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Series & Trilogias Literarias
Colorado1859.
O capitão Ring Montgomery, um cavaleiro elegante e habilidoso, um atirador preciso, especialista em territórios ocidentais e popular entre homens e mulheres, recebeu uma tarefa única: escoltar uma cantora de ópera - Madelyn Worth - através do Colorado.
No clima tenso da guerra civil que estava se preparando, duas vontades poderosas se enfrentariam: a de Montgomery, ansioso por assustar a jovem para que ela abandonasse seu projeto de cantar para brutos mineradores e Maddie, que não queria a proteção de Ring, mas que teve que cumprir sua missão, sem confiar à verdade de tudo, para ele.
01
O coronel Harrison leu a carta pela segunda vez, se reclinou para trás na cadeira e sorriu. Um presente caído do céu, pensou. Isso era o único que podia dizer da carta; um presente caído do céu.
Só para comprovar que realmente dizia o que ele acreditava, voltou a lê-la. O general Yovington emitira ordens de Washington, D.C. — de que o tenente L.K. Surrey tinha que deixar seu posto na Companhia J. de Segundos Dragões, para fazer uma missão especial. Mas como o tenente Surrey tinha morrido na semana anterior, o coronel Harrison teria que escolher outro oficial para cumprir a missão em seu lugar.
Desenhou-se um grande sorriso no rosto do coronel Harrison. Escolheria o capitão C. H. Montgomery para ocupar o lugar do tenente Surrey. Os serviços do tenente, definitivamente substituídos pelo capitão Montgomery, tinham sido "solicitados" para dar escolta a uma cantora de ópera estrangeira através dos campos auríferos do território do Colorado. Tinha que permanecer com ela e com sua pequena banda de músicos e servos todo o tempo que a dama o necessite a seu lado. Tinha que protegê-la de qualquer perigo que pudesse espreitá-la no trajeto e fazer tudo o que estivesse a seu alcance para que sua viagem fosse prazerosa.
O coronel Harrison deixou a carta sobre a escrivaninha com tanto cuidado como se se tratasse de uma valiosa relíquia, e sorriu tão amplamente que seu rosto esteve a ponto de explodir. Donzela a serviço de uma dama, pensou. O presunçoso capitão Montgomery ia receber a ordem de converter-se em uma simples donzela a serviço de uma dama. Mas, o que era mais importante ainda, ordenava ao capitão Montgomery que partisse do Forte Breck. O coronel Harrison respirou fundo várias vezes e considerou a possibilidade que se apresentava dele mandar em seu próprio forte, e não ter que enfrentar a perfeição, e a insolente sabedoria do capitão Montgomery. Os homens já não olhariam para seu capitão para que ele confirmasse todas as ordens, e lhes desse permissão para fazer o que o coronel pedia.
O coronel Harrison rememorou sua chegada ao Forte Breck há um ano. Seu predecessor, o coronel Collins, tinha sido um velho tolo, ocioso e bêbado. A única preocupação de Collins tinha sido sobreviver até que pudesse se retirar do serviço ativo, sair do território índio e retornar a Virginia onde viveria civilizadamente. Estava muito contente de passar todas suas responsabilidades ao segundo em comando, o capitão Montgomery. E por que não? Teria que ver para acreditar na folha de serviços de Montgomery. Tinha ingressado no exército aos dezoito anos e durante os oito anos seguintes, vinha subindo de posto até alcançar a patente que ostentava nesse momento. Tinha começado sua carreira como soldado raso e, depois de um extraordinário ato de arrojo e valentia no campo de batalha, tinha recebido o grau de oficial. Em três anos tinha passado de subtenente a capitão, e no passo que ia superaria em patente ao próprio coronel Harrison em poucos anos.
Isto não queria dizer que o homem não merecesse tudo o que tinha ganhado no exército. É mais, segundo o coronel, o capitão Montgomery era perfeito. Sob fogo inimigo era frio e jamais perdia a cabeça. Era generoso, justo e pormenorizado com os soldados, e por esta razão estavam virtualmente convencidos de que ele mandava no forte. Os oficiais recorriam a ele para solucionar seus problemas; as esposas dos oficiais lhe adulavam e pediam conselho sobre os acontecimentos sociais. O capitão Montgomery não bebia, nem frequentava os prostíbulos fora do forte; nunca ninguém o tinha visto zangado, e era capaz de fazer qualquer coisa. Podia cavalgar como um demônio e, enquanto ia rapidamente deitado sobre o cavalo, disparava e acertava ao olho de um peru a cem metros de distância. Conhecia a linguagem por sinais dos índios e falava algumas línguas indígenas. Diabos, se até os índios lhe tinham afeto, pois diziam que era um homem que podiam respeitar e em quem podiam confiar. Indubitavelmente, o capitão Montgomery morreria antes de romper sua palavra.
Todo mundo parecia apreciar, honrar, respeitar e até reverenciar o capitão Montgomery. Todos, salvo o coronel Harrison. O coronel Harrison detestava esse homem. Não só lhe desgostava, não só o odiava, mas o detestava com toda sua alma. Tudo aquilo que o capitão podia fazer e do qual não era capaz o coronel, era ainda, maior motivo de desprezo por parte deste. Menos de uma semana depois da chegada do coronel ao Forte Breck, os soldados compreenderam que Harrison não sabia uma palavra sobre o Oeste, e em realidade era a primeira vez em sua vida que o coronel pisava na terra ao Oeste do Mississippi. O capitão Montgomery não se ofereceu para ajudar o coronel a se familiarizar com seu novo cargo; não, era muito educado para fazer algo assim, mas o coronel tinha tido que lhe formular algumas perguntas. O capitão sempre tinha a resposta apropriada e qual era a melhor forma de solucionar qualquer interdição.
O coronel Harrison só tinha cinco meses no Forte Breck quando começou a odiar o homem que tinha solução para todos os problemas. Certamente, que ter uma filha de dezesseis anos que quase desmaiava a simples visão desse homem, não melhorava muito a situação.
O ressentimento do coronel Harrison havia chegado ao limite, numa calorosa manhã do verão anterior, quando o coronel, de péssimo humor, tinha ordenado que castigassem com vinte chicotadas a um pobre soldado pelo mero feito de haver adormecido depois de haver trocado de sentinela. Estava farto da embriaguez de seus homens e se propunha castigar ao soldado de forma exemplar. Fez caso omisso dos olhares de ódio dos outros homens, mas começou a lhe doer o estômago. Não era um mau homem; só queria impor disciplina em sua guarnição. Quando o capitão Montgomery deu um passo à frente para protestar contra o castigo, o coronel Harrison se enfureceu. Informou ao capitão que era ele quem mandava no forte, e a menos que estivesse disposto a receber o castigo, não tinha que intrometer-se. Só quando Montgomery começou a tirar a jaqueta o coronel compreendeu o que ele pensava fazer.
Foi a pior manhã da vida do coronel e desejou fervorosamente poder retornar à cama e começar o dia de novo. O capitão Montgomery — o temerário e perfeito capitão Montgomery — recebeu as vinte chicotadas pelo soldado. Por um momento o coronel acreditou que enfrentaria um motim quando todos os soldados recusaram a empunhar o látego. Finalmente, um subtenente empunhou o látego e deu as vinte chicotadas nas largas costas de Montgomery. Ao finalizar o castigo arrojou o látego ao chão empoeirado e dirigiu um olhar transbordante de ódio ao coronel.
— Algo mais... senhor! — Perguntou acentuando seu desprezo na última palavra.
Durante duas semanas, quase ninguém no forte dirigiu a palavra ao coronel, nem sequer sua própria esposa e filha. Quanto ao capitão, reincorporou-se ao serviço na manhã seguinte sem uma só careta de dor pelas costas que devia estar lhe matando. A gota que encheu o copo, foi que nem sequer se apresentasse à enfermaria para recuperar-se durante uns dias. A partir desse dia o coronel Harrison nem sequer se incomodou em ocultar a aversão que sentia pelo capitão. Entretanto, o capitão jamais deixou entrever o que sentia pelo coronel; não, os seres humanos perfeitos como Montgomery não punham em evidência seus sentimentos. Continuou sendo o perfeito oficial: um amigo para seus homens, um acompanhante encantador para as damas. Um homem em quem todos confiavam. Um homem sem sentimentos segundo a opinião do coronel Harrison. Um homem que jamais se levantava com o pé esquerdo. Um homem cujo pé nunca se deslizava do estribo do cavalo, ou errava um alvo ao disparar. Um homem que enfrentaria à morte com um sorriso nos lábios.
Mas agora, pensou o coronel Harrison, agora tiraria de perto dele esse homem perfeito. O general Yovington tinha pedido um acompanhante para uma cantora de ópera através do território onde reinava a febre do ouro e ele tinha decidido enviar ao ilustre capitão Montgomery.
— Espero que seja gorda! — Disse o coronel em voz alta — Espero que seja realmente gorda.
— Senhor? — Perguntou o cabo desde sua escrivaninha do outro extremo do escritório.
— Nada — rugiu o coronel. — Vá procurar o capitão Montgomery e nos deixe sozinhos. — O coronel ignorou o olhar que lhe lançou o cabo.
O capitão Montgomery, como sempre, apresentou-se imediatamente e o coronel tentou não franzir o cenho. Não havia uma bolinha de pó no uniforme azul escuro do capitão que, conforme suspeitava, tinha sido feito à medida por um alfaiate para ajustar-se perfeitamente ao corpo do capitão de um metro e noventa de estatura.
— Desejava ver-me, senhor? — Perguntou o capitão Montgomery em posição de sentido.
O coronel Harrison se perguntou se o homem poderia desmoronar-se alguma vez.
— Recebi ordens do general Yovington para você. Alguma vez ouviu falar dele?
— Sim, senhor.
Acaso o coronel esperava que Montgomery ignorasse a resposta a uma pergunta? Ficou de pé atrás da escrivaninha, e cruzou as mãos a suas costas e começou a falar enquanto caminhava pelo escritório. Devia tratar que sua voz não traísse a alegria que sentia.
— Como já sabe, o general Yovington é um homem muito importante e quando ordena algo é porque tem razões de sobra para fazê-lo. Ele não permite que pessoa como você e como eu conheça essas razões, mas por outro lado, você e eu somos simples soldados e nossa obrigação é obedecer e, não perguntar quais são as razões que motivaram a ordem. — Olhou ao capitão. Em seu rosto não viu sinais de impaciência nem de irritação, só mostrava o mesmo semblante sereno de costume. Talvez o coronel pudesse lhe fazer perder essa calma perfeita. Com todo gosto, certamente, daria o pagamento de um mês para poder obtê-lo!
O coronel se aproximou da escrivaninha e recolheu a carta.
— Um mensageiro especial me entregou isto esta manhã. Parece ser de suma importância. O general, por motivos que só ele conhece, parece ter desenvolvido um, ah... vínculo especial com uma cantora de ópera e agora que a dama deseja cantar para os buscadores de ouro... ele quer que seja escoltada por um oficial do exército.
O coronel cravou seu olhar penetrante no capitão Montgomery, com os olhos bem abertos já que não queria perder a reação de seu subordinado.
— O general tinha solicitado os serviços do tenente Surrey, mas como você sabe muito bem, o pobre homem não poderá cumprir a missão, portanto refleti muito procurando entre meus homens o oficial adequado para a empreitada e escolhi você, capitão.
O coronel Harrison esteve a ponto de dar um salto de alegria quando Montgomery piscou duas vezes e apertou os lábios.
— Você se encarregará de que ela não se meta em dificuldades, cuidará de que os índios não a incomodem, manterá aos mineiros afastados, e deverá assegurar-se de que se sinta cômoda. Suponho que isto significa que deverá procurar que se alimente corretamente, que a água de seu banho esteja bem quente e...
— Com todo respeito recuso-me fazer esta missão, senhor — disse o capitão Montgomery com as costas rígidas e o olhar cravado em um ponto fixo, centímetros a cima da cabeça grisalha do coronel.
O coração do coronel se encheu de gozo.
— Não é um favor, é uma ordem. Não estou pedindo seu parecer, estou ordenando. Não é um convite que você possa rechaçar.
Para grande assombro do coronel, Montgomery abandonou subitamente a posição firme e sem que lhe dessem permissão se deixou cair em uma cadeira, tirou um charuto do bolso interior de sua jaqueta.
— Uma cantora de ópera? Que demônios eu sei sobre cantores de ópera?
O coronel sabia que deveria repreender o capitão por sentar-se sem permissão, mas se algo tinha aprendido no último ano era que o exército do Oeste não era como o do Este, onde a disciplina era rígida. Além disso, estava desfrutando muito com a consternação do perfeito capitão.
— Oh, vamos, capitão, você pode compreendê-lo. Quem melhor que você? Caramba, em meus vinte anos de serviço jamais vi um homem com uma folha de serviço melhor que a sua. Subiu a oficial no campo de batalha e é o indispensável braço direito de qualquer oficial. Lutou contra os índios e contra os brancos. Você encurralou e capturou fugitivos e renegados. É um homem completo e mesmo assim você pode aconselhar às damas sobre como pôr uma mesa e, de acordo com o que escutei dizer às damas, você dança divinamente. — Sorriu agradado quando o capitão lhe lançou um olhar malévolo. Este homem não tinha perdido seu gesto impassível nem sequer no dia que tinha recebido as vinte chicotadas em lugar do soldado.
— Que relação tem Yovington com ela?
— O general Yovington não me fez seu confidente. Simplesmente me enviou suas ordens. Você tem que partir pela manhã. Que eu saiba, a mulher já chegou às montanhas por sua conta. Você a reconhecerá por... — Recolheu novamente a carta tratando desesperadamente ocultar seu sorriso. — Está viajando em um vagão Concord modificado. É vermelha e tem, ah... vejamos, o nome A Rainha pintado em um lado. A Rainha é o nome da mulher. Ouvi que é muito boa. Cantando, quero dizer. Não sei em que outras coisas é boa além de cantar; o general não me disse isso.
— Viaja em uma diligência?
— Pintada de vermelho. — O coronel Harrison se permitiu um débil sorriso. — Oh, vamos, capitão, com certeza não é uma missão tão má. Pense como ficará em sua folha de serviços. Pense onde poderia lhe levar. Se você desempenhar bem esta tarefa, poderia começar a escoltar as filhas dos generais. Tenho certeza de que minha própria filha lhe recomendaria.
O capitão ficou em pé bruscamente.
— Com todo o respeito devido, senhor, eu não posso fazê-lo. Produziram-se muitos distúrbios ultimamente e me precisam em outros lugares. Devo proteger aos colonos brancos e com esta controvérsia sobre a escravidão e a possibilidade de uma guerra, não acredito que possa abandonar meu posto para...
O coronel Harrison perdeu seu senso de humor.
— Capitão, isto não é uma petição. É uma ordem. Goste ou não, você está atribuído a uma missão por tempo indeterminável. Você tem que permanecer junto a essa mulher todo o tempo que ela deseje, tem que ir a qualquer lugar que ela diga, tem que fazer tudo aquilo que seja necessário, mesmo que não seja outra coisa que tirar seu vagão do barro. Se não o fizer assim, encerrar-lhe-ei em um calabouço, o submeterei ao conselho de guerra, declarar-lhe-ei culpado e mandarei lhe fuzilar. E se for necessário, eu mesmo apertarei o gatilho. Entendeu bem? Fui o suficientemente claro?
— Muito claro, senhor — respondeu Montgomery, tenso.
— Muito bem, então, vá empacotar seus pertences. Tem que partir amanhã ao amanhecer. — O coronel ficou lhe olhando, pois, o capitão parecia estar tratando de dizer algo mais.
— O que acontece? — Inquiriu bruscamente.
— Toby — foi tudo o que o capitão pôde articular com as mandíbulas apertadas pela ira.
Então, o capitão sim, tinha mau gênio, pensou o coronel, e esteve tentado a provocá-lo mais, até insistindo em que as ordens não incluíam o pequeno soldado fracote e falador que nunca se afastava a mais de alguns passos de distância de seu amado capitão. Mas o coronel recordou muito bem à ira dos soldados no dia que o capitão tinha tomado o lugar do soldado castigado.
— Leve-o com você — concedeu o coronel. — Ele não nos servirá de nada aqui.
O capitão agradeceu com uma ligeira inclinação de cabeça, mas não com palavras, girou sobre seus calcanhares e saiu do escritório do coronel.
Depois que o capitão partiu, o coronel desabou sobre sua dura cadeira e deixou escapar um suspiro de alívio, mas ao mesmo tempo começou a sentir-se um pouco nervoso. Conseguiria controlar este forte ingovernável onde a maioria dos "soldados" eram fazendeiros incultos que se alistaram no exército só para poderem encher suas barrigas? A metade deles estavam bêbados a maior parte do tempo e a deserção era desenfreada. A folha de serviço do coronel tinha sido excelente este último ano, mas sabia muito bem que se devia em grande parte a presença do capitão Montgomery. Poderia governar o forte sem sua ajuda?
— Maldito seja esse homem! — Exclamou e fechou a gaveta da escrivaninha com fúria. Claro que poderia dirigir seu próprio forte!
Ring Montgomery observou atentamente à mulher através de sua luneta durante momentos, e logo o fechou com raiva.
— É ela? — Perguntou Toby a suas costas. — Tem certeza que é ela? — Apenas chegava ao ombro de Ring, era magro, porém forte, com a pele cor de nogueira.
— Quantas mulheres mais seriam tão néscias para entrar sozinha em um povoado com quarenta mil homens?
Toby tomando a luneta de mãos de Ring e ficou a olhar a cena. O grupo estava detido no topo de uma colina que dominava um bonito vale, onde descansava uma nova e resplandecente diligencia de cor vermelha; os raios do sol poente arrancavam brilhos do vagão e tinham levantado uma tenda a curta distância. Diante do vagão se via uma mulher sentada a uma mesa jantando lentamente enquanto uma mulher magra e loira a servia.
Toby baixou a luneta.
— O que acha que está comendo? Em seu prato se vê uma coisa verde. Acha que são ervilhas? Possivelmente vagem. Ou é só carne verde como a que comemos no exército?
— Importa-me um rabanete o que está comendo. Maldito Harrison! Maldito seja por toda a eternidade! Bastardo incompetente! Só porque não pode dirigir um forte do tamanho de Breck, envia-me para longe para fazer este trabalho sujo.
Toby bocejou. Tinha ouvido estas palavras milhares de vezes. Tinha estado junto de Ring desde que este era um moço e talvez pudesse parecer estoico aos olhos de outros, mas Toby sabia a verdade.
— Deveria estar agradecido a esse homem. Ele nos tirou desse forte esquecido da mão de Deus e nos mandou aonde o ouro está ao alcance da mão.
— Temos uma missão e eu penso cumpri-la.
— Você tem razão. Eu não faço parte do exército.
Ring pensou em recordar a Toby que ele usava o uniforme do exército, mas soube que seria perder tempo. Toby tinha se alistado no exército porque Ring o tinha feito e por nenhum outro motivo. Os objetivos do exército e os trabalhos a realizar não tinham nenhum significado para Toby. Mas significavam tudo para Ring. Alistou-se no exército sendo ainda imberbe e sempre se empenhou em fazer as coisas à perfeição, ser sempre justo, ver o que devia fazer e fazê-lo. Tinha sido bastante afortunado e havia se sentido bastante feliz até o ano anterior, quando o coronel Harrison se converteu em seu comandante e chefe. Harrison era um néscio incompetente, um homem que nunca tinha visto uma ação de guerra, um oficial de escrivaninha que tinha sido enviado ao Oeste e que não tinha nem ideia do que devia fazer ali. Tinha descarregado sobre os ombros de seu capitão a cólera que sentia por sua própria incompetência, fazendo com que Ring carregasse a culpa do que ele não sabia nem podia fazer.
— Está comendo algo mais também, — disse Toby olhando pela luneta. — Acha que é alface? Talvez cenouras. Acha que é algo mais que bolacha dura?
— Que demônios me importa o que está comendo? — Ring se afastou da borda. — Temos que idealizar um plano. Acima de tudo, é uma boa mulher ou uma má mulher. Se for boa, não tem nenhum motivo para estar aqui sozinha, e se for má, não precisa uma escolta. Em ambos os casos não precisa de mim para nada.
— O que diz na porta?
Ring deixou de passear e franziu o cenho.
— A Rainha, a Duquesa que canta. — Voltou a olhar para o vale onde descansava o vagão vermelho. — Toby, nós temos que fazer algo a respeito. Não podemos permitir que essa jovem entre na região dos buscadores de ouro. Tenho certeza de que não tem a menor ideia de onde está se colocando. Se conhecesse todos os perigos que a espreitam, tenho certeza de que voltaria para seu ponto de origem.
— Seu ponto de... ? — Perguntou Toby.
— Origem. Do lugar de onde vem.
— Sabe uma coisa? Estava me perguntando como fez para chega de tão longe por sua conta e risco. Acha que ela mesma conduziu esse vagão?
— Céus, não! Um Concord não é fácil de conduzir.
— Onde estão os cocheiros, então?
— Não sei — respondeu Ring ao mesmo tempo em que desprezava a pergunta com um gesto. — Possivelmente a abandonaram para irem procurar ouro com os mineiros. Talvez a mulher me agradeça se explicasse os perigos que pode correr em uma viagem como o que tenta fazer.
— Uf! — Soprou Toby. — Até agora jamais vi nem ouvi dizer que uma mulher esteja agradecida por algo.
Ring tirou a luneta de Toby e voltou a olhar por ele.
— Olha-a, está sentada ali comendo tranquilamente e a menos que eu esteja muito equivocado, a baixela é de fina porcelana. Não parece uma mulher acostumada às penúrias que se sofrem nos campos mineiros.
— Me parece muito bonita. Tem um busto grande. Eu gosto que as mulheres tenham um busto bem grande. E também a parte de baixo, se devo dizer a verdade. Daqui não posso lhe ver o rosto.
— É uma cantora de ópera! — Explodiu Ring. — Não é uma bailarina de taberna.
— Já entendo. As bailarinas de taberna dormem com os mineiros e as cantoras de ópera se deitam com os generais.
Ring lhe fulminou com o olhar e Toby devolveu o olhar até que Ring se afastou a grandes pernadas.
— Muito bem, este é o plano. Mostraremos um pouco do que é em realidade o Oeste, e o que se pode esperar que aconteça nesses campos mineiros.
— Não estará planejando usá-la como alvo de uma prática de tiro, verdade?
— Claro que não. Eu só, talvez, a assuste um pouco. Coloque um pouco de senso comum na sua cabeça.
— Estupendo — disse Toby com um suspiro. — Então poderemos retornar ao Forte Breck e nos reuniremos com o coronel Harrison. Esse homem se alegrará tanto de ver-te como se alegraria de ver um grupo de índios apaches. Não lhe agrada absolutamente.
— O sentimento é recíproco. Sim, retornaremos ao Forte Breck, mas pedirei um traslado.
— Parece-me bem. Em quatro ou cinco anos deveremos poder sair desse lugar. Até então, não ficará nem um centímetro de pele nas suas costas por tratar de atuar como um herói, para impressionar aos homens.
— Isso foi algo que tinha que fazer e assim o fiz — replicou Ring maquinalmente já que tinha repetido milhares de vezes a Toby.
— E agora tem que assustar a esta dama, não é assim? Como é possível que não possa lhe dizer simplesmente, que não quer entrar com ela no território de mineração?
— Ela, sozinha, deve tomar a decisão de retornar à civilização. De outro modo, eu não me liberarei de meus deveres e obrigações para com ela.
— Então está planejando assustá-la em seu benefício e não para lhe salvar a pele.
— Tem uma visão muito pessimista da vida. O melhor que poderia acontecer é que essa mulher decidisse retornar ao Este. Bom, vem comigo ou não?
— Não perderia isto por nada do mundo. Possivelmente ela nos ofereça algo para comer, mas espero sinceramente que não cante. Seriamente odeio a ópera.
Ring alisou o uniforme e ajustou o pesado e comprido sabre a seu lado.
— Terminemos com isto de uma vez. Tenho muitas coisas que fazer no forte.
— Como impedir que o velho Harrison lhe mate?
Ring não se dignou responder e montou seu cavalo.
02
Maddie tirou a fotografia de sua irmã mais nova do baú e ficou contemplando-a. Estava tão concentrada, que não ouviu Edith entrar na tenda.
— Não irá começar a chorar, verdade? — Perguntou Edith enquanto estendia uma manta sobre a dura cama de armar que servia de leito a Maddie.
— Claro que não! — Replicou. — Já preparou algo para comer? Estou morta de fome.
Edith afastou dos olhos uma mecha de opaco cabelo loiro. Nem seu cabelo nem seu vestido estavam muito limpos.
— Está pensando em mudar de ideia?
— Não, absolutamente. Jamais considerei fazer outra coisa que não fosse meu dever. Se tiver que cantar para uma turma de mineiros patifes, sujos e ignorantes para salvar a minha irmã, farei-o sem pestanejar. — Maddie observou a mulher que em parte era sua criada, em parte sua acompanhante e em parte uma carga muito irritante. — Não será você a que está se arrependendo?
— Não é minha irmã que vão matar e, além disso, não me importaria nada se eles tivessem minha irmã em seu poder. Eu estou pensando em encontrar um rico buscador de ouro e fazer com que se case comigo e me mantenha por toda a vida.
Maddie olhou a fotografia uma vez mais antes de guardá-la novamente no baú.
— Eu só quero terminar com isto o quanto antes possível e recuperar minha irmã. Seis acampamentos. Isso é tudo o que tenho que fazer e logo eles me devolverão ela.
— Ah, isso é o que acha. Em realidade não sei por que confia tanto neles.
— O general Yovington prometeu que me ajudaria e eu confio nele. Quando tudo isto terminar, ele me ajudará a processar seus sequestradores.
— Tem muito mais fé nos homens que eu — opinou Edith sacudindo o edredom. — Está pronta para... — Calou ao ver uma grande sombra escura perfilar-se à entrada da tenda. — Ele está aqui outra vez.
Maddie levantou a vista e saiu silenciosamente da tenda. Retornou em poucos minutos.
— Pode ser que se apresentem dificuldades. — Comentou a Edith. — Deve ser muito precavida esta noite.
Uma hora mais tarde, precisamente quando Maddie estava terminando de jantar, levantou a vista e viu que se aproximavam dois soldados. Ou possivelmente só fosse um soldado e meio, já que um deles estava muito bem vestido com um uniforme de corte perfeito que se ajustava a seu corpo como uma luva e montava um cavalo que devia ser descendente direto do cavalo de Adão. O outro homem tinha a metade do tamanho do primeiro e parecia ter feito sua camisa com um monte de farrapos sujos. O peitilho da camisa tinha vários bolsos grandes a modo de remendo e cada bolso parecia estar a ponto de explodir.
— Olá — saudou ela, sorridente. — Chegam bem a tempo para tomarem comigo uma xícara de chá e possivelmente uma porção de torta de maçã.
O homem mais alto, que conforme Maddie pôde apreciar era muito bonito, com o cabelo encaracolado escuro debaixo da aba larga do chapéu, olhos escuros e de olhar severo, espessas sobrancelhas e bigode também escuros, ficou olhando-a com o cenho franzido.
— Chá de verdade? — Perguntou o homem mais baixo. Sua pele curtida pareceu rachar-se quando falou. Faltava-lhe um dos incisivos. — Maçãs de verdade? Torta de verdade?
— Claro, é obvio. Por favor, compartilhem comigo. — O homem desmontou e esteve no chão em um abrir e fechar de olhos, antes que Maddie pudesse servir o chá. Quando tomou a xícara, tremeu-lhe um pouco a mão de ansiedade. Serviu outra xícara e a ofereceu ao outro homem. — Capitão — disse ao mais jovem percebendo sua patente pelas duas barras de prata que usava sobre os ombros.
Ele fez caso omisso do chá e fez avançar seu cavalo até a mesa. Jogando olhares ferozes da sela do enorme cavalo, parecia medir três metros e meio de estatura, pensou Maddie, e sentiu uma forte dor no pescoço ao lhe olhar jogando a cabeça para trás.
— É você A Rainha?
Tinha uma voz agradável, mas seu tom não era.
— Sim. — Sorriu-lhe o mais amavelmente que pôde, tratando de não pensar na dor no pescoço. — A Rainha é meu nome artístico. Meu verdadeiro nome é...
Não chegou a terminar a frase, pois o cavalo corcoveou e ela teve que sustentar a mesa para que não caísse a baixela.
— Calma, Satã — ordenou o homem e voltou a dominar o cavalo.
À direita de Maddie, o homenzinho se engasgou com o chá.
— Você está bem?
— Muito bem — respondeu o homenzinho sorrindo.
— Satã, não é assim? — Ele estava rindo.
Maddie cortou para ele uma porção bem generosa de torta de maçã, serviu-a em um prato e a entregou.
— Não quer sentar-se?
— Não, senhora, obrigado. Vou observar este espetáculo dali de cima.
Maddie viu-o afastar-se um pouco, depois voltou a elevar a vista e olhou o homem montado em seu cavalo. O animal estava tão perto, que a cauda que se movia de um lado a outro, estava a ponto de fazer saltar as xícaras e pires ao chão.
— No que posso lhe ajudar, capitão? — Afastou uma xícara fora do alcance da cauda do animal.
Ele procurou no interior de sua jaqueta azul e tirou uma folha de papel dobrada que lhe entregou.
— Tenho ordens do general Yovington de escoltá-la pelos acampamentos dos buscadores de ouro.
Maddie sorriu enquanto desdobrava o papel. O general era muito amável ao lhe dar mais proteção.
— Designaram-lhe... — disse lendo o nome escrito na folha. — Felicitações, capitão Surrey.
— O tenente Surrey morreu a semana passada e recebi ordens de cumprir sua missão. O general Yovington não está informado da morte do tenente Surrey e ainda não lhe informaram que eu tomei seu lugar.
Maddie emudeceu por um momento. Tinha certeza de que o general tinha elegido um homem que estaria inteirado dos motivos pelos quais ela se encontrava nesse lugar inóspito. Tinha certeza que o general teria dado a esse homem ordens precisas em particular, mas agora o que ia fazer? Como seria possível fazer o que devia fazer se tinha dois soldados bisbilhotando todo o tempo a seu redor? De algum modo, tinha que desfazer-se deste homem.
— Você é muito amável — disse dobrando o rosto. — E o general Yovington também foi muito amável, mas não necessito escolta.
— Nem o exército pode prescindir de oficiais para que acompanhem a uma cantora emigrante — respondeu o homem olhando-a com desdém.
Maddie piscou, assombrada. Certamente não tinha tido a intenção de ser tão grosseiro como davam a entender suas palavras.
— Por favor, capitão, me acompanhe em uma xícara de chá. Está começando a fazer frio. E, além disso, seu cavalo está destroçando meu vagão. — Com a cabeça assinalou o lugar onde o animal estava começando a mordiscar a pintura vermelha que cobria a madeira da carruagem.
Com um movimento dos joelhos do homem fez retroceder ao cavalo até uma distância prudencial e logo desmontou deixando as rédeas soltas. Bem treinado, pensou Maddie, ao lhe ver aproximar-se. Em terra parecia quase tão alto como quando estava montado em seu cavalo e teve que forçar uma vez mais o pescoço para olhar seu rosto.
— Por favor, sente-se, capitão.
Não se sentou, mas sim, chutando um tamborete que havia debaixo da mesa, tirou-o e apoiou o pé em cima. Logo, apoiando-se sobre o joelho dobrado, tirou um charuto fino e comprido do bolso interior da jaqueta e o acendeu.
Maddie não achou nenhuma graça nesta exibição de prepotência e insolência.
— Acredito, senhora, que você não tem ideia do que lhe espera mais adiante.
— Buscadores de ouro? Montanhas?
— Penúrias! — Respondeu ele olhando-a altivo.
— Sim, tenho certeza de que será bastante difícil, mas...
— Mas nada. Você é... — Observou a mesa com sua baixela de porcelana. — Obviamente você não sabe o que significa passar penúrias. O que poderia saber depois de ter vivido a vida mimada de uma cantora de ópera?
É obvio, não a conhecia, de outro modo, teria se precavido do brilho inusitado que adquiriram os olhos verdes de Maddie.
— Devo entender que você é um entendido em ópera, capitão? Passou muito tempo perto dos cenários da ópera? Canta você? É tenor, possivelmente?
— O que eu sei ou não de ópera não vem ao caso. O exército me ordenou escoltá-la e estou convencido de que se você soubesse realmente algo sobre os perigos que a aguardam mais adiante, renunciaria a este plano desatinado de entrar no território de mineração. — Baixou o pé do tamborete e lhe voltou às costas. — Vejamos, tenho certeza — começou a dizer em tom paternal — que os motivos que a impulsionam são de primeiríssima ordem: você deseja trazer um pouco de cultura aos mineiros. — Voltou a olhá-la e quase sorriu. — Receba meus elogios por sua nobre atitude, mas estes não são homens que possam apreciar a boa música.
— Oh? — Exalou ela brandamente. — E que espécie de música gostariam?
— Toadas grosseiras e vulgares — respondeu rapidamente. — Mas isso tampouco vem ao caso. O assunto é que o território dos buscadores de ouro não é o lugar adequado para uma dama.
Então, Maddie não só viu, mas também sentiu como a olhava de cima abaixo, e não havia nada adulador nesse olhar. Era como se ele houvesse dito, se você fosse uma dama.
— Paragens perigosas, verdade? — A voz foi muito suave, mas mesmo assim, vibrante. Anos de aprendizagem e exercício tinham lhe dado um domínio absoluto de sua voz.
— Mil vezes pior do que você possa imaginar. Ali acontecem coisas que você... Bom, não é minha intenção afligi-la com todos esses horrores. Não existe lei à exceção da que pode exercer um comitê de vigilância. As execuções na forca estão na ordem do dia e é a forma mais limpa em que pode morrer um homem. Ladrões. — Apoiou as mãos sobre a mesa e se inclinou para frente. — Ali há homens que se aproveitam das mulheres.
— Oh, caramba! Meu Deus! — Sussurrou ela, piscou e ficou lhe olhando com os olhos arregalados. — E você pensa que não devo entrar nos acampamentos?
— Categoricamente, não. — Voltou a erguer-se majestosamente alto e de novo pareceu esboçar um sorriso. — Tinha a esperança de que você entraria em razão.
— Oh, sim, posso entrar em razão sempre e quando estiver tudo claro. Diga-me, capitão, ah...
— Montgomery.
— Sim, capitão Montgomery, se o liberar da obrigação de me escoltar, o que pensa fazer?
Franziu levemente o cenho. Era óbvio que lhe desgostava que formulassem perguntas tão pessoais.
— Retornarei ao Forte Breck e às tarefas que me competem.
— Tarefas importantes?
— Sim, claro! — Afirmou, cortante. — Todas as tarefas que tem um soldado são importantes.
— Inclusive limpar as latrinas — disse o homenzinho encaminhando-se à mesa e estendendo o prato vazio. — Todo o dia está cheio de tarefas muito importantes, como cortar lenha para o fogo, conduzir água e construir mais edifícios para o exército e...
— Toby! — Explodiu o capitão Montgomery.
Toby calou instantaneamente e Maddie lhe ofereceu outra porção de torta.
— Rogo-lhe que saiba desculpar meu assistente — se desculpou o capitão Montgomery. — Às vezes não pode captar muito bem o verdadeiro objetivo do exército.
— E você sim? — Perguntou docemente Maddie. Cortou uma porção de torta, serviu-o em um frágil prato e o estendeu com um pesado garfo de prata.
— Sim, senhora, eu sim. O exército está aqui para proteger este território. Nós protegemos aos colonos brancos dos índios e...
— E aos índios dos colonos brancos?
Toby soltou uma gargalhada que não pôde reprimir, mas o capitão Montgomery lhe ordenou silêncio com um olhar severo, olhou o prato que tinha em sua mão com a porção de torta meio comida e se horrorizou, como se por havê-la comido se vendeu ao inimigo. Deixou o prato sobre a mesa e se endireitou.
— A questão é senhora, que você não pode entrar no território onde pululam os buscadores de ouro.
— Já entendo. Suponho que se eu não for, você se sentirá liberado da obrigação de acompanhar a... como me chamou? Ah, sim, uma cantora emigrante, equivoco-me?
— Se me libero ou não, não tem nenhuma importância. O certo é que você não estará a salvo nesse território. Inclusive, poderia ser-me muito difícil protegê-la.
— Nem sequer a você, capitão?
Ele calou e a observou. A situação não se desenvolvia como havia esperando.
— Senhorita A Rainha, pode ser que você considere tudo isto muito divertido, mas lhe asseguro que não é. Você é uma mulher indefesa que está sozinha nestas paragens e não tem a menor ideia do que lhe espera mais adiante. — Arqueou uma sobrancelha. — Talvez me equivoque ao supor que seu desejo é cantar. Possivelmente tem a esperança de participar da busca de ouro. Talvez esteja planejando enriquecer com o ouro ganhado com muita dificuldade por algum inocente mineiro, usando...
— É suficiente! — Explodiu Maddie, levantando-se, apoiou as mãos sobre a mesa e se inclinou para ele. — Você tem razão na primeira parte, capitão, mas se equivoca ao supor o que não deve. Você não me conhece absolutamente, mas vou dizer-lhe algo sobre mim: vou entrar no território de mineração e nem você nem todo seu exército poderão impedir-me.
Ele arqueou uma sobrancelha e, rápido como uma víbora, segurou Maddie pelo braço. Tinha a intenção de fazer tudo o que fosse necessário para conseguir que essa mulher entrasse em razão.
Da penumbra surgiram dois homens, um deles rechonchudo e com um rosto que parecia como se tivesse passado a vida dando golpes contra as paredes. O homem era o maior negro que Ring tinha visto em sua vida. Ring não estava acostumado a ver homens mais altos que ele, mas este lhe ultrapassava em vários centímetros.
— Quer fazer o favor de me soltar? — Sussurrou Maddie. — Nem Frank nem Sam gostam que alguém me cause algum dano.
A contragosto Ring lhe soltou o braço e deu um passo atrás. Maddie rodeou a mesa e, enquanto o fazia, os dois homens se aproximaram dela. O mais baixo não era muito mais alto que ela, mas através da roupa se podia ver que era todo músculo, ao redor de uns cem quilos de puro músculo. Quanto ao outro, nenhum homem em seu são juízo, teria desejado ter que ver-se com ele.
— Capitão, — disse Maddie devagar e sorrindo — estava tão ocupado me dizendo o que você supunha que eu ignorava, que nem sequer se incomodou em me perguntar que precauções eu tinha tomado a respeito. Permita-me lhe apresentar a meus protetores. — Voltou-se para o homem mais baixo. — Este é Frank. Como pode ver, Frank interveio em algumas disputas pugilistas. Pode disparar a qualquer coisa que se mova e acertar. Além disso, pode tocar o piano e flauta. — Voltou-se para o negro alto. — Este é Sam. Imagino que não tenho que lhe dizer o que Sam pode fazer. Uma vez lutou com um touro e ganhou. Vê a cicatriz ao redor de seu pescoço? Alguém tentou lhe pendurar, mas a corda se rompeu. Ninguém o tentou de novo.
Olhou ao capitão Montgomery e viu que lhe brilhavam os olhos escuros.
— Detrás de você está Edith. Ela tem uma especial predição pelas facas. — Maddie sorriu. — E tampouco é mal com a flauta.
Seu sorriso se fez muito mais aberto. Ter derrotado e humilhado a este homem pomposo e sabichão lhe produzia uma deliciosa sensação de júbilo. Pôde apreciar isso ao lhe olhar e teve a ideia de que não estava acostumado que o vencessem.
— Agora, você tem minha permissão para retornar a seu forte e informar a seus superiores que eu não necessito a ninguém para que me escolte. Pode lhes dizer, também, que você mesmo viu que estou em boas mãos. Para aliviar sua consciência, escreverei uma carta ao general Yovington sobre a inoportuna morte do tenente Surrey, e lhe explicarei que, embora aprecie seu amável oferecimento de uma escolta, não necessito que ninguém mais me acompanhe por enquanto.
Tratou de não seguir lhe humilhando, mas não pôde deixar de sentir um prazer maligno ao fazê-lo.
— Sobre tudo, não necessito a alguém tão obviamente torpe como você. Faz dois dias que Frank se inteirou de que vocês estavam nos procurando. Suas averiguações não foram muito sutis, e todo o tempo que vocês estiveram nos observando da colina, Sam estava lhes vendo. E quando cavalgaram para o acampamento, Céus capitão, o coro de La Traviata é menos ruidoso que vocês. Que me matem se compreendo por que o exército escolheu a um homem como você para proteger a alguém.
Sabia que devia calar-se, mas era impossível. A forma como este homem odioso a tinha chamado de cantora emigrante era suficiente para que ela esquecesse todos os olhares.
— Considero que se o exército estava realmente preocupado em me proteger dos índios, o melhor que devia ter feito era me enviar um homem que pudesse mover-se pelo mundo com mais sutileza e fazendo menos ruído. Diga-me, capitão, esteve antes no Oeste? Viu um índio alguma vez? Pode diferenciar um abutre de um corvo ou um crow de um cheyenne? Ou o que faz melhor é tratar de intimidar as mulheres? É, possivelmente, o único que sabe fazer?
Maddie lhe sorriu com doçura. Durante todo o tempo que durou o sermão, ele tinha permanecido como petrificado e com o lindo rosto convertido em uma máscara pétrea. Ela não teria podido dizer se estava vivo ou não, salvo pelo fogo que ardia em seus olhos negros.
— Pode retornar a seu exército agora, capitão. — Concluiu Maddie. — Terminei com você.
Ring passeou o olhar de um homem ao outro, logo a cravou em Maddie e dando um leve puxão à aba de seu chapéu, despediu-se.
— Boa noite, senhora. — Girou sobre seus calcanhares, passou ao lado de Edith e se encaminhou para onde estava seu cavalo, seguindo-o a um passo de distância, Toby olhou com admiração e temor para Sam, logo desviou a vista para Maddie, lhe piscou um olho e montou o cavalo que tinha lhe subministrado o exército.
Ainda não estavam fora do alcance do ouvido quando Maddie começou a rir a gargalhadas. Frank também riu entredentes e até Sam sorriu, mas Edith não lhes acompanhou.
— Não vai gostar do que lhe disse — disse Edith com irritação.
— Eu gostei muito menos o que ele me disse!
— Sim, bom; as mulheres nascem para receber tudo o que lhes dão os homens, mas os homens não estão acostumados a aceitar nada das mulheres.
— Então, iniciarei uma nova tendência nas mulheres, à moda de não aceitar nada dos homens — explodiu e logo se acalmou. — Oh, bom, não importa, não lhe voltaremos a ver. — Sam atraiu a atenção assinalando com um movimento de cabeça a colina onde os homens tornaram a se apostar e os observou através da luneta. — Sim — afirmou Maddie. — Acredito que seria conveniente estreitar a vigilância esta noite.
Afastou-se enquanto Frank acendia os lampiões. Decidiu que seria mais conveniente ir para a cama cedo para reatar a viagem ao amanhecer. Voltou a sorrir. Isso bastava ao exército, pensou.
— Assustá-la, eh? — Disse Toby enquanto comiam as duras bolachas do exército, sentados ao redor da fogueira no acampamento improvisado. — Essa dama me dá a sensação de não ter medo de nada! — Soltou uma risadinha cheia de admiração. — Eu não vi nenhum desses dois homens, nem sequer sabia que estavam ali até que apareceram. Onde acha que estavam antes? O grandão acreditaria que estava no inferno e que acabava de subir à terra, mas o outro...
— Quer manter essa boca fechada por uns minutos? — Disse Ring com irritação.
Toby não tinha a mínima intenção de permanecer calado.
— Ela sim, é muito bonita. Imaginou alguma vez que uma mulher tão bonita como ela pudesse cantar?
Ring jogou no chão a borra de café que tinha ficado em sua xícara.
— Não. Se ela for uma cantora, eu sou um mentiroso.
— E você não é, verdade, moço? — Dançavam os olhos de Toby. — Você só lhe disse a verdade, que ela não sabia nada de nada. Claro que nunca perguntou se ela tinha um par de valentões para cuidá-la, só disse o certo. Não gostou disso, absolutamente. Disse que fez mais ruído que... o quê?
— Uma ópera — disse Ring levantando a voz. — Mencionou o nome de uma ópera. Não tem algo mais que fazer, velho, além de mover as mandíbulas?
— Oh, sim, espero que não me assuste tanto como assustou a essa dama. Aonde vai?
Ring montou seu cavalo.
— Não me espere de retorno antes do amanhecer.
Toby franziu o cenho.
— Espero que não esteja planejando nada estúpido. Esse grandão poderia te partir em dois.
— Isso é mais difícil do que parece. — Ring puxou as rédeas e se afastou internando-se entre as árvores. Quando esteve a certa distância de Toby e do vagão da cantora, desmontou, desprendeu as alforjas e as esvaziou. No fundo das alforjas havia um cilindro de couro que envolvia uma caixinha redonda de latão. Não tinha olhado estes objetos há dois meses, mas sabia que precisava nesse momento.
Enquanto começava a despir-se, rememorou o acontecido durante o encontro. Não lhe incomodava a humilhação, nem sequer ter sido humilhado por uma mulher; não, um homem poderia suportar as palavras, mas o que sim, o incomodava era que ela obstaculizasse o cumprimento de uma ordem. O exército lhe tinha dado uma ordem e por mais que lhe desgostasse cumpri-la, tinha o firme propósito de fazê-lo sem importar o que ela pudesse dizer.
Então ela se acreditava segura neste território? Imaginava estar completamente a salvo porque tinha dois valentões velando por sua segurança? Era verdade que Ring não se precaveu da presença desses homens ocultos entre as sombras da carruagem. Tinha sido um descuido imperdoável e aceitava sua culpa por isso, mas quando os tinha visto, não lhe tinham intimidado. O mais baixo, Frank, tinha uma nuvem no olho esquerdo. Se não era cego desse lado, faltava-lhe pouco. Quanto ao negro, apesar de sua pele lustrosa e tersa que lhe dava uma aparência de eterna juventude, padecia de uma ligeira rigidez em seus movimentos, e quando estava de pé apoiava todo o peso de seu corpo na perna esquerda. Ring supunha que o homem era maior do que aparentava e que lhe doía terrivelmente à perna direita. Quanto à mulher das facas, descartou-a por completo. Havia luxúria e nostalgia em seus olhos e suspeitava que só tinha que lhe sorrir para que ela jogasse no chão suas facas.
Quanto à cantora, essa A Rainha, era a mais difícil de decifrar. Acreditou havê-la conhecido à primeira vista. Parecia débil e inocente. Tinha dado a sensação de escutar cada uma das palavras que lhe dizia. Parecia ser toda uma dama com suas finas maneiras ao oferecer o chá a Toby na delicada baixela. Nenhuma das esposas dos oficiais, haviam oferecido algo mais que um sorriso a um soldado raso, e menos ainda a alguém como Toby. Entretanto, esta cantora de ópera o tinha feito.
Ao tirar a última peça de roupa, Ring soube que a mulher, decididamente, precisava alguém que a cuidasse. Talvez o general Yovington percebesse isso e por isso tinha pedido que a acompanhasse um oficial do exército. Era muito estranho, entretanto, que tivesse elegido o tenente Surrey para fazer essa missão. Ring o recordava como um homem calado e muito reservado. Carecia de outras características distintivas pelos quais pudesse recordá-lo, exceto uma vez que lhe tinham acusado de fraude. O general devia ter tido muito boas razões para escolhê-lo.
Quem quer que tivesse sido eleito para escoltá-la, era porque o general tinha sido bastante perspicaz para perceber de que ela realmente precisava de um acompanhante. Possivelmente o general podia pensar que era uma mulher débil e delicada como uma flor, mas que se acreditava forte e invencível. Parecia ter certeza que não correria nenhum risco nos acampamentos mineiros a despeito de ser a jovem mais bonita que ele tinha visto em toda sua vida.
Quando ficou completamente nu, Ring enrolou sua cueca ao redor dos quadris, calçou os altos e suaves mocassins, atou a faca à cintura e por último abriu o pote de latão que continha cobre em pó.
A beleza dessa jovem era um problema. Talvez ele pudesse manter afastados os mineiros, mas como poderia mantê-la afastada dos mineiros? O general, possivelmente queria que o oficial encarregado a conservasse pura e casta, que cuidasse de que ela não tivesse encontros com outros homens.
Ao colocar os dedos no pó cor de cobre, Ring deu de ombros. Ele era um soldado e não tinha motivos para questionar as ordens recebidas. Só se propunha em cumpri-las.
Maddie estava profundamente adormecida e sonhando que cantava no Scala com Adelina Patti. O público aplaudia e assobiava Patti, logo começavam a fazer coro, "A rainha, A rainha."
Estava sorrindo no sono, quando despertou a luz brilhante de um fósforo ao acender o lampião junto a sua cama. Piscou varia vezes sem nenhum desejo de abrir os olhos.
— Edith, apaga essa luz — murmurou e começou a dar-se volta. Algo retinha suas mãos por cima de sua cabeça. Ainda sonolenta, lutou para soltá-las, despertou um pouco mais para puxar com mais força. Sua mão estava imobilizada, não podia mover-se. Subitamente aterrorizada, tratou de levantar-se da cama, mas parecia que tanto suas mãos como suas pernas estavam amarradas à cama de armar. Abriu a boca para gritar.
— Avante, grite se quiser. Posso lhe assegurar que ninguém virá em sua ajuda.
Fechou a boca e se voltou. Então viu o capitão Montgomery sentado no chão, no centro da tenda, fumando tranquilamente um charuto. Mas era um capitão Montgomery tão diferente, que no princípio quase não pôde reconhecê-lo. Só vestia uma espécie de tanga de couro que deixava em descoberto pernas largas e fortes, assim como parte de suas nádegas musculosas. Tinha o torso nu e uma grande quantidade de pelo cobria seu peito, e três raias de cobre em pó adornavam um de seus ombros. Também tinha em uma bochecha três linhas desse brilhante pó de um vermelho alaranjado.
Talvez devesse sentir medo, mas nunca havia sentido medo de alguém em sua vida e muito menos agora. Sabia exatamente quais eram suas intenções. Ela tinha ferido seu orgulho e agora ele estava se vingando, como faria qualquer menino malcriado.
— Que amável de sua parte ter vindo me visitar desta forma, capitão, e que interessante vestuário de opereta está usando. Mas será melhor que me solte antes que Sam descubra o que fez. Ele carece do senso de humor como o que eu tenho.
Montgomery deu uma larga tragada no charuto.
— Já me encarreguei de ambos os homens e de sua criada antes de entrar aqui.
Maddie voltou a puxar as cordas que a mantinham prisioneira.
— Se tiver machucado a qualquer um de meus servidores, encarregar-me-ei de que lhe pendurem.
— Enforquem.
— O quê?
— A palavra correta é enforcar, não pendurar. Pendurado é quando Deus outorga a um homem um dom especial. Enforcado é quando alguns homens colocam uma corda com nó corrediço ao redor do pescoço de outro homem.
— Um dom especial? Não tenho a mínima ideia do que você está falando.
— Não? Teria jurado que você sabia muitíssimas coisas, sobre o general e todo o resto.
Foi nesse momento que Maddie compreendeu o que ele queria dizer. O disfarce que tinha posto e havê-la amarrado à cama para provar seu ponto de vista não a zangavam muito, mas a última insinuação sobre a relação amorosa que poderia existir entre o general e ela, enfureceu-a.
— Como se atreve! — Ofegou. — Darei parte disto a seu comandante e chefe. Encarregar-me-ei de que o pendure, de que o enforquem... maldito seja, que o estripem e esquartejem como a um boi, se não me soltar neste mesmo instante.
— Cuidado. Está fazendo mais ruído que o coro de... como se chamava? A não sei o que... não?
— La Traviata, ignorante, caipira, mula velha do exército! Me solte!
Ele se levantou do chão lentamente e se espreguiçou.
— Se eu tivesse sido um índio, poderia já ter seu couro cabeludo entre as mãos, ou um homem branco, poderia ter feito algo com você.
— Dize-o para me amedrontar? Por que quereria um índio começar uma guerra só por meu couro cabeludo?
Ele se sentou à borda da cama de armar e a contemplou um momento.
— Não ouviu falar como maltratam as mulheres brancas, como cobiçam sua beleza?
—Todo o material de leitura que você consome consiste em novelas?
Desviou o olhar e voltou a dar uma larga tragada no charuto.
— Parece ter alguns conhecimentos sobre os índios.
Como é possível que uma duquesa da Lanconia saiba algo dos índios?
Maddie pensou em dizer a verdade, mas por fim decidiu que não o faria nem morta. Não diria a este homem nem mesmo a hora se pudesse evitá-lo.
— Que perspicaz é você, capitão, — disse quase ronronando — A verdade é que um velho montanhês, um dos homens que estavam acostumados a serem trapaceiros para conseguir peles no Oeste, foi viver na Lanconia conosco. Quando eu era menina ele se acostumou a me sentar em seus joelhos e contar muitas histórias maravilhosas e verdadeiras.
— Assim, agora, você veio ao Oeste para ver por si mesmo a terra da qual lhe contou tantas coisas.
— Oh, sim. E a cantar também. Sou bastante boa cantando.
Afastou-se um pouco da cama de armar e enquanto lhe dava as costas, Maddie seguiu lutando com as cordas, mas os nós eram muito intrincados e estavam bem apertados.
Ele olhou para trás bruscamente, mas ela foi mais rápida e ficou muito quieta enquanto sorria placidamente.
— Já lhe disse, que não acredito que deve percorrer os acampamentos. Esses homens são muito rudes e temo por sua segurança.
Teme ter que me seguir por toda parte, pensou Maddie, mas continuou sorrindo.
— Estarei segura e a salvo. Você pode retornar a sua guarnição. Escreverei ao general Yovington nos melhores términos sobre você. É um homem muito simpático e amável.
— Imagino que você o conhece bem.
Ela apertou os dentes.
— Asseguro a você, senhor, que o interesse que sente o general por mim é puramente artístico.
— Artístico?
Sim, artístico, pensou Maddie. Mas lhe sorriu.
— Meu canto. Ele gosta de me ouvir cantar. Se você for amável de me tirar estas cordas, cantaria para você.
Devolveu-lhe uma risadinha tão condescendente que fez que a ira corresse como sangue fervendo por suas veias a ponto de explodir.
— Ópera? — Perguntou ele. — Não, obrigado.
Maddie suspirou com exasperação.
— Muito bem, capitão, vamos ao grão e deixemos esta charada. Você venceu meus homens, a minha criada e a mim mesma. Você ganhou. Vejamos, o que é que quer?
— O exército me ordenou que a acompanhasse e isso é, precisamente, o que vou fazer. Quer dizer, se você não tiver suficiente senso comum para entrar em razão.
— Se não me equivocar, entrar em razão, significa que eu devo fazer o que você quer. Não, sinto muito.
— Não quis dizer isso. — Respirou fundo.
— Capitão, pode ser que você seja uma das poucas pessoas que há no mundo que não deseja escutar a uma cantora de meu calibre, mas posso lhe assegurar que não acontece o mesmo com milhões de pessoas ao redor deste mundo que não sejam tão... — ia dizer tão teimosos, tão estressados ou estúpidos, mas pensou melhor. — Tão ignorantes. Sim, gostariam de me ouvir cantar.
— Boa ideia. Aprovo a música sem reserva, mas...
— Que generoso é você.
Fez caso omisso desse comentário.
— Mas considero mais conveniente que retorne imediatamente ao Este, espere ali alguns anos até que esta terra esteja mais povoada e civilizada, e retorne então para cantar.
Maddie voltou a tomar fôlego para tranquilizar-se e quando falou, fez como se se dirigisse a uma criança.
— Capitão Montgomery, possivelmente tenha ouvido isto antes, mas a voz de uma cantora não é um dom permanente. É um fato desafortunado da vida, mas eu não poderei cantar eternamente. Como estão às coisas, tenho vinte e cinco anos e nem sequer estou em meu apogeu, mas preciso cantar enquanto possa e quero cantar para esses pobres homens solitários. Só isso, eu vou cantar nesses acampamentos contra ventos e mares.
Ele baixou a vista e ficou olhando-a.
— Você é muito teimosa, verdade?
— Eu? Teimosa, eu? Já disse de todas as formas possíveis que sua presença é indesejável e desnecessária e, entretanto, aqui está disfarçado de índio em meio da noite e imobilizando uma pobre mulher indefesa como eu.
Ele esboçou um sorriso, mas se sentou na cama de armar e se inclinou para lhe desatar as mãos. A pele desse homem era cálida e estava curtida pelo sol. Maddie pensou que devia passar muito tempo com apenas uma tanga para estar inteiramente bronzeado como estava.
Quando teve as mãos livres, levantou-se e esfregou os pulsos, e observou-o enquanto ele soltava seus tornozelos. No instante em que se sentiu livre das ataduras lhe empurrou para trás e saltou da cama de armar. Ele a segurou pela à cintura antes que ela chegasse à porta da tenda. A jogou sobre a cama de armar e, inclinando-se sobre ela, jogou-lhe um olhar feroz.
— Tem um pouco de whisky à mão? — Perguntou-lhe depois de contemplá-la um longo tempo. — Acredito que necessito um gole.
— Servir aguardente aos índios é ilegal.
— Não me pressione mais. Já suportei de você tudo que posso resistir.
— Nesse baú pequeno há uma garrafa.
Ring foi até o baú lhe voltando às costas, mas assim que ela fez o mínimo movimento, olhou para trás, e encontrou somente seu sorriso.
Tirou uma taça do baú, além da garrafa e se serviu com generosidade, engoliu a bebida de um sorvo e voltou a servir-se.
— Desde minha perspectiva, só existem duas possibilidades: Ou você renuncia à sua excursão ou vai comigo de escolta.
— Isso é como me dar a escolher entre duas formas diferentes de morrer.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Posso lhe assegurar que geralmente não se considera mal minha companhia.
— Por favor, me economize de ter que ouvir sobre suas conquistas românticas. Não me interessam absolutamente.
O whisky parecia começar a surtir efeito, pois podia sentir que ia relaxando.
— O que é que lhe interessa, senhora?
— Cantar, cantar e cantar. E a minha família também.
Estava se sentindo tão relaxado que pensou que seria melhor sentar-se, assim que sentou no chão, apoiou as costas contra o baú.
— Sua família. Duquesinhos e duquesinhas. Também se dedicam a cantar?
— Não muito, mas são fabulosos em lutas e em caçar búfalos.
— Ah, sim, caçar. — Pesavam-lhe as pálpebras. — Se deve ir cantar, irei com você para protegê-la.
— Caramba, capitão Montgomery, o que você não parece compreender é que eu não quero que venha comigo. Jamais pedi a ajuda do exército; jamais a quis. E sobre tudo, nunca quis alguém como você. Não o quero a meu lado sob nenhuma circunstância.
— Ordens — murmurou ele. — Ordens.
— Suas ordens, não as minhas.
Ring esfregou os olhos e depois deu uma olhada a garrafa de whisky.
— O que contém essa bebida?
— Ópio— respondeu ela, alegre. — Foi ideia de Edith. Estava acostumada a oferecer um gole grátis a qualquer um de seus, ah... clientes, se lhe tomava aversão. Quando despertavam, acostumava lhes dizer que eram magníficos amantes, nenhum homem jamais duvidou dela. Se se podiam manter-se acordado.
— Drogou-me?
— Foi você quem pediu whisky. Eu sou quem colheita os benefícios. — Levantou-se da cama de armar, se aproximou e lhe deu uns tapinhas na cabeça. — Não se preocupe, capitão, despertará em algumas horas e não sentirá ressaca. E quando despertar, seria amável de procurar a outra pessoa a quem incomodar? Já tenho planos para minha vida e não incluem um capitão presunçoso, despótico e sabichão que me chama cantora emigrante.
Deu alguns passos para a saída da tenda e ele pareceu querer segui-la, mas estava muito fraco e adormecido.
— Boa noite, capitão — se despediu ela em tom meloso. — Doces sonhos. — Saiu da tenda.
03
Maddie observou o sol através dos ramos das árvores para confirmar a direção que seguia; depois inclinando-se sobre o pescoço de seu cavalo, acariciou-o. Não tinha sido fácil escapar de Frank e Sam, mas tinha conseguido. O que fazia os homens acreditarem que era uma mulher débil e indefesa? Por que homens como Frank e Sam davam por certo que ela não sabia distinguir os pés da cabeça? Frank tinha crescido na cidade de Nova Iorque e Sam tinha passado toda sua vida no Sul até que lhe tinham pendurado — enforcado, corrigiu — depois tinha partido ao norte, onde ela o tinha visto pela primeira vez.
Destampou o cantil e bebeu um sorvo de água. Não parecia ter importância que nenhum dos dois homens jamais tivessem cruzado o outro lado do Mississippi, já que ambos estavam convencidos de que sabiam mais de rastrear e evitar perigos por esta zona, que uma mulher que tinha passado a maior parte de sua vida ao Oeste do rio.
Exatamente iguais ao capitão, pensou. Mas com apenas uma diferença, esse homem sim a tinha enfurecido enquanto que Frank e Sam jamais o tinham obtido.
Por um momento, a ira lhe fez apertar os dentes, mas logo sorriu. Depois de tudo tinha ganhado. Quando ele caiu rendido de sono pelo ópio, tinha ido em busca de Frank e Sam, e depois de uma árdua tarefa tinha conseguido lhes desamarrar.
— Nós de marinheiros — murmurou Frank, e disse algumas idiotices como que nenhum homem era capaz de lhe surpreender.
Maddie não lhe respondeu. Quando tinha contratado a estes dois homens soube que deveria ter elegido homens que conhecessem melhor o território índio, ou que pelo menos soubessem diferenciar um texugo de um castor, um índio ute de um índio crow, mas não tinha tido tempo, assim tinha aceito os homens que tinha enviado o general Yovington. O rosto de Frank e o tamanho de Sam eram mais que suficientes para amedrontar à maioria do povo. Sam, como de costume, não havia dito nenhuma palavra quando Maddie lhe tinha soltado. Sam atuava como se as palavras fossem pedras preciosas das que não pudesse desprender-se.
Encontrou Edith debaixo do vagão, atada e amordaçada e furiosa. Segundo seu relato, o capitão Montgomery se colocou em sua cama antes de atá-la à roda do vagão.
— Pensei que me desejava — soprou ela. — E tudo o que queria era me imobilizar. Depois, segui acreditando que tentava fazer algo interessante, mas simplesmente me deixou liberada a minha sorte. Deixou-me ali! Sem me tocar sequer!
Maddie se dedicou a desfazer os nós das finas cordas e não formulou nenhuma pergunta sobre esse "algo interessante".
Levantaram acampamento imediatamente. Sam tirou da tenda o capitão que seguia profundamente adormecido e deixou cair seu corpo ao chão a borda de uma íngreme ladeira, depois lhe deu um pequeno empurrão com o pé e o corpo inerte do capitão saiu rolando colina abaixo.
Maddie esperava que o capitão não se congelasse na intempérie do ar gelado das montanhas, mas supunha que um homem como o capitão Montgomery, com a audácia que demonstrava em seu espírito, não teria problemas para manter-se quente até ao amanhecer.
O grupo entrou em marcha para as jazidas de ouro, avançando lentamente até a saída do sol pela suposta estrada que não era mais que um caminho cheio de buracos.
Logo Sam tinha fustigado os cavalos pôr muitos quilômetros colocando distância entre eles e o teimoso capitão Montgomery.
Já tinham passado três dias e não haviam tornado a vê-lo em todo esse tempo. Talvez tivesse morrido de frio. Ou, provavelmente, tinha retornado a seu posto no forte onde teria se queixado amargamente da cantora de ópera que tinha querido fazê-la entrar em "razão". Em todo caso, Maddie estava muito contente de haver se livrado dele.
Pendurou o cantil no torno da sela de montar e uma vez mais extraiu o mapa do bolso interior de sua ajustada jaqueta de lã e o estudou. Já o conhecia de cor, mas ainda queria certificar-se de estar no lugar devido na hora indicada.
Ao tirar o mapa do bolso surgiu a mecha de cabelo de Laurel. Tinha chegado com a primeira carta que incluía uma nota dizendo que se ela não fosse nesse dia ao encontro, na próxima carta mandariam um dedo de Laurel.
Dobrou o mapa com mãos trêmulas e voltou a guardar no bolso junto com a mecha de cabelo. Esporeou o cavalo e o fez subir pela inclinada ladeira rochosa.
Eles tinham Laurel em seu poder, pensou. Esses homens anônimos e desconhecidos, talvez mulheres, tinham arrancado uma inocente menina de doze anos de seu lar na Philadelphia e a utilizavam para forçar Maddie a fazer o que eles queriam.
Maddie tinha feito apresentações na América seis meses atrás. Já tinha conquistado a Europa e tinha cantado por todo o continente ao longo de nove anos, sempre aclamada pelo público, mas tinha suspirado para voltar para seu país. John Fairlie, seu agente artístico, tinha conseguido contratos em Boston e em Nova Iorque, e durante três gloriosos meses tinha cantado para os americanos, que não tinham economizado elogios nem louvores sobre suas atuações.
E foi então, quando, três meses atrás, sua tia que vivia em uma casinha na Philadelphia, tinha-lhe enviado uma mensagem no qual pedia que fosse até lá o quanto antes possível.
Maddie sentia remorsos. Por que não tinha ido imediatamente? Por que não tinha deixado tudo e tomado o primeiro trem a Philadelphia? Entretanto, tinha esperado mais três dias durante os quais tinha interpretado três papéis a mais antes de ir visitar sua tia. Afinal, a mulher era velha e estava um pouco louca, possivelmente até um tanto senil, assim bem podia esperar.
Quando Maddie chegou a Philadelphia já era muito tarde para mudar o curso dos acontecimentos. Laurel, a irmã mais nova de Maddie, tinha sido enviada ao Este para viver com a viúva de um irmão paterno e frequentar à escola. Maddie tinha sabido que sua irmãzinha estava a poucas centenas de quilômetros de onde ela atuava, mas entre as atuações e as exigências do canto, não tinha tido tempo para viajar a Philadelphia, não tinha procurado tempo para viajar, corrigiu-se.
Assim, durante vários meses tinha estado somente a algumas centenas de quilômetros de sua irmã mais nova e não tinha ido vê-la.
Agora, fustigando seu cavalo para que apertasse o passo, lembrava-se de Laurel, essa menina bochechuda e desajeitada que a seguia a todas as partes e se sentava sob o piano enquanto Maddie cantava. Seu pai estava acostumado a dizer que não sabia se Laurel chegaria a cantar algum dia, mas sem dúvida, seria uma entusiasta da ópera.
Durante os nove anos em que Maddie tinha estado cantando pela Europa, tinha escrito cartas e trocado fotografias com sua longínqua família, e tinha recebido cartas cheias de adoração por parte de Laurel à medida que ir crescendo. Laurel não podia cantar como Maddie, nem desenhar tão bem como sua irmã Emma; mas adorava a suas duas talentosas irmãs, e confeccionava álbuns de recortes sobre elas e as venerava de longe.
Maddie sabia que tinha aceitado a adoração de sua irmãzinha, e ao longo dos anos tinha lhe enviado exemplares dos programas assinados por algum rei ou mesmo o czar, ou tinha enviado um pequeno leque de ouro e até um colar de pérolas; entretanto, não tinha se preocupado em ir vê-la quando estava tão perto.
Quando Maddie chegou a Philadelphia, sua tia estava de cama, prostrada pela ansiedade e os nervos. Tinha passado quase uma semana desde que um homem chegou a sua casa e lhe disse que tinha Laurel cativa, e que queria falar com Maddie.
— Seu pai jamais me perdoará — repetia incessantemente sua tia. — Oh, Maddie, fiz o que pude. Laurel é uma criança tão adorável. Nunca foi escandalosa nem desordenada como outras meninas e adorava sua nova escola. Por que, Oh meu Deus, por que teve que passar por isto?
Maddie deu a sua tia uma boa dose de láudano e desceu ao térreo para esperar. Passou todo um dia, de horas intermináveis cheias de angústia antes que alguém entrasse em contato com ela, e então, um homem foi vê-la. Em nenhum momento tirou o chapéu e se manteve oculto nas sombras, mas ela memorizou cada uma de suas feições.
O homem lhe disse que recuperaria Laurel se concordasse em ir às novas jazidas de ouro do Rio Colorado e cantasse em seis acampamentos minerações. Em cada um desses lugares alguém entraria em contato com ela e lhe entregaria um mapa. Ela devia ir ao lugar assinalado no mapa e ali um homem lhe entregaria uma carta.
Devia então levar a carta a seu acampamento, guardá-la e entregá-la novamente no ponto seguinte.
— O que contêm as cartas? — Tinha perguntado Maddie sem pensar.
— Nada que lhe importe — replicou o homem. — Não pergunte nada, absolutamente e, devolverão sua irmã sã e salva.
Além disso, fez-lhe sérias advertências para não se meter no assunto de ninguém e manter a boca fechada. Se obedecesse todas as ordens, veria sua irmã ao chegar ao terceiro povoado e ficaria com ela depois de cantar no sexto.
Maddie não voltou a pensar na excursão que tinha planejado de percorrer o Este dos Estados Unidos. Deu instruções a seu agente de cancelar todas suas atuações. John estava furioso. Disse-lhe que estava cedendo o país a Adelina Patti, que Patti se converteria na menina mimada da América e que se Maddie cancelava todas suas atuações, os americanos a desprezariam.
Sabia que John tinha razão, mas não restava alternativa. Não queria ir ao Oeste e cantar para um punhado de buscadores de ouro que acreditavam que a ópera era "quando a gorda canta". Tinha muitos problemas em sua vida sem ter que cantar para rufiões que não queriam ouvi-la.
Finalmente, John tinha cumprido suas ordens e havia cancelado todas as atuações, mas também tinha renunciado a ser seu agente e zarpou de retorno a sua Inglaterra. Tinham estado juntos desde que ela tinha dezessete anos; virtualmente a tinha convertido no que era, mas o tinha perdido por causa desses homens e suas cartas.
Encontrava-se no meio do frenesi dos preparativos de sua viagem ao Oeste quando o general Yovington se apresentou ante ela. Desde sua chegada a América, tinha sido seu admirador mais firme e incondicional, visitando-a em seu camarim depois de cada atuação, levando-a para jantar, e inclusive lhe dando de presente algo de vez em quando, um rubi aqui e uma esmeralda lá. Maddie sabia que adoraria tê-la como amante, mas também sabia como adular aos homens fazendo-os acreditar que gostaria de lhes pertencer por inteiro, mas que era impossível. Entretanto, o homem que foi a sua casa aquele dia não era o mesmo homem carinhoso e adulador que lhe beijava a mão durante o jantar. Entrou quase à força em sua casa e disse sem rodeios que sabia o que tinha acontecido com Laurel. Maddie explodiu em soluços, envergonhada. O general a abraçou e consolou durante um instante, depois a afastou com firmeza. Contou muitas coisas que ela não compreendeu. Tratava-se de política americana, algo que não interessava muito a Maddie. Tinha que ver com a escravidão e se o novo território, onde tinham descoberto ouro recentemente, se uniria à união a favor ou contra a escravatura.
— Isso o que tem que ver com Laurel? — Tinha perguntado ela soando-a nariz. — Ou comigo?
— Eles precisam de um mensageiro, uma pessoa de quem ninguém chegue a suspeitar. Alguém como uma cantora que pode viajar livremente sem despertar suspeitas.
— Quem precisa de um mensageiro?
— Não sei. Nem sequer sei se o que lhe pedem, que leve mensagens seja favor ou contra a escravidão.
— Vejo a escravidão com cuidado. Jamais tive um escravo em minha vida nem penso tê-lo. Só quero que devolvam a minha irmã. Possivelmente meu pai...
— Não! — O general quase gritou ao dizê-lo, logo se acalmou um pouco. — Esses homens são fanáticos. Matarão a sua irmã se envolver a alguém mais. É preferível que faça exatamente o que dizem. — Tomou a mão de Maddie entre as suas. — Mas eu vou ajudar-te.
Três dias mais tarde se encontrava seguindo as milhares de pessoas que foram ao Oeste, já como colonos ou como buscadores de fortuna nas jazidas de ouro. A única diferença era que ela viajava em sua própria diligência, pintada de vermelho brilhante, e que tinha a seu serviço três das pessoas mais estranhas que tinha conhecido em toda sua vida. Ali estava Frank com seu rosto maltratado e olhos cheios de ódio. E Sam, que quase nunca falava e que jamais se sabia o que estava pensando e, também Edith, que dizia chamar-se Edith Honey, e que constantemente entretinha a Maddie contando histórias de sua vida como prostituta.
Tanto o vagão como os servidores tinham sido escolhidos pelo general. Maddie queria um vagão menor, mas o general tinha feito insistência na resistência do Concord e também apontou a utilidade das três pessoas que tinha contratado, contando em detalhe as virtudes violentas de cada um deles. Nesse momento estava tão ansiosa por empreender a viagem que era completamente indiferente de quem eram seus acompanhantes.
E agora se encontrava nesta terra selvagem subindo pela ladeira de uma montanha, quando apenas fazia poucos meses tinha luxuosos vestidos de cetim e dormia em colchões de plumas. Durante o dia tinha vivido rodeada de gente que só falava de seus trinados1 e cadências2, e agora dormia em uma tenda e em uma dura cama de armar de campanha, rodeada de gente como Edith, que falava de homens que a amarravam à cama. E homens como o capitão Montgomery, que entrava às escondidas na tenda de noite e lhe dizia o que devia fazer e como fazê-lo.
Graças ao céu se livrou dele! Podia zombar com bastante facilidade de Frank, de Sam e de Edith. Depois de tudo, eles consideravam que ela tinha todo o direito do mundo de querer cavalgar sozinha no bosque e arriscar-se que a matassem, mas Maddie intuía que o capitão Montgomery não teria lhe permitido fazer nada sem seu consentimento. Não acreditava que ele tivesse aceitado tranquilamente a notícia de que ela entraria sozinha no bosque e que a veria retornar.
O que ocorreria se ele viajava com ela? E se lhe impedisse de encontrar-se com o homem das cartas? E se exigia que revelasse o que estava fazendo e por quê? Como Edith tinha sido contratada pelo general Yovinglon, Maddie lhe comentou o conteúdo das cartas, mas Edith tinha bocejado de aborrecimento. Interessava-lhe ainda menos a política do que importava a Maddie. Mas evidentemente Edith não estava acostumada a pensar além do que ia servir para jantar.
Não obstante, Maddie percebia que o capitão Montgomery era diferente. Se viajasse com ele não cabia dúvida que trataria de colocar o nariz em todos seus assuntos. E se chegava a descobrir as cartas, tinha certeza que daria sua opinião pessoal, sobre a escravidão e se desgostaria que ela se intrometesse incomodando às pessoas que queria ter livre eleição. Provavelmente faria qualquer coisa para lhe impedir de "ajudar" na escolha dos habitantes desse território se estavam a favor ou contra a escravidão.
E era essencial que ele não se entremetesse, porque se o fazia, a vida de Laurel não valeria um centavo. Uma doce e inocente criança de doze anos morreria porque um capitão muito ciumento de suas funções tinha feito o que considerava "correto".
Voltou a cutucar seu cavalo, incitando-o na subir à costa inclinada. Tinha que encontrar-se com esse homem dentro de quatro horas.
— O que vê? — Perguntou Toby deitado na erva meio adormecido sob o sol do meio-dia.
Ring baixou a luneta e olhou por entre as árvores a mulher que forçava a seu cavalo a subir pela ladeira da colina. Fazia três dias que seguiam à mulher com Toby lhe pisando os calcanhares. Manteve-se a uma distância prudencial para que ela não suspeitasse sequer que se encontrava perto. Até então, ela não tinha feito nada fora do comum. Tinha viajado no interior da carruagem durante o dia e os homens tinham montado a tenda de noite. Não tinha feito nada interessante, mas ele a tinha observado com tanta atenção e dedicação que tinha passado todo um dia antes que visse as outras pessoas que também a seguiam.
Ao amanhecer do segundo dia tinha visto os dois homens. Eram homens de passos pesados que não estavam acostumados a andar na montanha e que não tratavam de esconder-se para passar inadvertidos. Durante algumas horas ele lhes observou enquanto eles a vigiavam, como abutres à espera que alguém morresse. Enquanto lhes observava, viu um movimento ao longe, muitos metros atrás e por cima dos homens. Estendendo ao máximo a luneta viu uma figura e pôde distinguir que se tratava de um homem. E se não estava equivocado, era um índio. Sozinho. Parecia que ninguém o acompanhava. O índio estava vigiando à mulher ou aos dois homens que a sua vez a vigiavam constantemente?
