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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A ENERGIA DO AMOR / Dara Joy
A ENERGIA DO AMOR / Dara Joy

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A ENERGIA DO AMOR

 

Zanita trabalha como repórter de um jornal local. Cansada de cobrir sempre histórias muito superficiais, decide dar uma volta em sua carreira investigando um tema muito mais sério, presumindo a fraude que está levando a cabo um “medium” que se está ficando rico a custa de seus ingênuos clientes. Seguindo sua investigação por engano chega até o cientista Tyber Evans, um gênio que vive confinado em sua mansão e que resulta ser um homem excêntrico, muito seguro de si mesmo e realmente cativante.

Tyber a ajudará em sua investigação, principalmente para poder ficar mais tempo com a atraente Zanita, a qual não imagina que um homem tão sexy e brilhante como Tyber possa estar interessado nela. O sexo e sua paixão pelos filmes antigos de terror lhes unem, experimentando sentimentos e sensações que até o momento não tinham podido nem imaginar.

 

 

— Os homens? Gostaria de fritá-los em azeite fervente!

— Não quer dizer isso.

— E cortar-lhes as...

— Zanita!

Zanita sorriu para sua amiga Mills.

— ... Línguas mentirosas.

— Falsa.

— Ia dizer línguas mentirosas.

— Claro.

— Ok, então. De qualquer forma, estou farta, farta e farta!

Mills suspirou dramaticamente.

— Não ouvi isto antes?

— Dessa vez é sério, Mills. — Zanita golpeou a mesa da cozinha com as palmas das mãos para dar ênfase. — Já tive o suficiente.

— É mesmo? E foi bom? — Mills tratava de esconder seu sorriso atrás da xícara de café.

— Pode parar de rir? Estou tentando falar sério.

Mills se recostou em sua cadeira.

— Ah, quer dizer que é isso? E eu acreditando que tinha vindo até aqui para fofocar.

Zanita levantou as mãos em um gesto de indignação.

— Isso também! — Olhou com desânimo a sua xícara. — Sem dúvida, não foi por seu café.

— Perdão, mas todo mundo adora meu café. Só porque você prefere uma bebida em que a colher fica em pé sozinha, não faz de você uma crítica fidedigna. E estamos nos desviando do assunto... Coisa que você faz extraordinariamente bem, Zanita.

— Bem, o que esperava?

Mills arqueou uma sobrancelha.

— Lucidez? Racionalidade? Talvez um vislumbre de realidade?

—Está certo. — Zanita a olhou diretamente nos olhos. — Não aconteceu...

— Não aconteceu o quê?

Zanita desabou sobre sua cadeira.

— Não foi nada bom.

Mills contemplou a sua amiga como se acabasse de chegar de Marte. Como muitas vezes as pessoas adotavam essa expressão a sua volta, Zanita decidiu ignorá-la.

— Não tem feito!

— Sim, tenho feito — exalou. — Não quero falar disso.

— Então, por que mencionou? — Mills a observou com firmeza.

—Está certo, está certo. — Sua amiga a conhecia muito bem. Não era uma grande surpresa. — É só que foi tão... Ora.

Mills pestanejou várias vezes.

— Ora?

— Já está me olhando dessa forma outra vez.

— De que forma?

— Como se eu viesse da face oculta de Marte.

— Perdão — Mills se inclinou para diante. — Mas, estamos falando do Rick, não? Seu atual namorado?

— Meu último namorado, no passado. — Zanita passou a mão distraidamente entre os curtos cachos negros. — E por que se surpreende tanto?

Mills lhe sustentou o olhar.

—Direi as razões. — E foi assinalando dedo por dedo. — Primeiro, conforme me lembro, não era você quem dizia que jamais voltaria a manter uma relação com alguém depois que o Steve deixou você, sem nada para recordá-lo, salvo um montão de dívidas?

Zanita examinou com atenção as flores do papel de parede a sua esquerda.

— Suponho que essa fui eu — balbuciou.

— E não foi você quem esperou dois anos para voltar a sair com alguém?

Zanita observou atentamente o desenho intrincado dos ladrilhos do chão.

— Suponho que essa também fui eu.

Mills assentiu com a cabeça para enfatizar a admissão de Zanita.

— E não é você quem esteve saindo com o Rick há três meses, dizendo ao pobre rapaz, que por sinal está louco por você, que não queria dele mais que uma relação platônica?

Zanita tamborilou com os dedos sobre a mesa.

— Aonde você quer chegar?

Mills se aproximou para olhá-la.

— O que a fez dormir com ele de repente? —exclamou — E a mim, custa um pouco acreditar que um homem como Rick seja “ruim” na cama.

Zanita encolheu os ombros.

— Não sei porquê. Possivelmente senti curiosidade.

— Curiosidade? Que tipo de razão é essa?

— Não sei!

— Posso compreender a paixão ou uma farra louca e selvagem, ou inclusive, um bom agarramento tradicional, mas curiosidade?

— Me deixe em paz, certo?

Mills se arrependeu imediatamente.

— Sinto muito, Zani, é só que não parece nada com você. Você não gostou nem um pouquinho?

Zanita fez uma careta.

— Não. E apesar do que você possa acreditar, ruim descreve a experiência com perfeição. Tudo acabou muito rápido.

Mills baixou a voz até o que considerou um tom sério.

— Chegou a...?

— Não. — Zanita percorreu a borda da xícara com o indicador; estava a ponto de fazer uma confissão terrível. — Mills, eu... Nunca.

As sobrancelhas de Mills arquearam.

— Nenhuma vez?

Zanita se afundou ainda mais na cadeira.

— Não.

— Nem sequer com o Steve?

Suspirou.

— Nem sequer com o Steve.

Ambas permaneceram sentadas em silêncio refletindo sobre o problema.

Finalmente, Zanita rompeu o silêncio.

— Bem, então, o que será?

Como estava acostumada a fazer quando refletia profundamente, Mills tomou um longo gole de café e devolveu a xícara à mesa lentamente. Zanita sabia que não falaria até que o som da xícara tocando a mesa desaparecesse. Nesse preciso momento, Zanita podia contar que Mills teria uma inspiração.

Aí está. Esta mulher é um gênio, pensou.

Mills a olhou diretamente e pronunciou:

—Você não estava bem.

Os olhos violeta de Zanita pestanejaram duas vezes.

—Como assim? Não estava bem? — desabou sobre a mesa. — Deus, Mills, me dê um tempo.

— Pensa nisso.

— Não — Foi a resposta amortecida em cima da mesa.

— Pense bem. Com o Steve, inconscientemente, nunca confiou totalmente nele, com razão, posso acrescentar, assim não podia... baixar a guarda, por assim dizer. Sempre faltava algo. E quanto ao Rick...

Zanita levantou a cabeça ligeiramente da mesa.

— Por favor, chega de psicologia barata, eu lhe peço.

Mills continuou impassível.

— Com Rick, não havia nada. Não havia paixão. Não havia luxúria, portanto, não houve satisfação.

Zanita se aprumou em sua cadeira.

—Acha que é isso?

— Sim, Zanita. Conheço você praticamente desde que nasci. Quando duvida a respeito de algo, sempre se inibe, se retrai.

—Verdade? — Pensou nisso um momento. —Tem razão. Faço. Não tinha me dado conta até agora.

— Por outro lado, quando se sente segura a respeito de algo, se joga de cabeça, sem nenhum tipo de restrição.

O tom de Zanita foi particularmente frio.

— Está dizendo que me arrisco sem pensar?

— Não se faça de ofendida. Encare isso amiga, por natureza, você não se preocupa quando o fim justifica os meios.

— O que quer dizer...?

Mills estendeu os braços.

— O que quero dizer é que primeiro você age e vive com as conseqüências depois.

— Então, doutora Ruth, o que tem tudo isto a ver com meu problema?

— Tudo. Quando encontrar um homem que a faça se arriscar sem pensar, estará bem.

— Bem, então não tenho com que me preocupar, não é verdade? —perguntou sarcasticamente. — Nós duas sabemos que não existe um homem que possa me transtornar dessa forma.

Mills começou a rir bobamente, viu a expressão de Zanita e rapidamente, cobriu a boca com a mão.

— O que é tão divertido? Achei que fosse minha amiga.

— Claro que sou, só acabo de imaginar um homem que chega, engana você para que saia da concha e enquanto você se preocupa com a pérola, ele a coloca sobre os ombros e arrasta até a cama.

Seus olhares se encontraram e ambas caíram na risada.

— Falemos da habilidade da mão... — Isto causou outra onda de gargalhadas.

— Por favor... — Disse Zanita ofegando, enquanto colocava as mãos nos quadris.

— A mão — Disse Mills entre risadas — É mais rápida que o olho!

— Pára!

— A... Agora entendeu... — Mills ria com tanta força que não pôde continuar.

Zanita se queixou.

— Isso é terrível.

Mills enxugou as lágrimas com as costas da mão.

— Ah, precisava disso. Não disse algo a respeito de um seminário esta noite?

— Sim, obrigada por me lembrar. Tenho que ir ao campus de Hampshire para me inscrever. — Zanita pegou um biscoito da mesa.

Mills a imitou de forma automática.

— Odeio estas malditas coisas.

— Então, por que compra?

— Porque são tão bons... — Deu uma mordida no biscoito.

— Estão bons... Dê-me outro.

— Toma, pega o pacote inteiro, por favor. Empurrou o pacote para Zanita, que o empurrou de volta.

— Nem pensar. Não poderia suportar vê-los me olhando fixamente, no meio da noite.

— Aqui nunca duram até o meio da noite. —Mills suspirou enquanto agarrava outro biscoito. — E do que se trata o seminário?

— Desenvolvimento psíquico — Balbuciou em torno de um pedaço de biscoito.

— Não sabia que tinha interesse por esse tipo de coisa.

— Não me interessa... Quero escrever um artigo a respeito desse cara que anda por aí, dizendo às pessoas que é um curador espiritual. Ouvi algumas coisas alarmantes a respeito dele, mas ainda não fui capaz de confirmar nada. Pensei que, se assistisse a uma aula dele sobre o tema, poderia extrair alguma informação sobre a situação.

— O jornal encarregou você dessa história? Por fim permitiram que fizesse um pouco de reportagem investigativa?

— Não exatamente. Estou fazendo por minha conta.

— E isso é prudente?

— Preciso fazer isto, Mills. Tenho que me liberar das reportagens sobre festas de jardim. A única coisa que o chefe me dá é ninharia. Como vou chegar às boas histórias se não tomar a iniciativa por minha conta?

— Talvez não queira que se machuque. Coisas como essa podem ser perigosas, Zanita. Ambas sabemos que Hank é uma agradável relíquia de outro século, mas tem muita experiência. Talvez esteja defendendo você.

—Droga, Mills, tenho vinte e sete anos! Não preciso de um chefe rabugento que aja como se fosse meu avô.

—Mas, o rabugento é seu avô.

— Essa não é a questão. Estava acostumado a ser um grande repórter. Em seus bons tempos, desmascarou de bandidos a traficantes. E denunciou várias corrupções políticas. Fiquei muito impressionada com suas histórias.

— Isso já faz muito tempo. Acredito que Hank esteja bastante satisfeito com seu jornal de cidade pequena. E de vez em quando, faz com que os vereadores se mantenham em alerta.

Zanita bebeu o que sobrou do café.

— Certo, mas eu não estou satisfeita. Posso conseguir uma história, posso chegar a um mercado mais importante.

— Se refere a ter uma desculpa legítima para abandonar o Hank? Investiu sangue, suor e lágrimas nesse jornal. Sem dúvida não tem uma grande circulação, mas as pessoas por aqui gostam. E o mais importante, eles o compram. E sabe por quê?

Zanita fechou os olhos.

— Porque confiam no que lêem no Patriot Sun. — Olhou para Mills. — Mais uma razão para que consiga esta história. A velha senhora Haverhill entregou a esse homem um monte de dinheiro porque ele disse que poderia curar seu câncer de estômago mediante uma cura psíquica. Ela morreu esta manhã.

— Não quero que isto soe frio, Zani, mas a mulher padecia uma enfermidade incurável. Teria morrido do mesmo jeito.

— Está certa, mas não merecia que lhe mentissem e extorquissem. Ele se aproveitou dela de forma terrível quando se achava em uma posição extremamente vulnerável. Foi desprezível.

— Estou de acordo, mas nem toda a cura psíquica é uma estupidez. Tenho lido que muitos médicos estão incorporando a técnica a suas práticas.

— Sim, o que torna ainda mais importante denunciar as fraudes. Há pessoas que poderiam se beneficiar de verdade com as técnicas verdadeiras. Se essa gente acabar com um charlatão, será uma tragédia.

— Uma dupla tragédia na maioria dos casos, estou certa.

Zanita deu uma olhada em seu relógio.

— Tenho que me apressar. Obrigado pelo chá e a simpatia.

— Quer dizer o café e a simpatia. Conte-me como foi a aula.

Zanita assentiu com a cabeça enquanto pendurava a enorme bolsa no ombro e saía pela porta.

 

 

Perto de uma hora de carro ao oeste da cidade de Boston, a pitoresca cidade de Stockboro, Massachusetts, achava-se rodeada de formosas colinas onduladas e pastos verdes. Esta terra pacífica e fecunda foi o local de uma batalha durante a Guerra da Independência, e esse cenário histórico constituía a perfeita cortina de fundo para um campus da Ivy League. Em meados do século XVIII, os dirigentes da cidade tinham plantado a semente, e a Universidade de Hampshire tinha colhido seus frutos como estava previsto.

A comunidade em si era um grupo variado e eclético, formado por intelectuais, músicos, artistas, alguns aristocratas, alguns sobreviventes marginalizados dos anos sessenta e granjeiros. Todos nortistas obstinados.

Tratava-se de uma comunidade interessante, onde os moradores toleravam todos os pontos de vista, mas se faziam ouvir de forma extremada. Todo mundo sempre se movimentava em protesto por alguma coisa. Um vestígio dos dias da Revolução, sem dúvida.

Zanita adorava Stockboro. Tratava-se, aparentemente, de um lugar onde as coisas sempre aconteciam. Animada, ocupada e vibrante, seus habitantes participavam de forma ativa na comunidade e se preocupavam com a cidade em que viviam. Em resumo, era uma cidade perfeita para um jornal.

Apesar do que Zanita havia dito a Mills, não queria deixar o Patriot Sun. Seus horizontes se encontravam ali mesmo. O que queria era que o chefe lhe atribuísse casos mais interessantes. Sabia perfeitamente que ia ter que demonstrar ao chefe que estava preparada para apresentar o preto no branco.

O curso que esperava assistir nessa noite lhe proporcionaria uma boa informação da situação para sua história. Zanita tinha planejado escrever uma série de artigos sobre o tema da cura psíquica. Conhecendo os dogmáticos habitantes de Stockboro, estava quase segura de que poderia reunir muita polêmica com os artigos.

Ao entrar no estacionamento junto à faculdade, uma aluna indicou a Zanita o local de inscrição. Ali, dirigiu-se a uma mulher de meia idade, que lhe entregou uma lista dos cursos de extensão e seminários especiais que ofereciam.

Zanita leu a lista rapidamente, marcou seus interesses e a devolveu à mulher atrás do balcão, que nesse momento desligava o telefone.

— É seu dia de sorte.

Zanita levantou a vista de uma circular que um estudante acabava de lhe passar.

— O que quer dizer?

— O seminário que você marcou, estava completo até este momento. Acabo de receber um cancelamento de última hora, com este telefonema.

— Está brincando?! — Não tinha nem idéia de que o seminário de cura psíquica fosse tão popular. E se as aulas eram populares seu artigo daria...

A mulher interrompeu os pensamentos da Zanita.

— OH, OH.

— OH, OH, o quê

— Sinto muito, deveria ter imaginado, há uma lista de espera interminável para este seminário.

Viu seu artigo sair voando pela janela.

— OH, não pode! — A mulher a olhou de uma maneira estranha.

— Quero dizer, tenho que assistir a esse seminário. É realmente importante para mim. Por favor.

A mulher parecia incomodada que a colocassem nessa situação. Zanita decidiu insistir em sua vantagem momentânea.

—Talvez você possa entrar em contato com alguma pessoa da lista. O seminário vai começar em uma hora. Aqui estou eu, preparada e disposta a assistir. Que impressão dará com um assento vazio? Além disso, você mesma disse que era o destino.

A mulher levantou as mãos em sinal de rendição.

— OK, OK! Está dentro. Mas não diga a ninguém o que fiz. — Pôs o selo no formulário.

— Meus lábios estão selados. Muito obrigado, estou muito agradecida.

— Deveria mesmo... Lidei com algumas dessas pessoas da lista de espera, ficam muito estranhas quando não conseguem o que querem.

Os olhos violeta da Zanita se abriram de par em par. Talvez pudesse obter algo aí? Inclinou-se para a mulher e sussurrou:

— Estranhos, como?

— OH, o habitual. Uma manha de criança acadêmica de algum tipo, e alguém troca de trabalho. Ninguém ousaria se meter nesse departamento.

— Por que não? —Zanita tirou a caderneta e caneta.

A mulher respondeu seriamente:

— Porque sabem como fazer com que sua casa brilhe na escuridão. — E então lhe piscou os olhos. — Sala de conferências duzentos e vinte e três. Tenha um bom dia.

Zanita ainda olhava boquiaberta de horror à mulher quando esta se voltou para ajudar a outro estudante.

Estes médiuns intimidam as pessoas com suas chamadas capacidades? Foi assim como Xavier La Leche conseguiu convencer a pobre senhora Haverhill para que lhe entregasse sua caderneta de poupança? Fez uma nota mental para investigar esta perspectiva.

Tinha tempo suficiente para comer um hambúrguer na cantina. Quando chegou à sala de conferências, esta se encontrava bastante cheia. Divisou uma cadeira vazia na terceira fila, correu escada abaixo e tomou o assento rapidamente. Era estranho, mas parecia ser a única mulher presente.

Seus olhos passaram pelas cadeiras da sala. Eram todos homens!

Por um momento sentiu a necessidade de puxar da barra de sua saia curta, mas nenhum deles parecia prestar a menor atenção a suas pernas.

Por que não?

Cruzou-as intencionadamente. Ainda sem resposta. Muito curioso.

Houve um murmúrio de agitação que subia pela sala e que não tinha que ver com a forma de suas pernas. Um homenzinho pequeno que se achava sentado perto, lhe confessou como se sentia feliz em assistir a esse seminário. Seus olhos de sabujo a observavam por detrás de uns óculos de fundo de garrafa, ao mesmo tempo lhe estendia uma mão gordinha em sinal de saudação.

— Stan Mazurski.

Apertou-lhe a mão.

— Zanita Masterson.

— Não posso esperar para ouví-lo, sabe? — O homenzinho se agitava de entusiasmo. — É bastante incomum, radical em muitas de suas opiniões, mas realmente brilhante. Uma das maiores mentes de nosso tempo.

De modo que o conferencista apresentava todos os sinais de ser um líder de culto. Supunha-se que isso devia impressioná-la? «Não saberia dizer.»

— Já o viu alguma vez? Eu sim: Uma vez, quando estava no CERN, voei a Haja para assistir uma conferência.

Típico fã. Pobre homem. Tinha-os visto antes. — Espero que tenha valido a pena. — Sua resposta foi seca.

— OH, sim! Foi inspirador, de verdade. Trocou meu modo de pensar por completo.

Maldito seja. Tinha acreditado que assistiria a uma conferência legítima, não que estava a ponto de escutar a um líder de culto pregar ante suas massas adoradoras. Bom, daria uma oportunidade ao sujeito; não tinha sentido julgar-lhe por um fã enlouquecido. Mas se seu bate-papo cheirasse ligeiramente a ritual mágico, ia embora.

— Ouvi que lhe ofereceram uma cadeira permanente no Instituto de Estudos Avançados.

Isso parecia animador, embora nunca tivesse ouvido falar de um centro de investigação espiritual que levasse esse nome. Só sabia de uma universidade que tinha realizado investigações espirituais, e tinha ouvido falar que fecharam o departamento. Talvez tivesse escutado mal.

— A Universidade de Duke?

Os olhos redondos pestanejaram duas vezes atrás das grossas lentes.

—N... Não, Princeton.

Bem! Ainda mais alentador. Reservaria sua opinião.

— Recusou.

Zanita estava a ponto de perguntar o porquê, quando as portas duplas que davam ao salão se abriram e cinco homens entraram na sala. Quatro deles rodeavam a um só homem no centro, lhe pedindo com avidez sua opinião a respeito de diferentes temas. Embora estivesse rodeado, Zanita não teve nenhum problema para vê-lo, pois sua cabeça se sobressaía por cima dos outros homens.

Era pecaminosamente atraente.

A segunda coisa que percebeu nele foi sua compleição. O homem fazia exercício, não tinha dúvida. Era o melhor corpo que tinha visto em anos. Talvez nunca... Levava uns jeans desgastados que se apertavam a umas coxas de linhas elegantes. Sua camisa branca entalhada estava desabotoada à altura do pescoço, com as mangas recolhidas até os cotovelos, com o que deixavam descobertos uns antebraços musculosos.

Tinha o cabelo muito comprido e castanho, com reflexos dourados. Estava penteado para trás e descia por suas costas em um rabo-de-cavalo. Sua pele era morena com um tom dourado quente e evocava imagens de um sensual calor tropical...

Alguém disse algo que o fez sorrir, o que revelou umas covinhas encantadoras. Então outra pessoa requereu sua atenção, provavelmente não muito interessante, porque enquanto essa pessoa continuava falando, elevou a vista e olhou ao redor da sala de conferências.

Por um momento, seu agudo olhar deu com o de Zanita antes de prosseguir.

Ela se deu conta de que seus olhos eram limpos, de um azul claro que contrastava com seu tom de pele quente e pareciam brilhar com uma inteligência viva. Em torno dos trinta anos, sua imagem transmitia ser um homem possuidor de um conhecimento esotérico fascinante.

O homem era cativante.

Zanita engoliu a saliva, voltando a avaliar sua impressão original. Não só era pecaminosamente atraente, era escandalosamente sexy.

— Quem é? — Sussurrou para Stan.

Stan elevou a vista do manual que estava lendo.

— Quem?

Quem? Como se estivesse perguntando por qualquer outra pessoa na sala!

— O tipo alto do centro!

Stan se voltou a endireitar os óculos sobre a ponte do nariz.

— É ele!

— Quem?

— Tyberius Augustus Evans.

O nome lhe dizia algo, mas não acabava de localizá-lo.

— Espere para ouvi-lo falar!

Zanita estava surpresa. De modo que, esse era o guia espiritual sobre quem Stan se desfez em elogios. Sua boca se entreabriu ligeiramente. É óbvio, o carisma era uma parte importante de sua profissão, assim, Zanita não deveria se impressionar tanto com seu aspecto. Mas o fez. Não tinha esperado alguém parecido como... Como ele.

Seria muito melhor do que esperava. Mesmo que o seu bate-papo fosse aborrecido, poderia passar o momento limitando-se a olhá-lo. Zanita relaxou em sua cadeira.

Quando contasse a Mills!

 

 

— Então, quem quer definir o Caos?

Uma risada apreciativa retumbou na sala. Tyberius Augustus Evans apoiava-se contra a mesa em uma postura informal, com os braços cruzados sobre o peito.

Sua pergunta era a primeira que Zanita tinha compreendido nos quinze minutos em que estava falando. Tinha começado a lhe olhar de forma estranha quando desenhou algo no quadro para ilustrar uma idéia que estava explicando, e ela piscou os olhos. Após, o olhar dele se dirigiu a ela de forma distraída de vez em quando, e sua expressão não era distinta da de Mills antes. O misterioso olhar de Marte.

Nunca tinha se dado conta de que a cura psíquica fosse tão... Obtusa. Por fim, algo que podia compreender. Quem haveria dito que o homem formularia uma pergunta corriqueira? Com vacilação, Zanita levantou a mão.

As sobrancelhas de Tyber se arquearam quando levantou a pequena mão. Havia sido uma pergunta retórica. Não esperava que ninguém tratasse de respondê-la. O correto seria dizer que ninguém poderia respondê-la. Contemplou com cautela a jovem de extraordinários olhos violeta da terceira fila.

— Sim?

— Kaos eram os bandidos que lutavam contra o Controle do Super Agente 86.

Depois de seu comentário se produziu um silêncio sepulcral. Uma gargalhada grave e generosa rompeu o silêncio, ressonando em uma sala que ficou tão quieta como uma tumba.

Tyber, ainda rindo, respondeu-lhe.

— Tem razão, senhorita...?

— Zanita Masterson.

— Pela árvore de Manzanita, sem dúvida.

Zanita ficou boquiaberta.

— Como...?

Ele se dirigiu de novo à classe.

— Junto com a definição da senhorita Masterson, o Caos é também um comportamento. Este comportamento possui três propriedades: é ergódico¹, produz em sistemas com vários graus de liberdade e apresenta uma dependência sensível das condições iniciais.

— Desculpe — Zanita elevou a voz — mas o que isto tem a ver com a cura?

1 - A Teoria ergódica é a disciplina matemática que estuda sistemas dinâmicos munidos de medidas invariantes. Em matemática, invariante é algo que não se altera ao aplicar-se um conjunto de transformações. Mais formalmente uma entidade é considerada invariante sob um conjunto de transformações se a imagem transformada da entidade é indistinguível da entidade original. A definição de invariante da transformação é um caso especial disto, onde a relação equivalente é "há uma transformação que torna um no outro".

 

Tyber a olhou fixamente, sem falar por um momento. Não podia recordar que isso lhe tivesse ocorrido alguma vez.

— Nada.

Voltava a olhar daquela forma.

— OH.— Zanita pensou um momento. — Está falando de cristais? — Os videntes pareciam estar apaixonados pelos cristais.

O homem de repente sentiu um grande interesse.

— Em que sentido?

— Bem... Ouço sobre as vibrações...

Ele respondeu às suas palavras na mosca.

— Refere-se à ressonância? Não tinha pensado antes. Continue. — Insistiu.

— Eu... Eu... — Elevou as mãos, sem saber o que dizer. —Transmitem energia?

Tyber a olhava, estupefato.

— Isso é brilhante!

Zanita deu de ombros e olhou ao redor da classe com receio. Não tinha nem idéia do que tinha estado falando com ele, e agora não tinha nem idéia do que tinha estado falando ela mesma. Mas ele acreditava saber do que ela falava.

O homem estava louco.

Olhou-o atentamente. Um louco muito bonito, mas um louco. Tinha que ir embora.

Começou a preparar-se, ajustando a correia da bolsa ao ombro.

— Olhe, eu...

Ele avançou intencionalmente para Zanita, posando o olhar momentaneamente em suas pernas. Ao menos ele se fixou, a idéia ficou flutuando no fundo de sua mente. Na superfície de sua mente saía correndo desse desvario.

— Dá-se conta de que a ação do pêndulo é bastante diferente, mesmo que... Por que sobe as escadas?

— Eu tenho que ir, de verdade. Veja, eu não tinha percebido que a cura psíquica era tão intensa, e...

— Cura psíquica? — Ali estava outra vez. Essa sensação que lhe emudecia. Agora se concentrava nela com interesse. — Este é um seminário de física.

Pareceu completamente confusa e, devia admiti-lo, estava encantadora.

— Como pode...? — Seus olhos pestanejaram repentinamente divertidos ao avaliar corretamente a situação. — Aaah. Não é muito boa soletrando, não é?

Zanita empalideceu.

— Física? — Conseguiu articular.

— Física — Afirmou ele.

— Arre! — Olhou-lhe rapidamente. — Sinto muito... Escapou-me, senhor Evans. Quero dizer senhor, doutor... Quero dizer doutor Evans. — Deus, parecia uma completa estúpida. Agora o homem ria dela!

Ele sorriu, lhe mostrando uma covinha.

— Tyber, fica melhor.

A classe inteira rompeu a rir. Zanita queria engatinhar escada acima e sair. Começou a subir de novo, sentindo-se como uma completa idiota. Tyber Evans seguiu avançando, desfrutando por completo da situação.

— Você, senhorita Masterson, é imprevisível, o que os físicos chamariam de um elemento aleatório. Muito interessante...

— Elemento aleatório! Muito obrigado. Faz que pareça... Que pareça...

Tyber arqueou uma sobrancelha como a desafiando a terminar a frase, com precisão. «Louco arrogante.» Ela elevou o queixo.

— Se me desculpar?

— Não tão rápido. — Ele cruzou os braços e se apoiou contra a parede. — Não era a física, não é verdade?

Ela se deteve um momento para orientar-se. A visão de Tyber apoiado contra a parede, sorrindo com malícia a deixava nervosa. Deus, era muito bonito. Enrolou um de seus cachos, um hábito que tinha quando ficava nervosa.

— Bom...

— Hummm... Como eu suspeitava. — Deu petelecos no queixo com o dedo. — Sabe? Eu poderia lhe abrir todo um novo universo. Por que não fica na classe? Sou consciente de que grande parte disto não significará nada para você, mas talvez capte algumas idéias interessantes enquanto isso. Muito melhor que as classes de cura psíquica. Óbvio, eu estou condicionado pelos prejuízos.

O homem estava pedindo que assistisse à aula. Física... Que aborrecimento. Como ia recusar educadamente a esse modelo de virtudes diante de toda essa gente? Decidiu tratar de sair-se pela tangente e...

— Não sei. É um pouco... Seco.

— Seco? Agora me desafiou, Zanita. Vou ensinar-lhe quão excitante pode ser.

Falava de física, não é? Por sua expressão, não estava tão certa. Bom, tinha lhe dado uma saída e ele escolheu não tomá-la.

— Minhas desculpas, mas...

— Não são necessárias. Ensinar é um prazer.

Seus olhos dançavam como se guardassem segredos que estaria mais do que disposto a compartilhar com ela. Subiu ao mesmo degrau que ela, colocou-lhe uma cálida mão sobre as costas e brandamente, mas com firmeza, insistiu para que retornasse a seu assento.

— Assim são as coisas, equivocou-se ao entrar aqui, e agora nós vamos ficar com você. Certo, meninos? — dirigiu-se à classe em geral.

A classe se mostrou totalmente de acordo. Embora Zanita não esperasse que fizessem outra coisa. Era óbvio que o sol saía e ficava com esse homem no que a eles se referia.

Stan se voltou em seu assento, sorridente.

— Fique conosco, Zanita.

Ela se voltou para olhar Tyber, que permanecia em pé por cima de seu ombro. Sabia muito bem que a tinha encurralado.

Piscou os olhos. Quem era ele para...?

De repente recordou onde tinha ouvido antes seu nome.

Tyberius Augustus Evans era um excêntrico brilhante e de renome, que possuía milhares de patentes de diferentes aparelhos e era consultado por chefes de Estado, cientistas, companhias de negócios, centros de investigação... Em resumo, por qualquer um que acreditasse que podia obter algo dele. Seus estudos, que levava a cabo na privacidade de sua propriedade murada, conduziam-lhe pelos distintos caminhos da investigação. Por isso recordava, alguns eram sensacionais; outros lhe pareciam um pouco bobos. Mas quem era ela para julgar? A opinião geral consistia em que tudo o que criava demonstrava sua genialidade.

Que mais podia lembrar? Ah, sim. Trabalhava completamente por sua conta. Em outras palavras, não tinha vendido sua alma às multinacionais. Guardava sua intimidade e nunca, nunca concedia uma entrevista.

Zanita lhe sorriu lentamente. Elemento aleatório, com efeito.

A informação que necessitava a respeito da cura psíquica poderia obter em algum outro lugar. Ainda estava decidida a investigar Xavier LaLeche, mas um curso de cura psíquica não era nem de longe tão importante como a possibilidade de conseguir uma entrevista com esse homem.

Em uma demonstração relâmpago de raciocínio dedutivo que teria fascinado Tyber se tivesse sido consciente disso, Zanita calculou suas possibilidades. Não havia nenhuma verdadeira decisão a tomar.

— Fico. — A classe aplaudiu, mas ela apenas o notou. Seus olhos estavam postos em Tyberius Augustus Evans.

Tyber franziu ligeiramente o cenho ao estudar a mulher que estava a sua frente. Tinha o olhar de seu gato. Sim, quando o gato estava a ponto de fazer algo muito ardiloso.

Tyber sorriu. Sempre tinha se encantado com o mistério. Sabia exatamente o que fazer a seguir. O primeiro passo era provar a água. Quando ela estava se sentando, decidiu inquietá-la um pouco. Só para continuar com o jogo.

— Vou seguir com a idéia dela.

Olhou-o horrorizada. Já tinha visto através dela?

— Que idéia? —Tremeu-lhe a voz.

— A vibração. — Inclinou-se para sussurrar em seu ouvido: — A energia. — Seu quente fôlego lhe fez cócegas no pescoço. — A ressonância...

Ela engoliu a saliva nervosa, se recusando a olhar para ele. Era incomodamente óbvio para Zanita que, por alguma razão, o homem tinha aceitado a provocação.

Também estava óbvio que tinha intenção de desfrutá-lo. Suspirou quando a conversa que tinha mantido com Mills pouco antes, passou por sua cabeça. Aí estava a justificativa perfeita de suas convicções. Maldito seja, mas seu rosto atraente possuía um olhar picante.

Nada podia ser simples se houvesse um homem envolvido.

Terei que colocá-los em azeite fervente.

 

—Esse é o motivo pelo qual, nos últimos anos, Newton foi responsável pela condenação de vários homens à forca.

A classe riu em sinal de apreciação no que Zanita supôs que fosse uma piada de físicos.

—Aqueles que me conhecem — prosseguiu Tyber—, sabem que não sou muito a favor de um ambiente acadêmico formal. Que tal se nos encontrarmos amanhã à noite no Mickey D's, na Rota Nove?

—Nos balanços? —gritou alguém do fundo da sala, o que fez todo mundo rir.

Tyber sorriu.

—Não é má idéia, mas odiaria ter que defender meu lugar na fila para o tobogã; alguns desses meninos são piores que eu. Acredito que lá dentro seria mais aceitável. Quantos de vocês podem vir?

Quase toda a classe levantou a mão. Zanita foi uma exceção perceptível.

—Tantos... Não acredito que tenhamos muitos problemas, já que seria após o jantar. Ok, então, amanhã à noite, à mesma hora, num lugar diferente.

A classe aplaudiu o discurso enquanto abandonavam seus assentos.

O olhar glacial de Tyber deu com Zanita.

—Senhorita Masterson. Perguntava-me se poderia trocar umas palavras com você antes que saia.

Zanita, que estava colocando a bolsa no ombro, olhou para cima surpresa e assentiu.

Tyber, depois de obter seu consentimento, voltou-se para um colega que lhe formulava uma pergunta.

Quando Zanita chegou a frente, o doutor Evans já estava rodeado por um grupo de aduladores que ofegavam a seu redor como cães acadêmicos famintos, não é que não lhe tivesse agradado ofegar também a seu redor, mas por razões totalmente diferentes.

Esperou pacientemente atrás da pequena multidão que se dissipasse o elemento intelectual. Depois de mais ou menos quinze minutos, Zanita começou a ficar impaciente, já que as massas aduladoras não pareciam minguar. Estava avaliando a perspectiva de desistir diante da escassa possibilidade de conseguir uma entrevista essa noite quando Tyber olhou em sua direção e com habilidade pôs fim ao bate-papo, prometendo continuar a discussão a noite seguinte.

A sala esvaziou tão rápido, que poderia pensar-se que havia soado um alarme antiaéreo.

Parecia que esses rapazes haviam caído nas profundezas, em um lugar não muito longe dali.

Zanita sorriu; sem dúvida tinha sido uma noite interessante.

Tyber cruzou os braços e se apoiou contra a escrivaninha.

—Você não gostou da aula, não é?

Zanita estava surpresa.

—Por que diz isso? —Acreditava que tinha conseguido ocultar sua confusão muito bem.

—Você não levantou a mão quando perguntei quem viria amanhã a noite. E tem mais...

—O que mais?

—O modo em que cruzava os olhos cada vez que desenhava uma ilustração na lousa.

Zanita clareou a garganta.

—Está certo, admito que não me sentia muito entusiasmada, mas eu o avisei sobre isso. —Levantou os braços— Francamente, não tinha a menor idéia do que estava falando.

—Então, só porque não entende algo não virá amanhã? Sério, que tipo de motivo é esse? A maioria das pessoas passa a vida sem entender nada. Nesse contexto, o que significa algumas noites em minhas palestras comparadas a isso?

Ela não entendeu nada de seu obtuso argumento. Pestanejou.

—O que?

—Amanhã será muito diferente, prometo. Não haverá matemática de forma nenhuma. Por isso sugeri o restaurante; o fato de não ter lousas, fará com que seja mais espontâneo. —Seu sorriso era de enfartar.

Então e ali mesmo, decidiu que nada lhe impediria de ir à noite seguinte, com entrevista ou sem ela. Que mulher em são julgamento renunciaria a comê-lo discretamente com os olhos? Além disso, o que lhe tinha feito pensar que ela não assistiria?

—Eu não disse que não iria. Só por não levantar a mão quando esperava, você supôs que eu não fosse. Tenho toda a intenção de ir; eu só não quis admitir.

Tyber a olhou, sem fala. Outra vez. Quando conseguiu, sua voz parecia um pouco intimidada.

—Você é completamente fora do comum, Zanita.

Ela sacudiu a mão.

—Não sei o que você quer dizer com isso, mas suspeito que tem algo que ver com os misteriosos olhares como se eu tivesse vindo de Marte que recebo? Como agora.

—Fascinante — resmungou ele— Então, vem?

—Sim. Até manhã, Doc. —Disse adeus com a mão enquanto se dirigia rapidamente às escadas, antes que Tyber tivesse oportunidade de falar mais alguma coisa.

Quando chegou a seu carro Zanita se perguntou por que importava a ele se ela apareceria ou não.

 

*****************

 

—Mills, é de matar.

Zanita afundou o garfo na caixa de comida chinesa que tinha levado a casa de sua amiga.

—Falamos do físico, certo? —Mills perguntou ante um rolinho primavera — Por alguma razão, não consigo imaginar...

—Confie em mim. É de matar. É obvio, não consigo entender o que ele fala a metade do tempo. Quero dizer que teria que ser um iluminado para compreender...

—Ele é um iluminado — assinalou Mills.

—OH, sim. —Zanita encolheu os ombros— Em todo caso, é a melhor missão que me atribuíram.

—Ele não é uma missão.

Zanita a olhou.

—Bem, não, não exatamente...

—O que faz você pensar que ele lhe concederá uma entrevista quando rechaçou a todos os outros? Não se ofenda, Zanita, mas você não é exatamente Edward R. Murrow, nem sequer Barbara Walters, nem Yolanda Neade, na verdade. —Yolanda Neade era uma tola apresentadora local de um canal não afiliado à rede de emissoras de televisão. Mills não estava sendo muito gentil.

—Tem razão, mas eu tenho algo que eles não têm.

Mills observou sua amiga com receio.

—E o que é isso, se eu posso saber?

Zanita revirou os olhos.

—Eu não sou comum.

—O que?

—Eu também não tenho a menor idéia, mas o doutor Evans parece muito interessado nisso.

Mills suspirou.

—Aha! Como diz Goopie: «Garota, você está a perigo».

Zanita sorriu, matreira.

—Espero que sim. Acredite, o homem é estranho. Muito bonito, mas estranho. O máximo que posso esperar dele é uma entrevista. E me sentiria mais que satisfeita com isso.

—Satisfeita é a palavra chave nisto. Talvez seja ele.

Zanita engoliu em seco.

—Ele o que?

—Que a transtorne.

—Me transtornar para me enlouquecer, pular entre o feno, cair rendida, esse transtornar? —Mills assentiu de forma lasciva. — Tyber? Não acredito. Quer dizer, sim, tem um corpo incrível e as palavras não conseguem descrever quanto é sexy, mas...

—Mas?

—Está... Louco.

Mills arqueou uma sobrancelha como dizendo «Quando isso foi empecilho para um homem de sangue quente?»

—Não. Não, me acredite, você entendeu tudo errado. Estou certa de que ele nunca me perceberia dessa forma. Provavelmente não lhe interessa esse tipo de interações ignóbeis, já que é tão... Tão intelectual.

—Claro.

—Sério. Eu poderia lhe parecer interessante de algum modo estranho só conhecido por ele. —Pensou em sua expressão e no tom de sua voz quando lhe havia dito que seguiria com sua idéia, qualquer que tivesse sido—. Mas só porque pensa que pode me ensinar sobre o que está falando.

Mills se engasgou com o chá.

—Zanita! Não tenho nem idéia do que está dizendo! E você?

—Bom, não. Mas não me culpe... É coisa do Tyber. É impossível que alguém entenda uma só coisa do que diz. —Suspirou— Isto não vai ser como comer um docinho.

 

*******************

 

Como se suas palavras fosse um presságio, quando entrou no restaurante, Tyber estava devorando uma fatia de bolo que lhe tinha dado uma menininha. Elevou o olhar quando Zanita se aproximou das mesas onde vários homens da classe, incluído Stan, comiam hambúrguer e batatas fritas.

As últimas vinte e quatro horas, só haviam realçado seu aspecto. Era tão sexy como lembrava.

Havia algo nele que convidava a tocá-lo.

Seus incríveis peitorais ajustados no interior da suave camisa informal de algodão, talvez? A forte coluna da garganta morena e cálida? As covinhas juvenis de seu sorriso malicioso? A incrível inteligência por trás de seus olhos?

Ficou chocada novamente por ele ser tão diferente. Não o que se esperava, em absoluto.

—Olá. Um gole? —Tyber lhe estendeu a vitamina de chocolate. Ela olhou a bebida, em dúvida, lembrando muito bem o sabor pastoso de seus dias de instituto.

—Não, obrigada. Quem é a menina?

Tyber deu de ombros.

—É seu aniversário. Deu uma fatia de bolo a cada um de nós. Independente da nossa vontade. —Deu uma piscadinha—. Felizmente, congelados são minha fraqueza. —lambeu um pouco de chocolate do dedo.

Foi um gesto inocente de sua parte, mas, por alguma razão, Zanita não pôde tirar seus olhos dessa língua que lentamente contornava seu dedo comprido e bem feito. O gesto a fascinou de tal maneira que ficou cravada onde estava contemplando-o.

—Prometi que seria objetivo esta noite.

—Q... o que? —Seu rosto culpado elevou-se para o dele.

A palestra.

Seus olhos brilharam de forma expressiva em seu rosto incrivelmente atraente.

—Acredito que depois desta noite, a terei engajada.

—Engajada? — Sabia que parecia uma idiota que repetia como um papagaio, mas não podia tirar da cabeça a imagem dessa língua que se contorcia sensualmente. Por que tinha que parecer tão pecaminosamente delicioso? Como seria sentir essa língua retorcendo-se contra...

—Como chocolate com chantili - afirmou ele.

Ela engoliu a saliva de forma convulsiva, dissipando a imagem que isso provocava.

Tyber abriu espaço ao seu lado para que Zanita sentasse.

Stan, que tinha devorado sua montanha de hamburger gorduroso, viu-a quando esta se sentava.

—Ah, não nos abandonou, né, Zanita? Que bom!

Zanita olhou de soslaio para Tyber, que sorria docemente. Mesmo sentados, parecia que ele sobressaía sobre ela.

—Na realidade, não tinha opção, Stan.

Stan, interpretando completamente errado o seu comentário, replicou:

—Sei o que quer dizer. O doutor Evans é inspirador! —Sorriu amplamente a Tyber, que ficou envergonhado com a devoção sem disfarces.

Este olhou ao redor do restaurante e disse:

—Poderíamos começar já. —incorporou-se sobre o respaldo do assento, sentando-se escarranchado entre dois bancos com suas pernas largas envoltas por brim e se dirigiu ao grupo—. Pensei que esta noite poderíamos discutir de maneira informal a inteligência artificial e alguns temas relacionados com ela...

Enquanto Tyber falava, o supra sumo da forma de vida artificial, o palhaço do restaurante escutava, olhando atentamente por cima do ombro do Stan, com o cabelo laranja brilhando sob as lâmpadas fluorescentes. Alguns retardatários da classe se achegaram. Ao final, tiveram que sair para o parque infantil para haver lugar para todos. Inclusive o palhaço lhes seguiu ao exterior, arrastando a vassoura atrás dele.

Nos balanços, sob as estrelas, com uma brisa suave no ar da noite, Tyber falou dos mistérios do universo do alto de um tobogã. Zanita acreditou que se tratava do homem mais interessante e pouco convencional que já tinha visto.

As rãs coaxavam, passavam estrelas cadentes, corujas piavam e as árvores farfalhavam com o vento enquanto ele discutia, sinceramente, unindo temas aparentemente dicotômicos como o absolutismo subjacente nos princípios relativistas.

O que mais fascinava a Zanita era sua forma de pegar vários temas divergentes e uni-los em uma unidade coerente, assinalando semelhanças entre questões dos que com pouca freqüência se falava em termos de sinonímia. Era brilhante.

Tratava-se de um homem cativado pelas idéias, tanto as sublimes como as ridículas. Sua autêntica curiosidade em torno de todos os aspectos da natureza do universo era contagiosa. O grupo se achava encantado pelo entusiasmo de Tyber ao afundar em estudos tanto do conhecido como do desconhecido.

—Os fatos sempre se mantêm absolutos – afirmou — É o ponto de vista de todas as pessoas. O que é diferente, relativista, embora, paradoxalmente, todo mundo pensa que «seu» ponto de vista é o correto ou «verdadeiro». Como assinalou Einstein faz bastante tempo: «Eu estou no centro e todo o resto é relativo». Se escutarmos dois políticos em um debate, contemplamos a Teoria da Relatividade.

Todos riram.

—E com este apontamento, acredito que podemos dar por concluída a noite. Pensei que poderia ser interessante ver o novo filme de ficção científica que está passando no cinema do centro comercial do Stockboro amanhã. Ouvi que tratam algumas idéias inquietantes em torno da natureza da viagem espacial e a xenobiologia. Depois podemos abrir um debate, se interessar a alguém.

Todo mundo estava interessado, incluindo o palhaço, que perguntou se podia unir-se a eles. Asseguraram-lhe que sim.

Tyber alcançou Zanita no estacionamento quando esta se dirigia a seu carro.

—Bom, como foi? Cumpri minha promessa?

Zanita lhe sorriu.

—Claro que sim. Apesar de não ser minha intenção, estava fascinada como todos os outros.

—Hummm... Não é exatamente o que pretendia, mas é um começo.

Ela chegou ao carro e abriu a porta.

—Como me disse uma amiga recentemente, em certos assuntos faria bem em me jogar de cabeça, sem olhar. — É obvio, Mills se referia a um assunto um pouco diferente — Captou meu interesse, Doc. Estarei aqui amanhã de noite.

Ele apoiou suas mãos na porta do carro, inclinando-se para lhe falar pela janela aberta.

—Foi você quem captou meu interesse, Zanita. Já disse que tenho um gato? Não? Bom, pois eu tenho. Boa noite.

E agora, o que quis dizer com isso? Perguntou-se ela.

 

**********************

 

Na noite seguinte, Zanita esperou o grupo no vestíbulo do cinema, tratando desesperadamente de manter-se acordada. Na noite anterior, depois da aula, tinha ido visitar seus avós na granja deles. Seu avô sentou-se na varanda, balançando-se ociosamente, desfrutando de um tempo temperado e agradável, incomum para o mês de outubro. Os nativos o chamavam verão índio, e todos os habitantes da Nova Inglaterra sabiam desfrutar da breve trégua enquanto durava, porque pressagiava o inverno vindouro.

Como de costume, não transcorreu muito tempo antes que “discutissem” acaloradamente um tema atual da política local. Zanita sempre tinha gostado de motivar Hank para tais discussões, freqüentemente adotando o papel de advogada do diabo só para irritar ao ancião. Hank era especial quando se metia em um tema que lhe importava; e para Hank importava de verdade tudo o que ocorria em Stockboro, e na realidade, no mundo em geral. Na opinião de sua neta, era um dos aspectos que faziam dele um grande jornalista. Nenhuma história era simplesmente uma história para ele.

Por infelicidade, tinha conseguido lhe irritar com muito êxito, já que a discussão se prolongou até depois da meia-noite, sem que nenhum dos dois se desse conta da hora. Até que sua avó saiu na varanda de camisola para lhes fazer entrar, foi quando eles tiveram a noção do tempo.

Devido à hora, Zanita decidiu passar a noite em sua antiga casa. Quando tomou essa decisão, não tinha contado que os porcos saíssem correndo. Era perto das duas da madrugada quando o rebanho chiou no jardim traseiro, lhe recordando um bando de motoristas que irrompessem na cidade pela diversão de semear o caos. Os rebeldes bufavam e sopravam de alegria, o que fez que Zanita se levantasse da cama.

Levantou com cuidado a persiana da janela a tempo para ver como derrubavam a pequena cerca ao redor do jardim de rosas de sua avó. As fortes pisadas dos porcos ressoavam na noite.

O jardim de sua avó se viu pisoteado em um desdobramento de violência aleatória antes que o rebanho seguisse adiante sem explicação.

Hank parecia furioso.

Os porcos pertenciam a seu vizinho, Joe Sprit, que vivia a várias milhas pela estrada. De vez em quando, por razões só conhecidas pelos porcos, escapavam da pocilga para fazer uma incursão noturna pela cidade. Há anos isso acontecia. Zanita, nos seus momentos de maior espanto, referia-se a isso como “A noite dos Porcos”.

Como ninguém sabia ao certo como resolver o problema, conformavam-se a conviver com ele. Joe assegurava ter reforçado a cerca em várias ocasiões, mas de algum modo, quando os porcos queriam sair, saíam. Quando um porco enlouquecia, era pouco o que um humano podia fazer.

De modo que agora, Zanita refletia em tom de brincadeira, estava sofrendo as conseqüências do Efeito Porcos. Depois de decidir que um pouco de ar fresco talvez a reanimasse, saiu e ficou na entrada do cinema. Não demorou a ver Tyber entrar no estacionamento sentado em uma Harley-Davidson. Por alguma razão, não a surpreendeu.

Tyber tirou seu capacete e viu Zanita imediatamente. Saudando-a com um sorriso, caminhou em direção a ela, com um aspecto muito sensual e enérgico. Vestia uns jeans negros ajustados à altura das coxas e botas negras. Uma camiseta cinza com as mangas enroladas nos antebraços completava a imagem perigosa. De novo tinha os longos cabelos presos, em um rabo-de-cavalo. Zanita se perguntou como ficaria solto sobre os ombros, e lhe agradeceu em silencio por não fazê-la passar por essa tortura.

—Estava me esperando? —Saudou-a com um sorriso zombador.

Arrogante e irresponsável.

—Estou tomando um ar. Todo mundo está esperando você lá dentro.

Ele assentiu, conduzindo-a para a porta.

—Tenho que confessar algo: queria de verdade ver este filme e odeio ir sozinho ao cinema.

—Portanto você manipulou para que todos os alunos o acompanhassem? Isso é abuso de poder...

—Era o que eu temia... Mas digo que, para compensá-la por isso, eu a convido. Mas você tem que comprar as pipocas.

—Que tipo de trato é esse? Nesse lugar, as pipocas são mais caras que o aluguel de minha casa.

—Nunca disse que eu era tolo. —Lhe piscou um olho, o qual revelou essa covinha encantadora.

Depois de saudar seus alunos e combinar de encontrar-se com eles depois do filme no pátio do centro comercial, levou-a ao balcão dos refrescos.

—Um pacote gigante de pipocas — pediu Tyber à garota do balcão.

—Muito obrigada! Por que não pede que Stan compre as pipocas? Estou certa de que ele estará mais que disposto a fazê-lo.

Tyber considerou sua pergunta um momento.

—Porque as pernas do Stan não são como as suas.

Isso a sossegou. Ele a tinha notado.

—Não deveria falar assim com seus alunos.

Ele lançou um olhar.

—Você não é uma aluna e isto não é uma aula. É um seminário, para colegas. —Tirou a carteira de seu bolso traseiro para pagar à garota.

—Eu não sou sua colega e tinha dito que pagaria.

—Sou consciente disso. No referente às pipocas... Estava brincando.

—Mas...

—Vamos ver o filme.

Quando a conduzia até seus assentos, Zanita teve a incômoda sensação que de alguma forma era empurrada para um encontro sem se quer ter aceitado ou, na verdade, sem que a houvesse pedido. Passou por sua cabeça a leve suspeita de que Tyber poderia ter manipulado a toda a classe com tal propósito. Mas isso era absurdo. Por que faria tal coisa?

 

 

************

 

Zanita sentiu que um cotovelo lhe golpeava o flanco.

—Está dormindo outra vez, senhorita Masterson. Não me importo, mas as duas filas de atrás de nós, estão se queixando de seus roncos.

—Eu não rouco - balbuciou ela, caindo de novo no sonho.

Cotovelada.

—Quer parar?

—Por que está tão cansada? —sussurrou em seu ouvido, enviando um calafrio por seu pescoço— Minha companhia aborrece tanto? —Seu fôlego quente a martirizava.

—Não, foram os porcos — murmurou ela sonolenta e inconscientemente se voltou para o calor dele.

Gostou tanto de sua resposta como de seu gesto; parecia estar se aninhando contra ele. Tyber colocou seu braço ao redor dela de forma casual, aproximando-a de si e em voz baixa, perguntou:

—Perdão?

—Os porcos estavam por perto ontem à noite... Deus, como cheira bem. —E imediatamente voltou a dormir.

Porcos? Que porcos? Olhou com receio a confusa mulher que dormia em seus braços. Cada vez mais curiosa, pensou. E suave. Decididamente suave. Decidiu que gostava da sensação da jovem adormecida em seus braços.

Despertou no final do filme, envergonhada ao encontrar-se aninhada no peito de Tyber. Pior ainda, tinha conseguido encaixar sua cabeça na base de seu pescoço, com o rosto colado a cálida pele de sua garganta. O queixo dele descansava sobre sua cabeça enquanto via o filme; seu braço lhe cobria os ombros com toda tranqüilidade.

Que falta de profissionalismo por parte dela! Graças a Deus, o resto do grupo se achava espalhado pela sala escura. Esperava que estivessem muito concentrados no filme para prestar atenção nos dois.

Droga! Como poderia esperar que o homem a levasse a sério depois disso? Nunca lhe concederia a entrevista que queria. E como alguém saía de uma situação como essa com alguma dignidade?

A mão de Tyber esfregou suas costas, o que a pôs tensa imediatamente.

—Sei que está acordada — lhe disse entre o cabelo.

—Podemos fingir que não fiz isso? —perguntou em um fio de voz contra o peito dele.

—É obvio que não. —Seu tom rouco continha mais que um sotaque de regozijo.

Zanita se soltou com rapidez, ofendida.

—Não é muito cavalheiresco de sua parte.

Tyber não parecia particularmente preocupado com o cavalheirismo.

—Você costuma adormecer, com freqüência, em um lugar público nos braços da pessoa que se senta ao seu lado?

Antes que conseguisse encontrar uma réplica adequada, ele lhe sorriu com malícia.

— Você fala dormindo.

Zanita ruborizou, abriu a boca como um peixe e voltou a fechá-la. O que havia dito? OH, Deus. Ele lhe diria? Esses malditos porcos!

Prudentemente, permaneceu em silêncio até o final do filme, rígida sobre o assento, tratando desesperadamente de não parecer envergonhada.

Quando o filme terminou, Tyber agarrou sua mão como se tivesse todo direito e a conduziu ao pátio do centro comercial.

—Relaxe, Cachinhos, não disse nada muito revelador. —coçou o queixo pensativo— Salvo os artigos sexuais escondidos em uma caixa de sapatos sob sua cama.

Ela se deteve e lhe contemplou, horrorizada.

Ele soltou uma gargalhada.

—Acertei por pura casualidade, de verdade.

Zanita tratou de liberar sua mão, mas ele a sustentava firmemente.

—Não tenho tal coisa! É terrível...

—Não foi o que disse enquanto dormia. — Mentiu ele.

Ela ruborizou, tendo em conta seus pensamentos desavergonhados sobre ele, poderia, perfeitamente, ter dito algo. Levou os dedos ao cabelo em um gesto nervoso. Devia esquecer a entrevista; aquilo era muito vergonhoso para durar. O que ele devia pensar sobre ela?

—O... Olha, Tyber, tenho que ir, de verdade; é tarde.

—Ah, não, não vai. —Entrelaçou seus dedos com os dela—. Não vai escapar. Você já tentou comigo antes e não funcionou.

—Por favor, doutor Evans... é tão embaraçoso...

—Sim, ao que parece você tem certa tendência a colocar-se em situações delicadas. —Sorriu-lhe sem nenhum remorso enquanto mantinha sujeita sua mão com firmeza.

—Não é isso! —O olhar incrédulo de Tyber a empurrou a um mínimo de sinceridade. —Ok, às vezes me meto em dificuldades... O que eu disse? —perguntou.

— Não disse nada, Zanita. —Pareceu-lhe diplomático deixar de lado o comentário à respeito de como cheirava bem — Embora sempre me perguntarei por que fica tão nervosa pelo que acredita que poderia ter dito.

—Canalha! —Soltou antes de pensar — Me deixou pensar que havia... — deteve-se abruptamente, dando-se conta do que quase tinha revelado.

—Estava a ponto de dizer...?

Arqueou uma sobrancelha em expectativa.

<<Que é atraente além das palavras e me perguntava se é tão sexy na cama como parece.>>

—Você me deixou acreditar que poderia ter revelado segredos confiados por meus amigos —mentiu.

—Está crescendo o seu nariz. Não obstante, peço desculpas se a envergonhei de algum modo. —Sua voz era extremamente sincera— Deixa que compre um sorvete para que possamos voltar a ser amigos.

—Pode comprar um sorvete, mas não somos exatamente amigos.

—Tolices; você dormiu em meus braços, Cachinhos. De que sabor quer?

—De chocolate crocante, e deixa de me chamar por esse nome ridículo.

O olhar dele viajou escrutinador por seu cabelo curto e negro.

—OH, não sei... Parece combinar.

Pediu os sorvetes com os olhos brilhantes postos nela como se estivesse esperando que saltasse de novo.

Ele a estava irritando intencionalmente pelo simples feito de irritá-la?

Estava a ponto de colocá-lo entre a espada e a parede quando ele alcançou o resto do grupo.

—Salvo pela cavalaria. —A língua dela contornou o sorvete para pôr um ponto em sua observação.

—Que sorte tive — murmurou — Posso provar? —Não esperou a resposta, inclinou-se para dar uma lambida no sorvete dela.

Como tinha a atenção no sorvete de Zanita, sua cabeça se achava à altura da dela. Ele levantou lentamente os olhos, até encontrar com os dela. Seus lábios só estavam separados por uns centímetros.

