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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A FILHA DO REI DO BREJO / Hans Christian Andersen
A FILHA DO REI DO BREJO / Hans Christian Andersen

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

 



 

 

As cegonhas gostam de contar histórias sobre pântanos e brejos. O primeiro casal de cegonhas a contar essa história testemunhou o acontecido. No verão, eles migravam para a casa de uma família viking, na Dinamarca. Uma noite, papai cegonha voltou para casa muito preocupado.

 

 


 

 


– Trago notícias terríveis! – exclamou ele.

Mamãe cegonha estava sentada sobre seus ovos.

– Não me conte! – disse ela. – Você sabe que vou ficar nervosa, e o nervosismo vai passar para os ovos!

– Você precisa saber! – respondeu papai cegonha.


– A princesa, filha do rei egípcio, veio para cá e agora desapareceu! Estava disfarçada num manto de plumas, junto com outras duas princesas. As três vieram voando e aterrissaram no tronco de uma árvore caída. Então a filha do rei tirou o manto e pediu às outras que o segurassem enquanto ela mergulhava na água para colher uma flor. Mas as duas, em vez disso, levantaram voo com o manto.

– Mergulhe! – disseram elas. – Você nunca mais poderá voltar.

A princesa começou a chorar, e suas lágrimas escorreram até a árvore caída. Esta começou a se mover, e o que parecia um tronco de árvore era, na verdade, o próprio rei do pântano! Ele agarrou a princesa e a levou para o fundo do seu reino.


Muito tempo se passou, e, certa manhã, papai cegonha reparou que um caule despontava da água do pântano com um botão na ponta.

Aos poucos, o botão foi se abrindo, e, bem no meio da flor, estava uma bebezinha que se parecia com a princesa do Egito. Papai cegonha chegou à conclusão de que a bebê deveria ser da princesa com o rei do pântano.

“Eu não posso deixá-la aí”, pensou o papai cegonha. “Mas já sei o que fazer! Vou levar esta criança para a mulher do chefe viking, pois eles não têm filhos.”


Assim, papai cegonha voou até a casa dos vikings e deixou a criança ao lado da mulher. Quando a mulher acordou, ficou maravilhada. Ela beijou e abraçou a bebê, mas a garotinha se debatia, chorando histericamente. Afinal, de tanto chorar, ela adormeceu. A mulher viking começou a limpar a casa para a volta do marido. Ao anoitecer, estava exausta e, assim que deitou, adormeceu.

Na manhã seguinte, ela acordou e procurou a bebê. Não estava lá! Contudo, ao pé da cama havia um sapo feio, enorme. Naquele momento, os raios de sol entraram na casa e chegaram até o sapo. Com isso, ele se transformou novamente na linda bebê.

– Deve ter sido um pesadelo! – disse ela, enquanto abraçava a criança. Mas a garotinha a arranhou e se debateu como uma gata selvagem.

Mais um dia e outra noite se passaram até a mulher perceber que a criança estava enfeitiçada. De dia era linda como uma fada, mas tinha um temperamento raivoso. À noite ela assumia a aparência de um sapo e ficava quieta e chorosa.


A mulher decidiu que não contaria nada ao marido. Resolveu que ele só veria a criança durante o dia.

Certa manhã, o sino começou a repicar, avisando que os vikings retornavam com ricos tesouros saqueados de terras distantes. O chefe ficou satisfeito com a linda criança que aparecera em sua casa. Mais do que tudo, gostava de seu temperamento selvagem, dizendo que ela seria capaz de lutar nas mais terríveis batalhas e enfrentar os piores perigos sem piscar um olho.

A úmida neblina de outono cobriu o pântano. Os pardais assumiram os ninhos das cegonhas. Mas aonde elas teriam ido? Agora estavam no Egito, onde o Sol no inverno é tão brilhante e quente quanto nos mais belos dias de verão da Dinamarca.


As cegonhas descansavam depois de sua longa jornada. Dentro do palácio, o clima era ruim. O rei egípcio estava deitado, rodeado por seus parentes e servos. Ele estava muito doente. A flor do pântano, que poderia salvar sua vida (se fosse colhida pela pessoa que mais o amasse), nunca chegaria. Sua jovem e linda filha jamais voltaria.

– Ela morreu! – avisaram as duas princesas que haviam viajado com ela. E inventaram que a princesa fora morta por um caçador. Mas papai cegonha, que ouvira tudo, grasnou furioso!

– Vou roubar os mantos emplumados dessas princesas malvadas! – disse ele. – Não queremos essas moças de novo no pântano. Vou para a Dinamarca guardar os mantos no meu ninho.

