Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A FLORESTA VIOLETA / Foster Perry
A FLORESTA VIOLETA / Foster Perry

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

 

   

Durante os últimos 5 anos, viajei pelo mundo e registrei, através do espírito e com grande consciência, os eventos que aqui relato. Fui guiado por mão invisível, com grande suavidade, através de muitas transições difíceis. A "Floresta Violeta" é um relato mito-poético destas viagens; é a minha tentativa de compreender a mão espiritual que nos guia quando ingressamos no desconhecido e somos forçados a abandonar antigas maneiras de pensar e viver. A jornada exterior através da Floresta Amazônica, descrita neste livro, é primordialmente a busca interior para encontrar um lugar no mundo, um lar. Nada havia que pudesse me preparar para a selvagem Amazônia, a paixão do Brasil, as jornadas de ayahuasca no Peru, ou o caráter opressivo de minha própria purificação através do Espírito. Queria ser iniciado através da viagem para entender a razão pela qual, por dois mil anos, peregrinos têm buscado Eleusis, na Grécia, para sua iniciação. Defrontar-me com os demônios internos e conhecer o que esta antiga alma grega pode rememorar, constituiu um aspecto essencial da minha busca.

Desde a infância, a escuridão da floresta tem sido meu santuário. Foi só quando me defrontei sozinho com meus medos, à sombra das árvores, é que me senti fortalecido e pronto para enfrentar as dificuldades da vida. A Floresta Violeta é um mundo de imaginação e um lugar de invocação e cura. Em retribuição, a floresta se faz violeta porque nos tornamos engrandecidos ao passarmos por experiências na vida. A ausência de experiências nos deixa iguais. A cor violeta é nobre, introvertida, no entanto audaciosa ao transmitir a exaltação do invisível, a suave mão do divino que nos leva a contemplar nossas experiências através dos olhos da alma.

Neste relato, busco a beleza e a silenciosa sabedoria que vive no mundo natural. Desejo que o espírito da floresta fale através de mim e nos guie a todos a uma compreensão mais profunda dos desafios que enfrentamos na vida, indicando como nos colocar a serviço da humanidade. No princípio, tomamos parte na vida das árvores. Elas cuidaram de nós e nos ensinaram a sabedoria. Para as crianças a árvore é como um outro mundo, um lugar de liberdade, segurança, onde todos os seus sonhos se tornam realidade, onde podem subir, esconder-se, sentar-se, pendurar-se e construir casas. Nas árvores a imaginação corre solta e as crianças podem então curar sua dor e solidão.

A forte presença da árvore possibilita a criança sentir sua verdadeira solidão. Lembro-me de permitir o completo domínio da árvore e observar como ela abrigava o mundo dos esquilos, pássaros e insetos. Sentia-me seguro ao descansar na curva de seu tronco, absorver o cheiro das resinas e explorar o mistério ao seu redor. Sempre tinha que voltar à floresta para recuperar a beleza das maçãs, ameixas, pêras, pinhas, avelãs e amêndoas. Compreendi o escritor grego Nikos Kazantzakis quando declarou: "Vi o mundo como uma árvore, um álamo gigante, e a mim mesmo como uma folha verde presa ao galho por uma fina haste"[1]. Minha alma era como a bolota de um carvalho, a semente que cresceria, amadureceria, morreria e renasceria.

A Floresta Violeta nos aproxima da natureza em sua totalidade, da sensibilidade dos ritmos naturais, dos segredos que somente uma árvore pode encerrar na memória de uma criança. Ao longo da vida, as árvores absorveram minha solidão, ansiedade, sentimentos feridos, oferecendo-me abrigo e consolo. Os galhos dos salgueiros e chorões eram o refúgio na minha fuga para a solidão. Sentia as bênçãos das sábias copas que se esparramavam das alfarrobeiras, dos juníperos, das magnólias, acácias, catalpas, carvalhos, olmos, sabugueiros e azevinhos. No topo de uma árvore, tornava-me uma criança da Terra, orientada para o céu. Jamais consegui ser um mero espectador das árvores; precisava penetrar nelas, arrumar minha própria existência em sua quietude. Elas são fortes, longevas, grandiosas, com a ordem arraigada em seu âmago. Nas árvores descobri que a vida é uma grande unidade, um ordenamento cíclico que gera e mata. Através da evolução e da morte, abrangendo o nascimento e a degeneração, a árvore é o símbolo deste livro.

Este livro é a floresta selvagem de minha experiência, cheia de momentos difíceis e cruéis. Curei minhas feridas e dores através deste livro e tenho a intenção de que você faça o mesmo. Escrevi a Floresta Violeta depois de visitar o lar da minha infância e descobrir que haviam sido cortadas todas as árvores e destruída a antiga casa da família. Fui bruscamente impelido de volta ao passado e à consciência das mágoas da infância. O amor daquela floresta me havia confortado na difícil transição de deixar de ser menino para tornar-me um homem. O sofrimento de vê-la destruída fez reviver a dor da falta de amor na infância.

Jung afirmou que o amor é a ausência de poder. Passei minha vida na busca pelo poder, na determinação e realização das ambições. Compreendi que o único desejo subjacente a essa busca tem sido receber amor de alguém, de alguma coisa, da natureza e, obstinadamente, ver amor onde ele não está presente. Lutei contra um inimigo, um demônio, para conhecer seu adversário e purificar minha mente de toda dualidade. Lutei contra o amor para entender a diferença entre narcisismo e niilismo e expressá-lo com desinteresse e desapego. Uma grande lição de vida é expressar o amor sem se importar com as conseqüências.

Existe sofrimento, medo e ansiedade antes da chegada de qualquer coisa nova ou no momento que precede a morte. E como ter que agarrar a mão que se estende para nós, em sonhos, por sobre um precipício. No entanto, em contato com os moribundos, no ato mesmo da morte, a maioria das pessoas se torna compassiva, atenciosa e desprovida de egoísmo. Algum dia, simplesmente, perceberemos que tudo está bem e teremos confiança, haverá um momento de relaxamento e adentraremos a realidade.

A vida, o Feminino e Masculino Profundos, é um abismo, um abismo sem fundo. Portanto, salte, pule, voe, embarque e mergulhe neste reservatório vazio. Crie seu próprio chão durante um tempo, pois ele será temporário, passageiro e inconstante. Deixe que a consciência do dia-a-dia, enquanto prática, seja seu guia. Não há fórmula certa para se sentir interligado ou entrelaçado. Encontre uma prática que lhe agrade e comprometa-se com ela com coragem e força e permaneça no esvaziamento e desdobramento do eu, assim como as fases da Lua. Estamos todos a caminho. O passo seguinte sempre acaba por se apresentar.

Coloque-se no centro de um cruzamento e permaneça calmo no meio do barulho. Fique na escuridão da Amazônia e torne-se uma vela que ilumina. Permaneça no meio da solidão, quando lágrimas e risos forem a mesma coisa, e sinta dentro de si aquele que você conhece. Sempre chega um momento na vida em que todas as antigas idéias e conceitos perdem sua validade e veracidade. Elas se quebram em milhares de pedaços e você simplesmente diz: "Eu não sei

Este é um grande momento de questionamento enquanto você espera pelo novo. Neste ponto você é o objeto mesmo da busca. Você é Aquele. Visível e invisível. O mais íntimo e o mais externo. Isto e Aquilo. Você e Eu. Atman é Brahman.

Aceite ser o filho ou filha da mulher e também o filho ou filha do Deus/Deusa. Viva em ambos os mundos. Pise em ambas as realidades, torne-se experiente, tenha hábitos, participe de uma comunidade para mantê-lo no caminho e mergulhe profundamente no silêncio e no não-eu. Encontre tempo todos os dias para o silêncio, para a atenção, para a não-mente, para o relaxamento - para liberar a noção do self - e então saia para o mundo. O espelho do mundo refletirá sobre você as provas e a beleza de que necessita. Um tempo para o trabalho, um tempo para a meditação.

Buddha disse que a vida é uma ponte. Não construa sua casa nesta ponte. O lar não está no passado, mas no lugar para onde você se dirige. Ele é aquilo que você finalmente veio personificar. A atenção e a percepção do eu interior e dos sons internos do corpo em meditação são maneiras de tranqüilizar-se e encontrar sua morada. Outra maneira é ficar imóvel na natureza, respirando para acalmar os batimentos cardíacos e esvaziar a mente para perceber outra realidade além das histórias do ego. Ou então, meditar com os olhos abertos, com consciência simultânea de seus espaços internos e externos.

Estou buscando meu lar dentro de mim, no mistério, realidade e alegoria da vida interior. Eu sou o objeto e o sujeito desta busca. Eu sou isto e isto não sou eu. Sou o eu e o não-eu. Desta maneira, através da indagação e do questionamento, posso ser livre e conhecer a natureza do amor.

Venha comigo nesta viagem à Floresta Violeta, símbolo do meu lar, minha alma, e a alma do mundo. Ela é vibrante e violeta, esta floresta do corpo, selva da Amazônia, a floresta interior do pintor Henri Rousseau.

 

 

 

 

 

 

Andando a esmo pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, aos sete anos de idade, vi uma pintura de um luminoso sofá vermelho no meio de uma floresta. O quadro, La Reve ou O Sonho, é a representação da primeira mulher amada de Henri Rousseau, reclinada em uma de suas florestas imaginárias. Somente uma criança poderia entender este sonho-realidade. Permaneci na frente deste quadro como se tivesse descoberto um tesouro perdido - uma nova maneira de ver. Explicando esta obra ao crítico de arte Andre Salmon, Rousseau comentou: "Você não deveria ficar surpreso por encontrar um sofá numa floresta virgem. Não há outro significado além da exuberância do vermelho. Você entende, o sofá está numa sala; o resto é um sonho de Yadwigha"[2]. Continuou explicando que foi o poder do Sonho que lhe havia ditado esta cena. Tal como uma criança, falou apenas da realidade imperiosa do Sonho e que simplesmente pintara o que vira. Naquele dia penetrei numa realidade expandida e vi meu próprio sonho interior - a floresta de possibilidades dentro da alma.

As paisagens de florestas virgens, fauna e flora tropical do pintor francês Henri Rousseau não são a representação pictórica de sua experiência pessoal na Amazônia, mas de suas visitas ao Jardim Botânico de Paris; ele apenas tinha viajado num sonho desperto para tais paisagens exóticas. Nas orlas de seus quadros, as figuras de feras e seres humanos integram a presença absorvente da natureza. Roger Shattuck escrevendo a respeito dele, comenta que "as melhores pinturas de Rousseau expressam a atmosfera fascinante e agourenta do mistério e produzem uma imagem fantasmagórica do espiritual na arte; um enigma que se perpetua nas duas figuras mascaradas dançando solitárias sob o luar, que se conserva no olhar fixo do leão equilibrado sobre a cabeça de um cigano negróide no deserto, que se mantém no arco formado por dóceis serpentes diante da música do flautista encantador"[3].

Para mim, Rousseau habita suas pinturas como eu habito meus sonhos. Na infância, eu sonhava com as florestas do Brasil e usando meu olho interior convertia meu quintal em espessa mata selvagem. Rousseau transformava seu mundo através do ato de pintá-lo. Depois daquela breve visita ao museu, tentei fazer a mesma coisa através de meus sonhos com a floresta.

Já adulto, pensar em Rousseau sempre me fazia lembrar de que nunca deveria perder a fé ou a imaginação de criança. Aprendi a respeitar minha sensibilidade e ensinar aos outros a mesma coisa. No sonho da Floresta Violeta é a paisagem de minha própria sensibilidade, com o desejo de mudar o mundo. Rousseau foi meu primeiro mestre pela singularidade de sua visão e pelo misticismo inerente a sua arte.

Descobri que existem três níveis de domínios de existência. O nível do meio é aquele em que vivemos nesta vida terrestre, limitado pelo tempo linear e espaço tridimensional. Acima, encontra-se o domínio celestial e abaixo, o domínio infernal do Mundo Inferior. Meu destino espiritual é mover-me com estabilidade através destes domínios, mantendo um equilíbrio entre os opostos, à partir dos quais o cosmo se cria fora do caos. Sinto que precisamos começar a identificar e moldar este domínio do meio como um sonho consciente.

Henri Rousseau deu-me a primeira lição de como enxergar através do coração e da visão interior, porém foi essencial-mente através de sua voz que pude ouvir a floresta interior. Ao ficar mais velho, experimentando uma inocência restituída, minha busca pelo sentido e aceitação, veio através da descoberta de Chiron.

Chiron era um centauro da mitologia grega, imortal, meio homem, meio cavalo. Era filho do titã Cronus e da ninfa Philyra e um dos mais sábios e letrados seres vivos, o que o diferenciava dos outros centauros, conhecidos por seu caráter impulsivo e sexualidade indomada. Alguns dos maiores heróis gregos foram enviados a sua remota caverna no Monte Pelion para serem instruídos por ele. Entre seus discípulos estavam Jasão, Esculápio, Acteão e Aquiles.

Chiron era célebre por seus conhecimentos sobre medicina cirúrgica e outras artes médicas. Foi um sábio profeta, músico e artista, exímio arqueiro, adepto das artes da caça e guerra, da ética, do ritual religioso e da ciência natural. Começou a mapear o céu e conta-se que foi o introdutor do uso medicinal das plantas. Credita-se a ele também a invenção da flauta e da lança.

Há um mural na Basílica de Herculano onde Chiron aparece ensinando Aquiles a tocar lira, como um pai adotivo, sábio, ensinando música a um homem corajoso. Aquiles aprendeu com Chiron as antigas virtudes do desprezo pelos bens materiais, aversão à mentira, senso de moderação, resistência à tristeza e às paixões malévolas. Desejei também ter um pai como meu mestre, um mentor com as qualidades de Chiron. Procurei-o em minha psique, dentro dos meus sonhos.

Anos após ter descoberto Rousseau, tive meu primeiro sonho explicito com Chiron. Ele começa num pequeno bangalô próximo a Sants Maries-de-la-Mer, na França, na metade do século dezenove. Eu sou um homem mais velho, patriarca de uma grande família francesa com pretensões aristocráticas, chegando ao limite de resistência na dor auto-imposta. Minha mulher tinha morrido de cólera e meu coração chorava por ela. Desejei a morte após sua partida e a ferida aguilhoadora da solidão acabou por levar-me aos braços de uma cigana. Fiz a escolha de compartilhar minha cama com uma mulher com a qual jamais poderia casar-me e que adorava dançar com seu vestido vermelho em nossas inúmeras festas familiares. Precisava de sua companhia para preencher o vazio do meu luto e desejava sua sexualidade para ter sede de viver.

No sonho, essa cigana me fala sobre beber um veneno amargo no silêncio da floresta. Sinto suas palavras quando ela invoca um curador para o meu eu doente. Clama por um médico interior, das profundezas de minha alma para restabelecer-me. Eu havia renunciado a Deus e não havia nenhuma razão para viver. Meu coração estava pesado, empedernido e desconfiado. Temia que sem amor e sem desejo de viver eu me tornasse vulnerável e pudesse ser despojado de meus bens pela cigana e por todos. No sonho, eu durmo com ela em várias ocasiões e temos dois filhos. Sinto-me traído pelo feminino, entregando-me a uma cigana e incapaz de perdoar a Deus por ter levado minha esposa. Estou consumido pela culpa por essas crianças ilícitas, das quais não podia cuidar.

Na cena seguinte, estou mais velho, com o cabelo curto e grisalho, navegando num barco e transportando a estátua de uma Virgem Negra. Aluda está presente a culpa por não amar os filhos que tive com a cigana da mesma maneira que amo os que tive com minha esposa e por não honrar sua memória. Não posso entregar esta dor a Deus e minha mágoa não permitirá a cura. Recuso-me a libertar o passado. Meu corpo se verga sob a vergonha. Centenas de ciganos rodeiam a embarcação, como parte de um festival cigano. Eu estou em pé no meio do barco, segurando exultante a Virgem Negra para que todos pudessem vê-la e rezar. Neste momento, perco o equilíbrio e caio ao mar, agarrado à estátua. As águas iludem meus olhos, assumindo uma tonalidade violeta enquanto faço um convite à morte. Sei que, no futuro, a estátua será encontrada no fundo do mar, mas me pergunto se minha alma irá se libertar de meu corpo. A última imagem que vejo é a de um centauro. Ele mostra seus cascos em forma da Lua crescente e me diz: "Égua, Mater, Mãe, olhe para a terra e para a floresta". Ele é exatamente como no mural da Basílica de Herculano - robusto, alerta e paciente. Ele aprendeu a compaixão à partir do próprio sofrimento e olhando dentro de seus olhos encontroo mesmo alivio. O centauro coloca a mão sobre a ferida do meu coração, mas é inútil, pois para que seja curado, primeiro preciso morrer. Meus pulmões estão cheios de água, entrego-me à morte e afundo. Morro sabendo que este é o médico que pode curar minhas feridas com seu toque.

Desde então procuro sua mão suave e invisível para me resgatar de um abismo de memórias sepultadas. Sei que preciso despertar deste sonho e resgatar-me do fundo do oceano, do mar de minhas origens e voltar a encontrá-lo. Nos últimos sonhos, lembro de entregar-me à morte voluntariamente, mas não consigo sentir o retorno à Mãe Terra, ao seu abraço que cura. Vejo apenas a Deusa terrível em sua forma destrutiva, de rejeição. Uma parte perdida de minha alma foi deixada naquelas profundezas e precisa ser resgatada.

Procurei o centauro na figura de meu pai, porque ele era médico. Na sua compaixão pelos pacientes, busquei o curador dentro de mim. Esperava que ele me ensinasse sobre a caça, música e poesia, como seguir meus instintos. Nessa procura por um pai, podia ver apenas minhas próprias feridas, minhas expectativas em relação a ele não eram realistas.

Quando criança senti-me profundamente ferido por meus pais. Minha mãe desistiu de sua carreira e de sua criatividade para criar os filhos. Meu pai vivia ausente, profundamente envolvido em seu trabalho. Sentindo-me sozinho, buscava refugio na mata que havia atrás de nossa casa no estado de Nova Iorque. Uma vez, adormeci sob um pé de mimosa e despertei com a convicção de que a humanidade tinha se originado com a primeira árvore e que, quando a última árvore fosse cortada, os seres humanos também se extinguiriam. Eu acreditava até então, que o mundo havia começado no oceano. Esforçava-me por me reconciliar com a água da vida, temendo afogar-me na Grande Mãe ou nas ansiedades de minha mãe natural. Não conseguia me separar da mãe pessoal ou da coletiva para me tornar um eu independente. As árvores se tornaram a única maneira de me manter elevado e absorver a maravilha da vida, sem ser subjugado ou invadido.

Chiron tornou-se uma presença idealizada em meus sonhos adolescentes, instando para que não me distanciasse da vida humana e de meu pai humano, mas para que os envolvesse. Instava para que eu tivesse compaixão por meu próprio sofrimento negligenciado e consciência de minha mortalidade. Somente enfrentando esta mágoa em relação a meu pai é que poderia descobrir a verdadeira responsabilidade para com os outros, minha individualidade e vocação.

Chiron foi ferido por ocasião de um jantar oferecido a Hércules pelos centauros, onde irrompe uma discussão. No meio da confusão que se instala, Hércules luta com os centauros e uma de suas flechas atinge a perna de Chiron.

Esta ferida, ocasionada por seu amigo, tornou-se insuportável e incurável. Sofreu com ela até o fim de sua vida imortal. Chiron representa a batalha entre nossas duas metades, a inferior, parte animal rejeitada e a parte humana. Sua ferida é a velha repressão e perseguição de nossos eus instintivos. A superação de Chiron sobre seu singular destino nos dá esperança de curar nossa própria ferida.

Antes do nascimento de Chiron como filho de Cronus (Saturno), sua mãe, a ninfa Philyra, protegia-se transformando-se numa égua para escapar de Cronus. Ele procurava por toda a Tessália por seu filho Zeus, recém nascido, que sua esposa Rhea havia escondido para que não fosse devorado pelo próprio pai. Cronus reconheceu e perseguiu Philyra, transformando-se em cavalo para copular com ela. Chiron nasceu com o corpo e pernas de cavalo e tronco e braços de homem. Sua mãe, horrorizada com o corpo do filho, suplicou aos deuses que a transformassem em algo que não fosse mais uma égua. Eles a transformaram numa tília e Chiron ficou abandonado. Apolo encontrou e adotou a criança, ensinando-lhe numerosas habilidades.

O nascimento de Chiron é significativo por ter sido concebido quando seus pais estavam sob a forma animal, de puro instinto. Desprezado pela mãe, negativa, que rejeita seu lado instintivo, copulando com um pai que se torna ausente, Chiron sofre igualmente de auto rejeição, transformado em pária da sociedade desde a mais tenra idade. Teve que defrontar-se com seus sentimentos de abandono e de ruptura em relação à mãe e ao pai, até descobrir o caminho que lhe estava destinado como mestre e médico.

Chiron foi criado por um culto pai adotivo, Apolo, o deus da música, da profecia, da poesia e da cura. A racionalidade e educação de Apolo constituíam a antítese de Chiron enquanto centauro, que foi compelido a controlar seu instinto irrefreável em favor da cultura, da ordem, da criatividade e dos ideais apolíneos.