Tyber a olhou fixamente por um momento.

Zanita se sentiu como se seu estômago tivesse caído no chão para em seguida voltar a sua caixa torácica.

—Hummm... Do jeito que eu gosto: não muito doce, de textura mesclada, sabor diferente, com uma consistência cremosa. —Lambeu a casquinha uma vez mais, sem que seus olhos se separassem dos dela em nenhum momento — Quer provar o meu?

Não tinha nenhuma vergonha.

Era um louco pouco convencional, incrivelmente lindo e sem nenhum tipo de limite. Zanita realmente gostava disso.

Estendeu sua casquinha. Ela lambeu com vacilação seu extravagante sorvete de coco especial.

—Então? —suspirou ele.

—É... É diferente.

—Diferente, bom ou diferente, ruim? —Arqueou as sobrancelhas em sinal de interrogação como se realmente estivessem falando de sorvetes.

Zanita sorriu misteriosa, sem intenção de admitir nada.

—Ainda não estou certa.

 

 

Essa noite, a última da série de palestras, Tyber falou a respeito de válvulas magnéticas que propulsionam naves espaciais, as minas de hidrogênio ao redor do Júpiter e criogenética. Tudo ao mesmo tempo em que lambia um sorvete.

O palhaço, que era estudante de filosofia, surpreendeu a todos ao acrescentar de forma inteligente sua perspectiva ao tema. Logo todos debatiam a respeito da ética em lugar da teoria.

Zanita mergulhou de cabeça na discussão, posto que nada a agradasse mais que provocar um debate. Não se sentia intimidada absolutamente pelo grupo totalmente masculino. Hank a tinha educado para fazer-se ouvir, e sem dúvida o fazia. Em várias ocasiões, quando defendia sua opinião, deu-se conta de que Tyber a observava atentamente e com freqüência assentia de forma inconsciente em sinal de concordância com seus comentários.

A discussão estava tão animada que o grupo não se deu conta de que todas as lojas tinham fechado e que estavam apagando as luzes. O pessoal da segurança do centro comercial acabou por pedir que saíssem.

Tyber agradeceu a todos por assistir à aula. Alguns dos alunos, inclusive Stan, perguntavam se poderiam encontrar-se de forma regular para continuar com as discussões pouco convencionais. Não era o que tinham esperado a princípio, mas todos tinham desfrutado enormemente.

Tyber, não sem certo regozijo, disse que pensaria no assunto. A verdade era que tinha colocado seus apontamentos originais das duas últimas aulas na esperança de manter uma jovem mulher de olhos violeta, interessada em lhe escutar.

Mas por outro lado sabia, melhor que todos, que algumas das melhores descobertas da ciência e da vida tinham uma natureza acidental.

Stan pegou uma caderneta e passou para que todos apontassem seus nomes e números de telefone, e depois entregou devidamente a Tyber, deixando a decisão em suas mãos, já que era ele o motivo. Zanita apostou que nenhum dos assistentes deixaria de participar de um grupo de discussão regular com o Tyberius Augustus Evans, o que lhes outorgaria certo elitismo profissional.

Tyber dobrou o papel, o guardou no bolso da camisa e lhes agradeceu de novo por assistir. Zanita perguntou-se se realmente seguiria com o grupo. Pelo que sabia dele, duvidava; era inconformista e solitário por natureza.

A multidão se dispersou, deixando-os ali, em público.

—Zanita, gostaria...?

—Tyber, posso...?

Ambos falaram ao mesmo tempo.

Os dois riram. Tyber fez gestos para que continuasse.

—Você primeiro.

—Tyber, perguntava-me se... Bom, não costumo fazer isso, quero dizer, nunca fiz isso, e sei que me conhece há pouco tempo, mas mesmo assim, possivelmente...

Ele sorriu para ela.

—Zanita, do que está falando? Sem dúvida não pode ser o que parece.

Ela engoliu a saliva, reunindo coragem, sabendo que essa seria provavelmente sua única oportunidade.

—Concederia-me uma entrevista?

Ele a olhou atônito.

—O quê?

—Sou jornalista do...

A expressão de Tyber mudou imediatamente. O homem sorridente, acessível tinha desaparecido.

—Já entendi. Deveria ter sabido. —Por alguma razão, parecia terrivelmente decepcionado— Tudo foi puro teatro? Você errar de sala e...

—Não! Não tinha nem idéia de quem era; quero dizer, não imediatamente. Queria fazer um curso de cura mediúnica para uma história que espero escrever e...

—Já entendi. Apareceu a oportunidade. —O sarcasmo em sua voz era evidente— Com razão você me lembrava meu gato.

Zanita baixou os ombros. Não estava indo bem, absolutamente. E o que era esse comentário a respeito de seu gato?

—Que jornal? —perguntou indignado— The Globe?

—Não.

—Time?

—Não.

—People?

—Não.

Olhou-a inquisitivamente.

—O Patriot Sun — admitiu Zanita.

Ao princípio pareceu surpreso; depois relaxou visivelmente e em seu rosto se desenhou um enorme sorriso.

—A gazeta diária de Stockboro?

—Não precisa falar assim!

—Assim como? —De repente estendeu um braço e lhe rodeou o pescoço para aproximá-la para si.

—Como se... O que está fazendo?

—Fazendo? —Apesar do olhar inocente, tinha certo ar indiscutível de malícia. —Por quê? Estou respondendo a sua pergunta. Sinto-me aliviado, senhorita Masterson. Por um momento, acreditei que fosse uma jornalista de verdade.

Seus olhos violeta se tornaram glaciais.

—Sou uma jornalista de verdade.

—Bom, tratarei de não pensar em você como tal.

—Muito obrigada!

Tyber se inclinou para frente e a surpreendeu com um beijo na ponta do nariz.

—Sabe o que quero dizer.

Ela empurrou seu peito em uma intenção vã de liberar-se de seu abraço.

—Não, não sei. E está sendo impertinente.

—Sim, sabe — contra-atacou ele— E possivelmente o sou.

—Você... —Zanita enrugou o nariz; tinha perdido o fio da conversação.

Ele riu de sua expressão.

—Esquece. Escuta, vou dar uma festa de final de curso, verão índio, na piscina em minha casa no sábado. Aqui tem o endereço. —Rasgou um pedacinho do papel que Stan lhe tinha dado e rabiscou algo nele— Está convidada a vir; as duas em ponto. Mas sem entrevista. —Deu-lhe um tapinha no nariz para enfatizar— Posso contar contigo?

Ela baixou o olhar até o pedaço de papel que segurava na mão. Tinha ouvido histórias pouco claras sobre sua casa, algo a respeito de que era muito estranha e privada. Estava-lhe dando a oportunidade de vê-la. Talvez pudesse fazê-lo mudar de opinião em relação à entrevista, e se não, sempre podia escrever a respeito de sua casa. E quem sabe quem mais poderia ir à festa que fosse interessante para uma entrevista?

Além disso, queria voltar a vê-lo. Era muito fascinante para não querer voltar a vê-lo. É obvio que iria.

—Estarei lá. Obrigada, Tyber, mas não prometo que não tente fazê-lo mudar de opinião.

—Por que iria querer mudar um conjunto de crenças perfeitamente bom, Zanita? —Seu tom cáustico zombava dela.

—Só a respeito da entrevista — esclareceu.

—Como quiser. Boa noite, Cachinhos. Nos vemos no sábado.

Zanita não tinha a menor suspeita de que acabavam de fazê-la cair habilmente no jogo das conchas.

 

A placa no grande muro de pedra dizia “A Mansão de meu Pai”.

Zanita parou o carro em frente à grande porta de madeira.

Parecia que havia saído da Idade Média, pensou. O alto muro e as abundantes árvores e arbustos mais à frente impediam de ver a forma que teria “A Mansão de meu Pai”.

E como se conseguia entrar através desses muros imponentes? Descobriu um interfone na altura da janela do motorista, esticou o braço e apertou o botão vermelho.

Pelas medidas de segurança que já tinha observado, era óbvio que ninguém poderia entrar na mansão de Tyber, a menos que ele assim quisesse.

Dado que realizava todas suas investigações atrás daqueles muros de pedra, Zanita supôs que se tratava de uma sábia precaução, embora suspeitasse que fosse o tipo de homem que guardava sua intimidade com o mesmo zelo que seu trabalho.

O chiado repentino e sonoro do interfone a fez saltar em seu assento.

—Raios e trovões! —Uma voz estranha e áspera proferiu ressonante— Quem é?

Zanita contemplava atônita a caixa. Quem demônios era esse?

—Fala - disse- ou te estouro aí mesmo.

Ai, Deus! Tinha uma arma apontada? Zanita ficou tensa e olhou com receio a estrutura de pedra em busca de uma guarita.

—E então? —perguntou a voz impaciente.

—Sou... sou Zanita... Zanita Masterson. O doutor Evans me convidou para uma festa. Estou incluída? —Esta última parte terminou em um tom que transmitia a dúvida não só de que lhe permitisse a entrada, mas também de sua prudência por desejar tal coisa.

—Entre então, moça.

As portas de madeira sólida se abriram com lentidão.

Zanita estava sentada no carro, com o volante firmemente agarrado, enquanto observava com receio a cena que se abria perante ela.

Um caminho de paralelepípedos rodeado de espessa folhagem se estendia diretamente a sua frente. Teve uma sensação momentânea de déjà vú.

Por um instante, soube, simplesmente soube que uma vez que fizesse esse caminho, sua vida se veria mudada para sempre. Era uma sensação inquietante. Realmente quero fazer isto? Agitou-se, dissipando assim a estranha sensação. No que estava pensando? É óbvio que queria fazê-lo. Necessitava dessa entrevista.

O carro avançou seguindo o caminho. Assim que entrou, as portas pesadas se fecharam atrás dela com um ruído surdo. Zanita elevou a vista até o rosto de um dragão. O enorme arbusto com forma de besta fazia guarda à direita do caminho. Parecia vigiá-la em um escrutínio silencioso à medida que o carro avançava lentamente. Todo aquele que entre aqui abandona a realidade, pensou. Sem dúvida prometia ser uma experiência interessante.

O caminho de paralelepípedos se torcia e girava através do bosque. A única coisa que podia pensar era - Siga o caminho de ladrilhos cinza, siga o caminho de ladrilhos cinza- enquanto vigiava de perto os tecno-meninos dormidos sob as folhas caídas.

O bosque se abria em uma clareira seguido de um labirinto de arbustos com forma de criaturas mitológicas: gnomos, gatos alados, dragões de todas as formas e tamanhos, o que parecia ser o monstro do lago Ness, um inseto de três cabeças e um mago gigante que o presidia tudo arrogante.

—Isto é incrível - balbuciou para si.

Depois do labirinto havia uns jardins impressionantes. Pelo caminho, podia ver que cada jardim apresentava um tema e uma atmosfera diferentes. Muitos dos jardins menores tinham formosas fontes ou pequenos lagos.

Como era outono, não havia ainda botões em flor. Tratou de imaginar como seria o jardim em plena floração, consciente de que devia se tratar de um panorama impressionante. Talvez hoje em algum momento tivesse a oportunidade de caminhar pelos jardins ocultos, pelas curvas que pareciam tão atraentes.

Passou em frente de um grande caramanchão branco com cortinas de seda e estampado de cachemira que se agitavam ao vento. Ao dobrar em outra curva do caminho, uma enorme mansão vitoriana apareceu ante seus olhos. Sete pequenas torres se sobressaíam no ar.

Em um sinal de verdadeira opulência vitoriana, a casa era grafite de múltiplos tons e cores. De cada bordo disponível pendiam cós de gengibre. Vários estilos de gregas e talhas de madeira adornavam a intrincada obra de carpintaria. Flores, cordas e arcos esculpidos à mão decoravam as entradas. As jardineiras estavam repletas de flores frescas, o alpendre cruzado estava desenhado com corrimões, várias vidraças refletiam o sol da tarde.

Zanita não sabia se aquilo era um sonho ou um pesadelo.

Estacionou o carro na entrada circular diante da casa. Quando fechou a porta, apoiou as costas contra ela para olhar a fachada da dama grafite diante dela. A casa constituía um exemplo fabuloso de arquitetura vitoriana, extraordinariamente restaurada e mantida com o maior cuidado. Decidiu que sem dúvida se tratava de um sonho e se sentiu ansiosa por ver o interior.

Depois de subir uns degraus até a ampla varanda, contornando o balanço, aproximou-se da porta da frente de duplo batente de madeira perguntando-se onde demônios Tyber tinha encontrado essas vidraças. Não tinha dúvida de que fossem da Tiffany. As cenas que representavam eram de natureza celestial, mostravam estrelas, cometas, corpos celestes, alguns anjos e cupidos que pulavam entre os astros. Antes que pudesse chamar, a porta se abriu e apareceu um Tyber Evans sorridente. Estava descalço, usava uns jeans estragados e uma velha camiseta branca. Sua larga juba de reflexos dourados se balançava solta sobre seus ombros.

Agora isto parecia tortura.

Como de costume, sua aparência sexy tinha licença para matar.

—Olá, alegra-me que tenha podido vir - Sustentou a porta aberta para ela, lhe fazendo um gesto para que entrasse.

—Sabe de uma coisa Tyber? Deveria fazer um esforço de verdade para escapar de sua bolha-brincou Zanita ao passar em frente dele.

Ele esfregou a orelha.

—Entendo que não aprecia as matizes de minha sutil incursão no desenho?

—Sutil? Tyber, ao seu lado, um elefante vestido com saia rosa e dançando sobre duas patas pela Wall Street é sutil. Eu adoro. Dirigiu-lhe um sorriso de orelha a orelha.

—Por alguma razão, sabia que o faria, cachinhos. Vamos, deixe que eu te mostre a casa. —De forma despreocupada, colocou seu braço pelos ombros dela ao mesmo tempo em que a conduzia do vestíbulo à sala de estar. Logo ia descobrir que era uma das poucas habitações da casa que apresentava um aspecto normal.

A habitação era um salão do final do século XIX decorado com bom gosto, com tapetes marrons escuro, cadeiras pesadas estofadas em verde esmeralda, mesas de madeiras escuras, um grande puf, montões de cortinas elaboradas feitas com metros e metros de um formoso tecido jacard.

No suporte de madeira polida de uma grande chaminé havia uma vitrine que continha uma grande coleção de caixas de música antigas.

Era tudo precioso, e Zanita o disse.

—Desenhou e decorou toda a casa, Tyber?

—A maior parte, eu adoro a arquitetura vitoriana, adoro fantasias, a imaginação própria da alienação. Há vários anos encontrei esta casa, senti-me intrigado. Meu agente imobiliário tratou de me convencer de que não a comprasse. Você deveria tê-la visto, era um verdadeiro desastre, mas sabia que a estrutura da casa era sólida. Quando vi que a maioria dos elementos da instalação e detalhes originais permaneciam intactos, fiz uma oferta imediatamente. A casa principal foi restaurada e deixei livre minha imaginação nos vinte e cinco acres restantes, depois disso, deixei que minha fantasia tomasse as rédeas. Acrescentei várias alas decoradas no que eu chamo neo-vitoriano Evans —Sorriu-lhe com muito encanto— Foi muito divertido.

A versão de Tyber do estilo da época vitoriana provou-se particularmente fascinante. Os cômodos levavam a outros cômodos, os corredores davam estranhos giros e voltas, e as escadas conduziam a sólidos tetos ou ao redor de esquinas antes de subir ou descer.

Cada cômodo visitado nas alas tinha um tema diferente: havia uma alcova com muros de rocha, uma medieval com uma cama pendurada do teto por correntes, um terraço de observação com um telescópio em uma parte do telhado, uma habitação completamente negra salvo pelo teto, que se achava pintado com estrelas minúsculas fosforescentes, e outros ambientes todos com temática extraordinária.

O elemento de que parecia sentir-se mais orgulhoso era uma porta no terceiro piso que levava a nenhuma parte; abria-se ao exterior sem estruturas de apoio a seu redor, como uma janela para o espaço.

Zanita apareceu à porta aberta, com cuidado de não inclinar-se muito.

—Não entendo isso.

—Teria que ser física para compreendê-lo; está relacionado com o Princípio da Incerteza.

Olhou-a de uma forma estranha.

—Está certo!

Havia um jardim de inverno enorme na parte traseira da casa, decorado lindamente com vime branco. Zanita se afundou em uma cadeira acolchoada, e admirou as plantas em floração a seu redor.

—E onde trabalha, em seu laboratório na masmorra? —brincou. Tyber assentiu bastante sério.

— Não está de brincadeira, está?

Tyber arqueou as sobrancelhas, sacudindo a cabeça adiante e atrás.

—Por que trabalhar em um velho porão com aroma de mofo?

—Sou um tradicionalista. Todos os cientistas loucos têm uma reputação para manter e riu abertamente. A comissura dos lábios de Tyber se elevou em um leve sorriso, depois lhe estendeu a mão— Quero apresentá-la a alguns... amigos. Depois, se quiser, podemos nos sentar junto à piscina.

Ela colocou sua mão na grande palma dele; sua pele estava quente e seca, os fortes dedos seguraram sua mão, suave.

—Vamos entrar em território proibido, senhorita Masterson —sussurrou— estamos chegando aos limites da casa, conhecida como a cozinha do Blooey - Conduziu-a por vários corredores.

—Você já se perdeu alguma vez aqui?

—Não, mas já aconteceu com outras pessoas. Até que eu possa dar-lhe um mapa, não vá a nenhuma parte sem que Blooey ou eu a levemos. Em uma ocasião perdi um colega durante dois dias inteiros na ala sul. Não voltou a nos visitar depois disso - Sorriu com malícia.

—Por acaso,você não tramou esta eventualidade, tramou?

—Surpreende-me, senhorita Masterson. Até onde acredita que chega minha falta de cavalheirismo? —zombou dela com o termo, recordando o momento em que despertou em seus braços.

Zanita se ruborizou levemente.

—Como convidada em sua casa, não responderei a essa pergunta.

Abriu uma porta empurrando-a com o pé descalço e conduziu Zanita a uma cozinha muito grande e ensolarada. Uma ilha com superfície de malaquita se localizava no meio da cozinha. As panelas de cobre pendiam de uma prateleira em meio da ilha. Os armários eram de luxuosa madeira de cerejeira. Todos os aparelhos pareciam equipamentos de restaurante. Inclusive o fogão a gás de cromo, embora desenhado como um artigo do final de século era completamente moderno. Vários tipos de ervas cresciam nos batentes das janelas. A mesa da cozinha se achava disposta em um vão entre as janelas que iam do chão até o teto.

No meio da cozinha havia um homenzinho rechonchudo e um gato muito gordo.

O homem levava uma camiseta de listras horizontais brancas e vermelhas, calças largas marrons, e umas botas de montanha velhas e raspadas. Levava um lenço vermelho na cabeça, atado depois da orelha esquerda, a orelha da qual pendia um grande aro de ouro. Estava batendo uma massa de forma frenética em uma tigela de aço inoxidável.

O gato, era enorme e listrado de laranja, observava o homem cozinhar com um brilho glutão em seu olho dourado. Zanita notou um pouco divertida que lhe haviam mordido a sua orelha direita. Um emplastro negro lhe cobria o olho esquerdo. Parecia um patife.

—Blooey! —A voz de Tyber trovejou na cozinha, fazendo Zanita saltar, inclinou-se para explicar em voz mais baixa— Blooey não responde a menos que lhe fale em certo... tom.

O estranho homem se voltou e levantou os ombros.

—Tudo bem, Capitão?

Zanita reconheceu imediatamente a voz como a que tinha ouvido no interfone do portão. Capitão? Chamava Tyber de Capitão. Tinha estado Tyber no exército? Se assim fosse, seria um dado interessante para uma entrevista. Pelo o que ela sabia nunca havia sido mencionado que tivesse estado nas forças armadas. E quais eram suas relações com o governo?

—Quero lhe apresentar uma pessoa. Zanita Masterson, este é Arthur Bloomberg, conhecido entre seus amigos como Blooey.

—Olá. Prazer em conhecê-lo. —Zanita lhe estendeu a mão.

Blooey torceu a vista, examinando-a por um olho.

—É sua mulher, a que mencionou Capitão?

Tyber pareceu particularmente incômodo.

—Bem... É uma mulher, Blooey.

Blooey assentiu, e lhe estreitou a mão, lhe dando uma sacudida rápida e brusca.

—Parece-me bem. Bem-vinda a bordo, Lady Masterson.

Zanita não estava segura de como responder ao estranho homenzinho.

—Hummm... obrigada.

—Agora estou contigo; agüenta os bigodes.

Tyber estava falando com o gato. E o gato pareceu lhe compreender; sentou-se sobre suas ancas, olhando a Zanita com seu olho espectador.

—E este é Foiegras - O gato levantou uma pata rechoncha.

Zanita se ajoelhou para lhe estreitar a pata.

—Olá, Foiegras, prazer em conhecê-lo - Juraria que o gato lhe sorriu.

Tyber pôs as mãos sobre os ombros, fazendo que se levantasse.

—Se precisar, estaremos junto à piscina.

—Ok,ok , Capitão. O jantar estará pronto às seis badaladas.

Assim que saíram pela porta, Zanita lhe perguntou com toda a tranqüilidade que pôde:

—Quando esteve no exército?

Ele pareceu desconcertado.

—No exército?

Claro que estava lhe escondendo algo!

—Sim, no exército. Não negue Tyber. Não adianta. Esse homem o chamou de Capitão.

A linha de um sorriso desenhou-se de um lado da sua boca.

—OH, sim, tinha-me esquecido por completo de minha gloriosa carreira militar.

Zanita mexeu em sua bolsa e tirou uma caderneta curvada e um lápis.

—Isso parece interessante, fale-me disso.

Ele cruzou os braços e a observou.

—Bom, deixe-me ver. Naquela época, havia muitos conflitos entre... já sabe.

Zanita assentiu com ansiedade.

—A guerra fria. Continue - Rabiscou na caderneta.

—Eu tinha requisitado meu próprio navio, é obvio.

—É obvio - concordou ela, sem levantar a vista e, por isso, perdendo o sorriso zombador que se desenhou no rosto dele.

—Saqueei e afundei vinte navios...

—Saqueou? —Levantou a vista horrorizada— O governo aprovava esse tipo de coisas?

—Eu tinha patente de corsário - respondeu ele seriamente.

—Patente de... Tyber, do que está falando?

Ele a olhou de um modo inocente.

—O que está escrevendo?

Ela baixou o olhar à caderneta que sustentava em suas mãos sentindo-se culpada.

—Está certo, me esqueci. —Ele soprou ante o comentário. Zanita apartou a caderneta rapidamente— Então, esteve no exército?

Tyber riu.

—Não.

—Então, por que esse homem te chama Capitão?

Tyber esfregou a nuca, tentando encontrar uma forma de explicar,

—Blooey é um cozinheiro excelente - Ela o olhava fixamente, com expectativa— Ele... ele acredita que se encontra em um navio pirata e que eu sou o capitão.

Como se isso o explicasse. Ela seguia lhe olhando.

Tyber suspirou.

—Arthur Bloomberg era um matemático brilhante. Trabalhamos juntos em uma ocasião. Foi seu trabalho a respeito dos números imaginários o que o levou um pouco além do limite... paradoxal,sim. Como Blooey diz: Qual era o ponto? A ambigüidade é intencional.

—Compreendo. Acredito. Sofreu uma espécie de crise nervosa, e você o acolheu - Estava começando a ver mais um lado de Tyberius Augustus Evans. Um lado de que gostava muito — Não tem nenhum familiar?

—Nenhum que o procure. Além disso - disse a modo de explicação— Blooey é o melhor companheiro de navio com quem jamais zarpei. Espere até provar sua comida, na realidade acredito que é sua verdadeira vocação, maldito doutorado.

—Esse homem tem um doutorado? —Sua expressão era incrédula.

—Sim, mas em comparação com sua tigela de verduras, não é nada.

Tyber a conduziu através do jardim de inverno até os terrenos na parte posterior da casa. Passaram por mais jardins e logo atravessaram uma grande porta de ferro forjado em outro muro de pedra. Esta era a «zona da piscina». Todo o lugar a lembrava de uma gruta isolada, com grandes rochas lisas que contornavam a piscina, lhe proporcionando uma aparência de falhas naturais. Vários pequenos batentes desciam à piscina do muro de pedra, que continha, entre todas as coisas, uma lareira exterior. Uma segunda porta de ferro conduzia diretamente a casa. Era um lugar lindo. Não tinha convidados.

Zanita olhou ao redor.

—Onde está todo mundo?

—O que quer dizer?

—Disse que celebrava uma festa de fim de curso de verão na piscina.

Tyber se atirou em cadeira de vime e cruzou os braços em cima da cabeça.

—Estou fazendo isso.

Zanita franziu o cenho.

—Não há mais convidados, não é?

—Não me lembro de haver mencionado outros convidados.

Ela deu golpezinhos com o pé.

—Vejo que tem tendência ao atrevimento, doutor Evans.

—E como é isso, senhorita Masterson? Emiti um convite, e você aceitou. —Observava-a com as pálpebras entrecerradas— Agora bem, pergunto-me por que.

Estava jogando com ela. Sabia exatamente por que tinha aceitado!

Zanita deu um chute em uma pedrinha do pátio, que caiu na piscina.

—Sabe porque! Quero fazer uma entrevista!

Os olhos azuis prateado de Tyber seguiram a pedrinha um pouco divertidos enquanto saltava através das pedras até mergulhar na água. Tyber se levantou da cadeira, e caminhou por trás dela para apoiar as mãos em seus ombros.

Zanita tratou de separar-se, ele a reteve.

Inclinando-se sobre ela, disse firmemente ao seu ouvido:

—Nada de entrevistas. Nada de pedrinhas em minha piscina.

Zanita tragou saliva de forma convulsiva com o calor dele atrás dela. De repente desejava descansar a cabeça contra o peito dele, sentir esses fortes braços ao redor...

Piscou, seria muito ruim comportar-se como uma boba justo agora. Não era necessário piorar as coisas jogando-se sobre o homem.

O que estava lhe acontecendo? Normalmente, era uma pessoa muito prudente no que se referia às relações com os homens. Não era isso que dizia Mills? Tampouco queria manter uma relação com ele. Provavelmente ele não se interessasse embora o demonstrasse. E se o aborrecesse de verdade? Até que ponto se pode ser idiota? Apesar de tudo, era sua convidada.

As mãos hábeis de Tyber se moviam sobre seus ombros, massageando seus músculos tensos. Mas o gesto não a relaxou.

—Notou o labirinto de arbustos ao entrar? —Sua voz suave lançava calafrios por seu pescoço.

Ainda apanhada entre suas mãos, assentiu com cautela.

—Bem, quero que saiba que o labirinto é extremamente complexo. Até hoje ninguém conseguiu entrar nele com êxito. Sabe por que o levantei?

Ela sacudiu a cabeça, fazendo que seus cachos ricocheteassem.

—Levantei-o para freiar qualquer um suficientemente bobo para tentar uma entrevista. Essas criaturas almoçam pequenos jornalistas como você.

Zanita pigarreou, sua imaginação transbordava.

A risada entre dentes de Tyber como resposta foi forte, sexy, de pura diversão masculina. Era sua imaginação, ou os lábios dele acariciavam seu cabelo?

Ela se soltou do abraço, e ficou de frente a ele.

—Sério, Tyber, só quero...

—Não —Deu-lhe um golpezinho no nariz— Quer beber algo,Cachinhos?

Tyber estava demonstrando ser difícil. Mas não impossível. Zanita teria que aguardar o momento oportuno e esperar uma hora aproximadamente. Sorrindo em segredo, aceitou sua oferta de bebida.

Tyber lhe estendeu um copo de limonada gelada do bar exterior, pensando que de novo tinha o olhar do gato. Conhecia esse olhar muito bem. Não ia desistir. Suspirou. Como ia lhe tirar essa entrevista da cabeça? Enquanto o visse como um objeto para seu artigo, não lhe veria como pessoa. Uma pessoa que se sentia extremamente atraído por ela.

Havia algo nela que o atraía como uma força magnética. Do momento em que a viu sentada na terceira fila da sala de conferências, viu-se cativado por ela. Ainda não o tinha descoberto.

Apesar de seu caráter pouco ortodoxo, Tyber não era dos que perdia tempo com as complacências femininas, devido a seu estilo de vida isolado e sua tendência à investigação, suas experiências com as mulheres se apoiavam normalmente em um interesse mútuo por assuntos científicos, ou eram o resultado natural de uma amizade cada vez maior. Suas aventuras seguiam um padrão.

Sempre conhecia a mulher a nível profissional antes de acontecer uma aventura amorosa. Estas relações geralmente duravam vários meses antes que se separassem de comum acordo. Havia ternura, sexo decente e certa camaradagem. Entretanto, esta era diferente.

Por alguma razão, Zanita Masterson lhe estimulava.

Zanita lhe fez desejá-la em um nível com que Tyber não estava familiarizado. Havia uma urgência no ar quando se encontrava perto dela. Sua imagem e fragrância despertavam nele paixões profundas, misteriosas, paixões que ansiava explorar com o mesmo rigor com que explorava seus outros projetos.

E não só se tratava da paixão, embora Deus soubesse que isso era suficiente.

O que lhe cativava tanto como a atração física era que não parecia antecipar-se a ela. Zanita Masterson constituía uma surpresa em todos os sentidos. Tyber não compreendia, mas não se preocupava com isso, estava certo de que o entenderia com o tempo.

Permaneceram sentados ao sol enquanto bebiam lentamente suas limonadas.

Zanita teve o cuidado de evitar o tema da entrevista até que estivesse preparada para retornar ao assunto.

Em sua intenção de evitar determinados temas, encontraram-se para sua surpresa com uma abundância de temas diferentes nos quais compartilhavam pontos de vista similares. Gostavam dos mesmos filmes, adoravam conhecer novos restaurantes, tinham loucura por viajar e explorar, sabendo que tinham um lar, esperando. Estavam abertos a idéias e situações novas. Compartilhavam um amor pela arte e as antiguidades. E o mais importante: tinham um senso de humor muito parecido.

Zanita se perguntava como era possível que tivesse tanto em comum com um homem que era um gênio.

Tyber calculou que as probabilidades de se combinarem sexualmente eram exponencialmente altas.

Os pensamentos de ambos se viram interrompidos pelo grito do Blooey a todo pulmão. «Vêem aqui, patife!»

Tyber e Zanita trocaram um olhar em silêncio.

Um segundo mais tarde, a porta se abriu de repente e um feixe de cabelo laranja passou assobiando, com uma costela de cordeiro firmemente presa com as patas.

Blooey seguiu a toda velocidade a cauda do Foiegras, agitando uma faca de açougueiro.

—Está com o jantar, Capitão!

O gato pulou para o alto do andaime, guardando seu prêmio com zelo.

Zanita cobriu a boca com a mão, mas não serviu para ocultar a risada tola que não podia conter. Quem tinha ouvido falar de um gato que saísse correndo com uma costela de cordeiro inteira? E que fosse açoitado por um pequeno pirata armado com uma faca de cozinha? Estalou em gargalhadas.

Tyber se virou para ela, em seus olhos aparecia mais que um brilho de diversão.

—Não se preocupe, Blooey. Esta noite atracaremos em Porto Kentucky Fried Chicken. Meu velho amigo o coronel nos convidou para jantar.

Blooey sorriu.

—Acredita que servirá aquele frango delicioso que prepara, senhor?

Tyber olhou a costela de cordeiro de primeira, meio mordiscada, com tristeza.

—Existe uma possibilidade nada descartável, marinheiro.

 

Os três se amontoaram no assento dianteiro da caminhonete vermelho cereja de 55 de Tyber, conhecida carinhosamente como Grande Vermelha.

Zanita se inteirou de que tinha restaurado o veículo quando ainda estava no colegial. Primeiro a casa, agora a caminhonete. Ao que parecia, o homem tinha tendência de devolver vida às coisas. De certo modo, como o doutor Frankenstein, refletiu.

Quando se pararam em um semáforo, Tyber lhe falou em voz baixa ao ouvido.

—Do que está rindo, agora? Não tem noção de que organizei tudo isto só para impressioná-la? Tive que prometer ao Foiegras o fornecimento de filés de salmão por uma semana. O gato é um negociador duro. —Tyber acelerou quando o sinal abriu.

—Não duvidaria nem por um minuto. Na realidade, a razão porque estava rindo é que estava pensando que de certo modo é como Frankenstein.

—Frankenstein? —Tyber pisou no freio.

—OH, não, não fique ofendido; refiro-me ao doutor, não ao monstro.

Olhou-a de forma estranha.

—Entendi... obrigado —respondeu ele de forma áspera— Por um momento acreditei que estava me insultando. Não posso dizer o alívio que sinto em saber que pensa em mim como um cientista louco com delírios divinos em lugar de um velho monstro comum.

Blooey deixou escapar uma gargalhada.

—Não tem alternativa além de agüentar isso, Capitão!

Tyber arqueou uma sobrancelha.

—Eu sei.

—Tenha fé, Capitão. As mulheres são criaturas difíceis em seus melhores momentos.

—Já me disseram, Blooey-Tyber baixou o olhar para a Zanita de forma ameaçadora, e depois suavizou o efeito ao lhe piscar um olho.

Zanita lhe sorriu em troca, pensando que Blooey tinha razão; sim parecia um capitão pirata.

Grande Vermelha dobrou no estacionamento e se dirigiu à janela de pedidos. Tyber se voltou para seus passageiros.

—Bem, quem quer o quê?

Zanita umedeceu os lábios com a língua.

—Eu quero um Extra Rangente.

—Esse é um bom pedido, Capitão.

Zanita concordou com ele.

—Por outro lado quero provar o estilo grelhado.

—Querem que peça Grelhado de Ouro? —perguntou Tyber.

—Não, a especialidade do coronel é o frito, Capitão.

—Sim, é verdade—Zanita esteve de acordo com o Blooey— Receita original. Espere...

—Não esqueça os pãezinhos.

—... Carne branca.

—Puaj, a vermelha é melhor, moça.

Tyber deixou cair sua cabeça contra o volante.

—Batatas grandes, também-acrescentou Zanita.

—Não, purê de batatas! —O carro atrás deles deu uma buzinada— Não esqueça que o Foiegras adora o molho de carne. Embora não o mereça, certo?

—Isto é o cúmulo! —Tyber baixou seu vidro— me dê a caixa maior que tenha e coloca um pouco de tudo dentro!

Zanita e Blooey trocaram sorrisos secretos no caminho de volta a casa. Ao que parece ambos sabiam exatamente como irritar o Tyber. E juntos também o faziam muito bem.

 

Comeram fora, em uma mesa de vime junto à piscina, com o Foiegras lambendo um pequeno pires de molho a seus pés. Depois de recolher, Blooey decidiu retornar a seu «camarote» para terminar uma novela de mistério que estava lendo. Zanita e Tyber preferiram permanecer fora para desfrutar do calor anormal que fazia para a época do ano. Desabaram-se um junto ao outro, ambos tirando seus sapatos.

Tyber contemplava distraído a água que sussurrava na piscina.

—Quer nadar?

—Não trouxe traje de banho.

Um sorriso lento, ardiloso se desenhou no atraente rosto dele enquanto continuou observando a água.

—Esquece o que está pensando, doutor Evans.

Seus olhos a olharam de cima a baixo.

—Entraria na água se eu dissesse que concederia uma entrevista?

—É obvio que não!

—Não fique ofendida, só estou comprovando de que fibra é feita senhorita Masterson - Percorreu-a com o olhar, da camiseta sem mangas até as calças curtas, detendo-se por um longo momento em suas pernas e pés— Parece um tecido compacto.

Desavergonhado. Absolutamente desavergonhado. Zanita sacudiu a cabeça e suspirou. Uma pequena almofada da cadeira aterrissou junto à cabeça do Tyber. Sorriu-lhe.

—Nunca chegará às grandes ligas senhorita Masterson.

—OH, não sei —Flexionou os dedos— Se ficar tempo suficiente com você, estou certa de que terei muita prática.

Ele virou-se de lado para ficar de frente a ela.

—Então, terei que me assegurar disso, não?

A Zanita não escapava a intimidade da situação. Estavam deitados um junto ao outro, praticamente se tocando. Não estaria tão mal se Zanita não tivesse a certeza de que Tyber a estava perseguindo intencionalmente por uma razão que só ele conhecia. Não lhe ocorreu nem por um momento que estivesse interessado nela.

Ignorou-lhe para voltar-se de lado, separando-se dele. Até o momento, Tyber não cedeu um milímetro no tema da entrevista. Tinha chegado o momento de enfrentar o fato de que não se tratava de um homem facilmente influenciável. Tinha feito o melhor que podia. Tyber não ia ceder.

Zanita ficou deitada sobre as costas de novo, observando o pôr-do-sol no céu do oeste. Não ia conseguir a entrevista, Tyber estava tirando sarro dela e ela tinha comido muito. Bocejou sonolenta ao mesmo tempo em que se estirava na ampla espreguiçadeira.

—Eu deveria ir embora, Tyber.

—Ainda não pode ir, Zanita. Blooey preparou uma sobremesa muito boa, e mais tarde vai passar A maldição da Múmia na televisão.

Tyber parou de falar porque Zanita dormiu em seguida. Se fosse outra pessoa que não Zanita, teria se sentido insultado. Era a segunda ocasião em que a mulher dormia com ele! Sacudindo a cabeça, entrou em casa para pegar uma manta para ela.

 

Zanita abriu os olhos para uma noite de lua cheia.

— Boa noite.

Tyber estava sentado ao lado da espreguiçadeira da jovem, um lado de sua boca sensual desenhou um leve sorriso. Uma brisa leve acariciava as mechas livres de seu cabelo castanho e a lua emprestava-lhe reflexos dourados.

‘Que imagem para despertar’.

O pensamento distraído passou fugazmente por sua mente enevoada. Zanita lhe devolveu o sorriso e se acomodou ainda mais sob o cobertor, ainda muito confusa para se perguntar quem a tinha coberto.

Puxou o cobertor sob seu queixo com os punhos, enquanto seus olhos brilhantes seguiam bebendo da imagem de Tyber inclinando-se para ela, descalço e agora sem camisa no ar noturno. Contra a escuridão de sua pele, seu jeans desgastado parecia branco à luz da lua.

Zanita se deu conta de que lhe olhava fixamente, assim, rapidamente baixou os olhos, de repente, sentia-se envergonhada. No que estava pensando... olhar o homem dessa maneira?

— Adormeci. — Sua voz foi um som débil.

— Sim. — Os olhos claros de Tyber perambularam por seus traços, detendo-se por um momento nos cachos de menina que emolduravam seu rosto. Sem pensar, estendeu a mão para tocar uma mecha sedosa.

Enquanto o fazia, sua fragrância lhe produziu uma comichão nos sentidos; uma mistura sedutora de loção após-barba e algo mais que era exclusivo de Tyber, algo fugaz, embriagador, crepitante, que a fez fechar os olhos brevemente, para, com delicadeza, inalar mais. O homem podia cativar a uma mulher com essa fragrância.

Podia sentir o calor que emanava da pele nua dele enquanto a brisa fresca da noite banhava a ambos. Por um momento, uma mecha de seu cabelo lhe roçou a bochecha quando o vento soprou entre as árvores que rodeavam a zona da piscina.

Um fogo crepitava agora na lareira; luzes quentes dançavam na superfície ondulada da água.

Sua voz penetrou no estado confuso dela, uma voz suave, doce, que de algum modo, resultava tanto tranqüilizadora como estimulante.

— Tenho pensando em você...

As palavras suaves ressoaram junto com o toque delicado de seus dedos entre os cabelos de Zanita. Ela abriu os olhos com cautela. Nunca tinha pensado em si mesma como particularmente pensável. O que significa isso?

Afastou o cabelo do rosto alisando-o, aparentemente fascinado quando os cachos recuperavam exatamente a mesma posição.

— Parece que não posso me antecipar a você.

Ela franziu o cenho.

— O que quer dizer?

— Não consigo compreender como funciona sua mente. É imprevisível. — Lançou-lhe um olhar sedutor. — Como o Caos.

Tinha-lhe surpreendido?

Então, o grande Tyberius Augustos Evans estava perplexo, não? Isso sim que era incrível. Por mim!

Zanita lhe sorriu com malícia.

— Nunca o fará, sabe.

Parecia estar confuso uma vez mais. Melhor e melhor. Por sua expressão, não tinha nem idéia do que Zanita queria dizer.

— Nunca me classificará — esclareceu.

Com um sorriso enigmático, Tyber se inclinou e colocou suas mãos na superfície plana da espreguiçadeira, em ambos os lados da cabeça de Zanita.

— Conto com isso — respondeu ele.

Antes que pudesse adivinhar suas intenções, sua sexy boca roçou a dela, abrindo caminho ininterrupto por seu rosto para lhe acariciar o pescoço com entusiasmo.

O repentino e inesperado toque de seus lábios na suave pele de seu pescoço enviou um calafrio até seus pés e ascendeu de novo. Estava-a mordiscando! Quem teria acreditado que Tyber...

Seus dentes roçaram um ponto pulsátil. Um suave gemido ecoou na noite.

Eu fiz esse som?

Seus olhos se abriram como pratos pela surpresa. Contemplou-lhe muda. Os olhos azul-prateados de Tyber, brilhavam de... diversão? Interesse? Paixão.

Ele seguiu observando-a enquanto tentava liberar o cobertor enrolado nos dedos cansados de Zanita. Tomou suas pequenas mãos entre as suas e com perícia as colocou ao redor de seu próprio pescoço para fazer que esta lhe abraçasse.

Seus olhos se encontraram. Ela conteve a respiração.

‘Vai beijar-me.’

As mechas sedosas do cabelo de Tyber deslizaram entre seus dedos ao escorregar em uma lenta descida por sua cabeça. Ao mesmo tempo, Tyber se abaixou e levou sua boca a dela com um movimento perfeito.

Os lábios de Tyber eram aveludados, escorregadios e quentes. O contato com sua boca foi tão hábil e sensual que desta vez, Zanita nem sequer percebeu quantos gemidos escapavam de sua garganta.

Mas Tyber sim.

Manteve as mãos sobre a espreguiçadeira atrás da cabeça dela, enquanto se aprofundava no beijo. Passou a língua roçando seus lábios ligeiramente abertos antes de sugar brandamente seu lábio inferior.

— OH, isso...

— Você gosta? — inquiriu ele arrastando as palavras, e repetiu o gesto.

Isso era um eufemismo. Sua boca se abriu para ele.

Tyber teve uma revelação repentina; queria muito mais dela. Voltou a percorrer seus lábios entreabertos com a ponta da língua, introduzindo-a só ligeiramente em sua boca. Então a beijou lenta e docemente, como se só se contentasse passando o resto de sua vida beijando-a.

Zanita nunca tinha beijado dessa forma; Tyber era... um pedaço do céu. Apetitoso. Exótico. Úmido.

Um calor lânguido lhe percorreu o corpo.

Ele seguiu repetindo sua tortuosa rotina, um roçar de língua, a pressão de seus lábios, com cada repetição levemente mais intensa que a anterior.

Cada vez que sua língua úmida a tocava, Zanita tremia e ele se introduzia em sua boca um pouco mais.

Cada vez que a beijava, ela gemia e ele pressionava um pouco mais forte.

O ritmo da respiração dela se acelerava, mas ele não acelerou o seu.

Ele era lento, palpitante e completamente embriagador.

Zanita tremeu em seu abraço. A reação evidente que Tyber estava produzindo nela, também o fazia tremer. Sem aviso prévio, sentiu-se selvagem e perigoso. Estava mais que fisicamente emocionado.

Queria entrar.

Em todos os sentidos.

Mas só a tocava com sua língua. Só a cativava com sua língua.

Na próxima vez que se afundou nela, Zanita nem sequer ficou consciente de que seus próprios dedos se separavam entre o cabelo dele, aproximando sua cabeça cada vez mais, faminta do prazer sensual da língua e os lábios criativos de Tyber.

Ao sentir a pressão premente, na nuca, Tyber se deteve. Suas espessas pestanas bateram como asas quando examinou o rosto dela. Zanita tinha os olhos fechados, sua respiração era entrecortada, sua boca seguia levemente aberta para ele. Os suaves lábios se achavam úmidos e inchados por seus beijos.

Algo saltou nele e através de seu corpo. Uma chama lhe atravessou todas as terminações nervosas. Aguda. Palpitante.

De repente, não podia suportar separar-se do refúgio desses lábios cativantes. Nunca tinha experimentado nada tão... intenso. Nesse momento, desejava-a mais do que nunca tinha desejado algo em toda sua vida.

Essa mulher o fazia sentir algo que não podia explicar.

Para um homem dedicado a explicar algo e todas as coisas do universo, esta constituía uma experiência desconcertante.

Pressionou seu polegar intencionadamente no lábio inferior e úmido dela, abrindo-a para si completamente.

Não tinha sentido analisar muito as coisas. Antes de tomar sua boca em uma invasão penetrante e doce, pensou brevemente que algumas coisas na vida, era melhor aceitar. Sua língua se retorceu completamente no interior, escorregando atrás e adiante em uma incursão tremendamente minuciosa. Em uma posse apaixonada.

Zanita se agarrou a ele, dominada pela invasão de Tyber. Seu sabor era puro, doce e cremoso como chantili. De forma inconsciente, os dedos de Zanita se fecharam no cabelo dele, quando ele perpetrava o ataque firme, sedutor, de seus sentidos. Sentiu-se aturdida. Louca por tocá-lo.

Talvez Tyber não soubesse como classificá-la, mas sem dúvida sabia o que fazer com ela.

Zanita percebeu que ele levantava o cobertor que ainda a cobria, para introduzir-se sob ele. Uns braços fortes a rodearam, aproximando-a ainda mais dele. Agora podia senti-lo rodeando-a por completo, envolvendo-a, com sua pele suave como o veludo, sobre uns músculos duros como pedra. E quente. Muito quente.

O intenso calor dele a fez recuperar momentaneamente o sentido.

Precisava desacelerar um pouco. Precisava compreender o que estava ocorrendo. As palmas de suas mãos acariciavam o pêlo macio e brilhante de seu peito; estendeu-as contra sua pele nua em um esforço por conter o ataque sensual. Olhou para ele confusa e encontrou com o olhar abrasador de Tyber.

— O que... o que está fazendo, Tyber? — logo que pôde gaguejar, dado que os braços dele a apertavam.

Sem dúvida, agora os olhos dele não eram claros como o gelo. Eram de um azul cinzento pelo desejo. Nunca tinha visto que os olhos de um homem parecessem tão... ardentes de paixão. Ele baixou a cabeça, com um olhar intenso, incrivelmente erótico no rosto.

— Acredito que estou a ponto de fazê-la minha, senhorita Masterson. — Exalou as palavras acaloradas, implacáveis, contra os lábios dela.

— OH, mas penso que...

— Bem. Não pense. — Sua boca quente pressionou a da mulher.

 

Algo aconteceu quando se uniram.

Algo além da razão; algo primitivo e eroticamente selvagem. O que tinha começado como um aquecimento constante, rapidamente escalou até converter-se em uma voragem intensa, indomável, irreprimível, de paixão.

Não se lembrava de haver tirado as bermudas. Ou a camiseta. Ou o soutien e as calcinhas, em realidade. Sem dúvida, não podia lembrar-se de Tyber tirando o jeans e a roupa interior.

Era consciente da primeira vez que sua forte perna se esfregou contra a sua. E de sua coxa nua introduzindo-se entre as suas. Recordava a sensação que lhe produziu o pêlo de sua perna deslizando-se pela pele suave do interior de sua coxa.

O contato das mãos de Tyber, grandes e quentes contra a pele nua de suas costas.

A carícia sensual de seu cabelo comprido por seu peito quando sua boca implacável tomou a sua de novo.

O modo dominante em que a voltou para aumentar o prazer.

Era como se Tyber não pudesse obter o bastante dela.

Massageou seu corpo com as palmas das mãos enquanto jaziam deitados um em frente do outro, seu toque indômito, embora sensível, despertava nela terminações nervosas que nem sequer sabia que tinha. Tocou-a e acariciou-a como se fosse seu sacrifício pagão pessoal. Sua para fazer o que ele desejasse. Sua para devorá-la.

Zanita nunca esqueceria a expressão sedutora, crepitante, no rosto absurdamente atraente de Tyber, quando este se perdeu nos prazeres sensuais, cuja profundidade ela jamais tinha experimentado antes.

Como a seda quente e úmida, sua boca se fechou na curva do pescoço de Zanita, enquanto agarrava suas nádegas para pressionar a coxa dela contra si. Sentia-se palpitar. Estava incrivelmente duro. Incrivelmente dotado.

Em um gesto feminino antediluviano, Zanita se afastou ligeiramente dele. ‘O que estou fazendo?’

Tyber a atraiu para si com firmeza.

— Estou... estou... — Não lhe permitiu terminar a frase. Entrelaçando suas pernas com as dela, com as mãos grandes lhe sujeitando a cabeça, os dedos entre seus cachos, sustentou-a quieta para seus beijos vorazes. Ela se desfez por completo, fundindo-se em seu abraço.

No fundo, Tyber sabia que uma febre havia se apoderado dele. Imprópria dele ou não, não tinha intenção alguma de libertar-se dela.

Quando brincou com a ponta inchada e rosada do peito de Zanita, roçando-o com os dentes, o som afogado que seguiu do interior de sua garganta lhe fez crepitar.

Quando introduziu seu peito no interior de sua boca molhada, Zanita começou a choramingar, a temperatura de seu próprio corpo aumentou vertiginosamente.

Seus pequenos gritos de paixão lhe ferviam o sangue. Seu único pensamento coerente era... mais.

As mãos de Tyber deslizaram sob suas costas, levantando-a para ele, e deixou cair sua cabeça entre os peitos inchados dela para esfregar seu rosto de maneira violenta com a pele da mulher, inalando profundamente sua fragrância feminina. Estava perdido... perdido.

A sensualidade desinibida de Tyber deixou Zanita sem fala.

Tyber a inflamava.

Zanita apertou seus lábios contra a garganta úmida dele, justo sobre uma veia palpitante. Podia sentir seu pulso, sua força vital, latente com força sob sua boca. Tyber voltou o rosto de lado para lhe proporcionar um melhor acesso; sua respiração entrecortada roçava a cabeça de Zanita enquanto a boca desta lhe estimulava com insistência. Em resposta, seus braços musculosos se fecharam ao redor da fina cintura dela, fazendo-a presa de uma rede de força masculina, tão suave como a seda, tão forte como o aço.

Fundiram-se um no outro. Aferraram-se com paixão como trepadeiras unidas inextricavelmente.

Zanita percorreu a forte coluna de seu pescoço com os lábios inchados pelos beijos, agora o desejava como se fosse sua droga particular. Deteve-se para, de repente, pegar o lóbulo da orelha de Tyber, e depois lhe percorreu o bordo da mesma com a pontinha da língua, introduzindo-a só levemente no interior.

A rápida inalação de ar dele e seu ligeiro tremor a inflamaram.

Deixando de lado qualquer reserva, suas ações imitaram de forma inconsciente as dele ao enterrar o rosto no seu cabelo longo e cheiroso, inalando profundamente sua essência masculina antes de se contorcer como uma gata no cio.

Tyber enlouqueceu.

Rodou sobre ela, imobilizando-a sob seu corpo. Sua boca se chocou com a dela, um sinal abrasador de sua posse. Seus dedos se entrelaçaram com os dela, sujeitando-a a almofada que tinham debaixo, ao tempo que capturava suas mãos em uma postura clássica de dominação sexual masculina. Esse progressista homem do conhecimento acabava de despojar-se de sua capa de refinamento; voltou-se indômito, insaciável e definitivamente preparado para amar.

Entrou nela com um só golpe seguro.

Ambos gritaram.

Ela o estreitou fortemente entre as pernas. Ele a estreitou fortemente entre seus braços. Então Tyber fundiu sua boca com a dela e se moveu em seu interior. E se moveu em seu interior. E se moveu em seu interior.

Ela sentiu os primeiros tremores, sem estar de todo segura do que ocorria. Rogou-lhe que se detivesse; Tyber a ignorou.

Mostrou-se implacável.

Zanita começou a soluçar. Implorava para que não se detivesse. Pela primeira vez em sua vida, desfez-se de inibições; gritou e chiou e desfrutou como nunca. Quando os espasmos chegaram e a sacudiram, foram tão intensos que levou Tyber consigo.

Tyber gemeu do mais profundo de sua alma e experimentou o orgasmo mais poderoso que já tinha tido em toda sua vida. Desabou-se sobre ela e recostou a cabeça sobre seu ombro, muito fraco para mover um só músculo.

Zanita retornou a terra, piscou para a lua e sorriu como o gato contra a pele úmida e escorregadia do pescoço de Tyber.

Deus santo... Ela tinha conseguido!

Viu-se soberanamente transtornada.

 

Uns minutos mais tarde, Tyber levantou a cabeça jogando o cabelo para trás.

Tinha imaginado.

A idéia de que desejava essa mulher agora, outra vez, amanhã, voltou-se clara como água. Ela tinha respondido a ele como não o tinha feito antes com nenhum outro homem, estava seguro disso. Seus braços se estreitaram em torno dela quando se inclinou para diante para lhe dar um beijo doce e prolongado.

Seus dedos lhe massagearam o cabelo enquanto olhava pensativo em seus olhos.

— Sou o primeiro que a fez sentir assim.

— Como soube? — Parecia surpresa frente a seu nível de percepção.

Tyber elevou uma sobrancelha.

— Bom, me deixe pensar... Poderia dizer que é intuição ou mesmo minha grande capacidade psíquica, mas talvez fossem todos esses gritos de “OH, Meu deus, o que está acontecendo? Por favor, não pare, está me matando”. Sim, sem dúvida acredito...

Golpeou-lhe o ombro.

Ele riu, lhe dando um rápido beijo na ponta do queixo.

— Está muito orgulhoso de si mesmo, não é verdade?

— Hummm. — Sua boca descendeu até a clavícula dela, detendo-se em um jogo possessivo masculino.

— Estou pensando que não deveria ter aumentado seu nível de arrogância, Doc.

— Digamos que a decisão não estava em suas mãos. Além disso — mordiscou seu queixo — não tenho um nível de arrogância.

— Arre! OH, Tyber, não faça isso... — Aspirou o ar quando a boca aberta dele insistiu fortemente em seu pescoço. Zanita tremeu.

Tyber se deteve para olhá-la.

— Está ficando com frio?

Assentiu, a prudência é a mãe da ciência. Agora que não se achava sob a influência de seus hormônios enfurecidos, começava a envergonhar-se ligeiramente. Encontravam-se deitados, nus, na beira da piscina em uma espreguiçadeira sob a luz da lua cheia. Certo, o cobertor os cobria, mas e se Blooey decidisse dar um passeio a meia noite pelo jardim traseiro?

Preocupava-lhe mais o fato de que nunca se deitou com ninguém tão rápido em toda sua vida. Fazia dois anos que conhecia o Steve quando se atreveu, e Rick... inclusive, com esse arrebatamento, levara vários meses saindo com ele. O que podia pensar disto? Como se supunha que devia comportar-se? Não tinham uma relação, embora tivesse sido mais íntima com Tyber do que com mais ninguém em sua vida. Ele a tinha visto totalmente fora de controle.

Massageou a ponte do nariz com o polegar e o indicador. Não, ele a tinha feito perder totalmente o controle.

Tyber assumiu o mando como um verdadeiro general.

O homem era perigoso. Decididamente letal. Quem sabe que reações poderia lhe provocar quando menos esperasse? Não tinha nenhuma intenção, absolutamente, de voltar a manter uma relação. Ao menos não no milênio seguinte.

Tyber se separou dela para agarrar suas calças. Repentinamente tímida, Zanita se envolveu com a manta para procurar sua roupa. Assim que se vestiu, tratou de pensar em uma forma elegante de sumir dali. Necessitava algum tempo para refletir a respeito de sua dissipada conduta. Olhar e babar era uma coisa. Tocar e manusear outra muito distinta.

— Olhe, Tyber, é melhor que eu vá, agora. Obrigado por me convidar, boa sorte com sua investigação...

Tyber a observou de maneira cúmplice enquanto subia as calças pelos quadris enxutos e fechava o zíper. Nem sequer lhe olhava ao falar! Colocou-se justo em frente dela, acabando com essa opção.

— OH, não, não vai, senhorita Masterson. Quantas vezes tenho que dizer que não permitirei que saia correndo? Acabamos de compartilhar algo, e não falo só de sexo. — Passou a mão pelo cabelo ao tempo que uma imagem de ambos entrelaçados em um abraço apaixonado se reproduzia em sua mente. — Embora tenha sido incrível, não é verdade?

O queixo da Zanita se elevou desafiante.

—Não saio correndo. Vou. Há uma diferença.

—Não, não vai.

Ela suspirou.

—Tyber, não sei o que foi... isto. — Sua mão assinalou a espreguiçadeira, agora desocupada com o cobertor enrugado.

— Não sei o que pensa que devo fazer em uma situação como esta... Não se mova! — Ele tinha começado a aproximar-se dela. A última coisa que precisava nesse momento era que ele a transtornasse com seu contato.

— Zanita...

Teria que entrar em explicações para que ele compreendesse a situação. Por tratar-se de um gênio, podia resultar terrivelmente desagradável. Sem dúvida teria acreditado que uma mulher de sua idade teria mantido suficientes encontros para haver-se jurado deixar aos homens por completo.

— Mantive uma relação e meia em minha vida...

Tyber não escutou o resto de suas palavras; seguia obstinado à primeira parte de seu discurso.

— Meia relação? Que diabos é isso?

Ela ruborizou-se.

— Não quero discutir isso.

Olhava-a como se observasse um espécime estranho que acabasse de descobrir sob seu microscópio. Ou melhor dizendo, o telescópio, corrigiu-se ela.

— E tire esse olhar de sua cara agora mesmo!

— Que olhar? — Seguia observando-a de uma forma estranha.

— Já sabe que olhar! Não sou diferente de ninguém... não é necessário que me olhe desse modo.

Tyber respirou fundo.

— Zanita, está tão longe de qualquer pessoa que tenha conhecido que a comparação desafia toda descrição. Acredite-me querida, misturar seu nome com a normalidade encerra uma contradição.

— E quem é você para julgá-lo? — Golpeou o chão com o pé, e com um gesto de braço que abrangeu sua estranha casa. — Tenho que dizer mais?

Ele entrecerrou os olhos.

— Sim, sou excêntrico.

— Excêntrico! — burlou-se ela. — Você, Tyberius Augustus Evans —golpeou-lhe no peito com o indicador, — é um louco!

A boca de Tyber se elevou nos cantos.

