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A Defesa de Moscou
A Defesa de Moscou

 

 

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RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A Defesa de Moscou

 

                  

 

Nesta narrativa precisa e fria da defesa de Moscou, um historiador inglês combinou seus diversos talentos com os do marechal Zhukov para produzir algo que não é encontrado em nenhum outro livro. Esta obra talvez seja a melhor fonte de informação sobre uma das maiores e mais terríveis campanhas deste ou de qualquer outro século

 

A primeira derrota de Hitler

 

Em sua diretiva n° 21, de 18 de dezembro de 1940, Hitler determinou o objetivo da Campanha Barbarossa: “A União Soviética deve ser esmagada numa campanha rápida antes do fim da guerra com a Inglaterra, e os primeiros ataques prepararão o caminho para a ocupação do centro vital de comunicações e armamento – Moscou”. Nas discussões subseqüentes sobre as operações militares, entretanto, tornou-se cada vez mais evidente que havia uma discrepância entre o pensamento de Hitler e o de seus consultores no Alto-Comando das Forças Armadas (OKW) por um lado, e o Alto-Comando do Exército alemão (OKH) por outro. Hitler tentava por todos os meios por em prática as teorias do Mein Kampf, pois suas preocupações relacionavam-se com os assuntos políticos e ideológicos como também com a economia no setor militar. Essa dualidade de opinião entre Hitler e seus assessores influiu para prejudicar a campanha em seus primeiros estágios de ataque à união Soviética (22 de junho de 1940) e nos meses que se seguiram, até chegar as portas de Moscou. Assim, tanto no planejamento como na execução, Hitler e o OKH seguiram rumos paralelos, continuando, porém, separados. Além disso, quando o ataque inicial sofreu um adiamento de quatro ou cinco semanas, como resultado da campanha dos Balcãs, este fato deveria ter concentrado as operações numa área mais restrita, tendo em mira um único objetivo.

 

O Grupo de Exércitos Centro, que desfechara golpes violentos contra as forças inimigas numa série de grandes operações de cerco, deveria ter atacado Moscou através de Minsk-Smolensk-Viazma, mas foi incapaz de romper a resistência inimiga. Os velozes avanços empreendidos pelas colunas Panzer, que, diante de seu sucesso nas campanhas anteriores, eram o presságio de uma vitória rápida, não tiveram o mesmo efeito no Leste. Nos vastos espaços abertos, as unidades blindadas movimentaram-se isoladas e não podiam aproximar-se, tendo de esperar pelas unidades de infantaria,  dando assim ao inimigo, em grandes grupo, a oportunidade de poder romper os cercos e escapar à perseguição das forças alemães, tão logo chegavam às extensas áreas de florestas e pântanos. Hitler estava plenamente cônscio desse problema quando emitiu sua Diretiva n° 33 a 19 de julho de 1941, ali constando que desistia de Moscou como o principal objetivo do Grupo de Exércitos Centro e ordenava que as forças alemães fossem divididas: poderosas unidades do Grupo de Exércitos Centro foram desviadas para o sul, a fim de se juntarem ao Grupo de Exércitos Sul, que avançava sobre Kiev com o intuito de impedir ao inimigo uma retirada para leste. Kiev caiu em mãos alemães a 19 de setembro de 1941, embora a batalha prosseguisse até o dia 26 do mesmo mês. Essa “batalha involuntária” não teve nenhum efeito decisivo. Ao contrário, ela imobilizou as unidades panzer e foi motivo de considerável perda de tempo; a intenção de derrotar a União Soviética numa campanha rápida foi frustrada. Uma vez reiniciado o ataque a Moscou a 2 de outubro, e assim que Briansk e Viazma foram tomadas a 6 e 7 de outubro, o Grupo de Exércitos Centro conseguiu penetrar as posições de defesa de Moscou. Por volta de meados de outubro, as primeiras neves do inverno haviam-se transformado em lama congelada, surpreendendo as forças alemães, que não contavam com isso e estavam mal equipadas, ocasionando um revés inesperado. No final de outubro, as posições alemães eram as seguintes: a 3a Divisão Panzer estava em Klin, na estrada Kalinin-Moscou, e as unidades avançadas da 7a Divisão Panzer defendiam uma cabeça-de-ponte a leste do canal Volga-Moscou, em Yakhroma, aproximadamente a 35 km de Moscou; para o sul, a 2a Divisão Panzer lutava pela posse de Tula ao sul da cidade; a 4a Divisão empenhava-se num ataque frontal a 40 km da cidade; assediadas pela frente e pelo flanco, as forças alemães não podiam continuar avançando. Desde 22 de junho de 1941 elas vinham combatendo ativa e constantemente e agora seu moral e sua resistência física declinavam. Atrás da frente alemã não havia reservas para preencher as imensas brechas que deixavam expostos alguns milhares de quilômetros da linha de batalha. O Exército Vermelho não usara uma só vez sua força total para deter o ataque alemão e agora os soviéticos viam que chegara sua hora de revidar. Daí em diante, nem Hitler nem o OKW tinham voz ativa no campo de batalha - isto era exclusividade do inimigo real: Zhukov. Nas semanas e meses que se seguiram, o exército alemão teria a prova do quanto o Exército Vermelho aprendera, enquanto se limitava a deter seu ataque, tanto ao nível tático quanto na parte operacional.

 

Visto no contexto mais amplo da Segunda Guerra Mundial, o fracasso em derrotar a União Soviética em quatro ou cinco meses assinalou o fim da Blitzkrieg.

 

Dos pontos de vista político, econômico e militar, Hitler subestimara a União Soviética. Em 1939 ele considerara “realização digna de um estadista” o fato de a Alemanha só ter de lutar numa frente, mas agora a guerra em duas frentes se tornara uma realidade, tal como a Alemanha experimentara antes, em 1914-1918. Era evidente que os aliados de Hitler estavam desiludidos e que nas áreas ocupadas a resistência às forças de ocupação aumentava. A Turquia, que Hitler gostaria de ter visto participando na “sua guerra”, continuou de lado, na expectativa. Enquanto a resistência aliada a Hitler recebia considerável impulso, a Inglaterra, em particular, soube aproveitar a trégua tão necessária para promover seus preparativos militares e desenvolver suas alianças. A União Soviética podia contar com as Potências Ocidentais e lançar todo o seu peso contra a Alemanha. Além disso, desde 7 de dezembro de 1941, quando o Japão atacou Pearl Harbor, os portos do grande arsenal da democracia estavam abertos aos líderes da União Soviética.

 

A batalha às portas de Moscou, no inverno de 1941-1942, é considerada, acertadamente, como uma das mais decisivas da Segunda Guerra Mundial. Ela foi o último ato retardado no desígnio alemão de derrotar a Rússia. O que quer que Hitler empreendesse a partir desse momento, só poderia representar o adiamento de sua derrocada final.

 

O autor do exame que se segue, Geoffrey Jukes, tornou-se conhecido pelos seus livros, Stalingrado, o Princípio do Fim e Kursk: the Clash of Armour. Possuidor de um vasto conhecimento sobre a Wehrmacht e o Exército Vermelho, ele pintou um quadro bem autêntico da batalha às portas de Moscou, mantendo elevado grau de objetividade, combinado com vigor e colorido. Este livro é digno sucessor dos seus trabalhos anteriores. Na minha opinião de comandante de tropas e testemunha do começo da campanha alemã até o bem sucedido avanço sobre o canal Volga-Moscou e a retirada final, posso conformar a veracidade do que foi narrado. - General Hasso von Manteuffel

 

A ascenção do Marechal Zhukov

 

Se a Batalha da Inglaterra foi a primeira vez, na Segunda Guerra Mundial, que se estabeleceram claramente as limitações militares da Alemanha, à Batalha de Moscou cabe a segunda. Mas, sob outros aspectos, há muito pouco em termos de comparação entre as duas batalhas. No primeiro caso, as pontas-de-lança adversárias, o Comando de Caças da Real Força Aérea e as Luftflotten 2, 3 e 5, consistiam de tripulações lançadas em combate em número raramente superior a 1.000 pelos alemães, salvo nos momentos de pressão máxima, e nunca atingido esse número pelos ingleses. Foi uma batalha entre forças empenhadas em tecnologia moderna e cujo resultado deveu muito a fatores científicos, tais como a posse do radar pelos ingleses; além disso a mais notável arma alemã - suas forças blindadas - não pôde participar.

 

Por outro lado, a Batalha de Moscou foi uma luta de titãs, com mais de um milhão de soldados empenhados em combate nos dois campos adversários. Foi a primeira de vários embates na Frente Oriental, e na qual as forças Panzer, o orgulho do exército alemão, enfrentaram abertamente um Exército Vermelho aparentemente exaurido pelos meses de defesa exaustiva e infrutífera; agarraram confiantes aquela presa suprema, a capital do único estado comunista do mundo, viram-se escapar das suas mãos e foram obrigadas a uma fuga, que quase se transformou numa debandada. A recuperação do Exército Vermelho, depois que quase todas as forças regulares com as quais começara a guerra foram eliminadas (por volta de dezembro de 1941, havia quase 3.500.000 soldados soviéticos em campos de prisioneiros de guerra alemães) foi um feito extraordinário e para o qual toda a União Soviética contribuiu de uma forma ou de outra. Mas a defesa, que teve de ser conduzida por uma mistura de unidades ad hoc, remanescentes de exércitos derrotados, divisões de reserva mobilizadas às pressas, e da Milícia Popular, que era totalmente destreinada, foi, em sua estrutura, obra de um homem. O mesmo aconteceu com a escolha do momento adequado para lançar as reservas, que incluíam praticamente as últimas forças do quadro de paz – as divisões siberianas do Exército do Extremo Oriente – contra forças alemãs, cujo ímpeto de ataque declinara, mas que ainda não se haviam entrincheirado para uma luta na defesa. Esse homem era o Comandante da Frente Ocidental Soviética (Grupo de Exércitos), o General-de-Exército, e mais tarde Marechal da União Soviética, Georgy Konstantinovich Zhukov.

 

Ele nasceu em 1896 na aldeia de Strelkovka, da então Governança de Kaluga, a sudoeste de Moscou. A família Zhukov, como a de muitos outros bem sucedidos generais do Exército Vermelho, era extremamente pobre e seu pai, um sapateiro, passava muito tempo fora de casa à procura de trabalho. Todavia, ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, o jovem Zhukov pôde freqüentar a escola, onde se saiu muito bem, até os 10 anos de idade, quando foi tirado dali para começar a ganhar a vida. Em 1907 ele tornou-se aprendiz de peleiro e curtidor de um dos irmãos de sua mãe em Moscou, onde pôde continuar sua educação freqüentando a escola noturna. Em agosto de 1915, devido às imensas perdas humanas do exército russo nas batalhas da Primeira Guerra Mundial, ele foi convocado antes do tempo para servir no 189o Batalhão de Infantaria da Reserva. Ao completar seu treinamento ele foi transferido para a cavalaria, para o 10o Regimento de Dragões Novgorod, onde se tornou “vice-suboficial” (mais ou menos equivalente a sargento) e foi ferido em ação, recebendo por duas vezes a elevada condecoração tzarista por bravura, a Cruz de São Jorge.

 

Pouco depois de sair do hospital, deu-se a revolução de fevereiro de 1917. Como em geral acontecia no exército, seu esquadrão nomeou um comitê de soldados, do qual ele foi eleito presidente e delegado junto ao Soviete (Conselho) Regimental, que, em março votou pelo apoio ao Partido Bolchevista de Lenine. Este ato dividiu o regimento em três facções hostis, com alguns apoiando os bolchevistas; outros, o Governo Provisório, de Kerenski, que desejava continuar a guerra, e outros, ainda, os Nacionalistas Ucranianos, que favoreciam a independência da Ucrânia. A facção pró-bolchevista era a minoria e Zhukov foi obrigado a ocultar-se por várias semanas, antes de retornar secretamente a Moscou, onde chegou em fins de novembro de 1917. Já então os bolchevistas haviam tomado o poder em Petrogrado (então a capital e hoje chamada Leningrado), sobrevindo a guerra civil que se prolongaria até 1922.

 

Zhukov, que já então ligara seu destino ao Partido Comunista, decidiu apresentar-se como voluntário para a Guarda Vermelha, o núcleo do exército que o governo revolucionário estava formando, mas antes que pudesse fazê-lo, foi atacado de tifo e somente seis meses depois é que pôde realizar sua intenção, ingressando como soldado raso na 1a Divisão de Cavalaria de Moscou. O Exército Vermelho tinha grande necessidade de oficiais treinados, pois a maior parte do corpo de oficiais ingressara nos Exércitos Brancos, e um subalterno dedicado e experiente vindo de um regimento de elite do Exército Imperial poderia progredir com rapidez. Ao término da guerra civil, Zhukov estava no comando de um esquadrão no 1o Exército de Cavalaria (cujo comandante, outro ex-subalterno da cavalaria do Exército Imperial, Semyon Mikhailovich Budenny, ele viria a substituir à frente da defesa de Moscou em 1941) e decidira fazer do exército a sua carreira. O 1o Exército de Cavalaria era o orgulho das forças armadas do novo estado e muitos dos mais notáveis generais soviéticos sairiam do seu quadro de suboficiais. Mas talvez o que mais influiu em sua carreira foi o interesse demonstrado mais tarde pelo Comandante-de-Brigada Semyon Konstantinovich Timoshenko, que, dezoito anos depois, já então marechal e Comissário Popular da Defesa, elevou Zhokov, seu colega mais jovem, ao posto de seu primeiro-ajudante, como Chefe do Estado-Maior-Geral.

 

No período entre as duas guerras, Zhukov, já famoso como um dos mais promissores jovens militares do Exército Vermelho, se transferira da cavalaria para os blindados e esposara as modernas teorias da guerra blindada expostas pelo Capitão Liddell Hart, que os alemães estavam adotando e que o Chefe do Estado-Maior-Geral soviético, o brilhante Marechal Tukhachevsky, estava propagando ativamente. Contudo, ele não se destacou suficientemente a ponto de atrair a atenção da polícia secreta quando Stalin, em 1938, empreendeu o seu desastroso e sangrento expurgo do corpo de oficiais, e isto lhe daria sua primeira oportunidade de brilhar como comandante de uma grande força em combate. Juntamente com muitos outros oficiais considerados “dignos de confiança” e, portanto, livres do expurgo, ele se viu rapidamente promovido a postos deixados vagos por oficiais superiores que “desapareceram” nos anos terríveis de 1938-39. Em julho de 1939 ele foi indicado para o comando das forças soviéticas e mongóis que estavam combatendo um exército japonês de 75.000 homens que invadira a República Popular da Mongólia pela China. A 20 de agosto de 1939 ele contra-atacou os japoneses e por volta do dia 31 os expulsara (ou o que restara deles, pois 41.000 foram mortos, feridos ou capturados) numa completa debandada de volta à China. Esse acontecimento influiu consideravelmente na decisão japonesa de não atacar a União Soviética em 1941, o que possibilitou a Stalin transferir a maior parte das suas divisões siberianas para o Oeste; isso, no entanto, não teve grande repercussão numa Europa já tão preocupada com o início da Segunda Guerra Mundial. As notícias sobre a Mongólia foram eliminadas dos jornais a 1o e 2 de setembro de 1939 e substituídas pelas da invasão da Polônia empreendida pelos alemães e dos ultimatos britânicos e francês, de modo que a Europa teria sua opinião formada sobre o Exército Vermelho e seus líderes de acordo com o seu desastroso desempenho na guerra contra a Finlândia três meses depois. Somente os japoneses, por experiência própria, classificariam como formidável o poderio militar soviético. Não obstante, o sucesso de Zhukov resultou em seu primeiro encontro com Stalin e no começo de um relacionamento que cresceu rapidamente e deu a Zhukov maior autonomia na tomada de decisões militares do que a alcançada por qualquer outro soldado.

 

Logo de início ele foi nomeado assistente do seu velho chefe, Timoshenko, no Q-G do Distrito Militar Ucraniano, que, sendo enviado para o norte em janeiro, de 1940, para assumir o comando da guerra contra a Finlândia, fez-se acompanhar por Zhukov, integrado nas funções de Chefe de Estado-maior. Os dois concluíram com sucesso aquela campanha, anteriormente tão mal encetada, e Stalin então nomeou Timoshenko Comissário Popular da Defesa, com a incumbência de restaurar o poderio militar do Exército Vermelho, e este colocou Zhukov no posto que ele próprio ocupara antes, agora rebatizado como “Distrito Militar especial de Kiev” e considerado um dos mais importantes comandos da campanha, devido à sua extensa fronteira com a Polônia então ocupada pelos alemães. Foi ali que ele fez seu primeiro discurso em público, a 11 de dezembro de 1940, deixando bem clara a necessidade de fortalecer as qualidades militares (contrastando bastante com o espírito de lealdade à liderança do partido), atacando alguns membros mais antigos do Alto-Comando, muitos dos quais eram exemplos clássicos e desastrosos de promoção conseguida apenas por lealdade a Stalin e não por talento militar, e insinuando a necessidade de iniciar preparativos para a guerra contra a Alemanha. Esta talvez fosse a mais perigosa de todas as declarações, porquanto implicava que a Aliança Germano-Soviética de 1939 não eliminava tal possibilidade e, portanto, sugeria que Stalin podia ser tapeado. Nem Zhukov nem qualquer historiador soviético explicou a razão por que ele fez esse discurso, nem por que, tendo-o feito, não foi punido: muitos dos seus colegas tinham sido castigados por menos. Não obstante, a filosofia que ele então expressou, destacando a necessidade de as operações bélicas estarem nas mãos de militares fidedignos, e não sujeitas à divisão de controle inerente ao velho sistema de chefes políticos, continuaria sendo sua característica e encontraria expressão concreta quando se tornou Ministro da Defesa após a morte de Stalin.

 

Ao expor as razões de sua manifestação pública tentando alertar sobre as incoerências de certos aspectos da política do governo, ele aparentemente não teve problemas por causa disso, sendo, ao contrário, apenas dois meses depois, em janeiro de 1941, novamente promovido. A ocasião foi uma conferência de cúpula em Moscou, na qual se apresentou uma série de debates sobre os problemas da guerra moderna e até mesmo um plano, admitindo-se um eventual ataque alemão. A participação de Zhukov, na conferência e no plano de guerra foi relevante. No fim dos trabalhos, Stalin convocou os oficiais superiores para uma reunião dentro de duas horas e ordenou ao Chefe do Estado-Maior-Geral, General Meretskov, que fizesse um relatório sobre o exercício. Meretskov, avisado à última hora, e devido à escassez de tempo, apresentou um relatório deficiente, como qualquer um teria feito nas mesmas circunstâncias. Stalin esperou até que ele terminasse e depois voltou-se para Zhukov: “O camarada Timoshenko pediu que se nomeasse o Camarada Zhukov para Chefe do Estado-Maior-Geral. Estão todos de acordo?” Ninguém se atreveu a objetar, de modo que a partir de 14 de janeiro de 1941, Zhukov passou a ocupar o segundo mais alto posto do Exército Vermelho, aos 44 anos de idade e passando por cima de muitos companheiros que poderiam muito bem considerar-se com mais direito a essa promoção.

 

Integrado ao novo posto, o principal dever de Zhukov era ajudar seu velho patrono, Timoshenko, a eliminar as falhas apresentadas na guerra finlandesa e preparar o Exército Vermelho para a guerra com a Alemanha, que parecia tornar-se cada vez mais inevitável. Mas a importância da tarefa e Stalin confiando que poderia adiar o confronto pelo menos até 1942, significavam que não se poderia esperar resultados favoráveis do programa de modernização, pelo menos durante um ano. E Hitler atacaria dentro de seis meses e oito dias a partir da data da integração de Zhukov nas novas funções. Quando se deu o ataque, Timoshenko e Zhukov presenciaram suas forças desaparecendo em direção aos campos de prisioneiros alemães, as forças aéreas dizimadas em terra e Stalin ora apenas como espectador, o que paralisava a máquina de guerra soviética, porque os expurgos haviam ensinado a todos que tomar qualquer iniciativa era algo extremamente perigoso, dando ordens para que as tropas resistissem, quando a prudência militar mandava que se trocasse espaço por tempo, sendo preferível a retirada, para evitar o cerco. Em Kiev, todo um grupo de exércitos foi aniquilado, porque Stalin não permitia que a cidade se entregasse; os alemães fizeram 665.000 prisioneiros. Os soviéticos negam isso raivosamente, mas admitem perdas de 527.000 homens em dois meses, enquanto preferem ignorar o destino de pelo menos 10 divisões de reserva despachadas para a Ucrânia após o início das hostilidades, e que provavelmente também desapareceram, aumentando o total de perdas em cerca de 100.000 homens. Em todo o período a partir de 22 de junho até o começo do ataque alemão a Moscou a 30 de setembro, a única batalha que pôde ser considerada uma vitória foi a operação de Zhukov em Yelnya, em agosto e setembro, onde os alemães foram expulsos da cidade, embora escapassem por um triz à sua tentativa de cerco. Tudo o mais ou foi um fracasso total ou uma dispendiosa ação de retardamento, resgatando tempo com sangue, e avaliando-se os resultados somente no futuro, quando as outras batalhas, para as quais o tempo foi um fator de grande significação, já haviam sido travadas.

 

Pelo começo do outono, Timoshenko e Zhukov há muito haviam deixado de exercer funções sedentárias no Ministério da Defesa. Stalin assumira o posto de Comandante-Chefe, e o Marechal Shaposhnikov, ex-Coronel do Exército Imperial, um dos poucos oficiais superiores tzaristas a aceitar o comunismo, se tornara Chefe do Estado-Maior-Geral. Instalara-se um Q-G Geral (STAVKA), e o antigo Comissário do Povo e seu ajudante, como membros do mesmo, eram despachados para lá e para cá para estabilizar uma frente que desaparecia progressivamente. Foi nessa função de “quebra-galhos” que Zhukov conseguiu deter temporariamente os Panzer em Yelnya, onde lançou em combate os seis exércitos da sua Frente de Reserva a fim de travar a batalha de 26 dias do Bolsão de Yelnya e deter o avanço do Grupo de Exércitos Centro para Moscou. Leningrado estava sendo sitiada pelo Grupo de Exércitos Norte e sua queda parecia iminente. Zhukov recebeu ordens de encarregar-se da cidade, onde chegou a 12 de setembro. Em três dias de energia inaudita conseguiu restaurar a ordem na linha defensiva já bastante abalada, demitiu grande número de oficiais, enviou alguns para o pelotão de fuzilamento, por retiradas não-autorizadas, e deteve o Grupo de Exércitos Norte. Embora não o soubesse na época, sua feroz energia fez com que Hitler classificasse o esforço do Grupo de Exércitos Norte como “um fracasso”, e em pouco tempo seus blindados, o Grupo Panzer 4 do Coronel-General Hoeppner, começavam a dirigir-se para o sul a fim de participar da ofensiva contra Moscou. Mas eles só teriam desempenhado papel insignificante na tomada de Leningrado, porque as cidades oferecem péssimo terreno de operações para forças móveis. A ocupação da cidade seria uma tarefa entregue às divisões de infantaria, e se tivesse havido indícios manifestos de abalo na defesa, elas teriam avançado para o alvo que Hitler insistia em classificar como superior a Moscou pela sua posição estratégica e pela sua importância simbólica já que era o berço da revolução comunista. Posteriormente, a cidade resistiria a 900 dias de sítio nos quais, embora muitos milhares dos seus cidadãos morressem de fome e inanição, jamais estaria tão perto da captura quanto nas vésperas da chegada de Zhukov.

 

De Leningrado, chamado por Stalin, Zhukov foi a Moscou, a 8 de outubro, ali encontrando uma situação das mais graves. Na verdade, as defesas de três grupos de exércitos (as Frentes Ocidental, de Reserva e de Briansk) haviam-se desintegrado ante a arremetida dos alemães; as colunas Panzer tinham penetrado e praticamente o caminho estava desimpedido até a capital. Mais adiante neste livro, Zhukov descreve com suas próprias palavras a maneira como enfrentou a situação. Basta dizer aqui que ele inverteu as posições e infligiu aos alemães sua primeira grande derrota terrestre de toda a guerra, destruindo de tal modo a confiança que Hitler depositava em seus generais, a ponto de demitir o Comandante-Chefe do Exército, os três Comandantes de Grupo de Exércitos e 31 outros generais. As perdas alemãs em homens, material e moral foram igualmente significativas, porquanto nunca mais, durante toda a guerra, a Alemanha estaria em situação de poder montar uma ofensiva que não fosse num eixo estratégico de cada vez.

 

Hitler volta-se contra a Rússia

 

Em setembro de 1939, o novo exército-modelo alemão invadiu a Polônia por trás de pontas-de-lança de tanques e infantaria motorizada, protegido por uma cortina de bombardeiros de mergulho (Stukas). Os poloneses, mal equipados e surpreendidos pela tática de uma guerra moderna, foram a cobaia inocente dos primeiros testes empreendidos em grande escala das teoria da guerra blindada, originariamente apresentadas nos anos 20 por estudiosos britânicos como Liddell Hart, todavia esposadas com entusiasmo por um grupo de oficiais remanescentes da derrotada Reichswehr de 100.000 homens da Alemanha. A personalidade de maior renome entre eles, Heinz Guderian, conseguira vencer a oposição dos superiores mais renitentes, preparara e submetera à prova uma formação-modelo centralizada no tanque e no soldado de infantaria transportado em caminhões e, finalmente, conseguira conquistar o entusiasmo e o apoio de Hitler para o novo conceito de tática. Também outros exercícios fizeram experiências baseadas nas idéias dos teóricos britânicos, mas por várias razões a filosofia da mobilidade não conseguira impor-se. Como resultado, o tanque persistiu sobretudo como elemento de apoio da infantaria, sendo a unidade de mobilidade tática o soldado de infantaria, marchando a 4 ou 5 km por hora e avançando em combate, com o devido respeito pela segurança dos seus flancos, numa velocidade muito menor. Somente na nova Wehrmacht dos fins dos anos 30 é que havia forças consideráveis que podiam mover-se com a rapidez de um tanque, cerca de 32 km por hora, nas quais a infantaria era transportada em caminhões, para elevar a sua velocidade à dos tanques, e não ao contrário, e nas quais uma questão de princípio era avançar rapidamente só dando à proteção dos flancos a atenção mínima ditada pela prudência.

 

O sêxtuplo aumento em mobilidade tática assim obtido seria utilizado para penetrar as formações de linha de um exército convencional, expondo-o, assim, ao cerco das forças móveis à sua retaguarda e das massas de infantaria convencional à sua frente. Se preferisse a retirada ao cerco, poderia sofrer a investida das forças móveis, e assim se tornaria impossível estabilizar suas posições, e aquela atitude não passaria de uma debandada, protegida pela incansável atividade dos bombardeiros de mergulho.

 

O conceito revolucionário de guerra foi de grande eficácia no golpe contra a Polônia, pois em menos de três semanas a campanha estava praticamente encerrada. Oito meses depois, em maior de 1940, as doutrinas de Guderian foram mais uma vez postas à prova num teste ainda maior, quando as novas forças se desencadearam contra a França, Holanda e Bélgica, cujos exércitos, mais a Força Expedicionária Britânica, contavam com efetivos que superavam numericamente os da Alemanha. Seis semanas de campanha renhida impuseram à França uma rendição que o exército do Kaiser tentara conseguir em vão durante os quatro anos e três meses da Primeira Guerra Mundial; expulsaram os britânicos de volta ao Canal da Mancha, bastante desfalcados de homens e da maior parte das suas armas pesadas, e expuseram as Ilhas Britânicas a uma ameaça de invasão mais direta do que haviam experimentado desde 1805. Os britânicos dispuseram-se a enfrentar uma provação à qual não estavam acostumados; desde 1066 a Grã-Bretanha estivera a salvo de invasões inimigas, mas nenhuma potência havia dominado o continente europeu como a Alemanha parecia estar conseguindo em 1940.

 

Por várias razões, políticas e psicológicas, bem como militares, felizmente a ameaça não se concretizou. A opinião de Hitler sobre os britânicos era bastante complicada e ambivalente. Ele estava inclinado a aceitar a continuidade da existência do Império Britânico, contanto que a Grã-Bretanha reconhecesse que a Europa estava sob seu domínio; embora a Gestapo preparasse planos macabros em relação às principais personalidades e pretendesse deportar os homens capazes para o continente assim que a Inglaterra tivesse sido subjugada, Hitler naquele estágio esperava que os britânicos “vissem a razão”, compreendessem a inutilidade de combater sem a ajuda de aliados e concordassem com uma paz negociada que tornaria indiscutíveis as suas conquistas. O fato de que ele julgou mal o temperamento dos britânicos na adversidade já é notório; o mesmo acontece com sua ambivalência em relação à idéia de eliminá-los do nível de igualdade do poder mundial.

 

Não obstante, uma vez que os britânicos recusaram inequivocamente a idéia de uma paz negociada, os preparativos para a invasão, apropriadamente chamada “Operação Leão-Marinho”, prosseguiram e, aqui, sem dúvida, houve a influência de fatores estratégicos.

 

A chave do sucesso concentrava-se na possibilidade de desembarcar e abastecer um exército na outra margem do Canal da Mancha e, por conseguinte, a atitude da marinha alemã era decisiva. O entusiasmo dos seus líderes pelo empreendimento foi temperado pelo conhecimento que tinham de que forças de superfície da Marinha Real eram consideravelmente superiores às suas em número e que se poderia esperar que elas lutassem eficazmente em defesa do seu território  metropolitano, partindo das bases principais disponíveis e com séculos de tradição de sua invencibilidade. Somente o novo fator do poderio aéreo poderia mudar o equilíbrio de forças em favor da Kriegsmarine e isto significava que se precisava recorrer à Luftwaffe, porque a marinha alemã não dispunha de forças aéreas para combate.

 

A princípio a Luftwaffe, personificada pelo seu líder, o gordo Reichsmarschall Hermann Goering, acreditava poder demonstrar superioridade aérea sobre a RAF numa questão de dias. Estes, no entanto, se transformaram em semanas, que por sua vez viraram meses, e assim se constatou que os britânicos, embora às vezes em grandes dificuldades, resistiam até o fim e que as perdas que estavam causando à Luftwaffe superavam as suas em aviões e em grau muito maior no fator realmente decisivo da Batalha da Inglaterra - tripulações aéreas, especialmente pilotos. Quando julho deu lugar a agosto, e este ao mês de setembro, tornou-se evidente que a superioridade aérea, o pré-requisito para a “Operação Leão-Marinho”, não seria conquistada Tão cedo, já que o início das tempestades de inverno tornaria duvidosa a possibilidade de abastecer as tropas do outro lado do Canal da Mancha. Pela primeira vez, desde o início da guerra, a Batalha da Inglaterra viera provar que a cadeia de sucessos militares da Alemanha podia ser rompida. Com o fracasso das investidas da Luftwaffe, a mais poderosa arma da Alemanha, seu exército até então invencível, não pôde ser utilizado contra um antagonista cujas enfraquecidas forças terrestres provavelmente não teriam resistido durante muito tempo.

 

Todavia, esses acontecimentos não tiveram o poder de lançar qualquer dúvida sobre a eficácia do exército alemão. O fracasso coube somente à força aérea e à marinha, que se mostraram inoperantes. Havia ainda no continente europeu outra potência que não estava sujeita ao domínio de Hitler e cuja existência continuada significava que seu poderio no continente era incompleto, cujo território era acessível por terra e para a qual a atitude de Hitler era totalmente destituída de qualquer ambigüidade. Essa potência era a União Soviética, governada pelo ditador georgiano, Joseph Stalin.

 

Naquela época, os dois países eram nominalmente aliados; na verdade, foi a aliança, o Pacto Molotov-Ribbentrop, assinado a 25 de agosto de 1939, que possibilitou a invasão da Polônia pelos alemães e provocou a eclosão da guerra. Mas independente do que as considerações táticas pudessem ditar, não podia haver dúvidas do antagonismo existente a longo prazo entre as duas ditaduras. Desde os primeiros tempos da formação do partido nazista, Hitler encarava seu vizinho comunista no Leste como a mais mortífera manifestação da “conspiração judia internacional” à qual atribuía a culpa dos insucessos da Alemanha. Haveria discussões sobre esferas de influência a serem divididas assim que o Império Britânico estivesse em condições de ser desmembrado, mas nenhum dos dois governos acreditava realmente na possibilidade de coexistência a longo prazo. E expressivo das atitudes de Hitler para com a Grã-Bretanha por um lado, e para com a União Soviética por outro, o fato de que ele pronunciou a sentença fatal: “temos de cuidar da Rússia”, na realização de uma conferência secreta com oficiais superiores do OKH (o Alto-Comando do Exército), a 21 de julho de 1940. Haviam passado apenas quatro semanas desde a rendição da França e a Batalha da Inglaterra já começara, embora a data oficial de início alemã para ela, o Dia da Águia (13 de agosto), estivesse marcada para dali a três semanas.

 

Nem o OKH, responsável pelo planejamento da operação, nem o OKW, o Alto-Comando das forças armadas, responsável pela distribuição e movimento das forças necessárias, permitiram, na época, que seus sucessos retumbantes de 1939 e 1940 os cegassem a ponto de não verem as dificuldades inerentes a esse empreendimento muito maior. Não era segredo o fato de que perseguir os esquivos exércitos russos pelos vastos espaços das estepes havia acarretado enormes derrotas a grandes líderes militares do passado, inclusive Napoleão, e que uma campanha prolongada, que daria à Rússia tempo de mobilizar seus grandes recursos de potencial humano, provavelmente não seria bem sucedida. Desde o começo do processo de planejamento, quase todos os militares sugeriam que o Exército Vermelho deveria ser atraído para combate o mais possível para oeste, de preferência para oeste da linha dos rios Dvina e Dnieper, mas por certo a oeste de Moscou. A campanha deveria começar em maio de 1941, isto é, após o degelo de primavera, que transforma a maioria das estradas (poucas são pavimentadas) em faixas de lama, e deveria terminar em 17 semanas, no máximo, isto é, antes do reaparecimento da lama com as chuvas de outono. O Serviço de Inteligência em relação ao Exército Vermelho era deficiente em certos aspectos, mas admitia-se que ele poderia desenvolver 119 divisões (96 de infantaria e 23 de cavalaria) e mais 28 brigadas mecanizadas, contra as quais a Alemanha, com 146 divisões (24 Panzer, 12 motorizadas e 110 de infantaria) estaria em superioridade numérica.

 

Enquanto os generais Marcks e Feyerabend preparavam o esboço dos planos de operação para o OKH, o OKW trabalhava baseando-se em suas próprias apreciações. O plano Marcks visava a duas penetrações principais: uma pela Rússia Branca, até Moscou, e a outra pela Ucrânia, até Kiev. Elas operariam independentes uma da outra, dando pouquíssima atenção aos seus flancos, de acordo com as diretrizes clássicas da guerra Panzer, até que o grupo norte tivesse capturado Moscou, quando então se desviaria para o sul, para a retaguarda das forças soviéticas que estariam enfrentando o grupo sul. Por outro lado, o estudo do OKW estabelecia o deslocamento de três grupos (Norte, Centro e Sul) visando a Leningrado, Moscou e Kiev, respectivamente, e era mais convencional, porquanto admitia que eles protegeriam os flancos uns dos outros avançando aproximadamente à mesma velocidade.

