que dava para a horta do monsenhor, uma velha mesa retangular de carvalho com uma das pernas apoiada num porta-copos para não balançar e quatro cadeiras desparceiradas. A peça tinha sido recentemente pintada de um amarelo vivo e alegre, mas as cortinas estavam rasgadas e marrons nas bordas. Elas obviamente precisavam ser substituídas, mas o dinheiro tinha destinos mais importantes naquela igreja.
Laurant parou no centro da cozinha, observando o irmão que fechava nervosamente todas as persianas, deixando a cozinha iluminada pela luz suave que entrava pelas frestas.
- Qual é o problema dele? - ela sussurrou para Nick.
- Ele vai explicar daqui a um minuto - prometeu ele, repetindo a frase de Tom.
Em outras palavras, seja paciente, ela pensou.
Nick puxou uma cadeira para ela e sentou-se ao seu lado. Tommy parecia não conseguir se acomodar: sentou-se e depois levantou imediatamente para pegar algumas folhas rabiscadas e uma caneta no balcão de linóleo. Ele estava irrequieto como um passarinho.
Nick atraiu a atenção de Laurant outra vez ao se levantar com uma expressão tão grave quanto a de seu irmão. Ela observou-o afrouxar a gravata e abrir o primeiro botão da camisa, pensando consigo mesma que aquele homem exalava sensualidade. Haveria uma mulher em Boston esperando por ele? Ela sabia que ele não era casado, mas podia estar envolvido com alguém. Certamente estava.
Então Nick tirou o paletó, e as fantasias de Laurant se despedaçaram com o choque.
Enquanto pendurava o blazer nas costas da cadeira vazia ao seu lado, Nick notou a mudança abrupta em Laurant. Ela tinha pressionado as costas contra a cadeira como se estivesse tentando colocar o máximo de distância possível entre os dois, e olhava fixamente para sua arma. Há apenas alguns segundos, ela estava se comportando de maneira aberta e simpática, quase flertando com ele, e agora parecia desconfortável e na defensiva.
- A arma a incomoda?
Ela não deu uma resposta direta. - Achei que você era investigador.
- E sou.
- Então por quê a arma?
- Faz parte do trabalho - Tommy respondeu pelo amigo enquanto revirava seus papéis com a cabeça baixa, tentando se organizar.
A paciência de Laurant havia se esgotado. - Eu já esperei demais, Tommy. Quero saber por que você está se comportando desse jeito estranho. Eu nunca o vi tão nervoso.
- Eu tenho algo para lhe contar, mas é um pouco difícil saber por onde começar. - Olhando para além dela, ele disse estas últimas palavras para Nick, que concordou com um aceno de cabeça.
- Eu acho que sei o que é - ela disse. - Você recebeu os resultados do laboratório e está com medo de me contar sobre eles, não está? Achou que eu ia fazer uma cena e por isso decidiu esperar. Eles não são bons, certo?
Ele soltou um suspiro cansado. - Eu recebi os resultados ontem à noite e ia lhe contar sobre eles mais tarde... depois de explicar o que aconteceu.
- Conte agora - ela disse com a voz fraca.
- O Dr. Cowan ficou muito chateado porque o laboratório errou da primeira vez e pediu que eles apressassem os novos exames. Ele me telefonou de uma festa de casamento quando finalmente recebeu os resultados, e está tudo bem comigo. Agora você vai relaxar?
- Então é certo que não vai haver mais quimioterapia? - Sua voz soava como a de uma criança quando ela falava naquele assunto, por mais que quisesse ter uma atitude adulta em relação ao problema. Se alguma coisa acontecesse ao seu irmão, ela não sabia o que iria fazer. Tinha a impressão de ter acabado de conhecê-lo, e agora aquela doença horrível estava tentando tirá-lo dela outra vez. - Se tudo está tão bem assim, por que você está tão nervoso? E você está nervoso, Tommy, não me diga que não.
- Talvez seja melhor ela simplesmente escutar a fita - sugeriu Nick.
- Eu não quero que ela faça isso por enquanto. Vai ser um choque muito grande.
- Então deixe-a ler a transcrição da polícia.
Tommy balançou a cabeça. - Acho que é melhor eu contar o que aconteceu primeiro. - Ele respirou fundo, e então começou. - Laurant, um homem entrou no confessionário ontem quando eu estava quase indo embora. - Ele parou por alguns segundos enquanto organizava os pensamentos, e depois recomeçou. - Depois de falar com a polícia, eu fiz algumas anotações, e enquanto estava escrevendo o que ele disse.
Os olhos dela se arregalaram de incredulidade, e ela não pôde deixar de interrompê-lo. - Você escreveu o que um homem disse em confissão? Não pode fazer isso. É contra as regras, não é?
Ele levantou a mão num gesto de impaciência. - Eu conheço as regras. Não esqueça que o padre aqui sou eu.
- Você não precisa ser grosseiro comigo
- Desculpe - ele murmurou. - Eu estou preocupado e com uma dor de cabeça horrível, é só. Este homem... estava gravando numa fita tudo o que me dizia.
Ela ficou perplexa. - Ele gravou a conversa? Por que alguém ia querer gravar a própria confissão?
- Ele provavelmente queria uma recordação - sugeriu Nick Tommy assentiu. - De qualquer maneira, ele deve ter saído
dali e ido imediatamente fazer uma cópia da fita. Nós sabemos que esta não é a original por causa dos sons no fundo - explicou. - E depois a deixou na delegacia de polícia. Você acredita nisso, Laurant? Ele simplesmente entrou e largou a fita sobre uma das mesas.
- Mas por que alguém se daria a todo este trabalho?
- Ele queria ter certeza de que eu estaria livre para falar a respeito do que ele me disse - explicou Tommy. - Faz parte do seu jogo doentio.
- O que tem na fita? - Ela esperou que ele respondesse, e ao ver sua hesitação, exigiu: - Tommy, pelo amor de Deus, fale de uma vez. Não pode ser tão ruim quanto você está fazendo parecer. O que este homem disse de tão perturbador?
Tommy puxou a cadeira para mais perto dela e, tomando as duas mãos de Laurant entre as suas, disse: - Este homem anunciou que está planejando... que ele quer...
- Sim?
- Que ele vai matar você.
Capítulo 5
LAURANT NÃO ACREDITOU NO QUE OUVIA, PELO MENOS NÃO DE INÍCIO. TOMMY contou a ela tudo que o homem havia dito no confessionário e, embora ela não o interrompesse nenhuma vez, a cada novo detalhe sentia seu corpo ficar mais tenso. Por um segundo, chegou a se sentir aliviada por ser ela o alvo, e não seu irmão, que já tinha o bastante com que se preocupar no momento.
- Você está reagindo muito bem.
Tommy fez este comentário num tom quase acusatório. Tanto ele quanto Nick estavam esperando que ela digerisse as informações, observando-a atentamente como se ela fosse uma borboleta presa sob um copo.
- Eu não sei bem o que pensar - respondeu Laurant. - Não quero acreditar que seja verdade... isso tudo que ele disse.
- Nós temos que levar a ameaça a sério - alertou Nick.
- Esta outra mulher sobre a qual ele falou... Millie. Ele a matou há um ano? - ela perguntou.
- É o que ele afirma ter feito.
Um arrepio percorreu suas coluna e a fez estremecer. - Seu corpo já foi encontrado?
- Ele disse que a enterrou muito fundo, onde ninguém poderá encontrá-la - respondeu Tommy.
- Já passamos o nome para o VICAP (nota de tradução: Violent Criminal Apprehension Program: Programa de Captura de Criminosos Violentos.fim da nota) - aparteou Nick. - É um sistema de computadores que armazena informações sobre homicídios não resolvidos e procura possíveis pontos em comum. Talvez tenhamos sorte.
- Eu acredito no que ele disse. Acho que matou aquela pobre mulher. Ele não estava inventando, Laurant.
- Você chegou a vê-lo? - ela perguntou.
- Não - respondeu ele. - Quando ele disse que você era a próxima vítima, eu saltei da cadeira e corri para fora. - Ele parou e sacudiu a cabeça. - Não sei o que estava pensando que ia fazer. Eu estava muito alterado.
- Mas você não o viu? Ele já tinha ido embora? Como alguém pode ser tão rápido?
- Ele não tinha ido embora.
- Ele tirou Tommy do ar - disse Nick.
- Como? - ela perguntou, estranhando a expressão.
- Ele me nocauteou - explicou Tommy. - Estava esperando que eu saísse e me acertou por trás. Não sei o que ele usou, mas tive sorte de não ter quebrado meu crânio. Apaguei na mesma hora - acrescentou. - E depois só me lembro de ver o monsenhor inclinado sobre mim, perguntando se eu tinha desmaiado por causa do calor.
- Meu Deus, você podia ter morrido.
- Já levei pancadas piores jogando futebol americano.
Laurant fez Tommy lhe mostrar onde havia sido atingido. Quando tocou no calombo na base de sua cabeça, ele se encolheu. - Ainda está dolorido - disse.
- Talvez fosse melhor mostrar isso a um médico.
- Eu estou bem, mas como queria ter visto o rosto dele.
- Quero escutar a fita. Você reconheceu a voz?
- Não.
- Talvez eu consiga.
- São quase só sussurros.
Tommy estava apavorado. Ela podia ver em seus olhos e escutar na sua voz quando ele falava.
- Nada vai acontecer com você, Laurant. Nós vamos garantir a sua segurança - ele prometeu fervorosamente, buscando concordância com um aceno de cabeça para Nick.
Ela não disse nada por um longo tempo, simplesmente fitou a torneira que pingava do outro lado da cozinha. Sua cabeça estava rodopiando.
- Você não pode ficar indiferente a isso - insistiu Tommy.
- Eu não estou indiferente.
- Então como pode estar tão calma?
Ela apoiou os cotovelos na mesa, curvou a cabeça e apertou os dedos sobre as têmporas. Calma? Ela sabia que era especialista em disfarçar suas emoções - tivera anos para se aprimorar - mas ficou surpresa com a incapacidade do irmão de perceber o quanto estava abalada. Era como se uma granada tivesse acabado de explodir sobre sua cabeça, e seu mundo calmo e pacífico estivesse em pedaços. Ela estava qualquer coisa, menos calma.
- Tommy, o que você quer que eu faça?
- Vou lhe dizer o que você não pode fazer. Não pode se arriscar, Laurant, não até que tenhamos apanhado este homem. Você não pode ficar em Holy Oaks.
- Mas como vou sair de lá agora? Minha melhor amiga vai se casar, eu sou sua dama de honra e não vou perder essa festa. E você sabe que a minha lanchonete vai abrir em duas semanas e ainda falta muito a fazer. Além de tudo isso, a audiência pública sobre a questão da praça está se aproximando, e as pessoas estão contando comigo. Não posso simplesmente arrumar as malas e ir embora.
- Seria temporário, só até ele ser preso.
Ela empurrou a cadeira para trás e se pôs em pé Não conseguia ficar sentada nem mais um segundo.
- Aonde você vai? - perguntou Tommy.
- Vou fazer uma xícara de chá quente
- Chá? Está fazendo 37 graus Centígrados à sombra e você quer um chá quente? - Ela fez uma careta e ele recuou. - Ok, ok. Vou lhe mostrar onde ficam as coisas.
Eles a observaram encher a chaleira de água e levá-la ao fogão. Depois de tirar um saquinho de chá da lata e colocar na xícara, ela apoiou o quadril no balcão e se virou para o irmão outra vez - Eu vou ter que pensar sobre isso.
- Não há o que pensar. Você não tem escolha, Laurant, tem que sair de lá. Não vou permitir que...
Nick o interrompeu delicadamente: - Tommy, você precisa ligar para o xerife Lloyd.
- Você está certo. Eu tinha me esquecido do xerife. Enquanto faço isso, talvez você consiga enfiar um pouco de bom senso na cabeça dela - disse ele, devolvendo a careta para Laurant. - Ela não pode dificultar as coisas. Tem que entender que a situação é séria.
- Eu não estou sendo difícil - ela argumentou. - Mas preciso de um tempo, está bem?
Relutantemente, ele se levantou e foi fazer a ligação. Nick usou seu celular para avisar a polícia de Kansas City que Laurant estava com eles, e depois telefonou para seu superior. Enquanto ele falava com Morganstern, ela preparou o chá, levou-o até a mesa e se sentou outra vez.
- Você precisa comprar um destes - disse Nick, guardando o celular de volta no bolso da camisa. - Nós teríamos localizado você na estrada.
- Em Holy Oaks todos sabem onde todos estão. É como morar num aquário.
- O xerife não sabia onde você estava.
- Ele é muito preguiçoso, e provavelmente não se deu ao trabalho de perguntar a ninguém. - disse ela. - Minhas vizinhas sabiam aonde eu estava indo, e os dois homens que ficaram trabalhando na lanchonete também.
Ela começou a ler a transcrição da conversa feita pela polícia, mas logo largou-a de volta na mesa.
- Eu gostaria de escutar a fita agora.
Ao contrário de seu irmão, Nick estava ansioso para que Laurant escutasse a confissão por si mesma. Ele saiu da cozinha para buscar o toca-fitas e, ao retornar, colocou o aparelho no centro da mesa.
- Está pronta? - perguntou.
Ela parou de mexer o chá, pousou a colher no pires, respirou fundo e depois assentiu.
Nick apertou o botão do Play e se recostou na cadeira. Laurant manteve os olhos fixos na fita enquanto escutava a conversa que tinha acontecido no confessionário. Ouvir a voz do estranho tornava o horror mais real, e quando a fita terminou ela estava com náuseas.
- Meu Deus.
- Você reconhece a voz?
Ela balançou a cabeça. - É um sussurro tão baixo que não consegui entender parte do que ele dizia, mas acho que nunca escutei essa voz antes. Vou ouvir a fita de novo - ela prometeu, - mas não agora, ok? Acho que eu não agüentaria...
- Algumas coisas que ele disse foram deliberadas.. .calculadas. Pelo menos é o que eu penso. Ele queria assustar Tommy.
- E conseguiu. Eu não quero que meu irmão fique preocupado, mas não sei como impedi-lo. Isso não é bom para ele... o estresse.
- Você tem que ser realista, Laurant. Alguém disse a ele que vai matar sua irmã depois de se divertir com ela, e você acha que ele não deve se preocupar?
Agitada, ela corria os dedos entre os cabelos. - Claro que sim, claro... é só que...
- O quê?
- Não é saudável para ele.
Nick havia notado um leve sotaque francês quando falou com ela pela primeira vez, mas agora ele estava mais pronunciado. Ela podia parecer calma e controlada, mas aquela fachada estava começando a se quebrar como uma camada de gelo fino.
- Por que eu? - ela perguntou, genuinamente confusa. - Minha vida é tão tediosa... comum. Isso não faz sentido.
- Muitos destes malucos não fazem sentido algum. Houve um caso, uns dois anos atrás, de um pervertido que matou seis mulheres antes de finalmente ser preso. Sabe o que ele disse à polícia quando lhe perguntaram como e onde ele escolhia suas vítimas?
Ela balançou a cabeça.
- No supermercado. Ele ficava parado na porta e sorria para as mulheres que saíam. A primeira que lhe devolvesse o sorriso... virava | seu objeto de desejo. Mulheres comuns, Laurant, que tinham vidas ! comuns. Você não pode ficar procurando motivos com estes caras,
nem perder tempo tentando entender como funciona a cabeça deles. Deixe isso para os especialistas.
- Você acha que o homem do confessionário é um assassino em série?
- Talvez seja - ele respondeu. - E talvez não. Ele pode estar recém-começando. Os psicólogos da unidade vão poder deduzir algumas coisas assim que ouvirem a fita.
- Mas o que você acha?
- Existem muitas inconsistências na fala dele.
- Como assim?
- Para começar, ele disse a Tommy que matou a outra mulher faz um ano, mas eu desconfio que isso é mentira.
- Por quê?
- Porque ele também disse que tomou gosto pela coisa - lembrou ele. - Uma afirmação não fecha com a outra.
- Não compreendo.
- Se ele teve prazer em torturar e matar a mulher, então isso aconteceu recentemente, e não há um ano. Ele não teria sido capaz de esperar tanto.
- E quanto à carta que ele disse que enviou para a polícia?
- Se ele a escreveu, e se a enviou, a carta deve chegar amanhã ou depois, e a perícia já está a postos. Vão procurar impressões digitais, mas eu duvido que ele tenha deixado alguma.
- Imagino que não tenham encontrado impressões na fita.
- Na verdade, havia uma, mas não era dele. O rapaz que lhe vendeu a fita no Super Sid's Warehouse era fichado, e como suas digitais constavam do nosso arquivo, foi fácil rastreá-lo. Foi o supervisor da condicional quem lhe ajudou a arrumar o emprego - ele explicou.
- Ele se lembrava de quem tinha comprado a fita?
- Infelizmente não - respondeu Nick. - Você já esteve numa destas lojas? O número de pessoas que passam por ali a cada dia é inacreditável, e a caixa do rapaz só aceitava dinheiro vivo, de modo que não temos um boleto de cartão de crédito nem um cheque para investigar.
- E quanto ao confessionário? A polícia encontrou alguma impressão nele?
- Sim, centenas.
- Mas você não acredita que uma delas possa ser dele.
- Não.
- Ele é muito esperto, não é?
- Eles nunca são tão espertos quanto pensam que são. Além disso...
- O quê?
- Nós vamos ser mais espertos ainda.
Capítulo 6
NlCK IRRADIAVA CONFIANÇA, E LAURANT SUBITAMENTE Se DEU CONTA DE Que ele provavelmente havia sido treinado para aparentar calma para que testemunhas e vítimas não entrassem em pânico.
- Alguma coisa consegue enervá-lo, Nick? - ela perguntou.
- Claro que sim.
- Você está convencido de que o homem da fita está falando sério, não está?
- Laurant, não importa quantas vezes você me faça a mesma pergunta, a resposta sempre vai ser a mesma. Sim, eu acho que ele está falando sério - repetiu pacientemente. - Ele teve muito trabalho para pesquisar sobre você, Tommy e eu. Como eu disse antes, a intenção dele era assustar seu irmão, e isso ele conseguiu. Tommy está convencido de que este sujeito é louco, mas eu tenho a sensação de que quase tudo o que ele disse foi cuidadosamente ensaiado. Agora nós temos que descobrir qual é a sua verdadeira intenção.
Ela podia sentir seu auto-controle sumindo, e apertou as mãos uma na outra. - Eu não acredito que isto esteja acontecendo - sussurrou com voz trêmula. - Você escutou o que ele fez com aquela mulher? Como ele a torturou? Você...
Ele pôs as mãos nos seus ombros para acalmá-la. - Laurant, respire fundo. Tudo bem?
Ela seguiu a sugestão, mas aquilo não ajudou. O impacto do que tinha ouvido estava finalmente a atingindo com força total. Gelada até os ossos, ela empurrou as mãos dele e começou a esfregar os próprios braços. Estava com a pele arrepiada e tremia visivelmente. Nick pegou seu paletó e o ajeitou em torno dela. - Melhor?
- Sim, obrigada.
Ele teve um súbito impulso de abraçar e consolar a irmã de Tommy do modo como faria com uma de suas próprias irmãs se ela estivesse com medo, mas não sabia como Laurant iria reagir, e então ficou onde estava e esperou que ela lhe desse alguma espécie de sinal.
Ela puxou o paletó pelas lapelas para estreitá-lo em torno de si.
- Há quanto tempo você chegou aqui?
- Cerca de uma hora.
Os dois ficaram em silêncio, e por vários minutos os únicos sons que se ouviam na cozinha eram o tique-taque do relógio acima da pia e a voz abafada de Tommy vinda da sala. Nick notou que ela não tinha tocado no chá. De repente, Laurant ergueu os olhos e ele viu as lágrimas que corriam por seu rosto.
- Você está se sentindo bem? - perguntou.
Ela secou uma lágrima e respondeu: - Eu estava pensando naquela mulher... Millie... no que ele fez com ela...
O chá estava frio, e ela decidiu preparar outra xícara para si mesma e uma também para Nick. A tarefa a manteve ocupada e lhe deu tempo para tentar controlar as emoções.
Nick observou-a trabalhar e agradeceu quando ela lhe entregou a xícara do chá quente que ele não queria tomar. Depois que ela se sentou, ele disse: - Eu estava me perguntando como você vai suportar tudo isso.
- Você espera que eu seja mais forte do que aparento?
- Algo assim.
- O que exatamente você faz no FBI?
- Eu trabalho no departamento de achados e perdidos.
- E o que você encontra?
- Quando dou sorte?
- É, quando dá sorte.
Ele estendeu a mão para apertar o botão de rebobinar do toca-fitas, e então olhou novamente para ela. - Crianças. Eu encontro crianças.
Os olhos dele eram de um tom muito intenso de azul, e quando a olharam de perto ela teve a impressão de que ele estava tentando ler a sua mente. Ela se perguntou se ele estaria analisando seus movimentos como se ela fosse uma peça de xadrez, tentando encontrar seu ponto vulnerável.
- É um trabalho especializado - ele comentou, esperando que isso pusesse um fim à discussão sobre o seu trabalho.
- Lamento que tenhamos nos conhecido desta maneira... nestas circunstâncias.
- É, bem...
- Veja como eu estou tremendo - disse ela, estendendo a mão para que ele a pegasse. - Estou tão furiosa que tenho vontade de gritar.
- Então grite.
A sugestão a pegou de surpresa. - Como?
- Grite - ele repetiu.
Ela chegou a sorrir, de tão boba que lhe pareceu a idéia. - O monsenhor teria um ataque cardíaco, e meu irmão também.
- Então esqueça essa história por alguns minutos e tente relaxar.
- E como você sugere que eu faça isso?
- Vamos falar sobre outras coisas até Tommy voltar.
- Eu não consigo pensar em outra coisa neste momento.
- É claro que consegue - retrucou ele. - Tente, Laurant. Vai ajudá-la a se acalmar.
Ela concordou com relutância. - Sobre o que vamos falar?
- Você - ele decidiu.
Ela balançou a cabeça, mas ele a ignorou e continuou: - É estranho, você não acha, que nós nunca tivéssemos nos encontrado antes?
- Sim, é estranho - ela concordou. - Você é o amigo mais íntimo do meu irmão desde a infância, ele morou com a sua família por tantos anos, e mesmo assim não sei muito sobre você. Tommy ia passar as férias de verão na Europa, e você sempre era convidado, mas nunca foi. Alguma coisa sempre acontecia.
- Meus pais foram uma vez - ele disse.
- É verdade. Sua mãe levou fotos, e eu tenho uma de você... na verdade da família inteira... com Tommy... na frente de uma lareira no Natal. Quer ver?
- Você está com ela?
Ela não fazia idéia de como era revelador que carregasse a foto na bolsa, numa daquelas capas plásticas para documentos. Nick a observou abrir a bolsa e, quando ela lhe passou a foto, ele notou que sua mão não estava mais tremendo.
Nick olhou para a foto dos oito filhos da família Buchanan amontoados em torno de seus pais orgulhosos. Tommy também estava lá, espremido entre Alec e Mike, os irmãos do meio. O penúltimo irmão, Dylan, exibia um olho roxo, e Nick disse que provavelmente ele mesmo o causara durante uma das partidas de futebol americano da família.
- Sua mãe me ajudou a decorar os nomes - ela disse. - Mas você está um pouco para trás, e o cotovelo de Theo tapou metade do seu rosto. Não é de espantar que eu não o tenha reconhecido hoje.
Ele devolveu a foto e, enquanto Laurant a guardava de volta na bolsa, disse: - Eu sei muitas coisas sobre você. Tommy colava as fotos que as freiras mandavam quando você era pequena no espelho do nosso quarto.
- Eu era muito desengonçada.
- É verdade - ele provocou. - Só pernas. Tommy também lia algumas das suas cartas para mim. Ele ficava arrasado por não poder trazê-la para morar com ele, e se sentia culpado porque tinha uma família e você não.
- Eu não era infeliz. Passava as férias de verão com nosso avô, e o internato era muito bom.
- Você não conhecia outra vida.
- Eu era feliz - ela insistiu.
- Mas não se sentia sozinha?
Ela deu de ombros. - Um pouco - admitiu. - Depois que vovô morreu.
- Você se sente confortável comigo?
A pergunta a surpreendeu. - Sim, por quê?
- Porque nós vamos passar muito tempo juntos, e é importante que você sinta que pode relaxar quando eu estiver por perto.
- Quanto tempo vamos passar juntos?
- Cada minuto de cada dia e noite até isso terminar. É o único jeito, Laurant. - Sem fazer uma pausa para lhe dar tempo de absorver aquela notícia, Nick comentou: - Seu irmão ficou doido quando descobriu que você estava trabalhando como modelo.
Ela sorriu outra vez. - Eu sei, ele quase teve uni ataque, e o episódio justificou um telefonema transatlântico para a madre superiora. Eu não podia acreditar que o meu próprio irmão estivesse me entregando.
- A madre superiora... seu nome era Maria Madalena, não? A memória dele era impressionante. - Sim - ela respondeu.
- Depois que Tommy me dedurou, a madre ligou para as pessoas com as quais eu estava passando as férias. Eles eram muito ricos, e eu conheci um estilista italiano em uma de suas festas.
- Ele olhou para você e a quis na mesma hora, certo?
- Quis que eu desfilasse sua coleção de primavera - corrigiu ela. - Fiz vários desfiles naquela temporada.
- Até a madre arrastá-la de volta para o convento.
- Foi uma coisa pavorosa - ela admitiu. - Fui colocada em liberdade condicional, o que significava lavar panelas por seis meses. Da noite para o dia, fui das passarelas para as caçarolas. Nós vamos mesmo passar cada minuto juntos, Nick?
Ele não estranhou a súbita mudança de assunto. - Quando você for escovar os dentes, eu vou estar lá para apertar a tubo da pasta.
Mais uma vez, ele voltou ao tópico do passado. - Onze meses depois, você estava na capa de uma daquelas revistas de moda, e quando Tommy me mostrou a foto, eu não pude acreditar que era a mesma criança dos joelhos ralados.
Ele estava fazendo um elogio, mas ela não sabia como reagir, e então não disse nada.
- Você e eu vamos ser inseparáveis - ele repetiu.
- Isso quer dizer que você vai estar parado na minha porta de manhã antes mesmo de eu ter me vestido?
- Não, isso quer dizer que eu vou me vestir junto com você. De que lado da cama você dorme?
- Como?
Ele repetiu a pergunta.
- Do lado direito.
- Então eu vou estar do lado esquerdo.
- Você está me gozando?
- A respeito da cama? Sim, estou. Mas vou fazer o que for necessário para mantê-la segura. Vou invadir completamente a sua privacidade, e você vai permitir.
- Por quanto tempo?
- Pelo tempo que for necessário.
- O que vai acontecer quando eu for tomar banho?
- Eu vou lhe passar o sabonete.
- Agora eu sei que você está me gozando.
- Laurant, eu vou estar perto o bastante para esfregar suas costas. É assim que tem que ser. Você precisa aceitar que eu vou ser a primeira coisa que você vai ver de manhã e a última que vai enxergar antes de fechar os olhos à noite. Você e eu estamos nisso juntos.
- Mas se você vai passar o tempo todo comigo, como vai pegar esse maluco?
- Eu trabalho para uma organização muito poderosa, lembra? Eles já estão investigando o caso. Nós vamos pegá-lo, é o que fomos treinados para fazer.
Ela apoiou o queixo na palma da mão e não disse uma palavra durante longos minutos, depois aprumou as costas novamente e olhou dentro dos olhos dele.
- Eu não vou deixar que ele me assuste, e também quero ajudar. Prometo que não vou fazer nenhuma idiotice - ela apressou-se em acrescentar. - Não, eu não estou mais com medo. Apenas brava. Furiosa, na verdade, mas não com medo.
- Você deveria ter medo. O medo a mantém ágil, atenta, pronta para agir.
- Mas também pode me paralisar, e eu não vou deixar isso acontecer - ela assegurou. - Este homem... este monstro - corrigiu -, diz ao meu irmão como se divertiu torturando e matando uma pobre mulher inocente, e depois lhe conta que o desejo voltou e que ele escolheu a mim como sua próxima vítima. Ele é tão esperto que sabe que Tommy quer ver seu rosto, então espera que ele saia do confessionário e o acerta na nuca. Poderia tê-lo matado.
- Ele não queria matar Tommy, senão teria ido até o fim - disse Nick com voz calma. - Ele está usando seu irmão como mensageiro. - Ele viu a expressão de dor que cruzou o rosto de Laurant e imediatamente procurou tranqüilizá-la. - Não se preocupe com Tommy, nós também vamos mantê-lo seguro.
- Dia e noite - ela exigiu.
- É claro -- ele concordou.
Laurant assentiu. - Você não tem a impressão de que este homem é que está dando as cartas agora? Ele manda Tommy avisar você e sugere que eu me esconda, pois talvez assim ele não me siga. E meu irmão quer fazer exatamente isso, me esconder.
- É claro que ele quer escondê-la. Ele ama você, e não quer que nada de mal lhe aconteça.
Ela esfregou as têmporas com as pontas dos dedos. - Eu sei - disse. - E provavelmente reagiria da mesma maneira.
- Mas?
- Eu conheço meu irmão, e nesse momento ele está agoniado, pensando numa outra coisa que este homem disse a ele no confessionário e que nem você nem Tommy mencionaram na minha frente.
- O que foi?
- Ele disse a Tommy que iria tentar encontrar outra pessoa com a qual se divertir. - Sua voz tremia quando ela prosseguiu. - Por alguma razão, ele decidiu me avisar para que eu pudesse fugir, mas esta outra mulher não vai receber aviso nenhum, vai?
- Não, provavelmente não - ele concordou. - Mas você tem que...
Ela o interrompeu. - Fugir não está entre as minhas opções. Eu não vou dar a ninguém um poder tão grande sobre mim. Eu não vou ter medo.
- Acho que devemos discutir isso mais tarde, depois que Pete tiver tido tempo de analisar a fita com os psicólogos.
Nick tentou se levantar da mesa, mas Laurant segurou sua mão. Ela não queria esperar. - Sei que você deve ter algumas teorias. Quero ouvi-las. Eu preciso de informações, Nick. Não quero me sentir impotente, e nesse momento é exatamente assim que me sinto.
Os olhos de Nick sondaram os dela por vários segundos antes dele se decidir. - Muito bem, vou lhe contar o que já sabemos. Para começar, meu superior, o Dr. Peter Morganstern, já escutou uma cópia da fita. Ele é o psiquiatra que chefia o meu departamento, e é o melhor que existe. Se alguém é capaz de penetrar na cabeça deste monstro, é ele. Mas lembre-se, Pete não teve tempo de analisar palavra por palavra.
- Entendo.
- Bem, primeiro os fatos. O mais importante é que não se trata de uma escolha aleatória. Ele a selecionou especificamente.
- Você sabe por quê?
- Nós sabemos que ele a escolheu porque é... dedica do... a você - disse ele, procurando a palavra certa.
- O que isso significa? - ela perguntou com impaciência.
- Significa que você tem um fã. É assim que nós chamamos estas pessoas... fãs.
- Isso não faz o menor sentido. Eu não sou uma estrela de cinema ou uma celebridade. Sou uma pessoa comum.
- Olhe-se no espelho, Laurant. Não há nada de comum em você. Você é bonita. Ele acha que você é bonita. - Ele se apressou antes que ela pudesse interromper. - E a maioria das vítimas que estes caras escolhem não são pessoas conhecidas.
Ela respirou fundo e então disse: - Continue. Preciso saber exatamente o que estou enfrentando. Você não está me assustando - acrescentou, para que ele não medisse as palavras com tanto cuidado. - Quero saber tudo para poder reagir e, por Deus, eu vou reagir.
- O.K., o que ele está tentando nos dizer é o seguinte: ele vem lhe observando há um bom tempo, e sabe tudo sobre você. Tudo. Que tipo de perfume você usa, quais são suas comidas preferidas, que tipo de detergente usa na cozinha, que livros lê, como é a sua vida sexual, o que você faz com cada minuto do seu dia. E quer que nós saibamos que ele já esteve na sua casa pelo menos umas duas vezes, mas provavelmente mais. Ele se sentou nas suas poltronas, comeu sua comida e vasculhou suas gavetas. É o modo dele conhecer você - ele explicou. - E provavelmente pegou alguma peça de lingerie sua, algo de que você não iria dar falta imediatamente. Pense bem, e vai acabar se lembrando de alguma camisola ou camiseta velha que não tem conseguido encontrar ultimamente. Tem que ser uma peça que você use junto à pele.
- Por quê? - ela perguntou, abalada com a descrição que Nick estava fazendo do homem que chamava de seu fã. Ela não queria acreditar que alguém tivesse entrado na sua casa sem ser convidado e tivesse revirado suas coisas, e a idéia de estar sendo vigiada fazia sua pele se arrepiar.
- A roupa tem que ter o seu cheiro - explicou ele. - Isso faz com que ele se sinta mais próximo de você. Qualquer que seja a peça, ele está dormindo com ela - acrescentou, lembrando as palavras do homem sobre se envolver na fragrância dela.
- Alguma coisa mais? - ela perguntou, surpresa por sua voz soar tão normal.
- Sim - ele disse. - Ele a observou enquanto você dormia.
- Não, eu teria percebido - ela exclamou.
Ele bateu de leve no toca-fitas. - Está tudo aqui.
- E se eu tivesse aberto os olhos... e se eu acordasse e o visse?
- Isso é o que ele quer que você faça - disse Nick. - Mas por enquanto ainda não. Ele ficaria chateado se você o obrigasse a machucá-la agora.
- Por quê?
- Você estaria acelerando os planos dele.
- Continue. Não estou com medo - ela repetiu.
- O que acabo de lhe contar... é o que ele quer que nós saibamos. Nossas teorias até agora são as seguintes: ele mora em Holy Oaks e é alguém com quem você tem contato freqüente, talvez até diário. Você é simpática com ele, mas como eu já disse, ele interpreta as mensagens de outra maneira. Pete concluiu que ele está no estágio da adoração, o que quer dizer que acha que você é perfeita e quer protegê-la. Ele está obcecado e claramente em guerra consigo mesmo, ou pelo menos quer que nós acreditemos nisso. Ele pode até gostar genuinamente de você, Laurant, e neste caso talvez não queira machucá-la, mas sabe que vai ter que fazer isso porque, não importa
o que você faça, vai acabar lhe desapontando. Na cabeça dele, não há como você não frustrar suas expectativas - ele vai dar um jeito para que isso aconteça - e não há como vencer.
- Você disse que ele está no estágio da adoração, mas que isso ; vai mudar. Quando a mudança vai acontecer?
- Você quer saber daqui a quanto tempo? Eu não sei - ele admitiu. - Mas acho que não vamos ter que esperar muito. Você até pode já estar... se tornando indigna... na cabeça dele. Por favor, entenda, ele precisa encontrar algo de errado em você para poder se sentir traído. Talvez seja o modo como você sorri: de uma hora para outra, ele vai pensar que você está fazendo troça dele, ou talvez que está se oferecendo para outro homem, e isso certamente o deixará furioso. Ele quer que nós o consideremos uma alma atormentada Lembre-se, ele disse a Tommy que se você fugisse, talvez ele não a seguisse, mas também se gabou de ser brilhante e de querer um desafio maior.
- Talvez ele se canse desta...obsessão.
- Ele não vai desistir. - A voz de Nick agora tinha um tom mais duro. - A fantasia o controla, e ele não pode mais parar. É um jogo de gato e rato para ele, e você é o rato. Ele gosta da caçada, quanto mais desafiante, mais divertida. O jogo não termina enquanto você não implorar por misericórdia.
Ele se inclinou para a frente e a estudou com atenção. - E então, Laurant? Já está com medo?
Capítulo 7
COMO ELE TINHA SE DIVERTIDO BRINCANDO COM O PADRE! FORA REALMENTE delicioso. Não imaginara que fosse se divertir tanto, pois tinha aprendido em experiências anteriores que às vezes a preparação - como gostava de chamar o estágio de planejamento de suas empreitadas - acabava sendo muito mais gratificante do que o evento em si. Como quando ele era criança e estava construindo seu forte no pátio dos fundos. A alegria estava na antecipação do que ele iria fazer dentro daquele casulo isolado, onde ninguém poderia espioná-lo. Ah, ele passava horas e horas se preparando, afiando as facas de cozinha e tesouras que tinha roubado da gaveta de sua mãe e aprontando meticulosamente os lugares onde enterraria os animais que tinha capturado. Mas as mortes invariavelmente eram um anticlímax, pois as criaturinhas nunca guinchavam o suficiente para satisfazê-lo. Desta vez, porém, o bom e velho Tommy não o decepcionara. Não, não, ele não ficara absolutamente desapontado com o padre.
Enquanto dirigia pela auto-estrada, ele reviveu a conversa em sua cabeça muitas e muitas vezes, até começar a gargalhar e as lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Não havia ninguém por perto, e ele podia ser tão espalhafatoso quanto quisesse. Mas, pensando bem, ele agora podia mesmo fazer qualquer coisa que desejasse, a qualquer hora, desde que fosse cuidadoso. Pergunte à pobre Millicent. Oh, perdão, isso não seria possível. Não, senhor.
O grito torturado do padre Tom quando se deu conta de que a próxima vítima era ninguém menos do que sua preciosa irmã não parava de ecoar na sua mente. "A minha Laurant?", exclamara.
- A minha Laurant? - ele imitou zombeteiramente. Impagável. Realmente impagável.
Foi uma pena ter sido obrigado a ir embora tão abruptamente. Ele teria adorado atormentar Tommy um pouco mais, mas simplesmente não havia tempo, depois de tantos minutos desperdiçados com aquela baboseira de não poder contar a ninguém o que era dito dentro do confessionário Ele dera a sua permissão. Por Deus, ele tinha ordenado que o padre contasse, mas sua vontade não fizera diferença para ele. Não, senhor. Nenhuma. Sim, ele se inteirara das preciosas regras da igreja que protegiam os sacramentos - ele sempre fazia seu dever de casa - mas tinha se equivocado com Tommy, pois não contava com sua insistência em segui-las. Quem poderia adivinhar que o padre seria tão teimoso, quando abrir o bico talvez salvasse a pele de sua própria irmã ameaçada? Quem? Um padre que não era moralmente corrupto. Meu Deus, que dilema aquilo acabara sendo. Se ele fosse um homem comum, seus planos teriam sido arruinados, e ele precisaria começar tudo de novo. Mas ele não era comum. Não, não, é claro que não. Ele era brilhante e, por isso, havia antecipado todas as possibilidades. Quase tinha revelado, lá mesmo no confessionário, que estava gravando a conversa, mas decidira surpreender Tommy. Não esperava ter que compartilhar a fita, pelo menos não tão cedo. Ela seria incorporada a sua notável e certamente eclética coleção. A fita de Millie estava ficando completamente gasta. Alguns insones escutavam sons relaxantes do oceano ou de chuva mansa quando iam para a cama; ele escutava a voz doce de Millie.
O padre lhe forçara a abrir o jogo com aquela regra idiota de sigilo, e o único modo de contorná-la havia sido quebrar a regra ele mesmo, enviando uma cópia da fita para a polícia. Sempre se antecipar, essa era a chave. Uma rápida visita ao Super Sid's Warehouse para comprar um pacote com três fitas virgens, alguns envelopes pardos, e ele tinha dado conta do problema.
Ele não permitia que nada nem ninguém interferisse em seus planos, e por isso sempre tinha uma alternativa na manga. Antecipar e reagir. Essa era a chave.
Deu um bocejo ruidoso. Havia muitas providências a tomar, e como ele era inflexivelmente meticuloso em tudo o que fazia, precisaria de cada minuto das duas semanas seguintes para se preparar para sua comemoração especial de Quatro de Julho.
A qual prometia ser... um estouro.
Agora ele estava a caminho de St. Louis, graças a sua amiga mais prestativa, a Internet. Que invenção maravilhosa era aquela. A cúmplice perfeita. Nunca reclamava, chorava ou fazia exigências. E ele não tinha que perder seu tempo precioso treinando-a. Ela era como uma prostituta bem paga, dando-lhe o que ele queria, quando queria. Sem fazer perguntas.
Quem poderia imaginar que era tão fácil aprender a fazer bombas em casa, com instruções tão simples que uma criança de inteligência mediana poderia seguir e ilustrações coloridas para ajudar os mais lerdos? Se você tivesse dinheiro - e ele tinha - podia encomendar detonadores mais sofisticados - o que ele tinha feito - e adoráveis dispositivos de upgrade que transformavam meros fogos de artifício em bombas capazes de explodir um quarteirão inteiro, ou seu dinheiro de volta. Ele não tinha desejo algum de procurar ingredientes nucleares, mas sabia que, se passasse tempo suficiente pesquisando as salas de bate-papo mais obscuras e fazendo amizade com aqueles anarquistas estupidamente devotados, encontraria tudo menos o plutônio. Armas tampouco eram um problema, desde que você soubesse onde clicar. E ele tinha clicado, é claro. Sim, e como tinha.
Embora já tivesse adquirido muitas engenhocas interessantes pela Internet, ele não a utilizara para encomendar os explosivos porque sabia que os mulas podiam estar monitorando o site. Mas obtivera as informações necessárias através de um de seus amigos virtuais, que o pusera em contato com um distribuidor ilegal que operava no Meio-Oeste. Era por isso que ele agora estava acelerando pela 1-70 com uma lista de compras no bolso.
Ele enxergou uma área de descanso à frente e pensou em parar para pegar sua cópia da fita no porta-malas do furgão. Queria ouvir a voz do padre mais uma vez, mas então viu o carro da polícia parado no acostamento e mudou imediatamente de idéia.
Naquele exato instante, os mulas provavelmente estavam rebobinando a fita enquanto faziam anotações copiosas. Mas isso não lhes adiantaria de nada. Eles não eram espertos como ele. Não conseguiriam deduzir nada a partir da sua voz, a não ser talvez a região onde tinha nascido, mas quem se importava com isso? Eles não compreenderiam seu jogo até que a partida se encerrasse e ele tivesse vencido.
Ele sabia como os mulas o estavam chamando. Eldes. Tinha gostado da sonoridade da palavra, e sem dúvida alguma "Elemento Desconhecido" era o melhor apelido que ele já tivera. Tanta candura era comovente, pensou ele. Ao usarem a palavra desconhecido, os mulas - o apelido que ele inventara para os agentes do FBI - estavam admitindo o quão incompetentes e ineptos eles mesmos eram, e havia algo de honesto e puro em sua estupidez. Os mulas sabiam que eram mulas. Que maravilha.
- Estamos nos divertindo? - ele berrou enquanto acelerava pela estrada, e então gargalhou outra vez. - Sim, estamos, e como - respondeu a si próprio. - Sim, senhor.
Capítulo 8
DUAS DETETIVES DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA DE KANSAS ClTY, MARIA Rodrigues e Francês McCann, chegaram à casa paroquial um pouco depois das duas horas. Enquanto entrevistavam Laurant, Nick permanecia em silêncio ao seu lado. Deixou as detetives comandarem o espetáculo e não interferiu no interrogatório nem ofereceu sugestões ou opiniões. Quando ele se levantou para sair da sala, Laurant teve que se controlar para não segurar seu braço e pedir que ficasse. Ela o queria por perto, mesmo que apenas para lhe dar apoio moral, mas ele tinha recebido uma ligação de George Walker, o psicólogo encarregado de elaborar o perfil do caso.
Tommy se juntou a elas, e os primeiros minutos com ele foram previsíveis. Como a maioria das mulheres quando viam seu irmão pela primeira vez, as detetives pareciam cativadas e com dificuldade para tirar os olhos dele.
- Você é padre de verdade? - perguntou a detetive McCann. - Quero dizer, foi ordenado e tudo mais?
Tommy lhe deu um de seus sorrisos, como sempre alheio às palpitações que eles causavam na maioria das mulheres, e respondeu:
- Sim, sou padre de verdade.
- Talvez seja melhor nós voltarmos à investigação - sugeriu Rodrigues à sua parceira.
McCann abriu seu bloco de notas e olhou para Laurant. - Seu irmão lhe contou como a fita chegou até nós? - Não esperou pela resposta e continuou: - O filho da mãe simplesmente entrou na delegacia em algum momento da noite passada, largou seu presentinho e saiu andando. Ele escolheu o momento perfeito, porque lá dentro estava um caos. Dois flagrantes enormes de drogas tinham acabado de acontecer, e os plantonistas levaram mais de uma hora para identificar todos aqueles maconheiros. A fita só foi descoberta depois que as coisas se acalmaram. De qualquer maneira, achamos que ele devia estar de uniforme azul, como um guarda de rua, ou talvez estivesse fingindo ser um advogado que estava ali para pagar a fiança de um cliente. Ninguém se lembra de ter visto uma pessoa com um envelope pardo na mão- acrescentou. - Era nele que estava a fita, mas, para ser franca, foi uma noite tão caótica que eu duvido que alguém tivesse notado o envelope se o filho da mãe não tivesse telefonado.
- Ele ligou para o 911 de um telefone público na Praça Central
- interveio Rodrigues. - Não fica muito longe daqui.
- O cara tem colhões de aço, tenho que admitir - comentou McCann. Olhando para Tommy, ela ruborizou e se apressou em dizer:
- Desculpe a minha linguagem, padre. Tenho passado tempo demais com a Rodrigues.
- Então, o que você pode nos dizer? - Rodrigues perguntou a Laurant.
A entrevistada ergueu as mãos num gesto de impotência. Não tinha a menor idéia de como ajudá-las - não era capaz sequer de pensar numa teoria viável sobre por que fora eleita como alvo.
As detetives ainda não tinham pistas, embora não por falta de esforço. Já haviam percorrido a vizinhança atrás de testemunhas que tivessem percebido um estranho ou um carro diferente nas redondezas no fim da tarde de sábado. Ninguém tinha visto ou ouvido qualquer coisa fora do comum, o que não as surpreendia.
- As pessoas daqui desconfiam da polícia - explicou Rodrigues.
- Temos esperança de que, se algum morador do bairro se lembrar de algo peculiar, ele venha falar com o monsenhor ou talvez com o Padre Tom. Os paroquianos confiam muito nos dois.
Ambas as detetives estavam pessimistas quanto à possibilidade de apanhar o eldes em pouco tempo. Elas teriam que esperar pelo desenrolar dos fatos. Talvez a carta que o homem afirmara ter mandado lhes trouxesse alguma luz. E talvez não.
- Além da agressão ao Padre Tom, nenhum outro crime foi cometido - disse McCann. - Pelo menos até agora.
- Você está querendo dizer que, se eu for assassinada, aí então vocês vão investigar? - perguntou Laurant um pouco mais asperamente do que pretendia.
McCann, a mais direta das duas, respondeu: - Você quer que eu doure a pílula ou seja honesta?
- Seja honesta.
- O.K. - ela respondeu. - Nós nos limitamos ao nosso território, um pouco como os leões e os tigres, e tudo vai depender de onde o assassino largar o corpo. Se for na nossa cidade, então assumi-
mos o caso.
- Um crime já foi cometido - lembrou Tommy.
- Sim - concordou Rodrigues. - Você foi agredido, mas... - Tommy a interrompeu. - Eu não estou me referindo a isso. Ele confessou ter matado outra mulher.
- Sim, bem, ele disse que a matou - retrucou Rodrigues. - Pode ser mentira.
McCann deu sua opinião de que o incidente no confessionário tinha sido apenas uma brincadeira de mau gosto de um homem irado, que talvez tivesse algum ressentimento contra o Padre Tom e quisesse se vingar. Por isso elas tinham insistido tanto em perguntar sobre possíveis inimigos no primeiro telefonema, explicou ela.
- Escute, nós não vamos ficar de braços cruzados - Rodrigues garantiu a Laurant. - Mas ainda não temos muito o que procurar.
- E não é da nossa jurisdição.
- Por que você diz isso, Detetive McCann?
Fora Nick quem perguntara. Ele estava encostado no batente da porta, observando a cena.
O tom da resposta de McCann foi hostil. - O eldes confessou o crime aqui em Kansas City, mas deixou claro na fita, pelo menos para nós, que mora na área de Holy Oaks, lowa. Nós vamos passar o que sabemos para a polícia de lá, e o caso vai permanecer em aberto, é claro... para a eventualidade dele voltar.
- Pelo que estamos vendo, o FBI já está envolvido, certo? Vocês vão acabar descobrindo alguma coisa - Rodrigues tentou ser simpática.
McCann assentiu. - Nós não gostamos de interferir em investigações dos federais.
- Desde quando? - perguntou Nick.
Ela sorriu. - Ei, estamos tentando colaborar. Não vejo por que não possamos trabalhar juntos neste caso. Você nos passa o que sabe e, se nós descobrirmos alguma coisa, teremos prazer em compartilhar com seus agentes.
A conversa não levou a lugar algum e, depois de distribuírem seus cartões aos três, as detetives deixaram a casa paroquial. Laurant estava absolutamente frustrada com aquela falta de ação, embora percebesse que suas expectativas não eram realistas. Ela queria respostas e resultados, talvez até um milagre para acabar com aquele pesadelo, mas quando as detetives saíram, ela se sentiu... desamparada. Como seu irmão parecia muito aliviado porque alguma coisa estava sendo feita - afinal de contas, a cavalaria tinha chegado - ela preferiu não contar a ele como se sentia. Na verdade, Laurant não teve chance de conversar com Tommy pelo resto da tarde, pois a atenção dele fora desviada para outro acontecimento.
Tom estava tão abalado com o que estava acontecendo que se esquecera em que dia da semana estavam, até olhar por acaso pela janela e ver as crianças esperando por ele. Havia uma tradição na paróquia nas tardes quentes de domingo em que Tommy estava na cidade, e ele não ia deixar que nada atrapalhasse aquele ritual que significava tanto para os jovens do bairro. Precisamente às quinze para as três, todas as outras tarefas e obrigações eram suspensas e um grande número de crianças das redondezas se reunia no estacionamento da igreja e começava a clamar para que o Padre Tom saísse. Estava na hora, e Tommy vestiu bermuda e camiseta, tirou os sapatos e as meias e pegou uma toalha. Ele pediu que Laurant não saísse de dentro da casa - ali estaria mais segura, alegou - mas convidou-a a assistir a diversão pelas janelas da sala.
Como era de costume, salvo qualquer complicação imprevista, o carro de bombeiros chegou pontualmente às três horas, pilotado por dois membros do batalhão que estavam trabalhando voluntariamente em seu dia de folga. Todos observavam ansiosos enquanto os bombeiros fechavam os portões do estacionamento, prendiam a mangueira pesada às grades para que ela não saísse corcoveando em todas as direções e abriam os hidrantes. A água começou a jorrar. Os "banhistas", com idade entre dois e dezessete anos, vestiam calças cortadas ou shorts, pois nenhum deles tinha roupas de banho - tais luxos não cabiam no orçamento das famílias da área - mas isso não diminuía o seu entusiasmo. Depois de empilharem suas toalhas e sapatos nos degraus da casa paroquial, elas brincaram na água até ficarem encharcadas, gritando e se divertindo como qualquer criança num clube. Não havia piscinas bonitas em formato de feijão com trampolins e tobogãs na Paróquia da Misericórdia. Eles se viravam com o que tinham, e durante uma hora, enquanto os bombeiros e outros adultos que estavam acompanhando seus filhos tomavam limonada gelada com o monsenhor na varanda, o caos reinou no estacionamento.
Quando Tommy não estava ocupado segurando as crianças menores para que não fossem lançadas nos arbustos pela força do jato d'água, ele se dedicava aos primeiros-socorros, aplicando pomada anti-séptica, Band-Aids fosforescentes e solidariedade em joelhos e cotovelos esfolados. Depois que os bombeiros desligaram a água e foram embora, o monsenhor distribuiu picolés. Por mais magras que fossem as coletas da semana, sempre havia o suficiente para aqueles regalos.
Quando o pandemônio se encerrou e as crianças exaustas e encharcadas retornaram para suas casas, o Monsenhor McKindry insistiu que Nick e Laurant acompanhassem Tommy e ele num jantar tranqüilo, desde que os dois amigos se encarregassem da comida. Nick grelhou o frango enquanto Tommy preparava uma salada com verduras frescas da horta. A conversa na mesa girou em torno do reencontro próximo do monsenhor com seus velhos companheiros, e ele divertiu os convidados com uma história atrás da outra sobre as encrencas que eles haviam causado na época do seminário. Em um acordo tácito, ninguém mencionou aquilo que o padre idoso chamava de "evento perturbador" durante o jantar, mas mais tarde, enquanto o monsenhor McKindry e Laurant lavavam os pratos, ele tocou no assunto novamente ao perguntar como ela estava lidando com a situação. Laurant disse que estava com medo, claro, mas ao mesmo tempo tão furiosa que sentia vontade de atirar coisas nas paredes. O monsenhor fingiu levá-la a sério e imediatamente pegou de suas mãos o prato que ela estava secando.
- Quando seu irmão descobriu que tinha câncer, sei que ele se sentiu impotente, frustrado e bravo, mas depois decidiu assumir as rédeas do tratamento. Ele leu tudo o que podia sobre sua doença, o que não foi fácil, pois é de um tipo muito raro. Estudou todas as revistas médicas e entrevistou um bom número de especialistas da área antes de encontrar o homem que tinha criado o protocolo para o tratamento.
- O Dr. Cowan?
- Sim - respondeu o monsenhor. - Tom não esperava milagres, é claro, mas teve fé porque sentiu que o Dr. Cowan podia ajudá-lo, e o médico parece saber o que está fazendo. Seu irmão está se saindo bem nesta batalha - acrescentou. - E foi por isso que, quando seu oncologista se transferiu para o Centro Médico do Kansas, ele o seguiu. O que estou tentando lhe dizer, Laurant, é que você deve tomar as rédeas da sua situação. Descubra um modo de fazer isso, e não vai se sentir mais tão desamparada e assustada.
Depois que terminaram de limpar a cozinha, o monsenhor preparou para ela uma de suas infusões especiais, famosas por conseguirem acalmar os nervos de qualquer um, depois desejou boa noite a todos e subiu para dormir. A bebida era amarga, mas ela tomou tudo sem se queixar, pois o monsenhor tinha tido o trabalho de prepará-lo especialmente para ela.
Aquele tinha sido um dia infernal. Já era tarde, quase dez horas da noite, e a tensão a esgotara completamente. Laurant sentou-se no sofá da sala ao lado do irmão, tentando prestar atenção enquanto eles formulavam seus planos, mas concentrar-se era difícil e ela não conseguia evitar que seus pensamentos vagassem. Para distrai-la ainda mais, havia o ruído de fundo do velho condicionador de ar instalado na janela ao lado da lareira, que zumbia como um enxame de abelhas raivosas mas mal conseguia esfriar a peça. De tanto em tanto, o aparelho tremia violentamente, dando impressão de que ia saltar da janela, antes de retornar ao ronco monótono outra vez. A condensação gelada pingava dentro de uma panela que Tommy havia colocado junto à parede, para proteger o assoalho de madeira que estava determinado a lixar quando tivesse tempo, e o gotejar constante estava fazendo Laurant se sentir hipnotizada.
Nick, ao contrário, estava cheio de energia, dando voltas pela sala com a cabeça baixa, escutando o que Tommy dizia. Ela notou que seu irmão estava mais calmo, tinha descalçado os tênis e apoiado os pés no pufe. Uma de suas meias brancas tinha um furo enorme, mas ele não parecia notar ou se importar que seu dedão do pé estivesse de fora, e bocejava sem parar.
Laurant sentia-se tão prostrada e sem vida quanto uma boneca de pano. Pousou a xícara de porcelana na mesa, recostou-se nas almofadas do sofá, respirou fundo e fechou os olhos. Talvez na manhã seguinte, depois de uma boa noite de sono, ela pudesse ver as coisas de maneira mais clara.
Estava tão absorta nos próprios pensamentos que levou um susto quanto Tommy cutucou seu joelho para chamar-lhe a atenção.
- Já vai dormir?
- Daqui a pouco.
- Acho que você e Nick deviam passar a noite aqui. Temos dois quartos desocupados. São espartanos, mas confortáveis.
- Você só tem um quarto sobrando - disse Nick. - Noah vai chegar a qualquer momento.
- Quem é Noah? - perguntou Laurant.
- Um amigo - respondeu Nick. - Está vindo de Washington.
- Nick acha que eu preciso de uma babá.
- Guarda-costas - corrigiu ele. - Noah é muito bom no que faz. Ele vai grudar em você como chiclete em sola de sapato. E não discuta. Não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo, e já que você quer que eu fique com Laurant, Noah vai ficar com você.
- Você acha que Tommy está em perigo? - perguntou Laurant.
- Eu não quero correr nenhum risco.
- Noah é do FBI?
- Não exatamente.
Ele não queria entrar em detalhes, mas ela estava curiosa demais para deixar o assunto de lado. - Então de onde você o conhece?
- Nós já trabalhamos juntos. Noah é... um especialista... e Pete o chama de vez em quando. Tive que mencionar um favor que ele me deve para que viesse. Ele anda atolado de trabalho.
- Como guarda-costas?
- Pode-se dizer que sim.
- Você não vai me contar qual é a especialidade dele, não é? Nick sorriu. - Não, não vou.
Tommy bocejou ruidosamente. - Então está combinado?
- O que está combinado? - perguntou ela.
- Você não estava prestando atenção? Estamos discutindo o assunto há quinze minutos.
- Não, eu não estava - ela admitiu, e como ele era seu irmão, não sentiu necessidade de se desculpar. - O que foi combinado?
- Você vai embora com Nick. - Ele ergueu os olhos para o amigo e acrescentou: - Fui eu que decidi isso. Nick ainda está ambivalente.
- É mesmo? E para onde nós vamos?
- Nathan's Bay - respondeu ele. - Você pode ficar com a família de Nick. Eles vão adorar vê-la outra vez, pois sempre imploraram que você os visitasse. É um lugar maravilhoso, Laurant, e também isolado. Só há um caminho para entrar e sair, e é preciso atravessar uma ponte - acrescentou. - Estou lhe dizendo, você vai adorar. O jardim da frente é do tamanho de um campo de futebol, e logo adiante fica a água. Talvez Theo a leve para velejar. Você conheceu o irmão de Nick, lembra?
- É claro que me lembro dele. Ele ficou uma semana com vovô e eu depois que terminou a Faculdade de Direito.
- E você não está mais se correspondendo com Jordan? - perguntou, referindo-se à irmã de Nick.
- Sim, e adoraria vê-la outra vez, e o juiz e a Sra. Buchanan também, mas...
Tommy interrompeu o protesto incipiente. - E você finalmente vai conhecer os outros - insistiu. - Tenho certeza que todos vão dar um pulo até lá para vê-la.
- Seria ótimo, Tommy, mas agora não é o momento.
- É o momento perfeito. Você vai estar em segurança, e isso é tudo no que deve pensar agora.
- E o que lhe dá tanta certeza de que este lunático não vai me seguir? Você já pensou na família de Nick? Eu poderia estar colocando todos em perigo.
- Vamos tomar as providências necessárias - disse Nick. Ele escorregou para a poltrona em frente ao pufe e se inclinou para a frente, apoiando os braços nos joelhos. - Mas acho que vamos ficar por aqui mais um dia, talvez dois.
- Para esperar que chegue a carta que o homem disse que mandou para a polícia?
- Não temos que esperar por ela.
- Quero a minha irmã fora daqui agora - insistiu Tommy.
- Eu sei que você quer.
- Então por que quer esperar mais? É perigoso - ele argumentou.
- Duvido que o nosso homem ainda esteja em Kansas City. Ele fez o que veio aqui para fazer, e provavelmente já voltou para casa. Pete está vindo para cá. Ele está supervisionando pessoalmente a investigação, e quer conversar com você.
- Sobre o quê? - perguntou Laurant. - O que Tommy pode dizer que ele ainda não saiba?
Nick sorriu - Muitas coisas - disse.
- E quando ele chega?
- Amanhã.
- Eu estava muito abalado quando falei com ele - disse Tommy. - Estava desesperado para falar com Nick, porque achava que você saberia o que fazer.
- E ainda acha? - perguntou Nick.
- É claro.
-- Então me deixe fazer o meu trabalho. Laurant e eu vamos esperar para falar com Pete antes de viajarmos. Eu vou protegê-la, Tommy, e você vai ter que confiar em mim.
Ele assentiu lentamente. - Vou tentar não atrapalhar. Está bem assim?
A campainha tocou e a conversa foi abruptamente interrompida. Nick mandou que os dois ficassem onde estavam e foi abrir a porta. Laurant notou que ele soltou a tira que cobria a arma ao sair da sala.
- Tenho certeza de que é o amigo de Nick, Noah.
- Você acha que ele dorme com aquilo? - ela perguntou ao irmão num sussurro.
- Dorme com o quê?
- Com a arma.
Ele riu. - É claro que não. Você não gosta disso, não é?
- Eu não gosto de armas.
- E gosta de Nick?
Ela deu de ombros. - Eu já gostava dele antes de conhecê-lo, porque sempre foi seu melhor amigo, e agora me pareceu muito simpático pessoalmente.
- Você acha? - ele perguntou, rindo outra vez. - Nick ia se divertir escutando isso. Quando as coisas ficam sérias, ele não é nada simpático, e é isso que o torna eficiente.
Antes que ela pudesse insistir para que ele explicasse melhor o que acabara de dizer, Nick retornou à sala, desta vez seguido por seu amigo Noah.
O guarda-costas de Tommy certamente causava uma primeira impressão marcante. Laurant desconfiou que, se ele se envolvesse numa briga de rua, não só sairia vencedor como antes se divertiria muito quebrando cabeças.
Ele estava usando jeans desbotados e uma camiseta cinza-claro, e o cabelo loiro avermelhado precisava desesperadamente de um corte. Seu corpo não tinha um grama de gordura além do ideal, e os músculos dos antebraços pareciam prestes a romper as mangas da camiseta. Uma cicatriz abaixo da sobrancelha e um sorriso diabólico lhe davam uma aparência maliciosa, e ela percebeu, antes mesmo de Noah dizer uma palavra, que ele gostava de flertar e era um conquistador. Ele a medira de cima a baixo quando atravessara a sala para cumprimentar Tommy, e Laurant notou que seus olhos tinham se detido nas pernas dela um pouco mais do que o necessário.
- Estou realmente grato por você ter vindo mesmo com sua agenda tão cheia - disse Tommy.
- Bem, para ser honesto, eu não tive escolha. Nick me pediu.
- Ele me deve uma - explicou Nick.
- É verdade - concordou Noah com os olhos ainda em Laurant. - E ele nunca me deixa esquecer.
Quando Tommy apresentou-o à irmã, ele a cumprimentou e depois continuou segurando sua mão. - Você é muito mais bonita do que Tommy. - Olhando para Nick, acrescentou: - Tive uma ótima idéia.
- Esqueça - retrucou Nick.
Como se não tivesse escutado, ele sugeriu: - Por que eu não levo Laurant comigo e você fica com o irmão?
- Ela não é para o seu bico, Noah.
- Como assim? - ele perguntou, com os olhos cravados em Laurant. - Você é casada?
- Não - ela respondeu, sorrindo com aquele comportamento abusado.
- Então eu não vejo problemas. Quero ficar com ela, Nick.
- Azar é o seu - disparou ele.
O sorriso de Noah se alargou. Ele obviamente tinha conseguido a reação que pretendia, e piscou para Laurant como se ela fosse sua parceira no jogo de irritar Nick. Soltou por fim a sua mão e virou para Tommy outra vez. - Então, como devo chamá-lo? Thomas, Tom, ou simplesmente Tommy?
- Você vai chamá-lo de "padre" - intrometeu-se Nick.
- Mas eu não sou católico.
- Tom ou Tommy está ótimo - disse o próprio.
- Pete me falou que você tem uma cópia da fita - disse Noah, sem mais um traço de sorriso no rosto. - Eu gostaria de escutá-la.
- Está na cozinha - disse Tommy.
- Ótimo! - ele exclamou. - Estou mesmo morto de fome. O que temos para comer?
- Quer que eu prepare alguma coisa? - ofereceu Laurant. Quando Noah olhou para ela novamente, o sorriso estava de volta. - Sim, eu adoraria.
Nick não gostou nada daquilo. Balançando a cabeça, ele disse:
- Você mesmo pode preparar sua comida. Agora que já está aqui, Laurant e eu vamos cair fora. Ela está exausta.
- Qual é a programação para amanhã? - perguntou Noah.
- Tenho que voltar ao hospital para mais alguns exames - disse Tommy. - Coisa de rotina - acrescentou para tranqüilizar Laurant.
- Droga, eu odeio hospitais.
- Mas eles devem adorá-lo - retrucou Tommy. - Segundo Nick, você costuma lhes enviar muitos fregueses.
- Não, eu elimino intermediários e os mando direto para o necrotério. Poupa tempo e dinheiro. - Noah olhou para seu amigo.
- O que você disse ao padre sobre mim?
- Que você atira para matar.
Noah deu de ombros. - Isso é verdade, mas você faz a mesma coisa. A minha pontaria é melhor, só isso.
- Não, não é - retrucou Nick.
Laurant estava fascinada com a conversa, mas não conseguia saber se Noah estava brincando ou falando a verdade. -Você já matou muitas pessoas?
- Laurant, você sabe que não deve me perguntar isso. Eu não posso revelar estas informações. Além do mais, contar vantagem é pecado, não é, Tom?
Nick riu. - Contar vantagem é o menor dos seus pecados, Noah.
- Ei, eu sou um homem bom. Eu me considero um ambientalista.
- Como assim? - perguntou Nick.
- Estou fazendo minha parte para tornar o mundo um lugar melhor. - Virando-se para Tommy, ele perguntou: - Nós vamos passar o dia inteiro no hospital?
- Não, tenho hora marcada na radiologia bem cedo. Devemos estar de volta às oito ou nove da manhã.
- Já está na hora de fazer outra ressonância magnética? - perguntou Nick com um brilho divertido nos olhos. - Se estiver, eu gostaria muito de acompanhá-lo.
- O que há de tão engraçado numa ressonância magnética? - perguntou Noah.
Nick balançou a cabeça e Tommy chegou a corar enquanto respondia. - Eu vou fazer outra ressonância, mas Nick não pode ir comigo. Ele foi proibido de entrar na radiologia.
Noah queria detalhes, e não levou muito tempo para que Laurant percebesse que sua presença era o que impedia Nick e Tommy de lhe explicarem o ocorrido. Eles faziam rodeios, rindo como estudantes arteiros levados para a sala do diretor.
- Se vocês me dão licença, vou pegar minha bolsa.
Ela nem tinha chegado à cozinha quando ouviu as gargalhadas. Tommy estava contando a história em voz muito baixa, e ela só conseguiu entender uma palavra ou duas. O que quer que tivesse acontecido com Nick no departamento de radiologia era hilariante para os três homens. Ela encontrou a bolsa no chão ao lado da cadeira, pendurou a alça no ombro e se encostou na mesa, esperando que as risadas diminuíssem.
Nick veio procurá-la. - Pronta?
Ela assentiu e depois o seguiu até a porta da frente. Tommy inclinou a cabeça para que ela lhe desse um beijo de despedida, e Noah imediatamente imitou seu gesto.
Rindo, ela o empurrou. - Você é um mulherengo terrível.
- Sou mesmo - ele concordou. - E você é uma mulher muito bonita.
Ignorando o elogio, ela disse: - Cuide do meu irmão.
- Não se preocupe. Eu nasci para isso. Faço parte de uma longa dinastia de policiais, de modo que sou um protetor natural. Está nos meus genes - acrescentou. - Durma bem, Laurant.
Ela assentiu. Nick abriu a porta, mas ela se deteve na soleira. - Noah? Qual é o seu sobrenome?
- Clayborne - ele respondeu. - Noah Clayborne.
Capítulo 9
O CARRO DE LAURANT ERA UM LIXO. O CARBURADOR ESTAVA ENTUPIDO, AS VELAS precisavam ser substituídas e a transmissão estava escapando. Nick ficou surpreso por conseguirem chegar ao hotel do outro lado da cidade.
Ele tinha feito as reservas da casa paroquial, em nome de Sr. e Sra. John Hudson. Pararam no balcão da recepção para pegar as chaves e depois subiram. No elevador, ele disse que tinha mandado transferir as roupas dela.
- Muito eficiente da sua parte.
- Eu sou um sujeito eficiente.
Ele saiu primeiro do elevador, certificou-se de que o corredor estava vazio e então percorreu o longo tapete vermelho ao lado dela. O andar estava silencioso como um túmulo. A suíte dos dois ficava no extremo oposto do corredor e, quando chegaram à porta, Nick inseriu o cartão plástico na fechadura e a abriu.
- Eu mencionei que nos deram a suíte nupcial? Era só o que eles tinham disponível. Por favor, Laurant, não fique constrangida com isso - ele acrescentou apressadamente quando viu sua expressão. - Parece que você quer sair correndo.
Ela forçou um sorriso. Aquilo era constrangedor, mas ela estava determinada a não dar bola. - Estou cansada demais para correr para onde quer que seja.
- Quer que eu a pegue no colo para entrarmos?
Ela não respondeu nem saiu do lugar. Por fim, ele a empurrou com delicadeza para que se movesse, e ela deu um passo hesitante para dentro da suíte. Laurant ouviu a porta bater atrás de si e sentiu uma súbita onda de nervosismo. Aquele não era o momento de ficar constrangida ou tímida, lembrou a si mesma. Nick estava parado logo atrás dela, tão próximo que podia sentir o calor de seu corpo. Afastou-se rapidamente e examinou a sala de estar bem decorada em tons castanhos discretos. Havia dois sofás de chenile cor de chocolate dispostos frente à frente e uma mesa de centro de mármore negro, sobre a qual descansava um grande vaso de cristal cheio de flores do campo, e no balcão embaixo das janelas triplas que davam para as luzes da avenida foram colocadas uma bandeja de prata cheia de frutas, queijos e biscoitos, e uma garrafa de champanhe submersa num balde de gelo de ônix negro.
Nick estava fazendo alguma coisa estranha com a porta. Tinha nas mãos um fio de arame muito fino, e estava fazendo um laço em volta da maçaneta. Da ponta do fio pendia uma pequena caixa quadrada, mais ou menos do tamanho de uma bateria de nove volts, e depois de torcer o fio para que o laço se mantivesse no lugar, ele virou a caixa e uma luz vermelha começou a piscar.
- O que é isso?
- Meu próprio sistema de segurança pessoal - respondeu ele. - Jordan criou-o para mim. Se alguém tentar entrar enquanto eu estiver no chuveiro ou dormindo, vou saber imediatamente.
Ele ficou em pé, remexeu os ombros e sugeriu que ela se aprontasse para dormir. - Vou usar este banheiro, e você pode ficar com o do quarto.
Assentindo, ela caminhou até a porta que separava o quarto da sala, mas estacou ao ver a cama king-size já preparada para a noite, com uma rosa vermelha de cabo longo sobre o edredom branco e pequenos chocolates Godiva enrolados em papel dourado reluzente nos dois travesseiros.
- Qual é o problema? - ele perguntou ao ver que ela continuava parada na porta.
- Tem uma rosa na cama.
Ele atravessou a sala para ver com os próprios olhos. - Quanta delicadeza - comentou.
Ele estava a apenas trinta centímetros dela, encostado no batente. Sem coragem de encará-lo, ela disse: - Afinal de contas, esta é a suíte nupcial.
- Sem dúvida que é - ele concordou. - Está constrangida de novo?
- Não, absolutamente - ela mentiu.
- Pode ficar com a cama, eu vou dormir no sofá.
Ela ouviu um ruído alto de mastigação e, quando se virou, viu que Nick acabara de dar uma enorme mordida numa maçã. Ele limpou o sumo que escorria pelo queixo com as costas da mão e ofereceu a fruta a Laurant, que se inclinou para a frente e deu uma mordida muito menor.
A tensão desapareceu, e de repente ele voltou a ser apenas o melhor amigo do seu irmão. Ela foi para o banheiro e, enquanto revirava sua bolsa de viagem procurando pela camiseta de dormir, viu com o canto do olho Nick se jogar na cama e pegar o controle remoto da TV.
Laurant ficou no chuveiro por muito tempo, deixando a água quente bater em seus ombros até toda a tensão do dia ceder, e quando terminou de secar os longos cabelos percebeu novamente como estava exausta. Vestiu uma camiseta extra-grande da Universidade da Pennsylvania, lambuzou o rosto de hidratante, pegou o tubo de loção para o corpo da Chanel e voltou para o quarto.
Nick tinha se colocado à vontade. Estava recostado nos travesseiros que amontoara contra a guarda da cama, e suas pernas longas e musculosas estavam estendidas e cruzadas nos tornozelos. Ele tinha vestido um par de shorts velhos e desbotados e uma camisa branca. Seu cabelo ainda estava molhado do banho, e ele estava descalço. Tinha uni bloco de notas e uma caneta esferográfica no colo e o controle remoto da TV na mão, e parecia completamente relaxado.
Os roupões de cortesia do hotel estavam pendurados no armário, mas ela tinha esquecido de levar um deles para o banheiro e, como Nick não lhe dirigira mais do que um olhar superficial antes de voltar para a televisão, decidiu parar com tanto pudor. Afinal de contas, não estava usando um négligé sumário: a camiseta a cobria do pescoço aos joelhos.
Nick não tirava os olhos da televisão. Por fora, ele estava imóvel, concentrado na tela, mas por dentro seus pensamentos estavam dando cambalhotas. Quando Laurant saiu do banheiro, ele tinha ficado embasbacado com aquelas pernas incrivelmente longas, a curva suave dos seios sob o tecido fino, seu lindo pescoço, as bochechas rosadas e a boca perfeita. Ele não teria ficado mais excitado se ela estivesse usando um daqueles baby-dolls rendados da Victoria's Secret.
Sim, ele tinha reparado naquilo tudo, e em menos de três segundos. Mobilizara cada partícula de disciplina que possuía para desviar os olhos, e se ela lhe perguntasse o que estava assistindo na televisão naquele instante, ele não seria capaz de responder.
Ele ficara um pouco chocado - e muito aborrecido - com a própria reação.
- Você é exatamente igual ao meu irmão - disse Laurant, sentando na cama. Sempre puxando a camiseta para baixo, ela esticou as pernas e empilhou dois travesseiros fofos atrás de si, depois imitou Nick, cruzando um tornozelo sobre o outro, e abriu a tampa
da loção.
Havia bastante espaço entre eles na cama larga, mas ainda era uma cama. Controle-se, ele disse a si mesmo. Ela é a irmã caçula de Tommy.
- O que você disse? - ele perguntou.
Ela estava esfregando a loção rosada nos braços ao responder.
- Eu disse que você é igual ao meu irmão. Tommy nunca larga o controle remoto.
Nick sorriu. - É porque ele conhece o segredo.
- Que segredo?
- Aquele que tem o controle remoto, controla o mundo.
Laurant riu, encorajando-o a continuar. - Você nunca notou que o Presidente está sempre apalpando o bolso do colete? Ele está conferindo se o controle remoto ainda está lá.
Ela revirou os olhos. - E esse tempo todo eu pensava que era só um tique nervoso.
- Agora você sabe a verdade.
Ela pôs a loção na mesa de cabeceira e deslizou para baixo das cobertas. Olhou fixamente para a televisão por alguns segundos, mas sua cabeça estava em outro lugar.
- Noah é bom no que faz, não é? Eu sei que você já tinha me dito isso, mas depois que o conheci, tive a sensação de que não precisava me preocupar mais com Tommy. Noah me passou a certeza de que vai cuidar do meu irmão. Sei que ele estava brincando sobre aquela história de matar e não contar... ele estava brincando, não é? - ela perguntou.
Nick riu. - É claro que estava.
- Você disse que Pete o chama de vez em quando, mas que Noah não faz parte do FBI.
- Ele faz e não faz. É como estar um pouco grávida.
- Isso não existe.
- Exatamente - ele retrucou. - Noah gosta de pensar que é um agente independente.
- Mas não é?
- Não. Pete manda nele.
Ela não tinha certeza do que ele queria dizer com aquele comentário. - E como Pete é do FBI e Noah trabalha para ele...
- Ele também faz parte do FBI. Nós só não lhe dizemos isso. Sorrindo, ela disse: - Eu nunca sei quando você está falando
sério. Estou me sentindo totalmente entorpecida. Espero que amanhã eu consiga pensar direito outra vez.
Amanhã, quando os pensamentos não estivessem brincando de roda dentro da sua cabeça, ela decidiria como encarar as coisas. No momento, estava exausta demais para pensar.
Laurant adormeceu observando Nick assistir uma partida de hóquei.
Capítulo 10
QUANDO LAURANT ACORDOU, ESCUTOU NICK SE MOVENDO NA SALA DE ESTAR e, pegando sua sacola, correu para o banheiro para se vestir. Suas opções de roupa eram limitadas, pois ela tinha saído de Holy Oaks com tanta pressa que simplesmente não tivera tempo de pensar no guarda-roupa. Quando arrumou a sacola, ela achava que iria passar apenas uma noite em Kansas City, mas tinha pego uma saia curta de linho preto e uma blusa branca para a eventualidade de Tommy ter sido hospitalizado. A saia ia dar a impressão de que ela tinha dormido vestida depois que se sentasse pela primeira vez, mas não havia escolha.
Tinha acabado de calçar um dos sapatos e estava estendendo a mão para o outro quando Nick bateu na porta do banheiro.
- O café da manhã chegou - anunciou. - Assim que você estiver pronta, temos trabalho a fazer.
Ela saiu com um sapato na mão. - Que tipo de trabalho?
Ele fez um gesto para o bloco de notas sobre a mesa. - Achei que seria bom fazermos uma lista. Vai me dar um ponto de partida, mas já lhe aviso que vamos ter que repassar esses itens muitas vezes.
- Eu não vou me importar. Exatamente o quê nós vamos repassar? Ele puxou uma das cadeiras em torno da mesa e esperou que
ela se sentasse. - Algumas coisas. Primeiro, vamos fazer uma lista de pessoas que podem ter algo contra você. Você sabe... inimigos. Pessoas que ficariam felizes se Laurant Madden simplesmente desaparecesse.
- Tenho certeza de que há pessoas que não gostam de mim, mas eu honestamente não acredito que alguma delas me desejaria tanto mal. Pareço muito ingênua? - Ela se abaixou para calçar o outro sapato e, quando ergueu o corpo outra vez, Nick estava colocando um croissant no seu prato.
- Sim, parece - ele respondeu. - Quer café?
- Eu não tomo café, obrigada.
- Eu também não tomo. Estranho, não é? Nós devemos ser as duas únicas pessoas no mundo que não ajudam a sustentar o Starbucks(nota da tradução:Rede norte-americana de cafeterias.fim da nota).
Ele se sentou na cadeira em frente à dela e tirou a tampa da esferográfica.
- Você disse que primeiro vamos fazer uma lista de inimigos, e depois? - ela perguntou.
- Vou querer saber se algum amigo seu não está sendo atencioso demais. Mas vamos por partes. Há quanto tempo você mora em Holy Oaks?
- Quase um ano.
- Você se mudou para lá para ficar perto do seu irmão, e está abrindo uma lanchonete, certo?
- Isso mesmo. Comprei um prédio antigo e malconservado na praça principal, e estou fazendo uma reforma.
- Que tipo de lanchonete vai ser?
- Todo mundo está chamando de "a farmácia da esquina", porque era o que funcionava ali antigamente, mas eu não vou vender remédios, nem mesmo aspirina. Vai ser um lugar onde o pessoal da faculdade vai poder se encontrar para tomar lanche e bater papo, mas também quero que as famílias da cidade levem seus filhos lá para tomar sorvete. Vai ter um lindo balcão de mármore e uma jukebox.
- Ao estilo dos anos 50 e 60, não é?
- Mais ou menos - ela concordou. - Fiz vários trabalhos para as fraternidades da faculdade, desenhando logotipos e estampas para suas camisetas e flâmulas, e espero fazer mais. O lugar tem um mezanino fechado com janelas maravilhosas e muita luz, e é ali que eu pretendo trabalhar. O salão não é grande, mas tem uma varanda na frente e eu estou pensando em colocar mesas na rua nos meses de calor.
- Você não vai ganhar muito dinheiro vendendo sorvetes e camisetas, mas imagino que, com a sua herança, você não precise se preocupar com isso.
Ela não concordou nem discordou daquele comentário, apenas acrescentou: - Eu também faço muitos trabalhos de design para as empresas locais, e vou dar um curso neste outono.
- Sei que você estudou arte em Paris - ele disse. - E também pinta quadros, não é?
- Sim - disse ela. - Como passatempo.
- Tommy disse que nem ele tem permissão para ver os seus trabalhos.
- Quando eu melhorar minha técnica, ele vai ter - ela respondeu. - Se eu melhorar.
- Existe alguém que não queira que você abra a lanchonete?
- Steve Brenner adoraria me ver fracassar, mas acho que ele não seria capaz de ameaçar a mim ou ao meu irmão para me fazer sair da cidade. Ele até me convidou para sair uma vez. Mas é um chato que não gosta de ouvir a palavra não.
- Presumo que você não tenha saído com ele.
- Não, não saí. Eu não gosto dele. O dinheiro é tudo para Brenner. Ele dirige a Sociedade para o Desenvolvimento de Holy Oaks. Eles se auto-intitularam desse jeito pomposo, mas são só dois membros. - Ela achou conveniente acrescentar: - Steve Brenner é corretor de imóveis.
- E o outro membro desta sociedade? - Nick perguntou enquanto escrevia o primeiro nome na lista.
- É o Xerife Lloyd McGovern.
- E o que os dois querem fazer para desenvolver Holy Oaks?
- Querem comprar todos os prédios em torno da praça para uma construtora - disse ela. - Steve é o cérebro do esquema, quem está organizando as coisas. Mesmo que um proprietário venda seu imóvel diretamente para a construtora, Steve e o xerife ganham uma comissão. Foi uma exigência dele, pelo que me contaram.
- E para que a construtora quer estes imóveis?
- Eles querem botar abaixo todos aqueles lindos prédios antigos e construir apartamentos por causa da expansão da faculdade. Edifícios enormes e horrorosos para estudantes casados.
- Não podem construir em outro lugar?
- Poderiam, mas eles também planejam construir um supermercado gigantesco na periferia da cidade - ela explicou. - Se conseguirem se livrar de todo o comércio da praça...
- O mercado será só deles.
- Exatamente.
- Qual é a construtora?
- A Griffen, Inc. - respondeu ela. - Não conheço os diretores pessoalmente. A firma tem base em Atlanta, e Steve é o seu porta-voz. Eles estão oferecendo muito dinheiro aos proprietários... quantias muito altas.
- Alguém mais está resistindo além de você?
- Muitas pessoas da cidade querem que os prédios sejam restaurados ao invés de demolidos.
- Sim, mas quantas destas pessoas têm lojas em torno da praça? Ela suspirou. - Até a última sexta-feira, quatro delas ainda estavam do meu lado.
- As outras cederam?
- Sim.
- Quero que você desenhe um diagrama da praça e escreva os nomes de todos os proprietários. Pode fazer isso mais tarde - ele acrescentou.
- Está bem - ela concordou. - A praça na verdade tem três lados, e uma linda fonte antiga no centro. Ela tem no mínimo uns sessenta, talvez até setenta nos, e ainda funciona... e há também um coreto. Durante o verão, os músicos locais se reúnem lá todos os sábados à noite para tocar. É realmente encantador, Nick.
Ela fechou os olhos e começou a recordar os nomes dos que tinham fechado negócio com a Griffen, começando pelo dono da ferragem que estava passando por problemas financeiros.
- Margaret Stamp tem uma pequena padaria no meio da quadra - ela explicou. - E Conrad Kellogg é o dono da farmácia bem em frente a mim. É essencial que eles se mantenham firmes, porque se um deles vender, a Griffen pode demolir um bloco inteiro de prédios, e depois que o primeiro edifício de apartamentos for construído, a praça estará perdida.
- O que aconteceria se Tommy fosse transferido e saísse de Holy Oaks? Você venderia a lanchonete para acompanhá-lo?
- Não, eu ficaria onde estou. Eu gosto de Holy Oaks, e me sinto bem lá. A cidade tem uma história muita rica, e as pessoas se preocupam umas com as outras.
- Eu não consigo me imaginar morando numa cidade pequena. Acho que enlouqueceria.
- Pois eu adoro - ela disse. - Eu me sentia... segura... até isso acontecer. Acreditava que em uma cidade pequena você soubesse quem eram seus inimigos. Acho que estava errada quanto a isso.
- Sei que você se mudou para lá depois que Tommy ficou muito doente.
- Ele quase morreu.
- Mas depois se recuperou. Você poderia ter tirado uma licença da galeria em Chicago e voltado para lá depois que Tommy melhorou, mas ao invés disso, pediu demissão. Por quê?
Ela baixou os olhos para o prato e alinhou nervosamente os talheres na mesa. - Eu não fui para lá para ficar com o meu irmão, e sim para fugir de uma situação muito desconfortável. Um... problema pessoal.