— Um louco? —levou as mãos ao coração. — Zany, fere-me.

— É Zani, com ‘i’ latino.

Tyber mostrou uma covinha na bochecha, e ela se viu envolta em um abraço espontâneo.

— Como pode distingui-lo? —sussurrou-lhe ele rindo-se ao tempo que lhe acariciava o cabelo com os lábios.

Ela elevou o olhar para ele com expressão ferida.

— É pela forma como o diz. Simplesmente sei.

Os dedos de Tyber brincaram com os cachos de sua nuca enquanto observava seu pequeno rosto sincero. Sentiu que lhe dava um tombo o coração.

— Zanita, eu adoro você. — Seus lábios se apoiavam calidamente em sua fronte. — Fica comigo esta noite.

Ficar com ele? Adorava-a? Zanita lhe olhou assustada. Significava isso que queria manter uma relação O...? Ocorreu-lhe outra idéia terrível.

— Tyber, você... você utilizou proteção? Hoje em dia, tem que ter muito cuidado... — cobriu o rosto com as mãos. — OH, Deus, o que eu fiz?

— Não se preocupe com isso, querida; ocupei-me disso.

Antes que Zanita pudesse pensar em uma resposta apropriada para isso, Tyber a agarrou em seus braços e a carregou até a casa. Não a soltou até depositá-la brandamente no centro de sua cama. Que casualmente era uma concha de ostra gigante. Zanita olhou-o piscando, perplexa ante seu atrevimento. Nenhum homem que ela conhecesse teria sonhado atuar com tanta segurança em si mesmo. E, de novo, nenhum homem que ela conhecesse poderia havê-la conduzido de forma tão absoluta à satisfação. Entretanto, não pensava permitir que o homem a arrastasse por ali sem que ela expressasse seu consentimento. Observou-o.

— Perdoe-me, devo ter perdido algo. Quando retrocedemos dois séculos em um pulo?

Tyber olhou para o teto como se estivesse pensando seriamente na pergunta.

— Não pode ser feito. Ao menos segundo Einstein. Entretanto, o buraco de uma lombriga...

— Deixe agora mesmo de ambigüidades! Nem sequer me deixou responder!

Tyber encolheu os ombros.

— Não se tratava de uma pergunta.

— Tyber!

Este sorriu.

— Tecnicamente falando — corrigiu para acalmá-la.

Dirigiu-lhe um olhar mordaz e se endireitou para sentar-se. Parecia se encontrar em meio de outra das fantasias de Tyber. Três das paredes eram aquários do chão até o teto. A quarta tinha duas portas, que supostamente conduziam a um banheiro e um quarto de vestir.

— Reconheço que os aquários são relaxantes, mas uma cama em forma de concha de ostra? — Seus olhos viajaram por cima dela, onde a metade superior da concha se elevava sobre sua cabeça. Tinha luzes coloridas incrustadas.

Tyber agarrou um controle remoto de uma mesa de madeira junto à cama. Apertou um botão e as luzes se foram atenuando de forma romântica.

— E se quiser ler na cama? — perguntou Zanita sarcasticamente, ainda zangada por sua conduta dominante.

Homens! Terei que fritá-los em azeite fervendo! Tyber apertou outro botão e surgiram duas luzes brilhantes para a leitura, que a iluminaram.

— Agora me sinto como a pequena sereia.

Tyber apagou as luzes de leitura e deixou só as de tons suaves.

— Sim, parece uma pérola aqui dentro. — Ela mostrou-lhe a língua. — Evidentemente, não uma pérola cultivada...

— As pessoas que vivem em aquários de cristal não deveriam insultar. Tem um televisor no dormitório. E falas de cultivados...

— O que me recorda que nós perdemos A maldição da Múmia. Pergunto-me como podemos ter esquecido. — Olhou-a de uma forma muito masculina.

— Eu também me pergunto isso. — Não pôde evitá-lo, sua boca se torceu em resposta. Era um homem incrivelmente sexy. E muito doce.

Apesar de sua terrível arrogância.

Para ser justa, Zanita supôs que a simples razão de ser Tyberius Augustus Evans vinha com um fator de arrogância incluído. Não existia ninguém que parecesse com ele. O mundo sabia. E ele provavelmente sabia. Na realidade, queria ficar um pouco mais com ele, assim que mal podia fazer uma só noite?

Tyber se sentou não beira da cama.

— Esse sorriso sedutor significa que vai passar a noite comigo?

— Isso é uma pergunta?

Tomou a mão e a levou aos lábios.

— Sim, minha Zanita, é uma pergunta. Por favor, fique; quero você aqui. Que tal a humildade?

— Não sei. Por alguma razão, a rotina Uriah Heap¹ não fica bem em você. E sim, ficarei, mas só por esta noite. Deixei os homens.        

 

1 –Uriah Heap – personagem da mitologia celta, semelhante a um gnomo. Empresta seu nome a um personagem do romance David Copperfield de Charles Dickens (personagem este, pegajoso e servil) e a uma famosa banda de rock dos anos 70.

Talvez por isso que Zanita se refere a Tyber assim. Parece que ela não o considera nem pegajoso e menos ainda servil.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

 

Tyber arqueou uma sobrancelha.

— Quer dizer como em “deixei de comer carne”?

— Um pouco parecido.

— Posso perguntar por quê?

Ela liberou sua mão.

— Não, não pode.

—Ah, entendo. Então, esta noite é uma recaída, por assim dizê-lo? Não sei se eu gosto que me comparem com uma recaída na conduta. —Acariciou-lhe o braço com os dedos.

— Sério, Tyber. Não pretendo ofendê-lo. Considero-o mais como uma... anomalia.

— Uma anomalia... —olhou-a impávido.

— Não está zangado, não é?

— É obvio que não. Sempre aspirei vir a ser a anomalia de alguém. Agora sou a sua. Sinto-me realizado. — atirou-se cruzando a cama.

— Não tome como algo pessoal.

— Então, agora nem sequer sou uma anomalia individual? Nem sequer sou especial? Não sou mais que uma anomalia normal e corrente. — Rodou para ela e lhe agarrou ambas as mãos com uma das suas. Os olhos de Zanita se abriram como pratos.

— O que vai fazer?

Ele se elevava por cima dela.

 

— Vou mostrar-lhe algo. Isto — levantando a camiseta, percorreu-lhe ligeiramente a barriga com os dedos — é uma anomalia ordinária. Enquanto que isto — de repente, começou a lhe fazer cócegas no estômago sem piedade — é uma anomalia especial. —Ela começou a rir bobamente. —Agora, você se importaria de reformular sua avaliação a meu respeito?

— Pára, Tyber, por favor!

Ele levantou a mão para deixá-la suspensa a uns centímetros do umbigo da Zanita.

—Estou esperando. — Flexionou os dedos de forma ameaçadora.

— Sim, é uma anomalia especial. Está satisfeito?

Seus lábios lhe esfregaram o estômago.

— Ainda não — disse contra sua pele. — Mas é um começo. —Soltou-lhe as mãos e se endireitou sobre a cama.

— Sabe o que há na televisão enquanto falamos? —Tinha a expressão de um homem que esconde atrás de si uma bolsa cheia de diamantes.

— Não, o que? —perguntou ela ansiosa ao mesmo tempo que também se endireitava.

— A invasão dos vampiros do espaço pré-histórico. — Subiu e baixou as sobrancelhas várias vezes ao dizê-lo.

— Não! —respondeu Zanita ofegando.

Tyber assentiu com brilho nos olhos.

— Meu filme favorito!

Recuperou o controle remoto da mesinha e ligou o televisor. Um vampiro vestido com um traje espacial prateado perseguia um homem das cavernas pelo vale de São Fernando.

— Acaba de começar. Fique aí; volto em seguida com algo decadentemente bom e me conta o que perdi.

Zanita se recostou sobre os travesseiros, já absorta no filme, enquanto Tyber se dirigia para saquear a cozinha.

Retornou uns minutos mais tarde, com uma grande bandeja. Seu pé, descalço, empurrou a porta para abri-la e a fechou depois atrás dele.

— O que perdi?

— Não muito: o vampiro astronauta chefe acaba de ver a garota das cavernas banhando-se no riacho e a salvou de um cão monstruoso. O que é tudo isso?

Tyber colocou a bandeja na mesinha e se sentou junto a ela com um pulo.

— Este é o famoso Bolo de Sorvete de Blooey. —Deu-lhe uma parte enorme de sorvete e um copo de leite.

— É sorvete de farelo de biscoito? — Ele assentiu. — Isto é um pecado. — Zanita provou um pedaço do bolo. — OH, Deus, Tyber, isto é melhor que sexo.

O garfo de Tyber se deteve no meio do caminho para sua boca.

— Cuidado. Já me criou um complexo esta noite.

Zanita lambeu um pouco de caramelo da ponta de seu garfo.

— Não me referia ao sexo com você, é claro.

— Espero que não se trate da conversa de chocolate.

— Não, sério, o sexo com você é muito mais delicioso — respondeu Zanita com malícia.

Ele se voltou para olhá-la.

— Zanita, você...?

— Chsss! O filme está começando outra vez.

Viram o filme amigavelmente, fazendo comentários graciosos sobre a direção inverossímil e a horrorosa interpretação. Quando saiu o xamã dos homens das cavernas, ambos romperam a rir.

Durante o comercial, Tyber se voltou para ela.

— Esse xamã me recorda... não disse que estava escrevendo uma história a respeito de curadores psíquicos?

— Sim. Foi assim que acabei em sua classe. Tinha razão; não sei soletrar.

— Uma característica pela qual me sinto muito agradecido.

— Que tipo de história está escrevendo? — cruzou as mãos atrás da cabeça, recostando-se sobre os travesseiros.

— É um artigo de investigação. — Falou-lhe a respeito de Xavier LaLeche e a pobre senhora Haverhill.

— O Patriot Sun a encarregou de uma história como essa?

Zanita se revolveu incômoda.

— Bem, não exatamente. Estou algo assim como, fazendo por minha conta.

— Sério. É repórter de investigação?

— Hummm, mais ou menos...

— Mais ou menos?

— Este é meu primeiro trabalho de investigação, mas sei que...

— Ouvi que esse tipo de trabalho pode ficar perigoso.

— Isso é o que disse Mills, mas acredito que está exagerando.

— Quem é Mills?

— Minha melhor amiga. O problema é que meu editor, Hank, só me encarrega de ninharias. Eu quero, preciso fazer algo... mais. Estou decidida a cobrir esta história, não só pelo jornal. Conhecia a senhora Haverhill. Era uma idosa agradável que não merecia que a enganassem dessa forma.

— Por que não se queixa ao chefe a respeito de seus trabalhos?

—Hank é o chefe. Acredite, ele nunca me enviaria a nada que fosse remotamente perigoso.

Bom para Hank, pensou Tyber. Embora tivesse curiosidade pelo motivo.

— Por que não?

— Porque é meu avô — murmurou.

Tyber sorriu por cima de sua cabeça inclinada, trocando de expressão assim que ela levantou a vista para ele.

—Bem, isso é complicado, Zanita.

— Sim. Por isso não quero que saiba nada sobre isto.

Problemas a vista, pensou Tyber. Xavier LaLeche, um nome falso, porque não o tinha escutado nenhuma vez. O que Zanita poderia descobrir? Ponha dinheiro, cobiça, um vigarista, e a situação poderia voltar-se muito perigosa. E com sua tendência a meter-se em situações delicadas...

Tyber esfregou o queixo.

— Sabe, Zanita? Acho fascinante.

—Verdade?

— Sim. Sem dúvida, existe um paralelo. Posso compreender seu desejo de fazer esse tipo de jornalismo de investigação. De certo modo, é similar ao que faço eu.

— Sim? Como?

— Eu considero meu trabalho como uma série de investigações - Estalou os dedos como se acabasse de ocorrer-se algo importante. — Acho que poderia ajudá-la com esta história.

Ela se endireitou sobre a cama, com muito interesse.

— De verdade? — Pensou durante um segundo. — Acho que poderia fazê-lo! Você não demoraria muito em levar a diante com todas essas coisas científicas que sabe. Bem, poderia descobrir a fraude em um minuto!

— Bom, talvez não tão rápido, mas provavelmente, poderia revelar seu modus operandi.

— É fantástico! Estou realmente excitada! Vai me ajudar, Tyber?

Não ia permitir que se metesse sozinha, no que seguramente, eram problemas.

— Sim, acredito que o farei.

— Genial! A primeira coisa que deveríamos fazer é... tem restos de caramelo nos cantos dos lábios.

Tyber escorregou seu braço ao redor da cintura dela, atraindo-a para si.

— Lambe, querida.

Zanita duvidou por um segundo, ainda surpresa pela natureza escandalosamente sensual de Tyber.

— Hummm, sabe, é melhor em você.

— Sabia que Newton disse que não pode tocar sem ser meio doido? — Sua língua roçou rápida a fenda sobre seu lábio superior.

— Sei de alguém que está ‘meio doido’.

— Passarei isso por alto porque compreendo sua relutância a aprender física. Newton também disse que se fizer isto... — inclinou a cabeça, apanhando seu mamilo através da malha de algodão de sua camiseta — deveria esperar isto. — Seus dedos acariciaram o outro mamilo, que agora se achava igualmente duro.

Zanita tomou ar.

— Disse-o Newton, não?

— Hummm. É muito popular entre os estudantes. —Tyber a recostou brandamente sobre a cama, e suas mãos se dirigiram aos botões da sua bermuda. — Quer saber o que mais ele disse?

Ela assentiu com entusiasmo.

Os lábios dele roçaram de forma tentadora seu estômago ao tempo que lhe tirava as calças. Então começou a lhe dar pequenos beijos no peito enquanto tirava a camiseta.

— Na ausência de força, meu objeto em movimento tenderá a permanecer em movimento. O que pensa disso? — Atirou a camiseta da Zanita e se desabotoou as calças.

— Mal posso esperar — disse ela sem fôlego.

 

Tyber embalou a Zanita contra seu peito, pensando que se realmente fosse o pirata que Blooey acreditava que era, a encerraria em seu camarote e não a deixaria partir nunca.

Acariciou os cachos macios da parte superior de sua cabeça com o queixo.

Metaforicamente falando, não tinha intenção de deixá-la partir. Era assim que ela acreditava que estava desistindo dos homens, não? Bom, sempre se podia recuperar o gosto. Por um homem. O homem adequado.

Iria se encarregar disso pessoalmente.

Dado que não era um capitão pirata, suas possibilidades não eram tão claras. Embora atá-la a sua cama fosse tentador, teria que ter um plano melhor...

 

Sete pares de esbugalhados olhos de peixes a olhavam fixamente.

Zanita piscou, depois olhou novamente, atônita.

Um aquário.

Estava deitada de lado, frente a um aquário. Era estranha a forma em que os sete peixinhos se achavam alinhados horizontalmente, só olhando-a...

Quem colocaria um aquário junto a uma cama?

Tyber.

Zanita despertou por completo. Assaltaram-na todas as lembranças: a festa da piscina que não foi uma festa na piscina, o jantar elaborado que acabou em comida de lanchonete, a sedução desinibida seguida de uma noite de filmes de terror, sorvete de casquinha, e fazer o amor de uma forma selvagem e apaixonada. Todo isso intercalado com lições de física.

Só conhecia um homem capaz de proporcionar semelhante... noite inusitada, e nesse momento a abraçava, dormindo profundamente.

Tinha o rosto em sua nuca.

Uma respiração suave, regular pulsava contra a linha do cabelo de um lado de seu pescoço. Seus braços a estreitavam firmemente pela cintura; uma perna longa e musculosa se achava em cima das suas. Se Zanita tivesse mais imaginação, pelo modo em que ele a segurava teria suspeitado que o homem estivesse garantindo que ela permaneceria ali para lhe dar bom dia.

E não que ela escapasse no meio da noite.

Bom... quem sabe pudesse fazê-lo, caso houvesse despertado.

Tal como estava, tinha dormido profundamente, e muito confortável com o calor agradável dele a seu lado, durante toda a noite. Embora tivesse pouca escolha. Tyber a tinha esgotado deliciosamente.

De onde tirava energia?

Zanita fez uma careta, anotando mentalmente que não devia lhe perguntar isso. Podia imaginar a parafernália que ele necessitaria para lhe explicar tudo a respeito da energia. Tratou de conter uma risada. Sua ideia inicial de Tyber tinha sido correta: o homem estava louco. Mas era um louco tão escandalosamente maravilhoso! Suspirou, apoiando-se ainda mais nele de forma inconsciente.

Afinal de contas, que horas eram? Era impossível saber aí, na gruta privada do Tyber. As únicas luzes do ambiente às escuras vinham dos aquários. Entrecerrou os olhos, olhando atentamente o aquário de Atlantis que estava na sua frente. Havia uma espécie de relógio estranho ali... 8:30, se lia a estranha esfera corretamente.

Era hora de levantar-se e possivelmente, só possivelmente, escapar. Não que não quisesse ver Tyber; era só que não queria enfrentá-lo. Esta parecia ser uma cena da manhã seguinte muito embaraçosa. Os dois se mostraram impetuosos.

E se ele estivesse arrependido da noite anterior? Se quisesse esquecer o quanto antes possível? E se já tivesse esquecido? Um homem podia sofrer uma perda de memória em curto prazo, quando lhe convinha.

Além disso, ela estava desistindo dos homens.

E as manhãs eram o melhor momento para esse tipo de coisas.

Assim como começar uma dieta.

Respirou profundamente e colocou com cautela sua mão sobre a dele para ver se podia libertar-se suavemente de seu abraço. Seus braços se estreitaram sobre seu estômago. Droga!

Lentamente tratou de deslizar a perna que estava embaixo da perna dele. Ele não se movia. Por que os homens acreditavam ter o direito de esparramar sem barreiras em uma cama?

Agora que percebia que a fuga seria impossível, Zanita soltava faíscas. Nunca via uma mulher fazer isso, apropriar-se da cama e tudo o que houvesse nela sem um pingo de remorso. Imobilizar uma pessoa na cama e impedir que partisse, era imperdoável!

Zanita ficou tensa quando uma voz grave, rouca pelo sono, murmurou a seu ouvido:

—Hummm. Muito melhor que meu ursinho de pelúcia. —Seus lábios sedosos acariciaram sua garganta. Estavam quentes.

Zanita engoliu em seco.

—Tyber, não creio que devamos... —Sua voz terminou em um grito abafado quando a boca dele cobriu um ponto de sua pele bem abaixo de sua orelha e o estimulou com entusiasmo.

—Ainda não expliquei a resistência? —sussurrou ele contra sua garganta enquanto com os polegares seguia as curvas da parte inferior de seus seios — Não? A resistência é uma...

—Tyber, não acredito que fale de física agora! Além disso, tenho que me levantar e... —Não chegou a terminar a frase porque ele a tinha colocado habilmente deitada de costas e agora se inclinava sobre ela. Estava tão surpresa por seu gesto como por seu aspecto.

Era um homem sexy pela manhã.

Seu cabelo comprido lhe caía alvoroçado sobre os ombros. Seus olhos azuis estavam semi abertos, ainda sonolentos; atraentes. Sua boca era suave, com os lábios de forma bonita ainda ligeiramente inchados pelos beijos ardentes da noite anterior.

Zanita ficou momentaneamente encantada.

O que deu a Tyber a deixa que estava esperando.

Introduziu a perna entre suas coxas e baixou a cabeça.

—Conhece a melhor forma de superar a resistência? —articulou contra seus lábios ao mesmo tempo em que lhe agarrava as mãos, entrelaçando seus dedos com os dela para imobilizá-la contra o colchão.

—Utilizar uma força maior como contrapartida? —Zanita respondeu em um tom meloso, esforçando-se por irritá-lo. Sabia que não tinha funcionado quando ele riu em voz baixa contra sua boca.

—É uma opção. —Com o dedo do pé lhe acariciava. – Porém, eu penso, acredito, que sempre é preferível introduzir outra força para superar a força da resistência. —Acariciou o interior de sua coxa com a perna. Zanita suspirou.

Desejo. Ele estava utilizando o desejo de Zanita para superar sua resistência.

Sua perna subiu mais e mais enquanto acariciava e esfregava o interior de suas coxas. A cada passo, aproximava-se mais e mais, sem chegar a alcançá-la nunca. Diabólico! Quem pensaria que se veria detida por um princípio científico?

Olhos desafiantes, dilatados pela paixão, olhavam diretamente nos seus.

A expectativa a estava matando. Faria ou não faria? Por favor...

Embora mordesse o lábio por causa das carícias maliciosas, Zanita não pôde evitar que um gemido escapasse de seus lábios. O som leve, sexy fez com que Tyber desviasse seu olhar vidrado.

—Se entregue para mim, querida— gemeu.

Era demais. Estava perdida. Zanita elevou a cabeça ligeiramente do travesseiro, levando seus lábios a uns milímetros dos dele.

—OH, Tyber, o que vou fazer com você?

—Qualquer maldita coisa que deseje. —Sua boca se chocou contra a dela.

 

Zanita entrou na cozinha, impressionada porque Blooey tinha preparado um café da manhã gigante de domingo para eles. Tyber ainda estava tomando banho, depois de ter agido como um cavalheiro ao esperar que Zanita terminasse e quando ela rechaçou sinceramente compartilhar a ducha com ele. Como esperava que desistisse dos homens se, continuamente a fazia sofrer uma recaída?

Não. Não mais.

Ela seria a primeira em reconhecer que, momentaneamente, se viu se separada de seu caminho por uns incríveis peitorais e um lábio inferior encantado e infantil que fazia caretas e uns olhos maliciosamente sedutores. Mas isso acabou.

A luz do dia tinha entrado, literalmente, quando abriu as cortinas do banho. Com ela tinha chegado a razão. A sensibilidade. O norte.

Zanita tremia ligeiramente em calças curtas e camiseta sem mangas. O tempo tinha mudado. O breve verão índio já havia acabado. Redemoinhos de folhas de outono voavam em frente as janelas da cozinha em meio a uma brisa fresca. Zanita ironicamente notou que Foiegras se encontrava encolhido junto à estufa de madeira sobre um tapete trançado. Apostaria seu salário do mês seguinte que o gato permaneceria sabiamente nesse lugar cobiçado, até a primavera.

Blooey entrou na despensa, sem parecer surpreso por sua presença. Zanita não pôde evitar perguntar-se quantas vezes mais tinha sido testemunha de algo parecido. Seu olhar posou no almoço apetitoso disposto sobre a mesa. Não, não lhe surpreendia absolutamente que tivesse passado a noite ali.

Zanita arqueou os ombros.

Supôs que qualquer homem com a aparência de Tyber provavelmente almoçava com convidadas de forma regular. Era muito provável que houvesse um montão de mulheres ali fora, dispostas a passar por cima do fato de que fosse físico. Zanita suspirou.

—Bom dia, senhora! Está com fome? Preparei um montão de comida para você, pensando que estaria faminta. —piscou os olhos com descaramento. Zanita se ruborizou—. O que foi? Não seja tímida, Lady Masterson. É um fato reconhecido que o Capitão é um homem vigoroso.

O rosto da Zanita adquiriu um vermelho mais brilhante. Não era fácil acostumar-se ao pequeno pirata.

—Faz... faz isto com freqüência, Blooey?

—Com bastante freqüência; todos os domingos, Lady Masterson. —Blooey percebeu a expressão abatida da jovem—. Mas sempre estamos apenas o Capitão, eu e esse safado do Foiegras— se apressou a acrescentar — É especial com uma dama como você presente.

—OH, acreditei que...

Blooey a contemplou de maneira cúmplice, e por um instante Zanita viu a inteligência aguda atrás de sua expressão.

—O capitão é feroz no que diz respeito a sua intimidade.

—Obrigado, Blooey.

Blooey assentiu antes de ir servir lhe um pouco de café.

Tyber entrou na cozinha, com o cabelo ainda ligeiramente úmido pela ducha. Trazia uma blusa vermelha de flanela quadriculada nas mãos e a ofereceu aberta.

—Pensei que poderia estar com frio com essa roupa. Mudou o clima.

Ela deslizou os braços pelas mangas.

Tyber deu a volta, e mecanicamente lhe ajustou o cinto com um puxão firme. Beijou-a no nariz e disse:

—Sinto muito, querida, não haverá mais festas na piscina para nós até a primavera.

Como se realmente tivesse havido uma festa na piscina! A blusa era ridiculamente grande para ela. Sentiu-se como uma menina que brinca de disfarces. Blooey lhe estendeu uma xícara de café justo quando se sentava. Se quisesse enfrentar o doutor Evans com êxito, necessitava cafeína rapidamente.

—Tyber, quero dizer obrigado por uma encantadora... —lhe entrecortou a voz levemente—noite. De verdade, agora tenho que ir.

Ele olhou por cima do montão de ovos mexidos que estava servindo no prato de Zanita e uma expressão ferida cruzou seu rosto.

—Não vai nem tomar o café da manhã?

—Bom, eu...

—Blooey se sentirá muito decepcionado, especialmente depois de tudo que fez. Não é verdade, Blooey? —Atravessou Blooey com o olhar.

Blooey tossiu.

—Sim. Não seria correto de sua parte senhora, não é?

Zanita olhou de um ao outro, percebendo que estava em uma armadilha. Então se sentou na cadeira.

—Inclusive temos o jornal de domingo para você. —Os olhos de Tyber brilhavam triunfantes quando lhe passou a primeira parte do jornal.

Foiegras examinava o ar com o focinho arrebitado, e ao perceber que estavam servindo comida, levantou-se lentamente para caminhar até a mesa. Deteve-se diante da cadeira de Tyber, e olhou com exigência.

Tyber, de maneira inconsciente, encheu um pires com um pouco de ovos e bacon e o deixou no chão diante do listrado desalinhado.

Zanita lhe olhava boquiaberta. Tyber percebeu-se observado depois da terceira colherada de ovos.

—O quê?

— Você esqueceu de dar um pouco de café ao gato.

—Ah, não! Ele só gosta de tomar o café, após ter comido tudo. —E,voltou para seu prato como se a terra se achasse de novo em seu eixo, girando tranqüilamente ao redor do sol.

Estava em uma casa de loucos.

Sabiamente, Zanita voltou sua atenção ao periódico.

Comeram em um silêncio cordial salvo pelas maldições ocasionais, vindas da horta onde Blooey tratava de salvar sua colheita de abóboras da geada que se previa para essa noite. De repente, Zanita ficou reta na cadeira.

—Tyber, aqui diz que o célebre médium Xavier LaLeche vai dar um seminário e uma demonstração de cura mediúnica esta noite!

Tyber parou de ler a sua revista Analog com os olhos frágeis, e levou um momento para reajustá-los ao ambiente.

—Onde?

—No teatro Kingston, no Blaketon.

Ele se esfregou o queixo.

—Hummm, duas horas para ir e duas horas para voltar. A que hora?

—Às oito; acha que podemos ir?

—Sim. Embora fique tarde. Tem que levantar cedo amanhã?

—Bastante, por quê?

—Se prometer não me acordar, eu dirijo.

Zanita ficou vermelha.

—Tyber, temos que deixar algo bem claro. Não vou passar outra noite aqui.

—É obvio que não.

Zanita assentiu com a cabeça, contente de que ele compreendesse.

—Quero que se mude para cá.

A xícara de Zanita fez um ruído no pires.

—O que?

Tyber abandonou sua cadeira, deu a volta na mesa e se ajoelhou diante ela. Tomou as mãos geladas entre as suas.

—Não fique nervosa, Cachinhos. Sei que você desistiu dos homens e eu respeito isso. É só que acredito que será muito mais fácil investigar esta sua história se tivermos acesso imediato um ao outro. Sabe? Em determinadas ocasiões as melhores ideias surgem no meio da noite. —Sorriu-lhe suplicante.

—Como assim, você não ouviu falar do telefone?

Tyber passou repetidamente o polegar nas costas da mão de Zanita.

—Não é a mesma coisa. Não se pode obter um fluxo de idéias eficaz por telefone. Você ouviu falar dos gabinetes estratégicos?

Zanita franziu o cenho.

—Sim, mas você acredita que eu poderia ajudar em alguma coisa?

Ele segurou com as suas as mãos de Zanita.

—Enormemente.

—Seria apenas por um tempo, só enquanto trabalhamos juntos na história?

—Pense em todo o tempo que economizaríamos.

Ela franziu a testa.

—Não sei...

Ele se inclinou para lhe dar beijinhos suculentos entre suas palavras.

—Não...acredita... que... é... uma... boa... idéia, querida?

—Mas Tyber, eu havia dito que não quero me envolver em uma relação!

Ele elevou as sobrancelhas.

—Complicar? Quem disse que vai se complicar?

—Não! Eu me refiro a nós! Nós...

—Hummm, estamos nos complicando, certo? —Sua língua formou redemoinhos dentro da boca da Zanita em uma incursão devastadora.

Blooey começou a entrar na cozinha carregando com uma cesta de abóboras. Ainda beijando Zanita, Tyber fez um gesto para Blooey atrás de suas costas. Sem deter seu passo, o pequeno pirata voltou e abandonou o lugar.

Tyber inclinou-se sobre ela.

—Sim? —sussurrou-lhe na boca.

O homem sabia beijar. Zanita tratou de pensar. Não era fácil em tais circunstâncias. Precisava de sua ajuda, isso era claro. Com a informação de Tyber, sua contribuição seria valiosa na hora de trazer a fraude a público. Além disso, Zanita disporia de mais tempo para conseguir uma entrevista com ele, embora não tivesse muita esperança disso. Mas viver com ele?

Temporariamente.

Não seria como ter que estar em uma relação real nem nada.

Era apenas um acordo. Algo assim.

Facilitaria o trabalho juntos; podia vê-lo. E se tivessem algum proveito... à parte, bom, eram adultos. O certo era que, agora que Tyber havia lhe apresentado o até então fruto inacessível, não se importaria em aproveitar um pouquinho mais, por assim dizê-lo. Enquanto ele compreendesse as regras.

Zanita lhe agarrou dos ombros.

—Não... você não pensaria ... ser meu noivo, certo?

Tyber sorriu contra sua bochecha.

—Droga, não.

Seu homem, querida. Aquele que você vai querer com sofreguidão.

Beijou-a sem piedade.

—Sim? —perguntou arrastando a palavra uma vez mais contra sua boca, com as palmas das mãos nas costas dela, atraindo-a fortemente para si.

—OH, Deus, sim... —Seus dedos se introduziram nas longas mechas do cabelo de Tyber ao mesmo tempo em que lhe devolvia o beijo.

Quando Zanita se preparava para partir, Blooey passou intencionalmente pela porta da cozinha e, com discrição, fez um sinal de aprovação. Sim, o Capitão era um pirata em busca de seu amor. Blooey sorriu. Sempre coloca algo em foco e avança com segurança.

Blooey se afastou cantando despreocupado uma canção maliciosa de marinheiro, que comparava as linhas elegantes de um veleiro com as do corpo feminino.

 

—Acreditei que havia dito que estava farta dos homens?

Mills pegou um dos livros de Zanita, leu o título e o deixou cair de novo sobre a mesa de centro.

—E estou. Mais ou menos. —Zanita corria de um lado a outro do apartamento colocando um pouco de roupa, livros (algo que encontrasse) no interior de umas caixas de papelão.

—Ah, sim? —Mills parecia pouco convencida. Sacudiu a cabeça, murmurou algo entre dentes e se deixou cair sobre a mesa de centro.

—Sério. Tyber é... diferente.

—Como assim?

Zanita ruborizou-se.

Mills se sentou mais ereta.

—Não fez!

Zanita sustentava com ar despreocupado um pulôver diante do espelho, tratando de decidir se levava ou não.

—Ele fez?

Zanita olhou a sua amiga através do espelho e arqueou as sobrancelhas.

Mills sorriu maliciosamente.

—Quando posso conhecê-lo?

—Mills! Comporte-se.

—Tão bom assim?

Zanita fingiu desmaiar sobre o sofá, levando a mão ao peito.

—Incrível.

—Hummm. Então, vão fazer uma pequena viagem? —perguntou assinalando as caixas de papelão empilhadas ao acaso no chão.

—Não, vou mudar para a sua casa.

Mills se engasgou.

Zanita bateu nas costas de Mills.

—Você está louca? O que quer dizer com mudar para a sua casa?

—Não é o que você pensa. Tyber aceitou trabalhar comigo na história do LaLeche. Ambos pensamos que seria mais... conveniente assim. Acredite, Tyber compreende como me sinto com respeito a começar outra relação. É estritamente temporário. Só estaremos juntos enquanto durar a investigação. Pense nisso como em uma relação profissional com ingredientes pessoais.

Mills dirigiu a Zanita “O Olhar”.

—É isso o que ele disse?

Zanita pensou por um minuto. Tyber não havia dito exatamente assim, mas essas eram as linhas gerais.

—De certo modo.

—O modo de quem?

—Quer relaxar? Não é como se ele... —Soou a campainha da porta—. Deve ser ele; disse que ia passar para me ajudar com isto.

Mills arqueou uma sobrancelha, mas sabiamente se absteve de fazer comentários. Reservaria sua opinião a respeito desse doutor Evans até conhecê-lo.

Zanita abriu a porta para que Tyber entrasse. Vestia jeans gastos, botas e uma jaqueta de couro marrom. Seu cabelo caía solto sobre seus ombros.

—Olá, Tyber.

—Olá, querida. —Rodeou-lhe o pescoço com o braço e a atraiu para si para lhe dar um beijo rápido.

Confusa como de costume pelo contato com ele, Zanita se voltou para Mills, fazendo a apresentação em um só sentido.

—Esta é minha amiga, Mills.

Tyber sorriu antes de saudar a amiga e completar a apresentação.

—Olá. — Assinalou a Zanita com o polegar — Sou sua novidade especial.

Mills, a serena amiga de Zanita, fez algo que esta nunca tinha visto sua amiga fazer em todos os anos desde que a conhecia. Ficou boquiaberta e momentaneamente sem fala. Quando recuperou a voz, esta soou ligeiramente trêmula.

—Encantada, Tyber. Zanita me contou um montão de... —nesse ponto titubeou— coisas interessantes a seu respeito.

O olhar do Tyber se desviou rapidamente para Zanita. Seus olhos brilharam divertidos.

—Hummm, sim?

Zanita se apressou a evitar que a linha da conversa fosse mais longe.

—Bem,... vou levar tudo isso aqui, posso?

Tyber olhou a coleção de caixas empilhadas sem ordem nenhuma com Deus sabe-se lá o que no interior. Qualquer outra pessoa teria feito uma mala, mas não sua Zanita. Não pôde conter o breve sorriso que se desenhou em seu rosto.

—Pode — agachou-se para pegar a primeira caixa.

Zanita o observou com certa inquietação. Sabia que tinha posto muitas coisas nas caixas. Deviam pesar uma tonelada. Mas ele não parecia ter nenhum problema.

Mills se aproximou dela. Ambas contemplaram Tyber agachar-se com os jeans estreitando-se contra suas coxas musculosas.

Mills falou em voz baixa para que suas palavras não chegassem ao Tyber.

—Acho que vou matá-la.

Uma covinha surgiu na bochecha da Zanita.

—Miau.

—Por sorte, sou sua amiga, assim terei que esconder as minhas garras. Seu horóscopo este mês deve estar incrível.

Ambas sorriram para Tyber de forma idêntica quando este passou diante delas carregando sem esforço a caixa.

 

—Acho que devemos virar à direita.

—Você disse isso faz uma hora.

—Acha que chegaremos tarde?

—Só se a caminhonete não alcançar a velocidade máxima —respondeu Tyber ironicamente.

—Droga! Se chegarmos tarde ao seminário, chamaremos muito a atenção.

Tyber olhou a calça de Zanita, estampada com luas amarela e turquesa e, prudentemente, mordeu a língua.

—Talvez, entremos escondidos. —Zanita procurou em sua bolsa uma lixa de unhas.

—Talvez não — disse Tyber. Ela deixou de mexer na bolsa para lhe olhar, surpresa — Acredito que desse modo temos tantas probabilidades de levantar suspeitas como de acabar com elas. O que está procurando, o endereço?

—Não, minha lixa de unhas... estou com fome e acreditei que poderia comer uma maçã.

Tyber tirou os olhos da estrada por um instante para, sem fala, olhar para ela.

—Ah, aqui está! — Passou a dividir uma maçã que tirou do fundo da mesma bolsa cortando-a com uma lixa metálica — Aqui está — Ofereceu-lhe a metade serrada.

Tyber observou a borda descarnada com desconfiança.

—Ah, não, obrigado... talvez mais tarde.

—Não tem fome? — Deu uma dentada na fruta alegremente — Blooey disse que deixaria uns sanduíches sobre a mesa para nós antes de ir para cama, ou como ele disse, “antes de atacar meu beliche para a noite”.

—Zanita, tem idéia para onde vamos?

Ela empalideceu e, lhe olhando com os olhos totalmente abertos, perguntou:

—Em... em que sentido?

Ele revirou os olhos.

—No sentido de saber onde fica o Teatro Kingston?

—OH. —Zanita se mexeu em seu assento— Sim e não.

—Trata-se de um ponto fixo no espaço. Não compreendo o que quer dizer.

—Bom... Estive uma vez ali, assim sei onde fica; é só que agora não lembro muito bem.

Tyber sacudiu a cabeça.

—De algum modo, há um aspecto quântico interessante em sua resposta.

—Se é você quem diz...

—Espere um momento; aí está essa esquina de novo. Dessa vez viro à esquerda.

—Aí está! E pensar que passamos bem ao lado durante a última hora e quinze minutos porque você estava virando à direita todo este tempo.

Tyber a olhou com o cenho franzido.

Completamente inconsciente de seu olhar feroz, Zanita se inclinou para ele e lhe sussurrou umas instruções de última hora, como se estivessem a ponto de roubar um banco:

—Lembre-se: aja despreocupadamente, trate de não destoar, não chame a atenção. Esta noite vamos nos limitar a observar para ver se há algo estranho de que possamos tirar proveito.

Tyber a viu tirar um par de sapatos,de salto alto da bolsa sem fundo e arqueou uma sobrancelha quando esta o calçou.

—Ah, Zanita, quanto a sua roupa...

Ela levantou a cabeça de repente, com uma expressão preocupada que modificava seu doce rosto.

—O que você acha? Tem algo de errado? —alisou-se nervosamente o vinco das calças, lhe olhando com inquietação.

Ele engoliu em seco.

—Não. Não, querida; só queria dizer que acho que seu conjunto é... é bastante... — ela o olhava aflita, com os olhos violeta cada vez maiores. Ele esfregou o queixo — Está ótimo.

Ela sorriu.

—Obrigado Tyber, isso foi muito gentil — respondeu, e se agarrou em seu braço enquanto entravam — Lembre-se, não chame atenção.

—Boa sorte.

Encontraram dois assentos no final da sala. Zanita sentiu-se aliviada ao comprovar que não haviam perdido muito da palestra; parecia haver vários «atos de abertura». De fato, Xavier LaLeche acabava de entrar no palco.

LaLeche vestia um traje negro de gola alta, parecendo um monge. Estava perfeitamente penteado, com o cabelo negro que começava a tingir-se de prata dos lados. Zanita pensou que tinha um discreto charme cinematográfico. Quando se apresentou, revelou uma voz absorvente e melosa. Era exatamente o que Zanita tinha esperado.

Isso é mais de acordo - sussurrou a Tyber — Não posso acreditar que quando entrei em sua classe pela primeira vez pensei realmente que fosse um guru. Vendo agora, parece muita idiotice.

—Acha? Você gostaria de ver como posso hipnotizá-la rapidamente? —Tocou-lhe em uma de suas luas estampadas.

—Muito gracioso. Chsss,vamos ouvir o que tem a nos dizer, como bons aduladores.

Xavier LaLeche enfrentou o seu público com um porte sereno embora persuasivo.

—Boa noite e bem-vindos ao Seminário da Cura do Coração. Reconforta-me ver tantas almas novas em busca de uma maior sintonia. —Fez uma pausa dramática— Espero que esta noite todos e cada um de vós, embora seja apenas por um momento, experimentem uma percepção mais aguda, uma elevação, se o desejarem, de sua consciência. Uma compreensão de seu eu interior, e permitam que o milagre da cura se produza em seu ser.

Seguiu um caloroso aplauso.

Zanita se inclinou para o Tyber.

—O que acaba de dizer?

Tyber lhe deu uns tapinhas no joelho.

—Nada que deva preocupar-se,querida.

LaLeche continuou:

—Com o objetivo de compreender a cura, primeiro temos que compreender a energia.

Tyber se inclinou para frente em seu assento. Esse era um tema no qual ele era perito.

—A sabedoria esotérica antiga sustenta que o corpo se acha contido em um campo de energia. Mas como se acha contido?

Tyber começou a levantar a mão, embora pensando melhor, a baixou.

—A energia de nossos corpos está, digamos, controlada por nossa consciência. Na realidade, nossa força vital em si é uma energia procedente de todas e de cada uma de nossas células. Essa é a razão de que todos nós sejamos tão diferentes uns de outros.

—Heim? —Zanita coçou a cabeça.

—Até a filosofia chinesa ensina a crença em um sistema de energia, preferindo pensar nele como em uma corrente elétrica real que percorre o corpo. Talvez tenham ouvido falar disto em conexão com a técnica conhecida como acupuntura. Os sânscritos acreditam em centros de energia no interior do corpo. Denominam estes centros de energia de chakras.

—Não posso acreditar em uma coisa dessas. —Tyber lhe falou em voz baixa ao ouvido— Está agarrando retalhos de diferentes tradições respeitadas, e os está juntando para formar - assinalou o folheto que lhes tinham sido entregues na porta— «o Método LaLeche» —disse articulando para que lesse os lábios, o que a fez rir.

—Vibrações de energia! —A voz do LaLeche vibrou na sala— Todos os seres vivos têm vibrações de energia. Todos os seres vivos vibram com sua própria freqüência especial, todos os seres vivos vibram em seus próprios níveis.

—Chama-se freqüência discreta, mas ele o apresentou que maneira torta. Referia-me a isso como aprender física, Zanita. Se o homem tivesse maior informação a respeito dos princípios de...

Um homem atrás deles o fez calar-se.

LaLeche estava empolgado.

—Nossos corpos sempre estão vibrando!

—Eu sei que o meu o está — disse-lhe Tyber ao ouvido arrastando as palavras. Zanita lhe deu uma cotovelada.

— Nossos corpos também são instrumentos através dos quais experimentamos tanto o êxtase espiritual, como sexual...

—Ah, agora chegamos à parte interessante. —Tyber piscou os olhos.

—O êxtase sexual e espiritual se experimentam através dos chakras, na verdade, do mesmo chakra. Por isso confundimos com tanta freqüência o despertar espiritual com a excitação sexual...

—Eu não posso dizer que tenha me acontecido alguma vez. E a você, Cachinhos?

—Chsss!

—Quando estou excitado, sei sem dúvidas nenhuma que tem uma origem sexual. —Fez-lhe cócegas no braço.

—A energia sexual está concentrada; busca uma liberação através de uma atividade intensa...

—Você não está com calor aqui dentro?

—Tyber!

Ele sorriu.

—... enquanto que a energia espiritual flui. Encontra-se em todas partes, através de vocês e de mim, de rochas, de árvores, das estrelas... o corpo anseia o êxtase...

—Isso eu não posso discutir.

—Tyber, fica quieto! Está me fazendo rir.

—Me permitam demonstrá-lo. Necessitarei de um voluntário. —Várias mãos se elevaram entre o público— Você aí — assinalou em direção a Zanita e ao Tyber— a da camiseta com luas.

—Eu? —gritou Zanita.

—Sim, você. Suba aqui! Quero demonstrar a diferença entre o êxtase espiritual e o sexual.

Tyber se levantou imediatamente.

—Espere um momento...

—Asseguro-lhe, senhor, que se trata de um êxtase perfeitamente seguro. —Dirigiu ao Tyber um sorriso doce. O público riu ante o duplo sentido de suas palavras.

—Tudo bem, Tyber. —Zanita se levantou seu lado— Não se preocupe, não vai fazer nada muito estranho em cima do palco. Trate de lembrar de que somos fãs desse homem.

Tyber não estava convencido. Agarrou-a dos ombros e lhe disse:

—Não sei se quero que suba ali. Quem sabe o que poderia fazer? Não quero que ele ponha as mãos em você.

—Escute como está falando! —apoiou-se em seu peito e lhe falou em voz baixa—. Parece um... já sabe.

Ele a contemplou perplexo.

—Um policial?

—Um noivo! —soltou Zanita.

Tyber lhe soltou os ombros.

—OH, sinto muito.

Zanita virou e caminhou com graça até o palco. Apesar do que possa parecer, se por acaso ele colocar as mãos em cima de você querida, é homem morto.

—Olá. —LaLeche lhe estendeu a mão— Como se chama?

—Zanita.

—Bonito nome para uma mulher bonita. Me diga, Zanita, medita freqüentemente?

—Eeeh... uma vez ao mês.

Tyber se estremeceu ante a resposta, mas LaLeche parecia muito atento. Muito atento, em sua opinião.

—Compreendo; frequentemente em nossos dias ocupados, fica difícil encontrar um momento para as coisas realmente importantes. Agora, sente-se Zanita, quero que feche os olhos e pense em uma luz branca. Consegue vê-la?

—Sim

—A luz a envolve. Abrace a luz branca.

—Acreditei que não devia fazer isso.

—Por que não, querida?

—No filme, Poltergeist, todo o tempo diziam « afaste-se da luz, Carol Ann. Afaste-se da luz».

O público riu, acreditando que estava brincando. LaLeche ficou estarrecido por um momento.

Tyber, reconhecendo o estilo de Zanita, sorriu com presunção. Espere, colega, isso é só o começo.

—Sim, bom, isso era em Hollywood e isto é a realidade. Pode confiar em mim; deixe que a luz a rodeie.

—Está bem; estou rodeada.

—Hum... bem. Agora quero que medite sobre cenas que envolvam o eu interior e o exterior. Quando aspirar, diga «dentro»; quando exaltar, diga «fora». Isto a ajudará a concentrar-se, a formar uma imagem mental.

—Ok! Dentro... Fora... —Zanita realizou o exercício, sua respiração era cada vez mais profunda, sua voz, entrecortada—. Dentro... Fora...

Tyber olhou em volta, paro o público, em particular os membros masculinos, e se deu conta de que alguns deles estavam começando a suar. Cruzou os braços e olhou atentamente o palco, sem tirar os olhos de cima ao LaLeche.

— Percebem? Em algumas ocasiões, uma sintonia pode resultar tão erótica como uma experiência sexual real.

—Dentro... Fora...

LaLeche colocou a mão sobre o ombro de Zanita.

—Está bem, querida. Já pode retornar a seu assento.

Quando Zanita chegou ao lado do Tyber, este notou que vários homens a contemplavam com olhos escrutinadores. O capitão pirata que levava dentro de si, os atravessou um por um com um olhar apropiadamente glacial. Seu aspecto fez com que se dispersassem como ratos na água.

—Foi muito impressionante. —Colocou o braço ao redor dos ombros— Uma boa interpretação lá em cima, Cachinhos.

—Quem estava interpretando? —Reagiu ela— Sinto-me como uma gata sobre um telhado de zinco quente!

—Caso você se interesse, a caminhonete tem uma plataforma de mais de dois metros.

—Chega. Da próxima vez, você se faz de porquinho das Índias. Então, o que acha até agora? Autêntico ou não?

—Não.

—Porque não acredita em cura psíquica?

—Não, na realidade acredito que a cura psíquica pode ter significado. Mas não esta confusão.

—Por quê?

—É muito falso.

— O público parecia estar bastante impressionado com ele.

— Sua presença em cena impressionava; assim como a da maioria dos impostores.

Estavam novamente na Grande Vermelha, no longo caminho de volta à casa de Tyber. Infelizmente, era através de estradas secundárias e escuras.

—Fico feliz que você dirija; eu estou moída — disse Zanita com um bocejo.

— Um dia longo.

— Um dia longo. — E bocejou de novo.

— Se você percebeu, seus temas neste seminário eram muito gerais. No folheto que nos entregaram, diz que estará no centro de reuniões SouthTown. Uma sala bem menor. Tenho a sensação de que essa palestra não será anunciada.

— Por quê?

— Acho que está realizando uma seleção do público até que consiga o grupo de sua preferência. Na sexta-feira haverá outra seleção.

— Procura os mais fiéis?

— Sim, e os mais dóceis.

— Como você se tornou tão inteligente? —Zanita divertidamente puxou uma mecha de seu cabelo.

— Quando era menino eu comia as verduras.

Ela o observou com desconfiança nos limites escuros da cabine da caminhonete.

— Você já foi menino alguma vez?

— Bem, não totalmente.

— Não acredito.

— Depois de selecionar o próximo grupo, provavelmente você verá algo como uma demonstração ”só para convidados”.

— Acredita que teremos sorte?

— Sim, senhora.

— Por que está tão seguro?

— Por duas razões: primeiro, gostou de você. — Dirigiu a ela um olhar ligeiramente contrariado. — Muito.

— Como sabe isso?

Tyber suspirou profundamente.

— Sei.

—Como? É algo assim tipo “coisas de homens”? — Zanita cruzou os braços, irritada pela ridícula afirmação.

— Sim. Acredite-me; gostou de você.

— Pois sim. Qual é a segunda razão?

— Reconheceu-me.

Zanita se endireitou em seu assento.

—Tem certeza?

— Tive minhas suspeitas quando seu olhar se desviou em minha direção com muita freqüência, mas soube com segurança quando escolheu você entre o público.

Ela exalou.

— Acabou nosso disfarce?

— Não totalmente. Não tem razão para suspeitar de você; no que lhe diz respeito, você só estava comigo. Provavelmente, sente uma imensa curiosidade para saber por que eu me encontrava ali.

— O que vamos dizer?

— Na próxima reunião, quando combinar para encontrar-nos, lhe direi a verdade: que estou muito interessado em todos os aspectos da cura psíquica.

— O que o faz pensar que isso bastará para obter um convite para essas reuniões do círculo mais íntimo?

— Não poderá resistir à isca. Meu nome, com o seu, de qualquer forma, lhe proporcionaria uma credibilidade imediata. Fará tudo que puder para atrair-me.

— Deus, faz com que pareça um vampiro ou algo assim.

— Mas é, em lugar de sangue, chupa a esperança, o dinheiro e o espírito das pessoas que acreditam nele. Essa gente o procura com o puro desejo de melhorar seu espírito; em lugar disso, ele o esgota. Eu pego ele, Zanita.

Sabia como se sentia Tyber; ela havia tido a mesma reação quando descobriu sobre a senhora Haverhill. Colocou uma mão no seu ombro.

— Vamos conseguir.

— Está com frio, querida? Ligo a calefação?

— Um pouco. — Bocejou de novo, e estirou os pés, agora descalços, para o aquecedor sob o painel. — Hummm, como é bom.

— Só outros noventa minutos para chegar; deveremos estar em casa por volta de uma e meia. Pergunto-me que tipo de sanduíches nos terá deixado Blooey. Agora estou com fome e você?

Por alguma razão, não lhe surpreendeu não obter resposta. Zanita, é obvio, já tinha dormido.

 

Blooey tinha deixado a luz da varanda ligada para eles.

Tyber deu a volta na caminhonete até o lado de Zanita, e a tirou da cabine brandamente.

— Hummm...

— Chsss. Está tudo bem. —Tyber a carregou escada acima até a varanda.

Quando colocou a chave na fechadura, Zanita perguntou sonolenta:

— O que está acontecendo? Os Porcos?

O que era isso de porcos?

—Não, querida, não, volte a dormir.

Agarrou um sanduíche da mesa da cozinha com uma mão enquanto sustentava a Zanita com a outra. Devorou-o ao tempo que subia as escadas com ela. Uma vez em seu dormitório, despiu a ambos, colocou-a na cama e deitou-se, tomou-a entre seus braços... imediatamente, dormiu.

 

Já estava dentro dela quando despertou.

Não recordava como tinha ocorrido, mas tinha uma boa idéia. Zanita havia feito algo desde o momento em que pôs seus olhos nela. Sabia; e seu subconsciente também sabia. Como reagiria ela? Decidiu inclinar a balança a seu favor.

As pestanas de Zanita começavam a se agitar confusas quando Tyber inclinou a cabeça, unindo também suas bocas.

— Bom dia. — Seus olhos brilhavam sonolentos para ela enquanto encaixava seu corpo em seu interior.

— Tyber... —Seus olhos violeta se achavam marcados pelo sono e uma paixão crescente; ele a achou tremendamente sexy.

Tyber lhe levantou a mão de onde descansava sobre a cama para acariciar sua palma com os lábios antes de brincar com sua língua no centro sensível.

A respiração da Zanita parou.

Tyber sustentou-lhe o pulso no alto com o polegar e o indicador para descer sua boca aberta pela parte interna do braço de Zanita. Percorreu o braço com lentidão, acariciando docemente a pele úmida com os lábios de veludo.

Era muito erótico.

E durante todo esse tempo, Tyber permaneceu dentro dela.

Era estranho, mas lhe pareceu que, de algum modo, o tempo havia parado só para Tyberius Augustos Evans, havia parado para que pudesse saborear cada mínima sensação, cada momento que passavam unidos.

Zanita o contemplava em silêncio. Em um estranho nível, indo de um sonho a outro, sentiu-se como se fosse duas pessoas: a Zanita acordada, que sentia profundamente cada ponto de sensação indelével pelo contato palpitante desse homem, e a outra Zanita, a Zanita apanhada ainda em seu sono, que observava, como que através de um véu de gaze, a um homem absolutamente lindo, um homem que fazia amor com uma mulher enquanto ela seguia dormindo a seu lado.

Tyber se deteve e abriu as pálpebras em silencio para encontrar-se com seus olhos.

Zanita conteve o fôlego. Tyber tinha um ar sério.

Ele esperou em silêncio, contemplando-a com esses olhos azuis claro que tinha... contemplou-a, imóvel, quando suas pupilas começaram a dilatar-se lentamente, contemplando-a enquanto Zanita sentia o menor tremor dele em seu interior.

— Me beije. Beije-me agora Tyber. Sua voz falhou ao dizer seu nome.

Ele selou seus lábios com os seus, misturando-os. Seu calor abrasador caiu sobre ela; seus lábios a incitavam, sua língua a acariciava, seus dentes a mordiscavam. Mas Tyber não se moveu.

Estava deixando-a louca. Ela necessitava, desejava que ele...

Zanita tratou de mexer os quadris.

As mãos dele desceram para imobilizá-la.

Zanita gemeu contra sua boca.

Ele tremeu em seu interior, mas seguiu imóvel.

— Por favor, Tyber, me deixe...

Ele sacudiu a cabeça.

Sua boca se abriu e passou a língua na boca dela. Zanita choramingou, lhe devolvendo o beijo, unindo suas bocas.

— Só sinta, querida.

Tyber começou a vibrar; ela podia sentir seu coração pulsando com força. Cada vez mais intenso. Calor. Palpitava por toda ela. Era seu pulso ou o de Tyber? Algo estava ocorrendo. Ele... ela... Eles. Fundiram-se um no outro.

A respiração dela era entrecortada, superficial, rápida; ofegava.

A respiração dele era profunda, irregular, crescente...

Quando ela começou a chorar em sua boca, ele gemeu na sua, fechando os olhos com força. Não se movia.

Incrivelmente, o interior de Zanita inchava. O comprimia. O comprimia fortemente dentro dela.

Ela começou a tremer.

Ele a enlaçou em seus braços rapidamente e a apertou com força. Ela gritou sua liberação contra ele; ele bramou a sua contra ela. Zanita sentiu uma chuva longa e quente em seu interior.

— Sinto muito. Simplesmente aconteceu. Não pretendia. Está bem, querida?

Ela o acariciou com ternura.

— Sim, estou bem. — Não tinha que inquietar-se por nada. — Não se preocupe Tyber.

Ele sorriu com doçura.

— Você tampouco, querida.

A partir desse momento, na mente de Tyber não havia dúvida de que ela era irrevogavelmente dele.

 

Quando entrou na cozinha, Zanita contemplou assustada, o bolinho de cor laranja que Tyber metia na boca.

— O que é isso?

— Bolinho de abóbora. — Pôs um na sua frente. — É tudo de abóbora até a primavera. Espero que me ajude com isto.

Ela olhou o bolinho com desconfiança.

— O que é?

— Bolinho feito com abóbora. Coma. — Saudou-a com o seu pela metade.

Zanita sentou-se e comeu um pedaço, meio insegura.

— Não está mau.

—Lembre-se que disse isso quando chegar janeiro.

— Blooey não pode congelar parte da colheita?

— Congelou-a, enlatou-a e armazenou a frio. — Tyber olhou o prato de bolinhos que tinha diante de si com expressão resignada.

Ela estendeu a mão ao outro lado da mesa para consolá-lo.

— Sobreviverá, Doc.

Infelizmente, Blooey escolheu esse preciso momento para entrar pela porta de atrás carregado com outro montão de abóboras.

— Não fez tanto frio como esperavam ontem à noite. Consegui salvar estas vagabundas... estou desejando estas belezas em uma fria noite de inverno, né, Capitão? — Se afastou assobiando e entrou na despensa.

A cabeça de Tyber golpeou a superfície da mesa.

Zanita riu.

— Que bom que eu gosto de abóbora.

Ele elevou a cabeça uns centímetros da mesa e se mostrou melancólico.

— Espere até que comece com a sopa. — Tremeu e deixou cair a cabeça de novo com um estrondo.

— Bom, ao menos pode esperar a sobremesa cada noite.

— Bolo de abóbora. — Essa voz procedia da mesa.

—Com certeza está exagerando... certo?

Ele levantou a cabeça para lhe dedicar um sorriso de “espere e verás”.

Zanita duvidou antes de tomar um gole do café, elevou uma sobrancelha e encolheu de ombros.

Tyber tomou o café lentamente, olhando-a por cima da borda de sua xícara.

— Tem um medo pouco natural a... porcos? — perguntou tratando de começar uma conversa, como se lhe estivesse pedindo que lhe passasse a manteiga.

— O quê? — Sua xícara se chocou ruidosamente contra o pires.

— Do que está falando?

— Bem, várias vezes, enquanto dormia você mencionou... porcos.

— Ah, refere a Os Porcos.

— Os Porcos? — Agora a olhava com certo receio.

— Sim, às vezes vêm à granja de meu avô de noite e semeiam o caos.

Ele baixou sua xícara.

— Tá brincando. Em Stockboro? — Nunca ouvi sobre nenhuma gangue de motoqueiros na área.

Ela agitou a mão.

— Todo o tempo. E, acredite, é como se tivessem algum tipo de prazer insano saqueando o lugar.

— Não há ninguém que os detenha? Onde estão as autoridades?