Mas vamos saber primeiro o que o papai cegonha ouvira no ano anterior, depois que o rei ficara doente. Os sábios e eruditos se reuniram para discutir como o rei poderia ser curado e concluíram que a ajuda deveria vir da princesa que amava seu pai com todo o coração. Num sonho, a princesa descobrira que deveria trazer uma flor de lótus de um pântano na Dinamarca. Por isso ela voou para lá disfarçada num manto de plumas. O rei do pântano a tinha levado para baixo, nas águas lamacentas, e agora sua família acreditava que a princesa estava morta.


Enquanto isso, na casa dos vikings, a garotinha recebia o nome de Helga. Os anos se passavam rapidamente, ela ficava mais bonita a cada dia, ao mesmo tempo que se tornava mais brutal e selvagem. Só havia uma coisa que conseguia amansar Helga: o crepúsculo. Quando o Sol desaparecia, ela se sentava em silêncio num canto, com uma expressão melancólica em seu feio rosto de sapo.

No décimo sexto aniversário de Helga, os vikings voltaram para casa trazendo tesouros saqueados e prisioneiros. Entre eles havia um jovem sacerdote cristão, daqueles que se opunham ao culto aos deuses pagãos dinamarqueses. Essa nova fé já estava se disseminando, e Helga já ouvira falar sobre Cristo, que morrera por amor à humanidade. O jovem prisioneiro foi amarrado e carregado para o porão que havia embaixo da casa do chefe. Ele seria sacrificado aos deuses, pois os tinha negado e ofendido.


Naquela noite, a mãe adotiva de Helga conversou com o sapo, usando palavras cheias de amor e aflição:

– Grande é o meu amor por você, mas nem uma vez esse amor penetrou na sua alma. Seu coração é como um pântano frio e lamacento!

Lágrimas rolaram dos olhos do sapo. Então, levando uma tocha consigo, ele desceu ao porão, acordou o prisioneiro e, cortando as cordas que o prendiam, fez sinal para que o acompanhasse. O sacerdote seguiu o sapo e, montados num cavalo, foram embora.

Enquanto cavalgavam, o sacerdote rezava e cantava. O sapo, à sua frente, começou a tremer. Seria o poder das preces ou a manhã que se aproximava? Ele tentou pular do cavalo, mas o cristão o segurou e continuou a cantar, ainda mais alto.


Ao amanhecer, o sacerdote se viu com uma linda jovem em seus braços. Desconcertado, ele desceu do cavalo, e Helga o seguiu e atacou com uma faca. De repente, Helga tropeçou nas raízes de uma árvore e caiu perto de uma pequena fonte de água. O sacerdote borrifou água fresca nela e a batizou em nome de Cristo. Mas a água de batismo não tem poder quando a fé não vem de dentro. Ainda assim, uma força maior que a humana prevaleceu sobre ela.

Fascinada, Helga se aconchegou nos braços do sacerdote, que pegou dois galhinhos de árvore e os amarrou, formando uma cruz, dizendo:

– A luz que vem do alto nos visitou para brilhar sobre os que estão sentados na escuridão e guiar nossos pés pelo caminho da paz.

Juntos, cavalgaram pela floresta em direção à cidade cristã de Hedeby. O coração de Helga estava cheio de fé e de amor cristão.


Os dois entraram cada vez mais na floresta e então toparam com um bando de ladrões.

– Onde você encontrou essa garota linda? – gritou um deles. Um outro segurou o cavalo e começou a atacá-los com um machado.

Quando o Sol se pôs, o sacerdote e o cavalo estavam feridos mortalmente. Os ladrões pegaram Helga, mas ela se transformou em sapo e desapareceu.

Depois que os bandidos se foram, o sapo voltou para junto do sacerdote e do cavalo. Estavam mortos. Durante toda a noite Helga, como sapo, trabalhou para cobrir seus corpos com folhas, galhos, pedras e musgo. Ao amanhecer, lágrimas rolaram de seu rosto de princesa pela primeira vez. As duas naturezas lutavam dentro dela.


A noite chegou, e Helga transformou-se em sapo novamente. Dessa vez, contudo, havia um raio de humanidade em seus olhos. Aqueles olhos começaram a chorar lágrimas que vinham do coração. Ela ergueu a cruz de galhos que o sacerdote fizera e a colocou no túmulo dele. Então, desenhou na terra uma cruz. Ao fazê-lo, grossas camadas de pele de sapo caíram de suas mãos como luvas pesadas. Seus lábios começaram a tremer, e ela gaguejou enquanto dizia:

– Jesus é o Cristo. – Com essas palavras, seu formato de sapo se desvaneceu, e ela voltou a ser uma bela jovem.