Foi durante a terceira noite que viu a nova fogueira de acampamento. Os dois homens que seguiam a rainha sempre acendiam uma fogueira, o índio jamais o fazia e Ring estava tão concentrado neles que quase tinha passado por cima do quarto homem, que permanecia na cornija3 que tinha a suas costas. Longe e quase à mesma altura da cornija em que estava Ring, tinha acendido uma pequena fogueira, e de algum modo soube que esse outro homem também estava interessado na cantora. Guardou a luneta.
— Essa mulher tem mais homens atrás de seus passos que os ratos do Flautista de Hamelin.
Toby coçou o braço.
— Acha que desejam ouvi-la cantar?
Ring soltou um sopro.
— Não acredito. Algo está acontecendo ou se não essa mulher não teria tomado tanto trabalho para desfazer-se de mim.
Toby contemplou as árvores que lhe cobriam e sorriu. Três noites atrás, Ring tinha retornado ao acampamento dolorido, machucado, morto de frio e furioso, mas não houve maneira de averiguar o que tinha ocorrido. Após, Ring e Toby tinham seguido à mulher, tinham-na vigiado e também tinham observado com atenção o terreno que a rodeava, mas sempre à distância.
Agora estavam descansando ou pelo menos Toby fazia isso, enquanto Ring deitado de barriga para baixo sobre a erva seguia observando à mulher do outro lado de uma profunda garganta.
— Como é possível que a permitiram entrar sozinha no bosque? — Murmurou Ring. — Pensei que esses brutos que a acompanham fossem protegê-la. — Rodou sobre si mesmo e ficou deitado de costas. — Um homem velho e o outro caolho.
— Sem mencionar à loira — adicionou Toby. — Bonita peça. Não tão bonita como a dama, mas...
Ring voltou a olhar pela luneta e ficou petrificado.
— Aqueles dois estão movendo-se. — Levantou a luneta e o enfocou em um ponto mais alto na cornija que tinha à frente. — E também o índio estava fazendo o mesmo. — Ficou em pé com agilidade. — Vou segui-la.
— E como vai cruzar esse cânion4? — Perguntou Toby — Saltando? Voando?
— Subirei ao topo e cruzarei pela cornija. Toby elevou a vista. Tudo o que viu foi um muro de rocha nua e perpendicular.
— Ninguém pode subir por ali — comentou enquanto Ring estava tirando as botas e colocando os mocassins. Tirou a jaqueta do exército que limitava seus movimentos, o sabre e o revólver, até ficar só com as calças, a camisa e o cinturão. Atou o cantil à parte traseira do cinturão. — Não pode ir sem uma arma — protestou Toby. — Não sabe que espécie de gente é.
Ring não respondeu, mas deslizou uma faca no cano do mocassim alto, depois se levantou e olhou para Toby que tinha seu velho rosto curtido, mais enrugado que de costume pela careta de preocupação.
— Estarei bem. — Disse Ring. — Não se comporte como uma velha temerosa. É algo que devo fazer. Não sei por que esses idiotas lhe permitiram sair sozinha, mas assim foi e agora esses homens que a estavam seguindo estão se aproximando. Tenho que ir
— Como quando teve que me levar carregado aquela vez? — Perguntou bruscamente Toby. Ring sorriu. — Exatamente igual. Agora se sente e deixa de preocupar-se. Alcançarei essa mulher e a levarei de retorno ao vagão e direi umas quatro novas a esses guardas ineptos que tem. Espero-te mais tarde no vagão e a partir de agora viajaremos com ela. — Arregaçou as mangas da camisa até os cotovelos. — Estou começando a entender por que o general Yovington desejava que alguém responsável viajasse com ela. Precisa de amparo, não cabe dúvida. — Calou por um momento e logo continuou. — E me proponho averiguar o que essa mulher traz entre mãos e por que está tão ansiosa de mantê-lo em segredo. — Encaminhou-se para as rochas, logo voltou atrás e durante um momento apertou o ombro de Toby afetuosamente. Ninguém poderia imaginar sequer que esse homenzinho tão rabugento fosse frequentemente como uma segunda mãe para Ring. — Animo! Ou vou propor que suba de cargo e quando ambos retornemos ao forte encontrará um esquadrão inteiro a seu cuidado.
— Demônios! — Soprou Toby. — Desertarei. Adiante. Eu tenho coisas mais importantes que fazer que me preocupar com suas tentativas suicidas.
Maddie se deteve e escutou. Podia ouvir o homem com quem devia encontrar-se, pois avançava pelos arbustos com a delicadeza de um elefante. Devagar e tão silenciosamente como lhe permitia o ranger da sela ao desmontar, Maddie apeou e se encaminhou pela encosta levando consigo o cavalo. Ao ouvir o ruído mais perto, seu coração começou a golpear no peito com maior força. Apesar da cólera e indignação que sentia pelo sórdido plano do sequestro de Laurel, do qual este homem fazia parte, não devia lhe ofender. Devia mostrar-se tão gentil e cortês com ele como fosse possível. Devia...
Conteve a respiração subitamente quando o capitão Montgomery se desprendeu de uma árvore a somente um passo de onde ela se encontrava. Maddie levou a mão ao coração.
— Assustou-me! — Queixou-se antes de recuperar o fôlego. — Que demônios está fazendo aqui? — Sua mente começou a trabalhar febrilmente. Tinha que livrar-se dele a todo custo.
— Poderia lhe perguntar o mesmo — respondeu ele. — Você me assegurou que tinha gente que a cuidava e a protegia, entretanto, encontra-se aqui sozinha.
— Quero estar sozinha. — Respirou muito fundo e tratou de pensar. — Capitão Montgomery deve partir daqui. Há algo que devo fazer e devo fazê-lo sozinha. É um pouco relacionado com isso de... ah... ser mulher. — Possivelmente lhe desconcertaria essa declaração tão ambígua e misteriosa.
Ele se recostou contra o tronco de uma árvore e cruzou os braços.
— Vejamos, o que poderia ser isso exatamente? — Olhou-a de cima abaixo. — Impossível que seja um parto. Não posso imaginar que sua menstruação a obriguem a deixar o acampamento nem...
— Você é um homem realmente desprezível e não escutarei mais nenhuma de suas grosserias. Já lhe disse que não necessito nem desejo seu amparo. — Puxando as rédeas do cavalo, Maddie tentou passar, mas ele fechou seu passo e quando ela foi para o outro lado, também se interpôs em seu caminho. — Muito bem! O que é que quer?
— Informação. Quem são esses homens que a seguem?
Não podia lhe dizer a verdade e pôr em perigo a Laurel. Pensa, Maddie, pensa e rápido, disse-se.
— Um deles é meu amante — respondeu finalmente e esperando parecer sincera.
— Se for assim, por que não a visitou no acampamento?
Voltou a cabeça a um lado enquanto pensava.
— Porque... porque... — Voltou a lhe olhar no rosto. — Porque é um proscrito. Oh, capitão, sei que cometeu maldades. Quer dizer, não é um assassino, mas assaltou alguns bancos, assim tem que esconder-se, e eu desejo tanto lhe ver. — Deu um passo para o capitão. Geralmente, os homens que a tinham ouvido cantar não requeriam outra demonstração de flerte da parte dela, mas este era um desses homens estúpidos, com ideias preconcebidas em relação à ópera. Sorriu-lhe. Era um soldado, um homem que tinha estado vivendo em um forte com muitos outros homens, assim talvez não tivesse que esforçar-se muito para lhe adular. — Certamente, capitão, até você deve saber como é o amor. Amo a esse homem mesmo que tenha cometido alguns enganos. — Aproximou-se mais dele. Ring tinha os braços pendurando aos lados do corpo, a camisa meio desabotoada e do lado esquerdo do peito justo acima das costelas se podia ver um pequeno rasgão. Acariciou sua ferida com as gemas dos dedos. — Você não seria capaz de me regular uns poucos minutos com o homem que amo, verdade?
Ele não respondeu e ela elevou o olhar. Estava-a observando com uma expressão tão cheia de ironia e presunção que deu um passo atrás.
— Me diga, mente por vício ou só para fazer o que quer? E outra coisa, há quem acredita em suas mentiras?
Jogou-lhe um olhar furioso.
— Vá aos diabos, dorminhoco sabichão presumido, o que sabe você de mentiras e verdades? O que sabe de sobrevivência? — Antes de pensar sequer no que fazia, investiu-lhe com a cabeça curvada e lhe golpeou de cheio no estômago e quando ele soltou o ar dos pulmões, deu-lhe um forte chute na tíbia com a bota de sola dura e, não contente com isto, mordeu-lhe o peito.
Ele rodeou sua cintura com o braço e ambos caíram rolando ao chão enquanto ele sustentava seu queixo para lhe impedir que seguisse mordendo-o. Quando a teve segura, retendo o pequeno corpo dela sob o peso de seu musculoso corpo, ficou olhando-a.
— Que demônios está acontecendo? O que está tramando? O que está fazendo nestas montanhas?
— Não me machuque a garganta — sussurrou ela. — Qualquer coisa menos isso.
Ring viu que seus olhos se enchiam de lágrimas e soltou seu queixo, mas permaneceu em cima dela, impedindo-a de escapar. Seguiu observando-a enquanto voltava à cabeça para que não a visse chorar, um gesto muito pouco usual em uma mulher, pensou. À maioria adoravam que os homens as vissem chorar.
— Me diga o que está acontecendo — disse em voz suave com o rosto quase colado ao dela.
— Apenas posso respirar com todo seu peso em cima de mim, muito menos falar e, além disso, está sangrando sobre mim.
Deu uma olhada a seu braço, viu o sangue correndo e goteando sobre o caro traje de montar da jovem.
— Sinto muito, pelo sangue. Não foi fácil chegar até aqui. Tive que escalar essa parede de rocha que está ali.
Maddie se retorceu para olhá-la, viu que era lisa e perpendicular e voltou à o olhar.
— Impossível. Nem sequer meu pai poderia escalá-la.
Observou-a com curiosidade.
— Eu sim, pude e o fiz.
Enquanto a contemplava, seu corpo ainda em cima do dela, seu rosto a milímetros do dela, Maddie viu que os olhos do capitão se obscureciam mais e mais e começou a retorcer-se para livrar-se dele.
— Não conseguirá escapar e não me importa lhe dizer que todos seus esforços não são de tudo desagradáveis. Seria melhor que me dissesse a verdade.
Maddie entreabriu os lábios para falar, logo inclinou a cabeça e sussurrou.
— Está aqui — sussurrou— Está me esperando.
— Faz momento que chegou. Faz mais ruído que a...
Maddie lhe dirigiu um olhar suplicante.
— Por favor, me solte. Por favor, o suplico. Rogo com toda minha alma. Por favor, me solte e permita ir até ele.
— Possivelmente este homem é realmente seu amante. Talvez esteja fugindo para que o general Yovington não se inteire.
— Tem o cérebro nas calças? — Gritou ela — Para você a vida não tem nada mais que isto? — Fez um gesto para indicar o corpo que tinha em cima do dela.
Ele se mostrou surpreso.
— Muitas coisas têm maior significado para mim que isto.
— Parte já. Oh, meu Deus, está partindo.
Então, Maddie pareceu tornar-se louca e em um louco frenesi de movimentos e contorções tratou de liberar-se e escapar.
Contemplo-a durante um momento, enquanto a retinha com facilidade, mas fascinado pelo fato de que ela lutasse contra ele com tanta valentia. Fora lá que fosse que desejava, queria-o com toda a alma.
— Qualquer coisa — se engasgou ao dizer com uma mescla de lágrimas, cólera e desespero. — Darei qualquer coisa para que me deixe encontrar com ele a sós. Dinheiro, joias. Eu... eu... — olhou-o intensamente nos olhos. — Deitar-me-ei com você se me permitir estar trinta minutos a sós com ele.
Ao ouvi-la, Ring a deixou livre e se sentou.
— Vá — disse brandamente. — Darei trinta minutos, depois irei por você. Entendido?
Encheram-se os olhos de lágrimas.
— Obrigada — murmurou e começou a correr ladeira acima, tropeçou com os ramos, roçou a bochecha com um arbusto e caiu contra uma rocha e machucou as mãos, mas sem deter-se jamais enquanto subia trabalhosamente.
Ring continuou observando-a até que a perdeu de vista, logo se recostou contra o tronco de uma árvore e escutou. Pôde ouvi-la ao encontrar-se com esse homem e por alguma razão esboçou um sorriso. Em certo modo era gratificante saber que ela tinha recebido o que tanto desejava.
E o que ela queria? Perguntou-se. O que perseguia? Em definitivo, que demônios estava acontecendo ao redor desta mulher? Quanto mais a conhecia, mais parecia ser o epicentro de um ciclone, com homens, mulheres, acontecimentos e incidentes girando a seu redor. Quem quer que fosse esse homem, parente, amigo ou inimigo, ele não permitiria que a machucasse. Ring não tinha dado dez passos quando uma flecha passou assobiando ao lado de sua cabeça e se cravou na árvore que tinha mais diante. Imediatamente se jogou de cara ao chão e tateou em busca do revólver, mas não o havia trazido.
Olhou a seu redor, mas não viu ninguém, não ouviu absolutamente nada. A flecha era uma advertência, sabia, porque se tivesse estado dirigida a ele, essa flecha teria acertado o alvo. Mas que advertência? Para que se mantivesse afastado dessa mulher? Se era assim, por que o índio não tinha disparado quando tinha estado lutando corpo a corpo com ela? Seria a flecha uma advertência para que deixasse a cantora a sós com esse homem?
Lenta e cautelosamente, enquanto esquadrinhava as árvores em busca do índio, levantou-se e posou a mão sobre a flecha; logo a extraiu do tronco. Uma flecha crow, pensou. Era muito estranho já que os crow não eram violentos. De fato, com frequência os crow recebiam com agrado dos brancos, Ring sabia, porque os brancos traziam maravilhosas mercadorias que os crow podiam roubar e eram ladrões de primeiríssima ordem. Tinha ouvido dizer que podiam roubar o cavalo de um homem e o deixar sentado na sela de montar.
Olhou a flecha e observou a ponta de aço. Agora os índios preferiam as armas de fogo, mas frequentemente usavam o arco e as flechas quando atuavam com sigilo. E este índio não parecia se importar que Ring estivesse a par de sua presença nas imediações, ou não queria que a mulher soubesse ou ela já sabia. E o índio não queria que Ring se entremetesse no que fosse que ela estava fazendo.
Levantou a flecha a modo de silenciosa saudação ao índio antes de deslizá-la no interior do cano alto do mocassim, quando ouviu descer pela encosta à mulher que chamavam Rainha. O sangue secara em seu traje de montar, tinha as mãos e o pescoço cobertos de arranhões e imaginou se teria mais alguns machucados no corpo.
Dirigiu-se em silencio a seu cavalo e ele tampouco falou. Já tinha ouvido e visto o suficiente para reconhecer que seria inútil lhe perguntar o que estava fazendo e por que. Mas se propunha, era um fato, averiguá-lo. Não lhe importava o que tivesse que fazer ou dizer, estava decidido a obter respostas a suas perguntas.
04
Horas depois, Maddie se encontrava sozinha no interior da tenda e por fim pôde dar rédea livre ao medo que a sobressaltava. O homem que tinha ido a seu encontro era repulsivo. Seus olhos refletiam um olhar duro e ruim e, pior ainda, era estúpido. Sabia que jamais poderia raciocinar com ele sobre Laurel ou qualquer outra coisa. Ele tinha entregado a carta, mas também tinha exigido que lhe desse o pequeno broche de pérolas e diamantes que estava usando. Não valia muito, pelo menos não em dinheiro, mas o tinha recebido de sua mãe e também tinha pertencido a sua avó. Esquecendo toda prudência, protestou quando lhe pediu o broche e viu como se enfurecia e gritava com raiva; agora se envergonhava de haver sentido medo. Temia por Laurel, sim, mas também temia por ela mesma.
Cobriu o rosto com as mãos. Durante toda sua vida lhe tinham dado o que ela queria. Tinha talento, a admiração de milhares de pessoas e tinha sua família que sempre a tinha apoiado em tudo.
Agora, bruscamente, sua sorte parecia havê-la abandonado e se sentia muito sozinha.
Levantou a cabeça ao ouvir que alguém entrava na tenda e para sua grande consternação viu que era o capitão Montgomery. Tinham tido que cavalgar juntos pela montanha, no mesmo cavalo, mas ela se negou a lhe falar e desta vez ele não tinha formulado suas centenas de perguntas.
— O que acredita que está fazendo? — Exclamou ela — De casualidade esta é minha tenda, meu domínio particular, como o ouve. Se o quisesse aqui dentro, haveria lhe convidado, e além disso...
— Temos um trato, recorda?
Olhou-lhe franzindo o cenho.
— Não tenho ideia do que está... — Calou repentinamente porque sim, recordava o que havia dito. — Não é possível que você tenha a intenção de...
— Disse-me que se deitaria comigo se eu lhe permitisse passar trinta minutos a sós com esse homem. Deixei e estou aqui para cobrar o que me deve.
— Não quis dizer isso precisamente — sussurrou.
— Não o disse a sério? Mente sempre? Há um grama de veracidade em sua pessoa?
— Não sou mentirosa. Nunca minto. Nunca tive necessidade de mentir — afirmou com as costas rígidas, mas lhe tremiam as mãos.
— Muito bem, então. — Sorriu-lhe de uma forma que ela achou particularmente insidiosa. — Comecemos.
Laurel, pensou Maddie. Farei isto por Laurel. Além disso, possivelmente seja melhor assim. Possivelmente se ele chegasse a converter-se em seu amante, a próxima vez seria mais fácil lhe convencer de que permitisse encontrar-se com esse homem para intercambiar cartas.
Tratou de deixar a mente solta, enquanto levava as mãos aos botões da jaqueta de montar. Levantou o olhar e o observou atentamente. Ele tinha apoiado o pé sobre o baú que se encontrava a um lado da tenda, tinha os braços cruzados sobre o joelho e a estava olhando.
— Não... não é melhor que apaguemos o lampião?
— Não — replicou lentamente. — Quero ver o que vou receber
Ruborizou-se e teve que baixar a vista para que ele não visse o ódio que se lia em seus olhos. Pensou que até poderia chegar a lhe matar depois desta noite. Adoraria o ver deitado no chão, morto e sangrando.
Terminou de desabotoar a jaqueta e estava a ponto de deslizá-la por seus ombros quando ele tomou suas mãos e a impediu. Quando ela o olhou, todo seu ódio, toda sua raiva contida estavam ardendo em seus olhos.
— É uma sorte que estes olhos não sejam adagas — comentou ele em tom divertido.
Ela se livrou das mãos viris de um puxão.
— Terminemos com isto de uma vez. Devo lhe pagar por me permitir — cuspiu a última palavra — usar meu livre-arbítrio. Que importância tem o que eu sinta ou pense? Você é o mais forte, capitão Montgomery. Você é quem tem a força para tomar o que quiser. — De um puxão arrancou a jaqueta dos ombros e quando se enroscou em seu cabelo puxou-a com mais força.
— Basta já — exclamou ele e a envolveu com seus braços apoiando suas mãos contra seu peito. — Tranquilize-se — a acalmou esfregando brandamente suas costas — Já terminou. Ninguém vai machucá-la.
— Sim, você! — Ofegou ela com o nariz esmagado contra o peito de Ring; estava lutando com muito desespero para conter as lágrimas para não fazer outra coisa. — Somente você vai machucar-me. — Estava engolindo saliva rapidamente para manter afastadas suas lágrimas.
— Não, não o farei e jamais tive essa intenção. Só queria averiguar algo e já o fiz.
Ela se afastou um pouco dele para ver seu rosto. Parecia estar se divertindo por alguma razão desconhecida para ela.
— O que é que averiguou? — Inquiriu em voz suave.
— A necessidade imperiosa que tinha de ir a esse encontro. Deve o desejar ardentemente para fazer qualquer coisa, até mesmo está disposta a deitar-se com alguém que a desgosta tanto, como eu, somente para conseguir seu fim. E...
Sorriu-lhe e ela pôde ver como desaparecia o lábio inferior debaixo do espesso bigode.
— E o que, capitão?
— E descobri algo em relação ao general Yovington. — Seu olhar foi algo cúmplice. — Despir-se ante um homem não é algo que você tenha feito muito frequentemente.
— Oh? — Mal sussurrou a palavra.
— De fato. — Seu sorriso se voltou mais amplo. — De fato, até me arriscaria a dizer que você em sua vida nunca fez isto. — Soltou uma risadinha que logo tratou de reprimir. — Também averiguei o que pensa você de mim. — Apagou-se o sorriso. — Posso lhe assegurar, senhora, que não sou a espécie de homem que força uma mulher trocando seus favores carnais por... por seja lá o que for. Sou um homem sensato e razoável e pode discutir qualquer coisa comigo sem recorrer à indecência.
Manteve-se calado por um momento, de pé, olhando-a como se esperasse que o agradecesse por sua nobre atitude.
— Sensato e razoável? — Sussurrou ela — Você, capitão é o homem mais insensato que conheci. Conheci mulas que eram mais razoáveis que você. Pelo menos, com as mulas se tem a possibilidade de lhes golpear a cabeça para chamar a atenção. Duvido muito que uma solução como essa seja possível com você.
— Um momento...
— Não! Espere você um momento. — Talvez não pudesse lhe vencer fisicamente, mas o volume de sua voz podia competir com o de qualquer um. — Desde que o conheci não tem feito outra coisa que me insultar.
— Jamais insultaria a uma dama.
— Chamou-me cantora emigrante. Disse-me que devo fazer o que você quer que faça. Não pode entender que não tem nenhum direito sobre mim?
— Minhas ordens...
— Ao diabo com suas ordens! Você e ninguém mais que você está no exército, não eu. Fiz tudo o humanamente possível para lhe explicar que nem o quero e nem lhe necessito, entretanto, aqui está você e isto... — fechou a jaqueta. — Isto! Humilha-me, ridiculariza-me de tal modo que me vejo reduzida a atuar como uma rameira para você, e... — Elevou a cabeça de repente. — E para sua informação, despi-me ante muitos homens, milhares de homens. Franceses, italianos, russos. E jamais um só deles me chamou cantora emigrante!
— Não tive a intenção de...
— É obvio que não! — Explodiu — Só estava cumprindo com seu dever, não é assim? Impondo sua vontade à força.
Subitamente, abandonaram-na suas forças. Sentiu-se enjoada e dobravam suas pernas. Era uma carga muito pesada para ela. Desde o dia que tinha entrado na casa de sua tia e ouvido o que tinha acontecido a Laurel, não tinha tido um minuto de descanso. Após sua vida, uma vida cheia de adulações, de música, boa comida e risadas, tudo esfumou-se. Em seu lugar havia medo, camas duras, imundície e gente estranha. Seu agente a tinha abandonado, seu consolo e bom humor estavam em alguma parte da Inglaterra nesse momento. Todas as pessoas que a conheciam, que conheciam sua música e a amavam, estavam do outro lado do oceano.
Levou a mão à testa e começou a desabar-se, mas ele a segurou antes que batesse com seu corpo na terra, levantou-a em seus braços e a levou até a cama de armar, onde a deitou. Viu um cubo de água — não havia mais pratos e taças de bonita e delicada porcelana —molhou um pano, espremeu-o com força, e se sentou à borda da cama de armar e lhe pôs o pano na testa.
— Não me toque — sussurrou ela.
— Shhh. O que aconteceu não é nada grave. Isto se cura com um pouco de descanso e uma boa comida.
— Descanso e comida — murmurou. Toda a comida do mundo não seria o suficiente para salvar Laurel.
— Agora, senhorita A Rainha, não fale, cale e descanse. Tenho algo que devo dizer e me proponho fazê-lo. Acima de tudo, é verdade que o exército me ordenou que a escolte e sempre tive a intenção de cumprir essas ordens. Fique deitada e não se mova. — Foi como uma ordem, mas o tom de sua voz era sereno e baixo e não a enfureceu como de costume. Ela fechou os olhos e ele acomodou melhor o pano sobre sua testa, acariciou levemente seu cabelo das têmporas.
— No princípio só queria conseguir que você partisse, que retornasse ao Este onde pertence.
Ela ansiava lhe dizer que não tinha alternativa que permanecer no território de mineração, mas não o fez. Era melhor que ele soubesse o menos possível.
Ele lhe acariciou uma têmpora, logo, muito carinhosamente, colocou suas mãos aos lados da sua cabeça e os polegares começaram a riscar pequenos círculos sobre suas têmporas. Maddie sentiu que todo seu corpo ia relaxando lentamente.
— Onde aprendeu a fazer isto? — Sussurrou.
— Uma de minhas irmãs padeceu de enxaqueca. Eu aprendi a aliviar-lhe com minhas massagens.
A tensão ia desaparecendo dos ombros e das costas.
— Quantas irmãs?
— Duas.
Ela sorriu.
— Eu também tenho duas irmãs. Gemma tem um ano a mais que eu e Laurel tem... — Tomou fôlego. — Laurel só tem doze anos.
— Que coincidência. — As mãos grandes e firmes estavam fazendo massagem na sua nuca. — Minha irmãzinha mais nova tem quatorze.
— Mimada pela família?
— Mais do que possa imaginar. Com sete irmãos mais velhos, é um milagre que não seja um monstro.
— Mas não o é?
— Não a meus olhos — respondeu ele, brandamente.
— Tampouco Laurel. É toda sorrisos, o tempo todo. Estava acostumada a me seguir por toda parte quando era pequena e adorava me ouvir cantar.
— Está agora na Lanconia?
Por um momento, Maddie não pôde recordar quem ou o que era Lanconia; então abriu os olhos.
— Sim, está agora em casa, no palácio — respondeu, terminante, e o feitiço do momento se rompeu.
— Obrigada pelo pano, capitão Montgomery, mas agora, se não se incomodar, poderia me fazer o favor de chamar Edith?
— Claro — respondeu e a contemplou durante um momento. — O que aconteceu com o broche que usava esta manhã?
Maddie levou sua mão à garganta.
— Eu o perdi quando ia subindo apressadamente pela ladeira da montanha.
— E não se deteve para buscá-lo? Parecia antigo.
Ela desviou o olhar.
— Pertenceu a minha avó — disse com voz débil, logo se voltou para o olhar de novo. — Faria o favor de me deixar? Sair desta tenda e partir para longe? Retornar sem mais perguntas a seu posto no exército e me deixar em paz?
Ele pareceu não se alterar absolutamente por essa explosão.
— Verei-a pela manhã, senhora — afirmou amavelmente e saiu da tenda.
Duas horas mais tarde estava deitado perto de Toby em um promontório do terreno não muito longe do vagão. Ao sair da tenda se topou com os outros que tinham estado escutando sem nenhum escrúpulo tudo o se conversou no interior. Ring quase nem lhes prestou atenção, preocupado como estava para escolher um bom lugar para acampar, o suficientemente perto para ouvir se se apresentava algum perigo. Toby tinha encontrado um coelho em uma de suas armadilhas e o tinha posto a assar na fogueira que Ring tinha preparado, e logo insistiu para examinar a ferida do seu braço. Quando Ring tirou a camisa, Toby curou grosseiramente as quatro ou cinco feridas no torso de Ring.
— É uma garota extraordinária, não? — Perguntou Toby.
— Se você gosta das mentirosas. — Ring sorveu a horrível beberagem que Toby chamava café e cravou o olhar no fogo. — Que eu saiba, não disse a verdade uma só vez.
— Às vezes a gente tem motivos para mentir.
— Ora! — Soprou Ring.
— Nem todos podem ser tão puros como você — replicou Toby enquanto vertia um jorro de whisky em uma das feridas. — Se pensa que é tão má, por que não a deixa aqui e retorna ao forte?
— Não é má — replicou bruscamente Ring, afastando o olhar de Toby, que sorria ironicamente. — Não tenho ideia de como é ela em realidade. Diabos, lhe tirar qualquer informação é como... como...
— Lutar contra os peles vermelhas?
— Quase tão difícil. — Ficou de pé e espreguiçou. — Vou dormir um momento. Com esta mulher vou precisar de todas minhas forças. — Tirou a camisa, sentou-se na manta estendida no chão e tirou os altos mocassins. — Toby?
— Sim.
— Alguma vez ouviu que me chamassem dorminhoco sabichão?
— Não posso dizer que o tenha ouvido. Quem lhe disse isso?
— Nossa pequena... — Fez uma pausa e sorriu. — Cantora emigrante. — Quando a tinha chamado desse modo não o tinha feito com a intenção de ofendê-la. Isto não quer dizer que não tenha tido todas as intenções do mundo de mostrar-se ofensivo nesse dia, embora em outros aspectos. Era verdade, tinha tentado amarrá-la a sua cama de armar, disfarçado de selvagem, desprender-se de surpresa de uma árvore diante dela, lutar corpo a corpo até conseguir derrubá-la ao chão e exigir que se deitasse com ele. Tinha-a zangado, tinha-a vexado, mas não tinha conseguido assustá-la. Entretanto, hoje quando tinha descido da montanha, estava muito assustada. E mais tarde quando ele tinha entrado em sua tenda ela tinha estado contendo as lágrimas.
Sorriu ao recordar o que tinha acontecido quando ambos estavam na tenda. Sem dúvida tinha obtido que ela contivera as lágrimas. Maddie tinha passado de estar com os olhos coalhados de lágrimas para tê-los cheios de ódio. Quando o olhava dessa forma ele se alegrava de que não tivesse uma arma na mão. Se tivesse uma arma, usá-la-ia? Sabia montar a cavalo à perfeição. Podia cavalgar pela encosta abaixo, através dos arroios, sob os ramos das árvores. Não tinha aprendido a cavalgar desse modo em nenhum parque de um palácio ducal. Ela...
— O que é isso? — Inquiriu Toby assinalando a flecha e interrompendo os pensamentos de Ring.
Ele olhou com olhos ausentes a flecha que tinha tirado do mocassim.
— Uma flecha. Crow, não acha?
— Como posso sabê-lo? Todas são iguais. De onde a tirou?
Ring a sustentou no ar e a olhou.
— Disparam-me isso, acredito, talvez como uma advertência.
— Do que lhe advertiam?
— Não sei exatamente. — Rememorou o momento em que a mulher e ele tinham estado lutando no chão. O índio não pareceu se importar. — Acredito que é seu guardião.
— Como pode uma duquesa de...
— Lanconia.
— Ah, certamente. Como pode uma dama estrangeira ter um índio por guardião?
Ring soltou uma gargalhada e se deitou sobre a manta.
— Essa é a menor de minhas preocupações sobre essa dama. Amanhã vou averiguar algumas respostas. Boa noite — lhe disse e fechou os olhos.
Maddie estava sentada no duro assento de pele de cavalo no interior do vagão e lançava olhares ferozes pela janela. Negava-se a olhar o homem que estava sentado frente a ela. Essa manhã o capitão Montgomery tinha lhe informado que viajaria dentro da carruagem com ela. Não tinha pedido seu parecer, limitou a informá-la. Disse-lhe que queria um descanso de tanto andar a cavalo, mas a verdade era, segundo ela, que planejava lhe tirar alguma informação.
Essa manhã, depois de uma noite cheia de sobressaltos, seu primeiro pensamento voou precisamente à noite anterior, quando ela tinha estado fatigada e ele tinha utilizado suas mãos para relaxá-la. A noite anterior quase tinha estado a ponto de lhe contar sobre Laurel.
O que aconteceria se escapasse algo? Até podia lhe ouvir dizer: "Minhas ordens, senhora, são de deter qualquer homem, mulher, criança ou animal que trate de interferir na liberdade deste país." Imaginou suplicando pela vida de sua irmã e também o ouvindo dizer que o dever e as ordens eram mais importantes que a vida de uma menina insignificante.
— Perdão? — Disse ela ao perceber de que o capitão Montgomery estava falando.
— Perguntava se A rainha era seu nome completo.
— Sim — respondeu olhando-o fixamente nos olhos. Uma só vez tinha tentado lhe explicar que esse era seu nome artístico. Ele não a tinha escutado, assim não faria um novo intento.
— Sim, mas é estranho, então, que a senhorita Honey a chame Maddie e que em seus baús estejam gravadas as iniciais M.W.
— Se quer sabê-lo, A rainha é meu segundo nome. Meu nome completo é Madelyn A Rainha — Rebuscou em sua mente um sobrenome de acordo para alguém da Lanconia, mas foi inútil.
— Nenhum sobrenome, como na realeza, ou devo dizer aristocracia? — Continuou ele. — Sua família descende de duques reais ou de duques aristocráticos? Distinguem entre uns e outros na Lanconia?
Maddie não tinha nem ideia do que ele estava falando. Podia lhe perguntar sobre a diferença que existia entre um trino e uma cadência, pensou. Ou a extensão da voz de um contralto comparada com a de um soprano. Que lhe perguntasse as letras da maioria das óperas, em italiano, francês, alemão ou espanhol, mas nada fora do mundo da música.
— Não fazem nenhuma distinção — respondeu com um sorriso que esperou desse a sensação de absoluta seguridade. — Um duque é um duque.
— Pode ser, mas por outro lado, suponho que o rei é seu parente.
— É primo em terceiro grau — respondeu sem piscar sequer. Era surpreendente fácil que estava conseguindo mentir com a prática.
Possivelmente era como com as escalas.
— Por linha materna ou paterna?
Abriu a boca para dizer "materna", mas ele falou antes que ela pudesse responder.
— Essa foi uma pergunta tola. — Estirou as pernas para sustentar-se quando o vagão deu um tombo. — Tem que ser por linha paterna para que o título se herde. — Faiscaram-lhe os olhos. — Seu pai, esse que não pode escalar muito bem. A menos que a sucessão na Lanconia seja pela linha materna ou que sua mãe tenha herdado um desses estranhos títulos que também pode herdar uma mulher, em cujo caso, seu pai provavelmente não poderia usá-lo. — Fez outra pausa quando o vagão voltou a dar outra sacudida. — Mas por outro lado, se você herdou o título, então seus pais devem estar mortos e nesse caso existe a herança por via materna.
— Olhe, — exclamou Maddie — aí há um alce. Possivelmente amanhã, depois de minha atuação desta noite possa sair a percorrer um pouco a campina. É tão diferente da de meu país.
— Como é?
— Como é o quê? — Perguntou ela sabendo perfeitamente a que se referia.
— Seu título se herda por via materna?
Chiou os dentes. Certamente era muito persistente.
— Por favor, estamos na América. Enquanto estou aqui quero ser tão americana como me for possível. Ser uma duquesa é tão... tão...
— Uma vida carregada de obrigações, acaso?
— Sim. Precisamente. A vida no palácio era tão aborrecida. O único que sempre me interessou é cantar. Passava todos os dias com madame Branchini. Só me preocupavam minhas lições de canto. — Por fim suas afirmações tinham algo de verdade. Endireitou sua touca. Possivelmente se lhe contava alguma anedota ele se calaria. — Uma vez, nos arredores de Paris, depois de ter cantado Puritani três noites seguidas, um príncipe russo convidou-me a uma recepção em sua casa. Essa noite havia perto de meia dúzia de mulheres na recepção, todas damas de grande linhagem: inglesas, francesas, uma dama italiana e uma bela e melancólica princesa russa. O primeiro prato do jantar foi uma deliciosa sopa cremosa com um pingo de xerez e ao esvaziar nossos pratos, cada dama encontrou uma pérola no fundo. Uma pérola realmente bonita e bastante grande.
Ele a contemplou por um momento com ar pensativo.
— Depois de uma infância passada em um palácio e jantares com pérolas na sopa, veio a América. A América deve ser para você decepcionante.
— Não é tão mau. Quero dizer, a América e os americanos têm muito do que orgulhar-se.
— Você é muito amável em dizer isso, mas uma dama como você deveria ter champanhe e rosas, e cavalheiros lhe oferecendo diamantes.
— Não, na verdade — disse, inclinando-se para frente. — Talvez eu não tenha essas coisas. De fato, recebi isso toda minha vida. Até quando era uma menina tinha que usar uma pequena coroa quando aparecia em público. — "É um milagre que Deus não me faça cair morta aqui mesmo," pensou assombrada.
Ele sorriu.
— E quais são os títulos de suas irmãs?
Sabia que estava estendendo uma armadilha. Pelo pouco que sabia, em cada família só havia uma duquesa.
— Tenho uma terrível dor de cabeça, capitão.
— Deseja que lhe dê massagens na nuca?
— Preferiria brincar com uma serpente cascavel — respondeu. Reclinou-se para trás no assento e fechou os olhos e nem sequer os abriu ao ouvi-lo proferir uma risadinha. Não estava muito certa que tinham estado jogando, mas de algum modo sentiu que tinha perdido.
Chegaram à cidade de Denver ao meio dia, junto com algumas centenas de pessoas. O "povoado" se assim podia chamar estava composto de duas centenas de choças de troncos, algumas barracas de campanha e alguns milhares de homens que estavam completamente dedicados a fazer fortuna.
Logo que a carruagem se deteve, alguns homens correram para recebê-los com notícias: Havia ouro absolutamente; nos arroios havia pepitas de ouro do tamanho de ovos de galinhas. Alguns homens mendigavam uma antecipação de dinheiro em troca de seus achados futuros, outros se mostravam meramente curiosos. Havia um acampamento ute, não muito longe, nos subúrbios do povoado e se aproximaram para ver o vagão vermelho e a mulher vestida de brilhante cor azul.
Maddie se manteve imperturbável apesar do ruído, a confusão, as perguntas sobre seu nome e a lenda "A Duquesa que Canta" pintado em cada lado do vagão. Ela sorriu amavelmente a todos, logo deu instruções a Frank e Sam para que levantassem a tenda e depois começassem a distribuir folhetos anunciando a apresentação dessa noite. Quando a tenda foi montada, ela entrou para trocar de roupa. Escolheu uma saia de lã escura que chegava aos tornozelos e uma singela blusa branca de algodão. Enquanto isso, o capitão Montgomery a estava esperando fora da tenda.
— Que você tenha um bom dia, capitão — se despediu, e quis passar diante dele, mas Ring lhe fechou o caminho. Maddie soltou um suspiro. — Muito bem, o que quer?
— Aonde pensa ir?
— Não acredito que isso lhe compete, mas penso almoçar e logo dar um passeio pelo povoado.
— Quem irá com você para cuidá-la?
— Proponho-me ir sozinha, exatamente caminhando como sempre o fiz desde que cumpri um ano.
— Não pode andar sozinha entre estes rufiões.
Ela apertou os lábios, tratou de passar diante dele e quando ele se interpôs em seu caminho, deu-lhe uma cotovelada nas costelas. Ring soltou um grunhido e ela, finalmente obteve seu propósito. Edith já tinha posto a mesa. Durante todo o trajeto desde St. Louis a Denver, pararam em diferentes fazendas e tinham comprado produtos frescos para comer, assim como carne defumada e salgada. Agora podia comer presunto e vargens verdes.
— Se tiver que me vigiar com esse olhar carrancudo, capitão, pelo menos tenha a cortesia de tomar assento. Sirva-se de algo para comer.
Sentou-se em um tamborete, mas rechaçou com um movimento de cabeça quando Edith lhe ofereceu um prato cheio.
— Sem querer ofendê-la, senhora, mas não tocarei comida nem bebida que você tenha se aproximado.
Pela primeira vez, Maddie sorriu sinceramente.
— Por fim, o capitão Montgomery demonstra um pouco de sagacidade. É uma verdadeira pena que você seja tão tímido. O presunto está delicioso.
Toby apareceu como por arte de magia e ficou ao lado da mesa. Maddie fez um gesto com a cabeça para Edith e ela lhe serviu um prato cheio de comida.
— Espero que lhe agrade, soldado.
— Eu adoro. Tenha a certeza — disse Toby com a boca cheia enquanto se sentava no chão perto deles. — E me chame Toby, só Toby. Não sou um soldado, pelo menos não um de verdade. Não tenho nada que ver com o exército sempre que posso evitá-lo. O exército é o que gosta este moço, mas por que quereria deixar Warbrooke.
— Toby! — Gritou Ring. — Perdoe-lhe, senhora, às vezes fala demais.
— Oh? — Sorriu para Toby. — E onde fica Warbrooke?
— Em Maine. Este moço deixou...
— Toby!
Toby deixou o garfo no prato.
— Demônio, é preferível que o deixe! Não sei que inseto o picou. — Levantou-se, recolheu seu prato e desapareceu detrás da tenda.
— O que lhe acontece, capitão?
— Estou tratando de mantê-la viva, isso é tudo.
— Viva? Quem quereria me fazer dano?
Bruscamente, ele tomou sua mão e a reteve, apesar dos intentos que ela fez para desprender-se, e deixando à vista a palma da mão que tinha um profundo arranhão e uma contusão no pulso.
Retirou a mão violentamente, logo ficou de pé.
— Agora, capitão, se me desculpar, darei um passeio pelo povoado.
— Sozinha, não! Não irá sozinha.
Maddie fechou os olhos por um momento e rogou ao céu que lhe desse forças. Primeiro pensou tentar raciocinar com ele. Apesar das aparências, ninguém estava tratando de lhe fazer dano. Mas não poderia lhe tranquilizar a respeito sem revelar mais do que se propunha. Ao começar a andar, considerou a possibilidade de fazer caso omisso dele, mas não era fácil já que um homem de um metro e noventa de estatura e ao redor de cem quilos de peso, conforme calculou não passava inadvertido para ninguém. E muito menos com aspecto carrancudo.
Era muito estranho ver na cidade de Denver uma mulher que não estivesse à venda, por isso causou grande revoo passear pelos largos e empoeirados atalhos que serviam de ruas. Parava diante das tendas onde se expunha à entrada mesas toscas cobertas de mercadorias gastas do Este. Com frequência, a gente do Este vendia todas suas posses para prover-se de carrinhos de mão e artigos de primeira necessidade para viajar as jazidas de ouro, e quando chegavam vendiam tudo por algumas bandejas e pás e possivelmente por uma parcela de terra perto de um arroio.
Maddie olhou com curiosidade as lamparinas e lampiões e recolheu uma preciosa gola de renda. Enquanto o fazia, três mineiros sujos se detiveram com os chapéus espremidos contra seus peitos e ficaram olhando-a extasiados. Ela se voltou e lhes sorriu.
— Bom dia.
Eles a saudaram com um ligeiro movimento de cabeça.
— Encontraram ouro?
Um dos homens levou a mão ao bolso, mas enquanto tentava tirá-la, o capitão Montgomery já estava a seu lado lhe aferrando o pulso com sua grande mão.
Maddie não só se sentiu violenta por essa ação, mas também se enfureceu. Segurou o pulso do capitão.
— Peço-lhes mil desculpas, cavalheiros — disse e dando meia volta, afastou-se dali.
— Poderia ter tido um revólver no bolso — se desculpou Ring lhe seguindo os passos. — Eu só a estava protegendo.
— Me protegendo do quê? De uns pobres mineiros solitários e tristes? — Virou-se e o enfrentou. — Capitão Montgomery, parta de meu lado! Deixe-me em paz!
— Vou protegê-la custe o que custar. Sem me importar o que devo fazer. Por muito desagradável que seja para ambos.
Isso era o cúmulo, pensou ela enquanto voltava a andar com passos rápidos lhe dando as costas. Estava insinuando que passar o tempo com ela era uma verdadeira carga para ele. Seguiu caminhando diante dele com os punhos apertados nos lados do corpo. Ao longo de toda a rua havia homens curiosos que se detinham para olhar a jovem alta e bonita, seguida por um homem mais alto que ela. Os homens se davam cotoveladas uns aos outros já que era notório que a mulher estava verdadeiramente zangada.
Agora me converteu na boba do povoado, pensou Maddie, e se perguntou como demônios tinha chegado a essa situação. Foi nesse preciso momento quando decidiu pôr fim a essa charada. Voltou-se e sorriu com a maior doçura.
— Capitão Montgomery, tenho fome.
— Mas acaba de comer.
O que tinha acontecido com os homens que ansiavam cumprir o pedido de uma dama?
— Sim, é verdade, mas tenho fome outra vez. Não poderíamos encontrar algum lugar onde comer?
Ele olhou por cima da cabeça de Maddie. Para dizer verdade, ele também tinha muita fome. Tinha estado alimentando-se com carne seca e bolachas enquanto todos os outros comiam carne fresca e, melhor ainda, legumes frescos. Mas depois do whisky com ópio, desconfiava de qualquer comida ou bebida que lhe oferecesse.
— Lá vejo um vagão onde parece que estão vendendo comida.
Em questão de minutos ela tinha ambas as mãos carregadas de pratos de comida e uma fogaça de pão fresco para levar a Edith. Então, sorriu-lhe novamente.
— Poderia segurar estas coisas enquanto eu vou... você sabe aonde?
Ele olhou a comida fumegante e saborosa. Carne. Batatas. Pão de milho. Ervilhas. Apenas ouvia o que ela estava dizendo, mas assentiu com a cabeça e foi sentar se em um banco ao lado do vagão. Estava tão faminto que tinha terminado seu prato de comida e estava quase terminando o dela antes de perceber de que Maddie não tinha retornado.
— Maldita seja essa mulher — murmurou. — Que me condenem! — Retificou e partiu em sua busca.
Não havia forma de lhe seguir o rastro em um povoado como esse, mas ela era bastante chamativa para que não notassem sua presença em qualquer lugar que fosse, assim começou a perguntar. Não havia um só homem no povoado que não a tivesse visto, mas os informes eram todos contraditórios.
Demorou quase uma hora em encontrá-la rindo no centro de um círculo de mulheres índias. Durante um instante se perguntou como conseguiam comunicar-se enquanto avançava para ela com passo resolvido.
As moças índias o viram primeiro e alertaram Maddie. Ela começou a correr pelo acampamento índio com Ring lhe pisando nos calcanhares e gritando que se detivesse. As mulheres índias, sempre dispostas a rir, fizeram de tudo o que estava ao alcance para bloquear o caminho de Ring, até que ele não teve mais remédio que levantar no ar a uma delas e deixá-la a um lado.
Maddie correu pela aldeia rápida como um gamo, esquivando meninos e cães, chocando-se em uma ocasião com um guerreiro e desculpando-se com efusão, mas sem diminuir a velocidade de sua fuga. Quando chegou ao limite do acampamento, voltou-se sobre seus passos e correu para o povoado.
Logo que chegou aos subúrbios do povoado afrouxou um pouco o passo para recuperar o fôlego e sorriu. Não só tinha zombado desse homem, mas também, além disso, tinha se deslocado mais depressa que ele.
Segundos depois sentiu uma mão sobre seu ombro e quando voltou à cabeça e o viu com um brilho de triunfo nos olhos, dirigiu-lhe um olhar que parecia dizer, agora verá o que é bom, e logo começou a gritar.
— Socorro! Socorro! Por favor, não me golpeie outra vez!
Imediatamente oito homens saltaram sobre Ring e ela fugiu a toda pressa. Vinte minutos mais tarde, Ring voltava a pisar nos seus calcanhares. Maddie, ao jogar um olhar por cima do ombro, viu que o cabelo do capitão, que geralmente estava penteado à perfeição, achava-se revolto, e tinha uma mancha vermelha na bochecha e a roupa coberta de pó. Riu e seguiu correndo.
Não sabia exatamente quando tinha começado a gostar do jogo, mas estava se divertindo de verdade. Ocultou-se no interior de um tonel vazio e quase soltou uma gargalhada quando ele se deteve a escassos passos de onde ela estava e ficou a olhar ao redor. Logo se meteu em um círculo de homens que estavam jogando dados no chão e arrancando o chapéu de um deles o puxou até os olhos e se agachou entre eles. Os homens imediatamente se apinharam a seu redor para ajudá-la a esconder-se. De fato, um dos homens se aproximou muito e ela soltou um chiado de protesto quando, mesmo não muito segura, acreditou sentir que lhe beliscava a coxa. Deu um salto, então viu que o capitão Montgomery se voltava e a descobria, e ela pôs-se a correr novamente.
Entrou correndo em uma das muitas tendas que serviam de botequins, deteve-se brevemente ante o alto mostrador rústico, apoiou a cabeça na mão e sussurrou:
— Whisky. — Bebeu-o de um gole, estendeu o copo para que lhe servissem outro e então viu o capitão Montgomery na porta. — Ele paga — disse e correu para a porta traseira. O taberneiro e seus frequentadores retiveram o capitão enquanto ele rebuscava em seus bolsos e encontrava o dinheiro suficiente para pagar o whisky que ela tinha bebido.
Uma vez fora, ela pediu a alguns homens que lhe dessem um impulso para cima, para alcançar o telhado de um dos poucos edifícios da cidade de Denver que tinha teto. Os homens o fizeram com prazer, mas não sem deixar de manusear torpemente todo seu corpo.
Ela se ergueu sobre o teto e observou o capitão Montgomery que a buscava em vão. Teve que cobrir a boca com a mão para não rir a gargalhadas. Respirou profundamente, estendeu os braços e jogou a cabeça atrás. Era a primeira vez em meses que se divertia verdadeiramente e desfrutava desta aventura. "Que dom precioso é a liberdade," pensou.
Quando abriu os olhos, o capitão Montgomery estava ali abaixo, observando-a.
— Upa! — Gritou-lhe ela, rindo e correu ao outro extremo do edifício e começou a descer com dificuldade por uma pilha de tonéis e velhas rodas de vagão. Assim que pôs um pé no chão, o capitão Montgomery estava a seu lado. Tratou de voltar novamente a correr, mas ele a segurou pela saia e a atraiu para si.
Lutou com todas suas forças. Oh, céus, como lutou para se liberar, mas ele manteve o rosto afastado de suas mãos e por último lhe rodeou a cintura com o braço e a carregou sobre seu quadril.
— Dê-me uma só dentada em alguma parte do corpo e não poderá sentar-se durante uma semana. Entendeu-me bem?
Maddie se sentia como um saco de batatas enquanto ele a levava pendurada pelo braço com o corpo dobrado em dois e olhando o chão, mas sabia muito bem que ele estava muito zangado, e os homens zangados tinham às vezes reações imprevisíveis. Portanto, em lugar de seguir lutando deixou o corpo morto para que ele tivesse todo seu peso pendurando de um só braço. Mas não pareceu dar nenhum resultado já que saiu do povoado a passos rápidos e se internou no bosque com ela.
Por fim, quando estiveram a certa distância do povoado e de sua gente, ele a deixou cair sobre uma colina coberta de erva.
— Capitão Montgomery, eu...
— Não diga uma palavra, nenhuma só palavra! Ordenaram-me que a proteja e estou absolutamente resolvido a cumprir a ordem. Pode ser que você pense que esta pequena escapada foi engenhosa e divertida, mas não tem ideia do que está acontecendo. Você não conhece absolutamente esta espécie de gente. Eles...
— É você o que desconhece tudo sobre eles — respondeu com calma e se deitou de costas sobre as ervas. O exercício ao ar livre e puro das montanhas a tinha feito sentir-se maravilhosamente bem. Era a primeira vez desde que se inteirou do rapto de Laurel que não havia se sentido tensa como um arco de violino. — Oh, capitão não tem nenhum senso de humor? Nada absolutamente? — Perguntou em tom lânguido. Pela primeira vez em muito tempo reparou nas flores silvestres, nas árvores e no céu azul sobre sua cabeça.
Ele não disse nada durante um momento e não a olhou, mas então ele se deitou sobre as ervas a uns centímetros de distância dela.
— Em realidade, possuo um senso de humor bastante arrojado. Mas no último ano parece que perdi o humor.
— Oh? — Exclamou ela como lhe instigando a seguir, mas ele não continuou. Maddie aspirou uma baforada de ar puro. — Não consigo imaginar como um homem que chama seu cavalo de Satã possa ter senso de humor. Que eu saiba, você é todo obrigação e nada de devoção. Sua ideia de como tratar às mulheres é de assustar e as intimidar. Tenho certeza de que a algumas mulheres gostam disso, mas você não deve ter tido muito êxito com elas.
— Não sabe nada de mim — disse com certo ressentimento. — Nada absolutamente.
— Então, suponho que estamos igual, pois você não sabe nada de mim.
Ring se apoiou no cotovelo para olhá-la, mas ela seguiu com a vista cravada no céu.
— Nossa, aí você se equivoca. A verdade é, senhorita A rainha, que sei muitas coisas sobre você.
Ela soltou uma risadinha zombadora.
— Nada. Absolutamente nada.
Ele se deitou de costas.
— Apostamos algo?
— Outro trato como o anterior de me deitar com você se chegar a perder? — Havia certa amargura em sua voz.
— Não — disse ele brandamente — Apostaremos algo mais importante desta vez. — Não se incomodou pelo olhar feroz que ela lhe dirigiu. — Você não escapar durante vinte e quatro horas. Durante esse tempo poderei dormir tranquilo sabendo que não fará nada que seja imprudente.
— E você definirá o que é uma imprudência?
— Sim.
— O que ganho?
— Durante vinte e quatro horas permanecerei longe de você.
Maddie sorriu levantando o olhar para as árvores.
— Tudo isto é para ver se você sabe ou não algo sobre mim, verdade? — Não acreditou que estivesse apostando muito. Acima de tudo, supunha-se que deveria encontrar-se com alguém pelo assunto das cartas essa noite, ali mesmo na cidade de Denver e não cabia dúvida de que poderia fazê-lo sem que ele se precavesse. E por outra parte tinha observado que era um homem que não via além de seu próprio nariz. Parecia acreditar que as mulheres eram frágeis criaturas e também abrigava alguns preconceitos sobre as cantoras de ópera. — Muito bem, trato feito. O que sabe de mim?
— Em primeiro lugar, se você for duquesa, eu sou a Rainha Vitória. Não entende quase nada de linhagens aristocráticas e tampouco sobre a Lanconia. E o broche que você, ah... perdeu, que pertencia a sua avó, uma joia muito bonita, mas nem os diamantes nem as pérolas eram dignas de pertencer a uma duquesa. O que você sim, conhece muito bem é este país. Sobe por estas montanhas e colinas como se tivesse nascido e se criado aqui. Pode montar a cavalo melhor que a maioria dos homens e tragar um whisky raticida como se o tivesse feito muitas vezes antes. Como vou até agora?
— Ainda não fiquei adormecida.
— Também se sente cômoda entre os índios. Um pouco usual para uma dama europeia, não acha? Não conhece muito de Frank nem de Sam e não se agrada muito de Edith. Isso me faz pensar que não foi você quem os escolheu. Tenho razão?
— Talvez.
— Vejamos, que mais? Conjeturo que você é virgem ou muito perto de sê-lo.
— Isto não me agrada, capitão. — Começou a ficar de pé, mas ele não o permitiu.
— Certamente não é minha intenção ofendê-la. Tenho certeza de que uma mulher tão bonita como você teve muitas oportunidades, mas não acredito que lhe interessem os homens.
— Os homens que me impõem pela força, claro que não me interessam. Acredito que devo retornar ao acampamento agora mesmo.
Segurou-a por um braço.
— Há mais ainda, e se me permite que a recorde, foi você quem disse que eu não sabia nada de sua pessoa. Sigamos, onde estávamos? Ah, sim, alguém a está chantageando. Ainda, certamente, não pude me explicar por que, mas tenho certeza de que não se trata de um ex-amante. Não, é algo muito mais sério, muito mais sério. Você não se assusta facilmente, entretanto, está terrivelmente assustada por algo que está acontecendo em sua vida neste momento.
Maddie permaneceu muda; não podia falar.
Com muita suavidade, muito amavelmente, tomou sua mão.
— Sou um homem honrável Maddie — sussurrou ele a chamando como tinha ouvido Edith fazer. — Se confiar em mim, farei tudo o que esteja a meu alcance para te ajudar, mas tem que confiar em mim.
Maddie necessitou de toda sua força de vontade para não falar de Laurel. Desejava contar a alguém que possivelmente pudesse compreendê-la, pudesse reagir de modo diferente e não como Edith que meramente encolhia os ombros. E também desejava alguns conselhos. O que faria se chegasse ao terceiro acampamento e não lhe permitissem ver Laurel? O que aconteceria se...
Para não ceder à tentação, deu um salto e ficou em pé perto do corpo deitado de Ring.
— Oh, muito bem, capitão Montgomery, mas que muito bem. Se alguma vez deixar o exército, talvez possa ser ator. — Endireitou os ombros e lhe olhou com desprezo. — Mas se esquece do mais importante: minha voz. Até que você não tenha me ouvido cantar, não me conhece absolutamente. Todo o resto é superficial.
Do chão, sorriu-lhe.
— Em realidade acredita que esse monte de rufiões ambiciosos e bêbados vão apreciar a ópera?
— Não sei se tem que apreciar a ópera, nem sequer a música, para amar o som de minha voz.
Ele riu ao ouvi-la, de boa vontade, em um tom profundo e doce.
— Vaidosa, não acha?
O rosto de Maddie permaneceu sério.
— Na verdade, não. Não há nem uma só grama de vaidade em minha pessoa. Minha voz é um dom de Deus. Se chegasse a dizer outra coisa, seria um insulto a Deus.
— Esse é um modo de ver as coisas.
Maddie se sentou ao lado dele.
— Não — disse com sinceridade. — Estou dizendo a verdade. De onde nos vem o talento se não for de Deus? Estive cantando desde que tinha três anos. Aos dezesseis subi em um cenário. Cada dia agradeço a Deus por me haver outorgado a bênção de minha voz. Ele me deu o dom e trato de lhe honrar cuidando-a.
Ring soube que ela acreditava sinceramente no que dizia, por seu modo de falar.
— E acha que esses mineiros amarão suas canções? Amarão a sua...
— Traviata.
— Ah, sim, a mulher desonrada.
Ela deu-lhe um olhar cheio de suspicácia.
— Fala italiano?
— Um pouco. Pensa que estes mineiros amarão suas canções?
— Minhas canções, não. Minha voz. Existe uma grande diferença.
— Muito bem, — disse ele, sorridente — então me demonstre isso, cante uma canção.
Ao ouvir, sorriu-lhe com suficiência.
— Desculpe-me, capitão Montgomery, por ter duvidado de você. Na verdade, tem senso de humor. Um incrível e ofensivo senso de humor.
— Oh, já entendo, o que precisa? Uma orquestra? As cantoras de ópera não cantam a capela
— Poderia cantar sob a água se fosse necessário, mas eu canto somente quando quero. Se cantasse agora para você, seria um presente de grande valor, e não fez nada para merecer semelhante presente.
— Quando os mineiros desembolsassem dez dólares esta noite mereceram este presente?
— Esta noite não cantarei para um homem somente e sim para muitos. Há uma grande diferença.
— Oh, percebo, — replicou ele, condescendente, logo tirou seu grande relógio de ouro puro do bolso. — Presente ou não, é hora de retornar ao acampamento para se preparar para cantar esta noite.
— Como acha que me arrumei durante vinte e cinco anos sem que me dissesse o que devo fazer e quando?
— Em realidade não sei. Surpreende-me. — Ao ficar de pé fez uma careta de dor.
— Começa a apesar os anos, capitão?
— Acredito que talvez, o fato de escalar uma parede de rocha, para te proteger de homens desconhecidos, que me morda, chute-me e me acotovelem, sem mencionar a briga com oito homens esta manhã, está começando a ter seu efeito sobre minha pessoa.
— Sempre pode retornar a seu forte e descansar.
— Harrison adoraria ver-me retornar com a cauda entre as pernas — murmurou Ring.
— E quem é Harrison?
— Responderei suas perguntas assim que responda as minhas.
— Então, antes se congelará no inferno — respondeu ela docemente quando começou a caminhar em direção ao acampamento.
— O que seja, mas não esqueça que ganhei a aposta. Durante vinte e quatro horas não tentará escapar de minha vigilância.
— Não ganhou a aposta absolutamente, capitão. Expliquei-lhe já. Se houvesse dito: É uma cantora, então teria ganhado a aposta, pois meu canto é o único importante em minha vida.
— Eu sim, disse que era uma cantora.
Maddie o fulminou com um olhar.
— Nem sequer mencionou meu canto.
Os olhos de Ring faiscaram.
— Eu disse que era uma cantora... — baixou o tom da voz — emigrante.
Apertou os dentes, furiosa, e logo teve que conter um sorriso.
— Ha! Ha! Há! — Girou sobre seus calcanhares e se afastou. — Já veras — disse por cima do ombro. — Esta noite descobrirá quem e que sou.
Ficou de pé enquanto a seguia com a vista. Era uma mulher extremamente interessante, pensou. Bonita e pronta... e em dificuldades. E não precisava, mas problemas dos que já tinha. Gostava da forma em que lhe disse que era maravilhosa, não, que tinha uma voz magnifica. Às vezes o irritava sobremaneira as mulheres que constantemente lhe perguntavam se o agradavam seus vestidos ou seus penteados. Possivelmente Toby tivesse razão. Havia dito que todos os moços do protótipo Montgomery conquistavam mulheres com muita facilidade. Tinham boa presença e dinheiro e geralmente as mulheres não pediam nada mais que isso. Toby havia dito que não era justo, já que ele nunca tinha tido nenhuma dessas coisas, assim, para conquistar mulheres tinha tido que ser amável com elas e as cortejar.
Ring observou Maddie que caminhava diante dele. Sua superioridade viril, sua boa aparência não a tinha impressionado e duvidava que pouco se importasse que sua família tivesse dinheiro. Depois de tudo, como poderia impressionar o dinheiro a alguém que tinha passado sua infância usando uma coroa na cabeça e passeado entre seu povo? Riu em voz alta e logo recuperou o domínio sobre si mesmo, quando alguns homens ficaram lhe olhando com certa surpresa. Era uma mentirosa, era verdade, mas também era uma pessoa muito interessante e criativa. Talvez precisasse menos amparo do que ele tinha pensado em um princípio, mas permaneceria a seu lado, embora não fosse, mas do que para ver o que aconteceria a seguir. Persegui-la por um empoeirado povoado de mineração, de buscadores de ouro superava em muito a vida no exército que, como assinalava Toby com farta frequência, podia matar a um homem de puro aborrecimento a maioria das vezes.
Sorriu e contemplou o rítmico vaivém das saias de um lado a outro de seus amplos quadris.
05
— Muito bem, — disse Ring a Toby — entendeu tudo o que te disse? Recorda todas as instruções?
Ambos se encontravam no interior de um edifício meio levantado detrás de uma grande armação de troncos, que algum dia seria um hotel, mas por essa noite era o cenário onde cantaria Maddie.
— Seria-me impossível as esquecer — comentou Toby com certo desgosto. — Me repetiste, mas de vinte vezes nos últimos dez minutos. Temos que manter o público em silêncio e se alguém demonstrar que não gosta do que ela canta, temos que lhe romper a cabeça.
— Mais ou menos — comentou Ring olhando o relógio outra vez.
— Que mosca te picou? Nunca o vi tão nervoso. Atua como se estivesse esperando um bebe.
— Nem tanto, mas quase. Ela pensa que estes bêbados apreciaram seu canto.
— Acreditava que era mais madura. — Ring suspirou.
— Deveria ouvi-la. Acredita que sua voz é um dom de Deus. Possivelmente o seja, mas é um dom para homens vestidos de fraque, para homens que bebem champanhe. Homens que vivem da cobiça e da luxúria, acredito que estes aqui só lhes interessam ver suas pernas.
— Não é uma má ideia.
Ring lhe lançou um olhar desgostoso.
— Nem todos podem ser tão nobres como você. Inteirei-me do que aconteceu com os dois hoje no povoado. Jamais ouvi que perseguiu uma mulher em público ou em particular. É verdade que a carregou como um saco de batatas entre as árvores?
Ring não respondeu, mas voltou a olhar seu relógio.
— Aconteceu algo entre os dois no bosque?
— Sim — replicou Ring em tom áspero. — Falamos. Alguma vez tentou fazer isso com uma mulher?
— Por que quereria fazê-lo? Estar no exército me brinda a oportunidade de ouvir mais conversa do que quisesse ouvir em toda minha vida. Beijou-a sequer?
— Toby, cale a boca.
Toby sorriu.
Maddie olhou a partitura uma vez mais. Ia cantar algumas árias com as quais estava bem familiarizada, canções de toada pegajosa, duas canções que destacavam sua voz em todo seu potencial e beleza, e para finalizar o programa, "América, a bela".
Frank tinha aparecido com um piano amassado e coberto de cicatrizes da viagem através das pradarias, mas o tinha afinado e conseguido que funcionasse bastante bem. Frank possuía certo talento e ela pensava que possivelmente alguma vez tinha sido músico, mas deve ter deixado para trás a possibilidade de uma carreira musical quando tinha subido ao cadafalso. Nunca tinha perguntado nada sobre sua vida passada. Um rosto como o desse homem contribuía enormemente a dissuadir a qualquer possibilidade de intercambiar confidências com ele.
Levantou o olhar quando o capitão Montgomery, seguido de Toby, entram no pequeno camarim improvisado que tinham levantado atrás do edifício meio terminado junto à porta traseira.
— Estão servindo bebidas — disse o capitão, abatido. — E apostando. Não estão acostumados aos entretenimentos civilizados. Toby e eu faremos todo o possível para mantê-los sob controle, mas não posso garantir nada.
— Eu os controlarei, capitão. Minha voz e eu controlaremos aos homens.
Ele lhe lançou um olhar como querendo dizer que ela não era muito compreensiva, logo sorriu e lhe piscou um olho.
— Seguro. Claro está. Provavelmente Deus envie um raio que caia sobre suas cabeças e os mate se não se comportarem como é devido.
— Fora! — Disse ela brandamente. — Fora!
A saudou com uma reverência zombadora e abandonou a tenda, mas Toby vacilou.
— Ele deixa louco a qualquer um, não acha, senhora?
— Mas do que se pensa. Diga-me, alguma vez alguém lhe disse que ele está equivocado?
— Alguns, mas no final ele sempre tinha razão.
— Com razão sua família lhe mandou servir no exército.
Toby riu como uma galinha choca.
— Senhora, toda a família é exatamente como ele.
— Isso sim, que não me acredito. A terra não poderia conter a todos.
— Sim, senhora. — Toby se sorriu com ironia. — Boa sorte esta noite.
— Obrigada.
Ao subir no cenário, recém construído essa tarde de acordo com as indicações de Sam, Maddie realmente se sentiu um pouco nervosa e soube que era graças ao capitão Montgomery. Nesse momento ele estava no fundo da grande sala, atrás do que pareciam ser uns trezentos homens, com sua pistola no cinto, a espada de lado e uma faca ou duas à vista. Estava preparado para lutar contra um navio cheio de piratas. Toby estava no outro extremo do salão limpando os dentes com uma faca bastante grande para cortar ossos de búfalos.
"Que o céu me acuda," pensou Maddie, “estou por cantar em uma prisão, mas neste caso os prisioneiros estão alegres e os guardas são lunáticos”.
Começou o programa com a bela canção "Ah, fors'e iui" da Traviata, mas só tinha cantado uns poucos acordes quando começaram as desordens no fundo da sala. E tudo foi culpa do capitão Montgomery. Um pobre mineiro cansado tinha reclinado sua cadeira para trás com muita força, caindo estrepitosamente ao chão e o capitão se lançou sobre o desgraçado, pistola na mão.
— Uma briga! — Uivou alguém e depois disso sobreveio o caos total quando começou o alvoroço. Os punhos choviam e as cadeiras voavam pelos ares.
"Que se faz com moços revoltosos?" Perguntava-se Maddie. "Chama a ordem, isso."
Inalo uma grande baforada de ar, encheu plenamente seus pulmões, saturou de oxigeno cada célula de seu corpo como lhe tinham ensinado e logo deu rédea solta a sua VOZ com uma nota muito alta, clara e muito forte.
Imediatamente reteve a atenção dos homens que estavam mais perto dela, enquanto faziam uma pausa com os punhos apontando aos rostos de seus competidores, e a olharam com olhos orbitados pela surpresa, sem piscar sequer.
Maddie sustentou a nota e os outros homens começaram a voltar suas cabeças. Aqueles que estavam perto do cenário começaram pouco a pouco a bater palmas ritmicamente, marcando o compasso com seus aplausos. Os homens que estavam no meio do salão acrescentaram golpes de seus pés ao compasso rítmico. Os que se encontravam no fundo foram os últimos em perceber o que estava acontecendo e cessaram em seu intento por matar aos homens que uma hora antes tinham sido seus amigos.
— Que me condenem! — Exclamou Toby observando-a enquanto ela continuava sustentando essa única nota ininterrompidamente.
Ring soltou o cabelo do homem a quem estava golpeando com os punhos e a olhou. Agora ela retinha a atenção de todo mundo.
Maddie continuou sustentando a nota. E sustentando-a. E sustentando-a. As lagrimas rolavam por suas bochechas. Tinha esvaziado de oxigênio seus pulmões, mas ainda a sustentava. Extraiu ar de todas as partes de seu corpo, das pernas, dos braços, das gemas dos dedos, dos dedos dos pés, até das pontas de seus cabelos. Esgotou tudo o que tinha enquanto os homens seguiam com seus aplausos rítmicos. Um, dois, três, quatro. Contínuo sustentando-a. Sua coluna vertebral estava lhe tocando o umbigo. O espartilho lhe dançava no corpo e ela continuava sustentando essa aguda nota cristalina.
Por Fim, logo depois de quase uma eternidade, estendeu os braços aos lados do corpo com os punhos apertados. Doía-lhe todo o corpo, cada músculo, mas mesmo assim manteve essa nota.
Jogo a cabeça para trás, e logo, rápida e bruscamente, juntou os punhos, dobrou os cotovelos, levou os punhos à frente e os baixou de repente!
Deixou de cantar e por um instante acreditou que desmaiaria, mas começou a ofegar lutando desesperadamente por respirar como alguém que estivesse se afogando e a multidão explodiu enlouquecida de entusiasmo. Aclamaram-na e dispararam suas pistolas, seus rifles e suas escopetas no ar. Os homens se agarraram pelos braços e começaram a dançar pelo salão. Poderiam ser seres incultos e com uma moral que poderia deixar muito que desejar, mas com toda segurança sabiam reconhecer um milagre quando acabava de passar ante seus olhos.
Maddie se repôs, olhou por cima das cabeças dos jubilosos mineiros procurando o capitão Montgomery no fundo da sala. Tinha os olhos tão arregalados pelo assombro como os outros. Brindo-lhe seu sorriso mais presumido e assinalou para o céu. Ele lhe devolveu o sorriso, logo levou uma mão ao estomago, a outra às costas e fez uma profunda reverência. Quando se endireitou, Maddie lhe fez uma ligeira inclinação de cabeça digna de uma verdadeira rainha.
Depois disso, aqueles homens solitários, cansados e meio bêbados se entregaram por inteiro. Ela cantou e eles escutaram. Frequentemente a irritava que seus compatriotas tivessem tantos preconceitos infundados contra a ópera. Pareciam acreditar que só era para reis e para todas aquelas pessoas de ampla cultura, quando a verdade era que a ópera tinha tido sua origem em uma reação contra a complicada "polifonia do Renascimento" que afastava à música de suas fontes populares. Tinha começado como um surto do povo para o povo.
Cantou aos mineiros a história da pobre Elvira que não podia ter ao homem que amava, logo cantou "Qui la voce sua soave", onde a jovem enlouquece. Ao terminar a canção viu mãos toscas enxugando furtivamente as lagrimas que tinham brotado de alguns olhos.
Cantou "Una voce poco fa" do Barbeiro de Sevilha, depois de lhes narrar que Rosina jurava solenemente casar-se com o homem que amava fosse como fosse. Todos consideraram que isso era muito mais lógico e sensato que tornar-se louca.
Depois de escutarem seis árias, os homens já estavam pedindo algumas repetições. Maddie não tinha cantado para um público tão sinceramente agradecido e atento desde que tinha saído da casa de seus pais.
— Fique louca outra vez — gritavam alguns.
— Não, se case com o camponês — uivava algum outro.
Cantou durante mais de quatro horas até que o capitão Montgomery subiu ao pequeno tablado e deu por terminado o espetáculo. Gritaram-lhe e assobiaram e no princípio, Maddie, começou a lhe dizer que ela decidiria quando terminaria de cantar, mas finalmente o senso comum prevaleceu sobre seu amor próprio. Agradecida, tomou o braço que ele lhe ofereceu para conduzi-la para a porta traseira e até a tenda que servia de camarim.
Ao retirar-se da sala lhes acompanhou um aplauso fechado, realmente ensurdecedor com a ajuda dos disparos de várias armas de fogo. Já não eram somente trezentos homens como no princípio, mas sim, enquanto Maddie tinha cantado, centenas mais tinham entrado silenciosamente, respeitosamente e nas pontas dos pés e quando já não cabia um alfinete mais, subiram às paredes e se sentaram acima. Outros abriram as portas e ficaram de pé, ou sentados, ou deitados no chão fora do edifício para ouvi-la cantar.
— Tenho que repetir alguma canção a pedido do público — disse Maddie, mas o capitão Montgomery se manteve firme.
— Não, não é necessário. Está fatigada. Deve ser um esforço sobre-humano cantar desse modo.
Ela lhe deu um olhar fugaz e viu uma mescla de assombro e admiração em seus olhos escuros.
— Obrigada — disse e se inclinou ligeiramente contra ele. Seu antigo agente jamais tinha se importado se ela estava fatigada ou doente; considerava que o canto era assunto de Maddie e não dele. Nunca discutia se ela argumentava que estava muito doente para atuar, algo que ocorria muito raramente. Seu interesse radicava em conseguir contratos e na quantidade de dinheiro que ganhava na bilheteria.
Entretanto, era agradável que alguém compreendesse que estava fatigada. Sorriu-lhe.
— Sim, estou um pouco cansada. Possivelmente, capitão, aceitaria compartilhar comigo uma taça de vinho do Porto. Sempre levo comigo uma garrafa do melhor vinho do Porto português e sempre tomo uma taça depois de cantar. Suaviza-me a garganta.
Por toda parte havia homens disparando suas armas de fogo, mas para eles nada existiam, estavam sozinhos no mundo. A luz da lua lhe banhava o vestido de seda rosa fazendo-o brilhar com um suave resplendor, e seus ombros nus, se mostravam brancos, arredondados e suaves.
— Eu adoraria — respondeu em voz suave. Levantou a cortina que servia de porta e a sustentou para que ela entrasse. Maddie deu alguns passos, e então viu que no interior a aguardava esse homem horrível, que conhecia o paradeiro de Laurel. Sua pistola apontava diretamente ao coração de Maddie e ela compreendeu que se não se desfazia imediatamente do capitão dispararia a ambos. Girou e arrancou a cortina das mãos do capitão Montgomery.
— Me diga uma coisa, capitão, está tratando de me seduzir? — Perguntou-lhe bruscamente. — É por isso que queria que descesse do cenário?
— Caramba, não, eu...
— Não? Não é isso o que desejam todos os homens? Não foi por isso que me perseguiu através do povoado esta manhã? Não estaria tanto preocupando por mim para poder obter o que quer? Conheci homens como você ao redor de todo mundo.
A cada palavra sua se erguia mais as costas de Ring até ficar em posição firme. Não lhe agradava muito o que estava dizendo, porque em realidade, tudo o que tinha feito era protegê-la. Mas tinha que forçosamente livrar-se de sua presença. O homem que a estava esperando poderia disparar a um deles ou a ambos sem que ninguém percebesse devido ao enorme alvoroço que reinava ao redor da tenda.
— É isso, capitão? Pensa acaso que uma cantora emigrante como eu é uma mulher de vida alegre? — Como há pouquíssimas horas ele lhe havia dito que acreditava que ela era virgem, soube que a afirmação não tinha nenhum sentido. — A esperança de tirar algum proveito é o que o impede de retornar ao exército?
Ring a olhou com os olhos semicerrados e o semblante frio e duro.
— Desculpo-me por haver dado tal impressão com respeito a meu caráter. Esperarei aqui enquanto toma sua taça de vinho do Porto, logo a escoltarei até o acampamento. — Tocou a asa do chapéu, girou sobre seus calcanhares e se afastou um pouco a passos rápidos.
Maddie não quis nem pensar no que havia dito. Fazia o que tinha que fazer. O homem a estava esperando dentro da tenda e tinha guardado a pistola no cinto.
— Pensa com rapidez, não é verdade?
— Quando é necessário. — Dirigiu-se ao pequeno baú que Sam havia trazido para a tenda e tirou a carta que tinha escondido sob as roupas. Ele tirou outra de debaixo de sua camisa. O papel estava dobrado — como se fosse um envelope e não tivesse nada escrito, mas estava molhado de suor e enrugado por ter estado contra a pele do homem. Teve que fazer um grande esforço para não o empurrar a uma esquina e mantê-lo a boa distância de seu nariz.
Ele sorriu satisfeito como se pudesse ler seu pensamento, logo tirou outro papel do interior da camisa e a entregou.