— Esquece. Já tentamos antes. É inútil, isso já acontece há anos. Lembro de uma noite quando ainda era uma adolescente, cheguei em casa tarde, depois de uma festa na casa de uma amiga, então tratei de entrar escondida, quando, de repente, me vi rodeada por eles.

Tyber se inclinou para diante com preocupação, tomando sua mão.

— Não lhe fizeram mal,certo?

— Bom, bufaram um pouco, mas no geral foram bastante inofensivos.

— Bufaram?

— Sim, mas me deixaram logo porque na realidade, estavam interessados no milho de meu avô.

— Está falando de porcos de verdade, não?

— É obvio. Do que mais poderia falar?

Tyber se recostou em sua cadeira, dando petelecos na xícara.

— A gente só pode conjeturar e esperar o melhor.

— Hein?

— Não importa. Blooey queria saber se você gostaria de comer — tirou uma parte de papel rabiscado de seu bolso — fritada.

— O que é isso?

— É... — Fez uma pausa. —Tem... é como planejo... vou dizer que quer.

— Sim.

Tyber não viu subir os cantos dos lábios de Zanita divertida enquanto ele devolvia distraidamente a nota ao seu bolso. Era um homem realmente doce.

— Toma. — Tirou uma pequena caixa negra do mesmo bolso, e a deslizou através da mesa até ela.

— O que é? Um sabre de luz?

Nem sequer piscou.

— É para o portão principal, para que não tenha que chamar o Blooey cada vez que venha aqui. Tem gravada uma freqüência discreta que muda regularmente por segurança.

— E se eu ficar fora? —pegou a caixa e a guardou em sua bolsa.

Ele olhou para ela com malícia.

—Você não, querida.

 

Durante a semana seguinte, Tyber explicou com zelo a Lei da Gravidade a Zanita, a Lei da Simetria e a Lei de Murphy; estava explicando a Lei de Ohm quando uma chamada telefônica interrompeu sua explicação. Zanita soube que durante o resto de sua vida, se alguém mencionasse inocentemente a Sir Isaac Newton, iria ruborizar-se até a raiz dos cabelos.

Entrou na rotina da mansão.

Ia trabalhar todos os dias às nove e meia, depois de uma despedida com um café da manhã abundante por parte do Blooey e um comprido beijo de Tyber.

Ultimamente, Blooey tinha se acostumado a lhe dar uma bolsa marrom para o almoço depois de descobrir que estava acostumada a não comer ao meio-dia. Quando lhe disse que não era necessário, resolveu o assunto com firmeza lhe dizendo “Para evitar que os descarados aí de fora a comam inteira”. Zanita agarrou a bolsa.

Quando retornava ao entardecer, Tyber sempre estava no balanço da varanda, sentado de lado com as costas contra um braço do balanço, com as longas pernas dobradas pelos joelhos e os pés calçados com botas descansando no outro braço do balanço, bebendo algo quente. Foiegras estava acostumado a relaxar-se perto dele, encarapitado no corrimão do alpendre, evidentemente, à espera da comida seguinte.

Depois do primeiro dia, quando Tyber a atraiu para si para sentá-la entre suas pernas, com a cabeça sobre seu peito enquanto compartilhava com ela sua bebida quente e lhe mordiscava a nuca, aquilo se converteu em uma espécie de costume. Zanita nunca soube se sentar-se no balanço da varanda a essa hora era parte da sua rotina ou se interrompia seu trabalho justamente para esperar que ela chegasse em casa e pudessem sentar e relaxarem juntos no fim do dia.

Estava certa de que ela mesma começou a esperar essa hora tranqüila antes do jantar. Em uma ocasião brincou perguntando o que fariam quando fizesse muito frio para se sentarem lá fora. Ele respondeu imediatamente: “Trocamos, vamos para a rede do jardim de inverno; está climatizado para as plantas”.

Zanita estava descobrindo que não havia nada a respeito da vida desse homem que não gostasse.

Depois de um dia particularmente duro, subiu as escadas da varanda cansada e com dificuldade. Nesse dia o alpendre se converteu em seu farol. Simplesmente não podia esperar para afundar-se nesse balanço. Recostar-se entre as pernas de Tyber. Deixar que sua força quente a rodeasse. Hoje, em especial, sentia-se imensamente agradecida por Tyberius Augustos Evans.

Tinha estado chovendo de forma intermitente durante todo o dia. Havia pegado a maior parte da chuva, perseguindo uma história ridícula a uns cinqüenta quilômetros da cidade que envolvia uma mulher que dizia ter sido abduzida por extraterrestres. Todos esses seres do espaço exterior, afirmou, eram exatamente iguais ao Norm, da série Cheers¹.

 

1 - Cheers é o nome de um longo seriado de TV em forma de uma comédia (11 temporadas), produzida por Charles Burrows Productions em associação com a Paramount Television. Foi apresentado pela primeira vez, nos Estados Unidos, pela rede de televisão NBC em 30 de setembro de 1982 e seu último episódio em 20 de maio de 1993. O personagem Norm era representado pelo ator George Wendt.

 

Óbvio que Zanita não averiguou essa parte, até que teve de acompanhar a estranha mulher através de mais de seis quilômetros de campos infestados de pântanos em meio à forte chuva enquanto procurava a prova que a mulher assegurava ter escondido ali.

A “prova” resultou ser uma caixa de seis garrafas de cerveja vazias.

A cabeça estalava, doíam-lhe as articulações e suspeitava que a leve ardência que sentia na garganta não ia simplesmente desaparecer. Instalou-se contra Tyber com um suspiro.

Ele sorriu contra seu cabelo ao tempo que lhe estendia a bebida quente.

— Um dia duro?

Ela levou a xícara quente aos lábios.

— Não quero nem pensar nisso.

— Certo. — Contou até três e esperou.

— Pode acreditar que o jornal me enviou para cobrir a ridícula história de uma mulher abduzida por extraterrestres?

Tyber sorriu, pigarreando teatralmente.

 

— Não! Não aqui, em Stockboro!

— Sei... é incrível! Me fez caminhar atrás dessa pobre infeliz durante mais de seis quilômetros de pântanos, procurando garrafas de cerveja vazias.

— Garrafas de cerveja vazias?

— Todos os alienígenas se pareciam com o Norm.

— O do Cheers — contribuiu ele com ironia.

— Sim.

Tyber assentiu com a cabeça sabiamente.

— Ah, sim, as transmissões.

Ela o olhou por cima do ombro.

— Que transmissões?

— As que estivemos enviando ao espaço durante as últimas quatro ou cinco décadas. As pessoas a chamam de televisão.

— Não tinha me ocorrido! Talvez não devesse ter rechaçado sua história tão rapidamente.

— Zanita, estou certo de que tenha prestado a sua credibilidade, mais que um ouvido generoso —respondeu ironicamente.

— OH, mas foi terrível; olhe meus sapatos! — Levantou um pequeno pé coberto por uma crosta de barro.

— Pobrezinha.

— Por que contaria uma história tão... estúpida?

Tyber encolheu de ombros.

—Quem sabe muita alegria nos anos sessenta? Formamos uma comunidade interessante, certo? Sei que se fosse um alienígena, viria aqui como um bólido. Em que outro lugar poderia viver sem ser descoberto entre a flora e a fauna local? — Beliscou-a no pescoço.

—Que gracinha.

— Hoje senti sua falta. — Beijou-a no cocuruto.

— Diz isso todos os dias. — Sorveu a cidra quente.

— Sinto sua falta todos os dias.

— Não seja tolo. — Essas foram suas palavras, mas em seguida se recostou ainda mais contra ele, deixando que seu calor a envolvesse.

Ele acariciou seus cachos com o nariz.

— Você alguma vez sente minha falta?

— Hummm... suponho.

Seus braços a rodearam.

— Sabe? Não tem problema; pode admitir que sente minha falta. Prometo não contar a ninguém.

Ela riu.

— De acordo, eu também senti sua falta.

— Sei que freqüentemente dirige até Stockboro só para utilizar o computador de seu escritório. Pensei que seria mais fácil para você, em especial quando chegar o inverno e comece a acumular a neve, se tivesse um laptop.

— Eu adoraria ter um laptop, mas são muito caros. Com meu salário, não posso me dar ao luxo. Tenho que confessar algo: não sou precisamente uma Rockefeller.

— E eu pensando em cortejá-la por seu dinheiro.

Zanita puxou de seu bolso trinta e cinco centavos em moedas.

— Será suficiente?

— Sim, me pode conseguir com pouco. — Abraçou-a. — Sério, comprarei um laptop.

—É só um detalhe para você, Tyber, um gesto muito generoso. Além disso, estou certa de que descobriremos antes os trambiques de LaLeche e então, voltarei para meu acolhedor apartamento na cidade a um fio cabelo do escritório.

Ele permaneceu um momento em silêncio.

— Só faltam uns meses para o Natal e se trata de nosso primeiro caso; poderia levar mais tempo do que pensa.

Poderia levar anos, pensou Tyber.

Ela colocou as mãos sobre as suas, que se encontravam cruzadas sobre seu estômago.

— OH, não poderia deixá-lo fazer isso, Tyber, de verdade. Para você é um detalhe, mas, por favor, não o faça. Em todo caso, se tivesse um laptop faria o que sempre quis fazer.

— O que é?

— Promete não rir?

— Nunca riria do sonho de alguém. Depois de tudo, por um acaso eu vivo em meu próprio sonho. — Fez um gesto para a casa.

— Sim, vive. Sabe a sorte que tem, Tyber? Vivendo seu sonho?

— Sei. Mas alguns sonhos se emprestam à criação, Zanita. Pense na atmosfera desta casa, por exemplo. A atmosfera não é tangível, mas pode surgir de uma coleção de coisas tangíveis. Eu criei a atmosfera, de modo que, em certo sentido, criei o sonho.

— Tyberius Augustos Evans, tecedor de sonhos extraordinários. —Se aconchegou contra ele. Tyber sorriu fracamente.

— Há outros sonhos, os que não podemos criar. São sonhos de esperança e desejo. Se esses sonhos se fizerem realidade, uma pessoa tem sorte de verdade. — Estreitou-a entre seus braços.

— Então, qual é seu segredo profundo e escuro? — Beijou-a atrás da orelha.

— Eu adoraria simplesmente... bem, sempre quis investigar o insólito e depois escrever sobre isso.

Tyber não se surpreendeu absolutamente. De algum modo, isso era muito próprio de Zanita.

— Pode definir “insólito”?

— Não, é só isso; algo sobre o qual acredito que devo escrever. Agarraria esses temas insólitos, como o paranormal, por exemplo, e escreveria a respeito deles com franqueza. Seriamente. Nada de jornalismo popular. Sem enfoques sensacionalistas. Refiro-me a uma investigação real, séria. Se não fosse sério, denunciaria; se fosse, revelaria.

— Não o está fazendo agora?

— Não do modo como eu o faria. A maioria dos artigos não são completamente objetivos, o leitor sente que o autor omitiu uma parte da informação para apoiar seu enfoque pessoal. Quero fazer de uma forma totalmente imparcial, contar exatamente o que tenha descoberto, qualquer que seja o tema. Por isso me senti tão emocionada quando apareceu a história de LaLeche.

— Sim, mas tinha uma opinião a respeito dele antes de lhe conhecer — assinalou Tyber.

— Sim, correto, tem que se ter uma dose saudável de cepticismo e essa história é de algum modo diferente. Ainda teria que escrever um artigo imparcial, apesar de minha opinião no início. Ele tende a ser escorregadio e ambos sabemos.

— Então, o que está dizendo é que quer investigar temas paranormais, fazer sua própria investigação e escrever a respeito dela.

Meu Deus, encontrei a fórmula matemática perfeita para os problemas, pensou prosaicamente.

— Exatamente! É diferente observar alguém encerrar uma investigação e escrever sobre isso. Não é o mesmo que investigar a verdade. Estar presente. — Suspirou com satisfação. — Realmente poderia me acostumar a isso.

Tyber olhou para sua cabeça; algo parecido ao horror atravessou a sua fisionomia.

— Mas esse não é meu sonho favorito.

As possibilidades infinitas de Zanita para o perigo cruzaram sua mente rapidamente.

Ela continuou risonha:

— Se tivesse mais tempo, eu gostaria... — deteve-se de repente, consciente de que estava a ponto de revelar outro segredo.

— Você gostaria do quê? Vamos, agora tem que me dizer.

Enquanto sigo atordoado.

— Bem, se tivesse um laptop, poderia escrever ficção; sabe? Utilizando algumas de minhas histórias como fundo... — Bem, para Tyber isso pareceu uma idéia excelente. Ela se voltou pela metade, olhando-o com franqueza. — Então, o que pensa?

Penso que vai receber um laptop no Natal.

— Nunca abandone seus sonhos Zanita. — Pondo-lhe um dedo no queixo, levantando brandamente seu rosto para a terna pressão de sua boca de pirata. — Prometo a você que eu nunca abandonarei os meus.

 

— Não foi uma viagem ruim.

Tyber lhe lançou um olhar.

— Como pode saber? Dormiu a maior parte do caminho.

Ela alisou a saia e engoliu saliva dolorosamente; não tinha melhorado. Na realidade, estava pior.

— Perdi algo?

— Só a perfeita visão de um OVNI.

— Sim, sim.

— Um objeto vermelho, cilíndrico, oscilante no céu, que surgiu do nada...

Seus olhos violeta se abriram de par em par.

— Está de brincadeira, certo?

— Não vou contar. Quem sabe a partir de agora você não caia dormindo ao meu lado. — Olhou em sua direção. — Embora ao fazê-lo acrescenta um brilho encantador quando desperta.

Provavelmente se tratava do começo de uma febre, mas não pensava dizer-lhe, era provável que insistisse em voltar para casa e isso ela não ia fazer. Tinham entrado no mundo de LaLeche; não ia sair agora.

O salão de palestras South Town era em torno da quarta parte de Kingston. Enquanto tomavam seus lugares, Zanita se deu conta de que Tyber também tinha acertado no quesito público. Parecia que só os seguidores mais fiéis do último seminário tinham decidido vir a este.

Ela reconheceu alguns rostos e se surpreendeu quando alguns deles se lembraram dela ao saudá-la por seu nome. A maioria eram homens.

— Não posso acreditar que tenham se lembrado de mim - sussurrou para Tyber.

Ele a contemplou impávido.

— O que foi?

— Nada.

LaLeche entrou no recinto e se colocou atrás do púlpito sobre o estrado elevado.

— Boa noite. Obrigado por virem. Isto é muito mais agradável certo? Menor, menos formal; eu prefiro, e vocês?

Todo mundo aplaudiu.

Exceto Tyber.

Zanita deu-lhe uma cotovelada no flanco; ele bateu palmas a contra gosto.

LaLeche olhou o público, reconhecendo os rostos que haviam retornado. Seus olhos deram com o Tyber e permaneceram nele.

— Doutor Evans! Alegro-me de que tenha podido vir de novo. É um verdadeiro prazer.

Todos se voltaram para olhar Tyber, perguntando-se por que merecia ser individualizado por seu palestrante.

— Obrigado, senhor LaLeche. Intrigou-me seu seminário a última vez e me propus assistir a este. Interessa-me muito o que faz.

Zanita sorriu interiormente com o duplo sentido de suas palavras. Só desejou que LaLeche não percebesse. Parecia não tê-lo feito, porque suas palavras a seguir estavam cheias de uma camaradagem animada.

— Nunca gostei de formalidades, me chame Xavier, por favor. —Fez uma pausa, esperando que Tyber lhe devolvesse a gentileza. Não o fez. — Bem... fique um pouco mais depois que terminarmos esta noite. Sinto uma grande curiosidade por escutar suas impressões a respeito do que faço.

— Estou certo de que você gostaria — repôs Tyber entre dentes, antes de dizer em voz mais alta: — É o que desejo.

LaLeche sorriu.

— Talvez você goste — brincou Zanita.

— Só pelo tamanho da m... reputação. — Tyber voltou atrás, fazendo Zanita avermelhar. Riu.

—Chega! Fique sério ou vai estragar tudo!

Tyber tinha uma boa resposta para isso, mas se absteve de utilizá-la.

— Sim, querida. Mas, lembre-se, sério é como sério se faz.

— O que significa isso?

— Olhe a terceira fila, quarto assento pela esquerda; não está aí sentado Forrest Gump²?

 

Forrest Gump é um filme dramático norte-americano de 1994, dirigido por Robert Zemeckis. Tinha como personagem principal, um jovem considerado estúpido, contava a sua vida e mostrava uma visão do desenvolvimento da sociedade dos Estados Unidos. Representando Forrest Gump estava Tom Hanks em uma atuação brilhante que rendeu-lhe o seu segundo Oscar, levando Hanks ao superestrelato.

 

— Tyber, não comece outra vez. —Entretanto, quando olhou nessa direção, descobriu que o homem do público se parecia sim com Forrest Gump. Para seu pesar, riu bobamente.

— E não acreditou na espaçonave vermelha. Deveria ter vergonha.

Começou a lhe fazer calar, mas em lugar disso espirrou.

— É a quarta vez que espirra esta noite.

— Possivelmente estou com alergia. — limpou o nariz.

— Está adoecendo?

— Não.

Examinou-lhe o rosto atentamente e notou as bochechas vermelhas.

— Sim, está.

— Não estou.

Agarrou-a pela mão e fez menção de levantar-se.

— Vamos.

— Eu não vou! — Disse isto um pouco alto; várias pessoas se voltaram para olhá-la. Soltou a mão. — Sente-se agora mesmo e deixe de armar um espetáculo! — ordenou-lhe entre dentes.

— Por que não me disse que estava doente?

— Porque sabia que se comportaria assim. E tinha razão! Zangando pelos desejos da gente como...

Os cantos dos lábios de Tyber se torceram.

— Está muito irritada, certo? Quero dizer, para alguém que está doente.

—... como um maldito capitão pirata. — cruzou-se de braços e se negou a lhe olhar por ao menos meia hora.

LaLeche já estava esquentando-se para o tema.

— Por exemplo, quando se introduz uma corrente elétrica em um cabo, este gera um campo magnético. Não é certo, doutor Evans?

— Ah, sim.

— Por certo, quando se envia um pensamento curativo, está-se enviando energia com ele. Quanto maior é a força ou a potência do pensamento, maior é o fluxo de energia. Agora, quanto mais fluxo energético, maior é o campo de energia. Desse modo, cria-se um campo magnético quando se gera um forte pensamento.

Tyber sacudiu a cabeça várias vezes como se tratasse de limpá-la depois de um golpe.

— Isto também ocorre com um pensamento curativo forte. Vêem, amigos, o corpo é como um motor que necessita combustível para manter-se em funcionamento eficazmente. Em algumas ocasiões o motor pára e necessita uma recarga. O poder da cura pode fazer isto, em especial, repito, em especial quando conta com alguém capaz de gerar eficazmente esta energia para os caminhos do corpo humano. Através de minhas aptidões especiais, posso proporcionar e dirigir a energia que necessitam para curar-se.

— Talvez possa curá-la, Zanita. —Tyber se inclinou para ela. — Então já não terei que ficar zangado contigo por não me dizer que estava doente.

Ela olhou-o indignada, e repôs:

— Acaba de ganhar outros quinze minutos de desprezo. — E imediatamente se separou dele.

— O fluxo de energia constitui uma lição muito importante que deverão aprender se desejarem controlar seu bem-estar com êxito. Compartilharei com vocês um exercício desta técnica. — Olhou ao público. — Ah, Zanita!

Ela deu um salto.

— Vejo que retornou com nosso amigo o doutor Evans. Como fez um trabalho tão bom no último exercício, sei que não se importará me ajudar com este.

— Está tentando a sorte — murmurou Tyber.

Zanita lhe fez uma careta.

— Não, não me importo. — Subiu ao tablado.

Tyber notou acidamente que vários homens se inclinaram para diante em seus assentos, esperando ansiosos pela demonstração.

— Este exercício está desenhado para que adquiram consciência do fluxo de energia elétrica através de seu corpo, para que possam começar a controlar o fluxo de seu campo magnético. Quero que sente na cadeira outra vez e feche os olhos.

— Sim.

— Rodei-se da luz branca.

— Comprovado.

— Comprovado?

— Rodeada.

— Quero que visualize as imagens adequadas para o movimento e a quietude enquanto faz o exercício. Quando inspirar, diga ”movimento”, quando exalar, diga “quietude”. De acordo?

Os olhos de Zanita se abriram de repente; olhou diretamente para Tyber e engoliu a saliva. Devolveu-lhe o olhar, com os lábios apertados para conter a risada. Ambos recordavam certa manhã não fazia muito, em que pediu movimento e ele tinha optado pela quietude. Para Zanita, tinha sido uma das experiências mais eróticas de sua vida.

Não ia passar por esse exercício com o Tyber olhando-a de maneira cúmplice. Voltou-se ruborizada para LaLeche.

— Hummm, podemos fazer outra coisa, senhor LaLeche?

— Mas, com que propósito, querida?

Com que propósito, com efeito. Tyber sorriu, entrelaçando as mãos detrás da cabeça e recostou-se sobre seu assento.

 

—Movimento. —Inspirou.

—Quietude. —Expirou.

Tyber, imóvel, os olhos narcotizados de paixão enquanto a contemplava acender-se sob seu corpo.

—Movimento. —Inspirou, profundamente.

—Quietude.

As veias de seu pescoço se sobressaindo ao jogar a cabeça para trás, esforçando-se para não mover-se no seu interior.

—Movimento. —Inspirou, agora com maior rapidez.

—Quietude.

A pressão quente de sua boca, sua língua, os braços estreitados a seu redor, ele em seu interior, em todas as partes...

Exalou com um gemido.

—Quietude. —disse ofegando.

—Muito bem, querida. Percebe a quietude em seu interior?

—OH, sim!

—Excelente. Já deu o primeiro passo para controlar o fluxo de energia de seu interior. Sente o fluxo?

—Estou fluindo.

 

Uma explosão de tosse ressonou no silêncio absoluto da sala.

Zanita abriu os olhos de repente e olhou para Tyber. Ele sorriu, e uma covinha sagaz surgiu em sua bochecha.

—Sinto muito. Engasguei-me com algo, querida. Mostrou-se tão arrependido, como se desculpasse sinceramente! E a chamou de carinho diante de todo mundo! Lançou-lhe um olhar violeta mortal.

 

Sua risada em voz baixa chegou até onde estava.

Ela o mataria.

Mais tarde, quando estivessem sozinhos. Quando não houvesse testemunhas do crime.

—Não tem problema, doutor Evans; de qualquer modo, já terminamos o exercício. Acredito que todo mundo compreendeu o conceito. Pode voltar para seu assento, querida.

Quando Zanita ficou de pé, recebeu um forte aplauso. De fato, ao retornar a seu assento, um homem lhe fez um sinal de aprovação como quem dizia «Sim!» quando passou na sua frente. Nunca se sentiu tão envergonhada em toda sua vida.

Quando sentou, Tyber inclinou- se para lhe dizer:

—Eu tenho um exercício muito melhor para você.

Fulminou-lhe com o olhar.

—Para quando você estiver bem, Cachinhos.

—Pelo que sei, Massachusetts ainda não tem a pena de morte - disse entre dentes—Mas não brinque com as possibilidades. Se eu fosse você, não pressionaria.

—Eu gostaria que se decidisse Zanita. Pressiona, não pressiona... —Deixou que o tom de sua voz insinuasse que o trabalho de um homem nunca acabava.

Ela voltaria a ignorá-lo. Era o único modo de lidar com ele quando ficava assim. Descarado, horrível e malicioso! Deus estava com a garganta doendo.

O resto do seminário transcorreu a passo de tartaruga para a Zanita, dado o que sentia. LaLeche seguiu lentamente, fazendo vários exercícios de «estender as mãos», como chamou ele, a membros do público. Zanita agradeceu que não a houvesse chamado para essa parte dos exercícios. Não acreditou que pudesse suportar mãos excessivamente obsequiosas sobre ela.

Nessa ocasião não receberam nenhum folheto. Em vez disso, quando o bate-papo terminou, LaLeche se aproximou de vários participantes individualmente enquanto desfrutavam da generosidade de café e refrigerante grátis.

Ainda não tinha se aproximado deles, mas Tyber não parecia preocupado. Tomou seu café, esperando pacientemente que LaLeche fizesse sua ronda.

—Quer um pedacinho da minha rosquinha? —ofereceu com inocência a Zanita.

—Não quero falar com você enquanto agir desse modo. Virou-se e se afastou dele para conversar com uma senhora, por isso perdeu a leve risada do Tyber quando se deu conta de como ela tinha interpretado seu comentário.

LaLeche caminhou ao redor da sala, aproximando-se em sua direção. A única coisa que lhe faltava era uma nadadeira dorsal, pensou Zanita. (Aqui eu penso que a autora faz uma alusão a semelhança entre um tubarão e o personagem)

—Bom doutor Evans, o que lhe parece o que viu aqui esta noite?

Tyber tomou lentamente a sua bebida.

—Fiquei muito impressionado. – Com sua atuação.

—Obrigado. Vindo de você é um elogio. Tenho que dizer que gostei de contar com um colega na plateia, alguém que entende completamente o aspecto físico do universo.

—Vejo aonde quer chegar. —Dado que você não tem nem idéia a respeito de campos magnéticos.

—Embora me surpreendesse bastante o fato de interessar-se por essas coisas. —LaLeche encarou o rosto de Tyber com atenção, procurando obviamente evidências de uma intenção oculta.

—Se sabe algo de mim - e Tyber poderia apostar que desde a primeira reunião, LaLeche preocupou-se em saber muito a respeito dele — deve saber, que sou o tipo de pessoa que deixo a curiosidade levar-me por diversos caminhos. Alguns deles não muito convencionais.

—Ouvi falar. Embora seu estilo de vida não pareça prejudicar suas relações, ao contrário, parece melhorar sua reputação. Dizem que você é realmente brilhante.

—Eu não acreditaria em tudo o que se diz —Zanita lhes interrompeu.

—Zanita! Muito obrigado por sua ajuda. —LaLeche colocou sua mão sobre o ombro dela de forma amigável, o que a fez tremer ligeiramente — Tem um talento natural, sabia?

O olhar do Tyber se moveu da mão do LaLeche sobre o ombro da Zanita até seu rosto meloso.

—E qual seria esse talento natural? —Seu tom áspero foi fácil de interpretar. LaLeche retirou a mão com rapidez.

—Para curar, é obvio. Ouviu falar sobre o meu retiro espiritual em Vermont? Não? OH, terei que lhes falar sobre isso: é um lugar pequeno, sabem, sem incômodos ou interrupções procedentes do mundo exterior. Organizo uma sessão de aquisição de poder, durante um fim de semana a cada mês.

—O que fazem lá? —Tyber estava tentando ignorar o sinal que Zanita fazia pisando com o salto da bota no seu polegar.

—Considero que um ambiente assim seja propício para localizar e iluminar os chakras. Mediante a meditação e outras técnicas, equilibramos nossos corpos celestes para liberar o corpo astral.

—Tudo isso?

Zanita afundou o salto em seu pé.

—E mais! Freqüentemente, em um encontro assim, livramos grupos inteiros de suas inibições, o que permite que o participante recupere sua sexualidade perdida.

—Como assim? —Tyber quase franziu o cenho.

—É uma notável sensação de liberdade! Zanita e você gostariam muito! De fato, a próxima oficina está marcada para dentro de uma semana. Acredito que poderia lhes interessar.

Tyber estava a ponto de rechaçar o convite, Zanita podia senti-lo. LaLeche tinha cruzado o limite. Antes de Tyber responder, ela espetou:               

—Nós adoraríamos! — Fez pouco caso do braço de Tyber, que a tinha segurado pela cintura, esmagando-a como castigo.

—Maravilhoso! Aqui têm as indicações. —meteu a mão no bolso da jaqueta e tirou uma folha impressa e entregou a Tyber — Começamos perto do entardecer. E lembrem-se: é muito rústico.

—Ah, tenho um amigo proprietário de uma hospedaria perto dali - disse Tyber rapidamente — Eu prometi que se alguma vez passasse por perto, me hospedaria lá. Tem algum problema?

—Não, é obvio que não. Embora alguns dos intercâmbios mais íntimos aconteçam a altas horas da noite, simplesmente parece ocorrer assim. Talvez perca algum desses.

—Sabe como é, Xavier. É um conhecido do trabalho, pensei que poderia estabelecer contato ao mesmo tempo. —Tyber falou como se já fossem velhos colegas.

—Claro! Não se preocupe com isso! Então, eu os vejo no fim de semana que vem?

 

Tyber esperou até entrarem na caminhonete para abrir fogo.

—Tem idéia de onde nos meteu?

—Claro! É exatamente o que queríamos que fizesse.

Tyber contou até dez antes de falar.

—Sabe a que tipo de lugar ele nos convidou?

—Sim... a um retiro espiritual.

—Um retiro espiritual —repetiu ele de maneira medíocre.

—Isso. Seu lugar de operações, onde podemos nos aproximar...

—OH, nos aproximaremos, com certeza.

—O que quer dizer? E por que insistiu em ficarmos em uma hospedaria? Tem mesmo um amigo lá?

—Não, não tenho nenhum amigo lá! Simplesmente disse isso porque de forma alguma vou passar a noite, nesse lugar e você tampouco!

Zanita se sentiu ofendida pela atitude prepotente dele.

—Isso eu decido sozinha, Capitão!

—Você não escutou? Todo esse papo a respeito de liberar a sexualidade perdida era um eufemismo para um fim de semana de troca de casais e sexo em comunidade.

—Espera aí! Eu não pensei que se referia a isso. Estava falando de sexualidade no sentido espiritual.

Tyber lhe dirigiu o misterioso olhar de Marte. Ela tragou saliva. (penso que olhar de Marte, se refira ao deus da guerra, portanto deve ser um olhar zangado)

—Não?

—Não. E outra coisa: quando ele disse ambiente rústico, pode interpretá-lo como um barracão com as janelas rotas sem comodidades, no meio do deserto.

—Não seja ridículo! Destruiria sua credibilidade. Teria que fazer parecer respeitável.

—Ah,sim? Bom, nisso você também está enganada. Um homem que precisa sumir e mudar rapidamente não finca raízes muito profundas.

Ela elevou o queixo.

—Como assim?

—Significa que faria o menor investimento possível de seu próprio capital na empresa. Visto que o lugar nem sequer conta com instalação de água. E se está pensando em me perguntar como arrumaria os clientes, não se preocupe: direi que simplesmente explicará que é uma parte da «experiência» de entrar em contato com o eu interior.

O lado da caminhonete da Zanita permaneceu silencioso.

—O que? Não há réplica?

Ela afundou os ombros.

—Não, tem razão. Não tinha pensando em nenhuma dessas possibilidades. A verdade é que não sou muito boa nisto, não?

Pareceu tão abatida que, imediatamente, Tyber sentiu remorsos.

—Seria querida, caso você estivesse melhor.

—Acho que sim. —Zanita suspirou.

—Você está bem?

—Estou! —Um espirro pôs o ponto final à categórica afirmação.

—Eu proponho algo: por que dá uma daquelas cochiladas instantâneas de Zanita? E se passar outro OVNI, prometo que lhe acordo.

Ela sorriu ligeiramente.

—Obrigada, mas não acredito que consiga dormir agora.

—Zanita, é você? A mulher que se tornou uma perita na arte de cochilar?

Seus lábios tremeram.

—Bom, suponho que poderia tentá-lo.

—Confio plenamente em suas capacidades nesta área. Na verdade, posso até escrever uma carta de recomendação se alguma vez precisar.

—É um consolo saber, doutor. —Voltou a espirrar.

—Tem certeza de que não está doente? —perguntou em um tom quente.

—Já lhe disse, estou bem.

 

—Nem pense em colocar essa coisa repugnante no meu peito!

Tyber tinha entrado no quarto com uma bandeja cheia de uma parafernália de diversas coisas de enfermaria. Termômetro. Lanterna. Laringoscópio. Laringoscópio? Lenços. Aspirinas. E um pote de ungüento asqueroso.         

—Vamos, querida, Blooey preparou especialmente para você. Diz que contém ervas frescas.

—Como o quê?

—Sassafrás, confrei, marrubio...

Zanita cruzou os braços sobre o peito.

—Droga!

-Tome. —Deixou o pote de ungüento sobre a mesinha—Acho que terei que ir a Vermont sem você!

—Não! Achim!

—Se não melhorar até sexta-feira...

—Estou me cuidando!

—Vermont é tão bonita nesta época do ano... alta temporada da folhagem. Que pena que tenha que desfrutá-la sozinho. —sentou-se na cama, esperando com paciência que ela se convencesse. Não demorou.

—Minha cabeça dói. —disse com uma careta no lábio inferior.

—Sei —compadeceu ele tristemente.

—Dói a garganta —explicou, como se ele não soubesse.

—Pobrezinha. —Colocou a mão no pote.

—E também estou com dor nas articulações.

—Isto lhe ajudará. —Esfregou-lhe o ungüento no peito — Melhor?

—Um pouco - reconheceu a contra gosto.

—Deixe-me ver a temperatura. —Introduziu-lhe o termômetro na boca, pensando que parecia realmente adorável com a expressão rebelde e a camisola de vovó de flanela abotoada até o queixo. Embora não pensasse mencioná-lo. Sabe Deus como ela poderia interpretar. Em contrapartida, os homens preferiam que lhes arrancassem as unhas.

Quando tirou o termômetro, Zanita tratou de olhar por cima do ombro dele para ver o resultado, mas Tyber se voltou para um lado para esquadrinhá-lo, como se fosse algum tipo de fórmula secreta.

—Bem, o que diz?

—Diz que tem febre. Diga «aaa...» - Introduziu-lhe o laringoscópio na boca e olhou o fundo da garganta com a lanterna.

—Sinto dizer, mas é doutor em física, não em medicina.

Ele elevou uma sobrancelha arrogante.

—Sabe o que está fazendo?

Tyber assentiu.

—E qual é o veredicto?

—Caso leve de gripe.

—Leve? Estou morrendo!

—Não nos próximos sessenta anos,se comer bastante verduras.

—Você só quer acabar com todas essas abóboras. —E lhe mostrou a língua

Ele mostrou a dele.

—Você é uma paciente terrível.

—O quê? —Olhou-lhe com rebeldia.

—Ai, ai, ai. Estamos de mau humor, não?

—Odeio estar doente!

—Sério? Que novidade! Me desculpe enquanto chamo o Enquirer. —Ela sorriu levemente — Vejo que não perdeu o senso de humor por completo. Quer que durma em um dos outros cômodos por esta noite?

—Não! —Ruborizou pela veemência de sua resposta—. Eu... Bem, eu... —Brincou com as mantas.

Tyber bocejou.

—Termine.

—Eu gosto de sentir você a meu lado de noite, sabe? —espetou Zanita.

Tyber sorriu amplamente.

—Sei. — tirou a roupa com rapidez e se meteu sob as cobertas — Não me incomodo que seja tão suscetível. Mulheres! —Tomou-a entre seus braços.

Zanita se abraçou ao peito quente e largo do Tyber, aconchegou-se para dormir.

—Confortável?

—Mmmm, hummm. —Esfregou seu rosto contra o peito dele.

—Bem, mas melhor não espirrar em cima de mim.

—Não... A... A... achim!

—Zanita!

 

Estava morrendo.

A cabeça doía. Doíam-lhe as articulações. Ardia-lhe a garganta. E pior que isso, achava-se paralisada do joelho para baixo. Não podia mover as pernas.

Sonolenta, abriu os olhos e conseguiu levantar a cabeça uns centímetros do travesseiro para ver a bola laranja de cabelo que jazia com satisfação sobre seus pés. Foiegras! Deixou cair à cabeça sobre o travesseiro e gemeu. A porta se abriu e Tyber entrou tão tranqüilo, transbordando de alegria matutina.

—Que bela manhã, não?

Deixou um pouco de suco de laranja sobre a mesinha junto à cama.

—Tire esse gato das minhas pernas. —disse com voz rouca. Foiegras abriu os olhos e, com aparência de ligeiramente ofendido, desceu com rapidez para deitar-se a seu lado.

—Que vergonha; ele só queria ver como você estava. Trouxe um pouco de aveia.

—Aveia? Nunca como aveia!

—Bom, agora sim. —Tyber lhe dirigiu um olhar de absurdo, que a fez afundar-se imediatamente.

—OH, de acordo. —Contemplou a terrina ressentidamente até que topou com os olhos no gato. Nesse momento pareceu produzir-se uma comunicação silenciosa — Deixa aí, como um pouco mais tarde. Tyber colocou a mão sobre a testa.

—Ainda tem febre.

—Sinto-me pior —Disse zangada.

—Hoje será o pior dia; amanhã se sentirá melhor. De qualquer forma, Blooey está preparando canja para você, e Foiegras está aqui para fazer-lhe companhia. Quer ver televisão?

Zanita enrugou o nariz.

—Não vejo televisão durante o dia.

—Tenho TV via satélite. Ouvi que hoje estreia um filme de monstros no Canal 132. —Moveu as sobrancelhas, como dizendo: como não ver?

—Tem satélite? Não vi nenhuma antena.

—Não disse que era satélite? —Zanita ficou boquiaberta — Aqui tem o controle. Liguei para seu escritório e disse que não iria trabalhar por uns dias.

—Tyber! Eu ia mais tarde! Não deveria... —viu-se interrompida pela tosse.

—Descanse. Vou trabalhar um pouco no laboratório; se precisar de algo, Blooey está na cozinha. Não se esqueça da aveia.

Assim que ele saiu, Zanita olhou para o gato e ele para ela. E a aveia virou história.

—Prepare-se. — Tyber entrou tranqüilamente no quarto mais tarde para olhá-la.

—O que aconteceu? Mais aveia?

—Não. Não acredito que Foiegras esteja preparado para mais. Ainda está digerindo última porção.

Não olhou diretamente para ela.

—Como soube?

—Está deitado ao sol como uma serpente que acaba de comer uma tartaruga. Além disso, tinha aveia no bigode. Blooey teve que persegui-lo por toda a casa com um trapo úmido para limpar-lhe.

—Então, daí toda essa animação. E se não é aveia, do que se trata?

—Hank, o seu avô acabou de ligar e está soltando faíscas. Quer saber quem sou eu e o que estou fazendo com você. —Dirigiu-lhe um olhar firme.

—Ah —disse ela com voz fraca.

—Não lhe falou que havia mudado, não é?

Zanita fez uma careta de dor.

—Não.

Ele se inclinou sobre a cama, apanhando-a entre seus braços. Sua voz era aparentemente tranqüila.

—O que acha que aconteceria quando ele não a encontrasse em casa?

Ela libertou-se:

—Isso não teria ocorrido.

Ele a afundou no travesseiro com o olhar.

—Estou esperando.

—Desvio de chamadas.

Ele limitou-se a contemplá-la fixamente; tremia-lhe um pequeno músculo na mandíbula.

—Não... você não entende. Simplesmente, Hank não entende estas coisas. Ele é... é de outro século. E, como esta é apenas uma situação temporária, por que preocupá-lo?

—Seu avô está vindo para cá, enquanto falamos.

Os olhos da Zanita se abriram. Levantou a mão e se agarrou ao colchão.

—Tyber, não deixe que ele me leve de volta à vovó! Ela é implacável com os doentes!

—Não vai à parte alguma. Falarei com Hank, mas acredito que foi muito irresponsável da sua parte lhe preocupar desta forma.

—Irresponsável! Não teria acontecido nada se não tivesse decidido por sua conta ligar para meu escritório. E teve que lhes dizer quem foi?

Tyber lhe lançou um olhar mordaz e saiu do quarto. Nunca soube o que Tyber havia dito a seu avô, mas quando Hank entrou no quarto, eram todos sorrisos e esmero. Interessou-se por sua saúde, mimou o gato, admirou a casa, falou muito bem do Tyber, e pediu-lhe que chamasse a sua avó quando se sentisse melhor. Logo insistiu que tirasse a semana de folga.

Zanita viu seu avô partir com uma sensação estranha, de pressão no peito. Hank, que tinha passado por guerras, tinha visto presidentes assassinados e, em uma ocasião, foi alvejado por um gângster, tinha sido Tybercinado sem dar-se conta.

Zanita suspirou. A partir de agora não tiraria os olhos de cima do capitão. Decididamente, estava começando a agir como um noivo.

 

Tyber estava de pé aos pés da cama contemplando-a dormir recostada sobre quatro travesseiros.

A cama estava repleta de pacotes de caramelos, diferentes revista, livros de bolso, lenços, miolos de bolachas, um bloco de notas de papel e, Foiegras. Um biscoito pela metade flutuava no aquário junto à cama. Seus peixes tropicais extremamente raros e extremamente caros se achavam em processo de suicidar-se ao mordiscá-la.

Um tema musical de um filme de ficção científica dos anos cinqüenta saía a todo volume do televisor, indicando a aproximação da besta do planeta Gilgamesh.

Esta é uma das definições do Caos, pensou enquanto sorria com carinho.

Agarrou uma rede para retirar a bolacha antes que os peixes morressem. Só Zanita para achar que os peixes poderiam querer compartilhar um biscoito com ela.

—Hummm? Ah, Tyber, é você... —Abriu os olhos sonolentos.

—Melhor?

—Sim, muito melhor. —Zanita lhe tomou a mão e a levou a bochecha — Tyber você foi tão amável comigo.

—Fui? —Beijou-a na testa antes de sentar-se na cama a seu lado para ver como o monstro era executado pelos cabos de alta tensão. Riu — Passa toda hora.

—É, olhe: quase terminei a palavra cruzada do New York Times. Se soubesse o nome de uma caixa retangular tridimensional de vinte e sete letras... —olhou-lhe.

—O paralelepípedo retangular - indicou com secura.

—Correto! Encaixa! —Zanita teve uma grande ideia—. Sabe? Deveria ir ao Jeopardy.

—Ainda tem febre?

—Não, sério. Poderíamos ganhar uma dinheirama.

—Poderíamos? —Arqueou uma sobrancelha.

Ela inclinou sobre seus joelhos, e pôs os braços ao redor do pescoço.

—Você é muito inteligente.

Ele a tomou pela cintura para segurá-la.

—Se sente melhor? —Olhou-a com olhos semicerrados.

—Hummm, muito. —Esfregou seu nariz contra o dele.

—Tenho algo para você— disse arrastando as palavras, em voz baixa e sexy.

Zanita lhe lançou um olhar insinuante.

—O que? —sussurrou de maneira sedutora.

—Isto. —Entregou-lhe um maço de papéis que tinha a suas costas.

—OH. — Zanita observou os papéis, e logo voltou a olhar para ele. - OH. Onde conseguiu isto? —Era um relatório completo a respeito de Xavier LaLeche.

—Poderia dizer que foi um amigo que me deu.

—Tyber, isto parece... são arquivos do FBI?

Pareceu ofendido.

—Zanita! Isso seria ilegal. E eu nunca faria nada ilegal.

 

No dia seguinte, três sedans escuros chegaram até a entrada e pararam diante da casa. Saíram seis homens de terno. Todos eles tinham rostos parecidos.

Tyber saiu para recebê-los. Zanita foi atrás dele, olhando por cima de seu ombro o que ia acontecer.

Um dos homens, obviamente o que se achava no comando, deu um passo adiante e espetou Tyber com um dedo acusador.

—Filho da puta!

Tyber não pareceu perturbado.

—Olá, Sean!

O homem irritado se voltou para seus homens, e gritou uma ordem:

—Não fiquem aí plantados. Se espalhem!

Tyber, de braços cruzados. Imediatamente deu a contra-ordem:

—Não! Fiquem parados!.

O homem chamado Sean olhou para Zanita, e se dirigiu a Tyber:

—Vamos dar uma volta?

—Volto logo.

Zanita observou com apreensão que eles desciam pelo atalho até um dos jardins mais afastados. Então se voltou para os outros visitantes. Cinco homens com olhar de aço a encaravam diretamente. Ela sorriu de uma forma bastante forçada.

—Eu não me moverei daqui - lhes falou com nobreza.

 

—Maldito seja, Tyber; você fez de novo!

—Já sabe o que disse.

—Sim, se você pôde alguém mais poderia fazê-lo. Mas não estou certo se devo acreditar. Não há ninguém como você. —Sean levou uma mão distraída ao cabelo curto, fazendo que se encrespasse.

—Não se engane.

—De acordo – resmungou — Voltaremos a discutir o sistema. Mas, maldito seja, Tyber, é embaraçoso! Sua pequena infração aconteceu no momento mais inoportuno.

—Teve que abandonar a reunião quando lhe chamaram?

Sean avermelhou.

—Não exatamente.

Tyber assentiu sabiamente.

—Ah, outro tipo de reunião.

Sean esfregou o queixo.

—Sim. Diga-me, quem é a guria de pernas bambas ? —Levantou as mãos — Espere não me diga, é algum cérebro de uma de suas instituições para intelectuais e estão trabalhando juntos com diligencia em seu laboratório esterilizado pelo bem de todos.

Tyber o olhou fixamente, sem responder.

Sean coçou a orelha.

—Bom, suponho que de algum modo, tenho que dizer obrigado por essa pequena manobra.

—De nada.

—Esse sorriso... tenho mais que uma leve suspeita de que não tinha em mente só os interesses do departamento. Especialmente pelo que foi roubado. —Olhou-o com severidade—O que está fazendo, Tyber?

Tyber levou as mãos aos bolsos traseiros da calça.

—Não posso dizer-lhe.

—Sim.

Voltaram.

—Vamos - disse Sean a seus homem—Bom dia, senhorita Masterson. —Abriu a porta de seu carro, e disse ao Tyber— Estaremos em contato.

Tyber lhe ofereceu um sorriso mordaz.

—Não, se eu for primeiro.

Os olhos do homem se abriram.

—Jesus - murmurou ao mesmo tempo em que dava uma portada. Saíram da mesma forma em que haviam entrado.

—Como sabia meu nome? Você disse meu nome?

—Não. Quer comer algo, querida? —Rodeou-lhe os ombros com o braço, conduzindo-a de volta a casa.

—Mas, Tyber...

—Hummm, cheira bem, o ensopado de abóbora.

—OH, não! Blooey me disse que prepararia uma salada do chefe para comer.

—Para mim, parece cheiro de ensopado de abóbora.

—Bem! - sabe? Acabo de me lembrar que tenho que apanhar algo na loja. Volto antes do jantar...

Tyber a agarrou pela camisa.

—Ah, não, não vai.

 

—Vai pegar a moto?

—Para Vermont? Está brincando?

—Não vai sair nisso, não é? —Zanita observava Tyber segurar a moto na plataforma da caminhonete. Tyber riu.

—Não. Adoraria ir de moto, mas com você se recuperando da gripe, não acredito que seja boa idéia.

Graças a Deus. Zanita não era muito fã de motos. A idéia de viajar na parte traseira de uma, durante cinco horas com um vento fresco de outono a cento e vinte quilômetros por hora e os insetos se chocando contra seus dentes lhe parecia pouco atraente.

Tyber abriu a porta do condutor, e colocou a mala no banco detrás. Primeiro Zanita encheu uma caixa de papelão. Tyber a olhou com desdém e esvaziou suas coisas em sua mala. Quando Zanita reclamou, ele afirmou simplesmente:

—Não vou entrar no Hotel Casa de Mármore carregando essa caixa.

—Aff! As caixas têm muito mais sentido que as malas. É só tirar quando for usar.

—Você é uma mulher muito estranha. E a admiro. Mas, mesmo assim, não vou levar a caixa.

E isso foi tudo.

—Não vai levar mais de cinco horas se não fizermos muitas paradas. —Arrancou com a caminhonete — Trouxe as indicações?

—Não precisa; Eu decorei.

Tyber rosnou.

—Agora será uma viagem de sete horas.

—Não tem graça, sabia? Não acredito que o jornal vá reembolsar os gastos de hospedagem em um lugar tão caro chamado Hotel Casa de Mármore.

Ele a olhou de soslaio.

—Não sabia que eu estava incluído em seu orçamento.

—E não está. Bom, ao menos não oficialmente. Quero dizer que está me ajudando com esta história, e embora não seja exatamente um emprego, uma vez publicado o artigo, o jornal geralmente reembolsa os gastos extras. Mas não os gastos pouco razoáveis, e esse hotel deve ser muito caro.

Os lábios de Tyber se contraíram. Zanita faria qualquer coisa para evitar dar a impressão de ter uma relação.

—Não se preocupe, o jornal está livre das despesas.

—Não, eu não poderia fazer isso! Afinal de contas, estamos trabalhando juntos. Não é justo que você... que você...

—Convidei você? —acrescentou ele mais que gentil.

—Hummm, sim. Não é que não...

—Janta comigo?

—Não, não acredito que...

—Devo servir vinho em uma mesa para dois à luz de velas?

—Velas? Quero dizer, isso não seria...

—Devemos jantar um pudim de framboesas e medalhões de vitela com molho de conhaque?

—Não... não estou certa.

—Devo fazer amor com você em uma cama de latão de cento e vinte anos diante de uma lareira em um quarto completamente de mármore dourado?

—Bom... talvez só uma vez.

—E que tal só por duas vezes? —sorriu-lhe com malícia.

—Tyber! —Zanita ruborizou.

—Ou só por três vezes?

Ela cruzou os braços.

—Já está começando outra vez.

—É provável.

Tyber tinha decidido tomar estradas secundárias em lugar da auto-estrada para desfrutar a paisagem espetacular da Nova Inglaterra sem pressa.

Sua previsão de um trajeto de cinco horas era completamente otimista, dado que já haviam parado em duas ocasiões: uma, em uma pitoresca granja para comprar uma cabaça para o Halloween, e outra vez em um posto ao lado da estrada para comprar um montão de maçãs e um pão de abobrinha.

—Temos que deixar espaço atrás para um par de jarras de xarope de arce. Prometi a Blooey que levaríamos um pouco.

Zanita se ajoelhou em cima do assento para olhar pela janela de atrás.

—Há muito espaço aí atrás. Inclusive podemos levar para o Foiegras alguns ratos de Vermont.

—Ele adoraria.

Zanita se abaixou para alcançar sua bolsa e pegou o relatório de LaLeche.

Tyber olhou e, quando viu o que tinha nas mãos, fechou os olhos por um momento.

—Me diga que não trouxe isso com você.

—Claro que trouxe. Temos que estudá-lo para saber o que enfrentamos.

—Já sabemos o que nos espera: um trambiqueiro.

—Sim, mas aqui não há nada concreto.

—Devo supor que essa poderia ser a razão pela qual não está preso? —perguntou em tom de brincadeira.

—Por que acha que tinham isto a respeito dele? —Zanita não tinha discutido com Tyber a respeito de como tinha conseguido os documentos. Na realidade não queria saber, e tinha mais que uma leve suspeita de que ele tampouco queria que soubesse.

—Ao que parece, segundo o relatório, foi investigado durante algum tempo pela unidade de delitos financeiros, além de ser suspeito de uma série de delitos federais diferentes.

—Aqui não encontro isso.

—Devo ter esquecido de dar a você essas folhas.

Como se Tyber fosse capaz de cometer um engano assim! De modo que tinha decidido lhe ocultar alguns dos documentos mais confidenciais. Bom. Poderia suportar. Enquanto fosse claro com ela no referente a qualquer outra informação.

—Se houver alguma outra... folha que tenha esquecido de me dar, pode simplesmente me pôr à par.

Tyber parou a caminhonete e desligou o motor.

—O que está fazendo? por que par...?

Tyber a agarrou entre seus braços e a beijou. Profundamente. Apaixonadamente.

Depois arrancou o motor e voltou para a estrada, deixando-a completamente atônita.

—Por que fez isso?

—Eu gosto de seu estilo, querida. Sempre gostei. —Sorriu-lhe com malícia.

Bom, terei que voltar a fazer isso. Quer dizer, quando descobrir o que é exatamente que ele acredita que tenha feito, pensou.

 

—Dimitri Ziest, Marvin Broconol, Damon Green, Xavier LaLeche... todos aliás em um momento ou outro. —Zanita passou as páginas do histórico.— Nascido Steven Liss, 1948, em Buffalo, Nova Iorque. Filho único do Marguerite Liss. Pai desconhecido.

—É como se entrássemos na Dimensão Desconhecida. —Tyber conduziu a caminhonete a uma estrada lateral.

—Submetido a suas conjeturas... —Zanita cantarolava a canção.

Tyber riu.

—Diz mais o quê?

Dirigiu a ele um olhar que dizia «sabe muito bem o que diz».

—Viveu sob muitos nomes em muitos estados: Massachusetts, Califórnia, Ohio...

—Onde permaneceu mais tempo?

—Hummm. —Folheou o relatório. —Na Califórnia. Por quê?

—Ainda não sei. E o que há sobre os outros lugares? Há algum padrão de duração na permanência?

—Na verdade, agora que você mencionou, sim. Cerca de quatro meses em cada cidade. Por que será?

—Partiu antes que as coisas se complicassem para ele, sempre um passo a frente do alcance da lei. Suspeito que foi dessa maneira que ele conseguiu evitar uma investigação profunda das autoridades locais. Quanto tempo ficou na Califórnia?

—Dois anos. O que pensa disso?

—Acredito que houve uma razão específica para que precisasse passar tanto tempo na Califórnia. Pelo seu perfil, não é o tipo de homem que viva como um marginal, levado pelas ondas da vida. Não, este homem controla sua vida, em todos os aspectos. Estava ali por algum motivo.

—Alguma idéia?

—Ainda não. Onde vivia enquanto residia em Califórnia?

—Vejamos... Em São Francisco, por pouco tempo; logo após em Los Angeles.

—Acho que lembro sobre algo a respeito de um projeto eletrônico ali.

Ela assentiu.

—Parece que esteve legalizado por um período de tempo; trabalhou para uma companhia chamada Sistemas Era Espacial. Um inspetor anotou na margem que se tratava de uma empresa respeitável. Fabricam componentes de foguetes espaciais. Não vejo nenhuma conexão, e você?

—Não. Tinha que ser algo que estivesse fazendo por fora. Algo mais? —Tyber conduziu por uma entrada privada que levava a uma mansão imponente.

—Nada sério. Pergunto-me se... o que estamos fazendo aqui? —Zanita elevou a vista à casa palaciana e o terreno cuidado.

—Bem-vinda ao Hotel Casa de Mármore. —Parou a caminhonete diante do portão.

—Tyber, está de brincadeira! É lindo.

—É verdade. —Tyber examinou os detalhes arquitetonicamente interessantes com atenção. —É linda. Foi construída em meados do século XIX com mármore dourado extraído da pedreira local. A garagem original ainda continua em pé. Vê? —Apontou à parte traseira da casa.

—Uau! Não posso esperar para ver o interior. De verdade teremos um quarto de mármore?

Tyber tirou a mala da caminhonete e a depositou na entrada para carros. Levantou o queixo de Zanita com a palma da mão, e roçou os lábios dela com os seus.

—É obvio.

Ela jogou os braços em seu pescoço, fazendo-o baixar a cabeça para beijá-la mais profundamente.

—É maravilhoso, Doc. Realmente maravilhoso.

—É só o começo. —lhe prometeu, e a beijou uma vez mais antes de soltá-la para conduzi-la ao interior da hospedaria.

A hospedaria era um exemplo perfeito do encanto Vitoriano do qual mais gostava o Tyber, e Zanita na verdade não ficou surpresa que a tivesse escolhido para sua estadia. Exploraram o saguão com avidez antes de registrar sua hospedagem.

Flores frescas, dispostas em vasos de forma agradável, adornavam todos os aposentos. Os tetos eram todos de quatro metros de altura, com molduras esculpidas e aranhas de cristal suspensas em janelas circulares em formas de rosa.[1]

Havia vários salões, cada um deles mobiliado com um estilo Vitoriano de grande opulência. Uma das salas foi convertida em uma biblioteca acolhedora com uma enorme lareira de mármore diante da qual havia sofás e cadeiras. Os restos do chá da tarde ainda estavam evidentes no aparador. Uma partida de xadrez pela metade esperava pacientemente o final em uma mesa baixa junto à janela.

Quando se registraram, a amável hospedeira lhes contou uma breve historia da casa, informando que todos os quartos tinham o nome de pessoas famosas. Quando Zanita se inteirou de que Tyber tinha pedido o quarto Errol Flynn, olhou-o com receio. Ele a rodeou com o braço e a conduziu para as escadas, ao mesmo tempo em que dizia:

—Como eu ia resistir?

Zanita suspirou ao contemplar o quarto suntuoso.

Era absolutamente lindo.

As janelas se abriam para dar entrada ao ar fresco e vista das colinas onduladas de Vermont, que exibiam as cores vibrantes do outono. No centro do quarto se destacava uma enorme cama de latão, que na verdade tinha cento e vinte anos. Estava coberta por uma colcha antiga, feita à mão.

A lareira de mármore dourado prometida se encontrava diante da cama. Duas cadeiras extragrandes Queen Anne flanqueavam o lar. Um grande tapete oriental vermelho adornava o chão.

As paredes, chãos e tetos eram todos de mármore dourado.

Zanita observou a banheira baixa de mármore do banheiro.

—Agora já sei por que o chamam de quarto Errol Flynn. —Tyber se aproximou até colocar-se atrás dela e olhou por cima de sua cabeça.

—Sim proporciona um exercício saudável para a imaginação, não? —murmurou ele, inclinando-se para lhe mordiscar o ombro.

Olhou para ela com um sorriso malicioso nos lábios.

—A que horas temos que estar na casa do LaLeche, Capitão Sangre?

—Me traz para um quarto de hotel e isso é a primeira coisa em que pensa. —Uma covinha surgiu em sua bochecha — E as mulheres perguntam por que os homens são tão volúveis com estas coisas. — Colocou as mãos sobre os ombros dela e a fez se virar. — Infelizmente, não temos tempo.

Com a palma da mão, Tyber lhe alisou o cabelo ao lado do rosto; inclinou-se para ela e lhe plantou um beijo quente na base de seu pescoço.

—Não? —Passou os dedos pelas mechas leonadas do cabelo, massageando sua juba, aproximando-o um pouco mais para si.

—Não - afirmou ele ao mesmo tempo em que sua língua riscava a linha de sua clavícula com toques lânguidos.

Ela tragou ar.

—Tem certeza?

—Tenho certeza. —sussurrou ele, um segundo antes que sua boca pressionasse a de Zanita. Seus dedos começaram a desabotoar a blusa dela com destreza.

—Entendo.

Ele declarou com ênfase.

—Temos que parar isto agora mesmo, Zanita. —Ao mesmo tempo, sua mão se fechava firmemente sobre o seio dela.

—Claro. —Ela ficou nas pontas dos pés para lhe sugar delicadamente o lábio inferior.

