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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A FARSA DE UM AMOR / Anne Mather
A FARSA DE UM AMOR / Anne Mather

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Joana amara Cole Macallister com uma paixão devastadora. E acreditava que o sentimento dele fosse tão intenso quanto o seu. Mas o casamento desfez-se em meio a uma trama de suspeitas e acusações.

Agora Cole voltara, e queria Jaona de volta.

Para ela, porém, o que existira entre eles , no passado, fora definitivamente destruído...

 

 

 

 

Não podia ser ele... não devia ser... mas era; caminhando com passos firmes e decididos em sua direção, no terraço onde ela tomava o café da manhã, como se já esperasse encontrá-la ali.

Joana olhou ao redor, imaginando se teria se enganado. Talvez ele tivesse avistado outra pessoa. Mas não. Era tarde e já não havia quase ninguém no terraço; a maior parte dos hóspedes estava na praia, se bronzeando. Ela era a única pessoa sentada naquele canto.

Seu tio Charles costumava brincar com ela, dizendo que era a mutante de uma família puramente inglesa. Com pele morena e cabelos pretos, Joana era completamente diferente de seus pais, que tinham pele e cabelos claros. Devia ter saído a algum ancestral que fizera parte da família de maneira ilícita e escandalosa, provocava o tio brincalhão.

Esta possibilidade, no entanto, nunca a incomodara, até casar-se com Cole MacAllister. Mas o subseqüente divórcio abalara-lhe a confiança. Apesar de tudo vinha conseguindo, nos últimos meses, enterrar as memórias do passado.

Até aquele momento, admitiu para si mesma, nervosa, sentindo um ímpeto estranhamente forte de sair correndo, de fugir de um confronto pelo qual nunca imaginara ter de passar. Esforçou-se, todavia, para controlar, este impulso e quando Cole parou ao lado de sua mesa Joana já conseguira até esboçar um sorriso amarelo.

— Olá, Jô.

A saudação estava longe de ser original e o acanhamento de Cole restabeleceu-lhe a autoconfiança.

— Cole — respondeu, seca, brincando com a asa da xícara. — Como vai?

— Bem.

De fato, ele parecia bem, reconheceu Joana. Nunca fora um homem convencionalmente bonito, mas as feições angulosas e marcantes eram muito mais atraentes do que a beleza clássica; uma sensualidade latente emanava dos olhos azuis, emoldurados por cílios longos e escuros, apesar do cabelo loiro. A linha do nariz era ligeiramente irregular, o que concedia um charme todo especial ao rosto másculo. Mas foram os lábios que mais chamaram a atenção de Joana; finos, firmes, e no entanto, infinitamente sensuais.

Com os cabelos ligeiramente compridos, esbarrando no colarinho aberto da camisa, Cole era um homem que dificilmente alguém ignoraria, embora fosse exatamente isto o que Joana vinha tentando fazer, nos últimos três anos.

— Posso me sentar?

Joana não estava preparada para aquela pergunta e por um instante sentiu a boca seca. "Não", queria responder. "Não, não pode, não quero que você se sente, não quero falar com você. Não quero que estrague minha estadia na ilha com sua presença."

— Por favor — convidou, em vez disso, contrariando tudo que sentia, afastando o copo de suco de laranja e o bule de café. — Fique à vontade.

— Obrigado.

Com uma graciosidade natural, geralmente incomum em um homem com seu corpo e estatura, Cole afastou uma das cadeiras estofadas com vinil estampado e sentou-se, apoiando um tornozelo sobre a perna. Um calafrio percorreu a espinha de Joana quando o joelho dele encostou, em sua perna. Ela recuou discretamente, mas Cole não pareceu notar a reação, enquanto percorria os olhos pela faixa de areia margeada por uma longa fileira de palmeiras, a apenas alguns metros de distância.

— Este lugar é lindo — observou, pensativo,

— É — concordou Joana, contemplando o oceano além dos guarda-sóis coloridos.

O mar verde-turquesa que banhava as ilhas ensolaradas das Bahamas era quente e convidativo, um verdadeiro paraíso para mergulhadores e proprietários de lanchas e iates.

— Que coincidência encontrar você aqui — acrescentou.

— Não é coincidência.

— Como, não? Você sabia que eu estava aqui?

— Claro.

Uma sensação de premonição e mal-estar abateu-se sobre Joana. Mais uma vez quis levantar-se e ir embora, afastar-se dali e fazer de conta que aquilo não estava acontecendo. Oh, o que não daria para acordar e descobrir que tudo não passara de um sonho... ou de um pesadelo!

Mas já fugira de Cole uma vez e não faria isso de novo. Ele já não podia magoá-la e Joana só estaria entrando no jogo de Cole se o deixasse perceber como ele ainda a perturbava.

Por isso, com um autocontrole admirável, pegou um croissant na cestinha forrada com um guardanapo de linho e começou a abrir a minúscula embalagem de geléia.

Cole observava-a, em silêncio. Joana tinha consciência do olhar atento e esforçava-se para manter as mãos firmes enquanto passava geléia no croissant.

Como Cole sabia que ela estava lá? O que estaria pensando? O que desejava dela?

— Curiosa?

— Um pouco — confessou Joana, calmamente. — Como sabia que eu estava aqui?

— Grace me disse,

Joana engoliu em seco. Claro. Devia ter imaginado.

— Não fique com raiva dela — continuou Cole, ao perceber a expressão de contrariedade no rosto de Joana, — Ela não teve muita escolha.

Joana, no entanto, mal ouvia o que Cole dizia, Grace não perdia por esperar, refletia, deixando o croissant intocado no prato e servindo-se de mais uma xícara de café. Sabia, melhor que ninguém, que nos últimos três anos Joana vinha fazendo o possível e o impossível para esquecer Cole, bem como a todo o sofrimento que ele lhe causara. Como fora capaz de deixá-lo saber que estava ali, aproveitando as primeiras férias que conseguira tirar depois de quase vinte meses de trabalho ininterrupto?

Aqueles dez dias deveriam ser a recompensa por ter terminado antes do prazo. Os quadros estavam prontos para a exposição. Não trouxera, nem mesmo, seu material de pintura, pois viera com a intenção de ter um descanso completo. E agora...

— Onde está Sammy-Jean? — perguntou, olhando por sobre o ombro de Cole, como se esperasse ver a outra mulher aparecer

— Não vim aqui para falar de Sammy — respondeu.ele, seco, antes de deixar escapar um longo suspiro. — Meu pai está morrendo, Jô.

Joana engoliu em seco mais uma vez, surpresa. Ryan MacAllister sempre lhe parecera invencível; custava-lhe acreditar que fosse mortal, como todo mundo. Ela arqueou as sobrancelhas, sem uma sombra de emoção no olhar ou na voz, quando falou:

— E o que eu tenho a ver com isso?

Cole fitou-a, sério.

— Ele quer ver você.

— Quer me ver?

A voz de Joana soou vários decibéis acima do normal, porém Cole limitou-se a assentir com um movimento da cabeça.

— Exatamente.

Joana franziu a testa, incrédula.

— Você não está falando sério.

— Por que não?

— Porque... ora, seu pai sempre me detestou!

Cole desviou o olhar para as sombras escuras dos corais espalhados sob a superfície do mar cristalino,

— Não sei — murmurou, pegando a colher à sua frente, na mesa, e brincando com ela entre os dedos. — Só sei que ele quer ver você.

— Pois sim! — exclamou Joana, indignada. — Se pensa que vou prejudicar minhas férias, para ir visitar um velho que sempre fez questão de demonstrar claramente a antipatia que sentia por mim está redondamente enganado.

Cole olhou-a fixamente, por entre pálpebras semicerradas.

— E tão insensível assim, Jô? minha mãe disse que você não iria, mas eu não acreditei.

— Pois acredite — retrucou Joana, apoiando as mãos na mesa e levantando-se. — Agora, se me der licença...

Ela contornou a mesa e afastou-se, com uma sensação de asfixia na garganta. Cole sempre tivera o poder de enfeitiçá-la, de intoxicá-la com sua masculinidade e sensualidade. Sabia que ele a seguia com o olhar, enquanto atravessava o terraço, abrindo caminho entre as mesas apressadamente, na ânsia de querer aumentar a distância entre ambos.

Emoções contraditórias dominavam Joana. Ao mesmo tempo em que queria fugir de Cole, sentia o impulso de mostrar-lhe sua feminilidade de uma maneira sutilmente provocante e sensual, agradecendo intimamente por estar usando o charmoso conjunto de bermuda e miniblusa que lhe caía tão bem e por estar com os cabelos longos e sedosos presos na nunca por uma larga fivela de tartaruga. Era uma satisfação, também, a consciência de que seu corpo estava novamente esguio e elegante; depois do rigoroso regime a. que se submetera.

Obviamente, entretanto, com a mesma rapidez com que se elevara até as nuvens, viu-se com os pés de volta ao chão. Assim que entrou no salão do restaurante, a sensação de euforia provocada pela inesperada aparição de Cole desvaneceu-se. Além do quê, uma vez alcançada a satisfação de reverter os planos dele, sua consciência começou a incomodá-la. Por mais que tivesse dado a Cole a impressão contrária, não era insensível como ele imaginava. E, embora fosse verdade que Ryan MacAllister nunca a aceitara como esposa do filho, ele era um homem idoso, e estava à morte, se Cole não estivesse mentindo,

Joana tomou o elevador e subiu para o quarto andar. Seu apartamento consistia em uma saleta e um dormitório, com uma ampla varanda com vista para o Oceano Atlântico. Todos os apartamentos possuíam varandas, isoladas umas das outras por sólidas paredes.

Enquanto se despia para vestir o maiô, Joana não pôde deixar de imaginar onde Cole estaria hospedado. Supunha que ele tivesse chegado de Charleston na noite anterior e era bastante provável que tivesse pernoitado no hotel. Olhou-se no espelho do dossel, sem realmente tomar consciência de como o maiô vermelho tomara-que-caia a favorecia. Por um momento, admitiu para si mesma a hipótese de ficar tomando sol na varanda, mas logo mudou de idéia. Não podia passar a vida fugindo de Cole. Já provara, uma vez, que era capaz de desafiá-lo; por que não faria isto de novo, se fosse necessário? Não importava o que ele dissesse, ou pensasse. Era uma mulher livre e podia fazer o que bem entendesse.

Além do mais, era pouco provável que ele permanecesse nas Bahamas, uma vez que o objetivo da viagem fora frustrado. Afinal, era princípio do mês de maio, uma época de bastante trabalho para Cole. E com o pai seriamente doente não podia se dar ao luxo de ausentar-se por muito tempo.

Joana forçou-se a afastar da mente a imagem do velho enfermo, deitado em seu leito de morte; recusava-se a sentir-se culpada em relação a um homem que sempre a detestara, que nunca respeitara suas crenças e seus pontos-de-vista. A criatura destruíra o próprio filho, no esforço para obter o que queria!

O telefone tocou no momento em que Joana vestia uma camiseta sobre o maiô e ela correu para atender; com certeza era sua mãe, querendo saber se estava tudo bem. Seus pais haviam se manifestado contra aquela viagem, principalmente pelo fato de Joana ir sozinha para tão longe de Londres. Apesar do casamento fracassado com Cole, ou talvez por causa dele, os dois haviam se tornado superprotetores e, embora ela tivesse lhes telefonado dois dias antes, quando chegara, provavelmente estavam ansiosos para saber notícias.

— Jô, é você? — A voz feminina que a saudava do outro lado da linha revelava uma tensão contida. — Estou te ouvindo tão bem, querida! Nem parece que você está a milhares de quilômetros de distância!

Joana foi incapaz de evitar a onda de ressentimento que a invadiu.

— Sou eu e estou aqui, sim, Grace, nas Bahamas. Fazendo papel de ridícula, graças a você — murmurou, seca.

— Oh, Jô! — exclamou Grace, com ansiedade na voz. —- Eu sei o que você deve estar pensando, mas tente se colocar em meu lugar. Cole sabe que eu sempre sei onde você está. Como eu podia recusar uma informação a meu sobrinho, num momento como este? Por favor, compreenda!

Joana meditou em silêncio, por um instante. Embora se ressentisse do fato de Grace tê-la traído e entregado, sem pelo menos preveni-la antes, não deixava de admirar o senso de responsabilidade familiar da mulher mais velha. Por mais que Grace não tivesse tido mais sorte que ela própria no casamento, a verdade era que a tia de Cole era mais dependente dos MacAllister do que Joana.

Grace tivera dois filhos com Luke, irmão de Ryan: Evan e Luke Júnior. Se quisesse continuar, vendo os filhos regeularmente não podia se dar ao luxo de ofender ou opor-se ao homem que tinha o poder de negar-lhe este privilégio.

— Jô! Jô, está me ouvindo?

O tom ansioso e preocupado de Grace trouxe Joana de volta ao momento presente. Ela suspirou. Na verdade, a culpa era única e exclusivamente sua. Assim que seu casamento com Cole fora desfeito devia ter procurado outra empresária. Mas fazia dez anos que conhecia Grace. A mulher mais velha reconhecera seu talento muito antes que os matizes aquáticos e marinhos que ela reproduzia nas telas se tornassem conhecidos. Fora Grace quem lhe apresentara Cole, embora as vantagens desta apresentação tivessem sido há muito tempo corrompidas. Apesar de tudo, gostava de Grace, devia-lhe muito e não era justo esperar que ela se arriscasse a prejudicar o relacionamento com o filho do poderoso cunhado.

— Sim, Grace, estou ouvindo — respondeu, suspirando audivelmente. — Está bem, não tem importância. Sei que você não teve muita escolha. Mas você podia ter me avisado! Eu não acreditei quando vi Cole andando em minha direção, no terraço do hotel!

Grace deixou escapar um murmúrio de surpresa.

— Cole foi até aí?

— Claro! — Joana franziu a testa. —. O que você pensou?

— Oh, eu não sei... — balbuciou Grace — Quando falei com ele por telefone tive a impressão que... bem, que ele não sairia de Tidewater, exatamente nesta ocasião.

— Bem, ele mudou de idéia, então.

— Você vai para Tidewater?

— Não.

— Não? Mas, Jô, Ryan está à morte!

— E daí? — respondeu Joana, num misto de irritação e remorso.

— Ora, Jô, ele é o pai de Cole. E tem poucas semanas de vida, Não sente nem um pouquinho de compaixão? Sei que vocês dois tiveram algumas divergências, mas....

— Divergências?! — interrompeu Joana, indignada. — Grace, aquele homem e eu não tivemos divergências! Éramos e somos totalmente opostos um ao outro, em todos os aspectos. Ryan MacAllister não merece a compaixão de ninguém. É um homem mesquinho e mau.

Joana ouviu Grace suspirar.

— Você o odeia, não é?

— Você, não?

— Não, Jô, de verdade. Eu sei o que você pensa. Que se Ryan não tivesse feito tanto estardalhaço em torno do fato de eu querer me separar, Luke não teria tido coragem de fazer aquele ultimato. Mas, Jô, foi Luke quem me obrigou a escolher entre ficar em Tidewater e vegetar, ou viver minha vida. Ryan pode ter elaborado os mísseis, minha querida, mas Luke os disparou.

— Eu sei, mas...

— Ouça, Jô. Quero que saiba que não me arrependo do que fiz. Não, mesmo. Sinto falta dos meninos, claro, mas eles não são mais bebezinhos. E tenho uma vida maravilhosa, aqui, como sócia de Ray, administrando a galeria. Tenho muito mais coisas em comum com Ray do que tinha com Luke. Tenho tudo que preciso. Posso me dar ao luxo de sentir pena.

— Bem, eu, não.

— É, acho que não — concordou Grace, finalmente. — Acho que eu tinha me esquecido como você ama Cole.

— Amava! — corrigiu Joana, ríspida. — Você se esqueceu como eu amava Cole. Não amo mais. Meu amor morreu quando as intrigas dessa família mataram Nathan. Ou se esqueceu dele, também?

Grace ficou em silêncio por um momento e quando falou sua voz soou carregada de mágoa.

— Não, claro que não me esqueci de Nathan. Desculpe, Jô. Você deve fazer o que achar melhor.

— Tudo bem — respondeu Joana, combatendo novamente o sentimento de culpa, agora também em relação a Grace. — Como vão os preparativos para a exposição? Acha que vai atrair muitos interessados?

— Está brincando? — exclamou Grace jovialmente, tão ansiosa quando Joana para mudar de assunto. — Já recebi confirmação de quase todos os críticos importantes, para a inauguração. Até Howard Jennings concordou em vir, menina!

— Que bom!

Joana tentou se animar com a notícia de que o editor e apresentador de um programa mensal de televisão sobre arte estaria presente à sua exposição, mas de alguma forma a importância do evento perdera o brilho. Apesar de tudo, a imagem do pai de Cole, enfermo e condenado à morte, não lhe abandonava o pensamento. Foi com alívio que, depois de se despedir de Grace, desligou o telefone.

Se esperara, contudo, que interrompendo o contato com Grace conseguiria interromper as lembranças dos MacAllister, enganara-se. Memórias de Cole, do sogro e de Tidewater retornavam incessantemente e foi com um misto de ressentimento e irritação que ela pegou a sacola contendo seu livro, loção protetora e óculos escuros, e saiu do apartamento.

 

O sol tinha um efeito ao mesmo tempo tônico e calmante sobre Joana. Era difícil pensar em outra coisa, com os raios quentes banhando-lhe o rosto, os ombros e as pernas.

Joana adorava o calor e o efeito letárgico que lhe provocava nos membros e na mente. Espalmou as mãos sobre a toalha estendida na espreguiçadeira e dobrou uma perna, numa pose inconscientemente provocante. Aquilo sim é que era vida! Recusava-se a pensar em qualquer outra coisa que não fosse o cardápio do almoço,

Escolhera um canto isolado no deque da piscina. Não que fosse uma pessoa anti-social; mas não queria dar a impressão de que estava à procura de companhia. Sabia perfeitamente bem que uma mulher sozinha era alvo de atenções indesejáveis do sexo oposto e um romance de férias era a última coisa que tinha em mente. Em Londres, ocasionalmente aceitava um convite para jantar, ou para ir ao teatro, mas era diferente. Seus amigos e conhecidos sabiam que ela não estava interessada em um compromisso sério e se um deles demonstrasse querer um relacionamento mais íntimo era rapidamente colocado em seu lugar. Joana era gentil e educada com os homens, mas queria-os à distância; fora profundamente magoada uma vez e não tinha intenção de repetir a experiência.

Por isto, não foi pequena sua irritação quando alguém veio ocupar a espreguiçadeira ao lado da sua. Através de pálpebras semi-cerradas ela vislumbrou um traje de banho azul-marinho e um par de pernas musculosas e bronzeadas, enquanto o homem estendia uma toalha sobre a almofada da espreguiçadeira.

Mas que coisa, pensou, fechando novamente os olhos e fingindo não perceber a presença do recém-chegado. Havia pelo menos cinqüenta espreguiçadeiras espalhadas ao redor da piscina; e outras mulheres solitárias que com certeza ficariam mais que satisfeitas em receber atenção masculina. Por que não escolhera uma delas? Joana queria relaxar, não passar o tempo procurando uma maneira educada de livrar-se de abordagens indesejáveis.

O toque sedutor de um dedo ao longo de seu braço fez com que Joana abrisse os olhos, sobressaltada, Aquilo era o cúmulo da impertinência! Seria pedir demais que a deixassem quieta?

Joana tirou os óculos escuros e levantou o rosto, com um olhar fulminante para o homem a seu lado. Foi então que seu queixo quase caiu de incredulidade. Não era nenhum Romeu de beira de piscina que se sentara na espreguiçadeira próxima à sua. Era Cole!

— Olá — saudou ele, jovialmente — É bom saber que você não encoraja os pretendentes.

— O que está fazendo aqui, Cole? — investiu ela, zangada. — Pensei que pegaria o primeiro vôo de volta para a Carolina do Sul.

— Hum... Eu calculei que você pensaria isso — Cole esticou as pernas e entrelaçou os dedos sob a cabeça. — Bem, como pode ver, ainda estou aqui.

— Não vou mudar de idéia.

— Eu disse alguma coisa? — retrucou ele, fitando-a através dos cílios dourados. — Relaxe, Jô! Está quente demais para liberar toda essa adrenalina.

Joana apertou os lábios, contrariada. Mostrara-se desnecessariamente defensiva e embora voltasse a se deitar na espreguiçadeira, toda a sensação de bem-estar e tranqüilidade a abandonara. Sentia-se nervosa, agitada e perturbada pela proximidade do homem na espreguiçadeira ao lado.

O braço dele estava a apenas alguns centímetros do seu, observou, examinando através dos óculos escuros a minúscula tatuagem de uma serpente, que Cole mandara gravar quando ainda era garoto e pelo que, segundo ele lhe contara, levara uma surra do pai.

Joana viu o músculo flexionar e relaxar, e seus olhos percorreram toda a extensão do braço forte e bronzeado, recoberto de pêlos dourados.

Prosseguindo com sua silenciosa e disfarçada avaliação, Joana.contemplou a provocante linha de pêlos que desaparecia sob o elástico do calção de lycra, o qual salientava músculos e contornos que Joana preferia ignorar.

Desviou o olhar e fixou-o na água calma e cristalina da piscina. O que estava acontecendo, pensou, cerrando inconscientemente as palmas úmidas das mãos. O corpo de Cole não era novidade para ela! Vivera com ele por mais de dois anos, vira-o nu em todas as posições e atitudes, conhecia cada centímetro daquele corpo forte e esbelto. Só era uma pena que o conteúdo não condissesse com o exterior!

— Quer beber alguma coisa? — ofereceu ele, interrompendo o devaneio de Joana.

— Eu... sim, obrigada — aceitou ela, avistando a garçonete que se aproximava. — Uma limonada.

Cole fez o pedido e os dois permaneceram em silêncio até a garçonete voltar com dois copos de limonada com gelo. Cole pegou um para si e ofereceu o outro a Joana, Ela sentou-se e cruzou as pernas, bebericando o delicioso refresco gelado, antes de recostar-se novamente na almofada, com um longo suspiro.

Deitado de lado na espreguiçadeira, Cole olhou para Joana com um meio sorriso nos lábios.

— Você está com ótima aparência — murmurou, inesperadamente.

Joana levantou os olhos para ele, surpresa com o elogio.

— Obrigada — respondeu, tentando falar com naturalidade. — Você, também. Sammy-Jean deve estar acertando em alguma coisa.

Cole ficou sério, mas continuou falando no mesmo tom de voz calmo e arrastado.

— Você sempre foi uma mulher bonita — declarou. — Mas está ainda mais linda agora do que quando nos casamos.

— Então também devo ter acertado em alguma coisa — observou Joana, amaldiçoando-se pelo calor que lhe coloria as faces e o pescoço. — Não é tão horrível assim morar em Londres. Nosso clima pode não ser bom como o de vocês, mas tem suas compensações.

— É, acho que sim — concordou Cole, pensativo. — Aposto que Grace pensa da mesma forma. Nunca vi uma inglesa mais patriota!

— É.

Joana sorriu, embora aquela conversa não lhe agradasse nem um pouco. Não era o que Cole dizia que a perturbava, mas o tom que ele usava. Cordial demais. O sotaque americano lento e arrastado espicaçava-lhe os nervos e a cada segundo sua tensão aumentava.

— Como vai sua mãe? — perguntou, ansiosa para desviar o ramo da conversa.

— Está bem. Mais velha, claro, como todos nós, mas trabalhando mais que nunca,

— E Ben e Joe? E as gêmeas? Charley já aprendeu a nadar? Já devem estar no colegial, não?

— Estão todos bem. Joe casou-se e a esposa está esperando o primeiro filho. Charley e Donna estão no segundo colegial e Sandy concluirá o ginásio este ano. Mas não sei por que está tão interessada era saber.

Joana inclinou a cabeça para um lado e seu cabelo caiu sobre o ombro, expondo a curva vulnerável do pescoço.

— Eu só estava sendo educada — defendeu-se. — Eu... gosto de seus irmãos e irmãs. E pensei que eles gostassem de mim.

— Eles gostam — Cole balançou as pedras de gelo dentro do copo vazio. — Charley fala até hoje sobre o dia em que vocês duas ficaram ilhadas em Palmer's Island. Se você não tivesse nadado até a praia para pedir socorro, provavelmente ambas teriam sido levadas pela água.

— Oh — Joana fez um gesto de pouco-caso. — Vocês já haviam dado por nossa falta. E quando a lancha chegasse vazia na praia vocês calculariam onde estávamos.

— Mas não a tempo, talvez — insistiu Cole.

Joana não respondeu. Ainda se lembrava de como ficara apavorada na água, lutando contra a correnteza, sentindo suas forças se esvaírem a cada segundo. Se Cole e os irmãos já não estivessem procurando por elas talvez tivesse sido tarde demais. A enchente galopante do rio Tidewater deixara a ilhota submersa durante horas e ninguém conseguiria sobreviver à fúria do temporal, muito menos a pequena Charley, de dez anos de idade, que nem mesmo sabia nadar.

Joana fez uma careta, tentando afastar a lembrança daquele evento que por pouco não terminara em tragédia. Depositou o copo vazio no chão, ao lado da espreguiçadeira, e deitou-se de bruços, com o rosto virado para o outro lado. Esperava que Cole captasse a mensagem. Estava perdendo tempo se pensava que conseguiria fazê-la mudar de idéia. Não sentia mais nada por ele, nem mesmo atração.

— Não é melhor passar loção protetora? — sugeriu ele. — O sol está muito quente.

— Não é, não — retrucou ela, impaciente. — Já estou bastante bronzeada.

— Ainda assim — insistiu Cole. — Você não está habituada a este clima.

Joana não respondeu, porém percebeu que Cole se levantava e contornava a espreguiçadeira onde ela estava. Depois de alguns segundos, incapaz de continuar a suportar o suspense, levantou a cabeça, no instante em que ele se sentava a seu lado, com o tubo de loção nas mãos.

Joana deduziu que ele o pegara em sua sacola. Fez um movimento brusco para virar-se, indignada, porém Cole calou-lhe as palavras de protesto.

— Deite-se, Jô — ordenou, removendo a tampa e espremendo o tubo sobre a palma da mão. — Não faz sentido ficar se torturando só para me chatear.

Joana apertou os lábios, contrariada. A última coisa que queria era que Cole fizesse alguma coisa por ela e menos ainda que a tocasse. Mas se demonstrasse muita hostilidade estaria entregando as cartas. Por isto, em vez de arrancar das mãos dele o tubo de loção e atirá-lo para dentro da piscina, forçou-se a sorrir e enterrou o rosto nos braços cruzados, sobre a toalha.