- Laurant, eu avisei que iria invadir a sua privacidade, lembra? Lamento muito se falar da sua vida pessoal a constrange, mas vamos ter que fazer isso - ele acrescentou. - Não se preocupe, não vou contar nada para o seu irmão.
- Não estou preocupada com isso. É que foi uma coisa tão... idiota - ela disse, erguendo os olhos para Nick outra vez.
- O que foi idiota?
- Eu conheci um homem em Chicago. Na verdade, eu trabalhava para ele. Nós namoramos por algum tempo, e eu achava que estava me apaixonando por ele. Esta é que foi a idiotice. Ele mostrou ser um ...
Ela estava tendo dificuldade para achar a palavra certa para descrever o homem que a traíra. Nick correu em seu auxílio. - Canalha? Filho da mãe? Duas-caras?
- Canalha - ela decidiu. - Sim, com certeza um canalha. Ele virou a página do bloco de notas e pediu que ela dissesse o nome do canalha em questão.
-Joel Patterson - ela respondeu. - Ele era o dono da galeria.
- E...? O que aconteceu?
- Encontrei-o na cama com outra mulher, uma amiga, na verdade.
- Uau!
- Não tem graça nenhuma. Pelo menos na hora não teve.
- Acredito que não - ele concordou. - Desculpe, eu não fui muito sensível, fui? Quem era ela?
- Apenas uma mulher que também trabalhava na galeria. O caso dos dois não durou muito. Ela está com outra pessoa agora.
- Quero o nome dela.
- Você vai checá-la também?
- É claro que sim.
- Christine Winters.
Ele anotou o nome e depois olhou para Laurant. - Vamos voltar ao Patterson por um instante.
- Eu não quero falar sobre ele.
- Ainda dói?
- Não - ela respondeu. - Mas eu ainda me sinto uma idiota. Sabe que ele teve o desplante de botar a culpa em mim?
Nick ergueu os olhos do bloco e lhe deu um olhar enviesado. - Você está brincando.
A expressão no rosto dele a fez sorrir. - É verdade. Disse que a culpa era minha por ele ter ido para a cama com Christine. "Os homens têm suas necessidades".
- E você não dava para ele?
- Que maneira delicada de falar. Não, eu não dava.
- Por que não?
- Como assim?
- Você achava que o amava. Por que não foi para a cama com ele?
- Você está tentando justificar.
- Não, é claro que não. O cara é um imbecil. Mas eu fiquei curioso. Você disse que o amava...
- Não, eu disse que achava que estava me apaixonando por ele - ela corrigiu enquanto partia o croissant ao meio e se servia de geléia. - Eu estava sendo muito prática - explicou. - Joel e eu tínhamos os mesmos interesses, e eu pensava que. nossos valores eram semelhantes. Mas estava enganada.
- Você ainda não respondeu a minha pergunta. Por que não foi para a cama com ele?
Ela não podia mais evitar a questão. - Eu estava esperando... eu queria...
- O quê?
- Uma certa magia. Uma química, pelo menos. Deveria haver algo... não deveria?
- É claro que sim.
- Eu tentava, mas não conseguia me obrigar a sentir...
- Laurant, ou a coisa acontece, ou não. Você não pode fabricá-la. Ela pousou a faca da geléia no prato, depois trouxe as mãos
para o colo e deixou o corpo cair para trás na cadeira. - Eu não sou muito boa em relacionamentos - disse.
- Foi Patterson quem lhe disse isso? - Nick não esperou pela resposta. - Ele bagunçou a sua cabeça, não foi? O que mais o bom e velho Joel lhe disse quando a culpou por jogá-lo nos braços de outra mulher?
Ela notou que ele estava ficando bravo, e o fato de ser por causa dela a fez sentir-se bem. - Ele disse que meu coração era feito de gelo.
- Você não acredita nessa bobagem, não é?
- Não, é claro que não - ela disse. - Mas...
- Mas o quê?
- Eu sempre fui muito reservada. Talvez eu seja mesmo um pouco fria.
- Você não é fria.
Ele afirmou aquilo com convicção, como se soubesse de alguma coisa que ela não sabia. Laurant queria pedir que ele explicasse, mas a conversa foi interrompida pela campainha do telefone, e Níck se levantou para atender.
- Era Noah - ele disse ao retornar. - O avião de Pete acaba de aterrissar. Vamos.
Capítulo 11
QUINZE MINUTOS APÓS o TELEFONEMA DE NOAH, NICK ESTAVA LEVANDO Laurant de volta à casa paroquial.
- Sua transmissão está escapando - ele comentou enquanto percorriam a Southwest Trafficway. - Eu notei ontem à noite, mas estava torcendo para estar errado.
- Acho que vou ter que levar o carro para o conserto outra vez. Era outro dia quente e úmido. O ar-condicionado não estava
refrescando muito o carro, e Laurant desceu seu vidro.
- Acho que seu compressor também foi para o espaço - ele disse. - Ela já está com mais de 144 mil quilômetros rodados, Laurant. Está na hora de trocá-la.
- Trocá-la? - ela repetiu sorrindo. - É um carro, Nick, não uma mulher.
- Os homens gostam de tratar bem suas máquinas - ele explicou. - Elas precisam ser mimadas.
- Esse é outro segredo que os garotos compartilham?
- Garotos, não - ele corrigiu. - Homens. Homens másculos.
Ela riu. - O Dr. Morganstern sabe que tem um louco na equipe?
- O que a faz pensar que ele não é um louco?
- Ele é? - Ela ficou séria ao acrescentar: - Imagino que ele tenha visto e ouvido coisas horríveis, não é?
- É verdade.
- E você também.
- É, faz parte do trabalho.
- Tommy se preocupa com você.
Eles tinham começado a subir uma ladeira íngreme, e Nick estava prestando atenção no rangido que a transmissão emitia enquanto tentava mudar a marcha. Incomodado com aquele barulho horrível, ele decidiu que ia mandar o carro a um mecânico antes que Laurant o dirigisse outra vez. Ela tivera muita sorte de não ter ficado no meio da estrada.
Ele olhou para ela por cima dos óculos de sol. - Tommy quer que eu case e me acomode - disse. - Ele acha que uma família vai tornar minha vida mais normal, mas isso não vai acontecer. Com o emprego que tenho, o casamento é simplesmente impossível, e ter meus próprios filhos... está definitivamente fora de questão.
- Você não gosta de crianças?
- É claro que gosto - ele retrucou. - Mas sei que seria um : pai muito neurótico. Se eu tivesse filhos, não deixaria que saíssem de perto de mim. Eu os estragaria totalmente.
- Por medo de que algo acontecesse com eles... porque você já viu...
Ele a interrompeu. - É por aí. E você? Quer se casar e ter um filho?
- Sim, quero... algum dia. Mas não quero ter só um filho. Quero uma casa cheia, e não me importa se isso está ou não na moda.
- Quantos são necessários para encher uma casa?
- Quatro ou cinco, talvez até seis. O Dr. Morganstern tem filhos?
- Não, ele e Kate não conseguiram, mas eles têm um monte de sobrinhos e sobrinhas, e um deles está sempre acampado na casa dos dois.
Ela observou Nick por um momento. - Por que você não pára de olhar pelo retrovisor?
- Eu sou um motorista cauteloso.
- Está checando se ninguém está nos seguindo, não é?
- Também - ele admitiu.
- Onde está sua arma?
Com a mão esquerda ele levantou o coldre que tinha escondido entre o banco e a porta. - Nunca saia de casa sem ela - disse. - Vou ter que vestir o coldre quando chegarmos à casa paroquial. Regras - explicou.
Apoiando o braço na janela, ela olhou para os prédios antigos ao longo da avenida. Estava pensando no Dr. Morganstern, perguntando-se como ele seria e como reagiria quando ela lhe contasse o que queria fazer. Ela já tinha decidido passar por cima de Tommy e Nick - os dois estavam muito envolvidos emocionalmente para serem práticos a respeito da situação - mas esperava que o doutor compreendesse e a ajudasse, com ou sem a cooperação de seu irmão.
- Laurant, mais tarde vamos terminar aquela lista- disse Nick. - Devíamos ter feito isso ontem à noite, mas você estava muito cansada.
- Sobre ontem à noite., eu estava pensando...
- Sim? - ele perguntou ao ver que ela hesitava.
- Eu caí no sono enquanto você assistia um jogo.
- Um jogo não, o jogo. Os play-offs da Stanley Cup - ele explicou.
- Você assistiu até o fim?
- Até o último segundo.
- E depois o que você fez?
Ele sabia o que ela estava tentando descobrir, mas seu lado perverso decidiu forçá-la a perguntar. - Eu dormi - respondeu.
Um longo minuto se passou. - Onde?
Ele sorriu. - Com você.
O tom de sua voz era provocador. O objetivo dele, sem dúvida nenhuma, era fazê-la corar, e Laurant achou que já estava na hora de virar a mesa. Ela era sempre muito recatada, mas decidiu surpreendê-lo entrando no jogo. - E foi bom para você?
Ele riu. - Foi ótimo, dormi como um bebê. Mas agora estou preocupado. O que Tommy vai dizer quando souber que eu dormi com a irmã dele?
- Se você não contar, eu também não conto.
- Combinado.
Eles chegaram à Paróquia da Misericórdia, e Nick estacionou o carro na frente da igreja para não interromper o jogo de basquete em andamento. Em seguida viram Noah e Tommy cara à cara em meio a um grupo de adolescentes. Tommy estava usando uma bermuda caqui e uma camiseta pólo branca, e Noah vestia jeans cortados, uma camiseta preta e seu coldre de couro marrom com a arma. Tinha uma expressão ameaçadora no rosto, e Laurant não demorou a perceber por quê: Tommy estava com um apito nos lábios, e Noah estava colado nele reclamando de uma de suas marcações. Seu irmão teimoso nunca fora de voltar atrás numa decisão, e estava respondendo à altura aos gritos de Noah, com o rosto da cor de beterraba e uma expressão igualmente belicosa. Os garotos estavam parados em torno dele como uma pequena legião de guerreiros pronta para atacar com um comando.
Laurant saiu do carro antes que Nick tivesse tempo de abrir a porta para ela. Ela o viu vestir o coldre e tentou não deixar aquilo incomodá-la.
- Achei que Tommy ia ao hospital para fazer mais exames hoje - ela comentou.
- Já são mais de dez horas. Eles provavelmente já foram e voltaram.
- Você não devia fazer alguma coisa a respeito da situação? - ela perguntou com um aceno de cabeça na direção de Noah, que tinha acabado de cutucar o peito de Tommy com o indicador em riste. Seu irmão retaliou soprando o apito no rosto de Noah.
Nick explodiu numa gargalhada. - Veja a cara daqueles garotos.
- Eles não estão gostando de ver Noah berrar com o padre deles.
- Ele está apenas se divertindo.
- Mas eu não acredito que os garotos compreendam isso. Noah está em desvantagem.
- Você acha?
Ela ergueu os olhos para ele. - Você não?
- Ele sabe se defender - disse Nick.
- Vou entrar - anunciou ela, acenando para o irmão enquanto cruzava o estacionamento. Viu que o monsenhor estava esperando com a porta aberta e apertou o passo.
Noah a enxergou com o canto do olho. Parou de gritar no meio de um insulto e virou de costas para Tommy para ter uma visão melhor.
- O que você está olhando? - perguntou Tommy, ainda ofegante.
- Laurant - respondeu Noah. - Ela tem um corpo maravilhoso.
- Você está falando da irmã dele - advertiu Nick, dando um encontrão em seu ombro por trás.
- Eu sei. É difícil acreditar que eles sejam da mesma família. Ela é tão linda e doce, e ele é um imbecil. Por falar nisso, seu amigo é cego como um morcego - acrescentou - Não consegue ver que a bola saiu nem estando a meio metro da linha.
A gritaria recomeçou.
Dez minutos depois os três entraram na cozinha às gargalhadas. Tommy estava secando a testa com a ponta da camiseta, mas Nick e Noah nem suavam, e todos queriam algo para beber.
Laurant deu um passo para trás para sair do caminho, mudando a cesta de roupa suja que estava segurando para o outro lado dos quadris.
- Não acredito que você ofereceu cerveja àqueles garotos - ralhou Tommy.
- Está quente lá fora - defendeu-se Noah - Achei que eles podiam querer uma gelada.
- Eles são menores de idade - exclamou Tommy, exasperado - E nem é meio-dia ainda.
Nick piscou para Laurant ao passar por ela carregando uma embalagem com seis latas de Coca-Cola. Noah disse a Tommy que ficasse ali dentro enquanto ele e Nick conversavam com os garotos na varanda.
- O que houve? - ela perguntou ao irmão.
- Um dos garotos disse ao monsenhor que acha que viu o carro que o homem estava dirigindo no sábado, e Nick está conversando com ele.
- Ele contou algo à polícia?
- Não, nenhum deles fala com a polícia - ele explicou - Mas todos ouviram falar do que aconteceu, e como Frankie, que é o líder do bando, eloqüentemente declarou, "Ninguém vai vir na porra da nossa paróquia se meter com a porra do nosso padre"
Os olhos de Laurant se arregalaram, e Tommy assentiu - Frankie é um bom garoto - disse - Mas tem que manter as aparências Ser durão é importante para todos eles De qualquer maneira, eles passam o dia na rua, e a noite também, e um deles se lembra de ter visto um furgão estranho estacionado na Rua 13, ao lado daquele terreno baldio Nick está tentando obter uma descrição do motorista Cruze os dedos - acrescentou Depois, mudando de assunto, ele perguntou - O que você está fazendo com o cesto da roupa suja?
- Não agüento esta espera Tenho que me manter ocupada, então perguntei ao monsenhor se poderia ajudar em alguma coisa.
Tommy abriu a porta do porão para a irmã, acendeu a luz e observou-a descer os degraus de madeira.
O Dr. Morganstern chegou cinco minutos depois, e Laurant escutou a voz dele enquanto subia a escada. Os homens estavam reunidos no hall de entrada e, embora os agentes fossem uma cabeça mais altos do que o chefe, assim como Tommy, todos o estavam tratando com uma deferência extraordinária.
Laurant estava nervosa e apreensiva para conhecer o doutor, e tentou não deixar isso transparecer quando Nick a puxou pela mão e os apresentou. Ele cumprimentou-a, insistiu que ela o chamasse de Pete e então disse: - Por que nós não nos sentamos e decidimos o que vamos fazer?
Instintivamente, ela olhou para Nick. Ele fez um gesto rápido com a cabeça e os dois irmãos passaram para a sala, enquanto Morganstern ficava para trás para conversar com seus subordinados. Ele falou primeiro com Nick, mas numa voz tão baixa que Laurant não conseguiu ouvir o que estavam dizendo. Depois se virou para Noah, e o que quer que tenha dito o surpreendeu tanto que ele explodiu numa gargalhada.
- Deus vai me fulminar com um raio, senhor.
- E perder um de seus soldados de confiança? Acho que não - respondeu Pete enquanto entravam na sala. - Além do mais, estou plenamente convencido de que Deus tem um ótimo senso de humor.
Pete deitou sua pasta na mesa e abriu as lingüetas. Nick deixou o corpo cair no sofá ao lado de Laurant e Noah ficou em pé atrás de seu superior como um sentinela, com os braços cruzados na frente do peito.
- Eu estava me perguntando, senhor, se aquele psicólogo que fez o perfil para o caso conseguiu descobrir algo de significativo - disse Noah. - Como é mesmo o nome dele, Nick?
O doutor respondeu à pergunta. - O nome dele é George Walker, e, sim, ele tem algumas idéias que podem nos ajudar. Nada de concreto, infelizmente.
- Os perfis não são montados a partir da cena do crime? - perguntou Tommy. - Eu li em algum lugar que é assim que eles obtêm as informações.
- Sim, é verdade - concordou Pete. - Mas também existem outros meios.
- Como a fita?
- Sim.
- Tommy, você pode por favor parar de dar voltas pela sala e se sentar? - disse Laurant.
Seu irmão fez um gesto para que ela chegasse mais para perto de Nick e se sentou ao lado dela. Ele não sabia exatamente como colocar em palavras o que queria perguntar, e então decidiu ser direto.
- Exatamente por que você está aqui, Pete?
- Nós estamos contentes por você ter vindo - interrompeu Laurant para que o doutor não pensasse que seu irmão era tão grosseiro quanto a pergunta o fizera, parecer. - Não é mesmo, Tommy? - acrescentou, cutucando seu flanco.
- É claro que sim - ele concordou. - Pete sabe o quanto eu aprecio sua ajuda. Nós nos conhecemos há um bom tempo, não é mesmo? - ele perguntou ao psiquiatra.
Pete assentiu, e Tommy se virou para Laurant para explicar. - Eu liguei para o Dr. Morganstern uns dois anos atrás, por causa de uni garoto com problemas que estava tentando ajudar. Ele não tinha recursos, mas Pete deu um jeito de interná-lo num centro de reabilitação. Foi a primeira vez que usei minha conexão com Nick, mas desde então Pete já me ajudou com três outros casos difíceis. Ele nunca me diz não.
- Eu tento não dizer - complementou Pete. - Vim aqui hoje para conversar com você, Tom. Quero repassar o que aconteceu no confessionário.
- Você ouviu a fita - Tommy lembrou-o.
- Sim, ouvi, e foi muito útil para a investigação. Mas ela não me diz o que você estava pensando enquanto nosso eldes falava. Eu gostaria de retornar àquele momento com você.
- Eu contei a Nick tudo o que lembro. Já repassamos o diálogo pelo menos umas dez vezes.
- Sim, mas Pete vai fazer perguntas diferentes - disse Nick.
- O.K. Se você acha que isso vai ajudar, posso descrever a conversa outras dez vezes.
Pete sorriu. - Noah, por que você e Laurant não esperam na outra sala? Nick, eu gostaria que você ficasse.
Laurant seguiu Noah até a porta e então se virou, exatamente quando Pete abria sua pasta. - Pete? Quando tiverem terminado, posso dar uma palavrinha com você em particular?
- É claro.
Noah fechou as portas francesas atrás deles. O monsenhor estava descendo a escada com uma cesta cheia de lençóis sujos e, sem uma palavra, Laurant a pegou de suas mãos e desceu para o porão outra vez. Ela escutou a risada do irmão e deduziu que o interrogatório ainda não havia começado.
Pete agia como se tivesse todo o tempo do mundo. Começou perguntando a Tommy se ele não sentia saudades de jogar futebol americano. Tommy estava sentado na ponta da cadeira, obviamente tenso e preocupado, mas Pete introduziu o assunto da confissão aos poucos e, quando a conversa terminou, eles tinham duas outras informações que poderiam se mostrar úteis. O eldes estava usando Obsession, de Calvin Klein Tommy tinha se esquecido disso, e até aquele momento também esquecera que tinha escutado uni clique. Na hora, ele imaginou que o homem estava estalando os dedos para chamar sua atenção, mas Pete sugeriu que aquele era na verdade o som do gravador sendo ligado.
Pete se levantou, encerrando a reunião - Quando você retornar a Holy Oaks, eu gostaria que não escutasse confissões por algum tempo.
- Por quanto tempo?
- Até termos montado uma armadilha para atrai-lo Tommy olhou para Nick e depois novamente para Pete - Você não está achando que ele vai voltar a se confessar, está?
- Certamente ele vai tentar - disse Pete
Tommy balançou a cabeça - Não vejo por quê. É muito arriscado.
Nick, que tinha ficado estranhamente silencioso até então, entrou na conversa - Ele vai encarar a situação como um desafio. Ele se acha imensamente superior ao resto de nós, e vai querer provar isso.
- Tom, quer você goste, quer não, ele estabeleceu um relacionamento com você, e acredito que vai querer mantê-lo informado do que anda fazendo - disse Pete - Uma coisa é certa - continuou
- Este eldes vai fazer o que for preciso para falar com você outra vez. Ele quer ganhar a sua admiração, mas também quer seu ódio e medo.
- Por muitas razões, você é o parceiro ideal para o plano dele - disse Nick
- Por que você diz isso?
- Ele quer que alguém reconheça o quanto ele é esperto Tommy disse - Eu sei que você pensa que eu estou sendo teimoso, mas tenho que confessar que ainda acho que vocês estão errados quanto a este sujeito. Simplesmente não faz sentido ele tentar me contatar de novo. Eu escutei todos os argumentos, e sei que vocês são especialistas...
- Mas? - disse Nick.
- Mas estão esquecendo por quê ele me procurou em primeiro lugar. Ele queria absolvição, e não conseguiu.
Pete lhe deu um olhar de simpatia. - Não, ele foi procurá-lo porque você é o irmão de Laurant - disse. - Ele nunca quis o seu perdão - acrescentou com delicadeza. - Estava zombando da igreja, do sacramento e de você, Tom, especialmente de você.
Tommy parecia completamente desanimado. - Vocês se deram conta de que ele quase pegou o Monsenhor McKindry naquele confessionário? Eu me ofereci para ficar no lugar dele no último minuto.
- Não, ele não teria ido falar com McKindry - disse Pete.
Ele sabia que você estava dentro do confessionário antes mesmo de entrar na igreja.
- Ele provavelmente observou você atravessar o estacionamento e entrar - disse Nick. - E se o monsenhor estivesse ouvindo as confissões, ele teria esperado pacientemente por outra oportunidade.
- Nick está certo - disse Pete. - Este homem é organizado e muito paciente. Ele dedicou muito tempo e esforço a vigiar você e sua irmã.
Uma coisa que Pete tinha dito antes começou a incomodar Tommy, e ele perguntou: - O que você quis dizer quando falou que ele estava nos enviando mensagens contraditórias?
- Ele está deliberadamente tentando nos fazer correr em cinco direções diferentes - explicou o doutor. - Na fita, ele nos diz que é um agressor, talvez um assassino em série. Conta que apenas começou, mas depois insinua que está nessa há muito tempo. Ele diz que matou uma mulher, mas sugere a possibilidade de terem havido outras. Se você se lembra, ele riu quando disse que somente machucava as mulheres antes de Millicent. Nossa tarefa agora é descobrir o que é verdade e o que não é no meio disso.
- Em outras palavras, pode ser tudo mentira ou pode ser tudo verdade.
- Tommy, tente entender que, com estes criminosos sempre se trata de fantasias. Sempre - Nick repetiu enfaticamente - É a fantasia que está movendo o eldes. Pode ser que tudo ainda esteia apenas dentro da sua cabeça, mas temos que acreditar que Millicent realmente existiu e que ele a torturou e matou.
- E agora ele quer concretizar suas fantasias com Laurant? Pete assentiu - A situação é urgente. Ele precisa de um motivo para falar com você outra vez.
- O que vocês estão tentando me dizer?
Ele notou que os olhos de Pete agora estavam cheios de tristeza - Se o que ele disse é verdade, tenho certeza de que está procurando outra mulher agora mesmo
- Ele disse que tentaria achar uma substituta temporária para Laurant - disse Nick.
Tommy baixou a cabeça - Meu Deus - sussurrou E depois vai querer confessar seus pecados, certo? Não Ele vai querer se vangloriar.
Capítulo 12
TIFFANY TARA TYLER ERA UMA VAGABUNDA E SE ORGULHAVA DISSO Há muito tinha aprendido que teria que relaxar suas noções de moral se quisesse chegar a alguma coisa neste mundo frio e cruel Além do mais, o fato de não ser uma puritana tinha lhe carregado para bem longe daquele fim-de-mundo que era Sugar Creek, e nada, nem mesmo um pneu furado no seu enferrujado Chevy Caprice 82 ia fazê-la desanimar. Ela estava alegre e cheia de energia, e tudo porque tinha absoluta certeza de que sua vida estava prestes a sofrer uma mudança radical. Sim, ela sabia que nunca deixaria de ser uma Jezebel aos olhos da mãe, a qual havia decretado que a filha estava condenada às chamas eternas do inferno ao surpreendê-la no banheiro com Kenny Martin, ainda criança. Mas Tiffany tinha decidido que não daria mais a mínima para o que aquela velha doida pensasse dela. Ela sabia qual era o seu verdadeiro talento e acreditava de todo coração que alcançaria o sucesso se desse duro o bastante. Quem sabe, talvez quando chegasse aos trinta, doze longos anos à frente, ela até mesmo estivesse milionária como aquela cafetina que tanto admirava, Heidi Fleiss (Nota da tradução:Heidi Fleiss, presa em 1993, ficou conhecida por comandar uma rede de prostituição de luxo, que tinha entre seus clientes muitos astros de Hollywood.Fim da nota) Heidi conhecia todos os astros famosos do cinema, e Tiffany apostava que eles também a tratavam como uma estrela e, depois de fazer sexo com ela, talvez até a levassem para jantar num daqueles restaurantes chiques de Hollywood.
Tiffany se lembrava do momento exato em que sua vida sofrerá uma epifania - ela tinha procurado aquela palavra no dicionário depois de ler o artigo na revista Mademoiselle Estava no salão da Suzie, fazendo uma permanente que fritaria ainda mais seus já esturricados cachos longos e artificialmente loiros. Para se distrair da dor da queimadura química em seu couro cabeludo, ela tinha pego a revista e começado a ler o artigo que exclamava na capa "Descubra seus Trunfos'" A mensagem não poderia ter sido mais clara para ela faça o que você sabe fazer bem, mude o que não gosta em si mesma e use seus trunfos para conseguir o que quer Mas, acima de tudo, vá a luta.
Ela tinha levado a sério aquelas palavras, e daquele dia em diante carregava a revista roubada consigo para onde quer que fosse. Naquele momento, ela estava dobrada dentro da sua bolsa Vuitton falsificada, ao lado do celular novinho em folha que lhe custara salgados duzentos dólares, mas lhe dava três meses de ligações grátis dentro dos Estados Unidos.
Tiffany gostava de pensar que tinha o dom da percepção extra sensorial e, ao ler o artigo, percebeu imediatamente que estava destinada a um futuro grandioso. Tudo ia começar a acontecer em apenas mais dois dias, quando ela chegasse ao Holidome As diárias eram um pouco altas, mas valeria a pena porque o hotel ficava em frente ao consultório do médico, e ela só precisaria atravessar a rua para descansar depois da cirurgia.
Como não pôde deixar de comprar o telefone - ela tinha visto uma foto de Heidi Fleiss com um celular na mão e concluíra que aquele era um acessório importante para qualquer garota que quisesse chegar a algum lugar - ainda lhe faltavam duzentos dólares para completar os dois e quatrocentos de que ela precisava para a plástica nos seios. Há meses vinha carregando suas economias com ela, pois jamais se arriscaria a esconder dinheiro algum no trailer onde moravam. Seu padrasto era capaz de farejar notas como um cão treinado com aquele nariz vermelho de alcoólatra tantas vezes quebrado, e gastaria tudo em mais uma temporada de porres que sempre acabavam na cadeia. Se ele não o encontrasse, sua mãe certamente o faria. Ela estava sempre mexendo nas coisas de Tiffany, procurando mais provas de que a filha era uma prostituta, e concluiria que era seu dever doar todo o dinheiro para aquele pregador fanático que vivia gritando na televisão. Não, Tiffany não arriscaria o dinheiro tão suado que era a garantia de mudar o seu futuro. Ela tinha dividido as notas e escondera cada bolo de mil e cem dólares em uma das taças tamanho 32AA de seu Wonderbra, que não estava fazendo nada de maravilhoso pela sua silhueta lisa como uma tábua. Os peitos novos iam dar um jeito nisso, é claro. Ela tinha certeza.
Ir à luta e mudar o que podia ser mudado - essa era a chave para o sucesso. Como a maioria das garotas de dezoito anos, ela sonhava alto. Sempre fora muito obstinada, e seios grandes eram parte integrante de seus planos para o futuro. Ela nunca contara a ninguém, nem mesmo à sua melhor amiga, Louann, que seu maior sonho era sair na capa da Playboy. A Penthouse estava um degrau abaixo, assim como a Hustler, mas ela também se contentaria em ser capa de uma das duas. Todos os homens de Sugar Creek liam aquelas revistas - bem, eles não liam exatamente. Entravam com elas no banheiro para gozar olhando para mulheres nuas, e ela sabia que seus olhos iam saltar das órbitas quando a vissem em todo seu esplendor, sorrindo timidamente para eles com seus novos peitos 36D.
Ela não fazia idéia de quanto dinheiro se podia ganhar como capa de revista, mas tinha que ser mais do que recebia agora como strípper. Ela nunca era a primeira escolha dos clientes, e sabia que era por causa dos seios pequenos. Vera, uma das outras meninas, sempre ganhava três vezes mais gorjetas do que ela, porque era cheia de corpo e os homens gostavam de enfiar o rosto entre seus peitos enormes. Tiffany tivera que complementar sua renda dando boquetes atrás
da lixeira nos fundos do bar. Ela era muito talentosa com a boca - qualquer garoto de Sugar Creek sabia disso, bem como o médico que ia mudar sua vida. Ele tinha ficado tão impressionado com as habilidades dela que reduzira o preço dos implantes. Tiffany planejava impressionar o doutor outra vez para conseguir mais um desconto de duzentos dólares e, se ele ficasse em dúvida, teria apenas que ameaçar ter uma conversinha com sua esposa empertigada, que estava sentada a alguns metros de distância atendendo o telefone para ele enquanto Tiffany alegrava as partes do bom doutor dentro do consultório. De um jeito ou de outro, ela ia conseguir seus peitos 36D em dois dias.
O pneu furado era um contratempo momentâneo, e enquanto ela esperava no acostamento da rodovia mascando furiosamente um chiclete, viu um furgão vindo na sua direção Ela não ia ter que usar seu telefone novo para chamar um serviço de guincho, afinal de contas Subindo um pouco a saia justa cor-de-rosa, apoiou a mão no quadril, equilibrou-se resignadamente nos sapatos igualmente cor-de-rosa de salto agulha, que acabavam com seus pés mas deixavam suas pernas ótimas, e fingiu ser uma mulher indefesa precisando de assistência.
Ela esperava que o motorista do furgão fosse um homem, pois sempre conseguia que eles fizessem qualquer coisa que ela quisesse depois que percebiam o quanto ela era talentosa Apertando os olhos por causa do sol, ela deu um suspiro de alívio quando o furgão encostou atrás de seu carro e ela viu um homem bem apessoado sorrindo para ela.
Tiffany Tara Tyler empinou o corpo, armou seu sorriso mais convidativo e requebrou-se até o furgão.
Exatamente como ela havia previsto, sua vida estava prestes a mudar radicalmente.
Para sempre.
Capítulo 13
Aquilo era o mais perto que Laurant chegaria de uma sessão de terapia com um psiquiatra. Não havia "médicos de cabeça" em Holy Oaks, mas várias pessoas que ela conhecia poderiam se beneficiar de algumas longas conversas com um deles. Emma May Brie - como o queijo - imediatamente lhe veio à memória como candidata perfeita para análise. A mulher muito amável, mas muito estranha, usava uma touca de banho azul decorada com margaridas brancas como chapéu, aonde quer que fosse, com chuva ou sol. Ela o tirava somente durante uma hora nas manhãs de terça, quando arrumava os cabelos no Madge's Magic, o salão de beleza local que prometia dar "volume" a qualquer cliente. Emma May não era exceção: quando botava os pés fora do salão, seus cabelos grisalhos e ralos efetivamente estavam duas vezes mais altos, isto é, até ela colocar a touca de margaridas e esmagar o penteado recém feito.
Havia outros moradores que poderiam dar trabalho a um bom psiquiatra, mas a verdade era que, se o renomado Dr. Morganstern decidisse abrir um consultório na rua principal da cidade, ninguém jamais iria bater na sua porta. Isso simplesmente não se fazia. Os problemas nunca eram discutidos com forasteiros, e qualquer um que fosse considerado "peculiar" simplesmente era evitado quando estivesse tendo um de seus "acessos".
Por que Pete estava demorando tanto? Ele tinha pedido que ela esperasse na sala de jantar, mas isso fora mais de dez minutos atrás e ela estava tão inquieta que simplesmente não conseguia ficar sentada No instante em que decidiu voltar para o porão para terminar de separar as roupas sujas, a porta de vaivém da cozinha se abriu.
- Desculpe tê-la feito esperar, - disse Pete quando entrou - O monsenhor e eu começamos a conversar e eu não quis interromper uma história que ele estava contando sobre um de seus paroquianos.
Ele fechou as portas duplas que levavam ao corredor para garantir mais privacidade. Embora Laurant tivesse solicitado a conversa, estava apreensiva porque sabia o que queria propor, e uma parte dela tinha medo que ele concordasse.
- Vamos lá - disse Pete acomodando-se na cadeira.
Ela não conseguia ficar parada, e começou a bater os pés no assoalho de madeira com tanta força que seus joelhos faziam a mesa balançar. Quando se deu conta do que aquilo revelava sobre seu estado mental, obrigou-se a parar e aprumou as costas, rígida como um cadáver na cadeira desconfortável que emitia um guincho de protesto cada vez que ela se mexia.
A luz do sol se infiltrava na sala pelas cortinas antiquadas de renda vitoriana, e o ar cheirava vagamente a maçãs muito maduras, que estavam numa grande vasilha oriental cheia de frutas no centro da mesa.
Pete não demonstrava sinais de pressa. Ele abriu a conversa perguntando como ela estava se sentindo com tudo aquilo.
-Eu estou bem. - Ele seria capaz de adivinhar que ela estava mentindo?
A resposta foi seguida de um longo silencia. Ele continuou a esperar pacientemente que ela organizasse os pensamentos e lhe dissesse o que tinha em mente. Ela se sentia uma boba por estar tendo tanta dificuldade para encontrar as palavras. O que lhe parecera um plano perfeitamente viável meia hora atrás, agora parecia uma insanidade.
-Você já esquiou?
Se ficou surpreso com a pergunta, Pete não demonstrou. - Não, nunca esquiei. Mas sempre quis experimentar. E você?
- Eu costumava esquiar o tempo todo. A escola em que estudei era cercada de montanhas.
- Você freqüentou um internato na Suíça, não foi?
- Sim - ela respondeu. - Eu subia as montanhas sempre que podia. Adoro esquiar, e fiquei muito boa no esporte. Desde que me mudei para os Estados Unidos estive nas rampas do Colorado algumas vezes. Nunca vou me esquecer do que senti na primeira vez em que tomei o teleférico até o topo de uma preta... eles classificam as rampas por grau de dificuldade - explicou. - As verdes são para iniciantes, as azuis para esquiadores intermediários e as pretas são reservadas para os mais experientes, que estão atrás de desafios. Existem outras classificações, como diamante e diamante duplo - ela acrescentou. - Bem, da primeira vez que parei na borda do que parecia ser um paredão vertical, levei muito tempo reunindo forças para me lançar. Parecia que eu estava em um dos penhascos de Dover, de tão íngreme. Fiquei apavorada... mas determinada.
- E falar comigo é como estar na beira do precipício outra vez? - perguntou Pete.
Ela assentiu. - Sim, é... porque eu sei que, como naquela montanha, depois que me lançar não vai haver retorno.
Houve uma pausa desconfortável antes que Laurant recomeçasse. - Acho que eu devo ser totalmente honesta, não é mesmo? De outra forma, estaria desperdiçando o seu tempo. Eu disse que estava bem, mas não é verdade. Por dentro, estou um caco, com a sensação de estar amarrada com mil nós.
- Isso é compreensível.
- Acho que sim - ela concordou. - Eu só consigo pensar nele. Minha concentração se foi - acrescentou. - Quando fui cuidar da roupa suja para o monsenhor, comecei a pensar no que queria lhe propor e despejei uma embalagem inteira de alvejante na máquina junto com os lençóis antes de perceber o que estava fazendo. Uma embalagem bem grande - enfatizou.
Pete sorriu. - Pense no lado positivo. Os lençóis vão ficar brancos como nunca.
- Eles eram verdes com listras azuis quando os coloquei na máquina.
Ele riu. - Puxa vida.
- Vou ter que comprar um conjunto novo - ela disse.
Como você pode ver, estou tendo alguma dificuldade.
- Para manter o foco?
- Sim. Minha cabeça está acelerada, e eu me sinto tão culpada.
A Confissão
l 15
O monsenhor bateu na porta e enfiou a cabeça para dentro da sala.
- Laurant, estou indo ao hospital para fazer minhas visitas. Não devo demorar, e a Sra. Krowski vai chegar logo. Você se importaria de atender o telefone até ela chegar? O Padre Tom pode resolver qualquer emergência.
- É claro.
Pete se levantou. - Espere um minuto, monsenhor.
Pedindo licença, ele foi até o corredor e chamou Noah. Laurant ouviu passos na escada, e então Pete falou outra vez - Peça ao agente Seaton para acompanhar o monsenhor ao hospital.
O velho padre rejeitou a idéia de sair com um guarda-costas, argumentando que podia dirigir seu próprio carro, mas Pete gentilmente o interrompeu e insistiu que o agente o acompanhasse. O monsenhor percebeu que não adiantaria reclamar e concordou com relutância.
Desculpando-se, Pete voltou para a sala de jantar Nick entrou atrás dele, fechou a porta e se encostou nela. Cruzando os braços sobre o peito, ele piscou para Laurant, e sua linguagem corporal informou-a claramente de que ele não tinha intenção de sair dali tão cedo.
- Você queria falar com Pete? - ela perguntou.
- Nick pediu para participar da conversa. Eu disse a ele que a decisão era sua
Ela hesitou por um momento. - O K. Mas quero que você prometa que não vai interromper nem argumentar quando ouvir o que eu tenho a dizer
•- Não.
- Como?
- Eu disse não
Pete tomou as rédeas da conversa. - Você disse que estava se sentindo culpada. Por quê?
Decidindo ignorar Nick, ela fitou a estampa delicada de rosas na vasilha oriental enquanto respondia. - Meu impulso é fugir e me esconder até vocês o pegarem, e estou envergonhada por me sentir assim.
- Você não tem nada do que se envergonhar, e o desejo de fugir é muito natural - disse Pete. - Tenho certeza de que eu me sentiria da mesma maneira.
Ela não engoliu aquela. - Não, você não faria isso. Minha reação é covarde e egoísta.
16
Julie Garwood

c ~.:
Sentindo-se inquieta, ela se levantou e foi até a janela da frente Erguendo a cortina de renda, olhou para fora e viu o monsenhor entrando num seda preto pelo lado do passageiro.
- Você está sendo muito dura consigo mesma - disse Pete - O medo não é um defeito, Laurant, é um mecanismo de defesa
Ele está em algum lugar agora... procurando outra vítima não está?
Nenhum dos dois homens respondeu.
- Afaste-se da janela - ordenou Nick.
Ela imediatamente deu um passo para trás e largou a cortina ^ - Você acha que ele pode estar observando a casa paroquial? Você disse que ele já tinha cumprido sua tarefa aqui, e que estava voltando para casa.
-Não - Corrigiu NiCk - Eu disse que ele Provavelmente já tinha ido embora. Nós não vamos correr nenhum risco.
- É por isso que o monsenhor está com um guarda-costas hoje, não e? Claro que sim.
- Enquanto você e Tom estiverem aqui, o monsenhor vai ter um agente cuidando dele - acrescentou Pete.
- Nós o estamos colocando em perigo?
- É apenas uma precaução - ele insistiu.
- Este eldes... vai matar outra mulher logo, não vai?
Pete escolheu as palavras com cuidado. - Até prova em contrario, temos que acreditar que o que ele disse a Tom é verdade Portanto, a resposta é sim, ele vai atacar outra mulher em breve
- Ele vai torturá-la e matá-la. - A sala parecia estar se fechando em torno dela, e ela respirou fundo tentando se recompor - E não vai parar depois dela, vai? Ele vai seguir matando.
- Venha se sentar, Laurant - disse Pete.
Ela fez o que ele pediu, sentando-se de lado na cadeira para encara-lo, com mãos agarradas aos joelhos. - Eu tenho um plano
_ Ele assentiu. - Você está pronta para se lançar desta montanha não está? '
- Mais ou menos - ela concordou. - Eu ainda quero fugir - acrescentou. - Mas não vou fazer isso. - Com o canto do olho ela viu Nick se remexer. - Eu quero pegar este homem.
- Nós vamos pegá-lo - garantiu Pete.
- Mas eu posso ajudar - disse ela. - Tenho que ajudar Por muitas razões - acrescentou. - A primeira são todas mulheres que estão andando por aí sem a menor idéia de que este monstro está
A Confissão
17
procurando sua próxima vítima. Elas são a razão principal por que não posso me esconder.
Pete estava com uma expressão grave, antecipando o que ela ia dizer. Quando começou a balançar a cabeça, ela soube que ele tinha adivinhado seu plano, e por isso apressou-se em explicá-lo antes que ele pusesse um fim à discussão.
- Eu posso ser muito teimosa e determinada, e quando tomo uma decisão, não volto atrás. Durante toda a minha vida as pessoas tentaram me controlar. Depois que minha mãe morreu, os advogados encarregados do testamento passaram a tomar decisões por mim. Fazia sentido enquanto eu era criança, mas à medida em que crescia comecei a me ressentir de suas táticas totalitárias. Eles certamente não estavam interessados nos meus sentimentos, e eu queria pelo menos participar das decisões, mas isso não era permitido. Não pude escolher a escola que iria freqüentar, onde iria morar e quanto podia gastar.
Ela fez uma pausa para respirar e então continuou. - Levei muito tempo para escapar do controle deles, mas finalmente consegui e encontrei um lugar onde me sinto bem... realmente bem. Agora este monstro está tentando tirar isso de mim, e eu não posso permitir que ele me controle. Não vou permitir.
- O que você quer que eu faça?
- Quero que me use - ela exclamou. - Monte uma cilada e me use para chegar até ele.
- Você está louca? - explodiu Nick.
Ela sentiu a raiva na voz dele mas tentou ignorá-lo, mantendo os olhos fixos em Pete. - Ajude-me a convencer meu irmão de que devo voltar para Holy Oaks. Este é o primeiro passo - disse. - Você não faz idéia do quanto estou assustada, mas na minha opinião... eu não tenho escolha.
- É claro que tem - argumentou Nick.
Ela ergueu os olhos para ele. - A única maneira de retomar minha vida é assumir o controle da situação.
- Isso está fora de questão - insistiu Nick.
- Não, não está fora de questão - ela disse, surpreendendo-se com a calma da própria voz. - Pete, se eu voltar para casa depois deste homem ter dito ao meu irmão para me esconder, ele vai entender como um desafio, não vai?
- Sim, estou certo de que vai - ele concordou. - Para ele, isso é um jogo. Se não fosse assim, por que teria mencionado Nick?
Julie Garwood
Ele sabe que Nick é do FBI e quer provar que é muito mais inteligente do que qualquer um de nós.
- Então, se eu voltar para Holy Oaks, ele vai pensar que não estou levando a sério suas ameaças, certo?
- Certo.
- Você não vai voltar de jeito nenhum até que este filho da mãe esteja morto ou atrás das grades - disse Nick.
- Você pode por favor me deixar terminar e depois dar sua opinião?
Ele parecia prestes a arrancá-la da cadeira e lhe dar umas sacudidas para acordar seu bom senso. Era exatamente a resistência que ela tinha previsto.
- Você pode penetrar na mente dele, Pete. Pode descobrir o que o enfurece e fazê-lo vir atrás de mim... e deixar as outras mulheres em paz. Pelo menos é o que eu espero. Você e Nick podem montar uma cilada, fazem este tipo de coisa o tempo todo, não fazem? E Holy Oaks é uma cidade pequena, com apenas uma estrada importante por onde entrar e sair. Não acho que seria muito difícil fechar os acessos se fosse necessário.
- Laurant, você percebe- começou Pete.
- Sim, eu sei o que pode acontecer, e lhe asseguro que não vou me arriscar. Prometo que farei tudo o que você mandar. Só quero que me deixe ajudar a pegá-lo antes que ele mate outra vez.
- Usando você como isca - disse Pete.
- Sim - ela respondeu em voz baixa. - Sim - repetiu com mais firmeza.
- Você perdeu completamente a razão. Sabe disso, não sabe? - disparou Nick.
- Meu plano faz sentido - ela argumentou.
- Que plano? Você não tem um' plano.
- Nicholas, acalme-se.
- Pete, nós estamos falando sobre colocar a irmã do meu melhor amigo numa situação.
- Talvez você devesse parar de pensar em mim como a irmã do Tommy - ela sugeriu. - E começar a pensar como um agente. Esta é uma oportunidade de ouro.
- Usar você como isca. - Ele estava repetindo a frase de Pete, mas, ao contrário de seu superior, sua voz não estava calma. Era quase um rugido.
A Confissão
l 19
- Você pode por favor baixar o tom? Não quero que Tommy nos ouça antes de tomarmos uma decisão.
Ele lançou-lhe um olhar feroz e começou a dar voltas pela sala. Laurant agora dependia da disposição de Pete a se tornar seu aliado, porque, por mais negativa que estivesse sendo a reação de Nick, ela sabia que a de seu irmão seria dez vezes pior.
Ela tinha que convencer Pete. - Eu não vou passar o resto da vida me escondendo. Nós dois sabemos que você sequer estaria aqui se não fosse por Nick e Tommy. Com todo o trabalho que o FBI tem, não é possível largar tudo e sair correndo cada vez que alguém é ameaçado. Não é verdade?
- Infelizmente, não temos pessoal suficiente para dar conta do volume de trabalho hoje em dia - ele admitiu.
- Seu tempo é valioso, então pensei que talvez pudéssemos acelerar os planos deste homem.
Ela podia jurar que tinha visto um brilho de especulação nos olhos do doutor.
- O que você está propondo?
- Vamos enlouquecer o eldes.
Nick parou de andar pela sala e olhou para ela com uma expressão de incredulidade. - Ele já é louco - disse. - E você também, se acha que Tommy e eu vamos permitir que você se coloque no meio do parque de diversões dele. De jeito nenhum, Laurant. Isso não vai acontecer.
Ela se virou outra vez para Pete. - O que seria necessário? O que o faria enlouquecer de vez? Como podemos enfurecê-lo ao ponto dele se tornar descuidado?
- Tendo escutado a fita, posso lhe dizer que este eldes tem um ego e tanto, e é importante para ele que o mundo acredite que ele é inteligente. Ficaria furioso se ouvisse uma crítica. Se você falasse abertamente sobre ele na cidade e dissesse a todos que o considera um idiota, acho que apressaria as coisas. Ele ia querer pegá-la rápido para fazê-la calar a boca. Zombe dele, e vai conseguir irritá-lo.
- O que mais eu poderia fazer?
- Provocar ciúmes - ele disse. - Se ele achasse que você está envolvida de maneira romântica e íntima com outro homem, veria isso como uma traição.
Ela assentiu. - Eu posso lhe causar ciúmes, sei que posso. Você se lembra do que ele disse na fita sobre como Millicent o traiu ao
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flertar com outro homem e ele teve que puni-la? Eu poderia flertar com todos os homens da cidade.
Pete balançou a cabeça. - Creio que seria mais eficiente escolher somente um homem e levar o eldes a acreditar que vocês estão apaixonados.
Ela esperou que ele continuasse. Pete tamborilava os dedos na mesa enquanto considerava as possibilidades.
- Ele mencionou o nome de Nick e desafiou Tommy a convocar o FBI, de modo que é evidente que quer jogar este jogo conosco. - Pete esfregou o queixo. - Vamos entrar na dele e ver aonde isso nos leva.
- O que você quer dizer?
- Vamos deixar que ele pense que está ditando as regras - explicou Pete. - Eu gostaria de saber como ele se sentiria se pensasse que a confissão uniu você e Nick romanticamente. Seu jogo tão calculado teria se voltado contra ele mesmo, e isso certamente o faria sentir-se um tolo. É uma idéia interessante. - Ele assentiu e acrescentou: - Você e Nick poderiam se comportar como um casal apaixonado. Isso terminaria de enlouquecer o eldes. Se ele é mesmo o que diz ser.
- Ele não vai engolir essa de jeito nenhum - disse Nick. - Ele nos aproxima e nós nos apaixonamos da noite para o dia? Estou lhe dizendo, Pete, não vai funcionar.
- Não interessa se ele acredita ou não - explicou Pete pacientemente. - O objetivo é fazer troça dele e de seus planos. Se você e Laurant agirem como amantes, ele vai pensar que estão zombando dele e não vai gostar nem um pouco, eu garanto.
Nick balançou a cabeça. - Não. É arriscado demais.
- Você não está sendo razoável - protestou Laurant.
- Eu não estou sendo razoável? Você não sabe do que estes doidos são capazes.
- Mas você sabe - observou ela. - E pode me manter segura. Apoiando as mãos no tampo da mesa, ele se inclinou para a
frente e balançou a cabeça. - Você não está tomando uma decisão bem informada porque não sabe o que está enfrentando. Não existem planos infalíveis. Não é assim, Pete? Lembra do caso Haynes? Por que não conta a ela sobre aquele plano infalível?
Pete fez uma pausa para decidir o quanto ia contar a Laurant.
- Antes de eu começar a trabalhar para o FBI, homens como Haynes eram chamados de psicopatas, e ele certamente era um deles.
A Confissão
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Hoje em dia ele seria chamado de assassino organizado, em contraste com os desorganizados Era meticuloso na preparação e no planejamento, e altamente inteligente Sempre escolhia uma estranha como alvo e a vigiava durante alguns meses, até se familiarizar bem com seus hábitos Ele jamais teria feito um contato ou dado um aviso como fez este eldes - acrescentou - E quando finalmente estava pronto, ele atraía sua escolhida para uma área isolada onde ninguém pudesse ouvi-la gritar Como muitos assassinos organizados, Haynes gostava de prolongar a agonia das vítimas o mais que pudesse para aumentar o seu prazer, e depois de matá-las sempre escondia os corpos Esta é uma diferença importante entre os assassinos organizados e os desorganizados - explicou - A maioria dos desorganizados deixam o corpo à vista, e muitas vezes também deixam para trás a arma que usaram
- Mas Haynes ficava com objetos das vítimas a maioria deles faz isso para poder reviver a fantasia, mas ele também queria uma recordação que provasse que tinha enganado a todos, especialmente as autoridades Se sua esposa não tivesse nos contatado, acredito que Clay Haynes poderia ter continuado a matar durante anos antes de se desintegrar Ele era muito astuto
- Eles montaram uma cilada para atrai-lo Sua esposa tinha encontrado os souvenirs em um velho baú e queria nos ajudar Ela morria de medo do mando, e com razão, mas estava determinada a colocá-lo atrás das grades Clay era representante farmacêutico e viajava durante a semana, mas sempre voltava para casa na sexta-feira à tarde Eles achavam que tinham tempo, e permitiram que Sra. Haynes fizesse uma pequena mala antes de a levarem para um lugar seguro Um agente ficou com ela enquanto os outros dois montavam guarda na frente da casa
- Clay surpreendeu a todos voltando mais cedo de viagem Durante o interrogatório, ele contou que entrou pelo porão e com um só olhar percebeu que tinham mexido em seus troféus Ele atacou o agente pelas costas e o matou, e depois voltou sua ira contra a esposa O telefone começou a tocar, e como ninguém dentro da casa o atendia, os outros entraram para ver o que estava acontecendo, mas já era tarde demais Clay tinha feito um serviço e tanto nela
- Ele a retalhou - disse Nick - E ela com certeza não morreu rápido
Laurant fechou os olhos Não queria ouvir mais detalhes
- Você estava neste caso?
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Pete respondeu. - Nick ainda era um recruta. Ele tinha passado pelo treinamento para trabalhar na minha seção, mas na época também estava trabalhando com a unidade de crimes em série, chefiada por um homem muito capaz chamado Wolcott, que o levou à cena do crime.
Laurant viu o pesar nos olhos de Nick e sentiu um aperto no peito.
- Eu vi o que aquele psicopata fez com a esposa e o agente - disse Nick. - E durante todo aquele tempo havia homens do lado de fora esperando por ele. Você não se pergunta o que deve ter passado pela cabeça dela, sabendo que a ajuda estava tão perto? Eu ainda penso nisso - admitiu. - Foi demais para Wolcott, e ele pediu demissão no dia seguinte.
- Haynes escapou, mas foi preso uma semana depois - esclareceu Pete.
- Uma semana e um dia tarde demais para que alguém ajudasse sua esposa - disse Nick. - As coisas podem dar errado, e até os planos mais bem elaborados.
- Eu compreendo os riscos - ela disse. - Este homem que está me observando é organizado, não é?
- Sim.
- E se ele é tão esperto e organizado, não seria capaz de continuar matando por muitos anos?
- Alguns conseguem.
- Então como vocês podem acreditar que nós temos outra escolha? A mulher que ele está caçando agora é filha, mãe ou irmã de alguém. Nós temos que fazer isso.
- Diabos - murmurou Nick. - Você já pensou na reação de Tommy? O que ele vai dizer quando lhe contar sobre este seu plano suicida?
- Na verdade, pensei que você poderia conversar com ele a esse respeito. Acho que seria capaz de explicar muito melhor do que eu.
- Não, eu não vou fazer isso.
Pete estava observando Nick com atenção. - Interessante - ele comentou em voz baixa.
Nick entendeu mal o comentário. - Você não pode estar pensando que a idéia dela tem algum mérito. É uma loucura.
- Não, a sua reação é que é interessante. Eu já lhe disse o que penso sobre o seu envolvimento neste caso, Nick. Você está próximo demais.
A Confissão
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- Pode ser, mas eu estou de férias e posso fazer o que eu quiser
Pete revirou os olhos e tentou forçar seu agente a ser lógico - Laurant está certa sobre uma coisa Você precisa começar a pensar como um profissional Esta é uma oportunidade de ouro
Naquele instante ela soube que tinha conquistado seu aliado
- Você vai falar com o meu irmão'
- Temos que conseguir a cooperação de Nick antes
- Isso não vai acontecer - garantiu Nick
O telefone tocou Aliviada pela interrupção, ela correu para atender
- Três toques, Laurant Deixe tocar três vezes antes de atender
- instruiu Pete
Ela não entendeu por que Pete queria que esperasse, mas assentiu enquanto seguia pelo corredor Na parede em frente à escada, havia um nicho no qual estava encaixada uma mesa de pés delicados, e sobre ela um telefone preto, dois guias telefônicos, um bloco e uma caneta
Nick foi para o corredor quando Laurant ergueu o fone do gancho
- Nossa Senhora da Misericórdia - disse ela estendendo a mão para a caneta - Em que posso ajudá-lo'
Ela escutou uma risadinha e depois uma voz de criança perguntou - Tem um carro de gelo parado aí na frente'
Ela conhecia a piada e decidiu colaborar - Sim, estou vendo da minha janela
Mais risos se seguiram, e então outra voz completou - Então é melhor guardar na garagem para não derreter
Ainda era possível ouvir as risadas quando Laurant desligou Nick a estava observando da porta
- Garotos passando trotes - ela explicou
O telefone tocou outra vez Enquanto esperava pelo terceiro toque, ela disse a Nick - Acho que não devia tê-los encorajado Vou ser mais firme desta vez
- Nossa Senhora da Misericórdia, em que posso ajudá-lo'
- Laurant - Seu nome foi dito com um longo suspiro
- Sim'
A voz do outro lado da linha começou a cantar uma versão modificada de "Dear Prudence"
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- Querida Laurant, você não quer sair para brincar' Querida Laurant, você não quer sair para brincar? Gostou da minha voz, querida Laurant?
- Quem está falando? - Ela se virou e olhou para Nick quando fez a pergunta
- O Destruidor de Corações - zombou a voz - Temo que eu vá destruir seu lindo coraçãozinho Você está com medo?
- Não, não estou - mentiu ela
Ela se encolheu quando ouviu sua risada, que parou tão subitamente quanto tinha começado, e então ele sussurrou - Quer escutar outra canção?
Ela não respondeu Nick estava vindo em sua direção, e com o canto do olho ela viu Pete observando-a da sala de jantar, mas mesmo assim se sentia desamparada e indefesa Estava segurando o fone com tanta força que Nick teve que fazer um esforço considerável para afastá-lo de sua cabeça para escutar também
Ela se deu conta de que alguém estava rastreando a chamada, e por isso Pete tinha pedido que deixasse o aparelho tocar três vezes Ela devia mantê-lo na linha o mais que pudesse, pensou, mas, Deus, o som daquela voz estava quase lhe fazendo vomitar
- Ela é tão boba quanto a que você acabou de cantar? - perguntou
- Oh, não, não, desta você vai gostar Ela é tão pura e original Escute bem
Ela ouviu um clique e depois os gritos horripilantes de uma mulher Era o som mais grotesco que Laurant já tinha escutado, e se Nick não tivesse enlaçado sua cintura ela teria desabado no chão quando os guinchos torturados perfuraram seus ouvidos Eles eram quase inumanos, e pareciam não ter fim Depois, outro clique, e os gritos cessaram
- Você não vai me mandar deixá-la em paz? Eu já deixei Deixei-a numa cova e ate coloquei uma pedrinha em cima para lembrar onde ela está se algum dia quiser desenterra Ia Eu faço isso às vezes, sabe' Gosto de ver no que elas se transformam Mas ela não foi uma substituta digna de você, Laurant Já está pronta para brincar?
Ela sentiu o gosto da bile subindo para sua garganta
- Brincar de quê? - perguntou, esforçando-se para parecer enfastiada com ele e com a conversa
- Esconde-esconde Você se esconde, eu procuro É assim que funciona o jogo
A Confissão
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- Eu não vou jogar nada com você
- Vai, sim, claro que vai
- Não - ela retrucou com voz firme - Estou indo para casa Ele soltou um grito estridente, mas Laurant não soube dizer se o
tinha contrariado ou alegrado Arrancando o fone da mão de Nick, ela o pôs em frente ao próprio rosto e desafiou - Venha me pegar

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Capítulo 14
ALGUMAS COISAS NA VIDA SÃO SIMPLESMENTE BOAS DEMAIS PARA SE ABRIR mão delas, como um copo de limonada gelada num dia de calor sufocante. Ou uma donzela em apuros parada no acostamento, implorando por um pouco de atenção. Só que aquela não fora uma donzela, e ele acabou se arrependendo um pouco de ter desperdiçado seu tempo valioso com ela.
Contudo, a fita tinha lhe servido bem, não tinha? Talvez seu tempo não tivesse sido totalmente desperdiçado afinal de contas. Eles tinham recebido a mensagem em alto e bom som. O Destruidor de Corações era um homem de palavra.
Ele se perguntava quanto tempo eles levariam para encontrá-la. Bem, ele tinha feito tudo menos dar o endereço. Pobre, pobre Tiffany. Ele não conseguiu se conter e explodiu numa gargalhada. Aquela vadia nem chegara a usar o telefone novo, que quase esfregara na cara dele para se exibir. Mas ele tinha usado o celular para ligar para a sua querida, e ficou na linha tempo bastante para os mulas descobrirem em nome de quem ela estava registrada.
A Confissão
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Ele havia lhe dado o que considerava um funeral adequado. Deixou-a numa cova rasa perto da estrada, cercada de arbustos baixos que obstruíam a visão dos motoristas. Os mulas terminariam por encontrá-la e saberiam imediatamente que tipo de mulher ela tinha sido.
Ele destruiu seu coração, e depois o roubou O ato espontâneo o preocupou por alguns minutos, mas depois ele se deu conta de que tivera o cuidado de não sujar o furgão de sangue Aquelas maravilhosas caixas plásticas realmente faziam um bom trabalho, como anunciavam os comerciais Ele não podia esquecer de mandar um bilhete à companhia elogiando produtos tão engenhosos.
Uma imundície, era o que ela havia sido. Pura imundície, e por isso ele decidira não guardar o souvenir. Não queria se lembrar dela, então jogou aquilo fora
Geralmente, quando encontrava uma cliente potencial que valesse a pena, ele refletia sobre a possibilidade de ficar com ela e treiná-la, mas de saída percebera que aquela ali já tinha sido usada, e imediatamente a descartou. A substituta tinha que ser pura e inocente, limpa e reverente. Oh, sim, ela teria que venerá-lo, ou uma relação duradoura jamais, jamais se estabeleceria. Não, senhor
Ele fizera isso antes e podia fazer de novo.
Um jorro de pura fúria o pegou desprevenido, despertando-o de seu devaneio Percebeu que estava com as unhas cravadas no volante, e se obrigou a relaxar. Todo aquele tempo e esforço haviam sido em vão. Em vão! Ele tinha criado a companheira perfeita, e quando ela morreu, o seu sofrimento fora atroz
A tarefa de encontrar e treinar uma substituta não o alegrava, mas ele não podia adiá-la por muito mais tempo. Não, teria que começar logo, o que significava horas e horas de planejamento cuidadoso, meticuloso. Ele teria que pensar em cada detalhe, antecipar cada pequeno imprevisto E pesquisar. Haveria muita pesquisa. Teria que saber tudo sobre ela. Tudo! Quem eram seus amigos e parentes, quem sentiria sua falta e quem não ligaria a mínima Depois ele se dedicaria a isolá-la, aliená-la, e, quando finalmente a pegasse, o verdadeiro trabalho iria começar. Ele a manteria presa, e daria início ao processo lento e penoso do treinamento. Dia após dia, numa repetição sem fim, ele seria cruel e inflexível, até ela se transformar exatamente no que ele queria Haveria dor, muita dor, mas ela acabaria compreendendo e perdoando quando ele a tivesse moldado na companheira perfeita Por quê? Porque ela iria venerá-lo.
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A fúria não o deixava em paz. Acumulava-se continuamente, devorando suas entranhas como vermes famintos. Ele não podia permitir que ela saísse de seu controle, não agora. Respirou fundo e ordenou a si mesmo que pensasse em alguma coisa agradável.
A pequena Tiffy tinha sido tão fácil quanto aparentava ser. Nenhum desafio. Ele sequer tivera que convencê-la a entrar no furgão Não, ela tinha simplesmente aberto a porta e se acomodado no banco, com a minissaia apertada erguida até o alto das coxas para que ele visse que ela não usava calcinha. Sem pudor, aquela ali, e só Deus sabia que doenças ela carregava. Ele tivera que se lavar três vezes para se livrar do fedor dela.
Ele lembrou a si mesmo que não podia deixar de contar a seus amigos da Internet que matar putas não era tão maravilhoso quanto se dizia por aí.
Aquela língua suja não fora capaz de convencê-lo a não dar cabo dela. Não, senhor. Matá-la havia sido gostoso, mas não tinha lhe dado a sensação que ele tanto buscava ultimamente. Ele sabia por quê, é claro. Ela não era limpa.
- Querida Laurant, abra seus olhos... - cantarolou
Ah, como ele odiava ter que começar tudo de novo. Tanto tempo! Tanto trabalho!
- Acalme-se, acalme-se - sussurrou. - Você já fez isso antes, pode fazer de novo.
Mas não era um projeto que ele estivesse pronto para iniciar naquele momento. Se aprendera alguma coisa ao longo dos anos, era que se devia terminar uma tarefa antes de assumir outra
O acesso para Holy Oaks na 1-35 se aproximava. Motorista exemplar, ele ligou a seta e diminuiu a velocidade.
- Querida Laurant, quero ver você sorrir...
O Destruidor de Corações tinha um nome secreto para Holy Oaks. Ele a chamava de "negócios pendentes".
Capítulo 15
O JOGO TINHA COMEÇADO
Uma equipe de agentes do FBI invadiu Holy Oaks para preparar a cilada. Jules Wesson, o responsável pela operação, estabeleceu o posto de comando em um chalé espaçoso e bem equipado que pertencia à abadia, localizado a apenas dois quilômetros ao sul da cidade, à beira do Lago Shadow Corria o boato de que Wesson, formado em Princeton e com mestrado em psicologia anormal, seria o substituto de Morganstern se e quando concluísse seu doutorado e se e quando Pete se aposentasse - boato esse que a maioria dos outros agentes acreditava que tivera origem no próprio Wesson Ele era um chefe perfeccionista, inflexível, desagradável e surpreendentemente arrogante considerando-se que os agentes sob seu comando tinham muito mais experiência de ação do que ele
Joe Farley e Matt Femberg, o primeiro um agente de campo de Omaha, o segundo um especialista em vigilância eletrônica de Quântico, foram enviados para a cidade na frente dos outros para fazer um reconhecimento da vizinhança de Laurant e montar o esquema de segurança
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da sua casa. Ambos haviam sido instruídos a tratar o imóvel como uma cena de crime
Eles sabiam que seria quase impossível passarem despercebidos. Em uma cidade do tamanho de Holy Oaks, todo mundo conhecia todo mundo, e os dois agentes não queriam chamar atenção como um par de sapatos vermelhos num funeral Como havia outros forasteiros trabalhando na restauração da abadia, os dois decidiram usar roupas de pedreiro. Farley chegou com um boné de baseball e um saco de viagem preto, e Feinberg carregava uma caixa de ferramentas
Ninguém prestou a menor atenção na dupla. Ninguém exceto Bessie Jean Vanderman.
Enquanto o agente Feinberg circundava lentamente a casa de dois andares procurando possíveis esconderijos, o agente Farley subia os degraus da frente. Ele atravessou a varanda e parou junto à porta para calçar um par de luvas. Especialista em entrar e sair sem deixar rastros, ele usou uma ferramenta muito simples - o cartão American Express sem o qual ele nunca saía de casa - para abrir a porta em menos de cinco segundos
O xerife Lloyd McGovern apareceu alguns minutos depois e surpreendeu Farley. Bessie Jean, vizinha de Laurant e cão de guarda extra-oficial agora que Papai tinha falecido, telefonara para o xerife quando viu um homem de pescoço curto e físico robusto entrando na casa de Laurant
Farley estava mais preocupado com o fato do xerife estar interferindo na sua cena de crime do que com a arma que o homem exibia.
Lloyd, coçando a cabeça calva e ainda brandindo a arma - cuja trava de segurança o agente via com clareza que estava acionada - berrou: - Mãos para cima, rapaz. Eu sou a lei aqui em Holy Oaks, e é melhor fazer o que eu mandar.
Feinberg entrou pela porta da frente sem fazer ruído algum, aproximou-se por trás do xerife e lhe deu um cutuco nas costas para chamar sua atenção. Lloyd achou que ele estivesse armado e, jogando a sua própria arma no chão, levantou os dois braços.
- Eu não estou resistindo - ele gaguejou, o tom de ameaça e hostilidade sumindo de sua voz. - Peguem o que quiserem, mas não façam nada comigo
Revirando os olhos de exasperação, Feinberg deu um passo para o lado e sacudiu as duas mãos na frente do rosto do xerife, que percebeu seu engano e se abaixou para recolher a arma do chão
A Confissão
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- Muito bem, então - disse Lloyd, satisfeito por estar no comando outra vez. - O que os rapazes estão fazendo aqui? Vocês são muito burros se acham que vão conseguir roubar alguma coisa de valor Dêem uma olhada em volta e vão ver que Lauren não tem muito o que valha a pena roubar Eu sei que ela não tem videocassete e que seu aparelho de televisão tem pelo menos dez anos, e não pode valer mais do que quarenta dólares Com certeza não vale a pena ir para a cadeia por essa mixaria. Tanto quanto eu sei, ela é pobre como um rato de igreja, não tem muito no banco e teve que pedir um empréstimo para comprar sua lanchonete.
- Como você sabe quantos anos tem o aparelho de televisão' - perguntou Farley, curioso.
- Harry me contou. Harry Evans - ele explicou. - Ele é meu primo, e tentou vender uma televisão novinha em folha para Lauren um tempo atrás. Sabe aquele tipo que tem uma imagem dentro da imagem' Mas ela não quis, e ao invés disso pediu que ele consertasse uma televisão velha que tinha comprado num bazar de caridade. Um desperdício de dinheiro, se você quer saber o que eu penso Foi assim que fiquei sabendo quantos anos tem a televisão dela.
- E você também tem parentes trabalhando no banco? - perguntou Femberg - Foi assim que ficou sabendo do empréstimo?
- Mais ou menos isso - respondeu Lloyd. - Rapazes, não esqueçam que eu é que estou com a arma aqui. Agora vocês vão começar a responder as minhas perguntas. Vocês estão roubando a Lauren?
- Não - respondeu Femberg
- Então o que estão fazendo na casa dela? São parentes da França?
Farley era nascido e criado no Bronx, e jamais conseguira se livrar de um forte sotaque de rua. Ele falava como um capanga de filme de gângster.
- Isso mesmo - ele respondeu, miraculosamente sem rir - Nós somos franceses.
O xerife ficou orgulhoso por ter acertado na mosca, e seu peito se estufou como o de um pavão. Assentindo enquanto guardava a arma, ele disse: - Eu calculei que fossem. Vocês falam engraçado, então concluí que tinham que ser estrangeiros.
- Na verdade, xerife, nós dois somos do leste, e é por isso que temos esse sotaque. Meu colega e eu estávamos brincando quando dissemos que somos franceses. Somos amigos do irmão de Laurant
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ele explicou - Estamos fazendo um serviço na abadia, e o padre Tom pediu para darmos uni pulo aqui para consertarmos a pia da cozinha
- Ela está entupida - acrescentou Farley
O xerife viu a sacola preta junto a porta da frente - Os rapazes estão planejando passar a noite aqui'
- Talvez - respondeu Farley - Depende do trabalho que for necessário
- A casa não é dela Ela só aluga Onde está Lauren'
- Ela vai chegar logo
- E os rapazes pensam que vão dormir na mesma casa que ela sem serem parentes''
A paciência de Femberg estava se esgotando - Pare de me chamar de rapaz Eu tenho trinta e dois anos de idade
- Trinta e dois, é' Então me responda uma coisa o que um homem adulto está fazendo com aparelho nos dentes' Eu nunca vi uma coisa destas
O aparelho era a última parte do tratamento para reconstrução da mandíbula de Farley, estraçalhada quatro anos antes durante um cerco que não dera certo, mas o agente não pretendia compartilhar esta informação com um homem que já tinha demonstrado ser um completo idiota Além disso, ninguém deveria saber que eles eram agentes do FBI
- Nós fazemos as coisas de um jeito diferente no leste
- Calculo que façam - ele concordou - Mas mesmo assim não deveriam ficar aqui
- Por quê' Você está preocupado com a reputação de Laurant' - perguntou Femberg
- Não, todo mundo sabe que a Lauren é uma moça direita - retrucou o xerife enquanto acomodava o traseiro amplo no braço do sofá
- Então qual é o problema' - perguntou Farley - O que você se importa se nós dormirmos aqui'
- Oh, eu não me importo nem um pouco, mas tem uma pessoa que se importa muito, e os rapazes não iam querer se meter com ele Estou avisando, é melhor vocês encontrarem outra acomodação, porque ele não vai gostar de saber que Lauren está com dois homens em casa, mesmo que seja só por uns dias Não, ele não vai gostar nem um pouquinho de ouvir isso
- De quem você está falando'
A Confissão
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- É, quem não vai gostar se nós ficarmos aqui? - perguntou Farley fechando a porta. O xerife não ia sair dali até eles terem uma resposta para aquela pergunta.
- Não interessa quem, mas eu vou ter que contar a ele. Por que os rapazes não ficam na abadia? Eles têm quartos que vocês podem usar de graça se disserem que estão lá para um retiro espiritual. Vocês sabem o que é isso, não sabem? É passar o dia inteiro rezando e meditando.
- Eu quero saber quem vai ficar chateado se alguém dormir na casa de Laurant - insistiu Farley. - E também quero saber por que você acha que tem que contar a ele.
- Porque se ele descobrir que eu sabia e não contei.
- O quê? - exigiu Farley.
- Ele pode ficar muito bravo - disse o xerife. - E eu não quero deixá-lo bravo.
- Deixar quem bravo, xerife?
Lloyd puxou um lenço manchado do bolso de trás das calças e usou-o para secar a testa. - Está quente aqui dentro, não? Lauren instalou um ar condicionado na janela, e acho que ela não ia se importar se os rapazes ligassem um pouco o aparelho. A sala ia estar fresquinha quando ela chegasse em casa. Ela está vindo hoje, não está?
- Nós não sabemos ao certo - disse Feinberg.
Farley ainda não tinha desistido. - Nós ainda estamos curiosos para ouvir aquele nome, xerife.
- Eu não vou dizer nada a vocês. Posso ser muito teimoso quando quero, e agora estou me sentindo teimoso. De qualquer maneira, eu não me preocuparia com isso se fosse vocês, porque vão conhecer o meu amigo muito em breve. Eu garanto que ele vai correr para cá assim que ouvir falar de vocês. Ele é um homem poderoso por estas bandas, e se os rapazes sabem o que é melhor para vocês, vão tratá-lo com muito respeito. Eu não gostaria de contrariá-lo, isso é certo. Até a lei tem limites.
- Você quer dizer que estamos por nossa conta e risco?
perguntou Farley.
O xerife baixou os olhos. - Mais ou menos isso. - Dando de ombros, ele acrescentou: - É assim que as coisas funcionam por aqui. O progresso tem seu preço.
- O que significa que...? - perguntou Farley.
- Não se preocupe com isso.
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- Pode dizer ao seu amigo que ele não precisa ter medo de - disse Femberg - Nenhum de nós dois esta interessado num romance com Laurant.
Farley percebeu o caminho que Femberg estava tomando, e imediatamente concordou - Isso mesmo
- Bem, fico feliz em saber disso, porque meu amigo está planejando se casar com Lauren logo, logo, e ele sempre consegue o que
Não duvidem do que eu digo
- Ele esta falando em casamento, é? - comentou Femberg
- Não é só conversa E apenas uma questão de tempo até ela entender que é assim que vai ser
- Parece que o seu amigo pensa que é o dono da Laurant - disse Farley
- E é.
Femberg riu.
- O que diabos é tão engraçado?
- Esse seu amigo - explicou Femberg -, vai ter uma grande decepção.
- Como assim?
- Quando descobrir - Farley deliberadamente deixou a frase incompleta
- Descobrir o quê?
- Que Laurant conheceu uma pessoa em Kansas City
- Foi amor a primeira vista - intrometeu-se Femberg
- Isso não e totalmente verdade - Os dois agentes agora estavam conversando entre si, enrolando o xerife e lhe dando as informações que queriam - Ela conhece o Nick há anos
- Não, ela sabia que ele existia, mas nunca tinham se encontra e a semana passada
- De quem vocês estão falando'
- De Nick
- Nick do quê? - exigiu o xerife, com aparente frustração
- Nicholas Buchanan
- O homem por quem Laurant está apaixonada - explicou Y
- O mais engraçado e que - começou Femberg
- O quê?
- Este cara o Nick
- O que tem ele'
- E o melhor amigo do padre Tom Deve ser coisa do destino
A Confissão
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- E este Nick mora em Kansas City? Namoros à distância não funcionam.
- Não, ele não mora em Kansas City. Ele mora na costa leste.
- Então acho que Brenner não tem com que se preocupar. Como eu já disse, namoros à distância raramente funcionam.
O xerife inadvertidamente acabara de lhes dar o nome do seu amigo, mas nem Feinberg nem Farley deixaram transparecer sua satisfação.
- Nick deve pensar a mesma coisa - disse Feinberg.
- E é por isso que está se mudando para Holy Oaks para ficar com Laurant - completou Farley.
As sobrancelhas do xerife deram um salto. - Ele está vindo para cá...com ela?
- Isso mesmo - disse Farley. - Acho que ele não quer correr o risco de perdê-la.
- E foi amor à primeira vista - lembrou Feinberg.
- Onde esse camarada vai ficar?
- Aqui, com Laurant, até eles se casarem. Depois não sei onde eles vão morar - respondeu Farley.
- Casar, você disse? Onde ouviu isso?
- Laurant nos contou - disse Feinberg.
- As pessoas vão falar.
- Imagino que sim.
- Tenho que ir agora. - O xerife guardou apressadamente o lenço no bolso e se dirigiu para a porta.
Com todo o seu volume, o homem da lei podia se mover bem rápido quando queria. Farley e Feinberg pararam ao lado da janela e observaram o xerife dar a partida no carro.
- Que grandessíssimo... - murmurou Farley. - Ele sequer perguntou nossos nomes ou pediu para ver uma identidade.
- Ele têm lugares para ir, pessoas para ver - começou Feinberg.
- E um amigo chamado Brenner para fofocar - concluiu Farley, fazendo uma ligação do seu celular.
A chamada foi atendida no primeiro toque. - Conseguiu?
perguntou Farley. - Ele escutou por mais um minuto depois disse:
Sim, senhor - e desligou.
Feinberg se abaixou ao lado da caixa de ferramentas. - Vamos começar - disse ele entregando um par de luvas para o outro agente. - Isso pode levar a noite inteira.
Farley era um eterno otimista. - Talvez tenhamos sorte.
Encontraram a câmera de embutido do corredor, que estava encaixada num pequeno orifício na parede, e apontava para a cama. Ele estivera observando seu sono.
Capítulo 16
NlCK NÃO eSTAVA LHE DIRIGINDO A PALAVRA, E LAURANT IMAGINOU QUE ELE ainda estivesse furioso por sua insistência em voltar para Holy Oaks Depois que ela desafiara o louco a ir pegá-la, Nick tinha ficado possesso, para dizer o mínimo Tommy escutou a comoção e veio correndo, com Noah em seu encalço. Assim que Nick lhe contou o que ela tinha feito, Tommy engrossou o coro da reprovação, mas ela manteve sua posição e os enfrentou, enquanto Pete e Noah a acudiram, postando-se ao seu lado como dois guardiões protetores. Eles defenderam seu plano, e depois do que pareceu ser uma hora de batalha verbal, Tommy finalmente cedeu. O telefonema o convenceu de que o eldes não ia esquecer Laurant, e que se o FBI não armasse uma cilada para pegar aquele animal, ela teria que passar o resto da vida fugindo e se escondendo.
E enquanto ele estivesse brincando de esconde-esconde com ela, também continuaria, sem dúvida alguma, a caçar outras mulheres.
Eles não tinham escolha.
Infelizmente, Nick não via as coisas do mesmo jeito, e até então ela não tivera sucesso em romper a barreira de sua contrariedade.
Pete sugerira mais de uma vez que ele se afastasse do caso, repetindo o argumento de que ele estava próximo demais da situação e por isso não conseguia ser objetivo Nick se recusou a escuta-lo, mas quando Morganstern ameaçou não lhe dar escolha e removê-lo do caso, ele viu a expressão aflita de Tommy e também cedeu.
Pete telefonou para Frank O'Leary para que começassem os trabalhos.
Agora ela estava finalmente a caminho de casa, sentada ao lado de Nick num avião da US Air Express que estava levando os dois de Kansas City para Dês Moines. O resto do trajeto seria feito de carro, e Pete havia dito que um veículo do FBI estaria esperando por eles no aeroporto. O carro dela estava indo para uma oficina em Kansas City para ser consertado, e assim que o serviço estivesse pronto. Tommy e Noah voltariam com ele para Holy Oaks.
Ela não queria pensar no que ia acontecer quando chegassem Iá. Folheou nervosamente as paginas da revista Time e tentou ler um artigo sobre a inflação, mas não conseguia se concentrar e, depois de ler o mesmo parágrafo três vezes, pôs a revista de lado.
Por quanto tempo Nick ia manter aquela greve de silêncio? Ele tinha emudecido assim que pusera os pés no aeroporto.
- Você está sendo infantil.
Ele não respondeu. Ela se virou para olhar para ele e notou que seu rosto estava cinza.
- Você esta bem?
Um leve balançar de cabeça foi a única resposta, e então ela notou que os dedos dele estavam cravados no braço da poltrona - Nick, o que há de errado?
- Nada.
- Então por que você não fala comigo?
- Vamos falar mais tarde, depois que o avião aterrissar...a menos que...
- A menos que o quê?
- Que ele se transforme numa bola de fogo.
- Você esta brincando.
- Não, não estou.
Ela não podia acreditar que aquele macho mantivesse medo de voar a ponto de parecer prestes a vomitar. Seu medo era real, e por mais que achasse aquilo engraçado, ela se obrigou a ser solidária.
- Você não gosta muito de voar, não é?
- Não - ele respondeu secamente antes de se virar e olhar fixamente pela janela outra vez.
- Quer segurar a minha mão?
- Não tem graça nenhuma, Laurant.
Ela arrancou a mão dele do braço da poltrona e entrelaçou seus dedos nos dela. - Eu não estava provocando. Muitas pessoas não gostam de voar.
- É mesmo?
As mãos de Nick eram calosas, apesar dele estar vestido como um executivo de Wall Street. Outra contradição, pensou ela, mais uma faceta de sua personalidade que ela achava fascinante e intrigante Tommy e Nick pareciam tão diferentes um do outro, e certamente tinham escolhido caminhos distintos. Seu irmão era dedicado à Igreja, sempre procurando o que havia de bom nos outros, e seu primeiro objetivo era salvar almas
Nick parecia ter dedicado sua vida a combater demônios Seu trabalho era deprimente e interminável, e ela não tinha certeza de que as recompensas valessem o preço que ele pagava Ele parecia tão cínico. Esperava que as pessoas fossem más, e até o momento elas não o tinham decepcionado.
O impulso de consolá-lo a pegou de surpresa Ela se inclinou para ele e sussurrou. - Estamos quase chegando.
- Nós só vamos chegar se e quando as rodas tocarem o chão Ele estava se mostrando difícil de consolar - As aterrissagens
não são perigosas
- Desde que o piloto saiba que diabos está fazendo - completou ele.
- Tenho certeza que ele sabe. Os pilotos são treinados para aterrissar aviões
- Pode ser
- Faltam só alguns minutos. Estamos na descida final A pressão na sua mão aumentou. - Como você sabe?
- O capitão acaba de mandar os comissários se sentarem.
- Você escutou o trem de aterrissagem baixar? Eu não ouvi nada
- Eu ouvi.
- Tem certeza?
- Sim, tenho.
Ele respirou fundo e ordenou a si mesmo que se acalmasse. - Você sabe que é nesta parte do vôo que a maioria dos acidentes acontece, não sabe? Os pilotos erram a pista.
- Você leu isso em algum lugar?
- Não, eu concluí. Simples física. As coisas saem errado... falha humana. Pense nisso: um homem tentando pousar cento e cinqüenta toneladas de metal sobre duas rodinhas de borracha. É um milagre cada vez que um avião pousa sem se esborrachar.
Ela manteve uma expressão séria. - Entendo. Quer dizer que você acredita que, se Deus quisesse que homens voassem, eles já nasceriam com asas.
- Mais ou menos isso.
- Nick?
- O que foi? - Agora ele parecia mal-humorado.
- No seu trabalho, você não tem que se esquivar de balas, e não passa por situações de vida ou morte? Você é um agente de uma unidade de elite do FBI, pelo amor de Deus, e tem medo de uma viagenzinha de avião.
- Que ironia, não é mesmo?
Ela ignorou o sarcasmo na sua voz. - Acho que você deveria conversar com alguém a respeito disso. Pete poderia lhe ajudar. Ele é psiquiatra, e certamente conhece técnicas para superar esta... preocupação.
Ele não sentiu vontade de lhe contar que Pete se divertia tanto com sua fobia quanto ela. - Pode ser - ele deu de ombros.
Como estava olhando para Laurant, ele não notou o chão se aproximando de encontro ao avião. A aterrissagem foi tranqüila e sem sustos, e quando terminaram de taxiar até o portão, o rosto de Nick parecia saudável outra vez.
- Você não quer se ajoelhar e beijar o chão? - ela perguntou
- É simplesmente cruel fazer troça da fobia de um homem, Laurant.
- Eu não estava fazendo troça.
- É claro que estava. - Nick ficou em pé no corredor, abriu o compartimento de bagagem e puxou as sacolas dos dois. - Existe uma veia maldosa dentro de você.
Ele deu um passo para trás para que ela pudesse passar à frente dele. - De mim?
- Sim. Eu gosto disso.
Ela riu. - Como você está petulante agora que botou os pés na terra de novo.
- Eu sempre sou petulante - retrucou ele, dando-lhe um leve empurrão na direção da saída.
O aeroporto estava surpreendentemente cheio. Enquanto avançavam lentamente até a área de retirada de bagagens, Nick notou o número de homens que admiravam Laurant. Um deles sequer tentou ser sutil: arregalou os olhos ao passar por eles, depois deu uma volta completa e começou a segui-los. Nick respondeu jogando o braço em torno dos ombros de Laurant e puxando-a para perto de si.
- O que você está fazendo?
- Protegendo você - ele respondeu. Ele deu um olhar hostil para o interessado e depois sorriu quando o homem se virou e saiu andando para o outro lado.
- Suas saias são curtas demais.
- Não são, não.
- O.K., então suas pernas é que são longas demais.
- Qual é o seu problema?
- Nenhum. Continue andando.
Ele continuou a examinar os rostos enquanto atravessavam a multidão, mas teve que soltá-la quando chegaram à escada rolante. Ela estava de cara feia, mas era tarde demais para retirar o comentário sobre a saia.
Um agente estava esperando por eles em frente à área de bagagens. Ele entregou a Nick uma pasta cheia de papéis e as chaves do carro, um Explorer 99 que estava estacionado em zona proibida, e depois guardou as sacolas no porta-malas. Dois guardas de segurança do aeroporto estavam parados na calçada, olhando feio para os três e murmurando sua indignação por não poderem fazer nada contra aquele veículo infrator.
