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Series & Trilogias Literarias
Sempre me interessei muito pelas tradições que estão espalhadas pelo Norte do País de Gales, em relação a Owen Glendower[1], e compartilho do mesmo sentimento que faz o camponês galês ainda olhar plenamente para este homem, como o herói de seu país.
Houve grande alegria entre muitos dos habitantes do Principado, quando o tema para o poema do prêmio galês em Oxford, cerca de quinze ou dezesseis anos atrás, foi anunciado para ser “Owen Glendwr”.
Era o tema nacional mais pomposo que fora dado durante anos.
Talvez, alguns não estejam cientes que este temido líder é, mesmo que nos dias atuais, tão famoso entre seus compatriotas analfabetos por seus poderes mágicos, quanto por seu patriotismo.
Ele dizia a seguinte citação sobre o seu nascimento:
“No meu nascimento, o céu estava cheio de formas de fogo. De tochas em chamas... Posso titular este fogo sagrado como sendo os espíritos das profundezas da imensidão.”
E poucos, entre as ordens inferiores no Principado, pensariam em fazer a pergunta irreverente de Hotspur[2] em resposta a citação.
Entre outras tradições preservadas em relação a esta parte do caráter heroico do galês, está a antiga profecia familiar que dá título a este conto.
Quando o Senhor David Gam, nascido em Builth e depois se tornado traidor por procurar assassinar Owen em Machynlleth, foi até ele para dar o desfecho final ao herói Owen, ele não esperava que houvesse um sujeito ao seu lado, que Glendwr pouco sonhava em ser associado aos seus inimigos.
Este homem se chamava Rhys ap Gryfydd, seu velho amigo, um parente, mais que irmão, que parecia ser do seu próprio sangue.
O Senhor David Gam seria perdoado, todavia, aquele que ele amara e que o traíra, jamais poderia ser absolvido.
Glendwr sabia ler tão profundamente o coração humano, que era impossível desejar a morte daquele que ele considerava um irmão. Ele o deixou viver, porque aquele homem seria odiado e desprezado por seus compatriotas, e seria a vítima de remorsos amargos.
A marca de Caim[3] estava sobre ele.
No entanto, antes deixa-lo ir, enquanto ainda estava prisioneiro e acobardado diante da consciência de Owen Glendwr, o traidor recebeu uma maldição, pronunciada pela boca daquele líder, que passara uma desgraça sobre ele e seus descendentes:
— Condeno-te a viver, porque sei que rezará pela morte! Viverá para além do termo natural da vida do homem, terá o desprezo de todos os homens bons. As crianças te apontarão com língua de assovio e dirão: Lá vai aquele que desejou derramar o sangue de um irmão. Pois, te amei mais que um irmão! Oh! Rhys ap Gryfydd! Viverá para ver todos de tua casa, exceto aquele que for fraco de braços, perecer pela espada. Teus descendentes serão amaldiçoados! Cada geração verá suas terras derreterem como a neve! Suas riquezas desaparecerão, ainda que trabalhem noite e dia para acumular ouro. E, quando nove gerações tiverem passado sobre este solo, o teu sangue não mais fluir nas veias de nenhum ser humano. Neste dia, o último homem de tua raça me vingará! O filho matará o pai!
Este fora o discurso de Owen Glendwr para seu amigo infiel, outrora, de confiança. Assim, foi declarado que a desgraça seria cumprida em cada palavra dita.
Sua raça vive de uma maneira tão miserável, quanto imaginariam os mais pessimistas.
Os Griffiths nunca foram ricos e prósperos, e seus bens, seja por trabalho ou herança, diminuíram sem nenhuma causa visível.
Entretanto, o lapso de muitos anos, tinha quase matado o poder inspirador fantasioso que toda maldição carrega consigo.
A maldição ainda arrastava com ela os ramos distorcidos da memória, quando algum evento incômodo acontecia à família Griffith. E, na oitava geração, a fé na profecia foi quase destruída, após o casamento de um dos Griffiths com uma senhorita Owen, que, inesperadamente, pela morte de um irmão, tornou-se uma herdeira, em nenhuma quantidade considerável, contudo, o suficiente para fazer a profecia parecer invertida.
A herdeira e seu marido, foram retirados de sua pequena propriedade patrimonial, no condado de Merioneth[4], para cuidar de sua herança no condado de Caernarvon[5], e por um tempo a profecia ficou adormecida.
Caernarvon ficava longe dali, o caminho era longo, que se seguia para quem caminhava de Tremadoc até Criccaeth, passando pela igreja paroquial de Ynysynhanarn, situada em um vale pantanoso que se estendia desde as montanhas, subindo para os Rivals, até a Baía de Cardigan.
Este trecho de terra tinha toda a aparência de não ser usado por muito tempo. Era um vasto deserto até o mar, e tinha toda a escuridão desolada, que muitas vezes acompanha os pântanos. Entretanto, o vale ao longe, de caráter semelhante, tinha ainda mais escuridão na época da qual escrevo.
Na parte mais alta, havia grandes plantações de abetos[6], colocados muito perto uns dos outros para atingir qualquer tamanho, e assim, permanecendo atrofiados em altura e com aparência de mato baixo.
De fato, muitas das menores e mais fracas árvores morreram, e suas cascas caíram sobre o solo marrom negligenciado, sem cuidado. Estas árvores tinham uma aparência horripilante, com seus troncos brancos, vistos pela luz fraca que se debatia através dos ramos grossos dos abetos.
Mais perto do mar, o vale assumiu um caráter mais acessível, mesmo que, dificilmente pudesse ser mais alegre, pelo contrário, parecia tenebroso e salpicado pela névoa do mar durante a maior parte do ano, e até mesmo uma casa de fazenda, que geralmente transmite algo de alegria para uma paisagem, não se tornaria feliz ali.
Este vale formou a maior parte da propriedade à qual Owen Griffiths passou a ter direito por ser a sua esposa.
Na parte mais alta do vale estava situada a mansão da família, ou melhor, a casa modesta, porque mansão é uma palavra grandiosa demais para ser aplicada a desajeitada, mas substancialmente construída, casa.
A moradia era quadrada, de aspecto rude, que abraçada por mato, parecia mera casa de campo.
Nesta residência, a Senhora Owen Griffiths deu à luz a dois meninos: Llewellyn, o futuro Escudeiro, e Robert, que se destinava desde cedo à Igreja.
A única diferença em sua situação era que Robert entrou no Jesus College[7].
Llewellyn derramava indulgências em todos à sua volta, enquanto, Robert era frustrado, e, só era indulgente quando sentia vontade. Llewellyn nunca aprendera nada com o pobre pastor galês, que era nominalmente seu tutor particular, enquanto ocasionalmente, o Escudeiro Griffiths fazia questão de impor a diligência de Robert, dizendo-lhe que:
— Como ele tinha seu pão para ganhar, ele deveria prestar atenção ao seu aprendizado.
Não se sabe até onde a educação muito irregular que ele recebeu levara Robert até os seus exames universitários, contudo, felizmente, antes de tal julgamento sobre o seu aprendizado, ele foi comunicado sobre a morte de seu irmão mais velho, após uma curta doença provocada por uma dura bebedeira.
É claro que Robert foi chamado para casa, e ele acreditava que não havia necessidade de ganhar seu pão com seu aprendizado, portanto, ele não retornaria para Oxford.
Assim, o jovem que não completara seus estudos, todavia, porque isso não atestava falta de inteligência, continuou em casa, durante o curto resto de vida de seus pais.
Seu caráter não era incomum.
Ele era brando, indiferente, contudo, uma vez completamente despertada, suas paixões eram fortes e temerosas. Ele parecia, de fato, ter medo de si, e dificilmente ousava dar lugar à raiva justificável, porque temia perder seu autocontrole.
Se ele fosse educado corretamente, provavelmente teria se distinguido naqueles ramos da literatura que exigem gosto e imaginação, ao invés de qualquer exercício de reflexão ou julgamento.
Seu gosto literário se mostrou ao fazer coleções de antiguidades cambrianas de todas as variantes possíveis, porque seu estoque de livros galeses estimularia a inveja do Doutor Pugh, se ele estivesse vivo na época da qual escrevo.
Há uma característica de Robert Griffiths que omiti, e que era peculiar entre sua classe. Ele não gostava de beber.
Havia dois motivos para isso, ou a sua cabeça era naturalmente afetada se ingerisse qualquer bebida alcoólica, ou, seu desdenho por bebidas surgia de seu gosto parcialmente refinado, que o levava a não gostar das circunstâncias que acompanham um copo de vinho.
Aos vinte e cinco anos, Robert Griffiths era habitualmente sóbrio, uma coisa rara em Llyn, e muitos o evitavam, por ser considerado insociável, e usava boa parte do seu tempo com a solidão.
Por esta época, ele teve que aparecer como testemunha, em um caso que foi julgado nos assentos da corte de Caernarvon, e enquanto lá, ficou hospedado na casa de um sagaz e sensato advogado galês, que tinha uma filha, com encantos suficientes para cativar Robert Griffiths ao primeiro olhar.
Embora ele permanecera apenas alguns dias na casa, estes tais dias foram suficientes para decidir o que ele sentia, e curto foi o período permitido para que ele levasse a jovem para a sua casa.
A nova Senhora Griffiths era uma pessoa gentil, dedicada e cheia de amor para com o seu marido. Ela o admirava e o respeitava. Primeiro, devido à diferença de idade, e depois, porque ele dedicava muito tempo aos estudos, dos quais ela não conseguia entender nada.
Ela logo fez dele o pai de uma filhinha adorável, chamada Augharad.
Depois de vários anos sem incidentes na sua casa em Bodowen[8], e quando as mulheres idosas declararam que o berço não voltaria a balançar, a Senhora Griffiths deu à luz ao filho herdeiro.
Seu nascimento foi logo seguido pela morte de sua mãe, ela estava doente e pouco animada durante sua gravidez, e parecia não ter mais forças para reestabelecer a sua energia vital novamente.
Seu marido, que a amava ainda mais por ter poucas outras reivindicações sobre seus afetos, estava profundamente entristecido com sua morte prematura, e seu único consolador era o doce menino que ela deixara nos braços do pai.
Aquela parte do caráter do Escudeiro, que era tão terno e quase feminino, parecia ser chamada pela situação indefesa do pequeno menino, que estendeu seus braços para seu pai, com o mesmo desejo sincero que as crianças mais felizes agem diante de suas mães.
Augharad foi quase negligenciada, enquanto o pequeno Owen era o rei da casa. Mesmo com o pai o tempo todo ao seu lado, ninguém cuidava do pequeno menino tão amorosamente como a sua irmã. Ela estava tão acostumada a dar lugar a ele e não ser cuidada, que não era mais uma dificuldade ser deixada de lado.