Libertou-se do sofrimento ao trocar seu destino com o de Prometeu, que havia sido condenado por Zeus a permanecer amarrado a uma rocha por toda a eternidade, como punição por zombar dos deuses e roubar o fogo sagrado. Prometeu os desafiara, como devemos fazer quando recuperamos do inconsciente uma parte de nossos eus individuais. Roubou o fogo dos deuses para trazer a luz da consciência a escuridão da humanidade. Foi um pioneiro porque não só desafiou os deuses, como aprendeu a respeitá4os num exercício de humildade. Zeus havia decretado que Prometeu só poderia tornar-se liberto de sua punição se algum imortal concordasse em assumir seu lugar. Chiron o fez voluntariamente, renunciando à sua imortalidade. Após sua morte, ressuscitou como a constelação do Centauro (Sagitário). Prometeu foi liberado com a condição de portar sempre um anel e uma coroa de folhas de salgueiro, como lição de humildade. O anel para lembrar-lhe o passado e o salgueiro como tributo à morte de Chiron em seu favor. Prometeu ganhou a liberdade através do sacrifício de Chiron que foi curado por retirar-se do Mundo Inferior e enfrentar sua mortalidade.

O planetóide Chiron foi descoberto em 1977 pelo Observatório de Hale, na Califórnia. A descoberta de um novo planeta exterior é um evento importante para astrônomos e também para astrólogos, ao introduzir um novo padrão arquetípico, uma face do divino agindo sobre a psique coletiva. A posição de Chiron entre Saturno e Urano, simboliza a forma e a tradição da sociedade - estrutura e conservação saturninas - e por outro lado, o desejo de destruir e se rebelar contra a estrutura em nome da liberdade - progresso e individualidade uranianos. Posicionado entre os dois, Chiron representa, para mim, uma solução. Por um lado, convoca minha alma para ser socialmente responsável e consciente dos limites, de minha necessidade de ser vítima ou algoz e da vocação em ajudar a recuperar outras pessoas enquanto curador. Chiron reafirma também o compromisso pessoal com meu próprio crescimento, identidade e preservação da alma.

Descobri que Chiron, enquanto arquétipo do Curador Ferido, me preparava para enfrentar meu próprio sofrimento sem projetá-lo sobre outras pessoas sob forma de ressentimento e ciúme. Assumir o sofrimento, iniciou minha jornada de cura. Enraizou-me à Terra e ao sofrimento compartilhado com outros; instou-me a realizar minha individualidade através do serviço que posso prestar. Não poderia sentir-me íntegro e completo sem incorporar minha própria mágoa - somente assim poderia compartilhar a dos outros.

Passei, portanto, a buscar o significado através de minhas experiências no mundo. Queria retomar as pinturas de Rousseau e voltar à floresta, a parte instintiva de minha natureza. Queria montar cavalos e sentir-me uno com eles, e não abusar ou rejeitá-los por temer a perda de meu poder. Queria abandonar a assembléia dos deuses (sociedade) - como Prometeu ao roubar o fogo - e encontrar minha própria autoridade, meu mestre interior. Literalmente, busquei meu pai na Floresta Violeta de meus sonhos, efetivamente, e fui à Amazônia para curar meu relacionamento com ele. O que significa para o homem ser pai e encontrar Deus Pai? Essa busca pela totalidade conduziu-me, inicialmente, ao encontro do meu pai espiritual, Tserete, à sua tribo e ao núcleo de cura do Brasil.

 

José Luis Tserete é o valoroso chefe guerreiro da tribo Xavante, no Mato Grosso, Brasil. Seu nome original é Auweuptabi. Eu o encontrei no Rio de Janeiro em 1993, quando ele me disse: "Minha luta é invisível. É espiritual". Ele é altivo, paternal, um orador que fala às 130 pessoas de sua tribo, antes da dança ao por do sol. Ele reverencia o dia com respeito por sua terra, seu lar e sua sobrevivência.

Cinqüenta anos atrás, sua tribo era constituída por 100.000 pessoas. Nesta época as corporações multinacionais compraram a terra Xavante (aproximadamente do tamanho da Holanda). Em 1952, segundo Tserete, esses grupos levaram roupas contaminadas com sarampo para as aldeias indígenas. Milhares de índios morreram, até mesmo os admiráveis guerreiros xavantes. A tribo foi quase totalmente dizimada pelo sarampo; os atordoados sobreviventes, perdidos sem o seu povo, atravessaram o Rio das Mortes (nome atual do rio), e encontraram um padre missionário que educava os índios. Muitos foram convertidos. Posteriormente, o padre abusou de seu poder, tendo má conduta sexual e na sua cegueira acreditando que precisava converter os índios ao catolicismo.

Embora Tserete tenha sobrevivido a este desastre, não conseguiu comer adequadamente durante quinze anos, devido à dor em seu coração. Ele deseja que sua tribo volte a ter 100.000 pessoas. Ele ainda guarda o ódio, a guerra invisível. Mas decidiu reviver as antigas tradições de sua tribo, aquelas de sua infância e da primeira aldeia. Disse-me que restou apenas uma xavante que sabe como fazer os potes de cerâmica à moda antiga. A habilidade morrerá com ela, se não for ensinada. Agora há apenas 130 pessoas na aldeia de São Felipe, perto de Campinápolis.

Ele me mostrou o lago sagrado, onde jamais alguém nada. É um lugar perigoso, primitivo e turquesa. Perto do lago está a caverna sagrada de seu povo, onde, antigamente faziam piqueniques e onde poucos se aventuraram a penetrar. Ali o xavante conversaria com pessoas da cidade interior, abaixo da caverna. Tiveram mestres mais desenvolvidos, que lhes ensinaram como colher raízes, ervas e plantas e como compreender as estrelas.

O chefe me deu três plantas. Uma, a raiz chamada whotetepa, que cura câncer, úlceras, feridas e dores nas costas. Outra, a watopiri, que cura AIDS. Instruiu-me sobre como cuidar dessa raiz e como replantá-la nos Estados Unidos. A terceira raiz era um protetor. Chama-se iwaipo e era levemente cortada por quatro vezes na lateral. Disse-me que essa raiz estava ligada à chuva e às estrelas. Essas raízes eram os meus presentes, elas me dariam o amparo da terra e um forte alicerce.

Enrolou também uma corda fina, feita de três cipós, ao redor de meus pulsos e tornozelos para me livrar de doenças.

Conheci Tserete num apartamento minúsculo próximo das favelas - governadas pela polícia corrupta e pelos traficantes de drogas - depois que uma imensa chuva se abateu sobre o Rio de Janeiro, derrubando árvores, lavando do ar a violência e pintando os céus da cidade com sete arco-íris completos.

Quando o vi, ao lado da porta aberta, sorrindo, cheio de realeza, senti que um encontro importante estava acontecendo. Ambos compartilhamos da energia espiritual. Esta é a única maneira pela qual posso descrever a troca: cantei uma antiga canção de boas vindas para ele. Ele me pediu para deitar no chão e passou a mão sobre minha barriga, convocando a força do sangue, do calor da cura. Senti um ligeiro tremor de benção preenchendo meu corpo, expandindo minha alma. Eu estava em casa. Ele ajoelhou-se perto de mim e compartilhou comigo sua força vital, de xamã para xamã, em humildade e respeito pela dádiva do espírito. Cantou em idioma xavante com uma voz profunda, meditativa, proveniente das entranhas, que era fortemente dirigida e sem temor. Vi partir meu medo, permanecendo apenas o amor por sua alma e sua tribo, a reverência por meu corpo e pelo seu.

Contou-me um sonho. Ele estava em sua casa, na floresta, uma grande oca redonda, feita de palha, sonhando com um índio - ou um homem que seria parte índio parte branco, ele não saberia dizer, exceto pela natureza de seu coração. Ele me viu em seu sonho e sabia do trabalho que estava chegando através de mim, por isso viera ao Rio para me encontrar. Viu também que eu ajudaria sua tribo e o levaria aos Estados Unidos. A América do Norte era muito distante para o xavante, uma terra de promessas, de riquezas. Conhecia muito pouco a respeito do meu país e da condição dos nativos norte-americanos. Encontramo-nos sob o céu do arco-íris guerreiro e estabelecemos uma data para a minha chegada ao Mato Grosso.

Após a dizimação de sua tribo pelas multinacionais americanas, minha chegada em paz à sua aldeia seria simbólica -uma reconciliação, de uma antiga guerra. Para eles, eu simbolizava um país novo, melhor. Queria que eu deixasse a cidade e me sentisse em casa em sua Reserva. Fui.

Levei três longos dias para chegar lá. Fui com meu amigo Humberto, o intérprete da viagem, e meu motorista, Bruno, num jeep Toyota. O sol estava quente, o ar úmido, as estradas coalhadas de buracos e tivemos horas intermináveis para pensar sobre o significado da jornada. Passamos por prostitutas de estrada, acenando para seduzir os motoristas de caminhão. Eram provenientes de aldeias pequenas e tinham família, mas precisavam de dinheiro extra. Usavam perucas coloridas para se disfarçarem. Passamos por um número interminável de motéis e churrascarias. Apesar de toda essa distração, sentia uma ligação com a terra xavante, um cordão de prata invisível puxando-me para ela. Cheguei em Campinápolis exausto da viagem e ansioso para ver o rosto de Tserete, como o filho pródigo esperado por seu pai. Porém não conseguíamos localizá-lo em lugar nenhum. Perguntamos pela cidade, mas ninguém sabia de seu paradeiro. Chegamos atrasados um dia para o nosso encontro. Onde ele vivia? Na Reserva de São João? Humberto conseguiu as indicações e Bruno nos levou diretamente para a tribo, passando por cima do chefe, Tserete. Este foi nosso primeiro erro.

Era um desrespeito não encontra-lo primeiro. Soube disso muito tarde. Dirigimos sob um dossel imenso de árvores até a margem do rio, onde havia uma enorme árvore caída ligando as duas margens. A árvore era larga, a ponte entre o nosso mundo e o deles. Desci do carro, tirei os sapatos e cruzei a árvore-ponte para o outro lado. Ali, parados, havia cinqüenta jovens xavantes, radiosos, musculosos, confusos e curiosos. Estavam esperando havia 24 horas, os corpos pintados de vermelho para a minha chegada e para as cerimônias de boas vindas.

Eu os conhecia um pouco, sabia os seus nomes interiores. O que eu estava fazendo no mundo deles, tão estranho e, contudo, tão familiar? Tserete ainda estava esperando por mim na cidade. Pedi a Humberto para ir buscá-lo - outro erro. Para demonstrar respeito, eu mesmo deveria ter ido à cidade para encontrá-lo. Em vez disso, sentei-me na aldeia, onde as crianças, com rostos acinzentados, brincavam com minhas roupas, e conversei com duas pessoas que conheci no Rio.

Paul e Deborah tinham ido a um workshop meu, no qual Tserete estivera a meu lado, realizando seu profundo trabalho de cura. Ele pedira aos dois que se juntassem a nós. Eu os cumprimentei quando cheguei, mas eles estavam tristes, diferentes do seu normal. Eles me falaram da sarna, uma doença que atacava a pelagem dos cães e de como estes eram maltratados. Contaram-me que as mulheres eram inferiores ou subjugadas e não era seguro beber a água. Os lares xavantes eram compartilhados com galos, galinhas e outros animais e que muitos membros da família viviam juntos, num espaço exíguo, sem qualquer higiene. Os ocidentais esperam encontrar o nobre selvagem vivendo em inocência prístina. Passei muito tempo em reservas de nativos norte-americanos para ter tais expectativas.

Tserete finalmente chegou, aborrecido, ferido em seu orgulho. Desculpei-me e dei-lhe meus presentes de uma vez, esperando apaziguar os deuses. Ele era humano, generoso e perdoou rapidamente com um soco de sua mão e algumas palavras. Tudo estava bem novamente.

Dançamos a dança do círculo com toda a tribo - Bruno, eu, Humberto, Paul e Deborah. As mulheres pulavam para a frente e para trás. Os homens juntavam os pés e, depois, os afastavam. As canções eram profundas, guturais, como o mugido de um touro. As crianças riam de nós, quando perdíamos uma batida e, conseqüentemente, o passo. Caçoavam de nós sem julgamentos e Paul tornou-se o seu palhaço. Era uma celebração da comunidade, de sobrevivência mútua e um encontro de mundos. Fiquei feliz por estar ali.

Eu era o convidado de honra. Ao por do sol, tive de me dirigir à toda a tribo como um orador no Senado Romano.

Todos sentaram-se sobre folhas de palmeira secas colocadas sobre a terra nua. Seus rostos reproduziam o trabalho duro, o respeito por Tserete, misturados a um suave desinteresse. Sentiram meu coração se expandir para absorver seus sentimentos e feridas, na linguagem comum de dor, do sentimento e da beleza. Falei-lhes do meu caminho que era o caminho da beleza, um caminho de pólen, um caminho para o beija-flor. Terminei meu discurso. As palavras não foram desajeitadas, mas eu me sentia desajeitado. Comunicação sem qualquer tradução. Saiu do meu coração, a única maneira de falar a linguagem não falada.

Nos dias que se seguiram, comemos arroz com feijão e jogamos vôlei com as crianças. Enquanto Humberto jogava futebol, andei pelos campos de goiabeiras, milho, arroz, bananas e feijão. Tserete levou-me até a caverna sagrada e ao túnel que levava à Terra interior - antes que uma avalanche fechasse essa ligação com seus mestres dali. Eles agora falavam para as estrelas e por telepatia com a inteligência da Terra interior.

A caverna era escura como breu, cheia de morcegos negros guinchando e zumbindo. A entrada era enorme, uma ampla abertura dentro da Terra, como um ouvido. Ouvi o núcleo de ferro cristalino do centro do planeta, o tímpano retumbante da Terra. A caverna parecia viva, como um útero; os morcegos eram minúsculos fetos esperando para emergir de dentro daquela barriga. A caverna tinha o cheiro primevo de excrementos de morcego, madeira podre e fogos antigos. E era tão negra quanto a Madona Negra, a Mãe Escura.

Perto da caverna, havia o lago sagrado, de cor azul, onde não era permitido nadar. O lago encarnava uma história, a música das origens dos Xavantes. A história envolvia uma fera, o nascimento de gêmeos e um animal saindo do lago.

Falava de uma anciã e de sua prole. Tserete me falou de sua história da criação e eu a senti como se fosse a minha própria.

A tribo tinha uma criança especial, um menino, que estava sendo preparado para ser chefe um dia. Ele pertencia à prole de Tserete com uma mulher proveniente das Plêiades, que o tinha visitado. O xavante contou esta história abertamente, o mistério oculto no silêncio entre as palavras. O garoto parecia bem comum, mas pude ver que era o escolhido de Tserete. Tinha a carga do futuro, do herói, em seu sangue: parte deus, parte humano, como o restante de nós. O tempo revelaria seu destino e o de sua tribo.

Estas foram grandes honras, não desperdiçadas por mim. Comprei carne para alimentar a todos e também arroz e feijão; posteriormente, comprei uma bicicleta. Tserete precisava de um caminhão, mas um caminhão era muito caro. Eu não cederia aos índios que queriam mais dinheiro e um outro caminhão. Tinha de aprender a parar de dar materialmente e dar de outras maneiras.

Havia sempre aquele medo, o pensamento de estar sendo usado, pois era o americano rico, que salvaria financeiramente a tribo. Tinha de aprender a dizer NÃO, a ter limites, a estar espiritualmente aberto e dar com o coração aberto, ajudar com respeito e sem sentimento de culpa; não quero trocar dinheiro por amor. De fato, cada caminhão que eles já tinham recebido ficava destruído depois de apenas alguns anos de uso. Embora tivessem um mecânico, não sabiam como cuidar de seus preciosos caminhões. Muitos xavantes vinham até mim na cidade ingenuamente pedindo: "Você pode nos comprar um caminhão?", da mesma forma que pediriam um sorvete.

Esta foi a parte mais difícil. Ser verdadeiro comigo mesmo e deixá-los ter seu orgulho, seu espírito impetuoso e honrar as mulheres na tribo, apesar de algumas posições patriarcais.

As mulheres precisavam ter seu lugar de autoridade e tomar mais decisões executivas. Eu sabia que isso acontecia nos confins de seus lares, mas era preciso que isso fosse trazido para fora, longe dos segredos.

Enquanto isso, os garotos lutavam com porretes numa cerimônia ritual. Isso os tornava mais robustos, mas os porretes eram feitos de osso tosco, duro. As crianças sangravam nesses jogos, enquanto suas famílias enxugavam as lágrimas. Os homens xavantes são os guerreiros mais fortes, os últimos a serem dizimados, devido à sua vontade inquebrantável. São heróis, maiores do que a vida, são machos.

Infelizmente, a maior parte da América do Sul tem a mentalidade machista e o vírus do dominador. Meu papel sempre foi o de ser um homem, mas também de estar consciente do feminino o tempo todo. É à Grande Mãe que eu sirvo. Ela nos dá a força e humildade para respeitar a morte como companheira e abraçá-la na derrota. O samurai sempre vence, porque ele nunca vence ou perde em sua mente antes da batalha. Ele se desliga do exterior; portanto, sempre vence.

Aquelas crianças eram as guardiãs de uma tradição, fosse ela certa ou errada. Não fiz nenhum julgamento e fui apenas a testemunha de uma cultura lutando por sua própria vida. Essa força masculina foi o que sempre faltou em minha própria experiência. Aqui encontrei aceitação de uma profunda tradição masculina. Observei as crianças, na escola, aprendendo os antigos métodos, as histórias e a língua portuguesa. Estavam ansiosos tanto em ser xavantes quanto em conhecer o mundo existente do outro lado do rio. Tserete constituía a ponte e a esperança.

Era um chefe e esta era a sua vocação. Uma vez ele me disse que, sempre que deixava a tribo por mais de uma semana ou duas, alguém morria - a corrente começava a se partir, tão frágil é o elo de almas. Ele era como meu pai, implacável e cheio de compaixão, fazendo o melhor que podia, mas cego por suas próprias limitações humanas. Ele constituía o passo seguinte para a sua tribo, lentamente criando um futuro, depois da perda de quase todos os seus membros. Ele tinha de ser uma fonte de esperança.

Descobri que ele viajava muito para conhecer o mundo dos brancos e para fazer alianças. Os tratados eram freqüentemente quebrados e, para ele, a Funai o departamento governamental voltado para o índio, era corrupta ou inepta. E ainda que o Médicos Sem Fronteiras fosse uma organização de saúde útil, Tserete queria trazer de volta os antigos métodos de oração, ervas e raízes. Não queria a medicina alopática para curar a sarna. Ele era o xamã da tribo, acompanhado dos quatro anciãos, cada um versado numa especialidade - estrelas, ervas, árvores, plantas, raízes, o curador de ossos, o guardião das canções, etc. Não queria médicos brancos mostrando-lhe como cuidar de sua tribo.

Certa manhã, chegou minha vez de dar à tribo uma dádiva de cura. Tserete tinha ido aos meus workshops no Rio de Janeiro e trabalhou a meu lado para ajudar as pessoas a se curarem xamanicamente. Cantou e puxou feridas do coração das pessoas para fora de seus corpos com gestos e cantos. Trabalhou com pacientes de câncer e AIDS, dando-lhes ervas e raízes, para construir uma ligação espiritual com a Terra. Tinha sua própria versão de preparados medicinais e sua própria maneira de reverenciar as quatro direções e os ancestrais.

A tribo colocou duas pessoas diante de mim, para que fossem curadas, e depois fizeram um amplo círculo ao nosso redor. Os xavantes estavam acostumados à cura rápida. Não me importei com sua impaciência; eu não tinha pressa. A primeira era uma garota que sentou-se em meu colo, perdida em pensamentos. Ela precisava de uma recuperação da alma. Disse à tribo que via a sua concepção, a identidade dos espíritos que falavam com ela e o seu trauma. Ela começou a tossir, enquanto eu procurava sua alma, através de meus guias animais. Todos os meus auxiliares precisavam participar dos planos intuitivos interiores. Conforme sua alma retornava completamente ao seu corpo, depois da liberação do trauma, eu soube que tinha realizado um bom acordo com os seus ancestrais. Tinha pedido ao Arcanjo Miguel para me ajudar a retirar uma antiga maldição ocorrida em sua concepção. Uma outra mulher tinha amaldiçoado sua mãe, quando ela estava grávida, obviamente com inveja de sua gravidez. Esta garotinha era a vítima a contragosto da maldição daquela mulher ou de seus conscientes pensamentos negativos.

Depois da cura, transformou-se numa outra garota, como se tivesse despertado de um longo sonho de sofrimento. A atmosfera tornou-se diferente depois de eu ter passado por este teste. Da mesma forma que a garotinha, a tribo inteira começou a desabrochar e a ser receptiva. Vi as vidas passadas da menina, sua dor na última vida e sua morte dolorosa. Tudo isso foi levado pelo vento, após uma breve conversa com sua alma. Ela precisava de minha total atenção e foi isso que lhe deu vontade de viver. Alguém tinha de cuidar dela com um amor profundo, alguém estrangeiro, novo na tribo e isso a retirou de sua fantasia de ter de se sentir única e especial.

Depois disso, ela me seguia por toda a aldeia sorrindo. Eu compreendi o seu exílio, vi o seu apreço dentro da tribo. Somente Tserete tinha visto o mesmo. Estive ali o tempo suficiente para honrar seu crescimento lento, seu elemento independente. Queria que ela desenvolvesse um senso de consciência do "Eu" para contrabalançar a alma grupal da tribo. Cada pessoa é honrada na tribo. Havia um homem louco, que era venerado, mas a quem era preciso dizer quando se afastar, pois ele seguia Bruno repetidamente. Senti que uma mulher era uma profunda curadora e, tomando sua mão relutante, levei-a para o centro do círculo e a fiz trabalhar a meu lado, muito embora ela tentasse fugir, envergonhada.

