Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A DONZELA / Jude Deveraux
A DONZELA / Jude Deveraux

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT 

 

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Inglaterra, Século XIII
Ele tinha que conquistar o coração do seu povo, mas antes deveria conquistar o coração de sua rainha...
Ele era sábio, forte e valente. Seu destino era ser rei.
Ela era jovem, linda, uma princesa guerreira. Seu destino era amá-lo.
Mas quando se conheceram, eram somente um homem e uma mulher, consumidos por uma paixão tão súbita e tão profunda, que o mundo desapareceu com o primeiro beijo. Depois, quando o beijo ainda ardia em seus lábios, Jura descobriu que aquele cavaleiro não era outro senão o odiado príncipe Rowan, que regressava da Inglaterra para usurpar o trono de seu meio-irmão.
Furiosa, Jura decidiu ser a inimiga desse príncipe, cujo lindo rosto a atormentava de dia e de noite.
Mas nada deteria Rowan, decidido a ganhar a guerra...
E nada o deteria em seu afã de conquistar a valente e bela Jura, para convertê-la em sua esposa, sua rainha, seu amor....

 


 


Capítulo 01

Inglaterra, 1299

William de Bohun se achava escondido entre as sombras dos muros de pedra do castelo e contemplava seu sobrinho, que se encontrava sentado junto à janela. Rowan, de cabelos loiros que brilhavam ao sol, franzia o cenho de seu lindo rosto ao concentrar-se no estudo do manuscrito que tinha diante de si. William preferia não pensar o quanto esse jovem tinha chegado a significar para ele, com o passar do tempo. Rowan era o filho que desejava ter tido.

Ao olhar para o jovem bonito, alto, de ombros largos e quadris estreitos, voltou a se perguntar como um homem feio e sinistro como Thal pôde ter gerado alguém como Rowan. Thal era chamado rei da Lanconia, mas se vestia com peles de animais, seus cabelos sujos chegavam até os ombros, comia e falava como um bárbaro. William tinha-lhe aversão e só tolerava sua presença em sua casa porque o rei Edward tinha pedido. William lhe tinha devotado sua casa, hospitalidade e ordenado a seu senescal que organizasse entretenimentos para aquele homem vulgar e tosco, mas, pessoalmente, manteve-se afastado desse jovem detestável.

Agora, assaltavam a William lembranças angustiantes quando olhava para Rowan. Enquanto William estava ocupado, longe do castelo, sua querida e linda irmã Anne se apaixonou por esse homem detestável. Quando William se deu conta do ocorrido, Anne já estava tão enfeitiçada por ele que ameaçava se matar se o perdia. O estúpido rei bárbaro nem sequer parecia dar-se conta de que Anne punha em perigo sua alma imortal pelo simples fato de mencionar suicídio.

Nada do que William houvesse dito, teria desanimado Anne. William disse-lhe que Thal era uma pessoa repulsiva e Anne o olhava como se fosse um tolo.

— Não é repulsivo para uma mulher. — Havia dito ela, rindo de tal modo que William experimentava náuseas ao pensar que as mãos desse homem gorduroso e sombrio pudessem tocar Anne, tão loira e esbelta.

Finalmente, o rei Edward tinha tomado uma decisão por ele. Havia dito que os lanconianos eram poucos, mas ferozes e que se seu rei desejava uma esposa inglesa, devia tê-la.

De modo, que o rei Thal se casou com Anne, a linda irmã de William. Este se embriagou durante dez dias, com a esperança de que, quando recuperasse a sobriedade, descobrisse que tudo tinha sido produto de sua imaginação. Mas quando despertou de seu estupor alcoólico viu Thal, um pouco mais alto que sua irmã, inclinado sobre ela, envolvendo sua loira beleza com seu tenebroso corpo.

Nove meses mais tarde nasceu Rowan. No primeiro momento, William experimentou um extraordinário carinho pelo pequeno. Embora estivesse casado, William não tinha filhos, mas desejava fervorosamente um menino. Thal demonstrou total indiferença com o bebê.

— Ora, grita em extremo e cheira mal como os outros. As crianças são para as mulheres. Aguardarei até que se converta em um homem. — Grunhido Thal, com seu estranho acento inglês. O que mais lhe interessava era que Anne se recuperasse rapidamente do parto para voltar a deitar-se com ela.

William considerava Rowan como se fosse dele e passava longas horas fazendo brinquedos para ele, brincando com o menino e ajudando-o a caminhar quando deu seus primeiros passos. Rowan começou a converter-se em sua razão para viver.

Quando o menino tinha pouco mais de um ano, nasceu sua irmã Lora. Como seu irmão, era bonita e loira e não parecia ter herdado nada de seu moreno pai.

Quando Lora tinha cinco dias de vida, Anne morreu. Imerso em sua dor, William só se preocupou com seu próprio sofrimento. Não percebeu a dor e nem a amargura de Thal. William só pensava que Thal era a causa da morte de sua adorada irmã. Ordenou-lhe que se afastasse de sua casa.

Triste, Thal havia dito que no dia seguinte partiria com seus homens e seus filhos para retornar a Lanconia.

William não tinha compreendido o significado das palavras de Thal, mas quando ouviu ruídos na parte de trás do pátio, compreendeu que Thal levaria Rowan e o bebê. William enlouqueceu de fúria. Normalmente era um homem sensato, mas nesse momento atuou impulsionado pela ira, o sofrimento e o temor. Reuniu seus cavaleiros e atacou Thal e sua guarda pessoal enquanto dormiam.

William nunca havia visto homens lutarem como esses lanconianos. Os homens de William eram muito mais numerosos, a proporção era de quatro a um, mas mesmo assim, três deles, incluído Thal, conseguiram fugir.

O sangue emanava das feridas que tinha nos braços, nas pernas e na bochecha direita, mas Thal, de pé sobre o muro do castelo, iluminado pela rosada luz do amanhecer, amaldiçoou William e a sua origem. Thal disse que sabia que William desejava se apoderar do príncipe Rowan, mas que jamais o obteria. Rowan era um lanconiano, não um inglês e algum dia retornaria para seu pai.

Logo Thal e seus homens saltaram do muro e desapareceram no bosque. Nessa noite começaram as desventuras de William.

Sua vida, que até então, tinha sido dourada, tornou-se cinza como o chumbo. Um mês mais tarde, sua mulher tinha morrido de varíola, logo a enfermidade dizimou mais da metade dos camponeses e não pôde efetuar a colheita. A neve, que começou a cair prematuramente, arruinou os semeados.

William voltou a casar-se, desta vez com uma jovem de quinze anos, roliça e saudável, que provou ser prolífica como uma coelha. No transcurso de quatro anos tiveram quatro filhos, quando nasceu o quarto, a mãe morreu.

William não sentiu muito pesar, pois tinha comprovado que seu encantamento, apoiado na atração do corpo jovem e lindo de sua mulher, já tinha passado, e que ela era uma jovem tola e frívola, incapaz de ser sua companheira. William criou seus quatro filhos e os dois filhos de Anne. O contraste era total. Rowan e Lora eram altos e lindos, de cabelos loiros. Eram inteligentes, sempre ansiosos por aprender e amáveis. Seus filhos, em troca, eram tolos e torpes, ásperos e ressentidos. Odiavam Rowan e faziam de Lora objeto de suas brincadeiras malévolas.

William sabia que era o castigo que recebia pelo que tinha feito a Thal. Inclusive começou a pensar que o fantasma de Anne se vingava do ataque que descarregou sobre seu marido.

Quando Rowan tinha dez anos, chegou ao castelo de William um ancião de longa barba. Tinha uma coroa de ouro com quatro rubis e disse chamar-se Feilan. Era lanconiano e estava ali para ensinar ao Rowan os hábitos lanconianos.

William se preparou para atravessá-lo com sua espada, mas Rowan se interpôs entre ambos. Era como se o menino soubesse que esse homem chegaria e o tivesse estado aguardando.

— Sou o príncipe Rowan. — Disse solenemente. Nesse instante, William soube que estava a um passo de perder o que mais amava no mundo e não podia fazer nada para impedi-lo.

O ancião permaneceu no castelo, dormia em um dos porões e durante o dia, estava sempre junto de Rowan.

Rowan sempre tinha sido um menino sério, era obedientemente cumprido as obrigações impostas por William, mas agora sua capacidade para o estudo parecia ilimitada. O ancião lanconiano ensinava a Rowan em sala de aula e no campo de adestramento. No princípio William pôs objeções porque, em sua qualidade de cavaleiro, considerava que os métodos de luta lanconianos eram desonrosos. Nem Rowan, nem Feilan lhe prestaram atenção e Rowan aprendeu a lutar de pé, com a espada e a lança, com um pau, com garrote1 e para horror de William, com os punhos. Os cavaleiros só lutavam a cavalo.

Rowan não foi criado como os outros jovens aristocratas, mas sim, permaneceu no castelo de seu tio e estudou com o lanconiano. Os filhos de William foram partindo um a um para viver com outros cavaleiros e converterem-se em seus escudeiros. Retornaram depois de serem sagrados cavaleiros, mas continuaram sendo hostis com Rowan. Quando se converteram em homens, desafiaram Rowan em um torneio, com a esperança de vencê-lo e ganharem a estima de seu pai.

Rowan os venceu facilmente e logo retornou a seus estudos, imperturbável.

Os filhos de William protestaram pela presença de seu primo na casa. Colocavam armadilhas debaixo dos arreios de Rowan, roubavam-lhe seus livros, zombavam dele na presença de estranhos. Mas Rowan jamais se zangava, o que avivava ainda mais a raiva de seus toscos primos. A única oportunidade em que William viu Rowan zangado foi quando sua irmã Lora, pediu autorização para casar-se com um barão que estava de visita na casa de William. Rowan havia dito a Lora que ela era lanconiana e que deveria aguardar ser chamada para sua terra natal. William ficou sobressaltado, em parte pela explosão temperamental de Rowan, mas ainda mais, pelo fato de que se referisse a Lanconia como sua "terra natal". Sentiu-se traído, como se o jovem não retribuísse todo o amor que William lhe tinha devotado. William ajudou Lora para que levasse a êxito seus planos matrimoniais. Mas, depois de dois anos de matrimônio, seu marido morreu e Lora retornou para a casa de seu tio, com seu pequeno filho, Phillip. Rowan tinha sorrido e lhe dado boas-vindas.

— Agora estamos preparados. — Havia dito, rodeando-a com o braço e tomando nos braços seu pequeno sobrinho.

Neste momento, William contemplava Rowan. Tinha vinte e cinco anos e durante esse tempo, William chegou a amá-lo mais que a si mesmo. Mas tudo tinha acabado. Lá fora aguardavam cem guerreiros lanconianos, altos, morenos e cheios de cicatrizes, sobre seus cavalos de pernas curtas e corpos largos. Os homens tinham uma expressão áspera e estavam armados até os dentes. Obviamente, estavam preparados para a luta. Quem os liderava se adiantou e anunciou a William que estavam ali para levarem os filhos do Thal, já que este estava moribundo e Rowan devia converter-se em rei.

William desejava negar-se e estava disposto a lutar para reter Rowan, mas o filho mais velho de William tinha se afastado para um lado de seu vacilante pai, dando boas-vindas aos lanconianos com os braços abertos. William soube reconhecer sua derrota. Não se podia lutar por alguém que não desejava permanecer ali.

Abatido, subiu os degraus que levavam ao quarto de Lora, onde se achava Rowan, estudando junto da janela. Seu tutor já era muito ancião, mas quando viu a expressão do rosto de William, ficou de pé com dificuldade e foi para onde estava Rowan. Logo, lentamente, apoiou um joelho no chão. Quando Rowan olhou para seu velho tutor compreendeu.

— Viva o rei Rowan. — Disse o ancião, inclinando a cabeça.

Rowan baixou solenemente a sua cabeça e logo olhou para Lora, que tinha interrompido seu trabalho de costura.

— Chegou o momento. — Disse brandamente. — Devemos ir para casa.

William se afastou para que não vissem as lágrimas que apareciam em seus olhos.


Lanconia

Jura estava de pé, imóvel dentro da água que chegava até seus joelhos. Sustentava uma lança, aguardando o momento propício para pescar um peixe que nadava lentamente na água. O sol que acabava de sair desenhava o perfil das montanhas de Tamovia que estavam atrás dela. Havia tirado as calças de seu uniforme de guerreira e tinha deixado na borda. Só usava a túnica suave e bordada com a insígnia de sua profissão, e suas pernas, a partir das coxas, estavam nuas. A água estava gelada, mas ela estava habituada ao sofrimento físico e, desde menina, tinham-lhe ensinado a ignorar a dor.

Ouviu passos a sua esquerda, eram passos leves e por isso soube que se tratava de uma mulher. Não se moveu, mas seus músculos se tornaram tensos, preparados para saltar. Continuava sustentando a lança por cima de seu ombro direito, mas agora se preparava para girar sobre si mesmo e arrojá-la na intrusa se houvesse necessidade.

Sorriu, sem mover o rosto. Era Cilean, sua professora e amiga, que atravessava o bosque quase em silêncio.

Jura apanhou um peixe gordo.

— Tomará o desjejum da manhã comigo, Cilean? — Disse em voz alta, tirando o peixe da ponta da lança e caminhando para a borda. Jura media um metro e oitenta e seu corpo estava magnificamente modelado pelo exercício.

Cilean saiu de entre as árvores e sorriu, olhando sua amiga.

— Seu ouvido está tão afinado, como sempre. — Ela também usava as calças de guerreira, macia botas de couro que chegavam até seus joelhos, sustentadas por tiras que cruzavam do tornozelo até o joelho. Era tão alta quanto Jura; tinha pernas longas e magras, seios altos e firmes, costas flexível e erguida. Mas seu rosto não era tão surpreendentemente lindo como o de Jura. Além disso, começava a delatar seus vinte e quatro anos quando estava junto de Jura, que tinha dezoito.

— Ele chegou. — Disse Cilean brandamente.

Jura, que estava recolhendo pequenos ramos para fazer uma fogueira, teve apenas um gesto de vacilação.

— Jura! — Disse Cilean com voz implorante. — Algum dia deverá enfrentá-lo. — Falava o dialeto irial da Lanconia, uma língua de sons suave e arrastada. — Será nosso rei.

Jura se levantou e se voltou para olhar sua amiga. Suas tranças negras se moveram com ela e seu lindo rosto se encheu de fúria.

— Não é meu rei. Jamais o será. É inglês, não lanconiano. Sua mãe era uma inglesa débil, todo o dia sentada junto à lareira, costurando. Nem sequer teve a fortaleza necessária para dar muitos filhos a Thal. Nosso verdadeiro rei é Geralt. Sua mãe era lanconiana.

Cilean tinha escutado essas mesmas palavras centenas de vezes.

— Sim, Astrie era uma mulher maravilhosa e Geralt é um grande guerreiro, mas não é o filho primogênito e Astrie não foi a esposa legal de Thal.

Jura se voltou, tratando de controlar sua irritação. Treinando podia ser muito serena, podia manter a calma mesmo que Cilean lhe estendesse armadilhas, como a de ordenar que cinco mulheres atacassem simultaneamente Jura, mas havia um assunto em relação ao qual Jura não podia controlar sua fúria diante da injustiça: Geralt. Anos antes que nascesse Jura, o rei Thal viajou a Inglaterra para tratar de celebrar uma aliança com o rei inglês. Em lugar de se ocupar do propósito de sua viagem, tinha se descuidado dos assuntos de estado e tinha sido enfeitiçado por uma inglesa inútil e insossa. Casou-se com ela e permanecido na Inglaterra durante dois anos, gerando dois raquíticos meninos, muito fracos para retornarem com ele a Lanconia quando morreu sua mulher.

O povo dizia que Thal já não era o mesmo depois de voltar da Inglaterra. Negou-se a se casar com uma mulher lanconiana, mas se deitou ocasionalmente com a linda Astrie, de origem nobre. Ela gerou Geralt, um filho que era tudo que um homem poderia desejar, mas Thal continuava lamentando-se. Desesperada e tentando forçá-lo que se casasse com ela, Astrie solicitou permissão para casar-se com Johst, o guardião de maior confiança de Thal. Este encolheu os ombros e deu seu consentimento. Três anos depois do nascimento de Geralt, Astrie deu à luz uma menina: Jura.

— Geralt tem direito a ser rei. — Repetiu Jura, com voz mais serena.

— Thal tomou sua decisão. Se ele desejar que seu filho inglês seja rei, devemos acatar sua decisão.

Jura tirava as escamas do peixe com sua adaga.

— Me disseram que sua pele e seus cabelos são brancos. Que é esbelto e frágil como um caule de trigo. Também tem uma irmã. Certamente chorará, tendo saudades de suas comodidades inglesas. Como poderemos respeitar a um rei inglês que nada sabe de nós?

— Thal enviou Feilan para que o instruísse. Faz muitos anos isso. Disseram-me que o homem é um sábio.

— Ora, é poileno. — Disse Jura desdenhosamente, referindo-se a outra tribo lanconiana. — Os poilenos acreditavam que podiam ganhar batalhas com palavras. Os jovens eram formados na leitura e no ensino livre, não com espadas. — Como pode um poileno ensinar um homem a ser rei? Certamente, Feilan ensinou a ler e a relatar histórias. O que sabe um poileno da guerra? Quando os zernas ataquem nossa cidade, nosso novo rei lhes relatará contos de fadas até que caiam adormecidos de seus cavalos?

— Jura, é injusta. Não o conhecemos. É o filho de Thal e...

— Geralt também é. — Exclamou Jura, zangada. — Acaso pode este inglês saber a metade do que sabe Geralt sobre a Lanconia? — Apontou as montanhas que se erguiam para o norte, essas amadas montanhas que durante séculos tinham protegido a Lanconia dos invasores. — Nem sequer conhece nossas montanhas. — Disse, como se isso fosse o cúmulo da desgraça.

— Tampouco me viu. — Disse Cilean brandamente.

Jura a olhou, surpreendida. Muito tempo atrás, Thal havia dito que desejava que seu filho Rowan se casasse com Cilean.

— Thal deve havê-lo esquecido. Disse-o faz anos. Era somente uma menina.

— Não, não o esqueceu. Esta manhã, quando se inteirou de que seu filho inglês estava perto do rio Ciar, reanimou-se e me chamou para seu lado. Deseja que Daire e eu o recebamos.

— Daire? — Disse Jura. Logo sorriu ao pensar no alto e bonito Daire, o homem com quem haveria de casar-se, o homem que tinha amado desde a infância.

Cilean olhou para sua amiga com aborrecimento.

— Só se preocupa com o homem que ama? Não se importa que me tenham ordenado casar com um homem que você diz que é débil e mirrado...

— Lamento-o! — Disse Jura, com sentimento de culpa por pensar só em si mesmo. Devia ser terrível casar-se com alguém a quem não conhecia. Horrorizava-a pensar que uma mulher estivesse obrigada a se casar com um homem cujos gestos e pensamentos eram estranhos e aborrecidos — Me desculpe. Realmente Thal deseja que se case com este... este...? — Não achava a palavra adequada para definir o estrangeiro.

— Disse que o tinha planejado sempre. — Cilean se sentou junto da pequena fogueira que Jura tinha acendido. Sua expressão era de angústia. — Acredito que Thal teme o mesmo que você: que esse filho dele, que não viu durante mais de vinte anos, seja como descreveu. Mas Thal está decidido. Quanto mais tratam de dissuadi-lo, mais inflexível se torna.

— Compreendo. — Disse Jura, pensativa. Olhou um bom momento para Cilean. Talvez Thal não fosse tão tolo depois de tudo. Cilean era uma mulher sensata e inteligente que já tinha demonstrado seu valor em vários campos de batalha. Cilean sabia controlar suas emoções e sua paciência, até nas condições mais adversas. Se esse príncipe inglês era tão fraco como diziam, a inteligência e sabedoria de Cilean poderiam evitar que Lanconia caísse sob seu domínio. — Talvez Lanconia tenha um malcriado rei inglês, mas terá uma inteligente rainha lanconiana.

— Obrigada. — Disse Cilean. — Sim, acredito que o mesmo pensa Thal e sua confiança me honra, mas eu...

— Você deseja um homem por marido. — Disse Jura compassivamente. — Deseja alguém como Daire: alto, forte, vigoroso e inteligente, e...

Cilean riu.

— Sim, a você, que é minha amiga, posso dizer isso Por uma parte me sinto muito honrada, mas por outra, penso como qualquer mulher. O inglês tem realmente cabelos brancos? Quem te disse isso?

— Thal. — Respondeu Jura. — Quando estava ébrio costumava falar da mulher inglesa que desposou. Em uma ocasião o fez diante de minha mãe e meu pai a tirou do quarto. — Jura apertou os lábios, mas isso não diminuiu sua beleza. Seus pais tinham morrido quando ela tinha cinco anos e Thal a criou, nessa grande fortaleza de pedra em que vivia sem nenhuma mulher. Quando uma lavadeira impediu que Jura brincasse com um machado grande e afiado, temendo que cortasse seus pés, Thal mandou embora a mulher. — Isso nos demonstrou como tinha sido sua vida na Inglaterra. — Disse Jura.

Cilean sabia que se referia também a Geralt, o meio-irmão de Jura, e a Daire, que tinha sido criado com eles.

— Jura, — disse Cilean bruscamente — comerá esse peixe ou não? Se apresse, assim poderá me ajudar a decidir o que devo levar para a viagem. Supõe que a irmã do filho de Thal se vestirá de seda? Será muito linda? Desprezará as mulheres lanconianas, tal como fizeram essas mulheres pomposas faz dois anos?

Os olhos de Jura brilharam.

— Se o fizer, faremos com ela o que fizemos com essas mulheres. — Disse com a boca cheia.

— É malvada. — Disse Cilean, rindo. — Não podemos fazer isso à mulher que será minha cunhada.

— Não possuo tantos escrúpulos. Devemos fazer planos para nos proteger de seu esnobismo inglês. Naturalmente, só será suficiente envolver este Rowan na batalha e isso acabará com ele. Acha que será dos que se sentam em cadeiras com almofadas de veludo e bebem cerveja, contemplando a batalha de longe? — Jura se levantou e arrojou terra sobre a fogueira com seu pé. Vestiu as calças e amarrou as botas. — Daire irá contigo?

— Sim. — Disse Cilean, sorrindo. — Poderá sobreviver sem sua presença durante uns dias. Devemos receber o inglês e escoltá-lo até aqui. Acredito que Thal teme um ataque dos zernas. — Os zernas eram a tribo mais feroz da Lanconia. Eram tão propensos à guerra como os poilenos aos livros. Os zernas atacavam a qualquer um e a qualquer momento e o que faziam com os cativos era um autêntico pesadelo.

— Um guerreiro irial não teme a um zerna. — Disse Jura, zangada, ficando de pé.

— Sim, mas este príncipe é inglês e o rei inglês se considera rei de toda Lanconia. — Jura sorriu maliciosamente.

— Deveriam induzi-lo a apresentar-se diante de Brocain, o rei dos zernas, para lhe dizer que é seu rei. Então já não teríamos problemas. Pelo menos, o filho inglês de Thal estaria enterrado em terra lanconiana. Juro que enterraríamos cada um dos pedaços em que Brocain o cortasse.

Cilean riu.

— Venha, me ajude a escolher o que devo levar. Sairemos dentro de uma hora e deve se despedir de Daire.

— Isso levará muito mais de uma hora. — Disse Jura sedutoramente, provocando a risada de Cilean.

— Talvez possa me emprestar Daire por uma noite depois de me casar com este desvanecido inglês.

— Nessa noite morrerá. — Disse Jura serenamente. Logo sorriu. — Roguemos para que Thal viva o suficiente para ver este filho inglês dele e compreenda o engano que comete e possa arrumá-lo. Geralt será nosso rei, tal como deve ser. Venha, corramos até os muros.


Capítulo 02

Rowan estava deitado sobre a borda ocidental do rio Ciar. Apoiando a cabeça sobre um braço, contemplava as árvores com expressão sonolenta. Tinha o torso nu, as sombras e luzes brincavam sobre os músculos de seu estômago e peito, dando reflexos aos pelos dourados. Usava só suas meias e calças curtas de montar.

Aparentemente, estava sereno, mas durante anos tinha sido treinado para ocultar seus sentimentos. Seu ancião tutor lanconiano sempre lhe havia dito que só tinha uma parte lanconiana e que sua débil metade inglesa devia ser eliminada ou transformada. Segundo Feilan, os lanconianos eram mais fortes que o aço e mais irremovível que as montanhas, e Rowan só era lanconiano pela metade.

Experimentou uma ardência na cicatriz que tinha na parte posterior da coxa. Sempre acontecia o mesmo quando pensava em Feilan, mas não a coçou. Os lanconianos não demostravam temor; os lanconianos sempre pensavam acima de tudo em seu país; os lanconianos não se deixavam arrastar pelas emoções e os lanconianos não choravam. Seu tutor o tinha orientado. Quando Rowan era menino e tinha morrido seu cão favorito que o tinha consolado em suas muitas noites solitárias, tinha demonstrado sua dor chorando por ele e seu velho tutor se enfureceu. Tinha aproximado um atiçador de fogo incandescente sobre a parte posterior da coxa de Rowan, queimando-o e advertindo que se chorasse ou fizesse o menor gesto de temor, aplicá-lo-ia pela segunda vez.

Rowan não havia tornado a chorar.

Ouviu que alguém corria atrás dele, aproximando-se. Alerta, tomou sua espada.

— Sou eu. — Disse Lora com voz zangada.

Ele colocou sua túnica. Ao longe, ouviu o movimento dos guerreiros lanconianos. Certamente o buscavam, temendo que visse um mosquito e se assustasse. Olhou para sua irmã.

— Não, — disse Lora — não te vista. Vi homens sem roupa antes. — Sentou-se sobre a grama, perto dele e guardou silêncio. Seus braços abraçavam seus joelhos flexionados, seu esbelto corpo estava rígido de cólera. Não se importou que a umidade manchasse seu vestido de brocado. Logo falou veementemente. — São homens horríveis. — Disse com fúria, o olhar fixo na distância. Sua mandíbula estava tensa. — Tratam-me como se fosse estúpida, como a uma menina malcriada e preguiçosa que só deve receber ordens. Não me permitem caminhar sem ajuda. Como se fosse uma inválida. E esse Xante é o pior de todos. Se chegar a me olhar outra vez com esse desdém o golpearei. — Interrompeu-se para ouvir a suave risada de Rowan e o olhou furiosamente com seus olhos azuis. Era muito bonita, seus traços eram delicados, e seu corpo alto e esbelto. A ira acendia suas bochechas.

— Como te atreve a rir? — Disse, apertando os dentes — Tratam-nos assim por sua culpa. Cada vez que um deles te oferece uma almofada, sussurras e sorri. E ontem ultrapassou o fio de minha paciência. Jamais o tinha feito, sempre estava muito ocupado afiando sua espada ou sua adaga, mas agora te agrada fingir que é débil e brando. Por que não golpeia a uns dois deles? Especialmente a esse Xante.

O sorriso de Rowan suavizou os traços fortes de sua mandíbula. Era de uma beleza clássica. Tinha cabelos loiros escuros e profundos olhos azuis, junto dos lanconianos, parecia pertencer à outra espécie humana. Os olhos deles refulgiam, os dele cintilavam brandamente. As mandíbulas deles eram magras e curtidas, as bochechas de Rowan eram pálidas e suaves. Lora estava habituada a ver que os homens sorriam para Rowan, pensando que enfrentariam um jovem de barba rala, alto, mas fofo. Lora estava acostumada a rir com entusiasmo quando Rowan os vencia facilmente nos torneios. Os homens descobriam que seu rosto se tornava subitamente pétreo e que seu corpo era forte e musculoso.

— E por que não fala com eles em seu idioma? — Prosseguiu Lora, a aparente indiferença de Rowan não diminuía sua irritação. — Por que pede que traduzam o que dizem? E quem são esses zernas a quem tanto temem? Acreditei que os zernas eram lanconianos, Rowan. Deixa de rir. São homens insolentes e arrogantes.

— Sobre tudo Xante, verdade? — Perguntou ele com sua voz profunda, olhando-a e sorrindo. Ela desviou o olhar. Sua mandíbula tensa expressava sua fúria.

— Pode ser que você ria deles, mas seus homens e seu escudeiro não sorriem. O jovem Montgomery tinha uns feios machucados esta manhã, e acredito que os obteve defendendo seu nome. Deveria...

— Deveria o quê? — Perguntou Rowan em voz baixa, olhando as árvores sobre sua cabeça. Não desejava que Lora visse em seu rosto o que sentia diante do tratamento que lhe dava os lanconianos. Eram seu próprio povo, mas o tratavam com desdém, fazendo-o ver que não o desejavam ali. Não podia dizer a Lora que estava tão zangado como ela, porque devia apaziguá-la, não avivá-la. — Deveria lutar contra algum deles? — Disse, brincando. — Matar ou mutilar a um de meus homens? Xante é o capitão da guarda do rei. O que ganharia lhe fazendo dano?

— Parece muito seguro de vencer esse monstro vaidoso.

Rowan não estava seguro de vencer. Esses lanconianos eram como Feilan, estavam tão convencidos de que Rowan era débil e inútil, que ele mesmo acreditava às vezes.

— Desejaria que vencesse seu Xante? — Perguntou Rowan seriamente.

— Meu? — Disse ela. Logo tomou um punhado de ervas e o arrojou. — De acordo, talvez não devesse lutar contra os teus, mas deve impedir que continuem te tratando mau. É uma falta de respeito.

— Estou começando a gostar de um almofadão quando me oferecem isso. — Rowan sorriu e logo se tomou sério. Sabia que podia confiar nela. — Escuto-os para ouvir o que dizem — disse um instante mais tarde. — Sento-me na parte exterior do círculo que formam os homens e os escuto.

Lora começou a tranquilizar-se. Devia saber que Rowan tinha um motivo para se fazer de tolo. Mas tinha sido muito penoso abandonar a Inglaterra. Ela, Rowan, seu pequeno filho, três cavaleiros de Rowan e seu escudeiro, Montgomery de Warbrooke, tinham cavalgado em silêncio junto dos silenciosos lanconianos de olhos escuros. O primeiro dia tinha estado feliz, como se finalmente se cumprisse seu destino. Mas os lanconianos os tinham feito ver claramente que ela e Rowan eram ingleses, não lanconianos, e que os ingleses eram para eles povo débil e inútil. Não perdiam a oportunidade de demonstrar seu desprezo para eles. A primeira noite, Neile, um dos três cavaleiros de Rowan, tinha estado a ponto de atravessar com sua espada a um guerreiro lanconiano. Rowan o impediu.

Xante, o alto e feroz capitão da guarda, perguntou a Rowan se alguma vez tinha empunhado uma espada. O jovem Montgomery quase ataca o homem. Considerando que Montgomery, de dezesseis anos, era quase tão alto como Xante, Lora lamentou que Rowan impedisse a rixa. Quando Rowan pediu a Xante que lhe mostrasse sua espada, pois sempre tinha desejado ver uma de perto, Montgomery se afastou irritado.

Até agora, Lora tinha detestado essa atitude de Rowan, sem pensar que ele tinha uma razão para adotá-la. Havia cem lanconianos, morenos e alerta e só seis ingleses e um menino. Não deveria duvidar de seu irmão.

— O que escutou? — Perguntou ela.

— Feilan me falou das tribos da Lanconia, mas não me disse ou talvez, eu supus que eram mais ou menos unidas. — Rowan guardou silêncio durante um instante. — Aparentemente, só serei o rei dos iriales.

— Nosso pai, Thal, é irial, não?

— Sim.

— E os iriales pertencem à espécie governante, de modo que é o rei de todos os lanconianos, qualquer que seja o nome que deem a si mesmos.

Rowan riu, desejando que a vida fosse tão simples como Lora estava acostumada vê-la. Se amava a um homem, casava-se com ele. Não se preocupava com o que pudesse acontecer no futuro se chegasse a ser convocada a Lanconia e estivesse ligada a um marido inglês. Mas para Rowan, o destino e o dever eram o mais importante.

— Assim que venham os iriales, mas temo que as outras tribos não estejam de acordo. Neste momento, estamos a poucos quilômetros das terras que os zernas reclamam como próprias e os iriales estão preocupados e vigiam. Os zernas têm fama de serem muito ferozes.

— Quer dizer que estes lanconianos lhes temem? — Perguntou Lora, sem fôlego.

— Os zernas também são lanconianos, e estes homens, os iriales, não os temem, mas são cautelosos...

— Mas se os iriales os temem...

Rowan compreendeu o significado de suas palavras e sorriu. Estes iriales altos, sérios, mal-humorados e cheios de cicatrizes não pareciam temer a ninguém no mundo. Por algo o diabo não se arriscava a tentar um lanconiano.

— Ainda devo comprovar se estes lanconianos sabem fazer outra coisa que gabar-se e falar da guerra. Não os vi lutar.

— Sim, mas o tio William disse que lutavam como demônios, como jamais o tinha feito nenhum inglês.

— William é um homem débil e preguiçoso. Não, não proteste. Eu também o amo, mas o amor não me impede de vê-lo tal como é. Seus homens são obesos e só lutam entre eles.

— Para não falar de seus filhos — disse Lora baixo.

— Desejaria está com os quatro bufões de William, em lugar de te achar aqui, em nossa linda terra?

Ela observou o rio profundo e longo que fluía velozmente.

— Agrada-me esta terra, mas não seus homens. Esta manhã um lanconiano me disse que ficasse de costa enquanto ele esfolava um coelho, porque temia que eu desmaiasse em vê-lo. Grrrrr. Recorda o javali que matei no ano anterior? Quem acreditam que sou?

— Uma débil dama inglesa. Como imagina a suas mulheres? — Perguntou Rowan.

— Estes homens são dos que encerram às mulheres em um porão e as tiram dali duas vezes ao ano, uma para deixá-las grávida e a outra para receber a criança.

— Não me parece uma má ideia.

— O quê? — Disse Lora, horrorizada.

— Se as mulheres tiverem o mesmo aspecto dos homens, deveriam ser encerradas.

— Mas os homens não são feios. — Disse Lora. — Simplesmente têm mau-caráter.

Rowan a olhou arqueando uma sobrancelha.

Lora se ruborizou.

— Desejo ser justa. São todos muito altos, esbeltos e seus olhos... — interrompeu-se quando o sorriso de Rowan se converteu em uma careta.

— Por isso estamos aqui. Imagino que nossa mãe pensava deles o mesmo que você.

Lora se sentiu irritada e amaldiçoou a todos os homens do mundo. Mas de repente, interrompeu-se e sorriu.

— Aposto que ouvi algo que você não sabe. Nosso pai escolheu uma noiva para você. Chama-se Cilean e é a capitã da chamada guarda feminina. É a versão feminina de um cavaleiro. — Lora viu com prazer que o sorriso de Rowan se desvanecia. Ele prestava, agora, atenção.

— Averiguei que é alta como você e que emprega seu tempo aprendendo a usar a espada. Acredito que tem sua própria armadura. — Sorriu com um ágil movimento de pálpebras. — Acha que seu véu nupcial será uma cota de malha?

A expressão de Rowan endureceu.

— Não — foi sua única resposta.

— Não, o quê? — Perguntou Lora inocentemente. — Não é de cota de malha?

— Não escolhi ser rei, impuseram-me isso antes de nascer, mas passei toda minha vida me preparando para isso. Tinha pensado me casar com uma mulher lanconiana, mas não será com uma mulher que não me agrade. Um homem pode fazer qualquer sacrifício por seu país. Mas não me casarei com uma mulher a que não ame.

— Imagino que os lanconianos considerariam uma debilidade de sua parte. Eles se casam, mas não posso imaginá-los apaixonados. Imagina o Xante, com sua testa cheia de cicatrizes, oferecendo um buquê de flores a uma mulher?

Rowan não respondeu. Pensava em todas as mulheres lindas da Inglaterra com as que poderia ter se casado e não o fez. Ninguém, nem sequer Lora, sabia dos sofrimentos físicos e mentais que Rowan tinha padecido sob a palmatória de Feilan. O ancião parecia ler seus pensamentos. Se Rowan tinha alguma dúvida, Feilan a percebia e se esforçava por eliminá-la. Rowan tinha aprendido a não exteriorizar seu temor ou suas dúvidas sobre sua capacidade para governar Lanconia. Mas depois de muitos anos de aprendizagem junto de Feilan, Rowan acreditava sinceramente que podia rir em presença da morte. Jamais deixaria transparecer seus sentimentos.

Não obstante, ao longo de todos esses anos, tinha conservado a ilusão de poder entregar-se algum dia a uma mulher; uma mulher doce e tenra, que o amasse e em quem pudesse confiar.

Todos os anos, Feilan enviava uma carta a seu pai, Thal, descrevendo cada um dos erros de Rowan e expressando suas dúvidas de que alguma vez se convertesse em um verdadeiro lanconiano. Feilan se queixava de que Rowan era como sua mãe inglesa e que desejava passar muito tempo junto a sua irmã.

Rowan tinha lutado silenciosamente para demonstrar o contrário. Treinava diariamente, suportando todas as torturas a que Feilan o submetia, mas também aprendeu a tocar o alaúde e a cantar algumas canções. E descobriu que precisava da ternura de Lora. Talvez nunca fosse completamente lanconiano, porque imaginava sua futura vida, caseira, como a que compartilhava com Lora. Quando cresceram se aferraram um ao outro, contra a crueldade e a estupidez dos filhos de William. Rowan estava acostumado a consolar Lora quando ela chorava porque os filhos de William a tinham golpeado com paus, uma vez ferindo seu rosto e rasgando suas roupas. Ele a tranquilizava, lhe contando histórias da Lanconia.

Quando ficaram maiores, aprenderam a permanecer juntos para que Rowan pudesse proteger fisicamente Lora e ele tinha aprendido a amar as suaves maneiras de Lora. Depois de mais um dia na campina, onde Feilan o treinava duramente, Rowan aliviava seu corpo fatigado e dolorido, deitado no chão aos pés de Lora; cantava-lhe, narrava-lhe uma história ou simplesmente acariciava seus cabelos. A única ocasião em que Rowan exteriorizou seus sentimentos foi quando Lora disse que se casaria e partiria. Durante os dois anos em que ela esteve casada, Rowan tinha estado triste e solitário, mas logo ela tinha retornado com Phillip. Em certas ocasiões, Rowan pensava que formavam uma família e, quando imaginava como seria sua esposa, desejava que fosse terna e doce como Lora, com seus pequenos ciúmes e rixas sem consequência. Não desejava uma guerreira lanconiana.

— O rei possui alguns privilégios e um deles é o de casar-se com quem deseja — disse cortante.

Lora franziu o cenho.

— Rowan, não é assim. Os reis se casam para formarem alianças com outros países.

Ele ficou de pé e se vestiu rapidamente, dando a entender a Lora que não falaria mais do assunto.

— Farei uma aliança com a Inglaterra se for preciso. Pedirei em matrimônio uma das filhas de Warbrooke, mas não me casarei com uma bruxa que usa armadura. Venha. Tenho fome.

Lora desejou não haver tocado no assunto. Acreditava conhecer muito bem seu irmão, mas havia momentos em que duvidava. Havia uma parte dele que permanecia oculta. Tomou o braço que Rowan lhe oferecia.

— Ensinar-me-á a falar lanconiano? — Tratava de trocar de conversa para que Rowan recuperasse seu bom humor.

— Há três idiomas lanconianos. Qual deles deseja aprender?

— O xantiano — disse rapidamente, mas logo se conteve. — Quis... dizer o idioma dos iriales.

Rowan fez uma careta, mas já não estava zangado.

Antes que chegassem ao acampamento, Xante saiu ao encontro deles. Media mais de um metro e oitenta de estatura, tinha costas largas, e seu corpo era forte e esbelto como um látego de couro cru. Seus cabelos negros caíam até seus ombros, formando ondas. Seu rosto moreno tinha grossas sobrancelhas, olhos negros e profundos, um bigode espesso e escuro e uma mandíbula quadrada e rígida. A cicatriz que havia em sua testa estava acentuada por sua expressão séria.

— Temos visita. Estivemos lhes procurando. — Disse Xante com voz áspera. Usava uma pele de urso sobre uma túnica curta, que deixava ver suas pernas musculosas.

Lora esteve a ponto de responder à insolência de Xante, mas Rowan apertou seus dedos com força.

Rowan não explicou por que se ausentou do acampamento, apesar de Xante lhe haver dito que não deviam afastar-se dos lanconianos, que precisamente estavam ali para protegê-los.

— Quem veio? — Perguntou Rowan. Era um pouco mais baixo que Xante, no entanto mais jovem e musculoso. Xante já era mais velho e não tinha os fortes músculos de Rowan.

— Thal enviou Cilean e Daire com cem homens.

— Cilean? — Perguntou Lora. — É a mulher com quem Rowan deverá casar-se?

Xante lhe dirigiu um olhar penetrante, como lhe indicando que não interferisse nesses assuntos.

Lora o olhou desafiante.

— Por que não vamos ao seu encontro? — Perguntou Rowan, franzindo levemente o cenho.

Seu cavalo estava selado, aguardando-o e, como sempre, rodeado por cinquenta lanconianos, como se fosse um menino que necessitasse amparo. Cavalgaram para noroeste, para as montanhas, onde, sob o sol do entardecer, Rowan viu numerosas tropas. Quando chegaram perto, dispôs-se a conhecer essa mulher, que ostentava um traje similar ao de um cavaleiro.

Distinguiu-a de longe. Não podia ser confundida com um homem: era alta, magra, erguida, de seios firmes e altos. Usava um largo cinto na fina cintura e seus quadris formavam elegantes curva.

Incitou seu cavalo, ignorando os protestos dos homens que o rodeavam e foi ao seu encontro. Quando viu seu rosto, sorriu. Era muito bela. Tinha cabelos escuros e lábios muito vermelhos.

— Senhora, seja bem-vinda. — Disse Rowan, sorrindo. — Sou Rowan, o humilde príncipe de seu magnífico país.

Os lanconianos que o rodeavam permaneceram em silêncio. Um homem não atuava dessa maneira, especialmente se seu destino era ser rei. Olharam seus cabelos loiros que brilhavam sob o sol poente e compreenderam que os temores que abrigavam a respeito desse homem se confirmavam: era um estúpido e fraco inglês.

Atrás de Cilean se ouviu uma gargalhada, mas ela se adiantou com seu cavalo e deu as boas-vindas a Rowan, tocando sua mão. Também ela estava decepcionada. Era bonito, mas seu sorriso tolo fez que sua opinião concordasse com a de seus homens.

Rowan sustentou a mão de Cilean durante um instante e percebeu seus pensamentos, refletidos em seus olhos escuros. Notou que os lanconianos que o rodeavam adotavam uma atitude de superioridade e a ira quase apareceu em seu rosto. Não sabia se a dirigia para eles ou para si mesmo. A cicatriz de sua perna lhe produziu ardência e seu sorriso se dissipou.

Rowan deixou cair à mão de Cilean. Uma coisa era fazer o ridículo diante de outros homens e outra era fazê-lo diante dessa esplêndida criatura que seria sua esposa...

Rowan fez virar seu cavalo.

— Retornemos ao acampamento — ordenou, sem olhar para ninguém. Sabia que seus três cavaleiros ingleses seriam os primeiros em obedecê-lo.

De repente se ouviu um grito e os lanconianos rodearam Rowan e seus três homens para protegê-los.

— Estão muito perto dos zernas — disse uma voz em idioma irial.

Era a de um jovem de expressão séria que cavalgava junto de Cilean e que repreendia a Xante. Rowan pensou que devia ser Daire.

Embora os lanconianos tentassem impedir, Rowan avançou com seu cavalo até ficar à frente do grupo para saber o que tinha provocado o alarme.

Sobre uma montanha havia três homens, cujos perfis se recortavam contra o sol do entardecer.

— Zernas — disse Xante a Rowan, como se isso explicasse tudo. — O levaremos de retorno ao acampamento. Daire: escolhe cinquenta homens e se prepare para combater.

Rowan, que tinha estado se contendo durante dias, explodiu.

— De maneira nenhuma — disse a Xante em perfeito lanconiano irial. — Não machucarão a meus homens e, além disso, não os confundam. Os zernas me pertencem tanto como os iriales. Eu darei as boas-vindas a esses homens. Neile, Watelin, Belsur — exclamou, chamando a seus três cavaleiros.

Os homens obedeceram à ordem expressa, pois estavam fartos do trato que lhes davam os lanconianos. Arrogantemente, abriram caminho entre eles para se localizarem atrás de Rowan.

— Detenham esse tolo. — Disse Daire a Xante. — Se o matarem, Thal jamais nos perdoará.

Rowan olhou para Daire com olhos fulminantes.

— Obedeçam minhas ordens — disse e Daire se calou.

Xante olhou Rowan com certo interesse, mas era mais velho que Daire e não se deixava intimidar tão facilmente. Falou com tom muito paciente.

— São zernas e não acatam a vontade de um rei irial. Consideram que seu rei é Brocain e lhes agradaria muito te matar.

— Não agrado a outros tão facilmente. Cavalguemos. — Disse Rowan por cima do ombro, dirigindo-se a seus homens.

Atrás dele, Xante deteve os iriales para que não seguissem Rowan.

— Será melhor que o tolo morra agora, antes que Thal o converta em rei — disse. Os lanconianos, impassíveis, observaram o príncipe que partia para a morte.

Os três zernas que estavam sobre a colina permaneceram imóveis enquanto Rowan e seus cavaleiros avançavam para eles. Rowan viu que se tratava de homens jovens que tinham saído de caça e que, sem dúvida, sobressaltaram-se ao ver tantos iriales em um lugar que não deveriam estar.

A ira de Rowan ainda não tinha se apaziguado. Sempre lhe haviam dito que seria o rei de todos os lanconianos, e agora percebia que os iriales tentavam matar os zernas.

Rowan fez um sinal a seus homens para que permanecessem para trás, enquanto ele avançava para saudar os três jovens. Deteve-se uns cem metros de distância.

— Sou o príncipe Rowan, filho de Thal. — Disse em idioma irial que os zernas também falavam. — Os saúdo e desejo paz.

Os três jovens permaneceram imutáveis sobre suas cavalgaduras, obviamente fascinados pelo homem loiro e solitário, algo incomum nesse país, que avançava para eles sobre seu alto e lindo cavalo ruano. O zerna que estava no centro e que era pouco mais que um menino, foi o primeiro em reagir. Rapidamente apontou para Rowan um arco e atirou uma flecha.

Rowan se afastou para a direita antes que a flecha o alcançasse, mas roçou seu braço esquerdo. Amaldiçoou em voz baixa e lançou seu cavalo a galope. Os lanconianos tinham esgotado sua paciência. Uma coisa era o desdém e a brincadeira, mas outra muito distinta era ser agredido por um menino que acabava de saudar em nome de paz. Chegou até ele e, sem deixar de galopar, desmontou-o e o jogou no chão. Rowan desmontou imediatamente e sustentou o menino contra o chão com o peso de seu corpo. Atrás dele ouviu o trovejar dos cascos de duzentos cavalos lanconianos.

— Fora daqui — gritou aos outros dois jovens.

— Não podemos partir. — Disse um deles, olhando com horror o menino que Rowan esmagava contra o chão. Sua voz era quase um sussurro. — É o filho de nosso rei.

— Eu sou seu rei — gritou Rowan, zangado. Levantou o olhar e viu seus cavaleiros que se aproximavam.

— Tire-os daqui — ordenou, apontando aos jovens zernas. — Xante os matará.

Os cavaleiros de Rowan investiram contra os dois jovens, que fugiram.

Rowan olhou para o menino. Era um jovem bonito, de uns dezessete anos. Estava enfurecido.

— Você não é meu rei — gritou o adolescente. — O rei é meu pai, Brocain. — Cuspiu no rosto de Rowan.

Rowan limpou o rosto e em seguida esbofeteou o jovem de uma maneira ofensiva, como faria um homem com uma mulher insolente. Levantou-o no ar.

— Virá comigo.

— Antes prefiro morrer.

Rowan o fez voltar para observar às tropas iriales que avançavam. Constituía um formidável espetáculo de homens e corcéis musculosos, suas armas brilhavam sob o sol.

— Se tentar fugir, lhe matará.

— Um zerna não teme um irial — disse, mas estava pálido.

— Há momentos em que um homem utiliza seu cérebro em lugar de seu braço direito. Se comporte como um homem. Procure que seu pai se orgulhe de você. — Soltou o moço, depois de um momento de indecisão, o jovem permaneceu em seu lugar. Rowan respirou com a esperança de que não fizesse nenhuma tolice. Os iriales experimentariam um grande prazer em matar a esse jovem zerna. Os lanconianos rodearam Rowan e ao jovem. Seus cavalos estavam suados e sopravam. Os homens empunhavam suas armas. Rowan teria desejado fugir dali.

— Bem, — disse Xante — tomou um cativo. Vamos executá-lo por tratar de matar um irial.

Rowan estava orgulhoso do jovem: não vacilou, nem demonstrou covardia diante das palavras tirânicas de Xante. A fúria de Rowan, momentaneamente aplacada por sua luta com o moço, reavivou-se. Era o momento de impor sua autoridade. Reprimiu sua ira e olhou para Xante.

— Este é meu convidado — disse mordazmente. — É o filho de Brocain e desejou viajar conosco e nos conduzir através das terras de seu pai.

Xante soprou como seu cavalo.

— Este foi o convidado que lhe atirou uma flecha?

Rowan percebeu que seu braço sangrava, mas não podia voltar atrás.

— Machuquei-me com uma rocha — disse, olhando Xante com olhos desafiantes.

Cilean se adiantou, colocando-se entre os dois homens.

— Um convidado é bem-vindo, embora seja um zerna — disse, como se desse as boas-vindas a uma serpente venenosa que se introduzira em sua cama. Olhou Rowan, que, a sua vez, olhava para Xante. Muitos homens não se atreviam a desafiar Xante e nunca acreditou que esse débil e loiro inglês ousaria fazê-lo. Mas o tinha visto avançar para os zernas, se esquivar da flecha, arrojar seu cavalo contra o jovem e agora esse jovem estava junto do inglês, como se o homem loiro pudesse dominar aos iriales. E este Rowan estava desafiando Xante como ninguém se atreveu antes. Talvez esse homem fosse um tolo, mas talvez fosse melhor do que pensavam.

Belsur, o cavaleiro de Rowan, sustentava as rédeas do cavalo de Rowan. Este montou e logo ofereceu sua mão ao jovem zerna para que montasse com ele. Quando Rowan encaminhou seu cavalo para o acampamento, perguntou:

— Como se chama?

— Keon — disse o jovem orgulhosamente, mas havia certo tremor em sua voz que delatava seu nervosismo ao haver-se colocado tão perto da morte. — Sou o filho do rei dos zernas.

— Acredito que devemos dar outro título a seu pai. Eu sou o único rei deste país.

O jovem riu desdenhosamente.

— Meu pai o destruirá. Nenhum irial dominará a um zerna.

— Já veremos, mas esta noite será melhor que me considere seu rei e não se afaste de meu lado. Não acredito que meus outros lanconianos sejam tão benévolos como eu.

Atrás deles cavalgavam os cavaleiros de Rowan, seguidos pelo grupo de lanconianos precedidos pelo Daire, Cilean e Xante.

— É sempre tão tolo? — Perguntou Daire a Xante, contemplando as costas desse homem que supostamente era um irial, mas que tratava ao jovem zerna como se fosse um amigo. — Como o mantiveram com vida? — Perguntou assombrado.

Xante olhava Rowan e ao jovem zerna pensativamente.

— Até esta noite era tão dócil como um bichinho doméstico. Sua irmã demonstrou ser mais fogosa que ele. E, até esta noite, só falou em inglês.

— Se continua cavalgando a sós contra os zernas, não viverá muito tempo. — Disse Daire. — Não deveríamos tentar evitar que faça quantas tolices quanto queira. A julgar pelo que fez hoje, abrirá as portas de Escalon a qualquer invasor. Lanconia poderia cair em mãos de um governante tão estúpido como ele, não! Não evitaremos que ataque sozinho ao inimigo. Dessa maneira nos desfazemos dele. Geralt será nosso rei.

— É estúpido? — Perguntou Cilean. — Se tivéssemos atacado a esses jovens e matado o filho de Brocain, não teríamos paz até que Brocain matasse a centenas dos nossos. Em troca agora temos um refém importante. Brocain não pode atacar porque temerá que matemos seu filho. E vocês dizem que este Rowan, com quem viajaram durante semanas, não lhes disse que sabia falar nosso idioma? Xante, surpreende-me. Que mais sabe esse homem que você não sabe dele? — Adiantou seu cavalo para galopear junto de Rowan.

Durante toda a noite Cilean observou Rowan e sua irmã, seu sobrinho e seus homens, sentados em torno da fogueira, frente à linda tenda de seda de Rowan. O jovem zerna, Keon, estava junto a eles, calado, taciturno, atento. Cilean imaginou que as maneiras de Rowan lhe pareciam tão estranha como eram para os iriales. Rowan sustentava seu sobrinho em seu colo e lhe murmurava palavras que o faziam rir e emitir chiados. Nenhum menino lanconiano dessa idade estaria nos braços de seu pai. Aos quatro anos os meninos aprendiam a usar armas, o mesmo acontecia com as meninas escolhidas para formarem parte da guarda feminina.

Cilean observou a maneira que Rowan sorria para sua irmã, ouviu que lhe perguntava se se encontrava bem, e começou a perguntar-se como seria a vida junto a esse homem tão contraditório, que se aventurava sozinho contra três zernas e duas horas depois abraçava a um menino e fazia brincadeiras com uma mulher. Como podia um homem assim ser um guerreiro? Como podia ser rei?

Na manhã seguinte, antes que amanhecesse, os guardas encarregados da vigilância, fizeram soar seus chifres. Imediatamente, os lanconianos despertaram e se levantaram.

Rowan saiu de sua tenda usando somente um calção e os lanconianos puderam ver o corpo que tinham acreditado ser débil. Os músculos de Rowan tinham sido moldados pelo trabalho duro e pesado.

— O que aconteceu? — Gritou para Xante em lanconiano.

— Zerna. — Disse Xante concisamente. — Brocain vem para cá, para lutar por seu filho. Iremos ao seu encontro. — Já estava montando seu cavalo.

Rowan tocou Xante pelo ombro e o sacudiu.

— Não atacaremos de acordo com suas convicções

— Keon! — Gritou. — Te prepare para ir ao encontro de seu pai.

Xante o olhou friamente.

— Perderá a vida.

Rowan reprimiu sua ira e olhou para Neile com um gesto de advertência. Este deu um passo para Xante. Tinha esperado que duvidassem dele, mas não só duvidavam, estavam seguros de que era um inútil.

Vestiu-se em poucos minutos. Não usou a cota de malha, a não ser uma túnica de veludo bordado, como se fosse assistir a um acontecimento social. Rowan fez uma careta quando os lanconianos sorriram ao vê-lo e Keon meneou a cabeça, duvidosamente. Nesse momento, Keon desejou que o tivessem matado no dia anterior, pois a morte era preferível a ter que enfrentar seu pai.

Da distância, Cilean observou a cena e viu a expressão de fúria que cobria o rosto de Rowan, para logo desaparecer. Se devia casar-se com esse homem, era melhor que se convertesse em sua aliada. Além disso, interessava-lhe ver o que planejava para tratar com o velho e traiçoeiro Brocain.

— Posso ir contigo? — Perguntou.

— Não — gritaram de uma só vez Daire e Xante.

Rowan os olhou, com olhos frios como o aço.

— Não se importam com a vida de um príncipe lanconiano, mas cuidam das próprias — disse amargamente.

Cilean levava uma longa lança, um arco e uma aljava de flechas pendurado a suas costas.

— Sou uma guardiã. Tomo minhas próprias decisões.

Rowan sorriu e Cilean piscou. Por todos os deuses, o homem era muito bonito.

— Então, monte seu cavalo — disse ele e Cilean montou apressadamente, como uma novata, ansiosa por agradar a seus professores.

Rowan a observou. Feilan não lhe havia dito que as mulheres lanconianas eram inteligentes e generosas.

Os outros lanconianos não estavam impressionados pelo aspecto pessoal de Rowan e permaneceram sobre seus cavalos, em uma longa fila, contemplando em silêncio como Rowan, Cilean, os três cavaleiros ingleses e Keon se dirigiam para enfrentar duzentos guerreiros zernas, rumo a uma morte segura.

— Endireita as costas, moço — disse Rowan a Keon. — Não está confrontando a ira de seu rei.

— Meu pai é rei — replicou Keon. Seu rosto escuro estava quase tão branco como o de Rowan.

Quando estavam, aproximadamente, a cem metros dos zernas, que estavam imóveis, aguardando que se aproximasse o pequeno grupo, Rowan se adiantou. O sol fazia brilhar o bordado de ouro de sua túnica, seus cabelos loiros, o diamante do punho de sua espada, que produzia reflexos que saíam dos arreios de seu cavalo. Os lanconianos, tanto iriales como zernas, nunca tinham visto um homem tão elegantemente vestido. Era totalmente diferente deles, uma rosa em um campo de arbustos. Olharam-no com assombro.

Depois de um instante de vacilação, um homem musculoso se dirigiu para Rowan. Seu rosto tinha cicatrizes; uma profunda linha o atravessava verticalmente, do olho esquerdo até o pescoço, e faltava a metade de uma orelha. Além disso, tinha cicatrizes nos braços e nas pernas. Sua expressão era tão hostil que parecia não ter sorrido jamais em sua vida.

— É você o inglês que capturou meu filho? — Perguntou, com uma voz que inquietou o cavalo de Rowan. O animal reconhecia o perigo.

Rowan sorriu, dissimulando seu temor. Duvidava que o treinamento recebido para combater o tivesse preparado para lutar contra um homem como esse.

— Sou lanconiano, o sucessor do rei Thal. Serei o rei de todos os lanconianos — disse com inusitada firmeza.

Durante um momento, o ancião permaneceu boquiaberto. Logo reagiu.

— Matarei a cem homens por cada cabelo que tenham tirado do meu filho.

Rowan gritou por cima de seu ombro.

— Keon, venha aqui.

Brocain olhou para seu filho de cima a baixo, grunhiu satisfatoriamente ao ver que não estava ferido e lhe disse que se unisse aos zernas que estavam sobre a colina.

— Não — disse bruscamente Rowan. Apoiou a mão sobre o joelho, a poucos centímetros de sua espada. Embora experimentasse temor, não devia demonstrá-lo e não podia permitir que esse homem levasse Keon. O destino o tinha posto em suas mãos e Rowan estava decidido a retê-lo. Não deixaria escapar essa pequena oportunidade de obter a paz. — Temo que não possa permitir. Keon permanecerá comigo.

Uma vez mais, Brocain adotou uma expressão de assombro total, mas se recuperou rapidamente. As palavras e as atitudes desse homem não coincidiam com seu rosto agradável, pálido e sem cicatrizes.

— Lutaremos por ele. — Disse, tomando sua espada.

— Preferiria não fazê-lo, — disse Rowan amavelmente, desejando que ninguém percebesse a intensa palidez de seu rosto — mas se for necessário, farei-o. Desejo conservar Keon porque tenho entendido que é seu sucessor.

Brocain olhou de soslaio para Keon.

— Ele é, sempre que um estúpido como ele se permita reinar.

— Não é estúpido, simplesmente é jovem, impetuoso e tem má pontaria. Desejaria tê-lo ao meu lado, para lhe demonstrar que os iriales não são demônios e que talvez algum dia possa reinar a paz entre nós. — Os olhos de Rowan brilharam. — E desejaria lhe ensinar como atirar uma flecha em linha reta.

Brocain observou Rowan durante um bom momento. Rowan soube que o horrível ancião estava decidindo a vida ou a morte de seu filho e do inglês. Rowan não acreditava que um homem como esse pudesse ter amor por seu filho.

— Você não foi criado pelo velho Thal? — Disse finalmente. — Ele já teria matado a meu filho. Que garantia tenho de que estará a salvo?

— Minha palavra — disse Rowan solenemente. — Porei minha vida em suas mãos se ele for ferido por um irial. — Rowan conteve o fôlego.