De noite e de dia, Owen era o companheiro constante de seu pai, e os anos crescentes pareciam apenas confirmar o costume.
Era uma vida antinatural para a criança, não vendo nenhum rostinho brilhante olhando para o seu, visto que, Augharad era, como disse antes, cinco ou seis anos mais velha, e seu rosto de pobre menina sem mãe, era muitas vezes tudo, menos brilhante.
O pequeno não tinha contato com outras crianças e vivia apenas no mundo dos adultos.
Dia após dia, ele compartilhava as horas da mesma maneira solitária que seu pai, seja no quarto escuro cercado por antiguidades mágicas, ou remendando suas botas para acompanhar os passos do pai em seus devaneios nas montanhas, ou em excursões de caça.
Quando eles chegaram a um pequeno riacho, onde os degraus eram largos e distantes, o pai carregou seu filhinho com o mais carinhoso cuidado, e quando o menino estava exausto, eles descansavam. O menino colocava-se nos braços do pai, e ele o levantava para a sua casa novamente.
O rapaz era tolerante, já que, seu pai tinha o desejo em compartilhar suas refeições e manter as horas, em uma rotina que não podia ser quebrada. Esta indulgência não tornava Owen incapaz de ser amado, entretanto, o tornava voluntarioso, e não uma criança feliz.
Ele tinha um olhar atencioso, não comum ao rosto de um jovem garoto.
O menino Owen não conhecia nenhum jogo ou esporte alegre, e suas informações eram de caráter imaginativo e especulativo. Seu pai se deleitava em introduzi-lo em seus estudos, sem considerar até que ponto eles eram saudáveis para uma mente tão jovem.
É claro que o Escudeiro Griffiths não desconhecia a profecia que deveria ser cumprida em sua geração. Ele se referia a ela ocasionalmente, quando entre seus amigos, com imprudência cética, mas, na verdade, a crença estava mais perto de seu coração do que ele escolhera reconhecer.
Sua forte imaginação o tornava peculiarmente impressionado por tais assuntos, enquanto seu julgamento, raramente exercido ou fortificado por um pensamento severo, não podia impedir que ele voltasse a pensar sobre isso continuamente.
Ele costumava olhar para o estilo quase Górdio[9] da criança que se sentava, olhando para seu rosto, com seus grandes olhos escuros, tão carinhosos, entretanto, tão inquisidores.
A velha lenda abraçou seu coração, e se tornou muito dolorosa para que ele fingisse não perceber.
Além disso, o amor avassalador que ele carregava por sua criança, parecia exigir um desabafo mais pleno do que palavras ternas, e isso fez com que ele gostasse, ainda que temeroso, de traçar o destino que contrastasse a profecia.
O escudeiro Griffiths contou a lenda, de forma superficial ao seu filhinho, quando caminhavam pela relva, nos dias de outono, a época mais triste do ano, e também enquanto estavam sentados, na sala coberta de carvalho, rodeados de relíquias misteriosas, que brilhavam estranhamente pela luz cintilante do fogo.
A lenda foi introduzida na mente do menino, e ele desejava ouvi-la, ainda que a temesse, uma e outra vez.
Seu pai contava a lenda, vez ou outra, enquanto as palavras eram misturadas com carícias e perguntas.
Ocasionalmente, suas palavras e ações amorosas eram cortadas pela voz de seu pai, com o discurso amargo:
— Afasta-te! O amor não nos pode livrar de todo o mal.
Quando Augharad tinha dezessete anos e Owen onze ou doze, o reitor, da paróquia de Bodowen, tentou convencer o Escudeiro Griffiths para mandar o menino à escola.
Este reitor tinha muitas aspirações, e através de repetidos argumentos, ele conseguiu convencer o Escudeiro de que a vida antinatural que Owen levava era, em todos os sentidos, prejudicial.
Sem querer, o pai foi obrigado a se separar de seu filho, contudo, ele o enviou para a Escola Gramática em Bangor, sob a direção de um excelente clérigo.
Lá, Owen mostrou ter mais talentos do que o reitor deu crédito, quando o tirou da vida simples que levava em Bodowen.
Ele se mostrou justo nos afazeres escolares, no peculiar ramo de aprendizado pelo qual a escola era famosa. Mas, ele não era popular entre seus colegas de estudo. Ele era, no entanto, caprichoso, generoso, altruísta, reservado, mas gentil, exceto, quando as tremendas explosões de paixão, de caráter semelhante às de seu pai, forçavam o seu caminho.
No seu retorno para casa, na época de Natal, quando estava há cerca de um ano em Bangor, ele ficou atônito ao saber que a desvalorizada Augharad estava prestes a se casar com um cavalheiro do País de Gales, que residia perto de Aberystwith.
Naquela região, os meninos raramente apreciavam suas irmãs, mas, Owen pensou nas numerosas horas das quais ele solicitara a paciente Augharad.
Seu sentimento verbalizou amargas lamentações, e mesmo tentando controlar suas palavras, ele continuou expressando ao seu pai a sua grande indignação, até que o Escudeiro ficou completamente magoado e desgostoso com as repetidas exclamações de:
— O que vamos fazer quando Augharad se for?
— Quem cuidará de nós, quando Augharad se casar?
As férias de Owen foram prolongadas por algumas semanas, para que ele pudesse estar presente no casamento da pobre irmã, e quando todas as festividades terminaram e os noivos deixaram Bodowen, o rapaz e seu pai realmente perceberam o quanto a calma e amorosa Augharad fazia falta naquela casa.
Ela, por mais silenciosa que fosse, era a pessoa que realmente agia para o bem comum. Sempre disposta a pensar no conforto diário de todos, e agora que ela partira, e a casa parecia sentir falta do espírito, que pacificamente a mantinha em ordem.
Os criados caminhavam em busca de comandos e instruções, os quartos não tinham mais a ordem discreta de estilo para torná-los alegres, e dentro das lareiras, as madeiras queimavam, mas seu fogo parecia menos brilhante, e estavam sempre afundando em montes de cinzas acinzentadas.
Owen não se arrependeu de seu retorno à escola em Bangor, e isso também foi percebido pelo pai mortificado.
O Escudeiro Griffiths era um pai egoísta, realmente.
As cartas naqueles dias eram uma ocorrência rara.
Owen geralmente recebia uma carta durante suas ausências semestrais, e ocasionalmente seu pai lhe fazia uma visita.
Naquele semestre o rapaz não teve nenhuma visita, nem mesmo uma carta, e muito perto do momento de sua saída da escola para tomar seu descanso em sua casa, ele recebera uma carta sobre que seu pai casara.
Depois disso, veio um de seus impulsos de raiva, o mais desastroso em efeitos sobre seu caráter, porque, não encontrou nenhuma forma de desabafo.
Independentemente da lembrança da primeira esposa, que os filhos são tão aptos a imaginar, Owen tinha até então considerado a si, e com justiça, a pessoa mais importante na vida de seu pai.
Eles eram muito importantes um para o outro, e agora, um aviso, em uma carta de poucas palavras, que parecia fantasiosa demais, estava escrevendo o destino dos dois.
Ele sentia que o certo era que o seu pai pedisse a sua permissão, porque devia ser consultado antes de qualquer escolha do pai. Certamente, ele deveria ser informado sobre o evento pretendido pelo pai muito antes, e não em uma carta enviada às pressas.
O Escudeiro sentiu a amargura do filho por sua carta, que aumentara tanto a angústia de Owen.
Mesmo com toda essa raiva, quando Owen viu sua madrasta, ele ficou encantado, uma vez que ela era uma mulher muito bonita para a sua idade, mesmo que ela não estivesse na flor da juventude.
Ela era recém-viúva, quando seu pai se casou com ela.
Os modos dela, para o jovem galês, que vira pouca graça feminina entre as famílias dos poucos amigos com quem seu pai fazia raras visitas, eram tão fascinantes, que ele a observava com uma espécie de admiração sem fôlego.
Sua graça medida, seus movimentos impecáveis, seu tom de voz doce... Até que o ouvido dele foi saciado com sua doçura, e fez Owen ficar menos zangado com o casamento de seu pai.
Entretanto, ele sentiu que a nuvem estava entre ele e seu pai, que ele ainda não conseguia esquecer a tal carta que não pedia o consentimento e apenas confirmava o feito, sem nenhuma alusão a ele.
Ele já não era mais o confidente de seu pai, nem o único companheiro dele, já que a esposa recém-casada era tudo para o Escudeiro, e seu filho se sentia quase um escravo, que servia de mensageiro, em raras oportunidades.
A esposa do pai sempre teve a mais branda consideração por seu enteado, e quase exageradamente intrusiva era a atenção dela para com ele, mas ainda assim, ele imaginava que o coração do pai não tinha mais espaço para ele.
Havia um olhar atento que Owen, uma ou duas vezes, captou sem ser observado, em muitas pequenas circunstâncias sem nome, que prevalecia o sentimento de falta de sinceridade em sua madrasta.
A Senhora Owen trouxe com ela para a nova família, seu pequeno filho, fruto de seu primeiro casamento, um menino de quase três anos, que parecia um daqueles duendes observadores, zombadores, sobre cujos sentimentos você parece não ter controle.
Ele era ágil e mal-intencionado, suas pequenas brincadeiras que no princípio, realizadas na ignorância da dor que ele causava, tomavam um prazer malicioso no sofrimento depois de um tempo, e realmente parecia dar algum fundamento à noção supersticiosa de que algumas pessoas podiam ser possuídas por espíritos malignos.
Os anos se passaram, e à medida que Owen foi envelhecendo, ele se tornou mais observador.
Ele viu, em suas visitas semestrais, pois, da escola ele passara para a faculdade, que uma grande mudança ocorrera nas manifestações externas do caráter de seu pai, por isso, Owen acreditou que esta mudança era uma influência de sua madrasta.
Uma influência tão imperceptível para o observador comum, mas tão irrequieta em seus efeitos.
O Escudeiro Griffiths pegou as opiniões discretas de sua esposa e, sem se dar conta, as adotou como suas, desafiando todos os argumentos e oposição.
O mesmo ocorreu com seus desejos. Eles encontraram sua realização a partir da arte extrema e delicada com que ela os insinuou na mente de seu marido, como se fossem seus.
Ela tomou o poder sobre as coisas.
Finalmente, Owen percebeu alguns atos opressivos na conduta de seu pai em relação aos seus dependentes, e frustração irresponsável de seus próprios desejos.