Tyber proferiu um som leve, algo entre o êxtase e a agonia, do fundo da garganta. Inconscientemente, devolveu o favor acariciando em círculos o mamilo endurecido da Zanita. Sua ação a incitou a apoiar-se nele, esfregando-se contra sua ereção, que já esticava as costuras de seu jeans.

—Falo sério; não temos tempo! —resmungou Tyber. E ao dizê-lo, imediatamente caiu de joelhos diante dela, enquanto suas mãos procuravam o cós de sua calcinha.

Zanita não pôde evitar sorrir.

—Captei a mensagem, Tyber. É decididamente não.

—Agora que o esclarecemos... —Desabotoou as calças com rapidez; seus lábios seguiram o rastro em uma degustação ardente, abrasadora. Zanita sentiu o fôlego ardoroso de Tyber através da seda de suas calcinhas. Seus joelhos se dobraram imediatamente.

As fortes mãos do Tyber a agarraram pelas coxas para segurá-la, aproveitando para introduzir a língua quente, errante, no umbigo. Apoiou sua testa úmida contra o estômago nu dela enquanto tratava corajosamente de recuperar um pouco de controle. Grandes baforadas de ar estremeciam seu peito pesando sobre ele.

Não conseguiu.

E sabia.

Gemeu como uma explicação desnecessária contra o estômago da Zanita.

—Isto é o que eu chamo um colapso total, querida.

De repente tirou a calça e a camisa com um movimento firme de suas mãos.

Sem esperar, baixou o zíper do jeans e a atraiu para cima dele enquanto continuava ajoelhado no chão do banheiro.

Deslizou em seu interior como um poste de aço no metal fundido.

Era a primeira vez desde que ela tinha se recuperado da gripe; ambos estavam preparados e prontos. Zanita jogou a cabeça para trás, segurando-se em seus ombros largos sob a flanela vermelha da camisa, que agora aparecia aberta até a cintura.

—Deus, Tyber, me tome... OH, Deus, Tyber!

Era tudo o que Tyber precisava em seu estado atual.

Ele ficou louco.

Com a palma da mão a atraiu para si ao mesmo tempo em que se apoderava dela.

—Que gostoso, querida... é tão bom, tão bom —disse com voz rouca.

—Quero sentir sua língua dentro de minha boca. —Ele a agarrou pela cabeça para subir seu rosto até ela.

Zanita afundou sua língua nele.

Tyber se concentrou nela, deixando que Zanita saboreasse a ele também.

De forma implacável, Tyber se movia cada vez mais rápido e mais forte dentro dela. Começou a beijá-la por todo o rosto, grosseiramente, desesperadamente. Ela retribuiu o gesto. Retorceram-se um contra o outro, agarrando-se, beijando-se, fundindo o um no outro em um fogo cada vez maior.

Ambos estavam fora de controle.

Zanita gritou. Tyber gritou. Ambos alcançaram as estrelas.

Ainda respirando com dificuldade, Tyber rodeou Zanita com seus braços e recostou-se no chão do banheiro de mármore. Zanita se acomodou sobre seu peito, completamente desfeita.

—Não sei como me faz isto, Cachinhos. —Sua mão ainda tremia quando lhe acariciou o cabelo curto e fofo.

Zanita apoiou as mãos contra seu peito, erguendo-se lentamente para olhá-lo nos olhos.

—Como faço isso com você? É você quem disse que não tínhamos tempo, e a minha última lembrança é de um inferno nuclear.*só posso imaginar um erro de grafia no original, pois inverno nuclear, não faz nenhum sentido!

Tyber riu.

—Como se eu a fizesse explodir em chamas, certo?

—Sim, você fez - Sorridente, ela roçou o queixo dele. —Eu gostei.

Ela retribuiu o sorriso.

—Eu também. —Beijou-a com grande doçura.

 

Infelizmente, devido aos amassos no banheiro, tiveram que conformar-se com uma versão abreviada do jantar, o qual incomodou a hospedeira, que contava com um chef de talento e muito sensível. Os sentimentos dele foram de algum modo aplacados quando lhe explicaram que tinham um compromisso a cumprir; não era culpa dos camarões ao vinho ou do bolo de pêssego ao brandy.

Depois de dirigir durante meia hora às escuras pelas estradas secundárias em meio aos bosques, finalmente encontraram a entrada para o chamado retiro espiritual do LaLeche. Uma vez mais, Tyber estava certo: o retiro não era mais que um barracão em ruínas no meio do deserto.

Como chegaram tarde, vários carros já se encontravam caprichosamente estacionados. Tyber riu quando viu um BMW atolado cerca de meio palmo no barro de Vermont.

—Tudo faz parte da experiência, querida. —Imitou com perfeição a forma afetada de falar de Xavier.

Zanita bateu na porta de madeira rudimentar da cabana. Ouviram-se várias vozes, que lhes diziam que entrassem. Ela abriu a porta com receio.

Oito pessoas se agrupavam ao redor de um fogo. Uma mesa velha e coberta de marcas estava apoiada na parede da direita. Estava transbordante de refrescos, supostamente levados pelos convidados.

E isso era tudo.

Não havia nada mais na habitação. Não havia móveis. Não havia aparelhos elétricos.

Zanita deu uma olhada rápida à cabana de um cômodo. Não havia conforto.

Várias mantas e sacos de dormir forravam as paredes. Em um canto, um toca-fitas reproduzia música de meditação New Age, com um montão de harpas e carrilhões celtas.

—Doutor Evans! Zanita! —LaLeche levantou-se para lhes dar as boas-vindas.—Estava começando a pensar que não tinham podido vir este fim de semana.

Quer dizer que você se preocupava que lhe escapassem boas vitimas. Tyber o olhou diretamente nos olhos, e disse:

—Estivemos um pouco entretidos ao longo do caminho, mas estamos aqui.

Zanita lhe dirigiu um olhar assassino.

LaLeche sorriu com cumplicidade, e seu olhar excessivamente obsequioso se desviou para Zanita.

—Sim, bom, costuma acontecer. Estou alegre que pudessem vir. —Apontou o aparador. —Querem um aperitivo antes de começar, talvez algo para beber?

—Ah, claro.

LaLeche se afastou enquanto eles se aproximavam da mesa. Zanita já estava enchendo uma taça de ponche quando Tyber lhe deteve a mão.

—O que está fazendo? E tinha que fazer esse comentário malicioso a respeito de termos nos distraído? Foi embaraçoso; ele sabia exatamente o que você insinuava. —Zanita soltava faíscas.

—Sim, tive que fazer isso. Não queremos que suspeite de nós. É menos provável que o faça, se pensar que não podemos tirar as mãos de cima um do outro. — Sorriu com bastante lentidão—. E é verdade, não?

Zanita ruborizou.

—Isso não importa. Quero um pouco de ponche; os camarões me deram sede.

—Toma, bebe Coca-cola. —Abriu uma garrafa, e lhe serviu um pouco—. Só por precaução. Acredito que não deveríamos comer ou beber nada que não esteja em sua vasilha original ou fechada hermeticamente.

Zanita quase se engasga com a Coca-cola.

—Acredita que ele poderia nos drogar?

—Não muito; mas não custa nada sermos precavidos.

A voz do LaLeche interrompeu sua conversação em voz baixa.

—Por que não nos sentamos todos em um círculo diante do fogo? Doutor Evans, sente-se aqui. — Ele apontou para um lugar dois espaços além dele. — E Zanita pode sentar-se entre nós dois, aqui.

Sentaram-se em seus lugares no chão. Tyber não parecia contente que Zanita se sentasse perto de LaLeche.

—John, pode baixar a luz dos abajures de querosene? Bem. Agora, vamos dar as mãos. Primeiro, por que não nos apresentamos seguindo o círculo? Xavier.

—Kim - disse a mulher de seu lado.

Zanita se deu conta de que esta não tinha tirado os olhos de cima do Tyber. Às escondidas, olhou de novo em direção a ele, e notou as linhas sensuais, masculinas de seu perfil riscadas à luz cintilante. Prendeu o cabelo para trás antes de deixarem o quarto do hotel, a primeira lembrança que veio a sua mente foi a primeira vez que o viu e o efeito que provocou nela. Que ainda provocava. Que provavelmente lhe provocaria sempre. A contra gosto reconheceu que estava muito bonito inclusive à luz do fogo. Especialmente à luz do fogo.

—John —disse o jovem que se encontrava ao lado da Kim. Olhava Zanita com avidez.

—Elizabeth. —A seguinte era uma mulher pálida de idade com o cabelo cinza.

-Marcie. —Esta mulher parecia completamente agressiva. Zanita se perguntou por que se deu ao trabalho de comparecer.

—Eric. —Falou em voz baixa; parecia muito tímido e retraído.

—Stacy.

—Ralph.

—Bob.

—Tyberius Augustus.

—Está brincando! —riu Kim bobamente.

Tyber lhe sorriu, sacudindo a cabeça. A pressão do lado de Zanita ameaçou quebrar todos os ossos da mão.

—Zanita —disse entre dentes. Por que Tyber sorria a Kim dessa maneira?

—Não estava no seminário na sexta-feira passada? — perguntou John a ela, interrompendo seus pensamentos.

—Sim. Você lembra?Não posso acreditar!

Tyber se limitou a sacudir a cabeça.

—Agora que nos conhecemos, tentemos romper algumas das barreiras psíquicas que nos rodeiam seguindo o círculo de novo; mas desta vez quero que cada um de vocês se dirija a alguém do círculo que já conheça ou que acabou de conhecer, e lhe diga algo que nota ou intui a respeito dele. Por exemplo, sinto certa hostilidade procedente de Marcie. Tenho razão, querida?

—Sim. Acho que ainda estou agitada devido ao meu trabalho. Discuti com minha chefe antes de sair. É uma estúpida. Não consigo superar isso. É surpreendente que tenha percebido isso, Xavier.

Todos coincidiram, maravilhados pelo dom do LaLeche,

O dedo do Tyber fez cócegas na parte inferior da mão da Zanita. Ela tratou de conter o sorriso.

—Deve superar isso, Marcie. Afinal de contas, uma das razões pelas quais você está aqui este fim de semana é para liberar suas ansiedades. Para liberar o corpo astral, tem que estar em paz, equilibrada. Kim continue você.

Kim não perdeu tempo. Olhou diretamente para o Tyber e disse:

—É um homem muito atraente. Eu me perguntava se você é tão bonito por dentro quanto por fora.

Por alguma razão, Zanita odiou essa mulher. Intensamente.

Tyber olhou a Kim sem pestanejar.

—Obrigado; não sei o que dizer. Não estou acostumado a este tipo de elogios.

Um bufo de incredulidade proveio de sua esquerda.

—Você foi sincera, Kim. —LaLeche parecia satisfeitoo — John?

—Sim, eu, né, eu gosto dos olhos da Zanita; têm um ar compassivo. São realmente bonitos. Olhos violeta. Me faz pensar que posso me abrir para ela.

De repente, Zanita se sentiu incômoda. Esse camarada falava sério? Tyber fez sinal com a mão, encorajando-a a responder.

—É...bem, muito amável de sua parte, John.

E assim continuou ao redor do círculo. Zanita se deu conta de que LaLeche tratava de lhes fazer sentir confortáveis com eles mesmos e com ele. Quanto antes caíssem as barreiras, antes teriam bons sentimentos em relação ao seu líder. Sem dúvida, LaLeche esperava que esses sentimentos maravilhosos se traduzissem em suculentos donativos.

O ciclo chegou até o Tyber.

—Eu gostaria de lhe dizer a Zanita que seu... —fez uma pausa, sorrindo de forma infantil— que sua camisa está mal abotoada.

A cabeça da Zanita se virou de repente para ele, com os olhos totalmente abertos, antes de olhar para baixo. É obvio os terceiro e quarto botões não estavam alinhados.

—Como você fez isso, amor?

Zanita fechou os olhos com uma profunda vergonha. Sabia perfeitamente como: ele tinha abotoado sua camisa!

Começou a soltar a mão do LaLeche para arrumá-la quando este disse:

—Ah, não! Não faça isso: não pode romper o círculo agora. Não tem importância; pode arrumá-la depois. Quem sabe? Em um par de horas, possivelmente não se importe absolutamente.

Tyber se moveu para frente e lançou a LaLeche um olhar glacial. Felizmente, ele o ignorou.

Kim sorriu de forma sedutora para Tyber.

—Talvez todos nós tiremos as camisas, para não ter que nos preocupar com os botões.

—Uma grande ideia. —John piscou.

Zanita tragou saliva. Tyber tinha razão. Essa gente estava desejando liberar todas suas inibições.

—Tyber? —Sua voz chiou só para ele.

Ele se inclinou para ela, como se lhe acariciasse a nuca carinhosamente.

—Não se preocupe,querida. Não começarão a ficar brincalhões até dentro de um par de horas. Até lá terei colocado você a salvo daqui - lhe sussurrou.

Não foi muito mais tarde quando Tyber saiu para a caminhonete e retornou com uma manta. Colocou a Zanita diante dele, entre suas coxas, e a envolveu na manta.

—Está começando a fazer frio, e você acaba de se recuperar da gripe. Não tem sentido arriscar-se.

Zanita pensou que era incrivelmente doce.

LaLeche fez vários exercícios mais que envolviam técnicas de respiração profunda e meditação antes de retornar ao tema da cura.

—Devemos alinhar nossos campos de energia. Estou certo de que nosso amigo, o doutor Evans, está de acordo com isto, ao menos em princípio.

Tyber surpreendeu a Zanita ao responder:

—Estou de acordo. Em princípio, pelo menos.

Estreitou os braços ao redor dela sob a manta. Pela abertura superior só saía a cabeça da Zanita, debaixo do queixo do Tyber. Ela se sentia bem e quente graças ao calor corporal dele.

—Sempre acreditei que deve haver ordem no interior do corpo do mesmo modo que no universo - LaLeche se dirigia ao grupo em geral, embora seus comentários fossem diretos para Tyber— para que se produza um fluxo de energia homogêneo e constante.

—Hummm, sim... mas o universo não é tão ordenado como talvez acredite.

—Como, Tyber? Sempre acreditei que o universo é um lugar cada vez mais estruturado - disse John.

—Se esquece de uma cosita chamada entropia. —Descansou seu queixo sobre a cabeça da Zanita.

—Entropia? O que é isso, um novo tipo de meditação? —perguntou Kim.

Zanita podia ver o sorriso do Tyber contra seu cabelo.

—Não, Kim. A entropia é a medida, ou como dizemos os cientistas, a propriedade, da desordem. Temo que, ao contrário do que pensa, John, a desordem é a ordem natural das coisas no universo.

Marcie zombou.

—Não acredito!

Tyber encolheu os ombros.

—Segunda Lei da Termodinâmica.

—Espera um segundo, a energia não é sempre, a mesma? Quero dizer que não se pode criar mais energia, só trocar de uma forma a outra.

—Está falando da conservação da energia. Sim, a energia sempre se conserva; em outras palavras, não se pode conseguir de um sistema mais do que se introduz nele. A entropia é algo diferente. Com a entropia, consegue-se mais daquilo com o que começou. Todos sabem que há muito mais formas de se danificar algo, do que consertá-lo. A desordem aumenta de forma contínua, porque há muito mais possibilidades de que se produza desordem que a ordem. Zanita é um exemplo perfeito deste princípio.

Ela encurvou os ombros.

—O quê?

Todos riram.

Exceto Zanita, que lhe beliscou na coxa sob a manta. Tyber apanhou sua mão rebelde, segurando-a pelo pulso. Olhou Zanita com carinho.

—Como entrar na classe errada em lugar da correta. E tem mais, o processo é irreversível. Receio que a viagem à desordem é, infelizmente, de ida, e o bilhete, não reembolsável.

Várias pessoas riram, mas Zanita soltava faíscas e se virou inutilmente sob a manta.

—Mas então a energia não se conserva. —Marcie desfrutou o brilhantismo de sua afirmação.

—Sim, o faz. —Tyber dominou com valentia a crítica por parte da Zanita enquanto continuou — A energia utilizável, não. Feynman, um grande físico, gostava de dizer que a energia nunca se perde, mas sim a oportunidade. Por exemplo, uma vez que se dispara um canhão, sua energia utilizável ou potencial se perde.

—Como com o sexo - sussurrou Kim.

Tyber pigarreou.

— Então, você está dizendo que o universo está se tornando mais desorganizado?—John retornou a sua afirmação inicial.—Então, como explica a aparição de galáxias, estrelas e planetas além do Big Bang inicial? Pra mim, parece um crescimento da ordem, mais que da desordem.

—Parece um paradoxo, não? —Tyber sorriu—. A resposta é que tem que pagar pela ordem, ou a estrutura, com energia.

—Como se faz isso? —perguntou Eric timidamente.

—Se faz de maneira civilizada. —Brincou Tyber.—Pegando emprestado.

—Como um cartão de Crédito? —inquiriu Kim.

—De certo modo. A menos que você peça de outra parte do universo. John coçou a cabeça.

— Mas no final, você não poderia pedir mais, e eu deveria saber: eu tenho quebrado mais cartões de crédito do que gostaria de lembrar.

— Não inteiramente. — disse Tyber— é um poço sem fundo a partir do qual a empresta, uma vez que o aumento da entropia simplesmente desaparece no infinito. A dívida se estende para sempre através da imensidão do espaço.

         —Soa como razões para os gastos governamentais - resmungou Zanita dentro da manta. Embora Tyber a ouvisse, porque se inclinou para lhe mordiscar a nuca.

—Muito estranho. —Kim piscou ao John.

Zanita tinha estado muito atenta a LaLeche durante a discussão; deu-se conta de que parecia se interessar muito na maneira em que o grupo respondia às palavras do Tyber. Estava segura de que Tyber também tinha notado.

LaLeche bebia seu ponche, contemplando Tyber por cima da borda de seu copo de plástico.

—Então, doutor Evans, como relacionaria isto com os campos de energia do corpo? Estamos condenados a nos desmoronar na desordem? Ou, em sua opinião, há esperança para os métodos de cura?

—Em última instância, estamos condenados à desordem, ou a morte; mas não tem sentido sermos mórbidos. Sua pergunta é muito interessante, Xavier, já que a exceção evidente à entropia, é a vida. A vida é a ordem suprema. Na realidade, a vida constitui uma luta constante com a Segunda Lei Termodinâmica. E freqüentemente vence a vida. Curioso, não?

—Não para um místico - LaLeche respondeu sagaz — A energia é a essência da vida.

—Sim, e se requer uma enorme quantidade de energia para criar uma nova vida. —Tyber baixou a vista à cabeça da Zanita — Suponho que isso é o que faz a existência da vida tão valiosa.

Zanita se virou para olhá-lo e os olhos de ambos se encontraram em um momento de pura compreensão.

—E a cura tem um lugar em tudo isto? —LaLeche sorriu.

—Eu acredito que sim. —replicou Tyber. Embora não seu tipo de cura.

—Excelente! —LaLeche se esfregou as mãos. — Foi uma noite realmente instrutiva.

Todo mundo concordou. Zanita pessoalmente pensou que era Tyber quem tinha sido instrutivo.

—Mas ainda falta muito para que termine. —Kim esticou as pernas—. O que queria dizer da energia e o sexo e tudo, Tyber?

Uma covinha surgiu na bochecha deste.

—Bem ...—Zanita lhe deu uma cotovelada na barriga. —Oh. Eh, está ficando um pouco tarde. Zanita e eu realmente temos que ir ...

—Vão? —Kim fez uma careta.

—Sim —Zanita respondeu por ambos — Estamos de visita em casa de uns amigos e de verdade temos que retornar. — Dirigiu a Kim um olhar glacial. — Sinto muito.

—Voltaremos amanhã - acrescentou Tyber amavelmente. Zanita lhe lançou um olhar indignado.

John ficou em pé com eles.

—Que lástima que tenham que ir. Zanita, possivelmente amanhã, nós dois possamos dar um passeio pelo bosque. Eu gostaria de mostrar-lhe um lugar perfeito para a meditação que encontrei esta tarde.

—Nós veremos —respondeu Tyber, agarrando a Zanita pelos ombros.

LaLeche os acompanhou até a porta, desfazendo-se em cuidados com eles.

—Me alegro muitíssimo de que os dois tenham vindo. Reataremos as sessões amanhã por volta das duas. Até lá.

Assim que estavam na caminhonete a caminho do hotel, Tyber proclamou suas regras:

—Amanhã não vai dar passeio nenhum com ele pelo bosque.

Zanita o olhou, surpresa com sua atitude. Na cabana, tinha parecido despreocupado quando John o sugeriu.

—E se possuir alguma informação para o artigo...?

—Não.

Zanita suspirou. Aí estava de novo nessa veia pirata.

—Tyber, você fica muito pouco razoável quando quer.

Ele demorou a reagir.

—O que quer dizer?

— Quero dizer que, há momentos em que você se mostra excessivamente razoável, em outras vezes, razoavelmente razoável, mas agora que você está exageradamente irracional.

Tyber disse algo entre dentes que supostamente se parecia com «condenados à desordem» e que ele era uma «vítima da entropia».

 

A luz da lua se filtrava sobre a cama através das cortinas fechadas. Tyber se inclinou sobre Zanita, deixando que a ponta de seu dedo riscasse a linha de pequenas cintas e laços de sua camisola de fino algodão. Suspirou.

—O que está acontecendo? —perguntou a Zanita.

—O que quer dizer?

—Por mais que considere que esta camisola é bonita e sexy e absolutamente irresistível, tenho que me perguntar por que a colocou.

—Não seja ridículo. —E lhe afastou a mão.

Tyber arqueou as sobrancelhas.

—É por algo que eu disse? —Ela permaneceu muda. —Ah. Algo que eu fiz.

Zanita virou o rosto para a janela. Ele o voltou de novo.

—O que eu fiz querida? —Sua boca aberta acariciou docemente a linha de seu queixo. Ela ficou tensa debaixo dele.

—Sabe perfeitamente o que você fez!

As comissuras dos lábios do Tyber se curvaram ligeiramente.

—Por que não me refresca a memória?

Ela o empurrou pelo peitoral, afastando-o.

—Tinha que sorrir desse modo?

Tyber a contemplou atentamente, cautelosamente perplexo.

—Perdão...

—Isso, deveria me pedir perdão.

—Do que está falando?

—Como se não soubesse!

Tyber elevou a vista ao teto e contou até dez.

—Comecemos de novo, pode ser?

Ela elevou o queixo e espetou:

—Você gostaria, não é?

—Não.

Zanita deu um grito afogado de horror.

—Sim!

Está vez lhe lançou o travesseiro.

—Quero dizer... —Tyber levantou as mãos suplicantes. —Não sei? Maldita seja, o que se supõe que devo responder?

—Esperto como você é, logo descobrirá. —E lhe virou as costas.

Tyber a agarrou pelo braço para lhe dar a volta.

—O que foi?

O olhou fixamente.

—Tenho que soletrar isso para você?

—Eu agradeceria.

—Está certo. —Ela se preparou para sentar e cruzou os braços à altura dos seios, empurrando, sem ser consciente disso, seus seios para cima contra o decote pronunciado da camisola.

Os olhos do Tyber se foram para esses seios e permaneceram neles um segundo mais do necessário.

—Estou escutando.

—Não quero falar com sua cabeça. Isto é exatamente do que falo!

Os olhos do Tyber se fundiram nos dela.

—Me alegro de que um dos dois saiba o que é.

—Esse olhar!

—Que olhar?

—O que acaba de lançar aos meus... peitos.

Tyber franziu o cenho.

—Você não gosta que olhe?

—Não seja ridículo!

Tyber se esfregou a orelha.

—Isso significa não seja ridículo, sim você gosta que olhe, ou não seja ridículo, você não gosta que olhe?

—Está sendo obtuso de propósito?

Tyber deixou escapar uma sonora gargalhada. Zanita permaneceu incólume.

—Porque se for assim, não lhe agradeço isso. —Elevou o nariz no ar.

Ele a agarrou dos ombros.

—Amor... —respirou fundo e prosseguiu com valentia. - Você gosta que eu olhe?

—É claro que eu gosto!

—Bem. —Tyber assentiu—. Então não há problema. —inclinou-se para frente disposto a pôr sua boca de maneira criativa sobre esses lábios carnudos e sedutores.

—Não estava falando de mim - disse, espaçando as palavras com enorme precisão.

Tyber ficou gelado ante a mudança de velocidade. Isso indicava claros problemas. Levantou as pestanas lentamente para olhá-la nos olhos.

—Você está preocupada com o que, amor?

Ela estreitou os olhos até que as únicas coisas visíveis eram duas pequenas frestas de cor violeta. Soltou-a, e se recostou. Conhecia esse olhar: o deixava louco. Embora continuasse sem ter nem idéia do que estava acontecendo, mas bom, essa era sua Zanita.

Em um cálculo rápido e esclarecedor, Tyber decidiu que sua melhor oportunidade de sobreviver estava em limitar-se a não fazer nada. De modo que, pacientemente, esperou que ela lançasse a seguinte enxurrada. Não teve que esperar muito. Uma palavra breve e funesta fendeu o ar.

—Kim.

Sua atenção se desviou do teto de mármore intrincado até a Zanita, deitada junto a ele.

—O que acontece com ela?

—Não seja evasivo.

—Evasivo? —engasgou-se — Não tenho nem idéia do que está falando.

—Você a olhou. —disse com uma careta do lábio inferior.

Estava começando a amanhecer. Os olhos azuis do Tyber brilharam com compreensão. Tyber se esforçou por fazer de seu tom de voz uma combinação entre a surpresa e um pingo de horror.

—Eu fiz isso?

—Sim! E também sorriu para ela.

—Eu não fiz isso! —Tyber tratou de não sorrir ao responder de forma agitada.

Ela assentiu energicamente.

—E com seu sorriso sexy.

—Ai, querida, sinto muito. —Tyber a rodeou com seus braços — Não percebi que fazia isto. —Essa era a verdade. Nem sequer podia recordar o aspecto da Kim.

—Não... não percebeu? —Olhou-o com seriedade, lhe tocando a fibra sensível.

—Claro que não. —Esfregou os lábios com os dela várias vezes — Por que eu daria a ela...? Como você disse? Meu sorriso sexy? Quando é a única a que quero provocar? Ou evocar?

Aliviada, Zanita se aconchegou contra ele, lhe rodeando o pescoço com os braços.

—Não importa Doc; na realidade não tem importância. —Agora que estava calma Zanita achou sábio acabar com esse assunto imediatamente. Se não antes.

Tyber não deixou que ela se desviasse tão facilmente. Seus olhos azuis a olhavam resplandecentes, a diversão estava evidente em suas profundidades cristalinas.

—Sabe, Zanita? Até parece que você está com ciúmes.

Ela ficou tensa entre seus braços imediatamente.

—Não seja tolo.

—Quase se poderia dizer que parece... — deteve-se para tremer ligeiramente— uma esposa. —Então riu profundamente, esfregando seu nariz de forma sedutora contra o dela.

—Não é verdade!

—Não? —Sua boca aberta deslizou possesivamente pela garganta dela, detendo-se em metade do caminho para sugar um ponto especialmente apetecível — Se parece com uma esposa e age como uma esposa... —Mordeu repentinamente a curva de seu seio.

—Tyber! —Golpeou-lhe detrás da cabeça com o travesseiro.

Sem alterar-se, aconchegou-se entre seus seios, rindo em voz baixa contra o coração da Zanita.

—Então, tem que ser uma...

—Nem pense nisso.

Tyber se levantou para olhá-la. De um lado da bochecha lhe desenhou a linha de um sorriso ao tempo que elevava uma sobrancelha imperiosa.

—Falei para você da ressonância?

Zanita grunhiu. Tyber parecia resolvido a dar uma de suas lições «especiais».

Quando se inclinou para ela, seu sussurro sedutor ressonou provocador entre as paredes de mármore.

—Deixe-me explicá-la sobre pares e harmonia e vibração sincrônica...

 

—Levanta a perna e sobe. Não vai morder querida!

Zanita olhou a moto com receio.

—Não sei o que dizer Tyber, não me inspira muita confiança digamos assim.

—Não é feita para inspirar confiança, não deixa de ser uma Harley. Venha, suba.

—Não estou muito convencida. E se pegarmos a caminhonete em vez de...? Ai!

Tyber tinha chegado ao máximo de sua paciência. A pegou por um braço levantou e a subiu na moto.

Com um breve - Segure-se com força! - resmungado por cima do ombro, pôs em marcha a moto e pegou o caminho conduzia da mansão até a estrada principal, dirigiram-se a pequena cidade de que tanto lhes falara aquela manhã o dono do hotel.

—Acho que eu não gosto disto! —Zanita afundou a cabeça em suas costas e se abraçou com força a sua cintura.

—Se abrir os olhos, talvez aprecie mais a vista, Cachinhos.

Tyber lhe lançou um olhar jocoso.

—Na verdade, você está perdendo uma bonita paisagem. Olhe! Agora vamos contornar uma lagoa.

Zanita não estava segura de querer admirar a paisagem que desfilava a sua frente sem antes poder contar com um anteparo de aço. Não obstante, abriu os olhos, estavam se aproximando de uma pequena lagoa que ficava à direita da estrada. Deixaram atrás uns gansos que brincavam de correr e emitiam grasnidos. Era um quadro idílico de outono da Nova Inglaterra. Zanita foi soltando Tyber.

—É muito diferente quando está na garupa de uma moto.Não é? —gritou-lhe Tyber.

Zanita observou o movimento de suas costas para adivinhar se ia acelerar de novo, seus dedos brincavam sobre o estômago firme e musculoso. Tyber não reagiu, mas ela percebeu de relance um leve sorriso no retrovisor, viu refletidos sua branca dentadura e a covinha na bochecha desenhada por seu sorriso.

A paisagem foi se tornando cada vez mais bonita conforme foram ganhando velocidade por uma estrada que parecia um manto de folhas avermelhadas e douradas. O ar fresco era revigorante tão cedo pela manhã. Justo quando Zanita começava a pensar que poderia acostumar-se a dar uma volta de moto de vez em quando, Tyber ficou ziguezagueando com o veículo com o único propósito de atormentá-la. Deu-lhe uns tapinhas na cabeça para lhe dar a entender o quanto estava achando engraçada a brincadeira. Ouviu uma gargalhada que se desvaneceu no ar. Tyber diminuiu a velocidade.

Era uma pequena cidade típica da Nova Inglaterra. A maioria de suas casas tinha alpendres. No centro da cidade havia uma única rua principal com pequenas lojas não isentas de interesse, cujo comércio dependia provavelmente dos turistas da estação de esqui. Felizmente, nessa época do ano, não havia visitantes.

—O que quer fazer, tomar o café da manhã ou dar uma volta? —perguntou Tyber enquanto a ajudava a tirar o capacete. Tinham decidido não tomar o café da manhã antes de sair para poder provar a cozinha de algum dos restaurantes locais.

—Visitar o lugar me parece uma boa idéia. Posso esperar até a hora do almoço para comer. Você o que acha? —perguntou Zanita ao mesmo tempo em que sua vista percorria com avidez as vitrines.

A voz da mulher se apagou ao entrar na primeira loja.

—Vamos dar uma olhada. Olhe isto!

Tyber sorriu com indulgência e a seguiu. Umas estatuazinhas de cristal com dragões alados que estavam penduradas em frente à vitrine tilintaram quando entraram na loja.

—Que bonito! —exclamou Zanita agarrando um bonequinho gorducho e com ar travesso.

Tyber se fixou em um dragão de olhar ardiloso.

—Eu prefiro este.

Zanita observou o boneco que ele escolheu, a única coisa que faltava ao dragão era um emplastro no olho e uma espada.

—Onde vai pendurar?

—Em cima da cama.

Tyber piscou o olho. Zanita lhe fez um gesto de advertência.

—Sei que acabarei me arrependendo, mas... – Largou o dragão.

—Para mim? É o paraíso. - Passou o braço pelos ombros de Zanita, ela sentiu um calafrio. Ele se abaixou para lhe beijar a ponta do nariz.

—Me permita que corresponda com o mesmo gesto - declarou uma vez que abria o braço para agarrar o dragão com ar de idiota.

—Não, Tyber - protestou ela— Já gastou muito dinheiro este fim de semana.

Tyber agarrou o boneco e o pôs na frente dela.

—Olhe que carinha tem, não vai deixá-lo desamparado, vai?

Zanita franziu o cenho. Tyber sabia exatamente que fibra tinha que tocar. Deu a volta ao boneco.

—Já disse boneco, que não tem por que preocupar-se. É um pedaço de pão.

Depois de ter acabado as compras, deixaram a loja. Tyber lhe perguntou onde ia pendurar o dragão.

—Acredito que na janela da cozinha.

—O lugar ideal, Blooey vai ficar em encantado.

Zanita o olhou de soslaio, referia-se a sua própria cozinha e não a dele. Talvez não tenha percebido o que acabava de dizer, depois de tudo, estaria em sua casa só por um tempo, até que resolvessem o caso do LaLeche. Encolheu os ombros e passou por cima do comentário. Entretanto, mais tarde voltou a recordá-lo quando ele insistiu em lhe dar de presente um xale, tratava-se de um lenço fora de moda de agulha de crochê violeta com bolinhas rosa.

—Na sala de estar pode fazer muito frio no inverno - explicou Tyber— Inclusive com a lareira acesa. Apesar das reformas, a casa tem mais de cem anos. E por muito que eu o deseje, não posso estar abraçando você todo o tempo, Cachinhos.

Agora, ela não iria perder a oportunidade.

—Tyber - começou apertando a mandíbula— vamos esclarecer uma coisa: não é meu namorado.

—Por acaso não está gostando do que há entre nós? —parecia irritado.

—Sim. É bonito, mas não estou...

—É perfeito para você. Já imagino você com ele, encolhida na poltrona em frente à lareira lendo seu livro favorito enquanto Foiegras esquenta os seus pés.

Zanita apertou os punhos.

—Não me sinto nada identificada com esta imagem digna de “mulherzinhas”, além disso, não acredito que isto entre nós dure muito tempo.

—Talvez tenha razão, mas não é motivo para que congele em casa.

Parecia atordoada. Já voltava para a carga: estava confusa com seus comentários incisivos.

—Mas o que tem isso que ver com...? Por que teria que...? Não é...

Olhou-a com as pálpebras meio fechadas.

—Claro que tem a ver, é isso mesmo e sim é assim.

Zanita ficou sem fala.

—Agora me agradeça pelo presente e entremos nesta fascinante e incompreensível galeria de arte.

Antes que pudesse lhe ocorrer uma resposta, já a tinha feito entrar na loja. À hora do almoço, estavam exaustos de tantas compras.

Tyber tinha comprado duas garrafas de xarope de arce para Blooey e um pedaço de queijo de Vermont para Foiegras. Quando o dono da loja de comida se inteirou de que estavam de moto, ofereceu-se para levar as garrafas depois do trabalho, quando estivesse a caminho de casa.

O Hungry Kitten provou ser um restaurante dos mais elegantes. Zanita amaldiçoou em todos os idiomas ao ver-se obrigada a entrar naquele refinado local de jeans e com botas. Tyber a agarrou pela mão e a arrastou quase à força até a mesa, enfeitada com um jarro de cristal Limoges.

—Não parece demais para um simples almoço? Voltou-se para observar os outros clientes, vestiram-se para a ocasião e falavam entre murmúrios.

—Aproveita enquanto podemos. Não acredito que esta noite possamos jantar no hotel. Não estranharia que LaLeche dê por certo que vamos ficar todo o dia e parte da noite. E se minha memória não falha, sua hospitalidade não ultrapassou a um lanche frugal que nos brindou ontem à noite.

—Compreendo - respondeu Zanita abrindo com vontade o cardápio - ficou boquiaberta.

—Viu os preços? —perguntou.

—Zanita, por favor - falou Tyber, cortante.

—Queria convidá-lo para almoçar. Mas não posso pagar isto, Tyber.

Elevou a vista e cravou nele seus olhos violetas. Tyber pôs o cardápio sobre a mesa e cobriu a mão de Zanita com a sua.

—É muito atencioso de sua parte querer me convidar para almoçar, mas não é nenhuma obrigação. Não há motivo nenhum para preocupar-se neste fim de semana e não apreciá-lo completamente.

—Mas Tyber...

Seus olhos a fitaram sem piedade.

—Não fique mal humorado.

Voltou a agarrar o cardápio.

—Vejamos o que tem por aqui que pareça saboroso. O que me diz de uma torta de lagosta?

Enquanto Zanita lia o cardápio, Tyber a observou com ar pensativo. Ela não tinha nem idéia de como ele era rico, sentia-se oprimida com o que ele considerava um almoço simples, por mais elegante que fosse.

Quando jornalista pediu uma entrevista, ela soube que ele possuía centenas de patentes. Sem esquecer os ganhos substanciais que recebia por suas aulas e os livros que tinha publicado. Sem perceber Zanita tinha relegado essa informação ao lugar mais profundo de sua consciência e optou por vê-lo como um físico excêntrico embora muito atraente.

E ele sabia porque.

Enquanto pudesse vê-lo dessa forma, não seria nenhuma ameaça. Zanita sabia que expor uma relação com ele seria um perigo para ela. Por um lado lhe convinha ser uma espécie de ameaça para ela. Era uma espécie de confirmação de que conseguia sacudir o mundo seguro em que ela se escondia. Por outro lado, do que serve ter algo nesta vida se não se pode desfrutar disso plenamente? Tyber não estava disposto a permitir que o medo de compromisso tingisse de negro o tempo que compartilhavam. Não tinha nada que ver com dinheiro, mas com sua filosofia de vida.

Ele era um homem pouco convencional que desejava desfrutar de todas as coisas belas que a vida podia oferecer. Desde viajar na primeira classe no Orient Express ou deleitar-se em frente a uma obra de arte, até extasiar-se ante a beleza de um descobrimento, tratava-se de gozar das coisas boas deste mundo, tratava-se de sentir-se vivo.

E desejava compartilhar todas estas experiências com Zanita. Agora e no futuro.

Devido a seu passado, ela não tinha podido desfrutar destas coisas que ele conhecia e ele estava disposto a mudar isto. Tyber sabia que Zanita tinha capacidade de mudar essa atitude e também o entusiasmo necessário.

Para reafirmar sua vontade, pediu um vinho frio para acompanhar o prato principal.

—A torta de lagosta me parece uma ótima escolha-murmurou Zanita sem atrever-se a tirar a cabeça do cardápio.

Vinte e oito dólares e cinqüenta centavos por uma torta de lagosta. Tomou um gole de água de sua taça de cristal. Para almoçar. Tyber tinha que pôr os pés no chão.

Levava uma vida solitária, vivia enclausurado entre as paredes de sua mansão, com a cabeça absorta em temas misteriosos. O pobre e doce infeliz não tinha nem idéia.

Bom. Agora que estava com ela, abriria os seus olhos à realidade e faria que desse as costas, de qualquer maneira a sua outra realidade, a do físico excêntrico, mais de cem dólares por um almoço! Não era de estranhar que o fenômeno da entropia se foi espalhando. O próprio descobridor o trouxe para a vanguarda.

O garçom trouxe uns pães e o vinho. Jogou um pouco de vinho na taça do Tyber para que o provasse. Deu sua aprovação. Depois de lhes haver servido o vinho, retirou-se e os deixou distraídos na conversa. Zanita tirou os óculos e se inclinou sobre o encosto.

—Acredita que sobreviveremos a tanto ar puro em um único dia? —perguntou com um sorriso, sentia-se cômoda ao falar de novo de temas que não lhe eram desconhecido.

—Esperemos que assim seja. Lembre-me de levar outra manta para a caminhonete. Certamente esfriará e haverá chuva. Escutei a previsão do tempo e ouvi que ia haver tempestade esta noite. Não quero que volte a adoecer.

Zanita estremeceu apenas com o pensamento. Até que se lembrou de como ele a tinha esquentado na cabine da caminhonete.

—Promete-me que esta noite me esquentará como fez ontem à noite?

Enrugou as comissuras dos lábios.

—Sempre e quando me prometer que não me dará chute nas pernas. Esteve a ponto de me machucar em partes muito delicadas.

—Não seja bobo, bati justamente em cima dos joelhos.

Franziu o cenho com ar condescendente.

—Desculpe dizer-lhe. - ironizou ela.

Devolveu-lhe um sorriso zombador.

—Temos planos para esta noite? Já sabemos o que quer fazer?

O garçom trouxe a comida. Tyber provou a torta de lagosta antes de responder.

—É obvio. Acredito que LaLeche nos torturará com alguns de seus exercícios pelo resto do dia, para que abramos ainda mais os canais de energia. Acredito que alguns de nossos companheiros de seminário já devam ter ficado no clima.

Zanita abriu os olhos e se incorporou.

—Jura? Quem? —deu um gole no vinho sem perceber - Este vinho está delicioso.

Estava mais concentrada nos apimentados detalhes de uma possível troca de casais que no aroma do vinho.

O sorriso do Tyber acentuou suas covinhas nas bochechas. Examinava a Zanita como se esta fosse a solução de uma equação que ele tinha exposto.

—Espere até chegarmos. Estou certo de que esta noite tentará algo, algo que desconheço ainda, para assegurar os substanciais donativos que espera arrecadar este fim de semana.

—Donativos? —Zanita deu um tapinha na testa. Não tinha pensado nisso— Acredita que poderíamos escapar? Parece que estejamos insinuando que no futuro haverá mais dinheiro.

—Duvido. Não tentará ser mais esperto que o Diabo. Não é aí que mora o problema. Não se preocupe por isso. Mas tenho que confessar que estou curioso para saber como vai sair-se desta vez. Afinal de contas, nem o FBI nem as autoridades locais conseguiram nada que o comprometa.

—E acredita que será esta noite? Por que não amanhã?

—Não. Sem dúvida será esta noite. Na escuridão da noite, as pessoas tendem a ficar distraídas e esquecidas.

 

Quando chegaram, ninguém estava disposto a começar a sessão do dia. Zanita não deixou de admirar súbita e estreita relação entre Kim e John. Pelo visto, ao não ter alcançado seu objetivo a noite anterior com ela e com o Tyber,consolaram-se mutuamente. Virou-se para procurar os olhos do Tyber. Teve que fazer esforço para não mostrar a língua quando ele lhe dirigiu um olhar de cumplicidade, dando a entender que aquilo não lhe surpreendia de forma nenhuma.

LaLeche iniciou a sessão. Adotou a expressão de alguém que tem algo solene para falar. Uma vez mais, Tyber estava certo. Guiou-os de um exercício a outro. Conseguiu que derrubassem as barreiras existentes entre eles até que acabaram confessando seus medos e pensamentos mais íntimos. Não era fácil participar da sessão e manter a compostura.

Zanita procurou medir suas respostas a fim de não revelar muito sua intimidade, mas sem deixar de aparentar que estava totalmente envolvida no experimento. Tyber saiu-se melhor que a ela. Não conseguia adivinhar quando era sincero e quando estava fingindo. Em um dado momento, inclinou-se para lhe sussurrar uma indicação.

—Tenha muito cuidado com o que lhe conta. Poderia utilizar contra você a qualquer momento. Não lhe dê armas que possam enfraquecê-la.

—Já pensei nisso. Tentarei ser mais precavida. É verdade que leu esse livro quando tinha três anos?

Tyber a olhou e decidiu não responder. Era uma das coisas que a enfeitiçavam e ao mesmo tempo lhe exasperava. E ele sabia até onde podia ir com ela. Zanita encolheu os ombros em um gesto de desdém sem reparar no brilho de brincadeira que havia nos olhos de Tyber.

—Agora, eu gostaria que formássemos um círculo. LaLeche sentou de pernas cruzadas no centro do círculo. Estava anoitecendo, começou a soprar um ar fresco.

LaLeche pediu ao Eric e ao Ralph que fechassem as janelas com mantas para que não entrasse na cabana o que restava da tênue luz solar. Vá, maravilhou-se Zanita. Tyber também havia dito que ele utilizaria esta tática. Parecia que LaLeche queria que se sentissem tão desinibidos como antes.

Quando todos estavam preparados, LaLeche colocou um toca-fitas no aparelho de música. O canto dos pássaros e o murmúrio da água preponderavam em uma música de meditação pouco melódica. Zanita relaxou até cair em um torpor. Tyber lhe deu uma leve cotovelada.

—Nada de dormir no trabalho! —sussurrou-lhe ao ouvido.

—Juntemos as palmas das mãos. Convido-lhes a fazer uma meditação. Agora eu gostaria que todos respirassem como lhes ensinei a fazê-lo esta manhã. Agarrem ar pelo estômago. Aí se encontra nosso centro de energia. Agarrem ar. Retenham-no. Soltem o ar. Outra vez. Fechem os olhos e relaxem todos e cada um dos músculos do corpo. Percorram o corpo da cabeça até os dedos do pé. Tomem o tempo que necessitem. Relaxem-se.

O tom profundo e pausado do LaLeche sortiu o efeito desejado, especialmente em Zanita, que se deitou sobre Tyber. Ele aproveitou para abraça-lhe e dar-lhe um beijo no pescoço.

—Imaginem que estão em um lugar onde reina a paz e a tranqüilidade. Visualizam-no? Estão em um jardim. É um lugar formoso e ensolarado não há lugar para as preocupações nem as angústias. Escutem o canto dos pássaros, o som das ondas que rompem contra as rochas. Estão deitados sobre um manto de erva fresca. Deixem que a quietude deste santuário lhes invada e os transportem a um lugar de paz e alegria...

O guia deixou que a música os embalasse durante um bom tempo.

—Enquanto vão entrando neste universo de harmonia, aparece em frente de vocês um espelho. A moldura do espelho foi esculpida a mão em forma de folhas de videira emaranhadas. Ao contemplarem-se nele, dão-se conta de que se trata de um espelho muito especial já que não reflete sua imagem a não ser seus desejos. Aquilo que desejam fazer. Aquilo que se dispõem a fazer.

Zanita deixou sua mente seguir suas visões, de repente sentiu que um dedo comprido a acariciava brandamente entre o dedo indicador e o dedo do meio. Tyber lhe estava transmitindo os desejos que via refletidos no espelho. Com cada carícia Zanita foi ficando menos tensa, o reflexo que a mulher via no espelho ia transformando-se. Via-os ambos nus, com os corpos entrelaçados, fazendo o amor lenta e apaixonadamente sobre a ondeante erva da pradaria. A respiração ficou presa na garganta. Ao observar a reação da Zanita, o dedo de Tyber começou a desenhar suaves círculos na palma da mão, criou-se um vínculo na escuridão que ia além da mera cumplicidade.

—Ao enfrentarem seus desejos mais íntimos, afugentem seus medos e se preparem para receber seu eu secreto. Se permitam ser livres! Percorram os meandros ocultos da alma que constituem sua identidade. Não temam compartilhá-lo com outros... vamos compartilhar estas experiências. Doutor Evans, está explorando novos lugares?

—Ahn... sim.

Nesse momento seu dedo se deslizou da palma da mão da Zanita até a parte interna do braço. A jornalista tentou cruzar seus dedos com os do Tyber para pôr fim a esse perigoso jogo, mas ele conseguiu evitar seu movimento e se viu as voltas com uma carícia suave e cheia de sensualidade.

—Muito bem! O que está descobrindo?

—Estou fazendo espeleología.

Zanita quase engasgou. O menino que se escondia no interior de Tyber era um perfeito diabinho. Agarrou-lhe a mão e puxou-a. Com força.

—Está entrando em uma caverna. Profunda. Está vivendo uma experiência de grande espiritualidade, Tyber, está despojando-se de tudo aquilo que o protege e está deixando aflorar seu verdadeiro eu. Acredito que se encontra na borda de um precipício.

—Sinceramente assim espero - respondeu com sinceridade.

Zanita teve vontade de bater nele.

—Vamos um pouco mais à frente. Não sente medo, não é verdade?

—Não.

—Bem. O que vê? Gostaria decontar-nos?

—Estou em um túnel. Um túnel muito comprido.

Zanita não acreditava no que estava ouvindo. Pronunciou seu nome entre dentes e prendeu a respiração. Soube que ele a ouvia porque lhe agarrou a mão e a colocou sobre a coxa dura como uma pedra. Bem, pelo menos esperava que fosse a sua coxa.

—O que pode nos dizer do túnel? Há luz?

—Não há luz... mas parece que esta gotejando... umidade. As paredes estão quase molhadas.

—A água é um símbolo místico.

—O certo é que parece mais espessa que a água, Xavier, mais viscoso, é uma espécie de xarope.

—Hum. E essa substância lhe dá asco?

—Ao contrário, acho muito agradável.

Zanita se aproximou do seu ouvido.

—Pare agora! Vai ler em seu interior como em um livro aberto.

Sua única resposta foi girar a cabeça para lhe morder brandamente o lábio inferior antes de liberá-la de seu abraço muito suavemente.

—Muito bem. Que mais pode nos dizer? Faz frio?

—Não, o ambiente é quente. Quase poderia dizer que faz calor. Agora vejo que faz tanto calor que as paredes começam a vibrar.

— Sente calor?

— Sim. Embora não muito. Sinto-me bem.

—O que acontece quando caminha pelo túnel?

—Entro cada vez mais nele. Sinto que o final está muito perto.

—Caminha mais depressa?

—Não, diminuo a velocidade.

—Não quer abandonar a caverna.

—Poderíamos dizer que sim.

—De modo que se sente bem dentro da caverna.

—Sim, gostaria de permanecer nela para sempre.

Zanita não pôde evitar dar-lhe um beliscão. Quando ele lutou, Zanita se perguntou de novo se era a coxa o que tinha roçado antes.

—Mas sabe que não pode parar o processo, que deve continuar seu caminho.

Tyber respondeu com um suspiro.

—Suponho que sim.

—Onde se encontra agora?

Parecia que era o próprio LaLeche que estava visualizando as imagens. Se Zanita não soubesse que aquele homem era um autêntico animal, teria acreditado em cada uma de suas palavras.

—De repente, me vejo dentro de um feixe de luz. É um remanso de paz. Sinto-me vazio e ao mesmo tempo transbordante de energia. Sinto-me bem. Inclinou-se para LaLeche.

—Quero dizer que me sinto realmente bem.

Apesar da escuridão, Zanita pôde perceber o sorriso complacente do LaLeche.

—Sei exatamente como se sente, sente-se como novo.

—Isso. Sinto-me como novo.

—Imagina alguma outra coisa em sua vida que lhe provoque essa sensação? Esse sentimento de voltar a nascer? Essa alegria de viver?

Tyber apertou a mão da Zanita.

—Sim.

Zanita voltou a cabeça para ele. Embora estivesse fingindo, o que acabava de dizer era realmente formoso. Não pôde evitar aproximar suas mãos entrelaçadas a seus lábios e beijar o dorso da mão de Tyber. Seus finos dedos estreitaram com força os dela e a encheram de calor.

—Acaba de encontrar uma correspondência entre uma personalidade interna e a identidade que projeta, encontrou algo muito importante, doutor Evans. Como se sente? Abramos todos os olhos.

A primeira coisa que Zanita viu ao abrir os olhos foi à imagem das mãos de ambos entrelaçadas. Sentiu-se bem com a forma em que a mão forte e larga de Tyber protegia com segurança a sua, muito menor. Durante uns instantes, o pânico a embargou. Respirou profundamente e retirou a mão lentamente. Tyber se dirigiu a LaLeche pronunciando cada palavra com intenção.

—Estou muito agradecido, Xavier. E admirado. Jamais pensei que este fim de semana pudesse contribuir com ensinamentos tão grandes. Obrigado por me haver guiado.

Estava tratando LaLeche como se fosse um professor. Tyber era muito preparado. Se conseguisse vencer sua mania de irritar as pessoas, poderia seguir outro caminho. Não é que ele o desejasse, mas o que Zanita se perguntava era se ele tinha descoberto já sua verdadeira vocação.

—Não tem que me agradecer nada, doutor Evans. Para mim é muito gratificante poder ajudar às pessoas a encontrar o atalho que as guie até sua paz espiritual. O que lhes parece se fizermos uma hora de pausa e formos jantar? Estou faminto e os hambúrgueres de tofu que Marcie trouxe estão com uma cara muito boa.

Zanita tentou manter o semblante sério.

—Custa-me acreditar que vou dizer isto —sussurrou Tyber a Zanita—e imploro que não comente nada com Blooey, mas acredito que prefiro uma de suas surpresas de mal gosto a um hambúrguer de tofu.

—A verdade é que eu não tenho muita fome depois de tudo o que comemos no almoço.

—Está bem - a ajudou a levantar-se— Não quero que coma nada que não sejam pipocas, batatas fritas, refrigerante, sempre e quando as caixas de papelão estejam limpas.

—Concordo. Percebeu como LaLeche ficou contente quando se produziu sua iniciação? Quase podia ler os números dos donativos desfilarem por sua cabeça. Certamente, quanto vai aumentar? Levo uma cédula de vinte no bolso. Será que é muito?

Tyber mordeu o lábio inferior. Realmente, Zanita não tinha a menor idéia de como iriam se desenrolar os acontecimentos.

—Deixa que eu me ocupe deste assunto. Se fizer alguma doação, devemos assegurarmos de que nós também contribuímos.

Franziu o cenho.

—O que você está falando?

—Bom. Ia sugerir que fôssemos dar um passeio, mas está começando a chover muito. Irei até a caminhonete pegar uma manta, começa realmente a fazer frio aqui dentro.

—Está bem. Farei uso das elegantes instalações que estão a nossa disposição.

As «elegantes instalações» consistiam em um barracão detrás da cabana.

—Venho já.

—Certo, Tyber. Fez uma interpretação digna de um prêmio de interpretação de melhor ator, esteve a ponto de convencer até a mim. Se não estivesse sempre brincando, teria futuro nisto.

—E quem disse que estava atuando?

Desapareceu antes que Zanita pudesse responder. Todos se sentaram no chão para um jantar relaxado. Como não se organizou nada com antecipação, não havia muita escolha. Durante o jantar, LaLeche acendeu a lareira, o que encheu Zanita de alegria. Ela e Tyber conseguiram agüentar o jantar comendo batatas fritas e explicando que tinham almoçado em abundância e que não tinham muita fome. Então Zanita percebeu. Elizabeth se comportava de maneira muito parecida com a da senhora Haverhill quando descrevia com luxo de detalhes as repercussões de sua enfermidade. Zanita esquadrinhou a mulher. A primeira noite já havia reparado que a mulher parecia muito melancólica. Agora, percebia que estava realmente pálida e cansada. Então sentiu a raiva subir por todo o corpo. LaLeche estava chupando a medula dessa pobre mulher tal e como tinha feito com a senhora Haverhill. Que promessa não teria feito a pobre infeliz! Sua experiência de jornalista lhe tinha ensinado que as pessoas desesperadas eram capazes de acreditar ou fazer qualquer coisa para poder ter um pouco de esperança. Olhou para Elizabeth com tristeza e crescente preocupação.

—O que aconteceu? Tyber passou o braço pelo ombro dela e a puxou para ele. Sempre ficava surpresa de quão observador era Tyber. Desde que o conhecia rara tinha sido a vez em que sua sagacidade tivesse deixado escapar algum detalhe. Embora fosse um dos detalhes que o fazia muito sedutor, nenhuma mulher podia esperar manter uma relação duradoura com um homem assim.

—Elizabeth. Percebeu...?

—Que está muito doente. Sim, percebi ontem à noite. Espero estar errado, mas acredito que é vítima predileta de LaLeche.

—Não podemos ficar de braços cruzados enquanto ele engana a esta encantadora mulher. Talvez seja conveniente que falasse com ela em particular.

—Não - Tyber a deteve — Vai desmascarar nosso disfarce e nossa história se o fizer. Não vai acreditar em você. Lembre-se que ela quer acreditar nele.

—Mas não podemos ficar sem fazer nada!

—Faremos algo! Fique tranqüila!

—O quê?

—Desviando ele de seu objetivo e lhe proporcionando uma vítima melhor.

Desviou o olhar de Elizabeth e olhou fixamente Tyber.

—Ah, sim? Quem?

—Eu.

—Está de brincadeira. Não vai confiar em você tão facilmente, Tyber. Sabe como ardiloso que ele é e vai parecer suspeito que de repente o siga e o influencie com dinheiro.

Tyber separou uma mecha de cabelo do rosto.

—E o que faz você pensar que vou suplicar que aceite meu dinheiro? Terei muito cuidado. Não se preocupe, sua cautela sucumbirá logo ante sua cobiça.

Zanita parecia preocupada.

—Não sei Tyber. Não contava com nada disso quando pedi que você me ajudasse. Você poderia perder a pele nisso.

—Já estou envolvido, Zanita - falou Tyber cravando seus olhos nos dela— Mas sei me conter. Os pontos fracos de Elizabeth não são iguais aos meus. Não tenho nenhum temor. Quando se lutou com os campos magnéticos, já não se teme nada.

—Como assim?

—Uma pequena piada de físico. Será melhor que mudemos de assunto ou levantaremos suspeitas. A propósito de suspeitas, pergunto-me o que terá pensado Kim de minha iniciação. Parece-me que vou conversar com ela.

Fez gesto de partir, mas Zanita o agarrou pelo braço.

—Nem pense. Está bem. Faremos a sua maneira. Mas seu papel não requer que assuma grandes riscos econômicos. Em outras palavras, não poderemos ressarci-lo se o golpe der errado. Neste caso, não terá que preocupar-se porque meu avô vai servir minha cabeça em bandeja de prata e não voltarei a dirigir lhe a palavra na vida.

—Agradeço a pressão a que está me submetendo. Agora relaxe e desfrute!

—Tyber!

 

Já era tarde, quando LaLeche decidiu, por fim, referir-se ao “movimento”.

Uma vez mais estavam sentados em círculo no centro da sala. Durante a noite, a temperatura havia baixado incrivelmente. O dia úmido e desagradável tinha dado lugar a uma noite fria e sombria. Uma chuva intensa e constante açoitava os sujos batentes das janelas do barracão. Nem sequer a luz do lampião conseguia diminuir a escuridão que reinava no lugar.

Era um ambiente quase fantasmagórico.

Sem dúvidas não era muito favorável a um certo “calor” espiritual.

Cientista de formação, acima de tudo por natureza, Tyber esteve observando o lugar. LaLeche tampouco perdia qualquer detalhe do que acontecia ante seus olhos. O lugar desprendia uma frieza pavorosa. Não cabia a menor dúvida de que aquela seria a última sessão que se celebraria até a primavera. Inclusive aqueles que já tinham encontrado o caminho para sua verdade profunda não poderiam suportar uma viagem com essa temperatura.

À LaLeche não restava outro remédio do que viver dos donativos que lhe proporcionavam seus seminários ou encontrar outro lugar para os retiros espirituais de fim de semana.

