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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A FILHA DE MARIA ANGU / Artur Azevedo
A FILHA DE MARIA ANGU / Artur Azevedo

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Artur Azevedo

 

 

 

 

Representada pela primeira vez no Rio de Janeiro, no Teatro Fênix Dramática, em 21 de março de 1876, e, depois de alterada conforme esta edição, representada pela primeira vez na mesma cidade, no Teatro Santana, em 17 de março de 1894.
 
PERSONAGENS: CLARINHA ANGU  CHICA VALSA ÂNGELO BITU SAMPAIO BARNABÉ SOTA-E-ÁS O ESCRIVÃO CARDOSO GUILHERME UMA AUTORIDADE  UM TIPO  O JUIZ DA FESTA CHICA PITADA  GAIVOTA GENOVEVA TERESA LEONOR CIDALISA MADEMOISELLE X  Operários, jogadores, urbanos, festeiros, cocotes, soldados da polícia, pessoas do povo, etc. 


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A ação do 1º e 3º ato passa-se na freguesia de Maria Angu, e a do 2º na cidade do Rio de Janeiro, em 1876. 
 
ATO I Praça pública em Maria Angu. A esquerda uma casa com este letreiro: “Barnabé, barbeiro e sangrador. Aplica bixas.” Ao fundo, uma grande fábrica com este letreiro: “Fábrica de Fiação e Tecidos Pinho & Companhia.”    CENA I Botelho, Cardoso, Guilherme, Gaivota, Teresa, operários depois Barnabé.
 
CORO  Que prazer,  Que alegria  Deve haver  Neste dia!  Pois Clarinha  Casadinha  Enfim nós vamos ver! 
 
OS HOMENS (à esquerda)  Olá! Olá! Barnabé! Olá! 
 
BARNABÉ (aparecendo à janela)  Aqui estou! 
 
TODOS O Barnabé lá está! 
 
BARNABÉ Já lá vou! (Desaparece) 
 
UNS Que pressa tem! 
 
OUTROS Faz muito bem! 
 
AS MULHERES (à direita)  Clarinha! Clarinha! Clarinha! 
 
BABU (aparecendo à janela)  ‘Stá se aprontando a sinhazinha. 
 
TODOS Que diz a mulatinha! 
 
BABU Mas não se pode demorar,  Pois o véu já foi colocar. 
 
BARNABÉ (saindo de casa, vestido de noivo)  Gentis amigos meus  Aqui estou! Aqui estou!  Eu sou feliz, meu Deus! 
 
COPLAS
 
I Inda um sonho me parece  Tudo quanto aconteceu!  Toda a minha alma estremece  Estremece o peito meu!  Todo mundo agora inveja  O prazer que vou sentir...  Vou solteiro entrar na igreja  E casado vou sair!  Vendo as coisas neste pé,  Sinto dentro um quer-que-é! 
 
CORO  Nosso amigo Barnabé  Sente dentro um quer-que-é!   
 
II BARNABÉ Vai chegar a noiva amada  Nos seus trajes virginais!  Vai chegar envergonhada,  E mais bela, muito mais!  Meus senhores e senhoras,  Tenham compaixão de nós:  Não nos macem muitas horas...  Nós queremos ficar sós!  Vendo as coisas neste pé,  Sinto dentro um quer-que-é! 
 
BABU (à Janela)  Aí vai a noiva bela! 
 
BARNABÉ Ah! É ela! 
 
TODOS É ela! 
 
CENA II Os mesmos, Clarinha Vestida de noiva e acompanhada pela madrinha de casamento.
 
CORO  Aí! como vem galante!  Assim tão elegante  Ninguém há!  Meu Deus, está tão linda!  É mais bonita ainda  Vestida como está! 
 
(Durante toda esta cena, Clarinha deve conservar os olhos baixos) 
 
OS HOMENS Vem abraçar a gente! 
 
AS MULHERES A nós primeiramente! 
 
BARNABÉ Vão amarrotar-lhe o vestido!  Abraça apenas teu marido! 
 
CLARINHA Da mesma forma amarrotá-lo-ia! 
 
CARDOSO (repelindo Barnabé)  Sim! sim! Pra trás! 
 
AS MULHERES Então Clarinha,  Que dizes tu desta festinha   CLARINHA Que digo eu? 
 
AS MULHERES Fala! 
 
CLARINHA Não sei. 
 
ROMANÇA
 
I Meus qu’ridos pais, vós dissestes-me um dia  Que era preciso de estado mudar:  Contrariar-vos eu não pretendia,  E consenti sem me fazer rogar.  Mas, com franqueza, aqui digo e sustento 
 
Que ignoro ainda em que vou me meter...  Que poderei dizer do casamento?  Eu nada sei, nada posso dizer... 
 
CORO  Candura só Clarinha tem! 
 
BARNABÉ Ela nada sabe! Ainda bem! 
 
II CLARINHA Aqui fiquei, orfãzinha inocente,  E resolvestes mandar-me educar;  Tudo aprendi, isto é, tão somente  O que uma moça não deve ignorar.  Fui até hoje ajuizada e modesta,  E de hoje em diante de certo o serei;  Mas só direi o que penso da festa  Quando souber, pois ora não sei... 
 
CORO  Candura só Clarinha tem! 
 
BARNABÉ Ela nada sabe! Ainda bem!... 
 
BOTELHO Para a Matriz marchar sem mais demora! 
 
CARDOSO Para a Matriz? Cedo inda é!  Temos por nós inda uma hora,  Para cair num balancé! 
 
BARNABÉ Vou para perto da Matriz, 
 
Sentar-me vou no chafariz,  Pois junto ao templo do himeneu,  Mais paciência terei eu! 
 
CORO  Pois dito está!  Vamos pra lá!  Que prazer,  Que alegria  Deve haver  Neste dia!  Pois Clarinha  Casadinha  Enfim nós vamos ver!   
 
CENA III Os mesmos, Chica Pitada. 
 
CHICA Ouçam! 
 
TODOS Que é? 
 
CHICA Um obstáculo se opõe ao casamento! 
 
TODOS Um obstáculo! 
 
BARNABÉ Bonito! 
 
CHICA Não é nada de cuidado. Sossega, Barnabé, que não te foge a noiva! Trata-se de uma pequena contrariedade. Vou dizer o que tenho a dizer, mas é preciso que Clarinha não esteja aqui. (Levando-a para casa) Entra por alguns momentos... vai... 
 
TODOS (entre si, murmurando)  Que será? Um obstáculo!   
 
CENA IV Os mesmos, menos Clarinha e Babu. 
 
GUILHERME Vamos! Desembuche! Que há de novo? 
 
TODOS Fale! Fale! 
 
BOTELHO Vamos, senão rebento! 
 
BARNABÉ Estou em brasas! 
 
CHICA Lá vai rapazes! Sabem vocês que nos metemos em boas? 
 
CARDOSO Quais boas, homem? 
 
CHICA Quando a defunta Maria Angu morreu, pobre que nem Jó, ela que tinha tanto dinheiro, e deixou no mundo uma filhinha que, com a graça do Senhor, nasceu no Hotel Ravot, lá na Corte... 
 
TODOS Sim, sim! E que mais? 
 
CHICA Não estivemos com meias medidas, hein? Dissemos todos a uma: Já que a pequena não tem pai, nem mãe, há de ser filha da gente cá da fábrica! Foi dito e feito, rapazes! Vocês ficaram sendo pais (às mulheres) e nós, mães! Ora aí está! 
 
TERESA Até aí morreu o Neves. 
 
GUILHERME (meio triste)  Mas para que diabo vir cá lembrar essas coisas? 
 
CHICA Essas coisas pouco têm que ver com o que lhes quero contar. O caso é que trasanteontem fizemos uma grande asneira. 
 
TODOS Uma asneira! 
 
CHICA Para podermos casar a pequena, como não havia certidão de idade, fomos ao Senhor Vigário e declaramos que ela era filha do Alferes Angu e de sua mulher, Dona Maria Ernestina de Carvalho Angu. 
 
TODOS E daí? 
 
CHICA Daí que a pequena tem vinte anos e há vinte e dois que o Alferes Angu deu a casca! 
 
CARDOSO Nem tal nos passou pela cabeça! 
 
BOTELHO Mas havia de passar pela do alferes... 
 
CHICA Não me interrompam! Ontem mandaram uma carta anônima à comadre do Senhor Vigário, dizendo que a Clarinha entrou neste mundo dois anos depois que o pai saiu. 
 
BARNABÉ Que é lá isso? Então minha noiva não é filha do seu pai? De quem então é ela filha? 
 
CHICA Valha-me Nossa Senhora! Não há de ser do outro senão daquele sujeito rico que lhe dava cama e mesa no Hotel Ravot. 
 
BARNABÉ A quem? Ao pai de minha?... 
 
CHICA Não: à mãe... Era um barão muito rico! 
 
BARNABÉ Quem?... a mãe?... 
 
CHICA Não: o pai! 
 
BARNABÉ O pai da minha noiva, um barão! Que honra, meu Deus! que honra para um barbeiro sangrador! Ó seu Botelho, o pai, sendo barão a filha que vem a ser? 
 
BOTELHO Baroa! 
 
CARDOSO Continue, tia Chica Pitada. Que tem a comadre do Senhor Vigário com o que nos acaba de contar? 
 
CHICA A comadre nada; mas diz o Senhor Vigário que é preciso por força arranjar-lhe outro pai. 
 
TODOS Ah! 
 
BOTELHO Se o noivo estiver pelos autos! 
 
BARNABÉ Eu? ora essa! Não me caso com o pai, caso-me com a filha! 
 
GUILHERME E podes levantar as mãos para o céu! Aquilo é mesmo uma teteia! 
 
GAIVOTA Nós, que lhe servimos de pai e mãe, não olhamos as despesas para dar-lhe uma educação esmerada. 
 
CARDOSO Foi criada como uma marquesa! 
 
CHICA Podes dizer uma princesa, porque o foi no colégio das irmãs de caridade. 
 
GUILHERME Razão pela qual ficou com um ligeiro Sotaque francês que lhe dá muita graça. 
 
TERESA E que juizinho o dela! Como é modesta... inocente!... 
 
BARNABÉ Oh! lá inocente é ela! Por isso meto eu as mãos no fogo! 
 
CARDOSO E ainda te queixas? 
 
BARNABÉ Tão inocente que não se atreve nem a olhar para mim que sou seu noivo! 
 
CHICA Que diferença entre mãe e filha! 
 
BARNABÉ É verdade: vocês que conheceram como as palmas das mãos essa famosa Maria Angu, que deu nome a esta freguesia, digam-me: é verdade tudo o que contam a seu respeito? 
 
CHICA Se é verdade? Ora essa! Ouve lá, meu rapaz!... 
 
COPLAS
 
I Na fábrica do Pinho  Ainda a encontrei  Era um santo Antoninho,  Onde é que te porei!  Se acaso lhe tocava  Algum sujeito, zás!  (Deita as mãos nas ilhargas)  Aqui as mãos botava  E agora vê-lo-ás!  Arrogante,  Petulante,  tendo uns cobres no baú,  Respondona,  Gritalhona,  Era assim Maria Angu! 
 
CORO 
 
Arrogante, etc.; 
 
II CHICA Andou por Sorocaba  Por Guaratinguetá,  Por Pindamonhangaba  Por Jacarepaguá.  Depois, em Caçapava,  Um certo capitão  Vendeu-a como escrava  E foi pra correção!  Paraíba  Guaratiba,  Chapéu d’uvas, Iguaçu,  Itaoca  Aiuroca  Tudo viu Maria Angu! 
 
CORO  Paraíba, etc. 
 
II CHICA Enfim, por toda a parte  Depois de muito andar,  Sem mais tirte nem guarte  Na corte foi parar;  Um barão com grandeza  Por ela se enguiçou,  E deu-lhe cama e mesa  No grande Hotel Ravot!  Arrogante, etc. 
 
BARNABÉ Tudo isso é muito bom, mas vamos, vamos, que se vai fazendo tarde! Eu sinto uma vontade de me casar... 
 
VOZES (fora)  Viva o Imparcial! Viva Nhonhô Bitu! 
 
TODOS Que é isto? Que barulho é este? 
 
CHICA Ora o que há de ser? É o vagabundo do Nhonhô Bitu! 
 
GUILHERME Quê! pois já saiu da cadeia?... 
 
TERESA Ele para lá na prisão!... 
 
CARDOSO Não sei como diabo tece os pauzinhos! O Senhor Subdelegado, que não é para graças, manda prendê-lo todas as semanas, e daí a três dias aparece de novo o jornal!... 
 
GAIVOTA Mas por que o prendem? 
 
CHICA Pois não sabes que ele é republicano, e escreve artigos contra o Senhor Subdelegado, que faz o que entende? Manda quem pode! E a graça é que está proibida a leitura do Imparcial, sob pena de três dias de prisão e multa correspondente... a três meses! 
 
BARNABÉ Se esse pássaro de arribação se contentasse com escrever gazetas contra A autoridade, era bem bom, mas arrastar a asa à minha noiva!... 
 
BOTELHO Lá nesse ponto, Barnabé, podes estar sossegado. 
 
GUILHERME Ora adeus! cá estamos nós! 
 
OS HOMENS E também nós! 
 
AS MULHERES E então nós? e então nós? 
 
BARNABÉ Vocês tem razão, meus estimados sogros e sogras; quando uma rapariga tem tantos pais e tantas mães, não se deve temer um sedutor! 
 
(Rumor fora) 
 
BITU (fora)  Meu povo, daqui a nada aparece o Imparcial! A assinatura são cinco mil réis por trimestre, pagos adiantados! Número avulso, cem réis! (Entrando) Daqui a pouco será distribuído o interessante e enérgico periódico o Imparcial! Vem descompostura bravia! Viva a liberdade de imprensa! 
 
VOZES (fora)  Viva! viva! 
 
CENA V Os mesmos, Bitu. 
 
BOTELHO Então já saiu do xilindró, Nhonhô Bitu? 
 
BITU Olé! que chiquismo! 
 