Ele entendeu, de fato, a influência secreta de sua madrasta, agora bem delineada diante de seus olhos, por mais que ela fingisse lamentar a injustiça das ações de seu pai em suas conversas com ele, quando estavam sozinhos.
Seu pai estava perdendo rapidamente a sua personalidade e adotando o da esposa, e o homem que não gostava de beber, volta e meia se deixava embriagar.
Estava ali o feitiço de sua esposa sobre ele.
Enquanto isso, a situação de Owen tornou-se peculiarmente mortificada para um jovem, cujas primeiras lembranças permitiam um contraste tão grande com seu estado atual.
Quando criança, ele fora elevado à sequela de um homem, antes de seus anos darem qualquer controle mental ao egoísmo que tal conduta provavelmente geraria.
Ele podia lembrar quando sua vontade era lei para os criados e dependentes, e sua simpatia necessária para com seu pai, mas, agora, ele era como um mensageiro na casa de seu pai.
O Escudeiro, afastado em primeira instância, por um sentimento de estrago que ele fizera ao seu filho por não pedir a sua ajuda antes do casamento, parecia evitar o rapaz, ao invés de buscá-lo como um companheiro, e mostrava com muita frequência, a mais absoluta indiferença aos sentimentos e desejos de um jovem com espírito elevado e independente.
Talvez, Owen não estivesse plenamente consciente da força de todas essas circunstâncias, uma vez que, um ator em um drama familiar raramente é o melhor observador.
Ele se tornou mal-humorado e abatido, choramingando sobre sua existência não amada, e ansiava que seu coração humano fosse cuidado.
Este sentimento o tomou a mente, quando ele deixou a faculdade e voltou para casa definitivamente, levando uma vida ociosa e sem propósito.
Como herdeiro, não havia necessidade de esforço, porque seu pai era um homem de certa posse, e ele não tinha força de espírito suficiente para decidir imediatamente abandonar um lugar e um modo de vida, para se aventurar em campo desconhecido.
No entanto, durante estes pensamentos que se desdobravam na ânsia de buscar trabalho e se distanciar definitivamente de seu pai, acontecimentos o seguraram em Bodowen.
Não se esperava que a harmonia fosse preservada por muito tempo, mesmo na aparência, entre um jovem desprotegido e sofredor, como Owen, que deixara a faculdade, e vindo, não como visitante, mas como herdeiro da casa de seu pai, e sua madrasta cautelosa e astuta.
Ocorreu que a mulher subjugou sua raiva oculta, e se convenceu de que Owen não era inteiramente o idiota que ela acreditava que ele fosse.
Daí em diante, não houve paz entre eles.
Não em vulgares discussões isso se mostrou, mas em reservas de humor da parte de Owen, e em perseguição disfarçada e desdenhosa por parte de sua madrasta.
Bodowen não era mais um lugar onde, se Owen não fosse amado ou atendido, ele poderia ao menos encontrar paz e cuidar de si.
Ele caminhava frustrado a cada passo, desejando que seu pai fosse o que era antes, enquanto a esposa dele ficava sentada o observando, com um sorriso de triunfo em seus belos lábios.
Assim, Owen saía de madrugada, às vezes, vagando pela costa ou montanha, atirando ou pescando, dependendo da estação do ano, e frequentemente ele deitava sobre a grama entregando-se aos devaneios sombrios e mórbidos.
Ele imaginava que este estado mortificado de existência era um sonho horrível, e ele acordaria e encontraria novamente o único que ele amava, seu pai.
Sendo assim, ele deveria se esforçar para ajudá-lo.
O pôr do sol derretia de sua memória infantil, as lindas pilhas carmesins de glória no oeste, desvanecendo-se na fria luz calma da lua crescente, enquanto aqui e ali, uma nuvem flutuava através do céu ocidental, como a asa de um serafim em sua beleza flamejante.
A terra era a mesma dos dias de sua infância, cheia de som suave à noite, abraçada com a harmonia do crepúsculo. O mesmo vento, que soprando a brisa, vinha abaixando as urzes e os sinos azuis ao seu lado, e a grama exalava seu perfume noturno, mas a vida, o coração e a esperança foram mudados para sempre...
Ali, ele se sentava por horas, olhando ociosamente para a baía abaixo, com as colinas roxas ao fundo, e a pequena vara de pescar próxima ao seu peito, sendo tocada pelo raio de sol tímido, que deslizava em harmonia com a beleza tranquila do mar vítreo.
Ele se lembrava da época escolar, de seu companheiro durante anos, e em mórbida concordância com a lenda sombria que ainda espreitava nos recessos de sua mente.
Uma forma de escuridão, semelhante às assombrações mais íntimas, se escondia dentro dele. Ele se voltava para os velhos dramas gregos que tratavam de uma família abandonada por um destino vingador.
A página desgastada se abriu em sua mente, da peça de teatro do Édipo Tirano[10], e Owen habitou-se com a tal peça de teatro, tão parecida com a profecia que o preocupava.
Com sua consciência da negligência paterna, houve uma espécie de autoflagelação na consequência que a lenda lhe deu.
Ele se perguntava se era ele, o filho que mataria o pai.
Os dias foram passando.
Muitas vezes, ele perseguia com veemência algum esporte silvestre, até que o pensamento e o sentimento se perdessem na violência do esforço corporal.
Ocasionalmente, suas noites eram passadas em uma pequena pousada, à margem do caminho de sua caçada, onde ele era acolhido calorosamente, embora pagasse pela noite de sono naquele lugar, ainda assim, era mais amorosa e parecia contrastar fortemente com a negligência sombria de um lar que não era um lar realmente.
Uma noite, quando Owen tinha seus vinte e cinco anos, cansado, após um dia de caça sobre os mouros Clenneny, ele passou pela porta aberta do “The Goat”, um estabelecimento que vendia refeições e dava pousada para os viajantes que passavam por Pen-Morfa.
A luz e o ânimo do lugar o convidavam, mesmo exausto.
Ele pegou um lugar para se sentar e pediu a sua janta, onde, pelo menos, sua presença não era repelida.
Era o fim de um dia movimentado naquele pequeno albergue. Um rebanho de ovelhas, que somava algumas centenas, passara por Pen-Morfa, em seu caminho para a Inglaterra, e teve que parar para um descanso, lotando o espaço diante do estabelecimento.
Lá dentro, estava a astuta e bondosa anfitriã, que caminhava de um lado para o outro, com alegres saudações para cada pastor fatigado, que iria pernoitar em seu albergue, enquanto as ovelhas eram colocadas em um campo cercado, próximo da pousada.
Ocasionalmente, ela ia atender a segunda sala de convidados, que estavam ali, celebrando um casamento campestre.
Martha Thomas estava muito ocupada, entretanto, seu sorriso não passava despercebido, e quando Owen Griffiths terminou sua refeição, ela estava lá, em sua frente, para convidá-lo a assistir à festa, visto como, era a hora da dança e o harpista era o famoso Edward de Corwen.
Owen, devido ao cumprimento do desejo implícito de sua anfitriã, e por curiosidade, se debruçou sobre a passagem que levava à cozinha, não a cozinha do trabalho e da comida, mas, uma sala de bom tamanho, onde os senhores se sentavam após o dia de trabalho duro, e as pessoas do campo se divertiam, saboreando a comida e a boa música.
Os batentes da porta formavam uma moldura para o quadro animado que Owen observava diante de si, enquanto se encostava à parede.
A luz vermelha da fogueira, por vezes, tinha um pedaço de casca da madeira caindo e assim, enviando um jovem ânimo para uma nova chama brilhar diante de quatro jovens que dançavam como um carretel escocês[11], mantendo um compasso admirável em seus movimentos rápidos e ritmados, com a melodia da capital, que o harpista estava tocando.
Eles tinham seus chapéus vestidos, quando Owen tomou sua posição de convidado pela primeira vez, no entanto, à medida que ficavam mais e mais animados, eles jogavam seus chapéus fora, e logo seus sapatos eram lançados também, com o desrespeito ao local onde eles estavam dançando.
Gritos e aplausos seguiram o notável esforço de agilidade nos movimentos, no qual, cada um parecia tentar superar o seu companheiro.
Lentamente, cansados e exaustos, eles se sentaram, e o harpista gradualmente transformou a música rápida em um daqueles ares nacionais inspiradores calmos, pelos quais, ele era tão famoso.
O público sentou-se sério e sem fôlego, e você ouviria um alfinete cair, exceto quando alguma donzela passara apressadamente, com a vela acesa e o olhar ocupado, para a verdadeira cozinha, além do salão.
Quando o harpista terminou de tocar a bela canção A Marcha dos Homens de Harlech[12], ele começou a tocar a Tri Chant O' Bunnan[13], e imediatamente um homem de aparência não musical começou a cantar Pennillion[14], com as famosas estrofes recitativas, que logo foram retomadas por outro, e este divertimento durou tanto, que Owen se cansou.
Quando estava pensando em se retirar de seu lugar, que ficava próximo à porta, seus olhos miraram a outra porta, no lado oposto da sala. Ali, um homem de meia-idade e uma jovem, aparentemente sua filha, entraram.
O homem avançou para o banco ocupado por dois idosos da festa, que o receberam com a habitual saudação galesa:
“Como está o seu coração?” e bebendo sua saúde, entregaram para ele um cálice de excelente cerveja.
A garota, evidentemente uma beldade da aldeia, foi calorosamente saudada pelos jovens, ao mesmo tempo, em que as meninas a olharam com um olhar meio ciumento.
Owen também não pode evitar a sua extrema beleza.
Como a maioria das mulheres galesas, ela era de tamanho médio quanto à altura, contudo, lindamente feita. Seu corpo tinham traços redondos delicados em proporções bem apropriadas. Seu pequeno gorro foi cuidadosamente ajustado em sua cabeça, modelando o seu rosto, também redondo, com uma pequena tendência à forma oval, com bochechas rosadas, apesar de um pouco oleosa na aparência, com covinhas nas bochechas e no queixo, e os lábios, os mais escarlates que Owen já vira, muito curtos para se encontrar sobre os pequenos dentes perolados. O nariz era a característica mais defeituosa, se assim podia se afirmar, no entanto, os olhos eram esplêndidos, longos e brilhantes, sob sua grossa franja de cílios! O cabelo acastanhado era cuidadosamente trançado, que descia pelos ombros e deitava sobre as delicadas rendas de sua roupa. Era evidente que ela sabia ser realmente bela e aproveitava ao máximo todas as suas qualidades, pois, as cores alegres que eram exibidas em seu lenço de pescoço, estavam em completa harmonia com a tez.