 

Já dissemos que o Serviço de Inteligência alemão sobre o Exército Vermelho era precário em certos aspectos. Foi tomada importante providência para remediar essa falha quando, em outubro de 1940, decidiu-se autorizar missões de reconhecimento aéreo sobre território soviético, visando a identificar áreas militares, quartéis, aeródromos e alvos militares similares. Com o passar dos meses, essas missões aprofundaram-se cada vez mais na União Soviética e as fotografias tiradas por esses precursores dos U-2 americanos não bastavam para uma reavaliação maior dos efetivos do Exército Vermelho na área central (de Brest até Moscou). Essa pesquisa, com os resultados dos planos de guerra realizados pelo OKH em fins de novembro e começos de dezembro, reforçara, as primeiras conclusões do General Marcks de que a força de ataque dirigida contra Moscou teria de ser particularmente poderosa. As questões agora haviam chegado a um ponto em que se poderia apresentar opiniões a Hitler e a 5 de dezembro, o Chefe do Estado-Maior-Geral do OKH, Coronel-General Halder, fez um resumo das conclusões tiradas até então. Seu relato mostrou que houvera certa fusão de pensamento entre o OKH e o OKW, porquanto foi adotada a idéia de se organizar um ataque de três pontas, encontrada no estudo do OKW. Halder observou que os três centros principais de produção de armamentos e, portanto, as três áreas que o Exército Vermelho teria de defender se pudesse enfrentar uma guerra prolongada, seriam os de Leningrado, Moscou e Kiev. Portanto, essas áreas constituíam os alvos estratégicos a ser atingidos e se deveria destacar um grupo de exércitos para cada uma. Os russos não poderiam defender essas áreas a menos que defendessem e lutassem a oeste da linha Dvina-Dnieper, como os alemães queriam que o fizessem. Dois dos grupos de exércitos lutariam ao norte dos pântanos do Pripet e um ao sul, concentrando assim toda a força do ataque ao longo dos eixos Leningrado e Moscou.

 

Diante dos comentários de Hitler sobre essa apresentação surgiram os primeiros sinais de divergência do ponto de vista militar geralmente aceito sobre a importância básica que Moscou representava como alvo estratégico - divergência que viria a confundir o andamento das operações no verão seguinte. Hitler concordou com Halder de que o Grupo de Exércitos Centro, operando ao longo do eixo Varsóvia-Moscou, deveria ser mais forte que os outros, mas o justificou com base na possível necessidade de um desvio de parte das suas forças para o norte, para ajudar o grupo dali e eliminar formações soviéticas sitiadas nos estados bálticos, e não pela importância que representava o próprio objetivo.

 

Até então, a operação não tinha um codinome geral. Apenas o OKH chamava-a de “Otto”. Pouco depois dos debates de Halder com Hitler, o OKW recebeu ordens de reunir os vários documentos relativos aos planos e incluí-los numa Diretiva do OKW Führer que seria assinada por Hitler. O rascunho da Diretiva 21, de codinome “Fritz”, foi submetido à apreciação de Hitler a 17 de dezembro, reaparecendo no dia seguinte com o pomposo codinome de “Barbarossa”, evocação à lembrança do imperador medieval Frederico, o da barba Ruiva (participante da 3a Cruzada, companheiro de Ricardo Coração de Leão e de Felipe Augusto de França), na tentativa de disfarçar uma campanha de pilhagem e conquista protegidas pelo manto de uma Cruzada. A mudança de nome como indicador do estado de espírito de Hitler não é tão importante quanto as modificações de conteúdo entre o rascunho da Diretiva “Fritz” e o da “Barbarossa” representam para o historiador militar. O Führer detalhou seus comentários de 5 de dezembro, deixando bem claras as suas ordens no sentido de que as forças soviéticas deveriam ser inteiramente destruídas pelo Grupo de Exércitos Centro e que este depois disso deveria destacar elementos poderosos de forças móveis para ajudar o Grupo de Exércitos Norte na eliminação do Exército Vermelho em toda a extensão do Báltico. Assim, ele atribuiu ao Grupo de Exércitos Centro uma responsabilidade que se achava em conflito com o ataque a Moscou, missão esta que o OKW e o OKH tinham considerado como sua principal tarefa. Por estranho que pareça, nem o OKW nem o OKH registraram qualquer protesto, embora muitos generais mais tarde passassem a encarar essa divergência de missões como a principal razão de a campanha de 1941 só ter atingido um dos seus três objetivos - Kiev.

 

A Diretiva foi então elaborada em planos ainda mais detalhados para sua concretização, ficando prontos em fins de janeiro de 1941 e apresentados ao Führer a 3 de fevereiro. As avaliações revistas do Serviço de Inteligência tinham posto fim à ilusão de que a Alemanha desfrutaria de superioridade numérica durante toda a campanha. Esperava-se agora que os soviéticos deslocariam 155 divisões (100 de infantaria, 25 de cavalaria e 30 mecanizadas, avaliação um tanto precipitada e que indicava falta de precisão no Serviço de Inteligência alemão) contra 134 alemãs (20 Panzer, 13 motorizadas e 101 de infantaria). Contudo, esperava-se que o treinamento, o equipamento e a liderança soviéticos ficassem muito aquém aos dos alemães que, no devido tempo, também poderiam contar com a ajuda de um número não-especificado de divisões romenas.

 

Em relação aos planos, se os russos conseguissem romper contato no leste e, assim, evitar o aniquilamento total, comentou Hitler, os flancos alemães deveriam ser bem reforçados e o Exército Vermelho, retido no centro, de modo que pudesse ser destruído posteriormente por meio de ataques concêntricos do norte e do sul. Uma vez mais, o Estado-Maior-Geral manteve-se em prudente silêncio enquanto Hitler não só exibia sua dissidência do ponto de vista que aquele adotava sobre a importância da investida a Moscou, como também formulou, à sua maneira um tanto displicente, a possibilidade do fracasso de toda a estratégia da Blitzkrieg; de que os russos pudessem livrar-se da destruição a oeste da linha Dvina-Dnieper por uma retirada, a fim de fugir a uma guerra a longo prazo, cujo propósito de todo o plano era evitar. Somente no verão seguinte é que eles discutiram abertamente com Hitler sobre essa questão, e os argumentos então apresentados são debatidos com todos os detalhes no Capítulo 3. Por enquanto basta observar que a diferença de pontos de vista entre Hitler e o OKH já existia desde fins de 1940, tornando-se mais evidente em fins de 1941, depois  que foi provado não ser possível alcançar todos os objetivos estratégicos desejados e, portanto, urgia fazer a escolha entre eles.

 

Fora planejado manter todas as forças de invasão nos seus devidos setores até 15 de maio de 1941, e ao OKH parecia ser quase impossível ocultar suas intenções depois de meados de abril, dando assim, ao Exército Vermelho cerca de um mês de aviso tático de que a guerra era iminente. Contudo, era realmente profundo o desprezo que dedicava as suas qualidades militares, originadas em grande parte do infeliz desempenho dos seus soldados na “Guerra do Inverno” de 1939-40 contra a Finlândia, e o OKH não esperava que esse período de aviso ou a conhecida superioridade numérica soviética em tanques e aviões lhes fosse de alguma utilidade. Os alemães também sabiam que o Exército Vermelho tomara providência um tanto retrógrada de dispersar suas divisões blindadas e redistribuir os tanques em formações menores entre as divisões de infantaria - embora na verdade essa medida estivesse sendo parcialmente invertida e novos corpos mecanizados estivessem sendo criados.

 

Acontece que os acontecimentos decorreram de maneira diferente ocasionando aos russos um período de advertência ainda mais prolongado, mas eles não souberam aproveitar-se dessa vantagem e ignoraram os prognósticos de uma agressão alemã iminente, até o último momento. No fim de março de 1941, o governo da Iugoslávia, que era pró-Eixo, assinou um acordo com a Alemanha nazista. Este foi rejeitado pelo povo num levante espontâneo e violento, que resultou no repúdio ao tratado recém-assinado. Hitler considerou essa atitude um insulto à Alemanha e num rompante furioso ordenou a invasão imediata da Iugoslávia e da Grécia (onde a invasão italiana fora repelida). Mas as forças para essa invasão só poderiam ser encontradas nas que tinham sido destinadas para a “Operação Barbarossa”, e esta, por conseguinte, teve de ser adiada. A Iugoslávia foi, portanto, invadida, a 6 de abril, e no dia 7 o OKH retificou o estabelecido para a “Barbarossa”, convencionando que a invasão da União Soviética teria início no período de quatro a seis semanas após a conclusão das operações do sudoeste europeu. Quando essa emenda foi divulgada, a maioria das tropas destinadas à “Operação Barbarossa” (quase três escalões dos quatro estipulados) já tinham penetrado a Polônia e a Prússia Oriental, e as notícias da sua presença haviam chegado a Londres através dos agentes do Exército Metropolitano Polonês (era assim chamado o movimento guerrilheiro que se conservou fiel ao governo polonês no exílio). Winston Churchill notificou Stalin quanto à concentração de efetivos alemães ao longo das fronteiras soviéticas em abril, mas sendo um adversário implacável do comunismo desde 1917 e o instigador da intervenção de tropas britânicas na Guerra Civil russa de 1918-1922, e tendo até favorecido a participação britânica e francesa do lado da Finlândia em sua guerra com a Rússia em 1939-40, Stalin, que era um manipulador manhoso e inescrupuloso, achou por bem ignorar a informação vinda de tal fonte, achando-a capciosa. Ele acreditava que a única preocupação de Churchill consistia em aliviar a pressão existente sobre a Grã-Bretanha e por isso tentava envolver a União Soviética na guerra contra os alemães. Dada a sua natureza, e o passado anticomunista de Churchill, esse comportamento talvez fosse compreensível, ainda que indesculpável. Difícil de compreender é a sua recusa em acreditar em relatórios idênticos enviados pelo seu próprio Serviço de Inteligência, que, provavelmente, ele considerava mais fidedigno do que o britânico. Os historiadores soviéticos nunca explicaram satisfatoriamente o seu malogro em agir com bases nesses informes e qualquer tentativa de elucidá-lo situa-se apenas no terreno especulativo. Contudo, é provável de que estando plenamente cônscio das precárias condições bélicas de seus exércitos, flagrantemente despreparados para travar uma guerra no futuro imediato, e que ele próprio era o principal responsável por esse estado de coisas, Stalin sentiu-se influenciado em sua atitude para com os informes que sugeriam a iminência de um período de provações.

 

Por volta de 1937, Stalin conseguira eliminar todos os seus mais prováveis rivais na luta para assumir a total liderança política do país. O espirito do partido comunista fora quebrado por anos de expurgo e se tornara um instrumento acovardado e submisso a sua vontade. Contudo, restava ainda uma fonte alternativa de poder, que eram as forças armadas, e em 1937-38, Stalin submeteu o corpo de oficiais a uma série de expurgos a fim de reduzi-lo ao mesmo estado de subserviência a que submetera o partido. Antes do início dos expurgos havia 300 ou mais oficiais no posto de comandantes-de-divisão; 183 deles foram afastados, sendo presos e muitos fuzilados; os que restaram seguiram para campos de concentração e ali foram submetidos a trabalhos forçados e a torturas cruciantes que até causaram morte prematura. Nestes 183 incluíram-se três dos cinco marechais da União Soviética e 13 dos 15 Comandantes-de-Exército (generais de quatro estrelas). Não se pôde estabelecer o número de oficiais que não alcançaram a patente de general também desaparecidos nos expurgos, mas por certo atingiram à casa de vários milhares. Entre os que foram fuzilados encontravam-se o Chefe do Estado-Maior, Marechal Tukhachevsky, um soldado de grande capacidade e pioneiro na aplicação das teorias alemãs da guerra blindada no Exército Vermelho, e também o Marechal Blyukher, que anulara a incursão japonesa no território extremo-oriental da União Soviética no lago Hasan, em 1939, e vários dos mais talentosos planejadores e progressistas do Exército Vermelho. Seus lugares foram preenchidos sobretudo por homens que se notabilizaram mais por sua dedicação à pessoa de Stalin do que pelas qualidades militares que por acaso talvez possuíssem - Voroshilov, Kulik, Mekhlis e outros - e as conseqüências dessa lamentável liderança não demoraram a surgir no catastrófico desempenho do Exército Vermelho contra os finlandeses, de flagrante inferioridade numérica, no inverno de 1939. Somente com a substituição de Varoshilov como Comissário popular da Defesa pelo Marechal Semyon Timoshenko (um dos poucos soldados de Alta patente merecedor de sua confiança) é que Stalin pôde sair vitorioso na guerra com a Finlândia - mas antes disso, porém, um mundo espectador declarara que o Exército Vermelho era um “tigre de papel”, incapaz de enfrentar um antagonista de grande categoria.

 

Entretanto, havia uma notável exceção em meio a esse consenso pessimista - o Japão, e como os soldados e o líder militar que lhes deram motivo para uma opinião diferente desempenhariam papéis relevantes na Batalha de Moscou, vale a pena examinar a razão por que a opinião do Japão diferia tanto da que tinha o mundo em geral. Em 1938, no lago Hasan, na fronteira da Manchúria com a província Marítima Extremo-Oriental soviética, as forças japonesas entraram em território soviético, mas, no entanto, foram desalojadas após alguns dias de violenta luta pelas tropas siberianas do Exército Extremo-Oriental da Bandeira Vermelha - o exército que, em 1941, seria quase todo transferido para o oeste já que era o último quadro de formação disponível para defender Moscou. O Japão não fez outras incursões na Província Marítima, mas no ano seguinte uma força de uns 75.000 homens ocupou um saliente do território mongol ao longo do rio Khalkhin Gol. A República Popular da Mongólia Exterior apelou para o acordo de defesa realizado com a União Soviética, e tropas soviéticas já sediadas na Mongólia, nos termos do acordo, foram despachadas para a área. Reforços também foram enviados da Rússia e um talentoso general, que viera da cavalaria, foi destacado para comandar a força. Entre 20 e 31 de agosto de 1939, ele desbaratou por completo os japoneses, matando, ferindo ou capturando 41.000 deles, ao custo de umas 10.000 baixas do seu lado. O nome do general era Gregory Konstantinovich Zhukov; a campanha de Khalkhin Gol foi seu primeiro grande triunfo em combate. Seu segundo triunfo, dois anos e meio depois, seria a batalha de Moscou. Nesta, suas tropas siberianas desempenhariam um papel notável e sua presença seria possível porque o Japão decidira, em 1941, atacar para o sul contra as dependências coloniais das potências européias em guerra, e não para o norte, contra a União Soviética ora em apuros. Um fator importante na decisão japonesa seriam  os maus tratos sofridos pelo seu exército em 1938 e 1939, especialmente a debandada geral em Khalkhin Gol. Assim, derrotando os japoneses na Mongólia em 1939, Zhukov afetou todo o curso da Segunda Guerra Mundial e, em particular, favoreceu sua vitória na Batalha de Moscou.

 

Todavia, a campanha de Khalkhim Gol não atraiu muita atenção na Europa, na época (a Segunda Guerra Mundial estourou no dia seguinte ao término daquela campanha), e qualquer que tivesse sido o efeito causado na opinião militar seria em breve completamente obliterado pelo quase fiasco obtido na invasão soviética da Finlândia. Timoshenko foi chamado para corrigir as falhas do exército tão flagrantemente expostas naquela desastrosa campanha, e ele entregou-se à tarefa com denodo e inteligência. Oficiais de grande capacidade que haviam sido aprisionados nos expurgos foram reabilitados e promovidos e entre eles estava o General Rokossovsky, que mais tarde seria marechal e era um dos mais bem sucedidos comandantes-de-campanha soviéticos. O próprio Zhukov, velho amigo e companheiro de Timoshenko desde o tempo que pertenciam à cavalaria, recebeu o comando do importante Distrito Militar Especial de Kiev, na fronteira com a Polônia, ocupada pelos alemães, e em janeiro foi promovido a primeiro-ajudante de Timoshenko, na modernização das forças armadas, como Chefe do Estado-Maior-Geral. A tática adotada de debandar as divisões blindadas, que as campanhas alemãs na Polônia e na França mostraram ser completamente inoperantes, foi cancelada e deu-se início à organização de corpos mecanizados, combinando tanques e infantaria, de acordo com o sistema alemão. Mas a tarefa era de tão grande envergadura - e um dos seus aspectos mais difíceis consistia na restauração do moral do acovardado corpo de oficiais sem o qual é difícil inculcar espírito de iniciativa - que dificilmente estaria desempenhada integralmente antes de 1942. Stalin sabia disso e é muito provável que, quando no início de 1941 começaram a surgir evidências de que o Exército Vermelho teria de lutar antes que para isso estivesse em condições, tenha ignorado conscientemente essa espécie de advertência. O estado precário do exército era sobretudo conseqüência de seu deficiente desempenho; o número de seus efetivos poderia ser rapidamente aumentado por meio de mobilizações parciais e não divulgadas, e estas foram com efeito realizadas no começo de 1941. Porém, ainda levaria algum tempo para melhorar a qualidade e erguer o moral. Na vida de Stalin nada sugere que ele pudesse ter escrúpulos de consciência, mas no período de abril a junho de 1941, até mesmo ele deve ter tido problemas íntimos, e o torpor a que se entregou por várias semanas após o começo da invasão alemã sugere que realmente isso tenha acontecido.

 

Stalin convenceu-se de que poderia evitar o inevitável. Decidiu apaziguar Hitler ao máximo, e não lhe dar qualquer “desculpa” para atacá-lo - que Hitler não precisava de desculpa e até forjaria uma para consumo do povo alemão, era um fato consumado que Stalin não queria enfrentar, apesar da experiência sofrida pela Polônia, Dinamarca, Noruega, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. Os embarques de matérias-primas, incluindo petróleo e minérios que, em poucas semanas, seriam usados para movimentar os tanques alemães e fornecer o metal para sua munição, continuaram sendo feitos. Tampouco se fez qualquer provocação contra as forças militares alemãs que se concentravam nas fronteiras. Um avião de reconhecimento alemão fez uma aterrissagem forçada no coração do território soviético e a tripulação não conseguiu destruir as fotos que havia tirado. Quando estas foram reveladas, Timoshenko pediu permissão para fuzilar os intrusos. Stalin recusou, alegando que isso seria ato de provocação. Assim, diariamente, os aviões de espionagem da Luftwaffe sobrevoavam sem nenhum impedimento a União Soviética, facilitando dessa maneira a cobertura do Serviço de Inteligência alemão. Nenhum general nazista teria motivo para começar uma guerra com a União Soviética, se dependesse da iniciativa de Stalin.

 

Apesar de seu despreparo forçado, as forças soviéticas eram consistentes e possuíam potencialidades formidáveis. A população da União Soviética, composta de cerca de 170 milhões de habitantes, era o dobro da existente na Alemanha, e embora as fontes soviéticas jamais revelassem o número preciso de divisões em armas por volta do verão de 1941, acredita-se que elas superavam as 230. Contudo, muitas destas, em particular as do interior do país, estavam apenas parcialmente incorporadas e não atingiriam seus efetivos totais (14.300 homens) até que se decretasse a mobilização geral. As tropas que teriam de resistir ao ataque inicial alemão eram as 132 divisões dos Distritos do Báltico, Ocidental, Kiev e Odessa, e não as 155 segundo os cálculos dos alemães. Mas essa era uma força que, se adequadamente treinada, equipada e dirigida, poderia resistir às 134 divisões que seriam lançadas contra ele. Entretanto, contra isto havia a falta de treinamento e abatimento moral, especialmente dos oficiais; a inexperiência em relação à Blitzkrieg, que as forças alemãs não conheciam e, pelo contrário, tinham-na de sobra, e o fato de que, quando se desse a invasão, ela surpreenderia o Exército Vermelho em plena reorganização, com muitas das suas divisões abaixo dos efetivos, e com as recém-organizadas divisões de tanques do corpo mecanizado em menos de metade do convencionado na guerra. Acontece que os alemães puderam melhorar sua avaliação das forças disponíveis e lançaram em campanha 141 divisões (89 de infantaria, 51 Panzer ou motorizada e 1 de cavalaria), juntamente com 14 divisões romenas, um corpo de exército húngaro com pouco mais de duas divisões e, no norte, o exército finlandês e o exército alemão da Noruega contribuíram com cerca de mais de 20 divisões entre si. A força total do Eixo eqüivalia a 181 divisões e 18 brigadas, das quais cerca de 160 divisões atacaram na frente principal entre o Báltico e o mar Negro. Portanto no começo das hostilidades, o Exército Vermelho estava em inferioridade numérica no que se referia a formações prontas para combate, em potencial humano. Contudo, em blindados ela os possuía em grande quantidade, 34 divisões blindadas contra as 20 dos alemães, mas cuja equipagem era composta de tanques em sua maioria inferiores aos PzKw 3 e 4 alemães, embora dois de seus modelos, os formidáveis o KV pesado e o T-34 médio, começavam a impor-se na linha soviética. Uma vez disponíveis em quantidade e tendo já suas tripulações se familiarizado com o seu manejo, eles seriam uma surpresa extremamente desagradável para a Wehrmacht. O T-34, em particular, era uma máquina muito avançada para a sua época, e mesmo em fins dos anos 60, os tanques médios não só do exército soviético mas também de todos os países que os fabricam, compõem-se de todas as suas características. Mas em junho de 1941 ele ainda não era nem abundante nem familiar e, portanto, não poderia ter muito impacto sobre o choque iminente de armas. As divisões blindadas soviéticas estavam, em sua maioria, equipadas com tanques inferiores, como os BT-7 e o T-26, e da força total (que se acreditava ser de uns 20.000, embora os soviéticos jamais revelassem um número exato, provavelmente devido à humilhação sofrida ao terem sido superados por uma força alemã de apenas 3.700 tanques), somente uns 8.000 poderiam ser considerados em estado operacional quando a Alemanha atacou, e menos de 1.500 deles compunham-se de tipos novos.

 

No que se refere às forças aéreas, as circunstâncias eram bastante semelhantes. O apoio proporcionado pela Luftwaffe foi organizado em três Luftflotten (Esquadras Aéreas), N° 1, 2 e 4, operando com os Grupos de Exércitos Norte, Centro e Sul, respectivamente, e totalizando cerca de 5.000 aparelhos. As Forças Aéreas vermelhas contavam cerca de 12.000 aviões de todos os tipos, em sua maioria disponíveis para uso na frente de batalha germano-soviética. Mas, em geral, seus elementos característicos eram inferiores aos dos alemães, acrescentando-se a isso a falta de experiência dos pilotos. E para dramatizar ainda mais a situação, não se dispersaram os aviões quando foi dado o aviso de ataque iminente (o que poderia ter sido feito com facilidade, já que a URSS ocidental é praticamente um grande aeródromo gramado) permanecendo eles, pelo contrário, estacionados em grande número nos aeródromos já visados para alvo dos aviões de reconhecimento e, assim, foram destruídos às centenas nas primeiras horas das hostilidades. Há razões para acreditar que mais de 1.200 deles foram destruídos somente no dia 22 de junho, a maioria na própria base.

 

A maneira como as forças de terra dos distritos militares ocidentais se movimentaram durante os primeiros meses de 1941 dificilmente poderia ser mais adequada para o estilo de guerra alemão se se tivesse permitido ao OKH tomar iniciativa. Sob o regime de Voroshilov, as afirmações bombásticas de invencibilidade haviam superado em muito o planejamento inteligente baseado na doutrina militar. As tropas foram treinadas no sentido de que, no caso de invasão, expulsariam imediatamente o inimigo para fora do sagrado solo soviético e o esmagaria em seu próprio território. Isto, aliado ao conceito de guerra, originado da experiência da Primeira Guerra Mundial, que a imaginava como sendo linear e sobretudo estática, fizeram que as forças fossem distribuídas igualmente ao longo da fronteira e deslocadas nas suas proximidades. Em qualquer guerra, a defesa é confrontada com o problema de evitar uma penetração, em qualquer ponto, ao passo que o ataque pode concentrar-se, em superioridade numérica, em pontos escolhidos para uma penetração, mesmo que o total de seus efetivos seja inferior, mas o deslocamento que o Exército Vermelho escolheu para a batalha das fronteiras deixava pouco em reserva para liquidar as penetrações e tornou toda a força de cobertura sujeita a cerco e destruição parcelada. Para piorar ainda mais as coisas, muitas das forças não estavam realmente em posição favorável e sim espalhadas pelo terreno no decorrer das manobras de verão. O fato de que se deveria manter um elemento bem para trás das fronteiras não era má idéia, em vista da maneira como a Wehrmacht planejava encetar a campanha, mas as formações por trás da principal linha de defesa, na verdade eram destituídas de qualquer tipo de força coerente e operavam dentro das regras de um plano integrado. Assim, quando as hostilidades começaram, sua força maior foi lançada imediatamente para a direção do som dos canhões, e ali foi cercada com seus companheiros.

 

Somente na tarde de sábado, 21 de junho, é que Stalin finalmente chegou à conclusão de que era impossível continuar ignorando as evidências das intenções alemãs com relação a seu país. Houve uma reunião do Politburo com o objetivo de decidir o que se deveria fazer, e as provas mais recentes e concretas, incluindo declarações feitas por desertores alemães, de que o ataque estava programado para a noite seguinte, foram apresentadas. Mas Stalin ainda assim se recusava a crer que Hitler estava prestes a tratá-lo e à aliança germano-soviética com o mesmo cinismo com que ele próprio tratara tantas obrigações no passado. Havia apenas seis dias ele autorizara uma declaração oficial da TASS, a agência noticiosa soviética, que denunciava as insinuações de uma guerra germano-soviética iminente. Na reunião do Politburo ele repisou a possibilidade de que um general alemão, ou um grupo de generais, estivesse tramando a fim de obrigar um Führer relutante a forçar a União Soviética a atacar por meio de uma “provocação”. Mas efetivamente concordou-se em alertar as forças, ordenar que ocupassem posições de defesa, dispersar os aviões, instituir medidas de precaução e proteção aos civis e o blecaute nas cidades. Mas tudo isso deveria ser executado envolto no mais absoluto segredo, para não dar desculpas para uma “provocação”, e mesmo que as tropas repelissem com êxito as investidas, em circunstância alguma deveriam perseguir seus adversários em território controlado pelos alemães. Tão secretas eram as instruções nesse sentido que ninguém deveria tomar conhecimento delas até que chegasse o momento adequado da sua revelação; todo esse cuidado induziu Timoshenko e Zhukov a escrever eles próprios os telegramas, só os transmitindo depois de todos relidos. A conseqüência de tudo isso é que somente a marinha (cujo Comandante-Chefe, Almirante Kuznetsov, tomou providências urgentes através dos seus canais de comunicação assim que soube do perigo) foi avisada a tempo de agir - e mesmo assim houve dificuldades quando bombardeiros alemães apareceram  sobre as bases navais, porque os comandantes das defesas aéreas, sem instruções específicas, em alguns casos recusaram-se a abrir fogo antiaéreo ou a mandar que os caças levantassem vôo para defender a esquadra que estava sendo atacada ante seus olhos. A transmissão da ordem de alerta ao exército e força aérea só começou bem depois da meia-noite, tarde demais para ser posta em vigor nas áreas avançadas e, em muitos casos, tarde demais para ser transmitida às formações inferiores antes que o bombardeio da artilharia e os ataques aéreos alemães os avisassem que a guerra começara.

 

Assim, às 03:30 h de domingo, 22 de junho de 1941 – exatamente na data em que se celebrava o 129o aniversário da invasão da Rússia por Napoleão – um exército que já estava provado, experimentado e em condições de iniciar uma guerra atacou outro completamente despreparado. Em poucas semanas, toda a estrutura militar soviética estava em sua maioria, mortas ou em campos de prisioneiros de guerra, e centenas de milhares de reservistas mobilizados às pressas: os alemães haviam capturado as terceira e quarta maiores cidades soviéticas, Kiev e Kharkov, e chegavam às portas das duas únicas maiores, Moscou e Leningrado.  Parecia que o furacão que envolvera a França no ano anterior estava prestes a fazer o mesmo com a Rússia, mas o fato de ter vacilado, recuado e fracassado em sua tarefa de destruição deveu-se a vários fatores, e um dos mais importantes foi o gênio militar e também os nervos de aço de que era possuidor o arquiteto da vitória em Moscou, Stalingrado, Kursk e Berlim - o General Zhukov, de 45 anos de idade, que naquela noite sentado à mesa do gabinete do Comissário Popular da Defesa, dedicou-se a preencher apressadamente formulários de telegramas. De todas as batalhas que confirmaram o seu lugar na história como o senhor supremo da guerra do século XX, nenhuma foi mais decisiva para o futuro do seu país do que a Batalha de Moscou. E também nenhuma, em qualquer época, foi travada contando com recursos tão escassos.

           

Da fronteira até Smolensk

 

A Wehrmacht lançou-se contra a Rússia sob a barragem de uma série de mentiras, tal como acontecera contra a Polônia havia quase dois anos. Tanto nas Ordens do Dia transmitidas às tropas como nas declarações feitas ao povo alemão, o governo nazista justificou a invasão à Rússia como a preempção de um ataque iminente daquele país contra a Alemanha. Mas não há necessidade de desperdiçar simpatias com o regime de Stalin, plenamente comparável ao de Hitler em seu cinismo e que, na verdade, usara o mesmo artifício, a alegação de agressão iminente, para justificar o ataque à Finlândia. Quando Molotov, ao receber a declaração de guerra alemã, perguntou ao embaixador alemão: “O senhor acha que merecemos isto?” falou ele não com a voz da retidão ultrajada, mas com a do conspirador traído. Até hoje, os relatos soviéticos dão a agressão da Alemanha como uma “quebra de palavra”, mas ignoram o fato de que ela descreve acuradamente a situação não apenas como transgressão às regras internacionais e sim como a quebra de uma aliança real e formal - uma aliança com o nazismo da qual os russos, em sua maioria, sentem-se um tanto envergonhados.

 

Contudo, como às vezes se diz que a iniciativa nazista impediu um provável ataque soviético, e como alguns (notadamente o General Schmidt, Chefe do Estado-Maior do 6o Exército Alemão, mais tarde capturado em Stalingrado) chegam a afirmar ser este o caso, talvez valha a pena examinarmos qual era realmente a situação na manhã de 22 de junho. Em primeiro lugar, é verdade que as forças soviéticas estavam deslocadas em grande número ao longo e atrás das fronteiras, e que algumas - embora em pequena quantidade - permaneciam em estado de alerta. Esses fatores poderiam ser interpretados como demonstração de que o Exército Vermelho se predispunha com antecedência para uma invasão da Polônia ocupada pelos alemães. Contudo, é igualmente verdade que o deslocamento avançado pode ser encarado como resultante da doutrina militar conservadora Stalin-Voroshilov, que subestimava os efeitos das forças blindadas, esperava repelir a agressão por meio de defesa linear e postulava que as batalhas ofensivas bem sucedidas seriam seguidas de poderosa contra-ofensiva linear, na qual o inimigo seria “derrotado em seu próprio território”. Quanto ao fato de que algumas forças estavam prontas para combate, há muitas provas de fontes soviéticas de que, na maioria dos casos, o “alerta de combate” foi introduzido por comandantes locais, normalmente à revelia dos seus superiores, que ele era motivado por uma profunda inquietação sobre o que podiam ouvir (em alguns casos, podiam ver) acontecendo do outro lado da fronteira, e que o máximo que podiam fazer era afastar os soldados dos seus quartéis para que não fossem bombardeados nos próprios alojamentos. Essa prova é confirmada por várias declarações de generais alemães sobre os acontecimentos dos primeiros dias, e mais ainda pelas discussões ocorridas muito antes do início da “Barbarossa”. O mais respeitado dos velhos generais, o Feldmarechal Gerd von Rundstedt, que comandou o Grupo de Exércitos Sul, era vigorosamente contra a invasão. Hitler tentou convencê-lo de que a Rússia estava planejando invadir no verão de 1941, mas Rundstedt não se deixou persuadir, e após terminada a guerra disse ao cruzar a fronteira que não viu quaisquer indícios de preparativos bélicos na área avançada. De qualquer modo, o que caos sobreveio em todos os níveis do Exército Vermelho quando se deu a invasão dificilmente poderia ter ocorrido num exército prestes a montar suas próprias operações. Para cada formação que foi alertada, havia dezenas inteiramente desprevenidas; corpos mecanizados sem tanques, infantaria motorizada sem caminhões; artilharia sem munição e oficiais sem ordens. Se o Exército Vermelho estivesse realmente prestes a iniciar uma invasão, seus comandantes seriam considerados os mais ineptos agressores de toda a história da guerra. É incontestável que Stalin esperava ter de combater a Alemanha mais cedo ou mais tarde, e as fontes soviéticas não dizem se ele próprio teria iniciado a ofensiva ou esperado que a Alemanha o fizesse. Como também é evidente que ele sabia não estar o seu exército pronto para a luta, e nem estaria antes de meados de 1942. Para ele, e também para Timoshenko e Zhukov, a guerra veio com uma antecedência de aproximadamente 12 meses.

 

Nos primeiros dias, era patente que a intenção do OKH - aniquilar o Exército vermelho a oeste da linha Dvina-Dnieper - poderia muito bem vir a realizar-se. O deslocamento avançado das forças soviéticas servia admiravelmente ao desejo alemão de um grande cerco e a persistência em resistir (motivada tanto pelo medo das conseqüências de uma retirada não autorizada, ainda que prudente, quanto pelo desejo de lutar até o fim) facilitou ainda mais a tarefa alemã. Stalin mandou prender e fuzilar o Comandante-Chefe do Eixo Ocidental, general Pavlov, e seu Chefe de Estado-Maior, o que pode ter abalado o espírito de alguns outros generais e por certo em nada contribuiu para estimulá-los a tomar qualquer iniciativa. A força estacionada nas fronteiras transformou-se numa série de pequenas formações desordenadas, algumas das quais, se tiveram a sorte de ser dirigidas por oficiais voluntariosos, conseguiram escapar para o leste através das malhas largas da rede das forças Panzer que as cercavam. Para outras, menos afortunadas, nada mais restou senão a longa marcha para os campos alemães de prisioneiros, dos quais muito poucos sairiam com vida no final da guerra. Por toda a parte imperava grande confusão que tocava às raias do pânico. O General Popel, que dirigiu os remanescentes do 15o Corpo mecanizado para o leste, através da retaguarda da operação alemã, refere-se a oficiais que roubavam ou compravam roupas civis nas aldeias por onde passavam e assim tentavam chegar aos seus lares, desejando livrar-se, de uma vez por todas, daquela guerra; também fala da descoberta, muitos quilômetros atrás das linhas alemãs, de um solitário soldado raso do Exército Vermelho que guardava um campo repleto de tanques soviéticos em perfeito estado, mas todos sem uma única gota de combustível.

 

Para os alemães, as três primeiras semanas da guerra foram uma repetição das campanhas realizadas na Polônia e na França. As baixas registradas era praticamente insignificantes, levando-se em conta que o número de mortos foi de 8.866, para os dez primeiros dias de campanha, numa média diária de 6 homens por divisão, e menos de 20 feridos. Essa taxa de atrito poderia ser mantida quase que indefinidamente, dentro dos limites de uma campanha Blitzkrieg sem dúvida programada para durar apenas quatro meses.

 

Por mais que os prognósticos sobre a campanha alemã pudessem variar, e as discussões entre Hitler e seus generais a este respeito encontram-se no próximo capítulo, nunca houve qualquer dúvida, do lado soviético, de que Moscou seria defendida a qualquer preço. O progresso dos Grupos de Exércitos Norte e Sul era motivo de inquietação muito grande, mas a penetração do Grupo de exércitos Centro em ambos os lados da rodovia principal Brest-Moscou (umas das poucas estradas pavimentadas existentes na União Soviética naqueles tempos), provocava uma situação de alarma, devido à ameaça que ela representava para a integridade da capital. Num avanço médio de quase 30 km diários, as tropas do Feldmarechal von Bock, tendo como pontas-de-lança os Grupos Panzer 2 e 3, haviam penetrado quase até Smolensk por volta de 10 de julho. Se chegassem àquela cidade, elas estariam a 680 km do seu ponto de partida em Brest Litovsk, a apenas 420 km de Moscou, e avançando com essa rapidez, estariam lá dentro de duas semanas. Era imperioso que elas fossem detidas, ou no mínimo, consideravelmente reduzidas em sua velocidade.