GUILHERME Mais dia, menos dia, o senhor é enforcado ali ao Largo da Matriz! 
 
BITU Não creia nisso, Mestre Guilherme; fui hoje solto pela quinquagésima; mas é muito provável que me prendam daqui a pouco, logo que se distribua o Imparcial, para ser solto amanhã. E que fazem vocês, infelizes filhos de Maria Angu? Que fazem vocês, que não reagem contra as arbitrariedades de um burlesco fanfarrão, arvorado em autoridade policial? Mas, ora adeus! diz o ditado “o boi solto lambe-se todo”; eu mesmo preso lambo-me bem... 
 
BARNABÉ Então você é boi? 
 
BITU Já estabeleci na Câmara Municipal, isto é, na cadeia, o meu escritório de redação. 
 
CARDOSO Mas o senhor quem é e de onde veio, não nos dirá? 
 
BITU Pergunta-me bem a quem não lhe pode responder. Todos sabem a minha história, menos eu, que ignoro quem sou, de onde vim e para onde vou. Aqui onde me veem está um grande homem! Abraço as ideias do século e pugno pela nobre causa da democracia! Em 1867 tentei proclamar uma pequena república na Ilha dos Ratos! Foi a falta de metal sonante que me privou de fazer lavrar a minha santa propaganda... 
 
BARNABÉ (à parte)  Santa propaganda! nunca vi esta santa na folhinha! 
 
BITU Mas para que todo este aparato? 
 
BARNABÉ (à parte)  Um bonito nome! Propaganda! 
 
CHICA (a Bitu)  Temos hoje um casório. 
 
BARNABÉ (à parte)  Quando tiver uma filha, hei de chamá-la Propaganda! 
 
BOTELHO (mostrando Barnabé)  E o futuro está presente. 
 
BITU Pois é este paspalhão? Estou passado! 
 
BARNABÉ Paspalhão é ele! 
 
BITU Meus sinceros parabéns, mestre Barnabé. 
 
BARNABÉ Aceito os parabéns, mas engula, engula o paspalhão! 
 
BITU Pois engulo, essa não seja a dúvida. 
 
BARNABÉ E não engolisse! 
 
BITU E com quem se casa este pax-vobis? 
 
BARNABÉ (entre dentes)  Insolente! 
 
CARDOSO A noiva é nossa filha. 
 
CHICA A filha dos operários da fábrica! 
 
TODOS Clarinha! 
 
BITU Clarinha? Ah! é a Clarinha? (Inclinando-se diante de Barnabé) Nova edição de parabéns! 
 
BOTELHO A propósito, meu escrevinhador de gazetas; tenho a lembrar-lhe que a honra de nosso futuro genro nos é tão preciosa como a nossa, ouviu?... 
 
CARDOSO E que se algum pelintra tivesse o desaforo de... Percebe? 
 
GUILHERME Tinha de se haver conosco, entende! 
 
OS HOMENS Com todos nós! 
 
AS MULHERES E então nós! 
 
BITU Que querem vocês dizes na sua? 
 
CARDOSO Simples advertência, Nhonhô. Agora rapaziada, vamos embora! 
 
TODOS Vamos embora! 
 
CORO  Arrogante petulante, etc., etc. (Saem todos)   
 
CENA VI 
  BITU (só)  Com que então ela casa-se... apesar de todas as suas promessas, apesar do juramento, que lhe fiz, de matar-me, se se ligasse ao paspalhão do barbeiro! Olhem que é mesmo um paspalhão! Mas, enfim, louvado Deus, não me hão de faltar consolações, e, para prova, aqui está uma cartinha que acabo de receber pelo correio. (Lendo) “Senhor Ângelo Bitu. Uma pessoa que vela pelo senhor e se desvela pelo seu bem estar, espera que depois d’amanhã se ache no Largo do Rossio, na Corte, às quatro horas da tarde, junto ao quiosque que fica em frente à Rua do Sacramento, e siga a preta velha que lhe disser: venho da parte daquela que se desvela pelo senhor”. (Declamando) E com tanta vela estou às escuras! Não importa! Tomarei o trem das dez... Naturalmente esta carta é escrita por uma mulher... (Cheirando a carta) Isto não é cheiro de homem... 
 
RONDÓ Eu gosto muito da Clarinha, Mas não devo me entristecer, Pois quero crer que esta cartinha Consolação vem me trazer.
 
Este perfume capitoso Revela esplêndida mulher, Que, desejando arder em gozo, Nos lábios seus, meus lábios quer!
 
Eu gosto muito da Clarinha, E ser quisera o esposo seu; Digam porém, se é culpa minha
 
Coisa melhor baixar do céu!
 
Esta carta misteriosa Me pôs, confesso, o juízo a arder! A mão que fez tão bela prosa Ansioso estou por conhecer!
 
Eu gosto muito da Clarinha; Ela, porém, vai se casar... Passou-me o pé a Sinhazinha, Hei de lhe o pé também passar!
 
De mais a mais este mistério o meu espírito agitou! Para saber se o caso é sério, No trem das dez à Corte vou.
 
Mas deixe estar, Dona Clarinha, Que, se me passa agora o pé, Um belo dia será minha, Ligada embora ao Barnabé!
 
 
CENA VII  Bitu, Clarinha, Babu.
 
BITU (à parte)  Ela! 
 
CLARINHA (a Babu)  Ouviste bem? Está alerta! 
 
BABU  Eh, eh, Sinhazinha! Veja o que faz! 
 
CLARINHA Fica ali na esquina, e, se os vires, vem dizer-me depressa. 
 
BABU  Ah, Sinhazinha! No dia do seu casamento! (À parte) O que fará depois? (Sai) 
 
CLARINHA (indo resolutamente a Bitu)  Então? Não me cumprimentas pelo meu vestuário? 
 
BITU (friamente)  Minha senhora... 
 
CLARINHA Não gostas de me ver assim vestida? 
 
BITU Se queres que te fale com franqueza... 
 
CLARINHA O caso é que a estas horas eu já devia estar casadinha da silva... 
 
BITU (tristemente)  Casada... 
 
CLARINHA Mas achei um pretexto para demorar a cerimônia: escrevi uma carta anônima ao vigário. 
 
BITU E a cerimônia foi transferida à última hora? 
 
CLARINHA Infelizmente a carta não produziu um resultado completo. 
 
BITU E agora? 
 
CLARINHA É preciso procurar outro pretexto; não achas? 
 
BITU Se eu achasse, estava tudo arranjado. 
 
CLARINHA Não te lembras de nenhum? 
 
BITU O mais simples é este: declaras que morres por mim e que eu morro por ti; que somos dois morrões, como dizia o outro. 
 
CLARINHA Mas não me havias pedido que guardasse segredo? 
 
BITU Então não sabes por quê? Porque nada sou, porque não tenho onde cair morto... não passo de um simples jornalista da roça. A propósito: aqui tens o número de hoje do Imparcial. Tem de ser distribuído daqui a pouco. Estou só a espera do entregador; não o mostres por ora a ninguém. 
 
CLARINHA (guardando o jornal)  Eu já recusei dezenove pretendentes. Bem sabes que meus pais e minhas mães fazem empenho em meu casamento com Barnabé. Eu não tinha motivo algum para recusá-lo, e, se o recusasse, seria afligilos. Que me restava a fazer, se devo tudo àquela boa gente? 
 
BITU Casas por gratidão, não é assim? 
 
CLARINHA Não! não me caso, mesmo porque, se o fizesse, tu suicidavas-te. 
 
BITU (tirando uma grande faca)  E suicido-me!... (Como quem quer cortar o pescoço) 
 
CLARINHA Acredito... acredito... guarda a faca! (Fá-lo guardar a faca) Vê o dilema em que me acho; se me caso, matas-te; se não me caso, desgosto a meus pais e minhas mães. Ah! se minha verdadeira mãe estivesse em meu lugar, outro galo cantaria! 
 
BITU Quem? Maria Angu? 
 
CLARINHA Era mulher decidida! Para ela não havia obstáculo possível! 
 
BITU Como diabo se sairia a velha desta entalação? 
 
CLARINHA É nisso que estou parafusando... 
 
BITU Parafusemos... 
 
DUETO
 
AMBOS  Esse pretexto desejado  Encontraremos, tu verás,  Pois diz um célebre ditado  Que a união a força faz. 
 
CLARINHA Posso dizer que estou doente 
 
BITU Isso não pega! Tens tão boa cor! 
 
CLARINHA Vou procurar coisa melhor. 
 
BITU Esse pretexto é deficiente. 
 
CLARINHA Não! Não! Dificultoso está!  Maria Angu teria achado já! 
 
AMBOS  Maria Angu teria achado já!... 
 
BITU Se o Barnabé, o teu futuro,  Exp’rimentar a força do Bitu? 
 
CLARINHA Queres dar-lhe? 
 
BITU Hein? que dizes tu?  Creio que enfim achei um furo! 
 
CLARINHA Não! Não! Dificultoso está!  Maria Angu teria achado já!... 
 
AMBOS  Maria Angu teria achado já!... 
 
BITU Ao Barnabé prevenirás,  Para ver se te renuncia,  Que tu, mais dia menos dia,  O enganarás... 
 
CLARINHA Isso se faz... 
 
Mas sem se dizer. 
 
BITU Então não sei que possamos fazer! 
 
CLARINHA Eu tenho um meio extraordinário  Que pode evitar tamanho desgosto:  No momento em que o S’or Vigário  Perguntar se caso por gosto,  Em vez de “sim”, eu direi”não”! 
 
BITU Tu dirás “não”? 
 
CLARINHA Eu direi”não”! 
 
BITU ‘Stá dito então!  Ah! que alegria em mim nasce!  Quero beijar-te a rubicunda face! 
 
CLARINHA Vê que estou vestida assim!  Não queiras beijos de mim! 
 
BITU Oh! que te importa o vestuário?  Ainda não foste ao Vigário!  Não me dás um beijo tu?  A teus pés morre o Bitu 
 
JUNTOS
 
BITU Meu amor, não tenhas pejo!
CLARINHA Eu não quero, não desejo
 
Sem demora, dás-me um beijo! Ai, ladrão, não queiras tu Que a teus pés morra o Bitu!
Receber nem dar um beijo! Fica quieto, meu Bitu!  Ai, meu Deus! Que fazes tu? 
 
(No fim do dueto, no momento em que Bitu dá um beijo em Clarinha, Sampaio e o escrivão aparecem ao fundo. Os namorados fogem, ele para a esquerda e ela para casa)   
 
CENA VIII Sampaio, o escrivão.
 
SAMPAIO Que é isto? Escândalos na via pública!... 
 
ESCRIVÃO Senhor Subdelegado, saiba vossa senhoria que aquele capadócio que deu as de vila Diogo é ele! 
 
SAMPAIO Ah! é ele? Mas ele quem, seu escrivão? 
 
ESCRIVÃO Ele, o Ângelo Bitu, mais conhecido por Nhonhô Bitu. 
 
SAMPAIO O redator do Imparcial. 
 
ESCRIVÃO Tão certo como dois e três são trinta e dois às avessas. 
 
SAMPAIO Eu mandei-o soltar inda agorinha mesmo, e ele já aqui anda fazendo das suas?! 
 
ESCRIVÃO Em soltá-lo é que vossa senhoria faz mal; para aquilo galés perpétuas por toda a vida e mais cinco anos! 
 
SAMPAIO Se aparecer de novo o pasquim, cadeia com ele! 
 
ESCRIVÃO Com o pasquim? 
 
SAMPAIO Com o Bitu, seu escrivão! Você é um bolas!... Bem como com todo indivíduo ou indivídua que o ler em público! 
 
ESCRIVÃO As ordens de vossa senhoria serão cumpridas à risca. Mas eu achava melhor desterrar o tal Bitu. 
 
SAMPAIO Qual desterrar nem meio desterrar! Você é um bolas, seu escrivão! Por artes de berliques e berloques, o tal rabiscador veio ao conhecimento de meus amores com a Chiquinha Valsa... aquela rapariga da Corte, que parece francesa... aquela que foi passear à Europa à minha custa?... 
 
ESCRIVÃO Na verdade, só por artes de berloques e berliques... 
 
SAMPAIO E você compreende que, se aqui sabem de minhas relações com aquela mulher, vai tudo raso! 
 
ESCRIVÃO Se eu estivesse no lugar de vossa senhoria, bem pouco se me dava... Ora! um subdelegado! 
 
SAMPAIO Você é um bolas, seu escrivão! pois não vê que sou chefe de família? Não tenho mulher, sou viúvo, mas adeus! aí estão três filhas solteiras... A propósito, seu escrivão: recebi hoje notícias que a Chiquinha voltou da Europa. É preciso partirmos amanhã para a Corte. Vamos estabelecer de novo a banca, que há ano e meio me rendeu bem bom cobre. Você acompanha-me para evitar suspeitas, entende? E pode arranjar seu gancho, servindo de ficheiro... 
 
ESCRIVÃO As ordens de vossa senhoria serão cumpridas à risca. 
 
SAMPAIO O que pretendo fazer, antes de partir, é entender-me com o tal Bitu. Sei que é um troca-tintas, e não hesitará em quebrar a pena, mediante algumas pelegas. 
 
ESCRIVÃO Eu também estou convencido de que vossa senhoria alcançará mais com pelegas do que com a cadeia. (Vendo vir Bitu) Olhe, a ocasião é excelente... ele aí vem... 
 
SAMPAIO Afaste-se, mas não vá para muito longe. Olhe que o cabra é capoeira! Quando eu gritar... 
 
ESCRIVÃO Cadeia com ele! As ordens de vossa senhoria serão cumpridas à risca. (Sai). 
 
 
CENA IX Bitu, Sampaio. 
 
BITU Separaram-se finalmente! Que amoladores serão estes? 
 
SAMPAIO (consigo) 
 
Não sei por onde hei de principiar... 
 
BITU (consigo)  Que grande maçante! 
 
SAMPAIO (consigo)  Ora! pelo dinheiro! (Dirigindo-se a Bitu) Não é o célebre redator do acreditado periódico o Imparcial, ao Doutor Ângelo Bitu que tenho a honra de... 
 