Owen estava muito atraído e logo o evidente flerte a garota aceitou dele, e fora coletado ao seu redor pelo conjunto de jovens que pretendiam o mesmo, que ainda seguravam a esperança em cada discurso alegre ou sorriso despretensioso da garota.
Em poucos minutos, o jovem Griffiths de Bodowen estava ao seu lado, levado até ela por uma variedade de motivos ociosos, e como a atenção da jovem foi dada ao herdeiro galês, seus admiradores, um a um, foram se afastando, procurando outras jovens no salão, talvez menos fascinantes, no entanto, mais atenciosas ao galanteio.
Quanto mais Owen conversava com a garota, mais ele era levado por seu encanto.
Ela tinha mais inteligência e talento do que ele imaginava ser possível. Uma jovem modesta e atenciosa, cheia de atrativos, de voz clara e doce, com ações tão cheias de graça, que Owen ficou fascinado antes que ele percebesse bem o que estava fazendo, e continuou olhando para seu rosto brilhante e corado, até que seus olhos iluminados caíram sob seu olhar sincero.
Enquanto o silêncio pairava sobre eles, dela, pela confusão do calor inesperado da admiração de Owen, e dele, pela inconsciência de tudo, menos das belas mudanças em seu semblante flexionado, o homem que Owen entendeu ser o pai da bela moça, veio e dirigiu alguma observação a sua filha.
Ele chamou Owen para uma conversa respeitosa, afirmando que ele ficaria feliz em ver Owen cortejando a sua filha.
Enquanto Owen escutava, sua atenção não era tão absorvida, porque ele observava que a sua garota estava recusando uma ou duas pessoas, que se esforçavam para tirá-la de seu lugar através de convites para dançar.
Lisonjeado pelas recusas dela, ele novamente direcionou toda a sua atenção para ela, até que a garota foi chamada por seu pai, que estava deixando o local da festa.
Antes de partir, ele lembrou Owen de sua fala, e acrescentou:
— Talvez, você não me conheça! Meu nome é Ellis Pritchard, e vivo em Ty Glas, do lado de Moel Gêst, qualquer um pode apontar para você o lugar. Sabe o que digo.
Quando o pai e a filha partiram, Owen preparou-se lentamente para seu retorno à sua casa, mas encontrando a anfitriã, ele não resistiu, e fez algumas perguntas sobre Ellis Pritchard e sua linda filha. Ela respondeu breve, mas respeitosamente, e depois disse, um pouco hesitantemente:
— Senhor Griffiths, você conhece a tríade? Três coisas são parecidas: um celeiro fino sem milho, um copo fino sem bebida, uma mulher fina sem sua reputação.
Ela se despediu apressadamente, e Owen cavalgou lentamente até sua infeliz casa.
Ellis Pritchard, agricultor e pescador, era astuto, perspicaz, que apreciava os prazeres da vida, no entanto, era de boa índole e suficientemente generoso para se tornar um homem bastante popular entre seus iguais. Ele ficara impressionado com a atenção do jovem Escudeiro com sua linda filha, e não cogitava resistir ao cortejo de Nest, sua adorava filha.
Nest não seria a primeira camponesa, que fora levada para uma casa senhorial galesa. Portanto, seu pai tinha astutamente dado ao jovem admirador algum pretexto para novas oportunidades de encontro.
Quanto à própria Nest, ela tinha um pouco da essência do pai, e estava totalmente disposta a aceitar o posto superior de seu novo admirador, e bastante preparada para desprezar todos os seus velhos namorados.
Ela não fora insensível à homenagem sincera e refinada que Owen lhe prestou, e notara seu semblante expressivo e ocasionalmente bonito com entusiasmo, e se sentia lisonjeada por ele diferir de seus pretendentes.
Quanto à fala de Martha Thomas sobre Nest ser muito imatura por não ter mãe, mas, que tinha bom astral, grande amor por todos que se alegravam com o seu sorriso e sua voz.
Nest gostava muito de flertar e foi ao extremo de um namoro galês respeitoso, até que os idosos da aldeia balançaram a cabeça e advertiram suas filhas sobre o comportamento de Nest. Se não fosse absolutamente culpada, ela estava frequentemente à beira da culpa.
Martha Thomas causou pouca impressão em Owen, dado que seus sentidos estavam ocupados de outra maneira, e em poucos dias, a lembrança disso morrera por completo, e em um dia quente e glorioso de verão, ele se inclinou para Ellis Pritchard com um coração palpitante, visto que, exceto alguns flertes muito leves em Oxford, Owen nunca tocara a jovem. Ele só podia imaginar por seus pensamentos e desejos o toque de sua delicada mão.
Ty Glas, local onde Nest e o pai moravam, foi construído contra uma das rochas inferiores de Moel Gêst.
Os materiais do chalé eram as pedras que caíram de cima, rebocadas rudemente juntas, com rebaixos profundos para as pequenas janelas alongadas. O exterior era muito mais rudimentar do que Owen esperava, entretanto, por dentro, parecia não faltar conforto.
A casa foi dividida em dois cômodos, um grande, espaçoso e escuro, no qual Owen entrou imediatamente, considerando aquilo uma sala, e antes que Nest, com seu rosto corado tocasse a outra sala interna, ele olhara ao seu redor, e notara os vários detalhes da sala. A jovem logo apareceria diante dele, porque ela avistara o jovem Escudeiro chegando, e se precipitou para trocar o seu vestido.
Sob a janela, que tinha uma vista magnífica, havia uma cômoda de carvalho, repleta de gavetas e brilhantemente polida com uma rica cor escura. Na parte mais distante da sala, que Owen podia, a princípio, distinguir pouco, entrava a luz do sol, e logo observou duas camas de carvalho, feitas à maneira dos galeses, construída por Ellis Pritchard com sua habilidade ímpar.
Havia uma grande roda de tear usada para girar lã, deixada em pé no chão, como se estivesse em uso apenas alguns minutos antes, e ao redor da ampla chaminé, pendiam pedaços de toucinho, carne seca de cordeiro e peixe, que estava em processo de defumação para o inverno.
Antes que Nest ousasse entrar, seu pai, que estava remendando suas redes lá embaixo, e viu Owen se aproximando da casa, entrou e lhe deu uma recepção calorosa e respeitosa, e então, Nest, com semblante rosado, se aproximou.
Para Owen, a reserva e timidez de Nest lhe deram novos encantos.
Tudo ali era muito brilhante, mas ele não pensava em nada além de Nest.
Owen ficou encantado em aceitar um convite para compartilhar a refeição do meio-dia.
Um pouco de queijo de ovelha, muito duro e seco, bolo de aveia, fatias de carne seca de cordeiro grelhada, após ser previamente embebida em água por alguns minutos, manteiga deliciosa e leite fresco, e um licor chamado diod griafol, feito das sementes da aucuparia Sorbus[15], infundido em água e depois fermentado, compunha o almoço.
Estava tudo tão bonito, arrumado e harmonioso, e com um acolhimento tão verdadeiro, que Owen pensara que raramente apreciara uma refeição daquela maenira.
Na verdade, naquele período do dia, os escudeiros galeses se diferenciavam dos agricultores, pela abundância e rudeza do modo de vida, do que pelo refinamento do estilo de sua mesa.
Atualmente, em Llyn, a aristocracia galesa não é uma inteligência por trás de seus saxões, igualando-se às caras elegâncias da vida, mas não havia nada no modo de vida de Ellis Pritchard que tocasse o senso de refinamento do jovem escudeiro.
Pouco foi dito por aquele jovem par de namorados durante a refeição. O pai teve toda a conversa para si, aparentemente desatento ao olhar ardente de seu convidado para a sua filha.
À medida que Owen ficava mais sério em seus sentimentos, ele se tornava mais tímido em sua expressão, e, à noite, quando eles voltaram de sua caça, a carícia que ele deu em Nest era quase tão tímida quanto a que foi recebida.
Este foi apenas o primeiro de uma série de dias dedicados a Nest, embora, a princípio, ele pensasse ser necessário algum pequeno disfarce sobre os seus sentimentos.
O passado e o futuro foram esquecidos naqueles dias felizes de amor.
Ellis Pritchard e sua filha, tentavam de todas as maneiras, tornar as visitas de Owen em momentos agradáveis e atraentes.
De fato, a própria circunstância dele ser bem-vindo foi suficiente para atrair o jovem, que via tudo novo e cheio de encantos.
Ele deixou um lar onde a certeza da frustração o fazia cauteloso em expressar seus desejos, onde nenhum tom de amor jamais caiu sobre seu ouvido, exceto aqueles dirigidos aos outros, e onde, sua presença ou ausência era uma questão de indiferença.
Tudo era diferente em Ty Glas, porque todos, até o pequeno cachorro com latidos clamorosos, exigiu uma parte de sua atenção e dava-lhe amor.
Seu relato do dia de trabalho encontrou um ouvinte disposto em Ellis, e quando ele passou para Nest as suas palavras, a cor profunda de seu olhar e a entrega de seu amor, o encantava.
Ellis Pritchard era inquilino na propriedade Bodowen, portanto, tinha muitas razões para desejar manter em segredo as visitas do jovem Owen.
O pai de Nest não estava disposto a perturbar a calma ensolarada dos dias serenos por qualquer tempestade em casa.
Portanto, Owen estava pronto para usar todo o artifício que Ellis sugerira quando fosse indagado sobre as suas idas à Ty Glas, porque ele também desejava manter a paz.
Owen estava bastante consciente de que Ellis não desejava outra coisa senão o casamento de sua filha com o herdeiro de Bodowen, e quando Nest escondeu o rosto dela em seu pescoço, e murmurou em seu ouvido o reconhecimento de seu amor, ele sentiu desejo em encontrar alguém que o amasse para sempre.
Apesar de não ser um principiante, ele não tomaria Nest em outros termos, a não ser, nos termos do casamento.
Ele idealizou o amor duradouro, e imaginou dever ligar o coração dela para sempre ao dele. Então, assim foi, após os juramentos solenes do matrimônio.
Não houve grande dificuldade em assistir a um casamento secreto em tal lugar e momento.
Em um dia de outono empoeirado, Ellis os levou em uma pequena capela no caminho de Penthryn para Llandutrwyn, e lá viu sua pequena Nest se tornar a futura Senhora de Bodowen.
Ela estava ansiosa para atrair o jovem escudeiro de Bodowen, e muito antes de seu casamento, este sentimento havia se fundido em um amor mais verdadeiro do que jamais fora antes, e agora, que ele era seu marido, toda sua alma estava inclinada a fazer este amor ainda mais forte, tanto quanto em sua cama, ou pela miséria que, com o tato de uma mulher que conhece o mundo, ela viu que ele tinha que suportar em sua casa.