O toque da mão de Cole era refrescante em sua pele quente, enquanto lhe massageava os ombros e as costas, e a perna dele encostava na sua, pressionando-a, evocando imagens sensuais. Joana precisou fazer um esforço para não se deixar levar pelas sensações que ele lhe provocava; não queria admitir para si mesma que estava gostando.

— Acho que... já está bom — declarou, com firmeza, erguendo o corpo e pondo-se de joelhos. — Não pretendo ficar aqui por muitas horas.

— Não? — Cole sacudiu os ombros, resignado, e voltou para a outra espreguiçadeira. — O que pretende fazer, então?

— Isso não é da sua conta — respondeu Joana, sem olhar para ele.

Cole recolocou a tampa no tubo de loção e deixou-o cair dentro da sacola.

— Só estou perguntando.

— E eu só estou dizendo que não é da sua conta — repetiu Joana, seca. — Aliás, você não tem que voltar para casa?

— Amanhã — informou Cole, esfregando as palmas das mãos nos joelhos. — Sinto muito.

Joana puxou os óculos escuros do alto da cabeça novamente para o nariz, num gesto involuntário de proteção, e pôs-se a contemplar a piscina, onde um casal de adolescentes brincava, obviamente embevecidos um com o outro. Lembrou-se que ela e Cole também haviam passado por aquela fase de embevecimento, um dia.

— Este lugar é bom para pintar, não é? — comentou Cole, estreitando os olhos na direção do oceano. — Grace me disse que você vai fazer uma exposição de seus quadros.

— Sim — confirmou Joana, sem tirar os olhos da piscina. — Daqui a três semanas.

— Três semanas? — Os olhos de Cole brilharam. — Talvez eu compre uma passagem e apareça por lá para comprar um quadro. Não deixa de ser um investimento.

— Está brincando? — Joana olhou para ele, incrédula.

— Por quê? Posso dizer às pessoas que foi pintado por minha ex-mulher e cobrar mais caro.

— Que absurdo!

— Não acho. Quer jantar comigo, hoje?

A brusca mudança de assunto e o inesperado convite pegaram Joana desprevenida.

— Jantar com você? — repetiu perplexa.

— Claro. Por que não?

— Bem... — Ela hesitou. — Eu não posso.

— Vai jantar com outra pessoa?

— Não.

A resposta foi automática. De qualquer forma não podia mentir, pois Cole a veria sozinha no restaurante. Tarde demais, ela se deu conta de que poderia sair para jantar, ou pedir a refeição no quarto, mas respondera sem pensar.

— Então, qual é o problema? Tem medo de jantar comigo?

— Claro que não — respondeu Joana, tensa. — Por que eu teria medo? Só acho que seu pai e Sammy-Jean não aprovariam um encontro entre nós dois, por mais social que fosse.

— É por isso que está recusando? Para não ofender meu pai?

— Não! — Joana arrancou os óculos do rosto e olhou para Cole, num misto de determinação e frustração. — Cole, por que está fazendo isso? Nós dois sabemos que você não tem a menor vontade de jantar comigo.

— Por que pensa assim? — Cole retribuiu o olhar, fitando intensamente o rosto afogueado de Joana. — Eu quero jantar com você, Jô. Em homenagem aos velhos tempos. E então, o que você diz?

Joana apertou as hastes dos óculos escuros entre os dedos. Sabia muito bem por que Cole estava fazendo aquilo. Se Cole possuía uma qualidade era a persistência; evidentemente, estava convencido de que, mais cedo ou mais tarde, ela cederia. A fala macia, a limonada, a massagem com a loção, não passavam de artifícios para amolecê-la, deixá-la mais receptiva quando voltasse a tocar no assunto da doença do pai. Ele chegara ao ponto de perguntar sobre a exposição, quando o trabalho de Joana sempre fora uma fonte de conflito entre ambos, no passado!

Joana mordeu o lábio inferior, indecisa. Até que ponto Cole estava disposto a chegar, para alcançar seu objetivo? E se ela concordasse em jantarem juntos? Qual seria o próximo passo de Cole?

Um ímpeto de vingança despertou dentro de Joana. Poderia ser divertido tentar descobrir. Até agora permanecera na defensiva; e se entrasse no jogo de Cole? Seria capaz de arcar com as conseqüências? Não podia esquecer que quem brincava com fogo muitas vezes saía queimado. Mas o desafio era irresistível; suspirando longamente, tomou uma decisão.

— Está bem — disse, finalmente, recolocando os óculos. — 'Em homenagem' aos velhos tempos. Por que não?

Protegida pelas lentes escuras, ela observou a reação de surpresa no rosto de Cole. Era evidente que ele não esperava que fosse tão fácil fazê-la mudar de idéia. Um sorriso levemente irônico curvou-lhe os cantos da boca.

— Ótimo — exclamou, sem protestar quando Joana levantou-se e começou a recolher suas coisas, com a intenção óbvia de voltar para dentro do hotel — Encontro você no saguão às sete horas.

— Certo.

Joana forçou um sorriso. Mas sua expressão era tudo menos doce, enquanto se afastava ao longo do deque de madeira em direção ao hotel.

 

Joana decidiu esquecer o almoço e ir para a cidade; não queria encontrar-se novamente com Cole antes do final do dia e além disto ainda não estivera em Nassau, desde que chegara.

O aeroporto internacional de New Providence ficava situado na parte noroeste da ilha e o Coral Beach Hotel ficava em uma das praias na costa entre o aeroporto e a cidade de Nassau. Joana passara o dia anterior descansando da viagem e saboreando sua recém-adquirida liberdade. Mas agora estava agitada demais para conseguir relaxar; precisava de ação e distração, e da oportunidade de gastar alguns dos dólares que levara consigo. Depois de tomar um banho rápido, vestiu a mesma roupa que usara pela manhã, calçou um par de alpargatas e desceu para tomar um táxi, na frente do hotel. O falante motorista nativo deixou-a em Bay Street, onde ela passou duas horas perambulando pelas lojas e pelo Mercado de Palha. Comprou uma canga estampada com motivos tropicais, duas pulseiras coloridas e um biquíni.

Antes de voltar para o hotel comprou um pastel e um refrigerante à beira do cais. Um enorme transatlântico estava ancorado no porto e Joana sentou-se na mureta para apreciar o movimento ao redor do navio. Havia turistas por toda parte, os tripulantes aproveitavam para pisar em terra firme e ciclistas e motociclistas transitavam pelo cais. Era uma bela cena para ser pintada, pensou Joana, meio arrependida por não ter levado sua prancheta.

Eram quatro horas da tarde quando Joana chegou ao hotel. Sentou-se na espreguiçadeira de sua varanda particular com a intenção de cochilar um pouco, mas apesar do torpor que lhe envolvia os membros, a tensão e a expectativa não a deixaram adormecer.

Escolher o que vestir, à noite, foi ainda mais difícil. Ao mesmo tempo em que queria parecer provocante, não queria dar a impressão de estar se exibindo. Finalmente, acabou se decidindo por um vestido de cetim de seda estampado em tons de verde claro, bege e vinho, que realçavam sua pele morena e olhos castanhos-claros. O vestido era curto e de alças, com um generoso decote nas costas que não permitia o uso de sutiã.

Ao olhar-se no espelho Joana agradeceu por ter conseguido perder os quilos a mais que adquirira logo depois do divórcio, quando comer e beber pareciam ser seu único consolo. Depois de uma rigorosa dieta, fervorosa dedicação ao trabalho e aulas semanais de ginástica, ganhara um corpo novo, esguio e gracioso.

Deixou os cabelos pretos soltos, afastados do rosto apenas por uma tiara, e aplicou uma leve camada de sombra nas pálpebras. Seus cílios eram naturalmente longos e escuros, emoldurando os olhos cor de mel, e com o tom corado que seu rosto adquirira depois que chegara às Bahamas, um brilho suave nos lábios foi suficiente para dar o toque final à maquiagem.

Involuntariamente, Joana lembrou-se da esposa de Cole. Sammy-Jean não tivera escrúpulos para seduzi-lo-, quando ainda era seu marido. Portanto, não devia sentir-se culpada; aliás, seria engraçado se ocorresse o contrário agora. Não que quisesse Cole, de volta, disse para si mesma; mas a idéia de roubá-lo de Sammy-Jean tinha um apelo maldoso e especial.

O saguão do Coral Beach Hotel era um átrio, com teto de vidro em forma de arco. Os corredores dos diversos pavimentos circundavam a área central, onde funcionavam a recepção, o restaurante e o mini-shopping. Vasos de plantas e arbustos floridos preenchiam cada espaço disponível entre os sofás e as poltronas de couro, com uma fonte de pedra no centro.

Enquanto esperava o elevador, no quarto andar, Joana avistou Cole de pé, no saguão, examinando distraidamente os folhetos de atrações turísticas dispostos em pequenas prateleiras verticais, junto à recepção. Estava de paletó e gravata, uma indicação de que pretendia jantar em um lugar caro; os restaurantes mais exclusivos exigiam aquela formalidade, apesar das noites quentes das Bahamas.

Como ele era bonito, refletia Joana, sem ser observada, quando a seta inferior acima do elevador se acendeu com um toque melodioso.

Cole virou-se quando as portas do elevador se abriram, no andar térreo. Assim que avistou Joana devolveu o folheto turístico à prateleira e marchou galantemente em sua direção.

— Olá! —cumprimentou ela, procurando sorrir com naturalidade. — Espero não estar muito atrasada.

—Nem um minuto — Cole retribuiu o sorriso. — Fui eu que cheguei cedo demais.

Ele segurou o braço de Joana e conduziu-a em direção à entrada principal.

— Pensei em jantar no Commodore Club. Eles têm um excelente restaurante. E talvez você queira conhecer o cassino depois.

Joana concordou com um movimento da cabeça.

Uma fila de táxis aguardava na rua, perto da entrada do hotel, e um guarda uniformizado chamou um deles, a pedido de Cole. Durante o percurso até o Commodore Club, Cole manteve uma distancia cerimoniosa de Joana, no banco traseiro do automóvel. Foi somente quando chegaram que ele estendeu uma mão para ajudá-la a descer do táxi. Com todos os defeitos que ele pudesse ter, Joana reconhecia que era um cavalheiro. Um típico "bom rapaz" de tradicional família da Carolina do Sul.

O simples toque da mão de Cole era eletrizante. Os dedos de pele áspera envolveram a mão pequena e delicada de Joana num aperto firme e ela evitou o olhar dele, enquanto saía do táxi, sob o toldo listrado do clube.

Cole pagou o motorista e conduziu-a para dentro do saguão, com uma mão em suas costas. O restaurante ficava no terceiro andar e enquanto subiam no elevador acarpetado e espelhado, Joana viu-se assaltada pelo inquietante pressentimento de que, de alguma forma, as coisas não reverteriam totalmente a seu favor.

— Gostaria de tomar um drinque, antes do jantar? — ofereceu Cole, quando entraram no luxuoso recinto do bar e restaurante.

— Hum, hum — assentiu Joana. — Alguma coisa bem refrescante. O que você sugere?

— Vamos ver... pensarei em algo — respondeu Cole, guiando-a para a mesa. — Você gostava de batida de menta, se bem me recordo.

— É verdade.

Um garçom materializou-se ao lado da mesa assim que eles se sentaram, bloco e caneta em punho para anotar os pedidos.

— Um uísque para mim — pediu Cole, sério. — E alguma coisa refrescante para a senhora. O que recomenda?

— Rum de abacaxi? — arriscou o rapaz, jovialmente. — Batido com rum de coco, suco de abacaxi e gelo. É delicioso.

— Parece ser, realmente — concordou Joana, sorridente. — O gelado que esquenta. Hum, exatamente o que estou precisando.

— Pois não — murmurou o garçom, embaraçado, rabiscando no bloco, antes de girar nos calcanhares e afastar-se em direção ao bar.

A expressão de Cole era tudo menos amigável quando olhou outra vez para Joana.

— O que deu em você para fazer esse comentário? Ela arregalou os olhos.

— O que eu disse?

— Ora, Jô, você foi inconveniente!—- recriminou Cole.

— Qual é o problema, Cole? Eu não falei nada demais! Você é que tem uma mente maldosa.

Cole apertou os lábios e desviou o olhar, num evidente esforço para controlar-se. Joana fez o mesmo, porém pelo motivo oposto. Precisava controlar-se para não explodir numa gargalhada. Provocar Cole era algo que lhe dava imensa satisfação.

— Você e Sammy-Jean têm filhos? — perguntou, depois de uma pausa, consciente de que estava jogando lenha na fogueira. Sabia perfeitamente bem que se Cole tivesse se tomado pai Grace lhe teria contado. Mas não deixava de ser uma pergunta natural, portanto, por que não fazê-la?

— Não — respondeu ele, sério, balançando levemente o copo de uísque. — Mas não é por falta de tentativa, se é o que você está insinuando.

— Imagine! — Os lábios de Joana tremeram quando ela forçou-se a sorrir. — Como se eu não me lembrasse de como você...

Ela calou-se abruptamente e os olhos de Cole se estreitaram, ameaçadores. Ele ia abrir a boca para dizer alguma coisa quando o garçom chegou com os drinques e os cardápios.

O rum de abacaxi era delicioso. Vinha acompanhado de um pequeno sortimento de frutas tropicais, com um canudo dobrável, e Joana estudou o cardápio em silêncio, enquanto saboreava o drinque, indecisa entre os pratos de frutos do mar e o frango frito com arroz e ervilhas. Acabou se decidindo pelo filé de garoupa, o peixe mais popular da região.

Cole também escolheu garoupa, com salada.

— Tem visto Grace com freqüência? — indagou ele, depois que o garçom anotou os pedidos e afastou-se.

— Depende — Joana sacudiu os ombros, consciente de que Cole estava procurando uma maneira de aliviar o clima tenso.

— Depende de quê?

— Se estou trabalhando ou não — explicou ela. — Grace é minha empresária. Só está interessada em saber quando vou terminar meu próximo quadro.

— Tenho certeza que não é verdade — discordou Cole, num tom de voz subitamente bem humorado e caloroso. — Grace sempre gostou de você. Ela a tem como uma amiga.

— Hum — Joana misturou o drinque com o canudo. — Bem, digamos que meu relacionamento com Grace ficou, hum... estremecido... desde que nós nos separamos.

Cole franziu a testa.

— Não acredito. Sempre achei que vocês duas fossem cúmplices.

Joana balançou a cabeça.

— Engano seu. Saiba que Grace não admite que se diga uma palavra contra seu pai.

— Bem diferente de você — Os lábios de Cole se retorceram num sorriso cínico.

— Eu não tenho dois filhos cuja sobrevivência depende da boa vontade de terceiros — ponderou ela, calmamente. — Seu pai não pode me magoar, Cole, e isto deve ser um verdadeiro martírio para ele.

— Acho que você está dando importância demais para a coisa — falou Cole, com amargura. — Mas você sempre teve que se opor a ele, não é? Nunca admitiu que às vezes meu pai podia ter razão.

— Como quando ele acusou Nathan de ser meu amante? - investia Joana, mordaz, arrependendo-se em seguida, ao perceber a expressão sombria e atormentada que suas palavras haviam provocado em Cole. — Oh, esqueça. Não tem importância. Afinal, seu pai acabou nos fazendo um favor, não foi? Olhe, aí vem o garçom, com nosso jantar.

Cole e Joana comeram em silêncio. Um conjunto jamaicano começou a tocar e alguns casais foram para a pista de dança, mas nem um nem outro estava com disposição para dançar. Joana perdera o apetite e foi somente com a ajuda do suave vinho branco que conseguiu engolir o conteúdo de seu prato. Ambos dispensaram a sobremesa e Cole pediu dois cafés e a conta.

Dentro do táxi, no caminho de volta, Cole apoiou um braço sobre o encosto do banco, atrás de Joana, embora não tocasse nela. Joana não conseguia deixar de pensar se a atitude dele seria diferente se ela não tivesse sido tão provocativa, se tivesse se mostrado mais dócil e flexível.

De uma maneira ou de outra, a noite fora frustrada. E suas férias também. Apesar de tudo, ao mesmo tempo em que amaldiçoava Cole por ter vindo estragar suas férias, Joana não se sentia em paz com sua consciência. Estava sendo vingativa em relação a Cole e ao pai dele, e não se sentia bem com isso. Sabia que sentiria remorso, depois que o velho se fosse. Valia a pena passar o resto da vida se remoendo de culpa apenas para não arruinar alguns dias de férias, que poderia transferir para outra ocasião?

Lembrou-se da expressão atormentada de Cole, quando fizera aquele infeliz comentário sobre Nathan. E as palavras de Grace e sua evidente reprovação e decepção quando lhe falara ao telefone ainda lhe martelavam no cérebro.

De qualquer forma, o confronto com Cole já lhe arruinara as férias. No fundo do coração, sentia e sabia que devia ir para Tidewater e dar a Ryan MacAllister uma última chance. Afinal, até o mais vil dos criminosos merecia uma oportunidade de se arrepender e ser perdoado.

Cole pagou o táxi e seguiu Joana para dentro do saguão do hotel, até o hall dos elevadores.

— Eu... não vou subir — anunciou ele, apertando o botão para chamar o elevador. — Vou tomar alguma coisa no bar. Acho que podemos nos despedir aqui. O voô para CharIeston parte às onze e meia da manhã. Devo sair do hotel às nove horas.

Durante um breve momento, os dois ficaram se olhando, Cole à espera de uma palavra de despedida e Joana travando uma batalha interior, consciente de que não tinha mais tempo para pensar. Se ia tomar uma decisão, precisava ser naquele momento.

— Eu vou com você — declarou, finalmente, olhando para ele, embaraçada, por apesar de tudo ter acabado cedendo. — Seu pai está morrendo e... — Ela sacudiu os ombros, desamparada. — Bem, eu ficaria com remorso, depois, se não fosse.

Cole fitou-a intensamente por um segundo, depois sua expressão suavizou-se e ele sorriu.

— Eu sabia que não tinha me enganado a seu respeito.

Ele inclinou a cabeça e quando Joana percebeu-lhe a intenção, desviou rapidamente o rosto e recuou, em direção ao elevador que acabava de chegar.

— Nove horas, amanhã, na recepção — lembrou Cole, com voz arrastada, olhos semi-cerrados e um sorriso irônico demais, para o gosto de Joana.

 

Joana já ouvira Charleston ser comparada a uma Veneza do século dezoito, e do alto esta descrição era mais que justa... Com suas casas antigas e elegantes, as paredes brancas refletindo a luz do sol a cidade tinha um ar indomável.

Situada numa península, com o mar a poucos metros de distância de suas portas, não era de admirar que seu real apogeu tivesse sido no final do século dezoito, quando os exploradores europeus haviam navegado pelo Caribe,

A Charleston do século vinte não era tão próspera, mas suas ruas curvas e desordenadas e seu colonialismo anti-bélico estavam preservados como em nenhum outro lugar.

Joana conhecia pouco a cidade. Logo depois de seu casamento, Cole lhe mostrara os pontos turísticos de Charleston. A academia militar e a esplanada curva, conhecida como Battery, eram-lhe bastante familiares. Mas a Fazenda Tidewater ficava a uma certa distância da cidade e a pequena vila de Beaumaris era o ponto civilizado mais próximo.

De qualquer forma, era o que Joana conhecia da Carolina do Sul e ela ainda se lembrava do clima quente e úmido e das chuvas tropicais que costumavam desabar nas tardes de verão, como verdadeiros dilúvios. Só que, naquela época, ela não se importava; estava apaixonada por Cole e teria ido morar no centro de um vulcão, se ele lhe tivesse pedido.

Como fora tola, pensava agora, virando-se para olhar para seu antagonista, recostado no assento ao lado! Que ingênua! Naquela época a vida parecia tão simples... Ela chegara a acreditar no "felizes para sempre", mas isto fora antes de conhecer a família de Cole e dar-se conta de que, na opinião deles, Cole cometera um terrível engano casando-se com ela. Os MacAllister não aceitavam qualquer pessoa em seu seio, muito menos mulheres com personalidade e opinião firme.

Joana suspirou. Nunca se considerara rebelde ou possuidora de uma personalidade forte até ir morar em Tidewater e conhecer os MacAllister; eles não se misturavam com os "pobres" e julgavam-se superiores. E o fato de Ryan MacAllister defender um tipo de procedimento e praticar outro fora o que provocara o conflito entre Joana e ele; além de assinalar o fim do casamento dela com Cole. Isto, e a morte de Nathan...

Mas Joana não queria pensar em Nathan, agora. A dor daquela tragédia e as mentiras que a haviam causado não a machucavam mais. O tempo agira como um bálsamo sobre as velhas feridas e não fazia sentido ficar desenterrando o passado. Fora suficiente descobrir que Cole não era imune a tudo que acontecera e seria divertido mostrar a Ryan MacAllister como seus esquemas haviam sido fúteis.

Divertido não era bem o termo, refletiu Joana. O homem estava morrendo e ela não poderia ser vingativa e cruel com um ser humano que já estava sendo punido por seus pecados. De qualquer forma, estava curiosa para saber por que ele queria vê-la. No que lhe dizia respeito, não havia mais nada a ser dito entre ambos.

A recomendação da comissária de bordo, para que fosse observado o aviso de apertar os cintos e apagar os cigarros trouxe Joana de volta ao presente. Trocou um rápido olhar com Cole, que estava mergulhado num profundo e enigmático silêncio desde que deixaram o Coral Beach Hotel, pela manhã.

Quinze minutos depois o avião aterrissava no aeroporto de Charleston e assim que atravessou as portas automáticas para a rua Joana sentiu o efeito do calor que prenunciava o verão naquela região semi-tropical dos Estados Unidos,

O irmão de Cole, Ben, fora esperá-los no aeroporto. Depois de um embaraçoso aperto de mãos com Joana ele acomodara a sacola de viagem de Cole e a bagagem de Joana no porta-malas do lustroso carro zero-quilômetro, antes de sentar-se ao volante para enfrentar a viagem de volta a Tidewater. Ben fora educado, porém distante, e como Cole se mostrara ansioso para saber notícias do pai, Joana fora imediatamente excluída da conversa.

Não que se importasse muito. Embora ela e Ben tivessem sido amigos um dia, era óbvio que o ex-cunhado daria mais crédito à palavra do irmão e do pai do que à sua. E Joana não tinha nenhuma dúvida de que seu nome fora mencionado mais de uma vez, entre aquela família, de maneira não exatamente favorável.

Naquele momento, entretanto, reprimiu o sentimento de mágoa que ameaçava invadi-la e abanou-se com a mão. Em vez de ligar o ar-condicionado do carro, Ben preferiu dirigir ao longo da estrada à beira-mar com todos os vidros abertos, mas o vento quente e úmido não contribuía em grande coisa para refrescar Joana, que percebeu, contrariada, que os dois homens sentados no banco da frente sentiam-se perfeitamente à vontade naquele clima infernal,

Contentando-se em encontrar uma posição mais confortável, Joana, passou a prestar atenção na paisagem, reconhecendo que pelo menos aquela parte da Carolina do Sul era uma região privilegiada no que dizia respeito ao charme da natureza e da obra do homem. Apesar do desconforto do clima, era um lugar lindo, colorido, cheio de vida, situado entre lagos e canais, com salinas e dunas de areia de rara beleza.

Naquela época do ano os jardins estavam carregados de azáleas vermelhas e cor-de-rosa, florescendo entre rosas e jasmins, camélias brancas e primaveras. As glicínias pendiam por sobre os muros e portões de madeira e as amplas varandas das casas coloniais eram decoradas com aconchegantes móveis de cana-da-índia e vasos de cerâmica vermelha com avencas e samambaias.

Era um lugar calmo, tranqüilo, onde o ritmo de vida era bem mais lento que na cidade. Subitamente decidindo que não estava disposta a ser ignorada até o fim da viagem, Joana desabotoou mais uma casa da blusa de viscose que estava usando e inclinou-se para a frente, com determinação. Apoiou os braços nos encostos dos dois assentos e deixou escapar um longo suspiro, junto ao ouvido de Cole. Em seguida, forçou-se a sorrir.

— E então, Ben... Como você está? — perguntou, evitando olhar para Cole. — Já tem sua casa?

— Ha... — Ben lançou um olhar apreensivo para o irmão, antes de balançar a cabeça. —N...Não. Ainda não. Há muito o que fazer em Tidewater.

— Mas eu pensei que você quisesse morar sozinho — insistiu ela, recebendo um olhar de advertência de Cole. — E verdade! Ele queria! — acrescentou, olhando novamente para Ben. — Quantos anos você tem, vinte e cinco?

— Ben tem vinte e quatro anos — declarou Cole, seco. — É dois anos mais novo que você e você sabe muito bem disso.

— Você se lembra! — As sobrancelhas de Joana se arquearam exageradamente, com a pura intenção de provocar o ex-marido. — Bem, isto significa que você está com trinta, não é? Minha nossa, como estamos ficando velhos!

Cole não se dignou a responder ao comentário. Limitou-se a recostar-se novamente no banco, deixando Joana desesperada à procura de alguma coisa para dizer. Ela afastou a gola úmida do pescoço e seu cotovelo esbarrou levemente no ombro de Cole, que mudou bruscamente de posição, para grande satisfação de Joana.

— Cole me disse que Joe casou-se — prosseguiu ela, interferindo em uma discussão sobre os efeitos da erosão da terra. O comentário foi endereçado a Ben e mais uma vez este olhou para o irmão mais velho, antes de responder.

— Sim — murmurou ele, claramente contrariado por encontrar-se na linha de fogo entre os dois.

— E ele ainda mora na fazenda? — quis saber Joana. — Ainda bem que a casa é grande. Com três famílias vivendo lá...

Ben virou-se para ela, abruptamente.

— Três famílias?

— Claro — exclamou Joana, surpresa. — Cole e Joe, cada qual com sua esposa, e...

— Cole não... — começou Ben, espontaneamente, calando-se era seguida, sem jeito. — Quero dizer...

Ele engoliu em seco, pela terceira vez lançando um olhar de apelo a Cole.

— Cole não lhe contou?

— Ainda não — respondeu Cole, antes que Joana dissesse mais alguma coisa para embaraçar Ben. Virou-se para trás, os olhos azuis mais frios que duas pedras de gelo. — Sammy-Jean foi embora de Tidewater. Mora na Califórnia, agora. Satisfeita?

Joana não estava satisfeita, mas estava perplexa demais para dizer alguma coisa. Mais que isso, admitiu para si mesma. Estava chocada. Estarrecida. Afinal, Sammy-Jean fora a esposa que Ryan MacAllister escolhera para o filho mais velho. E Joana sabia que a outra mulher perseguira Cole desde os tempos de colégio. Era e sempre fora louca por ele. O que teria acontecido?