 

As forças de cobertura no setor central da frente, os 3o , 4o e 10o Exércitos, haviam sido desbaratadas nos bolsões de Bialystok e Minsk, mas a mobilização se fazia agora a todo vapor e as reservas do STAVKA estavam sendo levadas para o eixo de Smolensk com a máxima rapidez permitida pelo assoberbado sistema ferroviário. Por volta de 19 de julho, as forças da Frente Ocidental, que defendiam uma linha ao longo das margens ocidentais dos rios Dvina e Dnieper, desde Idritsa no norte até Rechitsa no sul, envolviam cinco exércitos - 13o, 19o, 20o, 21o e 22o  - com um sexto (o16°) exército na reserva, e os remanescentes do 4o Exército retirando-se para os setores defendidos pelos 13o e 21o Exércitos. Contudo, a rapidez do avanço do 4o Exército Panzer até os rios Dvina e Dnieper tomou o Exército Vermelho de surpresa, estando o deslocamento da defesa ainda incompleto e com grandes formações dos 19o, 20o e 21o Exércitos ainda longe dos setores a elas designados. No setor de 800 km da Frente Ocidental, somente 24 divisões mantinham-se nos seus lugares, com 145 tanques em condições de combate. As forças Panzer do Grupo de Exércitos Centro haviam sido esgotadas, mais pelas distâncias que tinham percorrido em estradas ruins do que pela ação do Exército Vermelho, mas tinham entre cinco e sete vezes esse número em bom estado no começo da batalha. O apoio aéreo alemão, a Luftflotte 2, contava com cerca de 1.000 aviões em condições de combate, enquanto que a defesa soviética tinha menos de 400 ainda em bom estado, em aeródromos repletos de escombros do dobro daquele número, que foram destruídos por não terem sido dispersados antes de 22 de junho. Também em canhões e morteiros os alemães tinham vantagem: 6.600 contra 3.800. Segundo um princípio da doutrina militar soviética de antes da guerra, uma linha podia ser defendida diante de uma superioridade de três para um, mas os alemães haviam refutado isto tantas vezes desde setembro de 1939, que poucos oficiais soviéticos, se é que havia algum, poderia acreditar nele em meados de julho. Não obstante, uma grande batalha ao longo da linha Dvina-Dnieper deveria ser travada, para que Moscou não corresse perigo.

 

Um fator que funcionou em favor do Exército Vermelho foi a tendência de subestimar as reservas soviéticas disponíveis e a rapidez com que elas podiam ser mobilizadas. O OKH acreditava que na Frente Ocidental só restavam 11 divisões aptas para combate e esperava que, uma vez fossem elas destruídas, a estrada para Moscou estaria desimpedida. Por conseguinte, ele nem se deslocou nem se abasteceu para um combate prolongado, enquanto que, além disso, começou a pensar em outras contingências. A 13 de julho, dia em que as tropas de Guderian chegaram a 17,6 km de Smolensk, ele registrou que os seguintes outros projetos estavam sendo estudados no OKH. 1. Uma operação que tiraria seu Grupo Panzer do Eixo Central para ajudar o Grupo de Exércitos Sul. 2.Um estudo de estado-maior das forças que ficariam no leste para controlar a União Soviética depois que esta fosse derrotada. 3. Um estudo das disposições do Exército Alemão na Europa, assim que a “Barbarossa” terminasse e seu tamanho tivesse sido reduzido. 4. A estratégia da campanha africana, coordenada com um ataque ao Canal de Suez através da Turquia e da Síria. 5. Estudos preliminares para um ataque ao Golfo Pérsico através do Cáucaso.

 

Como Guderian comentou amargamente após a guerra “Esses encadeamentos de pensamentos afastam muito um homem da realidade”. Eles só eram possíveis numa organização que acreditava que a presente campanha já se achava praticamente terminada, o que não era verdade. E isso as divisões de Guderian já estava, descobrindo, diante das pesadas baixas comunicadas pelas 10a e 18a Divisões Panzer e pela 29a Divisão Motorizada, provocadas pela formidável resistência russa e pela ajuda de grande quantidade de reforços vindos do leste.

 

A Batalha de Smolensk iniciou-se formalmente a 19 de julho, quando os Grupos Panzer 2 e 3 foram lançados de Vitebsk na direção de Dukhovshchina e Orsha e dali para Yelnya, numa tentativa  de retalhar e cercar os 16o , 19o , e 20o Exércitos soviéticos no centro da frente de Timoshenko. Simultaneamente, as forças do flanco esquerdo do Grupo Panzer avançaram das suas cabeças-de-ponte sob o Dvina ocidental na direção de Velikiye Luki, e a ala direita de Guderian avançou sobre Roslavl.

 

As forças atacantes logo encontraram vigorosa resistência com grandes concentrações de artilharia. Também ali, no setor do 20o Exército, elas encontraram pela primeira vez uma nova arma soviética que logo se tornaria famosa – o morteiro-foguete Katyusha. O marechal Yeremenko descreveu a situação: “o efeito de dezenas de explosões simultâneas superou todas as nossas expectativas. As tropas inimigas fugiram em pânico. Mas nossos soldados que estavam na linha de frente próximo das explosões, ignorando o que estava acontecendo, também voltaram correndo porque, a fim de preservar a segurança, nenhum deles fora avisado da nossa intenção de usar as novas armas”. De qualquer modo, ainda não havia Katyushas disponíveis em número suficiente para produzir resultados decisivos, mas como acontecia com o tanque T-34 e com o avião de combate IL-2 Shturmovik, só o fato de existir já representava perigo iminente. Não era de menosprezar a engenhosidade russa.

 

Não obstante, os alemães persistiram em seus ataques e logo conseguiram romper a defesa soviética em vários setores. Na extremidade norte do eixo de Smolensk, o 22o Exército em breve se viu em dificuldades, porque teve seu flanco esquerdo exposto pelas retiradas do seu vizinho setentrional (o 27o Exército da Frente Noroeste) a 11 de julho, enquanto que a penetração feita por Hoth na direção de Vitebsk obrigava o 20o Exército, seu vizinho meridional, a afastar-se para o sudeste, deixando assim exposto o seu flanco direito, isolando-o nas fortificações de Polotsk e numa cabeça-de-ponte a oeste do Dvina. Às seis divisões do 22o Exército cabia defender uma linha de frente de 280 km, que, nos dias 12 e 13 de julho, foi atacada por elementos de umas 16 divisões dos Grupos de Exércitos Norte e Centro. Por volta do dia 16, sua frente fora rompida, Velikiye Luki e Vitebsk estavam em perigo, e com elas todo o flanco e retaguarda das posições soviéticas. O General Konev já contra-atacara e detivera uma penetração alemã com duas divisões do seu 19o Exército e elementos do adjacente 20o Exército  no dia 10 de julho, mas a situação ao longo da margem sul do eixo de Smolensk estava-se deteriorando depressa demais para que essas medidas paliativas a afetassem. O Grupo Panzer 2 de Guderian capturou cabeças-de-ponte sobre o Dnieper ao sul de Orsha e norte de Novy Bykhov no dia 11, e na manhã seguinte avançaram dali para Smolensk e Krichev, flanqueando o 13o Exército Soviético pelo norte e pelo sul. Quatro das suas divisões de infantaria e os remanescentes de um corpo mecanizado (o 20o) logo foram isolados do resto do exército e permaneceram numa posição fortificada e isolada em Mogilev, onde ocuparam dois Corpos Panzer de Guderian durante duas semanas até que, por fim, foram dominados, enfraquecendo assim a sua ofensiva na direção de Roslavl. Contudo, o restante do 13o Exército teve de afastar-se para leste e sudeste e, com ele, foram-se as esperanças de conter os alemães a oeste do Dnieper, a menos que se pudesse obrigá-los a recuar por meio de uma ameaça à sua retaguarda.

 

Timoshenko já vira a possibilidade de executar tal ameaça e a 13 de outubro mandou que o 13o Exército do General Gerasimenko passasse para  a margem oeste do Dnieper e atacasse para o norte, na direção de Bobruysk, sobre as linhas de comunicação de Guderian. Esse novo ataque causou considerável preocupação aos generais do Grupo de Exércitos Centro, especialmente a Guderian, cujas forças procuravam estender-se cada vez mais para o leste. Sua 29a Divisão Motorizada invadiu Smolensk a 16 de julho, mas seu flanco direito, ocupado pelo 24o Corpo Panzer, estava sofrendo violentos ataques desfechados pelo 13o Exército. Contudo, ele decidiu não só manter seus objetivos, como também convocou o 46o Corpo Panzer, para ajudar Hoth e o Grupo Panzer 3 na destruição das divisões do 22o Exército Soviético sitiadas a nordeste de Smolensk. Acontece que sua confiança foi justificada, na medida em que o ataque do 13o Exército fracassou no seu intento, mas o avanço para leste, até Roslavl, Yelnya e Dorogobuzh, inevitavelmente diminuíra de intensidade.

 

Por sua vez, o STAVKA estava alarmado por ter perdido Smolensk e com a ruptura da linha do Dnieper, de modo que Timoshenko recebeu instruções para restaurar a situação. Outras tropas de reserva foram-lhe despachadas e toda uma segunda linha, os “Exércitos da Frente de Reserva”, foi criada atrás da Frente Ocidental, ao longo da linha que se estendia de Staraya Russa até Bryansk, passando por Ostashkov e Yelnya. De início estava à sua frente o Tenente-General I. A. Bogdanov (indicado para comandá-la a 14 de julho, mas substituído por Zhukov no dia 30), e compreendia nada menos que seis novos exércitos - 24o, 28o, 29o,30o e 32o - dois dos quais (o 31o e o 32o) eram mantidos como reserva atrás dos outros. Embora deficiente em número de aviões (apenas 153 aparelhos em condição de combate) ela representava, não obstante, uma ótima contribuição  de reforço a um tanto abalada Frente Ocidental. Contudo, nova queda de posição no eixo de Somlensk obrigou-a a empenhar-se, em parte, num ataque bastante violento, iniciado a 25 de julho, cujo objetivo era aliviar as forças principais da Frente ocidental investindo contra Bely, Yartsevo e Roslavl, nos flancos do Grupo Panzer 2, na direção de Smolensk, recapturar a cidade e unir-se à Frente Ocidental o oeste da mesma. Cinco grupos do tamanho de exércitos foram formados, reagrupando-se cinco dos exércitos da Frente de Reserva, que compreendiam quatro divisões de tanques e 16 de infantaria. Os remanescentes da Frente de Reserva foram transferidos para um novo grupo de exércitos (a Frente da Linha de Defesa de Mozhaysk), cujas demais forças compreendiam dois novos exércitos, os 33o e 34o. A nova Frente ocuparia as posições conhecidas como a Linha de Defesa de Mozhaysk, forjaria obstáculos antitanques à frente e atrás das posições e prepararia uma linha de defesa adicional de retaguarda que ia desde Nudol até Vysokinichi. Que o alarma sobre o perigo que ameaçava Moscou tornava-se sério é atestado por essas providências; Mozhaysk fica a menos de 96 km a oeste de Moscou e o General Artemyev, nomeado para dirigir o novo grupo de exércitos, era o Comandante do Distrito Militar de Moscou.

 

Do lado alemão, a batalha de Smolensk prosseguia satisfatoriamente em fins de julho, embora fosse mais difícil do que se esperava romper as linhas soviéticas, e estava claro que a expectativa de um caminho livre entre Smolensk e Moscou fora por demais otimista. Contudo, em alguma parte da imensa frente as coisas não eram de todo animadoras. O Grupo de Exércitos Norte fora detido temporariamente no rio Luga, enquanto que o Grupo de Exércitos Sul, embora próximo de Kiev, também parecia, no momento, ter esmorecido. Nessa época, Hitler optava por uma diversão do esforço do eixo de Moscou, à obtenção de decisões nos flancos, mas antes que tal coisa ocorresse, Bock (cujo interesse pessoal em manter a pressão ao longo da frente do Grupo de Exércitos Centro fora baseado na sensação de que seria afastado por Hitler do comando de suas tropas se estas não mostrassem desempenho satisfatório), intensificou ainda mais a pressão sobre o isolado 22o Exército Soviético e expulsou-o das fortificações de Polotsk, obrigando-o a retirar-se para o nordeste. Indo em sua perseguição, velozes forças Panzer capturaram pelo caminho a cidade e o entroncamento de Velikiye Luki, a 20 de julho, assim ameaçando-lhe a retirada, mas um contra-ataque soviético montado às pressas no dia seguinte as repeliu. Aproveitando-se da trégua, o 22o Exército conseguiu fazer uma retirada organizada para outra margem do rio Lovat. Por volta de 27 de julho ele já se entrincheirara na margem leste, onde pôde manter sua posição até fins de agosto, a despeito das tentativas alemãs de flanqueá-lo pelo sul, e assim fazendo, protegeu a Frente Noroeste, que lhe era adjacente, contra uma penetração de flanco tentada durante algumas semanas de importância decisiva para a defesa da área de Leningrado.

 

Para os estados-maiores alemão e soviético, o eixo de Smolensk - o caminho direto para Moscou - continuava sendo muito importante, e Bock resolveu então eliminar os 16o e 20o Exércitos Soviéticos, que protegiam as vias de acesso para Vyazma, a próxima cidade grande depois de Smolensk provida dos meios rodoviário e ferroviário que levavam direto à capital. Mas o que ele não esperava, é que os soviéticos haviam decidido por um plano de ação que se adaptaria perfeitamente ao seu proposto ataque. Neste aspecto, Bock jogou com a sorte: a mesma coisa lhe aconteceria no ano seguinte quando, como Comandante-Chefe do Grupo de Exércitos Sul, verificou que as tropas de Timoshenko avançavam para o cerco. O STAVKA decidira, como questão de conveniência operacional, que se deveria formar um novo Q-G de Grupo de Exércitos para cuidar da luta ao longo dos trechos inferiores do rio Berezina, deixando a Frente Ocidental encarregada da luta na área de Smolensk e ao longo do rio Sozh. Portanto ,a 24 de julho, criou-se uma nova “Frente Central” sob o comando do Coronel-General F. I. Kuznetsov, e os 13o e 21o Exércitos da Frente Ocidental passaram para sua responsabilidade. Assim, a Frente Ocidental podia concentrar-se no que o STAVKA ainda encarava como sua tarefa primordial, a recaptura de Smolensk, a ela se dedicando tão logo deixasse de ser o responsável pelo setor de Berezina. Desse modo, partindo de Roslavl, a 23 de julho, e das áreas de Bely e Yartsevo, a 24-25 de julho, Timoshenko lançou os 16o e 20o Exércitos para oeste, no momento em que Bock lançava seus Panzers para leste, a sua retaguarda. Pelo dia 27, o 16o Exército tomara a estação ferroviária de Smolensk e lutava nos subúrbios norte da cidade, enquanto que o 20o Exército estava nas proximidades dos seus limites orientais, mas já então os dois exércitos estavam cercados. Timoshenko ordenou-lhes que invertessem as frentes e abrissem caminho lutando para o leste, mas as tropas, em sua maioria, não conseguiram, e bastante desfalcados de seus efetivos os dois exércitos retornaram às linhas soviéticas durante os dias 4 e 5 de agosto, embora com a capacidade de luta grandemente reduzida. Já então dera-se um importante acontecimento que teria aliviado a tensão dos comandantes soviéticos, se o tivessem sabido. A 30 de julho, Hitler emitira a Diretiva 34, em que ordenava ao Grupo de Exércitos Centro que abandonasse a marcha para Moscou e passasse à defensiva. E com isso deu-se um fim à primeira fase da batalha de Smolensk. As perdas soviéticas tinham sido consideráveis (mais de 300.000 homens foram capturados e 3.200 tanques destruídos), mas as dúvidas do Führer sobre a relativa importância que representavam os três principais alvos estratégicos haviam-se renovado, por causa das dificuldades de avançar no centro. Diante disso, o Grupo Panzer 3 deveria ajudar na tomada de decisão na área de Leningrado e o Grupo Panzer 2 iria em auxílio do Grupo de Exércitos Sul.

 

O STAVKA não estava a par dessas manobras, e certo de que Moscou tinha de ser o principal objetivo alemão, supunha que um fracassado ataque frontal daria lugar a uma manobra de flanco contra a capital pelo norte e pelo sul. Portanto, decidiu-se colocar três exércitos da Frente Ocidental num ataque contra o 9o Exército Alemão, que formava a ala norte do Grupo de Exércitos Centro e por isso acreditava-se que ele tivesse em seu poder a área de lançamento para a guerra norte de qualquer movimento de pinças desse tipo. Para destruir de maneira semelhante a garra sul, os “Exércitos da Frente de Reserva” foram rebatizados como “Frente de Reserva” e colocados sob o comando de Zhukov, a 30 de julho, com ordens  de eliminar os alemães no saliente de Yelnya, que penetrava nos flancos da Frente Ocidental. Para evitar a possibilidade de que a garra sul de qualquer tentativa de movimento de pinças sobre Moscou se aproximasse mais para o sul, através de Bryansk e pelas rodovia e ferrovia principais que vêm de Kiev, criou-se, a 14 de agosto, outro grupo de exércitos, a Frente de Bryansk, sob o comando do Tenente-General  A. I. Yeremenko, composto dos 13o e 15o Exércitos.

 

Embora os termos da Diretiva 34 pusessem fim ao ataque direto a Moscou temporariamente, isto não significou enfraquecimento da luta no eixo central do lado alemão. A ajuda entregue ao Grupo de Exércitos Sul envolvia inter alia a derrota da Frente Central, que cobria o flanco norte das forças soviéticas na Ucrânia, e a ala direita avançada da Frente Central (a frente do 22o Exército ao longo do rio Lovat) seria rechaçada de sua posição de flanco ao norte do Grupo de Exércitos Centro.

 

As ofensivas alemã e soviética tiveram início quase que simultaneamente nos primeiros dias de agosto, com os 16o, 24o, e 30o Exércitos da Frente Ocidental dirigindo o ataque contra o 9o Exército Alemão com muito pouco êxito durante todo o mês. O 9o Exército recuou para a margem oeste do rio Vop, onde foi encontrar forte resistência. Os historiadores oficiais soviéticos justificam o desempenho dessas operações e afirmam que elas retiveram o 9o Exército e impediram suas atividades noutro setor, mas o OKH na verdade não estava planejando pô-lo em ação onde quer que fosse e nem tinha grande urgência dele; suas deficiências eram causadas pelo fato de que somente 20% das suas forças eram de alta mobilidade e o 9o Exército pertencia aos 80%, a infantaria comum, com grande parte do seu transporte sendo tirada por cavalos, que naquele verão eram bem escassos. Tem-se de reconhecer que a ofensiva soviética deixou muito a desejar, conclusão esta reforçada pelas atribuições reconsideradas e dadas às Frentes Ocidental, de Reserva e de Bryansk a 25 de agosto.

 

No dia 22 os alemães atacaram violentamente na junção entre os 22o e 29o Exércitos, com o objetivo de cercar as forças soviéticas na área de Velikiye Luki e ao longo do rio Lovat. No dia seguinte a maior parte do 22o Exército já fora cercada, mas conseguiu escapar para leste, embora sofrendo pesadas baixas e considerável perda da maior parte do seu equipamento pesado. O 29o Exército juntou-se aos seus vizinhos e finalmente os alemães foram detidos ao longo da parte superior do rio Dvina ocidental.

 

As novas atribuições que o STAVKA emitiu a 25 de agosto para as Frentes Ocidental, de Bryansk e de Reserva ainda visavam à recaptura de Smolensk, mas ao levar a Frente de Reserva para as operações naquela cidade, ele reconheceu implicitamente as deficiências dos primeiros ataques executados pelos três exércitos da Frente Ocidental. Esta deveria continuar atacando a noroeste de Smolensk e dando sua cooperação à Frente de Reserva na conquista da linha Velizh-Demidov-Smolensk até 8 de setembro. A Frente de Reserva deveria lançar no ataque os dois exércitos da sua ala esquerda para expulsar os alemães do saliente de Yelnya, enquanto que as tropas restantes continuariam trabalhando na fortificação da linha de defesa Ostashkov-Kirov. A Frente de Bryansk deveria atacar a 2 de setembro e avançar ao sul de Krichev, ameaçando assim os alemães em Smolensk com um movimento de flanco vindo do sul.

 

De todas as operações, a única que resultou num autêntico sucesso foi o ataque de Zhukov ao saliente de Yelnya, pois embora as perdas soviéticas fossem consideráveis e só por pouco as forças alemães escapassem ao cerco, alcançou-se o objetivo principal - a eliminação do saliente - e também se infligiram perdas de vulto aos alemães. Guderian tinha tanta necessidade de forças de reserva, que em dado momento foi obrigado a lançar em combate a guarda do seu Q-G, e a 13 de agosto ele propôs que o saliente, “que agora não despertava maior interesse por se ter suspenso temporariamente o avanço sobre Moscou) e era uma frente contínua de baixas, fosse de vez abandonado”. A proposta foi rejeitada por Bock e pelo OKH, mas a 5 de setembro ela foi reconsiderada e coube ao 4o Exército receber as ordens de abandonar o saliente. Isto feito, a linha alemã, agora encurtada, ficou mais fácil de se defender dos persistentes ataques de Zhukov durante mais alguns dias, mas a 12 de setembro Stalin encarregou-o da defesa de Leningrado, onde parecia iminente um colapso total. A Frente Ocidental recebera ordens de passar para a defensiva a 10 de setembro, o mesmo acontecendo com a Frente de Reserva no dia 16. Também no sul a catástrofe estava a ponto de explodir e foi necessário economizar os efetivos no centro.

 

Assim terminou a Batalha de Smolensk. As perdas soviéticas tinham sido realmente graves, mas os resultados não foram de todo insatisfatórios. Não se podia afirmar que os alemães haviam sido detidos; o índice do seu avanço diário, no entanto, fora reduzido de 30 a 32 km nas três primeiras semanas para 6 ou 8 km, ou menos, em agosto. Em certos lugares, como Velikiye Luki e Yelnya, eles tinham sido obrigados a recuar. À medida que o índice de avanço diminuía, as baixas aumentavam; esse aumento não chegava a ser espetacular, alcançando apenas 9 mortos e 32 feridos diários, por divisão. Em suma, para uma redução de 75% no índice de avanço o Exército Alemão tinha contra si um aumento de 50% em baixas. E seu objetivo principal - a destruição do Exército Vermelho a oeste da Linha Dnieper-Dvina - mostrara-se inatingível.

 

Canaã no Dnieper

 

Já dissemos que muitos generais dos mais graduados do Exército Alemão - incluindo o Comandante-Chefe, Feldmarechal von Brauchitsch, o Chefe do Estado-Maior-Geral do Exército, Coronel-general Halder, e o próprio Rundstedt - haviam-se oposto à invasão da Rússia e que Hitler, portanto, planejava conseguir uma decisão rápida, por meio da destruição do grosso do Exército Vermelho antes que este pudesse recuar para a outra margem do Dnieper.

 

Essa decisão acarretou grandes problemas. Ela exigia o cerco rápido de muitos contingentes, havendo o perigo de deixar grandes brechas no anel e pelas quais o Exército Vermelho poderia escapar. Para se conseguir cercos de tamanho conveniente, sem deixar muitas brechas, era necessário a colaboração das forças Panzer de dois grupos de exércitos. Do contrário, a Alemanha teria de satisfazer-se com cercos de menor significação, mas isto, no entanto, implicava em deixar grandes partes do Exército Vermelho fora do cerco. Todavia, somente o Grupo de Exércitos Centro podia contar com dois Grupos Panzer e, portanto era indispensável, para um grande cerco, a sua participação, exceto onde o inimigo pudesse ser retido contra a costa nas extremidades da Frente. Por outro lado, os cercos no centro poderiam ser executados pelo Grupo de Exércitos Centro sem necessitar da ajuda de qualquer outro grupo. Assim, o Grupo de Exércitos Centro era a chave para qualquer plano para alcançar objetivos estratégicos.

 

Havia três “prêmios” particularmente tentadores, um para cada grupo de exércitos. O Grupo de Exércitos Norte teria Leningrado, a antiga S. Petersburgo, berço da revolução de Outubro que levara os comunistas ao poder em 1917, ex-capital do Império Russo, segunda cidade da União Soviética, importante centro industrial e a base principal da Esquadra do Báltico. Para o Grupo de Exércitos Centro havia Moscou, a capital e também importante centro industrial, o maior ponto focal das ligações rodoviárias e ferroviárias européias da Rússia e uma Cidade Santa não só do comunismo como também da “Mãe Rússia”. Para o Grupo de Exércitos Sul, o objetivo principal era Kiev, terceira grande cidade da União Soviética, grande centro industrial, mas também a chave par a região industrial ainda maior de Kharkov, importante fonte das indústrias pesadas, de carvão e petróleo soviéticas. Devido à escassez dos sistemas rodoviários e ferroviário, o petróleo e a gasolina do Cáucaso em sua maior parte também tinha de passar pela extremidade oriental dessa região a caminho das partes restantes da União Soviética. Assim, essas três cidades representavam valiosos objetivos políticos e econômicos, cuja importância para a União Soviética era tão relevante que nenhuma delas poderia permanecer indefesa. Um ataque ali atrairia as principais forças do Exército Vermelho para um combate, e Stalin e o STAVKA estavam ajudando a colocar a corda no pescoço do Exército Vermelho pela sua insistência em defender as linhas e em continuar em inúteis ataques frontais. Opondo-se teimosamente à retirada estratégica, estavam fazendo o mesmo jogo de Hitler ao reter o Exército Vermelho numa posição avançada.

 

Hitler já estava começando a dar maior atenção à Ucrânia do que a Moscou e Leningrado, quando disse, a 8 de julho, que de qualquer modo ele pretendia arrasá-las - algo que julgava ser possível fazer apenas com a força aérea - e que, por enquanto, o Grupo Panzer 2 deveria continuar em direção a leste, de modo que o caminho para Moscou fosse coberto se mais tarde se tornasse necessário fazer com que parte do Grupo de Exércitos Centro se desviasse para o sul.

 

No mesmo dia, Halder apresentou-lhe um relatório sobremodo otimista do Serviço de Inteligência, no qual se afirmava que 89 das 164 divisões conhecidas da União Soviética já tinham sido destruídas e que das restantes, 18 permaneciam em frentes secundárias, 11 tinham destino ignorado e sabia-se que apenas 46 ainda se encontrava, aptos para combate. Brauchitsch fez então uma proposta simples para que se explorasse o sucesso em Berdichev desviando-se os Panzer de Kleist para o sul, na retaguarda dos 6o e 12o Exércitos Soviéticos, a fim de chegar a uma “pequena conclusão”.

 

Por outro lado, Hitler favorecia a tomada de Kiev e um avanço em direção à margem oeste do Dnieper, no intuito de conseguir uma “grande conclusão”. Brauchitsch fez objeções devido às dificuldades de abastecimento e Hitler acabou concordando que em primeiro lugar se precisaria de uma certeza quanto ao número de efetivos da oposição em Kiev. E nesse ínterim a questão foi depositada nas mãos capazes de Rundstedt. Este despachou Kleist para Kazatin, que foi tomada a 15 de julho. A única ferrovia lateral da Frente Sudoeste foi cortada por essa manobra e Budenny começou a recuar em direção à curva do Dnieper.

 

Mas o 5o Exército Soviético, causador de tantos problemas, permanecia em Korosten e sua presença continuava a empanar o brilho do quadro evocado por Kiev e pelo carvão, pela indústria e pela agricultura ucranianos. Urgia uma providência a respeito e a questão foi apresentada a Hitler, a 17 de julho.

 

O resultado veio com a Diretiva 33 do OKH, de 19 de julho. Esta ordenava que, após completadas as operações em Smolensk, o Grupo Panzer 2 e a infantaria do 2o Exército Alemão deveriam desviar-se para sudeste e ali destruir o 21o Exército Soviético (que estava defronte à ala direita do Grupo de Exércitos Centro) e então, em cooperação com o Grupo de Exércitos Sul, eles deveriam dizimar o 5o Exército Soviético. Ao mesmo tempo, um ataque concêntrico pelo Grupo de Exércitos Sul cruzaria a retaguarda dos 6o e 12o Exércitos Soviéticos, destruindo-os por completo. As forças Panzer restantes do Grupo de Exércitos Centro, o Grupo 3, deveriam mover-se em direção ao norte a fim de ajudar o Grupo de Exércitos Norte, deixando o prosseguimento do avanço sobre Moscou a cargo apenas dos exércitos de infantaria do Grupo de Exércitos Centro.

 

Essa decisão eqüivalia ao abandono de operações decisivas contra as principais forças soviéticas no centro. O colapso que atingira seus vizinhos nas Frentes noroeste e sudoeste forçaria os soviéticos a continuar recuando, mas eles não mais seriam vítimas de grandes cercos pelas tropas alemãs no centro.

 

Dois dias depois, ao fazer sua primeira visita aos exércitos no Leste, Hitler apareceu no Q-G do Grupo de Exércitos Norte, onde teve oportunidade de expor o que tinha em mente. Era essencial tomar Leningrado logo para dar um fim à interferência da Esquadra Soviética do Báltico nos embarques de minério de ferro proveniente da Suécia com destino à Alemanha. O Grupo Panzer 3, portanto, daria sua colaboração ao Grupo de Exércitos Norte ajudando-o a isolar a ferrovia Leningrado-Moscou afim de atrapalhar a transferência de tropas soviéticas da e para a área; devendo essa tarefa ser executada tão logo o Grupo Panzer 3 estivesse a disposição - isto é, dentro de uns cinco dias. Quanto a Moscou, não era motivo de preocupação porque “para mim Moscou não passa de um acidente geográfico”. Devido à situação geral e à “instabilidade do caráter eslavo”, a queda de Leningrado ocasionaria um colapso total da resistência soviética.

 

A 23 de julho houve outra conferência entre Hitler, Brauchitsch e Halder, tendo este último informado que as forças do Exército Vermelho que no momento enfrentavam a Alemanha totalizavam 93 divisões, sendo 13 blindadas. Nenhum dos participantes, contudo, parece ter comentado o fato de que nos quinze dias passados desde o relatório anterior - quinze dias de operações árduas e bem sucedidas pela Wehrmacht - os efetivos das forças soviéticas aparentemente haviam duplicado. Mas é evidente, como registra o diário do próprio Halder, a feroz resistência russa estava dando motivo de preocupações. A despeito de Hitler ter falado, dois dias antes, da possibilidade de um iminente colapso russo, um tom dissonante de incerteza começou a se fazer ouvir na conversação. Halder notificou que a capacidade de combate das divisões de infantaria alemãs era apenas 80% do que tinha sido a 22 de junho, e que as Panzers estavam reduzidas a 50%; que o Grupo de Exércitos Sul estaria sobre o Dnieper em meados de agosto; que era bem provável uma vigorosa resistência na marcha para Moscou - e que as operações do Grupo de Exércitos Norte apresentavam-se como fracassadas.

 

Hitler insistiu então em enfatizar sua crença na destruição do inimigo onde quer que fosse encontrado, mas expressou a opinião de que as formações Panzer só deveriam entrar em luta num estágio posterior, quando não mais houvesse qualquer perigo para as comunicações de retaguarda. A inquietação de Brauchitsch sobre os cercos mais prementes começara a contagiar o Führer; depois de um mês de luta, já se podia constatar que a campanha russa talvez fosse um tanto diferente das “manobras com munição real” de 1939 e 1940.

 

Naquele dia Hitler emitira um suplemento à Diretiva 33, estabelecendo futuras tarefas. Para o Grupo de Exércitos Sul, ele deu ordens para encetar a travessia do Don na direção do Cáucaso após a tomada da região industrial de Kharkov – tarefa que àquele grupo de exércitos cabia realizar. Brauchitsch protestou, afirmando que os termos do suplemento não podiam ser levados em conta, considerando-se a situação atual na frente e pediu que fossem cancelados até que as operações que se realizavam no momento estivessem concluídas; diante da recusa do OKW, ele encaminhou a questão a Hitler.

 

Embora este não aceitasse a idéia de esperar até que se vencesse a próxima batalha antes de pensar na penúltima, ele aproveitou a oportunidade para dar sua opinião sobre a maneira como se deveria travar batalhas móveis, agora que se conseguiu alguma experiência no combate do Exército Vermelho: enquanto o inimigo resiste tenazmente, vai sendo conduzido de maneira decisiva e tem forças disponíveis para contra-ataques, não se deve executar operações de grande vulto. As forças Panzer deveriam limitar-se a pequenos cercos, dando assim à infantaria a oportunidade de consolidar rapidamente o sucesso e liberar as forças Panzer para novas missões.

 

Em suma, postos que os objetivos fossem grandiosos, os meios de alcançá-los deveriam ser comedidos. Mas embora ele sem dúvida fosse bastante sensato em levar em consideração, em um mês, de 50% dos efetivos com que haviam iniciado a campanha, é verdade que Hitler parecia estar precisando reduzir os objetivos a fim de evitar a acusação de caráter instável feita por ele há pouco em referência aos eslavos.

 

Brauchitsch e Halder retiraram-se aborrecidos e redigiram uma minuta em que apresentavam seus pontos de vista. Atacar Moscou usando infantaria apenas seria difícil, mas não impossível, desde que não se esperassem resultados a curto prazo, mas para uma campanha decisiva contra a capital fazia-se necessária a ajuda dos Grupos Panzer 2 e 3, nenhum deles estaria disponível antes do começo de setembro. Assim, o plano de Hitler daria ao inimigo um mês de adiamento que seria bem aproveitado para reunir forças, construir e ocupar outras linhas de defesa. Ademais, o elevado número de tropas soviéticas posicionadas na frente de Moscou constituía séria ameaça para os flancos dos demais grupos de exércitos e obrigaria uma dispersão de forças para proteger-se contra elas enquanto existissem . Quanto à idéia de arrasar Moscou por meio de ataques aéreos, não se podia esperar, de imediato, que a Luftwaffe conquistasse bases bastante próximas do objetivo, o suficiente para atacar dentro da escala necessária.

 

O OKH tornou a pedir um reexame das tarefas atribuídas ao Grupo de Exércitos Centro, ao mesmo tempo que admitia que talvez houvesse fatores econômicos decisivos que os generais ignoravam (Hitler costumava afirmar que seus generais nada entendiam de economia e desafiava essa ignorância citando fatores econômicos a fim de justificar decisões militares das quais eles discordavam). Evidentemente, o OKH cumpria as ordens que lhe fossem dadas, mas tinha grandes receios sobre as possíveis conseqüências dessa atitude. Estava claro que o objetivo inimigo resistiria até o inverno, e se os soviéticos tivessem êxito nisso, então, na primavera seguinte, a Alemanha teria de enfrentar contingentes novos e poderia ser envolvida numa guerra de duas frentes, que ela contava evitar. O OKH argumentou que por certo a melhor saída consistia em atacar Moscou. Os soviéticos teriam de resistir e lutar, e suas tropas não poderiam escapar novamente. E a Alemanha vencendo a batalha, tomaria posse da sede do governo, do importante centro industrial e do coração do sistema ferroviário. A Rússia seria dividida em duas partes. Um objetivo assim tão importante deveria ter prioridade sobre operações menores destinadas a cercear parte do Exército Vermelho.