Ela expressava seu amor de forma abundante, que era delicadamente expresso no estudo dos gostos dele, sem cansaço, no arranjo de suas roupas, no tempo e em seus pensamentos.
Não admira que ele olhara para trás, no dia de seu casamento com um agradecimento que raramente é resultado de casamentos desiguais.
Não é de se admirar, também, que seu coração batesse em voz alta como antigamente, quando ele terminava o pequeno caminho para Ty Glas, e avistava Nest de pé, na porta, observando a sua silhueta, enquanto a vela se acendia na pequena janela como um farol para guiá-lo, embora o vento do inverno pudesse assoprar a vela e os deixar no escuro.
As palavras furiosas e as ações indelicadas de seu lar, caíram em seu coração, ele pensou no amor que era seu, e na nova promessa de amor, e ele quase sorriu para os esforços impotentes de sua madrasta para perturbar a sua paz.
Mais alguns meses, e Owen foi saudado por um fraco grito, quando entrou apressadamente em Ty Glas, em uma manhã que nascia na consequência de uma convocação enviada misteriosamente para Bodowen.
A mãe pálida, sorrindo e segurando sua criança ao beijo de seu pai, pareceu-lhe ainda mais adorável que a brilhante Nest que alegre, conquistara seu coração na pequena pousada de Pen-Morfa.
Mas a maldição estava em ação!
O cumprimento da profecia estava próximo!
Capítulo 2
Era outono, após o nascimento de seu filho. Fora um verão glorioso, com tempo brilhante, quente e ensolarado, e agora, o ano estava se desvanecendo como sazonalmente em dias maduros, com manhãs de névoa de prata e noites claras e geladas.
O aspecto florido da época das flores era passado e se foi, mas, havia ainda algum colorido rico nas folhas tocadas pelo sol, nos líquens[16], nas pétalas douradas floridas, e se era a época do desbotamento, havia uma glória na decadência.
Nest, em sua ansiedade amorosa de cercar sua moradia com todo o encanto, na espera por seu marido, se tornara jardineira, e os pequenos cantos da trilha rude que levavam até à sua casa, estava repleta de muitas flores delicadas da montanha, transplantadas mais por sua beleza que por sua raridade.
O arbusto que ela plantou ainda está lá, velho e cinza, que ela e Owen plantaram um broto verde sob a janela de seu pequeno quarto.
Naqueles momentos, Owen esqueceu tudo além do presente, de todas as tristezas que conheceu no passado, e tudo o que o esperava de tristeza e morte, no futuro.
O menino era uma criança adorável como o pai. Owen se sentia abençoado ao ver o pequeno se enchendo de alegria, e batendo palmas, enquanto sua mãe o segurava nos braços na porta do chalé para ver a subida do pai pelo caminho áspero que levava a Ty Glas, em uma manhã brilhante de outono.
E quando os três entravam juntos na casa, era difícil dizer qual era a mais feliz.
Owen carregou seu filho, sentou-se com ele e brincou, enquanto Nest procurava um pequeno artigo de trabalho, e sentou-se embaixo da janela, para usar seu tear e costurar, então, novamente olhando para seu marido, ela avidamente lhe contou os pequenos eventos domésticos do dia, os caminhos da criança, o resultado da pesca de ontem, as fofocas que vinham de Pen-Morfa.
Ela notou que ao mencionar qualquer pequena circunstância que fizesse a mínima referência a Bodowen, seu marido parecia irritado e inquieto, e finalmente evitou qualquer coisa que o lembrasse de casa.
Na verdade, ele sofrera muito com a irritabilidade de seu pai. Irritabilidade demonstrada em bagatelas desagradáveis.
Enquanto eles estavam assim, falando e acariciando um ao outro e a criança, uma sombra escureceu a sala, e antes que eles pudessem vislumbrar vulto, ele desapareceu. O Escudeiro Griffiths levantou a fechadura da porta e ficou diante deles.
Owen ficou de pé e olhou primeiro para seu filho, com de expressão tão distraída. Ele, então, com seu nobre filho em seus braços, como um pai orgulhoso e feliz, diferente do semblante deprimido e mal-humorado que muitas vezes aparecia em Bodowen, olhou para a pobre Nest, tremendo, que deixou cair seu tear, na frente da cômoda, enquanto olhava para seu marido como pedisse proteção.
O Escudeiro estava silencioso, enquanto ele olhava suas feições brancas de raiva contida.
Quando ele falou, suas palavras foram mais distintas em sua compostura forçada. Foi ao seu filho que ele dirigiu a palavra:
— Aquela mulher! Quem é ela?
Owen hesitou um momento, e então respondeu, com uma voz firme:
— Pai! Esta mulher é minha esposa!
Ele teria acrescentado algumas desculpas pela longa ocultação de seu casamento, apelaria o perdão de seu pai, mas a espuma de raiva voou dos lábios do Escudeiro, e ele jorrou ofensas contra Nest:
— Você se casou com ela? É como eles me disseram! Casou-se com Nest Pritchard, essa... E você está aqui como se não desonrasse para sempre a nossa família com essa sua maldita esposa? Veja! A bela meretriz sentada em sua modéstia zombadora, tomando a pompa em ser a futura Dama de Bodowen? Mas, moverei o céu e a terra, antes que esta falsa mulher escureça as portas da casa de meu pai!
Tudo isso foi dito com tanta rapidez que Owen não teve tempo para falar as palavras que se amontoaram em seus lábios.
— Pai! — ele explodiu longamente. — Pai, quem lhe disse que Nest Pritchard era uma meretriz, lhe disse uma mentira tão falsa quanto o inferno! Por certo, uma mentira tão falsa quanto o inferno! — repetiu ele, em uma voz de trovão, enquanto avançava um passo ou dois em direção ao Escudeiro.
Então, em um tom mais baixo, ele disse:
— Ela é tão pura quanto sua esposa! Não! Deus, me perdoe por comparar a minha esposa com a esposa de meu pai! Devo dizer que Nest é tão pura quando a minha querida e preciosa mãe, que partiu para os Céus, sem deixar um refúgio para consolar o meu coração! Digo-lhe que Nest é tão pura quanto a minha querida e morta mãe!
— Bobo! Um pobre tolo!
Neste momento, a criança, o pequeno Owen, que continuava olhando para o avô e o pai, tentando entender o olhar feroz no rosto de seu pai onde, até agora, não tinha nada além de amor, e isso, de alguma forma atraiu a atenção do Escudeiro, e aumentou sua ira.
— Sim! — continuou ele. — Pobre tolo que você é, abraçando a criança de outro como se fosse sua própria descendência!
Owen acariciou involuntariamente a criança, e sorriu para o menino, desviando a atenção das palavras de seu pai para a criança. Isso o Escudeiro percebeu, e levantando sua voz a um grito de raiva, ele continuou:
— Peço-lhe! Se você se diz ser meu filho, que jogue fora a descendência dessa mulher miserável e sem vergonha! Abandone isso! Agora! Neste instante!
Nessa raiva ingovernável, vendo que Owen estava longe de cumprir seu comando, ele arrancou a pobre criança dos braços amorosos de Owen, e o arremessou na direção de Nest, e, após jogar a criança, deixou a casa, tomado pela fúria.
Nest, que estivera pálida como mármore durante o terrível diálogo, olhando e escutando, como que fascinada pelas palavras que tocavam o seu coração, abriu seus braços para receber e acarinhar seu precioso bebê, mas o menino não estava destinado a alcançar o refúgio brando de seu peito.
A ação furiosa do Escudeiro fora quase sem objetivo, e a criança caiu contra a borda afiada da cômoda e caiu no chão de pedra.
Owen correu para alcançar a criança, mas ficou tão quieto e imóvel. O espanto da morte veio sobre ele, e se abaixou para olhar mais de perto.
Naquele momento, os olhos do menino rolaram convulsivamente, um espasmo passou ao longo do corpo, e os lábios, ainda quentes, estremeceram em descanso eterno.
Uma palavra de seu marido contou tudo a Nest.
Ela deslizou de seu assento, e se deitou ao lado de seu filhinho, agora um cadáver.
Owen estava desolado.
A promessa brilhante de viver muitos anos ao lado de seu filho, estava enterrada em seu coração.
E lá estava, a pequena imagem de seu filho, que nunca mais se alegraria ao vê-lo, nem se esticaria para encontrar seu abraço, cujos arrepios eloquentes assombrariam seus sonhos, e nunca mais seriam ouvidos na vida novamente!
Pela criança morta, a pobre mãe caíra em um desmaio misericordioso.
Ele tentou reanimar Nest quando Ellis Pritchard chegou a casa, jamais imaginando a visão que o esperava, e, embora atordoado, ele foi capaz de tomar medidas mais eficazes para a recuperação de sua pobre filha do que Owen fizera.
Ela mostrava sintomas de retorno dos sentidos e foi colocada em sua cama, no quarto escuro, onde permaneceu desacordada.
Foi então que seu marido, sufocado pela pressão do pensamento miserável, tirou suavemente a mão que segurava Nest, e imprimiu um longo e macio beijo em sua testa, saindo apressadamente para fora do quarto, e depois, para fora de casa.
Perto da base de Moel Gêst, que ficava um quarto de milha de Ty Glas, estava a trilha, um pouco negligenciada, com mata fechada, solitária, selvagem e emaranhada por troncos de árvores.
No meio desta mata, um profundo lago, com suas águas cristalinas que era um espelho transparente para o céu azul acima, e ao redor da margem, flutuavam as largas folhas verdes do nenúfar[17], e quando o sol régio brilhava em sua glória do meio-dia, as flores brotavam de suas profundezas frescas para recebê-lo e cumprimentá-lo.
A mata era musical, o som dos pássaros que se alegravam em suas tonalidades, o zumbido incessante dos insetos que pairavam sobre o lago, o som da cachoeira distante, como pequenos sinos angelicais, o ocasional barulho do rebanho de ovelhas no topo da montanha, foram todos misturados na deliciosa harmonia da natureza.
Era um dos refúgios preferidos de Owen quando ele era um peregrino solitário em busca de amor nos anos passados.
Ele ficou ali, naquele lugar solitário, como por instinto, para reprimir a agonia da revolta.
Era a hora do dia em que uma mudança no aspecto do tempo acontecia com frequência, e o pequeno lago não era mais o reflexo de um céu azul e ensolarado. Ele enviava de volta as nuvens escuras e dos galhos acima, e, por vezes, uma rajada de vento sacudia seus galhos e as folhas pintadas de outono balançavam tristemente, e a música se perdia no som dos ventos selvagens que vinham dos pântanos, que se erguiam e ultrapassavam as fendas no lado da montanha.