Maddie o levou sob a luz do lampião que tinha deixado aceso no mínimo para que as sombras do interior da tenda não fossem visíveis ao exterior. O que viu foi um mapa. No dia seguinte devia cantar em algum lugar de Tarryall Creek e dois dias depois em um pequeno povoado isolado chamado Pitcherville. Já em Pitcherville, deveria usar o mapa e subir pelas montanhas rochosas uns cinquenta quilômetros até o lugar onde deveria entregar a carta seguinte.
— E Laurel estará ali? — Perguntou-lhe. — Me disseram que a veria depois do terceiro acampamento.
— Se puder localizar o lugar.
— Posso localizá-lo perfeitamente.
— Sozinha? Se aparecer com seu capitão de opereta, morrerão os três.
— Não poderia matar a uma criança.
Ele riu com ironia.
— Depois do que padeceu, bem poderia desejar estar morta.
Maddie se lançou sobre o homem ao ouvir isto, mas ele a abraçou com seus poderosos braços e a reteve contra seu corpo.
— O que acha se me dá um beijo?
Passou bastante tempo antes que Maddie saísse da tenda. O capitão Montgomery a estava aguardando para acompanhá-la de retorno a seu próprio acampamento. Caminharam no mais absoluto silêncio.
Por último foi Ring quem o rompeu.
— Não parece ter desfrutado muito de sua taça de vinho do Porto. Não faz outra coisa que limpar os lábios com a mão.
— O que faça ou não faça não é de sua incumbência!
Ao chegar à sua tenda ordenou que Edith que pusesse água para esquentar.
— Vou tomar um banho.
— Um banho completo? — Perguntou Edith.
— Sim. Tão quente como posso suportá-lo. — Dirigiu-se imediatamente ao interior da tenda.
— Que mosca lhe picou? — Inquiriu Toby, estranhando-o. — Acreditava que esta noite havia se sentido verdadeiramente feliz.
— Assim era — respondeu Ring, tenso. — Fui muito feliz até que ela acreditou que me impulsionavam certas intenções desonestas.
— Então não te conhece bem, eh? — Comentou Toby com certo ar insultante, mas Ring não tomou como tal.
— Não, não me conhece. Em um momento estava me convidando para tomar uma taça de vinho do Porto com ela e ao seguinte, olhou no interior da tenda e atuou como se eu fosse um sátiro a ponto de atacá-la. Essa mulher é incompreensível. Ela... — Calou subitamente. — Toby, fui um estúpido — disse, virou-se e saiu correndo.
Quatro homens estavam desarmando a tenda que tinha servido de camarim de Maddie, mas Ring examinou o chão com a ajuda de um lampião. A terra estava muito pisoteada para revelar algum rastro em especial, mas recolheu a bituca de um charuto.
— Isto pertence a algum de vocês? — Perguntou aos homens que levavam a tenda desmontada.
— Não, pode guardar.
— Não, quero saber se algum de vocês o fumou.
Um dos homens acotovelou a outro com um olhar suspicaz
— Essa bonita cantora o mandou caçá-lo? O outro tipo já se foi.
— Viram alguém sair da tenda?
— Eu não vi nada — respondeu o homem. — Viu algo, Joe?
Ring compreendeu que os homens não lhe dariam nenhuma informação voluntariamente. Apaixonaram-se por Maddie e desejavam protegê-la. Segurou o primeiro homem pela gola da camisa.
— Quer conservar essa cara que tem? Então, me diga o que viu. Acredito que esse indivíduo tem intenção de matá-la.
Quatro pistolas apontavam à cabeça de Ring e ouviu como as engatilhavam. O homem se libertou das mãos de Ring com uma sacudida.
— Por que não o disse antes? Acabo de vê-lo escapulindo-se por ali. Não poderia dizer se já o vi em outra ocasião.
Ring olhou com o cenho franzido, mas eles seguiam lhe apontando com as armas. Não pareciam ser perigosos a menos que algum deles tropeçasse em uma pedra.
— Baixo? Alto?
— Médio. Mais ou menos de média estatura, acredito.
— Loiro? Moreno?
— Mais ou menos.
— Demônios! — Exclamou Ring e espremeu a bituca do charuto na mão. Afastou-se dos homens, amaldiçoando em voz baixa. O que estava lhe acontecendo? Sabia perfeitamente que ela era uma mentirosa, entretanto, desta vez tinha acreditado nela. Se não estivesse tão machucado e dolorido, teria se esbofeteado por haver acreditado. Ela tinha ferido seu maldito orgulho. Tudo o que teve que fazer foi soltar alguns impropérios e insultos e ele se afastou como um garotinho ferido.
O que... quem... tinha estado no interior da tenda, esperando-a? Ela deve havê-lo visto quando ele levantou a cortina. Seria possível que tivesse lhe salvado a vida fazendo-o se zangar. Ring percebeu que se tivesse permitido que ele entrasse na tenda enfrentaria uma emboscada completamente despreparado, talvez não estivesse vivo nesse momento.
Néscio, pensou. Sou um maldito néscio por não havê-la calado nesse momento.
Parou em seco ao recordar como esfregou os lábios com a mão e como tinha exigido que preparassem um banho assim que tinha chegado à tenda. Por que a chantageavam? Com o que poderia alguém ameaçá-la para que ela fizesse o que estava fazendo?
Reatou a marcha afrouxando o passo ao aproximar-se do acampamento. Como guarda-costas, Frank e Sam eram virtualmente dois inúteis. E, por desgraça, ele não tinha sido muito melhor. Tinha estado tão cego pelo tom de sua voz que tinha esquecido completamente qualquer possibilidade de complô para chantageá-la, tinha perdido todo sentido do perigo.
Quando o acampamento esteve à vista, seu primeiro impulso foi precipitar-se ao interior da tenda e exigir que contasse o que estava passando. E o que utilizaria para forçá-la a lhe revelar seus segredos? A violência física? Desde o começo Maddie jamais tinha acreditado que ele a machucaria. Nunca tinha tido medo dele. E estava certa, porque jamais faria mal a uma mulher.
Então, como ia conseguir que ela confiasse o bastante nele para contar seu problema? Logo que teve esse pensamento, soube que a palavra chave era confiança. Ela tinha que confiar nele.
Viu Edith que saía da tenda.
— Terminou de banhar-se?
— Sim, e tenho as costas machucada de conduzir cubos de água.
Ring tirou do bolso uma moeda de ouro e deu a ela.
— Dar-lhe-á tudo o que te peça.
— Eu te darei tudo o que você queira e me peça — ronronou ela, mimosa.
Ring fez caso omisso e entrou a pernadas na tenda.
— Capitão Montgomery! — Chiou Maddie. — Como se atreve!
— Vim pelo vinho do Porto que me ofereceu. Quero dizer, se esse homem que esteve aqui antes com você, não bebeu tudo.
— Jamais na vida lhe ofereceria vinho do Porto. — Tampou a boca com a mão.
— Não? O que lhe serviu, então?
Maddie desviou o olhar.
— Não tenho ideia do que está falando. Vejamos, capitão, estou muito fatigada e eu gostaria de ir para a cama.
Ele tomou o pequeno tamborete e se sentou.
— Diabos, mas eu vou tomar um pouco de vinho do Porto. — Sorriu-lhe. — Não gostaria de tomar algo? Poderia se acalmar um pouco.
— Estou muito calma. Sempre o estou depois de uma atuação.
— Seriamente? Tem certeza de que não foram os beijos desse homem os que a puseram neste estado?
Maddie afastou o olhar dele e começou a tremer ao recordar como a tinha manuseado esse homem detestável.
Nunca em sua vida tinha tido que suportar que alguém a roçasse se esse não era seu desejo. Desde sua mais tenra infância tinha compreendido que era diferente dos outros, até tinha acreditado que era uma pessoa especial, assim tinha um grande respeito por si mesmo. Quando tinha vinte anos, um conde francês tinha tentado se esfregar nela em um sofá, mas esse encontro fugaz lhe tinha sido tão desagradável que nunca tinha repetido a experiência. Os homens se contentaram ouvindo-a cantar; não tinha tido que lhes dar nada mais.
Mas essa noite... Oh, Deus, essa noite ele a tinha manuseado. E poderia ter feito muito mais se não tivesse sido por Edith que tinha entrado na tenda como um furacão. Nesse momento, ao sentir que um braço fornido lhe rodeava os ombros, aterrou-se e começou a lutar cegamente.
— Shhh, sou eu — disse Ring. — Está a salvo agora. Tem a voz mais maravilhosa do mundo, um verdadeiro dom celestial e nunca senti tanto prazer como esta noite ao te ouvir cantar. Qual era essa canção sobre a dama que enlouquecia?
— Qui a voce soave — respondeu ela contra seu peito.
— Era a mais bonita? — Ele traduziu mal de propósito.
— Não. "Foi aqui com um doce toque."
— Ah, sim. Essa foi minha favorita.
Maddie lhe sorriu.
— Favorita até agora. Não ouviste muito ainda.
— Oh, mas sim, que tenho escutado. Ouvi cantar Adelina Patti.
— O quê?! — Afastou-se dele de um empurrão. — Patti? Essa espantalha? Seu fá sustenido é um desastre. Não deveriam lhe permitir apresentar no coro.
— Sua voz me pareceu bastante boa.
— Mas, por outro lado, o que conhece você? Não é nada a não ser um pobre soldado colonial enquanto que eu sou...
— Uma duquesa da Lanconia? — Olhou-a com uma sobrancelha arqueada.
Subitamente ela percebeu qual era seu propósito. Tinha estado tremendo e a ponto de chorar quando ele tinha entrado de improviso, mas já estava melhor, muito melhor.
— Gostaria de uma taça de vinho do Porto, capitão?
Ring soube que ela tinha compreendido e isso lhe fez sentir bem.
— Preferiria uma canção. Uma canção só para meus ouvidos.
— Há! Há! — Exclamou, mas estava sorrindo. — Deve matar dragões para merecer semelhante recompensa. Esta noite, tudo o que merece é uma taça de vinho do Porto. Mas é o melhor vinho do Porto do mundo. — Agradava-lhe sobremaneira que tivesse passado de ridicularizar seu canto a desejar que lhe dedicasse uma canção.
— Então terei que aceitar o que me oferece, mas me proponho chegar a merecer essa canção.
Maddie serviu o vinho generosamente em duas taças de cristal que guardava em um cofre feito especialmente para protegê-las.
— Pela verdade — disse ele levantando a taça.
Maddie deu com ele e logo bebeu o vinho, mas esperou cair morta nesse preciso momento. Deu-lhe um débil sorriso por cima da borda de sua taça e prometeu não lhe dar uma só informação mais.
Empreenderam a viagem no dia seguinte, e uma vez mais Maddie ficou prisioneira no interior do vagão que se sacudia violentamente, com Edith, que dormia e roncava. O capitão Montgomery tinha pedido permissão para viajar no vagão, mas ela o tinha negado. Teria gostado muito de sua companhia, ter alguém com quem falar, mas ele lhe teria tirado muitas informações.
Frank parou a carruagem no meio da manhã e o capitão se aproximou da janela.
— Temo que devo te pedir um favor. Toby não se sente bem, poderia viajar no vagão?
— Claro. Pode sentar-se ao lado de Edith.
— Essa é precisamente a ideia — comentou Ring em um murmúrio.
— Como?
Fez-lhe um sinal para que ela se inclinasse um pouco para ele.
— Acredito que estão apaixonados — lhe sussurrou ao ouvido.
— Ahn? — Endireitou-se e olhou primeiro para Edith e depois para Toby que parecia perfeitamente são.
Ring lhe indicou que voltasse a aproximar-se.
— Querem estar a sós.
Maddie não compreendia ainda o que ele queria realmente.
— Pode cavalgar comigo.
— Já entendo. Se este for um truque para que esteja a sós contigo, já pode ir esquecendo.
— Pode montar meu cavalo.
Não perguntou como tinha adivinhado que ela podia montar seu magnífico semental, ou que ela estava ávida por fazê-lo, mas não ia desprezar essa oportunidade. Abriu de repente a porta do vagão e o fez tão intempestivamente que bateu totalmente contra o ombro de Toby.
— Sinto muito, eu...
Ring virtualmente levantou Toby no ar e lhe lançou no interior do vagão fechando de um golpe a porta a suas costas.
— Edith se encarregará dele. — Imediatamente, com gesto majestoso, assinalou com o braço a seu magnífico animal.
Ela sorriu ao cavalo.
— Aqui, Satã — o chamou, mas o cavalo não se moveu. — Satã?
Ring tirou o chapéu e coçou a cabeça.
— Tenta com... Botão de Ouro.
Ela o olhou, incrédula.
— Botão de Ouro?
— Não foi minha ideia. Minha irmãzinha mais nova lhe pôs o nome. Come qualquer coisa. Meus irmãos queriam chamá-lo Serrim, mas considerei que Botão de Ouro era o menor entre dois maus.
— Não se chama Satã?
Ele baixou a vista e o cravou em seu chapéu.
— Minha família teria morrido de risada a minha costa. Está pronta para montá-lo?
— Vem aqui, Botão de Ouro — o chamou e o cavalo se aproximou trotando diretamente em sua direção, passou diante de sua mão estendida e começou a mordiscar a pintura vermelha do vagão. Maddie se pôs a rir, tomou as rédeas e o montou.
— Não está acostumado a ninguém além de mim, assim que o peso leve de seu corpo pode inquietá-lo — disse ele enquanto encurtava os estribos.
Ela deu alguns tapinhas no pescoço do animal.
— Estarei bem. Meu pai me ensinou a montar. Levar-nos-emos muito bem. Não acha, meu enorme e lindo animal?
Frank olhou Ring e este negou com um movimento de cabeça. Mulheres e cavalos.
Maddie conduziu facilmente Botão de Ouro. Era maravilhoso voltar a estar no lombo de um animal brioso e começou a subir pela inclinada ladeira diante do vagão, enquanto que Ring montando o cavalo de Toby tinha problemas para não ficar atrasado. Ela teria ficado encantada em provar esse animal na pradaria, mas nas Rochosas, não havia nem um só trecho de terra plana.
Quando Ring conseguiu alcançá-la, Maddie estava sorrindo alegremente.
— Deve ser maravilhoso está de retorno ao país onde se cresceu — disse ele com indiferença.
— Oh, sim, é verdade. É estupendo. O ar é tão puro e limpo e... — Percebeu que tinha estendido outra armadilha e que ela tinha caído inocentemente nela. Observou-lhe e viu que estava sorrindo com satisfação. Desviou o olhar. — Capitão... — começou a dizer devagar — como se chama? Quero dizer, além de "moço" como te chama Toby?
— E "diabo personificado" como me chama você? — Ela ocultou seu rosto. — Meu nome é Ring.
Voltou-se e jogou um olhar cheio de curiosidade.
— Ring, como anel? Já entendo. E todos seus irmãos e irmãs, como se chamam? Colar? Bracelete? Pulseira, talvez?
Ele riu.
— Não, em realidade é Christopher Hring Montgomery. Meu segundo nome se escreve com H na frente, mas o H não se pronuncia. Minha mãe sempre o escreveu pondo um apóstrofo. Suponho que impediu que alguém me chamasse Huh ring.
Ela guardou silêncio por um momento, desfrutando do ar da montanha e do maravilhoso cavalo que montava.
— Como lhe puseram esse nome?
— Meu pai tem uma velha Bíblia da família cheia de nomes de nossos antepassados.
— Como quais?
— Como Jarl, Raine e Jocelyn.
— Jocelyn é bonito.
— Não quando o tem um moço, como acontece em minha família.
— Possivelmente teriam que dar ao moço outro nome, como bom, não sei. Lyn, possivelmente.
— Lyn! Teria que defender-se com uma pistola desde os seis anos de idade.
— Lyn não é pior que Ring. Por que não lhe chamaram Chris?
— Christopher é o nome de meu pai. Eu teria sido "Jovem Chris" ou, em nossa família, "Jovem Kit". Tendo isto em conta, Ring não está mau, conquanto que não seja Huh ring.
Sorriu-lhe.
— E de onde tiraram o nome Maddie?
— Deu-me a rainha, é obvio. Ela dá o nome a todas as duquesinhas.
— Suponho que ela chamou sua irmã mais nova Laurel por causa de alguma árvore da Lanconia. Aposto...
Calou subitamente ao ver que a alegria desaparecia do semblante da jovem. Rebuscou em sua mente para saber o que havia dito de mau.
— Laurel — repetiu em voz baixa e a viu encolher-se. — Olhe! Era esse um pássaro azul da montanha? — Viu-a girar a cabeça e quando se voltou para ele tinha recuperado o controle sobre si mesmo. "Laurel," pensou. Possivelmente tudo isto tivesse algo que ver com a pequena Laurel.
06
A segunda atuação de Maddie não requereu uma apresentação pomposa nem espetacular para que os mineiros a escutassem, pois por toda parte tinha se deslocado a voz sobre o acontecido na primeira atuação e os homens tinham viajado muitos quilômetros, de todos os acampamentos da redondeza para ouvi-la.
Informou ao capitão Montgomery que cantaria ao ar livre. Ele tinha protestado, mas logo tinha cedido ao ver quanto resolvida estava. Os homens construíram algo parecido a um tablado, bastante grande para ela e para Frank que ficaria em um canto, desta vez tocando flauta. O capitão Montgomery se situou em um extremo e Toby no outro.
Enquanto Maddie estava cantando lançou um só olhar ao capitão Montgomery. Estava apoiado em uma árvore, com os olhos fechados e uma expressão de verdadeiro prazer no rosto. Por muito que pudesse dizer dele, o certo era que realmente gostava da música que ela cantava. No final da apresentação se encontrou cantando para ele, observando pela extremidade do olho como ele sorria docemente cada vez que ela brincava com as notas, sustentando-as, soltando lindos trinos e percorrendo toda a escala musical com absoluta soltura.
Quando, depois de quatro horas, ele a ajudou a descer do cenário fez com que ela tomasse fortemente seu braço e entrelaçou os dedos com os dela.
— Tinha toda a razão — opinou ele. — Não há palavras para qualificar sua voz.
Maddie pensou que possivelmente era o elogio mais sincero que tinha recebido em toda a sua vida. O elogio era tão sincero e havia tanto feitiço na luz da lua que não lhe convidou a tomar uma taça de vinho do Porto em sua tenda. Assim que se encontrou a sós dentro da tenda, tirou uma fotografia de Laurel e ficou um longo momento contemplando-a. Poderia fazer qualquer coisa, menos confiar em alguém, pelo menos em ninguém que pudesse ser um obstáculo para salvá-la. Imaginou capitão Montgomery indo à luta, desembainhando sua espada, montanha acima e desafiando a morte a esse aterrador rufião das cartas. E como represália eles poderiam machucar Laurel.
Quando foi dormir só Laurel ocupava seu pensamento.
Nas jazidas de ouro de Pikes Peak os botequins abriam e fechavam a qualquer hora. Embebedar-se era uma ocupação tão importante como procurar ouro, e a bebida corria com a mesma liberdade e abundância que a água dos arroios da montanha.
Em uma das muitas tendas que serviam de taberna havia duas garrafas vazias de whisky sobre uma mesa, que poderia estar cheia de rachaduras se não fosse pela capa de graxa cinzenta que a cobria, e a seu redor estavam sentados quatro homens esvaziando a terceira garrafa.
— Nunca ouvi nada parecido — disse um dos homens. Um anjo não pode cantar melhor.
— Recorda que Sully disse que ela não valeria nem um centavo?
— Teria gostado que os moços a ouvissem.
— Poderíamos lhe pedir que cante em Bug Creek. — Demora um dia em chegar ali e só há cinquenta homens no total. Nem sequer lhe cobriria a viagem. Não o fará.
Pediram uma quarta garrafa e beberam a metade.
— Acredito que deveria cantar para nós. Sully gostaria, embora pense que não vale a pena e, além disso, não pode abandonar a jazida, com todos esses tipos por aí que tentam apropriar-se das minas.
Beberam o conteúdo da garrafa e quando pediram que lhes servissem a quinta já estavam encorajados ao máximo.
— Acredito que ela teria forçosamente que cantar para nós.
— Claro que sim — assentiram os outros três. — É obvio.
Ring ouviu passos de homens nas proximidades da tenda de Maddie e despertou imediatamente. Não tinha certeza, mas acreditava que eram dois. Em silêncio, saiu debaixo das mantas, pistola na mão e se dirigiu diretamente às árvores. Mal tinha chegado quando viu a sombra de um homem perto de uma árvore.
Ring cravou a pistola nas costelas do homem e quando este se voltou, sorrindo à luz da lua, o fôlego que exalava era suficiente para pôr fora de combate a qualquer um.
— Boa noite — disse o homem.
Foram às últimas palavras que Ring ouviu antes que lhe golpeassem a cabeça com a culatra de uma pistola e caísse no chão feito um novelo.
Despertou quando duas mãos fornidas lhe sacudiam vigorosamente. Ainda aturdido, abriu os olhos, mas estava muito escuro e que não podia distinguir o negro rosto que tinha diante dos olhos. Além disso, doía-lhe terrivelmente a cabeça, demorou alguns momentos em recuperar a memória e logo tratou de dar um salto, mas se encontrou cambaleando miseravelmente. Aferrou-se ao homem que lhe tinha despertado.
— Sam — sussurrou.
— Foi-se — lhe informou Sam com uma voz assombrosamente suave para um homem de seu tamanho.
— Foi-se? — Ring não podia compreender com claridade o que estava acontecendo já que a cabeça lhe doía da coronhada e de raiva. Piscou várias vezes para clarear a vista e voltou a olhar Sam. — Desapareceu? Foi-se? Aonde? Com quem foi se encontrar desta vez?
— A levaram. Quatro homens.
Ring ficou imóvel por um momento, tratando de entender o que lhe dizia.
— Quem?
— Não sei.
— Bom, onde demônios você estava? — Gritou Ring e segurou cabeça com ambas as mãos. Quando seu cérebro deixou de mover-se de um lado a outro do crânio, compreendeu que não tinha nenhuma importância quem ou por que, só importava aonde.
Desceu pela pequena encosta até a tenda de Maddie. Edith estava dentro revistando as roupas da jovem,
— Me diga tudo o que sabe — lhe ordenou. A luz lhe feriu a vista, mas avançou para ela com os olhos entrecerrados.
— Eram quatro homens. Entraram na tenda e a levaram. Acredito que estavam bêbados.
Doía-lhe tanto a cabeça que mal podia pensar.
— Onde estava? E Frank? E você? — Perguntou dirigindo-se a Sam.
Edith respondeu.
— Eu estava dormindo fora e não disse nem fiz nada. Preferi viver um pouco mais. — Deu-lhe um olhar desafiante se por acaso se atrevia a lhe dizer algo. — Frank não está aqui, e não sei onde está e acredito que eles golpearam Sam.
Ring se virou para olhar ao homem. O sangue que corria pelo pescoço não tinha sido muito visível até então, devido a sua pele morena. Ring sabia que a cabeça de Sam doía tanto como a dele, mas este não dava sinais disso. Olhou para Edith reprimindo apenas o desprezo que sentia por ela.
— Que caminho tomaram?
— Atravessaram o povoado.
— Para o Oeste — murmurou, voltou-se e abandonou a tenda. Despertou Toby quando estava selando Botão de Ouro, e respondeu às perguntas que Toby lhe formulava, de maneira rápida e concisa.
— Não pensará ir sozinho? — Inquiriu Toby.
Sabia que devia fazê-lo. Toby não era um grande cavaleiro e, além disso, estava se tornando velho, sem contar que Ring não queria arriscar sua vida. Não confiava em ninguém.
— Quero que permaneça aqui e que averigue o que possa sobre o que está acontecendo. Onde estava Frank e...
— Apostando. O homem é um jogador contumaz e que aposta forte.
Ring se voltou e olhou para Toby.
— E a covarde da senhorita Honey?
— Recebe clientes depois de que todos nós vamos dormir.
Era realmente assombroso que uma pessoa pudesse conhecer outra por tanto tempo como ele conhecia Toby e seguir lhe descobrindo novas facetas cada dia. Não tinha ideia de que Toby pudesse ser tão observador.
— E Sam?
— É um homem difícil de conhecer.
Ring montou a cavalo.
— Averigue o que sabem. Averigue de que lado estão e... — Fez uma pausa. — Averigue quem lhes contratou. — Tomando as rédeas dirigiu o cavalo para fora do acampamento. — Virei te ver quando tiver libertado Maddie.
Atravessou o acampamento concentrando-se obstinadamente em fazer caso omisso da dor que lhe rachava a cabeça e da cólera que alagava sua alma. Culpava-se por ter permitido que a raptassem, de não vigiar mais e ver melhor.
Não havia maneira de lhe seguir os rastros na escuridão através de um acampamento de várias centenas de homens que não tinham uma vida muito ordenada. Tudo o que Ring podia fazer era perguntar. Depois de mais de uma hora de interrogatórios sem resultados, encontrou dois homens que responderam afirmativamente, tinham visto quatro homens cavalgando para o Oeste e a cantora de ópera estava sentada diante de um deles.
— Como estava? Parecia ferida?
— Bonita — disse um homem. — Disse que seu canto era realmente bom e ela assentiu com a cabeça. Mas não me sorriu.
— Têm alguma ideia de aonde a levavam?
— Não lhes perguntei, mas por esse caminho há somente uns cinco ou seis acampamentos. Claro que não estive por aí há duas semanas, assim poderia haver mais agora.
Ring agradeceu aos homens e começou a subir pela inclinada costa seguindo um atalho trilhado e cheio de buracos. As árvores que bordeavam o atalho estavam desprovidas de casca porque os mineiros tinham usado muitas delas de polias5 para fazer subir e descer seus vagões pelo pela encosta.
Saiu o sol e ele seguia cavalgando com os olhos cravados no chão em busca de algum rastro que lhe indicasse a direção que ela tinha tomado. Possivelmente ela sabia um pouco de rastreamento, pelo menos suficiente para deixar alguma pista de sua passagem para que alguém pudesse segui-la. O sol já estava alto no céu e ele não tinha encontrado nada que lhe desse uma indicação sobre o lugar a aonde a tinham levado. Ao redor das onze da manhã Ring se encontrou ante uma bifurcação do atalho. Puxou as rédeas e o cavalo deteve a marcha. Tirou o cantil e bebeu alguns goles de água.
Tinha cinquenta por cento de probabilidades de acertar com o atalho correto. Com resignação, entrou pelo atalho que estava a sua direita. Não tinha avançado mais de cinco metros quando, por cima de sua cabeça passou uma flecha que se cravou no tronco de uma árvore a sua esquerda. Era uma flecha crow, exatamente igual à que lhe tinham disparado antes.
Lentamente, fez avançar a seu cavalo e arrancou a flecha do tronco. Era outro aviso? Ao olhar a ponta, soube imediatamente que a flecha servia de barreira. Ia pelo caminho equivocado, portanto, o índio devia saber aonde a tinham levado. Sabia, mas não ia atrás dela.
Por quê?
Olhou para as montanhas, mas não viu ninguém. "Porque ela não corre perigo", pensou. Pode ser que a tivessem raptado, mas não estava em perigo.
Ring fez dar a volta a seu cavalo e logo começou a percorrer o outro atalho. Sentiu-se seguro de si mesmo. Depois de percorrer mais de dez quilômetros, chegou à outra bifurcação no caminho e desta vez, quando tomou o da direita, não houve nenhuma flecha. Seguiu avançando até o entardecer. Quando estava anoitecendo chegou a um pequeno acampamento que não albergava a mais de cinquenta homens que viviam em choças e tendas, e debaixo de saliências de rocha na ladeira da montanha.
Não foi nada difícil localizar Maddie. Estava sentada sobre um tronco e rodeada de homens tristes e melancólicos.
— Somente uma canção?
— Por favor, senhora. — Pagaremos.
— Faça uma concessão.
— Por favor.
Ring quase se pôs a rir ao ver a cena. Ela estava sentada com seu vestido coberto de pó, a longa cabeleira solta caindo pelas costas, brilhando como uma princesa real.
— Seria melhor que se dessem por vencidos, moços — disse Ring por trás dos homens. — É a mulher mais teimosa que há sobre a terra. Não se pode obrigar a fazer nada que não queira voluntariamente. — Sorriu-lhe por entre os homens e ela devolveu um débil sorriso de boas-vindas. Era um sorriso que parecia dizer que tinha certeza de que ele viria procurá-la, mas porque tinha demorado tanto?
Ele abriu cainho entre os homens, passando sobre alguns deitados no chão e quando chegou a seu lado, estendeu-lhe a mão.
Maddie tomou e se levantou, logo o seguiu entre os homens. Eles se queixaram e grunhiram e ouviram algumas súplicas apagadas para que cantasse alguma canção, mas não interpôs violência alguma contra eles.
Lentamente, Ring a conduziu até onde estava seu cavalo, sentou-a na sela e montou detrás dela. Muito devagar com a mão perto da pistola, Ring guiou o cavalo para fora do acampamento, mas nenhum desses homens de olhar triste e rosto fatigados tentou lhes seguir.
— Já pode relaxar — aconselhou Maddie. — Não nos seguirão.
— Bastardos! — Murmurou Ring. — Tão logo a tenha posto fora de seu alcance, retornarei e...
Ela posou a mão sobre a de Ring que sustentava as rédeas.
— Não, por favor. Não tinham intenção de me fazer dano.
— Dano! Sinto a cabeça como se estivesse debaixo das rodas de um vagão carregado de ferro, a cabeça de Sam está sangrando e você diz que não tinham intenção de causar nenhum dano.
— Estavam bêbados, mas não é algo que já não me tenha passado antes.
— Percebo, é vítima de constantes sequestros. Isso era o que queria o homem que te visitou anteontem à noite? Ouvir-te cantar?
Não ia responder essa pergunta.
— Estes homens — esclareceu enfaticamente — queriam me ouvir cantar e para uma cantora de minha qualidade e prestígio o sequestro não é algo tão fora do comum. Na Rússia, depois de ter cantado para o czar, os estudantes desatrelaram os cavalos de minha carruagem e a arrastaram a mão até uma pensãozinha de mau aspecto. Nem sequer tinham tido dinheiro suficiente para pagar boas localidades, mas desejavam fervorosamente me ouvir cantar.
— E cantou para eles?
— Não. Queria fazê-lo porque me adularam muito com seus cuidados e elogios, mas me deu muito medo pensar que se corresse a voz de que eu poderia cantar em cativeiro como um pássaro na gaiola, alguém pudesse me enjaular para sempre.
Depois de um momento, Ring falou com certa rudeza.
— Vamos, se recline contra meu peito.
Ela vacilou por segundos, mas estava tão cansada que não pôde menos que reclinar-se contra ele. Sua cabeça encaixou debaixo do queixo de Ring.
Quem te acompanhava nas excursões pela Europa durante todos esses anos? — Sua voz seguia carregada de cólera,
— John Fairlie, meu agente, ia comigo.
Maddie podia sentir o peito de Ring contra suas costas, e percebia a ira que mexia em seu interior.
— Onde está todo o dinheiro que ganhou? Neste caso, quem se encarrega do dinheiro que ganhou nos acampamentos de buscadores de ouro?
— Não sei — respondeu ela, sonolenta. — John se encarregava do dinheiro. Agora o faz Frank ou possivelmente Sam. Não acredito que o faça Edith.
— O que sabe em realidade desses três? Há quanto os conhece?
— Poderia me fazer o grande favor de não formular mais pergunta?
Ele não respondeu e seu silêncio lhe deu a quietude necessária para poder fechar os olhos e permitir que seu corpo relaxasse contra o peito do homem.
Em questão de minutos ficou profundamente adormecida em seus braços, mas despertou sobressaltada quando ele se deteve.
— O que aconteceu?
— Nada, mas Botão está cansado, você está exausta e não me viria mal dormir um pouco.
Era verdade, estava mais cansada do que gostaria de admitir e quando ele estendeu os braços para ajudá-la a descer, deixou-se cair neles. Permaneceu em pé a seu lado durante alguns momentos e tirou uma folha que se enroscara em seus cabelos.
— É uma mulher que pode tirar de sério a qualquer um. Sabia?
Estava muito fatigada para discutir.
— Sabia que me encontraria. É o homem mais persistente que conheci.
— Suponho que está acostumada que os homens não durmam até te encontrar. Suponho que seu agente foi em sua busca quando os estudantes russos a levaram consigo.
— Oh, não, não o fez. Jantou faustosamente e foi para a cama. John sempre acreditou que eu poderia ajudar-me a mim mesma. O qual é verdade. Eles me teriam levado de volta pouco depois.
— Possivelmente — replicou ele, cortante. — Mas quem pode dizer o que teria acontecido?
Maddie sentiu que cambaleava inclinando-se para ele. Possivelmente era o efeito da luz da lua.
— Não é responsável por mim.
— Sim, sou. Tenho ordens do exército. —Sustentando-a passou o braço por cima dos seus ombros e a levou para uma pequena clareira. Quando lhe disse que se sentasse e permanecesse calada, ela nem se incomodou em protestar. Reclinou-se contra uma árvore rodeou o corpo com os braços e fechou os olhos.
Não o contaria por nada deste mundo, mas o sequestro que tinha sofrido nas mãos dos mineiros a tinha assustado bastante. Foi muito tempo depois que eles romperam em sua tenda que percebeu de que só queriam que ela lhes cantasse. Se nesse momento tivesse sabido que eram somente alguns mineiros bêbados em busca de alguém que lhes entretivessem, poderia ter protestado, mas tinha tido medo de que fossem os sequestradores de Laurel.
Quando teve a certeza de que simplesmente queriam que ela cantasse, havia-se posto furiosa e se sentou para esperar, que o capitão Montgomery a encontrasse.
Levantou-se sobressaltada quando ele tocou seu ombro para lhe oferecer uma xícara de café.
— Não trago muito para comer. Parti um tanto depressa.
Maddie lhe observou enquanto ele cuidava da fogueira e atendia a seu cavalo antes de estender umas mantas no chão que lhes serviriam de cama. Deu-lhe duas das horríveis bolachas secas providas pelo exército e quando ela terminou de comer, ele a pegou pela mão e a levou até onde estavam estendidas as mantas.
— Onde você dormirá? — Perguntou-lhe Maddie.
— Não se preocupe por mim. Não sou eu quem se mete em problemas a cada cinco minutos.
— Eu não estava em problemas. Estava perfeitamente a salvo, eu...
— Mas nenhum de nós podíamos sabê-lo. Sam tinha sangue correndo pelo pescoço e deveria apalpar o tamanho do caroço que tenho na cabeça. Ainda me dói tanto que apenas posso pensar com claridade, enquanto você diz com toda soltura que não estava em perigo. Você...
— Me deixe ver — lhe interrompeu ela. Qualquer coisa com tanto que o fizesse calar a boca. Sentou-se sobre a manta e lhe indicou com um gesto que se aproximasse e se inclinasse um pouco. Colocou os dedos no espesso arbusto de cabelo escuro e apalpou o enorme caroço que tinha na cabeça, o qual a fez se sentir um pouco culpada. Não tinha sido sua intenção que alguém pudesse sair ferido por sua causa.
Obedecendo a um impulso, inclinou-se para frente e beijo o galo.
— Pronto, isso te faz se sentir um pouco melhor?
— Não muito — respondeu ele e quando a olhou ainda franzia o cenho.
— Caramba, capitão, não tem nenhum senso de humor? Peço-te desculpas por causar tantos problemas, mas, poderia recordar que até agora não te pedi ajuda nem sua intervenção. Nunca desejei nem tenho sentido a necessidade de contar com uma escolta militar. É livre de retornar a seu posto quando o considerar conveniente.
Ele se voltou para a fogueira e se sentou a menos de meio metro das mantas.
— E quem te protegerá? — Perguntou a meia voz.
— Sam e...
— Há! Há! Você se protege melhor sozinha.
— Devo considerá-lo um elogio? Porque se for, quero deixar relatado em meu diário.
— Já te lisonjeei o bastante. Disse que eu gosto muito como canta.
Maddie franziu o cenho enquanto cravava o olhar no fogo.
— É verdade, você gosta de minha voz e minha maneira de cantar, mas disse coisas espantosas sobre mim. Chamou-me mentirosa e...
— Que eu saiba, quase tudo o que me disse até agora foram mentiras.
— Não compreende que às vezes existem motivos pelos que uma pessoa deve mentir? Ou sua vida foi sempre tão cômoda e agradável que alguma vez não se viu obrigado a fazê-lo? Acaso é um homem perfeito, capitão Montgomery, totalmente irrepreensível?
Ele permaneceu tanto tempo em silêncio que ela se voltou para o olhar e pela expressão de seu rosto soube que suas palavras o tinham afetado.
— Não, não sou perfeito, — disse. — Me assaltam temores como a todas as pessoas.
— Por exemplo? — Sussurrou ela. Nesse momento, não pareciam um oficial do exército e sua cativa, a não ser simplesmente duas pessoas solitárias sentadas junto ao fogo em meio da escuridão rodeadas de sombras. — A que coisas teme?
Ele abriu a boca para falar, mas voltou a fechá-la.
— Quando estiver disposta a me revelar seus segredos, contarei os meus. Até então, mantenhamos nossa conversa a outro nível. Agora, senhorita qualquer seja seu verdadeiro nome, se deite entre as mantas e durma.
Levantou-se e se internou na escuridão para lhe dar um pouco de intimidade enquanto ela se preparava para dormir. Quando os mineiros tinham irrompido em sua tenda lhes tinha rogado que dessem tempo para trocar a camisola por alguma coisa mais abrigada de vestir. Vestiu-se às pressas como tinha sido possível sem se incomodar em usar espartilho, mas sem ajuda não tinha podido amarrar a saia e se alegrou de poder usar a longa túnica que colocou sobre a blusa.
A noite na montanha fazia muito frio e se meteu debaixo da manta superior completamente vestida, apoiou a cabeça sobre o alforje do capital Montgomery e dormiu. Sendo ainda menina muitíssimas vezes tinha adormecido junto ao fogo crepitante e sob as estrelas.
Em meio da noite uma voz a despertou e, bruscamente, levantou-se sobressaltada.
O capitão Montgomery correu para seu lado e a obrigou a deitar novamente com um leve empurrão.
— Estava sonhando — murmurou ela. — Estava com meu pai.
— Ele não está aqui agora, assim se volte para dormir.
Ele começou a afastar-se, mas Maddie o segurou pela mão.
— Worth — sussurrou ela.
— Worth?
— Meu sobrenome é Worth. Meu nome é Madelyn Worth.
— Ah, sim, as iniciais M.W. que estão gravadas nos baús.
Maddie bocejou e virou de lado lhe dando as costas.
— Obrigada, capitão, por vir em meu resgate mesmo que eu não precisasse.
— Só espero não ter que salvá-la de novo.
— Eu também — murmurou e adormeceu.
Ring retornou a seu lugar contra uma árvore. Tinha frio e como tinha dado a ela as últimas bolachas secas do exército tinha fome, por isso mal pôde dormir. A maior parte do tempo passou observando-a e tratando de atar todos os cabos soltos e decifrar o enigma.
Pela manhã ainda lhe doía à cabeça e as costas, aumentando seu mau humor.
— Levante — lhe ordeno com irritação. — Isto não é a Ópera de Paris, onde pode dormir até tarde.
Maddie se espreguiçou e bocejou.
— Com toda certeza se levantou com o pé esquerdo.
— Não me deitei sequer para poder me levantar com um pé ou outro.
Ele não sabia, claro, mas Maddie tinha passado a maior parte de sua vida entre homens e conhecia muito bem quando um deles estava de mau humor.
— O que acontece, capitão? Zangado porque uma mulher não faz o que você quer que faça?
A olhou por cima da xícara de café e arqueou uma sobrancelha.
— Imagino que não teve muitos problemas com mulheres, não é assim? Tenho certeza de que sendo tão incrivelmente bonito não teve dificuldades em conseguir das mulheres tudo o que deseja.
Ele se ergueu ao ouvir "incrivelmente bonito".
— Posso ouvir todas essas suas jovenzinhas. — Elevou os olhos ao céu e sorriu bobamente. — Oh, Ring — disse em tom meloso enquanto pestanejava. — Dança tão maravilhosamente bem e é tão delicioso ter um homem tão forte em quem apoiar-se. Agrada-te meu vestido? — Deu-lhe uma olhada e continuou. — Oh, capitão, faz muito calor aqui dentro. Não poderíamos dar um passeio pelo jardim? Nós dois somente? À luz da lua? — Voltou-se para o olhar e sorriu com picardia. — É essa a história de sua vida?
Ele teve que morder os lábios para não rir, posto que a descrição fazia honra à realidade que tinha vivido até então. No forte, Toby era o encarregado de advertir Ring cada vez que a filha do coronel, e inclusive a esposa, aproximavam-se, pois de outro modo, Ring teria passado a metade do tempo conduzindo coisas ou dando sua opinião sobre as cores das fitas, ou falando sobre o calor, o frio, o pó ou o estado do mundo em geral.
— Nem por indício — respondeu lhe entregando uma xícara cheia de café.
— Agora, quem está mentindo? Por baixo desse bronzeado tão varonil se nota que tem as bochechas acesas de rubor. — Soltou uma gargalhada cristalina quando o rubor se acentuou.
Deixou de olhá-la com o cenho franzido e sorriu.
— Em realidade, meu problema com as mulheres foi justamente o contrário e por esse motivo meu pai contratou Toby. Está pronta para partir? Devemos partir logo se tivermos que...
— Acreditava que Toby estava no exército contigo.
— Sim. Alistou-se porque eu o fiz. — Deu-lhe um olhar de recriminação. — Ele lhe contou isso, verdade? Alegro-me de ser melhor detetive que você. Seria conveniente que apertasse a saia, ou engordou?
— Não engordei. Deixe meu espartilho. — Calou bruscamente zangada porque ele a tinha obrigado a mencionar uma peça de roupa interior. — Me fale de Toby.
— Ouça, pode lavar a cafeteira ou só sabe cantar?
— Posso fazer muitas coisas que nem imagina. Que há para o desjejum?
— Terá que esperar. Comeu todas as bolachas secas e não temos tempo para ir caçar.
— Eu poderia apanhar um coelho com uma armadilha ou então caçá-lo de um tiro, se disso se trata.
Ele a olhou diretamente nos olhos.
— Ah, sim? E onde aprendeu a fazê-lo?
— Meu pai — respondeu ao recolher a cafeteira e levar ao arroio onde a limpou com areia. Quando retorno encontrou a fogueira apagada, as mantas enroladas e postas sobre a garupa do cavalo. Maddie esfregou brandamente o focinho de Botão de Ouro. — Por que seu pai contratou Toby? — Não queria perguntar-lhe mais a curiosidade a estava consumindo. Do primeiro instante em que o tinha visto, tinha tido certeza de lhe conhecer por completo. Infelizmente, a experiência tinha ensinado que todos os homens bonitos e fortes eram muito parecidos. A vida jamais lhes tinha negado nada e sempre esperavam que dessem mais. Mas o capitão Montgomery a tinha surpreendido desde o princípio. Pensando-o bem. Onde tinha aprendido a usar uma tanga e a mover-se furtivamente sem ser ouvido?
Ele a ajudou a montar e fez o mesmo detrás dela.
— Por que acha que um pai contrataria a um homem como Toby para seu filho?
Ela sorriu.
— É fácil de compreender. Para que não se metesse em problemas. Apesar de todas suas queixas, Toby te cuida como uma mãe. Preocupa-se com você. Não há dúvida que teve que te ajudar a sair de vários apuros com filhas cujos pais lhe buscavam armados com suas escopetas. Acaso se alistou no exército para escapar de um matrimônio com uma pobre jovem inocente? — Retorceu-se na sela de montar para o olhar no rosto, segura de estar certa, mas o descobriu sorrindo calmamente.
— Não posso imaginar que a fez ter uma opinião tão mal de mim. Alguma vez disse ou fiz algo que pudesse ser considerado indecoroso?
— Além de haver ameaçado se deitando comigo para que me desse à liberdade que me pertence por direito?
— Sim, além disso. — Brilharam-lhe os olhos.
— Não, mas por outro lado, você não gosta muito de mim.
— Não acredito que gostar de você tenha muito que ver com... ah... do que estamos falando, não acha? Pode ser que não me seja simpática, que eu não goste muito você, mas não é exatamente feia.
— Obrigada — disse em voz baixa. — Isso, acredito. — Que conversa tão estranha tinham começado, especialmente quando estavam cavalgando juntos e só em meio das montanhas. — Por que contrataram Toby?
— Para me colocar em problemas.
Virou-se na cadeira e o olhou.
— Meu pai se preocupava que eu pensasse no dever por cima de tudo. — Ring fez uma careta. — E tampouco queria que me faltasse o senso de humor, assim quando fiz dezesseis anos contratou Toby para me fazer conhecer a vida.
— A vida?
— Garotas.
— Você não gostav... gostava... das garotas?
— Acreditei que só queria saber algumas coisas de Toby.
Estava um pouco confundida e não sabia a ciência certa o que queria saber.
— Fez? Apresentou-te garotas?
— Mais ou menos.
Ela teve que fazer um esforço para decifrar o que ele queria dizer.
— Nunca antes tinha ouvido que um pai contratasse alguém para que ensinasse a seu filho os fatos da vida.
— Ele temia que eu passasse muito tempo enroscado no negócio da família, isso é tudo. Assim escolheu ao homem que sabia mais sobre como viver a vida, que qualquer outro que tivesse conhecido antes.
— Toby?
— Toby.
Ela permaneceu calada um momento.
— Então, o mais provável é que tivesse êxito. Imagino que com seu rosto e... — Se negou em dar a satisfação de dizer físico. — Suponho que foi um aluno aplicado.
— Fiz o que me requeriam.
Maddie se perguntou que demônios queria dizer com isso.
— Mas me alistei no exército aos dezoito anos e aqui estou
— Indubitavelmente, deixando uma esteira de mulheres afligidas detrás você — comentou ela, rindo.
— Não.
— Mas com toda segurança...
— Não quero seguir falando de mim. Falemos agora de você.
Mas Maddie não queria falar dela.
— Capitão, não entendo nada disto.
— Eu tampouco compreendo muitas coisas de você.
Durante os poucos dias que tinham se conhecido, ele tinha se mostrado cortês e atento com ela. Exceto na vez que lhe tinha feito acreditar que a forçaria a deitar-se com ele, sentia-se segura a seu lado, mas agora parecia muito estranho, que jamais lhe tivesse beijado sua mão. E que nesse momento, sentada tão junto a ele, sua mão não se desviou nem um instante de onde devia estar.
— Seu pai teve que contratar alguém para que conhecesse mulheres porque não se sente atraído por elas naturalmente?
— Meu pai teve que contratar Toby.
— Bom, então, ele escolheu contratar Toby. Mas não estou falando disso. O assunto é se as mulheres lhe interessam ou não.
— O assunto de quem?
— Meu assunto! — Explodiu ela. — Te interessam ou não?
— Não, o quê?
— Não lhe interessam, idiota.
— Se me interessam em comparação com o quê? — Começou a falar, logo calou.
— Não vai responder-me, verdade?
— Quem era o homem que estava em sua tenda depois de sua primeira atuação? Quem contratou Sam, Frank e à encantadora senhorita Honey?
— É o tipo de mulher que você gosta?
— Todos os homens que você gosta fumam charutos e se ocultam nas tendas? Que te faz odiar tanto uma escolta militar? Por que finge ser uma duquesa? Que aconteceu com seu broche? Onde vive sua família? Quem...
— Muito bem! — Soltou uma risada. — Você ganhou. O que acha se te ensino a cantar um pouco?
— Preferiria que cantasse para mim — respondeu ele, em voz baixa.
— Não, cantar para você não. Ensinar-te. Agora, escute. — Entoou uma só nota. — Esse é um si bemol. — Entoou outra. — Dó. Este é fá sustenido.
— A que Patti não pode cantar?
— Que boa memória tem. Vejamos, escuta enquanto as entoo todas juntas. A ver se pode notar a diferença.
— Dó, fá sustenido, si bemol — as nomeou.
— Muito, mas muito bem. Acrescentarei outras notas. — Entoou mais notas para ele, as cantou uma detrás de outra e cada vez ele pôde as reconhecer perfeitamente. — Ouvido perfeito — exclamou com assombro — pode identificar as notas perfeitamente. Tem muito bom ouvido para a música, sabe?
— Nunca pensei nisso. Em minha família ninguém sabe uma palavra de música.
— Me cante uma canção — exigiu Maddie.
— Você não matou nenhum dragão para satisfazer seu desejo.
— Duvido seriamente de que seu canto falte preparação e estudo, vale um dragãozinho sequer. Canta ou perguntarei mais sobre isso a Toby.
Ele cantou "Row, Row, Row Your Boat6", e ela espero até o final antes de falar.
— Assombroso, capitão. Realmente assombroso.
— Não estive mau, heim?
— É assombroso que alguém possa ter uma voz tão agradável ao falar, um ouvido tão refinado para poder distinguir a mais leve variação nas notas e, entretanto...
— E, entretanto, o quê?
— Ser um cantor tão espantoso.
— Tome cuidado — lhe disse ele e a empurrou até quase fazê-la cair do cavalo, mas a sustentou antes que caísse. Ela arrojou os braços no pescoço dele para não perder o equilíbrio, logo levantou os olhos para ele, rindo. Ele, também estava rindo, e subitamente ela desejou que a beijasse. Possivelmente tudo se devia a conversa sobre as garotas e seu fazer o que se requeria.
Aproximou seu rosto do dele e viu como se inclinava sobre ela. Fechou os olhos... mas o beijo nunca chegou. Quando voltou a abrir os olhos ele a estava contemplando com uma expressão que ela não pôde decifrar. Envergonhada, retirou os braços de seu pescoço, endireitou-se e se virou.
— Quanto falta para chegar ao acampamento?
— Acredito que sabe tão bem como eu.
Era verdade. Não soube que outra coisa dizer. O bom humor que tinha reinado entre eles tinha desaparecido e não tinha ideia de qual tinha sido a causa, mas tampouco quis meditar sobre isso. Acomodou-se contra seu peito e aproveitou do passeio montanha abaixo.
07
No acampamento todos estavam esperando, mas o único que parecia preocupado por sua ausência era Toby. Maddie permitiu que Sam a ajudasse a desmontar do cavalo do capitão Montgomery e este seguiu seu caminho até onde ele e Toby tinham montado seu acampamento, em uma cornija da montanha que tinha vista sobre o outro acampamento.
Maddie entrou em sua tenda e Edith a seguiu.
— Ele veio quando estava ausente.
— Quem?
— Divertiu-se tanto com seu capitão que esqueceu de sua irmãzinha?
Maddie ficou alerta imediatamente.
— Mas por quê? Eu não devia me encontrar com ele até depois de minha atuação de amanhã. E nem sequer essa noite. Ele me deu um mapa.
— Sim, ele me disse tudo isso. Só queria assegurar-se de que estivesse ali. E me disse que vestisse algo bonito. Algo deslumbrante. Acredito que seu amigo capitão está começando a inquietá-lo.
Maddie se sentou na cama de armar.
— O que disse sobre o capitão Montgomery?
— Disse que precisa um rifle para búfalos para poder matar a um tipo tão grande como ele.
Maddie levou as mãos ao rosto.
— O que vou fazer? Amanhã devo ir às montanhas para me encontrar com esse indivíduo. Prometeram-me que veria Laurel. Não posso, sob nenhuma circunstância, irritar a esse homem. Irritar-lhe! — Disse com profunda amargura. — Já me disse que com Laurel fez... feito... não posso nem pensar nisso. Tenho que fazer o que ele diz.
— Então, seria melhor que não subisse à montanha com seu amiguinho militar pisando nos seus calcanhares. E o pequenino também está formulando perguntas.
— Pequenino?
— Toby. Esteve colocando o nariz e farejando ao redor de Frank e também de Sam. Eu tampouco me livrei dele. Quer saber tudo com respeito a você.
Maddie se levantou e foi até um extremo da tenda.
“Que ia fazer? Que podia fazer? Tenho que me desfazer do capitão Montgomery, pensou”. "Não posso lhe contar o que está acontecendo por medo de sua intervenção. E amanhã, seguiu pensando, estaria até mais alerta do que o habitual depois do fiasco dos últimos dias". Quanto ao acontecido, ninguém tinha visto os mineiros bêbados que a tinham levado, entretanto, de algum modo, ele a tinha encontrado. Se tinha podido encontrá-la uma vez, poderia encontrá-la de novo, mas desta vez não se toparia com simples bêbados melancólicos que queriam ouvi-la cantar. Desta vez seriam os homens que tinham prisioneira a Laurel.
— O que vai fazer? — Inquiriu Edith.
— Não sei. De algum modo, tenho que fazer com que ele fique no acampamento quando eu parta para as montanhas depois de amanhã.
— Ainda guardo algumas doses de ópio.
— Ele não aceita nem um bocado nem um sorvo de nada que eu lhe ofereça.
— E se lhe golpeasse com um pau na cabeça?
— Não quero lhe machucar. — Recordou como lhe tinha dado suas mantas e tinha permanecido sentado no frio toda a noite. Devia admitir que seu único propósito era protegê-la.
— O que me diz se consigo algumas mulheres? Poderia conseguir duas garotas e poderíamos...
— Não!
Edith a observou um momento.
— Que pena que não possa passar a noite deitada com ele...
— Tenho coisas mais importantes em que pensar que em seduzir um homem. Embora... — pensou que não a prejudicaria que ele confiasse mais nela. — Disse que Toby esteve perguntando muito sobre mim? Possivelmente eu possa formular algumas perguntas a Toby a minha vez. Vai agora e ponha a mesa para o almoço. Posso pensar melhor com o estomago cheio.
Edith tinha comprado frangos, despenado, tinha-os escaldado, e frito em óleo quente. Maddie convidou Toby para comer com ela, e não lhe permitiria sentar-se em nenhuma parte que não fosse à mesa com ela.
— Conhece capitão há muito tempo, não é assim, Toby? Por favor, se sirva mais de frango frito.
— Faz dez anos. A agradeço muito.
Ela sorriu com absoluta doçura.
— Me fale dele, quer?
Toby nem sequer a olhou. Estava acostumado que as mulheres perguntassem sobre Ring. Se fosse um homem propenso a engordar, teria se convertido em um tonel com pernas há muito tempo atrás por causa das mulheres que lhe tinham tentado com comida para chegar a Ring. Durante os primeiros anos, Toby havia se sentido apanhado porque, por um lado sabia que não devia abrir a boca para falar sobre Ring, e pelo outro, não queria cortar seu fornecimento de mantimentos.
— Não há muito que dizer. Não é tão diferente dos outros homens.
— Nem todos os pais contratam a alguém para que mostre a seu filho a parte mais asquerosa e vil da vida.
Toby se surpreendeu.
— Ele lhe contou isso?
— Sim, assim foi. Por favor, ponha mais manteiga nessa rosquinha. Estava me perguntando por que ele não... suponho que quero dizer, por que não presta atenção às mulheres.
— Não me explicou — respondeu Toby.
— Talvez um contrariado amor em seu passado. Alguém a quem amava e não pôde ter.
— Oh, quer dizer como essas canções que você canta. Não, nada parecido. Ele simplesmente não presta atenção às garotas. Caramba, vi-as fazer as coisas mais extravagantes que se possa imaginar para atrair sua atenção, mas foi em vão.
— Aqui tem outro tomate. Possivelmente sua falta de interesse pelas mulheres é uma peculiaridade de família.
— Não, senhora, de fato, essa foi uma das coisas que mais preocupou seu pai. Seus seis irmãos menores se interessam demais da conta por garotas, inclusive os menores. Claro, que poderia ter algo que ver com o fato de que o moço é o mais feio da família.
O garfo de Maddie ficou suspenso no ar na metade do caminho da boca.
— O capitão Montgomery, este homem que está aqui conosco, é o mais feio da família?
— Sim, senhora, é como o ouve. E seus irmãos menores jamais lhe permitem esquecê-lo. Eles sempre dizem que têm cães que são mais bonitos que seu irmão mais velho.
Nesse momento Maddie compreendeu que, apesar de seu aspecto sincero, certamente Toby estava zombando dela. Sorriu-lhe com indulgência.
— Se não lhe interessam as mulheres, o que interessa verdadeiramente?
— O dever. A honra. Coisas pelo estilo. — Enumerou essas qualidades como se fossem pecados espantosos. A olhou por cima de um enorme pedaço de pão frito. — Está interessada nele?
— Certamente que não. Só me perguntava se se podia confiar cegamente nele.
Toby deixou o pão sobre a mesa, e quando voltou a olhá-la seus velhos olhos brilhavam com intensidade.
— É absolutamente confiável. Você pode lhe confiar sua vida sem duvidar um minuto. Se ele assegurar que a protegerá, disse muito a sério. Deixar-se-ia matar antes de permitir que algo pudesse acontecer a você.
Maddie franziu o cenho.
— Então não posso imaginá-lo envolto em algo ilegal. — Como tratar de influir em um território para que se torne escravista ou não, pensou.
— Diabos, não! Oh, sinto muito, senhora. Aceitaria que o torturassem antes de cometer algum delito. — Toby fez uma careta. — Digo sinceramente, senhora, o moço pode acabar com a paciência de um homem. Não mente, não engana nem pratica fraude, não faz nada que não esteja sujeito às leis de Deus e dos homens.
Maddie esboçou um débil sorriso. Era precisamente como tinha pensado. Se o capitão Montgomery chegasse a inteirar-se das cartas, entregá-la-ia prisioneira ao exército por pura disciplina. Levá-la-ia arrastada à capital para que a julgassem por traição? Atrever-se-ia a dizer que o bem-estar do país era mais importante que a vida de uma criança?
— Você está meditando profundamente sobre alguma coisa, não é assim, senhora?
— Suponho que sim.
— Ele é um bom moço — acrescentou Toby. — Pode lhe confiar sua vida.
"Mas posso confiar meus segredos?" Perguntou-se.
— O que ele está fazendo agora?
— Vigiando.
— Vigiando o quê?
— Vigiando as cornijas, velando por você. Alguns homens a estão seguindo e um deles se instala em uma colina e a observa, pelo menos o que pode ver de todos. Dois deles se mantêm muito bem ocultos, mas os outros dois são verdadeiros inexperientes e muito torpes.
Maddie deixou de comer.
— Quer dizer que ele se senta ali acima e observa? Observa-me todo o tempo para saber o que faço?
Toby sorriu levemente.
— Está tratando de descobrir o que você está ocultando. Teria que contar-lhe para que ele possa dormir um pouco. Nem sequer posso lhe fazer comer outra coisa que não seja bolachas secas do exército e, graças a Deus, já estão acabando.
"Contar-lhe simplesmente", pensou Maddie. “Fá-lo-ia, certamente se todo este assunto não fosse tão grave.”
— Edith, ponha o que fica do frango e alguns tomates em uma bolsa.
— Vai vê-lo?
"Vou lhe dar algo mais em que pensar além dos homens que me estão seguindo", pensou.
— Sim. Possivelmente se agrade em ter um pouco de companhia.
— Ele prefere ler que conversar com uma mulher — mentiu Toby e teve que fazer grandes esforços para conter a risada. Tinha repetido essa mentira centenas de vezes a centenas de mulheres e cada uma delas tinha considerado um desafio pessoal. Alegrava-se ao ver que essa cantora de ópera não se diferenciava das demais
— Oh? Talvez eu possa o persuadir do contrário. — Recolheu a bolsa com o resto do frango e os tomates que Edith tinha preparado e começou a subir pela encosta.
— Capitão? — Chamou. Ele estava sentado no solo recostado contra o tronco de uma árvore, com toda a aparência de estar profundamente adormecido, mas ela sabia que não era assim. Sua respiração era muito regular, muito profunda. Acomodou-se no chão perto dele. — Pode deixar de fingir agora. É um capitão de cavalaria muito experiente para permitir que alguém o surpreenda dormido.
Ele abriu os olhos lentamente, mas não sorriu.
— O que faz aqui?
— Trago-te um pouco de frango frito.
— Acabo de comer, obrigado.
— Toby me contou o que come. Fiz ou disse algo que tenha lhe ofendido?
— Quer dizer, além de mentir todo o tempo e de se deixar sequestrar?
— E dizer que sei cantar? Por isso pode comprovar, seu senso de humor é inexistente, mas não acredito ter ferido seus sentimentos,
— Não, não feriu meus sentimentos. Agora bem, quer me fazer o favor de retornar a sua tenda?
— E deixá-lo aqui em cima sozinho para me espionar? — antes De pensar no que fazia, Maddie procurou detrás dele e segurou a luneta. Ele se lançou sobre ela para recuperá-la, mas ela a pôs a suas costas. Ring voltou a recostar-se contra a árvore.
— É muito antigo — comentou ela observando com atenção o lindo e gasto estojo de latão. — Não é dos que usam na marinha?
— Talvez.
Ela estirou a luneta até alcançar sua máxima longitude.
— Ah, sim, já recordo. Amarrou Sam e Frank com nós de marinheiro. Atrevo-me a pensar, capitão, que tem algo que ver com o mar em sua vida. Equivoco-me?
Ele lhe arrebatou a luneta das mãos sem responder.
— Que diabos te aconteceu para estar tão mal-humorado?
— Devo fazer muitas coisas e preferiria que retornasse agora mesmo a sua tenda.
Maddie abriu a bolsa que tinha lhe dado Edith e tirou um peito de frango frito.
— Trouxe-te isto para comer.
— Ah, sim? Está envenenado? Não vou provar nenhum alimento que provenha de suas mãos.
— Bebe o vinho do Porto que te ofereço. — Serviu duas taças da mesma garrafa e esperou que ele provasse primeiro.
— Muito bem — anunciou com resignação, cortou uma parte do peito e comeu a metade, logo lhe ofereceu a outra para que ele comesse.
— Obrigado, mas já comi.
— Está realmente delicioso — lhe assegurou enquanto sustentava a carne diante de seus olhos — o melhor que comi em minha vida. Mmmmmmm.
Ring esboçou um leve sorriso e quis morder a parte de frango, mas ela o retirou subitamente, afastando-o de sua boca enquanto soltava uma gargalhada.
Ele se lançou sobre ela, rodeou-lhe a cintura com um braço, empurrou-a contra o chão e o pedaço de frango e os dedos de Maddie foram ao interior de sua boca.
No princípio ela seguia rindo, mas logo, bruscamente teve consciência do corpo viril sobre o dela e os dedos dentro da boca quente de Ring.
— Ring — sussurrou.
Por um instante acreditou que ele estava sentindo o mesmo que ela, mas passado o primeiro momento Ring puxou seu pulso e tirou os dedos de sua boca.
— Frango, sim, mas dedos humanos, não.
Dava a sensação de que ele a tinha rechaçado em todas as oportunidades que ela o tinha devotado. Era difícil conter-se e não lhe arrojar a bolsa inteira com o frango e os tomates no rosto e retornar imediatamente ao acampamento. Em troca, recordou que devia mostrar-se amável com ele, pelo bem de Laurel. Tinha que se encontrar com um dos sequestradores depois da atuação do dia seguinte, devia conseguir a confiança do capitão Montgomery.
Fez um esforço para sorrir.
— Se tiver terminado de me esmagar com seu corpo desmesurado, eu gostaria de me levantar do chão.
— Claro — respondeu ele alegremente e rolou para longe dela — Suponho que o frango é inofensivo, mas quero que cada vez que me leve um bocado à boca, prove o seu primeiro.
— Caramba, capitão, diria que me considera uma envenenadora consumada.
— Uma Lucrécia Borgia?
— Quem é?
Observou-a por cima do pedaço de frango que estava comendo.
— Quantas línguas falas?
— Incluindo a americana? — Satisfez-lhe ver que ela aumentava seus olhos de assombro.
— Incluído a língua que você usa como capitão do exército.
— A propósito, o que é um capitão de rancho?
Na verdade, ele era muito observador, o homem mais observador que tinha conhecido. Estava mais que segura de que conhecia perfeitamente a quantidade de pulsações de seu pulso.
— Capitão de rancho é um termo que usam os trapaceiros e significa o líder ou um trapaceiro muito experiente. Já te disse que tive alguns contatos com os montanheses.
— Ah, sim, na Lanconia. Esteve alguma vez na Lanconia?
— Como está o frango? Gosta de tomate?
Aceitou o tomate e mordeu um pedaço.
— Parece-me muito estranho que conheça tanto de música e línguas e quase nada de história. E que eu saiba, sabe menos de aritmética que ninguém no mundo.
— Subi toda esta encosta para lhe trazer um pouco de comida e aí fica sentado, me insultando. Não sei por que me incomodo em tratar de me mostrar amistosa contigo.
— Eu tampouco. Tenho certeza de que teve algum propósito muito especial para subir até aqui, mas não foi simplesmente para me trazer frango. Quem a estava aguardando na tenda quando retornamos?
Ela olhou para o outro lado, incapaz de sustentar seu olhar.
— Algum dia, senhorita Worth, espero que perceba que pode confiar em mim.
— Meu pai me disse sempre que as pessoas devem ganhar a confiança de outros.
— E nós sabemos que tudo o que diz papai é lei.
— O que quer dizer com isso?
— Já mencionou seu pai repetidas vezes. — Meteu uma parte de frango na boca. — Sabe, que quando falas de seu pai soa como se estivesse falando de Deus? Imagino que seu pai é um bom capitão de rancho.
— Meu pai é o melhor do mundo! É absolutamente incomparável. É honesto, bondoso e reto e... — Odeio a forma que ele sorri com sarcasmo, pensou. — E ele sim, tem senso de humor.
— Qualquer um que tenha passado pelas penúrias que tive que suportar estes últimos dias e ainda se mantenha cordato tem que ter senso de humor.
— Todo isso por sua culpa. — Apesar de suas boas intenções estava começando a zangar-se. — Por que não retorna ao lugar de onde veio e me deixa em paz?
— E te deixar desprotegida com todos esses homens que a estão vigiando?
— A única pessoa cuja vigilância me incomoda é você. — Ficou de pé e começou a descer pela ladeira, mas ele a segurou pela saia.
— O que acontece, não tem senso de humor? Quem te tornou tão resmungona?
Maddie o olhou sem saber se ele falava a sério ou se estava rindo dela.
— Vamos, não deseja partir e sabe. Sabe também o que penso, senhorita Worth?
— Não, e não me interessa o que pensa.
— Acredito que durante anos a trataram mais como uma lenda que como uma mulher. Além disso, acredito que jamais permitiu que ninguém a intimidasse o suficiente para questionar sua história de ser uma duquesa da Lanconia. Tudo o que teve que fazer era cantar e com essa maravilhosa voz que tem, qualquer pessoa perde o julgamento e não pode usar o cérebro que Deus lhe deu.
— Acha? — Perguntou ela, tratando de soar arrogante, mas sem obter plenamente seu objetivo.
— Falou desse agente que te acompanhava, mas que eu saiba, o único que lhe importava era o dinheiro que você produzia. Diga-me, quanto faz que não vê alguém de sua família?
Maddie, surpreendida, sentiu que lhe enchiam os olhos de lágrimas.
— Deixe-me ir — quase suplicou em um sussurro puxando a saia. — Não tenho por que escutar isto.
— Não, é verdade — respondeu ele docemente e até pareceu pedir perdão pelo tom de sua voz — Não foi minha intenção.
Calou subitamente, pois ambos tinham ouvido o ruído entre os arbustos ao mesmo tempo. Provinha da direção oposta de onde estava o acampamento. Quem quer que fosse, forçosamente, tinha que estar descendo pela ladeira da colina.
Maddie nunca tinha visto ninguém se mover com tanta rapidez. Em um segundo o capitão Montgomery estava no chão e no seguinte estava sobre ela, empurrando-a encosta abaixo, com os braços ao redor de suas costas e uma perna rodeando as dela, e com a outra ia abrindo caminho enquanto rolavam pela ladeira, afastando-se do acampamento e do ruído entre os arbustos.
Rolaram um trecho bastante longo, o corpo de Maddie quase sem tocar o chão, coberto e protegido pelo corpo vigoroso de Ring. Quando estiveram a uns quinze metros de distância do topo da colina, ele se deteve e se esconderam entre as matas fechadas. Ela começou a falar, mas ele a puxou pela a nuca com uma mão e lhe oculto o rosto em seu pescoço para silenciá-la. Estava-a protegendo por completo, de tal modo que se se apresentava algum perigo — um disparo, uma flecha ou qualquer outra coisa — ele receberia primeiro e não ela.
O ruído entre os arbustos se escutava agora mais perto de ambos o identificaram quase ao mesmo tempo.
— Um alce — sussurrou Maddie contra o pescoço de Ring, e ele assentiu.
Ainda em cima dela, cobrindo-a por completo, ele voltou ligeiramente à cabeça lhe permitindo fazer o mesmo. E viram então que não se tratava de um alce mais sim de um cervo, que tinha alcançado o topo da colina onde eles acabavam de estar. O cervo permaneceu ali como uma estátua lhes observando com curiosidade sem saber o que eram esses dois vultos desconhecidos. Então, Ring levantou um braço e o agitou no ar e o cervo correu para entrar entre as árvores com seu andar elástico e grácil.
— Está bem? — Perguntou ele levantando um pouco o torso e apoiando-se no cotovelo para olhá-la melhor.
— Sim. Muito bem. — Maddie começou a mover-se para se libertar dessa posição um tanto incomoda, mas se deteve ao sentir umas espetadas. — Parece-me que tenho um espinho cravado no ombro.
Ele se afastou rapidamente, sentou-se no chão e a fez virar-se. Arranco-lhe dois largos espinhos de cacto do ombro.
— Já tirei. Alguma mais?
Ela também se sentou e moveu os ombros.
— Não, acredito que essas duas foram às únicas. — Maddie olhou para o alto e viu a escarpada ladeira por onde tinham descido dando tombos. O terreno estava completamente coberto de cacto de folhas plainas. Alegrou-se de ter contado com o amparo da saia e suas várias anáguas, e o espartilho que tinha posto. Voltou a olhar para ele.
— Nunca vi ninguém reagir com tanta rapidez. Obrigada.
— Não é nada fora do comum para qualquer bom capitão de rancho ou seu pai.
Maddie ia dizer, certamente, o que pensava de sua brincadeira, mas sorriu em troca.
— Realmente falo de meu pai em tal tom de adoração?
Ring sorriu e assentiu com a cabeça.
— Está pronta para retornar a sua tenda?
Ela respondeu:
— Sim — e baixando a vista sobre sua saia começou a sacudi-la e alisá-la. Estava cheia de espinhos de cacto que se sobressaíam por toda parte. Voltou a observar o atalho que tinham aberto com seus corpos ao longo da ladeira e viu as inumeráveis folhas de cactos esmagadas que o cobriam. Logo se voltou para ele.
— Se volte — ordenou.
— Acredito que é melhor que volte para a tenda. Passou dois dias muito agitados e amanhã tem que atuar e...
— Se volte, — disse.
— A senhorita Honey estará te procurando.
— Edith não se importa que eu role por uma ladeira coberta de espinhos, e espero que continue assim as coisas. — Ainda lhe doía o comentário que ele fizera sobre sua falta de formação cultural. — Se não entende muito bem o inglês, o que acha de italiano ‘Distogliere il viso’. Francês? ‘Trailer avec dedain’, possivelmente o espanhol é uma língua que entende melhor, ‘Dale la vuelta’. — Sentiu verdadeira satisfação ao ver sua expressão de desconcerto. Isso ensinaria a não denegrir a educação que ela tinha recebido.
— O que prefere que eu faça? Voltar-me, me afastar, te desdenhar ou soltá-la.
Tinha traduzido às três línguas à perfeição.
— Em realidade, é um homem que pode deixar louco a qualquer um. — Segurou-lhe por um braço e empurrou-o. Ele era muito grande para que ela pudesse movê-lo sem sua ajuda, mas Maddie conseguiu ver-lhe as costas. Estava coberta de espinhos de cacto, algumas apenas visíveis por estar metidas no tecido de algodão da camisa militar, mas todas fincadas na carne. Havia muitas que se sobressaíam da parte traseira de suas calças, mas o grosso tecido de lã tinha impedido que a maioria delas se fincasse na pele.
— Já disse isso antes, de que sou um homem que tira do sério a qualquer um. Temo que seu domínio de línguas estrangeiras não me impressiona. Poderia me impressionar se tivesse alguma ideia do que aconteceu com todo o dinheiro que ganhou durante todos estes anos.
Maddie arrancou um espinho com a ponta dos dedos.
— Anda atrás de meu dinheiro?
— Possivelmente não tenha nada. Se no passado mostrou tão pouco interesse pelo dinheiro que ganhava como o está fazendo agora, então duvido muito que tenha algo. Além disso, é tradição em minha família que todos seus membros cuidem do dinheiro. Meu pai me fez investir vinte por cento de todo o dinheiro que eu tinha no bolso desde que tinha três anos.
Maddie arrancou três espinhos mais, mas a camisa militar ocultava mais espinhos das que deixava a descoberto. Ela lhe deu um empurrão pela cintura.
— Suba a encosta e tire essa camisa. O dinheiro nunca me interessou. Desejo cantar e, cantar é o que conta, não o dinheiro. O som da música e a estimativa do público é o único que me importa na vida.
Ring começou a subir à encosta e ela o seguiu.
— Disse que sua voz não duraria eternamente. De que viverá quando já não puder cantar mais?
— Não sei. Não é algo que tenha me interessado muito resolver até agora. Talvez me case com algum homem velho, rico e gordo e lhe permita que me mantenha por toda a vida. — Já tinham chegado ao topo e ele se deteve, voltou-se e lhe disse olhando-a nos olhos:
— O que me diz de ter filhos?
— Tire essa camisa, me dê um palito de dentes se tiver e se deite no chão. Quero tirar esses espinhos. — Começou a lhe desabotoar a camisa.
— Alguma vez pensou nos filhos?
Apesar de que ele estivesse atuando como se os espinhos não lhe incomodassem absolutamente, ela tinha certeza de que deviam doer terrivelmente. Ficou detrás dele ajudou a tirar a camisa tratando de não mover os espinhos.
— É acaso uma petição de mão, capitão? Se o for, não me interessa. Para cantar devo viajar ao redor do mundo e permanecer longe de meu lar muito tempo. Não tenho nem tempo nem vontade de me atar a um homem. Nem quero — Calou bruscamente ao ver as costas larga e musculosa, pois estava sulcada de finas cicatrizes brancas.
— Deite-se sobre a erva — disse ela brandamente e quando ele a atendeu, passou a gema do dedo sobre uma das cicatrizes — Como aconteceu isto?
— Tropecei com algo.
— Com a parte equivocada de um látego? Não pensei que açoitassem aos oficiais. E, além disso, não o imagino cometendo algum delito que pudesse te colocar em dificuldades. Acredito que o exército deveria entregar medalhas a homens como você... não chicotadas.
— Nem sempre fui oficial — esclareceu ele enquanto a seguia com a vista quando ela se dirigia à sela de montar para tirar da alforja sua enorme faca para esfolar animais. — Está pensando em esfolar a alguém?
Maddie riu ao ouvir o tom nervoso de sua voz, depois cortou uma parte da lona gordurenta da bolsa em que tinha levado o frango e envolveu seu polegar.
— Fica quieto — ordenou ao mesmo tempo em que o empurrava para trás pelo ombro e se ajoelhava a seu lado — Já tirei várias destas antes e sei o que estou fazendo. — Apoiou o lombo da folha da faca contra o polegar acolchoado para extrair o primeiro dos inumeráveis espinhos das suas costas.
Quando teve extraído a maioria delas e pôde ao fim apoiar a palma da mão sobre a pele, apalpou-lhe todas as cicatrizes.
— Apesar de toda sua petulância e o tom de desprezo com que se refere a isto, sei quanto dor e sofrimento deve ter padecido com um castigo como este. Conheço alguma coisa sobre sofrimentos e dor.
Ele pôde perceber as lágrimas contidas em sua voz.
— Não me venha com que sente comiseração por si mesma. Que sabe de dores ou tão sequer de penúrias e privações? Que eu saiba, a vida de uma cantora de ópera não está cheia do que eu chamaria angústia extrema. Que faz usualmente? Cantar todo o dia? Ou passas a maior parte de seu tempo com sua costureira?
— Não tem a mais superficial ideia do que é ser uma cantora de meu calibre. Se se comportar como deve, contar-te-ei como me converti em cantora. Tudo começou quando eu tinha sete anos. Meu pai estava ajudando a uns colonos que tinham chegado do Este para estabelecer um armazém geral e...
— Na Lanconia?
— Tudo o que tenho que fazer para te causar uma grande dor é remover um destes espinhos. Agora, fica quieto e presta atenção. Nesse grupo de colonos havia uma mulher que estava doente e cujo marido tinha morrido durante a viagem. Ela...
— Os índios?