Com a mente a mil por hora, já meditando sobre as implicações daquela declaração, a pergunta óbvia escapou-lhe dos lábios.

— Você... se separou?

Cole suspirou, impaciente.

— Sim. Podemos mudar de assunto, agora? Isto não é da sua conta.

Será que não era, refletiu Joana, com o olhar perdido na estrada à sua frente. Concordara em ir para Tidewater porque imaginara que Sammy-Jean estaria lá, o que seria, de certa forma, uma proteção para ela. Naquele momento, não tinha condições de analisar por que achava necessário sentir-se protegida. Só não compreendia por que Grace não lhe dissera nada.

— Grace sabe?

Cole murmurou um impropério.

— Eu disse para mudarmos de assunto!

— Eu sei, mas...

— Céus! — Ele passou a mão pelo cabelo, exasperado. — Que importância tem isso, agora? É claro que Grace sabe. Não é segredo!

— Então por que ela não me contou?

— Como vou saber? Talvez ela tenha imaginado que você quisesse vir correndo me consolar, se soubesse.

Joana recostou-se no banco e olhou pela janela, pensativa. Será que todos estavam contra ela? Como fora cair naquela armadilha?

Passaram pela saída para Beaumaris e pela placa que indicava o limite de município com Tidewater, porém Joana mal se deu conta disso. Estava dominada demais pela amargura e pela frustração e foi somente quando atravessaram os portões da fazenda que uma sensação de pânico comprimiu-lhe o estômago. Estava lá. Estava lá, de verdade... Onde jurara nunca mais pôr os pés: Tidewater!

Joana fez um esforço para acalmar-se. Chegar na casa já num estado emocional agitado não ajudaria em nada. Necessitava de toda a autoconfiança que possuía para enfrentar a família de Cole.

O carro percorreu uma alameda de carvalhos cujos troncos estavam totalmente recobertos de musgo. As trepadeiras parasitas concediam às árvores uma aparência lúgubre, fantasmagórica, principalmente à noite, quando a umidade se elevava do rio, envolvendo a casa em uma bruma cinzenta e flutuante.

Em algumas ocasiões, quando a lua brilhava através das folhagens agitadas pela brisa, a atmosfera era quase romântica e Joana recordou a primeira noite que ali passara, quando Cole a levara para ver o rio e eles fizeram amor em um leito de relva selvagem...

Ela gemeu baixinho e endireitou-se no banco do carro, repreendendo a si mesma. Não era o momento de relembrar aquelas coisas. Era inacreditavelmente tola, naquela época. Chegara a acreditar que o amor era capaz de tudo. Como pudera ser tão idiota?

Olhando à sua volta, Joana viu os estábulos, do outro lado da cerca branca que delimitava a entrada de carros. Éguas de pêlo lustroso, com seus potrinhos, saboreavam o capim verde e fresco, alheias aos problemas do mundo.

A brisa que acariciava os cabelos de Joana através das janelas abertas do carro vinha diretamente das salinas. Ela sabia que da varanda do primeiro andar da casa era possível avistar o oceano e, com o rio passando não longe dali, os habitantes da fazenda estavam sempre próximos da visão e do som da água.

Entretanto, embora Tidewater ainda não tivesse sucumbido à tentação enganosa de transformar-se em atração turística, como acontecera com outras fazendas, ela não mais dependia da plantação de arroz e algodão para manter-se. A maior parte dos campos de arroz haviam sido drenados e transformados em pastos para a criação de gado, e cavalos puro-sangue viviam nos estábulos que, em outros tempos, haviam abrigado força-de-trabalho imigrante.

Não que Joana tivesse, algum dia, participado da administração da propriedade. Como esposa de Cole, fora-lhe concedido o privilégio de viver na casa e comer à mesa, mas nada mais além disto. Ryan MacAllister e os filhos cuidavam das plantações e sua esposa governava a casa. E Margaret, ou Maggie, MacAllister não aceitava a ajuda de ninguém, muito menos de uma garota que seu filho desposara contra a vontade da família.

Um calafrio percorreu a espinha de Joana. Agora que se encontrava em Tidewater as memórias voltavam em avalanche. Era impossível esquecer as humilhações que sofrera nas mãos de Margaret MacAllister, as palavras e atitudes infames, o desprezo, as pequenas agressões das quais Cole nem chegara a tomar conhecimento.

Joana mordeu o lábio inferior, perdida em pensamentos. Viera de uma família normal, amorosa e unida, uma família que acolhera Cole sem reservas. Mesmo sabendo que Joana teria de ir embora não só de casa, mas também do país, para ir viver do outro lado do mundo, seus pais haviam aceitado e aprovado o casamento. Aceitaram o fato de que ela amava Cole e de que ele a amava e que Joana sabia o que estava fazendo. Deram à filha querida o privilégio de acreditar que tinha idade suficiente para tomar suas próprias decisões, e mesmo sabendo que sentiriam uma falta terrível, foram generosos em seu apoio.

O mesmo já não podia ser dito da família de Cole. Procurando ignorar a indignação que parecia querer sufocá-la, Joana repetiu para si mesma que desta vez seria diferente. Não fora para Tidewater porque quisera; fora chamada. E era uma mulher madura e independente, agora, não uma garota boba, apaixonada e inexperiente.

Podia imaginar a reação de sua mãe, quando soubesse. Por isso telefonara para Grace, na noite anterior, e pedira-lhe que dissesse aos pais para onde ia. Sabia que se falasse com a mãe, esta se empenharia ao máximo para convencê-la a mudar de idéia e Joana não tinha certeza de sua própria capacidade de opor-se ao apelo da sra. Seton.

Os latidos dos cães, à medida que Ben diminuía a velocidade, trouxe Joana de volta ao presente. Uma curva na alameda, dava acesso ao pátio frontal da mansão, construída no sopé de uma elevação de um cerrado bosque de carvalhos e pinheiros. Com suas paredes brancas e majestosas varandas, a casa refletia os raios de sol do final da tarde. As grades trabalhadas e as janelas em arco exibiam elegância de uma era passada e embora a sede original da fazenda tivesse há muito tempo caído em decadência, a fachada, restaurada entre as duas grandes guerras mundiais, era tão imponente quanto a anterior.

A simples visão da casa e dos cães perdigueiros que corriam, excitados, em volta do carro, provocava em Joana uma desagradável sensação de Déjà vu .

Ben parou e Cole abriu a porta, ordenando aos cães que se afastassem .No mesmo instante uma mulher alta e forte saiu da casa.

Joana sentiu o estômago contrair-se. Margaret Macallister não mudara. Ainda era uma figura impressionante, com os ombros largos, o chemisier estampado, os cabelos grisalhos penteados numa trança ao redor da cabeça.

Depois de abrir a porta do carro para Joana, enquanto Cole subia os degraus de pedra para abraçar a mãe, Ben tirou a bagagem do porta-malas e, aparentemente sem qualquer esforço, carregou os três volumes até a entrada da casa.

-Obrigada , bem – Murmurou Joana, atrás dele, inclinando a cabeça com um sorriso propositalmente encantador.

-Eu tinha me esquecido de como você é forte.

Cole afastou-se da mãe e lançou um olhar fulminante para Joana, que subia os últimos degraus, enfrentando valentemente a expressão de poucos amigos da mulher que contribuíra para destruir seu casamento. Por mais que se esforçasse, não era fácil esquecer a última vez que estivera ali, naquela escada; ou ignorar a dor e a angústia que sempre associara com sua partida.

Apesar de tudo, havia, agora, uma diferença, refletiu. Enquanto que antes se preocupara em passar uma boa impressão, agora não havia mais necessidade disto. Não lhe importava, desta vez, o que a mãe de Cole pensasse e, de alguma forma, teve a impressão de vislumbrar esta consciência nos olhos frios de Maggie Macallister.

Durante um embaraçoso momento. As duas mulheres se entreolharam e quando ficou evidente que Joana não tomaria a iniciativa, a mãe de Cole desmanchou-se num sorriso gelado e artificial.

-Joana -murmurou, com mal disfarçado desprezo -Você me parece cansada e encarolada.

-Oh, eu estou – admitiu Joana, deixando escapar um longo suspiro – Não vejo a hora de tirar a roupa!

Os lábios finos de Maggie se contraíram.

-Acredito – murmurou, trocando um olhar eloquente com Cole – Pedirei a Sally que a acompanhe até seu quarto.

-Oh, mas ...- Joana fingiu uma confusão que realmente não sentia – Eu pensei que Cole fosse me mostrar onde vou dormir. Não vai, querido?

Era difícil dizer qual dos dois estava mais furioso, mãe ou filho. Mas foi Cole quem se recuperou primeiro.

-Está certo – concordou ele, tenso, pegando as malas de Joana e encaminhando-se para a porta – Para que não ocorra nenhum engano, não é ?

  • Claro! - exclamou Joana, com voz melosa, antes que Maggie tivesse tempo de dizer qualquer coisa – De repente, posso me ver tendo que dividir um banheiro com você ! Imagine só!
  • Seria pouco provável – garantiu a mulher mais velha, seca, sem alternativa, a não ser seguí-los para dentro de casa – Não acho que seja possível algum de nós esquecer o passado, Joana. Muito menos, Cole.

Joana virou-se para a ex-sogra, com o olhar mais inocente e surpreso do mundo. Mas antes que abrisse a boca para responder, Cole cutucou-lhe as costas com o cotovelo.

- Vamos – ordenou, fazendo um gesto com a cabeça na direção da escada – Antes que eu ceda à tentação de cortar essa sua língua comprida.

 

Joana fechou a torneira depois de passar meia hora debaixo do chuveiro. Assistira ao pôr do-sol através do vitrô, enquanto tomava banho, e agora, com o céu escurecendo rapidamente, os insetos e animais noturnos começavam a despertar, emitindo os sussurros e chiados típicos, enquanto as mariposas batiam as asas contra o vitrô, do lado de fora.

Joana enrolou-se em uma toalha que a cobria do pescoço aos tornozelos e saiu do banheiro para o quarto, descalça. Olhou, resignada, para o próprio reflexo, no espelho. A imagem abatida não era a que gostaria de ver. A toalha branca acentuava-lhe os círculos escuros ao redor dos olhos. Ela parecia derrotada, refletiu, impaciente; jovem, vulnerável e derrotada, exausta e desesperada para ver um rosto amigo.

A batida na porta sobressaltou-a e ela olhou para a maçaneta dourada, com uma absurda sensação de pânico. Mas quando uma voz feminina chamou seu nome, todos os receios se desvaneceram e Joana correu para abrir a porta.

— Jô! — exclamou a garota, com expressão ansiosa. — Oh, Jô, não acredito que você está aqui!

— Charley! — Segurando a toalha ao redor do corpo, Joana recuou para dar passagem à irmã de Cole, que atirou-se para ela com toda a corpulência de seus quinze anos. — Nossa, Charley, que bom ver você!

— Oh, Jô! — Charley abraçou Joana com força e depois afastou-se para olhá-la, sem esconder a alegria que sentia. Quanto tempo vai ficar aqui?

— Eu...:ainda não sei.

Só então Joana deu-se conta de que ainda não pensara naquele aspecto da questão.

— Alguns dias, talvez — Ela enxugou uma lágrima. — E então? Como você está? E Donna? E Sandy? Ele está com treze anos, não é? Minha nossa, como vocês estão crescendo!

— Estão todos bem. — Charley sacudiu os ombros e afastou o cabelo comprido do rosto, Embora se parecesse bastante com Cole, seu cabelo tinha um tom loiro bem mais escuro que o do irmão.

— Donna continua a mesma chata de sempre, não muda Ela fez uma careta. — Sandy, também... ainda anda atrás de Cole por toda parte.

Joana assentiu com a cabeça. Donna era irmã gêmea de Charley, mas as duas nunca haviam se dado muito bem. Sandy, cujo nome era Alexander, era o caçula da família.

— Você sabe que papai está doente? — perguntou Charley, depois que Joana fechou a porta.

— Sim — Joana sentiu a boca subitamente seca e agarrou as pontas da toalha com mais força. — Eu sinto muito, Charley.

— Por quê? — A garota sentou-se, diante do espelho e começou a escovar o cabelo. — Você nunca gostou dele. Joana umedeceu os lábios, nervosa.

— Não — admitiu, num fio de voz. — Ele... não é uma pessoa fácil.

— Eu que o diga! — Charley revirou os olhos e girou o corpo, largando a escova. Sabia que ele já me disse que tenho que fazer faculdade?

— Bem... — Joana sacudiu os ombros. — Não me parece nenhum absurdo...

— Mas eu não quero, Jô! Não quero fazer faculdade! Donna é a estudiosa da casa, não eu. Prefiro ficar em casa ajudando mamãe do que ir para a universidade.

— Talvez você mude de idéia, Charley. Afinal, ainda falta muito tempo para...

— Não vou mudar de idéia — declarou Charley, com determinação. — Você não entende Jô... eu quero me casar.

— Casar? — repetiu Joana, sem esconder a surpresa.

— Isso mesmo, casar — A garota cruzou as mãos e olhou para Joana com uma expressão obstinada no rosto.

— No ano que vem. Quando eu fizer dezesseis anos. Joana arqueou as sobrancelhas.

— E você já tem alguém em vista?

— Claro! — exclamou Charley, com ar de indignação. — Lembra-se de Billy Fenton? A mãe dele era cliente da clínica. Você...

— Eu me lembro de Billy — interrompeu Joana, incrédula e apreensiva.

Os Fenton eram uma família pobre, que moravam em um cômodo, na periferia da cidade. Boulevard Fenton, mais conhecido como Buli, fora empregado da fazenda, traba­lhando nos estábulos, até que sua paixão pelo álcool e a paciência de seu patrão colidiram. Ryan MacAllister despedira-o, indiferente às consequências que a família inteira sofreria com aquele desemprego.

Apesar disto, ninguém o condenara por ter demitido Buli. Todos sabiam que Buli era um brutamontes; que batia na mulher e nos filhos e que era um bêbado inveterado.

Mas fora da esposa de Buli, Susan, que Joana se compadecera. Embora a pobre criatura fosse pouco mais velha que ela própria, já dera à luz seis filhos, dois deles natimortos. Era uma jovem miúda, franzina, que vivia com medo do marido e que, apesar disto, não tinha coragem de deixá-lo.

Tudo que restara a Joana fora aconselhá-la e orientá-la para que evitasse engravidar mais uma vez e fora assim que ela vira, depois de um longo período, a outra mulher recuperar um pouco de sua auto-estima.

Billy era o filho mais velho e, felizmente, nem um pouco parecido com o pai. Joana calculava que estivesse com cerca de dezesseis ou dezessete anos e, com certeza, era um herói para Charley. Mas Charley provavelmente não o teria conhecido se não tivesse ido ajudar Joana na clínica durante as férias escolares. E por mais injusto que fosse julgar Billy por causa de sua posição social e nível de vida, Joana sabia que não havia a menor esperança de que os MacAllister concordassem com aquela união.

— O que foi, Jô? — quis saber a garota, estranhando o silêncio de Joana. — Acha que sou nova demais? Pois não sou. E ninguém vai me obrigar a ir para a universidade, se eu não quiser.

Joana suspirou.

— Acho que é muito cedo para você se preocupar com o que vai fazer no ano que vem — ponderou, cautelosa. — Daqui a uma semana você pode estar pensando diferente.

— Não — garantiu Charley, resoluta. — Por favor, Jô, fale com Cole! Ele não me ouve, mas sei que vai ouvir você.

— Cole?! — Joana conteve-se para não rir. — Charley, acho pouco provável que Cole escute uma única palavra do que eu disser.

— Talvez escute! Como papai não pode mais...

— Olhe, Charley, eu... falo com você depois — interrompeu Joana, apreensiva. — Ainda preciso secar o cabelo e vestir-me para o jantar. Eu... vou pensar sobre o assunto, está bem? Prometo. Agora, vá. Se sua mãe descobrir que está aqui, não vai gostar nem um pouco.

— Está certo — concordou Charley, beijando sonoramente o rosto de Joana.— Estou tão contente por você ter voltado, Jô! Tenho certeza que tudo vai dar certo. Você vai ver.

Joana gostaria de sentir o mesmo otimismo, enquanto secava apressadamente o cabelo e vestia uma calça fuseau listrada com uma miniblusa creme que mal lhe chegava à cintura. Calçou um par de sandálias douradas e pendurou dois pingentes nas orelhas. Deixou os cabelos soltos caindo como uma cascata de seda negra sobre os ombros, emol­durando o rosto delicado.

Embora se apressasse Joana estava atrasada. Mesmo que Charley não a tivesse interrompido, teria sido difícil conseguir descer pontualmente. Assim foi que ela teve a dúbia satisfação de ser a última a aparecer e, embora não tivesse a menor intenção de fazer uma entrada triunfal, foi o que acabou acontecendo.

A família inteira esperava por ela, na biblioteca. E apesar de fazer mais de três anos desde a última vez que ali estivera, Joana sabia exatamente onde encontraria cada um deles; até o cheiro dos livros era o mesmo. E nove pares de olhos assistiram à sua aparição, quase todos semelhantes em suas expressões desaprovadoras.

— Me perdoem — pediu ela, entrando no aposento com um ar de segurança que estava longe de sentir. — Espero não tê-los deixado esperando muito.

Foi quando se forçava a dirigir um sorriso conciliador para todos em geral que Joana se deu conta de que um dos pares de olhos que haviam acompanhado sua chegada pertencia a Ryan MacAllister. Ao contrário do filho, ele não estava de pé, motivo pelo qual Joana não o notara imediatamente. Estava sentado em uma poltrona, ao lado da lareira em desuso, decorada com inúmeros vasos de flores.

Um rápido olhar foi suficiente para perceber que Cole não exagerara ao dizer que o pai estava muito doente. Magro, quase esquelético, Ryan parecia ter encolhido para uma sombra do que era e, apesar do calor que o ventilador de teto apenas empurrava ao redor do aposento, ele estava enrolado em um xale, com uma manta sobre os joelhos.

Por um momento, Joana ficou embaraçada e confusa, sem saber o que dizer. Que todos esperavam que dissesse alguma coisa era óbvio, mas ela estava simplesmente emudecida. Percorreu o olhar pelos outros membros da família.

Joe, o mais velho dos irmãos, a seguir de Cole, estava lá, imóvel, e Joana deduziu que a mulher com rosto de pedra ao lado dele fosse a esposa. A hostilidade estava estampada no rosto da jovem, com a mesma intensidade que no da sogra. Charley, obviamente, tinha a expressão amigável, assim como Ben, Mas Donna era parecida demais com a mãe para demonstrar qualquer sinal de apoio, e Sandy era praticamente uma criança. Quanto a Cole...

O olhar de Joana transferiu-se do rosto alerta do ex-marido para o de Maggie. A mãe de Cole demonstrava abertamente o desprezo que sentia, mas se era por ela ou pela roupa que estava usando, Joana não tinha certeza. Só sabia que a mulher mais velha abominava roupas justas e decotadas e não admitia que as filhas as usassem.

Finalmente, com um longo suspiro, decidindo que tinha de mostrar a todos eles que não se deixaria intimidar; Joana aproximou-se da poltrona de Ryan MacAllister.

— Sr. MacAllister — começou, o sotaque inglês soando mais alto e nítido, em meio ao silêncio. — Como o senhor está?

Os lábios de Ryan se comprimiram.

— Como pareço estar? — indagou ele com aspereza. Joana percebeu que ele continuava o mesmo velho irascível, Hesitou por um momento, depois inclinou a cabeça, com uma expressão suave no rosto, apesar das palavras cruéis porém sinceras.

— Nada bem.

Ela ouviu os sons abafados de murmúrios reprimidos.

— Mas acho que o senhor já sabia disso — acrescentou. Os olhos de Ryan se estreitaram. Haviam sido, um dia, azuis como os do filho, mas agora apresentavam uma to­nalidade cinzenta e opaca,

— Muito segura de si, não é, jovem? — murmurou ele, segurando um copo vazio com as mãos ossudas. — Espero não ter cometido um erro ao mandar chamá-la. Não quero complicações. Nem com você, nem com ninguém.

"O senhor não quer complicações?", Joana teve vontade de dizer. Será que pensava que ela queria?

— Por que mandou me chamar, sr. MacAllister? Estranhamente, Joana nunca conseguira chamar o sogro de outra forma. Usava sempre o tratamento formal de "senhor" e o sobrenome.

— Você vai descobrir — resmungou ele, antes de levantar o copo vazio na direção de Cole. — Mais um drinque, por favor, sim? E veja o que ela quer beber.

— Ryan! — Maggie deu um passo involuntário para a frente. — Ryan, você sabe que não pode! O médico disse que...

— Eu sei o que o médico disse — interrompeu o velho, com um olhar de escárnio para a esposa. — Qual é o problema, Maggie? Não ouviu o que Joana disse? Não pareço nada. bem. E com certeza, não me sinto nada bem. Portanto, porque eu me restringiria a um drinque quando dois ou três me fazem sentir melhor?

Maggie apertou os lábios, evidentemente contrariada, e lançou um olhar maligno para Joana, Mas felizmente ela tinha a opção de concentrar-se na escolha do que beber e, se a expressão de Cole não era menos desagradável, pelo menos ele guardou sua opinião para si mesmo.

— Só um suco de frutas, por favor — pediu, refletindo que, na arena onde se encontrava, o mais sensato era manter a cabeça firme.

Então, como que movidos por um sinal silencioso, os outros membros da família agruparam-se ao seu redor. Joe beijou-lhe o rosto, antes de apresentar a esposa, Alicia, e até Donna segurou entre os dedos o tecido sedoso da blusa de Joana e exprimiu o desejo de ter uma igual

— Você é muito gorda para usar isso — observou Charley, com a falta de sutileza que lhe era peculiar.

— Olhe só quem fala! — retrucou Donna, olhando a irmã gêmea de cima a baixo. — Jô também era gorda, e emagreceu!

— Ela só era gorda porque comia demais. Papai é que dizia.

— Papai dizia muitas coisas — falou Ben, baixinho, interpondo-se entre as duas irmãs. — Não significa que fosse tudo verdade. Agora, por que vocês não deixam Jô em paz e vão ajudar Lacey?

— Lacey não precisa de ajuda — disse Charley, sorrindo, sem jeito, para Joana. — Desculpe. Eu nunca achei que você fosse gorda. Só... só...

— Cheinha? — sugeriu Joana.

Charley assentiu vigorosamente com a cabeça.

— Saiam daqui agora, vocês duas — ordenou Ben, brincalhão, empurrando as duas pelos traseiros, antes de virar-se para Joana. — E então? Foi tão ruim como você esperava?

Joana sorriu, condescendente.

— Pior. Não... — Ela sacudiu os ombros. — Pior, não. Diferente,

— Por quê? Por causa de papai?

Joana assentiu com a cabeça.

— É engraçado... Ele não me assusta mais. Por que será?

— Por que está doente e fraco? — arriscou Ben.

— Acho que não — Joana franziu a testa, — Ele está mais agressivo que nunca e é óbvio que ainda traz vocês todos pulando miudinho à volta dele.

— Menos Cole — observou Ben, fazendo com que Joana olhasse para ele, surpresa.

— Como assim?

— Você vai descobrir.

Joana sorriu, divertida.

— Parece que tenho muitas coisas para descobrir, aqui em Tidewater. Quanto mistério!

— Cole mudou — explicou Ben, afável. — Não é mais o mesmo.

Joana olhou na direção do ex-marido, que se aproximava, trazendo um copo alto em uma das mãos.

— Para mim, ele parece ser o mesmo — comentou, baixinho.

— Um suco de frutas — anunciou Cole, entregando o copo a Joana e olhando para o irmão. — Estou interrompendo alguma coisa?

— Não... — apressou-se Ben a dizer, com evidente ar de culpa. — Estávamos conversando sobre papai.

Cole olhou para o canto do aposento onde Joe e Alicia se encontravam de pé, feito sentinelas ao lado da poltrona do pai, e em seguida curvou os lábios para baixo, numa expressão de surpresa.

— Faz muito tempo que não o vejo tão animado — confessou, transferindo o olhar para Joana. — Talvez eu deva lhe agradecer por isso.

— Oh, sinceramente, espero que você nunca tenha que me agradecer por coisa alguma.— protestou Joana, irônica, tomando um gole do suco de frutas. — Hum, que delícia! Ainda bem que foi você que fez. Sua mãe seria capaz de me oferecer cianureto!

— Você não pode culpar minha mãe por não confiar em você — recriminou Cole  — Você lambem não facilitou as coisas para ela.

— A culpa não é minha, se seu pai diz uma coisa e faz outra — defendeu-se Joana, percebendo, pelo canto do olho, que Ben se afastava, com o pretexto de repreender Sandy, que não parava de atormentar as irmãs. Depois de um breve silêncio, carregado de tensão, acrescentou, num tom de voz mais afável: — Sarah ainda mora em Beaumaris, por falar nisso? Eu gostaria de vê-la.

— Não acho boa idéia — desaprovou Cole, o olhar fixo em algum ponto acima da cabeça de Joana. Aliás, desconfio que foi por isso que meu pai mandou chamar você.

— Talvez — concordou Joana, satisfeita — Mas, ainda assim, pretendo encontrar-me com ela. Com ou sem seu consentimento.

Os olhos azuis de Cole escureceram ameaçadoramente.

— Não faça isso — avisou, num murmúrio baixo — Você só vai conseguir causar mais sofrimento. Nathan está morto, não há mais nada que se possa fazer.

— E você não está feliz com isso? — investiu Joana, colocando o copo sobre uma mesa próxima e olhando ao redor, à procura de Ben. — Com licença... preciso de um pouco de ar fresco!

— Espere!

Cole segurou-a pelo braço e ao levantar os olhos para ele, apesar de ter acabado de provocá-lo tão cruelmente, Joana sentiu o ar entre ambos vibrar como uma corrente elétrica.

— Jô... — advertiu ele, fitando-a intensamente, a expressão sombria. — Por favor, fique longe de Sarah.

— Por quê?— Ela enfrentou o olhar frio de Cole. — Por que não posso vê-la, se quiser? Nós duas temos muita coisa em comum. Afinal, ambas confiamos em homens que nos traíram.

Ela removeu-a mão de Cole de seu braço e afastou-se, com passos firmes e determinados.

— Jô!

Joana ignorou por completo o apelo dramático de Cole, e Maggie, que estivera observando a cena, de longe, foi atrás dela.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, em tom, exigente. — O que Cole estava dizendo para você?

Joana olhou para a ex-sogra, a incredulidade estampada no rosto.