Então, a chuva se acendeu e bateu em torrentes, mas Owen não prestou atenção.
Ele sentou no chão úmido, com seu rosto enterrado nas mãos e toda a sua força, física e mental, empregada para acabar com a correria do sangue, que se elevava, fervia e se rompia em seu cérebro, o enlouquecendo.
O fantasma de sua criança morta ressuscitou diante dele, e parecia chorar em voz alta por vingança.
Quando o pobre homem pensou na vítima que ele exigia em seu desejo selvagem de vingança, ele estremeceu, pois, era seu pai!
Mais uma vez, ele tentou não pensar, mas mesmo assim, o círculo de pensamento veio à tona, passando por seu cérebro.
Ele sabia, na afobação apaixonada do momento, que seu pai deixara o chalé antes de tomar consciência do acidente fatal que se abateu sobre a criança.
Owen pensou em ir até o Escudeiro e contar-lhe o acontecido e assim, esperar um pedido de perdão. Entretanto, mais uma vez, ele desconfiava de seu autocontrole, e a velha profecia se levantou em seu horror, e ele temia sua desgraça.
Finalmente ele determinou deixar seu pai para sempre, levar Nest para algum país distante, onde ela esqueceria seu primogênito, e onde ele poderia ganhar um meio de subsistência por seus esforços.
Quando ele tentou pensar nos pequenos arranjos que estavam envolvidos na execução deste plano, ele lembrou que seu dinheiro, e a esse respeito o Escudeiro Griffiths não era nenhum idiota, estava trancado no escritório em Bodowen.
Em vão, ele tentou eliminar esta dificuldade em ir à Bodowen, porque a sua única esperança era evitar seu pai.
Ele se levantou e tomou um caminho secundário para Bodowen.
A casa parecia ainda mais sombria e desolada que de costume na forte chuva torrencial, mas Owen a contemplou com arrependimento triste, de como seus dias nela foram, e que ele estava prestes a deixá-la agora por muitos anos, se não, para sempre.
Ele entrou por uma porta, que se abria para uma passagem que levava ao seu quarto, onde guardava seus livros, suas armas, sua vara de pescaria, seu material de escrita, etc.
Ali, ele começou rapidamente a selecionar os poucos artigos que pretendia levar, pois, além do pavor da interrupção, ele estava febrilmente ansioso para desaparecer com Nest, naquela mesma noite. Mas, ele se perguntava se Nest seria capaz de realizar a viagem.
Enquanto ajeitava seus pertences, ele tentou conjecturar quais seriam os sentimentos de seu pai ao descobrir que seu filho, outrora amado, partira para sempre.
Será que ele despertaria o lamentar sobre a sua conduta, e pensaria amargamente no menino amoroso e carinhoso que assombrou seus passos em dias anteriores?
Será que ele só sentiria que um obstáculo à sua felicidade diária, seu contentamento com sua esposa e seu estranho afeto pelo filho dela, foi tirado de seu caminho?
Será que eles se alegrariam com a partida do herdeiro?
Então, ele pensou em Nest, a jovem mãe, que agora não tinha mais o seu filho, cujo coração ainda não percebera a plenitude de desolação.
Pobre Nest!
Tão amorosa como ela era, tão dedicada ao seu filho.
Como ele a consolaria?
Ele a imaginou longe, em uma terra estranha, ansiando por suas montanhas nativas, e recusando-se a ser consolada porque seu filho não estava ao seu lado.
Mesmo este pensamento, da saudade de casa que poderia possivelmente assolar Nest, não o fez hesitar em sua determinação.
Ele tomou posse dessa determinação, que colocaria milhas e léguas entre ele e seu pai. Esta era a única maneira para evitar a desgraça que parecia se misturar com os propósitos de sua vida, enquanto ele permanecesse perto do assassino de seu filho.
Ele concluíra seu apressado trabalho de preparação, e estava cheio de pensamentos ternos sobre a sua esposa, quando a porta se abriu, e o duende, digo, filho de sua madrasta, o espreitou, em busca de alguns dos pertences de seu irmão.
Ao ver Owen, ele hesitou, mas depois se adiantou ousadamente, e colocou a mão no braço de Owen, dizendo:
— Nest é uma meretriz! Como é a tal Nest, a meretriz?
Ele olhou maliciosamente no rosto de Owen para marcar o efeito de suas palavras, mas, ficou aterrorizado com a expressão que ele lia ali.
O rapaz correu para a porta, enquanto Owen tentava se controlar, dizendo continuamente:
— Ele é apenas uma criança!
— Ele não entende o significado do que diz.
— Ele é apenas uma criança!
Ainda assim, o menino duende, agora na segurança imaginária, continuou chamando suas palavras insultuosas, e a mão de Owen estava em sua arma, agarrando-a como se fosse para conter sua fúria crescente.
Quando o garoto passou ousadamente a zombar das palavras relacionadas à pobre criança morta, Owen não podia mais suportar, e antes que o menino entendesse a sua fúria, Owen o segurou ferozmente com uma mão, enquanto o golpeava violentamente com a outra.
Em um minuto, ele mesmo verificou. Ele fez uma pausa, relaxou sua compreensão e, para seu horror, viu o menino cair no chão, inconsciente.
Owen, o miserável Owen, que estava ali prostrado, amargamente arrependido e que o carregaria nos braços, fazendo tudo para salvá-lo, mas neste instante, o Escudeiro entrou.
Quando a casa em Bodowen se levantou naquela manhã, havia apenas um entre eles, que ignorava a relação do herdeiro com Nest Pritchard e Owen, enquanto ele tentava fazer suas visitas a Ty Glas.
Estas visitas foram muito frequentes para não serem notadas, e a conduta alterada de Nest, em não mais frequentar bailes e festas, era uma circunstância fortemente corroborativa.
Mas, a influência da Senhora Griffiths reinava em Bodowen, e até que ela sancionasse a divulgação, ninguém se atreveria a dizer ao Escudeiro.
O tempo de falar se aproximava, porque ela desejava que o marido tomasse consciência da conexão que seu filho formara, e com muitas lágrimas e aparente relutância, ela quebrou o silêncio, o informando do caráter que Nest carregava. Ela não afirmou, mas insinuou que a jovem Nest era uma mulher fácil.
Foi assim que o Escudeiro Griffiths seguiu Owen até Ty Glas, e sem nenhum objetivo, a não ser a gratificação de sua furiosa raiva, fez o que vimos.
Contudo, ele deixou à cabana, ainda mais furioso contra seu filho, do que entrara nela, e voltou para casa para ouvir as más sugestões da madrasta.
Ele ouvira uma ligeira briga, na qual ele captou os tons da voz do menino estimado, ao passar pelo salão, e um instante depois, ele viu o corpo aparentemente sem vida de seu pequeno favorito, arrastado pelo culpado Owen, que tinha marcas de forte paixão ainda visíveis em seu rosto.
Não alto, mas amargo e profundo, foram as palavras maldosas que o pai proferiu para o filho, e enquanto Owen permanecia orgulhoso e amargamente silencioso, desprezando toda a desculpa que sentia, a madrasta de Owen entrou.
À vista de sua emoção natural, a ira do Escudeiro foi redobrada, e suas desconfianças brutais, que esta violência de Owen para com o menino era um ato premeditado, apareceram como a verdade comprovada através das brumas da raiva.
Ele convocou os empregados como se quisesse guardar sua própria vida e a de sua esposa, das tentativas de seu filho, e os servos ficaram se perguntando, olhando para a Senhora Griffiths, que soluçava, enquanto tentava cuidar do rapaz que estava realmente ferido e meio inconsciente. Eles olharam para o Escudeiro feroz e irado, e por fim, para o triste e silencioso Owen.
Ele mal estava ciente de seus olhares de espanto e terror, e as palavras de seu pai caíram em seu ouvido morto, pois, diante de seus olhos, surgiu um bebê pálido, morto e nos violentos sons de dor de sua madrasta, ele ouviu o lamento de uma mãe ainda mais triste e desesperada.
Enquanto seus pensamentos rondavam o intocável, o menino já havia aberto os olhos e, ainda que evidentemente sofrendo muito com os efeitos dos golpes de Owen, ele estava plenamente consciente de tudo o que estava se passando ao seu redor.
Se Owen fosse deixado à sua própria natureza, seu coração teria trabalhado para amar duplamente o menino que ele ferira, no entanto, Owen era teimoso em relação à injustiça e estava endurecido pelo sofrimento.
Ele se recusou a justificar, e também não fez nenhum esforço para resistir à prisão que o Escudeiro decretou, até que a opinião de um cirurgião sobre a real extensão dos ferimentos de Robert fosse conhecida.
Quando a porta foi trancada e barrada, como se ele fosse uma besta selvagem e furiosa, a lembrança da pobre Nest, sem sua presença reconfortante, lhe veio à mente.
“Oh!” pensou ele, indagando o quanto ela estaria cansada, ansiando por sua afetuosa simpatia, se, de fato, ela tivesse se recuperado do choque da morte do filho, para ser sensível ao consolo!
O que ela pensaria de sua ausência?
Ela imaginava que ele estava ali? Se ele estava ali, ela pensaria que ele acreditara nas palavras de seu pai, e tivesse a abandonado, mesmo neste doloroso luto.
O pensamento o enlouqueceu, e ele procurou por algum modo de fuga.
Ele fora confinado em uma pequena sala, não mobiliada, no primeiro andar, com uma porta maciça, calculada para resistir às tentativas de uma dúzia de homens fortes.
A janela foi colocada, como é comum em antigas casas galesas, sobre a lareira, com chaminés ramificadas em ambos os lados, formando uma espécie de projeção para o exterior. Por esta saída, sua fuga era fácil, mesmo se ele estivesse menos determinado e desesperado do que estava.
Quando ele descesse, com um pouco de cuidado, ele escaparia de toda observação e perseguiria sua intenção original de ir para Ty Glas.
A tempestade diminuíra, e raios de sol aquáticos estavam dourando a baía.
Ele planejou a fuga:
Owen desceria pela janela, e, correria nas largas sombras da tarde, seguiria para a pequena planície de grama verde no jardim, caminharia até o topo de uma rocha íngreme, desceria pela face abrupta, da qual, muitas vezes caíra, através de uma corda bem segura. Andaria até o pequeno veleiro, que era presente de seu pai, infelizmente, em dias passados, que ficava atracado nas águas profundas da baía.
Ele sempre manteve seu barco lá, porque era o local mais próximo disponível de casa.
Owen não podia, de fato, atravessar um extenso pedaço de chão iluminado pelo sol, em plena vista das janelas daquele lado da casa, sem a sombra de uma única árvore ou arbusto.