O agente chamou a atenção de Laurant quando abriu um grande estojo preto que estava num canto do porta-malas. Ao ver a quantidade de armas que levariam com eles, ela deu um passo involuntário para trás.
Nick notou. - Não é tarde demais para mudar de idéia.
Ela aprumou os ombros - É sim.
O agente abriu a porta do passageiro para ela, desejou-lhe boa caçada e depois desapareceu dentro do terminal.
Nick atirou sua jaqueta no banco traseiro e abriu o colarinho da camisa enquanto se acomodava atrás do volante, empurrando o assento para trás ao máximo para acomodar suas pernas longas Havia um console de couro entre os dois, e dentro dele um mapa de lowa.
Laurant sabia como voltar para casa, é claro, mas mesmo assim Nick ainda checou a rota que alguém tinha destacado com marcador amarelo.
- Você escutou o que o seu amigo me disse? - ela perguntou.
- O que foi? - ele indagou, erguendo os olhos do documento que tinha nas mãos.
- Boa caçada.
Nick assentiu. - É, nós sempre dizemos isso - explicou.
Superstição.
- Como dizer "merda" antes de subir no palco?
- Sim.
Ela esperou que ele terminasse de ler e, depois que ele jogou a pasta no banco de trás, perguntou: - Alguma coisa importante?
- Só algumas informações atualizadas.
- É melhor nós irmos.
- Você está com pressa?
- Não, mas os guardas de segurança parecem que vão chorar porque não podem lhe aplicar uma multa.
Nick acenou para os guardas enquanto arrancava e entrava no fluxo de veículos. - Está com fome?
- Não - ela respondeu. - E você?
- Eu posso esperar.
- Havia alguma coisa naquela pasta a respeito da carta que o homem disse que mandou para a polícia de Kansas City?
- Não, eles ainda não receberam nada.
- Por que ele diria a Tommy que enviou uma carta que obviamente não existe?
- Eu não sei. Talvez ele estivesse brincando com Tommy. Vou deixar esta para Pete desvendar.
Ela ficou em silêncio enquanto Nick manobrava em meio ao tráfego pesado. Quando chegaram à rodovia, ele arregaçou as mangas e relaxou as costas contra o assento. Ele tinha as duas horas seguintes para prepará-la, e repassou toda a lista de coisas que ela não podia fazer e terminou com a mesma advertência que já havia feito pelo menos dez vezes.
- Não acredite em nada do que lhe disserem e não vá a lugar nenhum sem mim. Entendeu?
- Sim, entendi.
- Nem mesmo ao toalete feminino de um restaurante.
- Eu sei. Nem mesmo ao toalete feminino.
Ele assentiu, momentaneamente satisfeito, mas ela não se deixou enganar. Sabia que eles repassariam a lista outra vez dentro de uma hora. - Vamos voltar à sua rotina diária,
- Que você já deve saber de cor a esta altura
- Vamos ver se eu sei mesmo. Vamos levantar em torno das sete horas da manhã, fazer exercícios de alongamento. - Para aquecer - ela informou.
- Certo, e depois vamos correr... Deus me ajude... seis quilômetros, do início ao fim. Vamos contornar o lago, começando na ponta oeste, e seguir sempre na mesma direção.
- Sim.
- Eu odeio correr. Faz mal para os joelhos, sabia?
- Eu acho revigorante. Talvez você também passe a achar - disse ela. - Você parece estar em boa forma. Consegue correr seis quilômetros, não consegue?
- É claro que sim, mas vou reclamar o tempo todo. Ela riu. - Mal posso esperar
- O.K., depois voltamos para casa e...
Ele fez uma pausa, e ela entendeu que deveria continuar. - Vamos tomar banho e nos vestir para ir trabalhar, e depois vamos a pé até a praça da cidade Eu vou passar a maior parte do dia organizando o escritório e abrindo caixas enquanto os pedreiros aprontam o andar de baixo Com sorte, devem terminar logo. Quero que a loja esteja aberta para o 4 de julho.
- Então você não tem muito tempo.
- E você provavelmente já vai estar de volta a Boston no feriado
- Você está sendo otimista. Eu posso ter que ficar em Holy Oaks por um mês, talvez mais.
- E pode se dar ao luxo de tirar ferias tão longas?
- Eu prometi ao seu irmão. Não vou embora enquanto não pegarmos o cara ou...
- Ou o quê?
- Se ele não se manifestar mais e eu tiver que viajar por alguma razão, você vem comigo Nem pense em querer discutir - ele avisou.
- Eu não vou discutir, mas sabe o que eu acho?
- Não, o quê?
- Que tudo vai acontecer muito rápido. Acredito que não vamos ter que esperar muito.
Nick assentiu. - Eu sinto o mesmo. O modo como ele falou ao telefone... é, ele vai vir atrás de você logo. Pete também pensa assim.
- Ótimo. Quero que isso acabe o mais rápido possível.
- Se Deus quiser, vai acabar. Sabe, você vai estar enjoada da minha cara quando eu finalmente for embora.
- Pelo contrário, tenho certeza de que você vai estar enjoado da minha.
- Duvido, e quero avisar desde já: eu vou tomar muitas liberdades. A verdade é que minhas mãos vão estar em cima de você o tempo todo. - Ele olhou rapidamente para ela antes de continuar. - O objetivo é deixar o eldes louco de ciúmes, certo? E tão furioso que ele acabe cometendo aquele pequeno erro...
- Que vai permitir que você o pegue.
- Este é o plano. Mas provavelmente não serei eu que vou prendê-lo. E nem Noah, aliás.
- Por que você diz isso?
- Noah vai estar ocupado sendo babá de Tommy, e eu vou estar ocupado...me aproveitando de você. Mal posso esperar. Então, me diga uma coisa: você beija bem?
Ela respondeu de um jeito lento, caricatamente sensual: - Eu beijo muito... muito...bem.
Ele riu. - Como você sabe?
- André Percelli - disse ela. - Ele me beijou e disse que eu era boa. Foi assim que eu fiquei sabendo.
- Você nunca mencionou este André antes. Quem diabos é ele?
- Nós nos conhecemos na quarta série, mas infelizmente nosso caso de amor terminou tão rapidamente quanto tinha começado. Estávamos na fila da cantina quando ele me deu um beijo, e tudo terminou ali mesmo.
Nick sorriu. - Por quê?
- Ele não beijava bem.
- Mas você sim.
- Foi o que André disse antes de eu lhe dar um soco.
Ele riu. - Você deve ter sido uma criança endiabrada, não?
- Eu sabia me defender. E ainda sei.
- E o que aconteceu com André?
- Nada. Da última vez que ouvi falar dele, estava casado e tinha dois filhos.
Nick voltou a falar da rotina de Laurant. - Nós nunca conversamos sobre suas noites. O que você faz depois que escurece?
Ela estava revirando a bolsa, procurando uma presilha de cabelo. - Sim, nós falamos sobre isso, e eu lhe disse que já tenho compromissos marcados em todas as noites das próximas duas semanas.
- Por causa deste casamento de que vai participar?
- Em parte - ela respondeu. - Mas também porque prometi ao abade que o ajudaria a limpar o sótão. Ele quer fazer uma faxina antes das comemorações do aniversário de cem anos da abadia.
- Que também vai ser no feriado de 4 de julho. Péssima data - ele acrescentou.
- O casamento é no sábado anterior - disse ela, encontrando a presilha no fundo da bolsa.
- Esse tal aniversário... vai ser uma confusão. Espero sinceramente que este assunto esteja encerrado antes do feriado. Tommy me contou que a cidade vai estar lotada de estranhos vindos de todo o país.
Ela puxou os cabelos para trás e prendeu-os num rabo-de-cavalo. - Na verdade, alguns vão vir da Europa, e talvez até um cardeal compareça.
- Ótimo - ele murmurou. - Vai ser um pesadelo para a segurança. Estou lhe dizendo, Laurant, se não pegarmos este desgraçado logo, vou tirar você daqui até depois da comemoração.
- Está bem, mas fique calmo - ela retrucou. - Pete disse para vivermos um dia de cada vez, lembra?
- Até primeiro de julho. Depois vamos embora.
Ela levantou as mãos. - Não quero discutir com você, mas isso não nos deixa muito tempo.
- A não ser que ele aja rápido. Escute, é muito importante que você não... relaxe, entendeu? Baixar a guarda pode ser perigoso
- Eu sei, e não vou relaxar. Posso perguntar uma coisa?
- O quê?
- Se não fosse eu... quer dizer... se não fosse a irmã do seu melhor amigo, e nós fôssemos completos estranhos um para o outro antes disso acontecer, você teria resistido tanto à idéia de armar uma cilada?
- Você está falando de usá-la como isca?
- Sim.
- O problema é que você é a irmã do meu amigo. Não consigo separar as coisas.
- Mas e se eu não fosse?
O primeiro impulso de Nick foi responder que sim, ele teria resistido da mesma forma, porque sabia por experiência própria que os planos podem explodir na cara de qualquer um, mas depois de remoer a pergunta hipotética por mais um minuto, ele admitiu para si mesmo que aquela era uma oportunidade de ouro, e que provavelmente não a deixaria passar.
- Meio a meio.
- Como assim?
- Eu pesaria os perigos e a possibilidade de apanhar este doido antes que ele matasse de novo. E depois...
- E depois?
Ele suspirou. - Eu concordaria com a cilada.
- Alguma vez você já sentiu medo?
- É claro que sim. Eu já vi o que pode acontecer. Nós nem sempre pegamos os vilões, Laurant, não importa o que você veja na televisão. Às vezes eles somem durante anos. O filho da mãe que está em primeiro lugar na lista dos procurados, Emmett Haskell, fugiu de um hospício de segurança máxima em Michigan há mais de um ano, e nós ainda não conseguimos pegá-lo.
- O que ele fez?
- Ele matou um monte de gente, foi isso o que ele fez. Sete até agora, mas estas são as mortes conhecidas, e pode haver mais. Haskell disse aos psiquiatras que matar lhe trazia boa sorte. Ele gostava de apostar em cavalos e sempre ia ao hipódromo no primeiro sábado de cada mês, de modo que, na sexta-feira anterior, tinha que matar alguém. Não importava quem - ele acrescentou. - Qualquer um servia, homem, mulher ou criança, mas ele dava preferência às mulheres. Quanto mais bonitas, melhor... davam mais sorte.
- Tommy me contou...
- O quê?
- Você não pediu que ele guardasse segredo, ou ele jamais teria dito alguma coisa, mas eu perguntei por que ele estava tão preocupado com você, e Tommy mencionou...
Nick sabia onde ela queria chegar: o caso Stark. Ele havia conversado sobre o assunto com Tommy, na esperança de que falar o ajudasse a esquecer, mas aquilo não tivera efeito algum.
- Ele mencionou que eu matei uma mulher, certo?
- Sim.
- Eu fiz o que tinha que fazer.
- Você não tem que justificar suas ações para mim, Nick.
- Realmente não havia escolha. Talvez se eu tivesse sido um pouco mais rápido, poderia tê-la algemado... mas eu saí da casa, e isso lhe deu tempo para pegar a criança e se preparar.
Um calafrio percorreu seus braços. - Preparar para quê?
- Para mim. Ela sabia que eu ia voltar, e queria que eu a visse matar o garoto.
Laurant viu o olhar perturbado que passou pelo rosto de Nick. - Como você lida com isso? - ela perguntou. - Você bloqueia estas lembranças?
- Não, eu não bloqueio nada. Eu enfrento.
- Mas como?
Ele deu de ombros. - Eu me mantenho ocupado.
- Manter-se ocupado não é enfrentar.
- Não conte para Noah, mas às vezes eu gostaria de ser mais como ele, que esquece de tudo quando precisa.
Ela discordou. - Ele está pagando um preço, igual a você. Talvez tenha apenas uma carapaça mais dura.
- É, talvez. Mas enquanto houver animais como Haskell e Stark à solta, eu não posso relaxar. Quero pegar todos eles.
- Sempre vai haver mais um, não vai? Nick, você precisa ter uma vida normal fora do ,trabalho.
- Agora você parece o Pete falando, e esta conversa está muito pesada para o meu gosto.
Ele pegou o telefone, digitou um número e depois falou: -Vamos pegar o próximo acesso e procurar alguma coisa para comer. A propósito, você está nos seguindo muito de perto.
Depois que ele desligou, ela se virou para olhar pelo pára-brisa traseiro. - É o carro azul, certo?
- Não, o Honda cinza atrás do azul.
- Há quanto tempo eles estão nos seguindo?
- Desde que saímos do aeroporto. Este carro tem um dispositivo de rastreamento com alcance de oitenta quilômetros, e quando estivermos em Holy Oaks, Jules Wesson, o agente encarregado desta operação, vai estar sempre nos monitorando.
- Isso não vai nos adiantar muito. A cidade é pequena, e nós vamos caminhar mais do que andar de carro.
- Você também vai estar equipada com um lindo dispositivo de rastreamento. Não tenho certeza do que vai ser, mas provavelmente um broche ou uma pulseira.
Era reconfortante saber que o FBI estaria acompanhando seus movimentos pela cidade.
- Tenho certeza que este Jules Wesson é eficiente, mas ainda gostaria que Pete estivesse em Holy Oaks.
- Ele não seria muito útil por lá, pois nunca foi um agente de campo. Jules, Noah e eu vamos lhe passar as informações que formos coletando, e Pete vai deduzir quando, onde e como o eldes vai agir. Será que existe algum lugar decente para comer em Sweetwater? É a próxima cidade.
- Eu me lembro de uma lanchonete no centro onde a comida era bastante boa.
- O que você está com vontade de comer?
- Um enorme hambúrguer suculento com picles e batatas-fritas. Um monte de batatas-fritas.
- Parece ótimo.
Ela não precisou indicar o caminho. Sweetwater tinha uma rua principal, adequadamente batizada como Rua Principal, e a lanchonete ficava bem no meio dela.
Laurant se acomodou em um reservado junto à janela da frente, e Nick sentou-se ao lado dela. Não havia muito espaço.
-- Você não quer sentar na minha frente? - ela perguntou.
- Não - retrucou ele, estendendo a mão para o cardápio plastificado grudento apoiado entre o sal e a pimenta. - Temos que começar a botar em prática a história dos pombinhos apaixonados.
Nick pediu dois hambúrgueres duplos, duas porções de fritas e dois copos de leite. Ela disse que ele comia como um lavrador, e isso o fez lembrar de uma história a respeito de Tommy na fila da cantina da faculdade. Quando Nick terminou de descrever o incidente, Laurant estava com lágrimas nos olhos de tanto rir. Não fazia idéia de que seu irmão tivesse aprontado tantas.
- Ele começou a guerra de comida?
- Tommy não nasceu padre - lembrou Nick.
Ele contou mais uma história, e depois outra. Por duas vezes os clientes do balcão se viraram, atraídos pelo som de suas risadas, e o que viram foi um jovem casal completamente à vontade um com o outro.
Laurant estava totalmente relaxada quando voltaram para o carro e pegaram a estrada outra vez.
- Talvez seja melhor irmos mais devagar. Não estou vendo o carro cinza - disse ela.
- É exatamente assim que tem que ser. Você não deve vê-los.
- Eles não vão nos seguir até Holy Oaks?
- Vão.
- Quantos agentes estão nos esperando lá?
- O bastante.
- Isso não está custando muito dinheiro?
- Nós queremos pegá-lo, Laurant. O custo não importa.
- Sim, mas e se levar mais tempo do que todos estão imaginando?
- Então vai levar mais tempo.
Laurant removeu a presilha e deixou seus cabelos caírem sobre os ombros, depois reclinou o assento. Tinha acabado de fechar os olhos quando Nick disse: - Eu não entendo.
- O quê você não entende?
- Você... morando numa cidade tão pequena.
- Eu gosto de lá.
- Não acredito. No fundo você é uma garota da cidade grande.
- Na verdade, eu fui criada num pequeno vilarejo.
- Que por acaso pertencia ao seu avô - observou ele. - Você morava num feudo, mas pode chamar de cidade pequena se quiser.
- E estudei em outra cidadezinha minúscula, quase isolada. Eu realmente gosto de Holy Oaks, Nick. As pessoas lá são boas e decentes, a cidade é linda... e costumava ser tranqüila.
- Bem, se você gosta tanto assim de lá, por que está morando de aluguel ao invés de comprar sua própria casa?
- Eu queria me concentrar nos negócios primeiro - ela explicou. - E a Sra. Talbot ainda não quer vender a casa. Ela criou sua família ali dentro, e mesmo agora, morando numa casa geriátrica, ainda não está pronta para se desfazer dela. Estou de olho num chalé na beira do lago, mas ele precisa de muitas reformas.
- E por que ainda não comprou?
- Steve Brenner.
- O tal da Sociedade para o Desenvolvimento de Holy Oaks?
- Ele é o dono do chalé.
- Acho que esse sujeito quer ser o seu dono.
- Como assim?
- Parece que quando os agentes Farley e Feinberg entraram na sua casa, a vizinha do lado chamou o xerife, que veio correndo.
- O R.P. não corre para lugar nenhum.
- O nome do xerife é R.P.?
Ela sorriu. - Rolha-de-Poço - explicou. - Todo mundo o chama assim. Ele não é muito respeitado em Holy Oaks.
- Parece que não.
- Eu não quis interromper. O que aconteceu quando o xerife chegou? Ele sabia que era o FBI? Eles devem ter explicado.
- Não, não explicaram, e nem deveriam explicar, mas o mais estranho é que ele sequer fez perguntas. Estava ocupado demais descrevendo os planos que Steve Brenner tem para você. Parece que o sujeito anda dizendo para todo mundo que vocês vão se casar.
- Ele é tão imbecil.
- Ao que tudo indica. Um dos agentes contou ao xerife sobre a nossa relação apaixonada, e ele teve que sair dali na mesma hora.
-- Sem dúvida para ir fazer um relatório para Steve.
- Sem dúvida.
- Ele é o tipo de homem que tem dificuldade em entender que não pode ter tudo o que quer.
- Eu vou lhe dar uma mãozinha.
Ela não tinha certeza de como ele pretendia fazer aquilo, mas seu tom de voz indicava que estava ansioso para começar.
A viagem até Holy Oaks pareceu mais rápida do que a distância poderia indicar, pois a conversa fluía com facilidade entre os dois. Eles discutiram música - ambos gostavam de clássica e country - e política - ela era 100% liberal e ele um conservador ferrenho. Nick a manteve fascinada com histórias divertidas sobre sua infância numa família enorme e, quando ela deu por si, estavam diminuindo a marcha para entrar em Holy Oaks.
- Vamos estar em casa antes de escurecer - comentou ela. Nick de repente ficou sério. - Laurant, eu preciso lhe contar uma coisa.
- Sim?
- Farley e Feinberg... os agentes que eu mencionei há pouco.
- Sim?
- Quando eles vasculharam sua casa, encontraram uma câmera de vídeo.
- Onde?
- No fundo do armário embutido do andar de cima, encaixada num buraquinho do tamanho de meia aspirina na parede. A lente estava apontada para a sua cama. Você jamais teria notado, porque ficava exatamente no miolo de uma flor do seu papel-de-parede.
Laurant sentiu como se o ar tivesse sido sugado de seus pulmões. Ela girou no assento e instintivamente agarrou o braço de Nick. - E você só está me dizendo isso agora?
- Achei que você podia tirar uma folga deste pesadelo todo. Se eu tivesse contado quando entramos no carro, você teria passado a viagem toda preocupada. Estou errado?
- Há quanto tempo a câmera estava lá?
- Algum tempo - ele respondeu. - A lente estava empoeirada, portanto deve ter sido instalada há pelo menos uma semana ou duas, mas não sei exatamente quantos dias e noites. O número de série foi raspado.
- Nunca mais me esconda informações, está bem? Quando ficar sabendo de alguma novidade, tem que me contar imediatamente.
- Eu vou lhe contar tudo. Não se esqueça de que nós vamos morar juntos.
- Até que a morte nos separe? - ela perguntou sarcasticamente, mas sua voz estava trêmula de medo.
- Não, só até pegarmos o eldes.
Ela soltou seu braço e virou para a janela para que ele não visse como estava abalada. Ela pensou em si mesma vestindo-se e tirando a roupa. Algumas noites, quando o condicionador de ar não estava esfriando o suficiente, ela dormia nua, e tudo isso estava gravado numa fita.
Ela baixou os olhos para o colo e viu que tinha quebrado a presilha com os dedos. - Eu me sinto como se tivesse feito alguma coisa da qual devesse me envergonhar. Algumas noites eu não tinha vontade de usar camisola. Estava quente - justificou.
- O que você faz na privacidade do seu próprio quarto.
- Mas aí é que está - exclamou ela. - Eu não fiz nada. Eu dormi, é só. Certamente não recebi nenhum homem no meu quarto, mas e se tivesse recebido? Meu Deus, isso é tão doentio.
- Laurant.
- Não se atreva.
- A quê?
- A dizer que não é tarde demais para mudar de idéia.
Ele parou no acostamento, puxou o freio de mão e depois fez um gesto com cabeça indicando a placa à direita que anunciava que estavam entrando na cidade de Holy Oaks.
- Você está me dando uma última chance para mudar de idéia? - ela perguntou.
- Não.
- Então por que parou?
- Para lhe dizer que você tem que parar de ficar histérica cada vez que escuta alguma coisa... desagradável. Vai haver algumas surpresas, e eu certamente vou fazer o máximo para antecipá-las, mas você precisa... segurar a onda. Compreende? Eu não posso ficar me preocupando com a sua reação e tendo que ajudá-la a se recompor cada vez que...
Ela pousou a mão em seu braço, delicadamente desta vez. - Eu prometo que não vou mais entrar em pânico. Pelo menos vou tentar. Ele escutou a determinação em sua voz e a viu em seus olhos.
- Você é corajosa - disse, enquanto engatava a marcha e voltava para a estrada.
Subitamente, ela sentiu frio. Desligou o ar-condicionado e esfregou os braços. - Eles acharam a fita? Estava na câmera? Estas fitas não duram muito, só umas duas horas, não é? Como ele a trocava? Será que ele anda entrando e saindo da minha casa... do meu quarto? Se for assim, ele corre um risco sério de ser visto.
- A câmera é operada por um transmissor, o que significa que ele está observando o seu quarto de um monitor em algum lugar. Vou lhe mostrar quando chegarmos lá. É um mecanismo bastante simples. - Fazendo uma careta de desagrado, ele acrescentou: - Coisa de garoto, na verdade, e é isso o que me incomoda. Quem quer que tenha instalado o equipamento não é um profissional, mas conseguiu fazer o serviço.
- E por que isso lhe incomoda?
- Porque não parece engenhoso o bastante para ser obra do nosso eldes - ele explicou. - Como eu disse, o mecanismo de operação da câmera não é muito sofisticado, e ele parece ser do tipo que gosta de se esforçar para que tudo seja... perfeito. Seu objetivo é nos impressionar.
- E você não ficou impressionado.
- Exatamente.
Assentindo, ela se virou para olhar pela janela outra vez. - Estamos quase chegando.
Nick dobrou à esquerda e entrou na Rua da Assunção, uma avenida de duas pistas. Alguém tinha coberto parcialmente a placa com tinta, de modo que somente as três primeiras letras, A-s-s (nota da tradução: Termo chulo, equivalente à "bunda".fim da nota), estavam visíveis. Nick sorriu ao ver aquilo.
- Os garotos da escola fazem isso pelo menos uma vez por ano - ela explicou. - Eles acham muito engraçado.
- É engraçado.
- Você provavelmente assiste Os Simpsons na televisão, não é?
- Não perco um episódio.
- Eu também não - ela admitiu - Mas o abade fica furioso com o desrespeito com a placa Nós vamos direto para casa ou você quer ir até o lago falar com Jules Wesson? Tommy disse que acomodou os agentes no chalé do abade.
- Vamos ver Wesson primeiro. Tenho que pegar a Rua Oak, não é?
- Sim. Entrando na Oak à esquerda, vamos para a minha casa, e à direita, para o lago.
As duas torres da Abadia da Assunção se erguiam à distância. A estrutura gótica havia sido construída no topo de um morro com vista para a pequena cidade, e era magnífica. O cinza sóbrio do edifício de pedra maciça era quebrado aqui e ali por vitrais resplandecentes, e um longo caminho em curva levava até as portas imensas.
Nick diminuiu a marcha ao passar pela cerca de ferro batido que delimitava o terreno. Havia carvalhos gigantes por toda parte, que pareciam abraçar a abadia com seus galhos poderosos.
- Parece uma catedral - ele comentou em voz baixa, como se estivessem dentro da igreja.
- A reforma está sendo feita há um bom tempo. A cidade toda se engajou para levantar fundos para a restauração, que agora já está quase pronta - disse ela -A nave principal, pelo menos, pois a capela ainda precisa de reparos. Vamos dar uma volta pelos jardins um dia desses, eles ficam lindos nesta época do ano
- O que veio primeiro, o ovo ou a galinha?
Ela entendeu o que ele estava perguntando - A Abadia da Assunção foi fundada por uma ordem de padres da Bélgica, muito antes da cidade se desenvolver. Nossa população é bastante diversificada, porque houve um grande influxo de imigrantes após a Segunda Guerra Mundial.
- Por que eles vieram para Holy Oaks?
- Tommy não lhe contou nada sobre a história da cidade?
- Não.
- Os imigrantes acompanharam o Padre Henri VanKirk, que morreu no ano passado. Eu gostaria de tê-lo conhecido, pois todos dizem que era um homem incrível. Durante a guerra, ele ajudou inúmeras famílias a escaparem dos alemães, mas acabou sendo preso e torturado pelos nazistas. Quando finalmente foi libertado, veio para os Estados Unidos, e seus superiores o mandaram para cá para se recuperar. Várias das famílias que ele tinha ajudado tinham perdido tudo, então o seguiram. Elas reconstruíram suas vidas e fizeram de Holy Oaks o seu lar.
- Depois que o Padre VanKirk morreu, o abade encontrou seus diários e viu que eles poderiam inspirar as pessoas, então decidiu mandar traduzi-los para o inglês. Todo mundo anda tão ocupado com os preparativos do aniversário que ainda não houve tempo, mas assim que as comemorações terminarem eu devo começar a tradução e salvar tudo no computador.
- O Padre VanKirk esta enterrado aqui?
- Sim, no cemitério do outro lado da abadia. O terreno e circundado por carvalhos magníficos, maiores do que os que você esta vendo ao lado da igreja.
- E é por isso que o lugar se chama Holy Oaks (nota da tradução: em inglês Carvalhos Sagrados. Fim da nota), certo?
Ela sorriu - Certo. Eles protegem o solo onde dormem os anjos.
Nick assentiu - Onde dormem os anjos...Gostei.
- O que você acha da cidade? É bonita, não é?
Casas brancas revestidas de madeira se alinhavam ao longo das ruas calçadas com tijolos, e os postes imitavam a antiga iluminação a gás Nick sabia que as luzes eram elétricas, mas mesmo assim elas davam um toque interessante e deixavam a cidade ainda mais agradável
- Holy Oaks me lembra as cidades da Nova Inglaterra O mês mo charme antiquado A sua casa tem a tradicional cerca de madeira branca?
- Não, mas a da minha vizinha tem
Eles chegaram a esquina da Oak Nick dobrou a direita e começou a percorrer outra rua cheia de arvores, cujos galhos formavam um túnel de um lado a outro. - Parece que estamos numa maquina do tempo. Fico esperando ver Richie Cunningham (nota da tradução:Personagem de uma antiga serie televisiva americana. Fim da nota) voar pela rua no seu Chevy 57 conversível.
- Ele mora a dois quarteirões daqui - provocou ela
A medida em que se aproximavam do lago, as casas se tornavam mais modestas Construídas na ultima metade do século XX, tinham detalhes mais modernos, como fachadas de tijolos e vários níveis, mas assim como as mais antigas, eram impecavelmente cuidadas. Era óbvio que as famílias que moravam ali se orgulhavam de suas casas e de sua cidade.
Eles passaram por um campo de baseball vazio, seguiram para oeste, passando por um posto de gasolina Phillips 66, atravessaram um pórtico de madeira rústica e entraram no parque.
- Este lugar fica cheio de alunos da faculdade na primavera e no outono, e os garotos da escola secundária tomam conta no verão.
Nick baixou seu vidro. O aroma do húmus das agulhas dos pinheiros e folhas de carvalho e bétula que formavam um tapete sobre o chão enchia o ar. Eles chegaram a uma encruzilhada, e logo à frente estava o lago límpido. As sombras das árvores tremulavam na superfície da água com cada sopro da brisa suave.
O chalé ficava escondido entre as árvores. Nick parou o carro no caminho de cascalho e desligou o motor.
- Parece que não tem ninguém em casa.
Laurant tinha acabado de fazer este comentário quando a porta da frente se abriu e, pela tela, ela viu um homem com óculos de aros negros e grossos espiar para fora.
Nick a fez ficar no carro até ele dar a volta e abrir sua porta. Seus olhos não descansavam, vasculhando permanentemente a área em volta e mal prestando atenção em Laurant quando ela lhe estendeu a mão.
- Aquele é Jules Wesson? - perguntou ela.
- Não, aquele é Matt Feinberg, nosso gênio da eletrônica. Também é um sujeito legal, você vai gostar dele.
O agente em questão esperou até que eles alcançassem a varanda, e então abriu a porta e deu um passo para trás. Ele tinha uma aparência comum, altura média, cabelos e olhos castanhos, e usava aparelho nos dentes, o que não chegava a atrapalhar seu lindo sorriso sincero. Estava segurando um emaranhado de fios com as duas mãos, mas largou-os na mesa da entrada para poder cumprimentar Laurant.
Depois das apresentações, ele perguntou. - Nick lhe contou que Farley e eu vasculhamos sua casa?
- Sim - respondeu ela - Foi você que encontrou a câmera?
- Sim. Depois que entramos, sua vizinha chamou o xerife, que aliás é uma figura - disse Feinberg. O agente explicou o que eles tinham dito a Lloyd a respeito dos consertos na casa, depois se virou para Nick. - Assim que Seaton terminar de instalar a outra linha telefônica, estaremos prontos.
- Quantos agentes estão aqui?
Feinberg olhou para cima antes de responder. - Wesson não divulgou esta informação. Eu honestamente não sei quantos já estão aqui, e nem se vão vir mais.
- Onde está Wesson?
- No quarto, pegando alguns papéis. Esse lugar é bonito, não é? Se as circunstâncias fossem outras, eu gostaria de acampar aqui. O lago me lembra Walden (nota da tradução:Lago localizado numa reserva florestal no estado americano de Massachussets A experiência de viver junto à natureza à beira do lago inspirou o escritor Henry David Thoreau a escrever o livro Walden. Fim da nota).
Nick assentiu. - Esta é a cabana que você devia comprar, Laurant - disse.
Ela concordou. A luz era maravilhosa, e as janelas panorâmicas traziam a vista do lago para dentro da casa. As salas de jantar e de estar haviam sido combinadas em um único retângulo espaçoso, com uma atmosfera rústica e arejada. Porém, a cabana agora estava em total desordem, com caixas e equipamentos espalhados por todo lado. A mesa da sala de jantar tinha sido encostada na parede, e em cima dela havia dois computadores montados mas que não pareciam ter sido ligados ainda.
Ela escutou uma porta se abrir e ergueu os olhos para a escada ao mesmo tempo em que Jules Wesson dava um passo para fora do quarto, falando no celular e carregando uma pilha de papéis.
Wesson era alto, magro e parcialmente careca. Tinha olhos penetrantes, mas depois de lançar um olhar breve para Nick e Laurant, ignorou-os e prosseguiu com sua conversa ao telefone. Ela o observou ir até a mesa e largar os papéis, e então Feinberg chamou sua atenção outra vez.
Ele lhe entregou um relógio dourado que parecia um Timex antigo com pulseira elástica. - Gostaríamos que você usasse isso, e nunca tirasse, nem mesmo no banho. Ele é a prova d'água, é claro, e você pode até nadar com ele. Dentro, há um dispositivo de rastreamento, e nós vamos monitorar todos os seus movimentos naquela tela atrás de mim. Queremos saber onde você vai estar a cada minuto do dia.
Laurant removeu seu relógio e deslizou o novo em torno do pulso. Ela tinha deixado a bolsa no carro, então entregou o seu a Nick, que o guardou no bolso da camisa.
Wesson desligou o telefone. Fez um gesto de cabeça para Laurant quando Nick os apresentou, mas não perdeu tempo com gentilezas. - Estou pronto para ele - anunciou energicamente. - Mas não gosto de surpresas. Não saia de Holy Oaks sem me pedir permissão, entendeu?
- Sim - respondeu ela.
Wesson por fim se dignou a reconhecer a presença de Nick. O comandante estava estabelecendo a hierarquia, informando aos dois que ele era o dono da bola. Mesmo em situações de crise, os jogos de poder eram mantidos. Que bobagem, pensou Nick Ele sabia que Wesson o considerava um concorrente e que nada convenceria de que ele não estava interessado em ultrapassá-lo na corrida até o topo.
Pessoalmente, Nick não gostava nem um pouco de Wesson, mas já que tinha que trabalhar com ele, iria se esforçar ao máximo Desde que ele não deixasse seu ego monumental atrapalhar a operação, Nick achava, que os dois podiam se dar bem.
- Morganstern quer que você ligue para ele - disse Wesson
- Eles descobriram alguma coisa nova?
Femberg respondeu - Conseguiram identificar o número do telefone que o eldes usou para ligar para a casa paroquial. A linha pertence a uma mulher chamada Tiffany Tyler, e a chamada foi feita perto de St. Louis.
Feinberg deu um passo para a frente - A polícia rodoviária encontrou o carro dela parado no acostamento da 1-70, com o pneu esquerdo traseiro furado e sem estepe no porta-malas. Achamos que ela entrou voluntariamente no veículo do eldes, mas isso é apenas uma suposição Também achamos que ele não chegou a tocar no carro dela, mas mesmo assim nossos técnicos o examinaram de cima a baixo, por dentro e por fora. É um Chevy Caprice velho, e estava cheio de digitais que estão sendo verificadas
- Não acreditamos que alguma das impressões pertença ao eldes. - Wesson dirigiu sua explicação a Laurant. - Ele é cuidadoso demais.
Feinberg assentiu. - E metódico - acrescentou, removendo os óculos e começando a limpá-los com um lenço. - Não havia sequer meia digital na fita ou no envelope que ele deixou com a polícia
- Queremos que você comece a irritá-lo - disse Wesson - Com sorte, ele vai perder o controle e cometer um erro, e aí entraremos em ação.
- Tiffany é a mulher que eu ouvi gritando no telefone, não é?
- Sim - respondeu Wesson - Ele usou o celular dela para ligar para você.
- Vocês já a encontraram?
- Não. - a resposta saiu ríspida de seus lábios contraídos Ele reagiu como se ela o tivesse criticado pessoalmente.
- Talvez ela ainda esteja viva. Você acha.. - É claro que não - Wesson cortou-a com impaciência - Ela está morta, sem dúvida alguma.
Sua atitude fria a enervou. - Mas por que ele a pegaria? Se ele é tão cuidadoso e "estuda suas clientes antes de atendê-las" como ele mesmo disse, por que faria uma coisa tão espontânea?
Feinberg respondeu. - Nós estamos quase certos de que ele a matou para chamar sua atenção. Ele quer que nós saibamos que está falando sério.
Nick segurou a mão de Laurant. - E Tiffany era. .conveniente Estava indefesa e surgiu no seu caminho na hora errada.
Feinberg colocou os óculos novamente, ajustou a armação em torno da cabeça e disse: - Esqueci de mencionar que Farley e eu também examinamos sua correspondência. Está tudo na mesa ao lado da porta da frente.
Laurant levou a invasão de privacidade na esportiva Embora não tivesse lhe ocorrido que o FBI iria abrir suas cartas, o fato de o terem feito não a incomodou. Eles estavam simplesmente sendo minuciosos, e isso era algo que ela apreciava.
Wesson deu um passo na direção de Nick e disse em tom hostil- Só para que fique bem claro. Você está aqui somente como guarda-costas de Laurant. Seu trabalho é protegê-la o tempo todo.
Nick foi delicado em comparação a ele. - Eu sei qual é o meu trabalho.
- E o plano é enfurecer o eldes, de modo que vocês dois têm que fazer cidade inteira acreditar nesse romance.
Nick assentiu. Wesson ainda não tinha terminado de colocá-lo em seu lugar. - Minha equipe vai fazer o trabalho de verdade e pegar este monstro.
- O trabalho de verdade? - Nick repetiu sarcasticamente - Nos estamos trabalhando juntos, quer você goste ou não
- Você não estaria aqui se não fosse por Morganstern
- Bem, pode ser, mas eu estou aqui, e você vai ter que engolir isso.
O clima tinha se tornado pesado, e eles pareciam dois touros se preparando para bater cabeças Laurant apertou a mão de Nick - É melhor irmos para casa, você não acha?
Nick não disse mais uma palavra O telefone tocou assim que ele abriu a porta para saírem, e ele se virou quando ouvir Wesson exclamar - Finalmente!
Nick esperou o fim da conversa e perguntou - Finalmente o quê?
Wesson sorriu - Temos um corpo.
Capítulo 17
Wesson ERA UM IMBECIL. TAMBÉM ERA IRRITANTE, GROSSEIRO, ARROGANTE E péssimo no trato com as pessoas. Pior, ele não tinha compaixão A reação do agente ao saber que um fazendeiro tinha tropeçado no corpo mutilado de Tiffany Tara Tyler, de dezoito anos, tinha sido horrivelmente imprópria Wesson ficara radiante Pulando de alegria, o homem só faltou cantar, e o que tornou aquele entusiasmo explícito ainda mais obsceno foi que Laurant, uma civil, estava assistindo tudo.
Nick queria tirá-la do chalé antes que ela visse ou escutasse mais alguma coisa, e se entender com Wesson depois, mas quando a puxou pelo braço para que saíssem, ela o repeliu. O que fez em seguida não apenas o surpreendeu como também fez sua admiração por ela subir alguns pontos.
Ela postou-se em frente ao rosto de Wesson para que ele não pudesse ignorá-la e lhe deu uma bronca. Lembrou-lhe que uma garota havia sido assassinada, e que se ele não era capaz de sentir piedade nem tristeza pela pobre Tiffany, talvez devesse pensar em mudar de profissão.
Quando Wesson começou a argumentar, Nick entrou na discussão, mas sua linguagem foi ainda mais áspera.
- Isso vai constar no meu relatório - ameaçou Wesson.
- Faço questão - retrucou Nick.
Wesson decidiu encerrar a conversa. Ofendia-o que alguém de fora expressasse opiniões a respeito de seu comportamento, e ele não iria perder seu tempo precioso tentando acalmá-la. Isso era tarefa de Nick.
- Apenas faça o que eu mandar, e nós o pegaremos - ele disse.
Ela não recuou. - E devo guardar minhas opiniões para mim mesma, não é?
Ele achou que não havia necessidade de responder. Ignorou-a e virou-se para o computador.
Laurant decidiu apelar. - Nick, posso usar seu telefone? - Ele lhe passou o celular - Qual é o número pessoal do Dr. Morganstern?
Wesson deu uma volta de cento e oitenta graus na cadeira giratória e se pôs em pé com um salto - Se você tiver algum problema, deve traze-lo a mim.
- Acho que não.
- Como?
- Eu disse que acho que não.
Wesson olhou para Nick, procurando ajuda para lidar com aquela mulher difícil, mas ele simplesmente lhe devolveu um olhar gelado enquanto explicava a Laurant como acessar o número de Pete - Digite trinta e dois. O número está na memória.
- Escute, senhorita, sei que eu pareci .
Ela parou de discar. - Insensível, Sr. Wesson. O senhor pareceu frio, cruel e insensível.
Wesson apertou os maxilares e estreitou os olhos - Não nos adianta de nada nos envolvermos pessoalmente no caso. Estamos tentando pegar este pervertido para que não haja outros cadáveres
- O nome dela era Tiffany - lembrou Nick
- Eu gostaria que o senhor dissesse o nome dela - disse Laurant
Sacudindo a cabeça resignadamente, disposto a dizer ou fazer qualquer coisa para que ela largasse do seu pé, ele disse. - Tiffany O nome dela era Tiffany Tara Tyler.
Ela devolveu o telefone para Nick e marchou para fora do chalé. Estava dentro do carro antes que Nick pudesse abrir a porta para ela.
- Que homem horrível - disse Laurant.
- É verdade - ele concordou. - Mas você o fez suar frio, e eu não achava que isso fosse possível.
- Não entendo por que Pete colocaria alguém assim no comando.
- Ele não colocou. Pete está neste caso como consultor. O'Leary é o responsável, e Wesson trabalha para ele.
Nick conduziu o carro de volta à cidade. O sol estava começando a desaparecer por trás das árvores, criando um reflexo luminoso na superfície do lago.
Os pensamentos de Laurant estavam em Tiffany. - Wesson deu vivas quando ouvir falar daquela pobre garota.
Nick se sentiu obrigado a esclarecer as coisas. - Não, ele não ficou feliz porque uma mulher foi assassinada, e sim porque agora temos evidências concretas e, com sorte, isso vai mudar as coisas. Não estou desculpando o comportamento de Wesson - acrescentou. - Apenas tentando explicá-lo. Dizem que ele é um bom agente. Só trabalhamos juntos uma vez até hoje, mas isso faz muito tempo, e nós dois éramos novatos inexperientes. Pete diz que ele é bom, mas Jules vai ter que me provar isso.
- Você disse que agora que encontraram o corpo, as coisas vão mudar. Como assim?
- Todo assassino deixa o que os psicólogos chamam de assinatura pessoal na cena do crime. É uma expressão de suas fantasias doentias e violentas, e vai nos dizer muito sobre ele.
- Ele é cuidadoso, você mesmo disse. E se não houver pistas na cena do crime?
- Vai haver - ele assegurou. - Sempre que uma pessoa entra em contato com outra, deixa algo para trás, por mais cuidadosa que seja. Um folículo capilar, um fragmento de pele, um pedaço de unha, marcas de sola de sapatos, ou talvez um fio de suas calças ou da camisa... alguma coisa sempre fica. A questão não é encontrar os vestígios, e sim analisá-los, o que é mais difícil e demorado. E enquanto os peritos fazem seu trabalho, as fotos do corpo vão ser enviadas ao psicólogo para que ele identifique que fantasias o eldes está realizando.
Ele olhou rapidamente para ela antes de prosseguir. - A assinatura de um assassino - explicou - é o seu cartão de visitas psicológico. Ele pode mudar seus métodos, o onde, o quando e o como, mas nunca muda sua assinatura.
- Você quer dizer que existe sempre um padrão.
- Sim - ele concordou. - Como as marcas no corpo ou o modo como ele o posiciona. O psicólogo examina estes dados e deduz o que o assassino está buscando. E já posso lhe dizer que, no caso deste homem, trata-se de controle.
Nick parou o carro na esquina da Oak com a Rua Principal. Uma mulher jovem, empurrando um carrinho de bebê, atravessou a rua na frente deles, parando para dar uma boa olhada em Nick e acenar para Laurant antes de seguir em frente.
- Minha casa fica no próximo quarteirão, é a segunda depois da esquina. Mas eu não quero ir para lá. Preferia que fôssemos para um hotel
- Você tem que ir para casa e agir como se não houvesse nada de errado, lembra?
- Eu sei, mas mesmo assim não quero ir - ela disse. - Nunca mais quero entrar naquela casa outra vez.
- Eu compreendo.
Eles percorreram a rua, ladeada de árvores mais velhas do que qualquer um dos moradores. A luz do entardecer banhava os jardins, filtrada pelos galhos mais baixos, mas nuvens pesadas de chuva estavam começando a se armar no horizonte. Laurant pensou na sua casa e se lembrou de como a achara charmosa da primeira vez que a vira. A construção era antiga e gasta, e ela tinha se encantado com isso Depois que se mudou, a primeira coisa que fez foi comprar um balanço para a varanda, para onde levava sua xícara de chá e o jornal todas as manhãs. À noite, ela conversava com os vizinhos que cuidavam dos jardins.
A tranqüilidade e a sensação de estar em casa tinham desaparecido, e ela não sabia se conseguiria recuperá-las.
- A câmera ainda está lá, ou eles a levaram? - ela perguntou
- Ainda está lá.
- Está ligada?
- Sim. Não queremos que ele saiba que a encontramos.
- Então ele não viu os agentes entrarem no meu quarto?
- Não, ela estava no armário do corredor - ele lembrou. - Eles ficaram fora do alcance da lente.
Ele parou na entrada da garagem e desligou o motor. Ela fitou a casa e perguntou: - Onde ele pode ter conseguido uma coisa daquelas? Eles vendem transmissores em lojas?
Antes que ele pudesse responder, ela deixou escapar - Cada vez que eu entrar no quarto, ele poderá estar me observando.
Ele pousou a mão no seu joelho. - Nós queremos que ele esteja observando. Será uma ótima oportunidade de provocá-lo. Eu e você vamos pegar pesado na frente da câmera.
- Sim, eu sei qual é o plano.
Ela não estava com medo, mas sentia sua determinação começando a se esvair. Sua vida tinha se transformado num daqueles filmes surreais em que nada era o que parecia, e tudo o que aparentava ser benigno e inocente era apenas uma máscara para esconder algo sinistro. Sua casa charmosa parecia convidativa, mas ele tinha estado lá dentro, e havia uma câmera apontada para sua cama.
- Está pronta para entrar?
Ela assentiu com um gesto vigoroso.
Nick percebeu sua ansiedade e decidiu distrai-la. Abrindo a porta, ele disse: - Holy Oaks é uma cidade bonita, mas eu ficaria maluco morando aqui. Onde está o trânsito? Onde está o barulho?
Ela sabia o que ele estava fazendo. Queria ajudá-la a enfrentar a situação, e para isso tentava alegrar a conversa.
Ela abriu a porta e desceu do carro. - Você gosta de trânsito e barulho?
- Estou acostumado - respondeu Nick. Eles estavam se olhando por cima do capo. - Vocês não têm muitas brigas de trânsito por aqui, não é?
- É claro que temos. Quando o filho do xerife, Lonnie, sai para dar umas voltinhas com seus amigos, muitas pessoas adorariam empurrar o carro dele para dentro de uma vala. Ele é uma ameaça, mas seu pai não move uma palha quanto a isso.
- Ele é o delinqüente juvenil da cidade?
- Sim.
Ela enfiou o corpo para dentro do carro para pegar sua bolsa enquanto Nick inspecionava as cercanias. Havia um grande carvalho no jardim da frente, de tamanho quase idêntico ao do jardim vizinho, e do outro lado da casa branca de dois andares havia um terreno baldio. A garagem de Laurant era separada da casa, o que significava que, depois de guardar o carro, ela tinha que andar até a porta dos fundos. As duas casas eram próximas, e havia árvores e arbustos altos dos dois lados - muitos lugares para um homem se esconder. Ele também notou que não havia luzes externas na casa nem na garagem.
- Um paraíso para ladrões - ele comentou. - Muitas áreas escuras.
- Eu tenho uma lâmpada na varanda.
- Isso não é suficiente.
- Muitas pessoas aqui jamais trancam suas portas, mesmo quando vão dormir. É uma cidade pequena, e todos se sentem seguros
- Certo, mas você vai trancar suas portas.
- Boa noite, Laurant. Que bom que você voltou.
Nick se virou e viu uma senhora de idade usando um vestido roxo luminoso com gola larga de renda abrir a porta de tela e sair para a varanda da casa ao lado. Ela estava segurando um lenço de renda branca, aparentava uns oitenta anos e era magra como um caniço
- Tivemos alguns incidentes enquanto você esteve fora.
- É mesmo? - Laurant foi até a cerca de madeira da vizinha e esperou para escutar o que tinha acontecido
- Não me faça gritar, querida - Bessie Jean a repreendeu com delicadeza. - Venha até aqui e traga este rapaz com você
- Sim, senhora. Ela quer saber quem você é - sussurrou Laurant
Nick pegou sua mão e também sussurrou: - O espetáculo vai começar.
- Pombinhos apaixonados?
- Isso mesmo, benzinho. - Dizendo isso, ele se inclinou e lhe deu um beijo de leve.
Bessie Jean Vanderman ficou parada na varanda, observando o casal sorridente se aproximar, com os olhos arregalados como dois pires.
Nick largou a mão de Laurant para abrir o portão Enquanto a seguia pelo caminho de cimento que levava à varanda, ele notou outra mulher idosa espiando através da tela. Estava escuro dentro da casa, e seu rosto estava encoberto pelas sombras.
- Que incidente foi esse? - perguntou Laurant.
- Um vândalo arrombou sua casa. - Bessie Jean se inclinou para Laurant e baixou a voz, como se estivesse fazendo uma confidência. - Eu telefonei para o xerife e exigi que ele viesse imediatamente investigar. Mas creio que ele não prendeu ninguém, simplesmente deixou o vândalo lá dentro e correu para o carro. Aquilo certamente foi uma cena. Ele não teve a delicadeza de vir até aqui me explicar o que estava acontecendo. É melhor você ver se nada está faltando. - Ela se aprumou e deu um passo para trás para examinar Nick. - E quem é este belo rapaz parado tão próximo a você? Acho que nunca o vi em Holy Oaks antes.
Laurant rapidamente fez as apresentações, e Bessie Jean Vanderman se demorou em examinar Nick. Esta aí não deixa passar nada, pensou ele, percebendo a astúcia em seus olhos verdes-claros.
- E qual é a sua profissão, Sr. Buchanan?
- Eu trabalho no FBI, senhora.
Bessie Jean levou a mão à garganta. Ela pareceu assustada por dois segundos, depois se recuperou. - Por que não disse logo? Eu gostaria de ver o seu distintivo, meu rapaz.
Nick tirou a insígnia do bolso e entregou a ela, que deu apenas uma olhada superficial antes de devolvê-la.
- Você não teve a menor pressa.
- Como?
A crítica veio em tom ríspido quando ela respondeu. - A Mana e eu não gostamos de esperar.
Nick não tinha a menor idéia do que ela estava falando, e viu pela expressão de Laurant que ela tampouco estava entendendo.
Bessie Jean abriu a porta de tela. - Não vejo razão para perdermos mais tempo. Entre e vamos começar a investigação.
- O que exatamente a senhora quer que eu investigue? - ele perguntou enquanto seguia Laurant.
A irmã de Bessie Jean estava esperando por eles, e Laurant mais uma vez fez as apresentações. Viola tirou os óculos e os guardou no bolso do avental enquanto se aproximava para cumprimentá-los. Ela era mais baixa e redonda, uma versão muito mais suave de sua irmã.
- Nós esperamos e esperamos - disse ela, e deu um tapinha de reprovação na mão de Nick antes de soltá-la. - Eu estava quase desistindo de vocês, mas Bessie Jean não perdia a esperança. Ela tinha certeza de que sua carta havia se extraviado, e por isso escreveu outra.
- Não é costume do FBI fazer corpo mole - disse Bessie Jean. - Por isso eu sabia que a carta devia ter se perdido no correio. Escrevi uma segunda vez, e como mesmo assim não tivemos... - Ela escreveu diretamente ao diretor - explicou Viola, interrompendo-a.
Bessie Jean conduziu-os para a sala de estar. A peça estava fresca e escura, e recendia a baunilha e canela. Uma delas estava assando um bolo, e o estômago de Nick reagiu com um ronco. Ele estava mais faminto do que imaginara.
O jantar teria que esperar. Seus olhos levaram um segundo para se ajustar à penumbra, e então Viola abriu as cortinas da janela da frente e ele teve que protegê-los da luz. A sala estava atopetada de velharias. Logo à sua frente havia uma lareira com o consolo cheio de velas, e acima dela um imenso quadro a óleo mostrando um cachorro cinzento sentado numa almofada cor-de-vinho. O animal parecia ser vesgo.
Bessie Jean indicou o sofá vitoriano para Nick e Laurant, depois tirou a almofada de renda da cadeira de balanço de vime'e se sentou, cruzando os tornozelos como sua mãe lhe ensinara. Sua postura era tão rígida que ela poderia equilibrar uma enciclopédia inteira na cabeça.
- Pegue o seu bloco, querido - ela ordenou.
Nick mal a escutou. Sua atenção tinha sido capturada pelas fotos que cobriam as mesas e paredes. O modelo era o mesmo em todas as molduras prateadas: o cachorro, um schnauzer, pensou ele, ou talvez um vira-lata.
Laurant tocou seu braço para que ele retornasse à conversa e disse: - Bessie Jean e Viola escreveram ao FBI pedindo ajuda para solucionar um mistério
- Não é um mistério, querida - corrigiu Viola. - Nós sabemos exatamente o que aconteceu. - Ela estava sentada numa grande poltrona com padrão floral, endireitando o pano de crochê de um dos braços.
- Sim, nós sabemos o que aconteceu - concordou Bessie Jean com um aceno de cabeça
- Por que você não lhe conta os detalhes, Mana?
- Ele ainda não pegou o bloco e a caneta.
Viola se levantou e foi até a sala de jantar, enquanto Nick batia nos bolsos procurando um bloco que ele sabia que estava no carro, junto com as pastas.
A irmã retornou com um bloco cor-de-rosa do tamanho de uma calculadora de bolso e uma caneta da mesma cor com uma pena roxa na ponta
- Você pode usar estes aqui - disse ela.
- Obrigado. Agora, me digam do que se trata.
- O diretor foi relapso não lhe dizendo qual era a sua missão - disse Bessie Jean. - Você está aqui para investigar um assassinato
- Como disse?
Bessie Jean repetiu pacientemente sua explicação. Viola assentiu. - Alguém assassinou o Papai.
- Papai era o animal de estimação da família - explicou Laurant, apontando para a pintura acima da lareira.
- Ele recebeu este nome em homenagem ao nosso pai, o coronel - acrescentou Viola.
Heroicamente, Nick não sorriu. - Entendo.
- Nós exigimos justiça - disse Viola.
Bessie Jean estava fazendo uma careta de desagrado para Nick. - Meu jovem, eu não quero criticá-lo...
- Sim, senhora?
- Mas eu nunca ouvi falar de um investigador que não tivesse bloco e caneta. Esta arma presa no seu cinto está carregada, não está?
- Está sim, senhora.
Bessie Jean ficou satisfeita. Ter uma arma era importante na sua opinião, porque quando ele descobrisse o culpado, poderia muito bem ter que atirar nele.
- As autoridades locais já trataram do assunto? - perguntou Nick?
- Não é um assunto, meu bem. É um assassinato. - corrigiu Viola.
- Nós chamamos o xerife R.P. imediatamente, mas ele não fez nada para nos ajudar a encontrar o criminoso - explicou Bessie Jean.
Viola, querendo ser útil, interrompeu: - R.P. quer dizer Rolha-de-Poço, meu bem. Agora anote.
Nick não sabia o que era mais desconcertante- um cachorro chamado Papai ou uma doce velhinha usando a expressão Rolha-de-Poço.
- Por que a senhora não me conta exatamente o que aconteceu?
Bessie Jean deu um olhar de alívio para a irmã e então começou. - Nós acreditamos que o Papai foi envenenado, mas não temos certeza absoluta. Nós o deixávamos amarrado no carvalho do jardim durante algumas horas do dia e às vezes nas noites de bingo, para que ele pudesse respirar ar puro.
- Nós temos a cerca, mas Papai conseguia pular por cima dela, e por isso tínhamos que amarrá-lo - explicou Viola. - Você está anotando isso, meu bem?
- Sim, senhora.
- Papai tinha uma saúde de ferro - disse Bessie Jean
- Tinha só dez anos e estava em plena forma - informou Viola.
- Sua vasilha de água estava completamente emborcada - disse Bessie Jean, balançando-se na cadeira e se abanando com o lenço.
- E Papai nunca teria conseguido fazer isso, porque ela era chumbada justamente para que ele não a virasse.
Bessie Jean assentiu outra vez. - Isso mesmo. O Papai era esperto, mas não conseguiria enfiar o nariz embaixo daquela vasilha.
- Alguém deve ter virado a água - disse Viola enfaticamente.
- Nós achamos que o culpado colocou veneno na água, e depois que viu o Papai beber bastante, livrou-se das provas.
- Nós também sabemos como ele fez isso - anunciou Viola. - Jogou a água envenenada nas minhas marias-sem-vergonha - disse Viola. - Ele matou minhas lindas flores. Num dia elas estavam desabrochando gloriosamente, e no outro estavam murchas e marrons, como se alguém tivesse derramado ácido nelas.
Uma campainha soou nos fundos da casa, e Viola se levantou com dificuldade. - Se vocês me dão licença, vou tirar meus pães do forno. Posso lhes oferecer alguma coisa enquanto estou de pé?
- Não, obrigada, disse Laurant.
Nick estava ocupado fazendo anotações. Ergueu os olhos e disse: - Eu gostaria de um copo d'água.
- Nós costumamos tomar gim-tônica à noite - disse Viola. - É muito refrescante nestes dias tão quentes e úmidos. Aceita um?
- Água já está ótimo - ele respondeu.
- Ele está em serviço, Mana. Não pode beber.
Nick não a contradisse. Terminou de fazer uma anotação e então perguntou: - O cachorro latia para estranhos?
- Oh, sim - respondeu Bessie Jean. - Ele era um excelente cão de guarda, não deixava estranhos se aproximarem da casa. Ele latia para todos. Aliás, ele não abria exceções para ninguém que passasse pela rua.
O assunto do cachorro obviamente ainda era perturbador para Bessie Jean, pois enquanto falava sobre ele, ela gradualmente aumentava o ritmo da cadeira de balanço. Nick começou a temer que dali a pouco ela saísse voando pela sala.
- Temos alguns estranhos na cidade agora, trabalhando na abadia. Três homens alugaram a casa do velho Morrison do outro lado da rua - disse ela. - E outros dois se mudaram para a casa dos Nicholson na outra ponta do quarteirão.
- O Papai não gostava de nenhum deles - interrompeu Viola da sala de jantar. Ela trouxe um copo de água gelada até a mesa de centro e o colocou sobre um guardanapo que tirou do bolso.
Nick estava começando a achar que o Papai não gostava de ninguém.
- Aqueles católicos estão sempre tão apressados - comentou Bessie Jean, obviamente esquecendo que Laurant era católica e que seu irmão era padre. - São um bando de impacientes, se você quer a minha opinião. Querem terminar a reforma da abadia para que ela esteja pronta para reabrir no feriado de 4 de julho.
- É o aniversário da igreja - disse Viola.
Bessie Jean percebeu que eles estavam se afastando do motivo da investigação. - Nós mandamos o doutor colocar o Papai no freezer para que o FBI pudesse supervisionar a autópsia. Você está escrevendo tudo isso no seu bloco?
- Sim, senhora, estou - garantiu Nick. - Por favor, continue.
- Ontem à tarde, recebi uma cobrança do médico por serviços de cremação. Fiquei surpresa e telefonei imediatamente para ele, certa de que tinha havido um engano.
- O cachorro foi cremado?
Bessie Jean tocou os cantos dos olhos com seu lenço e depois começou a se abanar outra vez. - Sim, foi. O médico disse que meu sobrinho tinha lhe telefonado e dito que nós havíamos mudado de idéia, e que ele podia mandar cremar o pobre Papai.
A cadeira estava realmente balançando agora, e o chão rangia cada vez mais alto.
- E o veterinário seguiu as instruções dele sem consultar vocês?
- Sim - disse Viola. - Simplesmente não lhe ocorreu confirmar conosco antes.
- Seu sobrinho.
- Mas aí é que está - exclamou Bessie Jean. - Nós não temos sobrinho algum.
- Se você quer saber, o culpado queria se livrar das provas - disse Viola. - Não estou certa?
- Ao que tudo indica - concordou ele. - Eu gostaria de ver as flores.
- Oh, isso não vai ser possível, meu bem - disse Viola. - Justin me ajudou a arrancar as raízes e plantar flores novas. Ele me viu lá fora de joelhos, fazendo toda aquela força, e mesmo depois de um dia duro de trabalho como carpinteiro na abadia, foi gentil o bastante para me ajudar. Eu simplesmente não consigo mais dar conta do jardim sozinha.
- E quem é Justin?
- Justin Brady - respondeu Bessie Jean com impaciência. - Creio que já o mencionei.
- Não - disse Viola. - Você disse a Nicholas que três trabalhadores tinham se mudado para a casa dos Morrison e outros dois estavam morando com os Nicholson. Você não disse os nomes deles. Eu escutei cada palavra sua.
- Bem, eu ia dizer os nomes - retrucou Bessie Jean. - Só conheci os três do outro lado da rua. Justin Brady é aquele de que nós gostamos.
- Porque ele me ajudou - disse Viola. - Os outros são Mark Hanover e Willie Lakeman. Os três estavam sentados nos degraus da varanda tomando cerveja, e todos me viram fazendo força, mas Justin foi o único que atravessou a rua para me ajudar. Os outros continuaram bebendo.
- Bem, meu jovem, você acredita que o Papai foi assassinado ou acha que nós somos apenas duas velhas malucas que gostam de inventar histórias?
- Baseado no que as senhoras me contaram, e supondo que estes fatos sejam verdadeiros, eu concordo que o seu cachorro foi morto por alguém- disse Nick.
Os olhos de Laurant se arregalaram. - Você concorda?
- Sim, ele respondeu.
Bessie Jean ergueu as mãos, eufórica. - Eu sabia que o FBI não me faltaria. Agora me diga, Nicholas, o que você pretende fazer a respeito?
- Eu mesmo vou investigar isso. Algumas amostras do solo onde as flores foram plantadas seriam úteis. E a vasilha da água... as senhoras ainda estão com ela, não?
- Sim - disse Viola. - Está guardada na garagem com os brinquedos preferidos do Papai.
- Você vai nos manter informadas sobre a investigação? - perguntou Bessie Jean.
- Certamente que sim. A vasilha não foi lavada, foi?
- Creio que não - disse Viola. - Ficamos tão abaladas que a guardamos logo, para que não nos trouxesse...lembranças.
- Viola queria tirar o quadro da parede e esconder as fotos, mas eu não permiti. É um consolo ver o Papai sorrindo para nós.
Ao mesmo tempo, os quatro fizeram uma pausa para admirar o quadro a óleo. Enquanto Nick se perguntava como aquelas mulheres podiam dizer que o cachorro estava sorrindo, Laurant tentava entender como as irmãs podiam sentir tanta afeição por aquele animal de mau gênio que atacava qualquer um que entrasse no jardim. Ele tinha mordido tantas pessoas que o veterinário deixava sua caderneta de vacinação pregada no mural da sala de espera.
- Nós esperamos que o culpado seja alguém de fora do nosso pacífico vale. Não queremos pensar que um dos nossos seria capaz de uma coisa tão terrível - disse Viola.
- Eu não duvidaria da crueldade do filho do xerife. Lonnie sempre foi um encrenqueiro. O rapaz tem muita maldade na alma, herdada do pai, obviamente.
- Ele é odioso, sem dúvida alguma. Sua mãe faleceu alguns anos atrás. Não quero falar mal dos mortos, mas ela era uma mulher servil. Não tinha nenhum respeito por si própria, nem mesmo quando garota. E também vivia se lamentando, não é mesmo, Bessie Jean?
- E como.
- As senhoras disseram que há muitos estranhos na cidade - disse Nick. - Notaram alguém rondando sua casa ou a de Laurant?
- Eu passo bastante tempo sentada na varanda, e de vez em quando olho pelas janelas à noite, só para ter certeza de que as coisas estão como deveriam estar. Exceto pelo homem que vi entrar na casa de Laurant ontem, não notei ninguém no jardim ou andando por aí. Como eu já disse, a maioria dos estranhos são operários da abadia. Alguns deles vieram até do Nebraska e do Kansas.
Ela plantou os dois pés no chão e fez a cadeira parar abruptamente. Inclinando-se para Laurant e Nick com um olhar de expectativa, perguntou: - Vocês ficam para o jantar?
- E noite de macarrão com queijo - anunciou Viola, empurrando as almofadas para se levantar da cadeira baixa e indo para a cozinha. - Macarrão e pão feito em casa, e eu vou preparar uma salada como entrada.
- Nós não queremos dar trabalho - protestou Laurant.
- Nós adoraríamos jantar com as senhoras - disse Nick ao mesmo tempo.
- Laurant, por que você não ajuda a Mana enquanto eu fico fazendo companhia ao Nick? - sugeriu Bessie Jean.
- Venha pôr a mesa, querida - disse Viola. - Vamos comer na cozinha, mas vamos usar a louça boa.
Bessie Jean não perdeu tempo. Assim que as duas desapareceram na cozinha, ela se inclinou ainda mais para a frente na cadeira de balanço e exigiu saber como Nick e Laurant tinham se tornado tão íntimos.
Ele estava esperando por aquela oportunidade. Com a maior riqueza de detalhes, contou a ela sobre sua amizade com Tommy e como ele havia sido chamado para ajudar quando um homem entrou no confessionário e ameaçou fazer mal a Laurant.
- Este infeliz incidente nos aproximou - explicou ele. - Nossos especialistas concordam que o homem era apenas um falastrão querendo se exibir. A senhora conhece o tipo, ele quer assustar as pessoas, agitar e causar problemas. Quer atenção, é só. Eles acham que ele não é muito inteligente, provavelmente tem QI baixo - acrescentou -, e, mais provavelmente ainda, seja impotente.
Bessie Jean corou. - Impotente, você disse?
- Sim, senhora. É o que eles acham que ele é.
- Então você não está aqui por causa do assassinato do Papai? Ele imaginava que ela levaria mais tempo para se dar conta
disso. - Não, mas vou investigá-lo mesmo assim - prometeu.
Ela se recostou na cadeira outra vez. - Fale um pouco sobre você, Nicholas.
Ela não permitiu que ele fosse vago. Interrogou-o com a perícia de um agente sênior e quis saber tudo sobre sua família.
Laurant o salvou aparecendo na porta anunciando o jantar. Nick seguiu Bessie Jean até a cozinha. A porcelana floral delicada repousava sobre uma toalha de linho branco que cobria quase completamente os pés cromados da mesa. Nick encantou as senhoras com seu cavalheirismo, apressando-se para puxar as cadeiras para que sentassem.
A salada de Viola era um quadrado de gelatina de lima salpicado de maionese sobre um punhado de tiras de alface. Ele odiava gelatina, mas comeu tudo para não ferir os sentimentos das duas, e enquanto estava engolindo aquilo sem mastigar, Bessie Jean contou a Viola sobre o incidente ocorrido em Kansas City.
- As coisas que as pessoas fazem para chamar atenção hoje em dia. Terrível, simplesmente terrível. O Padre Tom deve ter ficado muito abalado.
- Oh, ele ficou mesmo - disse Laurant. - Ele não sabia exatamente o que fazer, então pediu a ajuda de Nick.
- Algo de bom nasceu dessa história toda - disse Nick. Ele piscou para Laurant do outro lado da mesa e acrescentou: - Eu finalmente conheci a irmã de Tom.
- E você ficou impressionado com ela, não foi? - disse Bessie Jean, assentindo como se já soubesse a resposta.
- É claro que ficou - disse Viola. - Ela é a moça mais bonita de Holy Oaks.
- Foi amor à primeira vista - disse ele, lançando um olhar de adoração para Laurant. - Eu não acreditava nessas coisas até acontecer comigo.
- E você, Laurant? - perguntou Viola. - Foi amor à primeira vista para você também?
- Sim, foi - respondeu ela, com um suspiro.
- Que romântico - disse Viola. - Não acha, Bessie Jean?
- Sem dúvida que é romântico - ela respondeu. - Mas às vezes um fogo que começa rápido, morre rápido. Eu não quero que a nossa Laurant fique de coração partido. Você entende o que eu estou dizendo, Nicholas?
- Sim, senhora, eu entendo, mas não vai ser assim.
- Então me diga, quais são suas intenções?
- Eu vou me casar com ela.
Viola e Bessie Jean olharam uma para a outra e depois explodiram numa gargalhada.
- Você está pensando o que eu estou pensando, Mana? - brincou Bessie Jean.
- Tenho certeza que sim. - Viola deu à irmã um olhar de cumplicidade.
- Que notícia emocionante - anunciou Bessie Jean. - Suponho que o Padre Tom tenha dado sua bênção?
- Sim, é claro - respondeu Laurant. - Ele está muito feliz por nós.
Laurant e Nick se entreolharam, confusos com as risadas das duas.
- Nicholas, nós não estávamos rindo da sua notícia maravilhosa. É só que... - começou Viola.
- Steve Brenner - completou Bessie Jean. - Ele vai ter um ataque quando descobrir sobre vocês dois. Meu Deus, vai mesmo, e eu espero que a Mana e eu estejamos por perto para assistir. O Sr. Brenner tem grandes planos para você, Laurant.
- Eu nunca sequer saí com aquele homem, e não acredito que tenha feito alguma coisa para encorajar suas atenções.
- Ele está apaixonado, querida - explicou Viola.
- Não, ele está obcecado - corrigiu Bessie Jean. - Você é a moça mais bonita de Holy Oaks, e por isso ele tem que ter você. Ele acha que ter o melhor de cada coisa vai fazer dele o melhor homem da cidade, e foi por isso que também comprou aquela enorme casa antiga na Sycamore. Se você quer saber, o Sr. Brenner não é nada mais do que um galo velho querendo passar por pavão. - Ela se virou para Nick. - Ele acha que pode se apossar de qualquer coisa que queira, incluindo a sua Laurant.
- Então ele vai ter uma surpresa, não vai? - perguntou Nick. Bessie Jean sorriu. - Meu Deus, e como - concordou. - Você deve ter notado que a Mana e eu não temos uma opinião muito boa a respeito deste homem.
Nick riu. - Sim, eu percebi.
- Todos os outros gostam dele - disse Viola. - E nós sabemos por quê. O Sr. Brenner doa dinheiro para todas as entidades beneficentes locais, e isso torna as pessoas gratas. Ele também não é um sujeito de má aparência. Tem uma cabeleira bonita.
Bessie Jean fez uma careta de desdém. - Eu não me impressiono tão facilmente. Não gosto de pessoas exibidas, e o Sr. Brenner distribui dinheiro como se fosse grama. Eu vou perder o apetite se continuarmos falando sobre ele. Então, Laurant, seu noivado é oficial ou vocês querem que guardemos segredo? Sabemos fazer isso quando é necessário - garantiu ela.
- Podem contar para quem quiserem. Nick e eu vamos procurar as alianças amanhã ou depois. - Ela estava transbordando de excitação ao estender a mão e sacudir os dedos. - Eu não quero nada grande demais.
- Não se esqueça de publicar uma participação no jornal. Posso lhe ajudar a fazer isso - sugeriu Bessie Jean.
Pela ansiedade na voz de Bessie Jean e o brilho em seus olhos, Laurant sabia que ela estava morrendo de vontade de dar a notícia à filha de sua amiga, Lorna Hamburg, que por acaso era a editora da coluna social.
- Posso ligar para Lorna depois do jantar.
- Seria muita gentileza - concordou Laurant.
- Devo mencionar o problema de Kansas City?
Laurant não tinha certeza e olhou para Nick, que rapidamente respondeu. - É claro que deve. O jornal provavelmente vai querer saber todos os detalhes de como nos conhecemos. Certo, meu amor?
O tratamento carinhoso não foi planejado. As palavras vieram espontaneamente, e Nick ficou ainda mais surpreso do que ela pareceu ficar.
- Sim, querido. Acho que Bessie Jean Também deve contar a Lorna que os especialistas do FBI concluíram que estão lidando com um homem obviamente perturbado... e inferior.
- Oh, ela com certeza vai contar tudinho a Lorna - disse Viola, passando o prato de macarrão para Nick e insistindo que ele se servisse novamente. Ele empurrou sua cadeira para trás, deu um tapinha na barriga cheia e disse que não podia com mais nem uma garfada.
- Existem tantas pessoas perturbadas no mundo hoje - comentou Bessie Jean balançando a cabeça. - Será um consolo saber que temos um agente do FBI por perto.
- Onde exatamente você vai ficar? - perguntou Viola.
- Com Laurant - ele respondeu. - Ela é uma mulher forte e sabe cuidar de si mesma, mas eu quero estar por perto para garantir que ela vai estar protegida de homens como Steve Brenner e qualquer outro que pense em incomodá-la.
As duas irmãs ergueram as sobrancelhas e trocaram um olhar que Nick não conseguiu decifrar. Ele havia dito alguma coisa que as desagradou, mas não sabia o que era.
Bessie Jean largou o garfo, empurrou o prato, cruzou as mãos sobre a mesa e organizou os pensamentos por um instante, antes de se virar e olhar nos olhos de Laurant.
- Querida, vou ser direta. Eu sei uma coisa ou duas sobre os hormônios à solta no seu corpo. Posso ser velha e cheia de manias, mas sei de tudo o que anda acontecendo no mundo assistindo meus programas na televisão, e você não tem uma mãe ou um pai para orientá-la. Sei que você é uma adulta, mas ainda assim precisa de alguém mais velho e mais sábio para lhe dar uns conselhos de vez em quando. Todas as moças precisam. A Mana e eu nos afeiçoamos a você, e com esta afeição vem a preocupação. Eu vou lhe perguntar diretamente: enquanto Nicholas está protegendo você dos outros homens, como você pretende se proteger dele?
- Ela está falando sobre a sua virtude, querida - disse Viola.
- Nós assumimos um compromisso um com o outro - começou Nick. - Eu não vou fazer nada ... desonroso... e nem Laurant.
- As pessoas vão falar, mas farão isso pelas suas costas - disse Viola.
- Elas vão falar de qualquer maneira - disse Bessie Jean. - As melhores intenções às vezes são postas de lado no calor do momento. Você compreende o que eu estou dizendo?
Laurant abriu a boca para falar, mas não emitiu um som. Ela dirigiu um olhar de súplica a Nick.
- Vá direto ao ponto, Bessie Jean - encorajou Viola, dobrando com cuidado seu guardanapo e se pondo em pé.
- Muito bem, irei direto ao ponto - ela disse, limpando delicadamente os cantos da boca com o guardanapo. - Sexo seguro, Nicholas.
- Sim, querida - concordou Viola, enquanto dava a volta na mesa recolhendo os pratos. - Nós queremos que vocês pratiquem sexo seguro. Agora, que tal uma sobremesa?
Capítulo 18
STEVE BRENNER ESTAVA POSSESSO. AQUELA VAGABUNDA TINHA IDO LONGE demais. Ninguém, homem ou mulher, iria fazê-lo de bobo. Já estava na hora de Laurant aprender uma lição, e ele era o homem certo para ensiná-la. Quem diabos ela pensava que era para humilhá-lo na frente de seus sócios e amigos, trazendo outro homem para casa?
Como alguém podia se apaixonar num mísero fim-de-semana?
Furioso com a notícia que o Xerife Lloyd acabara, de lhe trazer, ele arremessou uma cadeira pela sala, derrubando uma luminária no chão. Ele observou-a se espatifar e depois, ainda não aplacado, deu um soco na parede. A tinta fresca se espalhou em todas as direções, pontilhando de branco sua camisa pólo vermelha recém-lavada. O revestimento de gesso se despedaçou com o impacto, e a pele se rompeu nos nós de seus dedos quando ele atingiu o bloco de cimento por trás da parede. Indiferente à dor e à sujeira que tinha feito, ele puxou a mão e depois se sacudiu como um cachorro se livrando do excesso de água.
Ele não conseguia raciocinar quando estava tão bravo, e sabia que precisava estar com a cabeça fria para poder analisar suas opções.
Afinal de contas, ele era o mestre do jogo. A vagabunda ainda não tinha entendido isso, mas logo compreenderia. E muito bem.
O xerife Lloyd estava esparramado numa cadeira atrás de uma mesa vazia. Ele aparentava estar relaxado, mas por dentro estava tão tenso e nervoso quanto um gambá encurralado, porque sabia muito bem do que Steve era capaz quando provocado. Com a ajuda de Deus, ele jamais queria ver aquele lado do seu novo sócio outra vez.
A fivela de prata nova em folha do cinto de Lloyd estava se enterrando dolorosamente em sua pança, mas ele estava com medo de se mexer. Não queria fazer nada que chamasse a atenção para si até Steve ter controlado sua raiva.
Grossas gotas de sangue vermelho estavam pingando nas calças caqui impecavelmente passadas de Brenner e desenhando veios negros que escorriam até os joelhos. Lloyd pensou em informá-lo disso, pois sabia como a aparência era importante para ele, mas decidiu ficar quieto e fingir que não tinha notado.
A maioria das mulheres da cidade achava Steve um homem bonito, e o xerife achava que devia ser assim, com seu cabelo castanho ondulado e boa ossatura. Seu rosto era um pouco longo demais, mas quando ele sorria as mulheres não viam nada além de carisma. Porém, ele agora não estava sorrindo, e se aquelas mesmas donas pudessem ver a frieza em seus olhos, não o achariam nada atraente, e teriam tanto medo dele quanto Lloyd.
Steve abria e fechava os punhos parado ao lado da janela, olhando para a praça de costas para o xerife. Três adolescentes estavam andando de skate na calçada, ignorando as placas que proibiam o uso de bicicletas, patins e afins. O farmacêutico, Conrad Kellogg, saiu correndo de sua loja, agitando os braços em desespero quando um dos malucos, com o cabelo comprido pintado de cor-de-laranja, acidentalmente se chocou contra a sua vitrine.
Do outro lado da praça, a porta da lanchonete de Laurant se abriu, e dela saíram os gêmeos Winston vestindo macacões de trabalho também idênticos. As luzes da rua estavam acesas, o que significava que já passava das sete horas. Todas as lojas fechavam às seis, exceto a farmácia., mas os gêmeos estavam fazendo serão para apressar a inauguração. Steve observou-os enquanto ajustavam a vedação em torno da janela que tinham acabado de instalar.
- Um desperdício de dinheiro - murmurou ele.
- O que você disse, Steve?
Ele não respondeu, e já que o homem carrancudo não estava prestando atenção nele, Lloyd decidiu que podia pôr-se mais à vontade. Deslizou o cinto até embaixo da barriga distendida, desabotoou as calças para ter um pouco mais de espaço e então tirou o canivete do bolso. Abrindo a lâmina, começou a limpar a sujeira das unhas grossas.
- Eu saio para pescar durante dois dias e o que acontece? Ela se apaixona por outro homem. Filha da puta. Se ela tivesse me dado uma chance... se tivesse se dignado a me conhecer, teria se apaixonado por mim. Sem dúvida nenhuma. Eu sei ser muito charmoso quando quero.
Lloyd não sabia se devia tentar acalmá-lo ou oferecer sua solidariedade, tendo em vista os acontecimentos. Dizer a coisa errada poderia ser pior do que não dizer nada, de modo que optou por um grunhido alto, deixando que Steve o interpretasse.
- Mas ela não me deu a mínima - continuou Steve. - Tudo o que eu queria era uma chance. Eu tinha planejado lhe dar algum tempo para que ela se acostumasse com a idéia, talvez mandar umas flores e depois convidá-la para sair outra vez. Você viu o jeito como ela me ignorou na quermesse do mês passado? Não importava o que eu fizesse, ela não me deixava chegar perto. Agia como se eu fosse uma mosca incômoda. Não me deu a mínima atenção, e as pessoas notaram. Eu vi o modo como estavam me observando.
- Calma, Steve, não é nada disso. Todo mundo em Holy Oaks sabe que você vai se casar com Lauren. Ela também tem que saber. Talvez ela esteja apenas se divertindo um pouco antes de se acomodar.
- Os homens se divertem assim, não as mulheres.
- Então talvez ela esteja apenas se fazendo de difícil. - Ele fez uma careta quando espetou a pele macia sob a unha do polegar com o canivete. - Você vai ser o homem mais rico do vale, e ela sabe disso. É, deve ser o que ela está fazendo, dando uma de difícil.
- Eu achava que ela estava... acima destas coisas.
- De que coisas?
- Se ele está ficando na casa com ela, então ela está deixando que ele a toque.
A raiva tinha voltado a sua voz, e Lloyd tentou desviá-la. - Acho que ela está apenas lhe testando. As mulheres gostam que os homens as persigam, todo mundo sabe disso.
- Quem eram aqueles homens dentro da casa? - Ele se virou e olhou malevolamente para o xerife enquanto esperava uma explicação. Ao invés disso, ganhou uma desculpa.
- Eu estava com pressa de vir lhe contar sobre o homem que Lauren estava trazendo para casa, e não me lembrei de perguntar os nomes. Eles disseram que eram amigos e estavam lá para consertar a pia. Eles tinham ferramentas e acho que estavam indo dali para a abadia.
- Mas você não se deu ao trabalho de pedir os nomes ou alguma identidade?
- Eu estava com pressa - choramingou Lloyd. - Não pensei direito.
- Pelo amor de Deus, você é o xerife desta cidadezinha patética. Não sabe fazer seu trabalho?
Lloyd largou o canivete e ergueu as mãos num gesto de conciliação. - Não desconte sua raiva em mim, eu sou apenas o mensageiro. Se você quiser, volto lá agora mesmo e consigo todas as informações.
- Esqueça - murmurou Steve antes de virar as costas para o xerife outra vez. - Talvez aquela velha seca da casa ao lado estivesse certa. Talvez eles estivessem assaltando a casa de Laurant.
- Mas, Steve, você sabe que ela não tem nada que valha a pena roubar. Estou lhe dizendo, eles são apenas amigos.
Brenner não conseguia controlar sua raiva. Laurant dividindo a cama com outro homem. Era imperdoável. Talvez ela estivesse apenas tentando declarar sua independência... jogando um joguinho com ele. Sim, ela certamente precisava aprender uma lição. Ele tinha permitido que sua grosseria não fosse punida em vezes anteriores, e por isso só podia culpar a si mesmo por este insulto mais recente. Da primeira vez que ela o tratou com frieza, ele deveria ter exigido respeito imediatamente. Algumas mulheres precisavam sentir uma mão pesada para aprenderem qual era o seu lugar. Sua primeira esposa era assim, mas ele acreditara que Laurant era diferente. Ela tinha lhe parecido delicada e quase perfeita, mas agora ele percebia que tinha usado a abordagem errada, sendo educado e simpático demais, mas isso ia mudar.
- Ninguém se apaixona em um fim-de-semana.
- Segundo seus amigos, ela está realmente caidinha por este Nick Buchanan - comentou Lloyd. Ele estava com a cabeça baixa, concentrado em extrair uma pasta preta debaixo da unha do mindinho. - Estes amigos... eles disseram que Nick e Lauren iam se casar.
Depois de deixar escapar esta última informação, Lloyd ergueu os olhos para ver como Steve estava reagindo.
- Besteira - murmurou ele. - Isso não vai acontecer.
Lloyd assentiu. - Mas você sabe... se eles chegarem a se casar, provavelmente vão se mudar para outra cidade... por causa do emprego dele. . eu não me lembrei de perguntar o que este sujeito Nick faz... mas se for assim, você percebe? Ela terá que vender o imóvel da praça.
O olhar de Brenner se tornou glacial quando ele encarou Lloyd. Aquele gordo lhe lembrava um macaco no zoológico, fazendo sua higiene em público sem se importar com quem estivesse em volta. Ele era nojento, mas era útil, e por este motivo, Steve o suportava.
Lloyd guardou o canivete, percebeu a sujeira que tinha deixado em cima da mesa e, com uma passada de mão, jogou tudo no chão. Olhando pela janela, ele comentou: - Parece que a lanchonete vai abrir logo.
- Esta é outra coisa que não vai acontecer - disse Steve. - Seu rosto estava contorcido de raiva, e ele deu um passo ameaçador na direção do xerife. - Você faz idéia, neste seu cérebro de ervilha, de quanto dinheiro nós vamos perder se ela conseguir convencer os outros proprietários a não venderem? Eu não vou deixar ninguém estragar este negócio.
- O que você vai fazer a respeito?
- O que for necessário.
- Você está falando de infringir a lei?
- A lei que se dane - rugiu ele. - Você já está metido nisso até o pescoço - acrescentou com um rosnado. - E daí se tiver que afundar mais um pouco?
- Eu não infringi a lei.
- Ah é? Diga isso à velha Sra. Broadmore. Foi você quem falsificou o nome dela naquele documento.
Lloyd começou a suar. - Aquilo foi idéia sua, e que mal houve? A velha já estava morta, e seus parentes vão receber o dinheiro, de modo que estão pouco se importando. Droga, eles teriam vendido a loja, mas você disse que poderiam nos arrancar muito mais se soubessem do nosso negócio com a construtora. Não acho que o que fizemos tenha sido um ato criminoso.
A risada de Steve soou como uma unha arranhando um quadro-negro. - Pode ter sido idéia minha, mas foi você quem assinou o nome dela, e eu notei que mal pôde esperar para gastar sua comissão comprando um carro novo.
- Eu só fiz o que me mandaram.
- É verdade, e vai continuar a fazer o que for mandado. Você quer se aposentar com os bolsos cheios, não quer?
- É claro que sim. Quero sair desta cidade... ir para bem longe do...
- Lonnie?
O xerife desviou os olhos. - Eu não disse isso.