Em todo caso, Tyber pensou que o homem teria que tirar todo o partido possível nesse último encontro. Xavier teria que lhes impressionar a fim de obter suculentos donativos que lhe permitissem seguir com o luxuoso ritmo de vida a que parecia estar acostumado.

Talvez houvesse algo que pudesse utilizar a seu favor mais tarde, pensou Tyber enquanto aconchegava Zanita sob o cobertor.

— Estou gelada — murmurou Zanita. Apesar de Tyber haver forrado o chão com uma manta, o frio subia pelas frestas entre as tábuas de madeira do chão. Zanita tentou deixar de tiritar, pois lhe dava ainda mais sensação de frio.

— Está muito frio — sussurrou Tyber. — Quer sentar-se em meu colo?

Assentiu com cara de alívio.

— Serão só uns minutos. De verdade, você não se importa? Tenho muitíssimo frio.

Zanita sentou e se acomodou entre as pernas dele. O calor de Tyber a envolveu em seguida.

— Que bom! É um homem de sangue muito quente.

As mãos de Tyber deslizaram suavemente até rodear sua cintura.

— John — chamou LaLeche, — poderia acender os lampiões de querosene? Obrigado.

Voltou-se e dirigiu um de seus famosos olhares, limpo e penetrante a cada um dos presentes.

— Meus amigos, nós experimentamos muitas sensações juntos ao longo deste fim de semana. Acredito que não sou o único a poder dizer que tenho a impressão de conhecê-los muito bem agora. Parece-me que nos sentimos muito mais perto depois do tempo que passamos juntos.

Várias cabeças assentiram em sinal de aprovação.

— Entretanto, não pude evitar sentir que alguém ficou... como expressá-lo, à margem deste processo.

Durante uns instantes pareceu que seu olhar pousava diretamente sobre Zanita. Esta ficou tensa pensando que talvez eles tivessem sido descobertos. Tyber lhe acariciou a coxa para que relaxasse.

— Elizabeth — pronunciou lentamente LaLeche, uma vez que dirigia seu olhar a doce anciã. — Notei que não está presente em corpo e alma. Estou enganado, querida?

Elizabeth olhava cabisbaixa, suas mãos tensas sobre o seu colo.

— Bem, eu tentei.

— Entendo. Tem a mente ocupada com outras coisas que pesam como uma pedra.

Sem elevar a cabeça, a mulher assentiu.

— Constatei um transtorno em seu fluxo de energia. Há uma cor triste girando na parte superior de seu corpo.

—Ainda bem que nos ajuda muito com semelhante precisão.

As palavras sarcásticas de Tyber chegaram aos ouvidos de Zanita. Naturalmente, não lhe faltava razão. Referir-se ao tórax era extremamente vago e podia estar se referindo a muitos órgãos. Não havia se molhado muito, porém a julgar pelas caras abatidas dos outros, ninguém parecia haver notado isso. Ao ver que Elizabeth reafirmava suas palavras, LaLeche prosseguiu.

— Há uma doença. Uma em-fermidade — pronunciou realçando algumas sílabas, como se tratasse de serem duas palavras.

— Sim — confirmou com voz fraca.

— Onde, Elizabeth?

— No abdômen.

Houve exclamações em sinal de compaixão para ela. Tyber aproveitou para comentar a jogada com Zanita.

— Notou como ele articulou para lhe perguntar diretamente por sua doença?

Zanita lhe deu umas palmadas sob o cobertor. LaLeche olhou para Elizabeth com ternura.

— Quero curá-la, Elizabeth. Vai permitir que a ajude?

— Sim, mas não estou segura de que...

LaLeche lhe falou com doçura.

— Será uma cura muito especial, Elizabeth. Não estou acostumado a fazer isto muito freqüentemente porque absorve muita energia, tanto na esfera mental, como na física. Mas há algo que me impulsiona a brindá-la com a minha ajuda, querida.

— Obrigado.

As lágrimas brotavam dos olhos da anciã. Zanita apertou os punhos sob o cobertor. Não suportava ver a maneira com que estava se aproveitando daquela pobre mulher.

— Calma. Não se mexa— Tyber tentou tranqüilizá-la. — Acredito que vamos assistir a um grande espetáculo.

E não se equivocou.

LaLeche pediu a Elizabeth que se deitasse no chão no centro do círculo. Tyber não pôde deixar de preocupar-se com ela e se ofereceu para cobrir o chão com um cobertor, gesto que a mulher agradeceu com um sorriso. Assim que voltou a envolver-se no cobertor junto à Zanita, a jornalista o beijou no pescoço.

— Isso foi muito especial de sua parte, doutor. Retiro tudo que disse com respeito a você não ser nada cavalheiro.

Ele elevou o cenho e com um olhar altivo, respondeu em tom algo seco.

— Não me diga! — provocou-a abrindo as pernas para que o frio penetrasse por debaixo da manta do gélido chão.

— Háa!

— Eu, se fosse você, não tiraria conclusões precipitadas, Cachinhos.

Obteve um sorriso irônico em resposta, uma vez que subia as mãos lentamente até as colocar sobre os seios de Zanita.

— Tyber — protestou. — Vai montar uma cena.

Descansou o queixo sobre a cabeça de Zanita e riu entre dentes.

— Preste atenção — respondeu enquanto ia fazendo suaves movimentos circulares com as mãos a modo de confirmação.

Zanita se retorceu e ficou vermelha. Olhou ao seu redor, para seu grande alívio, percorreu o recinto com o olhar e ninguém parecia estar prestando a menor atenção a eles. Todos os olhares estavam concentrados em Xavier e Elizabeth.

— Tyber, por favor — suspirou suplicante agarrando com ânsia suas mãos brincalhonas a fim de deter, sem êxito, seus movimentos.

Apanhou uma mecha de cabelo de Zanita com os dentes.

Que patife! Começava a sentir-se muito excitada. Entretanto, era um jogo que ficava aborrecido se solitário. Começou uma incursão com a mão para trás, através do espaço que separava os corpos de ambos. Por fim alcançou o objetivo e começou a esfregar. Tyber deteve o movimento imediatamente.

— Acredito que suas palavras eram muito sensatas.

— Parece que deveria ter-me levado a sério — disse, com um sorriso zombador. — Mas o que está fazendo este homem?

Virou os quadris sobre o chão gelado entre as coxas de Tyber. LaLeche tinha arregaçado a camisa até acima dos cotovelos mostrando uns braços musculosos recobertos de pêlos negros.

— É como se fosse praticar uma operação.

Tyber agarrou a cintura de Zanita e a obrigou a recostar-se sobre seu colo. LaLeche se inclinou sobre a mulher.

— Está confortável, Elizabeth?

— Sim.

Voltou a inserir a fita no aparelho toca-fitas e uns cantos de pássaros encheram a cabana.

— Agora eu gostaria que relaxasse. Vou começar.

Fechou os olhos uns instantes e começou a percorrer o corpo da mulher com as mãos sem chegar a encostar.

— Concentre-se em mim, querida, na energia que flui por seu corpo.

Elizabeth parecia um pouco nervosa.

— Relaxe. Alongue os músculos. Respire profundamente. Inspire. Expire. Relaxe cada uma das articulações.

— Nem pense em respirar profundamente enquanto estou sentada em cima de você. — murmurou Zanita.

Tyber tentou dissimular sua gargalhada com um acesso de tosse.

— Elizabeth, eu quero que visualize seu corpo, sua energia. Esteja atenta à energia que percorre livremente seu corpo, sem travas. Sinta como a força de sua energia flui dentro de você e ao seu redor.

Enquanto falava, LaLeche ia desenhando círculos sobre o corpo sem chegar a tocá-lo.

— Começa a notar alguma melhoria? — perguntou.

— Eh... Algo.

— Bem. Continue concentrada enquanto eu vou sentindo e percebendo que você está bem e que você sente esse bem-estar.

Zanita contemplava o ritual a contra gosto. De repente, um brilho que parecia proceder da mão de LaLeche monopolizou rapidamente sua atenção. Pestanejou para ver com maior claridade. Continuou vendo exatamente o mesmo. Sobressaltou-se. Notou que as mãos de Tyber apertavam seus ombros. Esse gesto lhe fez entender que ele estava vendo o mesmo que ela, ao tempo que lhe pedia que não se sobressaltasse. Zanita percebeu que outros assistentes foram trocando de posição. Todos contemplavam o fenômeno e não se atreviam a dizer uma palavra por medo de interromper o fluxo. As mãos de LaLeche estavam envoltas de luz. Uns pequenos arcos reluzentes lhe rodeavam os dedos à medida que ia passeando no ar por cima de seu corpo. LaLeche estava muito concentrado. Umas gotas de suor lhe escorregaram pela fronte.

Era desconcertante.

Parecia real.

— Tyber, e se o julgamos mal? — murmurou Zanita.

Tyber respondeu estreitando-a ainda mais forte. Era muito reconfortante ser abraçada em um momento que parecia sobrenatural.

—Está sentindo? — LaLeche parecia estar falando em estado de transe.

— Bom, sinto um calor. É como...

Aquilo era mais do que aquela pobre mulher podia suportar. Começou a chorar. LaLeche se agachou e secou o suor da testa.

Houve um silêncio sepulcral durante uns instantes e depois todos os presentes começaram a cochichar de uma vez, Elizabeth agarrou a mão de LaLeche.

— Você acredita que funcionou?

Havia um desespero enorme em sua voz. LaLeche lhe deu um curto abraço cheio de condescendência.

Zanita se voltou para cravar seus olhos violetas nele.

Tyber estava atônito. Durante uns minutos ficou mudo e não respondeu. E quando o fez não foi, precisamente, para reconfortá-la.

— Não sei.

Zanita lhe agarrou o braço e ele a olhou.

— De qualquer maneira querida, lhe asseguro que não é o que você acredita que é.

Tyber constatou com surpresa que Zanita parecia verdadeiramente preocupada. Estava pálida e seus olhos se perdiam. Acariciou-lhe a bochecha com um dedo.

— Tenho certeza. Dê-me um pouco de tempo para descobrir o que foi feito. Está tarde. O que parece se nos desculparmos e formos para nossos quartos? Acredito que já terminou o espetáculo.

Estas palavras pronunciadas por um homem cuja fortaleza parecia inquebrável a reconfortaram sobremaneira.

— Muito bem.

Levantou-se e se esticou para alongar suas articulações geladas.

— Precisamos raciocinar e refletir sobre o que acaba de acontecer.

Tyber também se levantou.

— Gosto de refletir com um vinho quentinho e um banho relaxante.

Abriram caminho entre os assistentes em direção a LaLeche. Foram atuar atentos ao que acabavam de ver.

— Me alegro profundamente de que tenham podido assistir a uma sessão tão especial — comentou Xavier eufórico. — Devo lhes confessar que não ocorre freqüentemente.

Não, só ocorre quando há em jogo substanciosas doações.” Tyber o escutou impávido.

— Amanhã celebraremos um pequeno rito de despedida. Será breve porque a maioria de nós tem um longo caminho para percorrer até voltar para casa.

Não era próprio dele demonstrar tanta consideração.

— Você estará aqui amanhã, doutor Evans? — parecia excessivamente interessado.

Tyber se precipitou em responder.

— O certo é que não será possível para nós. Prometi a um amigo que almoçaríamos com ele.

Zanita se voltou com cara de surpresa, mas Tyber não tomou conhecimento. Meteu a mão no bolso e tirou sua agenda. Agarrou uma caneta e fingiu que lhe acabava de ocorrer uma idéia.

— Na próxima semana, virão visitar-me uns amigos. Gostaria de reunir-se a nós? Eu o espero em minha casa. Sempre e quando não tenha outros compromissos. Interessa-me muitíssimo seu trabalho e devo lhe confessar que fiquei muito impressionado pelo que ocorreu esta noite.

Houve um brilho nos olhos de LaLeche no que se adivinhava uma mescla de cobiça e júbilo.

— Obrigado, doutor Evans. Vindo de você, seu convite é uma autêntica honra. Sinto-me orgulhoso. É obvio, aceitarei encantado o convite.

Zanita viu que o homem mal podia dissimular sua alegria. Tyber destampou a caneta e começou a preencher um cheque. Um cheque mais que generoso. Os olhos de Zanita se abriram como pratos.

Antes que pudesse escrever o T de Tyber, a mão de LaLeche o deteve.

— Não temos que tratar desses assuntos agora, doutor. Eu agradeço a sua gentileza, porém você não fez mais do que convidar- me a sua casa. Por que não esperamos para ver o curso que tomam os acontecimentos?

Tyber teve que ocultar seu olhar acusador.

—Concordo.

Rasgou a parte superior do cheque com um sorriso misterioso e entregou um pedaço de papel a LaLeche.

— Aqui tem o endereço. O esperamos por volta das sete, hora do jantar.

— Obrigado. Será um prazer visitá-los.

Estendeu a mão. Tyber a estreitou brevemente, antes de abrigar Zanita da chuva noturna. Deram uma corrida sobre o barro até alcançar a caminhonete.

— Aquecimento, por favor!

Zanita começou a respirar entrecortado logo que Tyber pôs em marcha o motor. Tyber acionou duas alavancas com força e o ar quente começou a se fazer notar na cabine. Ambos suspiraram de alívio.

— Assim que chegarmos ao quarto, vamos nos meter em uma banheira de água quente.

Tyber dirigiu pela estrada que levava ao hotel. Zanita tentou falar apesar de estar batendo os dentes.

—Ainda bem que tinha todos esses cobertores na caminhonete.

— Como não ia prever algo assim? Espero que esses pobres infelizes não peguem uma pneumonia esta noite.

Uma tênue luz iluminou sua mandíbula e refletiu seu desgosto.

— São adultos, Tyber. Ninguém lhes obriga a estar aí. Podem partir assim que queiram.

Estas palavras o apaziguaram.

— Suponho que tem razão. Embora não esteja certo de que seja o caso de Elizabeth. Está esperando que se produza um milagre e pensa que encontrou seu benfeitor. Em todo caso, não será possível tirá-la dali nem com grua — golpeou com raiva o volante. — Como pode manipular a alguém de maneira tão ruim!

Zanita lhe acariciou a coxa. Voltou-se para olhá-la nos olhos.

— Agora entendo por que significa tanto para você caçar este cretino. Suponho que a senhora Haverhill se parecia muito com Elizabeth.

Assentiu.

— Sim. Uma mulher maravilhosa em uma situação desesperadora. Imagino que procurava consolo, contato com outro ser humano. Era sua última oportunidade para confiar em alguém e um inescrupuloso como Xavier cruzou o seu caminho.

— É repugnante!

— Tyber, por que quis dar-lhe um cheque com uma importância tão alta? E se ele aceitasse?

— Era um risco calculado. Primeiro, o fiz acreditar que amanhã não poderíamos aparecer, era sua última oportunidade para nos impressionar. Tirei o talonário para confirmar esta hipótese. Pensei, que se o convidasse à mansão enquanto lhe estendia um cheque, pensaria que no futuro o donativo poderia ser ainda mais suculento. Eu o deixei com água na boca — explicou Tyber com certo tilintar na voz.

— Por isso o convidou para o fim de semana?

— Teremos que passar mais tempo com ele, caso nos vejamos apenas em seminários ao longo do inverno, não será de grande ajuda. Teremos que socializar com ele. Lembre-se que não sabemos ainda o que procuramos exatamente para desmascará-lo.

— Muito ardiloso. Mas, e se ele aceitasse o cheque? Era uma soma astronômica.

Encolheu os ombros.

— Já lhe disse isso, tinha calculado o risco.

— E agora, me diga. O que é, exatamente, o que vimos?

— Não sei. Mas eu prometo que descobrirei o que está tramando.

— Não estará insinuando que tem realmente um dom e que o utiliza para manipular as pessoas ao seu desejo?

Parecia tão absurdo que apenas se atrevia a formular a pergunta.

— Não mesmo. O que vimos impressionou, mas foi um estratagema. Havia truque.

— Mas como? Você mesmo viu. Arregaçou a manga até acima do cotovelo. Não ocultava nada nas mangas. Fixei-me em suas mãos e não tinha nada. Todos estavam ali. E não pode tratar-se de um milagre.

— Sei. Já entendi.

Arrastou as palavras. Absorto em seus pensamentos, Tyber conduziu o resto do caminho em silêncio.

 

Fazendo honra a sua palavra, Tyber estava jogado em uma espreguiçadeira bebendo cidra quente quando Zanita saiu do banheiro no roupão que proporcionava o hotel.

Tyber estava envolto em outro roupão com os pés sobre o suporte da lareira movendo os dedos para tentar captar o calor. Assinalou com a cabeça a outra taça fumegante e bateu com a mão na coxa.

Zanita tomou um gole da bebida quente.

— Que gostoso! Perguntei-me por que saiu da banheira tão depressa.

Acariciou-lhe as costas brandamente.

— Alguém tinha que ocupar-se das bebidas. Parece-me que volto a sentir os dedos dos pés.

— Foi horrível, certo? Espero que minha próxima investigação me leve a lugares mais quentes. Ao Caribe por exemplo.

Tyber a olhou com complacência.

— Devia utilizar sua imaginação para escrever novelas.

Zanita suspirou.

O mais provável é que da próxima vez acabe em algum sinistro pântano, chapinhando em algum lodaçal em busca de um extraterrestre.

Isso não aconteceria se ele pudesse evitar, pensou Tyber em seu foro íntimo. Não permitiria que se enlameasse toda em busca de nada. Passou a mão pela bochecha recém barbeada.

— Sabe querida, estou falando sério. Por que não escreve contos?

— Por que não.

Aconchegou-se nele entre bocejos. Tyber sorriu.

Eis aqui os três fatores da equação Zanita: uma bebida quente, uns braços quentes e uma lareira. Estes três fatores combinados só podem dar...

 

Na manhã seguinte, alguém que batia na porta os despertou. Ouviu Tyber resmungar algo ininteligível ao ouvido e tentou desfazer o complicado nó que tinham feito com seus corpos entrelaçados.

Voltaram a tocar à porta.

— Um momento! Tyber afaste a perna!

Tyber levantou a cabeça do travesseiro com olhos sonolentos.

— O que acontece? A porta? Já vou — sua cabeça desabou de novo sobre o travesseiro. — Já vai!

Penetrou os braços sob o travesseiro e fechou os olhos.

Ouviu-se uma voz enérgica e jovial detrás da porta.

— Bom dia. Serviço de quartos.

— Você chamou o serviço de quartos? — inquiriu Zanita encolhendo os ombros.

Tyber abriu os olhos ainda meio dormindo. Tentou fixar seus olhos azuis sobre Zanita.

— Como?

De repente, reagiu e sorriu.

— Ah, sim! Ontem à noite pedi que nos subissem o café da manhã.

Levantou as cobertas e recolheu o roupão do chão. Zanita ficou admirando sua silhueta vista detrás. Pensou que era uma autêntica lástima que tivesse que tampar tão bonitas nádegas. Tão redondas, suaves, firmes e bem desenhadas.

Justo como ela gostava.

Um sonho.

Tyber voltou para a cama com uma bandeja grande. Como era habitual nele pelas manhãs, o cabelo que lhe caía alvoroçado sobre os ombros e o fazia completamente sedutor. Pôs a bandeja com cuidado sobre a cama. Tirou o roupão e se meteu de novo nela. Seu corpo estava ainda quente pelo sono. Colocou a bandeja em cima das coxas.

— Champanhe, tortas de maçã com xarope de bordo¹, suco de laranja... — enumerou tomando um golinho do suco recém espremido, bolinhos de canela, se meu olfato não me enganar, e algo que parece geléia caseira.

 

Xarope de bordo ou xarope de ácer, conhecido como maple syrup e sirop d’érable nos Estados Unidos e no Canadá é um xarope extraído da seiva de árvores do gênero Acer, sobretudo Acer nigrum e Acer saccharum, cujo nome comum é bordo. O maple syrup é muito usado sobre as panquecas no café da manhã. Se você não sabe o que é isso, vou tentar explicar: já viu em filme ou desenho animado quando as pessoas comem uma pilha de panquecas redondinhas e jogam uma calda em cima, que parece mel? Pois é, a tal calda se chama Maple Syrup, ou xarope de bordo. Maple é o nome da árvore que é bastante comum no norte dos Estados Unidos e Canadá (a folha é aquela da bandeira do Canadá) e da qual se extrai a seiva para fazer o xarope – existem diferentes tipos de Maple, a variedade da qual se extrai a seiva é a Sugar Maple.

 

— Champanhe para tomar o café da manhã?

— Por que não!

Abriu a garrafa.

— Prova. Vai sentir-se maravilhosa esta manhã.

Serviu-lhe uma taça.

— Tem razão. É verdade que as borbulhas são mais refrescantes. Um bom substituto para o café — tomou outro gole.

Tyber levou o dedo aos lábios.

— Será nosso segredo.

Zanita riu maliciosamente. Com um sorriso, Tyber se inclinou para beijá-la.

— Toma — Tyber entregou um prato de tortinhas.

— Têm boa aparência!

— Que gostoso! — suas espessas pestanas se foram levantando lentamente e seus olhos desprenderam um brilho travesso.

— Xarope?

Fez uma careta zombadora.

— É cruel!

Nas bochechas de Tyber apareceram as covinhas típicas de seu sorriso. Respondeu com voz rouca.

— Sempre quero o melhor para você, querida.

Sem prestar a mínima atenção a sua expressão de perplexidade, jogou xarope na tortinha. Zanita decidiu que o mais razoável, quando Tyber ficava desse jeito, era ignorá-lo. Concentrou-se no doce. As tortinhas estavam deliciosas. Eram leves, esponjosas e levavam pedacinhos de maçã. Não podia negar que havia coisas mais desagradáveis sobre a face da terra do que tomar o café da manhã com champanhe na cama. Acomodou-se sobre o travesseiro, fechou os olhos, estirou os dedos dos pés sob a coberta e suspirou.

— Mais?

— Não consigo comer mais nada. — respondeu dando tapinhas sobre o estômago.

— Não me refiro ao café da manhã.

Esse sussurro sensual a paralisou. Abriu os olhos de repente. Tyber levantou a bandeja e a deixou sobre a mesinha. Seus olhos de cor de gelo contemplavam seus lábios com um ardor abrasador.

Era tal a intensidade de seu olhar que os lábios de Zanita tremeram e se abriram brandamente. As pupilas de Tyber se dilataram.

Não era fácil pensar em algo coerente com esse olhar cravado sobre ela. Prendeu a respiração. Era sem dúvida um homem muito atraente. Provavelmente, o mais sedutor que jamais tivesse visto. Tentou pronunciar algumas palavras que tivessem sentido.

— Não estará...?

— Bom, poderia ser.

Zanita demorou alguns instantes para entender que não é que não se dispunha a refletir a respeito de sua tórrida idéia a não ser responder com atos a sua pergunta. Não teve tempo de lhe dar muitas mais voltas, Tyber levantou a mão e tirou umas mechas frisadas do rosto para monopolizar toda sua atenção. Enquanto isso, introduziu o dedo indicador da outra mão no pequeno recipiente do restante do xarope junto a um dos pratos. Sem tirar os olhos deles, melou o contorno de seus lábios deixando uma esteira de xarope.

— Mas, o que está fazendo?

Desta vez não respondeu. Inclinou a cabeça para lamber o xarope dos lábios entreabertos com a ponta da língua. Era uma insinuação em que se misturavam o jogo e a pressa.

— Tyber...

Zanita sussurrou seu nome ao tempo que seus lábios se roçavam. Lentamente, com supremo cuidado, deslizou o dorso das mãos sobre seus seios, a cintura e os quadris de Zanita. Suas carícias sutis acenderam um ardente desejo nela. Parecia que Tyber estava dançando sobre seu corpo de pele sedosa.

Enquanto isso, a língua de Tyber seguia brincando sobre os lábios. Quis provar o lábio inferior pressionando-o brandamente.

Zanita inclinou a cabeça para trás para pedir um beijo, para provar o sabor de sua boca. Fechou os lábios cuidadosamente sobre a ponta da língua e a sugou. Tinha sabor de xarope e Tyber.

Um som embriagador surgiu do fundo do peito de Tyber. Este gemido de desejo ressoou por todo o corpo de Zanita. Tinha-lhe ensinado uma palavra para designar tal som. Como era?

Vibração sincrônica.

Agora que sentia um desejo irrefreável percorrendo todo seu corpo, entendia a extensão da palavra.

Os belos lábios de Tyber deslizavam pelo seu rosto lentamente. E com paixão. Seus ardentes beijos despertaram nela um fogo que ainda conseguia controlar. Sensações contrárias se misturavam. Tyber mostrava de uma só vez quietude e pressa.

Respirou fundo para recuperar o fôlego.

Tyber agarrou o frasco de xarope. Enquanto Zanita o observava com os olhos transbordando de paixão, apertou a alavanca do frasco para deixar cair um jorro de xarope de cor âmbar entre os seios. O líquido formou um sulco estrelado até o umbigo e escorreu até o volumoso ninho que se escondia entre suas pernas.

Antes que tomasse consciência do que Tyber estava fazendo, este se incorporou sobre ela. Começou a lamber o rastro de xarope com grande sensualidade. Zanita se recostou sobre os travesseiros e se abandonou às embriagadoras sensações que percorriam seu corpo. Passou a língua pela cúpula de um seio e aguardou que Zanita sentisse cada estremecimento antes de concentrar-se no mamilo ereto, que capturou entre seus dentes. Agarrou-o pelos ombros e deixou escapar um gemido de profundo prazer.

Umas mãos fortes e seguras rodearam seus seios ao tempo que a língua seguia limpando os rastros de xarope passando pela planície de seu ventre, pelo oco do umbigo até entrar nas profundidades de sua intimidade.

Acaso pretendia...?

Zanita fechou as pernas de repente. Não estava segura.

Tyber a olhou hesitante.

— O que foi querida?

— Não estou segura.

Mas ele estava. Passou seu queixo na tenra pele do baixo ventre de Zanita. O queixo sem barbear arranhava suavemente e despertava cada um dos poros do corpo da mulher, que estremeceu dos pés a cabeça. Tyber percebeu sua reação, sentiu sua reação. Soprou o pêlo formando redemoinhos sem perder detalhe do manto espesso e brilhante que se estendia sob seu fôlego.

Zanita ficou sem ar.

Tyber afundou a cabeça.

— Tyber — murmurou ao sentir seus lábios e seu fôlego contra seu corpo.

— Quieta. Só quero saber se posso distinguir entre o xarope de arce e o mel.

Estas palavras francas e pronunciadas com tal seriedade a deixaram sem fala.

E se entregou a ela. Saboreava-a. Beijava-a. Fez que se sobressaltasse com as carícias lentas, ardentes e apaixonadas de sua língua.

Zanita jogou a cabeça para trás. Vibrava com cada toque. Seus dedos se aferravam com força ao travesseiro. O prazer era tão delicioso que beirava a dor, tão intenso que se convertia em quase insuportável. Quando descobriu o botão oculto e agora sensível de Zanita, esta se arqueou e exclamou seu nome entre suspiros.

Tyber sorria de prazer. Desfrutava das sensações da mulher e de seu sabor, Especialmente de seu sabor.

O corpo de Zanita se esvaziou em sua boca ao tempo que se arqueava sob os espasmos. Sentiu cada um deles com intensidade. Quando as convulsões foram-se convertendo em suaves tremores, sua boca seguia acariciando sua intimidade como que reagindo a deixar de lhe brindar com seus cuidados.

— Tenho a sensação de estar morta.

A risada de Tyber a inundou. Voltou a beijá-la. Endireitou-se e a abraçou com força. Mordeu suavemente o lábio inferior de Zanita e a beijou. Cheirava a ela e a xarope. E a ele. Notou sua virilidade ereta contra sua coxa. Desejava-a. Sempre a desejava. Tyber afundou a cabeça na curva do pescoço de Zanita e esfregou a bochecha contra sua pele.

— Notou? — sussurrou Zanita.

— Notou o quê?

— A diferença.

— Sem dúvida prefiro o mel.

Mordiscou-lhe o lóbulo e a atraiu para ele para estreitá-la ainda com mais força.

 

No caminho para a Mansão, Zanita não podia tirar os olhos de Tyber.

Começou admirando suas mãos firmes sobre o volante, seguras e hábeis, que lhe recordavam as carícias com que lhe tinham obsequiado umas poucas horas antes.

Fixou-se na linha que desenhava seus lábios ao sorrir e seu costume de morder o lábio inferior quando fazia uma pergunta a que não sabia responder. Os mesmos lábios aveludados que a tinham subjugado e lhe tinham feito desejar muito mais. Desejar um apertão mais, uma carícia mais, um abraço mais.

E se precaveu de quão perigoso era aquele homem para ela.

No muito que poderia chegar a significar para ela.

No muito que já significava para ela.

Temia que estivesse nascendo nela um desejo insaciável. Alisou o cabelo e voltou a vista para a janela com preocupação. Tyber a olhou de esguelha. Seus lábios carnudos esboçaram um sorriso.

Blooey ficou eufórico ao receber as duas garrafas de xarope de arce e uma cesta de maçãs. Informou imediatamente a todo mundo de sua intenção de fazer um bolo de maçã com os ingredientes que acabavam de lhe dar de presente. Tyber ficou com água na boca apenas por imaginar.

Até Foiegras se alegrou de vê-los. O gato ronronou e esfregou toda sua massa contra as pernas de Tyber a modo de saudação cada vez que este entrava na casa para descarregar a bagagem. Assim que fechou a porta, Foiegras se sentou em frente de Tyber e soltou um miado dilacerador.

—Tenha um minuto de paciência, Foiegras, que eu trouxe uma coisinha para você!

Tyber em seguida encontrou o queijo, do qual cortou um generoso pedaço a fim de contentar o lindo gatinho rajado. Fazendo honra aos costumes felinos, Foiegras farejou o queijo para comprovar que aquele sujeito da raça humana não estava tentando enganá-lo. Quando se convenceu de que não tinha sido orvalhado de arsênico soltou um ronrono ensurdecedor e se atirou sobre o queijo.

Zanita contemplava a cena atônita. Quem poderia imaginar um gato amante do queijo Cheddar? Sorriu. Estava novamente em sua gaiola de ouro. Lar, doce lar!

Lar.

Não deixava de ser curioso que pensasse na casa desse modo. Quando Tyber abriu os portões e Zanita divisou as luzes da casa com suas torres e formas extravagantes, sentiu-se invadida por um sentimento de carinho. Blooey e Foiegras tinham ido lhes dar as boas vindas.

Sentia-se muito confortável.

Muito melhor do que quando retornava a seu apartamento frio e vazio.

Os deliciosos aromas dos guisados de Blooey chegavam da cozinha. Zanita suspirou. Sentia-se realmente à vontade. Sorriu enquanto observava Tyber, que tinha tirado a jaqueta e se dispunha a fazer o mesmo com as botas. De meias três - quartos, com jeans e uma camisa de flanela vermelha, o físico se sentia em casa.

—Que cheiro bom! Pergunto-me o que estará preparando Blooey para o jantar.

—Não sei, mas garanto que será algo delicioso. Blooey pensa que me alimento mal cada vez que me ausento de casa — respondeu Tyber distraído enquanto olhava a correspondência que seu amigo tinha amontoado em cima da lareira. Pegou um postal, virou e sorriu.

—É de meus pais.

—Seus pais?

Por estranho que pudesse parecer, jamais havia lhe passado pela cabeça que tivesse uma mãe e um pai. Pais. Isso o convertia em uma pessoa normal. Zanita não estava certa de querer estar nos braços de um Tyber normal. Um Tyber que tivesse uma família normal. Um Tyber que não rompesse os padrões das famílias normais.

Tyber se apoiou contra o marco da porta e cruzou os braços sobre o peito. Olhou-a com expressão de incredulidade.

—Você por uma acaso pensou que eu havia saído da mente de Galileu ou algo parecido?

—Não, claro que não. É só que não o imaginava com... — ele a olhava com cenho franzido — Bem, não imaginei nada disso. Estão de viagem?

—Sim, meu pai está em ano sabático e estão na Grécia.

—É profe..?

—Professor de História Clássica em Harvard.

Zanita ficou imóvel para poder digerir esta última informação. Depois percebeu um detalhe que lhe iluminou a fisionomia.

—Claro — disse estalando os dedos — Por isso lhe deram o nome de Tyberius Augustus. Aposto que o pai é tão excêntrico como o filho. Como escolheram o nome Tyberius Augustus? E seus irmãos, chamam-se Claudius Aurelius e Fira Athena?

Tyber fez uma careta.

—Sou filho único. E o que tem meu nome de estranho?

—Nada. É um nome muito bonito, só que é muito pouco convencional. Combina muito com você.

—Isso é o que pensou minha mãe. Sempre conta que assim que meu pai o mencionou, soube que era perfeito para mim.

Ou essa mulher estava perdidamente apaixonada por seu marido ou ela tinha aterrissado em uma família de loucos. Ou provavelmente ambas as coisas. Tossiu ligeiramente.

—Sua mãe também é professora?

Tyber riu.

—Não, graças a Deus. É artista. Pinta lixo.

—Ela é tão ruim, assim?

Tyber soltou uma gargalhada.

—Não é isso. Refiro-me a que pinta lixo no sentido literal da palavra. Vai ao mercado e recolhe coisas que utiliza depois em seus quadros. O certo é que é muito boa no seu ofício.

Puxa. Uma família exótica.

Nesse preciso instante Blooey entrou na sala de jantar.

—Vão ficar aqui de namoro a noite toda e deixar que se estrague o rico jantar que lhes preparei, Capitão?

Tyber seguiu a Zanita até a cozinha.

—Como de namoro?

Zanita sabia perfeitamente ao que se referia Blooey. Não obstante encolheu os ombros, aliviada por estar a frente de Tyber e que este não pudesse ver como se ruborizava.

Tyber a surpreendeu ao passar diante do espelho do saguão e sorriu maliciosamente. Blooey era uma velha raposa. Por isso gostava dele.

 

Os dias seguintes transcorreram segundo os patrões normais de Evans. Sempre e quando se pudesse chamar de normal ou de padrão algo que Tyber fazia.

Zanita se dedicou a polir toda a coleção de artigos que tinha pendentes e Tyber se dedicou Ah... bom, aquilo ao que estava acostumado a dedicar-se. Contra seu costume, uma noite desceu ao laboratório usando como pretexto que tinha que dar acabamento a uma idéia. Ao fim de meia hora estava de volta.

Zanita, que estava vendo um filme clássico, alarmou-se ao reparar no sorriso malévolo do Tyber, que caminhava ou melhor dizendo voava para ela para proclamar que tinha a imperiosa necessidade de compartilhar com ela seus conhecimentos em mecânica quântica.

Suspirou e aceitou com gosto a proposta. Subiu a toda pressa as escadas e foi ao dormitório com o Tyber atrás dela.

Foi uma lição magistral.

Na noite seguinte, a encurralou no salão.

—Está em uma masmorra.

—Como?

—Imagine por um instante que está em uma masmorra.

—Mas pode saber-se do que está falando?

—Estou criando um jogo de computador...

—Não posso acreditar! Um jogo de computador? E eu aqui pensando todo este tempo que você fosse descobrir algo grande. Não pode ser! Um dos cérebros mais privilegiados do mundo e fica se dedicando a criar jogos de computador.

Tyber parecia ofendido.

—Os jogos são maravilhosos, Zanita. Podem ser muito didáticos se forem apresentados de maneira adequada. Com eles pode-se aprender a raciocinar, o sentido do dever, sem mencionar o desenvolvimento da imaginação.

Seus olhos pousaram nela com tal força que Zanita não teve mais remédio que lembrar a maneira adequada e imaginativa em que havia lhe ensinado na noite anterior... Com apenas a lembrança, sentia-se estimulada.

—Bom, suponho que...

Ajoelhou-se diante dela e tomou-lhe as mãos.

—Está em uma masmorra. E para escapar tem que resolver uma questão de lógica.

—Estou condenada.

—Vejo que vou ter que esperar antes de poder provar meu protótipo com você.

Zanita negou com um gesto.

—Nem me fale. Essas coisas não dão certo comigo. Não sei nem acertar um alvo em uma linha reta. Uma dessas tartarugas ninjas, ou qualquer outro nome que a chamem, acabaria comigo, antes mesmo de que eu pudesse começar a jogar.

Tyber sorriu.

—Não é esse tipo de jogo. Estou criando um jogo de aventura.

—Não importa, certamente não conseguirei ganhar.

Esfregou o queixo com um ligeiro movimento. Olhou-a com desejo procurando seus olhos.

—Pois eu acredito que as aventuras combinam muito bem com você.

Esse homem era capaz de fazer um coração parar de bater. Teve que fazer um esforço considerável para recompor-se.

—Não estou para aventuras, querido. Prometi ao Hank que o artigo estaria pronto para o Halloween. Refrescar-te-ei a memória: Halloween é amanhã. E nem sequer comecei.

—Do que se trata?

Tyber se recostou sobre a coxa da Zanita e tentou decifrar os garranchos dela.

—Sabe o cemitério que há perto do moinho?

Tyber franziu o cenho.

—O do século XVII com interessantes inscrições nas lápides.

—Esse mesmo. Pois conta uma lenda que na noite do Halloween uma carruagem fantasma percorre todas as tumbas.

—Venha já!

Zanita prosseguiu a história entre sussurros.

—Pelo visto, vai de lápide em lápide em busca de algo ou de alguém. Dizem os rumores que faz duzentos anos, na véspera do Halloween, a meia-noite, uma formosa e jovem moça...

—Cherchez la femme.

Zanita lhe deu um golpe no ombro de Tyber antes de prosseguir relatando a trágica história.

—Pois a jovem vai ao encontro de seu amante. Infelizmente, seu marido tinha descoberto seu idílio e chega ao lugar antes que ela. Ali decapita o seu amado.

—E fez muito bem o pobre cornudo.

Zanita mostrou-lhe a língua.

—Continue querida, que morro de curiosidade para saber o final da história.

Zanita não se incomodou com o seu sarcasmo e foi se aproximando dele.

—Quando a moça chega ao ponto de encontro, adivinha quem a cumprimenta.

—Não me diga: o homem sem cabeça.

Zanita assentiu.

—Ao ver o amado decapitado morre de pavor imediatamente. O chofer foge e a diligência permanece ali com a jovem dentro, que está condenada para sempre a errar de cemitério em cemitério em busca de seu amor, que tampouco pode encontrá-la, já que não tem cabeça.

Zanita deixou escapar um inquietante som.

—Uhhhh.

—Aiiiiiii, que porcaria!

—Claro, para você é muito fácil. Como não tem que correr pelo cemitério para ver se...

Os olhos de Tyber se iluminaram e desprenderam uma luz diabólica.

—Vamos.

—Vamos aonde?

—Vamos ao cemitério esta noite para comprovar a história.

Zanita engoliu em seco. Entrava em parafuso cada vez que ouvia estas lendas.

—Olhe, eu tenho que acabar o artigo e...

—Bem, pois escreva o seu artigo agora. Eu também tenho que terminar um monte de coisas — respondeu misteriosamente — E depois, partimos. Não está com medo, não é?

—Não seja bobo! Está bem, você ganhou.

—De acordo. Nos encontramo no vestíbulo às onze.

—Está certo. — assentiu com voz trêmula.

Tyber se levantou e a assinalou com o dedo a modo de advertência.

—Cachinhos, se não vier vai ficar parecendo uma covarde.

Zanita deu um estalo de desdém e se fixou em terminar o artigo. Não pôde ver a expressão de regozijo em sua cara.

 

Nem Hollywood teria ambientado melhor.

Uma névoa espessa flutuava sobre as lápides. Algumas estavam caídas e jaziam no chão. A luz da lua cheia filtrava-se de maneira inquietante através da bruma de forma que a estrada em que tinham estacionado o carro ficava tenuamente iluminada. E era a única estrada de saída.

O ulular de uma coruja conferia à cena noturna um clima ainda mais aterrador. A umidade da noite, gélida e penetrante, lhes impregnou até os ossos apesar da manta que Tyber levava na caminhonete e que jogaram por cima deles.

Zanita podia ouvir Alan Poe sussurrar em seu ouvido que estava em um conto de terror. E esperava encontrar Michael Jackson e seu séquito de mortos vivos a qualquer momento. Olhou de esguelha o relógio que Tyber havia colocado apressadamente. Eram as 23:40. dentro de vinte minutos teriam que sair.

—Quer que eu conte histórias de fantasmas?

Zanita percebeu o tom de brincadeira em sua voz.

—Não, obrigado.

Era a última coisa que gostaria. Aquilo punha os seus cabelos em pé. Como podia haver deixado meter-se em semelhante confusão?

Tyber se recostou sobre o respaldo e tentou em vão esticar suas longas pernas. Entrelaçou as mãos atrás da cabeça e fez ranger as articulações rígidas pelo frio. Logo passou um braço por cima de Zanita. Olhava adiante, para o infinito.

—Quer que a beije?

—Não, obrigado.

—Já pensou quem vai convidar para passar o fim de semana?

—A que se refere? —Zanita virou a cabeça.

—Bom, disse a LaLeche que tínhamos convidado uns amigos para passar o fim de semana. Pareceu-me um bom pretexto. Mas me parece que suspeitará se chegar e não tiver ninguém.

—Mas por que não me lembrou disso antes? O que vamos fazer agora?

—Como assim, vamos?

—Porque foi você quem teve a idéia.

—Ora, Zanita, mas é a sua história.

Zanita cruzou os braços e olhou ao Tyber fixamente.

—Está bem. Pensemos em alguém. Rápido. Sua amiguinha Mills? Talvez consiga, sobretudo se não tiver nada planejado.

—Já lhe falei de sua casa e está louca para comprovar se tem tanto encanto como eu...

Sua voz foi se extinguindo conforme se dava conta do que estava insinuando. O olhar do Tyber escureceu até lhe dar um aspecto de viking.

—Quem mais?

—Hank e sua avó?

—Nem pensar! Não quero que Hank fique por dentro de nada desse assunto. E que tal se convidarmos a algum colega seu?

—Nem pensar! Pode tirar a idéia da cabeça.

—Mas, por que não?

—Porque não e ponto. Não me ocorre nem um só motivo pelo qual deveria arruinar minha reputação perante meus colegas e amigos, os convidando para que venham deixar-se fraudar por um boboca.

—Tyber, ninguém espera que você seja um cara normal — espetou Zanita.

Considerou divertido.

—Sou um excêntrico de respeito. Bom, pelo menos até que a conheci.

—Lembrei de Stan Mazurski.

—Stan? —repetiu como se caísse de um lugar bem alto — Bem, é suficientemente forte como para não sucumbir aos ardis de LaLeche. Vou convidá-lo e a sua esposa na sexta-feira de noite.

—E por que não todo o fim de semana?

—Também não precisa exagerar. Pensemos em mais alguém.

Zanita bateu com o seu indicador no queixo enquanto pensava.

—Bom, suponho que sempre podemos contar com Tia — sugeriu com um marcado sotaque da Nova a Inglaterra.

—Não sei por que, mas não gostei da idéia. Quem é Tia?

—É a irmã do Hank, minha tia avó. Você vai adora-lá. É um encanto.

—Mas, por que você vai colocar alguém tão próximo, além de ser uma doce anciã na boca de um lobo como LaLeche? Não me parece boa idéia. Do que você está rindo?

—Tia come com os lobos.

Os olhos do Tyber se abriram como pratos. Deixou-se cair no assento, enquanto formava um quadro da família de Zanita.

—Bom, convide-a se quiser para passar o fim de semana, mas faz o favor de lhe pôr a par dos acontecimentos.

—Não será necessário. Adora levar chapéu. Sempre combina ao menos três deles.

Estava assustado.

—Pedirei a mi... a Mi-Maggy que dê uma mão a Blooey.

—E quem é Mi-Maggy? —inquiriu Zanita com um pingo de ciúmes embora não o suficientemente leve como para que ele não o percebesse. Decidiu aproveitar a ocasião para se fazer de boba e adotou um tom pesaroso.

—É uma velha amiga de quem gosto muito. Mi-Maggy é uma mulher que mata a cobra e mostra o pau.

Zanita apertou os lábios enquanto Tyber achava sua reação interessante. Primeiro Kim e agora Mi-Maggy.

—E por que tem que ficar todo o fim de semana? —perguntou em tom neutro.

—Bom, vamos ver se tenho sorte.Preciso muito dela —Tyber contou até três.

Zanita começou a inquietar-se. Ele afastou o braço rodeando o assento do co-piloto.

—Como assim, preciso muito dela? —deu-lhe um golpe com a bolsa no estômago—. Nem sonhe com que...

—O que foi isso? Não ouviu algo?

—O que?

—Escute. Ouvi algo.

Zanita ficou muda.

—Eu não ouço nada.

—Olhe, é meia-noite.

Então sim ouviu. Primeiro muito longe e pouco a pouco foi aproximando-se. Era o som de cascos de um cavalo. Ouviam-se as rédeas açoitar o ar e umas rodas de madeira correr sobre... as lápides.

Zanita estava paralisada de terror. Esperava ver uma carruagem surgir das trevas e um corpo em decomposição aparecer na janela. Conteve a respiração.

Uma mão lhe acariciou a nuca.

Zanita deu um grito assustador. Tyber estava gargalhando com um gravador na mão. Olhou-o com agressividade. Devolveu-lhe um olhar ingênuo.

—Evans, eu vou matá-lo.

Tyber ainda não havia desligado o motor, quando Zanita saltou da caminhonete furiosa. Ele a seguia rindo, o que a enfurecia ainda mais.

—Eu vou matá-lo!

Tyber começou a correr ao redor da mesa de carvalho. Corria para um lado quando ela o perseguia pelo outro.

—Querida, foi só uma brincadeira.

—Quase me matou de susto. É imperdoável! —conseguiu apanhá-lo desta vez pelo braço.

Tyber pôs fim ao jogo de pega-pega e saiu correndo para o salão. Zanita foi disparada atrás dele. De repente, ele se deteve e se voltou a tempo de abrir seus braços para fechá-los em um profundo abraço quando ela se chocou contra ele. Tyber seguia rindo. Levantou-a para sacudi-la por cima de seus ombros.

—Solte-me imediatamente! —ordenou em uma resistência.

—É uma chamada às armas, meu sargento? Atacam-nos?

O barulho deve ter despertado Blooey. Estava de pé no corredor em uma camisola vermelha e com gorro. Esfregou os olhos meio adormecidos. Foiegras se sentou junto a ele. O gato se esfregou contra a perna de Blooey para fingir que ainda estavam plácidamente dormindo e abraçados na cama.

—Não é nada, Blooey. É só um arrebatamento de menina malcriada que aprende uma pequena lição na cabine do capitão— explicou Tyber dando um açoite em Zanita.

—Entendo. Que classe de lição, Capitão?

Tyber contemplou o quadril que se meneava vigorosamente sobre o colo.

—A lei do movimento e em particular da oscilação.

Incorporou-se e lhe beliscou o traseiro.

—Já basta!

—E você é o professor idôneo para repartir tais princípios — Blooey ria — Boa noite, Capitão. Boa noite, senhorita Masterson.

—Não me deixe sozinha com este psicopata!

Tyber fez tocar castanholas com os dentes.

—Mas, não tem noção do que está pedindo? Está pedindo socorro a um homem que acredita que está em um navio pirata amotinado. De verdade, às vezes você me preocupa, querida.

Suas mãos apertaram as nádegas da Zanita enquanto a encarapitava para subi-la até seu quarto.

—Tyber!... —gritou com os punhos fechados — Você é um canalha!

Tyber jogou a cabeça para trás para poder rir melhor.

—Obrigado pelo galanteio, querida.

 

Eram mais de cinco horas, embora tenha prometido a Tyber que estaria de volta as três para ajudá-lo com os preparativos do fim de semana. E, talvez tivesse chegado a tempo se não fosse pelo defeito. Seus convidados, os dela, iriam chegar ao cabo de uma hora. Tyber teria todo o direito do mundo de estar aborrecido com ela. Subiu as escadas lentamente e fechou a porta. Talvez conseguisse passar despercebida.

—Onde você se meteu? Liguei para o escritório milhões de vezes. Deus meu! O que aconteceu?

Estava com a roupa cheia de sujeira e rasgada à altura do ombro. Tinha a frente manchada de graxa.

Não respondeu logo. Estava atônita com o que viam seus olhos. Tyber vestia umas elegantes calças negras e uma camisa branca pregueada, impecável. Como era seu costume, arregaçou os punhos para deixar descobertos seus bonitos antebraços. Recolheu o cabelo para trás deixando que ressaltassem seus traços viris e o comprido pescoço. Até então sempre o tinha visto em roupa esportiva, a maioria das vezes em calças jeans. Estava realmente atraente. E também realmente zangado.

—Tive um defeito na estrada e tentei arrumar mas o contato falhava. Coloquei-me debaixo do carro, mas não houve maneira de arrumá-lo.

Tyber empalideceu.

—Está-me dizendo que ficou debaixo do carro?

—Bom, não exatamente debaixo.

Tyber se alisou o cabelo nervosamente.

—Mas por que não me chamou?

—Não foi necessário. Parou um caminhoneiro muito amável e me ajudou. Um encanto de homem.

—Você permitiu que um estranho ajudasse você em uma estrada deserta? Mas por acaso você ficou louca? Não lê os jornais? O cúmulo do absurdo. Ainda mais sendo você jornalista!

Zanita estremeceu. Estava armando um autêntico circo.

—Tyber, acho que você está exagerando um pouco.

—Mas por que não me chamou?

—Porque não queria incomodá-lo.

Resposta errada e que deveria ter economizado. Entendeu quando viu que as pupilas de Tyber se dilatavam. Tentou consertar.

—Além disso, não tinha como chamá-lo. Era uma estrada rural, não havia um telefone público em vários quilômetros.

Isso o apaziguou. Tyber pesou as palavras da Zanita durante uns instantes.

—Está bem só por esta vez. Mas da próxima, me chame.

Zanita concluiu que os homens sempre diziam este tipo de coisa sem ter em conta as circunstâncias. Se voltasse a ocorrer, é claro que ele poderia surgir do nada por arte de magia para salvá-la.

Era algo que nunca tinha podido compreender.

Seu avô Hank se comportava do mesmo modo. Zanita sabia que se dissesse amém a tudo, por mais idiotas que fossem seus propósitos, eles ficavam calmos logo em seguida e voltava a reinar a paz. E Tyber não era uma exceção a essa curiosa norma masculina.

—De acordo.

—Mills ligou para avisar que ia chegar dentro de meia hora —voltou a ranger os dentes com aquele comentário.

—Vou me arrumar. Serei rápida.

Ouviu-se um ruído na cozinha seguido de um grito do Blooey. Zanita se sobressaltou. Lançou- um olhar interrogador a Tyber.

—Mi-Maggy já está aqui.

Voltou-se a ouvir outro barulho seguido de um chiado ainda mais alto de Blooey e uma voz com acento inequivocamente irlandês.

—Não se preocupe. No fundo, se gostam muito. Por que me olha assim? —perguntou ante a expressão acusadora da Zanita que não lhe tirava o olho de cima.

—Vejo que você já está arrumado.

Tyber suspeitou que a avaria tinha lhe afetado de alguma forma. Aproximou-se e levantou o queixo de Zanita suavemente.

—Não se preocupe com nada. Acontece freqüentemente. Será melhor que se apresse.

Acariciou-lhe os lábios com grande cuidado em não roçar sua roupa manchada. Enquanto Zanita subia as escadas, acrescentou mentalmente à lista de compras um telefone celular.

 

—O que você acha, Mills? Não exagerei nem um pouquinho? — sussurrou Zanita a sua amiga.

—É exatamente como me descreveu. E o lugar é incrível!

As duas observavam Tyber bebendo, enquanto contemplava o pôr-do-sol da imponente janela panorâmica do salão.

—Eu odeio você, Zanita.

—Obrigado, Mills. Não sabe o quanto significa para mim ouvi-la dizer isto.

Falava seriamente. Mills tinha lhe dado a maior prova que amigas poderiam oferecer entre si: estava com ciúmes e confessava abertamente.

Ambas riram.

Tyber pensava em como Zanita estava linda quando a viu descendo as escadas um momento antes com um precioso vestido azul noite. Uma elegante gargantilha de ametista rodeava seu pescoço de cisne e ressaltava seus belos olhos.

Esboçou um sorriso. Zanita tinha jogado para frente sua franja encaracolada. O mais provável é que tenha tido dificuldade em limpar a mancha de graxa sem deixar vestígios. Tinha trabalhado um tempo com carros e...

A freada de uma Mercedes o distraiu, o carro estava muito rápido e tinha entrado em uma curva quase sobre as duas rodas laterais. Quem seria capaz de entrar em sua propriedade como se estivesse sendo perseguido por uma bola de fogo?

Esteve a ponto de enlouquecer ao comprovar que sua moto estava no meio do caminho e em linha reta com a trajetória do veículo. Agarrou o batente da janela com todas as suas forças. Os nódulos de seus dedos ficaram brancos.

—A Harley não! A Harley não!

Ouviu-se um choque, a freada, o barulho dos pneus e uma batida estrondosa.

Tyber deixou cair a cabeça sobre o vidro da janela. Fechou os olhos com sincera e dolorosa resignação. Um segundo mais tarde, uma música rap saiu da porta dianteira do carro. Zanita olhou com lástima para Tyber, perguntando-se o que teria acontecido. Ao ver que este não tinha intenção de abrir a porta quando soou a campainha, decidiu ir ela mesma.

—Zanita!

Uma voz nasal e forte invadiu o vestíbulo.

—Como me alegro de ver você! Não sabe como estou feliz!

—Tia!

Zanita se atirou nos braços de sua tia.

—Deixa que eu a veja.

A anciã levantou os braços de sua sobrinha para examiná-la melhor.

—Não vai acreditar nisso. Algum idiota deixou uma moto no meio do caminho.

Ouviu-se um grunhido da janela panorâmica. A mulher fez um gesto para dar por resolvido o assunto, como se este não carecesse de importância. Seus profundos olhos marrons se cravaram em Mills.

—Mas olhe quem temos aqui! Mills, querida, me dê um abraço!

—Tia, como está?

Mills abraçou a senhora. Tia entrou no salão com seu habitual gesto decidido e lançou sua bolsa de mão sobre a poltrona. Tyber pensou que levar bolsas grandes devia ser um traço genético que se transmitia de geração em geração na família.

—Por que não me disse que sua tia viria?

—Porque eu queria que ela viesse. Venha, já sabe que minha tia adora você.

—Pois que ótima maneira tem de demonstrar! Sempre me faz sentir como uma menina a quem surpreenderam com a mão na massa.

—Já sabe que não é nada pessoal. É assim com todo mundo.

—Me diga, querida, quem é esse homem tão divino?

Tia estava voltada para Tyber, que tentava aplacar sua aflição jogando os ombros para trás. Se a senhora voltasse a pronunciar com tanto ênfase a palavra divino, ia dar um ataque. Sua moto!

—Eu sou o idiota.

A expressão de Tia se voltou áspera. Zanita interveio.

—Tia, apresento-lhe Tyber. Como foi sua viagem?

—Foi terrível. Demorou uma eternidade— explicou ao mesmo tempo em que agarrava a bolsa — Lamento profundamente ter batido em sua moto, Tyber. Mande-me a fatura.

Estendeu-lhe um cartão antes de tirar o casaco de leopardo falso e deixara cair no sofá.

—Estou morta.

Tyber deu uma olhada no cartão. Batido na moto? A mulher a tinha destruído.

Zanita pigarreou. Tyber levantou a cabeça.

—Posso lhe oferecer algo de beber, Tia?

Zanita reparou que Tyber custava chamá-la assim.

Enquanto, Tyber pensava na bebida mais adequada que poderia oferecer a uma senhorinha que se dedicava a bater em motocicletas sem um ápice de remorso e que deixava para trás, sem escrúpulos o resultado de seu delito. Cicuta seria o mínimo.

—Água ou chá frio?

Fez uma pequena pausa.

—Um uísque, querido.

Atirou o cartão no cesto de papéis no caminho para o bar. Não tinha a mínima intenção de ficar em contato com aquela mulher. Nunca, jamais!

—Água ou gelo?

—Céus! Nada disso — respondeu com voz cavernosa — Traga-me o copo e a garrafa do Wild Turkey, me faça o favor.

Bateu com o dedo na mesa para lhe mostrar o lugar exato onde desejava que lhe servisse o copo. Tyber obedeceu sem pestanejar. Podia ser um idiota, mas não um imbecil rematado. Tia deu um generoso gole.

—Ah. Volto a me sentir como uma pessoa.

Tyber elevou o cenho. Não acreditava em uma palavra. Essa mulher pertencia a este planeta? Fala sério! Como uma pessoa séria usava três chapéus? Zanita recolheu o casaco de pele falsa.

—Vou pendurar o seu casaco. Vai tirar os chapéus, Tia?

—Só estes dois. Sempre fico com um. Já sabe. Marca da casa.

Olhou em direção do Tyber.

—Posso lhe pedir algo, jovem? Pegue a bagagem.

—Sem dúvida.

Saiu logo, contente de poder afastar-se do salão. Dessa mulher. Tia não desviou a vista dele.

—Um traseiro divino.

Tyber quase tropeçou, mas guardou a compostura e acelerou o passo.

—Mills, querida, como vai?

—Sem novidade.

Mills tinha jurado e perjurado que não proporcionaria a essa mulher nenhuma arma. Nenhuma. Agarrou um cogumelo recheado da bandeja que Blooey tinha posto em cima da mesa. Zanita voltou para salão.

—Sabe, Mills? Outro dia fui ao Bloomingdale's e vi uma blusa que ficaria linda com sua cor de cabelo. Claro que não sei se terão o seu tamanho.

Mills permaneceu calada. Voltou a deixar o cogumelo recheado onde estava.

—Desculpe - Tyber pigarreou — Há sete malas no porta-malas. De qual precisa, Tia?

—Não seja bobo, jovem. Todas, é obvio.

Tyber esteve a ponto de cair de costas. Zanita se sobressaltou ao ouvir o tom, digno de um coronel do exército, que empregou para chamar Blooey.

—Bom. Digam-me. Onde está o peixe gordo? Já chegou?

Tyber parou de respirar.

—Zanita, poderia falar com você a sós um minuto?

Sua voz soou muito baixa. Muito baixa. Zanita molhou os lábios e o seguiu até o vestíbulo. Tyber fechou as portas de correr com um golpe.

—Sim, Tyber — começou com expressão doce e cândida.

Não funcionou. Tyber estava soltando fumaça pelas orelhas. Estava a ponto de explodir.

—Veio com sete baús! Está comodamente sentada bebendo de meu melhor Bourbon! Apenas seus lábios se movem quando fala! Destruiu minha moto!

Sua última afirmação, a fez com raiva.

—Bom...

Optou por justificá-la pelo menor dos males.