Para fugir sem ser visto, ele tinha que contornar um semicírculo rude de madeira, que seria considerado como um arbusto, se alguém tivesse se preocupado com ele.
Passo a passo, ele se movia furtivamente ouvindo vozes alongo, contudo, não avistara o pai nem a madrasta, porque o Escudeiro, evidentemente, estava consolando sua esposa, que parecia insistir em um desespero inútil com grande intensidade.
Owen se agachara para evitar ser percebido pelo cozinheiro, que estava voltando para a cozinha, contornando o jardim rude com um punhado de ervas.
Foi assim que o herdeiro de Bodowen deixou sua casa ancestral para sempre, e esperava também, deixar para trás sua desgraça.
Rapidamente ele alcançou o planalto, e assim conseguiu respirar mais livremente. Ele se abaixou para pegar a bobina da corda, que estava escondida em um buraco sob um grande pedaço de rocha redondo e plano. Sua cabeça estava dobrada para baixo, e ele não viu seu pai se aproximar, nem ouviu seus passos.
O Escudeiro se agarrara a ele, antes que ele se levantasse, e soubesse o que estava acontecendo.
Os dois tiveram uma luta vigorosa. O Escudeiro batia e seu filho tentava se defender.
Owen lutou com seu pai por um momento, o empurrando com força contra uma pedra, o homem perdeu o seu equilíbrio, e Owen correu.
Desceu o Escudeiro, até as águas profundas abaixo dele, depois que Owen foi, metade conscientemente, metade inconscientemente, porque um lado dele estava acuado pela súbita renúncia após a briga, por outro, porque um arrebatador impulso incontrolável queria resgatar seu pai.
No entanto, ele instintivamente escolhera um lugar mais seguro. O lago profundo de água do mar era melhor que aquele para o qual seu empurrão enviara seu pai.
O Escudeiro batera com muita violência a cabeça contra o lado do barco, em sua descida em busca de Owen, e assim, o homem se jogou na água, mesmo ferido.
Entretanto, Owen não sabia de nada, exceto que a terrível desgraça parecia estar presente, ainda. Ele mergulhou na água em busca do corpo do pai, que não tinha a elasticidade para flutuar. Ele viu seu pai naquelas profundezas, agarrou-se a ele, o trouxe para cima e o jogou, como um peso morto, no barco, e exausto pelo esforço, ele começou a afundar novamente antes de tentar subir no barco.
Lá estava seu pai, com um profundo corte no lado da cabeça, onde o crânio fora fraturado por sua queda, seu rosto estava azulado pelo curso do sangue preso. Owen sentiu seu pulso e seu coração, tudo estava parado. Ele o chamou:
— Pai! Pai! — gritou ele. — Volte! Volte! Volte! Você nunca soube o quanto o amei! Como eu deixaria de amá-lo? Oh! Deus!
O pensamento de seu filho pequeno se levantou diante dele:
— Sim, pai! — ele chorou de novo. — Você jamais vai saber a dor que senti. Oh! Se eu tivesse paciência para lhe dizer! Se você só tivesse suportado comigo e escutado! Agora, acabou! Oh! Pai! Pai!
A madrasta surgiu um pouco distante dos olhos de Owen e ouvira a voz brutal de lamentação. Ele se perguntou como ela chegara ali, se era porque a mulher sentia falta do marido e o queria por perto, ou, como talvez fosse provável, ela descobrira a fuga de Owen, e correu ao encalço do marido.
Na rocha, bem acima de sua cabeça, como parecia, Owen ouviu sua madrasta chamando o marido dela.
Ele ficou em silêncio e levou suavemente o barco para a margem do lago, repleto de rochas com galhos de árvores mortas, que o esconderam.
Molhado como estava, ele se deitara com o seu falecido pai para se esconder, e, de alguma forma, a ação lembrava aqueles primeiros dias da infância, os primeiros na viuvez do Escudeiro, quando Owen compartilhara a cama de seu pai, e costumava acordá-lo pela manhã para ouvir uma das velhas lendas galesas.
Quanto tempo ele ficou deitado assim, de corpo arrepiado e cérebro trabalhando duro através da forte pressão de uma realidade tão terrível como um pesadelo, ele não soube, mas, detidamente, ele se despertou para pensar em Nest.
Ele cobriu o corpo de seu pai, deitado no fundo do barco, com o tecido da vela. Depois, com as mãos dormentes, ele pegou os remos e puxou para o mar, em direção a Criccaeth.
Ele contornou a costa até encontrar uma fenda sombreada nas rochas escuras, e ancorou seu barco em terra firme.
Então, ele andou cambaleante e ansioso, nas águas escuras em repouso, descobrindo os apoios mais seguros para os pés, nas faces das rochas, até que ele estava no alto, caminhando em segurança.
Ele fugiu, correndo com energia enlouquecida, como se fosse perseguido, em direção a Pen-Morfa. De repente, ele parou, virou-se, correu novamente, mas para trás, com a mesma velocidade e olhara do alto para dentro de seu barco, com olhos tensos para ver algum movimento de vida, qualquer deslocamento de uma dobra de pano da vela.
Estava tudo quieto lá, no fundo, mas, enquanto ele olhava, a luz que se movia dava a aparência de um leve movimento. Owen correu para uma parte inferior da rocha, e mergulhou na água e nadou até o barco.
Quando lá, tudo ainda estava muito quieto! Por um minuto ou dois, ele não ousou levantar o pano. Depois, refletindo que o mesmo terror voltaria a assediá-lo, por deixar seu pai desamparado, enquanto ainda uma centelha de vida se prolongava, ele removeu o manto.
Os olhos do pai estavam abertos, e ele, com a mão molhada, os fechou. Sua boca também estava entreaberta.
Owen se inclinou e beijou a testa do pai entre as sobrancelhas.
— A maldição, pai! Seria melhor se eu morresse no meu nascimento!
A luz do dia estava se apagando. Preciosa luz do dia! Ele nadou de volta, e partiu de novo para Pen-Morfa.
Quando ele abriu a porta do Ty Glas, Ellis Pritchard olhou para ele com reprovação, de seu assento na sombria chaminé.
— Finalmente você chegou! — disse ele. — Um de nossa raça não deixaria a esposa lamentar sozinha por seu filho morto! Tenho um bom motivo para tirá-la de você para sempre!
— Não! — gritou Nest, olhando piedosamente para seu marido.
Ela estava amamentando seu bebê, deitado em seus joelhos como se ele estivesse vivo. Owen estava de pé, diante de Ellis Pritchard.
— Fique calado! — exclamou ele. — Nem palavras, nem ações, mas o que é decretado pode acontecer. Eu estava pronto para fazer meu trabalho, estes cem anos e mais. O tempo esperou por mim, e o homem esperou por mim. Fiz o que foi previsto de mim, por gerações!
Ellis Pritchard conhecia a velha história da profecia e acreditava nela, de uma forma enfadonha, entretanto, nunca pensou que isso aconteceria em seu tempo.
Ele entendeu, embora tenha confundido a natureza de Owen, a ponto de acreditar que seu ato foi feito intencionalmente por vingança pela morte de seu filho, e vendo-o sob esta luz, Ellis pensou ser pouco mais que uma punição pela causa de toda a tristeza desesperada que vira sua única filha sofrer durante as horas daquela longa tarde.
Entretanto, ele sabia que a lei não a consideraria assim. Mesmo a frouxa lei galesa daqueles dias não podia deixar de examinar a morte de um homem de posição como o Escudeiro Griffith. Então, o agudo Ellis pensou como ele esconderia o culpado por um tempo.
— Venha! Não fique assustado! Foi sua desgraça, não sua culpa! — e ele colocou uma mão no ombro de Owen. — Você está molhado! Onde você esteve? — o velho homem olhou para a filha. — Nest, seu marido está pingando, molhado. Por isso está tão azulado, está com frio!
Nest colocou suavemente seu bebê em seu berço, ela estava ainda chorando, e não compreendera o que Owen aludiu, nem quando o pai falou de sua desgraça estar cumprida, se realmente ela ouvira as palavras.
Seu toque descongelou o coração miserável de Owen.
— Oh! Nest! — disse ele, abraçando-a. — Você me ama ainda? Você pode me amar, minha querida?
— Por que não? — perguntou ela, com seus olhos se enchendo de lágrimas. — Te amo mais do que nunca, pois, você foi o pai do meu pobre bebê!
— Mas, Nest! — Owen olhou para o sogro. — Oh! Diga, Ellis! Você sabe!
— Não é preciso! Não é preciso! — falou Ellis. — Ela já tem o suficiente para pensar. Nest, minha filha, pegue minhas roupas de domingo!
— Não entendo! — disse Nest, colocando a mão na cabeça. — O que há? Por que você está tão molhado? Deus, me ajude! Não consigo entender o significado de suas palavras e de seus olhares estranhos! Só sei que meu bebê está morto! — e ela irrompeu em lágrimas.
— Nest! Vá e traga uma muda de roupa, rápido!
Ela o obedeceu mansamente, chorosa demais para se esforçar em entender.
Ellis disse rapidamente a Owen, em voz baixa e apressada.
— Você está querendo dizer que o Escudeiro está morto? Fale baixo, para que ela não ouça! Bem, não há necessidade de falar sobre como ele morreu. Foi repentino, por certo, e todos devemos morrer, e ele terá que ser enterrado! Está bem, a noite está próxima e não podemos pensar em nada até amanhã. Não me pergunte agora se você pode viajar com Nest. Faremos isso amanhã! Ela ainda está nervosa, precisa de um pouco mais de tempo, sabe disso! Preocupe-me, porque há muitos que saem de sua casa e nunca mais voltam, mas, confio que não fará isso e que cedo ou tarde, vai voltar. É isso que você vai fazer, e trazer Nest para Bodowen novamente, depois que isso passar. Não se esqueça de encontrar as lãs azuis, aquelas que comprei na feira de Llanrwst. Só não perca a coragem! Já está feito e não há nada que possa ser remediado. Foi o trabalho que lhe propuseram nos dias dos Tudors, dizem eles. Ele o merecia. Veja a criança morta no berço. Então, diga-me onde ele está, e terei coração valente e verei o que pode ser feito pelo assassino de meu neto!
Mas Owen sentou-se molhado e abatido, olhando para o fogo da lareira como avistasse dolorosas visões do passado, e não dando ouvidos a uma palavra sequer que Ellis pronunciou. Nem se moveu, quando Nest trouxe o braço cheio de roupas secas.
— Venha! Desperte, homem! — afirmou Ellis, ficando impaciente.
Entretanto, Owen não falou, nem se moveu.