BITU O próprio, menos o Doutor: não passei dos preparatórios. 
 
SAMPAIO (amável)  Aceite minhas felicitações; sou entusiasta pelo seu talento... admiro os seus bonitos artigos... 
 
BITU (à parte)  Apanho uma assinatura! 
 
SAMPAIO Apontar os abusos, desmascarar os intrigantes, difundir a instrução é muito bonito, é muito louvável, é... Mas o senhor tem sido muito injusto com um cidadão conspícuo, pai de três filhas solteiras, que é constantemente injuriado nas colunas do Imparcial. 
 
BITU De quem se trata? 
 
SAMPAIO Do subdelegado desta freguesia. O senhor não o conhece... 
 
BITU Não o conheço de vista, mas sei que é um refinado tratante! 
 
SAMPAIO (gritando) 
 
Senhor Bitu! (Vendo o escrivão que espia ao fundo) Vá embora! não há novidade! (O escrivão desaparece) O senhor sabe com quem está falando? 
 
BITU Não tenho a distinta... 
 
SAMPAIO Eu sou o subdelegado! 
 
BITU O Sampaio?!... Ah!Ah!... 
 
DUETO
 
BITU Pois quê! é o Subdelegado? 
 
SAMPAIO Sim, senhor: Subdelegado! 
 
BITU Eu não tinha imaginado  Encontrá-lo agora cá!  Ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah! 
 
SAMPAIO De que ri, não me dirá? 
 
BITU Eu não ligava o nome... 
 
SAMPAIO Eu cá não me constranjo  Para propor-lhe um bom arranjo:  É matar o Imparcial,  Suprimir o seu jornal! 
 
BITU (altivo) Nem quero responder! 
 
SAMPAIO (à parte)  Tratante, eu cá te entendo!  (Alto)  Se um bom conteco eu lhe oferecer? 
 
BITU (com dignidade)  Então, quer me comprar? Senhor, eu não me vendo! 
 
SAMPAIO Pois bem! Dois contos! quer! 
 
BITU Senhor!... 
 
SAMPAIO Então três contos, sim? 
 
BITU Três contos... 
 
SAMPAIO Está dito? 
 
BITU (à parte)  Três contos, safa! Um bom dote é bem bonito.  E não tem tanto o Barnabé! 
 
SAMPAIO (à parte)  Oh! Que bom! ele hesita! (Alto) Eu já propus até  Três contos! 
 
BITU Não! 
 
SAMPAIO Dou quatro! 
 
BITU Não há meio! 
 
SAMPAIO Pois bem! pois bem! eu dou-lhe quatro e meio! 
 
BITU Não! Eu quero inda mais! 
 
SAMPAIO Eu generoso sou.  Pois arredondo as contas e cinco dou! 
 
BITU Cinco contos? 
 
SAMPAIO Pegou? 
 
BITU Sim! aceito os cinco contos! 
 
SAMPAIO E o seu jornal acabará? 
 
BITU O meu jornal acabou já! 
 
SAMPAIO E o senhor sai daqui? 
 
BITU Já tenho os baús prontos! 
 
Quero ser pago já e já! 
 
SAMPAIO Em minha casa o cobre está! 
 
JUNTOS
 
BITU Sim senhor, fiz bom negócio Vou viver em santo ócio! Cinco contos eu ganhei! Sou mais feliz que um rei! Brevemente estou casado! Viva o S’or Subdelegado Viva, viva o meu jornal! Viva, viva o Imparcial!
SAMPAIO Sim senhor, fiz bom negócio  Co’este grande capadócio!  Cinco contos eu gastei,  Porém melhor viverei  Posso agora sossegado  Ser um bom Subdelegado!  Morra, morra o tal jornal!  Morra, morra o Imparcial 
 
(Sampaio sai)  
 
CENA X Bitu, depois Babu.
 
BITU Então, seu redator do Imparcial, sabe você o que acaba de fazer? Nada menos que vender a sua pena! Vendê-la, sem! Mas em que há nisto mal? Para velhaco, velhaco e meio. Eu gostava da Chiquinha Valsa como se pode gostar de uma mulher bonita. É a brasileira mais francesa que eu conheço! Ela andava também pelo beicinho, e, durante o tempo em que isso durou, passei uma vida de Lopes. Um dia apareceu este subdelegado em casa dela. Eu disse-lhe que não a queria em companhia de um matuto... Palavra puxa palavra... zangamo-nos... ela foi para a Europa... e o resultado foi perder eu a mina! Resolvi vingar-me deste Tipo! Vim para cá, fundei o Imparcial, tenho-lhe dado bordoada de criar bicho, e agora obrigo-o a gastar cinco contos de réis para tapar-me a boca. Isto é o que se chama habilidade, e o mais são histórias! 
 
BABU (correndo)  Saia! Depressa! Depressa! Aí vem toda gente! (Reparando) Uê! Sinhazinha já foi? 
 
BITU Já. Vai ter com ela, e dize-lhe de minha parte que já achei o pretexto que procurávamos. 
 
BABU  O... quê? 
 
BITU Pretexto. Não se pode falar com gente inculta! 
 
BABU (repetindo a palavra para lembrar-se)  Pretexto... pretexto... pretexto... pretexto... (Sai. Rumor fora) 
 
BITU Eles aí vêm! Coragem, Bitu! Um homem é um homem!...   
 
CENA XI Bitu, Cardoso, Guilherme, Botelho, Chica Pitada, Gaivota, Teresa, Barnabé, depois Clarinha à janela. 
 
CARDOSO Não é preciso tanta pressa. Temos tempo. 
 
BARNABÉ Mas olhem que minha noiva deve estar com cuidados! Ela ignora o motivo da demora do casamento, e a estas horas supõe talvez —  coitadinha! —  que algum obstáculo mais importante nos prive da ventura de pertencer um ao outro! 
 
BITU Se é só isso o que receia... 
 
BOTELHO Ainda o Nhonhô Bitu! 
 
BITU Eu estava aqui à espera de todos vocês. 
 
TODOS Ah! 
 
GUILHERME À nossa espera! 
 
BITU Aí vai tudo em duas palavras: casando-se aqui com o mestre barbeiro e sangrador, Clarinha sacrificava-se à gratidão que lhes deve. 
 
BARNABÉ Que diz ele? 
 
CARDOSO Cala a boca! (A Bitu) Adiante! 
 
CLARINHA (aparecendo à janela, à parte)  De que pretexto lembraria ele? 
 
BITU O que é verdade é que eu e Clarinha nos amamos! 
 
CLARINHA (à parte)  Que ouço! 
 
BITU Se até agora ocultei esta circunstância, é que estava pobre; mas hoje o negócio muda de figura. 
 
CLARINHA (à parte)  Hein? 
 
TODOS Explique-se... 
 
BITU Tenho cinco contos de réis! 
 
TODOS Cinco contos de réis!... 
 
BITU Portanto o que vocês podem fazer de melhor é dizer ao Barnabé que volte às suas navalhas e ao seu sabão, e aceitar-me em seu lugar. 
 
BARNABÉ Ah! 
 
TODOS Oh!... 
 
GUILHERME Então, que dizem vocês a isto? 
 
CHICA Digo é que tenho visto muito homem descarado, mas assim também, não!... 
 
GAIVOTA Mas, dado o caso que Clarinha goste de você... 
 
BARNABÉ Deixe-se disso! 
 
GAIVOTA É uma suposição. 
 
TODOS Sim... sim... 
 
GAIVOTA Quem é você? Donde vem? Para onde vai? Sabe dizê-lo? 
 
BITU Querem saber quem sou? Sou um homem! Donde venho? Da Corte, onde fui educado... Aonde vou? Aonde o destino e o meu cobre me levarem. 
 
TERESA E onde foi buscar esse dinheiro? Que cabras não tem... 
 
BITU Esse dinheiro? Arranjei-o com o Imparcial! 
 
CHICA Pois é esse papelucho que lhe dá cinco contos de réis? 
 
TODOS Ora! ora! ora! 
 
CHICA Então pensa que comemos araras? 
 
BITU Mas eu asseguro-lhes que... 
 
CARDOSO E quando assim fosse? Julga que vendemos nossa filha como você vendeu sua folha? 
 
BITU Mas eu já lhes disse que ela não gosta do Barnabé! 
 
BARNABÉ Isto revolta! 
 
CARDOSO Cala-te, que vamos pôr tudo em pratos limpos. Precisamos entender-nos com ela. 
 
BOTELHO Sim, está claro. 
 
CARDOSO E quanto a você, seu imparcial, fique na certeza de que, se ela o ama, damo-lhes cabo do canastro! 
 
CLARINHA (à parte)  Que ouço! (Deixa a janela) 
 
GUILHERME E se ela não o ama, degolamo-lo! 
 
(Saem) 
 
BITU (à parte)  Estou metido em bons lençóis; enfim. 
 
BARNABÉ (voltando)  Sim! se ela o ama. 
 
BITU (ameaçando)  Ai mau! ai mau!... 
 
BARNABÉ (fugindo)  Eu não!... Eu não!... (De longe)... dão-lhe cabo do canastro! (Sai)   
 
CENA XII  Bitu, só. 
 
BITU Ah! seu Bitu, não bastam cinco contos para se alcançar quanto se deseja! E tinha você precisão de comprar a felicidade quando ela se lhe oferece grátis? (Mostra a carta) Acaso esta mulher, que tão depressa esqueci, este anjo misterioso que vela e se desvela por mim, exige cinco contos de réis? Ingrato! Idiota!... para teu castigo suprimirás a tua folha, mas também não receberás semelhante dinheiro, que te escaldaria as mãos!   
 
CENA XIII  Bitu, um tipo, pessoas do povo. 
 
O TIPO  Ali está ele! ali está ele! 
 
BITU Bonito! Aí chegam alguns dos meus Assinantes! 
 
O TIPO  Viva o redator do Imparcial! 
 
TODOS Viva! Viva Nhonhô Bitu! 
 
BITU O Imparcial morreu, meus senhores! (À parte) E sacrifico toda esta popularidade! 
 
TODOS Hein? 
 
BITU Morreu! 
 
O TIPO Não pode ser! De hoje em diante quem defenderá os interesses da freguesia? 
 
BITU Procurem outro. Não esperem nada de mim. Amanhã piro-me para a Corte. 
 
TODOS Ah! 
 
O TIPO  Tu prometeste distribuir agora o jornal! 
 
BITU Já lhes disse o que tinha a dizer! 
 
TODOS Oh! 
 
FINAL
 
CORO  Nhonhô Bitu, venha o jornal!  Sem mais tardar queremos lê-lo!  Se não aparecer, a gente vai-te ao pelo!  É já  Pra cá  O Imparcial! 
 
 
CENA XIV  Os mesmos, Cardoso, Guilherme, Botelho, Clarinha, Chica Pitada, Gaivota, Teresa, operários.
 
ASSINANTES  Que será? Por que tanto alarido?  É Bitu que falta ao prometido! 
 
OPERÁRIOS  Bitu é coisa ruim  E o seu jornal pasquim! 
 
ASSINANTES  Não! não! não! não!  É antes um poltrão! 
 
O TIPO  Não quer mais uma vez  Dormir lá no xadrez! 
 
CLARINHA (à parte)  O Imparcial aqui vou ler  E deste modo me faço prender! 
 
CORO  Mas ele prometeu, e nós queremos já!  Venha o jornal, senão apanhará!  O jornal! o jornal!  Nhonhô Bitu, venha o jornal, etc. 
 
CLARINHA (lançando-se no meio de todos)  Ouçam lá! 
 
BARNABÉ Que vens aqui buscar? 
 
CLARINHA Desse jornal que tanto faz gritar  Eu consegui um número arranjar!  Tenho-o cá,  E posso lê-lo já! 
 
BITU (à parte)  Que diz ela! 
 
OPERÁRIOS  Tu, a leres na rua! 
 
BARNABÉ E isso à hora de casar! 
 
CARDOSO Pois esta pombinha sem fel  Tem a lembrança singular  De ler na rua este papel! 
 
CORO  Sim! vai ler e nós vamos ouvir!  Mas ela vai para a prisão... 
 
BITU (à parte)  Eu tremo! 
 
CLARINHA Haja atenção!     
CENA XV  Os mesmos, o escrivão, que entra e observa cautelosamente tudo quanto se passa.
 
COPLAS
 
I CLARINHA (lendo o jornal)  Esta maldita freguesia  De um grande abismo à beira está  Não tem o povo garantia,  Moralidade aqui não há!  O famoso subdelegado  Do cargo seu não quer cuidar, 
 
Porque leva esse desgraçado  Todas as noites a jogar!  É isto, leitores, pregar no deserto,  E não vale a pena, não vale, decerto,  Qu’rer dar remédio a tanto mal  No independente Imparcial! 
 
CORO  É isto, leitores, pregar no deserto, etc. 
 
O ESCRIVÃO (à parte)  Ora espera! (Sai) 
 
II CLARINHA Conquanto viúvo e já cansado,  E com três filhas a educar,  Tem o Senhor Subdelegado  Uma mulher particular.  Lá na Corte essa tipa mora,  Casa de muito luxo tem...  Tudo quanto ela deita fora  Paga este povo e mais ninguém!  É isto, leitores, pregar no deserto, etc. 
 
 
CENA XVI  Os mesmos, o escrivão, soldados.
 
ESCRIVÃO Prendam esta senhora! 
 
CORO  Céus! 
 
BITU Isso não quero eu! 
 
Alego sem demora  Que aquele artigo é meu! 
 
ESCRIVÃO e SOLDADOS  Para a prisão sem tardar! 
 
BITU O preso devo ser eu! 
 
ESCRIVÃO e SOLDADOS  Para a prisão sem tardar! 
 
BITU Pois se aquele artigo é meu! 
 
ESCRIVÃO e SOLDADOS  Para a prisão sem demorar! 
 
BARNABÉ Ai! fica o noivo em casa só,  E a noiva vai pro xilindró! 
 
CLARINHA Deixem, deixem que me prendam!  Vou contente pra prisão!  Não dispute, não contendam!  Assim quer meu coração! 
 