A segunda cura envolveu um jovem guerreiro com sarna. Sua pele tinha uma cor acinzentada e seus olhos eram injetados de sangue como os de um cão. Ele se movia lentamente, com pouca energia, os insetos pululando sobre suas feridas abertas. A sarna é uma doença altamente contagiosa, transmitida por animais, e era anti-higiênico e perigoso tocar sua pele. Minha alma dizia para tocá-lo, sustentar suas costas, não demonstrar medo. Esta foi a sua cura para mim: não ter medo e não evitar que ele contasse a história de seu contato sexual através do corpo de uma mulher e da sua culpa em relação à auto-rejeição. Ele tinha transgredido um tabu sexual de sua tribo e ninguém tinha conhecimento, porém ele carregava sua vergonha, aflição e auto-rejeição. Uma cura é uma cura da mente, um apaziguamento do deus da mente, para reconciliar a mente com o coração e o corpo.

Anunciei o seu "pecado" para a tribo, seu segredo, e o perdoei. Ele também carregava as mesmas tendências sexuais de seu pai, a vergonha e os segredos dele. Senti o aflorar de uma energia sutil subindo por minha coluna, enquanto trabalhava com ele; a energia dos éteres corria através de minhas mãos para aquecê-lo. Essa energia vem da limpeza dos chakras e de se permitir que os espíritos da sabedoria dancem pelo corpo, paralelamente à coluna. Comecei a visualizar luzes coloridas, anjos ao redor de seu corpo e, então, vi partir sua doença, a sarna. A escuridão, como manchas no campo áurico, começou a se desvanecer. Senti respeito e afinidade com ele; não era a sua hora de morrer ou de desistir. Ele foi admitido. A carga de seu karma genealógico estava terminando. A doença deixou seu corpo em três dias.

Todos na tribo pareciam satisfeitos, mais conscientes. Mas também percebi que isso era rotina para eles, era apenas uma outra cerimônia de cura. Comecei a me sentir cada vez menos estranho para eles e vi a comunidade dos seres humanos. Depois de minhas curas matinais, toda a tribo se juntou para me festejar. Cada um queria me abraçar e ouvir, através do intérprete, o que eu tinha a dizer. Este é o momento em que você se torna um agente do amor. Você sai do caminho costumeiro e se torna um canal fervoroso do divino. Deixei-me entrar num imenso reservatório de energia, que sempre se move através de meus quatro corpos com uma liberação suave, calma, da tensão e da indecisão.

Abracei uma centena de pessoas naquele dia, vi o destino de cada uma, como cada uma estava colocada na ordem das coisas. Através de intérpretes, dei a cada uma delas uma mensagem. Podia ver através dos olhos das crianças, seus casamentos futuros, seus destinos pessoais dentro da tribo e tive de questionar isso com elas e com Tserete, para conferir.

Os xavantes mais idosos olhavam dentro dos meus olhos, me convidaram a fazer parte da tribo e colocaram uma corda, feita do cipó em volta dos meus pulsos. Um ancião enrolou a corda firmemente ao redor de minha mão, dando oito nós apertados na parte de cima e, depois, três nós na parte inferior, para proteção. Recebi presentes - uma cesta, um colar de conchas, penas e fui aceito pela tribo como uma espécie de embaixador. Este foi o início de uma ligação mais profunda.

No último dia, os homens me levaram ao seu bosque sagrado. As árvores tinham sombra violeta. (As árvores nos sombreiam para tornar nossas cores mais profundas.) Ali, fumamos e cantamos e vi alguns homens com arcos e flechas preparando-se para uma caçada. Senti a masculinidade do lugar, as iniciações masculinas que tinham ocorrido naquele mesmo ponto onde eu estava sentado. Conversamos sobre nossas vidas, sobre sua confiança em mim e o contexto de minha visita a eles. Desejava ajudá-los a vender bananas no Rio, a acabar com a sarna, a se tornar financeiramente auto-suficientes e a levar dois xavantes para ensinar seus métodos tribais nos Estados Unidos. Eles fariam uma festa com danças, durante vinte e quatro horas, para me passarem um conhecimento sagrado.

Tive de partir antes da festa começar, mas, como um cântaro recebendo água fresca de uma fonte, vi como sua sabedoria me foi passada. Durante dias senti-me como um computador acumulando séculos de tradição. Eu podia simplesmente ficar sentado, enquanto meu corpo sentia ondas de água se despejando sobre mim, dizendo à minha alma para ficar calma e receber a dádiva. Retornei ao Rio exausto e transformado. Meu mundo estava acabado. Eu tinha cruzado o rio.

Meus sonhos eram agora a respeito de minha própria família de volta ao lar e ao rio da morte - as mortes de minha irmã e, depois, de meu pai. Eles cruzariam o rio também. Queria estar perto de meu pai antes que fizesse a travessia. Tserete tinha me devolvido uma força oculta para aceitar a responsabilidade e a autoridade. Conduziu-me seguramente através da travessia cultural. Eu estava então preparado para enfrentar a travessia familiar.

 

"Papai está no Hospital Memorial de Sarasota e não parece bem. O câncer tomou conta de seu fígado e ele pode não resistir". Minha mãe chamava meu pai afetuosamente de "papai" e ele a chamava de "mamãe". Ela permaneceu a seu lado, dormindo em seu quarto no hospital, esperando que ele não deixasse seu corpo até ver seus netos novamente.

Ouvi as palavras de minha mãe e voei para a Flórida. "A pele dele tornou-se amarela. Ele teve icterícia e perdeu muito peso", explicou-me minha mãe, quando cheguei ao aeroporto. "Não fique alarmado com sua aparência. Ele está sofrendo e não está bem".

Quando vi meu pai dormindo sob a ação de drogas e analgésicos e vi sua pele amarelo-leitosa, pude sentir sua dor terrível e soube que ele estava pronto para partir. Quando minha mãe deixou o quarto, ele acordou de seu sono, virou-se para mim e disse: "Vi a Virgem Maria. Vi sua face..." Ele ainda não tinha me reconhecido; estava ainda sonhando com Ela. Eu lhe disse: "Está tudo bem; Ela está vindo a você, para levá-lo para casa. Eu compreendo". Então, comecei a chorar.

Meu pai nunca tinha falado dessas coisas. Nunca teve uma visão da Virgem ou, pelo menos, nunca me falou a respeito. Agora, tinha um brilho sobre ele - aquele que ocorre quando se está mais fora do corpo do que dentro dele. Em sua terrível angústia, ele parecia despido, apenas falando com o coração, com um sentimento puro, verdadeiro.

"Foster, tive tão pouca fé. Tenho medo de morrer. Desejo ver meus netos em Nova Iorque. Eu não tenho a sua fé". Meu pai era um neuropsiquiatra aposentado, diretor de psiquiatria de um proeminente hospital, um homem da ciência, um médico citado nos anais do Quem é Quem. Criou um dos primeiros departamentos psiquiátricos num hospital geral e foi um inovador brilhante, que amava seu trabalho e ajudava os mentalmente doentes. Católico devoto, foi à igreja todos os domingos durante muito tempo, mesmo quando seus filhos deixaram de ir à missa. Depois, sentiu sua fé escapar.

"Não sei se acredito no pós-vida", disse.

Quando estava completamente consciente e coerente, disse-lhe: "Tenho fé suficiente para nós dois. Definitivamente sei que há vida após a morte. Sei que há um Criador, papai. Quando estiver pronto, encontrará a Virgem Maria. Você está indo para um lugar melhor e compreenderá sua fé numa vida espiritual. Mas sentirei sua falta".

Minha mãe tinha voltado para o quarto. Ela sabia que seu tempo era limitado. "As biópsias são muito dolorosas", nos disse ele. O médico precisa saber que tipo de tratamento seguir, mas a agulha da biópsia era muito grande e feriu o fígado de meu pai. O médico queria fazer uma terceira biópsia, uma vez que as duas primeiras tinham resultado apenas em tecido morto.

Disse a meu pai: Acabaram-se as biópsias. Então coloquei minhas mãos, pela primeira vez, sobre o seu corpo físico, para fortalecer seu corpo etérico, a fonte da verdadeira cura. Nunca trabalhara fisicamente com ele; apenas à distância, através da oração e da intenção.

"Papai, posso tocar o seu corpo e realizar um ato de cura espiritual? Não estou prometendo milagres, mas preciso de sua permissão, vontade e fé". Ele, exausto, apenas assentiu com a cabeça.

Compaixão é a única palavra para expressar o que aconteceu em seguida. Nunca amei tanto meu pai como naquele momento. Comecei a ouvir os órgãos de seu corpo, a ouvir o seu revestimento etérico, o eu supra-sensível e conversei com seu espírito. Tudo o que podia fazer era acalmá-lo e tocá-lo do modo mais amoroso que eu conhecia. Ele fechou os olhos e percebi que sentia cada gesto de movimento de minha mão. Ele me seguia atentamente, o que trazia consciência às feridas Meu dom era ver e ouvir de modo clarividente.

Toquei cada parte de seu corpo, emitindo um som claro, de minhas cordas vocais para os seus tecidos e dirigimos a luz, como máquina de raios X, através de cada órgão canceroso visualizado.

Minha mãe começou a se sentir desconfortável e pediu para sair do quarto. Minhas ações pareciam muito esquisitas para ela, pois eram sons estranhos, velhas canções xamânicas saindo de minha boca em harmonias. Ela não estava preparada, um pouco temerosa em relação ao que eu poderia fazer. Não sou supersticioso como ela. Estava acrescentando minha própria força vital àquela de meu pai de um modo espiritualmente muito científico.

O que eu senti foi o seu corpo de Sol, o corpo solar, em seguida seu corpo da Lua e então o seu corpo de Saturno. Isso pode soar estranho, mas é uma preparação para a morte, devolvendo-o ao seu estado original. Através de seu corpo etérico, pude ver seu passado, o que levou a este momento, numa leitura objetiva do Registro Akáshico e, então, vi que sua alma estava prestes a desfalecer e transmitia toda a sua energia e memórias ao corpo astral antes que se tornasse novamente um espírito. Eu desejava que ele se libertasse, que se livrasse do sofrimento desnecessário que o prolongamento de seu tempo na Terra causaria.

Finalmente, trabalhei em seu corpo de Terra, sua substância material, o receptáculo que geramos com o Criador. Sabemos que somos criados a partir do Sol, da Lua, de Saturno e da Terra - de fato a partir de todo o cosmos - e que estamos sendo preparados para nossos verdadeiros corpos espirituais, através de nossa experiência aqui.

Meu pai foi realmente um homem distinguido. Desenvolveu seu intelecto e inteligência num alto grau e, desde 1992, estava milagrosamente com seu coração. Teve câncer durante sete anos: primeiro, um linfoma, depois, um linfoma de Hodgkin, que se moveu do pescoço para o fígado e circulou por todo seu corpo, devastando-o. E contudo, aqui no hospital de Sarasota, ele estava diáfano, brilhando, em algum lugar distante. Encontrei a alma de meu pai em sua humilde forma despida.

Esta é a segunda maior dádiva que um pai pode dar a seu filho: o compartilhar de sua alma. A primeira é a concepção. Eu não perdi essa dádiva, a dádiva da conexão mútua, da dignidade, dos incríveis elos que unem o pai ao filho. Não perdi nada naquele momento. Ele me passou seu amor, admiração e respeito por mim. Tudo o que pude fazer foi tocá-lo da maneira com que sua alma sempre tocara a minha.

Minha mãe teve de retirar o urinol. Freqüentemente ele já não conseguia ir até o banheiro. Uma vez ela teve de levá-lo ao hospital sob uma tempestade de neve. E então ela encontrou uma energia, uma resistência que a levou a cuidar de cada uma das necessidades dele em seus últimos anos. Era ilimitada no respeito por ele e tornou-se forte no processo.

Uma doença mortal pode ter este efeito sobre as pessoas. Temos energia ilimitada quando cuidamos de outros, quando nos doamos sem egoísmos, porque a situação urgentemente o exige. Não há escolha nesse amor. Ajudamos, sofremos, quando eles não conseguem dormir, vemos seus altos e baixos, a humildade de tudo.

Vi minha mãe mudar, cumprindo seu dever para com seu marido. Preocupava-se mais com ele do que consigo mesma. Passou a amar mais seus filhos e netos, porque a vida, agora, parecia finita, mais curta do que jamais tinha imaginado. A vida era, e é, preciosa. Eu senti que, quando minha mãe chorava sentada ao lado de meu pai - um nó subia pela minha garganta e eu me sentia inundado de emoção. Estava orgulhoso do amor imorredouro de minha mãe e de seu cuidado com meu pai. Era um sinal de nobreza da alma.

Esse cuidado é o teste verdadeiro da integridade de uma pessoa. Ele reverte anos de sofrimento e karma pessoal. É a essência daquilo que os budistas chamam de dharma: serviço, compaixão. Senti uma compaixão e um respeito tangíveis por minha mãe, por sua determinação de lutar pela vida dele naquele pequeno quarto de hospital.

As enfermeiras vinham para minha exposição do Toque Terapêutico. Sentavam-se e assistiam enquanto eu explicava como o Toque Terapêutico fora criado por Dolores Krieger como uma ferramenta útil para enfermeiras e leigos. Viram-me identificar manchas frias no campo áurico de meu pai e observaram onde colocar as mãos nas áreas mais bloqueadas. Explicava os diferentes espectros da cor e como representam a energia que alguém poderia enviar através do corpo, de uma maneira focalizada, dirigida. Usávamos uma luz azul-violeta profundo para ajudar no processo de cura de meu pai. Elas me pediram que ensinasse esse processo para outras enfermeiras e auxiliares daquele pavimento do hospital. Recentemente elas tinham pedido à administração do hospital um curso de Saúde pelo Toque. Isso não era coincidência. Meu pai estava nas mãos certas, com as enfermeiras mais amorosas que já encontrei.

Em toda a minha vida, nunca recebi tanto respeito da parte de pessoas que trabalham num hospital. Estas enfermeiras em particular eram atenciosas, inteligentes e abertas a novas formas de autocura e cura da mente e do corpo. Meu respeito pelo hospital e por seus funcionários cresceu e meu coração se abriu na ala do câncer entre os moribundos.

Meu pai dirigiu-se às enfermeiras, declarando: "Meu filho é curador famoso. Ensina a verdadeira cura às pessoas do mundo inteiro. Escreve livros, faz palestras, instruindo as pessoas como melhorar suas vidas". Fiquei surpreso. Ele nunca reconhecera meu trabalho de cura diante de mim. Após me formar na Universidade de Georgetown, sempre pensei que minha escolha profissional fosse um desapontamento para ele. Achava que ele queria que eu fosse médico como ele. Talvez fôssemos mais parecidos do que eu imaginava. Nunca soube o quanto ele respeitava e se preocupava com meu trabalho. Nada mais seria igual entre nós depois disso. Caminhei lentamente até o banheiro, onde chorei, pois meu pai aceitara minha verdadeira alma.

Um calor proveniente de meu coração emanou, dirigido às enfermeiras, aos totalmente estranhos que caminhavam pelas alas do hospital. Senti a afável compaixão dos médicos e entendi as longas horas de trabalho dos funcionários que enfrentavam doenças mortais. Vi como muitas vezes não conseguiam controlar as lágrimas após a morte de um paciente rodeado por aqueles que o amavam. Minha admiração por eles e por seu serviço aumentou. Senti como todos nós estamos ligados, como, enquanto espécie, estamos alcançando juntos a consciência, saindo de um sono profundo. Encontrei o Cristo em cada um, nos sorrisos das pessoas, mesmo em faces esgotadas. Pude sentir a intensa solidão na maioria dos quartos, onde as pessoas se sentiam entregues à destruição de seus corpos. Quis alcançá-las, dizer-lhes que alguém estranho se importava, que existia uma razão maior. Quis olhar o Registro Akáshico de cada pessoa, todas as memórias acumuladas em seus corpos. Desejei dizer apenas a coisa certa para libertá-las e dar-lhes o desligamento. Soube naquele dia que os hospitais buscariam os meus serviços de cura no futuro, como tinham buscado os de meu pai e que meu trabalho me levaria até lá. Soube que isso fazia parte de minha vocação pessoal para o amor.

Minha mãe estava absorvida em ajudar meu pai. Ela quis que eu terminasse o trabalho com ele. Finalmente, perguntei-lhe: "Papai, há qualquer coisa inconclusa entre nós? Eu o perdôo por todas as coisas do passado. Não tenho nenhuma mágoa em relação a você, apenas um grande amor que nunca acabará, mesmo quando eu achar que ele já não existe. Nunca deixarei de amá-lo, papai, e não o considero responsável por nenhum dano ou mágoa do passado. Vejo agora que você foi o pai perfeito para mim e não fez nada errado. Papai, há algo no passado que eu tenha feito e que você precise perdoar"?

Ele disse: "Tenho apenas um remorso: que não vivi por mais tempo e que não poderei estar lá quando você, seu irmão e suas irmãs precisarem. Sou muito novo para morrer. Sou muito novo para morrer".

"Papai, tudo bem em partir".

"Mas eu queria ver meus netos. Quero vê-los novamente em Nova Iorque, ser forte o suficiente para pegar o avião".

"Vejo que ainda há de três a quatro meses de vida e, então, será a hora de ir para a luz. Peça à família para vir vê-lo, enquanto ainda há tempo. Por favor, peça-lhes para vir. Não se envergonhe de sua aparência no hospital". Ele assentiu com a cabeça e segurou minha mão. "Quando chegar a hora de morrer, deixe seu corpo a partir do coração pelo topo da cabeça. Você ainda se lembrará de sua vida. Seu corpo etérico retém todas as memórias. Inicialmente, irá rever sua vida e isso pode levar um longo tempo. Irá re-experimentar o que fez aos outros e sentirá o efeito de cada ação sobre eles. Irá experimentar empatia e conhecerá o efeito de cada ação no mundo. Quando isso se completar, continuará o aprendizado numa espécie de universidade espiritual. Como todos os mortos, ainda pertencerá ao reino dos seres humanos, assim como pertencemos ao reino vegetal".

"Você será como uma mente flutuante, uma inteligência flutuante. Caminhe em direção à luz, ao calor. Chame por minha irmã Pat e deixe que ela o ajude na travessia para a cidade da luz intensa. Contemple o seu eu espiritual e o que conseguiu realizar aqui na Terra. Conhecerá sua verdadeira essência e saberá que meu próprio desenvolvimento espiritual nesta vida o ajuda. E que aprender as suas lições no outro lado me ajuda aqui na Terra. Amo você, papai. Sou humano; vou sentir muito a sua falta. Você estará indo para um lugar melhor. Não tenha medo. Parta, quando for a hora".

"Foster, tenho muita dor, não consigo respirar. Não consigo suportar a dor lancinante, o sofrimento. Algumas vezes não consigo me mexer. É uma carga pesada para a sua mãe cuidar de mim. Ela não consegue dormir à noite. O que será dela quando eu não estiver aqui para cuidar dela? Cuide dela, Foster, depois que eu morrer".

Sussurrei em seu ouvido: "Quando você morrer, não haverá mais dor. É a cessação do sofrimento. É a liberdade. Eu estou bem. Posso cuidar de mim mesmo. Sou forte, auto-suficiente agora. O mesmo acontece com Gerry, Fred, Ivone e seus netos. Eles são disciplinados e mais fortes do que nós às vezes. Todos nós cuidaremos da mamãe em seu luto e tristeza. Estaremos todos bem. Você pode ir quando desejar. Vejo de três a quatro meses. Viva como se cada dia fosse o último. Amo você. Sempre o ajudarei, na vida ou na morte. Talvez eu possa ajudá-lo em sua travessia, quando chegar a hora".

"Não quero sofrer mais. Amo muito vocês todos. Amo você, Foster, e nunca lhe disse isso".

Enquanto filho, você espera toda a vida por essas três palavras: "Eu amo você". Sei que ele queria dizer exatamente isso, porque não usava as palavras levianamente. "Sempre amarei você, papai. As lembranças permanecem além da morte. Sempre irei me lembrar da profundidade de nosso tempo juntos. Você me ensinou muitas coisas. Sou-lhe muito grato por ter me criado com seu amor".

Mantenho um retrato dele sobre uma mesa em minha casa juntamente com fotos de todos os meus parentes: meu bisavô, a família Ypsilantis, os Perry da Índia e da Austrália, a mãe e a irmã dele; o pai, a mãe de minha mãe, minha irmã Anastásia e meus outros irmãos. E um altar com três velas para meus ancestrais. Sei que eles, lá do outro lado, me auxiliam. Sei que posso ajudá-los apenas através de minha consciência e da minha vida espiritual aqui na Terra.

Quando minha mãe me levou ao aeroporto, para se despedir, após minha breve visita a meu pai, eu lhe disse: "Você não tem de esperar a hora do embarque comigo. Ele precisa de você e você precisa descansar. Já sou bem crescido agora. Sinto-me maduro e forte interiormente. Posso finalmente cuidar de mim mesmo". Minha mãe compreendeu. Ela precisava estar com ele nos momentos finais da vida dele. Para mim, aquele foi um momento de confiança profunda, uma libertação de suas obrigações comigo, enquanto seu filho. Alguma coisa se passou entre mãe e filho, um respeito, um amadurecimento em nosso relacionamento. Eu podia de fato, cuidar integralmente de mim mesmo.

Meu pai faleceu alguns dias antes de seu aniversário em 22 de abril. O funeral foi programado para o dia do aniversário. Ele finalmente rendeu-se para viver a próxima aventura.

O funeral de meu pai ocorreu na mesma igreja católica que eu freqüentava quando criança. Não voltara à igreja de St. Aiden, em Williston Park, desde que era um jovem e inquieto adolescente, sentado ao lado de meu pai, na missa de domingo. Nunca tinha ajudado a carregar um caixão à frente de um cortejo fúnebre. O caixão estava cheio de flores, rosas. Nunca me senti tão honrado quanto naquele dia. Senti muito respeito pelo ritual. O melhor amigo de meu pai falou sobre ele na benção e vi a juventude de meu pai, pela primeira vez, através de seus olhos. Havia muita coisa que eu não sabia sobre ele. Chorei profusamente ao ouvir a expressão de amor desse homem por meu pai. Nunca esquecerei suas palavras amáveis de coragem e reconhecimento.