— Está me pedindo uma excessiva confiança — disse Brocain. — Se lhe fizerem dano, você morrerá tão lentamente que rogaria que o matasse rápido.

Rowan assentiu.

Brocain o olhou atentamente e em silêncio. Havia algo diferente nesse homem, era distinto dos outros lanconianos. E, embora estivesse vestido de forma chamativa, como uma mulher, Brocain percebeu que havia nele qualidades ocultas. De repente, Brocain se sentiu velho e fatigado. Tinha visto matarem um filho atrás de outro; tinha perdido três esposas em combate. Só restava esse moço.

Brocain olhou para seu filho.

— Vá com este homem. Aprende com ele. — Voltou-se para Rowan. — Três anos. Dentro de três anos enviem-no para casa ou incendiarei sua cidade até arrasá-la. — Puxou as rédeas de seu cavalo e retornou para junto de seus homens que estavam na colina.

Keon olhou para Rowan, consternado, mas nada disse.

— Venha moço, iremos para casa — disse Rowan, exalando um suspiro de alívio e com a sensação de ter escapado de uma morte vil. — Fica do meu lado até que o povo se habitue a ver-te. Não me agrada a ideia de ser torturado.

Quando Rowan e o jovem passaram junto de Cilean, Rowan fez um sinal com a cabeça e ela os seguiu. Estava estupefata. Este inglês que se vestia de forma chamativa acabava de ganhar uma batalha verbal contra o velho Brocain. "Preferiria não fazê-lo", havia dito quando o ancião o desafiou, mas Cilean tinha visto que apoiava a mão sobre sua espada e havia dito a Brocain que reteria o jovem sem que se movesse um músculo, sem demonstrar o menor temor.

Cavalgou até chegarem junto aos outros, mas ainda não podia falar. Este Rowan não só parecia diferente, era realmente diferente. Ou era o maior tolo do mundo ou o mais valente. Pensou na Lanconia e em sua vida futura junto a ele e desejou sem duvidá-lo que fosse esse último.


Capítulo 03

Jura permaneceu imóvel, com seu arco tenso, pronta para disparar a flecha, enquanto aguardava que o cervo se voltasse para ela. A cor verde escura de sua túnica e suas calças dissimulavam sua presença. Quando o animal bramou para ela, Jura disparou fazendo-o cair graciosa e silenciosamente.

Sete mulheres jovens saíram de entre as árvores e correram para ela. Todas eram altas e esbeltas, e todas usavam os cabelos recolhidos em uma trança que pendurava sobre suas costas. Vestiam a túnica e as calças de caça de cor verde, próprias da guarda feminina.

— Bom tiro — disse uma das mulheres.

— Sim — respondeu Jura distraída, percorrendo o bosque com o olhar, enquanto as demais esquartejavam o animal. Essa tarde estava inquieta, com a sensação de que aconteceria algo. Fazia quatro dias que Cilean e Daire partiram e Jura sentia saudades de sua amiga. Tinha saudades de seu bom humor e sua inteligência, e sentia saudades de não ter a quem fazer confidências. Também sentia falta de Daire. Os dois tinham crescido juntos e estava habituada à sua presença.

Esfregou seus braços nus.

— Irei nadar — murmurou para a jovem que estava atrás dela.

Uma mulher interrompeu a tarefa.

— Deseja que alguém te acompanhe? Estamos longe das muralhas da cidade.

Jura não se voltou. Eram guardiãs que estavam se adestrando. Nenhuma delas tinha mais de dezesseis anos. Comparativamente, sentiu-se velha e solitária.

— Não, irei sozinha — disse, e caminhou pelo bosque, em direção ao arroio.

Afastou-se mais do que tinha previsto, desejando afugentar a sensação de um iminente... o quê? Não era um perigo, mas havia algo no ar que parecia anunciar uma tormenta.

Só tinha recebido uma mensagem do exército que conduzia o inglês Rowan à capital irial, Escalon, onde se achava seu pai moribundo. O ancião Thal continuava vivendo só por um esforço de sua vontade, pois desejava saber que espécie de homem se converteu seu filho. Até esse momento, e de acordo com as informações que tinha recebido, estava demonstrando ser um tolo. Envolvia-se em lutas provincianas, tinha desafiado os zernas por sua conta, Xante e Daire tinham tido que protegê-lo. Dizia-se que Rowan era um homem débil que sabia mais de veludos que de espadas.

Todos já sabiam em Escalon e havia rumores de levantamentos e insurreições, como protesto contra o inglês estúpido que não era apto para governar. Geralt, Daire e Cilean se veriam obrigados a usar todos seus poderes para que esse panaca não pusesse em perigo a paz da nação lanconiana.

Em um canto afastado do bosque, Jura tirou a roupa e deslizou dentro da água.

Talvez se nadasse durante longo momento, apaziguaria suas preocupações.


Rowan galopou a toda velocidade. Desejava afastar-se, estar a sós, fugir dos olhares acusadores dos lanconianos. Dias atrás haviam galopado perto de uma choça camponesa em chamas. Quando Rowan fez deter as tropas lanconianas e ordenou que apagassem o fogo, tinham-no olhado com desdém. Tinham permanecido sobre suas cavalgaduras, enquanto Rowan e seus cavaleiros ingleses davam instruções aos camponeses para que extinguissem o fogo.

Quando o fogo se apagou, os camponeses contaram uma história descabida sobre uma disputa entre famílias. Rowan lhes havia dito que fossem para Escalon para que ele, em sua qualidade de rei, julgasse o caso. Os camponeses puseram-se a rir. O rei mandava nos soldados que se achavam em seus campos, não nos camponeses.

Rowan voltou para junto dos lanconianos, que o olharam depreciativos por haver se envolvido nas mesquinhas disputas dos camponeses.

Mas Rowan sabia que se era rei e desejava que reinasse a paz entre as tribos, devia ser rei de todos os lanconianos, os zernas, os ulten, os vatell, de todas as tribos e de todos os habitantes, do mais humilde camponês até Brocain, que governava a centenas de homens.

Hoje, Rowan estava farto da silenciosa e, em algumas ocasiões não tão silenciosa, hostilidade dos lanconianos, e decidiu afastar-se deles, dizendo a seus cavaleiros que os mantivessem afastados. Seus olhos refletiam o mesmo temor que ele albergava em seu interior. Era óbvio que duvidavam dele, assim como ele duvidava nesses momentos de si mesmo. Precisava estar a sós, ter tempo para pensar, e para orar.

Sabia que se encontrava a poucos quilômetros de distância das muralhas de Escalon quando chegou a um rio afluente, um arroio aprazível e lindo, completamente diferente de tudo quanto tinha visto na Lanconia.

Desmontou de seu cavalo e o atou. Logo caiu de joelhos e uniu suas mãos em uma prece.

— Oh, Senhor, — disse em um sussurro afogado que delatava sua angústia — tratei de me preparar para os deveres que o Senhor e meu pai terrestre me impuseram, mas sou só um homem. Para obter o que sei que é justo, preciso de Sua ajuda. O povo está contra mim e não sei como ganhar sua lealdade. Rogo-te, meu Deus, que por favor me mostre o caminho. Guia-me. Dirija-me. Ponho-me em Suas mãos. Se me equivocar, faça-me saber. Dê-me um sinal. Se atuar corretamente, rogo, me ajude.

Durante um instante deixou cair à cabeça, rendido e exausto. Tinha chegado a Lanconia sabendo o que devia fazer, mas, à medida que transcorriam os dias, sua confiança se debilitava. Continuamente deveria estar demonstrando aos lanconianos que era um homem. Tinham-no imaginado de determinada maneira e nada parecia fazê-los trocar de opinião. Se atuava com valentia, diziam que os tolos sabiam ser valentes. Se se preocupava com seu povo, diziam que se comportava como um estrangeiro. O que devia fazer para provar que era apto para governar? Torturar e matar a um inocente moço zerna a quem consideravam a encarnação do demônio?

Ficou de pé. Suas pernas tremiam pela emoção que o invadia. Cuidou de seu cavalo. Tirou suas roupas suadas e entrou na água fresca e clara. Mergulhou, nadou, e permitiu que a água lavasse sua irritação e sensação de impotência. Uma hora depois, quando retornou à borda, sentiu-se melhor. Ficou só de calções e, de repente, seus sentidos se aguçaram. Tinha ouvido um ruído a sua direita. Parecia uma pessoa que perambulava pelo bosque. Desembainhou sua espada que estava pendurada na sela e, silenciosamente, avançou pela borda da água para o lugar de onde provinha o ruído.

Não estava preparado para o golpe que recebeu. Alguém se deixou cair do ramo de uma árvore sobre os ombros de Rowan, que perdeu o equilíbrio e caiu ao chão. Imediatamente, uma ponta de aço roçou sua garganta.

— Não — disse uma voz de mulher.

Rowan tinha tentado tomar sua espada na queda, mas quando levantou o olhar, esqueceu-se dela. Sobre seus ombros, montada escarranchada, estava à mulher mais linda que já tinha visto em sua vida. Os homens de seu tio William sempre lhe tinham feito brincadeiras, dizendo que Rowan vivia como um monge. Riam porque ele não manifestava desejos de fazer amor com alguma camponesa sobre o campo. Tinha tido algumas relações sexuais, mas nenhuma mulher inflamou seus sentidos, para que a desejasse mais que nada no mundo. Se se apresentava a oportunidade, e a jovem era limpa, fazia amor, sempre que não tivesse algo mais importante que fazer.

Até esse momento.

Quando Rowan viu essa mulher, viu seus seios erguidos e seu rosto com olhos negros, que brilhavam como carvões acesos, teve a sensação de que seu corpo ardia. Sua pele se estremeceu. Podia senti-la, cheirá-la. O calor de seu corpo parecia fundir-se com o seu.

As mãos de Rowan se aferraram aos tornozelos dela e observou suas lindas pernas, largas, esbelta, de músculos torneados. A espada que apontava a sua garganta se afastou, sem que ele percebesse. Só via e percebia essas pernas magníficas. Suas mãos acariciaram a pele suave, bronzeada, bela.

Acreditou ouvi-la gemer, mas não estava seguro; talvez fosse o som de seu próprio coração, extasiado. Suas mãos subiram e os joelhos dela começaram a flexionar-se lentamente, derretendo-se como uma vela que está muito perto do fogo. As mãos de Rowan subiram, subiram, por debaixo da túnica úmida que ela usava. Não tinha nada por baixo e ele sentiu sua preciosa joia ao tomar entre suas mãos as nádegas firmes e suaves.

Ela caiu contra seu peito e quando sua pele nua roçou a dele, Rowan ardeu de desejo. A pele dela estava quente, como a dele. Ele deslizou as mãos pelas costas dela e a atraiu para si.

O rosto dela estava junto do dele; os olhos entrecerrados de desejo, os lábios vermelhos e carnudos, abertos para recebê-lo; sua pele era branca e perfeita. Ela o atraiu para seu rosto.

Quando seus lábios se roçaram, ela se afastou bruscamente e o olhou, mas parecia tão surpreendida quanto ele. Mas a surpresa de Rowan se desvaneceu quando ela jogou os braços ao seu pescoço e o beijou apaixonadamente. Ela o abraçou com força. Deitou-a de costas sem deixar de beijá-la violenta e profundamente, com todo o desejo acumulado durante anos, para essa mulher e esse momento.

Ela rodeou a cintura dele com suas pernas. A tanga de Rowan se desprendeu de seu corpo.

— Jura — disse uma voz.

Ele mordiscou seus lábios avidamente. Apertou seu corpo contra o dela.

— Jura, você está bem?

A mulher que estava debaixo de Rowan golpeou suas costas com os punhos, mas cego de desejo, ele não experimentou dor algum.

— Alguém nos verá. — Murmurou ela rapidamente com voz tremula. — Me solte.

Se um cavalo o houvesse pisoteado, ele não teria percebido. Sua mão tomou um dos seios dela.

— Jura — repetiu a voz, desta vez mais próxima.

Jura tomou uma pedra e golpeou a cabeça do homem. Não era sua intenção lhe fazer dano, a não ser somente chamar sua atenção, mas ele caiu sem sentido sobre o corpo dela.

Jura ouviu que as guardiãs se aproximavam. Rapidamente, e lamentando muito, afastou o corpo dele. Durante um momento o olhou, admirando-o. Nunca tinha visto um homem tão perfeito: musculoso, mas esbelto; musculoso, mas não gordo, e com um rosto angélico.

Deslizou sua mão sobre o corpo dele. Desceu até as coxas e logo subiu novamente até o rosto. Beijou-o nos lábios.

— Jura, onde está?

Amaldiçoou às estúpidas jovens que a tinham interrompido. Ficou de pé para que pudessem vê-la. Os altos arbustos ocultavam o corpo do homem, estendido a seus pés.

— Aqui estou. — Disse. — Não, não se aproximem, a lama é muito profunda. Aguardem no atalho.

— Jura, está escurecendo — disse uma, que era pouco mais que uma menina.

— Sim, já percebi. — Replicou Jura. — Se adiantem. Só me atrasarei um momento. — Impaciente, olhou-as afastar-se e logo ficou de joelhos junto ao homem inconsciente. Talvez devesse sentir-se culpada pelo que tinha estado a ponto de fazer com esse estranho, mas não era assim. Tocou novamente no peito do homem. Quem era? Não era um zerna, tampouco um vatell, como Daire. Talvez fosse um fearen, um dos cavaleiros que viviam nas montanhas, separados dos outros. Mas era muito alto para ser um fearen.

O homem começou a mover-se e Jura compreendeu que devia afastar-se antes que ele voltasse a olhá-la com esses olhos profundos, que tanto a tinham perturbado.

Correu para a borda do rio, tomou suas roupas e as pôs enquanto corria para onde se achavam as outras jovens. Ainda podia sentir as mãos e os lábios dele sobre seu corpo.

— Jura, ruborizaste-te — disse uma das mulheres.

— Talvez porque logo retornará Daire — disse outra, timidamente.

— Daire? — disse Jura, como se jamais tivesse ouvido pronunciar esse nome. — Oh, sim, Daire. — Acrescentou rapidamente. Daire nunca tinha conseguido acelerar seu coração e nem debilitar suas pernas. — Sim, Daire! — Disse com firmeza.

As jovens se olharam entre si com expressão de cumplicidade. Jura estava envelhecendo e sua mente já não funcionava bem.


— Rowan, onde esteve? — Perguntou Lora, impaciente.

— Fui...ahh... nadar. — Estava aturdido, confundido. À sua mente voltavam imagens da mulher. Podia sentir sua pele nas palmas de suas mãos e estava seguro de que seu torso ainda estava avermelhado pela marca que tinha deixado ao sentar-se sobre ele. Vestiu-se e tinha selado seu cavalo de forma automática.

— Rowan, — disse Lora brandamente — estás bem?

— Melhor que nunca. — Murmurou ele. “Então isso era desejo”, pensou. Esse era o sentimento que impulsionava aos homens a fazerem coisas que não fariam em condições normais. Se essa mulher tivesse pedido que matasse por ela, que abandonasse seu país, que traísse a seus homens, não teria vacilado em fazê-lo.

Rowan notou que o olhavam fixamente. Estava apoiado sobre a parte alta de sua sela, o corpo relaxado e um sorriso nos lábios. Ergueu-se, pigarreou e logo desmontou.

— O passeio me distraiu — disse com voz sonhadora. — Montgomery, toma meu cavalo e lhe dê ração em dobro. — "O querido animal me levou até ela", pensou, acariciando o pescoço do cavalo.

Montgomery se aproximou de seu amo.

— Eles pensavam que não poderia arrumar-se sozinho nem sequer por duas horas — murmurou amargamente.

Rowan deu um tapinha sobre o ombro de Montgomery.

— Esta noite poderia tomar conta do mundo, moço — dirigiu-se para sua tenda e se deteve junto de Daire.

Daire era um homem alto e silencioso, de rosto inexpressivo. Rowan tinha a sensação de que não o desprezava tanto como outros.

— Conhece uma mulher chamada Jura?

Daire vacilou antes de responder.

— É a filha de Thal.

Rowan se horrorizou.

— Minha irmã? — Balbuciou.

— Não de sangue. O rei a adotou quando ela era uma menina.

Rowan quase chorou de alívio.

— Não somos parentes consanguíneos?

Daire o observava.

— Seu irmão é Geralt. Jura e ele têm a mesma mãe; você e Geralt, o mesmo pai.

— Compreendo. — O único que o preocupava era o parentesco que pudesse uni-lo a ela. — Pertence a guarda feminina, como Cilean?

Daire vacilou mais uma vez.

— Sim, mas Jura é mais jovem.

Rowan sorriu.

— Tem a idade perfeita, qualquer que seja. Boa noite.

Rowan dormiu pouco essa noite; permaneceu muitas horas deitado com as mãos debaixo da cabeça, o olhar fixo na escuridão, apreciando mentalmente os momentos que tinha passado junto de Jura.

Naturalmente, casar-se-ia com ela. Convertê-la-ia em sua rainha e, juntos, governariam Lanconia... ou pelo menos aos iriales. Sua ternura compensaria a incredulidade dos lanconianos. Poderia compartilhar sua vida com Jura. Seria sua companheira. Tinha rogado a Deus que lhe enviasse um sinal e, poucos instantes depois havia aparecido Jura.

Antes do amanhecer, ouviu os primeiros movimentos do acampamento. Levantou-se, vestiu-se e saiu de sua tenda. Ao longe, apenas se divisavam as montanhas e o ar estava fresco. Lanconia nunca lhe tinha parecido tão linda.

Cilean se aproximou dele.

— Bom dia. Irei pescar. Quer vir comigo?

Rowan a olhou atentamente e, pela primeira vez, pensou que talvez tivesse problemas para casar-se com Jura.

— Sim. — Disse ele. — Irei.

Caminharam juntos até o bosque e chegaram ao largo arroio.

— Hoje chegaremos a Escalon — disse Cilean.

Rowan não respondeu. E se o rei Thal insistisse que devia casar-se com Cilean? Talvez devesse fazê-lo para poder converter-se em rei. Os castigos que Feilan lhe tinha antecipado surgiram em sua mente.

— Posso te beijar? — Perguntou ele abruptamente.

Cilean o olhou, surpreendida, e se ruborizou.

— Quero dizer, se vamos casar, pensei que... — interrompeu-se.

Cilean o tinha agarrado pela nuca para beijá-lo. Foi agradável, mas não perturbou Rowan, nem o impulsionou a assinar um pacto com o diabo.

Afastou-se brandamente dela e lhe sorriu. Agora tinha certeza. Deus tinha escolhido Jura para ele. Caminharam juntos até o arroio. Rowan pensava em Jura, sem perceber a felicidade de Cilean. Ela pensava que tinha beijado o homem com quem se casaria e estava agradada diante da perspectiva desse matrimônio.

Galoparam durante cinco horas para noroeste, antes de chegarem a Escalon. Virtualmente, não havia caminhos e Rowan decidiu que se ocuparia imediatamente de sua construção. Os lanconianos amaldiçoaram as quatorze carretas que Rowan e Lora haviam trazido com eles da Inglaterra e que continham seus móveis e equipamento domésticos. A única concessão que faziam os iriales à comodidade era sua cidade murada; quando viajavam, só levavam o que podia ser transportado por seus cavalos. Rowan supôs que, quando se deslocavam de um lugar a outro, roubavam alimento dos camponeses.

Escalon estava à beira do rio Ciar e contava com proteção do rio e de uma alta montanha. Uma muralha de quatro metros de altura rodeava a cidade, cuja superfície era de três quilômetros quadrados. No interior havia outra muralha, um monte elevado, e sobre ele, um grande castelo de pedra. Certamente, a casa de seu pai.

— Já estamos em casa. — Disse Lora, que cavalgava junto de Rowan. O pequeno Phillip, sentado em frente dela, tinha uma acentuada expressão de cansaço, depois de várias semanas de viagem. Lora suspirou. — Comida quente, um banho morno, uma cama branda e alguém com quem falar que não sejam estes guerreiros. Acha que os músicos da corte saberão executar canções inglesas? Que danças dançam estes lanconianos?

Rowan não soube o que responder, pois Feilan não lhe tinha falado das diversões dos lanconianos. Além disso, para Rowan só interessava uma diversão: a linda e deliciosa Jura, a mais perfeita das mulheres, a mais... Fez o resto do caminho perdido em seus sonhos.

Sua entrada na cidade de Escalon suscitou pouco interesse. Era um lugar sujo, cheio de homens que gritavam, de animais e de ruídos ensurdecedores, provocados pelos martelos que golpeavam as ferraduras que colocavam nos cavalos. Lora aspirava perfume para evitar os maus aromas que se percebiam.

— Onde estão as mulheres? — Gritou para Xante para fazer-se ouvir em meio da barulheira.

— Não estão na cidade. A cidade é para os homens.

— Estão encerradas em alguma parte? — Replicou ela. — Não lhes permitem desfrutar do ar e do sol?

Daire a olhou com interesse e certa surpresa.

— Cavamos fossos na ladeira das montanhas e vivem ali. — Disse Xante. — Uma vez por semana jogamos um lobo. Se conseguirem matá-lo, podem comê-lo.

Lora o olhou enfurecida, não sabia se acreditava ou não. A grande fortaleza de pedra de Thal se achava na zona mais protegida, ao noroeste da cidade murada. Não era como os castelos que Rowan conhecia, a não ser mais baixo, mais amplo e impenetrável. As pedras dos muros eram tão escuras como os lanconianos.

Antes de chegar à fortaleza, havia outra muralha de pedra, de dois metros e meio de espessura e seis metros de altura. No centro, via-se um portão de ferro oxidado, coberta de trepadeiras e, à esquerda, um portão menor que só permitia a passagem de um cavalo.

Xante deu uma ordem em voz alta e as tropas lanconianas começaram a formar uma fila que entrou pelo portão pequeno.

— Aguardem, — disse Rowan — devemos usar o portão grande para que entrem as carroças.

Xante deteve seu cavalo enfrente de Rowan. Sua expressão demostrava que sua paciência se esgotou. Era a de um homem que se viu obrigado a cuidar de um menino irritante, tolo e malcriado.

— As carroças não passarão. Deverão ser descarregados e os móveis que não passarem pela grade serão desmontados.

Rowan chiou os dentes. Estava a ponto de explodir. Por que esses homens não respeitavam ao homem que seria seu rei?

— Ordene a seus homens que abram o portão grande.

— Esse portão não abre. — Disse Xante desdenhosamente. — Não foi aberto durante cem anos.

— Então é tempo de que se abra — gritou Rowan. Voltou-se e viu quatro homens que levavam um tronco de seis metros de longitude para uma carpintaria. — Montgomery!

— Sim, senhor. — Respondeu imediatamente Montgomery. Adorava desobedecer aos lanconianos.

— Pegue esse tronco e abre a portão.

Os três cavaleiros de Rowan desmontaram no ato.

Estavam ansiosos por fazerem algo que os lanconianos não desejavam que fizessem. Pegaram pelo pescoço seis dos trabalhadores mais musculosos e os obrigaram a utilizarem o tronco como um aríete.

Rowan permaneceu montado sobre seu cavalo e observou como os homens arremetiam uma e outra vez contra o portão oxidado; mas esta não cedeu. Não se atreveu a olhar para os rostos zombadores dos lanconianos.

— O portão está soldado, por isso não se abre — disse Xante, e Rowan percebeu o tom de superioridade de sua voz.

Rowan compreendeu que devia existir alguma superstição em relação ao portão, mas estava decidido a não fazer perguntas. Neste momento a necessidade superava a qualquer superstição primitiva que pudesse ter esse povo arrogante.

— Eu abrirei o portão — disse, apeando sem olhar aos lanconianos.

Tinha seu cavalo e os de seus três cavaleiros. Eram animais grandes e pesados, capazes de puxar toneladas de peso. Como o aríete não dava resultado, ataria correntes ao portão e os cavalos a derrubariam.

Uma multidão se reuniu para observar como o príncipe inglês fazia papel de ridículo.

Sobre as muralhas havia guardas que contemplavam a cena, curiosos e divertidos.

Então esse era o filho fracote de Thal, que acreditava poder abrir o portão de St. Helen.

— Xante, — gritou um deles — é este nosso novo rei?

Ouviram grandes gargalhadas. Lora estava certa. No primeiro dia deveria desafiar uma dupla de homens para que lutassem contra ele, para deixar bem claro quem mandava ali.

De pé diante do portão, examinou-a. Parecia muito antiga coberta de óxido e trepadeiras espinhosas. Afastou um e os espinhos fizeram sangrar as palmas de suas mãos. Depois olhou atentamente a velha fechadura. Era uma peça de ferro sólido. Aparentemente, o aríete não a tinha movido de seu lugar.

— Esse inglês loiro pensa que poderá abrir a portão? — Perguntou um homem com tom zombador.

— Ninguém lhe disse que só poderá abri-la um lanconiano?

A multidão riu desdenhosamente.

— Sou lanconiano. — Murmurou Rowan, olhando fixamente o portão. — Sou mais lanconiano do que acreditam. Deus me ajude. Rogo-lhe isso. Ajude-me.

Apoiou as mãos sangrando sobre o portão, sobre a superfície oxidada, e se inclinou para frente para examinar de perto a grossa fechadura. Percebeu que a portão tremia sob suas mãos.

— Abra-se! — Murmurou. — Se abra e dê passagem a seu rei lanconiano.

Da parte superior caiu pó oxidado sobre o rosto de Rowan.

— Sim — disse, fechando os olhos e concentrando todas suas energias nas palmas de suas mãos. — Sou teu rei. Ordeno-te que se abra.

— Olhem! — Gritou alguém atrás dele. — O portão se move.

A multidão e os guardas se calaram e o velho portão começou a ranger. Parecia estremecer, como se estivesse vivo.

O silêncio era absoluto, até os animais estavam quietos. A velha fechadura de ferro caiu aos pés de Rowan. Este empurrou a parte esquerda do portão e suas velhas dobradiças chiaram.

Rowan se voltou para seus homens.

— Agora, façam entrar as carroças — disse. De repente, estava muito, muito cansado.

Mas ninguém se moveu. Os ingleses olhavam para os lanconianos, e centenas de lanconianos, guardas e camponeses, olhavam para Rowan, assustados.

— O que acontece agora? — Gritou Rowan a Xante. — Abri o portão, usem-no. — Mas ninguém se moveu.

Montgomery murmurou:

— O que está acontecendo com eles?

Como se fosse um sonâmbulo, Xante desmontou. No meio do grande silêncio, seus movimentos pareciam dramáticos e cheios de significado. Rowan o olhou, perguntando-se o que faria agora esse homem para ridicularizá-lo.

Para espanto de Rowan, Xante foi até ele, caiu de joelhos e inclinou a cabeça dizendo:

— Viva o príncipe Rowan!

Rowan olhou para Lora, que ainda estava sobre seu cavalo. Parecia tão consternada como ele.

— Viva o príncipe Rowan! — Disse outro, logo outro e logo repetiram todos.

Watelin, o cavaleiro de Rowan, adiantou-se.

— Passaremos as carroças, milorde, antes que estes tolos decidam que é um demônio em lugar de um deus?

Rowan riu, mas antes que pudesse responder, Xante ficou de pé e olhou para Watelin com fúria.

— Ele é nosso príncipe. — Disse Xante. — Nosso príncipe lanconiano. Nós levaremos as carroças. — Xante se voltou e começou a dar ordens aos guardas e camponeses.

Rowan encolheu de ombros e montou sobre seu cavalo, sorrindo para Lora.

— Aparentemente, acertei ao abrir esse velho portão oxidado. Entramos em nosso reino, querida irmã?

— Irmã princesa, se não for inconveniente — disse Lora rindo.

Do outro lado da muralha, homens e mulheres da guarda permaneceram de pé e em silêncio quando Rowan e Lora passaram junto a eles. Rowan escrutinou todos os rostos, esperando ver jura, mas ela não estava.

Quando chegaram em frente à fortaleza de pedra, Rowan ajudou Lora a desmontar do cavalo.

— Vamos ver nosso pai? — Perguntou e Lora assentiu.


Capítulo 04

Jura era a única pessoa que se achava no campo de adestramento. Havia ali alvos para praticar com lanças e flechas, espaços vazios para a prática da luta, uma pista para corredores e obstáculos para praticar saltos. Neste momento, o campo parecia enorme, pois só Jura se encontrava ali. As outras guardiãs tinham ido apressadamente à cidade, quando um mensageiro chegou dizendo que o novo príncipe se aproximava de Escalon.

— Príncipe, hrumm. — Murmurou Jura, jogando sua lança e acertando o alvo. Era inglês e devia usurpar o trono que devia ocupar seu irmão. Consolava-a o fato de que toda Lanconia compartilhava sua opinião. Desta vez todas as tribos se uniram por um motivo: esse inglês não era seu rei, como não era Edward.

Ouviu um ruído atrás dela e, com a lança na mão, girou sobre si mesmo. A ponta apontava à garganta de Daire.

— Muito tarde. — Disse ele, sorrindo. — Poderia ter atirado uma flecha. Não deveria estar aqui a sós, sem nenhum guarda.

— Daire, Oh, Daire! — Exclamou ela, arrojando os braços ao seu pescoço. — Senti tanta saudade. — Desejava tocá-lo, abraçá-lo, beijá-lo... para esquecer o homem do rio. A noite anterior despertou suada, pensando no estranho, o homem desconhecido, talvez um camponês ou um lenhador que ia a caminho de sua casa, onde o esperavam sua mulher e seus filhos. — Me beije. — Rogou.

Daire a beijou, mas seu beijo não foi como o do homem do bosque. Não a fez arder de desejo incontrolável. Abriu a boca e introduziu a língua na boca dele.

Daire se afastou dela, com o cenho franzido. Era um homem bonito, de olhos escuros e maçãs do rosto alto, mas não tão atrativo como o homem do bosque, pensou Jura involuntariamente.

— O que ocorre? — Perguntou Daire com voz rouca.

Jura deixou cair os braços e se voltou para ocultar seu rosto ruborizado, temendo que ele lesse seus pensamentos.

— Senti saudades, isso é tudo. Acaso uma mulher não pode saudar seu prometido com entusiasmo?

Daire guardou silêncio.

Ela o olhou.

Criaram-se juntos. Daire pertencia à tribo vatell. Quando Thal atacou a sua tribo, o pai de Daire tinha matado o pai de Jura. Thal matou o pai de Daire e o menino de doze anos atacou Thal com uma pedra e uma lança quebrada. Thal tinha jogado o menino a seus arreios e o tinha levado consigo a Escalon. Como a mãe de Jura tinha morrido duas semanas depois, Thal adotou Jura e fiscalizou a educação dela, Geralt, seu filho, e Daire. Jura que só tinha cinco anos e estava desolada pela perda de seus pais em tão pouco tempo, aferrou-se ao alto e silencioso Daire. À medida que cresceram continuou apoiando-se nele. Mas, embora tivesse passado tanto tempo junto a ele, não sabia quais eram seus pensamentos.

— Chegou? — Perguntou ela, para que ele deixasse de olhá-la como quando era uma menina de seis anos e tinha comido sua fruta seca, mentindo depois quando lhe perguntava se sabia quem a tinha roubado.

— Chegou — disse Daire em voz baixa, sem deixar de olhá-la.

— A povo o vaiou? Fizeram-lhe saber que o considerava um usurpador? Por acaso...?

— Abriu o portão de St. Helen.

Jura lançou uma gargalhada.

— Com quantos cavalos? Thal se zangará quando souber que o covarde do filho dele...

— Abriu-a com as palmas de suas mãos.

Jura olhou fixamente para Daire.

— Desejava abrir o portão para fazer entrar suas carroças e ordenou a seus homens que usassem um aríete. Não sortiu efeito e o príncipe Rowan apoiou as palmas contra o portão e rogou a Deus para que o ajudasse. O portão se abriu.

Jura estava boquiaberta. A lenda dizia que a portão se abriria quando chegasse o verdadeiro rei da Lanconia.

Jura reagiu.

— Faz anos que ninguém tenta abrir esse portão. Deve estar completamente oxidado. Certamente o aríete a afrouxou e, quando ele a empurrou, abriu-se. Todos devem havê-lo compreendido assim.

— Xante ficou de joelhos diante sele.

— Xante? — Perguntou Jura, arregalando os olhos — Xante? Ele que ri cada vez que alguém menciona ao inglês? Que enviou mensagens dizendo que o homem era um tolo?

— Inclinou a cabeça e o chamou de príncipe. Toda a guarda e todo o povo que estavam ali se inclinaram diante dele.

Jura desviou o olhar.

— Isto fará tudo mais difícil. Os camponeses são muito supersticiosos, mas esperava outra coisa da guarda. Deveremos convencê-los de que eram tão somente dois portões oxidados. Disseram isso a Thal?

— Sim, — disse Daire — estão com ele agora.

— Eles?

— O príncipe Rowan, sua irmã e o filho dela.

Jura começou a sentir-se afligida. Aparentemente, era a única pessoa que não tinha perdido a razão. Acaso toda Lanconia estava disposta a esquecer da verdade, só porque abriu um portão oxidado, depois de ter sido golpeada com um aríete? Certamente Daire não acreditava no usurpador.

— Devemos convencer Thal de que Geralt deve ser rei. Diga-me, são muito ingleses? Têm o aspecto e as maneiras dos estrangeiros?

De repente, Daire estendeu rapidamente o braço e tomou a grossa trança de Jura, obrigando-a a aproximar seu rosto do dele.

— Daire. — Disse ela, sobressaltada. Não estava preparada para essa reação. Quando se encontrava junto a ele, baixava a guarda. Confiava plenamente nele.

— É minha. — Disse ele com voz rouca. — Tem sido desde que tinha cinco anos. Não te compartilharei com ninguém.

A expressão de seus olhos a assustou.

— O que ocorreu? — Murmurou ela. — O que fez esse Rowan?

— Talvez saiba melhor que eu.

Ela esqueceu seu temor. Ainda sustentava a lança em sua mão esquerda e apoiou a ponta contra as costelas de Daire.

— Me solte ou te atravessarei.

Ele a soltou e logo sorriu.

Jura não lhe devolveu o sorriso.

— Pode se explicar?

Daire encolheu os ombros.

— Acaso não posso ter ciúmes?

— De quem? — Perguntou Jura zangada.

Ele não respondeu. Jura não se agradou de seu sorriso, por que os olhos de Daire não sorriam. Tinham estado juntos durante muitos anos e ele podia ler seus pensamentos. Ele havia suspeitado desse beijo que lhe tinha dado e quando ela falou do inglês, ele percebeu algo estranho. Esse beijo a tinha traído e lhe tinha feito pensar que acontecia algo fora do normal.

Ela sorriu.

— Não tem motivos para estar com ciúmes. Talvez minha irritação me levasse a te pôr a prova. — Olhou-o, seus olhos lhe rogavam que não indagasse mais.

Finalmente, ele também sorriu.

— Venha, — disse — não deseja conhecer seu novo príncipe?

Ela exalou um suspiro de alívio e tomou sua lança.

— Preferiria ir sozinha ao acampamento dos ulten! — Daire adotou novamente essa expressão estranha, mas não perguntou a que se devia. — Vá, vá com ele. — Disse ela. — Thal quererá que esteja ali. Todos deverão estar ali para conhecer o inglês.

Daire não se moveu.

— Certamente, depois haverá um banquete.

Jura lançou com força a lança e acertou no centro do alvo.

— Acredito que esta noite não terei apetite. Vá, devo treinar.

Daire a olhou franzindo o cenho. Parecia preocupado. Sem acrescentar uma palavra mais, retornou à cidade murada.

Irada, Jura tirou a lança do alvo recheado de estopa. Pensava que a volta de seu amado não tinha sido como ela esperava. Ela o tinha abraçado e ele a rechaçou. E um momento mais tarde puxou seus cabelos, dizendo que estava com ciúmes. Por que não lhe demonstrou seus ciúmes com alguns beijos? Por que não fez algo que apagasse a lembrança do homem do rio?

Arrojou sua lança uma e outra vez. Decidiu passar o resto do dia fazendo exercícios. Desse modo, de noite estaria muito fatigada para pensar nas carícias e nos beijos desse homem. O amaldiçoou, lançou a lança e errou o alvo.

— Homens! — Disse furiosa. Daire a olhava fixamente, puxando seus cabelos, o outro homem acariciava suas coxas. Enquanto um inglês ameaçava toda Lanconia. Arrojou novamente a lança, acertando desta vez um centro perfeito.


Rowan estava em frente à porta do quarto de seu pai. Tratando de tirar o pó da roupa. Não lhe tinham dado tempo para trocar de roupa. Haviam-lhe dito que Thal insistia em vê-lo imediatamente e que não estava disposto a aguardar.

Depois de ver o aspecto descuidado da casa, Rowan pensou que suas roupas empoeiradas não fariam espantar Thal. Rowan deu um chute em um osso que estava debaixo de seus pés, ergueu as costas e abriu a pesada porta de carvalho. O quarto estava em penumbra e demorou alguns segundos em adaptar seus olhos a ela. Seu pai o examinou em silêncio e Rowan olhou atentamente para ele.

Thal estava deitado sobre uma pilha de peles de cabelos longos e eriçado, de acordo com seu próprio aspecto rude e desalinhado. Era extraordinariamente alto, mais alto que Rowan, mas, a diferença deste, era que tinha um aspecto esbelto. Seu rosto talvez tivesse sido atrativo algum dia, mas agora estava coberto por muitas cicatrizes, produto de muitas batalhas. Rowan podia imaginá-lo sobre o lombo de um vigoroso cavalo, bramindo uma espada sobre sua cabeça e levando mil homens à guerra.

— Venha, meu filho. — Murmurou Thal com voz profunda. Era indubitável que o afligia uma intensa dor. — Sente-se ao meu lado.

Rowan se sentou na borda da cama de seu pai, tratando de ocultar a ansiedade que sentia. Tinha trabalhado duramente durante anos para que os informes que enviava seu tutor a Thal fossem bons. Sempre tinha desejado agradar a esse homem que não conhecia e estar à altura de suas exigências. Agora, ao ver a escura aspereza de Thal, pensava que o homem se decepcionaria de seu filho pálido e loiro. Mas Rowan não deixou mostrar seus temores.

Thal tocou a bochecha de seu filho com sua mão cheia de cicatrizes, mas ainda forte. Seus velhos olhos escuros se enterneceram.

— Parece-te com ela. A minha linda Anne. — Deslizou a mão pelo braço de Rowan. — E tem o aspecto dos homens de sua família. — Sorriu. — Mas tem a estatura de um lanconiano. Pelo menos herdou isso de mim. Pois não vejo outra semelhança. E esses cabelos! São os cabelos da Anne!

Thal quis rir, mas sua risada se transformou em tosse. Rowan percebeu que seu pai não desejava ser consolado e aguardou até que a tosse cedeu.

— Há algo que corrói minhas vísceras. Soube-o há muito tempo, mas adiei minha morte porque desejava ver-te. William te tratou bem?

— Muito bem. — Disse Rowan em voz baixa. — Não podia ter pedido mais.

Thal sorriu e fechou os olhos.

— Sabia que o faria. Sempre te amou. Desde o dia em que nasceu. Depois da morte de Anne... — Fez uma pausa e tragou saliva. — A morte traz lembranças. Rezo por voltar a ver logo sua mãe. Depois da morte de minha amada Anne, teria te entregue a William para que te criasse se ele me tivesse pedido isso, mas atacou a meus homens e a mim, tentou te tomar pela força.

Thal tossiu novamente. Mas conseguiu controlar o espasmo.

— Poderia ter enviado a alguém por mim. — Disse Rowan brandamente. — Teria vindo.

Thal sorriu e pareceu agradado por suas palavras.

— Sim, mas desejava que te criasse com os ingleses. Anne me fez conhecer a paz. — Tomou a mão de Rowan. — Ninguém conquistou aos lanconianos, moço. Nosso líder, Hemm, sobreviveu aos hunos, aos eslavos, aos cátaros, aos romanos e a Carlos Magno. — Fez uma pausa e sorriu. — Mas não sobrevivemos aos padres. Converteram-nos em Cristãos. Derrotamos aos invasores. Nós, os lanconianos, podemos derrotar a qualquer um, menos a nós mesmos. — Acrescentou com tristeza.

— As tribos lutam entre elas. — Disse Rowan. — Vi isso pessoalmente.

Thal apertou a mão de Rowan.

— Disseram-me que enfrentou aos zernas, que desafiou Brocain.

— Os zernas são lanconianos.

— Sim. — Disse Thal com energia, e Rowan aguardou que cessasse de novo o ataque de tosse. — Quando fui a Inglaterra conheci Anne e compreendi que um país podia ter um só rei. Chamam-me rei da Lanconia, mas só sou o rei dos iriales. Nenhum zerna, nem vatell me chamará rei. Sempre seremos uma nação dividida em tribos. Mas, se não os unirmos, Lanconia morrerá.

Rowan começou a compreender o que lhe pedia seu pai.

— Deseja que una os lanconianos? — Não pôde deixar que sua voz refletisse temor. Não tinha percebido até que ponto estavam separadas as tribos entre si até que chegou!

Lanconia. Por ter enfrentado a três jovens e a um ancião, não significava que pudesse conquistar todo um país.

— Permiti que fosse criado fora de meu país. — Disse Thal. — Não é um irial, e talvez as outras tribos te aceitem! Porque é meio inglês.

— Compreendo. — Disse Rowan, e fechou os olhos. Durante dias tinha tido a sensação de que era necessário que a paz reinasse na Lanconia e esperava que ao ser rei, poderia evitar a guerra entre as tribos. Mas, as unir? Pediam-lhe que convertesse ao velho Brocain e ao arrogante Xante em amigos. Poderia um só homem obtê-lo através de toda uma vida? Agora que tinha aberto um velho portão oxidado, acreditavam que estava destinado a ser rei, mas Rowan pensava que sua adesão não duraria muito. Assim que fizesse algo próprio de um inglês, voltariam a ver ele como um intruso, um estrangeiro. — Fui escolhido em lugar de Geralt porque sou inglês. — Disse. — Os lanconianos pensam que meu meio-irmão deve ser o rei.

A expressão de Thal mudou, zangou-se.

— Geralt é irial. Odeia a quem não o é. Sei que tem o filho de Brocain. Protege-o. Se puder, Geralt o matará. Geralt sonha com uma Lanconia habitada somente por iriales.

— As outras tribos também sonham apoderar-se da Lanconia? — Perguntou Rowan fatigado.

— Sim. — Disse Thal. — Na época de meu avô lutávamos contra os forasteiros e fomos felizes. Levamos a guerra no sangue, mas agora ninguém nos invade e então nos atacamos uns aos outros. — Levantou suas mãos cheias de cicatrizes. — Estas mãos mataram a muitos dos meus. Não podia evitá-lo, pois sou irial.

Tomou a mão de Rowan e o olhou com olhos implorantes.

— Deixo-te a Lanconia e deve salvá-la. Pode fazê-lo. Abriu o portão de St. Helen.

Rowan sorriu para seu pai moribundo, mas intimamente recordava que lhe tinham oferecido uma herdeira e a tinha rechaçado. Se a tivesse aceito, agora estaria sentado junto à lareira, com um cachorro a seus pés, e um ou dois meninos em seu regaço.

— É um milagre que o vento não tenha derrubado esses portões faz vinte anos. — Por um menino, um ancião e uns velhos portões oxidados, acreditavam-no capaz de tudo. Uma parte dele teria desejado montar um cavalo e fugir velozmente da Lanconia. Mas a cicatriz da perna começou a incomodar.

Thal sorriu e se recostou contra os travesseiros.

— Possui a modéstia de Anne e conforme me têm dito, um caráter aprazível. Meus lanconianos lhe trataram mal durante a viagem?

— Foram terríveis. — Disse Rowan, sorrindo. — Não têm muito boa opinião dos ingleses.

— Os lanconianos só acreditam nos lanconianos. — Olhou para Rowan como tratando de recordar seus cabelos loiros e seus olhos azuis. — Você se encarregará de que isso mude. Fará o que eu não pude fazer. Talvez, se Anne tivesse vivido, tivesse podido fazer algo para obter a união, mas, quando ela morreu, perdi as energias. Se as tribos não se unirem, os lanconianos se matarão uns aos outros. Estaremos tão ocupados brigando entre nós, que não veremos a nova horda invasora que venha das montanhas. Confio em você, moço.

Thal fechou os olhos, como tratando de reunir forças, Rowan pensou na dimensão do que seu pai lhe pedia. Como Thal se apaixonou por uma mulher linda acreditava que o filho dessa união seria capaz de grandes façanhas. Rowan tivesse desejado confiar em si mesmo a metade do que confiava seu pai. Quando pensava no que lhe esperava, tratando de persuadir aos teimosos lanconianos tratando de modificar sua maneira de pensar, que tinha sido a mesma durante séculos, sentiu-se afligido. Novamente, desejou fugir. Retornar a Inglaterra, a seu lar, a sua segurança. Mas então recordou de Jura. Ela era a única lanconiana a quem podia compreender. Talvez com ela a seu lado pudesse realmente conquistar um país.

—Pai, — disse Rowan brandamente — é verdade que deseja que me case com Cilean?

Thal abriu seus olhos cansados.

— Escolhi-a quando era apenas uma menina. Recorda a Anne: é serena e doce, e às vezes possui uma grande fortaleza interior. É capitã da guarda feminina. É forte, sábia e linda. Será uma excelente esposa.

— Sim, não o duvido, mas... — Rowan se interrompeu diante do olhar zangado de Thal. Seu corpo estava agonizando, mas sua mente estava sã.

— Não se casou com uma inglesa, verdade? Seus filhos seriam mais ingleses que lanconianos...

— Não existe nenhuma mulher inglesa. — Disse Rowan sutilmente. Seu pai aguardou, olhando Rowan de um modo penetrante. Rowan se moveu, inquieto. Quando o olhava dessa maneira, inspirava-lhe mais temor que Brocain. Não era em vão que tinha reinado durante tanto tempo. — Existe outra mulher. Acredito que também pertence a guarda e bem poderia ser minha esposa. Seu nome é Jura.

Thal deixou cair à cabeça sobre o travesseiro, desolado.

— Quais são seus sentimentos para ela?

Rowan se sentiu um tanto envergonhado, mas tratou de controlar o rubor de seu rosto. Desejava tanto Jura que estava disposto a arriscar-se a decepcionar seu pai, para quem sempre tinha vivido.

— Intensos! — Disse, sintetizando nessa palavra o desejo e a necessidade de tê-la a seu lado. Teve a esperança de que seu pai compreendesse que estava disposto a lutar por ela.

Thal levantou a cabeça e olhou firmemente para seu filho nos olhos. Seu olhar tinha a força de muitas gerações de reis lanconianos.

— Quando me apaixonei pela Anne, a teria raptado a noite se o rei inglês tivesse negado sua mão. Jura sente o mesmo por ti?

Rowan recordou a paixão com que ela havia devolvido seus beijos.

— Sim, — disse — sente o mesmo.

— Não desejo saber como a conheceu. Sem dúvida, ela estava onde não devia estar. É muito próprio dela. Oh, meu filho, por que não pôde amar Cilean? Jura é um problema. É exaltada como seu irmão e mal-humorada como sua mãe. A mãe da jovem tentou me ameaçar para que me casasse com ela quando nasceu Geralt. Para me castigar, casou-se com o mais leal de meus homens, Johst, e converteu sua vida em um inferno.

Thal fez uma pausa, tratando de serenar sua mente e sua voz.

— Se te der Jura, isso causará muitos problemas. Cilean se converterá em sua inimiga, e os iriales amam Cilean. Odiariam você se a repudia. E Jura está comprometida com...

— Comprometida? — Disse Rowan, surpreso.

— Sim. — Disse Thal. — Se casará com o filho de Brita, que é a rainha dos vatell. Não é conveniente irritar Brita.

Rowan estava boquiaberto.

— Uma mulher os governa? — Devia ele lutar contra uma mulher? Os lanconianos esperavam que a derrotasse em um combate, de igual a igual?

Thal sorriu.

— Sabe usar seu cérebro, onde nós usamos nossos músculos. Governa desde que morreu seu marido. Brita odeia aos iriales, sobre tudo a mim e aos meus, e não seria sensato encolerizá-la. Terá conflitos com o povo que apoia Geralt. Não pode pensar melhor e te casar com Cilean? Ou com alguma outra mulher? Jura é...

— É a única que eu quero. — Disse Rowan cortante. Sua mandíbula se tornou rígida.

Thal suspirou.

— Existe uma maneira.

— Aceitá-la-ei.

— Pode ser que ela perca. Pode ser que você perca a ambas, a Jura e a Cilean.

— Se se tratar de um combate, aceitarei o desafio.

— Não será você quem luta, a não ser Jura. — Disse Thal. — As mulheres lanconianas sempre foram fortes. Nas batalhas, protegem a seus maridos. Quando seus homens não estão, sabem protegerem-se a si mesmas. Sempre foi bom ter uma esposa forte. Em um tempo, um homem podia escolher esposa por meio de um Honorium.

— No que consiste? — Perguntou Rowan.

— É como os torneios ingleses, mas as participantes são mulheres.

— As mulheres lutam? — Perguntou Rowan, incrédulo.

— Não, participam de competições de habilidade; tiro ao alvo, arremesso de lança, corrida, salto de cercas, luta; há muitas espécies de competição. A ganhadora fica com o homem que convocou o Honorium.

Antes que Rowan pudesse falar, Thal tomou a mão de seu filho.

— Quando o rei está envolvido, devem enviar convites a todas as tribos. Jura é jovem e nunca combateu. Não sabe como reagirá em uma competição. Poderia perder. — Fez uma pausa. — Também poderia perder Cilean.

— É um risco que devo correr.

— Não compreende. A maioria de nossas guardas femininas são lindas, mas as outras tribos enviarão mulheres horríveis e bestiais, para demonstrar que desprezam ao rei irial. — Thal franziu os lábios. — Nunca viu a uma mulher ulten. São criaturas sujas, ardilosas e desonestas. Roubariam seus cabelos enquanto dorme se acharem quem os compre. E sem dúvida Brocain enviará a uma mulher horrenda. Alguns de meus bois são menores e mais bonitos que as mulheres zernas. Pense no que vai fazer, filho, e toma a Cilean. É linda e...

— Teria se arriscado a um Honorium para obter a minha mãe?

— Sim. — Disse Thal em voz baixa. — Teria me atrevido a tudo, porque era jovem e meu sangue fervia ao vê-la.

— Meu sangue ferve por Jura. — Disse Rowan com firmeza. — Convoca o Honorium.

Thal assentiu.

— Assim se fará, mas se mantenha afastado dela. Que ninguém saiba que deseja conquistá-la. Não imagina o ódio que desencadeará se desprezar o filho de Brita. Direi que o Honorium se celebra para demonstrar que é justo com todas as tribos. Todas elas terão a oportunidade de que uma de suas mulheres ocupe o trono. Agora deve partir. Envie-me Siomun para que possa anunciar o Honorium.

— Pensei que desejaria ver sua filha e a seu neto.

Thal o olhou assombrado.

— Lora? A menina que deixei quando ela era um bebê? Está contigo?

— Sim, e trouxe o seu filho Phillip. É um menino inteligente.

— Não tanto como você quando era um menino, tenho certeza. — Disse Thal, sorrindo. — Sim, traga-os. Reza para que Lora não deseje a nenhum homem inadequado.

Rowan sorriu.

— Não acredito, embora pareça interessada em Xante.

Thal riu até que começou a tossir.

— Esse velho corcel de guerra? Ah, esse seria um bom matrimônio. Ele nunca esteve casado e precisa de uma mulher muito fogosa para abrandar seu coração.

— Lora poderia fazê-lo. — Rowan ficou de pé, logo, impulsivamente, tomou a mão de seu pai e a beijou. — Lamento... lamento que...

— Não. — Disse Thal bruscamente. — Sem lamentos. É tudo quanto desejei que fosse, não pertence a nenhuma tribo. É um rei lanconiano que não deve lealdade a nenhuma tribo em especial. Pode unir o país. Só espero que a mulher que esteja a seu lado... Não, não o lamente. Faça entrar minha filha e ao menino.

— Sim, meu pai. — Disse Rowan e se dispôs a sair do quarto.

— Filho, — disse Thal — diga a Siomun que te proporcione roupas adequadas para que não se pareça um inglês.

Rowan assentiu e partiu.

Quando saiu do quarto, Rowan se apoiou contra o escuro muro de pedra e fechou os olhos, afligido pela enorme confiança que seu pai tinha depositado nele. Sempre tinha pensado que seria rei de um país, mas agora descobria que devia unir seis tribos que se odiavam entre si, seis tribos que se saqueavam e matavam uns aos outros sem nenhum sentimento de culpa. Rogou para que Deus o guiasse. Faria tudo que estivesse a seu alcance e confiaria na ajuda de Deus. E em Jura, pensou, abrindo os olhos. Jura estaria ali para ajudá-lo. Atravessou o comprido corredor e se deteve ao ouvir a voz zangada de Lora e a risada de Xante.

— Perdoem a interrupção. — Disse Rowan. — Nosso pai deseja ver-te e ao menino. Xante, pode me levar com uma pessoa chamada Siomun?

— Sim, meu senhor. — Disse Xante com reverência e partiu.

— Primeiro Siomun, logo Jura. — Murmurou Rowan. Foi atrás de Xante, assobiando.


Jura lamentou ter que abandonar o campo de treinamento, mas o jovem que foi buscá-la disse que precisavam dela com urgência. Pareceu-lhe estranho que a necessitassem nas cavalariças, mas ultimamente tudo era estranho. Desde que Thal fez com que trouxessem seu filho inglês, seu mundo tinha mudado. Iria ver quem precisava dela e então procuraria Geralt e trataria de consolá-lo.

As cavalariças estavam escuras e vazias. Chateada, pensou que, agora, por causa da desorganização dos iriales, os zernas poderiam atacar e vencê-los.

— Olá! — Disse, mas ninguém respondeu. Desconfiada, tomou sua adaga e deslizou lentamente contra o muro, de costas às baias dos cavalos.

Apesar de sua cautela, não pôde evitar que aparecesse uma mão e que cobrisse sua boca. Um forte braço fez cair sua adaga e foi arrastada para trás, até o interior de uma das baias.

Tentou lutar, mas o homem a fez girar entre seus braços e a apertou contra seu corpo. Embora não pudesse ver seu rosto por causa da escuridão, soube que era ele.

Quando a beijou, ela respondeu apaixonadamente. Desde o dia anterior, havia dito a si mesma que o que tinha ocorrido com esse bonito desconhecido tinha sido algo passageiro e que não voltaria a repetir-se. O que passou tinha ocorrido pelo momento e pelo lugar. Sentia saudades de Daire e, além disso, quando viu esse homem, ambos estavam seminus. Sua reação tinha sido natural. Também tinha menosprezado a paixão que tinha experimentado. Era lógico reagir assim diante do beijo de um homem tão atrativo.

Mas Jura se equivocou. Não recordava como se sentia entre seus braços, como seu corpo estremecia e debilitava diante de suas carícias. Quando ele levantou a cabeça, ela rodeou seu pescoço com seus braços e enroscou os dedos em seus cabelos, desejando-o cada vez mais.

— Jura. — Murmurou ele com voz penetrante. — Agora estaremos juntos. — Sussurrou contra seus lábios.

Ela abriu sua boca como uma flor diante do roce de uma abelha. Estar juntos significava fazer amor, e ela estava disposta. Não pensou nas consequências, nem no lugar em que se achavam. Não teria se importado se estivesse no meio de um salão.

Ela entreabriu as pernas e apertou seus quadris contra os dele, para que ele pudesse sustentá-la.

— Meu amor, — murmurou ele, beijando avidamente seu pescoço — estaremos juntos. Já resolvi tudo.

— Sim, — murmurou ela com os olhos fechados e a cabeça arremessada para trás — juntos. Agora.

Ela se afastou para olhar seu rosto.

— Tenta-me mais do que teria acreditado ser possível. Jura, meu amor, nunca pensei que podia me sentir assim. Diga que me ama. Desejo escutar de seus lábios.

Ela não tinha pensado nas palavras, limitava-se a sentir. Sentir o corpo dele contra o seu, suas coxas grandes e duras contra as dela. Desejava que sua pele tocasse a dele, entrelaçar os dedos de seus pés com os dele, roçar com seus seios o pelo de seu torso. Desejava deslizar seus dedos, suas unhas sobre a pele dele.

— Jura — disse ele, ofegante, beijando-a com tal violência que ela caiu para trás.

Suas costas se chocaram contra o muro de pedra do estábulo. Ele não a soltou, mas sim continuou beijando-a, apertando seu corpo contra o de Jura, até que ela pensou que a esmagaria. Mas, em lugar de tratar de liberar-se dele, aproximou-o ainda mais dela.

De repente, ele a soltou e se escondeu entre as sombras de um canto.

— Vai, — disse com voz rouca — ou deixará de ser uma donzela. Parte, Jura.

Ela se manteve erguida, aferrando-se às pedras do muro que começavam a machucar as palmas de suas mãos. Seu coração pulsava com violência e todo seu corpo parecia palpitar.

— Vai antes que alguém te veja — disse ele.

A mente de Jura começou a funcionar novamente. Sim, ninguém devia vê-la. Esforçou-se por levantar-se e caminhou alguns passos, sustentando-se contra o muro.

— Jura — disse ele.

Ela não se voltou. Seus músculos estavam muito fracos, não desejava fazer movimentos desnecessários.

— Recorda que é minha. — Disse ele. — Não permita que o filho de Brita te toque.

Ela assentiu, estava aturdida e não compreendeu suas palavras. Logo saiu da cavalariça. Alegrou-se que seus pés recordassem o caminho de volta até os quartéis das mulheres, pois sua mente só podia pensar nele. Esfregou as gemas dos dedos, os dedos que tinham roçado a pele dele.

— Jura — disse uma voz, mas ela não respondeu.

— Jura. — Disse Cilean bruscamente. — O que te aconteceu? Onde está sua adaga? Por que está com os cabelos soltos? O que são essas marcas que tem no pescoço? Atacaram-lhe?

Jura olhou sua amiga e sorriu pela metade.

— Estou tudo muito bem — murmurou.

Cilean franziu o cenho e segurou o braço de Jura, conduzindo-a até seu quarto. Era um dormitório espartano que continha só uma cama, uma mesa, uma cadeira, um lavabo e um grande armário para a roupa. Sobre as paredes havia armas. Na parede que estava atrás da cama tinha um crucifixo de madeira esculpida.

— Sente-se. — Disse Cilean, empurrando-a para a cama. Cilean umedeceu uma parte de tecido e o aplicou sobre a testa de Jura. — Agora me diga o que te aconteceu.

Jura começou a reagir.

— Eu... eu... estou bem. Nada me aconteceu. — Afastou a parte de tecido. Suas mãos ainda tremiam, mas estava se recuperando. Devia manter-se afastada desse homem. Era como uma enfermidade... mortal.

— Me conte suas novidades — disse Jura. — Conheceu seu pretendente inglês? — Talvez seu ódio pelo inglês a fizesse esquecer sua paixão. — É tão estúpido como acreditávamos?

Cilean ainda estava consternada ante o aspecto de sua amiga.

— Não é estúpido. Pelo contrário, parece extraordinariamente valente. Enfrentou a Brocain sem ajuda.

Jura emitiu um ruído.

— Isso é mais estúpido do que acreditei. É indubitável que sua ignorância o protegeu, mas não voltará a acontecer. Agora que Thal ainda está com vida, deveria lhe pedir que não te permita se casar com esse homem repulsivo.

Cilean sorriu.

— Não é repulsivo. Beijou-me e foi muito, muito agradável.

Jura a olhou com severidade.

— É muito atrevido. Acaso pensa que as mulheres lanconianas são imorais? Como ousa beijar a uma guardiã como se se tratasse de uma camponesa? — No momento em que o disse, se ruborizou. Um homem se atreveu a fazer muito mais que isso, mas em lugar de pensar na moral ela tinha estado disposta a fazer amor com ele no chão do estábulo, entre a palha e o esterco.

— Pode atrever-se quando o desejar. — Disse Cilean. Logo se voltou. — Mas não poderá ser. Thal convocou um Honorium para lutar pelo novo rei.