BITU Oh! entreguem-na ao desprezo!  Vossem’cês não têm razão!  Sou eu que devo ser preso,  Eu que devo ir pra prisão! 
 
BARNABÉ e OPERÁRIOS  Oh! meu Deus, que coisa feia  Ir Clarinha pra prisão! 
 
E livrá-la da cadeia  Ai! não está na nossa mão! 
 
ESCRIVÃO Prendam, prendam sem demora!  Não aceito apelação!  Levem, levem a senhora  Direitinha pra prisão! 
 
(Durante este Coro, grande movimento. O escrivão arrasta Clarinha, enquanto os soldados cruzam as baionetas contra o povo, que se quer opor à prisão) 
 
 
ATO II Sala muito rica. Portas laterais e ao fundo. Candelabros com luzes.
 
CENA I Cocotes, sentadas aqui e ali; entre elas Cidalisa, Leonor, e Mademoiselle X; Sampaio, de pé, depois, Chica Valsa. 
 
CORO DE COCOTES  É decerto muito engraçado  O que acaba de nos contar!  Realmente faz espantar  O poder de um subdelegado,  Que até mesmo pode matar!  Se bem que em lugar afastado  Se desse o caso singular,  É decerto muito engraçado  O que acaba de nos contar! 
 
SAMPAIO Pois é verdade, minhas senhoras; foi assim que o caso se passou, em plena praça, e com uma rapariga que ia casar naquele dia! 
 
LEONOR Na roça dão-se coisas! 
 
MADEMOISELLE X  C’est incroyable! 
 
CIDALISA Mas que escândalo!... 
 
SAMPAIO Não há como ser subdelegado lá fora! Faz-se o que se quer, e mais alguma coisa! 
 
CHICA VALSA (entrando)  Seu Sampaio, veja se fala de outra coisa. Não há mais assunto para a conversa senão a sua subdelegacia? 
 
SAMPAIO Lá na freguesia eu posso quero e mando! Um vagabundo, vendo que aqui na Corte não arranjava farinha, arvorou-se em redator de gazeta, foi para lá, e fundou um pasquim, o Imparcial. 
 
CHICA VALSA (à parte)  É ele! 
 
SAMPAIO O patife embirrou comigo, e toca a dar-me bordoada. Tenho apanhado como boi ladrão. No último número descobriu os meus amores aqui com a Chiquinha... 
 
CHICA VALSA (à parte)  Deveras? (Alto) Se você não fosse se gabar lá na roça do que faz aqui na cidade... 
 
SAMPAIO Eu gabar-me! Por meu gosto ninguém o sabia! Tenho três filhas solteiras! 
 
CIDALISA Adiante. 
 
SAMPAIO O tratante descobriu também que eu ia todas as noites jogar o viravira em casa de Lopes Boticário, e pôs-me a calva à mostra. Se eu não tivesse autoridade e se não tivesse dinheiro, estava a estas horas desmoralizado! 
 
MADEMOISELLE X  C’est incroyable! 
 
SAMPAIO Mas que fiz eu? Proibi a leitura do Imparcial em público sob pena de cadeia! 
 
TODAS  Oh!... 
 
SAMPAIO Depois encontrei o troca-tintas a jeito e, vendo que com a cadeia nada arranjava (pois já o tinha mandado prender meia dúzia de vezes) prometi-lhe cinco contos de réis para acabar com o pasquim e bater a linda plumagem. 
 
CHICA VALSA E ele aceitou essa proposta? 
 
SAMPAIO Aceitou, mas depois disso já saiu mais um número do jornaleco... e até essa data ele ainda não foi buscar os cobres. 
 
CHICA VALSA (à parte)  Pois Bitu faria isso? (Alto) Então? Joga-se ou não se joga hoje? 
 
MADEMOISELLE X  Mais, dame! Le rende-vouz est à minuit! 
 
SAMPAIO O meu escrivão foi prevenir os parceiros para a meia-noite. O Sotae-ás incumbiu-se de trazer mais alguns. 
 
CHICA VALSA O diabo é a polícia... Moramos num lugar tão público! Para evitar suspeitas, lembrei-me de iluminar a casa para um baile, como estão vendo. 
 
SAMPAIO É o diabo! os morcegos não dormem! 
 
CHICA VALSA Tive outra lembrança. Os sujeitos que vêm cá jogar são muito conhecidos da polícia. Preveni-lhes que trouxessem barbas postiças e casacões. Com os senhores urbanos é preciso muita cautela. 
 
MADEMOISELLE X  C’est incroyable! 
 
CHICA VALSA São finos como lã de cágado! 
 
COPLAS
 
CHICA VALSA Respeitai os senhores urbanos! 
 
CORO  Os urbanos! 
 
CHICA VALSA Não são pra graça tais maganos;  Tem olho vivo, espertos são,  E contra nós, paisanos, 
 
Em guarda sempre estão! 
 
I Como um corcel bem ardido a galope.  A morcegada avante vai!  Ninguém com ela tope,  Porque por terra cai!  Se acaso encontra uma senhora,  Bem pouco se lhe dá! esteja muito embora!  Aqui é cutilada!  Ali é pescoção!  Pontapé! Cabeçada!  Cachaça! Bofetão! 
 
CORO  Respeitai os senhores urbanos, etc. 
 
II CHICA VALSA Já não se pode estar tranquilamente  Jogando numa reunião:  Na sala de repente  Os morcegos estão!  Abre de par em par a porta  A morcegada, e investe, arranha, fere e corta!  Uns correm pr’este lado  E os outros para ali!  Metida em tal assado  Mais de uma vez me vi! 
 
CORO  Respeitai os senhores urbanos, etc.   
 
CENA II  Os mesmos, Sota-e-ás. 
 
SOTA Boa noite! boa noite! Cada vez mais béias, mais aebatadoias! (A Chica Valsa) Goia à deusa desta casa! (A Mademoiselle X) Bom soir; passezvous bien? 
 
MADEMOISELLE X  Oh! quel français! C’est incroyable! 
 
SOTA Fancês muito bom! Apendi-o no Acazá! Tou aebatado! Boa noite, seu Sampaio... você tá na pesença de um home aebatado! (Dá um pulo e pisa Sampaio) 
 
SAMPAIO (gritando)  Oh! muito arrebatado! 
 
MADEMOISELLE X  Quelle grâce! 
 
CIDALISA Como ele pula! 
 
LEONOR E como cai tão chique! 
 
SAMPAIO Em cima do meu melhor calo! Muito obrigado! 
 
SOTA Eu sei puiá! E dançá! Quem dança na Cote como eu? Sou um dançaino! (Dá viravoltas) 
 
CHICA VALSA O que admiro é sua imprudência de entrar aqui a estas horas, sendo jogador conhecido e sabendo que a polícia... 
 
SAMPAIO E que os urbanos... 
 
SOTA Óia! A poícia! os ubanos! Passei no meio deis! 
 
TODOS No meio deles? 
 
SOTA Acotoveiando-os assim! (Acotovela-os) 
 
SAMPAIO Mas o senhor estava só? 
 
SOTA Sozinho com a gaça de Deus e meu podê excutivo! (Brande a bengala) 
 
MADEMOISELLE X Aussi beau que charmant! 
 
CIDALISA E como é leve! 
 
SOTA Como uma pena! Qué vê? (Vai para pular, Sampaio pega-lhe no pé) 
 
SAMPAIO Deixe disso! 
 
A VOZ DE BARNABÉ Deixem-me entrar! deixem-me entrar! 
 
CHICA VALSA Quem é? Quem é? 
 
(Entra Barnabé esbaforido, com uma mala debaixo do braço)   
 
 
CENA III  Os mesmos, Barnabé. 
 
BARNABÉ Com licença, minha senhora... Desculpe... é que... 
 
SAMPAIO (à parte)  Valha-me Nossa Senhora! É o barbeiro lá da freguesia! (Escondendose atrás de uma cadeira) Vem atrás da noiva. Não há que ver! 
 
CHICA VALSA Quem é este homem? que deseja?... 
 
BARNABÉ Minha senhora... preciso falar-lhe... eu... minha noiva... 
 
CHICA VALSA Tome fôlego, senhor! 
 
SOTA Como ei tem os cabeios eiçados! 
 
CHICA VALSA E o olhar esgazeado! 
 
TODOS Fale! fale! 
 
SAMPAIO (à parte)  Estou metido em boas! 
 
BARNABÉ Se tenho os cabelos esgazeados e o olhar eri... não!... o olhar esgazea... não... 
 
CHICA VALSA Veja lá no que fica! 
 
BARNABÉ É que me sucedeu uma grande desgraça!... 
 
CHICA VALSA E que tenho eu com isso? 
 
BARNABÉ Ia casar-me com um anjo que adorava, e... 
 
CHICA VALSA E foi traído? 
 
BARNABÉ Por ora não; mas ouça: no próprio dia de nosso casamento, ela foi presa por ler uma gazeta que se imprime lá na freguesia, apesar de estar proibida a leitura pelo subdelegado. No outro dia quiseram soltá-la e não a encontraram mais na prisão. O escrivão do juiz de paz, a quem costumo ir aos queixos, contou-me tudo: minha noiva fugiu aqui para a Corte em companhia do senhor subdelegado. 
 
CHICA VALSA Mas de onde é o senhor? 
 
BARNABÉ Eu sou de Maria Angu! 
 
CHICA VALSA E o subdelegado chama-se? 
 
BARNABÉ Chama-se Seu Sampaio; 
 
CHICA VALSA Ah! 
 
BARNABÉ Ora, como O senhor subdelegado, sempre que vem à Corte, hospeda-se em sal casa, eu vim pedir-lhe, Senhora Dona, que... 
 
SAMPAIO (à parte)  Estou arranjadinho... 
 
BARNABÉ Oh! se a senhora conhecesse a minha noiva... É tão inocente, coitadinha... Acredite que não fez aquilo por mal. 
 
ROMANCE
 
I Ela é muitíssimo inocente! Supôs que não fizesse mal, E pôs-se a ler o Imparcial Pra que o ouvisse toda a gente! Não julgou ser coisa imprudente Em alta voz ler um jornal, De mais a mais imparcial! Ela é muitíssimo inocente!
 
II Ela é muitíssimo inocente; Tem bem formado o coração; Não tinha visto a proibição. E foi filada incontinente! Dói-me bastante vê-la ausente, Porém não devo recear Que alguém ma possa conquistar! Ela é muitíssimo inocente!
 
CHICA VALSA Muito bem! Onde está o Senhor Sampaio? (Vendo-o) Que faz aí escondido? Venha, que temos contas a ajustar! 
 
(Sampaio sai do seu esconderijo) 
 
SOTA C’est bon ça... c’est bon ça... 
 
BARNABÉ (vendo Sampaio)  Olé! Vai dar-me contas de minha noiva! (Avança) 
 
SOTA (suspendendo-o)  Não se deite a pedê! 
 
SAMPAIO (atrapalhado)  Espere, senhor! Vou explicar-lhe tudo. (À parte) Esta gente não entende de justiça: posso mentir a meu gosto. (Alto e arrogante) Nós somos subdelegado, entendem? Muito bem! A noiva deste senhor leu publicamente um jornal cuja leitura havíamos por bem proibir entendem? Tratava-se de uma menor branca e de bons costumes... 
 
BARNABÉ Eu arrebento! 
 
SOTA Não aebente! 
 
SAMPAIO O código não previne este caso... 
 
BARNABÉ Eu é que o previno de que... 
 
SOTA Não se deite a pedê. É a poícia que tá faiando. (A Sampaio) Continue a poícia... 
 
SAMPAIO Nós, como tínhamos que vir para a Corte, trouxemos a presa conosco. 
 
BARNABÉ Nós quem? 
 
SAMPAIO Nós eu! Quando a autoridade fala, é nós! 
 
CHICA VALSA Adiante! 
 
SAMPAIO Trouxemo-la conosco... e temo-la em depósito... Vamos apresentá-la ao chefe de polícia. (À Parte) Foi bem sacada! 
 
CHICA VALSA Sabe que mais? Vá buscá-la! 
 
SAMPAIO Hein? 
 
CHICA VALSA Bem te conheço, quaresma mas não posso jejuar! Como o senhor, contando-nos a prisão dessa moça, não nos disse que a tinha trazido? Ande! vá buscá-la! (A Barnabé) Você volte logo. 
 
BARNABÉ E a senhora promete-me?... 
 
CHICA VALSA Sim, sim, mas volte logo! 
 
BARNABÉ (já risonho)  Então vou ver as figuras de cera na Guarda-velha, e volto. (Vai saindo e dá um encontrão em Sampaio) 
 
SAMPAIO Irra!... (Atira-o sobre Sota-e-ás) 
 
SOTA (empurrando-o)  Passa f´óia! 
 
BARNABÉ Perdoem! (Sai) 
 
CHICA VALSA Esta rapariga é bonita? 
 
SAMPAIO Fazenda. 
 
CHICA VALSA Foi um achado. Vá buscá-la. 
 
SAMPAIO Mas... 
 
CHICA VALSA Não ouve? Nós o queremos! 
 
SAMPAIO É que... 
 
CHICA VALSA Eu também sou autoridade!... eu também sou nós!... 
 
SAMPAIO Eu vou... eu vou... (Sai) 
 
CHICA VALSA Seu Sota, você hoje tem ocasião de falar ao Barão de Anajámirim? 
 
SOTA Tavez 
 
CHICA VALSA Diga-lhe que pode vir ver aquilo de que falamos. Olhe, vá procurálo. Adeus, até a meia noite. Não falte! 
 
SOTA Vou num puio! Como um zéfio!... (Antes de sair, dirige-se à Mademoiselle X e dá-lhe um pequeno embrulho) O Amará lhe manda esse presente. Vem uma catinha dento. Adieu! Adieu! (Sai dançando) 
 
CHICA VALSA (às cocotes)  Vocês por que não vão até o jardim do cassino que é tão perto? Ainda é cedo; até as onze e meia há tempo para fintar um paio. 
 
LEONOR Ou mesmo dois! (Às outras) Vamos? 
 
TODAS  Vamos! Até logo...   
 