Amo quando as pessoas estão no melhor de si mesmas, não brilhantes, mas sinceras de um modo realmente honesto. Foi isso o que vi nesse amigo de meu pai, enquanto ele falava. Mesmo o sacerdote teve um momento transcendente e falou com o coração. Ele conhecia a morte e não fingia sinceridade. Falou da impermanência e do desejo de encarnar e manter uma família.

Era época da Páscoa e, em seu túmulo, havia centenas de lírios da Páscoa. Senti que a Páscoa era o renascimento dele para um novo tipo de vida. Quando finalmente as orações terminaram e todos deixaram a cripta, eu permaneci e cantei um antigo canto hindu - parte do sangue de meu pai era hindu - a canção da passagem de um grande espírito, uma grande alma. Senti uma chuva de lágrimas purificando a canção, à medida que minha voz se desdobrava em muitas. A voz transformada à medida que alcançava a manifestação divina representava a do Logos do universo cantando através dos apóstolos no Pentecostes. Minha irmã, que morrera no ano anterior, se dava o nome de Pentecostal, porque podia sentir o Logos entrando em sua laringe e gerando o jubiloso canto dos anjos.

Minha mãe me olhava à distância e, quando deixei a cripta, acercou-se e disse: "Você cantou antigas canções hindus para seu pai. Ele teria gostado disso". Nunca, em toda a sua vida, ela me aprovou de uma maneira tão profunda. Senti-me muito honrado em ser seu filho naquele momento. Aquelas canções foram minhas últimas lágrimas de louvor e tristeza.

A aceitação, o não julgamento tinham finalmente chegado e compreendi a profundidade do amor familiar. Disse ao espírito de meu pai em seu velório: "Pai, perdoe-me, mas preciso de um favor seu aí do outro lado. Tenho tudo o que poderia desejar e sou grato por minha saúde, mas preciso de uma companheira, uma amante, alguém que me ame pelo que sou".

Em três dias ele atendeu o meu pedido e tenho amado essa pessoa de um modo profundo e significativo desde então. Meu pai encontrou uma companheira perfeita para mim e nunca mais me senti sozinho a partir daquele dia. Este foi o seu último presente.

Em retrospecto, vejo agora que Tserete dos xavantes foi uma espécie de pai espiritual para mim. Ele me deu a coragem de amar e encarar meu pai biológico em sua morte. Eles foram meus dois pais e guardiães na maturidade.

Depois da morte de meu pai, percebi o trabalho de Chiron por trás desses eventos. Embora não tivesse me tornado médico, como meu pai, Chiron estava me preparando para uma forma profunda de xamanismo, uma medicina interior para curar a divisão entre a vida instintiva e a espiritual.

Há uma versão da história de Chiron, no mito grego, na qual ele encontra a cura de sua ferida a partir de uma planta - posteriormente denominada "centáurea". Eu quis voltar à floresta para encontrar essa planta. Queria ouvir seu espírito cantar.

Deixei Sarasota, na Flórida, e fui para a Amazônia, no Brasil. Estava visivelmente abalado, transformado, triste, contudo, livre para cultivar a alma do pai interior.

 

A bacia do Rio Amazonas possui o maior volume de água doce do mundo, drenando aproximadamente metade da América do Sul. Desde os Andes, no Peru, onde é chamado de Alto Marañon, percorre quase 5.500 km, até a costa do Brasil. Voei para diferentes partes do Amazonas para ter uma perspectiva mais ampla de sua enorme extensão. Fiquei fascinado por todos os lugares que visitei, mas foi no lado sul do rio que senti uma verdadeira afinidade com as muitas tribos que vivem de suas águas.

Mantive em segredo minhas primeiras visitas à floresta tropical do lado sul do Amazonas. Temia que meus amigos criticassem minha nova exploração de substâncias vegetais psicoativas com os povos indígenas. Não queria que os colegas pensassem que eu estava ingerindo drogas por brincadeira. Desejava beber mucuna com uma tribo e ayahuasca com um xamã treinado. Esta era uma busca séria para entender as estranhas percepções do outro mundo que existem nas culturas xamânicas. O conhecimento e o uso de plantas para alterar o estado mental são instrumentos antigos para se ter acesso aos arquétipos culturais e religiosos da humanidade. Robert Graves[4] sugeriu que os centauros, na Grécia, tornaram-se selvagens e incontroláveis através da ingestão de cogumelos da espécie Amanita muscaria. Esses cogumelos, um alucinógeno comum muito antigo, são usados para induzir o transe xamânico.

Quando entrei, pela primeira vez, na floresta tropical do lado sul do Amazonas, percebi que meus sentidos estavam sendo esmagados - como se eu mergulhasse numa alucinação, na qual a floresta falava diretamente com minha alma. Comecei minha jornada com reverência e respeito pelos rituais e percepções dos povos nativos. Estava admirado com a imensidão do Brasil e me sentia muito pequeno comparado com a enormidade do mundo natural. Aprendi a respeitar a natureza de um modo totalmente novo e a liberar qualquer avidez pelo conhecimento de dimensões interiores. Um mundo novo abria suas portas e eu tinha de encontrar a poesia da floresta amazônica.

A noite estava caindo quando cheguei à floresta tropical perto de Manaus, no Brasil. Muito antes de ingerir a mucuna sagrada, já estava mergulhando na paisagem. A generosidade e a paciência da Amazônia, esse mundo fora do tempo de calor sufocante, lavou minha alma em noites de febre e sem estrelas. Estava penetrando na floresta, nevoenta e com paisagens cheias de água, que sustentam O mistério insolúvel da humanidade.

Encontrei homens, chamados pajés ou xamãs, com olhos que tudo vêem, exuberantemente bem humorados, indômitos e corajosos em suas crenças. Vi o ataque violento do mundo moderno sobre um modo de vida baseado na antiga tradição. Tive consciência da guerra infligida aos povos indígenas do Brasil, as batalhas silenciosas. Vi as superfícies negras de florestas abandonadas e queimadas. Vi o silêncio de um mar em meio a essa destruição.

O Brasil é imenso, está expandindo-se, enquanto os povos indígenas se retiram para o interior. Desejo um mundo onde o padrão de vida e o modo de viver sejam consoantes com a dignidade humana, onde muitas tribos coexistam, ligadas por planícies e caminhos d'água, viajando em canoas e a pé para formarem uma comunidade e uma nação. Traço minha existência para o Rio Amazonas, para o sangue dele em minhas veias. A floresta tropical infunde sua consciência cênica, harmoniosa, à alma. Encontrei aí pessoas bem humoradas e perceptivas, não atingidas pela sociedade moderna. O equilíbrio sutil dos relacionamentos humanos, uma ordem natural, enche de honra os sentidos. Ali compreendi a sabedoria interior do respeito mútuo.

Colhereiros rosados e garças brancas, pássaros exóticos, voaram sobre minha cabeça, quando cheguei. Em toda a minha volta, ouvia a gritaria dos papagaios e dos macacos. Senti a presença da raposa e do jacaré, da suçuarana e das formigas percorrendo o solo quente da floresta, das piranhas de dentes afiados - guardiãs das águas - e dos peixes nadando ao longo das margens dos rios procurando frutos caídos. O verão traz as chuvas na metade de novembro e o inverno seca a terra, em maio, com um expansivo céu azul sem nuvens. Segui as tartarugas até as margens do rio. Centenas de ovos de tartarugas estavam escondidos nos bancos de areia dos afluentes. Vi tamanduás surgirem da floresta, buscando alimento.

Senti a dança dos xamãs nas folhas, ouvi os gritos lançados por pássaros imitadores dos índios, palavras faladas pelos guardiães da linhagem ecoando através do ar nevoento. Defrontei-me com cachoeiras poderosas. Os nativos são parte da natureza, habitando o mundo das plantas, flores, cachoeiras e pássaros. Vivem numa unidade tribal, onde as responsabilidades são compartilhadas. O poder é diluído para o beneficio de todos. Ninguém precisa comandar. A dignidade é mais importante do que o poder.

O sobrenatural estende seu manto de paz sobre a floresta - liberdade sem medo. Cada criança pertence à comunidade e não a um pai individual. Há uma abertura, uma colaboração entre pessoas. Ninguém me perturbava, quando me sentava à noite na imensa floresta. Passavam por mim em silêncio.

Homens jovens estavam se banhando no rio, meio ocultos pela névoa, quando me aproximei. A água estava morna e eles faziam algazarra. Alguns habitantes da aldeia estavam terminando de pescar e outros tinham colhido mandioca brava. (A raiz da mandioca brava é descascada e lavada até que não tenha mais nenhuma substância tóxica; depois é fervida até se obter um suco, o suco de mandioca brava, usado como alimento ou para fazer a tinta vermelho brilhante para pintar o corpo. A raiz da mandioca é moída para fazer pão. Ela constitui o principal alimento da floresta.)

Os homens limpavam-se e enfeitavam-se com um senso de pureza moral. À noite faziam permutas e tagarelavam. Peixe e mandioca eram comidos, sendo o peixe grelhado a fogo aberto. Lembrei-me de um xamã indígena, do Xingu, que, em tais reuniões, ficava intimamente gritando os nomes de diferentes espíritos: "Yanama, Kaurate, Kalaramane". Também cantava para a lua e mantinha o ar cheio de música. Os pajés não querem que as almas sejam roubadas. Por isso cantam tão completamente e tão alto, para manter os espíritos dançando e felizes. Nenhum roubo de alma ocorre quando os pajés cantam. Mas ouvi histórias de aparições ali. Um ancião é freqüentemente visto nos bancos de areia do rio, com uma longa e flutuante barba branca e com um halo ao redor da cabeça.

Conta-se que o índio tem três almas: duas finitas, criadas na concepção e que partem com a morte, e outra que é a essência eterna, a fonte da beleza e da honra. Para eles, a morte é uma passagem para uma outra vida, num rio sem peixes, dançando com a lua e com as pinturas ondulantes do éter - as correntes da eternidade. Na morte, algumas almas lutam com pássaros Guardiães do Umbral. Os pássaros lutam violentamente com as almas viajantes, julgando sem misericórdia as pessoas às portas da morte. Se os iniciados derrotam suas contrapartes pássaros, ao verem sua própria luta interior com o astral - sua natureza kármica disruptiva -, viverão na eternidade com as asas daquele pássaro, imperturbados nos céus. Os iniciados renascerão do outro lado do portão como novos seres numa nova vila espiritual.

Freqüentemente sentava-me à noite na floresta, no domo sagrado da Terra, onde o solo recarrega sua energia. Os pajés cantam e guardam este mundo em que vivemos e tornei-me grato por estar vivo. Preocupo-me com este lugar e com o curso e ritmo diários da criação. Canções do Logos vêm e vão, trazendo ordem ao universo. Há uma harmonia natural entre o espírito e as condições de vida. Tenho esperanças, apesar das imperfeições do mundo atual, de sentir meu espírito desafiado, apoiado e encorajado.

Nenhum rio pertence a uma pessoa, mas somos conduzidos sobre sua correnteza silenciosa - as horas da viagem até perto das guirlandas de videiras silvestres. Sinto a abundância de frutas, a deusa da plenitude, a terra generosa. Vejo homens lutando com vigor e coragem, circundando um ao outro, empurrando-se e tentando desequilibrar o outro sem qualquer escrúpulo. Aqui conheci guerreiros que não foram derrotados no campo de batalha, mas nunca vi nenhum guerreiro humilhado na derrota.

Uma onça, amarela com manchas negras, mostrou-se certa vez a mim, correndo como um presságio, como um sinal. Estava perseguindo sua presa e eu sou muito cauteloso com pessoas que possuem apenas predadores como animais de poder. Um brasileiro, Piraí, que viveu com muitas tribos do norte e escreveu dicionários relativos às suas línguas, disse-me que seu animal de poder era uma minhoca. Dawn Eagle Woman, minha amiga íntima, fez-lhe a seguinte observação: "Piraí, você vencerá no final, meu amigo". As minhocas devoram restos orgânicos e vencem no final. Piraí também nos contou como vagueava pela floresta durante semanas, comendo apenas uma raiz específica - uma que era boa para os ovários - para sobreviver. Infelizmente, a raiz não teve qualquer efeito sobre ele, já que ele não tem ovários. O humor do povo amazônico é contagiante.

Estou aqui com minhas reminiscências, lembrando-me de todas as minhas visitas ao Brasil, às suas tribos, seus vastos campos e florestas. Minha vida mudou ali. Tornei-me mais "eu", mais autoconsciente e mais livre para estar no espírito da grandeza. Não mais faço parte de uma tribo, nem de uma comunidade de almas; minha individualidade tornou-se meu destino. Temos de despertar do sonho da coletividade, o sonho da alma grupal.

 

Rezei durante a viagem, nesta segunda visita à selva amazônica cerca de Manaus, vazio de pensamentos, purificando minha mente para ingressar na velha floresta. Ao chegar, já anoitecia e o ruído dos pássaros enchia a mata. Num dado momento, tive a vaga impressão de ver uma sucuri rastejando para dentro do tronco oco de uma árvore. No dia seguinte eu iria encontrar a pele vazia de uma sucuri. Estava mudando minha própria pele ao crepúsculo. O silêncio propagava uma espécie de eco. A escuridão apoderou-se da luz e fui envolvido por uma sensação de vácuo.

Meus amigos brasileiros estavam dormindo no acampamento depois da longa viagem. Eu estava só na densa imensidão de ar úmido. Começava uma odisséia no coração do Brasil. Lembrei-me de uma frase de Homero, o poeta grego: "o mar de vinho escuro". Conscientemente, eu havia imergido neste mar.

Homero era cego. Quando fechamos os olhos e ainda vemos um pouco da luz ambiente, a rodopsina, pigmento dos olhos, cobre a escuridão de um tom violeta profundo. Sentado em meditação ou simplesmente fechando os olhos, estava mergulhado na obscuridade, mas ainda podia ver. Theodore Roethke escreveu que "num tempo de escuridão, os olhos começam a enxergar"[5].

Na Floresta Violeta, eu percebia a cor do vinho por toda a parte. Quais as sensações que tive no útero de minha mãe? Uma posição fetal, a tepidez do ambiente, a ausência de peso sem noção fixa de lugar. Esta é uma descrição que caracteriza os mundos interiores - o encontro com a Grande Mãe, o fluxo do alimento dentro de seu corpo. A consciência disto ajuda a concentração na área do umbigo. As distinções entre interno e externo se dissolvem no útero.

Quando cerramos os ouvidos, boca, nariz e olhos, reentramos no útero para o segundo nascimento: o espiritual. O primeiro se dá pela água e o segundo, como demonstrou João Batista, pelo espírito. Aconchega, sustenta, é a essência do sentimento.

Naquela noite pude sentir meu corpo tornar-se violeta na Amazônia. A floresta me envolvia como uma fortaleza. Os vaga-lumes rodopiavam como poeira incandescente, piscando suas luzes no calor sufocante. O ar funcionava como um envoltório protetor. Estava me tornando incandescente à partir de dentro. Não conseguia mais distinguir passado e futuro com meus sentidos alterados. Não havia nenhum lugar para onde ir ou esconder-me. Estava no meio do desconhecido, sem medo. As árvores oscilavam, balançando ritmicamente. Fui enredado num instante do tempo real.

Compreendi a meditação naquele momento: o desejo de fechar os sentidos e ouvir apenas os ruídos internos do corpo, meu tímpano vibrando, o sangue correndo nas veias. A floresta virou meu corpo às avessas. Transportei-me para dentro do útero de trevas.

Rendendo-me à Amazônia pude meditar pela primeira vez como testemunha de mim mesmo. Observando os pensamentos fugazes e abrindo meu corpo etérico para uma consciência maior - o mundo além das trevas. Senti-me pequeno na imensidão e mais alerta do que os animais.

Não tive sono naquela noite. Permaneci ereto como uma árvore, a espinha dorsal como uma árvore interna. A floresta, crescendo dentro de mim, dizia: "Focalize seu coração num único ponto e nada será impossível". Ouvi suas palavras, preparando-me para o passo seguinte.

"Deus é a experiência em si mesma. Deus participa de toda experiência. Deus é tudo o que vivemos e respiramos. Se você se torna o espírito da mente, estará em paz nela, em paz no seu mar místico, o mar de vinho escuro. Somos todos cegos como Homero, mas ainda podemos ver este vinho escuro, cor de violeta. No silêncio do coração encontra-se o despertar da respiração", disse a floresta.

A palavra grega para a cor violeta é íon e tanto designa o vermelho quanto o azul profundo. Os nobres gregos vestiam-se de violeta. Atenas era chamada a cidade da coroa violeta. Em Roma, apenas os Césares usavam a cor púrpura. No catolicismo, o púrpura equipara-se ao branco. O Papa usa um solidéu púrpura. E a cor do triunfo, da transmutação e da liberdade.

Xamanismo para mim é um mar violeta. O xamã é um homem-deus, um mitopoeta. Xamanismo é a experiência de vida extásica. Possui raízes profundas por todo o mundo e bem poderia ser o fundamento da tradição judaico-cristã, do Budismo Tibetano (através da tradição Bom Po) e da era Védica na Índia (cerca de 1000 A.C.). É a prática de indução à memória cósmica - com ou sem transe.

Transes intencionalmente induzidos produzem un-ion (um-ião) extásico com o divino e constituem o núcleo fundamental do xamanismo antigo. Antigos praticantes desta arte criaram, à partir de sua experiência do mundo espiritual, a base do ioga, que significa "união" ou "unir-se" com Deus, ou na Índia, com Brahma.

Xamãs não são sacerdotes, mas mentores, companheiros, amigos na jornada para a verdadeira clarividência. Seu conhecimento principal é do mundo invisível. Podem esvaziar suas mentes e entrar em transe ou permanecer conscientes fios mundos etéricos, uma vez passados pelos Guardiães da Morte. Usam basicamente os mitos, os contos mágicos para descrever experiências de estados de transe de maneira velada. Transmitem seus conhecimentos através de ritos de passagem, na puberdade. Muitas vezes dão plantas venenosas aos jovens para que comam enquanto estiverem numa "busca de visão" na floresta. Se sobrevivem e retornam a aldeia, são acolhidos pela comunidade com o status de homem e posição definida. Assim foi meu "rito de passagem" no Brasil, bebendo a mucuna como um tônico para minha busca da visão.

Os xamãs recordam-se do passado através dos ancestrais e da experiência direta de seus corpos etéricos ou dos Registros Akáshicos, uma via direta para o passado e futuro. Usam a respiração e determinadas posturas corporais para ver além do tempo. Este é um dos objetivos básicos da busca da visão.

A palavra "espiritual" deriva do latim "spirare" que significa respirar. Respiração é espírito. Deus é experiência e consciência na respiração. Os delfins, golfinhos, são mestres comuns aos xamãs por reterem a respiração, intencional e facilmente, por longos períodos de tempo. Delfos, em grego significa "o lugar do delfim". Em ioga, o ciclo de inalação e exalação é a roda do nascimento e morte.

Segundo Patanjali, nos Sutras do Ioga, a respiração pode ser controlada pela kaivalya ou libertação. Kumbhaka, a retenção de pulmões cheios ou vazios, é utilizada pelos iogues; o transe ocorre quando retém a respiração com os pulmões cheios de ar. A respiração é sentida nos seios nasais e sustentada entre as sobrancelhas, com a forma de asas de um pássaro. Esta seria a descrição da sutura frontal na testa (a sutura é o ponto de uma divisão embrionária no lobo frontal). Quando a respiração penetra nos seios nasais, o prana ou oxigênio adentra a cabeça. A respiração franqueia a entrada para o crânio.

Os hindus compreendem tais técnicas como fundamentais ao marcarem a testa com um tilak com forma de estrela ou com três linhas verticais no lugar onde a respiração penetra no crânio. Este ponto é o portão de Brahma. A respiração penetra no coração, pélvis, pernas, cabeça e em todo o corpo, sob a forma da energia vyana. O iogue concentra-se na base da respiração, localizada no corpo etérico, na glândula pituitária.

A concentração na glândula pituitária libera um hormônio que desperta a glândula pineal. Seu despertar é uma experiência avassaladora para os não preparados. A liberação do hormônio da pituitária causa uma dilaceração da consciência e pode ser muito perigosa para os não iniciados, levando até mesmo à epilepsia. Um xamã aprende a limpar e purificar as emoções e o corpo através do jejum, pensamentos corretos, atenção, contemplação e meditação nos chakras ou lótus, de modo a equilibrar os níveis de testosterona, adrenalina e tiroxina o que pode interferir no hormônio da pituitária. Esta glândula, também conhecida como hipófise, controla o corpo e desencadeia o despertar espiritual através deste hormônio.

Podemos ativar este processo através da respiração controlada, reduzindo a atividade cardíaca e pulmonar, acalmando a mente e fixando o olhar interior na pituitária, na testa. Introduzimos a respiração e uma espécie de fresta se abre para a pineal, como uma torrente de energia, como um raio. Faz-se um clarão e, além dessa luz, encontra-se samadhi, um fim de karma.

Todo o processo é a essência da iniciação transmitida através de multas gerações. Ela está acontecendo agora a milhares de pessoas como um resultado da graça e da evolução. Minha intenção é ajudar as pessoas a compreender este processo, através da minha experiência do despertar hipofisário. Precisamos estar preparados para enfrentar a sombra, o eu rejeitado e penetrar em outros mundos com paciência, concentração e conhecimento espiritual, para que nos tornemos adeptos conscientes. Meu último pensamento, enquanto ingeria a mucuna venenosa, na busca da visão, foi sobre os Mistérios Eleusíneos na Grécia e de como a iniciação é uma preparação para a morte. O que seria semelhante a não-fazer para extinguir os sentidos? O que existe além dos sentidos? Sei que o karma é criado através das conseqüência das ações e do sofrimento, através das aflições que criam respostas condicionadas no sistema nervoso. Através de respirações repetidas os iogues limpam o sistema nervoso. Eu queria encontrar um caminho intermediário, mais além do antigo caminho hindu para a percepção dos mundos etéricos.