 

A minuta era firme e coerente, embora respeitosa, e esclarecia muito bem o assunto. O General Jodl chegou mesmo a reforçar seus argumentos quando observou que, como os soviéticos inevitavelmente resistiriam e defenderiam Moscou, um ataque a esta cidade apenas expressaria as próprias palavras do Führer, de que a “força viva” do inimigo tem de ser atacada onde quer que ela se encontre.

 

Mas a minuta nunca foi enviada. Enquanto o Alto-Comando alemão discutia se era possível ou não matar o urso soviético nos próximos dois meses, ou se teria de satisfazer-se apenas em incapacitá-lo, o Marechal Timoshenko desfechou vários exércitos recém-formados numa contra-ofensiva no centro, tentando salvar o grande bolsão de tropas cercadas em Smolensk. Todos os projetos sobre a tomada de Moscou, Kiev e Leningrado tiveram de ser adiados temporariamente e a improvisação rápida tomou lugar na ordem do dia.

 

Os ataques dos russos fracassaram em seu objetivo imediato - arrancar a iniciativa das mãos do Grupo de Exércitos Centro e salvar os sitiados 16o e 20o Exércitos Soviéticos. Os russos estavam mal preparados, e ainda havia um excesso de pequenos ataques frontais, com novas tropas empenhadas pouco a pouco em combate - talvez porque Timoshenko não estava cônscio da extensão que os alemães tinham percorrido e, assim, foi levado a superestimar a ameaça de perigo imediato para Moscou. Mas o mero apronto para o ataque, e o aparecimento de grande número de novas formações, intensificaram ainda mais a divergência de opinião existente no Alto-Comando alemão e levaram também a outras diversões de empreendimentos.

 

O primeiro fruto da apressada contra-ofensiva soviética foi a realização de uma reunião dos comandantes-de-exército do Grupo de Exércitos Centro, a 27 de julho, em Novy Borisov. Guderian em sua chegada ficou aguardando ordens para avançar em direção a Moscou - ou pelo menos a Bryansk - , mas em vez disso encontrou um memorando de Brauchitsch que eliminava explicitamente ambas as possibilidades e declarava que era de prioridade a destruição das forças soviéticas “na área de Gomel”- isto é, o 5o Exército Soviético.

 

Guderian ficou aturdido. Que ele, o homem cujos estudos e trabalho tinham dado à Alemanha as tropas com as quais ele próprio então conquistara a maior parte da Europa, receber ordens de voltar sobre seus próprios passos e “avançasse” para trás, na direção da Alemanha, para acabar com forças que deveriam ter sido dizimadas pela infantaria, ultrapassavam o que ele poderia esperar. Naturalmente, Brauchitsch estava apenas adotando a prudência de Hitler, em relação aos cercos mencionados na discussão da Diretiva 33. Mas Guderian ignorava tudo isso, exceto o que ouvira através de comentários feitos pelos oficiais no Q-G do Grupo de Exércitos. Entre esses oficiais, havia um que ele sabia ser o menos entusiasta de suas arremetidas blindadas, o Feldmarechal von Kluge, Comandante-Chefe do 4o Exército, a quem Guderian estava inquieta e relutantemente subordinado. Portanto, é pouco provável que Guderian compreendesse a importância do debate, ou até mesmo os fatores nele envolvidos, e deixou a conferência, num estado de espírito bastante abatido, sentindo-se ferido em seu orgulho, mas foi para ele uma espécie de compensação saber que o Grupo Panzer 2 fora rebatizado como “Grupo de Exércitos Guderian” e subordinado, não a Kluge, mas ao Comandante-Chefe do Grupo de Exércitos Centro.

 

Essa nova liberação das restrições impostas por Kluge – um homem um tanto astucioso, conhecido no exército como “Kluge Hans” (“Manhoso Hans”) e que não conseguira conquistar a lealdade de seus colegas - deu a Guderian o motivo para destorcer e desvirtuar conscientemente as instruções que recebera em Novy Borisov. Ele estava convencido de que a principal ameaça que pesava sobre o Grupo de Exércitos Centro não vinha do 5o Exército Soviético, situado bem na sua retaguarda, mas das tropas concentradas no seu flanco direito, ao norte de Roslavl, e era esta sua convicção, “independente de quaisquer decisões que Hitler pudesse tomar agora”.

 

Essa ameaça que ele pressentia tomava a forma de um contingente classificado pelo STAVKA como o “Grupo de Forças do 28o Exército”, sob o comando do Tenente-General Kachalov, que fora convocado para ajudar a salvar o bolsão de Smolensk. Guderian propôs a Bock a captura de Roslavl, alegando que essa conquista lhes daria o domínio absoluto das rotas para o leste, sul e sudoeste, tornando assim acessíveis inúmeras possibilidades para o prosseguimento na ofensiva, e ele recebeu forças adicionais (as quatro divisões do 7o Corpo de Exércitos). O 20o Corpo de Exércitos (duas divisões) foi destacado para colaborar com as divisões Panzer retiradas do bolsão de Yelnya a fim de serem postas em ação contra Roslavl. Guderian também pôde contar com uma divisão de cavalaria.

 

Os preparativos necessários tomaram alguns dias e durante esse período Guderian recebeu vários visitantes, como também, a 29 de julho, o principal auxiliar de Hitler, Coronel Schmundt, que chegou aparentemente para lhe entregar as Folhas de Carvalho para sua Cruz de Ferro, o que não passou de pretexto para discutir seus planos com Guderian. Ele mencionou que Hitler ainda não se decidira entre Leningrado, Moscou e a Ucrânia. Em sã consciência não se pode provar se Schmundt estava agindo prudentemente ou se não passava de um tolo, já que Hitler, na verdade, há algum tempo vinha-se mostrando nada interessado em Moscou e até emitira no dia seguinte sua Diretiva 34, que ordenava ao Grupo de Exércitos Centro que suspendesse o avanço sobre a capital soviética e se concentrasse na defensiva.

 

Guderian aproveitou a oportunidade para insistir num avanço direto sobre Moscou e também para requisitar mais tanques e motores de tanques. No dia 31, o oficial-de-ligação do OKH, Major von Bredow, apresentou-se para informar que o “OKH e o Chefe do Estado-Maior-Geral estão empenhados numa tarefa ingrata porquanto a conduta de todas as operações está sendo controlada pela cúpula. Ainda não se tomaram decisões finais sobre o futuro curso dos acontecimentos”. Em suma, esta era uma queixa provocada pela interferência de Hitler e um convite tácito do OKH a Guderian para que este influenciasse as decisões ainda não tomadas, agindo por conta própria.

 

O ataque a Roslavl iniciou-se a 1o de agosto e pelo dia 3 a cidade já estava em poder dos alemães, com um saldo de 38.000 prisioneiros e 200 canhões; por volta do dia 8, toda a resistência cessara. Fora uma vitória rápida e brilhante, mas toda essa facilidade, e o pequeno número de canhões apreendidos, deveriam ter alertado Guderian de que havia algo errado. Essa não era uma força conjunta representando uma grande ameaça. Tratava-se, ao contrário, de um grupo de homens reunidos às pressas, nada além de três divisões mais alguns elementos de apoio - realmente pequena, segundo os padrões da Frente Oriental - mas nem Guderian nem qualquer outro general alemão até hoje fez quaisquer comentários sobre este aspecto da diversão de Roslavl.

 

Já se haviam passado 11 dias desde que se tomara a decisão de eliminar o 5o Exército Soviético e não se concretizara coisa alguma a respeito. Nem mesmo a vitória alcançada em Smolensk, a 5 de agosto, - com a eliminação dos 16o Exército e do 23o Corpo Mecanizado soviéticos, juntamente com partes dos 19o e 20o Exércitos, 300 mil prisioneiros, 3.200 tanques e 3.100 canhões apreendidos - poderia compensar esse fracasso.

 

O episódio de Roslavl também em nada contribuiu para facilitar a tarefa atribuída ao Grupo de Exércitos Sul. Tudo o que ele pôde fazer foi manter aberta a opção de Moscou, conservando o Grupo de Panzer 2 numa posição avançada. Restava agora examinar seus efeitos sobre a batalha pela “margem direita da Ucrânia”.

 

Hitler ordenara o fechamento do bolsão de Uman a 24 de julho. Embora Kleist quisesse algo mais substancial - a saber, cercar Kiev pelo sul com um corpo e mandar seus dois outros corpos através da retaguarda das Frentes Sudoeste e Sul soviéticas -obedeceu ele à diretiva e aparentemente sem quaisquer objeções. A 30 de julho, o Grupo Panzer 1 atacou profundamente as colunas de soldados do Exército Vermelho que recuavam do bolsão, efetuou uma conversão para sudoeste, e a 3 de agosto uniu-se aos elementos avançados do 17o Exército, do Coronel-General von Stüpnagel, próximo de Pervomaisk, bloqueando dois exércitos soviéticos (6o e 12o) e partes de outro (18o) - um total de 15 divisões de infantaria e cinco blindadas. Embora alguns contingentes soviéticos conseguissem abrir caminho, lutando, do cerco, a resistência no bolsão ainda assim terminou a 8 de agosto. Fizeram-se aproximadamente 100.000 prisioneiros, juntamente com os comandantes dos dois exércitos sitiados (Generais Muzychenko e Ponedelin), e se apreenderam 317 tanques e 1.000 canhões.

 

Na extremidade sul da frente, onde os 3o e 4o Exércitos Romenos empregariam todo o seu poderio, os acontecimentos desenrolaram-se com muita lentidão, mas a retirada das forças soviéticas para dentro do bolsão de Uman deixou a Frente Sul muito abalada; por volta de 5 de agosto, Odessa estava sendo sitiada e só ficando acessível pelo mar. A situação no Sul era desvantajosa para o Exército Vermelho, mas reservas soviéticas começaram a chegar à área. O STAVKA, no entanto, já estava aprendendo a lição extraída dos erros anteriores. As novas divisões (10 para a Frente Sudoeste, 12 para a Frente Sul e duas na Frente de Reserva) foram destacadas, em sua maioria, para organizar uma linha de defesa ao longo da margem leste do Dnieper e ajudar na remoção do equipamento industrial e instalá-lo no leste ou, pelo menos, impedir que ficasse à disposição dos alemães.

 

Quanto ao Exército Vermelho propriamente dito, não deveria haver mais rendições em massa de tropas cercadas e tomaram-se providências para assegurar a doutrinação dos soldados nesse sentido.

 

Entrementes, Hitler estava tendo problemas com seus generais, sobretudo em relação com os do Grupo de Exércitos Centro, sobre quem Moscou continuava exercendo uma atração fatal. A 4 de agosto, ele chegou a Novy Borisov para realizar uma “conferência” bastante incomum: em lugar de permitir que a solidariedade profissional o influenciasse, ele entrevistou os comandantes-de-exército separadamente, começando com o representante de Halder, o Coronel Heusinger, e prosseguindo com Bock, Guderian e Hoth.

 

Embora todos concordassem em recomendar o avanço sobre Moscou, Bock afirmou estar apto para começá-lo imediatamente, ao passo que seus dois comandantes de Panzer admitiam que isto no momento era impraticável. Guderian só estaria pronto a 15 de agosto e Hoth precisava de mais cinco dias desse prazo, ambos salientando a necessidade de conseguir novos motores para os tanques. Relutantemente, Hitler prometeu 300 deles para toda a frente oriental; segundo Guderian esta quantidade era absurdamente inadequada, mas Hitler nada quis ouvir e até recusou o fornecimento de novos tanques, alegando que precisava deles para equipar algumas divisões Panzer, que estavam sendo preparadas na Alemanha. Guderian tornou a enfatizar a necessidade de compensar as perdas em tanques, pois o Exército Vermelho, a despeito das suas baixas, ainda os tinha em grande superioridade numérica. Então Hitler fez uma declaração - extraordinária no contexto da sua recusa em fornecer mais tanques - que, se tivesse acreditado na autenticidade da estimativa que Guderian apresentara em 1937 sobre os efetivos soviéticos em tanques, ele não teria começado a guerra.

 

Guderian deixou a reunião decidido a preparar o ataque a Moscou, independente das intenções de Hitler. Retornou ao seu Q-G em Rastenburg, na Prússia Oriental, bastante cônscio da sua impopularidade no Grupo de Exércitos Centro.

 

Em seu comentário a Guderian sobre os efetivos de tanques do Exército Vermelho, Hitler deu mostras de que começava a ter dúvidas sobre o êxito final, a despeito das vitórias até então conseguidas. Também muitos dos seus generais estavam demonstrando grande inquietação, diante da sistemática e feroz resistência do Exército Vermelho, enquanto que - como contavam em suas cartas para casa - os próprios soldados estavam-se sentindo angustiados quando enfrentavam as planícies aparentemente intermináveis, e com o fato de que, por maior que fosse o número de russos que matavam ou capturavam, o dia seguinte mostrava um Exército Vermelho aparentemente tão vigoroso como sempre.

 

O ponto vital agora era uma questão de coragem. O OKH estava descontente, mas ainda disposto a obedecer; O Grupo de Exércitos Centro, hipnotizado por Moscou, contrariava abertamente as diretivas recebidas do OKH; e Guderian estava tentando obstinadamente manter seus Panzer em posições de onde pudessem reiniciar a marcha para o leste. Mas enquanto fazia isto, a maior parte do Grupo Panzer 3 estava-se deslocando de acordo com as ordens recebidas, a fim de ajudar o Grupo de Exércitos Norte em seu avanço para Leningrado - seu comandante, Hoth, era aparentemente o único oficial graduado no Grupo de Exércitos Centro que ainda acreditava no cumprimento das ordens que recebia.

 

O resultado foi uma dispersão de esforço e energia que não favoreceu a nenhum dos objetivos. Enquanto Guderian forjava motivos para não voltar a Gomel e ali cuidar do 5o Exército Soviético e continuava apresentando planos inaceitáveis para tomar Moscou, o Grupo de Exércitos Sul parou uma vez  mais na frente de Kiev. O Comandante-Chefe do 6o Exército Alemão (Reichenau) observou que entre ele e o 2o Exército do Grupo de Exércitos Centro havia uma brecha de 230 km. Destes, 96 km eram cobertos por uma só divisão (a 56a de Infantaria). Enquanto que, confrontando-a, havia várias divisões do 5o Exército Soviético. As ordens de Reichenau eram para ir em frente e desfechar um ataque direto contra Kiev, mas com essa ameaça às suas costas, ele reclamou junto a Rundstedt, que, a 9 de agosto, cancelou a ofensiva na área Kiev-Korosten. O 6o Exército reiniciou a defensiva, com seu principal objetivo operacional - Kiev - ainda não atingido.

 

Uma análise da situação, feita no OKW na noite do dia seguinte, mostrou o aparecimento de um inquieto meio-termo, destinado a pacificar a facção de “Moscou”, mas sem quaisquer concessões. Concordou-se que as principais forças inimigas estavam na frente do Grupo de Exércitos Centro e que a tarefa mais importante era destruí-las e tomar Moscou; mas, alegou-se, as tropas que enfrentavam os dois outros grupos de exércitos constituíam uma ameaça para os flancos do Grupo de Exércitos Centro. Portanto, o ataque direto a Moscou teria de ser precedido de operações com objetivos limitados contra as forças no norte e no sul.

 

Admitindo-se que a destruição dessas forças demoraria duas semanas, poder-se-ia iniciar uma ofensiva geral contra Moscou, com exércitos de infantaria no centro e um Grupo Panzer em cada flanco, em fins de agosto. O inimigo seria obrigado a resistir e lutar com forças novas e apenas parcialmente treinadas, numa linha de defesa incompleta que corria mais ou menos desde Rzhev até Bryansk, passando por Vyazma. Se esse plano fosse executado, por ora os Grupos de Exércitos Norte e Sul teriam de cuidar dos seus inimigos sem a ajuda do Grupo de Exércitos Centro - com a garantia total, no entanto, de que depois de ter este rompido as defesas soviéticas e iniciado a perseguição, ele poderia liberar algumas das suas forças para ajudá-los.

 

Quanto ao Grupo de Exércitos Sul, seu 17o Exército por enquanto estava disponível e deveria ser lançado para pressionar o Dnieper entre Kiev e Kremenchug, a fim de dispersar as grandes forças soviéticas que se estavam concentrando na margem leste. Depois de forçada a linha do Dnieper, parte do Grupo de Exércitos Sul deveria voltar-se para o norte, na retaguarda do 5o Exército Soviético de modo a exterminá-lo de uma vez por todas.

 

A 12 de agosto, Hitler tornou a enfatizar que a pré-condição para todas as operações futuras era a destruição prévia das forças inimigas nos flancos direito do Grupo de Exércitos Centro - isto é, a Frente Sudoeste Soviética. No mesmo dia, Budenny e Kruschev, um tanto inquietos, escreveram a Stalin.

 

Eles tinham observado que o 2o Exército alemão e os Panzer de Guderian estavam avançando para Gomel e Starodub e seu objetivo, concluíram, era, sem dúvida, abaterem-se sobre a retaguarda da Frente Sudoeste e isolá-la.

 

Contudo, o STAVKA estava tão hipnotizado por Moscou quanto o Grupo de Exércitos Centro. Suas conclusões eram que o movimento que preocupara Budenny e Kruschev destinava-se a explorara a grande brecha que havia sido aberta entre as Frentes de Reserva e Central e que os alemães penetrariam nela dobrando para leste, a fim de invadir Bryansk e flanquear Moscou pelo sul. Budenny pediu permissão para retirar o 5o Exército e o 27o Corpo Independente da Zona Fortificada de Korosten, formar com elas uma frente ao norte e, assim, bloquear o avanço alemão pela retaguarda da sua Frente Sudoeste. O STAVKA recusou ordenando, em vez disso, a formação da Frente de Bryansk, a princípio imbuída da responsabilidade de fechar a brecha entre as Frentes de Reserva e Central e impedir uma penetração alemã para Moscou.

 

À luz da informação obtida, a decisão do STAVKA parece sensata: como já dissemos, Guderian tentara até o fim manter aberta a opção de Moscou, e Hitler ainda não se decidira a eliminá-la de todo. Ademais, o 5o Exército Soviético estava de fato bloqueando o avanço do Grupo de Exércitos Sul sobre Kiev pela sua simples presença na retaguarda alemã; a sua retirada para o outro lado do Desna, como Budenny queria fazer, teria aliviado os alemães de uma das suas piores dores de cabeça  e esta era uma boa razão para mantê-lo onde estava. Mas, embora parecesse sensata a decisão, no entanto redundou num erro lamentável, pois os alemães estavam finalmente decidindo-se sobre o que fazer. E o STAVKA falhara ao imaginar que o alvo seria Moscou.

 

A 15 de agosto, Hitler resolveu deixar de fingir que o grupo de Exércitos Centro continuaria sua ofensiva sobre Moscou apenas com a infantaria e ordenou uma parada total do seu avanço. Em vez disso, ele deveria organizar uma defesa que os soviéticos não teriam condições de cercar, que poderia ser ajudada apenas com um reforço aéreo reduzido e contando com uns poucos elementos da infantaria. Três dias depois, Brauchitsch fez um último apelo desesperado em favor da operação de Moscou. Ele observou que se poderia esperar o começo do inverno na área de Moscou em meados de outubro, cinco semanas mais cedo do que na Ucrânia, alegando ainda que a concentração sobre Moscou possibilitaria a sua captura antes do começo do mau tempo; e então, liberar-se-iam as forças para entrar em ação no sul, onde a temporada de campanha era mais longa.

 

Hitler respondeu rejeitando imediatamente os argumentos de Brauchitsch e expôs seus próprios pontos de vista. Ele repetiu sua afirmativa de que as colunas Panzer, por serem mais ligeiras do que a infantaria e operarem com excesso de independência, haviam produzido apenas cercos parciais, de onde grandes levas de soldados inimigos tinham podido escapar. Sua rejeição às propostas de OKW para uma operação contra Moscou foi formalizada numa Diretiva sem número, emitida a 21 de agosto, que detalhava em termos claros e inequívocos as tarefas a serem cumpridas antes do início do inverno. Ela afirmava que a tomada de Moscou antes do inverno não era um objetivo prioritário. Este era, sim, no sul, a tomada da Criméia e da área industrial e carbonífera da bacia do Donets, como também a interceptação das linhas de abastecimento para o petróleo vindo do Cáucaso; no norte, sitiar Leningrado e estabelecer contato com os finlandeses.

 

Quanto ao Grupo de Exércitos Centro, ele teria de juntar-se ao Grupo de Exércitos Sul numa operação concêntrica dirigida contra o 5o Exército Soviético, visando não só a repeli-lo para a outra margem do Dnieper (como seria o caso se o 6o Exército realizasse a operação sozinho), como também persegui-lo e destruí-lo, de modo a dar ao Grupo de Exércitos Sul a segurança necessária para capacitá-los às operações do outro lado do Dnieper e na bacia do Donets. A captura da Criméia era de extrema importância para salvaguardar os suprimentos de petróleo da Romênia, porquanto os bombardeiros soviéticos poderiam atacar os campos petrolíferos de Ploesti utilizando as bases aéreas na Criméia.

 

Logo, esta foi uma decisão das mais importantes. A idéia de capturar Leningrado foi abandonada sem alardes e cancelou-se temporariamente o avanço sobre Moscou. O 5o Exército Soviético seria eliminado de uma vez por todas e o esforço primordial seria feito na Ucrânia. E assim tudo era mais simples.

 

Mas mesmo então, haveria uma última tentativa de manter viva a “Operação Moscou”. A 23 de agosto, realizou-se uma conferência no Q-G do Grupo de Exércitos Centro, na qual Halder fez um sumário das cláusulas da diretiva. Depois, houve uma longa discussão sobre as maneiras como se poderia mudar a opinião do Führer e por fim decidiu-se que Guderian deveria retornar ao Q-G de Hitler na companhia de Halder. Eles partiram naquela tarde, pousando em Lötzen (o aeródromo mais próximo de Rastenburg) ao anoitecer.

 

Guderian apresentou-se imediatamente a Brauchitsch, que o proibiu categoricamente de reabrir a questão de Moscou junto a Hitler. Mas Guderian agora não se deixaria influenciar por ninguém e ao fazer o relatório sobre o estado do seu Grupo Panzer, ele conseguiu encaminhar a conversa de tal maneira que o próprio Hitler acabou mencionando o assunto. O general da Divisões Panzer repetiu todos os argumentos em favor de um ataque à capital soviética, acrescentando que os soldados já o esperavam, estavam preparados para ele assim como o Grupo de Exércitos Centro. Um longo desvio pelo sul causaria pesado desgaste adicional, bem como perda de tempo.

 

Hitler o escutou sem refutar quaisquer dos seus argumentos, muito embora a afirmativa de Guderian de que o Grupo de Exércitos Centro estava pronto para um ataque a Moscou fosse particularmente duvidoso, já que ambos os Grupos Panzer careciam de tanques e respectivos motores e nenhum dos dois estava posicionado de modo adequado. Os tanques de Hoth estavam longe, ajudando o Grupo de Exércitos Norte e os de Guderian, parcialmente empenhados num movimento para o sul, em torno de Starodub. Mas Hitler não se deixou levar; a ofensiva de Moscou estava totalmente fora de cogitação até que a operação no sul tivesse terminado e com sucesso.

 

Guderian curvou-se ante o inevitável e sugeriu que todo o seu Grupo Panzer, e não apenas parte dele, fosse empenhado na operação sul a fim de assegurar o sucesso. Hitler concordou e Guderian retornou ao Grupo de Exércitos Centro. Na manhã seguinte ele deu a notícia a Halder, provocando uma reação de ira; mas não haveria mais discussão. O objetivo era Kiev.

 

Já dissemos que o Conselho Militar da Frente Sudoeste Soviética já a 12 de agosto estava preocupado. No dia 18, o general Zhukov, comandante da Frente de Reserva diante de Moscou, percebeu que a atividade demonstrada pelos alemães que o confrontavam diminuíra bastante.

 

Ao descobrir que o mesmo acontecia na Frente Central adjacente, começou a imaginar o que isto pressagiava. Via-se diante de uma situação dúbia e incapaz de explicá-la convenientemente. Contudo, chegou à conclusão de que os alemães talvez estivessem reagrupando-se, com a intenção de avançar para o sul através da retaguarda de Kiev, e da Frente Sudoeste, e escreveu ao STAVKA, nessa mesma data, aventando a possibilidade e sugerindo para que se estabelecesse uma força poderosa na área de Bryansk, visando a entrar no flanco de Guderian quando este por ali passasse. O STAVKA respondeu, aceitando sua avaliação e afirmando que já previra o perigo e, por essa razão, criara a Frente de Bryansk alguns dias antes. Duvida-se que isto fosse verdade. O comandante da frente, general Yeremenko, posteriormente afirmou que suas ordens visavam a impedir uma penetração na direção de Moscou que muito bem poderia ter sido a sua diretiva inicial.

 

A 19 de agosto, o STAVKA, tardiamente concedeu a Budenny a permissão de retirar todas as suas forças para a outra margem do Dnieper, executando o 37o Exército, que deveria permanecer em Kiev. As forças retiradas (o 5o Exército e um novo 40o, completado com os remanescentes de outros exércitos) formariam uma linha para o norte que iria defender Chernigov, Konotop e Kharkov. Até então, as coisas estavam correndo bem: ele havia advinhado as intenções dos alemães antes que estas se concretizassem e tomou providências para enfrentar abertamente Guderian, e no seu flanco esquerdo. Mas isto significava também que Budenny queimara seu último cartucho; suas unidades estavam completamente alquebradas e esgotadas pelo combate e já não podia contar com reservas para a Frente Sudoeste. Tudo agora dependia do que Yeremenko resolvesse.

 

A 24 de agosto, Stalin falou com este ao telefone, oferecendo-lhe mais duas brigadas de tanques, vários batalhões de tanques e também alguns regimentos de força aérea - “se você prometer derrotar aquele patife do Guderian”. Ele ainda ofereceu outro exército (o 21o ) formado dos tão maltratados 3o e 21o Exércitos da Frente Central, que Yeremenko também aceitou. O Chefe do Estado-Maior-Geral, Marechal Shaposhnikov, então falou ao telefone, reiterando a crença de que Guderian talvez se desviasse num ângulo reto e se dirigisse par o norte de Bryansk, rumando para Moscou. Assim, ele sugeriu uma ambigüidade fatal nas instruções de Yeremenko, incutindo o temor de que a Frente de Bryansk ficasse encalhada, sem realizar sua missão original ou mesmo a secundária. Numa tentativa de solucionar as duas contingências, Yeremenko reteve sua força mais poderosa, o 5o Exército, no intuito de proteger as estradas que levam a Moscou, e a ansiosa cautela de Shaposhnikov prejudicou, assim, o sucesso da contra-ofensiva uma semana antes do seu início.

 

Não obstante, as forças entregues à disposição de Yeremenko para encetar seu ataque na direção do oeste eram consideráveis. A Frente Central fora desbaratada no dia 25 de agosto, e suas tropas ficaram subordinadas a ele, dando-lhe dois exércitos (o 13o e o 21o) como também toda a reserva do Alto-Comando de aviões e forças aéreas de apoio das Frentes de Reserva e Central para aumentar as da sua própria frente. A Força Aérea Vermelha estava tão combalida como resultado das suas primeiras baixas, que até mesmo essa força totalizava apenas 464 aviões, metade dos quais era de bombardeiros. O STAVKA quase nada podia fazer agora. Também já não mais dispunha de reservas.

 

O ataque soviético teve início a 30 de agosto, quando as tropas de Yeremenko avançaram para investir contra a força de flanco de Guderian, o 47o Corpo Mecanizado, mas a despeito de todos os seus esforços, não chegaram a causar grande ameaça, e mais ao norte a oeste o 2o Exército Alemão começou a expulsar dali o 21o Exército de Yeremenko. O 21o recuou sobre o pequeno e apressadamente formado 30o Exército da Frente Sudoeste, que logo se rompeu e começou a recuar para o sudeste. Assim, o 21o Exército logo foi completamente isolado do resto do resto da Frente de Bryansk, tendo sido profundamente hostilizado em ambos os lados - pelo 2o Exército alemão no lado oeste, e pelos Panzer de Guderian a leste. Ele começou a recuar às pressas para o sudeste, completamente isolado do Alto-Comando, e com tropas alemãs despejando-se através das brechas abertas dos seus dois lados.

 

O STAVKA dera uma tarefa muito pesada para a Frente de Bryansk, e tendo-o feito, relutava em acreditar que Yeremenko não estaria em condições de desempenhá-la. A 2 de setembro, Stalin escreveu-lhe em termos petulantes: “O STAVKA ainda não está satisfeito com seu trabalho... Você apenas deu um pequeno susto no inimigo, não conseguindo repeli-lo das suas posições. Guderian e todo o seu grupo têm de ser destroçados. Até que isto aconteça, tudo o que você disser sobre seus êxitos é inútil. Estamos aguardando a informação de que você derrotou o grupo inteiro”.

 

Quando foi constatado que a contra-ofensiva de Yeremenko não obtinha o sucesso que se esperava, a reação do STAVKA não foi liquidar o empreendimento e sim reforçá-lo, usando mais tropas retiradas de outros setores da linha no local. Shaposhnikov mandou que Budenny entregasse  seu II Corpo de Cavalaria e isto representou a gota de água para o velho revolucionário. A 10 de setembro ele falou com Shaposhnikov pelo rádio, observando que esta era a única reserva de que ele dispunha para lançar na Frente Sul em toda a linha Dnepropetrovsk-Kharkov, uma distância de 200 km e dizendo: “Peço-lhe que dê a máxima atenção ao que Yeremenko está fazendo. Ele devia deter esse grupo inimigo, mas não foi o que deu”. Contudo, Shaposhnikov insistiu, e já um tanto exasperado Budenny disse: “Está bem... a ordem de se movimentar será dada logo. Queira transmitir meus pontos de vista ao Comandante Supremo (Stalin), especialmente sobre as operações na Frente de Bryansk”.

 

No dia seguinte, o Conselho Militar da Frente Sudoeste, composto de Budenny, Kruschev e Pokrovsky, falou com Stalin. Eles solicitaram formalmente a permissão de retirar suas forças para o leste, observando que toda a Frente Sudoeste corria agora sério perigo de cerco da direção de Novgorod Severski (o ponto de partida de Guderian) e de Kremenchug (lugar em que o Grupo Panzer 1 de Kleist e o 17o Exército Alemão haviam estabelecido uma cabeça-de-ponte sobre o Dnieper, e de onde Kleist dirigia-se às pressas para o norte, a fim de juntar-se a Guderian). Eles declararam que o pedido para recuar feito a Shaposhnikov fora recusado, sendo-lhes ordenado, em vez disso, que usassem duas divisões do 26o Exército para bloquear Guderian entre Bakhamach e Konotop. Evidentemente, eles achavam que Shaposhnikov estava perdendo o domínio sob pressão a dos acontecimentos - o cumprimento da sua ordem teria deixado a única divisão restante do 26o Exército (cujas perdas em ação o haviam reduzido a menos de 10.000 homens) para defender 160 km do Dnieper contra forças alemãs cuja superioridade numérica era de mais de 6 para 1.

 

Stalin imediatamente entrou em contato com o comandante da Frente Sudoeste, Coronel-General Kirponos, e procurou sondar seus postos de vista. Este lhe disse firmemente que sua Frente deveria ser retirada do saliente de Kiev para a linha do rio Psel, cerca de 240 km para leste. Mas Stalin recusou categoricamente; ele ordenou que Kirponos defendesse Kiev a qualquer preço e levasse para lá todas as forças que pudesse. Como Budenny estava dirigindo um consenso para a retirada, Stalin o demitiu, nomeando em seu lugar o Marechal Timoshenko, até então o mais bem sucedido da velha geração de soldados soviéticos. Mas a essa altura já era tarde demais para salvar a situação. A brecha entre Guderian e Kleist tinha nada menos de 96 km da largura, e os Grupos Panzer se aproximavam um do outro mais depressa do que as forças soviéticas sitiadas podiam avançar para o corredor cada vez menor. Mesmo que partissem imediatamente, a maior parte talvez não passasse. Mas Shaposhnikov, provavelmente obedecendo as ordens de Stalin, ainda assim não lhes permitia porem-se em movimento.

 

Guderian, que estava com a 3a Divisão Panzer à frente do Grupo Panzer 2, encontrou os tanques de Kleist em Lokhvitsa a 15 de setembro. Quatro exércitos soviéticos, o 5o, o 21o, o 26o e o 37o, foram cercados. A Frente Sudoeste começou a ruir por terra e suas comunicações logo ficaram num estado tão caótico que no dia seguinte Timoshenko mandou que suas forças a leste do cordão alemão mantivessem aberto o corredor para o leste, ignorando que já não mais havia corredor algum. Ele e Kruschev decidiram abandonar Kiev em desafio à ordem de Stalin, mas Kirponos insistiu em receber ordens do STAVKA, de modo que se perdeu mais tempo valioso.

 

Enquanto Stalin e Shaposhnikov discutiam a questão em Moscou, o anel alemão apertava. Somente às 23:40 h do dia seguinte (17 de setembro) é que o STAVKA autorizou que se abandonasse Kiev. Duas noites que poderiam ter sido usadas para livrar tropas (o movimento durante o dia era quase impossível, tão completa era agora a superioridade aérea alemã), haviam sido desperdiçados e o que, de qualquer modo, teria sido uma grande derrota, foi transformada numa catástrofe, segundo as próprias palavras de Stalin. No meio da noite de 17-18 de setembro, Kirponos ordenou que todos os seus exércitos abrissem caminho lutando para sair do caldeirão.

 

Mas a escapada estava condenada ao fracasso. O 37o Exército, que defendia a área urbana da própria Kiev, já perdera contato com o Q-G da Frente, não recebeu a ordem de escapar e render-se na cidade depois de uma luta que durou dois dias. Passadas algumas horas, Kirponos perdera contato com seus três outros exércitos, 5o, 21o e 26o, e com o STAVKA. A Frente Sudoeste agora só existia no nome; a única parte que ainda permanecia sob o comando de Kirponos era a 289a Divisão de Fuzileiros, à qual ele e seu Estado-Maior se haviam anexado, mas até mesmo esta se dispersou durante a noite, e quando chegou a Gorodeshche, só restava uns 3.000 homens, sendo divididos em vários destacamentos, e só um punhado escapou. Este não incluía nenhum membro do Conselho Militar da Frente Sudoeste; todos os três (Kirponos, Burmistenko e Tupikov) tinham sido mortos.

 

No lado leste do caldeirão, O Exército vermelho guarnecia suas posições e vigiava o oeste, cada vez mais desesperançados, à espera de algum sinal dos exércitos cercados. Em breve pequenos grupos começaram a chegar. O Major-General Bagramyan, que levara a Kirponos a ordem de retirada, conseguiu escapar com 50 homens. O General Kuznetsov, comandante do 21o Exército, trouxe seus sobreviventes em boa ordem, mas eles eram apenas em número de 500. O General Kostenko nada mais trouxe que uns poucos homens do seu 26o Exército. O Comandante-de-Brigada Borisov pôde escapar com 4.000 cavalarianos. O Comissário Sênior de Batalhão, Gorban, salvou 52 sinaleiros do Estado-Maior da Frente. E houve outros destacamentos, mas nenhum deles era grande.