— Um Honorium? — Disse Jura com incredulidade, agora muito atenta ao que dizia sua amiga. — Em toda minha vida não se celebrou nenhum e acredito que tampouco na de Thal. — Ficou de pé. — Como se atreve esse arrivista a fazer tal coisa? É uma ofensa a você. É como se declarasse que a mulher que escolheram não é o suficientemente boa para ele. É um canalha, um covarde, um...

— Jura, — disse Cilean, voltando-se para ela — está equivocada. Foi Thal quem convocou o Honorium. Disse que seu filho será o rei de todos os lanconianos e que, por isso, sua esposa deve ser escolhida entre todas as tribos, Rowan foi muito nobre ao aceitar. O que ocorrerá se vencer uma mulher zerna? Uma ulten? — Disse com horror. — Nenhum homem seria tão nobre para permitir essa competição. Não se celebra um Honorium desde a época do rei Lorcan e a rainha Metta. Disseram-me que era uma mulher brutal e que tinha perdido meio nariz nas batalhas, além disso, era dez anos mais velha que o rei. Tiveram filhos. Entretanto o príncipe Rowan acessou casar-se com a ganhadora do Honorium.

Jura se voltou e orou em silêncio, pedindo ajuda. Por que todos atribuíam tanta nobreza a esse estrangeiro?

— É indubitável que ignora as possíveis consequências do resultado. Viu-te e acredita que todas as guerreiras lanconianas são como você. É como um cão obediente que faz quanto lhe ordenam sem protestar.

A risada de Cilean fez Jura se voltar para ela.

— O príncipe Rowan é tudo, menos obediente. Verá quando conhecê-lo. Esta noite haverá um banquete. Apresentar-lhe-ei e comprovará por ti mesma como é.

Jura não dissimulou sua irritação.

— Não trairei a meu irmão. Geralt deve ser o rei e tudo quanto ouvi dizer até agora desse inglês o confirma. Vá ao banquete e sente-se ao seu lado. Eu não o farei. Alguém deve permanecer aqui para vigiar o acampamento. Além disso, devo afiar algumas armas.

— Sua adaga, por exemplo? — Perguntou Cilean mordazmente, apontando sua bainha da adaga vazia.

— Caí... na escuridão. — Disse Jura com vacilação e voltou a ruborizar-se ao recordar ao homem das cavalariças. — Retornarei e a acharei. Vá a esse banquete e te verei amanhã. — Jura saiu rapidamente do quarto, antes que Cilean fizesse mais pergunta sobre a adaga, e as marcas que tinha no pescoço.

Ao pensar no homem, Jura se sentiu invadida por uma onda de calor. Agradeceu a fresca escuridão que ajudava a ocultar seu rosto ruborizado.

A adaga não estava nas cavalariças e soube que ele o tinha. Apoiou-se contra o muro, fechou os olhos e amaldiçoou a si mesmo por ser tão tola. Tinha visto esse mentecapto em duas ocasiões e tinha caído em seus braços como uma rameira, sem saber seu nome nem sua posição. Talvez fosse um dos escravos que trabalhavam na cidade. Mas era limpo e sua voz suave e profunda, pronunciava perfeitamente o idioma iria! Os escravos falam mal, com sons guturais.

Pensou que isso podia lhe ocasionar problemas. Poderia usar sua adaga para chantageá-la. A adaga tinha o desenho de dois leões exuberantes e todos saberiam que era dela. Bastava que mostrasse a Daire... O que havia dito ele? O filho de Brita. Se Daire visse a adaga nas mãos de outro homem, poderia haver problemas entre os vatell e os iriales.

— Idiota! — Disse a si mesmo em voz alta. — É uma estúpida idiota e não merece pertencer à guarda feminina. — Saiu da cavalariça e continuou amaldiçoando a si mesma.


Capítulo 05

Jura dormiu pouco esta noite. Antes do amanhecer, Geralt chamou a sua porta. Jura vestiu a túnica e as calças e abriu a porta. Geralt entrou com expressão irada.

— Viu-o? — Perguntou Geralt. — Ele enfeitiça. Fez meu pai acreditar que ele é capaz de fazer qualquer coisa só porque abriu um portão oxidado. Devia ter aberto esse portão faz anos.

Jura, ainda sonolenta, piscou, olhando para seu irmão. Geralt era um homem moreno. Seus cabelos negros chegavam até seus ombros e, quando franzia o cenho, suas espessas sobrancelhas negras pareciam unir-se. Seus lábios, também escuros, adotaram um gesto zangado.

Geralt golpeou a palma de sua mão com o punho.

— Já está falando em construir caminhos e de... — Se interrompeu, afogando-se com suas próprias palavras. — Fala de feiras comerciais. Como pensa que os lanconianos têm sobrevivido a nossos invasores? Porque não permitimos que ninguém entre, nem os vikings, nem os hunos, e menos ainda esses vis mercadores. Como saber que não transportam armas em suas carroças? Mas esse... esse usurpador quer abrir nossas fronteiras. Em dez anos, nos fará desaparecer.

Geralt fez uma pausa para recuperar o fôlego, mas não permitiu que Jura falasse.

— Tem o filho de Brocain e o protege como se fosse seu próprio filho. Disse que devíamos enforcar o moço e quando Brocain atacasse, o mataríamos. Os zernas são nossos inimigos. Devemos nos protegemos.

— Abrir nossas fronteiras? — Murmurou Jura. — Não sabia. Deixaremos de existir. Seremos destruídos pelos invasores. — Era uma razão a mais para que o inglês não fosse rei. A mente de Thal estava tão doente como seu corpo.

Olhou Geralt. Finalmente tinha achado a alguém que estava de acordo com ela, alguém que não acreditava que esse inglês era o segundo primo de Deus.

— Sim, mas Thal não se dá conta. Esta manhã tentei falar com ele, mas me mandou sair de seu quarto. — Geralt levantou a cabeça. — Soube do Honorium? Percebe que poderíamos ter entre nós uma rainha estrangeira? Disseram-me que Brocain tem filhas. E se vence uma delas?

Jura olhou para seu irmão, horrorizada. Não tinha pensado nisso.

Geralt se sentou junto dela sobre a cama E rodeou os ombros de sua irmã com seu braço.

— A vitória está em suas mãos.

— Eu? — Perguntou, confundida.

— Cilean deve conquistá-lo. Deve participar do Honorium e lutar como nunca o tem feito. Devem derrotar a todas as estrangeiras, até que só fique você e Cilean.

— Sim, — disse Jura, assentindo com um gesto da cabeça — Cilean lutará por obtê-lo.

Geralt fez uma careta de chateio.

— Ela o olha com olhos sonhadores. Não o vê claramente, não escuta o que ele diz.

Jura defendeu sua amiga imediatamente.

— Cilean é uma guardiã. Deve perceber que ele é um tolo.

— Cilean é também uma mulher e o vê com olhos de adolescente. — Arqueou uma sobrancelha. — Você já o viu?

— Não, mas minha opinião não mudará quando o vir.

— É de cabelos e pele claros e algumas mulheres parecem sentirem-se muito atraídas por ele. Pensam com seus corpos e não com suas mentes. — Olhou-a com atenção.

Ela lhe dirigiu um olhar furioso.

— E acha que eu poderia ser uma delas? — Disse desdenhosamente. — Não me importa que seja tão bonito como o deus Naos, não mudarei de ideia. Não tem o direito de ser o rei da Lanconia.

— Bem, — disse Geralt, dando palmadas em suas costas como se ela fosse um dos homens de sua guarda e fazendo-a inclinar-se para frente. — Meu pai deseja que vá ao castelo para que seja apresentada ao príncipe impostor. O rei estava desolado porque ontem à noite não participou do banquete.

— Thal participou? — Jura estava surpresa.

— Não pode estar sem ele. — Geralt se voltou. Jura soube que tratava de ocultar sua angústia ao ver que Thal demonstrava tanto amor por esse filho a quem não via desde que Rowan era um menino. Geralt sempre tinha adorado seu pai, mas Thal não o considerava merecedor do trono. Geralt se voltou para sua irmã, já mais sereno. — Devemos proteger a Lanconia. Embora este homem trate de impedi-lo, devemos proteger nosso país da melhor maneira possível, evitando suas diretivas. Em primeiro lugar, devemos obter que haja uma rainha irial junto a ele. Não devemos permitir que uma rainha de outra tribo se infiltre em Escalon. Traria seus partidários próprios que abririam os portões pelas noites e subornariam aos guardas. Não, devemos impedir isto antes que comece. Cilean deve ocupar o trono. Considera-te capaz de vencer às que possam te desafiar?

— Sim, naturalmente. — Disse ela. Neste momento estava segura de poder fazê-lo.

— Bem, — Geralt ficou de pé. — Venha comigo. Conhecerá o filho de meu pai.

Jura fez uma careta.

— Agora? Antes do desjejum da manhã?

— Agora. Meu pai assim o exige.

Com a sensação de ser levada a um patíbulo, Jura terminou de vestir-se e acompanhou Geralt. Não se incomodou em usar seu vestido longo, usou seu uniforme de guardiã, composto por túnica e calças e uma ampla capa azul de lã sobre um de seus ombros. Indecisa a respeito de sua bainha de adaga vazia, decidiu levá-la para trás, oculta debaixo da capa.

Geralt se queixou de que demorava muito tempo, de modo que abriu a porta e saiu com ela atrás dele. Seu irmão não caminhou cortesmente a seu lado, mas sim se adiantou. Jura ia atrás dele, como uma irmãzinha chateada... que era isso mesmo em realidade.

Ele a conduziu até o campo de adestramento dos homens, para um extremo onde se achavam os alvos, Jura observou a cena que se desenvolvia ante seus olhos. À sombra de uma árvore estava deitado o ancião Thal, abatido e pálido por causa de sua enfermidade. Achava-se sobre uma cama cheia de travesseiros. Nunca tinha visto o ancião aceitar nenhuma espécie de comodidades, mas neste momento estava rodeado de travesseiros de plumas, sobre um tecido de tapeçaria. Ao seu lado, em uma cadeira, havia uma linda mulher de cabelos loiros, vestida com um tecido que brilhava a luz do dia. Junto à sua cadeira, estava um menino pequeno, loiro como sua mãe. Os três contemplavam aos arqueiros, alinhados atrás de dois homens. Jura notou que um dos homens que observava era o jovem zerna, pois este usava a túnica característica dessa tribo, de listas púrpuras e vermelhas. Jura deixou de olhá-lo porque outra figura chamou sua atenção, apesar de que se achava de costas para ela.

Era quase tão alto como um lanconiano, talvez tão alto como alguns deles, pensou Jura com rancor, mas era muito mais musculoso. Certamente era obeso pela vida ociosa que levava. Seus cabelos chegavam até a borda do pescoço de sua camisa e brilhavam ao sol. Não eram brancos como lhe haviam dito, mas sim da cor do ouro velho e pareciam tão suaves com os de uma moça.

Se Jura não estivesse já tão zangada, irritar-se-ia ao vê-lo, pois usava uma túnica que sua mãe tinha bordado para Thal anos atrás. Quando Thal a usava, ficava solta, mas em troca se ajustava aos ombros musculosos desse homem, e o chamativo bordado azul e verde realçava suas largas costas. Debaixo da túnica se viam suas coxas vigorosas. Suas grandes panturrilhas estavam envoltas em botas de tiras cruzadas.

Jura soprou com desdém. Talvez pudesse enganar a outras mulheres, mas não a ela. Estava habituada a ver homens bonitos. Acaso não era Daire lindo o suficiente para que a lua tivesse ciúmes dele?

Ergueu seus ombros e se aproximou para saudar o rei. Geralt se dirigiu ao centro do campo de treinamento, onde se achavam seus homens.

Detestava ver Thal nas condições em que se encontrava: débil e indefeso, aguardando a morte, mas não o diria. Ela sempre tinha experimentado animosidade para com ele e Thal, a sua vez, tratava-a com respeito, mas sem cordialidade. Jura sempre tinha pensado que ele era culpado da morte prematura dos pais dela. Aos cinco anos era órfã e Thal a tinha adotado. Tinha necessitado de carinho e consolo, mas Thal tinha ordenado que deixasse de choramingar e lhe tinha dado uma espada para que brincasse com ela. Quando tinha seis anos, Daire lhe tinha ensinado a usar o arco e a flecha.

— Mandou me chamar? — Perguntou Jura olhando para Thal. Sua expressão demonstrava claramente o que pensava da comodidade de sua cama, além disso, não se dignou olhar à mulher inglesa.

— Ah, Jura, — disse Thal, sorrindo. Parecia um ancião fátuo, não o grande guerreiro lanconiano que tinha rechaçado a milhares de invasores. — É um dia muito lindo. Conhece minha filha?

A expressão de Jura permaneceu imutável.

— Só tem um verdadeiro filho, seu filho lanconiano. — Jura sorriu para seu adentro quando ouviu o suspiro da inglesa. Alguém devia fazer saber a esses invasores que eram indesejáveis.

Thal suspirou e se recostou contra os travesseiros.

— Ah, Jura, por que é tão severa? Estes são meus filhos, tanto quanto Geralt. — Olhou para seu filho que se aproximava. — Aqui há alguém que sem dúvida te fará sorrir.

Jura se ergueu e endureceu os músculos do rosto. Logo virou sobre si mesmo para conhecer homem que odiava.

Ao vê-lo, seus joelhos se entrechocaram por causa da surpresa. Ele estendeu a mão e a pegou pelo braço. O contato a fez estremecer.

Ele! Como podia ser o mesmo de seus encontros secretos? Como não tinha visto seus cabelos dourados? Logo recordou que, na ocasião do primeiro encontro, ele tinha os cabelos molhados e pareciam escuros, e quando se reuniram nas cavalariças, a escuridão tinha sido total. Ela soltou seu braço e tratou de lhe dar as costas.

— Conheciam-se? — Perguntou Thal sutilmente.

— Não, — disse Jura com voz vacilante.

— Sim, — disse Rowan simultaneamente.

Jura, rígida e de costas para ele, negava-se a olhá-lo.

Rowan estava muito perto dela e isso a impedia de pensar, mas compreendeu que tinha sido utilizada. Certamente, ele pensava que se obtivesse sua adesão, talvez Geralt e seus homens, veriam nele o verdadeiro príncipe e, aceitariam o usurpador inglês.

— Tive a honra de conhecer a dama, — disse Rowan — mas somente à distância.

Ante o horror de Jura, deslizou sua mão pelas costas dela e tomou a ponta de sua trança.

— Eu também ouvi falar de você. — Disse Lora amavelmente, mas Jura não a olhou. — Só me tinham falado de suas habilidades guerreiras, não de sua beleza.

Jura permaneceu rígida, olhando a árvore que estava diante dela.

— Jura! — Gritou Thal provocando um ataque de tosse. Lora o consolou e para horror de Jura, Thal não só o permitiu, mas também parecia agradado. Jura desejava afastar-se de Rowan, mas ele sustentava sua trança com força. — Deve tratar meus filhos com respeito. — Disse Thal asperamente por causa da tosse. — Deve agradecer a minha filha a lisonja que acabou de te dirigir.

Jura olhou ao longe e guardou silêncio. Era difícil concentrar-se no mundo que a rodeava, com esse homem tão perto dela.

Quando Thal voltou a levantar-se, Lora o tranquilizou.

— Por favor, pai, não se agite. Tenho certeza de que Jura está habituada às adulações. Rowan, seu prisioneiro e seu escudeiro parecem a ponto de matar-se mutuamente. Talvez devesse cuidar deles.

Jura não o olhou, mas percebeu sua vacilação. Só se moveu quando as espadas se entrechocaram. Apesar de tudo, Jura se voltou para contemplá-lo quando se aproximou dos dois altos jovens que tentavam atacar-se entre si. Um deles era o jovem que havia dito à Jura que a esperavam nas cavalariças. Era moreno como os lanconianos e ela não tinha notado que era inglês. Tinha-lhe dado à mensagem em lanconiano e ela se perguntou se ele teria memorizado, repetindo-o mecanicamente.

Observou Rowan que se aproximava através do campo até os jovens. Sem vacilar se colocou entre os dois homens que lutavam entre si, bramindo suas espadas ferozmente. Logo apoiou com força as palmas de suas mãos contra o torso de cada um dos jovens, que caíram para trás em meio de uma nuvem de pó.

— Meus homens não brigam entre si. — Disse Rowan em voz baixa, mas ameaçadora.

— Não sou seu homem. — Gritou Keon. — Meu pai é Brocain e...

— Sou seu senhor. — Disse Rowan, interrompendo-o. — Não é zerna, é lanconiano e eu sou seu rei. Agora ambos partirão e irão polir minha cota de malha.

Levantando do chão, Montgomery grunhiu. Para limpar uma cota de malha teria que submergi-la em uma grande bolsa de couro cheia de azeite, depois, duas pessoas deviam jogá-la de um para o outro. Era como arrojar uma rocha.

Thal riu agradado ao ver como Rowan punha fim à rixa. Jura se voltou para ele.

—Tudo que ele faz te causa prazer — disse, indignada. — Reclama um trono que não lhe pertence. Gaba-se de ser o rei de todos os lanconianos, mas para que assim fosse, deveria declarar guerra às outras tribos. Matará Brocain e a Brita? E o que acontecerá com Marek e Yaine? Agora vivemos em paz, mas continuaremos vivendo em paz se este homem matar só para satisfazer sua vaidade e for algo mais que o rei irial? Rogo-lhe isso, não nos deixe em mãos deste ostentador. Não necessitamos mais guerras entre as tribos. Cada uma delas controla suas fronteiras. Se uma tribo é destruída seremos destruídos e deixaremos de existir. Por favor, rogo-lhe isso, todos rogamos que nos dê um rei que compreenda como deve ser as coisas.

Thal a olhou, zangado, seu rosto estava vermelho de fúria reprimida e começou a tossir.

— Vai! — Gritou Lora, ficando de pé e inclinando-se sobre Thal para protegê-lo. — Já o alteraste muito.

Jura girou sobre seus talões e, sem olhar para nenhum lado, partiu.

Rowan voltou para o lugar onde se achava seu pai, mas seus olhos estavam fixos nas costas de Jura.

— É um tolo. — Disse Thal com voz cansada. — Fará sua vida impossível.

Rowan sorriu.

— Não posso escolher. Serei rei e ela será minha.

— Tua? — Disse Lora. — O que está acontecendo? Rowan, não me diga que pensa... em se unir a essa mulher. É brusca e só se interessa por si mesmo, além disso, não reconhece seu direito de ser rei. Não é apta para viver em nossa casa, e muito menos para ocupar um lugar de honra.

— Mmm. — Murmurou Rowan e voltou para junto dos arqueiros.


Durante os dias seguintes, Jura treinou com grande afinco. Não participou dos banquetes que ofereceram para as opositoras que chegaram, nem abandonou o campo de treinamento para saudá-las. Levantava-se antes do amanhecer e corria vários quilômetros pelos longos e sinuosos atalhos que rodeavam as muralhas da cidade. Saltava sobre os largos arroios, caminhava sobre grossos troncos, praticava lançamento da lança e o tiro ao alvo com arco e flecha. Só se interrompia para ingerir grandes quantidades de alimentos e, pelas noites, caía rendida sobre a cama e dormia profundamente.

— Jura, — disse Cilean ao quarto dia — diminua o ritmo. Quando chegar o momento de competir, estará muito fatigada.

— Devo estar preparada. Devo vencer.

— Deseja vencer? — Perguntou brandamente Cilean.

— Se eu não o fizer, vencerá você. Deve ter alguém sensata ao seu lado. Sua vaidade e estupidez são entristecedoras. Se você não estiver ao seu lado, temo que destruirá a Lanconia.

Cilean franziu o cenho.

— Jura, não estou tão segura de que você esteja certa. Não me parece vaidoso. Treina quase tanto como você e fiscaliza aos homens diariamente. É muito justo e imparcial quando deve resolver disputas e é muito amável com as mulheres que chegam para participar do Honorium. — Interrompeu-se e riu. — Recorda quando, tinha três anos e encontramo-nos com um grupo de zernas que ia de caça? Estávamos sozinhas e elas se detiveram para dar água a seus cavalos.

— Sim, escondemo-nos entre os arbustos e esperamos até que partissem.

— Recorda a sua líder? A enorme mulher com cicatrizes no rosto?

— Quando a ouvimos falar pensamos que era um homem.

— Sim, — disse Cilean — é ela. Chama-se Mealla e veio competir pela mão de Rowan.

Jura sorriu maliciosamente.

— Merece uma mulher como ela. — Subitamente sua expressão mudou. — Mas nós, os iriales, não. Cilean, devemos vencer.

Cilean olhou sua amiga, com desconfiança.

— Por que o odeia tanto? Desde que abriu o portão a maioria de nós, estamos dispostos a lhe dar uma oportunidade para que demonstre como é realmente.

— Sim, — disse Jura bruscamente — todos estão dispostos a esquecer de que não é um dos nossos e que está usurpando o lugar de Geralt. Vê seu lindo físico e não vê sua alma traiçoeira.

— Não sabia que o conhecia tão bem!

— Não o conheço absolutamente. — Respondeu Jura, sabendo que estava se delatando. O homem rondava seus pensamentos durante o dia todo, e pelas manhãs, quando despertava, desejava achá-lo em sua cama. — Não desejo conhecê-lo. Continuaremos falando todo o dia ou vamos treinar?

Nos treinamentos, Jura venceu a todas as mulheres em cada uma das provas. O Honorium se prolongaria durante três dias árduos e as competidoras recebiam pontos segundo sua atuação em cada um dos jogos. Ao finalizar o primeiro dia era eliminado um terço das participantes, outro terço era eliminado durante o segundo dia. No terceiro dia competiam novamente em todos os jogos, mas as participantes competiam de duas em duas. A perdedora de cada jogo era eliminada. No final do dia só haveria duas mulheres e a ganhadora do jogo final, que consistia em uma luta com varas de madeira, ganharia o prêmio: seria rainha da Lanconia. Jura recebeu duas mensagens, que diziam que deveria ir com urgência a um lugar afastado, mas ela não apareceu. Ele pensava sem dúvida que ela era uma presa fácil, disposta a satisfazer sua luxúria. Tinha caído em sua rede em duas ocasiões, mas não voltaria a cometer a mesma tolice. Perguntou-se a quantas mulheres estaria seduzindo em segredo. Cada vez que via uma das competidoras retornarem de Escalon, ruborizada e com os olhos brilhantes, perguntava-se se teria estado com Rowan.

— E a quem escolheu para deitar-se com ele? — Perguntou em uma ocasião a Cilean. Estava banhada em suor e lhe doíam os músculos, mas não deixava de treinar.

— Quem?

— O filho de Thal, naturalmente. — Disse Jura com voz tensa. — De que outra pessoa falam todos? Quem é o motivo de obsessão de toda Lanconia?

— Você também parece estar obcecada — disse Cilean pensativamente.

— Eu? Odeio-o. — Arrojou sua lança com fúria e a cravou no centro vermelho.

— Como pode odiar a alguém a quem só viu uma vez? Esta noite deveria vir comigo para falar com ele.

Jura foi recuperar sua lança.

— É isso tudo que fazem? Falar? Isso explica que seja celibatário como um santo e não necessite uma mulher diferente a cada noite.

— Não ouvi uma palavra a respeito do que faz de noite na cama. Se tiver uma mulher, é muito discreto a respeito. Mas não acredito que a tenha. Acredito que dorme sozinho, do contrário, toda a cidade o saberia, as mulheres que escolhesse se gabariam disso.

— Gabar-se do quê? De que é um inglês fracote...

— Fracote? — Cilean riu. — Pode ser que se digam muitas coisas a respeito dele, mas não que é débil. Deveria me acompanhar e ver como treina. Quando tira a túnica...

— Não desejo ver sua nudez. — Disse Jura, estremecendo. — Não deveria praticar salto? É seu ponto débil.

Cilean olhou para sua amiga durante uns instantes.

— Jura, não proteste tanto. O povo acreditará que a verdade é outra.

Jura esteve quase a responder, mas calou e arrojou sua lança com renovado vigor.

Jura tinha treinado com tanto afã durante tantos dias, que não se deu conta de que tinham começado os preparativos para o Honorium. Instalaram-se assentos de madeira fora das muralhas da cidade. Alguns deles tinham dosséis, seriam ocupados pela família de Thal e pelos líderes das tribos que participassem dos jogos. Preparou-se uma grande quantidade de alimentos: vacas inteiras, javalis, cubas de verduras, barris de pão e de cerveja.

Quem participasse das provas, seria alimentado durante três dias à custa de Thal.

Na madrugada do primeiro dia se efetuaria um desfile de participantes, que caminhariam entre a multidão entusiasmada e se deteriam diante dos camarotes e do príncipe Rowan.

As mulheres se reuniram no campo de treinamento irial ao amanhecer e Jura pôde observar atentamente a suas adversárias. Havia duas mulheres da tribo ulten, e Jura sabia que só se apresentaram para divertir-se e roubarem tudo quanto pudessem. Eram mulheres pequenas, mas velozes e ágeis. Olhavam a todos com seus grandes e inexpressivos olhos, sorrindo de uma maneira irritante, pensou Jura.

Havia meia dúzia de vatell, cada uma delas usava um bracelete muito lindo, produto do artesanato vatell. Essas mulheres eram lutadoras ferozes. Havia oito fearen, mas Jura não as teve em conta. Cavalgando eram formidáveis, mas a pé eram como peixes fora da água. Não notou nenhuma mulher poilen. Tampouco as esperavam. Se a prova tivesse versado sobre a memorização de poemas épicos, elas teriam ganhado, mas eram pessoas que não guerreavam a menos que se vissem obrigadas a fazê-lo. Nesses casos, eram imbatíveis. As cinquenta mulheres restantes eram zernas e iriales.

Todas as integrantes da guarda feminina dos iriales participariam, inclusive as principiantes. Todas tinham a esperança de casar-se com Rowan. As mulheres zernas eram um espetáculo: grandes, musculosas, muitas delas cheias de cicatrizes. Jura sabia que eram as únicas adversárias temíveis, pois embora as iriales ganhassem sem dúvida as provas de velocidade e agilidade, poucas poderiam superar a força muscular das zernas.

Cilean deu uma cotovelada em Jura e assinalou a Mealla fazendo um gesto da cabeça. Era a maior, a mais velha e a mais temível das zernas.

As trombetas soaram e começou o desfile.

As mulheres se alinharam frente aos camarotes com dosséis e Rowan, resplandecente com uma túnica de seda verde de desenho lanconiano, desceu os degraus para caminhar diante delas, desejando boa sorte a cada uma das competidoras. Deteve-se vários instantes frente à Mealla, olhando-a aos olhos. Tinha perdido a ponta do nariz em uma batalha. Quando Rowan lhe desejou boa sorte, Cilean sorriu, mas Jura não o fez.

Quando Rowan ficou de frente para Jura, ela não o olhou, mas sim, fixou o olhar em um ponto para a direita da cabeça dele.

— Que Deus te acompanhe — murmurou ele.

Minutos mais tarde a multidão rompeu em gritos e começaram os jogos.

O primeiro dia foi fácil, por isso, Jura reservou suas energias para os dias seguintes. Só precisou acumular pontos para competir na prova do dia seguinte. Sempre figurava entre as quatro primeiras de cada corrida e cada competição, mas em nenhuma ocasião foi à ganhadora. Além disso, não desejava exibir suas habilidades no primeiro dia. Mealla ganhou todas as provas, inclusive a corrida pedestre, embora chegasse quase ao mesmo tempo de uma principiante irial.

Jura não tinha a menor ideia de como estava afetando Rowan a atuação da mulher zerna. Cada vez que a declaravam vencedora, intimamente se sentia morrer e ao final do dia, parecia mais fatigado que as competidoras.

Jura abandonou o campo alegre e retornou aos quartéis femininos para tomar um banho e descansar.

Ao finalizar o segundo dia só ficaram dezesseis mulheres, que competiriam entre si para chegar ao último dia.

— Jura, — disse Cilean — quem quer que lute contra Mealla, perderá.

— Talvez não seja assim — disse Jura, mas mentia. À manhã seguinte, muita gente presenciaria as provas competitivas. Virtualmente qualquer um poderia vencer Mealla nas provas de velocidade, mas na luta, ela eliminaria a sua competidora. — Talvez, outra mulher ao lutar com ela a fizesse perder.

— Preocupa-me que alguma de nós duas vá enfrentar a ela.

— Eu o farei. — Disse Jura rapidamente. — Talvez me vença, mas logo você poderá ganhar com as varas de madeira. E, depois de lutar comigo, estará fatigada, não cabe dúvida disso.

Cilean não sorriu.

— Venha comigo. Desejo ir à cidade.

— Para quê? — Perguntou Jura. — Nada temos que fazer ali e precisamos descansar.

— Encontrar-me-ei com o príncipe Rowan. — Disse Cilean serenamente. — Apesar de seus sentimentos contra Rowan.

Jura se irritou.

— Ah, sim? Deseja provar o que será dele? Também se deita com as outras participantes? Com a Mealla talvez?

— Basta. — Disse Cilean. — Desde sua chegada você mudou. Não, não planejei passar a noite com ele. Se deseja sabê-lo, Daire organizou o encontro.

— Daire? — Perguntou Jura, estupefata.

— Esteve tão ocupada treinando, que não tiveste tempo para ver seu prometido, mas eu sim. Rowan é meu prometido, pelo menos eu considero que o é e, quero vê-lo para que me deseje boa sorte em privado. Pensei que quereria vir comigo e ver Daire.

— Sim, — murmurou Jura — é obvio. — Fazia dias que não pensava em Daire. — Agradar-me-ia muito vê-lo.


A faixa do terreno que rodeava as muralhas da cidade e a que estava no interior, achava-se profusamente iluminada com centenas de tochas. Podia ver pessoas ébrias que dançavam e a outras que o celebravam pulando. Tantos deram palmadinhas nas costas de Jura e Cilean, que Jura quis tomar sua adaga, mas só achou sua capa vazia.

Rowan as aguardava junto ao castelo de Thal, em um lugar escuro. Tinha estado aguardando durante tanto tempo que as pedras do muro tinham machucado suas costas, mas estava decidido a aguardar dias inteiros para estar um momento a sós com Jura. Ela tinha sabido fingir melhor que ele que não se conheciam. Quase se alegrava de que não o tivesse olhado quando começaram os jogos, pois de outra forma poderia ter jogado tudo a perder.

À medida que se desenvolviam os jogos e ela terminava como segunda, terceira e inclusive quarta, começou a duvidar de que pudesse vencer. Nervosamente tinha pedido a Daire que lhe assegurasse que Jura era habilidosa. No final do segundo dia, compreendeu que já não podia continuar sendo cauteloso e decidiu arriscar-se e encontrar-se com ela em privado. Pediu a Daire que organizasse o encontro.

Agora ele estava aguardando sua chegada. Jura percebeu sua presença antes de vê-lo.

— Ali — disse Cilean com voz entrecortada.

Jura observou como Cilean se dirigia para o lugar em penumbra e como o braço de Rowan a tomava, atraindo-a para ele. Jura apertou os punhos. De modo que era verdade, ela era uma das tantas. Esse velho sátiro tomava e acariciava a todas as mulheres. Diria a Cilean que a amava? Todos diziam que treinava arduamente, mas se passava tanto tempo nas cavalariças beijando as mulheres na escuridão, como tinha tempo para treinar?

— É Cilean! — Disse Rowan e ambos se dirigiram para um lugar iluminado, enquanto Jura retrocedia.

— Não te disse Daire que se encontraria comigo? — Perguntou Cilean.

— Disse que me encontraria com a... Sim, sim, naturalmente, disse. Veio sozinha?

Jura viu que ele escrutinava a escuridão.

— Jura está comigo. Viemos para que nos deseje boa sorte em privado.

Rowan continuou olhando para a escuridão e viu Jura.

— Jura — disse ele, estendendo sua mão para ela. Jura não se moveu.

— Rowan — disse Cilean quando viu que ele ia para Jura.

Rowan caminhou para onde se achava Jura com as mãos estendidas.

— Posso te beijar e desejar sorte? — Perguntou brandamente.

Ela reagiu:

— Já beijou o bastante esta noite! — Disse com fúria.

A risada dele a encolerizou.

— Tenho em meu poder algo que te pertence — disse ele, mostrando a adaga de Jura. Ela o arrebatou, cuidando de não tocar seus dedos. — Não me agradecerá?

De repente, Jura percebeu que Cilean estava atrás de Rowan, escutando atentamente o diálogo.

— Devo partir — disse ela. — Deseje sorte para Cilean. — Jura se voltou e se afastou correndo.

Cega de ira, não viu Daire até que este a puxou por um braço. Acreditando que se tratava de Rowan, Jura lutou ferozmente para desvencilhar-se dele, até que tomou ciência de que era Daire quem a sustentava.

— Quem te fez dano? — Perguntou Daire com voz zangada. — Do que foge?

Ela se aferrou a ele. Ninguém prestou atenção, pois muitos casais se abraçavam, embriagados, e o ruído que faziam ao cantar e brigar era ensurdecedor.

— Venha. — Disse Daire, conduzindo-a até a porta de um ferreiro. Ali havia mais tranquilidade. Só havia um cavalo no lugar. — O que aconteceu?

Ela rodeou o pescoço de Daire com seus braços.

— Nada. Nada absolutamente. Abrace-me, me beije. — Ele a beijou, mas não conseguiu apagar Rowan de sua mente. — Amanhã, Cilean vencerá e se casará com o inglês. Não poderíamos casar também?

Daire franziu o cenho.

— A que se deve este interesse súbito em mim e em meus beijos? Por que deseja agora atuar como uma mulher?

Ela o afastou de si.

— Sou uma mulher. O fato de que não me vista como a filha inglesa de Thal não quer dizer que seja menos mulher que ela.

— Conheço-te, Jura. Conheço-te desde que era uma menina. Seus sentimentos nunca puderam mais que sua mente.

— Não, até agora — gritou ela. Logo se afastou dele e correu para os quartéis.

Cilean estava aguardando-a e estava muito, muito zangada.

— Planeja ganhá-lo para você, verdade? — Disse Cilean, tratando de controlar sua ira. — Beijou-me porque acreditou que eu era você. Seduziste-o a minhas costas e mentiu-me! Nunca foi minha amiga! Nossa amizade foi uma grande mentira!

Cilean saiu do quarto batendo a porta. Jura tremia. Ele era o responsável. Desde que ele chegou a Lanconia toda sua vida tinha mudado: Thal a odiava, Cilean a odiava, Daire desconfiava dela.

A única maneira de demonstrar que não era mentirosa, seria assegurar-se de que Cilean vencesse no dia seguinte. Cilean venceria e Jura se veria livre de Rowan. Poderia casar-se com Daire e ele a manteria tão ocupada pelas noites, que não poderia pensar em outro homem. A atração que sentia por Rowan era somente física, o que não era surpreendente, já que ela era virgem e tinha dezoito anos. Precisava de um homem forte e são em sua cama para esquecer a esse inglês débil. "Débil", pensou. Se ele fosse débil, ela não teria tantos problemas.

Enquanto se despia para ir para a cama, decidiu lutar até a morte se fosse necessário, para que Cilean fosse à vencedora. Quando ela e Cilean lutassem com as varas de madeira, Jura cairia vencida.

Amanhã há essa hora, Cilean seria novamente sua amiga e Daire seria seu marido. Amanhã há essa hora, já não seria uma donzela.


Capítulo 06

Pela manhã Cilean tinha aspecto fatigado e se negou a falar com Jura. Esta tratou de convencê-la, mas Cilean fugiu da conversa.

As mulheres se dirigiram ao campo e Jura sentia pulsar suas têmporas por causa de sua irritação. Lutaria com todas suas forças para ganhar todas as provas.

Realizou-se o sorteio e Jura se horrorizou ao inteirar-se de que Cilean devia enfrentar Mealla na competição de luta. As outras competidoras estavam visivelmente aliviadas, especialmente porque Mealla não compreendia que as disputas eram jogos. Ela competia para ganhar.

Jura tratou de consolar Cilean, que a olhou com fúria.

— Isto deveria te agradar. Será a rainha. Planeja envenenar Rowan e entregar o trono a seu irmão? Deseja Rowan para você?

Jura se ergueu.

— Se não pode derrotar a uma zerna, não merece ser rainha. — Afastou-se e Cilean a observou com o cenho franzido.

Neste último dia só precisava vencer em três ocasiões. Sua última prova seria contra Cilean, se ela ganhasse a prova de luta. Se Cilean perdia, Jura se veria obrigada a enfrentar Mealla, e ganhasse ou perdesse, o resultado não a agradaria. Ela se converteria na esposa de Rowan ou Mealla seria rainha.

Cilean devia vencer.

Jura ganhou os três primeiros jogos com facilidade. Correu mais velozmente que as principiantes iriales, depois arrojou seis flechas no alvo com perfeição, derrotando a jovem fearen que surpreendentemente tinha chegado às finais. O terceiro jogo foi mais difícil: devia saltar por cima de uma cerca colocada a grande altura. Apenas conseguiu. Quase chorou de alivio ao ver que a mulher zerna, muito mais pesada, fez cair à cerca e perdeu. Só faltava a prova em que Cilean devia lutar contra Mealla. Jura deveria enfrentar à vencedora. A luta entre Cilean e Mealla já tinha começado e a multidão compreendeu que era a prova mais importante. Dado o aspecto de ambas as mulheres, parecia como se uma águia lutasse contra um colibri. Mealla pesava pelo menos vinte quilogramas mais que Cilean e as defesas principais de Cilean eram a inteligência, a velocidade e a agilidade, que não influíam muito quando um carvalho a envolvia com seus ramos para destroçá-la. Jura se uniu ao grupo de competidores que estavam junto à paliçada para observar o desenvolvimento da prova. Não gritou como as demais. Observou em silêncio, orando fervorosamente.

Mealla envolveu com seus grandes braços o corpo de Cilean e o apertou.

— Tira vantagem. — Murmurou Jura. — Ataca seus pontos débeis. Não permita que te derrote.

— Cilean pareceu escutar suas palavras e apertou o pescoço de Mealla com seus polegares. A dor obrigou à outra mulher a ceder.

Jura suspirou, aliviada. Involuntariamente, olhou para os camarotes e viu que Rowan a contemplava. Tinha uma expressão preocupada. Atrás dele, Daire também a olhava. Ela voltou a olhar para o jogo.

Mealla jogou Cilean no chão e logo se preparou para saltar sobre a opositora, mas Cilean rodou velozmente e Mealla caiu sobre o chão vazio. Imediatamente, Cilean a atacou e torceu o braço da mulher, levando-o para suas costas. A falta de agilidade de Mealla a impediu de desfazer-se de Cilean. Estava presa. Cilean sustentou Mealla durante um longo momento, dominando-a. A multidão começou a gritar:

— Perdeu, perdeu — depois de alguns instantes, eternos para Cilean, Mealla se deu por vencida.

Cilean se levantou, mas sua expressão não era de triunfo. Seu rosto estava pálido de dor e cansaço e só levantou um braço em sinal de vitória.

Jura sabia que sua amiga estava ferida e correu para seu lado queria saber qual era a magnitude do dano recebido.

— Cala. — Ordenou Jura quando Cilean tratou de protestar. — Te apoie em mim, mas não permita que o público veja que o faz. Está muito ferida?

— Pelo menos, tenho três costelas quebradas. — Disse Cilean em voz baixa e entrecortada. — Devo me dar por vencida ante você?

— Não, começaremos a prova imediatamente. Em poucos minutos perderei. Se descansar, não poderá se levantar. Agora se volte, sorria e saúde à multidão. Tudo acabará muito em breve.

O coração de Jura pulsava com violência quando tomou sua vara para "lutar" contra Cilean. Não tinha nenhuma intenção de ostentar-se. Só desejava acabar quanto antes, para que declarassem como vencedora sua amiga. Assim, poderia finalmente fugir do feitiço do inglês.

Ela e Cilean se encaminharam juntas para o centro do campo.

— Quando começar o jogo, levante a vara e deixa-a cair sobre minha cabeça. — Murmurou Jura. — Cairei e será a ganhadora. Faça com rapidez. Não te arrisque a que uma costela te atravesse o pulmão. Compreendeu?

Cilean assentiu. Estava muito pálida.

As duas mulheres se enfrentaram no centro do campo de jogo. A multidão estava silenciosa, pois era o jogo decisivo.

Soaram as trombetas e a prova começou. Jura se deslocou para a esquerda.

— Me golpeie — murmurou.

Cilean permaneceu imóvel, seus olhos refletiam sua intensa dor. Os machucados começavam a aparecer em sua pele.

— Golpeie. — Disse Jura, movendo-se em círculo. — Pense em seu adorado Rowan. Para obtê-lo, só deve me golpear uma vez. Ou desejas que eu fique com ele? Deseja que eu esteja em sua cama, que o beije e acaricie?

Cilean levantou sua vara para golpear Jura, mas instintivamente e por causa de longos anos de treinamento, Jura levantou a sua vara para defender-se. As varas se entrechocaram e Cilean deixou cair a sua. A de Jura roçou sua têmpora. Era muito para o corpo ferido de Cilean. Desmaiou, caindo aos pés de Jura.

Durante um instante tudo ficou em silêncio, Jura e a multidão olhava o corpo inerte de Cilean. Em seguida Jura caiu de bruços e a multidão começou a fazer coro:

— Jura, Jura, Jura.

— Cilean — gritou Jura no meio do ruído ensurdecedor. — Acorda. Deve ganhar. — Começou a golpear as bochechas de Cilean, mas Cilean estava inconsciente. — Cilean — gritou Jura uma e outra vez, desesperada.

A multidão chegou até elas e muitas mãos se aferraram a Jura, afastando-a de Cilean.

— Não, não! — Gritava Jura. — Só está desmaiada. Não houve luta. Cilean não se deu por vencida. Não venci. Cilean é a ganhadora. Cilean, acordada e diga que é assim.

Ninguém a ouviu e a levantaram no alto. As principiantes iriales correram até Cilean para protegê-la dos que passavam por ela. Observaram Jura. Estavam alvoroçadas porque tinha vencido uma irial.

Jura continuava gritando e rogando, tratando de escapar dos homens que a carregavam nos ombros, mas ninguém fez caso dela. O regozijo era muito grande e ninguém podia ouvir sua voz.

Quando chegaram às muralhas da cidade, Jura estava frenética. Ninguém compreendia nada. Era Cilean a vencedora, não ela. Cilean devia ser rainha. Junto das portas da cidade estavam Daire e Lora, sobre seus cavalos. Ambos a olharam zangados.

— Não ganhei! — Gritou Jura para Daire, mas o ruído era tanto, que não pôde ouvir suas próprias palavras. Tratou de descer ao chão e correr para Daire, mas as mãos que a agarraram não a soltaram. Quando chegaram ao castelo de Thal, Jura já não gritava. Tinha a sensação de que tudo era um pesadelo.

Thal estava na soleira, sustentado por Xante. Levantou sua mão magra e, gradualmente, a multidão guardou silêncio.

— Bem-vinda, filha. — Disse Thal. — Seu noivo te aguarda.

— Não! — Gritou Jura. — Cilean venceu. Eu...

Thal a olhou com expressão zangada, mas foi Xante quem a interrompeu.

— A humildade e a lealdade são boas qualidades para uma rainha.

A multidão festejou ruidosamente suas palavras e levou Jura até o interior do castelo, onde aguardavam um padre e o príncipe Rowan.

O inglês a olhava arrebatado, enquanto Jura tratava de evitar as mãos que a tocavam ao depositá-la no chão. Não lhe deram tempo para banhar-se nem trocar de roupa. Foi simplesmente colocada junto do usurpador inglês e o sacerdote começou à cerimônia nupcial. Ela desejava disser que não, disser que ele não tinha direito de estar em seu país, mas nesse momento olhou para a multidão que a rodeava. Estavam ensandecidos. Tinham estado bebendo durante três dias e desejavam ver um final adequado às festividades.

O sacerdote olhou para Jura e todos os olhares convergiram nela. Era o momento decisivo. Se ela partia, as consequências seriam graves. As distintas tribos diriam que a prova tinha sido uma farsa. E se esse homem, Rowan, seria seu rei, não poderia reinar sem uma mulher, se o rechaçava diante do altar. Ririam dele. Ela tinha competido e tinha corrido o risco de ganhar.

— Jura — disse Rowan em voz baixa. — Deseja-me ou não?

Ela se voltou para ele, e esses profundos e insondáveis olhos azuis pareceram ver em seu interior.

Ela se voltou para o sacerdote.

— Aceito a este homem — murmurou com lábios secos.

Um grito ensurdecedor entoou no ambiente e Jura já não pôde ouvir o resto das palavras do padre. Rowan se voltou para ela e tomou-a entre seus braços. Murmurou-lhe algo, que ela não ouviu, e quando tentou beijá-la, ela virou a cabeça.

Seu gesto pareceu agradar a multidão.

— Príncipe ou não, deverá ganhá-la — disse alguém.

Jura aproveitou para afastar de si o homem que já era seu marido e desapareceu entre a multidão, por uma porta lateral. A multidão ria, mas não lhe importava. Devia afastar-se dali, achar Daire e Cilean e falar com eles.


— Rowan, é um tolo — gritou Lora. — Ainda está em tempo. Pode repudiá-la. Desfaça-se dela agora, antes de levá-la a sua cama.

Rowan estava comendo fazia uma hora. Durante os três últimos dias, a ansiedade provocada pela competição tinha o impedido de comer. Só se preocupava que Jura fosse à vencedora.

— Quero Jura — disse com a boca cheia.

— Sim, mas acaso ela te quer? Onde está agora? Por que fugiu de você? Por que não está com sua esposa?

Rowan bebeu um grande sorvo de cerveja.

— Deve estar fazendo coisas próprias de mulheres. Não sei quais são. Talvez deseje banhar-se e usar um vestido lindo. O que fazem as noivas o dia de seu casamento?

Lora levou seus punhos a suas têmporas, estava angustiada. Fora se escutava o ruído dos farristas.

— Rowan, — disse ela, tratando de manter a calma — sempre foi um homem sensato. Estudou com muito esforço para aprender como é Lanconia. Falou-me de sua grande responsabilidade em relação a este país, mas agora arrisca tudo e não compreendo por que. Sempre foi sensato em relação às mulheres. No ano anterior, quando nos visitou a linda Lady Jane Whitton, todos os homens se sentiram atraídos por seu bonito rosto, mas você disse que era uma víbora e demonstrou que estava certo. Por que se enfeitiçou desta Jura? Não é tão linda como Lady Jane.

— Jura é mais linda que mil Lady Jane — disse ele enquanto olhava um prato de bolos de fruta.

— Não é. — Gritou Lora. — É a irmã de um homem que desejaria ver-te morto. Levará uma inimiga para sua cama. Poderia te matar durante a noite.

— Lora, por favor te acalme. Coma bolo de cerejas. — Olhou para sua irmã e percebeu que estava seriamente zangada. — Concordo. — Disse, empurrando sua cadeira para trás. — Talvez atuei um tanto precipitadamente, mas há ocasiões que uma pessoa sabe que está fazendo o certo. Desde o momento em que a vi, soube que seria minha.

Lora se sentou frente a ele.

— O que sabe dela? Fora os beijos e que é linda, o que sabe dela?

— Tudo quanto preciso saber.

Lora suspirou.

— Falar-te-ei de Jura, porque me preocupei em fazer averiguações sobre ela. É a adorada e leal irmã de um homem que deseja seu trono... e só poderá obtê-lo se você morrer. Não tinha a intenção de ganhar o Honorium. As guardas femininas sabiam que Jura desejava ajudar Cilean para que fosse ela a vencedora. Se tivesse observado serenamente a luta entre Jura e Cilean, teria comprovado que Cilean não foi golpeada, mas sim desmaiou. Agora jaz nos quartéis das mulheres com quatro costelas quebradas e uma torção no ombro. Foi assombroso que pudesse manter-se de pé depois da prova de luta.

Rowan a olhava com expressão distante e Lora soube que suas palavras caíam no vazio.

— Além disso, tem um amante — disse Lora em voz baixa. Rowan entrecerrou levemente os olhos.

— O filho de Brita.

— Sim, o filho de Brita. Daire.

— Daire? — Perguntou Rowan. — Mas Daire é...

— Seu amigo? Acreditou que era. Falou-lhe de seu amor por Jura? Não te disse ele que estiveram comprometidos há anos?

Rowan franziu o cenho e Lora supôs que começava a prestar atenção.

— Jura é sua inimiga. — Disse ela. — Deseja que você parta da Lanconia. Desejava que Cilean se casasse contigo, mas acredito que disse sim diante do sacerdote porque pensou que poderia estar perto de você, se se convertia em sua esposa. Oh, Rowan, rogo-te que me escute. Uma esposa está muito perto do homem com quem se casa. Poderia te envenenar, ou te assassinar, e culpar a outra pessoa. E você está tão cego, que poderia se induzir a fazer coisas que não faria normalmente. Convocou um Honorium para obtê-la. A pobre e doce Cilean jaz ferida porque você desejou esta mulher. Que outra pessoa deverá dar seu sangue por causa de sua paixão por ela? Nem Phillip nem eu a agradamos. O que fará se te ordena que nos afaste de seu lado?

— Basta — ordenou Rowan. Ficou de pé e começou a andar pelo quarto. Havia muitas verdades no que Lora dizia. Sabia que Jura tinha poder sobre ele, mas não tinha pensado como poderia usá-lo.

— Não posso acreditar que deseje minha morte. — Disse ele. — Sente por mim o mesmo que eu por ela. — A dúvida, Rowan pensou que a dúvida acossaria sempre sua vida. Mas não tinha dúvidas a respeito de Jura, o amor que professavam mutuamente era a única certeza que tinha achado desde que cruzou a fronteira da Lanconia.

Lora fez uma careta.

— Rowan, sou mulher e sei que é fácil enganar a um homem. Cada homem se acha o melhor e acredita que é o único a quem sua mulher ama. Mas Jura ama Daire e a seu irmão e se casou contigo por eles. Vai tirá-lo do caminho e quando tiver morrido, se casará com seu amado Daire e Geralt será rei.

— Não acredito. — Disse Rowan furiosamente. — Essa mulher... Ama-me.

— Então, onde está? — Gritou Lora. — Por que não se encontra aqui, contigo? Está com seu amante e estão fazendo planos para te eliminar.

Rowan olhou fixamente sua irmã e começou a pensar com mais claridade. Se Lora estivesse certa...

— Onde está? — Perguntou brandamente.

— Não sei — disse Lora. — Enviei Montgomery em sua busca, mas não a encontrou. Daire saiu das muralhas da cidade quando Jura foi trazida pela multidão. Talvez foi atrás dele.

Rowan recordou o vento fresco e sereno, amenizando o calor do bosque onde conheceu jura. Talvez se achasse ali. Foi para a porta.

— Aonde vai? — Perguntou Lora com ansiedade. Rowan a olhou serenamente.

— Procurar a minha esposa.

— E se estiver com Daire? — Murmurou Lora.

— Não estará com ele — disse ele friamente e saiu do quarto.

Lora permaneceu imóvel durante um instante. Logo pensou no que poderia ocorrer se Rowan achasse à mulher que amava nos braços de outro homem. Saiu apressadamente do quarto em busca de Xante. Ele saberia o que fazer.

— Tola entremetida. — Disse Xante quando Lora comentou sua conversa com Rowan. Estava selando seu cavalo. — Jura não é uma assassina e é uma donzela. Não se deita com Daire. Não deveria ter dito essas coisas a Rowan, enchendo-o de dúvidas.

— É meu irmão e devo protegê-lo.

— E Geralt é o irmão de Jura, mas ela não envenenaria Rowan, assim como você não envenenaria Geralt.

— Não conhece as mulheres — disse Lora asperamente.

— Não, mas conheço Jura. — Interrompeu-se e olhou para Lora, que mordia os lábios com preocupação. Xante ajustou seus arreios. — Amava o homem com quem se casou tanto como ama Rowan?

Ela se surpreendeu.

— Sim — respondeu.

Xante montou sobre seu cavalo.

— Imagino aonde foi Jura. As mulheres saem para caçar ali. — Olhou para Lora. — Vá para dentro. Protegerei seu irmão de si mesmo.


Rowan estava acossado pelas imagens que Lora tinha provocado nele. Desde seu primeiro encontro com Jura, tinha sabido que a amava. Nenhuma outra mulher o tinha perturbado tanto, de modo que isso devia ser amor. Mas teria experimentado ela o mesmo? Ele tinha suposto que era assim, por acaso ela o havia dito? Tratou de recordar seus três fugazes e tempestuosos encontros, mas não recordou de haver escutado ela dizer nada semelhante... pelo menos com palavras.

Apeou do cavalo a certa distância do lugar em que tinha visto Jura pela primeira vez e caminhou em silêncio na escuridão. Ouviu vozes iradas. Aproximou-se até que pôde as distinguir com claridade.

— Mentiu-me, Jura. — Disse Daire. — Em quantas ocasiões te encontrou com ele em segredo? Disse-me que foi correndo ao seu encontro.

— Não foi assim. — Disse Jura com voz tensa, como se reprimisse suas lágrimas. — Vi-o duas vezes acidentalmente e uma vez mandou chamar-me enganosamente. Nunca desejei vê-lo. Sabe que sempre o odiei. Não deve estar na Lanconia. Geralt deveria ser rei. Não tem o direito...

— Aparentemente, agora possui todos os direitos. — Disse Daire bruscamente. — Tem direito a te tocar, a te abraçar. Para isso você treinou tanto e competiu com tanto afã? Para vencer e compartilhar seu leito? Seu desejo rege sua mente e seu corpo? Irá atrás dele dia e noite, esquecendo seu povo? Nos trairá por causa de sua luxúria?

— Não! — Gritou Jura. — Não sou uma traidora. Não me cega à luxúria. — Mentia e sabia, mas não tolerava perder o homem que tinha sido seu amigo durante tantos anos. Quando Thal se zangava com ela, Daire a ocultava e mentia a Thal sobre seu paradeiro. — Ataca-me. Nunca o provoquei.

— Rahh. Dirá o mesmo esta noite, quando te deitar com ele?

— Desejaria não ter que fazê-lo — disse Jura.

— Seu desejo se cumprirá — disse Rowan, controlando a fúria de sua voz e saindo das sombras. Desembainhou sua espada. — E você, —— disse a Daire — morrerá por tocar minha mulher.

Daire desembainhou a espada.

— Não, — gritou Jura, jogando-se contra Rowan. — Não o fira. Farei tudo quanto deseje.

Rowan respondeu depreciativo.

— Nada desejo de você. — Empurrou-a de lado como se fosse um inseto incomodo e Jura caiu sobre a grama úmida, a um metro de distância.

Observou os homens quase a se atacarem e desejou achar a maneira de detê-los. Tirou sua adaga e se dispôs a interpor-se entre ambos, quando uma mão grande a puxou pelo ombro, obrigando-a a permanecer sentada. Olhou para cima e viu Xante.

Muito serenamente, Xante avançou e se colocou entre os dois homens, olhando para Rowan.

— Tem o direito de matar este homem, meu senhor. — Disse Xante. — Mas te rogo que não o faça. Hoje perdeu sua prometida e a perdeu publicamente e de forma abrupta.

— Há algo mais em jogo — disse Rowan. — Não te interponha.

— Não senhor, não o há. — Disse Xante, imóvel. — Não houve traição. São simplesmente dois jovens brigando por uma mulher.

De repente, Rowan compreendeu o que estava fazendo. Estava atuando como Feilan tinha temido que o fizesse. Como um inglês exaltado e não como um lanconiano. Devia controlar-se. A cicatriz da perna lhe produziu uma dor quase tão intensa, como a que sentiu no dia em que seu tutor o feriu. Ergueu-se e embainhou a espada.

— Está certo, Xante. Daire, a mulher é tua. Não a obrigarei a ser minha. Toma-a. — Rowan se dirigiu até onde estava seu cavalo.

Os outros três permaneceram imóveis. Xante foi o primeiro em reagir.

— É sua esposa, meu senhor. Não pode se desfazer tão facilmente dela. O povo se enfureceria e...

— Maldito seja o povo — gritou Rowan. — Essa mulher me odeia. Não posso ter uma esposa nessas condições. Diga ao povo que a última prova foi injusta. Casar-me-ei com Cilean. Digam a eles qualquer coisa.

— E serei o primeiro em escoltá-lo até a fronteira. — Gritou Xante. — Não pode usar seus procedimentos e negligências inglesas. Desejou esta mulher, convocou o Honorium e agora deverá escolher entre a Inglaterra ou Lanconia. É inglês ou é lanconiano. Se desprezar a esta mulher, perderá seu reino.

Rowan sabia que Xante dizia a verdade. Mas não tolerava a ideia de viver com uma mulher que o odiava. Uma mulher que não desejava que ele a tocasse. Uma mulher que rogava não ter que deitar-se com ele.

Rowan apertou os dentes.

— Tomá-la-ei como esposa, mas diante de Deus, juro, que não a tocarei até que ela me rogue que o faça.

O ruído de cascos de cavalos interrompeu a conversa. Era Geralt. Seu rosto moreno era apenas visível à luz da lua. Geralt olhou para Rowan com ódio.

— Nosso pai morreu — disse e fez girar seu cavalo novamente rumo a Escalon. Rowan foi para seu cavalo sem olhar aos outros. Agora era o rei. Rei de um povo que não o queria; marido de uma mulher que não o amava.


Capítulo 07

Jura se apoiou contra uma árvore, ofegante depois de ter corrido. Tinha transcorrido uma semana da morte de Thal e só tinha abandonado o acampamento feminino para assistir ao funeral. Junto à tumba, tinha olhado o homem que era seu marido, mas ele tinha desviado seu olhar.

Todos reagiam da mesma maneira, pensou Jura, enfurecida. As guardiãs lhe dirigiam olhares hostis e murmuravam entre elas, discretamente quando Jura se aproximava. Três dias depois do Honorium, as principiantes deixaram de obedecê-la, agora uma jovem e vaidosa guardiã de mau caráter que aspirava a ser a líder do corpo de guardiãs, e que se esforçou muito para sair vitoriosa na competição, expressou-se desdenhosamente de Jura dizendo que se o rei a desprezava. Por que deviam elas respeitá-la? Dez jovens principiantes tinham olhado de modo desafiante para Jura.

Seu impulso tinha sido o de atacar com sua adaga, mas não era tão tola para enfrentar dez mulheres fortes e adestradas. Tratando de adotar uma atitude digna, deu a volta e havia abandonado o campo.

Ninguém parecia estar do seu lado. As guardiãs acreditavam que tinha mentido quando disse que não desejava ganhar a prova e pensavam que tinha golpeado deliberadamente Cilean. Quanto a Cilean, continuava deitada em seu quarto, recuperando-se lentamente, e se negava a receber Jura.

Jura, apoiada contra a árvore, teve certeza de que odiava Rowan, que se fazia chamar rei.

Sua ira era tão grande, que não ouviu os passos que se aproximavam. O homem chegou frente a ela e só então Jura tomou sua adaga. Era um dos cavaleiros ingleses que tinha vindo com seu inimigo da Inglaterra.

— Guarde isso — disse ele. Era um homem jovem, vestido com as largas vestimentas dos ingleses e a olhava com o cenho franzido. — Meu lorde te aguarda.

— Não obedecerei suas ordens — disse Jura, empunhando a adaga.

O homem avançou para ela.

— Me ameace. Não me incomodaria te ferir. Seu povo não me agrada, e você menos que ninguém.

— Neile — disse uma voz que vinha do lado esquerdo de Jura.

Ela se voltou pronta para atacar. Viu outro cavaleiro inglês, maior que o primeiro, que tinha uma cicatriz no couro cabeludo. Os cabelos que rodeavam a cicatriz eram brancos e isso lhe conferia um aspecto de pessoa com mais idade. O homem se voltou para Jura.

— Milady... — deteve-se ante o arfar do outro cavaleiro — o rei Rowan deseja vê-la.

— Estou ocupada, devo atender meu trabalho aqui — disse Jura.

— Cadela! — Disse o mais jovem e avançou para ela. O cavaleiro maior deu um passo para ela.