— Como é que é?

— Eu perguntei o que...

— Eu sei o que você perguntou — Joana lançou a Maggie um olhar fulminante. — Só não acho que seja da sua conta.

— Cole não quer você de volta, ouviu? — Os lábios finos de Maggie se retorceram numa careta de desprezo. — Ele foi buscá-la porque o pai pediu. Mas a idéia não foi dele.

Joana suspirou, impaciente.

— Obrigada pelo voto de confiança.

— Não seja insolente comigo, garota!

— Eu?! Longe disso...

Joana sentiu a tensão começar a dissolver-se. Achava mais fácil enfrentar a hostilidade declarada do que a camuflada, sutil.

— Não se preocupe, Maggie. Não estou de olho em seu precioso filho. Pelo menos, não em caráter permanente — acrescentou, num impulso maldoso.

O rosto de Maggie ficou escarlate.

— Sua, sua...

— Tchauzinho! — cantarolou Joana alegremente, afastando-se enquanto era tempo.

 

Joana dormiu melhor do que esperava; não sabia se era porque passara a noite anterior quase toda em claro ou por outro motivo, mas a verdade foi que perdeu a consciência assim que seu rosto tocou o travesseiro, e demorou alguns segundos para entender onde estava quando foi despertada, já com o dia claro, por uma discreta batida na porta. Levantou-se e abriu sem perguntar quem era, ainda sonolenta.

— Bom dia, senhorita... senhora — corrigiu-se a jovem uniformizada, que Joana não reconheceu. Evidentemente, fora contratada depois que ela saíra de Tidewater e segurava nas mãos uma bandeja com um café da manhã completo.

— Pode me chamar de senhorita — pediu Joana, cambaleando de volta para a cama e recostando-se nos travesseiros. -— Como você se chama?

— Rebecca, senhorita — respondeu a garota, que não aparentava ter mais de dezoito anos. Colocou a bandeja sobre a mesinha-de-cabeceira e caminhou até a janela para puxar as cortinas e abrir as venezianas.

— Hum, obrigada — murmurou Joana, examinando o conteúdo da bandeja. — Parece delicioso.

— Suco, ovos, presunto, torradas, geléia e café — declarou Rebecca, tímida. — Gostaria de mais alguma coisa, srta. MacAllister?

— Seton — corrigiu Joana. — Meu nome é Joana Seton. Já fui MacAllister, mas não sou mais.

— Compreendo — Rebecca enrubesceu. — Gostaria de uma panqueca quentinha, para comer com os ovos?

—  Ah, não — Joana balançou a cabeça, sorrindo. — Obrigada. Duvido que consiga comer tudo isto!

Rebecca hesitou.

—- Bem, se tem certeza que não quer mais nada...

— Tenho certeza — afirmou Joana, reprimindo um bocejo. — Hum, que horas são?

— Bem — Rebecca pensou por um momento. — A senhora MacAllister mandou trazer seu café às dez horas. Imagino que sejam umas dez e quinze.

— Dez e quinze?! — repetiu Joana, arregalando os olhos. Nunca dormia até tão tarde e podia imaginar o que a mãe de Cole estaria pensando. Maggie já a chamara de preguiçosa, num passado não muito distante. E ficar na cama até as dez da manhã era uma justificativa excelente para aquela acusação.

Só que não era verdade. Nunca fora. Se Joana tivera o hábito de acordar tarde, no passado, fora porque não havia motivo para levantar-se. Maggie nunca a deixara fazer nada; nem uma única coisa. Até mesmo sua disposição para pintar fora afetada pela atmosfera carregada daquela casa.

— Não se preocupe, senhorita — Rebecca tranquilizou-a. — O sr. MacAllister nunca sai do quarto antes do meio-dia. E os meninos saíram cedo.

"Os meninos", pensou Joana, com amargura, tomando um gole de suco.

— E Sandy foi para a escola, com as irmãs — acrescentou Rebecca, alisando o avental. — Charley não queria ir. Pediu à sra. MacAllister que a deixasse ficar em casa. Disse que tinha muito que conversar com a senhorita, Mas a sra. MacAllister não deixou. Bem... eu estou lá embaixo, se precisar de alguma coisa.

Rebecca dirigiu-se para a porta, apressada.

— Obrigada, Rebecca. Foi um prazer conhecê-la. Espero poder conversar com você, outras vezes.

— Oh... s...sim, claro! — respondeu a garota, retorcendo uma ponta do avental entre os dedos. Em seguida, com uma mesura e um sorriso, saiu do quarto e fechou a porta.

Depois que ficou sozinha, Joana ajeitou a bandeja sobre os joelhos e serviu-se de uma xícara do café fumegante e aromático. Cobriu uma torrada com uma generosa camada de geléia de laranja, produzida na própria fazenda, e depois de devorar os ovos mexidos com presunto levantou-se e foi tomar um banho.

Meia hora depois estava pronta para descer. O short branco e a camiseta listrada, amarela e branca, pareciam-lhe singelamente provocantes e depois de prender os cabelos em uma trança espessa, calçou um par de alpargatas de lona com sola de corda e saiu do quarto, levando consigo a bandeja.

O quarto que lhe fora destinado ficava na ala sudoeste da casa. Um largo corredor de paredes brancas conduzia à galeria no topo das escadas e Joana parou por um instante para absorver a familiar configuração da casa. A suíte que um dia ela e Cole haviam ocupado ficava na ala oposta, bem como as dos demais membros da família. Era a ala mais fresca da casa, enquanto que a sudoeste recebia o calor do sol desde o meio-dia até o final da tarde, o que tomava seu quarto insuportavelmente abafado.

"Doce e querida Maggie", pensou com ironia, enquanto descia as escadas, "sempre se desdobrando para tornar as coisas desagradáveis para ela..."

O andar térreo também era arejado. Fora projetado de forma a permitir a livre passagem das correntes de ar, da frente aos fundos, e devido ao pé direito alto e às amplas dimensões dos aposentos, era possível sentir o efeito benéfico dos ventiladores de teto, em constante movimento.

Joana lembrou-se que Cole quisera instalar um sistema de ar-condicionado quando ela fora morar em Tidewaíer, mas o pai declarara que o que fora bom para ele também era bom para os filhos e que, de qualquer forma, era uma despesa desnecessária.

Que sofresse as consequências da própria avareza, refletiu Joana, virando-se para trás e olhando para cima, quase deixando a bandeja cair ao chão ao avistar o objeto de seus pensamentos fitando-a do alto da escada.

— O que está fazendo com essa bandeja, garota? — quis saber Ryan MacAllister, com seu usual tom autoritário.

— A...A... bandeja? — gaguejou Joana, com um súbito vazio na mente. — Eu... estou levando para a cozinha.

Ela forçou um sorriso cordial.

— O senhor não devia estar na cama?

— Ainda não morri — resmungou o velho, agarrando o corrimão com as mãos ossudas e enrugadas. — Largue isso e suba até aqui. Quero falar com você.

— Vou até a cozinha e já...

— Se não quiser que eu mergulhe por estas escadas abaixo é melhor largar essa maldita bandeja e subir aqui imediatamente!

Joana retorceu os lábios, contrariada, mas, embora não acreditasse totalmente nas intenções suicidas de Ryan, achou melhor não arriscar. Depositou a bandeja sobre uma arca, junto ao pé da escada, e voltou correndo. Imaginava que, para chamá-la com tanta ênfase, Ryan devia ter um motivo importante. E, certamente, os dedos que lhe agarraram o braço em busca de apoio transmitiam certo desespero.

— Droga!— praguejou ele, baixinho, transferindo todo o peso de seu corpo do corrimão para o ombro de Joana, fazendo-a cambalear e quase perder o equilíbrio.

— Calma, sr. MacAllister — murmurou ela, enquanto o ajudava a voltar para o quarto.

— Quem é você para me aconselhar a ter calma? — rosnou Ryan, quase sem fôlego. — Tem idéia do que significa, sentir-se um velho inválido e esclerosado? Eu preferia estar morto!

— Não acho que sua família concorde com isso — arriscou Joana, empurrando a porta do quarto com os quadris e entrando no aposento fechado e abafado.

— E você? — desafiou ele. — Você concorda, não é, garota? Porque sabe que eu sentiria a mesma coisa, se nossos papéis fossem trocados.

Ryan sentou-se na beirada da cama e Joana recuou. Ele não precisava mais da ajuda dela; podia tocar a campainha ao lado da cama, se quisesse. E o que ela mais desejava era manter distância daquele homem, cuja malevolência nem a doença e a proximidade da morte conseguiam abrandar. Ainda possuía o dom de infernizá-la, mais que nunca. Mas quando Joana começou a se afastar em direção à porta ele a chamou.

— Onde você pensa que vai?

Joana respirou fundo, no esforço para conter-se.

— Acho que o senhor precisa descansar, sr. MacAllister.

— Ah, você acha?... —- Ele fez um gesto de pouco caso com a mão. — Só porque fui grosseiro com você, vai me deixar aqui falando sozinho?

— Sim.

— Não! — Ryan recostou-se nos travesseiros. — Precisamos conversar e não sei quanto tempo ainda t...

Ele calou-se, acometido por um acesso de tosse. Joana assistia, imóvel, indecisa sobre o que fazer. Não se sentia à vontade para ficar, mas também não se sentia à vontade para sair. Por um segundo, visualizou a piscina do Coral Beach Hotel, nas Bahamas, e amaldiçoou Cole e a si mesma.

— Quer dizer que está feliz por me ver neste estado... — continuou Ryan, tossindo novamente.

— Não.

— Não? — Ele olhou para Joana, a surpresa genuinamente estampada no rosto enrugado.

— Não — Joana engoliu em seco. — Por mais incrível que lhe possa parecer, eu tenho compaixão.

— Ah! — Os lábios do velho se curvaram, com evidente satisfação. — Ainda bem. Isso facilita as coisas.

Joana franziu a testa e pestanejou várias vezes.

— Por quê?

— Porque eu quero meu filho de volta — declarou Ryan, abruptamente. — E você é a única pessoa que pode fazer isto por mim.

— Seu filho? — perguntou Joana, totalmente confusa. — De que filho está falando?

— Não se faça de engraçadinha comigo, garota! Você sabe de que filho estou falando. Cole, é óbvio! Quero que diga a ele que não tive culpa pelo acidente. Que não fui responsável pela morte do irmão dele.

O fôlego de Joana pareceu ficar preso na garganta, asfixiando-a.

— Nathan — sussurrou ela, com voz rouca. — Então é esse o problema... Nathan!

— Não! — esbravejou Ryan, fulminando-a com o olhar. Joana recuou, assustada, ciente de que se tivesse forças aquele homem lhe calaria a boca com um tapa.

— Eu já disse qual é o problema — rosnou ele, furioso. — É Cole! Quero que Cole me trate novamente como pai. Quero que me respeite. Ele é meu filho, droga! Mereço pelo menos isso!

Joana balançou a cabeça, perplexa.

— Mas eu pensei que...

— Não quero saber o que você pensou! — Ryan tossiu outra vez e o ar assobiava através de seus pulmões, conforme tentava acalmar-se. — Escute uma coisa. Você é responsável por isto. Você o colocou contra mim. Você e suas idéias liberais. Sempre instigando as pessoas a quererem ter o que não podem conseguir. Nunca vou perdoá-la pelo que fez. Nunca! Mas preciso de sua maldita ajuda, Joana, e você vai fazer isso por mim!

Joana almoçou com Maggie e Ben. Cole não apareceu e Ben contou a Joana que Joe e Alicia haviam construído uma casa dentro da propriedade e que lá passavam a maior parte do tempo. Os três membros mais jovens da família estavam na escola e o clima que reinou durante a refeição foi tenso e opressivo.

Mas, pelo menos, Ryan MacAllister não estava presente, pelo que Joana sentia-se mais que grata. Precisava de tempo para decidir o que fazer, antes de confrontá-lo outra vez.

Foi somente depois do almoço que Maggie lhe informou, com grande satisfação, que Cole estava em Beaumaris e que só voltaria à noite. Relutante em arriscar outro encontro com Ryan, Joana decidiu passar a tarde em seu quarto. Tirou as alpargatas e deitou-se sobre a colcha, com a intenção de dormir um pouco para relaxar.

O sono, no entanto, não vinha. Seu cérebro estava agitado demais, refletindo sobre o surpreendente pedido de Ryan.

Joana imaginara que, ao ir para Tidewater, estaria colocando uma pedra sobre o passado; imaginara ser imune a qualquer coisa que os MacAllister pudessem dizer ou fazer. Aquele retorno, contudo, agira como um catalisador sobre suas emoções; podia não estar tão vulnerável como antes, mas não estava inteiramente fora de perigo.

Era estranho, refletia, como um pequeno incidente podia mudar a vida de uma pessoa. Joana nunca imaginara que um defeito em um carburador, em um carro que pertencia a alguém que ela nem conhecia, viesse a ser seu degrau para a fama e a fortuna. E, no entanto, fora exatamente o que acontecera...

 

Filha têmpora de pais mais velhos, nascida dez anos depois do filho mais novo do casal, Joana teve uma infância solitária, até começar a freqüentar a escola. Habituou-se a brincar sozinha e sua habilidade para o desenho não passou despercebida. Mas embora seus pais lhe apreciassem o talento artístico, nunca pensaram nele como um possível meio de vida. Joana foi incentivada a dedicar-se aos estudos e aos dezoito anos matriculou-se em um curso de arte noturno, porque durante o dia tinha de trabalhar no banco mercantil que fora fundado pelos ancestrais de seu pai.

Quando um dos professores sugeriu que exibissem dois de seus quadros na exposição bimestral da escola, Joana nunca imaginou que alguém pudesse se interessar. Todavia, Grace, que vinha voltando de uma outra exposição, em Sussex, teve um problema com o carro em Guildford High Street, a poucos metros do portão da escola de arte, e ali foi que ela entrou, à procura de um telefone.

Obviamente, o sucesso de Joana não aconteceu da noite para o dia. Mas Grace acreditou nela o suficiente para oferecer-lhe a chance de expor seu trabalho na galeria onde trabalhava. Começou com um quadro, que foi logo vendido; depois, outro, até que, com vinte e um anos de idade, Joana viu-se com condições de parar de trabalhar no banco para dedicar-se à sua arte,

Enquanto isso, ela e Grace tornaram-se grandes amigas. Apesar da diferença de idade, tinham muita coisa em comum, e depois que Joana mudou-se para um apartamento em Londres, Grace continuou sendo sua empresária. As duas trocavam confidências; Grace sabia de tudo sobre a infância solitária de Joana, e Joana descobriu que a amiga fora casada com um americano e que tinha dois filhos adolescentes, que moravam na Carolina do Sul.

Motivo pelo qual, quando o americano alto entrou na galeria, certa tarde, quando Joana estava sozinha, e perguntou por Grace, ela o recebeu seca e friamente. Sabia que devia ser algum parente do ex-marido de Grace e, como não era da idade de nenhum dos filhos da amiga, deduziu que ela não ficaria muito satisfeita ao vê-lo.

Enganara-se. Quando Grace voltou, felizmente poucos minutos depois, recebeu o rapaz com sincera afeição e alegria e era óbvio que, apesar do relacionamento conturbado que tivera com o ex-marido, aquele sobrinho era querido e bem-vindo, se não o favorito.

Por insistência de Grace, Joana aceitou, a contragosto, o convite para jantar com eles naquela noite. O sócio de Grace, Ray Marsden, também compareceu, e os quatro compartilharam uma das deliciosas refeições preparadas por Grace, no minúsculo apartamento onde ela morava, na sobreloja da galeria. Depois, Cole levou Joana para casa.

Mais tarde, ela reconheceria que, apesar dos temores iniciais, apaixonara-se por Cole naquela mesma noite. Ele era tão atraente, charmoso, divertido, tão sensual e vivido, que não havia como uma garota inocente e inexperiente como Joana ficar imune.

Não que Cole a pressionasse, de maneira alguma. Nem mesmo tentou beijá-la ao despedir-se; acompanhou-a até a entrada do edifício, educado, cavalheiro, e Joana já sentia falta dele enquanto subia as escadas para seu apartamento. De fato, chegou a pensar se apenas imaginara os olhares intensos e demorados que ele lhe lançara no decorrer da noite. Talvez não estivesse interessado nela, afinal; talvez fosse apenas o velho e famoso charme masculino, um flerte inconseqüente.

Na manhã seguinte, depois de passar algumas horas improdutivas no cavalete, Joana decidiu sair para dar uma volta e espairecer. Gostava de caminhar pelo parque, a poucos quarteirões de sua casa, e uma hora mais tarde, depois de uma rápida entrada no supermercado, voltou, absorta, carregando dois pacotes, decidindo o que faria para o almoço.

Não esperava encontrar um visitante sentado na mureta que cercava o jardim do edifício, à sua espera. Seu coração deu um pulo dentro do peito ao reconhecer Cole, alto, esbelto e bronzeado, usando calça jeans, tênis e uma camisa-pólo listrada azul-marinho e branca que lhe acentuava os ombros largos e o peito musculoso.

Um forte rubor coloriu o rosto de Joana. Pensara em Cole a manhã inteira e agora ele se materializava ali, diante de seus olhos, como um sonho que se tornasse realidade. Deu-se conta, chocada, de que, pela primeira vez em sua vida experimentava a atração sexual, a sensação de realmente desejar um homem. Já tivera um ou outro namorado, mas nenhum deles provocara nela uma emoção tão forte,

— Olá — cumprimentou ele, levantando-se e pegando as sacolas das mãos de Joana. — Deixe-me ajudá-la.

Joana engoliu em seco.

— Está... Está esperando há muito tempo? — perguntou, arrependendo-se em seguida. Como se ela esperasse que Cole viesse! — Eu fui fazer umas compras.

Joana amaldiçoava-se intimamente pelas baboseiras que lhe escapavam da boca. Mas estava tão embaraçada que não conseguia pensar em alguma coisa mais inteligente para dizer.

— Eu devia ter telefonado. Mas não sabia o número e não quis perguntar a Grace — Cole sorriu, encantador. — Ela podia não aprovar que eu quisesse ver você de novo.

— Oh? — Joana pestanejou e puxou uma das alças do macacão que estava usando, a qual lhe escorregara pelo ombro, por sobre a blusa. — Por que não?

— Não sei se ela me acha confiável — admitiu Cole, bem humorado. — Ela adora você.

— E eu gosto demais dela — balbuciou Joana. — Grace tem sido muito boa para mim.

— Pelo que sei, você também tem sido boa para ela — lembrou Cole. — Sem as comissões que ela ganha com os quadros que você pinta, não poderia ter feito sociedade na galeria.

Joana balançou a cabeça.

— Que exagero! — Não é exagero, é verdade — Cole estudou atentamente o rosto de Joana durante alguns segundos, antes de fazer um gesto com a cabeça na direção da entrada do edifício.

— Não vai me convidar para subir?

— Como? Oh! — Joana deu-se conta de como estava sendo indelicada. Cole esperara por.ela, segurara seus pacotes e tudo o que ela fazia era deixá-lo ali plantado, enquanto ficava olhando para ele, boquiaberta. —Eu... claro!

Joana procurou o chaveiro, dentro do bolso do macacão.

— Eu... hã, desculpe, você terá que subir as escadas.

— Me diga uma coisa — provocou Cole, bem humorado. — Vocês, ingleses... têm alguma coisa contra os elevadores? Joana abriu a porta da frente e sorriu.

— Está perguntando por causa da galeria?

— Acertou. Não é de admirar que Grace esteja sempre em forma. Eu seria um farrapo humano se tivesse que subir aquelas escadarias todos os dias!

Joana riu, divertida.

— É difícil imaginar você transformado num farrapo humano!

Cole parou no pé da escada e olhou para ela, as pálpebras semi-cerradas.

— Você acha? Mas você não sabe nada sobre mim...

— Eu... não acho que você seja do tipo que... ficaria exausto por ter de subir alguns degraus, diariamente — insistiu Joana.

— É mesmo? — perguntou Cole, seguindo-a escada acima.

— Hã...é — gaguejou ela, lançando um olhar furtivo para trás e agarrando o corrimão ao tropeçar.

Sentindo-se uma idiota completa, decidiu concentrar-se onde estava pisando, até chegar à porta do apartamento, no terceiro andar.

Joana abriu a porta e convidou Cole a entrar numa sala longe de estar arrumada. Quando se envolvia com um trabalho ela tendia a desligar-se do resto e não se preocupava com a ordem do apartamento. Mas agora, contemplando o aposento, atrás de Cole, amaldiçoava-se por não ter ficado em casa, arrumando tudo, em vez de passar a manhã perambulando no parque.

Era um apartamento de dois dormitórios, um dos quais Joana transformara em estúdio. A cozinha era separada da sala por um balcão de alvenaria e madeira e Joana tinha certeza que era menor do que qualquer apartamento que Cole conhecia, com exceção, talvez, do de Grace. Mas não fora barato, e ela se orgulhava de morar ali. Era um símbolo de seu sucesso e Joana amava a independência que representava.

Enquanto ela recolhia as folhas de papel espalhadas no sofá e endireitava as almofadas e o tapete, Cole foi até a janela para apreciar a vista. Só então Joana se deu conta de que ele ainda segurava os pacotes de compras e apressou-se a pegá-los.

— Onde quer que eu os coloque? — ofereceu-se ele.

— Aqui, na cozinha — indicou Joana, afastando uma cadeira que se encontrava no meio do caminho. — Por favor... hã... desculpe a bagunça... Eu não esperava visitas,

— Ah, já sei. Você só limpa o apartamento quando está esperando alguém, certo?

Joana enrubesceu.

—  Não, não — apressou-se a dizer — Normalmente não fica assim.

— Não tem importância — Cole sacudiu os ombros. — Não vim para ver o apartamento.

Joana ficou imediatamente alerta. Virou-se e abriu a porta do gabinete sob a pia.

— Por que não se senta, enquanto faço um café? — sugeriu, abaixando-se para pegar a chaleira.

— Por que não nos sentamos, os dois, e tomamos uma cerveja? — revidou Cole.

O estômago de Joana contraiu-se violentamente.

— Eu não tenho cerveja — desculpou-se — Só refrigerante.

— Não faz mal, refrigerante está ótimo — aprovou Cole, caminhando até a geladeira. — Está aqui?

Joana assentiu, limitando-se a olhar, desamparada, enquanto ele abria a geladeira, e pegava duas latas de refrigerante, na prateleira da porta.

— Hã... os copos estão aqui — declarou, abrindo um dos armários de parede.

— Não precisa — garantiu Cole — É mais gostoso tomar na lata.

Entregando a Joana uma lata gelada, ele levantou a argola de metal da outra e abriu a tampa, antes de levá-la aos lábios. Joana contemplava, como que hipnotizada, os movimentos do pescoço de Cole, enquanto o líquido lhe passava pela garganta. Depois, recuperando o bom senso, desviou o olhar, concentrando-se na tarefa de abrir a tampa de seu refrigerante.

"Que absurdo", repreendeu a si mesma, em silêncio. Estava se comportando como se nunca tivesse visto um espécime masculino, antes!

Ao puxar a argola, entretanto, esta arrebentou, raspando-lhe a ponta do polegar. Cole, que encaminhava-se para a sala, virou-se ao ouvir a exclamação abafada de Joana. Imediatamente, percebeu o que acontecera.

Voltou, apressado, e segurou a mão dela entre as suas, examinando o ferimento. Em seguida, levou-lhe o dedo aos lábios e beijou-o delicadamente.

— Que pena ter sido seu dedo em vez de sua boca — murmurou, segurando-lhe o rosto com uma mão e forçando-a a olhar para ele. — Assim, eu teria uma desculpa para... fazer isto.

Inclinando a cabeça, ele tocou os lábios de Joana com a língua.

Os joelhos dela fraquejaram. Cole não perdia tempo, pensava, tentando desesperadamente manter o sangue frio. Não fazia quinze minutos que estava em seu apartamento e já tentava beijá-la.

— Tudo bem com você? — perguntou ele, fitando-a intensamente.

— S...Sim — balbuciou Joana, apressando-se a livrar-se do toque perturbador daquelas mãos. — Está tudo bem. Eu... vou fazer um curativo. Por que não vai se sentar na sala para tomar seu refrigerante? Eu... já vou.

Cole não se moveu. Continuou imóvel, com a lata de refrigerante na mão, olhando para Joana,

— Algum problema, Joana? — indagou sério.

— Não — apressou-se ela a dizer, abrindo uma gaveta onde tinha certeza que guardara uma caixa de curativos auto-adesivos. — Por que pergunta?

— Por que não responde?

Joana olhou para ele, desamparada.

— Não sei do que você está falando, Cole

— Quero saber se você está me dando o sinal vermelho.

— Sinal vermelho? — Joana engoliu em seco.

— Sim. Sinal vermelho — repetiu ele, tomando-lhe das mãos a caixa de curativos que ela acabara encontrar, — Você quer que eu vá embora, é isso?

Cole segurou a mão de Joana e ela sentiu um calafrio ao longo da espinha, ao mesmo tempo em que seu estômago contraía-se dolorosamente.

— Eu... ora, claro que não — disse, finalmente, enquanto Cole lhe cobria cuidadosamente o pequeno corte com um curativo. — Por que pensa isso?

Ele sacudiu os ombros.

— O jeito como você reagiu, quando eu cheguei perto de você... Você está tremendo, Joana — acrescentou, sem lhe soltar a mão. — Está com medo de mim, ou... não?

Joana balançou a cabeça, sem saber o que dizer. Nunca se encontrara numa situação semelhante; nunca confrontara um homem daquela maneira. Os rapazes com quem saíra, até então, eram do tipo que deixavam que ela conduzisse o ritmo do relacionamento e como Joana nunca se envolvera emocionalmente com nenhum deles, as coisas ficavam sempre sob controle.

Mas Cole era diferente. Joana percebera isto no momento em que o conhecera. Só não se dera conta de quão diferente ele era e em sua ânsia de conhecê-lo melhor via-se agora numa situação com a qual simplesmente não sabia lidar.

— Acho melhor não... apressarmos as coisas — murmurou, finalmente. — Nós... mal nos conhecemos.

— Ah, é? — Com um movimento súbito, Cole segurou-lhe os quadris e puxou-a para si, colando o corpo dela ao seu. — Então, vamos dar um jeito de nos conhecermos melhor.

— Oh! — exclamou Joana, num murmúrio engasgado, espalmando as mãos no peito de Cole. — Pare, Cole... Não faça isso!

— Não faça o quê? — desafiou ele, com voz rouca, baixando os olhos para o decote em V da camiseta de Joana, envolvendo-a com uma onda de calor.