O termo bardo indica transição, qualquer transição. Os estados do bardo são descritos no Livro Tibetano da Morte como camadas de transição para uma nova vida na morte. Eu estava determinado a experimentar, estando vivo, o bardo da morte. Entrei numa aventura violeta, através de meus padrões pessoais de escuridão e dos complexos Psicológicos e kármicos da psique. Com este objetivo, convoquei uma série de experiências que me abalaram. O que se seguiu foi o bardo violeta. Para transmutar minha consciência, entrei numa montanha russa de sedução, obsessão, torpor e paixão, para encontrar o bardo final de libertação. Ingeri diversas substâncias vegetais de 1993 a 1996 e registrei essas experiências em meus diários. Tais plantas me iniciaram, fazendo com que eu pudesse enfrentar minha própria dor o poder de sedução e sacrifício, levando-me a uma nova compreensão do discernimento. Meu relato pessoal sobre o bardo violeta não tem o intuito de agradar, mas constitui o registro verdadeiro de como passei do amor ao poder para o poder do amor.

 

O Dicionário Webster[6] define o verbo seduzir como se -, "isolado", e ducere, "conduzir", ou seja, conduzir isoladamente. Uma amiga me disse: "Uma vez que Plutão está deixando Escorpião e movendo-se para Sagitário, os antigos padrões de sedução estão sendo colocados de lado. Esta é uma grande lição a ser compreendida após a morte de seu pai. É o único obstáculo para o verdadeiro amor". Pela experiência, eu sabia que ela estava certa.

Muitos mestres ou autoridades - facilitadores - podem facilmente sabotar a si mesmos através da sedução. Há inúmeros terapeutas e mestres espirituais seduzindo seus clientes ou devotos, o que conduz a uma intoxicação de poder. Um grande número de sacerdotes católicos também se encontra sob escrutínio por má conduta sexual. Esta é uma forma de auto-sabotagem que destrói a fragilidade do amor em vez de criar elos de intimidade. A sedução é freqüentemente motivada por uma necessidade desesperada de ser amado.

Eu queria que as pessoas me amassem e tal necessidade de admiração começou a destruir o meu trabalho. No trabalho de cura, a energia sexual da pessoa precisa ser transmutada e não usada para seduzir o público através do carisma pessoal ou para manipular uma platéia. Ao invés de levar um grupo à harmonia, a energia sexual inconsciente o separa. Essa necessidade de ser amado e aceito por uma platéia adoradora pode levar ao comportamento obsessivo tanto o mestre quanto o pupilo.

Os padrões de sedução são na maioria das vezes inconscientes. Depois da publicação de meu primeiro livro, recebi inúmeros telefonemas de mulheres, perguntando-me qual era a minha altura, qual a cor dos meus cabelos e se eu ainda era solteiro. Várias mulheres, depois de um workshop no Brasil, escreveram-me cartas, declarando que eu era a "sua alma gêmea". Algumas me queriam só para si e tentavam me afastar de Dawn Eagle Woman, minha companheira de trabalho. Muitas mulheres declararam que freqüentavam meus workshops porque eu era sua "chama gêmea".

Finalmente compreendi que eu estava criando tal comportamento, que minha energia sexual estava inconscientemente seduzindo as pessoas, prendendo-as com projeções de ser o companheiro ideal.Eu precisava criar a intenção de ser puro em meu trabalho e, vigilantemente, liberar a necessidade de seduzir as pessoas pelo amor ou atenção. Uma vez identificada a maneira pela qual a sedução enfraquecia a verdadeira essência de minha alma e do meu trabalho e de como ela me dava um falso amor e uma platéia em total projeção, comecei a bloquear isso.

Sonhei com orgias na Antiga Grécia, recordei a dor da rejeição nos relacionamentos e como evitava dessa dor. Lembrei-me de meu pai, que tinha um consultório em nossa casa, como terapeuta de mulheres que se tornaram obsessivas em relação a ele e, eventualmente, tornavam-se violentas. Uma delas buzinou à porta de nossa casa e quando meu pai saiu para falar com ela, apontou uma arma para ele. A policia teve de convencê-la a depor a arma e ir para o hospital. Uma outra mulher entrou em nossa casa gritando com nossos cachorros, dizendo que eles a perseguiam e falou sobre sua obsessão em relação a meu pai. Freqüentemente, eu atendia o telefone e as mulheres que queriam falar com meu pai diziam-me que cometeriam suicídio se não falassem com ele naquele exato momento.

Após a morte de meu pai encontrei essa projeção inconsciente do salvador/amante/pai. Recebia as projeções das mulheres do companheiro perfeito, sensível, elegante e conduzido pelo coração. Compreendi que estava deixando vazar o arquétipo do sedutor e saí em busca de minha alma para encontrar e fechar tal abertura. Queria liberar a energia confusa que eu capturara enquanto criança exposta às clientes obsessivas de meu pai. Perguntava-me o que havia em seu ser que atraía para ele tais experiências.

Em todos os meus workshops seguintes comecei a falar de meu padrão de sedução relativo à necessidade de ser querido e de como isso me enfraquecia. Depois, movia a energia de sedução para cima, através de minha coluna, e tornei-me um mestre de um modo mais puro. Podia realmente voltar-me para o ensino em profundidade em vez de tentar satisfazer todas as necessidades de minha platéia. Pude ver como as platéias tinham se tornado figuras maternas e eu, a criança sobrecarregada com a sexualidade reprimida delas. Como uma criança, eu estava tentando ainda satisfazer as necessidades sexuais de minha mãe. Como meu pai, estava tentando satisfazer as necessidades emocionais de minhas clientes. Tinha perdido o papel do facilitador e começado a cativar as pessoas em um nível de codependência. Desejava que a platéia satisfizesse alguma necessidade minha e, em vez de trazer amor, isso trouxe mais sedução e sentimentos de traição.

Meu padrão de sedução finalmente tornou-se completamente consciente para mim no Peru. Depois da morte de meu pai, precisava pranteá-lo e liberá-lo, mas precisava sobretudo de um período mais longo de tempo para chorar a sua perda. A mágoa preenche um homem, um filho, e eu precisava chorar o passado, a antiga vida. Sentia que tinha de me tornar um pai, um homem responsável. Comecei a pensar acerca de revoluções, IRAs, fundos mútuos, constituir família. Contudo a mágoa durou pouco e comecei a divagar através do trabalho.

Tinha programado liderar uma excursão aos lugares sagrados do Peru. Por três anos vinha liderando viagens xamânicas à Amazônia peruana e tinha visitado tribos existentes em lugares remotos. Tinha sido introduzido à ayahuasca por um xamã peruano. Este "ayahuasqueiro" em particular tinha sua própria receita para combinar a videira (que é a base da ayahuasca) com a folha da chicha, uma planta. Aprendi como a combinação ajudava a ativar uma espécie de mescalina para o trabalho xamânico mais profundo.

O canto é parte integrante da cerimônia de ingestão da ayahuasca e esses cânticos sagrados, chamadas "icaros", desempenham um papel transformador. Para a verdadeira experiência ayahuasca, é preciso ouvir uma sucessão de icaros cantados pelos xamãs ao longo da cerimônia. Tais cânticos são muito antigos, ensinados pelos anciãos aos principiantes. Alguns icaros são aprendidos diretamente dos espíritos que se apresentam durante a cerimônia. Cada icaro chama um espírito especial ou casta de espíritos, que agem como um veículo para outros mundos, tempos e dimensões.

Recebi cânticos de desenvolvimento em que fui instantaneamente transportado para templos incas. Ouvi cânticos de barco, da onça e da sucuri. A cada vez, uma cura ou ambiente era criado para estabelecer contato com outras dimensões da floresta tropical. Muitos participantes dessas expedições pioneiras experimentavam acontecimentos semelhantes, mas de pontos de vista diferentes. Os icaros estabilizam e guiam as viagens da planta. Por outro lado, ingerir a ayahuasca pode ser uma aventura perigosa, selvagem, turbilhonante e, freqüentemente, assustadora para os não preparados.

A ayahuasca, como é chamada no idioma Quechua, é ingerida para que o indivíduo seja capaz de ver o mundo espiritual. É um indutor de visões proveniente de uma videira psicoativa chamada Anisteriopsis, que é, então, misturada com uma outra planta. A bebida é usada pelos xamãs para identificar as causas de doenças e para curar através do auxílio da planta. Recentemente, houve uma retomada das substâncias psicoativas pelos antropólogos. etnobotânicos e exploradores espirituais que penetram nas florestas do Equador, Peru e Brasil. O Brasil, por exemplo, tem duas religiões ayahuascas distintas, chamadas Santo Daime e União do Vegetal, que possuem grande número de seguidores e membros estrangeiros. Muitos ocidentais estão agora passando por longos aprendizados com esta substância vegetal. Foi a curiosidade que me conduziu à planta e ao Peru.

Primeiro, começamos a cerimônia à noite e toda a cidade permaneceu silenciosa, sabendo o que estava para acontecer. A visão e a audição tornaram-se agudas durante toda a jornada. Sob a influência da bebida, os participantes ouviram sons provenientes de mais de 1,5 km de distância e até de distâncias maiores dentro da floresta. Eu geralmente bebo apenas um terço do copo. Outros do grupo chegam a beber mais de três copos e meio. Após a ingestão, os xamãs começam a trabalhar em pessoas específicas, através da oração e da entoação dos icaros e do bafejamento da fumaça de tabaco sobre as glândulas pituitária e pineal. Também retiram espíritos de nossos corpos com trabalho respiratório. Com os olhos fechados ou abertos, visões multicoloridas de extraordinária clareza e bizarra opalescência se iniciam, com cores iridescentes, tais como verde-limão, rosa-choque e prata. Padrões geométricos se formam nas bordas da maioria das visões e, continuamente, se repetem e mergulham uns nos outros. O efeito é semelhante a um rio impetuoso de imagens - como um caleidoscópio de animais da floresta, símbolos religiosos de muitas tradições e paisagens fantásticas de outros mundos.

Foi com a ayahuasca que compreendi quão puro encontrava-se meu corpo. Menos de um terço de um copo fazia-me ter visões por mais de dezessete horas, visões que começavam cerca de quinze minutos após a ingestão. Também descobri que eu não precisava da ayahuasca para ver de modo clarividente. Esta planta serve para aqueles que não realizaram um trabalho tântrico ou ioga intensa. É uma ajuda para aqueles que não conseguem ver facilmente. Em minha consciência diária, não me sinto denso; de modo que a ayahuasca era muito forte, muito potente para mim.

Em uma ocasião, a planta imediatamente conversou comigo através de uma espécie de telepatia. Seu espírito, que é tanto masculino quanto feminino, explicou como eu tinha empregado a planta em outras vidas e que eu tinha estado com muitos de meus atuais aprendizes naquelas vidas. A planta, então, introduziu-me a essas pessoas no curso da viagem. Em seguida, a própria planta tentou seduzir-me, para mostrar meus próprios padrões de sedução. Primeiro, a planta era uma mulher e, quando isso não funcionou, tentou seduzir-me como um homem. Como um soro da verdade, a substância vegetal começou a mostrar-me exatamente quão sexual eu tinha me tornado. A planta-mulher era uma videira perfumada com uma imensa aura de amor. Ela me rodeou, lembrando-me de que não tenho de ser tudo para todo mundo. Ela me disse que, se eu fizesse sexo com ela, tornar-me-ia um ayahuasqueiro. Eu lhe disse que ninguém poderia me obrigar a fazer qualquer coisa contra a minha vontade.

A planta mostrou-me a fragilidade de minha personalidade e como ainda é imatura no desenvolvimento de seu ego. Ela me disse que a era do Kali Yuga está terminada e que estamos no meio de um despertar espiritual de toda a nossa espécie através do desenvolvimento do núcleo da personalidade e do ego. Ela sentia que eu precisava desenvolver um forte senso de identidade e que o ego era apoiador, se eu conhecesse suas limitações. Disse-me para me tornar um ser solar, através da luz refletida do emocional, de natureza lunar. Então, mostrou-me as fases da lua e seus efeitos sobre as correntes do dragão da Terra. Revelou os trabalhos internos do corpo emocional como fases da Mãe.

Disse-me que meu eu suprasensível estava emergindo como uma alma híbrida incorporando a personalidade consciente no mundo e no eu maior. Tudo era um treinamento de percepção. Eu gostaria de liberar minha necessidade de ser seduzido, para ir em frente no caminho do verdadeiro eu integrado?

Mentalmente disse-lhe que sim e liberei essa necessidade. Ela disse que eu tinha encontrado, através da intervenção de meu pai, uma pessoa que eu amaria pelo resto da vida. Disse-me que seria um relacionamento aquariano, uma nova igualdade em amor recíproco e que cada um de nós apoiaria a independência espiritual do outro e que eu aprenderia a cortar os laços de insegurança existentes entre nós. No amor, eu tinha de aprender a ser independente e autoconfiante emocionalmente. Mostrou-me como a paixão desvairada cria laços de dependência entre os amantes e que eu tinha de estar consciente de minha insegurança em relação à rejeição. Para cortar os laços emocionais, que me drenam, sugando minha força vital, não posso abandonar minha alma e minha identidade no amor.

Então, tive uma revelação sobre a ayahuasca. Comecei a sentir que o destino da Terra estava intrinsecamente ligado aos ciclos da Lua. A planta mostrou-me como o ciclo lunar afetava especificamente a evolução dos mamíferos, répteis e pássaros. O ser humano foi concebido primeiro, antes de plantas e animais, em uma imagem divina, um corpo etérico, não um corpo físico. Portanto, seríamos os últimos a evoluir. Ainda não éramos sólidos quando os répteis, outros mamíferos e pássaros assumiram suas formas. Éramos como um padrão do tempo, constantemente em mutação, de estados emocionais. O corpo astral ou corpo emocional estava se formando naquela época através do sentimento e das sensações. Durante o Paleozóico e o Mesozóico, os corpos etéricos dos humanos foram formados como padrões a partir da Lua. Estávamos sendo criados a partir do éter e somente depois nos tornamos carne, ossos e sangue. O sangue sustenta a memória do projeto etérico de nossa formação.

Vi como o corpo astral ou emocional preencheu o corpo físico, como um dragão primordial, uma criatura semelhante a um pássaro ou um mamífero. Vi como isso se relacionava a agrupar os membros em tribos. A espinha dorsal e o cérebro inferior são remanescentes da natureza reptiliana, do dragão. São responsáveis por nossos instintos e impulsos subconscientes.

O dragão também foi enfrentado por Michael Harner em seu livro The Way of the Shaman (O Caminho do Xamã). Ele encontrou um dragão que dizia ser o Senhor do Mundo. Em minha própria viagem xamânica, não fui seduzido pelo dragão, mas vi como a Terra era minha testemunha e que o Senhor da Ilusão não controlaria meu destino. Eu não tive de matar o dragão ou dominá-lo, mas podia torná-lo um aliado para enxergar através da ilusão. Precisei aprender a confiar na emoção e a trabalhar conscientemente na harmonização de minhas emoções com o ciclo lunar; isso faria com que minha glândula pituitária secretasse um hormônio. A planta ayahuasca disse-me que o beija-flor era meu guia para o néctar do elixir lunar nas neuro-secreções de meu cérebro.

Tive de trocar apertos de mão com o dragão. Se eu parasse de seduzir num nível inconsciente, não seria seduzido pela ilusão - o que Rudolf Steiner chama de Kamaloca. Tinha de ser emocionalmente flexível, ser um guerreiro em espírito e discernir meu verdadeiro Eu, não apenas através de sonhos, mas com meus olhos abertos.

A planta me disse que eu passaria por três testes para me fortalecer. O primeiro seria que um xamã negro tomaria conta da minha luz e invadiria o meu corpo. Eu precisaria da ajuda de uma Fraternidade de Caçadores - um grupo de almas que me afastaria do espírito do dragão negro - como um meio de lidar com espíritos e entidades malévolos. Este é o tempo do Ajuste de Contas, no qual todas as mentiras, impedimentos, segredos e hipocrisias da humanidade serão expostos. Nós, enquanto espécie, precisamos agora parar de mentir para nós mesmos sobre os nossos valores.

No segundo teste, eu teria de enfrentar meu padrão de sedução de uma maneira clara; viria na forma de uma mulher, que representaria uma sedutora, para me ajudar a ver esse padrão. Seria como a planta ayahuasca; chamaria a si mesma de dragão e romperia o meu trabalho, ensinando-me uma profunda lição sobre sexualidade obsessiva. Faria isso como uma dádiva para o nosso despertar.

O terceiro teste envolvia responsabilidade com finanças, energia, ensino e humildade. Poderia eu aceitar a maturidade de ser um mestre e permanecer equilibrado e não sabotar a mim mesmo com a sedução, pela terceira vez? A sedução do dinheiro, da religião e da sexualidade - o foco principal do poder externo - pode ser transformada numa busca por amor e liberdade de ser quem realmente sou sozinho ou num relacionamento com outra pessoa.

Isso foi uma espécie de terapia de choque. Todas as vezes que os ayahuasqueiros cantavam os icaros, a planta liberava, de dentro de meus intestinos, uma imensa emanação de liquido para o meu coração e cérebro. Mais visões viriam, trazendo uma extensa viagem de dezessete horas. Havia um declínio marcado das visões depois que os icaros terminavam e uma descida gradual à Terra, como um lento escorregar.

A planta me avisou que o xamã negro tinha penetrado em meu corpo porque eu não estava familiarizado com a ayahuasca nesta vida. Para me proteger adequadamente neste tipo de experiência fora-do-corpo, eu teria de ter ficado mais alerta e vigilante. A planta me disse, ainda, que eu tinha sido seduzido por este xamã em uma outra vida e que precisava terminar meu próprio ciclo de sedução de vida passada, como um xamã o faz com seus pacientes. Este era o meu "karma de sedução".

Somente quando se deixa o corpo por um momento é que uma outra pessoa ou espírito pode entrar nesse corpo. O xamã negro estava agora residindo em mim e eu o deixei falar através de minha boca, para aprender a dominá-lo. Através da meditação ativa, tentei fazê-lo sair, mas claramente eu precisava do apoio e do auxílio de outros seres humanos. Tentando proteger meus amigos da expedição, enquanto estavam viajando com a ayahuasca fiquei aberto ao ataque e à possessão.

Drenado e exaurido pela substância vegetal, dormi durante horas. Recuperei-me quase imediatamente no final do dia seguinte, com uma estranha vitalidade. Muitas pessoas do grupo que eu trouxera ao Peru experimentaram apenas sono, enquanto outras tiveram imagens vividas após a ingestão da planta. Juntos discutimos nossas viagens. Alguns recordavam a metamorfose de um inseto durando de doze a quinze horas. Alguns experimentaram uma catarse através do vômito ou da visão de uma memória enterrada de abuso na infância. Poucos tiveram viagens adoráveis de calma e paz, com aventuras ativas em cor. Nenhum de nós permaneceu o mesmo. Não posso recomendar a experiência com a ayahuasca. Depois de muito pensar, decidi não mais prosseguir com a ayahuasca. Os três testes da planta ainda me esperavam.

No Templo da Lua, na Ilha da Lua, no Lago Titicaca, no que é agora a Bolívia, testemunhei um acontecimento notável.

Nosso grupo estava sentado num círculo, enquanto um homem inca cantava em gratidão e testemunhei uma cerimônia de "despacho" inca. Vi, com meus olhos abertos, a Lua caindo do céu em direção ao nosso círculo e explodindo em um milhão de partículas de luz sobre nossos corpos. Senti uma afinidade com a Lua.

A Lua iria me ajudar a curar minha necessidade de ser amado inadequadamente e a me respeitar. Na sedução perde-se o auto-respeito e as fronteiras tornam-se estranhamente obscuras. Queria ajudar a mim mesmo e aos outros a ver além de sua projeção de mim, o verdadeiro amor existente dentro deles. Eu era apenas um espelho para o seu auto-amor. Agradeci à planta ayahuasca, mas lhe disse que eu não seria um aprendiz. Para dizer a verdade eu estava demasiadamente aberto e sensível e este não era o caminho certo para mim. Estava pronto para o despertar gradual rumo à iluminação. Minha necessidade de visões rápidas acabara.

 

Muitos estudantes me perguntam porque explorei a ayahuasca, sanango, peyote ou o cactus chamado San Pedro. Eu lhes digo que isso fazia parte de meu treinamento para um tempo específico de minha vida e que me trouxe benefícios: aprendi, de um modo difícil, que isso não era o melhor para mim. Com as plantas psicoativas, o processo de desenvolvimento espiritual é acelerado, com menos tempo para digerir completamente os significados mais sutis da viagem. Eu também estava muito aberto e sensível e poderia alcançar muitos estados de consciência sem o auxílio delas.

A ayahuasca também é conhecida como yaje, natema e Daime. É mais comumente preparada com a videira de Baniteriopsis caapi e folhas de Diploterys sp. Vem sendo usada há séculos na Amazônia e por toda a América do Sul. Xamãs e curandeiros contemporâneos ainda usam ayahuasca na adivinhação xamânica e nas cerimônias de cura. DMT altamente psicoativa e outras tryptaminas encontradas nas plantas adicionadas são o que cria seu efeito.