— Não se trata de uma ordem. Por favor, venha comigo.

Jura viu que em seu olhar havia uma expressão de advertência. Se não ia, as consequências poderiam ser graves. Soube que tinha chegado o momento de pagar pelo crime de ter ganhado o Honorium. Embainhou sua adaga.

— Estou preparada.

Caminhou atrás do cavaleiro. O mais jovem foi atrás dela. Chegaram até o início do bosque. Ali aguardava um cavalo para ela e outro animal de carga, que levava seus escassos pertences. Jura não fez comentário algum e galopou junto aos dois homens, rumo a Escalon.

Desde suas bodas tinha vivido isolada e não sabia como tinha reagido o povo irial ante a separação dela e Rowan, mas logo a fizeram saber. Riam quando ela passava e a chamavam Rainha Donzela. Causava-lhes prazer que essa linda jovem, cobiçada por tantos homens, tivesse sido rechaçada pelo rei.

Jura manteve a cabeça erguida enquanto galopavam para a cidade murada e logo passaram pela muralha interior que rodeava o castelo de Thal. No interior, o castelo estava muito mais limpo que quando Jura vivia ali, e ela soprou com desdém. Como perdiam tempo em frivolidades!

O cavaleiro inglês abriu a porta de um quarto que Jura conhecia muito bem. Nela, Thal planejava suas estratégias guerreiras. Entrou e a porta se fechou a suas costas. Demorou uns instantes em habituar seus olhos à penumbra.

Rowan estava sentado em um extremo do quarto. A falta de luz outorgava um tom escuro a seus cabelos.

— Pode sentar-se — disse ele.

—Permanecerei de pé — respondeu ela.

Ela percebeu a irritação dele, mas não era maior que a sua.

— Devemos falar — disse ele entre dentes.

— Disse tudo que tinha a dizer — disse ela.

— Maldita seja — rugiu ele. — Você é a culpada disto, por me haver feito acreditar que me desejava.

O homem não se parecia fisicamente com Thal, mas falava como ele. Thal nunca pensava que os erros podiam ser dele. A culpa era sempre dos outros.

— Não deveria confundir o desejo com a vontade de casar-se. — Disse ela serenamente. — Posso desejar a um ferreiro de aparência agradável, mas não desejaria me casar com ele.

— Sou seu rei, não um ferreiro.

Ela o olhou fixamente.

— Não é meu rei. É um inglês que, por uma brincadeira cruel dos deuses, converteu-se em meu marido. Existem maneiras de dissolver nosso matrimônio.

Rowan ficou de pé e se aproximou da estreita janela que estava no fundo do quarto.

— Sim — disse com calma. — Considerei essa possibilidade, mas temo que não seja possível. Pelo menos, não agora, quando a lembrança do Honorium ainda está fresca na mente do povo. — Fez uma pausa e Jura viu que encolhia os ombros. — Amaldiçoo o dia em que meu pai conheceu minha mãe. Desejaria que ela se casasse com um servo antes de fazê-lo com um lanconiano. Sempre lamentei ser um príncipe, pois isto foi o pior que podia me acontecer. — Falou em voz tão baixa que ela mal pôde ouvir suas palavras. — Voltou-se para ela.

— Unirei às tribos da Lanconia e temo que os iriales não me apoiem se repúdio a meia-irmã do filho do rei ancião.

Jura sorriu.

— Unirá as tribos da Lanconia? Também moverá as montanhas de Tarnovia? Talvez te agradaria que estivessem um pouco mais para o Sul. Ou talvez deseje trocar o curso dos rios.

Rowan a olhou encolerizado.

— Por que permiti que meu corpo governasse minha mente? Por que não conversei contigo durante um minuto antes de convocar o Honorium?

— Você o convocou? Acreditei que tinha feito Thal para que todas as tribos tivessem a oportunidade de disputar o príncipe inglês.

— Tolamente, convoquei-o, porque era a única maneira de te obter. Estava seguro de que ganharia.

Jura se aproximou dele, golpeando-o com os punhos.

— Feriu minha amiga Cilean só para satisfazer sua luxúria? — Gritou. — Rompeu meu compromisso com Daire só para dar rédeas solta a sua suja luxúria?

Ele segurou seus braços, mas ela conseguiu empurrá-lo contra a parede de pedra. Rowan estava furioso, mas quando a tocou, sua ira se converteu em desejo. Tomou-a entre seus braços e a beijou e, Jura devolveu seu beijo, enquanto seu corpo parecia fundir-se com o dele. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e o aproximou dela, abrindo seus lábios. Sua fúria, seu desespero, sua solidão se permutaram em desejo. Era sua e ele poderia fazer com ela tudo quanto desejasse. Subitamente, ele a empurrou de si e Jura caiu sobre o chão de pedra.

— Devemos falar — disse ele.

Ofegava como um cavalo que tivesse corrido muitos quilômetros. Um raio de sol entrou pela estreita abertura da janela e iluminou sua nuca.

— Amaldiçoo-te, Jura. — Disse com voz tensa. — Jurei diante de Deus que não te tocaria e não o farei.

Jura tratou de reagir.

— Estamos casados. — Disse. Talvez tivesse problemas para compreender a lógica de Rowan, mas não tinha nenhuma quando se tratava de desejá-lo fisicamente.

— Então, deve me rogar que o faça — disse ele.

— O quê? — Disse ela, ficando de pé.

— Se deseja que me deite contigo, deve rogar isso.

Jura piscou.

— É este um costume inglês? Obrigam suas mulheres a rogar? Suponho que dessa maneira as humilham e se sentem mais poderosos. Os homens lanconianos não envilecem suas mulheres. Os homens lanconianos são homens.

Rowan tinha se enfurecido novamente e avançou para ela, mas logo se afastou, como se tivesse se aproximado muito de uma fogueira.

— Jurei diante de Deus e não quebrarei meu juramento. Agora, devemos falar sobre certos assuntos.

— Nada tenho que discutir contigo. — Disse Jura, dirigindo-se para a porta.

Ele tomou seu braço, mas o soltou imediatamente.

— Sente-se — ordenou.

Jura encolheu os ombros e obedeceu.

Rowan se voltou e começou a andar pelo quarto.

— Seja como for, estamos casados. Poderia anular o matrimônio se as circunstâncias fossem diferentes, se eu não fosse meio inglês ou se você não pertencesse à família de Geralt. Mas não posso dissolver nosso matrimônio, por isso, deveremos fazer concessões. Amanhã irei falar com a líder da tribo vatell e deverá ir comigo.

Jura ficou de pé.

— De maneira nenhuma.

Rowan se colocou frente a ela e se inclinou até que seu nariz quase roçou o de Jura.

— Não confio em você. É capaz de organizar um exército para entregar o trono a esse arrogante do teu irmão. Estará junto a mim. Também ele. Desse modo os controlarei.

— Ou será que não quer que o povo saiba que não pode desvirginar sua mulher? — Disse ela em voz baixa.

Ele podia sentir seu fôlego sobre seus lábios. Rowan baixou o olhar.

— Posso fazê-lo, não cabe a menor dúvida. — Olhou os lábios de Jura e logo seus olhos. — Mas não o farei.

Ela se afastou dele. Não sabia que motivo tinha ele para rechaçá-la, mas o estava fazendo. Era uma razão a mais para odiá-lo.

— Permanecerei aqui e...

— Não. — Disse ele em voz alta. — Deseje-o ou não, é minha mulher e se comportará como tal. Embora não compartilhe meu leito, compartilhará meu dormitório, ou minha tenda, nada se interporá em meu intento de unir às tribos. Se o povo desejar ver-me com minha esposa virgem, ver-me-ão e eu cuidarei de que não faça nada impróprio a minhas costas.

— Se te atravessar com uma espada, farei-o de frente, não pelas costas.

— Imagino que isso deva me tranquilizar — disse ele secamente.

— Tome-o como quiser — disse ela, olhando-o com raiva. Logo adotou uma expressão de curiosidade. — Como pensa unir as tribos? As conquistando?

Rowan foi para a janela.

— De certo modo. Desejo que se casem entre si, de modo que dentro de duas gerações estarão tão entrecruzados que não saberão a que tribo pertencem. Só haverá lanconianos.

Jura sorriu.

— E como obterá? Pedirá que se casem com pessoas que odeiam? — Seu sorriso se desvaneceu. — Não sabe nada a respeito de nós. As tribos estão dispostas a morrerem antes de renunciar a sua identidade. Por que não retorna a Inglaterra e nos deixa em paz, antes que desencadeie uma guerra? Se é que viverá até então.

— E você me acompanhará?

Jura estava aniquilada.

— Viver na Inglaterra, onde as mulheres devem rogar aos homens para que se deitem com elas?

Rowan abriu a boca para explicar, mas voltou a fechá-la.

— Não tratarei de te dar explicações. Seu dever é obedecer e nada mais. Irá comigo quando eu viajar pela Lanconia e isso é tudo. Não quero seus conselhos nem seus comentários. Será uma esposa formal.

— Um camundongo inglês, quer dizer — disse ela. — Descobrirá que as mulheres lanconianas não se submetem com a facilidade com que fazem suas pálidas bonecas inglesas. Irei contigo. Que importância tem? Quando aparecer a próxima lua cheia serei viúva. —Girou sobre seus calcanhares e saiu do quarto.

Enquanto avançava pela penumbra de corredor de paredes de pedra pensou que esse homem era um tolo. Acreditava que podia entrar na capital de cada tribo e pedir que deixassem de odiarem-se entre si. Estava certa que dentro de poucos dias, alguém mataria esse estúpido.

Quanto a não se deitar com ela. Era algo que a intrigava. Não a desejava? Parecia uma ideia ridícula ou talvez todos os ingleses fossem tão apaixonados pelas mulheres como ele era com ela. Ou talvez não pudesse consumar o matrimônio. Encolheu os ombros. Quem podia compreender os pensamentos de um estrangeiro idiota?

— Você é Jura. — Disse uma vozinha em tom muito baixa. — Ganhou a prova.

Jura olhou para baixo e viu o pequeno filho da inglesa. Imaginou que era menor do que aparentava por sua estatura e para ela, sua pele branca e seus cabelos claros, eram como um pão pouco assado. A tocha fixada no muro fazia que o rosto do menino se assemelhasse a uma pérola esculpida.

— Que deseja? — Perguntou ela, observando-o. Era um inimigo muito jovem, mas inimigo ao fim.

— A vi! — Disse o menino, olhando-a com seus grandes olhos que pareciam flores azuis. — A vi vencer. Vi como vencia a todas as demais. Ensinar-me-ia a correr como você? E a lutar? E a lançar uma flecha?

—Talvez — Jura não pôde evitar um sorriso.

O menino sorriu.

— Ali está! — Disse uma voz do outro lado do corredor. Era o jovem chamado Montgomery. Jura levou instintivamente a mão para sua adaga, mas o jovem a olhava com admiração. Jura deixou cair sua mão.

— Esta é Jura — disse o menino com orgulho.

— Sim, sei — disse Montgomery e sorriu.

Jura pensou que seria um homem esplêndido no futuro e sorriu a sua vez.

— O que é isto? — Gritou Rowan as costas deles. — Montgomery, não tem outra coisa a fazer que admirar minha esposa? Não deve limpar armaduras? Ou afiar armas? Ou estudar suas lições?

— Sim, meu lorde — Disse o jovem, mas antes de partir, sorriu novamente para Jura.

O jovem Phillip, ao escutar o grito de seu tio, refugiou-se entre a parede e Jura, rodeando as coxas da jovem com seus braços. Jura o olhou, surpreendida.

— Phillip — disse Rowan asperamente. — Que diabo está fazendo?

— Ela é Jura — disse o menino como resposta.

— Sei muito bem quem é, agora, se afaste dela.

Jura sorriu olhando para Rowan.

— Se não pode controlar um menino, como espera controlar Brita e Yaine, que governam as outras tribos? E como consolidará isso com o untuoso Marek?

Rowan tentou pegar o braço de Phillip, mas o menino se deslizou por trás de Jura e ela pôs seu corpo entre Rowan e o menino.

De repente, Rowan se levantou.

— Tem poder sobre mim. — Disse brandamente. — Faz-me atuar como se fosse mais jovem que meu escudeiro. Não brigarei contigo pelo menino, certamente enfeitiçou também a ele. Mas recorda que não é meu herdeiro. Nada ganharia fazendo-lhe dano.

— Machucar a um menino? — Perguntou Jura, horrorizada. — Exagera muito. Não preciso machucar a nenhum inglês; se danificarão mutuamente. Os lanconianos se fartarão de sua arrogante superioridade e alguém que não seja eu, cortará algumas cabeças. — Jura entrecerrou os olhos. — E esse Neile será o primeiro a morrer.

— Neile? — Perguntou Rowan. — Te assediou?

— Deixa de pensar nisso. O homem nos odeia e não o dissimula. Agora tenho fome e cheira a comida. Está permitido que eu coma ou juraste que não comerei?

As aletas do nariz de Rowan se agitaram de ira, mas nada disse.

— Venha. Coma. Quem sou eu para decidir o que deve fazer? — Voltou-se e caminhou para o outro lado do corredor.

Jura quis segui-lo, mas Phillip tratou de tomar sua mão.

— Os guerreiros lanconianos não tomam as mãos das pessoas. — Disse ela. — E endireite suas costas. Como pretende ser um lanconiano se caminha curvado?

— Sim, senhor — disse Phillip e Jura não o corrigiu. O menino ergueu as costas. Jura sorriu.

— Talvez possamos achar roupa mais adequada para um guerreiro irial.

— E uma adaga? — Perguntou ele com olhos brilhantes de entusiasmo.

— Naturalmente.

No salão principal tinham estendido longas mesas apoiadas sobre cavaletes e os criados estavam servindo carne e verduras. Jura se dirigiu a seu lugar, perto do extremo da mesa, mas Rowan, franzindo o cenho, apontou-lhe a banqueta que estava do seu lado. Phillip a seguia como se fosse sua sombra.

— Phillip — disse Lora, para que fosse sentar-se junto a ela, que se achava do outro lado de Rowan.

— Jura me permitirá sentar junto dela — disse o menino, mantendo seu corpo muito rígido.

Lora começou a levantar-se, mas Rowan a deteve.

Um sacerdote benzeu os alimentos e os cinquenta comensais se jogaram sobre a comida como se estivessem morrendo de fome. Discutiam em voz alta sobre armas e cavalos e quem era o melhor guerreiro. Pouco depois, dois homens trataram de estrangular um ao outro.

Rowan não estava ainda habituado a essas explosões temperamentais dos lanconianos. Estava conversando com Lora e não reagiu de forma imediata.

Jura, em troca, saltou sobre a mesa e se jogou sobre os homens, fazendo-os perder o equilíbrio. Os três caíram no chão em meio dos refugos e os cães que ladravam. Ao cair tirou sua adaga.

— Matarei ao primeiro que interrompa meu almoço — gritou.

Os homens se acalmaram e se levantaram do chão. Os outros lanconianos, acostumados a essa espécie de cena, não se interromperam de comer. Mas para um inglês, tratava-se de um fato pouco comum. Jura ficou de pé e tirou o pó da roupa. Percebeu que Rowan e seus três cavaleiros a olhavam fixamente. A inglesa se afastou para um lado e a observava com olhos atemorizados, sustentando o menino contra seu corpo.

Jura não imaginava o que poderia ter feito para causar essa reação. Rowan tinha o rosto vermelho, as veias de seu pescoço se sobressaíam e sua mandíbula estava tensa. Seus três cavaleiros contemplavam Jura com horror. Jura embainhou sua adaga.

— A comida está esfriando.

Phillip se desprendeu de sua mãe e foi rodear Jura com seus pequenos braços.

Ela acariciou seus cabelos suaves, sorriu e logo se agachou, tocou os ombros do menino e o afastou para olhá-lo.

— O que é isto? — Perguntou brandamente. — Um lanconiano temeroso?

— As jovens não lutam contra os homens — murmurou o menino.

— Assim é, mas só eram Raban e Sexan. Sempre brigam. Agora, endireita seus ombros e... — Jura se interrompeu porque Lora, reposta da comoção que tinha sofrido, arrebatou-lhe o menino.

— Como se atreve? — Disse Lora. — Como se atreve a tocar meu filho e o ensinar a usar de violência? Não é uma mulher. Não pode lidar com crianças.

Jura se levantou e deu um passo para Lora, olhando-a friamente.

Rowan se interpôs entre ambas.

— Venha comigo — disse olhando para Jura com uma expressão que ela não conhecia.

Os lanconianos tinham deixado de comer para comtemplar a cena. Uma rixa e a reação de Jura não tinham provocado comentário algum, mas estranharam a atitude dos ingleses. Zangavam-se porque uma guardiã punha fim a uma rixa? Era sua obrigação.

— Venha comigo — repetiu Rowan, apertando a mandíbula.

— Tenho fome — disse Jura olhando para a mesa e para a comida que desaparecia velozmente.

Rowan cravou seus dedos no antebraço de Jura e tratou de tirá-la do salão. Jura tentou desprender-se dele, mas Rowan a sustentava com força. Ela o amaldiçoou por envergonhá-la publicamente. Levou-a até o primeiro quarto vazio. Era um pequeno depósito de barris de cerveja e hidromel.

— Jamais, — disse quando fechou a porta — jamais minha esposa voltará a atuar dessa maneira. — A ira lhe impedia de falar com fluidez. — Parecia uma meretriz, saltando sobre as mesas te... te... — engasgou-se — te jogando contra esses homens.

Estava louco?

— Essa é minha obrigação. — Disse ela pacientemente. — As guardiãs recebem treinamento para evitar disputas e como representante de Thal, minha obrigação era fazê-lo. Se Geralt tivesse estado presente, ele teria cuidado da situação.

Rowan estava vermelho de ira.

— Thal morreu. — Disse. — Eu sou o rei. Eu me encarregarei de pôr fim às rixas entre meus homens. Minha esposa não o fará.

Jura se encolerizou.

— Compreendo. É porque sou uma mulher. Acha que as mulheres lanconianas são tão covardes e inúteis como essa sua irmã?

Ele avançou para ela.

— Não inclua minha irmã neste assunto. Estou te dizendo que não deve atuar como se fosse encarregada de guardar a ordem. É uma mulher e deve te conduzir como tal.

Esse homem era louco.

— Para demonstrar que sou uma mulher devo permanecer sentada, costurando? Acaso pareço um homem?

Involuntariamente, Rowan olhou para o corpo de Jura, de seios altos e firmes, coxas brandamente arredondadas e essa túnica curta que se aderia a suas nádegas. Por milésima vez amaldiçoou seu caráter irascível, que o tinha induzido a jurar que não a tocaria.

— Se não me obedecer lamentará — disse ele.

— O que fará? Ordenará que me levem à prisão? Quem obedecerá a suas ordens? Acha que fará meus lanconianos? Se me fizer mal não sairá vivo de Escalon. E não poderá levar a êxito seu plano infantil para unir às tribos.

Rowan apertou os punhos. Ninguém nunca tinha obtido irritá-lo dessa maneira. Tinha podido lidar com os estúpidos filhos de William sem perder a calma. E nenhuma mulher o tinha encolerizado. As mulheres eram seres doces e amáveis que consolavam os homens e os escutavam com expressão de encantamento. Se um homem saía de caça, a sua volta falava com sua mulher dos perigos passados e ela suspirava e elogiava sua coragem. Mas Jura era capaz de caçar um cervo maior do que o que ele caçasse.

— Não tem roupa de mulher? — Perguntou ele. — Deve sempre se vestir com esses trajes? — Assinalou as calças folgadas e suas botas de cano longo.

— É um menino — disse ela. — O que importa minha roupa? Me é útil para realizar meu trabalho e... — Interrompeu-se porque Rowan a estava estreitando entre seus braços.

— Sua obrigação é comigo. — Disse com voz rouca. — Não roce seu corpo contra o de outros homens.

— Refere-se à quando detive a rixa? — Sua voz era mais grave. Quando ele a tocava, não podia pensar com claridade.

— Jura, você me fez alguma coisa. Não me reconheço.

— Então, te direi quem é: É um inglês e está em um país que não é o teu. Deve retornar a Inglaterra e entregar o trono a meu irmão.

Ele a afastou de si.

— Me deixe. Vá e encha seu estômago e não volte a se intrometer entre meus homens e eu.

— São lanconianos, não são seus homens — disse ela e saiu apressadamente do quarto. Retornou ao salão principal. Já estavam retirando os pratos, mas conseguiu pegar um bolo de veado que alguém tinha deixado sem terminar. Começou a comê-lo enquanto saía do castelo. Precisava respirar ar puro.

Dirigia-se aos quartéis dos homens quando Geralt se encontrou com ela.

— Não veio comer — disse ela.

— E me sentar junto ao inimigo? — Perguntou ele desdenhosamente. — Ouvi dizer que agora viverá com ele.

— E viajarei com ele. É muito tolo, pensa em unir as tribos — disse Jura, comendo o último bocado de bolo.

Geralt riu depreciativo.

— Quando entrar no primeiro território de uma tribo o matarão.

Jura percebeu que seu irmão a observava atentamente.

— Disse-lhe isso, mas não me dá atenção. Logo o matarão, talvez seja melhor que o façam quanto antes. Alguns homens o apoiam. Xante está sempre do seu lado.

Geralt se aproximou mais dela e murmurou:

— Você está em condições de acelerar sua morte.

Ela cuspiu nos pés dele.

— Não sou uma assassina. Ele matará a si mesmo.

— Então é verdade, está do seu lado. Cilean disse que o queria para você e que por isso a golpeou durante a prova. Diga-me, importa-se mais com este estrangeiro pálido que com seu próprio povo?

Ela o olhou com fúria.

— Pensa que seus insultos me impulsionarão a assassiná-lo? Se for assim, não me conhece. Disse-te que é um tolo e que ele mesmo apressará sua morte. Você será o rei e não precisará manchar suas mãos com o sangue de seu irmão inglês.

— A menos que tenha um filho contigo — disse Geralt.

— Isso é improvável — disse Jura.

— Acaso não é um homem? — Perguntou Geralt, surpreso.

— Não sei. Disse que jurou diante de Deus não... — Interrompeu-se. — Não haverá filhos, sua vida será breve. Aguarda e seja paciente e será o rei. — Voltou-se e passou pelos portões da cidade.

Homens e animais descansavam. Tudo era silêncio.

"Unir as tribos", pensou Jura. Naturalmente era uma ideia impossível de levar até o fim. As tribos se odiavam muito e esse inglês estúpido jamais compreenderia. Teria que ser lanconiano para compreender a mente lanconiana.

Jura encolheu os ombros pensando que de todos os modos não importava. Esse tolo morreria logo. Deteve-se um instante. Seria lamentável que morresse sem que ela se deitasse com ele. Depois de tudo, estavam casados.

Bocejando, retornou ao castelo de Thal. Esta noite se encerraria com ele em um quarto e talvez amanhã já não fosse uma donzela. Apressou os passos, sorrindo.


Capítulo 08

Jura supôs, e com razão, que seu marido estava utilizando o quarto que tinha sido de Thal como próprio, mas quando ela abriu a porta, ele a olhou, surpreso.

— Por que vieste? — Perguntou ele brusco.

— Porque ordenou que o fizesse — disse ela pacientemente. — Seus homens ingleses me tiraram insolentemente dos quartéis femininos junto com meus pertences e me trouxeram até aqui. Imaginei que devia assumir as obrigações de minha condição de rainha... entanto o seja — acrescentou em voz baixa.

Ela olhou atentamente.

— Suponho que devo tê-la aqui — disse ele com resignação. — Vá se sentar ali e permanece em silêncio. — Ele voltou para a mesa, onde tinha estado sentado e sobre a qual havia grande quantidade de livros e papéis enrolados.

Jura se perguntou se teria trazido os livros consigo ou se pertenciam à magra e pouco usada biblioteca de Thal. Não tinha intenção de obedecê-lo, de modo que se colocou atrás dele, olhando por cima do ombro de Rowan.

Ele se voltou

— O que faz? — Disse.

— Olho — disse ela e logo apontou com a cabeça o mapa que ele sustentava entre suas mãos. — Isso não é assim. A fronteira dos vatell se encontra mais ao norte. Thal se apoderou de uma boa parte das terras quando eu era menina. Meu pai morreu na batalha. — Jura se dirigiu até a cama, sentou-se na borda e começou a tirar as ligas que sustentavam suas botas.

Rowan a olhou.

— O que sabe você de fronteiras?

— Aparentemente, mais que você.

Ele ficou de pé, tomou o mapa e o colocou sobre a cama, atrás dela.

— Me diga de que forma mudaram as coisas. Este mapa foi esboçado por Feilan faz mais de vinte anos. A quem mais matou meu pai para tomar suas terras?

Jura tirou as botas e moveu os dedos dos pés.

— Thal fez o que devia fazer. A metade da terra dos vatell se encontra nas montanhas, onde o solo é árido e estavam acostumados a invadir aos iriales para roubar seu trigo.

— E meu pai pôs fim às invasões — disse Rowan, pensativamente. — Como sobrevivem os vatell durante o inverno?

— Não muito bem. — Disse Jura. — Sua intenção é odiar tudo que fazemos?

Rowan a olhou, estupefato.

— Como posso odiar a meu próprio povo? Venha e me mostre quais são as novas fronteiras.

Ela se inclinou e assinalou com o dedo os limites do pequeno território vatell.

— É um povo razoável, — disse ela — não como os zernas ou os ulten. Os vatell...

— Sim, sei — disse ele com impaciência. — Agora me diga onde se encontram os campos semeados dos iriales.

— Já que sabe tudo, como é que não sabe isso?

Ele assinalou um ponto no mapa.

— Se não tiverem mudado de lugar, os semeados se acham aqui. Estão protegidos por três rios e guardados a intervalos regulares por guardas iriales. Semeia-se cevada, trigo e centeio. Sobre esta planície se criam ovelhas. Os cavalos que possuem são descendentes dos que foram roubados aos fearen e, ainda hoje, os jovens iriales invadem os campos fearen pelas noites. Cruzam território vatell aqui, onde há um espesso bosque e logo tomam este caminho estreito até chegar a...

— Como sabe? — Perguntou Jura.

— Enquanto os outros meninos corriam atrás de uma bola no jardim, eu me escondia com o ancião Feilan para aprender o idioma ulten.

— Ulten? — Perguntou Jura. — Ninguém fala esse incompreensível idioma gutural que eles usam. Não é um idioma, são grunhidos e gemidos.

Rowan se deitou sobre a cama, apoiando a cabeça sobre a mão.

— Pode ser que soe assim, mas é um dialeto lanconiano. Por exemplo, para você, a palavra mulher pronuncia telna, eles dizem te'na. É uma maneira mais rápida de dizer o mesmo.

Jura encolheu as pernas, sentando-se sobre elas.

— Uma maneira mais preguiçosa. São pessoas ociosas e pegajosas. Todas as tribos odeiam os ulten.

— Razão a mais para interligar as tribos. Os ulten permanecem em suas montanhas e se reproduzem entre eles, até que seus cérebros fiquem mais idiota.

— Outra razão para que seu plano não funcione. — Disse Jura. — Quem vai querer casar-se com uma mulher ulten?

Rowan a olhou com expressão divertida.

— Um homem zerna — disse.

Jura riu e se estirou sobre a cama. O mapa estava entre ambos.

— Durante o Honorium tive pesadelos que vencia Mealla — disse Rowan. — O problema que se apresenta quando penso no casamento de uma tribo com outra é quem quererá casar-se com as mulheres zerna? São todas como Mealla e como as outras mulheres que participaram do Honorium?

Jura se levantou, apoiando-se sobre um cotovelo.

— Talvez os homens fearen se agradem das mulheres zernas. Eles são pequenos, baixos e esbeltos e Thal sempre dizia que se incomodavam de serem assim. Talvez as mulheres zernas sejam atrativas para os fearen. Seus filhos seriam mais musculosos.

Rowan sorriu e também se apoiou sobre um cotovelo.

— E os poilen? Quem se casaria com eles?

— Isso não é simples. — Disse Jura, pensativamente. — Os poilen acreditam que o pensamento é mais importante que a comida ou o prazer.

— Então deveríamos lhes dar algumas mulheres fearen. Elas conseguiriam interessá-los em prazeres mais terrestres e menos literários.

Jura o observava. Era muito bonito e a luz das velas que iluminava a quarto fazia brilhar seus cabelos dourados. Sentiu o impulso de tocá-los e levantou sua mão. Mas Rowan se levantou abruptamente da cama.

— Pode dormir ali — disse, apontando um banco esculpido no muro de pedra.

Jura não caberia nele.

Jura começou a protestar, era absurdo que dormissem separados, mas logo pensou que talvez fosse melhor. Não desejava cobrar afeto, pois ele morreria logo. E seria melhor que não houvesse um filho dele que reclamasse o trono. Jura não sabia se poderia negar isso a seu filho, pois seria direito dele. Não, assim era melhor. Continuaria sendo uma donzela até que enviuvasse, logo Geralt seria rei e ela se casaria com Daire e teria muitos filhos. Jura se levantou.

— Disse que viajaríamos amanhã?

Ele estava de costas para ela.

— Sim, sairemos rumo à terra dos vatell, mas primeiro nos deteremos entre os povos iriales para reunir homens e mulheres.

— Para quê? — Perguntou ela, tirando a calça.

Ele se voltou para ela.

— Para que se casem com... — Interrompeu-se ao ver o corpo seminu de Jura. Voltou a lhe dar as costas. — Vá para a cama — disse com voz profunda — e se cubra.

Jura sorriu e se cobriu com as peles de ovelha que havia sobre o banco de pedra. Observou-o enquanto ele se despia sem olhá-la. Rowan tirou as botas e ela viu suas panturrilhas grandes e cobertas de pelo loiro. Logo tirou a túnica e Jura viu seu corpo grande e musculoso que a tinha feito perder o senso em várias ocasiões. Jura teve a sensação de que seus próprios músculos ficavam tensos e sua respiração se tomava lenta e profunda.

Sem olhar, ele apagou a vela que estava junto à cama e o quarto sumiu em trevas.

— Rowan — murmurou ela na escuridão, chamando-o por seu nome pela primeira vez.

— Não me fale — disse ele em voz alta. — E me chame de "inglês". Não por meu nome.

Jura apertou as mandíbulas e amaldiçoou o estúpido estrangeiro. Seu mau caráter e sua irracionalidade o levariam a uma morte segura em menos de uma semana. Bem melhor, pensou Jura. Lanconia estaria muito melhor sem ele. Deitou-se de barriga para baixo e pensou em Daire. Seria agradável ser virgem em sua noite de bodas com Daire.


— Levante-se.

Jura se voltou lentamente na cama. Ainda não tinha amanhecido. Rowan estava de pé, a uns três metros de distância, já vestido e olhando-a com fúria.

— Todos os iriales são tão preguiçosos como você? — Disse ele secamente. — As carroças já estão reunidas abaixo.

— São todos os ingleses mal-humorados como você? — Respondeu ela espreguiçando-se. Ela o olhou fixamente e pareceu empalidecer.

— Toma suas coisas e desça — disse e saiu do quarto. Jura reuniu rapidamente suas escassas roupas e armas. No pátio do castelo havia cavalos empinando e homens que gritavam. Geralt vestido de negro e montado sobre um cavalo negro, dava ordens aos homens. Daire estava a um lado sobre seu cavalo e junto a ele se achava Cilean.

Jura sorriu ao ver sua amiga, mas Cilean virou à cabeça. O sorriso de Jura se desvaneceu. Logo tomou o pão e o vinho aguado que lhe ofereceu um criado.

Rowan estava no meio dos homens, montado sobre seu cavalo e preparado para partir. Jura se viu obrigada a reconhecer que parecia capaz de organizar uma expedição e, aparentemente, os homens aceitavam sua liderança.

Havia carroças cheias de alimento. Em uma delas, Jura viu Lora e Phillip, sentados junto ao condutor.

— Jura — exclamou o menino. Sorrindo, ela foi para ele.

— Bom dia — disse ela, lhe oferecendo uma parte de pão.

— Os guerreiros lanconianos comem pão? — Perguntou ele solenemente.

— Sempre — disse ela, também solenemente e se voltou para Lora para lhe sorrir, mas a inglesa levantou o nariz no ar e olhou para o outro lado. Jura foi para onde estava seu cavalo e cavalgou junto de Xante.

Levou um dia alcançar as aldeias espalhadas pela terra dos iriales e havia outras menores, mas estas estavam habitadas por camponeses, a espécie social mais baixa, integrada por pessoas que brigavam entre si e cujas brigas familiares datavam de séculos atrás. Esse povo não sabia se eram iriales ou vatell ou ingleses.

Mas, a trinta quilômetros da cidade murada de Escalon vivia a aldeia irial mais importante. Os guardiões ou guardiãs escolhiam seus parceiros entre essas pessoas. Os guardiões eram escolhidos ali, e, depois de seu treinamento, eram enviados de retorno a sua aldeia para preservar e proteger aos iriales das invasões. Nesses poucos quilômetros quadrados existia a única paz que conheciam os iriales. Ali os meninos brincavam, as mulheres cantavam e se coletavam as colheitas. Fiavam tecidos, bordavam vestimentas, e os doentes e anciões eram atendidos e consolados. Milhares de guardiões iriales tinham morrido para proteger esse lugar.

Durante a maior parte da viagem, Jura cavalgou junto de Xante, mas quando ouviu que o pequeno Phillip se queixava, foi até a carroça.

— Deseja galopar comigo? — Perguntou ao menino, olhando para Lora e solicitar sua permissão. Lora parecia lutar consigo mesma. Voltou a cabeça e assentiu com um breve gesto.

Phillip virtualmente saltou nos braços de Jura e ela o instalou na sela, diante dela. Durante o resto da viagem lhe contou histórias dos antigos deuses da Lanconia, deuses que lutavam e tinham rixas, deuses que tinham mais personalidade que o Deus cristão Jesus, que apenas falava com sua mãe.

— Por que tem contigo o menino? — Perguntou-lhe Geralt zangado ao aproximar-se dela. — Os ingleses te conquistaram?

— É um menino — disse Jura.

— Os meninos se convertem em homens.

Ela o olhou, chateada.

— Não constitui uma ameaça para você. Não pretende te arrebatar o trono.

Geralt olhou o menino com hostilidade e se afastou.

— Não me agrada — disse Phillip em voz baixa.

— Sim, agrada-te. Será rei da Lanconia e será um rei excelente.

— Meu tio Rowan é o rei e é o melhor.

— Já veremos.

Os viajantes chegaram ao povoado de noite. As carroças deveriam atravessar um rio, junto com os cavalos e passageiros.

Os habitantes do povoado saíram para recebê-los com tochas. Desejavam conhecer o inglês que se dizia rei.

Muitos parentes de Jura correram para saudá-la. Sua posição se tomou muito importante desde que ganhou o Honorium e se casou com o rei.

— Como é ele? — Murmuraram. — Ainda não fizeram uma criança? É tão bonito como Daire? É tão forte como Thal?

As perguntas se interromperam quando Rowan apareceu atrás dela. Jura viu que algumas de suas primas o olhavam encantadas. Houve suspiros coletivos.

Jura sorriu e até experimentou certo orgulho. Depois sorriu para Rowan.

— Posso te apresentar minha família? — Disse cortesmente. Depois, a tia de Jura os conduziu até um quarto de sua casa. Era um dormitório pequeno, que só havia uma cama.

Rowan estava muito calado.

— Está fatigado por causa da viagem? — Perguntou ela.

— Não — disse ele em voz baixa. — Agradeço-te que tenha cuidado de Phillip. Acredito que o menino começou a te adorar.

— É um menino agradável e está ansioso por aprender.

— Talvez seja mais lanconiano do que acreditei. — Rowan se sentou na borda da cama e desatou os fios das botas. Parecia preocupado.

Ela desejava lhe perguntar por que, mas não o fez. Era melhor manter distância com respeito a esse homem, que só era seu marido temporariamente.

— Imagino que não dormiremos juntos — disse ela.

— O quê? Não, suponho que não. Há umas peles. Farei minha cama no chão. Ocupe você a cama.

Jura franziu o cenho, tirou as botas e as calças e se meteu na cama grande e vazia. Permaneceu acordada enquanto Rowan se instalava no chão, sobre as peles. A atmosfera era tensa e não podia dormir.

— A lua está muito brilhante — murmurou ela. Rowan não respondeu e ela pensou que talvez houvesse adormecido.

— Jura — disse ele brandamente.

— Sim — disse ela, no mesmo tom de voz.

— Alguma vez tem dúvidas a respeito de você mesma? Já aconteceu que você sabe que está certa, mas intimamente abriga uma dúvida?

— Sim. — Disse ela. — Ocorreu-me.

Ele não disse mais nada e, depois de uns minutos, ela escutou sua respiração lenta e compassada. Dormira. Durante um longo momento, esteve pensando intrigada, o que teria querido dizer, mas não achou a resposta.

Na manhã seguinte, os iriales despertaram muito cedo. Desejavam ver amigos e parentes que não tinham visto em muito tempo e desejavam conhecer esse inglês que dizia ser seu rei.

Jura observou Rowan quando passava entre a multidão, e viu como iluminavam os rostos do povo quando ele lhes falava em seu próprio idioma. Não se parecia com o homem mal-humorado que ela conhecia, a não ser um homem inteligente, sereno, que sabia impor sua presença.

— É diabolicamente lisonjeiro — disse Geralt a Jura. — Cuide de não perder a cabeça. Alguém deverá manter a sensatez quando este louco nos levar para a guerra.

Jura bebia cidra quente.

— Não deseja a guerra a não ser a paz.

— Uma coisa é o que se deseja e outra a que se obtém. Se entrarmos em território vatell, se prepare para lutar. Brita se alegrará de poder matá-lo, já que seu pai matou seu marido.

— Talvez Brita também esteja farta de guerra — disse Jura. — Talvez deseje ver novamente seu filho.

Geralt estava estupefato.

— Está traindo seu país por esse inglês?

— Não, é obvio que não. Jamais poderá unir às tribos, mas terá que deixar que o tente. Quem o apoiará? Quer que os iriales e os vatell se casem entre eles. Que irial consentirá? O deterão antes de começar.

Xante, que estava perto deles e tinha ouvido a conversa, disse a Jura:

— Olhe-o. O povo que o rodeia o olha com adoração. O apoiarão. Silêncio. Vai falar.

Jura observou Rowan com interesse quando ele subiu a um banco e começou a falar. Durante toda a manhã tinha ouvido comentários sobre as portas de Saint Helen, sabiam que Rowan as tinha aberto. Mas também viu expressões céticas em seus rostos. Não aceitariam a este homem só em virtude de uma antiga lenda.

A voz de Rowan e seu lanconiano perfeitamente pronunciado exerceram um efeito hipnótico sobre o povo. Fez-se um grande silêncio para escutá-lo. Ninguém tossia, nem se movia; até os meninos se calaram.

Rowan falou de um país que reinasse a paz e a tranquilidade, onde homens e mulheres pudessem galopar grandes distancia sem o temor de serem atacados por outras tribos. Falou de construir bons caminhos. Do intercâmbio entre as tribos. Os iriales poderiam trocar seus tecidos pelas joias dos vatell ou os cavalos dos fearen. Falou de pôr fim à morte de homens jovens, invasores que roubavam a outras tribos. Descreveu eloquentemente aos iriales viajando seguros pelos territórios dos vatell e os fearen, até chegar às terras dos poilen, que poderiam lhes transmitir seus vastos conhecimentos sobre ervas e medicamentos. Algumas pessoas se emocionaram até as lágrimas quando mencionou as mortes que teriam podido ser evitadas se tivessem contado com os remédios dos poilen.

— Nos apoderaremos dos remédios dos poilen — disse Geralt, mas calou ao ver que o povo o olhava com desgosto.

Rowan disse que a única maneira de levar até o fim esses planos era obtendo a unificação das tribos.

— Lutaremos — disse Geralt.

O povo o vaiou e olharam de novo para Rowan, que aguardava que se fizesse novamente silêncio.

— Os lanconianos devem unir-se — disse Rowan brandamente e todos se inclinaram para frente para ouvir suas palavras.

Explicou seus planos de unir às tribos através dos matrimônios e, antes que alguém pudesse fazer perguntas, pediu voluntários: homens e mulheres, jovens e valentes, dispostos não a morrerem a não ser viverem por sua tribo. Sorriu e perguntou quem eram as almas nobres, dispostas a sacrificar tudo para casar-se com esses altos, lindos, jovens e saudáveis vatell.

Jura e Geralt foram virtualmente derrubados pelos jovens que correram para oferecerem-se. Jura estava aniquilada pelo poder de persuasão de Rowan.

Geralt, em troca, adiantou-se para colocar-se frente à multidão.

— Enviarão seus filhos para a morte? — Gritou. — Este inglês não conhece nossos hábitos. Os conduzirá à morte. Os vatell destruirão os iriales.

Jura viu com horror como os três cavaleiros de Rowan atacavam e faziam cair Geralt no chão. Jura reagiu imediatamente, como Xante e outros dois guardiões. Jura tomou Neile dos cabelos e apontou com sua adaga à garganta do jovem.

— Solte-o — disse, apertando a adaga contra sua pele até que um fio de sangue correu por seu pescoço. Neile soltou Geralt e se levantou. O outro cavaleiro também soltou Geralt.

A multidão os contemplava.

Furioso, Rowan desceu do banco e disse para Jura.

— Solte-o.

— Atacou meu irmão — disse Jura.

— Deveria lhe cortar o pescoço, Neile, abatido por uma mulher.

Neile estava muito humilhado e não disse nada.

Watelin obrigou Xante a tirar suas mãos de cima dele.

— Suas palavras foram as de um traidor.

Rowan tomou o antebraço de Jura e a obrigou a libertar Neile. A levou para um canto onde pudessem falar em privado.

— Por quê? — Perguntou. — Por que arruinou meu discurso? O povo me escutava. É minha mulher, deveria me apoiar e, entretanto, cria-me dificuldades.

— Eu? — Disse ela. — Seus homens atacaram meu irmão. Acaso eu poderia permanecer indiferente e permitir que lhe fizessem mal?

— Sou seu rei. Quem me ataca é um traidor — disse ele com paciência.

— Traidor? — Disse ela, estupefata. — Na Lanconia é necessário ganhar o direito ao trono. Thal o designou seu sucessor, mas podemos te destronar. Não somos como seus estúpidos ingleses que aceitam o filho do rei embora seja um idiota. Geralt tem direito a opinar, como qualquer outro homem, e mais ainda, já que é tão filho de Thal como você. Além disso, ele estava certo.

— Os iriales estão dispostos a me seguir — disse Rowan. — Mas você e seu irmão não desejam que eu tenha êxito? É isso? Que eu falhe e não consiga unir as tribos, talvez o povo deseje que seu belicoso irmão ocupe o trono. Por isso trabalham em minha ruína?

— É um tolo ostentoso e repressor — gritou ela. — Todos desejam que tenha êxito, mas quem vive aqui sabe que não pode ser assim. Os iriales lhe escutam e você pronuncia belos discursos. Até eu teria desejado me casar com um vatell só em ouvi-lo, mas se você se apresentar diante de Brita com esses jovens, ela esfregará as mãos e matará a todos. Adoraria debilitar os iriales e tirar suas terras. Necessita de nossas colheitas.

— Então irei vê-la sozinho — disse Rowan. — Falarei com Brita a sós.

— E ela te converterá em seu refém e deveremos pagar um resgate muito alto por você. Rowan se inclinou para frente. Seus rostos estavam muito juntos.

— Então não pague o resgate. Se me tomarem cativo, considere que não ganhei o direito ao trono.

— E permitir que um vatell retenha nosso rei? — Gritou Jura. — Os destruiremos por nos ter ofendido. Eles... — Interrompeu-se porque Rowan a beijou.

Não encontrou melhor maneira de fazê-la calar, e ela devolveu o beijo com toda a paixão contida em sua ira. Ele puxou-a pela a nuca e a beijou profunda e apaixonadamente.

— Não lute contra mim, Jura — disse próximo ao seu ouvido. — Seja minha esposa. Apoie-me.

Ela se afastou dele.

— Se ser sua esposa significa observar passivamente como leva meu povo à morte, prefiro morrer.

Rowan se ergueu.

— Meu pai me encomendou uma tarefa e devo levar a êxito. Pode ser que você ache que a guerra é o único meio para resolver este problema, mas existem outros. Só rogo que estes iriales tenham um melhor matrimônio que o meu. — Voltou-se para partir.

— Não — disse ela, tomando-o pelo braço. — Rogo-lhe isso, não o faça. O povo confia em você. Vi como o olhavam e sei que lhe seguirão. Não os conduza à morte.

— Só desejo que me rogue uma coisa. Fora isso, é minha mulher. Deve me consolar quando voltar das batalhas, cuidar do meu alimento e talvez, algum dia, me dar filhos. Não governarei de acordo com o conselho de uma mulher. — Partiu.

Jura permaneceu ali durante instantes e tratou de serenar-se. Alguém devia deter esse homem. Sabia que o povo o seguiria, pois tinham reagido diante dele tal como fez ela, naquele primeiro dia junto ao rio. Ela o teria seguido se ele tivesse pedido, mas agora estava lúcida e não se deixava cegar por sua beleza. Devia fazer algo para impedir que ele seguisse adiante com seus planos. Dispôs-se a partir, mas alguém interceptou seu passo.

— Cilean — disse ela, incrédula.

— Sim — disse Cilean. — Podemos falar?

Jura ouviu o ruído da multidão e desejou com impaciência unir-se a eles. Talvez pudesse impedir que seguissem Rowan.

— Ainda o odeia? — Perguntou Cilean.

Jura estava enfurecida.

— Acreditei que pensava que o desejava para mim e que tinha traído a minha amiga para obtê-lo.

— Estava equivocada — disse Cilean. — Estava com ciúmes.

Seu tom de voz tranquilizou Jura.

— Ciúmes? Ama-o?

— Sim — disse Cilean. — Amei-o desde que o vi pela primeira vez. Tem bom coração, Jura. É generoso e respeitoso e está disposto a arriscar tudo para unir às tribos. Sabe que podem matá-lo.

— E permitir que matem a várias centenas de iriales — disse Jura. — Quando Brita atacar, seus nobres propósitos não salvarão sua vida.

— Talvez ela não o faça. Talvez Deus ajude ao rei Rowan como o fez quando abriu as portas da cidade.

— O quê? — Disse Jura. — Deus não protege aos maus governantes. Mata-os e a seus seguidores. Cilean, não é possível que esteja tão iludida. Não pode acreditar que Brita vá permitir que trezentos iriales cruzem suas fronteiras e que lhes dê as boas-vindas... exceto com flechas.

— Irei com ele — disse Cilean. — Ouvi que te dizia que iria sozinho. Irei com ele. Sabe que fui cativa dos vatell durante três anos e conheço a maneira de chegar até a cidade de Brita através do bosque.

— Matarão vocês — murmurou Jura.

— É um risco que devo correr, porque ele está certo. E, além disso, tratará de fazê-lo eu indo com ele ou não. Deveria havê-lo visto durante a viagem a Escalon. Aproximou-se desses três jovens zerna, como se Deus o houvesse coberto com uma capa protetora. E enfrentou Brocain, sem guardas e, lhe exigiu que entregasse seu filho. E Brocain o obedeceu. Jura, devia vê-lo.

Jura meneou a cabeça.

— Vejo-o diariamente e percebo que não trata de aprender nossos costumes, mas trata de impormos os seus.

— Não é verdade. Sabe nosso idioma, conhece nossa história. Veste-se como nós e...

— Veste as roupas que minha mãe costurou para Thal.

Cilean se aproximou de Jura.

— Jura, por favor, me escute. Dê-lhe uma oportunidade. Talvez possa unir às tribos. Pensa. Pensa no bonito que seria poder viajar sem guarda. Ele sugere que, em lugar de roubar, estabeleçamos um intercâmbio comercial. — Baixou a voz. — E pensa que poderíamos comercializar com outros países. Poderíamos vestir roupas de seda, como sua irmã Lora.

— Essa...

— Jura, por favor — rogou Cilean.

— O que posso fazer para ajudá-lo? Pode dançar com Brita se o desejar. Mas não quero que leve meu povo à morte.

— Venha conosco.

— O quê? — Gritou Jura. — Deseja que me entremeta em assuntos alheios e, que sacrifique minha vida pelo sonho de um inglês louco que nem sequer me agrada?

— Sim — disse Cilean. — É nossa única oportunidade. Se obtivermos que Brita fale a sós com ele, acredito que ela o escutará. Acredito que ele é capaz de persuadir a qualquer um.

Jura se apoiou contra o muro de pedra. Se o acompanhava, certamente morreria. Ninguém podia ir à cidade de Brita para capturar a rainha vatell, ele seria capturado e torturado. Mas, e se tinha êxito? Se por golpe do destino permitisse convencer Brita para que escutasse a esse rei tão persuasivo? Poderia Rowan convencê-la para que enviasse seus jovens homens e mulheres para casarem-se com os iriales?

— Pensa que fortes seríamos — disse Cilean. — Se uníssemos somente os iriales e os vatell, seríamos muito mais fortes que qualquer outra tribo.

— Não diga a Geralt — disse Jura, com a sensação de que estava sendo desleal a seu irmão. — Falou com o inglês? Quem mais iria, além de nós três?

— Daire, naturalmente — disse Cilean. — Brita não vê seu filho desde que era um menino. Não fará mal vê-lo agora.

— A menos que considere que é mais irial que vatell. Quem mais?

— Acredito que é suficiente — disse Cilean. — Não queremos sermos muitos. Se formos poucos, tudo será mais tranquilo. Bem, dizemos a Rowan? Assim que pudermos afastá-lo das mulheres, claro. Talvez seja bem melhor não estar casada com ele, o ciúme me enlouqueceria.

Jura olhou para Rowan. O sol fazia brilhar seus cabelos. Estava rodeado por jovens bonitas que, aparentemente, não podiam resistir à tentação de tocar esse rei loiro. Rowan tinha o aspecto inocente que adotavam os homens quando desejavam parecerem indefesos para obter o que desejam de uma mulher.

— Ciúmes de um bando de meninas tolas? — Murmurou Jura em voz baixa. — Precisa mais que isso para despertar meus ciúmes. Venha, diremos qual é nosso plano — nosso último plano sobre a terra — antes que comece a falar novamente e persuada a centenas de mães para que abandonem seus filhos e o acompanhe.


O olhar de Rowan se tomou escuro.

— A terra se abrirá e devolverá os mortos – disse em voz baixa. — Choverá sangue do céu. As árvores secarão e se tomarão negras. As pedras se converterão em brandos pães antes que eu entre às escondidas no acampamento de Brita, acompanhado por duas mulheres e o ex-amante de minha esposa.

Jura olhou para Cilean como dizendo “Adverti-lhe isso”.

— Rowan por favor, — disse Cilean — me escute. Conheço o caminho pelo bosque. Daire é filho de Brita e Jura é forte, ágil e...

— Uma mulher — gritou ele. Achavam-se no interior da casa da tia de Jura, afastados dos curiosos. — Será que os lanconianos não sabem que diferença há entre homens e mulheres? Uma mulher não pode combater.

— Fui muito eficiente quando combati por você — disse Jura.

— Meça suas palavras — disse ele e logo olhou novamente para Cilean. — Levarei meus próprios homens. Conheço-os e sei que me obedecerão. Desenhe um mapa. Daire pode nos acompanhar, desde que não nos ataque e nos traia.

— Acusa Daire de...? — Disse Jura, mas Cilean a interrompeu.

— Não desenharei nenhum mapa. O que sei está em minha mente. A única oportunidade que tem de que Brita o escute é se encontrando contigo em segredo. Só eu posso te levar até ela. Daire irá porque ela é sua mãe.

— Mas minha esposa permanecerá aqui — disse Rowan cortante.

— Não, — disse Cilean — Jura irá comigo. Assim como você trabalha bem com seus homens, Jura e eu trabalhamos bem juntas.

Jura que estava sentada em um banco, apoiou as costas contra o muro. Sabia quem ganharia a discussão, Cilean possuía algo que Rowan precisava e ela não estava disposta a dar-lhe gratuitamente.


Capítulo 09

Jura dormiu no quarto, mas seu sono foi inquieto, pois esperava que se abrisse a porta e aparecesse Rowan, mas não foi assim. Uma hora antes que amanhecesse se levantou e saiu da casa nas pontas dos pés. Já estava zangada. O inglês podia não dormir com ela pelas estranhas razões que expressava, mas o mataria se a humilhasse tocando a outra mulher.

Havia pessoas dormindo por toda parte, mas não achou Rowan. Despertou Cilean e ambas o procuraram.

O sol já tinha saído quando as duas mulheres voltaram a reunirem-se. Cilean disse que não o tinha achado. Jura franziu o cenho e foi em busca de Montgomery, o escudeiro de Rowan. O jovem alto e de cabelos escuros estava trançando as crinas do cavalo de Rowan.

— Onde está? — Perguntou Jura. Montgomery a olhou, surpreso.

— O rei não está com você?

Jura começou a suspeitar.

— Quando o viu pela última vez?

— Antes de me deitar. Bocejou e disse que devia fazer uma comprida viaje e acreditei... — O jovem se interrompeu, envergonhado.

— Onde está seu cavalo ruano?

— Está... — Montgomery calou. — Acreditei que estava ali... — Olhou para Jura. — Se alguém o tiver feito prisioneiro, estou disposto a lutar por meu lorde.

Jura suspirou.

— O tolo partiu sozinho, rumo à terra dos vatell. Sei que é assim.

Montgomery a olhou com fúria.

— Meu lorde não é um tolo.

Jura não lhe prestou atenção.

— Deveria demonstrar o contrário. Isto deve manter-se em segredo. Se o povo se inteira de que foi sozinho a território inimigo, irão atrás dele. Devemos dizer que... foi caçar. Sim, e deveria ter ido com ele. Não iria sem seu escudeiro.

— Não posso mentir — disse Montgomery rigidamente.

Jura grunhiu.

— Não comece novamente com suas exibições de honra de cavaleiro. Maldição, pode mentir quando se trata de evitar uma guerra. Preciso de quatro dias. Se ele não retornar comigo dentro de quatro dias, não será necessário enviar a ninguém por nós. Pode fazê-lo, moço? É o suficientemente homem?

— Para mentir? — Perguntou Montgomery.

— Para assumir uma responsabilidade. Deverá lutar contra esses presunçosos cavaleiros dele e não sei se poderá.

— Posso fazer quanto seja necessário.

— Bem, — disse Jura — ninguém deve saber de nada. Sela meu cavalo. Eu irei recolher uma bolsa de comida. Aguarda. Diga aos outros que fui com Rowan para estar a sós com ele. Que fiquei com ciúmes de todas as mulheres que o assediaram ontem e, que ele me levou consigo para me tranquilizar. Servirá de desculpa para que você permaneça aqui e para que ninguém saia em sua busca. — Jura era da mesma estatura que o jovem e, embora se sentisse muito mais velha que ele, só tinha dois anos a mais que o escudeiro; ele tinha traços morenos e atrativos que lhe agradavam tanto. Tomou o queixo dele com seus dedos. — E não será uma mentira tão grande. Seu lorde e eu estaremos juntos e não saberá onde.

Montgomery não tinha a sensação de que Jura era mais velha que ele e ante o assombro dela, tomou seus dedos e os beijou.

— Meu senhor é um homem afortunado.

Jura, um tanto confundida, afastou sua mão.

— Deve te comportar bem com minhas mulheres — disse. — Não desejo que dentro de nove meses haja por aqui meninos meio ingleses. Agora vai e sela meu cavalo.

Montgomery lhe sorriu e Jura se afastou das cavalariças.

— Moço insolente! — Murmurou.

O primeiro problema que confrontou Jura foi à discussão com Cilean, que desejava acompanhá-la. Jura perdeu minutos valiosos lhe explicando que a ausência de Cilean não poderia ser justificada.

— Devo ir sozinha. Risque-me um mapa o quanto antes possível para que eu possa partir imediatamente.

Cilean o fez, protestando constantemente.

— Como conseguirá encontrá-lo? Saiu há várias horas antes que você.

— Pensarei como faria um inglês loiro. Acha que usava sua cota de malha e levava um estandarte inglês? Oh, Cilean, roga por mim. Se o matarem, explodirá a guerra. Depois de seu meloso discurso de ontem, os iriales honrarão sua memória.

— Eis aqui o mapa — disse Cilean e deu um forte abraço em Jura. — Lamento ter duvidado de você. Vai e encontre a este nosso rei errante e o traga contigo de volta. — Afastou-se de Jura. — Como se vestirá?

Jura sorriu.

— Como uma ulten. Isso manterá afastada às pessoas. Minha tia possui roupas dos ulten, tomarei algumas para mim.

Cilean beijou a bochecha de sua amiga.

— Vá com Deus e retorna logo.


Jura se introduziu cautelosamente em território vatell. O traje velho e gasto dos ulten que usava fedia de tal forma, que seu cavalo se espantou ao sentir o cheiro. Jura não o culpava, porque ela mal podia suportá-lo. Tinha tomado um vestido desbotado da casa de sua tia; logo o tinha submerso no esterco dos porcos e polvilhado com cinzas para que adquirisse o aroma e a cor própria de um vestido ulten. Jura compreendeu por que os ulten constituíam a única tribo que se permitia vagar livremente. Ninguém cobiçava nada que pertencesse a um ulten, embora frequentemente os levassem a justiça por ninharias. Debaixo da suja roupa, Jura levava o uniforme verde dos guardiões e um arsenal de armas.

Galopou para o oeste, tomando os atalhos estreitos, não frequentados pelas carroças, nem por grandes grupos de pessoas. Quando chegava às míseras choças e os paupérrimos pomares, mendigava comida e água. Depois de um dia de viagem, compreendeu por que Brita atacava as terras mais férteis do sul, pertencentes aos iriales.

A noite chegou a uma casa pública. No interior do barracão ardiam velas, e Jura ouviu risadas roucas e espadas que se entrechocavam. Se havia uma rixa, certamente ali estaria seu marido inglês. Só rogava ter chegado a tempo para salvá-lo.

Entrou, mas ninguém lhe prestou atenção, pois todos observavam dois guardiões vatell que simulavam atacarem-se com espadonas. Jura se sentiu como tola, mas cobriu o rosto com o sujo capuz e se sentou em uma cadeira vazia.

Todos os que estavam sentados à mesa a olharam imediatamente, horrorizados pelo aroma que despedia. Logo se afastaram dela. Uma mulher muito magra perguntou o que desejava beber, pedindo em troca uma conta de cobre. Jura olhou ao seu redor, mas não viu o inglês loiro.

Contra as paredes se achavam vários vatell, quase tão sujos como ela. Jura bebeu a cerveja. Quando concluiu a rixa, os homens intercambiaram mercadorias, roupas e animais para pagar ou cobrar suas apostas.

— Que aroma é esse? — Perguntou um homem ébrio.

Jura deixou sua caneca de cerveja e se apressou em sair dali o quanto antes, mas alguém pôs uma pesada mão sobre seu ombro.

— É um jovem ulten — gritou outra voz. — Lhe daremos uma lição.

Quando Jura tratou de partir, uma mão puxou seu capuz e seu rosto ficou a descoberto.

— Oh, — disse um deles — é uma moça.

— E muito linda.

— Dar-lhe-emos outra espécie de lição — disse um homem, rindo.

Debaixo de suas roupas, Jura tinha uma adaga em cada mão. Os homens, que eram quase vinte, aproximaram-se dela.

— Bom, bom — disse uma profunda voz que provinha do fundo da taberna. Falava lanconiano com um acento que Jura não conhecia e que soava muito camponês. Um homem curvado e fornido, de cabelos negros e gordurentos e, um tapa-olho sobre um olho, vestido com farrapos, adiantou-se. — Não façam mal a minha filha — disse, aproximando-se de Jura.

Instintivamente, ela se afastou dele.

— Me siga ou a matarão — disse o homem em seu ouvido e Jura reconheceu a voz de Rowan. Estava tão perplexa que o seguiu sem vacilar e os homens, ébrios e saciados de diversão, permitiram que Jura fosse atrás do ancião. Ambos saíram da taberna.