Em seguida, segurou-lhe o rosto e deixou que seus dedos deslizassem ao longo do decote, tocando-lhe delicadamente a pele.

Era estranho, pensava ela, como a pele da mão de Cole era ao mesmo tempo áspera e macia... As sensações que ele provocava...

— Cole... acho melhor... não... — protestou, num fio de voz, arqueando involuntariamente o corpo para trás.

— Por que não, Jô? — Ele afastou a alça do macacão e beijou-lhe longamente o pescoço. — Você é tão gostosa... gostosa demais...

Joana estremeceu. Todas as células de seu corpo pareciam derreter, dissolvendo-lhe a resistência. Com os sentidos entorpecidos, só tinha consciência do desejo que Cole fazia crescer dentro dela e, fechando os olhos, desligou-se do resto do mundo.

Cole apoderou-se de um dos seios e começou a massageá-lo delicadamente. Joana envolveu-o pelo pescoço e apoiou o rosto no peito forte e musculoso, colando os lábios ao pescoço de Cole, entreabrindo-os para sentir melhor a fragrância máscula de sua pele.

Cole segurou-lhe o rosto e levantou-lhe o queixo, inclinando-se sobre ela e capturando-lhe os lábios num beijo apaixonado, explorando-lhe o interior da boca com a língua, com movimentos firmes e possessivos, pressionando o corpo de Joana com os quadris, sem esconder seu desejo.

Joana nunca tivera um contato tão íntimo com um homem. A sensação era estonteante, mas o que mais a perturbava era sua própria reação, sua disposição para ceder, para deixar-se levar por aquele momento insano de paixão.

Cole afastou a outra alça e o macacão deslizou pelo corpo de Joana, reduzindo-se a, uma pilha disforme no chão, a seus pés. A firme pressão dos lábios dele e a sensual invasão de sua língua pareciam tão importantes para Joana quanto o ar que ela respirava; o sangue parecia transformar-se em fogo, dentro de suas veias, à medida que as mãos de Cole percorriam-lhe freneticamente o corpo, despindo-a, acariciando-a, numa investida ao mesmo tempo exigente, doce e sensual.

Aquilo não podia estar acontecendo, pensou, num breve momento de lucidez, enquanto Cole desafivelava o cinto da calça. No instante seguinte, porém, Joana não conseguia pensar em mais nada a não ser o desejo incontrolável de tocar o corpo nu de Cole, de senti-lo por inteiro, de entregar-se sem reservas...

Com um gesto impaciente, ele abriu o zíper da calça jeans e forçou Joana a deitar-se no chão, apoiando-lhe a cabeça sobre um de seus braços e com a outra mão acabando de despi-la. E, embora o bom senso dissesse a ela que devia parar, a admiração nos olhos de Cole era uma tentação irresistível.

Além disto, a curiosidade era tanto, ou mais, admitiu para si mesma, baixando os olhos para o corpo viril e escultural de Cole. Era, obviamente, a primeira vez que via um homem nu e quando ele lhe segurou a mão e conduziu-a para si, Joana sentiu entre os dedos, pela primeira vez em sua vida, a força máscula dos músculos rígidos e poderosos.

Cole inclinou-se sobre ela e cobriu-a de beijos, do pescoço até o ventre, fazendo-a estremecer de prazer. Joana arqueou o corpo, num convite mudo para que ele a possuísse, e quando Cole deitou-se sobre ela, apartando-lhe as pernas com o joelho, Joana sabia que não havia mais volta.

Deixando-se levar pelo momento de paixão e emoção, entregou seu corpo e sua alma aquele homem que mal conhecia, mas com quem sonhara a vida inteira. Apertou os olhos e os lábios quando uma dor aguda espalhou-se por seu corpo, parecendo despedaçá-la por dentro, arrancando-lhe lágrimas dos olhos. Poucos segundos depois, sentiu o corpo de Cole estremecer sobre o seu.

— Jô... você devia ter me dito!

Cole estava deitado ao lado de Joana, no piso da cozinha, com um braço sobre os olhos e o outro estendido ao longo do corpo. Era estranho, pensava ela, mas nunca imaginara que perderia a virgindade num cenário tão esdrúxulo. Nas ocasiões em que sonhara acordada com aquele momento, uma cama sempre fizera parte de seus planos; uma cama, champanhe e um négligé transparente, vaporoso e sensual.

— Não tem importância — respondeu, imaginando se Cole estaria arrependido.

Quanto a si própria, não conseguia definir o que estava sentindo. Fora tão menos, e no entanto tão mais, do que esperava, que sua mente estava meio entorpecida. Embora chocada, tinha medo que não acontecesse outra vez.

Queria que acontecesse, apesar de tudo. Por mais decepcionante que tivesse sido para Cole, Joana experimentara sensações e emoções que nunca imaginara que pudessem existir.

Ainda se lembrava de cada momento da posse de Cole, da pressão do corpo dele, da momentânea hesitação quando ele "sentira sua inexperiência. Tentara recuar, porém Joana não deixara; abraçara-o com força, nem convite frenético para que não parasse, incentivando-o a continuar. Além do quê, tudo indicava que seria impossível parar.

Mas Cole recuara tão logo alcançara a satisfação, antes mesmo que Joana se desse conta do que acontecera. E a corrida desenfreada dentro dela fora abruptamente interrompida. Entretanto, embora o pouco conhecimento que possuía lhe dissesse que tinha de haver algo mais além daquilo, sentia-se extraordinariamente grata por ter sido Cole o primeiro. Nunca sentira uma emoção tão forte com nenhum outro homem que conhecera e, estranhamente, não estava nem um pouco arrependida.

E quando Cole apoiou-se em um cotovelo e fitou-a intensamente, Joana não sentiu nenhum constrangimento. Ele deixara claro que a achava linda e Joana moveu-se instintivamente, buscando a aprovação masculina nos olhos azuis.

—Claro que tem importância — insistiu ele, inclinando-se mais uma vez- para beijá-la. — Minha nossa, Jô, eu nunca fiz uma coisa assim, antes!

— Está arrependido? — Ela arriscou-se a perguntar.

— Não — admitiu Cole, acariciando-lhe o rosto e os cabelos.

E, desta vez, foi Joana quem o puxou para si, invadindo-lhe a boca com a língua, experimentando, provocando, até que ele não foi mais capaz de controlar-se e tomou-lhe os lábios num beijo apaixonado e devastador.

Joana mal conseguia suportar a necessidade de ficar perto de Cole, de senti-lo, de amá-lo. Seu corpo insatisfeito logo reagiu às carícias que ele lhe fazia e uma onda de excitação começou a invadi-la rapidamente, envolvendo-a numa espécie de manto selvagem, até que... aconteceu! Uma nuvem pulsante de puro prazer engolfou-a violentamente, elevando-a cada vez mais alto, e quando Cole percebeu o que estava acontecendo, possuiu-a mais uma vez, prolongando a sensação, proporcionando a Joana a experiência de viver aquele momento glorioso em seus braços, com toda a força e intensidade.

E, desta vez, quando o corpo dele sacudiu sobre o seu, Joana abraçou-o e segurou-o de encontro ao peito.

 

Depois que Cole foi embora, Joana viu-se inconformada com a maneira como se comportara. Se perder o controle daquela forma era vergonhoso, ter acontecido com um homem que conhecia há menos de vinte e quatro horas parecia-lhe quase indecente. O que ele pensaria? Que era uma mulher fácil e oferecida, desesperada para entregar-se a um homem!

Durante os dias subseqüentes, ela não atendia ao telefone, nem a campainha, com receio que fosse Cole. Num processo inconsciente de defesa, convenceu-se de que ele não a pro­curaria mais e mergulhou de cabeça no trabalho, recusando-se a pensar em qualquer outra coisa.

Eventualmente, foi Grace quem a tirou da redoma em que se abrigara. Grace quem informou-a que, longe de não querer mais vê-la, Cole estava desesperado porque não conseguia entrar em contato com ela. Certo de que Joana o culpava pelo que acontecera, ele se abrira com a tia e pedira-lhe ajuda.

Joana e Cole passaram, então, a encontrar-se diariamente e o relacionamento de ambos progredia cada vez mais, ao ponto de Cole adiar sua volta para a Carolina do Sul, a fim de convencer Joana a casar-se com ele.

Grace preveniu-a sobre os MacAllister, mas Joana não deu ouvidos à amiga. Tampouco deu importância ao fato de Cole ressentir-se do tempo que ela dedicava ao trabalho; tinha certeza que, depois que se casassem, este problema deixaria de existir.

O casamento foi marcado para o fim do mês de junho e Cole foi para casa, para dar a notícia à família. Quando voltou, porém, poucos dias antes da cerimônia, nenhum parente o acompanhava.

— Não puderam deixar a fazenda — explicou ele, sem jeito.

O irmão e as irmãs mais jovens não podiam perder aula e os mais velhos tinham muito trabalho...

Joana, não querendo embaraçá-lo mais, aceitou as desculpas, e as duas semanas seguintes ao casamento foram as mais felizes de sua vida. Cole levou-a para o Taiti e durante os dias ensolarados e noites exóticas, Joana teve a convicção de que nada ou ninguém poderia interferir em sua felicidade.

Foi então que retornaram para Tidewater.

No princípio, Joana tentou convencer-se de que conseguiria superar. Embora a mãe de Cole deixasse bem claro que desaprovava o casamento e o pai mal conseguisse mostrar-se civilizado, ela recusou-se a perder a esperança. Dizia para si mesma que quando saíssem da fazenda e tivessem sua própria casa, a atitude dos sogros não mais a afetaria. Enquanto isso fazia o possível para ser amigável.

Entre ela e Cole, as coisas não podiam estar melhores. Amavam-se todas as noites com uma paixão avassaladora e Cole lhe ensinava cada vez mais a arte do amor.

Pouco a pouco, Joana foi deixando de juntar-se à família para as refeições, quando Cole não estava presente. Não podia mais suportar as agressões e insultos que o pai dele lhe atirava no rosto e o orgulho não permitia que contasse a Cole o que estava acontecendo.

De qualquer forma, não acreditava que adiantasse. O próprio Cole concordava que o estilo de vida em Tidewater era completamente diferente daquele ao qual Joana estava habituada. E queixar-se de que a mãe dele ignorava todo e qualquer esforço de sua parte para ajudar nio serviço de casa dificilmente o deixaria indignado. Cole não entenderia os motivos de Joana, sua necessidade de encontrar um espaço para si

Nem mesmo a suíte do casal era respeitada. Maggie achava natural entrar no quarto sem bater, exceto quando Cole estava lá. Os arranjos de flores eram modificados; os móveis que Joana mudava de lugar eram recolocados na posição anterior; até o closet estava sujeito a inspeções. Peças de roupa sumiam, algumas apareciam inexplicavelmente manchadas ou rasgadas; outras, amarrotadas e sem botões.

Até que veio a doença e, com ela, os primeiros abalos no relacionamento dos dois. Devido ao calor excessivo, e porque não se alimentava direito nem dormia o suficiente, as longas noites de paixão tiveram sua consequência. Um resfriado transformou-sem em pneumonia e enquanto Joana estava fraca e dependente, os pais de Cole aproveitaram a oportunidade.

Quando recuperou a lucidez, Joana descobriu que todas as coisas de Cole haviam sido levadas para outro quarto. Sua mãe só estava pensando no bem-estar de Joana, argumentou Cole, quando ela protestou; não havia como não perturbá-la, se continuasse a dormir no mesmo quarto; tudo o que eles queriam era o melhor para ela, para que se recuperasse o mais rapidamente possível.

A desculpa não deixava de ser razoável e era evidente que Cole concordava com os pais, porém Joana ficou apreensiva. E mais ainda, quando Ryan MacAllister inventou uma viagem de negócios para Cole, para a América do Sul, desta forma adiando por mais tempo seu retomo à suíte. Em outras circunstâncias, assegurou-lhe Cole, ela poderia ir também. Mas como estivera tão doente...

Na véspera da partida de Cole, Joana tentou conversar com ele sobre o futuro de ambos. Estavam casados havia mais de três meses e na opinião dela, deviam começar a pensar em ter sua própria casa. Cole, entretanto, evitou uma resposta direta. Achava que não era o momento de Joana preocupar-se com isso, que precisava recuperar-se e deixar que a mãe dele continuasse assumindo o serviço de casa.

Cole ficou fora do país durante um mês e, embora telefonasse para Joana com freqüência, quando voltou as coisas mudaram. Joana suspeitava que fosse, em parte, responsável por aquela mudança, mas como poderia imaginar o que sua inocente amizade com Nathan Smith desencadearia?

Assim que se sentiu mais disposta, Joana adotou o hábito de passear pela fazenda. Observava todas as paisagens com olhos de artista, imaginando quando se animaria a reproduzir as vívidas variedades de árvores e arbustos, os pastos e estábulos, o rio e as salinas. Nunca lhe ocorreu que não fosse prudente conversar com os empregados da fazenda; para ela, era uma atitude natural. Jamais poderia supor que as conseqüências fossem tão desastrosas.

Nathan não trabalhava na fazenda, embora Joana não soubesse disto quando o surpreendeu, certa manhã, perto do rio. Estava debruçado sobre a margem, brincando distraidamente com a água, e teria sido difícil dizer qual dos dois ficara mais surpreso com o encontro.

Ele pôs-se de pé abruptamente, com a evidente intenção de ir embora, mas Joana impediu-o.

— Você perdeu alguma coisa? — perguntou, olhando para a superfície da água.

Nathan balançou a cabeça. Era um rapaz bonito, moreno, com, olhos e cabelos pretos. Joana logo presumiu que ele morasse em uma das choupanas situadas em Palmer's Point, na divisa da propriedade, onde viviam vários empregados da fazenda. Cole comentara que ele e o pai pretendiam construir casas para aquelas famílias, porém, depois de conhecer a opinião de Ryan MacAllister a respeito de pessoas que tinham mais filhos do que condições para criá-los, Joana não tinha tanta certeza. Suspeitava que Cole estivesse bem mais empolgado com a idéia do que o pai.

— Eu estava apanhando peixes— confessou o rapaz, embaraçado.

— Apanhando peixes? — indagou Joana, incrédula, olhando em seguida para a pequena fileira de trutas alinhadas sobre uma folha de palmeira. — Eu não sabia que era possível pescar com a mão!

— Você é a esposa de Cole? — perguntou ele, com uma expressão no rosto que Joana interpretou como mágoa, embora não conseguisse decifrar por quê.

— Sim — respondeu, intrigada, estendendo a mão. — Meu nome é Joana MacAllister. — E você, como se chama?

A hesitação do rapaz não passou despercebida a Joana.

— Nathan — disse ele, depois de um momento.— Nathan... Smith. Mas... é melhor você não comentar com ninguém que me viu aqui.

— Por causa dos peixes? — Joana franziu a testa. — Ora, tenho certeza que não...

— Não — interrompeu Nathan. — Porque eu não devia estar aqui, dentro da propriedade.

— Você não trabalha na fazenda?

— Não.

— Mas você parecia saber que eu era casada com Cole.

— Todo mundo sabe. Bem, eu já vou indo.

— Por minha causa, não. Não direi a ninguém que vi você. — Ela sorriu, tristemente, antes de acrescentar: — Aliás, nem tenho para quem dizer. Cole está viajando e... meu relacionamento com os pais dele não é exatamente maravilhoso. Escute, por que não.me ensina a pescar com as mãos?

Foi assim que teve início a amizade entre Joana e Nathan. Um encontro casual e inocente, que a envolveria numa situação que ela nem sonhava que pudesse existir.

Nathan era um rapaz, culto e Joana não se surpreendeu. ao saber que ele lecionava na escola batista de Beaumaris. Este, no entanto, foi um dos poucos fatos que ela conheceu sobre sua, vida pessoal. Nathan contou-lhe que era solteiro e que morava com a mãe viúva em Beaumaris. Raras vezes tocava no nome dos MacAllister, mas não mencionava o motivo da aparente hostilidade entre eles e sua família. Falava de Cole, de Joe e de Ben, mas Joana sabia que não eram amigos, que nem mesmo conviviam. Se Nathan tinha amigos, nunca falava deles; e como era solitário, Joana sentia uma profunda afinidade com ele, aceitando sem reservas sua amizade.

Por outro lado, seu relacionamento com Cole ia de mal a pior. Não sabia por quê, mas desde que o marido voltara da Argentina mostrava-se cada vez mais distante. E toda vez que ela tocava no assunto de mudarem de casa, a única resposta que recebia era que a casa da fazenda era suficientemente grande para a família inteira.

Era suficientemente grande, também, para que continuassem dormindo em quartos separados, pensava Joana, com amargura. A desculpa de Cole era que se levantava muito cedo e deitava-se mais tarde que Joana, e que não queria perturbá-la.

Outra fonte de conflito era a dificuldade de Joana em engravidar. Embora dormindo em outro quarto, Cole visitava-a várias vezes durante a semana. A união física dos dois não perdera nem um pouco de seu ardor; era quase uma obsessão para ambos, mas, à medida que os meses se passavam e Joana não ficava grávida, Cole, começou a tornar-se desconfiado. Joana sabia que os sogros estavam por trás, alimentando as suspeitas no filho, e certo dia, ela surpreendeu-o em seu quarto, procurando anticoncepcionais, na gaveta do criado-mudo; E o comentário ferino de Cole, de que com certeza ela os escondera em outro lugar, foi a gota d'água. Naquela noite, Joana recusou-se a abrir a porta para ele, chegando mesmo a trancar as portas de vidro da varanda e as venezianas, preferindo dormir no ambiente abafado do que ceder às exigências do marido.

Cole, por sua vez, era um homem orgulhoso. Em pouco tempo, o que começara como desconfiança, decepção e revolta transformou-se em separação completa. Joana e Cole passaram a agir como dois estranhos dentro de casa e, antes que ela conseguisse reunir coragem para falar com ele, algo aconteceu para tornar a situação irreversível.

Durante todo aquele tempo, apesar de tudo, Joana acreditava firmemente que Cole a amava e que, com o tempo, conseguiriam superar todos os problemas.

A caminhonete fora colocada à disposição de Joana, principalmente, conforme ela suspeitava, porque possibilitava que levasse as três crianças para o colégio quando não havia mais ninguém disponível. De qualquer modo, o uso do carro lhe dava, pelo menos, um pouco de liberdade e autonomia, e muitas vezes ela ia com Charley até Beaumaris, nos fins-de-semana para andar pelas ruas, olhar as vitrinas, assistir à chegada dos barcos pesqueiros no porto.

Charley tinha verdadeira adoração por Joana e tornara-se sua sombra desde o incidente que ocorrera na primavera, quando graças a Joana ela se salvara da enchente, quando faziam um piquenique na ilhota. A lancha escapara e Joana fora obrigada a nadar até a praia para pedir socorro. Por pouco as duas não morreram e depois disso, durante algum tempo, houve um sensível progresso no relacionamento de Cole e Joana. Entretanto, os eventos subseqüentes, particularmente o caso dos anticoncepcionais, destruíra toda a compreensão, e Joana ainda meditava sobre um meio de fazer-as pazes durante o percurso para Beaumaris, naquele sábado.

Foi quando ela viu Cole. A pick-up que ele usava estava estacionada na rua central da cidade, exatamente no local onde Joana costumava estacionar. Encostado ao carro, Cole ria, divertido, enquanto conversava com uma jovem loira, bonita e sofisticada.

Joana pensava que ele estivesse na fazenda, exercitando os cavalos, com Ben. Maggie dissera-lhe que ele saíra cedo em direção aos estábulos, mas era evidente, a julgar pela calça impecável e pela camisa engomada, que Cole não saíra com intenção de aproximar-se dos cavalos.

Charley deixou escapar um impropério de surpresa, em alto e bom tom, que, nada mais, nada menos, ecoava exatamente o que Joana acabava de sentir. A jovem loira flertava abertamente com Cole, debruçando-se sobre ele, provocando-o de todas as maneiras possíveis.

O estômago de Joana contraiu-se dolorosamente diante da evidência que seus olhos constatavam. A reação de Charley, entretanto, indicava que Joana poderia obter, pelo menos, algumas respostas.

— Você conhece? — perguntou baixinho, procurando aparentar indiferença.

— É Sammy-Jean Butler — disse Charley, relutante, fazendo uma careta. — O que Cole está fazendo com ela?

— Quem é? — insistiu Joana, enquanto estacionava alguns metros adiante. — Alguma antiga namorada?

— Mais ou menos,

— É ou não é?

Charley suspirou.

— Mamãe e papai queriam que Cole se casasse com ela tempos atrás — confessou. — Os Butler são nossos vizinhos e papai e o sr Butler viviam dizendo como seria bom se Cole e Sammy-Jean...

Joana ainda se lembrava como fora difícil sair da caminhonete, depois disso, para ir falar com o marido. Não soubera dizer se ficara contente ou triste ao descobrir que a pick-up não estava mais lá. Mas sabia de uma coisa: nunca mais confiaria em Cole, outra vez.

 

Charley foi procurar Joana assm que chegou da escola. A batida na porta lembrou Joana de ocasiões anteriores, em que a garota passava mais tempo com ela do que com os pais ou os irmãos, A diferença era que naquela época Joana buscava consolo na cunhada mais jovem; agora era Charley quem precisava de um ombro amigo.

—Donna é uma idiota!— declarou, depois que Joana fechou a porta e sentou-se em frente ao espelho.para terminar de secar o cabelo. — Irmãs gêmeas não devem ser amigas, apoiar uma à outra? Ela sente prazer em me prejudicar!

Joana desligou o secador e virou-se para Charley, com um olhar compreensivo.

— Calma, — murmurou, apaziguadora. — O que Donna fez? Roubou seu namorado?

— Pior que isso! — exclamou Charley, atirando-se de bruços nos pés da cama, o olhar perdido no carpete — Ela acabou de contar a mamãe que Billy e eu estamos namorando.

— Oh! — Joana cruzou os braços, fechando ao redor do corpo o penhoar de seda que vestira depois do banho. — Sei...

— Isso é tudo o que você tem para dizer? — gritou Charley, indignada. — Estou de castigo por um mês! E mamãe disse que se eu me encontrar com Billy de novo, ela vai dizer a papai que o mande embora de Palmer's Point! Joana apertou os lábios. Ryan MacAllister era muito capaz de fazer aquilo. Tinha o dom de destruir a vida das pessoas. O que fizera com Sarah...

— Você já falou com Cole? — quis saber Charley. Joana balançou a cabeça.

— Eu cheguei ontem, Charley. Ainda não tive oportunidade.

— E com papai? Ele disse por que quis que você viesse?

— Eu falei com seu pai, sim. — Joana suspirou.

— Charley, prefiro não falar sobre isso agora — Ela fez uma pausa, antes de acrescentar: — Olhe, vou contar a Cole o que aconteceu. Mas não posso prometer nada.

Charley sentou-se, na cama.

— Você não precisa contar a Cole o que aconteceu. Mamãe vai se encarregar disso. Eu só queria que você conversasse, com ele antes que a coisa estourasse. E agora, o que vou fazer? Eu adoro o Billy! Não posso viver sem ele.

Joana deu um passo à frente e passou um braço por sobre os ombros da menina.

— Não se desespere, querida — murmurou, compreendendo o sofrimento da garota. — Como eu disse, não posso prometer nada, mas talvez eu possa te ajudar. Deixe comigo, E não faça nenhuma bobagem.

— Está certo, Jô — Charley olhou para ela, esperançosa.

— Bem, preciso acabar de me arrumar. Conversaremos, depois.

Em sua segunda noite em Tidewater, Joana decidiu vestir uma pantalona de seda e um spencer branco com detalhes dourados e gola alta, estilo chinês. Colocou brincos de ouro, duas chapas quadradas que lhe realçavam o pescoço delicado. Prendeu o cabelo num coque frouxo, deixando pequenas mechas lhe caírem ao longo da nuca e das orelhas. Para sua surpresa, a biblioteca estava deserta quando desceu. Ainda era cedo e Joana decidiu tomar um drinque. Precisava de um estimulante que a ajudasse a enfrentar a noite que tinha pela frente, além do quê, havia alguma coisa naquela casa que deixava seus nervos à flor da pele.

Estava levando um copo de vinho aos lábios quando percebeu que não estava mais sozinha. Enquanto se concentrava na tarefa de pegar a garrafa e colocar o vinho no copo, não vira Cole chegar.

Ele estava parado na porta, com o ombro encostado ao batente, observando-a atentamente. Estava tão bonito e atraente, ali parado, com o cabelo ainda úmido do banho, com uma expressão enigmática no rosto, provocada pelas sombras do final do dia, no ambiente fracamente iluminado da biblioteca. Usava uma calça azul-marinho e uma camiseta branca de mangas compridas e gola alta, apesar do calor, que nunca parecia afetá-lo. Só depois Joana lembrou-se que a temperatura caíra, naquela tarde, e que o calor que sentia vinha de dentro, causado pelas recentes recordações.

— Estamos sozinhos, hoje? — perguntou, num tom levemente irônico, decidindo que a melhor forma de defesa era o ataque. — Quer um drinque? Este vinho está divino! Eu recomendo.

Cole saiu da posição recostada em que se encontrava e atravessou o aposento, em silêncio. O coração de Joana começou a bater violentamente e ela repreendeu a si mesma quando ele não fez nada além de pegar a garrafa de uísque e servir-se de uma generosa dose, tomando um longo gole antes de responder.

— Jantaremos só os dois, hoje — declarou, finalmente, levando Joana a imaginar de quem teria sido a brilhante idéia. Não de Maggie, com certeza. A mãe de Cole jamais lhe facilitaria as coisas.

— Ah... sei — murmurou, arqueando uma sobrancelha.

— Minha mãe, Sandy e as meninas vão jantar na casa de Joe— explicou Cole. — E Ben tem um compromisso.

— E seu pai, não vai jantar conosco?

— Hoje, não — Cole balançou o copo de uísque. — Ele acha que nós dois precisamos conversar.

Finalmente, Joana compreendeu. Mas fez de conta que não estava entendendo nada.

— Conversar? Sobre o quê?

— O que você acha?

— Se eu soubesse, não perguntaria.

— Meu pai quer que... eu faça as pazes com você.

— Fazer as pazes?! — Desta vez a incredulidade na voz de Joana era genuína. — Você quer dizer... uma reconciliação?

— Bem não chega a tanto— Cole inclinou a cabeça para o lado. — Meu pai pode estar velho e doente, mas não está senil. Ele simplesmente quer que façamos um esforço para esquecer nossas divergências e perdoar um ao outro.

Joana olhou para Cole, perplexa.

— Por quê?