- Você tem medo do seu próprio filho, não é, Lloyd? Por mais mesquinho e violento que você seja, ainda assim tem medo dele.
- Droga, não, não tenho - ele esbravejou.
Steve deu uma gargalhada que mais parecia um uivo, e o som foi ainda mais desagradável do que dez unhas arranhando um quadro-negro. Lloyd teve que fazer força para não tapar os ouvidos.
- Seu covarde. Você morre de medo do seu filho.
No momento, o que assustava Lloyd mais do que o próprio filho era saber que Steve podia enxergar através de seu verniz de homem poderoso e seguro de si. - Lonnie está com quase dezenove anos, e eu vou lhe dizer, ele nunca foi bom da cabeça, nem quando era pequeno. É genioso e tem prazer em ser cruel para piorar. Admito que quero me afastar dele, mas não porque tenha medo. Eu ainda consigo dar uma surra nele se quiser, mas estou cansado das confusões que ele vive arranjando. Tive que livrá-lo da cadeia mais vezes do que posso me lembrar, e Lonnie ainda vai matar alguém qualquer dia desses. Ele chegou muito perto com aquela menina dos Edmond. Ela acabou no hospital, e eu tive que gastar muita saliva para o médico ficar de bico calado. Precisei convencê-lo de que Mary Jo iria se matar se os pais soubessem que ela tinha conseguido ser estuprada. Ela nunca mais poderia erguer a cabeça em público.
Steve lhe deu um olhar de esguelha. - Você também o ameaçou, não foi? Aposto que disse a ele que iria atiçar Lonnie em cima dele ou da esposa se dissessem uma palavra.
- Eu fiz o que tinha que fazer para livrar meu garoto da cadeia.
- Sabe como todos na cidade chamam você? Xerife Rolha-de-Poço. Eles riem de você pelas costas. Se quiser que as coisas mudem, fique de boca fechada e faça o que eu mandar. Assim vai poder deixar Holy Oaks e Lonnie e nunca mais olhar para trás.
Lloyd estava lentamente rasgando tiras de papel de um mata-borrão, e não olhou para Brenner quando perguntou: - Você não vai contar ao Lonnie o que eu estou pensando em fazer, vai? O garoto acha que vai ganhar uma boa parte da bolada, e eu quero estar bem longe quando ele se der conta de que não vai ficar com um centavo.
- Não vou contar nada a ele desde que você continue a cooperar. Estamos nos entendendo? Agora, quanto a este tal de Buchanan...
- Quem?
O punho de Brenner se fechou novamente, com a intenção de amassar a cara gorda de Lloyd, mas desta vez ele sentiu a dor em seus dedos e, olhando para baixo, viu as manchas de sangue na perna da calça. Merda. Ele ia ter que trocar de roupa outra vez. As aparências tinham que ser mantidas, e ele não suportava que a sua estivesse menos do que perfeita.
- Deixe para lá - ele murmurou a caminho do banheiro nos fundos do escritório.
Lloyd finalmente recordou quem era Buchanan. - Eu ainda queria que você me deixasse voltar à casa de Lauren para conversar com aqueles amigos dela. Eles ainda podem estar lá.
A voz anasalada de Lloyd estava dando nos nervos de Steve. Ele não tinha paciência com pessoas pouco inteligentes, e se o xerife não fosse um ingrediente necessário ao seu esquema engenhoso, ele teria o maior prazer em amassar a sua cara. Melhor ainda, mandaria Lonnie fazer o serviço e ficaria só observando. O garoto fazia tudo o que Steve mandava porque, assim como o pai, era motivado por ganância, ódio e fracasso.
Ele terminou de se lavar, secou as mãos com unia toalha de papel e depois dobrou-a num quadrado perfeito antes de jogá-la na lata do lixo. Tirou do bolso um pente e parou na frente do espelho, ajeitando os cabelos para trás. - Onde está o Lonnie agora? - perguntou.
- Eu não sei. Ele nunca me diz aonde vai. Se ele tirou aquele corpo preguiçoso da cama, provavelmente está no lago pescando. Por que você quer saber?
Era hora da lição. Laurant ia aprender que ele não admitia concorrência.
- Não interessa. Encontre-o e mande-o para cá.
- Tenho que buscar meu carro novo antes.
- Você tem que fazer o que eu mandar antes, depois pode ir buscar a porcaria do carro. Eu disse para ir procurar Lonnie.
O xerife empurrou bruscamente a cadeira para trás e se levantou. - Mas o que eu devo dizer a ele?
Steve voltou para o escritório e respondeu sorrindo: - Diga que eu tenho um serviço para ele.
Capítulo 19
LAURANT PROLONGOU DELIBERADAMENTE SUA VISITA Às VANDERMAN. Precisava de tempo para se preparar psicologicamente para o suplício que a esperava.
Num piscar de olhos, tudo havia mudado. Ela costumava pensar em sua casa como um lugar seguro, um refúgio onde ela podia encontrar paz e tranqüilidade após um dia de trabalho duro. Ele havia tirado aquilo dela, o homem que o FBI apelidara de eldes, o elemento desconhecido que estava reduzindo seus nervos a frangalhos.
Há quanto tempo ele a estava observando? Será que se sentaria numa poltrona confortável para assisti-la hoje à noite? Laurant empalidecia ao pensar naquilo. Dali a pouco ela iria para o seu quarto e se aprontaria para dormir, enquanto a câmera registrava cada movimento seu.
Sentiu uma súbita vontade de calçar seus tênis e sair para correr. Não podia fazer isso, é claro, pois já estava escuro e a atividade não fazia parte do programa aprovado por Wesson. Mesmo assim, Laurant ainda pensava em sair. Ela tinha começado a correr depois que ficara sabendo do câncer do irmão. Era uma válvula de escape, um modo de lidar com o medo. Ela adorava o exercício físico, levar o próprio corpo ao limite até sua mente se esvaziar e ela se concentrar somente nas batidas de seu coração, no som da relva esmagada sob seus pés e no ritmo de sua respiração enquanto percorria o caminho irregular em torno do lago. Ela se esquecia de onde estava enquanto avançava cada vez mais rápido, até as abençoadas endorfinas se espalharem por seu corpo e a energizarem. Por um breve período, o pânico sumia e ela se sentia gloriosamente viva e completamente livre.
Ela ansiava por aquela sensação agora, e por Deus, como queria ter controle sobre a própria vida outra vez Odiava sentir medo, e oscilar entre a fúria e o terror estava lhe deixando louca.
- Querida, tenha cuidado com a xícara. Não vá trincá-la.
A advertência de Viola trouxe Laurant de volta ao presente. A vizinha continuou a lhe contar as últimas fofocas que tinha ouvido no clube de bridge das senhoras, e Laurant tentou prestar atenção enquanto terminava de secar a louça azul. Quando a cozinha ficou pronta, ela seguiu a mulher idosa até a varanda e se sentou ao lado dela no balanço, enquanto Bessie Jean, de braço dado com Nick, o levava para dar uma volta no terreno para exibir suas petúnias e a horta. O poste da rua mal iluminava o jardim dos fundos.
Nick estava mais interessado no terreno baldio escuro e cheio de árvores atrás da casa de Laurant do que na horta. Tomado de arbustos e folhagens densas, era um paraíso para o eldes se esconder e observar, ou mesmo se aproximar da casa de Laurant sem ser visto.
- As crianças da zona não vêm brincar naquele terreno? - ele perguntou a Bessie Jean depois de elogiar seu jardim.
- Elas vinham, mas agora não vêm mais, desde que Billy Cleary teve um problema sério com as urtigas. Ele estava de shorts e sentou em cima delas, veja só, e pelo que a mãe dele me contou, foi uma experiência muito dolorosa. O garoto não pôde se sentar por duas semanas. Depois que melhorou, Billy e seus amigos passaram a brincar perto do lago.
Eles tinham dado uma volta completa na casa. Bessie Jean explicou para Viola: - Eu estava contando ao Nicholas sobre Billy Cleary e como ele costumava brincar no terreno atrás da casa de Laurant até acontecer o problema com a urtiga. - Ela subiu os degraus e se sentou numa cadeira de vime.
Viola se inclinou para Laurant. - As partes dele ficaram queimadas - ela sussurrou.
- Eu disse a Nicholas que ninguém mais vai lá agora - explicou Bessie Jean.
- Isso não é verdade - disse Viola. - Você não lembra, Mana? Algumas semanas atrás havia crianças brincando lá. O Papai ficou em pé nas patas traseiras na porta de tela dos fundos, latindo sem parar, e nós tivemos que fechar a porta para ele se acalmar.
Bessie Jean assentiu. - Eu não creio que fossem crianças - disse. -Já estava escurecendo. Na verdade, agora que estou pensando no assunto, acho que algum animal selvagem estava fazendo uma toca lá atrás, porque o Papai se agitou várias vezes naquela semana.
Viola assentiu. - Isso mesmo, é verdade - concordou.
Nick se recostou na balaustrada. - Há quanto tempo foi isso? As senhoras lembram?
- Não estou bem certa - disse Bessie Jean.
- Eu me lembro - anunciou Viola. - Eu tinha acabado de plantar os italianos.
- Os o quê?
- Tomates - ela explicou.
- E isso foi quando? - perguntou Nick pacientemente.
- Quase um mês atrás.
Bessie Jean não concordou. Ela achava que Viola estava enganada e que não fazia tanto tempo assim. As irmãs debateram sobre a questão por alguns minutos, até que Laurant ficou em pé, chamando a atenção das duas e pondo um fim à discussão nascente.
- Nick e eu temos que ir para casa.
- Sim, querida, vocês devem estar querendo abrir as malas e se instalar - disse Viola.
- Ela parece exausta, não parece, Mana? - comentou Bessie Jean.
Nick estava totalmente de acordo. Laurant parecia mesmo cansada, com grandes círculos escuros sob seus olhos, completamente diferente da primeira vez que ele a vira na casa paroquial. Quando ela tinha ficado sabendo que Tommy estava bem, relaxara completamente, e por um momento não parecia ter uma preocupação sequer.
Mas isso fora antes de seu irmão lhe contar a respeito daquele doente mental que queria matá-la. Nick se lembrava da força que ela tinha demonstrado mais tarde, ao convencer Pete a deixá-la armar uma cilada, mas quanta força e resistência ela teria dentro de si? Ele sinceramente esperava que fosse o suficiente para suportar aquele pesadelo até o fim.
-Muito obrigada pelo jantar. Estava ótimo - disse Laurant. Eu vou lhe dar minha receita de macarrão com queijo - prometeu Viola
Bessie Jean fez troça: - Que receita? Você seguiu as instruções da caixa. É só comprar uma no armazém, Laurant.
Nick também agradeceu, e depois enlaçou a cintura de Laurant com naturalidade. Bessie Jean acompanhou o casal até a cerca e abriu o portão para eles.
-Os seus olhos nunca se aquietam, não é, Nicholas?- Para que o jovem não se ofendesse, ela se apressou em explicar: - Eu reparo nas pequenas coisas, e desde o instante em que você pôs os pés na minha varanda, não parou de esquadrinhar a vizinhança. Não é uma crítica - ela acrescentou. - Só percebi que você está sempre em guarda, não está? Imagino que tenha sido treinado para fazer isso na escola do FBI.
Nick balançou a cabeça. - Na verdade, sou apenas um intrometido.
Ela sorriu para ele, com os olhos verdes brilhando, e Nick teve certeza de que ela havia encantado os homens de Holy Oaks quando era jovem.
Aproximando-se de Laurant, ela sussurrou de forma bem audível: - Gostei deste rapaz. Não o espante querida.
Laurant riu. - Eu vou tentar - promete. - Também gostei dele.
- A Mana e eu sabemos tudo sobre o relógio biológico das mulheres. Um bom número de moças da sua idade já tem dois ou três filhos, e já é hora de você começar uma família.
-Sim senhora - ela respondeu, na falta de coisa melhor para dizer. Sabia que não adiantava discutir com Bessie Jean ou mencionar que muitas mulheres esperavam até os trinta anos para ter o primeiro filho, e que ainda tinha muitos anos pela frente antes daquele aniversário tão significativo. Bessie Jean era franca, opiniática e sutil como uma marreta, mas Laurant mesmo assim gostava dela. Com todos os seus defeitos, ela também era honesta e bondosa...pelo menos às vezes.
-Ora, vejam só.lá estão Justin Brady e Willie Lakeman.
Os vizinhos da frente estavam carregando uma escada com extensão desde os fundos do jardim. Um deles a encostou na lateral da casa e começou a subir os degraus, enquanto o outro a segurava.
Bessie Jean cumprimentou-os de longe e sorriu quando os dois homens acenaram.
- É tarde para estar pintando - comentou Nick.
Ele acabara de fazer este comentário quando as luzes externas foram acesas de dentro da casa.
- Justin é o rapaz na escada - disse Viola. - Foi ele que me viu trabalhando na floreira e veio imediatamente me ajudar. Eu não gostava muito de nenhum deles no começo, mas desde então mudei de opinião.
- Por que a senhora não gostava deles? - perguntou Nick, observando o homem alto e musculoso que estava inclinado sobre a escada e pegando a espátula no bolso de trás do jeans.
- Eu achava que eram todos uns inúteis, mas eles são só um pouco descuidados, não preguiçosos. Estão cumprindo com sua palavra - acrescentou com um gesto afirmativo da cabeça. - O proprietário, o Sr. Morrison, fez um acordo com os rapazes para que eles pintassem a casa ao invés de pagar aluguel. Ele está na Florida tomando sol, e só vai voltar depois das comemorações.
- Esta é a primeira vez que eu vejo algum deles trabalhando na casa - disse Bessie Jean. - Mas eu vou lhes contar o que já vi. Quase todas as noites nas duas últimas semanas, eles andam até o bar da Rua Dois e bebem até a hora de fechar. Não querem saber se os vizinhos estão tentando dormir, cantam e riem e fazem um escarcéu enquanto voltam para casa. Eu os observo da minha janela, e uns dias atrás um deles desmaiou no jardim. Acho que foi Mark Hanover. É uma vergonha o modo como eles continuam se embebedando como gambás.
As irmãs obviamente tinham opiniões muito diferentes sobre os inquilinos.
- Mas agora eles estão cumprindo a promessa - lembrou-lhe Viola. - E Justin me disse que assim que eles terminarem o trabalho na abadia, vão começar a ajeitar a casa, mesmo que signifique trabalhar de sol a sol. Eu acredito neles.
Nick estava tentando ver melhor o rosto de Willie Lakeman, mas ele estava de costas para a rua e com um boné na cabeça. Mesmo que ele se virasse, Nick duvidava que conseguisse ver seu rosto com clareza. Willie parecia ser da mesma altura e peso que Justin.
Ele decidiu atravessar a rua e cumprimentar seus vizinhos. Talvez conseguisse fazer o terceiro inquilino sair de dentro da casa, e assim poderia formar uma opinião sobre ele também. Seus planos mudaram quando ouviu Laurant bocejar. Ela estava quase dormindo em pé.
- Vamos, meu bem. Vou colocar você na cama.
Ela o seguiu até o carro e o ajudou a carregar as sacolas. A casa estava escura, exceto por uma pequena luminária na mesa ao lado da porta, e todas as cortinas estavam cerradas. O telefone tocou assim que ela começou a subir a escada com sua mochila, e ela largou-a no chão, acendeu uma das luzes e foi para a sala. Nick tinha lhe avisado que sempre haveria pelo menos um agente do FBI dentro da casa, de modo que ela não ficou surpresa quando a porta de vaivém da cozinha se abriu e um homem usando calças pretas e camisa branca com as mangas enroladas até os cotovelos correu na sua direção. Havia uma arma presa na sua cintura e um sanduíche na sua mão.
Ele chegou antes dela ao telefone, que ficava na escrivaninha entre a sala de estar e a de jantar, verificou o número que estava chamando, pegou um segundo fone ligado à mesma base e depois fez um gesto indicando que ela podia atender.
Pelo número que piscava, Laurant sabia que era Michelle Brockman, sua melhor amiga que estava prestes a se casar.
- Alô. Como você sabia que eu estava de volta?
- Esqueceu que estamos em Holy Oaks? - disse Michelle. - Então me conte, é verdade que um homem ameaçou você em Kansas City? Se for, nunca mais vou deixar você sair desta cidade.
- Não se preocupe - Laurant tranqüilizou a amiga. - Foi apenas um sujeito se fazendo de engraçado. As autoridades investigaram o assunto e disseram que ele não devia ser levado a sério.
- Que alívio - suspirou Michelle. - O.K., então, me diga quem é o bonitão.
- Como?
A risada de Michelle explodiu pelo telefone e, como sempre, fez Laurant sorrir. Vinha de dentro da sua barriga e era cheia de alegria e malícia. Elas tinham se conhecido na quermesse mensal, quando Laurant estava na cidade havia apenas uma semana e sequer tinha desfeito as malas. Tommy tinha oferecido os serviços da irmã na cozinha do evento, e Michelle também havia sido recrutada.
Uma amizade instantânea se desenvolveu entre as duas, apesar de serem o completo oposto uma da outra. Laurant era reservada, enquanto Michelle era exuberante, e naquele dia também tinha demonstrado ser solidária. Lorna Hamburg tinha encurralado Laurant e estava tentando obter o máximo de informações que pudesse para um artigo que queria escrever sobre a recém-chegada, ou, como ela a chamava, a estrangeira de Chicago. Michelle arrastou Laurant para longe da abelhuda e não permitiu que Lorna a infernizasse, e elas se tornaram melhores amigas daquele momento em diante.
- Eu perguntei quem é ele.
- Eu não sei do que você está falando - Laurant retrucou, atormentando a amiga de propósito.
- Pare de brincar comigo. Estou morrendo de curiosidade. Quero saber quem é o bonitão que você trouxe para sua casa.
- O nome dele é Nicholas Buchanan. Você não se lembra que eu lhe contei que meu irmão morou com os Buchanan quando era criança?
- Eu me lembro.
- Nick é o melhor amigo de Tommy - ela explicou. - Eu só fui conhecê-lo no último fim-de-semana.
- E?
- E o quê?
- Você já foi para cama com ele?
Laurant sentiu seu rosto corar. - Espere um minuto, está bem?
Ela cobriu o fone com a mão e sussurrou para o agente: - Você precisa mesmo escutar esta conversa? É particular.
O agente estava se esforçando para não sorrir. Largou o fone que estava segurando sobre a mesa e se afastou. Ela puxou a cadeira e se sentou de frente para a parede.
- Tudo bem, já estou de volta - ela anunciou, pegando uma caneta esferográfica e brincando de abrir e fechar a tampa.
- Já?
- Já o quê?
- Deixe de ser evasiva. Você já foi para a cama com ele? Ouvi dizer que ele é lindo.
Laurant riu. - Michelle, você não devia estar me fazendo estas perguntas.
- Eu sou sua amiga mais querida, não sou?
- Sim, mas... - E eu me preocupo com você. Você precisa de sexo, Laurant. Faz bem para a pele.
Laurant começou a rabiscar no bloco de recados. - O que há de errado com a minha pele?
- Nada que uma boa dose de sexo não resolva. Vai trazer uma nova cor para o seu rosto.
- Eu posso usar blush.
Michelle deu um suspiro exagerado. - Você não vai me contar, não é?
- Não, não vou.
- Ele é mesmo apenas um amigo do seu irmão?
Laurant baixou a cabeça. Sentia-se mal por estar mentindo para sua melhor amiga, mas sabia que, quando tudo tivesse acabado e ela finalmente pudesse falar a verdade, Michelle compreenderia.
- Não, ele não é apenas um amigo. - Ela se virou na cadeira para olhar para Nick, que estava parado no corredor com o outro agente, assentindo para alguma coisa que o homem estava lhe dizendo. Sua expressão estava séria até ele a surpreender fitando-o. Então ele sorriu.
Ela se virou para a parede outra vez. - A coisa mais estranha aconteceu, Michelle - sussurrou.
- O quê?
- Eu me apaixonei.
Michelle imediatamente ficou desconfiada. - Não, não é verdade. Você realmente se permitiu gostar de alguém? Eu não acredito.
- É verdade.
- É mesmo? Aconteceu rápido demais, não acha?
- Eu sei - ela retrucou, pegando novamente caneta e começando a desenhar.
- Ele deve ser muito especial para ter conseguido driblar todas as suas defesas. Mal posso esperar para conhecê-lo.
- Você vai conhecê-lo em breve, e sei que vai gostar dele.
- Não consigo acreditar. Ele deve ter atropelado você para chamar sua atenção. Você está nas nuvens, não está?
- Acho que sim.
- Isso é um choque - exclamou Michelle.
- Não é tão espantoso assim - ela disse, defendendo-se.
- Ah, por favor!
Laurant riu. Michelle sempre a deixava de bom humor. Ela era dramática e muito aberta com seus sentimentos e atitudes, enquanto Laurant mantinha tudo preso no peito. Michelle era a única amiga desde os tempos de escola a quem ela fazia confidências.
- Eu sei o que está passando nessa sua cabeça complicada. Você está sempre na defensiva e tentando descobrir algo de errado nos homens, só porque se deu mal uma vez.
- Duas vezes - ela corrigiu.
- O cara da faculdade não conta - disse Michelle. - Todo mundo tem pelo menos uma decepção amorosa na faculdade. Só estou contando o canalha de Chicago.
- Ele era um canalha - concordou Laurant.
- E só porque você se enganou com ele, concluiu que todos os homens são iguais. Exceto o meu Christopher. Você nunca achou que ele fosse um canalha.
- É claro que não. Eu adoro o Christopher.
Ela suspirou. - Eu também. Ele é tão gentil e maravilhoso.
- Nick também é.
- Não estrague tudo desta vez, Laurant. Obedeça suas emoções.
- O que você quer dizer com "não estrague tudo desta vez"?
- Com o seu histórico...
- Que histórico?
- Não fique zangada comigo. Estou simplesmente falando a verdade. Você não tem um bom histórico com os homens daqui. Quer que eu recite a lista dos pretendentes que você rejeitou?
- Eu não amava nenhum deles.
- Você nunca se permitiu conhecer um deles o bastante para descobrir se havia futuro ou não.
- Eu não estava interessada.
- Obviamente. A cidade inteira estava certa de que Steve Brenner seria capaz de atravessar esta sua carapaça. Ouvi dizer que ele anda espalhando por aí que quer se casar com você.
- Foi o que eu ouvi também. Eu nem sequer gosto daquele homem, e certamente nunca o encorajei. Ele me dá arrepios.
- Eu gosto dele, e Christopher também. Steve é charmoso, engraçado e espirituoso. Todos gostam dele, menos você.
- Bessie Jean e Viola Vanderman não gostam dele.
- Oh, por favor, elas não gostam de ninguém. Laurant riu. - Isso não é verdade.
- É, sim. Elas não gostam dos católicos porque eles são atrevidos demais, e acabo de ficar sabendo que Viola acha que o Rabino Spears está roubando nas carteias de bingo.
-- Você está brincando.
- E eu inventaria uma coisa dessas?
- Quero saber uma coisa. Como você descobriu tão rápido que Nick estava comigo?
- Pela conexão telefônica. Enquanto Bessie Jean estava na varanda, sua irmã se esgueirou para dentro de casa e ligou para a minha mãe, e ela me contou. Todas nós sabemos como Viola gosta de aumentar as coisas. Ela disse que você ia ficar noiva, mas mamãe e eu não acreditamos. Você acha que vai se casar com Nicholas algum dia ou é cedo demais para perguntar?
- Você acabou de me perguntar se nós dormimos juntos - ela lembrou.
- Não, eu perguntei se vocês tinham ido para a cama.
- Na verdade, Viola não estava aumentando. Eu vou me casar com ele.
- Por que não me contou logo? É sério? Você vai mesmo.. .Eu não acredito. Está indo rápido demais para a minha cabeça. Vocês já escolheram a data?
- Não - ela admitiu. - Mas Nick quer que seja logo.
- Oh, Deus, é tão romântico. Espere só até eu contar ao Christopher. Você é a minha dama de honra - disse ela. - E então?
A indireta não foi sutil. - Você quer ser a minha dama de honra?
Michelle se afastou do fone para gritar a notícia a seus pais. Os
dois vieram parabenizar Laurant, e quando a amiga finalmente retornou ao telefone, dez minutos tinham se passado.
- Sim, eu quero ser a sua dama de honra. Fico feliz por você ter me convidado. Oh, isso me lembrou que eu liguei para dizer que seu vestido está pronto. Pode pegá-lo amanhã. Experimente mais uma vez, O.K.? Não quero que nada saia errado no dia do meu casamento.
- Está bem. Mais alguma coisa?
- O piquenique - disse ela. - Espero conhecer o Nick lá.
- Que piquenique?
- Como assim, que piquenique? A abadia está organizando uma enorme festa na beira do lago como agradecimento a todos os que trabalharam na restauração.
- Quando isto foi decidido?
- Você não estava na cidade. Saiu no boletim de domingo, mas você estava em Kansas City. Oh, meu Deus, esqueci de perguntar. Acho que as notícias sobre Nick me deixaram aparvalhada. Foi tão inesperado que todo o resto me fugiu. O seu irmão está bem?
- Sim, ele está ótimo. Os exames foram ótimos desta vez.
- Então nada de quimioterapia?
- Nada de quimioterapia.
Michelle parecia aliviada. - Graças a Deus. Ele já voltou para casa?
- Não, ele e um amigo vão voltar com o meu carro assim que ele for consertado. A transmissão estava escapando.
- Você precisa comprar uma carro novo.
- Eu vou comprar qualquer dia desses.
- Quando tiver dinheiro, certo?
- Certo.
Laurant subitamente deixou cair a caneta. Ela não estava prestando atenção enquanto rabiscava no bloco, mas agora percebia o que tinha feito. Havia corações por toda a folha, corações partidos. Ela arrancou o papel do bloco e começou a rasgá-lo.
- O Padre Tom ainda não sabe que o dinheiro se foi, não é? Ela olhou por cima do ombro para ver se Nick e o outro homem
ainda estavam no corredor, mas eles tinham saído dali. Mesmo estando sozinha na sala, ainda baixou a voz ao responder: - Não, Tommy não sabe de nada. Você e Christopher foram os únicos para quem contei.
- Que Deus lhe ajude se Tommy descobrir. Ponha-se no lugar dele. Ele transferiu seus direitos sobre a herança para você quando entrou no seminário, achando que a fortuna do avô estaria segura e você estaria protegida para toda a vida. Como ele vai se sentir quando descobrir que aqueles advogados desgraçados estavam roubando cada centavo da herança com seus honorários exorbitantes? - Quanto mais Michelle falava sobre aquela injustiça, mais exaltada se tornava sua voz - Milhões de dólares em honorários - ela lembrou Laurant. - Eles deviam apodrecer na prisão. O que fizeram com você foi um crime.
- Comigo não - corrigiu Laurant. - Com o meu avô. Eles o traíram, e foi por isso que eu decidi ir atrás deles.
Ela tinha demorado um ano para encontrar um advogado que se dispusesse a enfrentar um dos maiores e mais poderosos escritórios de Paris, e mesmo ele tinha resistido de início, até examinar os documentos. Então sua posição mudou radicalmente, e ele se determinou a levá-los à falência. A ação foi protocolada na manhã seguinte.
- Não perca as esperanças. Você tem que continuar lutando para ter de volta o que é seu por direito. - Ela suspirou do outro lado da linha. - Os advogados são a escória da terra.
- Que vergonha. Você não vai se casar com um advogado?
- Ele não era advogado quando o conheci.
- Michelle, reze para que isso se resolva logo. Já gastei cada centavo que eu tinha em custos processuais e na reforma da loja. Tive que pedir um empréstimo no banco, e só Deus sabe como vou pagá-lo.
- Os advogados que você está processando esperam que você desista e os deixe em paz. Lembra do que Christopher disse? É por isso que eles ficam entrando com todos esses recursos ou seja lá o que for, para retardar a decisão final, mas se você vencer de novo desta vez, eles vão ter que pagar.
- Dentro de dez dias - disse Laurant.
- Bem, agüente firme. Você está bem próxima da linha de chegada.
- Sim, eu sei.
- Mamãe está gritando comigo. Tenho que desligar. O piquenique é às cinco, não se atrase.
- Eu não sei por que o abade marcou esta festa tão antecipadamente. A restauração ainda não está pronta, e eu aposto que os andaimes ainda estão na igreja.
- Era a única data disponível na sua agenda - explicou Michelle. - E ele me prometeu que os andaimes vão sair antes do casamento. Você se dá conta de que em menos de uma semana eu vou ser uma senhora casada? Oh, espere um pouco, Laurant.
Ela escutou Michelle gritar para a mãe que desceria logo, e depois voltou ao telefone. - Mamãe está tendo um ataque de nervos com os preparativos.
- Vamos desligar.
- Você parece cansada.
- E estou - ela admitiu.
Um alarme soou dentro da cabeça de Laurant enquanto conversava com Michelle. O agente Wesson estava usando o chalé do abade como centro de operações, e ninguém deveria saber que ele e seus homens estavam em Holy Oaks.
- Onde exatamente vai ser o piquenique? No chalé do abade?
- Não - respondeu Michelle. - Ele está com uns parentes ou amigos hospedados lá. Vai ser outro lado do lago. Siga o engarrafamento.
- O.K. - ela disse. - falo com você amanhã.
- Eu não vou estar aqui, lembra? Vou a Dês Moines pegar meu novo aparelho ortopédico. Vamos nos ver no piquenique.
- Quem vai levar você?
- Papai - ela respondeu. - Se este aparelho não servir, ele vai fazer um escarcéu. Com todos os atrasos deles, tenho menos de uma semana para aprender a caminhar sem mancar.
- Se alguém é capaz de fazer isso, é você. Quer que faça alguma coisa enquanto estiver fora?
Michelle riu. - Sim. Ponha uma cor nestas bochechas.
Capítulo 20
LAURANT ESCUTOU NICK DESCENDO A ESCADA E, QUANDO TERMINOU DE SE despedir de Michelle e desligou o telefone, viu que ele estava encostado no batente da porta, observando-a. Seu cabelo estava desgrenhado na testa, e mais uma vez ela ficou impressionada com sua sensualidade. Talvez Michelle tivesse razão. Talvez ela devesse pensar em devolver a cor às suas bochechas.
Como ele seria na cama? Meu Deus, ela não podia acreditar que estivesse deixando sua cabeça levar adiante pensamentos como aqueles. Ela não era uma adolescente lutando contra uma rebelião hormonal. Era uma adulta, e não havia nada de errado em se manter celibatária até que o homem certo aparecesse, havia? Nick não satisfazia seus requisitos. Não, ele não era o homem certo.
- Desculpe eu ter ficado tanto tempo no telefone.
- Não há problema. Joe disse que você tem um monte de mensagens gravadas na secretária eletrônica. É melhor escutá-las.
Nick levou sua sacola para cima enquanto Laurant escutava a fita. Havia apenas uma mensagem perturbadora, de Margaret Stamp, a dona da padaria da praça. Ela tinha ligado para contar a Laurant que Steve Brenner havia aumentado sua oferta em 20% e lhe dera urna semana para pensar, e terminava a mensagem com uma pergunta. Laurant sabia que Steve não ia pagar um centavo para os que já tinham vendido suas lojas até que todos os proprietários tivessem fechado negócio com ele?
Um trovão ressoou à distância. Laurant deixou o corpo relaxar contra as costas da cadeira, concentrando-se no som monótono da fita sendo rebobinada. Sua determinação tinha levado outro golpe, mas ela sabia que teria que reunir coragem para enfrentar mais esta crise. Pobre Margaret. Laurant sabia que ela não queria vender a padaria, mas o movimento andava baixo ultimamente, e o dinheiro que Steve estava lhe oferecendo era suficiente para garantir uma aposentadoria tranqüila. Como Laurant poderia em sã consciência convencer Margaret a manter seu estabelecimento aberto quando havia uma grande chance de perder tudo?
Ela deu um salto quando Nick tocou seu ombro.
- Laurant, quero lhe apresentar Joe Farley Ele vai ficar aqui conosco.
O agente deu um passo para a frente para cumprimentá-la. - Prazer em conhecê-la, senhorita.
A mente de Laurant trocou de marcha. A luta para salvar a praça teria que ficar em segundo plano no momento.
- Por favor, me chame de Laurant.
- É claro - ele respondeu. - E você pode me chamar de Joe.
Joe era um homem atarracado, com uma juba espessa de cabelos vermelhos e um rosto redondo que se iluminava quando ele sorria. Um de seus dentes da frente era ligeiramente torto, o que o humanizava de certa forma e, embora também estivesse armado, ele não parecia tão soberbo ou rígido quanto o Sr. Wesson.
- Você costuma trabalhar com Nick?
- Às vezes - ele respondeu. - Eu geralmente fico preso no escritório, de modo que esta é uma mudança e tanto para mim. Espero que você não se incomode, mas Feinberg e eu fizemos algumas alterações no seu sistema de alarme. Não foi nada de mais, mas vai dar conta do recado.
Ela olhou para Nick. - Eu não tenho sistema de alarme.
- Agora tem.
Joe explicou. - Instalamos sensores em todas as portas e janelas, de modo que, se qualquer um entrar na casa, nós saberemos. Uma luz vermelha vai se acender, mas o alarme não vai fazer barulho - garantiu ele. - Não queremos assustar o eldes, e sim atrai-lo para dentro e prendê-lo. Se tivermos sorte, ele não vai perceber que disparou o alarme. Obviamente, qualquer estranho que se aproximar da sua casa será identificado pelos agentes do lado de fora.
- A casa está sendo vigiada?
- Sim, está.
- Por quanto tempo você vai ficar aqui? - perguntou ela.
- Até primeiro de julho... se não tivermos apanhado o eldes antes disso. Vou embora quando você for.
Sua cabeça estava girando, e estava se tornando cada vez mais difícil deixar uma crise de lado para se concentrar em outra. Ela deu meia-volta e se dirigiu à cozinha, seguida pelos dois homens. - Preciso de uma xícara de chá - disse, exausta.
- Laurant, você não está pensando em se recusar a ir embora, está? Nós já conversamos sobre isso - lembrou-lhe Nick.
- O.K., eu sei - ela respondeu sem entusiasmo.
- Estou falando sério, Laurant. Você sai daqui.
Ela o interrompeu. - Eu disse O.K. - Sua irritação estava evidente. - Você se importa de me contar para onde eu vou?
- Comigo.
- Pare com isso - ela exigiu, levantando a voz.
A explosão de raiva surpreendeu Nick. Ele ergueu uma sobrancelha enquanto se apoiava na mesa da cozinha e cruzava os braços.
- Parar com o quê?
- Pare de me dar respostas idiotas - ela murmurou, pegando a chaleira branca e indo até a pia para enchê-la.
Não era preciso ser treinado para perceber que a pressão estava começando a lhe dar nos nervos, mas o momento não poderia ter sido pior, porque Nick também estava irritadiço como um animal enjaulado. Agora que eles estavam em Holy Oaks, o jogo da espera tinha começado, e ele odiava aquela parte do trabalho. Preferiria fazer um tratamento de canal do que ficar sentado aguardando que alguma coisa acontecesse.
Trabalhar com Jules Wesson já estava sendo um problema. Nick tinha passado dez minutos ao celular tentando fazer com que Wesson lhe desse algumas informações, mas cada vez que fazia uma pergunta, ele se esquivava. Nick sabia o que ele estava fazendo, tentando lhe deixar de fora da investigação.
Joe puxou uma cadeira e se sentou, mas Nick seguiu Laurant até a pia. - Que diabos você quer dizer com isso? Respostas idiotas?
Ela deu um encontrão em seu peito quando se virou, e a água saltou do bico da chaleira, molhando a camisa de Nick.
- Você nunca me dá uma resposta direta - disse ela.
- É mesmo? Quero um exemplo.
- Agora mesmo foi um bom exemplo. Eu perguntei para onde nós iríamos e você respondeu... Ele a interrompeu. - Comigo.
- Isso não é uma resposta direta, Nick.
Sem pensar no que estava fazendo, ela pegou um pano de prato e começou a secar sua camisa, mas ele arrancou o pano de sua mão e o jogou em cima do balcão.
- Eu não sei ao certo para onde iremos - ele disse. - Quando souber, vou lhe contar, está bem assim? E a propósito - acrescentou ele, abaixando-se até seu nariz quase tocar o dela, - esta foi a única vez em que eu não lhe dei uma resposta direta.
- Não foi, não - retrucou ela. - Eu perguntei quantos agentes estavam em Holy Oaks, e você se lembra qual foi a sua resposta? O bastante. Que tipo de resposta é essa?
Os músculos do maxilar dele se contraíram, denunciando o esforço que estava fazendo para controlar sua raiva. - Se eu soubesse o número exato, não lhe diria. Não quero que você os veja nem procure por eles.
- Por que não? - Ela o empurrou para o lado e foi ate o fogão, pôs a chaleira no queimador da frente e ligou a chama.
- Porque você vai ficar olhando em torno e procurando por eles cada vez que sairmos, e se o eldes estiver nos vigiando - o que, aliás, tenho certeza de que ele vai fazer - vai perceber que você está cercada de agentes.
- Vocês dois brigam como um casal de velhos. Laurant e Nick se viraram ao mesmo tempo para Joe.
- Nós não estávamos brigando - disse Nick.
- Estávamos simplesmente expressando uma diferença de opinião - insistiu ela. - Só isso.
Joe deu um sorriso irônico. - Escutem, eu não sou um filho que vocês precisam convencer. Não me importo se vocês brigam ou não. O fato é que os dois provavelmente precisam descarregar um pouco a tensão, e podem muito bem fazer isso agora.
Laurant notou a pilha de pratos sujos dentro da pia. Joe obviamente tinha ficado à vontade, mas não se dera ao trabalho de limpar a própria sujeira. Ela lhe dirigiu um olhar de desaprovação, pegou o detergente embaixo da pia e começou a enchê-la de água.
Joe notou o que ela estava fazendo. - Deixe que eu lavo estes pratos. Eu ia colocá-los na lava-louça, mas você não tem uma.
- A casa é antiga.
Nick pegou o pano e começou a secar o prato que ela lhe passou, enquanto Joe se recostava na cadeira confortavelmente.
- Nick, quanto a essa história de sair daqui no dia primeiro...
- começou Joe.
- Sim?
- Wesson quer que ela fique.
- Azar é o dele. Ela vai comigo.
- Ele vai dizer que é seu superior.
- Ele que tente.
- Por que você faz tanta questão desta data?
- Porque o Tommy calcula que umas duas mil pessoas vão inundar a cidade nos dias dois e três. Vai haver uma grande reunião de ex-alunos da faculdade enquanto a abadia estiver comemorando o aniversário. Eu gostaria de tirar Laurant daqui antes disso, mas ela tem um casamento que não quer perder.
- Eu estou lhe dizendo, Wesson está determinado a mantê-la aqui pelo tempo que for necessário.
- E eu estou lhe dizendo que ela vai embora. De jeito nenhum eu vou deixar Laurant ficar no meio de uma multidão como a que está vindo para cá. Como vou poder protegê-la? - Balançando a cabeça, ele acrescentou: - Isso não vai acontecer.
Joe ergueu as mãos num gesto conciliador. - Eu estou de acordo com qualquer coisa que você decidir. Só achei que deveria avisá-lo que vai haver briga. No que me diz respeito, você é quem manda.
Laurant entregou mais um prato para Nick secar e perguntou:
- E quanto a Tommy? Ele também vai ter que sair daqui no dia primeiro?
- Você sabe como o seu irmão pode ser teimoso. Ele acha importante ficar para ajudar o abade.
- Mas você vai obrigá-lo a ir, não vai? - implorou ela. - Ele não me escuta, mas vai escutar você.
- É mesmo? Desde quando?
- Você tem que fazê-lo ir junto conosco. Se ele não for, eu também não vou, diga isso a ele. Assim talvez ele pare de resistir.
-Acalme-se - disse Nick ao ver a expressão aflita em seus olhos. - Noah me prometeu que o tiraria daqui de um jeito ou de outro. Talvez ele tenha que nocautear Tommy e arrastá-lo-acrescentou. - Mas bater num padre não vai impressionar Noah. Ele me deu sua palavra, de modo que você pode ficar tranqüila. Confie nele.
- Alguém está com fome? - perguntou Joe, esperançoso. Como se fosse treinado, seu estômago roncou.
- Parece que você está - disse Nick.
- Eu estou faminto. Feinberg tentou descobrir uma maneira de trazer comida vindo por aquele terreno baldio atrás da casa, mas, puxa vida, aquelas duas velhinhas do lado estão sempre espiando pela janela. Ele ainda não foi capaz de enganá-las. Elas deveriam trabalhar para o FBI.
- Elas não sabem que você ainda está aqui, ou teriam dito alguma coisa a Nick ou a mim.
- Eu não saí da casa desde que chegamos - explicou Joe. - As senhoras saíram naquela tarde, e acho que pensam que eu fui embora enquanto estavam fora. Tenho sido muito cuidadoso com as luzes à noite.
- Feinberg não podia ter trazido a comida pelo outro lado da casa? - ela perguntou.
- Ele não conseguiu chegar a uma das portas por aquele caminho, e seria muito arriscado tentar passar as compras pela janela.
Laurant esvaziou a água da pia, secou as mãos e depois começou a examinar a geladeira atrás de algo que Joe pudesse comer.
- Encontrou alguma coisa aí? Eu não consegui achar nada. Acabei com os seus frios, e agora só temos sucrilhos - disse Joe.
- Quer dizer que os armários estão vazios? - perguntou Nick. Laurant fechou o refrigerador. - Irei ao armazém amanhã -
prometeu.
- Eu estava esperando que você se oferecesse. Já fiz até uma lista... se você não se importar.
- Se você estiver realmente faminto, podemos sair e buscar alguma coisa - ofereceu Nick.
Laurant balançou a cabeça. - Está tudo fechado a essa hora da noite.
- Mas não são nem dez horas. Não há nada está aberto? - perguntou Nick.
- Sinto muito. Todo o comércio fecha às seis.
- Juro por Deus que não sei como ela agüenta morar aqui - ele disse a Joe. Nick se sentou na cadeira em frente à do agente e acrescentou: - Não existe sequer um lugar para comprar bagels (nota da tradução:Pãozinho de origem judaica muito popular nos EUA, que pode ser comido com vários recheios.fim da nota)
9 num raio de cinqüenta milhas. Estou certo, não estou, Laurant?
Ela estava acabando de vasculhar a despensa e fechou a porta de mãos vazias. - Sim, você está certo, mas eu me contento perfeitamente com bagels congelados.
- Suponho que não haja uma Pizza Hut na cidade - lamentou Joe.
- Você está certo - disse ela.
Laurant abriu o freezer na parte de baixo do refrigerador e começou a revirar os legumes congelados.
- Encontrou alguma coisa aí? - perguntou Joe ansiosamente.
- Só brócolis congelados.
- Eu passo.
A chaleira começou a apitar, e Nick pegou uma xícara e um pires. - Quer um pouco de chá, Joe?
- Eu preferia que fosse chá gelado.
- Nós não estamos aqui para servi-lo, meu chapa. Se quiser chá gelado, faça você mesmo.
Nick fez Laurant se sentar e lhe serviu o chá.
- Nenhum dos dois deveria criticar a cidade antes de passar pelo menos uma semana aqui. Vocês precisam absorver o espírito do lugar primeiro. O ritmo é diferente - disse ela.
- Não diga - falou Nick fingindo um sotaque sulista arrastado.
- Ela ignorou o sarcasmo. - Depois que aprender a diminuir a marcha, você vai gostar.
- Duvido.
Ela estava ficando irritada. - Você deveria manter a mente aberta. Além do mais, se eu quiser comer bagels, só tenho que comprar um pacote e descongelar.
- Mas aí eles não vão ser fresquinhos - protestou ele. - Todo mundo come bagels o tempo todo, Laurant, são um gênero de primeira necessidade. O que fazem todos aqueles alunos da faculdade? Bagels são saudáveis, e a garotada sabe disso.
- Oh, pare de choramingar. Você parece um daqueles americanos que viajam a Paris e insistem em comer no McDonald's.
- Eu não estava choramingando.
- Estava sim.
- O que aconteceu com aquela irmãzinha doce que eu conheci em Kansas City?
- Ela ficou por lá - respondeu Laurant.
Joe se levantou da mesa, pegou a caixa de sucrilhos do armário e o leite desnatado do refrigerador, e depois achou uma colher e o maior prato fundo que pôde encontrar. - Então este sujeito, Brenner, aumentou a oferta em 20% para comprar a padaria da mulher?
Laurant lhe deu um olhar de surpresa.
- Eu escutei suas mensagens - disse ele. - E tive a impressão de que a tal Margaret está quase cedendo. O negócio pode ser bom demais para deixar passar, especialmente se ela for tão velha quanto pareceu ao telefone.
- Ela não é tão idosa assim, mas você está certo. Este dinheiro seria sua aposentadoria.
- Você está tentando salvar a cidade, não é? - perguntou Joe. Ela balançou a cabeça. - Não, só estou tentando salvar a praça.
Não entendo por que as pessoas pensam que progresso significa derrubar prédios lindos para construir outros novos e impessoais. Não faz sentido para mim. A cidade vai continuar existindo com ou sem a praça, mas o charme... a história... vão se perder.
Nick observou-a mexer o chá. Ela já estava fazendo aquilo por alguns minutos, mas ainda não tinha tomado nenhum gole Estava imóvel, fitando pensativamente o líquido que girava na xícara. O som da colher batendo no prato vazio de Joe acabou chamando sua atenção.
Laurant notou que ele olhou para o relógio enquanto levava o prato para a pia
-Joe, por que você não pára de olhar o relógio? - perguntou
- Porque eu o conectei ao alarme. Se a luz vermelha se acender no painel que montei no quarto de hóspedes, vai disparar o alarme do relógio.
Um trovão ecoou não muito longe dali, e logo começou a chover. Joe ficou animado com o barulho. - A mãe natureza vai nos ajudar esta noite. Tomara que a tempestade seja forte.
- Você quer uma tempestade?
- Quero sim - ele respondeu. - Porque Nick quer desligar a câmera depois que vocês tiverem dado um show para o nosso eldes. Vou fazer a luz oscilar algumas vezes e depois vou desligar a chave geral - explicou ele. - Quando a luz voltar, a câmera vai estar desativada.
- Imaginei que você não conseguiria dormir com a câmera lhe observando - disse Nick.
- Não conseguiria mesmo. Obrigada - disse ela aliviada.
- Ela está conectada a uma tomada do sótão - disse Joe. - Esperamos que ele tente entrar lá para ligá-la novamente.
Ela assentiu. - E vocês vão estar esperando por ele.
Ela apoiou o cotovelo na mesa, descansou o queixo na palma da mão e fitou a janela dos fundos, que estava com as persianas abaixadas. Ele estaria lá fora agora, observando e esperando uma oportunidade? Como viria até ela? Quando ela estivesse dormindo? Ou esperaria que ela saísse para então tentar pegá-la?
A chuva começou a bater com força nas janelas.
- Vocês estão prontos para subir? - perguntou Joe. - A chuva pode diminuir a qualquer momento, e eu quero aproveitar esta oportunidade. Vou para o porão mexer nos circuitos. Esperem aqui até eu desligar as luzes e depois religá-las, aí podem subir e fazer o que têm que fazer. Vou lhes dar cinco minutos e então vou desligar tudo de novo. Nick, você vai desmontar a câmera e depois dar o aviso para que eu acenda as luzes.
- Certo - concordou ele.
- Deixei uma lanterna na cômoda do corredor para que você possa ver o que está fazendo. -Joe empurrou a cadeira para trás e se levantou. - O.K., fiquem sentados até a luz voltar. Vou fazê-la oscilar a cada dois segundos, e aviso quando vocês puderem subir.
Ele foi para os fundos e desceu a escada que levava ao porão. Nick ficou na porta da cozinha, esperando.
- Você não tomou nem um gole do seu chá, mas já entendi por que o preparou.
Ela ergueu os olhos para ele. - O que há para entender? As luzes piscaram duas vezes e depois se apagaram completamente, mergulhando a cozinha em total escuridão.
- Não se assuste. - A voz dele foi um sussurro tranqüilizador na escuridão.
- Não se preocupe - devolveu ela.
Um clarão iluminou a cozinha por um segundo, e Laurant teve medo de ver um rosto se aproximando na luz acinzentada. Ela estava ficando assustada, sentada na pequena peça onde ele tinha estado.
Deus, como ela queria simplesmente entrar no carro e ir embora. Por quê, por que tinha voltado?
- A voz de Nick deteve seu pânico nascente. - Fazer chá é o seu modo de aliviar a tensão, não é?
Ela se virou na direção dele e tentou enxergá-lo na escuridão. - O que você disse?
- Quando você fica estressada, pára tudo o que está fazendo e prepara uma xícara de chá quente. Fez isso duas vezes em Kansas City enquanto estávamos na casa paroquial, mas você nunca chega a tomar o chá, não é mesmo?
Antes que ela pudesse responder, as luzes voltaram e Joe gritou: - Podem subir!
Nick pegou a mão de Laurant, puxou-a delicadamente da cadeira e não a soltou enquanto atravessavam a casa e subiam a escada. A cada passo que davam na direção do quarto, as batidas do coração dela se aceleravam, até ela ter a impressão que seu peito ia explodir. A porta do armário do corredor estava aberta, mas Laurant não conseguiu ver a câmera.
Nick parou com a mão na maçaneta. - A cena tem que parecer real, entende o que eu quero dizer? Nós queremos provocá-lo, lembra? Isso significa que temos que ser realistas lá dentro, e você tem que agir como se estivesse adorando.
- Você também vai ter que agir como se estivesse adorando - devolveu ela. Deus, estava tão nervosa que sua voz estava começando a falhar.
- Não vou ter qualquer dificuldade. Estou querendo botar as mãos em você há muito tempo. Pronta?
- Tente me acompanhar.
Se ele queria uma sedutora, então era o que ia ter. Ela estava determinada a ter uma atuação digna de um Oscar. Eles tinham o mesmo objetivo em mente, deixar o maluco tão furioso que ele deixasse a cautela de lado e viesse atrás dela, e esperavam que sua fúria o levasse a cometer algum descuido. Era tarde demais para hesitações.
- Ei - sussurrou Nick. - Sorria. - Ele tinha uma expressão irônica no rosto quando acrescentou: - Talvez fosse bom nós praticarmos um pouco antes. Quanto tempo faz que ninguém a atira no chão e lhe dá um bom trato?
- Uns dois dias - mentiu ela. - E você?
- Mais do que isso. Alguma surpresa lá dentro?
- Como assim?
- Ah, não sei, as coisas de sempre que as mulheres gostam de ter por perto. Correntes e chicotes nas paredes, o equipamento padrão passado de mãe para filha.
Ela manteve a expressão séria. - Com que tipo de mulheres você anda saindo?
- Mulheres boas - garantiu ele. - Mulheres muito boas.
Laurant sabia que Nick estava tentando fazê-la rir para espantar seu medo.
Empurrando-o para o lado, ela disse - Desculpe, mas não há surpresas. Toda garota tem que ter seu espelho no teto, não é?
Ele estava rindo quando ela abriu a porta. Laurant entrou primeiro, acendeu a luz e se dirigiu para a cama.
Aquilo acabou sendo mais fácil do que ela imaginara. Simplesmente fingiu que estava desfilando outra vez e, na sua cabeça, a cama era a ponta de uma passarela, e seu trabalho era chegar até lá usando cada parte do seu corpo da maneira mais provocante possível. Ela se moveu com uma graça natural, seus quadris oscilando ao som da música que ela escutava mentalmente.
Nick observava da porta, perplexo com a súbita mudança de Laurant. Ela jogou sensualmente os longos cachos sobre o ombro quando se virou para lhe lançar um olhar lúbrico e convidativo. Quando chegou ao pé da cama de casal, ela se virou e o chamou com um gesto do indicador, e ele teve que lembrar a si mesmo que aquilo não passava de uma encenação. Se olhos podiam arder de paixão, os dela seriam capazes de incendiar a casa.
Ele andou na direção de sua sedutora, mas ela ainda não tinha terminado de chocá-lo. Enquanto ele se aproximava, ela balançou a cabeça, deu um passo para trás e então lentamente começou a desabotoar a própria blusa. Seus olhos o fitavam fixamente, esperando, provocando, chamando.
Ele deixou que ela abrisse a blusa, mas quando Laurant começou a despir-se e ele viu seu sutiã rendado e a curva macia dos seios, tomou-a bruscamente nos braços, impaciente e ansioso. As mãos dele se moveram para sua nuca, e ele enrolou seus cabelos em torno do punho, enquanto sua outra mão pressionava as costas dela, aproximando-os até seus corpos se colarem. Inclinando a cabeça de Laurant para trás, ele lhe deu um beijo longo e profundo.
O encontro entre suas bocas foi eletrizante. Os lábios dela eram tão macios, elásticos, voluntariosos - ela sabia mesmo beijar. Sua boca se abriu sem que ele precisasse insistir, e Nick então cedeu à curiosidade e ao desejo e projetou a língua para a frente para sentir o gosto doce daquela boca. Em resposta, ela enrijeceu o corpo por um segundo ou dois, e então seus braços enlaçaram o pescoço de Nick, correspondendo seu fervor.
Aquele beijo parecia eterno. Em sua mente, ele sabia que era apenas uma encenação, mas seu corpo não era capaz de fazer a distinção, e ele reagiu como qualquer outro homem reagiria nos braços de uma linda mulher.
Ele se desprendeu dos lábios de Laurant e começou a mordiscar sua orelha. - Devagar - sussurrou, ofegante.
- Não - ela respondeu também com um sussurro, e então agarrou seus cabelos, puxando-lhe a cabeça para trás para poder beijá-lo novamente. Quando suas línguas se tocaram, ela sentiu o gemido baixo em sua garganta.
Ela sorriu contra os lábios dele, e então beijou-o novamente com paixão, assumindo o papel da agressora, mas Nick não ia permitir que ela o superasse. Ele abriu o jeans de Laurant e suas mãos se moveram para as costas dela e escorregaram para dentro do tecido. Com as duas mãos, ele a puxou contra si e a fez sentir sua dureza. Chocada, ela abriu os olhos e tentou recuar. Ele não permitiu. Sua boca a dominou, e em segundos seus olhos estavam fechados outra vez, e ela se aninhava em seu peito rijo e quente. Pélvis contra pélvis, num encaixe perfeito, ela esfregava o corpo no dele. O modo como ele a apertava e acariciava com as mãos e a língua a fez esquecer que estavam representando. Ela se apoiou nos ombros dele para não desabar, e devolveu seu beijo com franca disposição.
Na sala escura do outro lado da cidade, o Voyeur assistia tudo. Seu rugido de fúria ecoou pela casa. Tremendo, ele pegou uma luminária, arrancou-a da tomada e a lançou contra a parede de estuque.
A retribuição viria rápido.
Capítulo 21
ELA TEVE DIFICULDADE DE ENCARAR NlCK NA MANHÃ SEGUINTE. ASSIM QUE AS luzes se apagaram naquela noite, ele tinha se afastado bruscamente dela e ido para o corredor desmontar a câmera. Ela agradeceu pela escuridão, porque sabia que estava parecendo aturdida e desorientada, e suas pernas não queriam se firmar. Pensou em se refugiar no banheiro até se recompor, mas aquilo estava fora de questão, então desabou de costas na cama e ficou deitada até seu coração se acalmar e ela conseguir respirar direito.
Nick e Joe entraram no quarto escuro e lhe disseram que descansasse enquanto eles se revezavam como sentinelas. Ela não sabia se Nick tinha conseguido dormir ou pelo menos descansar um pouco. Só o que se lembrava era da exaustão que tomara conta dela.
Acordou ao nascer do sol e vestiu suas roupas de corrida, uma blusinha justa de lycra listrada de azul e branco que mal cobria seu umbigo, shorts azuis, meias grossas e o tênis Reebok branco, gasto mas confortável. Depois de prender os cabelos num rabo-de-cavalo, começou a se alongar.
Nick entrou no quarto quando ela estava saindo do banheiro e, ao ver aqueles trajes, seu coração se acelerou. Cada curva de seu corpo estava evidente. - Puxa, Laurant, o seu irmão sabe que você usa roupas desse tipo?
Ela deixou o corpo cair para a frente e não olhou para ele enquanto respondia: - Não há nada de errado com as minhas roupas. Eu não vou à igreja, vou correr.
- Talvez você devesse colocar uma camiseta para tapar...
- Tapar o quê?
- Seu peito.
A camiseta não iria cobrir aquelas longas pernas torneadas, das quais ele mal conseguia tirar os olhos. - E uma calça comprida - ele murmurou. - Esta é uma cidade pequena. Você vai chocar as pessoas.
- Não vou, não - garantiu ela. - Elas estão acostumadas a me ver correr.
Ele não gostava daquilo, nem um pouco, mas quem era ele para reclamar? Se ela queria se vestir como uma... corredora... o que ele tinha a ver com isso? As roupas que ela usava não eram da sua conta. Mesmo se eles tivessem um relacionamento - o que não tinham, ele acrescentou rapidamente para si mesmo - ainda assim não teria o direito de determinar como ela devia cobrir seu corpo.
Nick já tinha vestido suas roupas de corrida, uma camiseta azul-marinho desbotada, shorts de ginástica, meias brancas e um par de tênis maltratados que já haviam sido brancos um dia. Enquanto alongava as pernas, ele encaixou a arma no coldre do quadril e cobriu-a com a camiseta. Depois pegou um minúsculo fone de ouvido e o fixou dentro da orelha direita, e prendeu um pequeno disco em sua gola, logo acima da clavícula.
Ela estava amarrando um dos tênis quando perguntou: - Para que serve isto?
- É um microfone - respondeu ele. - Nada de conversas picantes hoje, portanto. Wesson vai escutar tudo o que eu disser e, só para que fique registrado, Jules, ainda acho esta idéia péssima.
A voz dentro de seu ouvido devolveu: - Devidamente registrado, Agente Buchanan, e você deve me chamar de senhor, e não Jules.
Nick mexeu os lábios formando a palavra "imbecil" e depois se virou para Laurant. - Está pronta?
- Sim - respondeu ela, e pela primeira vez desde que ele tinha entrado no quarto, olhou-o nos olhos.
- Eu estava pensando quanto tempo isso iria demorar.
Ela não se deu ao trabalho de fingir que não tinha compreendido. - Você notou?
- Agora você ficou vermelha.
- Não fiquei. - Encolhendo os ombros para disfarçar seu embaraço, sua voz se transformou num sussurro para que Wesson não a escutasse: - Acho que não precisamos falar sobre o que aconteceu...
- Não, não precisamos falar nada - concordou ele, e então deu um adorável sorriso torto e acrescentou: - Mas aposto que nós dois vamos passar o dia inteiro pensando naquilo.
Ele estava olhando fixamente para sua boca, e ela baixou os olhos para o chão.
- Vamos lá - ele disse.
Assentindo, ela passou por ele de cabeça baixa. Na escada, Nick disse: - Quero que você fique sempre na minha frente, e não se preocupe, eu vou diminuir o ritmo para acompanhá-la.
Ela riu. - Você vai diminuir o ritmo? Acho difícil.
- Tenho corrido quase todos os dias desde que entrei para o FBI. Nós, agentes, temos que nos manter em ótima forma - disse ele.
- Então por que você me disse que não era corredor?
- Não, eu não disse isso. Eu disse que odiava correr.
- Você disse que fazia mal para os joelhos e que ia reclamar o tempo todo.
- Correr faz mal para os joelhos, e eu realmente pretendo reclamar.
- E quantos quilômetros você corre por dia?
- Mais ou menos uns cento e cinqüenta. Ela riu. - Não me diga!
Joe estava parado na janela da sala, olhando para fora por uma fresta nas cortinas.
- Nick, acho melhor você dar uma olhada nisso. Temos um problema aí fora, e talvez você queria repensar esta corrida de hoje.
Laurant chegou antes dele à janela, espiou para fora e disse: - Está tudo bem. São só os garotos esperando por mim. Nós corremos juntos de manhã.
Nick olhou por cima da cabeça dela e viu sete rapazes espalhados pela calçada em frente à casa e outros dois pulando no mesmo lugar no meio da rua.
- Quem são eles?
- Garotos da escola - respondeu ela.
- E eles correm com você todos os dias? Por que diabos não mencionou-os para mim?
Sua voz soou incrédula e contrariada. - Não se irrite, não é nada de mais. Desculpe, esqueci de mencioná-los. Os garotos são da equipe de atletismo da Escola Secundária de Holy Oaks... bem, alguns são - ela explicou. - E eles na verdade não correm comigo, pelo menos não em torno do lago. Todos eles já estão sem forças quando chegamos ao caminho, e então eles esperam que eu dê toda a volta e...
- E o quê? - exigiu ele. Antes que ela pudesse responder, murmurou: - Wesson, você está ouvindo isso?
- Estou ouvindo em alto e bom som - veio a resposta cheia de estática.
- E o quê? - ele perguntou outra vez. - Eles esperam que você dê toda a volta no lago e depois o quê?
- Voltam correndo comigo, é só. Eles querem se exercitar durante o verão para estarem em forma na volta às aulas.
Nick espiou para fora outra vez e viu mais um garoto chegar correndo e se juntar aos amigos.
- Ah, é, eles são corredores sérios mesmo - ele comentou sarcasticamente. - Especialmente aquele ali comendo uma rosquinha. Ele sem dúvida nenhuma vai para as Olimpíadas.
Joe viu o próprio reflexo no espelho da sala e viu que seus cabelos estavam arrepiados em todas as direções. Ele não tinha se dado ao trabalho de se pentear desde que levantara da cama, ou melhor, do sofá, e tentou ajeitar os fios batendo na cabeça, constrangido, enquanto dizia: - Eu não acredito que algum daqueles garotos tenha saído da cama a esta hora da manhã e vindo até aqui para correr, Laurant. Não, tenho certeza de que correr não está nos planos deles.
- Então o que os fez sair da cama a esta hora da manhã? - ela perguntou, exasperada.
Nick respondeu. - Hormônios, Laurant, hormônios em fúria.
- Ah, pelo amor de Deus. A esta hora da manhã? Garotos desta idade têm muito mais coisas na cabeça além de sexo.
- Não têm, não - argumentou Nick.
Ela olhou para Joe, que assentiu acanhadamente. - Não têm mesmo - ele concordou.
Nick apontou para a janela com o polegar. - Nessa idade, eu não pensava em nada além de sexo.
Joe assentiu. - Vou ter que concordar com Nick de novo - disse. - Era só o que eu tinha na cabeça. Na maior parte do tempo, eu pensava em como ia conseguir, e quando finalmente conseguia, começava a pensar em como conseguir de novo.
Ela não sabia se devia rir ou se zangar. Aquela conversa era ridícula. - Vocês estão dizendo que cada segundo de cada dia era dedicado a isso quando vocês eram adolescentes?
- Exatamente - disse Nick. - De modo que sabemos o que eles estão querendo. Talvez seja melhor eu ir lá fora e ter uma conversinha com eles.
- Não ouse fazer isso.
Nick teve uma idéia melhor: ele ia intimidá-los. Ergueu a camiseta por cima do coldre e prendeu o tecido atrás dele, para que a arma ficasse claramente visível.
- Isso vai desencorajá-los - disse Joe.
Enquanto abria a porta da frente para Laurant, Nick sorriu e disse: - Talvez eu devesse matar um ou dois.
Laurant revirou os olhos ao passar por ele, ignorando sua cara feia. Acenando para o seu séquito, ela atravessou a rua e apresentou Nick aos garotos, dizendo que ele era seu noivo. Todos eles notaram a arma de Nick, é claro, mas apenas relancearam os olhos para ela antes de voltarem toda sua atenção para a exuberância de Laurant, e não pareceram impressionados quando ela explicou que ele trabalhava para o FBI.
Tudo se resumia à lycra versus uma arma carregada, e a lycra venceu.
Nick ficou logo atrás dela enquanto corriam. Os garotos se distribuíram em torno dos dois, revezando-se para tentar puxar conversa com Laurant.
O da rosquinha foi o primeiro a desistir, e outros três o acompanharam sem demora. Laurant gradualmente aumentava o ritmo, suas longas pernas parecendo fazê-la deslizar graciosamente para a frente sem esforço algum. Ela estava certa a respeito da resistência de seu fã-clube. Quando alcançaram a entrada do parque, os dois garotos remanescentes estavam curvados e ofegantes. Nick escutou um deles gemer e sentiu um prazer extraordinário com aquele som.
Laurant adorava esta hora do dia, tão tranqüila e silenciosa. Por uma hora ela se forçava a esquecer todo o resto e concentrar-se somente no percurso. A chuva da noite anterior tinha deixado as folhas úmidas, mas ela sabia que, ao meio-dia, elas já estariam secas outra vez. Uma estiagem havia se abatido sobre lowa, e a grama e os arbustos estavam marrons. Enquanto contornava a curva do lago de águas azuis, a entrada para a reserva estava à sua direita, e depois dela uns bons dez hectares de pradaria marrom que ondulavam na brisa delicada da manhã como o trigo.
Eles passaram pelo chalé do abade, e ela teve a sensação de que o Agente Wesson a estava observando, mas não pode vê-lo porque as persianas estavam fechadas. O píer à direita do chalé estava suspenso muito acima da água, outro sinal de falta de chuva.
O suor já escorria pela sua nuca e entre os seios quando terminou de dar a volta no lago. Ela diminuiu o ritmo e depois parou, curvou o tronco e respirou fundo algumas vezes, escutando Nick ofegar atrás dela.
Ali parados, eles eram alvos fáceis. Ele fez um reconhecimento rápido da floresta densa e dos arbustos altos que os cercavam e se aproximou dela. Sua camiseta estava empapada de suor, e ele limpou a testa com as costas da mão. Ela poderia recuperar o fôlego quando voltassem para casa. - Vamos embora daqui. Andamos ou corremos?
- Corremos.
Os garotos estavam esperando na entrada do parque. Sorrindo como idiotas, eles mais uma vez cercaram Nick e Laurant.
- Frouxos - murmurou Nick enquanto Laurant se despedia deles com um aceno e dava uma última acelerada até a frente da casa.
Depois que a porta se fechou às suas costas, Nick relaxou. - Meu Deus, como é úmido lá fora.
- O que você achou do nosso lago? Não é lindo?
- Eu vi o lago ontem - lembrou ele. - Quando fomos falar com Wesson.
- Mas não é lindo? É um paraíso para os pescadores. Você consegue enxergar os peixes contra o fundo de pedra naquela água límpida.
- É mesmo? Não notei.
Ela estava com as mãos apoiadas nos quadris e ainda ofegava um pouco. - Como você pôde não notar? Para onde estava olhando?
- Para todos os lugares onde o desgraçado pode se esconder. Ele poderia estar observando você do momento em que entramos no parque até sairmos, e eu não teria conseguido vê-lo. Não posso deixar você fazer aquele trajeto outra vez. Está me ouvindo, Wesson? O eldes pode estar escondido em qualquer lugar. É território demais para cobrirmos.
A boca de Laurant secou quando ela tentou falar. - Você acha que ele vai usar uma arma para...
- Ele é mais do tipo íntimo - disse Nick. - Mas pode tentar feri-la para obrigá-la a ir mais devagar.
- Havia outros agentes observando vocês o tempo todo em que estiveram no parque - acrescentou Joe quando Laurant passou por ele a caminho da cozinha para pegar uma garrafa d'água. Ele a seguiu e continuou. - Vocês estavam seguros
Laurant voltou à sala, atirou uma garrafa de Evian para Nick e abriu a sua. Tomou um longo gole e se dirigiu à escada.
- Vou tomar uma ducha.
- Espere - disse Nick subindo os degraus à frente dela. Ele examinou o banheiro para se certificar de que não havia surpresas à espera.
Ele estava sendo excessivamente cauteloso, e ela se sentia grata por isso.
- O.K., pode ir.
- Você pode usar o outro banheiro no fim do corredor - sugeriu ela.
- Vou esperar.
Nick estava sentado na cama falando ao telefone quando ela saiu do banheiro quinze minutos depois. Seus cabelos molhados estavam grudados nas costas e ela estava usando um roupão curto de algodão que já tinha visto dias melhores. Um único olhar para ela o fez perder o fio dos pensamentos. Ele sabia que ela estava nua sob aquele tecido, e teve que se forçar a desviar os olhos para poder se concentrar na conversa.
- Escute, Theo, falamos sobre isso quando eu voltar a Boston, está bem? - Ele desligou e lentamente virou a cabeça para espiá-la com o canto do olho. Observou-a abrir a gaveta da cômoda e tirar de lá duas pequenas peças de renda, e imediatamente teve visões de Laurant vestida com elas.
Controle-se, ele disse a si mesmo. Ela não era para o seu bico, e ele não tinha nada que alimentar fantasias sobre Laurant. Que raio de amigo ele era, desejando a irmã de Tommy?
Mas se recriminar não adiantava nada. Ele a desejava. Era muito simples. Pronto, ele finalmente admitira o óbvio. E agora, o que ia fazer a respeito? Nada, decidiu. Absolutamente nada. Mesmo que ela não fosse a irmã de seu amigo, ele não se envolveria com ela, pois um relacionamento entre os dois seria impossível. Jamais daria certo, e ela acabaria por odiá-lo. Laurant queria o que nunca havia tido, uma família e filhos, muitos filhos, e ele não queria nada daquilo, porque tinha visto horrores demais para se permitir ficar tão vulnerável. Mesmo tendo nascido em uma família de oito irmãos, ele ainda era um solitário, e era assim que gostava de ser.
Ele nunca deveria tê-la beijado. Má idéia, pensou. Ele não estava preparado, não se dera conta de como poderia ser bom. Meu Deus, como ele era arrogante, pensando que seria capaz de se manter distante e profissional. Quando ela o abraçou e ele sentiu seus lábios macios, a noção de profissionalismo voou pela janela, e ele se transformou num daqueles adolescentes pervertidos lá de fora. Só conseguia pensar em cair em cima dela naquela cama.
Talvez Morganstern estivesse certo afinal de contas, e Nick estivesse mesmo próximo demais para esta missão. Mas seu chefe estava se referindo a sua amizade com Tommy. O que Pete iria pensar se soubesse que seu agente estava tendo idéias indecentes a respeito da irmã do amigo? Nick já sabia a resposta: ele iria tirar seu couro.
O telefone tocou outra vez. Nick atendeu, escutou por alguns instantes e depois disse: - Sim, monsenhor. Eu vou dizer a ele. Obrigada pelo aviso.
Laurant estava parada na porta do armário, balançando-se de um pé para o outro enquanto examinava as roupas apertadas no único varão curvado.
Quando Nick desligou, ela perguntou: - Era o Monsenhor McKindry?
- O quê? Ah, sim, era. Tommy deixou sua agenda na cozinha e o monsenhor disse que vai enviar pelo correio.
- Ele disse quando Tommy e Noah saíram de lá?
- Sim - ele respondeu. - Assim que amanheceu. Laurant, pelo amor de Deus, vista alguma coisa.
Ela continuou a procurar um traje adequado enquanto respondia. - Assim que você me der um pouco de privacidade, ficarei feliz em me vestir.
Ele percebeu o constrangimento na sua voz. - O.K., O.K. - disse, sentindo-se um idiota. Dirigindo-se ao chuveiro, acrescentou:
- Não saia do quarto até eu me vestir, e mantenha a porta trancada.
- Joe está lá embaixo.
- Eu sei, mas mesmo assim quero que você espere por mim.
- Sua voz não permitia contestações.
Ele estava tirando a camiseta no banheiro quando ela estendeu o braço por trás de suas costas para pegar o secador e a escova de cabelos no balcão da pia. A mão dela roçou acidentalmente a base de sua espinha, e ele se esquivou como se ela o tivesse queimado com a chapinha.
- Desculpe - ela gaguejou.
Ele suspirou enquanto jogava a camiseta na pia. - Fiz você se sentir constrangida outra vez, não foi?
Eles estavam frente à frente, os pés quase se tocando. Ela apertou o roupão contra o peito com uma das mãos e segurou o secador e a escova com a outra.
- O Sr. Wesson está escutando? - sussurrou ela.
Ele balançou a cabeça. - O transmissor está na cômoda junto com o fone de ouvido.
- Eu não queria ficar constrangida, mas é que nós nos beijamos, e eu sei que fazia parte do plano, mas...
- O quê?
Dando de ombros, ela disse: - As coisas ficaram estranhas de novo. Só isso.
- Nós dois ficamos...
- O quê? - ela sussurrou.
- Excitados.
Ela estava com os olhos baixos até ouvir aquela palavra, e então olhou subitamente para ele.
- Sim, foi isso. O que vamos fazer a respeito?
- Temos que superar isso - sugeriu ele. - Eu sei de uma maneira.
O brilho nos olhos dele deveria tê-la alertado. - Qual? - perguntou ela.
- Tome banho comigo. Isso vai dar um jeito na sua timidez. Ela ficou tão chocada com a sugestão que deu uma gargalhada,
que era exatamente o que ele queria. A tensão desapareceu. O sorriso zombeteiro no rosto de Nick era cômico. - Bem que você gostaria - ela disse, dando meia-volta e saindo do banheiro.
Como o espelho ainda estava embaciado do vapor que enchia o banheiro, Nick pediu que deixasse a porta aberta, e ela esperou até escutar a água do chuveiro -correndo para então se vestir e secar o cabelo. Já que iam sair para comprar um anel de noivado, ela decidiu se arrumar um pouco mais do que o normal, e vestiu uma calça branca com pregas e uma blusa de seda cor de pêssego, e puxou suas alpargatas de algodão branco do fundo do armário.
Nick arrumou a cama enquanto ela secava o cabelo. A colcha estava toda torta quando ele terminou, mas ela achou melhor não criticar seus esforços.
Nick vestiu um jeans e uma camisa pólo branca. Prendeu o coldre de couro no cinto, fixou o disco vermelho por dentro da gola, encaixou o fone de ouvido e enfiou a carteira no bolso de trás.
- O.K., qual é nossa programação? - perguntou ele, após examiná-la de cima abaixo.
- Primeiro tomar o café da manhã, porque eu estou faminta, e depois comprar mantimentos para Joe. Também quero passar na lanchonete para ver se já começaram a instalar o piso. Se puder entrar, vou trabalhar lá a tarde toda.
- E depois a joalheria - sugeriu ele, calçando um par de mocassins de couro.
- Tenho que pegar o vestido do casamento - lembrou-se ela. - E devo passar uma ou duas horas na abadia. Tenho que começar a ajeitar o sótão de uma vez.
Eles passaram a manhã dando voltas, resolvendo coisas simples, tarefas banais que os casais fazem juntos o tempo todo, mas não havia nada de comum na situação dos dois. Ela estava constantemente olhando para trás, mesmo quando estavam dentro do supermercado fazendo compras para Joe. Laurant encontrava uma amiga ou vizinha em quase todos os corredores, e para todas apresentava Nick como seu noivo.
Ele teve uma atuação e tanto. Era atencioso e afetuoso, e de um modo tão natural que ela tinha que lembrar a si mesma que era apenas uma encenação.
Ela só relaxou quando voltaram para o carro, onde se sentia segura. Nick parou no McDonald's para comprar o café-da-manhã e depois tomou o caminho de casa outra vez. Ela ligou o rádio, e eles escutaram Garth Brooks cantando a respeito de um amor perdido e reconquistado.
Ela estava ansiosa para que Nick conhecesse sua lanchonete. Ajudou-o a levar as compras para dentro, deixando-as na sala para que Joe as guardasse, e então voltaram para o carro. Já que eles iam para a abadia depois de comprar o anel de noivado, ele decidiu passar primeiro pela praça.
Ele parou ao lado da fonte para poder enxergar todos os prédios à sua frente. Nenhum deles era um tesouro histórico, mas as estruturas antigas eram charmosas. A maioria das fachadas precisava de reparos, mas nada muito trabalhoso.
- Você percebe no que esse lugar poderia se transformar? - ela perguntou.
- Sim - concordou ele. - Por que alguém ia querer demolir isso tudo?
- Exatamente - disse ela com entusiasmo. - Anos atrás, era aqui que todos os moradores faziam suas compras e se encontravam. Quero que volte a ser assim.
- Mas só reformar as lojas não vai ser suficiente - disse ele. - Tem que haver alguma coisa mais que atraia as pessoas.
- O reitor da faculdade está pensando em transferir a livraria para o prédio da esquina à sua direita. Tem espaço de sobra, e eles já estão apertados no campus. Os alunos teriam que vir até a praça para comprar seus livros.
- Isso ajudaria.
- Sim - concordou ela. - E eles podem vir a pé. O campus fica a apenas duas quadras daqui. Vamos, quero que você veja a minha lanchonete.
O entusiasmo dela o fez sorrir. Ele estacionou no meio do quarteirão, perto da joalheria, e enlaçou sua cintura enquanto caminhavam pela rua.
Ela não pôde exibir a lanchonete como desejava, pois a primeira camada de poliuretano acabara de ser aplicada no piso. Como os vidros estavam cobertos, Nick não pôde sequer espiar para dentro e ver o lindo balcão de mármore. Ele teria que esperar pelo menos quatro dias até que a segunda e a terceira camadas tivessem sido aplicadas e secassem.
Eles seguiram para a Joalheria Russell, e Nick deixou Míriam Russell de queixo caído ao escolher um anel com um diamante de dois quilates, o maior da loja. Mas Laurant o rejeitou, preferindo um diamante marquesa de um quilate e meio que nem precisou ser ajustado. Como o anel serviu perfeitamente no seu dedo, Nick disse que era uma escolha do destino.
Ela estendeu a mão, ondulando os dedos para que a luz fizesse o diamante faiscar, e deslumbrou-se como uma mulher apaixonada. Teve medo de estar exagerando, mas Míriam parecia estar acreditando na encenação, com as mãos entrelaçadas e os olhos brilhando de contentamento.
Quando Nick lhe entregou seu American Express para pagar a jóia, a expressão de Míriam se tornou séria, e ela perguntou a Laurant se podiam ter uma conversa em particular antes de passar o cartão. Ela levou Laurant para os fundos da loja enquanto Nick esperava no balcão. Ele não sabia o que elas estavam discutindo, mas qualquer que fosse o assunto, Laurant ficou embaraçada. Seu rosto ficou vermelho, e ela não parava de balançar a cabeça.
Alguns minutos mais tarde, depois de assinar o boleto do cartão, Nick pegou o anel, colocou-o no dedo de Laurant outra vez e então se curvou para beijá-la. Foi um beijo delicado, carinhoso, que a deixou completamente abalada, e ele teve que puxá-la para que o acompanhasse.
Quando estavam saindo da loja, Míriam exclamou: - Não se esqueça do que eu disse, Lauren. Vou ficar torcendo por você.
Claramente mortificada, Laurant apertou o passo para se afastar da joalheria, mas Nick alcançou-a e perguntou: - O que ela quis dizer com aquilo?
- Nada de importante.
- Ela vai ficar torcendo por você?
- Não é nada de mais, é sério.
- Por favor, Laurant, me conte.
Ela parou na calçada e virou-se para ele. - Está bem, eu vou explicar. Aquela conversinha que tivemos nos fundos foi para me informar sobre a política de devoluções da joalheria Ela acha que eu vou botar o noivado a perder, palavras dela, não minhas. Você já se deu conta de que quando isso terminar e você for embora, a cidade toda vai pensar que eu estraguei tudo mais uma vez. Não tem graça nenhuma, Nick, e você pode parar com esse sorriso irritante.
Ele não foi nada solidário. Rindo, disse: - Você tem uma reputação estranha por aqui. O que exatamente você faz com os homens que tentam se aproximar?
- Nada - exclamou ela. - Eu não faço nada. Eu apenas sou. . seletiva. Existe um pequeno grupo de mulheres nesta cidade que não têm nada melhor para fazer do que fofocar o dia inteiro, e se uma delas por acaso me vê conversando com um homem solteiro, já vai tirando mil conclusões que não têm nada a ver com a realidade Quando eu me dou conta, aquela insuportável Lorna Hamburg está publicando tudo no jornal local. É ridículo - acrescentou. - E quando eu não sou mais vista em público com o mesmo homem, todos concluem que eu "botei tudo a perder" outra vez.
- Ela realmente publica esse tipo de coisas no jornal?
- Ela escreve a página social - explicou Laurant. - São só fofocas e bobagens. Não acontece muita coisa por aqui, e então ela...
- Enfeita um pouco?
- Oh, meu Deus, falando no diabo - sussurrou ela. - Vamos sair daqui. Ande, Nick, ela já nos viu.
Lorna Hamburg avistou-os a um quarteirão de distância e veio correndo. Os cabelos longos, crespos e platinados diminuíam ainda mais seu rosto já miúdo, e os enormes brincos pendurados em seus lóbulos balançavam freneticamente para a frente e para trás com cada passo. Ela carregava uma bolsa com estampa de leopardo do tamanho de uma mala de viagem pendurada no ombro esquerdo, que fazia seu corpo se inclinar para o lado enquanto corria, como um bêbado que não consegue andar em linha reta.
Ela acelerou o passo ainda mais para interceptá-los, e o som de seus sapatos de salto dez parecia o de dentes batendo pela calçada.
- Puxa, como ela corre - comentou Nick.
Quando ela se aproximou deles, Nick não pôde deixar de perceber suas sobrancelhas, ou melhor, a falta delas. Lorna tinha arrancado todos os pêlos e usado um lápis para desenhar uma linha fina logo acima de seus olhos fundos.
Graças à falta de cooperação de Nick em correr, Laurant se viu encurralada.
- Eu pensava que os agentes do FBI tinham que ser rápidos - ela murmurou enquanto aguardava pacientemente para apresentá-lo à mulher que apelidara secretamente de Górgona da Gazeta.
- Mantenha o nosso objetivo em mente. Esta é uma oportunidade de ouro. Agora desfaça essa carranca e faça cara de apaixonada.
Nick foi encantador ao ponto de provocar enjôos, o que só encorajou Lorna a ser mais abusada do que nunca, exigindo uma entrevista ali mesmo. Puxando um caderninho da bolsa, ela quis saber todos os detalhes de como os dois tinham se conhecido.
Depois de quinze segundos, Nick já sabia duas coisas sobre aquela mulher. Um, ela detestava Laurant, e dois, ela o desejava. Não era um auto-elogio arrogante, tampouco uma observação astuta. O modo como ela olhava para ele enquanto passava repetidamente a língua nos lábios era bastante óbvio, além de repugnante.
O nó no estômago de Laurant se apertava cada vez mais à medida em que as perguntas de Lorna se tornavam mais íntimas, mas se desfez quando ela perguntou se os noivos já estavam vivendo como marido e mulher.
- Isso não é da sua conta, Lorna.
Nick apertou seu ombro e disse: - Querida, mostre a Lorna seu anel de noivado.
Laurant estava quase explodindo de raiva quando ergueu a mão e balançou-a em frente ao rosto de Lorna.
- Deve ter custado uma fortuna. Todos na cidade sabem que você trabalha para o FBI - disse ela. - Eu já devo ter recebido uns seis telefonemas a seu respeito. É verdade - ela acrescentou quando ele fez uma careta de dúvida. - É por causa da arma. As pessoas ficaram curiosas, mas são educadas demais para perguntar diretamente a você, é claro.
- Então elas falam pelas costas - aparteou Laurant.
Lorna ignorou seu comentário. - Os agentes do FBI não ganham muito bem, ganham?
- Você está perguntando se eu tenho como pagar o anel? - perguntou Nick.
- Eu não seria tão ousada.
Nick apertou a mão de Laurant. - Eu tenho uma vida confortável. Herança de família - acrescentou.
- Então você é rico?
- Pelo amor de Deus, Lorna. Isso não é da... - Nick pousou sua outra mão no ombro de Laurant e disse gentilmente: - Querida, não se irrite. Lorna só está curiosa.
- Sim - concordou a jornalista. - Curiosa. De onde você é, Nick? Você não se importa que eu o chame de Nick, não é?
- Não, claro que não. Eu vivo em Boston, mas sou de Nathan's Bay.
- Você vai levar Laurant para Boston depois que se casarem?
- Não. Nós vamos morar aqui. Eu viajo muito, mas posso ter minha base em qualquer lugar, e Laurant adora esta cidade. Eu já estou começando a me apaixonar também.
- Mas Laurant não terá que trabalhar depois que vocês se casarem, não é?
- Eu não vou vender a lanchonete, Lorna, pode desistir - ela disparou.
- Você está atrasando o progresso, Laura.
- Azar. - Não foi uma grande resposta, mas foi o melhor que ela pôde fazer no calor do momento. - E acontece que eu quero trabalhar.
- É claro que sim - disse Lorna em tom condescendente.
- Se Laurant quiser, ela vai trabalhar - disse Nick. - Ela é uma mulher moderna e independente, e eu sempre vou incentivar tudo o que ela fizer.
Lorna fechou o caderninho e guardou-o na bolsa. Depois, voltou toda a sua atenção indesejada para Laurant.