Então o sacerdote lhe apareceu, envolto em uma luz.

– Filha do pântano – disse ele –, para quem está na Terra, as coisas parecem demorar muito. Na eternidade, porém, não existe o tempo. Um dia, você também entrará nesse reino eterno. Mas primeiro deverá atingir o objetivo de sua vida.

O sacerdote colocou Helga sobre o cavalo e montou à sua frente. Erguendo a cruz que estava sobre o túmulo, eles começaram a voar.

Por fim, eles se aproximaram do pântano. Cantaram um hino, e, imediatamente, o junco começou a florir, e logo o pântano ficou coberto de lótus. Sobre ele jazia uma mulher. Helga pensou que fosse seu reflexo na água, mas era sua mãe, a princesa egípcia, esposa do rei. A mulher foi carregada para a margem pelo cavalo. Então, cavalo e sacerdote desapareceram na neblina.

Ao lado do pântano, mãe e filha se abraçaram.

– Minha filha, flor do meu coração, meu lótus de águas profundas! – exclamou a princesa mãe.

Ela contou sua história à filha. O papai cegonha pegou os dois mantos emplumados que escondera e os jogou para as duas. Elas os vestiram e levantaram voo como cisnes brancos.

– A flor de lótus que eu devia ter levado para casa está voando ao meu lado! – disse a mãe. – Para casa! Para casa!

Mas Helga não podia sair da Dinamarca sem antes ver a mãe adotiva. Os dois cisnes voaram para a casa dos vikings, onde todos dormiam.


Em seu sonho, a mulher viking pegou o sapo e o sentou no colo. O sapo estremeceu e se aninhou ali, enquanto a mãe adotiva, protetora, o segurava. O ar era varado pelos sons de flechas e pelo choque de espadas. Parecia que céu e terra explodiriam. Então a mulher viu o deus do amor, libertado do reino dos mortos. Ela reconheceu o rosto. Era o do sacerdote cristão aprisionado.

– Jesus Cristo! – gritou ela. E então beijou com alegria o sapo.

Naquele momento, a figura de sapo se desfez, e Helga sentou-se ao lado da mãe adotiva, beijou-a também, louvou-a pelo carinho que tinha recebido e lhe agradeceu pelos pensamentos bons que semeara e cultivara em sua alma. Assim, Helga elevou-se como um magnífico cisne branco e foi embora voando.

A mulher viking acordou com o som do bater de asas. Ela acreditou se tratar da migração anual das cegonhas, que se reuniam naquela casa, e saiu para se despedir das aves. Mas, à sua frente, havia dois cisnes, que olhavam para ela.

A mulher se lembrou do sonho e de que vira Helga voar como um cisne. Ela estendeu os braços na direção dos cisnes, enquanto sorria em meio às lágrimas.


De repente, no Egito, dois cisnes brancos entraram no palácio. Eles tinham chegado junto com as cegonhas. Os cisnes tiraram seus mantos, e surgiram duas lindas mulheres. Helga curvou-se sobre o corpo do avô. Ao fazer isso, o rei se levantou, como que acordando de um sono longo e pesado.

Algum tempo depois, certa noite, Helga observava as estrelas brilhantes, quando viu o sacerdote se aproximando.

– O esplendor e a glória do reino dos céus superam o brilho de qualquer coisa na Terra! – disse ele.

Helga implorou ao sacerdote que lhe permitisse espiar o paraíso por apenas um instante para ver o Senhor. Então ele a levou ao paraíso. Palavras nunca poderiam descrever o que ela viu.

– Precisamos voltar agora. Vão sentir sua falta – disse o sacerdote.

– Só mais um pouco, por favor... – suplicou Helga.

– Você tem de voltar – pediu o sacerdote.

– Só uma última espiada... – E então Helga se viu novamente no palácio.

As luzes foram apagadas. O salão estava vazio. Assustada, Helga correu pelos corredores e quartos. Soldados estrangeiros dormiam neles. Ela abriu a porta do seu próprio quarto e entrou em um jardim em que nunca tinha estado.

Ela estivera no céu por apenas alguns instantes. Mas, na Terra, uma geração inteira se passara.

Helga compreendeu o que acontecera e caiu de joelhos. O Sol nasceu, lançando seus raios no jardim onde ela estava ajoelhada. Em outros tempos, isso transformava o horrível sapo em linda donzela. Mas, naquele momento, aquela luz transformou Helga num raio de sol mais puro que o próprio Sol. Ela se elevou ao céu para encontrar Deus, e em seu lugar na Terra ficou uma flor de lótus murcha.

 

 

 

                                                                  Hans Christian Andersen

 

 

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