—Bom, Tia foi aluna de uma das escolas mais refinadas da Nova Inglaterra.

—E o que tem isso a ver?

—Bem, naquela época lhes ensinavam a falar assim.

Mordeu os lábios à espera de descobrir se tinha conseguido acalmá-lo. Nada, absolutamente.

—Zanita, se até atreveu-se a emitir um julgamento de valor sobre meus...

Parou. Envergonhava-se de admitir em voz alta.

—Minhas nádegas! —exclamou com fúria.

Zanita tampou a boca e conteve a risada. Tyber franziu o cenho.

—Bom, merecem ser comentadas.

Tyber sabia reconhecer quando não tinha sido hábil. A vergonha que tinha passado na última meia hora o envenenava. Não obstante, contra sua vontade, esboçou um sorriso. Estava intimidando-o. E não estava certo de querer deixar-se intimidar. Maldita seja! Tentou zangar-se de novo.

—Você a convidou para passar apenas o fim de semana, não é?

—Amanhã você estará apaixonado!

Tyber cruzou os braços com ar de dúvida.

—Bom, tudo é relativo. Depende do seu ponto de vista.

—Não me venha com piadas de físico! —brincou ela.

O semblante de Tyber relaxou. Tomou Zanita em seus braços e se inclinou para beijá-la.

A porta do vestíbulo se abriu e Mills colocou a cabeça.

—Se me deixarem sozinha ali dentro mais um minuto, vou matá-la com minhas próprias mãos. Parem com tantos beijos e cumpram já com suas obrigações de anfitriões!

Tyber suspirou com resignação. As mulheres tomaram cada uma de suas mãos e o levaram de volta ao salão.

O sorriso artificial de Tia lhes deu as boas-vindas.

—Pode saber-se que classe de travessura estavam fazendo na outra sala? Venha sentar-se a meu lado, querido. Quero saber tudo a a seu respeito.

Tyber emitiu um grunhido.

 

LaLeche chegou na hora certa. As sete em ponto.

Entrou no vestíbulo esbanjando charme. Em seguida deslumbrou os convidados, tal como Zanita havia esperado, se desfazendo especialmente em elogios para Tia. Não sem antes, é preciso dizer, cantar louvores a formosa mansão vitoriana de Tyber, enquanto despia Zanita com o olhar.

Esta se sentou na poltrona de veludo verde. Agradecendo aos céus por ter evitado que LaLeche assistisse à cena que tinha ocorrido entre o vestíbulo e o salão. Dava-lhe calafrios só em lembrar.

Ouviu-se outro barulho procedente da cozinha com o conseguinte alarido de Blooey, que irrompeu no salão com colher em riste sem poder conter sua indignação.

—Dessa vez a coisa ficou preta, Capitão! Dessa vez a meretriz passou dos limites!

Tyber, aliviado por poder escapar das garras de Tia, se dirigiu ao lugar do conflito.

—O que ocorreu, Blooey?

Blooey apontou com o dedo à corpulenta mulher que estava de pé em frente a eles.

—Colocou sal no meu vichyssoise[2]!

Todos os olhos pousaram na culpada, que ficou impávida. Era um mastodonte. Tinha posto um gorro de cozinheira que deixava ver um par de cabelos cinza perto das orelhas. Com um semblante rude deixava transparecer uma grande intransigência.

Um avental branco cobria um trapo de flores que talvez um menino pudesse chegar a qualificar de vestido.

Dava o aspecto de uma de tantas cozinheiras de cantina que Zanita tinha tido ocasião de ver durante seus anos de colégio.

A típica mulher robusta de uma cozinha institucional que, entre ingredientes de má qualidade, gordura, sal e carne de procedência duvidosa. Ocupava-se da comida dos numerosos meninos da população escolar.

Com os braços cruzados, a mulher elevou o queixo desafiante.

—Este homem tem chumbo em vez de cérebro.

Fez-se um silêncio sepulcral. Zanita deduziu que a metade dos presentes estava muito estupefata para poderem reagir e que a outra metade estava de acordo com o mastodonte, mas eram muito corteses para confessar abertamente.

Supondo-se que ninguém desejava infringir as normas do hóspede - que dizia que ninguém insulte o cozinheiro do anfitrião e que este os obsequiasse com a melhor comida. — O silêncio era perfeitamente compreensível. Compreensível dadas as circunstâncias.

Tyber se dirigiu ao casal e pôs sua mão sobre os ombros de ambas as partes do litígio. Zanita já sabia o método que iria utilizar o Capitão e que consistiria em «tenhamos paz na festa» ou «aqui não aconteceu nada».

—Vejamos, Blooey. Estou certo que não fez de propósito, não foi Minha-Maggy?

Teve a precaução de não lhe dar tempo para falar.

—Blooey, sabe muito bem que uma tripulação de um só membro pode fazer naufragar o navio. São tempos de risco e devemos poder contar uns com os outros. Não vamos permitir que estranhas criaturas voltem a nos atacar.

Blooey baixou a cabeça envergonhado. Minha-Maggy olhou para Tyber perplexa.

—Claro, senhor Tyber, está conduzindo muito bem o assunto. Ainda assim, você tem algo no cérebro, diferente desta cabeça de vento.

Tyber deu uns tapinhas nas costas deles, os induzindo com gestos para que voltassem a por mãos à obra.

—Pronto...

—Sempre quando cozinhar, use seu espaço e me deixe tranqüilo no meu.

A voz de Blooey foi se extinguindo enquanto voltavam para o salão. Tia foi a primeira em se refazer do susto.

—Sempre gostei de homens que sabem dirigir situações difíceis.

Como se estas situações fossem muito comum. Zanita se escondeu atrás do copo de chá gelado.

—É divino, Zanita! Onde encontrou este homem?

Não se lembrava do que tinha contado a sua tia. De repente, soou a campainha da porta. Ela e Tyber apareceram de diferentes lugares para abrir. Seus olhos se encontraram com a mesma expressão grave.

—Animo Zanita! —Murmurou antes de abrir a porta.

Stan Mazurski, o físico, estava diante dele. Mas sem sua esposa. Junto dele, um dos meninos mais bonitos que Zanita já viu, sorria. Um cabelo azeviche e uns olhos verdes esmeralda o tinham condenado a se converter irremediavelmente em um futuro sedutor.

Zanita examinou atentamente, o físico meio calvo com óculos de fundo de garrafa. Como tinha podido sair dele aquela riqueza de menino? Sua mulher devia ser muito bonita.

—Olá Stan. —Disse Tyber em tom interrogador olhando o moço.

—Boa noite, doutor Evans.

—Tyber, se não se importar.

Tyber esboçou um sorriso. Stan era um homem moldado à antiga. Suas origens europeias teriam contribuído sem dúvida a isso.

—Obrigado, Tyber. Espero que não o incomode que tenha vindo com o menino. Minha mulher se desculpa por não ter podido vir esta noite. Sofre de uma enxaqueca terrível que não a deixa viver.

Mostrou dissimuladamente o menino com o queixo para dar a entender a origem da dor de cabeça.

—Precisava descansar um tempinho, então não me restou mais nenhum remédio, que trazê-lo. Do contrário, teria que cancelar seu amável convite, o que não desejava fazer de jeito nenhum e muito menos no último momento.

—Não se preocupe, Tyber. Seu filho é bem-vindo a esta casa.

—Mas não é meu filho!

A Zanita divertiu da maneira em que negava a paternidade do menino. Seguro que essa criatura de ar angélico era uma fantasia de diabo.

—Não temos filhos. É meu sobrinho Cody, o filho de meu irmão Gregor.

Tyber abaixou-se.

—Olá, Cody.

Estendeu-lhe a mão. O menino reagiu em seguida. Não era tímido.

—Tudo bem?

Estreitou a mão de Cody.

—De quem é a moto esmagada que está no meio do caminho? Greg tinha uma, mas eu não lembro porque ainda não tinha nascido. Gostava de dar voltas. Isso foi até que decidiu levar uma vida bo... bohema.

—Boêmia — Corrigiu Stan em tom suplicante.

Tyber soltou uma gargalhada. Gostava dos meninos travessos e este era sem dúvida um demônio.

Zanita tentou entender a súbita mudança de assunto do menino.

—É verdade, seu pai conduzia uma moto no sul da França?

Stan queria ser tragado pela terra.

—Cody, comporte-se.

Tyber estava adorando.

—Está tudo certo, Stan. Vou dizer a Blooey que lhe prepare algo bem gostoso. Você gosta do frango frito?

A cara de Cody se iluminou.

—Sim!

Tyber tentava se render, ante a evidência que os meninos nem conheciam nem apreciavam a cozinha refinada. Para um menino o mais delicioso dos manjares consistia em um prato de espaguetes com tomate. Blooey estava cozinhando frango marinado para o jantar. Sabia que o mordomo resmungão se desfazia com os meninos e que se alegraria de fritar uma parte de frango para Cody. E não se surpreenderia que em um arrebatamento, decidisse acrescentar à carta de sobremesas um bolo de chocolate assado a toda pressa.

 

—E a que se dedica seu pai, homenzinho?

A intromissão de Tia não conhecia limites. Estavam todos sentados na mesa cheia de convidados. Era uma sala muito bonita. No centro ressaltava um centro de flores combinadas com um gosto delicioso. Zanita supôs que Tyber teria se encarregado desses pequenos detalhes enquanto ela sofria o percalço com o carro.

Zanita pensou que mais tarde deveria lhe dar os parabéns. Do mesmo modo, tinha observado para seu grande alívio que o discurso de Tyber na cozinha tinha surtido efeito e tinha havido paz. Minha-Maggy tinha servido o infame vichyssoise cujos restos o menino, contra todo prognóstico, tinha comido do prato.

Cody ficou surpreso com a pergunta de Tia já que lhe custou entender que se dirigiam a ele. Deu de ombros uma vez que metia na boca um rolinho de pão com manteiga. Respondeu com a maior inocência do mundo.

—A que se dedica seu pai?

—Se dedica às mulheres.

—Cody. — Stan repreendeu entre dentes.

—Mas, é verdade, tio. Quando vemos a televisão, sempre me comenta o que gostaria de fazer a esta garota ou a outra.

Zanita tossiu.

O sorriso de Tia se desvaneceu.

Stan ficou vermelho como um tomate.

Mills pestanejou várias vezes.

De Tyber saiu uma risada.

—A verdade sempre sai da boca dos meninos. É como um sopro de ar fresco — interveio LaLeche limpando a boca com o guardanapo.

Era a primeira vez que Zanita desejava lhe agradecer. Soube intervir no momento adequado e romper o gelo com seu meloso encanto.

—A que se refere, senhor LaLeche? —Tia, que estava sentada a sua direita, se voltou para ele.

—Os meninos não carregam anos de culpa, dor e humilhações. Por isso são tão puros.

Que o menino era puro, ninguém tinha a menor dúvida, pensou Mills para si mesmo.

—Como muito bem sabem nossos anfitriões, um dos aspectos essenciais de meu trabalho consiste em romper as correntes do menino que todos levamos dentro de nós e liberá-lo.

Cody se animou.

—Há outro menino aqui?

Todos riram.

—Sinto muito, amigo. Só você.

Minha-Maggy apareceu com o prato principal, seguida de Blooey que sustentava um prato com uma pilha de frango frito. Pôs diante de Cody com expressão radiante.

—Aqui está. Preparei especialmente para você.

Os olhos de Cody faiscaram. Lambeu os lábios e se dispôs a atacar. Seu tio o deteve.

—Cody, espere que todos estejam servidos.

Mills pensava que era um tio muito responsável e o elogiou.

—Obrigado, Mills. Eu gostaria que meu irmão pudesse ouvi-la.        

Temos algumas diferenças a este respeito.

Não entrou em detalhes devido à presença de Cody.

—Vejo que foi uma boa inclusão nesta casa. Disseram-me que gostou de minha sopa.

—Estava de lamber os beiços.

—Não ocorreu alguma vez em se converter em grumete, moço?

—O que é isso?

—O grumete ajuda o capitão em um navio. Em um navio pirata como este, por exemplo.

Os olhos verdes de Cody estiveram a ponto de sair das órbitas.

—Você esteve em um navio pirata?

Blooey teve seus segundos de heroísmo.

—Bom. Contarei melhor quando chegarmos às sobremesas. Para você há bolo de chocolate.

Tyber esboçou um sorriso.

—Eu gosto deste lugar, tio! Temos que vir mais freqüentemente.

—Vamos ver.

—Seu pai se dedica ao mesmo trabalho que seu tio? —Tia não desistia. Não existe pergunta que não tenha resposta se a gente sabe insistir o suficiente.

—Greg, não prega em pau na água. É um inconfa... inconfor...

—Inconformista — suspirou Stan ao tempo que caçava o vôo do guardanapo do menino, que esteve a ponto de cair ao chão.

—Me parece que deve ser um tipo interessante — declarou LaLeche.

Mills não suportava os aduladores.

—E sua mãe trabalha? — Mills perguntou a dele.

—Bom — vacilou Cody um instante — Participava de rodeios. Papai diz que me deram o nome por causa de um tio apelidado Buffalo Bill.

Mills esteve a ponto de se engasgar.

—O irmão de sua mãe é cavaleiro de rodeios?

Voltou-se para Stan com uma expressão de horror que refletia as oito gerações de líderes ianques que tinha por ancestrais e faziam para ela que fosse inconcebível qualquer profissão que não requeresse vestir fraque e gravata.

Cody soprou.

—Minha mamãe nunca foi sua esposa. Acredito que Greg nunca se casará — Cody teve o descaramento de olhar fixamente para Mills —Tem muitas namoradas.

Stan ficou vermelho como um pimentão.

—Zanita me disse que você é realmente divino, Xavier.

Tia já tinha satisfeito sua curiosidade com respeito ao pai de Cody e decidiu passar a sua seguinte vítima. Neste caso, a vítima de honra.

—Acredito que isso é um exagero.

Sempre há um momento para a falsa modéstia. Mas naquele contexto não pegava muito. Tia se aproximou.

—É verdade que faz rituais de cura? Asseguro que é um tema que me apaixona.

—Querida, se apaixonar é o mínimo que pode acontecer a alguém com este dom.

LaLeche cravou seus olhos nos de Tia como se estivesse enfeitiçado não sem antes alisar avidamente o anel de esmeralda e rubi que adornava o dedo indicador da mulher.

Stan deixou cair o garfo ruidosamente sobre o prato.

—Você não estará falando de cura de doenças físicas?

—Sim, claro que sim, querido — espetou Tia.

—Doutor Evans, você não acredita nessas coisas?

Agora sim que estava entre a cruz e a espada. Zanita fez uma careta. Se Tyber negassea, LaLeche suspeitaria. Se admitisse, o doutor Mazurski perderia o respeito que professava ao Rei dos Físicos. E se arriscava a que se estendesse o rumor entre os colegas de Tyber. Aquilo poderia produzir sérias repercussões profissionais. Zanita mordeu o lábio inferior. Lamentava profundamente ter metido Tyber em semelhante confusão. Se pudesse ler a mente de Tyber, se deu conta em seguida que não estava fazendo isso sem necessidade. A Tyber importava bem pouco o que pudessem comentar seus colegas a respeito dele. Seu trabalho era sua melhor garantia.

Entretanto, antes de responder deu um longo gole em sua taça de vinho para poder oferecer uma resposta que fosse do agrado de todos.

—Stan, a estas alturas deveria saber que estou aberto a todo tipo de coisas.

—Sim, mas...

—Greg acha o mesmo — afirmou Cody — Sempre diz que não se deve descartar nada nesta vida, porque pode estar cheia de surpresas.

Se Tyber pudesse o teria enchido beijos nesse momento.

—Ao que parece, Greg é uma fonte inesgotável de sabedoria - sussurrou Mills entre dentes.

Zanita lhe deu um chute por baixo da mesa.

Depois do jantar todos se dirigiram ao salão.

Mills fez uma ligação e justamente quando acabava de desligar, se encontrou ou, melhor dizendo, se chocou com Cody. Olhou o menino com ar de assombro.

Cody a observou e juntou os dedos para formar o sinal de OK.

Mills ficou sem fala.

—Quantos anos tem?

Cody riu.

—Seis.

—Vive a maior parte do tempo com o tio Stan, não é? —perguntou Mills desejosa de obter uma resposta afirmativa.

—Não. Vivo com Greg. Somos unha e carne.

—Entendi— o agarrou pela mão para conduzi-lo até o salão.

 

Tyber estendeu a mão para a estante e pegou o livro de teoria quântica de que tinha falado a Stan.

— Arthur Bloomberg está trabalhando para você? — perguntou Stan olhando o livro.

—Sim.

—O que lhe aconteceu? Era um matemático brilhante.

Tyber esfregou a orelha.

—Acredito que teve problemas sérios de convergência.

—Entendo.

Stan olhou com admiração para Mills quando a viu aparecer com Cody agarrado pela mão.

—Mills parece muito agradável. É casada?

—Ela não, mas você sim.

Stan ficou vermelho.

—Mas não estava pensando em mim e sim em meu irmão! Parece uma mulher muito razoável. Precisamente o que lhe faz falta.

—E por quê?

—Melhor nem perguntar! Meu irmão é... bom é... é um crápula!

Tyber tentou imaginar Stan levando uma vida louca e apagou de sua mente em seguida essa imagem improvável.

—Não sei, Stan. Acredito que não deveria se misturar.

Stan esfregou o queixo.

—Suponho que tem razão. Mas é uma lástima que as coisas sigam assim. Ouça, Tyber, foi a sério com isto de cura física.

—Entre nós?

Stan assentiu com a cabeça.

—Quem sabe? Pode haver gente capaz de fazê-lo. Mas não este homem. Mas, peço que guarde o segredo.

—Fique tranquilo. Vou dar-lhe razão. Não vou descartá-lo totalmente a princípio, mas muito pouco tem a ver com o que nós estudamos.

Tyber sorriu.

 

—Tem um gato! Um gato!

O menino adotou a voz de surpresa típica do menino de seis anos que acaba de receber um jogo de computador ou navios de guerra. Saltou da cadeira e foi para perto de Foiegras. Os olhos do felino se abriram durante uns instantes e voltaram a relaxar em seguida.

Zanita pensou que o gato já teria digerido as sobras que lhe davam na cozinha. Conhecendo o gato como conhecia, o mais provável é que tivesse saído para ver se encontrava alguma coisa pelo chão. Suportaria o menino até descobrir que não tinha nada a lhe oferecer. Mas fazendo honra a sua raça, fez exatamente o contrário. Quando Cody pôs a mão sobre sua massa generosa e afundou sua cara na pelagem, Foiegras fechou os olhos de prazer e soltou um estranho som, que se assemelhava a um ronrono. Zanita olhou para Tyber assombrada.

—Eu não havia percebido, Cody adora os gatos.

Stan se dirigiu aos convidados com um amplo sorriso. Enterneceu-se perante a imagem de seu sobrinho abraçado ao animal.

—Ele não pode ter um gato onde vive?

A voz de Mills destilava tristeza. Adorava os gatos e estava tomando carinho por Cody. Em sua casa também era proibido ter animais de companhia.

—Não é por isso.

Cody acariciou a cabeça de Foiegras.

—Greg e eu devemos preservar nossa independência e estar livres de empecilhos. Queremos poder partir em qualquer momento e a qualquer lugar que nos leve nosso instinto.

O Pai Desatento já tinha acrescentado mais pontos em sua lista negra.

—E a escola? — se voltou para Stan — Seguro que seu irmão...

Calou-se, pois se deu conta de que estava infringindo as normas de cortesia.

Stan olhou para Mills sacudindo a cabeça.

—Outro tema de controvérsia entre meu irmão e eu.

Uns momentos mais tarde, Blooey requereu a atenção de Tyber da soleira da porta.

—Há alguém que deseja entrar. É um cavalheiro que diz se chamar Gregor Mazurski. Abro a grade e o deixo passar?

Tyber aprovou de um gesto.

—Abra, Blooey.

Um momento depois, Gregor Mazurski entrou no salão. Todo mundo ficou estupefato já que não se parecia em nada a seu irmão.

Gregor media quase dois metros. Tinha uma espessa cabeleira negra que contrastava com uns bonitos olhos verdes. Calçava botas negras e vestia umas calças jeans e jaqueta de couro. Só uma jaqueta marrom um pouco desalinhada danificava o conjunto sem dúvida atrativo.

Zanita olhou para Mills. Mills olhou para Zanita. Ambas queriam dizer o mesmo: « Muito gostoso!».

Ao ver seu pai, Cody deixou Foiegras e correu para se equilibrar em seus braços. Gregor levantou o menino segurando com as palmas da mão por debaixo das nádegas. Mills não podia saber que Gregor tinha deixado seu filho fazia apenas umas horas. A julgar pelo que tinha ouvido ao longo da noite, concluiu equivocadamente que não tinha visto seu filho há muito tempo. Saltava à vista que seu filho o idolatrava. Por mais gostoso que fosse, não deixava de ser um crápula.

—Greg! —o menino abraçou seu pai com força.

—Filhote! Como o estão tratando por aqui? —perguntou acariciando o cabelo de seu filho — Se por acaso ainda não sabem, há uma imponente Harley feita pedacinhos aí fora.

Tyber esfregou a testa. É possível que ele também necessitasse das pastilhas contra a enxaqueca da senhora Mazurski. Se alguém voltasse a mencionar a moto, traria a sucata ao salão para fazer um velório.

—Fique a vontade, Greg. Você está em sua casa. Sou Tyber Evans.

Gregor tinha ouvido falar de Tyber Evans e sempre tinha admirado sua atitude inconformista. Atitude que em alguns aspectos compartilhava. Por conseguinte, estranhava bastante constatar que seu irmão estivesse próximo a ele. Em todos os pontos de vista, tinham muito pouco em comum.

—Obrigado, mas o menino deve estar muito cansado.

—Não estou cansado!

—Conheço essa expressão pensativa. Poderia nos dizer no que está pensando, doutor? — brincou Stan.

—Pois estava pensando em entropia, nos habitantes do Tibet e na teoria quântica.

—Grande salada! — exclamou Greg.

—É divino que lhe ocorram estas coisas — interveio Tia — Conte-nos mais a respeito disso.

Tia não tinha nem idéia desses temas, mas Zanita sabia que sentia fraqueza pelos «pensadores».

—Se trata de uma cultura espiritual oprimida por um regime que para eles representa a desordem. Seus costumes estão sendo eliminados e aqui é onde surge a entropia. Bem, em mecânica quântica o observador não pode evitar exercer uma influência sobre os resultados de um experimento ou de uma observação. Na realidade, passa a formar parte de dito experimento pelo mero fato de estar presente. E agora se perguntarão: como influímos nós no que acontece no Tibet e como influi o Tibet no que fazemos nós?

Stan interveio.

—Mas, doutor, você está estabelecendo um parâmetro entre aspectos quânticos e o mundo macroscópico. E como você sabe, a ciência quântica se ocupa do microuniverso e suas teorias não são necessariamente aplicáveis aos parâmetros do microcosmos.

Tyber decidiu fazer o advogado do diabo.

—Seriamente? Estamos falando do reino espiritual, Stan, que não deve ser nem micro nem macroscópico. Que aspectos quânticos podem se aplicar segundo você?

—Pois nenhum. Nisso me apóio precisamente, se trata de um reino diferente e, por isso, os aspectos que mencionou não podem se aplicar. A física não tem por que passar, desaprovar, estar de acordo ou em desacordo.

—Temo que não esteja de acordo. Se as leis forem universais e o universo espiritual forma parte do universo, as leis são aplicáveis. Do contrário, está se produzindo o desmoronamento do sistema de crenças e as leis carecem de sentido.

—Não. A teoria científica não tem nada a ver com uma visão do mundo espiritual. Os espiritualistas examinam o universo diretamente enquanto os físicos o examinam através da abstração, conhecida como matemática, isto é, a linguagem da realidade e não a realidade.

—Uma teoria interessante, Stan — elogiou Tyber antes de esgrimir um argumento contrário — Quer dizer que agora a abstração e religião são a realidade? Isso vai contra...

Greg interrompeu aos dois homens, que tinham se esquecido do resto dos convidados por completo.

—Os físicos adoram se enrascar neste tipo de discussões esotéricas. Acredito que tentam nos fazer acreditar que são gente de espírito aberto.

Todos riram agradecendo que ele tivesse posto fim a aquele discurso. Zanita suspirou de alívio. Mills se perguntou se Greg não estaria criticando com subterfúgios o conformismo de seu irmão.

—Estive no Nepal uma vez…

Gregor deu um gole ao café.

—Greg esteve no Nepal e conheceu o Dali Lombo — Cody se levantou do chão com o lábio inferior melado de chocolate e o superior de leite.

—O Dalai Lama — lhe corrigiu Greg.

—Maravilhoso!

O tom de LaLeche deixava adivinhar que era entendido no tema.

—Decidiu fazer uma viagem interior.

Os olhos de Gregor brilharam.

—Poderia se dizer assim.

Cody lambeu o garfo enquanto proporcionava mais detalhes.

—Uma tia que ele conhecia o levou ali de viagem e lhe explicou todas as maneiras de fazê-lo, não foi Greg?

Mills e Zanita se olharam. Stan, como de costume, ficou avermelhado. Tyber se pôs a rir.

—Chega, Filhote.

Greg abraçou seu filho por trás e lhe cobriu a boca. Cody se movia e ria atrás das mãos.

Os olhos verdes vivazes de Greg se encontraram com os de Tyber. Ambos sentiram uma conexão secreta e instantânea e souberam que tinha nascido uma amizade. Depois, por algum motivo que nem o próprio Greg conseguia entender, seu olhar posou em Mills.

Mills estava levando a taça aos lábios. Estremeceu ao sentir que dois pares de olhos penetrantes a observavam. Sentiu calafrios. Tentou se recompor e decidiu romper o feitiço tomando um gole da taça.

Gregor soltou Cody e se levantou.

—Agradeço-lhes muito sua hospitalidade, mas de verdade temos que ir. Tyber, se necessitar ajuda com a moto, não hesite em me chamar. Adoro fazer que as coisas voltem a vida. Tenho uma longa experiência.

Se dirigia a Tyber mas não tirava olho de Mills.

Mills evitou as indiretas e insinuações de Greg deliberadamente. Embora o filho fosse adorável, o pai era um imprestável. Embora gostasse da maneira em que seu cabelo ondulado caía sobre seus ombros e tivesse os olhos mais lindos que já tinha visto.

Cody se despediu carinhosamente de todo o mundo. Depois de ter dado boa noite a Mills, olhou com um sorriso resplandecente a seu pai, seu pôs a franzir o cenho como mostra de cumplicidade e a fazer gestos com os dedos.

No corredor, Gregor ajudou Cody a colocar o capacete. Olhou de novo em direção de Mills e rodeou seu filho com o braço. Estava feito.

Partiram tentando assobiar uma canção juntos.

 

—Acha que Tia estará a salvo na mesma ala que LaLeche?

—A pergunta é; acha que LaLeche está a salvo na mesma ala que Tia?

Zanita lhe mostrou a língua. Tyber fez uma careta.

—Não vai dormir esta noite?

Tinha lavado o cabelo, o tinha secado, tinha tomado um banho, passou creme, contemplado no espelho com toda sorte de caretas para comprovar que não lhe tinha saído nenhuma ruga nova desde a manhã e colocou perfume, Tyber tinha esperado pacientemente durante todo este longo ritual.

—Já vou.

—Espera alguém esta noite?

Voltou a cabeça bruscamente.

—O que quer dizer?

—Bom, a julgar pela forma como está se polindo, não sei a quem estará esperando mas certamente que não sou eu. Eu já estou na cama. Vê? Sozinho.

Bocejou ruidosamente.

—Estava pensando. Sempre que penso em algo me ponho a caminhar.

—Pode caminhar e pensar ao mesmo tempo? Estou impressionado, querida.

Zanita deu uma corridinha antes de se equilibrar sobre ele. Riu enquanto ambos rodavam sobre a cama.

- Agora já sabe por que tenho que alojar meus convidados em outra ala. Porque de noite se converte em uma gata selvagem.

—Não lhe interessa saber no que estava pensando?

Inclinou-se para lhe sussurrar ao ouvido.

—Não.

—Me perguntava se tudo isto vale a pena.

Ficou calado. E sua voz se tornou profunda.

—A que se refere?

—Não sei se vamos poder encurralá-lo. Montamos todo este cenário e agora não estou certa se...

Tyber tirou todo o ar que ficou aprisionado em seus pulmões. Esteve a ponto de lhe dar um enfarte.

—Querida, não temos que encurralá-lo nem nada do estilo. Só devemos observá-lo, falar com ele, surrupiá-lo. Como sempre, agirei quando menos ele esperar. Confie em mim, será algo que lembrará toda sua vida.

—Me assusta quando fala deste modo.

Tyber se pôs a rir. Baixou a cabeça.

—Queria agradecer o muito que se preocupa por mim. É muito amável, doutorzinho.

—Quero ver como me agradece.

Seus lábios quase roçavam os dela.

—Ficou muito aborrecido por causa da sua moto?

Afastou-se e franziu o cenho.

—Quer me amargurar a noite?

—Tia lamenta seriamente.

—Pois disfarça muito bem! Esqueça da moto. É uma dessas coisas na vida que tem solução.

Zanita fez uma careta.

—Estou vendo que não se esqueceu.

Mordeu-lhe o lábio inferior e começou a sugá-lo.

—Me faça esquecer.

—Tyber.

—Sim — grunhiu.

—Acredito que deveria falar com Tia.

—O que está acontecendo, Zanita? Não quer esta noite?

—Do que está falando? —enrolou-se em seus braços — Perdeu a razão? Estamos falando de pedir desculpas a Tia.

—Como? — voltou a grunhir pela segunda vez como pouco antes.

Zanita ignorou a sua cara de indignação.

—Lamenta muito o acontecido. Acredito que se desculpar-se com ela por ter deixado a moto no meio da estrada, talvez se dê conta que foi culpa sua e se sinta melhor.

—Para começar, estava no caminho, o caminho que conduz até minha casa, e não na estrada. Para continuar, foi culpa dela. Chegou conduzindo como uma louca a cem quilômetros por hora no mínimo. Além disso, não quero que se sinta melhor embora não tenha com que se preocupar porque sua tia se esqueceu de minha moto antes de ter tido tempo de sair do carro. E por último, não penso em me desculpar.

Seus belos olhos violetas se nublaram de lágrimas.

—Fala a sério?

Tyber deixou cair os ombros. Suspiro. As lágrimas fizeram que se rendesse. Pelo visto, Zanita era quem mais sofria por causa do ocorrido. Sua mulher era imensamente bondosa.

—Está bem.Vou pedir desculpas.

—Obrigado, Tyber. Sabia que cederia quando tivesse refletido.

Tyber esfregou o nariz contra o dela.

—Está me enganando.

—Não sei. Bom, o que acha que devo fazer? —respondeu com charme.

Tyber sorriu.

—Isto é um pouco perverso.

—E ser perverso aqui é como ser perverso no Nepal?

Tyber riu entre dentes. Recordou a expressão de Greg por cima da cabeça de seu filho.

— Nunca estive no Nepal. Mas esteja certa de que o acrescentarei a minha lista de viagens pendentes.

Zanita deslizou o pé pela perna de Tyber.

—Que mais tem pendente em sua lista de desejos por cumprir?

—Isto.

Beijou-a no pescoço ao tempo que agarrava cada uma das cúpulas de suas nádegas com as mãos.

—E isto.

Pôs sua perna nua entre as coxas da mulher até roçar comodamente a cova oculta no meio das pernas. Zanita estava a ponto de se render. Tyber gemeu de excitação.

—Tem a pele quente — observou Zanita lhe acariciando as costas.

—Bom, o calor é um movimento de expansão térmica.

Apartou a perna e pôs em seu lugar seu membro ereto, que começou a deslizar ao longo da fenda úmida.

—Afirmou o erudito.

—Entretanto, não se trata de uma expansão uniforme por todo o corpo.

—Ah, não?

—Verá.

Meteu o mamilo na boca e o sugou com cuidado.

—Não em todo o corpo a não ser nas partes menores.

Soprou sobre o peito. Zanita conteve o ar.

—Entendo.

—O corpo necessita diferentes alternativas de movimento.

A penetrou suavemente. Seu movimento lhe arrancou um gemido.

—Precisa estremecer constantemente.

Retirou-se para entrar de novo com mais força. Zanita ofegava e seguia o ritmo.

—Precisa lutar.

Ela deu um grito afogado.

—Do que está falando, Tyber?

—Não sei.

Prosseguiu a lição de física. A agarrou e atraiu para ele para fundi-la com seu corpo. Seus lábios trêmulos procuraram com avidez a boca de Zanita e entrou nela com um beijo profundo cuja cadência refletia o rebolado dos quadris.

Estava se expandindo sob o efeito do calor.

Há vezes em que a prática acaba sendo a melhor maneira de ensinar uma lição.

 

Zanita olhou pela janela do dormitório do primeiro andar e vislumbrou as duas figuras que caminhavam ao longe pelas terras de Tyber que confinavam com o bosque.

Apesar da distância, pôde distinguir a esbelta silhueta de Tyber e seu passo decidido, que refletia algo de seu aspecto alegre e acima de tudo uma grande presença. O homem baixo que passeava junto a ele devia ser, a julgar pelos gestos veementes, LaLeche.

Depois do almoço, Tyber decidiu acompanhar LaLeche para fazer uma visita guiada a suas propriedades. Queria comprovar se LaLeche era capaz de relaxar o suficiente para baixar a guarda.

Quando comentou a idéia a Zanita, esta deu de ombros e pensou que não podia fazer mal a ninguém. Por enquanto, a personalidade de LaLeche não tinha transluzido nada; quanto a eles, não tinham revelado nada importante. Zanita percebia que Tyber não tinha aberto as portas de sua casa a LaLeche de coração. Desde o começo soube que Tyber era um homem caseiro e que sua vida social se reduzia ao que tinha visto até então, tinha a intuição que as recepções em sua isolada mansão eram contadas.

O que ia fazer o pobre homem agora que estava com ela?

O tinham invadido em sua própria casa, em seu santuário. Tinha tido que ir contra seus princípios. Entretanto, era um anfitrião encantador. Então surgiu uma pergunta que a carcomia.

Faria tudo isto só por ela?

Zanita sabia que podia minimizar as implicações que revestia semelhante gesto o justificando com a investigação. Ambos estavam muito envolvidos nela. Podia sossegar sua consciência e pensar que só um fim de semana não tinha bastado para que a vida de Tyber desse um tombo mas sabia que isso seria enganar a si mesma.

A verdade era que o estava fazendo única e exclusivamente por ela.

As flores. As comidas deliciosas em lugares suntuosos. As calças de vestir. Puxa vida.

O fazia por ela.

Acaso o Capitão estava se delatando?

Mordeu-se o lábio. Se fosse assim, como ela deveria agir? A palavra «negociar» e Tyber eram incompatíveis.

O vento alvoroçou o cabelo de Tyber. Era um homem realmente lindo. Debruçou sobre o batente e fez descansar o queixo sobre a palma da mão para se deixar levar por suas fantasias com seu amante erudito.

Anteriormente, a única relação séria foi com Steve. Descartou levar em conta o desastre que tinha sido o seu romance com Rick, que preferia pensar como sendo uma alienação mental passageira.

O certo é que nunca tinha experimentado nada parecido ao que sentia por Tyber. Caso esquecesse que ele estava um pouco louco, ela também seria capaz de embarcar nessa loucura, Tyber se entregava por completo. Mesmo quando fazia amor. Todo seu ser estava presente. Não havia nem passado nem futuro. Estava de corpo e alma.

Zanita deixou cair a cabeça sobre o vidro e esfregou sua pele cálida. Tinha avisado em repetidas ocasiões. Tinha dito a ele que não desejava iniciar nenhuma relação. Ele escutou?

Não.

Tinha feito a sua maneira e com seu desembaraço natural: presentes, jantares, cuidar dela como uma mãe quando adoecia e amá-la com desespero até ficar vazio.

Assediou-a. Não com as armas habituais. Não tinha recorrido nem a canhões nem a espadas, mas sim a tinha submetido com beijos com sabor de mel e ardentes carícias. Tinha arrojado a ofensiva com o calor de seu corpo. Tinha atacado Zanita com um desdobramento de suas artes de sedução.

Derrubou todas as suas barreiras.

Zanita suspirou e respirou profundamente tentando se levantar da investida. Não estava fora de combate. Ele tinha jogado o afiado gancho de ferro, mas ela seguia a bordo.

Seus olhos se entrecerraram ao vê-lo pela janela.

Ambos os homens se detiveram e conversavam animadamente um em frente ao outro. As pernas de Tyber adotavam uma postura de segurança. Suas mãos descansavam sobre os quadris. Essa pose altiva parecia estar dizendo: «me convença!». Já tinha tido ocasião de ver esta atitude com antecedência. Várias vezes. O canalha!

Bom, ela saberia ser mais persuasiva. Mais tarde, depois de ter se assegurado que ninguém poderia interromper, ia ocupar-se de sua corpulência para lhe demonstrar o que valia um pente.

Acabaram-se as manifestações efusivas de carinho.

Acabaram-se de uma só vez, carinhos sussurrado ao ouvido no meio da noite.

Acabou-se!

Trabalhavam juntos por uma causa comum. Eram colegas e amigos. Era hora de lembrar a Tyber o lugar de cada qual.

Zanita tragou saliva para aplacar sua confusão e algo mais inefável que lhe subia pela garganta. Seus ombros ficaram rígidos em uma tentativa por afugentar o súbito mal-estar que sentia. Reconhecia esse borboleteio como a fonte de um sentimento que poderia chegar a feri-la e que já a tinha ferido profundamente no passado.

Tyber era um homem adulto. Estava certa de que ele entenderia quando lhe dissesse que tinham que rever seus atos.

Zanita não deixava de duvidar. Encarar o doutor Tyberius Augustus Evans não era prato fácil, mas uma mulher devia assumir suas responsabilidades. Caberia a ela voltar a represar os passos de ambos. Se deixassem livres os seus sentimentos, Tyber faria com que ambos acabassem de maneira perigosa.

E pelo bem de sua paz interior, uma chamada à ordem se impunha.

 

—Tyber, você conseguiu criar um remanso de paz nesta selva de desassossego chamada vida moderna. Não é de admirar que deseje passar seus dias de trabalho rodeado da beleza deste lugar.

Tyber o contemplava; só suas espessas pestanas conseguiam ocultar a profunda relutância que sentia. Tinha visto ostras de rocha com menos porcaria incrustada. Mantinha a cabeça ligeiramente inclinada a modo de agradecimento e aparente aprovação.

—Sabe, acredito que, se fosse possível escolher, a maioria das pessoas preferiria este tipo de cenário em sua vida diária.

Tyber se perguntava aonde iria parar LaLeche com essa conversa.

—Acredite, Xavier, há para todos os gostos. Estou certo que muita gente não poderia suportar um trabalho tão solitário e este ritmo de vida. Há pessoas que precisam se sentir engolido em uma massa. Pense nas pessoas que vivem em Nova Iorque.

—Pense você em Nova Iorque — sugeriu LaLeche.

Tyber não pôde conter um sorriso.

—Por estranho que possa parecer a você ou a mim, as pessoas escolhem viver ali. Inclusive, muitas vezes me parece tentador dar um passeio pela Grande Maçã e desfrutar de seus teatros, seus restaurantes, suas lojas, sua vida noturna...

—Terá que reconhecer que é uma cidade que tem muita oferta de lazer e onde encontrá-lo.

O homem estava se abrandando e Tyber lhe seguia a corrente. Sabia como suavizar a conversação sem que ninguém se sentisse ofendido e sem ter que tomar uma posição inequívoca.

—Dá muito o que pensar...

LaLeche acariciou o queixo como quem está a ponto de ter uma idéia luminosa. Tyber aguardou pacientemente. Tinha consciência que logo descobriria aonde queria chegar LaLeche com sua nova idéia, ainda que de nova tivesse muito pouco e fizesse séculos que a estivesse maturando.

—Fiquei curioso. — Tyber seguiu seu jogo.

—O que você aponta mostra uma grande verdade. Apesar de que as pessoas estão acostumadas a viver na grande cidade, precisam se afastar de vez em quando para relaxar e ver as coisas com outra perspectiva.

Será que eu disse tamanha bobagem? Devo ter me distraído por um instante e devo ter esquecido alguma observação interessante. Mas que burro! Tyber sacudiu a cabeça para limpar sua mente. LaLeche seguia com seus planos. De algum modo, recordava a Vênus Retrógrada.

—Pensei muitas vezes em como seria agradável poder contar com um lugar de recolhimento como este para buscar a paz interior.

Tyber se deteve. LaLeche estava tentando oferecer um lugar mais agradável a seu rebanho. E seria melhor que não ficasse elogiando o lugar onde ele vivia. Voltou-se para o homem com as mãos nos quadris.

—Por acaso está me pedindo que abra as portas de minha casa a seu...?

—Pelo amor do céu, Tyber! Jamais me permitiria invadir seu espaço de tal forma.

—O que sugere?

—Olhe a seu redor, doutor Evans — mostrou a paisagem que os rodeava com um gesto — Pense no quanto um lugar tão belo poderia ajudar a iluminar os espíritos e a abrir as mentes.

Queria dinheiro. Em enorme quantidade, caso Tyber se deixasse convencer. Tyber girou sobre seus calcanhares reprimindo o asco que despertava aquele enganador.

—Está falando de algo mais que um lugar de recolhimento. Um centro de crescimento pessoal e de estudo. Um recinto de investigação para o desenvolvimento psíquico. Um lugar para desenvolver a paz espiritual e a harmonia.

Um lugar onde as oficinas rondavam os cem dólares por pessoa. Um lugar onde LaLeche poderia vender vídeos mostrando quão maravilhoso era. Um negócio próspero apoiado na busca da felicidade. Tyber estava imaginando o quadro.

—Não sei o que dizer Xavier. Isso sairia um pouco caro, não é?

—Deve vê-lo como um investimento.

Conseguimos.

—Um investimento? A que se refere?

—Bom, se quer ver isso de maneira tão prosaica, posso lhe garantir que tiraria abundantes benefícios de seu investimento.

—Quer dizer que você tiraria suculentos benefícios — Tyber não pôde evitar fazer o comentário.

—Seria vantajoso para todo mundo, tanto no espiritual como no material. Não há nada de mau em ganhar dinheiro, Tyber. De fato, quero organizar uma sessão a respeito deste tema.

Por quinhentos e noventa e cinco dólares.

—Como se consegue misturar dinheiro com trabalho espiritual? Eu pensei que eram duas coisas que se excluíam mutuamente.

LaLeche suspirou profundamente e sacudiu a cabeça com expressão de aflição. Um professor sábio tem que lutar freqüentemente com a ignorância de seus discípulos. Ele estava tirando Tyber do sério.

—Infelizmente, essa é uma crença que está muito difundida. O desprezo para o êxito é moeda corrente. Existe a convicção pouco saudável de que terá que curar a abundância na vida pessoal.

—Curar? Como se pode curar o ter ao dinheiro como meta?

—Pense no dinheiro e o visualize como um sol resplandecente.

LaLeche parecia estar muito orgulhoso de semelhante despropósito. A voz de Tyber soava desanimada.

—Como?

—O sol traz luz a nossas vidas. Desprende luz e calor. Nos ilumina. Nos dá felicidade. Nos dá vida. Não obstante, o sol também é o culpado da seca, das insolações, do mormaço, da perda das colheitas...

—Não estou certo de seguir o raciocínio.

Especialmente porque os argumentos obedeciam a uma argumentação lógica arrevesada.

—Os efeitos do sol podem ser positivos ou negativos para nós dependendo do cuidado que tenhamos em nossa relação com ele. Por si mesmo, o sol não é nem bom nem mau. É simplesmente energia. Do mesmo modo, o dinheiro é uma materialização da energia. Pode ser positivo ou negativo em função do uso que lhe demos.

Tyber olhou para ele totalmente perplexo. Aquele homem acabava de colocar em um saco coisas absolutamente antagônicas e já estava ficando muito cheio.

Obviamente, o sol e o dinheiro não estão unidos por nenhum tipo de vínculo. O primeiro é energia e o segundo um instrumento de mudança. Tinha construído uma teoria irrebatível com palavras cuidadosamente escolhidas, um toque de ar de superioridade espiritual e intrincados princípios místicos.

E por que não, Tyber disse a si mesmo. Tem que ter de tudo neste mundo. Seria possível vender essa absurda comparação como sendo o caminho para achar a luz que ilumine nosso interior?

Sem nenhuma dúvida.

—Não o tinha considerado jamais sob esse ponto de vista. Acho que entendo o que está me dizendo. Diga-me, Xavier, de quanto dinheiro estamos falando?

—Bom, considerando o tamanho do projeto. Necessitamos um solar, é obvio. Claro que o ideal realmente seria encontrar um terreno com um edifício adequado. Mas duvido que o encontremos. No fim das contas, temos necessidades muito particulares. Um grande dormitório. Uma cafeteria. Um lugar...

Cidade LaLeche.

—Chegou a quanto os seus cálculos?

—Acredito que poderia contar com mais dois investidores. Cada um de nós deveria pôr uns trezentos mil dólares.

Tyber tentou não se engasgar. Coçou a nuca.

—Trezentos mil...

—Caso seja demasiado para você...

—Não se trata disso. Que lucros posso esperar de tudo isto?

—O que lhe parece 500%?

LaLeche fez uma careta.

—Bom, talvez tenha um investidor — Tyber lhe devolveu uma espécie de sorriso cheio de mistério.

—Estupendo!

—É obvio, antes terei que arrecadar recursos por aqui e por ali. Embora pensando bem, dentro de um par de meses você terá que me pagar um bônus. Por que não começa a procurar a localização do centro?

—Farei isso!

—Outra coisa, Xavier. Agradeceria se não mencionasse meu nome em todo este assunto. Prefiro ser um investidor fantasma.

A última coisa que Tyber queria é que LaLeche utilizasse seu nome como isca para atrair outros investidores para sua arapuca.

—Entendo perfeitamente, doutor.

LaLeche piscou o olho, interpretando o pedido de Tyber a sua maneira. O que estava ótimo, desde que servisse para que LaLeche mantivesse a boca fechada.

Desse modo poderia exercer maior controle sobre ele. O negócio constituía a cobertura perfeita que Zanita e ele necessitavam para não perder contato com ele. Com sorte, não seria por muito tempo.

Enquanto Tyber voltava para casa pensou que, no pior dos casos, poderia organizar uma operação falsa. Entretanto, o assunto poderia ficar feio e não queria expor Zanita aos riscos que tal operação poderia ocasionar. Ao mesmo tempo, desejava com todas suas forças que aquele animal se afastasse de suas vidas o quanto antes melhor.

Tentava calcular o perigo de tudo aquilo e decidiu que acabaria por chamar a Sejam.

 

Zanita tinha subido ao dormitório sem jantar. Tinha uma enxaqueca espantosa. Tirou a roupa e vestiu uma camisola de flanela. A cada ocasião seu traje.

Molhou um pano com água fria, o atou ao redor da testa e foi se deitar na cama-ostra de Tyber. Zanita presa em sua concha. Fez uma careta.

O jantar tinha sido um grande fracasso.

Blooey voltou a brigar com Mi-Maggy. Desta vez não concordaram com a ordem exata de apresentação dos ingredientes de uma salada.

Tia declarou que a quiche estava deliciosa, mas muito gordurosa sem afastar a vista de Mills.

Mills ameaçou utilizar o garfo como estilingue de quiche. Apontava a Tia com sua capa improvisada quando esta estava distraída.

LaLeche degustou o jantar que Blooey tinha preparado e não perdia oportunidade de lançar olhadas lascivas ao decote de Zanita. Deixou cair suas habituais pérolas de sabedoria com o ar triunfante de quem acredita ter alcançado uma nova vítima.

Foiegras não deixou de dar voltas ao redor da mesa à falta de restos abandonados e miava ruidosamente cada vez que se aproximava dos tornozelos de LaLeche. O gato tinha olfato para detectar ordinários.

Tyber comeu em silêncio e agüentou estoicamente as constantes adulações sobre seu físico varonil com que Tia o perseguia sem piedade.

Não era de admirar que sua cabeça estivesse a ponto de estalar.

Sabia que não devia deixar Tyber só ante o perigo, mas sentia marteladas na cabeça e prescindiu de seus escrúpulos. Tinha que curar essa dor de cabeça para se concentrar em outro quebra-cabeça ainda maior se isso fosse possível: esclarecer as coisas com Tyber.

A porta do dormitório se abriu e se fechou de uma vez. Zanita gemeu; as vibrações ressoaram em sua cabeça. As palavras de Tyber se cravaram como um gancho de ferro em meio da testa.

—Muito obrigado por ter me deixado sozinho frente ao perigo.

—Se refere a LaLeche? —murmurou uma voz debaixo dos lençóis.

—Não, a sua tia.

Zanita pôde ouvir uns passos que foram se aproximando. Levantou uma parte da roupa de cama para observá-lo. Estava desabotoando a camisa com movimentos de dedos bruscos. Quando acabou, tirou, amassou até convertê-la em uma bola e a lançou à cesta de roupa suja. Não apontou bem e a camisa caiu ao chão. Tyber, que era o homem mais cuidadoso do mundo, não prestou a menor atenção.

Voltou-se para ela. Baixou o lençol para vê-la dormindo.

—Tem certeza de que há uma relação de parentesco entre essa ... Bem, eu posso saber o que leva na cabeça?

—Um pano.

—Para que?

—Minha cabeça dói, Einstein.

Sentiu que a cama cambaleava sob seu corpo.

—Você está passando mau?

Seu timbre passou da mais evidente irritação a uma sincera preocupação. E era precisamente essa atitude protetora o que tanto a desconcertava! Ao não receber uma resposta, Tyber levantou o lençol.

—Volte a me cobrir!

—Só queria ver se estava bem!

Novamente se preocupava com ela. Começou a sentir calor. Tinha a impressão que a habitação estava em chamas.

—Já disse que estou com dor de cabeça!

—Por que não toma uma aspirina como fazem as pessoas comuns?

—Porque prefiro o pano. Devolva-me isso.

Tentou lhe arrebatar a parte de tecido, mas ele não soltava.

—Nunca ouvi um médico dizer: «Ponha dois panos e me chame amanhã para me dizer como está». Na realidade você fica muito estranha quando não se sente bem. Trarei um par de aspirinas.

Ia se levantar quando Zanita o agarrou pelo braço com força.

—Se afaste desta cama e será a última aspirina que vai procurar em sua vida.

Ver uma mulher o ameaçar por um pano não deixava de ter sua graça. A risada entrou em Tyber, mas seu sexto sentido lhe disse que adotasse um semblante desorientado e ofendido.

—Sinto muito, querida.

Devolveu-lhe o pano. Zanita se arrependeu.

—Está bem, Tyber.

E lançou o pano ao aquário.

—O que a faz pensar que os peixes têm fome? — disse com ironia.

—Muito engraçado.

—Deixa que eu faça uma massagem nas têmporas.

Sentou-se à altura do travesseiro e colocou a cabeça de Zanita sobre as coxas. Começou a massagear as têmporas dela. Era agradável. Muito agradável.

Zanita se conteve para não aconchegar-se no peito de Tyber ou acariciá-lo com sua bochecha. Um pêlo loiro e firme cobria o peito.

Era um monumento de homem. Poderiam utilizá-lo como saco de boxe. Voltou a relaxar a cabeça. Queria propiciar a ocasião para falar com ele.

Antes que pudesse começar, Tyber abordou outro tema.

—Estive conversando com LaLeche durante nosso passeio desta tarde.

Zanita tinha os olhos fechados a fim de desfrutar melhor dos cuidados.

—E conseguiu algo que nos possa ser útil?

—Não, exatamente. Quer abrir um centro para... para...

Tyber percebeu que LaLeche não tinha especificado para o que queria abrir o centro. Tinha sido vago e ambíguo e tinha insistido nos lucros que eram muito elevados para serem verossímeis. Tinha que reconhecer que tinha sido hábil.

—Para que?

Tyber deu de ombros.

—LaLechear. Fazer das suas.

Zanita riu com vontade.

—E por que falou disso? Para saber sua opinião?

—Não. Porque queria dinheiro.

Zanita abriu os olhos.

—Como?

—Me pediu que fizesse um investimento astronômico em seu projeto. E insistiu em que eu teria substanciosos benefícios.

—Quanto astronômico?

—Trezentos mil dólares.

Zanita se endireitou.

—É revoltante! Suponhamos que conseguisse arrastá-lo para este negócio escuso: de onde você ia tirar o dinheiro? Quem dispõe de semelhante soma para reparti-la alegremente por aí?

Tyber a observou atentamente para não perder as expressões que refletiam em seu rosto. Como suspeitava, Zanita não podia nem imaginar quão rico ele era. Era sua maneira de não enfrentar à realidade. Sua maneira de não enfrentar a sua realidade. Zanita ficou lívida ao reparar na expressão de Tyber. Seu silêncio a fez refletir.

—Tem o dinheiro?

Nunca teria imaginado que Tyber fosse tão... deu de ombros. Não tinha a menor importância nesse momento. Voltaria a pensar nisso,caso lhe ocorresse.

—Embora o tenha, Tyber, não se meteria nisto.

—Não. Mas vou fazê-lo acreditar que sim.

Zanita voltou a deitar sobre seu travesseiro.

—Isto não é o que pretendemos. Já sabemos que frauda às pessoas. Além disso, procurar um sócio não constitui nenhuma ilegalidade.

Tyber entrecruzou as mãos atrás da cabeça e estirou a musculatura para cima antes de girar para a direita e logo para a esquerda.

—Eu continuo acreditando que tudo isto é muito mais simples do que imaginamos.

—Simples, muito simples — disse com uma careta quase infantil.

—Acha que eu deveria refletir sobre isso na beira do lago?

E aproveitou para lhe lançar uma indireta.

—Acredito que deveria se jogar no lago.

Soltou o cabelo e a contemplou com expressão de temor.

—Não sei se peço que me explique isto ou não.

—Não tem que me pedir. O vou fazê-lo do mesmo modo.

Tyber a olhou com cautela. As mulheres têm a especialidade de afundar a alguém na miséria rapidamente. Por que sentia que a terra já se movia sob seus pés?

Zanita cruzou de braços. Ia negociar.

—Tyber, você excedeu os termos do nosso pacto.

Tyber a olhou. Seu pensamento se acelerou em mil direções. Não sabia a que se referia exatamente, mas tinha que ser muito cuidadoso para não lhe proporcionar munição em um campo que ela não pretendia pisar. Qualquer homem que já tenha passado da idade da puberdade sabe que a única maneira de sair destas situações é responder com outra pergunta. Uma pergunta breve e vazia de conteúdo.

—Nosso acordo? Eu acredito que as coisas vão bastante bem.

—Se eu me lembro bem, estipulamos que seríamos sócios e estabelecemos um pacto.

—Não lembro de ter assinado nada por escrito.

—Não era um acordo escrito e sim verbal. E lembro a você que é vinculado no Estado de Massachussetts.

Adotou a atitude misteriosa de Marte.

—Pois tampouco lembro de nenhum pacto verbal. Zanita, o que...

—Refrescarei sua memória. Lembra de ter me pedido que mudasse para esta casa com você?

—Sim, claro.

—Lembra de ter me dito que este caso seria muito mais fácil se uníssemos nossas forças?

Tyber sabia muito bem no que daria aquela conversa: uma batalha campal.

—Sim— respondeu com precaução.

—Lembra que eu disse que não queria iniciar nenhuma relação?

Começou a responder, mas Zanita o interrompeu:

—Lembra que me disse que não se comportaria como se fosse meu noivo?

Levantou o queixo com gesto desafiante exigindo uma resposta a algo que não tinha resposta. Tyber engoliu em seco.

—Sinceramente, Tyber, não sei o que fazer. Parece-me óbvio que está se comportando como tal desde o começo. O que tem a dizer sobre isto?

—Bom, eu...

—Claro! Não pode dizer nada de nada!

Começou a lhe enumerar a lista de pecados: os presentes, a atenção que lhe dispensava, os pequenos detalhe. Sacudiu a cabeça dando a entender que não havia nada a fazer.

—Suponho que seja melhor que eu volte para meu apartamento, assim que LaLeche parta.

—Não!

Zanita se sobressaltou ante a veemência de sua resposta.

Tyber espremeu o cérebro para poder oferecer alguma explicação convincente. Não podia permitir que se fosse agora que estavam tão bem juntos.

—Não pode ir agora que estamos a ponto de apanhá-lo.

—E como sabe? — não parecia estar respirando.

Elevou os braços, exasperado.

—Sei e ponto!

A explicação tinha um valor argumental nulo. Entretanto, Zanita parecia estar refletindo. Dava pequenos golpes no queixo.

—Suponho que posso me mudar para um de seus quartos que ficam livres na casa.

Tyber passou a mão pela cabeleira. Terei que entretê-la.

—E por que iria fazer isso?

—Para me afastar da tentação. Parece-me evidente, Tyber. Não pode evitar agir como se fôssemos noivos.

Tinha que pensar em algo agora mesmo.

—O seu argumento não está correto, querida.

—Não me diga?

—Não estou agindo como se fosse seu noivo. Estou levando a cabo um experimento.

—Um experimento? — Franziu o cenho — Que tipo de experimento?

Que tipo de experimento? Essa é a questão! Engenho ao poder.

—Um experimento de alta voltagem.

—De alta voltagem? Mas do que está me falando?

—É um conceito de eletrostática[3]. O volt é uma unidade de força. Ouviu falar da aceleração da partícula? E da carga elétrica?

—E pode se saber o que tem isso a ver conosco?

O olhava como se tivesse ficado louco de repente.

—Pois estou tentando descobri-lo. Os físicos gostam de fazer com que as coisas entrem em colisão para comprovar o que acontece. Especialmente com as partículas atômicas. É muito curioso.

Esfregou as mãos.

—Sabe que é um tipo estranho?

—Não, sou estranho.

—Como?

—É uma piada de físico, há um tipo de partícula em medicina que se chama partícula estranha.

—Olhe, Tyber, isto não resolve...

—Não me deixou terminar. Para um físico, observar uma partícula sob ação é de supremo interesse.

—E para mim o que seria?

—Bom, as partículas reagem de maneira muito curiosa, especialmente quando há energia no meio. Quer que faça uma demonstração?

Zanita assentiu com receio. Havia uma armadilha. Seus olhos se abriram ao comprovar que ele tirava as calças e a roupa de baixo.

—Mas o que está fazendo?

—Ora, o que me pediu: uma demonstração.

Dobrou as pernas em posição de lótus.

—É este seu famoso experimento? —perguntou com ceticismo.