- Eu quero acreditar que desta vez vai acontecer, mas honestamente, tenho minhas dúvidas. Não quero ser forçada a publicar mais um desmentido. Eu odeio fazer isso. As pessoas acreditam no que eu publico na coluna, de modo que você pode entender a minha preocupação.
Nick puxou Laurant para mais perto de si.
- Você teve que publicar um desmentido a respeito de Laurant?
- Duas vezes - disse Lorna.
- Isso não tem importância nenhuma - desconsiderou Laurant. - Nós realmente temos que ir. Tenho muito o que fazer esta tarde.
- Tenho certeza de que você notou que Holy Oaks é uma cidade muito pequena - começou Lorna. - Mas eu sou muito importante por aqui. Como editora de sociedade da Gazeta, as pessoas contam comigo para se manterem informadas sobre os últimos acontecimentos da cidade. Elas esperam que eu seja fiel aos fatos, mas sua noiva tornou esta tarefa extremamente difícil. Cheguei ao ponto de simplesmente odiar ter que escrever qualquer coisa sobre ela. É a pura verdade.
- Então não escreva - sugeriu Laurant.
Voltando-se novamente para Nick, Lorna continuou: - Como eu estava lhe dizendo antes de ser grosseiramente interrompida, Laura está sempre mudando de idéia. Mencionei em um de meus artigos que Steve Brenner e Laura estavam namorando sério e que parecia haver um casamento no horizonte, mas fui obrigada a publicar um desmentido
Ela fez uma pausa para sorrir afetadamente para Laurant antes de prosseguir. - Ela me obrigou a fazer isso, você pode imaginar? Minha credibilidade estava em jogo, mas ela não se importou. Insistiu que eu publicasse a retratação assim mesmo.
- Porque não era verdade - disse Laurant, exasperada. - Eu jamais namorei Steve Brenner, e você sabe disso, mas não se preocupou em checar os fatos, não é mesmo, Lorna?
O sotaque francês de Laurant estava se acentuando, uma indicação clara de que ela estava irritada.
- Você precisa me insultar? Eu me preocupo com a veracidade das minhas informações. Publico aquilo que dizem.
- Se bem me lembro, você descreveu meus planos para o casamento.
Laurant estava colocando-a contra a parede, e Lorna não estava gostando nem um pouco daquilo. - Não me lembro de todos os detalhes agora, mas tenho certeza de que devo ter ouvido de fonte segura, ou não teria publicado - murmurou ela, com os lábios apertados de contrariedade.
- Essa fonte seria Steve Brenner? - perguntou Nick.
- Admito que posso ter... exagerado um pouco, para tornar o artigo mais atraente - ela explicou. - Mas certamente não inventei tudo, não importa o que Laura lhe diga. Tenho uma reputação a proteger.
- O que Steve teve a dizer sobre o artigo?
Lorna deu de ombros. - Ele não disse nada a respeito. Você já o conheceu?
- Não, ainda não.
- Você vai gostar dele - previu Lorna. - Todos gostam dele, todos menos ela - disse, apontando para Laurant. - Steve quer melhorar a nossa economia, e fez muitas coisas pela cidade. Sei que ele deve ter ficado tão constrangido quanto eu com o desmentido, mas não disse uma só palavra. Ele jamais faria isso, é claro, pois é um perfeito cavalheiro. Eu não teria publicado a retratação se Lauren não tivesse ameaçado se queixar com o dono do jornal. Ela pode ser uma mulher... muito difícil.
Nós realmente precisamos ir - disse Laurant mais uma vez. Ela já estava farta da pequena Lorna.
Nick não se moveu. - Para sua informação... já que você quer ser fiel aos fatos...
- Sim? - perguntou Lorna, com a caneta a postos.
- O nome dela é Laurant. Laurant, não é Laura nem Lauren. Nós estamos apaixonados - ele acrescentou. - De modo que você não vai ter que se preocupar em publicar outro desmentido. Não é mesmo, querida?
Ao ver que ela não respondera imediatamente, ele apertou seus ombros.
- Sim - disse ela. - Nick me ama, e eu o amo.
Aquele sorriso horrível surgiu no rosto de Lorna outra vez. Era óbvio que ela não acreditava, e subitamente tornou-se imperativo para Laurant convencer aquela mulher desagradável.
- Aconteceu de repente - disse ela, estalando os dedos na frente do nariz de Lorna. - Eu não acreditava em amor à primeira vista, mas então conheci Nick. De início pensei que fosse só uma atração física, não foi, meu bem? Mas depois percebi que era de verdade. Estou loucamente apaixonada por ele.
Os olhinhos de Lorna iam e voltavam entre o sorriso complacente de Nick e a expressão enamorada de Laurant.
- Vou transcrever esta frase. - Ela fez aquilo parecer uma ameaça.
- Ótimo - disse Nick enquanto se virava para voltar ao carro, ainda abraçado à noiva.
Felizmente, ele não tinha estacionado muito longe. Nick abriu a porta para Laurant e depois deu a volta pelo lado do motorista e entrou. Lorna ficou parada na calçada, observando-os com um olhar maldoso.
- Tive a impressão de que a Lorna não gosta muito de você - disse Nick, dando uma olhada na editora de sociedade pelo espelho retrovisor.
- Entendo por que o FBI quis contratá-lo. Você é muito observador.
- Meu artigo vai sair no jornal de domingo - gritou Lorna. - Por favor, tentem continuar apaixonados até lá.
Furiosa porque a mulher não acreditava nela, Laurant apertou o botão para baixar o vidro e se inclinou para fora da janela. - Vou lhe dizer pela última vez, Lorna. Isso é amor de verdade. Do tipo que dura.
Lorna desceu do meio-fio. - É mesmo?
- É mesmo - repetiu Laurant.
- Vocês já marcaram a data do casamento?
Aquilo foi um desafio, e não ficou sem resposta. - Para dizer a verdade, sim - disse ela. - Vamos nos casar no segundo sábado de outubro, às sete da noite.
- Algum motivo para casarem tão rápido? - perguntou ela.
- Nós não queremos um noivado muito longo. Além do mais, já está tudo planejado. Sinceramente, Lorna, todo mundo já sabe. Você deveria ficar mais atenta, não acha? Afinal de contas, é a editora da página de sociedade.
A resposta de Lorna foi uma risadinha de desdém. - Mesmo assim... planejar um casamento em tão pouco tempo. Vocês não precisam se casar, não é? Seria este o motivo da pressa?
- Já chega - disparou Laurant, estendendo a mão para a maçaneta da porta.
Nick agarrou seu braço e travou a porta. Ele estava tentando não rir, mas morrendo de vontade de perguntar o que ela iria fazer se ele a deixasse sair. Teria coragem de bater na pequena Lorna?
Subitamente, Laurant se deu conta de que estava agindo como uma completa lunática, e então se encostou no banco e subiu a janela.
- Ligue o carro, por favor, Quero sair daqui.
Nenhum dos dois disse uma palavra até saírem da praça e tomarem o caminho da abadia. De repente, Laurant explodiu. - Lorna Hamburg é a mulher mais intrometida, fofoqueira e maldosa de Holy Oaks. Eu não a suporto. Ela é cruel e mesquinha, e adora criar problemas. Como ela ousa não acreditar em mim - exclamou ela. - Eu nunca, jamais menti para ela. Jamais. Mas ela não acreditou em mim, acreditou? Você viu a expressão no rosto dela. Ela achou que eu estava mentindo.
Um minuto de silêncio se passou, e então Nick olhou para ela. - Laurant?
- O quê? - perguntou ela, com uma voz absolutamente ríspida. Ele lembrou-a do óbvio. - Você estava mentindo.
- Mas ela não sabia disso, sabia?
- Ao que tudo indica, sim.
- Dirija, Nick. Apenas dirija.
Ele riu. Simplesmente não conseguiu evitar. Ela o ignorou e virou o rosto para a janela enquanto lutava consigo mesma para controlar a raiva.
- Você não está sendo muito lógica - observou ele. - O que vai acontecer quando esta história terminar e eu voltar para Boston? Você vai fazer Lorna publicar outro desmentido, ou vai admitir que mentiu para ela?
- Eu jamais vou admitir que menti. Nunca. Não vou dar àquela mulherzinha vil a satisfação de saber que ela estava certa. Se eu tenho uma reputação horrível com os homens desta cidade, é por causa das mentiras dela.
Ela cruzou os braços e fitou o próprio colo. Sabia que não estava sendo razoável, mas estava zangada demais com a górgona para se importar com isso.
- Lorna não tem ética nenhuma, nem um fiapo sequer. Eu juro que sou capaz de fazer qualquer coisa para não ter que admitir que menti. Até me casar com você - exagerou ela. - E você é um marido totalmente inadequado.
Nick diminuiu a marcha. - O que você quer dizer com isso, inadequado? Qual é o meu problema?
- Você não é confiável. Este é o seu problema. Você anda armado, pelo amor de Deus.
- Eu já disse que faz parte do meu trabalho.
- Exatamente.
- Não há garantias na vida, Laurant, e não existe alguém completamente confiável, pelo menos não do jeito que você pretende. Um motorista de ônibus pode ser assassinado no trabalho.
- É mesmo? E quantos motoristas de ônibus você calcula que se envolvam em tiroteios?
Ele cerrou os dentes. - Eu não conheço muitos agentes do FBI que se metem em tiroteios, como você disse - murmurou ele. - Você está sendo completamente irracional, e sabe disso, não sabe?
Ela aprumou as costas. - Talvez eu não queira ser racional. O que há de errado nisso?
- Deixe ver se eu entendo. Mesmo sabendo que não faz sentido algum, você ainda se casaria comigo só para não dar o braço a torcer a Lorna?
Claro que ela não faria uma coisa daquelas. E claro que não ia admitir isso para o Dr. Sabe-Tudo-Racional. - O que você quer dizer com isso? - perguntou ela.
- Nada. Se você não vê nada de errado, então eu também não vejo.
Ela cruzou os braços e balançou a cabeça num gesto beligerante. - Que bom. Quatorze de outubro... sete da noite... Anote na sua agenda.
Capítulo 22
O QUE É LIXO PARA UNS, PODe SER UM TESOURO PARA OUTROS PELO MENOS era isso o que Laurant esperava enquanto revirava uma dúzia de caixas emboloradas cheias de panos comidos por traças e bugigangas quebradas que alguém tinha guardado no sótão havia mais de cinqüenta anos. Quando decidiu encerrar o dia de trabalho, ela estava coberta de poeira, suas calças brancas estavam cinza e ela espirrava a cada dois segundos por causa do mofo no papelão. Infelizmente, não tinha encontrado nenhum Van Gogh ou Degas valioso esquecido em meio ao lixo e, para dizer a verdade, não encontrara nada que não considerasse velharias inúteis, mas recusava-se a desanimar. Afinal de contas, mal tinha começado o serviço, e havia outras sessenta caixas ainda esperando para serem abertas.
Nick ajudou-a a carregar o lixo por quatro lances de escada no caminho para o carro.
- Nós temos tempo para parar na costureira para apanhar meu vestido? - perguntou ela.
- Sim, se nos apressarmos. Temos que buscar Tommy e Noah daqui a mais ou menos uma hora. É tempo suficiente para tomar uma ducha e mudar de roupa.
Assim que chegaram em casa, ela correu para o segundo andar, passando por Joe que vinha descendo a escada.
- Acabo de fazer uma ronda e está tudo bem trancado - garantiu ele.
Nick estendeu cuidadosamente o vestido sobre a mesa da sala de jantar e foi para a cozinha pegar uma bebida gelada.
Laurant se apressou para ficar pronta. Ela não queria cometer o mesmo erro duas vezes e sair do banheiro enrolada num roupão velho e puído, então reuniu tudo de que iria precisar, incluindo seus sapatos abertos no calcanhar.
Vinte e cinco minutos depois, ela decidiu que estava tão bem quanto poderia ficar. Ela realmente queria marcar presença aquela noite, e por isso decidiu usar o vestido. Ele era curto, preto, tinha lycra suficiente no tecido para realçar os pontos certos, e o decote quadrado elegante apenas sugeria a fartura de seu colo. Ela o usara uma única vez desde a mudança para Holy Oaks, quando convidara Michelle e Christopher para jantar para comemorarem o noivado dos dois. Michelle tinha apelidado o vestido de "o matador", dizendo que era indecentemente decente, e afirmara que era a peça mais sensual que Laurant possuía. Christopher fora muito enfático ao concordar.
Laurant parou na frente do espelho para se admirar. Ela tinha até mesmo alisado os cabelos, mas como estava muito destreinada, havia queimado uma das orelhas com a chapinha. Fitou seu reflexo e perguntou a si mesma por que estava tendo tanto trabalho para ficar bonita? Ela não era uma adolescente na excitação do primeiro amor, mas certamente estava agindo como se fosse.
Meu Deus, ela estaria se apaixonando por ele? A possibilidade fez um arrepio percorrer sua espinha. Quando este caso fosse encerrado, ele iria embora.
- Isso é loucura - sussurrou ela, batendo com a escova de cabelos no balcão. Ela tinha uma atração boba pelo melhor amigo do seu irmão. Isso era tudo.
Seu ego levou uma rasteira quando Nick entrou no quarto e mal a notou. Após uma rápida olhada - provavelmente para se certificar que ela tinha calçado os sapatos nos pés certos - ele disse que Pete estava no telefone e, quando terminasse de falar com Joe, queria conversar com ela. Sua voz parecia tensa, e ela perguntou o que o estava preocupando.
Ele estava olhando por cima da cabeça dela. - Nada de importante - disse ele. - Ele só quer saber como você está indo.
Nick sentiu uma lufada do seu perfume quando passou por ela a caminho do banheiro e fingiu não notar, assim como fingira não perceber que ela estava incrivelmente sensual com aquele vestido preto justo. Mas só até fechar a porta. Então se apoiou na pia, baixou a cabeça e sussurrou para si mesmo: - Droga, eu vou ter problemas.
Eles se atrasaram quinze minutos para buscar Noah e Tommy. Nick deu a volta na abadia e estacionou perto da porta dos fundos. Laurant e ele estavam descendo do carro quando Tommy apareceu na porta e desceu correndo os degraus. Noah não estava à vista.
Ele abraçou Laurant. - Você está bem?
- Estou ótima - garantiu ela.
- Volte para o carro. - Ele soltou-a, abriu a porta e tentou empurrá-la para dentro com óbvia ansiedade. - Nick, esta foi uma má idéia.
- Onde está Noah? - perguntou Nick. Ele esperou Tommy se acomodar no banco traseiro e então voltou para trás do volante.
- Ele está vindo - disse Tommy. - Por que nós não compramos algo para viagem e vamos comer na casa de Laurant? Não me agrada a idéia dela sair em público. É perigoso.
Ela girou o corpo para poder olhar no rosto do irmão. - Tommy, eu não posso ficar trancada em casa.
- Não vejo por quê não.
- O plano é nós sermos vistos, lembra?
- Eu sei qual é o plano - disparou ele. - Incitar o louco a vir atrás de você.
- Ele vai vir atrás dela de qualquer maneira - disse Nick calmamente. - Mas nós preferimos que isso aconteça o mais rápido possível, estaremos prontos para lidar com ele.
- Como eu já disse, este plano é ruim. As coisas podem dar errado.
Laurant interrompeu-o. - Você sabia que há vários agentes nos observando neste exato momento? - Ela não sabia se isso era ou não verdade, mas estava tentando acalmar o irmão.
- Onde eles estão? - perguntou ele, esticando o pescoço para enxergar mais longe.
- Eles não querem ser vistos - disse ela, soando como uma policial.
Com isso, Tommy pareceu relaxar um pouco. - Então está bem. Oh, droga, esqueci minha carteira.
- Você devia esperar para dizer isso depois que a conta chegar - brincou Nick.
- Só vou levar um minuto.
Laurant observou o irmão subir os degraus correndo e desaparecer na abadia. - Ele está mais nervoso do que em Kansas City.
- É compreensível.
Tommy retornou um minuto depois e desceu dois degraus de cada vez com seu passo largo. Noah vinha logo atrás, e quando Nick e Laurant viram o que ele estava vestindo, Nick começou a rir primeiro, mas ela logo se juntou a ele.
Noah estava vestido como um padre, com um terno preto, camisa clerical preta e colarinho romano branco.
- Ele vai para o inferno sem escalas - disse Nick.
Ela teve que desviar o olhar para conseguir parar de rir. - Você acha que ele está armado? - perguntou.
- Ele tem que andar armado - disse Nick.
- O tempo todo?
- O tempo todo - respondeu ele.
Noah sequer cumprimentou-os. Ele estava determinado a fazer Tommy concordar com ele quanto a um assunto sobre o qual os dois obviamente estavam discutindo.
- Eu estou dizendo que isso não é normal.
- Talvez não para você - respondeu Tommy.
Noah foi categórico: - Para homem nenhum.
Nick adivinhou o motivo da discussão. - O celibato, certo?
- Certo - respondeu Noah. - Esta história dos padres nunca poderem fazer sexo... isso não está certo.
Nick riu. Tommy balançou a cabeça e então tentou mudar de assunto. - Onde vamos comer?
Mas Noah não queria deixar a questão de lado. Ele parecia incapaz de aceitar a regra do celibato. - Não é saudável - disse ele. - Você nem nota todas as mulheres que dão em cima de você, não é?
A paciência de Tommy estava se esgotando. - Sim, eu noto - disse ele. - Noto e ignoro.
- É isso que eu quero dizer. Simplesmente não é... - Tommy interrompeu-o. - Sim, eu sei. Não é normal. Agora esqueça isso, Noah.
Noah decidiu satisfazê-lo. - Puxa, Laurant, o seu perfume é uma delícia. Ou é o seu, Nick? - brincou ele.
Antes que qualquer um deles pudesse responder, Noah disse: - Você notou o número anormal de furgões nesta cidade? Eles estão por toda parte. Imagino que Wesson esteja verificando as placas, não?
A pergunta encerrou o clima de brincadeira, e a conversa se tornou séria.
- Liguei para ele hoje cedo para saber se havia novidades. Também imaginei que ele já tivesse verificado as placas dos carros dos trabalhadores que estão no quarteirão de Laurant, mas Wesson não quis me contar nada.
- O que ele disse?
- "Estou fazendo o meu trabalho" foram as palavras exatas. Noah suspirou. - Quer dizer que nós somos os coadjuvantes?
Ele vai nos deixar de fora.
- Ao que tudo indica.
- Ele que tente. Eu não vou trabalhar com os olhos vendados.
Tommy começou a crivar Nick de perguntas e sugestões, e quando estacionaram atrás do Restaurante Rosebriar, Laurant já tinha perdido o apetite.
Noah agarrou o braço de Tommy quando este tentou sair do carro. - Escute aqui, padre. Fique perto de mim. Se você sair correndo outra vez, eu mesmo vou lhe dar um tiro.
- O.K., tudo bem. Não vai acontecer de novo.
Noah sorriu, recuperando o bom humor. Tommy saiu do carro e abriu a porta para Laurant, que girou as pernas para fora e ficou em pé, puxando a saia para baixo, constrangida.
Noah deu um assobio de aprovação. - Você tem uma bela irmã, Tommy.
- Não é apropriado a um padre ficar assobiando para mulheres bonitas.
Noah olhou para Nick. - Ele não pára de me criticar desde que eu vesti este colarinho. Estou tentando ser paciente e prestativo, mas ele está dificultando as coisas.
Tommy estava alguns passos na frente com Laurant, com a cabeça inclinada para ela enquanto conversavam, e Nick ficou para trás com Noah.
- Prestativo de que forma? - perguntou ele.
Noah deu de ombros. - Eu me ofereci para ouvir as confissões no lugar de um outro padre, mas Tom ficou zangado e não deixou.
Tommy virou a cabeça e lançou um olhar irritado para trás quando escutou o comentário. - É óbvio que eu não deixei.
- Seu amigo leva a sério esta coisa de ser padre.
- Todos os padres devem levar seu trabalho a sério - disse Nick. - Eu deveria ter avisado Tommy sobre o seu senso de humor cretino.
- Ele é fácil de irritar.
- Porque você sabe quais são seus pontos fracos.
- E Laurant?
- O que tem ela?
Noah piscou. - Você não anda explorando os pontos fracos dela? Eu notei o seu jeito de olhar para ela.
- Ela é proibida. Espere aqui, Tommy - ele chamou. - Deixe um de nós entrar primeiro.
- Proibida para você ou para mim?
- Para nós dois. Ela não é o tipo de mulher com quem se brinca, a menos que você tenha assumido um compromisso.
O caminho de pedras fazia uma curva em torno do restaurante.
: Noah passou à frente de Tommy e Laurant enquanto Nick os seguia.
Os dois agentes estavam fazendo um reconhecimento do local.
Vasos de terracota cheios de gerânios vermelhos e brancos ladeavam o caminho até a porta. O Rosebriar era uma antiga casa vitoriana esparramada que fora transformada em restaurante. O salão era suntuosamente decorado com vasos de cristal cheios de flores e as mesas eram cobertas com toalhas de linho branco, e a louça parecia ser antiga e cara.
A sala para a qual eles foram levados ficava nos fundos da casa, com vista para um pequeno lago com patos e muitas árvores. A recepcionista lhes ofereceu uma mesa redonda em frente à janela, de onde poderiam apreciar a vista, mas Noah preferiu que sentassem em uma mesa no canto.
As mesas estavam quase todas ocupadas, e ouviam-se risos e o burburinho das conversas de várias famílias que jantavam com seus filhos. Enquanto eles seguiam em fila para a mesa do canto, as cabeças se viravam para observar Laurant. Até mesmo as crianças pareciam fascinadas com ela, que, no entanto, permanecia indiferente aos olhares de admiração dos homens do restaurante.
O garçom puxou a mesa para que Laurant pudesse sentar junto à parede, com Nick ao seu lado. Noah e Tommy ficaram de frente para os dois, mas Noah não gostou de dar de costas para o salão e girou um pouco sua cadeira para poder enxergar os outros clientes. Ele começou a tirar o paletó, lembrou que a arma iria aparecer e puxou o casaco por cima dos ombros outra vez.
Tommy não conseguia ficar quieto. A cada dois segundos, ele se virava para olhar em torno do salão, e sua cabeça dava um salto cada vez que se ouvia uma risada das outras mesas.
- Acalme-se e tente relaxar - ordenou Noah. - Você está chamando atenção se remexendo na cadeira desse jeito. E pare de olhar para as outras pessoas. Você não conhece a maioria delas?
Tommy balançou a cabeça. - Não, não conheço. É por isso que estou olhando para elas.
- Deixe que nós olhemos - sugeriu Nick. - Agora entre no clima, O.K.?
- Acho que você devia tentar sorrir, Tommy - Laurant sussurrou. - Nós estamos aqui para comemorar.
- Vou pedir uma garrafa de champanhe - disse Nick
- O que estamos comemorando? - perguntou Noah. Laurant ergueu a mão e mostrou o anel. - Nick e eu noivamos oficialmente.
Aquilo fez Tommy sorrir. - Então é por isso que você se enfeitou tanto
- Eu não estou enfeitada
- E está usando maquiagem também, não está? Você nunca usa maquiagem.
Ela sabia que seu irmão não estava tentando constrangê-la deliberadamente, mas mesmo assim queria chutá-lo por debaixo da mesa para fazê-lo parar.
- Seu cabelo está diferente.
- Eu alisei meus cachos, está bem? Francamente, não é nada de mais E, a propósito, se alguém perguntar, você está felicíssimo porque eu vou me casar com seu melhor amigo.
- O.K. - disse ele.
- Para dizer a verdade, talvez eu tenha mesmo que me casar com a sua irmã - disse Nick com um sorriso.
- Como assim?
- Ela encontrou uma amiga.
- Lorna não é minha amiga.
Nick assentiu. - E Laurant se declarou disposta a fazer qualquer coisa para evitar que Lorna diga "eu não disse?".
Tommy riu. - Lorna sempre deu nos nervos de Laurant. Acho que você vai mesmo ter que se casar com ela.
Ele se recostou na cadeira. Seu olhar pulou de Laurant para Nick, e depois de volta à irmã, e ele disse: - Sabe, isso não seria nada mal. Vocês dois até poderiam dar certo.
- Ela não quer se casar comigo. Eu não sou confiável o bastante para ela.
- O casamento será às sete da noite do segundo sábado de outubro, e você vai celebrar a cerimônia - disse Laurant. - Eu sei que Lorna vai vir falar com você, então faça uma cara feliz e não se esqueça da data.
- Certo, certo, o segundo sábado de outubro - concordou ele. - Não vou me esquecer. Mas quando isso tudo terminar, você vai ter que contar a verdade a Lorna.
Laurant sacudiu a cabeça com veemência. - Prefiro me mudar daqui.
- Achei que você ia se casar comigo para não dar o braço a torcer.
Ela deu de ombros. - Acho que eu até faria isso.
- O casamento é um sacramento sagrado - lembrou Tommy.
- Relaxe, Tommy - sugeriu Laurant. - Participe do nosso espetáculo.
- Em outras palavras, minta, certo? Ela sorriu. - Certo.
- O.K., mas deixe eu lhe fazer uma pergunta. Se eu vou celebrar o casamento, quem vai entrar na igreja com você?
- Eu não tinha pensado nisso - ela admitiu.
- Eu tenho uma idéia - disse Noah. - Que tal eu celebrar a cerimônia e você, Tom, entrar com sua irmã na igreja?
- É um bom plano - disse Nick.
Tommy parecia exasperado. - O.K., Noah, vamos recordar as regras mais uma vez. Você não é padre de verdade. Está apenas fingindo ser, e isso significa que não pode casar ninguém, não pode ouvir confissões e não pode namorar.
Noah riu, atraindo olhares das outras mesas. - Puxa, não é preciso muita coisa para tirar você do sério. Nós estamos fingindo que Nick e Laurant vão se casar, não estamos? Então eu estou fingindo que vou celebrar o casamento.
Tommy olhou para Nick. - Por favor, me ajude. O abade está se arriscando por Noah. Pete falou com ele e o convenceu a aceitar este plano. Ele concordou em dizer a todo mundo que Wesson é seu primo, e a deixá-lo ficar no chalé. O homem está sendo muito tolerante - acrescentou. - Mas nós não gostamos de pessoas se fazendo passar por padres, e Noah prometeu que não iria fazer nada que nos desacreditasse. Cinco minutos depois de sairmos do escritório do abade, seu amigo estava piscando para Suzie Johnson e a chamando de meu bem.
- Eu estou fingindo ser um padre simpático - explicou Noah.
- E ainda acho que os padres deveriam ter um dia de folga por semana para... - Tommy o deteve. - Sim, eu já sei. Um dia de folga para fazerem sexo. Não é assim que funciona.
O telefone de Nick tocou. Ele escutou por alguns segundos e depois disse: - Sim, senhor - e desligou.
- O xerife acaba de sair de um Ford Explorer vermelho novo. Está vindo nesta direção.
- Ele está sozinho? - perguntou Noah.
- Parece que sim.
- O clube dos caçadores faz suas reuniões semanais aqui - explicou Laurant. - Os outros provavelmente estão no segundo andar em uma das salas menores.
- Steve Brenner é membro deste clube?
- Acho que sim - respondeu ela.
- Talvez depois de comermos eu vá lá em cima cumprimentá-los - disse Nick. - Eu adoraria conhecer o bom e velho Steve.
Um minuto depois, o xerife surgiu na porta. Usando seu uniforme cinza e botas de caubói, ele não se deu ao trabalho de remover o chapéu quando entrou no restaurante. Nick viu a recepcionista pegar um cardápio e acompanhar Lloyd ao segundo andar.
- Este Brenner é o talentoso de Holy Oaks, não é? - perguntou Noah.
- É o que parece - disse Nick.
- O que você quer dizer com talentoso? - perguntou Tommy.
- O sujeito que tenta mandar na cidade. O valentão - explicou Noah. - Sempre existe pelo menos um deles em cada cidade deste tamanho.
- É exatamente isso - disse Tommy. - Ele está tentando mandar na cidade, e minha irmã é a única pessoa disposta a enfrentá-lo. - Ele notou que Laurant estava admirando seu anel e sorriu. - Eu não me apegaria demais a ele, Laurant.
- Eu estou interpretando um papel, Tommy - sussurrou ela.
- Mas o anel é lindo, não é? Eu não fazia idéia que Russel vendesse tantas coisas bonitas. - Ela começou a imaginar como seria estar casada com Nick. Saber que quando ela acordasse todas as manhãs ele estaria lá. Ser amada por... - Qual é política da loja para devoluções? - perguntou Tommy, prático até os ossos.
Ela descansou a mão no colo outra vez. - Normalmente são dez dias, mas a Sra. Russell está abrindo uma exceção para mim, e vai me dar trinta dias. Sabe o que ela me disse? "Dado o seu triste histórico com os homens, querida, vou lhe dar um mês inteiro para mudar de idéia".
Tommy riu. - Minha irmã tem a reputação de assustar os homens desta cidade.
- Graças a todas as mentiras que Lorna publica no jornal sobre mim.
- Seja honesta, Laurant. Você assusta os homens, mas que . » fique claro que acho isso ótimo. Mantém os tarados longe de você.
Tommy olhou por cima do ombro mais uma vez quando escutou uma comoção atrás de si, e depois sorriu.
- Aquele é Frank Hamilton, o treinador de futebol americano do ginásio, e os outros dois são seus assistentes. Eles sempre quiseram conhecê-lo, Nick. Vamos lá, vamos cumprimentá-los antes que subam.
- Como eles conhecem Nick? - perguntou Laurant.
- Pelo retrospectiva de futebol que o canal esportivo passa umas duas vezes por ano.
- Droga - murmurou Nick. Ele jogou o guardanapo sobre a mesa e seguiu Tommy.
- Nick jamais vai se livrar daquele jogo, mas odeia toda esta festa em torno dele.
- O que exatamente aconteceu durante o jogo?
- Você nunca viu a fita?
Ela balançou a cabeça. - Não, e Tommy nunca a mencionou.
- Nick marcou o ponto da vitória.
- Que bom.
Noah riu. - Não foi só isso. Nick pegou um passe curto e saiu ziguezagueando pela defesa, o que sabia fazer muito bem. Ele deixava os zagueiros tontos, e por isso o apelidaram de Ligeirinho - explicou ele. - Ele tinha virado a cabeça, e estava olhando para o alto do muro de cimento que circundava o campo. Quando você vir a fita, vai escutar o narrador perguntando "Para o quê o 82 está olhando?" Esse era o número de Nick - acrescentou. - Então, enquanto uma câmera
estava focalizando Nick, havia outra passeando pela arquibancada para descobrir o que tinha chamado sua atenção, e depois do fim do jogo, eles juntaram as imagens das duas fitas.
Ele fez uma pausa para tomar um gole de água antes de continuar. - Havia um sujeito debruçado sobre o muro, berrando como todos os outros torcedores. Acontece que ele estava muito bêbado, e estava segurando uma lata de cerveja com uma das mãos e uma criança pequena com a outra. A criança estava sentada no muro, com as perninhas balançando para o lado do campo, você pode acreditar numa estupidez destas? - perguntou ele. - Mas, como eu disse, ele estava bêbado.
- Ele deixou cair a criança?
- Claro que sim, mas Nick estava de olho. Mais tarde, ele me disse que, enquanto estava correndo, viu o homem apanhar a criança uma vez, mas depois não a tirou dali. Ele só a agarrou e deixou que seu corpo continuasse meio pendurado para o outro lado do muro. Nick estava correndo como se fosse tirar o pai da forca neste momento, e não havia ninguém no seu encalço. Ele marcou o ponto, mas continuou correndo, porque queria ficar parado embaixo do muro até alguém obrigar o homem a tirar a criança dali, mas quando estava a uns três metros de distância, o sujeito se distraiu e ela caiu. A queda a teria matado, mas Nick a pegou e, por Deus, foi uma cena bonita.
A história a deixou pasma. Ela pensou em uma centena de perguntas que gostaria de fazer, mas Noah continuou, dizendo: - Depois do jogo, Nick foi suspenso.
- O quê?
- É verdade - insistiu ele. - Depois que o jogo terminou, o pai foi ao vestiário com um dos cinegrafistas. Ainda estava bêbado, e um dos rapazes me contou que ele estava adorando tanta atenção. Ele queria agradecer a Nick por ter salvo seu filho, mas assim que Nick o viu, caiu de socos em cima dele. Ele nocauteou o sujeito.
- E por isso foi suspenso?
- Sim, mas não por muito tempo. A indignação do público influenciou o treinador, que provavelmente nem queria mesmo suspender seu melhor jogador. Eu entendo perfeitamente por que Nick fez aquilo. Ele não queria escutar as desculpas do bêbado.
O garçom apareceu e colocou uma cesta de pães entre os dois. Noah pegou um enquanto dizia: - O.K., agora é sua vez. Conte alguma coisa.
- O que você quer saber?
- Por que Tommy morou com a família de Nick quando era criança?
- Meu pai estava abrindo um escritório em Boston e tinha vindo procurar uma casa. Trouxe Tommy com ele para matriculá-lo na escola, para que ele não perdesse o ano. Eu era apenas um bebê naquela época, e fiquei com a nossa mãe. Ela ia terminar de empacotar a mudança e então viríamos encontrar os dois. Mas então tudo mudou. Papai morreu em um acidente de carro e, por algum tempo, Tommy ficou com as empregadas. Mamãe não conseguia aceitar a perda. Tommy devia ficar em Boston só até o fim do ano letivo, e ela deveria ter vindo ficar com ele, mas não tinha estabilidade bastante para ir a lugar nenhum. Meu avô disse que ela estava bebendo muito e tomando remédios. Alguns eram para dormir, outros para acordar. Ela morreu de overdose.
- Suicídio?
- Eu acho que sim, mas meu avô disse que foi uma combinação de álcool e pílulas para dormir. Ele queria acreditar que tinha sido um acidente.
- É uma combinação mortal.
Ela assentiu. - Depois que ela morreu, meu avô teve que tomar conta de mim e de Tommy. Ele queria fazer a coisa certa, e sabia que Tommy estava feliz em Boston. Um dia, o Juiz Buchanan lhe telefonou sem mais nem menos e sugeriu que Tommy morasse com sua família até as coisas se acomodarem. Nick e ele já tinham se tornado grandes amigos, e Tommy passava a maior parte do tempo com a família de qualquer maneira. O juiz sabe ser muito persuasivo. Como mamãe, meu avô achou que seria apenas por algum tempo, mas então ele morreu.
- E Tommy acabou ficando onde estava.
- Sim.
- E você?
Ela ergueu os ombros. - Fui colocada num internato. Depois que me formei na faculdade, fui para Paris estudar arte durante um ano, depois vim para os Estados Unidos e arranjei um emprego em Chicago. Morei lá por nove meses, e depois me mudei para Holy Oaks. Não há nada de muito interessante na minha história.
- Você levou a pior, não foi? Tommy teve uma família enorme e carinhosa, mas você não teve ninguém.
- Eu fui feliz.
- Você não podia ser feliz deste jeito.
- Aí vem eles - disse ela. - Não quero falar mais sobre isso, está bem?
- Claro.
Nick deu uma risadinha ao se sentar. - Qual é a graça? - perguntou Noah.
Ele olhou para Laurant antes de responder. - Os homens da cidade deram um apelido a Laurant.
- É mesmo? Como eles a chamam? - perguntou Noah.
- Mulher de Gelo, ou simplesmente Gelo - disse Tommy. Os três riram, mas Laurant não achou graça nenhuma. - Você é um linguarudo, Tommy.
- Ei, foi ele quem perguntou.
Ela lhe lançou um olhar que deixava claro que o irmão iria ouvir poucas e boas mais tarde. Nick chamou sua atenção ao aproximar-se dela e sussurrar no seu ouvido: - Você não beija como uma mulher de gelo.
O garçom apareceu para anotar seus pedidos, mas assim que se afastou, os homens voltaram a provocá-la. Quando decidiu que já tinha agüentado o bastante, Laurant declarou - Ouvi dizer que o time da Universidade da Pennsylvania vai ter dificuldades neste campeonato. Eles perderam seu principal zagueiro.
Ela não tinha escutado nada daquilo, é claro, mas isso não importava. Assim que pronunciou a palavra campeonato, os três entraram automaticamente em modo esporte. Era fácil como roubar doce de uma criança. Ela se recostou na cadeira e sorriu complacentemente.
Nick e Tommy tinham jogado futebol americano quando eram estudantes, e Noah, ao que parecia, tinha sido atacante da Universidade de Michigan, de modo que todos se consideravam autoridades no assunto. Durante o jantar, eles discutiram as escalações e a ignoraram quase completamente, o que não poderia tê-la deixado mais feliz.
Na saída do restaurante, uma família de seis pessoas chamou Tommy para sua mesa, e Noah ficou com ele enquanto Nick e Laurant se dirigiam para o carro.
Lonnie estava esperando por eles. Seu Chevy Nova entrou no estacionamento dando um cavalo-de-pau e parou guinchando os freios há apenas alguns metros dos dois. Nick empurrou Laurant no meio de dois carros estacionados e parou na frente dela, esperando para ver o que o motorista ia fazer.
Lonnie não estava sozinho. Havia outros três no carro com ele, todos da pequena cidade de Nugent, ao lado de Holy Oaks, e todos fichados como delinqüentes juvenis. Sempre que Lonnie tinha um serviço importante a fazer para Steve Brenner, dava um jeito de incluir seus amigos. Ele lhes dava apenas uma ninharia do dinheiro que Steve pagava, mas eles eram burros demais para pensar que ele fosse enganá-los. Além do mais, eles estavam nessa por diversão, não por dinheiro, e Lonnie tinha outra razão para envolvê-los. Se as coisas dessem errado, eles pagariam o pato, pois o inútil do seu pai teria que liberá-lo. O que as pessoas iam pensar se o filho do xerife fosse preso? Sua posição social na cidade era tudo para ele, e Lonnie achava que podia se safar de qualquer coisa desde que tomasse cuidado.
Steve tinha dito a Lonnie que Laurant e seu namorado estavam dirigindo um Explorer, e eles tinham parado ao lado de um Ford Explorer vermelho novo em folha. Steve não havia dito nada a respeito de Nick, apenas que ele afirmava ser o noivo de Laurant. Como ele planejava se casar com ela, Lonnie tinha que dar um susto em Nick. - Bote-o para fora da cidade - ordenara Steve, e Lonnie, salivando ao ver o bolo de notas que ele balançava na sua frente, prometera fazer exatamente aquilo.
- É o filho do xerife, Lonnie - sussurrou Laurant. - O que será que ele quer?
- Parece que vamos ficar sabendo logo - respondeu Nick, e então gritou: - Ei, garoto, tire o seu carro do caminho.
Lonnie deixou o motor ligado enquanto abria a porta e saltava do carro. Ele era alto e desajeitado e tinha o rosto marcado de acne. Seus lábios finos desapareciam numa careta permanente de escárnio, e os cabelos longos caíam sobre seu rosto em mechas gordurosas. Nick calculou que ele deveria ter dezoito ou dezenove anos.
Aquele ali já era uma causa perdida. Podia-se ver em seus olhos.
- Vamos começar pelo carro - Lonnie disse a seus amigos. - Detonem. - Ele sacou um canivete do bolso das calças e, cheio de empáfia, anunciou aos amigos: - Eu vou fazer este cara da cidade grande se borrar todo. Observem e aprendam. - Ele abriu a lâmina suja enquanto avançava lentamente. - Laura, você vai voltar para casa conosco, porque o carro do seu namorado vai estar imprestável quando eu tiver acabado com ele.
Nick riu. - Não era a resposta que Lonnie tinha antecipado. - Está rindo de quê, palhaço?
- De você - respondeu Nick. Com o canto do olho, ele viu Noah empurrar Tommy para trás de si e descer correndo os degraus na direção deles, e então gritou: - Ei, Noah, o valentão da cidade quer detonar o carro novo.
- Mas este.. - começou Tommy.
- É claro que sim - interrompeu Nick.
- Lonnie, o que você pensa que está fazendo? Guarde esta faca - ordenou Tommy.
- Eu tenho uns assuntos para tratar com Laurant - disse Lonnie.
- Você e o outro padre podem voltar para dentro.
- Este cara é burro ou o quê? - perguntou Noah, incrédulo.
- Estou começando a pensar que é - disse Nick, ao mesmo tempo em que abria discretamente a o botão que prendia sua arma no coldre.
Furioso por estar sendo ridicularizado na frente dos amigos, Lonnie se abaixou e enfiou a lâmina no pneu dianteiro esquerdo, sorrindo ao ouvir o chiado do ar que saía.
- Ainda me acha burro?
- Graças a Deus nós temos um estepe - exclamou Noah. Ele estava ocupado mantendo Tommy atrás de si e tentando ficar de olho nos três idiotas ao mesmo tempo.
Lonnie reagiu exatamente da maneira que Noah esperava, furando o outro pneu. Seus amigos davam gargalhadas, e aquilo o incentivou a continuar. Ele fez um risco irregular no pára-choque e depois fez o mesmo com o capo, então deu um passo para trás para observar sua obra. - Agora como é que vocês vão chegar em casa? - provocou ele.
Nick deu de ombros. - Acho que vou com o meu carro.
- Com dois pneus furados?
Nick sorriu. - Este não é o meu carro.
Lonnie piscou. Nick deu um passo na direção dele e gritou: - Noah, talvez fosse melhor você entrar e chamar o xerife. Ele vai gostar de saber o que seu filho aprontou com o carro novo dele.
- Merda! - exclamou Lonnie.
- Largue a faca - ele ordenou. - Não piore ainda mais as coisas. Você destruiu uma propriedade privada, e ameaçar um agente... - Ele estava prestes a dizer a Lonnie que era do FBI, mas não teve esta chance.
- Ninguém me faz de bobo - rosnou Lonnie.
- Você fez isso sozinho - retrucou Nick. - Agora largue a faca. É meu último aviso.
Lonnie arremeteu para cima de Nick, berrando: - Eu vou cortar você em pedacinhos, seu filho da puta!
A ameaça não fez efeito. - Vamos ver - disse Nick, acertando-o no joelho e arrancando a faca da sua mão. Depois ele a jogou no chão e empurrou Lonnie contra o carro, fazendo o alarme disparar.
Tudo aconteceu tão rápido que Laurant não teve tempo sequer de piscar. Lonnie estava curvado sobre o capo, gritando de dor. Ela viu a faca e deu um passo para trás para poder chutá-la para debaixo do carro.
No segundo em que o alarme disparou, os amigos de Lonnie correram para seu carro e se empilharam no banco da frente. Nick largou Lonnie e observou-o deslizar para o chão.
- Seu filho da puta. Eu vou...
- Ora, veja, aí vem o papai - disse Nick alegremente.
O xerife estava correndo na direção deles com a grande pança saltando para cima e para baixo. Enquanto isso, os três garotos no carro tentavam freneticamente encontrar as chaves. Noah foi até o lado do motorista e disse: - Estão procurando por isso?
- Nós não fizemos nada. Foi tudo idéia do Lonnie.
- Cale a boca, Ricky - gritou um dos rapazes.
- Saiam do carro - ordenou Noah. - Saiam devagar e deixem as mãos onde eu possa vê-las. - Ele não queria estragar seu disfarce, mas estava com a mão no cabo de sua Glock para o caso de um deles puxar uma arma.
O xerife parecia que ia explodir em lágrimas. - Meu carro novo? Olhe para o meu carro novo. Você fez isso, garoto? Fez?
Lonnie se pôs de pé com dificuldade. - Não - respondeu. - Foi aquele imbecil ali - acrescentou, apontando para Nick. - E ele também me deu um chute no joelho.
- Eu ia lhe contar que tinha comprado um carro novo - continuou o xerife, como se não tivesse escutado uma palavra do que Lonnie dissera. - Eu ia lhe contar. Ia deixar você dirigir também. - Ele passou a mão pelos arranhões profundos no capo, com os olhos úmidos. - Ele não ficou perfeito nem por um dia inteiro. Eu tinha acabado de buscá-lo na concessionária.
- Eu estou lhe dizendo que foi o imbecil que fez isso - disse Lonnie mais uma vez.
- O garoto precisa melhorar seu vocabulário - disse Noah.
- Você vai acreditar em mim ou não? - Lonnie gritou para seu pai. - Vou dizer pela última vez, ele cortou os pneus e arranhou a pintura.
Laurant ficou possessa. Ela empurrou Nick para um lado e se postou na frente do xerife. - Eu sei que ele é seu filho e que isso é difícil para você, mas você é o xerife, e tem que fazer seu trabalho. Lonnie está mentindo. Ele fez os estragos, pensando que o seu carro novo pertencia ao meu noivo. Quer você goste, quer não, vai ter que prendê-lo.
Lloyd ergueu as mãos. - Calma aí, Laura. Não há motivo para correrias. O carro é meu e eu vou me certificar de que o garoto pague pelos estragos se realmente foi ele que os causou, mas ele está dizendo que foi o seu namorado.
Laurant interrompeu-o. Ela estava tão zangada que lançava perdigotos ao falar. - Ele está mentindo - repetiu ela. - Você tem quatro testemunhas. Meu irmão, o padre Clayborne, Nick e eu. Você tem que prendê-lo.
- Bem, pelo que eu estou vendo, são quatro contra quatro, porque tenho certeza de que os amigos de Lonnie vão confirmar o que ele disse, e eu não tenho motivos para não acreditar neles.
- Lonnie nos ameaçou com uma faca.
Olhando para Nick por cima da cabeça de Laurant, o xerife exigiu.-
- É melhor você controlar a sua mulher. Não vou aceitar que ela fique gritando comigo. Agora saia da frente, Laura, e dobre a sua língua.
Laurant não podia acreditar que o xerife estivesse falando com ela como se ela fosse uma criança levada. - Dobrar minha língua? Acho que não. Faça alguma coisa, xerife - exigiu ela.
O Lloyd lhe deu um olhar raivoso. - Eu vou fazer alguma coisa, sim - anunciou ele. - Você aí - disse, apontando para Nick.
- Quero ver sua identidade, e quero vê-la agora.
Laurant explodiu. Virando-se para Tommy, ela disse num francês muito rápido o que achava da incompetência daquele xerife idiota. Fluente na mesma língua, Nick disse a ela que se acalmasse.
Os punhos do xerife estavam cerrados, e ele não tirava os olhos do filho. Sentia vontade de chutar aquele garoto até ele desmaiar, e precisou de muita disciplina para controlar sua fúria. Além disso, se ele cedesse àquele impulso, havia uma boa chance de que Lonnie revidasse e lhe desse uma surra. Ele já fizera isso antes, e Lloyd sabia que faria de novo.
- Eu disse que quero ver sua identidade.
- Sem problemas - respondeu Nick, tirando a insígnia do bolso e abrindo-a em frente ao rosto do xerife. - Nicholas Buchanan, xerife. FBI.
- Ah, merda - gemeu o xerife.
- Você vai ter que trancafiá-lo. Vou passar na delegacia de manhã para preencher a papelada.
- Que papelada, Sr. Agente do FBI? Foi o meu carro que sofreu os estragos. Lonnie, pare com estas risadinhas, ou eu juro que vou lhe dar uns tapas.
Noah se aproximou por trás do xerife. - Eu não conheço muito bem a lei, já que sou padre e tudo mais - disse -, mas me parece que um crime foi cometido pelo seu filho aqui. Lonnie ameaçou um agente do FBI com uma faca, e isso é uma espécie de crime, não é?
- Bem, talvez seja e talvez não seja - esquivou-se o xerife. - Eu não estou vendo faca nenhuma, de modo que o que vocês estão alegando pode ser apenas invenção. Percebem o meu dilema?
- A faca está embaixo do carro - disse Noah.
Tentando ganhar tempo enquanto decidia o que ia fazer, o xerife murmurou: - Como ela foi parar embaixo do carro?
- Eu a chutei para lá - disse Laurant.
- O que você estava fazendo com uma faca? - Oh, pelo amor de... - começou ela.
O xerife tirou o chapéu e coçou a cabeça. - Eu vou fazer o seguinte. Vocês vão para casa agora e me deixam tratar deste assunto. Você pode ir à delegacia amanhã, mas me ligue antes - ele disse a Nick. - Eu já vou ter resolvido este assunto. Agora, vão para casa.
Laurant estava tão furiosa que tremia. Sem dizer uma palavra, ela deu as costas para o xerife e andou na direção do carro de Nick, com os saltos altos batendo ruidosamente no calçamento.
Nick podia ouvi-la murmurando quase inaudivelmente. Ao abrir a porta do passageiro para ela, ele segurou sua mão. - Você está bem? Está tremendo. Não ficou com medo, ficou? Eu não iria deixar nada acontecer com você. Você sabe disso, não sabe?
- Sei - disse ela. - Só estou zangada. O xerife não vai fazer nada quanto a Lonnie, e certamente não vai prendê-lo. Espere só para ver.
- Você está zangada.
- Ele estava com uma faca - exclamou ela. - Poderia ter machucado você.
Nick ficou pasmo. - Você estava preocupada comigo?
Tommy e Noah estavam entrando no banco de trás, e ela não queria que eles a escutassem. - É claro que eu fiquei preocupada com você. Agora pare de sorrir como um idiota e entre no carro. Eu quero ir para casa.
Ele queria beijá-la, mas se contentou em apertar sua mão.
- Xerife - chamou Nick enquanto dava a volta no carro. - Vou querer conversar com o seu filho amanhã.
Tommy estava esticando o pescoço para olhar pelo vidro traseiro enquanto Nick tirava o carro do estacionamento, e pôde ver o xerife discutindo com Lonnie.
- Você não acha que Lonnie pode ser o homem que está perseguindo Laurant, acha?
- Nós vamos checá-lo - respondeu Nick. - Mas não acho que ele seja o eldes que procuramos. Lonnie não me parece ser muito inteligente.
- O garoto é um imbecil - disse Noah.
- É, mas você fez a sua parte para provocá-lo - disse Nick.
- E como eu poderia ter feito isso? - perguntou ele inocentemente.
- Graças a Deus nós temos um estepe? Não foi isso que você disse depois que Lonnie cortou o primeiro pneu?
- Talvez - concedeu Noah. - Eu queria mantê-lo ocupado para que ele deixasse você e Laurant em paz.
- É mesmo? Eu achei que você queria ver até onde ele iria.
Noah deu de ombros, ao mesmo tempo em que afrouxava o colarinho duro, que estava irritando seu pescoço. - Esta coisa parece uma coleira - ele disse a Tommy.
- Nick, havia agentes naquele restaurante? E, se havia, por que nenhum deles veio nos ajudar? - perguntou Laurant.
- A situação estava sob controle - respondeu Nick.
- Wesson mandou que eu deixasse Tommy ouvir as confissões - Noah disse a Nick.
- Pete não quer que ele faça isso - respondeu Nick. - É uma má idéia.
- Foi o que eu disse a ele.
Pelo tom de voz de Noah, Laurant percebeu que ele não gostava de Wesson nem um pouco mais do que Nick. Ela se virou no assento para lhe perguntar por quê.
Nick apertou o polegar sobre o disco para que Wesson não escutasse a conversa, e Noah percebeu o que ele estava fazendo. - Você não precisa fazer isso. Eu quero que Wesson me escute, para que fique registrado que eu acho que ele é um oportunista que só se preocupa com a glória e o poder. Ele não se importa de pisar em quem quer que seja para chegar ao topo, incluindo Morganstern.
Noah estava embalado, e não ia parar antes de botar para fora toda a frustração acumulada contra o homem que comandava a operação. - Ele certamente não sabe trabalhar em equipe. Eu também não sei - acrescentou -, mas evito a publicidade tanto quanto você, enquanto Wesson corre atrás dela. Lembra do caso Stark? - ele perguntou, e antes que Nick pudesse responder, seguiu em frente: - É claro que se lembra. Você teve que matar uma pessoa... uma coisa dessas não se esquece. Nunca.
- O que tem o caso Stark? - perguntou Nick, olhando para Noah pelo retrovisor.
- Aposto que você ficou surpreso quando abriu o jornal dois dias depois e leu aquele artigo sobre como você tinha salvo a criança. Não estranhou que o repórter tivesse escrito tudo aquilo sobre você, sua família e seu melhor amigo, Tom?
- Você está dizendo que Wesson vazou a história? •- perguntou Nick. Ele estava ficando furioso só de pensar naquela possibilidade.
- É claro que estou - retrucou ele. - Você não notou que o nome dele estava espalhado por todo aquele artigo? Se conseguisse dois minutos a sós com aquele repórter, eu poderia provar.
- Por que Wesson faria isso? - perguntou Laurant. - O que ele tem a ganhar?
- Ele tem uma bronca com Pete, e além disso quer comandar os Apóstolos - disse Noah. - Esta sempre foi sua meta, e acho que ele imagina que, quanto mais publicidade puder conseguir para si mesmo, melhores serão suas chances. Estou dizendo, Nick, assim que Morganstern se aposentar ou aceitar uma promoção, Wesson vai dar o bote, e quando este dia chegar, você vai ser esperto o bastante para cair fora.
Nick parou o carro no estacionamento atrás da abadia.
- Vamos nos concentrar no trabalho por enquanto. Descanse um pouco, Tommy. Você parece exausto.
- Vejo vocês amanhã, no piquenique - disse Tommy, estendendo a mão para apertar o ombro de Laurant. - Você está bem?
- Estou ótima. Boa noite, Tommy.
Noah saiu pelo mesmo lado, fechou a porta e se debruçou sobre a janela de Laurant. - Boa noite, Geladinha.
Capítulo 23
O PIQUENIQUE ESTAVA NO AUGE QUANDO NlCK E LAURANT CHEGARAM. Ele escutou a banda tocando enquanto pegava a mão de Laurant e atravessavam a estrada de terra batida na direção da multidão reunida em torno do coreto e das mesas. O morro adiante da área plana estava pontilhado de cobertores coloridos e, à distância, parecia uma colcha de retalhos. Crianças corriam para todo lado, desviando-se dos casais que dançavam ao som dos Hilltops, e o aroma de churrasco enchia o ar.
Tommy e Noah estavam ocupados virando os hambúrgueres na grelha, mas Tommy enxergou-os e acenou. Laurant carregava um cobertor nos braços, que abriu ao encontrar um espaço vazio sob uma árvore nodosa.
Nick não gostou de ver o tamanho da multidão. Parecia que a maior parte da cidade tinha comparecido ao evento. Já entardecia, e alguém acendeu as luzes de Natal que haviam sido penduradas nas árvores em torno do coreto de madeira.
- Esta banda não é ótima? - perguntou ela.
- Hum-hum - disse ele, continuando a esquadrinhar a multidão.
- Herman e Harley Winston fundaram o grupo - explicou ela. - Herman é o que toca sax, e Harley está na bateria. Eles são os gêmeos de que lhe falei, que estão reformando a lanchonete, e são gentis. Você deveria conhecê-los.
Nick olhou para o coreto e sorriu. A banda tinha seis membros, e todos eles pareciam ter mais de setenta anos. Os gêmeos eram idênticos e estavam vestidos com a mesma camisa xadrez vermelha e calças brancas.
- São homens de idade - comentou ele.
- Eles são jovens de coração -- corrigiu ela. - E são artesãos fantásticos. Em Holy Oaks, nós não relegamos os velhos aos asilos. A contribuição que eles dão à cidade é muito importante. Quando você conhecer a lanchonete, vai entender como estes homens têm talento.
- Ei, eu não estava criticando - disse ele. - Foi apenas uma observação.
O líder da banda, um senhor calvo com sorriso largo, olhos brilhantes e ombros terrivelmente caídos, bateu no microfone para atrair a atenção de todos.
- Senhoras e senhores, como todos sabem, este piquenique é a maneira que o abade encontrou de dizer muito obrigado a todos os que trabalharam com tanto afinco para aprontar a igreja a tempo para o aniversário. Ele espera que todos se divirtam muito esta noite - acrescentou ele. - Agora, como vocês bem sabem, os rapazes da banda e eu só tocamos aquelas músicas antigas conhecidas de todos, porque são as únicas que sabemos tocar. Nós adoramos receber pedidos, então se vocês têm uma garota especial que querem impressionar, escrevam o nome da música e coloquem naquele chapéu em cima da mesa. Temos bastante papel e lápis, e vamos atender os pedidos até a hora de encerrar. Agora, a primeira música vai para Cindy Mitchell, de seu marido Dan. Este é o primeiro passeio de Cindy desde que ela tirou a vesícula, e é muito bom vê-la em pé e tão animada. Vamos lá, Dan, traga sua mulher para a pista de dança. Esta canção é uma das minhas favoritas - ele acrescentou, dando um passo para trás e erguendo as mãos como um condutor de orquestra. Batendo com o pé no chão, ele contou: - Um, dois, três. Vamos lá, rapazes.
Um profundo silêncio se seguiu ao comando. O cantor deu meia-volta para ver o que havia de errado e então riu. Voltando ao microfone, ele explicou acanhadamente: - Acho que eu devia ter informado aos rapazes o nome da música que vamos tocar. É "Misty". Vamos tentar outra vez.
Nick não estava gostando de ver Laurant no meio de tanta gente. Ele sabia que o piquenique era uma boa oportunidade para os dois serem vistos juntos e para ele observar as pessoas em torno dela, mas ainda assim estava desconfortável. A multidão podia engoli-la, e ele não a queria fora de suas vistas nem por um segundo.
As amigas dela dificultavam seu trabalho, pois assim que a enxergavam, queriam afastá-la dele. É claro que estavam muito curiosas a respeito do noivado, e vários homens também foram apertar sua mão e se apresentar a ele. Eles eram abertos e amigáveis, e tentaram carregá-lo para o seu grupo de amigos em torno dos barris de cerveja enquanto Laurant era puxada na direção oposta. Para mantê-la por perto, Nick ancorou o braço em torno da sua cintura e a segurou com força. Ele não ia deixá-la escapar.
Ela não agüentou aquilo por muito tempo e, ficando na ponta dos pés, sussurrou em seu ouvido: - Você vai ter que me deixar conversar com meus amigos e vizinhos.
- Não desapareça - respondeu ele também com um sussurro. Depois, como sabia que estavam sendo observados, ele a beijou de leve nos lábios. - Tente ficar entre Noah e eu.
- Está bem - prometeu ela, e lhe devolveu o beijo. - Agora, por favor sorria, Nick. Isto é uma festa, não um funeral.
Alguém gritou o seu nome, e ele relutantemente a soltou. Ela não tinha se afastado cinco passos dele quando foi cercada por um bando de mulheres. Todas falavam ao mesmo tempo, e Nick estava certo de que ele era o tópico da conversa, porque não paravam de olhar na sua direção. Ele enfiou as mãos nos bolsos e manteve os olhos fixos em Laurant. Ela tinha um sorriso incrível.
Uma das mulheres gritou, e Nick deu um passo rápido para frente, mas então viu que Laurant estava mostrando o anel, e fora isso que deixara a jovem tão excitada. Ele recuou e, mais uma vez, examinou a multidão. Quando voltou a olhar para Laurant, ela estava lentamente sendo levada na direção do coreto. Observando-a se misturar com jovens e velhos, Nick percebeu como ela era vital para aquela comunidade, e também adorada. Os moradores obviamente percebiam que ela era uma mulher gentil e atenciosa, e reagiam da mesma maneira, querendo estar próximos dela. Ele notava que ela estava genuinamente interessada no que eles estavam dizendo. Laurant fazia as pessoas se sentirem bem, e isso era um dom muito especial.
Nick estava sorrindo enquanto a observava, mas seu sorriso desapareceu quando ela foi parada mais uma vez por dois homens que aparentavam ter sua idade. Pelo modo corno eles babavam sobre ela, ele podia ver que nenhum dos dois se deixara desanimar pela reputação de Laurant, e sentiu uma surpreendente onda de ciúmes. Então, um deles homens pousou a mão em seu braço, e Nick teve vontade de lhe dar um soco. Ele sabia que esta reação era totalmente imprópria, pois não era da sua natureza ser tão possessivo.
Ele não conseguia definir o que havia de errado. Um relacionamento com ela era impossível, ele sabia disso e aceitava o fato, então por que estava tendo tanta dificuldade para manter distância? Porque se sentia muito atraído por ela, admitiu. Mas não era desejo. Ele tinha idade e experiência suficientes para saber a diferença. O desejo ele podia controlar com banhos frios, mas esta sensação era totalmente diferente, e ele estava ficando muito preocupado.
- Você é Nick Buchanan? Ele se virou. - Eu mesmo.
- Meu nome é Christopher Benson - disse o homem, estendendo a mão para apertar a de Nick. - Laurant é a melhor amiga da minha noiva. Minha também - ele acrescentou com um sorriso. - Eu queria conhecê-lo.
Christopher era um homem simpático e amável, com físico de estivador. Era tão alto quanto Nick, mas pesava pelo menos vinte cinco quilos mais.
Depois de trocarem amabilidades, Christopher admitiu timidamente: - Michelle me mandou aqui para obter o máximo de informações sobre você que eu puder. Ela acha que, como eu acabo de me formar em direito, sou capaz de levar qualquer um na conversa.
Nick riu. - O que exatamente ela quer saber?
- Ah, o de sempre, quanto você ganha, onde vocês vão morar depois do casamento e, o mais importante, se você realmente pretende ficar com Laurant. Você deve estar com a impressão de que Michelle é abelhuda, mas não é. Ela apenas se preocupa com a amiga.
Os dois se viraram para observar Laurant. Havia uma fila de homens esperando para dançar com ela que, naquele momento, rodopiava pela pista com o garoto da rosquinha.
Ele respondeu todas as perguntas que podia, e se esquivou das outras.
Quando Christopher finalmente ficou satisfeito, comentou: - Laurant é muito importante para esta cidade. As pessoas contam com ela. Ela e Michelle são como irmãs - acrescentou. - Elas despertam o lado adolescente uma da outra, e meu Deus, como gostam de rir.
Nick estava se perguntando quando teria uma chance de dançar com Laurant. Ele certamente não iria entrar naquela fila. Ser o noivo tinha que lhe garantir alguns privilégios, não é mesmo? Mesmo que fosse só de mentirinha.
Christopher aparentemente leu seus pensamentos. - Por que você não chama Laurant para comer? Os hambúrgueres vão desaparecer logo.
- Boa idéia - disse Nick.
Ele abriu caminho em meio aos casais que dançavam, deu um tapinha no ombro do rosquinha e puxou Laurant para os seus braços. - Com licença, garoto.
Laurant tentou amenizar a decepção do adolescente. Inclinando-se para o lado, pediu que ele reservasse uma dança para ela mais tarde.
- Assim você só o encoraja - disse Nick.
- Ele é um rapaz muito gentil - retrucou ela.
Ele não queria falar sobre o garoto. Puxou-a mais para perto de si e continuou a dançar.
- Faça cara de apaixonada, querida - instruiu ele. Ela riu. - Eu estou apaixonada, meu bem.
- Gostei desta coisa que você está vestindo.
- Esta coisa se chama vestido, vestido de alcinhas, para ser exata, e muito obrigada. Fico feliz que você tenha gostado.
- Agora me explique uma coisa: se todos os homens desta cidade têm medo de você, como é que fazem fila para tirá-la para dançar?
- Eu não sei - disse ela. - Talvez porque saibam que eu não vou dizer não. Mas eles não me convidam para sair. Acho que Tommy está certo, talvez eu os assuste.
- Isso é bom - ele disse, com óbvia satisfação.
- Por quê? - perguntou ela.
Ele não respondeu a pergunta. - Vamos comer - disse.
- Viola e Bessie Jean estão acenando para nós. Acho que querem que sentemos com elas.
- Filho da mãe - disse Nick entre dentes.
A reação dele a surpreendeu. - Achei que você tinha gostado delas.
- Não estou falando delas - ele respondeu com impaciência.
- Acabo de ver Lonnie. Que diabos ele está fazendo aqui?
- Posso dizer "eu avisei"? - perguntou ela, identificando o filho do xerife sentado em uma das mesas com uma expressão insolente no rosto. Não havia mais ninguém na mesa, e Laurant notou que várias pessoas, obviamente nervosas por estarem perto dele, evitavam olhá-lo nos olhos.
Nick estava procurando o xerife na multidão. - Não estou vendo o papaizinho querido - disse ele.
- Duvido que ele esteja aqui. Ele não respondeu seus telefonemas o dia todo, e a cadeia estava trancada quando passamos por lá. Acho que ele está se escondendo de você, Sr. Agente do FBI - disse ela.
Nick balançou a cabeça. - Vou ter que fazer alguma coisa quanto a ele.
- Terá que achá-lo primeiro.
- Não estou falando do xerife - ele retrucou. - Vou ter que fazer alguma coisa quanto a Lonnie. Ele é um estorvo do qual não precisamos agora.
- O que você pode fazer?
Nick pendurou o braço em torno dos ombros de Laurant e guiou-a para o bufê que estava montado atrás do coreto.
- Noah.
- Noah é o que você vai fazer?
- Hum-hum.
- O.K. O que Noah pode fazer? Ele sorriu. - Muita coisa.
- Faça Lonnie levantar daquela mesa primeiro - sugeriu ela.
- Depois vamos comer. As pessoas precisam de lugar para sentar.
- O.K. - ele concordou, mas ao se virar para as mesas, viu Tommy indo na direção de Lonnie, com uma espátula na mão e um olhar que indicava que ele não ia aceitar táticas de terror naquele dia festivo. Noah estava ocupado virando hambúrgueres, mas mantinha um olho em Tommy enquanto trabalhava, o que explicava por que dois bifes já tinham ido para o chão. Os amigos de Lonnie se materializaram do nada e cercaram a mesa quando Tommy se aproximou.
- Você não deveria ir lá ajudar o meu irmão? - perguntou ela com preocupação aparente na voz.
- Ele pode se virar sozinho.
Lonnie estava com um cigarro pendurado na boca. Tommy lhe disse alguma coisa, e o rapaz sacudiu a cabeça e depois jogou o cigarro quase em cima dele. Tommy esmagou-o com o pé e, num piscar de olhos, agarrou Lonnie pelo cangote e o arrancou da mesa.
A mão de Lonnie deslizou para dentro do bolso da calça, e foi então que Noah decidiu intervir. Vários homens que estavam em volta fizeram o mesmo, correndo para ajudar Tommy. A demonstração de solidariedade enfureceu Lonnie e, em segundos, seu rosto estava roxo de raiva. Noah surgiu na frente do rapaz no instante em que este puxava o canivete, e acertou uma pancada em seu pulso com a espátula ao mesmo tempo em que lhe dava uma rasteira. Uivando de dor, Lonnie deixou cair a faca, que Tommy apanhou e atirou para Noah antes de pôr o rapaz em pé e ordenar que ele e seus amigos sumissem.
Laurant soltou um suspiro de alívio. Enquanto Tommy e Noah retornavam para seu posto na grelha, vários homens pararam para cumprimentá-los. Um deles, mais entusiasmado, abraçou-os.
- Podemos comer agora? - Nick pegou dois pratos, entregou um a Laurant e foi atrás dos hambúrgueres.
Depois de se servirem das saladas do bufê, os dois se juntaram às Vanderman. As irmãs estavam sentadas com os três homens que tinham alugado a casa em frente à delas. Bessie Jean se deslocou para mais perto de Viola para que Nick pudesse se sentar no banco com elas.
Viola fez as apresentações, acrescentando as informações que tinha reunido sobre os trabalhadores, que aparentavam cansaço. Dois deles, Mark Hanover e Willie Lakeman, eram agricultores no norte de lowa, e estavam complementando sua renda com serviços de carpintaria. Justin Brady tinha acabado de comprar terras de seu tio no Nebraska, e estava fazendo bicos para tentar pagar a hipoteca o mais rápido possível. Os três estavam na casa dos trinta e usavam alianças de casamento. Os calos em suas mãos provavam que eles não tinham medo do trabalho duro, e os copos vazios enfileirados a sua frente provavam que eles tampouco evitavam beber. Nick apoiou os cotovelos na mesa e escutou o trio descrever o trabalho na abadia, ao mesmo tempo em que os avaliava minuciosamente.
Mark entornou um copo de meio litro de cerveja em dois longos goles. Nick compreendeu porque o homem estava bebendo tanto quando Bessie Jean perguntou se ele tinha filhos.
Mark baixou os olhos para o copo em suas mãos. - Minha mulher morreu no ano passado. Nós não tivemos filhos. Estávamos esperando para pagar algumas contas antes.
Viola estendeu a mão sobre a mesa e bateu de leve na de Mark.
- Todos nós sentimos muito pela sua perda, mas você precisa seguir em frente com a sua vida e pensar no futuro. Tenho certeza de que sua esposa gostaria que fizesse isso.
- Eu sei, senhora - respondeu ele. - Com a seca, todos nós temos que pegar trabalho onde quer que ele apareça. Eu tenho meus pais para ajudar, e Willie e Justin têm mulher e filhos que dependem deles.
Willie puxou a carteira do bolso para exibir a foto de sua família, uma esposa ruiva e três garotinhas com cabelos cor de cenoura. Justin não quis ficar para trás e, com todo cuidado, sacou a foto da esposa e passou-a para Bessie Jean.
- O nome dela é Kathy - disse ele com a voz cheia de orgulho. - Ela vai ter nosso primeiro filho por volta de cinco de agosto.
- Vocês estão esperando menino ou menina? - perguntou Laurant.
Justin sorriu. - Kathy e eu preferimos não saber, queremos que seja surpresa. - olhando por cima do ombro para a banda, ele disse: - Kathy adora dançar. Como eu queria que ela estivesse aqui.
- Nós estamos trabalhando quatorze horas por dia - disse Mark.
- Mas o salário é bom, então isso não importa - observou Justin.
- Justin, nós não lhe agradecemos adequadamente por nos ajudar com o jardim - disse Viola. - Mesmo tão ocupado, você encontrou tempo para nos dar uma mãozinha. Acho que vou fazer um bolo de chocolate para você, é a minha especialidade.
- É muita bondade sua, senhora, mas nós estamos trabalhando até tarde na abadia, e só chegamos em casa muito depois de escurecer. Mas eu adoro bolo de chocolate.
Viola sorriu. - Então eu vou preparar um só para você e vou deixá-lo na porta, ou talvez na sua cozinha.
Mark começou a falar sobre o trabalho que ainda precisava ser feito antes do aniversário. Willie provocou Justin dizendo que ele ficava com o serviço fácil no mezanino do coro, enquanto eles tinham que subir e descer nos andaimes com suas latas de tinta.
- Ei, eu estou fazendo a minha parte - disse Justin. - O cheiro do verniz no mezanino me deixa tonto. É por isso que eu faço mais pausas do que vocês.
- Pelo menos você fica com os pés plantados no chão enquanto trabalha. Willie e eu passamos metade do tempo pendurados pelo pescoço.
- O que você está fazendo no mezanino? - perguntou Laurant.
- Arrancando a madeira velha e podre e substituindo-a. A água fez muitos estragos em torno do órgão - acrescentou. - É um trabalho maçante, mas vai ficar bonito depois que eu terminar.
- Estão gostando de morar na casa dos Morrison? - perguntou Bessie Jean.
- Sim - disse Mark, dando de ombros. - Justin achou que nós devíamos dividir as tarefas, e cada um de nós ficou responsável por limpar uma peça. Assim fica mais fácil.
Nick devorou dois hambúrgueres enquanto escutava a conversa. Feinberg tinha lhe contado que Wesson já descartara aqueles três homens depois de checar suas informações. Eles eram fazendeiros trabalhando como carpinteiros e correndo contra o relógio para terminar a reforma da abadia, mas para Nick ainda eram suspeitos, assim como todos os outros homens presentes no piquenique. Ele não pretendia descartar ninguém em Holy Oaks.
Um dos garotos da escola bateu no ombro de Laurant e convidou-a para dançar. Ela aceitou educadamente antes que Nick pudesse protestar, e ele seguiu os dois até a pista de dança e ficou parado com os braços cruzados na altura do peito, observando-os.
A banda estava tocando uma velha música de Elvis Presley. Laurant se balançava suavemente enquanto seu parceiro entusiasmado girava enlouquecidamente em torno dela, obrigando-a a se encolher algumas vezes porque seus braços e pernas voavam em todas as direções. Nick achou que ele parecia um figurante de filme de artes marciais de quinta categoria, e sabia que Laurant estava tendo dificuldade para não rir. Os outros casais estavam se afastando cada vez mais dos dois, provavelmente para não serem chutados.
Durante toda a hora seguinte, ela foi arrastada repetidamente para a pista de dança enquanto o líder da banda sorteava os papéis do chapéu e tocava as músicas pedidas. Quando Laurant não estava dançando, ela ajudava a recolher os pratos, e estava constantemente sendo parada por homens, mulheres e crianças para conversar. Ela se movia em meio à multidão com uma facilidade que Nick invejava.
Ela havia lhe dito que em Holy Oaks as pessoas se importavam umas com as outras, mas agora ele estava vendo com seus próprios olhos. Nick sempre achara que enlouqueceria se todos soubessem o que ele estava fazendo, mas agora já não estava tão certo. Até que podia ser bem agradável. Ele não conhecia nenhum de seus vizinhos em Boston. Quando ia para casa à noite, entrava com o carro direto na garagem e ficava lá até a hora de sair de novo. Ele nunca tivera tempo nem vontade de interagir com os vizinhos, e sequer sabia se havia crianças no quarteirão.
Laurant agora estava dançando com Justin e rindo de alguma coisa que ele dissera. A música chegou ao fim e Nick viu um homem mais ou menos da sua idade indo na direção dela, e então decidiu que ela já tinha dançado o suficiente para uma noite. Foi até onde ela estava e lhe deu um abraço e um beijo.
- Por que você fez isso?
- Por que nós estamos apaixonados - lembrou ele. - Você está contando para as pessoas como nós nos conhecemos?
- Sim - respondeu ela. - Já contei a história pelo menos vinte vezes.
- E contou o que os especialistas estão dizendo sobre o seu fã?
Ela assentiu contra o queixo dele e depois encostou a cabeça no seu ombro e fechou os olhos, para que todos a vissem se aninhar nos braços de seu amado enquanto dançavam.
- Falei de tantas formas que esgotei meus adjetivos. Chamei-o de burro e desleixado, e disse a todos que o FBI está convencido de que ele tem um QI baixíssimo e é digno de pena por ser tão perturbado. O que você imaginar, Nick, eu já disse.
- Muito bem, garota.
- E você? Está contando para as pessoas como nos conhecemos?
- Sim, sempre que tenho chance - respondeu ele. - Eu conheci Christopher - acrescentou. - Gostei dele.
- Eu ainda não vi Michelle. Essa não, aí vem Steve Brenner.
- Você não vai dançar com ele.
- Eu não quero dançar com ele.
A música acabou. Nick e Laurant estavam deixando a pista de dança quando foram interceptados por Brenner.
Com um único olhar, Nick percebeu que tudo nele indicava controle. O modo como se movia e as roupas que usava revelavam que a aparência era extremamente importante para Brenner. A camisa e as calças Ralph Lauren estavam impecavelmente passadas, e não havia um só fio fora do lugar na cabeleira bem tratada. A única concessão que ele fazia ao clima descontraído do piquenique era não usar meias com seus mocassins Gucci estalando de novos. Ao apertar sua mão, Nick notou que ele trazia um Rolex no pulso.
Brenner tocou delicadamente no ombro de Laurant. - Quero que você saiba que eu sinto muito por aquele artigo que Lorna escreveu, e também fiquei constrangido quando li aquelas bobagens sobre nós dois. Não faço idéia de onde ela tirou esta história, e espero que não tenha lhe causado nenhum aborrecimento.
- Não, não causou - disse ela.
Ele sorriu. - Lorna me contou que você e Nick estão noivos, ou seria mais uma de suas invenções?
- Ela está certa. Nick e eu vamos nos casar.
-- Que ótima novidade. Parabéns para os dois. Você está se casando com uma mulher maravilhosa - ele disse a Nick. Olhando para Laurant novamente, perguntou: -Já marcaram a data?
- O segundo sábado de outubro - disse ela.
- Onde vocês vão morar?
- Em Holy Oaks. E eu vou continuar a brigar pela praça.
O sorriso sumiu dos olhos dele. - Imagino que sim, mas vou apresentar uma proposta que acho que nem você vai poder recusar. Eu gostaria de entregá-la amanhã depois do trabalho. Você vai estar em casa? Nós poderíamos sentar para discuti-la.
- Sinto muito, mas temos um compromisso. Nick e eu vamos à abadia para o ensaio do casamento de Michelle, e depois vai haver um jantar - explicou ela. - Não vamos voltar para casa antes da meia-noite.
Brenner assentiu. - Eu posso lhe telefonar na próxima segunda-feira. Até lá você vai ter tempo de se recuperar do casamento de Michelle.
- Seria ótimo.
- Noivar e marcar a data... aconteceu bem rápido, não foi? Nick respondeu: - Eu conheço Laurant há muito tempo, desde
que ela era uma garotinha.
- E quando nos vimos novamente em Kansas City, nós simplesmente... percebemos que fomos feitos um para o outro. Não foi assim, meu amor? - acrescentou Laurant.
Nick sorriu. - Sim, querida.
- Parabéns mais uma vez - disse ele. - Acho que é melhor eu me servir antes que a comida suma.
Nick manteve o olhar fixo em Brenner enquanto ele se afastava.
- O que você achou dele? - perguntou Laurant.
- Ele está com muita raiva entalada na garganta.
- Como sabe?
- Enquanto nos dava parabéns, seus punhos estavam cerrados.
- Eu estou tornando a vida dele um inferno neste momento. Ele provavelmente estava se segurando para não torcer o meu pescoço.
- Você está conseguindo bloquear todos os planos dele sozinha.
- Ele é um suspeito?
- Todos são - retrucou ele. - Venha, vamos sentar no cobertor e nos agarrar como adolescentes.
A sugestão a fez rir. Vários homens e mulheres se viraram e sorriram ao ver o casal tão feliz.
- A idéia até que é boa - disse ela. - Mas acho que o abade não iria aprovar.
- Aí estão vocês. Estive procurando em toda parte pelos dois. Michelle vinha correndo pelo gramado, arrastando Christopher
pela mão com um sorriso de orelha a orelha.
Michelle era uma mulher bonita. Miúda, com traços delicados, ela tinha longos cabelos dourados que emolduravam o rosto em forma de coração, e um sorriso impressionante que exigia resposta.
A amiga de Laurant usava um aparelho ortopédico na perna direita, e quando tentou se sentar, fez uma careta de dor. Christopher estava contando a Nick uma piada que acabara de ouvir, e rapidamente pegou-a nos braços e se sentou com ela no colo.
- Ainda estou mancando - disse Michelle a Laurant.
- Mas muito pouco - observou ela.
- Você acha?
- Sim, eu notei a diferença.
- Esmigalhei meu joelho num acidente de carro - ela explicou a Nick. - Eu nem deveria ser capaz de caminhar, mas contrariei todas as estatísticas.
- Michelle sabe tudo sobre porcentagens - explicou Christopher. - Ela é formada em Matemática e Contabilidade, e vai prestar concurso para auditora depois que nos casarmos.
- E vou fazer a contabilidade da lanchonete de Laurant - acrescentou ela.
O líder da banda chamou a atenção de todos ao bater no microfone para anunciar que a música seguinte seria a última da noite.
- Nós temos que dançar esta, querida - insistiu Christopher.
- E nós também - disse Nick. Enquanto puxava Laurant para a pista de dança, ele disse: - Gostei dos seus amigos.
- Eles gostaram de você.
O cantor abriu o pedaço de papel e sorriu. - Pessoal, esta canção é das lentas, e é uma das minhas favoritas - anunciou ele. - Assim como a moça para quem ela é dedicada. É para a nossa querida Laurant Madden, do Destruidor de Corações.
Nick tinha acabado de enlaçar a cintura de Laurant quando o cantor fez o anúncio. Ele ouviu sua respiração parar e sentiu seu corpo enrijecer contra o dele, e puxou-a mais para perto numa reação instintiva ao perigo.
Noah e Tommy começaram a se deslocar na direção do coreto, e outro homem se separou da multidão vindo da direção oposta. Nick percebeu imediatamente que ele era um agente. Droga, nenhum deles sabia o que estavam procurando, e as pessoas os cercavam sorrindo porque a canção era para Laurant.
- Filho da mãe - murmurou ele.
- Nick, o que vamos fazer? - ela sussurrou com a voz trêmula.
- Vamos dançar - disse ele.
Laurant tinha a impressão de que o mundo estava desabando sobre ela. Não conseguia respirar, não conseguia pensar. Aninhou a cabeça sob o queixo de Nick e fechou os olhos. Ele quer que eu saiba que ele está aqui, me observando. Deus, faça ele me deixar em paz. Por favor, Deus...
- Agora, pessoal, chamem o seu par, porque, como eu disse, este é o nosso último pedido. O nome da música é "I Only Have Eyes for You" (nota da tradução: "Só Tenho Olhos para Você". Fim da nota).
Capítulo 24
ELE PAROU NO MEIO DA MULTIDÃO E A OBSERVOU COM EXCITAÇÃO FEBRIL. Laurant, sua doce Laurant. Ela o fascinava. Tão linda, tão intocável. Por enquanto.
Em breve, meu amor. Em breve você será minha.
Com o canto do olho, ele viu o mula caminhando na direção dela, e sorriu. Ele estalara os dedos e eles tinham vindo. Agora ele era a aranha, e eles estavam presos na sua teia.
Ele não conseguia tirar os olhos do mula. Observou-o cruzar o gramado e tomar Laurant nos braços. Era tudo um jogo. Sim, ele sabia o que eles estavam fazendo. Tentando provocá-lo, como se ele fosse um simplório qualquer.
E mesmo assim ele não conseguia se afastar. Eles estavam dançando, e ele não gostava do jeito como o mula a estava abraçando. Próximos demais... íntimos demais. Então Nick a beijou, e ele sentiu uma tal explosão de raiva dentro de si que seus joelhos fraquejaram e ele teve que se sentar. Era um jogo, um jogo. Eles estavam brincando com ele, atormentando-o. Sim, ele sabia o que estavam fazendo... e mesmo assim ficou lívido.
Como ousavam atormentá-lo?
As surpresas não tinham acabado. Ele estava fitando-os abertamente agora, estudando-os, e podia ver o modo como Laurant olhava para o mula. Bateu as costas contra o banco. Ela o amava. Era claro como o dia para uma pessoa inteligente e perspicaz como ele. Ela não conseguia esconder, não dele. A garota de olhos verdes tinha se apaixonado por um mula. Senhor, senhor, o que ele ia fazer a respeito?
Ela estava estragando sua diversão. Quando a última canção foi anunciada, e era para Laurant, ele se sentiu tonto e ruborizado. A alegria e a fúria eram quase insuportáveis. E enquanto ele ficava lá, parado à vista de todos, e observava sua presa na pista de dança sorrindo e agindo como se eles estivessem no céu, ele sabia que deveria haver mulas percorrendo a multidão à procura dele. Tolos, todos eles. Eles não conheciam seu rosto, não sabiam quem ele era, então como esperavam encontrá-lo? Pensavam que ele ia sacar uma arma e apontar para si mesmo? Ele riu só de pensar. Impagável, pensou. A estupidez deles era verdadeiramente impagável.
Então ele enxergou o bom Padre Tom, correndo na direção da irmã com outro padre ao seu lado. Havia uma linda expressão de terror nos olhos de Tom. Ele saboreou-a e suspirou de prazer. Mas o que aqueles padres idiotas achavam que iam fazer? Rezar para que ele se entregasse?
A mim pertence a vingança, diz o Senhor. Estaria o Padre Tom pensando em vingança agora? A possibilidade o divertiu. Talvez em sua próxima confissão ele lhe perguntasse. Um padre deveria compreender, não era este o seu trabalho? Compreender e perdoar? Talvez a compreensão viesse com a morte. Ele refletiu sobre aquela possibilidade filosófica e então deu de ombros. O que lhe importava se Tommy compreendia ou não?
Há muito, muito tempo ele não se divertia tanto. E só iria melhorar, desde que ele mantivesse a raiva sob controle, acalmasse a besta com promessas da destruição ainda por vir. Como eles ousavam pensar que eram capazes de iludi-lo? Mulas ignorantes, todos eles.
Contudo, o momento pedia cautela. Ganhar tempo, esta era a chave. Ele certamente não estava com medo ou mesmo preocupado com as mulas. Afinal de contas, tinha convidado os rapazes do EBI para virem a Holy Oaks, não tinha? Mas queria ser um anfitrião esmerado, perfeito, e para isso precisava saber o número exato de convivas. Teria que haver comes e bebes para todos. Ele tinha trazido C-4 (nota da tradução:Explosivo plástico mais potente do que o TNT. Fim da nota) suficiente consigo? Pensou sobre isso por um minuto e depois sorriu. Sim, com toda a certeza ele tinha.
O Destruidor de Corações estava sempre preparado.
Sua meta era eliminar o máximo de mulas que pudesse, desde que isso não interferisse no seu objetivo principal: o alvo. Apanhar o alvo e desfrutar de uma boa diversão à moda antiga, ao mesmo tempo em que provava ao mundo que ele era O Ser Superior. Nenhum dos garotos do FBI era páreo para ele. E logo, muito em breve, quando fosse tarde demais e não pudessem mais fugir nem se esconder, eles entenderiam.