— Você! — Exclamou Jura quando estiveram fora. — Vim para te levar de volta são e salvo.

— São e salvo! — Replicou Rowan depreciativo. — O que sabe você disso? Acabo de pôr a salvo sua virtude e talvez sua vida. Poderia ter protegido a mim mesmo. — Rowan disse. — Tem um cavalo? Devemos nos afastar daqui o quanto antes possível. Ou o deixou onde estes vândalos pudessem vê-lo? Meu Deus, como cheira mal.

— Meu cavalo está oculto.

—Bem, então monte e galope durante uma hora para noroeste. Logo se detenha. Reunir-me-ei ali contigo.

— Não pode voltar a entrar ali. Deve retornar à terra dos iriales e...

—Vá. — Ordenou ele. — Alguém se aproxima e ainda não concluí o que devo fazer aqui.

Jura deslizou na escuridão, montou sobre seu cavalo e começou a galopar. Não desejaria deixar Rowan ali, mas intimamente sabia que tinha experimentado muito mais temor quando os homens a tocaram. Também estava surpreendida com o disfarce de Rowan e a forma em que se confundiu com a multidão. Depois de uma hora chegou a uma curva do rio e soube que esse era o lugar em que se encontraria com Rowan.

Deu comida a seu cavalo e o atou a um arbusto. Logo tirou o fedorento traje ulten, subiu a uma árvore e aguardou Rowan. Não demorou a chegar. Ela viu como apeava do cavalo. Depois, imóvel, olhou a seu redor. Voltou-se e olhou para a copa da árvore, mas Jura sabia que não podia vê-la.

— Desça — disse ele.

Jura desceu por um ramo e caiu frente a ele.

O tapa-olho que tinha usado sobre o olho estava sobre sua testa.

— E bem, o que faz aqui?

— Já lhe disse. Vim para te levar de volta.

— Você? Levar-me? Amanhã pela manhã retornará à terra dos iriales.

— E o que planeja fazer você?

— Achar Brita e falar com ela.

— E como pensa achá-la? —Perguntou Jura.

— Se esta noite não tivesse se intrometido, talvez tivesse averiguado onde está. Esses dois guardiões estavam muito ébrios e teria podido os convencer que me dissessem isso, mas tive que sair para te salvar. Ainda cheira mal, apesar de não usar essa roupa que tinha posta.

Jura se apoiou contra a árvore e começou a tirar as botas.

— Se os iriales soubessem que veio sozinho à terra dos vatell, teriam atacado.

— O que faz?

— Dispo-me. Tomarei um banho. Sua missão solitária poderia ter desencadeado uma guerra — tirou as calças.

Rowan a olhou, atônito.

— Não desejo discutir — disse com voz tensa. — Fiz o que devia fazer. Oh, Deus, — acrescentou quando Jura concluiu de despir-se e permaneceu nua à luz da lua. Parecia uma escultura. — Jura, faz-me sofrer — murmurou ele, apoiando-se contra a árvore.

— Sou sua mulher — disse ela brandamente. Logo levantou a cabeça. — Parece que alguém vem para cá — disse, refugiando-se nos braços do Rowan. — Oculte-me.

Rowan, encantado, não a envolveu em sua capa como deveria fazê-lo. Permaneceu ali de pé, com seu corpo apertado contra o de Jura, apoiando suas mãos sobre as costas dela.

Ela esperou que ele a beijasse, mas não o fez. Jura roçou seus lábios contra os dele. Foi suficiente. As mãos de Rowan começaram a acariciar todo seu corpo febrilmente e seus lábios a beijaram com paixão. Beijou-a, acariciou-a e Jura achou maravilhoso. Era lindo sentir-se feminina, desejada, adorada, perseguida. Ela devolveu seus beijos apaixonadamente.

— Me peça, Jura — disse ele, implorante.

Ela não o ouviu.

— Por favor, me peça — repetiu ele.

Jura o afastou de si. Rowan estava louco de desejo.

— Uma irial não roga jamais — disse e o cuspiu. Voltou-se e foi para o rio. A água refrescou sua pele ardente. Amaldiçoou-o. Que espécie de animal era para gostar dos rogos de uma mulher? Deveriam prendê-lo... e Thal tinha acreditado que era apto para reinar!

Quando saiu do rio, secou-se e se vestiu. Rowan tinha acendido uma pequena fogueira e, sobre ele, assava duas lebres.

— Jantarei — disse ele.

— E o que devo fazer para ganhar meu jantar? Pôr-me de joelhos e rogar? Ou só se roga na cama? Talvez para receber alimento deva zurrar como um asno. Perdoe-me, mas desconheço as regras inglesas que regem o comportamento matrimonial.

— Jura, — disse ele — por favor, não seja mordaz. Sou um cavaleiro. Fiz um juramento, um estúpido juramento que se converteu em meu castigo, mas jurei ante Deus e devo cumpri-lo. Se tão somente...

— Aonde pensa ir amanhã? — Perguntou ela. Não desejava falar sobre como mal a fazia se sentir: durante momentos era desejável e logo rechaçada desdenhosamente.

— Você retornará para junto dos iriales. Eu irei em busca de Brita.

Ela sorriu maliciosamente.

— Eu tenho o mapa. Não, mesmo que se atreva a me revistar, não o encontrará. Aprendi-o de cor. Irei contigo. Ambos acharemos Brita e ambos falaremos com ela.

— Por que não me casei com uma doce e tenra mulher inglesa? — Balbuciou Rowan. — Toma. — Jogou-lhe uma coxa da lebre.

— Não fez juramentos sagrados em relação às coxas de lebre?

— Só em relação às harpias — disse ele. — Agora, come. Depois dormiremos e amanhã partiremos cedo. Devemos percorrer muitos quilômetros.

— Talvez. — Disse Jura e sorriu docemente.

Rowan a olhava com fúria.

Ela dormiu bem essa noite, mas Rowan se levantou em duas ocasiões, despertando-a.

— Desperta antes do amanhecer — disse ele e lhe jogou o fedido vestido ulten. — Isso fará diminuir meu interesse por você. — Deu-lhe pão e queijo.


— Te prepare para cavalgar. — Disse Rowan ao amanhecer.

— Sim, meu senhor — disse ela zombeteiramente.

Cavalgaram durante duas horas, até que Jura disse que se detivessem e tomassem um estreito atalho que penetrava no bosque. Era um caminho para pedestres que em duas ocasiões, Rowan teve que cortar ramos de árvores para que passassem os cavalos.

Ao meio dia fizeram um alto para comer bolos de carne fria que Jura tinha trazido.

— Deveríamos trocar de roupa — disse ela. Olhou o cabelo gordurento de Rowan. — Uma ulten e um... seja o que for, são aceitáveis individualmente, mas fazemos um casal pouco atrativo. Não devemos nos aproximar da cidade de Brita com estas roupas.

— O que sugere?

— À dezesseis quilômetros daqui está a mansão de um parente de Brita muito rico. Talvez possamos tomar algumas roupas desse homem e sua esposa.

Jura olhou para Rowan e se surpreendeu pensando que parecia menos atrativo com seus cabelos artificialmente escuros. Rowan tinha o cenho franzido e Jura se perguntou se estaria zangado por ver-se obrigado a seguir os planos urdidos por uma mulher.

— Seria necessário saber onde se encontram as roupas e não acredito que seja fácil entrar e sair da casa. Deve me jurar que logo retornará imediatamente a terra dos iriales.

— Não formulo juramentos com a mesma facilidade que você. Cilean visitou esta casa em várias oportunidades quando foi cativa dos vatell e sei como é. Seguir-me-á e...

— Não te seguirei — disse ele. — Você permanecerá oculta no bosque até que eu retorne.

— Já veremos — disse Jura, sorrindo.

A grande mansão de pedra se delineava a luz da lua e só se ouviam os movimentos dos cavalos e o som metálico da espada de um guardião vatell.

Rowan e Jura se apoiaram contra o muro e aguardaram. Quando o guardião se afastou, Jura fez um sinal a Rowan para que fosse atrás dela, entrando em uma porta de madeira, que dava na despensa. Pendurados, viam-se patos, gansos e partes de carne de veado. Além disso, havia bolos de frango e carne, preparados para a comida do dia seguinte. Jura abriu cautelosamente a porta e se introduziu em um estreito vestíbulo, em cujo extremo havia luz e se ouviam vozes. Jura foi até ali, mas Rowan a fez retroceder. Apontou uma erguida e escura escada circular de pedra que havia a poucos metros. Rowan desembainhou sua espada e se dirigiu para ela. Na planta alta acharam facilmente o quarto dos donos da casa. Quando passou junto a eles uma criada, esconderam-se entre as sombras. Logo se introduziram ao quarto e foram para uma grande cômoda encostada na parede.

Os vatell se vestiam de forma similar aos iriales, com botas atadas com laços e uma pesada túnica que chegava até os joelhos. Rowan tirou da cômoda uma túnica azul de lã leve.

— Não. — Murmurou Jura. — Fará ressaltar o azul de seus olhos. Que por si só já são muito chamativos.

— Oh, — disse Rowan com interesse, voltando-se para olhá-la. Estavam muito juntos. — Não sabia que tinha percebido a cor de meus olhos.

— Tenho-o feito, ocasionalmente — murmurou ela.

Parecia a ponto de beijá-la, mas neste momento se abriu a porta. Rápida como um raio, Jura saltou dentro da grande cômoda e Rowan a seguiu, fechando a tampa sobre suas cabeças. Estavam comprimidos um junto ao outro, transmitindo-se mutuamente o calor de seus corpos e, também, infelizmente, sentindo o roce metálico de suas armas. Algo pressionava as costelas de Jura que estava segura de que se tratava do machado de Rowan. Não se atreveu a mover-se por temor a ser descoberta.

Permaneceram imóveis escutando os passos que se ouviam no quarto. Pensaram que devia tratar-se de uma criada. Quando esta se aproximou, Jura se preparou para atacar.

Quando a criada levantou a tampa da enorme cômoda de carvalho saíram duas pessoas de aspecto feroz que se levantaram sobre ela.

Muito lentamente, a mulher desmaiou.

Rowan e Jura, que estavam dispostos a lutar, olharam à pequena mulher estendida aos seus pés e puseram-se a rir. Era a primeira vez que riam juntos.

Sorrindo, Jura começou a tomar roupa da cômoda.

— Segura, levaremos estas e será melhor que a atemos e a ponhamos no interior da cômoda. Isso nos dará tempo para fugir. Envolveram a criada em um dos vestidos da proprietária de casa, colocaram uma meia dentro de sua boca e Rowan a colocou cuidadosamente dentro da cômoda. Neste momento, a criada abriu os olhos e o olhou assustada.

— Não se preocupe encanto — disse ele. — Há bastante ar aí dentro e logo virão te resgatar. Certamente sentirão saudades de uma mulher tão bonita como você. Descansa, estará bem. — Inclinou-se e beijou sua testa.

Jura esteve perto de deixar cair à tampa sobre sua cabeça.

Rowan tirou os dedos a tempo.

— Lamento-o — disse ela. — Escorregou. Está preparado para partir ou tenta permanecer aqui e te converter em criado?

— Estou preparado — disse ele, sorrindo. — Certamente, você me conduzirá.

— Deve fazê-lo o mais capaz possível — disse ela dirigindo-se para a porta.

Chegaram à despensa sem inconvenientes. Rowan se apoderou de dois bolos antes de sair. Estava eufórico depois do pequeno ataque de ciúmes de Jura. Quase tinha perdido a esperança de que alguma vez se interessasse por ele.

Passaram junto aos guardiões sem serem vistos e correram, escondidos, até o bosque. Montaram sobre seus cavalos e saíram a galope. Depois de uma hora de marcha, Rowan se internou no bosque, conduzindo seu cavalo até uma escuridão. Ocultaram-se ali e aguardaram em silêncio. Pouco depois ouviram que passavam muitos homens a cavalo.

Quando desapareceram, Rowan fez um sinal a Jura para que o seguisse e subiram pelo íngreme aterro para o topo da colina.

— Podemos dormir aqui — disse Rowan, estendendo as mantas que levava sobre seu cavalo. Antes de deitarem-se, vestiram as roupas dos vatell, já que os cavaleiros estariam procurando uma ulten e a um mendigo.

— Amanhã deverá te lavar — disse Rowan, olhando as estrelas — ou pensarão que é ulten pelo aroma.

— Talvez devesse trazer contigo essa criada e me deixar. Ela era bonita e cheirava bem.

Rowan sorriu na escuridão.

—Jura, não existe mulher mais bonita que você e, embora cheire mal, é mais doce que cem princesas juntas.

Jura abriu os olhos, atônita. Não sabia por que se enfureceu tão quando Rowan elogiou à atemorizada criada, nem por que tinha reagido como uma menina, mas era surpreendente como suas palavras pareciam tão agradáveis. Daire a elogiava quando ela atirava doze flechas e acertava no alvo. Geralt e Thal jamais lhe haviam dito um galanteio. Muitos homens lhe haviam dito que era bonita, mas não o tinham feito dessa maneira. Se o tivessem feito, ela os teria ameaçado com sua adaga. Mas essa noite as palavras de Rowan lhe agradaram. Desejava continuar ouvindo-as.

— Você... fez muito bem esta noite — disse ela com vacilação. — E conseguiu entrar em território vatell sem ser reconhecido. Foi uma boa ideia tingir os cabelos.

— Acreditava que não poderia fazê-lo? — Disse ele secamente. Muito feminina, pensou, alguém a elogia e ela te insulta. Voltou às costas para ela. Já estava farto de que ela insinuasse que era um incompetente. Era uma mulher frustrante. — Amanhã retornará com os iriales.

Jura fez uma careta e não respondeu. Este inglês era muito estranho.


Mas na manhã seguinte não tiveram tempo para discutir. Jura despertou em alerta. Seus sentidos diziam que algo estava mal. Lentamente, estendeu sua mão para tocar Rowan, que dormia a poucos centímetros dela. Ele despertou imediatamente e viu o alarme nos olhos de Jura.

Ante a consternação de Jura, Rowan ficou de pé e começou a gritar.

— Maldita seja, mulher, sempre está me perseguindo. Não posso dormir.

Jura viu que, ao mesmo tempo, tomava sua espada.

Ela tomou também a sua e a apontou para a garganta dele.

— Te perseguir? — Gritou a sua vez. — Não vale a pena. Tive amantes mais velhos que você e muito melhores.

— Demonstrarei quem é o melhor — disse ele, levantando-se sobre ela. — Gira para minha direita — disse Rowan ao ouvido. — Oculte-se no bosque e aguarde.

Jura rodou para sua direita e ficou de pé, empunhando a espada firmemente com ambas as mãos, colocando-se detrás de Rowan, tal como lhe tinham ensinado nos treinamentos.

Dois homens com aspecto de ladrões se aproximaram de Rowan, com adagas nas mãos. Pareciam famintos e dispostos a cometer um crime para lhes tirar o pouco que tinham.

— Sou seu rei, — disse Rowan — deixem cair as armas. Compartilharei tudo quanto tenho com vocês.

— Não lhes dará meu cavalo — disse Jura, olhando a seu redor se por acaso apareciam mais assaltantes.

— Rei? — Disse um dos homens e logo riu depreciativo antes de atacar Rowan.

Jura, de costas para Rowan ouviu o ruído da luta e voltou levemente à cabeça para saber quando devia intervir, mas Rowan era muito bom lutador. Jura se surpreendeu ao comprovar que lutava como um lanconiano.

Um dos ladrões caiu no chão e Rowan avançou para o outro, enquanto Jura se mantinha perto de suas costas. Estava bem adestrada e combinava seus movimentos como se ambos estivessem dançando. Quando ele se movia, ela também o fazia.

Jura ouviu que o segundo ladrão se queixava de dor, mas não voltou à cabeça porque, tal como tinha previsto, apareceu um terceiro ladrão. Empunhava uma espada e se dirigia para ela. Ela rechaçou o ataque e começou a lutar.

— Corre, Jura, corre — ordenou-lhe Rowan. Ela o amaldiçoou por tratar de confundi-la. Estava treinada para obedecer às ordens, mas essa ordem era equivocada.

Jura lutou com todas suas forças. Nem sequer vacilou quando foi ferida no braço. O homem, frenético, subia e baixava sua espada e Jura atalhava os golpes com a sua. Logo contra-atacou e o obrigou a recuar para o bosque, lançando contra ele fortes estocadas. Pela extremidade do olho viu que Rowan, que já tinha concluído sua própria luta, dirigia-se para ela. Logo se deteve para observar.

Jura encurralou o homem contra uma árvore, pronta para atravessá-lo com sua espada.

— Não — disse Rowan. — É um lanconiano.

— É um vatell — disse Jura, mas vacilou e não o matou.

— Tome — disse Rowan, oferecendo um bolo de carne ao homem. — Tome isto e leve seus amigos. Só estão feridos. Recordem que devem suas vidas ao rei. Ao rei de todos os lanconianos.

O ladrão olhou para Rowan, pensando, como Jura, que estava louco e que seria melhor afastar-se dele o quanto antes possível. Tomou o bolo e correu para o bosque. Os outros dois homens se afastaram, grunhindo e coxeando.

O sol começava a aparecer. Rowan viu o braço sangrando de Jura e a levou até uma rocha. Logo trouxe tecidos e água fresca de seus alforjes. Brandamente, lavou e enfaixou seu braço. Era uma ferida superficial.

— Nunca tinha visto nada igual — disse ele. — Refiro-me à forma em que protegeu as minhas costas. Feilan não me disse nada sobre as mulheres que protegem as costas de um homem.

— Talvez achasse que você sabia. O que faz uma inglesa nesse caso? Se tivesse estado aqui com sua irmã, o que teria feito ela?

— Lora teria se ocultado no bosque, tal como te disse que você fizesse.

— E o terceiro ladrão a teria atacado e o teria matado pelas costas. Juntos, formamos uma coluna impenetrável, com olhos que veem para todos os lados.

Rowan franziu o cenho.

— Sei, mas não me agrada. Deveriam adestrar aos homens para que se protegessem entre si.

— Os homens são mais fortes, e frequentemente a mulher só o guarda e não luta. Não estaria bem desperdiçar um braço forte só para oferecer amparo.

Rowan terminou de enfaixá-la, mas ainda tinha o cenho franzido.

— Agradeço-te o amparo, mas da próxima vez deve...

Jura o beijou. Seu gesto surpreendeu a ambos. Ela olhou com ansiedade.

— Jura — murmurou.

Ela sabia que ia pedir que lhe rogasse. Zangada, ficou de pé e foi para seu cavalo.

— Se desejamos chegar até onde se encontra Brita, devemos prosseguir a viagem. — Sua voz e seus gestos delatavam sua fúria. Zangada, montou sobre seu cavalo e empreendeu o galope, sem voltar-se para comprovar se ele a seguia.

Tinham chegado a um terreno mais elevado. Subiam as montanhas que formavam a fronteira norte do território lanconiano e o ar era mais leve e fresco. Estavam longe do atalho indicado por Cilean e demorariam mais tempo em chegar à cidade fortificada de Brita.

Rowan galopava ao seu lado, mas Jura não o olhava.

— Que aspecto tem Brita? — Perguntou ele.

Jura, levantando o queixo, respondeu:

— Nunca a vi nem perguntei como é seu aspecto. É a mãe de Daire, de modo que deve ser velha. Conduziu seus exércitos contra Thal e contra os fearen. Quando eu era menina, ouvi dizer que inclusive atacou aos zernas, de modo que deve estar cheia de cicatrizes. Não acredito que seja uma beleza, se for isso o que deseja saber.

— Jura, não podemos...? — Começou a dizer Rowan, mas Jura açulou seu cavalo e se afastou dele.

Podia lhe perdoar muitas atitudes estranhas, porque era inglês, mas não podia perdoar que tivesse flertado com uma criada e que logo a rechaçasse. Ao meio dia se detiveram junto a um arroio e Jura se observou nas águas refletidas. Nunca tinha se preocupado com seu aspecto; só tinha se preocupado com sua destreza com as armas, mas tinha observado os olhares dos homens e sabia que os atraía. Então, por que seu marido inglês a rechaçava? Porque não era loira como a irmã dele? Só lhe agradavam as mulheres pálidas?

Acamparam ao entardecer. Não acenderam fogueira porque estavam perto da cidade murada de Brita.

— Imagino que seria te pedir muito que não fosse comigo manhã — disse Rowan, arqueando as sobrancelhas e olhando para Jura.

— Alguém deve cuidar de suas costas — disse ela. — Supus que amanhã entraríamos na cidade. Acredito que podemos fazê-lo sem problemas. É vantajoso que fale nosso idioma.

Identificaremos Brita e quando sair, a prenderemos. Há uma choça camponesa a um dia de viagem daqui. Poderemos retê-la ali para que fale com ela. Mas deveremos nos certificar de que os camponeses não nos delatem.

— São essas, todas as decisões que tomou? — Perguntou Rowan em voz baixa. — Não decidiu que eu não devo participar? Talvez seja um estorvo para você.

— Você é quem me ordena permanecer no bosque — disse ela sem compreender o que tinha feito agora para irritá-lo. — Tem um plano melhor que o meu?

— Não — disse ele entre dentes. — É o mesmo que eu tinha, exceto que pensava entrar sozinho na cidade, mas... — interrompeu-se.

— Que diferença há que eu exponha o plano ou você? Acredito que é positivo que estejamos de acordo a respeito de algo.

Rowan deu um chute em uma rocha.

— É uma mulher — murmurou.

— E não é suficiente — disse ela em voz baixa, dando a volta. Ganhar um homem parecia simples. Só devia vencer a cinquenta ou mais mulheres e ser melhor que elas na luta, tiro ao alvo, em corridas e saltos. E depois, o que se fazia para agradar a um homem depois de havê-lo ganhado?

Dormiram a escassa distância um do outro e durante a noite, os movimentos de Rowan a despertaram. Instintivamente, aproximou-se dele. Adormecido, ele a aproximou de seu corpo, abraçando-a com força. Ela se sentiu tão bem, tão forte, tão abrigada. Aconchegou-se junto a ele e dormiu.

Pela manhã despertou antes que ele e se afastou rapidamente de Rowan. Não desejava suportar outra discussão a respeito de "rogos".


Quando abriram as portas da cidade, entraram nela. Não era uma cidade rica, e era muito distinta da Escalon. Havia casas e pequenas lojas. Os homens e as mulheres iam e vinham. Mas o lugar refletia uma grande pobreza. A cidade cheirava a excrementos e a cadáveres de animais. Os camponeses, vestidos com farrapos, olhavam a Jura e Rowan, esplendidamente vestidos.

Detiveram-se para comprar jarros de soro de manteiga que lhes ofereceu um mascate.

— Onde vive Brita? — Perguntou Rowan.

— A rainha Brita — disse Jura, sorrindo para o vendedor. — Devemos falar com ela de negócios.

— Lá. — Disse o homem, apontando uma casa de pedra cravada no lado norte da muralha de pedra que rodeava a cidade. Era uma casa grande, mas comum; não se parecia com a casa grande e suntuosa que Rowan e Jura tinham roubado as roupas que usavam.

— Hoje sairá de caça — disse o vendedor. — Poderão vê-la passar com sua guarda. Ali está. A porta está se abrindo e saem os guardiões.

Rowan e Jura agradeceram e se ocultaram à sombra de um edifício, aguardando que passasse a rainha.

Embora a tribo vatell não possuíssem terras de pastoreio nem de cultivo, a guarda da rainha se vestia magnificamente. Os vinte homens que cavalgavam junto a ela estavam ricamente vestidos com lã azul de boa qualidade e suas armas eram de aço fino. Jura sabia que não provinham da Lanconia. Os cavalos eram altos, fortes e belos. Pareciam bem alimentados e cuidados.

Mas Brita era melhor que todos eles. Cavalgando em meio desses homens bonitos e erguidos, parecia um sol rodeado de vinte luas. Era alta, magra e decididamente linda. Usava um vestido comprido de estilo inglês, muito apertado na cintura e feito com uma fina lã de cor branca, que fazia ressaltar seus olhos e cabelos escuros.

Quando ela passou, toda a cidade pareceu deter-se: cada homem, mulher, menino, e inclusive cada animal, fez um alto para contemplá-la. Quando saiu pelas portas da cidade se escutou um murmúrio.

— Velha, verdade? — Disse Rowan a Jura. — Não é estranho que os homens a persigam. Talvez eu faça o mesmo.

Jura o olhou encolerizada, mas ele sorria bobamente e tinha o olhar fixo nas portas que Brita acabava de atravessar.

— Iremos atrás dela ou não? — Disse com fúria.

— Isso eu adorarei — disse ele, sorrindo estupidamente, indiferente ao olhar colérico de Jura.

Montaram sobre seus cavalos e saíram da cidade até chegar a uma colina, da onde podiam ver toda a cidade e a planície que se estendia mais à frente. Brita e seus homens não se afastaram muito da muralha da cidade, pois entraram no bosque próximo, para caçar.

— A seguirei e...

— Seguiremos — disse Jura. — A afastaremos de seus homens e logo a capturaremos. Posso arrojar minha capa sobre ela e...

— Me seguirá e fará o que eu diga. Em marcha. Iremos por este caminho e a vigiaremos. Quando pudermos, nos apoderaremos dela.

Finalmente, foi Jura quem possibilitou a captura de Brita. A rainha se afastou da maioria de seus homens. Só dois deles estavam perto e ela perseguia um grande javali. Jura pensou que ela estava ridícula com esse vestido branco em uma partida de caça, mas Rowan a olhava, encantado.

— Distraia aos homens — disse Jura. — Eu espantarei o javali e Brita irá atrás dele.

Jura viu a expressão exultante e ansiosa de Brita enquanto perseguia o animal. Seus homens permaneceram afastados dela, vigilantes e atentos. Quando ouviram o grito angustiado de um homem, todos, menos um, correram para averiguar o que ocorria.

Brita concentrada na perseguição do javali, não tinha ouvido nada. Jura tomou sua lança e avançou. Embora Brita não aparentasse ter os quarenta anos, ou mais, que tinha, Jura soube que estava envelhecendo, pois demorava muito em capturar o animal. O javali, enlouquecido de dor, se voltou e investiu contra Jura, que já tinha previsto isso.

Jura se agarrou ao ramo baixo de uma árvore e se elevou no ar, enquanto o animal sangrando passou correndo por baixo. Perto dele vinha Brita, com seu imaculado vestido branco.

Jura saltou sobre seu cavalo e conseguiu que o guardião corresse para ela. Sorrindo, Jura conseguiu despistá-lo e logo tomou o caminho seguido por Brita. Um guardião irial não se desorientaria tão facilmente.

Logo viu Rowan galopando para o sul, onde tinham acampado na noite anterior. Sobre seus arreios levava Brita. A rainha não parecia oferecer maior resistência e, aparentemente, Rowan não a tinha amarrado e nem amordaçado.

Franzindo o cenho, Jura galopou para eles. Pouco depois, dois homens de Brita a viram e Jura teve que galopar bastante para fugir deles. Entardecia quando chegou à choça camponesa. Estava debilitada pelo cansaço, a fome e preocupada com Rowan, a quem a ardilosa Brita poderia ter ferido.

Viu velas que ardiam no interior da choça e Jura foi tomada pelo temor. Imaginou achar Rowan pendurando no teto, torturado por Brita e seus homens. Cautelosamente, deslizou-se por uma lateral da choça, com sua espada entre as mãos e uma adaga entre os dentes. Olhou por uma janela lateral.

Não pôde dar crédito a seus olhos.

Rowan estava sentado em uma banqueta, com um antigo alaúde sobre o colo. Seus cabelos eram novamente loiros. A deslumbrante Brita estava sentada no chão, a seus pés, com as pernas encolhidas e olhando-o encantada. Frente a eles havia um casal de camponeses e três meninos. Olhavam ao casal como se se tratasse de um par de anjos.

— Toca outra peça — disse Brita para Rowan com voz rouca.

Ele lhe sorriu.

— Sim, minha rainha, o que você queira.

Jura estava tão estupefata que a adaga que levava entre os dentes caiu no chão, golpeando contra as pedras.

Rowan ficou imediatamente de pé, tomou a espada que tinha apoiado contra a parede e saiu. Segurou Jura antes que ela pudesse chegar até seu cavalo.

— Onde esteve? — Perguntou.

— Onde estive? — Gritou ela. — Estive afugentando a dois guardiões para que não lhe perseguissem. Estive tentando protegê-lo, e você... você... — Estava muito zangada e não podia terminar a frase.

— Brita enviou uma mensagem a seus homens. Acreditei que todos sabiam que ela desejava permanecer comigo. Pensei que estava se banhando antes de se apresentar diante da rainha. — Olhou-a de cima a baixo. — Não seria uma má ideia, Jura. Está muito suada.

Jura levantou sua espada com a intenção de mutilá-lo, preferencialmente, decapitado. Ele segurou seus braços.

— Jura, o que você tem? Se tivesse sabido que estava em perigo, teria ido te resgatar, mas não o suspeitei. Brita enviou seus homens de volta. Vamos, não te zangue. Brita aceitou permanecer comigo e falaremos da união das tribos. É o que desejamos. Não há motivo para que te zangue. Venha conhecê-la. É inteligente, educada e sua companhia é extremamente prazerosa. Você vai gostar dela.

— É óbvio que te agrada — disse ela secamente.

— Não é o momento para estar com ciúmes. Uma coisa é que esteja com ciúmes de uma criada, mas não pode estar de uma rainha como Brita. Venha. Não, talvez devesse se banhar antes.

Ela se afastou bruscamente dele.

— De modo que meu aroma te desagrada — disse. — Cheiro assim porque tratei de te proteger, mas não necessita mais amparo, pelo menos com respeito às flechas e espadas. Diga-me, deverei fazer uma reverência diante desta velha rainha? Deverei lhe rogar como a você?

— Jura, não te compreendo. Se desejar te reunir com ela cheirando como cheira, não tenho inconveniente. Só pensei que...

— Jamais pensa — gritou ela e correu para o bosque.

Odiou a si mesmo por reagir dessa maneira e odiou os sentimentos que se agitavam em seu interior. Até que esse inglês de maneiras estranhas chegasse a Lanconia, sempre tinha compreendido a si mesmo. Sempre soube onde estava e para onde ia. E também tinha compreendido os homens. Os homens lanconianos apreciavam as mulheres fortes e sensatas. Thal lhe mostrava mapas e requeria sua opinião sobre as campanhas que pensava empreender e quando pensava que suas respostas eram infantis o dizia, geralmente com voz gritante. Daire esperava que ela fosse forte e valente e, quando ambos lutavam em batalhas, ele pensava que era natural que ela protegesse suas costas.

Mas o que desejava dela este inglês? Zangava-se se o protegia e se zangava se o beijava. Não queria que cavalgasse ao seu lado. Não desejava escutar seus planos para capturar Brita. Dizia que queria que se ocultasse no bosque e, entretanto, ali estava, adulando a uma mulher que tinha aterrorizado a duas gerações de homens. Jura acreditou ter recebido sua cota de terror esse dia, mas ele só sabia dizer que ela cheirava mal.

Fez uma careta ao pensar em Brita e seu vestido branco. O estúpido inglês estava embevecido com ela, mas Jura conhecia a história dessa mulher. Talvez ela dissesse que tinha enviado seus homens de volta, mas dois deles tinham perseguido Jura durante horas. Que outras mentiras lhe havia dito?

Sem dúvida tinha ordenado a seus homens que reunissem um exército e atacassem matando o rei irial.

Jura saiu do bosque e retornou à choça. Essa noite permaneceria ali, fora da casa, vigiando a casa dos camponeses. Desse modo poderia advertir ao "estúpido" que os vatell se dispunham a atacar.


Capítulo 10

Jura despertou sobressaltada quando seu corpo caiu para frente. Estava apoiada contra uma árvore e tinha conseguido manter-se acordada durante quase toda a noite, mas poucas horas antes do amanhecer, a cansaço a tinha vencido.

— Está a salvo — disse uma voz perto dela.

Surpreendida, voltou-se e viu Rowan. Estava deitado no chão perto dela. Parecia ter dormido ali.

— Quanto tempo faz que está aqui? — Perguntou ela secamente, esfregando os olhos.

— Quando você dormiu me aproximei para ficar do seu lado.

Ela se ergueu, tratando de ignorar a dor que sentia nas costas.

— Olhe — disse ele, apontando a camponesa que nesse momento saía da choça. — Eles estão acordados e nós estamos a salvo. Disse-te que confiasse em mim. Brita está interessada em meu plano para unir às tribos. Ontem à noite falamos durante horas.

Ela o olhou. A luz do amanhecer iluminava seus cabelos dourados. Seus olhos eram tão azuis como as águas de um lago.

— Tirou a gordura do cabelo para convencê-la? Tem descoberto o que deseja e obteve que não mate a dois iriales?

Rowan fez uma careta.

— Jura, por favor, fala com ela. É uma mulher inteligente e acredito que te agradará.

Jura compreendeu que sua reação era infantil, depois de tudo, essa mulher era a mãe de Daire, e sempre tinha amado seu filho. Era provável que lhe agradasse. Ficou de pé.

— Estou disposta a conhecê-la.

Rowan também ficou de pé e lhe sorriu.

— Não o lamentará — disse.

Jura, muito ereta, entrou na choça. Brita estava sentada sobre uma pequena banqueta de frente ao braseiro. Olhou para Jura.

Jura teve a sensação de conhecê-la. Brita sempre tinha vivido em um mundo de homens. Jura conhecia sua história e, frequentemente, perguntava-se como uma mulher podia controlar uma tribo e, acima de tudo, manter esse controle, mas quando viu os brilhantes olhos negros de Brita, compreendeu. Nesses olhos viu força e ambição. Em uma ocasião, Jura tinha perguntado a Daire por que sua mãe não lutava contra Thal para recuperar seu filho mais velho, mas agora Jura captou que Brita não poria em perigo seu trono por ninguém, nem sequer por seu filho.

E Jura também percebeu que Brita a considerava sua inimiga. Quando olhou a linda mulher estremeceu e se perguntou o que possuía ela que Brita pudesse desejar.

— Bem, — disse Brita com sua voz rouca — você é a mulher que deixou meu filho no altar e traiu sua melhor amiga para obter o rei inglês.

Jura teve o impulso de explicar e defender-se, mas não o fez.

— Sim — respondeu. — É melhor ser a rainha dos iriales que dos vatell, que morrem de fome.

Atrás dela ouviu o grunhido de Rowan, mas não deixou de olhar para Brita. Compreendiam-se e a guerra já estava declarada.

— Conforme dizem, uma rainha virgem — disse Brita, olhando Jura de cima a baixo e sorrindo ao ver que Jura usava a túnica e as calças azuis das guardiãs vatell e, um arco e flechas sobre suas costas. Contrastava com o belo vestido branco de Brita, e seu colar de ouro e esmeraldas, caindo sobre seus seios opulentos. — Talvez seu marido não goste de uma mulher tão masculina. Talvez deseje uma verdadeira mulher.

"Então é isso," pensou Jura "quer Rowan".

— Ganhei e perdi com facilidade — disse girando para partir. Rowan bloqueava a entrada e ela teve que empurrá-lo para passar.

Caminhou um quilômetro e meio pelo bosque, até chegar a um pequeno arroio, logo tirou as odiosas roupas dos vatell e se inundou na água fria, para tirar o mau aroma. Nunca tinha sido tão desventurada em sua vida. Nunca havia se sentido tão perdida, nem sequer quando morreram seus pais. Daire tinha estado ao seu lado para cuidá-la... até agora.

Agora esse inglês tinha entrado em sua vida para fazê-la desgraçada. Queixava-se de tudo que ela fazia. Se ela salvava sua vida, dizia-lhe que devia ter se oculto no bosque.

A fazia sentir-se indesejável.

Saiu da água e, sem secar-se, voltou a vestir a roupa dos vatell.

— Aqui está — disse Rowan, mas ela não o olhou e continuou atando as botas.

— Falei com ela — disse com voz abatida. — Estava certa. A mulher deseja uma aliança entre os iriales e os vatell, mas não como a que eu planejava. Deseja casar-se comigo. Quer que te repudie e me case com ela. Se o fizer, permitirá que os vatell se casem com os iriales. — Franziu o cenho, olhando para Jura. — Não deveria se afastar tanto da choça. Estes bosques são perigosos.

— E a choça é segura? — Perguntou ela. — Estive pensando que também você está certo: meu lugar não é aqui, na terra dos vatell. Não devia ter vindo. Depois de comer, partirei. — Quis encaminhar-se para a choça, mas Rowan a puxou por um braço.

— Não pode viajar sozinha neste território. O homem que te veja, te atacará.

— Por quê? — Gritou ela. — Por que teria que me atacar um homem? Sou uma donzela, não o recorda? Todos sabem que ninguém me deseja. — Puxou seu braço até soltar-se. — Vá com ela. Diga-lhe que a desposará. Darei sua liberdade e os iriales se alegrarão pela união das tribos através das bodas real. Disse que o matrimônio era a forma de unir às tribos. Pode dar o exemplo.

Ele ficou rígido.

— E você terá Daire — disse Rowan secamente. — É o homem que sempre desejou.

— Sim, Daire — disse Jura e seus olhos se umedeceram pela emoção que lhe produzia sua lembrança. Voltou a cabeça. — Vá com ela. Diga-lhe que obterá o que deseja. Terá a seu loiro rei irial e você começará a unir das tribos.

— Chora por ele — murmurou Rowan. — Derrama lágrimas por Daire.

— Por que não? — Gritou ela. — Sempre o amei. Nunca poderei te amar, que me fala de juramentos e rogos, que não compreende para que se adestra uma guardiã. Vai com ela. Pode ser que te converta em um homem.

A mandíbula de Rowan se tornou tensa.

— Talvez possa fazê-lo. Sim, tem razão, este matrimônio será bom para a Lanconia. Devia ter pensado nisso, antes de convocar o Honorium com a esperança de... — Fez uma pausa e a olhou. — Até agora, deixei-me levar pelos impulsos de meu coração, mas já não será assim. O rei dos iriales se casará com a rainha dos vatell. — Entrecerrou os olhos. — Pergunto-me se o príncipe dos vatell não deveria casar-se com a princesa de outra tribo, em lugar de fazê-lo com a filha adotiva do velho rei.

Jura o esbofeteou. Rowan não tratou de impedir-lhe. A bofetada ressonou através do bosque, mas Rowan nem sequer moveu a cabeça. Olharam-se atentamente.

— Partiremos amanhã — disse ele. — Brita reunirá homens e mulheres jovens de sua tribo e traremos os iriales até a fronteira. Ali acontecerá as bodas

— E eu tomarei Daire, casados ou não — disse ela. — E já não serei uma donzela.

Ele a olhou fixamente. Sua bochecha esquerda tinha a marca da mão de Jura. Voltou-se e se dirigiu para a choça.

— Não parta sozinha — disse Rowan por cima do ombro — ou te perseguirei. — Afastou-se.


Rowan se afastou o suficiente como para que ela não o visse. Depois se apoiou contra uma árvore e esfregou a bochecha dolorida. Tinha desejo de chorar.

Aparentemente, desde o dia em que nasceu soube que seu destino era ser rei e tinha sacrificado tudo por esse reinado. Mas havia um aspecto que nunca tinha discutido com o Feilan, sua faculdade de escolher esposa. Rowan sabia que o consolo de uma esposa podia compensar muitas das vicissitudes de sua vida e tinha decidido casar-se por amor. Por isso tinha corrido o risco do Honorium. Não tinha desejado ofender aos lanconianos, mas por cima de tudo, tinha desejado Jura. Exceto por alguns momentos que pareceu que Mealla seria a vencedora, Rowan tinha tido a certeza de que Jura ganharia... porque a desejava tanto como ele a ela.

Mas não tinha sido assim. Não o tinha desejado absolutamente e a noite em que o descobriu, tinha desejado morrer.

Após, as coisas tinham ido de mal a pior. Ele não podia compreendê-la. Cada vez que tratava de protegê-la, ela se enfurecia. Devia demonstrar seu amor lhe entregando uma espada e pedindo que arriscasse sua vida e lutasse para ajudá-lo? Não tinha sentido. Ela saía de um perigo e se metia em outro, sem dar-se conta de que Rowan estava tão preocupado com ela, que mal podia concentrar-se na tarefa que tinha entre mãos. Ela gritava cada vez que ele tratava de procurar sua segurança. Nada do que fazia lhe agradava.

Estava muito zangado com Jura por sua atitude ante Brita. Brita era encantadora e tinha ordenado a seus homens que partissem, confiando sua vida a Rowan. Ele havia se sentido muito adulado por sua confiança e estava disposto a honrar essa confiança com sua vida.

Depois tinha chegado Jura, dizendo novamente que ele era um tolo e negando-se a conhecer a Brita. Tinha saído furiosa em meio da noite, como se ninguém pudesse atacá-la e como se pudesse defender-se contra um exército inteiro. Ele tinha tido que desculpar-se com Brita para sair e proteger Jura.

A pequena gata teimosa tinha permanecido toda a noite sentada, vigiando a choça. Ele não tinha sabido agradecer-lhe ou teria pensado que era uma idiota. Talvez estivesse certa e a conformidade de Brita tinha sido uma farsa e seus homens atacariam durante a noite. Quando amanheceu e Jura começou a cochilar, Rowan soube que seu instinto não o tinha traído. Brita desejava a paz tanto quanto ele e se desgostou que Jura insinuasse que Brita não era digna de confiança. Zangou-se com Jura por não confiar nele, por duvidar sempre de tudo quanto fazia, por acreditar que era inglês e não lanconiano.

Depois tinha se produzido essa terrível cena na choça, onde ambas as mulheres travaram uma batalha verbal que poderia arruinar as negociações entre as tribos para sempre. Quando Jura saiu correndo para o bosque, ele não a tinha seguido. Tinha permanecido junto de Brita para rogar que a compreendesse e perdoasse. Pensava lhe dizer que Jura era jovem e impulsiva, mas antes que pudesse fazê-lo, Brita ordenou aos camponeses que os deixassem a sós... e logo acariciou a perna de Rowan.

Rowan tinha conseguido apaziguar sua irritação. Brita era muito linda e possuía sem dúvida uma grande experiência sexual, mas ele não a desejava. O mesmo tinha ocorrido na Inglaterra quando as mulheres se ofereciam. Tinha-lhes agradado e adulado, mas nunca tinha experimentado o impulso de lhes fazer amor.

Só Jura tinha conseguido estimular seus sentidos e leva-lo ao êxtase. Só Jura o tinha enlouquecido de desejo.

Em voz baixa e sedutora, Brita lhe havia dito que se casaria com ele. Uniriam as tribos e reinariam juntos na Lanconia e desfrutariam de ardorosas noites de prazer. Inclusive mencionou coisas que Rowan ignorava.

Mas não conseguiu tentá-lo. Rowan só pensava em Jura, que não estava a seu lado, que não o repreendia. Olhou para Brita, mas sua beleza não o comoveu e se perguntou se poderia fazer amor com ela. Provavelmente, não. E muito menos, passar toda uma noite tratando de agradá-la.

Tinha deixado Brita e tinha procurado por Jura para lhe dizer que estava certa em relação à rainha vatell, mas Jura lhe havia dito que não desejava seguir casada com ele. Jura, sua Jura, que gritava e brigava, tinha chorado diante a menção do nome da pessoa que amava. Rowan recordou claramente como havia se sentido na noite em que a ouviu dizer que esperava que nunca a tocasse. Então, tinha formulado um juramento diante Deus e durante semanas tinha estado abatido.

Mas quando a viu novamente, o poder que ela tinha sobre ele o tinha aniquilado. Tinha desejado tocá-la, beijá-la, abraçá-la, acariciá-la. Mas ela tinha reagido com frieza, tinha desconfiado dele. Sempre estava contra ele, enquanto ele permanecia acordado a noite para contemplá-la, e agora ela queria pôr fim a seu frágil matrimônio. Desejava afastar-se dele definitivamente.

Que seja, pensou ele, irritado. Não a obrigaria a permanecer a seu lado e, se ela desejava voltar para junto de outro homem, não o impediria... casar-se-ia com Brita e trataria de ser feliz.

Afastou-se da árvore e se encaminhou para a choça. Deveria dizer a Brita que se casaria com ela.


— É um inglês tolo. — Disse Jura com fúria. — Não conhece nossos costumes.

— É tudo que sabe dizer? — Disse Rowan, olhando-a indignado.

Estavam no bosque, em frente à choça, selando seus cavalos e preparando-se para retornar à fronteira irial. Atrás deles havia cem guardiões vatell que os olhavam com olhos assassinos. E atrás deles, havia cento e cinquenta homens e mulheres jovens. Brita não tinha falado a seu povo persuasivamente. Simplesmente, tinha ordenado a seus guardas que reunissem homens e mulheres adequados. Muitos deles tinham machucados no corpo e as mulheres tinham os rostos manchados de lágrimas.

— Brita não te ajudará a unir as tribos — disse Jura. — Seu plano é o de unir-se aos iriales para conquistar toda Lanconia, e quando o tiver feito, se voltará contra os iriales. Asseguro-te que os odeia. Thal matou seu marido.

— Agora terá um novo marido, — disse Rowan serenamente — um marido fogoso, que apagará as lembranças do que morreu.

— Sempre que não se irrite e que você não formule juramentos diante de Deus — disse Jura. – Gaba-se de seu vigor, mas eu não comprovei sua existência. Talvez devesse me compadecer de Brita, mas me preocupa o dano que possa fazer a meu país. São muitos os que confiam em você. E você é tão tolo por confiar nela.

— Talvez diga isso porque está com ciúmes — disse ele.

— Do quê? Estive casada contigo e esse matrimônio me tem feito se sentir muito sozinha. Talvez devesse advertir Brita que não possui fibra. — Montou sobre seu cavalo e o olhou. — Agora lhe é útil, de modo que está a salvo, mas quando ela pensar que já não o é, cuide de suas costas. É possível que ataque a traição.

Jura galopou um trecho e se voltou para olhar aos vatell, que a sua vez a observavam. Brita saiu da choça e montou sobre seu cavalo. Usava um vestido de lã amarelo e uma coroa com rubis. Rowan se aproximou dela e Brita lançou a Jura um olhar vitorioso.

Logo estendeu sua mão e Rowan a beijou.

Jura se voltou e empreendeu a cavalgada. Temia a longa viagem de volta e temia a expressão que apareceria nos rostos do povo quando Rowan anunciasse que a repudiava. Não seria difícil. Só devia dizer que ela não lhe agradava e se Jura fosse submetida a um exame descobririam que era virgem, não teria problemas para anular o matrimônio.

Mas Jura sabia que se Rowan a repudiava, Daire não poderia casar-se com ela. Poderia casar-se com um homem comum, mas não com um príncipe, como Daire, pois a considerariam mercadoria defeituosa. Mas não diria a Rowan. Seu orgulho o impedia. Se ele não a desejava, era melhor que pensasse que outro homem não opinava o mesmo.

Rowan galopava junto de Brita. Jura ia atrás deles, rodeada por guardiões vatell. Mais atrás, partiam os submetidos súditos.

Brita olhava Rowan com a avidez de um faminto frente a um banquete. Jura experimentou uma sensação de desalento.

— Como pôde o velho e horrível Thal ter um filho como você? — Disse ela sedutoramente, olhando seus cabelos loiros, encantada.

— A família de minha mãe era loira — disse ele rapidamente. — Seu filho, Daire, assistirá sem dúvida à celebração das bodas. Deve estar ansiosa por vê-lo.

— Estou ansiosa por vê-los a todos. Será nossa noite de bodas.

— E a de Jura e Daire — disse Rowan em voz baixa.

Brita riu.

— Não permitirei que se case com meu filho. Meu filho é um príncipe. Se for forte, me sucederá. Não tomará por esposa a uma mulher que foi repudiada por um rei. Essa jovem é tão pouco desejável que não poderia seduzir a um homem como você. É uma mulher inútil.

Rowan abriu a boca para defender Jura, mas se reprimiu. Sorrindo, disse:

— Mas Daire a ama e ela a ele. Cresceram juntos e acredito que pertencem um ao outro. — Tratou de que sua voz não delatasse seu ressentimento.

Brita o olhou com desconfiança.

— Ama a essa mulher a quem não deseja levar a seu leito? A lei irial estabelece que se uma mulher é repudiada por seu marido porque não o agrada, não poderá casar-se com um homem nobre. Meu filho é um príncipe e nunca se casou. Jura não poderá ser sua esposa.

— Jura não sabe — disse Rowan.

Brita riu.

— É obvio que sabe. — Sua expressão mudou. — Pensa anular nosso acordo? — Deteve seu cavalo. Os que partiam atrás também se detiveram, em meio de um grande ruído e confusão. — Se sua intenção é reter a esta mulher, diga-me isso agora — disse com olhos cheios de ódio. — Não entregarei minha gente a um rei inglês e a sua esposa irial. Serei rainha de toda Lanconia ou retornarei a minha cidade.

Neste momento, Rowan soube que Jura estava certa: Brita queria governar toda Lanconia, e pensava fazê-la sozinha. Uma mulher que deixava seu filho em mãos do inimigo, não teria escrúpulos para matar a um marido que se interpunha em seus planos.

Ele sorriu, tomou sua mão e a beijou. Olhou-a sedutoramente e disse em voz baixa:

— Para que quero uma menina se posso ter uma mulher? — Brita se tranquilizou e ele percebeu que grande era sua vaidade. Jura era muito mais jovem que Brita, e para Rowan, muito mais linda, mas Brita estava segura de que qualquer homem preferiria a ela. Talvez o poder e a experiência de Brita fossem atrativos para alguns homens, mas Rowan não desejava competir com sua mulher.

Brita sorriu e açulou seu cavalo.

— Você e eu faremos um bom casal. Talvez não aguardemos até a noite de bodas para nos conhecemos melhor.

Rowan sorriu mecanicamente.

— Me diga, como foi que uma mulher tão linda como você se converteu em rainha dos vatell? — Rowan pensou, com razão, que a mulher estaria encantada de falar de si mesmo. Repetia reiteradamente a frase "e então eu". Enquanto isso, Rowan refletia. Então Jura não podia casar-se com Daire e sabia. — Magnífico — disse a Brita.

Se Jura não podia casar-se com Daire, desejava anular seu matrimônio com Rowan por outro motivo, ou era porque desejava dar a Rowan sua liberdade ou porque realmente o odiava. Mas Rowan não podia acreditar que o odiasse. Não reagiria diante de suas carícias como o fazia, se assim fosse.

— É tão inteligente como linda — disse a Brita. Seria por causa de seu juramento diante de Deus? Perguntou-se Rowan. Ela sem dúvida compreendia que os cavaleiros deviam manter seus juramentos. Todas as mulheres inglesas compreendiam. As mulheres inglesas desejavam que os cavaleiros lhes fizessem juramentos.

Mas Jura não era inglesa.

Quando Rowan pensou nisso, esteve a ponto de deter seu cavalo. Se Jura não compreendia a natureza de seus juramentos, a que causa atribuía que ele não se deitasse com ela?

Brita apoiou sua mão sobre o braço do Rowan.

— Que forte é — murmurou. — Nos levaremos bem na cama. Não tem nada... verdade? É capaz de proporcionar prazer a uma mulher na cama, não? É só sua esposa a que não te agrada ou não te agrada nenhuma mulher?

Rowan olhou a Brita e piscou.

— Posso me deitar com uma mulher — respondeu.

— Não foste ferido? Nem sequer nos torneios ingleses?

— Não — disse Rowan. — Não fui ferido. — Desejava decidir, como fazia sempre; que era lanconiano, mas de repente se sentiu mais inglês que lanconiano. Fizera um juramento inglês a uma mulher lanconiana.

Brita continuou falando, mas Rowan não a escutava. Estava ansioso para ir para junto de Jura, mas não se atrevia a ofender Brita. Ele e Jura eram só dois iriales em meio de centenas de vatell e teria que ser muito tolo para irritar sua rainha.

Ao meio dia fizeram um alto para comerem e descansar. Os homens e mulheres vatell, algumas das quais ainda choravam, receberam pão e agua, entretanto, Brita e Rowan desfrutavam de um festim sobre uma branca toalha. Rowan apenas pôde comer. Tratou de achar Jura, mas não a viu. Depois do almoço se desculpou, fingindo que faria uma exploração privada no bosque, mas quando chegou ao bosque, caiu de joelhos e começou a rezar.

— Deus, me tem ajudado — disse em voz muito baixa — e agora preciso novamente de Sua ajuda. Perdoe-me, Senhor, sou tão somente um homem tolo que comete enganos tolos e cometi um. Jurei-te que não tocaria em minha mulher a menos que ela me rogasse isso. Mas também jurei amá-la, honrá-la e venerá-la até o dia de minha morte. Não posso cumprir ambos os juramentos, Senhor, peço-te que me libere do primeiro deles, feito por um menino zangado, não por um homem que será rei. Senhor, humilho-me ante Ti. Farei penitência. Governarei o melhor possível e converterei os ulten ao cristianismo, mas Te rogo que me libere desse juramento infantil. — Quando Rowan concluiu sua oração e abriu os olhos, o bosque estava inusitadamente tranquilo, parecia estar sozinho no mundo. Logo ouviu um ruído a sua direita, era o ruído de um ramo que se quebrava. Foi para ali.

Era Jura, que o aguardava, empunhando sua adaga.

— Oh, é você — disse ela, limpando sua adaga ensanguentada na erva.

— O que fez? — perguntou ele, sorrindo. Alegrava-se muito de vê-la. Sua adaga cheia de sangue lhe pareceu menos perigoso que os olhares de Brita e suas intermináveis histórias sobre si mesma.

— Matei seis coelhos para entregá-los a esses camponeses. —Levantou-se e o olhou. — Pensa em dizer a Brita que estou fazendo isto? Estes bosques lhe pertencem e ela manda enforcar os caçadores furtivos.

— Não o direi — disse ele sorrindo, enquanto Jura guardava os coelhos em uma bolsa.

— Por que sorri? Pensa em suas bodas?

Rowan tomou-a entre seus braços. Fazia muito tempo que não a abraçava. Ela era muito tentadora e Rowan sabia que se a tocava esqueceria seu juramento.

— Você é a resposta de Deus — disse. — Pedi-lhe que me liberasse de meu juramento e de repente está aqui, ao meu lado. É a resposta a meu rogo.

Ela o afastou de si.

— Está louco. Pelo visto tem uma relação muito íntima com Deus. Acaso te fala pelas noites? Não ouve vozes? Não O vê de tempos em tempos?

Rowan riu e a sustentou junto dele.

— Estou liberado de meu juramento, Jura. Podemos ser marido e mulher.

Ela deixou de resistir e o olhou.

— Te casará com Brita e eu com Daire.

— Não pode te casar com ele e conhece a lei tão bem como eu a conheço agora. Esperava ajudar a Lanconia se desfazendo de mim ou só desejava desfazer nosso matrimônio? — Beijou-lhe no pescoço.

— Me solte. Quando me toca não posso pensar...

— Não? E quando te fizer amor? — Suas mãos acariciavam o corpo de Jura, esse lindo corpo que tanto tinha sonhado. Durante o Honorium só tinha pensado em acariciá-la e sustentá-la entre seus braços. Queria curar seus machucados com beijos.

Jura jogou a cabeça para trás e fechou os olhos.

— Me deixe e vá para junto de Brita — murmurou com voz rouca.

— Não quero Brita. Nunca a quis. Sempre quis você, somente você. Esta noite, Jura. Esta noite irei para junto de você. Acamparemos e uma hora depois me encontrarei contigo. Depois desta noite, já não será uma donzela. E o que é mais importante, seguirá casada comigo. — Fez um grande esforço para afastar-se dela. Seu corpo a desejava avidamente. Os lábios de Jura eram tenros, seu olhar era tenro.

— Brinca comigo, inglês? — Perguntou ela brandamente. — Se vier para mim, perderá Brita.

— Jamais a quis. Jura, me acredite, só quero você.

— Não sei se posso confiar em você.

— Pode. Juro-te que pode. Agora vá e entrega os coelhos. Não desejo irritar os guerreiros de Brita, matar-nos-iam. Vai, meu amor.

Jura o olhou com expressão confundida, mas obedeceu. Tomou os coelhos e se afastou. Rowan permaneceu sorrindo e pensando na noite. Neste momento ouviu passos. Ocultou-se detrás de uma árvore. Só alcançou a ver algo amarelo.

Apoiou-se contra a árvore. Era Brita. Tinha-lhe seguido e certamente o tinha visto com Jura. Enquanto acariciava Jura não tinha estado alerta e não percebeu que Brita os espiava. Ela tinha estado muito longe e não teria podido escutar suas palavras, mas lhes tinha visto. De repente, Rowan teve medo. O que faria a ambiciosa Brita se uma menina como Jura se interpunha em seu caminho?

Começou a seguir silenciosamente Brita. Subitamente se deteve e se ocultou detrás de uma árvore. Brita falava em segredo com um de seus guardiões. O homem fez um gesto afirmativo com a cabeça e desapareceu entre as árvores, Brita retornou ao acampamento.

Rowan foi logo depois do homem. Este se deslizou entre as árvores e observou às pessoas do acampamento. Deteve-se e ficou de cócoras. Rowan avançou para ver o que observava o homem. Jura se movia entre os vatell.

Horrorizado, Rowan viu que o homem tomava o arco e a flecha e apontava para Jura. Sem pensar nas consequências de seus atos, Rowan tomou sua adaga e o atirou. Afundou-se na nuca do guardião.

O homem caiu morto sem um gemido.

Rowan sabia que devia desfazer-se imediatamente do cadáver. Tirou sua adaga do corpo do homem, levantou o morto, carregando-o sobre suas costas e correu para um pequeno arroio. Ocultou o corpo debaixo de um tronco em decomposição. Certificou-se de que não pudesse vê-lo e retornou ao acampamento.

Brita o aguardava, e embora lhe sorrisse, seus olhos brilhavam, furiosos.

— Desapareceu durante um momento muito longo.

Ele sorriu inocentemente.

— Vi minha mulher — disse, tratando de confundi-la com a verdade. — Devia consolá-la.

— E como o fez?

Rowan se aproximou de Brita.

— Como sempre faço com as mulheres. Com meus braços e meus lábios. Acaso não te agrada que a consolem dessa maneira? Diga-me, devo sabê-lo já que teremos que nos casar.

— Teremos que casarmos? Se dedicar seu tempo a sua mulher, talvez...

Rowan se inclinou e a beijou. Percebeu a perturbação dela e isso o teria lisonjeado se não soubesse que o desejava como rei e não como homem.

— Jura é a irmã do homem que alguns dizem deveria ser rei. Se se zangar, ou pior ainda, se alguém a machucar, Geralt organizaria um exército para defendê-la. Não desejo que nos matem antes de fazer o possível para unir às tribos.

Brita franziu o cenho.

— Talvez. — Disse. — Mas não me agrada compartilhar o que é meu. — Levantou a cabeça. — Devo atender um assunto — disse, e se afastou apressadamente.

Rowan fechou os olhos. Sem dúvida, dirigia-se para comprovar se o guardião tinha matado Jura, tal como ela o ordenara. Perguntou-se o que pensaria quando descobrisse que Jura estava viva e que o guardião tinha desaparecido. Certamente suspeitaria da verdade.

Jura não se equivocou. Desde o primeiro momento, lhe tinha advertido que Brita era uma traidora, mas ele tinha estado tão seguro de saber o que fazia, que tinha se aventurado a ir sozinho a terra dos vatell. Agora sua vida e a de Jura estavam em perigo. Achavam-se rodeados de inimigos, a quem conduzia para os confiantes iriales.

Jura tinha razão: Rowan os tinha envolvido nesse problema por causa de sua arrogância e sentido de superioridade.

Agora, deveria solucionar o problema. Devia sossegar as suspeitas de Brita até que estivessem perto das terras iriales. Logo, ele e Jura poderiam fugir. Ou talvez pudesse enganar Brita até que os iriales e os vatell se casassem, mas para isso, devia fazer Brita acreditar que desejava casar-se com ela. Era a única maneira de que Jura estivesse a salvo.

Isso significava que essa noite não poderia reunir-se com Jura. Devia estar perto de Brita. Do contrário, ela enviaria outra pessoa para matar Jura.