— Por quê? Ora... — Ele sacudiu os ombros. — Eu sei lá! Ele está doente, sentindo a proximidade da morte. Muitas vezes, numa situação como essa, as pessoas têm idéias estranhas, desejos...

— Como, por exemplo, de aliviar a consciência?

Os músculos do rosto de Cole enrijeceram visivelmente.

— Você não perde uma chance, não é? Tem sempre que dizer uma coisa desagradável. Joana estreitou os olhos.

— Acredita, realmente, que seu pai esteja preocupado com nosso relacionamento? — investiu. — Ele nunca se importou! Ao contrário, ele e sua mãe fizeram de tudo para nos separar. Por que seria diferente agora? Continuo sendo uma estranha, uma intrusa. Uma intrusa indesejável, que arruinou os planos que seu pai tinha para você!

— Não é nada disso, Jô! Esqueça essa história. Até parece que você fez algum esforço para se adaptar aqui. Você não fazia outra coisa a não ser gemer e lamuriar, dentro desta casa. Não gostava de nosso estilo de vida, reclamava da maneira como tratávamos os empregados, porque não tinham assistência médica, e não sei mais o quê. Você só criava problemas.

— Oh, pois sim! Realmente... — exclamou Joana num fio de voz, unindo as palmas das mãos num gesto de incredulidade. — Você está aprendendo, Cole. Parece que estou vendo seu pai falar.

— Chega, Jô!

— Não chega, não! —Ela fazia um estorço supremo para manter-se calma. — E verdade! Me diga uma coisa, quando é que vocês, MacAllister, vão compreender que estamos no século vinte?

A chegada da copeira, para informar que o juntar estava servido, interrompeu-os.

— Está bem, Sally, estamos indo — resmungou Cole. Engoliu o que restava do uísque e gesticulou para que Joana o precedesse, o que ela fez, sentindo-se extremamente pouco à vontade.

Dois ventiladores de teto faziam o ar circular na sala de jantar, onde a longa mesa de carvalho, impecavelmente polida, estava arrumada somente para dois. Cole sentou-se à cabeceira, com Joana à sua direita. Ela tentou concentrar-se na refeição, enquanto procurava decidir o que iria fazer. Precisava de tempo para pensar e a idéia preconcebida de Cole sobre o motivo pelo qual ela estava ali não ajudava muito. O ambiente daquela casa era tão opressivo que parecia embotar-lhe a mente. O que em Nassau lhe parecera uma coisa corriqueira agora se lhe afigurava como um problema insolúvel.

Olhando disfarçadamente para Cole, pelo canto do olho, enquanto ele saboreava o filé de peixe com purê de batatas e ervilhas, Joana perguntava-se por que não dizia simplesmente a Ryan MacAllister que aquilo não era problema seu e ia embora. Ela não queria ficar; era óbvio que Cole também não a queria por perto; não devia nada ao pai dele, pelo menos nada de bom. Por que cargas d'água continuava ali?

— Você tem visto Sarah? — perguntou abruptamente, ciente de que irritaria Cole, mas ainda assim determinada a não se deixar intimidar.

Cole apoiou o garfo sobre o prato e pegou o copo de vinho.

— Por quê? — quis saber ele, depois de estalar a língua no céu da boca. — Que relevância tem isso para a presente situação?

— Nenhuma. Só quero saber se ela está bem.

— Está.

— E Henry?

— Ainda trabalha no estábulo — informou Cole, seco. Joana balançou a cabeça.

— Como ele consegue?

— Como ele não trabalharia? Ele precisa sobreviver e sustentar a mãe.

— Mas com o dinheiro de uma consciência culpada?

Um músculo saltou no maxilar de Cole e seus olhos azuis penetrantes fuzilaram Joana.

— Deixe-me lembrá-la de que Henry já trabalhava na fazenda muito tempo antes de você conhecer o irmão dele e saber da história toda. Ele gosta do trabalho. E adora cavalos.

— Mas existem outros lugares...

— Não para uma pessoa como Henry — explicou Cole, irritado. — Por todos os santos, Jô, o que você queria que fizéssemos?! Privá-lo da oportunidade de ter um pouco de respeito por si próprio? Você diz que é dinheiro de uma consciência culpada, mas pense como eles viveriam se Henry não trabalhasse aqui. Além disso, é o que Sarah quer. Podemos mudar de assunto, agora?

— Por que você não quer que eu me encontre com ela?

Cole suspirou e fechou os olhos.

— Por que você acha?

— Se eu soubesse, não perguntaria. Cole hesitou por um momento.

— Está bem. Em palavras monossilábicas... é ela quem não quer te ver.

Joana engoliu em seco.

— Não acredito.

— É a verdade.

— Eu... não compreendo — Joana balançou a cabeça.

— Pense um pouco, Jô. Sua presença aqui só poderá trazer lembranças tristes para Sarah.

— Você acha que... ela tem ódio de mim?

— Claro que não! — exclamou Cole, impaciente. — Sarah não tem ódio de ninguém. 

— Nem de seu pai?

— Nem de meu pai. Você conhece Sarah. Ela não é uma pessoa vingativa. Agora, por que não para de achar que todo mundo é seu inimigo e tenta aproveitar sua estadia em Tidewater? Aliás, — acrescentou ele, limpando os lábios com o guardanapo de tecido adamascado. — amanhã vamos até Palmer's Point. Quero que veja algo

— O quê?

— É uma surpresa. Só posso adiantar que você vai gostar — Cole empurrou a cadeira para trás e levantou-se. — Agora, se me der licença, preciso trabalhar.

— Trabalhar? — Joana contemplou a escuridão do lado de fora e os vaga-lumes e mariposas esvoaçando em torno das luzes do jardim.

— Sim, aqui em casa — Informou Cole, — Alguém tem que administrar a fazenda, agora que meu pai não pode mais. Vejo você amanhã,

— A que horas? — quis saber Joana, quando ele já se afastava em direção à porta.

Cole parou e virou-se pata ela.

— As sete.

Em seguida, com um tapinha no batente, marchou para fora da sala.

Joana estava caminhando pelo corredor, em direção a seu quarto, quando ouviu um sussurro sibilante atrás de si. Apressou o passo involuntariamente, antes de olhar para trás. Não escutara nenhuma porta se abrir, nem ninguém chamar seu nome, e como as lâmpadas do corredor eram fracas e tendiam a tremeluzir, Joana experimentou um momento de pânico; a casa era antiga e as tábuas estalavam, as venezianas batiam e, frequentemente, a energia elétrica se extinguia.

Então, ela virou-se, sem saber direito o que esperava encontrar, quando deparou-se com Ryan MacAllister, seguindo-a em sua cadeira de rodas.

— Assustei você? — perguntou ele, baixinho, com voz rouca.

— Imagine! — exclamou Joana, irônica, ciente de que ele não só sabia que a assustara, como fizera de propósito. — Falou com ele? — quis saber Ryan, aproximando-se. Joana deu um passo para trás.

— Quer dizer, com Cole? Sim, nós conversamos.

— E aí?

— E aí, o quê?

— O que ele disse?

— Ora, muitas coisas... Conversamos bastante, durante o jantar. Agora, se não se importa, quero ir para meu quarto. Estou cansada.

— Eu sei que vocês falaram sobre Nathan — explodiu Ryan, zangado. — Aníbal escutou você perguntando sobre Henry e Cole disse que Sarah não culpa ninguém pela morte de Nathan.

— O senhor mandou Aníbal nos espionar? — interrompeu Joana, atônita, a repugnância amenizada apenas pela simpatia que sentia pelo velho criado de Ryan. Aníbal trabalhava em Tidewater desde antes de Ryan nascer e sua lealdade ao patrão nunca fora colocada em dúvida,

— Nem sempre — murmurou o pai de Cole, irritado, sem sombra de remorso na voz. O coitado está quase surdo, mesmo... Mas não tente blefar comigo, garota. Eu sei de tudo que se passa nesta casa!

— Ótimo. Então, não precisa me perguntar — retrucou Joana, entrando em seu quarto e batendo a porta.

 

Joana teve medo que Ryan batesse à sua porta, porém isto não aconteceu. Quando teve certeza que ele não estava mais lá, despiu-se, vestiu a camisola e, depois de lavar o rosto e escovar os dentes, enfiou-se debaixo do lençol, exausta. Não era fácil manter uma posição de desafio perante os MacAllister, era obrigada a estar constantemente alerta e isto deixava-a emocionalmente exaurida. Que férias, pensou, amargurada. Não ficaria tão estressada se tivesse que escalar as Montanhas Rochosas debaixo de uma tempestade de neve!

Apesar do cansaço, contudo, o sono não vinha Ela virou-se para um lado e para outro, na cama, durante horas, sem conseguir dormir. Com que aparência estaria, pela manhã, quando Cole a levasse a Palmer's Point? No mínimo, pálida e com olheiras.

Joana estava curiosa para saber por que Cole queria que ela fosse lá. Palmer's Point sempre fora um ponto de discórdia entre eles. Estava longe de ser um lugar bonito, embora situado junto à foz do rio Tidewater. Os Smith moravam lá, antes da morte de Adam, e fora nessa ocasião que Ryan MacAllister prestara atenção, pela primeira vez, em Sarah.

A mãe de Nathan ainda era uma bela mulher quando Joana a conheceu e não era difícil imaginar que tivesse sido uma beldade, aos dezoito anos. Com olhos grandes e escuros e um corpo escultural, alta e esbelta, devia ter representado um verdadeiro desafio para o arrogante senhor de Tidewater. Sarah e Adam estavam casados havia três anos e seu filhinho, Henry, tinha dois anos de idade quando Ryan começou a demonstrar um interesse fora do comum pelos Smith. Henry já apresentava sinais de retardamento mental; não era tão inteligente como as demais crianças de sua idade e Ryan usava a deficiência do garoto corno um pretexto para visitar a família, Mandou o menino a um especialista e insistiu em levar, pessoalmente, Sarah e o garoto até Charleston, para a consulta. Pagou uma escola especializada para que Henry tivesse a oportunidade de viver uma vida normal. Obviamente, suas razões estavam longe de ser filantrópicas. Ryan MacAllister não fazia nada sem exigir alguma coisa em troca, e embora Sarah soubesse que o que estava fazendo não era certo, as atenções do homem mais velho faziam-lhe bem ao ego. Além disto, consolava-a o fato de Ryan estar ajudando Henry, e quando descobriu que estava grávida foi unicamente o medo da reação do marido que a levou a expor seu dilema a Ryan.

Para este, a solução era simples. Sarah devia livrar-se do bebê. Ele pagaria tudo, até conhecia uma pessoa em Charleston que poderia ajudá-la, sem fazer perguntas.

Sarah recusou-se veementemente. Estava preocupada e magoada, mas nada a convenceria a matar seu bebê. Teria a criança, dissera a Ryan, e se Adam a abandonasse ela arrumaria um emprego e sustentaria os dois filhos. Morrer de fome, não morreria.

Mas algo inesperado aconteceu e os temores de Sarah por causa de sua gravidez tornaram-se insignificantes. Adam morreu, em um acidente de trabalho, atingido pela alavanca de um guindaste, e em sua infelicidade por perder o homem com quem vivera por mais de três anos, Sarah viu-se mais uma vez vulnerável ao poder de persuasão de Ryan. Não foi difícil para ele convencê-la de que devia mudar-se dali, onde só teria memórias tristes. Instalou-a em uma casa em Beaumaris, distante de Tidewater o suficiente para que, quando o bebê nascesse, ninguém o associasse consigo, e suficientemente próximo para que continuasse a visitá-la regularmente.

Joana ficou sabendo de tudo através de Nathan, quando, desesperada com a descoberta da infidelidade de Cole, fora correndo desabafar-se com o amigo. Nathan era a única, pessoa com quem podia se abrir e ele, por sua vez, ou para consolá-la, ou pela necessidade de abrir-se também, contou-lhe toda a história.

Joana ficou chocada e, nas semanas que se seguiram, Nathan Ievou-a para visitar sua mãe. Durante estas visitas Joana descobriu mais coisas: que Ryan ainda visitava Sarah ocasionalmente; que, durante todos aqueles anos, Margaret MacAllister não tomara conhecimento da existência de Nathan; que o sogro vivia duas vidas distintas: uma com a esposa e os filhos, em Tidewater, e outra, com a amante e o filho, em Beaumaris.

Joana não culpava Sarah. A mãe de Nathan era uma vítima das circunstâncias da vida. Joana não tinha nenhuma dúvida de que quando Ryan demonstrara, pela primeira vez, interesse por Henry, Sarah interpretara sua atitude como generosa e sincera. E, depois de conhecer as choupanas em Palmer's Point, compreendeu porque a pobre criatura aceitara os favores de Ryan.

Depois de conhecer Sarah, Joana ficou curiosa para conhecer Palmer’s Point. Nathan levou-a até lá e embora a princípio as mulheres a olhassem com desconfiança, pouco a pouco Joana foi lhes conquistando a simpatia. Antes de mais nada, era uma distração, um lugar aonde ir quando Cole estava trabalhando. Começou a levar sua prancheta e a desenhar caricaturas das crianças para oferecer às mães. Conversava com as crianças e encorajava-as a falar com ela. Em pouco tempo as mães passaram a confiar em Joana; contavam-lhe seus problemas e pediam-lhe conselhos.

O passo seguinte foi criar a clínica. Muitas mães davam à luz bebês doentes ou natimortos, outras, embora ainda jovens, estavam cansadas de engravidar ano após ano. A assistência médica era difícil e dispendiosa e Joana decidiu interferir, em benefício das mulheres. Com a ajuda de algumas delas e de um ou outro marido, uma das choupanas, abandonada e em estado de deterioração, foi reformada, pintada por dentro e por fora e decorada com os posteres de Joana. Havia uma balança para as mães e outra para os bebês, além de uma velha mesa de exames, doada pelo hospital de Charleston, a pedido de Joana. O maior problema foi conseguir convencer o hospital de Beaumaris a oferecer os serviços de um médico, sem cobrar, uma tarde por semana.

Era irônico, refletia Joana, que obtivesse tanto êxito ajudando outras pessoas quando não conseguia ajudar a si própria. Seu casamento falhara; ela e Cole raramente falavam um com o outro, embora, por vezes, ela sentisse a tentação quase irresistível de aproximar-se dele, de abraçá-lo, de dizer que o perdoava, que esquecessem tudo o que acontecera e recomeçassem sua vida. Mas o orgulho impedia-a de fazer isto; recusava-se a humilhar-se a tal ponto.

Então, certa tarde, Cole apareceu na clínica e encontrou Nathan ajudando Joana. Cole e o pai sabiam da existência da clínica e Ryan ameaçara acabar.com tudo. Não queria a nora envolvida com aquele tipo de coisa e pedira a Cole que tomasse uma providência. Mas como ela e Cole mal se falavam, nada acontecera e à medida que as semanas passavam Joana começou a ter esperança que o assunto caísse no esquecimento.

A chegada de Cole, entretanto, destruiu esta esperança. Joana não via outra razão para ele aparecer, se não fosse para atender às exigências do pai. Por isto começou imediatamente a atacá-lo, acusando-o de ser criado do pai e expulsando-o de lá.

Mais tarde, ela reconheceria que se precipitara. Criara uma situação extremamente volátil e a discussão que se seguira fora violentíssima. E as coisas só ficaram piores, quando Nathan não se conteve e interferiu em defesa de Joana.

A fúria que Cole demonstrou contra o rapaz foi indescritível. Agarrou-o pelo colarinho e disse-lhe as coisas mais ofensivas que Joana já ouvira na vida. Acusou Nathan de coisas absurdas e preveniu-o que ficasse longe dos MacAllister e da fazenda.

Foi neste momento que Joana falou. Ignorando a mão de advertência em seu braço, informou a Cole exatamente quem era aquele rapaz. O sobrenome dele podia ser Smith, mas este não era o sobrenome de seu pai. O sobrenome de seu pai era MacAllister, assim como o do pai de Cole. Na verdade, ele estava falando com o irmão.

Cole ficou estarrecido. Mais tarde Joana seria forçada a admitir que, de todos os MacAllister, a reação de Cole fora a mais violenta. Obviamente, confrontou-se com o pai, acusando-o, e a explosão de Ryan fez-se ouvir na casa inteira. A notícia espalhou-se como fogo em folhas secas e o que não passava de simples rumor transformou-se em fato confirmado.

Maggie MacAllister mostrou-se surpreendentemente calma, provando, na opinião de Joana, pelo menos, que sabia, o tempo inteiro, o que estava acontecendo. Com certeza, decidira aceitar e ignorar o fato; afinal, Nathan já estava com vinte e um anos e ela provavelmente acreditara que o pior já havia passado.

E poderia ter sido assim se Ryan tivesse concordado em deixar as coisas como estavam. Afinal, não era um acontecimento tão incomum e tudo poderia ser perdoado e esquecido. Mas Ryan estava furioso. Queria dar o troco. E, como fora Joana quem o traíra, escolheu-a como alvo de sua vingança.

O primeiro sinal de que alguma coisa estava errada foi quando Joana foi visitar Sarah, em Beaumaris, pela primeira vez depois do desagradável incidente. Embora batesse insistentemente à porta, ninguém apareceu para atender. Quando foi até a clínica, à procura de Nathan, descobriu que o barracão fora demolido. Nenhuma das mulheres queria falar com ela. Estavam frias, estranhas, e evitavam olhar para Joana quando esta lhes fazia perguntas sobre o que acontecera; chamavam as crianças e afastavam-se, como se Joana fosse a culpada de tudo.

Joana não tinha dúvida de que Ryan estava por trás daquilo. Podia imaginar as ameaças que fizera àquelas mulheres, bem como a Sarah e a Nathan. Por isso todos a evitavam.

Pensou em ir procurar Nathan na escola onde ele trabalhava e perguntar-lhe o que devia fazer, mas o problema era que se sentia culpada. De qualquer forma, se não tivesse traído a confiança de Sarah nada daquilo teria acontecido. Tudo dera errado por sua culpa, por não ter sido capaz de conter-se.

Havia somente uma pessoa a quem Joana podia recorrer, e esta pessoa era Cole. Não falara mais com.ele depois de toda a confusão, mas precisava fazê-lo-ver que não era justo punir outras pessoas por erros que ela cometera. Nathan era um rapaz tão bom, não tinha que sofrer simplesmente por existir. Ele não pedira para nascer, nem escolhera os pais que teria.

Naquela noite, Joana foi até o quarto de Cole, depois que os pais dele já dormiam. Sabia que era o único momento em que podia conversar com ele a sós, porém suas mãos tremiam ao amarrarem o penhoar de seda na cintura. Estava extremamente insatisfeita com sua aparência. Desde que ela e Cole haviam começado a viver vidas separadas, Joana engordara e seus quadris se projetavam deselegantemente sob o tecido sedoso do penhoar. Seu busto aumentara, também, tornando-se grande e voluptuoso, como se ela estivesse em fase de amamentação de trigêmeos, ou coisa parecida. Entretanto, embora batesse várias vezes na porta, Cole não veio abrir. Reunindo toda a coragem que possuía, Joana girou a maçaneta e entrou, porém surpreendeu-se ao não encontrar ninguém no quarto. A cama estava arrumada e a porta do banheiro estava aberta, com a luz apagada. Estava dando meia volta para retornar a seu quarto, quando ouviu um ruído atrás de si. Cole acabara de chegar e estava parado no umbral da porta.

— Ora, ora — murmurou, num tom de voz desagradável. — A que devo a honra? Ou é uma questão de que se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé?

A voz dele estava ligeiramente engrolada, como se tivesse bebido. Mas a agressão contida em suas palavras era deliberada e Joana enrubesceu.

— Eu queria falar com você, Cole — explicou ela, já arrependida por não ter esperado até a manhã seguinte. — Mas não tem importância. Podemos deixar para outra ocasião. Quando ela fez menção de sair, contudo, Cole entrou e fechou-a porta.

— Vamos lá — ordenou, sério — Estou ouvindo, Você vai dormir melhor se falar. Dizem que a confissão, faz bem à alma.

— Confissão?

Joana olhou para ele, confusa, porém Cole desabotoou a camisa e puxou-a para fora da calça.

— Claro, Não vai me dizer que sente muito por ter me feito de idiota com Nathan? Ande logo, Jô, me conte todo. Ouvi dizer que ele é muito bom nesse departamento. Um verdadeiro garanhão...

— Cale essa boca, seu...

Joana levantou a mão e espalmou-a com toda a força na direção do rosto de Cole, porém ele cambaleou para trás, amortecendo o impacto do bofetão,

— É. — balbuciou, fitando-a com olhos zombeteiros. — E o que dizem por aí, doçura! Não venha me culpar, depois, porque ele encontrou outra pessoa.

— Ele não encontrou ninguém! — protestou Joana, invadida por um sufocante sentimento de frustração. — Quero dizer, não é nada disso... nosso relacionamento não é o que você está pensando!

— Ora, Jô! Eu conheço você... o fogo que corre nessas veias... Se você não está se satisfazendo comigo... — Ele sacudiu os ombros, expressivamente.

Joana engoliu em seco.

— É só nisso que você consegue pensar? Sexo?

— O que mais há para pensar?— A expressão de Cole se anuviou e Joana notou os olhos rajados, pelo efeito do álcool.

— Eu pensei que sentíssemos amor um pelo outro.

— Oh, me poupe, sim, por favor! — escarneceu Cole. — Você só ama suas pinturas, os moradores de Palmer's Point, a clínica... Está preocupada demais com os filhos dos outros para pensar em ter um.

Joana olhou para ele, atônita.

— Esperava mesmo que eu tivesse um filho aqui, nesta casa? — Por que não? Você nunca deu uma chance à.minha família. Está tão ocupada inventando motivos para não querer morar aqui, que não enxerga o que está fazendo conosco.

— Não estou fazendo nada conosco! Não fui eu quem mudou para outro quarto. Não fui eu quem foi passar um mês na América, do Sul e voltou como um estranho!

— E de quem é a culpa?

— Minha, certamente, não é!

— Nem mesmo quando eu descobri o que estava acontecendo?

Joana pestanejou.

— O que estava acontecendo?

— Não se faça de idiota, Jô — Cole enfiou as mãos dentro dos bolsos da calça. — Estamos casados há mais de um ano. Por que ainda não engravidou?

— Talvez você deva fazer essa pergunta a você mesmo. São necessárias duas pessoas para fazer um bebê.

A expressão de Cole se enfureceu.

— Ora, cale a boca!

— Por que calar a boca? Só porque estou sugerindo que o grande Cole MacAllister não dá conta do rec...

— Chega! — vociferou Cole, enraivecido, avançando para Joana, fulminando-a com os olhos azuis.

Os dedos dele seguraram-lhe o pescoço e Joana arregalou os olhos, apavorada.

— Sabe o que eu devia fazer com este pescocinho? — rosnou ele. — Torcê-lo!

— Não é capaz de ouvir as verdades, Cole? — Joana continuou a desafiá-lo, apesar da apreensão que sentia.

— O que está querendo fazer comigo? — esbravejou ele, pressionando os dedos ao redor do pescoço de Joana. — Você põe à prova a paciência de um santo!

— E nós dois sabemos que você não é nenhum santo, não é, Cole? — sussurrou ela, cornos lábios secos. — Vamos, Cole, ande logo! O que está esperando? Acabe com isso de uma vez. Acabe com seu sofrimento e com o meu!

A mão de Cole se apertou e por um momento Joana pensou que ele fosse cumprir a ameaça. Subitamente, no entanto, a pressão desapareceu e ele começou a acariciar-lhe o pescoço, sentindo-lhe a veia pulsante com a ponta do polegar.

— Você sabe o que eu realmente quero fazer com você, não sabe, Jô? — murmurou ele, a poucos centímetros do rosto de Joana.

A mão de Cole deslizou-lhe até os ombros trêmulos e encontrou a saliência dos seios fartos. Ele apertou-os vigorosamente através do tecido fino do penhoar, enviando uma onda de prazer ao longo do corpo de Joana. Em seguida, inclinou o rosto sobre o dela e tomou-lhe os lábios, ao mesmo tempo em que a erguia nos braços e deitava-a na cama. Ajoelhou-se sobre ela e abriu o penhoar, expondo os seios de Joana, antes de debruçar-se e tomar um mamilo nos lábios.

Joana estava tão entorpecida, que não conseguia reagir. Envolveu-o pelo pescoço e arqueou o corpo, num convite involuntário para que prosseguisse.

Cole ajoelhou-se novamente e abriu o zíper da calça, baixando-a até os joelhos. Nesse instante, porém, a porta abriu-se inesperadamente e Cole virou o rosto, sobressaltado. Não saiu, entretanto, da posição em que se encontrava, nem mesmo ao ouvir a exclamação abafada de Ryan. Limitou-se a fitar o pai, com olhos totalmente desprovidos de expressão.

— O que você quer? — perguntou num tom de voz igualmente indiferente. — Estamos aqui, tentando dormir.

Joana sentou-se na cama e enterrou o rosto nas mãos. Só agora dava-se conta de que era a primeira vez que se lembrava das palavras exatas que Cole dissera ao pai, naquela noite. O que viera a seguir fora tão horrível que o choque apagara a cena de sua mente.

Pois Ryan fora até o quarto de Cole para anunciar que Nathan morrera. Fora retirado do rio uma hora antes e Sarah insistira para que Ryan fosse informado. O delegado pedira-lhe que fosse identificar o corpo e Ryan concordara. Mas queria que Cole o acompanhasse; precisava do apoio do filho mais velho.

Cole fora com ele e Joana voltara para seu quarto, totalmente atordoada, envolta numa névoa de choque e incredulidade. Nathan, morto! Não podia ser verdade. E no rio?! Nathan sabia nadar!

Joana repassou mentalmente os eventos dos dias que se seguiram. Se ela e Cole tiveram uma chance de resgatar o que haviam perdido, a morte de Nathan destruíra tudo. E ela passara a desprezar ainda mais Ryan por seu egoísmo e falta de sentimento.

Mal sabia que viria a desprezá-lo ainda mais depois do funeral, quando algo terrível aconteceu, tão terrível que Joana fez as malas em seguida e jurou que nunca mais poria os pés em Tidewater.

Sarah, destroçada pela dor, acusara Ryan de ser responsável pela morte prematura do filho. Ele perseguira Nathan, afirmara Sarah, desde que descobrira que ele e Joana eram amigos. Acusara-o de seduzir a esposa do irmão, de querer vingar-se de sua própria situação irregular e infeliz destruindo o casamento de Cole. E Joana, segundo Ryan, incentivara-o.

Obviamente, Ryan negara tudo. Com o rosto vermelho, furioso, afirmando que só comparecera ao funeral porque Cole insistira que deviam fazê-lo, saíra marchando para o jardim, praguejando em alto e bom tom.