 

Atrás deles, entre mortos ou aprisionados, ficaram mais de 500.000 homens - discute-se o número exato e o Grupo de Exércitos Sul afirmou ter feito, sozinho, 665.000 prisioneiros, enquanto que fontes soviéticas admitem apenas 527.000 mortos, capturados ou desaparecidos. Essa estimativa inferior compreendia mais de dois terços dos efetivos da Frente Sudoeste no começo da guerra, havia apenas três meses. Em termos de elementos perdidos, esta foi a maior catástrofe da história russa e, para Guderian (muito embora ele tivesse preferido ir para Moscou) foi uma completa justificativa do seu conceito de guerra blindada. Em breve ele poderia testar suas idéias contra a própria cidade de Moscou e ver se a preocupação soviética com aquela cidade, que tanto prejudicara suas avaliações de outras ameaças, os tornaria capazes de defendê-la mais eficazmente do que haviam defendido Kiev.

 

Mas este seria o maior de todos os testes e a temporada de campanha estava chegando ao fim. Perdera-se muito tempo no sul como também se perderia muito mais enquanto os tanques de Guderian retornavam para o norte, refaziam o desgaste sofrido na corrida para Lokhvitsa e recuperavam seus efetivos para empreender a conquista maior de todos os prêmios - Moscou.

 

A batalha pela conquista da capital - PAUSE

 

O reagrupamento necessário para o ataque final a Moscou era grande, pois se usariam três Grupos Panzer: 2 (Guderian), 3 (Hoth) e 4 (Hoeppner). Dos três somente o de Hoth já estava em posição de ser transferido da Frente de Leningrado (o que, de fato, foi feito durante a segunda quinzena de setembro), e o de Guderain devia retornar da Ucrânia.

 

A Diretiva para a “Operação Tufão” foi emitida a 16 de setembro e visava à outra Canaã como a que então se realizava na Ucrânia, na qual a maior parte de dois Grupos de Exércitos Soviéticos – a Frente Ocidental de Konev e a Frente de Bryansk de Yeremenko – seria cercada e destruída no estágio inicial: as duas batalhas de “caldeirão” de Viazma e Briansk. A estrada que leva a Moscou estaria aberta, ou pelo menos assim se esperava, e seria flanqueada ao norte e ao sul num gigantesco movimento de pinças que se fecharia bem para o leste. Bock tinha a seu comando 68 divisões: 14 Panzer, oito motorizados e 46 de infantaria, em três Grupos Panzer e três exércitos. Ele tinha como adversários três Frentes Soviéticas: a Ocidental, com seis exércitos; a de Briansk, com três exércitos mais um grupo operacional e a de Reserva, com seis exércitos, dois dos quais estavam deslocados ao longo da Frente Ocidental, ao passo que os outros quatro estavam em segundo escalão à sua retaguarda. Entretanto, cada exército soviético equivalia em quantidade de homens a apenas um corpo de exército alemão e era inferior a este em poder de fogo, sobretudo porque metade da artilharia fora retirada das divisões para formar uma Reserva de Artilharia do Alto Comando, enquanto que o apoio aéreo alemão era superior em número e em qualidade.

 

A “Operação Tufão” começou a 30 de setembro, quando o Grupo Panzer 2 foi lançado para noroeste, na direção de Orel, de onde avançaria para o norte à retaguarda das tropas de Yeremenko. A 2 de outubro, o restante do Grupo de Exércitos “passou para a ofensiva num belo tempo de outono”, como disse o Relatório de Operações do OKH. “O ataque tomou o inimigo de surpresa ao longo de toda a frente”.

 

De início o sucesso foi brilhante. Os tanques de Guderian invadiram Orel antes que a cidade se apercebesse da sua aproximação. Eles encontraram os bondes ainda em funcionamento e foram saudados por civis que os confundiram com reforços soviéticos. Os Grupos Panzer 3 e 4, mais ao norte, se saíram igualmente bem, e por volta de 7 de outubro, apenas cinco dias após o início da ofensiva principal, o Grupo de Exércitos Centro contava com o grosso das forças de Konev, os 16o, 19o e 20o Exércitos e o Grupo Operacional do General Boldin, da envergadura de um exército, a oeste de Viazma, enquanto que em outro bolsão a nordeste de Briansk os três exércitos de Yeremenko (3o, 13o e 50o) estavam retidos, juntamente com os 24o e 32o Exércitos da Frente de Reserva. Ao todo, 81 divisões soviéticas estavam cercadas nos bolsões de Viazma-Briansk e toda a frente da defesa soviética diante de Moscou estava à beira do colapso.

 

O cerco era tão “apertado” quanto o de Kiev e o “belo tempo de outono” mencionado pelo OKH teve pouca duração, já que dia 6 fora substituído pela rasputitsa, a estação das estradas ruins, que ocorre duas vezes por ano na Rússia: quando a neve se derrete na primavera e quando caem as chuvas de outono. Como a maioria das estradas não era, e ainda não é, pavimentada, a rastutitsa as transforma em atoleiros, e assim aconteceu em outubro de 1941. O avanço alemão perdeu a velocidade e foi-lhe quase impossível progredir. Naturalmente, a lama também afetava as operações soviéticas. Yeremenko, retido com suas tropas no bolsão de Briansk, dirigiu pessoalmente a defesa contra um ataque alemão ao seu Q-G e então ordenou que seus exércitos girassem na frente num ângulo de 180 graus e abrissem caminho lutando para o leste. Na fuga, a lama os atrapalhava tanto quanto aos inimigos, muito embora, ao confinar os alemães a um punhado de estradas, ela tornasse muito mais fácil a fuga dos soviéticos pelos pântanos e florestas. Mesmo assim, a Frente de Briansk teve de abrir caminho lutando ferozmente através de cinco posições alemãs e quando as tropas de Yeremenko alcançaram território soviético, poucas das suas divisões podiam contar com mais de 3.000 homens, de um efetivo nominal de guerra de 14.300. Zhukov, no relato que se segue, refere-se causticamente às queixas alemãs sobre a lama e observa que ela prejudicou a construção de posições defensivas, empreendidas, em sua maioria, por mulheres moscovitas. Também é um ponto válido e seria insensato ignorar as dificuldades que a rasputitsa criou para o lado soviético em suas tentativas frenéticas de escorar a frente já à beira de colapso. Não obstante, na medida em que a lama reduzia a velocidade das forças Panzer, ela prejudicava menos os russos do que os alemães, porque ajudava os primeiros a ganhar tempo, tempo este muito bem aproveitado pelas forças soviéticas, sob a liderança de Zhukov. Ele próprio reconhece que o período mais crítico da Batalha de Moscou foram os poucos dias após 18 de outubro, quando, seguindo ao fechamento dos bolsões de Viasma e Briansk, “os caminhos de acesso para Moscou na realidade não estavam cobertos”. Esse período foi o pior da rasputitsa  e só terminou em princípios de novembro quando as geadas congelaram no chão.

 

O Marechal Zhukov faz algumas críticas severas sobre a maneira como Konev e Yeremenko permitiram que suas forças fossem cercadas e quase aniquiladas, sendo provável que, na Batalha de Moscou, ele tenha lançado as bases que justificavam a forte aversão que esses distintos marechais têm demonstrado para com ele desde então. Sem dúvida há uma boa dose de verdade no que ele diz, mas devemos ter em mente que não sabemos, porque a União Soviética preferiu não nos dizer, que instruções receberam eles do STAVKA, do qual Zhukov mesmo fazia parte, então, de maneira relevante. Se tivessem recebido ordens de resistir, ou tivessem permissão de recuar quando já era tarde demais, eles seriam tão culpados quanto Kirponos, que pagou com a vida, e com a maioria do seu grupo de exércitos, pela obstinação de Stalin. Este certamente, embora substituísse Konev por Zhukov, o manteve como Subcomandante da Frente Ocidental e, passadas algumas semanas, deu-lhe o comando de novo grupo de exércitos, a Frente Kalinin. Yemerenko foi ferido durante a escapada de Briansk e permaneceu no hospital por várias semanas. Stalin visitou-o ali (uma rara homenagem, pois dificilmente se ausentava do Kremlin) e expressou sua aprovação do desempenho da Frente de Briansk. Além disso, em julho de 1942, quando Yemerenko se recuperava de outro ferimento, ele o nomeou para o posto muito crítico de Comandante do grupo de exércitos que defendia Stalingrado. Esses incidentes dificilmente sugerem que Stalin considerava um ou outro homem responsável, por incompetência, pela perda da maioria das suas tropas em Viazma e Briansk, e sim que ele aceitava o STAVKA (e portanto ele próprio) como o principal culpado. Zhukov, como sua folha de serviços talvez lhe dê direito, estabelece um padrão muito elevado para a sua avaliação da habilidade militar e, segundo seus escritos, é evidente que a Batalha de Moscou foi para ele a de maior importância. Pela primeira vez ele comandou tão grande número de homens, cerca de um milhão. E foi uma batalha cujo fracasso da sua parte, se houvesse, poderia fazer ruir por terra todo o estado, e foi travada num terreno que lhe era muito familiar porque ali passara toda a infância. Segundo os relatos de outros, parece que ele esteve injurioso, sarcástico e exigente ao máximo durante essa batalha. Rokossovsky, também um general brilhante e, ao contrário de Zhukov, homem tolerante e amável, popular entre os colegas e os subalternos por fazer o máximo para evitar desperdícios de vidas, disse o seguinte de Zhukov: “no auge da Batalha de Moscou, Zhukov às vezes era mais severo que o necessário”. Deveríamos ter isto em mente ao ler os comentários de Zhukov sobre os cercos de Viazma-Briansk e sobre as deficiências dos comandantes de grupos de exércitos.

 

Demos abaixo o relato do Marechal Zhukov sobre as circunstâncias em que ele se encarregou da defesa de Moscou, e da luta que precedeu à contra-ofensiva soviética de dezembro:

 

“A Batalha pela Capital”, pelo Marechal G. K. Zhukov

O começo de outubro de 1941 encontrou-me no comando das forças da Frente de Leningrado, nesta cidade (Zhukov, então General-de-Exérito, fora nomeado para esse posto por Stalin no começo de setembro, em substituição ao Marechal Voroshilov). Minha missão, todavia, não é falar agora do que os saqueadores nazistas planejavam para a cidade que ostenta o nome do grande Lenine, ou das batalhas de setembro na Frente de Leningrado.

 

Em outubro, o inimigo empreendeu uma ofensiva que, segundo planejava, terminaria na captura da capital da nossa Pátria.

No começo da ofensiva alemã sobre o eixo de Moscou, três Frentes (Ocidental, de Reserva e de Briansk) estavam defendendo os distantes caminhos de acesso para Moscou.

Ao todo, em fins de setembro, as forças de combate das Frentes Ocidental, de Reservas e de Briansk compreendiam cerca de 800.000 homens, com 770 tanques e 9.150 canhões, a Frente Ocidental contando com muito mais homens e armas do que as outras.

 

O Grupo de Exércitos Centro alemão, como sabemos agora, compreendia mais de 1.000.000 de homens, 1.700 tanques e canhões de assalto e mais de 19.000 canhões e morteiros, apoiados pela Luftflotte 2 e comandados pelo Feldmarechal Kesselring. Numa diretiva de 16 de setembro, Hitler deu ao Grupo de Exércitos Centro a tarefa de penetrar as principais forças soviéticas, cercar e destruir as principais forças das Frentes Ocidental, de Reserva e de Briansk e depois perseguir os seus remanescentes, cercar Moscou pelo sul e norte e terminar na sua captura.

 

A 30 de setembro de 1941 o inimigo deu início a uma ofensiva contra a Frente de Briansk, e a 2 de outubro atacou violentamente nas Frentes Ocidental e de Reserva. Seguiram-se golpes particularmente fortes do norte de Dukhovschchina e do leste de Roslavl, contra os 30o e 19o Exércitos da Frente Ocidental e o 43o Exército da Frente de Reserva. Os alemães conseguiram romper nossa defesa e grupos de assalto inimigo avançaram numa velocidade desenfreada, flanqueando todo o grupo de forças de Viazma das Frentes Ocidental e de Reserva pelo sul e pelo norte.

 

Também na Frente de Briansk, onde os 3o e 13o Exércitos estavam sendo ameaçados de cerco, surgiu uma situação excessivamente grave. Sem encontrar qualquer resistência particular, o exército de Guderian enviou parte das suas forças para Orel, onde a Frente de Briansk não dispunha de forças para repeli-lo. A 3 de outubro, o inimigo capturou Orel. A Frente de Briansk foi estraçalhada: suas forças recuaram para leste e sul com pesadas baixas e, em conseqüência, surgiu uma situação perigosa no eixo de Tula.

 

O Comandante da Frente Ocidental, Coronel-General Konev, ordenou ao Grupo Operacional do Tenente-General I. V. Boldin que montasse um contra-ataque contra a força inimiga que estava flanqueando pelo norte, mas a manobra redundou em fracasso e pelo anoitecer do dia 6 de outubro parte considerável das forças da Frente Ocidental (unidades do 19o Exército do Tenente-General M. F. Lukin; do 16o Exército do Tenente-General K. K. Rokossovsky; do 20o Exército do Tenente-General F. A. Yershakov e do Grupo Operacional do General Boldin) e da Frente de Reserva (do 32o Exército do Major-general S. V. Vishnevsky e do 24o Exército do Major-general K. I. Rakutin) estavam cercadas na área situada a oeste de Viazma.

 

Naquela noite (6 de outubro), o Comandante Supremo, J. V. Stalin, telefonou e perguntou-me como estavam as coisas em Leningrado. Informei que o inimigo deixara de atacar; que os prisioneiros testemunharam terem sido pesadas as baixas alemãs, e que a ofensiva fora abandonada. A cidade estava sendo bombardeada por artilharia e aviões, mas nosso reconhecimento aéreo constatara grande movimento de colunas mecanizadas e de tanques da área de Leningrado para o sul. Era evidente que o Alto-Comando alemão estava transferindo essas forças para o eixo de Moscou.

 

Stalin ouviu meu relatório, ficou calado por alguns momentos e então disse que estávamos em sérias dificuldades no eixo de Moscou, especialmente na Frente Ocidental.

“Deixe seu Chefe de Estado-Maior, General Khozin, atuando como Comandante Substituto da Frente de Leningrado e venha a Moscou de avião”, ordenou ele. Transmiti a ordem do Comandante Supremo a Khozin, despedi-me dos membros do Conselho Militar e segui para Moscou. A 7 de outubro, ao anoitecer, pousei no aeródromo central e dirigi-me para o Kremlin.

 

Stalin estava em seu apartamento. Não se sentia bem - tinha um resfriado. Saudou-me com um aceno de cabeça, depois apontou para o mapa e disse: “Olhe aqui. Surgiu uma situação muito grave, mas não consigo obter um relatório detalhado sobre o que está realmente acontecendo na Frente Ocidental”. E ele sugeriu que eu deveria ir logo ao QG da Frente, examinar cuidadosamente a situação e depois telefonar-lhe, a qualquer hora da noite. “Estarei esperando”, disse ele, e deu por terminada a conversa.

 

Quinze minutos após, eu estava com o Chefe do Estado-Maior-Geral, recebendo um mapa e tomando conhecimento da situação, ainda que apenas em termos gerais. O Marechal Shaposhnikov parecia excessivamente cansado. Ao me saudar ele disse que o Comandante Supremo já lhe telefonara e dissera para dar-me um mapa do eixo Ocidental. “O mapa estará aqui dentro em pouco. O QG da Frente Ocidental acha-se no local ocupado pelo QG da Frente de Reserva em agosto, quando você dirigia as operações contra o saliente de Yelnya”.

 

Enquanto me falava sobre a grave situação das frentes, ele acrescentou que o trabalho de construção de posições da defesa na linha Mozhaysk e nos caminhos de acesso próximos a Moscou ainda não estava terminado; além disso, praticamente não havia tropa alguma ali. O Comitê Estatal de Defesa, o Comitê Central do Partido e o Comandante Supremo estavam tomando providências para deter a ofensiva inimiga. Era essencial colocar tropas imediatamente nas linhas defensivas, sobretudo na Mozhaysk. As formações e unidades da Reserva do STAVKA e das frentes vizinhas já haviam começado a se deslocar para lá na noite anterior (6-7 de outubro).

 

Às 02:30 h de 7 para 8 de outubro telefonei para Stalin, que ainda estava trabalhando. Quando lhe informei da situação na Frente Ocidental, eu disse: “O maior perigo agora é que não há praticamente nada cobrindo as estradas para Moscou, e as fracas unidades ad hoc deslocadas na linha Mozhaysk não oferecem qualquer garantia contra uma penetração na direção de Moscou empreendida pelas forças Panzer alemãs. Faz-se necessário trazer tropas para a linha de defesa Mozhaysk o mais depressa possível, de onde quer que se possa obtê-las”.

Stalin perguntou: “Onde estão agora os 16o, 19o, 20o Exércitos e o grupo de Boldin da Frente Ocidental, o 24o e 32o Exércitos da Frente de Reserva?”

“Cercados, ao norte e noroeste de Vyazma”.

“O que você pretende fazer?”

“Vou ver Budenny...”

“Você sabe onde está o seu QG agora?”

“Não, não sei. Procurarei na área de Maloyaroslavets”.

“Está bem, vá até Budenny e me telefone de lá”.

 

Caía chuva fininha e havia uma névoa densa e baixa; a visibilidade era ruim. Ao amanhecer de 8 de outubro, quando aproximávamos do entroncamento em Obminskoye (105 km de Moscou), vimos dois sinaleiros que instalavam um cabo do lado de uma ponte sobre o rio Protva. Quando lhes perguntei para onde instalavam essa linha de comunicações, a resposta veio áspera: “estamos instalando para onde nos mandaram”, respondeu um soldado grandalhão em tom frio. Era evidente que se tratava de soldados veteranos que não tinham qualquer intenção de dar resposta a perguntas de pessoas desconhecidas. Via necessidade de me identificar e lhes dizer que estava procurando o QG da Frente de Reserva do Marechal Budenny. O mesmo sinaleiro corpulento explicou-me que já havíamos passado do QG da Frente e agora teríamos de retornar para a floresta até o altiplano à esquerda da ponte e perguntar ao guarda o caminho.

 

Alguns minutos depois eu estava na sala do Comissário do Exército, de 1a categoria, L. Z. Mekhlis, em cuja companhia se encontrava o Major-General A  F. Anisov. Mekhlis estava passando uma séria descompustura em alguém pelo telefone e depois que desligou o aparelho, perguntou-me o que estava fazendo ali. Expliquei que viera por ordem de Stalin como membro do STAVKA, a fim de verificar o que estava acontecendo e que, de minha parte, gostaria de localizar o seu comandante. Ele me explicou que Budenny estivera com o 43o Exército na noite anterior, mas que todos ignoravam seu destino agora; e o Estado-Maior estava preocupado porque talvez tivesse acontecido alguma coisa. Oficiais-sinaleiros haviam sido despachados a sua procura e ainda não tinham retornado. Nem Mekhlis nem Anisov podiam dizer-me algo de definido sobre o estado das forças da Frente de Reserva, ou sobre o inimigo.

“Bem, você sabe o estado em que estamos”, disse Mekhlis. “Estou recolhendo os desgarrados. Nós rearmaremos e daí sairão novas unidades”.

 

Tive de aproximar-me mais de Yukhnov, passando por Maloyaroslavets e Medyn, na esperança de esclarecer logo a situação no próprio local. Ao passar pelo Protva e pelo Obninskoye, minha infância e juventude vieram-me à lembrança. Desse entroncamento fui enviado por minha mãe, aos 12 anos de idade, para a companhia de parentes em Moscou com o objetivo de aprender a profissão de curtidor. Quatro anos mais tarde, já qualificado, eu ia freqüentemente de Moscou à aldeia para ver meus pais. Eu conhecia muito bem a região em torno de Maloyaroslavets, pois havia percorrido em meus dias de adolescente. A apenas 10 km de Obninskoye onde estava agora o QG da Frente de Reserva, encontrava-se a aldeia de Strelkovka, onde eu nascera e passara toda a infância; minha mãe e minha irmã com seus quatro filhos ainda viviam ali. O que acontecia com eles, pensei, se os nazistas chegassem até ali? Será que descobririam que eles são a mãe, irmã e sobrinhos do General Zhukov? E se descobrissem... Três dias depois, mandei buscá-los por um ajudante, a quem recomendei que os levasse da aldeia para meu apartamento em Moscou.

 

Aí estava Maloyaroslavets. Não encontramos viva alma no trajeto até o centro da cidade. Ela parecia ter morrido. Mas na frente do prédio do Comitê Executivo Regional havia dois veículos estacionados. Num deles, via-se o motorista adormecido. Despertamo-lo e ele contou que o carro era de Budenny e que o próprio Budenny encontrava-se há três horas no interior do prédio.

Ao penetrar no edifício avistei Budenny e nos cumprimentamos calorosamente. Era evidente que ele tivera muitas experiências desagradáveis naqueles dias trágicos.

Ao saber que eu visitara o QG da Frente Ocidental Budenny explicou-me que ele próprio não tinha meios de entrar em contato com Konev há mais de dois dias, enquanto que, durante sua visita ao 43o Exército, o QG da sua Frente se mudara e ele não sabia da sua localização agora.

Contei que seu QG encontrava-se a 105 km de Moscou, atrás da ponte ferroviária sobre o rio Protva e que estava a sua espera lá. Acrescentei que a situação era crítica na Frente Ocidental, e que grande parte das suas forças tinha sido cercada.

“Não estamos em melhores condições”, respondeu Budenny. “Os 24o e 32o Exércitos estão isolados e não há frentes de defesa. Ontem, eu mesmo quase caí em mãos inimigas entre Yukhnov e Viazma. Grandes colunas de tanques e motorizadas inimigas dirigiam-se para Viazma, evidentemente visando a flanquear a cidade pelo leste”.

“Quem está defendendo Yukhnov?”

“Não sei. Existe uma pequena unidade e até dois regimentos de infantaria, sem nenhuma artilharia, no rio Ugra; acho que Yukhnov está em mãos inimigas"”

”Bem, quem está cobrindo a estrada entre Yukhnov e Maloyaroslavets?”

“Quando fui até lá”, disse Budenny, “só encontrei três policiais em Medyn”.

Concordamos que Budenny iria imediatamente para o QG da sua Frente, de onde informaria o STAVKA sobre o estado de coisas, enquanto que eu iria para a área de Yukhnov e depois para Kaluga.

 

Pouco depois que nosso carro deixou Medyn para Yukhnov, o caminho foi bloqueado no local onde a estrada passava por um bosque, por homens armados do Exército Vermelho, trajando macacões e capacetes de tripulantes de tanques. Um deles aproximou-se, advertiu-nos que não era possível ir mais além e pediu-me a identificação. Ao dá-la, perguntei onde estava sua unidade. Nas proximidades, respondeu-me, no bosque, a cem metros de distância; era o QG de uma brigada de tanques.

 

Fiquei contente em ouvi-lo e pedi que me levassem ao QG. Quando entramos no bosque, um homem alto, trajando macacão azul e usando óculos sobre o capacete, ergueu-se de um pequeno tronco onde estava sentado e veio ao nosso encontro. Imediatamente notei algo de familiar nele.

“Comandante da Brigada de Tanques da Reserva do STAVKA, Coronel Troitsky, apresentando-se”.

Então era ele! Eu conhecia Troitsky muito bem dos tempos do Khalkhin Gol. Em 1939 ele fora o Chefe de Estado-Maior da 11a Brigada de Tanques e essa mesma brigada, sob o comando do Herói da União Soviética, Yakovlev, derrotaria a 23a Divisão de Infantaria, parte da Guarda Imperial Japonesa, na montanha de Bain-tsagna.

Depois de nos cumprimentarmos, passamos a falar das nossas atividades. O Coronel Troitsky informou que o inimigo estava ocupando Yukhnov e que unidades avançadas alemãs haviam tomado a ponte sobre o rio Ugra. Uma patrulha despachada por Troitsky para Kaluga verificara que não havia inimigos lá, mas que a luta já estava feroz perto da cidade, onde a 5a Divisão de Guardas Fuzileiros e algumas unidades em retirada do 43o Exército estavam em ação. Quanto à brigada do próprio Troitsky, que era parte da Reserva do STAVKA, já fora encontrada há dois dias, mas ainda não recebera quaisquer instruções.

Dei ordens a Troitsky no sentido de enviar oficiais-sinaleiros para o QG da Frente de Reserva, na estação ferroviária de Obninskoye, a fim de informar Budenny quanto à situação, deslocar parte da brigada sobre o terreno na frente e organizar uma defesa para cobrir o eixo de Medyn. Também mandei que o Coronel notificasse o Estado-Maior-Geral, pelo QG da Frente de Reserva, sobre as ordens que lhe dera, e da minha ida para Kaluga, ao encontro da 5a Divisão de Guardas Fuzileiros. Troitsky e eu nos despedimos como velhos companheiros de armas.

 

A 9 de outubro, o Chefe do QG da Frente de Reserva procurou-me e entregou uma mensagem telefônica do Chefe do Estado-Maior-Geral, Marechal Shaposhnikov. Ela dizia: “O Comandante Supremo ordenou-lhe que fosse para o QG da Frente Ocidental. O senhor foi nomeado Comandante da Frente Ocidental”.

 

Assim terminou minha viagem de dois dias até as tropas, na qualidade de membro do STAVKA, do Comando Supremo, cumprindo as ordens do Comandante Supremo no sentido de descobrir o que estava acontecendo. No dia 10 de outubro, de manhã bem cedo, cheguei à área a 3 ou 5 km a noroeste de Mozhaysk, onde estava localizado o QG da Frente Ocidental. Verifiquei que uma Comissão do Comitê Estatal de defesa, formada por K. E. Voroshilov, G. M. Malenkov, V. M. Molotov e outros, estava trabalhando ali. Não sei o que, ou como, a Comissão reportava a Moscou, mas pelo fato da sua chegada às pressas à Frente Ocidental num momento tão crítico, e pela conversa com os membros da Comissão, não era difícil adivinhar que o Comandante Supremo estava por demais preocupado com a situação grave e até mesmo perigosa que ocorrera na Frente de Moscou

 

Aliás, nos dez primeiros dias de outubro, as forças das nossas Frentes Ocidental, de Reserva e de Briansk tinham falhado seriamente. Estavam bem claros os erros graves cometidos pelos Comandantes de Frente: as Tropas das frentes Ocidental e de Reserva tinham-se conservado na defesa durante umas seis semanas e em todo esse período houve tempo suficiente para se prepararem em todos os aspectos antes do início da ofensiva alemã, mas eles não tomaram providência alguma. Seu Serviço de Inteligência não lograra verificar corretamente o número de efetivos e a direção dos ataques que o inimigo estava preparando, muito embora o STAVKA os tivesse advertido de que grandes grupos de forças alemãs estavam-se concentrando contra eles. Como resultado, muito embora a ofensiva inimiga não tivesse surpreendido o eixo ocidental, não obstante as maiores forças possíveis para a defesa em profundidade não tinham sido concentradas a tempo sobre os eixos ameaçados. Sobretudo, a espinha dorsal do sistema defensivo, a defesa antitanques, não fora preparada e nem as Frentes de Reserva tinham sido levadas até aqueles lugares; não se organizara artilharia ou contrapreparativos aéreos para esmagar as forças do principal grupo inimigo enquanto elas ainda estavam em suas áreas de partida: é quando nossa defesa foi rompida na área de Viazma, o Comando não retirou as forças então ameaçadas de cerco. Como resultado, os 16o, 20o, 24o e 32o Exércitos haviam sido cercados.

 

Enquanto eu falava com os membros da Comissão, entregaram-me uma ordem para que telefonasse ao Comandante Supremo e eu fui para a sala de conferência. Agora, o próprio Stalin mencionava sua decisão de nomear-me Comandante da Frente Ocidental e perguntou se eu fazia alguma objeção. Não tinha por que recusar. Contudo, evidenciou-se, com o prosseguimento da conversa, que Stalin pretendia mudar por completo a liderança e remover o Comando da Frente. Eu achava que esta não era a melhor solução nas atuais circunstâncias e sugeri que I. S. Konev devia permanecer como Subcomandante e também que seria muito mais útil enviá-lo como Subcomandante da Frente Ocidental com a tarefa de encarregar-se do grupo de forças no Eixo de Kalinin, que estava muito longe do QG e precisava de controle adicional. Stalin concordou plenamente com as minhas sugestões. Fui informado de que as forças restantes da Frente de Reserva, as unidades deslocadas na linha Mozhaysk, e a Reserva do STAVKA, que estavam a caminho de lá, seriam entregues à Frente Ocidental.

“Forme a Frente Ocidental o mais depressa possível e aja”, arrematou Stalin como final de conversa.

 

Quando discuti a situação com Konev e Sokolovsky, decidimos transferir o QG da Frente para Alabino; enviar Konev munido dos meios de controle necessários e de um grupo de oficiais com o objetivo de coordenar as operações no eixo de Kalinin; e que eu e o membro do Conselho Militar, Bulganin, iríamos pata Mozhaysk, ao encontro do Comandante da Zona Fortificada de Mozhaysk, Coronel S. I. Bogdanov, de modo a nos familiarizarmos com a situação no local.

 

O QG da Zona fortificada de Mozhaysk, onde chegamos durante a tarde de 10 de outubro, estava localizado na Casa da Cultura da cidade, de onde se podia ouvir claramente o troar da artilharia e a explosão de bombas. O Coronel Bogdanov informou que a 32a Divisão de Fuzileiros, reforçada por artilharia e uma brigada de tanques, estava em ação contra unidades avançadas mecanizadas e blindadas alemãs nos acessos de Borodino. Era comandada pelo Coronel V. I. Polosukhin, um oficial de muita capacidade. Depois de ordenar a Bogdanov que resistisse a qualquer preço, retornamos ao QG da Frente, em Alabino.

Ali já se realizava um trabalho organizado e operacional em grande escala, visando a estabelecer uma defesa estável ao longo da linha Volokolamsk-Mozhaysk-Maloyaroslanets-Kaluga, como uma questão de urgência, desenvolvê-la em profundidade e criar algumas reservas.

 

Dos pontos de vista tático e operacional, a linha de defesa de Mozhaysk oferecia várias e indubitáveis vantagens. Na frente da sua extremidade avançada corriam os rios Lama, Moskva, Kolocha, Luzha e Sukhodrev. Tendo margens em declive muito acentuado, todos esses rios eram sérios obstáculos à locomoção dos tanques. Na retaguarda da linha de Mozhaysk havia um sistema de rodovias e ferrovias bem desenvolvido, que facilitava amplas manobras por forças de todos os eixos. Ali era possível criar uma defesa de múltiplas zonas, na qual a resistência ao inimigo aumentaria à medida que ele penetrasse em profundidade.

 

A dificuldade, no entanto, é que a linha Mozhaysk, que tinha 206 km de comprimento, contava com muito poucas tropas ali por volta de 10 de outubro. As forças deslocadas até então compreendiam ao todo apenas quatro divisões de fuzileiros, as Escolas de Artilharia e Político-Militar de Moscou, a Escola que recebeu o nome do Soviete Supremo da RSFSR, a Escola de Metralhadoras de Podolsk e três regimentos de fuzileiros e cinco batalhões de metralhadoras da reserva. Em suma, a linha era ocupada por 45 batalhões, em lugar dos 150 a ela destinados, formando uma insignificante reunião de forças, em média um batalhão para 5 km de frente. Assim, os acessos de Moscou, na verdade, não estavam cobertos.

 

Contudo, o STAVKA tomou providências extraordinárias no sentido de enfrentar a ameaça que pairava sobre a capital. A 9 de outubro, o Comando das Forças da Linha de Defesa de Mozhaysk foi rebatizada com o nome de Comando  da Frente de Reserva de Moscou (Comandante da Frente, Tenente-General P. A Artemyev, Membro do Conselho Militar; Comissário Divisional K. F. Telegin; Chefe do Estado-Maior, Major-general A I. Kudryashov); o STAVKA mandou para lá cinco recém-formados batalhões de metralhadoras, 10 regimentos de artilharia antitanques e cinco brigadas de tanques. Por volta de 11 de outubro, as forças na Linha Mozhaysk tinham sido ligadas ao 5o Exército sob o Comando do Major-General D. D. Lelyushenko. As formações em retirada das Frentes Ocidental e de Reserva foram concentradas nessa linha de defesa, enquanto que unidades e formações da ala direita da Frente Ocidental e da direção sudoeste, bem como reservas do interior do país, foram redeslocadas às pressas para lá. Ao chamado do Partido e do Governo, todo o país, os filhos e filhas de todas as Repúblicas da União, ergueram-se em defesa de Moscou.

 

O Comando da Frente Ocidental agora tinha de cuidar adequadamente das forças e armas que eram despachadas para lá, sem perder um minuto do tempo assaz precioso, a fim de preparar uma defesa estável em todos os eixos ameaçados, desenvolvê-la em profundidade e acumular reservas da frente que permitiriam manobrar para fortalecer os pontos vulneráveis existentes na defesa.

 

Todos nós tínhamos de trabalhar dia e noite sem interrupção. Os homens estavam literalmente caindo de cansaço e sono, mas cada um contribuiu com o máximo de seus esforços, chegando mesmo, às vezes, ao impossível. Levados pela sensação de que eram pessoalmente responsáveis pelo destino de Moscou e pelo da Mãe-Pátria, os generais e oficiais de Estado-Maior, os comandantes e os assistentes políticos de todas as classes, mostraram uma energia e abnegação sem precedentes. Tentaram assegurar-se de que tudo era feito da melhor maneira possível; que os reconhecimentos aéreos e terrestres eram levados a cabo; que as tropas na frente recebessem liderança firme, e que o fluxo de suprimentos fosse ininterrupto. Desenvolveram-se as atividades políticas do partido, levantou-se o moral dos homens, cada soldado tinha implantado na mente a confiança nas forças às quais pertencia e a certeza de que o inimigo seria derrotado nos caminhos de acesso a Moscou.

 

De acordo com a diretiva emitida pelo STAVKA, todas as unidades de combate e instalações da Frente de Reserva de Moscou foram entregues à então reconstituída Frente Ocidental. O que entrou em vigor às 23:00 h de 12 de outubro. Entrementes, a situação tornava-se cada vez mais grave. Vejamos abaixo um dos relatórios feitos pelo Conselho Militar da Frente, a 12 de outubro de 1941, para o STAVKA, e que mostra o real estado de coisas: “O inimigo, com efetivos de duas divisões Panzer e uma de infantaria motorizada, com nada menos de três divisões de infantaria, capturou a área de Sychevka-Zubtsov e continua em seu avanço em direção a Kalinin. As unidades avançadas de uma divisão Panzer que ruma para Kalinin chegou a uma linha de 25 km a sudeste de Staritsa às 09:35 h de 12 de outubro.

 

Decisões tomadas e ordens dadas: 1. Os comandantes dos 22o e 29o Exércitos devem mandar para a frente, cada um, em veículos, um regimento munido de armas antitanques para a área a leste de Staritsa, a fim de cobrir o eixo Kalinin. 2. A 17a Divisão de Fuzileiros, que está a caminho da cidade de Rzhev, foi enviada para Staritsa. 3. O Comandante do 22o Exército recebeu ordens de retirar a 156a Divisão de Fuzileiros da frente e enviá-la para Kalinin em marcha forçada com o objetivo de defender a cidade pelo sul. 4. O Comandante da Guarnição de Kalinin recebeu ordens de deslocar destacamentos da Guarnição para a linha Boriskovo-Pokrovskoye...

 

A Defesa de Kalinin só pode ser reforçada pelo envio imediato para aquela cidade de pelo menos uma divisão de fuzileiros e uma brigada de tanques. No momento a frente está impossibilitada de fazer isso.

Peço-lhe que ordene o despacho imediato de uma divisão da reserva do Comando Supremo para Kalinin.