CENA IV  Chica Valsa, depois Genoveva. 
 
CHICA VALSA (só)  O Sampaio e o jogo não me bastam. A incumbência é lucrativa, e não é a primeira que desempenho com felicidade. Se a pequena é realmente bonita, o barão me pagará bem... Hoje é um dia completo! Só me falta o meu Bitu!... 
 
GENOVEVA (entrando)  Minh’ama, Senhô Sampaio trouxe uma moça vestida de noiva, que está esperando que vossemecê a mande entrar. 
 
CHICA VALSA Já?! O tal depósito era perto! Diga-lhe que entre! 
 
GENOVEVA (à parte) 
 
Entre, Sinhá! (Sai)   
 
CENA V  Chica Valsa, Clarinha.
 
CLARINHA (ao fundo, consigo)  Como isto é bonito!... Que luxo!... Como se deve viver bem aqui!... 
 
CHICA VALSA Aproxime-se, moça! 
 
CLARINHA Aqui estou, minha senhora! 
 
CHICA VALSA Chegue-se mais!... (Reparando) Gentes! 
 
CLARINHA Que vejo! 
 
CHICA VALSA Clarinha! 
 
CLARINHA Tu aqui?! Conheces a dona da casa?... 
 
CHICA VALSA A dona da casa sou eu... 
 
CLARINHA Será possível?... 
 
CHICA VALSA Nunca ouviste falar na célebre Chica Valsa? Sou eu! 
 
CLARINHA Tu?... Mas no colégio chamavam-te Chiquinha Morais... 
 
CHICA VALSA Deitei fora a moralidade, e o povo entrou a chamar-me Chica Valsa, porque ninguém Valsava como eu nos bailes do Pavilhão. 
 
CLARINHA E o caso é que ficaste, mais do que eu, com este sotaquezinho que nos deixou a educação entre franceses. 
 
CHICA VALSA Eu faço de propósito para que tomem por francesa. 
 
CLARINHA Eu já tenho perdido todo o Sotaque. 
 
CHICA VALSA Mas conta-me a tua história, pelo menos de anteontem para cá. 
 
CLARINHA É muito engraçada. Queriam casar-me contra a minha vontade com o mestre barbeiro lá da terra. 
 
CHICA VALSA Continua. 
 
CLARINHA Ora, eu não podia nem casar-me nem deixar de me casar. 
 
CHICA VALSA Como assim? 
 
CLARINHA Primeiro que tudo, porque há lá um bonito rapaz que julgo preferir... 
 
CHICA VALSA Que julgas? 
 
CLARINHA Que... prefiro, se assim o queres. 
 
CHICA VALSA Agora entendo. 
 
CLARINHA Segundo que tudo, esse rapaz tinha jurado matar-se, se eu me casasse com o barbeiro! 
 
CHICA VALSA E tu acreditaste nisso, criança? 
 
CLARINHA Se o conhecesses? É um rapaz destemido... meio maluco! —  Esse casamento era imposto pelos operários da fábrica do Pinho, que me educaram... 
 
CHICA VALSA Lembra-me bem: teus pais e tuas mães. Como vão eles? 
 
CLARINHA Bem, obrigada. Enfim, para sair do embaraço em que me via, só tive um meio: deixe-me prender lendo um jornal cuja leitura... 
 
CHICA VALSA Eu sei disso. Foi uma boa ideia. 
 
CLARINHA O subdelegado foi à minha prisão, achou-me bonita, e perguntoume: —  Menina, quer ir para a Corte comigo? —  Eu disse aos meus botões: Uma vez na Corte, escrevo ao meu namorado, reunimo-nos, casamo-nos... aceitei a proposta do subdelegado. 
 
CHICA VALSA E daí? 
 
CLARINHA Daí, cá estou. Passarei pelo perigo e ficarei incólume, compreendes? O que não sei é para que me trouxeram à tua casa. Ele havia-me alugado um quarto no Hotel dos Príncipes. 
 
CHICA VALSA Mas que lembrança a tua! 
 
CLARINHA Lembranças as que tínhamos no colégio, hein? Aquilo sim!... 
 
CHICA VALSA Ah! bom tempo! bom tempo! 
 
CLARINHA (suspirando)  O colégio!... 
 
CHICA VALSA (suspirando)  O colégio... 
 
DUETO
 
JUNTAS  Tempo feliz da infância pura,  Em que há mamãe, em que há papai!  Tanto prazer, tanta ventura,  Fugiu veloz, bem longe vai! 
 
CHICA VALSA Lembrada estás quando fui ao portão  Pra conversar c'um estudante  Do qual conservo ainda —  e por que não?  Muita cartinha interessante? 
 
CLARINHA Lembrada estás de um professor  Que, me encontrando um dia a jeito,  Apertou-me contra o seu peito  E quatro beijos me pregou? 
 
CHICA VALSA E felizmente o tal sujeito  Com isso só se contentou... 
 
JUNTAS  Tempo feliz da infância pura, etc. 
 
CHICA VALSA Hoje aqui —  deixa que te diga!  Passo uma vida de invejar! 
 
CLARINHA  Eu não invejo, minha amiga,  O teu viver de lupanar! 
 
CHICA VALSA Ah! naquele belo tempo,  Que passou, não volta mais,  Eu dar-te-ia esta resposta  Na linguagem dos teus pais:  (Pondo as mãos à ilharga)  Eh! Olá! Não grimpes, não!  Ou retiras a expressão,  Ou co’esta mão  Dou-te muito pescoção 
 
CLARINHA Eu poderia responder  (Mesmo jogo de cena)  Vosmecês não querem ver  Esta tipa sem pudor,  Negociando o seu amor, 
 
E vendendo a quem mais der  Seus encantos de mulher! 
 
JUNTAS  Ai que prazer! 
 
CHICA VALSA Isto é melhor, pudera não!  Do que a linguagem de valão! 
 
JUNTAS  Ah! ah! ah! bonitas coisas  No colégio fui saber,  E hoje em dia,  Todavia,  Tenho ainda que aprender!  Que prazer a infância dá!  Outro assim não há!... 
 
CHICA VALSA Lembrada está de alguns dizeres  Que sem querer fui saber eu?  Diziam que teu pai morreu  Dois anos antes de nasceres 
 
CLARINHA  Lembrada estás de certa história  Que foi bem pública e notória  No bom tempo que lá vai?  Nós não soubemos nunca o nome de teu pai! 
 
JUNTAS  Ah! ah! ah! bonitas coisas, etc. 
 
CHICA VALSA Tu serás muito feliz, muito feliz, Clarinha; quem te assegura sou eu. (À parte) O resultado é duvidoso... 
 
CENA VI  As mesmas, Genoveva, depois o escrivão.
 
GENOVEVA (entrando)  Minh’ama, posso falar a vossemecê? 
 
CHICA VALSA Por que não? 
 
GENOVEVA A vossemecê só? 
 
CHICA VALSA Que temos? 
 
GENOVEVA Uma preta velha, acompanhada por um moço, que querem falar a vossemecê. Estão no corredor. 
 
CHICA VALSA (à parte)  Oh! meu Deus!... Já nem me lembrava que Bitu podia chegar agora! 
 
CLARINHA Estou te embaraçando? 
 
CHICA VALSA Não, mas... 
 
ESCRIVÃO (entrando)  Perdão, minha senhora, onde está sua senhoria, o senhor subdelegado? (À parte) A noiva do Barnabé aqui! 
 
CHICA VALSA Não sei: está no meu bolso! 
 
ESCRIVÃO Vou procurá-lo. (Cumprimenta e diz à parte) E no corredor o Nhonhô Bitu... Aqui há coisa... hei de saber! (Vai saindo e escorrega) 
 
CLARINHA Não caia, seu aquele! 
 
ESCRIVÃO Escorreguei no ispermacetes... 
 
CHICA VALSA Tu, minha querida Clarinha, entra para este quarto; hei de ir ter contigo. Fica sossegada: não te casarás com o Mestre Barnabé. 
 
CLARINHA Obrigada. (Sai) 
 
CHICA VALSA Manda entrar... 
 
GENOVEVA A preta velha e o moço? 
 
CHICA VALSA O moço só, estúpida! (Genoveva sai)   
 
CENA VII  Chica Valsa, Bitu.
 
BITU (entrando)  Ora esta! era você?!... 
 
CHICA VALSA Sim, era eu! Venha de lá esse abraço! 
 
BITU Mas isto foi uma traição! (À parte) Ainda está mais bonita! 
 
CHICA VALSA Não tenhas medo! Abraça-me... 
 
BITU (abraçando-a)  Medo de quê? 
 
CHICA VALSA Estava com muitas saudades suas. Chamei-te para fazermos as pazes. 
 
BITU Estão feitas! (À parte) E Clarinha, que deixei presa em Maria Angu. (Alto) Julguei que não tivesse voltado da Europa. 
 
CHICA VALSA Há quinze dias... Havemos de conversar. 
 
BITU E... o motivo da nossa separação? 
 
CHICA VALSA (embaraçada)  Hein? 
 
BITU O pomo? 
 
CHICA VALSA Que pomo? 
 
BITU O pomo da discórdia! O Sampaio! 
 
CHICA VALSA E você a dar-lhe com o Sampaio! Que diabo! Seja razoável, Bitu! 
 
BITU Não importa! Estou bem vingado! 
 
CHICA VALSA Já sei que você pintou a manta em Maria Angu. 
 
BITU A manta, o sete, o padre, o simão de carapuça e até a saracura! Pintei tudo! Mas... 
 
CHICA VALSA Mas... falemos de nós. 
 
DUETINO
 
CHICA VALSA Até que enfim, Bitu, eis-me a teu lado! 
 
BITU Enfim ao lado meu estás! 
 
CHICA VALSA Ingratatão! 
 
BITU Não me dirás  Por que é que fui por ti chamado? 
 
CHICA VALSA Quero, ó Bitu, saber por quê  Lá em Maria Angu você  Me injuriou num papelucho!  Pois tu não sabes, meu Bitu  Que sem dinheiro não podias tu  Aguentar tamanho repuxo? 
 
BITU Oh! Não me digas isso, não!  Eu te adorava, coração!  Se dispensasses tanto luxo,  Se não andasses tão liró,  Podias tu ser minha só!  Se bem que pobre como Jó,  Eu aguentava tal repuxo! 
 
CHICA VALSA No peito meu rebenta uma esperança!  Inda és o mesmo, eu logo vi!  Meu coração enfim descansa!  Saudades tuas tive em França...    BITU Se tais saudades mereci,  Não me trouxeste uma lembrança? 
 
CHICA VALSA Nem mesmo numa sepultura  Eu poderia me esquecer de ti;  Trouxe-te uma abotoadura... 
 
BITU Oh! não me digas isso, não!  Talvez custasse um dinheirão! 
 
CHICA VALSA Oh! não! 
 
BITU Não me esqueceste, oh! que ventura!  É teu de novo o meu amor!  É tua a pena do escritor  E a tesoura do redator!  Eis-me a teus pés, ó minha flor!  — Mostra-me a tal abotoadura! 
 
 
CENA VIII  Os mesmos, Genoveva, depois Clarinha.
 
GENOVEVA (entrando)  Minh’ama! Minh’ama! 
 
CHICA VALSA (dirigindo-se a ela)  Que temos? 
 
GENOVEVA (baixo)  Aquele home, escrivão de sinhô Sampaio, falou à preta velha que acompanhou aquele moço, depois foi muito apressado dizer não sei o quê a Sinhô Sampaio e todos dois vêm aí. Sinhô Sampaio estava no Largo do Rossio. Vem furioso! 
 
CHICA VALSA (à parte)  Fazer sair Bitu? Não! Há tão pouco tempo chegou... Ah! (Chamando) Clarinha! Clarinha! 
 
BITU (à parte)  Clarinha! Que coincidência de nomes! 
 
CLARINHA (entrando)  Que é? 
 
BITU Que vejo! Ela! 
 
CLARINHA Ah! 
 
CHICA VALSA Conhecem-se? 
 
GENOVEVA Minh’ama, ele aí chegam. 
 
CHICA VALSA (a Clarinha e Bitu)  Por favor, não me desmintam! A tudo quanto eu disser, Ora pro nobis; confirmem, ou estou perdida! 
 
CLARINHA e BITU Perdida! 
 
CHICA VALSA Silêncio!   
 
CENA IX  Os mesmos, Sampaio, o escrivão.
 
SAMPAIO (entrando, zangado)  Sei tudo! Sei tudo! 
 
CHICA VALSA Que isto quer dizer? 
 
SAMPAIO Sei que a senhora e este senhor entendem-se perfeitamente! 
 
CLARINHA (à parte)  Hein? 
 
SAMPAIO E que o recebeu em sua casa, isto é, em minha casa! 
 
CLARINHA É só isso? É verdade que recebi este senhor em minha casa! 
 
SAMPAIO Minha! La maison est de moi! Je suis le subdelegué qui mande ici!... 
 
CHICA VALSA Esta senhora é a minha melhor amiga. O Senhor Ângelo Bitu ama Dona Clarinha Angu, e é correspondido. Eu quis aproximá-los... (Baixo) e malograr o seu intento, percebe?... 
 
QUINTETO
 
SAMPAIO Hein? 
 
ESCRIVÃO Ih! 
 
SAMPAIO Oh! 
 
CLARINHA Eu cá zombar não quis... 
 
CHICA VALSA Se o senhor de mim desconfia,  Faz-me chegar a mostarda ao nariz! 
 
SAMPAIO Pois bem! que jure aqui reclamo  Que gosta do Bitu! 
 
CLARINHA Já que assim quer, eu lhe juro que o amo! 
 
CHICA VALSA (à parte)  A pobrezinha corada ficou,  Repetindo tais c’raminholas! 
 
ESCRIVÃO (à parte)  Vai dizer que sou um bolas! 
 
SAMPAIO (a Bitu)  E você lá, seu redator,  Aqui só está por causa dela? 
 
BITU Juro, caríssimo senhor,  Que aqui vim ver a minha bela! 
 
ESCRIVÃO Uh! 
 