Tomei ayahuasca apenas sob a tutela de xamãs experientes em aldeamentos tradicionais. No Brasil, o culto ayahuasca Santo Daime tem o beija-flor como um de seus símbolos. Meu trabalho tem sido descobrir a medicina do beija-flor e seus possíveis benefícios. Também aderi a dietas de purificação específicas, consistindo de tanchagem, peixe e arroz, sendo proibidos o açúcar, o sal, os temperos e a carne. Restringi também a atividade sexual para focalizar e aumentar especificamente a experiência.

No Peru, encontrei um xamã chamado Augustine, que me introduziu ao San Pedro - um cactus que produz um calor, um sentimento somático no corpo, uma sensação de paz e bem-estar e visões ocasionais. Ele cresce no Peru bem como em muitos outros lugares das Américas Central e do Sul e também no sudoeste dos Estados Unidos. É comum, disponível e suave. Augustine era um alcoólatra que encontrou um xamã, que empregava San Pedro, e seu vício terminou em uma sessão. Ele ficou profundamente impressionado e agora ensina sobre o cactus, em cerimônias específicas e ajuda muitos viciados a se afastarem das drogas e do álcool.

Em dois grupos separados no Peru, em anos consecutivos, trabalhei com Augustine para observar os efeitos do San Pedro para a cura. O primeiro grupo de vinte pessoas ingeriu o cactus sob a forma de chá. Os xamãs cultivam e oram com o cactus, antes de colhê-lo e ingeri-lo. Todo o cactus é macerado para fazer o chá. Nosso grupo estava em Winay Wayna, na Trilha Inca, perto de Machu Picchu. Dormimos ao relento, em sacos de dormir, para manter o calor, por causa dos tremores no corpo logo após a ingestão.

O primeiro copo passou de mão em mão e as orações eram feitas ao espírito da planta para regular e equilibrar a experiência. Todos estavam quietos, meditativos e centrados. Vinham a mim memórias de Eleusis, na Grécia, e a taça de hidromel dada aos iniciados, bem como a gentileza das cerimônias peyote tepee, quando os cânticos eram entoados corretamente, para a elevação de todos. Compreendi o papel das substâncias vegetais e até das essências, tinturas e elixires florais. Desejava uma espiritualidade ligada à terra, uma conexão baseada na terra e com os reinos animal e vegetal. Tendo estudado a arte de rastrear animais e o uso adequado de colheita e cultivo de ervas em fases específicas da Lua, desejava, então, estudar as plantas e seu papel na cura e no despertar espiritual, com intenção e foco evidente.

Em minha primeira experiência com o San Pedro, tive tremores, em seguida um calor por todo o corpo, enquanto caminhava para uma caverna da Montanha Cristal, perto de Winay Wayna. Na entrada, curvei-me diante de um altar e fui iniciado pelo Guardião do Portal, numa visão clara de mundos de luz. Também tive um insight dinâmico do trabalho corporal que realizei em outras pessoas, enquanto sob sua influência. Nunca deixei meu corpo, como aconteceu com ayahuasca, permanecendo completamente dentro de mim, sentindo fisicamente cada sensação.

Com a ayahuasca, as visões vinham com meus olhos abertos ou fechados; com o San Pedro, eu podia controlar as visões e abrir meus olhos para interrompê-las - exceto uma vez, quando deixei o grupo para aliviar-me. O xamã conduziu-me para uma área separada da ruína. Eu caminhei para adiante alguns metros e tive uma visão notável. De pé, à minha frente, havia um kachina vivo - um espírito dos Picos San Francisco, no Arizona, que só aparece para os Hopi, Zuni e outras nações nativas americanas. Eu estava frente a frente com um espírito antigo com músculos superiores muito desenvolvidos e pernas curtas, cuja face se transformava como um holograma de muitos kachinas compostos. Ele olhava para as estrelas com afeto e compaixão e eu me apartei, ainda que fascinado por sua serenidade e beleza.

Ele era um antigo guardião, um verdadeiro ser-espírito que girava ao redor para me olhar estoicamente. Ele guardava também Winay Wayna e era o guardião de nosso grupo naquela noite. Pude vê-lo com meus olhos abertos, completamente consciente, com as estrelas brilhando sobre nossas cabeças.

Durante trinta minutos fiquei observando-o, memorizando cada detalhe de sua forma, tamanho e máscaras. Eu me expandi para amar sua forma cambiante e senti-me conectado a seu espírito de um modo indescritível. Ele tocou minha alma e parecia tão afetuoso, bondoso e venerável. Compartilhar este planeta com tantos seres espirituais foi um insight expansivo lúcido.

Depois, convoquei uma mulher do grupo que alegava não estar tendo uma experiência exaltadora. Estava inquieta e sentia que o San Pedro não tinha qualquer eleito sobre ela. Peguei-a pela mão, dizendo-lhe que queria que visse algo. Ela caminhou para a área externa do templo, onde eu havia estado, e disse: "O que é? Não estou vendo nada". Disse-lhe para voltar seus olhos para seu lado direito e ver quem estava sentado sobre uma pedra. Ela quase desmaiou. Seus olhos se acomodaram e ela começou a chorar. Foi real para ela, dominada pela compaixão por esta imensa, estranha criatura. O espírito olhou para ela e, então, afastou o olhar, contemplando o céu. Ela sentiu-se imediatamente conectada ao Peru e seus mistérios e transformou-se para sempre. Depois disso, sua depressão começou a sumir e ela passou a sentir-se enraizada. Também foi capaz de liberar sua mágoa pela morte de seu marido.

Nenhuma imagem de deuses da natureza chegou tão perto daquilo que experimentei com ela. O sentimento foi o de afinidade com uma outra forma de vida sensível anteriormente invisível aos meus olhos. Agradeci ao San Pedro por essa dádiva e nunca a esqueci.

Em minha segunda experiência com o San Pedro, estava com um outro grupo, que chegou a uma caverna adornada com o desenho de uma cobra, no Vale Urubamba do Peru. O xamã nos fez sentar em circulo do lado de fora da caverna, em plena luz do dia. À medida que o San Pedro fazia efeito, cada um de nós penetrava na caverna escura com os olhos fechados, seguindo com a mão o relevo do desenho da cobra na parede da caverna. Um homem de nosso grupo, Andy; tocava um didgeridoo, uma espécie de grande flauta australiana, e eu cantava, para guiar a experiência. Estava me familiarizando com a planta e seu modo amistoso e gentil.

A primeira e única visão que tive ali não foi do Peru, mas do Tibete. Nela, eu estava caminhando através das montanhas para uma caverna e fui saudado por um velho lama. Ele me disse que eu tinha renome em Shamballah e que estava entrando em seu retiro. Passei três horas em Shamballah, cuidando de jardins, meditando, fazendo pesquisas na biblioteca e conversando com várias pessoas. Senti-me parte de uma família, uma lembrança. O lama descreveu um local nos Andes, Amara-mu-ru, no Vale da Lua Azul, também chamado o Vale dos Sete Raios. Ele observou que tal vale tinha um propósito similar ao de Shamballah e que estava sendo preparado para quando os seres humanos estivessem conscientes de sua própria natureza e pudessem enxergar a sua essência solar. Falamos de Patanjali e dos Sutras do Ioga em profundidade e vi como a glândula pineal em meu corpo é um remanescente retraído de um órgão que, nos tempos da Atlântida, encontrava-se originalmente no topo da cabeça e agora encolheu até se tornar uma glândula com a forma de uma pequena ervilha, no centro do cérebro. Ele me ajudou a torná-la flexível, a libertá-la de seu invólucro.

Depois que voltei, sonhei naquela noite com a entrada na Terra Interior em quatro locais diferentes. Um era no Peru, perto de uma tribo, a poucas horas de Iquitos. A entrada de uma grande caverna realmente existe ali. Falaram-me, em Iquitos, de um homem chamado Arquimedes, que tinha navegado com sucesso na escuridão da caverna e encontrado a civilização da Terra Interior. Ele trouxe de volta insights espirituais específicos, juntamente com cristais e pedras nunca vistos na superfície do planeta.

Ouvi falar que uma equipe de uma emissora de TV japonesa tentou filmar este portal, em particular, da Terra, mas, depois de uma hora de caminhada em total escuridão, entre ratos, aranhas e vermes, eles desistiram e um dos homens cometeu suicídio, atirando-se num precipício. Este portal é extremamente guardado por seres celestiais, para manter seu segredo, sendo, portanto, perigoso para os não iniciados. As outras pessoas daquela expedição também tiveram "acidentes" e acessos de loucura. Arquimedes sobreviveu e ajudou um homem, em Iquitos, a iniciar uma clínica utilizando 78 ervas, algumas das quais provenientes da Amazônia e outras de todo o mundo, que curam câncer e AIDS. Visitei a clínica e experimentei a bebida de ervas que eleva a imunidade e também os banhos.

Sonhei também com o Tibete e uma cidade subterrânea próxima de Potala, bem como os Montes Urais, da Rússia. O Monte Shasta, na Califórnia, também possui duas cidades subterrâneas. A Amazônia tem vários portais e a caverna sagrada dos índios Xavantes foi uma entrada muito importante para o Mato Grosso, o Brasil e o futuro.

Histórias são contadas sobre as muitas entradas, na Amazônia, para o ingresso à Terra Interior. O nome Xavante significa "Guardiães". Tserete disse-me que sua tribo era a guardiã de uma entrada para uma civilização interior muito avançada espiritualmente. A entrada da caverna para essa civilização encontrava-se agora bloqueada. Não era hora de entrar lá fisicamente.

O Vale da Lua Azul tem um portal perto de Puno, no Peru. Aquele segundo grupo seguiu uma linha ley, que emergia da terra como uma imensa sucuri por mais de meia milha, levando a uma série de formações rochosas, que contavam uma antiga história da criação. No final da caminhada, havia uma porta perfeitamente escavada na rocha lateral de uma montanha íngreme. A porta era imensa, construída para um gigante, e possuía um local para se fazer oferendas a Pachamama ou Virachoca.

Assemelhava-se a uma antiga forma de transporte. De pé diante da rocha, podíamos entrar no Vale dos Sete Raios. Podia sentir meu corpo etérico passar pela porta e entrar em Amara-mu-ru. Eu queria aprender como levar todo o meu corpo para aquele lugar e ver as conseqüências.

 

Kahlil Gibran escreveu: "A dor é a ruptura da concha que encerra a compreensão"[7]. Eu sabia que Chiron tinha me conduzido a este Bardo Violeta para que enfrentasse o que mais detestava em mim mesmo e nos outros. Chiron nos chama para que desistamos de nossa arrogância e sacrifiquemos nosso falso senso de imortalidade. Depois do Peru, decidi visitar uma pequena cidade da Bolívia conhecida por seus xamãs e feiticeiros. Charazani, Bolívia, constituiu-se no ponto de mutação para mim. Foi lá que aprendi sobre sacrifício.

Muitas tradições possuem uma história de sacrifício animal e no Peru e na Bolívia é comum nas práticas xamânicas. A Eucaristia cristã é um exemplo de sacrifício humano simbólico. Na Igreja Católica, os paroquianos "comem" o corpo e o sangue de Cristo. Aqui, o sacrifício nos leva mais perto do Cristo de um modo tangível. Qualquer sacrifício é uma comunicação com os mundos luminosos do espírito, através da mediação de um objeto de valor, para trazer uma cura ou uma consciência maior da conexão entre todas as coisas vivas. Nos reequilibramos de alguma maneira, quando uma parte de nós é sacrificada em beneficio do todo. Minha própria imagem arrogante de xamanismo foi sacrificada na Bolívia. Sacrifiquei minhas idéias ingênuas de procurar fora de mim mesmo, nos xamãs - ou em qualquer outra pessoa, as respostas. Tinha de desistir de glorificar os xamãs e curandeiros nativos e deixar de colocá-los em algum tipo de pedestal. Tinha de aprender a ser mais humilde. Neste caso, minha atitude arrogante precisava ser sacrificada pelo bem do todo e pelo restabelecimento de meu grupo.

Em 1995, levei um grupo de pessoas ao Peru e à Bolívia. Nossas expectativas de encontrar xamãs poderosos na Bolívia foram contrariadas, talvez por nossa necessidade de esgotar as experiências espirituais. Este é um breve relato de nossa estada em uma estranha cidade cheia de feiticeiros.

Em Charazani, Bolívia, vive um homem simples, que assa batatas com sua mulher e a família e realiza rituais xamânicos com a planta chamada coca. Um guia nos levou até este vilarejo, conhecido por sua medicina popular. A cidade possui uma fonte de água quente, alojamentos primitivos e produz belas mantas e tecidos feitos à mão. Levei um grupo de pessoas, em peregrinação, para ver as práticas do povo local.

À noite, enquanto éramos levados à casa do xamã, cruzando um pequeno riacho no escuro, tivemos grande expectativa de uma cerimônia autêntica. A casa do xamã estava iluminada por velas. Era simples, mas limpa e arrumada, esperando por nossa chegada especial.

Inicialmente, ele estudou as folhas de coca, adivinhando alguns problemas que nosso grupo pudesse ter tido e um curso de ação. As folhas indicavam apenas uma dificuldade. Ele nos passou as folhas de coca, para que fossem mastigadas. Advertiu-nos que mastigássemos meia dúzia de cada vez. Em seguida, distribuiu alguns cigarros, para que fumássemos. A maioria de nós não fumava ou aprovava o fumo, mas fomos educados e tiramos tragadas, esperando que isso acrescentasse algo à cerimônia. Em seguida, nos passou uma concha cheia de álcool 99 GL. A maioria de nós era abstêmia - muitos tinham passado pelo AA - mas, ainda assim, estávamos numa cerimônia e agimos de acordo com ela. Parecia ser álcool de cereais e as pessoas começaram a sufocar e tossir.

Num silêncio desajeitado, ele passou ao grupo um espesso vinho tinto. Tomamos goles do jarro, novamente sendo corteses com esses ritos e esperando que os espíritos aprovassem nosso comportamento. Esta era a etiqueta xamânica. Os membros antigos ao Al Anon e do AA beberam rodada após rodada do vinho. Logo o ar estava cheio da fumaça dos cigarros e do cheiro de bebida.

O xamã, então, pegou o feto de uma lhama morta, que é vendido nos mercados como medicina popular e também usado pelos curandeiros praticantes. O feto parecia seco, pequeno e murcho. Ele colocou bolas de algodão sobre as folhas de coca, juntamente com pequenos doces brilhantemente coloridos. Borrifou água benta sobre os doces e as pequenas bolas de algodão e leu mais folhas de coca. Depois ofereceu uma bola de algodão para cada pessoa presente, dando um doce para cada um. O ar estava espesso, pesado, cheio de morte e de espíritos. Mais cigarros, mais goles de bebida. As pessoas começaram a ficar impacientes. Depois de horas de leitura de folhas de coca e de construções com bolas de algodão e conversas com os espíritos, o xamã era o único que entendia os procedimentos.

Disse, então, que podíamos fazer perguntas. Um homem perguntou se cada um de nós era representado por uma bola de algodão e, se assim o fosse, se elas curariam qualquer negatividade que ele tivesse visto nas folhas de coca. O xamã disse que iríamos juntos lá fora, numa hora específica e queimaríamos as bolas de algodão em altares. Mas tínhamos de esperar a hora certa e essa hora não tinha chegado. Um outro membro do grupo perguntou-lhe há quanto tempo ele era xamã. Todos nós esperávamos ouvir que ele o era há muitos anos, mas o intérprete disse "um ano". Todo mundo começou a se contorcer e tossir e a se perguntar o que realmente estava acontecendo. Isso estava certo? Será que o intérprete tinha errado? Algumas pessoas começaram a recusar a quarta rodada de álcool; alguns ousaram rejeitar os cigarros. A maior parte do grupo tinha mastigado pelo menos 300 folhas de coca.

Finalmente, depois de horas de orações repetitivas ao brilho da luz das velas - com o grupo sentado desconfortavelmente no chão nu, esperando sentir mais do que uma ressaca ou um colapso nicotínico - o xamã levantou-se e nos deixou por um breve momento.

Ele retornou com um gracioso porquinho-da-índia. O grupo adorou o animal e distraiu-se por alguns momentos. O animal estava sendo seguro pelo pescoço: todos estavam se perguntando como poderiam segurar ou cuidar do bichinho de estimação do xamã. Todos nós sentimos que algo auspicioso estava para acontecer.

O xamã segurou o porquinho-da-índia firmemente pelo pescoço e, com um golpe de sua faca afiada, abriu-lhe o pescoço e borrifou o sangue sobre o chão e sobre os doces e bolas de algodão. Declarou que os sinais e augúrios para o futuro eram excelentes. Ele dilacerou o pescoço e vísceras do nosso amado mascote e mostrou-nos quão felizes, enquanto grupo, nós éramos. Ele retirou o coração ainda pulsante e todos nós entramos num choque pós-alcoólico!

Todo mundo correu para fora para vomitar, com onda após onda de náusea tomando conta de nós. A maioria estava com o estômago retorcendo devido ao sacrifício do animal, mas outros estavam duplamente piores, devido ao vinho barato, aos cigarros, ao mau cheiro dos corpos mortos e ao gosto das folhas de coca misturadas com o álcool 99.

Nosso guia e intérprete ainda persistiu, dizendo-nos quão honrados deveríamos nos sentir por termos sido convidados à casa do xamã e termos o sacrifício de um porquinho-da-índia e de uma lhama para nós num mesmo dia. Isso era muito auspicioso. Todos engoliram o seu desgosto. Fomos polidos, mas estávamos muito doentes. Alguns dias antes, tínhamos nos aventurado num festival Inti-Rami dos Incas de Cuzco, alegrando-nos com suas fantasias brilhantemente coloridas, com as danças e com a multidão de descendentes incas. Tínhamos assistido esta cerimônia inca nos muros de Sachsayuaman. Depois, para nossa surpresa e choque, veio o sacrifício de uma lhama viva. Os sacerdotes incas retiraram o seu coração, espirrando sangue para todos os lados. Ficamos todos ofegantes, mas esta era uma antiga cerimônia e quem éramos nós para julgar? O sacrifício de um porquinho-da-índia era muito diferente. Todos nós conhecíamos esse animal desde crianças e isso trouxe à tona a morte ou perda de animais de estimação ou até de membros da família, na infância. Foi pessoal.

Finalmente, o xamã, sentindo nosso cansaço e horror com a matança do animal, conduziu-nos para fora, para o grande evento. Ele cantou antigas orações de cura numa língua pré-incaica, enquanto cada um de nós segurava sua vela e os altares particulares de bolas de algodão. Infelizmente a maior parte do grupo começou a perder o equilíbrio neste ponto, provavelmente por causa do álcool 99, e começou a atear fogo nos altares de bolas de algodão, antes da hora determinada. Suas mãos instantaneamente sentiram o calor do fogo e eles atiraram os flocos de algodão - os altares - ao chão e, depois, os pisotearam insensatamente. Tudo isso foi feito com uma graça desajeitada, para que os presentes não se sentissem desrespeitados, especialmente o xamã e o nosso guia.

Finalmente, quando todos os altares e restos dos doces e bolas de algodão - alguns agora totalmente queimados - foram reunidos, queimamos nosso karma individual e coletivamente, enquanto suspiros de alívio foram ouvidos - alívio de que a cerimônia agora estava perto do fim. Estávamos errados.

(Nossa paciência já tinha sido testada por uma noite de insônia, quando a temperatura foi abaixo de zero, com sacos de dormir e barracas apropriados para o verão; também não tivemos um café-da-manhã de verdade e nenhum jantar havia sido providenciado. Ficamos ligeiramente irritados com nosso guia pela inconveniência, mas assumimos que Charazani e o xamã valeriam mais do que o desconforto de nossa viagem. Também tínhamos decidido ser peregrinos espirituais, libertando-nos de nossa necessidade de conforto e vaidade.)

O xamã nos disse, em seguida, para enterrarmos o feto da lhama sagrada, agora envolta em ervas, ao lado da estrada, num lugar específico, para assegurar proteção para o nosso grupo. Cordiais no final, tomamos nossa última rodada de álcool 99, fumamos um outro maço de cigarros e agradecemos de todo o coração a nosso amigo xamânico.

Desnecessário dizer, nosso retorno à cidade foi no mínimo embriagado. Muitos cambaleavam e caíram no riacho. Agradecemos a Deus por tudo ter acabado e por termos sido protegidos. Todos encararam o fato de quão frustrados estávamos e do quanto a vida podia ser ridícula. O álcool embotou qualquer resposta à cerimônia e, portanto, serviu à sua função. Por causa das folhas de coca, sentíamo-nos drogados e sonolentos, despertos na escuridão.

No hotel, com nossos sacos de dormir firmemente colocados sobre os lençóis, para nos precavermos contra os piolhos, caímos no sono, enquanto os incas e nosso guia realizaram uma outra cerimônia do fogo, cantando em voz alta noite adentro. O ar estava cheio de espíritos. Dormi, sabendo que estava protegido e que a natureza era forte, crua, selvagem e cheia de feitiço. Toda a cidade parecia estar entoando encantamentos, falando com espíritos e liberando maldições e entidades.

Nosso grupo despertou de manhã cedo, reuniu seus pertences, demitiu o chefe da expedição turística e partiu, numa árdua viagem de ônibus, para Copacabana, Bolívia, para ficar no melhor hotel que ali houvesse. Tínhamos decidido deixar de lado nossa programação turística e, em vez disso, visitar as ilhas do Sol e da Lua, reduzindo nossa viagem em três dias.

Não tive uma ressaca total e, em minha caminhada matinal, saudei o povo da cidade com um sorriso. Senti que a cerimônia louca da noite anterior tinha, de algum modo, aberto um mundo estranho para nós e que este ritual tinha sido nosso visto de entrada. A cidade tinha uma luz estranha, cheia de magia. Para mim, havia chegado a hora de deixar a feitiçaria para os outros. Queria ser humano, simples, sem ambições espirituais e aceitar minha vida com sua beleza diária, depois da provação de Charazani e do covil cheio de fumaça do xamã.