O eixo de Volokolamsk, onde não existe tropa alguma, está na mesma posição, e a Frente nada pode mandar para esse eixo”.

 

Em meados de outubro, os 5o, 16o, 43o e 49o Exércitos, então reconstituídos, totalizavam apenas 90.000 homens. Essas forças não estavam absolutamente aptas para exercerem uma defesa contínua, e assim chegamos à seguinte decisão: em primeiro lugar, cobriríamos os eixos principais – Volokolamsk, Istra, Mozhayst, Maloyaroslavets e Podolsk-Kaluga - , e o grosso da artilharia e das armas antitanques ficaria ali concentrado.

 

A 13 de outubro, o QG do 16o Exército, sob o comando de K. K. Rokossovsky, A A Lobachev e M. S. Malinin, foi instalado no eixo de Volokolamsk. A Zona Fortificada de Volokolamsk e as unidades que chegavam foram incorporadas àquele Exército. No 5o Exército, comandado pelo Major-General L. A Govorov, estavam incluídas, a Zona Fortificada de Mozhaysk, a 32a Divisão de Fuzileiros e unidades recém-chegadas, enquanto que o 43o Exército era dirigido pelo Major-General K. D. Golubev e nele era incluída a Zona Fortificada de Maloyaroslavets. O 49o Exército era comandado pelo Tenente-General I. G. Zakharkin e incorporava a Zona Fortificada de Kaluga.

 

Todos esses comandantes eram líderes de grande experiência; conscientes do cargo que exerciam, faziam jus à confiança neles depositada, quando se acreditava que com as tropas  a eles confiadas tudo fariam para impedir uma penetração inimiga para Moscou. Também tenho de destacar não só o trabalho eficiente desempenhado pelo Estado-Maior do QG comandado pelo Tenente-General Sokolovsky, agora Marechal da União Soviética, como também os esforços inauditos empreendidos pelo Chefe das Tropas de Comunicações da Frente, Major-General N. D. Psurtsev (agora Ministro das Comunicações) a fim de garantir uma base sólida nas funções de controle das forças da Frente.

 

Por trás do primeiro escalão da Frente Ocidental, realizavam-se muitos trabalhos de engenharia com o objetivo de desenvolver a defesa em profundidade, e zonas antitanques estavam sendo preparadas em todos os eixos ainda vulneráveis a tanques, enquanto que se convocavam reservas para os eixos principais. O QG da Frente transferiu-se de Alabino para Perkhushkovo, de onde se estenderam linhas telefônicas e telegráficas até as forças da terra e ar. Suprimentos foram trazidos às pressas e instalações médicas e outras de retaguarda estavam sendo preparadas. Assim, criou-se uma nova Frente Ocidental, e sua missão era rechaçar o ataque alemão a Moscou.

 

O partido Comunista envidou todos os esforços para convencer o povo soviético da seriedade da situação e da iminência de ameaça que pairava sobre Moscou. O Comitê Central convocou toda a população para travar uma luta decisiva contra a indiferença e o pânico; levar a cabo e com honra as suas obrigações para com a Mãe-Pátria e não deixar que o inimigo chegasse até Moscou.

 

Em meados de outubro, o que mais se precisava era de tempo para preparar nossas defesas. Ao vermos o desempenho em ação dos 19o, 16o, 20o, 24o e 32o Exércitos e do grupo de Boldin, que estavam cercados a oeste de Viazma, temos de conferir o devido mérito à sua luta heróica. Embora estivessem na retaguarda inimiga, não depuseram suas armas, mas continuaram a lutar bravamente e tentaram sair do cerco e juntar-se às unidades do Exército Vermelho, conseguindo, assim, reter grandes forças inimigas e impedir os alemães de deslocar sua ofensiva para Moscou. O Comando da Frente e o STAVKA ajudaram as tropas sitiadas em sua luta, num bombardeios violento às posições alemãs, pelo ar, e lançando alimentos e munição de pára-quedas, mas nem a Frente nem o STAVKA podiam fazer mais pelas tropas cercadas, naquele momento, porquanto não dispunham de reserva de forças ou armas.

 

Por duas vezes - a 10 e 12 de outubro - transmitimos telegramas em termos cifrados para os Comandantes-de-Exército das forças cercadas, fazendo relatórios sucintos sobre o inimigo e dando-lhes a tarefa de escapar do cerco sob o controle-geral do General Lukin, Comandante do 19o Exército. Mandamo-lo fazer imediatamente um relatório em código sobre seu plano e seu grupo de forças visando a uma escapada, e dizer-nos para que setor deveríamos mandar apoio aéreo. Contudo, nenhuma das nossas quatro mensagens teve resposta. Elas provavelmente chegaram tarde demais; parece que os exércitos cercados já não estavam sob controle e os soldados só conseguiam escapar ao cerco, em grupos isolados.

 

Não obstante, graças à obstinação e firmeza de vontade demonstradas pelas nossas tropas em luta, cercadas na área de Viazma, as principais forças inimigas foram retidas durante os dias mais decisivos para nós. Conseguimos tempo valioso e suficiente para organizar a defesa na linha Mozhaysk e, assim, o sangue dos soldados na força sitiada não foi derramado em vão, mas o feito dos soldados soviéticos cuja luta heróica em Viazma contribuiu tanto para a causa geral da defesa de Moscou, ainda aguarda que lhe faça justiça algum cronista.

 

A 13 de outubro, nossas unidades cederam Kaluga ante a arremetida alemã. Violenta luta estourou em todos os eixos principais quando os alemães lançaram grande parte das suas forças móveis em todos os caminhos que levavam a Moscou. O Serviço de Inteligência da Frente informou que a 15 de outubro, até 50 tanques chegaram à área de Turginovo, cerca de 100 em Lotoshino; uns 100 em Makarovo e Karagatovo; cerca de 50 em Borovsk e uns 40 em Borodino.

 

Devido ao perigo que pouco a pouco aumentava para a capital, o Comitê Central do Partido e o Comitê Estatal de Defesa decidiram evacuar imediatamente, dali para Kuybyshev, vários departamentos do Comitê Central e do governo, bem como todo o corpo diplomático, além de remover os mais importantes tesouros do estado. A evacuação começou na noite de 15 para 16 de outubro. Os moscovitas reagiram compreensivamente a todas essas medidas, mas todo rebanho tem sua ovelha negra, de modo que, como sempre, existiu em qualquer parte, havia covardes, boateiros e egoístas na cidade, que fugiram de Moscou em todas as direções, espalhando boatos e causando pânico, dizendo que tudo estava indo por terra. Assim, para mobilizar as forças e o povo da capital a fim de repelir o inimigo, e também acabar com o pânico que os “agentes provocadores” haviam causado, a 16 de outubro, em Moscou, o Comitê Estatal de Defesa declarou estado de sítio para Moscou e para as áreas adjacentes, a 19 de outubro.

 

A Linha de Defesa de Volokolamsk-Mozhaysk-Maloyaroslavets-Serpukhov foi ocupada por forças ainda um tanto deficientes e em alguns lugares o inimigo já a tomara. Para impedir sua penetração até Moscou, o Conselho Militar da Frente escolheu, como a principal posição de defesa, a linha desde Novo-Zavidovsky, passando por Klin, pelo reservatório de Istra, Zhavoronki, Krasnaya Pakhra e Serpukhov, até Alexin. Em vista da importância dessa decisão, creio que devo expor aqui, detalhadamente, o plano para a retirada dos exércitos da Frente Ocidental da linha de defesa de Mozhaysk. Ele foi aprovado por Stalin, a 19 de outubro, e visava a:

1.Se for impossível reter a ofensiva inimiga na linha da Frente, resistindo ao ataque inimigo com os elementos da retaguarda, devem retirar suas forças principais, a começar pela principal massa de artilharia, para a linha de defesa que está sendo preparada ao longo da linha Novo-Zavidovsky-Klin, o reservatório de Istra-Zhavoronki-Krasnaya Pakhra-Serpukhov-Alexin. Toda a força aérea deve ser usada para cobrir a retirada.

2. Até que suas unidades sejam deslocadas para a principal linha de defesa, os exércitos devem organizar e travar batalhas com poderosas retaguardas, bem abastecidas de armas antitanques e com unidades móveis para contra-atacar assim que forem mandadas, mantidas em disponibilidade em cada exército; devem atrasar o inimigo o máximo possível na linha intermediária de Kozlovo-Gologuzovo-Yelgozino-Novo-Petrovskoye-Kolubyakovo-Naro-Fominsk-Tarutino-Chernaya e rio Gryaz-Protva.

3. Os exércitos devem recuar para dentro das suas próprias linhas de demarcação, excetuando-se os 16o e 5o Exércitos: a linha de demarcação entre estes dois é estabilizada como Zagorsk, Iksha, Pavorovo e Tarkhanovo, todas inclusive para o 16o Exército.

4. Os serviços de retaguarda dos exércitos recuarão para o leste dentro dos seus limites, exceto os 5o e 33o Exércitos, cujos serviços de retaguarda acompanham estradas que têm de estar fora de Moscou e do seu complexo, isto é, os serviços de retaguarda do 5o Exército - ao longo das estradas ao norte de Khimki e Mytishchi, e do 33o Exército ao sul de Peredelkino e Lyubertsy. Nem uma só carroça ou carro deve ser dirigido para, ou admitido por, Moscou ou pelo seu complexo. Para assegurar isto, os 5o e 33o Exércitos deverão estabelecer uma regulamentação firme e oportuna para a retirada e estipularão os caminhos pelos quais o transporte, as organizações de retaguarda e os soldados devem movimentar-se. As organizações de retaguarda desnecessárias devem ser retiradas com antecedência.

5. Se a batalha na linha principal de Istra-Pavlovskaya-Soloboda-Zhavoronki resultar desfavoravelmente, o 5o Exército tem de recuar não só para o perímetro fortificado em torno de Moscou, mas para nor-nordeste de Khimki, e seu flanco esquerdo para as unidades do 33o Exército ao sul de Peredelkino e Lyubertsy. Essas unidades devem ser retiradas para a reserva do exército, passando em torno da Zona Fortificada de Moscou do sudeste e leste para a área de Pushkino.

6. Em conseqüência disso, a base de abastecimento do 5o Exército tem de ser a Estação de Pushkino, e a do 33o Exército, a Estação de Ramenskoye. Os 16o, 43o e 49o Exércitos têm de fixar-se em estações de abastecimento dentro das suas linhas de demarcação.

7. Para cobrir a retirada planejada das unidades dos Exércitos ao longo da rede rodoviária Novo Petrovskoye-Kubinka-Naro-Fominsk-Vorobya, a defesa antitanques feita por regimentos de artilharia das forças de defesa deve ser providenciada antecipadamente. Isto tem de anular qualquer possibilidade de uma penetração Panzer inimiga na retaguarda.

Parte das forças dos Exércitos ocupará previamente a principal linha de defesa nos eixos mais importantes, com unidades de infantaria e, em especial, com artilharia e baterias de foguetes.

O 16o Exército deslocará os remanescentes da 126a Divisão de Fuzileiros da linha nas áreas de Klin e Troitskoye antecipadamente: o 5o Exército fará o mesmo nas áreas de Davidkovo e Krasnaya Pakhra com a 110a ou a 113a Divisão; e o 43o Exército na área a oeste de Podolsk e Lopasnya, com a 53a Divisão de Fuzileiros.

8. O Controle dos Exércitos pela Frente durante a retirada será providenciado através da rede de comunicações do Comissariado Popular de Defesa em Moscou; simultaneamente, se preparará uma rede de comunicação e localização para o QG da Frente na área de Orekhovo-Zuyevo ou Likino-Dulevo. (Assinado) Comandante da Frente Ocidental, General-de-Exército Zhukov; Membro do Conselho Militar da Frente Ocidental, Bulganin; Chefe do Estado-Maior da Frente Ocidental, Tenente-General Sokolovsky, 19 de outubro de 1941.

 

Este plano foi transmitido aos comandantes-de-exército que, sob condições específicas de sigilo, elaboraram seus próprios planos de acordo com ele. Contudo, como sabemos, embora o STAVKA a confirmasse, a retirada da linha Mozhaysk teve de ser realizada pelas forças da Frente numa luta muito árdua, na qual tentaram atrasar o inimigo tanto quanto possível, e conseguir o máximo de tempo para concentrar as formações que estavam chegando da reserva do STAVKA e para reforçar a linha de defesa de retaguarda.

 

O Conselho Militar da Frente Ocidental lançou uma exortação às suas tropas, em que dizia: “Camaradas! Nesta hora de ameaça de perigo para o nosso estado, a vida de cada um de vocês pertence à Mãe-Pátria. Ela exige de todos nós a maior capacidade de resistência, bravura, heroísmo e firmeza. A Mãe-Pátria nos chama para que nos transformemos numa muralha indestrutível e bloqueemos o caminho às hordas fascistas até nossa amada Moscou. Agora, como nunca, exige-se a vigilância, a disciplina férrea, a determinação na ação, a vontade inabalável de vencer e disposição para a abnegação.

 

Não creio ser necessário descrever o curso da batalha, porquanto isso já foi feito muitas vezes, com detalhes, em vários relatórios e em livros. Bem conhecido também é o resultado das batalhas por parte da defesa, em outubro, às portas de Moscou. Num mês inteiro de luta feroz e sangrenta, as forças alemãs conseguiram avançar cerca de 230 a 250 km ao todo. Entretanto, o plano do comando nazista no sentido de capturar Moscou foi destruído, as forças inimigas foram bastante desgastadas e seus grupos de ataque se estenderam profundamente. A ofensiva alemã perdia impulso dia a dia e, pelo final de outubro, parara ao longo da linha de frente que ia desde Turginovo, passando por Volokolamsk, Dorokhovo, Naro-Fominsk, a oeste de Serpukhov, até Alexin. Na área de Kalinin, as forças da Frente de Kalinin já então também tinham estabilizado a defesa. (Devido à grande extensão da Frente Ocidental e às dificuldades surgidas no controle das forças na área de Kalinin, o STAVKA decidiu, a 17 de outubro, agrupar os 22o, 29o e 30o Exércitos sob o comando de uma nova Frente de Kalinin, dirigida pelo Coronel-General Konev, tendo o Comissário de Corpo D. S. Leonov como Membro do Conselho Militar e o Major-General I. I. Ivanov como Chefe do Estado-Maior).

 

A Frente de Briansk, cujas tropas, por volta de 30 de outubro, haviam recuado para a linha Alexin-Tula-Efremov-Tim, destruiu o plano do inimigo de tomar Tula e cobriu as rotas par Yelets e Voronezh.

 

Quando falamos de feitos heróicos, não nos referimos apenas aos dos nossos esplêndidos soldados, oficiais e elementos políticos. O que se realizou na Frente, em outubro, e depois nas batalhas que se seguiram, tornou-se possível graças à unidade e aos esforços conjuntos das tropas soviéticas, dos trabalhadores da capital e da Região de Moscou, apoiados unanimemente por todo o povo do país inteiro.

 

As diversas atividades da organização partidária de Moscou e sua Região, reunindo e convocando as massas de trabalhadores para defender a capital contra um inimigo implacável, uniram-se numa epopéia heróica. Os lemas inspiradores do Comitê Central do Partido, da cidade de Moscou e das Organizações Partidárias de Oblast eram caros a todos os moscovitas, a todos os soldados e a todo o povo soviético, e ressoaram profundamente em seus corações. Os trabalhadores de Moscou, em união com os soldados, juraram resistir até a morte e impedir a chegada do inimigo à capital, e cumpriram esse juramento com honra.

 

Lembremo-nos que somente em outubro e novembro de 1941, os trabalhadores da capital forneceram à Frente cinco divisões de reforços. Ao todo, desde o começo da guerra, os moscovitas haviam formado 17 divisões. À parte as divisões voluntárias da Milícia Popular, eles criaram e armaram centenas de destacamentos, de grupos de combate e destacamentos para destruir os tanques, contra a possibilidade de uma penetração inimiga até a cidade. A 13 de outubro de 1941, os ativistas do Partido da capital resolveram criar contingentes de trabalhadores em cada região urbana. E logo, literalmente em poucos dias, surgiram 25 companhias e batalhões independentes, com cerca de 12.000 recrutas em suas fileiras, sendo a maioria deles comunistas e membros da juventude do Partido. Mais outros 100.000 trabalhadores moscovitas submeteram-se a treinamento militar em suas horas de folga, sendo depois convocados para unidades de combate, enquanto que cerca de 17.000 mulheres de várias idades foram treinadas como enfermeiras ou para exercer outras funções em equipes médicas.

 

Havia elementos especializados nas diversas profissões civis, como arquitetos, engenheiros, técnicos e cientistas ou até mesmo artistas - naturalmente, reduzido número deles estava acostumado ao sistema militar, que era uma novidade para eles, e já entravam em ação quando ainda lhes faltava muito o que aprender. Mas todos tinham algo em comum, algo que os fazia sobressair: elevado grau de patriotismo, perseverança inabalável e infinita crença na vitória. Teria sido coincidência, que das unidades voluntárias de guerra organizadas na capital criou-se o esplêndido contingente de voluntários moscovitas depois da experiência adquirida em combate? Os moscovitas formavam o núcleo de muitas subunidades especializadas do Serviço de Inteligência, eram excelentes esquiadores e integravam as patrulhas guerrilheiras.

 

Os habitantes da capital que, com suas próprias mãos, construíram instalações de defesa para protegê-la, jamais terão seus feitos esquecidos. Mais de 500.000 trabalhadores de Moscou e de sua Região, na maioria mulheres, construíram defesas nos acessos distantes e próximos da cidade.

 

Nos anos do pós-guerra, generais nazistas e historiadores burgueses têm tido muito o que dizer sobre a Rússia no que se refere às más condições das estradas, à lama, por um lado e, por outro, à neve. Este tipo de criação de mitos já foi devidamente posto de lado. Não obstante, gostaria de, uma vez mais, chamar a atenção dos leitores para o que o general alemão Tippelskirch escreveu, afirmando serem eles os principais elementos que impediram as forças nazistas de capturar Moscou: “Tornou-se impossível caminhar nas estradas”, escreve ele, “a lama gruda-se aos nossos pés, às patas dos animais. Às rodas das carretas e dos veículos... a ofensiva parou”.

 

Quando os generais nazistas planejavam sua expedição para o leste, será que eles realmente esperavam ir até Moscou e além, em boas estradas, e até pavimentadas? Bem, se esperavam, pior para eles e para as forças nazistas, que, como Tippelskirch afirma, foram desagradavelmente detidas pela lama nos caminhos de acesso a Moscou. Naqueles dias, eu vi com meus próprios olhos milhares e milhares de mulheres moscovitas, a maioria delas desacostumadas com o trabalho pesado da engenharia civil, e que haviam saído dos seus apartamentos na cidade usando roupas leves. Sob aquelas mesmas e péssimas condições do tempo e na mesma lama, elas estavam cavando fossos e trincheiras antitanques, erguendo obstáculos antitanques, preparando barricadas e redes de arame farpado e arrastando sacos de areia. A lama também se grudava aos seus pés e às rodas dos carrinhos de mão em que transportavam a terra, e trabalhavam com as pás, que de modo algum eram feitas para mãos femininas, tão incomparavelmente pesadas... Não creio que preciso ir mais adiante com a comparação, mas posso acrescentar, a bem dos que desejam ocultar as verdadeiras razões da sua derrota na lama, que,  em outubro de 1941, a estação das más estradas foi relativamente curta. O tempo frio começou no limiar de novembro, a neve caiu e o terreno e as estradas tornaram-se perfeitamente transponíveis em toda parte. Nos dias de novembro, da “ofensiva geral” alemã, a temperatura na área de combate de Moscou estabilizara por volta dos sete a dez graus abaixo de zero e todos sabem que nessas temperaturas não existe lama.

 

Mas os moscovitas continuaram trabalhando abnegadamente, mesmo na neve, erguendo instalações de defesa. A construção do perímetro externo da zona de defesa de Moscou ficou pronta a 25 de novembro. E ali, como eu sabia, trabalharam mais de 100.000 moscovitas, com as mulheres predominando naquele número. Nessa linha, eles construíram 1.428 embasamentos e ninhos de artilharia e de metralhadoras, 160 km de fossos antitanques, 122 km de alambrados em três fileiras, e grande número de outros obstáculos. Contudo, não foi apenas com isso que eles contribuíram para nossa vitória comum. A determinação dos trabalhadores de se sacrificarem em defesa da sua capital teve grande efeito moral sobre os soldados, multiplicando sua força e estimulando, ainda mais, sua vontade de lutar.

 

Diariamente ouvíamos falar do trabalho insano dos moscovitas, que em quase todas as fábricas de Moscou instalavam equipamento para fabricação e a produção de material bélico, e esse movimento prosseguia não só nas grandes fábricas como também nas indústrias locais e nas cooperativas industriais.

 

Tampouco posso esquecer-me de mencionar aqueles milhares de moscovitas dos destacamentos e equipes da Defesa Civil que passavam dia e noite de vigia nos telhados. Centenas de mulheres, não importando a idade, trabalhavam voluntariamente nos hospitais, tentando recuperar os soldados feridos e cercando-os de carinho e abnegação. E que prazer era evocado em cartas, telegramas e pacotes dos moscovitas e de trabalhadores de todo o nosso país! Durante a batalha de Moscou, os soldados receberam 450.000 pacotes e 700.000 peças de roupa, incluindo alguns provenientes da República Popular da Mongólia, cuja delegação, dirigida pelo marechal Choibalsan, chegou à nossa Frente.

 

A 1o de novembro fui chamado ao STAVKA: Stalin disse: “À parte a reunião cerimonial do aniversário da Revolução de Outubro, queremos realizar também um desfile militar em Moscou. O que você acha? Será que a situação na Frente nos permitirá fazer esses festejos?”

 

Informei-lhe que, durante os próximos dias, o inimigo não estaria em posição de iniciar uma grande ofensiva, porquanto havia sofrido pesadas baixas durante a batalha de outubro, e estava agora ocupado em reforçar e reagrupar suas tropas. Quanto à sua Força Aérea, ela poderia ser posta em ação durante aqueles dias e muito provavelmente tentaria fazê-lo.

 

Portanto, decidiu-se reforçar as defesas aéreas da capital com os caças trazidos das Frentes vizinhas e realizou-se o tradicional desfile na Praça vermelha. Tudo saiu muito bem e após o desfile cerimonial perante o mausoléu de Lenine, as unidades e as formações retornaram à Frente. A repercussão local e internacional desse desfile de outubro foi sem dúvida extraordinária.

 

Na primeira quinzena de novembro, o Comando Supremo Soviético, que esperava que o inimigo tentasse novamente atacar Moscou, continuou a tomar todas as providências possíveis nas circunstâncias para frustá-lo. As forças da Frente Ocidental continuaram a reforçar as linhas de defesa que ocupavam, e houve alguns reagrupamentos. Das 18:00 h de 10 de novembro em diante, o 50o Exército e a defesa de Tula foram entregues à Frente Ocidental por decisão do STAVKA e a Frente de Briansk foi dissolvida (seus 3o e 13o Exércitos foram incorporados à Frente Sudoeste). Nossa transferência do setor de Tula juntamente com o 50o Exército significava que nossa frente de defesa foi bastante ampliada, especialmente porque esse exército era, em número, muito fraco. Todavia, a reserva do STAVKA continuou enviando-nos novas formações, munição, materiais de comunicações e suprimentos. Casacões de pele, botas de feltro, trajes menores quentes, casacos reforçados e chapéus de pele com tapa-orelhas chegaram em grande quantidade à Frente, ao exército e aos depósitos. Em meados de novembro, nossos combatentes achavam-se adequadamente agasalhados e protegidos do frio e sentindo-se bem mais a vontade que os soldados da Alemanha nazista, que envergavam roupas quentes, mas confiscadas à população civil. Naqueles tempos começaram a aparecer galochas grandes e grosseiras em uso por muitos soldados alemães, e que lhes retardavam bastante os movimentos. Não obstante, segundo informações obtidas, sabíamos que os alemães entregavam-se à formação de novos grupos, e ao que tudo indicava estavam prestes a reiniciar a ofensiva.

 

Os contingentes extras de fuzileiros e blindados que havíamos recebido da Reserva do STAVKA haviam-se concentrado nos eixos mais vulneráveis sobretudo em Volokolamsk-Klin e Istra, onde tínhamos como certo o principal ataque blindado. As 17a, 18a, 20a, 24a e 44a Divisões de Cavalaria integraram o 16o Exército e foram deslocados no eixo Volokolamsk-Klin, enquanto que forças adicionais solicitadas também chegaram à área Tula-Sepurkhov, onde se esperava que o 2o Exército Panzer e o 4o Exército desfechassem o ataque. A 9 de novembro, o Corpo de Cavalaria do general P.A Belov, a 415a Divisão de Fuzileiros, a 112a Divisão de Tanques e a 33a Brigada de Tanques alcançaram a ala esquerda da frente. Note-se que embora a Frente Ocidental tivesse recebido reforços de grande monta e ainda contasse com a ajuda de seis exércitos em meados de novembro, a defesa era de pouca profundidade, mais ainda no centro, porquanto nossa linha de frente ultrapassava os 600 km de extensão. assim sendo, em primeiro lugar tentamos usar essas forças na proteção dos eixos mais ameaçados nos flancos e, onde possível, destacar algumas tropas para a Reserva da Frente, no caso de serem ali necessárias. Contudo, a ordem do Comandante Supremo, chegada a 13 de novembro, obrigou-nos a fazer algumas alterações radicais em nossos planos. Stalin telefonou: “Como é que o inimigo está-se comportando?” perguntou-me.

 

“Ele está em fins de preparativos na renovação dos grupos de assalto e ao que parece a ofensiva deverá começar logo”, respondi.

“E onde você acha que se dará o ataque principal?”

“Esperamos o ataque mais poderoso da área de Volokolamsk-Novo-Petrovskoye, rumando para Klin e Istra. O exército de Guderian provavelmente desfechará o ataque no sentido de flanquear Tula e dirigir-se para Venev e Kashira”.

“Shaposhnikov (Chefe do Estado-Maior-Geral) e eu concordamos”, disse Stalin, “que temos de anular o golpe que o inimigo nos está preparando; para isso devemos tomar a iniciativa e contra-atacá-lo, antecipadamente, flanqueando Volokolamsk pelo norte e também da área de Serpukhov para dentro do flanco do 4o Exército Alemão. É evidente que grandes forças estão-se agrupando naquelas áreas visando a um ataque na direção de Moscou.”

“De onde virão as forças para esses contra-ataques?” perguntei. “A Frente não dispõe das tropas necessárias. As forças que temos são apenas suficientes para defender as posições que ora ocupamos”.

“Na área de Volokolamsk apele para as tropas localizadas no flanco direito do exército de Rokossovsky, da 58a Divisão de Tanques, das Divisões de Cavalaria Independentes e do Corpo de Cavalaria de Dovator. Na área de Serpukhov ponha em ação o Corpo de Cavalaria de Belov, a Divisão de Tanques de Getman e parte do 49o Exército”, sugeriu Stalin.

“Isso é impossível no momento”, repliquei, “não podemos arriscar-nos a lançar as últimas reservas da Frente em contra-ataques duvidosos, pois assim ficaremos sem reforços para nossos exércitos quando os grupos de assalto do inimigo atacarem”.

“Você dispõe de seis exércitos na sua Frente. Isso não basta?”

Respondi que a frente de defesa das tropas da Frente Ocidental era muito ampla, e incluindo suas reentrâncias atualmente cobria mais de 600 km, enquanto que nossas reservas estavam bastante desfalcadas, muito mais no centro da frente.

“Considere como solucionada a questão dos contra-ataques. Mande-me seu plano ainda esta noite” - e assim foi dada a última palavra de Stalin sobre o assunto.

 

Tentei novamente convencer Stalin da insensatez de contra-atacar com nossas únicas reservas, e cheguei a alegar que o terreno ao norte de Volokolamsk não era favorável ao plano. Ele, no entanto, desligou o telefone.

 

Essa conversa me deixou bastante deprimido, não tanto é claro, por ter o Comandante Supremo discordando da minha opinião, mas porque Moscou, que os soldados haviam jurado defender até sua última gota de sangue, corria perigo mortal, enquanto que ordens categóricas haviam sido dadas no sentido de lançar em contra-ataques, a priori muito dúbios, nossas únicas reservas. Se as empregássemos, não poderíamos reforçar os pontos fracos existentes na defesa.

 

Quinze minutos depois, Bulganin, Membro do Conselho Militar, veio ter comigo. Parecia que o Comandante Supremo desligara o telefone logo após a conversa tida comigo, e que ele dissera: “Você e Zhukov estão querendo bancar os importantes. Mas nós os poremos nos seus devidos lugares”. Stalin ordenou-lhe que se juntasse a mim e ambos organizássemos os contra-ataques imediatamente.

 

Duas horas depois, o QG da Frente despachara a ordem dos contra-ataques para os comandantes dos 16o e 49o Exércitos e para as outras formações e disso demos conhecimento ao STAVKA. Montamos os contra-ataques, mas a 15 de novembro, literalmente tendo-nos em seus calcanhares, o comando nazista reiniciou a ofensiva contra Moscou. O curso da batalha naqueles dias já deve ser bem conhecido dos leitores e, portanto, só contarei alguns detalhes e episódios, para preencher o quadro geral.

 

Como já se sabe, o ataque inimigo a noroeste de Moscou abateu-se sobre o flanco esquerdo do 30o Exército da Frente de Kalinin, cujas defesas eram muito fracas ao sul do “Mar de Moscou”, e, simultaneamente, sobre o flanco direito, e o centro do 16o Exército da Frente Ocidental. Mais de 300 tanques estavam operando contra esses exércitos que tinham apenas 56, leves e pouco municiados.

 

Os alemães penetraram o 30o Exército e acionaram sua ofensiva a alta velocidade diretamente a Klin a partir da manhã de 16 de novembro. Não tínhamos reserva alguma ali. No mesmo dia abateu-se poderoso golpe inimigo da área de Volokolamsk contra o eixo de Istra, onde foram lançados 400 tanques médios e pesados, enquanto que nossas forças só podiam contar com cerca de 150 tanques médios e leves.

 

Às 23:00 h de 17 de novembro, o STAVKA transferiu o 30o Exército de Kalinin para a Frente Ocidental, cujas defesas estenderam-se, assim, ainda mais para o norte, até o Mar de Moscou. Pelo anoitecer de 23 de novembro, depois de violenta batalha o inimigo havia tomado Klin e rumava para Dmitrov, enquanto que alguns dos tanques se desviaram para Solnechnogorsk. No dia 25 de novembro, o 16o Exército retirou-se de Solnechnogorsk. Para aquela área, à disposição do General Rokossovsky, o Conselho Militar da Frente redeslocou o máximo de tropas dos outros setores, inclusive pelotões e grupos individuais de soldados e fuzileiros antitanques, grupos individuais de tanques, baterias de artilharia e baterias antiaéreas retiradas da área de Moscou. A situação tornava-se cada vez mais crítica. Nossa frente defensiva curvava-se para dentro. Estávamos enfraquecendo muito em alguns lugares, e isso nos dava a sensação de que o inevitável estava ocorrendo. Mas não! As tropas soviéticas lutaram com tremenda bravura e conseguiram resistir até que a 7a Divisão chegasse à área de Solnechnogorsk, vinda de Serpukhov, trazendo duas brigadas de tanques e dois regimentos de artilharia antitanques da Reserva do STAVKA. Com o auxílio desses formidáveis reforços, nossas tropas puderam tornar a estabelecer uma frente de defesa intransponível. Nos primeiros dias de dezembro, a característica da luta e a força dos golpes desfechados pelos alemães davam a impressão de que o inimigo estava-se esgotando e não dispunha mais de tropas ou recursos com que empreender operações ofensivas de grande vulto nesse eixo.

 

Os acontecimentos decorrentes nos outros eixos desenvolveram-se de maneira quase tão intensa, pois ali as forças inimigas tiveram a oportunidade de desfechar seus mais violentos ataques. As divisões da ala direita do grupo alemão de Volokolamsk conseguiram chegar à área a 8 km a nordeste de Zvenigorod no dia 2 de dezembro, mas no dia seguinte já não mais tinham possibilidade de prosseguir. A fim de cooperar com as forças atacantes, o inimigo resolveu passar à ofensiva, a 1o de dezembro, num setor anteriormente inativo próximo de Naro-Fominsk. Ele conseguiu penetrar a frente do 33o Exército e chegar à área de Aprelevka, mas nos dias 3 e 4 de dezembro, os contra-ataques de unidades dos 5o, 33o e 43o Exércitos derrotaram as forças inimigas que haviam penetrado e as fizeram retornar à margem ocidental do rio Nara.

 

Nos eixos de Maloyaroslavets e Serpukhov, nossos soldados lograram passar à ofensiva entre 16 de novembro e 2 de dezembro. Até 30 de novembro houve tremendas lutas nas áreas de Kashira e Mordves, depois então, o General Guderian, Comandante do 2o Exército Panzer, ordenou que este passasse à defensiva. As forças soviéticas repeliram todos os ataques inimigos na área de Tula, causando-lhe sérios danos e impediram seu avanço na direção de Moscou.

 

Os alemães ignoraram as perdas sofridas e continuaram avançando desenfreadamente, numa tentativa de penetrar a qualquer preço até Moscou com suas cunhas Panzer. Mas graças à perfeita cooperação das formações e unidades de todas as armas das forças armadas, nossa defesa profundamente escalonada de artilharia e antitanques pôde facilmente resistir a essa vigorosa arremetida. Muitos milhares de cadáveres de soldados alemães jaziam espalhados pelos campos de batalha, mas de lugar algum suas tropas conseguiram penetrar até Moscou. Obedecendo ao esquema da batalha, as forças soviéticas foram deslocadas dentro da maior ordem para linhas antecipadamente preparadas e ocupadas pela artilharia e por elas tornaram a lutar com tenacidade, repelindo ataques furiosos.

 

Em Moscou, o Comitê Estatal de Defesa, parte da liderança do Comitê Central do Partido e o Conselho dos Comissários do Povo continuaram a funcionar. Os trabalhadores labutavam tenazmente de 12 a 18 horas por dia, abastecendo as Frentes que estavam defendendo a capital com armas, equipamento, munição e outros recursos materiais, como também se dedicavam ao reparo de equipamento e tanques.

 

Não me lembro da data exata, mas sei que foi pouco depois de se ter dado a maior penetração tática alemã, no setor do 30o Exército e no flanco direito do exército de Rokossovsky, de modo que, provavelmente a 19 de novembro, Stalin me telefonou e perguntou: “Você tem certeza de que pode defender Moscou? Lamento muito fazer-lhe tal pergunta, mas responda com a franqueza inerente a um comunista.”

“Naturalmente que defenderemos Moscou. Mas precisamos, pelo menos, de mais dois exércitos e, no mínimo, de 200 tanques.”

“Fico satisfeito em vê-lo tão confiante”, concluiu Stalin. “Telefone para Shaposhinikov e acerte com ele sobre o local de concentração dos dois exércitos de reserva que você precisa, pois estarão prontos em fins de novembro, mas por enquanto não dispomos de tanques.”

 

Meia hora depois, Shaposhnikov e eu havíamos concordado que o 1o Exército de Choque, ainda em fase de formação, se concentraria na área de Yakhroma, e o 10o, na região de Ryazan.