CHICA VALSA Meu caro senhor, é por ela  Que se acha aqui Nhonhô Bitu,  E não foi senão para vê-la  Que ele deixou Maria Angu. 
 
JUNTOS  Meu caro senhor, é por ela, etc. 
 
SAMPAIO e ESCRIVÃO Pois não será por causa dela  Que se acha aqui Nhonhô Bitu!  Foi para ver a tal donzela  Que ele deixou em Maria Angu. 
 
BITU e CLARINHA Não, não senhor, não é por ela  Que se acha aqui Nhonhô Bitu!  vê-la e dar-lhe trela Foi para  ver-me e dar-me trela  Que lá deixei Maria Angu!  Que ele deixou
 
SAMPAIO (a Clarinha) 
 
Mas não! Com Barnabé casar-se deveria!  Zombando estão de mim! 
 
CHICA VALSA Aí com que perfeição  Mente aquele ladrão! 
 
SAMPAIO Isso é sério? 
 
BITU Sério sou! 
 
ESCRIVÃO (à parte)  O pobre diabo acreditou! 
 
TODOS A coisa está patente!  A Chica tem razão!  Não pode tanta gente  Fazer combinação! 
 
SAMPAIO Seu escrivão, que diz a isto?  Você é um bolas, um grande animal! 
 
ESCRIVÃO Perdão! Enganei-me, está visto...  Julguei mal...  Eu fiz uma apreciação falsa...  Mas vendo estou...
 
SAMPAIO Que vês tu? 
 
ESCRIVÃO Que a Senhora Chica Valsa
 
Não faz caso do Bitu! 
 
CHICA VALSA Ora aí está que sem malícia  Me defende este escrivão!  O escrivão é da polícia;  Tem valiosa opinião. 
 
TODOS Ora aí está que sem malícia  Me defende este escrivão, etc. 
 
SAMPAIO Está tudo acabado! (Estendendo a mão a Bitu) Seja meu amigo. 
 
BITU (apertando-lha)  Obrigado, senhor. 
 
SAMPAIO (ao escrivão) Você é um bolas, seu escrivão!... Vá se deitar... 
 
ESCRIVÃO As ordens de vossa senhoria serão cumpridas à risca. (Vai saindo) Sobem a escada... 
 
CHICA VALSA Serão já os rapazes? 
 
ESCRIVÃO É o mestre barbeiro Barnabé. (À parte) Decididamente, todo o Angu mudou-se para esta casa. (Sai) 
 
CHICA VALSA É o Barnabé! 
 
CLARINHA Meu noivo! 
 
CHICA VALSA É preciso que ele não te veja! (Conduzindo Clarinha e Bitu à direita) Entrem para a sala de jantar. (Bitu e Clarinha saem) Oh! que ideia! É preciso desfazermo-nos deste Barnabé! Já nem me lembrava dele! Clarinha deve pertencer-me! (A Sampaio) Dê-me o seu apito. 
 
SAMPAIO Para quê? 
 
CHICA VALSA Não ouve? (Sampaio dá-lhe um apito, Chica Valsa tira uma pulseira do braço)   
 
CENA X  Os mesmos, Barnabé, depois dois urbanos.
  (Música na orquestra) 
 
BARNABÉ (sempre com a mala) Com licença! Já vim das figuras de cera. Mal empregados cinco tostões. Onde está minha noiva? 
 
(Enquanto Barnabé fala, Chica Valsa mete-lhe a pulseira no bolso: depois corre ao fundo e apita) 
 
SAMPAIO Que é isto? 
 
BARNABÉ Que quer isto dizer? 
 
CHICA VALSA (gritando)  Um gatuno! um gatuno!... 
 
BARNABÉ Onde está o gatuno, minha senhora? onde está o gatuno? Socorro! pega! Pega!... (Entram dois urbanos) 
 
CHICA VALSA (aos urbanos, mostrando Barnabé)  Camaradas, este homem introduziu-se em minha casa; é um gatuno! Vejam se ele não tem no bolso uma pulseira! 
 
(Os urbanos revistam os bolsos de Barnabé) 
 
BARNABÉ Mas que é isto?! eu não sou gatuno!... Não me meta a mão no bolso! Onde já se viu isto?!... 
 
CHICA VALSA Prendam-no! (Os urbanos acham a pulseira e entregam-na a Chica Valsa) 
 
URBANOS  Venha... venha! 
 
(Desembainham os refes e arrastam Barnabé para fora. Cessa a música) 
 
SAMPAIO (à parte)  Esta mulher é da pele do diabo! Eu safo-me, senão é capaz de me mandar também para a cadeia! (Sai apressado) 
 
CHICA VALSA Venham... venham... 
 
CLARINHA (entrando)  Dali vimos e ouvimos tudo. 
 
BITU (entrando)  Para que prendê-lo? 
 
CLARINHA Que prisão esquisita! 
 
CHICA VALSA (à parte)  É quase meia noite: os rapazes não tardam... (Genoveva entra) Clarinha, vai com a criada. Genoveva, leva esta moça para a saleta, onde passará a noite. 
 
BITU (à parte)  Ela vai dormir aqui?! 
 
CHICA VALSA Deita-te, dorme bem, a amanhã conversaremos. 
 
 
CENA XI  Chica Valsa, Bitu.
 
CHICA VALSA Eis-nos sós. Não percamos tempo! Sabes jogar o bacará? 
 
BITU Por quê? 
 
CHICA VALSA Responde! anda!... 
 
BITU Eu sei jogar tudo, desde o burro e o pacau até o xadrez. 
 
CHICA VALSA Tens dinheiro? (Bitu coça a cabeça) Empresto-te duzentos mil réis. (Dá-lhos) Estás numa casa de jogo; não sabias? 
 
BITU Deveras? 
 
CHICA VALSA Quero-te ao pé de mim, e só jogando poderei consegui-lo... Depois, acharei meio de me ver livre do Sampaio. 
 
BITU Bem. 
 
CHICA VALSA (com mistério)  Eles aí vêm. 
 
BITU Eles quem? 
 
CHICA VALSA Os parceiros... Vem comigo... 
 
(Saem)   
 
CENA XII  Sota-a-ás, jogadores, depois Chica Valsa, Bitu.
 
(Sota-e-ás e os jogadores trazem todos suíças postiças, casacões e bengalas) 
 
CORO  Dizem que é vício  Jogar, mas é  Amargo ofício,  Penoso até!  Dá-nos canseira,  Faz-nos suar  A noite inteira  Aqui passar!  A morcegada,  Que é muito sagaz,  Anda assanhada,  De pé atrás...  Estas suíças  É convenção  Trazer postiças 
 
E casacão 
 
CHICA VALSA (entrando)  Vêm disfarçados que faz gosto vê-los! 
 
SOTA-A-ÁS  Sim! sim! de jogadois nós somos os modeios!  Ente nós, ente nós não há nenhum potão! 
 
BITU (entrando)  Inda bem! 
 
OS JOGADORES  Céus! (Procuram esconder-se) 
 
CHICA VALSA  Não tenham medo, não!  (Apresentando Bitu aos jogadores)  Ora aqui têm mais um parceiro!  Não joga mal, mas tem dinheiro...  Vamos jogar! Fora a preguiça!  Então! Então!  Cartas na mão! 
 
SOTA Mas ei não tem casacão...  Não tem também baba potiça... 
 
OS JOGADORES  Mas ele não tem casacão...  Não tem também barba postiça... Dizem que é vício  Jogar, mas é, etc. 
 
 
CENA XIII 
 
Os mesmos, Clarinha, depois as cocotes.
 
CLARINHA (a Chica Valsa)  Enfim te encontro! 
 
OS JOGADORES  Uma moça! 
 
CHICA VALSA Imprudente!  Que vens aqui fazer? 
 
CLARINHA Prevenir-te que vi  Pelos vidros da janela muita gente  E alguns urbanos que vêm para aqui! 
 
OS JOGADORES  Os urbanos, oh, céus!...  Oh, meu Deus! oh, meu Deus!... 
 
AS COCOTES (entrando assustadas)  A casa está cercada! a fuga é impossível  A gente toda é presa  E vai para a estação!  Ah! meu Deus! Com certeza  Temos multa e prisão! 
 
SOTA Pisão! 
 
TODOS  Pisão! 
 
(Apitos fora) 
 
CHICA VALSA Não! Não! Não! Não!  Ninguém vai para a prisão! 
 
TODOS Como assim? 
 
CHICA VALSA O caso é já, neste momento,  Improvisar um casamento!  (Apontando para Bitu e Clarinha)  E os noivos, ei-los aqui estão!  (Aos jogadores)  Mas essas barbas? Visto  Está que nos denunciarão! 
 
SOTA Pa não imos para a prisão,  É já escondê tudo isto! 
 
OS JOGADORES  É já esconder tudo isto! 
 
(Durante o Coro que se segue, Sota-e-ás e os jogadores tiram e escondem os casacões, os chapéus, as barbas e as bengalas. Dois criados entram, e levam para dentro todos os móveis) 
 
CORO DE URBANOS (fora)  Quem estiver aqui jogando  Pra estação vai já marchar!  Guerra a vício tão nefando!  Guerra, guerra a quem jogar! 
 
CHICA VALSA (declamando)  Eles aí vêm! Vamos, senhores, tirem pares para uma Valsa!  (Valsa com Sota-e-ás)  Valsai! Valsai!  Não parar nem um segundo! 
 
Os desgostos deste mundo  A Valsar olvidai!  Valsai! 
 
TODOS (valsando)  Valsai! Valsai!, etc.   
 
CENA XIV  Os mesmos, uma autoridade, urbanos.
 
URBANOS  Quem estiver aqui jogando, etc. 
 
CHICA VALSA Queiram dizer o que desejam. 
 
A AUTORIDADE  Os jogadores que aqui estão! 
 
CHICA VALSA  Jogadores aqui não sei quais sejam!  Temos dois noivos... estes são!  (Mostra Bitu e Clarinha)  Tivemos hoje um feliz casamento,  E o nosso baile vem cá perturbar!  porém não damos cavaco um momento.  E os convidamos até pra dançar!  Aos bons urbanos  Nós, os paisanos,  Urbanamente queremos tratar...  Escolham pares,  E aos calcanhares  É dar sem dó.  (À autoridade)  Eu serei o seu par. 
 
(Valsa com a autoridade, enquanto os urbanos valsam com algumas das cocotes) 
 
CORO  Valsai! Valsai!, etc. 
 
CLARINHA (valsando com Bitu) Como isto é bom! Valsemos mais depressa. 
 
BITU  Dize, ó Clarinha, que me queres bem! 
 
CLARINHA Teu desespero, benzinho, não cessa!  Sou tua, tua, e de mais ninguém! 
 
CHICA VALSA (que ouviu)  Será possível!
 
(Deixa seu par) 
 
A AUTORIDADE (valsando só)  Diga o que tem! 
 
CHICA VALSA Eu... eu... 
 
A AUTORIDADE  Se quer, eu pararei também... 
 
CHICA VALSA (disfarçando)  Oh! céus! que vejo!  (Reparando nalguma coisa na sobrecasaca da autoridade)  Um percevejo!  (À parte)  Traída fui, mas eu me vingarei!  Vingada, sim, serei!... 
 
CORO  Valsai! Valsai! etc. 
 
(Valsa geral e muito animada)
 
 
ATO III Um arraial em Maria Angu, na noite da festa do Espírito Santo. Fogos de artifício. Balões de papel. À direita casa do juiz da festa e à esquerda um igrejinha, abertas ambas e iluminadas. 
 
CENA I  Cardoso, Guilherme, Botelho, Chica Pitada, Gaivota, Teresa, operários, festeiros, povo, depois o juiz da festa. 
 
(Ao levantar o pano vem do fundo o bando do Espírito Santo. À frente o Imperador representado por uma criança. Repiques de sino. Foguetes) 
 
CORO DE FESTEIROS  Entoemos nosso hino  Perante o celeste altar,  Para louvar o Divino,  Para o Divino louvar! 
 
(O bando do Espírito Santo entra na igreja) 
 
O JUIZ DA FESTA (saindo da casa e dirigindo-se aos que ficaram em cena)  Então, rapaziada! Venham trincar uma perna de peru cá em minha casa! Eu sou o juiz da festa! Viva o divino Espírito Santo! 
 
TODOS Viva! viva o juiz! Vamos! vamos!... 
 
(Festeiros e homens do povo seguem o juiz, que entra em casa) 
 
GAIVOTA Então? Não vamos nós também? 
 
GUILHERME Eu não! Vão vocês, se quiserem! 
 
CHICA Ora! é tão bom trincar uma perna de peru! 
 
CARDOSO Trincar! Seria preciso que não tivéssemos coração! 
 
BOTELHO E que tivéssemos fome! 
 
CARDOSO Trincar uma perna de peru quando não sabemos o fim que levou nossa filha! 
 
GAIVOTA Sabemos que não está presa, porque escreveu-nos, dizendo que a esperássemos hoje. 
 
BOTELHO Mas para que diabo foi aquela rapariga ler o maldito Imparcial? Isto é que me tem feito pensar! 
 
GUILHERME E o que foi fazer na Corte com o subdelegado?... Nadamos num oceano de conjeturas! 
 
CHICA Uma mosca morta que não levanta os olhos! 
 
TERESA Parecia uma santinha! 
 
GAIVOTA De pau carunchoso! 
 
CARDOSO (tirando uma carta da algibeira)  Se ainda esta carta nos pusesse ao fato de alguma coisa, mas de fato não põe ao fato de coisa alguma! (Lê) “Peço a todos os meus pais e mães que hoje à noite se achem às oito horas na festa do Espírito Santo. Eu lá irei ter, e tudo saberão. Clarinha.” 
 
GAIVOTA Bem! uma vez que nos vem dizer tudo... 
 
TERESA É porque nada tem que ocultar. 
 
BOTELHO Está sabido! Mas queira Deus que ela diga toda a verdade... 
 
(Rumor fora) 
 
TODOS (subindo ao fundo)  Que é? Que é? 
 
CHICA Uma moça bem vestida! Como vem cercada de povo! Aquilo é senhora da cidade! 
 