Abatido, Rowan montou sobre seu cavalo. Era hora de se colocar em marcha.


Capítulo 11

Jura se assegurou de que Rowan a visse se afastar do acampamento, mas ele não apareceu. Então, instalou-se no lugar que podia ver a tenda de Brita. Rowan entrou nela, mas não tinha saído.

Tratou de reprimir sua ira, dizendo a si mesmo que em realidade não acreditou em sua promessa, mas não foi muito útil. Ao amanhecer seus olhos estavam vermelhos e seu coração pesava como uma pedra.

Montou sobre seu cavalo e galopou, e em duas ocasiões teve a sensação de que Rowan a olhava, mas ela não se voltou.

Ao meio dia viu que Rowan atendia carinhosamente Brita, lhe dando comida na boca. Quando Rowan olhou para Jura, ela desviou o olhar.

Essa noite era a última antes de chegar a terra irial. Jura tratou de não pensar e se dispôs a dormir. Em meio da noite despertou. Alguém tinha apoiado a mão sobre sua boca e com a outra, segurava sua mão direita, que ela sustentava sua adaga.

— Sou eu — disse Rowan a seu ouvido.

Jura lutou contra ele, agradada quando o ouviu gemer de dor, mas logo perdeu os sentidos. Rowan tinha golpeado sua mandíbula com o punho.

Quando despertou, estava deitada na borda do arroio. Rowan tinha colocado uma compressa fria sobre seu rosto. Ela tratou de levantar-se, mas ele a impediu.

— Jura, por favor não se mova. Dói-te a cabeça?

— Por causa do golpe que me deu? — Perguntou ela. — O que pensa fazer agora? Se desfazer de mim definitivamente? Talvez sua amada Brita decidiu que sou um perigo.

— Sim, assim é — disse Rowan seriamente. — Viu-nos juntos ontem e enviou um de seus guardas para que te matasse. Estava apontando uma flecha para você quando afundei uma adaga na sua nuca.

Jura piscou, olhando-o na escuridão.

— Não pude me reunir contigo ontem à noite — prosseguiu dizendo ele. — Ela mandou me vigiarem.

— De modo que acabou dando-lhe comida, beijando-a e... — Rowan a beijou para interrompê-la e logo acariciou seus seios.

— Tenho um plano — murmurou, com seus lábios junto ao pescoço de Jura. — Levarei Brita para junto de Brocain. Talvez se agradem mutuamente.

Tinha afrouxado o cinturão de Jura e tirado sua túnica.

— Em uma ocasião o exército de Brita atacou o de Brocain e o venceu — disse Jura, mas não pensava no que estava dizendo. — Não me faça isto — murmurou.

— Jura, — murmurou ele — não compreende que te amo?

— Me ama? — Disse ela em voz baixa. — Se este sofrimento for amor, prefiro que me odeie.

Rowan começou a beijar seus seios. Sabia que a qualquer momento notariam sua ausência, que Brita poderia despertar e ver que a cama de armar que estava junto a dela estava vazia. Então enviaria seus guardiões para buscá-lo. Mas o desejo de fazer amor com Jura era mais forte que seu temor.

Quando a penetrou, Jura gritou de dor. Era virgem e estava tensa por causa de sua irritação. Além disso, as calças lhe impediam de abrir as pernas. Tentou empurrar Rowan para afastá-lo dela, mas ele a ignorou.

Quando ele caiu sobre seu corpo, os olhos de Jura estavam cheios de lágrimas.

— Vai — disse ela, empurrando os ombros de Rowan.

Ele se afastou e vestiu suas roupas, enquanto Jura, irritada, colocava as suas.

— Jura, — disse ele — será melhor da próxima vez.

— Não poderia ser pior — disse ela com voz tensa. A parte inferior de seu corpo estava muito dolorida. — Se tivesse sabido como era isto, teria te entregue a Brita pela força.

— Maldita seja — disse ele com ferocidade, ficando de pé. — Arrisquei sua vida e a minha ao vir aqui esta noite e agora já não é uma donzela. Não me casarei com Brita. — Inclinou-se e tomou o queixo de Jura. — Juro que obterei que me ame, Jura. Embora deva te acorrentar a mim, me amará e gozará quando te fizer amor na próxima vez.

— Jamais — disse ela, olhando-o com fúria.

Jura terminou de vestir-se e retornou ao acampamento em silêncio. Rowan ia atrás dela. Esta noite, Jura dormiu pouco e na manhã seguinte, a dor incomodou para galopar. Ao ver Rowan junto à Brita, não se preocupou tanto como no dia anterior.

Ao entardecer chegaram ao rio que marcava a fronteira da terra dos iriales. Jura aguardou até que Rowan se aproximou dela. Os vatell os rodeavam.

— Cruzaremos o rio enquanto os vatell aguardaram aqui — disse em voz baixa.

Jura assentiu com um gesto e açulou seu cavalo para segui-lo. Cavalgaram juntos, em silêncio e atravessaram o rio.

No sul foram rodeados por iriales enfurecidos que os tomaram por intrusos, já que usavam roupas dos vatell. Mas quando viram os cabelos loiros de Rowan, levantaram suas espadas a modo de saudação e os escoltaram até o povo irial.

Chegaram ao povoado à noite. Fatigada, Jura desmontou.

— Venha comigo — disse Rowan, tomando-a nos braços.

— Tenho fome e...

— Comerá mais tarde, agora devo me reunir com meus homens.

— Seus ingleses devem estar dormindo já.

— Meus lanconianos — disse Rowan enfaticamente, insípido detendo-a com força.

Neste momento, Daire saía de uma casa de pedra. Seu torso musculoso estava nu e Jura teria desejado correr para ele, mas Rowan não a soltava.

— Me siga — disse Rowan a Daire e seguiu caminhando, como dando por acatado sua ordem. Ele fez o mesmo quando viu Cilean, e logo todos entraram na casa da tia de Jura.

Os aldeões do povoado começavam a despertar, mas Rowan disse à família de Jura que continuassem dormindo. Acendeu uma vela no quarto mais afastado da casa e se voltou para Jura, Daire e Cilean, que tinham se sentado.

— Brita e cento cinquenta vatell me aguardam do outro lado do rio — disse Rowan. — Conduzi-os até aqui para que se casem com iriales. Brita está de acordo, mas com a condição de que ela se case com o rei.

Cilean, assombrada, olhou para Jura, que tinha os olhos fixos em suas mãos.

Daire ficou imediatamente de pé.

— Tomarei a Jura como esposa, reinarei sobre os vatell e ela será minha rainha.

Jura lhe dirigiu um sorriso de agradecimento.

Rowan se interpôs entre ambos e olhou Daire nos olhos.

— Não me casarei com Brita. Não repudiarei Jura — em seguida, acrescentou. — Jura já não é uma donzela e não a repudiarei.

Daire se sentou em uma banqueta perto de Cilean. Parecia desolado. Rowan disse:

— Acredito poder conter Brita até que se celebrem alguns matrimônios. Logo a levarei para junto de Brocain, ele poderá casar-se com ela.

— Deseja que minha mãe se case com esse homem bruto e cheio de cicatrizes? — Disse Daire a Rowan.

Cilean apoiou uma mão sobre o braço de Daire.

— Brocain tem esposa. Completaram doze anos de casados no ano passado. Não renunciará a ela por uma mulher da idade de Brita. — Refletiu um instante. — Mas Yaine não está casado — disse, referindo-se ao líder dos fearen.

— Para satisfazer a esta mulher deve ser um homem muito são e vigoroso — disse Rowan.

— Minha mãe é uma rainha — disse Daire. — Não pode ordenar que se case com um desses anões fearen.

— Sua mãe ordenou a morte de Jura — disse Rowan. Ao ver a fúria desenhada no rosto de Daire, sua mandíbula ficou tensa. Voltou-se. — Levarei Brita diante desse líder fearen. Preciso de ajuda.

Jura levantou o olhar. Era este o mesmo homem que tinha entrado em terreno vatell sem companhia alguma?

— Deverei levá-la pela força, mas devo fazer parecer que vai voluntariamente. Não posso desencadear uma guerra por causa desta mulher. É forte, mas é necessário minar essa força.

— Poderia unir-se com Yaine contra os iriales — disse Cilean.

— Mas se ocorrer algo assim, espero já ter unido os iriales e os vatell — disse Rowan com ar fatigado. — É provável que nesse momento ela conte com um exército menos numeroso. Veio com sua escolta e espero que algumas das guardiãs principiantes dos iriales se casem com eles. Um homem pensa duas vezes antes de provocar a ira de sua mulher... eu sei. — Esfregou os olhos com as mãos. — Daire, desejo que você e Cilean venham com comigo e Jura quando levar Brita à terra dos fearen.

Cilean olhou para Jura.

— Deseja que duas mulheres o protejam? — Perguntou Cilean.

— Daire e eu necessitamos que cuidem de nossas costas — disse Rowan. Logo levantou a cabeça.

Cilean lhe sorriu.

— Sim, compreendo. Irei contigo, mas acha que Yaine nos receberá? Ou deveremos nos disfarçar?

— Penso enviar um mensageiro, um poilen ou um ulten. Direi a Yaine que lhe levo uma noiva real.

Antes que pudessem continuar falando, abriu-se a porta e entrou Lora. Estava linda, com um vestido de veludo vermelho e os cabelos loiros soltos sobre as costas.

— Rowan, — exclamou e correu para jogar os braços ao seu pescoço — estava tão preocupada com você. Montgomery me disse que tinha partido rumo a um encontro amoroso, mas soube que não era verdade. O que tem feito? Está ferido?

Rowan sorriu meigamente. Alisou seus cabelos e beijou sua bochecha.

— Fui ao território vatell e trouxe comigo Brita e seu povo para que se casem com os iriales. Não devia preocupar-se tanto.

— Mas o fiz. Por que fez sem ajuda e, além disso, em companhia de uma mulher a que devia proteger?

Jura ficou de pé ao ouvir essas palavras, mas Rowan disse:

— Jura não foi um estorvo. — Abraçou Lora, olhando Jura. — Inclusive me ajudou.

— Tio Rowan?

Todos se voltaram para olhar ao sonolento Phillip, que usava uma bata e um gorro de dormir. Estava na soleira, esfregando os olhos.

— Retornaste! — Disse o menino.

Rowan ficou de joelhos e abriu os braços para receber seu sobrinho.

Phillip foi para ele, mas quando viu jura, sorriu e se dirigiu para onde estava ela. Jura o embalou entre seus braços. Ele sorriu e ficou adormecido.

— Por todos os... — disse Lora, mas Rowan a interrompeu.

— Deixe-o. — Disse Rowan. — Desejaria me deitar. Faremos planos pela manhã. — Tratou de tomar seu sobrinho dos braços de Jura, mas ela o sustentou com firmeza.

— Esta noite permanecerá comigo — disse Jura, como desafiando Rowan.

Rowan a olhou encolerizado, compreendeu que ela não desejava compartilhar seu leito. Ergueu-se e saiu do quarto, levando Lora.

Cilean foi até Jura.

— Vejo que as coisas não trocaram entre vocês. Alentei a esperança de que...

— Não há esperanças. É inglês e jamais aprenderá nossos costumes.

— Hmmm — disse Cilean. — Antes de partir não desejava nenhuma mulher ao seu lado, mas agora quer que duas mulheres cuidem das costas dos homens. Aparentemente, está aprendendo nossos costumes.

Jura ficou de pé, cuidando de não despertar Phillip.

— Há um lugar onde o menino e eu possamos dormir? Amanhã os iriales conhecerão Brita e todos necessitarão suas energias.

Cilean assentiu e conduziu sua amiga até outra casa, onde havia uma cama livre. Jura despertou pela manhã quando Rowan a sacudiu energicamente.

— Partirei agora, irei em busca de Brita e os vatell. É minha esposa e deve estar ali quando se casarem.

— E assistir ao começo de sua desdita — murmurou Jura, abraçando Phillip que começava a despertar.

Rowan a deixou a sós para que se vestisse. Lora entrou para levar Phillip e não dirigiu uma palavra a Jura.


Quando Jura saiu da casa percebeu a tensão que havia na atmosfera. Não havia ninguém e o povoado parecia estranhamente deserto, como se Deus tivesse levado todos ao céu. Jura caminhou para o rio, comendo um pedaço de pão.

A cena que observou era pavorosa. Todos os iriales, limpos e bem vestidos, estavam alinhados junto à ribeira do rio. Ninguém falava, nem sequer se escutava o pranto de um menino ou o latido de um cão. Todos aguardavam a chegada dos homens e mulheres vatell.

Os vatell vinham a cavalo, alguns em duplas, ou em carroças. Jura os tinha visto chorar durante uma semana ante a perspectiva de casarem-se com iriales, mas já não havia rostos manchados de lágrimas. Os vatell também estavam limpos. Suas roupas ainda estavam úmidas, assim como seus cabelos. Erguidos sobre seus cavalos ou nas carroças, olhavam fixamente às pessoas que se achavam de pé, ao outro lado do rio.

Jura se adiantou, detendo-se detrás dos iriales.

— Observa ao que está na terceira carroça — disse uma mulher a Jura. — Se pudesse escolher, escolheria a esse.

— Não — disse em voz baixa uma mulher mais jovem. — Eu quero o que monta o cavalo negro. Observa suas panturrilhas. Há força nesse corpo.

Sorrindo, Jura caminhou atrás da multidão.

Começavam a falar entre si e todos falavam de fazer amor.

Jura teve a sensação de que o dia era mais quente que os outros. Pequenas gotas de transpiração começaram a formar-se sobre seu lábio superior e sua nuca. Vigorosamente, recordou o dia em que conheceu Rowan, esse dia ela só usava sua túnica e ele, uma tanga. Ela tinha se sentado sobre seus ombros e as mãos de Rowan tinham acariciado suas pernas, seus seios. E seus lábios...

— Jura.

Jura reagiu e olhou para Cilean.

— Está distraída — disse Cilean. — A quem escolheria você?

Jura olhou às pessoas que atravessava o rio. Rowan cavalgava junto de Brita. Poucas semanas atrás, tinha odiado seus cabelos loiros e sua pele branca, mas agora parecia uma estrela em um céu escuro. Não só sua cor era distinta, seu corpo era mais fornido que o dos lanconianos. Antes tinha pensado que era obeso e pouco gracioso, mas sabia que seu corpo era o produto de anos de exercícios musculares e que não havia gordura nele. Também sabia como era sua pele, pois a havia tocado.

Cilean riu e Jura piscou.

— Pode ser que te desagrade em outras partes, mas não na cama — disse Cilean astutamente.

Jura se voltou.

— É tolo e torpe — disse. — Prepararam comida para esta gente? Espera-nos uma longa viaje e estão fatigados e famintos.

— Sim — disse Cilean rindo. — Parecem tão famintos como os nossos. Rowan disse que as tribos deverão passar o dia juntas e que ao entardecer, nós escolheremos nossos casais.

— Nós? — Perguntou Jura. — Você também se casará esta noite?

— Se achar alguém que me agrade. Alguns guardiões parecem interessantes, mas desejo ir com Rowan ver Yaine e não queria deixar meu novo marido. Venha, organizemos o trabalho. Ainda não se acenderam as fogueiras.

Jura se alegrou por estar ocupada. Não queria que Rowan a visse contemplando-o.

Quando ele passou junto a ela, Jura estava acompanhando o povo até as casas.

Foi um dia estranho. Os vatell e os iriales nunca tinham estado juntos de forma pacífica. Dizia-se que muitas gerações atrás, os vatell, os iriales e os fearen se encontraram para falarem e logo tinham lutado juntos contra os hunos. Mas quando concluiu a batalha, o filho do rei fearen tinha matado o irmão do rei vatell e a vitória terminou com uma sangrenta batalha entre eles. As tribos lanconianas voltaram a odiar-se ferozmente.

Agora, ambas as tribos estavam no pequeno povoado irial. Em um primeiro momento pareciam estarem incômodos, pois os vatell se agruparam e observaram, sem saber o que fazerem. As mulheres iriales começaram a cozinhar e os homens permaneceram ao seu lado, de forma protetora.

— Isto deve terminar — disse Lora a Rowan. Jura escutou suas palavras. — Rowan, deve traduzir o que dizem, meu lanconiano é deficiente. Devemos obter que estas pessoas se comuniquem entre si.

Rowan levantou o olhar e seus olhos se encontraram com os de Jura. Seu olhar profundo e intenso fez Jura estremecer.

— Jura traduzirá para você — disse Rowan.

Lora fez uma careta.

— Talvez possa fazê-lo Xante...

— Jura o fará — insistiu Rowan.

Jura não se agradou ao ver-se obrigada a satisfazer os desejos de Lora, mas sabia que Lora estava certa e que era necessário fazer algo. Duvidava que alguém tão frágil e inútil como Lora pudesse solucionar o problema, mas ela poderia.


Uma hora mais tarde, Jura mudou de opinião a respeito de Lora. Já que Lora começou a organizar e a dar ordens com a autoridade de um valente capitão. Enviou às mulheres vatell para que ajudassem às mulheres iriales na cozinha. Enviou os homens iriales e vatell a recolher lenha, e quando viu que um bonito jovem vatell e uma bonita jovem irial se olhavam, enviou-os a pescar... sem caniços e nem redes.

— Mas como pescarão? — Perguntou Jura.

Lora olhou sua cunhada com olhos maliciosos.

Jura se pôs rir e logo, com tom de conspiração, disse-lhe:

— Essa principiante, a que veste uma túnica com borda vermelha e que lutou como um demônio por obter Rowan, poderia sentir-se atraída por aquele guardião vatell que está perto de Brita.

— Ah, — disse Lora — o das costas largas e as pernas longas?

— Já vi melhores — disse Jura. — Subindo a montanha e caminhando por três horas se chega onde há morangos muito doces. Terei que os recolher.

Jura sorriu quando viu a principiante e o bonito guardião dirigindo-se para lá. Depois, Jura e Lora descansaram. A vida de Jura tinha sido tão distinta da vida de Lora.

Jura tinha vivido entre homens e se dedicou a atividades masculinas. Sabia afiar a folha de uma lança, mas não sabia cozinhar nem dirigir uma casa. Lora, em troca, não só conhecia os aspectos amáveis da vida e, quando seus primos a assustavam, corria para junto de Rowan em busca de amparo. Jura teria matado a qualquer homem que a assustasse.

Lora estava alarmada diante do desconhecimento de Jura em relação às habilidades femininas e Jura considerava que Lora era uma inútil. Mas nesse dia começaram a compreender o valor das habilidades de cada uma. E se sentiram unidas pelo laço que têm em comum todas as mulheres: a necessidade de falar entre elas.

Trabalharam juntas e Jura usufruiu disso. O ancião Thal zombaria de Jura se ela tivesse falado de amor, mas Lora estava fascinada pela possibilidade de poder reunir aos casais.

— Observa aqueles dois — disse Lora. — Fazem um casal perfeito, não acha isso?

— Ela faz tecidos — disse Jura. — Talvez possamos enviá-los a ver seu tear.

— Oh, sim — disse Lora. — É muito eficiente, Jura. Nunca imaginei que fosse uma casamenteira. Esta noite haverá um céu limpo e lua cheia e todos esses casais estarão recém-casados. Caminharão juntos para o rio de mãos dadas. Recorda minhas próprias bodas.

Jura, com o olhar perdido no vazio, pensava que devia ser agradável ser cortejada por um homem. Quando Daire pediu que se casasse com ele, presenteou-lhe vinte flechas novas. Neste momento pensou que teria preferido um buquê de flores.

— Esta noite diremos a Rowan que toque o alaúde e cante — disse Lora. — Conhece canções muito belas.

— Tocar? Cantar? — Disse Jura. — Oh, sim, ele tocou o alaúde para Brita.

Lora a olhou significativamente.

— Não o fez para você? Não te cantou canções de amor à luz da lua?

— Em uma ocasião me disse que eu era mais bonita que uma criada que conhecemos.

Lora calou e observou Jura.

— Acredito que te julguei mal. Por que não desejava se casar com meu irmão?

— Cilean devia ser a rainha. É mais apta que eu.

Lora apoiou sua mão sobre o braço de Jura.

— Não estou tão segura disso.

Não ouviram que Rowan se aproximava.

— Parecem se divertir — disse Rowan, com esse tom de superioridade que adotam os homens quando se divertem às custas de uma mulher.

Lora girou sobre si mesmo para olhá-lo.

— Sua mulher arriscou a vida para te obter e você nem sequer tocou o alaúde para ela — disse indignada. — Mas o fez para essa Brita. Olhe à rameira. Está ali rodeada pelos homens mais bonitos e você a corteja como se fosse se casar com ela. Deveria rogar a Jura que te perdoe. Venha Jura, devemos trabalhar.

Jura acompanhou Lora e se sentiu muito, mas muito bem.

Esta Lora também sabia usar suas armas, só que as armas da inglesa não eram de aço. Jura a olhou com respeito.

Ao meio dia se serviu o almoço sobre longas mesas colocadas na praça central do povoado. Houve risadas e gritaria. A sensação de expectativa era enorme. As crianças, percebendo que ocorreria algo importante, riam e corriam e, ninguém se preocupava com eles, exceto de que não caíssem nos caldeirões de sopa. Os iriales adultos contemplavam com beneplácito como os jovens se olhavam entre si e riam quando circunstancialmente se tocavam, e esse dia houve muitas aproximações. As jovens se inclinavam para que seus seios roçassem os ombros dos jovens. Eles, a sua vez, estiravam-se para pegarem algo e “acidentalmente” tocavam os seios delas com os cotovelos. Todos deixavam cair coisas para agachar-se e ao recolher olharem com atenção o corpo da pessoa que tinham a seu lado. Houve brincadeiras e risadas e, quando o festim estava por terminar, todos já estavam ardendo, e não somente pela ação do sol.

— Está disponível? — Perguntou a Jura um alto e extraordinariamente bonito guardião vatell. — Se nossa rainha se casar com seu rei, estará livre. — Inclinou-se para murmurar no ouvido dela: — Posso obter que esqueça esse inglês.

Jura sorriu.

Mas antes que pudesse responder, Rowan a puxou pelo braço, afastando-a dali.

— O que faz? Acreditei que estava com Lora.

— E eu que estava com Brita. Já planejou a cerimônia matrimonial?

Sem soltá-la, Rowan a levou até a casa da tia de Jura.

— Devemos falar. — Quando ficaram a sós em um quarto, Rowan disse: — Disse a Brita que não posso te repudiar até que se realizem os matrimônios das tribos. Mas odeio mentir. Deverei fazer penitência por isso. Acredito que achei uma solução temporária para nossos problemas: seu irmão.

— Geralt? O que ele tem que ver com tudo isto?

— Enquanto você se entretinha e tratava de formar casais, estive observando. Seu irmão se sente atraído por Brita. Não sei se foi sua beleza ou seu poder o que lhe interessa. Talvez seu plano seja unir-se a ela e me matar. Não, não diga nada. É tão somente uma conjetura. Desejo que me diga se ele poderia interessar a Brita, que é tão insaciável.

Jura demorou uns instantes em compreender o significado de sua pergunta.

— Deseja saber se meu irmão é um homem? — Disse entre dentes. — Se pode proporcionar prazer a uma mulher? Mais que você — exclamou em voz alta. — Teve muitas mulheres e nenhuma se queixou.

Rowan a olhou, estupefato.

— Jura, o que... — começou a dizer, mas logo se interrompeu e a olhou fixamente. Depois de um momento, desviou o olhar. — Por favor, não discutamos. Disse a Brita que não me deitaria com ela esta noite, mas ela insiste. Pensei lhe proporcionar um homem jovem e bem disposto.

— Controla a todos — disse Jura.

Ela olhou.

— Talvez controle meu país, mas acredito que não posso controlar minha mulher. Esta noite haverá... uma atmosfera tensa. Muitos casais aproveitarão de sua noite de bodas e Brita criará problemas se não se mantém ocupada. — Se deteve abruptamente. — Isso me preocupa. Irei em busca de seu irmão.

Quando saiu do quarto, Jura se sentou em uma banqueta, em um canto escuro. O que tinha começado tão bem quando se conheceram junto ao rio, tinha terminado desta maneira. Não levantou o olhar quando a porta se abriu.

— Jura — disse Lora, mas Jura não a olhou.

Lora observou a orgulhosa Jura sentada em um canto, abatida, e experimentou uma sensação de culpabilidade. Não a aceitou como esposa de Rowan, nem tratou de compreender seus costumes lanconianas. Mas enquanto Jura e Rowan estiveram em viagem, tinha falado com Cilean e se inteirou do que realmente tinha acontecido durante o Honorium. Jura tinha se esforçado para que ganhasse Cilean, mas Cilean desmaiou e Jura venceu por abandono de prova.

Lora falou com Daire sobre Geralt e Jura e comprovou que Jura tinha motivos para pensar que Rowan não deveria ser rei. Nada sabia a respeito da forma que Rowan treinou durante quase toda sua vida para ser um bom rei, e Lora tinha conseguido surrupiar de Cilean a verdade em relação ao lugar onde se dirigiam Rowan e Jura.

Preocupou-se enormemente por eles pensando que Jura seria uma carga para Rowan. Mas retornaram sãos e salvos, e Rowan havia dito que Jura o tinha ajudado. Depois, Rowan contara como Jura o tinha defendido.

A opinião de Lora a respeito de Jura começou a mudar. E, além disso, Phillip adorava Jura. Seguia-a por toda parte e Jura nunca se impacientava diante de suas perguntas, nunca era brusca com ele.

Rowan a obrigou a passar o dia com sua cunhada e Lora descobriu que Jura lhe agradava. Jura não parecia ser ciumenta como as mulheres que Lora tinha conhecido na Inglaterra. Jura ignorava a forma como Rowan cortejava Brita, a maneira como lhe sorria, inclusive a forma como olhava às mulheres bonitas, iriales ou vatell.

Enquanto ela e Jura se ocupavam de formar casais e obter que pudessem estar a sós, Lora tinha estado pensando na maneira de unir Rowan e Jura. Estavam casados, mas não pareciam compartilhar segredos e nem intimidades.

Tinham partido como estranhos e retornado como estranhos. À medida que avançava o dia e se formavam os casais, preparando-se para as bodas conjuntas, Lora viu que Rowan procurava por Jura. Mas sua atitude não era a de um amante, a não ser a de um pai zangado que repreendia uma menina rebelde.

Lora apelou a toda a sua engenhosidade. Disse a Xante que colocasse a tenda de Rowan a oito quilômetros de distância, longe dos outros, em um lugar afastado e solitário. Logo aguardou e, quando Rowan saiu apressadamente da casa de pedra, foi procurar a Jura.

Deprimiu-se ao ver Jura tão desanimada e desventurada. Lora não perdeu tempo.

— Venha comigo — ordenou-lhe.

— O quê? — Perguntou Jura, piscando.

— Venha comigo.

— Há algum ferido? Alguém me necessita?

— Sim, seu marido te necessita. Lanconia necessita uma rainha. Necessita crianças antes que você me arrebata o meu por completo e necessita o que posso te oferecer — disse Lora.

— Não compreendo.

— Compreenderá. Agora, venha. Devemos pôr mãos à obra.

Lora saiu puxando Jura, e a levou para a casa onde se alojava. Ela tinha escolhido uma humilde moradia de pedra, pertencente a um camponês. Havia pilhas de baús e caixas no chão. Chamou o jovem Montgomery, que estava cortejando a uma moça, e lhe pediu que a ajudasse a mover os pesados cofres.

— Vestirei-te de acordo com a moda inglesa — disse Lora.

Jura retrocedeu para a porta.

— Não porei um desses vestidos colados na cintura — disse. — Se nos atacam, não poderei combater.

— Esta noite somente te atacará seu marido — disse Lora. Ouviu o som emitido por Montgomery, voltou-se. — Cuide de seu trabalho em lugar de bisbilhotar. — Aproximou-se de Jura. — Daire te propôs matrimônio, não é assim? Por que o fez?

Jura sorriu, recordando.

— Venci-o em uma prova de tiro ao alvo.

Lora e Montgomery a olharam boquiabertos. Lora reagiu.

— Existe uma diferença fundamental entre o galanteio inglês e o lanconiano — disse em voz baixa.

— Não acredito que um inglês pretendesse que uma mulher o vencesse em um jogo de destreza para casar-se com ela.

— Mas uma mulher deve ser forte.

— Em certas ocasiões também deve ser branda — respondeu Lora amavelmente e esta noite você será. — Montgomery, ainda não abriu esse cofre?

O jovem, obviamente fascinado pela conversa das mulheres, abriu um cofre de carvalho com fechaduras de ferro. Lora examinou seu conteúdo e logo tirou um lindo vestido de veludo azul.

— É o mais comprido que possuo e tenho certeza de que ficará muito bem.

Jura se afastou do vestido como se estivesse poluído, mas neste momento, um raio de sol o iluminou e Jura se aproximou. Nunca tinha visto um tecido igual e a mulher que havia em Jura desejava tocá-lo.

— Não poderia usá-lo... — disse. Logo vacilou, olhando para Lora. — Acha que seu irmão se agradaria mais do que com a minha boa pontaria?

— Jura, — disse Lora com seriedade — quando eu tiver terminado contigo, meu irmão cairá de joelhos e rogará que o perdoe pelas palavras descorteses que possa haver dito.

Jura tomou o vestido.

— Comecemos.

Lora ordenou a Montgomery que partisse e começou a vestir Jura.

Jura estava habituada às túnicas e calças que usava diariamente. Ocasionalmente, colocava vestidos para alguma cerimônia, mas nunca tinham sido como esse. Estava formado por uma colada túnica dourada, que segundo Lora se tratava de brocado italiano. Sobre ela, colocava-se um vestido de grosso veludo azul com aberturas nos lados, que deixavam ver a pronunciada curva da cintura e os quadris de Jura.

Lora desatou a trança de Jura e seus cabelos escuros caíram até sua cintura, formando ondas. Sobre a testa de Jura, Lora colocou uma singela coroa de ouro e, em lugar das botas que sempre usava, calçou sandálias de couro muito suave.

Lora retrocedeu e olhou sua cunhada com expressão crítica.

— Sim, — murmurou — sim.

— Estou... estou bem? — Perguntou Jura. — Tão bem como Brita?

Lora riu. Jura não tinha consciência de sua beleza, nem do poder que lhe outorgava. Para Jura, o poder consistia em atirar flechas com pontaria, cavalgar bem e estar junto a um homem em uma batalha. Mas sua beleza era um poder novo para ela.

— Brita é um urinol ao seu lado — disse Lora e Jura sorriu. — Agora, saia por essa porta e vá para junto de seu marido. Não te apresse, permite que todos a vejam e quando vir Rowan lhe diga que o estará aguardando em sua tenda depois das bodas. Não lhe diga onde se encontra a tenda e nem adicione nada mais. Só diga que se encontrará com ele em sua tenda. Se tentar te dizer o que se deve fazer pelo bem da Lanconia ou o que é necessário fazer com relação à rainha vatell, só lhe diga que leve seu alaúde. Logo parta. Compreende-me, Jura? Não permita que a trate como se fosse um homem.

— Como se fosse um homem? — Murmurou Jura. — Não acredito compreender a mentalidade inglesa.

— E ele não compreende uma guardiã lanconiana. Não sei em que circunstâncias se conheceram, mas apostaria que não estava competindo com homens em uma demonstração de destreza.

Recordando, Jura sorriu.

— Não.

— Agora vai. Meu irmão deve ver-te. Recorda que é linda. Melhor ainda, deixe que os olhares masculinos lhe digam que é linda. Vai. — Disse Lora, empurrando Jura. — As bodas começarão logo e Rowan as presidirá. Xante te conduzirá até a tenda de Rowan e meu irmão se reunirá contigo o quanto antes possível.

— E o que acontecerá depois? — Perguntou Jura. Desejava atrasar sua partida. Sentia-se muito estranha com essas roupas coladas que se enroscavam entre suas pernas e temia tropeçar e cair. Parecia-lhe estar nua sem suas armas. Não usava uma adaga na cintura, nem o alforje com flechas nas costas. Nem espada, nem escudo, nem lança.

— Ordenarei que lhes enviem um jantar e se sentará em uma cadeira, enquanto Rowan se colocará aos seus pés e cantará para você. Jura, não esteja tão atemorizada. Não se trata de um combate.

Jura sorriu fracamente.

— Preferiria lutar contra quatro zernas simultaneamente.

— Vai — ordenou Lora, lhe dando um empurrão.


Jura inspirou profundamente e saiu da pequena casa de pedra. Sabia que Rowan estaria junto de Brita e que a rainha se instalou em uma cadeira esculpida, situada no extremo leste da praça, de onde podia ver e ser vista. Para Jura pareceu um trajeto muito longo. Com o olhar à frente, caminhou com passo decidido.

O povo começou a deter-se para contemplá-la. Em um primeiro momento, Jura supôs que estava ridícula, mas quando viu a admiração refletida em seus olhos, recuperou a confiança em si mesma. As mulheres, até as mais bonitas, franziam o cenho ao vê-la. Os homens em troca... estavam boquiabertos.

— É Jura — murmuravam, como se nunca a tivessem visto.

Jura ergueu as costas e sorriu. Era agradável que a olhassem dessa maneira. Lentamente, avançou para onde se encontrava seu marido.

Estava perto de Brita, mas pelo menos não estava atendendo-a como de costume. Geralt em troca, estava sentado ao seu lado, devorando-a com os olhos. Olhou para sua irmã, mas não notou a mudança e rapidamente voltou seus olhos para Brita. A rainha se voltou e a olhou com admiração, como se medisse a força de uma inimiga. Continuou olhando Jura quando esta se aproximou de Rowan.

Rowan conversava animadamente com Daire e não percebeu a comoção provocada pela chegada de Jura.

Daire olhou para Jura e logo voltou a olhar para Rowan. Mas de repente, a expressão de Daire mudou, e voltando-se lentamente, olhou fixamente Jura. Não a tinha olhado assim desde o dia em que ela o venceu na prova de tiro ao alvo. Aquele dia tinha estado orgulhoso dela, mas agora seu olhar era diferente e Jura experimentou uma imensa satisfação.

Franzindo o cenho diante da distração de Daire, Rowan se voltou.

Quando Jura viu o rosto de Rowan, sua insegurança desapareceu. Os olhos de Rowan pareciam querer sair de suas órbitas e ficou boquiaberto. Parecia paralisado.

Jura surpreendeu a si mesmo caminhando lentamente e movendo os quadris, em lugar de caminhar como se corresse, como era seu costume habitual. Repentinamente, sentiu-se mais poderosa que nunca, muito mais que quando empunhava uma lança e um machado.

Rowan continuava olhando-a com estupor.

Ela se aproximou.

— Depois da cerimônia, te aguardarei em sua tenda — disse ela com voz rouca.

Ele só pode assentir e ela sorriu. Logo se voltou para partir.

— Jura, — disse ele — onde está a tenda?

Ela o olhou por cima do ombro.

— Procure-a — disse. — E leve seu alaúde. Talvez peça que toque para mim.

Jura se afastou com o coração palpitando, mas sorria. Atrás dela, ouviu que Brita exigia que lhe prestassem atenção, mas Jura teve a sensação de havê-la derrotado.

Só devia continuar sua atuação durante a noite, pensou, estremecendo.


Capítulo 12

O interior da tenda de Rowan era suntuoso. As paredes estavam envoltas de seda e no chão havia tapetes orientais. Os móveis eram ingleses, havia duas cadeiras, uma pequena mesa, candelabros e uma cama. Jura se ruborizou ao ver o leito, cujo o grosso colchão estava coberto por um edredom bordado.

Jura se sentou e aguardou a chegada de seu marido. Depois entraram os criados com fontes de comida que deixaram sobre a mesa, olharam para Jura significativamente.

— Como se desenvolve as cerimônias? — Perguntou ela.

— Os matagais e as camas estão cheios de casais — disse um dos homens, sorrindo bobamente. — E o príncipe Geralt ocupa o leito da rainha vatell. — Os criados partiram.

Jura não estava muito agradada de saber que seu irmão se achava sob a influência dessa mulher traidora. Aparentemente, nenhum homem sabia manipulá-la. Mas então pensou que talvez Rowan estivesse fazendo isso muito bem. Ela tinha afirmado que não permitiria que sua gente se casasse com iriales a menos que Rowan se casasse com ela, mas o tinha feito.

Jura estava tão compenetrada em seus pensamentos que não ouviu que Rowan se aproximava da tenda. Certamente tinha deixado seu cavalo longe dali.

— Esse sorriso é por mim? — Perguntou ele brandamente. Ela o olhou e sorriu mais ainda.

— Fez o que prometeu. Os iriales e os vatell se casaram e Brita só tem um príncipe em sua cama. Talvez possa ser rei.

Rowan riu.

— Devo ter corrido muitos riscos para ganhar esse elogio. — Foi até a pequena mesa onde estava servida a comida. — Deseja uma taça de vinho? Aparentemente, este é o traje do país dos francos.

Ela aceitou uma alta taça de ouro, incrustada de rubis. Tratou de atuar como teria feito uma mulher inglesa.

— Não houve inconvenientes durante as cerimônias? — Perguntou Jura.

— Não. — Rowan sorriu. — Embora acredite que alguns fizeram amor antes das bodas, agradeço a você e a Lora por enviar os casais a lugares solitários. — Sentou-se no chão, sobre o tapete, e se apoiou contra o pé da cama. Na tenda não havia muito lugar e tudo estava perto.

Jura inspirou profundamente. Não sabia como atuar. Desde que se conheceram, só haviam discutido.

— Quando as guardiãs treinam duramente, massageamo-nos os ombros uma das outras. Talvez possa fazer o mesmo por você — disse, temendo que ele a rechaçasse.

Rowan sorriu calidamente e seus olhos expressaram gratidão. Inclinou-se para trás e estendeu sua mão para que ela fosse para ele.

Jura ficou de joelhos junto a ele e o olhou aos olhos.

Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se atraída para ele. Neste momento Lanconia, Daire, Cilean e o direito de seu irmão ao trono pareciam muito longínquos. Quando se moveu, o veludo ondulou em torno de seu corpo e as luzes das velas se refletiam nos cabelos dourados de Rowan.

— Deve tirar a túnica e te deitar de barriga para baixo — disse ela, tratando de reprimir o tremor de sua voz.

O olhar dele se acendeu e entrecerrou as pálpebras quando a olhou aos olhos. Deixou sua taça de vinho, desabotoou seu cinturão e tirou a túnica. Não usava nada por baixo e as luzes das velas iluminaram seu torso musculoso. Tinha uma cicatriz em um ombro. Jura passou seus dedos sobre ela.

Rowan sorriu.

— Não prestei atenção a Feilan e ele decidiu me dar uma lição. — Tomou os dedos de Jura e os beijou. — É linda, Jura — disse, introduzindo o polegar dela em sua boca morna acariciando-o com a língua. Logo beijou brandamente seu pulso e subiu por seu antebraço, empurrando a manga de seu vestido. — O dia que te conheci pensei que era linda, mas agora...

— Tão linda como suas inglesas? — Murmurou ela, olhando-o fixamente. — Tão linda como a mulher com quem deveria se casar?

Ele riu.

— Nenhuma mulher inglesa pode comparar-se a você. — Pôs o braço dela sobre seu regaço e a olhou. — Se for me massagear os ombros, será melhor que tire uma parte de sua roupa.

Jura se ruborizou. Em várias ocasiões se despiu em sua presença, mas agora, à luz das velas, parecia diferente. Além disso, sabia que se se despia agora, isso os conduziria a um episódio penoso como o que já tinha experimentado. Mas não sentia temor. Só uma sensação emocionante como a que experimentava antes de uma batalha.

Inspirou para tranquilizar-se e tirou a túnica de veludo, permanecendo com o apertado vestido de seda. Os anos de exercícios haviam modelado os músculos de seus quadris, mantendo sua cintura pequena e seus seios erguidos.

Rowan a olhou e emitiu um grunhido que fez Jura sorrir. Esse inglês julgava a beleza física de uma maneira frívola, mas se agradava que a olhasse assim. Sua destreza para dirigir a lança não parecia importante nesse momento.

— Jura — murmurou Rowan, lhe estendendo os braços. Ela se entregou naturalmente. Negar-se teria sido como negar uma taça de água a um homem sedento.

Beijou-a meigamente, sem violência, como se tivesse todo o tempo do mundo. Brincou com seus lábios e os roçou com a ponta da língua. Quando concluiu, o corpo de Jura estava completamente relaxado. Ela permaneceu entre seus braços e fechou os olhos. Lentamente os abriu e o olhou. Ele havia entrecerrado as pálpebras e sua expressão era plácida. Nunca tinha visto um homem nesse estado, e menos ainda a esse inglês, que geralmente franzia o cenho, irritado. Mas agora havia em seus olhos desejo, mas também ternura e certa felicidade, como se só desejasse estar com ela e em nenhuma outra parte. O coração de Jura acelerou. O inglês lhe disse que a amava. Bem... Seria verdade? A expressão de seu rosto seria uma expressão de amor?

Ele acariciou o rosto de Jura com a ponta de seus dedos, com a palma de sua mão. Entrelaçou os dedos nos cabelos dela, beijou as comissuras de seus lábios, e suas pálpebras. Jura, imóvel entre seus braços, aceitou suas carícias, mas seu coração pulsava cada vez com mais força. Nunca teria imaginado que esse homem musculoso, que amaldiçoava, lutava e se encolerizava, fosse capaz de tocar tão brandamente uma mulher.

Rowan voltou a beijar seus lábios, mas desta vez ela também o beijou. Rodeou o pescoço dele com seus braços e apertou seus seios contra a pele nua de seu torso.

— Jura, meu amor — murmurou ele contra seu pescoço, seus lábios queimavam sua pele.

O coração enlouquecido de Jura começou a pulsar também em sua garganta e ela acreditou asfixiar-se. Rowan desatou as fitas que sustentavam o vestido de Jura com a mesma habilidade com que tocava um instrumento de cordas.

Ela ofegou quando ele deslizou suas mãos grandes e calosas debaixo da seda e aprisionou sua cintura nua. Apertou-a como se brincasse com ela e Jura riu, encantada, como uma das frívolas aspirantes a serem guardiãs, e que sempre era rechaçada. Mas Rowan não se desgostou de sua risada, como teria sem dúvida, aborrecido a um guerreiro lanconiano. Pelo contrário, sorriu e seus olhos brilharam, divertidos.

— Jura tem cócegas? — Disse ele. — Jura, a grande guerreira, tem cócegas?

Ela tratou de afastar-se dele, mas não pôde liberar-se das mãos que aferravam firmemente sua cintura. Rowan moveu seus dedos e Jura não pôde controlar sua risada. Deu-lhe um empurrão, mas era como tentar derrubar um carvalho. Os dedos de Rowan se moveram debaixo do vestido de Jura e ela continuou rindo. Indefesa, caiu para trás sobre o tapete.

Quando ouviu que o vestido se rasgava, protestou fracamente, mas Rowan não cessava de fazer cócegas.

Subitamente, deixou de fazê-lo e a olhou. Jura estava quase nua. Seu vestido estava aberto do pescoço até os joelhos. Seus seios permaneciam erguidos e Rowan, de bruços, colocou-se escarranchado sobre seus quadris.

Sua expressão se tornou séria e seus olhos se obscureceram. Uma veia que atravessava sua têmpora pulsava com força e os músculos de seu peito estavam rígidos. Ao observar Jura, sua respiração se acelerou. Logo, lentamente, tomou-a entre seus braços, retirando o que restava de seu vestido, e a levou para a cama.

Jura se sentia viva e palpitante, mas também temerosa.

— Sua irmã se zangará quando souber que seu vestido está rasgado — murmurou.

Ele não respondeu. Pô-la sobre a cama e, de pé, observou-a. Seus olhos subiram dos dedos de seus pés, passando por suas pernas, seus seios, até chegar a seu rosto. Quando concluiu a inspeção, o coração de Jura pulsava violentamente.

Rowan se sentou na borda da cama, de costas para ela, e começou a despir-se. Não parecia ter pressa, dava a impressão de que tinha aguardado toda uma vida para viver este momento e que tinha a intenção de aproveitar plenamente.

Voltou-se para Jura e, completamente nu, deitou-se a seu lado. Suas pernas fortes e peludas roçavam as dela, seus braços fortes a sustentavam e suas mãos acariciavam suas costas até chegar a suas nádegas.

— A primeira vez fui bruto, — murmurou ele — mas agora o farei melhor. — Depois a beijou.

Foi um beijo diferente do primeiro, não tão suave, mas ofegante... e mais apaixonado.

A pele de Jura estava tão quente, que teve a sensação de ter febre. Desejava que continuasse beijando-a, mas ele deslizou seus lábios pelo seu pescoço, os ombros e o braço de Jura. Roçou com seus dentes a palma de sua mão e o corpo de Jura se contraiu de prazer. Acariciou com sua língua o pequeno oco central de seu pescoço. Tomou as mãos dela e as sustentou contra os lados de seu corpo, enquanto ele beijava seus seios. Jura começou a gemer, movendo a cabeça da esquerda para a direita. Começou a suar.

Rowan acariciou com sua língua o abdômen e os quadris de Jura.

Soltou suas mãos e deslizou a suas debaixo de suas nádegas para levantá-la, beijando e introduzindo sua língua em sua vagina. Jura ofegou e abriu os olhos, sobressaltada.

— Rowan — gemeu.

— Sim, meu amor — disse ele, beijando seus lábios.

Ela abriu as pernas e ele a penetrou facilmente, sem dor, com profundo prazer. Jura arqueou o corpo e jogou a cabeça para trás, gozando o êxtase dessa nova sensação. Lentamente, ele se retirou quase completamente dela e Jura cravou os dedos nos braços dele, temendo que a deixasse, mas ele voltou a penetrá-la dessa maneira deliciosa e torturante.

Ela abriu os olhos para olhá-lo e a expressão de seu rosto a fez estremecer. Era uma expressão de prazer supremo e total. O coração de Jura bateu com mais rapidez.

Não demorou muito em adaptar-se ao ritmo de fazer amor. Levantou as pernas para facilitar a penetração de Rowan, que entrava e saía, uma e outra vez, lenta e brandamente.

Talvez tenha sido somente um momento ou talvez tenha sido horas, mas Jura começou a desejar algo mais, sem saber exatamente o que.

— Rowan? — Murmurou.

Ele abriu os olhos e a olhou. Seu olhar era tão apaixonado que seu coração acelerou. Rowan mudou. Mudou instantaneamente; converteu-se em um animal selvagem, tomando uma perna de Jura e levantando-a sobre a cintura dele. Jura levantou a outra perna e elevou os quadris. Os movimentos de Rowan se tornaram mais rápidos e violentos. Ela adaptou seu ritmo ao dele, usando toda a força física que tinha desenvolvido em seus treinamentos. Assim chegaram a uma crescente paixão e desejo.

Quando alcançou o clímax, Jura acreditou ver estrelas e ouvir rugidos. Lançou um grito e se aferrou a Rowan com braços e pernas, como se agarra o náufrago a um tronco que flutua no mar. Ele estremeceu espasmodicamente.

Durante um longo momento permaneceram deitados um junto ao outro, abraçados como dois animais fortes, os corpos cobertos de suor, as pernas entrelaçadas.

Rowan a olhou.

— Não te machuquei? — Perguntou com um pequeno sorriso complacente.

Jura não se ofendeu. Sentia-se tão bem que nada podia ofendê-la.

— Não tinha a menor ideia — murmurou — de que existisse algo semelhante.

Ele beijou sua bochecha.

— Para ser sincero, eu tampouco. Não é estranho que os homens...

— Os homens o quê? — Perguntou ela, arqueando uma sobrancelha.

— Por isso os homens vão de uma cama a outra. Este prazer é... — Fechou os olhos. — Este prazer é...

— Meu — disse Jura serenamente.

Rowan a olhou, sorriu e a abraçou.

Aconchegaram-se um contra o outro, seus corpos molhados e ainda unidos entre si.

Jura jamais havia se sentido assim. Era como se sempre lhe tivesse faltado algo e agora o tivesse. Voltou levemente a cabeça para observar o perfil de Rowan à luz das velas. Rowan, pensou, já não era “o inglês”, a não ser Rowan, seu marido, seu homem. Acariciou sua bochecha e ele beijou seus dedos.

Tinha os olhos fechados e o corpo completamente relaxado.

— Me fale de sua vida na Inglaterra — disse ela em voz baixa. Nunca tinha se interessado por sua história, nem seus pensamentos, mas agora desejava saber algo mais a respeito dele.

Ele a olhou, como a esquadrinhando. Sorriu-lhe ternamente e Jura experimentou uma sensação que nada tinha que ver com a paixão.

— O jantar aguarda — disse ele. — Comemos enquanto falamos?

Rowan colocou os calções e Jura, a falta de outra coisa, a túnica bordada de Rowan. Deixava ver suas pernas e, quando viu que Rowan as contemplava, fez o possível para mostrá-las. E a túnica, que ficava grande, deslizava-se continuamente por um de seus ombros, mas tampouco tratou de evitá-lo.

A comida esfriara, mas para Jura pareceu deliciosa. Puseram os pratos sobre o tapete. A combinação do vinho e os quentes olhares de Rowan deixavam Jura tonta. A voz dele, cujas suaves inflexões nunca tinha notado, embriagou-a mais ainda.

Rowan falou da responsabilidade que sempre tinha pesado sobre ele como futuro rei. Disse que quase nunca tinha conseguido agradar ao ancião Feilan e nem a seu pai.

— Se preocupava em não agradar Thal? — Perguntou Jura. — Mas ele falava de você como se fosse um deus. O filho que tinha tido com minha mãe não tinha importância para ele. Sempre falava com Geralt sobre você, te colocando como exemplo.

— Mas ordenava a Feilan que me exigisse mais e mais. Em uma ocasião, quando eu tinha dezesseis anos, e pensei que sairíamos de caça, atacaram-me quatro lanconianos. Lutei contra eles durante horas, enquanto Feilan se limitava a observar.

— Matou-os? Feriram-te?

Rowan fez uma careta.

— Logo compreendi que estavam brincando comigo, protegendo-se entre eles. Feri alguns, mas só obtive machucados: Em realidade, caminhei coxeando durante várias semanas. Estava tão zangado com Feilan que apenas falava com ele. Era um homem implacável, sem sentimentos.

— Mas te elogiou diante de Thal — disse Jura.

— Por isso Geralt me odeia.

— Com razão. É um príncipe lanconiano. Você em troca... —interrompeu-se porque Rowan lhe introduziu uma grande parte de pão na boca.

— Uma noite, Jura — disse ele com o olhar de um cachorrinho abandonado. — Uma noite de paz, por favor.

Jura não pôde evitar rir. Logo, impulsivamente, introduziu a metade do pão na boca de Rowan.

— De acordo, — disse ela, sorrindo — esta noite é o rei, mas amanhã deverá me demonstrar que é apto para reinar.

— Apto para reinar — disse ele com olhos sombrios. — Demonstrar-te-ei quem é apto para reinar. — Começou a avançar para ela sobre pés e mãos, como um grande animal de rapina.

Jura se pôs a rir, mas neste momento, os calções de Rowan caíram “acidentalmente” e não houve dúvidas a respeito de suas intenções. Jura sentiu a boca seca, mas desta vez não experimentou temor. Quando tirou a túnica e abriu os braços para recebido, viu uma expressão fugaz de surpresa no rosto de Rowan, mas não chegou a compreender. Não a tinham educado para ser recatada, para dissimular seus verdadeiros sentimentos, para fingir. Ela o desejava tanto como ele a ela, e não o dissimulava.

Depois de seu desconcerto inicial, Rowan sorriu, feliz ao vê-la tão ansiosa. Já não havia motivos para atuar tão lentamente. Sua paixão por Jura era avassaladora. Durante duas horas tinha contemplado suas pernas nuas e só tinha pensado em fazer amor novamente. Mas tinha feito com cautela, pois as mulheres inglesas, pelo menos as que ele conhecia, atuavam como virgens cada vez que copulavam.

Mas Jura era lanconiana, não inglesa, e dizia tudo quanto pensava, atuava de acordo com suas convicções e tomava o que desejava. Rowan não devia preocupar-se, ela jamais o enganaria. Sempre lhe diria francamente o que pensava.

Depois da primeira vez que fizeram amor, quando ele tinha atuado tão brutamente, Rowan temia que ela não desejasse voltar a deitar-se com ele. Mas parecia ter mudado de ideia, pensou ele com certa presunção.

— Venha, minha querida ansiosa, ensinar-te-ei alguns truques — disse ele, sorrindo. Levantou-a e a colocou sobre seu pênis, sorrindo agradado ante a surpresa dela, que logo se transformou em prazer. Pelo menos a esse respeito, ela não podia dizer que fosse um tolo. Nessa matéria, ele possuía todos os conhecimentos e ela, nenhum.

Mas em poucos segundos, Jura o fez trocar de ideia. Ela era mais forte, hábil, vigorosa e criativa do que ele imaginou. Rowan não tinha tido muitas relações sexuais, pois Feilan sempre considerou que o treinamento para a guerra era mais importante que o treinamento para o sexo. Muitas das relações sexuais de Rowan tinham sido com mulheres frias, que só desejavam poder dizer que se deitaram com o bonito príncipe. Rowan acabava ficando desgastado.

— Jura — murmurou, acariciando suas coxas enquanto ela se movia ritmicamente sobre ele. Acreditou morrer devido ao êxtase que ela lhe proporcionava.

De repente, já não pôde suportar mais e, sem interromper o contato, arrojou-a de costas sobre o tapete e chegou ao clímax, com estremecimentos que pareciam provir do mais profundo de sua alma. Abraçou Jura com tal força, que ela gritou.

— Está me quebrando — disse ela, tratando de libertar-se dele.

Ele riu.

— Te dobrarei até que caiba em meu bolso e só a tirarei dali quando seja como aquela Jura que encontrei junto à água do rio.

— Sempre sou aquela Jura — disse ela, aproximando seu corpo do dele.

Rowan bocejou.

— Talvez esteja habituada a dormir no chão, mas eu prefiro a cama. — Levantou jura entre seus braços como se fosse uma menina e a levou para a cama. Abraçou-a, cobriu a ambos com uma manta e dormiu imediatamente.

Jura, em troca, permaneceu acordada. Sua mente e seu corpo ferviam de novas sensações. Quando Rowan estava profundamente adormecido, Jura saiu da cama, tomou a túnica dele que estava no chão, colocou-a e saiu da tenda.

O ar da noite estava fresco e ela voltou seu rosto para a lua. Sorrindo, rodeou o corpo com os braços. Finalmente, já não era uma donzela. Isto era o que havia sentido no dia em que conhecera Rowan. E era o que nunca tinha sentido com Daire. Desejava sentir com Rowan a segurança e a serenidade que Daire lhe transmitia.

A brisa fresca lhe produziu calafrios e retornou à tenda. À luz das velas, observou Rowan dormido, parecia um bebê. Um de seus braços estava flexionado sobre o rosto, a palma da mão para cima, em atitude indefesa. Ela deve ter feito ruído, pois ele se moveu e estirou as mãos, como procurando algo. “A mim”, pensou ela sorrindo. Apagou as velas e se deitou na cama junto dele.

Despertou com cócegas no nariz. Abriu os olhos e se levantou. Rowan estava passando pelo seu nariz uma mecha de seus próprios cabelos. Durante um instante, a presença desse homem em sua cama a sobressaltou, em seguida, recordou a noite anterior e, ruborizou-se.

— Bom dia, minha esposa — disse Rowan, sorrindo e beijando-a meigamente. — Que entretenimento planejou para hoje? Aposto que não será melhor que o de ontem, quando, com seu vestido de veludo, conduziu-me a esta cova de prazeres terrestres. Se tivesse sabido que reagiria desse modo diante da presença de Brita, tê-la-ia convidado a nossas bodas.

Jura não estava habituada a brincadeiras.

— Não planejei isto — disse, indignada. — Sua irmã me disse que devia tratar de me assemelhar a uma mulher inglesa para... para ... — Olhou-o e sorriu fracamente.

— Para quê? — Perguntou ele inocentemente.

— Brita não tem nada que ver com isso. Se desejar ir atrás dessa mulher velha, como um cão mulherengo, é teu assunto. — Jura tratou de sair da cama, mas ele a impediu.

— Brita não é velha. É uma mulher linda e poderosa, e a espécie de poder que ela possui é atrativo para um homem, especialmente para um rei como eu.

— Não é tão linda como eu — gritou Jura. Logo, ao ver a expressão do Rowan, compreendeu que estava rindo dela. Baixou a voz. — Brita deveria me agradecer. Ontem à noite a salvei de uma noitada tediosa. — Bocejou. — Talvez consiga um apaixonado amante lanconiano, alguém tão bonito e viril como Daire.

— Daire — disse Rowan, irritado. — Poderia quebrar esse feio e pequeno... — interrompeu-se ao comprovar que ela, a sua vez, zombava dele. — Castigar-te-ei por isso — disse com expressão feroz. Imediatamente se levantou sobre ela e lhe fez cócegas até fazê-la rir e gritar.

Jura se contorceu de risada e essas contorções fizeram Rowan esquecer que a estava “castigando”. Um instante, depois se beijavam avidamente, como se não tivessem se visto durante um ano. Fizeram amor e adormeceram.

Ambos despertaram ao mesmo tempo.

— Não desejo sair daqui — disse Rowan, abraçando-a. — Lá fora ruge o mundo. Certamente, Brita já declarou guerra aos iriales e eu sou o culpado porque me afastei dela.

Seu tom era tão abatido que ela beijou a ponta de seu nariz. Logo levantou a cabeça.

— Alguém vem para aqui.

Rowan saiu imediatamente da cama, envolveu-se em uma manta e tomou sua espada.

— Permaneça aqui — ordenou a Jura. — E não desobedeça!

Saiu da tenda para aguardar a chegada do cavaleiro solitário, que ao ver o Rowan, acelerou o passo.

Era Xante e olhou para Rowan com expressão divertida. Rowan estava nu, a manta de lã se pendurava de seu ombro e se arrastava pelo chão. Em uma mão empunhava a espada.

— Felizmente, não sou um inimigo — disse Xante. — Levou-te muito tempo em ouvir minha chegada.

— O que aconteceu? — Perguntou Rowan com tom sério e severo. — Precisam de mim?

Xante vacilou antes de responder.

— Não. Sua irmã enviou comida para ambos e roupa para Jura. — Arqueou uma sobrancelha. — Aparentemente, acreditou que a roupa de Jura não duraria mais de uma noite. — Xante sorriu ao ver que Rowan ruborizava.

Rowan amaldiçoou seu rubor e o tom zombador do lanconiano e tomou os cestos que lhe entregou Xante.

— Brita se encontra bem? Não se zangou por causa de minha ausência?

— O jovem Geralt entrou em sua tenda ontem à noite e ainda não saiu. Os lanconianos sabem fazer certas coisas, irmão.

— Irmão? — Perguntou Rowan.

O rosto do Xante se tomou tenso, antecipando a desaprovação de Rowan.

— Ontem à noite me casei com sua irmã — disse em tom um tanto desafiante.

Rowan sorriu amplamente.

— Pelo visto, os ingleses não são tão incompetentes. Na manhã seguinte das bodas, conseguiu com que você entregue alimentos e mensagens. Não pôde retê-la na cama esta manhã?

Desta vez foi Xante quem adotou uma expressão tímida, logo sorriu.

— Ali há comida para dois dias e não é necessário que retorne logo. Todos estão... ocupados. Dentro de nove meses haverá muitos nascimentos. Desejo-te bom dia e parto, pois devo fazer meus próprios filhos. — Saudou fazendo um gesto com a mão e partiu.

Jura saiu da tenda, vestida com a túnica de Rowan, com uma adaga na mão.

— Então agora o capitão da guarda está do seu lado — disse pensativamente. — Pergunto-me se Geralt sabe disso.

Rowan apoiou dois dedos sobre os lábios dela.

— Tratemos de que a paz dure todo o tempo possível. Hoje não fale de seu irmão, por favor. Comamos, façamos amor, nademos e cantemos.

Jura sorriu.

— Realmente podemos fazer tudo o que nos agrade? Não deve te dedicar a unir as tribos, nem a nenhum outro assunto de estado?