 

Por volta de 5 de dezembro, as forças alemãs de todos os setores da Frente Ocidental tinham-se exaurido e se colocaram na defensiva, diante dos nossos ataques. Evidentemente, isto significava nada menos que o fracasso dos planos de Hitler com relação a uma guerra-relâmpago. A impossibilidade de realizar todas as operações estratégicas na frente germano-soviética fez baixar o moral das forças alemãs e despertou as primeiras dúvidas se seria, ou não, possível vencer a guerra. A liderança nazista estava desacreditada aos olhos da opinião pública mundial. As forças soviéticas, estimuladas pelos sucessos alcançados nas batalhas defensivas e pelo êxito formidável em proteger Moscou, começaram a contra-ofensiva  sem qualquer tipo de pausa. Este foi um grande e jubiloso acontecimento, que provocou tremendo entusiasmo não só ao povo soviético e seus soldados, como também a muitas outras comunidades. Mas antes de tocar nisso, gostaria de abordar outra questão.

 

Algumas obras que relatam história militar dizem que as batalhas travadas pelas Frentes Ocidental, de Reserva e de Briansk em outubro não deveriam ser incluídas na heróica batalha de Moscou. Também se afirma que os alemães tinham sido completamente detidos na linha de defesa de Mozhaysk em fins de outubro ou começos de novembro e que o Alto-Comando nazista teve de preparar uma nova “operação ofensiva geral” para o ataque a Moscou. Não posso concordar de maneira alguma com esse tipo de declarações.

 

Ao realizar as operações de outubro no eixo de Moscou, de codinome “Tufão”, o Alto-Comando alemão contava em derrotar as forças soviéticas nos eixos Viazma-Moscou e Briansk-Moscou e tomar Moscou no menor espaço de tempo possível, flanqueando-a pelo norte e pelo sul. Quanto à forma e método de operações, eles pretendiam alcançar esse objetivo estratégico em seqüência, por meio de duplo cerco. O primeiro cerco e a derrota das forças soviéticas ocorreriam na área de Briansk-Viazma; o segundo cerco e a captura de Moscou seriam realizados com o concurso de grupos Panzer vindos do Noroeste, através de Klin, e do sul, através de Tula e Kashira, fechando assim as pinças do cerco estratégico na área de Noginsk.

 

Em princípios de outubro os alemães haviam alcançado com todo sucesso o seu objetivo principal, tendo por base sua superioridade em potencial humano e em equipamento e tirando bom partido dos erros cometidos pelas Frentes. Quanto ao seu objetivo estratégico final - a captura de Moscou - ele não foi alcançado porque as forças principais foram atrasadas pela necessidade de combater as tropas soviéticas cercadas na área de Viazma (unidades dos 19o, 16o, 20o, 24o, 32o Exércitos e do grupo de Boldin). As limitadas forças que o inimigo lançou para romper a linha Mozhaysk e chegar à área de Moscou conseguiram fazer recuar as forças soviéticas para a linha Volokolamsk-Dorokhovo-Rio Protva-Rio Nara-Alexin-Tula, mas não cumpriram sua tarefa, a penetração.

 

A meu ver, a alegação de que, durante novembro, os alemães tiveram grande necessidade de reabastecer suas forças e suprimentos, e reagrupar algumas das formações Panzer na sua ala esquerda, não serve de modo algum como argumento adequado para a conclusão de que tinham de preparar uma “nova ofensiva geral”. Sabe-se perfeitamente que tais providências são normais em todas as operações ofensivas estratégicas e, portanto, não podem representar fatores que determinem o começo e o fim.

 

Desde a guerra, muitas vezes me têm perguntado como as forças soviéticas conseguiram deter a arremetida dos mais poderosos grupos de assalto alemães na direção de Moscou. Muito se tem escrito a respeito, na maioria corretamente, do curso da batalha defensiva na frente de Moscou. Todavia, como ex-Comandante da Frente Ocidental, gostaria de expressar aqui minha opinião.

 

O Supremo Comando nazista, ao planejar uma operação estratégica em grande escala e complicada como a “Tufão”, subestimou seriamente as forças, o estado e a capacidade de luta do Exército Soviético em defender Moscou, e, por outro lado, superestimou flagrantemente a capacidade das suas próprias forças, que se concentraram a fim de penetrar nossa frente de defesa e capturar a capital soviética. Ele teve, além disso, algumas falhas graves na formação dos grupos de ataque para o segundo estágio da “Operação Tufão”. Seus grupos de ataque de flanco, especialmente os que operaram na área de Tula, eram por demais fracos, e não tinham a infantaria necessária. Jogar inteiramente com base em formações Panzer naquela situação específica, provou ser um grave erro na prática, pois elas se desgastaram, sofreram pesadas baixas e perderam a capacidade de penetração.

 

O Comando alemão fracassou quando não providenciou antecipadamente um ataque visando à imobilização no centro da nossa frente, muito embora contasse com forças adequadas para isso. Assim sendo, foi-nos permitido transferir todas as reservas, incluindo reservas divisionais, dos setores centrais para os flancos da Frente, e então pudemos facilmente combater os grupos de ataque inimigos. As pesadas baixas, a falta de preparo para lutar nas condições invernais e a ferocidade da oposição soviética influíram de modo preponderante para abater o instinto bélico alemão.

 

Por volta de 15 de novembro, nosso Serviço de Inteligência conseguira verificar que grupos de ataque estavam concentrando-se nos flancos da frente de defesa, e identificar os eixos por onde se encetariam os ataques mais importantes da campanha. Assim, enfrentamo-los a tempo com uma defesa bastante escalonada, relativamente bem abastecida de recursos antitanques e de sapadores; também ali se achavam concentradas todas as principais unidades de tanques. Nossos homens sentiam-se profundamente cônscios de que eram pessoalmente responsáveis pelo destino de Moscou e pelo da sua Mãe-Pátria e estavam decididos a morrer a permitir que o inimigo penetrasse até a capital.

 

O famoso decreto do Comitê Estatal de Defesa, de 19 de outubro, proclamado Estado de Sítio em Moscou e na área adjacente, e também declarando luta decisiva pela disciplina rígida e pela manutenção da devida ordem em todas as forças armadas que defendiam Moscou, desempenhou papel relevante. Em todos os níveis de comando e de estado-maior pudemos melhorar consideravelmente o controle das forças e isto as ajudou no cumprimento das suas missões de combate com inteira precisão.

 

O Diretório Operacional do Estado-Maior-Geral realizou um trabalho imenso e profícuo na organização das operações de defesa das tropas da direção estratégica ocidental, e pessoalmente pelo Subchefe do Estado-Maior-Geral, Tenente-General A M. Vasilevsky. Sua avaliação correta da situação no eixo ocidental no período de 2 a 9 de outubro, e suas propostas práticas, lançaram a base das providências ditadas pelo STAVKA. Dia e noite, os oficiais do Estado-Maior-Geral - Superiores ou não - trabalhavam infatigavelmente, acompanhando cada passo das forças inimigas e fazendo sugestões inteligentes a fim de eliminar os pontos que ofereciam perigo.

 

O inimigo não teve possibilidade de penetrar nossa frente de defesa. Não conseguiu cercar sequer uma divisão ou disparar uma só granada de artilharia contra Moscou. Pelo começo de dezembro, ele já se esgotara e não podia contar com quaisquer reservas, enquanto que, durante esse tempo, a Frente Ocidental recebera do STAVKA dois exércitos recém-preparados e várias formações de onde se originou um terceiro exército (o 20o). Isto permitiu ao Comando Soviético organizar uma contra-ofensiva. Voltarei ao assunto no próximo capítulo.

 

A contra-ofensiva soviética

 

A ofensiva alemã na direção de Moscou fora detida em fins de novembro, mas estivera bem próxima de alcançar seu objetivo e isso pode ser constatado por qualquer pessoa que percorra a rodovia de Leningrado entre Moscou e o Aeroporto Internacional em Sheremetyevo, onde um monumento “Aos Defensores de Moscou” no lado sul da estrada indica o ponto culminante do avanço alemão - uma incursão até Khimki por motociclistas do 62o Regimento de Sapadores Panzer. O monumento ergue-se no quilômetro 23, apenas 26 km do Kremlin.

 

Na ocasião em que se deu aquela arrojada incursão, para os alemães e para Zhukov estava claro que a “Operação Tufão” fracassara. Relatórios das forças combatentes enviados ao OKH haviam-se referido por várias vezes, durante todo o mês de novembro, à ferocidade da resistência dos soviéticos. Os relatórios da Divisão Panzer SS “Das Reich”, por exemplo, descrevem a luta de 19-20 de novembro como sendo a mais feroz e sangrenta de toda a campanha no leste. Ninguém esmoreceu e nem se pôde notar qualquer sinal de que os soviéticos estavam cedendo à medida que o inimigo se aproximava de Moscou. Os homens de Zhukov resistiam, lutavam com tenacidade e quando sentiam a necessidade de recuar, normalmente o faziam em perfeita ordem, muitas vezes escapando sem serem vistos durante a noite, com a partida da retaguarda sendo anunciada por explosões e incêndios não só de pontes como também das aldeias e fazendas em que se haviam abrigado e nas quais os alemães esperavam abrigar-se contra o frio espantoso da noite seguinte. Essa tenacidade da defesa tornar-se-ia a marca registrada de Zhukov em Stalingrado e Kursk, e embora muitas vezes representasse uma sentença de morte coletiva de unidades inteiras, não podia haver dúvidas quanto à sua eficiência em solapar o moral alemão.

 

Contudo, o estágio de defesa numa batalha de Zhukov era muito mais longo do que o do simples atrito tipo Verdun tanto para o atacante como para o defensor. A sombria tenacidade, muitas vezes demonstrada por força de ameaça de horríveis castigos por retirada não-autorizada, não visava a um fim apenas. Apelava-se para ela objetivando atrair e rechaçar as reservas inimigas, até que a ofensiva vacilasse e morresse por falta de elementos humanos. Então, quando o inimigo estava prestes a se pôr na defensiva, mas ainda não se havia entrincheirado ou tomado uma posição preestabelecida, as reservas soviéticas, cuidadosamente concentradas enquanto as unidades usadas no estágio defensivo eram aniquiladas, seriam lançadas contra os alemães, tropas descansadas contra outras já esgotadas, unidades com efetivos totais, combatendo apenas remanescentes, para serem impelidas sempre à frente, até que, por sua vez, nada mais podiam fazer. Saber tolerar o insucesso de pesadas baixas com o intuito de conseguir grandes resultados era essencial em combates desse porte - toda batalha dirigida por Zhukov, desde Moscou até Berlim, viu-se envolvida por mais de um milhão de soldados em cada lado, e em todas elas registraram-se baixas consideráveis. Mas raramente se incorria nessas perdas sem qualquer propósito, como as muitas que se deram na batalha das fronteiras, nos cercos de Bialystok, Minsk, Smolensk, Uman, Kiev e na costa do mar de Azov, ou nas batalhas de Viazma e Briansk, quando forças soviéticas, cujo efetivo variava de 100.000 a mais de 500.000, foram retidas e capturadas. Na maioria dos casos isto era feito por destacamentos alemães ridiculamente pequenos, e mostrando muito pouco resultado em troca de grandes sacrifícios. O misto crueldade/economia de Zhukov assegurou que também a Wehrmacht sangraria, enquanto que, nas primeiras batalhas, não foi o que aconteceu, pois somente o Exército Vermelho sangrara. E ele es diferenciou de muitos dos seus predecessores, porquanto suas baixas deram resultados. Na batalha de Moscou, sua desumanidade chegou ao máximo, em parte pelas razões emocionais já examinadas, e também porque já estava pesando a falta de recursos. Como ele observa, não se podia obter mais tanques para a contra-ofensiva, e assim tornou-se necessário pôr em ação cavalaria e tropas de esquis como pontas-de-lança; também não havia nenhuma possibilidade de fornecer sequer um homem ou canhão para os três exércitos no centro da sua frente, exércitos estes já carentes também de tanques. Zhukov ainda fala de escassez de munição, o que limitava a cadência de tiro da artilharia para um ou dois tiros por canhão por dia. Nas circunstâncias, talvez seja extraordinário que se pudesse montar qualquer ofensiva, mas esta foi montada e com êxito considerável, pois embora não se realizassem quaisquer cercos de grande importância, os campos da região de Moscou estavam juncados de equipamento abandonado pelos alemães, e com muitas divisões de Bock perdendo mais de três quartos dos seus veículos e artilharia.

 

A contra-ofensiva não foi uma obra de arte como a que se deu mais tarde, em Stalingrado, mas, como diz Zhukov, surgiu de contra-ataques que tinham logrado deter o Grupo de Exércitos Centro, em fins de novembro. Mesmo com reforços vindos do Extremo Oriente e com as novas divisões de reserva, compreendendo ao todo três exércitos, o 1o de Choque, 10o e 20o, mais as nove divisões de fuzileiros e de cavalaria, oito brigadas de fuzileiros e seis de tanques, que o STAVKA entregara a Zhukov para a contra-ofensiva, o Exército Vermelho não tinha superioridade em potencial humano. A 1o de dezembro, a Frente Ocidental podia contar com um efetivo total de combate de 557.726 homens; a Frente de Kalinin, 118.394, enquanto que a ala direita da Frente Ocidental contribuía com 63.398; para um total de 759.518 soldados de combate: 1.060.380, incluindo os elementos de serviço de retaguarda e demais não-combatentes. Uma relação alemã de prisioneiros de guerra de junho-dezembro de 1941 mostra que, no último mês, havia 3.350.639 soldados do Exército Vermelho aprisionados na Alemanha, número este mais de três vezes maior que o dos elementos disponíveis na frente de Moscou. Em contraste, os soldados alemães cuja maioria dos efetivos não se dava conta, que incluíam prisioneiros bem como desaparecidos, totalizam apenas 35.875 para todo o período de 22 de junho até 31 de dezembro de 1941, refletindo o fracasso da contra-ofensiva soviética em obter um grande cerco. Na verdade, as baixas provenientes de enregelamento no inverno de 1941-42, num total de 133.620, foram quase quatro vezes maiores. Não obstante, a Wehrmacht fora rijamente surrada e repelida do seu objetivo, recuando, em alguns setores, até 400 km entre dezembro de 1941 e março de 1942.

 

As tentativas alemãs de culpar o inverno, e não o Exército Vermelho, pela derrota em Moscou provocaram em Zhukov comentários tão mordazes quanto os que já havia feito sobre a lama. Na verdade, segundo ele, os generais alemães deveriam ter tido conhecimento sobre o inverno russo. Não há dúvida de que a Wehrmacht sofreu sérios prejuízos motivados pela falta de roupas adequadas para um inverno tão rigoroso, como o confirma o número de casos de eregelamento, a escassez de lubrificantes anticongelantes e apropriados para baixas temperaturas, e mesmo de uma graxa melhor indicada para granadas e cartuchos (a que eles usavam sofria efeito da temperatura e congelava, tornando necessário raspar cada granada antes de colocá-la na culatra, com efeitos desastrosos sobre a cadência de tiro), mas em sã consciência é justo reconhecer que todas as deficiências surgidas foram auto-impostas, embora inconscientemente, já que toda a campanha visava a um resultado rápido e nem sequer se pensou nos preparativos para enfrentar uma luta em pleno inverno. Desde que se pôs em prática o “plano Marcks”, esperava-se que a Rússia fosse derrotada antes da rasputitsa, em batalhas travadas de preferência a oeste da linha Dvina-Dnieper. Ao término da batalha de Smolensk, deveria ter ficado claro (a estatística do OKH apresentada a Hitler por Halder em junho e a 1o de dezembro é uma prova incontestável disso) que o objetivo que visavam não fora alcançado porque os planejadores da “Operação Barbarossa” haviam subestimado flagrantemente a quantidade e o espírito de luta das reservas soviéticas disponíveis. Já então talvez fosse tarde demais para recuar, mesmo que os generais o quisessem, o que não era o caso; depois da guerra o número de generais que reconheceu a situação era bem maior do que na época do conflito. Mas provavelmente não era tarde demais para começar a fazer preparativos, pelo menos para agasalhar as tropas; entretanto Guderian declara que quando requisitou roupas de inverno para seus homens, bem a tempo, as requisições não foram atendidas completamente e muitos soldados ainda estavam usando brim, às portas de Moscou, em temperaturas de 40 a 50 graus (centígrados) abaixo de zero. Se o número dos efetivos do Exército vermelho era mantido em absoluto segredo, o mesmo não se podia dizer dos rigores do inverno russo, e o sarcasmo de Zhukov talvez seja compreensível. Dito isso, é inegável que seus soldados, embora não mais imunes ao frio do que os alemães, estavam mais acostumados com ele, achavam-se convenientemente vestidos para enfrentá-lo e dotados de equipamento adequado para essas circunstâncias. Ademais, em seus inúmeros relatórios os alemães atestam a destruição sistemática, feita pelas forças do Exército Vermelho em retirada, de prédios que poderiam abrigá-los, mostrando que os soviéticos estavam perfeitamente cônscios das dificuldades do inimigo e souberam explorá-las de maneira inteligente, o que, afinal de contas, nada mais é que uma característica da estratégia militar.

 

Zhukov não é de perder muito tempo em comentar fatos que poderiam ter acontecido, como vários generais alemães e historiadores militares ocidentais têm feito desde a guerra. Por exemplo, ele não fala na possibilidade de que o ataque a Moscou teria tido êxito, se tivesse sido realmente realizado sem alterações durante as campanhas de verão e outono. O máximo que ele se dá ao luxo de dizer é que a “Operação Tufão” foi concebida e executada com falhas, porquanto a força de Guderian que atacava na direção de Tula, numa tentativa de flanquear Moscou pelo sul, era débil demais, especialmente em infantaria, para sua tarefa, e que o fato de os alemães não terem atacado seu centro permitiu-lhe transferir todas as suas reservas para os flancos, contra as forças Panzer. Ele não menciona o argumento que Guderian apresentou de que se não lhe tivesse mandado mover-se para o sul, para Lokhvitsa, a “Tufão” poderia ter começado a tempo de alcançar a maioria dos seus objetivos antes do início da rasputitsa. Provavelmente é sensato acompanhar seu exemplo, embora tal cautela talvez requeira uma defesa. Esta defesa é simplesmente o fato de que, ao lidar com uma interação complicada entre adversários, como uma grande guerra é possível mudar apenas uma variável. A guerra é mais do que problemas matemáticos; as ações de um lado são afetadas pelas do outro. Se o Grupo de Exércitos Centro tivesse adotado um plano diferente, também o STAVKA ter-se-ia comportado de maneira diferente. Em primeiro lugar, a montagem da “Tufão” mais cedo teria levado os alemães a abrir mão do cerco dos exércitos de Kirpono em Kiev e, assim, teria dado ao STAVKA um acréscimo de 500.000 a 600.000 soldados e enfrentado o grupo de Exércitos Centro com uma possível ameaça de flanco de grandes proporções. Ela também teria necessitado uma retirada mais cedo do Grupo Panzer 4 da Frente de Leningrado, aliviando, assim, a pressão naquele local antes que Stalin despachasse Zhukov, que ficaria numa posição privilegiada para atacar o flanco de qualquer força alemã que tentasse penetrar para leste pela Frente de Reserva, pois lembremo-nos que ele acabaria de expulsar os alemães do bolsão de Yelnya. Como o próprio Guderian disse, num contexto inteiramente diferente, “Essas correntes de pensamento têm o poder de afastar muito um homem da realidade”.

 

A insistência de Hitler em resistir, embora a maioria dos generais na época não fosse da mesma opinião, subseqüentemente, no entanto, muitos deles acabaram concordando que fora a melhor tática, pois impedira que a retirada se transformasse numa debandada. Contudo, por estar certo nessa ocasião, Hitler resolveu repetir o feito, e, no ano seguinte, por recusar a permissão para que suas tropas sitiadas em Stalingrado se retirassem, ou até mesmo fossem encontrar-se com a força de auxílio que Hoth estava dirigindo, lançou esta ao fracasso e os 6o e 4o Exércitos Panzer à destruição. Assim, o expediente que poderia ter preservado grande parte do Grupo de Exércitos Centro de aniquilamento nas mãos das forças de Zhukov às portas de Moscou, em 1941, provavelmente contribuiu, em grande parte, para completar o triunfo do Marechal em Stalingrado em 1942. Segue-se o relato do Marechal Zhukov da contra-ofensiva e da ofensiva estratégica geral do inverno de 1941-42:

 

Quando nos referimos à transferência da defensiva para a ofensiva, pelas forças soviéticas na frente de Moscou, devemos lembrar-nos irrestritamente das características específicas da situação surgida no eixo estratégico ocidental em fins de novembro e começos de dezembro de 1941. Já então, as forças alemãs que haviam atacado o noroeste de Moscou e na área de Tula, com o objetivo de romper a resistência soviética nos flancos da Frente Ocidental, flanqueando e tomando Moscou, achavam-se numa frente muito ampla e inteiramente exaustas física e mentalmente. Como não dispunham de reservas operacionais ou táticas, os alemães já não podiam encerrar sua ofensiva com sucesso, muito embora continuassem a espicaçar nossa defesa, com sua atitude de espera. Na retaguarda, o movimento guerrilheiro pressionava cada vez mais.

 

Todavia, a situação dos soldados da defesa continuava extremamente tensa, pois as forças soviéticas, que também haviam sofrido grandes baixas, ainda não tinham conseguido deter por completo o inimigo. Este se achava nos umbrais da capital e, em alguns setores da linha de defesa avançada soviética, a apenas 30 km dela. Por conseguinte, o comando soviético não podia considerar resolvida a tarefa da batalha defensiva; o inimigo tinha de ser detido de uma vez por todas, e independente do que pudesse ocorrer depois.

 

Em vista da peculiaridade dessa situação, a contra-ofensiva das forças soviéticas na frente de Moscou surgiu no curso da própria batalha defensiva. Ela foi uma continuação dos contra-ataques das nossas tropas nos flancos da frente, que haviam iniciado no final de novembro e começo de dezembro. Além disso, a maneira de conduzi-la foi bem organizada e aperfeiçoada à medida que os contra-ataques prosseguiam.

 

Até o fim de novembro, nem o STAVKA nem as Frentes, sobretudo a Ocidental, cujas tropas na realidade estavam defendendo Moscou, tinham elaborado o plano para uma contra-ofensiva. Durante aquele tempo, todos os nossos pensamentos e ações estavam centralizados unicamente em deter as principais forças inimigas que haviam penetrado profundamente em nossa defesa, e infligir-lhes tal derrota que seriam obrigadas a abandonar sua ofensiva.

 

A 29 de novembro telefonei para Stalin, e depois que o pus a par da situação, pedi-lhe que desse uma ordem subordinando à Frente Ocidental o 1o Exército de Choque e o 10o Exército, que estavam na reserva do STAVKA, de modo a atacar mais vigorosamente os nazistas, detê-los e depois repeli-los de Moscou. Stalin ouviu-me atento e depois perguntou: “Você tem certeza que o inimigo entrou em crise e não está em posição de introduzir uma força grande e nova em ação?”

 

Respondi que o inimigo estava esgotado, mas a menos que se trouxessem mais forças as tropas da Frente seriam incapazes de liquidar essas penetrações perigosas. Se não as liquidássemos agora, o comando alemão poderia reforçar suas forças mais tarde recorrendo a grandes reservas criadas à custa dos Grupos de Exércitos Norte e Sul, e então nossa posição seria mais difícil.

 

O Comandante Supremo ficou de consultar o Estado-Maior-Geral. Por ordens minhas, o Chefe do Estado-Maior da Frente, General Sokolovsky, que também achava ser o momento bastante propício para pôr em ação o grosso do 1o Exército de Choque e o 10o Exército, telefonou para o Estado-Maior-Geral e defendeu o ponto de vista favorável de que se deveria entregar esses exércitos à Frente Ocidental o mais depressa possível. Mais tarde, na noite de 29 de novembro, recebemos o comunicado da decisão do STAVKA; o 1o Choque, o 10o e também todas as formações usadas para criar o 20o Exército foram subordinados à Frente Ocidental. Ao mesmo tempo, recebemos ordens de apresentar um plano para o seu aproveitamento.

 

Antes de clarear o dia 30 de novembro, Stalin telefonou e quis saber a opinião do Conselho Militar sobre uma contra-ofensiva que seria desfechada por todas as forças da Frente. Respondi que ainda não tínhamos nem tropas nem armas adequadas para tal empreendimento, mas que talvez pudéssemos realizá-lo pelo desenvolvimento de contra-ataques nas alas da Frente.

 

Durante o dia 30 de novembro, o Comando da Frente trabalhou num plano visando a uma contra-ofensiva com a colaboração dos exércitos que nos tinham sido entregues. A essência da decisão que tomamos é a seguinte: dependendo do tempo que levaria o desembarque e a concentração do 1o Choque, o 10o e o 20o Exércitos, a Frente poderia começar a contra-ofensiva a 3 ou 4 de dezembro. A primeira tarefa consistia em derrotar o principal grupo inimigo na ala direita por um ataque desfechado na direção de Klin, Solnechnogorsk e no eixo de Istra, e também os alemães da ala esquerda da Frente, derrotando-os em Uzlovaya e Bogoroditsk, numa penetração ao flanco e à retaguarda da força de Guderian. Os exércitos centrais da Frente passariam para a ofensiva a 4 ou 5 de dezembro, com o objetivo limitado de reter as forças inimigas que os enfrentavam e impossibilitando-as de transferir as tropas.

 

Até que se iniciasse a contra-ofensiva, nosso objetivo ainda era o mesmo: deter o avanço alemão a noroeste de Moscou e no eixo Kashira, e, para este fim, utilizamos as forças que estavam ali e, à medida que chegavam, também os elementos avançados das formações da reserva do STAVKA que tinham sido transferidas para nosso comando.

 

Nossa proposta para encetar a contra-ofensiva, planejada sobre um mapa, foi apresentada ao STAVKA a 30 de novembro, juntamente com uma nota explicativa, e Stalin aprovou-a sem qualquer alteração. Depois disso, as tropas foram encarregadas das seguintes tarefas: o 1o Exército de Choque (Tenente-General V.O. Kuznetsov) eliminaria as forças inimigas que haviam penetrado atrás do canal Moscou-Volga e depois deslocaria todas as suas forças na área Dmitrov-Yakhroma e atacaria em conjunto com os 30o e 20o Exércitos na direção de Klin e como também na direção-geral de Teryayeva Sloboda; ao 30o Exército coube a missão de derrotar o inimigo na área de Rogachevo-Borshchevo e, em cooperação com o 1o Exército de Choque, capturar a área de Reshetnikovo-Klin, atacando depois na direção de Kistlyakovo e Lotoshino; o 20o Exército atacaria da área de Krasnaya Polyana-Bely Rast, com a ajuda do 1o Choque e do 16o Exércitos, diretamente a Solnechnogorsk, flanqueando-o pelo sul e prosseguindo na direção de Volokolamsk. Além disso, a ala direita do 16o Exército deveria atacar na direção de Kryukovo e prosseguir para Istra; o 50o Exército, na defesa da área de Tula, foi encarregado de atacar na direção de Bolokhovo e Shchekino e, depois, operar conforme a situação. O Grupo Operacional de Belov atacaria partindo da área de Mordves na direção de Venev e prosseguindo para Stalinogorsk (Novomogorsk) e Dedilovo, em cooperação com os 50o e 10o Exércitos. O 10o Exército desenvolvido ao longo das linhas Derebryanye Prudy-Mikhaykov, deveria passar para a ofensiva contra Uzlovaya e Bogoroditsk e prosseguir para o sul do rio Upa.

 

Desse modo, as forças suplementares dos três exércitos a nós entregues foram introduzidas contra os grupos norte e sul de alemães.

 

Os quatro exércitos da Frente Ocidental que estavam defendendo no centro (5o, 33o, 43o e 49o) foram encarregados da tarefa de reter unidades e formações inimigas por meio de operações sem tréguas, para impedi-las de manobrar livremente as suas forças. Como estavam muito enfraquecidos, esses exércitos não eram capazes de operações mais decisivas.

 

Assim, em suma, nosso objetivo imediatamente era eliminar a ameaça a Moscou e pretendíamos dar aos exércitos suas outras tarefas de acordo com o desenrolar dos acontecimentos. Com as forças que tínhamos então, não podíamos dar, de imediato, objetivos mais amplos e decisivos às tropas da Frente. Na verdade, a despeito da transferência de três exércitos para a nossa Frente, ainda carecíamos de superioridade numérica sobre o inimigo, exceto em aviões. Mas não era só isto, pois a superioridade  dos alemães ainda se manifestava em tanques e artilharia. Esta circunstância era típica da situação na frente de Moscou durante aquele período.

 

Certo dia, quando Stalin falava comigo ao telefone (acho que foi na manhã de 2 de dezembro, embora não me recorde exatamente da data), ele perguntou: “Qual a avaliação que a Frente faz do inimigo e de suas capacidades?” Respondi que o inimigo estava perdendo o fôlego de uma vez por todas. Era evidente que ele já se sentia incapaz de reforçar seus grupos de ataque com reservas, e sem elas, as forças alemãs não poderiam realizar uma ofensiva. O Comandante Supremo disse: “Ótimo, telefonarei novamente”. Compreendi que o STAVKA estava pensando em outras operações para nossas forças.

 

Cerca de uma hora depois, o Comandante Supremo tornou a telefonar e perguntou o que a Frente pretendia fazer nos próximos dias. Informei-lhe que os soldados estavam preparando-se para uma contra-ofensiva, de acordo com o plano estabelecido.

 

Durante aqueles dias, o STAVKA e o Estado-Maior-Geral estavam pensando em como organizar as operações das outras Frentes (a Frente de Kalinin, e a ala direita do Sudoeste) de modo a dar todo o apoio possível à Frente Ocidental e obter maior efeito com as poucas forças que tínhamos à nossa disposição. O Subchefe do Estado-Maior-Geral, Tenente-General A. M. Vasilevsky, expusera uma idéia de acordo com essas diretrizes em conversações a 1o de dezembro em linha direta com o Comandante da Frente de Kalinin, Coronel-General I. S. Konev. Disse ele: “Só é possível interromper a ofensiva alemã contra Moscou e, assim, não só salvar a cidade como também iniciar uma séria derrota para o inimigo, pela realização de operações ativas com um objetivo decisivo. Se não fizermos isto nos próximos dias, depois será tarde demais. A Frente de Kalinin, que ocupa uma posição operacional extremamente favorável para nosso objetivo, não pode ficar fora disto”.

 

Numa conversação telefônica a 2 de dezembro, Stalin afirmou ter dado ordens à Frente de Kalinin e à ala direita da Frente Sudoeste para apoiar nossos ataques, que deveriam ser desfechados simultaneamente com as Frentes vizinhas.

 

Mais tarde, na noite de 4 de dezembro, o Comandante Supremo telefonou-me na linha direta e perguntou: “O que podemos dar para ajudar a Frente, à parte o que já temos feito?”

 

É compreensível que, levando em conta nossas possibilidades extremamente limitadas na época, não podíamos pedir muita coisa. Portanto, pensei sobretudo que precisávamos de apoio das forças aéreas da reserva do Comando Supremo e da defesa aérea da pátria. Naturalmente, 200 tanques com tripulações, ou mais, eram muito necessários se quiséssemos desenvolver nossa ofensiva com rapidez, porquanto a Frente não tinha muitos deles.

 

“Não há tanques e não podemos dar-lhe nenhum”, respondeu Stalin. “Mandaremos aviões. Telefonarei ao Estado-Maior-Geral agora. Lembre-se que a Frente de Kalinin passará para a ofensiva a 5 de dezembro e o grupo operacional da ala direita da Frente Sudoeste fará o mesmo a partir da área de Yelets no dia 6.”

 

Estas eram todas as circunstâncias que determinaram o caráter das operações soviéticas em fins de novembro e no começo de dezembro de 1941.

 

Quando estávamos organizando a resistência ao inimigo nos últimos dias de novembro e nos primeiros de dezembro, e começamos então a usar uma forma mais ativa - contra-atacar - não tínhamos nenhuma idéia claramente formulada de que a contra-ofensiva que estávamos planejando seria tão grande como foi. As primeiras tarefas para a contra-ofensiva e que foram fixadas a 30 de novembro, eram em busca de um objetivo que, embora importante, ainda era limitado - repelir as forças inimigas que ameaçavam sobretudo penetrar até Moscou. Imaginamos que a profundidade dos ataques seria de uns 60 km no norte e uns 160 km no sul. Mas durante os contra-ataques realizados no começo de dezembro, tornou-se evidente que o inimigo estava tão esgotado pelas batalhas anteriores que não só não podia continuar sua ofensiva como também não estava em condições de organizar uma defesa estável. E quando os alemães começaram a recuar na ala direita, e especialmente na ala esquerda da nossa Frente, o Comando da Frente passou a intensificar a força dos ataques não só na extensão da frente como também em profundidade por meio de ordens individuais; assim, por volta de 5-6 de dezembro, a contra-ofensiva já era uma realidade. Mas, como me lembro, não se emitiu uma ordem especial ou diretiva geral para uma contra-ofensiva. As tarefas de combate para os soldados, tanto imediatas como a prazo mais longo, foram emitidas em seqüência por meio de diretivas separadas do QG da Frente.

 

Assim, a contra-ofensiva na frente de Moscou não teve um começo claramente definido, como no caso de Stalingrado, por exemplo. Ela se desenvolveu dos contra-ataques; os ataques aéreos foram intensificados; introduziram-se novas formações de armas combinadas, e assim por diante. Ela foi determinada por todo o curso dos acontecimentos precedentes; por um lado, os soldados do eixo central esgotaram o inimigo, tornando-o incapaz de terminar a operação que começara; por outro, reuníramos forças na frente de Moscou e, empenhando-as em combate no momento decisivo, pudemos primeiramente repelir os agrupamentos alemães mais perigosos e depois pusemo-nos a terminar a tarefa de destruí-los.

 

Naqueles dias haviam caído violentas geadas na região central da URSS. A neve muito profunda e o frio intenso prejudicavam seriamente a concentração, reagrupamento e movimento de tropas para os pontos de partida. Não obstante, nossos heróicos soldados e oficiais de todas as armas superaram as dificuldades sem precedentes e, no momento marcado, estavam prontos para cumprir as tarefas de combate que lhes tinham sido confiadas.

 

Quando passamos das operações defensivas para as ofensivas, não tínhamos superioridade numérica sobre o inimigo. Mas nossa grande vantagem era o elevado moral dos soldados soviéticos, que lhes incutiu um influxo de energia e foi o resultado do tremendo trabalho político partidário que os oficiais e os assistentes políticos realizaram na véspera da contra-ofensiva em todos os níveis da Frente, desde o QG até as companhias e pelotões. Como resultado, nossas forças estavam imbuídas de confiança em sua própria vitalidade e na possibilidade de o inimigo ser batido na frente de Moscou. Esse momento decisivo, que eu chamaria de psicológico, assegurou em grande parte que as dificuldades verdadeiramente sem precedentes que nossos esplêndidos soldados enfrentaram durante a contra-ofensiva e na ofensiva geral seriam superadas. Parece-me que nossos pesquisadores históricos militares e autores de memórias deveriam dar mais atenção à influência do fator psicológico no curso das operações de combate, sobretudo em momentos decisivos ou em momentos críticos de uma batalha ou operação. Na minha maneira de ver as coisas isto poderia acarretar grandes benefícios.

 

A 6 de dezembro, depois de concentrados ataques aéreos e preparativos de artilharia, os soldados da Frente Ocidental passaram para a contra-ofensiva ao norte e sul de Moscou, desenvolvendo-se uma batalha cuja iniciativa pertencia inteiramente aos soviéticos. Já então, as formações da Frente Kalinin, que haviam iniciado sua ofensiva um dia antes, tinham penetrado as defesas inimigas ao sul de Kalinin.