— Não, em realidade, tinha morrido pela picada de uma serpente de cascavel, se não recordo mal, mas não posso assegurar porque, como te dizia, eu era muito pequena. Os outros homens do grupo estavam bastante irritados por ter uma mulher sozinha entre eles, e além do mais doente e, por isso, contou meu pai, eles a fizeram saber que era uma carga para eles. Meu pai não sentia nenhuma pena por eles, já que pensava que todos os colonos eram uma verdadeira calamidade e um açoite sobre a terra. Ele...
— Mas por outro lado, seu pai não era também um colono a mais como todos eles?
— Vai emprestar atenção ou falar?
— Mal posso esperar para ouvir mais sobre seu ilustre pai.
— Deveria se sentir honrado. Onde estava?
— Na história de seu pai, um colono, sentindo-se irritado pela chegada de mais colonos.
— Oh, sinto-o — exclamou ela ao lhe beliscar ligeiramente as costas onde tinha um espinho fincado. — Te doeu? Tentarei ser mais cuidadosa, mas se não deixar de me interromper, pode ser que me esqueça de ser gentil contigo. Agora, vejamos, eu estava falando da senhora Benson. Meu pai pensou que minha mãe se agradaria de ter alguém que a acompanhasse, assim levou essa mulher para nossa casa com a ideia de levá-la de retorno ao Este na primavera. Ela terminou ficando para viver em nossa casa durante quatro anos, logo se apaixonou por um homem do Este que passava por ali e se casou com ele, mas nesta ocasião eu já tinha madame Branchini.
— E ela te ensinou a cantar ópera?
— Estou me adiantando nos acontecimentos. A senhora Benson tinha dado aulas de música e canto no Este e minha mãe pensou que seria bom que ela tentasse me ensinar alguma coisa, já que eu estava terrivelmente com ciúmes de minha irmã mais velha, Gemma. Veja, minha mãe é pintora, uma grande artista, e minha irmã tinha herdado todo o talento de minha mãe para a pintura. Aos cinco anos, Gemma já podia desenhar e pintar bem, enquanto que eu não podia desenhar nada absolutamente. Eu tinha um ciúme terrível porque minha mãe passava muito tempo com ela.
— Então, sua mãe te pôs aos cuidados da professora de música e imediatamente começou a cantar árias.
— Não, eu cantava algumas divertidas canções populares e algumas coisas que os amigos de meu pai me ensinavam e...
— Canções para aclamar a rainha e coisas pelo estilo? Os amigos de seu pai também são duques?
Ela passou por cima destas perguntas irônicas.
— Durante anos, ninguém, tomou muito a sério meu canto, e então, um dia a senhora Benson começou a revolver e examinar o conteúdo de um baú que meu pai tinha encontrado. Tinham-no arrojado de um vagão de algum colono, esses idiotas levam tudo o que possuem em seus vagões e depois, quando se encontram ante o primeiro lance de terreno acidentado, começam a aliviar a carga.
Ring tinha visto alguns desses terrenos “acidentados” como ela os chamava. Ravinas e gargantas de mais de quarenta e cinco metros de profundidade.
— O que havia no baú?
— Música escrita em folhas. Meu pai o levou para casa porque pensou que a senhora Benson e eu poderíamos usá-las. — Maddie tirou outro espinho das suas costas e sorriu. — No fundo do baú encontramos uma peça de música como eu jamais tinha visto outra antes. Era "Air dê bijoux" de Fausto, sabe!
— A canção da joia — traduziu ele em voz baixa.
— Sim, exatamente.
— Não conheço a canção, mas se quiser cantá-la para mim, possivelmente, poderia reconhecer a melodia.
— É mais do que merece. Enfim, a senhora Benson me ajudou com a letra e como se aproximava o aniversário de meu pai, propus aprender a canção para cantá-la na comemoração.
— E assim o fez.
— Não, não foi assim tão fácil. A senhora Benson é norte-americana.
— A pior calamidade que pode ocorrer a uma pessoa, se não me engano.
— Não entende. Os americanos têm horror à ópera. Acreditam que é para gente rica, para os intelectuais. Se um americano contar que ouviu uma ópera, provavelmente, seus amigos o ridicularizem. Quando perguntei a senhora Benson qual era essa peça de música que havia no baú, a desprezou imediatamente, e me disse que era ópera e que não era para uma garotinha como eu. Suponho que nessa época eu já tinha uns dez anos.
— E isso foi como agitar uma bandeira vermelha ante seus olhos, verdade? Ninguém em nenhuma parte pode te proibir de fazer algo, não é mesmo?
— Quer que envie Edith aqui para que ela continue com isto? Tenho certeza de que adoraria ver-te sem a roupa.
Ele não respondeu, mas voltou à cabeça e lhe lançou um olhar estranho que ela não compreendeu, e continuou falando.
— Não posso negar que me senti como desafiada por essa advertência e, além disso, eu era bastante curiosa, assim tomei a folha e a levei a Thomas. — Antes que ele pudesse perguntar, explicou quem era. — Conosco viviam vários homens, todos amigos de meu pai. Thomas era um deles e sabia cantar um pouco e também tocar algum instrumento. Não tão bem como meu pai, mas...
— Certamente, que não tão bem como o papaizinho – murmurou Ring ironicamente.
— Thomas podia tocar e cantar um pouco, — repetiu ela de propósito — assim eu lhe levei a música. Naquela época, eu já podia ler música bastante bem e sempre tive excelente ouvido e entonação.
— As pessoas superiores os têm.
Ela sorriu.
— Thomas e eu, juntos, reconstruímos a canção e eu a ensaiei. No dia do aniversário de meu pai, depois de que todos comeram e tiveram entregado todos os presentes, Thomas começou a tocar sua flauta e eu cantei a canção.
— E depois disso se converteu em cantora de ópera.
Maddie soltou um som impróprio de uma dama.
— Não tão "de qualquer jeito". Quando terminar de cantar, ninguém falou, ficaram todos sentados, muito quietos e com os olhos cravados em mim. Eu sabia que não tinha pronunciado as palavras em italiano corretamente, mas não acreditava que meu canto tivesse sido tão mal, assim que me senti ofendida quando eles não disseram nada.
Fez uma pausa recordando esse dia que tinha sido o mais infeliz e emocionante de sua vida.
— Depois do que me pareceu uma eternidade, minha mãe se dirigiu a meu pai e disse: "Jeffrey, amanhã pela manhã partirá para o Este e procurará uma professora para minha filha. Uma professora de canto. Uma verdadeira professora. A melhor professora que se possa contratar. Minha filha será cantora de ópera. Depois de dizer isso, o mundo pareceu explodir. Todos começaram a aplaudir e gritar de alegria e, meu pai me colocou sobre seus ombros e...
— Esses ombros incrivelmente largos?
— Para falar a verdade, sim. Foi à noite mais maravilhosa de minha vida.
— Oh? Nenhuma dessas centenas de homens que passaram por sua vida após puderam se igualar a essa experiência?
— Não, absolutamente.
— E suponho que seu pai conseguiu uma professora. Não posso imaginá-lo fracassando em algo. Madame como se chamava?
— Esteve ausente durante meses e quando retornou vinha acompanhado por uma mulher magra e azeda. Desgostou-me assim que a vi, e quase cheguei a odiá-la quando minha mãe lhe deu as boas-vindas e, essa mulher insignificante se limitou a ignorá-la. Madame Branchini disse: "Me permitam ouvir a esta criança e ver mesmo se vale todos os sofrimentos que tive de suportar." Atrás dela eu podia ver meu pai fazendo caretas e soube que essa mulher deve ter sido uma verdadeira prova para ele durante a viagem.
— Mas ela te ouviu cantar e aceitou ficar contigo para sempre e te ensinar tudo o que sabia.
— Não precisamente. De fato, não poderia estar mais longe da verdade. Fez-me tocar o piano que meu pai havia trazido do Este e...
— Tinha-o conduzido sobre seus ombros?
— E então toquei o piano para ela e cantei um pouco. — Calou e sacudiu a cabeça. — Eu era uma vaidosa incorrigível. Minha família tinha me tratado com atenção e tinha me convencido de que era a melhor cantora do mundo. Acredito que até pensei que honrava madame Branchini lhe permitindo me ouvir cantar.
— Não sabe o quanto me alegro de que tenha mudado tanto. Nada de dizer agora às pessoas de que são uns privilegiados por ouvir a uma cantora de "seu calibre".
— Agora ganhei esse privilégio. Mas naquele tempo eu era uma menina vaidosa sem nenhuma razão para sê-lo. Agora não minto. Ouviste-me cantar. Alguma vez menti ou exagerei sobre minha voz?
— Não — respondeu ele, sincero. — Isso é o único no que não mentiu.
— Olhando para essa época, deve ter sido espantosa, realmente espantosa e malcriada. Claro que o talento em bruto estava ali.
— Naturalmente.
— Mas aquele dia não recebi elogios como os que recebia de minha família. Terminei de cantar uma curta canção e voltei o olhar para madame Branchini cheia de expectativa. Esperava elogios, louvores e até abraços de felicitação. Se dissesse a verdade, esperava que ela caísse de joelhos me agradecendo o privilégio de me ouvir cantar. Em troca, ela não disse nenhuma palavra. Girou sobre seus calcanhares e saiu da habitação. Obviamente, meus pais e o resto da família estavam do outro lado da porta. Acredito que eles, também, estavam esperando que elogiasse a sua preciosa filhinha. Penso que para conseguir que madame Branchini aceitasse vir para a nossa casa, meu pai tenha elogiado profusamente meu talento.
— Certamente assim deve ter feito.
— Sim, certamente. Mas madame Branchini não me elogiou. Justamente o contrário. Disse a minha família que eu era uma preguiçosa e uma malcriada, e que era muito vaidosa para poder tirar algo de mim. Disse a meu pai que teria que levá-la imediatamente de retorno a Nova Iorque, que tinha estado perdendo seu tempo e também o dela por essa criança sem valor algum.
Ring a olhou por cima do ombro.
— Sim, é difícil de acreditar, não? Mas ela sabia o que estava fazendo. Todos começaram a falar com mesmo tempo. Meu pai lhe explicando que teria que permanecer em nossa casa até que terminasse o inverno e os outros dizendo que carecia de ouvido musical. Eu escutava todo isso muito quieta na soleira da porta e, meu jovem coraçãozinho se sentia muito gratificado por essa rebelião da família. Como se atrevia essa velha gralha dizer que eu carecia de talento? Droga, eu ia ser a cantora mais famosa do mundo. A imaginei me visitando nos bastidores depois de uma de minhas apresentações para me pedir perdão quase de joelhos por ter duvidado alguma vez de mim.
Maddie extraiu outro espinho e riu entredentes.
— Graças ao céu que inclusive a tão tenra idade eu tinha bastante senso comum. Subitamente, comecei a me perguntar como chegaria a ser cantora de ópera. Ensinar-me-ia a senhora Benson? Aprenderia eu por meus próprios meios? Esperaria a crescer para ir ao Este e então começar minha aprendizagem. Que ia fazer enquanto isso? Nos poucos anos que a senhora Benson havia estado comigo, tinha-me dado conta de que o único que eu gostava de fazer no mundo era cantar. Cantava todo o tempo, em qualquer parte, estivesse fazendo o que estivesse fazendo.
Maddie tomou fôlego.
— Nesse momento, tomei a decisão mais importante de minha vida. De repente, compreendi que madame Branchini tinha razão e que eu era realmente uma menina preguiçosa. Aproxime-me dela e lhe pedi que, por favor, me ensinasse. Ela se negou. Caí de joelhos e lhe suplique que me ensinasse.
Maddie calou e ficou com o olhar perdido no vazio por um momento.
— A minha família se indignou que eu me rebaixasse a lhe suplicasse de semelhante maneira. Todos detestavam nesse momento madame. Meu pai tratou de me levantar do chão de um puxão, mas ao escutar suas contínuas negativas de me dar o que eu tanto queria, me fez em meu desespero tentar lhe beijar os pés.
Ring voltou uma vez mais a cabeça e a olhou longamente. Não! Não podia imaginá-la humilhando-se ante ninguém.
Ela sorriu.
— Faria qualquer coisa contanto que pudesse cantar e essa mulher era a chave de tudo o que eu desejava.
— E ela cedeu — comentou ele docemente.
— Oh, sim, mas só depois que eu prometesse ser sua escrava. A minha família se desgostou bastante, mas acredito que eu já tinha ideia naquele tempo do que precisava. Ela ficou conosco durante sete anos e me ensinou o que sei. Foi muito difícil.
— Cantar todo o dia?
— O que sabe você? Provavelmente passou toda sua infância ao ar livre e ao sol. Eu não. Chovesse ou brilhasse o sol, com bom ou mau tempo, eu estava dentro de casa com madame, praticando. A mesma nota uma e outra vez. A mesma silaba. As aulas de italiano, as aulas de francês. Fora de casa podia ouvir os outros rindo e se divertindo, mas eu estava sempre dentro, praticando.
— Deve ter tido algumas horas livres, alguns momentos de descanso e diversão.
— Muito poucas vezes. Minha determinação vacilou uma vez, somente uma vez. Apaixonei-me loucamente por um moço que meu pai tinha contratado para lhe ajudar com o trabalho. Queria estar junto dele tanto como queria cantar.
— E que disse sua pequena madame a isso?
—Disse-me que eu podia ser cantora ou podia me submeter à tirania de um homem por toda a vida. Eu e só eu devia decidir.
— Palavras de uma verdadeira solteirona.
Maddie torceu o gesto.
— Por que sempre os homens consideram que o pior que pode acontecer a uma mulher é passar sua vida sem um homem ao lado? Sim, era uma solteirona. E por essa razão tinha estado livre para chegar até mim em meio do... — Hesitou. — Em meio do nada.
— Então, devo deduzir que preferiu o canto ao vaqueiro?
— É óbvio. Voltei a vê-lo anos mais tarde e me perguntei o que pude ter visto nele.
—Mas compensou o tempo perdido com suas centenas e centenas de amantes.
— Meu o quê? Oh, sim, todos os homens. É verdade que os homens amam as mulheres com talento.
— Sem mencionar às mulheres que possuem o aspecto que você tem — soltou uma gargalhada cristalina.
— Acredito que foi um ah... um estímulo adicional. As cantoras de ópera tendem, geralmente, a serem bastante gordas, por isso eu sempre me cuidei muito para não seguir essa moda em particular. Entretanto, não tinha a mínima ideia se houvessem percebido esse detalhe.
— A última vez que fiz uma comprovação era tão magra quanto um homem. Já sabe, uma dessas crianças que aspiram amargurar a vida de uma mulher não permitindo que se vistam de Santo.
Ela riu pela segunda vez de boa vontade e ele se voltou a olhá-la.
— Então que anda de senso de humor é?
— Nada absolutamente. Tenho certeza de que falava a sério. Agora que já te contei uma história, me conte uma sua.
— Como qual?
— Por que está fazendo isto. Por que me cuida.
— Me ordenaram, recorda? Seu adorado general Yovington me ordenou que viesse aqui e estou cumprindo a ordem,
— Não, o general Yovington ordenou ao tenente...
— Surrey.
— Sim, ao tenente Surrey que me acompanhasse. Você, capitão Montgomery, está aqui por equívoco. Por que teu chefe o escolheu para fazer a missão?
— Bom, esse sim, que é um homem com grande sentido do humor. Acredito que pensou que seria uma verdadeira brincadeira e pesada me enviar para servir de babá de uma cantora de ópera.
— Quantos espinhos têm da cintura para abaixo?
— Não são suficientes para fazer com que me dispa diante de uma dama.
— Que ridículo! Especialmente depois da forma com que se colocou às escondidas em minha tenda quase sem nada posto, a noite que queria me assustar.
— Como ia saber, então, que um ataque de um guerreiro da tribo dos Blackfeet com seus pés negros não poderia te assustar.
— Ah! Te equivoca. Esses homens pés negros me aterrorizam. Tire agora as calças e me deixe ver. Prometo-te que não me escandalizar ao ver seu traseiro nu.
Ficou de pé e lhe sorriu com ironia.
— Lamento te decepcionar, mas tenho colocado minha cueca largas. E foi muito útil, também, já que de outro modo, teria morrido de frio nestes últimos dias enquanto te perseguia pelas montanhas. — Desabotoou a braguilha e depois de tirar as botas, deixou que as calças deslizassem por suas pernas até o chão. Logo se desfez delas. Debaixo das calças usava uma cueca larga de verão vermelha e quando se voltou para onde estava Maddie, ela viu vários espinhos que se sobressaíam de suas pernas.
De joelhos ante ele, começou a tirar os espinhos das pernas. Ele permanecia quieto e calado e, ela começou a ter consciência de suas mãos sobre o corpo varonil. Ele havia dito que ela nunca tinha permitido a ninguém que se aproximasse. Sempre, tinha tido plena consciência de que se se permitisse amar algo que não fosse seu canto, teria que renunciar a muitas coisas muito importantes e queridas para ela. Ao longo desses dez anos que tinha estado cantando profissionalmente, tinha visto muitas boas cantoras que tinham renunciado à sua carreira para casar-se e ter filhos. Maddie jamais tinha querido ter que enfrentar a um dilema como esse, assim, tinha evitado o máximo possível ter contato com outras pessoas. E John Fairlie tinha lhe dado uma grande ajuda ao tê-la continuamente ocupada com lições, ensaios e atuações, ficando pouquíssimo tempo livre para noitadas e encontros. As poucas noitadas e encontros que tinha participado durante todo esse tempo, tinham sido aceitas e programadas de antemão por John. Ele sempre tinha feito os acertos necessários para que ela interagisse com personalidades ricas e influentes que poderiam promover sua carreira artística.
Mas agora, em meio dessas montanhas onde se criou, nesse país selvagem e belo, os fastuosos salões do Este e da Europa lhe pareciam muito remotos. Gabara-se ante o capitão Montgomery de ter tido centenas de romances e aventuras amorosas; entretanto, a crua verdade era que não tinha tido nenhuma. Seus dedos apertaram com força o músculo da perna.
— Terminei — exclamou ela finalmente e logo, para assegurar-se de que não ficavam espinhos cravados na pele, ela passou as mãos pelas pernas de cima abaixo. Nunca havia tocado um homem dessa forma, e para falar a verdade, nunca havia sentido desejo de fazê-lo, pelo menos desde que tinha dezesseis anos e se apaixonou pelo vaqueiro. Naquela época madame Branchini tinha sido tão cortante ao lhe explicar que tinha que escolher entre cantar ou os homens, que Maddie tinha elegido o canto e nunca se arrependeu disso.
Mas agora, enquanto lhe tocava as pernas, era como se tivesse entrado em um estado hipnótico do qual não podia sair. Ele permaneceu completamente imóvel, enquanto Maddie deixava correr as mãos sobre a parte de atrás de suas pernas musculosas, descendo pelas panturrilhas até os calcanhares. Ela desejou que não usasse cueca para poder sentir o calor da pele nas palmas das mãos. De repente, reviveu com intensidade a noite que ele se apresentou na tenda com a tanga como único traje. Aquela noite não lhe tinha chamado muito a atenção, mas agora recordava a cor de sua pele.
Ficou de pé, absolutamente em silencio, deixando que suas mãos subissem lentamente pelo corpo de Ring, desde suas nádegas a cintura nua, logo com ambas as mãos tocaram a pele lisa e cálida de suas costas, seguiu as linhas das cicatrizes brancas, e os pontos vermelhos que tinham deixado os espinhos.
Era como se nunca antes tivesse visto o corpo de um homem, embora em realidade, tinha crescido rodeada de homens que durante o verão não usavam muito mais que uma tanga. Mas naquele tempo a música tinha significado muito mais para ela que qualquer homem bem formado.
As mãos subiram até a fortaleza arredondada dos ombros. Moveu-se para a direita e passou as mãos pelo braço até a mão e de novo para cima. Não o olhava no rosto; por isso ela se refreava, Ring parecia uma cálida estatua viva. Quando voltou a lhe tocar o ombro, desceu as mãos pelo seu peito. Ele era forte, duro e musculoso, tinha um corpo acostumado aos exercícios, à vida ao ar livre. Enroscou os dedos no pelo que lhe cobria o peito antes de deixá-los descer até o estomago plano e duro.
Quando as mãos se atrasaram, vacilantes, sobre a cintura, ele lhe segurou os pulsos.
— Não — sussurrou e a olhou nos olhos.
Os olhos escuros a fizeram voltar para a realidade e Maddie se afastou bruscamente dele, terrivelmente envergonhada. Deu-lhe as costas.
— Eu estava procurando mais espinhos.
— Não há mais espinhos — disse ele a meia voz.
— Eu tenho que ir agora — disse ela e correu encosta abaixo como um gamo assustado. Não podia suportar se voltar para o olhar.
08
À manhã seguinte Maddie despertou com a estranha sensação de que algo andava mal. No princípio não pôde estabelecer com exatidão qual podia ser o motivo, mas de repente lhe veio à mente a cena do dia anterior com o capitão Montgomery e a vergonha e confusão que havia sentido.
Nesse memento entrou Edith trazendo água para seu asseio.
— Ontem à noite vocês dois passaram muito tempo a sós lá em cima. E por certo que logo baixou a colina correndo como alma que viu o diabo. Acaso ele intentou algo desonesto que não te agradou?
Maddie recordou com toda claridade que em nenhum momento o capitão Montgomery fizera insinuações indecorosas alguma, mas ela sim, que se pôs em ridículo. Até ressoava em seus ouvidos o "Não" em tom suave que tinha pronunciado, quando suas mãos percorreram indecisas, a pele ardente do estomago. Voltou-se para Edith.
— Não aconteceu absolutamente nada. O capitão Montgomery é todo um cavalheiro. E sempre demonstrou todo o tempo.
— Então é por isso que está tão zangada?
— Não estou zangada — explodiu. — Não tem que preparar o desjejum?
— Quer que eu lhe dê comida?
— Se se referir ao capitão Montgomery, terá que perguntar a ele pessoalmente se deseja compartilhá-lo conosco. Que decida comer ou não, é um assunto que não me concerne.
Edith abandonou a tenda rindo-se para seus adentros.
Durante todo o tempo que Maddie passou asseando-se e vestindo-se com a roupa resistente que usava para suas viagens, repetiu-se várias vezes que não estava zangada, que Edith era uma estúpida que carecia de toda moral e senso comum. Mas quanto mais ruminava estes pensamentos, mas músculos de seu corpo se foram retesando. Como se atrevia esse homem a tratá-la como se fosse uma vulgar prostituta? Tudo o que ela tinha estado fazendo era lhe tirando os espinhos cravados no corpo. Não obstante, ele tinha pensado que ela esteve se insinuando. Esta era a pior das presunções de um homem. Esse presumido não despertava nenhum interesse nela. Se algum dia resolvesse interessar-se por algum homem, seria alguém mais romântico que lhe fizesse um elogio mais apropriado que essa maldita frase: "Não é tão feia, depois de tudo."
Terminou de se vestir, saiu da tenda, mas já não a afligia a vergonha. Somente uma fúria contra o capitão Montgomery por haver se aproveitado de sua ingenuidade e ter interpretado mal suas intenções. Fora da tenda, Edith tinha preparado ovos fritos com fatias de presunto e na mesma gordura tinha arrojado fatias de pão duro para fritá-las ao mesmo tempo. Frank, Sam, Toby e o capitão Montgomery estavam comodamente sentados no chão comendo com avidez e saboreando a comida.
O primeiro em cruzar com seu olhar foi o capitão, cujos olhos pareciam refletir uma presunçosa cumplicidade. Certamente ele a considerava uma de suas tantas mulheres. "Deve pensar que sou uma dessas mulherzinhas débeis de caráter, afetadas e bobas, que perseguem os homens por toda parte e suplicam que lhes prestem um pouco de atenção."
Levantou a cabeça com altivez, lançou-lhe um olhar de desdém e logo afastou os olhos dele, mas dirigiu um sorriso aos outros três homens.
— Bom dia — os saúda alegremente. — Espero que todos tenham dormido bem. Eu desfrutei de um sono profundo e sem nenhuma preocupação.
Sentou-se à mesa e contemplou o prato com comida gordurenta que Edith lhe tinha servido e imediatamente perdeu o apetite. Brincou um momento com a comida e olhou para Frank.
— Já viu essa música que te entreguei?
— Sim — respondeu sem muito interesse.
— Você gosta?
— No é má.
Maddie voltou os olhos à comida que seguia cobrindo seu prato. Essa foi toda sua conversa com Frank. Voltou-se para Sam.
— Como estão se comportando os cavalos na viagem?
Sam se limitou a mover afirmativamente a cabeça, assim que olhou por cima da cabeça de Ring como se ele não estivesse ali, e sorriu para Toby.
— Que tal está o desjejum?
— É melhor que o do exército.
Ela provou um pouquinho de ovo.
— Toby, me conte algo de sua vida.
— Não há muito que contar. Nasci e ainda não estou morto. Não houve muito nesse meio.
Fazendo um grande esforço, Maddie evitou os olhos de Ring cravados nela e colocou o olhar sobre o prato uma vez mais. Não estava disposta a tentar começar uma conversa com ele. De agora em adiante, far-lhe-ia entender que não se interessava absolutamente por ele e que não a atraía de jeito nenhum.
Depois do desjejum, enquanto Edith limpava os pratos e guardava a baixela de porcelana em seu estojo especial para viagem e os homens se dedicavam a desarmar a tenda, de repente disse:
— Acreditei que hoje se mostraria extremamente amável e simpática com o capitão para que depois, quando tiver que se encontrar com esse homem de sua irmã, deixasse-a ir sem nenhum problema.
— Eu não tenho que pedir autorização a ninguém para ir aonde me agrade. Nem o capitão nem todo um exército podem me dizer o que devo ou não devo fazer.
— Mais ele tem certeza de ter esse direito. Sei muito bem por experiência própria que todos os homens tomam o que querem e fazem simplesmente o que eles desejam. Se alguma mulher chegar a interpor-se no caminho, consideram-na como uma irritação menor, como um mosquito que tratasse de lhes impedir de conciliar o sonho.
— O capitão Montgomery não é desses. É um homem culto e educado. É um homem sensato. Explicar-lhe-ei que devo ir a um encontro e que devo fazê-lo sozinha.
Ao afastar-se, Edith soltou uma estrondosa gargalhada como única resposta.
— Se não atender minhas razões, sempre fica o recurso que usar outro pouco de ópio — sussurrou.
No povoado Corvo que Voa, onde Maddie tinha que cantar não estava a mais de vinte e cinco quilômetros, mas difícil chegar ali por terra. Viajar no interior do veículo era um verdadeiro martírio já que o chocalhar constante a lançava de um lado a outro, lhe fazendo golpear a cabeça contra a armação, fazendo ricochetear as costas contra o duro respaldo de couro de cavalo dos assentos e chocar os joelhos contra os painéis laterais. O capitão Montgomery lhe perguntou uma vez se gostaria de montar seu cavalo e cavalgar em sua companhia, mas ela tinha rechaçado esse convite arrogantemente. Edith tinha viajado por uma hora no vagão e acabou dizendo que era mil vezes preferível percorrer o caminho a pé e tinha deixado sozinha Maddie. Por sua parte, a jovem não se atrevia a descer e caminhar porque presumia que o capitão iria todo o tempo a seu lado, rindo dela. Mas o que mais a mortificava era pensar que ele pudesse comentar algo sobre seu comportamento do dia anterior. Ensaiava mentalmente o que responderia se chegava a mencionar o incidente. Todas e cada uma das frases que lhe ocorriam tinham por objetivo lhe pôr no lugar que merecia. Várias vezes desejou não lhe haver tirado os espinhos. Mas em duas ocasiões recordou a sensação que tinha experimentado ao deslizar as mãos por suas pernas.
Pouco depois do meio-dia, deveriam fazer um alto antes de ladear um braço do rio Colorado. Frank se aproximou de Maddie e lhe explicou que seria preferível que ela descesse em caso de que se apresentasse algum problema sério e o vagão virasse. Com a ajuda de Frank, Maddie saltou garbosamente do estribo do vagão e o subiu um escarpado atalho que servia de caminho.
Quando chegou ao topo, observou aos homens enquanto tratavam de fazer avançar o vagão entre as rochas e cruzar o leito do rio. Quando atolou nas pedras, ficou olhando como o capitão Montgomery desmontava rapidamente tirava a camisa, jogava-a no interior da carruagem e ia ajudar Sam para fazer girar uma das enormes rodas.
— Não se pode negar que é um homem muito bonito — comentou Edith, admirada, a suas costas.
Maddie permaneceu muda contemplando as largas costas morena do homem.
— Vê-lo assim faz doer os ossos de todo o corpo.
— Não pode encontrar outra coisa que fazer? — Explodiu Maddie. Edith lhe lançou um olhar feroz e se afastou depressa.
Maddie pensou que seria conveniente fazer um pouco de exercício enquanto se visse obrigada a permanecer fora do vagão, mas não se moveu do lugar em que estava e continuou observando todos os movimentos do odiado capitão. Não podia afastar a vista do jogo de músculos debaixo da pele cada vez que ele se esticava junto à roda traseira, e como se avolumavam os músculos de suas largas pernas quando a empurrava. Uma vez, somente uma, ele fez uma pausa e a olhou diretamente nos olhos como se soubesse que ela estava o observando. Ela desviou o olhar rapidamente, mas não antes que ele a tivesse visto.
Quando o vagão conseguiu alcançar a outra borda, o capitão Montgomery se voltou para onde ela estava e com um gesto lhe indicou que descesse da colina. Maddie olhou para o outro lado como se não o tivesse visto e começou a andar em direção ao bosque que se fechava a seu redor.
Em questão de minutos, ele estava a seu lado, montado sobre seu cavalo e com o torso nu.
— Vim para te levar a cavalo ao outro lado do rio.
Tinha estado tão absorta admirando o corpo viril, que nem sequer tinha pensado como cruzaria o rio.
— Não, obrigado. Cruzarei caminhando.
— Não pode cruzá-lo a pé. É muito profundo, e muito escorregadio. Além disso, a água está muito fria.
— A água fria não me incomoda — respondeu ela, lhe olhando de soslaio.
Ele continuou descendo pelo atalho sem separar-se de Maddie.
— O que te acontece esta manhã? Ontem não podia estar longe de mim e hoje não quer nem se aproximar.
Voltando a cabeça, lançou-lhe um olhar tão cheio de fúria que inclusive Botão de Ouro corcoveou.
Ring tentou tomá-la a brincadeira.
— Assustou meu cavalo. — Ao ver que ela não reagia, suspirou. — Não sei o que pude fazer de mal desta vez, Maddie, mas te peço desculpas por isso. Jamais foi minha intenção
— Prefiro que me chame senhorita Worth. Jamais lhe dei permissão para que tomasse intimidade e me chamasse Maddie.
— Oh, demônios! — Exclamou baixo, se inclinando sobre ela, segurou-a por debaixo dos braços e de um puxão a levantou do chão. — Todos estão nos esperando.
— Baixe-me! Está me machucando. Voltarei para o vagão caminhando.
— Não pode cruzar o riu caminhando e não há tempo para que o tente com o fim de me provar que pode fazê-lo. Além disso, desconfio de você e temo que se interne no bosque a qualquer momento. Ou te levo deste modo diante de todos enquanto cruzamos o rio ou montas comigo em meu cavalo.
— Capitão Montgomery, não me agrada absolutamente, e mais, desagrada-me profundamente — esclareceu ela ao lhe permitir que a montasse no cavalo. Nesse momento pôde sentir através da fina blusa de algodão a pele quente e nua do peito de Ring.
— É verdadeiramente curioso, — comentou ele a seu ouvido — ontem tive a impressão de que te agradava bastante. Uma barbaridade
O corpo inteiro de Maddie avermelhou de confusão e vergonha. Tratou por todos os meios de endireitar-se sobre os arreios para não lhe roçar sequer, mas era uma tarefa impossível enquanto estivessem cruzando o rio. E, além disso, poderia jurar que ele guiava o cavalo sobre todos os poços para que ela roçasse totalmente com as costas contra seu peito.
Quando, em um dado momento, o casco da pata dianteira de Botão de Ouro, escorregou sobre uma pedra, o braço de Ring a segurou com força contra seu corpo.
— Não me importa quão furiosa esteja comigo, — disse em tom cortante — apoie-se em meu peito e não se arrisque em cair na água.
Maddie foi o suficientemente sensata para lhe obedecer. Recostou-se contra ele e ao fazê-lo, descobriu que seu corpo encaixava perfeitamente ao dele como se tivesse feito à medida. Ao desmontar na outra borda, não se atreveu a lhe olhar nos olhos.
— Obrigada — murmurou quase em um suspiro e com passo ligeiro se afastou em direção ao vagão. Em um dos assentos ainda estava à camisa de Ring. Ao vê-la, sentou-se o mais longe possível.
O vagão mal tinha reatado a marcha quando a porta se abriu de repente e o capitão Montgomery entrou de um salto.
— Este veículo é o mais pesado que tive que arrastar e empurrar em toda minha vida. Que leva nesses baús? Chumbo?
— Não desejo nenhuma companhia na viagem — replicou ela e ficou olhando pela janela.
— Bom, mas eu sim. Para conversadores, tanto Sam como Frank, deixam muito que desejar e quanto a Toby, quase o único que faz é queixar-se. E essa criada que tem...
Ela o olhou então e desejou não o haver feito, pois ele ainda seguia com o torso nu.
— O que tem Edith?
— Está se oferecendo constantemente, isso é tudo. Disse-me que para mim faria grátis.
O olhou com olhos brilhantes de cólera.
— E nós dois sabemos bem que é muito moralista para aceitar a oferta, não é assim?
Ring esfregou os braços para fazê-los pegar com pouco de calor, procurou com a vista a camisa que tinha arrojado ali. Não a encontrou no princípio, pois estava sentado sobre ela, a tirou dali e começou a vesti-la.
— Não sei por que fui classificado como um puritano dissimulado, mas quero deixar bem claro que não o sou.
Maddie não se dignou a lhe olhar, mas soltou um sopro.
— Devo me jogar sobre uma mulher para demonstrar que não o sou?
— Não sei o que te faz pensar que me interessa o que faz. Exceto que eu adoraria que viajasse em outra parte. Não te convidei a entrar no vagão para que me acompanhasse, e em realidade, nem sequer pedi que fizesse esta viagem comigo. Com toda sinceridade, oxalá você partisse!
Ele não abriu a boca durante um bom momento. De fato, permaneceu tão calado que Maddie teve que lhe olhar. Ele a estava observando intensamente.
— Tenho a cara suja, capitão?
— Não, que veja — respondeu. — Suja não. — Não disse uma palavra mais, abriu a porta e agarrando-se ao corrimão exterior que se sobressaía do teto, deu um empurrão e subiu à boleia junto de Frank e Sam.
Maddie não cessou de recriminar-se durante mais de uma hora por ser tão tola. Estava caindo em ridículo a cada instante e todos estavam percebendo. Prometeu-se solenemente que de agora em adiante reservaria seus sentimentos para ela mesma. Não estava interessada nesse homem de modo, aspecto ou forma e o quanto antes o fizesse saber, melhor. No futuro seria cortês e amável com ele, nada mais. Ele não era diferente de todos os outros e para ela não tinha mais importância que Frank.
— Não pode sair para o cenário — aconselhou Ring em voz suave. — Falo muito a sério, não pode sair para cantar. Esses homens estão bêbados. Estiveram bebendo durante vários dias e agora estão absolutamente envilecidos.
Os dois estavam na tenda de Maddie que tinham montado perto do único edifício existente no povoado de Pitcherville. Quando chegaram, nas escassas horas, ao pequeno e imundo acampamento, todos os homens junto com as mulheres que lhes brindavam seus favores, tinham saído para receber à duquesa que cantava. No dia anterior tinha chegado à notícia da iminente visita da Rainha, e todos sem exceção tomaram um dia livre de sua monótona busca do ouro para embebedar-se antecipadamente e deleitar-se com a cantora de ópera. Seis homens tinham viajado em um velho vagão até a cidade de Denver com o único propósito de conseguir um piano para ela. Tinham-no arrastado trabalhosamente pelo íngreme atalho da montanha, deixando-o cair três vezes, e nesse momento Frank estava tentando voltar a montá-lo.
— Claro que posso cantar para eles — replicou Maddie afastando-se e tratando de parecer confiada. Mais podia ouvir os gritos retumbantes desses homens e os ocasionais disparos de suas armas de fogo.
Ele a segurou por um braço e a fez se voltar e o olhar no rosto.
— O que acontece contigo? Por que está tão zangada comigo?
— Não tenho ideia de que está falando. Sou a mesma de sempre. Comporto-me contigo da mesma maneira que o tenho feito até agora. Nada mudou.
— Sim, mudou. Por um curto tempo pensei que talvez pudéssemos ser amigos. Confesso que desfrutei verdadeiramente de nossas conversas.
— Conversas? É assim como as chamas? Quando me diz o que posso e o que não posso fazer? Quando me formula perguntas sobre cada aspecto de minha vida?
Ring retrocedeu um passo.
— Me perdoe. Suponho que me deixei levar por uma impressão equivocada. — Respirou fundamente. — Mas esqueça agora nossas diferenças. Esses homens estão ficando perigosos e temo por você.
— Por quê? Tem medo de atacar e receber um golpe na cabeça com uma garrafa de whisky e que esse fracasso chegue a sua folha de serviço e empane sua imagem de absoluta perfeição?
Ele a contemplou por um longo tempo.
— Eu não gostaria absolutamente que a ferissem.
Maddie voltou a desviar o olhar para um canto.
— Não pode me deter. Vou sair.
Ele a segurou pelos ombros e a fez voltar-se para o olhar uma vez mais.
— Maddie, não faça isto somente para me provar que pode fazer tudo o que deseja. Use seu senso comum. Não posso controlar uma multidão semelhante e tão envilecida. E desta vez não será possível lhes fazer ouvir nenhuma só nota.
Sabia que ele estava dizendo a verdade e se só dependesse dela, partiria nesse mesmo instante, em meio da escuridão e retornaria a Denver. Mas a ordem recebida era cantar em seis acampamentos e em seis acampamentos cantaria.
— Devo fazê-lo — disse com voz quebrada pela emoção.
Sem lhe soltar os ombros, afastou-a um pouco e a olhou fixamente.
— Oxalá me contasse que está acontecendo em realidade e quem é que te obriga a realizar esta excursão por cima de tudo. Se confiasse em mim, nossa forçada convivência seria mais suportável, e mais tranquila nossas vidas.
"Se confiasse em você", pensou ela com tristeza, "certamente o que diz seria verdade, mas poderia pôr fim à vida de uma menina inocente".
— Nem sequer imagino de que está falando. — Arrancou-se de suas mãos. — Eu devo dar um pouco de cultura a estes pobres homens e... — Teve que calar subitamente ao soar uma série de disparos.
— Farei tudo o que esteja a meu alcance — aceitou ele finalmente, e saiu da tenda.
Maddie permaneceu imóvel por um momento o seguindo com os olhos. Ela não era tão tola quanto fingia ser ante os outros. Uma coisa era impressionar com sua voz a solitários homens melancólicos em sua maioria sóbrios e outra enfrentar bêbados envilecidos. Tinha visto muitos bêbados em sua vida para ignorar que homens em seu estado normal eram respeitosos e amáveis, tornavam-se violentos e agressivos depois de beber algumas taças de álcool.
Ressoaram uma meia dúzia de disparos e ela se sobressaltou. Quando seu coração cessou de palpitar loucamente, Maddie rememorou outras de suas atuações ao longo dos últimos anos. Recordou todas as rosas que tinham arrojado a seus pés em Florença. Em Veneza tinha navegado em uma gôndola com um tenor. Como se chamava? Era assombroso como era fácil de esquecer os nomes de outros cantores... e juntos tinham cantado um dueto em meio de um canal. As outras gôndolas se detiveram e os habitantes de Veneza tinham aberto as janelas de suas casas para lhes escutar. Quando o tenor e ela tinham terminado de cantar, os gritos de bravo! E os aplausos ressoaram pelo canal. Agora teria que persuadir a uma multidão de judeus mineiros bêbados de aceitá-la e desfrutar de seu canto.
— Parece que está a ponto de chorar — disse Edith ao entrar na tenda.
— Absolutamente. — Maddie deu alguns golpezinhos em todo o rosto com sua esponja para pó.
— Se eu tivesse que enfrentar esses homens cantando essas canções que você canta e refletindo brilho, eu também estaria assustada.
— O que significa isso? Refletindo brilho.
— Este é um dos povoados de Harry. Ela é essa ruiva grande. Bom, não tão ruiva, mas se aproxima bastante. Ela se inteirou que vinha e não gostou nada. Considera que todos estes homens lhe pertencem e não quer compartilhá-los com ninguém.
— Posso te assegurar e também a ela, que eu não desejo a nenhum destes homens. Poderia dizer-lhe que só desejo tomá-los emprestado por um momento.
— Seja o que for, ela não gosta para nada. Falou contra você, lhes dizendo que é uma presumida e uma dama e, que os olharia com desprezo todo o tempo, e os homens estão predispostos a te odiar. Também lhes disse que é um iceberg e que a ópera é para homens que têm gelo correndo por suas veias.
— Isso é absurdo! Todas as óperas contam histórias cheias de paixão e amor.
— Mas cantam em outras línguas estrangeiras que ninguém pode entender, não? E a atitude que assume ao cantar... — Edith endireitou suas costas, uniu as mãos em atitude de rogo com uma expressão orgulhosa e arrogante no semblante e franziu os lábios. — Não dá a sensação de estar cantando uma canção de amor quando está no cenário. — Os olhos de Edith se tornaram maliciosos. — E acredito que o capital Montgomery tampouco pense em você e no amor ao mesmo tempo.
Isso a decidiu. Maddie arrojou a esponja de pó sobre a mesa.
— Edith, quero que me empreste esse espartilho vermelho e negro que tem, esse realmente chamativo e extravagante
— O quê?
— Já me ouviu. Vá buscá-lo. Agora mesmo!
— Não se ajustará a esse seio que tem.
— Melhor. Terei que permitir que grande parte se pendure fora.
Os olhos de Edith se abriram desmesuradamente.
— Sim, senhora — respondeu e escapuliu para fora da tenda.
Maddie começou a tirar seu encantador e singelo vestido de seda.
Quarenta e cinco minutos mais tarde, o capitão Montgomery retornou à tenda para conduzi-la ao cenário que essa tarde Sam tinha levantado. Tinha pensado em fazer um novo intento para persuadi-la de que não cantasse essa noite, mas ao ver a resolução pintada em seu semblante, não disse nenhuma palavra. Caminhou diante de Maddie e ela se perguntou como ele podia se mover com o peso de todas as armas que estava usando. Toby a seguia com o semblante sério e preocupado.
Maddie fez todo o possível para ocultar seu nervosismo, tanto pela multidão que a aguardava como pelo que tinha planejado fazer. Não estava muito segura de ter a coragem e o sangue-frio necessários.
Subiu ao cenário e a gritaria dos homens se acalmou um pouco até converter-se em um bramido surdo. Não lhe dariam uma calorosa acolhida; obrigariam-na a colocar-se a prova.
Pelos olhos cravados nela, Maddie percebia perfeitamente que esses homens pensavam que ela era tal qual a havia descrito essa mulher que todos chamavam Harry. Mas talvez sua voz obtivesse o milagre de lhes fazer mudar de opinião.
Assumiu a postura que tinha ensinado madame Branchini e que o resto do mundo esperava de uma cantora de ópera, e começou a cantar uma bela ária de Dom Giovanni.
Não tinha cantado mais de cinco minutos quando todos começaram a vaiá-la. Soaram dois disparos no ar e alguns homens começaram a murmurar em tom alto.
Jogou uma olhada ao capitão Montgomery, viu que seus olhos estavam esquadrinhando a multidão, uma mão sobre a pistola e a outra no punho da espada, preparado para usá-las se fosse necessário.
Maddie deixou de cantar. Girou e se aproximou de Frank
— Tem aí a música dessa nova ópera?
— Carmen!
Ela assentiu com uma leve inclinação de cabeça.
— Toque uma parte da abertura e depois toque Habanera. Toque-a três vezes. Toque como se sua vida dependesse disso.
Frank jogou uma olhada à multidão com olhos apreensivos.
— Neste lugar poderia ser verdade.
Ela tentou atrair a atenção dos homens para contar a história de Carmen e da canção que ia cantar, mas ninguém a escutava. Olhou para o capitão Montgomery e viu sua expressão de preocupação.
"Eu lhes demonstrarei quem sou", pensou. "Serei Carmen, a alegre cigana sensual que trabalha em uma tabacaria".
Frank tocou uma parte da abertura e Maddie começou a desabotoar a blusa. O que não tinha conseguido seu canto, conseguiu sua pele. Agora contava com a atenção da primeira fila. E quando tirou os grampos do cabelo e deixou que caíssem como uma cascata por suas costas, ganhou a atenção das cinco filas seguintes.
Carmen era um papel especial para uma contralto, a mais grave das vozes femininas, e a voz de Maddie não tinha esse registro, mais possuía toda a emoção necessária. As primeiras palavras de Habanera eram "O amor é um pássaro rebelde que ninguém pode domesticar e em vão o chamarão quando ele escolhe não vir".
Enquanto cantava os versos que descreviam o amor de uma cigana, movia-se e atuava. A saia fez um torvelinho de giros que deixaram à vista as bonitas panturrilhas vestidas em negras meias de seda. Quando chegou aos compassos onde cantou "L'amour" várias vezes, fez com toda a sedução que era capaz de demonstrar, alargando a cadência e modulando estranhamente cada nota.
Nunca em sua vida tinha feito algo semelhante, mas ao começar a repetir pela segunda vez essa canção, Maddie começou a lamentar não ter atuado deste modo antes. Podia sentir os olhos do capitão sobre ela. No dia anterior ela tinha sido atrevida e descarada com ele e este havia dito não, mas os olhos exagerados dos homens no público diziam que nenhum deles a rechaçaria.
Abandonou o cenário e desceu para misturar-se entre os homens. Nesse momento tinha a blusa aberta até a cintura. Tal como tinha previsto Edith, grande parte de seus seios se sobressaíam por cima da borda superior do chamativo espartilho de cetim vermelho. Inclinava-se sobre os homens e cantava falando de amor, “Acha que pode lhe reter, escapar-te-á”, e enquanto as palavras brotavam de sua garganta se afastava rapidamente das mãos ávidas dos homens.
Na terceira interpretação de "Habanera" já estava deslizando-se pelo salão de uma mesa a outra. Encarnava a apetecível e promíscua Carmen e podia seduzir a todos os homens do mundo mais eles não podiam consegui-la.
Quando terminou a canção pela terceira vez, Maddie olhou para Frank. Ele estava tratando desesperadamente de não deixar transparecer em seu rosto toda a surpresa e assombro que sentia, mas não conseguia. O capitão Montgomery estava olhando com o cenho franzido. Ela sorriu e passou brandamente a seguinte canção de Carmen, a canção onde a protagonista confessa a Dom José que seu coração não pertence a ninguém.
Suspeitava que a maioria destes homens não compreendiam as palavras em francês, mas sabia que o capitão Montgomery as entenderia. A cantou com profunda emoção, e com ardor, ao dizer que levaria seu amante com ela para evitar o tédio. Ao recordar que se encontrava entre dois amantes, Maddie apoiou as costas contra um poste no meio do salão e com ondulantes movimentos sensuais dos ombros e torso, esfregou as costas contra o poste, primeiro para cima e logo, ao descer, o fez entreabrindo os joelhos flexionados enquanto perguntava quem queria amá-la. Quem queria seu coração?
Os mineiros poderiam não ter entendido as palavras, mas ao ver sua atitude e o tom de sua voz, cinco mineiros quiseram lançar-se sobre ela. Maddie conseguiu escapulir de entre suas mãos e cantou que ia a taberna de Lillas Pastia beber um chá de camomila.
Foi finalizar o estribilho e Maddie teve o que deveria ser a surpresa de sua vida, já que da multidão emergiu um homem envelhecido e sujo que se dirigiu resolutamente para ela e lhe disse em perfeito francês e uma voz de tenor que não falasse, que se mantivesse calada.
Maddie se sobrepôs a seu assombro e respondeu cantando que podia cantar tudo o que desejasse, que estava pensando em certo oficial do exército a quem ela poderia, possivelmente, amar. Seu olhar escorregou por cima das cabeças dos presentes e cravou seus olhos no capitão Montgomery que a estava observando com a mesma intensidade que um falcão a sua presa. O homem grisalho cantou: Carmen!
Maddie lhe respondeu cantando que era uma cigana apaixonada de outro homem e que poderia conformar-se amando a esse homem, insinuando ao mesmo tempo que não precisa de um oficial como Dom José.
O homem que tinha assumido o papel de Dom José lhe perguntou se ela poderia amar alguma vez e Maddie lhe responde que sim.
Os mineiros riam maliciosamente e se acotovelavam uns aos outros enquanto escutavam atentamente ao velho Sleb cantando com essa bonita mulher. Continuaram olhando-os quando Maddie no papel de Carmen, atormentava e zombava dele, enquanto a expressão de seu rosto e os movimentos ondulantes do corpo diziam que poderia amar ou não, segundo seu estado de ânimo. O pobre Sleb representava os sentimentos de todos os homens presente: dava a sensação de querer vender sua alma ao diabo para consegui-la e estava disposto a pôr fim a sua vida em caso de não o obter.
Sleb cantou sua agonia enquanto Maddie cantava o papel da mulher no comando da situação, com uma voz tão potente que cada nota podia escutar-se por cima de todo o movimento e o alvoroço organizado pelos homens que a rodeavam.
Os homens lançaram assovios quando Sleb fingiu desatar a corda imaginária que atava as mãos de Maddie, e depois calaram quando ela voltou a cantar que iria a taberna para beber e dançar enquanto o pobre Sleb a olhava com luxúria e anseio.
Redobraram os gritos quando os dois uniram suas vozes em um breve dueto.
Ao cantar o último estribilho, Maddie caminhou para o cenário e subiu ao palco. Tinha a blusa completamente aberta até a cintura e as abas pendurando para fora da saia. Deu uma sacudida na saia e repetiu pela última vez que iria à taberna finalizando com um magnifico trá lá lá lá lá.
Quando os assovios e os aplausos fizeram tremer os alicerces do edifício, Maddie se sentiu genuinamente gratificada. Olhou ao capitão Montgomery e se alegrou ao vê-lo carrancudo e com o gesto torcido. Saudou o público delirante com uma graciosa reverência e estendeu a mão ao homem que, tão inesperadamente, tinha cantado o papel de Dom José.
Mas esses homens não lhe permitiriam finalizar a apresentação de maneira ordinária. Em um só movimento aterrador se lançaram sobre o cenário. Maddie viu Ring que se levantava de um salto e tentava chegar até onde ela estava, mas o perdeu rapidamente de sua vista quando os homens a agarraram e a subiram sobre seus ombros.
— Ring! — Gritou duas vezes, mas ninguém podia ouvi-la no meio do barulho infernal e a confusão reinantes.
09
Enquanto os homens passeavam com Maddie levando-a sobre seus ombros, ela se agarrava desesperadamente para não cair, podia sentir o fedor de whisky e de seus corpos sujos sem lavar-se. Isto não se assemelhava em nada ao ocorrido quando os estudantes russos tinham sequestrado sua carruagem, pois estes homens estavam tão ébrios que poderiam deixá-la cair e pisoteá-la de modo puramente acidental. Estavam tão bêbados que se por alguma casualidade a deixavam cair, provavelmente demorariam mais de uma hora em perceber. Também a inquietava a ideia de que alguns deles pudessem tomar por verídica sua representação e acreditar que ela era Carmen.
Foi um verdadeiro alívio para ela ver que o capitão Montgomery ia abrindo caminho trabalhosamente entre essa multidão de homens avivados. Tinha pelo menos uma cabeça de altura sobre os outros e era um homem com uma missão por cumprir, que possivelmente estava usando mais força que o necessário. Ao afundar os dedos no arbusto de cabelo de um dos homens que a sustentava e tratar de manter-se ali em cima o melhor possível, percebeu que não teria se alterado se o capitão Montgomery tivesse utilizado um canhão para chegar até ela.
Quando o teve bastante perto, pôde ver que estava muito zangado, mas no instante em que estendeu seus braços, Maddie não vacilou. Soltou imediatamente a mecha de cabelo do homem que a sustentava e se jogou nos braços do capitão Montgomery. Escondeu o rosto na jaqueta de lã e se apertou contra seu corpo. Podia ouvir os batimentos do seu coração por cima da gritaria acalorada dos mineiros, ouviu também outros gritos e sem sequer olhar, soube que Toby, Frank e Sam estavam ali.
O capitão Montgomery a levou de retorno à tenda que Sam tinha transladado a um bosquezinho durante a atuação, longe dos acampamentos mineiros.
A deixou cair sobre a cama de armar sem muitos olhares, voltou-lhe as costas e serviu um pouco de whisky em uma taça.
— Beba — disse lhe estendendo a taça.
"Não pode estar muito zangado se me oferece uma bebida", pensou mais calma. Bebeu um sorvo e antes que pudesse continuar, ele arrancou a taça das suas mãos e bebeu todo o whisky que restava de um só gole.
— Não merece nem um gole, mas sigo desconfiando da bebida que guardas aqui — afirmou ele franzindo o cenho. — Que diabos era toda essa representação que pôs em cena esta noite? Quem te ensinou isso? Madame Branchini?
— Fiz me apoiando puramente em meu instinto. — Sorriu-lhe. — Agradei-te?
— Me alegro de que os homens não pudessem entender a letra das canções. Amor cigano, é claro que sim! — Deu-lhe as costas e voltou a encher a taça.
Recostou-se na cama de armar sobre os cotovelos. A blusa seguia aberta quase até a cintura deixando ver o espartilho de Edith e ela acabou por perceber que com os braços para trás tal como estava, os seios se arredondavam e se voltavam mais turgentes.
— Nunca tinha feito algo semelhante. Acredito que fiz bastante bem não acha?
Virou-se violentamente para olhá-la e derramou algumas gotas de whisky no chão ao fazê-lo.
— Se contínua brincando com fogo, vai se queimar.
— Ah, sim? E quem jogará lenha a meu fogo?
— Não serei eu, se isso for o que está insinuando.
Isto a fez perder o entusiasmo. Levantou-se bruscamente.
— Devia saber que não te arrancaria nem um elogio.
— É o que deseja? Cantou como os deuses. Em toda minha vida jamais ouvi algo assim. Todas e cada uma das notas eram como pedras preciosas caídas do céu.
A sinceridade que ouviu em sua voz a fez piscar várias vezes.
— Mas, que me diz de minha atuação?
— Atuação? — Soprou furioso. — Não estava atuando, era Carmen. — A olhou de cima a baixo. — Mas já pode acabar com isso.
Maddie fechou a blusa com mãos nervosas e se levantou da cama de armar.
— Obrigada por me resgatar das mãos desses mineiros, capitão, mas agora queria me preparar para ir dormir. Será melhor que parta.
— Não vou a nenhuma parte esta noite. Não a perderei de vista nem um instante.
— Não pode passar a noite comigo.
— Não, não vou passar a noite contigo. Pelo menos não da forma em que sonha. Vou tratar de impedir que esses homens a quem fez o inexprimível por seduzir, não entrem aqui para te buscar.
Essas palavras a fizeram sentir uma mulher muito desejável.
— Já pode deixar de se mostrar tão satisfeita de si mesma. Espero que ninguém saia ferido.
— Eu também e tenho certeza de que tudo sairá bem enquanto esteja vigiando. — Sorriu-lhe novamente. — Eles gostaram, verdade? Começou a cantarolar a toada "Habanera" e recolhendo a saia deu alguns passos do baile por toda a tenda.
Ele a observou com o cenho franzido.
— Quer agradar a homens como eles?
— Não me entende.
— Explique-me.
Maddie tirou a taça das suas mãos, voltou-a a encher e bebeu todo o conteúdo.
— As pessoas têm ideias muito estranhas sobre as cantoras de ópera. Pensam que não somos seres humanos convencionais, como se fôssemos crianças mais próximas à divindade que aos seres de carne e osso. Pensam exatamente como você, que nascemos cantando e que tudo é muito fácil para nós. Não percebem que somos seres humanos e que desejamos as mesmas coisas que as demais mulheres.
Segurando-lhe o pulso a atraiu contra ele.
— E que quer você, Maddie? Ser uma cantora de taberna com os seios transbordando sobre um espartilho muito pequeno para seu corpo?
— Não, quero o que tenho, mas esta noite... Não sei, foi muito agradável que gostassem de mim como mulher e não só por minha voz.
— Mas sua voz...
Afastou-se de seu lado.
— Eu sei muito bem que minha voz é magnífica. Mas queria saber se os homens gostavam... queria saber se também gostavam de mim como mulher. E sim, gostam.
— Como podia duvidá-lo? — Inquiriu ele docemente.
Maddie se voltou e o olhou. Por um momento era novamente Carmen, a exuberante e sensual cigana que conhecia o poder que tinha sobre os homens. Queria que ele a tomasse entre seus braços, que a beijasse e até que fizessem amor, possivelmente.
— Guarda sua sedução para os mineiros — recomendou ele e lhe deu as costas.
Maddie sentiu como se tivesse recebido um murro na boca do estomago e demorou um momento em recuperar o fôlego. Se encaminhou à cama de armar.
— Não desejo que permaneça aqui esta noite, capitão. Se acha que estou em perigo, então envie Toby, Frank ou Sam para que me faça companhia.
— Depois da exibição que fez esta noite, não confiaria nem em meu pai para que ficasse contigo a sós. Nem em meu próprio pai.
— Mas estou perfeitamente a salvo contigo, não é assim, capitão? — Para grande horror de Maddie, podia sentir as lagrimas turvando seus olhos. Essa noite, enquanto tinha estado cantando sobre o oficial militar que Carmen tinha amado, soube que tinha cantando para este oficial do exército que estava começando a obcecá-la.
— Proteger-te-ia com minha vida, mas para isso tem que confiar em mim.
— Confio-te minha vida, mas... — quebrou a voz pois as emoções dessa noite a ultrapassavam. — me deixe só um momento, por favor.
Ele se colocou a suas costas, a fez girar e a estreitou entre seus braços. Esse homem não queria tocá-la quando ela desejava que o fizesse, mas no minuto em que ela não podia suportar sequer lhe olhar, ele a abraçava.
— Odeio-te.
— Não, não me odeia. — Acariciou-lhe o cabelo. — Não tem nem ideia do que sente por mim.
— Mas, suponho que você sim? — Perguntou encolerizada.
— Acredito que sei melhor que você.
Dando-lhe um empurrão se afastou dele.
— Disse que sou vaidosa e presumida, mas é sua vaidade que não conhece limite. Acredito que pensa que me interessa, que me atrai. Bom, está muito equivocado. Você me é completamente indiferente.
— Oh, certamente. Esta noite quando abria caminho laboriosamente por entre esses homens para chegar até você, parecia não se importar com nada absolutamente. Jamais vi antes uma expressão de jubilo como a que vi em seu rosto quando te estendi os braços e se jogou neles com total e absoluta confiança em mim.
— Faria o mesmo com qualquer homem que eu conhecesse. Os homens que me levavam estavam ao ponto de me fazerem cair a qualquer momento.
— Oh? No momento em que esses homens a elevaram, Sam estava a menos de um metro de distância, e sendo um pouco mais alto que eu, como não o viu e foi para ele?
— Vi-lhe, — mentiu — só que preferi não ir com ele, isso é tudo,
Ele sorriu de tal modo que ela voltou à cabeça a um lado para não o olhar.
— Pergunto-me se poderíamos deixar de discutir o tempo suficiente para que se dedicasse a me enfaixar. Estou sangrando.
Maddie se virou, pôs as mãos na cintura dele e o fez virar.
— Onde? — Tinha uma grande mancha de sangue nas costas e havia um talho na camisa acima da mancha.
— Oh, Ring, que néscio você é. Isto parece grave. Por que não disse nada? Atacaram-lhe com uma faca? — Elevou os olhos e viu como sorria. — Não é que me importe muito. É-me totalmente indiferente. Ajudaria a qualquer um de meus empregados, até aos homens que me desgostam. Oh, deixe já essa risadinha presunçosa e tire a camisa. Tenho algumas faixas no baú.
— Faria qualquer coisa para ver-me nu, verdade?
— Para ser sincera, agrada-me muito mais seu aspecto exterior que o que sai de sua boca.
Viu-lhe encolher-se de dor ao tirar os braços das mangas da camisa.
— Sente-se — ordenou e ele a obedeceu.
Maddie tinha enfaixado muitos homens em sua vida e conhecia bastante de feridas. O corte não era muito profundo e não havia necessidade de costurá-lo, mas estava imundo.
— O que fez? Se revolveu em uma pocilga depois que o feriram?
— Mais ou menos. Alguém me golpeou nos joelhos e caí ao chão, logo trinta ou quarenta homens decidiram me pisotear.
— Vi-te cair, mas não podia fazer nada.
— E eu te ouvi me chamar a gritos. Sinto muito não ter podido chegar até você nesse momento — se desculpou ele em voz suave.
Maddie se voltou e o olhou, mas os olhos de Ring estavam fixos na parte de sua anatomia que se sobressaía por cima do espartilho. Agora me olha, pensou ela com aborrecimento, e verteu whisky na ferida.
Ring se endireitou bruscamente na cadeira e respirou profundamente.
— Um pouquinho mais de cuidado, se não for pedir muito.
— Estou fazendo com todo o cuidado que merece.
— Então mereço o melhor. Se não fosse por mim a estas horas estaria provavelmente na tenda de algum mineiro à mercê de meia dúzia de homens.
Afastou-se alguns passos dele.
— Pelo menos eles saberiam que sou uma mulher. E não me olhariam às escondidas. — Voltou sobre seus passos.
Ring apoiou a palma da mão na bochecha de Maddie, afundou os dedos em seu espesso arbusto de cabelo e acariciou a comissura dos seus lábios com o polegar.
— Não entende nada? Nada absolutamente? É a mulher mais desejável que conheci em toda minha vida. Entre seu corpo e essa maravilhosa voz que tem, eu... Não importa o que sinto, esqueça-o! Mas eu não te quero se para você qualquer homem é igual. Quero que só se importe comigo. Eu, Ring, não o capitão Montgomery, não um homem em quem não confia, não um homem a quem considera seu inimigo. Você é muito importante para mim para que aspire menos que isso.
Ele estava seminu, o corpo dela muito descoberto, e ambos estavam muito perto um do outro. Maddie retrocedeu confusa.
— Quer que lhe dê informações.
— Quero muito mais de você.
— Que cante para você? — Sussurrou.
Ele soltou um suspiro e voltou à cabeça.
— Acha que é necessário costurá-lo?
— Não. — Suas palavras a tinham confundido e não compreendia absolutamente o que ele estava dizendo. De fato, quanto mais tempo passava a seu lado, menos o conhecia. Não queria seguir falando mais do que tinham estado falando até esse momento.
— Quem é o homem que cantou comigo? — Perguntou quando começou a enfaixar a ferida das costas, passando as faixas limpa ao redor do ombro, debaixo do braço e através das costas. Tentou fazer caso omisso de como seus seios quase nus roçavam as costas e o peito de Ring quando se inclinava sobre ele.
— Não tive muito tempo para saber, mas a verdade é que dificilmente podia afastar os olhos do triste espetáculo que você estava dando, por isso o que pude averiguar, é que esse homem é o rei dos bêbados de um povoado de bêbados. Vive em um povoado chamado Desperate.
— Sua voz não é má. Não posso imaginar onde conseguiu a música de Carmen. Não tinha ideia que já tivesse chegado tão ao Oeste. Pronto, terminei. Esta bandagem ajudará que cicatrize a ferida.
Ele tomou sua mão.
— Obrigado. —Olhou sua mão, voltou a palma para cima e a beijou retendo-a um momento contra seus lábios. Maddie apoiou a outra mão sobre a espessa massa de cabelo escuro. Quando ele elevou os olhos para ela, Maddie sentiu que seus joelhos se afrouxavam. — Esteve estupenda esta noite. Estou quase certo de que obteve que muitos mudem de ideia em relação à ópera.
Agora tinha transcorrido o tempo necessário desde sua atuação e se envergonhava de recordá-la assim como de sua atitude com ele no interior da tenda.
— Temo que fui muito longe e agora, vão ter uma nova opinião da ópera que será tão mal como a anterior.
— Com toda segurança lhes deu novas ideias sobre as cantoras de ópera.
Seu olhar intencionalmente se cravou nos seios que estavam a escassos centímetros de seu rosto.
Maddie quase deu um salto, afastou-se bruscamente e fechou a blusa de repente.
— Não sei o que se apoderou de mim.
— Carmen se apoderou de você — afirmou ele, depois se espreguiçou para se desentorpecer e suas mãos roçaram a lona da tenda — Mas me alegro de que já esteja de volta. Carmen não é a espécie de mulher que eu escolheria. Diga-me uma coisa, o que acontece com ela na ópera?
— Dom José a mata.
— Isso é o que eu tinha imaginado. Está pronta para ir para a cama? Pode ser que esteja desejosa de passar a noite acordada e levantada, mas eu preciso dormir.
Maddie o olhava fixamente. Que tinha querido dizer com a mulher que eu escolheria?
— Pensa se deitar na cama com esta roupa?
Voltou bruscamente para a realidade.
— Esperas que me dispa diante de você?
— Pela quantidade de roupa que tinha posto esta noite, pensava que colocaria algumas peças a mais para ir à cama. Quer que te ajude com os laços?
— Se colocar uma mão em cima de mim ou tocar minha roupa interior te farei uma ferida que a que tem nas costas parecerá uma insignificância.
— Poderia valer a pena tentá-lo. Terei que considerar bem o fato.
— Saia imediatamente daqui e chame a minha criada.
— Entendo, muito laços de espartilho.
— Vai!
— Muito bem, mas quando estiver pronta para ir dormir, volto aqui. Entendido? — Não lhe deu tempo de alinhavar uma resposta, e saiu da tenda.
Maddie se sentou na cama de armar. Não entendia esse homem absolutamente. Em um momento ela virtualmente estava se jogando em seus braços e ele nem percebia, em seguida se oferecia para tirar sua roupa.
Demorou alguns segundos antes de perceber que Edith estava de pé junto a ela e resmungando palavras ininteligíveis.
— Tenho-a.
— Tem o quê? — Perguntou Maddie.
— A fruta que me pediu. Embora tivesse que pagar uma fortuna para consegui-la.
Maddie ainda não podia pensar com claridade e ficou olhando Edith sem compreender.
— Ele voltou a conseguir que esquecesse de sua irmã? Se existir um homem que possa fazer uma mulher esquecer qualquer coisa, é ele, mas não estou muito certa de que as mulheres lhe interessem.
— Porque não se interessa por você?
— Tem ciúmes, não é verdade? Não a vi despertar feliz depois de ter passado uma noite com ele. Ou aquela noite foi à primeira vez? Caramba atuou com entusiasmo para ele esta noite.
— Me ajude a tirar a roupa. Além disso, devo te dizer que sob nenhum conceito atuei para ele. Somente representei e cantei o papel como tinha sido escrito e pensado. Tratava-se de...
— Não tem necessidade de explicar a ninguém e muito menos a mim. Se até um cego teria visto do que se tratava. A forma como se esfregava contra esse poste enquanto olhava todo o tempo o capitão Montgomery foi suficiente. Hummnun hummmm! Terei que provar essa tática alguma vez.
Maddie sentiu que se ruborizava e se alegrou de que a camisola estivesse passando por sua cabeça.
— Quer a fruta ou não?
Maddie demorou segundos antes de recordar do que estava falando Edith. Muito cedo, ao despontar na alvorada do dia seguinte ela teria que partir do acampamento completamente só e, fazer o longo e penoso caminho montanha acima para encontrar-se com o homem e intercambiar cartas com ele. Se ela cumprisse todas as instruções recebidas ao pé da letra, veria por fim Laurel.
— Ainda precisa dessas frutas ou vai pedir lhe que a deixe ir sozinha?
No dia anterior Maddie tinha chegado à conclusão, que o único modo de se desfazer do capitão Montgomery, era fazer algo que lhe forçasse a deixá-la ir sozinha ao encontro do homem que tinha Laurel em seu poder.
Sabia que seria inútil tentar lhe convencer de modo racional. Ele tinha assumido o papel de seu vigilante e não renunciaria. Sentada durante longas horas no interior do vagão não tinha ocorrido nada mais original que recorrer uma vez mais ao ópio. Além disso, Edith parecia ter uma provisão ilimitada dessa maldita droga. Isso o tiraria de circulação bastante tempo, o suficiente para que Maddie pudesse fugir e tomar à dianteira, caso ele acordasse. Maddie tinha imaginado um plano cheio de artimanhas para introduzir o ópio em algumas frutas secas.
— Sim — disse brandamente. — Necessito essas frutas. — E ao assentir sentiu-se terrivelmente mal. No passado não se importara em vê-lo tomar whisky com ópio e agora, se cabia dizer, que sua presença era até mais inoportuna e constituía um verdadeiro estorvo. Mas depois, ele a tinha resgatado daqueles homens que a tinham sequestrado ao ouvi-la cantar. Esta noite se armou de um arsenal, preparado para usar os punhos ou as armas ou o que fosse necessário para sua maior segurança. E tinha ido em sua ajuda quando os homens a tinham carregado sobre seus ombros. E se fosse uma mulher sincera e honesta consigo mesma, deveria admitir que só tinha podido representar o papel de Carmen porque sabia que ele estava velando por ela. Se tivesse estado sozinha e contando unicamente com Sam e Frank para cuidá-la, jamais teria se atrevido a atuar de modo tão audaz. E da mesma maneira, também, deveria admitir que possivelmente não tivesse tido nenhum interesse em representar o papel de Carmen e esfregar-se contra o poste se o capitão Montgomery não tivesse estado ali, observando-a.
— Traga as frutas amanhã pela manhã. Ao redor das cinco, o fará dormir quase todo o dia. Conseguiu um cavalo?
— Exatamente como disse. Estará te esperando. — Edith ficou olhando-a um momento. — Realmente vai sair sozinha e entrar no bosque sem nenhuma companhia?
— O bosque é muito mais seguro que um povoado como este, e não me assusta absolutamente, mas quando o capitão Montgomery despertar, vai estar de péssimo humor.
— Como se eu não soubesse! Acredito que vou encontrar algo para fazer do outro lado do povoado todo o dia de amanhã. Não quero que chegue a descobrir que tive algo que ver em tudo isto.
— Uma decisão muito prudente.
Quando Ring retornou à tenda, Maddie já estava oculta debaixo das mantas da pequena cama de armar dura e estreita, mas lhe ouviu enquanto ele se despia e estendia as mantas sobre o chão coberto com a lona da tenda. Perguntou-se o que ele estaria usando ou, mais exatamente, que não teria posto.
Ele apagou o lampião e se deitou entre as ásperas mantas de lã providas pelo exército.
— Boa noite — lhe disse brandamente.
Maddie não respondeu e esperou, perguntando-se que mais aconteceria. Lembrou-se de Toby contando que o capital Montgomery não se interessava pelas mulheres. Nenhuma mulher ou somente ela?
— Estive esta noite realmente bem ou só o disse para me tranquilizar?
— Atuou muito bem.
Ela aguardou alguns minutos.
— Nunca tinha feito algo assim em toda minha vida. Quero dizer, que nunca antes atuei dessa forma. No que se refere a homens, minha vida foi muito sossegada. Realmente eu não... — Não pôde terminar a frase.
— Eu sei.
A segurança imperturbável com que demonstrava conhecê-la até nos mais mínimos detalhes, a aborrecia além da conta.
— Por que supõe saber tanto de mim quando eu conheço tão pouco de você?
— Aprendemos a conhecer o que nos interessa.
— O que significa isso?
Não disse nenhuma palavra e Maddie compreendeu que não responderia. Recordou então como tinha ido em sua ajuda nesta noite e voltou a pensar no que teria que lhe fazer amanhã.
— Ring... — sussurrou.
Ele não falou, mas ela tinha certeza de que estava escutando-a.
— Às vezes uma pessoa tem que fazer coisas que não estão bem ou, que em um dado momento parecem incorretas, mas que devem fazer inevitavelmente. Compreende o que te digo?
— Nenhuma palavra.
Escapou um suspiro. Possivelmente era muito melhor que não a entendesse.
— Boa noite — o saúdo e ficando de lado tratou de dormir.
As cinco em ponto da manhã, entrou na tenda uma Edith sonolenta levando uma caixinha de madeira nas mãos,
— Bom dia, capitão — saudou-o.
Maddie se revolveu na cama de armar e viu o capitão Montgomery completamente vestido com a camisa suja e ensanguentada e as calças regulamentares do exército, sentado em um tamborete bebendo uma xícara de café'.
— Quanto tempo faz que está acordado? — Perguntou Maddie.
— Um momento. O que traz aí, senhorita Honey?
— Umas frutas secas. Um desses homens as envia para Maddie, — respondeu Edith, assinalando-a — pelas canções de ontem à noite. Acredito que chamam figos. Nunca os tinha comido antes e não me parecem muito boas, mas uma das garotas me disse que custam uma fortuna.
Ring tirou brandamente a caixinha das mãos e olhou o conteúdo.
— Não há dúvida de que são figos. — Ofereceu a caixinha a Maddie. — Quer provar uma?
Ela se levantou da cama e esfregou os olhos com grandes gestos.
— Não, obrigada, mas coma uma se gostar.
Tratou de não o olhar quando ele aproximou a mão da caixa, mas vacilou.
— Não, acredito que vou esperar... — Levantou-se do tamborete. — Esperar lá fora enquanto se veste depois a acompanharei até ao banheiro. Hoje não se apartará nem um minuto de minha vista.
— E agora que vai fazer? — Pergunto-lhe Edith assim que ele saiu da tenda.
— Não tenho ideia, me ajude a vestir e logo pensarei em qualquer coisa.
Cumprindo sua palavra ao pé da letra, o capitão Montgomery estava aguardando-a fora quando ela terminou de se vestir. Ele lhe ofereceu o braço, mas Maddie não aceitou.
— Posso caminhar sozinha.
— Como quiser.
Não queria falar com ele, pois tinha que pensar. Se não ia comer os figos, que poderia fazer para desfazer-se dele?
Maddie assegurou que poderia ir sozinha até o banheiro e se adiantou um pouco. Tinha acabado de entrar quando ouviu assobios que provinham do exterior.
— Senhora, somos nós. Recorda-nos?
Tão rapidamente como pôde, Maddie procurou os buracos na madeira do abrigo que se utilizava como banheiro e viu ao redor de cinquenta homens. Suspirou com resignação.
— O que desejam de mim? — Eram os quatro homens que a tinham raptado para que cantasse para eles. Claro que o que tinham feito estava mal, mas não podia odiar a nenhum homem que desejasse ouvi-la cantar até esse extremo. Tinham-na raptado para que seus companheiros também pudessem ouvi-la cantar.
Escutou enquanto os homens lhe pediam um empréstimo de dinheiro. Em troca desse dinheiro, entregar-lhe-iam uma escritura sobre a metade de suas três licenças de mineração, se obtivem resultados. Por que não? Pensou, e ao mesmo tempo soube que o capitão Montgomery se aborreceria com a ideia. Mas por outro lado, o fato de que ela aceitasse considerar essa oferta era culpa desse mesmo homem, o capitão. Toda essa conversa sobre a velhice e que ela ia fazer quando já não pudesse cantar mais, tinham-na levado a pensar na necessidade de dinheiro.
Que tinha feito John com todo o dinheiro que ela tinha ganhado durante todos estes anos? Ele sempre tinha pago todas as contas e se responsabiliza com todos os gastos e jamais tinha ocorrido a Maddie lhe perguntar que tinha acontecido com o resto do dinheiro.
— Muito bem — respondeu. —Digam a Frank que prometi pagar cem dólares a cada um de vocês.
— Obrigado, senhora — disseram em coro. — Muito obrigado. Convertê-la-emos em uma mulher rica.
Sentiu um grande alívio quando se foram e por fim pôde desfrutar de um pouco de intimidade. O capitão Montgomery seguia esperando-a fora da choça. Sou pouco menos que uma prisioneira refletiu. Por alguma razão, vejo-me privada de toda minha liberdade'
De retorno à tenda, o capitão Montgomery elevou a caixa cheia de figos.
— Quer provar?
— Não, obrigado, em realidade, eu não gosto. Mas pode comer quantos queira.
— Se não se incomodar que o faça. — Ela viu que tirava dois figos e os comia rapidamente. — São muito saborosos. Deveria provar um.