—Estou experimentando a radiação de energia entre seres humanos por efeito da excitação.

A verdade é que era o argumento mais desatinado que já tinha ouvido e estava saindo de sua boca. A qualquer momento, Zanita ia lhe dar uma bofetada e sair do quarto batendo a porta. Mas como Zanita era Zanita não fez nem uma coisa, nem outra. O observava atenta.

—De verdade, vai começar a fazer experimentos?

Isso explicaria o extravagante comportamento do físico. Havia uma explicação científica. Tyber nem pestanejou.

—Vou lhe mostrar isso.

Tinha chegado a hora de mudar de assunto. Agarrou a borda da camisola e cobriu a cabeça dela com o tecido. Sem mais demora, sentou Zanita em seu colo e fez com que as pernas dela o rodeassem agarrando-a pelos tornozelos. Levantou seu queixo com o indicador até que seus olhos ficaram à mesma altura.

—Mas o que é isto? — sussurrou para não romper o ambiente.

—Eu estou entrando em uma fase de excitação por você. Olhe isto — convidou esfregando seu membro rígido contra o ventre de Zanita.

Os olhos violetas assentiram.

—Vê, funciona.

Emaranhou-se com os braços de Zanita até que as caras se tocaram. Acariciava lentamente suas costas com a palma das mãos.

—Vou ver se é possível transmitir meu estado de excitação.

A beijou com profundidade. Mordeu seu lábio superior brandamente e brincou com ele. Uma cãibra percorreu o corpo de Zanita da ponta do cabelo até os dedos dos pés. A voz de Tyber soou suave entre beijo e beijo.

—Parece que estamos indo bem.

Zanita soltou um gemido. Talvez estivesse a ponto de conseguir algo. Zanita lambeu os lábios de Tyber e o convenceu que estava a ponto de fazer um descobrimento sem precedentes. Tyber corroborou sua previsão.

Deu-lhe uma massagem nas costas a percorrendo de cima abaixo. Os dedos a relaxavam além de estimularem. Umas mãos hábeis acariciaram a nuca de Zanita, que soltou todas as tensões acumuladas.

A pele de ambos desprendia calor abrasador. Um fogo interior invadia seu corpo. Zanita tinha a sensação que ia se derreter.

As mãos de Tyber seguiam fazendo movimentos circulares nas costas, nos ombros, no pescoço e na nuca. Seus dedos se enredaram no cabelo cacheado da mulher. Sem poder reprimir um ofego, Tyber sustentou a cabeça de Zanita antes de fundir sua boca em um beijo profundo e voraz.

Seus lábios percorreram o rosto, a testa, as pálpebras, a ponta do nariz, a parte inferior da mandíbula. Perdia o fôlego pelo desejo de possui-la.

Esfregou a bochecha contra a dela com um gesto sensual quase felino. Os lábios desceram até a clavícula a fim de provar sua textura. Zanita estremeceu.

—Estou lhe excitando, querida?

O ar expelido por suas palavras roçou a base do pescoço e a arrepiaram. Antes que lhe ocorresse o que responder, passou a língua úmida até o topo de um seio e tomou o mamilo com suaves dentadas. As mãos a apertaram contra sua boca a fim de imobilizá-la e poder jogar e saborear sua pele a seu desejo.

Umas mãos que o abraçavam com força o fizeram saber que efetivamente estava conseguindo excitá-la. E os gemidos entrecortados não fizeram a não ser corroborá-lo.

Quando Tyber voltou a esfregar seu membro contra o ventre de Zanita, estava mais duro que o cristal de rocha. Zanita o tomou em sua mão. Os dedos percorriam todo o comprimento da veia do pênis palpitante. Repetiu o movimento com a boca sobre a garganta.

Tyber conteve o fôlego.

Rodeou a ereção com os dedos e estimulou o membro com um ligeiro vaivém de cima abaixo. Uns ofegos entrecortados escapavam da garganta de Tyber. Afundou a cabeça na suave juba de Zanita.

—Mais, querida, mais.

Desenhava círculos delicadamente com as pontas do dedo na ponta do membro. Notou que emanava dele um líquido quente, que emanava prazerosamente sobre a pele suave e delicada da zona. Tyber tremia. Seu corpo estremeceu dos pés a cabeça ao mesmo tempo em que se debatia entre uma leve resistência e a ânsia de se entregar por inteiro ao êxtase do momento. Seus gestos formosos e habilidosos o faziam se aproximar da loucura. Desejava possui-la, tinha que possui-la em seguida.

As mãos de Tyber deslizaram por debaixo de seus braços e a levantaram com uma força inusitada e desconhecida até então para ela. Tyber entrou no mais profundo de seu corpo. Até o infinito. Com vigor.

Zanita gritou do mais fundo de seu ser ao senti-lo em seu interior, no mais íntimo de seu ser. O abraçou com violência. Pôs a palma da mão no ventre.

Tyber estava vibrando dentro dela. Podia senti-lo com as pontas dos dedos. Uma vibração que abrangia toda a pessoa de Tyberius Augustus Evans. Reteve o fôlego. Capturou a essência do homem, nesse preciso instante. Tyber.

Seu olhar o buscou até se fundir com o dele. Tyber viu sua expressão e entendeu o que significava. Emocionado, a estreitou e cobriu sua cabeça de beijos.

—Zanita, eu...

Mas o que ia dizer se desvaneceu no ar quando ela começou a se mover em cima dele. Fechou os olhos para desfrutar de cada sensação. Quando pensou que ia desfalecer em algum tremor, agarrou suas nádegas e moveu os quadris marcando um ritmo como o dele. A engoliu nele para saborear sua essência, se impregnar de seu aroma, absorver todo seu ser. Perdia-se no serpenteio de seu cabelo.

Os únicos sons que podiam se ouvir no quarto eram o chapinho da água do aquário e o sussurro de seus ofegos. De repente, um grito suplicante e desesperado alagou o dormitório e lhe rogou que oferecesse mais dele... Logo seguiu uma espécie de soluço de timbre doce e feminino. E um ronrono masculino. E os suspiros de ambos.

Desabaram na cama. Tyber a tinha abraçada. Os lábios entreabertos se agarravam à pele do pescoço empapado em suor de Zanita. Lambeu a zona com sua língua ardente. Zanita voltou a estremecer ao sentir o contato úmido.

—Vê a que me refiro quando digo alta voltagem?

—Sim— se abraçou a ele — Agora não o chama relação e sim experimento.

Zanita sorria enquanto caía lentamente em um sono profundo. A boca de Tyber desenhou um sorriso ante a imagem da mulher adormecida em seus braços. Tinha ganhado a batalha. A beijou triunfante.

 

«Terráqueos, não tenham medo. Somos amigos».

Uhhhh. Quando um extraterrestre faz uma declaração como esta nos filmes clássicos de ficção científica, todas as forças armadas do mundo se mobilizam. Montam-se seqüências em preto e branco mostrando a união de britânicos, russos, chineses, algo que se assemelha muito a um navio alemão e por algum motivo inexplicável, à marinha dos Estados Unidos, não está junto, a não ser que os extraterrestres fossem também subaquáticos.

E então aparecem nos jornais: “Extraterrestres entre nós! Reunião de emergência na ONU ante a ameaça extraterrestre!”

Quem se atreverá a viajar ali? Ainda há tempo, irmãos!

Zanita devorava pipocas deitada comodamente no sofá. Parte de sua atenção estava concentrada na tela e parte ia rememorando os acontecimentos recentes.

Uma semana já havia se passado desde a reunião, o melhor plano de extorsão e não tinham achado ainda um modo de desmascarar LaLeche. Tyber não parecia estar muito atento, mas ela estava. Quanto mais tempo iriam dar ainda?

Não é que desejasse partir da casa de Tyber, muito pelo contrário, na verdade.

E nisso consistia o problema, precisamente.

Adorava viver nesse lugar por diversos motivos: os cuidados do Blooey, o rico aroma dos pratos que flutuavam sempre no ambiente, a companhia do Foiegras, o caráter doce embora algo possessivo de Tyber, a casa, um autêntico refúgio que a fazia sentir-se como em casa.

Tinha desfrutado do outono com a mudança de folhas, a colheita do Blooey que enchia a casa, bebidas quentes que tomavam no alpendre encolhidos em uma manta e onde sentavam tão bem depois do trabalho, a lareira de noite, o gato deitado no tapete.

Não era difícil desejar que chegasse o inverno na Mansão de meu Pai.

Zanita imaginava as noitadas de Tyber. Passaria enrolado em um xale Vitoriano, imerso na leitura. Mimar-se-iam envoltos nas plumas da colcha de sua cama-concha.

Não era bom sinal.

Ia ser muito difícil abandonar aquele lugar. E quanto mais tempo permanecesse nele mais difícil lhe seria. A única solução era estabelecer um ultimato e ater-se a ele. Caso resolvido ou não, quando vencesse o prazo, ia ter que partir.

Não era uma perspectiva muito alentadora.

Quanto tempo mais ia esperar? Pelo menos até o dia de Ação de Graças. Antes de partir, Tia tinha entregado a Zanita seu habitual cartão de convite para ir celebrá-lo em sua casa no Wellesley. Naturalmente, Hank e sua avó estariam ali. Era uma tradição familiar e não haveria maneira de escapar. A tia tinha feito o convite extensivo ao Tyber e Blooey. Isso significava que teria que ir por sua conta. Zanita pensou que seria estranho caso partisse antes de tão importante data.

No Natal.

Talvez no Natal. Blooey se entristeceu ao ficar sabendo que não ia ter que preparar a comida do dia de Ação de Graças. Como recompensa, Tyber lhe prometeu que iriam organizar uma celebração de Natal. Propôs convidar seus avós e Mills, pois Mills não tinha família e estava acostumada a passar as festas com a de Zanita. Tyber teve inclusive o cuidado de incluir a tia na lista de convidados.

Como ia acabar com a festa de todo mundo?

Estava ficando nervosa. Suspirou. Este era um dos argumentos fundamentais de sua teoria: nada era simples quando mantinha uma relação com um homem.

—Coronel, os extraterrestres solicitam uma entrevista com o rei do Rock and Koll.

Zanita riu e comeu a pipoca. Tyber a observava a algum tempo da soleira da porta com os braços cruzados.

—O que está vendo?

—Ahens Uber Alie.

Qualquer outro homem riria de seu gosto cinematográfico. Mas uma vez mais, Evans demonstrava não ser qualquer outro homem.

—E não me avisou?

Fingiu estar aborrecido por haver perdido o princípio do filme.

—Pensei que estava ajudando o Blooey a dar banho no Foiegras.

Sem responder, Tyber se limitou a mostrar os dois antebraços repletos de arranhões.

—Meu deus! Brigaste com o Foiegras!

—Toda vez, é isso.

Entrou na sala e se esparramou no chão diante do sofá. Zanita dividiu a vasilha de pipocas. Viram o filme juntos em um silêncio compartilhado, que interrompiam com algum comentário. Tyber estava recostado no sofá. A cabeça roçava a coxa da Zanita. A mão apalpava em busca de pipocas e chocava às vezes com o ombro da Zanita. Ou ficava brincalhão para lhe tocar a perna. Deitada no sofá tinha uma vista completa das pernas musculosas cobertas pela calça. As calças rodeavam umas formas que refletiam de maneira fidedigna as curvas firmes do Tyber. Estava tão sedutor como no dia em que o conheceu.

O efeito que tinha nela não mudaria nunca.

Tyber era um desses estranhos homens que sempre desprendia virilidade, independentemente do que estivesse fazendo.

Era o único homem que conheceu que a excitava pelo simples fato de estar perto. Zanita perdia o julgamento ao apenas sentir sua pele.

Suspirou. Não estava certa se devia sentar, levantar o cabelo e beijar seu pescoço tentador. Decidiu não fazê-lo, pois esse gesto desataria uma série de conseqüências que lhes impediria de ver o final do filme.

A música subiu de volume de maneira que o espectador entendia imediatamente que ia aparecer algo que tinha a ver com os extraterrestres ou com algo que estes tinham feito. Zanita afastou a vista do cabelo sedoso do Tyber e se concentrou na tela. A câmera enfocou a entrada das termas do Carlsbad. Algo estava se movendo no interior da cova e estava a ponto de sair. Uns tentáculos se moviam lentamente na entrada. A música ia aumentando. Surgiu uma cenoura de dimensões desproporcionadas cujos olhos davam voltas nas órbitas. Os terráqueos fugiram apavorados.

Zanita e Tyber gargalharam.

É óbvio, os militares estavam preparados para abrir fogo com metralhadoras, canhões e dinamite contra os causadores da ameaça que os espreitava. Como era de esperar, nenhuma das armas disparou.

—Agora falta um ser com cabos — brincou Tyber.

Zanita fez ranger as pipocas.

—Não, você vai ver como algum Herói de Fogo sairá para dizimar ao exército extraterrestre.

Foi pronunciar estas palavras e aparecer um lança-chamas à esquerda da tela que converteu os inimigos em bolas de fogo.

—Grande bobagem extraterrestre. Agora uma voz vai nos ensinar com falsos argumentos e princípios filosóficos a três por quatro.

Chegaram ansiosos para submeter o mundo...

—Eu não falei para você? —riu Zanita.

Tyber soltou uma gargalhada.

—Quem afirma que a natureza é perfeita nunca viu um filme como esse.

O sorriso sumiu. Zanita se sentou, preocupada.

—O que está acontecendo?

Tinha estado pensando desde que manteve a conversação com o LaLeche na semana anterior. Havia um vínculo entre...

—Mas que burro que eu sou!

Zanita se ajoelhou sobre o sofá e o olhou com um sorriso.

—Mas a que você se refere exatamente?

—Que horas são?

—Oito.

Levantou-se de repente e foi pegar o telefone.

—Se tivermos sorte, o pegaremos ainda na Costa Oeste.

—Mas, quem?

Foi para o seu lado.

Tyber chamou o número de informações de Los Angeles e perguntou o número da sociedade Sistemas de Eras Espaciais. Cruzou o olhar de Zanita.

—Confie em mim —lhe deu o telefone— Pergunte que outros serviços oferecem além de fabricar peças de reposição para naves espaciais.

Olhou para ele atônita, mas fez o que lhe pedia. Seus olhos se abriram como pratos ao ouvir a resposta.

—Efeitos especiais para cinema — Zanita desligou de repente.

Tyber levantou o telefone de novo e voltou a discar o mesmo número.

—Tal e como imaginávamos, não fabricam apenas peças de reposição para naves.

Respondeu a telefonista, provavelmente a mesma de antes. Tyber solicitou que o passassem a algum engenheiro. Quando alguem do outro lado do telefone respondeu, Tyber se identificou e deu como pretexto que necessitava informações para um artefato novo que estava criando.

Zanita sabia que a sigla RV significava Realidade Virtual.

Mas duvidava que Tyber trabalhasse em um projeto que estivesse relacionado com isso. Seja como for, o engenheiro não duvidou em lhe proporcionar toda a informação que necessitava. A jornalista supôs que o nome de Tyber bastava para lhe abrir portas já que nada do que perguntou tinha que ver com a realidade virtual. Tyber desligou com um sorriso triunfante nos lábios.

—Conseguimos, meu amor!

—Me conte, me conte! —gritava Zanita tão eufórica como ele.

—Lembra-se do truque de cura que LaLeche nos fez em Vermont? Pois já sei como ele faz.

—Como?

Os olhos violetas da Zanita o olhavam atentos. Tyber pensou que era realmente bonita. Em um impulso, inclinou-se e a beijou com paixão. Ela o afastou.

—Agora, não! Me conte como o fez!

—Na realidade, vou contar como não o fez. Era tudo ilusório. É um impostor. Viu alguma vez um abajur de fibra de náilon? Dessas que se parecem com as anêmonas? Ficaram muito na moda no começo dos anos 80.

—Quer dizer esses fios com as pontas fluorescentes que saíam de uns suportes negros e que adornavam e iluminavam as mesas dos cafés?

—Isso mesmo. Nosso amigo LaLeche levava esses fios ou, em qualquer caso, fez algo com eles. A luz viaja através destas fibras de uma fonte alojada no outro extremo do fio. Certamente o canalha utilizou um pequeno circuito com lâmpadas pequenas como as que adornam as árvores de Natal conectado às fibras.

Zanita arqueou as sobrancelhas.

—Bom, isso explicaria o numero que montou. Mas tinha a camisa arregaçada até os cotovelos. Tinha os antebraços descoberto.

—Não exatamente. Nós víamos uns braços nus, mas o bom do truque é que em realidade levava uma prótese.

—Uma prótese de pele? Tem certeza? Parecia real, tinha os braços cheios de pêlo.

—Segundo o engenheiro com o que acabo de falar, sempre utilizam este artefato nos filmes. Parece pele de verdade e podem implantar pêlos para ficar mais real.

—Será que não vimos coisas demais?

—Não, lembra que o barracão estava na penumbra. A única coisa que LaLeche usou para iluminar eram os abajures de querosene e se assegurou de fazer a demonstração durante a noite.

Zanita refletiu uns momentos.

—Ficamos de mãos dadas e não notei nada estranho.

—Não necessariamente. Era tarde e fazia frio. O aperto de mãos foi muito breve e, o mais importante, não esperava sentir nada fora do normal. Além disso, o engenheiro me comentou que podem dar a esta prótese uma textura muito parecida com a da pele.

—Se a memória não me falha, LaLeche trabalhou dois anos nesta empresa. É o maior tempo que permaneceu em um lugar. Inclusive nos chamou a atenção.

Tyber assentiu.

—Aposto o que quiser que se dedicou a aprender toda sorte de truques. Provavelmente confeccionou um curriculum falso para poder seguir com esse nome falso. Isto também explica que não mostrasse o truque mais que uma vez. Suponho que não seja fácil conseguir o equipamento.

—De modo que as fibras estavam debaixo da pele falsa.

—Exato. Devia ter o dispositivo de acionamento ao alcance. Deve ter achado uma maneira de dissimular o circuito. Eu acredito que devia estar na calça. Um toque e o dispositivo é ativado. Você iluminou minha vida interior.

Zanita afastou os cachos que lhe caíam no rosto com um sopro.

—Tyber, como você pensou nisso tudo? Como teve essa idéia?

—Quando vi o extraterrestre e comentei que a natureza não era perfeita, lembrei-me que isto foi o que me passou pela cabeça enquanto conversava com o LaLeche. Tive a intuição de que havia alguma relação. Já estava pensando antes. Pensando no falso extraterrestre do filme e nos efeitos especiais, lembrei-me de Hollywood, que está em Los Angeles. E em seguida recordei que Xavier tinha trabalhado ali dois anos, na empresa Sistemas de Eras Espaciais. LaLeche sim é que parece um bom extraterrestre. E liguei os pontos. Esta empresa não devia dedicar-se única e exclusivamente a fabricar peças de reposição para naves espaciais, mas também devia ter um estúdio de efeitos especiais.

Zanita entreabriu os olhos da mesma forma que no dia em que conheceu o Tyber e este estava explicando o caos no seminário. Só Tyber ou Sherlock Holmes poderia ter feito uma dedução tão brilhante.

—É incrível, Doc.

Tyber fez uma careta e piscou o olho.

—Faz parte do serviço. Já pode ir escrever seu artigo.

Zanita franziu o cenho.

—Já, mas ainda não temos nada para colocá-lo entre as grades.

Abraçou-a.

—Só temos que propiciar a situação em que se delate. Escreva seu artigo e esqueça, pois acabaremos por achar um modo de apanhá-lo no momento em que menos se espera.

 

O artigo foi publicado na edição dominical do Patriot Sun.

Hank não estava quando Zanita entregou o artigo, mas esta não teve que esperar muito tempo para inteirar-se de sua reação.

Telefonou para a casa do Tyber depois do jantar e a alertou por correr tantos riscos. Logo pediu que lhe deixasse falar com o Tyber. Tyber agarrou o telefone, mas não lhe deu muita corda. Limitou-se a uns lacônicos «Sim, senhor» e «Sei, senhor» e «O farei, senhor». Depois voltou a passar o telefone com um gesto de ombros a modo de desculpa.

Quando Hank se acalmou, o repórter que havia nele saiu à superfície. Anunciou a Zanita que o artigo sairia no domingo e que tinha mandado um fotógrafo a um escritório de LaLeche para que tirasse uma foto que apareceria junto com o texto.

Zanita fez uma careta.

—É um idiota!

O artigo com a foto foi publicado em numerosas publicações do país. Zanita fez seu nome. Não um grande nome, mas um nome ao menos.

Tyber a felicitou enviando três dúzias de rosas de caule comprido ao seu escritório e um cartão em que ele e Blooey lhe prometiam um apetitoso jantar.

Na teoria, esse teria que ser o último jantar juntos, mas nem sequer tivera oportunidade de abordar o tema. Dado que o assunto tinha evoluído muito mais depressa do que tinham previsto, agora não sabia como agir. Talvez devesse mudar antes do Dia de Ação de Graças? E o que seria do convite de Tia? Poderiam ir, mas seria estranho. Já não tinha sentido que continuassem com uma relação que fora além da amizade.

Esfregou o nariz para afugentar a angústia que de repente a embargava.

O melhor que podia fazer era entregar-se ao prazer da leitura e deixar as preocupações para o dia seguinte. Não havia motivo para estragar a festa com preocupações que já estariam resolvidas no dia seguinte. Merecia aquele descanso e Tyber também.

Sentiu-se melhor, relaxou os ombros e ficou teclando. Hank havia tomado represálias contra ela por ter feito justiça através de suas mãos no caso de LaLeche, sem a autorização do periódico. Tinha-lhe encarregado um artigo sobre um centro de repouso diurno para cães. Foiegras tinha passado a manhã lhe lambendo os pés. Não iria aproximar-se durante uma semana por causa do artigo.

 

Tyber se serviu de uma taça de café.

Durante o outono e o inverno, Blooey sempre tinha café e água quente na cozinha. Sentou-se no tamborete perto do mostrador e se esfregou as mãos para aquecer. Blooey estava concentrado em quebrar nozes para a sobremesa que estava confeccionando.

Tyber esteve em silencio durante vários minutos. Blooey, consciente de que o Capitão estava refletindo algo relevante, esperou para que esclarecesse as idéias e se decidisse a falar.

O Capitão sempre pedia sua opinião em assuntos de importância. Blooey sabia que o Capitão ia a ele como um irmão menor que procura conselho em seu irmão mais velho. O certo é que nenhum dos dois passava muito tempo longe do mar. Por sua maneira de trabalhar e de viver, nenhum dos dois tinha muito tempo para atracar no porto.

Quando estavam em terra, sentiam a necessidade de encontrar-se.

Tyber respirou fundo e desembuchou.

—Acredito que a senhorita Masterson poderia converter-se em membro da tripulação. O que acha?

Tratava-se disso. Blooey sorriu.

Adotando um semblante sério, deixou de quebrar nozes fingindo que considerava seriamente a questão. Sacudiu a cabeça.

—Bom, Capitão, é sem dúvida uma mulher muito atraente, muito bonita.

Tyber relaxou. Sorriu.

—O que lhe parece se esta noite fizermos um jantar realmente especial? Algo que lhe faça entender que nós gostamos de tê-la entre nós.

—Sabe, Capitão, quando sulcava os mares naquele navio...

—Quando estava fazendo a rota das Índias.

—Sim. Ensinaram-me uns pratos exóticos que estimulam o amor até a temeridade. Conheci um sultão que me jurou que não havia mulher que resistisse depois de ter degustado seus manjares.

Blooey lhe piscou e sorriu radiante.

—Convenceu-me — disse pondo a taça vazia sobre o bar.

 

Nessa noite o jantar esteve realmente delicioso.

Blooey tinha se esmerado em preparar um festim digno de uma rainha. Fez compota de melão e sorvete de maracujá, salada de espinafres com vinagrete de framboesas seguido de frango marinado em molho de gengibre e licor, servido com uma guarnição de arroz com frutos secos e pistaches.

Tyber abriu suas melhores garrafas para fazer honra ao jantar.

A mesa estava adornada com um formoso centro de camélias e suntuosos candelabros.

Zanita não tinha nem a menor ideia de como os dois homens encontraram camélias no outono. Gostou que Tyber recordasse que eram suas flores favoritas.

A apresentação era tão refinada que Zanita se sentia deslocada em jeans e uma camiseta do dia a dia.

Ia beber o vinho quando de repente um pensamento começou a atormentá-la:

O que estaria tramando Tyber?”

Estava tudo muito perfeito para tratar-se de um simples jantar de agradecimento. Esquadrinhou-o por trás da taça de cristal. Tinha cara de não ter quebrado um prato em sua vida, o que fazia tudo aquilo ainda mais suspeito.

Tyber bebeu champanhe. Perguntava-se se tinha calculado tudo corretamente. Conhecendo seu temperamento, Zanita jamais aceitaria comprometer-se como ele desejava que o fizesse. Sua colaboração com o caso LaLeche tinha chegado ao fim e era hora de pensar em outra modalidade de trabalho conjunto.

Queria que ficasse junto a ele.

Em verdade, estranhava que ela ainda não tivesse tocado no tema de retornar a sua casa.

Tyber não tinha falsas ilusões. Conhecia bem Zanita. Logo que sentisse as coisas como ele as sentia e as circunstâncias demonstrassem a Zanita que tinha encontrado a sua cara metade, sua relação se converteria no que o vento levou. Mas Tyber não tinha a menor intenção de deixá-la escapar. Não era um objeto que podia abandonar à deriva. Pertencia-lhe e sabia que ela era consciente disso. Mas tinha que convencê-la ...

—Zanita.

Esticou o braço por cima da toalha para pegar em sua mão.

—Perguntava-me se você gostaria...

—Há alguém perguntando por você, Capitão — interrompeu Blooey da porta — Diz que é o engenheiro da empresa Sistema de Eras Espaciais que falou com você faz uns dias.

Tyber elevou uma sobrancelha e encolheu de ombros ante o olhar interrogador de Zanita.

—Com licença.

Enquanto Tyber estava ao telefone, Zanita não sabia como escapulir. Felicitou Blooey pelo maravilhoso jantar com o qual os tinha brindado. Em seguida subiu as escadas para ir tomar um banho de água quente. De qualquer maneira, tudo aquilo cheirava a relação formal. Começou a suar apesar de estar imersa em água até o pescoço. Fechou os olhos e os apertou. Não tinha jeito a não ser enfrentar a situação embora não tivesse desejo nenhum de fazê-lo.

Tudo bem, Tyber estava a anos luz de Steve, Rick ou qualquer outro homem que tivesse conhecido até então. Não obstante, sua experiência com o sexo oposto fazia com que estremecesse em apenas pensar em manter uma relação. Os homens não queriam... Os homens eram isso, homens. Não era culpa deles. Eram prejudiciais para a saúde. Deveriam ter uma etiqueta na testa: as autoridades sanitárias advertem que os homens prejudicam seriamente a saúde mental.

Longe. Iria para longe. Logo. No dia seguinte, à hora do almoço, passaria em sua casa para prepará-la para sua volta.

A decisão já estava tomada.

Comunicaria a Tyber quando subisse.

Quando saiu do banheiro, estava deitado de lado, abafado com o edredom, apoiado sobre o cotovelo e a cara recostada sobre a palma da mão. Contemplava-a com olhos ternos.

Zanita afastou o cabelo e caminhou com passo decidido até a cama. Não gostava daquele olhar. Estava certa de que era mais fácil vencer um adversário abordando um tema que não tinha nada a ver com o tema que na verdade teria que tratar. Tinha que abrandá-lo. Distrai-lo. E de repente, zás! Já não poderia lhe negar nada.

—O que queria o engenheiro? Algo sobre o LaLeche?

—Não.

Rodeou-a com o braço que ficava livre e a convidou a reunir-se com ele na cama.

—Queria perguntar se estava interessado em trabalhar com eles num projeto de assessoramento para um filme sobre a RV.

—Aceitou?

—Buff.

Percorreu com o indicador a borda da toalha de Zanita. Esta carícia a incomodou.

—Por que não?

—Teria que passar longas temporadas na Califórnia. E não quero deixá-la só tanto tempo - seus olhos a esquadrinharam — Sentir-se-ia muito só em uma casa tão grande.

Sempre tinha a sensação de que podia ler seus pensamentos como um livro aberto. Ânimo. Respirou fundo.

—Tyber, temos que conversar.

—Veja Zanita, há um peixe exótico que está olhando para você com um brilho estranho nos olhos.

—Onde?

Voltou-se em direção do aquário.

—Zanita, como quer que um peixe adote tal olhar?

Olhava-a com alvoroço. E com algo mais. Tinha um ás na manga.

—Tratando-se de seus peixes, tudo é possível. Deixe-me!

—Sabe pescar beijos? Como este.

Cobriu-lhe a boca com os lábios. Elevou a cabeça. Seu cabelo roçava os seios.

—São assim, não é?

Juntou os lábios e sugou as bochechas de modo que a forma desenhasse a boca de um peixe. Começou a brincar com os lábios de cima e de baixo. Era realmente cômico.

Zanita riu tanto que teve que agarrar o ventre. Tyber desfez o nó da toalha e seguiu com a boca de peixe sobre a superfície do ventre. Zanita não deixava de rir. Ficava mole cada vez que ele olhava para cima e via a cara de anfíbio com os olhos fechados e a boca pequena lhe voltava a dar um ataque.

Foi muito mais tarde, depois de ter feito amor — Zanita seguia rindo, deu-se conta de que Tyber tinha utilizado a mesma estratégia que ela tinha pensado para ele.

Tinha desviado o centro de atenção com grande habilidade.

 

A casa lhe pareceu pequena.

Vazia.

Fria.

Zanita ficou sobressaltada e contemplou seu apartamento alugado com os olhos de um estranho. O que antes lhe pareceu adequado em outros tempos agora era muito desajeitado. Parecia-lhe inóspito. Inóspito.

Entrou no quarto, que cheirava a umidade. Uma sala e uma cozinha. E pronto. Não era um lar. Era um lugar provisório para estudantes, solteiros e nômades.

Era deprimente.

O sofá-cama estava totalmente aberto, pois era muito preguiçosa para fechá-lo e abri-lo todos os dias. Alguns livros se empilhavam sobre a cômoda. O cacto, o único ser vivo do apartamento além dela, sobrevivia, sem sol devido à escassa luz outonal, meio murcho. Uma cadeira. O som. A televisão portátil. E um par de quadros pendurados aqui e acolá, aleatoriamente.

Isso era tudo.

Toda sua vida se reduzia a isso.

Desejava realmente retornar aquele lugar? Abandonar o conforto do lar de Tyber? Voltar para esse casebre em vez de estar em uma casa onde a mimavam e cuidavam e... queriam?

Devia estar louca para pensar sequer em...

A porta se fechou de um golpe seco.

Sobressaltou-se e se virou. LaLeche estava no interior de seu apartamento.

Levava uma jaqueta de esqui e —os olhos de Zanita se cravaram nas mãos— umas luvas de couro. Perguntou-se por que levaria luvas se não estava frio.

Logo, teve uma série de pensamentos, mas havia um que destacava por cima de todos outros: «Saia daqui».

—Pode saber-se o que está fazendo aqui?

Não respondeu. Pôs a mão atrás das costas e passou o ferrolho. Zanita retrocedeu uns passos.

—O que quer? —esforçou-se para que a voz soasse natural.

Em semelhante situação, a última coisa que se deseja é mostrar o medo que se sente. Ou melhor dizendo o terror.

LaLeche a olhou com desdém.

—Parece-me que é evidente.

—Tenho muitas coisas a fazer assim será melhor que vá embora.

Sim, claro, como se fosse coincidência que tivesse fechado a porta.

—Que lástima, Zanita! Porque eu tenho muito tempo que dedicar a você.

Deu uns passos em direção da jornalista. Ela retrocedia apesar do tamanho reduzido do apartamento.

Terei que distraí-lo”. Gritou:

—E tudo isto por um artigo!

Deixou de encurralá-la por uns instantes e lhe dedicou um sorriso perverso.

—Não se engane, querida. Não se trata do artigo, mas sim da foto que o acompanhava. Isto foi muito irresponsável de sua parte.

Foto? Que foto?

Demorou uns instantes para perceber que falava da foto que Hank tinha mandado publicar. Aquilo sim que era verdadeiramente irônico. Hank tinha se preocupado que ela se metesse em confusões e no fim era ele quem a estava metendo em sérios apuros. Contudo, Hank fazia o correto e não tinha culpa de nada.

—Veja bem, um nome sempre se pode mudar, mas quando a gente sai em uma fotografia... A cirurgia estética sai muito cara.

Levantou o queixo em uma ameaça de desafio.

—E o que pensa fazer?

LaLeche levantou o indicador em sinal de ameaça.

—Pois é o que estou pensando. Deu-me grandes prejuízos. E esses prejuízos merecem... vingança. Tem alguma ideia?

—Me deixe em paz — respondeu realmente assustada.

Não lhe deu atenção.

—Os acidentes ocorrem da maneira mais impensável. O mordomo esse ser tão irrelevante, por exemplo...

Blooey! O bom Blooey! O que lhe teria acontecido?

—Blooey não é nenhuma ameaça para você e nunca esteve metido em nada disso. Não o coloque nesse assunto.

—Um pequeno acidente no jardim é muito verossímil. Há pessoas que não tem suficiente cuidado com as ferramentas, o que pode ter conseqüências funestas. Pode cair em cima de, suponhamos, algo pontudo.

—Chega! Não vou permitir que...

—Logo acabarei com sua mascote. Os gatos são vítimas fáceis. Este deveria estar criando malvas há anos. Adora a comida... come tudo que vê.

Olhou-a com ódio. Agora ia divertir-se com ela. Sabia. Estava ameaçando envenenar Foiegras. Apesar de reconhecer suas artimanhas, não podia evitar de ficar arrepiada da cabeça até a ponta dos pés. Não seria capaz de suportar que acontecesse algo ao Foiegras por sua culpa. Tinha se apegado a esse gato tão especial.

Tyber.

—O que tem contra Tyber? Fui eu quem escreveu os artigos.

—Sim, mas ele proporcionou o material. Não sou idiota. Sei tudo a respeito de Tyberius Augustus Evans. Conheço sua reputação e as coisas que o motivam. Montou tudo isto por você, não é verdade? Seus passatempos habituais são outros. Pensei qual devia ser sua motivação e achei a resposta: Queria tê-la e deu o que você queria.

Zanita o olhou. Seria verdade o que LaLeche estava dizendo? Acaso Tyber a tinha ajudado unicamente para consegui-la? Sempre tinha pensado que era o contrário, que Tyber se colocou no assunto porque o intrigava e também para investigar. E que ela era apenas parte do trato.

Acaso tinha estado cega todo este tempo ou LaLeche tentava confundi-la?

 

—Tenho a vingança perfeita para vocês dois.

Zanita manteve sua expressão desafiante a fim de não entrar no jogo. Ele a estava provocando para que perguntasse qual seria.

—Poderia começar com você e possuí-la.

Aquele comentário lascivo lhe deu calafrios. Esforçou-se por aparentar calma.

—Não acredito, senhor LaLeche. Meus gritos fariam cair o edifício.

Pronunciou seu nome com todo asco que sentia.

O homem esfregou a bochecha. Escutou as palavras de Zanita como se estivessem conversando sobre temas banais e ele não estivesse proferindo ameaças cruéis.

—Duvido. Poderia fazer o que bem entendesse e sair como se nada tivesse acontecido. Os outros inquilinos não estão em casa a essa hora. Já verifiquei. Pode gritar até ficar rouca. Ninguém poderá ouvi-la.

Zanita quase desmaiou. Tyber e ela deixaram-se levar mais pela avareza, a falta de honestidade e de integridade daquele sujeito que jamais passou pela cabeça deles que LaLeche poderia procurar vingança. Estava realmente em perigo.

—Alguém o veria.

Aquilo foi pior que disparar um tiro.

—Não - negou LaLeche com a cabeça — Ninguém me viu entrar e me assegurarei de que ninguém me veja sair. Desaparecerei no ar como acostumo fazer. Ninguém me ganha em astucia. Com exceção de você e do doutor Evans. Depois disto, passarei o resto de meus dias com vocês. Sempre estarei entre vocês.

Riu de suas próprias palavras.

Zanita não imaginou nenhuma situação violenta até então. Fora as ameaças, seus pensamentos eram perfeitamente lúcidos quando se dispersavam em mil direções. Queria subjugá-los, vingar-se deles e controlá-los. Haviam trazido a cara mais escura da violência a sua própria casa.

O que estava sugerindo LaLeche superava seus piores pesadelos e atormentaria Tyber até o fim de sua vida. Conhecia-o e sabia que ele se sentiria responsável por não ter podido protegê-la. Era uma atitude masculina sem nenhum sentido, mas sabia que Tyber se sentiria culpado.

LaLeche tinha razão; era uma vingança horripilante pois se conseguisse levá-la a cabo, destroçaria-lhes a vida de ambos.

Tinha que pensar em algo para desencorajá-lo. Só lhe veio à cabeça um argumento.

—Mas haveria provas de que...

—Tenho um preservativo no bolso. Que provas teriam contra mim?

Começou a aproximar-se com a clara intenção de cumprir sua ameaça. Zanita deu a volta no sofá. Ou acaso o homem pensava que não haveria resistência?

—Vou defender-me. Esteja certo que o encherei de arranhões, equimoses, provas...

—Farei o que puder para evitá-lo. Tenho bastante força e não será difícil para mim, subjugar uma mulher pequena como você. E embora consiga me deixar um par de marcas, isso não é argumento capaz de desencorajar um homem. Se for você quem acaba com algumas equimoses, e asseguro que assim será, todo mundo pensará que foi seu noivo. Tem fama de ser um pouco selvagem.

Parou um instante.

—Ainda que você decida apresentar queixa, sempre ficará uma sombra de dúvida: talvez o ilustre e respeitável Tyberius Evans seja violento e ela o esteja encobrindo. Isso arruinaria sua brilhante carreira. E também terá que lhe agradecer por isso. E lembre-se que será sua palavra contra a minha.

Aproximou-se um pouco mais.

—Acredito que minha palavra pesaria mais.

Zanita refugiou-se na pequena cozinha.

—Trata-se de uma jornalista que quer ficar famosa. Um bom advogado tiraria muito proveito de algo assim perante um tribunal.

Zanita pensou seriamente que fosse agredi-la. Garantiu que a tinha encurralado. Antes que pudesse defender-se, já tinha se debruçado sobre ela.

Arrancou-lhe a roupa e a golpeou com violência contra a parede. Zanita se debateu com todas suas forças, mas, LaLeche tinha razão em uma coisa: que ela não tinha nada que pudesse fazer contra sua corpulência. Subjugou-a com grande facilidade. Zanita chorava. Sentiu uma grande impotência por não poder defender-se daquela agressão. Seu coração pedia socorro ao Tyber...

LaLeche baixou o zíper das calças de uma vez e amordaçou Zanita com a mão que ficava livre. Não podia detê-lo. Nada ia detê-lo.

Mais tarde, talvez não pudesse explicar porque havia feito o que fez. Enquanto podia pensar, gritou.

—Temos o seu dossiê!

LaLeche ficou paralisado. Olhou-a com desprezo.

—Que dossiê é esse?

Zanita tremia, as lágrimas brotavam como uma corrente sobre as faces.

—Responda!

Agarrou-a pelo cabelo e a soltou violentamente contra a parede. Zanita viu pequenos pontos. Desejava não desfalecer. Temia não voltar a despertar jamais se o fizesse.

—É um dossiê do FBI. Sabem tudo sobre você, LaLeche. Estão há anos seguindo-lhe. Acabarão por encontrá-lo. E pode apostar que terminará pagando pelo que tem feito as pessoas de bem e inocentes.

LaLeche parou antes de pensar nas palavras que acabava de ouvir.

—Encontraram meu rastro ou foi você quem deu a idéia a eles de reabrir o caso? É melhor que responda ou acabo contigo agora mesmo.

A ameaça paralisou Zanita. Esbofeteou-a e lhe partiu o lábio.

—Foi minha idéia. Sabem que temos o dossiê.

—Então é provável que não tenham me encontrado ainda —uma gota de suor percorreu seu rosto — Não têm com o que me acusar. Nada. Ainda assim, será melhor que não brincar com a sorte.

Soltou-a.

—É seu dia de sorte Zanita. É melhor que eu vá embora.

Caminhou lentamente até a porta e a abriu não sem antes assegurar-se de que o caminho estava livre. Voltou-se para ela.

—Eu voltarei.

Saiu como tinha chegado.

Zanita caiu no chão. Agora viriam as conseqüências do susto. Sentiu umas náuseas subir por dentro. Suas vísceras se retorceram. Foi correndo até o banheiro e voltou várias vezes. Quando deixou de ter convulsões, enxaguou a boca, escovou seus dentes sem pensar sequer no que estava fazendo. Quando se deu conta de que estava segurando a escova, nem se lembrava de como tinha chegado até sua mão.

Apoiou-se contra a parede. A única coisa que podia pensar com clareza era: Tyber.

Assim que o tremor de suas pernas começou a ceder, saiu banheiro, agarrou a bolsa e se afastou do piso tão depressa como pôde.

Precisava encontrar Tyber. Tinha que encontrá-lo. No mais recôndito de sua mente, sabia que não estava atuando de forma racional. Estava em estado de comoção. Mas não importava. O que mais importava era estar junto de Tyber.

Era como se não estivesse no carro conduzido para a mansão. Imagens horríveis e desconexas iam a sua mente. E se LaLeche também estivesse dirigindo nesses precisos instantes para a mansão? E se já tivesse feito algum mal a eles? Estes pensamentos a atormentaram até a entrada. Foi um milagre que não a detivessem por excesso de velocidade.

Apalpou no interior da bolsa até encontrar a chave da grade. Entrou na propriedade e tomou a curva do caminho que levava a entrada da casa e freou com grande estrondo. O carro ainda estava em velocidade quando saiu batendo a porta. Subiu as escadas com toda pressa e entrou na casa.

Viu o Foiegras deitado placidamente no vestíbulo perto da janela, onde o sol o esquentava. Fechou os olhos de alívio sem deixar de procurar freneticamente os demais com suas próprias vistas. Correu até a parte de trás da mansão e a cozinha. Antes de chegar, a porta de entrada abriu-se.

Tyber saía da cozinha de meias e jeans comendo um pão-doce e segurando uns papéis. A princípio não a reparou, porque estava concentrado no conteúdo das folhas.

Parecia estar tão tranqüilo que Zanita encheu-se de vontade de gritar. Quando Tyber a viu, parou e a observou em silêncio. Seus olhos percorreram sua roupa rasgada, o lábio partido e inchado e os hematomas.

—Onde está Blooey? —perguntou com voz tremida.

Tyber a olhou fixamente.

—Está lá fora plantando sementes. O que aconteceu? —inquiriu com vigor.

Seu lábio inferior começou a tremer. De repente cobriu a cara com a mão, desabou no chão e começou a chorar desconsoladamente. Quase ao mesmo tempo, caíram ao chão os papéis e o pão-doce de chocolate. Tyber se ajoelhou e a estreitou em seus braços.

—O que aconteceu? Fale! —balançou-a em seus braços.

—Foi LaLeche —soluçou.

Tyber ficou mudo.

—O que ele fez?

—Me encurralou em meu apartamento. Não sei como me encontrou. Deve ter me seguido.

Apenas lembrar a fazia estremecer. Tyber lhe acariciava as costas ao mesmo tempo em que a apressava para que continuasse, temendo o pior.

—Disse que queria vingar-se de nós. Disse que podia fazer o que quisesse comigo e que eu não poderia impedi-lo.

Zanita agarrou-se a sua camisa com força. Tyber fechou os olhos de dor pelo que Zanita acabava de sofrer.

—Está ferida? Deixa que a leve ao hospital.

—Não! Quero ficar aqui! Não quero ir a nenhum lugar.

Estava fora de si. Tyber tentou acalmá-la.

—Eu sei, querida. Mas se ele a machucou, é preciso que vá ao hospital.

—Não pôde chegar tão longe. Tive tanto medo, Tyber. Disse-lhe que tínhamos seu dossiê. Deteve-se. Não sei por que. Antes de ir, me disse que voltaria por mim.

Não teve forças para seguir falando. LaLeche não a tinha violado como ele temia. Em seu íntimo Tyber deu graças aos céus. Talvez fosse absurdo, mas às vezes a fé surgia nos momentos mais inesperados. Não a tinha violado, mas tinha dado um susto de morte. E talvez seguisse com seqüelas daquela agressão por toda vida. Demoraria muito tempo para recuperar a sua confiança habitual. Naquele dia parte de sua enérgica inocência se desvaneceu para sempre. E o canalha a tinha agredido fisicamente muito, tinha lhe levantado a mão...

Tyber desejava matá-lo.

—E se ele vier aqui, Tyber? Ameaçou o Blooey e o Foiegras. Disse que envenenaria o animal.

Seguia agarrada a sua camisa com o rosto inchado pelo pranto escondido em seu peito. Segurava-se a ele com força. Quando a olhou, sentiu vontade de chorar.

Estava assustada de verdade. Ele pagaria por isso. Mas não agora. A primeira coisa a fazer era cuidar dela e a consolar da melhor forma possível.

—Calma, querida. Comigo estará a salvo. Não vou permitir que lhe aconteça mal algum.

Para fortalecer suas palavras, beijou-lhe nas pálpebras, o rosto, e as faces. Seus cuidados abriram uma avalanche de emoções em Zanita e pôs-se a chorar. Cortava-lhe o coração vê-la assim.

Agarrou-a em seus braços e a levou ao quarto. Tirou-lhe delicadamente as roupas rasgadas e a agasalhou na cama.

Consciente de que o calor de seu corpo era o melhor remédio possível, despiu-se e a cobriu.

—Deixe de chorar. Não chore mais - a balançou — Está a salvo. Eu juro que ele não voltará a lhe tocar. Amo você demais para permitir que algo ruim lhe aconteça. Me beije, Cachinhos. Isso mesmo. É tão doce. Tão, tão doce.

—Me abrace, Tyber.

—Estou lhe abraçando. Vê? Não tem por que ter medo.

—Não vai me deixar...

Zanita continuava tremendo.

—Não. Nunca.

Apertou-a contra ele.

Abraçou-se ao pescoço de Tyber e o atraiu para ela.

—Faça amor comigo, Tyber. Por favor. Apague seu toque, sua lembrança, suas palavras. Não vai deixar que me faça mal?

Beijou-a suavemente, consciente de sua fragilidade física e emocional.

Seus lábios o buscavam com frenesi, com obrigação, com paixão em uma intenção de preservar o bom e o belo que existia no mundo. Era Tyber, seu recanto de paz.

Deitou-se sobre ela, protegeu-a com seu corpo. Uma proteção humana de calor e segurança.

Os lábios de Tyber brincaram com o lóbulo. Aplacavam-na como uma canção de berço.

—O que eu lhe disse antes?

—Que me amava.

Tyber não queria que pensasse em nada mais. Queria que se concentrasse nele. Queria exorcizar a feiúra, o terror que tinha vivido horas antes. Separou-lhe as pernas a ambos os lados, abriu-a para que o recebesse.

Diga de novo, querida.

—Disse que me ama. Tyber.

Penetrou-a de um só e suave movimento.

Sim, eu a amo - lhe sussurrou ao ouvido.

Moveu-se dentro dela, primeiro lentamente, com movimentos sutis e reconfortantes que foram tornando-se mais vigorosos a cada investida.

—Diga-me isso de novo - insistiu com o propósito de que ficasse gravado, que sentisse e não esquecesse jamais que ele era o único homem para ela.

Zanita ofegava.

—Disse que me ama.

A língua do Tyber se enroscou em sua orelha. As mãos deslizaram por todo o corpo até agarrar com força as nádegas de Zanita a fim de encaixá-la em sua virilidade. Agarrou-se a ela com força, encerrou-se nela. Acariciou a bochecha de Zanita e juntou suas faces de forma que a boca ficasse à altura do ouvido dela e vice e versa. Na intimidade de suas carícias, pediu-lhe que lhe dissesse o quanto ele era importante, ele queria ouvir. A voz de Tyber vibrava de paixão.

—Me diga isso

—Eu o amo.

—Sim - gemeu Tyber.

A voz de Zanita envolveu todo seu ser. Esfregou a bochecha contra a dela.

—Sempre será assim. Sempre.

—Amo você, Tyber. Amo.

—Eu sei, meu amor. Eu sei.

Suas bocas se fundiram em um beijo profundo e infinito.

Ambos alcançaram o climax ao mesmo tempo. Foi uma fusão completa e definitiva. O final. O início.

Tyber saiu da cama cuidadosamente para não despertar a Zanita. Ficou dormindo em seus braços depois de fazer amor. Os acontecimentos do dia, o susto que tinha passado e a união de seus corpos tinham feito uma ruptura. Ficou sem forças e cansado caiu em um sonho profundo.

O sonho cura tudo.

Vestiu-se e abandonou o quarto sem fazer ruído, sob a ponta dos pés. Uma vez no vestíbulo, pegou o telefone e discou um número que conhecia de cor. Tyber não perdeu tempo com rodeios.

—Onde está?

—Onde está quem?

—Não se faça de besta comigo, Sean. Sei que a seguiu depois que partiu de minha casa no domingo. Onde está?

—Para que quer saber?

—Ameaçou Zanita. Deu-lhe um susto de morte. Seriamente.

Houve uma breve pausa.

—Está bem. Tem uma casinha alugada no Hill Town, na Ridge Road. Está pintada de amarelo. Com marcas brancas. É o número 109.

Tyber ia desligar quando Sean o reteve na linha ainda um segundo.

—Evans!

—O que é?

—Não faça tolices! Estarei vigiando. Vou dar-lhe quinze minutos.

—Devo uma a você, amigo. Obrigado.

Tyber procurou o Blooey para lhe contar ligeiramente o acontecido. Blooey ficou possesso, ameaçou amotinar-se e sair em busca do canalha.

Tyber tentou tranqüilizá-lo e lhe pediu que cuidasse de Zanita durante sua ausência. Deu-lhe instruções de não despertá-la. Blooey sabia o que o Capitão se dispunha a fazer. Sabia se cuidar sozinho. Tinha sorte de poder estar a serviço de um bom homem.

—Não se preocupe Capitão. Eu a vigiarei em seu lugar. Vá resolver este assunto.

 

A casinha estava às escuras, à exceção de uma tênue luz que brilhava no quarto da frente à direita.

Tyber pensou a melhor maneira de poder entrar e finalmente optou pela via tradicional. Bateu na porta. Não esperava que LaLeche fosse abrir e ficou em alerta quando o viu abri-la.

LaLeche pareceu ligeiramente surpreso quando viu o Tyber diante de sua porta. Fez gesto de fechar a porta, mas Tyber irrompeu rapidamente no interior e foi ele mesmo quem a fechou atrás dele.

—Queria falar com você, Xavier.

A voz do Tyber soava suave, mas incisiva.

—Possivelmente em outra ocasião. Tenho muito que fazer neste momento.

LaLeche ignorou Tyber. Se ocupava de esvaziar o conteúdo de uma escrivaninha e de colocá-lo em uma bolsa.

Tyber apertou os dentes para reprimir seu desejo de acabar com a vida daquele miserável.

—Deveria matá-lo aqui mesmo, mas temo que tenha que me conter e avisá-lo primeiro. Afaste-se de Zanita. Se eu o vir ou souber de que se aproximou, juro-lhe que...

LaLeche interrompeu o que estava fazendo. Deu a volta e olhou para Tyber com um ridículo sorriso.

—O que vai fazer, doutor? Não seja ridículo, doutor Evans. Pelo amor de Deus, você é físico.

—Às vezes - murmurou Tyber.

LaLeche o encarou.

—Que interessante! Eu adoraria poder descobrir suas múltiplas facetas, mas tenho que ir.

—Não acredito.

—Está enganado, doutor. Saia daqui.

Tentou afastá-lo, mas Tyber o empurrou contra a porta de saída.

—Vá para onde quiser e não volte aqui. Mas antes de lhe deixar ir, vou esclarecer umas coisas. Quero que se esqueça de Zanita. Quero que tire da cabeça qualquer ideia de aproximar-se de minha mulher ou de qualquer outra coisa que tenha haver comigo. Quero que tire da cabeça qualquer idéia absurda de vingança. E para me assegurar de que entendeu bem - Tyber lhe deu um murro na barriga— dar-lhe-ei um pequeno adiantamento.

LaLeche se dobrou e levou as mãos a barriga. Tyber tinha um punho de aço.

—Filho da puta.

—Não sabe quanto posso chegar a ser. Se acreditar que é bom em truques de efeitos especiais, sou muito melhor com as substâncias letais.

—A que se refere?

—Refiro-me a ser muito criativo.

—O que quer dizer com isso?

LaLeche se incorporou e tratou de recuperar o fôlego.

—Caso acontessa algo a Zanita ou a mim, que no caso é o mesmo, me assegurarei de que se ponha em andamento determinados mecanismos. Já viu alguma vez alguém depois de um envenenamento radioativo? É uma morte lenta e dolorosa. Primeiro cai o cabelo, depois os dentes. Depois o sangue se...

—Isso não é mais que mentiras.

—Eu adoro resolver problemas. Faça um favor a si mesmo: não se converta em um problema para mim.

—Merda.

LaLeche acreditava nele. Tyber o empurrou e fez com que perdesse o equilíbrio. Abriu a porta e lançou um último olhar cuja seriedade afirmava suas ameaças. Fechou a porta lentamente.

Quando deixou o lugar, Sean e seus homens rodearam a casa.

Tyber entrou na caminhonete, fechou os olhos e expirou. Sim eram mentiras. Mas um capitão digno desse nome sabia como reduzir o inimigo. Sem canhões a bordo. Independentemente do desenlace dos acontecimentos, LaLeche não voltaria a aproximar-se deles.

 

Zanita seguia dormindo quando voltou entrar na cama com ela. Voltou-se e se refugiou nos braços do Tyber. Abraçou-a e descansou o queixo sobre a cabeça.

—Onde você tinha se metido? —sussurrou.

—Sentiu saudades de mim?

Zanita assentiu.

—Recebi uma chamada. Como você está?

—Um pouco dolorida, mas de resto, bem.

Um calafrio lhe percorreu a coluna ao lembrar-se do LaLeche.

—Tem certeza?

Deu-lhe uma massagem nas costas.

—Claro. Foi horrível, mas seus cuidados conseguiram esfumar esse transe, Doc.

Sorriu com a cara junta a sua pele. Tyber se sentiu aliviado. Zanita superaria aquilo.

—Prenderam-no.

—Saiu nos jornais?

—Não.

Tyber não quis entrar em detalhes.

—Um monte de mulheres o reconheceram graças à foto. Seduziu-as com o nome do Marvin Broconol e lhes tirou fotos. Depois as chantageou dizendo que mostraria a seus respectivos maridos. Como uma das mulheres está divorciada e a outra é viúva, o pegaram em seguida. Há outras denúncias por delitos graves. Ficará preso por um bom tempo.

—O essencial é que já não poderá seguir extorquindo às pessoas. Que pena! As técnicas curativas podem ser muito benéficas para a saúde. Mas se houver uma maçã podre na cesta, já se sabe...

—E uma só maçã podre basta para danificar todas as demais. Estou de acordo contigo. Há muita gente honesta que tenta ajudar aos outros com seus remédios. Tem que estar muito atento e saber distinguir.

—Suponho que isto acabou.

A Zanita doía ter que abordar a questão. Não sábia como se sentiria Tyber se ficasse vivendo em sua casa com ele. Agora que já tinha admitido seu amor por ele, não tinha por que seguir enganando-se a si mesma. Sabia onde queria estar. Para sempre.

Como se sentiria Tyber? Embora tivesse declarado seu amor, seguia tendo sua vida. Talvez, quisesse conservar sua intimidade. Brincou com o pêlo do tronco.

—Vou para meu apartamento.

—Não acredito.

A língua do Capitão explorou sua orelha. Zanita se estremeceu.

—Não?

—Não.

Estava seguro?

—Mas Tyber...

—Temos um novo caso.

Não diria que ele tinha passado as últimas duas semanas a espremer o cérebro para inventar algo que pudesse captar a atenção de Zanita e fazer para ficar com ele. Ela sorriu

—De verdade? E no que consiste?

—Há um homem que vive em Massachussetts que assegura que seu botequim está encantado.

—É um louco. Que mais?

—Bom, existem fontes confiáveis que afirmam sua versão.

—Ah.

—De modo que não pode partir.

Inclinou-se para beijar as curvas dos seios. Zanita lhe acariciou a cabeça, absorta já neste possível novo caso. Ou isso parecia.

—Tyber - disse distraída.

Tyber cheirou o pescoço de Zanita e percorreu toda a pele com seus lábios umedecidos.

—Quer se casar comigo?

O físico ficou quieto.

—Sim.

Continuou beijando-a como se tal coisa, como se não acabasse de dar um passo decisivo em sua vida.

Zanita puxou seu cabelo para interrogá-lo.

—Como pode responder tão rápido?

Debaixo de umas pálpebras meio fechadas, os formosos olhos azuis brilhavam de emoção mesclada de desejo. Um sorriso lhe iluminou a rosto e mudou sua fisionomia. Zanita se assustou ao ver a careta.

Antes de inclinar-se para beijá-la, deu o tipo de resposta malandra que só a ele teria ocorrido.

—Já expliquei a você alguma vez a velocidade da luz? Acho que não? Bom, pois...

Era a resposta por excelência de Tyber. Aquela noite e todos os dias da ditosa vida que compartilhou com o doutor Evans, Zanita aprendeu que tudo é uma questão relativa.

Salvo o amor.

Tyber sustenta que o amor é absoluto.

E deveria saber.

Afinal de contas, o homem é um gênio.

 

[1] No original em espanhol, rosetones.Mais informações em http://es.wikipedia.org/wiki/Roset%C3%B3n

[2] Vichyssoise: uma sopa de alho-poró e batata, servida fria. Quente também é gostosa, mas aí não pode ter o mesmo nome, porque vichyssoise só pode ser fria. Se for quente, deve se chamar sopa de alho-poró.

[3] Eletrostática (português brasileiro) ou electrostática (português europeu) (do grego elektron + statikos, estacionário) é o ramo da eletricidade que estuda as propriedades e o comportamento de cargas elétricas em repouso, ou que estuda os fenômenos do equilíbrio da eletricidade nos corpos que de alguma forma se tornam carregados de carga elétrica, ou eletrizados. O estudo científico da eletrostática é dividido em três partes: atrito, contato e indução. O fenômeno eletrostático mais antigo conhecido é o que ocorre com o âmbar amarelo no momento em que recebe o atrito e atrai corpos leves.

 

                                                                                Dara Joy  

 

 

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