— Seremos amantes e faremos tudo quanto fazem os amantes. Deseja que toque o alaúde e cante para você?

— Preferiria que me ensinasse a arrojar a adaga como você o faz. Tentei-o, mas não posso mover o punho como você. Em um combate, seria muito útil arrojar uma adaga e matar a um homem rápido e limpamente. Poderia... — Rowan voltou a apoiar seus dedos sobre os lábios de Jura.

— Praticaremos durante uma hora, cantaremos durante uma hora e faremos amor durante o resto do dia — disse.

Jura, pensativa, disse:

— Parece-me equitativo. — Seu tom era sério, mas seus olhos brilhavam. — O que faremos em primeiro lugar, comer ou nos banharmos?

— Comer — disse ele tratando de tomá-la entre seus braços. Rindo, Jura o evitou e tomou o cesto de comida.

Quando a manta caiu dos ombros de Rowan e Jura viu que ele desejava algo mais que comida, ignorou-o. Sentou-se no chão e começou a comer. Mas durante a comida, estirou suas pernas com frequência e se inclinou para que ele visse seus seios.

Foi um dia maravilhoso para ambos, o primeiro que compartilhavam como pessoas, não como inimigos. Rowan ensinou Jura a arrojar a adaga, logo comprovou que ela possuía aptidões naturais para usar uma arma e, depois de uma hora de prática, o fazia quase tão bem como ele.

— Deveria adestrar aos meus homens — disse ele de mau humor.

— Não ao Neile — disse Jura. — Esse homem não me agrada.

Rowan esteve a ponto de contradizê-la, mas se conteve. Talvez Neile tivesse irritado a outros lanconianos e não só a Jura.

Para ambos, o dia pareceu muito breve. Embora fizesse semanas que estavam casados, se conheciam muito pouco e tinham acumulado tanta irritação, que era difícil confiar um no outro. Pois ambos só tinham sido educados para a guerra. Lora tinha ensinado a Rowan maneiras gentis e ele tinha chegado a pensar que essa era a missão das mulheres. Jura não tinha a menor ideia do que esperava ele dela.

Durante todo o dia, trataram de sentir prazer mutuamente, ignorando o que cada um deles esperava do matrimônio. Jura desejava organizar um concurso de arqueiros. Afinal de contas, tinha sido assim que conseguira que Daire lhe propusesse matrimônio. Mas Rowan não gostava da ideia. Desejava ensinar Jura a tocar o alaúde e a cantar algumas canções inglesas. Jura sabia que seus dotes musicais eram nulos e não desejava fazer um mau papel frente a ele. Aparentemente, nenhum dos dois queria fazer aquilo em que destacava o outro.

Então comeram, fizeram amor e conversaram. Assombrado, Rowan se inteirou de como tinha sido a infância de Jura. No começo, a ideia de que existisse uma guarda feminina lhe tinha horrorizado tanto que não tinha se interessado, mas agora a escutou com atenção, pois ficou surpreso ao ver como Jura protegeu suas costas.

— Mas quando dançava ou brincava? — Perguntou ele. — Quando foi à campina para observar as flores?

— Quando fazia você isso? — Disse ela.

Nesta noite fizeram novamente amor e dormiram abraçados. Ainda não tinha amanhecido quando os despertou o som de um cavalo que se aproximava da clareira. Jura e Rowan saltaram da cama e colocaram uma túnica. Logo correram para fora. Rowan disse a Jura que permanecesse na tenda, mas ela não lhe obedeceu. Permaneceu a seu lado, espada em mão, aguardando a chegada do cavaleiro.

Era Geralt. Seu rosto estava contorcido pela ira. Sobre seus arreios, atada de pés e mãos, amordaçada, estava Brita.


Capítulo 13

— É um estúpido — gritou Rowan, antes que Geralt pudesse falar. Rowan tomou Brita entre seus braços. Os olhos da rainha vatell lançavam brilhos de fúria.

— O que fez a ela? — Perguntou Jura a seu irmão.

— Não importa — gritou Rowan. — Seu caráter infantil prejudicou a todos.

Geralt desmontou empunhando sua espada e Jura se interpôs entre seu irmão e seu marido.

— Não lutarão por isso — disse Jura. — Falaremos e veremos o que se pode fazer.

Rowan sustentava Brita em seus braços. A ira no rosto da mulher representava o fim de todos seus sonhos de unir a Lanconia, e tudo se devia ao caráter irascível de seu meio-irmão. Geralt desejava o poder para si mesmo, não para utilizá-lo em benefício de seu país.

— Ouvi-a dizer que pensava em atacar aos iriales — disse Geralt com ódio. — Deslizou-se furtivamente da cama que compartilhávamos ontem à noite, a tola pensava que eu dormia. — Olhou para Brita com fúria. — Para me fazer dormir é preciso algo mais que uma mulher velha como você não pode me dar — disse-lhe depreciativo. — Segui-a. Ordenou a um de seus guardiões que viesse até a tenda e matasse a ambos. Matei o guardião e logo, quando esta víbora dormiu, capturei-a.

Jura olhou para Rowan.

— Meu irmão salvou sua vida e a minha. Não deveria duvidar dele.

Rowan estava estupefato.

— Provoca uma guerra porque não é capaz de reter uma mulher em seu leito e diz que não deveria ter duvidado dele.

— É um... — gritou Geralt, avançando para Rowan, espada em punho.

Rowan esteve a ponto de deixar Brita no chão e lutar contra Geralt, mas Jura voltou a intervir.

— Devemos evitar a guerra — gritou. — Se os vatell descobrirem a ausência de sua rainha, assassinarão aos iriales adormecidos. Devemos atuar de acordo com o que passou e devemos fazê-lo com celeridade.

Rowan permaneceu de pé, com Brita entre os braços, que se retorcia, tratava de gritar apesar da mordaça e olhava com ódio para Geralt. Rowan assistia ao desmoronamento de seus sonhos e esperanças, tudo isso provocado pelo descontrole desse jovem imaturo. Certamente, Geralt tinha se zangado porque Brita saiu do leito, ofendendo sua masculinidade.

— Rowan, — gritou Jura, tratando de chamar sua atenção. Rowan só atinava a olhar para Geralt com ódio — devemos fazer planos.

Rowan, encolerizado, não podia pensar. Lentamente, voltou-se para Jura.

— Defende-o.

— Não defendo a ninguém — disse ela. — Geralt pensou que deveria salvar sua vida, e aparentemente o fez. — Jura se voltou para seu irmão. — O que fez com o cadáver do guardião?

— Joguei-o do escarpado Foran.

— Vá buscá-lo — ordenou ela, mas Geralt não se moveu. — Vá buscá-lo e monte-o sobre um cavalo. Levaremos a rainha de volta ao povoado e ela dirá que nos acompanhará em uma visita a Yaine.

Brita disse

— Haa! — Através da mordaça.

— Vai — gritou Jura a Geralt. — Devemos atuar rapidamente antes que alguém suspeite.

Geralt partiu rumo ao povoado e Jura passou junto de Rowan para entrar na tenda.

— Devemos nos vestir — disse. — Deixe-a no chão.

Rowan, ainda levando Brita nos braços, entrou na tenda.

— Maldita seja, Jura, não comece a me dar ordens.

Ela estava atando suas botas.

— Devia permanecer ali enquanto vocês brigavam por causa dela? Olhe-a. Agrada-te tê-la entre seus braços?

Rowan deixou cair Brita sobre a cama e apoiou as mãos sobre os ombros de Jura.

— Não podemos estar em paz? Sempre deve apoiar os outros, ficando contra mim?

— Te disse que não tomei partido. Ao que parece, está feito e agora devemos resolvê-lo. Devemos evitar que os vatell saibam que sua rainha foi capturada. — Levantou os pés de Brita e tirou o cinturão.

Rowan se ergueu.

— De acordo, levá-la-ei de retorno ao povoado e ela dirá a seus homens que vai viajar conosco até o povoado dos fearen. Traremos fearen para que se casem com os vatell e os iriales.

Brita voltou a protestar.

Jura se inclinou sobre ela, aproximou seu rosto de Brita e, com voz suave disse:

— Teremos flechas apontadas para você, e se não dizer o que desejamos e conseguir fugir, a perseguirei e um dia, enquanto esteja dormindo, entrarei em seu dormitório e te cortarei o nariz. Já não poderá seduzir a um bonito e jovem príncipe. — Sorriu friamente e tocou o nariz da mulher com a ponta do dedo.

Rowan, exasperado, levantou os braços.

— Vá procurar Daire. Se ele viajar com ela, os vatell acreditarão que ela nos acompanha voluntariamente. Diremos que Yaine aceitou nos receber e dentro de duas horas estaremos na terra dos fearen. E que Deus nos ajude.

Jura terminou de vestir-se e saiu da tenda em busca de seu cavalo. Rowan a seguiu e tomou seu braço.

— Durou pouco, verdade? Refiro-me à paz entre nós.

— É provável que meu irmão tenha salvado sua vida — disse ela. — Manteve ocupada a sua perversa rainha para que ela não percebesse que você tinha mentido ao falar de matrimônio, e matou a um guardião vatell que tinha sido enviado para te matar. Se alguém o tivesse visto, Geralt estaria morto, talvez você e eu também estivéssemos e a guerra teria explodido da mesma forma. Arriscou muito por você e, entretanto, condena-o.

— Vocês consideram que matar é a única solução. Os lanconianos vivem dedicados a treinar para a guerra. Pergunto-me se seriam capazes de viverem em paz. Enredam e intrigam tanto uns contra outros que...

— Se nos despreza tanto, por que não retorna a sua perfeita e pacífica Inglaterra? — Disse ela. — Não necessitamos que constantemente nos diga que estamos equivocados, que tudo quanto fazemos não está de acordo com suas pautas de cavaleiro. Sobrevivemos sem você durante séculos e podemos continuar fazendo-o.

— Isso é tudo que fazem: sobreviver — disse ele, irritado. — Cada uma das tribos lanconianas vive em uma prisão. Não têm caminhos, nem mercados, nem há intercâmbio comercial entre as tribos, só possuem armas e elementos bélicos. E lutam contra mim, que sou seu rei, constantemente. Tivemos dois dias de paz e agora a rainha vatell jaz amarrada e amordaçada.

— Geralt deveria ter permitido que esse guardião viesse te atacar — disse ela, seus olhos brilhavam de cólera. O homem era inglês, pensava como um inglês, falava como um inglês e raciocinava como um inglês.

Rowan avançou para ela.

— Não fala seriamente — murmurou.

— Me escute bem, inglês, sempre escolherei meu país antes que nada, nem ninguém. Morreria agora mesmo se com isso pudesse ajudá-lo. Meu irmão, a quem ofende, pensa como eu. Ocupas um trono que deveria ser dele, mas ele matou para salvar sua vida porque ele também deseja que haja paz entre as tribos. Percebemos melhor que você que se trata de uma tarefa impossível, mas arriscamos nossas vidas para te ajudar e você nos despreza por isso.

— Desprezo seu temperamento — disse-lhe Rowan. — Pensa com um machado na mão.

— Geralt estava zangado porque uma rainha vatell ousou ameaçar a vida de um iria! Geralt só pensa nos iriales, não no bem de toda Lanconia. Seria um bom rei de uma só tribo, mas não se considera parte de todo o país. Deveria ter vindo e me advertido. Não deveria sequestrar a rainha vatell, arriscando-se a desatar uma guerra. — Rowan se aproximou de Jura. — Ou talvez seu irmão deseje que a paz não dure. O povo se voltaria contra mim e me mataria por ter trazido os vatell até aqui e eles nos atacariam. Então, Geralt seria rei.

Ela levantou a mão para esbofeteá-lo, mas ele o impediu.

— Traga Daire e Cilean. Iremos o quanto antes possível à terra dos fearen.

Rowan a observou enquanto se afastava e logo retornou à tenda. Brita jazia sobre a cama e seus olhos seguiram os movimentos de Rowan. Ele bebeu uma taça de vinho para fortalecer-se. Amaldiçoou a estupidez de Geralt. Rowan tinha tido a intenção de convencer pacificamente Brita para que o acompanhasse na visita a Yaine e aguardava que seu mensageiro trouxesse a notícia de que o líder fearen o receberia.

Agora, Geralt o tinha obrigado a apressar seus planos e, além disso, Rowan devia lutar com uma rainha enfurecida. E com uma esposa que voltava a odiá-lo, pensou tristemente Rowan. Ele não tinha podido lhe demonstrar nada, não tinha conseguido lhe fazer compreender sua maneira de pensar. Ela supunha que seu ciumento irmão atuava pelo bem da Lanconia e que seu marido era um intruso que não compreendia nada.

Rowan amaldiçoou e deixou sobre a mesa sua taça vazia. Devia levar Geralt com ele à terra dos fearen. Jura acreditava que atuava impulsionado por amor pelo seu país, mas Rowan não confiava nele. Nos olhos do Geralt havia algo mais que ira: havia cobiça, o instinto dizia a Rowan que Geralt desejava que os intentos de paz entre os vatell e os iriales fracassassem. Cinicamente, Rowan se perguntou se Geralt não teria tentado obter a cumplicidade de Brita para atacá-lo e ela se negou. Brita não se conformaria com um jovem príncipe. Ela desejava um rei que estivesse a sua altura.

Se Rowan estivesse certo a respeito de Geralt, não podia arriscar-se a deixá-lo na Lanconia, pois destruiria a frágil paz que havia entre as tribos. Rowan tinha planejado permanecer no povoado irial durante um mês ou mais para fiscalizar a união pacífica de seus súditos, — e a de seu próprio matrimônio — mas agora devia partir e deixar às tribos liberadas a sua sorte.

— Maldito seja! — Murmurou Rowan. Geralt tinha arruinado tudo e agora deveria ir com eles. Se Rowan tivesse acertado em seu julgamento a respeito de Geralt, ia ter que cuidar dele.

Com uma careta, pensou que Jura não protegeria a seu marido das flechas de Geralt. Voltou-se para a Brita.

— É hora das verificações. — Tirou-lhe a mordaça.

Ela cuspiu no rosto de Rowan.

— Meus guardiões o matarão. Não irei contigo e minha gente não acreditará nas palavras de meu filho. Foi o suficientemente tolo para deixar-se capturar por Thal, não preciso de um covarde como ele.

— Me disseram que Daire era apenas uma criança quando foi aprisionado quando atacou Thal.

— Mas foi vencido — disse ela. — Não foi um digno filho de seu pai. Meu marido era um homem magnífico, um vatell, não um irial como esse pequeno príncipe que enviou a meu leito.

Rowan desatou as mãos de Brita.

— Não importa o que possa pensar, agora nos ajudará.

— Acha que as ameaças dessa insignificante rameira com quem se casou me atemoriza?

Rowan a puxou pelo pescoço.

— Ela é melhor que você, — disse ele — e se suas ameaças não a atemorizam, permita que te diga que se não mente de modo convincente a sua gente e os faz acreditar que deseja nos acompanhar até Yaine, serei eu quem te despojará de seu nariz. Mais ainda, te decapitarei.

Ela o olhou enfurecida, mas não voltou a ameaçá-lo.

— O que tem a ver Yaine comigo?

— Desejo que se case com ele — disse Rowan, obrigando-a a levantar-se da cama.

Brita riu.

— É mais tolo do que acreditei. Casar-me com esse bandoleiro? Se o fizesse, seria rainha dos fearen e dos vatell e te destruiria.

Rowan a arrastou para fora da tenda e a levou até o cavalo.

— Talvez Yaine pense que reinará sobre os vatell.

— Se tratar de me despojar de meu poder o matarei – disse ela, zangada.

Rowan a levantou, colocando-a sobre a arreios.

— Bem, pode ser que ambos lutem pelo poder e eu seja o vencedor. Sei que Yaine tem uma filha muito bonita. Talvez possa casá-la com Daire.

— Bastardo!

Rowan montou atrás dela e tomou as rédeas.

— Minha linhagem está apoiada por documentos. Acredito que "idiota" seria uma palavra mais adequada. Pode ser que o seja. — Açulou seu cavalo, com a esperança de que Brita não percebesse os batimentos de seu coração. Se essa mulher fazia o menor gesto suspeito, teria que matá-la e já não haveria nenhuma possibilidade de paz.

Jura veio a seu encontro, acompanhada por Daire e Cilean.

— Estamos preparados — disse, olhando-o friamente.

— Onde está Geralt? — Perguntou Rowan.

Jura apontou a colina que estava por trás deles. Geralt estava sobre seu cavalo, junto a um guardião vatell... um guardião vatell morto que, desde essa distância, parecia estar vivo.

Quando Brita anunciou a seus homens que partiria com Rowan rumo à terra dos fearen, eles protestaram, desconfiando. Esse protesto constituiu a salvação de Rowan. Brita se zangou ao ver que seus guardiões não acreditavam que pudesse cuidar de si mesma.

— Ensinei-te a combater — disse ela a um guardião de vinte e um anos. — E agora diz que não sei nada de armas?

— É nossa rainha e a valorizamos — disse o jovem — e a viagem até o povo de Yaine é muito longa.

— Insinuas que sou muito velha para empreendê-la? — Murmurou ela. — Sou muito velha?

— Perdoe, minha rainha. Não quis dizer...

Brita se voltou para Rowan.

— Sairemos imediatamente e me encontrarei com esse tal Yaine e veremos quem é velho. — Saiu da sala, o guardião permaneceu perplexo e calado.

Jura ocupava o terceiro lugar na fila de viajantes que subia pelo estreito e rochoso atalho da montanha. Rowan partia à frente do grupo, seguido por Brita. Geralt ia atrás de Jura, e Daire e Cilean eram os últimos. Jura vigiava as costas de Rowan e, ao mesmo tempo, observava Brita para evitar qualquer movimento suspeito. Tinham transcorrido poucas, mas tensas horas, desde que Geralt levou Brita, atada e amordaçada, à tenda de Rowan.

Jura sorriu ao recordar a tenda e as duas noites que tinha passado ali. Mas logo seu sorriso se apagou. Não podia permitir que os prazeres de quarto interferissem em suas decisões em relação a seu país.

Geralt tinha atuado de forma impulsiva e imprudente ao sequestrar Brita, mas Jura considerava que não poderia agir de outra maneira, exceto, talvez, avisar primeiro a Rowan, como ele mesmo tinha exposto. Jura meneou a cabeça para clarear suas ideias. Não sabia o que pensar. Mas Geralt era lanconiano e Rowan, não.

Galoparam durante horas, afastando-se tudo quanto possível do povo irial. Ninguém falava, pois, os cavalos avançavam em fila. Viajariam durante dois dias pela terra dos vatell antes de chegarem a território fearen, mas não viajariam a campo aberto, pois, à exceção de Brita, todos vestiam roupas iriales. Os vatell do sul do país, não estavam inteirados do acordo de paz e Rowan não desejava expor a vida de todos eles, já que alguém poderia atacá-los, considerando-os invasores. Detiveram-se durante a noite. Só Brita parecia fatigada. Durante os últimos anos tinha levado uma vida cômoda e sua resistência tinha diminuído. Brita se internou sozinha na escuridão, mas Rowan a puxou por um braço.

— Não te afastará de minha vista.

— Sou uma rainha e... — Fez uma pausa, sua expressão altiva se tomou sedutora. — Irá comigo? — Ela falou.

— Jura, vá com ela. Cuide de que não se afaste.

Jura deixou de desencilhar seu cavalo e acompanhou Brita.

— Não me entregará a Yaine — murmurou Brita quando se afastaram dos outros. — Desejará ter uma rainha ao seu lado, você é tão somente...

— Jovem, sã e capaz de lhe dar filhos — disse Jura, fatigada. — Emprega sua astúcia com outra pessoa. Se meu marido a tivesse desejado, a teria tomado. Não compreende que seu maior desejo é obter a paz da Lanconia?

Brita calou, parecia medir a sua adversária.

— Para governar sobre toda Lanconia... Nem sequer eu pensei abranger tanto. Qual é seu plano para eliminar aqueles que tiverem o poder antes que ele?

— Não tenta matar ninguém. Tem uma aversão irracional para a morte. Nem sequer mata aos zernas.

A notícia surpreendeu Brita e deixou de falar com tom choroso.

— Pensa unir Yaine a mim e evitar que se produzam mortes?

Durante um instante, Jura se sentiu identificada com Brita.

— É inglês e sua cabeça é dura como pedra. Também acredita que Deus fala com ele. Não o compreendo absolutamente, mas Thal o converteu em rei e Rowan possui o poder até... até...

— Até que alguém o mate. Não viverá muito tempo — disse Brita cortante. — Felizmente, não me casei com ele.

Novamente tinha se convertido na inimiga de Jura.

— Não desejava casar-se contigo. Agora, retornemos. Esta noite será vigiada, e embora meu marido deteste a morte e meu irmão se limite a amarrar às mulheres, eu estou ansiosa por praticar um novo truque que aprendi a fazer com a adaga. Se tentar fugir, matar-te-ei!

Brita não respondeu e retornou ao acampamento. Manteve-se separada dos outros, enquanto estes acendiam a fogueira e preparavam uma comida simples. Observou Rowan, a quem chamavam rei dos lanconianos, quando em realidade só era o rei dos iriales. Ele não deixava de olhar para Jura e Brita pensou que era um tolo. Apaixonou-se pela jovem e isso o tornava vulnerável. Para manter o poder não teria que apaixonar-se. Ela sabia muito bem. O pai de Daire a ensinou. Ela amou profundamente a um jovem... e o pai de Daire mandou matá-lo. O que mais enfureceu Brita foi que não o fez por ciúmes, a não ser simplesmente para lhe dar uma lição. Quando se amava, convertia-se em um ser débil. Brita tinha aprendido e nunca havia tornado a amar ninguém, nem a seu marido, nem a seu filho que fora arrebatado, a ninguém.

Agora, contemplando a forma que Rowan olhava para Jura, soube qual era seu ponto débil. Jamais obteria seus propósitos porque era débil.

Olhou os outros integrantes do grupo. Descartou Cilean. Era uma mulher boa, justa, tenra, carinhosa e... inútil. Jura, em troca, oferecia possibilidades como fonte de conflitos. Ainda não sabia que amava Rowan e sua mente estava lúcida. E não tinha dúvidas em matar. Tinha sido treinada para isso. Brita sabia que devia tomar cuidado com Jura.

Brita observou atentamente seu filho Daire. Era um jovem bonito e descobriu nele alguns traços físicos de seu pai, mas carecia de sua indiferença. Tampouco parecia possuir a ambição de sua mãe. Não poderia obter seu apoio para lutar contra o usurpador inglês. Não, Daire era tão irial como vatell.

Por último, olhou para Geralt e descobriu o que procurava. Era um homem cheio de ódio. Brita deveria dissimular um sorriso ao pensar na ingenuidade desse menino, pois era tão somente isso: um menino. À noite em que se celebraram as bodas, se aproximou de Brita como um pequeno cão que procura afeto. Adotou uma atitude um tanto garbosa, mas não tinha podido ocultar seu temor a ser rechaçado.

Em um primeiro momento, Brita se enfureceu porque Rowan lhe tinha enviado esse moço, como se ela fosse um animal no cio, que qualquer semental pudesse satisfazê-la. Depois, tinha olhado atentamente Geralt, tinha visto o desejo em seu olhar e pensou que talvez pudesse lhe surrupiar informações.

Tinha permitido que ele pensasse que a tinha seduzido. Era um amante impetuoso embora inexperiente e, mais tarde, Brita compreendeu que precisava mais de uma mãe que uma amante. Geralt começou a fazer confidências, enquanto ela o abraçava meigamente. Falou-lhe de seu ódio por Rowan, porque Thal sempre o tinha elegido em um exemplo que ele devia imitar.

— E nem sequer o conhecia — tinha gritado Geralt. — Comparava-me com um menino que não conhecia. Esse Rowan era melhor que eu porque tinha uma débil mãe inglesa. Mas eu devia ser o rei da Lanconia e teria me eleito se não tivesse sido por... — Tinha desviado o olhar.

— Beba um pouco mais de vinho — havia dito Brita. — Por que escolheram o inglês em seu lugar? Brita tinha escutado um tanto emocionada quando Geralt lhe disse que Rowan tinha conseguido abrir as portas de St. Helen.

Geralt tinha falado durante quase toda a noite, até ficar profundamente adormecido. Brita tinha escutado pela metade, pensando que se Rowan morresse, esse jovem colérico se converteria em rei. Então seria muito simples casar-se com ele e converter-se em rainha. Seria rainha dos vatell e dos iriales e poderiam destruir os zernas e os fearen. As outras duas tribos, os poilen e ulten, poderiam ser gradualmente obrigados a abandonar Lanconia e, finalmente, Brita seria a rainha de todo o país.

Mas o jovem tinha despertado e a seguiu. Tinha dado morte a um de seus melhores guardiões, arruinando seus planos. Furioso — e muito atrativo em sua fúria — a amarrou. Se tivesse permitido lhe falar, ela teria podido persuadi-lo para que a escutasse, mas ele tinha reagido como um menino, a quem sua mãe tivesse traído. Só que este menino era um homem alto e forte.

Tinha cometido o engano de levá-la ante Rowan. Maldito Rowan. Talvez fosse teimoso e acreditasse que estava diretamente se comunicado com Deus, mas era indubitavelmente inteligente. Brita tinha pensado dizer a seus guardiões que a levavam contra sua vontade, mas sua vaidade tinha sido mais forte que ela. Quando retornasse, ensinaria a esse jovem guardião quem era velha. Sorriu antecipadamente.

Mas agora devia fazer algo para obter o apoio do jovem príncipe Geralt. Se pudesse achar as palavras indicadas, poderia convencê-lo de que ambos podiam reinar juntos na Lanconia. Talvez pudessem sequestrar o velho Yaine ou talvez pudesse casar-se com ele, despojá-lo do poder, encher o território com vatell e logo matá-lo.

Mas, acima de tudo, precisava de ajuda para desfazer-se de Rowan e da chata da Jura. Geralt deveria ajudá-la.


Jura despertou uma hora antes do amanhecer, fez um gesto com a cabeça a Cilean, que vigiava, e silenciosamente, dirigiu-se pela acidentada ladeira da montanha para o arroio. Desejava tirar o pó do corpo antes de começar o dia. Despiu-se e se lavou na penumbra. Só usava sua túnica quando ouviu um ruído a suas costas. Tomou sua adaga.

— Por favor, não a arroje — disse Rowan das sombras. Jura soube o que pensava pelo tom de sua voz. Imediatamente, sua pele se estremeceu.

Deixou cair à adaga e o olhou. Ele se levantou lentamente da pedra em que tinha estado sentado. Era evidente que tinha estado ali, em silêncio, observando-a enquanto ela se banhava. O fato de saber a comoveu.

Ele se aproximou dela lentamente, seu corpo grande e seus cabelos loiros lhe recordaram uma história que tinha ouvido em uma ocasião, que falava de um homem que tinha viajado para o sul e tinha visto leões. Os músculos de suas largas costas se moveram ao aproximar-se dela. Seus olhos lançavam brilhos ao olhar. Os músculos de Jura também se dilataram e sua respiração se fez mais profunda.

Quando esteve a poucos passos dela, Jura abriu os braços e ele a abraçou. Suas mãos se deslizaram até suas nádegas nuas e a levantou até que as pernas delas estiveram à altura da cintura dele. Ela se aferrou a ele com braços e pernas e ele avançou até apoiar as costas de Jura contra uma árvore. Logo a levantou e a penetrou.

Devido a posição em que se achava, Jura não podia mover-se, de modo que ele a moveu como se fosse uma boneca. Puxou-a pela cintura, baixando-a e subindo-a. As costas de Jura roçavam contra a árvore. Foi uma cópula violenta, Rowan a penetrava com força e ela o recebia com ardor aferrando a cintura dele com suas pernas.

Quando finalmente alcançaram o clímax, ele se deixou cair sobre ela, apertando Jura entre a árvore e seu corpo pesado e cansado, mas ela continuou abraçada a ele.

Depois de minutos, ele levantou a cabeça e a beijou docemente.

— Bom dia — murmurou.

Ela sorriu.

— Bom dia.

Ele continuava apoiando-a contra a árvore e acariciava suas pernas.

— Observava-me? — Perguntou ela. — Não te vi. Se tivesse estado...

Ele a beijou para fazê-la calar.

— Não o estava. Disse a Cilean que ninguém devia abandonar o acampamento, exceto para vir até aqui, onde eu pudesse vê-los.

— Mas eu podia cuidar de mim mesma sem que... — disse ela, mas ele a beijou novamente.

— Deseja tomar outro banho? Agradar-me-ia banhar contigo.

Jura se ruborizou. Era-lhe insólito ter uma relação tão íntima com esse estrangeiro. Ele a afastou da árvore, mas não a soltou. Acariciou as costas e as pernas de Jura. Logo lhe sorriu com uma expressão quase mais íntima que a de seu violento ato de amor.

— O dever me reclama — disse ele tristemente. — Outros despertarão dentro de pouco. — Deixou Jura no chão e lhe deu um leve empurrão para que fosse para a água.

Ela tirou a túnica e entrou uma vez mais no arroio. A suas costas ouviu o suspiro de Rowan e sorriu, satisfeita.

Ele entrou na água e mergulhou.

O sol começava a sair e os primeiros raios pareceram procurar os cabelos dourados de Rowan.

— Você... — disse ela com vacilação — parece conhecer muitas maneiras de fazer amor. Teve muitas professoras?

Rowan sorriu, agradado porque ela falava de algo que não fosse a guerra ou a política.

— Algumas! — Disse com certa satisfação. — Um príncipe, inclusive um príncipe de um país tão remoto como Lanconia, é muito cobiçado na Inglaterra.

— Ah, as mulheres o desejavam porque é um príncipe.

— Assim era — disse ele. — Agora sou rei, mas não, desejavam-me por mim mesmo.

— Compreendo. Admiravam sua habilidade para o combate. Aqui acontece o mesmo. Daire é um excelente soldado.

— Não — disse ele, irritado. — As mulheres me admiravam por... — Vacilou.

— Por quê? — Perguntou ela.

— Por meu aspecto — disse ele rapidamente. — Jura, algumas mulheres me consideram atrativo.

— É tão alto como um lanconiano, mas muito pálido. Mas talvez todos os ingleses sejam assim.

— Não sou pálido — disse ele e logo meneou a cabeça. — Jura, sempre te empenhará em me fazer sentir diminuído? Sempre considerará que outros homens são mais bonitos que eu, ou melhores combatentes ou menos tolos que eu? Alguma vez me seguirá sem protestar, só porque acredita em mim?

— Não acredito — disse ela depois de pensar durante um instante. — Um ser sempre deve pensar por si mesmo. Aos iriales ensinam a fazê-lo. Seguir-me-ia você sem vacilar? Até agora, não o tem feito.

— Naturalmente, mas você é uma mulher — disse ele, zangado.

— Acaso tenho menos cérebro que você? — Disse ela. — Seguir-te-ei quando achar que está certo. Não só porque o sol faz brilhar seus cabelos, fazendo-os parecer mais lindos.

Rowan parecia a ponto de responder com irritação, mas sua expressão mudou e sorriu.

— Então pensa que sou bonito — disse.

— Isso não tem importância — disse ela.

— Ah, não? E então, por que permitiu que te acariciasse no dia em que te conheci? Não acredito que tenha permitido a outro homem. Nem sequer a seu adorado Daire. Observei como a olha. Sem dúvida, ele te escolheu porque sabe dirigir uma arma melhor que outra mulher.

— Assim conquistei a você — disse ela, caminhando para a borda.

Ele a pegou pelo braço e permaneceram juntos, de pé na beira do arroio, nus.

— Não se permite me amar, verdade, Jura? — Disse ele em voz baixa.

Ela tratou de afastar-se dele.

— Isso é ridículo. Devemos retornar. Outros estarão acordados e devemos empreender a viagem.

Ele não soltou seu braço.

— Por que teme me amar? Teme se anular?

Ela se voltou e o olhou.

— Seus pensamentos são muito românticos, inglês. Formam parte de seu treinamento de cavaleiro? É verdade; não desejo te amar, porque sei que viverá pouco. Envolve-se em situações que sua mente inglesa não compreende. Até agora, sua inocência, ou talvez Deus, protegeu-te, mas não será por muito tempo. Se Yaine não o matar, outro o fará.

Rowan a olhou como se tivesse o esbofeteado, mas logo sorriu.

— Jamais me habituarei à sua maneira direta de falar. — Soltou o braço de Jura para que ela pudesse vestir-se. — Surpreender-te-ei, Jura, porque estou decidido a viver. E não só viverei, mas também obterei o que tenho proposto fazer. Antes de morrer, unirei às tribos da Lanconia.

Quando ela colocou a túnica, ele a tomou entre seus braços.

— Pode negar o que sente por mim, mas suas negativas são falsas — disse ele. — Seu corpo sempre reconheceu que sou seu parceiro. Sua mente não é tão inteligente como seu corpo. — Começou a beijá-la e a acariciar suas costas. — Pensava se casar com Daire, a quem tanto estima, mas não acredito que tenha te beijado como eu, nem te tenha feito sentir o que sente ao meu lado. Sua mente também me aceitará, Jura. É só questão de tempo.

Ela virou a cabeça para evitar seus beijos, mas não pôde evitar seu abraço.

— Não deveria ser rei — murmurou ela. — É lanconiano pela metade. Não te compreendo. Nenhum de nós te compreende. Deveria retornar a seu país, antes que seu intrometimento desencadeie uma guerra.

— E te levar a Inglaterra comigo? — Perguntou ele. — Te levar a um lugar onde se aprecia as mulheres por suas habilidades domésticas e não por sua capacidade para lutar contra outras mulheres?

Deu-lhe um forte empurrão e se afastou dele.

— Eu permaneceria aqui. Sou lanconiana. — No momento em que o disse, experimentou uma dor. Não tolerava a ideia de não voltar a vê-lo, de não ver seu sorriso, de não ver essa expressão em seu rosto que lhe dizia que ela acabava de fazer algo estranho para ele, de não sentir seus braços em torno de seu corpo.

Voltou-se para olhado. Rowan só usava os calções dos cavaleiros ingleses, ao ver seu corpo duro e musculoso, coberto por pelo loiro, desejou tocá-lo. Mas de repente, ergueu-se. Devia controlar-se. Sua mente devia governar seu corpo. Era uma guardiã, não uma tola pastora que se apaixonava pelo primeiro homem de costas largas que conhecesse.

Tampouco o seguiria cegamente. Não se tratava só dela, mas sim de todo seu país. Tudo quanto ela, Cilean, Daire e Geralt fizessem nessa viagem afetaria a toda Lanconia. Se atuavam apressadamente ou insensatamente, poderiam provocar a morte de muitas pessoas.

Fizesse o que fizesse, devia manter sua mente lúcida. Podia amar Rowan, mas não com um amor cego, como ele pretendia. Nunca o seguiria porque simplesmente dissesse "me siga". Ela devia aguardar, observar e estudar os planos que ele executava e nunca, nunca, devia permitir que aquilo que fizessem na escuridão influísse sobre seus pensamentos durante o dia.

Reprimiu o impulso de tocá-lo.

— Devemos retornar — disse brandamente e se voltou para terminar de vestir-se.

Antes de voltar para junto dos outros, ele a beijou uma vez mais, mas ela conseguiu controlar-se e manter a serenidade.

— Será mais fácil conquistar a Lanconia que te conquistar — disse ele, suspirando. — Agora vai, sobe a montanha. Não desejo que nosso irmão permaneça muito tempo junto à Brita. Ela poderia persuadi-lo para que me mate enquanto durmo.

— Julga-o equivocadamente — disse Jura, empreendendo a volta. — Foi treinado desde a infância, como eu, para defender a política da Lanconia.

— Sei quando alguém me odeia. Me protegerá da adaga de seu irmão? A quem escolheria se devesse escolher entre ele e eu?

Jura, confundida, não soube o que responder. Rowan continuou subindo. Depois de um instante, ela o seguiu. Naturalmente, não se veria obrigada a escolher, pois Rowan — e talvez todo o grupo — acharia a morte antes de chegarem à cidade dos fearen. Uma vez mais, Jura experimentou uma pequena dor no peito ao pensar que perderia Rowan. Mas conseguiu se controlar. Devia preparar-se para o momento em que ele já não estivesse ao seu lado.


Capítulo 14

Neste dia, à medida que se aproximavam das terras dos fearen, cada um deles se tornou mais cauteloso. O caminho se fez mais escarpado e, em alguns lances, era tão estreito que os cavalos o percorriam apreensivamente. Cavalgavam para o este; ao norte se achavam as montanhas onde viviam os poilen e os ulten.

Todos guardavam silêncio, atentos ao menor ruído que pudesse produzir-se. Em duas ocasiões, Jura viu que Brita olhava para Geralt avidamente e a ansiedade sexual da mulher lhe provocou desgosto. Um dia Brita desejava Rowan e, no seguinte, desejava Geralt.

Talvez as palavras de Rowan tivessem despertado nela desconfiança a respeito de Geralt, mas olhou para seu irmão como se tratasse de escrutinar seus pensamentos. Ele cavalgava rígido, sem olhar para Brita, mas havia algo em sua atitude que fez Jura pensar que Geralt tinha plena consciência de que Brita o observava.

Jura levantou o olhar e viu que Rowan a contemplava. Olhou-a nos olhos e ela, envergonhada, olhou para outro lado. Era traiçoeiro. Sabia que suas palavras tinham semeado em Jura a desconfiança para seu irmão.

Nesta noite acamparam em uma curva do rio que formava a fronteira do território fearen. Não acenderam fogueira; comeram alimentos frios e logo estenderam suas mantas sobre o chão rochoso para dormirem. Geralt foi o encarregado do primeiro turno de vigilância.


Jura acabava de dormir quando voltou a despertar. O ruído do rio era muito sonoro, mas suspeitava que estivesse acontecendo algo anormal. Apoiou-se sobre um cotovelo e olhou ao seu redor. Brita e Cilean pareciam dormir. Olhou para as rochas onde se ocultava Geralt para vigiar. Rowan tinha se afastado do grupo e não pôde vê-lo. Olhou para Daire e soube que estava acordado.

Daire apontou o lugar onde se achava Rowan, entre as árvores, e logo apontou sua mão para o estreito atalho que levava a terra dos fearen. Jura se sobressaltou. O inglês tinha decidido entrar sozinho no território do inimigo.

Jura ficou de pé, fez um sinal a Daire para que permanecesse junto à Brita e Cilean, e logo se deslizou até onde se achavam os cavalos. Sabia que Rowan se dirigiria diretamente para a cidade de Yaine, então montou sem sela e empreendeu a cavalgada. Primeiro o fez lenta e cautelosamente, logo acelerou o galope.

Tinha percorrido uma pequena distância quando Rowan caiu de entre as árvores sobre seu cavalo.

— Maldição, Jura! — Gritou. — É pior que uma mãe possessiva. Retorna para junto dos outros. Agora.

— Partiu desprotegido — disse ela. Seu cavalo pisoteava. — E se encontra em território inimigo. Os homens de Yaine o matarão e não lhes importará que seja um rei impulsionado por nobres propósitos.

Ele parecia tentar dominar seus impulsos.

— Estou procurando o mensageiro que enviei. Devia viajar por este caminho, que é o que os iriales utilizam para roubar os cavalos dos fearen. Já deveria ter retornado.

— Os fearen não permitirão que seu mensageiro volte com vida. No caso de que tenha chegado realmente até o rei.

— Eu sou o rei. Yaine é... maldição, Jura, não tenho tempo para discutir contigo. Sei que não retornará, então cavalgue comigo. E cubra minhas costas — disse por cima do ombro.

Ela sorriu na escuridão e o seguiu. Aparentemente, ele começava a aprender os costumes lanconianos.

Cavalgaram pelo atalho rochoso durante uma hora, só a lua os iluminava. De repente, Rowan levantou uma mão para indicar que deviam deter-se. Desmontou e Jura fez o mesmo. Silenciosamente, levaram os cavalos por uma íngreme colina e os ataram a uma árvore.

— Vi uma fogueira acesa — murmurou Rowan. — Permaneça junto de mim e não cometa tolices.

— Foi você quem se aventurou sozinho em território inimigo — recordou-lhe ela. Apesar da escuridão, Jura viu o olhar repreensivo de Rowan.

Apesar de sua musculatura, Rowan sabia mover-se silenciosamente, pensou Jura, enquanto ia atrás dele. E sua vista era excelente, pois estavam a considerável distancia da planície em que ardia a fogueira.

Ela e Rowan se ocultaram atrás de algumas árvores e observaram a cena antes de avançar. Havia três homens sentados de cócoras ao redor da fogueira. Comiam os restos de um coelho. Pareciam fatigados. Suas roupas estavam rasgadas e muito cerzidas, como se as tivessem usado durante anos.

Jura os reconheceu: eram fearen. Eram homens miúdos, que mediam quinze centímetros menos que os iriales, mas possuíam uma grande força física. Os que tinham combatido contra eles sabiam. Eram morenos, sobrancelhas grossas e de pernas curtas. Dizia-se que os meninos fearen deviam aprender a montar cavalo aos três anos de idade e continuavam fazendo-o durante toda a vida. Também dizia que amavam seus cavalos mais que a seus compatriotas e que se um irial a pé se encontrava com um fearen a cavalo, o irial devia rogar por uma morte rápida. Jura se voltou para Rowan. Ela olhou e logo fez um gesto com a cabeça, apontando as árvores que se achavam a certa distância da fogueira dos fearen. Ela logo pode distinguir a silhueta de outra pessoa, que parecia atada a uma árvore. Olhou para Rowan com expressão interrogante e o assentiu. Então aquele era seu mensageiro. Jura não sabia se o homem estava vivo ou morto.

Apesar de que Rowan era inglês, Jura começava a compreendê-lo. Sem dizer uma palavra, ele a conduziu até o outro lado do acampamento fearen e, sigilosamente, deslizou-se entre as árvores para onde se achava o prisioneiro.

Para Jura, pareceu que Rowan demorava muito tempo e se sobressaltou quando ele se aproximou dela entre as sombras.

— Têm o Keon — murmurou Rowan.

Jura não podia ver o rosto de Rowan, mas sabia que devia estar muito angustiado. Keon era o filho de Brocain o príncipe dos zernas, o jovem que Rowan se fez responsável. Ela pensou que tinha cometido uma tolice em enviá-lo como mensageiro à terra dos fearen, mas nada disse. No momento, abster-se-ia de fazer comentários. Rowan fez um gesto dando a entender que desejava prender aos três fearen para resgatar o jovem zerna. Por um momento, Jura pensou que tinha a intenção de fazê-lo sem ajuda. Jura o olhou para expressar sua desaprovação

Ele fez uma careta de resignação. Logo disse:

— Não haverá mortes — e desapareceu entre as árvores.

Ela permaneceu sentada e imóvel, aguardando que lhe fizesse um sinal para começar. O coração de Jura pulsava com violência, como quando se preparava para apresentar em um teste de destreza, mas agora se tratava de algo mais que isso. Preocupou-se com Rowan. Rogou que não o matassem. Rogou ao Deus dos cristãos e logo, para assegurar-se, pediu ao deus lanconiano da guerra, Naos, que velasse pelo inglês, cujas intenções eram boas.

Rowan não atacou sutilmente, mas sim, apareceu ante os fearen, espada na mão, e disse:

— Sou o rei da Lanconia. Deponham as armas

Os três fatigados fearen ficaram subitamente de pé e correram para Rowan. Jura apareceu detrás deles e golpeou a cabeça de um com o cabo de seu machado. O homem caiu aos seus pés e antes que ela pudesse voltar-se, outro fearen a tomou pela cintura.

Era forte, muito forte. Jura tentou soltar-se. Os braços do homem a asfixiavam. Jura lhe cravou os cotovelos nas costelas, mas o homem não a soltou. A sua esquerda ouvia o entrechocar das espadas de Rowan e o terceiro fearen.

O homem que a sustentava a apertava cada vez mais com força e Jura tinha dificuldades para respirar. Começou a perder energia, e seu corpo cedeu sob a pressão. Fechou os olhos e perdeu os sentidos.

— Jura! Jura!

Ela despertou no chão. Rowan sustentava seu torso e dava palmadas em seu rosto, gritando. Ela se moveu e tratou de levantar-se, mas ele a impediu.

—Jura, está bem?

— Sim — disse ela com impaciência. — Mas não me aperte. Esfregou o torso dolorido. — Não podia respirar!

— Por que permiti que uma mulher me ajudasse na luta? — Disse ele lamentando e sustentando-a entre seus braços.

Ela o afastou e se sentou.

— Porque fiz desmaiar um homem e distraí o outro, enquanto você ainda tentava vencer o primeiro — esfregou a nuca. — Devemos atirar flechas...!

Rowan ficou de pé e olhou aos três fearen que jaziam deitados no chão.

— São meus súditos, igual aos iriales. — Foi para a árvore onde se achava Keon, e Jura foi com ele.

O jovem parecia morto, mas quando o examinaram atentamente, comprovaram que estava profundamente adormecido. O ruído da luta não o tinha despertado. Rowan ficou de joelhos. O jovem não estava amarrado à árvore, como tinha acreditado Jura. Ela também ficou de joelhos. O aroma era penetrante.

— Está ébrio — disse Jura, indignada. — Não é um prisioneiro, é simplesmente um jovem embriagado.

Rowan sacudiu o jovem para despertá-lo.

Keon revirou os olhos, estalou a língua e logo sorriu bobamente para Rowan.

— Meu pai ficará orgulhoso de mim — disse balbuciando. — Fui ver Yaine.

— E Yaine não te matou? — Perguntou Jura, estupefata.

O jovem sorriu e fechou os olhos durante um instante.

— Disse que eu era valente. Falei-lhe de Brita. — Fez um gesto com as mãos, desenhando no ar uma figura de mulher. — Yaine disse que se casará com ela. — Inclinou-se para Jura e ela se afastou, enojada por seu fôlego. — Farão um casal curioso. Ele é um homem pequeno, mas Brita não é tão jovem nem linda como você, Jura. Se tivesse uma irmã, casar-me-ia com ela. Dessa maneira seria parente de meu rei.

Jura arqueou as sobrancelhas, olhando Rowan.

— Seu rei? Refere a seu pai, Brocain?

O jovem sorriu ironicamente.

— O rei Rowan. Rei de toda Lanconia. Rei de...

— Onde está Siomun? — Perguntou Rowan com impaciência, ignorando a forma em que o olhava Jura, surpreendida pela adoração do jovem, que o via como um herói. — Enviei Siomun para que entregasse a mensagem a Yaine.

— Amarrei-o. Não podia permanecer ali, com todos aqueles iriales. Meu pai deseja que me converta em um homem... como você. Tinha três irmãos mais velhos: os mataram quando meu pai os enviou a invadir outros territórios — inclinou-se para Jura. — Eu ataquei ao rei irial, mas sobrevivi. Agora devo fazer mais. Devo demonstrar que posso ser um homem como meu pai e devo demonstrar isso a você, rei Rowan. Consegui?

Rowan pôs sua mão sobre o ombro do moço.

— Agradaste-me e sim, é um homem — disse brandamente.

— Então foi sozinho ao território fearen — disse Jura e olhou Rowan. — Sua inocência afeta a todos. Logo se voltou para Keon. — Por que não te matou Yaine?

Keon adotou uma expressão triste.

— São muito pobres. Yaine disse que todos lhes roubam os cavalos, de maneira que devem trocar de lugar permanentemente. Não podem semear e o inverno anterior houve muitos doentes. Muitos deles morreram. Necessitam de mulheres. — O rosto de Keon se iluminou. — Meu pai lhes entregará todas nossas mulheres se o desejarem. Nós nos casaremos com as mulheres más.

— Então Yaine nos aceita? — Disse Rowan.

A cabeça de Keon caiu para um lado, estava a ponto de ficar adormecido.

— Esses três o levarão diante de Yaine. Matou-os? Um deles é o irmão de Yaine. São pequenos, mas bebem muito.

Fechou os olhos. Sua cabeça caiu para frente e dormiu.

Jura ajudou meigamente a deitá-lo no chão.

— Nunca tinha reparado que é um jovem muito bonito — disse.

— Não é pálido como nós, verdade? — Disse Rowan secamente. —Bem, quando terminar de atender a esse menino poderemos cuidar dos fearen. Graças a Deus, não tive que matar a nenhum deles.

Jura sorriu e deu um tapinha na bochecha de Keon.

— Tem mais ou menos minha idade, então não é um menino. E foi muito valente ao ir sozinho ao encontro de Yaine.

— Ele é valente porque vai sozinho, mas eu, em troca, sou tolo — murmurou Rowan e foi cuidar dos fearen.

Jura sorriu, agradada por seu ciúme. Apesar de todos os seus defeitos, esse inglês a fazia sentir... linda. A beleza não era de nenhuma utilidade, mas a sensação era agradável. Um dos fearen começou a mover-se e esfregou sua cabeça dolorida. Rowan enviou a Jura para que trouxesse água, enquanto ele examinava os outros. Quando Jura voltou, viu que Rowan os ameaçava com sua espada e que eles o olhavam, furiosos. Mas Jura não se surpreendeu quando escutaram a explicação de Rowan e a expressão de seus rostos se transformaram.

Jura pensou que Rowan era capaz de convencer a qualquer um.

Quando Jura apareceu, os homens a olharam, um deles fixamente. Ela sabia que era o mesmo que tinha estado a ponto de matá-la e intercambiaram olhares de gratidão por estarem ambos vivos.

Jura se sentou junto à fogueira atrás dos fearen, para observar seus movimentos, e escutar Rowan. Tomou a coxa de um coelho assado e começou a comer. A fogueira, o exercício e a voz de Rowan lhe produziram sonho. Deitou-se no chão e, cobrindo-se com uma das peles de ovelha que os fearen usavam como arreios para seus cavalos, dormiu.

Despertou sonolenta quando Rowan tomou-a entre seus braços. Durante um instante lutou contra ele, mas logo, acomodou-se junto a seu peito e voltou a dormir. Não tinha consciência disso, mas experimentou a vaga sensação de estar a salvo. Ele fazia algumas tolices, mas tinham dado resultado. Tinha obtido a adesão de Brocain, tinha persuadido à rainha vatell para que permitisse que sua gente se casasse com os iriales e agora os fearen lhe prestavam atenção.

Abriu os olhos.

— Realmente fala com Deus?

Rowan a olhou, desconcertado.

— Sou tão somente um homem e preciso de ajuda, toda que possa obter.

Ela voltou a fechar os olhos e dormiu. Não despertou até o amanhecer. Rowan estava a seu lado, profundamente adormecido, rodeando-a com seus braços como se ela fosse um brinquedo. Lentamente, tratando de não o incomodar, ela escapou de seu abraço.

— Não se afaste de minha vista — disse ele sem abrir os olhos e tomando-a com mais força.

— Preciso me levantar — disse ela.

Com os olhos fechados, ele disse:

— Só até essa árvore. Não desejo lutar contra ninguém por você hoje.

Ela reprimiu a resposta que ia dar e foi para a árvore. Quando retornou, ele continuava deitado e parecia adormecido.

— Devemos retornar para junto dos outros — disse ela. — Daire e Cilean devem estar preocupados. Onde estão os fearen e o filho do Brocain? Pensa permanecer aqui todo o dia?

Ele estirou uma mão e tocou o tornozelo de Jura.

— Jura, alguma vez deseja permanecer todo o dia junto à borda de um bonito arroio e observar as mariposas?

Ela sorriu.

— Talvez, mas hoje não poderá ser. Geralt...

— Meu Deus — disse Rowan, ficando de pé. — Tinha esquecido de seu irmão. Matará aos fearen, sem lhes dar a oportunidade de explicar-se. Monta e galopa — ordenou.

Jura teve dificuldades para orientar-se, porque a noite anterior tinha estado adormecida quando Rowan a afastou do acampamento. Tomou rapidamente os escassos pertences de ambos, montou sobre seu cavalo sem selá-lo e foi atrás de Rowan.


Minutos depois, comprovou que os temores de Rowan eram justificados. Maldição! Detestava ver-se obrigada a reconhecê-lo.

Geralt era sempre um lutador excelente, mas quando se encolerizava era intrépido. Tinha capturado os três fearen, sem dúvida enquanto dormiam, e neste momento os ameaçava de morte se não diziam como tinham matado sua irmã.

Jura apareceu no momento em que Rowan arrojou uma adaga aos pés de Geralt. Jura soube que haveria uma luta. Açulou seu cavalo, mas já era muito tarde. Mesmo depois de passarem muitos anos, não poderia recordar exatamente o que tinha acontecido. Os fearen, que tinham chegado em missão de paz, tinham sido atacados duas vezes no término de poucas horas e estavam furiosos com Geralt. Quando tiveram a oportunidade de levantarem-se sobre ele, tomaram suas armas e atacaram. O jovem Keon, ainda sob os efeitos da embriaguez, olhou ao seu redor, sem compreender quem atacava a quem. Deve ter pensado que seu admirado Rowan estava em perigo.

Keon correu com sua espada desembainhada e se colocou na frente de Rowan para defendê-lo. Um fearen lançou uma estocada contra Geralt, este pulou de lado e a espada do fearen atravessou o coração de Keon. Se não tivesse estado ali, Rowan teria morrido.

Durante um instante, o tempo pareceu deter-se.

Keon caiu no chão sem emitir um gemido. Todos permaneceram imóveis.

Rowan foi o primeiro em reagir. Ficou de joelhos e tomou o jovem em seus braços.

— Dirá a meu pai que não morri em vão — murmurou o jovem, agonizante.

— O direi — disse Rowan em voz baixa.

Com um gesto lento e dolorido, Keon pôs sua mão sobre o ombro de Rowan.

— Não vivi inutilmente. Morri por meu rei. — Seu corpo sem vida tombou nos braços de Rowan.

— Isto nos levará a guerra — disse Geralt com indiferença, embainhando sua espada.

Jura olhou para seu irmão e descobriu em seus olhos uma expressão similar a alegria. Alegrava-se pela morte do moço, de que explodisse a guerra, de que Brocain matasse Rowan. Neste momento, Jura compreendeu que Geralt não se importava com a Lanconia, só se preocupava com si mesmo e em obter o poder.

Jura olhou para Rowan, que sustentava o jovem em seus braços, mas não pôde decifrar sua expressão. Era imperturbável. Seu rosto parecia de mármore. Jura pensou que ele também estaria preocupado pela iminência de uma guerra.

Lentamente, Rowan caminhou com o jovem nos braços para o bosque.

— Devemos recomeçar a marcha — disse Geralt. — Brocai...

Jura olhou friamente seu irmão.

— Permanecerá aqui e o aguardará, e se fizer mal a alguém o matarei — disse entre dentes.

— Mas Jura... — disse Geralt.

Ela se afastou dele e foi para o bosque, atrás de Rowan. Cilean a chamou, mas Jura desejava estar junto de Rowan. Agora que o jovem zerna tinha morrido, devia conversar com Rowan para decidir o que fariam.

Quando viu Rowan, não se aproximou dele. Observou uma cena estranha para ela. Rowan tinha estendido o corpo de Keon sobre uma rocha, como se fosse um altar, e estava de joelhos diante dele.

Jura permaneceu imóvel e Rowan não se voltou. Tinha o rosto entre as mãos. Depois de instantes, Jura compreendeu que Rowan chorava.

Seu corpo se paralisou ao contemplá-lo. Nunca tinha visto chorar um homem, e inclusive muito poucas mulheres. Não se aproximou dele, não teria sabido o que fazer.

Ocultou-se atrás de uma árvore e aguardou. Não queria afastar-se de Rowan, mas não compreendia sua reação diante da morte do jovem zerna. Temia que Brocain cumprisse sua ameaça de matá-lo? Afligia-o a perspectiva de uma guerra?

Jura o olhou quando ouviu que Rowan começava a falar. Falava com esse Deus que considerava um amigo. Esforçou-se por escutar.

— Fracassei, Deus — disse Rowan em voz baixa. — Decepcionei meu pai e a meu país, inclusive a minha mulher.

Jura franziu o cenho e escutou com mais atenção.

— Roguei ser liberado desta tarefa — disse Rowan. — Disse-te que não era merecedor dela. Tal como dizia meu velho tutor, sou covarde e preguiçoso. Não posso unir a este país. Não sou o indicado para fazê-lo.

Com a cabeça entre as mãos, tornou novamente a chorar.

— Jura sabia como eu era. Ela sabia que eu fracassaria. Oh, Deus, não devia ser eleito para isto. Teria sido melhor que outro fosse o filho de Thal. Este jovem morreu por mim, para salvar minha alma desprezível. Não posso continuar. Retornarei a Inglaterra e deixarei a Lanconia em mãos dos verdadeiros lanconianos. Perdoe-me, pai, por te haver decepcionado. — Chorou uma vez mais.

Jura se apoiou contra a árvore. Ela também tinha os olhos cheios de lágrimas. Nunca supôs que ele podia duvidar de si mesmo. Como podia acreditar que era um covarde? Enfrentou os zernas sem ajuda. Como podia duvidar de que ele era o verdadeiro rei depois de tudo que tinha feito em tão pouco tempo?

Como pôde ela duvidar dele? Perguntou-se Jura. Que mais deveria fazer ele para demonstrar quanto valia? Por que não o tinha apoiado desde o primeiro momento? Gabava-se de sua lógica e sua mente lúcida, mas nunca tinha compreendido Rowan. Lutou contra ele sempre.

As lágrimas se amontoaram novamente em seus olhos. Seria porque, como dizia Rowan, temia amá-lo? Talvez tivesse enfrentado a ele, não por razões lógicas, mas sim por um sentimento de debilidade, tal como o amor. O teria amado desde aquele primeiro dia junto ao rio? Talvez tivesse percebido que ele possuía o poder de apropriar-se de sua alma.

Rowan continuava chorando. De repente, Jura soube que deveria fazer algo para impedir que partisse da Lanconia. Imaginou o que ocorreria com seu país se Rowan não estivesse ali, tratando de unir às tribos. Se Geralt se convertesse em rei, levaria o país à guerra.

E Jura... Pensou que morreria sem Rowan. Habituou-se a suas maneiras, a sua ternura, a sua força. Ela tinha zombado dele, enfrentou-o, mas ele sempre tinha demonstrado acreditar em si mesmo. Agora, Jura descobria que sempre duvidou de si mesmo. Por que não o tinha ajudado? Olhou para Rowan e viu sua atitude de derrota. Devia ajudá-lo agora.

Mas como? Uma inglesa sem dúvida o abraçaria e acariciaria. Jura se surpreendeu ao comprovar que era isso o que desejava fazer. Desejava rodeá-lo com seus braços e consolá-lo, acariciando seus cabelos, enquanto ele chorava sobre seu ombro.

Jura pensou que isso o faria sentir pior. Consolá-lo seria o menos indicado. Devia obter que recuperasse a confiança em si mesmo.

Rowan se colocou de pé e contemplava o cadáver de Keon. Ao ver seu rosto, Jura sentiu novamente o desejo de chorar. Rowan não só se importava com os iriales, importava-lhe a Lanconia. Do contrário, não poderia lamentar tanto a morte desse jovem zerna. Thal estava certo em permitir que Rowan fosse educado fora do país. Thal esteve certo em tudo e Jura, muito equivocada.

E agora devia fazer algo para reparar esse engano.

Deslizou-se silenciosamente entre as árvores, afastando-se de Rowan. Logo se voltou e fingiu chegar neste momento. Fez ruído de propósito, mas Rowan não se voltou para olhá-la. Manteve-se de costas para ela, contemplando o rosto sem vida de Keon.

Ela ergueu os ombros.

— O que faz aqui? — Disse beligerante. — Devemos ir às terras dos fearen. Rowan não se voltou. Ela esteve a ponto de acariciar sua cabeça, mas se conteve.

— O que é isto? — Perguntou ela em voz alta, apontando o corpo de Keon. — Chora a morte de um jovem zerna? Ou teme a ira de Brocain? Se houver guerra, os iriales vencerão.

— Não haverá guerra — disse Rowan em voz baixa. — Entregar-me-ei a Brocain. Espero apaziguá-lo.

Jura se sobressaltou, mas disse:

— Bem. Então, Geralt será rei.