— Não, prefiro não os comer. — Sorriu ao vê-lo comer outro figo, mais franziu o cenho ao ver que comia o quarto. Não tinha ideia da quantidade de ópio que tinha posto Edith em cada um e tampouco sabia quanto podia tolerar uma pessoa sem dormir para sempre.
Quando ele levou o quinto figo aos lábios, lançou-se sobre ele.
— Não! — De um golpe fez cair à caixinha no chão e arrancou o figo que ele tinha na mão.
Ele a olhou com olhos de assombro, logo pareceu compreender o que acontecia.
— O que fez, Maddie?
— Nada que não me visse obrigada a fazer. Por favor, trate de entender.
— Entender que não confia em mim? Que pensa que sou tão incompetente que não posso te ajudar no que tenha que fazer?
— Sim. Pediria sua ajuda se pudesse fazê-lo, mas é impossível. Deve entendê-lo.
— Não compreendo nada absolutamente. — Levou a mão à testa e cambaleou sobre seus calcanhares.
Maddie se aproximou dele, passado o braço de Ring ao redor de seus ombros e o levou até a cama de armar, onde caiu arrastando metade de Maddie na queda. Ela o empurrou para se libertar do seu abraço, mas ele a reteve junto a ele.
— Aonde vai? Com quem vai se encontrar? Que é tão importante que tenha que arriscar a vida por isso? — A tinha segura pelo pescoço a impedindo de mover-se da posição em que estava, com metade sobre o corpo de Ring.
— Não posso dizer, me acredite, fá-lo-ia se pudesse. Eu gostaria de contar com a ajuda de alguém.
Ele fechou os olhos por um momento, logo voltou a abri-los por pura força de vontade.
— É o mesmo homem de antes?
— Quê? Oh — disse recordando a primeira vez que ele a tinha seguido. — Não posso dizê-lo. Tenho que ir. Devo percorrer muito caminho antes que anoiteça.
Tratou de afastar-se dele, mas Ring seguia bastante acordado e a retinha com força pelos ombros.
— Onde?
— Não vou dizer porque assim que possa me seguirá. Maldito seja! — Exclamou ela, furiosa. — Por que teve que entrar em minha vida e me confundir deste modo? Estava bem antes de te conhecer. Era livre. Não tinha ninguém que se acreditasse ser meu guardião, e agora...
Deu um violento puxão e se libertou dele. Ring tentou segui-la, mas pesavam as pálpebras de sono e caiu de costas na cama de armar. Ela se dirigiu ao baú e tirou o mapa. Dobrou-o cuidadosamente e o colocou debaixo do corpete da blusa.
Retornou ao lado do capitão, inclinou-se sobre ele e acariciou seu cabelo. Fazendo um grande esforço, ele entreabriu os olhos.
— Temo que o machuquem —- lhe sussurrou.
— Se perderá no bosque.
— Não, não será assim, e permanecerei nos subúrbios do povoado. Não permitirei que ninguém me veja. Estarei de retorno antes de manhã à noite. Espere-me. E... — Lhe sorriu com doçura. — Não se zangue muito comigo.
— Irei em sua busca.
Ela mal podia lhe ouvir, pois estava sendo vencido pelo sono. Inclinou-se mais perto de sua boca.
— Me espere — repetiu uma vez mais. — Terei muito cuidado.
Ele não respondeu e ela deduziu que já estava profundamente adormecido. Enquanto o contemplava sentiu remorsos pelo que tinha feito. Os homens que retinham Laurel a assustavam muito, e também temia a alguns desses homens que viviam nas montanhas, esses mineiros que estavam longe de seus lares e das regras da civilização. Alisou o espesso cabelo negro e limpou a testa. Sentir-se-ia mais segura se ele a acompanhasse. E se ele tivesse começado a conversar e a zombar dela como habitualmente fazia, talvez Maddie tivesse sido capaz de esquecer seus temores por Laurel durante algum tempo.
— Sinto-o muito, Ring – sussurrou ao ouvido do homem que jazia profundamente adormecido. — Não faria isto se não estivesse forçada a fazê-lo.
Quando estava a ponto de levantar-se, obedecendo a um louco impulso, roçou-lhe os lábios com os seus. Tinha acreditado que estava profundamente adormecido, mas subitamente recuperou as forças. Passado o braço direito sobre as costas de Maddie afundando a mão na cascata de cabelo escuro enquanto à esquerda lhe rodeava a cintura. Obrigou-a a inclinar a cabeça até que as boca se juntaram e então a beijou com ardor.
Maddie tinha beijado alguns homens antes, mas nunca tinha se interessado muito pelos seus beijos. Entretanto, este sim. Sentiu como se estivesse se afogando, que os lábios que pressionavam os seus estivessem lhe tirando a alma do corpo. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e o estreitou mais contra seu corpo, como se isso fosse possível, e depois, ao uníssono, seus pés se levantaram do chão e ela se deitou na cama de armar junto dele. Mas a cama de armar era muito estreita, então movendo-se brandamente conseguiu estender todo seu corpo sobre o de Ring.
Os braços viris se afrouxaram e caíram em ambos os lados da cama de armar brusca e inesperadamente. Maddie quase caiu no chão. Teve que aferrar-se aos ombros de Ring para não cair. Levantou a cabeça para o olhar e comprovou que por fim dormiu.
Lentamente, foi levantando, mas quando tentou ficar de pé no chão, lhe dobraram os joelhos e caiu sentada. Golpeava-lhe o coração nos ouvidos e sentia todo o corpo débil e trêmulo.
Ficou sentada no chão durante alguns minutos, com a respiração agitada e olhando assombrada o corpo do capitão, que dormia profundamente. Passado o dorso da mão pela testa e sentiu o suor que a empapava.
— Mon Dieu — suspirou e demoro um momento mais antes de recordar quem era e onde estava. Logo, apoiando-se nas mãos, conseguiu ficar de pé. — Retornarei — confirmou à figura que jazia em silêncio enquanto o observava de cima abaixo. — Pode estar completamente seguro. Retornarei.
Encaminhou-se para a entrada da tenda, lançou-lhe uma última olhada por cima do ombro e saiu para dirigir-se aonde a esperava o cavalo selado.
10
Maddie tinha certeza que qualquer homem que a visse a reconheceria imediatamente e a tomaria pelo que em realidade não era. Que teria pensado madame Branchini de sua interpretação de Carmen?
Enquanto Maddie ia subindo trabalhosamente pela inclinada encosta da montanha, seus temores por Laurel foram aumentando. E se esse maldito homem não se apresentasse ao encontro? O que aconteceria se esse horrível homem que parecia ser o mensageiro dos sequestradores voltasse a atacá-la? Da última vez ela tinha feito tudo o que ele tinha exigido e desta vez lhe levava "algo brilhante," mais e se não fosse suficiente? Seria ridículo lhe pedir que a esperasse um minuto enquanto ela descia novamente pela montanha para recolher a última joia que restava. Não acreditava que o capitão Montgomery lhe permitisse fazer esse trajeto só pela terceira vez.
Maddie tratou de pensar em qualquer outra coisa e afastar Ring de sua mente. Mesmo que não tivesse desejado que ele a acompanhasse nesta excursão, tinha-na ajudado muito. O general Yovingon tinha contratado às três pessoas que supostamente deviam protegê-la, mas nunca tinham ido em seu auxílio quando realmente tinha precisado. Mas Ring sempre tinha estado ali para tirá-la de apuros. Ele tinha perguntado onde tinha estado seu agente quando a tinham raptado os estudantes russos e ela tinha tido que confessar que John a tinha deixado liberada a sua própria sorte. Entretanto, confiava plenamente que Ring jamais a abandonaria. Protegê-la-ia com sua própria vida, exatamente como tinha assegurado Toby que ele faria.
Seguiu subindo pelo atalho do escarpado durante horas e, entretanto, nunca parecia alcançar o topo da montanha. Enquanto ia montada a cavalo comeu carne com pão velho e duro, e bebeu água do cantil. O cavalo ofegou e Maddie reduziu o passo, mas não permitiu ao pobre animal que descansasse nem um só minuto. Tinha que chegar ao lugar do topo antes de pôr-do-sol. Tinham-lhe assegurado que Laurel estaria aguardando-a se chegasse antes que o sol se ocultasse.
Era bastante tarde quando começou a olhar o céu dominada pelos nervos. O sol parecia estar deslizando-se para a linha do horizonte a grande velocidade.
— Oxalá meu pai estivesse aqui — disse em voz alta ao cavalo. — Oxalá Ouça Bem estivesse aqui. E Bailey e Linq e Thomas. — Deixou escapar um suspiro. — Oxalá Ring estivesse aqui comigo.
Acariciou o cavalo entre as orelhas,
— Possivelmente ele poderia ter vindo comigo. Poderia haver lhe mostrado a rota e ele tivesse encontrado outra forma de chegar até Laurel. Talvez nós dois poderíamos ter esboçado algum plano para resgatar Laurel e todo este horrível episódio estaria terminado. Depois eu poderia levar Laurel para casa, retornar ao Este e cantar para as pessoas que sabem apreciar minha arte, mesmo que tenha todos os botões abotoados.
No mesmo instante que disse estas palavras, soube o quanto estava equivocada. E se na escaramuça que sem dúvida sobreviria houvesse um perigoso intercâmbio de disparos e Laurel pudesse ser o alvo de um deles? Uma imagem imprecisa de Laurel passou ante seus olhos. Não tinha visto sua irmã mais nova em anos, mas sua mãe tinha enviado fotografias, esboços, aquarelas e desenhos a lápis e tinta de Laurel, assim Maddie tinha certeza de que reconheceria sua irmã em qualquer parte.
Não, não podia arriscar-se. Instou o cavalo a seguir adiante e mais depressa. Era melhor assim, ir sozinha e dar ao homem — ou aos homens — o que queriam. Intercambiaria cartas com ele e entregaria todas as joias que possuía e qualquer outra coisa que ele quisesse. E se esse homem a beijava outra vez, lhe sorriria. De algum modo, este último era a parte mais difícil e amarga para ela. Antes de beijar ao homem que desprezava e temia, preferia lhe entregar todas suas joias.
Encontrava-se tão absorta nestes pensamentos que não estava preparada quando o homem surgiu de um salto de entre as árvores. Custo-lhe muito trabalho acalmar o cavalo que se espantou e pensou que seu pai se sentiria realmente decepcionado se tivesse visto com que facilidade se deixou surpreender no bosque.
— Chegou tarde — disse o homem aferrando a brida do cavalo. Acariciou a perna de Maddie enquanto sorria maliciosamente.
Maddie cravou com dissimulação o calcanhar no lado oposto de seu cavalo e o fez empinar e se afastar do homem.
— Onde está?
— Quem?
Maddie tratou de não se encolerizar.
— Você me disse que depois de minha terceira atuação veria minha irmã. Ontem à noite cantei pela terceira vez, assim onde está ela?
— Por aí. Trouxe-me alguma coisa?
Balas. Veneno. Látegos. Um pelotão de fuzilamento.
— Trouxe um colar de pérolas. É muito valioso. Presenteou-me o rei da Suécia. — Tirou o colar da alforja e o contemplou uma vez mais antes de entregar ao foragido. Havia dito a Ring que o dinheiro não significava nada para ela e, para falar a verdade, assim era. Não o dinheiro em si, mas amava as coisas belas, e o colar de pérolas de tamanho e cor idênticas era algo extraordinariamente belo. Ele tomou com suas mãos sujas e toscas.
— Não está mal. Alguma outra coisa?
— O colar vale uma fortuna não só por seu valor intrínseco mais também por sua significação histórica.
Ele a olhou sem entender.
— É importante porque pertenceu a um rei e ele presenteou a rainha e, depois a mim. Ele poderia deixar para suas netas.
— Sim, ah. Meus netos. Tem a carta?
— Quero ver minha irmã.
— A verá quando eu o diga, e agora, senhorita História, desça desse cavalo e venha para meu lado de uma vez por todas.
Seu coração deu um salto e subiu a sua garganta e começou a tremer. Teria que suportar qualquer coisa que este foragido quisesse fazer. Não podia correr o risco de pôr em perigo Laurel e que ela saísse ferida. Pela forma como o homem a estava olhando, deu-se conta de que ele estava lendo seu pensamento. E até se atrevia a dizer que a repulsão que ela sentia por ele, não lhe era desagradável.
— Aproxime-se e dê-me um beijo.
Separavam-na dele alguns poucos passos, mas enquanto se preparava para poder tocar o foragido, teve a sensação de estar percorrendo o trajeto mais longo de sua vida. Foi nesse preciso momento que uma flecha passou voando em direção ao homem. Faltou muito pouco para que lhe atravessasse a cabeça, mas finalmente se cravou no tronco de uma árvore que estava a escassos centímetros de distância.
Maddie se alegrou ao ver que o homem carecia de reflexos e reagia com lentidão. Ela se arrojou ao chão e ele continuava de pé e olhando estupidamente a flecha. Elevou os olhos e observou a flecha. Era da tribo crow e ao comprová-lo encheram seus olhos de lagrimas de alegria e alívio.
— Ao chão — ordenou ao homem que seguia de pé — São índios.
Maddie viu então o terror nu no semblante do homem e soube que ele, como a maioria dos homens que estavam no Oeste nesse momento, provinha do Este. Todo o conhecimento que podia ter dos índios era o que tinha ouvido contar a noite, nas rodas que se formavam ao redor das fogueiras do acampamento, — relatos fantasiosos que equivaliam a contos de fantasmas — e que eram tão verídicos como esses mesmos contos fantasmagóricos.
— O que é isso? — Inquiriu ele manifestando terror na voz.
— Espero que não tentem nos atacar. Como suportaria você a tortura?
Ele se voltou para olhá-la com os olhos arregalados pelo horror.
— Tortura?
— Ouvi dizer que os índios daqui juraram matar a todos os homens brancos que encontrem sozinhos. O ódio que sentem pelo homem branco aumentou desde que os brancos começaram a roubar as sagradas rochas amarelas extraindo-as de suas terras. — Tinha a esperança de que Ouça Bem estivesse bastante perto para ouvi-la, porque se assim fosse, ele estaria rolando de risada. Qualquer índio que tivesse uma fibra de inteligência sabia que um bom cavalo e um rifle valiam todo o pó amarelo do mundo.
— Eu vou sair daqui— disse o homem e começou a ficar de pé. Maddie o segurou pela perna.
— Espere! Quero ver minha irmã!
— Você é mais tola do que eu acreditava se pensa que traria uma menina como ela.
Maddie sentiu que o pânico se apoderava dela. Não importava que o amigo de seu pai, Ouça Bem, estivesse perto dela, não se o homem não tinha Laurel. Segurou-lhe pelo peitilho da camisa.
— Onde está minha irmã?
— Como demônios eu vou saber? Eu sou somente um mensageiro. — Se soltou de um puxão, mas Maddie voltou a lhe segurar.
— Onde ela está? Quem é o que sabe verdadeiramente algo dela? Quem a tem?
— Não me importa isso. — Deu-lhe um empurrão que a deixou estendida no chão e depois fugiu dali correndo pela encosta acima.
Mas Maddie já estava lhe pisando nos calcanhares.
— Você me assegurou que viria com minha irmã.
Ao montar seu cavalo, ele a olhou de acima.
— Deveria estar contente de que não a trouxesse, com todos estes índios nos rodeando.
A mão de Maddie se aferrou a brida do cavalo.
— Você não a tem, verdade? Tudo isto não é mais que uma brincadeira. Laurel está segura em alguma parte e não me disseram nada.
O homem rebuscou algo no bolso da calça de lona que usava.
— Aqui está — disse, e arrojou algo no chão, logo arrancou a brida da sua mão. — Verei você no próximo lugar. Traga algo mais. Traga ouro. — Começou a puxar as rédeas para guiar o cavalo pelo atalho de subida, quando se deteve e jogando um olhar nervoso a seu redor, voltou a olhá-la com o cenho franzido. — Nada do que está passando é meu assunto e nenhuma de vocês me importa um rabanete, mas senhora, dar-lhe-ei um conselho: esses homens não gostam nada que esse homem do exército esteja farejando por aí. Não gostam absolutamente. E se ele colocar o nariz onde não o chamam vão matar essa menina. São uns miseráveis.
Maddie voltou a agarrar a brida.
— Machucaram-na?
— Não, ainda não, mas por outro lado, você obedeceu até agora, não é assim? — Dizendo isto, puxou as rédeas de seu cavalo e começou a cavalgar para o Oeste tão rapidamente como permitia o terreno.
Maddie ficou petrificada em seu lugar, complemente aturdida por alguns momentos, mas logo começou a procurar freneticamente o que o homem tinha arrojado no chão. Não foi difícil de encontrar. Era um lenço sujo de linho feito um nó. Se sentou e com mãos trêmulas começou a desatar o nó.
Quando conseguiu conteve a respiração. Ali, no meio do lenço estava o anel de ouro e safiras que Maddie tinha enviado da Itália, de presente a Laurel apenas um ano atrás. Sua mãe tinha escrito que Laurel estava tão orgulhosa de seu anel que jamais o tirava do dedo.
Com supremo cuidado, Maddie voltou a envolver o anel no lenço e o sustentou na palma da mão. Não ia começar a chorar; nem sequer ia permitir-se comover-se. Eles efetivamente tinham em seu poder Laurel.
Jogou um olhar cheio de melancolia às árvores que a rodeavam sob a luz mortiça do entardecer.
— Ouça Bem? — chamou em voz muito baixa, mas ninguém respondeu. O que mais desejava nesse momento era ver e falar com alguém conhecido. — Ouça Bem, — disse em voz mais alta, mas seguiu sem obter resposta.
Quando tentou ficar de pé descobriu que tremiam as pernas. Dirigiu-se com passo vacilante à árvore que tinha a flecha cravada. Arrancou-a de um puxão e a observou atentamente. Sim, tinha as duas marcas diminutas que eram o símbolo de Ouça Bem.
— Onde está? — Gritou-lhe, mas o bosque permaneceu em silêncio. Por que razão não quer apresentar-se ante mim, se perguntou e tratou de manter a mente ocupada com essa pergunta. Qualquer coisa para não pensar em Laurel.
Começou a correr na direção de onde tinha vindo à flecha, mas este não se deixou ver por nenhuma parte. Quando ficou sem fôlego, deixou de correr. Se Ouça Bem não queria ser visto, ninguém, absolutamente ninguém, nem sequer seu pai, poderia lhe ver.
Mas por que, perguntou-se. Por que a seguia e, não obstante, não permitia que o visse?
A resposta chegou instantaneamente. Porque havia alguém mais nas proximidades, alguém que Ouça Bem queria evitar.
Com essa ideia rondando na cabeça, Maddie desceu correndo pela encosta, diminuindo os passos o suficiente para tomar o cavalo pela brida. Se Ouça Bem estava perto, então possivelmente seu pai estaria por ali. Andou pela vereda escarpada tropeçando com pedras, arbustos atrofiados e rasgando as mãos com as rochas enquanto corria precipitadamente montanha abaixo.
Estava esgotada de cansaço e já era noite fechada quando chegou a um arroio. Deixou que seu cavalo bebesse enquanto ela enchia o cantil. Olhou a seu redor, mas não viu ninguém. Estava muito escuro para ver alguma coisa, e a lua era a única que brilhava no céu. Seu pai lhe tinha ensinado a viajar de noite e tinha ouvido infinidade de relatos sobre homens que tinham realizado longas viagens movendo-se unicamente à noite.
— Vamos, moço — animou o cavalo e o segurou pela brida. Por enésima vez voltou a assobiar o canto da cotovia da montanha, mas como nas outras ocasiões, não recebeu nenhuma resposta.
Reatou a descida vendo-se obrigada a avançar muito mais devagar que quando tinha subido devido à escuridão reinante. A cada passo que dava sentia que seu mau humor ia aumentando. Estava tensa e zangada com os homens que tinham raptado Laurel, mas também estava furiosa com Ouça Bem, seu amigo de toda a vida, que nesse momento, estando tão perto, negava-se a aproximar-se dela. Quanto tempo fazia que a estava seguindo? Recordou então que o capitão Montgomery tinha comentado que a seguiam vários homens. Certamente, ele deveria haver-se precavido da presença de Ouça Bem em algum momento.
Tropeçou com uma rocha e caiu de bruços sobre um espesso matagal infestado de espinhos. Ao levantar-se, amaldiçoou a todo mundo. Nesse momento lhe aborrecia todos os homens que estavam sobre a terra. Odiava aos homens e a suas malditas conversas de guerra, esses ingratos que tinham raptado uma criança indefesa para utilizá-la na guerra que pensavam iniciar. Odiava esses mineiros que gostariam mais de olhar debaixo do vestido o que tinha colocado, tanto quanto ouvi-la cantar. E mais que a ninguém no mundo, odiava Ring Montgomery porque...
Não sabia exatamente por que o odiava, mas estava plenamente convencida de que o odiava. Uma parte de seu ser também odiava seu pai, porque estando tão perto dela não vinha para ajudá-la. Por que Ouça Bem não ia buscá-la e também os outros? Por que seguia caminhando, tão absorta em seus pensamentos que foi uma verdadeira surpresa quando um braço fornido surgiu da escuridão, rodeou-lhe a cintura e depois uma mão cobriu sua boca. Tudo isto causou uma verdadeira comoção nela e sua reação foi instantânea. Era como se Maddie fora um barril de pólvora e que alguém tivesse acendido a mecha. De repente, transformou-se em uma bola de energia e começou a chutar, arranhar e lutar com frenesi, e até conseguiu cravar os dentes na palma da mão que cobria sua boca.
— Sou eu — ouviu dizer o capitão Montgomery — sou eu.
Se a intenção tinha sido acalmá-la, teve o efeito contrário. Ao sentir que o mordia, deixou de oprimir sua boca e então Maddie começou a chiar com todas suas forças.
— Não te quero aqui. Odeio-te. Se afaste de mim. — Continuou lutando com ele, chutando-o com os calcanhares e golpeando-o seu peito com a cabeça.
Os braços de aço de Ring a rodearam, lhe imobilizando os braços sobre os seios. Isto surtiu o efeito desejado impedindo-a de morder ou arranhar, mas seguia tendo livres os calcanhares para chutar suas panturrilhas, assim Ring a deitou no chão passado uma perna sobre as dela.
— Calma, silêncio — aconselhou docemente enquanto lhe acariciava o rosto empapado em suor. — Tudo está bem. Está a salvo agora.
— A salvo? — Chiou-lhe na orelha. — Corria menos perigo na companhia dos leões das montanhas antes que você aparecesse. Por que não está dormido? Tinha medo de haver lhe dado suficiente ópio para matá-lo.
— Não foi suficiente. Vamos, não siga com isso — exclamou quando ela tentou morder novamente. Apoiou a bochecha áspera pela incipiente barba sobre a suave bochecha de Maddie. — Agora estou aqui contigo e o perigo passou.
Maddie deixou de lutar porque se viu obrigada a isso, porque ele a tinha imobilizado de tal modo que não podia fazer outra coisa, mas ainda fervia de indignação e de raiva.
— Saia de cima mim! Vai e me deixe sozinha. Não te necessito.
Ele não se moveu nem um milímetro mais sim seguiu segurando-a firmemente.
— Sim, precisa-me. Diga-me o que aconteceu. Diga-me o que fez e onde esteve.
Não podia dizer-lhe era impossível. Não podia contar a ninguém. Tampouco teria contado a Ouça Bem mesmo que tivesse aparecido.
— Não posso lhe dizer — gritou com raiva, mas para seu grande desespero, disse com a voz entrecortada. — Nem sequer posso contar a meu pai.
Ring moveu a cabeça e a olhou.
Foram precisamente essas palavras as que desataram as lágrimas. Tentou contê-las, mas não pôde. Tratou de recuperar a fúria, sua raiva, mas não conseguiu revivê-las.
Sinceramente, alegrava-se de ver outro ser humano junto a ela. Estava cansada de estar sozinha.
— Não posso contar a ninguém. A ninguém absolutamente. — Então, as lagrimas ganharam a batalha e uma verdadeira corrente brotou de seus olhos.
Ring se afastou e a tomou em seus braços. Enquanto a abraçava com ternura, recostou-se contra uma árvore e a estreitou mais contra seu corpo, embalando-a como o faria com uma criança.
— Não se contenha, meu amor, chore. Merece chorar.
Desde que tinham raptado Laurel, Maddie não se permitiria chorar muito. Tinha sido muito corajosa e forte, enquanto dizia a si mesma, que estava fazendo o que devia fazer. Mas por outro lado, possivelmente a razão pelo que tinha podido ser corajosa e forte era a esperança que albergava seu coração; que devolvessem Laurel e que tudo saísse bem até o último momento. Mas depois desta noite a esperança se esfumou quase por completo.
Ring acariciou seu cabelo e a apertou com força contra seu peito enquanto ela soluçava. Havia-lhe dito que agora estava a salvo e Maddie se sentia muito mais segura entre seus braços. E quando clareou um pouco mais a mente, sentiu-se agradecida que ele não estivesse furioso com ela, por lhe haver drogado com ópio outra vez. Tratou de afastar-se um pouco embora só fosse pela vergonha que sentia. Sentou-se mais direita sobre seus joelhos.
— Sinto muito, capitão. Não faço isto usualmente.
Ele arrumou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e entregou um lenço limpo. Maddie se alegrou da escuridão que lhes rodeava e ocultava seu rosto rubro. Tinha empapado de lagrimas todo o peitilho de sua camisa e parte da jaqueta.
Assuou o nariz e o ruído que fez tão impróprio de uma dama, tão vulgar, que a envergonhou.
— Geralmente sei controlar meus sentimentos. Eu... — Se desvaneceu sua voz sem saber o que adicionar. Começou a se levantar do regaço de Ring, mas ele a atraiu novamente para seus braços e acomodou sua cabeça carinhosamente contra seu peito.
Maddie tentou afastar-se dele, mas não foi um movimento muito convincente e não custou grande esforço retê-la sobre seus joelhos. Era bom ter o coração de Ring contra sua bochecha e enquanto seguia apertada entre seus braços, rogou que não começasse novamente a interrogá-la sobre todo o acontecido.
— Suponho que não teve muitas mulheres que chorassem contra seu peito antes, ou sim, capitão? Imagino que a maioria das mulheres faz o impossível por mostrarem-se em todo seu esplendor. Não devem permitir que o bonito capitão Montgomery veja uma dama de outra forma que não seja em todo seu esplendor.
Fazia o comentário com toda intenção de que fosse uma brincadeira sarcástica, algo que não a fizesse sofrer mais vergonhas, mas ele permaneceu em silêncio tanto tempo que se sentiu culpada por sua grosseria. Ficou imóvel contra ele, escutando os batimentos de seu coração e tratando por todos os meios não pensar em Laurel.
— Em realidade sim, o fiz — disse ele lentamente. — Abracei minha irmã, Ardis, depois que morreu Davy. Ela chorou em cima de mim.
Maddie permaneceu calada lhe dando tempo para que relatasse o acontecido se assim desejasse. Não queria abandonar seus braços, não queria mover-se dali, e pensar em outra pessoa a ajudava a afastar Laurel de sua mente.
— Quem era Davy?
— Davy era o filho de uma mulher que trabalhava para nós. Tinham matado seu marido antes que Davy nascesse, então nos convertemos em sua família e com tantos meninos na família sempre havia muito o que fazer. Minha irmã Ardis nasceu dois dias antes do nascimento de Davy e pareceu ser natural pô-los juntos. Brincavam juntos, dormiam juntos, deram seus primeiros passos sustentando-se um ao outro.
Perdeu o olhar na escuridão e sorriu.
— Suponho que poderia parecer um pouco estranho que deixássemos os dois sempre juntos, mas minha mãe dava à luz um novo filho todos os anos e, acredito que todos nós, agradecíamos ao céu que pelo menos duas crianças não tivessem a necessidade de receber nossa constante atenção. Sendo o mais velho de todos, com um monte de moleques me seguindo a todas as partes, estava feliz de ter um a menos para me chatear.
Respirou profundamente e pondo a mão sobre a cabeça de Maddie começou a lhe acariciar o cabelo.
— Há três anos, quando Ardis tinha dezessete, recebi uma carta dela onde me perguntava se eu poderia retornar para a casa e assistir a suas bodas com Davy. Com esses dois, bodas pareciam ser algo desconcertante. Não estou realmente certo de ter visto alguma vez um sem a companhia do outro. — Voltou a sorrir. — Deveria havê-los visto! Eram como se houvesse um mundo deles mesmos. Conversavam constantemente, mas quando alguém mais tratava de conversar com eles, não tinham nada que dizer. Eu me senti muito feliz quando Ardis me convidou a suas bodas porque, para falar a verdade, não era certeza que soubesse, que além de Davy os outros também estavam vivos.
— Retornou?
— Certamente que retornei. Cheguei a Warbrooke três dias antes das bodas. Minha mãe estava muito nervosa e presa de agitação, pois Ardis era primeira de todos seus filhos que ia se casar. Ardis, em troca, era a mais serena de todos. A única vez que se mostrou agitada foi quando minha mãe disse que deveria passar vinte e quatro horas sem ver Davy antes das bodas. Não acredito que Ardis tivesse passado mais que uma hora de sua vida sem contar com a companhia de Davy, e não lhe agradou a ideia de passar um dia inteiro sem o ver. Acredito que se tivesse dependido dela, teria cancelado as bodas antes de deixar de estar junto dele um dia inteiro. — Fez uma pausa.
— E Davy tampouco gostou da ideia da separação. Não disse muito... jamais dizia, mas pensamos que esse foi o motivo pelo que decidiu ir sozinho à Ilha Fantasma remando em seu bote.
— Ilha Fantasma?
— Warbrooke se acha na ponta de uma península e existem várias ilhas nas proximidades. A Ilha Fantasma é uma delas. Dizem que ali moram os fantasmas de dois homens, um deles com uma máscara negra. Os moços levam com frequência às garotas ali para assustá-las.
— Você fez alguma vez?
— Não.
Calou, não disse nada durante um momento, e só continuava abraçando-a e acariciando seu cabelo.
— Que aconteceu com Davy?
— Não sabemos. Não retornou a terra firme nunca mais. Quando não apareceu para as bodas compreendemos que algo estava mal. Davy jamais deixaria Ardis plantada no altar. Todos nós começamos a procurá-lo. Meu irmão Jamie encontrou o pequeno bote de Davy. Tinha ficado preso em um tronco do outro lado da ilha, mas não havia rastros de Davy.
— Como reagiu Ardis quando soube da notícia?
— Mostrou-se muito serena, muito calma. Todos estavam correndo de um lado a outro, sem dormir, comendo um ou outro bocado para nos manter vivos enquanto seguíamos procurando-o, mas Ardis não se movia nem falava uma palavra. Três dias depois da data em que devia haver se realizado a cerimônia a maré levou o corpo sem vida de Davy à praia.
— O que lhe tinha acontecido?
— Nunca soubemos. Depois de passar três dias na água o corpo estava desfigurado e inchado e os peixes...
— Compreendo. E Ardis? Chorou então?
— Não, não chorou nesse momento. Minha mãe foi encarregada de dar a notícia e Ardis a recebeu sem alterar-se. Todos nos sentimos aliviados... quer dizer, até o dia seguinte à hora do desjejum, enquanto Ardis mantinha a vista fixa na janela. Alguém lhe perguntou o que estava procurando lá fora e, ela respondeu que não podia imaginar por que Davy se atrasava tanto.
—Que espantoso!
— Sim, espantoso. Ninguém sabia o que fazer. Durante dois dias caminhávamos nas pontas dos pés pela casa, temendo que Ardis estivesse perdendo o juízo. Sei que fazíamos com boas intenções quando nos mostrávamos cuidadosos com ela, mas eu tinha passado algum tempo no exército e havia visto algumas coisas.
— Como quais?
— Coisas que não desejo recordar e muito menos falar delas. Mas tinha visto mulheres, e homens também, que tinham presenciado coisas horríveis que tinham feito a seus seres mais queridos. Eles, também, faziam todo o impossível para pretender que nada tinha acontecido.
— O que fez você? — Perguntou, pressentindo que tinha sido ele quem tinha ajudado Ardis.
— Levei-a para ver o cadáver de Davy.
Maddie voltou a cabeça e o olhou.
— O cadáver que os peixes haviam...
— Sim. Pensava que talvez a tiraria de seu torpor.
— Conseguiu-o?
— Não. Olhou fixamente o cadáver, mas não o via. Disse que tinha que retornar para casa para estar ali quando Davy retornasse da Ilha Fantasma.
Tomou uma grande baforada de ar.
— Minha família se zangou comigo quando voltei para casa. Pensavam que Ardis devia permanecer na cama. Tivemos uma cena terrível e todos estavam de seu lado e contra mim. Parecia que eu fosse um monstro que queria ferir a própria irmã.
Maddie percebeu a dor e o sofrimento em sua voz.
— Finalmente minha mãe me perguntou o que poderia fazer com Ardis e eu disse que desejava levá-la comigo à ilha, os dois sozinhos. Minha mãe nos preparou uma cesta cheia de comida e nos pôs algumas mantas enquanto todos não faziam outra coisa que protestar pelo desatino da empreitada. Ardis e eu fomos de bote a ilha.
— O que lhe disse?
— No princípio não sabia o que dizer, mas cada vez que ela mencionava Davy, eu repetia que ele estava morto. Ardis fazia caso omisso de minhas palavras. Comportava-se como sempre, mas havia um brilho estranho em seus olhos, como de loucura, que nunca tinha visto antes. Ao terceiro dia de estarmos na ilha não aguentei mais e quando falou de Davy a agarrei pelos ombros e a sacudi com força, gritando que ele estava morto, que não retornaria nunca mais a seu lado.
Instintivamente estreitou mais o corpo delicado de Maddie contra seu peito.
— Ardis começou então a lutar comigo, como nunca antes ninguém tinha lutado. Queria escapar de meus braços. Eu não sabia o que ela poderia fazer quando estivesse livre, mas não estava disposto a soltá-la para averiguar. Capturei-lhe as mãos para que não pudesse me arranhar o rosto, e quando ela continuou me chutando com todas suas forças, sentei-me sobre suas pernas e tirei seus sapatos.
Maddie tentou olhar seu rosto, mas baixou novamente a cabeça para que repousasse sobre seu peito.
— Nunca soube quanto tempo lutamos, mas foi muito tempo. Provavelmente, uma hora mais ou menos. Quase no final da luta parecia que ela estava se cansando e baixei a guarda, afrouxando a pressão que exercia sobre ela. Ardis aproveitou o momento e escapuliu de entre minhas mãos como uma enguia. Corri atrás dela, mas não a pude encontrar. Suponho que eu tinha meus sentidos embotados ou algo assim, porque ela se aproximou às escondidas por detrás e me golpeou a cabeça com algum objeto muito duro. Isso me aturdiu e perdi a consciência durante alguns minutos.
— E que ela fez então? — Maddie se sentia compenetrada com a dor dessa jovem desconhecida.
— Acredito que ela tinha a intenção de afogar-se porque estava nadando para longe da terra firme. Tardei bastante em encontrá-la e então estava tão longe que eu já não tinha certeza se o que eu via era sua cabeça ou uma armadilha para lagostas. Pus-me a nadar, perseguindo-a. Ardis é uma nadadora resistente e veloz e eu não estava completamente convencido de poder alcançá-la.
— Mas conseguiu.
— Consegui. E quando ela começou a lutar outra vez comigo na água, a levantei um pouco e dei-lhe um murro na mandíbula, deixe-a inconsciente, depois retornei nadando à ilha com ela. Ambos estávamos congelando e eu sabia que não havia tempo para preparar uma fogueira, então a despi completamente e fiz o mesmo, a sentei sobre meus joelhos, envolvi-a com as mantas ao redor de nossos corpos nus e tratei de lhe dar calor
— E então foi quando ela chorou — disse Maddie docemente
Ring permaneceu mudo alguns minutos.
— Quando Ardis despertou falou com muito doçura e em voz tão baixa que mal podia ouvi-la. Disse-me que Davy e ela tinham decidido esperar até depois das bodas para fazerem amor. Tinham chegado à conclusão de que conheciam tanto um ao outro que reservariam o único que lhes faltava conhecer, para depois das bodas. Disse-me que sempre tinha sabido que quando se sentasse completamente nua nos braços de um homem nu, seriam nos braços de Davy, não nos de seu irmão.
Maddie não o olhou porque sabia que havia lagrimas em seus olhos tanto como em sua voz.
— Ardis, chorou então. Chorou o resto do dia e a maior parte da noite. Eu preparei a fogueira e pus nossas roupas para secar. Vestimo-nos e ela seguiu chorando. Fiz-lhe comer alguns bocados de lagosta, mas depois disso não quis nada mais. Ela...
Quebrou a voz na sua garganta e Maddie compreendeu que não podia seguir falando do assunto. Passou um braço ao redor da sua cintura e baixou a cabeça dele para que afundasse o rosto em seu pescoço.
— Sinto-o muito, quanto o sinto.
11
Reteve o rosto de Ring oculto contra seu pescoço por um longo momento. Então este era o frio e perfeito capitão Montgomery? Este era o homem que parecia saber como fazer tudo à perfeição? E que dizia às pessoas o que devia fazer e como devia fazê-lo.
Acariciou-lhe o cabelo e o abraçou, e nesse momento lhe ocorreu que nunca tivera tanta intimidade com um homem como tinha com ele. Em todos esses anos que tinha estado viajando ao redor do mundo assistida por John, tinha conseguido manter-se à distância das pessoas. Tinha-lhe sido muito fácil adotar a aparência de uma duquesa, mas com este homem era absolutamente incapaz de sustentar nenhuma aparência enganosa.
— O que é isto? — Perguntou movendo a cabeça e tomando a mão dela na sua.
Era o anel de Laurel que tinha colocado no dedo
— Nada — respondeu e retirou a mão rapidamente.
— Eu posso contar tudo de minha vida, mas da sua não pode me dizer nada. É isso?
Queria protestar que o que estava dizendo era injusto, que existiam alguns motivos muito importantes pelos quais não podia contar nada de si mesma, mas não o fez. Maddie recordou que o homem a tinha ameaçado dizendo que os sequestradores de Laurel estavam furiosos porque a seguia um homem do exército.
Abandonou o regaço de Ring e ficou de pé.
— Disse pelo menos umas mil vezes, capitão, que não o quero a meu lado nem te necessito. Agora, se me desculpar, descerei ao acampamento.
Ele também se levantou e a puxou pelo o braço.
— Se por acaso não notou, é noite e está fatigada e precisa descansar. Passaremos a noite aqui.
Passar a noite com ele? Uma coisa era dormir na tenda o tendo perto e outra muito diferente era dormir à intempérie com nada que os separasse, salvo um pouco de ar puro da montanha.
— Vou descer a montanha.
Ele voltou a tomá-la pelo o braço.
— Não, não o fará.
Libertou-se bruscamente.
— Vou retornar ao acampamento contra ventos e marés. Se estiver cansado, pode ficar aqui, é você quem decide. Eu jamais trato de impor minha vontade aos outros. Agora, seria amável de sair de meu caminho?
Ring não se moveu.
— Ainda segue teimando em não me contar nada do que está ocorrendo? — Perguntou quase em um sussurro.
— Não há nada que contar. — Fulminou-lhe com o olhar, mas mal podia vê-lo na escuridão.
— Quando deve se encontrar com ele outra vez?
— Dentro de três dias — respondeu sem pensar sequer. Ele pareceu estar refletindo sobre algo mais.
— Não quero que retorne ao acampamento esta noite. Aconteceu algo mau com seus acompanhantes e não sei qual foi.
— Edith — respondeu ela rapidamente. — Quero dizer, se algo andar mau, não me cabe dúvida de que a causa é Edith.
—Toby está tratando de averiguar o que puder, mas enquanto isso, não quero que esteja perto desse lugar por um tempo.
— Então quer que eu passe a noite aqui no bosque contigo. A sós. Só nós dois. Diga-me uma coisa, capitão, planejou que compartilhemos as mantas?
— Caramba, senhorita Worth, esse pensamento nem sequer cruzou por minha mente. Agora me diga você, sempre tem esses pensamentos lascivos e luxuriosos ou unicamente sou eu quem lhe provoca isso?
— Vai aos diabos! — Replicou ela e começou a descer a montanha. Ouviu que Ring se dirigia ao lugar onde tinha deixado seu cavalo. Não tentou detê-la outra vez e ela pôde avançar um pouco antes que ele voltasse a detê-la. Maldição, sabia que se movia silenciosamente! Perguntou-se onde estaria Ouça Bem e se a habilidade deste jovem lhe teria impressionado. Provavelmente não, raciocinou. Ouça bem não se deixava impressionar por quase nada do que pudesse fazer um branco.
— Ah, capitão Montgomery, que surpresa vê-lo por aqui. Embora devesse ter suposto que voltaria a aparecer. Em realidade, não me permitiu muita intimidade desde que entrou em minha vida.
— Quero te mostrar algo. — Segurou-lhe o braço direito e Maddie sentiu que deslizava algo ao redor do seu pulso. Um bracelete? Estava-lhe dando um bracelete em plena noite?
Quando Ring deixou cair o braço, ela descobriu que era mais pesado do que tinha pensado em um primeiro momento e que faziam muito ruído.
— Que demônios — resmungou, logo soube o que ele tinha feito.
Eram algemas! Tinha-a algemado a ele. Sacudiu o braço e comprovou que estavam unidos por uma corrente de uns cinquenta centímetros de comprimento.
— Me solte — ordenou apertando os dentes.
— Farei-o pela manhã, mas agora preciso dormir um pouco e pela forma como escapole que um lado a outro, poderia escapar enquanto estou dormido.
Ela estava tão enfurecida que não podia falar.
— Vamos — disse ele como se não acontecesse nada e quando se moveu, o braço de Maddie se elevou no ar.
Ela permaneceu em seu lugar, imóvel.
— Oh, vamos, se mova. Vai zangar-se? Deve tratar de entender que este é o único modo que resta. Não posso te proteger se estou adormecido e não vou permitir que desça a montanha sem ninguém que a acompanhe. Certamente até você pode entender isso.
Maddie engoliu saliva para desatar o nó que tinha na garganta.
— Segura... — foi o único que pôde dizer.
— Oh, diabos — exclamou ele com a voz de um homem que perdeu a paciência. Então, levantou-a em seus braços e a levou para onde estava seu cavalo.
Maddie não resistiu. Sabia por experiência que resistir não lhe valeria de nada, mas manteve o corpo rígido, como uma tabua com todo o peso morto sobre seus braços. Quando Ring chegou ao lugar onde estava o cavalo a deixou no chão e começou a desencilhar o animal. Cada vez que se movia, a corrente soava e levantava o braço de Maddie.
— Esta situação é intolerável — comentou ela com a voz mais serena que pôde obter. — Não posso aceitar.
Ele tirou os arreios do cavalo e se afastou para deixá-lo sobre um tronco e pelo caminho arrastava Maddie atrás dele
— Irá se acostumar. — Retornou para junto dela. — Olhe, não queria ter que fazer isto contigo. Refleti muito antes de fazê-lo. Se fosse uma mulher sensata e razoável, talvez pudesse falar contigo, mas se falar seria como falar com meu cavalo. Sorri e mente, e canta tão maravilhosamente bem que, assim como permito a Botão cometer impunemente algumas coisas do qual eu deveria castiga-lo para corrigi-lo, deixo que você cometa impunemente tantas coisas que eu tampouco teria que permitir que fizesse.
Sensatez? Este homem falava de sensatez? Este homem que acreditava que um cavalo que pertencia a ele e uma mulher que definitivamente e sob nenhum conceito lhe pertencia eram uma e a mesma coisa, atrevia-se a falar de sensatez?
— Não sou seu cavalo — disse em voz suave. — Não pode me amarrar como faz com seu cavalo.
Ele estava passando um punhado de ervas sobre o lombo suado de Botão de Ouro.
— Me acredite, não quero fazê-lo, mas não vejo outra alternativa. Está disposta a dormir um pouco? Estou realmente exausto. Não sei como pode se manter em pé a estas horas. Possivelmente é por todos esses anos passados na Europa. Deseja dormir à direita ou à esquerda?
— Vou dormir sozinha — disse significativamente.
— Farei o que possa para que assim seja. Esta corrente nos permite certa liberdade de movimentos. — Arrastou-a então até onde ela tinha deixado seu cavalo e começou a desencilhá-lo.
— Eu tenho que ter um pouco de intimidade. Terá que me soltar para estar alguns minutos sozinha. — Fez que sua voz soasse o mais sincera possível.
—E depois, mansamente, voltará para meu lado e se deixará algemar outra vez?
— Naturalmente.
Até na escuridão Maddie pôde ver o brilho dos dentes brancos quando ele sorriu.
— Às vezes pode parecer que nasci ontem, mas se aprendi algo é que você, minha querida avezinha cantora, não é de confiar. Agora pode ir detrás daqueles matagais. Prometo-te que não olharei.
Maddie apertou os lábios.
— Mudei de opinião.
— Como queira, mas será uma noite muito longa. Vejamos, que manta prefere?
Arrancou-lhe das mãos a manta que tinha mais perto. Pensar que há pouco tempo tinha sentido compaixão por ele. Começou a afastar-se pisando forte, mas só deu alguns poucos passos antes de parar-se em seco. Estar acorrentada a ele era como estar a uma árvore. Se ele não se movia, ela não podia fazê-lo.
— Oh, me perdoe — se desculpou em tom sarcástico. — Por um momento esqueci que agora tenho menos liberdade do que tinha desde que você cruzou em meu caminho. Agora não posso caminhar para onde quero ir nem dormir onde quero fazê-lo.
— Pode ser que não necessite nenhuma intimidade, mas eu sim.
— Espero-te junto ao cavalo — disse ela com muita veemência.
Ele riu maliciosamente.
— Acredito que não. Penso que sua delicada sensibilidade terá que sobrepor-se e não se escandalizar por nada.
Voltou-lhe as costas. Teria cruzado os braços, mas ele devia utilizar ambas as mãos e quando o fez puxou ela para frente. Então percebeu que ele tinha acorrentado sua mão direita à esquerda dele deixando a mão direita e hábil em liberdade de ação.
— Assim está melhor — comentou ele.
— Não quero ouvir nada a respeito.
— Pensa ficar zangada comigo toda a noite?
— Toda a noite? Capitão Montgomery, para melhor informação, penso ficar zangada contigo pelo resto de minha vida. Não tem a mínima consciência do fato de que sou um ser humano capaz e com livre-arbítrio e que tenho direitos e desejos. Por Deus! Possuo tanto direito à liberdade como você?
— Não tem direito a que matem e, por isso sei, que está indo diretamente para esse final.
— Não me espreita nenhum perigo.
— Entendo. Então quem está em perigo?
— Você! — Tampou a boca com a mão livre.
— Isso é interessante. Muito interessante. Então, suponho que todas estas escapadas tuas foram para me proteger. Ama-me tanto que está arriscando sua vida para me proteger.
— Não, não disse isso. Só queria dizer que... — Não tinha nenhuma explicação para ele.
— Vamos, durmamos um pouco. Encontra-te muito fatigada
Maddie se colocou de lado com a intenção de lhe impedir que a puxasse bruscamente cada vez que se movesse, mas sem obter nenhum êxito, enquanto ele estendia as mantas no chão.
— Sinto muito, mas isto é o máximo que posso separar. Teremos que dormir com os braços estendidos.
— Isto é verdadeiramente ridículo. Irá me soltar se jurar solenemente que não escaparei? Dormirei muito perto de você, tão perto que me ouvirá apenas se me voltar, mas, por favor, tira-me isso.
Voltou-se para olhá-la e por um momento, Maddie acreditou que aceitaria seu rogo, mas só suspirou.
— Eu gostaria de poder fazê-lo, mas é impossível. Que lado prefere?
Com o puxão que deu à corrente, Maddie levantou o braço no ar e se dirigiu à manta que estava à esquerda. Deitou-se e ficou também com seu braço no ar
— Acredito que... — começou ele. — Quero dizer...
Não se dignou lhe olhar e cravou os olhos nas estrelas.
Ele se deitou na outra manta que estava quase a um metro de distância e imediatamente, Maddie pôde ver com claridade qual era o problema. Quando ele estava deitado de costas, como ela, o braço esquerdo de Ring ficava estendido de maneira forçada sobre seu peito, puxando o braço direito dela que estava na mesma postura sobre seu peito, e como as mantas estavam tão separadas, deviam repuxá-los muito e forçar os ombros. Em definitivo, a posição era realmente incomoda e dolorosa. Entretanto, Maddie jurou que suportaria qualquer dor antes de lhe dizer uma palavra.
— Não acha que poderíamos, ah... trocar de lugar? Se eu estivesse lá e você aqui, seria mais cômodo para os dois.
— Estou tão cômoda como pode estar uma prisioneira, capitão.
— Compreendo. Não vai mover-se embora passe a noite sofrendo, é isso?
Não respondeu, mas sim, contínuo com a vista fixa nas estrelas e todo seu corpo rígido de ira. Em um instante, estava sobre ela cobrindo-a inteiramente com seu corpo. Instintivamente, Maddie começou a chutar e revolver-se debaixo dele.
— Poderia ficar quieta um minuto? — Perguntou exasperado. — Só estou tratando de passar ao outro lado. Como se recusa a mover e sempre se queixa de que estou maltratando-a ao puxá-la, esta é a única forma que tenho de fazê-lo. — Seu corpo rolou sobre o dela e caiu ao chão ficando deitado do outro lado. — Oh, sinto-o — se desculpou e passou sobre ela novamente para recolher sua manta. Ao fazê-lo, o braço se apoiou sobre os seios de Maddie e ele ficou olhando-a fixamente no rosto por um momento. Ela conteve a respiração, pensando que a beijaria. Mas ele simplesmente suspirou. — Sinto-o outra vez — e se afastou para não a roçar mais.
Maddie se amaldiçoou em dois idiomas e tratou de cruzar os braços sobre o peito, mas com isso só conseguiu que o braço de Ring voltasse a descansar sobre seu seio. Afastou-lhe o braço com rudeza como se se tratasse de algo detestável.
— Estou desejando que decida de uma vez se sou um violador ou se não estou interessado nas mulheres. Boa noite, senhora.
Esse comentário fez com que Maddie abrisse a boca para lhe perguntar o que tinha querido dizer com isso, mas voltou a fechá-la. Não lhe perguntaria nada. Cobriu-se com a manta muito fina e fechou os olhos. Acreditava poder dormir? Estava preocupada com Laurel, estava acorrentada a um verdadeiro idiota, tinha frio, fome, o espartilho estava cortando seu corpo em dois e sua bexiga estava a ponto de explodir.
Ao ouvir a respiração compassada do capitão Montgomery que dormia profunda e placidamente, voltou-se e pensou com raiva: Como podia dormir? Poderiam passar por coisas espantosas e os homens nunca perdiam o apetite ou a habilidade para dormir despreocupadamente. Coloque comida ante os olhos de um homem, e certamente comeriam sem problemas. Se se deitasse um homem em posição horizontal com toda segurança que começaria a dormir ou brincar com os botões do vestido de alguma dama.
Voltou-se e o olhou, deitado de costas era comprido... e profundamente adormecido. Rodeando-lhe podia ver um verdadeiro arsenal de diferentes armas, prontas para serem usadas a qualquer momento. Perguntou-se se poderia alcançar sua pistola sem que ele percebesse. Possivelmente poderia lhe ameaçar com ela e o obrigar a libertá-la dessa tortura. Estirou a mão com supremo cuidado.
— Por que não relaxa e deixa de brincar como os índios?
A voz a sobressaltou dê tal modo que ela deu um salto.
— Acreditei que estava dormido.
— Isso é óbvio. Que aconteceu? — Voltou a falar antes que ela pudesse soltar a enxurrada de suas queixas iradas. — Além de gostar de estar aqui comigo.
— Não me agrada estar acorrentada, isso é o que acontece.
— Muito bem. Já disse. Agora dorme de uma vez que logo amanhecerá, e então tirarei as algemas. A situação tampouco é muito cômoda para mim. Pode ser que não tenha notado, mas só há três mantas e acredito que me deitei sobre um cacto.
— Que felicidade! Bem merecido! Suponho que não espera que eu tire os espinhos.
— Quer que conte um conto para que possa dormir? Ou que cante alguma canção?
— Com a voz que tem? Preferiria ouvir um coro de rãs desafinadas.
— Você poderia cantar para mim — disse ele em tom mais brando que antes. — Isso sim eu gostaria.
— Uma canção pela chave — se precipitou a dizer Maddie.
Ring permaneceu mudo tanto tempo que ela se virou e o olhou.
— É uma proposição muito difícil. Por me permitir o imenso prazer de ouvi-la cantar poderia estar arriscando minha vida. Poderia ser como as sereias e me levar à morte com seu canto. Ou à sua própria morte se partir sem mim. Oh, Maddie, isto é um verdadeiro dilema.
Grande parte de sua cólera desapareceu e seus músculos começaram a relaxar um pouco.
— De verdade se agrada de minha voz? Já não pensa mais que sou uma "cantora emigrante"?
— Temo que irei ao inferno por essa afirmação e até acredito que pode ser que mereça esse castigo. Maddie, com a voz que tem poderia ressuscitar aos mortos.
Maddie se voltou de lado olhando-o.
— Seriamente? Já não odeia ópera?
— Bom, possivelmente sim. — Voltou-se um pouco para ela. — Ópera em geral, quero dizer. Mas por outro lado, aprendi a amar sua voz. Não me importa o que você canta. Poderia cantar o Tratado de Lancaster se desejasse e eu adoraria ouvi-lo.
— Cantei algumas toadas populares e dizem que sou bastante boa.
— Boa! — Soltou um sopro de brincadeira. — É tão boa que temo que Deus queira te levar logo da Terra para que dirija seu coro celestial.
— Seriamente? Enfim, capitão, como pode dizer essas coisas? Na atualidade existem outras cantoras famosas. Tem Adelina Patti que cantará — disse baixando a voz — esta semana em Nova Iorque.
— Acredito haver dito, que a ouvi cantar.
— Sim, lembro vagamente que mencionou algo.
— Posso te assegurar que o som de sua voz jamais conseguiu que eu morresse de desejo por ela.
Maddie sorriu na escuridão, logo se apagou o sorriso dos lábios.
— Desejo? Que significa isso? Que minha voz o faz me desejar?
— Bom, já sabe que eu gosto de estar perto de você. Até mantenho a esperança de poder matar esse dragão para você e que me premie com seu canto.
— Oh!
— Soas decepcionada. Pensava que tinha querido me referir a alguma outra coisa?
— Não... não, é obvio que não. Não poderia haver se referido a nenhuma outra coisa, não é assim? Assim é completamente impossível que eu pensasse que havia outra intenção em suas palavras, não acha? Não poderia pensar em nada mais, assim é obvio que compreendi perfeitamente o que quis dizer. — Calou a boca.
— Bem, estou satisfeito de que pelo menos uma vez tenha me entendido. Apesar do muito que eu gostaria de trocar a chave por uma canção, é algo que não posso fazer. Nem por todo o prazer deste mundo arriscaria sua segurança. — Bocejou. — Acredito que será melhor que durmamos agora por mais que eu goste de seguir falando contigo. Boa noite, meu Anjo.
Maddie esteve a ponto de protestar pela forma como se dirigiu a ela ao despedir-se, mas não o fez. Ainda estava zangada com ele, mas as palavras elogiosas que tinha pronunciado com respeito a sua voz e a seu canto tinham contribuído para relaxá-la. Cerrou os olhos e dormiu em questão de minutos.
Ring se voltou de lado sem mover a corrente que descansava no chão entre eles e a contemplou um momento. Não pôde segurar o riso. Era uma mulher realmente insuportável; mas também a mulher mais extraordinária e magnifica que tinha conhecido na vida. Desejava-a, pensou. Nenhum ser humano na história do mundo tinha desejado a uma pessoa como ele a desejava. Mas ela não estava preparada. Até agora, ela não tinha começado a vê-lo como uma pessoa. A ele, não um homem qualquer, mas ele. E isso era o que mais desejava neste mundo, mas do que tinha desejado nenhuma outra coisa em toda sua vida: queria que lhe desejasse tanto como ele a desejava; de todas as formas possíveis que um homem podia desejar a uma mulher — mas queria que o desejasse do mesmo modo.
Sorriu-lhe na escuridão. “Eu só devo te fazer mais consciente de mim, isso é tudo” refletiu. “Devo obter que me veja como homem. Desejo receber um pouco de toda essa paixão que dá a sua música.” Estendeu a mão pelo chão entre o espaço que os separava até roçá-la com a ponta dos dedos. Como uma criança Maddie instintivamente lhe segurou os dedos. Sorrindo, Ring fechou os olhos e dormiu.
— Maddie — lhe sussurrou ao ouvido — acorda.
Lentamente, ela entreabriu os olhos e sorriu ao vê-lo muito perto.
— Bom di... — começou a saudar, mas ele lhe impediu de continuar fechando sua boca sobre seus lábios. Por um instante, ela se assombrou, mas logo cerrou os olhos e correspondeu ao beijo. Então percebeu que Ring movia seus lábios, mas não a beijava plenamente, mas sim, estava falando contra sua boca.
— Alguém se aproxima. Por favor, me obedeça em tudo. Por favor, não cometa nenhuma tolice. Siga meu exemplo.
Ela inclinou levemente a cabeça em sinal de aprovação, mas não afastou a boca dos lábios dele. Ansiava seguir beijando-o, mas compreendeu que nesse momento ele concentrava toda sua atenção nos ruídos que provinham das árvores que os rodeavam por toda parte. A luz fria e cinza da alvorada mal iluminava o entorno.
Com a agilidade e velocidade de um gamo, em um só movimento, atraiu-a entre seus braços e a colocou debaixo de seu próprio corpo. Maddie soube que era para protegê-la, já que, enquanto a tinha estreitado entre seus braços, também tinha colocado a pistola debaixo de seu corpo. A outra mão se apoiava sobre o cabo da faca, mas não se importou. Deslizou o braço livre ao redor do pescoço de Ring e abriu a boca para que ele seguisse beijando-a.
— Não posso me concentrar quando faz isso — disse ele. Maddie sentiu os batimentos do coração de Ring contra seu peito. — Vou tentar abrir as algemas. Maddie, me jure que se disser que deve correr, fará.
Então ela começou a pensar no que Ring lhe estava dizendo. A pessoa que ele tinha ouvido aproximar-se — seu próprio coração estava pulsando muito forte para que ela pudesse ouvir qualquer coisa — não podia ser Ouça Bem, pois se o índio quisesse se aproximar às escondidas de onde eles estavam, faria sem que ninguém pudesse ouvi-lo.
Antes que Ring pudesse abrir as algemas, ela sentiu que o corpo grande e fornido ficava rígido pela tensão e que sua mão se fechava com força ao redor da pistola que estava debaixo de suas próprias costas. Ring rolou pelo chão afastando-se dela tudo o que permitia a corrente. Logo se sentou com as costas rígidas. Mas não o fez com suficiente rapidez. De pé, diante deles, estava um homem apoiado perigosamente contra o tronco de uma árvore, empunhando uma pistola que apontava vagamente para a cabeça de Ring.
— O que temos aqui? — Perguntou o homem. — Dois pássaros tolos apaixonados e acorrentados. Qual é o problema, homem, não pode reter sua garota se não a acorrentar a você? — Fez um gesto indicando a Ring que soltasse sua pistola e ele obedeceu imediatamente.
Maddie viu que Ring despedia fogo pelos olhos ao olhar ao homem, mas sem dizer uma palavra.
— O que deseja? — Perguntou Maddie. O homem não parecia um salteador de estrada nem nenhuma espécie de foragido que tivesse conhecido. Parecia mais um jogador ou um trapaceiro. Possivelmente tinha vindo ao território de Jefferson para roubar dos mineiros seu ouro fazendo armadilhas com as cartas.
— Ah, a dama pode falar e o cavalheiro não. — Voltou a olhar Ring. — Você tem algo para dizer?
— O que está fazendo aqui?
— Vendo o que posso encontrar. Tem dinheiro com você?
Ao ver que Ring não respondia, Maddie conteve a respiração. Rogou ao céu que não tentasse ser um herói com este homem que estava apontando com uma pistola para eles. — Sim, em meu alforje tenho uma bolsa com pó de ouro — respondeu ela precipitadamente.
— Não entregue — disse Ring.
Maddie começou a ter medo. Algumas vezes um simples roubo podia converter-se em um assassinato se as vitima resistiam.
— Pode pegar tudo — contínuo — Leve tudo.
— Diabos, temos aqui a uma dama sensata. — O homem deu um passo para ela. — Entra você no trato? Posso ter você também?
Instintivamente, Maddie se aproximou mais de Ring, mas ele seguiu com a vista cravada no homem e não prestou atenção nela.
— A dama parece gostar de você. — O homem sorriu com malícia e Maddie quase lhe devolveu o sorriso. Era na verdade um homem extremamente bonito e sedutor e quando sorria desse modo fazia com que lhe arrepiassem os cabelos da nuca. Ring percebeu o efeito que esse homem lhe causava, e pela extremidade do olho lançou-lhe um olhar fulminante.
O homem soltou uma sonora gargalhada.
— Ciumento? Eu também estaria se estivesse em seu lugar. Essa dama sim, tem uma figura preciosa. Um corpo realmente lindo e atrativo. — Jogou o chapéu para trás empurrando-o com o canhão da pistola e deixou a descoberto algumas mechas encrespadas de cabelo negro sobre a testa. — Agora vejamos, que vou fazer com vocês dois?
— Entregaremos todo o ouro e você poderá partir — sugeriu Maddie. Não podia imaginar o que estava acontecendo com Ring. Geralmente sempre tinha algo que dizer, mas agora estava sentado sem pronunciar uma palavra. Uma rápida olhada a suas costas a fez ver que estava tratando de tirar as algemas. Oh, não, pensou horrorizada, vai se libertar e saltar sobre esse homem. Não sabia o que fazer, mas não valia a pena arriscar a vida por um pouco de pó de ouro.
O homem se antecipou.
— Será melhor que me entregue à chave — disse brandamente o homem dirigindo-se sorrindo a Ring. — Prefiro um tipo de seu tamanho acorrentado do que solto.
Maddie respirou aliviada quando Ring entregou ao homem a chave das algemas, e quando Ring pareceu querer dar um salto e atacar ao homem armado, Maddie rolou contra ele.
O homem deu um salto e se afastou dos dois.
— Parece-me que a dama não quer que tente fazer nada estranho. Isso me convém. — O homem se endireitou em toda sua estatura. Maddie percebeu então que não era tão alto como Ring, mas apesar de tudo era muito alto.
— Agora, vamos aos negócios. Vou levar tudo o que tenham.
— Nem sonhe — explodiu Ring.
— Por favor, não resista — suplicou Maddie.
— Ouviu-a? A dama não quer que briguemos. Estou de acordo. Aborreceria ter que dar umas chicotadas no seu traseiro, tio.
Maddie compreendeu que teria que fazer algo para evitar que os dois homens brigassem.
— Tome tudo — lhe indicou. — Nós não precisamos de nada. Leve tudo.
— Inclusive o cavalo negro?
— Satã? — Inquiriu Maddie. — Claro, leve-lhe, mas advirto que tratar de montá-lo é como tratar de montar ao demônio. Não permite que muita gente se aproxime ou o monte.
— Satã? Bonito nome e muito apropriado para um animal tão lindo.
O homem se encaminhou para onde se encontrava o cavalo e quando virtualmente lhes deu as costas, Maddie percebeu que se esticavam os músculos das costas de Ring disposto a um salto. Ela se aproximou rapidamente.
— Por favor, não. Tem uma arma. Poderia te ferir.
— Eu poderia lhe dominar facilmente — sussurrou Ring.
— Não comigo acorrentada a você. Ring, por favor, não tente. Só são coisas materiais. Não significam nada. Desceremos da montanha e compraremos mais cavalos. Dar-te-ei dinheiro se não tiver.
Ele voltou a cabeça e a observou.
— Teme que me fira? Se ele conseguisse me tiraria de seu caminho e ficaria livre de minha presença.
Maddie apoiou a cabeça sobre o ombro forte e firme de Ring.
— Por favor, não trate de ser um herói.
Ele beijou sua testa.
— Tudo bem.
O homem se virou nesse momento.
— Vocês dois, terminaram de confabular?
— Leve tudo o que queira — disse Maddie — só nos devolva a chave das algemas e nos deixe em paz.
O homem sorriu e uma vez mais ela se sentiu enfeitiçada por esse sorriso. Nesse momento sentiu que Ring dava-lhe um olhar cheio de fúria, mas não deu muita importância. O homem voltou a sorrir e começou a selar os cavalos. Maddie se aferrou a Ring enquanto o salteador recolhia as armas que estavam no chão ao redor deles.
— Também levarei essas mantas — disse o homem. Uma vez mais, Maddie teve que agarrar com força Ring quando ele fez gesto de atacar ao homem. Foi ela então quem lhe entregou as mantas.
Maddie não disse nada quando o homem montou o cavalo de Ring. Mas assim que fez, ordenou:
— A chave.
Ele colocou a mão no bolso, tirou a chave e a contemplou por um momento.
— A verdade é que eu adoraria saber por que estão acorrentados um ao outro. Parece que um de vocês não quer que o outro escape. — Fixou seu olhar insolente em Ring. — É obvio que eu não tenho que acorrentar às mulheres a minha pessoa. — Olhou a chave, sorriu maliciosamente e voltou a guardar. — Acredito que lhes deixarei unidos um pouco mais.
Sem dizer nada mais, colocou seu cavalo para andar e agarrando as rédeas do cavalo de Maddie o levou também atrás. Antes que o indivíduo tivesse desaparecido completamente da vista de ambos, Ring se levantou sobre seus pés e estava correndo pela encosta abaixo em sua perseguição. Maddie, acorrentada como estava a ele, também teve que ir atrás de seus passos saltando e dando tropeções a cada momento.
— Basta! Detenha-se de uma vez! — Gritou-lhe ao cair sobre um tronco — Ele já se foi e você não pode lhe alcançar e muito menos a pé e estando acorrentado a mim. Oxalá nos tivesse dado a chave.
Ele se voltou e a olhou.
— Parecia ter muita vontade de ir com ele. Possivelmente quisesse que ele abrisse estas malditas algemas para poder partir em sua companhia.
— Que eu o quê? Que queria partir com ele? Ficou louco?
— Vi perfeitamente a forma que lhe sorria. — Lançou-lhe um olhar feroz.
— Não posso acreditar! Pode ser que acabe de salvar sua vida impedindo que se lançasse sobre um homem que te apontava com sua pistola, mas agora o único que te ocorre é se deixar levar por um arranque de ciúmes.
— Ciúmes? Simplesmente estou expondo o que vi. Pouco faltou para que se jogasse em seus braços. Realmente me surpreende que não lhe tenha pedido que a levasse junto com nossos cavalos.
Maddie começou a gritar, mas logo relaxou e sorriu. Era muito agradável que ele sentisse ciúmes.
— Era o assaltante, mas bom moço que vi. Não acredito que tenha que usar uma arma com as mulheres que assalta. Tudo o que tem que fazer é sorrir e aposto qualquer coisa que elas dariam tudo o que ele quisesse.
Ring permaneceu imóvel, lançando olhares ferozes por alguns momentos, logo viu que ele relaxava. Ele sorriu e Maddie chegou à conclusão de que o salteador não era o único que podia induzir uma mulher a fazer o que ele quisesse.
— Bem, aqui estamos, só nós dois, acorrentados, sem cavalos, sem mantas, sem nada absolutamente, mas isso sim, com três dias inteiros para fazer o que quisermos antes que tenha que se apresentar em outro povoado. Por que não ficar e tirarmos férias?
Maddie estava tão longe dele como permitia a corrente.
— Ficar aqui? Não podemos ficar neste lugar.
— Por que não? Precisa de um descanso e me disse que não voltará a se encontrar com esse homem até dentro de três dias, assim suponho que isso significa que até dentro de três dias não tem que voltar a cantar. Então, por que não ficar aqui? Não estás farta desse acampamento e de viver em uma tenda?
— Em realidade, sim, mas não posso ficar aqui contigo.
— Por que não?
Cerrou os olhos por um momento. Como podia ser tão estúpido?
— Porque, capitão, é um homem e eu uma mulher. E para cúmulo do azar estamos acorrentados. Responde isto sua pergunta?
Ele seguiu de pé olhando-a fixamente por segundos, como se estivesse tratando de entender o que ela acabava de dizer. Por fim, exclamou:
— Oh, entendo. Preocupa-se que eu possa... entendo. Suponho que outra vez está me catalogando de violador. E se prometo me comportar como um cavalheiro e não fazer nenhuma insinuação indevida? E se jurar que não te tocarei? Ajudaria isso?
Maddie lhe observou com atenção. Três dias a sós com um homem como o capitão Montgomery no meio do bosque. Não era possível. É obvio que não deveria fazê-lo. Devia descer a montanha, procurar por Sam que a libertaria das algemas cortando a corrente e depois passar esses três dias pacientemente em sua tenda, sozinha. Lendo. Preocupando-se com Laurel. Sozinha.
— Terá que me dar sua palavra de honra — se ouviu dizer. — Quero dizer, capitão, que não tenho nenhum interesse em ver-me obrigada a repelir seus avanços a cada minuto. — Somente a ideia de ter que repelir algum requerimento de sua parte lhe arrepiava a pele. E se perdia na resistência?
Ele a olhou com ar de solenidade.
— Juro que não te tocarei. Juraria sobre a tumba de minha mãe, mas ela goza de excelente saúde, assim suponho que terá que aceitar minha palavra sobre minhas intenções. Juro que não te tocarei aconteça o que acontecer.
— Aconteça o que acontecer?
Ele se aproximou um passo e quando falou o fez em um tom de voz muito baixa.
— Não te tocar por mais intenso que seja meu desejo de acariciá-la. Pelo mais tentador que seja o aroma de seu cabelo aquecido pelos raios do sol. Sem importar que prazerosamente daria dez anos de minha vida para poder te estreitar nua contra meu corpo também nu e, te reter assim para sempre. Por mais que me obceque a lembrança da vez que cavalgamos juntos, seu corpo diante do meu, suas coxas contra as minhas. Sem reparar no frio que são as noites aqui na montanha e que pela simples razão de estarmos acorrentados teremos que dormir muito juntos, estreitamente abraçados, seu corpo encaixado perfeitamente no meu, como feitos um para o outro.
Maddie fechou os olhos. Sua voz era tão baixa e suave que mesmo estando tão perto mal podia sentir seu fôlego lhe acariciando o rosto, e mal podia ouvi-lo. Ring posou a mão sobre a bochecha de Maddie com as pontas dos dedos entre a suave cabeleira e o polegar na comissura dos lábios.
— Juro que não te beijarei, que não acariciarei com meus lábios seu pescoço, nem seus olhos, nem essa delicada veia da têmpora. Nem beijarei seus ombros redondos e brancos, nem sua cintura, nem suas coxas ou o arco de seu pequeno pé esquerdo. Não passarei minha língua úmida e quente pela pele tersa onde se dobra seu braço, nem colocarei uma por uma, das pontas de seus dedos, em minha boca para chupá-los. Tem fome?
Maddie seguia de pé, mas acreditava estar flutuando no ar, os joelhos dobravam e todo seu corpo se tornou brando e dócil.
— O quê? — Conseguiu sussurrar depois de um grande esforço de concentração. Abriu lentamente os olhos. Podia ver seu grosso lábio inferior e sentiu um louco desejo de passar a ponta do dedo debaixo do bigode e apalpar a curva de seu lábio superior. Tinha a camisa aberta quase até a cintura e desejou poder morder sua pele coberta de pelo que estava à vista.
— Perguntei se tinha fome. Está bem? Está um pouco pálida.
Maddie abriu um pouco mais os olhos e o olhou fixamente.
Haveria dito tudo o que ela tinha ouvido?
— O que me disse?
Ele passou às mãos por debaixo dos seus braços e lhe endireitou o corpo de um puxão até deixá-la firme sobre seus pés.
— Talvez fosse melhor que desçamos da montanha depois de tudo, embora siga acreditando que precisa de um descanso. Estes últimos dias estão começando a fazer rachaduras em você.
Maddie sacudiu a cabeça para esclarecer seus pensamentos.
— Exijo que repita o que disse sobre não me tocar.
— Jurei que não te tocaria sob nenhuma circunstância. Não é isso acaso o que a preocupa? Você disse que se preocupava pelo que eu poderia te fazer, considerando o fato de ser uma mulher e eu um homem. Eu simplesmente estava tratando de te tranquilizar a respeito. — Jogou um olhar ao céu. — Sabe de uma coisa, acredito que poderia cair um toró a qualquer momento. Se formos ficar aqui, será melhor que procuremos onde nos abrigar e um pouco de lenha.
Maddie estava se perguntando se não estaria começando a ficar louca. O que tinha ouvido tinha sido pura imaginação de sua parte? Ele começou a andar e como seguiam acorrentados, não teve outra alternativa que lhe seguir.
— Que foi o que disse... sobre dormirmos juntos?
— Disse que faz muito frio nestas montanhas e que para mantermos o calor teríamos que dormir juntos. Olhe ali, há uma saliência e debaixo parece haver uma pequena cova na montanha. Poderemos acampar nesse lugar. Acredito que há espaço suficiente para nós e a fogueira. Vejamos, como acenderemos o fogo? Tem fósforos?
— Não — respondeu brandamente enquanto contemplava suas costas ao segui-lo, logo, bruscamente, parou em seco.
— Não dê um passo a mais! Exijo que repita tudo o que me disse, essa parte sobre meu cabelo e meu pé.
Ele se voltou lentamente e lhe sorriu com ar paternal.
— Têm dois pés, um esquerdo e outro direito, e também tem uma cabeleira bastante bonita. Algo mais?
Maddie ia dizer algo mais, mas se conteve. Dois podiam jogar o mesmo jogo. Bem, possivelmente ela poderia jogar. Não podia imaginar lhe dizer que desejava ver como se curvava seu lábio superior. Passou diante dele tratando o melhor possível de atuar com dignidade e altivez ao andar.
— Eu não necessito fósforos para acender uma fogueira. Meu pai... — Se deteve quando ele não se moveu de seu lugar obtendo com sua imobilidade que ela sentisse um forte puxão da corrente para trás.
— Seu pai... – murmurou ele quase para si.
Ela sorriu melosamente.
— Sim, meu pai. Meu pai me ensinou alguns truques de sobrevivência
— Tais como acender o fogo sem fósforos? Esfregando dois paus? Tem ideia do tempo que demora e quão difícil é fazê-lo?
— Sei exatamente quanto tempo demora e se o tivesse feito tão frequentemente como eu, descobriria que não é tão difícil. Pode ser que não traga fósforos, umedecem-se, mas sempre trago comigo uma argola e um pedaço de pederneira. Meu pai dizia que um homem ou uma mulher dá no mesmo, poderia sobreviver se tivesse consigo os elementos necessários para acender um fogo, uma armadilha, alguns anzóis e uma faca.
— E suponho que tem todos esses elementos contigo.
—É obvio — respondeu com ar de suficiência. — Acaso não traz elementos como este cada vez que deixa o acampamento? Nunca se sabe quando o podem deixar sem seu cavalo. Não me diga, capitão Montgomery, que deixou tudo em seu cavalo. — Não tinha certeza, já que ele desviou a vista e voltou o rosto para o outro lado, mas acreditou vê-lo ruborizar-se um pouco de vergonha. Quem se sentia incomodo nesse momento?
Seu pai a tinha ensinado o que levar e como levá-lo. Durante a larga travessia nessa diligência que sacolejava de um lado a outro depois de ter saído do Este, tinha passado algumas horas costurando alguns bolsos no forro da volumosa saia de montar. Os bolsos eram os menores que tinha podido fazer e estavam costurados debaixo de seus quadris para que não avolumassem perto da cintura.
Enquanto olhava as costas de Ring soube que deveria levantar a saia para alcançar o bolso e subitamente recordou da visita que fez ao dormitório de uma soprano francesa. Maddie não podia lembrar-se de seu nome, mas que desafinava horrivelmente, mas nesse dia Maddie tinha visto as calças da cantora — se podia chamar assim — penduradas em uma cadeira. As calças eram da mais fina gaze suíça estranhamente suave e delicada. A trama era tão sutil que parecia quase transparente e era de um adorável tom rosado como o rubor de uma adolescente. Maddie tinha rido dela e tinha comentado a cantora que eram virtualmente imprestáveis, já que não suportariam muito uso. A cantora tinha olhado Maddie pelo espelho e respondido:
— Também se rasgam facilmente. — Nesse momento Maddie não tinha ideia do que a mulher tinha querido insinuar.