 

A 13 de dezembro, o 1o Exército de Choque, juntamente com parte do 30o Exército, chegaram a Klin. Nossos soldados cercaram a cidade por todos os lados, penetraram-na e, após violenta luta, expulsaram todos os alemães na noite de 14-15 de dezembro.

 

Os 16o e 20o Exércitos foram bem sucedidos quando desenvolveram suas operações ofensivas. Pelo anoitecer de 9 de dezembro, o 20o Exército chegara a Solnechnogorsk, enquanto que o 16o Exército libertava Kryukovo a 8 de dezembro e depois prosseguia em seu ataque na direção do reservatório de Istra. A 12 de dezembro, o 20o Exército expulsou o inimigo de Solnechnogorsk. O avanço pela ala direita do 5o Exército influiu imensamente para o sucesso do 16o Exército. As operações militares da ala direita da Frente Ocidental prosseguiram sem interrupções.

 

Na ala esquerda, na área de Tula, soldados do 50o Exército apoiaram um ataque do corpo de cavalaria reforçado do General P. A. Belov, iniciando-se a 3 de dezembro e, juntos, puseram-se a derrotar o Exército Panzer de Guderian. As 3a e 17a Divisões Panzer e a 29a Divisão Motorizada desse exército iniciaram uma retirada às pressas para Venev, deixando cerca de 70 tanques no campo de batalha. Nossas forças foram ajudadas em seu sucesso pela circunstância de que o 2o Exército Panzer, em sua tentativa de flanquear Tula pela retaguarda, se estendera demais e já não tinha mais reservas quando nosso grupo do flanco esquerdo atacou. A 6 de dezembro, o nosso 10o Exército também entrou na batalha na área de Mikhaylov, onde os alemães tentavam resistir em sua defesa e cobrir o flanco do 2o Exército Panzer de Guderian, então em retirada.

 

O ataque pelas formações do 50o Exército, que se seguiu da área de Tula a 8 de dezembro, ameaçou as rotas de retirada das forças alemãs de Venev e Mikhaylov. Como Guderian estava profundamente flanqueado e não tinha forças para desviar os golpes da Frente Ocidental e também as do grupo operacional da Frente Sudoeste, ele começou a retirar apressadamente as suas tropas na direção-geral de Uzlovaya, Bogoroditsk e daí para Sukhinichi. Em seu pânico, os alemães abandonaram suas armas pesadas, veículos, tratores e tanques durante a retirada. No decorrer dos dez dias de batalha, as tropas da ala esquerda da Frente Ocidental infligiram séria derrota ao 2o Exército Panzer e avançara, 130 km. As tropas de Cavalaria reforçado de Belov, a 112a Divisão de Tanques (Coronel A. L. Getman) e o Grupo Operacional do 50o Exército (Major-General V. S. Popov) distiguiram-se particularmente durante os contra-ataques e a contra-ofensiva.

 

Sob os golpes das forças soviéticas, o inimigo começou a recuar para oeste e, a 12 de dezembro, o Conselho Militar da Frente Ocidental informou ao Comandante Supremo: “A 6 de dezembro de 1941, soldados da nossa Frente, após esgotar o inimigo nas batalhas precedentes, começaram uma contra-ofensiva decisiva contra seus grupos de ataque de flanco. Como resultado da ofensiva, esses dois grupos foram batidos e estão recuando às pressas, abandonando armas e equipamento e sofrendo baixas consideráveis”.

 

O conceito operacional para outras operações das forças da Frente, expressado nas diretivas do Comando e do Estado-Maior do período de 13-14 de dezembro, visava a um avanço rápido pela ala direita até a linha de Zubtsov-Gzhatsk e pela esquerda, até Polotnyany, Zavod e Kozelsk; no decorrer, as forças do centro estavam na linha Mozhaysk-Maloyaroslavets, escalonadas para trás. Em outras palavras, pretendíamos criar uma situação em que nossos homens, que haviam avançado nas alas direita e esquerda da Frente, podiam criar os requisitos prévios com o objetivo de cercar as forças principais do Grupo de Exércitos Centro alemão.

 

Às vezes me perguntam por que os exércitos centrais da Frente Ocidental (33o, 43o e 49o) não participaram dos contragolpes e depois avançaram só muito lentamente durante a contra-ofensiva. O fato é que durante a batalha defensiva, tivemos de reforçar os exércitos das nossas alas direita e esquerda para executar as tarefas principais, que estavam nos flancos da frente. Tivemos de mandar, literalmente, tudo o que era possível dos exércitos centrais para os flancos e, mesmo depois de iniciada a contra-ofensiva, os exércitos do centro não receberam sequer um soldado, um canhão, uma metralhadora a mais. Eles não tinham a menor possibilidade de desfechar ataques concentrados, de modo que, como dizemos, apenas se limitavam a esperar o desenrolar dos acontecimentos, e somente depois que os flancos do inimigo foram batidos e que ele iniciou uma retirada apressada para os rios Ruza e Lama, e também teve de fugir aos golpes dos 10o e 50o Exércitos e do grupo de Belov, é que surgiu uma oportunidade para movimentar os 33o, 43o e 49o Exércitos ao custo de algum reagrupamento. Sua ofensiva lenta e improfícua também é explicada pelo fato de que eles não tinham tanques e sua artilharia era inadequada. Todos os esforços da Frente haviam sido aplicados aos flancos; quando as forças inimigas principais foram vencidas, os flancos puderam ser impelidos para a frente o mais depressa possível, colocando em perigo as forças do centro do inimigo.

 

As Forças aéreas da Frente, das Forças da Defesa Aérea e da Força Aérea de Longo Alcance, influíram de maneira extraordinária para o êxito da nossa contra-ofensiva de dezembro na frente de Moscou. Os pilotos operaram abnegadamente e com habilidade. Graças aos esforços gerais dessas forças, anulou-se a ação da força aérea inimiga pela primeira vez desde o começo da guerra. Nossos aviões atacaram sistematicamente as posições de artilharia, unidades de tanques e postos de comando, e quando os exércitos nazistas começaram a bater em retirada, suas colunas foram atacadas e bombardeadas incessantemente. Como resultado, todas as estradas para o oeste ficavam entupidas de equipamento e veículos de combate abandonados pelos alemães.

 

Em geral nossas forças aéreas e as que nos estavam subordinadas operavam sob controle centralizado, e, deste, cerca de três quartos delas concentraram seus esforços em apoio às nossas operações de terra, atacando na ala direita da Frente. As formações aéreas restantes à nossa disposição, e as três divisões aéreas que a Reserva do STAVKA nos mandara, deram assistência ativa às formações de cavalaria de Belov e também às tropas dos 50o e 10o Exércitos. As operações aéreas eram controladas do posto de comando do Comandante das Forças Aéreas da Frente, Major-General de Aviação S. A. Khudyakov, e do meu posto em Perkhushkovo. Durante as batalhas defensivas e no decorrer de toda a contra-ofensiva, o General Khudyakov permaneceu ao meu lado. Ele conhecia extraordinariamente bem o seu trabalho e podia providenciar operações aéreas prontamente e com precisão onde quer e sempre que necessário. O Comandante dos Grupos de Operações Aéreas, Tenente-General I. F. Petrov, e os outros comandantes da aeronáutica também se saíram otimamente.

 

Como mencionei, o Estado-Maior e o Posto de Comando da Frente estavam em Perkhushkovo; gostaria, portanto, de responder, de passagem, a uma pergunta que às vezes me fazem: “Como é que você explica o fato de que seu estado-maior da Frente e os estados-maiores do exército estavam tão perto da linha de frente, especialmente no fim de novembro e começo de dezembro?” De fato, todos os QGs - da Frente, dos exércitos, das divisões e unidades - encontravam-se muito perto da linha de frente na época, o que contraria os padrões aceitos que visam a tomar medidas de segurança para proteger os Comandantes e seus estados-maiores. Mas também neste caso a explicação encontra-se na peculiaridade e singularidade da situação. Com referência a esse ponto, lembro-me de um episódio ocorrido a 2 de dezembro, quando houve uma penetração na junção dos 5o e 33o Exércitos. Um importante grupo inimigo, diria que era um regimento regorçado, penetrou até o QG da Frente e deu-se início a uma luta em que o Regimento de Guarda e oficiais do estado-maior participaram, no bosque de bétulas onde estávamos localizados. Os alemães foram batidos e repelidos. Essa foi a única vez que tal aconteceu, mas realmente demonstra as condições em que o estado-maior tinha de agir na época. Mas ainda assim, mesmo no momento mais crítico da batalha defensiva, nunca pensamos que deveríamos fazer recuar o QG da frente mais para trás. Por que? Bem, porque os QGs subordinados e os soldados saberiam imediatamente, e o que pensariam eles disso? “O Comando da Frente e o Estado-Maior estão fazendo exigências irrestritamente severas para que as tropas façam o impossível, ordenando-lhes para resistir até a morte, enquanto que centenas e milhares de assistentes políticos, propagandistas e comunistas explicam aos soldados que atrás deles está Moscou e que a ocasião não é para retirada. Nossos soldados estão fazendo tudo o que é humanamente possível, e mais ainda, esforçam-se por obedecer à ordem da Mãe-Pátria no sentido de deter o inimigo e depois derrotá-lo e destruí-lo. E então, num momento assim, o QG da Frente repentinamemnte se muda e se instala em outro local!” Naturalmente, a linha de frente não é lugar para ele, mas as coisas tinham de ser assim naquele momento e para que se pudesse manter o controle firme das tropas. Neste caso, não se podia aplicar os padrões normais.

 

Além disso, o Conselho Militar não achava que o ataque principal do inimigo se daria naquele eixo e também tinha em mente que as comunicações em Perkhushkovo eram organizadas de maneira excelente. Já tive oportunidade de falar nisso mas gostaria de mencioná-lo uma vez mais, porquanto a situação específica aplicava um cunho bem conhecido à maneira como os soldados eram controlados.

 

A proximidade da capital e o emprego de todas as linhas governamentais e da rede civil de comunicações, graças ao trabalho incansável do Chefe das Comunicações da Frente, N. D. Psurtsev, e dos seus subordinados, foi-nos permitido manter uma conexão perfeita por telefone e telégrafo com o STAVKA, com o Estado-Maior-Geral e com todos os exércitos subordinados à Frente, enquanto se providenciaram rotas de comunicação de reserva para o caso de emergências. Se necessário, o estado-maior ou o posto de comando da Frente poderia ser ligado diretamente até mesmo com determinada divisão.

 

Devo dizer que a prática da guerra mostrou sem sombra de dúvida o quanto era necessário e útil os oficiais graduados e subalternos dedicarem tempo de trabalho com suas forças antes do início de um combate ou batalha. Isto tem de ser feito para ajudar os soldados a compreender melhor a situação e a organizar adequadamente as operações iminentes, mas quando estas começam e estão em andamente, os comandantes superiores e subalternos têm de estar em seus QGs ou postos de comando e, dali, deverão comandar suas tropas.

 

Eram estas as idéias que nos orientavam no controle das nossas forças na batalha de Moscou. Durante o período das operações defensivas, a grande extensão da Frente (mais de 590 km), as dificuldades e a grande tensão proveniente da situação impediam que um Comandante de Frente deixasse seu QG, onde todos os dados sobre as atividades do inimigo, sobre nossas forças e sobre as Frentes vizinhas, eram concentrados a tempo; por ali também se mantinha contato ininterrupto com o STAVKA e o Estado-Maior-Geral.

 

Mas, não obstante, certa feita tive de deixar o QG, mesmo durante a batalha defensiva, e ir até uma das divisões do 16o Exército. Eis o que aconteceu.

 

De algum modo, Stalin recebeu a informação de que nossas tropas haviam abandonado a cidade de Dedovsk, a noroeste de Nakhabino. A cidade ficava muito perto de Moscou e essa notícia inesperada, naturalmente, deixou-o bastante preocupado. Isto porque, já a 28 e 29 de novembro, a 9a Divisão de Fuzileiros da Guarda (Major-General A. P. Beloborodov) conseguira repelir repetidos e violentos ataques inimigos na área de Istra. Mas haviam decorrido 24 horas e ao que tudo indicava Dedovsk caíra em mãos nazistas.

 

Stalin chamou-me ao telefone: “Você sabe que Dedovsk foi capturada?” “Não, Camarada Stalin, não sei.” O Comandante Supremo não perdeu tempo em dizer o que achava da minha resposta e comentou irritado: “Um Comandante tem de saber o que está acontecendo na sua Frente”, e ordenou-me que fosse àquela cidade imediatamente “para organizar pessoalmente o contra-ataque e recuperar Dedovsk”. Respondi que deixar o QG da Frente enquanto a situação era tão tensa era uma atitude que deveria estar fora de cogitação, e tentei fugir à ordem.

“Não se incomode, daremos um jeito por aqui; deixe Sokolovsk em seu lugar por enquanto.”

Assim que desliguei o telefone, entrei em contato com o General Rokossovsky e exigi que me explicasse por que o QG da Frente não fora informado do abandono de Dedovsk. Logo se esclareceu ter havido um engano: a cidade de Dedovsk não fora capturada pelos alemães, e, sim, provavelmente isto se dera com a aldeia de Dedovo, porque a 9a Divisão de Fuzileiros da Guarda estava lutando violentamente na área de Khovanskoye-Dedovo-Snigiri a fim de impedir uma penetração inimiga ao longo da rodovia de Volokolamsk para Dedovsk e Nakhabino. E ali estava a razão da falsa notícia, e então telefonei ao STAVKA e expliquei que tudo não passara de um equívoco. Mas vi-me malhando em ferro frio. Stalin irritou-se, insistiu que eu fosse ter com Rokossovsky imediatamente e agisse no sentido de recuperar a desgraçada aldeia, das mãos do inimigo, e até mesmo ordenou-me que levasse comigo o Comandante do 5o Exército, general Govorov. “Ele é artilheiro, deixe-o ajudar Rokossovsky a organizar a artilharia nos interesses do 16o Exército”.

 

Nessa situação, não adiantava argumentar; assim, telefonei ao General Govorov e informei-lhe da tarefa. Ele, com muita sensatez, tentou ponderar que não via necessidade para tal viagem, pois o 16o Exército tinha seu próprio Chefe de Artilharia, o Major-general Kazakov e que, além disso, o próprio Comandante-de-Exército sabia o que fazer e como fazê-lo. Assim, por que ele, Govorov, deveria abandonar seu próprio exército num momento tão crítico? Para pôr fim a esta discussão, fui obrigado a explicar ao General que se tratava de uma ordem de Stalin.

 

Fomos ter com Rokossovsky que nos acompanhou imediatamente até a divisão de Beloborodov. O comandante-de-divisão se mostrou nada satisfeito em nos ver, pois estava com trabalho até o pescoço e agora, além de tudo, ainda tinha de dar explicações sobre apenas algumas casas situadas do lado oposto de uma ravina, na aldeia de Dedovo, que o inimigo capturara. Muito convincentemente, Beloborodov mostrou, em seu relatório da situação, que não havia razão tática para se recapturar aquelas casas do outro lado de uma profunda ravina, mas infelizmente não lhe pude dizer que, neste caso específico, tinha de ser orientado por considerações não-táticas. Portanto, mandei que Beloborodov despachasse uma companhia de fuzileiros, com dois tanques, para expulsar o pelotão de alemães que se instalara nas casas, o que foi feito, creio, ao amanhecer de 1o de dezembro.

 

Soube mais tarde que enquanto se desenrolavam esses acontecimentos, eu estava sendo procurado freneticamente em todos os telefones, e como a linha de comunicações entre a divisão e o 16o Exército havia sido cortada por algum tempo, um oficial dos sinaleiros veio até a divisão de Beloborodov a minha procura. Apressei-me por entrar em contato com o General Sokolovsky e este avisou-me que Stalin já telefonara três vezes para o QG da Frente a fim de perguntar: “Onde está Zhukov? Por que ele se afastou?” Parece que na manhã de 1o de dezembro, o inimigo iniciara uma ofensiva no setor do 33o Exército, onde até então reinara relativa calma.

 

Tendo Sokolovski e eu concordado com as providências a serem tomadas imediatamente para liquidar a nova ameaça, procurei entrar em contato com o STAVKA e acabei conseguindo falar com Vasilevsky, que me disse ter Stalin ordenado meu retorno imediato ao QG da Frente. Enquanto eu cumpria a ordem, o STAVKA decidiria quanto às reservas adicionais que ele nos poderia fornecer a fim de anular a penetração inimiga na direção de Aprelevka.

 

Ao retornar ao QG telefonei imediatamente para Moscou e, dessa vez, puseram-me em contato com Stalin. Informei-lhe que me familiarizara com a situação e lhe contei quais as providências que haviam sido ou estavam sendo tomadas para eliminar as unidades alemãs que tinham penetrado o centro da Frente. Stalin não mencionou a nossa conversa em relação a minha viagem na companhia de Govorov até o 16o Exército, nem os motivos por que nos mandara para lá. Só no fim do diálogo é que ele perguntou casualmente: “Bem, como foi Dedovsk?” Respondi que a companhia de fuzileiros, apoiada por dois tanques, que tinha sido despachada para atacar, conseguira expulsar um pelotão de alemães da aldeia de Dedovo. Assim terminou uma das minhas ausências do QG da Frente durante a batalha defensiva às portas de Moscou.

 

Mas durante a contra-ofensiva, as visitas às tropas já se haviam tornado uma necessidade. Tive de ir até Rokossovsky no 16o Exército, Govorov no 5o Exército, Gulubev no 43o Exército e Zakharkin no 49o Exército. O motivo principal para essa atitude consistia em ajudar os comandantes-de-exército a entrosar melhor as suas atividades com a dos seus vizinhos, adverti-los contra ataques frontais, fazer com que os soldados evitassem os pontos fortificados inimigos mais arrojadamente e encetassem perseguições mais velozmente. Tive até de emitir uma diretiva especial a este respeito, cerca de uma semana após o início da contra-ofensiva, que rezava, em particular: “5. A perseguição deve ser realizada a alta velocidade e não se deve permitir que o inimigo rompa contato. Fortes destacamentos avançados devem ser amplamente utilizados para capturar entroncamentos rodoviários e gargantas, para desorganizar a marcha e as colunas de combate inimigas. 6. Proíbo categoricamente os ataques frontais e complexos fortificados de resistência inimiga. Os escalões avançados têm de evitá-los sem parar, deixando a destruição desses complexos a cargo dos escalões seguintes”.

 

A inclusão dessas exigências na diretiva foi determinada pela experiência que tivéramos das nossas forças nos primeiros dias das operações ofensivas. A questão era que, em vários casos, os grupos de ataque dos exércitos haviam-se envolvido em combates frontais prolongados e sangrentos. Na área de Klin, por exemplo, o avanço do 30o Exército e 1o Exército de Choque sofreu atraso por esse motivo. Naqueles dias, via-se por toda parte em nossas forças um extraordinário élan ofensivo e elevadíssimo padrão de moral. Os soldados soviéticos estavam finalmente vendo a realização do que esperavam: o exército nazista recuando vacilante sob seus ataques. Mas a despeito de tudo isso, não se deve esquecer a nossa falta de tarimba de combate e muitos dos nossos comandantes eram ainda inexperientes, sobretudo no que se referia à organização de operações ofensivas. Muitas vezes, embora estivessem ferozmente atacando, alguns deles ainda não tinham plena confiança em suas forças e temiam ser cercados. Assim, periodicamente, unidades e formações hesitantes eram levadas para brechas abertas na linha de frente. Não era fácil aprender a ciência de derrotar um inimigo poderoso e experiente; além disso, nossa falta, naquela época, de formações blindadas móveis, que podiam avançar velozmente na área de operações tão logo tivessem penetrado a defesa, estava-se fazendo sentir de maneira preponderante.

 

O Comando da Frente era obrigado a mandar unidades de esquiadores, de cavalaria e aeroterrestre para a retaguarda das rotas de retirada do inimigo. Também ali, coordenando suas operações com os Conselhos Militares das Frentes, os destacamentos de guerrilheiros soviéticos agiram ativamente contra as forças alemãs em retirada e a atitude desses destacamentos agravou tremendamente a situação para os nazistas.

 

É fácil compreender que a cavalaria e os esquiadores não podiam compensar plenamente a nossa falta de formações blindadas móveis, mas mesmo assim eles lutaram heroicamente, causando grandes prejuízos ao inimigo. Nas batalhas do eixo de Klin, os soldados da 24a Divisão de Cavalaria como também os do I e II Corpos de Cavalaria de Guarda sobressaíram de maneira notável. Mas a 19 de dezembro, perto da aldeia de Palashkino, a 11 km a noroeste de Ruza, o Comandante do II Corpo de Cavalaria de Guarda, Major-General L. M. Dovator, e o Comandante da 20a Divisão de Cavalaria, Tenente-Coronel M. P. Tavliev, foram mortos durante um combate. Seus corpos foram enviados para Moscou e ali sepultados, e o Presídio do Soviete Supremo da URSS concedeu postumamente ao General Dovator o título de Herói da União Soviética.

 

Devo reconhecer também que durante a batalha de Leningrado, como em Moscou, as Brigadas de Fuzileiros Navais cobriram-se de glória na luta e contribuíram significativa e extraordináriamente para o sucesso geral das forças soviéticas.

 

Como resultado da nossa contra-ofensiva nos arredores de Moscou, a situação estratégico-operacional na Frente Ocidental a 1o de janeiro de 1942 era a seguinte:

A ala direita (1o Exército de Choque, 20o e 16o Exércitos) estava atacando obstinadamente uma defesa organizada alemã na linha dos rios Lama e Ruza (por ordem do STAVKA, o 30o Exército fora entregue à Frente de Kalinin).

O centro (5o, 33o, 43o e 49o Exércitos) estava desenvolvendo a ofensiva a partir da linha dos rios Ruza, Nara e Oka, na direção de Mozhaisk, Borovsk, Maloyaroslavets e Kondrovo, e vencendo a oposição inimiga. A ala esquerda (50o e 10o Exércitos e o grupo do General Belov) estava perseguindo com êxito o inimigo na direção de Yukhnov, Mosalsk e Kirov.

 

Já então as tropas da Frente de Kalinin estavam ayacando na direção da Staritsa-Rzhev, enquanto que a ala esquerda dessa Frente, cooperando, como antes, com a ala direita da Frente Ocidental, estava lutando na linha do rio Lama, onde os alemães ofereciam obstinada resistência. As tropas da recém-formada Frente de Bryinsk estavam lutando na linha do Oka, estando a alguma distância atrás da ala esquerda da Frente Ocidental.

 

Nessas circunstâncias, os exércitos da ala esquerda da Frente Ocidental, que haviam penetrado profundamente as posições nazistas e tinham capacidade para desenvolver a ofensiva com sucesso, eram os mais bem colocados para empreendê-la. Mas eram necessárias novas forças no desenvolvimento da ofensiva e, já então, a Frente não dispunha mais de quaisquer reservas. Solicitando-as do STAVKA, só recebemos uma recusa.

 

Nos primeiros dias de janeiro, quando nossas tropas chegaram à linha que ia desde Oreshki, passando por Staritsa, pelos rios Lama e Ruza, Maloyaroslavets, Tikhonova, Pustyn, Kaluga, Mosalsk, Kirov, Sukhinichi, Belev e Mtsensk, indo até Novosil, julgávamos que o primeiro estágio da nossa contra-ofensiva estava basicamente terminado. Achávamos que, no tocante às Frentes do eixo Ocidental (Ocidental, de Kalinin e de Bryansk), o estágio subseqüente deveria consistir na continuação da ofensiva, depois de devidamente completados os reforços com tropas e materiais adequados; isto é, até que tivéssemos restaurado as posições ocupadas por aquelas Frentes antes que os alemães tivessem iniciado a “Operação Tufão”. Se tivéssemos conseguido obter do STAVKA mais quatro exércitos de reforços (um para a Frente de Kalinin e outro para a de Briansk e dois para a Frente Ocidental), ter-nos-iam dado a grande oportunidade de infligir mais derrotas aos alemães, repelindo-os ainda para mais longe de Moscou e chegando à linha de Vitebsk-Smolensk-Briansk. De qualquer modo, não havia discordância entre os membros do Conselho Militar ou do QG da Frente quanto à necessidade de empregar todos os recursos disponíveis no eixo estratégico ocidental com o objetivo de continuar a contra-ofensiva de modo a infligir o máximo de prejuízo às forças alemãs. Creio que essa atitude refletia corretamente o clima que existia na Frente.

 

Não há dúvida de que a contra-ofensiva realizada em dezembro no eixo estratégico central fora muito bem sucedida. As forças de ataque do Grupo de Exércitos Centro tinham sofrido séria derrota e recuaram. Mas ao todo, o inimigo ainda estava forte não só no eixo ocidental como nos demais eixos. No setor central da Frente, ele estava resistindo vigorosamente e as ofensivas soviéticas no sul e norte, em Rostov e Tikhyin, que haviam começado muito bem, não chegaram a uma conclusão satisfatória e foi-se prolongando. Mas Stalin, influenciado pelos sucessos que havíamos obtido no decorrer da contra-ofensiva, via tudo com otimismo. Ele achava que os alemães, não estando preparados para a luta no inverno, não teriam mais condições para resistir aos ataques do Exército Vermelho nos outros setores. Isto despertou em sua mente a idéia de uma ofensiva em toda a Frente, desde o lago Ladoga até o mar Negro, que se iniciaria o mais breve possível.

 

O Membro do Conselho Militar da Frente, N. A. Bulaganin, e eu estávamos freqüentemente no STAVKA naqueles dias, pois Stalin nos chamava, segundo suas palavras, para nos consultar sobre os acontecimentos da Frente e sobre nossa estimativa da situação para o futuro imediato.

 

Na manhã de 5 de janeiro de 1942, fui chamado a Moscou, na qualidade de membro do STAVKA, para examinar o plano desenvolvido para outras operações. Estavam presentes membros do Comitê Estatal de Defesa, o Chefe do Estado-Maior-geral, V. M. Shaposhnikov e, se não me falha a memória, seu subchefe, A. N. Vasilevsky; N. A. Voznesensky (encarregado da produção de guerra) também foi convidado. Shaposhnikov fez um relato sucinto da situação nas Frentes e expôs as notas sobre o plano em questão para nossas operações. Veio a lume o fato de que enquanto as Frentes no eixo ocidental prosseguiam na contra-ofensiva, Stalin estava pretendendo colocar as forças soviéticas em todos os outros eixos e também na ofensiva, com o objetivo de derrotar os alemães na Frente de Leningrado, a oeste de Moscou e no sul do país. Assim, a contra-ofensiva no eixo central se transformaria então numa ofensiva geral ao longo de toda a Frente.

 

O ataque principal seria desfechado contra o Grupo de Exércitos Centro, que deveria ser totalmente esmagado pelas forças da Frente Ocidental, de Kalinin, pela ala esquerda da Frente Noroeste e pela Frente de Bryansk. O Grupo de Exércitos Norte seria derrotado, e a Frente de Leningrado, mais a ala direita da Frente Noroeste e a esquadra do Báltico poriam fim ao bloqueio de Leningrado, enquanto que as Frentes Sudoeste e Sul deveriam derrotar o Grupo de Exércitos Sul e libertar Donbass. A Frente do Cáucaso e a Esquadra do mar Negro deveriam libertar a Criméia. A ofensiva geral teria seu começo muito em breve.

 

Resumindo a declaração de Shaposhnikov, Stalin disse: “No momento os alemães estão desesperados porque foram derrotados na frente de Moscou e por não se terem preparado convenientemente para a luta no inverno. Agora é o momento mais oportuno para se dar início a uma ofensiva geral”.

 

O plano para essa ofensiva era muito vasto, mas na época não dispúnhamos nem das tropas nem dos recursos necessários para executá-lo.

 

“Quem tem comentários a fazer?”perguntou Stalin depois que o Chefe de Estado-Maior expôs o seu plano. Pedi a palavra e argumentei que as Frentes tinham de continuar a ofensiva no eixo estratégico ocidental, onde as condições mais favoráveis lhe tinham sido criadas e onde o inimigo ainda não pudera restaurar a capacidade de combate das suas unidades. Mas para fazer isso, as Frentes precisavam ter seus efetivos restaurados em potencial humano e equipamento, e reforçados com reservas, principalmente de unidades blindadas, sem as quais seria difícil cumprir as tarefas em questão. Quanto a uma ofensiva desfechada pelas nossas forças em Leningrado e no eixo sudoeste, elas enfrentariam ali a necessidade de penetrar poderosas posições defensivas e sem os poderosos recursos de artilharia isso lhes seria impossível. Seriam apenas esgotadas e sofreriam baixas pesadas, completamente inúteis. Portanto, as Frentes do eixo ocidental tinham de ser reforçadas e era ali que se deveria travar a ofensiva mais poderosa, enquanto que nos outros eixos deveríamos abandonar temporariamente a idéia de uma ofensiva.

 

Pelas interrupções de Stalin, compreendi que, enquanto eu falava, a questão já fora decidida e não seria rexaminada. Contudo, Voznesensky, que falou a seguir, também foi contra a ofensiva geral, alegando a falta de recursos materiais suficientes para abastecer ofensivas simultâneas. Stalin permitiu que terminasse de falar e depois disse: “Falei com Timoshenko (Comandante-Chefe no Sul) e ele mostrou-se favorável ao ataque. Temos de esmagar os alemães o mais depressa possível de modo que eles não possam atacar na primavera”.

 

Malenkov e Beria apoiaram Stalin, dizendo que Voznesensky sempre encontrava dificuldades imprevistas, mas estas seriam superadas. Diante disso, ninguém mais quis expressar uma opinião e o Comandante Supremo terminou a conferência com as seguintes palavras: “Creio que com isso está encerrada a conversa”.

 

Tive a impressão de que Stalin convocara os militares e o STAVKA, não para discutir se era sensato, ou não, montar uma ofensiva geral, e sim para “dar aos soldados um empurrão”, como ele às vezes gostava de dizer. Ao sairmos do seu gabinete, Shaposhnikov disse: “Você estava perdendo seu tempo em argumentar. A questão já fora decidida antecipadamente pelo Supremo. As diretivas para quase todas as Frentes já tinham sido enviadas e a ofensiva deverá começar dentro de poucos dias”.

 

“Então por que pediu ele opiniões?” “Não sei, meu caro, não sei...”, respondeu Shaposhnikov com profundo suspiro.

 

Diante do que ele dissera e pelas frases que citei acima, tornou-se-me claro que o plano para uma ofensiva geral não se originara no Estado-Maior-Geral.

 

As operações ofensivas de inverno pelas Frentes de Leningrado, Volkhov e Noroeste terminaram muito aquém dos seus objetivos, como todos sabem. A razão básica para isto também está na falta de potencial humano e material necessários para romper a resistência inimiga. A ofensiva montada pelas Frentes Sul e Sudeste também começaram a parar rapidamente, porque não tinham superioridade em homens ou material e enfrentavam renhida oposição.

 

O que digo agora destaca as oportunidades que perdemos e refere-se ao campo de planejamento estratégico e ao uso de reservas. Contudo, nada disso pode denegrir de maneira alguma a importância da vitória que as forças soviéticas conquistaram na Batalha de Moscou. Os nazistas perderam nos campos da área de Moscou, ao todo, mais de 500.000 homens, 1.300 tanques, 2.500 canhões, acima de 15.000 outros veículos e demais equipamentos além de serem rechaçados de 140 km a 300 km para oeste de Moscou.

 

Em sua descrição da Batalha de Moscou, o General Westphal teve de admitir que “o exército alemão, anteriormente considerado invencível, estava agora à beira do colapso”. Outros generais do exército nazista, como Tippelskirch, Blumentritt, Manteuffel e muitos outros admitem o mesmo conceito.

 

A contra-ofensiva de 1941-42 realizou-se nas difíceis condições de um inverno por demais rigoroso e de muita neve, acrescentando-se a isso, o mais importante de tudo, a inferioridade numérica sobre o inimigo. Tínhamos mais exércitos do que os alemães e no entanto cada um deles mal se lhe igualava a um Corpo de Exército em potencial humano e armas, enquanto que, para coroar isto, a Frente não tinha quaisquer formações blindadas ou de infantaria motorizada importantes à sua disposição. Sem elas não se pode conduzir operações ofensivas modernas de objetivo decisivo e de extenso âmbito, como a experiência da guerra demonstrou. Somente quando há disponibilidade de poderosas formações blindadas e de infantaria motorizada é que se pode fazer preempção do inimigo em manobras, flanqueá-lo rapidamente, cair sobre suas linhas de comunicação de retaguarda, cercar e destruir suas forças.

 

Muitas vezes me perguntam: “Onde se encontrava Stalin durante a Batalha de Moscou?” Ali mesmo, procurando organizar o potencial humano e os recursos necessários para derrotar o inimigo na frente da cidade. Temos de lhe dar o que é de direito. Com o apoio do Comitê Estatal da Defesa, dos membros do STAVKA e da equipe criadora de membros superiores dos Comissariados Populares, ele realizou grande trabalho na organização das reservas e materias estratégicos - recursos técnicos indispensáveis ao conflito armado. Poder-se-ia dizer que ele só conseguiu o que era quase impossível, pela sua exigência e persistência inflexíveis. Durante a batalha de Moscou ele esteve acessível a conselhos, mas infelizmente vez por outra tomava decisões que não estavam de acordo com a verdadeira situação, como aconteceu com a retirada do 1o Exército de Choque para a reserva e o desenvolvimento de uma ofensiva em todas as Frentes.

 

Na Batalha de Moscou, o Exército Vermelho infligiu uma derrota estratégica tremenda ao grupo principal de forças alemãs e isso pela primeira vez em seis meses de guerra. Tropas soviéticas tinham feito operações relativamente bem sucedidas em alguns setores da Frente Gemano-Soviética antes da luta na área de Moscou, mas nenhuma delas se compara em magnitude com os grandes resultados da grande batalha na frente de Moscou, onde uma defesa bem organizada e sólida contra nazistas superiores, e uma rápida transição para a contra-ofensiva, enriqueceram a arte militar soviética e mostraram a crescente maturidade operacional e tática dos seus líderes militares.

 

Na batalha feroz e sangrenta por Moscou, todas as nossas subunidades e formações apresentaram extrema firmeza e obstinação. Os soldados soviéticos, desde a patente mais baixa até a mais elevada, cumpriram seu sagrado dever para com a Mãe-Pátria com honra, demonstrando heroísmo em massa, não pouparam forças ou a própria vida na defesa de Moscou. Ao lado deles, estavam nossos esplêndidos guerrilheiros, homens e mulheres, e com eles, os trabalhadores, que deram valiosa assistência aos soldados. Grande foi também o serviço do nosso Partido Comunista, porquanto conseguiu mobilizar a incalculável força nacional e inspirou o povo soviético a conquistar a vitória.

 

Quando me perguntam qual o acontecimento que mais vivo está em minha lembrança do fim da guerra, sempre respondo: “A Batalha de Moscou”. Já se passou um quarto de século, mas esses eventos e batalhas históricos ainda são muito lembrados por mim até hoje. Em condições críticas, às vezes catastroficamente difíceis e complicadas, nossos soldados foram enrijecidos, tornados mais bravos, acumularam experiência e, quando o mínimo de recursos necessários lhes chegava às mãos, eles se transformavam de uma força em retirada em outra poderosamente ofensiva. Uma posteridade agradecida jamais se esquecerá daqueles dias difíceis e heróicos para o povo soviético, tampouco das realizações militares dos soldados das forças armadas soviéticas. Na Batalha de Moscou lançaram-se bases firmes para a derrota subseqüente da Alemanha nazista.

                                                                                      

 

                      

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