Mas Joana presenciara em seus olhos o sentimento de culpa e desprezara-o por tudo que fizera. E desprezara Cole, também, por ter acreditado nas calúnias do pai contra um rapaz tão bom, tão meigo e gentil, tão desprovido da arrogância que o pai possuía em excesso.

Durante meses depois disso, muito tempo depois de retornar a Londres e recomeçar sua vida, Joana ainda tinha pesadelos com Nathan. Não conseguia acreditar que tivesse sido acidente. Vira-o pescar tantas vezes no rio, tinha certeza que ele não se afogaria, a não ser que quisesse. E, obviamente, sentia-se culpada, não só por ter exposto Ryan e desencadeado toda aquela desgraça, mas também por ter sido o instrumento inconsciente que o pai de Nathan usara contra ele; Nunca perdoaria Ryan, nunca. A questão era, será que estava disposta a perdoar o filho dele?

 

Joana não imaginara que o trajeto até Palmer's Point fosse ser percorrido a cavalo. Fazia alguns anos que não cavalgava. Aprendera a montar ainda criança e quando fora morar em Tidewater, ocasionalmente saía para um ou outro passeio com Cole. Depois da doença e do subseqüente estremecimento entre ambos, não tivera mais disposição para esse tipo de aventura.

Entretanto, depois de uma noite insone, assombrada pelas lembranças do passado, viu-se mais uma vez sentada em cima de uma sela. Cole preparara-lhe uma linda égua cinzenta, que moveu-se, inquieta, quando Joana tentou equilibrar-se em seu dorso. Joana sabia que os cavalos, bem como outros animais, tinham a capacidade de detectar o estado emocional dos seres humanos, mas neste caso não era o medo de montar que a deixava nervosa; era a proximidade do homem sentado no magnífico cavalo baio, a seu lado, e a consciência de como ainda se sentia atraída por ele.

A presença de Joana, no entanto, não parecia afetar Cole. Ele permanecia frio e distante, de posse total do controle sobre si mesmo. De calça jeans e camisa branca parcialmente desabotoada, deixando entrever o peito bronzeado recoberto de pêlos curtos e encaracolados, usava um chapéu de aba larga para proteger os olhos e os pés calçados em botas de couro apoiavam-se confiantemente nos estribos.

Ele era tão alto, esbelto e forte, tão másculo... As mãos grandes que seguravam as rédeas transmitiam uma inequívoca sensação de poder e às vezes, quando o contemplava assim, Joana perguntava-se por que o destino tivera de separá-los. Mas bastava lembrar-se de Nathan e de Sammy-Jean para que sua momentânea fraqueza se transformasse em indignação.

— Você vai precisar de um chapéu — observou Cole, percorrendo os olhos com ar de crítica pela camiseta regata e a bermuda fina de algodão.

O que ele esperava, pensou Joana ressentida. Ela jamais poderia imaginar, ao arrumar a mala para ir para as Bahamas, que terminaria cavalgando pelas trilhas acidentadas da Carolina do Sul.

— Não quer ter uma insolação, quer? — acrescentou Cole.

— Não creio que seja necessário — Joana sacudiu os ombros. — Ainda é cedo e...

— A cavalgada é longa;— insistiu ele, desmontando e voltando para o estábulo.— Esqueceu como o sol pode ser implacável, aqui nesta parte do mundo?

Ele retomou, logo depois, trazendo um velho chapéu de palha, o qual encaixou sobre a saliência da sela, diante de Joana.

— Ponha-o na cabeça — ordenou, agarrando as rédeas e voltando agilmente para o dorso do cavalo. — Não é muito bonito, mas atende ao objetivo.

Joana fez uma careta e obedeceu, forçando o chapéu sobre a cabeça, desmanchando, ao fazê-lo, o coque que prendera com o intuito de afastar o cabelo da nuca, para aliviar-se do calor.

As mechas sedosas caíram-lhe sobre os ombros e ao ouvir o murmúrio de irritação que ela deixou escapar, Cole virou-se em sua direção.

— Algum problema?

— Nenhum. Por falar nisso, onde está Henry? — acrescentou Joana, olhando na direção do estábulo. —Ou estou proibida de falar com ele, também?

Cole levantou as rédeas e bateu com os estribos no enorme cavalo baio, incitando-o.

— Henry só trabalha no período da tarde — informou, enquanto Joana apressava-se a segui-lo. — Ele ajuda a mãe na pensão, todas as manhãs.

Joana franziu a testa.

— Pensão? — repetiu perplexa. — Sarah trabalha numa pensão?

— Ela tem uma pensão — corrigiu Cole, seco. Em seguida, ignorando a reação de surpresa de Joana, virou-se para ela. — Preparada para um bom meio galope?

Joana segurou as rédeas com mais força.

— Você manda — declarou, absorta, ainda pensando no que Cole dissera sobre Sarah, porém quando a distância entre os dois cavalos começou a aumentar, viu-se forçada a deixar as reflexões de lado. Estava sem prática e suas pernas raspavam desconfortavelmente contra a sela conforme se esforçava para encontrar o ritmo.

Atravessaram pastos e pradarias, onde a fragrância da grama fresca impregnava o ar; cruzaram bosques cerrados, onde os raios de sol se filtravam através das folhagens. As ferraduras dos cavalos espalhavam pedregulhos e esmagavam gravetos e folhas secas, assustando pequenas aves e animais que fugiam da trilha para se esconderem entre os galhos das árvores ou em suas tocas. Os pássaros chilreavam e as abelhas zuniam em torno dos favos de mel; em pouco tempo, Joana transpirava abundantemente, em decorrência do exercício físico e da umidade que se elevava do solo.

Percorreram a trilha situada entre as colinas e os campos que se estendiam até as florestas de carvalho e palmito, passando por plantações de algodão e de árvores frutíferas.

O pior trecho para Joana foi o canavial; os insetos atacavam impiedosamente e ela compreendeu, então, a reação inicial de Cole diante de sua vestimenta leve. Por outro lado, agradeceu intimamente por estar usando o chapéu.

Foi somente quando saíram da plantação de cana que Joana se deu conta de sua localização. Perdera a orientação em vista das mudanças ocorridas em Tidewater e surpreendeu-se ao descobrir que não estavam longe do local onde se alinhavam as velhas choupanas. Já era possível, até, ouvir o som do fluxo do rio.

A curiosidade de Joana se aguçou à medida que os cavalos trotavam ao longo da trilha acidentada que separava Tidewater de Palmer's Point. Joana respirou o ar salgado e sentiu um peso no coração ao lembrar-se que, da última vez em que ali estivera, Nathan ainda era vivo. Mal reparou na longa faixa branca de areia que já se tornava visível, nem nas depressões alagadas junto às quais passara horas desenhando os pássaros que ali iam buscar alimento. Não podia imaginar o que Cole queria lhe mostrar num lugar que só representava coisas tristes.

Quando, no entanto, terminaram de contornar a última colina e alcançaram o nível do mar, o queixo de Joana quase caiu de espanto. A vila ainda se encontrava lá, exatamente onde sempre estivera. As choupanas, porém, haviam desaparecido. Em seu lugar haviam sido construídas charmosas casinhas de alvenaria, cada qual com um jardim na frente e uma horta nos fundos.

— Que tal? — perguntou Cole, observando, evidentemente satisfeito, a reação de Joana.

— Foi seu pai quem fez isso? — sussurrou ela, achando difícil associar o homem que conhecia com a cena que contemplava.

— Parece-lhe tão absurdo, assim?

— Francamente, sim! —Joana balançou a cabeça. — Que coisa incrível, Cole!

Cole suspirou longamente.

— Bem... — Ele sacudiu as rédeas e conduziu o cavalo ao longo da ruela de areia, entre as casas, — Como eu lhe disse ontem, quero que veja uma coisa.

— Não é isto? — perguntou Joana, surpresa, porém Cole não respondeu.

A chegada de ambos já atraíra a atenção dos moradores e uma mulher apareceu em uma das varandas para chamar Cole.

— Bom dia, Cole! — cumprimentou ela, sorridente, apoiando os cotovelos na grade de ferro trabalhado.

— Bom dia, Susie — respondeu Cole, perfeitamente à vontade.

Joana balançou a cabeça, estupefata. De fato, muita coisa havia mudado, por ali. E, nossa, aquela não era Susan Fenton, a mãe de Billy?

— Lembra-se de Joana? — perguntou Cole. Susan olhou para Joana e sorriu afavelmente.

— Claro que sim! Como vai, sra. MacAllister? Ouvi falar que estava de volta a Tidewater. Esperava encontrar algo parecido com isto?

— De fato, não — admitiu Joana, retribuindo o sorriso. — Como está, Joana? Você me parece ótima.

E era verdade, A jovem abatida e deprimida que Joana conhecera parecia agora saudável, disposta e, inegavelmente, grávida, E bonita e atraente demais para estar olhando para Cole daquela maneira, pensou Joana, apreensiva, ocorrendo-lhe que os dois pareciam conhecer-se muito bem. Estaria Cole seguindo os passos do pai, procurando diversão em Palmer's Point?

— Estou, sim — Susan ergueu o corpo e pousou uma mão sobre o ventre protuberante. Aliás, nunca estive melhor. Desde que Cole nos construiu estas casas, não temos mais do que nos queixar.

— Desde que Cole... — Joana calou-se abruptamente e olhou para o ex-marido. — Ah, sim... Para quando é o bebe?

— Para daqui a dois meses -— Susan fez uma pausa, antes de perguntar: — Posso lhes oferecer alguma coisa? Uma limonada gelada?

— Não, obrigado — Cole falou antes que Joana tivesse tempo de responder. — Cuide-se bem, ouviu, Susie? Não deixe Jonas abusar de você.

Susan riu, deliciada.

— Não deixarei. Até logo, sra. MacAllister.

Assim que se afastaram, Joana conduziu seu cavalo para perto do de Cole.

— Jonas? — indagou, franzindo a testa.

— Jonas Wilson — falou ele, sério. — O marido de Susie.

— Mas... eu pensei que...

— Buli morreu — explicou Cole, retribuindo os acenos de várias outras mulheres e crianças.

— Oh... — murmurou Joana, puxando abruptamente as rédeas quando um menininho moreno e franzino atravessou correndo à sua frente. — Ei, aquele não é Georgie Davis? Não, não pode ser.

— E o irmão dele, Bobby — disse Cole, parando o cavalo — É melhor fazermos o restante do caminho a pé.

Joana e Cole progrediram lentamente, daquele ponto em diante. Todos os paravam, querendo conversar, fazer perguntas. Estavam curiosos a respeito de Joana, mas ela sentia-se inexplicavelmente como uma intrusa naquele lugar Embora conhecesse a maioria daquelas pessoas, não era mais a mesma coisa. Ela os abandonara e Cole a substituíra

Não que isto a deixasse magoada, realmente. Ficava feliz por Cole ter encontrado seu papel em Tidewater; e sentia se grata por ter contribuído, em parte, para que as coisas chegassem àquele ponto. Só lamentava que Cole não lhe tivesse exposto seus planos antes de ela ir embora...

Mesmo que ele tivesse feito isto, raciocinou Joana, nada teria adiantado. O relacionamento deles já estava de deteriorado muito tempo antes da morte de Nathan. Havia Sammy-Jean, e sua própria incapacidade de gerar um filho... seu trabalho, também; eram muitos os pontos de conflito. Mas isto não eliminava o fato de que, quanto mais tempo passava em Tidewater, mais difícil se tornava esquecer os bons momentos que ela e Cole haviam compartilhado.

Joana estava tão absorta em seus pensamentos que foi bruscamente de encontro a Cole, sem perceber que ele havia parado.

— E então? — indagou ele, o olhar fixo na construção grande, cercada por uma estreita faixa de grama,

Joana franziu a testa, confusa, porém logo sua atenção foi atraída para a tabuleta de madeira, na frente da casa. — Clínica Nathan Smith — Ela leu, em voz alta, prendendo a respiração. — Oh, Cole! Você fez isso?

— Meu pai — Ele começou a subir os degraus, antes de acrescentar: — Venha. Quero que conheça lá dentro; Afinal, a idéia original foi sua. Você e Nathan foram os únicos que um dia, se preocuparam com esta gente.

A maré estava baixa enquanto Cole e Joana caminhavam ao longo da beira da água, puxando os cavalos. Joana descalçara os tênis e amarrara-os à sela de sua égua. Haviam deixado para trás a vila e as depressões alagadas, antes de subir as dunas e descer para a praia, novamente, Cole não dissera uma palavra desde que haviam saído da clínica e Joana simplesmente não conseguia associar tudo o que vira com o Ryan MacAllister que conhecia. O homem devia estar desesperado para reconquistar o respeito e a admiração do filho mais velho, refletiu ela, olhando de soslaio para Cole, que caminhava, em silêncio, a seu lado.

Deixando que a água salgada lhe molhasse os pés descalços, Joana levantou o rosto para o sol, segurando o chapéu com uma mão.

— Confesso que estou surpresa — declarou, finalmente, ansiosa para romper o desconfortável silêncio. — Tenho que reconhecer que seu pai deve ter mudado mesmo.

— É — murmurou Cole, sério. — Quando soube que ia morrer.

— Nunca é tarde demais para alguém se redimir do mal que causou. Aliás, ele quer que eu interceda em seu favor... perante você — confessou Joana, decidindo que precisava resolver aquele assunto, mais cedo ou mais tarde.

Cole, no entanto, não pareceu ouvir. Continuou caminhando, o olhar perdido em algum ponto distante, enquanto Joana se agachava à beira d'água para refrescar-se, molhando os braços e as pernas.

Subitamente, uma idéia maluca lhe ocorreu. Não sabia dizer o que a desencadeara, mas, por outro lado, o que tinha a perder? De um jeito ou de outro, nada.

— Cole — chamou, levantando-se e correndo para alcançá-lo. — Por que não damos um mergulho? Está tão quente — acrescentou, afastando a camiseta regata e expondo parte do sutiã e da curva entre os seios.

Cole olhou para ela, com expressão de poucos amigos.

— De roupa? — observou, com uma ironia mal humorada.

— Claro que não. Sem roupa.

Cole parou repentinamente e fitou Joana como se ela tivesse perdido o juízo.

— Estamos na Carolina do Sul, não no sul da França — lembrou, evidentemente contrariado, retomando a caminhada.

— Ora, Cole, não seja desmancha-prazeres — queixou-se ela, tirando a camiseta, enquanto apressava o passo para acompanhá-lo. — Onde está seu espírito esportivo? Você não era tão pudico quando nadávamos nus naquelas praias desertas do Taiti!

Cole parou novamente e segurou o braço de Joana com força, percorrendo os olhos pelo sutiã rendado antes de falar, entre os dentes:

— Que jogo é esse, Jô? O que está pretendendo? Joana olhou para ele, desamparada, sem saber o que dizer; não tinha uma resposta, nem para si mesma. A única coisa que sabia era que ainda queria Cole; que, independentemente do que acontecera no passado ou do que viesse a acontecer no futuro, o destino a levara até ali, até aquele local e aquele momento.

— Cole... — murmurou, dando um passo à frente e levando uma mão trêmula à fivela dourada do cinto de couro que sustentava a calça jeans.

— Não faça isso — ordenou ele, com voz estrangulada, afastando-lhe a mão com tanta brutalidade que Joana perdeu o equilíbrio e caiu ajoelhada na areia, aos pés dele.

— Oh, céus! — Ele ajoelhou-se também e segurou-a pelos ombros. — Me desculpe Jô...

Joana baixou os olhos, num estudado gesto de timidez, e balançou a cabeça.

— Sou eu que devo pedir desculpas. Esqueci que... não devo mais tocar em você.

Cole vacilou por um momento.

— Eu não sabia que você queria me tocar — murmurou, fitando-a intensamente.

O coração de Joana começou a martelar, enlouquecido.

— Tenho certeza que sabia — arriscou, com voz trêmula, apoiando as mãos nas pernas de Cole.

— Isto é uma loucura — murmurou ele, segurando o queixo de Joana e forçando-a a levantar o rosto.

Sem pensar, Joana segurou a mão dele e levou-a aos lábios, mordiscando-lhe as pontas dos dedos.

— Para com isso, Jô — ordenou Cole, transtornado. Antes, porém, que ele se levantasse, Joana envolveu-lhe o pescoço e foi a vez de Cole desequilibrar-se e cair ao chão, com o corpo semi-despido de Joana sobre o seu.

O estarrecimento de Joana diante de sua própria ousadia não era nada, em comparação com o de Cole. Ao vê-lo deitado na areia, a incredulidade estampada no rosto, Joana pensou que sua tentativa fosse ser frustrada. A qualquer momento, Cole a empurraria e livrar-se-ia dela à força.

Então, num impulso repentino, movida por uma necessidade desesperada, e ignorando a expressão ao mesmo tempo atónita e recriminadora de Cole, cobriu os lábios dele com os seus, pressionando-lhe a boca com a língua.

Depois de um breve momento de pânico, ao suspeitar que não conseguiria, ao senti-lo imóvel debaixo de si, Joana detectou, finalmente, a mudança na reação de Cole; as mãos dele em seus ombros tornaram-se mais gentis, à medida que ela continuava a beijá-lo e, enterrando uma mão nos cabelos negros e sedosos, ele rolou sobre Joana, invertendo as posições.

A partir daquele momento, ela perdeu toda a noção de tempo e espaço. Não tomou consciência da areia em seu cabelo, nem dos grãos úmidos em suas costas. Tampouco percebeu que a maré os engolfava, formando pequenos regatos ao redor de ambos. Só tinha consciência de Cole, das mãos dele, de sua boca, do peso do corpo dele sobre o seu; e de um desejo intenso, profundo, que somente ele poderia saciar.

 

Joana acordou com o toque do telefone e durante alguns segundos, naquele estado intermediário entre o sono e a vigília, ficou imaginando quem poderia ser.

Subitamente, porém, a consciência a invadiu e a realidade da presente situação caiu sobre ela como uma avalanche. Ultimamente, evitava ver e falar com quem quer que fosse, e como tinha quase certeza de que era sua mãe ou Grace, decidiu ignorar o chiado intermitente e irritante.

Quando finalmente o aparelho silenciou, Joana esticou o braço para virar o relógio do criado-mudo em sua direção. Eram dez e meia... ou onze e meia? Ela franziu a testa. De qualquer, forma, que diferença fazia? Não tinha nenhum motivo para sair da cama.

Percorreu os olhos, pelo quarto, sem muito entusiasmo. Era um aposento aconchegante, com vista para os jardins dos fundos de uma charmosa vila de sobrados. Joana lembrava-se de como se sentira feliz ao assinar a escritura do apartamento, A primeira coisa que fizera fora escolher o papel de parede, que ela mesma colocara; depois, o carpete e a mobília, toda laqueada.

Ela suspirou e virou-se para o lado, contemplando os raios de sol que se filtravam pelas venezianas e pelas cortinas de renda. Enterrou o rosto no travesseiro, rezando para conseguir dormir de novo.

Não conseguiu; estava completamente desperta e desprotegida; sabia que nada no mundo poderia apagar-lhe da mente as dolorosas apunhaladas da rejeição.

E no entanto, ao recordar aquela manhã na praia, perguntava-se se queria, realmente, esquecer. Vivera um breve momento de felicidade, mesmo suspeitando que Cole só cedera ao impulso sexual.

Sua insensatez custara-lhe a tranqüilidade e a paz de espírito. Não podia culpar Cole. Se não tivesse se atirado para ele, talvez tivesse tido uma chance de salvaguardar seu amor-próprio. Sabia que Cole a recriminava por tê-lo provocado, por tê-lo obrigado a fazer algo que desprezava.

Naquele momento, contudo, não pensara nas consequências; nem Cole, certamente. A força da paixão e do desejo havia paralisado o bom senso de ambos e Cole possuíra Joana selvagemente, da mesma forma como fizera daquela primeira vez, na cozinha do apartamento, em Londres. Amara-a ali mesmo, na praia, para qualquer um que quisesse ver.

Por diversas vezes, Joana imaginara o que teria acontecido depois, se Ben não tivesse aparecido. O que Cole teria dito? Teriam tido a chance de resgatar alguma coisa dos escombros do passado?

A verdade, porém, foi que Ben conseguira atrair-lhes a atenção, apesar do embaraço. O assobio estridente do irmão foi suficiente para trazer Cole de volta à realidade e ele se desvencilhara de Joana de uma maneira não exatamente suave.

Por outro lado, Ben chegara tarde demais, refletia Joana agora, com amargura. Tarde demais para impedir Cole de expor sua própria vulnerabilidade.

E Cole não a perdoara por isso. Nas horas que se seguiram ao saber que o pai sofrera um derrame e fora levado para o hospital, em Beaumaris, não aceitara nenhum gesto ou palavra de apoio por parte de Joana. Na verdade, nem se dirigira mais a ela, permanecendo ao lado da mãe, desempenhando o papel de filho dedicado.

Joana, no entanto, sabia que ele estava simplesmente cumprindo seu dever. Mesmo impossibilitada de comunicar-se com Cole, sabia que ele não perdoara o pai pelo que acontecera com Nathan. Ainda existia um abismo enorme entre eles.

E, embora todas as vozes de sua mente e de seu coração lhe gritassem que devia Ir embora o quanto antes, antes que Cole a magoasse novamente, Joana sentia que precisava fazer alguma coisa. Já perdera a esperança de que algo de bom adviesse da morte de Ryan; não faria diferença nenhuma para sua situação. Mas mesmo consciente de que nada devia ao velho déspota e mesquinho, temia pelo que poderia significar para Cole.

Naquele momento, com o pai ainda semiconsciente na unidade de tratamento intensivo, podia parecer-lhe tudo muito certo e justo. Mas quando Ryan morresse, não haveria mais chance de reconciliação. E Joana não queria que a alma de Cole fosse destroçada pelo remorso.

Foi por este motivo que o procurou, na véspera de sua partida definitiva de Tidewater. Decidira ir embora. Para que continuar lá? Cole ignorava- a; a mãe dele olhava-a como a uma intrusa indesejável; até mesmo Charley estava abalada demais com a doença do pai para dar-lhe atenção, e ficar ali esperando que Ryan morresse era algo mórbido demais para seu gosto.

Não foi fácil reunir coragem para falar com Cole, depois do jantar. Encontrou-o na biblioteca, sentado à escrivaninha, mergulhado numa pilha de papéis.

Joana parou na porta, certificando-se de que todos os botões de seu vestido indiano estavam fechados. Estampado em tons de verde e azul, era a peça mais convencional de seu guarda-roupa e ela o escolhera deliberadamente, para que Cole não pensasse que tinha segundas intenções.

Cole não tirou os olhos da mesa e Joana pigarreou antes de murmurar o nome dele baixinho, para que notasse sua presença.

Quando ele levantou o rosto e fitou-a com os olhos azuis inteiramente desprovidos de expressão, o primeiro impulso de Joana foi dar meia volta e sair correndo.

Mas não foi o que ela fez. A determinação, a consciência, o sentimento de culpa, ou a mera necessidade de fazer-lhe um último apelo, mantiveram-na onde estava. Cole podia odiá-la, mas Joana o amava e precisava impedir que a morte do pai o atormentasse pelo resto da vida. Faria o que estava a seu alcance para evitar isto. Engoliu em seco e apoiou uma mão no batente da porta.

— Posso falar com você?

— Sobre o quê?

A voz de Cole era tão gelada quanto sua expressão, mas Joana não se deixou abater.

— Eu só queria avisar que vou embora amanhã.— anunciou, achando conveniente não trazer o assunto de uma maneira muito agressiva.

Cole recostou-se na cadeira, surpreso. Obviamente, não esperava aquela notícia.

— Você vai embora?

— S....sim — gaguejou ela, olhando furtivamente por sobre o ombro para o hall deserto, mergulhado na penumbra, antes de entrar na biblioteca. — Não posso ficar aqui indefinidamente, não acha? Além disso, preciso voltar para Londres... tenho a exposição...

— Ah, sim, A exposição! — repetiu Cole, com sarcasmo. — Esquecei que tínhamos uma artista famosa em nosso meio. A arte antes da honra, não é o que dizem?

— Eu nunca ouvi — Joana franziu a testa. — E não se trata disso. .

— Então, do que se trata?

— E que — Joana engoliu em seco mais uma vez. — Se eu fosse bem-vinda aqui, eu...

— Sim? — Cole arqueou uma sobrancelha. — Se você fosse bem vinda aqui, o quê?

— Eu ficaria, claro.

— Faria o sacrifício?

— Não, Cole. Nesse caso, não seria sacrifício — Ela suspirou, cansada de ter que constantemente defender-se perante alguém que a estava simplesmente atormentando. — Mas não sou bem vinda, portanto não adianta discutir. É melhor eu ir embora antes que... antes...

— Antes que meu pai morra e você tenha de fingir que está triste — concluiu Cole, calmamente.

— Não — apressou-se Joana a dizer, balançando a cabeça. — Não é nada disso, Cole. É só que... não há mais lugar para mim, aqui. Acho também que será melhor para todos, se eu voltar para Londres.

O rosto de Cole perdeu novamente a expressão.

— Está certo — concordou, voltando a debruçar-se sobre a papelada espalhada na mesa. — Se é o que você quer, pedirei a Ben que a leve até Charleston, amanhã à tarde.

— Obrigada.

Joana permaneceu imóvel. Ainda não dissera o que tinha em mente e todo aquele preâmbulo não ajudara muito. Subitamente, lembrou-se que ainda não falara com Cole a respeito de Charley e Billy Fenton! Prometera à cunhada mais nova que o faria, mas Cole mantinha uma distância fria entre ambos, o que dificultava as coisas para ela. Decidiu que o problema de Charley podia esperar um pouco mais; aproveitaria a primeira oportunidade, nem que tivesse que lhe escrever de Londres. O assunto que a levara até ali era mais urgente, no momento.

—Mais alguma coisa? — quis saber Cole, levantando o rosto e olhando para ela, seco.

Por um momento, Joana recordou aquela manhã, na praia, e estremeceu, Cole parecia um estranho, agora. Será que nada era capaz de sensibilizar aquele homem? Nem mesmo depois de fazer amor loucamente... Só que não fora amor, lembrou Joana, dolorosamente. Fora sexo, pura e simplesmente. Ela o provocara e ele reagira. Na melhor das hipóteses, haviam usado um ao outro.

Joana deu mais um passo à frente e retorceu as mãos, nervosa, antes de falar.