 

Uma famosa médium do Brasil promovia prestigiada conferência de metafísica anualmente, em São Paulo. Ela pagaria minha passagem de avião e as acomodações em hotel se eu comparecesse a esta conferência. Embarquei num 747, para a minha primeira excursão ao Brasil. Ninguém falava inglês no vôo e todos pensavam que eu era brasileiro, devido aos meus cabelos escuros e encaracolados e aos olhos castanhos. As aeromoças ficaram surpresas por eu não falar português.

Estudando as faces de meus companheiros de viagem, meu coração e minha sensualidade começaram a se abrir. Todos eram incrivelmente belos e sensuais e pareciam despreocupados, mas tinham também a consciência pessoal e coletiva da "vítima".

Nos dias que se seguiram, testemunhei a ampla divisão entre ricos e pobres no Brasil e sua classe média cada vez menor. O povo mais pobre vivia em favelas construídas com folhas de zinco corrugado e pedaços de madeira.

Brasileiros me contaram que, no nordeste do país, há muita corrupção e ausência da lei. Sete mil pessoas por semana migram, de lá, para São Paulo, a fim de escapar do baixo padrão de vida e da extrema pobreza, que beira à fome para muitos. Esperam alcançar o sucesso na cidade, mas muitos retornam fracassados após alguns meses.

São Paulo tem duas vezes o tamanho da cidade de Nova Iorque, crescendo numa taxa alarmante, sem qualquer planejamento urbano. Tem a maior população do mundo depois da Cidade do México, que será ultrapassada por volta do ano 2000. As regiões mais agradáveis são os Jardins e o Morumbi, com seus parques e shoppings sofisticados. O melhor comércio da cidade encontra-se no Jardim Paulista. Pessoas nascidas e criadas em São Paulo são chamadas de paulistanos.

Os brasileiros são um povo alegre e adorável. Os pobres não mostram seu sofrimento como em outras partes do mundo. Sorriem de uma maneira completa e desinteressada. Há um senso de martírio em todos, incluindo os ricos, que nunca acham que têm dinheiro suficiente e permanecem inseguros. Fiz muitos amigos verdadeiros no caminho para a liberdade espiritual no Brasil. Nunca amei tanto um povo ou me senti tão em casa em qualquer outro país.

Apesar da imensidão de São Paulo e de seu tráfego, gostei do povo por sua enorme capacidade de amar, por sua sensualidade e alegria. Foi inebriante. No hotel, toquei piano para os hóspedes à noite. Fiquei estonteado por seu interesse e calor humano. Pela manhã, as pessoas que trabalhavam no hotel me cumprimentaram e contaram alguma história de suas vidas ou algum insight espiritual que tiveram. Sentíamos uma camaradagem e intimidade entre nossas almas e uma necessidade de compartilhar nosso respeito.

Depois da abertura da conferência, sentei-me junto com os outros apresentadores, com imensas fotos de Mestres mundiais acima de mim: Kuthumi, Saint Germain, Mestre Morya e Cristo. Finalmente alguém me disse que meu discurso tinha sido mal interpretado pela tradutora. Ela não tinha traduzido as palavras corretamente!

Naquela noite fui à uma boate de jazz, ninguém ali sabia o quanto eu amava a música, qualquer música. A boate impressionou-me com seus onze músicos jazzistas, seus incríveis vocais e ritmistas tocando samba, bossa nova e ritmos africanos. Fiquei em êxtase com a habilidade dos talentos reunidos ali.

Os véus são muito finos no Brasil e a auto-ilusão espiritual é desmedida. Contudo milagres acontecem ali como em qualquer outro lugar do mundo. Curas espontâneas, estranhas manifestações de luz e formas extremas de clarividência são lugar comum.

No dia da minha palestra, pedi um bom tradutor. Também encontrei uma pessoa, que conheci em Santa Fé, USA. Era um médium, curandeiro e clarividente bem conhecido no Brasil, cujo nome era Ricardo. Sua palestra foi anterior à minha e a palestra seguinte foi a de um homem da comunidade do Santo Daime, perto de Mapia, no Amazonas. Cada um deles deu instruções básicas e claras sobre xamanismo. O palestrante do Santo Daime explicou os trabalhos realizados com ayahuasca. Quando chegou a minha vez, sentei-me sobre peles de tigre e alce, circundado por ossos vindos da sacola medicinal do xamã do Santo Daime. Encarei uma platéia imensa de alguns milhares de pessoas. Meu coração queimou de ansiedade e senti o mundo supra-sensível fornecer-me as palavras para falar. Perguntei-me se a platéia podia sentir a presença dos anjos no auditório.

Quando terminei, a platéia saltou de suas cadeiras e deu-me uma estrondosa ovação. Pularam no palco para apertar minha mão. Apertei milhares de mãos naquele dia, e senti a presença de Sofia e do Arcanjo Miguel em minha aura. Enquanto a massa fervilhante de corpos me comprimia senti uma profunda serenidade, a mais profunda bondade. Eu queria apenas dar e dar luz e deixar que os milagres acontecessem. Toda a conferência foi alterada por mim. Somente nove pessoas compareceram ao primeiro workshop, mas dei àquelas pessoas o melhor de mim. No workshop seguinte, havia 60 pessoas; todas tinham vindo devido à propaganda boca-a-boca daquelas nove almas simples, corajosas.

Posteriormente, Ricardo levou-me ao Embú, uma cidadezinha singular, perto de São Paulo. Ali vivem e trabalham artesãos, artistas e escritores. Ricardo tinha dois amigos lá, que faziam leves esculturas de pedra e cristal. Um deles era poeta e o outro um mestre de ikebana, a arte japonesa de arranjos florais. Gostei dos dois à primeira vista, por sua sensibilidade e maneira de falar - as almas dos artistas que vivem no mundo atual e que se encontram. Cada pintura, cada parede de pedra de sua casa falavam comigo numa linguagem de sensibilidade e arte. O alimento, embora simples, era cheio de inspiração, criatividade e amor. Embú tinha um sabor gostoso. Constituiu um portal para um mundo novo e delicioso para mim.

 

Em minha segunda visita a São Paulo, no ano seguinte, encontrei um tesouro de amiga e companheira de caminho, chamada Carminha. Ela tinha fundado um centro para o estudo do xamanismo e do candomblé, a religião nigeriana de Yorubá e dos Orixás. As cerimônias da umbanda são brasileiras, mas com raízes africanas, envolvendo música, transe e possessão espiritual. Os orixás são os seres maiores da natureza, tal como Oxum, guardiã das cachoeiras, riachos e rios - e que é minha orixá de cabeça. Meu segundo orixá é Oxossi, guerreiro feroz e guardião das florestas. Os outros orixás incluem Yemanjá, guardiã do oceano, Naná, a avó, e Exu, o guardião do portal, que corta o corpo astral inferior, para que haja proteção e clarividência.

Carminha e seu simpático marido tornaram-se, para mim, meus parentes brasileiros. Honraram o meu trabalho e eu os respeitei com profundo afeto. Ela era uma forte leoa de Leão e freqüentemente tinha de acelerar os passos de seu próprio caminho, mas conseguia manter o equilíbrio. Ajudava muitos homens e mulheres a alcançarem o poder; a serem artísticos e valentes. Ela estudou com Michael Harner e visitou Esalen várias vezes. Carminha ajudava as pessoas a penetrar na realidade incomum, para a resolução de problemas, cura e terapia. Sua abordagem era bastante jungiana. Fazia seus alunos passarem por várias iniciações, com viagens xamânicas para a descoberta de seus mestres espirituais e para o bem-estar prático.

É em Almada que o trabalho profundo de iniciação se realiza. Situa-se no litoral do estado de São Paulo, perto do pequeno e pitoresco porto de Parati. Almada é uma reserva natural, com algumas famílias de pescadores num vilarejo, onde Carminha construiu a Paz Geia, um refúgio de pequenas construções na lateral de um rochedo. Um dos aposentos possui como uma de suas paredes a própria rocha totalmente exposta. Meus aposentos eram uma torre redonda de tijolos e pedra. Foi o meu pequeno castelo no Brasil. Abundavam vistas do oceano, árvores africanas, grandes expansões de rocha e bambuzais. Era um lugar mágico para enfrentar as sombras do sagrado e aprender a técnica do êxtase para a verdadeira autodescoberta.

Certa noite em Almada, um relâmpago atingiu o chão, enquanto eu liderava um grupo na respiração holotrópica e renascimento. O chão tremeu e o relâmpago deu em todos um choque elétrico. As luzes se apagaram e, na escuridão, morremos para nossos eus antigos e acendemos as velas da liberdade. O relâmpago iniciou esse workshop completo, junto com a chuva e o trovão, para purificar e de forma radical nos despertar como um grupo.

Atiramos galhos numa imensa fogueira para queimarmos nossos erros kármicos. Caminhamos de olhos vendados pela floresta que ladeava o rochedo. Tomamos banho nas águas de Oxum, cantando para a cachoeira sagrada coberta de oferendas de flores para a deusa. Ali, fui iniciado pelo orixá das tempestades, chamado Iansã. As mulheres de Iansã levaram-me para uma grande moita de bambu e bateram em meu corpo, muito levemente, com varas de bambu, cantando e levando-me aos segredos da tempestade e do verdadeiro guerreiro. As mulheres da tempestade guiaram-me para que eu aceitasse a coragem e a força de Iansã.

Na Paz Geia, em Almada, as árvores começaram a conversar comigo através do espírito da floresta e seu guardião, Oxossi - um guerreiro das árvores e videiras. Ele é o cheiro que se eleva da escura matéria deteriorada, as árvores que nos visitam em sonhos. Oxossi instruiu-me muitas vezes para que pegasse galhos cheios de folhas e os esfregasse sobre os corpos de meus alunos para purificá-los. Ele explicou que o galho cortado é o seu símbolo, porque, uma vez cortado, pode regenerar-se e crescer novamente, dando origem a uma nova vida, um símbolo de sua esperança na humanidade. Contou-me como cada árvore é conhecida por seu fruto. Uma árvore carcomida, como uma pessoa carcomida, produz frutos podres. Ele diz que um galho precisa se curvar para permitir que a árvore cresça mais.

Aprendi com ele como a vida é dualidade: criação e destruição, ganho e perda, tornar-se você mesmo e ser rebaixado de volta ao pó. Explicou como as árvores unem gerações, ultrapassando os seres humanos em duração e que são os guardiães do tempo da história da Terra. Era cheio de sabedoria e sentei-me em seu bosque nas terras de Carminha, sentindo sua presença reassegurando-me que a humanidade e a floresta tinham identidades harmônicas.

Ele era muito "real", vivo, viril e vibrante. Era a floresta do Brasil. Senti-me como um pássaro branco repousando numa grande árvore. As cachoeiras de Oxum trouxeram-me poder, abundância, riqueza, purificação com um toque suave. Oxossi me deu estabilidade e enraizamento do desabrochar orgânico, da maturação e da desintegração da vida vegetal. A morte estava sempre próxima a ele. Ele era detentor das sementes da morte e da nova vida e ensinava que a morte estava no domínio da semente adormecida e não num apocalipse de desesperança.

Dançaria durante a noite no bosque de Oxossi, me despojaria das roupas com a chegada da chuva e sentiria o que é existir como pedra, planta, solo, trepadeira, pássaro e inseto sob um abrigo. O mundo de Oxossi era meu jardim secreto um lugar para dançar na umidade da floresta. Meus dois orixás pessoais, ou deuses protetores, eram Oxum, a deusa da água, da dissolução e do movimento, e Oxossi, o guerreiro das árvores que ladeiam as margens de um grande rio, o destino final da alma. Oxum podia me transportar para as águas da vida, mas Oxossi me ajudou a galgar a árvore existente nos braços desconhecidos do Criador.

Oxossi mostrou-me que cada um de meus dedos era uma árvore diferente. Lembrei-me que no folclore celta, o polegar é a bétula; o indicador é a sorveira brava; o dedo médio é o freixo; o anular é o amieiro e o dedo mínimo o salgueiro. Oxossi disse que as árvores dão às mãos a energia delas para a cura. Os dedos são canais de energia e as pontas dos mesmos liberam essa energia. Podemos escolher ferir ou curar ou mover as mãos em posições sagradas, como oráculos. Vi minhas mãos mudarem de posição, com a energia irrompendo das pontas dos dedos, irradiando-se em todas as direções. Oxossi ensinou-me como focalizar a energia através das mãos, pensando numa determinada árvore. Lembrei-me de que o nome Chiron significa "mão". A arte da cura quiroprática é a arte de curar com as mãos. Chiron é o mestre da medicina e cirurgia complementares e do uso das mãos para canalizar a energia divina. Oxossi tornou-se um de meus mestres quiropráticos aquele dia.

Tinha aprendido anteriormente um pouco de Sangoma, a tradição africana do uso especial de ervas, rituais de cura, adivinhação, visões e interpretação de sonhos, mas nunca tinha sido exposto à Umbanda. Estranhas possessões espirituais ocorreram em meus workshops nos primeiros dias em Almada. Os participantes se retorciam pelo chão, espumavam pela boca, falavam como crianças travessas ou como nativos americanos. Vi sacerdotisas Yoruba, vestidas de branco, dançando e caindo em transes, mas isso nunca tinha ocorrido em meus workshops. Cada um de nós tinha que se tornar mais consciente das influências externas para não cair tão facilmente em possessão e transe. Trabalhei duro com meus alunos para se arraigarem fortemente à Terra e abrirem a mente para as estrelas. Queria que falassem com os animais, as plantas e os seres espirituais, mas que, contudo, permanecessem equilibrados. Cada aluno foi ensinado a integrar a vida diária e o desempenho profissional ao trabalho espiritual.

Em Almada, realizei uma cerimônia de casamento para dois amigos de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O casamento foi uma celebração do matrimônio interior de Cristo e Sofia e de seu compromisso. O Ioga do relacionamento é uma exigência, um caminho recompensador, que usa o poder transformador das relações amorosas para desenvolver a individualidade pessoal, a fim de que sejam conhecidas as forças e fraquezas da pessoa e, efetivamente, lidar com os desafios do mundo. Dois anos depois, realizei uma cerimônia de casamento diferente, em São Paulo, sob uma simples árvore rodeada de pétalas de rosas. Foi uma celebração honrando as demandas do casamento e do relacionamento, da responsabilidade e da resolução de conflitos.

Todos os convidados nesta cerimônia eram brasileiros conservadores, reservados. Nenhum deles sabia o que esperar de uma cerimônia xamânica de casamento. Para nossa satisfação, muitos sentiram que a cerimônia foi muito mais verdadeira do que a tradicional da igreja - honesta, sem afetação. Ficaram comovidos de um modo solene, pessoal. Os casais presentes abraçaram-se após a cerimônia, exaltando a transformação de sua união. Sentiram que fora um dia de afirmação da família, dos valores, da moralidade e do casamento e aprenderam também a tolerância com as novas formas de espiritualidade.

Na Europa e Estados Unidos é difícil fazer com que as pessoas se interiorizem sem ceticismo, se harmonizem com clarividência e atinjam uma elevação visionária com discernimento. No Brasil, as pessoas entram em estado de transe, em mundos supra-sensíveis e em estados profundos de consciência quase que imediatamente. Os brasileiros, no entanto, ainda estavam aprendendo a ter uma compreensão consciente dessas dádivas e a como testar os espíritos que se comunicam através deles. Tiveram de se tornar adultos, maduros espIritualmente e a não agir como crianças. Estavam prontos.

O espiritismo do século XIX está vivo e ativo no Brasil. A cirurgia psíquica é comum ali como o é nas Filipinas. O Brasil possui muitos hospitais e clínicas espíritas de cura. Uma vez visitei um centro espírita, no Rio de Janeiro, chamado "Lar de Frei Luiz". É bastante grande e o trabalho inclui a libertação dos possuídos através de espíritos ligados à terra, a diagnose de doenças através de espíritos superiores e as maneiras de lidar com a materialização de espíritos. Há escolas voltadas para o trabalho de Alan Kardec, o espiritualista do século dezenove, que escreveu livros sobre encontros com o outro lado. Seus livros são agora mais conhecidos no Brasil do que na França, seu país de origem. A possessão e a conversa com espíritos são comuns no Brasil, onde muitas pessoas vão às cerimônias de umbanda nas noites de sexta e sábado e à igreja católica no domingo. Uma imagem de Santa Bárbara protege o lar; uma certa planta afasta a inveja do mau-olhado; uma mulher exorciza a casa dos malefícios da macumba ou magia negra.

 

Arco-íris apresentou-me a Minas Gerais, um estado de fazendas, gado e montanhas verdes, arredondadas e luminosas. Trabalhamos juntos em Aiuruoca, uma cidadezinha conhecida nos círculos esotéricos como um local de poder de transformação no Brasil. Aiuruoca e a vizinha Matutu são centros que levam as pessoas à meditação, à purificação e ao ritual. Dawn Eagle Woman e eu dávamos cursos lá todos os anos.

Num encontro, trabalhei num bosque de bambus próximo a uma pequena cachoeira. Oitenta pessoas saltavam - cada uma com um segmento de corda, que imitava uma cobra branca - dentro de uma grande e poderosa cachoeira em total silêncio, como som da queda d'água que se ouvia à distância. Cada segmento da corda tinha um líder na frente e um seguidor no final da fila. Cada um ficou responsável pelas pessoas de seu segmento. A comunidade de Matutu inquietou-se a respeito da caminhada, imaginando que uma fila de oitenta pessoas poderia criar tumulto e arruinar a natureza do local. Provamos que estavam errados. Cuidamos da terra e abençoamos o solo sobre o qual caminhamos.

Quando a noite chegou, tivemos de caminhar de volta - oitenta pessoas em fila, segurando uma corda na mais completa escuridão. Muitos chegaram à beira do pânico. Uma pessoa torceu o tornozelo e teve de ser carregada. O medo silencioso fez com que alguns participantes segurassem a corda muito fortemente. A prova era a confiança em cada um da fila - como se esta fosse um único ser com muitas partes. A corda era a ligação de uns com os outros na escuridão, para que pudéssemos cruzar pontes e riachos e encontrar o caminho pela mata. Foi um teste que realizamos para provar a coragem do grupo. A noite nos concedeu olhos: víamos através de nossos pés e cinestesicamente voltamos para casa.

Eu e Dawn Eagle Woman enfrentamos, em nossos workshops em Aiuruoca, muitos ataques de participantes inconscientes. Testaram nossa autoridade e, contra nossas ordens, ingeriram cogumelos psicotrópicos que baniremos de nosso trabalho. Uma mulher, sob a ação dos cogumelos, tornou-se psicótica, rasgando as próprias roupas e contando-nos uma história de como eu e ela fomos casados em uma outra vida e que deveríamos nos casar novamente nesta. Completamente nua, ela contou uma história de duas horas de uma vida passada, na qual todo o grupo estava envolvido.

Em seu discurso, eu era um explorador francês e ela a chefe de uma tribo nativa. Casei-me com ela e vivemos com a tribo, estudando métodos medicinais. Sua tribo sofreu um ataque e foi dizimada. Alguns sobreviveram e ela queria vingança. Não conseguira vingar-se completamente dos brancos e, agora, trazia a vingança para fora de sua psique, através da doença mental.

Num circulo de fala ninguém pode ser interrompido se estiver segurando o bastão falador[8]. Ela segurou o bastão por muito tempo, de modo que todos passaram a ter limites após ela. Posteriormente, ela tentou monopolizar o grupo novamente e foi-lhe dito severamente que parasse e passasse o bastão. Ela concordou. Naquele dia, muitos aprenderam a falar com franqueza e a tornarem-se lideres. Um grupo precisa trabalhar unido para o beneficio de todos e não deixar que uma pessoa domine. Ela se tornou obcecada por mim, pedindo aos participantes para comparecerem ao nosso casamento. Tirou as roupas para falar, mas também para seduzir. Ao contar sua história de uma outra vida, queria possuir-me magicamente e construir uma ponte para esta vida. Eu tinha que dizer não!

O poder gravita ao redor do sexo, dinheiro e religião. Aqui experimentei como as pessoas são atraídas por mestres espirituais e a necessidade que têm de projetar seus desejos sobre esses mestres. Aprendi a não ser tão ingênuo. Primeiro, atração não é amor, é fascinação e provém de nossos padrões de comportamento aprendidos na infância. Segundo, a atração glamurosa do mestre não é uma ligação verdadeira, apenas deslumbramento pela parceria. Terceiro, muitos homens e mulheres sentiram-se atraídos por mim, no Brasil, mas eu não estava disponível. Por que somos atraídos por pessoas não disponíveis? Quando a atração não é recíproca, inicia-se a obsessão e a possessão em relação ao objeto do amor. Eu tinha despertado paixão no Brasil e precisava aprender como retirar a ênfase da minha pessoa e colocá-la no trabalho e ensinamento verdadeiros.

Apesar das dificuldades em Aiuruoca, amei o lugar, a natureza e a grande quantidade de borboletas. Mas também tomei conhecimento dos cavalos mal tratados, da política e da corrupção em relação à terra, bem como dos galos de briga, utilizados em rinhas e em sacrifícios de animais. Eles sempre se empertigavam provocadoramente.

A terra das tribos Xingu e Xavante respirava com a vibração delas. Lembrei-me de ter vivido ali durante um período de tempo e em harmonia com o mundo natural. Muitos lugares me eram familiares. Essa harmonia cresce e permanece dentro de meu coração e vem produzindo frutos. Aiuruoca e Matutu foram um retorno ao lar.

 

Em Curitiba, hospedei-me perto de um lago que desaguava em outro, cheio de garças, patos, sapos, libélulas e íbis reais brancas. Minha amiga e tradutora, Pookie, foi sincera, amável e criou um ambiente tranqüilo para se viver e trabalhar.