Agora, sabendo que usava calças de grosso algodão muito práticos e duráveis, desejava ter usado aquelas calças de rosada gaze suíça. Ring lhe havia dito que daria dez anos de sua vida para estreitar seu corpo nu contra o dele. Ela bem daria cinco anos de sua vida — não de seus anos de cantora certamente, mas sim dos anos seguintes — para permitir-lhe isso.
Recolheu a saia e tirou o elo de argola e o pedaço da pederneira do bolso interior, mas ele não a olhou.
Depois, tendo Ring junto dela, recolheu partes da casca seca do interior de um cedro e um pouco de felpa de algodão de um álamo que crescia à beira de um arroio. Seu pai lhe tinha ensinado como sustentar a pederneira, e ela tinha feito com frequência, mas agora, com Ring tão perto dela, observando-a, não podia concentrar-se.
— Hei, mas cuidado — disse ele. Tirou então o elo e a pederneira das suas mãos — Não deve soprar como um furacão beija o mar. Deve fazer assim.
Estavam tão juntos que as cabeças quase se roçavam e ele levantou a vista com os lábios franzidos como se fosse beijá-la. Brandamente, com hálito doce, soprou-lhe os lábios.
— Um beijo gentil — disse ele olhando novamente o montezinho de gravetos. — Como se estivesse beijando uma virgem. — A olhou e a intensidade de seu olhar fez com que secasse sua garganta.
— Como? — Perguntou ela, e horrorizada notou o tom de grito de sua voz.
Ring voltou a concentrar sua atenção no monte de felpa de algodão e lascas de madeira.
— Um homem, pelo menos, um homem que se interessa pelo resultado, não pode esperar que uma virgem atue como as outras mulheres. Não pode esperar que ao tomá-la um dia ela o deseje tanto como ele a deseja. Não, primeiro deve fazer tomá-la consciência de que deve desejá-lo.
— Oh? — Disse Maddie. Sua voz não foi um grito desta vez, mas muito mais alto do que o necessário. — O que terá que desejar?
— Amor. Paixão. Carícias. Sentimentos. Para dizer de alguma forma, às vezes é muito difícil despertar às virgens. Algumas mulheres que são virgens por muito tempo enterraram seus sentimentos ou os esqueceram, e os substituí por outras coisas. Nesses casos, devem-se fazer algumas coisas especiais com essas mulheres.
— Especiais? — Diminutas gotas de suor correram pela nuca de Maddie.
— Se deve fazê-la tomar consciência de que há algo mais... poderíamos dizer da vida, para elas. Têm que aprenderem a olharem aos homens... ou suponho que também poderíamos estarmos falando de homens virgens. Não acha?
— É obvio. Claro. O que uma mulher deve ver em um homem?
— O que a faz sentir quando a beija, quando a toca, quando a abraça. — O tom de sua voz diminuiu e ela teve que inclinar-se para frente para ouvi-lo. — O que sente quando ele lhe faz amor e a acaricia. Primeiro ele deve fazê-la desejar essas coisas, assim ela conseguirá desfrutar. Algumas virgens nem sequer sabem que o amor, essa espécie de amor entre adultos amadurecidos e sãos, existe. Sabe, essa espécie de amor palpitante, suado, sensual e exaustivo, a espécie de amor onde no final, acha que vai morrer em meio de uma explosão de alívio, que te deixa languido e satisfeito como nenhuma outra coisa no mundo.
O suor começou a brotar lentamente sobre o lábio superior de Maddie.
— Naturalmente — disse com uma voz desconhecida para ela e rouca — Essa espécie de amor.
— Quando de virgens se trata, se deve saber conduzi-las a isso.
— C... como?
— Acima de tudo, falar. As virgens adoram as palavras. Dizer que você gostaria de beijar suas orelhas e o cabelo. Tocar seus seios. Muitas vezes e com carinho, nunca com violência, esclareço-te, isso pode vir depois, a não ser ligeiramente, quase roçando-os no princípio. Beijar as pálpebras. As virgens adoram isso. Fazer amor com suas mãos. — Levantou a mão de Maddie e entrelaçou os dedos com os dela deixando que o polegar lhe acariciasse a palma da mão. — Algumas pessoas não se dão conta do quanto são sensíveis às mãos, do quanto podem sentir as gemas dos dedos ou todas as partes do corpo que podem apalpar, acariciar e roçar as gemas dos dedos. Mas você sim, sabe, verdade?
Nem sequer tentou falar, mas olhou a mão grande e varonil que sustentava a sua, pequena e delicada e inclinou a cabeça em sinal de assentimento.
— Sim, as virgens precisam que as lisonjeiem e as cortejem com galanteios amorosos. Precisam que lhes prestem muita atenção. Uma virgem precisa querer e interessar-se por um homem antes que possa relaxar e o amar como se deve amar.
Soltou bruscamente a mão de Maddie e se afastou dela.
— Olhe isso. Estava tão ocupado filosofando que me esqueci da fogueira.
Maddie o olhou por cima da incipiente fogueira. Tinha ressecado sua garganta e sentia um formigamento por todo o corpo da ponta dos pés até o couro cabeludo. Temeu tentar ficar de pé porque não tinha certeza de que suas pernas pudessem sustentá-la.
Ele se sentou endireitando suas costas e sorriu.
— Que estranho assunto de conversa.
— Sim — ela conseguiu articular.
— De todos os modos, que posso saber das mulheres? Já ouviu por que meu pai contratou Toby e ouviu o Toby dizer que não me interessam as mulheres. Então, como poderia saber um pouco de mulheres virgens ou de qualquer outra espécie de mulheres? De todos os modos, não sei o que nos levou a falar disto. Oh, sim, já recordo, o fogo. Sabe de uma coisa? Em realidade, deveríamos ter usado essa armadilha que diz ter antes de acender o fogo. — Voltou a dar um meio sorriso. — Mas por outro lado, talvez os fogos sejam como as virgens que se pode reavivar com os beijos apropriados.
Levantou-se e quando o fez, obrigou Maddie a ficar de pé. Dobraram seus joelhos e Ring a tomou por debaixo dos braços.
— Está bem? Não tem bom aspecto. Está mais pálida que um fantasma e coberta de suor. Não irá adoecer, verdade?
— Tire as mãos de cima de mim! — Sussurrou ela. “Antes de me colocar em ridículo, me fazendo se jogar em seus braços", pensou.
— Oh, sinto-o — se desculpou e a soltou tão bruscamente que ela quase caiu no chão. Aferrou-se ao cinturão de Ring ao começar a cair. Ele, esse tipo insensível e frio, ficou imóvel, olhando-a com as mãos estendidas aos lados do corpo para lhe mostrar que não tentaria tocá-la.
Ela pôde recuperar-se antes de cair de bruços em terra. Se ergueu de frente para ele e tão longe como permitia a corrente.
— V... vamos — Sua voz, essa perfeita ferramenta que ela sabia usar às mil maravilhas, voltou a trai-la.
— Talvez não devêssemos ir a nenhuma parte – comentou ele com grande ansiedade. — Não tenho certeza de que se sinta bem.
— Coelho — ela conseguiu dizer por último. — Caçar coelho. — Maddie começou a andar forçando Ring a segui-la, assim ela não o viu tirar o lenço do bolso e enxugar o rosto antes de esfregar as palmas suadas na calça, logo voltou a enxugar a testa, depois colocar a mão dentro da calça e ajustá-la, depois voltou a enxugar o rosto novamente, e depois contemplar o gracioso andar de Maddie, fechando os olhos com tanta força que saltaram lágrimas dos olhos. Quando ela se voltou e o olhou, ele estava sorrindo como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo.
12
Maddie nunca tinha ficado tão perplexa. Sempre tinha sabido o que queria fazer de sua vida e tinha planejado tudo de acordo com isso, mas agora, com este homem, nunca sabia o que ia acontecer e não podia explicar que estava acontecendo.
Perguntava sem cessar ao capitão Montgomery o que estava ocorrendo e ele simplesmente lhe respondia com um sorriso. Em um momento, parecia desejá-la, logo no seguinte não parecia perceber que estava viva; que estava viva e era uma mulher.
Ajudou-a a desabotoar os botões de seu traje de montar — embora estavam colocados no peitilho da jaqueta — e a ajudou com os cordões do espartilho, que logo usaram para preparar um laço para caçar coelhos. Riu dela quando não podendo aguentar mais se ocultou detrás de um matagal para finalmente aliviar-se. Depois disto, cada vez que tinha que se aliviar, obrigava-o a cantar em voz muito alta embora o som lhe ferisse os ouvidos.
Era-lhe completamente impossível conseguir entender esse homem. Às vezes em um minuto acreditava tê-lo catalogado como um pomposo sabichão com quem não valia a pena perder o tempo, e logo, no minuto seguinte, ele estava falando com muita ternura de sua irmã Ardis. De repente, parecia um ser frio e insensível e pouco depois parecia cheio de emoções contidas. Em um segundo parecia desejá-la ardentemente e ao seguinte nem a olhava.
Diabos, que dia tinham passado! Refletiu Maddie enquanto ainda havia sol. Tinham pescado algumas trutas bastante grandes com os anzóis que ela ocultava em sua saia, tinham permanecido deitados no chão muito juntos, enquanto esperavam durante mais de uma hora que um peru, que tinham ouvido rondar pelas proximidades, caísse na armadilha, depois que Ring havia tirado o laço feito com os cordões do espartilho. Maddie o tinha depenado e ele riu muito porque não acreditava que ela pudesse fazê-lo
Nas últimas horas da tarde, Ring tinha perseguido um enxame de abelhas até a colmeia e Maddie lhe tinha suplicado que não tentasse as alcançar, mas nada o teria detido. Tinha acendido uma tocha de cedro ressecado e usado a fumaça para atordoar as abelhas, mais quando colocou a mão na colmeia, as abelhas se reanimaram e o haviam atacado.
Ele desceu rapidamente do galho baixo da árvore e começou a correr, arrastando Maddie atrás dele e quando ela não pôde lhe seguir à mesma velocidade, ele a colocou sob ombro e seguiu correndo até o arroio.
Evitaram às abelhas, mas estavam impregnados até os ossos com a água gelada do arroio. Quando Maddie começou a lhe repreender com o cenho franzido, ele sorriu e levantou no ar uma parte do favo de mel que tinha conseguido. Por desgraça, o favo estava coberto de abelhas furiosas. Em questão de segundos, estavam rodeados de abelhas e Maddie tratava desesperadamente manter o equilíbrio ao sapatear ao extremo da corrente que a unia a Ring. Mas, por mais abelhas que lhes atacassem, Ring seguia obstinado segurando o favo de mel.
Agora estavam sentados perto da grande fogueira que Ring tinha acendido, acorrentados e suas roupas molhadas. Não havia nada mais para fazerem, nem para cobrirem-se se tiravam as roupas. E tampouco tinham bebidas quentes para lhes esquentar por dentro
— Lamento te haver metido neste problema — disse Ring. — Se tivesse estado mais alerta ontem à noite, esse homem não teria podido...
— Está bem, não tome tão a peito. Até meu... — tinha estado por um tris de dizer que até seu pai tinha caído em algumas emboscadas, mas se conteve a tempo. — Não é tão terrível. Passei um dia agradável, cheio de peripécias que me fez esquecer meus problemas.
— Laurel — disse ele docemente.
Maddie conteve a respiração subitamente. Não lhe perguntaria quanto sabia, porque era mais que evidente que conhecia mais do que deveria.
— Estou fatigada e tenho frio. Acredito que irei dormir. — Começou a levantar-se, mas a corrente soou. Quase a tinha esquecido.
Ele ficou de pé com ela.
— Agora estaria segura em sua tenda, debaixo de meia dúzia de mantas, se não fosse por minha culpa. — A olhou de cima. — Deseja retornar amanhã pela manhã? Poderíamos chegar ao acampamento amanhã, mais ou menos a esta hora, e ali conseguirmos que alguém nos tire estas algemas.
— Eu... eu não sei — respondeu e em realidade não sabia o que queria fazer. Era o homem mais desconcertante que tinha conhecido. — Por que não pôde seguir sendo o homem que conheci no início? Realmente me aborrecia esse homem. Que grosseiro se mostrou ao pôr o pé sobre o tamborete! E esse seu cavalo tratando de comer meu vagão! Oh, maldição, por que teve que mudar?
Ele lhe sorriu.
— Eu não mudei. Acreditou me conhecer e não era assim, isso é tudo.
Maddie se afastou dele o possível.
— É um verdadeiro enigma para mim. Não sei quem és. É o homem de quem havia falado Toby ou é esse ser espantoso que conhecia no princípio?
— Um pouco de ambos, suponho, e possivelmente alguns mais. — Baixou a voz. — Que importância tem que espécie de homem sou? Dentro de alguns dias retornará ao Este, à civilização e provavelmente nunca mais voltará a ver-me.
Ela olhou para outra parte.
— Sim, é verdade. — Imaginou-se de retorno junto a John lhe contando às razões que tinha ido para o Oeste e cantar, esperando que a perdoasse e voltasse a ser seu agente artístico. Voltou a olhar Ring e com os olhos da imaginação viu pérolas no fundo do prato de sopa e vestidos de seda desenhados por essa nova costureira, Worth, e de algum modo não lhe pareceu uma vida muito gratificante.
De repente, as palavras de madame Branchini ressoaram em sua cabeça: "Pode ter sua música ou pode ter um homem. Uma das duas coisas, não ambas." Até então tinha sido fácil escolher.
Começaram a cair às primeiras gotas de chuva e estremeceu cruzando os braços sobre o peito para esquentar-se e ao mesmo tempo arrastando o braço de Ring consigo.
— Vamos — disse ele e tomando-a nos braços a levou até a cova sob a saliência de rocha. Ela se sentou de um lado, enquanto ele usava o elo e a pederneira para acender o fogo no montezinho de ervas seca que tinham levado para lá horas antes, e questão de minutos a fogueira estava ardendo. Ela seguiu sentada e o observando enquanto ele alimentava as chamas com lenha até que conseguiu um fogo crepitante.
Finalmente ele também se sentou, apoiou as costas contra a rocha e lhe estendeu os braços. "Não devo," pensou Maddie, "realmente não devo fazê-lo," mas se entregou a seus braços sem vacilação e ele a apertou com força contra seu peito.
— Nossos corpos se encaixarem à perfeição — murmurou ela.
— Em que estava pensando há pouco? — Perguntou-lhe Ring enquanto acomodava o queixo sobre seu cocuruto.
— Em você — respondeu sinceramente.
— Fico feliz. Alegro-me muito de que, por fim, você seja capaz de ver-me.
— Que ridículo. Sempre o vi. Desde o primeiro momento eu o vi
— Não, não me viu. Desse o primeiro momento decidiu como eu era e ainda não mudou de opinião. Acreditou que eu era, vejamos se não me equivoco, um sabichão pomposo e dominante.
— Você é, e sabe disso.
— Não mais que você mesma.
— Hah!Hah!Hah!
Uma espessa cortina de chuva gelada caía do outro extremo da cova, mas no interior ardia o fogo e as roupas estavam começando a secarem e até as partes mais úmidas que estavam em contato com o corpo de Ring começavam a enfraquecer-se.
— É curioso o que me acontece. É estranho reconhecer que faz tão pouco que nos conhecemos — comentou ela. — Às vezes acredito que sempre o conheci. E quando recordo a primeira vez que cantei em La Scala, parece-me ver-te ali, comigo, me dizendo que tudo sairia bem, e me dando um beijo na testa antes que eu entrasse no cenário. — Aconchegou-se contra ele. — Por que acha que me sinto deste modo? Ninguém jamais me fez sentir deste modo. Apesar de todo esse tempo que passei junto a John, por muito que fosse, sempre recordei com claridade a época em que não o conhecia.
— Tem ideia do muito que nos parecemos?
— Não imagino absolutamente em que podemos nos parecer. Não pode cantar, já o comprovamos, e o canto é o único que existe em minha vida.
— Isso é precisamente o que nos faz tão parecidos. Disse-me algumas vezes que eu devia ter passado toda minha infância ao ar livre e ao sol e, de algum modo, assim foi, mas não na forma que você supõe. Comecei a trabalhar nos negócios da família quando tinha doze anos. Aos quatorzes já estava tomando decisões de maiores importâncias para o negócio.
— Oh — exclamou ela com tristeza. — Foram muito pobres? Teve que abandonar a escola?
Ele sorriu.
— Precisamente o oposto. Já ouviu o nome de Warbrooke Shipping alguma vez?
— Acredito que sim. Acredito que, inclusive, alguma vez até tenha viajado em um de seus navios. — Voltou-se para o olhar. — Warbrooke? Não é esse o nome da cidade onde se criou? Trabalha para eles?
— Warbrooke Shipping pertence a minha família.
Virou-se entre seus braços.
— Oh, então suponho que isso te faz rico.
— Muito rico. Importa-se?
— Isso explica seu cavalo e o uniforme de corte perfeito, sua educação e ter um servo como Toby.
Ele não disse o quão feliz era que sua riqueza não a importasse o mínimo. Às vezes, no que dizia a respeito às mulheres, ele ter dinheiro era um verdadeiro estorvo. Algumas vezes elas só viam o dinheiro e não ao homem.
— Um valente criado que tenho.
— Me conte mais sobre Toby e por que acha que nos parecemos.
Ring respirou fundo antes de falar.
— Você e eu estivemos sozinhos. Alguns dias depois de te conhecer tive essa sensação, mas depois me contou sua infância e soube que não tinha me equivocado, que tinha estado tão só quanto eu.
— Mas eu jamais estive sozinha. Sempre estive rodeada de minha família e mais tarde tive o John e centenas de compromissos sociais. Passei muito pouco tempo sozinha.
— Não, isso não é o que quero dizer. Talvez só não seja a palavra adequada. Diferente. Você e eu sempre fomos diferentes.
— Eu sim tenho sido diferente, mas não vejo que você seja.
— Meu pai é um bom homem, muito bom mesmo. Tem um coração de ouro. Tirar-se-ia a camisa que usa para dar a qualquer homem que precise. Renunciaria à sua própria vida antes que ver sofrer a algum de seus filhos. Mas...
— Mas o quê?
— Para ser sincero, meu pai não tem cabeça para os negócios. É impossível para ele ficar sentado detrás de uma escrivaninha o tempo necessário para fazer o trabalho administrativo, que requer a organização de uma companhia do tamanho e da importância de Warbrooke Shipping, e um dia de sol é para ele uma tentação e a oportunidade de ir pescar ou fazer piquenique com minha mãe.
— Isso não soa tão mal. Às vezes queria poder contar com um pouco mais de tempo livre para me dedicar ao ócio.
— Não pode dedicar toda sua vida ao ócio quando deve dirigir uma companhia como a nossa. Milhares de empregados dependem de nós e com o que lhes pagamos dão de comer a suas famílias,
— E seu pai os esquecia?
— Suponho que sim. Esquecia ou nunca percebeu disso.
— Então que essa foi à razão pela qual se viu envolto na companhia desde que era uma criança?
— Sim, não sei bem como aconteceu. Sempre fui muito curioso e meu pai me satisfazia e elogiava cada vez que eu fazia algo que o ajudava em seu trabalho. Tudo foi evoluindo muito gradualmente. E por outra parte, assim como você tem o dom do canto, parece que eu possuo o dom de dirigir empresas. Eu não tinha nenhum problema para memorizar todas aquelas coisas que devia recordar. Meu pai estava acostumado a dizer que eu era igual a seu pai, que era um autêntico Montgomery.
— Então renunciou à sua infância para realizar um trabalho de homem.
— Alguma vez sentiu que estava renunciando a algo quando estava encerrada cantando e todos outros estavam desfrutando ao ar livre sob o sol?
— Não, ao contrário, sentia-me muito afortunada e por outro lado triste por eles já que Deus não lhes tinha outorgado o talento do qual me tinha dado como dom.
— Eu sentia mais ou menos o mesmo. Minha mãe contratou um tutor para que me ensinasse o que todo menino deve aprender e pelas noites lia com ele e...
— Aprendia línguas?
— Sim, aprendi várias línguas. Acredito que pensavam que as utilizaria quando viajasse a todos esses países exóticos dos quais falavam os homens que navegavam em nossos navios.
— Sua mãe contratou um tutor clássico para você e seu pai, por seu lado, contratou Toby como tutor de outra índole, não é assim?
— Exatamente.
Ficou pensativa durante uns momentos.
— Mas Toby não o cuida, verdade? Você cuida dele.
— Poder-se-ia dizer algo assim.
Maddie achou que ele não tinha vontade de seguir falando de Toby.
— E por que renunciou a todo isso e se alistou no exército? — Inquiriu ao fim.
— Por duas coisas: algo que ouvi por acaso e uma mulher.
Permaneceu calada um momento porque não sabia bem se queria ouvir essa história.
— Me conte — sussurrou finalmente.
— Um dia quando eu tinha dezessete anos me encontrava a bordo de um de nossos navios. Tinha ido inspecionar a carga e tinha estado conversando com os homens sobre a viagem que foram empreender, quando por acaso pude ouvir um dos oficiais falando com o capitão. O oficial queria saber como eu podia ocupar um cargo de tanta responsabilidade na companhia. Dizia que eu não era mais que uma criança e perguntava o que eu poderia conhecer de negócios. A resposta do capitão me fez sentir bem porque disse que embora eu fosse um moço muito jovem, tinha amplos conhecimentos do mar. "Não ouviu o que se dizem dos filhos dos Montgomery?" Perguntou o capitão. "Não nascem como os outros. Quando o pai deseja outro filho, dirige-se ao deque mais próximo, joga na água a rede, recolhe-a e já tem outro pirralho. É realmente assombroso que esses meninos possam caminhar. É um milagre que não tenham nadadeiras por pés."
— Não me pareceu um comentário desfavorável. Em certo modo é um elogio.
— É verdade, mas enquanto escutava como riam os dois, tive uma visão do que seria minha vida. Tinha certeza de que dirigiria Warbrooke Shipping durante toda minha vida e que quando tivesse vinte e dois ou vinte e três anos me casaria com uma mocinha da cidade — se pudesse encontrar alguma que não estivesse relacionada com minha família — e depois teria meus próprios filhos.
— Tirados do mar?
— Desde onde quer que se possa ter. Podia ver-me aos cinquenta anos, tendo preparado a meus filhos para continuar à frente da companhia e formando nesse momento a meus netos para que jamais Warbrooke Shipping deixasse de pertencer à família. Podia ver-me aos oitenta, planejando ainda, como poderia escapar de Warbrooke.
— Entendo. Que teve que ver a mulher em sua decisão de se alistar no exército?
— Aproximadamente na mesma época em que ouvi os homens falando de mim, uma amiga de minha mãe lhe fez uma visita. Teria uns trinta e cinco anos, mais ou menos, suponho, e sendo eu um adolescente de dezessete a considerava uma velha. Tinha que passar um mês conosco e não acredito havê-la olhado assim.
— Entre as aulas da noite e o trabalho durante o dia, não acredito que tivesse muito tempo para olhar às garotas. Comentei que eu também recebia minhas aulas à noite?
— Quem quer que a tenha ensinado esqueceu a aritmética – disse ele.
— Meu pai foi meu professor.
— Isso o explica tudo.
— Deixa de colocar meu pai na conversa e me conte de sua dama. — Sorriu novamente.
— Era toda uma dama. Enfim, poucos dias depois de sua chegada, meus irmãos começaram a cair de cama vítima da varicela.
— E suas irmãs?
— Carrie não tinha nascido e Ardis foi se alojar na casa de Davy. Minha mãe também queria que eu saísse de casa para evitar o contágio, e disse a sua amiga que era melhor que ela voltasse a seu lar. Mas por alguma razão não podia retornar, não recordo bem por que, se era porque estavam restaurando sua casa ou algo assim. De todos os modos, perguntou a meu pai se poderia ver como se administrava Warbrooke Shipping.
— E seu pai a deixou a seus cuidados.
— Sim, assim foi. Eu estava realmente zangado. Temo que até gritei com meu pai que tinha trabalho para fazer, penoso e exaustivo, e que não tinha tempo para ser a babá de uma velha. E, para o cúmulo, era mulher, o que podia entender de negócios?
— Ela me ouviu e entrando resoluta no escritório de meu pai, alegou que podia estar a minha altura em qualquer lugar que eu fosse e me desafiou que encontrasse um só aspecto do negócio que ela, com sua torpe mente feminina, não pudesse entender.
— E o fez? Esteve sempre a sua altura e entendeu o que lhe explicava?
— Oh, sim. Conseguiu a despeito de todos os maus momentos que a fiz passar. Quando tem dezessete anos e está à frente de uma empresa de grande magnitude como a nossa, fica-se...
— Vaidoso? Egocêntrico? Ególatra?
— Mais ou menos. Passou toda uma semana antes que me desse por vencido e deixasse de tentar de lhe fazer limpar os estábulos egeus.
— Que coisa?
— Seu pai também se esqueceu de te ensinar mitologia grega, não é assim? Finalmente deixei de lhe exigir que me provasse sua capacidade para os negócios e fomos nos fazendo amigos gradualmente. Nessa época, não tinha ideia de que existissem mulheres assim. Minha grande sabedoria me tinha feito pensar que todas as mulheres eram como minha mãe. A única preocupação de minha mãe era cuidar de sua família e nada mais.
— Mas esta mulher? Sua amiga?
— Seu pai tinha morrido quando ela tinha vinte e dois anos. Até esse momento, disse-me, que nunca tinha cruzado pela cabeça outro pensamento, que não estivesse relacionado com o último grito de vestidos em moda ou o último presente do pretendente mais recente. Ao morrer seu pai herdou uma loja de moda para damas que não estava indo muito bem e muitíssimas dívidas.
— O que fez?
—Comentou-me que se apresentavam três alternativas. Uma era a pobreza, a segunda era casar-se e permitir que seu marido se encarregasse dela e dirigisse o que restava do negócio de seu pai. Mas me esclareceu que nenhum dos homens com quem poderia ter se casado podiam dirigir uma empresa e não podia suportar a ideia de viver com qualquer um dos homens de negócios que conhecia.
— E a terceira alternativa?
— Dirigir ela mesma o negócio. Comentou-me que se considerava uma mulher que sabia comprar vestidos e tudo o que tinha que fazer era comprar alguns a mais e logo vendê-los.
— E isso foi precisamente o que fez?
— Exatamente. Comentou-me que no princípio tudo foi bastante difícil para ela, mas conseguiu levar tudo bastante bem. Quando a conheci já era a proprietária de seis lojas e estava indo muito bem.
— Como influiu em você para que decidisse se alistar no exército?
— Apaixonei-me por ela. Não era verdadeiro amor. Sei agora. Mas a achava fascinante. Nunca tinha me dado conta, até então, que não tinha ninguém com quem falar. Os negócios aborreciam terrivelmente meu pai e estava satisfeito de deixar tudo em minhas mãos. Minha mãe não se interessava e meu irmão Jaime, que é dois anos mais novo que eu, sempre estava navegando. Meus outros irmãos eram muito jovens para entender de negócios.
— E Ardis estava com Davy.
— Sim, assim que a amiga de minha mãe era a primeira pessoa que eu tinha para compartilhar o que fazia. E era uma curiosa insaciável. Queria aprender tudo o que deveria saber, queria que eu lhe mostrasse absolutamente tudo.
— E você o fez? Mostrou-lhe tudo? — Sussurrou Maddie.
— Sim — afirmou depois de alguns segundos. — Um dia pouco antes de sua partida navegamos rumo a uma das ilhas próximas. Não tínhamos ido muito longe quando se desatou uma súbita tormenta que nos apanhou em seu centro. Durante um momento temi que talvez não conseguíssemos chegar à ilha.
— Mas para alguém nascido no mar, não pôde ter sido muito difícil.
— Suponho que não. Chegamos à ilha, mas completamente empapados. Havia uma antiga choça em que tinha vivido um velho ermitão, mas ele já tinha morrido, assim estava vazia. — Fez uma pausa. — Passamos a noite ali
— E lhe fez amor?
— Sim. Melhor dizendo, ela me fez amor. Aos dezessete anos e com a espécie de vida que tinha levado, não tinha tido muito contato com garotas, e muito menos com mulheres.
— Até com a ajuda de Toby?
— Especialmente com a ajuda do Toby.
— Então, passou a noite com ela. Que aconteceu depois?
— Na manhã seguinte retornamos a terra firme e durante todo o trajeto fiz planos sobre nossa vida de casados.
— Matrimônio? Mas ela era muito mais velha que você.
— Não me importava. Imaginava nossa vida em comum, os dois sempre juntos, os dois dirigindo e administrando Warbrooke Shipping, conversando e passando o tempo juntos.
— Mas não se casou com ela.
— Não. Quando chegamos em casa, adormeci e ao despertar a noite, ela já tinha partido. Não encontro palavras para expressar meus sentimentos nesse momento. Sentia-me traído, enganado, miserável. Não me deixou nenhuma nota, nada. Tomei tudo muito a sério. Estava triste, ressentido e replicava acirradamente a todo mundo.
— Foi minha mãe quem primeiro suspeitou a causa de meu mau humor. Desmoronei e lhe contei todos meus pesares, e como me aborrecia com essa mulher por haver me abandonado. Minha mãe disse que sua amiga tinha me presenteado algo muito precioso e que eu tinha que aceitá-lo como tal. Mais tarde, bastante tempo depois, comecei a perceber que ela tinha razão. Tinha passado momentos maravilhosos com a amiga de minha mãe e devia aceitá-lo assim.
— Voltou-a a vê-la alguma vez?
— Uma vez, anos mais tarde, em Nova Iorque.
— Fez-lhe amor outra vez?
— Para falar a verdade, passei três dias revisando suas contas enquanto ela saía com um homem que me dobrava em idade. Nada melhor para acabar com um romance que trinta e cinco livros grandes, repletos de cifras mal somadas.
Ao ouvir isto o rosto sério de Maddie se iluminou com um radiante sorriso.
— Então não a amou uma vez mais?
— Não.
— Mas me contou por que foi ela a causa de que se alistou no exército.
— Depois que ela partiu de Warbrooke, ouvi os dois tripulantes fazerem os comentários sobre como meu pai tirava os pirralhos Montgomery do mar. Aposto que minha mãe teria desejado que fosse verdade. Tinha passado momentos muito difíceis dando à luz a seu último filho. De todos os modos, quando vi a espécie de vida que me aguardava no futuro, compreendi que não a queria. Não desejava chegar aos oitenta e ainda está procurando a forma de escapar das responsabilidades assumidas na empresa da família. Poderia ter embarcado em qualquer um de nossos navios e navegar ao redor do mundo, mas decidi que desejava conhecer o deserto e também que estava farto das responsabilidades. Queria ser um da tropa, não dos patrões. Queria saber o que se sentia quando algo saía mal e não se tinha culpa disso. Assim me alistei no exército como soldado raso e solicitei que me incluíssem na campanha do Oeste.
— E lhe enviaram aonde queria ir?
— Não foi tão complicado. Tudo o que tive que fazer foi lhes demonstrar que podia montar a cavalo.
— E pensar que Toby disse que seu pai o tinha contratado porque não se interessava pelas mulheres.
— Toby ignora muitas coisas de minha vida. Ele sempre se queixou de que não me interessem as mulheres que estão à disposição dos soldados. Os fortes estão rodeados de casas especiais conhecidas por todos como pocilgas. As chamam assim pelas mulheres que as habitam e estas são tão limpas como seu nome dá a entender. Em todas as partes os homens alistados no exército estão morrendo de sífilis. As outras mulheres brancas que um homem pode ver são aquelas que vêm do Este, as esposas ou as filhas dos oficiais. Meter-se com alguma delas é problema e pode acontecer algo terrível.
— Mas Toby disse que não estava interessado nas mulheres que te apresentava.
— A primeira mulher que ele me apresentou em um povoado dos subúrbios de Warbrooke se chamava Sem Banho McDonald.
— Sem Banho? Que nome mais estranho. Soa como se ela nunca tivesse se...
— Nunca o tinha feito. Gabava-se de não haver se banhado em toda sua vida. Era muito bonita, mas quando começou a colocar partes de seu corpo em minha boca, eu... ah, bem, de todos os modos, a experiência não foi muito agradável, por dizê-lo de algum jeito. Tentei explicar tanto a meu pai como a Toby, mas ambos pensaram que eu era muito delicado e cheio de escrúpulo.
— Você é assim? Delicado e cheio de escrúpulo, quero dizer?
— Muito. Unicamente quero o melhor. O melhor do melhor. —Rodeou os braços com mais força ao redor de seu corpo frágil e afundou o rosto em seu pescoço.
— Está pronta para ir dormir? — Perguntou-lhe passado um momento.
Maddie não deu nenhum sinal de desejar ir dormir, mas seu corpo não resistiu quando ele a deitou sobre o chão duro e frio e a envolveu comodamente com todo seu corpo. Maddie estava longe de dormir. Estava meditando sobre a quantidade de tempo que fazia que o conhecia. Era muito pouco tempo, mas parecia uma eternidade.
Voltou-se um pouco entre seus braços para poder lhe olhar, para observar como sombreava suas maçãs do rosto sob o tênue resplendor do fogo. Acreditando adormecido, levantou a mão que tinha livre até lhe roçar o lábio inferior. Ele não abriu os olhos.
— Estou começando a te amar, você sabe, verdade? — Sussurrou-lhe.
— Sim.
— Está começando a ocupar tanto meus pensamentos como os que ocupam minha música.
Não disse nenhuma palavra, mas ela pensou que esboçava um sorriso.
— Muitos homens não amam seus rivais.
Maddie queria lhe perguntar que sentia por ela, mas teve medo da resposta. Como era possível que ela amasse a alguém, especialmente alguém como ele? Era um homem que precisava liberdade de ação e que esta não relacionava com o mundo da música.
— Quando sai do exército?
— No ano que vem
— E o que fará então?
— Retornarei a Warbrooke. Meu pai precisa de mim.
Maddie suspirou. “E eu voltarei para Paris, Viena ou Florença, em qualquer lugar que queiram me ouvir cantar.”
— Boa noite, meu capitão — disse e fechou os olhos.
Passado uns segundos, Ring abriu os seus e a contemplou por um longo tempo antes de cair adormecido. Dormir abraçados lhe pareceu à coisa mais natural do mundo. Tinha desejado fazê-lo desde que a viu pela primeira vez. Fazer-lhe amor era algo que poderia esperar até que ela estivesse segura dele, tão segura dele como ele estava dela.
Quando o segundo dia chegava a seu fim, para Maddie quase parecia normal estar acorrentada a esse homem. Aprenderam a moverem-se juntos, a darem-se mutuamente um pouco de intimidade quando era necessário, a conversarem e a estarem em silêncio.
As histórias de Ring sobre sua família tinham despertado a curiosidade de Maddie, que começou a lhe perguntar tudo sobre sua vida, sobre Warbrooke e seus habitantes. Ele lhe relatou contos escandalosos de seus primos os Taggert, que, junto com os Montgomery pareciam constituir o grosso da população dessa cidade.
Relatou-lhe histórias do mar e de seus antepassados, que transmitiam a sua família de geração em geração como se fossem contos de fadas. Ensinou-lhe a fazer nós com os cordões do espartilho, e quando os dedos de Maddie ficavam presos nos laços ele ria dela e voltava a ensinar-lhe.
Maddie seguia refletindo sobre o que ele havia dito quanto a ela ter tido uma vida solitária, e agora podia ver que não se equivocou. De menina nunca tinha tido tempo para amigos de sua idade, sua irmã mais velha tinha estado muito ocupada com seus desenhos e pinturas, e tanto ela como toda a família tinham estado isolados de outras famílias. Podia recordar aos filhos de Ouça Bem como amigos dessa época, mas só foram a sua casa passar os verões e durante os invernos retornava com sua gente. Seu pai e os amigos de seu pai tinham passado muito tempo com ela — o pouco tempo disponível que tinha Maddie, mas não era o mesmo que ter um amigo de sua própria idade.
Estavam deitados sobre a amacia e úmida erva que crescia à borda do arroio, estendendo seus braços acorrentados.
— Nunca tive uma amiga quando era menina — comentou ela.
— Eu tampouco. Só irmãos.
Ela começou a rir, mas ele a olhou sério.
— Mas ainda não vai contar-me nada de você mesma, ou sim? Nem sequer algo sobre seu pai, esse homem que é um modelo de virtudes?
Ela ansiava fazê-lo, desejava-o com toda a alma, mas tinha medo de começar a falar, porque não tinha certeza de poder calar a tempo e antes que se desse conta, estaria contando tudo sobre Laurel e não havia forma de predizer o que ele faria a respeito. Comportar-se-ia de maneira tão super protetora com ela que a impediria de cantar? Proibir-lhe-ia continuar a excursão? Dir-lhe-ia por acaso que desde esse momento em adiante ele se encarregaria de tudo, inclusive de sua irmãzinha menor que poderia sair morta se fracassava?
Quando não respondeu, ele lhe deu as costas apertando os dentes com o semblante duro.
— Sinto-o — sussurrou ela. — Contaria tudo se pudesse.
— Se pudesse confiar em mim, quer dizer — replicou ele.
— Confiaria em mim se a vida de algum ser amado dependesse dessa confiança?
Ring se voltou e a olhou.
— Sim — disse simplesmente.
Maddie desviou a vista sabendo que ele estava dizendo a verdade. Percebeu que ele lhe contaria tudo o que ela queria conhecer sobre si ou sua família.
— Mas por outro lado, é bastante grande e forte para impedir que eu faça o que quer que tenha que fazer, não é assim?
— Sou bastante preparado para pensar que a mulher que amo tem suficiente senso comum para fazer o que é correto — explodiu ele.
Maddie não tinha tido tempo de assimilar o que ele havia dito, quando Ring deu um salto e ficou de pé obrigando-a a fazer o mesmo.
— Se levante! — Ordenou-lhe com irritação. — Precisamos recolher lenha.
— O que quis dizer com isso de "a mulher que amo"?
— Já me ouviu — grunhiu ele enquanto carregava seus braços com os pedaços de madeira úmida que ia recolhendo.
— Não me parece ter ouvido bem. Possivelmente deve repetir isso De fato, eu gostaria que repetisse muitas coisas, como tudo isso sobre as virgens e meu pé esquerdo. — Estava-lhe sorrindo e por dentro se sentia alegre e leve como um pássaro.
— Não ouve quando te convém e, entretanto, tudo o que disse seu pai pode recordar nos mínimos detalhes. Espero chegar a conhecer esse homem alguma vez. Olhar-lhe-ei com desdém e lhe direi: — Senhor Worth, eu... — Calou abruptamente e ficou olhando Maddie com os olhos arregalados pela surpresa. — Worth? — Os olhos de Ring aumentaram mais enquanto o pedaço de madeira que tinha na mão ficou suspenso no ar.
— Meu nome?
Quando ele voltou a falar o fez em tom reverente.
— Uma vez me contou que sua mãe havia dito Jeffrey, quero que vá ao Este e consiga uma professora para Maddie.
— Sim. E? — Fingia inocência, mas sabia bem aonde ele ia chegar e era muito gratificante que seu pai fosse reconhecido. Ele a olhou com respeito e sua voz estava tremida de um temor quase reverencial,
— Seu pai não será Jefferson Worth? O famoso Jefferson Worth? O homem que escreveu os Diários de Viagem?
Maddie sorriu docemente.
— Sim, é ele.
O único que Ring podia fazer era olhá-la. Jefferson Worth era um nome legendário, um nome como George Washington ou Daniel Boone. Viajando com um punhado de homens, tinha explorado a maior parte da América antes que fosse América. Tinha relatado suas viagens em jornais, tinha esboçado mapas. Suas observações eram o único que se sabia sobre algumas tribos indígenas dizimadas depois pela cobiça do homem branco e pelas enfermidades. Escrevia sobre os animais e seus hábitos, fazia esboços das plantas estranhas ou exóticas que via em suas viagens, escrevia sobre as formações rochosas e as águas termais.
— Li seus jornais quando era um menino e meus irmãos menores ainda querem ser Jefferson Worth. Vive ainda? Já deve ser um homem bastante velho.
— Não é muito velho e está muito cheio de vida. Seus jornais se publicaram quando ele tinha nada mais que trinta anos, justo um ano depois que eu nascesse. Minha mãe foi quem se encarregou de que os publicassem. Se tivesse sido por meu pai, os teria arrojado ao fundo de um baú em alguma parte e os teria deixado ali para sempre.
— Imagine. Jefferson Worth.
Maddie não pôde reprimir a tentação de vingar-se por tudo o que ele havia dito de seu pai.
— Ombros largos. Leva pianos nas costas por toda parte.
— Imagino que ele sim, poderia fazê-lo. — Os olhos de Ring refletiam um olhar distante. — Uma vez me perguntou onde eu tinha aprendido a fugir tão silenciosamente por toda parte. Foi através dos jornais de Jefferson Worth. Meus irmãos e eu estávamos acostumados a brincar de personificar Jefferson e também a seus homens. Eu sempre era Jeff, meu irmão Jamie era Thomas Armour e...
— Thomas adoraria ouvi-lo.
Ring sacudiu a cabeça.
— Não posso acreditar que estes homens ainda estejam vivos e que eu estou aqui com a filha de Jefferson Worth. Como se chamava o menino índio? Era algo bastante estranho. Estávamos acostumados a brigar para ver quem faria seu papel.
— Ouça Bem.
— Isso. Tinha esse nome depois que seu pai o levou ao Este e lhe operaram os ouvidos.
Maddie sorriu. A história lhe era tão familiar como se houvesse tomado parte nela.
— Era surdo e meu pai o levou ao Este. Depois da operação ele disse por gestos a meu pai que desde esse momento tinham que lhe chamar Ouça Bem. Até aquele momento se chamava Não Ouça.
Ring também estava sorrindo, recordando.
— E também havia uma mulher, não é verdade? Seu pai trouxe a primeira mulher branca ao território. Ela pintava quadros dos índios.
— Sim.
— Meu pai comprou uma de suas aquarelas. É de uma tribo da qual nunca tinham ouvido nada, mas ele e seus homens passaram um inverno com eles.
— É provável que se refira aos mandanes. A varicela quase os apagou do mapa dois anos depois que ela os retratou em suas aquarelas.
Ring fez uma pausa, refletindo.
— Uma de minhas primas Taggert sempre fazia o papel da mulher, mas havia algo que nós estávamos acostumados a fazer que a punha realmente furiosa. Que era? Era algo que tínhamos tirado dos jornais.
— Imagino que um de vocês representava o papel de Ouça Bem e a roubava.
— Isso, precisamente. Como pude haver me esquecido? Ouça Bem, como sempre tinha sido surdo, nunca tinha sido capaz de roubar porque não podia mover-se sem fazer ruído. Mas quando pôde ouvir praticou a arte de roubar com os objetos da mulher pintora. Se não recordo mal, ela se encolerizou muito.
— Mas recuperou tudo, recorda?
— Não. Não acredito recordar o que fez ela.
— Uma noite, depois de uma viagem realmente exaustiva de todo um dia, quando Ouça Bem dormia profundamente, só tinha doze anos então, como sabe, ela se rastejou até onde ele dormia e lhe roubou tudo o que tinha, até a tanga. Quando despertou à manhã seguinte, Ouça Bem descobriu que estava completamente nu e sem nenhum de seus pertences.
— Isso. — Ring sorriu. — Aposto qualquer coisa que minha prima teria ficado encantada em poder realizar essa façanha, mas nunca conseguiu. Em troca, meus irmãos e eu andávamos constantemente às escondidas, nos escondendo por toda parte e furtando tudo o que podíamos uns dos outros. Não aconteceu algo que fizesse finalmente que a mulher perdoasse Ouça Bem?
— Oh, sim. Meu pai, a mulher e Ouça Bem foram separados do resto do grupo e um bando de apaches renegados provenientes do Sul se uniu a eles para passarem a noite. Meu pai desconfiava desses homens e passaram uma noite em que abundaram os sobressaltos. Despertaram à alvorada e partiram em seus cavalos, mas os apaches os perseguiram disparando seus rifles.
Iluminou-se o rosto de Ring com um amplo sorriso.
— Mas Ouça Bem...
Maddie lhe devolveu o sorriso.
— Ouça Bem tinha praticado seus rateios durante a noite e tinha roubado todos os moldes de suas balas. Os índios tinham a pólvora e o chumbo mais não podiam fazer as balas. Assim que os três puderam escapar com vida graças a Ouça Bem que se converteu em um bom ladrão.
Ring soltou uma gargalhada.
— Suponho que ao longo de todos estes anos, esses jornais se converteram em algo realmente mítico para mim. É difícil acreditar que aqueles fatos efetivamente ocorressem na vida real. Onde se encontram todos eles agora? Todos os homens que viveram essas aventuras com seu pai?
— Para falar a verdade, meu pai era um dos homens que acompanhavam Thomas. Thomas era o verdadeiro líder do grupo, mais velho e mais experiente que meu pai. Mas todos vivem na atualidade com meu pai e eu cresci entre eles.
— Como se chamavam? Linquist o sueco que caminhava sobre a neve com raquetes e...
— Esquiava. Linq esquia.
— Está bem. E o velho...?
— Bailey.
— Não pode seguir vivo ainda. Deve andar perto dos cem.
— Provavelmente. Passaria tranquilamente por avô de Toby, mas por outro lado, sempre teve o mesmo aspecto. Meu pai diz que não se surpreenderia se descobrisse que Bailey tem somente vinte anos, mas o mesmo Bailey diz que esteve nas Rochosas tanto tempo que as montanhas eram somente colinas quando ele chegou.
— E Ouça Bem? Que idade tem agora?
— Ouça Bem deve ter ao redor dos quarenta. Mas duvido que saiba exatamente, e que isso o preocupe no mínimo.
— Ele também vive com sua família?
— Ocasionalmente. É um índio manta. — Ao ver a expressão de desconcerto de Ring, explicou: — É como os brancos às vezes chamam os índios selvagens. Não depende dos brancos para viver.
Ring assentiu com um ligeiro movimento de cabeça. Que a esse moço, que tinha sido seu herói na infância, chamassem-lhe agora "índio selvagem" ajustava-se à imagem que forjou do homem em que chegaria a converter-se com o decorrer dos anos.
— De que tribo era?
— Crow.
Demorou uns segundos em reagir.
— Crow?
— Sim. Aconteceu algo?
— Não, algumas peças soltas de um quebra-cabeça finalmente encaixaram em seu lugar, é tudo. — Olhou as árvores a seu redor e teve certeza que o índio que o tinha ajudado a encontrar Maddie era Ouça Bem. — Nos está seguindo, você sabe?
— Sim — respondeu ela em voz baixa. — Eu sei.
— Isso explica muitas coisas, por exemplo, por que tem tão amplos conhecimentos sobre os índios e por que não os teme.
— Tenho medo quando é necessário ter. Simplesmente não sustento a absurda crença de que um índio sente um irresistível apetite carnal por qualquer mulher branca que cruza pelo caminho.
— E como chegou a essa conclusão?
— Por Ouça Bem. Veja, não existe homem sobre a face da terra de aparência mais esplêndida que a de um bravo crow em sua plenitude. Alto, forte, bonito, cabelo negro abundante e longos, a pele da cor da...
— Posso ver isso. — Era precisamente a imagem que ele forjou desse homem quando estava lutando com seus irmãos para ver quem poderia ser o bravo crow, mas não lhe agradava absolutamente que Maddie o descrevesse com tanto ardor. — O que faz Ouça Bem?
— Tanto meu pai como todos outros sentiam muita pena de Ouça Bem, porque aos olhos do homem branco, não há criatura mais feia que uma moça crow. Aborreciam a ideia de ver um homem magnifico e lindo como Ouça Bem com mulheres crow, assim que meu pai decidiu que seria conveniente levá-lo a St. Louis.
Fez uma pausa.
— Meu pai tinha um irmão que dirigia uma fábrica nessa cidade. Precisamente, foi por seu intermédio, que meus pais se conheceram, mas como dizia, papai e Ouça Bem viajaram a St. Louis. As maravilhas dessa cidade impressionaram muito Ouça Bem. Mas segundo os relatos de papai, Ouça Bem não olhou nenhuma só vez às mulheres brancas que passeavam pelas ruas com seus luxuosos vestidos da corte europeia. Embora as mulheres, por sua parte, sim o olhavam e admiravam. Claro que nenhuma mulher pode deixar de admirar a um guerreiro crow, quando usa todos seus adornos tradicionais e Ouça Bem é um dos tipos mais esplêndidos
— Compreendo.
Maddie lhe sorriu.
— Quando saíram de St. Louis meu pai perguntou a Ouça Bem o que pensava das mulheres e ele lhe respondeu que constituíam um grupo lastimoso. Pensava que essas cinturinhas minúsculas eram espantosas e que pareciam formigas em lugar de mulheres, e uma mulher com uma cintura tão pequena não podia trabalhar nem parir filhos. Também pensava que suas feições eram horríveis, desanimadas e sua tez branca e pálida.
Começou a rir.
— Ouça Bem também disse a papai o que ele pensava sobre a forma como os brancos tratavam suas mulheres levando-as às desoladas planícies sem nenhum outro membro da família que lhes fizesse companhia. Opinava que os homens as tratavam como meninas, as vestindo com essas roupas apertadas ao corpo com tantos cordões e as fazendo trabalhar tão arduamente e...
— Fui testemunha da forma em que os índios tratam a suas mulheres. Fazem-nas trabalhar de sol a sol e as utilizam como animais de carga.
— Isso é porque se aceita tacitamente a noção de que os índios não valem para nada.
— Me explique essa teoria, por favor?
— O homem deve ter suas mãos livres para brigar e morrer se for necessário enquanto protege a quem é mais valiosa, a mulher. A mulher carrega tudo sobre seus ombros, mas também é a proprietária de tudo. Acredite-me, ninguém trabalha tanto e tão duro como os brancos. Os índios nos acreditam uns néscios.
— Algumas vezes estou de acordo com eles. Então, seu Ouça Bem retornou a sua própria gente e suas próprias mulheres? Imagino que ele não achava que as moças de sua tribo eram feias
Maddie sorriu.
— Meu pai pediu a seu amigo que lhe descrevesse uma mulher realmente bonita para ele e Ouça Bem o fez. A mulher de seus sonhos deveria ser baixa de estatura e robusta, de cintura larga, ter um rosto plano e largo, com um nariz largo e plano e devia ter sobre tudo, seios largos e finos que chegassem até a cintura.
Ring se virou para olhar Maddie de cima abaixo, demorando o olhar em seus seios que apesar de não estarem apertados pelo espartilho se viam avultados e erguidos.
— Não posso dizer que esteja de acordo com esse ponto Maddie — ela meneou a cabeça, ruborizada, mas agradada. Ao empreender a marcha de volta à cova, ele perguntou: — O que aconteceu a mulher? A pintora?
— Meu pai se casou com ela.
Olharam-se mutuamente e sorriram. Parecia muito natural que suas vidas estivessem tão entrelaçadas, que de menino Ring tivesse brincado de ser o pai de Maddie e que todos os amigos de seu pai tivessem sido os heróis da infância de Ring.
Durante o resto da tarde permaneceram sentados junto ao fogo e conversaram... ou em realidade, Ring formulou perguntas e Maddie as respondeu. Ela se sentia tão incrivelmente bem em não ter que fingir que era uma duquesa. Anos atrás, John Fairlie, sendo o inglês sofisticado que era, havia dito que nenhum europeu ia querer ouvir uma cantora lírica que era a filha de um homem que esfolava animais selvagens para viver, assim que lhe tinha ocorrido à ideia de que devia apresentar-se como uma duquesa do minúsculo e insignificante estado da Lanconia. Tinha parecido uma ideia muito acertada, uma época em que ela ambicionava mais que nada no mundo cantar para os povos. Foi somente alguns anos mais tarde quando lamentou ter tornado essa decisão, porque parecia que estava renegando seu pai e seus amigos.
Cinco anos atrás seus pais junto com Thomas, Bailey e Linq a tinham visitado em Paris e ela se sentiu muito violenta por não está usando o nome que ele lhe tinha dado. Era como se se envergonhasse dele. Seu pai riu dela e lhe havia dito que um nome era somente uma palavra e que ela era sua filha sem importar qualquer que fosse o nome que usasse em cena.
Enquanto contava a Ring essa visita em Paris, recordava que Thomas e Linq se sentiram inquietos assim como seu pai, e o quanto ansiavam retornarem à terra natal.
— Mas meu pai estava muito bonito em traje de gala. — Entretanto Bailey tinha gostado muito de Paris e duas vezes seu pai e Thomas tinham tido que pagar fortes fianças para tirá-lo da cadeia onde lhe tinham encerrado por conduta obscena. Seu pai se negara rotundamente a lhe contar que tinha feito exatamente Bailey.
Começou a chover novamente e fazia muito frio, assim que se aconchegaram muito juntos ao lado da fogueira e comeram peru e coelho — que começavam a enjoarem — e Maddie continuou falando sem parar sobre seus pais, comentando os quadros que tinha pintado sua mãe que já eram aclamados e reconhecidos como verdadeiros documentos de uma época que jamais voltaria a ser igual.
De noite, fez tanto frio que tiveram que deitarem-se muito juntos e abraçados para manterem o calor de seus corpos, e ela começou a sentir-se confusa e desconcertada. Jamais antes tinha chegado a ter tão plena consciência de ser uma desajustada. Pertencia ao dourado e luxuoso mundo lírico, mas também pertencia ao mundo selvagem e rebelde de Jefferson Worth, E onde encaixava este homem em sua vida?
Elevou o rosto e lhe ofereceu os lábios para que a beijasse, mas em lugar de fazê-lo, ele afastou seu queixo.
— Por quê? — Ela sussurrou. — Por que diz que me ama logo se afasta de mim? Por que me olha com tanto... desejo e me toca o menos que pode? Tocar-me realmente, quero dizer.
— Ai, amor, não sabe quantos homens nos estão observando?
— Nos observando?
— Três sujeitos rondam pelas proximidades. Estiveram perto de você desde o princípio. Seguem-na infatigavelmente, só que agora acredito que um deles está seguindo mais a mim que a você. Desculpe-me que seja tão suscetível e escrupuloso, mas não tenho nenhum interesse em atuar ante um auditório.
— Quem são os outros dois? — Já estava inteirada da presença de Ouça Bem e então soube por que ele não tinha ido ajudá-la na noite que lhe tinha assobiado. O índio tinha visto Ring atrás de seus passos. Maddie não pôde deixar de sorrir. Se Ouça Bem a tinha deixado aos cuidados de Ring, era porque confiava plenamente nele. Isto supunha um grande elogio de sua parte.
— Um dos homens é o que levou meu cavalo.
— Refere-se ao jogador?
— Jogador? — Afastou-se levemente para poder olharia bem.
— Isso é o que parece. Um hábil jogador como os que acostumam viajar nos navios do rio. Deveria vestir colete de brocado dourado e chapéu branco do Panamá. Pergunto-me se sabe cantar.
— Não pode — se precipitou a negar Ring.
— Hummm. Duvido-o. Quem mais está nos seguindo?
—Um dos homens com quem mantém esses estranhos encontros. — Ouviu-se um som de zombaria em sua voz. Tomou a mão que usava o anel de Laurel. — O homem que te entregou este anel.
Ela retirou bruscamente a mão e a escondeu entre eles dois.
— É por isso que não me toca? — Pergunto-lhe em um sussurro. — Quer dizer, além do fato de haver prometido que não faria? — Começou a rir. — Droga de promessa! Disse que nossos corpos se moldavam perfeitamente um ao outro e que você gostaria de colocar um a um os meus dedos em sua boca e chupá-los e que você gostaria...
— Cale-se! — Explodiu ele.
Maddie o observou e viu que estava sob uma grande tensão.
— Não mencionou algo sobre meus ombros e a parte interna do cotovelo?
— Maddie, deixa de falar. — A testa começava a banhar-se em suor
— O que mais? — Revolveu-se contra o solo um pouco como se estivesse procurando uma posição mais cômoda. — Um pouco referido a meu pé não é assim? Você gostaria de me beijar o pé. É algo que aprendeu? Nenhum homem me beijou os pés antes
— Nenhum homem beijou nenhuma parte de seu corpo antes — disse ele com voz rouca que soou como se fora preso de um grande sofrimento.
— Hah! Hah!! Isso é o que você pensa. Tive homens bebendo champanhe em minhas sapatilhas de cetim. Uma vez um homem me ofereceu um colar de rubis se eu me deitasse com ele... Os homens me ofereceram ouro e joias para que aceitasse ser sua amante. Mas o certo é que nenhum homem antes se ofereceu para fazer amor ao meu pé. Mencionaram meus ombros, mas jamais os pés.
Ring a tomou então pelo queixo fazendo-a girar a cabeça e, a beijou. Maddie se perdeu nesse beijo. Não se importou com quem pudesse estar lhes observando, o único que realmente importava era esse homem e esse momento.
— Ring — sussurrou ao seu ouvido e o abraçou com o braço que tinha livre. — Meu Ring.
Ele a afastou.
— Não podemos, Maddie. Não, não o farei. Não farei amor com você em público. Há muita gente nos observando.
Deu-lhe as costas e se aproximou o mais que pode, acomodando a parte posterior de seu corpo à parte anterior do corpo de Ring. A tensão cresceu entre eles e Maddie sentiu como vibrava de desejo seu próprio corpo. Tremiam-lhe as mãos e por sua mente passavam e passavam imagens fugazes e provocadoras: via-se tirando seus espinhos e lhe acariciando as pernas com mãos também trêmulas; via-lhe com o torso nu no meio do rio ajudando a empurrar o vagão e também revivia a noite quando a tinha ido visitar em sua tenda quase nu, a não ser pela tanga.
— Maddie — disse ele e havia uma advertência na voz. — Pensa em outra coisa.
— Como sabe em que estou pensando?
Ele estendeu a mão para o fogo e ao fazê-lo ela pôde ver que também estava tremendo como a dela.
— Por que me disse que não no dia que eu estava tirando seus espinhos?
— Porque para você, naquele dia eu era o capitão Montgomery e era um homem atrativo, de aparência agradável e estávamos sozinhos e você é uma mulher apaixonada.
Ela grunhiu ao lhe ouvir.
— Até sua irmã disse que é feio.
— A qualificação de feio em minha família é relativa.
Maddie grunhiu e gemeu ao mesmo tempo.
— Não siga. Desde o primeiro momento que o vi soube que era vaidoso, mas não tinha ideia de quão exorbitante é sua vaidade.
— Quem possui a melhor voz do mundo? — Sorriu na penumbra.
— Compreendo seu ponto de vista. Então, agora acha que é diferente? Pensa que agora vejo em você algo mais que a um homem bonito?
— O que você acha?
Sustentou sua mão entre as dela e fico olhando-a. Tinha dedos longos e finos, que terminavam em unhas limpas e bem formadas. O que pensava dele? Nesse momento não podia imaginar-se sem ele a seu lado. Desde o princípio ele parecia conhecê-la mais e melhor que ninguém. Tinha razão ao dizer que não tinha lhe prestado muita atenção no início, salvo considerar um bom moço, mas agora... Recordou as vezes que ele tinha arriscado a vida para protegê-la, como tinha subido por um despenhadeiro para alcançá-la, como tinha ido resgatá-la depois de que ela cantou Carmen. Considerou todas as feridas que ele tinha sofrido no corpo por sua culpa. Recordou as vezes que o tinha drogado e enganado e, entretanto, ele estava junto dela, empenhado em defendê-la dos perigos.
— O general Yovington esteve me ajudando — disse ela com voz suave. — Alguns homens raptaram minha irmãzinha Laurel e, para resgatá-la, tenho que forçosamente cantar em seis acampamentos mineiros, e em cada lugar tenho que me encontrar com um homem e intercambiar cartas com ele. Prometeram-me que veria Laurel desta vez, mas mentiram. — Elevou a mão. — Esse homem me entregou o anel que eu tinha enviado de presente para Laurel, como prova de que a têm em seu poder. Disse-me... me disse que o matariam se não deixasse de se entremeter nisto. Disseram que devolverão Laurel no ultimo povoado, mas tenho medo. Estou começando a acreditar que não o farão. Tenho medo que a matem por causa dessa maldita guerra que querem iniciar. — Já não pôde conter as lágrimas. — E agora tenho medo de que também o firam.
Ring a fez voltar-se e a estreitou mais entre seus braços. Inclusive, passou uma das pernas sobre as dela como se quisesse protegê-la por inteiro.
—Eu sei, amor. Eu sei.
Maddie soluçou.
— Como pode sabê-lo? Não sabe como são perigosos e perversos esses homens. Ele me disse...
— Não tem necessidade de me contar, eu ouvi absolutamente tudo.
— Ouviu tudo? — Calou-se e ele ofereceu um lenço úmido e sujo para que soasse o nariz. — O que ouviu?
— Absolutamente tudo o que te disse esse indivíduo. Está a salvo agora, por que não dorme de uma vez? Falaremos disso pela manhã.
Afastou-lhe com um leve empurrão.
— Quero saber o que sabe. O que ouviu. — O tom foi irado.
— Muito bem, direi-lhe. Não terá pensado que te permitiria me drogar pela segunda vez, ou sim? As manobras de Edith e as suas foram tão óbvias que até um cego teria podido ver a que se propunham. Enquanto você permanecia na privada, o que foi bastante tempo, ordenei a Toby que trocasse os figos drogados com algo que fosse equivalente. Pelo gosto, acredito que usou esterco de cavalo, mas pelo menos desta vez você não obteve seu propósito de me deixar profundamente adormecido e inconsciente. Também descobri que se interessava bastante por mim ao impedir-me de comer o suficiente para uma dose letal. Edith e você devem deixar de usar essa droga até que aprendam a utilizá-la devidamente,
— Enganou-me. Fingiu ficar profundamente adormecido. Debateu-te por toda a tenda como se fosse um palhaço em agonia. Quando penso como... Põe-me furiosa!
— Eu a deixo furiosa? Que supunha que eu deveria fazer? Confessar-te que não tinha comido esses figos envenenados? Estava tão ansiosa de fugir dali que tive medo de que me disparasse se não a deixasse sair.
Maddie começou a lutar para afastar-se dele.
— Então não encontrou nada melhor que me seguir, não é assim? Estava perfeitamente informado de que eu queria vir sozinha e, entretanto, me seguiu.
Lançou-lhe um olhar cheio de estupor.
— Seu amigo, esse belo exemplar de guerreiro crow, está seguindo-a e está agradecida por isso, mas eu a sigo e você se enfurece comigo. Isso não tem sentido.
— Ouça Bem está me protegendo.
— E o que acha que estou fazendo? Acha que adoro me arrastar entre cactos e arbustos espinhosos e terminar com o corpo coberto de arranhões e machucados, sem mencionar o que sofre meu cavalo? É isso o que acha que quero fazer?
Maddie tentou afastar-se mais dele, mas a corrente os mantinha unidos e quase juntos, e como ele não se moveu, não pôde ir muito longe.
— Incomoda-me que me espiem.
— Me desgosta que a mulher que amo faça coisas que me obriguem a espioná-la, porque assim estaremos em paz. — Suavizou o tom de sua voz. — Maddie, só estava tratando de te proteger. É algo tão terrível?
— É, se eu não desejo que me proteja. Posso me cuidar sozinha.
— Hah! Hah! Hah! Se Ouça Bem não tivesse disparado essa flecha, esse infame havia... — estrangulou sua voz na garganta ao recordar como tinha querido tocá-la esse calhorda. Ele voltou a envolvê-la com seus braços e a apertou contra seu corpo.
— Maddie, não briguemos. Fiz o que considerava que deveria fazer para te proteger e descobrir o que estava acontecendo em sua vida. Nunca tive a intenção de te ofender de nenhum modo.
Maddie cobriu o rosto com as mãos e reataram seus soluços. Ele a abraçou mais estreitamente e passou a mão brandamente pelas suas costas para reconfortá-la.
— Não chore querida, não há motivo para chorar. Todos os amantes brigam de vez em quando.
Como Maddie tinha os braços dobrados e imobilizados entre seu peito e o de Ring, não pôde lhe bater, por isso se conformou lhe dando um chute na canela.
Ele soltou um grunhido de dor.
— A que se deve isto?
— Tenho coisas muito mais importantes para chorar que uma simples rixa contigo. E, além disso, não somos amantes. Somos...
— Sim — disse o brandamente. — O que somos?
— Não sei. Já não sei nada mais. Faz seis meses estava absolutamente segura de quem era e que queria na vida, mas agora tudo parece diferente. Não posso explicar nada do que me acontece.
— Essa é a melhor notícia que ouvi. Talvez seja a melhor que ouvi em toda minha vida.
Possivelmente o que ela sentia nesse momento era uma boa notícia para Ring, mas não era assim para ela. Maddie afundou o rosto no seu ombro e aspirou seu aroma masculino.
— Você se incomoda que não sejamos amantes? — Inquiriu ele.
— Não, claro que não. Uma dama deve esperar até o casamento. Uma dama... — Não pôde seguir falando porque ele a beijou na boca e enquanto o fazia, deslizou a mão debaixo da blusa frouxa de Maddie e começou a acariciar a pele nua do seu estomago.
— Ring não me parece que...
— Shhh, amor, não fale agora.
Ficou calada e quieta enquanto sua mão morna subia até um dos seios, cobrindo-o por completo, sustentando a carne morna e firme na palma grande e quente. O polegar tocou levemente o mamilo e a respiração de Maddie ficou presa em sua garganta. Fechou os olhos e a cabeça caiu brandamente para trás enquanto ele lhe beijava o pescoço.
— Tem alguma ideia do que eu gostaria de te fazer? — Havia angustia em sua voz. — É tão inocente que não sabe quanto a desejo. Quanto tempo faz que te desejo com paixão?
— Não, eu...
— Já me parecia. Desejo-te tanto que Toby ri de mim. Quero te tocar, te acariciar, roçar sua pele, seu cabelo. Desejo sentir o interior de seu corpo. Quero te conhecer, Maddie, como nenhum homem antes conheceu a uma mulher.
Inclinou a cabeça lentamente e lhe acariciou a orelha com a ponta da língua. Insatisfeito, usou os dentes para dar pequenas e delicadas dentadas ao lóbulo e Maddie sentiu que lhe arrepiava toda a pele do corpo e estremecia dos pés à cabeça.
— Ring — sussurrou.
— Sim, amor, estou aqui. Sempre estarei aqui, sempre a seu lado, te desejando sempre.
Estava lhe beijando o pescoço, não só lhe beijando, mas sim, além disso, acariciava sua pele com a ponta da língua úmida. Maddie começou a tremer e isto fez com que as carícias cessassem imediatamente.
Maddie ficou rendida em seus braços dominada por um delicioso estado de frouxidão que durou apenas um momento. Não lhe importava nada que todo o exército americano estivesse observando; o único que desejava era que ele não deixasse de acariciá-la. Elevou a mão, tomou a cabeça dele e tentou baixa-la para que continuasse com seus beijos.
Não — disse Ring. — Não posso. Quero dizer, amor que não sou de pedra; embora durante estes últimos dias, parecesse que algumas partes de meu corpo fossem. Mas não posso continuar. Agora não fale mais e durma. Amanhã desceremos a montanha e teremos tempo para a intimidade.
Maddie permaneceu calada em seus braços e depois de um momento deixou de tremer e sua mente voltou a funcionar normalmente. Recordou que o ele havia dito que a tinha desejado durante muito tempo. Se a desejava tanto, como podia deter-se? Por que não estava tremendo também?
Sigilosamente moveu a mão que tinha livre e desabotoou o primeiro botão da sua camisa.
— Que está fazendo, Maddie? Não pode...
Maddie posou os lábios sobre a morna pele bronzeada do peito de Ring, esfregou o rosto contra os pelos que o cobria e ao mesmo tempo, desabotoou-lhe outro botão.
— Maddie, por mais que eu queira, não! Não pode...
Mas não o escutou, deixou que os lábios se deslizassem para baixo. Seu corpo estava mais quente que o dela, era mais duro e sólido, sem nada de gordura, só pele firme e quente sobre músculos bem trabalhados. Deslizou a mão debaixo da camisa e lhe apalpou as costelas deixando que os dedos brincassem sobre elas como se quisesse sentir através deles o vigor e a força que possuía esse corpo. Ring deixou de falar ao sentir como ia descendo a boca de Maddie por seu corpo a caminho de seu ventre. Não falou enquanto lhe beijava carinhosamente e mordiscava, brincalhona, a pele tensa.
Quando Maddie chegou à fivela do cinturão de Ring se deteve e durante segundos apoiou a bochecha sobre e ventre duro e tenso. Gotas de suor começavam a brotar dos poros de seu corpo e seu fôlego parecia sair das profundidades de seu ser.
— Ring — Foi como um suspiro, mas ele não respondeu.
Afastou-se levemente para poder ver a expressão do seu rosto. Nunca tinha visto uma expressão igual em nenhum outro rosto, salvo possivelmente em alguma estátua do Renascimento em Florença. Era uma expressão cheia de pesar e nostalgia, sofrimento e êxtase. Seu coração se paralisou ao ver refletida semelhante expressão no lindo rosto desse homem, era tão bonito como a mais bela estatua do mundo, como a voz que Deus lhe tinha dado.
— Ring — voltou a sussurrar e se acomodou novamente entre seus braços.
— Amo-te, Maddie — disse ele finalmente — Estive te procurando. Deixei meu lar e minha família que tanto amo e que precisam e mim, para te encontrar. Você é parte de meu ser.
— Sim — respondeu ela. — Acredito que possivelmente sou parte de você.
Aquietou-se entre seus braços e permitiu que a abraçasse com todas as suas forças, sem dizer nada, um junto do outro, com o corpo trêmulo e cheio de vida, mas se sentia plenamente feliz pelo simples feito de estar perto dele.
13
Ao despontar da alvorada empreenderam a volta montanha abaixo logo depois de terem comido como desjejum outro coelho. Ring se queixou amargamente por ter que comer mais dessa carne e Maddie não pôde fazer mais do que rir e zombar dele.
— É este o homem que preferia comer bolachas duras e secas do exército do que minhas verduras e pão fresco? — Brincou. — Meu pai poderia viver alimentando-se nada mais que de coelhos e me consta que não se queixaria.
— Seu pai — disse ele em voz baixa. — Esse velho?
— Velho? Como pode dizer isso? Caramba, você... — começou a lhe perseguir, mas ele correu rapidamente tomando à dianteira. Entretanto, não podiam separar-se muito por causa da corrente e quando Maddie esteve em um tris de tropeçar, ele esteve a seu lado para impedir que caísse.
Maddie não acreditava ter passado dias tão alegres e livres de preocupações como estes em toda sua vida. E nesse último dia em particular não permitiria que nenhum problema empanasse sua felicidade momentânea.
Riram e brincaram durante toda a descida da montanha. Muito em breve Maddie percebeu de que possuía sobre ele tanto poder como ele sobre ela. Quando ela parecia estar a ponto de cair, ele se aproximava para sustentá-la, ela se agarrava às partes mais insólitas do corpo de Ring, às vezes nas suas coxas com as mãos entre suas pernas e outras vezes ele roçava com as pontas dos dedos seus seios.
Ele começava a rir e a aprisionava entre seus braços e girava fazendo-a dar voltas em círculos, para logo caírem rolando montanha abaixo protegendo-a com todo seu corpo dos espinhos e das rochas pontudas.
— Meu pomposo capitão — exclamava ela enquanto ria com ele rolando entre seus braços.
Maddie ouviu o relincho de um cavalo, mas como nesse instante Ring a estava beijando no pescoço, não lhe prestou muita atenção.
— Shhh — disse ele levantando a cabeça para ouvir melhor.
— O que aconteceu?
— Meu cavalo.
— Hummm — murmurou Maddie sem muito interesse. — Sabe uma coisa? Este lugar oferece bastante intimidade. — Demorou alguns segundos em recuperar seu senso, mas o afastou um pouco para lhe olhar com atenção. — O que quer dizer, seu cavalo?
A mão de Ring estava debaixo da sua blusa.
— Botão de Ouro.
Demorou um pouco em esclarecer sua mente. Entre as mãos e a boca de Ring fazendo estragos era difícil pensar com claridade.
— Ring, me escute. Se for seu cavalo, então significa que o salteador não está muito longe daqui. Tem certeza de que pode reconhecer o relincho de seu cavalo?
— Recorda que tenho um ouvido perfeito para a música — respondeu antes de voltar a posar os lábios sobre seu pescoço.
Teve que lhe empurrar três vezes antes de poder movê-lo e logo teve que usar seus joelhos para que ele por fim percebesse suas intenções.
— Ring, me escute! Temos que fazer algo.
— Já tenho um plano. Vou recuperar meu cavalo. Tenho que ajustar algumas contas com esse homem que nos assaltou.
Maddie o olhou com os olhos arregalados.
— Quer dizer que temos que sair daqui em seguida. Esse cavalo não é tão importante. Descemos a montanha. Comprar-te-ei outro cavalo, ou é rico, você pode comprar outro cavalo. — Ele pareceu estar meditando seriamente sobre algo.
— Não, isto é algo que devo fazer.
— Ring, um momento! Sei bem que toma muito a sério sua honra, mas este não é o momento para pensar na honra. Carece de armas e estamos acorrentados. Sozinho não pode lutar a golpes com um homem armado até os dentes. Desçamos ao acampamento e logo pode pedir a Frank e Sam que o ajudem.
— Não confio nesses dois. Não, acredito que agora é o melhor momento. Pode ser que esteja me esperando e por isso está aqui.
Ring ficou de pé e ao fazê-lo, arrastou Maddie junto com ele.
Ela pôs as mãos sobre seu peito.
— Por favor, não o faça. Não lhe permitirei isso. — Sentou-se sobre uma árvore caída e cruzou os braços.
De acima, ele a olhou como se sua atitude fosse muito divertida.
— Não se atreva a me olhar dessa forma — gritou ela com os dentes apertados. — Não estou me comportando como uma menina boba e me ofende muito que insinue que sou.
— Não disse nenhuma palavra. — Apertou os lábios para tratar de não rir.
Não há nada mais irritante no mundo que um homem tratando de conter uma risadinha divertida de superioridade. Ela se negou a voltar a lhe dirigir a palavra, e cravou o olhar em um álamo que estavam a curta distância.
— Não vai deixar-me mover daqui?
Continuou sem lhe falar, mas com a vista fixa na árvore.
Com uma risadinha zombadora, que só pode soltar um homem que está rindo de uma mulher, Ring se inclinou sobre ela e passando o braço ao redor de sua cintura, elevou-a dobrada em duas de tal modo que os quadris e as pernas de Maddie ficaram na frente e o torso e a cabeça olhando para trás.
— Que posição mais interessante. Agora podemos ir juntos atrás desse homem.
Com a mão livre, Maddie lhe esmurrou a parte posterior da perna.
— Não pode lhe perseguir. Não pode arriscar sua vida por um cavalo.
Ao isto ouvir, Ring a fez girar e a pôs de pé diante dele.
— Está inquieta por mim?
Lançou-lhe um olhar de aversão.
— Não sei por que estou. Suponho que é porque me preocupa minha própria pele. Se estivermos unidos e você vai onde podem voar as balas, eu poderia sair ferida. Ele voltou a sorrir e lhe alisou o cabelo afastando-o de seus olhos.
— Agrada-me que só se preocupe por você mesma.
— Por favor, não se exponha e nem a mim.
Ele contínuo sorrindo.
— Então, suponho que será melhor não te expor a nenhum perigo. O mundo perderia muito se ficasse sem você e essa voz maravilhosa que Deus te deu.
Respirou mais calma, contente de que ele pudesse recuperar a razão e aceitasse não tentar comportar-se como um herói indo em busca desse foragido. Ainda seguia sorrindo quando ele colocou a mão em um bolso e tirou uma chave. Estava sorrindo quando ele levantou sua mão direita da qual pendurava a corrente e lhe beijou a palma. Até sorria quando ele inseriu a chave na fechadura.
— Obrigada — exclamou ela docemente depois que ele a soltou. Mas foi depois que ele usou a chave na fechadura que lhe rodeava o pulso esquerdo que ela percebeu o que realmente estava acontecendo. Esfregou o pulso dolorido. Com os olhos arregalados e a voz muito baixa, disse: — Tinha a chave todo o tempo.
— É obvio. Vamos, amor, quero que fique aqui e me espere. Recuperarei Botão de Ouro e voltarei para você. Trata de ficar quieta e em silêncio.
— Tinha a chave.
— Certamente. Já me ouviu, não é assim? Acredito que esse teu amigo índio estará atento para vir te buscar se for necessário, mas não posso ter certeza, assim quero que fique quieta.
— Tinha a chave.
Ring a olhou e viu uma mulher que estava à borda de uma explosão de fúria.
— Não pensou que eu teria permitido que esse indivíduo levasse a única chave. Percebe o perigo que poderíamos ter passado se tivesse se apresentado um verdadeiro problema e nós dois estivéssemos unidos como um par de salsichas? Certamente pensou nisso, verdade?