Ele ia resolver seus assuntos pendentes e ao mesmo tempo fazer troça deles em cadeia nacional. Horário nobre. CABUM. Edição extraordinária. Sim, senhor.
Capítulo 25
MAIS UM DIA SE PASSOU, E A PRESSÃO ESTAVA AUMENTANDO.
A idéia de outro evento apinhado estava deixando Laurant nauseada, mas ela não ia decepcionar Michelle em uma das noites mais importantes da sua vida, o ensaio do casamento e o jantar que se seguiria.
Depois do prato principal, Michelle notou que Laurant não tinha tocado na comida. Inclinando-se sobre a mesa, ela sussurrou: - Você não parece muito bem, querida.
- Estou ótima - respondeu Laurant, forçando um sorriso. Michelle não se convenceu, e pediu a ajuda de Nick. - Por que
você não leva Laurant para casa e a coloca na cama? - sugeriu ela.
Quando Laurant abriu a boca para protestar, a amiga a deteve. - Não quero que você fique doente. Eu não vou entrar naquela igreja amanhã sem você.
Laurant e Nick se despediram de todos e foram para casa.
Uma dúzia de rosas vermelhas estava esperando na varanda quando chegaram. Nick pegou o vaso e o levou para dentro.
- Foram entregues assim que vocês saíram - disse Joe.
Nick leu o cartão em voz alta. - Por favor, me perdoe e volte para casa. Com amor, Joel.
Laurant pegou o vaso e o colocou sobre a mesa de jantar. Os dois homens a seguiram e pararam lado a lado, olhando feio para as rosas.
- É um desperdício tão grande jogá-las no lixo - disse ela. - Mas é o que eu normalmente faço. Não quero me lembrar de Joel Patterson cada vez que entrar nesta sala.
- Com que freqüência este idiota lhe manda flores? - perguntou Nick, tentando não demonstrar sua irritação.
- Mais ou menos uma vez por semana - disse ela. - Ele não desiste.
- Ah, é? Isso nós vamos ver. - Ele pegou o vaso, foi para a cozinha e esvaziou a água na pia, depois jogou tudo na lata de lixo. - Ele é um filho da mãe insistente, não é?
- Patterson é o homem de Chicago que estava comendo a secretária enquanto corria atrás de você? - perguntou Joe.
A descrição franca não a impressionou. - Sim, ele mesmo.
- Eu diria que ele está com dificuldades para esquecê-la - comentou Joe. - Mas não se preocupe, Nick vai cuidar dele.
- Não, ele não vai cuidar de Joel - retrucou ela, um pouco mais bruscamente do que pretendia. - Ele é um problema meu, e eu vou resolvê-lo.
- O.K. - disse Joe, surpreso com a explosão. - O que você decidir está bom para mim.
- Eu o estou ignorando.
- Não parece estar funcionando - observou ele.
- Deixe que ele gaste seu dinheiro com flores. Eu não me importo. Agora podemos por favor mudar de assunto?
- Sim, claro.
Ela levou a mão à testa. - Escute, sinto muito por ter falado com você daquele jeito. É que... depois do que aconteceu no piquenique... ele estava lá, Joe. E quis que eu soubesse que estava me observando. "I Only Have Eyes for You", foi essa a música que ele pediu. Linda, não?
- Já me contaram toda a história - disse Joe, seguindo-a até a cozinha. Ele já tinha adivinhado o que ela ia fazer: chá. Joe sabia que a tensão estava cobrando seu preço. Na luz fria da cozinha, ela parecia pálida, como se não tivesse uma boa noite de sono há semanas.
Joe deixou escapar o que estava pensando. - Você tem que ser forte.
Ela girou no mesmo lugar para encará-lo, com uma das mãos na cintura numa pose de desafio. - Você não precisa se preocupar comigo.
Falar é fácil, pensou Joe. - Por que você não vai para a sala e assiste um pouco de televisão?
- Eu vou fazer uma xícara de chá quente. Você quer?
- Claro - disse ele. A temperatura na cozinha abafada parecia estar perto dos quarenta graus, mas se ela queria lhe fazer um chá quente, ele o tomaria.
Sentou-se e ficou observando-a trabalhar. Nick estava nos fundos, falando no celular, com a cabeça baixa e a voz abafada demais para que ele entendesse qualquer coisa, e Joe imaginou que ele estivesse conversando com Morganstern ou com Wesson.
Laurant levou a chaleira até a pia e abriu a torneira, fitando a flor-de-lis pintada no azulejo acima do balcão enquanto pensava no piquenique.
Nick tinha encerrado sua ligação e voltou para a cozinha a tempo de escutá-la dizer: - Lonnie estava lá. Ele saiu cedo, mas poderia ter colocado aquele pedido no chapéu antes de Tommy expulsá-lo.
Nick pegou uma Pepsi Diet na geladeira, abriu a tampa, tomou um gole e depois disse: - Sim, Lonnie poderia ter feito aquilo, mas não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, e sabemos que ele não saiu de Holy Oaks nos últimos trinta dias. Ele estava na cidade quando o eldes falou com Tommy no confessionário.
- Quando você descobriu isso? - perguntou Laurant.
- Recebi a informação de Feinberg esta manhã.
Ela se virou para a pia outra vez. - Então, quem não estava aqui? - perguntou.
A chaleira se encheu, e a água começou a escorrer pelos lados. Nick tirou-a de suas mãos, derramou metade da água de volta na pia e colocou a chaleira em cima do fogão.
- O xerife estava fora da cidade - disse Joe. - E Steve Brenner também. Ele disse a amigos que ia pescar.
Laurant tirou o chá e três xícaras do armário, e os colocou na mesa, aparentemente sem notar que Nick estava tomando o refrigerante. Ele sorriu enquanto a observava e pensou consigo mesmo que aquele hábito singular era estranho mas adorável.
Ela se sentou para esperar que a água esquentasse. Inquieta, pegou o baralho que Joe tinha deixado na mesa e começou a embaralhar as cartas.
- E quanto ao corpo que deixou Wesson tão animado? Nós já não devíamos ter escutado alguma coisa sobre isso?
Joe respondeu. - O laboratório está analisando os materiais recolhidos. Mas eu sei que a cena do crime foi contaminada.
- Contaminada por quem?
- Vacas - disse Joe.
Ela não conseguiu bloquear a imagem que a resposta de Joe evocou em sua mente, e sussurrou: - Oh, meu Deus.
- Dê as cartas - sugeriu ele, esperando distrair sua atenção. - Vamos jogar pife.
- O.K. - ela murmurou, mas continuou embaralhando as cartas. Por fim, Joe tomou-as de suas mãos e as distribuiu.
- Eu sei que parece que já se passou muito tempo, mas- começou Nick.
Ela não deixou que ele terminasse. - Eles não vão encontrar impressões digitais. Não vão encontrar nenhuma pista que possa levar a ele.
Nick girou a cadeira e se sentou ao contrário, abraçando o espaldar. - Não pense nele como um ser sobre-humano. Ele sangra como todos nós, e vai cometer erros, e aí vamos pegá-lo.
Ela ergueu suas cartas e examinou-as. - Quanto mais cedo, melhor, certo?
- Certo.
- O.K., então por que não fazemos a coisa acontecer ainda mais cedo? Acho que Wesson está certo. Talvez eu deva sair para correr sozinha amanhã e passar o dia longe de você. Não me olhe desse jeito. Ele está procurando uma oportunidade, e acho que devemos satisfazê-lo. Os outros agentes podem garantir a minha segurança.
- Não. - Ele foi enfático.
- Você não acha que devemos discutir isso antes de você?
- Não.
Ela fez um esforço para se controlar. - Eu realmente acho... Ele a interrompeu. - Eu prometi ao seu irmão que não a perderia de vista, e é assim que vai ser.
- Ei, Nick, fique frio - interveio Joe.
Sua raiva teve vida curta. - O.K., O.K. - concordou ele.
A tensão estava sendo demais para os dois. Laurant sabia por que estava se sentindo tão frustrada: todos os seus movimentos estavam sendo controlados por um lunático. Sim, era exatamente isso que estava acontecendo, e Deus, como ela odiava aquela situação. Mas por que Nick estava perdendo a calma? Ele devia estar acostumado a trabalhar sob pressão, não? Até aquela noite, ele se mantivera tranqüilo e firme como uma rocha. Como, em nome de Deus, ele era capaz de fazer isso, dia após dia? A unidade especial na qual trabalhava procurava crianças seqüestradas, e ela não conseguia pensar em algo mais aterrorizante do que uma criança em perigo. A pressão tinha que ser brutal.
- Você é o especialista. Vou deixar que decida o que deve ser feito. Se não quiser que eu corra sozinha, eu não vou - disse ela.
Ela havia dado uma volta de cento e oitenta graus em questão de segundos, e Nick não conseguia entender por que subitamente voltara a ser razoável. - Como assim? - perguntou ele, desconfiado.
- Não quero tornar seu trabalho mais difícil do que já é - disse ela.
- Agora que vocês dois estão calmos, eu até me sinto mal por ter que tocar neste assunto - disse Joe. Ele descartou e comprou uma nova carta. - Porque sei que Nick vai ficar chateado de novo, mas...- Eu não fico chateado. O que você precisa me contar?
- Se o eldes não mostrar a cara nos próximos dois dias, eu vou ser transferido.
O músculo do maxilar de Nick se contraiu.
- Como você sabe que vai ser transferido? - perguntou Laurant.
Nick respondeu. - Wesson. Estou certo, não estou?
Joe assentiu. - Ele acha que talvez o eldes saiba que eu estou aqui, e se eu fizer bastante espalhafato quando for embora, talvez...
- Não me venha com essa - protestou Nick.
- E depois, se o eldes ainda assim não tentar pegá-la, Wesson vai transferir os outros agentes para que ele se sinta mais à vontade? Tenho uma idéia. Por que nós todos não fazemos as malas e vamos embora? Laurant pode deixar a porta da frente aberta, assim ele não vai ter problemas para entrar. Este é mais ou menos o plano de Wesson, não é, Joe? Mas ele vai ficar em Holy Oaks, pode apostar nisso.
Joe apontou para o disco para lembrar a Nick que o chefe da operação podia estar na escuta, mas ele não deu a mínima. Queria que Wesson soubesse o que ele pensava sobre seus métodos.
Nick soltou o disco de sua camisa e o ergueu à altura da boca para falar diretamente no microfone. - Você quer ser o herói que vai pegar o eldes, não é, Jules? A qualquer preço. Este é o seu plano, não é? Vai ficar lindo no seu currículo, e suas ambições políticas são muito mais importantes do que a segurança de Laurant.
A voz de Feinberg respondeu. - Desculpe desapontá-lo, Nick, mas sou eu quem está monitorando a linha, e não Wesson, e para mim tanto faz vocês falarem disso ou do tempo.
O agente estava fazendo o máximo para proteger Nick, mas seu esforço não seria reconhecido. Wesson não podia prejudicar Nick profissionalmente e, mesmo que pudesse, Nick não teria se importado. Como ele se sentiria se fosse demitido? Aliviado, talvez. Péssima atitude, concluiu ele, mas tampouco conseguia se importar com aquilo.
Morganstern estava certo. Nick precisava de umas férias, e precisava de sexo, muito sexo, mas não com qualquer mulher. Ele queria Laurant.
- Bati. - Laurant sorriu para Joe, mostrando suas cartas.
A chaleira começou a chiar, e Laurant se levantou para preparar o chá. Despejou água nas três xícaras, depois devolveu a chaleira ao fogão e se virou para sair da cozinha.
- Ei, e o seu chá? - perguntou Joe.
- Eu vou subir agora. Acho que quero tomar um banho de espuma bem quente.
Nick cerrou os dentes. Por que diabos ela achava que eles precisavam saber aquilo? Droga. Sua imaginação fugiu do controle, e ele só conseguia pensar naquele corpo perfeito coberto por uma nuvem de bolhas. Ele queria segui-la e entrar na banheira com ela, mas, ao invés disso, foi para o quarto de hóspedes e tomou uma ducha fria.
Joe estava vendo um filme no andar de baixo, então Nick, vestido com seu jeans e a camiseta velha favorita, foi para o quarto de Laurant assistir um programa esportivo.
Theo telefonou para saber como estavam indo. Já era tarde em Boston, mas seu irmão nunca dormia. Ele estava com vontade de falar sobre o último caso bizarro no qual iria atuar como promotor. Nick tentou prestar atenção, mas seus olhos estavam fixos na porta do banheiro e imagens impróprias para menores não paravam de girar na sua cabeça.
- O que você disse? - ele perguntou a Theo.
- Está tudo bem com você?
Não, droga. - É claro - respondeu ele. - Você sabe como são estas coisas. É a espera que me deixa louco.
- Como você não mencionou Laurant? Eu não a vejo há anos. Aposto que mudou muito. O que você achou dela?
- Ela é irmã do Tommy. E isso o que eu acho dela. - Falar daquele jeito fora um grande erro, o que Nick percebeu assim que as palavras saíram de sua boca. Ele soara na defensiva, e a reputação de Theo de ser um promotor de primeira não era só conversa. O irmão voou na sua jugular.
- Então é isso.
- Eu não sei do que você está falando.
- Hum-hum.
- Nada está acontecendo.
- Tommy já sabe?
- Sabe o quê?
- Que você está louco pela irmã dele?
Antes que Nick pudesse responder, Theo riu. - Você vai ter que contar a ele.
Nick imaginou sua mão viajando pela linha telefônica e agarrando o pescoço do irmão. - Theo, se você sabe o que é bom para você, vai parar com essas insinuações. Não há nada para contar. Laurant está bem. Está ótima. O.K.?
- O.K. - concordou ele. - Mas me diga uma coisa.
- O quê?
- Ela ainda tem aquelas pernas maravilhosas?
- Theo?
- Sim?
- Vá para o inferno.
Capítulo 26
ELE ENTROU PELA PORTA DOS FUNDOS.
Tinha tentado usar a cópia da chave que mandara fazer, mas a vagabunda obviamente havia trocado as fechaduras. Por que ela teria feito isso?, perguntou-se. Teria encontrado a câmera? Ele parou no alpendre dos fundos, girando nervosamente a chave na mão enquanto refletia sobre esta possibilidade e por fim concluía que não, ela não poderia ter encontrado. Estava muito bem escondida. Então ele se lembrou de como a fechadura era velha e enferrujada, e supôs que tivesse apenas se quebrado.
Felizmente, ele estava vestindo sua japona preta, e usou-a para proteger a mão e quebrar o vidro. Escolhera o traje para se misturar às sombras da noite e não ser visto pelas duas bruxas ressequidas que moravam na casa ao lado e pareciam gatos sentados nas janelas, sempre espiando para fora. Ele tinha estacionado o carro a três quarteirões dali, outra precaução contra as vizinhas intrometidas, e caminhara até a casa fugindo das luzes da rua e andando junto aos arbustos altos.
Por duas vezes sentiu que alguém estava lhe seguindo, e ficou tão assustado que pensou em desistir e voltar para casa, mas a raiva dentro dele o empurrou para frente. A necessidade de atacar o corroia como um ácido, forçando-o a correr um risco calculado. Ele ansiava por feri-la como um alcoólatra anseia por um gole de uísque. A necessidade não o deixava em paz, e ele sabia que faria qualquer coisa para vingar-se.
Lentamente, ele tirou o casaco, dobrou-o para obter uma camada dupla de proteção, enrolou a mão no tecido e então, imaginando que golpeava o rosto de Laurant, atravessou a janela com o punho, usando muito mais força do que era necessário. O vidro implodiu, espalhando fragmentos pelo corredor dos fundos.
A descarga de adrenalina foi como um orgasmo, e ele quase gritou o nome de Deus em vão de puro prazer. Subitamente, sentia-se poderoso e invencível. Ninguém podia tocá-lo. Ninguém.
Ele não estava preocupado que alguém pudesse ouvi-lo, pois tinha certeza de que casa estava vazia. Nick e Laurant haviam sido apanhados pelo irmão dela e o outro padre para irem ao jantar do ensaio. Ele os vira sair antes de voltar para casa para se aprontar. Agora eram pouco mais de onze horas, e eles não iriam voltar até bem depois da meia-noite. Tempo mais do que suficiente, pensou ele, para fazer o que queria e cair fora.
Esticou o braço para dentro, abriu a tranca interna, empurrou a porta e entrou, resistindo ao impulso de assobiar.
O alarme silencioso começou a piscar no mesmo segundo em que a porta se abriu, mas Nick já sabia que alguém havia entrado na casa. Ele e Laurant tinham voltado mais cedo do que o esperado, e ele estava montando guarda enquanto Joe dormia. Nick estava no corredor do andar de cima, começando a descer a escada, quando escutou o som de vidro sendo quebrado, distante mas inconfundível.
Ele não hesitou. Sacando a arma, abriu a trava de segurança e foi para o quarto de hóspedes alertar Joe. Estava com a mão na maçaneta quando a porta se abriu e o agente apareceu já com a Glock em punho, o cano apontado para o teto. Ele assentiu para indicar a Nick que estava pronto e depois sumiu outra vez na escuridão do quarto, deixando a porta escancarada. Nick apontou para a luz piscante do alarme, e Joe rapidamente o desativou.
Sem fazer um som, Nick deu a volta e entrou no quarto de Laurant, fechando silenciosamente a porta atrás de si. Ela estava dormindo profundamente, de barriga para cima e com os braços estendidos ao lado do corpo, com um livro de memórias de Frank McCourt aberto sobre o peito. Ele parou ao lado da cama, abaixou-se ao lado dela e cobriu sua boca com uma das mãos para que ela não fizesse nenhum barulho ao despertar.
- Laurant, acorde. Temos companhia - Sua voz abafada estava calma.
Ela acordou tentando gritar. Seus olhos se abriram de um salto, e ela tentou focalizá-los enquanto afastava instintivamente aquela mão desconhecida. Então percebeu que era Nick quem a tocava, e registrou suas palavras ao mesmo tempo em que viu a arma.
- Você precisa ficar em silêncio total - sussurrou ele.
Ela compreendeu e assentiu. Nick retirou a mão e ela afastou os lençóis e se sentou na cama num único movimento brusco. O livro esquecido voou de seu peito, e teria batido no assoalho de madeira se Nick não o tivesse agarrado em pleno ar. Ele o devolveu à cama, desligou a lâmpada da cabeceira e depois pegou a mão de Laurant e gentilmente a ajudou a se pôr em pé.
Seu coração estava batendo freneticamente, e ela tinha dificuldade para respirar. O quarto estava tão escuro que eles tiveram que tatear pela parede até encontrarem a porta aberta do banheiro. Nick a fez entrar, e ela estava estendendo a mão para acender a luz quando ele a interceptou.
- Nada de luzes - sussurrou.
Ele recuou novamente para o quarto e fechou a porta do banheiro sem fazer um ruído.
- Cuidado - murmurou ela.
Laurant queria implorar para que Nick ficasse ali com ela, mas sabia que ele não podia fazer isso.
A escuridão no banheiro era total, e ela não ousava se mexer por medo de acidentalmente derrubar alguma coisa e alertar o invasor de que a casa estava habitada. Com a cabeça baixa, cruzou os braços sobre a barriga e ficou totalmente imóvel, enquanto sua mente disparava. Como ela poderia ajudar? O que poderia fazer que não atrapalhasse a ação dos dois?
Ela temia por Nick. O inesperado podia surpreender até mesmo o homem mais experiente. Todos tinham um ponto vulnerável, e Nick não era exceção. Se alguma coisa acontecesse a ele, ela não sabia o que iria fazer. Por favor, Deus, proteja-o.
O silêncio era mortal. Ela pressionou o ouvido contra a porta e se esforçou para escutar alguma coisa. Ficou naquela posição por mais de um minuto - que lhe pareceu uma eternidade - e não captou nada além do som do próprio coração sobressaltado.
Então ela ouviu um rangido leve, como um galho de árvore arranhando uma janela, mas não vinha de dentro da casa, e sim de mais acima. O telhado. Meu Deus, ele estava no telhado? Não, não, já estava dentro da casa, no andar de baixo. Ela tentou se convencer de que o barulho que acabara de escutar fora simplesmente um galho balançado pelo vento.
O som se repetiu, desta vez mais próximo de onde ela estava, e não parecia mais um rangido. Agora soava como um gambá ou esquilo, pensou ela, correndo pelo parapeito do telhado junto à janela do banheiro.
A janela estava trancada? Sim, é claro que estava. Nick teria cuidado disso. Acalme-se. Não deixe sua imaginação voar.
Ela olhou para a janela que ficava acima da banheira, mas estava escuro demais para ver se estava trancada. Ela precisava checar. Se se deslocasse lentamente e com cuidado, não faria ruído algum. Estava começando a se afastar da porta quando viu um ponto de luz vermelha atravessar o vidro e dançar sobre o espelho, muito próximo dela. Esquadrinhando ... procurando um alvo.
Ela ficou de joelhos, depois se deitou no chão e se arrastou lentamente até a banheira, onde pressionou o corpo estendido contra a louça fria. Tarde demais, percebeu que deveria ter saído do banheiro quando tinha chance, pois o ponto de luz a pegaria caso se movesse agora. Ele estava ricocheteando sobre a porta, para frente e para trás, para frente e para trás. Meus Deus, se Nick ou Joe tentassem entrar na peça, quem quer que estivesse no parapeito o teria inteiro em seu campo de visão.
Acalme-se. Raciocine. Como ele poderia ter subido no telhado sem ser visto? Nick lhe dissera que havia agentes vigiando a casa dia e noite, mas havia um terreno arborizado do lado da casa em que ficavam o quarto e o banheiro, e outro terreno vazio atrás do seu quintal. Era fácil subir em uma das árvores centenárias e de lá alcançar o telhado. Fácil, pensou ela.
Mas sem ser visto? Seria complicado, arriscado, mas não impossível. Não entre em pânico. Espere. Talvez fosse um dos agentes do FBI no telhado. Sim, poderia ser. Ele poderia estar vigiando a janela do banheiro para que o louco não tentasse fugir. Todas as aberturas da casa provavelmente estavam sendo monitoradas naquele momento.
Por mais desesperada que estivesse para acreditar na própria teoria, ela não pretendia se levantar para testá-la.
O ponto vermelho estava se movendo outra vez, recuando para o espelho. Laurant aproveitou a oportunidade, agradecendo a Deus pela noite sem luar. A escuridão era uma bênção. Ficou de joelhos para abrir a porta e então engatinhou de volta para o quarto, arranhando o joelho na soleira de metal.
Não tirou os olhos do ponto luminoso, que já vinha novamente em sua direção quando ela fechou a porta. Fazendo uma careta ao ouvir o clique suave do trinco, encostou-se na parede e tentou recuperar o fôlego.
Ela seria capaz de ouvir se alguém tentasse entrar, pois a janela antiga estava empenada e faria muito barulho ao ser forçada. E então ficou sentada, esperando, pronta para saltar como uma mola, com todos os músculos do corpo tensos em antecipação.
Nick escutou o roçar tênue quando ela saiu do banheiro. O que diabos estava fazendo? Por que não tinha ficado lá dentro como ele mandara?
Ele ficou em pé, encostado na parede adjacente à porta do quarto, e silenciosamente abriu uma fresta. Dali enxergava o corredor, fracamente iluminado pela lâmpada acesa em cima da cômoda na outra extremidade do patamar amplo. E ficou esperando que o invasor passasse pela porta de Laurant ou resolvesse entrar.
Escutou-o subindo a escada e soube quando seu pé pisou no quinto degrau, pois este rangia. Se tivesse entrado na casa tantas vezes quanto Nick pensava, ele se lembraria desta particularidade e teria evitado o degrau. Teriam se enganado em relação a ele? Não, não podia ser. Este homem era cuidadoso, um planejador organizado e metódico, todas as informações que tinham reunido sobre ele apontavam para isso. Ainda assim, tinha feito barulho ao entrar na casa, e seu método fora bruto, e não sofisticado. Um tigre não muda a cor de suas listras. Havia casos de assassinos organizados que se desintegravam, como Bundy e Donner, mas levava tempo para que se tornassem negligentes. Este eldes estava exibindo uma mudança radical.
A porta dos fundos se abriu e depois bateu com um estrondo. Quem quer que estivesse subindo a escada tinha saído correndo. Nick escutou passos rápidos no andar de baixo, e depois sussurros ríspidos. Agora eram dois? O que era aquilo? Não fazia sentido algum. Tudo o que tinham inferido sobre o eldes indicava que ele era um solitário.
Até aquele momento. Não, estava tudo errado. Os dois invasores estavam discutindo, mas suas vozes eram sussurros abafados e Nick não conseguia entender nada do que estavam dizendo. Estavam perto da porta da frente, mas somente um deles começou a subir a escada. Nick ouviu o outro se deslocando lá embaixo e depois algo se quebrando, talvez um vaso, pensou, seguido do som de um tecido sendo rasgado. O filho da mãe estava ou procurando alguma coisa ou destruindo a casa de Laurant.
A adrenalina corria por suas veias, e ele mal podia esperar para pôr as mãos nos dois.
O outro intruso já estava no corredor, e tinha uma lanterna. Primeiro o facho de luz, depois a sombra, passaram pela porta do quarto, e seguiram até o armário embutido. Ele estava indo atrás da câmera, percebeu Nick, para removê-la ou religá-la.
Joe acendeu as luzes enquanto se deslocava para o meio do corredor para bloquear qualquer tentativa de fuga. - Parado aí - ordenou, com a arma apontada para o suspeito.
Steve Brenner puxou bruscamente a mão de dentro do armário com o susto, e usou-a para proteger os olhos da luz intensa. - Mas que... - exclamou, dando meia-volta e tentando passar correndo por Nick.
Nick o golpeou do lado da cabeça com a coronha de sua arma. Estonteado, Brenner cambaleou para trás e depois o atacou, seus braços se agitando a esmo como os de um afogado. Nick se esquivou com facilidade, depois lhe acertou um soco no nariz e ouviu o som do osso se quebrando. O sangue jorrou, e Brenner, gritando de dor, caiu de joelhos, levou as duas mãos ao nariz e começou a gritar palavrões.
- Consegue dominá-lo? - gritou Nick, precipitando-se escada abaixo.
- Já estou em cima dele - gritou Joe. Ele empurrou Brenner para o chão de barriga para baixo e o imobilizou pressionando suas costas com os dois joelhos. - Você tem o direito de ficar calado...
Nick desceu a escada com dois saltos, pulou por cima do corrimão e saiu disparando pelo corredor. O odor cáustico de gasolina pesava no ar, e na metade do caminho seus olhos já estavam lacrimejando. Viu o galão virado no chão perto da mesa de jantar, e o vestido cor-de-rosa de Laurant rasgado e encharcado de gasolina ao seu lado. Murmurou uma imprecação e continuou a correr.
Ele captou um relance do perfil de Lonnie quando entrava na cozinha, mas não viu os fósforos.
Lonnie riscou um deles, usou-o para acender todos os outros e jogou a caixa flamejante às suas costas no chão da cozinha. Desesperado para fugir antes de ser apanhado, ele tentou girar a maçaneta, mas suas mãos estavam escorregadias por causa da gasolina, e a porta só se abriu na terceira tentativa. Ele correu para fora, tropeçou no degrau dos fundos e caiu quase no meio do quintal. Pondo-se em pé, atravessou o terreno vazio atrás da casa, gargalhando ao se dar conta de que tinha deixado Nick lá dentro e escapado ileso.
O assoalho estava empapado de gasolina, e o fogo se espalhou instantaneamente, deslocando o ar com um ruído alto e assustador quando os fósforos tocaram o combustível. A brisa que entrava pela porta aberta dos fundos atiçou a parede de chamas, e em poucos segundos a cozinha toda ardia como um inferno. Nick recuou para a sala de jantar, tentando proteger os olhos com os braços enquanto recuperava o equilíbrio, mas o calor era tão intenso que ele não conseguia ir para a frente. O fogo rugia ensurdecedoramente, estalando, sibilando. O chão da cozinha tinha se transformado em fogo líquido, e se movia como uma onda feroz na direção da sala de jantar, devorando tudo em seu caminho.
- Laurant! - gritou Nick enquanto atravessava a sala de estar. Ele pensou ter ouvido guinchos de pneus na frente da casa e parou em frente à porta tempo suficiente para destrancá-la, mas não a abriu porque sabia que o ar fresco apenas alimentaria o fogo.
Joe tinha algemado Brenner e estava tentando colocá-lo em pé, mas seu prisioneiro resistia e lutava.
- Saiam pela porta da frente, mas andem logo. O fogo está fora de controle.
- Aquele filho da puta - berrava Brenner. - Aquele merdinha miserável. Eu vou matá-lo.
Joe fez Brenner se levantar e lhe deu um safanão para que descesse a escada na sua frente.
Nick irrompeu no quarto de Laurant, que já tinha vestido um jeans e mocassins e estava puxando uma camiseta por cima da cabeça.
Ela também tinha reunido alguns pertences. Ele não podia acreditar. A sacola de viagem vazia que ela deixara no chão ao lado do armário agora estava sobre a cama e completamente cheia. A porta do banheiro estava aberta e ele pôde ver que o balcão estava vazio.
- Vamos. - Ele teve que gritar para ser ouvido junto com os gritos de Brenner. - Deixe isso aí - ordenou quando a viu estender a mão para a sacola. - Temos que sair daqui agora.
Ignorando a ordem, ela pegou a sacola e pendurou a alça no ombro esquerdo, e então percebeu que ele estava descalço. Apanhando seus mocassins do chão, empurrou-os para dentro da sacola em cima do álbum de fotografias.
Nick acionou a trava de segurança da arma e a prendeu no coldre. Isso deu a ela mais dois segundos para pegar a carteira, as chaves do carro e a bolsa que estavam em cima da cômoda. Ela estava enfiando os objetos no bolso lateral da sacola quando ele a agarrou, apertou-a contra o próprio corpo e praticamente a carregou para fora do quarto até a escada. Seus dedos se aferraram à alça, e ela podia ouvir a sacola batendo nos degraus atrás dos dois.
A fumaça preta que subia pela escada os envolveu, e Nick empurrou a cabeça de Laurant contra seu peito e seguiu em frente.
Ela escutou um som fantasmagórico atrás de si, como o arquejo de um dragão, e então um rugido crepitante. O condicionador de ar preso à janela da sala de jantar caiu no chão e depois explodiu, com uma força tão grande que as paredes balançaram e o assoalho estremeceu sob seus pés. Segundos depois, as janelas da sala de estar se estilhaçaram, e lâminas de vidro do tamanho de facas de açougueiro foram lançadas sobre a varanda. O fogo sibilou e depois rugiu novamente, alimentado pela lufada de vento trazida pela porta aberta.
Eles saíram da casa no momento exato. Mais alguns segundos e teriam tido que sair por uma das janelas dos quartos. O fogo os seguiu até a rua, as chamas lambendo seus calcanhares. Eles cambalearam pelos degraus e pararam na calçada, tossindo por causa da fumaça inalada.
Ela apertou os olhos para tentar acabar com a ardência. Nick se recuperou mais rápido e logo viu Wesson saltar do carro e correr na direção de Joe e Brenner, que estavam no terreno desocupado ao lado da casa de Laurant. Feinberg ficou no carro, com o motor ligado.
Como os agentes tinham chegado lá tão rápido? Nick pretendia descobrir, mas primeiro o mais importante, pensou, e apertou Laurant. - Você está bem? - perguntou, com a voz rouca de tanto tossir.
Ela se apoiou nele, grata por sua força. - Sim - respondeu. - E você?
- Pronto para outra - disse ele.
Ela olhou em torno, estonteada. A vizinhança inteira estava acordando. As famílias da rua começaram a surgir nas varandas e gramados para assistir o incêndio, e as sirenes já uivavam à distância. Ela viu Bessie Jean e Viola em pé ao lado do velho carvalho do jardim onde costumavam prender o Papai. As duas estavam enroladas em chambres grossos e peludos, um cor-de-rosa e o outro branco, que as faziam parecer coelhos gigantes. Bessie Jean, com rolos na cabeça, estava usando uma rede de cabelo antiquada, com um nó pendendo sobre a testa, e Viola estava secando os olhos com um lenço de renda enquanto observava desconsoladamente o fogo.
Laurant se virou e viu as chamas saindo pelo telhado acima da sala, e só então percebeu que tinham escapado por muito pouco. Mas Nick estava bem, assim como ela, e isso era o que importava.
Ela observou o incêndio e agradeceu a Deus por ninguém ter se ferido. Subitamente, deu-se conta do acabara de ocorrer, e começou a tremer.
- Laurant, o que houve?
- Vocês o pegaram. Acabou Nick, o pesadelo acabou.
Ela deixou cair a sacola e o abraçou. Ele a estreitou nos braços e a ouvir sussurrar: - Obrigada.
- É cedo para comemorar. Ainda há muito o que fazer.
Ela ergueu os olhos para ele. - Ainda não posso acreditar. Quando ouvi ele gritar no corredor, reconheci a voz e soube que era Steve, mas minha cabeça não conseguia aceitar. Fiquei tão chocada.
- Ela respirou fundo e tentou ser mais coerente. - Você me disse que ele era um dos suspeitos, e estava certo o tempo todo.
Ela não conseguia parar de tremer. Secando impacientemente as lágrimas com as costas da mão, lembrou dos homem no telhado.
- Eles eram dois - disse. - Sim, dois - repetiu.
- O outro homem era Lonnie. Ele provocou o incêndio.
- Lonnie? - Ela mesma não entendeu por que ficou tão surpresa ao saber que o filho do xerife estava envolvido. Brenner obviamente fora o autor da idéia, que tinha planejado aquele pesadelo do início ao fim.
Nick estava procurando por Lonnie. Onde diabos ele estava? A esta altura, deveria estar algemado, com pelo menos um agente montado em suas costas.
Willie e Justin atravessaram a rua correndo para ajudar. Justin foi direto ao jardim de Bessie Jean e abriu a mangueira para tentar conter o fogo, num esforço comovente mas totalmente inadequado.
Nick puxou Laurant na direção de Wesson, que estava falando ao telefone.
- Eu o peguei, senhor. Com toda a certeza o peguei, e assim que receber o mandado, estou certo de que vou encontrar mais indícios para incriminá-lo.
- Eu o peguei? - Ela repetiu a mentira de Wesson para Nick.
- Eu ouvi o que ele disse.
Joe também tinha ouvido e estava fitando Wesson com evidente hostilidade. O responsável pela operação ignorou-o e continuou a se gabar no celular de último modelo, menor que a palma de sua mão. Wesson mal conseguia conter o entusiasmo.
- Seguindo os procedimentos padrão, senhor. Foi assim que consegui pegá-lo. E que fique registrado que não se tratou absolutamente de intuição, e sim de muito planejamento e de uma execução cuidadosa. Não, senhor, não foi uma crítica aos seus métodos. Simplesmente quero dizer que foi trabalho duro e nada mais.
O caminhão dos bombeiros surgiu na esquina com a sirene ligada. Feinberg tirou seu carro da frente do hidrante e estacionou em frente à casa de Bessie Jean, depois saiu e correu para onde estava Joe. Como todos os outros, ficou observando o incêndio.
Os bombeiros voluntários com impermeáveis e chapéus amarelos saltaram do caminhão e correram para conectar as mangueiras. O motorista desligou a sirene e gritou: - Ainda há alguém dentro da casa?
- Todos já saíram - respondeu Joe.
Nick estava fervendo por dentro. Ele jurava que se Wesson não largasse aquele maldito telefone nos próximos cinco segundos, iria arrancá-lo de suas mãos e lhe dar uma surra, se aquilo fosse o necessário para conseguir algumas respostas. Onde estava Lonnie? E onde estavam os agentes que deveriam estar vigiando a casa?
- Laurant, quero que você entre no carro e fique lá. Vou estacioná-lo na rua - ele disse, puxando-a pela mão.
Ela percebeu a raiva contida em sua voz. Ele ainda estava agindo como se devesse protegê-la, e ela não entendia por quê. Eles tinham apanhado Brenner, e sabiam quem era o seu cúmplice
- Nick, acabou. - Talvez ele ainda não tivesse digerido a idéia. Sim, só podia ser isso, pensou ela. -Você o pegou. Você e Joe.
- Falamos sobre isso depois - ele disse com secura, abaixando-se para pegar a sacola.
Quando chegaram ao carro, ele murmurou: - Droga, as chaves.
- Estão comigo.
Ele segurou a sacola enquanto ela remexia lá dentro até encontrá-las. Suas mãos estavam tremendo tanto que ela não conseguia enfiar a chave no trinco.
Nick tomou o chaveiro de suas mãos, destrancou a porta do carro e atirou a sacola no banco traseiro.
- Ei, Laurant, por que aquele sujeito está algemado? - perguntou Willie.
Justin veio correndo do jardim das Vanderman. Ele também estava curioso para ouvir os detalhes.
- Aquele não é Steve Brenner? - perguntou Justin. - Ele é o manda-chuva da cidade.
- Mas por que está algemado? O que ele fez?
- Ele invadiu a minha casa.
- Entre no carro, Laurant - Nick segurou seu cotovelo para forçá-la a andar, mas virou-se quando Brenner começou a berrar.
- Tirem estas algemas de mim. Vocês não podem me prender. Eu não fiz nada ilegal. Aquela casa é minha, e se eu quiser colocar uma câmera lá dentro, vocês não podem me impedir. Eu assinei os papéis há duas semanas. A casa é minha, e eu tenho direito de saber o que se passa lá dentro.
A paciência de Joe tinha se esgotado. - O que você tem é o direito de ficar calado. Agora feche essa boca.
Justin estava de queixo caído. - Ele pôs uma câmera dentro da sua casa?
- Onde? - perguntou Willie?
Ela não respondeu, apenas deixou seu corpo pesar contra o de Nick, com os olhos fixos em Brenner. Ele se virou, percebeu que Laurant o observava e lhe dirigiu um sorriso de escárnio. Havia sangue coagulado em seus dentes perfeitamente encapados, e mais manchas vermelhas sobre os lábios. Ele era um réptil.
Brenner não conseguia controlar a sua fúria, e culpava a todos, menos a si mesmo por ter sido pego. Se a cadela não tivesse levado o namoradinho do FBI para dentro de casa, ele não estaria naquela situação. Mais do que qualquer outra pessoa, ele culpava Laurant. Joe segurou-o quando ele tentou se desvencilhar enquanto gritava palavrões para ela. Todos os seus planos estavam arruinados. Maldita.
- Sua puta - gritou ele. - Essa casa agora é minha. Eu paguei muito dinheiro para aquela velha, e sabe de uma coisa? Não há nada que você possa fazer. Quando eu terminar de processar todo mundo, o FBI vai ser meu. Eu tenho direitos - ele acrescentou com um rugido. E então, esperando humilhá-la, disse: -Tenho assistido você ficar nua quase todas as noites. Já vi tudo o que você tem para oferecer.
Ela viu a maldade brilhando nos olhos dele como duas brasas, e não teve dúvida de que ele tinha matado aquelas mulheres. Brenner era obviamente um louco.
- Joe, ponha uma mordaça nele - gritou Nick.
- Tire ela daqui - ordenou Wesson.
Os palavrões de Brenner não a abalaram, mas algumas das mulheres que assistiam à cena não ficaram indiferentes, e uma mãe tapou as orelhas do filho com as mãos. Os vizinhos podiam estar chocados com a conduta de Brenner, mas quando ficassem sabendo a verdade a respeito do monstro que vivia entre eles, iriam ter náuseas.
Nick a colocou no carro, deu ré até a rua e estacionou atrás do veículo de Feinberg.
- Escute aqui. Quero que você fique no carro com as janelas fechadas e as portas trancadas. - Ele ligou o ar-condicionado para que ela não sufocasse com o calor.
- Eu quero ir embora daqui. Podemos ir embora, por favor? Ela parecia estar à beira das lágrimas. - Só mais um minuto -
prometeu ele - Ok? Tenho que falar com Wesson
Ela assentiu sem nenhuma expressão. - Está bem.
Laurant o observou atravessar o jardim correndo, e depois se virou para olhar para a casa. O incêndio parecia ter sido controlado, e ela estranhou não sentir qualquer emoção ao contemplar os destroços. Aquela tinha sido a sua casa, mas agora que pertencia a Brenner, ela nunca mais ia querer entrar ali.
As luzes que piscavam, o burburinho dos curiosos, os gritos de Brenner - aquilo tudo era demais para ela. Levando a mão à testa, recostou-se no assento e começou a chorar pelas duas mulheres que Brenner tinha assassinado.
Elas agora podiam descansar em paz. O monstro não podia ferir mais ninguém.
Capítulo 27
O XERIFE FOI O ÚLTIMO A CHEGAR AO LOCAL. SEU FORD EXPLORER DOBROU a esquina sobre duas rodas, dando uma guinada súbita para não atropelar a pequena Lorna, e patinou até parar no meio da rua. Grunhindo com o esforço para passar a pança por baixo da direção, Lloyd desceu do carro e ficou parado com as mãos nos quadris, observando a situação e tentando parecer importante. Com uma careta de preocupação, para que aqueles que o olhassem soubessem que ele considerava o caso muito sério, ele puxou as calças para cima, aprumou os ombros e subiu no gramado de Laurant.
- O que está acontecendo aqui? - gritou ele.
- O que você acha que está acontecendo? - perguntou Joe. - A casa está pegando fogo.
Lloyd fez uma cara feia para Joe, para informá-lo de que não apreciara o sarcasmo, e então notou que as mãos de Brenner estavam presas para trás e havia sangue em todo o seu rosto. Inclinando o tronco para um lado, ele viu as algemas.
- Epa, por que Steve está com estas algemas?
- Por infringir a lei - retrucou Joe.
- Isso é mentira - vociferou Brenner. - Lloyd, eu não fiz nada ilegal. Faça eles tirarem estas malditas algemas. Elas estão esfolando os meus pulsos.
- No devido tempo - garantiu Lloyd. Seu olhar de águia recaiu sobre Joe, e ele deu um passo ameaçador na direção do agente. - Você não é o sujeito que estava consertando a pia da Lauren? O que está fazendo aqui? Você bateu neste cidadão? O nariz dele parece quebrado. Eu estou lhe fazendo uma pergunta direta, rapaz, e quero uma resposta direta. Você bateu nele?
- Fui eu que bati - disse Nick. - E deveria ter atirado nele.
- Não banque o esperto, rapaz. Este assunto é sério.
- É verdade - concordou Nick. - E se você me chamar de rapaz mais uma vez, eu vou algemá-lo também. Entendeu, Lloyd?
Nervosamente, o xerife deu um passo para trás para criar alguma distância entre ele e Nick, e fingiu contemplar a situação. Na verdade, estava começando a sentir que ia entrar numa fria, mas também sabia que Brenner o mataria se ele não o livrasse daquela confusão. Olhou cautelosamente para Nick. O agente do FBI lhe lembrava um leão da montanha, num segundo relaxado e no instante seguinte mergulhando os dentes no pescoço da presa.
- Lloyd, faça alguma coisa - exigiu Brenner. - Ele quebrou meu nariz. Quero que seja preso.
Lloyd assentiu e se obrigou a encarar Nick. A frieza em seus olhos lhe deu arrepios, mas ele sentiu orgulho por resistir ao impulso de desviar o olhar. - Isso é lesão corporal, agredir um cidadão - disse ele. - Você acha que eu não posso prender um agente do FBI?
A resposta de Nick foi imediata: - Tenho certeza que não pode.
- Merda - murmurou Brenner.
- Isto é o que vamos ver - esbravejou Lloyd. - Steve tem que ir para o hospital cuidar deste nariz, e eu vou levá-lo até lá. Isso é minha responsabilidade, porque esta é a minha jurisdição.
Joe olhou para Nick antes de responder. - Este aqui é o meu prisioneiro, e você não vai tocar nele.
Nick se moveu para ficar ao lado de Joe, numa demonstração de união contra o xerife mas também porque queria ficar de olho em Laurant.
- Agora me diga, por que você está armado? - Lloyd perguntou a Joe, pela primeira vez enxergando a arma e o coldre preso em seu cinto. - Você tem licença para usar esta coisa?
Joe sorriu. - Com toda a certeza. E também tenho um distintivo, quer ver? Aposto que ele é maior do que o seu.
- Você está bancando o engraçadinho, rapaz?
- Ele é do FBI - disse Nick.
Lloyd estava rapidamente perdendo terreno, e precisava encontrar pelo menos uma questão sobre a qual pudesse ter controle.
- Você é o responsável por este incêndio? - perguntou a Nick.
Nick achou que a pergunta não merecia resposta, e enfiou as mãos nos bolsos para não ceder à tentação de pegar o xerife pelo pescoço.
Lorna estava parada a cerca de um metro e meio dos dois, rabiscando furiosamente em seu caderninho. Ela deu um passo hesitante na direção de Nick, viu a expressão em seu rosto e recuou.
Joe fez um gesto chamando Wesson para junto deles.
- Por quê você acha que vai prender o Steve? - exigiu o xerife. - Por queimar sua própria casa?
- Ele já está preso - informou Joe.
- Acusado de quê? - perguntou Lloyd.
- Está havendo algum problema? - indagou Wesson com voz firme enquanto se aproximava.
- Quem diabos é você? - perguntou Lloyd.
- O agente responsável por esta operação - respondeu Wesson. Joe sorriu. - Ele também é do FBI.
- Quantos de vocês estão aqui em Holy Oaks? E o que estão fazendo aqui? Esta é a minha cidade - enfatizou ele. - E vocês tinham que ter falado primeiro comigo se sabiam de algum problema por aqui.
Uma altercação acalorada se seguiu. Lloyd insistia em levar Brenner para o hospital, mas Wesson jamais permitiria aquilo, e também se negava a informar ao xerife quais eram as acusações contra o preso, a despeito dos protestos de Lloyd de que o sigilo de Wesson era inconstitucional.
- A investigação ainda está em andamento.
- Investigação do quê?
Nick estava quase explodindo, mas sua raiva era toda direcionada a Wesson. Ele não pretendia esperar muito mais para obter algumas respostas, e se para isso precisasse discutir em público, era assim que ia ser.
- Dá para acreditar nisso? Os dois estão numa disputa de beleza.
- Bem, eles podem decidir quem é mais poderoso mais tarde. Ei, xerife, onde está o seu filho?
A pergunta distraiu Lloyd. - Por que você quer saber?
- Eu vou prendê-lo.
As sobrancelhas cerradas de Lloyd se ergueram com um salto. - De jeito nenhum. Meu garoto não fez nada de errado. - Com um gesto amplo do braço, ele acrescentou: - Como pode ver, ele nem sequer está aqui.
- Mas estava antes.
- Besteira. - Lloyd cuspiu a palavra. - Estou dizendo que ele não estava aqui, e não vou deixar vocês jogarem a culpa no meu filho. Ele estava em casa comigo a noite toda, assistindo luta livre na televisão.
- Eu o vi - disse Nick.
- Você não pode ter visto, porque, como acabo de dizer, ele estava em casa comigo.
Nick se dirigiu a Wesson. - Quero falar com você em particular. Agora.
Ele viu Lorna começando a andar na direção deles, e então se virou e foi para o terreno baldio, longe dos ouvidos curiosos. Wesson pareceu perturbado, mas seguiu Nick.
- O que foi?
A raiva sublinhava as palavras de Nick. - Onde diabos estavam os agentes que você disse que tinha destacado para vigiar a casa? Se eles estavam aqui, então como Lonnie passou por eles? O garoto saiu pela porta dos fundos.
Os lábios de Wesson formaram uma fina linha de censura. Ele não gostava que ninguém questionasse suas decisões.
- Eles foram embora ontem.
- Eles o quê?
- Eles receberam novas incumbências.
O maxilar de Nick se contraiu. - Quem deu esta ordem?
- Eu. Feinberg e Farley eram apoio suficiente. Achei que eles eram todo o efetivo de que precisávamos.
- E não achou necessário informar Noah ou a mim?
- Não, não achei - respondeu Wesson muito diretamente. - Você se ofereceu para ser o guarda-costas de Laurant, e tomou a iniciativa de chamar Noah para acompanhar o irmão dela. Francamente, se não tivesse conseguido a aprovação de Morganstern, você sequer estaria neste caso. Eu certamente não teria permitido. Você tem uma ligação pessoal com estas pessoas, mas como é um dos favoritos de Morganstern, ele fechou um olho e deixou-o participar. Eu não fecho os olhos para nada - acrescentou. - E não quero nem preciso das suas opiniões. Fui claro?
- Você é mesmo um filho da mãe. Sabe disso, não é, Wesson?
- Sua insubordinação vai constar do meu relatório, agente.
A ameaça não impressionou Nick. - Não se esqueça de checar a ortografia.
- Você está fora deste caso.
Nick explodiu. - Você pôs Laurant em perigo para brilhar sozinho. Isso vai constar do meu relatório.
Wesson estava determinado a não deixar que Nick soubesse o quanto estava furioso. - Eu não pus ninguém em perigo - disse friamente. - Depois que você se acalmar, vai se dar conta de que eu não precisava de uma dúzia de agentes correndo pela cidade para todo mundo ver. É o resultado que conta. Eu peguei o eldes e isso é tudo o que o chefe vai querer saber.
- Você não tem indícios suficientes para provar que Brenner é o eldes.
- Sim, tenho - insistiu ele. - Preste atenção nos fatos. Nem tudo tem que ser tão complicado quanto você pensa. Brenner estava fora cidade e ninguém pode confirmar seu paradeiro. Ele teve tempo suficiente para ir a Kansas City, ameaçar o padre e voltar para Holy Oaks. Teve o cuidado de raspar o número de série da câmera, mas admitiu tê-la colocado na casa, e só veio aqui esta noite porque achava que você e Laurant estariam na festa. Ele foi cuidadoso, mas cometeu um erro. Todos eles cometem erros - ele acrescentou com empáfia. - Também sabemos através de testemunhas que ele estava obcecado por Laurant e tinha planos de se casar com ela. É fácil argumentarmos que ele perdeu a cabeça quando ela o rejeitou.
- Que testemunhas? - perguntou Nick.
- Várias pessoas da cidade já deram depoimentos. Brenner sempre foi o principal suspeito, e você sabia disso. Um dos meus agentes está vindo da casa do juiz com um mandado de busca, e quando ele chegar aqui eu mesmo vou vasculhar a casa de Brenner. Tenho certeza de que vou encontrar mais provas para condená-lo. Usando procedimentos padrão - ele acrescentou presunçosamente.
- É conveniente demais, Wesson.
- Não concordo - rebateu ele. - Foi um trabalho investigativo sólido que nos levou a Brenner.
- Você está deixando o ego interferir no seu discernimento - disse ele. - Não acha estranho que ele tenha decidido trazer outro homem consigo?
- Se você está se referindo a Lonnie, a resposta é não. Brenner simplesmente aproveitou a oportunidade, provavelmente pensando que poderia jogar a culpa no garoto.
- E o que você vai fazer quanto a Lonnie?
- Vou deixar que as autoridades locais tomem conta dele. Nick cerrou os dentes. - A autoridade local por acaso é o pai dele.
Wesson não estava preocupado com aquilo. Resolver pequenos detalhes era tarefa para subordinados. - Se tudo correr conforme o esperado, Feinberg e eu estaremos fora daqui no mais tardar amanhã à noite. Farley está indo agora - acrescentou. - E eu não vejo motivos para você e Noah ficarem mais tempo. Eu falei sério quando disse que você estava fora do caso.
Sem dizer uma palavra nem olhar para trás, Nick se afastou daquele canalha complacente. Wesson estava saboreando a própria glória, e Nick sabia que ele não escutaria nada do que ele tivesse a dizer. Steve Brenner era o eldes. Caso encerrado.
Quando Nick chegou no carro, Laurant olhou para o seu rosto e perguntou: - O que aconteceu?
- Eu estou oficialmente fora do caso. Não que antes estivesse realmente nele - acrescentou sarcasticamente. - Wesson está convencido de que Brenner é o nosso homem. Está esperando um mandado para poder entrar na casa dele.
- Mas isso não é bom?
Ele não respondeu. Wesson estava acenando para ele, tentando chamar sua atenção, mas Nick ignorou-o e deu a partida no carro.
- Nick, responda.
- Está tudo errado.
- Você não acha que foi Brenner?
- Não, não acho. Não tenho motivos concretos, mas minha intuição está me dizendo que ele não é o eldes. É fácil demais. Talvez Wesson esteja certo. Talvez eu esteja tornando o caso mais complicado do que realmente é. Ele fez questão de não informar nada a Noah e a mim, então não sei que provas ele tem que acha tão convincentes. Droga, vamos sair daqui. Tenho que me afastar um pouco para conseguir pensar.
- As Vanderman nos ofereceram seu quarto de hóspedes, e Willie e Justin também oferecerem camas. Eu disse a eles que íamos dormir na abadia.
Nick acelerou. - Você quer ir para lá?
- Não.
- O.K. Então vamos cair fora daqui.
Capítulo 28
ELES SE DIRIGIRAM PARA O NORTE, PARA A REGIÃO DOS LAGOS. ASSIM QUE deixaram a cidade para trás, Nick telefonou para Noah para contar o que havia acontecido, e sugeriu que ele esperasse até de manhã para contar a Tommy.
- Não deixe de enfatizar que Laurant está bem - disse ele. Quando ele desligou, Laurant quis saber: - E quanto à casa? Vi
que você conversou com o chefe dos bombeiros. Está tudo perdido?
- Não - respondeu Nick. - O lado sul está destruído, mas o segundo andar do lado norte ainda está intacto.
- Você acha que os armários se estragaram?
- Está preocupada com suas roupas?
- Eu tinha guardado alguns quadros meus no armário de hóspedes. Tudo bem - ela apressou-se em acrescentar. - Eles não são muito bons.
- Como você sabe que eles não são bons? Já deixou alguém vê-los?
- Eu já disse que a pintura é apenas um passatempo para mim - respondeu ela, com um tom tão defensivo que ele decidiu mudar de assunto. Suas roupas estavam cheirando a fumaça, e eles abriram as janelas para que a brisa limpasse o ar.
Percorreram a estrada principal de duas pistas por mais de uma hora. Encontrar um hotel não seria problema. Havia várias placas perto de cada cruzamento anunciando diárias promocionais da estação. Por fim, Nick entrou numa transversal que ia para oeste e escolheu um hotel térreo localizado a três quilômetros do Lago Henry. A placa berrante de néon roxo e laranja estava piscando, mas a recepção estava às escuras. Nick acordou o gerente, pagou pela noite em dinheiro e, para alegria do senhor de meia-idade, comprou duas camisetas vermelhas extra-grandes estampadas com uma perca branca na frente e o nome do motel em letras garrafais também brancas nas costas.
Havia doze quartos e doze vagas. Nick escolheu o último do corredor e estacionou o carro atrás do motel para que não fosse visto da estrada.
O quarto era simples, mas limpo. O piso era de linóleo xadrez cinza e branco, as paredes eram blocos de cimento pintados de cinza e havia duas camas de casal encostadas na parede do fundo e um criado-mudo de três pernas no meio. A pantalha do abajur de cerâmica lascado tinha se rasgado e fora remendada com fita adesiva.
Passava muito das duas da manhã, e ambos estavam exaustos. Laurant despejou o conteúdo da sacola de viagem sobre a cama, separou os produtos de higiene e os levou para o banheiro. Tomou uma ducha e, quando terminou, lavou sua lingerie de renda e pendurou o sutiã e a calcinha num cabide plástico. Ela não sabia o que fazer com o jeans e a camiseta que estava usando. Levaria horas se tentasse usar o pequeno sabonete para lavá-los, e sabia que as peças não estariam secas pela manhã. Ela teria que vesti-las novamente, mas talvez eles encontrassem um Wal-Mart ou Target no caminho de volta para Holy Oaks onde pudesse comprar roupas limpas e se trocar. Certamente não havia lojas de departamento tão ao norte do estado.
Ela deixou as roupas de lado e secou os cabelos com o secador que estava preso na parede ao lado do espelho com uma correntinha.
Quando saiu do banheiro usando a camiseta nova, com o peixe gigante cobrindo seu peito, Nick sorriu, o primeiro fragmento de emoção que ele demonstrava desde que tinham saído da cidade.
- Você está linda, boneca.
Ela puxou a camiseta até os joelhos. - Eu estou ridícula.
Ele sorriu novamente. - Isso também - admitiu, a caminho do banheiro. - Mal posso acreditar que você trouxe o carregador do meu telefone. Mas fiquei feliz que tenha feito isso.
- Estava na cômoda ao lado dos meus óculos. Eu simplesmente peguei tudo o que consegui. Foi assustador entrar de novo naquele banheiro, e eu só atirei as coisas para dentro da sacola.
Ela levantou as cobertas e deitou em uma das camas. Nick deixou a porta do banheiro aberta enquanto tomava banho. A cortina de plástico transparente do chuveiro não escondia muita coisa, mas ela tentou não olhar, e pôs os óculos somente para fazer uma lista de compras. É claro que dar umas olhadelas para dentro do banheiro era apenas uma curiosidade natural, só isso. Mentirosa. Se ela fosse o Pinóquio, seu nariz agora estaria com um metro de comprimento.
Nick tinha o físico de um deus grego. Ele estava de costas para ela, e os músculos de seus braços e coxas eram incrivelmente bem definidos. Um corpo praticamente perfeito.
Quando se deu conta de que estava se comportando como uma voyeur - e que isso era horrível - ela tirou os óculos para não enxergar nada caso a tentação se tornasse irresistível outra vez. Ele merecia um pouco de privacidade, não?
Ela pegou o controle remoto, sorrindo ao ver que ele também estava acorrentado à parede, ligou a televisão e apertou os olhos para focalizar a tela.
Os dois estavam agindo como se fossem casados há anos. Pelo menos Nick estava. Ele parecia completamente relaxado junto a ela, e sequer tinha olhado duas vezes para as camas de casal. Estava enfrentando a situação com muita calma.
Ela não. Seus nervos estavam em frangalhos, e ela estava ansiosa como uma noiva, como diria Tommy, mas também determinada a não demonstrar. Se Nick desconfiasse que havia algo de errado, simplesmente iria mentir e culpar o trauma daquela noite por seu nervosismo. Não podia lhe contar a verdade, porque seria um fardo terrível para ele, mas tampouco conseguia deixar de pensar qual seria sua reação se ele soubesse o que se passava na cabeça dela.
Será que Nick tinha idéia do que ela sentia por ele? O que ele diria se ela confessasse que o desejava e não se importava com as conseqüências? Uma noite maravilhosa juntos, e a lembrança duraria pela vida inteira. Não um namoro, nem um caso, ela definiu para si mesma. Nick não suportaria isso, e ela também não Mas uma única noite, sem arrependimentos. Ah, como ela queria sentir aqueles braços enlaçando seu corpo, experimentar de novo os beijos e as carícias que não conseguia esquecer.
Mas nada iria acontecer. Nick tinha sido franco com ela desde o início. Ele não queria se casar nem ter filhos, e como sabia que ela queria tudo isso, jamais a tocaria.
Mesmo sabendo que uma relação duradoura entre os dois estava fora de questão, ainda ansiava por tocá-lo. Ela o amava, que Deus a ajudasse. Como tinha se permitido ficar tão vulnerável? Deveria ter antecipado o risco e feito algo, qualquer coisa, para se proteger. Agora era tarde demais. Quando ele a deixasse, iria partir seu coração, e não havia nada que ela pudesse fazer.
Mas saber da dor que a esperava não mudava seus sentimentos. Uma noite apenas, disse a si mesma, era tudo o que precisava, mas sabia que Nick não veria as coisas do mesmo modo, e sim como uma traição ao seu irmão. Ela começou a listar os argumentos que podia usar para tentar convencê-lo.
Eles eram adultos e independentes. O que acontecesse entre eles não era da conta de mais ninguém.
Laurant sabia qual seria a resposta de Nick a este argumento: ela era a irmã de Tommy, e ponto final.
Sabia que Nick gostava dela. Mas será que a amava? Ela tinha medo de perguntar.
Ele saiu do banheiro vestindo uma cueca samba-canção xadrez e secando os cabelos com uma toalha, mas parou quando a viu tão séria e concentrada. - O que houve?
- Nada. Eu estava apenas pensando...
Ele jogou a toalha em cima de uma cadeira, deu a volta na outra cama e afastou as cobertas, depois perguntou: - Sobre o que aconteceu hoje?
- Não exatamente.
- Então sobre o que você estava pensando?
- Acredite, você não quer saber.
- É claro que quero. Conte para mim o que está passando por essa cabecinha - pediu ele enquanto empilhava os travesseiros contra a cabeceira da cama e estendia a mão para apagar a luz.
- Está bem, vou contar. Eu estava tentando descobrir uma maneira de seduzir você.
A mão dele congelou a meio caminho da lâmpada. Ela não podia acreditar que tinha revelado a verdade daquela forma, mas certamente conquistara sua total atenção. Ele ficou inteiramente imóvel, como um coelho ofuscado pelos faróis de um carro, e então lentamente se virou para olhar para ela.
A expressão em seu rosto era impagável, e ela teria rido se não estivesse mortificada. Nick parecia estarrecido. Ele estava obviamente esperando algum esclarecimento, um pedido de desculpas ou até mesmo uma piadinha, ela imaginou, mas francamente não sabia o que lhe dizer, e então deu de ombros como se dissesse "é isso mesmo, acredite se quiser, pense o que quiser".
- Você está brincando? - a voz dele estava rouca. Ela balançou lentamente a cabeça. - Eu choquei você?
Ele deu um passo para trás, sacudindo a cabeça. Obviamente tinha decidido não acreditar nela.
- Você pediu que eu lhe contasse sobre o que estava pensando.
- Sim, mas...
- Eu não estou envergonhada.
O rosto dela estava da cor da camiseta.
- Nem há motivo para isso - ele gaguejou.
- Nick?
- O quê?
- O que você acha do que eu acabei de dizer?
Ele não respondeu. Ela afastou as cobertas e se levantou, e ele rapidamente se afastou dela. Num piscar de olhos, foi para o outro lado do quarto.
- Eu não vou atacá-lo.
- Não vai mesmo.
Ela deu um passo na sua direção. - Nick...
Ele a interrompeu. - Fique onde está, Laurant. - Apontou o dedo para ela enquanto dava a ordem, ou melhor, gritava, e continuou a recuar até esbarrar na televisão, que teria se espatifado no chão se não estivesse parafusada à parede.
Ela estava confusa. Ele estava agindo como se tivesse medo dela, e esta reação bizarra era inesperada. Descrença, talvez, até mesmo raiva, mas medo? Até aquele momento, ela acreditava que Nick não tinha medo de nada.
- Qual é o problema com você? - ela perguntou num sussurro.
- Isso está fora de questão. Este é o problema comigo. Agora pare, Laurant. Pare já.
- Parar o quê?
- De falar bobagens.
Constrangida demais para encará-lo, ela baixou a cabeça e olhou para o piso. Era tarde demais para retirar o que havia dito ou fingir que não dissera nada, e então decidiu tornar as coisas cem vezes piores e lhe contar tudo.
- Não é só isso - ela disse num tom suave.
- Eu não quero ouvir mais nada.
Ela ignorou seus protestos. - Quando você me beija, eu sinto uma coisa estranha, um calor aqui dentro, e não quero que jamais termine. Nunca me senti assim antes, e achei que você deveria saber. - Ela escutou-o gemer em protesto, mas ainda não conseguia olhar nos seus olhos. - E você sabe o que é mais engraçado?
- Eu não quero...
Ela o interrompeu, desesperada para se declarar antes de perder a coragem. - Eu acho que estou me apaixonando por você.
Ela arriscou uma olhadela para ver como Nick tinha recebido a notícia, e então desejou não ter feito aquilo. Ele não parecia mais estar com medo dela. Não, agora sua expressão indicava que ele queria matá-la. Não era o que ela considerava exatamente um passo na direção certa.
Mas estava determinada a piorar as coisas. - Não, eu não estou me apaixonando por você. Eu amo você - insistiu com teimosia.
- E quando diabos isso aconteceu? - ele exigiu saber. A raiva em sua voz machucava como um chicote, e Laurant sentiu as lágrimas invadirem seus olhos.
- Eu não sei. - Ela parecia desconcertada. - Simplesmente aconteceu. Eu certamente não planejei nada. Você não é a pessoa certa para mim - disse ela. - Eu não suportaria ter um caso. Eu quero tudo, casamento até que morte os separe e filhos, muitos filhos. E você não quer nada disso. Eu sei que não há futuro para nós dois juntos, mas pensei que, se pudesse persuadi-lo a fazer amor comigo só desta vez, seria suficiente. Não mudaria nada.
- É claro que mudaria.
- Oh, pelo amor de Deus, pare de me repreender. Esqueça o que eu disse. E, a propósito, considero sua reação um insulto. Eu achava que você sentia... que gostava tanto quanto eu... deixe para lá. Um simples "não, obrigado" teria sido o bastante. Você não precisava demonstrar com tanta veemência como a idéia de dormir comigo o desagrada.
- Droga, Laurant, procure entender.
- Eu entendo muito bem. Sua posição ficou perfeitamente clara: você não me quer.
- Você está chorando? - A pergunta soou como uma ameaça. Ela preferia morrer a admitir que sim. - Não, é claro que não.
- Ela secou as lágrimas do rosto, mas elas continuaram a jorrar. - É só impressão.
- Ah, Laurant, não chore - ele implorou.
Ela tentou passar por ele para entrar no banheiro, mas Nick estendeu o braço e a puxou em sua direção. Ela se aninhou no seu peito e deixou as lágrimas virem. Ele a abraçou, beijou o alto de sua cabeça e depois sua testa.
- Agora me escute, Laurant. - Ele soava como um homem se afogando, desesperado por socorro. - Você não sabe o que está dizendo. Você não me ama. Coisas muito ruins aconteceram e você está assustada, suas emoções estão confusas.
Ele sabia o que estava acontecendo com ela. Laurant estava confundindo gratidão com amor. Era compreensível, dadas as circunstâncias. Sim, era isso. Ela não podia se apaixonar por ele. Era boa demais, delicada demais, perfeita demais, ele não a merecia. Tinha que colocar um ponto final naquilo, antes que fosse tarde demais.
- Eu sei o que se passa no meu coração, Nick. Eu amo você.
- Pare de dizer isso.
Ele parecia zangado, mas ao mesmo tempo a beijava afetuosamente, de uma forma muito delicada. Ela não sabia como interpretar aqueles sinais contraditórios, mas tampouco conseguia parar de tocá-lo e se afastar dele.
- Meu bem, por favor, pare de chorar. Está me enlouquecendo. ' - São as minhas alergias - ela choramingou junto ao seu pescoço.
- Você não tem alergias - sussurrou ele, roçando os lábios contra o pescoço dela. Ele adorava seu aroma. Ela cheirava a flores, sabonete e mulher.
Ele estava perdido, e sabia disso. Tomou o rosto de Laurant nas duas mãos e secou suas lágrimas com beijos. - Você é tão linda - sussurrou, e sua boca cobriu a dela, exigente e apressada, a língua acariciando-a por dentro. Ele começou a tremer como um adolescente na primeira tentativa de fazer amor. Só que aquela não era uma cena desajeitada. Era perfeita.
Deus, como ele queria aquilo, e, ainda assim, uma parte dele tentava fingir que estava meramente consolando-a. Até sua mão escorregar para baixo da camiseta e acariciar sua pele quente e sedosa. Para o diabo com o consolo. Ele a desejava com uma intensidade ardente, que o fazia tremer por dentro e o apavorava.
Ele não conseguia parar de correr as mãos por seu corpo. Era tão bom senti-la assim junto a ele, tão macia, tão perfeita. Logo estava puxando a camiseta dela acima da cabeça e tentando beijá-la ao mesmo tempo em que dizia que eles não podiam fazer nada de que fossem se arrepender ao raiar do dia.
Ela concordou freneticamente enquanto procurava o elástico de sua cueca e a puxava para baixo. Suas mãos deslizaram para as coxas dele e começaram a acariciá-lo intimamente.
Seus dedos eram mágicos, o toque de pena em sua virilha uma tortura sublime. Ele estava rijo e pulsante, e quando percebeu que não iria durar nem mais um minuto se ela continuasse a acariciá-lo, pegou as mãos dela e as colocou em torno de seu pescoço. Depois, pressionou com avidez o corpo contra o dela, e a sensação daqueles seios túrgidos em seu peito quase o levou à loucura. A pele aveludada de Laurant se esfregava contra a dele enquanto ele tentava devorá-la com sua boca.
Nick a afastou. - Espere, tenho que protegê-la - sussurrou, e então foi até o banheiro pegar o que precisava no kit de barbear que ela felizmente também havia resgatado do incêndio. Ao retornar, fez uma pausa. - Laurant, eu... - Qualquer hesitação que ele pudesse ter sentido desapareceu quando ela colou seu corpo no dele e o beijou.
Eles caíram sobre a cama juntos, braços e pernas enlaçados. Ele inverteu as posições para ficar em cima dela, afastando suas coxas para poder descansar entre elas. Ergueu a cabeça e olhou para seus lábios cheios, e se sentiu dominado pela beleza de Laurant.
Sua mão subiu para um seio, os dedos lentamente circundando o mamilo rijo. Ela arquejou e fechou os olhos, mostrando o quanto gostava daquela carícia, e ele a repetiu muitas vezes, observando sua reação excitada.
Ele estava determinado a diminuir o ritmo, para dar a ela o máximo de prazer antes de se entregar.
- Eu desejo você há tanto tempo - sussurrou ele. - Desde o momento em que a vi, quis ter estas longas pernas em torno de mim. Não conseguia pensar em mais nada.
Seu rosto estava afogueado pela paixão, e os olhos azuis brilhavam perigosamente. Com delicadeza, ela correu as pontas dos dedos pelo seu maxilar e depois desceu para a garganta.
- Sabe o que mais eu queria?
E ele mostrou, com as mãos e a boca, aquilo em que vinha pensando. Ele sabia onde tocar, quanta pressão exercer, quando recuar. Ela se movia ritmadamente contra ele, suas carícias se tornando mais e mais exigentes até as unhas se cravarem nos ombros dele e ela implorar para que ele desse fim àquele delicioso suplício.
Ele a estava enlouquecendo com a boca, enquanto as mãos deslizavam por todo o seu corpo. Os dedos acariciaram o interior das coxas, tão macias, tão sensíveis. Ele sentiu que ela arqueava as costas e escutou-a gemer quando seus dedos deliberadamente roçaram os anéis sedosos entre suas coxas. Ele adorou o som sensual que ela emitiu quando a tocou tão intimamente.
Ele fez amor com ela, explicando sem palavras o quanto a adorava.
Laurant nunca tinha vivenciado um êxtase como aquele. Sensações sublimes se espalhavam por todo o seu corpo. Ela arqueou o corpo novamente, pressionando-o contra o dele, agora com muito mais urgência.
- Agora, Nick... por favor. Oh, Deus, agora...
Ele arremeteu com ímpeto, incapaz de conter um gemido de pura satisfação ao se tornar parte dela, e gemeu outra vez quando ela o enlaçou com as pernas. A realidade era muito melhor do que a fantasia, e ela era melhor do que qualquer coisa que ele pudesse ter imaginado. Inteiramente imerso nela, encostou a cabeça na curva de seu pescoço e respirou fundo, acalmando-se para tentar diminuir o ritmo. Nick estava determinado a tornar aquele ato de amor inesquecível.
Ele começou a se mover lentamente dentro dela. - Gosta disso?
- Sim - ela exclamou.
- E disto? - sussurrou, enquanto suas mãos deslizavam entre seus corpos unidos para acariciá-la. Seu grito de êxtase foi todo o incentivo de que ele precisava. Laurant enlaçou seu pescoço e o puxou para um beijo longo e quente.
- Não pare jamais - ela sussurrou.
Ele arremeteu fundo mais uma vez. Ela ergueu os quadris, esforçando-se para receber o máximo de seu calor dentro de si. Ela queria agradá-lo, mas na teia de paixão que ele tinha criado, não havia lugar para preocupação ou para o medo de desapontá-lo.
Nenhum dos dois conseguia diminuir o ritmo, ambos agora sôfregos para alcançar o alívio.
Ela chegou ao clímax antes dele, e começou a soluçar com beleza de sua entrega e o amor que sentia por Nick. Ele sentiu-a tremer em seus braços quando todo o seu corpo se retesou em torno dele, e com um grito de prazer, encontrou o êxtase no fundo de seu corpo. O orgasmo foi diferente de qualquer outro que ele já tivesse experimentado, mas Nick não questionou nem compreendeu a diferença. Meramente aceitou que aquele momento era único e tão especial que ele nunca mais seria capaz de se contentar com menos.
Ele permaneceu dentro dela por um longo tempo, mas quando finalmente rolou para o lado e a abraçou, ela se enroscou nele e suas mãos brincaram com o emaranhado de pêlos crespos do seu peito.
Laurant estava emocionada demais para falar, e mal conseguia formar um pensamento coerente. Quando finalmente conseguiu respirar outra vez, ergueu o rosto para encará-lo.
Ela mergulhou naqueles olhos azuis profundos, ainda intensos dos resíduos da paixão, e sorriu, arqueando-se contra ele como um gato bem alimentado. Adorava a sensação de seu corpo rijo junto ao dela, e as cócegas que os pêlos de suas pernas faziam em seus dedos dos pés.
Ela o amava. Agora e sempre, admitiu. Então viu a preocupação se insinuar nos olhos dele, e tentou pensar numa maneira de espantar o arrependimento que sabia que logo começaria a sentir. Beijou-o longamente e então sorriu para ele outra vez. - Sabe o que eu penso?
- O quê? - perguntou ele em meio a um bocejo, ainda exausto e satisfeito demais para se mexer.
- Eu poderia ficar muito boa nisso.
Ele gemeu, mas logo ela sentiu o ronco baixo aumentando em seu peito e ele subitamente começou a rir. - Se melhorar ainda mais, vai me matar.
- Você também gostou?
- Como pode me fazer esta pergunta?
Ela deslizou um dedo sobre o músculo saliente de seu ombro, notou a tênue cicatriz dentada no antebraço e a beijou.
- O que foi isso?
- Futebol.
- E isso? - ela perguntou, tocando uma cicatriz no quadril.
Foi uma bala?
- Futebol - repetiu ele. Ela pareceu não acreditar. - É verdade - disse. - Um zagueiro desleal.
- Você já foi baleado? - Sua voz tremeu quando ele fez a pergunta.
- Não - respondeu ele. - Esfaqueado, surrado, chutado, arranhado e cuspido, sim, mas baleado, não. - Ainda não, pelo menos, acrescentou para si mesmo. Havia uma cicatriz de ferimento a faca - um picador de gelo, na verdade - em suas costas, perto do rim esquerdo. Se fosse alguns centímetros acima, ele não teria sobrevivido. Talvez Laurant não notasse aquela cicatriz, mas se ela perguntasse, ele não iria mentir.
- A maioria das cicatrizes são do futebol - disse ele.
Ela correu os dedos entre os cabelos dele. - Exceto as internas.
Ele afastou sua mão. - Não comece a ficar sentimental. Todos temos nossas cicatrizes emocionais.
Ele estava tentando se fechar, distanciar-se emocionalmente, mas ela não permitiria que ele se acovardasse. Quando Nick afrouxou o abraço e disse que estava na hora de dormirem um pouco, ela ignorou a sugestão e rolou para cima dele. Apoiando o queixo nas mãos, olhou bem dentro de seus olhos.
As mãos dele já estavam nos seus quadris. Ele queria fazê-la sair de cima dele e dormir antes que fosse obrigado a ceder ao desejo e fazer amor com ela outra vez, mas não conseguia soltá-la.
- Prometa uma coisa, e eu deixo você dormir - ela disse.
- O quê? - Ele soou desconfiado.
- Não importa o que aconteça...
- Sim?
- Sem arrependimentos. Combinado, Nick? Ele assentiu. - E quanto a você?
- Sem arrependimentos - prometeu ela.
- Combinado - ele disse.
- Diga.
Ele suspirou. - Sem arrependimentos.
E ambos estavam mentindo.
Capítulo 29
O DESTRUIDOR DE CORAÇÕES NÃO GOSTAVA DE SURPRESAS, A MENOS, É CLARO, as preparadas por ele mesmo.
Aquela fora uma noite repleta de surpresas desagradáveis. Ele . já sabia que o mula o estava ridicularizando, e tinha mantido o sangue-frio. Esperava a estupidez dos mulas, e por isso ficou apenas ligeiramente incomodado ao ouvir alguns dos insultos que lhe estavam sendo dirigidos. Paus e pedras... palavras não o atingiam. Até aquela noite, quando soube que Laurant também estava espalhando mentiras vis. Ela o chamara de impotente. Ele mal podia suportar a idéia de seus lábios formando aquela palavra horrenda. Como ela ousava trai-lo? Como ousava?
Ele tinha que revidar, e queria agir rápido. A necessidade de puni-la sobrepujava a cautela. Quanto tempo ele tinha ficado escondido no terreno dos fundos, olhando para as janelas da casa? Pelo menos uma hora, talvez duas. Ele não sabia. Quando a necessidade o dominava, o tempo deixava de ter importância.
E então ele tinha visto Lonnie. O garoto imbecil estava subindo na árvore, a mesma árvore que o Destruidor de Corações tinha usado inúmeras vezes para entrar na casa dela e observá-la durante a noite.
Ele viu Lonnie engatinhar pelo telhado e deslizar para a saliência em frente à janela do banheiro. Exatamente como ele havia feito. Garoto esperto, pensou. Seguindo meus passos.
Enquanto esperava para ver o que Lonnie ia fazer, sua atenção foi distraída por outro homem. O bom e velho Steve Brenner estava se esgueirando pela porta dos fundos de Laurant. O que ele poderia estar querendo?
O cachorro da casa ao lado não poderia denunciá-lo. O Destruidor de Corações tinha matado o animal para poder se deslocar livremente no jardim durante a noite. Ele se livrara do cachorro barulhento, e agora Lonnie e Steve Brenner estavam tirando vantagem do seu trabalho.
As surpresas se sucederam, até a casa estar em chamas e Brenner cercado de mulas.
Ele podia ir embora agora, e ninguém o notaria. Eles achavam que tinham pego o culpado. Depois de ter dado uma caminhada rápida pelas ruas de Holy Oaks e ter encontrado o que estava procurando, ele havia feito um pequeno depósito e tomado alegremente seu rumo. A oportunidade tinha caído no seu colo. Sim, ele podia desistir agora, mas queria fazer isso? A pergunta agora o perseguia.
Que dilema. Sim, senhor. Ele podia? Ele queria?
Sua obsessão o estava transformando num assassino frio. Não, isso não era verdade, ele foi obrigado a admitir. Ele já era um assassino. Um assassino perfeito, acrescentou. Seu ego insistia em receber o que lhe era devido. Uma parte dele era capaz de analisar a situação e reconhecer o que estava acontecendo, mas ele não conseguia se obrigar a lamentar a perda daquilo que os outros chamariam de sua sanidade. Ele não era louco. Não, claro que não. Mas era vingativo, sem dúvida alguma. Era seu dever sagrado devolver o que lhe fora impingido.
Ele deu voltas pelo pequeno quarto, planejando e vociferando. Aquele garoto desprezível tinha atrapalhado muito, e ele não podia permitir que se safasse de uma punição, podia? Por causa dele, um plano perfeito havia sido arruinado, e o que ele pretendia fazer a respeito?
Aquele ingrato o estava forçando a acelerar sua escala de atividades. Aquilo era uma grande inconveniência, e Lonnie devia pagar, não é mesmo? Certamente que sim. O que era justo, era justo, afinal de contas, e além do mais, ele já tinha notado que Laurant não gostava do jovem mandrião. Mas também, quem gostava? Talvez fosse hora de mostrar a ela o quanto ele se importava com seus sentimentos. Decidiu lhe dar um presente, algo especial... como o baço ou o fígado de Lonnie, talvez. Jamais seu coração. Ele queria agradá-la, não insultá-la, e não a induziria a pensar que Lonnie era um destruidor de corações. Não, senhor.
Ele olhou para o relógio no criado-mudo. Oh, meu Deus, como o tempo corria! Tanto a fazer, e tão pouco tempo, graças ao jovem Lonnie. Ah, mas ele iria pagar, com seu baço e seu fígado, e talvez até um rim ou dois. Mas tudo a seu tempo, ele lembrou a si mesmo. Havia tarefas a serem concluídas.
A preparação, afinal de contas, era tudo. A festa tinha que ser perfeita.
Capítulo 30
ELA ADOROU DORMIR COM ELE, SEGURA EM SEUS BRAÇOS E COM AS PERNAS imobilizadas por uma de suas coxas. Foi a primeira a despertar, mas Nick parecia tão tranqüilo que ela não quis perturbar seu descanso e ficou totalmente imóvel enquanto estudava seu rosto com o olho crítico de uma artista. Ele tinha um perfil maravilhoso. A linha desenhada de seu maxilar, o nariz reto, a boca perfeita. Ela queria pintá-lo, capturar a força que via em seus olhos, e se perguntou se ele saberia o quanto era bonito. Mas era um homem tão prático que talvez não tivesse tempo para este tipo de pensamento ou vaidade.
Ela queria que ele acordasse e os dois fizessem amor, porém sabia que isso não iria acontecer. Ele a procurara muitas vezes durante a noite, mas agora era de manhã e tudo havia mudado. Ela lhe pedira uma noite, e o custo tinha sido alto. Não podia nem queria pedir mais.
Como faria as coisas voltarem a ser o que eram? Ela era uma mulher forte, podia fazer qualquer coisa que decidisse, e era mestre em esconder seus sentimentos. Poderia fingir que tudo não passara de uma noite gloriosa de sexo recreativo, um meio simples de aliviar tensões e frustrações acumuladas... mas, oh, Deus, como conseguiria convencer a si mesma? Ela desejou ser mais experiente. Tivera muitas colegas de escola na Europa e de trabalho em Chicago que acreditavam que não havia nada de mais em passar a noite com um homem que tinham acabado de conhecer e depois nunca mais vê-lo. As mulheres também tinham suas necessidades, afinal de contas. O que havia de errado com um interlúdio de uma única noite? Tudo, pensava Laurant. Porque o coração tinha que estar envolvido. Ela jamais poderia ter se entregue a Nick tão completamente se já não tivesse assumido um compromisso e reconhecido que o amava.
Lembranças... ela teria as lembranças daquela noite juntos, e seria o suficiente. Fechou os olhos. Queria mais do que lembranças. Queria acordar ao lado de Nick todas as manhãs, pelo resto de sua vida.
Ela odiava sentir-se tão vulnerável, e pediu a Deus que houvesse um modo de se fortalecer. Levantando o lençol, empurrou a coxa de Nick e saiu da cama.
Sem arrependimentos.
Os dois estavam com pressa de deixar o motel. Ele queria sair do quarto antes que a agarrasse, a jogasse na cama e fizessem amor outra vez, e ela queria sair o mais rápido possível antes de começar novamente a chorar... como a garota idiota e provinciana que era.
O silêncio entre os dois era tenso e horrivelmente desconfortável. Ela olhava pela janela enquanto ele dirigia, tentando adivinhar o que ele estaria pensando, mas sem ousar perguntar.
Nick estava silenciosamente acusando a si mesmo de ser um canalha. Que tipo de homem era ele para se aproveitar da irmã do seu melhor amigo? Um canalha pervertido era o que ele era, e Tommy jamais, jamais iria entender.
Arrependimento? É claro que ele estava arrependido, mas sabia que se tivessem ficado naquele quarto mais cinco minutos, teriam feito amor outra vez.
Eles pararam num supermercado à beira da estrada principal e passaram meia hora fazendo compras. Em um posto de gasolina, Laurant se trocou enquanto Nick comprava duas Cocas Light na máquina. Quando ela saiu do banheiro, estava usando uma blusa xadrez branca e rosa de sete dólares e uma calça jeans desbotada de quinze, mas as roupas baratas pareciam peças de grife em seu corpo. O tecido abraçava suas curvas deliciosas, e ele teve que desviar o olhar até seus batimentos cardíacos se acalmarem. Um tarado, pensou. Sou pior doque um tarado. Depois olhou para ela outra vez e notou que seus cabelos tinham um brilho acobreado ao sol, e então se lembrou da sensação dos cachos macios quando ela tinha se deitado sobre seu corpo. Percebendo o que estava fazendo, ele se repreendeu outra vez. Tinha a disciplina de um porco.
Ela andou até o Carro, Flutuando acima do chão com os Passos lânguidos de suas pernas intermináveis. Ele lhe entregou a lata de
Coca com um semblante de reprovação, como se ela tivesse feito alguma coisa ofensiva, depois sentou atrás da direção e não disse outra palavra por uns trinta quilômetros. Por mais que tentasse se concentrar na estrada e em outros assuntos importantes, ele não conseguia evitar olhar para ela a cada cinco minutos. Laurant tinha uma boca extremamente sensual, e quando ele pensava nas coisas que havia feito com ela, sentia um aperto no peito.
Ele não conseguia bloquear as imagens. - Droga
- Como?