CARDOSO Mas não! é ela! é a nossa rica filha! 
 
TODOS Clarinha! 
 
BOTELHO Ei-la aí vem!...   
 
CENA II  Os mesmos, Clarinha, povo.
 
(Clarinha vem exageradamente vestida, e acompanhada pelo povo) 
 
CORO  Ei-la! Ei-la! Vem tão janota!  Ei-la entre nós de novo enfim!  Mas que fatiota!  Onde ela foi vestir-se assim!  Cardoso Chegaste enfim!  Chica de onde vem tu? 
 
CARDOSO Como é que assim nos aparece? 
 
CHICA Deus me perdoe! Já não pareces  A filha de Maria Angu! 
 
CORO  Deus me perdoe! Já não pareces  A filha de Maria Angu 
 
COPLAS
 
I CLARINHA Fizestes muitos sacrifícios  para que eu não tivesse vícios,  E eu tive sempre paciências  de aparentar muita inocência! Constante fui no fingimento;  Sonsa como eu nenhuma havia!  Tudo isso, devo ao meu temperamento, Por temperamento eu fingia! 
 
De Maria Angu  Eu cá sou filha, não há negar. 
 
Sou Clarinha Angu!  Filho de peixe sabe nadar...  Olhem lá!  Venham cá!  Sou Clarinha Angu! 
 
CORO  De Maria Angu  Ela é a filha, não há de negar! etc. 
 
II CLARINHA Íeis me dar, não duvido,  Um maridão, um bom marido,  Porém a outro namorado  Meu coração eu tinha dado!  Querendo, embora por estúcia,  Impedir esse casamento,  Eu fiz com que me prendesse esta súcia!  Tudo por meu temperamento  De Maria Angu, etc. 
 
BOTELHO Como? pois foi por causa do teu temperamento que fizeste todo esse destempero? 
 
CHICA Por que não nos disseste francamente a verdade, em vez de te deixares prender? 
 
CARDOSO E como foste dar com o costado na Corte? 
 
CLARINHA (à parte) 
 
Aproveito a mentira do Sampaio. (Alto) Fui para a Corte à disposição do chefe de polícia, que me mandou embora... Depois contarei tudo. Só o que lhes digo é que jugo ser traída! 
 
TODOS Traída! 
 
CLARINHA Por meu namorado!... 
 
CHICA Não é outro senão Nhonhô Bitu! 
 
CLARINHA Sim! É Bitu, é! E o que eu suspeito é verdade! Não me casarei com ele... 
 
CARDOSO Nisso fazes bem! 
 
CLARINHA E ficarei solteira toda a minha vida! 
 
GAIVOTA Nisso fazes mal! 
 
TERESA E Barnabé? 
 
GUILHERME Sim! Que lugar reservas em tudo isso para Barnabé? 
 
CLARINHA Não se ocupem com ele; ficou preso na Corte. 
 
TODOS Preso! 
 
CLARINHA Também depois hei de contar-lhes isso... Não estejamos cá. Há de vir aqui alguém, que encaminhei para cá, e não quero que me veja. Viva Deus! Hei de provar-lhes que sou a filha da minha mãe! 
 
BOTELHO Não parece a mesma... 
 
CARDOSO Filho de peixe sabe nadar. 
 
CLARINHA E ainda não viram nada! 
 
GUILHERME E esse vestido? Quem foi que te pôs nesse chiquismo? 
 
CLARINHA Foi meu pai! 
 
TODOS Seu pai?!... 
 
CLARINHA O Barão de Anajá-mirim! 
 
CHICA O Barão de Anajá-Mirim?... É ele!... 
 
TODOS Quem? 
 
CHICA O Barão do Hotel Ravot! 
 
CLARINHA
 
Também depois hei de contar-lhes isso! Vamos! 
 
(Saída geral, com um motivo no último Coro. Entra Sampaio, disfarçado, com um grande chapéu desabado e barbas postiças) 
 
 
CENA III  Sampaio, só.
SAMPAIO Cá estou. Vejo que fui o primeiro a chegar. Parece-me que estou bem disfarçado... Vejamos se esqueci de alguma coisa, pois tenho andado com a cabeça à razão de juros. (Tira uma carta da algibeira e lê) “Senhor Sampaio” (Declama) Ela escreve Sampaio com o cedilhado! (Lê) “O senhor é enganado. Se quer saber quem é o amante de sua amante, esteja hoje à noite na festa do Espírito Santo, em Maria Angu. Vá disfarçado e leve os olhos bem abertos. —  Clarinha” (Declama) Clarinha! É ela, a noiva do Barnabé, essa bonita rapariga que daqui levei com intenção perversa, e me foi roubada pela Chica, que a entregou ao Barão de Anajá-mirim. Foi bem feito. O Barão encheu-a de presentes, porém, mal tinha trocado quatro palavras com a pequena, reconheceu que era pai dela, e naturalmente arrepiou carreira! Disse lá consigo: Nada! uma pequena que tem dois futuros e ainda aceita presentes, não é digna de ser minha filha! mas, Clarinha, que se mostrava tão amiga da Chica, escrever-me agora contra ela! À custa de quem quererá divertir-se esta moça? À minha? Mas sou muito grande para palito. Que horas serão? Ali no relógio da igreja é meia noite há oito anos. meia noite ou meio dia. Creio que a impaciência fez-me vir antes de tempo... Se eu visse a Clarinha... (Saindo pela esquerda) procuremo-la. (Sai)   
 
CENA IV  Barnabé, depois Sampaio.
 
(Barnabé entra correndo e também disfarçado) 
 
BARNABÉ Uf! Eis-me enfim em Maria Angu... e quase reduzido a angu! Que é isto? ah! a festa!... Sarcasmo do destino!... (Pausa) Quantas atribulações para um pobre barbeiro sangrador! No dia do meu casamento sangram-me o coração: prendem-me a noiva antes que eu a prendesse com os laços do himeneu! Sei que ela foge para a Corte, levada pelo subdelegado! Vou também para a Corte e tenho a satisfação de saber que ela não tinha fugido, mas fora apenas conduzida à presença do chefe de polícia. Não sei como nem como não, roubo uma pulseira, que é encontrada no meu bolso, prova cabal que a roubei... mas como? Mandam-me prender por Uns soldados que são tudo menos urbanos, e ferram comigo na estação dos ditos, na Travessa do Rosário. No xadrez encontro o Jerônimo, vulgo cabeçada, preso também por ter dado uma cabeçada num sujeito que lhe pilhou dando um beijo em sua mulher... (Como lhe devia ficar a cabeça!) O Jerônimo é um amigo velho; fui eu que lhe emprestei duzentos mil réis, quando residi na Corte, para prestar fiança quando quis ser condutor de bondes. Por sinal nunca mais vi a cor desse dinheiro! Levamos toda a noite a contar um ao outro nossas desventuras. O Jerônimo lembrava-se dos duzentos mil réis, e teve pena de mim... Tinha de sair logo de manhãzinha do xadrez, e, como não fazia muito empenho em tornar a ver a mulher, lembrou-se de me fazer sair em seu lugar. Vesti a sua roupa, ele vestiu a minha, pus o seu chapéu, e quando vieram soltá-lo, zás! por aqui é o caminho! Estava ainda no Largo do Rossio, quando ouvi gritar: “Pega! pega!” Pernas pra que te quero?! Olho um tílburi que saía! Brr... Entrei na estação... noutra, mas desta vez na da Estrada de Ferro... Felizmente o trem estava sai-não-sai... Em viagem lembrei-me de minha mala, mas o colete é o meu e os cobres cá estão... Chego a Maria Angu mais morto que vivo, e eis-me numa festa! Numa festa... E talvez a estas horas a minha Clara gema no ovo!... O ovo é o xilindró... 
 
SAMPAIO (entrando)  Não a encontrei. 
 
BARNABÉ Vim buscar o auxílio de meus sogros e de minhas sogras, mas parece estar escrito no livro do destino que não há livro do destino que a aguarda!... 
 
SAMPAIO Já devem ser horas. 
 
BARNABÉ Vou procurá-los. 
 
SAMPAIO Vamos por outro lado... 
 
(Esbarram-se) 
 
DUETO
 
AMBOS  Você está cego? 
 
SAMPAIO Oh! que bruto! 
 
BARNABÉ Pra lá! 
 
AMBOS  Céus! Quem será? 
 
(Afastam-se com medo um do outro) 
 
SAMPAIO Quem será? 
 
BARNABÉ Quem será? 
 
AMBOS (à parte)  Será, pois não! imensa asneira  Medo por ele aqui mostrar!  Eu vou, vou já, de um capoeira  As aparências tomar! 
 
(Provocam-se como os capoeiras) 
 
SAMPAIO Você não vê por onde anda! 
 
BARNABÉ (à parte)  Ai! que o sujeito é valentão! (Alto)  É que eu olhava pra outra banda... 
 
SAMPAIO (à parte)  Este indivíduo é fracalhão! (Alto)  Zangado estou, e vou-lhe às ventas! 
 
BARNABÉ (à parte) Se eu recuar, perdido estou! (Alto)  Eu quero ver se tu sustentas  O que da boca te escapou!  Se não retiras a expressão  Fanfarrão!  Levas muito cachação! 
 
SAMPAIO (à parte)  Ele é valente! Haja prudência! 
 
BARNABÉ (avançando) Há de ter santa paciência:  Apanhas como ladrão! 
 
SAMPAIO (fugindo, à parte)  Ele me quer limpar a roupa! 
 
BARNABÉ (à parte) O fanfarrão tremendo está!  (Alto, avançando)  Fazer-te quero numa sopa! 
 
SAMPAIO (fugindo)  Adeus, e fique-se por cá! 
 
(Barnabé agarra-o pelas barbas, que lhe ficam na mão) 
 
BARNABÉ Hein? Deixou de ser barbado! 
 
SAMPAIO Bico! Bico por quem é!... 
 
BARNABÉ Que vejo? O subdelegado! 
 
SAMPAIO (à parte)  Conheceu-me! Passo o pé! (Vai fugir) 
 
BARNABÉ E eu cá sou o Barnabé! 
 
SAMPAIO (voltando)  O Barnabé! 
 
JUNTOS  Ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!  Estou aparvalhado!  Caso mais engraçado!  Decerto que não há!  Ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah! 
 
SAMPAIO Mas como pode isto ser? Eu supunha-o preso! 
 
BARNABÉ Preso não estou; estou apenas surpreso! (Lembrando-se) Mas... oh, meu Deus... dar-se-á caso que vossa senhoria queira catrafilar-me outra vez? Acredite que estou inocente!... 
 
SAMPAIO Descanse. Folgo até de encontrá-lo aqui. 
 
BARNABÉ Por quê? 
 
SAMPAIO Quer me parecer que nós somos enganados... 
 
BARNABÉ Vossa senhoria, quando diz “nós”, fala como autoridade, ou referese a mim também? 
 
SAMPAIO Falo como barbeiro. Vejamos se alguém nos ouve... 
 
(Sobem a cena e observam, um à direita, outro à esquerda. Sampaio põe as barbas) 
 
BARNABÉ Senhor subdelegado, onde está vossa senhoria? Ah! Cá está! Com as barbas já não o conhecia! 
 
(Clarinha aparece ao fundo e aí se conserva)   
 
CENA V  Os mesmos, Clarinha.
 
SAMPAIO Ninguém. 
 
BARNABÉ Ninguém também por este lado... 
 
CLARINHA (à parte)  Hein?... 
 
SAMPAIO Este meu disfarce não o admira? 
 
BARNABÉ Decerto... 
 
SAMPAIO Pois foi sua noiva quem me aconselhou que o arranjasse. 
 
BARNABÉ Clarinha? 
 
CLARINHA (à parte)  Meu nome?... 
 
SAMPAIO Ela escreveu-me... 
 
BARNABÉ A vossa senhoria?... 
 
SAMPAIO Para dizer-me e provar-me que Chica Valsa me engana... Agora não vá dar com a língua nos dentes... Eu sou viúvo e tenho três filhas solteiras... 
 
CLARINHA (à parte) É o Sampaio! E o Barnabé solto! 
 
BARNABÉ Mas Clarinha não está presa? Não está embrulhada nestes negócios da leitura do Imparcial? 
 
SAMPAIO Não, tolo: a Clara não está embrulhada... 
 
BARNABÉ Esta embrulhada é que não está clara! 
 
SAMPAIO Foi ela que lhe arranjou aquela prisão; que lhe meteu a pulseira no bolso! 
 
BARNABÉ Ela!... 
 
SAMPAIO Queria desfazer-se de você! 
 
BARNABÉ De mim?! 
 
SAMPAIO Aqui para nós, que ninguém nos ouve: aquela sua noiva não é lá muito boa peça... 
 
CLARINHA (à parte)  Ah! 
 
BARNABÉ Clarinha! um anjo de inocência e de candura! 
 
SAMPAIO Você é um bolas seu Barnabé! 
 
BARNABÉ Chame-me vossa senhoria o que quiser... para mim é o mesmo... mas não diga mal da pobrezinha! Hei de defendê-la, enquanto puder, contra tudo e contra todos! 
 
SAMPAIO Que lhe faça bom proveito! 
 
BARNABÉ Ela! Tão bonita, tão boa, tão amável, tão honesta! 
 
CLARINHA (à parte)  Pobre rapaz! 
 
SAMPAIO E se eu lhe provar que ela está cá? 
 
BARNABÉ Ela quem? Clarinha? Aqui?!... 
 
SAMPAIO Olhe, ouça: vamos percorrer a festa, e, se a encontrarmos, desejo que ela não me conheça. Quero observá-la a fim de saber com que fim me escreveu... 
 
CLARINHA (à parte)  Ah! tu não queres ser conhecido. (Vai-se) 
 
BARNABÉ Ela? Ela? decididamente fico idiota! 
 
SAMPAIO Siga-me, digo-lhe eu: mas, quando a virmos, não fale. Evitemo-la, sem a perder de vista. (Clarinha cantarola no bastidor) Uma voz de mulher! 
 
BARNABÉ Ai! meu Deus! 
 