— Tinha a chave todo este tempo. Mentiu-me.
— Você, minha adorada, é a rainha dos mentirosos. Vamos, coraçãozinho, não tem senso de humor? — A beijou. — Por muito que eu goste de permanecer a seu lado e discutir contigo, tenho outros assuntos a atender. Retornarei para você logo que possa.
Maddie não teve suficiente tempo para recuperar a fala antes que se escorregasse por entre as árvores desaparecendo rapidamente de sua vista. Sentou-se no tronco caído e afundou a cabeça em suas mãos. Considerou a falta de intimidade durante os últimos três dias, a forma em que tinham tido que andar juntos, dormir juntos, a impossibilidade de separarem-se mais de um metro, um do outro por essa maldita corrente.
Em algum momento dessa recapitulação sucessiva, desapareceu sua ira e começou a rir. Sem dúvida nenhuma se vingou por todas as vezes que o tinha enganado e o fizera passar por maus bocados.
Estava sentada no chão com os joelhos recolhidos e abraçadas a suas pernas enquanto ruminava o que ele havia feito, quando se recordou aonde se dirigia. Era bastante néscio para enfrentar a esse ladrão e exigir que lhe devolvesse o cavalo e por resposta, esse foragido lhe atravessaria o coração com uma bala.
Maddie podia caminhar entre os arbustos silenciosamente quando era necessário, e nesse momento começou a deslizar por entre os arbustos espinhosos com o sigilo de uma serpente. Quando esteve bastante perto do acampamento do salteador para ouvir vozes, parou em seco. Ring parecia ter um ouvido extremamente sensível e não tinha nenhum interesse em que a ouvisse.
Mas deve havê-la ouvido apesar de tudo, já que as vozes cessaram assim que ela pôde ver as silhuetas de dois homens e o ruído de uma luta corpo a corpo ocupou o lugar das vozes. Antes de pensar sequer no que estava fazendo, começou a caminhar para os homens. Talvez pudesse conseguir a arma do salteador e...
Não pôde pensar mais porque Ouça Bem disparou uma flecha que cruzou veloz diante de seu caminho. Apoiou a mão sobre a flecha com um gesto de desgosto. Não se aproximava quando lhe chamava, mas rondava por aí espionando-a quando estava junto ao homem que amava.
— Aparece de uma vez — gritou com raiva, mas só lhe respondeu o som do vento entre as árvores. Teve a tentação de desafiá-lo e correr para o lado de Ring a despeito do que Ouça Bem quisesse que ela fizesse, mas não era nenhuma néscia. Mesmo que lhe desagradavam sobremaneira seus métodos, sabia que o conselho de Ouça Bem era correto.
Assim Maddie se sentou e aguardou; pareceu-lhe que a espera durava uma eternidade. O sol alcançou o ápice e começou a declinar enquanto ela seguia esperando a volta de Ring. Todos os músculos de seu corpo estavam tensos esperando a cada instante que soasse um disparo.
Quando um ramo seco explodiu a suas costas, virou-se e viu Ring avançando lentamente entre as árvores. Correu a seu encontro e ele passou o braço pelos ombros dela.
— Está ferido?
Ring se apoiou pesadamente sobre ela.
— Pedi-te expressamente que ficasse onde a deixei, que não me seguisse.
— Pensei que talvez pudesse te ajudar.
— E eu te disse que não precisava de nenhuma ajuda. Disse-te... O que está fazendo?
Ela tinha começado a lhe passar as mãos sobre o corpo em busca de alguma ferida.
— Quero saber se está ferido.
Ring sorriu ao vê-la ajoelhar-se e passar as mãos pelas panturrilhas e as coxas, subir logo até a cintura e ao redor das costelas.
— Maddie, não nos moveremos daqui esta noite.
— Não. — Passou as mãos pelos ombros e as deslizou por seus braços. — Não parece estar sangrando por nenhuma ferida. De fato, nem sequer vejo marcas de contusões em seu rosto, entretanto, ouvi claramente que estava lutando. Que aconteceu?
— Não muito. Fiz que entrasse em razão, isso é tudo.
— Pegou de surpresa, certo?
— Mais ou menos. Agora, sobre ficarmos aqui esta noite...
— Não, é muito arriscado. Não confio nesse salteador. Retornemos ao acampamento. Devo cantar amanhã de noite e logo me encontrar com esse homem e intercambiar cartas.
— A respeito disso...
Maddie lhe cobriu a boca com a mão e não lhe permitiu seguir falando.
— Falaremos disso manhã. É seu cavalo que está fazendo tanto ruído? O que acha que está comendo?
— Cacto provavelmente. Adora comê-los. Depois tenho que lhe arrancar os espinhos do focinho.
— Exatamente igual a seu amo.
Sorrindo, Ring a puxou pela mão e a levou até onde pastava o cavalo, ajudou-a a montar e depois montou detrás dela. Durante o resto do trajeto encosta abaixo, ele roçava diversas partes do corpo de Maddie enquanto contava com quanta ansiedade esperava ter um pouco de intimidade com ela essa noite. E até lhe deu a entender como aproveitariam essa tão desejada intimidade.
— No exército, por falta de... digamos, mulheres apropriadas tive muito tempo para desenvolver minha imaginação. Há várias coisinhas que eu gostaria de provar.
— Oh? — Maddie apenas pôde exalar e lhe quebrou a voz. Pigarreou para esclarecê-la um pouco. — Que espécie de coisas?
Ele aproximou os lábios da orelha de Maddie e começou a lhe sussurrar no ouvido. Enquanto o escutava, seu corpo ia se enlanguescendo, tanto que ao chegar ao acampamento Maddie quase não podia ficar em pé. Ring a ajudou a apear e a sustentou para que não caísse.
Toby correu para lhes receber.
— Onde estiveram? — Tratava de manter o semblante severo e o tom áspero e hostil, mas a inquietação e a ansiedade tinham agregado vinte anos a seu rosto enrugado.
Ring sustentava Maddie com um braço e passou o outro ao redor de Toby.
— Exasperando-se principalmente.
Toby soltou um grunhido.
— Contigo isso é provavelmente verdade. Agora bem, se eu tivesse estado a sós com esta dama...
Maddie não quis escutar mais esse intercâmbio de brincadeiras. Desembaraçou-se do braço protetor de Ring e dirigindo seus passos até onde estava Edith pediu que esquentasse água e preparasse em banho. Edith se queixou pela hora dizendo que já era noite e hora de ir para à cama.
— Por isso mesmo — replicou Maddie significativamente para que Edith por fim entendesse.
Edith se afastou resmungando que devia ser o dia do juízo final já que sua alteza real ia passar a noite com um homem, mas apesar disso, pôs a água para ferver. Maddie se banhou fora da tenda em uma grande tina que estava oculta à vista de todos por mantas que penduravam a seu redor. Quando terminou de se banhar e sentindo seu corpo limpo, voltou para a tenda.
No interior reinava a escuridão e teve que acender um lampião para ver. Ring estava convexo na estreita cama de campanha. Seus ombros eram muito mais largos e seu corpo era mais comprido que a cama de armar de modo que os pés ficavam pendurando no ar. Tinha começado a desabotoar a camisa suja e rasgada, mas não tinha conseguido totalmente já que sua mão ficou no terceiro botão. Não tinha se barbeado por volta de quatro dias e a barba negra estava bastante cheia.
Aproximou-se mais e beijou seus lábios adormecidos. Ele esboçou um sorriso, mas não despertou.
— Ring — sussurrou ela, mas nem sequer se moveu.
Lindo epilogo para tanta imaginação, pensou. Não dava a sensação de que fosse algo que lhe mantivera insone pela noite. Suspirou resignada e olhou com desagrado as mantas dobradas em um canto. Uma vez mais teria que conformar-se em dormir no chão, mas desta vez não teria os braços de Ring ao redor de seu corpo para esquentá-la e reconfortá-la. Estava completamente segura de que não poderia conciliar o sonho, mas se deitou sobre as mantas e adormeceu imediatamente.
Era já meia manhã quando Maddie despertou no dia seguinte, e em um primeiro momento sentiu que algo andava mal. Ainda tinha a mente nublada pelo sono, mas seus sentidos lhe diziam que algo andava muito mal.
Quando limpou sua mente, viu que estava deitada na cama de armar e não no chão. Em algum momento dessa noite, Ring a tinha levantado em seus braços e a tinha transladado para a cama, mas ele não estava dormindo no chão. Não se encontrava em nenhum lugar dentro da tenda.
Jogou uma manta sobre os ombros cobrindo a camisola e saiu da tenda. Edith estava inclinada sobre a fogueira, revolvendo algo em uma marmita e Toby descansava sentado no chão bebendo uma xícara de café.
— Onde está Ring? — Inquiriu Maddie em um tom de voz peremptório que lhes indicou claramente que queria ouvir a verdade.
— Ele lhe deixou uma carta — disse Toby e de um de seus muitos bolsos da jaqueta do exército tirou um papel dobrado. Maddie se negava a ler, mas sabia que devia fazê-lo. Então a abriu com mãos trêmulas.
Não cante esta noite. Espere-me.
CHM”
Levantou a vista para Toby. Como a carta não era mais que uma folha de papel dobrada, estava convencida de que tanto ele como Edith já a tinham lido.
— Isso é tudo? É tudo o que deixou para mim? Quanto tempo tenho que esperar sua volta? Um dia? Uma semana? Um ano? Incomodou-se em lhes dizer aonde ia? Ou quando pensa voltar?
— Não, senhora — respondeu Toby com a cabeça encurvada e olhando o chão. — Mas por outro lado, o moço geralmente é muito reservado em suas coisas. Nunca conta nada a ninguém.
— Só reparte ordens, você quer dizer — disse Maddie e dando a volta retornou à tenda.
Quando entrou, sentou-se na cama de armar e voltou a ler a carta. CHM, resmungou. Só suas iniciais, como se ela fosse uma estranha para ele, como se fosse algum subordinado do exército. Como...
Não pôde seguir alimentando sua cólera. Sabia exatamente aonde tinha ido: tinha partido atrás dos homens que tinham sequestrado Laurel. Era o que sempre soubera que ele faria se chegasse a inteirar-se do motivo pelo qual ela estava cantando no Oeste. Tinha-o pressentido desde o primeiro momento, desde que posou os olhos nesse homem magnifico e insolente, que era a espécie de homem que assumiria responsabilidades. Ele estava convencido de que tudo, absolutamente tudo, era de sua incumbência e, portanto, deveria resolvê-lo por sua conta.
Começou a vestir-se, mas como os dedos estavam muito fracos e trêmulos para segurar os botões, teve que chamar em seu auxílio Edith.
— O que vai fazer? — Perguntou a criada.
Maddie compreendeu a que se referia.
— Vou cantar, certamente. Não vou permitir que o capitão Montgomery conduza minha vida. Vou a.. — Calou e respirou para recuperar o fôlego. — Não vou cantar esta noite. Vou esperar-lhe. Vou fazer exatamente o que ele quer que eu faça.
— Os mineiros ficarão realmente furiosos. Fazendo muitos esforços trouxeram um piano do vale para que o use na apresentação e estão chegando um após o outro de todas as partes para te ouvir cantar.
— Bem, não vou cantar! — Quase gritou Maddie. — Se ele pode arriscar a vida, eu também posso. — Se interrompeu bruscamente. Que a matassem se ia desfazer-se em lagrimas diante de Edith. — Me deixe a sós. Diga aos mineiros que estou doente.
Edith lhe deu a conhecer seu desagrado com um grunhido de desaprovação e saiu da tenda.
Maddie permaneceu sentada na cama de armar por um longo momento, a cabeça entre as mãos, sem chorar porque tinha muito medo de chorar. Por que ele teve que fazer isto? Não era suficiente tudo o que ela devia preocupar-se e inquietar-se por Laurel? Por que tinha tido que pôr em perigo sua vida também?
Ao ouvir que alguém entrava na tenda, não levantou a cabeça para olhar, supondo que era Edith.
— Saia daqui — lhe ordenou. Mas era Toby.
— Trouxe algo para que coma — ele disse brandamente.
— Não quero comer nada.
— Droga, eu sei que conheço esse sentimento. Ele enfurece e enlouquece tanto uma pessoa que não quer nem comer, não se quer nada.
Maddie cobriu o rosto com as mãos.
— Foi em busca de minha irmã. Foi sozinho brigar contra não se sabe quantos homens. Matar-lhe-ão e também a minha irmã.
— Talvez sim, talvez não. Sabe? É quase até gracioso que ele terminasse lhe sendo simpático e que você lhe tivesse tanto afeto. Nunca em minha vida o tinha visto tão enfurecido como quando o coronel lhe ordenou que escoltasse a uma cantora de ópera. O moço disse que ia assustá-la e atemorizá-la para que retornasse ao Este. Mas ele não a assustou em nada, não é verdade?
— Assusta-me agora.
— Ah, mas você não acreditou nunca que poderia machucá-la, não? Incomodaria de sustentar esta xícara de café? Está queimando minha mão.
Maddie pegou a xícara na mão com ar ausente e sorveu um pouco de café sem perceber.
— Por que haveria alguém de lhe ter medo?
— Não tenho nem ideia, mas o coronel lá no Forte Breck o aborrece com toda sua alma.
— Aborrece Ring? Como pode alguém lhe aborrecer?
Toby enrugou mais o rosto em um sorriso cheio de picardia.
— Incomodar-lhe-ia muito sustentar este sanduiche por um minuto? Minha mão está começando a suar. Veja... se incomoda se me sento aqui? — Toby segurou a única cadeira dobradiça, sentou-se inclinando o torso para frente. — Veja, o coronel Harrison não se agrada absolutamente em ter um herói sob seu comando, faz-lhe sentir...
— Incapaz?
— Essa é exatamente a palavra que usa esse moço... essa e muitas mais. O coronel não sabe nada de nada e tem medo de que o moço consiga ascender e que muito em breve o coronel tenha que chamar Ring de senhor.
— Mas, não precisa de muito tempo em ir ascendendo gradualmente até alcançar a mais alta graduação no exército? Certamente o coronel já esteja retirado quando Ring obtenha uma patente superior.
— Não no ritmo que vai meu moço. Faz uns poucos anos era nada mais que um soldado raso.
Maddie comeu um grande pedaço do sanduíche de bacon.
— Ele me mencionou algo pelo estilo, e, você sabe, que nesse momento nem sequer perguntei como tinha chegado a ser oficial.
Toby começou a ficar de pé.
— Suponho que algum dia poderei lhe contar essa história, mas você tem coisas a fazer. Você sabe, que entre a preocupação e todo o resto, será melhor que eu parta agora e a deixe em paz.
— Não, por favor, fique. Certamente essa história poderia me ajudar a me distrair um pouco e esquecer por um momento de Ring e Laurel.
— Caramba, pois muito bem — respondeu Toby e voltou a sentar-se. — Faz quatro anos mais ou menos e estávamos no Forte Breck. Às vezes me parece que sempre estivemos nesse lugar. De todos os modos, tínhamos saído como se diz na gíria militar como destacamento, quer dizer um grupo reduzido de homens para cumprir uma missão particular ao comando de um só oficial, mas nossa única missão era conseguir um pouco de lenha. No exército levamos a cabo muitas dessas tarefas. É um trabalho na verdade muito fastidioso e aborrecido, e por isso tantos homens, ah... você sabe, deixam o exército.
Maddie assentiu com um movimento de cabeça. Desertores.
— Saímos do forte e cavalgamos com o capitão Jackson à cabeça. Fomos quinze, muitos porque os cheyennes estavam furiosos. Parece que os cheyennes estavam fartos dos colonos que levantavam suas casas em seu território e matavam todos os animais de caça. E os colonos... Senhor! Mas não conheci um punhado de homens tão vis e cruéis como eles... tinham a louca ideia de que só um índio morto era um índio bom, assim que os utilizavam como tiro ao alvo. Para os cheyennes isso não era muito bom.
Maddie sabia de sobra o que os homens brancos tinham feito aos índios.
— Como o exército estava ali para proteger aos colonos...
— Que tinham as armas.
— Esta é a verdade. Bem, de todos os modos, o exército era o inimigo natural dos cheyennes, por assim dizer, assim que nesse dia decidiram matar alguns soldados brancos. Apareceram de surpresa de um nada. Acredito que nós estávamos cantando uma dessas marchas militares com letra e...
— Cadências para marcar o passo.
— Isso, essas, e não ouvimos nada. Esses cheyennes se aproximaram rapidamente deitado e começaram a nos disparar. O capitão Jackson foi à primeira vítima dos índios, provavelmente queriam apropriar-se de sua bonita jaqueta.
Maddie considerou que não estava muito errado a respeito, que poderia haver algo de verdade nisso.
Toby subiu um pouco a voz.
— Eu fui um dos primeiros a ser ferido. Uma bala me atravessou o ombro e outra minha perna.
— Todos esses pobres homens ficaram aterrados. Diabos, eram tão soldados quanto eu. Eram simples fazendeiros e homens que fugiam da lei, qualquer coisa menos soldados verdadeiros e se alistaram no exército para encher a barriga. Quase nenhum deles sabiam montar a cavalo, muito menos disparar suas armas, quando os índios começaram a nos atacar, mais da metade desses homens caíram de seus cavalos.
— Ring tomou o comando — disse Maddie.
— Isso foi precisamente o que ele fez. — Toby sorriu. — Você nunca viu nada parecido até ter visto esse moço liderando uma batalha. Juro-o, parece crescer de tamanho. Começou a gritar e a repartir ordens para a direita e esquerda e eles não sabiam o que fazer, assim obedeceram suas ordens.
— E que aconteceu contigo?
Maddie não estava muito segura, mas acreditou ver lagrimas nos velhos olhos cansados do servo.
— Levantou-me, pôs-me sobre seu ombro e me levou a um lugar seguro. Eu lhe dizia que era inútil, que já estava morto, mas não queria me escutar. Não, enquanto me carregava sobre o ombro seguia gritando suas ordens como se não estivesse levando nada.
Toby fez um ruído estranho com o nariz.
— De toda maneira, conseguiu que todos os homens formassem um círculo com joelho em terra. Não havia onde resguardar-se, mas havia um buraco, ou algo um pouco parecido a isso.
— Uma depressão do terreno?
— Sim, isso mesmo. Ele fez que todos se metessem dentro e não permitia que ninguém se deixasse dominar pelo pânico. Disse-nos que logo chegariam reforços e que estaríamos a salvo.
— Era verdade que se aproximavam reforços?
— Demônios, não! Oh, perdão, senhora. No forte os soldados pensavam que estávamos procurando lenha, e ninguém ia sair para nos ajudar a recolhê-la.
—E sabia isso então?
— Eu sabia e também o moço sabia, mas não esses pobres fazendeiros. Queriam acreditar no moço, suponho, e assim o fizeram. Meu moço não lhes permitia disparar a menos que estivessem seguros de matar a um índio.
Uma careta torceu o rosto de Toby.
— Devia lhe haver visto. Mostrava-se frio e sereno em meio desse caos que ninguém poderia imaginar, e seguramente ensinando aos homens a dispararem no meio do fogo. Você teria pensado que estava praticando tiro ao alvo em vez de estar se defendendo do ataque de duas centenas de cheyennes. E eles, os cheyennes, pareciam ter todo um tempo. Acredito que estavam desfrutando com o jogo.
— Tanto como desfrutavam os colonos matando cheyennes? — Inquiriu Maddie.
— Mais ou menos o mesmo, imagino. Ficamos ali escondidos todo o dia e toda a noite. Estávamos a ponto de ficar sem água e os homens começavam a brigar entre si.
— O que fez Ring então?
— Reteve a água sob sua custódia e a distribuiu a um gole de cada vez e por homem. Não sabíamos se íamos morrer de sede ou se os cheyennes nos matariam primeiro.
— Por que Ring não enviou alguém atrás de reforços?
— A quem ia enviar ao forte? Eu estava muito ferido gravemente, e se o moço partia deixando sozinhos aos homens, estes se tornariam loucos de medo e, já estavam muito aterrorizados e aturdidos para conseguirem fugirem entre os índios sem serem vistos. Não restava por fazer outra coisa que rezar e esperar.
— Como conseguiram escapar desse inferno?
Toby não pôde menos que rir.
— Se tem algo em que se pode confiar estando no exército, é na confusão. No Forte Breck, o CC, que na gíria militar quer dizer Comandante Chefe, era um bode velho bêbado, se me desculpar a palavra senhora, e os homens se fartaram do que eles faziam sempre a cada seis semanas e, tinham decidido desertar, quer dizer, depois de terem bebido dois barris de whisky.
Toby entrecerrou os olhos rememorando os fatos.
— E ali estávamos nós, deitados nesse buraco, morrendo de sede, lutando por nossas vidas, quando de repente vimos um pelotão de soldados bêbados, vindo pelo campo, por que tinham desertado do exército. Não acredito que os índios se dessem conta do que estava acontecendo, assim deixaram de nos disparar durante uns dez segundos e o moço fez uma manobra.
— O que foi que Ring fez?
— Eu estava bastante aturdido então, assim não estou muito seguro do que aconteceu, mas o moço fez com que os homens se levantassem e saíssem correndo do buraco, saltassem sobre os cavalos com os bêbados e todo mundo começou a dar alaridos e a cutucar os pobres cavalos e escaparam dali como alma que tem o diabo atrás de si.
— E você?
Toby desviou o olhar por um momento.
— Ele me carregou todo o caminho. Disse-lhe que não o fizesse, mas é um maldito cabeça dura.
— Isso sim é verdade. Não quer atender as razões.
— Não, claro que não.
— Então, todos chegaram ao forte são e salvos.
— Houve alguns homens que não conseguiram, mas não muitos. — Toby reprimiu uma risadinha. — O moço disse aos oficiais superiores que os desertores se preocuparam ao ver que não retornávamos da incursão em território Cheyenne em busca de lenha e que tinham saído para nos procurar. O CC tinha estado muito bêbado para perceber que não tínhamos retornado assim não ia chamar de mentiroso ao moço. O CC era bastante ardiloso para ver as vantagens da situação. Subiu o moço a oficial, embora Ring dissesse que não queria sê-lo e, lhe deu uma medalha e alguns pedaços de papel para o resto dos homens.
— Recomendações?
— Correto, isso. Todos nós recebemos um pedaço de papel onde dizia que éramos heróis secundários em lugar de um punhado de lenhadores bêbados.
Maddie sorriu. Toda essa história soava como algo característico de Ring que tinha começado a conhecer. Toby se levantou.
— Suponho que chegou a hora de deixá-la sozinha, senhora. — Disse enquanto se dirigia à saída. E Maddie só atinou a assentir com a cabeça.
14
Os três dias seguintes foram um verdadeiro inferno para Maddie. Não era uma mulher que se destacasse por sua paciência. Estava acostumada a exercer um controle absoluto sobre sua vida e nesse momento, entre o rapto de Laurel e o desaparecimento de Ring, não podia controlar absolutamente nada.
Se não tivesse sido pelos mineiros, tinha certeza de que poderia ter perdido o juízo. Graças a eles tinham podido desafogar toda sua ira. Eram homens solitários e tristes que, havendo-se informado de que cantava queriam que lhes entretivessem em meio de sua solidão. No princípio, Maddie tinha respondido com um simples não, resmungando que sofria uma terrível dor de garganta ou alguma necessidade pelo estilo, mas logo as suplica desses pobres homens começaram a chateá-la mais da conta.
Em uma oportunidade atacou contra um grupo de mineiros e lhes permitiu ouvir toda a potência de sua voz. Gritou-lhes que não queria cantar para eles e que não o faria por nada no mundo.
Os homens ficaram pasmos e a olharam com temerosa admiração. Maddie podia gritar muito forte quando desejava. Um dos homens que parecia ser achatado e seguia piscando pela potência dessa voz, atreveu-se a murmurar:
— Suponho que já não lhe dói mais a garganta.
Maddie se virou e se afastou, mas sua atitude não obteve que deixassem de importuná-la lhe pedindo que cantasse para eles. Não podia ir a nenhuma parte sem que a seguisse algum mineiro desesperado rogando que cantasse. Apelavam a toda sorte de razão. Um homem dizia que sua família estremecia de emoção ao inteirar-se de que tinha ouvido cantar a rainha. Outro aduzia que sua vida teria valido a pena de ser vivida se pudesse escutá-la cantar.
As adulações e lisonjas eram escandalosas e fantásticas, mas nada conseguia comovê-la ou fazê-la mudar de atitude. A maior parte do dia ficava em um bosquezinho nos subúrbios do acampamento vigiando o caminho.
Algumas vezes Edith lhe levava algo para comer, mas era mais provável que fosse Toby quem se aproximava dela com um prato de comida.
— Não há sinais dele? — Perguntou Toby.
— Nenhuma. Por que não pôde nos dizer aonde ia? Pelo menos a direção que tomava. Como pôde ter sabido aonde tinha que ir?
— Possivelmente seguiu ao homem que se encontrava com você. Maddie respirou fundo.
— Isso é o que temo. — Olhou as árvores a seu redor. — Entretanto é possível que haja alguém mais com ele
— Esse índio seu amigo?
Olhou para Toby com olhos incisivos.
— O moço não me contou muito, não teve tempo antes de partir, mas disse algo sobre alguns jornais de viagem e sobre um índio que pode ouvir coisas.
— Acredito que Ouça Bem acompanhou Ring. Ouça Bem cuidará dele. — Isso espero, acrescentou para si mesma.
Toby não formulou mais perguntas, girou sobre seus calcanhares para retornar ao acampamento, mas logo voltou a cabeça.
— Ah, por certo, esses mineiros que você deu dinheiro retornaram. Encontraram estas rochas. — Estendeu a mão e na palma estavam quatro rochas negras.
— Que são?
— Chumbo em sua maior parte.
— Têm algum valor?
— Não muito.
Maddie concentrou toda sua atenção no caminho. Era-lhe completamente indiferente que esses homens tivessem descoberto ouro ou não. Tudo o que desejava era que Laurel e Ring voltassem para seu lado.
Já ao terceiro dia os mineiros se resignaram a suas persistentes negativas e deixaram de acossá-la para que cantasse. Já não tentaram mais enrolá-la com promessas de conseguir um piano e até um edifício coberto para albergá-lo. Passavam adiante pelo caminho e tocavam ligeiramente o chapéu a modo de saudação, mas quase não falavam.
Maddie não sabia nem se importava muito em saber por que razão esses homens, por fim, estavam deixando-a em paz, mas se alegrava disso. Não tinha caído na conta de que tanto Sam como Toby se colocavam na colina, acima de onde ela estava, e a vigiavam como dois Anjos guardiães ou abutres segundo a opinião dos mineiros. Toby estava provido com tantas armas que parecia um verdadeiro pirata e Sam contava com o enorme tamanho de seu corpo para amedrontar a qualquer inconsequente que quisesse incomodar Maddie.
Ao entardecer do terceiro dia Maddie estava começando a perder toda esperança. Sabia com certeza que desta vez a sorte tinha abandonado Ring.
Não tinha sido capaz de salvar a si mesmo, o que era menos que salvar uma companhia de soldados, e sair gracioso dos perigos que confrontavam. Maddie estava tentando zangar-se com ele. Tinha tratado de lhe dizer que os homens, esses foragidos que tinham raptado Laurel, eram muito perigosos, mas ele não quis prestar atenção. Não, é obvio, acreditava saber de tudo. Acreditava poder fazer qualquer coisa, por arriscado que fosse, acreditava-se um ser onipotente. Pensava que não precisava de ninguém, que podia fazer absolutamente tudo sem nenhuma ajuda.
Estava tratando de montar sua cólera e alimentava sua ira com entusiasmo, mas todos seus esforços eram em vão. Repetia-se uma e mil vezes que tinha passado toda sua vida sem ele e que poderia ser muito feliz novamente sem ele, mas nem ela mesma acreditava. Nunca antes se considerou uma mulher solitária, mas nesse momento sua vida inteira lhe pareceu muito solitária. Recordou ser solitária desde menina, e de sua solidão de adulta. Quando aqueles estudantes russos a tinham sequestrado e John a tinha abandonado a sua sorte, tinha-lhe parecido absolutamente natural naquele tempo, mas agora a entristecia a ideia de que ninguém tivesse ido para socorrê-la.
Assuou o nariz e enxugou uma lagrima que rolava pela bochecha. Não ia chorar por ele, jamais. Ring tinha optado por esse caminho e foi o que desejou fazer.
Maddie tratou de pensar racionalmente no que ia fazer. Se no dia seguinte ele ainda não tinha retornado, ela empreenderia a viagem para encontrar-se com seu pai e conseguir que ele e seus homens a ajudassem a encontrar Laurel... e Ring. O que restava de Ring, corrigiu-se. Se ele não tivesse retornado para o dia seguinte, ela saberia que estava morto.
Possivelmente seu pai poderia rastreá-lo, e o encontrar. Talvez só retivessem Ring como prisioneiro em algum lugar e, os homens não o tinham matado como haviam dito que fariam. Possivelmente...
Não pôde refletir mais porque sentiu seu peito oprimido como se estivesse estreitamente enfaixado.
— Oh, Ring — suspirou.
Recostou-se contra uma árvore e cerrou os olhos. Não importava como encarasse a situação, a morte de Ring seria como sua própria morte.
Tão concentrada estava Maddie em sua própria dor, que não se precaveu da presença de Toby no alto da colina, e como forçava seus velhos olhos vigiando o caminho empoeirado e acidentado. Não tinha consciência da presença de Sam que seguiu o olhar de Toby e também se pôs de pé. Em realidade, Maddie não tinha consciência de nada do que acontecia seu redor.
Pressentiu sua presença antes de vê-lo. Lentamente foi se voltando e ali estava ele. Ring estava imundo e com as roupas rasgadas e carregava em seus braços um vulto envolto em uma manta, mas ele foi tudo o que ela viu. Aproximou-se dele e lhe acariciou a bochecha. Estava coberto de arranhões profundos como sulcos e alguns deles ainda estavam sangrando.
Permaneceu imóvel diante dele, tocando-o, sem dizer uma palavra, só lhe olhando até que as lagrimas começaram a formar-se em seus olhos.
Ring lhe sorriu.
— Estive brigando com dragões por você.
Maddie não o ouviu ao princípio. Estava muito contente de vê-lo vivo para poder ouvir o que dizia.
— Aqui a tem — disse ele e deixou cair o pesado vulto nos braços de Maddie.
Ela cambaleou com esse peso, mas Ring a sustentou antes que caísse. Passaram vários minutos antes que Maddie compreendesse o que havia dentro da manta.
Ring afastou uma ponta da manta e Maddie viu a carinha adormecida de sua linda irmã de doze anos. Fazia anos que Maddie não a via, mas a teria reconhecido em qualquer parte e estava usando o broche de diamantes e pérolas que sua avó tinha presenteado Maddie. A jovem elevou a vista e contemplou Ring maravilhada.
— É uma malcriada, é terrorista — disse ele esfregando a bochecha. — Não imagino por que alguém em seu são juízo quisesse sequestrá-la. Pessoalmente, preferiria haver lutado com dois filhotes de ursos cinzas que com essa menina.
Maddie voltou a olhar para sua irmã, depois para Ring. Ainda custava acreditar que ambos estivessem a salvo.
— Ela... ela te arranhou?
— Quase me arrancou os olhos. Eu repetia uma e outra vez que você tinha me enviado por ela, mas parece que os raptores também lhe haviam dito isso. Até mordeu Jamie.
— Me ajude com ela — pediu Maddie. — Está bem? Machucaram-na? Alguém lhe fez algum dano? Como a encontrou? Oh, Ring, eu... — Não pôde seguir, pois a impediram as lagrimas.
Ring sustentou tanto Maddie como Laurel e as ajudou a sentarem no chão. Maddie se acomodou sobre os joelhos de Ring sem soltar Laurel que seguia adormecida em seus braços. Maddie se recostou contra ele e abraçou com força sua irmã.
— Deve estar terrivelmente cansada.
— É um trabalho muito duro aterrorizar a dois homens adultos.
Maddie reclinou a cabeça sobre o ombro de Ring.
— Realmente ofereceu muita resistência?
— Estou sangrando por uma dúzia de feridas.
— Me conte o que aconteceu.
— Não, agora não. Agora quero comida e dormir e você deve estar desejando falar com essa diabinha que tem por irmã mais nova. Tem suficiente espaço e comida para dois homens?
— Se for necessário eu mesma matarei a tiros a um búfalo.
— Riria com vontade se não soubesse que está dizendo a verdade.
— Quem te ajudou?
Ring assinalou com a cabeça para o caminho e quando Maddie levantou a vista viu um homem que se aproximava, coxeando levemente ao caminhar. Reconheceu-lhe em seguida. Era o mesmo homem que lhes tinha assaltado e deixado na montanha sem nada. Ao vir se aproximando, desembainhou sua pistola e os apontou com ela. Maddie ficou como petrificada.
— Baixa essa pistola — explodiu Ring e o homem, com uma careta divertida, voltou a embainhar sua arma.
— Pediu ajuda a um salteador? — Inquiriu Maddie, estupefata.
O jovem lhe sorriu com ironia.
— Prefiro bandoleiro.
— Hah! Hah! — Replicou Ring. — Este é meu irmão mais novo Jamie. Sua maior diversão é disfarçar-se e tratar de atemorizar às mulheres.
— Isso parece vir de família.
Pela cabeça de Maddie passaram centenas de pensamentos enquanto lhe observava. Seu primeiro pensamento foi zangar-se contra Ring e seu irmão por lhe fazer uma armadilha tão suja na montanha. Os dois irmãos fingindo ser o salteador e a vítima, e ela de espectadora inocente. Mas tarde ambos tinham posto em cena esse pequeno ato de estarem brigando corpo a corpo. Sem dúvida tinha sido então quando tinham planejado a forma de resgatar Laurel.
Além da fúria que sentia, estava olhando o jovem recém-chegado e recordava as palavras de Toby ao dizer que Ring era o mais feio.
Jamie tinha ondulado cabelo negro, largas e espessas pestanas sobre brilhantes olhos azuis, um nariz que parecia cinzelado, boca de lábios carnudos e sensuais em uma mandíbula quadrada e o queixo partido. Não era tão alto como Ring, "apenas" mediria um metro e oitenta centímetros de estatura, mas seus ombros eram largos e sua textura era forte.
Maddie se voltou para olhar Ring.
— Sim, você é o mais feio.
Ao ouvi-la Jamie soltou uma sonora gargalhada.
— É inteligente além de bonita. Escolheu muito bem.
Ring não pareceu alterar-se pela afirmação de Maddie de que seu irmão era mais bonito que ele. De fato, beijou-a no pescoço.
— Ela é inteligente, para cúmulo do absurdo. — Disse e havia orgulho em sua voz e um certo assombro.
Jamie quase desencaixou a mandíbula ao bocejar.
— Irmão, pode ser que você necessite mais amor do que dormir, mas eu não. Se ninguém levar a mal, acredito que vou aproveitar essa tenda. Há uma cama aí? — A última pergunta foi dirigida a Toby que estava descendo a colina.
— Devia ter sabido que um de vocês, os mozalbetes, se apresentariam de improviso — resmungou. — Vamos, conseguirei-lhe um pouco de comida e me encarregarei de que tenha uma cama onde dormir.
Jamie ao passar ao lado deles piscou um olho a Maddie.
Maddie permaneceu quieta, sentada, sustentando Laurel em seu regaço e a cabeça reclinada sobre o ombro de Ring.
— Nenhum sermão? Está zangada porque fui sem avisar?
— Absolutamente — respondeu ela. — Estou muito contente de ver-te vivo, isso é tudo.
— Nenhuma pergunta sobre como apareceu meu irmão aqui? Nada?
Ajeitou melhor Laurel em seu regaço.
— Amanhã cantarei para você. Só para você.
Ele a abraçou com mais força e por um momento ficaram completamente calados enquanto caía à noite.
— Esperou-me todo este tempo sentada baixo destas árvores? — Sussurrou ele.
— Estive aterrorizada todo o tempo que esteve longe.
Ele voltou a beijá-la no pescoço.
— Essa diabinha de irmã que você tem esteve sempre a salvo. Os homens a tinham deixado aos cuidados de uma velha em uma cabana quase em ruída nas montanhas. Acreditaram que era uma menina criada na cidade e que o bosque a amedrontaria.
Maddie soltou um sopro.
— Não à filha de Jefferson Worth.
— É verdade. Quando Jamie e eu chegamos lá, ela tinha escapado da velha e dois homens a estavam procurando, mas era muito difícil deles seguirem seu rastro.
— Sem dúvida nenhuma — comentou Maddie, orgulhosa. —Ouça Bem os seguiu?
— Assim acredito. Nunca vimos nenhum sinal dele, mas acredito tê-lo escutado por duas vezes.
— Então ele fez a propósito para que lhe ouvissem.
— Pode ser que tenha sido assim. De todos os modos, Jamie e eu a encontramos.
— E ela não queria vir com vocês? — Maddie estava esboçando um sorriso. Começava a gozar do relato agora que sabia que ambos estavam a salvo.
— Um dragão — afirmou Ring com um toque de assombro na voz. — Não acredito ter visto tanta belicosidade junta em uma pessoa. Mas de uma vez estive tentado de lhe retorcer o pescoço.
— Estou feliz de que não o fizesse. Bom, acredito que é hora de levá-la à cama. Suponho que ambos devem estar exaustos.
Ring ia dizer que não era assim em seu caso, mas já estava cabeceando de sono enquanto se apoiava nela. Nem Jamie nem ele tinham dormido muito durante esses últimos dias.
— Tem razão.
Foi bastante trabalhoso ficarem todos de pé ao mesmo tempo e percorrer o caminho até a tenda. Ring tentou carregar Laurel em seus braços, mas Maddie se opôs e insistiu em levá-la ela mesma. Então Ring passou o braço sobre os ombros da jovem e retornaram lentamente ao acampamento muito juntos.
Toby já tinha feito que Edith estendesse algumas mantas no chão da tenda para que dormissem Laurel e Ring. Jamie estava deitado na cama de armar, na mesma postura escancarada de Ring dias atrás.
— Tirar-lhe-ei dali — se ofereceu Ring.
— Não, deixe-o dormir. Pode ficar na cama de armar. Oxalá tivesse duas mais para você e Laurel.
Ring estava muito esgotado para discutir com ela. Olhou as mantas estendidas no chão e no minuto seguinte estava deitado sobre uma delas e profundamente adormecido. Maddie deitou Laurel sobre a outra manta e contemplou longamente a carinha adormecida. Só uma criança podia dormir tão placidamente depois de todas essas horas terríveis que tinha passado. Beijou a testa de sua irmã, agasalhou-a e por último apagou o lampião e saiu da tenda.
Toby a estava esperando fora.
— Todos bem?
Maddie lhe sorriu.
— Muito bem. Cansados, nada mais. Ficou um pouco de café?
Toby serviu uma xícara e a ofereceu.
— Averiguou que aconteceu?
Ela se sentou no chão perto da luz e contou tudo o que tinha averiguado até esse momento.
Toby contemplou as chamas e assentiu com a cabeça.
— Eu tampouco pude tirar muito desse jovenzinho patife — comentou.
Maddie sorriu ao ouvir o tom de sua voz. Era óbvio que Ring era o preferido de Toby.
— Por que Jamie estava aqui?
Toby sacudiu lentamente a cabeça.
— Essa família é muito estranha. Uma vez o papai dos moços me contou que de tempo em tempo nessa família nasce uma menina que pode ver coisas que têm que acontecer. Não coisas que já aconteceram, somente coisas que não aconteceram ainda.
Maddie rodou a xícara quente com as mãos e assentiu com a cabeça.
— Ouvi falar disso. Às vezes chamam isso de clarividência. Não posso imaginar uma adivinha na família de Ring.
— Oh, mantêm-no em segredo. Mas sempre que nasce uma menina assim lhe põem o nome de Christiana. Há uma agora, que vive na costa, não na costa de Maine, a não ser no Oeste. É somente uma garotinha, mais nova que sua irmãzinha que dorme na tenda, mas parece que uma vez impediu que se incendiasse uma igreja cheia de gente ou algo pelo estilo, então eles souberam que tem essa "visão".
— Sabia que algo andava mal?
— Faz alguns meses ela estava brincando com suas bonecas e disse a sua mãe que o tio Ring ia meter-se em problemas. — Toby sorriu. — A mãe da menina enviou um homem cruzando todo o território até a costa para que informasse ao pai do moço, e o velho mandou aqui o mais jovem para que ajudasse ao moço.
Maddie bebeu seu café.
— Assim, Jamie encontrou seu irmão e o seguiu.
— Quando nós estávamos observando-a, Ring viu os sequestradores que a seguiam e também viu o índio, mas depois viu alguém mais, sem poder imaginar como ele se encaixava em tudo isto.
— E era Jamie.
— Sim.
Maddie moveu a cabeça de um lado a outro.
— Então Jamie nos viu algemados juntos e decidiu fingir ser um salteador, não, bandoleiro, e levar o cavalo de Ring e outras miudezas. — Permaneceu calada um momento enquanto pensava em tudo o que Ring tinha sabido e ela não. Não era de estranhar que se comportou com tanta calma quando o homem lhe roubava o cavalo, e que não tivesse querido sair em busca de seu tão prezado animal. Sabia que estava nas boas mãos de seu irmão. Ring também sabia que estavam a salvo durante esses três dias que tinham acampado, já que seu irmão os vigiava. E também, não devia esquecer, Ring tinha tido em seu poder a outra chave das algemas todo esse tempo.
Recordou como tinha sorrido com ironia quando ela tinha ficado assustada porque ele queria ir atrás do salteador. Recordou a briga a murros que tinham fingido liderar. Ring sabia que ela se aproximava do acampamento de Jamie e que tinha estado escutando. Recordou também como a tinha intrigado o fato de que ele não tivesse nenhuma ferida depois dessa briga.
Ficou de pé e de acima olhou para Toby. Possivelmente deveria estar zangada, mas não era assim. Fora o que fosse que tivesse feito, havia-lhe devolvido Laurel.
— Vou dormir — disse ela, virou-se e entrou na tenda. Deslizou entre os braços de Ring e ele, adormecido, atraiu-a contra seu corpo. Maddie abraçou Laurel que seguia dormindo placidamente e adormeceu.
— Está bem? — Perguntou Maddie a Laurel na manhã seguinte. Estavam sozinhas na tenda, ambas sentadas na cama de armar. — E não me minta. Quero ouvir toda a verdade.
Então, Laurel contou suas experiências com uma série de palavrões e exclamações que se tivesse sido de outra maneira, Maddie poderia haver se horrorizado. Mas Maddie conhecia a aula de educação que tinha tido sua irmã. Até que não se afastou de seu pai e seus amigos e passou algum tempo no mundo do lirismo, Maddie não tinha descoberto o pouco convencional que tinha sido sua existência durante sua infância. Sua família tinha vivido isolada do mundo civilizado e seus únicos amigos tinham sido velhos montanheses que a tinham rodeado de carinho. Em lugar de aprender a costurar e como servir chá, como a maioria das jovenzinhas, tinha aprendido a esfolar búfalos, a caçar castores com armadilhas e a curtir pele de anta. No início, como cantora lírica profissional, as únicas canções que conhecia eram algumas árias de ópera e algumas toadas obscenas que lhe tinha ensinado o velho Bailey. Podia sobreviver nessas terras selvagens sem ajuda, mas antes de conhecer John, não sabia diferenciar a seda da lona.
Maddie sorriu a sua irmãzinha e alisou seu cabelo para trás para lhe limpar os olhos.
— Estava muito inquieta por você.
Laurel contemplou sua irmã mais velha com admiração e respeito. Não recordava muito bem sua famosa irmã mais velha, tinha convivido com ela muito poucos anos antes que Maddie se afastasse da casa paterna, mas a jovenzinha tinha vários álbuns cheios de recortes com tudo o que podia conseguir sobre as atuações de Maddie na Europa. Conservava pôsteres e recortes de periódicos e revistas, e flores secas imprensadas entre as folhas de livros e todas as cartas que Maddie lhe tinha enviado.
— Eles me disseram que você precisava de mim — disse Laurel. — Fui com esses homens porque me disseram que lhe tinham dado um remédio ruim.
Maddie sorriu, pois, as palavras de Laurel a remontaram ao passado.
— Assustei-me por você e por isso fui com eles — declarou para Laurel docemente e com infinito amor no olhar.
Maddie lhe sorriu novamente e tomou as mãozinhas de sua irmã entre as suas.
— Eu também me assustei por você, mas não podia chegar aonde estava. — Voltou a acariciar a bochecha de Laurel e percebeu como e quanto a tinha mudado a "civilização". No mundo civilizado as pessoas não admitiam que estivesse tendo saudades de alguém, ou "assustar-se por" como dizia Laurel. Não, no mundo civilizado as pessoas ocultavam seus sentimentos ou os falseava. E quando alguém precisava de outro alguém ou, como dizia Laurel, tinha um tomado remédio ruim, ou teve uma má sorte, seguiam fazendo sua vida tão tranquilos sem se importar em nada com o desafortunado.
— Fui com eles — repetiu Laurel e a comissura de sua boca se endureceu. — O homem era um maldito capelão, mas me deu de beber um pouco de vinho rançoso e dormi. — Olhou para Maddie. — Mas recebeu o que merecia. Recebeu um balaço e perdeu sua batina.
Os olhos de Maddie aumentaram de assombro. O homem que tinha fingido ser um pregador tinha raptado Laurel e a tinha drogado, mas tinham lhe disparado e morrido.
— Você o matou?
— Nãooo, algum ladrão o fez.
Maddie sentiu um verdadeiro alívio ao ouvir que um dos outros foragidos tinha matado ao sequestrador e não sua irmã. Apertou Laurel entre seus braços.
— Estou muito contente de que esteja a salvo. Parece que você fez Ring passar por maus momentos.
Laurel se afastou um pouco de sua irmã e a olhou.
— Imaginava que eu acreditaria nele quando apareceu nessa casa. Esperava que eu partisse com ele em seguida, como se fosse o Deus Todo-Poderoso em pessoa.
Maddie voltou a estreitar fortemente Laurel contra seu peito para que não a visse sorrir. Podia imaginar claramente Ring dizendo a Laurel o que fazer e de que maneira fazer, exatamente como tinha atuado com ela no princípio.
— Ele tende a comportar-se desse modo – disse Maddie — mas tenho esperança de que aprenderá com o tempo. Comportaram-se mal contigo os sequestradores? Fizeram-lhe mal?
— Trataram de me assustar, mas pus um pouco de chá de búfalo em sua comida e isso os manteve a distância.
Maddie franziu o cenho. Uma coisa era ser corajosa, mas outra muito diferente era ser estúpida, e pôr urina na comida dos sequestradores era definitivamente estúpido.
— Laurel, eu acredito...
Laurel reconhecia o tom de um iminente sermão assim que o ouvia.
— Falando de chá de búfalo, tem algo para comer? Tenho uma fome tão feroz que comeria um búfalo inteiro – se apressou a dizer, exagerando um pouco.
Maddie começou a rir. Sua irmã estava bem, e por pouco tinha contado que estava a ponto de compadecer dos pobres sequestradores. Indubitavelmente eram bandidos pagos, tal e como lhe havia dito o homem com quem se encontrou em diferentes pontos, durante a excursão e eles não tinham ideia de como dirigir a uma diabinha de doze anos que colocava urina na sua comida.
— Adiante, coma — disse Maddie, e quando Laurel caminhava para a saída, segurou-lhe a mão. — Quando falar com os outros, procure falar claro e sem utilizar nossa gíria. De outro modo não lhe entenderão e os escandalizará.
A boquinha de Lauren adotou uma expressão severa.
— Esse... esse teu homem... ele...
— O que te fez Ring?
— Pôs-me de barriga para baixo sobre seus joelhos, isso me fez.
Maddie teve que morder os lábios para não soltar uma gargalhada. Seu pai sempre as tinha ameaçado de fazer precisamente isso, cada vez que suas filhas soltavam palavrões, mas era muito brando de coração e nenhuma vez em sua vida lhes tinha batido. A mãe, em troca, não tinha sido tão branda com elas.
— Imagino que esteve falando como mamãe.
Laurel assentiu
— Já me pareceu ser isso. Que espécie de homens são os do Este? São realmente homens?
— Sim — respondeu Maddie. — São homens. Agora vá comer algo. — Enquanto observava sua irmã que saía da tenda, lhe ocorreu que a razão pela qual nunca havia se sentido interessada nos homens na Europa, era porque não lhe tinham parecido verdadeiros homens.
Ficou de pé e limpou a saia com uma escova. Sim, os homens do Este eram homens, claro que diferentes dos homens que ela tinha conhecido desde menina, mas homens sem lugar a dúvidas.
Mas tarde nessa mesma manhã, Laurel confessou a sua irmã mais velha que não queria retornar ao Este, que desejava voltar para casa com seus pais.
Ring olhou à menina e disse:
— Preciso de algum tempo antes que possa te escoltar. Mas a levarei assim que possa.
Antes que Maddie pudesse abrir a boca, Laurel pareceu cuspir as palavras ao dirigir-se a Ring.
— Você! Não preciso de você para me levar a nenhuma parte? Posso ir por meus próprios meios.
Maddie ia interpor-se nessa discussão até que compreendeu que se inclinava a sair em defesa de Ring.
O ataque de Laurel pareceu deixar Ring bastante perplexo.
— Somente quis dizer que...
— Queria dizer exatamente o que disse. Uau! você... — Laurel se emudeceu ante um olhar de advertência de Maddie. — Nós não precisamos de você, verdade Maddie? Podemos viajar completamente sozinhas. — O queixo de Laurel apontou ao céu. — Além disso, temos Ouça Bem.
Ring soltou um sopro.
— Ele simplesmente observa. Nunca intervém. Além disso, estou começando a pensar que nem sequer existe. Que é uma quimera, até cheguei a acreditar que é uma criação de suas mentes românticas.
Laurel parecia estar disposta a mascar pregos e Maddie teve que cobrir a boca para não rir. Sua irmãzinha não tinha ideia de que Ring a estava irritando para divertir-se com seu balbuciar.
Laurel jogou um olhar às árvores e disse em voz alta:
— Necessito-te.
Maddie sentiu viva curiosidade de ver se Ouça Bem se apresentaria quando lhe pedia tão abertamente. Não duvidava que estava muito perto deles, já que Ouça Bem sempre tinha sido muito curioso e sempre tinha achado fascinante as discussões entre as pessoas branca.
Laurel permaneceu de pé, imóvel e com os bracinhos cruzados sobre o peito e golpeando a ponta do pé contra o chão, enquanto Ring fazia gestos exagerados como se estivesse examinando as árvores.
— Não vejo seu índio fantasma — lhe disse.
Maddie percebeu que Laurel estava começando a duvidar que seu amigo aparecesse, e desejou fervorosamente que Ouça Bem se fizesse presente. Então lhe chamou com um assobio e aguardou espectadora.
No instante em que começava a duvidar que Ouça Bem se apresentasse, o índio saiu de entre as árvores e todos os olhos se cravaram nele.
Neste mundo não existe nada, absolutamente nada tão magnifico, como um guerreiro crow na flor da vida e isso era precisamente Ouça Bem: lindo, alto, bem proporcionado, a pele da cor da terra e com a superioridade do reconhecimento de seu próprio valor.
Maddie não foi até ele, não lhe falou nem o tocou, não podia fazê-lo quando ele se apresentava como guerreiro. Quando eram meninas, tanto sua irmãzinha como ela mesma e os filhos de Ouça Bem tinham brincado com ele; deitado no chão lhes permitia subir por todo seu corpo, tinham-lhe importunado e irritado até o cansaço e, tinham feito uma infinidade de brincadeiras, mas nunca quando era Ouça Bem, o guerreiro; então todos eles davam um passo atrás e lhe admiravam com verdadeira reverência, exatamente como Ring, Jamie e Toby, detrás dele, estavam fazendo nesse exato momento.
Tão rapidamente como tinha aparecido, Ouça Bem voltou a deslizar-se por entre as árvores.
Passou um momento antes que Laurel falasse.
— Viram? Estão satisfeitos? Acham agora que podem nos levar de retorno para casa?
Ring não a estava escutando. Voltou-se para seu irmão e ambos sorriram. Era como se tivessem visto cobrar vida a uma lenda infantil e não estivessem certos, ainda, de poderem acreditar.
Jamie se aproximou de seu irmão mais velho e passou o braço sobre seus ombros.
— Da próxima vez eu serei Ouça Bem — disse usando uma frase que, obviamente, havia dito frequentemente quando era menino.
— Só se eu for Jefferson Worth — replicou Ring.
Assombrada, Laurel olhou para Maddie.
— Do que estão falando?
Maddie riu alegremente.
— São meninos — lhe respondeu — tornaram a serem meninos.
— Ainda a estão interrogando? — Perguntou Toby agachado junto ao fogo enquanto se servia outro pedaço de bacon.
Maddie bocejou e assentiu com a cabeça. Imediatamente, depois da aparição e desaparecimento de Ouça Bem, Ring e Jamie tinham levado Laurel à tenda e, após, tinham-na estado interrogando sobre onde tinha estado e por que. No princípio Maddie tinha tentado proteger sua irmã, mas depois constatou que Laurel estava se divertindo muito ao ser o centro de atenção de dois homens muito bonitos — mesmo que se mostrasse um tanto fria com Ring. Entretanto, pôde perceber que sua irmã se agradava especialmente de Jamie com seus grandes olhos azuis, e que ele a sua vez parecia comê-la com os olhos apesar de ser nada mais que uma criança.
Quando Maddie estava saindo da tenda, passou diante de Jamie, inclinou-se sobre ele e sussurrou:
— Se machucar minha irmã mais nova, romper-te-ei algo mais que o coração.
Jamie começou a rir e ela abandonou a tenda.
Fora da tenda sentiu enorme desejo de cantar a viva voz. Então tomou consciência de que nesses últimos dias não tinha passado por sua cabeça a ideia de cantar e pelo que podia recordar, era a primeira vez em sua vida que não tinha sentido desejo de fazê-lo. Entretanto nesse momento queria cantar, e exclusivamente para Ring.
— Não disseram que os mineiros haviam trazido um piano e o tinham posto em um edifício? — Perguntou a Toby.
— Está lá encima na colina. Era somente um alpendre, mas eles puseram um teto e o fecharam com um muro.
— Excelente — respondeu e começou a subir a encosta. O espaço era muito reduzido, apenas o bastante para albergar o piano e uma cadeira, mas serviria. Sorriu ao imaginar a reação de Ring quando lhe cantasse. Uma coisa era ouvir a uma cantora lírica sobre um cenário e outra muito diferente era ouvi-la em um quarto pequeno.
Não demorou muito em arrumar que Frank tocasse para ela nessa mesma tarde. Edith lhes serviu presunto frito e tortas para o almoço. Maddie quis falar com Laurel, mas a jovenzinha parecia somente interessada em Jamie e o único que fazia era contemplá-lo. Maddie entrecerrou os olhos em sinal de advertência a Jamie, e ele simplesmente levantou as mãos em um gesto de inocência.
Finalmente Maddie ficou de pé.
— Vou praticar uma lição agora — comentou sem dar muita importância. — Possivelmente, Ring, você gostaria de me acompanhar.
Ele sorriu.
— Talvez — disse e a seguiu encosta acima até a cabana.
Quando passaram ao interior, ele fechou a porta, Maddie se dirigiu ao piano e se voltou para Frank, que já se encontrava sentado ante o teclado e disse brandamente:
— "Ah fors'e lui", por favor.
Ring se sentou na cadeira que ela tinha colocado em frente do piano e lhe sorriu carinhosamente. A bonita ária de La Traviata já era uma de suas favoritas e a tinha ouvido cantar duas vezes antes. Entretanto, por mais vezes que tivesse ouvido Maddie cantar, nunca o tinha feito estando a sós com ela em um espaço tão reduzido com uma voz como a sua. Quando cantava sobre um cenário, qualquer um podia perceber que precisava uma voz muito potente, para que pudessem ouvi-la perfeitamente, da última fila de um teatro, mas sentado em uma sala com uma audiência de uma centena de pessoas era muito difícil apreciar toda a profundidade e a potência da voz de uma cantora lírica.
No princípio Ring se deleitou escutando a música enquanto Maddie debulhava as notas cantando sobre se devia amar ou não Alfredo. Mas quando chegou à parte onde a canção falava de que possivelmente suas almas pareciam uma para a outra, Ring abriu um pouco mais os olhos. A voz de Maddie, possivelmente devido em parte ao seu talento, em parte pelo seu treinamento, brotava do mais profundo de seu peito, do mais fundo de seu ser. Quando cantou La Follia, palavra italiana para "é uma loucura", o mero volume da voz fez com que a cadeira onde estava Ring começasse a vibrar e com ela, seu corpo.
Cantava sobre a ardente chama do amor, de um amor misterioso e inexequível que não era só a tortura, mas também deleite de seu coração.
Ao cantar o delicioso trino Oh, Gioir, "Deleitar-me", foi quando ele se endireitou na cadeira e a observou. Jamais tinha visto nada tão lindo em toda sua vida como essa mulher. Sabia que a amava, que já fazia um tempo que a queria, mas nesse instante a estava contemplando com novos olhos, não como a uma pessoa, mas sim, como a uma mulher incrivelmente desejável.
Nesse momento Frank surpreendeu Ring ao tentar entoar a parte de Alfredo na cena onde este, junto à janela de Violeta, canta que o amor é o pulsar do universo.
Mas foram os trinos de Maddie na primeira replica a Alfredo que fizeram com que Ring começasse a tremer. Tudo começou como um lento tremor interior que se irradiou do centro de seu corpo para as extremidades. Ring se aferrou à cadeira com desespero como se temesse desintegrar-se se não se segurasse em algo.
Maddie observou como ia se transfigurando o semblante de Ring, como ia empalidecendo e compreendeu que seu auditório era muito especial. Brotaram notas cristalinas de seu peito e seus bels menores alcançaram a perfeição.
Na segunda série de trinos, Ring começou a suar. Essa voz incrível o envolveu, atravessou-lhe o corpo e quando em seu canto falou de revoar de prazer em prazer, ele não só ouviu, mas sim, além disso, sentiu em carne viva as palavras e a voz.
Quando a canção chegou a seu fim, quando as magnifica notas finais tão agudas e cristalinas foram se debulhando no ar, Ring voltou a olhá-la. Seu olhar posou nos pés da jovem para depois ir subindo lentamente.
Quando Maddie viu como os olhos escuros acariciavam seu corpo, também começou a tremer, pois não teria que ser muito observadora para ver o desejo e a luxúria brilhando neles. Nesse momento não lhe importava saber se a luxúria brilhava por ela como mulher ou por sua voz. O único que importava era que existia.
Antes que se desvanecesse a última nota, Ring conseguiu reunir as forças suficientes para sair da cabana. Fechou a porta a suas costas, apoiou-se como pôde no muro e tentou tirar um charuto do bolso da camisa.
— Então estas aqui — disse Toby. — Estive te procurando por toda parte, depois ouvi todos esses chiados e soube onde poderia te encontrar. Está bem?
— Eu... — sussurrou Ring.
Toby entrou imediatamente em ação. Apoiando as mãos no seu peito o guiou até um tronco e o sentou de um ligeiro empurrão. Ao ver que Ring continuava manuseando torpemente o bolso da camisa, Toby tirou o charuto, acendeu-o e lhe entregou, mas tremiam tanto suas mãos que mal podia sustentá-lo.
— O que te aconteceu? — Inquiriu Toby.
— Acredito que acabo de visitar o Eden — respondeu Ring.
— O quê?
— Que acabo de comer da árvore do pecado.
Toby não entendia uma palavra do que ele estava dizendo, assim quando Jamie passou por ali, segurou-o pelo braço como se sua vida dependesse disso.
— Pode entender algo de tudo o que ele está dizendo?
Ambos ficaram olhando para Ring que seguia sentado no tronco, tremendo, e tentando fazer o possível para levar o charuto à boca, fumar e recuperar a calma.
— Disse que esteve no Eden e que comeu uma fruta de não sei que árvore.
Foi nesse momento que Maddie abriu a porta. Jogou um olhar cheio de desprezo a Ring.
— Como se atreve a abandonar a sala enquanto estou cantando! — Reprovou-lhe fechando a porta de um golpe, começou a andar encosta abaixo, furiosa, em direção a sua tenda.
Toby lhe obstruía a visão, assim Ring teve que inclinar-se levemente para um lado para poder vê-la caminhar afastando-se deles, com seus largos quadris movendo-se ritmicamente e sua diminuta cintura apertada. Ela se voltou e ele pôde apreciar o perfil de seus seios redondos e um curvilíneo traseiro.
O olhar de Toby foi de Ring a Maddie e depois para Jamie.
— Que me matem — exclamou em um sussurro. — Por fim lhe caçaram. — Rindo-se para seus adentros, levantou Ring do tronco e lhe empurrou em direção a Maddie. — Fale-lhe de uma vez — disse rindo com alegria. — Traga-a de volta aqui. Encarregar-me de que ninguém se interponha em seu caminho.
Com outro grande esforço, Ring conseguiu que funcionassem suas pernas a tempo suficiente para descer pela ladeira e dirigir-se à tenda de Maddie, mas tremiam tanto sua mão que quase não pôde abrir a cortina que servia de porta. Mal tinha posto um pé dentro da tenda quando algo parecido ao marco de um quadro passou voando perto de sua cabeça. Deslizou-se precipitadamente ao interior da tenda e a cortina caiu a suas costas
— Como se atreve? — Gritou-lhe Maddie, enfurecida — Como se atreve a sair antes que eu terminasse de cantar? — Segurou um pote de creme facial e o jogou na cabeça dele sem acertar o alvo.
Ring o segurou no ar e começou a avançar para ela.
— Estou esperando alguma explicação. — Ao ver que ele não dizia nenhuma palavra e que seguia aproximando-se lentamente dela, Maddie segurou um frasco de perfume e o arrojou também. Desta vez Ring a recolheu com a mão direita e seguiu avançando.
Quando chegou a seu lado, estirou ambos os braços a cada lado do corpo de Maddie, agachou-se um pouco, depositou os dois objetos sobre a tampa do baú, endireitou-se e, ficou olhando-a no rosto.
Os olhares se encontraram e então, Maddie compreendeu o que ele sentia por ela e seu coração deu um salto. Antes tinha visto um olhar semelhante nos olhos de outros homens, mas jamais nada que se aproximasse da intensidade do que brilhava nos dele. Nunca antes a tinham assustado, mas este homem de olhar ardente sim, a assustava.
— Ring, eu... — começou a dizer Maddie, mas ele não lhe respondeu. Onde estava esse homem civilizado, que exercia um completo controle sobre seus sentimentos com quem tinha passado três dias e três noites na montanha? Este homem que tinha diante de si não era civilizado nem controlado.
Antes que ela pudesse pensar, ele a levantou, a jogou sobre o ombro e a levou para fora da tenda. Jamie, Toby, Edith, Frank e Sam, além de Laurel, estavam lá fora, sem mencionar que também estavam mais de vinte mineiros. Maddie fechou os olhos com força para não os ver, pois pressentia que seria inútil tentar falar com o homem que a levava sobre o ombro. Este homem não era o que ela conhecia.
Ele a levou encosta acima até a cabana, fechou a porta quando entraram, colocou-a de pé de frente a ele e a olhou com olhos que ardiam com uma intensidade inusitada.
— Ring, sabe, acredito que esqueci de fazer algo. Possivelmente eu deveria...
Tomou-a em seus braços quando ela tentava ir para a porta. Enquanto a retinha contra seu corpo, deslizou suas mãos por suas costas até chegar à curva excitante de seu traseiro e cobriu com desespero os montes redondos com mãos febris.
Maddie conteve a respiração, os olhos aumentaram de assombro, mas logo elevou a vista e cravou o olhar em seu rosto. Os olhos de Ring não só se obscureceram, mas sim, ardiam com maior intensidade e sua respiração era quase um ofego.
Lentamente, Ring baixou a cabeça e cobriu seus lábios com sua boca. Então a beijou delicadamente.
Ele já a tinha beijado antes, mas esse beijo era diferente, tinha uma intensidade que ela nunca havia sentido.
Piscou ao lhe olhar, engoliu saliva e retrocedeu desprendendo-se de seus braços.
— Acredito que eu, ah... preciso falar com Laurel.
Ring deu um passo e se aproximou mais.
Ela apoiou a mão na porta.
— Parece que alguém está me chamando.
Ring estendeu o braço por cima da cabeça da jovem e deixou cair o ferrolho sobre a porta para que ninguém pudesse entrar.
Maddie retrocedeu de costas até o piano e ele a seguiu.
— Cuidou para que alguém cuide de seu cavalo? Já sabe que esse animal come qualquer coisa. Desgostar-me-ia muito que ele...
Fê-la retroceder até um canto, apoiou as palmas das mãos contra a parede em ambos os lados da cabeça de Maddie, inclinou-se para frente e a beijou brandamente durante vários segundos. Quando Maddie começava a escorregar-se para cair ao chão, tomou-a pela cintura e a apertou contra seu corpo. Quando ele afastou os lábios dos dela, Maddie afastou o olhar do rosto apaixonado enquanto tratava de recuperar o fôlego. Nunca, nada a tinha feito se sentir deste modo. Voltou a elevar seus olhos para os de Ring e só o feito de ver a intensidade de sua expressão fez com que seu corpo começasse a arder de paixão.
— Eu... eu... não sei o que fazer — sussurrou.
— Eu tampouco sei muito, mas... — sussurrou ele. — Mas eu adoraria aprender, asseguro-lhe isso.
Ela esboçou um débil sorriso.
— Possivelmente deveríamos contratar alguns professores.
As mãos de Ring tinham começado a desabotoar os diminutos botões na parte posterior do vestido enquanto a beijava amorosamente no pescoço, na bochecha e nos olhos.
— Eu te ensinarei se você me ensinar.
— Sim — respondeu ela em um murmúrio. Seus temores estavam desaparecendo lentamente. — Oh, sim!
— Maddie, eu... — começou a dizer ele e ela pôde sentir como tremiam seus dedos sobre seu vestido.
Depois, não soube bem que aconteceu. Os botõezinhos ofereceram uma feroz resistência aos seus dedos trêmulos e Ring acabou rasgando o tecido, de um forte puxão. O vestido deslizou pelo corpo de Maddie e caiu como uma cascata ao redor de seus pés.
Ele voltou a beijá-la, mas desta vez não fez com tanta delicadeza. Com sua mão forte e segura lhe inclinou um pouco a cabeça e ela entreabriu os lábios sob a opressão de sua boca. Ela não soube quem gemeu, mas foi um gemido em bemol.
Maddie nem sequer sentiu que lhe tirava a roupa, mas em muito poucos minutos todas as suas roupas jaziam no chão ao redor de seus pés e, ela se encontrava dentro do círculo protetor dos braços de Ring, nua, salvo pelas longas meias de seda, sustentadas por ligas de fitas sobre os joelhos e seus sapatos de salto alto.
Ring a segurou pelas mãos, deu um passo atrás e a contemplou, deslumbrado. Um feixe de luz se filtrava pela única janela no alto banhando a sala de um suave tom dourado.
Sob seu olhar Maddie sentiu que todo seu corpo se ruborizava, mas ele a segurou pelo queixo e levantou sua cabeça.
— É tão bonita como sua voz — lhe disse.
Um grande elogio, pensou ela, o elogio maior que poderia lhe haver feito.
— Quero ver-te também — sussurrou com um fio de voz.
A mão vacilante do homem acariciou sua pele nua começando pelo ombro arredondado e suave, passando à curva sensual dos seios turgentes para descer à cintura onde deixou que seus dedos se estendessem sobre a pele tersa do ventre. Finalmente, ele voltou a olhá-la nos olhos e um sorriso travesso se desenhou em seus lábios.
— O corpo de um homem não tem nem a metade dos atrativos que possui o corpo feminino.
Maddie pôs a mão no seu peito, desabotoou um botão e deslizou a mão debaixo da camisa. Apalpou os pelos que cobriam seu peito, a pele cálida e a forma de seus fortes músculos. Lentamente seguiu desabotoando um botão atrás de outro, deslizou ambas as mãos debaixo da camisa e a tirou pelos ombros. Enquanto o fazia olhava seu rosto e viu paixão em seus olhos, mas também havia algo mais. Uma estranha mescla de admiração, assombro e perplexidade. Tudo o que sabia dele era que não tinha havido muitas mulheres em sua vida e que tudo o que estava ocorrendo era quase tão novo para ele como para ela. Um estremecimento de prazer e de excitação lhe percorreu o corpo ao pensar. Sempre tinha imaginado que algum dia amaria a um homem experiente em todas as artes do amor, um homem que a levaria a cama e lhe ensinaria todo que deveria fazer e por certo houve muitos homens que se ofereceram a fazer exatamente isso. Mas nesse momento pressentiu que Ring era um aprendiz destas artes tanto como ela mesma e de algum modo, isto a agradava muito. Talvez fosse a diferença que existia entre receber o presente de um novo par de sapatos e um parceiro que já tinha sido usado por muita gente.
Rodeou-lhe o peito com os braços e sentiu a pele quente contra seus seios.
Ele a estreitou contra seu corpo.
— Nunca imaginei, — disse contra o cabelo sedoso de Maddie — jamais tive ideia do que eles falavam. Toby sempre dizia que isto era algo que um homem forçosamente devia ter. — Começou a tremer novamente, a afastou um pouco de seu corpo e a virou para contemplá-la com olhos obscurecidos pela paixão. — Não quero te machucar, mas sinto uma, bem... uma forte urgência.
Maddie começou a rir.
— Me machucar? — Perguntou ainda rindo antes de lhe morder o peito. — Me Machucar? Eu gostaria que tentasse. — Voltou a lhe morder por duas vezes mais antes que ele permitisse se deixar levar pela luxúria.
Anos de paixão contida explodiram em seu interior. Anos de olhar sem ver; anos de desejos negados e reprimidos; anos de solidão afloraram tumultuosamente.
Ao começar a sentir os beijos apaixonados de Ring, sobretudo em seu corpo, Maddie sorria com deleite. Ele continuava lhe acariciando a pele com os lábios úmidos e quentes, inclinando-se sobre ela, as mãos sobre suas nádegas, apertando suas pernas nuas contra a lã áspera das calças enquanto a fivela do cinturão se cravava no ventre suave, mas quando a boca ansiosa se prendeu a seu seio, ela deixou de sorrir. Aumentaram-lhe os olhos, soltou um ligeiro gemido e jogando o corpo para trás deixou que os braços de Ring suportassem todo seu peso.
Ele a empurrou até a parede, sustentou-a ali de pé apoiando a mão contra seu ombro enquanto utilizava a mão livre e a boca para explorar seu corpo.
— Que bonita é! — Murmurou Ring com a boca sobre o quadril de Maddie. — Que interessante! Agradar-te é um verdadeiro prazer — pôde articular com grande esforço.
Manteve Maddie erguida, apoiando uma mão em suas costelas enquanto seus lábios deslizavam ao longo das pernas dela e tirava suas ligas e finalmente arrojava seus sapatos. Endireitou-se e voltou a beijá-la na boca.
— Suas pernas têm pelo muito suave — comentou como se fosse um cientista que investigasse uma diferente forma de vida selvagem.
Maddie lhe rodeou o pescoço com seus braços e só conseguiu piscar ao lhe olhar.
— Oh, Ring, me faça amor — lhe pediu em um sussurro.
— Depois que termine de tocar a abertura — respondeu ele contra seus lábios, fazendo-a sorrir antes de virá-la. — Vejamos a parte posterior de seu corpo.
Sustentou-a contra a parede enquanto suas mãos febris deslizavam pelas suas costas, e a beijava ao longo da coluna vertebral, ao redor das nádegas e na parte posterior das pernas. Quando a boca de Ring chegou aos calcanhares de Maddie, mordiscou-os obtendo que ela chiasse de prazer e levantasse um pé atrás de outro.
Ela se voltou para o olhar. Seu corpo ardia de desejo e já tinha suportado bastante do poder que ele exercia sobre ela. Queria usar um pouco de seu próprio poder sobre ele. Quando ele quis tomá-la novamente entre seus braços, ela conseguiu escapulir.
— Maddie — suplicou ele estendendo os braços abertos e com voz ansiosa.
Quando ele a olhava desse modo sabia que não seria capaz de lhe negar absolutamente nada.
— Tire — ordenou ela apontando as calças.
Ele sorriu ironicamente.
— Não se deve decepcionar uma dama.
Maddie lhe observou enquanto ele, sentado no chão, tirava as botas de meio cano, o viu ficar novamente de pé e deslizar as calças e as cueca de tecidos pelas as pernas abaixo até os tornozelos e desprender-se delas dando alguns passos.
Maddie voltou a apoiar-se contra a parede levando um tempo para contemplar sua longa silhueta. Por ter passado sua infância entre montanheses e índios estava acostumada a ver os homens quase sem roupa, salvo sua tanga, mas de algum modo indefinível, Ring era mais esplêndido que eles. E em meio de seu corpo nu estava à evidência exuberante e agressiva de seu desejo por ela.
Voltou o olhar para seu rosto.
— Tudo isso é para uma moça pequena como eu? — Perguntou e se alegrou muito ao vê-lo ruborizar até os ombros.
— Vêm aqui — grunhiu ele estirando os braços para agarrá-la, mas ela correu alguns passos, escapando dele.
Ring permaneceu no mesmo lugar, boquiaberto, ao ver seus seios e nádegas moverem-se ritmicamente com seus passos pressurosos.
Subitamente Maddie se sentiu terrivelmente egoísta já que era ela quem tinha agora absoluto controle sobre esse magnifico homem. Abriu a boca e cantou a segunda série do trino de "Ah, fors' lui."
Ring correu em cima dela em um segundo. A totalidade de seus noventa quilogramas de peso bateram contra ela e a fizeram cair ao chão, e a pontaria de Ring foi perfeita. Sua boca caiu totalmente sobre a dela e toda sua masculinidade a penetrou com um movimento suave. Instintivamente Maddie rodeou a cintura com as pernas quando ele começou a mover-se dentro dela. No início ele se movia lenta e profundamente, mas em questão de segundos, assim que ela levantou os quadris para ele, Ring começou a mover-se profunda e rapidamente e, Maddie correspondia indo ao encontro dele em cada um de seus movimentos.
Ela não percebeu que foram deslizando-se rapidamente pelo chão até que sua cabeça se chocou contra a parede. Seu pescoço se dobrou e seus ombros começaram a subir lentamente pela parede enquanto a boca de Ring voltava a tomar posse de seu seio. Em sua urgência para gozar plenamente, ele chupou bastante forte, bastante e dolorosamente, Maddie soltou um grito de dor. Enrolou as pernas com mais força ao redor da cintura de Ring aferrando-se a ele.
Quando ela esteve quase dobrada em duas junto à parede, ele apertou mais os braços que rodeavam sua pequena e delicada cintura e, a levantou sem perder o contato em nenhum momento, depois se levantou com ela aderida a seu corpo como a hera ao tronco de uma árvore, Ring deu um passo em direção ao piano, mas se deteve, indeciso. Maddie abriu os olhos, o olhou e acreditou ver que ele estava considerando algo.
Esfregou-se rapidamente contra o corpo de Ring que cerrou os olhos e no instante seguinte Maddie se achava outra vez com as costas contra a parede. Segurou-se a ele com desespero como se nisso dependesse a vida, quando sentiu que ele voltava a mover-se dentro dela. A excitação foi crescendo nela, cravou-lhe as unhas nas costas e cruzou os tornozelos para lhe impedir que se afastasse.
— Sim — disse ela e lhe mordeu o lóbulo da orelha. — Sim. — Tirou a língua e meteu na orelha de Ring e ele investiu penetrando-a com uma força cega que por segundos Maddie só viu luzes brancas e brilhantes e todo seu corpo se sacudiu violentamente
Demorou minutos em voltar a respirar sem dificuldade e pôde sentir os batimentos do coração de Ring golpeando seus seios.
Ele deu alguns passos para trás com Maddie envolta ao redor de seu corpo, se ajoelhou com ela, afastou-lhe as pernas de sua cintura, sorriu-lhe ao ouvi-la gemer quando os corpos se separaram e o contato foi interrompido, logo se deitou no chão. Maddie não o soltou nem por um segundo e continuou aferrada a ele.
— Eu não sabia — sussurrou ela com a cabeça apoiada sobre seu ombro e com seus dedos enroscados nos pelos que lhe cobria o peito. Ele não disse nada, então ela se levantou apoiando-se no cotovelo e o olhou. Ao ver as rugas que lhe sulcavam a testa passou a gema do dedo ao longo delas. — O que é que o faz franzir o cenho desse modo?