- Deixe para lá.
- Pete já telefonou para você?
- O quê?
Ele estava irritadiço como um lince faminto. Ela repetiu calmamente a pergunta.
-Não - ele resPondeu com secura. - Eu lhe disse que ele estava a caminho de HUStOn. O avião só deve pousar daqui a uma hora.
- Não, você não me disse isso.
Ele deu de ombros. - Achei que tinha dito
A estrada fez uma curva para o leste e o sol os cegou Nick pôs os óculos e tomou um longo gole da lata de refrigerante
- Você sempre é tão mal-humorado de manhã?
- Nós estamos vivendo juntos há tempo suficiente para você saber a resposta a esta pergunta. O que acha?
- Você está azedo - disse ela. - É isso o que eu acho
- Azedo? O que diabos isso quer dizer?
-Quer dizer que você está se comportando como um idiota - ela explicou calmamente. - O que acha que está causando isso?
Puxa, eu não sei, pensou ele. Talvez o fato de que eu passei uma boa parte da noite transando com a irmã do meu amigo.
Ele achou mais prudente ficar calado. Terminou sua Coca e largou a lata no porta-copos.
- Ainda está com sede? - ela perguntou, oferecendo sua bebida.
- Você não quer?
- Pode ficar.
E assim a conversa foi suspensa por mais dez minutos. Laurant esperava que ele deixasse de lado o que quer que o estivesse incomodando, mas quando não conseguiu mais suportar o silêncio, disse: - Imagino que a esta altura Noah já tenha contado tudo a Tommy.
- Meu Deus, espero que não. Sou eu quem deve contar a ele, não Noah.
- Ele vai ficar sabendo - começou ela.
- Eu vou contar a ele - insistiu Nick.
Só então ela percebeu que eles poderiam não estar falando da mesma coisa. - O incêndio, Nick, eu perguntei se você achava que Noah já tinha contado a Tommy sobre o incêndio - explicou. - E sobre a prisão de Steve Brenner.
- Ah. Sim, tenho certeza de que ele já sabe. Pelo menos espero que Noah tenha falado com Tommy antes dele ler o jornal.
- Sobre o que você estava falando?
- Não importa.
- Eu quero saber. Diga.
- Nós - disse ele, cravando os dedos na direção. - Achei que você estava perguntando se Noah tinha contado a Tommy sobre nós.
A cabeça de Laurant seu um salto. - E você disse que é você quem deve contar a ele? Foi isso, não foi? - Ela parecia incrédula.
- Sim, foi exatamente o que eu disse.
- Você está brincando, não é?
- Não, não estou.
- Você não vai contar nada ao meu irmão sobre ontem à noite. - Ela foi veemente.
- Eu acho que devo - argumentou ele, subitamente parecendo calmo e razoável.
Ela pensou que ele estivesse louco. - Absolutamente. O que aconteceu fica entre nós dois.
- Normalmente, eu concordaria - disse ele. - Mas você é... diferente. Eu tenho que contar a ele.
- Eu não sou diferente.
- Sim, minha querida, você é. Seu irmão é o meu melhor amigo, e por acaso também é padre. Eu tenho que contar a ele, é a coisa mais decente a fazer. Além do que, ele vai acabar descobrindo. Vai perceber.
- Tommy não é clarividente.
- Eu nunca fui capaz de esconder nada dele, desde a segunda série. Ele sempre sabe o que se passa na minha cabeça, e já me livrou de muitos problemas. Quando estávamos na universidade, era como se ele fosse a minha consciência. Não, eu não vou mentir para Tommy.
Ela sentiu uma dor de cabeça de aproximando. - Você não precisa mentir. Não tem que dizer nada.
- Estou lhe dizendo, ele vai perceber. Eu tenho que contar.
- Você perdeu a cabeça?
- Não.
- Não vai contar nada a ele. Eu sei que tem a sensação de que nós o traímos, mas... - Ele não a deixou terminar. - É claro que sinto que o traí. Ele confiou em mim, droga.
A estrada estava deserta, e ele parou o carro no acostamento.
- Sei que vai ser um pouco estranho para você, mas vai superar - disse.
Ela não podia acreditar que eles estivessem tendo aquela conversa. - Nick, meu irmão confiou que você garantiria minha segurança, e você fez isso. Não precisa contar a ele sobre ontem à noite.
A surpresa havia dado lugar à raiva e ao constrangimento, e Laurant ficou tão abalada que lágrimas afloraram em seus olhos. Ela tinha jurado que não choraria na frente dele outra vez.
- Eu não fiz nada de que possa me envergonhar - insistiu ela. - E você prometeu que não se arrependeria.
- É, bem, eu menti.
Ela lhe deu um soco no ombro. - Se você se sente tão culpado, vá se confessar.
Ela tinha um olhar feroz, e ele só conseguia pensar em como ela ficava bonita quando estava brava. Ele não se surpreenderia se faíscas saltassem dos seus olhos.
- Pensei em me confessar - admitiu ele. - E então imaginei o punho de Tommy atravessando a treliça, e concluí que não seria correto. Não posso contar a ele desta maneira. Tem que ser frente à frente.
Ela levou a mão à testa para tentar acalmar a dor. - Eu não quis dizer se confessar com Tommy - disse. - Fale com outro padre.
- Calma, não se altere.
- Você não tem que sentir culpa de nada - exclamou ela. - Fui eu que o seduzi.
- Não, não foi.
- É claro que sim.
- Muito bem - disse ele. - Então me diga, como fez isso?
- Eu chorei, e fiz você sentir pena de mim.
Ele revirou os olhos. - Entendo - ironizou ele. - Então eu fiz amor com você por pena? É isso que você pensa?
Ela cogitou seriamente sair do carro e voltar para a cidade a pé.
- Deixe eu lhe perguntar uma coisa - disse ela então, tentando fazê-lo perceber o quanto estava sendo teimoso e irracional. - Você já dormiu com outras mulheres, não é verdade?
- Sim - concordou ele. - Quer saber com quantas?
- Não - ela retrucou. - Eu quero saber o que aconteceu depois que vocês fizeram sexo. Você se sentiu obrigado a contar às mães delas?
Ele riu. - Não, certamente que não.
- E então?
- Como eu disse antes, benzinho, você é diferente.
Ela cruzou os braços sobre o peito e olhou para a frente. - Não vou mais discutir este assunto com você.
- Laurant, olhe para mim. E se eu lhe prometer uma coisa?
- Para que se preocupar? Você não cumpre suas promessas.
- Me fazer prometer que eu não me arrependeria foi uma bobagem, de modo que não conta. Mas esta promessa eu vou cumprir - garantiu ele. - Se Tommy não perguntar, eu não vou contar. Não vou dizer nada ao seu irmão por alguns dias. Isso vai lhe dar tempo suficiente para se acalmar.
- Isso não basta - retrucou ela. -Já que você faz questão de ser indiscreto, vai ter que esperar até voltar para Boston.
- Eu tenho que contar pessoalmente, para que ele possa me dar um soco, se quiser.
- Boston - ela sibilou por entre os dentes cerrados.
Ele finalmente cedeu. Eles voltaram para a estrada e retomaram o caminho de casa.
- Nick?
- Sim?
Ele agora parecia francamente alegre. Sem dúvida nenhuma, era um homem exasperante.
- Mais alguma bomba que você queira soltar no meu colo antes de chegarmos em casa?
- Bem, na verdade, há mais uma coisinha que talvez eu devesse mencionar.
Ela se preparou mentalmente. - O que é? Não, deixe-me adivinhar. Você quer publicar no jornal? Ele riu. - Não.
- Então o que é? - Agora ela parecia irritada.
- Quando eu voltar para Boston...
- Sim?
- Você vai comigo.
- Por quê?
- Por que eu não vou perder você de vista até estar convencido de que prendemos o homem certo.
- E quanto tempo isso vai levar?
- O tempo que for necessário. Até eu ficar satisfeito.
- Não posso fazer isso.
- Você vai comigo - retrucou Nick.
- Ficarei com você em Boston durante as comemorações do aniversário da abadia, mas depois tenho que voltar. Preciso encontrar uma casa nova, abrir minha loja, decidir o que vou fazer daqui em diante. Preciso de tempo para digerir as coisas.
- Quero conversar com você sobre uma outra coisa enquanto penso na sua proposta.
- Sim?
- Você não está apaixonada por mim. Ela piscou. - Não estou?
- Não - disse ele enfaticamente. - Você só acha que está, porque está confusa - explicou. - Passou por um estresse muito grande, e nós estivemos juntos o tempo todo.
Ela sabia onde ele estava querendo chegar. - Entendo.
- Transferência.
- Como?
- Isso se chama transferência. É como quando uma paciente se apaixona por seu médico. Não é real - sublinhou ele.
- É disso que eu estou sofrendo?
- Sofrendo, não, querida - disse ele. - Mas acho que você confundiu gratidão com amor.
Ela fingiu refletir sobre aquela possibilidade por um instante, e depois disse: - Acho que você pode estar certo.
Ela jurou para si mesma que, se Nick se mostrasse minimamente aliviado com aquela afirmação mentirosa, bateria nele.
- Acha mesmo? - Ele parecia um pouco surpreso.
- Sim, acho - disse Laurant com mais ênfase.
Ele queria confirmação. - Então você se dá conta de que não me ama?
Não, pensou ela. Eu me dou conta de que confessar meu amor lhe apavora, porque significa um compromisso e um risco.
- Exatamente - disse. - É a tal transferência de que você falou. Eu estava confusa, mas não estou mais. Obrigada por esclarecer as coisas para mim.
Ele lhe deu um olhar apressado. - Foi bastante rápido, não foi?
- Não se pode lutar contra a verdade.
- Só isso? - Subitamente, ele ficou furioso com ela, e não se importava em demonstrar. Diabos, ela tinha dito que o amava, e cedeu depois de uma conversa de um minuto? Que tipo de amor era esse? - Isso é tudo o que você tem a dizer?
- Não, na verdade existe mais urna coisa que eu gostaria de mencionar.
- É mesmo? O que é?
- Você é um idiota.
Capítulo 31
LAURANT usou o TELEFONE DE NICK PARA LIGAR PARA MICHELLE E LHE DAR a má notícia a respeito do vestido do seu casamento.
Michelle atendeu no primeiro toque. - Onde você está? Está tudo bem? Fiquei sabendo do incêndio e Bessie Jean disse à mamãe que você tinha ido embora com Nick, mas ninguém sabia para onde Meu Deus, dá para acreditar que Steve Brenner fosse tão pervertido? Você sabia que ele tinha escondido uma câmera na sua casa?
Laurant respondeu pacientemente às perguntas e então lhe contou sobre o vestido. Michelle aceitou a notícia surpreendentemente bem. - Se você tivesse deixado o vestido com Rosemary - disse ela, referindo-se à costureira que o fizera para Laurant.
- Você me disse para buscá-lo, lembra?
- Sim, mas desde quando você escuta o que eu digo?
- Michelle, o que vamos fazer? Não seria melhor você simplesmente escolher outra dama de honra?
- De jeito nenhum - exclamou Michelle - Use um vestido meu.
- Você deve estar brincando. Você é miudinha, nenhuma roupa sua me serviria.
- Escute, Laurant. Tive que convidar as primas insípidas do Christopher para o casamento, mas não vou deixar nenhuma delas ser a minha dama de honra. Você é ou não é a minha melhor amiga?
- É claro que sou - disse ela. - Mas... - Então improvise. - Não me importa o que vai vestir. Venha nua, se quiser. Não, é melhor não fazer isso, poderia causar um tumulto - disse Michelle. - E Christopher perderia a fala e não conseguiria dizer o sim - acrescentou com uma gargalhada.
- Vou achar alguma coisa - ela prometeu, sem saber como ia encontrar tempo para ir às compras.
- Vai conseguir estar aqui às quatro?
- Pelo menos me dê até às cinco.
- O vestido foi completamente destruído pelo fogo? Talvez o tintureiro possa dar um jeito se ele não estiver muito queimado.
- Não - respondeu Laurant. - Ele se foi.
- A cidade está em polvorosa por causa de Brenner - disse Michelle. - Que estupidez a dele de queimar a própria casa! Sabia que ele intimidou a pobre Sra. Talbot até ela vendê-la para ele? E não tinha feito seguro, sabia disso? O pervertido pagou à vista.
- Como você descobriu tudo isso? - perguntou ela.
- As amigas fofoqueiras da mamãe. Lorna já telefonou três vezes nas últimas horas para dar novas informações.
- Steve não começou o incêndio - disse Laurant. - Foi Lonnie. Acho que ele não sabia que Steve tinha comprado a casa.
- Isso não saiu no jornal - exclamou Michelle. - O filho do xerife está envolvido na história?
- Sim - respondeu Laurant. - Há muito mais que você ainda não sabe, Michelle, mas não posso entrar no assunto agora.
- Pode me contar tudo enquanto nos vestimos - ela disse. - E quero saber tudo mesmo. Tenho que desligar, vou fazer as unhas agora. Vejo você às cinco e, por favor, pare de se preocupar. Vai dar tudo certo. Nada pode estragar esta dia para mim, e sabe por quê?
- Porque você vai se casar com o homem dos seus sonhos?
- Isso também.
- O que você ia dizer?
- Que não importa o que aconteça, eu vou ter uma noite incrível de sexo hoje. Xii, mamãe está me dando um olhar furioso. Tenho que desligar.
Laurant devolveu o telefone a Nick. - Vamos passar na casa antes - disse. - Se o fogo realmente não chegou ao segundo andar, talvez eu consiga encontrar alguma coisa adequada para vestir no casamento.
- Suas roupas vão estar cheirando à fumaça - disse ele. - Mas o tintureiro provavelmente consegue dar um jeito nelas antes das cinco.
Ela repassou mentalmente suas peças "era-uma-vez". Era assim que ela chamava os lindos vestidos e costumes de grifes famosas que o dono da agência de modelos européia tinha lhe dado para incentivá-la a trabalhar para eles. Podia usar o Versace azul-claro ou o Armani cor de pêssego. Ambos os vestidos eram formais e longos, e suas sandálias de salto alto combinavam com os dois. Se as roupas tivessem sido destruídas no incêndio, ela não sabia o que poderia fazer. As confecções femininas locais não vendiam vestidos de festa.
- O que mais você tem que fazer antes do casamento? - perguntou Nick.
- Encontrar um lugar para passar a noite - disse ela. - Vou esperar até amanhã para empacotar o que eu puder resgatar da casa. É melhor não pensar em tudo hoje. Temos que arranjar um terno para você usar no casamento - ela acrescentou. - Você trouxe algum?
- Apenas o meu blazer azul-marinho e duas calças sociais.
- Isso já serve. Vamos deixá-los na tinturaria também. Sua voz parecia cansada.
- Alegre-se, meu bem. Tudo vai melhorar.
Ela tentou pensar em alguma coisa otimista. - É um lindo dia para um casamento, não acha?
- Sua amiga ficou chateada por casa do vestido?
- Não - respondeu Laurant, e então sorriu. - Michelle não se chateia com coisas deste tipo. Ela disse que nada pode estragar o dia de hoje para ela.
O telefone tocou, mas não era Morganstern, como Nick queria. Noah estava do outro lado da linha, querendo saber quando ele e Laurant chegariam na abadia.
- Tommy está preocupado?
- Não - respondeu Noah. - Ele só quer saber se nós devemos esperar por aqui ou não.
- Estaremos aí dentro de uma hora. Não o deixe ir a lugar nenhum.
Laurant estava ficando com fome, mas não queria perder tempo comendo. Havia muito a fazer antes da cerimônia, e já era quase meio-dia.
Eles entraram em Holy Oaks e percorreram as ruas calmas até chegarem à casa.
- Sabe o que Michelle me contou? Que o jornal não disse nada sobre Lonnie. Ela pensava que Steve Brenner tivesse causado o incêndio.
- Farley me disse que iria atrás dele e o levaria para Nugent - disse Nick. - Ele e Brenner podem dividir a cela.
- Você queria estar lá, não é?
Ele olhou para ela e admitiu: - Sim, eu queria. Adoraria participar do interrogatório, olhar nos olhos de Brenner. Assim eu poderia ter certeza.
- De que ele é o eldes?
- Não, de que ele não é.
- Espero que você esteja errado.
- Eu sei disso. - Ele foi solidário.
- Até ontem à noite, eu jamais teria acreditado que Steve fosse um voyeur- disse ela.
- Isso porque você não conhecia o lado negro do velho Steve.
- Eu certamente o conheci ontem. Seu rosto estava contorcido de ódio, e o veneno que jorrava de sua boca me chocou. Acho que ele é capaz de qualquer coisa, até de assassinato. Mas sabe o que me pareceu muito estranho?
- O quê?
- Steve sempre foi cuidadoso, pelo menos comigo. Ele é muito controlador, ou organizado, como você diria, sempre planejando cada passo - acrescentou. - O modo como manipulou os proprietários das lojas para conseguir que as vendessem. Ele já tinha comprado cinco delas antes da cidade descobrir quais eram suas intenções. Ele foi sorrateiro e muito astuto, não concorda?
- E?
- Ele tinha que saber, ao menos por reputação, como Lonnie é volátil e imprevisível. Por que o envolveria nesta história?
- Talvez pensasse que poderia usá-lo como bode expiatório.
- Talvez - concordou ela. - Como Steve entrou na casa?
- Pela porta dos fundos. Quebrou o vidro, passou a mão para dentro e abriu a tranca. Foi fácil - acrescentou Nick.
- Acho que Lonnie estava procurando uma janela para entrar.
- Você disse que ele estava no telhado.
- Eu o escutei em frente à janela do banheiro
- Mas não o viu, não é?
- Não - respondeu ela. - Ele poderia estar só checando se não havia ninguém em casa. Ele não me viu. Deitei no chão assim que vi a luz.
Nick chegou a uma placa de pare e esperou que dois garotinhos de sete ou oito anos atravessassem o cruzamento com suas bicicletas. Como os pais permitiam que eles saíssem de suas vistas? Qualquer um podia pegá-los. Qualquer coisa podia acontecer, e eles não saberiam até ser tarde demais.
Ele voltou a atenção para Laurant. - Lonnie tinha uma lanterna?
- Não, parecia mais um ponto de luz vermelha.
- Um ponto vermelho... quer dizer, uma mira laser, talvez?
- Sim, exatamente.
- Por que não me contou isto ontem à noite? - impacientou-se ele.
- Eu lhe disse que Lonnie estava no telhado.
- O filho da mãe podia estar mirando em você. - Seu rosto crispou-se de raiva. - Onde em nome de Deus ele arranjaria este tipo de equipamento?
- No armário do pai - respondeu ela. - O xerife se orgulha muito de sua coleção de armas, e Lonnie devia ter acesso fácil a elas.
Nick pegou seu telefone e começou a discar. - E foi por isso que você saiu do banheiro.
- Sim - respondeu ela. - Para quem está ligando?
- Farley. Ele pode descobrir se Lonnie esteve ou não naquele telhado.
- Quem mais poderia ter sido? Nick não respondeu.
O agente Farley estava prestes a embarcar num avião em Dês Moines quando seu telefone tocou. Ao reconhecer a voz de Nick, ele saiu da fila de passageiros.
- Você teve sorte - disse ele. - Mais um minuto e eu estaria com o telefone desligado.
- Você pegou Lonnie?
- Não - respondeu ele. - Ele arranjou algum esconderijo, e eu fui transferido. Wesson deixou a tarefa de prendê-lo para o xerife de Nugent e seus homens
- Feinberg ainda está por aqui ou Wesson também o despachou?
- Não sei ao certo - respondeu Farley. - Os dois foram para Nugent com Brenner - disse. - E talvez ainda estejam lá. Esta história toda não está lhe passando pela garganta, não é, Nick? Você não acredita que Brenner seja o nosso homem.
- Não, não acredito - disse ele. - Mas ainda não posso provar.
- Talvez esse seja um caso simples, e você não esteja satisfeito porque nunca enfrentou um destes antes.
- É, talvez.
- Você vai permanecer em Holy Oaks?
- Sim.
- Desculpe eu ter que abandoná-lo, mas não tive escolha. Assim que Wesson informou o quartel-general de que eu estava disponível para outro caso, eles me convocaram.
- Para onde o mandaram?
- Detroit. Eles estão com um problema por lá, e parece sério. Agradeça por estar de férias.
- Cuide-se - disse Nick. - E Joe, obrigado pela ajuda.
- Como se eu tivesse feito muito. Vou lhe dizer uma coisa: eu tinha trabalhado com Wesson algumas vezes antes, e já sabia que ele era um pé no saco, mas nunca foi tão difícil quanto desta vez. Acho que foi por sua causa - acrescentou. - Você desperta o que há de pior nele. Mas desta vez ele foi longe demais. Nunca mais vou trabalhar com aquele egomaníaco, mesmo que isso signifique devolver meu distintivo. Procedimento padrão coisa nenhuma. Wesson não sabe o que é trabalho em equipe, e isso vai constar no meu relatório - Joe fez uma pequena pausa. - Nick, sabe o que me preocupa?
- Ter que entrar neste avião?
- Não, essa neurose é sua, não minha. É a sua intuição.
- O que tem ela?
- Se estiver certa, e Brenner não for o eldes, então você e Noah estão sozinhos. Tomara que Deus esteja olhando para vocês.
Capítulo 32
LAURANT ENCONTROU os DOIS VESTIDOS QUE PODERIA USAR NO CASAMENTO, e depois de deixarem as peças na tinturaria, eles foram para a abadia. Noah estava na cozinha comendo galinha frita fria. Nick puxou uma cadeira para Laurant e pegou uma coxa para si.
- Você devia comer alguma coisa, meu bem.
A sobrancelha direita de Noah deu um salto, e seus olhos quicaram do rosto ruborizado de Laurant para a expressão séria de Nick. Então ele explodiu numa gargalhada. - Estava demorando.
- Não comece - avisou Nick.
- Não começar o quê? - perguntou Noah fingindo inocência.
- Nick chama todo mundo de meu bem - disse Laurant, sentindo-se uma boba.
- É claro que sim - concordou Noah. - Ele tem chamado Tommy e eu de meu bem sempre que pode.
- Já chega - insistiu Nick. - Onde está Tommy?
- Em uma das salas de reunião com aquela editora do jornal.
- O que ela quer? - perguntou Laurant. Noah deu de ombros. - Sei lá.
Nick ouviu urna porta bater atrás de si e foi até o fundo da cozinha espiar pela janela, a tempo de ver Lorna descer apressadamente os degraus.
- De onde veio este banquete? - perguntou Laurant.
- Do fã-clube de Noah - respondeu Tommy da porta. Noah sorriu. - As senhoras gostam de mim. O que posso fazer?
- Ele anda oferecendo conselhos espirituais. - Tommy sacudiu a cabeça, exasperado.
- Ei, eu tenho jeito para a coisa.
Laurant estava com dificuldade de encarar o irmão. A culpa era de Nick, ela sabia, porque ele tinha plantado na sua cabeça aquela idéia ridícula de que Tommy perceberia o que tinha acontecido só de olhar nos olhos dela.
- Laurant, quero conversar com você em particular - disse Tommy.
Nick olhou para ela com uma expressão de "eu avisei" e depois se virou. - Tommy, você e eu temos que conversar.
- Não - Laurant quase gritou, empurrando a cadeira para trás e pondo-se em pé. - Sobre o que você quer falar comigo?
- Lorna acaba de sair daqui.
- O que ela queria? - perguntou Laurant. - Ela tem notícias suficientes para se ocupar durante um mês, com o incêndio e seu queridinho Steve Brenner. Será que está tentando encontrar um jeito de me culpar por isso também?
- Ela está escrevendo outro artigo sobre você, mas não tem nada a ver com o incêndio ou Brenner, e queria que eu confirmasse algumas coisas. Parece que ela andou conversando com a esposa do gerente do banco, que mencionou o empréstimo que você fez para montar a loja, e uma fofoca levou à outra. Droga, Laurant - disse ele com a voz trêmula de raiva. - Por que você não me contou que a herança tinha se acabado? Todo este tempo eu achava que você estava bem e que eu não precisava me preocupar com você.
Laurant ficou pasma com a audácia de Lorna. - Eu tive que justificar por que precisava do empréstimo, e precisei explicar o problema da herança para obtê-lo - exclamou. - Mas o gerente não tinha o direito de contar a ninguém, nem mesmo à esposa. Eram informações confidenciais. E como Lorna ousa meter o nariz nos meus assuntos? - Ela deu um passo na direção do irmão. - Você escutou o que acaba de dizer? Todo este tempo você achava que eu estava bem e que não precisava se preocupar comigo? Eu não tenho mais dez anos de idade, Tommy, mas você parece incapaz de pôr isso na sua cabeça. O dinheiro se foi antes de eu completar vinte e um anos e poder fazer alguma coisa. Os advogados tomaram cada centavo. Eu não lhe contei porque sabia que você ficaria furioso, e não havia nada que eu pudesse fazer.
- Milhões de dólares... o dinheiro que nosso avô trabalhou tanto para juntar, simplesmente se foi? Quando entreguei minha parte da herança a eles para que a transferissem a você, pensei...
A expressão de Tommy lhe deu vontade de chorar. Ele parecia arrasado, e terrivelmente decepcionado, como se ela mesma tivesse malbaratado o dinheiro.
- Não foi culpa da sua irmã - disse Nick calmamente.
- Eu sei disso.
- Mas não está se comportando como se soubesse.
Os ombros de Tommy afundaram. - Quando exatamente você descobriu que o dinheiro tinha sumido? - Seu rosto estava vermelho com a raiva que ele tentava controlar.
- No meu aniversário de vinte e um anos.
- Você deveria ter avisado a família na época. Talvez alguma coisa pudesse ter sido feita.
Noah sabia que não devia interferir, mas não se conteve. Olhou nos olhos de Tommy e disse: - Que família? Pelo que sei, Laurant não teve família enquanto estava crescendo. A quem exatamente ela deveria ter avisado?
- Eu sou a família dela - esbravejou Tommy.
- Tente se colocar no lugar dela - insistiu Noah. - Você teve a família de Nick para ajudá-lo quando era criança, e quando decidiu ser padre, a igreja se tornou sua nova família.
- Minha irmã sempre vai ser parte da minha família.
- Ela estava na Europa, e você aqui. Não pode mudar o jeito como as coisas eram. Seu sentimento de culpa está provocando toda esta raiva, porque ela ficou desamparada.
Tommy parecia atormentado. Laurant balançou lentamente a cabeça e foi até ele. - Isso não é verdade. Eu sempre soube que você se preocupava comigo. Sabia que estava lutando para me trazer para os Estados Unidos, e Tommy, eu sempre soube que você me amava. Por favor, não fique zangado.
Ele a abraçou. - Não estou zangado com você, é só que ficar sabendo de tudo isso de repente foi um choque. Não esconda coisas de mim, Laurant. Os irmãos mais velhos precisam cuidar de suas irmãzinhas, não importa quantos anos elas tenham. Vamos fazer um pacto, O.K.? De agora em diante, nós dois não vamos esconder mais nada um do outro. Se eu tiver que fazer quimioterapia, vou lhe contar, e se você estiver com um problema, vai se abrir comigo.
- Eu não espero que você resolva os meus problemas.
- Não, eu sei que não, mas quero que você possa conversar comigo sobre eles.
Ela assentiu. - Sim, O.K..
- Quando vai sair este artigo? - perguntou Nick, tentando descobrir se havia tempo para impedir a publicação.
- Ele não vai ser publicado. Lorna e eu tivemos uma conversinha.
Noah sorriu. - Você ameaçou a fofoqueira com o fogo do inferno?
Tommy não achou graça. - Não, mas chamei sua atenção para a inveja que ela sente de Laurant. Ela não quis aceitar minha opinião, mas concordou em não publicar o artigo por medo das pessoas acharem que é uma invejosa, já que está sempre falando de Laurant.
- Preciso de um copo de leite - disse ela. Seu estômago estava revirado graças a Lorna, e ela esperava que o leite ajudasse a acalmá-lo.
- Eu busco para você. Vá se sentar - disse Tommy.
Noah empurrou o prato para frente dela. - Coma um pedaço de galinha - sugeriu.
- Não há nada que você possa fazer contra os advogados? - perguntou Nick.
- Eu já estou fazendo alguma coisa.
Tommy esticou a cabeça para fora da despensa. - O quê? - perguntou.
- Estou processando a firma.
Seu irmão pegou um copo e voltou correndo para a cozinha. - Está?
- Sim - disse ela. - No dia em que descobri, comecei a procurar um advogado que estivesse disposto a ir contra os gigantes. Levei um ano, mas o encontrei.
- Davi contra Golias, hum? - disse Noah.
- Sabe, Noah, você está começando a pensar como um padre. Talvez devesse considerar a possibilidade de mudar de emprego - provocou Nick.
Ele fez uma careta de contrariedade. - Não vai acontecer.
Tommy pegou a caixa de leite na geladeira e serviu o copo de Laurant. - Mas e quanto ao processo? Em que pé está?
Ela tomou um gole antes de responder. - Eu venci em primeira instância, e depois venci outra vez. Eles estão adiando a decisão com recursos, mas meu advogado disse que estamos no último round. O veredito deve sair logo, e quer eu ganhe ou perca, vai ser definitivo.
- Então há uma boa possibilidade de você recuperar o dinheiro?
- Ou não - disse ela. - Estou preparada para qualquer resultado.
- Então é por isso que você tem um carro naquele estado - disse Nick. - Seu orçamento tem sido apertado nos últimos tempos.
Ele estava sorrindo para ela, como se achasse que ela tinha feito algo notável.
- Como o da maioria das pessoas - disse ela. - E acontece que eu gosto do meu carro.
A conversa foi abruptamente interrompida quando o xerife invadiu a cozinha.
- Onde diabos está o meu garoto? - ele exigiu saber, com a arma meio sacada do coldre. - O que vocês fizeram com ele?
Nick estava de costas para a porta, mas Noah estava sentado frente à frente com o homem enfurecido. Numa fração de segundo, ele enfiou a mão dentro da batina preta e apontou a arma para Lloyd por debaixo da mesa. - Se sacar esta arma, você é um homem morto.
Lloyd parou, como se tivesse congelado no lugar, desconcertado por aquele padre que ousava ameaçá-lo.
Laurant mal teve tempo de se virar na cadeira antes de Nick dar meia-volta e também sacar sua arma. Ele agora estava em pé, protegendo-a com seu corpo, e o cano de sua arma estava encostado na têmpora de Lloyd.
Tommy se aproximou do xerife por trás e tomou sua arma, depois sugeriu calmamente que todos se sentassem para discutir o problema de maneira razoável.
- Eu sou a autoridade aqui - protestou ele.
- Não, você não é - informou Nick. Ele devolveu a arma ao coldre e disse ao xerife para fazer o que Tommy tinha mandado e se sentar.
Lloyd escolheu a cadeira na outra ponta da mesa. - Devolva minha arma.
Tommy alcançou a arma a Nick, que esvaziou rapidamente o pente antes de entregá-la ao xerife.
- Qual é o problema, Lloyd?
- Meu garoto - ele murmurou. - Ele desapareceu, esse é o problema.
- Lonnie está escondido - disse Nick. - Ele começou aquele incêndio e agora está se escondendo para não ser preso.
Lloyd balançou a cabeça. - Eu não vou entrar na história do incêndio porque você e eu temos opiniões diferentes a respeito disso. Meu filho sabe que eu sou seu álibi, e não acharia necessário se esconder. Ele estava na cama, dormindo, quando voltei de Nugent. Eu estava morto de cansaço - acrescentou. - Tinha passado quase toda a noite acordado e estava pronto para ir dormir quando o xerifezinho de meia-tigela de Nugent bateu na minha porta e disse que ia levar Lonnie e indiciá-lo por incêndio criminoso. Nós discutimos um pouco, mas aí eu decidi deixar que os advogados tratassem disso, e o mandei entrar. Mas Lonnie não estava mais na sua cama, e a janela do quarto estava escancarada.
Nick olhou para Noah, que balançou prontamente a cabeça para negar que tivesse feito qualquer coisa com o rapaz.
Nick então disse: - Talvez Wesson tenha decidido ir atrás dele.
- Não foi o que aconteceu. - O xerife agora estava choramingando. - Ele ainda está com os outros, espremidos com Brenner numa sala de interrogatório de dois por quatro. Eles não me deixaram participar nem quiseram que eu soubesse de nada do que estava acontecendo. Eu acabei desistindo e estava quase chegando na porta quando ouvi que estavam acusando Steve de assassinato. Um dos homens do xerife me contou que eles tinham muitas provas contra ele. - Ele tirou o chapéu e esfregou a testa. - Está tudo indo para as cucuias.
- Você realmente se importa com o que pode acontecer com Lonnie? - perguntou Noah sem qualquer sutileza.
A pergunta desconcertou o xerife. Vendo a confusão no rosto de Lloyd, Tommy decidiu intervir. Arrastou uma cadeira para a ponta da mesa e se sentou ao lado dele.
- O seu filho lhe deu muita preocupação em todos estes anos, não foi, Lloyd?
A voz do xerife se transformou num sussurro. - Ele nunca foi certo da cabeça, nunca. Tem um temperamento muito ruim.
Tommy encorajou Lloyd a falar, incentivando-o a desabafar toda a raiva e a decepção que carregava em silêncio há tanto tempo, e em poucos minutos o xerife estava lhe contando todos os problemas que tivera que resolver pelo filho. A lista era absurdamente longa.
- Ele fez umas coisas horríveis, eu sei, mas é meu filho, e eu tinha que protegê-lo. Estou farto disso. Sei que é meu dever cuidar do garoto, mas não posso mais. Ainda tenho que encontrá-lo, porque se ele voltar para casa, vai estar... zangado comigo, e eu não quero que isso aconteça. Ele pode perder a cabeça e ficar violento. - Ele cobriu os olhos com o dorso da mão ao confessar: - Tenho vergonha de admitir, mas tenho medo do meu próprio filho. Ele ainda vai me matar um dia desses. Já chegou bem perto umas duas vezes.
- Talvez esteja na hora de Lonnie aprender as conseqüências de seus atos - sugeriu Noah.
- Ele vai vir atrás de mim, sei que vai.
- Você precisa de tempo para pensar em alternativas - disse Tommy. - Por que não pega o carro e sai de Holy Oaks por uma ou duas semanas, só até as coisas se acalmarem e Lonnie estar atrás das grades?
O xerife deu um salto na cadeira com a idéia. - O que as pessoas vão dizer? Não quero que pensem que eu estou fugindo.
- Eles não vão pensar assim - disse Tommy. - Você tem direito a uma folga, não tem?
- É claro que tenho - concordou ele. - E talvez... talvez eu não volte nunca mais. Vou deixar tudo aqui, não vou levar nada comigo, assim Lonnie não vai saber que eu me fui de vez, e não vai me procurar.
- Eles vão pegá-lo e colocá-lo atrás das grades - disse Noah.
- Não deixe de informar ao padre Tom onde você vai estar.
O xerife de repente estava com pressa de sair da cidade. Estava quase na porta quando parou e se virou para Laurant.
- Ele estava desviando dinheiro desde o início - disse.
- Quem? - perguntou ela. - Brenner?
Lloyd assentiu. - Ele dizia aos investidores da Griffen que uma loja custava cem mil, depois oferecia a metade disso ao proprietário e embolsava a diferença. Ele abriu uma conta para depositar este dinheiro, mas não sei onde. Talvez fosse bom você investigar isso antes da reunião da cidade.
- Sim, vou fazer isso - disse ela.
O xerife se virou para sair outra vez, mas Nick o deteve.
- Qual é o seu envolvimento na história, Lloyd?
O xerife baixou a cabeça. - Eu o ajudei um pouco. Posso testemunhar contra ele, talvez assim não tenha que cumprir pena.
- Dirigiu um olhar esperançoso a Nick, e depois disse a Tommy:
- Aviso você onde eu vou estar, e volto quando me ligar. - Ele andou até a mesa, arrastando os pés como um velho abatido, largou sua arma e o distintivo sobre ela e depois saiu. Eles o observaram ir embora.
- Tem certeza de que quer permitir que ele vá? - Noah perguntou a Nick.
- Sim, ele não irá muito longe - respondeu Nick.
Nick tentou ligar para o celular de Wesson, mas ele não atendeu, depois tentou Feinberg e a ligação parou na secretária eletrônica. Sua frustração aumentava, e ele não parava de olhar para o relógio em seu pulso. Morganstern já devia ter aterrissado em Houston, por que não tinha retornado sua ligação?
Tommy voltou à despensa em busca de um saco de batatas fritas, e Nick o seguiu. Laurant escutou-o dizer ao seu irmão que ele não deveria baixar a guarda até Nick se convencer de que Brenner era o eldes.
Os dois ficaram conversando na despensa, e parecia que Tommy era quem tinha mais a dizer. Laurant estava tão ocupada tentando decifrar a conversa que não notou que Noah a observava.
- Pare de se preocupar - disse ele.
Ela voltou a atenção para a comida. - Não estou preocupada.
- É claro que está. Você acha que Nick vai contar a Tommy que dormiu com você.
Ela nem pensou em tentar negar. Olhou diretamente para aqueles olhos azuis diabólicos e perguntou: - Você é sempre tão direto?
- Sim, sou.
- Como soube?
- Pelo modo como vocês dois estão evitando se olhar. Eu conheço Nick há um bom tempo - acrescentou. - Mas nunca o vi tão tenso. Imagino que você seja o motivo.
Ela pegou uma asa de galinha e em seguida largou-a de novo no prato. - Nick pode contar ao Tommy.
- Você acha?
- Sim, acho, e Tommy vai ficar contrariado, por ser padre e tudo mais.
- Talvez - ele deu de ombros. - Mas você já é uma garota grande, e isso realmente não é da conta dele.
- Ele não vai pensar assim.
- Há quanto tempo você está apaixonada por Nick?
- Como você sabe que eu estou apaixonada?
Ele riu. - Eu conheço as mulheres.
- O que quer dizer com isso?
- Quero dizer que você não é o tipo de mulher que iria para a cama com um homem se não o amasse. Nick também sabe disso, e deve estar morto de medo de você agora.
- Ele está mesmo com medo de mim. Nick não quer nenhuma das coisas que eu quero, mas também não quer me magoar. A noite passada foi um erro - sussurrou ela. - E agora acabou - acrescentou, tentando soar como se já tivesse deixado o acontecido para trás, mas percebeu que não fora convincente quando Noah lhe deu um tapinha na mão.
- Parecia um erro ontem?
Ela balançou a cabeça. - Não, mas como você mesmo disse, eu sou uma garota grande, e posso tocar a minha vida. Não me deixo abalar tão facilmente.
- Não, é claro que não.
- Você está me gozando, não está?
- Hum-hum.
- Vamos falar de outra coisa - sugeriu ela. - Posso lhe fazer uma pergunta?
- É claro. O que quer saber?
- Por que Wesson e Nick se detestam tanto?
- Isso começou há muito tempo - disse ele.
- Mas o que desencadeou este antagonismo? - olhando rapidamente na direção de Nick.
- Acho que se poderia dizer que a rivalidade foi causada por um gato, embora hoje eu perceba que a atitude de Nick também teve o seu papel. Ele era novo no departamento, e achava que sabia tudo. Morganstern tinha recém-recebido o sinal verde para montar a equipe dos Apóstolos, e Nick foi o segundo recruta a ser escolhido.
- Quem foi o primeiro? - ela perguntou.
- Eu - respondeu ele com um sorriso arrogante. - Pete estava escolhendo a dedo seus agentes e submetendo-os ao seu programa de treinamento especial. Wesson estava louco para fazer parte da equipe. Na verdade, acho que desde o início ele queria mesmo era dirigir o programa, mas isso jamais iria acontecer.
- Wesson se tornou um dos recrutas de Morganstern?
- Não. Pete não o escolheu, e isso doeu muito
- Então aí se iniciou a briga entre ele e Nick?
- Não, foi por causa de um gato - ele repetiu pacientemente. - Havia um caso em particular, de uma menina de três anos desaparecida, e o FBI foi acionado. Wesson era o primeiro na escala de revezamento, e de jeito nenhum iria deixar um dos queridinhos do Morganstern assumir o caso. Ele queria resolvê-lo o mais rápido possível.
- E conseguiu?
- Não, mas Nick sim. O que aconteceu foi o seguinte: a menina estava com a mãe numa loja de departamentos. A construção era muito antiga, com assoalho de madeira que rangia e estalava quando era pisado, pé-direito alto com teto de gesso e grandes respiradouros antigos ao longo dos rodapés. Lá dentro era frio e cheio de correntes de ar. O prédio ficava perto do distrito dos atacados e do mercado da cidade, às margens do rio. Era uma zona comercial agradável, todos os edifícios tinham sido restaurados e estavam muito bonitos, mas havia uma infestação de ratos, e por isso o dono desta loja de departamentos em especial mantinha um gato no estabelecimento.
- Continue - insistiu ela, querendo que Noah terminasse a história antes que Nick e Tommy retornassem.
- Era perto do meio-dia no sábado antes do Natal, e a loja estava lotada de clientes de última hora. Havia muita confusão, barulho e canções natalinas nos auto-falantes, mas uma das vendedores notou um homem de mais ou menos trinta anos perambulando pela loja e achou que ele pudesse estar furtando mercadorias. Ele estava usando roupas velhas e gastas e uma capa de chuva cinza longa, que segundo ela, estava suja e rasgada. Ela não foi capaz de fazer uma descrição muito boa, mas disse que ele era magro e tinha uma barba rala. Ela disse que estava prestes a chamar um segurança quando viu o homem andando na direção da porta e achou que estava indo embora. A coitada estava quase sendo sacudida por compradores impacientes.
- Um dos clientes que estavam na fila recordou ter visto o homem se abaixar ao lado da menina e falar com ela. Ele disse que a mãe tinha finalmente conseguido abrir caminho ate o balcão e estava revirando a bolsa atrás do cartão de crédito, e por isso não notou que a filha estava conversando com um estranho. Então o cliente disse que o homem se levantou e saiu andando.
- Ele levou a menina?
Noah não respondeu à pergunta. - Outra cliente disse que quase tropeçou na criança quando esta passou correndo, perseguindo o gato. Cinco ou dez minutos depois, a mãe estava desesperada procurando pela filha. Todos estavam ajudando, é claro, e então a vendedora se lembrou do homem da capa de chuva e o cliente lembrou que tinha visto o sujeito conversando com a menina. O chefe da segurança chamou a polícia enquanto o dono ligava para o FBI. Tenho que admitir que Wesson chegou lá rápido - acrescentou. - Morganstern recebeu o aviso do superior de Wesson e, como queria que Nick e eu ganhássemos um pouco de experiência, nos mandou para lá, mas nós dois só conseguimos chegar tarde da noite. Eu viajei de Chicago, e Nick pegou um avião em Dálias. Ele pousou uns quinze minutos antes de mim, alugou um carro, comprou um mapa e me apanhou.
- Wesson não ficou muito feliz ao ver vocês, ficou?
- Para dizer o mínimo. Mas nós não ligamos. Ele não tinha autoridade nenhuma sobre nós, que só respondíamos a Morganstern e mais ninguém. Wesson estava muito relutante em compartilhar o que sabia conosco, e isso deixou Nick p... muito bravo. Quando ele se irrita, tem um temperamento muito pior do que o meu - disse Noah em tom de admiração.
- O que ele fez?
- Ele deixou claro para Wesson o que pensava dele. Nick poderia ter sido mais diplomático, mas, de qualquer forma, botou Jules contra a parede até ele afirmar que tinha um suspeito e que a situação estava sob controle, o que obviamente era mentira. Wesson também teria dito que a equipe de Morganstern era um desperdício de tempo e dinheiro, e que Nick e eu deveríamos ir para casa e procurar empregos de verdade.
- Em outras palavras, sair do caminho dele.
- Sim - disse Noah. - É claro que nós não demos a mínima para o que Wesson pensava ou queria. Tínhamos um trabalho a fazer e iríamos fazê-lo com ou sem a aprovação dele. Enquanto Nick andava pela loja, eu puxei um dos outros agentes para um lado e li suas anotações.
- A menina estava bem? Por favor, só me diga isso. Vocês a encontraram a tempo?
- Sim, encontramos, graças a Nick - disse ele. - Foi um daqueles poucos finais felizes.
Como ele a encontrou?
- Estou chegando lá - disse Noah. - A loja estava vazia. Já eram duas da manhã, e fazia muito frio lá dentro. Wesson tinha montado um posto de comando numa delegacia a dois quarteirões dali, e todos os homens disponíveis estavam na rua procurando o homem da capa de chuva. Nick e eu estávamos sentados na calçada em frente à loja, tentando decidir o que fazer. O chefe da segurança estava trancando as portas para ir para casa quando Nick disse a ele que queria entrar outra vez. Ele convenceu o senhor a desligar o alarme e nos dar as chaves.
- Nós dois vasculhamos o prédio de cima a baixo novamente, mas não encontramos nada, e então fomos embora. Eu estava na direção - disse ele. - Não tinha muita certeza de para onde estava indo, só queria limpar a minha mente do modo que Morganstern tinha nos ensinado, e lembro que tínhamos acabado de passar por um hospital quando perguntei a Nick que diabos íamos fazer, já que Wesson estava nos excluindo daquele jeito.
Noah fez uma pausa para sorrir e depois acrescentou: - Nick não disse uma palavra, só enfiou um pedaço de goma de mascar na boca, e eu achei que ele estava fazendo a mesma coisa que eu, tentando limpar a mente. De repente, ele se virou para mim e disse: - Onde está o gato?
- Então nós começamos a fazer o que Morganstern chamaria de associação livre. Crianças adoram animais, pelo menos a maioria delas, e uma cliente tinha dito que vira a menina correndo atrás do gato. Naquele momento nós dois nos demos conta do que poderia ter acontecido. Eu saí acelerando feito um louco, mas então vi a entrada da emergência do hospital e encostei. Nick entrou correndo, mostrou o distintivo e encontrou um médico que estava na hora de descanso, e lhe disse que ele viria conosco e devia trazer seu estetoscópio.
- A menina ainda estava na loja, não é?
- É claro que estava - disse ele. - Ela entrou numa daqueles respiradouros grandes e antigos atrás do gato - explicou. - Do jeito que a loja estava cheia, ninguém a notou engatinhando pelo chão junto às paredes. O duto não a segurou e ela despencou dois andares e meio e ficou presa numa saliência acima do porão. A queda deveria tê-la matado - acrescentou. - Ela tinha batido a cabeça e estava inconsciente quando finalmente a alcançamos. O gato tinha ficado ao lado dela. Nós escutávamos os miados fracos pelo estetoscópio.
- Mas ela estava bem.
Ele sorriu outra vez. - Sim, estava.
- Você e Nick devem ter ficado radiantes.
- Sim, ficamos, mas ao mesmo tempo nos sentimos frustrados. Demoramos a perceber o óbvio, porque deixamos o sujeito da capa de chuva nos distrair - disse ele. - Deveríamos ter notado que a abertura na qual a menina entrou estava um pouco diferente das outras, mas não notamos, e não deveríamos ter levado tanto tempo para perceber que o gato também tinha desaparecido.
- Vocês a encontraram algumas horas depois de chegarem ao local - apontou ela.
- Mas se tivéssemos sido mais observadores, poderíamos ter levado a metade do tempo. Tivemos uma sorte dos diabos por encontrá-la viva. Ela poderia estar com uma hemorragia lá embaixo, e neste caso, teríamos chegado tarde demais.
Laurant sabia que nada iria mudar a opinião de Noah sobre o próprio desempenho.
- Normalmente, Wesson teria ficado tão feliz e aliviado quanto todos os outros - disse ele.
- E não ficou? - perguntou ela, com surpresa.
- Ele não é um monstro, ou pelo menos não era naquela época - acrescentou. - Mas a inveja estava lhe comendo por dentro. É claro que ficou feliz porque a menina estava bem...
- Mas?
- Nick o deixou de fora deliberadamente. Ele deveria ter informado Wesson de sua suspeita e deixado que ele acompanhasse a busca. - Noah fez uma pausa. - Sim, isso é o que ele deveria ter feito, mas fico feliz que não tenha feito. Foi olho por olho, por mais infantil que seja. E em sua defesa, e na minha também, porque eu o apoiei, nós éramos jovens e burros naquela época, e nenhum dos dois ligava a mínima para disputas de poder. Até hoje não ligamos. Nick simplesmente tinha certeza de que a menina estava lá, e eu também. De qualquer forma, Wesson só ficou sabendo depois, através de Morganstern, quando Nick e eu já estávamos a caminho do aeroporto. Nick mostrou que estava certo, mas humilhou Wesson, e desde então a mera menção do nome dele ou do meu causa a mesma reação que despejar sal numa ferida aberta. Nenhum de nós teve que trabalhar com ele até este caso.
Laurant firmou os cotovelos na mesa e descansou o queixo nas palmas das mãos. Seus olhos estavam fixos em Noah, mas ela não estava lhe enxergando, e sim pensando na história que acabara de ouvir. Até aquele momento havia um fio de esperança no fundo de seu coração de que Nick pensasse em largar seu emprego. Deus, como era egoísta e errado da parte dela desejar tal coisa.
- A vida não dá garantias, não é? - disse ela.
- Não, você tem que agarrar o que pode enquanto pode. Nick é muito bom no que faz, mas está se desgastando. Posso ver nos olhos dele. O estresse vai matá-lo se ele não alcançar algum equilíbrio em sua vida Ele precisa de alguém como você esperando por ele em casa à noite.
- Ele não quer isso.
- Pode não querer, mas precisa.
- E você?
- Nós não estamos falando ao meu respeito - disse ele. - Você e Nick são uma bela dupla, sabia? Para quem observa de fora, é muito fácil ver o que está acontecendo. Quer que eu explique? Tenho que lhe avisar antes: você não vai gostar do que eu tenho a dizer.
- Vá em frente - disse ela. - Eu agüento.
- O.K. - concordou ele. - Eu penso da seguinte forma: você e Nick estão tentando alterar a realidade. Ambos estão fugindo da vida. Não discuta comigo antes de eu terminar - disse ele, ao ver que ela estava prestes a interrompê-lo. - Nick está tentando se fechar em si mesmo, se distanciar de todo mundo, até da própria família, e isso é um grande erro no nosso tipo de trabalho. Ele precisa sentir, porque só assim vai conseguir manter a intuição e concentração aguçadas. Ele está chegando num ponto em que não quer se arriscar a sentir o que quer que seja, pois isso o tornaria vulnerável demais. Se continuar assim, ele vai virar um homem cínico e duro, e certamente não vai mais conseguir fazer seu trabalho direito Agora, quanto a você...
- Sim? - Ela se endireitou na cadeira, tensa à espera do veredito de Noah.
- Você está fazendo a mesma coisa, só que de um jeito diferente: está se escondendo aqui nesta cidadezinha. Sei que você não vê as coisas desta maneira, mas é o que está fazendo. Tem mais medo de correr riscos do que Nick. Se não se expuser, ninguém pode lhe machucar, é assim que você vê a vida, não é? E se continuar desta maneira, vai se transformar numa velha solteirona e amarga, além de covarde.
Ela sabia que Noah estava tentando deliberadamente ser cruel, mas o que ele acabara de dizer a arrasou. Era assim que ele a via? Laurant se encolheu no assento e cruzou as mãos. Uma covarde? Como ele podia pensar que ela se tornaria uma covarde?
- Creio que você não compreende...
- Eu ainda não terminei. Quer escutar mais? Ela se preparou. - Sim, continue.
- Eu vi um de seus quadros.
Os olhos dela se arregalaram. - Onde? - perguntou, surpresa. Por que estava sentindo uma súbita pontada de medo?
- Pendurado no quarto de Tom - disse ele. - E é uma das pinturas mais impressionantes que já vi. Você deveria ter muito orgulho dela. Não sou o único que achou o quadro incrível. O abade queria pendurá-lo na igreja. Tom me contou que roubou o quadro de você, e também disse que você mantém todas as suas telas enroladas e escondidas num armário para que ninguém possa vê-las. É uma forma garantida de evitar a rejeição, não é? É seguro. Como o tipo de vida que você está construindo aqui. Bem, adivinhe só, querida: não existe vida segura. Coisas ruins acontecem, como o câncer do seu irmão, e não há absolutamente nada que você possa fazer a respeito. Mas está tentando, não está? Talvez daqui a trinta anos você tenha se convencido de que está satisfeita com sua vidinha perfeita e segura, mas eu garanto que vai estar solitária. E a esta altura, seu enorme talento provavelmente vai ter se esgotado.
Laurant estremeceu sob o peso do futuro que Noah descrevera. Ele a estava forçando a abrir os olhos e prestar atenção em si mesma.
- Você não sabe do que está falando.
- Sei, sim. É você que não quer ouvir.
Ela baixou a cabeça enquanto argumentava mentalmente contra aquela profecia soturna. Talvez, quando tinha se mudado para Holy Oaks, ela estivesse fugindo da vida, mas agora não era assim. Ela tinha se apaixonado pela cidade e pelas pessoas, e estava envolvida com a comunidade. Não estava simplesmente sentada vendo o mundo se mover em torno dela.
Noah estava certo quanto a seus quadros. Ela sempre os considerara pessoais demais para compartilhar com os outros. Eram uma parte dela, e se os outros os rejeitassem, ela se sentiria rejeitada como pessoa.
Ela tinha sido covarde, e perderia o pouco talento que tinha se insistisse neste caminho. Se não experimentasse a vida, como poderia traduzi-la em pinturas?
- Eu não as jogo fora - ela admitiu com hesitação. - Eu guardo as telas.
Noa sorriu. - Então talvez você devesse pensar em desenrolar algumas delas um dia desses e deixar que outras pessoas as vejam.
- Talvez - disse ela. Após um instante de reflexão, ela olhou para ele e sorriu. - Sim, talvez eu devesse fazer isso.
Noah levou seu prato para a pia e arregaçou as mangas para começar a lavar a louça, queixando-se de que o abade não iria gastar dinheiro numa lavadora de pratos enquanto ele estivesse ali para fazer o trabalho.
Laurant não estava prestando atenção, ainda perdida em seus pensamentos. As palavras de Noah tinham funcionado como um despertador. Ele tinha aberto a porta, e agora ela tinha que escolher entre sair para o mundo ou fechar a passagem novamente.
Quando Tommy voltou para a cozinha, Noah disse. - Eu contei a Laurant que você pegou um de seus quadros.
Tommy imediatamente assumiu uma postura defensiva. - Eu o roubei, e não me arrependo. Você o quer de volta, não é?
- Qual deles você pegou? - perguntou ela. De repente, percebeu que estava com muita fome, e deu uma mordida num pedaço de galinha.
- O único em que consegui pôr as mãos - disse ele. - Estava na frente dos outros no armário. Eu nem sabia o que estava levando até chegar em casa e desenrolá-lo. E sabe o que é mais triste, Laurant? É a única pintura sua que eu tive a chance de ver. Você as mantém escondidas, como se- tivesse vergonha do próprio trabalho.
- Mas qual delas você pegou?
- A das crianças no campo de trigo com a luz se derramando sobre elas. Eu adorei a tela, Laurant, e quero ficar com ela. Sabe por quê? Porque é cheia de alegria e esperança. Quando olho para ela, vejo o paraíso sorrindo para as crianças. É como se os raios de luz fossem os dedos de Deus se estendendo para tocá-las.
A emoção brotou dentro dela, pois Laurant sabia que ele estava sendo absolutamente sincero Alegria e esperança, que elogio glorioso. - O.K , Tommy, pode ficar com o quadro.
Seu irmão pareceu chocado. - Mesmo?
- Sim - respondeu ela. - Fico muito feliz que tenha gostado. Nick não queria ficar de fora. - Droga, eu também quero ver essa pintura - disse ele.
- Está bem - concordou ela.
Noah piscou para ela, que de repente sentiu vontade de rir. - Sim, você pode vê-la, mas já vou avisando que não é um dos meus melhores trabalhos. Posso fazer muito melhor.
O telefone de Nick tocou, interrompendo a conversa. Os sorrisos se desfizeram num piscar de olhos, e a atmosfera na cozinha ficou tensa com a expectativa. Nick atendeu enquanto voltava para a despensa para ter mais privacidade.
Pete estava na linha, e tinha novidades chocantes. O telefone de Tiffany Tara Tyler tinha sido encontrado no furgão branco de Steve Brenner, escondido sob o banco do motorista. Esta nova descoberta esclarecia de vez o caso. Eles tinham pego o homem certo.
- Encontraram alguma impressão digital?
- Ele limpou o telefone, mas foi um pouco descuidado - disse Pete. - Esqueceu a base onde se conecta o carregador. Os peritos encontraram o que parece ser urna impressão parcial de um polegar ao lado da placa de metal, e acham que vai ser suficiente para uma identificação sólida. Parece que eles estão prestes a dar o caso por encerrado, Nick.
Nick estava balançando a cabeça. - Tenho a sensação de que eles estão errados - disse ele. Fez uma pausa e depois acrescentou: - Então é isso? Caso encerrado, certo?
- Falta pouco - concordou Pete. - Existem outras provas, é claro - disse. - Mas pelo que pude avaliar da situação, o agente Wesson não compartilhou com você os indícios que coletou contra Brenner.
- Como você sabe disso?
- Conversei rapidamente com o agente Farley.
- Então Wesson tem provas suficientes para condená-lo?
- Com o telefone da mulher no carro? Sim, isso basta.
- O telefone pode ter sido plantado.
- Não creio que seja o caso - disse ele. - Se você estivesse sendo informado à medida em que as provas eram coletadas, acho que se sentiria mais seguro de que Brenner é o eldes. Você foi excluído da investigação - acrescentou ele. - E eu pretendo discutir o problema com o supervisor do agente Wesson na segunda de manhã. Isso não vai se repetir - acrescentou enfaticamente. - Quanto a você, sugiro que vá pescar com o Padre Tom. Relaxe um pouco. Só Deus sabe o quanto você merece uma folga.
Nick massageou a própria nuca, tentando desfazer os nós de tensão. Ele estava exausto e frustrado. - Eu não sei, Pete. Meus instintos estão me dizendo que está tudo errado. Talvez eu esteja perdendo...
- Sua objetividade - perguntou Pete?
- Acho que sim. Eu errei em quase tudo. Quero saber uma coisa: eles estão comparando a voz na fita do confessionário com a de Brenner, não estão?
- Sim, é claro que estão.
- E ele ainda não confessou, não é?
- Não, ainda não.
Nick estava totalmente inseguro. Talvez ele simplesmente não quisesse acreditar no que estava embaixo de seus olhos. Desde o início, Wesson o forçara a trabalhar de olhos vendados. O telefone de Tiffany fora encontrado no furgão de Brenner. Isso deveria ter encerrado o assunto, mas ainda assim ele não estava convencido.
- Por que você está tão relutante em aceitar este desfecho? - perguntou Pete. - Nós tivemos um bom resultado neste caso.
Nick suspirou. - Sim, eu sei. Acho que realmente preciso tirar umas férias. Você estava certo - ele finalmente admitiu. - Acabei me envolvendo demais pessoalmente.
- Com Laurant?
- Você já previa isso?
- Oh, sim.
- É mais um problema que tenho que resolver. Por favor, me avise quando saírem os resultados do laboratório.
- É claro - prometeu Pete. - Mande lembranças minhas ao Padre Tom e a Laurant.
Nick encerrou a ligação e permaneceu na despensa por mais um minuto, fitando a parede, tentando compreender, aceitar, acreditar que havia terminado. Disse a si mesmo que estava querendo tornar o caso mais complicado do que era. Alguns casos eram fáceis Sim, estava terminado. Eles tinham o homem certo.
Mas mesmo assim a dúvida incômoda não o abandonava.
Capítulo 33
O PESADELO FINALMENTE TINHA ACABADO TOMMY e LAURANT FICARAM estupefatos ao saber que o telefone de Tiffany fora encontrado no carro de Brenner, mas ao mesmo tempo, exultantes porque o assassino agora estava atrás das grades Quando Noah sugeriu que eles comemorassem, Tommy rejeitou a idéia, lembrando que duas mulheres haviam sido assassinadas, e disse que ia para a igreja rezar pelas almas de Tiffany Tyler e da jovem chamada Millicent
- Ele conseguiu disfarçar perfeitamente a voz quando estava falando comigo no confessionário - disse Tommy - Ele me enganou completamente - acrescentou com um balançar da cabeça.
- Ele enganou a todos nós - disse Laurant Ela decidiu acompanhar o irmão até a igreja e rezar com ele.
Ela se levantou e olhou diretamente para Nick e perguntou - Você e Noah vão embora logo, não é?
- Sim - respondeu Nick sem hesitar.
- Não há motivos para ficarmos por aqui, não é mesmo? - Noah olhou para Nick enquanto fazia a pergunta.
- Não - respondeu ele com secura - Nenhum motivo.
Laurant se virou para que ele não pudesse ver o quanto suas palavras a tinham machucado. Ela sabia que estava exagerando. Desde o início, sabia que ele partiria quando seu trabalho fosse concluído. A vida dele era em Boston. Ele tinha deixado tudo de lado para ajudar o amigo, mas agora, é claro, precisava voltar para casa.
- Coisas a fazer, pessoas para rever... - disse ela.
- Certo - concordou ele.
Tommy estava segurando a porta aberta para ela. - Vamos, Laurant. Pare de arrastar os pés.
Ela largou o guardanapo na mesa e foi atrás do irmão. Nick e Noah a seguiram. Quando chegaram nos fundos da igreja, Nick puxou Noah para o lado enquanto Laurant e Tommy seguiam até um dos bancos e se ajoelhavam lado a lado.
Havia pelo menos uma dúzia de homens correndo de um lado para o outro, tentando aprontar a igreja para o casamento. Cinco deles estavam desmontando o andaime do corredor central, enquanto outros dois dobravam as lonas e carregavam as latas de tinta para fora. Os donos da floricultura local estavam em pé junto ao altar com vasos de lírios nas mãos, esperando impacientemente que Willie e Mark terminassem de passar o rodo nos degraus de mármore.
Nick e Noah foram para debaixo do mezanino do coro para não atrapalhar, quando as portas duplas se abriram atrás deles e dois homens robustos entraram empurrando uma plataforma com um piano de cauda.
- Onde colocamos isto, padre? - um deles perguntou a Noah.
- Eu não sei - respondeu ele.
- Puxa, padre, esta coisa é pesada. O senhor poderia descobrir para nós?
Justin vinha na direção deles, carregando uma fumadora com um longa extensão vermelha enrolada pendurada no ombro, e parou para cumprimentá-los.
- Você sabe onde eles devem colocar o piano? - perguntou Noah.
- Sim - disse ele. - O coro está sendo montado no lado sul da igreja, naquela pequena alcova.
Ele recuou para que os homens pudessem girar a plataforma com sua carga volumosa e a empurrar para o corredor lateral.
- Por que eles simplesmente não usam o órgão? - perguntou Noah.
Justin se virou para responder. - Os tubos ainda precisam ser limpos. O abade disse que o pó acumulado pode interferir no som se o órgão for usado antes de uma boa faxina.
- O que você está fazendo com essa câmera? - perguntou Nick.
- Fui convocado para filmar a cerimônia do mezanino - explicou ele. - O pai de Michelle me pediu. Ele contratou um profissional para filmar aqui embaixo, mas acho que quer cenas de todos os ângulos. Não me importo de fazer isso - acrescentou, sorrindo. - Ele vai me pagar cem dólares, e eu bem que preciso deste dinheiro. Além do mais, Mark, Willie e eu fomos convidados para a recepção, o que significa comida e cerveja de graça. Você vai estar no casamento? - ele perguntou a Nick.
- Não perderia por nada - respondeu ele.
- Vejo vocês mais tarde, então - disse Justin, apressado. - Só espero que a igreja esteja pronta. Temos muito trabalho a fazer antes das sete.
Eles se deslocaram outra vez para que Justin pudesse abrir a porta de ferro trabalhado e subir para o mezanino.
- O.K., o que você queria me dizer? - Perguntou Noah enquanto seguia Nick até o último banco.
- Ainda tenho dúvidas.
- Brenner?
Nick assentiu. - Talvez eu me convença quando saírem os relatórios. Eles têm uma impressão de polegar, parcial, e estão comparando a voz dele com a da fita do confessionário. Quando saírem os resultados confirmando que Brenner é o eldes, então eu vou relaxar. Até lá...
- Você quer que eu fique por aqui.
- Sim. Sei que Pete logo vai lhe colocar em outro caso.
- Vou tenta enrolar um pouco. Além disso, vamos saber o que os peritos concluíram hoje à noite, no máximo amanhã de manhã.
- Eu agradeço muito, Noah.
- Se você ainda está com dúvidas, é claro que eu vou ficar. Tenho que continuar usando este vestido?
Nick sorriu. - Acho que deve continuar com a batina enquanto estiver em Holy Oaks. Muitas pessoas o conhecem como padre. Vamos deixar assim.
Ele examinou Noah de cima a baixo e depois perguntou: - Onde está escondendo a arma, no tornozelo? - ele perguntou, olhando para os pés de Noah. As pontas de seus tênis pretos apareciam sob a barra da batina.
- Não, seria muito difícil de alcançar - respondeu ele, levantando a manga que cobria o braço esquerdo. O coldre com a arma estava preso logo abaixo do cotovelo. - O velcro é uma invenção divina.
- Muito bem - disse Nick.
- Me diga uma coisa. Você não acha que deveria contar a Tom e Laurant sobre suas dúvidas?
- O que vou dizer a eles? Os indícios são bem conclusivos, e só Deus sabe o que mais Wesson tem contra Brenner. Além disso, Laurant e Tommy passaram por um estresse tremendo, e ela está ansiosa pelo casamento da amiga. Quero que consiga se divertir esta noite. Você fica de olho em Tommy, e eu vou estar ao lado dela.
- Não, eu não vou trabalhar desta maneira. Você pode fazer o que quiser com Laurant, mas eu vou mandar que Tom continue atento. Não quero que ele relaxe até você estar convencido.
Nick assentiu. - Está bem.
- Você contou a Pete como está se sentindo em relação ao caso?
- Sim.
- E?
Nick enfiou as mãos nos bolsos. - Eu não estou sendo objetivo porque estou envolvido demais pessoalmente.
- Ele pode estar certo.
- Quando chegarem os relatórios, eu vou parar de me preocupar.
- E depois?
- Depois voltamos para casa - disse Nick. - Novo dia,
novo caso.
- E você vai simplesmente deixá-la para trás, não vai? - Noah parecia incrédulo. - Ela é a melhor coisa que já lhe aconteceu, mas você é covarde demais para aproveitar a chance. Você é maluco, sabia disso?
Nick respondeu à pergunta dando as costas ao amigo e o deixando para trás.
Capítulo 34
O PAI DE MlCHELLE RETORNOU DA ABADIA ÀS QUINZE PARA AS SEIS, COM A notícia de que o andaime havia sido removido e o tapete vermelho já estava estendido no corredor central. A florista e seu assistente estavam trabalhando freneticamente para conseguirem amarrar os buquês nas extremidades de todos os bancos. Seria por pouco, ele disse à esposa, mas tinha certeza de que a igreja estaria pronta quando soassem as primeiras notas da marcha nupcial.
A mãe de Michelle, envolta numa cascata de chifon azul, continuou preocupada, mas a noiva estava levando todos os contratempos de última hora na esportiva. Sentada na cama com as costas apoiadas na cabeceira, observava Laurant se vestir enquanto lhe informava das últimas fofocas que tinha escutado.
- Eles expediram um mandado de busca para Lonnie e vão acusá-lo de incêndio criminoso, e, com sorte, trancá-lo numa cela pelo resto da vida. Ele aprontou tanta coisa nos últimos anos que
- merece apodrecer na prisão. - Ela fez uma pausa para tomar um gole de limonada. - E todos ainda estão chocados com Steve. Não prenda o cabelo, Laurant, deixe-o solto.
- O.K. - concordou ela, pegando o vestido de seda cor-de-pêssego que tinha pendurado nas costas da cadeira. Vestiu-o, pediu que Michelle subisse o zíper e ajeitou o corpete. Depois virou-se, com a saia armada flutuando em torno das pernas, e perguntou: - O que você acha? Serve para um casamento ou não? Eu poderia usar o Versace azul, mas achei que esta cor não iria destoar tanto dos vestidos cor-de-rosa das outras damas de honra.
A Sra. Brockman entrou no quarto para mais uma vez tentar apressar a filha, mas se deteve ao ver Laurant.
Mãe e filha ficaram sem fala. Laurant se sentiu constrangida com os olhares e pediu: - Digam alguma coisa. Gostaram do vestido ou não?
- Você parece uma princesa de conto de fadas - sussurrou Michelle. - Não parece, mamãe?
- Oh, sim - concordou ela. - Querida, você está linda.
Michelle desceu desajeitadamente da cama e se apoiou na cômoda para ficar em pé. A mãe notou sua careta de dor. - O aparelho novo ainda está incomodando?
- Um pouco - admitiu Michelle, sem tirar os olhos de Laurant. - Se eu pudesse ser como você... Dê a volta e olhe no espelho. Mamãe, Laurant não faz idéia de como é bonita. Ela não concorda com o resto do mundo. Eu deveria obrigá-la a usar um saco de papel na cabeça, porque todos os olhos na igreja vão estar fixos nela.
- Não, eles vão estar olhando para a linda noiva. - Laurant riu. - Bem, você vai ficar linda assim que tirar estes rolos ridículos do cabelo e se vestir. Ou está planejando entrar na igreja com este roupão velho ?
- Isso mesmo, Laurant, faça Michelle se apressar. Ela não escuta o que eu digo, e vai acabar chegando atrasada no próprio casamento - disse a Sra. Brockman, empurrando gentilmente a filha. Eu estou velha demais para este estresse - acrescentou. - Eu já estava velha quando tive Michelle.
Michelle sorriu. - Sim, mamãe. Eu mudei a sua vida.
A mãe sorriu. - Você foi uma bênção. Agora vista-se, ou vou mandar seu pai vir aqui.
Michelle apertou o cinto do roupão e começou a puxar os rolos do cabelo.
- Laurant, seu sutiã está aparecendo - disse ela. - Por baixo da alça do vestido.
Laurant ajeitou o corpete, mas a renda branca continuou à mostra. - Eu não tenho outro com alça mais fina.
- Então não use nada - sugeriu Michelle.
Sua mãe interveio. - Laurant não vai entrar sem sutiã na casa de Deus.
- Mamãe, não estou sugerindo que ela vá sem blusa. Ninguém vai saber que ela não está de sutiã. O vestido é forrado.
-Deus vai saber - anunciou a mãe. -Vou pegar um alfinete de segurança.
Assim que a porta se fechou, Michelle disse: - Ela está uma pilha de nervos, e papai também. Hoje de manhã ele estava todo choroso, dizendo que ia perder a sua garotinha. Não é uma graça?
Laurant puxou a cadeira para Michelle se sentar em frente à penteadeira.
- Sim, é emocionante - disse ela. - Lembrou a ele que você e Christopher vão morar a dois quarteirões daqui?
- Não é a mesma coisa - disse ela. - Ele vai chorar quando me conduzir pela igreja, e eu também vou chorar se ela não estiver pronta.
Laurant pegou a escova e passou para a amiga. - Você se dá conta da sorte que tem? Seus pais a amam e você está prestes a se casar com um homem maravilhoso. Eu invejo você - acrescentou com um suspiro.
Michelle olhou para a amiga pelo espelho. - Não vai demorar muito e eu vou estar lhe ajudando a se aprontar para o seu casamento.
Laurant podia ter lhe contado a verdade naquele momento, que fora tudo uma encenação e que ela e Nick não iam se casar, mas ficou calada. Aquele dia era de Michelle, e ela não queria que a amiga perdesse um minuto pensando sobre qualquer outra coisa.
- Não comece a se derreter toda - disse Michelle - Senão mamãe vai lhe colocar para trabalhar também. É assim que ela lida com as lágrimas - explicou. - Ela já fez papai ir duas vezes à abadia, primeiro para ver se os andaimes tinham sido retirados e depois para conferir se as flores haviam chegado, e antes de nos levar para a igreja ele vai ter que passar nas Vanderman para apanhar Bessie Jean e Viola.
- Bessie Jean tem carro.
- Você já a viu dirigindo?
- Não, mas vi o carro estacionado na garagem
- Ela não quer dirigir. Disse a mamãe que, com o trânsito de hoje em dia, pode ser perigoso.
- Trânsito em Holy Oaks?
As duas riram. - E ouça esta - disse Michelle. - Ela culpa os católicos. Diz que eles dirigem como maníacos.
Elas riram outra vez, mas a mãe de Michelle pôs fim à conversa quando entrou correndo no quarto outra vez. - Minha filha, eu estou implorando. Vista-se. - Ela foi até Laurant brandindo um alfinete de segurança gigante. - Foi só o que pude encontrar - desculpou-se enquanto prendia a alça do sutiã de Laurant no forro do vestido.
Às vinte para as sete, Michelle finalmente estava pronta para ir para a igreja. Seu vestido marfim bordado com pérolas era uma réplica de um modelo de Vera Wang que ela tinha visto numa revista e adorado, e ficava perfeito no seu corpo miúdo com formato violão. Quando ela por fim se virou para encarar a mãe e Laurant, as duas pegaram lenços de papel para secar olhos e narizes sem estragar a maquiagem.
- Oh, Michelle, você está tão linda - sussurrou Laurant. - Absolutamente deslumbrante.
- Seu pai vai chorar quando a vir - anunciou a mãe, fungando. Michelle ajeitou o véu e então apertou a mão de Laurant. - O.K., estou pronta. Vamos lá.
Enquanto se dirigia à porta, ela exclamou por cima do ombro: - Não se esqueça de usar o colar que eu lhe dei.
Laurant teria esquecido se Michelle não tivesse falado. No jantar do ensaio, a noiva tinha presenteado todas as damas de honra com uma delicada correntinha de ouro.
Ela fez várias tentativas até conseguir fechar o colar, e depois parou na frente do espelho e colocou seus brincos de diamante. A única outra jóia que estava usando era o anel de noivado. Ela estendeu o braço à sua frente e fitou a pedra faiscante por alguns segundos. As lágrimas toldaram sua visão, e seu coração parecia prestes a explodir. Ela pensou em tirar o anel e devolvê-lo imediatamente a Nick, mas depois mudou de idéia. Esperaria até o fim da festa, então lhe daria o anel e diria adeus.
Oh, Deus, como poderia suportar aquilo? Como ela o amava. Ele tinha entrado em sua vida e a mudado para sempre, pois a fizera abrir os olhos e o coração para todas as possibilidades do mundo a sua volta.
Como iria viver o resto da vida sem ele? Laurant olhou-se no espelho e lentamente aprumou os ombros. Seu coração ficaria despedaçado, sim, mas ela iria sobreviver.
Sozinha, mais uma vez.
Capítulo 35
A igreja estava lotada. Todos os moradores de Holy Oaks pareciam ter sido convidados para o casamento, pensou Nick enquanto observava o fluxo ininterrupto de pessoas entrando na abadia. Diversas famílias tentaram subir para o mezanino, mas a porta de ferro estava fechada e tinha um aviso escrito à mão que dizia PROIBIDA A ENTRADA. Apesar disso algumas pessoas ainda tentaram sacudi-la para testar a fechadura, mas acabaram desistindo e indo à procura de um assento na nave principal.
Dois recepcionistas pediam aos convidados que se apertassem um pouco mais para que mais pessoas pudessem sentar nos bancos, enquanto a mãe da noiva era escoltada até a primeira fila.
Nick estava tentando não atrapalhar. Laurant estava com o cortejo da noiva no vestíbulo embaixo do mezanino. A porta estava aberta, mas Michelle não estava à vista. Nick viu Laurant abrir a porta do armário e colocar sua bolsa numa prateleira. Ela o surpreendeu quando estava se virando, deu um sorriso hesitante e então desapareceu.
O pai de Michelle tinha fechado parcialmente as portas para que o cortejo pudesse se organizar sem ser visto. Ele estava com a mão na maçaneta, espiando para dentro para ver quando o Padre Tom saísse da sacristia e tomasse seu lugar em frente ao altar. Preocupado e concentrado para não esquecer o que tinha que fazer nem tropeçar no vestido da filha e jogá-la no chão, ele começou a ofegar de ansiedade. Em mais alguns minutos, ele iria entregar sua única filha a outro homem. Ele enfiou a mão no bolso do colete do smoking alugado e puxou um lenço, e foi só quando começou a secar a testa que se lembrou das irmãs Vanderman.
- Oh, meu Deus - exclamou em voz alta.
Michelle o escutou e viu o pânico em seu rosto. - O que houve, papai? Alguém desmaiou?
- Esqueci de apanhar as Vanderman - disse ele.
- Papai, você não pode ir buscá-las agora. A cerimônia está começando.
O pai olhou desesperadamente em volta em busca de ajuda, viu Nick e agarrou seu braço. - Você pode por favor apanhar Bessie Jean e Viola? Elas provavelmente estão esperando na calçada, e nunca mais vão me deixar em paz se perderem este casamento.
Nick não queria deixar Laurant, mas era a única pessoa disponível no vestíbulo que não fazia parte do cortejo. Ele sabia que levaria apenas alguns minutos para ir e voltar, mas ainda assim resistia.
Laurant viu sua hesitação, saiu da fila e correu até ele, com a saia de seda esvoaçando. - Você não vai perder nada - disse ela em voz alta o bastante para que o pai de Michelle escutasse, depois se aproximou dele e sussurrou: - Acabou, lembra? Não precisa mais se preocupar comigo.
- O.K., está bem - concordou ele com relutância. - Eu vou daqui a pouco, depois que você estiver no altar.
- Mas se for agora... - Eu quero ver você atravessar a igreja - disse ele, um pouco mais abruptamente do que pretendia. Na verdade, o que Nick queria era se certificar de que ela estivesse nas mãos capazes de Noah antes de sair da igreja.
Ele não lhe deu tempo para continuar a discussão. Passou pelas portas duplas e caminhou apressadamente junto à parede dos fundos até o canto sul, onde se colocou em linha reta com a porta da sacristia e ficou esperando que Tommy e Noah saíssem para chamar a atenção de Noah.
Um silêncio de expectativa se espalhou entre os convidados, e então Tommy surgiu e, com estrépito, todos se levantaram. Ele estava usando a batina branca e os paramentos dourados cerimoniais, e sorriu enquanto andava lentamente até o altar para assumir sua posição no alto dos três degraus em frente ao corredor central. Ao chegar lá, cruzou as mãos, olhou para o pianista e assentiu.
No instante em que a música começou, os convidados se voltaram para as portas duplas, esticando o pescoço e se deslocando para ver melhor a noiva quando esta surgisse na entrada.
Noah tinha seguido Tommy até o altar, mas se colocou no fundo, perto da porta da sacristia, com os braços cruzados sobre o peito. Suas mãos estavam escondidas dentro das mangas da batina, a mão direita meio fechada em torno da coronha da Glock enquanto ele examinava lentamente os convidados.
Nick ergueu a mão e fez um gesto para Noah. A primeira dama de honra estava começando a caminhar na direção de Tommy quando Noah desceu os degraus laterais e se dirigiu a Nick. Quando chegou ao canto onde ele estava esperando, a segunda dama de honra tinha começado seu desfile.
- Vou ter que ir buscar umas pessoas - disse Nick. - Vou sair quando Laurant estiver no altar. Estarei de volta em alguns minutos, mas preciso que você fique de olho nela até eu voltar.
- Sem problemas - garantiu ele. - Não vou perder os maninhos de vista.
Nick pareceu aliviado. - Sei que estou sendo teimoso, mas...
- Ei, você tem que seguir sua intuição - disse Noah. - Confio mais nela do que nas provas irrefutáveis de Wesson.
- Como eu disse, vou levar cinco ou dez minutos no máximo. Noah fez um gesto com a cabeça indicando as portas. - Lá vem Laurant. Meu Deus, como ela é gostosa.
- Você está dentro de uma igreja, Noah.
- Eu sei, mas ela está um... amor.
Nick mal olhou para ela. Enquanto Noah voltava lentamente para o altar - sendo detido a cada dois passos por jovens que agarravam sua mão para cumprimentá-lo quando ele passava por seus bancos - Nick examinava os rostos dos convidados.
Viu Willie e Mark em um dos bancos da frente. Nenhum dos dois tinha se barbeado, mas estavam usando camisas de manga curta e gravatas, e ambos também tinham a atenção voltada inteiramente para Laurant.
Assim que ela chegou ao altar e se colocou ao lado das outras damas de honra, Nick saiu pela porta lateral e correu para o carro, gritando um palavrão ao ver que o estacionamento estava lotado e havia outros carros bloqueando sua saída. Ele entrou, deu a partida no motor e então passou por cima da calçada e do gramado bem cuidado, tentando evitar as floreiras cheias de rosas e alegrias-de-jardim.
Ele seguiu devagar até alcançar a rua, e então pisou fundo e saiu zunindo rua abaixo, lutando contra o impulso de dar a volta e retornar à igreja. Começou a argumentar consigo mesmo para espantar a sensação de pânico. Laurant e Tommy estavam seguros com Noah. Ele não ia deixar que nada acontecesse. Enquanto estivessem na igreja, estariam bem. A cerimônia e a missa durariam cerca de uma hora, dependendo do sermão de Tommy. Mesmo se Nick se atrasasse, tudo ficaria bem.
Ele não estaria tão tenso se tivesse os resultados dos malditos relatórios. Por que estavam demorando tanto? Nick pensou em ligar para Pete para descobrir se ele já sabia de alguma coisa, mas mudou de idéia. Sabia que o chefe faria contato com ele assim que tivesse as informações.
Ele estava a oitenta por hora quando entrou na rua das Vanderman, e deixou marcas de freada ao parar guinchando em frente à casa delas. O carro ainda balançava quando Nick puxou o freio de mão. Bessie Jean e Viola estavam esperando na calçada. Ele deixou o motor ligado enquanto saltava do carro e corria para abrir a porta para as duas senhoras e notou que Viola estava segurando uma grande caixa plástica, mas não quis perder tempo perguntando o que era. Bessie Jean estava lhe dando uma bronca, irritada por estar perdendo o casamento.
- Eu odeio impontualidade. Não gosto de me atrasar pára nada,
nem mesmo...
- Não pude evitar - disse Nick, interrompendo as queixas. - Vamos, senhoras.
- Agora podemos ir com calma - disse Viola. -Já perdemos a entrada da noiva, não é verdade?
- Bem, é claro que sim, Mana. O casamento estava marcado para começar às sete horas, e agora já passa das sete.
- Vamos entrando no carro, senhoras - insistiu ele, tentando não perder a paciência.
Viola ignorou seu apelo. - Nicholas, seja gentil e leve este bolo para os nossos vizinhos da frente, sim? Deixe-o na cozinha, por favor. Os rapazes não estão em casa.
- Eles estão no casamento - disse Bessie Jean. - Provavelmente chegaram a tempo de ver o cortejo.
- Fiz este bolo para Justin - disse Viola -, para agradecer a ajuda com as flores.
- A senhora não pode entregá-lo amanhã? - perguntou Nick, sentindo sua frustração quase transbordar.
- Não, querido, o bolo ficaria velho - disse Viola. - Eu mesma o levaria até lá, mas estou usando meus sapatos novos de couro, e eles apertam meus pés. Você não vai demorar mais que um minuto - acrescentou, estendendo a caixa para ele.
Ele percebeu que perderia menos tempo levando o bolo do que discutindo com ela, e então pegou a caixa de suas mãos e atravessou a rua correndo.
- Eu lhe disse para usar um sapato confortável, mas você nunca me escuta - Bessie Jean disse a Viola.
Nick cruzou o gramado e correu até a porta. Ele queria deixar o bolo nos degraus, mas sabia que Viola estava observando e, se não seguisse suas instruções, ela poderia obrigá-lo a voltar.
Que velha inconveniente, pensou ele enquanto abria a porta com um empurrão. Lá dentro estava escuro e frio, e o único som era o zumbido do ar-condicionado central. Ele atravessou a sala desarrumada, pisando em jornais velhos, caixas de pizza e latas de cerveja vazias que cobriam o chão. Com o canto do olho, viu uma barata se abrigar numa das caixas, e notou latas e garrafas de cerveja em todas as mesas e no tapete ao lado da mesa de centro, que também estava cheia de jornais velhos e latas vazias. Em cima da pilha de jornais havia uma grande concha amarela e rosa, que obviamente deveria ser uma peça decorativa mas estava sendo usada como cinzeiro. A concha transbordava de baganas de cigarro e charuto, e o ar dentro da sala era viciado e rançoso.