— Qual é o problema, pai? — indagou Nest, desnorteada.
Ellis continuou a observar Owen por um minuto ou dois, até que, na repetição da pergunta por parte de sua filha, ele disse:
— Pergunte-lhe você mesmo, filha!
— Oh! Marido, o que é há? — disse ela, ajoelhando-se e colocando seu rosto ao nível do dele.
— Você não sabe? — questionou ele, com força. — Você não vai me amar quando souber! E mesmo assim, não foi obra minha, foi a minha desgraça!
— O que ele quer dizer, pai? — perguntou Nest, olhando para cima, porém, ela pegou um gesto de Ellis induzindo-a em continuar interrogando seu marido.
— Te amarei, marido! O que quer que tenha acontecido! Só me deixe saber o que se passa!
Uma pausa surgiu diante dos dois, e que fizera Nest e Ellis ficarem sem fôlego.
— Meu pai está morto, Nest!
Nest pegou seu fôlego com um arfar forte.
— Deus me perdoe! Mas não sinto compaixão! — disse ela, pensando em seu bebê.
— Deus me perdoe! — sussurrou Owen.
— Você não... — Nest parou seu questionamento.
— Agora você sabe disso. Foi a minha desgraça. Como eu podia evitá-lo? O diabo me ajudou, ele colocou a pedra para que meu pai caísse. Pulei na água para salvá-lo. Saltei, de fato, Nest! Quase me afoguei tentando salvá-lo. Mas, ele foi morto pela queda!
— Então, ele está seguro no fundo do mar? — articulou Ellis, com fome e avidez.
— Não, ele não está! Ele jaz no meu barco! — garantiu Owen, tremendo um pouco, por pensar em seu último vislumbre do rosto de seu pai e não devido ao frio de suas roupas molhadas.
— Oh! Marido, troque sua roupa molhada! — suplicou Nest, a quem a morte do velho era simplesmente um horror com o qual ela não tinha nada a ver, enquanto o desconforto de seu marido era um problema real.
Enquanto ela o ajudava a tirar as roupas molhadas, que ele não tinha energia o bastante para tirar de si, Ellis estava ocupado preparando alimentos e misturando um grande copo de álcool e água quente.
Ele ficou sobre o infeliz jovem e o obrigou a comer e beber, e fez Nest provar um pouco de bocado, enquanto planejava em sua mente, como melhor esconder o que fora feito, e quem o fizera.
Seus pensamentos se desviaram e um toque suave de triunfo vulgar pairava sobre os olhos do homem, no reflexo de Nest, enquanto ela estava ali, descuidadamente ajudando o marido, envolta em sua dor.
Ele imaginava que a sua filha era a dona da herança de Owen. Ellis Pritchard sorriu esperançoso, pois, jamais avistara uma casa mais grandiosa, embora ele acreditasse que existia casas maiores.
Por meio de algumas perguntas extravagantes, ele descobriu tudo o que queria saber de Owen, enquanto comia e bebia.
Na verdade, foi quase um alívio para Owen diluir o horror ao falar sobre isso. E, antes da refeição ser finalizada, se aquela comida pudesse ser assim chamada, Ellis sabia tudo o que se importava em saber.
— Agora, Nest! Continue a sua vida ao lado de seu marido. Arrume o que precisa para partir ao lado dele, pois, tanto você quanto seu marido, devem estar a caminho de Liverpool amanhã, logo cedo. Levarei vocês por Rhyl Sands, no meu barco, e voltarei com minha carga de peixe. Discretamente vou observar a agitação em torno da casa de Owen. Uma vez, escondidos e salvos em Liverpool, ninguém saberá onde vocês estão, e vocês ficarão quietos até chegar a hora de voltar!
— Nunca mais voltarei para casa! — disse Owen, obstinadamente. — O lugar está amaldiçoado!
— Homem! Me escute! Afinal de contas, foi apenas um acidente! Pousaremos na Ilha Santa, em Llyn, porque lá há um velho primo meu, um pastor. Admito que os Pritchards já conheceram dias melhores. Sobre o Escudeiro, enterraremos lá. Foi apenas um acidente! Levante sua cabeça! Você e Nest ainda voltarão para casa e encherão Bodowen de crianças, e viverei para ver eles felizes!
— Nunca! — exclamou Owen. — Sou o último homem da minha raça. O filho assassinou seu pai!
Nest ficou calada.
O fogo foi extinto, a porta foi trancada.
— Aqui! Nest, minha querida! Deixe-me levar a sua bagagem!
Owen dobrou a cabeça, e não falou uma palavra. Nest deu ao pai a bagagem, e ainda segurava algumas coisas que ela considerava adequado levar, mas apertou outro de forma suave.
— Ninguém me ajudará com isto! — disse ela, em voz baixa.
Seu pai não a entendeu, seu marido sim, e colocou seu forte braço de ajuda em torno da cintura dela, e a abençoou.
— Iremos juntos, Nest! — sussurrou ele. — Mas para onde? — ele olhou para cima, para as nuvens atiradas pela tempestade que vinha de barlavento[18].
— Será uma noite chuvosa! — afirmou Ellis, virando a cabeça para finalmente falar com os dois. — Mas nunca tema, vamos resistir a isso!
E ele se dirigiu ao lugar onde sua embarcação estava ancorada. Então, ele parou e pensou um momento.
— Fiquem aqui! — ponderou ele. — Talvez, eu encontre pessoas perto da embarcação. Vocês esperem aqui, até eu voltar afirmando que está seguro para vocês.
Então, eles sentaram em um canto do caminho.
— Deixe-me olhar para ele, Nest! — lamentou Owen.
Ela tirou seu filhinho morto que estava enrolado em seu xale e eles olharam para seu rosto de cera, beijaram-no, e o cobriram com reverência e suavidade.
— Nest! Finalmente, sinto como se o espírito de meu pai estivesse perto de nós, e como se curvasse sobre nosso pobre pequeno. Um estranho ar frio me tocou, enquanto eu me inclinava sobre meu filho morto. Imagino o espírito de nossa criança pura e inocente, guiando meu pai a salvo pelos caminhos do Céu, até as portas da casa de Deus, e escapando daqueles malditos demônios do Inferno, que se levantam do Norte em busca de almas sofredoras.
— Não fale assim, Owen! — falou suavemente Nest, enrolando-se com ele na escuridão do matagal. — Quem sabe, ele não esteja realmente aqui?
O casal ficou em silêncio, em uma espécie de terror sem nome, até ouvir o sussurro alto de Ellis Pritchard:
— Onde vocês estão? Venham! O caminho está livre! Havia alguns fofocando sobre o desaparecimento do Escudeiro, mas se foram.
Eles foram rapidamente para o pequeno porto e embarcaram a bordo do barco do Ellis.
O mar pesava e balançava. As nuvens rasgadas se precipitavam por cima de suas cabeças de maneira tumultuada e selvagem.
Eles se lançaram na baía, ainda em silêncio, exceto quando alguma palavra de comando foi dita por Ellis, que assumiu a administração da embarcação. Eles foram para a costa rochosa, onde o barco de Owen fora atracado. Porém, o barco não estava lá. Ele se soltara e desapareceu no mar.
Owen sentou-se e cobriu seu rosto. Este último evento, tão simples e natural, atingiu sua mente supersticiosa de uma maneira extraordinária.
Ele ansiava uma reconciliação, por assim dizer, colocando seu pai e seu filho, em uma cova. Mas, agora parecia que não haveria perdão, como se seu pai se revoltasse, mesmo na morte, contra qualquer união entre os dois.
Ellis teve uma visão sobre o caso. Se o corpo do Escudeiro fosse encontrado à deriva em um barco conhecido como pertencente a seu filho, criaria uma terrível suspeita quanto ao modo de sua morte.
Ellis pensara em persuadir Owen a deixá-lo enterrar o Escudeiro no túmulo de um marinheiro, ou, em outras palavras, cosê-lo em uma vela de reserva, pesá-lo bem, e afundá-lo para sempre.
Ele não abordara o assunto, a partir do medo da repugnância apaixonada de Owen ao plano, caso contrário, se ele consentisse, eles voltariam para Pen-Morfa, e esperariam passivamente o curso dos acontecimentos, seguros da sucessão de Owen a Bodowen, mais cedo ou mais tarde, ou se, Owen estivesse muito sobrecarregado com o que acontecera, Ellis o aconselharia a ir embora por um curto período, e retornar quando o burburinho e a conversa terminassem. Agora era diferente. Era absolutamente necessário que eles deixassem o país por algum tempo.
Através das águas tempestuosas, eles tomariam o seu caminho naquela mesma noite.
Ellis não tinha medo, ao contrário de Owen. Mas com Owen desesperado, desamparado e impregnado pelo destino, o que ele poderia fazer?
Eles navegaram para a escuridão e nunca foram mais vistos pelos homens.
A casa de Bodowen afundou em ruínas úmidas e escuras, e um estranho saxão guarda as terras dos Griffiths.
[1] Owain Glyndwr, ou Owain Glyn Dwr foi um governante galês e o último galês nativo para manter o título príncipe de Gales, mas para muitos, visto como um rei não oficial.
[2] Hotspur é um apelido do Senhor Henry Percy (1364-1403).
[3] Sinal que Deus colocou em Caim após matar seu irmão Abel. Mas que não é descrita na Bíblia qual é realmente a marca, e há especulações ainda hoje sobre o que seria o tal sinal.
[4] Um dos treze condados históricos do País de Gales
[5] Cidade, situada em Gwynedd, país de Gales.
[6] Espécie de pinheiro.
[7] Colégio da Universidade de Cambridge, Inglaterra.
[8] Pequena aldeia.
[9] Lenda que envolve o rei da Frígia e Alexandre, o Grande. É comumente usada como metáfora de um problema insolúvel resolvido facilmente por ardil astuto ou por "pensar fora da caixa".
[10] Tragédia clássica de Sófocles.
[11] Dança folclórica, de origem escocesa. O Carretel é uma das quatro danças tradicionais, sendo as outras o gabarito, o strathspey e a valsa.
[12] Canção e marcha militar que tradicionalmente descreve os eventos durante o cerco de sete anos ao Castelo Harlech entre 1461 e 1468.
[13] Canção chamada “Trezentas Libras”.
[14] Canção Galesa improvisada.
[15] Tramazeira. Árvore de tamanho mediano, raramente ultrapassando os 15 metros de altura.
[16] Seres vivos muito complexos que constituem uma simbiose de um organismo formado por um fungo e uma alga ou cianobactéria.
[17] Plantas que crescem em águas paradas ou de movimentação lenta.
[18] Lado de onde sopra o vento.
Elizabeth Gaskell
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