Ele beijou a gema do dedo e reteve sua mão sobre seu peito, depois a olhou.
— Agora entendo o que impulsiona aos homens. Agora entendo do que falava meu pai.
— Seu pai te falava sobre mulheres? — Voltou a acomodar a cabeça sobre seu ombro, pensando como seus corpos se amoldavam tão bem.
— Tentava-o. — Subitamente a abraçou com tanta força que ela quase deixou escapar um grito. — Maddie, minha bonita rainha! Queria te dar tanto como você me deu. Primeiro sua voz e agora isto. — Acariciou-lhe o braço.
Ela se espreguiçou sensualmente movendo as pernas junto às dele.
— Deu-me Laurel.
—Isso não é suficiente para te compensar por isso.
Ela riu.
— E se dissesse que quero a lua?
— Daria-lhe.
Maddie voltou a levantar-se sobre o cotovelo para contemplá-lo.
— E o que quer em troca?
— Você. Toda, inteira para mim somente — respondeu enquanto a beijava.
— Tenho muitas coisas em mim.
Ele baixou a vista até os seios.
— Acredito que posso conduzir tudo o que tem.
— Com o quê? — Perguntou-lhe olhando suas pernas
— Vou te mostrar — replicou e tratou de agarrá-la enquanto Maddie chiava e tentava escapar.
Mas não teve êxito.
Laurel estava sentada junto de Toby perto da luz. O sol estava se pondo no horizonte e começava a fazer frio. Olhou por cima do ombro a velha cabana situada no topo da colina onde sua irmã e... e esse homem já tinham passado três dias seguidos sem sair. Aumentaram seus olhos e exclamou.
— Toby, parece-me que a cabana se sacode.
Toby jogou uma olhada por cima de seu ombro e contemplou o abrigo com supremo interesse, logo, prudentemente e com toda a sabedoria que lhe deram os anos, assentiu com um leve movimento de cabeça.
— Agora têm uma choça que se sacode com vontade — lhe disse
Ao longo de vários dias os mineiros tinham abandonando suas concessões e nesse momento, por volta de três dias com suas noites, nenhum homem realizava qualquer tarefa nos arroios auríferos. Em troca, todos os interesses desses homens se concentraram na famosa cantora de ópera e no que estava acontecendo em sua vida intima. O interesse por ela tinha começado em primeiro lugar quando Maddie se negou a cantar para eles e passava o dia inteiro sentada sob uma árvore vigiando o caminho, como a viúva de um capitão de navio à espera do homem, que não tinha como jamais retornar.
Mas o interesse tinha aumentado grandemente quando Ring e seu irmão tinham retornado com a menina adormecida em seus braços. Ante estes acontecimentos, os mineiros se formaram como redemoinhos ao redor de Toby formulando uma infinidade de perguntas. Já que a mulher não lhes cantava, o menos que podia fazer era lhes proporcionar histórias curiosas e interessantes que serviriam como paliativo ao aborrecimento e a solidão.
Toby tinha dado de presente aos seus ouvidos incríveis histórias das proezas de Ring e a mínima ajuda prestada por seu irmãozinho mais novo, quando do interior da cabana tinham escutado a voz maravilhosa de Maddie cantando com toda sua potência. Escutaram-na em completo silêncio, cheios de admiração e respeito, logo, assombrados, viram abandonar a cabana o capitão Montgomery, seguido pela cantora de ópera e depois ouviram alguns gritos, que voz extraordinária tinha essa mulher! Provavelmente a podiam ouvir em dez quilômetros de distância, em seguida viram o capitão deitar a mulher no ombro e levá-la de retorno à cabana. Durante todo esse tempo, os mineiros não tinham pronunciado nenhuma só palavra, mas sim, tinham permanecido imóveis em seus lugares observando a choça.
Mas foi somente depois de terem ouvido um chiado de mulher seguido de um grande estrépito quando um dos mineiros disse:
— Eu tenho vinte dólares e digo que não sairão daí antes de manhã.
— Fecho o trato — respondeu outro homem.
Tinha começado como uma simples diversão, mas quando Edith levou o desjejum à cabana para a cantora e seu homem na manhã seguinte e, o casal pediu que lhes levasse o pote de azeite com fragrância de rosas do baú de Maddie, foi quando as apostas começaram a sério.
Então sim, que correram as apostas. Os homens apostaram na quantidade de tempo que Maddie e Ring permaneceriam encerrados na cabana. Como os mineiros eram muitos, tinham que aceitar apostas à hora exata em que eles sairiam dali. Toby descobriu que a pequena Laurel tinha recebido o treinamento adequado de um homem chamando Bailey e que conhecia absolutamente tudo sobre as probabilidades nas apostas. Jamie tinha se indignado ao ver que alguém tão jovem e inocente como Laurel pudesse estar envolta em algo tão escandaloso como os hábitos sexuais de sua irmã. Declarou isto no momento em que ela apostava dez dólares que seu irmão não poderia durar mais de quarenta e oito horas.
Laurel, apesar de sua extrema juventude, entendia qualquer coisa de homens. Sabia que Jamie queria afastá-la de todos os outros para poder crivá-la de perguntas sobre os sequestradores. Disse então a Jaime que se ele não lhe permitisse conduzir as apostas, não responderia nenhuma só pergunta que lhe formulasse. Quando Toby começou a rir as gargalhadas e disse que Laurel tinha derrotado a um Montgomery, a jovenzinha começou imediatamente a negociar com Toby a porcentagem que tiraria dos lucros provenientes das apostas por dirigir as transações. Toby lhe disse que lhe entregaria uma moeda de cinco centavos por cada aposta que ela apontasse. Laurel tinha rido no seu rosto e tinha começado as negociações por cinquenta por cento. Depois de muitos regateios, chegaram a um acordo que estabelecia que Laurel tiraria trinta por cento de tudo que ganhasse Toby. Desde esse momento Laurel respondeu às perguntas de Jamie enquanto apontava as apostas.
— Cabana movediça — disse Laurel olhando sua caderneta. — Tim Sullivan — abriu a caixa, também se encarregava de cuidar das bolsas com pó de ouro e pagou ao homem. — Disse-te que não aceitasse essa aposta — sussurrou ela a Toby. — Estava destinado a perder.
— O que você sabe? — Grunhiu ele. — Foi você que quis essa aposta da vela valendo quinhentos. E a do mel. E a aposta da banheira.
— Ah, mas essa se anulou quando pediram leite para encher a banheira. Ninguém tinha leite para o banho.
Jamie estava recostado sobre a sela de montar com suas longas pernas estendidas. Dali olhava ao velho Toby e à pequena e linda Laurel e sacudia a cabeça. Dois dias antes tinha deixado de dizer que não era correto que Laurel participasse desta espécie de apostas, que era somente uma criança. Estava começando a pensar que essa "criança" era mais velha que ele.
— Não aposta mais, Jamie? — Perguntou-lhe Laurel enquanto contava as bolsas com pó de ouro que tinha no caixa. Em alguma parte tinha conseguido uma balança para pesar exatamente o ouro que Toby e ela recebiam.
Ele puxou o chapéu até os olhos.
— O orgulho que sinto de meu irmão é suficiente recompensa para mim.
— Shhh — sibilou Laurel e todos os homens que a rodeavam, nesse momento se imobilizaram e cravaram seus olhos na cabana da colina.
— O que é isso? — Inquiriu Toby em um sussurro.
Laurel sorriu.
— Está cantando Carmen.
Uma grande confusão seguiu a essas palavras quando os homens começaram a brigar para cobrarem e pagarem suas apostas. Não podiam distinguir uma ópera de outra, mas Laurel as conhecia perfeitamente e tinha escrito uma lista das que cantava Maddie. Os homens tinham tirado os nomes das canções de um chapéu, depois tinham feito suas apostas às horas correspondentes que eles acreditavam que Maddie cantaria alguma canção da ópera que eles tinham tirado no sorteio.
Houve um grande estrépito no interior da cabana e o correspondente grito de triunfo dos mineiros.
Laurel olhou sua caderneta.
— Sexta queda do piano — leu. — Caleb Frise.
Caleb aguardou sorrindo enquanto Laurel pesava o pó de ouro, colocou em uma bolsa e o entregou.
— Essa foi sua aposta — recriminou Laurel a Toby. — Disse que não a aceitasse.
— Quem ia acreditar que fossem tão tolos para deixarem cair o piano por seis vezes! — Replicou-lhe irado.
— Caleb Frise — respondeu calmamente Laurel.
Depois disso, Jamie se levantou, partiu e jurou que se alguma vez fizesse o que estava fazendo seu irmão, seria na maior intimidade. Encaminhou-se a uma das muitas tendas que serviam de cantina aos mineiros. Estava claro que durante esses últimos três dias tinham estado completamente vazias. Os mineiros não tinham deixado de beber, mas em lugar de beber nas tendas, compravam as garrafas de whisky aguado que lhes vendiam e as levavam para perto da fogueira do acampamento, onde Laurel e Toby permaneciam sentados tomando as apostas.
O homem que Jamie queria ver estava na tenda cantina. Depois de tudo, Jamie tinha deixado ordens de que lhe dessem para beber todo o whisky que quisesse e pudesse suportar. Com anos de experiência a suas costas, Sleb podia beber muito. Nesse momento estava para começar sua terceira garrafa.
— Como vão? — Perguntou Sleb ao ver entrar Jamie. Não balbuciava ainda, mas tinha os olhos quase fechados.
— Muito bem — respondeu Jamie e se sentou. — Acabam de cair do piano pela sexta vez.
Sleb assentiu com a cabeça.
— Lembro uma vez entre os bastidores na Philadelphia com uma bonita mest... — apagou a voz e cerrou os olhos, recordando.
Por um momento Jamie pensou que ele dormira.
— Tem algo mais a me dizer? — Perguntou em voz baixa.
Sleb abriu os olhos injetados de sangue.
— Nada mais. Contei-lhe tudo o que sei. — Levantou a garrafa de whisky e a olhou. — De fato, não acredito que minha vida vai valer muito depois de tudo o que lhe contei. — Soprou com uma careta zombadora. — Mas por outro lado, suponho que minha vida não valia muito antes de lhe conhecer. — Inclinou a garrafa para se servir. — Um gole?
— Não, obrigado – Jaime ficou de pé. – Será melhor que eu retorne. Poderiam decidir sair dessa bendita cabana e quero estar lá quando meu irmão sair para falar com ele. É obvio que vão precisar dormir em algum momento.
Sleb esboçou um forte sorriso sonhador.
— Aquela vez na Philadelphia eu passei quatro dias sem dormir. Era mais jovem então e acreditava que me converteria no melhor cantor de todos os tempos. — Voltou a servir-se da garrafa.
Jaime mordeu a língua para não falar. Ainda não tinha encontrado um bêbado que não acreditasse que era o único que tinha sofrido na vida.
— Deus me livre da autocompaixão dos bêbados — e saiu da tenda.
A mão de Ring acariciava prazerosamente o ventre nu de Maddie. Por volta de três dias e meio que seu corpo e suas necessidades tinham constituído sua única preocupação. Era como se não tivesse nada na cabeça, que carecesse de inteligência, como se fosse um animal que se deixava guiar unicamente pela luxúria e o instinto sexual. Sorriu.
— Compartilha-o comigo? — Pergunto Maddie tratando de ajeitar as costas. Tinham batido com as costas contra o chão com bastante força várias vezes.
— Estava pensando em meu pai. Estaria orgulhoso de mim.
— De você? Ah! O que você fez? Eu que fiz todo o trabalho. Eu sou a que teve que... — Se apagou sua voz. Estava muito cansada inclusive para discutir. – Sim, suponho que estaria orgulho de você. Embora não estou muito certa de que meu pai se sentiria orgulhoso de mim. – Bocejou, e pôs a mão sobre seu peito. — Isto é maravilhoso, mas...
— Mas o quê? Não estará por se render verdade? Caramba, se acabamos de começar. Ainda há várias coisas que eu gostaria de provar. — Disse isto, mas nem sequer se moveu para cair sobre ela como fez no dia anterior. — Pergunto-me se Jaime conseguiu averiguar algo ao interrogar sua irmãzinha — comentou Ring olhando o teto.
Maddie lhe sorriu.
— Se você está pensando em seu irmão, então suponho que a lua-de-mel terminou. E é uma verdadeira pena porque eu estava pensando em algumas provas a mais no piano. — No momento em que dizia suas costas começaram a doer.
Nenhum dos dois fez comentários sobre as presunções do outro. Simplesmente ficaram deitados no chão um nos braços do outro, sentindo-se cômodos e familiarizados com a pele nua do outro e conhecendo intimamente cada centímetro do corpo do outro.
— Acho que deveríamos nos vestir? — Perguntou Maddie pouco depois. — Talvez devesse ver como anda Laurel. Possivelmente deveria falar com Jaime. Talvez...
Ele rolou pelo chão e ao ficar quase sobre ela, a olhou.
— Sim, acredito que é hora de saiamos. Está bem? Não está muito dolorida e machucada? Muito arroxeada?
— Não tenho uma só parte em todo o corpo que não doa — respondeu ao olhar nos seus olhos. — Não tenho uma só parte que não esteja arroxeada, mas foram dias maravilhosos. — Brilharam-lhe os olhos. — Acredito que nestes três dias aprendi tanto como nos três primeiros anos com madame Branchini. — Passou os dedos pela bochecha sem barbear. — Tenho que ver também seu lábio superior.
Ele a beijou brandamente.
— Maddie, eu...
Não lhe permitiu terminar a frase, sobravam às palavras. Eram duas pessoas que se precisaram mutuamente, tanto física como emocionalmente e se encontraram.
— Sei como se sente porque sinto o mesmo. Tinhas razão quando me disse que tínhamos estado nos procurando.
Ring contemplou os seios nus de Maddie.
— Certamente que a tinha estado procurando — disse ele em tom malicioso.
Maddie soltou uma gargalhada e lhe deu um empurrão.
— Me ajude a vestir o que ficou de meu pobre vestido e vamos ver que aconteceu com os outros.
Ao ficar de pé Maddie se sentiu um pouco fraca e Ring teve que sustentá-la. Agora que podia pensar outra vez, sentiu-se um tanto incomoda ao lhe olhar e recordou tudo o que tinham feito durante os últimos dias. Mas tinham se comportado como dois possessos e nada nem ninguém no mundo poderia lhes haver detido.
Ele beijou a ponta do seu nariz.
— Não me olhe desse modo. Esta é somente a primeira das muitas vezes que passaremos juntos. Vire-se e me deixe atar este artifício que quer usar.
Sorrindo, Maddie ficou de cara para a parede enquanto ele puxava os laços do espartilho para apertar à perfeição.
Uma hora mais tarde Maddie e Ring se achavam sentados com Toby, Laurel e Jamie ao redor da fogueira. Antes de abandonar a cabana, Maddie havia se sentido bastante incomoda. Tinha certeza de que no acampamento todos sem exceção estariam inteirados do que tinham estado fazendo durante todos esses dias que tinham passado encerrados na cabana. Mas ao abrirem a porta e aparecerem, encontraram um acampamento onde reinava a atividade normal com Edith inclinada sobre o fogo revolvendo a panela, Toby e Jamie deitados junto à fogueira e Laurel escrevendo algo em uma caderneta. Maddie sorriu alegremente. Se Maddie era cantora, e sua irmã Gemma era pintora, talvez Laurel se convertesse em escritora.
— Boa tarde — saudou Maddie suavemente e todos levantaram a cabeça e a olharam.
— Oh, olá — respondeu Laurel com um sorriso radiante para receber a sua irmã mais velha — gozou de umas férias prazerosas?
Maddie se alegrou da crescente escuridão que dissimulava seu rosto avermelhado.
— Sim, obrigada, e lhe cuidaram bem?
— Oh, sim — respondeu Laurel aumentando os olhos. — Toby me ajudou a recolher flores silvestres. Estou imprensando-as na caderneta.
— E as vendendo a mil dólares cada uma — resmungou Jamie.
— O que quer dizer? — Perguntou Ring.
Laurel fulminou Jamie com o olhar.
— Ele pensa que eu deveria vender meus desenhos.
— Ou assumir a direção contábil de Warbrooke Shipping — disse Jamie em voz baixa. — Ai! — Gritou um segundo depois em resposta com um terrível chute que lhe tinha dado Laurel.
A jovenzinha sorriu a sua irmã.
— Quer um pouco de café?
Maddie aceitou a xícara que lhe deu Toby, logo ofereceu uma a Ring, mas este estava olhando muito atentamente seu irmão.
— Desembucha de uma vez! — Exigiu enquanto tomava assento em um tronco que tinha próximo do fogo. Nem sequer percebeu que a casca já estava lustrosa de tantos traseiros que se sentaram ali durante os últimos dias.
Maddie se sentou junto tratando de não fazer caretas de dor ao mover-se. Alguma das partes intima de seu corpo estavam muito doloridas. Ring percebeu que ela ficou rígida e se voltou para ela com um sorriso de cumplicidade. Ela não lhe fez caso e olhou fixamente Jamie.
— O que o faz pensar que seu irmão tem algo a dizer? — Perguntou a Ring, mas com a vista fixa no irmão mais novo.
— Conheço-lhe e está quase se arrebentando para me dizer. Não vê? — Respondeu Ring— E bem?
Jamie já não podia conter mais o sorriso de satisfação que teimava para lhe iluminar o rosto. Queria e planejava contar a seu irmão tudo o que tinha acontecido com as apostas nesses dias, mas nesse momento tinha coisas muito mais importantes que lhe contar.
— Averiguei tudo absolutamente.
Maddie conteve a respiração.
— O que descobriu?
Jamie a olhou e pareceu se divertir com seu desconforto.
— Averiguei tudo sobre as cartas e seu general Yovington.
A xícara de Maddie ficou a meio caminho de seus lábios. Laurel estava a salvo e com todas as preocupações, nestes últimos dias não tinham tido tempo de pensar no sequestro. Tudo o que desejava era sair deste território e retornar ao Este onde poderia cantar. Depois de fazer uma curta visita a sua família e lhes devolver Laurel, isso é o que tinha projetado.
— O que tem ele? — Inquiriu Ring. — Como averiguou? E o que exatamente averiguou?
— Enquanto vocês estavam, ah... ocupados em outras coisas, tive a oportunidade de falar com esta menina. — Lançou a Laurel um olhar que Ring não pôde interceptar. — Suas respostas a minhas perguntas levaram-me a um homem chamado Sleb.
— O homem que cantou contigo — disse Ring a Maddie.
— Exato — corroborou Jamie. — Houve uma época que foi um tenor bastante bom, pelo menos é o que ele conta. Mas nos últimos anos estava passando maus bocados.
— A garrafa.
— Correto.
— Agora me diga, o que tem a ver este velho bêbado com Maddie e Laurel? — Ring sorriu à jovenzinha. Era uma criança de aparência tão doce e delicada que bem poderia ser a imagem de um anjo em qualquer ilustração celestial, mas ele conhecia muito bem a boquinha que tinha. Sua única esperança era que Maddie não a ouvisse.
— Sleb trabalhava para o irmão do general Yovington em um povoado chamado Desperate.
— Conheço de ouvido esse lugar — disse Toby e pela forma como ele disse despertou a curiosidade de Ring.
— É o mesmo que acontece com os elementos mais indesejáveis da sociedade — comentou Jamie. — Os dois irmãos Yovington são quase os únicos donos de todo esse povoado e da mina de ouro que está nas proximidades.
Maddie, até então, não tinha aberto a boca, mas decidiu fazê-lo nesse instante.
— O general Yovington me ajudou a encontrar Laurel.
— Como não ia fazê-lo se foi ele mesmo quem arrumou o sequestro de sua irmã?
Maddie deixou a xícara de café no chão e ficou olhando fixamente Jamie.
— Conforme Sleb me disse, os dois irmãos tinham investido todas as suas economias nessa mina de ouro, mas o rendimento da nervura foi nulo.
— Possivelmente é por isso que chamaram Desperate a esse povoado — disse Laurel e Toby assentiu para ela inclinando a cabeça.
— Talvez. Suponho que estão desesperados. Ambos têm mais de cinquenta anos e se acham com quase nada para lhes consolar na velhice. Então, faz quatro meses, os irmãos se reuniram — Jogou um olhar a Maddie. — Seu general andava por este território passando em revista a alguns fortes da zona e, ao encontrar-se com seu irmão se inteirou de que a mina de ouro estava esgotada por completo. Então, decidiram, que se não podiam obter o dinheiro legalmente, obteriam-no de modo ilegal. Durante os últimos dois anos se extraiu uma grande quantidade de ouro destas montanhas e decidiram apoderarem-se disso.
— Roubando! — Disse Maddie. — Tinham a intenção de tirar o ouro destes pobres homens que trabalharam tão duro para achá-lo?
— Precisamente, e assim o fizeram. O único problema era tirar o ouro das montanhas sem despertar suspeitas. O ouro é pesado e os mineiros... bom, poderiam notar e suspeitar muito de alguém que viajasse a cavalo com alforjas que pesassem cinquenta quilos em cada uma.
— Assim que utilizaram a mim para ir de povoado em povoado.
— Exatamente. Esse velho Concord em que viaja pode dar capacidade a muita carga, especialmente se tiver um falso segundo fundo como têm o teu. — Jamie fez uma pausa enquanto os outros assimilavam esta informação. Sentia-se bastante orgulhoso de si mesmo por ter descoberto todo isso. — E as cartas? — Perguntou Ring.
— Em branco. O objetivo que perseguiam era que Maddie se afastasse do vagão para que pudesse ser recarregado, isso é tudo. As cartas eram um estratagema.
— Dinheiro — disse Maddie incrédula. — Todo isto era nada mais que por dinheiro. Eu supunha que estava fazendo algo, eu não sei, talvez algo que tinha a ver com a política. Acreditava que estavam me utilizando pelo menos para ajudar em uma causa que alguém realmente acreditava. Mas fui unicamente uma simples e vulgar ladra.
Ring lançou um olhar a seu irmão.
— Qual dos servos de Maddie estava envolto nisto? Tinham que ter um cúmplice entre os que rodeavam Maddie.
— Era Frank — respondeu Jamie — mas não se preocupem, esse não nos incomodará mais.
Ring assentiu com a cabeça, mas não perguntou que tinham feito com Frank.
— Por que escolheram Maddie? — Inquiriu Ring logo depois de uns segundos.
— Qualquer cantora, ou mago, daria no mesmo, lhes teria servido para isso. Só precisavam de alguém que pudesse viajar livremente de acampamento em acampamento sem despertar suspeitas.
Jamie sorriu zombeteiramente.
— Parece que o irmão do general adora ópera. Pelo visto, a ópera é o único que o apaixona nesta vida. — Contemplou Maddie assombrado.
Ela assentiu com a cabeça. Frequentemente tinha tropeçado com gente como o irmão do general. Homens que lhes brilhavam os olhos quando a olhavam.
Jamie sacudiu a cabeça em uma série de incredulidade.
— Deveria ouvir o que se diz deste povoado chamado Desperate. Está cheio de delinquentes e criminosos. Está apoiado contra a montanha e só tem um caminho de entrada e um de saída por uma estreita ponte de terra. E o irmão de Yovington dirige esse lugar como se fosse seu próprio estado feudal, manda pendurar a qualquer homem que o contrarie. Os homens dizem que preferem que lhes pendurem antes que...
— Enforquem — disseram em uníssono Maddie e Ring.
Jamie revirou os olhos como dizendo: "Deus, livre-me dos amantes."
— Que seja. Ninguém em seu são juízo quer ir lá. — Jamie sorriu.
— Mas a coisa mais estranha e curiosa que tem esse povoado é o amor fervente do tal Yovington pela ópera. Inteirou-se que Sleb tinha sido cantor de ópera sobre verdadeiros cenários e que também tinha ensinado cantos líricos antes que a bebida o apanhasse, assim Yovington embebedou Sleb e lhe recrutou pela força para que treinasse cantoras para ele. Pagava ao velho Sleb com whisky.
— Nunca ouvi que se mencionasse outra cantora nesta parte do país.
— De todos os modos, nenhuma cujo nome recorde — replicou Ring só para os ouvidos de Maddie.
Jamie riu.
— Não existe nenhuma, mas Yovington obrigava Sleb a treinar... — Deu uma olhada a Laurel. — Sleb treinava as damas da noite.
— Oh, putas — disse Laurel sem pestanejar e assentindo com a cabeça.
Os três homens voltaram à cabeça e cravaram seus olhares de censura em Maddie. Ela encolheu os ombros.
— Bailey. — Voltou o olhar para Jamie.
— Essas mulheres não podem ter sido muito boas.
— Horríveis. Espantosas. Sleb diz que os gatos possuem melhores vozes que essas mulheres.
Maddie não percebeu o sorriso autossuficiente de Ring.
Jamie continuou.
— Mas Yovington dizia que ele possuía uma grande imaginação, assim obrigava a estas mulheres a lhe seguir em qualquer lugar que fosse. Sleb me disse que os homens podiam suportar os enforcamentos de Yovington e a terrível solidão, mas sob nenhuma hipótese podiam aguentar o canto dessas mulheres. A cada três meses mais ou menos, os homens conseguiam fazer fugir à mulher da vez e isso lhes dava um pouco de paz até que Sleb pudesse treinar a outra.
— E por isso mandou sequestrar Laurel?
— Suponho que pensou que poderia matar dois pássaros de um tiro só, melhor dizendo, de um tiro com bala de ouro. Sleb está quase convencido de que quando chegasse ao final da excursão e Maddie tivesse cantado nos seis acampamentos e os sequestradores não lhe houvessem devolvido Laurel, Yovington ia enviar-te uma mensagem que diria que tinha encontrado sua irmãzinha e se não se importaria de ir a Desperate para buscá-la. — Jamie olhou novamente para Maddie. — Não tenho certeza de que tivesse a intenção de soltá-la quando a tivesse em seu poder. Sleb acredita que se propunha a devolver Laurel com uma única condição, que se casasse antes com ele.
— Me casar? —Exclamou Maddie, horrorizada.
Ring sorriu.
— Ouvi coisas piores.
Maddie desviou o olhar e ocultou o rosto ruborizado.
— Partiremos pela manhã — disse Ring a seu irmão e Jamie assentiu com a cabeça.
— Partir para onde? — Perguntou Laurel.
— Pressinto que é para converter-se em heróis — disse Toby e seu tom deu a entender claramente o que opinava sobre o assunto.
Nem Jamie nem Ring disseram uma palavra.
— Ring — disse Maddie docemente. — Aonde vão?
— A Desperate, é obvio.
Imediatamente, o coração de Maddie começou a pulsar com mais força e rapidez, mas tratou de asserenar-se. Sua mãe sempre havia dito que não havia no universo um ser pouco razoável que um homem que tornou uma decisão.
— Por que vão a Desperate?
— Há um assunto pendente.
Maddie ia levantar a xícara à boca, mas estava tremendo muito sua mão.
— Armas de fogo — sussurrou ela. — Tem a intenção de entrar ali com armas de fogo. Propõe-te fazer uma matança. Quer que lhe matem?
— Não é essa minha intenção — respondeu, indignado. — Me proponho em tirar Yovington dessa Montanha e cuidar de que o submetam a um julgamento pelo que tem feito.
— Isso não te concerne em absolutamente. Deveria deixar este assunto aos que têm a autoridade.
— E quem seria?
— Não sei. O exército. Sim, isso, leva a exército contigo.
Ring lhe sorriu indulgentemente, com esse tipo de sorriso inato e característico nos homens.
— Isto não tem nada que ver com o exército, e, além disso, o exército me designou a tarefa de cuidá-la e foi a você quem Yovington fez sofrer mais que a ninguém.
Ela se levantou e o olhou de acima.
— Sim, foi a mim a quem esse homem feriu mais e parece que me corresponde o direito de dizer que é que quero. Já recuperei Laurel e isso é tudo o que quero. Amanhã pode me levar de retorno à casa de meu pai e deixaremos ali Laurel.
Ele levantou a cabeça e a olhou.
— Tenho que ir procurar Yovington.
— Tem que se vingar, isso é tudo. Reduz isso a vingança, nada mais.
Ele tomou sua mão entre as suas.
— Não, não se trata de vingança, é algo que tenho que fazer contra ventos e marés.
Ela o contemplou um momento e soube que não havia nada nem ninguém que pudesse lhe fazer mudar de opinião. Subitamente compreendeu o que era o amor em realidade, era aceitar à outra pessoa tal qual era. Não tratar de mudá-la no que alguém queria que fosse, a não ser aceitá-la tal qual era. Ring tomava suas responsabilidades muito a sério, era um homem de honra que faria tudo aquilo que considerava necessário, sem reparar nos perigos que podiam lhe espreitar.
Reprimiu as lagrimas de temor piscando rapidamente e espremeu sua mão entre as dela.
Ring lhe sorriu, a fez sentar de novo sobre o tronco a seu lado.
— O que acontece agora com vocês dois? — Inquiriu Jamie tratando de lhes alegrar um pouco. Perguntou como se conhecesse a resposta de antemão. Era possível que as mulheres se aborrecessem em falar de justiça, mas de acordo com sua experiência pessoal elas adoravam falar de matrimônio.
Ring sorriu pacientemente.
— Oh, suponho que o habitual entre amantes. Você e eu veremos o que poderemos fazer com os sequestradores, e quando retornarmos Maddie e eu nos casaremos no forte. — A olhou nesse momento. — Suponho que fará de mim um homem honesto, não é assim? Acaso não estava se aproveitando de mim nestes últimos dias, estava?
Maddie se encontrava muito transtornada ao pensar que Ring partia para liderar uma batalha para dar-lhe toda sua atenção. Cravou a vista em sua xícara de café e assentiu distraidamente. Não era precisamente a petição de matrimônio que tinha desejado ouvir de seus lábios, mas depois do que tinham feito nos dias passados, esperava que se casasse com ela. Não podia negar que Ring tinha um sentido da honra a toda prova, refletiu Maddie com certa irritação, e voltou a piscar com força para conter as lagrimas.
Toby primeiro olhou a um Montgomery e depois o outro, por fim para Maddie.
— Onde vão viver vocês dois?
— Em Paris — disse Laurel com tom de admiração em sua voz. — Bailey me contou tudo sobre Paris.
Maddie abriu a boca para falar. Uma cantora lírica vivia em todo o mundo. Mas antes que pudesse dizer uma palavra Ring respondeu por ela.
— Viveremos em Warbrooke, é obvio. — Piscou um olho para Laurel. — Iremos visitar Paris e possivelmente você possa ir conosco, mas devo dirigir uma empresa, assim teremos que viver em Warbrooke. — Voltou-se para olhar Maddie. — Você adorará. Está à borda do mar e é um lugar realmente lindo.
Maddie permaneceu em silencio durante um momento.
— Onde vou cantar?
Ele tomou sua mão, a apertou e logo a soltou.
— Farei construir o teatro mais magnifico que jamais tenha visto.
O tom de voz de Maddie era muito doce.
— Com assentos de estofado?
— O que você queira. Se preferir brocado de seda ele comprará para você.
— E o teto dourado?
— É obvio. Contratarei alguns artesãos italianos para que esculpam querubins no teto. Amor, será o teatro mais lindo da América. — Olhou para Jamie. — Demônios, faremos que seja o teatro mais lindo do mundo.
— E quem irá me escutar? — Perguntou Maddie.
Ele lhe sorriu.
— Todos os que queiram. Não acredito que tenha compreendido a espécie de família com quem vai aparentar-se. Deseja que venha o presidente? Faremos que esteja presente. — Sorriu amplamente. — Poderíamos fazer com que seu primo, o rei da Lanconia, visite-nos.
Maddie não sorria. Seus olhos estavam muito sérios.
— Pagar-lhes-á para que me aplaudam? Comprará também Florença para que se jogue em meus pés? Comprará diamantes depois de cada uma de minhas atuações? Ou só me arrojará um maluco como faria com um cão treinado?
O semblante de Ring perdeu o sorriso.
— Aguarda um minuto. Não é isso o que quero dizer, está me interpretando mal. Não a considero como um cão treinado. É a mulher que amo e quero te fazer feliz.
— Comprando?
Ring olhou para Toby, Jamie e a uma assombrada Laurel que os observava boquiaberta.
— Talvez fosse melhor que falássemos disto em particular.
— Por quê? Para que possa me mudar e me faça esquecer a sensatez com que nasci? Não, obrigado, acredito que devemos falar disto aqui e agora diante de testemunhas. Eu não vou passar o resto de minha vida em alguma comunidade isolada do resto do mundo onde cante somente para você e seus parentes. Ah, sim, esquecia-me, e para quem quer que você pague para que me ouça cantar,
— Isso não é absolutamente o que quis dizer. Não estava prestando atenção.
Ela deixou a xícara de café e ficou de pé.
— Não, você é o que não estava me escutando, e se estava me escutando em realidade não compreende nada com respeito a minha voz. Sou uma das melhores cantoras do mundo. Sou uma das melhores cantoras de todos os tempos.
Ring esqueceu as pessoas que lhes rodeava.
— Sua vaidade supera o imaginável.
Voltou-se para ele com uma expressão veemente no rosto.
— Não, não entende. Realmente não entende absolutamente nada. Não me considero a mulher mais bonita de todos os tempos. Em realidade sou medianamente bonita. Não sou a mais inteligente e, como você realça com bastante frequência, não sou a mais culta nem melhor educada. Tampouco sou uma dessas mulheres que inspiram amor a todos os que a conhecem. É verdade, os homens me desejaram, geralmente devido à minha voz, mas... pelo menos até que te conheci... nunca ninguém me amou realmente fora os integrantes de minha família ou do grupo de amigos de meu pai. E nunca tive uma amiga em toda minha vida.
— O que tem a ver isso conosco e onde vai cantar?
— Todo isso está terrivelmente relacionado com minha voz. Minha voz é meu único e verdadeiro tesouro. Não possuo inteligência, nem beleza, nem um caráter particularmente bom e doce, mas tenho a melhor voz e a mais bela de todas as cantoras contemporâneas, uma das melhores vozes que jamais foi dado a um ser humano. Não vê? Tenho que usar minha voz. Você tem a obrigação de retornar a Maine e ajudar seu pai a dirigir sua empresa porque tem boa cabeça para os negócios. Eu tenho a obrigação de compartilhar minha voz.
Ring lhe deu um sorriso condescendente.
— Existe uma grande diferença entre uma "companhia" do tamanho e importância de Warbrooke Shipping e cantar ópera. Não acredito que você perceba a grande envergadura de Warbrooke Shipping. Somos os que transportamos cargas pelo mundo inteiro.
Maddie quase esteve a ponto de rir zombeteiramente.
— Usam esse lema impresso em seus documentos debaixo do cabeçalho de sua companhia?
Ele desviou o olhar. O lema não estava impresso nos documentos, mas sim, em numerosas placas por toda parte ao redor dos escritórios.
Maddie respirou profundamente tratando de asserenar-se. Era imperioso que ele entendesse.
— Tenho certeza de que ajudam a muita gente. Mas, para falar a verdade, se sua família não fosse à proprietária dos navios nos que navega tanta gente, então qualquer outra família o seria. Eu, pelo contrário, com minha voz sou realmente insubstituível. Ninguém pode tomar meu lugar. Absolutamente ninguém sobre a terra pode fazer o que eu faço tão bem.
— Está muito equivocada se pensa que qualquer um poderia dirigir uma empresa do tamanho e importância de Warbrooke Shipping. A empresa pertence a minha família há mais de cem anos. Desde que éramos meninos nos treinam para saber como dirigi-la. Cada filho... Aonde vai?
— Não está fazendo nenhum esforço para me escutar. Já tem decidido que o que você faz é importante e o que eu faço não tem nenhuma importância, e não vai escutar o que tenho a dizer. Então não vejo razão para discutirmos mais este assunto.
Ele se levantou instantaneamente e a puxou pelo braço.
— Não pode partir assim sem mais nem menos. Percebe que estamos falando de nossa vida? Se não viver comigo em Warbrooke, que vai acontecer conosco?
Quando Maddie falou o fez com um semblante sereno e voz calma.
— O que vamos fazer nós dois se eu não fizer o que você quer? Não é essa a verdadeira pergunta? — De um puxão libertou o braço da mão de Ring, — Se olhe — disse ela. — Desde o primeiro instante em que o vi pressenti que tinha dinheiro. Caminha com aprumo e a confiança de alguém que sempre pôde comprar tudo o que deseja. Desta vez decidiu que queria comprar uma cantora lírica. Queria comprar uma bonita gaiola na forma de um teatro luxuoso com estofados e dourado por toda parte, cheio de gente famosa. Queria comprar diamantes e vestidos de seda. E em troca, todas as vezes que quisesse ouvir a sua pequena cantora lírica, tudo o que teria que fazer seria olhá-la fixamente e lhe dizer: "Canta, passarinho" e ela o faria. Depois de tudo, tinham-na comprado pagando por ela, não é verdade? Pertencia a você e tinha todo o direito de mandar nela como quisesse, exatamente igual a todos esses homens que trabalham para você e que manda como se fossem escravos, certamente.
— Você não compreende.
— Quem não compreende nada é você.
— O que supõe que eu devo fazer se quer seguir atuando em público? — Fez soar isto como se ela fosse uma bailarina de taberna. — Tenho que te seguir de cidade em cidade? Sustentar sua capa? Possivelmente me permitirá se encarregar dos cenários. Possivelmente deva ter cartões impressos com seu novo nome, senhora A Rainha. Tenho que ser duque?
Maddie o olhou com profunda tristeza em seus olhos.
— Nunca te menti sobre o que era importante para mim. Sempre te disse que minha voz é a coisa mais importante em minha vida.
— Não estou pedindo que deixe de cantar — ele gritou. — Pelo que a mim se refere pode cantar da manhã à noite. Eu sim, quero que cante. — Deixou de gritar. — Maddie, não posso fazer o que você quer. Sei que considera Warbrooke Shipping como um simples negócio, mas é mais que isso. Em minha família a tradição é algo muito importante e minha família é importante para mim. Os Montgomery são tão importantes para mim como seu canto é para você.
Ela compreendeu muito bem o que ele estava dizendo. Era o fim de tudo. Embora soubesse, que não podia renunciar a tudo aquilo que para ela era a vida, para converter-se em seu passarinho enjaulado.
— Não posso fazê-lo — murmurou ela. — Morreria. Murcharia e morreria se tiver que renunciar a minha vida para receber seu amor.
— Eu não te estou pedindo... Oh, diabos! Jamie, fale você. Olhe se pode fazer com que entre em razão.
Jamie não disse nenhuma palavra e Ring se virou e olhou seu irmão. Os olhos de Jamie refletiam desaprovação.
— Não me diga que está de acordo com ela — quase gritou Ring dirigindo-se a seu irmão mais novo.
A boca de Jamie se endureceu.
— Não é o único filho. Tem seis irmãos e, embora seja verdade que nenhum de nós é tão bom administrador como você para dirigir Warbrooke Shipping, daremos um jeito. De fato, arrumar-nos-emos muito bem sem você.
Com o rosto distorcido pela ira, Jamie se levantou de um salto e por um momento pareceu que os dois homens começariam a dar golpes, mas Jamie foi o primeiro em voltar-se e afastar-se.
Maddie começou a lhe seguir, mas Ring a segurou por um braço.
— Não pode partir agora. Temos que resolver isto.
Maddie estava tentando conter as lagrimas.
— Está resolvido. — Levantou os olhos para ele e as lagrimas brotaram e rolaram por suas bochechas. — Madame Branchini tinha razão, ela dizia que poderia ser cantora ou ser como as demais mulheres.
— Você é como as demais mulheres — disse ele brandamente. — Precisa e quer amor como todas as demais mulheres. Estou-te oferecendo meu amor. Por favor, não me rechace. Por favor, não creia que estou forçando-a a renunciar a seu canto.
— Mas é assim e você nem sequer vê o que está fazendo. — Livrou-se da mão com uma sacudida. — Não percebe que eu nunca pedi que me dessem este dom? Ninguém se apresentou sentado sobre uma nuvem rosa com um livrinho na mão e me disse: estamos planejando sua vida. Quer ser cantora ou deseja ter uma vida normal com um marido, filhos e amigos? Não perguntou o que eu queria fazer de minha vida.
— O que teria escolhido? — Inquiriu ele em tom baixo.
As verdadeiras lágrimas começaram a rolar nesse momento.
— Não sei. Não sei. O que está feito, feito está. Não posso mudar o que sou.
— Eu tampouco.
Maddie não pôde seguir falando, pois, as lágrimas se amontoaram em sua garganta. Levou a mão à boca e fugiu correndo.
Ring ficou imóvel olhando-a fixamente enquanto ela se afastava. Tinha que haver alguma forma de fazê-la entrar em razão, pensou. Tinha que haver alguma forma de explicar...
— Ai! — Exclamou e levou a mão à panturrilha antes de olhar Laurel, surpreso. Acabava de dar-lhe um chute.
— E a que se deve isso?
— Fez chorar a minha irmã e enfureceu Jamie. Odeio-te. — Não terminou de dizê-lo, se virou e saiu correndo atrás de sua irmã.
Ring girou e olhou a fogueira, onde ainda, Toby seguia sentado. Com mão tremula se serviu de uma xícara de café e sentou-se.
— Não parece que você seja muito popular neste momento —contra-atacou Toby.
— É o que parece — responde Ring. — Amanhã pela manhã ela verá que...
— E o quê? — Perguntou Toby.
Ring não disse nada e cravou o olhar na xícara de café.
— Não tem nenhuma importância — disse Toby. — As mulheres se encontram a um centavo a dúzia. Sempre estão por aí. Sempre no caminho, estorvando. Uau, aposto que em uma semana pode conseguir outra mulher. A filha do coronel Harrison se desvela por você. Tenho certeza de que se encantaria em ir contigo a Warbrooke. Também adoraria que lhe comprasse diamantes e vestidos de seda. E mais, às vezes acredito que uma das coisas que mais ela gosta em você é Warbrooke Shipping. De fato, muitas vezes penso que isso é o que à maioria das mulheres gostam de vocês, os moços Montgomery. Isso me inquietaria bastante se eu estivesse contemplando a ideia de me casar. Sabe, se eu fosse tão rico como vocês, os Montgomery tão amantes da tradição familiar, e uma mulher quisesse casar-se comigo por ser tão rico, me inquietaria. Entretanto, isso não parece te inquietar nem incomodar absolutamente. De fato, no que a você concerne, se uma mulher não quiser seu dinheiro, trata de dar-lhe de qualquer modo. Isso é bom, permite-te saber qual é sua relação com ela.
Ring arrojou o café ao chão e ficou em pé.
— Toby, fala muito e não compreende nada. — Afastou-se da fogueira caminhando devagar.
— É verdade — gritou Toby a suas costas. — Não sou tão preparado como você. — Voltou o olhar a fogueira e soltou um sopro de irritação. — As pedras são mais preparadas que esse moço.
15
Maddie afastou de seu caminho Edith lhe dando um empurrão e selou seu cavalo. Quando o animal inflou a pança, Maddie deu um golpe no seu estomago e puxou com força a cilha apertando-a o mais que pode. Fazia bastante frio no início da madrugada, mas ela não o sentia. Não tinha dormido nada durante a noite e tinha permanecido acordada olhando o teto da tenda, enquanto ouvia a respiração compassada de Laurel que dormia placidamente e os outros sons do silêncio noturno.
Ring não se aproximou dela e tampouco esperava que ele fizesse. Amaldiçoou-se durante toda a noite, perguntando-se por que tinha acreditado que poderia ter uma vida normal como a de todos os outros.
Reclinou a cabeça sobre o cavalo e pensou em sua mãe. Seu pai sempre tinha recebido todo o crédito por suas viagens e seus jornais, mas os membros da família sabiam quanto ele devia à sua esposa. Se não tivesse sido pela natureza calada e serena de Amy Littleton, Jefferson Worth teria morrido no anonimato como centenas de montanheses antes dele.
Maddie precisava imperiosamente ver sua mãe, falar com ela, lhe pedir conselhos, simplesmente sentir-se estreitada entre seus braços. Cerrou os olhos e lembrou o que sua mãe havia dito a primeira vez que cantou diante de seu pai, a noite em que ela opinou que ele tinha que ir ao Este para conseguir uma professora para Maddie.
Quando Amy Worth agasalhou sua filha na cama, Maddie tinha sussurrado ao ouvido da mãe:
— O que vai acontecer comigo?
Amy respirou fundo.
— Por alguma razão Deus te bençoou... ou amaldiçoou, segundo como se olha... tem um grande talento. Escolheu-te entre toda as pessoas. A fez diferente. E de agora em diante sua vida nunca voltará a ser a mesma. Reconheço que não é mais que uma menina, mas já tem que decidir se desejas honrar este precioso dom ou escondê-lo.
— Oh, honrá-lo — tinha respondido Maddie facilmente.
Amy não havia devolvido o sorriso. Em troca, tinha agarrado sua filha pelos ombros e a tinha sentado na cama até ficar cara a cara.
— Me escute bem, Maddie, e presta muita atenção. Se sua decisão é honrar o dom, nunca terá uma vida normal como os outros mortais. Terá momentos de grande exaltação, momentos maravilhosos, mas também padecerá terríveis agonias, como nenhum ser humano padeceu jamais. Tem que aceitar tudo isto sem exceção, entende-me?
Maddie não tinha ideia do que estava falando sua mãe. Para ela cantar era somente um prazer e nada mais. Era receber adulações e a atenção dos adultos. Era receber abraços, mimos e elogios.
Sua mãe estava esquadrinhando o semblante de sua filha.
— Permitirei que seu pai vá em busca de uma professora para você se assim o desejar.
— Sim. Eu gosto de cantar.
Amy sacudiu levemente sua filha.
— Não. Não basta que você goste. Tem que amá-lo. Maddie, um talento como o teu é tudo ou nada, e deve desejar cantar mais que nada neste mundo.
Nesse momento Maddie compreendeu apenas um pouco. Naquela época cantar era tudo para ela. Tomava o lugar das tarefas escolares e das brincadeiras, substituía aos vestidos bonitos e os companheiros de brincadeira e todas as outras coisas que se consideravam boas na vida. Preferia cantar a qualquer outra coisa.
— Quero cantar — disse docemente.
Amy viu arder à paixão nos infantis olhos de sua filha e soltou um suspiro, logo abraçou Maddie com força contra seu peito.
— Que Deus te proteja — sussurrou.
Nesse momento, por fim, Maddie compreendia as palavras de sua mãe, tudo o que tinha querido dizer aquela noite. Até então não tinha existido nenhum conflito entre o que desejava e o que tinha que fazer. Oh, sim, não podia negar que havia vezes que apesar de seu cansaço e de seus desejos de estar a sós se via obrigada a cantar porque havia um grupo de pessoas clamando por ouvi-la. Algumas vezes tinha saudades da solidão que reinava nas montanhas de seu pai, e outras se irritava terrivelmente por ser requerida não pelo que ela era, mas sim pelo que podia oferecer às pessoas, mas tudo isso não era mais que um incômodo. E sempre tinha estado segura de que poderia abandonar Paris ou Veneza ou qualquer outra cidade quando desejasse com suficiente veemência. Mas agora parecia que não restavam mais opções na vida.
— Maddie.
Levantou a cabeça mais não se voltou para olhar Ring.
— Por favor, não se afaste assim — disse ele. — Passemos o dia juntos e falemos.
Voltou-se e o olhou.
— Viajará comigo enquanto canto?
— Tenho que gerenciar a empresa da família. Já estive longe bastante tempo e tão logo termine meu contrato no exército devo retornar.
— Então podemos nos casar e viver separados. Farei tudo o que esteja a meu alcance para retornar a América para ver-te e está contigo pelo menos a cada dois anos.
A expressão de seu rosto foi resposta suficiente. Maddie voltou a olhar seu cavalo.
— Por que me fez isto? — Perguntou docemente. — Por que fez que me apaixonasse por você?
Ele alargou a mão para tocá-la, mas ela se afastou rapidamente.
— Maddie, estas coisas podem acontecer. Eu nunca tive a intenção...
Voltou-se e o olhou fixamente.
— Sim, teve. Desejava-me e fez todo o possível para me conseguir. Comportou-se como alguém que tendo visto um objeto encantador em alguma cristaleira, economizou e planejou adquiri-lo a todo custo.
— Isso é absurdo. Apaixonei-me por você. Acontece todos os dias. Se você...
— Quando exatamente se apaixonou por mim? Diga-me o momento exato.
Ring não sabia bem a que ela se referia com toda essa conversa sobre aquisições, mas não pôde deixar de sorrir ao lembrar o instante em que percebeu de que a amava.
— Foi depois que aqueles mineiros a raptaram, no dia em que a trazia de volta de onde eles lhe tinham levado. Tínhamos estado conversando e tudo entre nós era tão natural e sem afetação. Caí na conta de que era diferente de todas as outras mulheres e então você levantou seus olhos para mim e soube que te amava.
Ela voltou à cabeça para não lhe olhar.
— Isso foi há algum tempo. Depois disso o que fez?
— Maddie, estas perguntas são ridículas. Amamo-nos. Podemos resolver isto.
— Podemos resolvê-lo cantando no teatro que construa para mim?
— Não chego a entender por que acha isso algo tão funesto. Converteremos Warbrooke no refúgio ideal para os amantes da ópera. Gente de todo o mundo virá ali para te ouvir. Construirei também um hotel para lhes receber e, é obvio, poderemos lhes transportar nos navios de Warbrooke Shipping.
— Comprar-me. Comprar-me. Isso é em tudo o que pode pensar. Se eu seguir seu caminho, morrerei sem nunca ter obtido fazer algo por mim mesma. Em minha lápide não escreverão que fui uma grande cantora, mas sim que meu marido comprou tudo para me fazer feliz a sua maneira.
— Maddie, não está agindo de modo sensato e razoável.
Girou bruscamente e o olhou com lagrimas nos olhos.
— Sensata? Não conhece a sensatez. Tudo o que sabe é o que deseja. Malcriaram-no tanto em sua vida que sempre teve tudo o que quis. Permitiram-lhe dirigir o negócio da família quando era apenas uma criança. E também lhe permitiram se alistar no exército. E agora decidiu que quer por esposa uma avezinha cantora, assim espera que também te permitam obter seus propósitos,
— Maddie, está ficando histérica. E não sabe do que está falando. Sempre tive que trabalhar duro para conseguir o que tenho.
— Como trabalhou para me conseguir? — Com a ira foi levantando o tom. — Planejou o modo de me atacar como planejasse a campanha de uma batalha. Decidiu que me desejava, calculou a forma de me conseguir e logo pôs seu plano em ação.
— Faz-me parecer um ser desalmado e cruel. Admito que houve um pouco de premeditação, mas não vejo que isso fosse mau. Amo-te e te desejo.
— Seriamente? Diferencia-me de Edith? Ou simplesmente se encaixa nos planos de sua vida se casar com uma estrela de ópera? Não seria encantador poder vincular o nome da Rainha com o ilustre sobrenome dos Montgomery?
— Está indo muito longe agora — comentou ele em tom baixo.
— Oh, não tenho porque ferir os sentimentos dos magníficos Montgomery, não é isso? Oh, Ring, meu Deus! Por que o fez? Por que se esforçou tanto para que me apaixonasse por você?
— Porque te amava e queria que você me amasse também.
— Eu! — Quase lhe gritou — Eu? Não sabe nada de mim. Te disse faz muito tempo que se não ouvisse meu canto não me conheceria absolutamente. Parece acreditar que sabendo que espécie de comida eu gosto ou qual é minha cor favorita me conhece. Essas coisas não têm nada que ver comigo.
Pela expressão de Ring percebeu de que ele não entendia uma palavra do que ela estava dizendo. Desvaneceu-se sua ira e se voltou para seu cavalo.
— Oxalá não o tivesse feito. Se queria uma esposa, alguém que usasse os bonitos vestidos que você comprasse e que estivesse em casa esperando cada dia sua volta do trabalho, então deveria havê-la buscado e ter se casado com ela. Teria que ter escolhido a uma mulher que fosse o que você quer que seja sua esposa e me deixasse em paz. — Reclinou a cabeça contra o cavalo e reprimiu as lagrimas. — Por que você não se contentou somente em me levar para a cama? Isso parece ser o que a maioria dos homens deseja das mulheres, mas não você. Nem sequer quis fazer amor comigo até que não o amasse. E agora me obriga a escolher entre você e minha música.
— Não estou te pedindo que renuncie à música.
Maddie começou a ajustar correias do cavalo que já estavam bem seguras.
— Não, só está me pedindo que cante para você encerrada em uma gaiola de ouro. — Girou em círculo. — Maldito seja! Maldito uma e mil vezes no inferno, Christopher Hring Montgomery! Conhece-me o suficiente para saber que não sou uma mulher frívola e que quando amo, é para sempre? Em minha vida vi muitas cantoras com grandes vozes que renunciaram ao canto depois de poucos anos, simplesmente por que deixaram de amá-lo. Mas eu... se amo a alguém ou algo, é para sempre. Não mudo facilmente o afeto que sinto por pessoas, animais ou pelo que faço.
Ele colocou a mão grande e firme sobre o braço de Maddie.
— Não sei por que pensa que amo a alguém que não conheço, mas é você a quem amo. Faz tempo que percebi que você ama com todo seu coração. Quando descobri que estava cantando neste lugar agreste para alguns homens que não podiam apreciar sua voz e seu valor só para salvar sua irmãzinha, que não tinha visto em anos, tive a certeza de que te amava. Maddie, ainda não vê como somos parecidos. Jamais poderia amar a alguém que não fosse tão apaixonada como eu. Se me casasse com alguma dessas mulheres que se contentam vivendo a vida de seu marido, eu a aterrorizaria. — Apertou-lhe com força o braço. — Não pode me deixar. Depois de lidar com Yovington devo retornar ao forte. Espere-me lá. Juntos poderemos resolver este problema. Possivelmente depois que estejamos casados poderíamos irmos juntos a Paris ou a Londres todos os verões para que cantasse.
— Como poderíamos resolver uma questão? Desconhece o significado da palavra compromisso. Eu sou a única que deve comprometer-se. Só eu. Nunca você. Você não consente em nada. Se decidir que devemos passar três dias acorrentados um ao outro, então é sua decisão e de ninguém mais. Jamais me pediu opinião. Se decide que irá atrás de minha irmã vai, sem me dizer jamais uma palavra, fugindo nas sombras e deixando uma nota assinada com suas iniciais. Agora está me dizendo que devo me casar contigo e fazer tudo o que você decidir durante o resto de minha vida.
Ele olhou-a soltando faíscas pelos olhos e sacudiu a cabeça.
— Em realidade não entende nada, verdade? — Conteve as lagrimas com muita dificuldade e levantou o queixo. — Me permita que lhe explique isso o mais claramente possível. Não é a única pessoa do mundo que tem que fazer o que se deve contra ventos e marés. Da mesma maneira que acha que deve ir atrás dos sequestradores completamente só e, sem se importar com a opinião dos outros, eu acredito que devo cantar. Tenho que cantar para outras pessoas, não para o público que você possa comprar, mas sim para aqueles que escolhem livremente ouvir meu canto e minha voz. Eu não vou viver a sua vida, vou viver a minha. — Afastou-se dele de um puxão.
— Quer dizer que se afastará de mim, não é assim? Vai renunciar ao que temos sem sequer tentar resolver nossos problemas?
De um salto Maddie montou o cavalo e lhe observou de acima.
— Você é o único que parece não estar capacitado para ver as coisas do outro ponto de vista que não seja o seu. — Recolheu as rédeas. — Espero que seus elevados princípios morais lhe mantenham quente pelas noites. — Afrouxou as rédeas para que o cavalo empreendesse a marcha, mas repentinamente se deteve. — Que me pendurem se mentir! Espero que seja desventurado toda sua vida, e que cada vez que leia que estou cantando em algum lugar do mundo, faça-o chorar. — Depois disto, cutucou o cavalo e saiu a galope.
16
Maddie ficou de pé ao lado de seu cavalo e passeou o olhar pela bonita paisagem nas proximidades da casa de seu pai e teve vontade de chorar. Mas não podia chorar ou pelo menos, não ia chorar. Já tinha derramado muitas lagrimas.
Tinha passado três semanas desde que deixou Ring, três semanas longas, intermináveis e atrozes. Quando tinha chegado à casa paterna se alegrou ao ver de novo seus pais e aos velhos montanheses, mas está perto de todos eles não a tinha feito se sentir melhor. Ouça Bem tinha chegado ao rancho dez minutos depois de Maddie e Laurel e tinha agraciado os ouvidos de seus velhos amigos com as histórias das aventuras de Maddie com o oficial do exército. Possivelmente em outro momento Maddie as teria achado divertidas e teria rido delas, mas não agora. Não tinha feito mais que saudar sua família e saiu dali deixando que eles ouvissem os relatos jocosos de Ouça Bem.
Mas sua mãe a tinha seguido e foi entre os braços de sua mãe que Maddie tinha encontrado repouso e paz enquanto lhe contava o que verdadeiramente tinha acontecido. Maddie contou o medo que tinha tido por Laurel, de seus temores ao cantar e, sobretudo falou de seu amor por Ring.
— Mas ele quer me encerrar em uma gaiola — lhe disse.
Sua mãe não havia dito muito, só a tinha escutado. Durante as duas primeiras semanas da estadia de Maddie na casa paterna, os amigos de seu pai tinham tentado de tudo para distraí-la e tirá-la de sua melancolia. Bailey cantou três novas canções, terrivelmente vulgares e pediu que o ajudasse com as toadas, mas Maddie disse que ele estava fazendo bastante bem por sua conta. Seu pai a convidou para saírem de caça, mas Maddie não quis lhe acompanhar. Linq lhe pediu que o ajudasse a procurar algumas árvores jovens para fazer esquis novos para o inverno, mas Maddie disse que preferia ficar em casa. Thomas comentou que estava escrevendo suas aventuras de quando era jovem e precisava da ajuda de Maddie, mas ela não podia concentrar-se no assunto. Ouça Bem tratou de brincar com ela, mas Maddie apenas revirava os olhos cada vez que ele falava.
Laurel perdeu a paciência com sua irmã.
— Está muito melhor sem ele! — Gritou-lhe. — Eu não gostava dele absolutamente. Ele acreditava que sabia tudo. Acredita que é o único que pode gerenciar essa empresa, e aposto que Jamie pode fazer melhor que ele. Ele...
— Jamie não poderia deixar de flertar o tempo suficiente para fazer alguma coisa — disse Maddie, com voz lenta. — Não sabe nada de Ring. Ele cuida das pessoas. Carrega a responsabilidade do mundo. E agora vai estar completamente sozinho.
— Não vai estar sozinho. Encontrará alguém que o acompanhe. E você encontrará outro homem e ele...
— Demoramos toda uma vida em nos encontrar e não encontraremos a ninguém mais. Eu continuarei cantando e...
— Apagou sua voz. Até seu encontro com Ring tinha acreditado ter tudo do que precisava na vida, mas agora nada parece ter significando sem ele. Por que não canta? — Perguntou docemente Laurel. — Todos querem te ouvir cantar. Bailey disse que você não se lembra como se faz. Disse que esse homem a fez esquecer o canto.
Maddie piscou para conter as lagrimas. A última vez que tinha cantado tinha sido para Ring quando tinham feito amor durante uma infinidade de dias.
Agora, de pé nessa colina, contemplando a campina, não sabia o que ia fazer com sua vida.
— Não se decidiu ainda?
Maddie se virou para sua mãe que tinha se aproximado silenciosamente e sorriu. O resto do mundo acreditava que Jefferson Worth tinha explorado o Oeste sem ajuda de ninguém, mas Maddie sabia o quanto a vida de seu pai estava envolvida com a da esposa e o quanto Amy Littleton o influenciou.
— Decidir o quê? — Perguntou Maddie.
— Decidir quanto significa o amor para você. — Maddie não respondeu e sua mãe seguiu falando. — Quando seu pai me pediu que me casasse com ele, senti-me plenamente feliz. Imediatamente comecei a falar de nossa vida juntos, como retornaríamos a Boston e viveríamos na casa de meu pai. Eu dizia que Jeff podia dirigir a empresa de transportes de carga de meu pai. Até falei das roupas elegantes que compraria para Jeffrey.
Maddie olhou com curiosidade para sua mãe. Estava desconcertada. Sabia que seu avô materno tinha sido um homem muito rico e que uma das objeções de Jeff em levar uma jovenzinha pelo rio Missouri acima para pintar o que encontrassem, tinha sido sua vida de luxo e comodidades. Mas Maddie não podia imaginar seu pai vivendo em outra parte do mundo que não fosse o Oeste, não podia imaginá-lo vestindo outra coisa que não fossem calças de pele.
Amy continuou.
— Por um tempo pensei que teria que renunciar a ele. Estava farta do pó e da imundície, das montanhas e do Oeste em geral. Estava enjoada da mesma comida dia após dia. Estava cansada dos homens e de seus sujos hábitos. Queria retornar ao Este e viver com gente que podia expressar um pensamento completo sem intercalar palavras obscenas a cada passo. Desejava estar rodeada de livros e ouvir uma boa música e ver pratos de porcelana sobre a mesa. Ansiava vestir bonitos vestidos de seda e renda.
Alguns anos antes Maddie não teria desejado ouvir que isso tinha acontecido a seus pais. Antes, sempre tinha querido acreditar que tinham estado apaixonados eternamente, que jamais tinham tido nenhum problema.
— O que fez?
— Deixe-o. Eu sabia o que queria e ele não podia me dar isso. Voltei para o Este e vivi todo um ano sem ele. — Amy sorriu ao recordar. — Mas eu não tinha contado com a grande mudança que se operara em mim durante esse ano. Já não era a mesma dama escrupulosa que tinha partido. Minhas antigas amigas me irritavam muito quando se assustavam por algo banal como um cavalo nervoso. Quando se fica presa sem água durante três dias enquanto os apaches lhe disparam seus rifles, um cavalo nervoso não é nada. E, além disso, eu estava sempre escandalizando as pessoas com minhas observações e comentários. Já não podia suportar mais a dissimulação e a pretensão da "sociedade" que nos atava de pés e mãos.
— Então retornou para o lado de papai? — Inquiriu Maddie, ansiosa.
— Naquelas alturas eles tinham um barco a vapor que navegava rio acima e subi a bordo e me apresentei diante dele.
— E lhe rogou que a aceitasse de volta.
Amy começou a rir.
— Não exatamente. De fato, muito longe de rogar, eu disse-lhe o que tinha que fazer para me conservar ao seu lado. — Sorriu. — Não precisava de muita sagacidade para ver que ele era tão desventurado sem mim como eu sem ele. Disse-lhe que queria uma casa como era devido e que eu não iria vagabundear por todo o Oeste como ele pretendia fazer. Disse-lhe também que ele era livre para viajar quando quisesse fazê-lo, mas que eu permaneceria em um só lugar.
Maddie olhou para as montanhas e sorriu. Tinha dado resultado com seus pais, porque todos os verões seu pai saía para explorar, visitando seus amigos em diferentes tribos e alguns dos velhos montanheses que ainda viviam nas montanhas. Maddie tinha o acompanhado em cinco desses verões e Gemma quase sempre tinha ido com ele.
— Tenho que ir ao encontro de Ring e lhe dizer que devo cantar e que ele deve vir comigo? — Perguntou Maddie.
— Não sei. Só sei que amava seu pai, fiquei com ele e nunca me arrependi disso.
— Nesse caso foi você quem teve que ceder, mas agora é Ring quem tem que ceder por mim. — Maddie cobriu o rosto com as mãos. — Nem sequer sei se ainda está vivo. Foi a esse maldito povoado a procura do homem que raptou Laurel. Se matarem Ring será por minha culpa. Raptaram Laurel porque esse homem queria me ouvir cantar e se Ring...
Amy abraçou afetuosamente sua filha.
— Não pode se culpar por nada. Foi uma decisão que ele tomou.
— Ele toma todas as decisões — afirmou Maddie com amargura.
Essa noite não pôde conciliar o sonho e permaneceu com os olhos cravados no teto. Não encontrou nenhuma resposta satisfatória para seu problema, muito antes da alvorada, levantou-se da cama e se vestiu.
Fora da casa de tijolo cru ainda reinava a escuridão, mas seu pai estava ali, aguardando-a.
— Vou buscá-lo — declarou Maddie, resolvida. — Não deveria fazê-lo e talvez me arrependa algum dia, mas agora vou buscá-lo.
Seu pai esboçou um sorriso.
— Pensei que o faria. Nós, os Worth, sempre perseguimos e conseguimos o que queremos. Quis cantar e o fez.
— E agora quero este homem.
Jeff sorriu pícaro para sua filha.
— Herdou isso de sua mãe.
Maddie o olhou. Ring havia dito que Jefferson Worth deveria ser bastante velho, mas se conservava muito bonito e Maddie não podia imaginar-se viva quando ele estivesse morto. Seguindo um impulso irresistível, rodeou com os braços a cintura de seu pai e se apertou contra ele.
Jeff acariciou o cabelo de sua filha.
— Estamos perdendo tempo. Vamos buscá-lo.
Quando já estavam preparados para partir, de cavalos selados e as mochilas cheias, Thomas, Bailey e Linq também se preparam para cavalgarem com eles. E quando todos tiveram montado em seus cavalos, Amy, Laurel e Ouça Bem se uniram a tropa. Maddie não podia os olhar sem começar a chorar. Sua família sempre tinha estado ali, junto dela.
— Vamos de uma vez salvar esse seu moço — disse Bailey com impaciência. — Estava desejando um pouco de emoção. Há muita tranquilidade por estes arredores. Embora, não sei bem, o que vamos poder fazer levando conosco mulheres e menina.
— Eu posso disparar e acertar o alvo muito melhor que você — disse Laurel. — Já está muito cego até para ver onde termina seu nariz,
— Jeff, essa sua filha não é respeitosa — grunhiu Bailey.
Maddie sorriu para seu pai e todos empreenderam a marcha montanha abaixo.
No segundo dia de viagem, Thomas e Jeff repentinamente detiveram a marcha de seus cavalos, Ouça Bem desmontou e se deslizou entre as árvores, enquanto Linq e Bailey levaram às três mulheres ao centro de um círculo de proteção.
Maddie conteve a respiração. Fazia muitos anos que não vivia deste modo, onde cada movimento podia significar um perigo. Todos eles, sem exceção, trataram de não fazerem nenhum ruído e de ficarem imóveis em seus lugares enquanto escutavam atentamente. No princípio, Maddie não podia ouvir nada, e se maravilhava de que tanto seu pai como os outros homens fossem capazes de ouvir tão bem.
Quando por fim ouviu algo não estava segura do que era, mas depois arregalou os olhos e se endireitou na sela de montar.
— É ele — sussurrou.
Seu pai se voltou e a olhou com o cenho franzido. Tinha lhe ensinado que não devia falar quando algum perigo lhes espreitasse.
Mas Maddie não prestou atenção, esporeou seu cavalo e começou a correr montanha abaixo, enquanto os seus a seguiam de perto.
Não tinha emitido uma única nota desde que tinha voltado há mais de três semanas, mas nesse momento, em cima do cavalo que galopava a rédea solta, começou a cantar. Não estava muito certa do que estava cantando, mas acreditava que era Carmen, quando a cigana cantava sobre seu soldado.
Ring estava subindo precipitadamente pela ladeira da montanha, para ela e quando chegou ao seu lado, rodeou-lhe a cintura com um braço e desmontando-a, subiu-a sobre seu cavalo e começou a beijá-la com desespero.
— Não pude fazê-lo — disse ele. — Não podia te perder.
Maddie não se preocupava com as palavras, só queria abraçá-lo, senti-lo e tocá-lo. Ficaram em cima do cavalo de Ring beijando-se com os corpos entrelaçados enquanto as pessoas começavam a lhes rodear, a família de Maddie de um lado e a de Ring do outro lado.
Passados alguns minutos as duas famílias começaram a mostrarem-se inquietas e Jamie se adiantou com seu cavalo.
— Sou James Montgomery e esse é meu irmão Ring — esclareceu dirigindo-se a Thomas e Jeff. Havia um toque de temor reverencial no tom de sua voz ao encontrar-se cara a cara com esses homens que para ele eram legendários.
Foi Ring quem finalmente percebeu que Maddie e ele tinham público que os olhavam com assombro e satisfação. Fez avançar Botão de Ouro lhe cravando os joelhos nos lados e se ocultaram detrás das árvores. Ring afastou bruscamente Maddie.
— Temos que falar — lhe disse resoluto.
Maddie tinha medo de falar. Quando se beijavam ou faziam amor, tudo ia bem. Era somente ao falarem que se metiam em verdadeiros problemas.
— Mais tarde — sussurrou ela beijando-o outra vez.
— Não — respondeu ele com firmeza, logo desmontou e lhe estendeu os braços. Quando ela pisou no chão, ele a manteve a uma distância prudencial. — Quero dizer isto agora, enquanto posso, porque não tenho certeza de ter coragem o suficiente para dizê-lo outra vez.
— Coragem? — O coração de Maddie pulsou com mais força. — Coragem para me dizer o quê?
Ele se afastou mais dela e lhe deu as costas
— Coragem para dizer que tinha razão — disse ele em tom muito baixo.
Maddie pestanejou a suas costas e ficou diante dele.
— Razão em quê?
— Bom... talvez tenha razão em várias coisas. — Ele a olhou e Maddie viu as escuras olheiras de Ring. Não tinha dormido muito como ela. — Encaminhei-me a Desperate. Tinha toda a intenção de levar a julgamento Yovington, mas não deixava de te ouvir dizer que eu buscava vingança.
Ring desviou a vista.
— Suponho que vivi a maior parte de minha vida completamente sozinho. — Sorriu-se ao dizê-lo. — Sozinho em uma família com nove filhos. Não sei bem como o fiz, mas foi assim. — Voltou a olhá-la. — Tinha razão quando me disse que eu sempre tinha feito o que queria. Minha família nunca tentou me deter ou me impedir de fazer o que eu queria. Não acredito ter aprendido jamais o significado da palavra ceder.
Maddie se aproximou e pôs a mão sobre seu peito.
— O que aconteceu a caminho de Desperate?
— Percebi que pela primeira vez em minha vida poderia não conseguir o que desejava. Toby disse que fui malcriado, que o dinheiro dos Montgomery sempre pôde comprar qualquer coisa e que eu não saberia como lidar sem esse dinheiro. Eu acreditava que ele não tinha ideia do que dizia. O dinheiro não ajuda quando os índios estão disparando para matá-lo.
Agachou à cabeça, a olhou e acariciou sua bochecha.
— Quando te deixei, estava convencido de que você só se afastava por um capricho. Era o mais lógico de pensar, considerando que é mulher e cantora de ópera. Pensava que iria prender Yovington e depois a levaria até Warbrooke e tudo seria exatamente como eu tinha planejado.
Fez uma pausa e recuperou o fôlego.
— Foi Jamie quem me fez compreender que o que eu desejava tanto poderia não se realizar nunca.
— O que fez ele?
— Disse-me que iria sentir falta de seu canto. Toby disse que iria sentir saudades dos seus miados também. Ri deles, disse que poderiam ouvi-la quanto quisessem quando estivéssemos em casa. — Ring voltou a fazer uma pausa. — Jamie me disse: "Não, desta vez, irmão. Desta vez você perdeu." Até esse momento não tinha acreditado em uma só palavra das que me havia dito, pois considerava que se tratava de um caprichoso arranque infantil.
Tomou as mãos de Maddie entre as suas e as apertou tanto que lhe machucou, mas ela não protestou.
— Não dormi nessa noite. Fique deitado na cama insone por completo, pensando como seria a vida sem você. Não pude sequer imaginar. Tratei de repetir várias vezes que se não queria viver comigo era você quem perdia e que eu encontraria outra mulher, mas não serviu de nada. Levei anos em te encontrar e não vou deixar que saia de minha vida.
Estendeu os braços para abraçá-la, mas ela retrocedeu até ficar fora de seu alcance.
— Conta-me tudo. Que fez a respeito do Yovington?
Ring sorriu e passou a mão pelos seus cabelos, acariciando-a.
—Acredito que minha família não me deixará nunca em paz, mas fiz o que você me disse.
— O que eu te disse?
— Deixei Yovington a cargo do exército. Jamie, Toby e eu pusemos os pés na poeira e nos dirigimos ao Forte Breck, relatei tudo ao coronel Harrison e ele levou uma guarnição de soldados para prender Yovington. Insisti em que não mencionasse meu nome e que o coronel recebesse todo o mérito, assim possivelmente o velho Harrison receba uma medalha ou algo pelo estilo.
— E que te perdoe por fazer da sua vida impossível?
— Isso espero. Falta-me cumprir um ano a mais de serviço no exército.
— E depois vai fazer o quê? — Quis saber Maddie.
Não se apressou em responder e Maddie pressentiu que estava a ponto de dizer algo que era difícil declarar.
— Meditei no que me disse quando falava de estar em uma gaiola e tratei de entender o que queria me dizer. Parece que sou um homem de talento para dirigir e administrar uma empresa da envergadura de Warbrooke Shipping, mas... e se meu pai fosse tão rico que não tivesse que se preocupar com seu dinheiro, e para me dar prazer e consentimento, comprasse para mim um negócio, para que eu o dirigisse? Nunca saberia com certeza se eu sou realmente bom para os negócios. — Ele sorriu. — Negociar um acordo com êxito, saber que ganhou por sua inteligência e seu planejamento te produz uma grande emoção. Suponho que deve ser o mesmo que você sente quando canta para um público que foi ver-te por vontade própria e não porque devem algum favor a companhia de seu marido.
Respirou fundo e quando falou Maddie soube que ele estava dizendo o que saía do seu coração.
— Não posso te pedir que renuncie à sua carreira. Irei a qualquer lugar que vá. Seguir-te-ei ao redor do mundo enquanto possa cantar — terminou ele brandamente.
Maddie lhe observou um momento antes de falar.
— E que fará enquanto eu estiver cantando? Controlar os acessórios?
— Possivelmente me dedique a investigar os interesses de Warbrooke Shipping em outros países do mundo. Alguma vez cantou em Hong Kong?
Maddie tinha medo de mover-se. Isto era o que ela tinha desejado tanto. Ele a amava. A ela. Não à mulher que tinha criado em sua cabeça, a não ser a ela, Maddie. E ele também amava A Rainha, uma mulher que tinha algo a fazer em sua vida que vegetar junto a um marido, para que ele a tivesse sempre que precisasse dela. Ele amava o que ela era e quem era e estava disposto a dar, assim como a receber.
Deu-lhe o mais radiante de seus sorrisos enquanto tratava de conter as lagrimas de alegria que davam um brilho inusitado a seus olhos.
— Sabe? Eu estava pensando que talvez pudesse cantar ao redor do mundo no inverno e passar os verões contigo em Maine e cantar nesse teatro que projeta construir para mim.
Ele ficou imóvel com os braços pendurando aos lados do corpo sem atrever-se a tocá-la.
— Quer dizer, se você considerar que isso poderia funcionar. Acha possível abandonar seus negócios durante seis meses ao ano?
Ring levou a mão à mandíbula e a esfregou.
— Ainda posso apalpar o lugar exato onde Jamie me deu a entender, que meus irmãos são perfeitamente capazes de dirigir Warbrooke Shipping, sem mim.
— Estou disposta a tentar se você também estiver — afirmou ela.
Passou mais de um minuto antes que Ring falasse, mas a tomou entre seus braços e a fez girar no ar, louco de alegria.
— Funcionará. Eu farei que funcione.
E então a beijou longa e profundamente.
— Ring, fiquemos aqui e...
— Não — replicou ele firmemente. — Quero conhecer seu pai e a todos os outros, e quero que nos casemos imediatamente e quero começar a dirigir suas finanças.
— Minhas finanças? O que o faz pensar que pode manejar meu dinheiro? Não tem suficiente trabalho dirigindo seus assuntos?
— Ninguém vai extorquir minha esposa e tenho pensado em me encarregar de...
— Para sua melhor informação, devo-te dizer que perguntei a minha mãe o que tinha acontecido com meus lucros. Ela me disse que seguindo suas diretivas, John Fairley tinha lhe enviado quatro relatórios de conta por ano de tudo o que eu tinha ganhado e ela investiu em coisas.
— Investido em "coisas", eh? Alegro-me de ouvir que alguém em sua família possui um pouco de senso comum quando se trata de dinheiro. Aborrecer-me-ia que meus filhos crescessem sem estarem capacitados para dirigirem Warbrooke Shipping.
— Nossos filhos vão ser cantores ou possivelmente artistas e você não vai dirigir a vida deles como tenta dirigir a minha. E, além disso...
Emudeceu porque ele a estava beijando e ela esqueceu tudo o que pensava em lhe dizer.
Jude Deveraux
O melhor da literatura para todos os gostos e idades