O lugar era um chiqueiro. A mesa de jantar estava coberta com uma lona velha, rasgada e manchada, e sobre ela havia várias latas fechadas de tinta e duas sacolas plásticas da ferragem local com pincéis. Uma porta de vaivém ligava a sala de jantar à cozinha, exatamente igual à da casa de Laurant. Nick empurrou-a e entrou na cozinha. A primeira coisa que notou foi o cheiro, penetrante, forte, pungente...familiar. Qualquer que fosse a combinação de produtos, fazia os olhos lacrimejarem e a garganta arder. Ao contrário das outras peças, a cozinha não estava desarrumada. Não, era imaculada. Os balcões estavam vazios, limpíssimos, reluzindo... como outra cozinha na qual ele estivera. O reconhecimento foi súbito. Ele se lembrou do odor... vinagre e amônia... e recordou exatamente onde o sentira antes. Seu olhar vasculhou freneticamente a peça, e a verdade desabou sobre ele como uma bomba. Tudo se encaixava. Ele largou o bolo e instintivamente levou a mão à arma enquanto se virava na direção da mesa, adivinhando antes mesmo de olhar o que iria encontrar. Lá, no centro da mesa da cozinha, entre o saleiro e o pimenteiro, estava o frasco transparente tamanho família de anti-ácido. Os tabletes eram cor-de-rosa, exatamente como ele se lembrava, e ao lado do frasco havia uma embalagem alta de molho de pimenta. A única coisa faltando era o cocker spaniel tremendo no canto.
- Laurant! - Ele empurrou a porta com tanto ímpeto que ela quase se desprendeu. Tinha que voltar para a abadia antes que fosse tarde demais. Ao passar correndo pela sala, bateu na mesa de centro, virando-a. Pulou por cima das pernas levantadas e escancarou a porta da frente. A igreja. O filho da mãe ia pegá-la quando saíssem da igreja. Prendendo a arma no coldre outra vez, ele correu para pegar o telefone no carro.
Não podia perder um tempo precioso tentando contatar as autoridades mais próximas. Pete podia dar o alarme e mobilizar ajuda enquanto Nick e Noah protegiam Tommy e Laurant - os peões do jogo mortal do Destruidor de Corações.
Ele chegou no carro e gritou para Bessie Jean: - Entre em casa e ligue para o xerife de Nugent. Diga a ele para mandar todos os homens disponíveis para a abadia. - Pulou para dentro do carro, deixando a porta aberta enquanto tirava uma Glock e outro pente do porta-luvas. Pegou o telefone e continuou a gritar para as senhoras perplexas que o observavam. - Vão - gritou ele. - E diga a eles para virem armados.
Ele engatou a primeira e pisou fundo no acelerador, e o pulo que o carro deu para frente fez a porta se fechar. Depois discou o número do celular de Pete. Sabia que ele sempre o trazia consigo, e os únicos momentos em que o desligava eram quando ele estava em casa ou dentro de um avião.
Após o primeiro toque, ouviu a mensagem do correio de voz. Gritando um palavrão, Nick desligou e então discou o número da casa de Pete. Enquanto voava pelas ruas desertas a mais de cem por hora, ele repetia para o telefone: - Atenda, atenda, atenda.
Um toque. Dois. No terceiro, Pete atendeu.
Nick berrou: - Não é Brenner. É Stark. Ele está usando Laurant para me atingir. Foi uma cilada desde o início. Ele vai matar Laurant e Tommy. Mande ajuda, Pete. Somos todos alvos.
Capítulo 36
DONALD STARK, CONHECIDO PELOS MORADORES DE HOLY OAKS COMO o simpático e educado fazendeiro Justin Brady, estava agachado junto à balaustrada do mezanino do coro, observando e esperando sua oportunidade. Ah, como ele tinha planejado este dia. A celebração finalmente se aproximava. Seria seu momento de glória, e o dia do acerto de contas com Nicholas Buchanan.
Contudo, seu bom humor estava sendo duramente testado por Nicholas naquele momento. O mula estava deixando Stark muito agitado, tentando arruinar seus planos maravilhosos fazendo-o perder tempo com preocupações.
Mais uma vez, ele ergueu a cabeça alguns centímetros e vasculhou a igreja lotada. Podia sentir a raiva crescendo dentro de si, e lutou para refreá-la. Tudo a seu tempo, prometeu a si mesmo. E então espiou novamente. Onde estava o mula? Após esquadrinhar os convidados pela terceira vez, Stark concluiu que ele não estava na igreja. Aonde poderia ter se metido? E então lhe ocorreu que talvez o mula estivesse em pé no fundo da nave, embaixo do mezanino.
Stark tinha que ter certeza. Decidiu correr o risco e descer a escada para ver por si mesmo. Ele tinha que estar certo. Tinha, tinha, tinha. Era imperativo que o mula comparecesse à celebração. Afinal de contas, era o convidado de honra.
Mantendo a cabeça baixa, engatinhou até o banco onde tinha deixado a chave da porta de ferro. Estava estendendo a mão para pegá-la quando ouviu o som de pneus freando bruscamente. Arrastando-se até a janela, espiou para fora no momento em que o Explorer verde subia no meio-fio.
Stark sorriu. - Quem espera, sempre alcança - sussurrou, e depois soltou um longo suspiro. Tudo estava saindo conforme o programado. O convidado de honra ia entrar na igreja a qualquer momento.
Ele pegou o rifle, ajustou a mira e se posicionou, ajoelhado ao lado do tripé.
A fumadora estava focada no altar, e ele estendeu a mão e apertou o botão para começar a gravar. O timing era tudo, obviamente. De que adiantaria matar o Padre Tom e Laurant se o mula não estivesse lá para assistir? De nada, raciocinou Stark. Ele estava determinado a filmar os dois assassinatos - como poderia se gabar de ter derrotado o FBI se não tivesse como provar? Ele sabia que era mais esperto do que todas os mulas juntos, e em breve, muito em breve, o mundo também saberia. A fita escarneceria deles, humilharia-os da mesma forma que Nicholas o humilhara.
- Você se meteu com o homem errado - sussurrou ele, com a voz trêmula de ódio. Seus dedos se fecharam em torno do cano liso. Ele podia sentir a energia destrutiva da arma em suas mãos crescer, ficar mais potente com cada carícia.
Mesmo assim, ele ia esperar que o padrezinho bonito terminasse a cerimônia do casamento e voltasse para trás do altar para iniciar a missa. Stark tinha feito sua lição de casa. Sabia exatamente onde cada membro do cortejo estaria sentado. Fingira estar trabalhando no mezanino durante o ensaio e sabia que os noivos, o padrinho do noivo e a dama de honra iam subir ao altar com o padre e se sentar nas cadeiras colocadas ligeiramente à direita da mesa, como membros da realeza em seus tronos. Os dois irmãos estariam no centro daquele palco santo, exatamente em frente a sua câmera.
Seria perfeito. Ele mataria Tommy primeiro - um tiro no meio da testa que teria um efeito absolutamente maravilhoso na fita. E enquanto Nicholas ainda estivesse tonto com o choque - quem não ficaria, depois de assistir o assassinato do seu melhor amigo? - Stark deslocaria o rifle para a direita e mataria Laurant. A câmera estaria capturando sua reação à morte do irmão. Ele imaginou a expressão de horror em seus olhos na fração de segundo antes de matá-la, e sorriu outra vez. Seria uma delícia. Bang, bang, e pronto. Mataria os dois antes que os convidados tivessem tempo de reagir. Ele confiava que as pessoas iriam entrar em pânico e correr para a porta como num estouro da boiada, o que lhe daria tempo para pular pelo alçapão que tinha aberto no piso atrás do órgão. Ele cairia no armário do vestíbulo, sairia pela janela da frente e se misturaria à massa histérica de homens e mulheres. Talvez até decidisse se divertir um pouco mais e gritar junto com eles.
- Tanto a fazer em tão pouco tempo - sussurrou ele. Naqueles preciosos dois ou três segundos antes dos convidados se erguerem dos bancos, ele ia tentar matar Willie e Mark. Eles estavam sentados junto ao corredor central, na sexta fila a contar da frente. Stark sabia que estava sendo ganancioso, mas não se importava. Tinha que se livrar deles. Vinha fantasiando sobre isso o tempo todo desde que fora obrigado a morar com eles. Seus colegas eram porcos. Porcos imundos e vis. Ele não podia tolerar a idéia de permitir que um lixo como aquele continuasse a poluir o mundo. Não, isso era inadmissível. Eles tinham que morrer, e se ele não conseguisse matá-los naquele mesmo dia, voltaria para pegá-los depois. Não se daria ao trabalho de filmar aquelas duas~mortes, no entanto, pois assim como a prostituta, Tiffany, Willie e Mark não eram dignos de serem lembrados.
Ele sufocou uma risada quando pensou no controle de porta de garagem no qual tinha feito algumas hábeis modificações. Ele estava preso no pára-sol de seu furgão. Ninguém o notaria, nem pensaria duas vezes num objeto tão comum. Mas aquele controle não iria abrir garagem nenhuma. Não, senhor. Um apertar do botão e bum, ele faria a alegria dos telejornais da noite.
Nós estamos nos divertindo? Oh, sim, certamente que sim.
Com o aparelho de metal na perna, Michelle não podia se ajoelhar, e por isso Tommy celebrou o casamento no início da cerimônia ao invés de esperar até a metade da missa, como de costume. Ele tinha grandes esperanças para aquele casal. Christopher era um homem bom e decente, e tinha a cabeça no lugar. Acreditava em casamento e compromisso, assim como sua adorável noiva. Os dois tinham passado por maus momentos no passado, e os superaram com graça e dignidade, e Tommy sabia que eles se esforçariam ao máximo para manter as promessas mútuas quando enfrentassem os inevitáveis momentos de crise.
Foi uma alegria unir os dois. Ele sorria enquanto Christopher colocava a aliança no dedo de Michelle. A mão dela tremia tanto que o noivo teve que tentar duas vezes. Christopher, por sua vez, estava firme como um velho carvalho.
Tommy lhes deu a bênção e se virou para subir os degraus do altar, e o coro começou a cantar "O Precious Love". Enquanto os outros membros do cortejo silenciosamente se acomodavam nos primeiros bancos, os noivos, ladeados pela dama de honra e pelo padrinho de Christopher, seguiram Tommy até o altar. Laurant ajeitou a longa cauda do vestido de Michelle e depois se sentou ao lado dela. Nenhum deles deveria se levantar até o momento da eucaristia.
Os dois coroinhas, primos de Michelle, sentaram do outro lado do altar, junto à porta da sacristia, com Noah entre eles. Ao dar a volta no altar, Tommy notou que Noah estava encostado na parede e, fazendo uma careta, indicou que ele endireitasse as costas. Noah imediatamente obedeceu.
Tommy se virou para a congregação, baixou a cabeça, apoiou as mãos no tampo de mármore frio e lentamente se ajoelhou.
E foi então que viu as flores. Escondido sob o altar havia um lindo vaso de cristal cheio de lírios brancos. Tommy concluiu que ele tinha sido colocado ali pelo florista para não atrapalhar enquanto o altar estava sendo preparado para a cerimônia, e depois que a base fora envolta na toalha de linho branca, ele simplesmente se esquecera das flores. Tommy se abaixou um pouco mais para pegar o vaso, mas quando o levantou, viu uma pequena luz vermelha piscando em frente ao seu rosto.
Confuso, ele se aproximou para olhar mais de perto, e então viu o bloco oblongo fixado embaixo do tampo de mármore. Tinha mais ou menos o tamanho de um tijolo e estava coberto por uma massa de fita adesiva, em meio à qual se viam fios vermelhos, brancos e azuis, e a diminuta luz vermelha.
Agora ele sabia exatamente para o que estava olhando. Era uma bomba. E pelo tamanho, Tommy percebeu que ela continha explosivo suficiente para fazer a igreja em pedaços. A luz vermelha piscante indicava que o mecanismo já havia sido ativado.
- Meu Deus - sussurrou ele, tão perplexo que não conseguia se mexer. Sua primeira reação teria sido saltar para trás e gritar que saíssem todos correndo, mas ele conseguiu se controlar a tempo. Fique calmo. Sim, ele tinha que ficar calmo. A última coisa que queria era causar pânico. Ele soltou o vaso, depois o agarrou antes que virasse. Suas mãos estavam tremendo violentamente, e ele sentia gotas de suor brotarem na testa.
O que em nome de Deus ele devia fazer? Ainda apoiado sobre um joelho, virou-se ligeiramente para Noah e fez um gesto para que ele se aproximasse.
Noah viu a expressão aflita de Tommy e imediatamente correu na sua direção, pensando que ele estivesse passando mal. Seu rosto estava tão cinza quanto o mármore do altar.
Tommy teve que se agarrar na borda do altar para se pôr em pé outra vez. Só conseguia pensar em como iria conduzir a congregação para for a da abadia em segurança. Sua cabeça girava. Ele não tinha ficado de joelhos por mais de quatro ou cinco segundos, mas já fora o suficiente para as pessoas começarem a se perguntar o que ele estava fazendo. Apoiou-se no altar com uma das mãos, segurou o vaso com a outra e se levantou quando Noah chegou do seu lado. Tommy forçou um sorriso, pôs as flores sobre o altar e deu um passo para trás. Não queria que o microfone captasse sua voz quando ele contasse a Noah o que havia encontrado.
Noah ficou na frente de Tommy e de costas para a congregação. - O que houve? - sussurrou.
Tommy se aproximou e sussurrou no seu ouvido: - Tem uma bomba embaixo do altar.
A expressão de Noah não se alterou. Ele simplesmente assentiu e disse: - Vou dar uma olhada.
Ele se virou para os convidados, fez um rápido sinal da cruz do modo como Tommy havia lhe ensinado e se ajoelhou. Queria que a congregação pensasse que ele estava participando da cerimônia. Curvando o pescoço, abaixou-se ainda mais e olhou sob a toalha. - Deus do céu - sussurrou. Ele esperava encontrar um mecanismo simples, de fabricação caseira, facilmente desmontável, mas não teve essa sorte. Uma rápida inspeção lhe disse que o explosivo era complexo demais para ele. Seria preciso um especialista para cortar os fios certos, e como eles iriam encontrar um perito em bombas numa cidade do tamanho de Holy Oaks?
Noah endireitou as costas e olhou para Tommy. - Não posso desativá-la.
Enquanto ele se levantava, Tommy sussurrou: - O.K., temos que tirar esta gente daqui. Vou pedir ajuda a Christopher, e você fala com os coroinhas.
Tommy andou na direção do noivo. Na metade do caminho, parou e fez um gesto para que Christopher se levantasse. Ele não queria que Michelle escutasse o que tinha para dizer. Ela estava observando o padre com um olhar intrigado, e então se inclinou para Laurant e sussurrou algo em seu ouvido. Laurant sacudiu a cabeça para indicar que tampouco sabia o que o irmão estava fazendo.
Com uma voz baixa e urgente, Tommy disse: - Estamos com um problema, e preciso que você me ajude a levar todos para fora da igreja. Há uma bomba embaixo do altar. Não queremos criar pânico
- acrescentou quando viu os olhos de Christopher se arregalarem. - Nós podemos fazer isso. Eles vão seguir você e Michelle. Agora vá - ordenou.
- A capela - sussurrou Christopher. - Peça que nos acompanhem à capela, porque eu tenho uma surpresa para Michelle.
- Ótima idéia - disse Tommy, virando-se e retornando ao altar. Ajustando o microfone, ele respirou fundo e depois anunciou:
- Senhoras e senhores, Christopher tem uma surpresa para Michelle. Por favor, sigam os noivos até a capela ao pé da colina.
Christopher já tinha alcançado Michelle antes de Tommy começar a falar. Ela ficou estupefata quando ele a puxou da cadeira e a pegou no colo.
- Christopher, o que você está fazendo? - perguntou ela.
- Continue sorrindo, querida. Nós temos que sair daqui.
Michelle jogou os braços em torno dos ombros do noivo e sorriu conforme suas instruções. Depois sussurrou: - Eu vou gostar desta surpresa?
Christopher não respondeu. Ele passou pelo altar, desceu os degraus e tomou o corredor central.
Seu entusiasmo fez Laurant rir. Ele estava praticamente correndo. Ela e David, o padrinho, esperaram até que Tommy terminasse o anúncio e então se levantaram, deram-se os braços e seguiram os noivos, mas num passo muito mais lento.
Um murmúrio correu pelos convidados, e a igreja aos poucos se encheu de sons enquanto eles reuniam seus pertences, fechavam os genuflexórios e se levantavam para sair.
Stark não podia acreditar no que estava vendo. Eles estavam indo embora. Não, gritou em sua própria mente. Aquilo não era aceitável. Ninguém podia sair. Que surpresa era essa que o padre tinha mencionado? Encerrar a missa mais cedo não fizera parte do ensaio. A capela? Por que eles estavam indo para lá? O que havia lhe escapado? Sua cabeça estava acelerada, os pensamentos se confundiam. Inaceitável. Laurant. Ela também estava indo embora. Não, não, não. Estava passando pelo altar. Primeiro Tom, depois Laurant. Como ele tinha planejado. Mas o mula, o mula tinha que assistir.
O padre estava falando no microfone outra vez. - As pessoas próximas das portas laterais podem usá-las para sair. Isto poupará tempo - acrescentou.
Stark, tremendo de fúria, sentia seu controle se esvair, desintegrar-se, mas então, quando estava prestes a se erguer e começar a atirar, ele viu a porta lateral se abrir e lá estava o mula, tentando entrar enquanto os convidados saíam. Nicholas finalmente tinha chegado. - Pronto, pronto, agora está tudo bem - sussurrou ele, querendo gritar de alegria. Ficou tão emocionado ao ver o mula que teve vontade de lhe acenar. Que bom vê-lo novamente, Nicholas. Sim, senhor.
Ainda havia tempo... tempo para o espetáculo... se ele agisse rápido. Erguendo o rifle, mirou seu alvo. - Não ria. Não ria - sussurrou, mas a sensação era tão deliciosa que ele não sabia se conseguiria se conter. Olhou pelo visor enquanto apoiava o dedo no gatilho. Com cuidado agora. Muito cuidado.
Noah tinha acabado de enxotar os coroinhas pela porta lateral e estava se virando para interceptar Laurant antes que ela descesse para o corredor central, pois não queria se afastar dela. Ela sairia com ele e Tommy.
Estava a cerca de quatro metros de Tommy quando viu o ponto de luz vermelha percorrendo a parede e reagiu instantaneamente. - Arma de fogo! - gritou, sacando a própria pistola da manga e correndo na direção de Tommy. Seus olhos estavam voltados para o mezanino enquanto ele atirava contra a fonte da luz.
Nick já tinha visto o ponto do laser atravessar o altar na direção de Tommy quando Noah deu o aviso. - Abaixem-se! - berrou, enquanto abria caminho aos empurrões em meio aos convidados assustados.
Tommy não teve tempo de reagir. Escutou um som chispante, e um pedaço do altar se despedaçou no ar. Num segundo, Noah e Nick estavam gritando, e no seguinte, Noah estava disparando contra o mezanino enquanto se atirava em cima de Tommy e o derrubava no chão. A cabeça de Noah bateu na borda do tampo quando eles caíram, e ele desabou como um peso morto sobre Tommy, que o empurrou para o lado e depois arrastou seu corpo inconsciente para trás do altar para proteger os dois. Enquanto o puxava, viu o sangue jorrar do ombro esquerdo do agente.
Os gritos dos convidados desesperados para sair da igreja rasgavam o ar, e os corredores estavam lotados de mulheres e homens histéricos. Nick estava com uma Sig Sauer na mão direita e, enquanto empurrava as pessoas à sua frente, pegou a Glock carregada que levava na cintura. Pulou em cima de um banco e abriu fogo. Correndo por cima dos assentos, começou a disparar alternadamente uma e outra arma, tentando obrigar Stark a se manter abaixado.
Stark se escondeu atrás da balaustrada. O que estava acontecendo? O padre loiro tinha puxado uma arma e começado a atirar, e ele só conseguira disparar alguns tiros Vira o Padre Tom cair, e depois o outro padre, e tinha certeza de ter acertado os dois.
Agora era a vez de Laurant. Ele levantou a arma e a localizou. Ela estava ajoelhada junto aos degraus do altar tentando se levantar quando ele atirou. Ela caiu novamente, mas ele não conseguiu saber onde tinha lhe atingido. Balas zuniam em torno dele, e uma delas quase atingiu sua mão quando ele tentou pegar a fumadora. Não podia ir embora sem a fita. Arrastou-se até junto da tomada ao lado do órgão e puxou o fio. A câmera caiu no chão, despedaçando-se, e ele a puxou na sua direção. Um segundo depois, estava com a fita. Guardou-a num dos bolsos de seu casaco, subiu o zíper e depois foi para trás do órgão e levantou o alçapão. Segurando-se nas bordas do piso, ele escorregou para o apoio que tinha construído no teto do andar de baixo, depois puxou a porta do alçapão de volta para o lugar e a trancou.
Havia tanto barulho que ninguém escutaria seus passos pelo forro. Desceu para o armário, abriu a porta e espiou para fora. Não havia ninguém no vestíbulo, mas ele podia ver o enxame de pessoas se empurrando para sair da igreja e decidiu se misturar a elas. Atravessou o vestíbulo correndo e se enfiou entre os convidados desesperados. Uma senhora de idade se agarrou em seu braço para não cair e, cavalheiro como era, ele a amparou e a ajudou a chegar à rua.
Olhou para trás e teve que se controlar para não rir. Nicholas provavelmente ainda estava lutando contra a corrente humana, tentando chegar à porta de ferro. Ele acabaria subindo ao mezanino, mas encontraria o alçapão? Stark achava que não, pois usara toda sua habilidade ao construí-lo. Ele já podia imaginar o mula parado lá em cima, coçando a cabeça de espanto. Onde teria se metido Justin Brady? Sim, era por ele que o mula iria procurar, mas quando Nicholas voltasse a vê-lo, Stark tinha certeza de que o agente do FBI não o reconheceria. Ele estaria sem barba, os cabelos estariam mais longos e bem penteados e pintados de outra cor. Também mudaria a cor dos olhos, talvez para verdes ou azuis. Tinha uma coleção tão grande de lentes para escolher, todas as cores do arco-íris a sua disposição.
Stark se acreditava um mestre dos disfarces. Mudanças sutis, este era o segredo. Nada dramático, apenas um pouco disto e um pouco daquilo já faziam um mundo de diferença. Sua própria mãe não o reconheceria hoje se ele andasse até ela e batesse em seu ombro. É claro que Mamãe Millicent não andava vendo muitas coisas ultimamente, apodrecendo como estava no próprio quintal, embaixo das petúnias que tanto adorava. Mesmo assim, se ela pudesse vê-lo naquele disfarce de fazendeiro, Stark tinha certeza de ela iria rir muito.
Ele não soltou a senhora que se apoiara em seu braço, mas arrastou-a com ele para o lado da igreja. Manteve-se grudado na parede para que, quando o mula chegasse ao mezanino, não o visse ao olhar pela janela.
A velha estava chorando. Eles chegaram à porta lateral, por onde as pessoas também saíam, e ela começou a resistir. - Largue-me. Preciso encontrar meu marido. Ajude-me a encontrá-lo.
Ele a empurrou e a observou cair entre os arbustos, então seguiu em frente, abrindo caminho entre o fluxo de pessoas e virando-se mais uma vez para se certificar de que o mula não estava na sua cola.
De repente, soltou um gemido baixo. O Padre Tom estava correndo para fora, e as pessoas se afastavam para lhe dar passagem. Ele estava carregando o outro padre. Os paramentos de Tom estavam ensangüentados, mas ele não parecia ter sido atingido. E Laurant. Deus Todo-Poderoso, ela estava saindo junto com ele.
Ele ficou tão chocado ao ver que os dois ainda estavam vivos que quase gritou. Encolheu-se junto à parede, os ombros pressionando a pedra fria. O que fazer agora? O que fazer? Não havia tempo para planejar, não havia tempo algum, mas ele tinha que fazer alguma coisa antes que a oportunidade lhe escapasse.
Várias pessoas cercavam Tom. Stark observou-o deitar lentamente o outro padre no gramado, ajoelhar-se e sussurrar algo no ouvido do moribundo. Estava rezando por ele, sem dúvida nenhuma, como se aquilo fosse adiantar.
Porém, o padre que ele tinha baleado não era realmente um padre, era? Ele tinha uma arma. Era um mula, um agente disfarçado. Como ousavam enganá-lo? Como ousavam? Ele era um mula, mas agora estava morrendo.
Stark queria desesperadamente matar Tom, mas sabia que, de onde estava, não conseguiria acertá-lo na primeira tentativa. Havia gente demais correndo em círculos como galinhas decapitadas.
Ele voltou sua atenção para Laurant. Fácil, pensou. Ela estava em pé junto à porta, encostada na parede, tentando não atrapalhar, mas a cada dois segundos se virava para olhar para dentro. Não estava a mais do que dez metros dele. Lentamente, ele avançou na sua direção. Ela parecia confusa, e isso lhe dava uma vantagem a mais.
Tirou a arma do bolso e a escondeu dentro do casaco.
- Laurant - ele gritou o nome dela tentando soar moribundo. Dobrou-se sobre si mesmo, com a cabeça baixa, mas ergueu os olhos para ela quando a chamou outra vez.
- Laurant, eu levei um tiro. Por favor, me ajude. - Ele cambaleou mais para perto dela. - Por favor.
Laurant ouviu Justin Brady chamar seu nome, e sem um segundo de hesitação, saiu na direção dele.
Ele fingiu tropeçar, e soltou um gemido alto. Um Oscar, ele deveria ganhar um Oscar por seu desempenho impecável.
Laurant deu passo na direção de Justin e sentiu uma ferroada na batata da perna direita. Ela provavelmente tinha se cortado quando fora atropelada por uma das damas de honra que tentava fugir da igreja. Podia sentir o sangue escorrendo para dentro do sapato.
Ela estava mancando, mas andou o mais rápido que pôde. Quando estava a cerca de cinco metros de Justin, estacou de repente. Algo não lhe parecia bem certo. Ela escutou a voz de Nick dentro da sua cabeça. Não acredite em nada do que lhe disserem. E foi então que olhou para baixo e percebeu o que estava errado.
Justin a viu dar um passo para trás, afastando-se dele. Estava com a mão dentro do casaco, segurando a arma contra o peito. Continuou a cambalear na direção dela com o tronco abaixado, como se estivesse sentindo uma dor terrível.
Ela não estava engolindo aquela encenação. Para quê Laurant estava olhando? Sua mão. Ela estava olhando para a sua mão. Ele tinha esquecido de tirar as luvas cirúrgicas. Chocado com seu próprio descuido, ele investiu contra ela como um touro furioso. Ela estava se virando para fugir, gritando por Nicholas, quando ele a golpeou na nuca com a coronha da arma, silenciando-a.
Ande logo, ordenou sua mente. Pegue-a, pegue-a, pegue-a. Ela estava inconsciente, caindo, mas ele a agarrou pela cintura antes que ela atingisse o chão e a arrastou para os fundos da igreja. As pessoas continuavam a sair do prédio, e havia grupos de homens, mulheres e crianças no estacionamento, mas ninguém tentou detê-lo. Eles não percebiam o que ele estava fazendo? Não viam a arma colada no pescoço de Laurant? O cano apontava para cima, a boca sob seu queixo. Se alguém ousasse interferir, Stark sabia exatamente o que faria. Estouraria aquela linda cabecinha.
Ele não queria que ela morresse, não por enquanto. Poderia ter que fazer algumas adaptações, mas ainda tinha planos grandiosos para ela. Depois de trancá-la no porta-malas do seu outro carro - o velho Buick envenenado que nenhum dos mulas sabia que pertencia a ele - iria para algum lugar seguro e a amarraria. Havia muitos chalés abandonados perto de onde ele morava, e sabia que encontraria o local perfeito com facilidade. Ele a deixaria lá amarrada como um peru e com uma mordaça na boca, e então iria às compras. Sim, senhor, era isso que ele ia fazer. Compraria outra fumadora - último modelo, é claro, para ela somente o melhor - e pelo menos uma dúzia de fitas. Sony, se eles tivessem, pois a resolução era muito superior. E então voltaria para sua doce Laurant e filmaria sua morte. Tentaria mantê-la viva o mais que pudesse, mas quando ocorresse o inevitável e a luz se extinguisse em seus olhos, ele voltaria a fita e reviveria a gloriosa execução. Stark sabia, de suas experiências anteriores, que passaria horas e horas vendo e revendo a cena até que cada espasmo, cada grito, cada súplica estivessem gravados na sua memória. Somente quando estivesse plenamente satisfeito ele poderia descansar.
Depois de enterrar seu corpo no bosque, ele iria para casa. Faria cópias das fitas e as enviaria para todos os que desejasse impressionar. Nicholas ganharia uma como recordação, um lembrete de como ficara impotente ao se voltar contra o mestre. Outra fita iria para o chefe do FBI. O diretor poderia usar o presente no treinamento de futuras mulas. Stark, é claro, ficaria com várias delas em sua biblioteca pessoal - mesmo as melhores fitas um dia se gastavam - e a última seria leiloada na Internet. Embora sua motivação não fosse o dinheiro, um bom pé-de-meia lhe daria liberdade para sair em busca de outra parceira perfeita, e aquela fita lhe renderia uma fortuna. Havia uma grande comunidade surfando pela Internet com gostos semelhantes aos seus.
Laurant ficou caída no chão ao lado do furgão enquanto Stark procurava suas chaves. Ninguém podia vê-los, escondidos como estavam entre dois outros carros. Ele destrancou a porta, deslizou o painel para trás, depois ergueu Laurant e a jogou para dentro. Quando fechou a porta, uma ponta da saia longa ficou presa, pendurada para o lado de fora, mas ele estava com pressa demais para abrir a porta outra vez. Sabia que estava sendo negligente, mas não podia evitar. As coisas estavam mudando tão rápido, e houvera também o descuido com as luvas. Ele correu para o lado do motorista e viu uma ambulância se aproximando, tentando avançar em meio aos carros e às pessoas, com a sirene a todo vapor.
Stark sabia que não seria possível chegar à rua pela entrada do estacionamento. - Não se preocupe - sussurrou para si mesmo. Deu a partida e desceu lentamente o meio-fio, e então acelerou tudo o que pôde. O furgão deu uma guinada súbita e subiu nas roseiras. Um galho cheio de espinhos se chocou contra a janela, e Stark desviou instintivamente o rosto, como se ele fosse atravessar o pára-brisa e atingi-lo. Ele estava quase em pé sobre o acelerador, apertando o pedal com todo o seu peso. O furgão desceu o declive gramado à toda velocidade, sacudindo e pulando pelo caminho, dando-lhe a impressão de estar voando.
Ele olhou para o retrovisor e começou a rir. Ninguém estava lhe seguindo. Estava seguro como uma criança nos braços da mãe.
Aquele seria o momento certo de apertar o botão? Mandar toda aquela gente pelos ares? O detonador estava logo acima de sua cabeça, preso como um controle de garagem no pára-sol.
Não, ele queria que Laurant assistisse os fogos de artifício. Decidiu se ater ao plano original. Ele explodiria a abadia quando estivesse saindo de Holy Oaks. Já tinha até escolhido o local. O melhor lugar da platéia, em cima de uma colina ao lado da cidade. Eles poderiam ver cada tijolo explodir. E que visão seria aquela. Meu Deus, ele tinha que filmar aquilo também. Mandar as imagens para todas as estações de televisão. Fazer a alegria dos telejornais. Sim, senhor.
- Querida Laurant, você não quer acordar para brincar? Acorde, Laurant... está na hora de brincar.
Ele olhou para o relógio e ficou chocado com o pouco tempo que tinha passado. Depois ouviu pneus cantando e sua cabeça deu um salto. Olhou pelo retrovisor e viu o Explorer verde em cima do morro. A caminhonete estava em pleno ar, os pneus dianteiros aterrissando enquanto Stark observava incrédulo. Sua raiva era incontrolável. - Inaceitável - gritou, golpeando a direção com os punhos.
O furgão entrou derrapando na rua principal e bateu na lateral de um carro estacionado, girando na pista. Stark pisou fundo no acelerador, avançou e dobrou na esquina seguinte. Ele agora estava indo na direção do parque a centro e trinta por hora. O furgão quase capotou quando fez outra curva em duas rodas, mas endireitou-se quando ele virou a direção bruscamente para a direita. Mais uma esquina, e lá estava a entrada dos fundos do parque, passando pela reserva.
O mula não estava mais atrás dele, e Stark tinha certeza de que o despistara. Rindo, diminuiu a velocidade e entrou no caminho dos corredores. O furgão jogava violentamente, os pneus esquerdos percorrendo a superfície lisa alcatroada e os direitos triturando as pedras na borda do caminho.
Ele achou que tinha escutado Laurant gemer, e teve que se controlar para não saltar sobre o banco e estraçalhá-la com as próprias mãos. Sua ira estava crescendo, e os pensamentos agora se sucediam tão rapidamente que ele tinha dificuldade em se concentrar. Ajustou o retrovisor para poder observá-la. Ela estava em posição fetal, de costas para ele, e não se movia. Convencido de que ela não emitira nenhum som, ele concluiu que fora apenas sua imaginação querendo testá-lo.
Estava tão distraído olhando para ela que quase entrou com o furgão no lago. Voltou para a estrada com um solavanco e ajustou o espelho novamente para poder ver atrás do carro. Devido aos ângulos acentuados do caminho, teve que diminuir ainda mais a velocidade. Mas não conseguia fazer sua cabeça ir mais devagar. Olhou para trás por cima do ombro outra vez, mas não foi Laurant que viu. Foi a prostituta, Tiffany. Sacudiu a cabeça e, tão de repente quanto tinha sumido, Laurant retornou.
Ele queria parar e fechar os olhos. Queria um tempo para clarear as idéias e se organizar novamente. Tinha que ser organizado. Ele era um planejador, meticuloso até o último detalhe. Não gostava de surpresas. Por isso estava tão confuso, concluiu.
A surpresa de ver o padre loiro pular na frente de Tommy. O padre com a arma, atirando nele. O padre que não era padre. Stark não conseguia aceitar o fato de que os mulas, burros como era, tinham conseguido enganá-lo. Ele jamais imaginara, nem por um segundo, que o amigo de Tommy fosse um mula.
Sim, era por isso que ele estava tão alterado. Eles o tinham enganado e induzido a cometer um erro. Ele suspirou. Podia sentir o equilíbrio retornando, os pensamentos deixando de bombardeá-lo. Controle, este era o segredo. Ele estava recuperando o controle.
- Estamos quase lá - cantarolou para Laurant. Pisou no freio para passar entre os pinheiros quando chegou ao caminho principal que contornava o lago, e depois acelerou novamente. O Buick estava a cerca de duzentos metros, estacionado entre as árvores atrás de uma cabana abandonada. Ainda não podia vê-lo, mas sabia que estaria onde havia sido deixado, a postos e esperando.
- Estamos quase lá - repetiu. Tudo o que tinha que fazer era dar a volta na entrada do parque, fazer a curva e esconder o furgão entre as árvores.
Tinha acabado de pegar a estrada de terra para um dos chalés quando viu o Explorer verde outra vez. A caminhonete entrou zunindo no parque e depois diminuiu para fazer a curva.
- Não! - Stark freou bruscamente. Não havia tempo para manobrar e tentar fugir do mula, e tampouco podia seguir em frente. Nicholas o veria e bloquearia sua passagem. O que fazer? O que fazer? - Não, não, não, não - repetiu, como se entoasse um mantra.
Ele puxou o freio de mão, pegou sua arma e saltou do furgão. Como tinha removido as maçanetas internas das portas para que suas amigas não tentassem escapar enquanto ele dirigia, teve que dar a volta e abrir o veículo por fora.
Ele guardou a arma no casaco e estendeu os dois braços para erguer Laurant. Um novo plano. Sim, ele era plenamente capaz de elaborar um novo plano. Levaria Laurant para dentro, onde seria escuro e agradável, e trabalharia nela lá, com as portas trancadas. O mula ficaria do lado de fora, tentando entrar, escutando os gritos da namoradinha, e então cometeria erros. Sim, e Stark o mataria.
Laurant não acordou lentamente nem desorientada. Foi instantâneo: num segundo ela estava inconsciente, e no seguinte estava se controlando para não gritar, sentindo a bile queimar sua garganta.
Estava dentro do carro dele. Não se mexeu por medo de que ele a visse pelo espelho ou a escutasse tateando o chão em busca de algum objeto para usar como arma. Arriscou uma olhadela e viu uma caixa de ferramentas, mas teria que se mover para alcançá-la. A caixa estava junto à porta traseira. Seria possível ela escapar por ali? Abrir a porta e pular? Onde, onde estava o trinco? Ela apertou os olhos na escuridão e então viu o buraco onde ele deveria estar. O louco tinha removido as maçanetas. Por que faria isso? Seus pés estavam tocando a porta lateral, mas ela não conseguia ver se aquele trinco também tinha sido removido, a menos que se mexesse, e não ousava fazer isso.
Ela começou a tremer e tentou se controlar, com medo de que ele notasse e soubesse que estava acordada. O furgão bateu em alguma coisa na estrada, e seu corpo foi arremessado contra as costas do banco dianteiro. Um segundo depois, ela foi novamente lançada para trás quando o veículo pulou para a frente. Laurant sentiu um metal frio contra o peito. O alfinete de segurança estava pressionando sua pele, e ela tateou para abri-lo. Suas mãos tremiam muito, e ela quase o perdeu, mas conseguiu abri-lo e continuou puxando até o metal ficar reto. Ela não sabia o que ia fazer com ele, mas era a única arma que tinha. Talvez pudesse cravá-lo na garganta de seu raptor. Lágrimas brotaram nos seus olhos, e sua cabeça doía tanto que pensar era um esforço. Ele a estaria observando? Teria uma arma na mão? Talvez ela pudesse pular em cima dele, surpreendê-lo.
Muito lentamente, ela trouxe as pernas para junto do peito, imaginando que poderia se virar e dar um salto, agarrá-lo pelo pescoço e bater sua cabeça contra a direção. Mas algo a impedia. Sua saia estava presa. Ela não queria virar a cabeça para olhar por medo de que ele a visse.
O furgão freou de repente. Ela deixou cair o alfinete de segurança, mas pegou-o do chão antes de ouvir a porta se abrindo. Onde ele estava indo? O que ia fazer?
Oh Deus, ele está vindo me pegar.
Ela tinha que estar preparada. Quando ele tentasse tirá-la do carro, ela tinha que estar preparada. Desesperada, com as mão tremendo violentamente, escondeu o alfinete entre os dedos do meio da mão direita, de modo que a longa agulha se projetasse entre eles, e usou a mão esquerda para escondê-la. A cabeça de metal cravou-se na palma de sua mão, rasgando a pele com a pressão do pavor que Laurant sentia.
Não permita que ele esteja com a arma na mão, Deus Por favor, não permita que ele esteja com a arma. Ela não poderia saltar sobre ele se ele estivesse com a arma, pois a mataria antes que ela o tocasse. Se ele estiver com a arma, eu vou esperar. Faça com que ele me carregue. Ele vai ter que largar a arma se tiver que me carregar.
O furgão se moveu quando a porta lateral deslizou. Ela apertou os olhos, tentando não chorar enquanto rezava silenciosamente.
Por favor, Deus, me ajude. Por favor...
Ela escutou sua respiração acelerada. Ele a pegou pelos cabelos e a trouxe na sua direção. Quando se abaixou para puxá-la para fora do furgão, ela abriu os olhos e viu a arma. Os dedos dele se cravaram em sua carne enquanto ele a erguia sobre o ombro.
Ele era forte, terrivelmente forte. Correu com ela pendurada no ombro esquerdo como se ela não pesasse mais do que um floco de caspa em seu colarinho. Os olhos de Laurant agora estavam abertos, mas ela não ousava erguer a cabeça por medo que ele sentisse seu movimento. Enquanto acreditasse que ela estava desacordada, não lhe daria muita atenção. Ela reconheceu o chalé do abade logo à frente.
Escutou um carro vindo na direção deles, e depois um palavrão dito pelo louco. Ele subiu correndo os degraus que levavam à porta, e então estacou de repente.
Ela escutou-o sacudir a maçaneta, mas a porta estava trancada. Um segundo depois, um tiro foi disparado muito perto de seu ouvido. Ela estremeceu, e teve certeza de que ele sentiu.
Stark estava tão ansioso para entrar que chutou a porta, soltando-a das dobradiças. Apertou o interruptor e duas lâmpadas iluminaram o chalé, uma sobre um aparador junto à porta e outra no mezanino. Ainda com ela no ombro, ele atravessou correndo a sala e entrou na cozinha. Largou a arma no balcão e começou a puxar as gavetas, jogando-as no chão.
- Aqui está - exclamou alegremente quando encontrou a gaveta das facas. Escolheu a maior delas, uma faca de açougueiro que parecia ser velha e cega, mas ele não precisava que ela fosse afiada. O trabalho que pretendia fazer não ia ser meticuloso. Simplesmente não havia tempo. Aquela faca serviria perfeitamente. Sim, senhor.
Ele pegou a arma, virou-se e voltou para a sala, chutando gavetas e utensílios no caminho. Quando chegou ao centro da peça, parou e a jogou no chão. Ela caiu sobre a mesa de centro e depois rolou para o piso, recebendo o impacto do lado esquerdo do corpo.
Ele esperou até que ela estivesse no chão, e então pegou-a pelos cabelos novamente e a fez ficar de joelhos.
- Abra os olhos, cadela. Quero que você olhe para a porta. Olhe para o mula quando ele vier correndo para salvá-la.
Enquanto falava, Stark se deu conta de que estava com a faca e a arma na mesma mão. Soltou Laurant e passou a faca para a mão esquerda. - Pronto - disse. - O que eu estava pensando? Não posso atirar e cortar com a mesma mão, posso? Olhe para mim, Laurant. Veja o que eu tenho para você.
Ela ainda estava de joelhos, e ele se abaixou atrás dela. O corpo de Laurant seria um escudo contra os tiros de Nicholas. Ele ergueu a faca em frente ao rosto dela. - Agora, o que você acha que eu vou fazer com isso?
Embora não esperasse uma resposta, ele ficou desapontado porque ela não gritou quando viu a faca. Mas ela iria gritar quando ele começasse seu trabalho. Oh, sim, ele sabia como conseguir o que queria. Ele ainda era o mestre. Ele perfurou seu braço esquerdo com a faca e então riu, deliciado, quando ela gritou. O sangue jorrou do braço, fazendo-o vibrar, e ele a esfaqueou outra vez. - Muito bem, garota. Continue gritando - disse ele, com uma voz aguda, maníaca de excitação. - Quero que Nicholas a escute.
Ele se abaixou e esperou. Segurou-a com um dos braços e apontou a arma para a porta aberta. Manteve a cabeça abaixada atrás da dela, mas de vez em quando olhava para a porta. Cravou-lhe a faca de novo, apenas pelo prazer do ato, mas ela não gritou. Ele encostou a ponta ensangüentada da faca no seu pescoço.
- Tentando ser corajosa, Laurant? Quando eu quiser que você grite, por Deus, você vai gritar.
Ele a escutou choramingar e sorriu. - Não se aflija. Não vou atirar no mula imediatamente. Quero que ele me assista matá-la. Olho por olho - cantarolou. - Por que Nicholas está demorando tanto? O que estará fazendo este rapaz? Talvez esteja tentando entrar pela porta dos fundos. Só que esta casa não tem porta dos fundos. Ele não vai conseguir, vai?
Se não estivesse falando, ele teria ouvido um tênue ranger acima deles. Nick tinha entrado pela janela do banheiro. O galho da árvore tinha cedido no momento em que ele alcançou o parapeito da janela, mas os sons de coisas sendo atiradas no chão dentro da casa encobriram os dele.
A porta do quarto do mezanino estava aberta, e Nick se esgueirou para dentro. Ele podia ver Laurant e Stark dali, no meio da sala, de frente para a porta. Nick estava com a arma na mão e a Glock enfiada na cintura a suas costas.
Ele não podia atirar no filho da mãe. Se a bala atravessasse seu corpo, atingiria Laurant. Não podia arriscar, e tampouco podia descer a escada, pois Stark o veria. Que diabos ia fazer?
Laurant ergueu os olhos e viu uma sombra no teto mover-se ligeiramente, e soube que Nicholas estava lá em cima. Era apenas uma questão de tempo até que o homem atrás dela também visse a sombra.
- Por que você está fazendo isso, Justin?
- Cale a boca. Tenho que escutar o carro. Tenho que escutar o mula chegando.
- Você foi rápido demais. Ele não deve ter visto seu furgão e dobrou para o norte ao invés de para o sul. Está do outro lado do lago.
Stark continuou atento ao som de passos no cascalho em frente à casa, mas sorriu. - Sim, eu fui rápido, não fui? Um mula não pode ser mais esperto do que eu.
- Os mulas são o FBI?
- Sim - ele respondeu. - Você é uma moça muito inteligente, não é?
Ela tinha que continuar falando, mantê-lo interessado no que estava dizendo para que ele não olhasse para cima. - Não tanto quanto você. Por que me escolheu? Por que me odeia?
Ele deslizou o polegar pelo rosto dela. A luva de borracha estava fria. - Pare de falar. Eu não a odeio. Eu amo você - ele cantarolou. - Mas eu sou um destruidor de corações. Eu destruo corações.
- Mas por que eu? - insistiu ela. Sua cabeça estava abaixada, mas seus olhos miravam o teto, observando a sombra se mover lentamente para frente.
- Não se trata de você - disse ele. - O mula matou minha esposa, e depois foi se exibir para os jornais. Oh, sim, foi o que ele fez. Todo o tempo e a energia gastos para treiná-la foram desperdiçados. Ela era quase perfeita. Eu buscava a perfeição, e ela estava chegando lá. Então Nicholas a matou. Eles o chamaram de herói. Ele arruinou minha vida, e eles o chamaram de herói, disseram que ele era tão inteligente. Eu não podia aceitar isso, podia? Tinha que provar ao mundo que eu era o mestre.
Ela estremeceu com o ódio que dominava sua voz. Não precisou fazer outra pergunta. Ele parecia querer se justificar para ela. As palavras agora vinham cada vez mais rápido. Ele queria contar tudo, mostrar a ela como tinha enganado os mulas.
- Quando li o artigo no jornal e soube quem havia matado minha esposa, eu tinha que retaliar. Você entende? Fui forçado a isto. Seu irmão era mencionado, e eu quis saber mais sobre o bondoso Padre Tom. Li que ele e Nicholas eram amigos de infância. Primeiro, pensei em matar Tom e depois ir atrás da família do mula, mas então pensei, por que dar a Nicholas a vantagem de jogar em seu próprio campo? Holy Oaks era a cidade perfeita para o que eu tinha em mente. Adoravelmente isolada. Fiz minhas pesquisas, descobri tudo o que podia sobre Tom, e imagine minha alegria quando soube da sua existência.
- Era Nicholas quem eu queria o tempo todo - ele disse com uma risadinha. -Até conhecer você. Então eu a quis também. Quando conheci minha esposa, havia algo nela que me fazia lembrar de minha mãe. Você também me faz lembrar dela. Existe algo de perfeito em você, Laurant. Se as circunstâncias fossem outras, eu a treinaria.
- Minha mãe já se foi. Não havia motivo para mantê-la viva. Ela já tinha alcançado a perfeição, e eu sabia que tinha que agir rápido.
No instante em que ele parou, ela perguntou: - Quem era Millicent? Ela existiu?
- Ah, então você escutou a fita da confissão.
Laurant sentiu-o se mover contra seu corpo, e percebeu o aroma adocicado da colônia Calvin Klein misturado ao seu hálito azedo.
- Millicent existiu? - repetiu ele. - Talvez.
- Quantas mulheres você matou?
- Nenhuma - respondeu ele. - Minha mãe não conta, não se pode matar a perfeição. E prostitutas também não contam. Não, é claro que não. Então, está vendo? Você vai ser a primeira.
Ele viu a sombra. Girou o corpo de Laurant junto com o seu e gritou: - Eu vou matá-la. Eu vou matá-la. Largue a arma, Nicholas. Largue já, já, já, já.
Nick tinha chegado ao centro do mezanino. Levantou as mãos, mas não largou a arma. A mesa de jantar estava diretamente embaixo dele. Se conseguisse pular por cima da balaustrada...
Stark ainda estava abaixado atrás de Laurant, tentando levá-la com ele até a frente da escada, onde estariam protegidos pela parede as suas costas.
- Largue a arma - repetiu. - E desça para participar da nossa festinha.
- Você não vai conseguir escapar desta vez - disse Nick, vendo o terror e a dor nos olhos de Laurant. Se conseguisse fazer Stark se afastar dela uma fração de segundo, poderia atingi-lo antes que ele atirasse.
- É claro que eu vou escapar. Vou matar Laurant e você, e vou escapar. Os mulas vão estar procurando aquele fazendeiro caipira, Justin Brady. Vou cortar a garganta dela se você não largar a arma.
Nick deixou a arma cair no chão, mal fazendo um som quanto atingiu o carpete a seus pés.
- Chute-a para o lado - gritou Stark, apontando para ele enquanto dava a ordem. Nick fez o que ele mandou, mas aproveitou para baixar as mãos até a altura dos ombros. Cada segundo era importante. Ele queria as mãos perto do corpo para poder saltar sobre ele quando chegasse o momento.
- Peguei você, não foi, mula? - gritou Stark. - Quem é o mestre? Quem é o herói? Eles nunca vão me encontrar, não, senhor. Eles sequer sabem quem eu sou.
- É claro que sabem - devolveu Nick. - Nós sempre soubemos. Você é Donald Stark, e sabemos tudo sobre você. Você faz filmes pornográficos. Usa prostitutas para simular cenas amadorísticas de assassinato. Lixo sadomasoquista - acrescentou. - E totalmente irreal. Produção caseira. Mal consegue se sustentar vendendo estas porcarias pela Internet, e tem muitos clientes insatisfeitos.
- Insatisfeitos? - rugiu ele.
Nick deu de ombros. -- Seu trabalho não é bom, Stark. Seria melhor tentar outra área. Talvez possa aprender algo de novo na prisão.
Toda a atenção de Stark estava voltada para o mezanino, e ele não se dava conta de que já não segurava Laurant com tanta força e de que a faca não estava mais apontada para o seu pescoço.
- Não, não, isso é mentira. Ninguém sabe quem eu sou. Você me ouviu falar com Laurant, só assim ficou sabendo.
- Não, nós sempre soubemos quem você era, Stark. O artigo que plantamos no jornal foi um artifício para atrai-lo. Todos estavam a par, até mesmo Tommy. Planejamos tudo até os mínimos detalhes.
Nick podia ver que suas mentiras estavam funcionando. O rosto de Stark estava vermelho e contorcido, e seus olhos pareciam saltar da cabeça. Ele esperava que toda aquela raiva o levasse a cometer um erro. Nick só precisava de um segundo.
Venha. Venha me pegar. Esqueça Laurant. Venha atrás de mim.
Laurant viu o cano da arma subir, sentiu o louco se tensionar contra ela. Ele estava tentando levantá-la junto com ele enquanto atirava em Nicholas. Então ela ouviu um carro frear sobre os cascalhos em frente ao chalé. Seria Tommy? Oh, Deus, não. Quem quer que passasse pela porta ia ser morto.
- Não - ela gritou, girando nos braços dele e se jogando para trás. Seu ombro bateu na mão que segurava a arma. Stark começou a atirar a esmo, acertando a janela, que se estilhaçou. O estouro foi tão próximo do seu rosto que ela pôde sentir o calor. Ela continuou lutando e empurrando, mas ele era forte demais. Não a largava e não se movia do lugar.
A arma de Stark estava subindo outra vez quando Jules Wesson surgiu na porta. Em posição de tiro, com os dois braços estendidos e as duas mãos na arma, ele ficou esperando uma oportunidade de disparar.
Laurant jogou o corpo para trás, girou outra vez, lutando com toda sua força até ficar cara a cara com Stark. E então atacou. Com a mão esquerda, agarrou seu pulso e cravou as unhas em sua pele para que ele não conseguisse mirar a arma. Ele tentou esfaqueá-la, e nesse momento ela ergueu a mão direita e enterrou o alfinete em seu olho.
Stark gritou de agonia. Deixou cair a faca e levou a mão ao rosto, uivando como um animal enlouquecido.
No instante em que Laurant atingiu Stark, Nick apoiou as mãos na balaustrada e pulou para baixo. Gritando para que ela se abaixasse, puxou a Glock da cintura e começou a atirar.
Stark se pôs em pé, disparando descontroladamente sua arma. Wesson mergulhou para o chão, escapando por pouco de uma das balas, e também começou a atirar.
Nick disparou em pleno ar, caiu sobre a mesa e seguiu atirando. A primeira bala acertou Stark no peito. Um tiro de Wesson na mão o fez largar a arma, e o segundo tiro de Nick o atingiu na cabeça quando ele começava a se virar para fugir. O terceiro tiro o pegou na coxa.
Stark caiu de costas, com uma perna torcida embaixo do corpo e os olhos arregalados. Nick se aproximou dele com o peito arquejando, tentando acalmar sua ira.
Ele escutou um soluço e se virou. Laurant estava no chão, com a cabeça nas mãos. Enquanto Wesson se levantava, Nick caiu de joelhos ao lado dela e estendeu a mão para tocá-la, mas congelou o movimento em pleno ar, com medo de que piorar ainda mais a sua dor.
- Eu sinto muito - sussurrou ele. - Deus, eu sinto muito. Eu causei isso tudo a você e a Tommy. A culpa é toda minha.
Ela se jogou nos braços dele. - Ele está morto? Terminou?
Ele a abraçou com força e fechou os olhos. - Sim, meu amor. Acabou.
Capítulo 37
QUANDO NICK CHEGOU COM LAURANT AO HOSPITAL, NOAH JÁ ESTAVA EM cirurgia. Tommy, ainda vestindo seus paramentos sujos de sangue, correu para a sala de emergência quando soube por- uma das enfermeiras que sua irmã tinha chegado.
Ele estava em pânico até ver Laurant. Ela parecia ter acabado de atravessar o inferno, mas estava respirando e até conseguiu lhe dar um sorriso. Nick estava sentado na mesa de exames ao lado dela, com um braço em torno da sua cintura. Tommy achou que ele parecia ainda pior do que ela, o que era bem horrível O rosto de Nick estava cinza, e seus olhos tinham uma expressão transtornada.
- E Noah? - perguntou Nick. - Como está indo?
- Eles estão trabalhando nele - disse Tommy. - O médico disse que a bala não atingiu nenhum órgão importante, mas ele perdeu muito sangue. Noah vai ficar bem - garantiu. - Só vai precisar de tempo para recuperar as forças.
- Há quanto tempo ele está em cirurgia? - perguntou Nick.
- Cerca de vinte minutos. Ele vai ficar bem - repetiu. - Você conhece o Noah. Ele é forte como um cavalo.
Laurant se encostou em Nick e deitou a cabeça em seu ombro. A mão dela estava em seu colo, e ele a estava segurando com força. Cada centímetro do seu corpo parecia latejar de dor, e ela não sabia o que doía mais, o braço, a cabeça ou a perna. Queria descansar, mas quando fechava os olhos, a sala começava a girar e ela sentia náuseas.
- Onde diabos está esse médico? - exigiu Nick.
- Ele já foi chamado - disse Tommy, indo até a irmã e afastando delicadamente os cabelos de seu rosto. - Você vai ficar bem - Ele tentou lhe transmitir confiança, mas a frase saiu com a entonação errada, como se ele estivesse lhe fazendo uma pergunta.
- Sim, eu vou ficar bem. Só estou cansada.
- Pode me dizer o que aconteceu? Você estava atrás de mim quando levei Noah para fora.
- Ele estava lá e me chamou. Pediu que eu o ajudasse. Acho que disse que tinha sido baleado.
- Quem chamou você?
- Justin Brady - ela respondeu. - Só que ele não era realmente Justin. - Ela olhou para Nick. - Eu comecei a andar até ele, mas de repente escutei sua voz dentro da minha cabeça.
- O que a minha voz disse?
- Não acredite em nada do que lhe disserem. Eu sabia que havia algo de errado nele, e então vi as luvas em suas mãos. Eram luvas cirúrgicas, acho. - Ela olhou para Tommy e acrescentou: - Eu tentei correr, mas ele veio atrás de mim, e depois só me lembro de acordar dentro do furgão. Ele tinha removido todas as maçanetas internas, e por isso não consegui sair. Tommy, ele me mostrou uma foto de sua esposa no piquenique. Deve ter roubado de alguém
- Vamos falar sobre isso depois - sugeriu ele, vendo o quanto ela estava abalada. - Não pense nisso agora.
- Tommy, diga para este médico vir de uma vez - rosnou Nick. O médico, um homem rabugento de meia-idade chamado
Benchley, abriu as cortinas em torno da maça quando Tommy estava saindo para buscá-lo. O doutor olhou para Laurant e ordenou que Nick e Tommy esperassem no corredor.
Ele tinha a delicadeza de um dobermann. Gritando para que uma enfermeira viesse ajudá-lo, ele lançou um olhar atravessado para Nick, que não dera o menor sinal de se mexer, e mais uma vez exigiu que ele se retirasse da sala.
Nick se recusou a sair de perto de Laurant, e tampouco foi diplomático O medo tinha lhe tornado hostil e agressivo, mas ele não se dera conta de que estava enfrentando alguém igualmente belicoso. O Dr. Benchley tinha trabalhado em salas de emergência dos bairros violentos de Los Angeles por doze anos, e já tinha visto e ouvido de tudo. Nada o intimidava, nem mesmo um agente do FBI armado e com olhar enlouquecido.
Tommy interveio e arrastou Nick para fora da sala antes que ele perdesse a cabeça.
- Deixe-o examinar Laurant - disse. - Ele é um bom médico. Vamos nos sentar na sala se espera. Se ficarmos perto da porta, ainda poderemos ver a cortina.
- Certo, está bem - disse Nick, mas não conseguiu ficar sentado. Preferiu dar voltas pela sala.
- Por que você não sobe e espera por Noah? - sugeriu Nick. - Peça à enfermeira para me avisar quando ele sair da cirurgia. Quero falar com o médico.
- Vou subir daqui a um minuto - disse Tommy. - Mas quero ficar até Benchley terminar de atender Laurant. Ela vai ficar bem - acrescentou, tentando tranqüilizar Nick. - Sei que ela está com uma aparência horrível, mas vai ficar bem.
- E se não ficar, Tommy? Eu quase causei sua morte. Ele a pegou. O filho da mãe estava com uma faca encostada na garganta dela. Eu nunca senti tanto medo na minha vida. Um segundo, é só o que ele teria precisado para cortar uma artéria. E é tudo culpa minha. Eu deveria saber.
- Saber o quê?
Nick não respondeu imediatamente. Estava revivendo aqueles momentos apavorantes em que chegou ao mezanino e viu Laurant lá embaixo.
- Eu deveria ter percebido antes que ele tivesse uma chance de pegá-la, e ele jamais deveria ter tido esta chance. Por causa da minha incompetência, Laurant quase perdeu a vida, e Noah levou um tiro.
Tommy nunca tinha visto Nick tão abalado. - Pare de se recriminar e me conte o que aconteceu. O que você deveria ter percebido?
Nick esfregou a testa e se encostou na parede. Seus olhos estavam colados na cortina. Ele contou tudo a Tommy, e quando terminou, foi o padre quem precisou se sentar.
- Meus Deus, vocês dois poderiam ter sido mortos. - Ele respirou fundo e depois se levantou. - Você sabe que eu seria o primeiro a lhe dizer se achasse que você tinha falhado.
- Talvez.
- Você não falhou - insistiu Tommy. - Pete também não se deu conta - acrescentou. - Você fez o seu trabalho. Protegeu minha irmã e salvou a vida dela.
- Não, ela praticamente salvou a si mesma. Eu estava lá, armado até os dentes, e ela derrubou o filho da mãe com um alfinete de segurança. Cravou fundo no olho dele.
Tommy estremeceu. - Ela vai ter pesadelos.
Uma enfermeira veio chamar Nick. O agente Wesson estava no telefone. Tommy ficou na sala de espera e, olhando distraidamente para baixo, só então percebeu que ainda estava com a batina branca saturada com o sangue de Noah.
- Wesson encontrou o detonador. Estava dentro de um controle de garagem - disse Nick ao retornar.
- E a bomba?
- A abadia foi isolada, e o esquadrão anti-bombas está vindo para cá de helicóptero.
- Sabe, Nick, nós temos muita sorte de ninguém ter se machucado com gravidade. - Ele estava tentando manter seu amigo ocupado, porque sabia que Nick já estava farto de esperar e não queria que ele invadisse a sala de exames.
- Por que o médico está demorando tanto?
- Ele deve estar fazendo um exame geral.
- Você está calmo demais.
- Um de nós dois tem que estar.
- Ela é sua irmã, e você viu o estado em que ela está. Se eu fosse você, e se fosse a minha irmã naquela sala, eu estaria maluco.
- Laurant é uma mulher forte.
- Sim, ela é forte, mas há um limite para o que um corpo pode agüentar.
A cortina se abriu, e a enfermeira que estava auxiliando o doutor foi até a mesa e pegou o telefone.
O médico ficou com Laurant. A sós com a paciente, suas maneiras tinham melhorado excepcionalmente, e ele fora gentil e delicado. Anestesiou o braço e limpou o ferimento, depois cobriu-o com gaze para mantê-lo protegido até que cirurgião plástico chegasse para fazer a sutura. Examinou a área em torno do seu olho esquerdo, mas parou quando ela se encolheu de dor. - Você vai ficar com um belo olho roxo.
O doutor disse que ia mandá-la para a radiologia. O inchaço na base de seu crânio o preocupava, e ele queria ter certeza de que ela não tinha nenhuma concussão.
- Vamos mantê-la aqui esta noite para observação.
Ele fixou a gaze com mais um pedaço de esparadrapo e comentou: - Fiquei sabendo do que houve na igreja. Uma parte, pelo menos. Você tem sorte de estar viva.
Laurant se sentia entorpecida e um pouco desorientada, e estava com dificuldade para se concentrar. Achou que o médico tinha lhe feito uma pergunta, mas não tinha certeza e estava cansada demais para pedir que ele repetisse
- A enfermeira vai ajudá-la a vestir uma camisola do hospital. Onde estava Nick? Lá fora com seu irmão, ou tinha ido embora?
Ela queria que ele a tomasse nos braços e a fizesse dormir. Tentou se mexer e teve que morder os lábios para não gritar de dor. Sua perna parecia estar em chamas.
O médico estava se virando para sair quando a ouviu sussurrar: - Acho que está sangrando outra vez Poderia me dar um band-aid, por favor'
Benchley retornou. - Você precisa de uns pontos no braço Lembra que eu lhe disse que o cirurgião plástico estava a caminho?
Ele estava falando com ela como se ela fosse uma criança. Ergueu dois dedos e perguntou quantos ela estava vendo.
- Dois - respondeu ela, apertando os olhos contra a luz da pequena lanterna que ele estava apontando para o seu rosto. - Eu estava falando da minha perna - explicou. - Eu caí, e ela está sangrando
A tontura estava aumentando, e respirar fundo não estava mais ajudando
Benchley levantou sua saia e viu o sangue na anágua. - O que temos aqui? - perguntou, erguendo delicadamente o tecido acima do joelho e examinando o ferimento.
Ela não podia ver o corte, pois a saia bloqueava sua visão - Eu só preciso de um band-aid - insistiu.
- É claro que precisa - concordou ele - Mas primeiro vamos ter que remover a bala.
O cirurgião teve uma noite agitada. Puxando a touca, ele entrou na sala de espera para informar que Noah estava na recuperação, e garantiu a Nick e Tommy que não houvera surpresas nem complicações, e que o agente ia ficar ótimo. Depois deu meia-volta e foi lavar as mãos outra vez, para operar Laurant. Enquanto ele cuidava da perna, o cirurgião plástico suturava o braço.
Uma enfermeira entregou a Tommy o relógio e anel de noivado de sua irmã, e ele automaticamente os passou para Nick.
Laurant não ficou por muito tempo na sala de cirurgia, e logo se juntou a Noah na recuperação. Ela ainda estava inconsciente quando foi levada para um quarto privativo numa cadeira de rodas.
Depois de ver como estava Noah, Nick foi para o quarto de Laurant e ficou a noite toda com ela. Assim que o agente foi levado para a CTI para ser monitorado mais de perto, Tommy voltou à abadia para se trocar, e depois retornou ao hospital para lhe fazer companhia.
Pete Morganstern chegou por volta das duas da manhã e foi ver Noah primeiro. Tommy tinha adormecido na cadeira, mas acordou quando Pete estava lendo a ficha aos pés da cama. Eles saíram para conversar no corredor e depois Tommy lhe disse onde podia encontrar Laurant e Nick.
Laurant teve uma noite de sono intermitente e, nos poucos momentos de consciência, chamava o nome de Nick. O anestésico demorou a perder o efeito. Ela não conseguia abrir os olhos direito, mas sentia a mão dele segurando a sua e adormecia novamente, reconfortada por sua voz suave.
- Nick?
- Estou aqui.
- Eu acho que vomitei no Dr. Benchley.
- Fez muito bem.
Ela sentiu que ele apertava sua mão. - Você contou a Tommy que nós dormimos juntos?
Ela ouviu um pigarro e então Nick respondeu: - Não, mas você acaba de contar. Ele está do seu lado.
Ela adormeceu novamente, mas desta vez não teve sonhos nem pesadelos.
Quando Pete entrou no quarto, viu Nick curvado sobre Laurant, deslizando o anel de noivado no seu dedo e depois fechando a pulseira do relógio em torno do pulso.
- Como ela está? - perguntou em voz baixa para não incomodá-la.
- Ela está bem.
- E você?
- Nenhum arranhão.
- Não foi isso que eu perguntei.
Eles saíram para conversar no corredor. Pete sugeriu que descessem até a cafeteria, mas Nick não quis deixar Laurant só por muito tempo. Queria estar por perto caso ela o chamasse outra vez.
Eles sentaram no corredor, em cadeiras que Pete buscou no posto de enfermagem.
- Eu vim aqui por dois motivos - ele começou. - O primeiro foi ver Noah, é claro.
- E o outro?
Pete suspirou. - Falar com você e pedir desculpas.
- Fui eu que meti os pés pelas mãos.
- Isso não é verdade - ele disse enfaticamente. Eu falhei, e não você. Eu deveria tê-lo escutado. Quando Brenner foi preso, você disse que não estava convencido, e como eu reagi? Desprezando tudo o que eu mesmo lhe ensinei. Tinha tanta certeza de que você estava resistindo devido ao seu envolvimento emocional neste caso que ignorei a sua intuição, e isso foi um erro que jamais vou repetir. Você percebe o quanto estivemos próximos de um desastre?
Nick assentiu. Encostou-se na parede e esticou as pernas. - Muitas.pessoas teriam morrido se aquela bomba tivesse sido detonada.
Então Pete começou a interrogar Nick, e não se deu por satisfeito enquanto não obteve todos os detalhes.
- O artigo no jornal... sim, foi isso que o provocou - disse Pete.
- Acho que sim.
- Sua esposa estava quase perfeita. Não foi o que ele disse a Laurant?
- Sim - respondeu Nick. - A mulher de Stark devia saber o que a esperava. Quando ele decidisse que ela não podia melhorar mais, que estava tão perfeita quanto poderia ficar, ele iria matá-la, assim como fez com a mãe. Conhecendo todos os fatos, agora acho que talvez ela tenha mesmo enlouquecido, e por isso pegou o garotinho.
- Nós nunca saberemos quais foram seus motivos - disse Pete. - Mas se fôssemos especular, eu diria que talvez ela achasse que ter uma família poderia mudar as coisas.
- Transformar Stark num pai amoroso?
- Algo do gênero.
- Acho que talvez ela quisesse pôr um fim naquilo... fazer com que nós a matássemos, ao invés dele.
Pete assentiu. - Você pode estar certo. E quanto a Laurant? - perguntou.
- Os médicos dizem que ela vai ficar bem.
- Você vai ficar por aqui?
Nick sabia o que Pete estava perguntando. - Vou ficar tempo suficiente para lhe pedir desculpas por tê-la feito passar por tudo isso.
- E depois?
- Vou embora. - Ele estava decidido.
- Entendo.
Ele olhou para Pete. - Droga, eu odeio quando você diz isso. Soa como um psiquiatra.
- Você não pode blindar seu coração, Nick. Fugir não vai resolver o problema.
- E você vai me dizer qual é o meu problema, não vai?
- É claro que vou - concordou ele. - Seu amor por Laurant o transforma num ser humano, e isso o apavora. É muito simples.
- Eu não estou fugindo. Estou voltando ao trabalho. Que tipo de vida eu poderia oferecer a ela? Ela merece ser feliz e se sentir segura, e eu não posso garantir isso. Stark usou Laurant e Tommy para chegar a mim, e pode acontecer de novo. Deus sabe quantos inimigos eu conquistei desde que comecei a trabalhar com você. E se outro doido vier atrás dela? Não, eu não posso permitir que isso aconteça. Não vou correr este risco.
- Então vai se isolar ainda mais? É isso? Nick deu de ombros.
- Você já se decidiu? - pressionou Pete.
- Sim.
Pete sabia que não iria vencer aquela discussão, mas se sentia obrigado a insistir um pouco mais. - Os psiquiatras são treinados para notar pequenas coisas. Nós observamos.
- E dai?
- Quando entrei no quarto, notei que você estava colocando o anel de noivado no dedo de Laurant. Achei muito curioso.
Nick não sabia explicar seu gesto. - Eu não queria que ela acordasse e pensasse que tinha perdido o anel. Ela pode devolvê-lo à loja e receber o dinheiro de volta. Foi só. Agora esqueça este assunto.
- Só mais um comentário, e depois vou parar de atormentá-lo, prometo. Na verdade, é uma pergunta.
- O que é? - perguntou, com uma voz infeliz.
- De onde você vai tirar forças para abandoná-la?
Capítulo 38
UMA SEMANA HAVIA SE PASSADO DESDE QUE NOAH FORA BALEADO. O AGENTE estava se recuperando na abadia, mas não estava conseguindo descansar muito com a comemoração do aniversário e o constante fluxo de visitas, a maioria das quais mulheres que lhe traziam presentes. O abade, por sua vez, estava felicíssimo. Eles tinham comida caseira suficiente para um mês.
Tommy acabara de levar uma das paroquianas até a porta, agradecera pela torta e retornara ao escritório, em cujo sofá Noah estava esparramado. Sentou-se na poltrona reclinável e descansou os pés no pufe. Estava tentando fazer um relatório dos últimos acontecimentos para o convalescente, mas era sempre interrompido.
- O.K., onde eu estava?
- Você estava me contando o que aconteceu com Laurant no hospital.
- Certo. Nem Nick nem eu sabíamos que Laurant estava com uma bala alojada na perna, e quando o médico veio nos dizer que ela tinha sido baleada, Nick perdeu a cabeça.
- O amor faz dessas coisas com os homens.
- Acho que sim - concordou Tommy. - Ele já estava agindo de um jeito meio maluco, mas a notícia foi a gota d'água.
- É mesmo? - perguntou Noah sorrindo. - Eu gostaria de ter visto. Ele é sempre tão calmo e controlado. O que ele fez?
- Começou a berrar "Que diabos você quer dizer com baleada? Que espécie de espelunca é essa?"
Noah riu. - Com quem ele estava gritando?
- Com o Dr. Benchley. Você o conheceu, não?
- Sim. Ele é uma simpatia.
- Ele disse a Nick "Ei, chapa, não fui eu quem atirou na moça", mas a esta altura Nick estava fora de si, e eu comecei a temer que ele fosse atirar em Benchley.
- E então, o que aconteceu?
- Nick não saía do lado dela. Ficou no quarto a noite inteira, mas disse a Pete e a mim que, assim que ela acordasse, ele ia se despedir. E fez isso mesmo, com um aperto de mão.
Noah explodiu numa gargalhada. - E o que ela fez?
- Disse que ele era um idiota e voltou a dormir.
- Eu adoro a sua irmã, Tommy.
- Nick estava muito determinado. Havia muito trabalho burocrático a ser feito, e isso o manteve em Nugent por alguns dias. Eles encontraram Lonnie escondido num motel perto de Omaha. Ele foi acusado de incêndio criminoso.
- E quanto a Brenner? Encontraram a conta bancária que o xerife mencionou?
- Sim. Brenner estava alterando os livros e roubando da Griffen, a construtora. Steve vai ficar na cadeia por um bom tempo. Ei, eu já lhe contei o que Christopher fez?
- O noivo?
Tommy assentiu. - Enquanto ele e Michelle estavam em lua-de-mel no Havaí, ele passou horas no telefone costurando um acordo, e convenceu a Griffen a comprar outro terreno que pertencia à cidade e esquecer a praça. Uma parte dos lucros vai ser usada na restauração dos prédios antigos para atrair novos negócios. Christopher fez uma coisa muito boa pela cidade. Assim que eles voltarem, ele vai abrir seu escritório quase ao lado da lanchonete de Laurant, e quando ela for inaugurada, Michelle vai ser a gerente.
- E o que Laurant vai estar fazendo?
- Pintando.
Noah sorriu. - Isso é ótimo.
- Está na hora do seu antibiótico.
- Vou tomar com cerveja.
- São dez horas da manhã. Você não pode tomar cerveja.
- Vocês padres são muito rígidos.
Tommy lhe entregou uma Pepsi e se sentou novamente. - Ouvi dizer que Wesson está pensando em renunciar ao cargo de chefia.
O sorriso sumiu do rosto de Noah. - Ele deveria ser encorajado a pedir demissão.
- Você é que não devia ser tão inflexível com ele - disse Tommy. - Nick me disse que ele se arriscou no chalé, tentando distrair Stark e ajudando Nick a acertá-lo.
- Foi muito pouco e tarde demais. Mas eu não quero falar sobre Wesson. Pete já me deu os detalhes do lado do FBI. Então, diga - continuou ele, - Nick a deixou ou não?
- Foi ela quem deixou Nick.
- Está brincando? Para onde ela foi?
- Paris. - Tommy estava sorrindo de orelha a orelha quando acrescentou: - Ela ganhou a causa. Recebeu de volta cada centavo do dinheiro do nosso avô, mais uma bolada de juros, e teve que ir até lá assinar alguns documentos.
- Tudo está bem quando acaba bem.
- Eu não disse a Nick por que ela tinha viajado. Noah ergueu uma sobrancelha. - O que disse a ele? Tommy deu de ombros. - Que ela tinha ido para Paris.
- Insinuando que era permanente.
- Talvez.
- Bem, ele certamente não foi atrás dela. Entrar num vôo transatlântico? Jamais, nem para salvar a própria vida!
Tommy olhou para o relógio. - Ele deve estar pousando em Paris a qualquer momento.
Noah riu outra vez. - Nick é doido. Ele podia deixá-la, mas não suportou a idéia de que ela o abandonasse.
- Na verdade, ele foi até Dês Moines antes de dar meia-volta e retornar a Holy Oaks. Então eu tive que lhe contar que ela tinha viajado.
- Para sempre.
Tommy assentiu. - Foi uma maldade por amor - explicou. - Eu amo Nick como um irmão, mas tive que ser ligeiramente desleal com ele.
- Você quer dizer que mentiu para ele.
- Sim.
- Bem, acho que você cometeu um pecado. Quer se confessar comigo?
Laurant estava exausta. Tinha chorado durante quase todo o vôo para Paris, e quando não estava fungando, estava recriminando a si mesma por ter se apaixonado por um idiota. Não dormiu nem um minuto, e assim que o avião pousou, teve que ir diretamente para o escritório do advogado assinar os papéis.
Eles queriam comemorar, e ela queria ir para Boston encontrar Nick, mas não conseguia decidir o que faria quando o visse. Num minuto, achava que lhe daria o maior beijo do mundo, e no seguinte, que lhe diria umas verdades. Mas, pensando bem, ela não sabia mais qual era a verdade. Costumava ser uma mulher prática e sensata, mas Nick a fizera mudar. Ela não dormia, não comia, não fazia nada além de chorar.
Foi para seu quarto de hotel e tomou um longo banho quente. Tinha levado na mala uma camisola bonita, mas ao invés dela vestiu a camiseta vermelha com a perca de boca aberta na frente.
Como ele pôde deixá-la? As lágrimas começaram a brotar outra vez, e isso a enfureceu. Ela recordou a reação dele quando confessou que o amava: ele tinha ficado horrorizado. De início, ela atribuíra a rejeição ao receio de Nick de que ela complicasse sua vida, mas agora tinha parado de enganar a si mesma e aceitado a verdade. Ele não a amava. Era muito simples.
Laurant pegou uma caixa de lenços de papel, foi para baixo das cobertas e telefonou para Michelle para chorar no seu ombro.
A amiga atendeu no primeiro toque, com voz de sono. - Se você está ligando para dizer que sente muito pelo casamento, eu a perdôo, como nas últimas três vezes que você me telefonou no Havaí. Nada daquilo foi culpa sua, O.K.? Mamãe a perdoou, papai a perdoou e Christopher e eu também.
- Ele me deixou, Michelle.
De repente, ela pareceu despertar por completo. - O que você quer dizer com isso? Nick? Aliás, onde você está?
- Em Paris - ela respondeu, fungando.
- Você está chorando, não está? Você perdeu a causa. Oh, Laurant, eu sinto muito.
- Eu não perdi.
- Quer dizer que você está rica de novo?
- Acho que sim.
- Você não parece muito animada com isso.
- Você escutou o que eu disse? Nick me deixou. Eu não quis dizer nada no último telefonema, mas ele me deixou no dia seguinte ao casamento. Ele me deu um aperto de mão e foi embora. Ele não me ama.
- Um aperto de mão? - Michelle deu uma gargalhada.
- Não tem graça nenhuma. Esta ligação está custando caro, então seja solidária, e rápido.
- O.K. - disse Michelle. - Pronto, pronto, vai ficar tudo bem.
- Agora você está sendo sarcástica.
- Desculpe - disse ela. - O que você vai fazer em relação a ele?
- Nada. Ele não me ama.
- Eu vi o modo como ele olhava para você enquanto você dançava com outros homens no piquenique. É o mesmo jeito que Christopher me olha quando ele quer... você sabe.
- Isso é desejo, e não amor. Eu o assustei.
- Bem, você não pode negar que tem um pendor para isso. Só há uma coisa a fazer - aconselhou ela. - Vai ter que ir atrás dele. Persiga-o.
Laurant suspirou. - Você não está ajudando. Eu estou infeliz. Odeio me apaixonar.
- Vá atrás dele - ela repetiu.
- E depois? Não posso obrigar Nick a me amar. Eu odeio me sentir assim. Se isso é que é o amor, pode ficar com ele. Sabe o que eu vou fazer? Vou tocar a minha vida e esquecê-lo. Sim, é isso o que vou fazer.
- O.K. - concordou Michelle, e Laurant sentiu o sorriso que acompanhava sua voz. - Só uma perguntinha: como você vai esquecê-lo?
- Eu me apaixonei por ele quase que da noite para o dia, de modo que não deve ser amor de verdade. Faz sentido, não faz?
- Laurant, me poupe. Você está escutando o que está dizendo? No fundo do seu coração você sabe que esta não é apenas uma paixão passageira. Eu me apaixonei por Christopher no nosso primeiro encontro. Às vezes é assim que acontece. Eu simplesmente soube que queria passar o resto da minha vida com ele. Vá atrás de Nick, Laurant, não deixe o orgulho estragar este amor.
- Isso não tem nada a ver com orgulho. Se ele me amasse, não teria me deixado. Acabou, e eu tenho que aceitar isso.
Laurant sentia seu coração se despedaçar. Michelle continuou falando, mas ela não estava mais escutando. Interrompeu a amiga para se despedir. Queria ir para casa, mas não sabia mais onde ficava este lugar.
Ela telefonou para a copa e pediu um chá quente. Aliviando a tensão. Era isso que Nick dizia que ela estava fazendo quando preparava uma xícara de chá.
Subitamente, ela se sentiu ansiosa para deixar Paris, e ligou para a companhia aérea para antecipar seu vôo. Podia dormir no avião, pensou, e saiu da cama para fazer as malas outra vez. Tinha acabado de fechar a sacola de viagem quando ouviu as batidas. O chá tinha chegado. Ela pegou um lenço de papel a caminho da porta e então a abriu.
- Pode colocar... - Nick estava parado no corredor, olhando para ela com cara de bravo. Laurant ficou tão perplexa ao vê-lo que não conseguia falar nem se mover.
Ele estava horrível. Os cabelos estavam desgrenhados, os olhos injetados, e ele parecia ter dormido várias noites com as roupas que estava usando. Mas ela o achou lindo.
- Você nem sequer tinha girado a chave no trinco, não é? Como pode ir abrindo a porta desse jeito? Ela estava trancada?
Ela não respondeu, só o olhou fixamente com uma expressão pasma no rosto. Ele notou que ela andara chorando, vendo seus olhos vermelhos e inchados, e teve que empurrá-la gentilmente para dentro do quarto para poder entrar.
- É assim que se tranca uma porta - disse, girando a chave.
Ele a encontrara. Encostou-se na porta para que ela não pudesse escapar dele, respirou fundo, e a sensação de pânico que vinha sentindo até então se dissipou. Ela estava a apenas trinta centímetros dele, e o mundo estava começando a fazer sentido outra vez.
- Como você me encontrou?
- Eu sou do FBI, faço isso o tempo todo. Encontro pessoas que tentam fugir. Droga, Laurant, como pôde me deixar desse jeito? Sem uma palavra, você arruma as malas e se muda para Paris? Qual é o seu problema? Não sabe o que me fez passar? O que você estava pensando? - Sua voz era um misto de raiva e mágoa. - Você não pode simplesmente se declarar para alguém e depois sair correndo. Isso é muito cruel.
Laurant estava tentando entender, mas Nick falava tão rápido que era difícil acompanhá-lo. Por que ele achava que ela tinha se mudado para Paris? E o que o fazia pensar que ela estivesse fugindo dele?
Ela pretendia exigir uma explicação assim que digerisse a idéia de que ele estava ali, agindo como um completo e adorável idiota
- Eu vou pedir demissão - ele disse, e assentiu para enfatizar sua decisão. - Se é o que eu tenho que fazer para que você se case comigo, então eu vou pedir demissão.
Somente então ele percebeu que Laurant estava usando a camiseta que ele havia comprado, e isso lhe trouxe lembranças deliciosas. Ele sorriu aquele seu sorriso maravilhoso e depois apontou para ela e disse. - Você me ama.
Ele tentou abraçá-la, mas ela deu um passo para trás. - Você não pode pedir demissão.
- Sim, eu posso - disse ele. - Farei o que for preciso para que você se sinta segura, mas tem que parar de fugir de mim Não importa aonde você vá, eu vou segui-la. Droga, Laurant, nunca mais vou deixar você me abandonar outra vez.
Ela o afastou quando ele tentou tomá-la nos braços outra vez. - Eu não fugi. Você me deixou, lembra?
- Sim, bem, eu voltei, e você não estava mais lá Não perdeu nem um minuto chorando por mim. Tommy não queria me dizer para onde você tinha ido, mas eu o obriguei.
Ela estava começando a entender as coisas. Seu irmão tinha agido como um alcoviteiro. - E o que ele lhe contou?
- Que você tinha se mudado para Paris. Fiquei louco ao pensar em você tão longe de mim - admitiu. - Tenho que ter você na minha vida, quero voltar para casa e encontrá-la toda noite. Quero envelhecer com você. Eu preciso de você, Laurant.
Ela começou a chorar outra vez. Ele não permitiria que ela se afastasse dele de novo. Tomou-a nos braços e a segurou com força, beijou sua testa e sussurrou: - Quer se casar comigo?
- Eu não vou me casar com um homem desempregado.
- Então eu vou aceitar o cargo de coordenador que me ofereceram.
- Não, o que você faz é muito importante. Tem que me prometer que não vai parar.
- Está falando sério?
- Eu amo você, Nicholas Buchanan.
- Eu não vou pedir demissão.
Ele se inclinou e a beijou apaixonadamente, deixando claro o quanto a amava.
- Case comigo, Laurant. Faça de mim um homem feliz.
A cabeça dela deu um salto, e a expressão perplexa voltou ao seu rosto.
- Como você chegou aqui?
Ele não iria deixar que ela se esquivasse da pergunta. - Case comigo - repetiu.
Ela sorriu. - Eu quero filhos.
- Eu também - ele disse. - Com você, eu quero tudo. Vou ser um pai neurótico, sempre morto de preocupação, mas com uma mãe como você, eles vão ser pessoas normais. Com você do meu lado, qualquer coisa é possível. Eu amo você, minha querida.
Ela estava beijando seu pescoço com ardor. - Eu já sei que você me ama.
- É mesmo? E quando descobriu isso?
Ela esperava que seus filhos tivessem os lindos olhos azuis dele. - Quando o vi parado na porta. Foi nesse instante que eu soube. Você entrou num avião e atravessou um oceano por minha causa.
Ele riu. - Perder você era mais apavorante. Além disso, não foi tão ruim.
- Você está querendo dizer que superou sua fobia?
- É claro que sim - ele se engasgou.
Ela sorriu, beijou-o delicadamente e sussurrou. - Vamos voltar de navio.
fim do livro

 

 

                                                                  Julie Garwood

 

 

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