— É sobre seu pai, Cole — começou, apressando-se a continuar, ignorando a expressão sombria de Cole. — Será que não pode perdoá-lo? Eu sei que eu também o condenei, no passado, mas você precisa tentar esquecer isso. Ele deve ter entrado em pânico quando a verdade sobre Nathan veio à tona. Ficou zangado, culpou-me por ter feito amizade com ele. Talvez não tenha imaginado que Nathan fosse tão sensível. Ninguém poderia supor que fosse acontecer o que aconteceu. Ninguém queria que Nathan morresse. Foi um acidente... um acidente horrível! Não vai levar a nada ficar remoendo o passado.

Cole continuava olhando para Joana, impassível.

— Foi para isso que meu pai mandou te chamar, não foi? — perguntou, sem emoção na voz. — Pena que seja tarde demais.

— Não é tarde demais — insistiu Joana, desesperada. — Não pra você, pelo menos. Faças as pazes com seu pai, Cole, por você mesmo! Se não fizer, vai se arrepender, depois. Ele já não estará mais aqui, para importar-se.

Cole não respondeu, limitando-se a voltar a concentrar-se no trabalho. Joana saiu da biblioteca, silenciosamente, e subiu para o quarto, para arrumar suas coisas. Fizera o que estava a seu alcance; esperava que suas palavras surtissem algum efeito. Agora, só dependia de Cole.

No dia seguinte, Cole não apareceu para o café-da-manhã, nem para o almoço. Joana não sabia se ficava aliviada ou desconsolada; no fundo, tivera a esperança de que ele viesse, pelo menos, dizer adeus.

Maggie foi até o carro, enquanto Ben ia buscar as malas, no hall. Aproximou-se de Joana e, embora não tivesse mais motivo para mágoas, a mãe de Cole não resistiu a dar seu recado final.

— Quer dizer que você vai embora — observou, sem esconder a satisfação que sentia. — Cole tratou de colocá-la em seu lugar, não é? Eu sabia que ele faria isto, mais cedo ou mais tarde.

— Cole não me mandou embora — explicou Joana, seca. — A decisão foi minha.

— Assim como foi sua a decisão de tentar desintegrar nossa família? — investiu Maggie, cruel, por trás de uma fachada de fria civilidade. — Cole não perdoou você pelo mal que nos causou, não esqueça disso!

Joana engoliu em seco.

— Eu não tentei desintegrar a família de vocês!

— Então o que foi que você fez? — explodiu a mulher mais velha, com ódio no olhar, — Acreditou em todas aquelas mentiras sobre Ryan e aquela mulher! O menino podia ser filho de qualquer um! Como sabe que era de Ryan? Nem mesmo se parecia com ele!

Joana franziu a testa.

— Eu não sabia que você conhecia Nathan. — exclamou, fazendo um esforço enorme para manter-se calma.

As feições aristocráticas de Maggie enrubesceram.

— Oh, eu o conheci, sim! Vi vocês dois juntos, muitas vezes. Lá embaixo, no rio. Eu contei tudo a Cole. Contei como você mal podia esperar para oferecer a outro homem o que estava negando ao coitado de seu marido, o homem mais fiel do mundo!

Joana quase engasgou, pelo choque.

— Nathan... Nathan e eu éramos amigos! — protestou com voz fraca. — Amigos!

— E você acha que acredito em contos da carochinha? — escarneceu Maggie. — Ninguém vai acreditar que você e aquele não sei o quê não se divertiram por aí, e muito! E depois de tudo, você ainda joga calúnias sobre o pai de Cole!

A cabeça de Joana começou a rodar e uma camada de suor frio cobriu-lhe a testa e a nuca. Sentia calor e frio, ao mesmo tempo, e por um segundo pensou que fosse desmaiar. Apoiou-se no carro, pestanejando, num esforço para combater a escuridão que ameaçava engolfá-la.

— Não é verdade — sussurrou, os olhos arregalados de indignação. — Eu não... nunca tive nada com Nathan. Precisa acreditar em mim, Maggie! Nunca dormi com outro homem em minha vida, além de Cole!

Maggie abriu a porta da caminhonete e praticamente empurrou Joana para dentro.

— Agora, não importa mais! — esbravejou, virando-se e marchando de volta para a casa.

Joana compreendeu, então, que Maggie estava querendo enganar a si mesma. Mas encontrara um meio de envenenar a mente de Cole contra Joana e agarrara-o com unhas e dentes. Assim como usaria qualquer coisa a seu alcance para destruir o casamento dos dois e tudo o que ele representava.

 

Por tudo que acontecera, Joana não tinha ânimo para levantar-se pela manhã, ultimamente, Olhou mais uma vez para o relógio, desinteressada. Desde que voltara para Londres não tinha entusiasmo para nada e seus pais não eram os únicos que se preocupavam com ela. Grace também, principalmente porque Joana recusara-se a contar o que acontecera em Tidewater. Pela primeira vez desde que haviam se tornado amigas erguera-se uma barreira entre as duas e todos os esforços por parte de Grace para derrubá-la eram inúteis.

Não que Joana não confiasse em Grace; conhecia intimamente a amiga e sabia, melhor que ninguém, como a tia de Cole era compreensiva. Mas não tinha coragem de tocar no assunto. As coisas que Maggie lhe dissera foram tão dolorosas que Joana simplesmente não conseguia repeti-las.

Além do mais, sentia-se uma idiota. Durante todos aqueles anos culpara Cole por ter usado o irmão como bode expiatório. Pensara que Cole quisesse o divórcio e que tivesse usado a amizade dela com Nathan como pretexto para alcançar seu objetivo. Nunca poderia supor que a mãe de Cole estivesse mentindo para ele, por trás de suas costas. Agora compreendia por que ele reagira tão violentamente quando encontrara Nathan na clínica.

E o problema era que, se permitisse que aqueles pensamentos germinassem, seria posta em dúvida toda a questão do porquê do fracasso de seu casamento, Desde quando Maggie vinha mentindo para Cole? Teria ele se envolvido com Sammy-Jean se não pensasse que Joana estava sendo infiel?

Eram pensamentos como estes que Joana tinha de manter afastados de sua mente. Por este motivo, também, não podia abrir-se com Grace. A coisa toda estava tão emaranhada, que jamais seria possível desembaraçar todos os nós; ela mergulhara num poço de intrigas, mentiras, ciúmes e ódio, e conseguira sair dele. O melhor, agora, era deixar tudo como estava e pôr uma pedra em cima. Enterrar o passado, de uma vez por todas...

O telefone começou a tocar novamente e Joana sentou-se na cama, irritada. Quando, porém, o som penetrante e persistente continuou, ela deu-se conta de que era o interfone, não o telefone. Com certeza era Grace, que viera visitá-la; não tendo conseguido comunicar-se pelo telefone, decidira ir até lá, pessoalmente.

Pobre Grace, estava preocupada, refletiu Joana, com sentimento de culpa. Afastando o lençol, apoiou os pés no carpete e levantou-se. Porém ao abrir a porta do quarto uma forte onda de náusea a invadiu, tão inesperada que ela mal teve tempo de correr e chegar ao banheiro.

Por alguns segundos o chiado insistente do aparelho na cozinha foi relegado a segundo plano, enquanto Joana sentia-se terrivelmente mal.

Pouco depois, debruçada sobre a pia, trêmula, com o estômago dolorido , perguntava-se o quê, dentre tudo o que comera na véspera, poderia ter causado aquela indisposição. Certamente, não o chá com biscoitos, que tomara antes de dormir.

Para seu alívio, entretanto, o mal-estar desapareceu tão instantaneamente quanto surgira. Depois de lavar o rosto e examinar suas feições pálidas no espelho, enquanto escovava o cabelo, sentia-se quase normal outra vez. E o chiado parara, percebeu, grata.

Então, enquanto voltava para o quarto, um pensamento nebuloso lhe ocorreu. Fazia seis semanas que voltara de Tidewater. Seis semanas e nenhuma regra, durante todo aquele período!

A constatação deste fato era tão chocante que Joana virou-se e deixou-se cair sentada na cama, estarrecida, com as palmas das mãos unidas entre os joelhos e o olhar perdido em um ponto distante, tentando recordar datas. De fato, já falhara duas regras! A não ser que houvesse alguma coisa radicalmente errada com seu metabolismo, a probabilidade era de que estivesse grávida.

"Grávida!", pensou, incrédula. Ia ter um bebe! Depois de todo aquele tempo, quando já começava a acreditar que nunca viria a ser mãe, o impossível acontecera. O bebê de Cole já se desenvolvia dentro de seu ventre!

Em seguida, contudo, Joana tentou ser razoável. Não podia ter certeza, ainda, advertiu a si mesma. Acidentes aconteciam; talvez estivesse passando por um desequilíbrio hormonal, causado até mesmo por seu estado emocional.

No fundo, no fundo, entretanto, ela não acreditava que fosse isto. Ao passar a mão pelo ventre ainda liso e firme, Joana teve a profunda convicção de que o bebê existia. Afinal, não inventara aquele violento mal-estar, não imaginara a desagradável indisposição por que passara. Naquela manhã, na praia, em Tidewater, Cole lhe dera muito mais do que qualquer uni dos dois poderia supor.

Cole! O que ela faria, agora? Devia contar-lhe ou não? Tinha que contar, o filho era dele, também! Mas e se Maggie tentasse tirá-lo dela?

O dilema de Joana foi momentaneamente interrompido pelo toque da campainha, desta vez. Aparentemente, Grace decidira não esperar mais, Oh, que hora para visitar uma pessoa que acabou de descobrir que está grávida, pensava Joana, irritada, conscientizando-se em seguida de que estava sendo injusta com a amiga.

Ela levantou-se e enquanto atravessava a sala, a campainha tocou mais uma vez. Joana franziu a testa. Grace não costumava ser tão impaciente!

— Estou indo!— avisou, levando a mão à maçaneta e espiando pelo olho-mágico, num gesto automático.

Seus dedos, então, deslizaram pela maçaneta e ela virou-se de costas para a porta, apoiando-se nela para não cair. Pois o rosto distorcido que acabara de enxergar através do olho-mágico não era o de Grace e sim da última pessoa que esperava ver ali.

— Jô! — chamou Cole, autoritário, quando ela não se moveu para abrir a porta. — Não vou embora sem falar com você!

Joana virou-se e apoiou uma mão na maçaneta, porém não abriu a porta.

— Sobre o quê? — perguntou, com voz tremula e estridente.

— Abra a porta e eu lhe direi. Por favor, Jô, é importante. Não viajei toda essa distância para ficar gritando com você pelo buraco da fechadura.

Joana mordeu o lábio inferior, indecisa. Não queria ver nem falar com Cole, muito menos naquele momento, quando ainda nem assimilara totalmente sua própria condição. Mas era óbvio que Cole não desistiria, agora que tinha certeza que ela estava em casa. Era bem capaz de fazer um escândalo no corredor e atrair a atenção de todos os moradores.

Por isso, foi com um longo suspiro e a expressão transtornada que Joana tirou a corrente de segurança e girou a chave, abrindo a porta e afastando-se para que ele entrasse.

Notou imediatamente que ele estava mais magro e abatido. Suspeitou que Ryan tivesse morrido e que por isto Cole estivesse tão abalado. Só esperava que ele não se culpasse pelo que acontecera; esperava que tivesse se reconciliado com o. pai e que estivesse em paz com sua consciência.

— Hã... como vai? — perguntou, consciente de como era ridículo saudá-lo desta forma, depois de tudo o que acontecera, porém incapaz de pensar em outra coisa para dizer. -— Eu não esperava...

— Grace disse que você está doente — interrompeu Cole, afastando-se da porta, obrigando Joana a recuar para o meio da sala,

— Doente? — repetiu ela, franzindo a testa. — Eu... não, eu estou bem... Não sei de onde Grace tirou essa idéia.

— Ela disse que você não está trabalhando. Que até chegou a pensar em não comparecer à exposição.

— Oh — Joana conseguiu esboçar um sorriso. — E verdade. Mas não acho que isso seja de sua conta,

— Ainda assim, estou preocupado.

— Foi por isso que veio? — perguntou ela, entre incrédula e irônica.

— Não — Cole suspirou. — Vim por outro motivo.

O estômago de Joana se contraiu, ao contemplar a expressão séria de Cole.

— Oh, eu... sinto muito, Cole!

Cole fitou-a por um segundo, com uma ruga na testa.

— Sente muito?

— Sim, por seu pai. Eu podia não gostar dele, mas não desejava que morresse.

— Bem. receio que suas condolências sejam um tanto prematuras. Meu pai não morreu.

— Não? — murmurou Joana, sentindo-se uma idiota.

— Não — Cole balançou a cabeça. — Ele está bem. Isto é... bem, em termos. Saiu do hospital e foi para uma clínica de repouso. Recuperou parcialmente a fala, mas quase não consegue se mover.

— Oh — exclamou Joana, sentindo, apesar de tudo, compaixão pelo pobre velho.

— Mas não vim aqui para falar de meu pai.

— N...Não? — gaguejou Joana, com uma dolorosa pontada de apreensão na boca do estômago. Só esperava não passar mal novamente enquanto Cole estivesse no apartamento. Obviamente, ele jamais suspeitaria do motivo, mas poderia interpretar erroneamente. — Para que foi então?

Cole deu um passo à frente e Joana deu-se conta de que ele parecia mais alto porque ela estava descalça. E com a masculinidade acentuada pelo suéter cinza de gola alta e pelo elegante paletó grafite, não colaborava em nada para acalmá-la.

— Vim porque decidi que precisamos conversar.

— Conversar? Sobre o quê?

— Que tal sobre nós dois? — arriscou Cole, fitando-a com uma expressão que Joana não conseguiu decifrar. — Como, por exemplo, que tudo entre nós ainda não acabou, apesar das evidências em contrário.

Joana olhou para ele, emudecida. Esperara ouvir tudo dos lábios de Cole, menos aquilo.

— O que quer dizer? —balbuciou, finalmente, com voz estrangulada.

— Quero dizer que eu não devia ter acreditado nas mentiras de minha mãe — confessou ele. — Mas quando a gente ama uma pessoa, fica... vulnerável.

Os joelhos de Joana fraquejaram e ela segurou o encosto de uma cadeira, em busca de apoio.

— Eu... o que você disse?

— Eu disse que amava você, e ainda amo. Por que pensa que eu estava magoado com meu pai? Ele sabia muito bem que você era a única mulher da minha vida e mesmo assim fez com que você se afastasse de mim. Ele e minha mãe — Os olhos azuis de Cole se anuviaram de emoção, quando ele acrescentou: — É por isso que estou aqui, Jô. É este o único motivo. Eu precisava vir para tentar fazer você acreditar em mim.

Joana tinha medo de acreditar em seus próprios ouvidos. Seria possível que ainda estivesse dormindo e sonhando? Se fosse assim, não queria acordar.

— Mas quando fui falar com você, naquela noite...

— Fui um asno, reconheço — admitiu ele, sacudindo os ombros. — Acho que eu ainda não tinha perdoado a mim mesmo pelo que aconteceu na praia. E quando você disse que ia embora eu quis magoar você como você estava me magoando.

— E conseguiu.

— Eu sei.

— Então o que fez você mudar de idéia?

— Ben.

— Ben?

— Sim. Ele ouviu o que minha mãe disse, antes de você vir embora. Que tinha visto você com Nathan e espalhado todas aquelas mentiras.

— Ela não disse que eram mentiras — protestou Joana, sem entender por que estava defendendo Maggie, embora se sentisse gratificada pela amizade de Ben.

— Não. Ben me contou exatamente o que ela disse, palavra por palavra. Acontece que eu não sabia quem estava me dando aquelas informações. Minha mãe nunca me disse nada, Jô. Ela me mandava cartas, cartas anônimas. Começaram logo depois que eu voltei da América do Sul. Eu nem desconfiava que minha mãe soubesse da existência de Nathan.

Joana estava estarrecida.

— Mas como sabe que foi sua mãe quem mandou as cartas?

— Eu a confrontei depois que.Ben me contou tudo, e ela teve o desplante de dizer que fez isso para meu próprio bem.

— Para seu próprio bem?

— Sim. Minha mãe sabia, o tempo todo, do envolvimento de meu pai com Sarah, e sabia sobre Nathan, também. Quando descobriu que você e Nathan se conheciam, viu uma chance de vingar-se.

— Oh, Cole! — exclamou Joana, chocada. — Por quê? Que mal Nathan fez à sua mãe?

— Ele existia — disse Cole, com simplicidade. — Eu só percebi como toda a situação a afetava há seis semanas.

Joana balançou a cabeça, inconformada.

— E inacreditável.

— É, eu sei.

— Pobre Nathan.

— Sim — Os lábios de Cole se apertaram. — Acha que pode me perdoar?

— Perdoar?

— Sim. Se eu não tivesse acreditado tão facilmente em todas aquelas mentiras, nada disto teria acontecido.

Joana hesitou, por um momento.

— E... E Sammy-Jean?

— O que tem Sammy-Jean?

— Você se casou com ela — lembrou Joana, num misto de indignação e sarcasmo.

— Eu pensei que você estivesse me traindo, Jô! Eu queria... oh, Jô, eu fiquei louco de ciúmes!

— Você não gostava dela?

— Se eu gostasse de Sammy-Jean, teria me casado com ela antes de conhecer você.

— Oh, Cole! — Joana deu um passo à frente, num gesto espontâneo, e atirou-se nos braços dele.

Com um gemido, ele envolveu-a pela cintura e apertou-a contra si, enterrando o rosto na cascata negra e macia de seus cabelos.

— Eu queria vir logo depois que você partiu de Tidewater — confessou.— Mas não podia sair da fazenda, com meu pai no hospital. Jô...

Ele levantou o rosto e fitou Joana intensamente.

— Sim? — murmurou ela, com voz trêmula.

— Quer voltar para mim?

Os olhos de Joana se encheram de lágrimas e um nó dolorido apertou-lhe a garganta, impedindo-a de falar.

—Eu errei em muitas coisas — prosseguiu Cole, evidentemente emocionado. — Errei em querer que você morasse com minha família e errei em não respeitar devidamente seu trabalho. Isto não se repetirá. Se você aceitar se casar comigo outra vez, será nos seus termos, não nos meus. Tive tempo de sobra para pensar e não me importo com mais nada, desde que fiquemos juntos. Você é a única coisa que tem importância para mim. Sempre foi e sempre será.

Duas horas mais tarde, Cole entrou no cubículo do chuveiro e abraçou Joana pelas costas.

— Você é insaciável, sabia? — falou ela, divertida, quando as mãos de Cole deslizaram por suas pernas.

Cole riu baixinho e virou-a de frente para si.

— Somente no que diz respeito a você — observou, com voz rouca. — Isso a aborrece?

— Deveria aborrecer?

— Só se você estiver pensando em me abandonar novamente.

— Não estou — Joana riu, deliciada.

— Mesmo?

Ela envolveu-o pelo pescoço e colou o corpo ao dele. — O que você acha? — perguntou provocante.

— Acho que se não sairmos daqui logo, vou explodir — murmurou ele, com sua voz grave e arrastada. — Jô, Jô... você não tem idéia do que faz comigo.

"Nem você, do que fez comigo", pensou Joana, antecipando o momento em que o deixaria saber da novidade, enquanto Cole fechava a torneira e segurava-a no colo, puxando uma toalha ao sair do banheiro.

Foi pura fome que fez com que Joana se afastasse do lado de um Cole adormecido e enfiasse os braços nas mangas do penhoar. Pela primeira vez, desde que voltara para a Inglaterra, sentia apetite, e estava devorando um prato de flocos de milho com leite quando Cole apareceu na porta da cozinha, nem um pouco constrangido com a própria nudez.

— Ei, não acha que é um pouco tarde para tomar o café-da-manhã? Eu ia sugerir que fôssemos almoçar fora.

— Hum, ótima idéia! — concordou Joana, sem parar de mastigar. — Quando eu terminar, aqui, vou me vestir.

— Quando você terminar, não terá mais fome — observou Cole, seco.

— Cole... precisamos conversar.

— Pensei que já tivéssemos conversado.

— Bem, sim. Claro — Joana limpou os lábios com um guardanapo de papel. — Mas tem uma outra coisa.

— Sammy-Jean?

— Não.

— Já sei, Charley — concluiu Cole, movimentando-se, à vontade, pela cozinha. — Sei o que você vai dizer, mas ela é jovem demais para assumir um compromisso sério.

— Compromisso? — Joana franziu a testa.

— Com Billy Fenton. Você está sabendo, não está? Charley disse que você sabia.

— Oh — Joana experimentou um breve momento de remorso por não ter cumprido sua promessa. — Ela te contou!

— Não. Minha mãe contou. E devo dizer que fiquei mais propenso a tomar o partido de Charley, depois de tudo o que aconteceu.

— E?

— E concordei que eles continuassem namorando, mas Charley terá de cursar a faculdade. Não quero que faça nada de que venha a se arrepender, depois.

— Bem, fico feliz por Charley. Mas não era sobre isto que eu queria falar.

— Não faço questão de morar em Tidewater — apressou-se Cole a dizer. — Podemos comprar...

— Não é isso! — Joana hesitou por um momento, antes de levantar-se, — Na verdade, acho que nossos filhos devem ser criados lá. É a casa deles.

O rosto de Cole se iluminou.

— Filhos! — repetiu surpreso. — Acha que teremos filhos, Jô?

Ela assentiu com a cabeça.

— Tenho certeza.

— Bem... — Cole aproximou-se e abraçou-a.— Só quero que saiba que, tenhamos filhos ou não, você será sempre a pessoa mais importante, na minha vida. E se não quiser ter filhos, não tem importância.

— Você ainda acredita que eu tomava anticoncepcionais?

— Não — Cole balançou a cabeça. — Não, depois de tudo o que aconteceu. Mas talvez não seja nosso destino ter filhos. Temos um ao outro! É preciso mais que isso?

— Mas se tivéssemos um bebê, você ficaria zangado?

— Zangado? — Cole fez uma careta de indignação. — E óbvio que não, Jô! Só estou dizendo que...

— Acho que estou grávida.

As palavras escaparam da boca de Joana.e ela viu a expressão tranquilizadora de Cole transformar-se em incredulidade.

— O quê?

— Acho que estou grávida — repetiu ela, trêmula. Cole segurou-a pelos ombros e estudou-lhe atentamente o rosto.

— Você... foi ao médico?

— Não. Só desconfiei esta manhã. Cinco minutos antes de você tocar a campainha, para ser exata.

— Então, foi...

— Naquele dia, na praia. Que bom que eu forcei você a fazer amor comigo, Cole!

— Você me forçou? — Cole gemeu. — Não sei como agüentei me manter afastado de você durante tanto tempo! Do momento em que vi você no terraço do hotel, em Nassau, eu sabia que estava perdido.

— É mesmo? Quem diria!

Joana riu e Cole imitou-a, segurando-lhe a mão e puxando-a para si.

— Ah, Jô, tem idéia de quanto eu te amo?

— Tanto quanto eu te amo, acho.

— Duas vezes mais — garantiu ele, enterrando o rosto no pescoço de Joana. — E pensar que minha mãe quase nos destruiu. Eu nunca a perdoarei por isso.

— Confesso que eu culpava seu pai — disse Joana, abraçando-o. — Mas, pensando bem, foi ele quem nos uniu novamente, não foi?

— Tenho minhas dúvidas se essa foi a intenção dele — admitiu Cole. — Mas, quem pode saber?

— Está feliz por causa do bebê?

— Se você está, eu também estou.

— Então, sinta, meu amor — Ela levou a mão de Cole a seu ventre. Ele está bem aqui... Nosso filho... Seu filho Cole! Quero que daqui por diante você compartilhe comigo cada minuto deste milagre!

 

Era mais um dia quente em Tidewater, mas Joana estava acostumada ao calor, agora. Fazia dois anos que ela e Cole haviam se casado pela segunda vez e ela não se apoquentava mais cada vez que o termômetro subia até os trinta e cinco ou quarenta graus. Além do quê, estava ocupada demais para se preocupar com o tempo. Estava esperando hóspedes; Grace e Ray Marsden viriam passar alguns dias em Tidewater e, com um bebê de dezoito meses agarrado à barra de sua saia e outro a caminho, Joana tinha muito em que pensar.

Estava ansiosa para rever Grace. Embora seus pais a tivessem visitado um ano antes e ela tivesse voltado a falar com a sogra, seria bom ver a amiga querida.

Joana sentia-se feliz, também, por ter chegado a um entendimento com Ryan antes que ele, finalmente, se fosse. Já com Maggie fora diferente. A mãe de Cole relutara muito tempo para aceitar Joana de volta em Tidewater. Mas o pequeno Nathan tivera uma grande influência na mudança de atitude da avó, apesar da ligeira revolta inicial em virtude da insistência de Cole e Joana em batizarem o garoto com o nome de Nathan.

Tudo isto parecia ter acontecido um longo tempo atrás, bem como o reencontro de Joana com Sarah, que por sua vez, não poderia ter ficado mais feliz com a escolha do nome do bebe. Joana não demorara a descobrir que, longe de não querer mais ver Joana, Sarah estava desesperada para falar com alguém que tivesse convivido com seu filho. Obviamente, Cole fizera o possível para ajudá-la e Joana não se surpreendera ao descobrir que o marido ajudara Sarah a abrir a pensão.

Tornara-se amiga da esposa de Joe, Alicia, com quem Maggie e Sandy moravam, agora que Charley e Donna estava na faculdade e vinham para Tidewater somente nos fins de semana. A cunhada, cujo bebê nascera poucos meses antes do Joana, prontificara-se a ajudá-la, com sua experiência, e Joana de bom grado aceitara. As relações familiares estavam, pelo menos, satisfatórias.

Cole entrou naquele instante e viu a esposa arrumando flores no quarto de hóspedes. Com o rosto corado, os cabelos pretos e macios soltos sobre os ombros, seu corpo já não escondia a evidência da gestação de cinco meses.

— O que está fazendo aqui a uma hora destas? — perguntou, embevecida, quando Cole a abraçou pelas costas e acariciou-lhe o ventre. — Pensei que tivesse ido a Charleston, com Ben.

— Nós fomos. E compramos o pônei para Nathan, conforme prometemos. Quer vê-lo? Ou está ocupada?

Joana sorriu.

— Nunca estou ocupada, para você querido — provocou, entreabrindo os lábios quando Cole inclinou-se para beijá-la.

— E você? Tem algum tempo para mim? Nathan está dormindo. Portanto, tenho todo o tempo do mundo!

Cole gemeu e abraçou Joana com ternura.

— Jô, como consegui sobreviver três anos sem você?

— Não sei — murmurou ela, oferecendo-lhe novamente os lábios. — Mas temos todo o tempo do mundo para compensar...

 

 

                                                                  Anne Mather

 

 

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