Rowan não reagiu.

— Como deveria sê-lo desde o começo — disse ela, mas essas palavras tampouco provocaram a reação de Rowan. — Me diga, antes que se sacrifique, iremos às terras dos fearen ou não? Deixaremos que Yaine aguarde Brita em vão?

— Já não me concerne isso. Não sou lanconiano.

A compaixão que Jura tinha experimentado começou a dissipar-se.

— É verdade. Um lanconiano jamais teria empreendido a absurda tarefa de unir as tribos. É impossível.

— Talvez possa fazê-lo outra pessoa — disse ele tristemente. — Eu não fui o indicado.

— Não foi. Geralt fará muito melhor que você. Ele conseguirá unir a todos. Não provocará a morte de meninos inocentes. — Observou o rosto de Rowan e acreditou ver uma leve reação.

Rowan a olhou.

— Geralt unirá as tribos?

— Sim, naturalmente. Fará um bom trabalho, não acha? Brita percebeu seu poder e sabe que é um homem forte. Yaine também perceberá imediatamente.

— Brita percebeu o poder do Geralt? — Perguntou Rowan. — Mas Brita...

— Oh, sim. Vi-o em seu olhar. Teme meu irmão. Ela tem a intenção de casar-se com ele e reinar na Lanconia.

Os olhos de Rowan se iluminaram.

— Por que se preocupa? Você estará morto. Terá se sacrificado por este jovem morto. Rowan olhou o cadáver de Keon e sua expressão se tornou novamente triste.

— Sim, é verdade. Geralt será um excelente rei, não me cabe dúvida.

— Se vencer — disse Jura.

— Vencer?

— O fato de estar casada com um rei me permitiu saber o que é o poder. Casarei com Daire e talvez lutemos contra Brita para nos apoderarmos de sua tribo. Talvez ainda possa ser rainha da Lanconia. — Sorriu. — Sim, a ideia me agrada.

Rowan a olhou e a tristeza de seu olhar se transformou em ódio. Odeio para ela.

— Guerra! — Murmurou. — Vocês lanconianos só pensam na guerra e no poder. Lutaria contra seu próprio irmão para obter o poder. Seu egoísmo provocaria a morte de milhares de pessoas. Lanconia não te importa.

— Acaso importa a você? Abandonaria seu projeto e se sacrificaria se entregando a Brocain?

— Devo fazê-lo — disse ele. — Dei-lhe minha palavra. A palavra de um cavaleiro é sagrada.

— É inglês — disse ela, depreciativa. — É somente inglês e me alegra que morra. Não necessitamos covardes como você, que não concluem o que começam. Vá. Vá até Brocain. Retorne a Inglaterra. Vá ao diabo se assim o desejar! — Girou sobre si mesma e se afastou.

Não chegou muito longe. Quando ele já não poderia vê-la, deteve-se e, caindo de joelhos, chorou desconsoladamente. Foi como se todas as lágrimas que jamais tinha derramado fossem a seus olhos. Apertou as mãos e abaixou a cabeça sobre os ombros. Logo se jogou contra o chão e chorou com mais força ainda. Se Rowan se entregasse a Brocain, ela morreria, mas não podia dizer-lhe. Ele precisava ser consolado e ela não o tinha feito. Ele precisava que ela o enfurecesse, mas ela não estava preparada para ver ódio em seu olhar.

Depois de alguns instantes, levantou-se e retornou ao acampamento. Quando os outros a viram, olharam-na esperançados. Mas quando viram que Rowan não a acompanhava, desviaram o olhar.

“Necessitam-no tanto quanto eu”, pensou Jura.

Cilean se aproximou dela e Jura voltou o rosto.

— Esteve chorando? — Perguntou Cilean com voz incrédula. — O que ele lhe fez?

Jura não podia dizer-lhe, nem sequer a uma amiga íntima como Cilean poderia falar. Um lanconiano não compreenderia que um homem chorasse como um menino. Entretanto, Jura o tinha compreendido. Quereria dizer com isso que não era uma verdadeira lanconiana?

— Entrou-me fumaça nos olhos — disse Jura. — Ele retornará logo, conforme acredito — acrescentou.

Rowan retornou depois de minutos. Seus cabelos estavam molhados, como se tivesse se banhado, e deu ordens para recomeçarem a partida. Os fearen permaneciam separados do grupo. Rowan foi para eles e conversou por muito tempo. Jura viu que apontava aos integrantes do grupo e pensou que estaria garantindo a segurança deles com sua própria vida.

Ela o observou atentamente e descobriu algo diferente em seu olhar, um vazio que antes não existia, mas dava a impressão de que estava disposto a reassumir o comando.

Jura aguardou que a olhasse para lhe sorrir. Mas Rowan não a olhou.

Viajaram durante todo o dia e ele não a olhou em nenhum momento. Acaso não compreendia que tinha falado dessa maneira de propósito, para encolerizá-lo? Que desejava fazê-lo reagir? Essa noite, pensou Jura, estaria a sós com ele e voltaria a tocá-la e talvez fizessem amor.

Mas não foi assim. Acamparam e Rowan a evitou. Jura pediu que fosse com ela para o bosque próximo, mas ele disse que devia permanecer junto aos fearen.

— Não posso deixá-los com seu irmão — disse ele, olhando-a friamente. — Ou talvez deva chamá-lo de "rei legítimo" — antes que Jura pudesse responder Rowan se afastou.

Cilean viu jura e lhe disse que desencilhasse os cavalos. Jura fez as tarefas automaticamente.

— Feriste-o — disse Cilean.

— Ajudei-o, mas ele não sabe — disse Jura, olhando Rowan, que afiava sua espada. — Sou...

— Uma tola — disse Cilean, tomando seus arreios e afastando-se, zangada.

Jura caiu na autocompaixão. Por que ninguém acreditava que ela por fim tinha visto a verdade? Sentou-se em silêncio junto aos outros ao redor da fogueira; era quase madrugada, quando coube a ela o turno e se dedicou a vigiar. Mas Rowan não fez intento algum por falar com ela em privado. Indicou-lhe que tarefas deveria fazer e deu-lhe ordens como aos outros.

À exceção de Cilean, ninguém pareceu notar a diferença, pois Rowan a tratava como os homens lanconianos tratavam a suas mulheres: como iguais. Mas Jura se habituou à atitude protetora de Rowan e que a considerasse frágil e vulnerável.

E também teve saudades de fazer amor com ele.

Na manhã do terceiro dia, antes do amanhecer, Jura viu que Rowan saía do acampamento e se metia no bosque. Seguiu-o.

Esperava que ele saísse de entre as árvores e a repreendesse por haver se afastado do acampamento, mas não o fez. Estava sentado à beira de um arroio, com o torso nu, lavando-se.

Não se voltou.

— Que desejas, Jura?

Ela teve o impulso de retornar ao acampamento, mas ficou de joelhos ao seu lado e bebeu água. O sol começou a sair.

— Faz dias que não falamos e pensei... — Estendeu a mão para tocar no ombro de Rowan, mas o olhar dele a deteve.

— Não sabia que os homens e mulheres lanconianos falassem — disse ele. — Conforme acredito, seu dever é cuidar de minhas costas.

Ela franziu o cenho, confundida.

— Mas, além disso, estamos casados.

— Compreendo. De modo que deseja se deitar comigo. Devo levar uma arma na mão e outra entre as pernas. Isso é tudo o que deseja.

— Se isso for o que acha, está bem. — Disse ela furiosa e se afastou. Devia lhe explicar por que tinha agido daquela forma? Acaso ele acreditava, realmente, que ela desejava que ele morresse?

As lágrimas voltaram a aparecer em seus olhos, mas piscou, as contendo. Maldição! Por que amava um homem que a fazia chorar?


Capítulo 15

Quando Rowan retornou ao acampamento não a olhou e Jura ficou rígida, como se a indiferença dele fosse uma agressão física. Quando finalmente se deitou para dormir, todo seu corpo estava dolorido. Seus pensamentos agitados a impediram de dormir, por essa causa permaneceu acordada enquanto outros dormiam e foi ela quem os viu chegar. Em um primeiro momento acreditou estar sonhando, pois, as pessoas pareciam sombras e não seres de carne e osso. Além disso, moviam-se absolutamente em silêncio em meio da penumbra, como os peixes na água.

Com olhos incrédulos viu que uma das pequenas silhuetas, vestida com roupas escuras, amordaçava Daire. Mas antes que pudesse levantar-se para protestar, algo caiu sobre sua cabeça e não viu nada mais.

Quando despertou doíam a cabeça e as costas. Antes de abrir os olhos tratou de mover as mãos, mas não pôde.


— Jura! Jura!

Jura abriu penosamente os olhos e olhou para Cilean. Estavam na parte posterior da carroça, debaixo de uma armação de madeira sobre bolsas de cereais e algo duro que pareciam pedras.

— Jura, está bem? — Murmurou Cilean

Jura tratou de sentar-se, mas tinha as mãos atadas às costas, junto com seus tornozelos.

— Sim — conseguiu murmurar. — Onde estamos? Quem nos capturou? Onde estão outros? – Fez uma careta quando a carroça passou sobre um buraco no terreno e o que estava na bolsa golpeou suas costas.

— Não sei — disse Cilean. — Estava dormindo e quando despertei, encontrava-me aqui.

Jura lutou para liberar-se de suas ataduras

— Devo salvar Rowan — disse. — Tentará de vencê-los com palavras e o matarão.

Cilean esboçou um sorriso.

— Acredito que agora deveríamos preocuparmos conosco. Se nos fizeram prisioneiras, também devem ter capturado aos outros. Ouço o som de outras carroças. Acredito que deveríamos dormir e tratar de não gastar energia.

Jura teve dificuldade para dormir porque estava preocupada com Rowan... e os outros, disse-se a si mesmo. Rogou a Deus que o protegesse. "É muito cedo para que morra”, pensou. Deverá concluir sua tarefa. E precisava dela para protegê-lo. Poderia perder novamente a confiança, quem estaria ali para ajudá-lo?

Finalmente dormiu, mas sonhou que Rowan morria e, no sonho, teve a certeza de que ela era culpada de sua morte, porque nunca havia dito que o amava.

A carroça se deteve abruptamente e Jura despertou.

Umas mãos ásperas tomaram seus tornozelos e a arrastaram fora da carroça. A cabeça de Jura golpeou contra uma dura bolsa. Outras mãos a desataram e pôde ficar de pé.

"São os ulten", pensou ao ver o pequeno homem esbelto que estava frente a ela, e recordou todas as histórias horríveis que sabia a respeito deles. Eram histórias que se contavam ao redor da fogueira em noites frias e tormentosas. Os pais ameaçavam a seus filhos com os ulten quando se comportavam mal.

Em realidade, ninguém sabia muito sobre eles, exceto que eram extremamente sujos, arteiros, ladrões e que careciam de todo sentido de honra. Ao longo dos séculos as demais tribos tinham tratado de ignorar os ulten. Viviam nos topos das montanhas do nordeste da Lanconia e ninguém tinha desejos de conhecer sua cidade.

Mas circulavam rumores sobre ela. Quando Jura era pequena, um ancião, a quem lhe faltava um braço e um olho, havia dito que os ulten o tinham capturado e havia mencionado uma cidade de riquezas fabulosas. Todos tinham rido e ele se ocultou em um canto para embriagar-se.

Dias depois tinha desaparecido e ninguém voltou a vê-lo.

Agora, Jura olhava fixamente o rosto sujo de seu sequestrador, semioculto debaixo do capuz de uma capa.

O ancião lhe ofereceu uma taça cheia de líquido e uma parte de pão duro. Jura aceitou, enquanto o ancião tirava Cilean da carroça, olhou ao seu redor. Havia mais quatro carroças ao redor deles, onde se moviam em silêncio outras silhuetas encapuzadas, mas não tiraram os prisioneiros das carroças.

Fez um nó na garganta de Jura.

— Onde estão outros? — Perguntou ao homem.

Ninguém respondeu, mas das sombras surgiu outra figura que esbofeteou Jura na boca. Era evidente que devia permanecer calada. Comeu o pão, bebeu a cerveja rançosa e logo ela e Cilean receberam permissão para urinar entre as árvores. Depois, foram introduzidas novamente na carroça.

O movimento das carroças parecia eterno e os dias transcorreram confusamente. Durante a viagem, que durou três dias, detiveram-se duas vezes por dia e Jura e Cilean recebiam magras rações e dispunham de um breve momento para suas necessidades fisiológicas. Logo eram novamente amarradas e colocadas nas carroças.

Depois do primeiro dia, Jura e Cilean se falaram pouco. A fome, o cansaço e o sofrimento eram quase intoleráveis. Jura estava acossada pelo remorso. Se tão somente tivesse tido tempo para explicar a Rowan o significado de suas palavras. Se tivesse podido dizer que não suportava a ideia de que ele morresse.

Talvez devesse tê-lo abraçado quando chorou. Talvez tivesse sido melhor. Se tão somente...

— Acha que mataram aos homens? — Murmurou Cilean. Estava pálida, seu aspecto era lamentável.

Jura não pôde responder.

— Sem dúvida necessitam de escravas — disse Cilean. — Brita era muito velha para isso, de modo que nos capturaram.

Jura tragou saliva, mas não pôde falar.

— Sim — disse Cilean, respondendo sua própria pergunta. — Acredito que mataram aos homens. Eles teriam tratado de nos resgatar e os ulten não poderiam lutar contra nossos homens.

Cilean aguardou a resposta de Jura, mas não houve. Então prosseguiu.

— Não ouvimos os ulten quando entraram no acampamento. Tampouco os fearen os ouviram. — Fechou os olhos. — Brocain declarará guerra aos iriales assim que se inteire da morte de seu filho. E quem liderará aos iriales, agora que Rowan e Geralt estão... desaparecidos?

Jura fechou os olhos e imaginou Rowan, recordando seus cabelos loiros. Recordou seu sorriso. Recordou como lhe tinha feito cócegas a noite que passaram na tenda de campanha.

— Já não poderemos unir as tribos — disse Cilean. — Os vatell certamente perderam a Brita. O irmão de Yaine está morto e o filho de Brocain também. — Cilean também tragou saliva. — E nosso rei morreu.

— Basta! — Ordenou Jura. — Não posso suportá-lo mais.

Cilean a olhou assombrada.

— É o sofrimento o que a torna tão estranha? É a morte de Rowan que...?

— Basta, por favor — murmurou Jura.

Cilean calou durante um instante.

— Devemos nos manter fortes — disse, tratando que Jura pensasse no presente. — Devemos tratar de fugir e retornar para casa. Devemos dizer ao resto dos lanconianos o que aconteceu. Nos uniremos com as outras tribos para matar os ulten. Vingaremos a morte de Rowan... — Interrompeu-se ao ver que Jura se pôs a chorar.

Jura tratou de dormir, mas não pôde. As horas se deslizavam penosamente e se dedicou a recordar todos os momentos que tinha passado junto de Rowan. Recordou como tinha reagido quando se viram pela primeira vez e como se zangou ao inteirar-se quem era ele. Havia se sentido traída, como se lhe tivesse mentido e tivesse brincado com seus sentimentos.

E tinha tido medo. Odiava admitir, mas a força de seus sentimentos para com ele, a assustava. Temia segui-lo e trair sua pátria, traindo tudo aquilo em que acreditava.

— Oh, Rowan! — Murmurou na escuridão, enquanto as lágrimas corriam por suas bochechas. — Se tão somente tivesse podido lhe dizer isso...

Quando começou o quarto dia, as carroças se detiveram e Jura ouviu que se moviam pessoas em tomo delas.

Cilean abriu os olhos e olhou para Jura. Cilean lutava contra o medo, mas Jura parecia ter renunciado à luta. Não sabia que planos tinham os ulten com respeito a elas. Não sabia se morreriam ou seriam convertidas em escravas, e Jura não parecia se importar.

— Logo fugiremos — disse-lhe Cilean, tratando de convencer a si mesma. — Talvez possam pedir um resgate.

Jura não respondeu.

Logo deixaram de falar, pois foram tiradas da carroça. De pé, à luz do sol, Cilean tratou de adaptar seus olhos à luminosidade. Então viu algo que a surpreendeu. De acordo com o aspecto dos ulten que tinha visto, imaginava que sua cidade seria suja e pobre, um lugar sórdido, no que os ulten ociosos e embriagados jazeriam estendidos nas ruas. Mas o espetáculo que observou a deixou boquiaberta.

Estavam no interior de uma cidade murada, de edifícios arrumados e limpos. Havia ruas de pedra muito bem cuidadas e não se viam porcos nem cães correndo por elas. Na planta baixa das casas havia lojas. O povo ia e vinha. Eram pessoas limpas e luxuosamente vestidas. Em realidade, todas essas pessoas eram do sexo feminino. Havia mulheres adultas e muitas meninas.

— Onde estão os homens? — Murmurou Cilean a Jura.

Jura não respondeu e um dos sujos guardiões lhe deu um empurrão e apontou as bolsas que estavam dentro da carroça. Jura comprovou que o guardião era uma mulher, uma mulher pequena, que tinha uns trinta centímetros menos de estatura que ela e era extremamente magra, quase frágil.

— O que fizeram com nossos homens? — Perguntou Jura, dando seus primeiros sinais de vida.

— Estão mortos — disse a mulher ulten, falando um irial defeituoso. — Aqui não queremos homens. — Empurrou Jura e Cilean para que avançassem.

Jura e Cilean estavam fracas depois de tantos dias de inatividade e comida escassa, de modo que tiraram lentamente as bolsas que havia no interior das quatro carroças e as empilharam dentro de um comprido edifício de pedra. Enquanto elas trabalhavam, outras mulheres ulten se detinham para observar, falando entre si em seu estranho idioma gutural.

Cilean olhou com fúria a duas mulheres que as apontavam, meneando a cabeça.

— Sinto-me como um boi que está sendo julgado por sua força — disse Cilean a Jura. Não disse nada mais, porque uma das mulheres aproximou um látego a seu rosto de maneira muito eloquente.

Demoraram quase todo o dia em esvaziar as carroças. Exaustas, Jura e Cilean foram conduzidas até um pequeno edifício de pedra, que só havia duas camas de armar. O edifício estava rodeado por uma dúzia de pequenas mulheres ulten.

— Jura — murmurou Cilean desde sua cama de armar.

Jura soprou.

— Devemos tratar de fugir — disse Cilean. — Devemos retornar para casa. Devemos explicar a nosso povo o que ocorreu antes que exploda uma guerra. Devemos ver o Yaine e... Jura, está me escutando? Não sei como poderemos fugir e estou muito cansada para pensar.

— Para que deseja ver Yaine?

— Para prosseguir a tarefa começada pelo Rowan — disse ela como se Jura devesse saber. — Devemos achar a maneira de unir às tribos. Mesmo que seja para que os iriales possam matar a estes ulten que nos atacaram e deram morte ao rei da Lanconia.

Para o assombro de Cilean, Jura começou a chorar. Cilean não soube o que fazer. Os lanconianos não estavam acostumados a chorar. Voltou-se e tratou de dormir. Talvez no dia seguinte pudesse falar com Jura sobre a possibilidade de fugir.

Jura também tratou de dormir, mas não podia deixar de chorar. Lanconia já não lhe importava. Geralt tampouco, o irmão de Yaine ou o filho de Brocain, não importavam. Só importava ter perdido o homem que amava.

— E nem sequer pude falar com ele — murmurou na escuridão. — Oh, Deus, se tivesse outra oportunidade. Seria uma verdadeira esposa — dormiu chorando.


A risada de Geralt atravessou o ar e retumbou contra os muros de mármore branco do palácio ulten. As três lindas mulheres que estavam com ele sorriram encantadas ao observar o tabuleiro de ébano e marfim.

— Ganhou mais uma vez, professor — disse uma delas sedutoramente. — A quem de nós escolhe esta noite?

— A todas — disse Geralt, rindo. — Ou talvez esta noite escolha outras três.

— Somos suas — disse a segunda mulher.

O lindo e luxuoso palácio de Ulten era o produto de séculos de "empréstimos". O mármore ia a caminho de uma catedral inglesa, quando os ulten atacaram silenciosamente durante a noite, matando os mercadores que o transportavam e a seus guardas. Tinham levado as carretas cheias de mármore através das montanhas, para suas cidades. Inclusive tinham tomado como "empréstimo" os pedreiros, fazendo-os trabalhar até que morressem, arrojando seus corpos montanha abaixo.

O enorme quarto, alto e largo, tinha paredes de mármore branco com nervuras e em qualquer parte havia provas da habilidade dos ulten para "tomar emprestado". Eles eram os que recolhiam os despojos das batalhas. Enquanto os participantes choravam a seus mortos, os ulten levavam tudo que pudesse lhes ser úteis. Eram como formigas, capazes de conduzirem grandes pesos. Invadiam as cidades sem que os habitantes os notassem.

Levavam tudo quanto podiam a seu rei e a sua cidade. O palácio estava cheio de riquezas antigas: lindas espadas, escudos, tapeçarias, centenas de almofadões bordados, taças de ouro, — que não combinavam entre si — pratos, candelabros, adagas de mesa. Havia poucos móveis, pois era difícil transportá-los sem chamar a atenção, mas havia algumas mesas baixas e largas, cobertas por belas toalhas de linho irlandesa. Os convidados se instalavam sobre os almofadões e contemplavam às mulheres que caminhavam silenciosamente pelo quarto, calçadas com chinelas de sola branda, atendendo diligentemente aos homens. Os três fearen estavam juntos em um extremo do quarto e franziam levemente o cenho, com gesto de desaprovação. Ignoravam as dez mulheres que estavam perto deles e comiam frugalmente.

Geralt se recostou contra os almofadões, enquanto uma mulher o abanava, outra sustentava seus pés sobre seu regaço, outras duas massageavam suas panturrilhas e outra cortava amêndoas para que ele as comesse. Outras quatro mulheres estavam perto dele, se por acaso Geralt desejava alguma outra coisa. Seu rosto expressava uma felicidade sublime.

Daire estava em outro lugar do quarto, conversando animadamente com uma bela mulher, e aparentemente se divertia muito.

Rowan, em troca, estava de pé junto às janelas do lado leste da estadia contemplando às pessoas que se achavam nas ruas e olhando os edifícios da cidade murada.

Daire se desculpou com a mulher que estava ao seu lado e foi até Rowan.

— Ainda está preocupado com Jura? — Perguntou.

Rowan continuou olhando pela janela, sem responder.

— Disseram que as tinham deixado lá — disse Daire, com o tom de quem repete algo pela centésima vez. — Os ulten não matam. São capazes de roubar tudo, inclusive ao rei da Lanconia se o desejarem, mas não são assassinos. Drogaram-nos, sequestraram-nos e deixaram às mulheres onde nos capturaram. Por que não acredita? Já viu que não necessitam de mulheres. — Daire sorriu à linda mulher que o aguardava em frente à mesa. — Só desejam homens. — Não podia deixar de sorrir. — Devemos lhes dar o que desejam de nós e partirmos. Talvez possamos levar algumas destas mulheres.

Rowan o olhou com frieza.

— Seduziram-lhe.

Os olhos de Daire brilharam.

— Uma ou duas vezes.

Rowan voltou a olhar pela janela.

— Não confio nesse homem, Marek — disse, referindo-se ao que se fazia chamar rei dos ulten. — E não me agrada ser um prisioneiro, embora as correntes sejam de seda.

— Disse que desejava unir as tribos. Que melhor maneira que...?

— Que deitemos com suas mulheres? — Perguntou Rowan, franzindo o cenho. — Acredito que sirvo para algo mais que para ser utilizado como semental. — Voltou-se e Daire encolheu os ombros e retornou à mesa.

Rowan continuou olhando pela janela, amaldiçoando sua impotência. Como lutar contra essas mulheres, tão lindas e pequenas? Seis dias atrás tinha despertado na parte posterior de uma carroça estofada de seda, com uma aguda dor de cabeça. Tinha aberto com o ombro a porta fechada com chave e a carroça se deteve. Seis bonitas e miúdas mulheres lhe tinham rogado que não se zangasse. A fúria de Rowan se apaziguou um tanto quando viu que os outros homens estavam ilesos, mas se intensificou quando não viu aparecer Jura, Cilean e nem Brita. As mulheres ulten lhe haviam dito que as tinham deixado no acampamento.

Demoraram quase um dia em retornar ali e Rowan comprovou que estava vazio, como se as mulheres iriales e Brita tivessem empacotado tudo e tivessem partido. Mas Rowan não estava convencido. Não lhe agradou ter sido drogado e fechado em uma carroça. Disse que iria em busca das mulheres.

As mulheres ulten puseram-se a chorar. Disseram a Rowan que fariam qualquer coisa se voltasse com elas. Disseram que estavam inteiradas de seu desejo de unir toda Lanconia, mas sabiam que não incluiria os ulten, porque todos os odiavam e asseguravam que eles precisavam mais que qualquer outra tribo. Afirmaram que enviariam uma mensagem aos iriales se Rowan as acompanhava.

Rowan, o rei, e Rowan, o homem, entraram em conflito. Como rei desejava conhecer essa tribo esquiva, mas como homem, desejava recuperar Jura. Durante a longa viagem, Daire lhe havia dito que Jura tinha ido ao seu encontro depois da morte de Keon e Rowan imaginou que o tinha visto chorar. Sabia que os lanconianos não choravam.

Mas Jura, uma lanconiana, tinha-o visto chorar e não zombou dele, nem se zangou. Pelo contrário, tinha-o impulsionado a acreditar novamente em si mesmo.

Mas ele não tinha percebido sua intenção. A sensação de fracasso o tinha levado a encolerizar-se com ela. Rowan sentia sua falta e desejava ir a seu encontro, mas Geralt tinha gritado, dizendo que se os ulten precisavam deles, deviam acompanhar às mulheres ulten. Rowan disse que Geralt só pensava em sexo e tinham estado a ponto de brigar. Daire tinha intervindo e seus serenos conselhos tinham obtido que Rowan o rei, prevalecesse sobre Rowan, o homem. Daire disse que estavam perto da cidade de Yaine e que certamente Jura e Cilean levariam Brita até ali e que não precisavam de Rowan. Além disso, Rowan não desejava ofender aos ulten, pois talvez não tivesse outra oportunidade de introduzir-se em sua silenciosa cidade montanhosa de forma pacífica.

Com relutância, Rowan acompanhou às mulheres ulten. Durante os dias seguintes, ele que era o único homem que falava o idioma ulten, falou com as mulheres. Desgostou-lhe a promiscuidade em que viviam e se estivesse na Inglaterra, teria proibido seus homens que se alternassem com elas. Mas os fearen, Geralt e inclusive Daire, dormiam cada noite com uma mulher diferente.

Enquanto eles copulavam em meio dos arbustos, Rowan conversou com duas mulheres que nesse momento estavam desocupadas e elas informaram sobre a triste e recente história dos ulten.

Quinze anos atrás, todos os habitantes dos isolados povoados ulten tinham contraído uma estranha febre, que se dizia que provinha do Oriente. As mulheres se recuperaram rapidamente, mas os homens morreram as centenas. Quando a febre passou, só sobreviveu um quarto da população masculina e, por volta do fim do ano seguinte, descobriu-se que esses homens só podiam gerar mulheres. Então já fazia muitos anos que a cidade ulten era uma cidade de mulheres.

— Por que não foram às outras tribos para pedir homens? — Perguntou Rowan. — Certamente teriam vindo.

— O rei Marek proibiu — respondeu uma das mulheres.

Rowan imaginou que os homens ulten que tinham sobrevivido estariam encantados de ter uma cidade de mulheres, qualquer uma delas estaria disposta a deitar-se com eles para poder terem filhos.

Quando chegaram à cidade, os temores de Rowan se viram confirmados, ao ver Marek, um homem ancião, obeso e desdentado, rodeado por lindas mulheres jovens. Rowan amaldiçoou a si mesmo por ter acreditado nas palavras das mulheres, quando afirmaram que só os desejavam para ter filhos e para unir-se às outras tribos. Talvez as mulheres acreditassem, mas o velho Marek não tinha a menor intenção de compartilhar seu harém com eles. Rowan pensou que talvez Marek desejasse que os estrangeiros deixassem a algumas mulheres grávidas. Logo ordenaria que matassem Rowan e os outros.

Se Jura estivesse com eles, seu cepticismo e cinismo teriam o obrigado a refletir antes de seguir às mulheres ulten. Amaldiçoou-se por ser um tolo... tal como afirmava Jura. Os homens que estavam com ele só pensavam em todas as mulheres com as quais podiam deitar-se, mas Rowan via mais à frente. O que fariam com eles quando já não fossem úteis? Rowan devia urdir um plano para fugir, porque compreendeu que seus homens não poderiam viver tranquilos. Marek não se agradaria que fora de seu território soubessem que os ulten eram uma população de mulheres, que viviam junto a um palácio que continha enormes riquezas. Marek tinha se esforçado muito, para que todos acreditassem que os ulten eram muito pobres. Quando uma mulher ulten atravessava a fronteira, vestia-se com farrapos sujos. Ninguém desejava segui-la para conhecer sua cidade. Indubitavelmente, Marek desejava que tudo continuasse igual e, portanto, não permitiria que Rowan e seus homens saíssem vivos dali.

Rowan continuou olhando pela janela e quanto mais pensava, mais se preocupava. O que tinham feito com Jura? Por que tinha sido ele tão crédulo? Por que tinha acreditado nas lágrimas de umas mulheres bonitas? Se tivesse sido drogado e encarcerado em uma carroça por homens e ele tivesse descoberto que as mulheres não estavam com eles, Rowan teria desembainhado sua espada, teria mutilado alguns e teria os obrigado a dizer o que tinham feito com Jura, Cilean e Brita. Mas tinha seguido docilmente às mulheres ulten, abandonando Jura a sua sorte.

Isso, no melhor dos casos, pensou Rowan com tristeza. Talvez as ulten tivessem matado às mulheres. A diferença de Daire, Rowan acreditava que as ulten eram capazes de fazerem coisas mais graves que roubar. Desejavam ter filhos varões, por isso capturaram um rei e um par de príncipes que serviriam como sementais. Tomavam tudo aquilo que desejavam.

Seu rosto se tomou tenso. Pensou que ofereceria essas mulheres aos homens zernas. Essas diabinhas não poderiam manipular facilmente os homens de Brocain.

Enquanto ruminava esses pensamentos, ouviu ruídos na rua debaixo da janela. O alvoroço provinha de um edifício um tanto afastado, mas pôde vê-lo. Uma das pequenas mulheres ulten agitou um látego e o deixou cair sobre uma pessoa, semioculta pelo edifício.

Rowan observou a cena e viu que das sombras emergia uma terceira mulher, alta e com os cabelos escuros recolhidos em uma trança. Essa mulher saltou sobre a que sustentava o látego.

— Jura! — Murmurou Rowan, a ponto de saltar pela janela para correr para junto dela, mas um resto de sensatez o obrigou a permanecer onde estava. Com o coração acelerado e a angústia estampada no rosto, observou em silêncio como uma dúzia de mulheres ulten atacavam Jura, fazendo-a cair no chão. Um momento depois os ulten levaram a Jura e Cilean e já não pôde as ver.

Rowan apareceu à janela, aspirando baforadas de ar para serenar-se. Essa gente era mais traiçoeira do que pensava, e ele, que era um tolo, tinha caído em suas garras.

Decidiu que essa noite escaparia e acharia Jura. Além disso, devia tramar um plano para que todos pudessem sair sãos e salvos da terra dos ulten.


Capítulo 16

— Dói-te? — Perguntou Cilean a Jura.

Jura encolheu os ombros, mas a verdade era que tinha uma intensa dor nos ombros e nas costas por causa das chicotadas que tinha recebido essa tarde.

Estavam a sós na pequena casa de pedra. Fora da casa, a guarda tinha sido reforçada, como resultado do acontecido desse dia. Cilean tinha caído sob o peso de um pesado saco de cereais e, quando uma das ulten lhe deu uma chicotada, Jura tinha pulado sobre a mulher, tomando-a pelo pescoço. Isso havia valido receber doze chicotadas e Cilean a tinha repreendido por expor-se a um castigo. Durante o resto do dia as tinham obrigado a trabalhar muito duramente, e só agora lhes permitiam descansar.

Mas Cilean, zangada, não podia dormir.

— Devemos fugir. Hoje vi duas mulheres conversando junto à porta de entrada, quando deviam estar vigiando. Se conseguirmos distraí-las, talvez possamos... — Interrompeu-se ao ver a expressão de Jura e desviou o olhar.

Na soleira, iluminado, pela luz das tochas, havia um fantasma... um grande fantasma dourado. Jura piscou para ver melhor, mas o fantasma continuava ali.

— Jura? — Murmurou o fantasma.

Cilean foi a primeira em reagir. Apesar de seu extremo cansaço, saltou de sua cama de armar e rodeou Rowan com seus braços.

Em muitas ocasiões Rowan se encolerizava pela maneira que o tratavam os lanconianos. Era seu rei, mas jamais lhe diziam "Sua majestade", discutiam com ele e o desafiavam. Mas neste momento se alegrou de seu sentido de igualdade. Preferia sentir ao redor de seu pescoço os braços de uma mulher que receber adulações servis.

Rowan abraçou Cilean, com a sensação de que pela primeira vez em muitos dias, tocava algo limpo. Seria agradável escutar a opinião sincera de uma mulher, em lugar da mansidão serviçal das mulheres ulten.

— Está bem? Não está ferida? — Perguntou Rowan Cilean.

Ela deixou de abraçar seu pescoço, mas manteve um braço ao redor da cintura de Rowan.

— Estou fatigada e machucada, mas não ferida. Hoje feriram Jura.

Rowan olhou para sua esposa, que ainda permanecia sentada em sua cama de armar. Cilean se afastou de Rowan.

— Não tem nada que me dizer? — Perguntou brandamente Rowan a Jura.

— Por que está vivo? — Perguntou ela com tom zangado. Seu coração pulsava com violência. Rowan não se ofendeu. Sorriu, aproximando-se dela.

— Alegra-te em me ver.

— Capturaram-nos e nos converteram em escravas — disse Jura, irritada. — Usaram-nos como bois para descarregar sacos das carroças cheias de mercadoria roubada. Pensei que tinha morrido do contrário teria vindo por nós, mas não está morto. — Disse-o como se fosse uma acusação. Em certo modo, sentia-se traída por ele. A última vez que o tinha visto, ele a tinha olhado com ódio e durante dias tinha chorado, pensando que estava morto. Mas ele estava aí, não só vivo, mas também livre.

Rowan seguiu avançando para ela, apoiou suas mãos sobre os ombros de Jura. Ela saltou da cama de armar e se jogou em seus braços, abraçando-o com força.

— Não está morto. Não está morto! — Repetiu, maravilhada.

— Não, meu amor — murmurou ele, acariciando suas costas dolorida. — Não estou morto. — Depois de alguns instantes, afastou-se dela.

— Devemos falar. Venha, Cilean, sente-se conosco. Desejo que ambas estejam perto de mim. Não temos muito tempo.

Rodeou a cada uma delas com um braço, como se temesse que desaparecessem, e começou a explicar o que tinha acontecido, a ele e aos outros homens, nos últimos dias.

— Você acreditou? — Perguntou Jura com incredulidade. — Essas mulheres invadiram nosso acampamento, nos drogaram com seus horríveis venenos, golpearam-me, e você acreditou quando disseram que tinham nos deixado dormindo. É um...

Rowan a beijou.

— Senti saudades Jura. Eu sou o responsável por nos acharmos nesta situação e devo resolvê-lo.

— Você? — Disse Jura. — É o causador de tudo. Se não houvesse...

— Ela acreditou que tinha morrido — interrompeu Cilean — e não tem feito mais que chorar desde que nos capturaram. Nunca a tinha visto chorar e agora não faz outra coisa. Diz que lamenta não haver o ajudado a unir as tribos e não ter podido dizer que te ama.

— Isso é verdade, Jura? — Murmurou Rowan.

Jura virou a cabeça.

— Quando a gente sofre, diz muitas coisas.

Rowan tomou seu queixo e a beijou com ternura.

— Tratei de tomar uma decisão em minha qualidade de rei. Segui às ulten porque o rei Rowan desejava unir as tribos, mas Rowan, o homem se arrependeu dessa decisão. Fui um tolo, Jura, tal como me disse milhares de vezes.

Ela o olhou nos olhos.

— Mas sua intenção era boa — murmurou ela e ele voltou a beijá-la.

— Também foi a sua, no dia em que mataram Keon — murmurou ele, estupefato ao ver lágrimas nos olhos de Jura. — Deu-me forças no momento em que ia defraudar meu país e não permitiu que ninguém fosse testemunha de minha debilidade.

— Rowan — disse uma voz da soleira da porta. Era Daire. Cilean foi para ele, mas ele a afastou fazendo um gesto com a mão. Imediatamente, ela se converteu novamente em uma guardiã.

— Devemos partir — disse Daire. — Inclusive Geralt nos trai.

— Trai-nos? — Perguntou Jura, ficando de pé. — Cilean e eu estamos preparadas. Partiremos contigo.

Rowan pigarreou nervosamente.

— Não podemos as levar — disse. — Eles são muitos e nós muito poucos. Pude te visitar porque os fearen e Geralt estão... distraindo às guardiãs. Jura, não me olhe assim. As tirarei daqui, mas não pode pretender que combata contra uma cidade de mulheres. Minhas próprias mulheres lanconianas.

— Mulheres — disse ela, olhando-o com indignação. — Estas delicadas mulheres obrigam Cilean e a mim a conduzir rochas, a extrair água de poços no meio da lama, a carregar grandes sacos de cereais. Usam-nos como se fôssemos cavalos, enquanto vocês, os homens, estão cansados pelas tentativas de engravidá-las.

— Eu não, Jura — disse Rowan. — Juro-te que não as toquei. Tenho certeza de que nos permitirão viver até que, até mesmo eu, o rei, não deixe grávida a uma mulher.

Os olhos de Jura lançavam brilhos de fúria.

— Como se sacrifica por nós — disse em voz alta.

Rowan tratou de tomá-la entre seus braços, mas ela o evitou.

— Jura, por favor, confia em mim.

— Como você confiou nas ulten? Foi com elas e deixou Cilean, Brita e a mim jogadas a nossa sorte.

— Isso não é verdade — disse ele. — Eu... — Rowan estava confundido e agradado ao mesmo tempo. Ela reagia como uma mulher ciumenta, não como uma serena guardiã. Era uma esposa enfurecida que acreditava que seu marido se deitava com outras mulheres. E isso para ela importava mais que a Lanconia.

— Rowan! — Exclamou Daire com tom de urgência. — Devemos partir. Se não o fizermos, Marek se inteirará. Matará a todos.

Rowan se afastou afligido por Jura. Nunca a tinha desejado tanto como neste momento. Assaltou-lhe a tentação de abdicar em favor de Geralt e partir da Lanconia. Levaria Jura para a Inglaterra. Mas sabia que era impossível.

— Preciso de dois dias — murmurou Rowan. — Dentro de dois dias as tirarei daqui.

Partiu e Cilean tratou de falar com Jura, mas ela estava muito desgostosa e não a escutou. Às vezes tinha a sensação de que ele a traía e outras se dava conta de que Rowan deveria acompanhar às ulten, deixando às mulheres iriales. Estava confundida e não podia dormir. Se tivesse se casado com Daire, seu matrimônio não entraria em conflito com o que era necessário para a Lanconia. Então, por que se enfurecia ao comprovar que Rowan punha a Lanconia acima dela?

Antes do amanhecer foi até a soleira da porta para observar a silhueta do grande palácio de Marek. Ao pensar que Rowan estava ali e que talvez estivesse deitado com outra mulher, encolerizou-se. Mas estava pensando como uma inglesa, não como uma lanconiana. E não devia ser assim. Devia pensar acima de tudo na Lanconia e não em si mesma.

Apoiou a cabeça contra a pedra fria do marco da porta e tratou de pensar com claridade. Mas não pôde. Só sabia que desejava estar junto de Rowan. Não queria aguardar até que ele se cansasse das mulheres ulten ou até que seu arrogante irmão estivesse satisfeito. Estava disposta a apostar que Geralt não tinha pensado em nenhum momento no que poderia ocorrer a Cilean e Jura, e muito menos em Brita, que o humilhou. Geralt nunca tinha sido compassivo com os outros.

Quando Jura acreditava que Rowan estava morto, lamentou não ter podido ajudá-lo a lutar pela Lanconia. Agora tinha a oportunidade de fazê-lo.

— Jura — disse Cilean em voz baixa. — Esteve acordada toda a noite?

Jura a olhou com olhos brilhantes.

— Sairemos daqui — disse Jura. — E para isso, usaremos as armas inglesas que utiliza Rowan: as palavras. Não mataremos nem feriremos ninguém. Faremos algo pior. Diremos a estas mulheres do que as privou Marek. Diremos que lá fora há centenas de homens e que cada mulher pode ter seu próprio homem e todos os filhos varões que desejem.

— Mas não falamos seu idioma — disse Cilean — e Rowan disse que nos tiraria daqui dentro de dois dias. Não acha que deveríamos obedecê-lo?

— Ajudaremos a ele — disse Jura com firmeza.

Só uma das guardiãs falava o idioma irial e Jura teve que insistir muito para que a escutasse. Constantemente dizia que Jura continuasse seu trabalho. Mas ao meio-dia todas as mulheres pararam ao ver passar Marek, que se deslocava pela rua em uma carruagem. Quatro lindas mulheres jovens o atendiam. Marek era velho, obeso, sujo, desdentado e feio.

Atrás dele, em outras duas carruagens, iam Rowan, Daire, Geralt e os fearen. Jura percebeu a perturbação das mulheres ao observar a esses homens fortes, sãs e viris. Quando Rowan passou junto a ela, Jura apertou os punhos. Uma bonita e miúda ulten estava virtualmente sentada em seu regaço.

— Que fracos parecem esses homens — disse Jura, bocejando. A ulten que falava irial a olhou, surpreendida.

— Em minha tribo as mulheres nem sequer olhariam a homens como eles, afastá-los-íamos de nosso lado — disse Jura com ar de tédio. — Podemos retomar ao trabalho? Prefiro trabalhar a olhar esses fracotes.

Jura percebeu que a mulher prestava atenção e quando ouviu que a mulher falava em voz baixa com as outras, soube que sua manobra daria resultado.

Pouco depois, enquanto ela e Cilean conduziam rochas da campina, as mulheres ulten começaram a fazer perguntas sobre o lugar onde Jura vivia e, especialmente, sobre os homens que o habitavam.

Jura enxugou o suor da testa, apoiou-se sobre uma rocha e começou a falar dos matrimônios que se celebravam. A cada momento devia interromper-se para que suas palavras fossem traduzidas e para que as mulheres expressassem seu assombro.

Ao entardecer, ela e Cilean estavam sentadas à sombra de frondosas árvores, bebendo sucos de frutas frescas e elaborando histórias sobre as centenas de homens disponíveis que havia na Lanconia. As ulten se entusiasmaram ao saber que os fortes homens zernas só tinham mulheres feias e corpulentas.

Jura respondeu às perguntas, inclusive as que se referiam a seu assombro ante a ideia de que mulheres tão altas como Jura e Cilean eram atraentes para os homens iriales.

— Eles conseguem nos admirar mesmo assim — disse Jura com um sorriso forçado.

Esta noite dormiu mais tranquila que as noites anteriores.

Pela manhã, mais de uma centena de mulheres as aguardavam fora do edifício e durante todo o dia só conversaram. A maioria das mulheres eram jovens e não recordavam terem tido a oportunidade de estar com homens, então os relatos de Jura eram para elas como contos de fadas.

Esse segundo dia, Jura não só falou dos homens de outras tribos, também se referiu aos homens ulten e disse que considerava injusto que as mulheres devessem adorá-los e obedecê-los só porque eram muito poucos. Jura falou de sua própria atitude desafiante em relação a seu marido, sem mencionar o fato de que se tratava de Rowan. As mulheres a fizeram repetir alguns episódios que mal podiam acreditar.

— E ele ainda te ama? — Perguntou uma mulher por intermédio de uma intérprete. — Não precisa ser perfeita para reter um homem? Não te repudiou por não ser carinhosa e doce em nenhum momento?

— Pode dizer o que pensa sem que te castigue?

— Pode se zangar com um homem?

— Sim, — respondeu Jura — e se seu marido é infiel, pode denunciá-lo ante uma corte. Você pode repudiá-lo.

Ao anoitecer, a garganta de Jura estava irritada de tanto falar, mas a julgar pelas expressões das mulheres, sabia que as tinha impressionado. Quando retornaram à cidade, todas as mulheres ulten as apontavam e falavam muito seriamente entre elas. Jura sorriu para si mesmo. Talvez as táticas de Rowan tivessem algumas vantagens. Pensou que não teria causado uma comoção maior se tivesse atacado a cidade com um exército.

Bocejando, perguntou-se o que aconteceria ao dia seguinte.


Rowan despertou e ouviu ruídos em torno do palácio. Não tinha podido conciliar o sonho até muito tarde, preocupado como sairiam dessa situação. Os outros homens pareciam dispostos a permanecer com as mulheres ulten durante o resto de suas vidas, mas Rowan considerava que a servidão das mulheres era irritante. A noite anterior teve dificuldade para convencer as mulheres de que não precisava de companhia em sua cama. Sorriu intimamente, sabendo que não teria se desgostado de desfrutar dos cuidados de alguma das mulheres, mas temia confrontar a ira de Jura.

— Conquistar Lanconia é simples, mas conquistar Jura é quase impossível — murmurou. E se concentrou novamente na maneira de obter que todos saíssem dali, sem ferir nenhuma mulher nem ofender ao obeso Marek.

Rowan ouviu as vozes iradas das mulheres, mas não reagiu. Depois de ter convivido com as iriales e de conhecer a irascível Brita, os gritos das mulheres não lhe chamavam a atenção. Mas logo recordou que estava em um país onde as mulheres competiam até a morte por um homem, mas o faziam com palavras amáveis e sorrisos lânguidos.

Sentou-se na cama.

— O que terá feito Jura agora? — Perguntou em voz alta, sem duvidar nem por um instante que a causa da ira das mulheres devia ser Jura.

Vestiu-se rapidamente e correu pelos corredores para os quartos dos outros homens, que estavam com uma, duas, ou no caso de Geralt, três mulheres. Ordenou aos homens que se reunissem no salão imediatamente. Só Geralt criou dificuldades.

— Irá ou virei por você — disse Rowan, batendo a porta, seguido por Daire e os fearen.

O que parecia ser um exército de mulheres estava invadindo o palácio. Seus rostos expressavam um profundo desgosto e levavam toda espécie de utensílios a modo de armas: restelos, pás, machados, agulhas de osso e paus de diferentes tamanhos. Eram mulheres tão pequenas e suas armas tão fracas que provocavam risada, mas Rowan não riu. Tomou o braço de uma das mulheres, uma linda criada de cabelos negros.

— O que aconteceu? — Perguntou em idioma ulten.

Ela o olhou com desdém.

— Mentiram-nos — disse, gritando. — Disseram-nos que todos os homens tinham morrido durante a epidemia e que os únicos sobreviventes eram os que estavam em nossa cidade, mas Jura disse que não é assim.

Rowan grunhiu e soltou à mulher. Logo se voltou para os outros homens para traduzir as palavras da mulher.

— Jura — bufou Geralt. — Devia ter sabido que ela arruinaria este paraíso. Rowan puxou Geralt pela túnica.

— Sua irmã foi convertida em escrava enquanto você comia figos. Agora devemos deter isto ou haverá guerra.

Geralt se libertou das mãos de Rowan.

— Deixe que matem o velho Marek. O que me importa? Eu reinarei sobre os ulten. Arrebatou-me os iriales, de modo que tomarei aos ulten.

Jura abriu caminho entre a multidão, a tempo de escutar as palavras de seu irmão.

— Não é capaz de governar a si mesmo e muito menos a uma tribo — gritou. — Só pensa em você e não nos habitantes de seu país. Não é leal a Lanconia nem aos iriales. Nem sequer pôde passar uma noite com Brita sem desatar uma guerra. Talvez seja tão soberbo que pense que estas mulheres estão ansiosas por te seguir, mas neste momento estão muito zangadas para pensar. — Olhou aos outros homens. Estavam rodeados por irritadas mulheres ulten. — Estão furiosas com Marek por que durante anos mentiu e são capazes de fazerem qualquer coisa. Talvez não se conformem matando a um homem, talvez decidam matar a todos. Devemos tirá-los daqui. — Jura se voltou para partir, mas Rowan a impediu.

— Não tomou partido por seu irmão — gritou-lhe ele.

— Meu irmão é irial, não lanconiano — disse ela furiosa. — Há outra saída? Por favor, Rowan, não trate de falar para convencê-las. Estas mulheres desejam ver sangue.

Ele acariciou a bochecha de Jura e logo se dirigiu aos quartos.

— Me sigam — ordenou, e só Geralt vacilou. Rowan o tomou pelo ombro e o arrastou consigo.

Geralt resistiu como um menino caprichoso.

— Me solte, usurpador. As mulheres não me farão mal. Sou seu senhor.

Com toda calma, Jura pegou um vaso que havia sobre uma mesa e o deixou cair sobre a cabeça de Geralt. Este caiu garbosamente ao chão.

Rowan a olhou, aborrecido.

— Como o tiraremos daqui?

— Deverá carregá-lo. Vamos, não podemos perder tempo. Acredito que as mulheres estão saqueando o palácio.

Rowan a obedeceu sem protestar. Tomou Geralt e o carregou sobre seus ombros. Logo correu pelo corredor, ficando à frente do grupo. A única porta de saída era a da frente do palácio, mas os ulten tinham construído um celeiro perto de uma das janelas.

— Daire — disse Rowan. — Toma essa laje de mármore e coloca-a entre os edifícios.

Quatro homens, ajudados por Cilean e Jura, colocaram a laje entre os dois edifícios, formando uma rampa. O equilíbrio era precário e a superfície escorregadia tornava perigosa a passagem.

— Eu irei primeiro — disse Jura, mas Rowan não o permitiu.

— Eu a provarei. Cuida de seu irmão. Está despertando.

Jura olhou fugazmente para Geralt, que se sentou e esfregou a cabeça, enquanto Rowan deslizava pela laje de mármore para o outro edifício. Quando esteve do outro lado, os outros o seguiram, um por um.

Geralt se negou a ir com eles.

— Permanecerei aqui. Pertenço a este lugar — disse a Jura. — Não serei um subordinado do inglês.

— É mais lanconiano que você — disse ela. — Thal sabia disso.

— Todos me traem — disse Geralt, pesaroso. — Vá com ele. Ficarei aqui e porei ordem neste caos.

Jura já estava sobre a prancha de mármore, mas permaneceu no batente da janela, contemplando seu irmão, que erguido, retrocedia para ir atrás das mulheres.

— Venha, Jura — gritou Rowan a suas costas.

Jura tomou uma decisão.

— Devo ir atrás dele — gritou para Rowan e voltou a entrar no palácio.

Rowan amaldiçoou, tirou as botas e subiu pela laje inclinada. Só podia aferrar-se a ela com os pés nus. Todos lhe rogaram que não o fizesse, mas ele lhes ordenou que se afastassem da cidade o mais rapidamente possível.

No corredor não havia sinais de Jura nem de Geralt. Várias mulheres ulten estavam tirando as tapeçarias das paredes. Interromperam a tarefa, olhando para Rowan com ódio. Ontem tinha sido um deus, hoje era um demônio.

Ele sorriu fracamente e seguiu seu caminho depressa. Não foi difícil descobrir Jura e Geralt, já que ambos mediam trinta centímetros a mais que as mulheres ulten. Jura protegia a seu irmão com seu corpo e tratava de falar com as mulheres, mas nenhuma a compreendia.

— Marek está fugindo com o ouro — gritou Rowan em idioma ulten, mas ninguém o escutou. — Marek leva as crianças. — Teve que repetir várias vezes, enquanto assinalava o quarto de Marek, na asa norte do palácio, mas finalmente obteve que a multidão desviasse sua atenção de Jura e Geralt.

— Sabia que viria — disse Jura, sorrindo. — Devia ter partido com os outros, mas sabia que não o faria.

— Me siga — ordenou Rowan — e não faça nenhuma tolice. — Olhou com desgosto a espada que ela tinha tirado de uma das paredes. — Não fira nenhum de meus súditos.

— Essa gente tratou de me matar — disse Geralt. — Acredito que...

— Cale-se! — Ordenou Jura. — E siga ao rei Rowan.

Ouvindo-a, Rowan piscou, abismado. Os conduziu em meio da multidão de mulheres que avançavam aos empurrões. Cada vez que um grupo delas se detinha para olhá-los, Rowan gritava: Marek! E apontava o interior do palácio.

Correram até chegarem quase às portas da cidade antes que as mulheres reparassem neles.

— Há dois deles aqui — gritou uma mulher.

— Mantiveram-nos prisioneiras. Privaram-nos de maridos e filhos. Mataremos todos eles e seremos livres.

As mulheres permaneceram frente aos portões abertos, enquanto outras tratavam de fechar.

— Corram — ordenou Rowan — e não matem ninguém.

Jura não foi atacada. Os homens foram o alvo do ataque. As mulheres usavam qualquer espécie de arma. Instintivamente, Jura protegeu Rowan com seu corpo. Rowan tinha baixado a cabeça tratando de esquivar os golpes, e não viu que Geralt fazia cair a uma mulher atrás de outra. Jura sabia que o amor de Rowan por sua gente o levava a protegê-la, até arriscando sua vida.

Passaram pelas portas e as mulheres os perseguiram, mas logo desistiram, pois Jura, Geralt e Rowan se dirigiam para as montanhas.

Depois de correrem durante quase uma hora, detiveram-se para recuperar o fôlego.

— Devemos encontrar os outros — disse Jura. Olhou Rowan. Estava pálido e debaixo de sua capa se via uma mancha de sangue que aumentava de tamanho permanentemente. Seus pés nus também sangravam.

Jura o rodeou maternalmente com seus braços e o obrigou a sentar-se.

— Devo...

— Não, — disse ela com voz suave — já fez o suficiente por agora. Deve permitir que outros o ajudem. — Olhou para Geralt. — Vá e traga os outros. Diga-lhes que nosso rei está ferido e que enviem Daire para que procure Brita. — Olhou novamente para Rowan. — Você opina que isso é o que devemos fazer. Quero dizer...

Rowan se inclinou e a beijou.

— Coincido contigo. Somos uma só pessoa; não importa quem formule a ideia.

— Jura, eu... — começou a dizer Geralt.

— Vá! — Disse Jura secamente. — Já causou muitos problemas. Pode ser que manhã agradeça ao rei por te salvar a vida.

Com relutância, Geralt subiu o atalho montanhoso para ir em busca dos companheiros.

— Jura, não estou ferido gravemente — disse Rowan em voz baixa. — Se me enfaixar, poderei continuar a viagem.

Jura usou a adaga de Rowan para cortar uma parte de sua túnica, meigamente examinou a ferida de seu ombro, causada por um machado.

Rowan levou a mão de Jura até seu rosto.

— Chamaste-me rei e disse que sou lanconiano. Quer dizer que me ama? Ainda deseja minha morte para poder se casar com Daire?

Ela o olhou atentamente.

— Thal me educou para que pensasse acima de tudo na guerra, e amei o Daire porque não me provocava conflitos interiores. Lanconia teria sido mais importante que meu matrimônio. Mas você sempre me confundiu. Ensinou-me o verdadeiro amor: um amor por meu país que está além da guerra e o amor por um homem que é...

— O que é?

— Um amor que me penetra. — Apoiou ambas as mãos sobre o rosto de Rowan. — Rowan, meu esposo, se alguma vez morrer, acredito que minha alma também morrerá. Cada gota de sangue que emana de sua ferida me faz sangrar. Não sabia que esta... esta dor que sentia ao seu lado era amor.

Ele a beijou brandamente.

— Tenho a sensação de haver ganhado seu amor, Jura. Sofri, sangrei e suportei injúrias para obter seu amor.

— Não é assim — protestou ela, sorriu fracamente. — Valeu a pena?

— Sim — disse ele meigamente. — Acreditei que desejava uma mulher como... estas ulten, que adoçassem minha vida, mas você é mais que uma esposa para mim. Ajudou-me, Jura. Ajudou-me a compreender os iriales.

Ela se afastou dele.

— Ajudado? Evitei que o matassem. Jamais teria podido fazer tudo quanto tem feito sem mim. Se não estivesse inconsciente, não teria permitido que entrasse na cidade ulten sozinho. É muito crédulo. Acha que todos são bons.

— Exceto você, Jura. Está cheia de fogo e enxofre e se atribui todos os méritos. Fui eu quem uniu Lanconia. Fui eu...

— Com minha ajuda — disse ela em voz alta.

De repente, Rowan sorriu.

— Acredito que ambos trabalhamos bem juntos. Talvez devêssemos continuar fazendo-o. E bem, permitirá que eu sangre até morrer, deixando que esse estúpido do teu irmão não vá atrás de Brita e comece uma guerra?

— Geralt não é estúpido. É...

— Sim? — Perguntou Rowan, arqueando uma sobrancelha.

— Talvez devêssemos lhe dar um pequeno canto da Lanconia para que instale ali seu reino. Poderia nos causar muitos problemas enquanto tratamos de unir o resto das tribos e não desejamos que irrite aos zernas quando entregarmos as mulheres ulten. — Rasgou a parte inferior de sua túnica para enfaixar o ombro de Rowan.

— O quê? Entregar essas pequenas e doces mulheres aos homens zernas?

— Essas "doces" mulheres como você as chamas, fizeram trabalhar Cilean e a mim como escravas E uma delas me castigou com um látego.

— Sim, mas... — protestou ele, mas Jura o beijou e como acontecia sempre, ele já não pôde pensar em outra coisa, nem na Lanconia, nem nos iriales, nem no paradeiro de Brita. Tinha amado Jura desde o dia em que a conheceu e sempre a amaria. E agora tinham por diante muitos anos para unir às tribos, para discutirem e fazerem amor. Ele sorriu, seus lábios perto dos dela, e a abraçou. Era feliz.


Pela colina vinham Cilean e Daire e se detiveram ao escutar as vozes de Rowan e Jura. Cilean sorriu.

— Acredito que estão ilesos.

— Jura o ama. — Disse Daire com voz decidida, mas sem rancor. — Acredito que daria minha vida por ele.

Cilean olhou para Daire.

— Dói-te havê-la perdido completamente?

— Tenho a sensação que sou um irmão protetor que perde uma adorável irmãzinha mais nova. Sei que Jura e eu nunca... nos desejamos com paixão. — Recordou e sorriu. — Como me ocorreu com as mulheres ulten.

— Ah, — disse Cilean com frieza. — Então lhe agrada essas mulheres melosas que não distinguem uma espada de um pente?

Daire a olhou, surpreso, e logo seu olhar se enterneceu.

— Cilean, adoro a forma como se movem seus seios quando atira a lança. Vamos junto ao rei e a rainha? Devemos partir daqui o quanto antes e procurar Brita. Depois, você e eu nos casaremos.

Começou a descer pela ladeira da montanha.

Cilean demorou alguns instantes em reagir. Depois, sorrindo, foi atrás de Daire.


Epílogo

Brocain não exigiu a vida de Rowan em troca da morte de Keon. Quando Rowan voltou a ver Brocain, quase todas as tribos haviam se unido e Rowan era seu rei. Brocain sabia que se machucasse Rowan, ele e todos os zernas morreriam. Portanto, em troca da vida de Rowan, aceitou cem das mais lindas mulheres ulten.

Brita se casou com Yaine e ambos lutaram ferozmente entre si pelo poder, de maneira que não causaram problemas a Rowan. Ao morrer Yaine, Daire e Cilean herdaram a escassa fortuna dos fearen.

Rowan nomeou duques aos líderes das tribos e na atualidade, ainda são as famílias dirigentes da Lanconia.

A princesa Ária é uma descendente de Rowan e J. T. descendente da família do escudeiro de Rowan, Montgomery de Warbrooke.

 

 

                                                   Jude Deveraux         

 

 

 

                          Voltar a serie

 

 

 

 

      

 

 

O melhor da literatura para todos os gostos e idades