SAMPAIO Quem é? 
 
BARNABÉ É ela! É ela! 
 
SAMPAIO Ela!... (Levando-o para um canto) Deixemo-la passar! 
 
(Clarinha entra, sempre cantarolando, e, depois de percorrer o fundo, aproxima-se dos dois e finge que se assusta) 
 
CLARINHA Ui! Os senhores meteram-me um susto! 
 
BARNABÉ Pois quê! É... 
 
SAMPAIO (dando-lhe um empurrão)  Cale-se! 
 
CLARINHA Ah! desculpem... não os conheço. Estão aqui para a grande questão, não é assim? 
 
SAMPAIO (disfarçando a voz)  Que questão? 
 
CLARINHA Trata-se de mim... 
 
SAMPAIO Ah! trata-se da senhora? 
 
CLARINHA De mim, Clarinha Angu. 
 
BARNABÉ (à Parte)  E como está vestida! 
 
SAMPAIO Ah! a senhora é... 
 
CLARINHA Imagine o senhor que me queriam casar com um homem, oh! um homem de bem, às direitas... 
 
BARNABÉ (à parte)  Ah! 
 
CLARINHA Mas tolo... 
 
BARNABÉ (à parte)  Eh! 
 
CLARINHA Um coração invejável, um caráter como poucos... 
 
BARNABÉ (à parte)  Ih! 
 
CLARINHA Um bom rapaz, enfim... 
 
BARNABÉ (à parte)  Oh! 
 
CLARINHA Mas, como já disse, tolo o que se pode chamar tolo!... 
 
BARNABÉ (à parte)  Uh! 
 
TERCETO
 
CLARINHA Está na conta o Barnabé  Para ser irmão ou amigo;  Porém meu ideal não é...  Não há de se casar comigo! 
 
BARNABÉ Céus! ela o que dizendo está! 
 
SAMPAIO Je comprends ça, je comprends ça! 
 
CLARINHA Muito me custa vê-lo aflito,  Mas eu a outro amava já... 
 
BARNABÉ A outro! 
 
CLARINHA Muito mais bonito! 
 
SAMPAIO Je comprends ça, je comprends ça! 
 
BARNABÉ Ah, meu Deus! cambaleio!  No chão vou já cair! 
 
CLARINHA Mas o meu namorado, creio,  Está pensando em me trair  Aí está o mistério  Que devo desvendar! 
 
É esse o caso sério  Que tem-me feito suar! 
 
OS TRÊS  Aí está o mistério  Que deve/devo desvendar!  É esse o caso sério  Que me/a tem feito suar! 
 
CLARINHA Sabem vocês quem é a Chica Valsa,  Que vive os homens a enganar? 
 
BARNABÉ Sim, eu... 
 
SAMPAIO Não sei. 
 
CLARINHA Foi uma amiga falsa,  Mas eu a vou desmascarar:  Certo amante muito arruinado  Cedeu lugar ao macacão  Sampaio, o tal subdelegado... 
 
SAMPAIO Ao macacão! 
 
BARNABÉ (à parte)  Toma lá, meu vilão! 
 
CLARINHA  O macacão tudo lhe dá,  Mas a Chica é mulher leviana:  Com o seu antigo amante, olá!  O s’or subdelegado engana! 
 
SAMPAIO Céus! ela o que dizendo está! 
 
BARNABÉ Je comprends ça, je comprends ça! 
 
CLARINHA Essa mulher da pá virada  Eu sei que considera já  O Sampaio um paio e mais nada! 
 
BARNABÉ Je comprends ça, je comprends ça!  Ah, meu Deus! cambaleio!  No chão vou já cair! 
 
CLARINHA É com meu namorado, creio,  Que a Chica os eu conta iludir!  E aí está o mistério, etc. 
 
SAMPAIO (tirando as barbas)  Olá! eu sou o subdelegado! 
 
CLARINHA Já disso sei! 
 
SAMPAIO Já sabe então? 
 
CLARINHA Olé! 
 
BARNABÉ E eu cá sou... 
 
CLARINHA O Senhor Barnabé. 
 
BARNABÉ Sabia então? 
 
CLARINHA Ora se não! 
 
SAMPAIO Vingança eu vou tomar! 
 
CLARINHA Vai tudo transtornar!  Daqui afastemo-nos já!  (Sobe ao fundo)  Céus! Bitu que ali está! 
 
OS DOIS  Bitu! 
 
CLARINHA (descendo) Vingança!  Vingar-me é a minha esperança  Pra vingar-me um belo dia  Desse grande lheguelhé,  Eu capaz até seria...  (A Barnabé)  De casar-me com você!  Venham cá!  Venham já!  Vocês vão conhecer-me,  E dizer-me  Depois,  “Tens talento por nós dois”!  Os Dois — vamos lá  Vamos já! 
 
Vamos lá conhecê-la  E dizer-lhe depois  “Tens talentos por nós dois!” 
 
(Saem) 
 
 
CENA VI  Bitu, só.
 
BITU (entrando do fundo)  Eis-me enfim na festa do Espírito Santo, o único espírito que há nesta terra, não falando no engarrafado e no meu. Como me bate o coração! A Chica escreveu-me, pedindo-me uma entrevista para hoje, as nove horas, aqui! É esquisito! Uma entrevista em Maria Angu, quando na Corte não nos faltava sítio... Ela, enfim, tem lá suas razões...   
 
CENA VII  Bitu, Chica Valsa.
 
CHICA VALSA (vestida de preto e de véu espesso)  Enfim te encontro! 
 
BITU Acho-te enfim! 
 
CHICA VALSA (levando as mãos ao peito)  Estou com o coração nas mãos... 
 
BITU Não! estás com a mão no coração. 
 
CHICA VALSA Obrigas-me a fazer coisas... 
 
BITU Que receias tu? 
 
CHICA VALSA Estou exposta a tanto! podia ser alguma cilada... mas, enfim, cá estás; estou mais sossegada. Fiz tudo o que me recomendaste em tua carta. 
 
BITU Em minha carta? 
 
CHICA VALSA Que tal achas este vestuário de viúva? Não é assim que querias? 
 
BITU Que eu queria, como? Não te entendo! 
 
CHICA VALSA Pois tu, a quem não via desde aquela noite fatal, em que brigamos por causa da Clarinha Angu, não me escreveste ontem... 
 
BITU Eu? 
 
CHICA VALSA ...dizendo que me achasse aqui, na festa do Espírito Santo, às nove horas, assim vestida?... Achei o lugar esquisito, quando na Corte poderíamos fazer as pazes! 
 
BITU Mas foste tu quem escolhestes o lugar, benzinho. 
 
CHICA VALSA Eu, meu amor? 
 
BITU Tu, meu coração; nesta cartinha que já sei de cor e salteado! 
 
CHICA VALSA Uma cartinha que eu te escrevi! Eu?!... 
 
BITU Estás arrependida? 
 
CHICA VALSA Queres divertir-te à minha custa? 
 
BITU Já não te lembras? Nesse caso ouve lá! (Lê a carta) 
 
DUETO
 
“Qu’rido Bitu que se esqueceu de mim,  É meu amor, amor sem fim!  Eu devo confessar, Nhonhô, que ao fazer desta  Padece o peito meu, e a causa disso és tu!  Hoje, às nove da noite, espero-te na festa,  Lá em Maria Angu.  Apaga-me esta chama,  Sufoca-me estes ais,  E não te esqueças mais  Desta infeliz que te ama.” 
 
CHICA VALSA Assina-se quem? 
 
BITU Vê: “Chica Valsa”. 
 
CHICA VALSA Traição! 
 
BITU Esta firma é falsa? 
 
A carta que aqui está  Tua não é? 
 
CHICA VALSA Ouve lá!   (Lendo outra carta que tira do seio)  “Não passo de um jornalista da roça,  Sem ter futuro, sem ter posição,  Mas, meu amor, por ti sinto paixão;  Viver sem ti não suponhas que eu possa!  Longe, lá em Maria Angu  Há hoje festa do Espírito Santo.  Nesse poético recanto,  Meu doce amor, não queres tu,  Fingindo ser senhora viúva,  De capa preta, véu e luva,  Ir encontrar o teu Bitu?  Como eu presumo que me adoras,  Sem falta, amor, contigo conto,  Se tu não vem às nove horas  Eu me mato às dez em ponto!” 
 
BITU Isto por artes só de Belzebu!  E assina quem? 
 
CHICA VALSA Vê: “Ângelo Bitu.” 
 
AMBOS  Que cilada se armou!  Eu envergonhado 
 
CHICA VALSA Fugir, fugir, se é tempo ainda! 
 
BITU Não!... Para quê?  Aqui fique você!  Minha Chica, tu és tão linda!  Oh! Eu te adoro!... O meu segredo aí está!  Ninguém o saberá!   
 
CENA VII  Todos os personagens deste ato.
 
(Todos, ao fundo, ouviam as últimas palavras de Chica e Bitu) 
 
CORO  Ah! ah! ah! ah!  Segredo, olá!  Que todo mundo sabe já! 
 
BITU Este senhora é muito minha!  Qu’remos passar! 
 
CLARINHA (aparecendo)  Mais devagar! 
 
TODOS  Clarinha!... 
 
II CLARINHA Estás aí, Chica Morais?  Tem paciência: ouvir-me vais,  Pois me fizeste, por traição,  Ir ter c'um velho solteirão!  Ó coisa ruim, não julgues tu  Que eu chore a perda do Bitu,  Canalha a vil que a quem mais der  Vende o jornal, vende a mulher! 
 
Com ele podes tu ficar!  Luvas te devo até pagar!  Livre fiquei, graças ao céu,  De semelhante chichisbéu!  A mão lhe dá de esposa  E o mundo então dirá:  Não é lá grande coisa;  mas casada está! 
 
CORO  Que tal a rapariga?  Arrasa o seu Bitu!  Não há que se lhe diga!  Bem mostra ser Angu! 
 
II CHICA VALSA Estás aí, Clarinha Angu?  Ouve também agora tu,  ó donzelinha, que a falar,  Um batalhão fazes corar!  não te faz conta o meu Bitu,  Porque o prender não podes tu;  Se ele aceitasse o teu amor,  Tu lhe darias mais valor...  Porém sabendo ficarás...  Não faço empenho no rapaz;  Casem-se, e não mostres assim  Tão negra inveja ter de mim!  A mão lhe dá de esposa, etc. 
 
(As duas chegam às vias de fato; Sampaio vai separá-las e apanha bordoada) 
 
SAMPAIO Um bofetão me pespegou, senhora! 
 
CHICA VALSA Quem é você? Não me dirá? 
 
SAMPAIO (tirando as barbas)  Não me conheces agora? 
 
CHICA VALSA Também você? Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! 
 
TODOS Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! 
 
SAMPAIO (furioso)  ‘Stou zangado!  ‘Stou danado!  Vou de cólera saltar!  Ó senhora,  Sem demora  Vamos contas ajustar! 
 
BITU A Chiquinha  Só é minha!  Não a podes maltratar!  Meu amigo,  Só comigo  Terá contas a ajustar! 
 
TODOS Mas que é isto?  Jesus cristo!  Não precisam disputar!  Tudo agora  Sem demora  Vai-se elucidar! 
 
(Confusão geral) 
 
CLARINHA Cesse o rumor! basta de bulha!  (A Chica Valsa)  Dá-me tua mão! 
 
CHICA VALSA Pois queres apertar...  Clarinha Não faças caso: isto foi pulha!  Não deve a gente se zangar!  Chica Valsa (Apertando a mão de Clarinha)  Pois bem! 
 
SAMPAIO Mas ouçam cá! 
 
CLARINHA (a Sampaio)  Neste momento  O que de melhor vai fazer,  Pra reputação não perder,  É aceitá-la em casamento! 
 
CHICA VALSA E eu dou-lhe o meu consentimento!  Em casa do juiz agora um baile invento!  (A Sampaio)  Queira-me acompanhar. 
 
(Entra na casa do juiz da festa acompanhada por Sampaio) 
 
CORO  O que irá ela ali buscar? 
 
BARNABÉ (a Clarinha, que tem estado a chorar)  Que vejo! Choras tu, Clarinha? 
 
CLARINHA Eu não... 
 
BARNABÉ Tu sim, que vendo estou! 
 
CORO  Então tu choras? 
 
CLARINHA (enxugando os olhos)  Já passou! 
 
BITU Arrependeu-se a sinhazinha?  Oh! se assim foi, eu lhe ofereço a mão! 
 
CLARINHA Você não me conhece, não!  De raiva é que é este choro!  De raiva é que isto é!  Perdi o meu tesouro!  Perdi o Barnabé!  (Estendendo a mão a Barnabé, sem olhar para ele)  Pois se eu lhe disser:”Toca”  Ele é capaz, até  De oferecer-me em troca,  Em vez da mão... o pé... 
 
BARNABÉ (tomando-lhe a mão com amor) Eu te juro!  Eu rejuro  Pelas cinzas do meu pai,  Ó Clarinha  Vida minha,  Que o passado já lá vai! 
 
CORO  Que nobreza!  Que franqueza!  Que vergonha pro Bitu!  Que barbeiro  Cavalheiro! Casa-se Clarinha Angu!...
 
BITU (à parte)  Ah! lá se vai o meu amor  Como a mamã, porém, fará!...  O que for  Soará... 
 
CHICA VALSA (voltando, acompanhada por Sampaio)  Eu convido este ilustre auditório  Pra na casa dançar do juiz! 
 
BARNABÉ Ai, meu Deus! como eu sou feliz!  Vou celebrar meu casório! 
 
CHICA VALSA Pois vai casar-se mais alguém?  Quem? 
 
CLARINHA De Maria Angu  A filha é noiva de Barnabé!  Sou Clarinha Angu!  Filho de peixe peixinho é!  Olhem cá!  Vejam lá!  Sou Clarinha Angu! 
 
CORO  De Maria Angu  A filha é noiva de Barnabé!  É Clarinha Angu! 
 
Filha de peixe peixinho é!  Olhem cá!  Vejam lá!  É Clarinha Angu!

 

 

                                                                  Artur Azevedo

 

 

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