Foi em Curitiba que desabrochei. Á noite, um flautista nipobrasileiro tocou para nós com habilidade e alegria. As vacas adormeciam com a música, a água corria. Usávamos o óleo de copaíba para o chá e para untar nossos corpos à noite. (É a seiva de uma árvore da floresta tropical que aumenta a imunidade.) Sentávamo-nos numa cabana dedicada a um chefe índio e meditávamos. Um beija-flor construiu seu ninho no forro do teto e os filhotes nasceram.

Trabalhava com grupos de quarenta pessoas por dia; no regime de dois dias de trabalho e o terceiro de descanso, repetindo o mesmo ciclo novamente. Durante um workshop, uma de minhas patrocinadoras trouxe sua família e dei-lhes uma atenção extra. Mostrei-lhes como se preparar com força para o futuro imediato, como superar a adversidade e como enxergar as dádivas. Minha patrocinadora faleceu pouco tempo depois, mas sua família tinha sido preparada naquele workshop. Lembro-me de seu sorriso e perspicácia, seu amor por José Argüelles e sua esposa, a compaixão e preocupação em relação ao bem-estar dos membros de sua família. Inconscientemente ela os tinha trazido ao workshop para prepará-los para a sua morte.

Muitos vêm a mim para que eu os prepare para a morte. Vejo a impermanência da vida. Algumas vezes, não consigo me desligar; freqüentemente choro em meu quarto de hotel, após um longo dia de trabalho, por causa daqueles que nunca mais verei. Sinto saudade da amiga e patrocinadora, que amava Curitiba e ali viveu, cuidando da família antes de sua morte.

No Brasil, comecei a entrar num estado de bardo ou transição semelhante à morte. O "bardo" pode indicar qualquer transição, na vida ou na morte, de um nível de consciência para outro. Pedi, no Brasil, que todo o meu karma passado terminasse. Estava enxergando através de minhas próprias ilusões, obsessões sexuais e torpor. Tinha aumentado o cacife, subido as apostas e meu trabalho interior começou a transbordar para a minha vida externa.

Lembrei-me de tempos distantes em vidas passadas e nesta vida em que tomei o cainho errado e perdi o controle. Tive consciência de cair no sono fisicamente e pude sentir um torpor aveludado, como se descesse uma névoa espessa e rodopiante. O Brasil reativou a desilusão, desesperança e desamparo de um tempo passado. Logo comecei a explorar a falta de ternura comigo mesmo e com os outros. Senti um aprofundamento da névoa, semelhante ao coma, e a respiração tornou-se errática ou parou. Tive de fazer um esforço para inspirar o espaço interior exaurido e expirar a negação do passado e ausência de memória. Não sabia o que estava negando até que comecei a respirar normalmente, resgatando alguma coisa silenciosa desde um estado pré-natal.

O bardo violeta é a transformação causada pelo desprendimento de camadas de memória e pela saída de um casulo de torpor rodopiante para o verdadeiro sentimento. Esta seqüência de eventos relatados levou anos de relaxamento ativo para que fosse desemaranhada. Tive de entrar na montanha russa do bardo e respirar através da antiga dor para alcançar a ruptura. Tive de sustentar os medos e, depois, entrar num estado de coma apenas para enfrentá-los. Vigilantemente, quase cegamente, soube escolher o amor, em vez do medo. O Brasil preparou-me para a grande avaliação da minha morte em vida ou como a chamo: o "bardo violeta" da purificação.

 

A terceira maior cidade do Brasil, Belo Horizonte, está localizada no centro de Minas Gerais. O promotor era um jovem, que havia falado com um antigo Mestre nativo americano, com quem tinha aprendido a realizar rituais indígenas. Recentemente tornara-se um portador do cachimbo dos Lakota-Sioux. Seus associados eram jovens, vibrantes e sinceros e possuíam uma livraria esotérica. Meu promotor, seu líder, era proprietário de uma fazenda pitoresca no interior. Amei essa fazenda, o poder, a simplicidade, os cavalos e a roda de medicina. Solenidade e quietude impregnavam a casa e eu conversava com as árvores, com a goiabeira, o abacateiro e o milho.

Seu guia me havia conduzido até eles e admirei seu entusiasmo pelo aprendizado. Um velho nativo americano habita suas almas, o que me fez lembrar do Novo México e de quão longe me encontrava da terra que amo. Os brasileiros têm afinidade com os nativos americanos, respeitam sua coragem e sabedoria.

As pessoas mais abastadas de Belo Horizonte vivem na parte alta, com visão panorâmica da cidade, em casas com elevadores. Ostentosas e imponentes, as casas dos ricos estão ao lado de uma das maiores favelas da cidade. O parque principal de Belo Horizonte é imenso, mas perigoso para quem caminha por ele sozinho de dia ou à noite. Está povoado de indivíduos bebendo ou fazendo farras. Fiquei triste com a decadência da cidade. Certa noite, da janela de meu quarto, vi dois homens fazendo sexo. Gritei da janela para que ficassem quietos e fossem para outro lugar. Rezei para que as pessoas encontrassem a nobreza da alma, além da riqueza e dos extremos.

Desliguei a televisão, a música e o ruído e encontrei uma outra corrente, um equilíbrio na cacofonia e urgência da cidade. Vi como a mídia atrai o espectador com sedução, obsessão e poder. Senti seu efeito enevoante naqueles dois homens. Vi, em Bangkok, Tailândia, prostitutas realizando jogos de poder com seus clientes, seduzindo por dinheiro no ato sexual ou em estranhas performances em boates. Percebi quão entorpecidos ficamos com a pornografia e como assistir pornografia nos faz entrar na dinâmica de poder dos participantes. Vi pensamentos violentos, fantasias sem limites entrarem em ação. Jurei respirar através de meu torpor e ansiei pelo amor. Subjacente a todas as minhas necessidades de poder encontrava-se um anseio por Deus e pelo desejo verdadeiro e incessante de Deus por mim. Abri meu coração em Belo Horizonte, respirei através do coma mais profundo do torpor, reexperimentando todos os acontecimentos ocorridos ao longo de minha vida. Em muitas ocasiões me senti oprimido pelas circunstâncias, desamparado, desesperançado e desiludido, o que resultou numa respiração superficial que estrangulou minha vida.

Como mencionei anteriormente, sonhei que havia morrido afogado numa vida anterior, enquanto segurava uma estátua da Virgem Negra, num barco, durante um festival da cidade. Ninguém, naquela vida, recuperou meu corpo do fundo do oceano e, portanto, parte de minha alma ainda se encontrava presa sob as águas, sem poder respirar. Fui enforcado, guilhotinado, estrangulado em vidas passadas e, agora, percebia que a garganta é o local fundamental através do qual obtemos a vida e por onde deixamos o corpo na morte. Gomo um relâmpago tive um insight e compreendi que o padrão estava se repetindo. Tinha de parar de controlar minha respiração e abrir minha garganta não ter medo de absorver a vida.

Passaram-se meses antes que minha mandíbula pudesse relaxar. Precisei parar de mergulhar no torpor e no isolamento. Tinha de sentir o corpo e sair da mente, que tinha um medo inato da água; contudo a maioria de meus planetas são de água em meu mapa astrológico. Tinha de mergulhar novamente. Despertei em Belo Horizonte e respirei até que meu corpo latejasse com a consciência. Expirei a reação de ansiedade decorrente do pânico e inspirei o amor de Deus e a aceitação da mudança. Recuperei novamente a esperança e aprendi a permanecer no processo e a não desistir.

 

A região da capital do Brasil era, no início dos anos 60, um descampado, antes que uma cidade totalmente futurista fosse ali construída. A cidade me lembrou um desenho da TV: os Jetsons. É o sonho de um arquiteto, cada rua foi planejada. Todos os prédios governamentais encontram-se numa determinada área, os centros comerciais em outra e os bairros residenciais são separados de acordo com as conveniências. Esta cidade também possui a mais alta taxa de suicídios do país.

Meu promotor brasileiro levou-me ao Templo da Boa Vontade, de uma religião metafísica fundada por Alziro Zarur e que recebe grandes doações. O templo é grandioso para os padrões brasileiros.

A entrada principal é uma enorme pirâmide de mármore com um cristal magnífico no ponto central do teto. Impressa no chão, há uma espiral gigante, em granito preto e branco. Em silêncio, retiramos nossos sapatos e caminhamos pela espiral até o centro, onde encontra-se um sólido cubo de ouro. Ficamos de frente para o Trono e Altar de Deus, uma escultura abstrata de Roberto Moriconi. Entramos na espiral, caminhando pelo granito negro no sentido anti-horário, simbolizando a difícil jornada para o equilíbrio até o centro. Retornar pela espiral branca no sentido horário é descobrir a luz. Este é o caminho dos valores morais e espirituais alcançado pelos seres humanos, terminando no "trono de Deus".

O restante da construção é constituído por jardins, memoriais, aposentos de silêncio e água fluindo através de fontes com cristais. A sala egípcia é minha favorita. Eu e meu amigo a apelidamos de "sala azul". É preciso pagar um ingresso para visitar, como num parque de diversões. Mas valeu a pena.

Tapetes azul-violeta magníficos, altares e pinturas impressas em ouro dão ao aposento um autêntico ambiente de templo egípcio. As cadeiras de veludo, azul-violeta, são ricamente adornadas e situam-se em ângulos específicos para a viagem astral. Aqui, grupos de pessoas estavam sentados, em lugares afastados do aposento, viajando astralmente e renovando seus espíritos.

Sentei-me numa bela carruagem egípcia, com luzes fracas e uma música de inspiração egípcia tocando ao fundo. Um trono enorme de ouro encontrava-se à minha frente, resguardado do público. O teto era todo pintado com as constelações das Plêiades e de Órion juntamente com Nibiru e outras esferas planetárias. Deslizei para uma outra dimensão. As divindades egípcias, incluindo Anubis, introduziram-se e elevaram-me aos Guardiães do Portal, que questionaram todos os meus motivos e ações. Ressaltaram meu ego, minhas falhas. Cortaram meu corpo astral inferior com uma faca afiada e levaram-me até um altar para beber vinho e comer pão - uma espécie de comunhão de Paracleto.

As figuras egípcias escoltaram-me através de um ritual de morte. Recapitulei toda a minha vida, assistindo a rituais-chave como um filme numa tela. Rapidamente assumi o lugar do Guardião Maior do Portal. Curvei-me ante o altar e vi Sofia como Isis, revelando-se a mim e assumindo meu lugar no ritual. Ela passou por portas duplas e levou-me até um Cristo Cósmico, tão radiante quanto o sol, e juntei-me num casamento com Isis/Sofia. Percebi a taça de sua união, uma que eu podia saborear e respirar. O Arcanjo Miguel veio e levou-me através de um aposento com um leão, com o qual tive de lutar e subjugar. Enfrentei então um dragão e, com a ajuda de Miguel, vi meu próprio dragão e minha natureza emocional. Finalmente, passei para a quarta dimensão, dos animais e vi as plantas e elementais. Testemunhei então uma viagem para as estrelas. Os pleidianos mostraram-me alinhamentos estelares diferentes, as origens da eletricidade, vi o caminho de Nibiru e seus efeitos sobre os seres humanos. Passei através de um triângulo formado por Sirius, a constelação da Ursa Maior e as Plêiades. Deram-me minerais radiativos para tocar e defrontei-me com um estranho ser chamado Ahriman, que desgostoso com meu progresso fora de minha forma material, tentou onerar minha leveza com pedras e gravidade. Tornei-me, então, éter transparente. Estava deslizando entre dimensões muito rapidamente. Desejava reduzir a velocidade para lembrar-me de tudo, para meditar sobre a jornada do Eu.

Em seguida, defrontei-me com Lúcifer, que me queria um Dionísio sensual, sexual, que entrasse em vários transes místicos e fosse um médium. Rejeitei sua oferta e ele ficou frustrado. Vi os mundos de auto-decepção e ilusão construídos por Lúcifer. Escolhi não viver num mundo de fantasia. Depois, fui escoltado através de um abismo, um Vácuo. Poderia ter entrado em cidades de cristal e visto sinais maravilhosos, mas os rejeitei. Escolhi permanecer aqui e ter o pensamento de pertencer a tudo. Fiz um trabalho imaginário de descoberta em outros mundos. A imaginação é a chave para o etérico.

Meu amigo levantou-se e tocou meu ombro. "Hora de voltar, Foster. Terra chamando Foster". Imediatamente voltei, revigorado e transformado. Meu amigo sussurrou: "Temos de partir para Alto Paraíso agora".

 

Alto Paraíso estava a três horas de viagem. Quando estávamos chegando vimos uma placa que dizia que a cidade era "o núcleo de luz para uma nova civilização em direção ao novo milênio". Meu quarto de hotel era chamado "o quarto do diamante", cheio de pinturas tibetanas thangka e aquarelas de anjos. O banheiro tinha uma imagem de gêmeos subindo para a Grande Luz.

Naquela noite, fiz uma palestra num grande domo circundado por água. Caminhei por uma trilha de pedras sobre as águas, para entrar no domo, iluminado a partir do chão, criando uma melancólica luz ambiente. Tinha a forma de uma imensa cebola branca e eu gostei da sua simplicidade e design. Ali cantei para o Logos, uma música que ouvi na "sala azul". Parecia que estava me movendo de um templo para outro. Senti o caráter do compromisso naquela sala.

O ar era limpo em Alto Paraíso. Muitas pessoas estavam caminhando pela cidade, falando com diferentes espíritos e deuses, canalizando com o cosmo. Pelo menos foi o que me explicou o guia. "É um lugar louco, cheio de canais de comunicação, visionários e locais de poder. Aqui muitas pessoas conversam com extraterrestres, especialmente as crianças". Parecia servir-me perfeitamente. Caçoei do meu acesso a outras dimensões. Aqui isso também é uma busca séria.

Passamos o dia seguinte em Solarian. Mila, nossa guia, estabeleceu um almoço nutritivo para nós, composto por alimentos provenientes do solo da floresta. Ela preserva a terra como uma guardiã, plantando roseiras, vegetais, árvores e conversando com os elementais. Guiou-nos até a "Cachoeira do Arcanjo". Tínhamos de cruzar uma ponte - com 45 pessoas a reboque - feita de troncos, galhos e cascas de árvores. A ponte elevada situava-se sobre um rio com corredeiras. Uma única pessoa de cada vez podia cruzar a ponte, que balançava e fazia pequenos ruídos. Era instável, cheia de desníveis e um pouco perigosa. Era uma iniciação e eu praticamente a cruzei de um salto, com excitação.

A cachoeira era tão grande que não podíamos chegar perto dela. Fazia um ruído estrondoso. Permanecemos todos ali, respeitosos e surpresos diante da Presença Arcangélica. A cachoeira nos atraiu para a água, para nadarmos e cantarmos orações à força e grandeza da criação. Adornamos nossos cabelos com folhas e seguramos cajados feitos de galhos. Marchamos de volta a Alto Paraíso deliciados.

Durante meu workshop, duas pessoas entraram sem intenção de pagar. Reclamaram dos patrocinadores e tumultuaram o seminário, tirando a tranqüilidade de todos os participantes pagantes. No dia seguinte, reuni um conselho para confrontá-los.

Reunir um conselho é uma tradição antiga para confrontar outra pessoa, erigindo um altar para possibilitar o relacionamento. O altar permaneceu entre as duas partes e fomos instruídos para falarmos apenas para o altar, quando fosse a nossa vez. Duas pessoas de cada lado mediavam o conflito. A pessoa que havia reunido o conselho falou em primeiro lugar.

Expus a situação com brandura, fazendo uma observação de como este conselho era especial, pois daria a muitos uma oportunidade de falar. O casal que estava no workshop sem pagar, a quem chamarei de Saul e Luna, queria muito fazer parte do grupo. Ele disse que não tinha dinheiro, mas que poderia me dar um colar e que não queria desrespeitar ninguém. Sua namorada chorava, dizendo que tinham sido mal interpretados. Em seguida, meu patrocinador comentou que não tinha sido respeitado. Este foi o seu teste para, finalmente, assumir uma posição de auto-expressão, autoridade e estipular as regras.

Em seguida, vieram várias mulheres do grupo que tinham sido namoradas de Saul. Ele foi acusado de traficar drogas, de tirar a energia das mulheres, de roubar poder, de desonestidade e sedução. Minha amiga Samvara, que vive em Alto Paraíso, sentiu-se pessoalmente atacada por Saul, quando ele endereçou a ela sua amizade desintegradora. Ela lhe tinha dado assistência e apoio e ele a traíra inúmeras vezes. Samvara é uma mulher honrada e bela. Luta com desprendimento, honestidade e paixão. É uma guia e mestre excelente para muitos brasileiros. Amava Alto Paraíso e desafiou Saul com sua força de vontade e compaixão.

Cada uma das mulheres, algumas gritando e chorando, contou como foram seduzidas pelos homens no passado e como eles lhe haviam roubado dinheiro e força vital. Tinham aprendido que sedução não é amor e reconheceram ter permitido serem manipuladas e usadas quando estavam vulneráveis. Entraram no processo para dizer: "basta". Encontraram a coragem para amadurecer e tornar claras as fronteiras em relação ao respeito e valor próprio. Aprenderam como a auto-estima, a intuição e a disciplina no amor são atributos importantes na vida de uma mulher. Não mais seriam tolas, apaixonando-se pela idéia do amor ou apaixonando-se pelo potencial de um homem e não por seu eu real.

Saul foi interiormente chacoalhado. Ele conhecia seus padrões de sedução. Ficava dizendo que mudaria, mas suas ações falavam o contrário. Contei para todo o grupo os meus problemas pessoais com a sedução. Expliquei a desconfiança de Saul em relação à autoridade, especialmente a brutalidade de seu pai. A necessidade que tinha de homens fortes em sua vida foi sabotada por seus atos de autopiedade. Disse-lhe para unir-se a um grupo de homens sinceros, fortes, equilibrados, para repadronizar os hábitos amorosos do seu pai. Tinha de parar de ser seu pai - tendo "casos", enquanto casado - e de abusar de seu filho. Saul, o filho, imitava seu pai e abusava de si mesmo. Expliquei como tinha sabotado a mim mesmo através da sedução e tinha aprendido a admitir minhas falhas e padrões e a agir de uma maneira limpa. Falamos sobre como os homens precisam dizer Não aos "casos", ao roubos das namoradas de amigos: de como a sedução é o elo com a mãe, precisando obter energia e sustentação das mulheres. A sedução suga o amor das mulheres, como um vampiro. Quão inseguros e cheios de medo ficam os homens quando "perdem a mãe". Saul gastava sua energia iludindo os outros, para obter cada vez mais atenção. E nunca era suficiente. Não conseguia amar a si mesmo e precisava de espelhos de adoração ao seu redor. Acreditava nas projeções das mulheres sobre ele.

Saul e Luna não foram autorizados a permanecer no grupo por voto secreto, onde todo o grupo participou de maneira democrática. Ofereci-lhes perdão sem julgamento e falei dos padrões e dos sistemas familiares. Ficaram agradecidos. Ficou por conta deles aproveitar a experiência, receber a lição. Outras pessoas deixaram o grupo naquele dia e me confidenciaram: "Vim por aquele momento em que pude penetrar em minha raiva por ele e deixá-la passar. Quando a verdade sobre ele veio à tona, compreendi meu papel como sedutor. Senti-me totalmente vingado e curado de meus próprios padrões no conselho. Agora posso seguir em frente em minha vida". Esperei fazer o mesmo.

Então, desejei separar minha vida privada de meu trabalho. Precisava de companhia e estabilidade em minha vida particular. Criei fronteiras claras, distintas e as conservei. Meu trabalho no Brasil floresceu e cresceu e deixei este continente com o coração repleto, disciplinado. Finalmente amei a mim mesmo e me permiti ser amado por muitas pessoas. Deixei que o amor me exaltasse interiormente. Tive bom relacionamento com homens, um grupo de iguais, para revisar ações e pensamentos. Permanecemos firmemente no caminho do auto questionamento e da iluminação. Uma família espiritual brasileira havia se formado.

Esse país me fez mergulhar no bardo violeta. Tive de transmutar vidas de lutas pelo poder nos relacionamentos. O bardo é o tempo da morte do antigo eu, sem sentimento de torpor, para conquistar a morte pelo recebimento do amor de Deus. O entorpecimento é o predecessor do poder, da sedução e do comportamento obsessivo. Admitir o torpor é o primeiro passo. Respirar através dele sem violência é o segundo passo. Encontrar a bomba-relógio interior e deixá-la explodir prepara a pessoa para o bardo violeta, uma avalanche de mudanças. O Brasil foi minha bomba-relógio. Fui para terminar uma vida passada de sedução e explorar a magia. Tive de resolver meus problemas relativos ao poder e à sexualidade, para dar a este país o melhor do meu trabalho. Tive de deixar os pais morrerem e não ter vergonha de ser o seu herdeiro legal. Tive de deixar que os antigos reis do poder fossem transformados, através do bardo violeta, em reis do amor. O Santo Graal serve ao Rei do Graal. Tive de me render de um modo ativo para receber o amor como uma dádiva, um milagre, reivindicando minha cura para reabastecer a alma. Esta foi a morte do torpor e o início da respiração mais profunda de Deus em experiência.

 

O início era o vazio. A primeira coisa a ser concebida no coração do vazio foi uma árvore. A primeira árvore originou-se de um útero de energia e, emergindo de seus milhões de brotos germinou toda a criação.[9]

 

Em meu retorno aos Estados Unidos, comecei a ver como a América do Sul e o Brasil, em particular, possuíam a chave para uma nova espécie de xamanismo. Através de revoluções pessoais e coletivas, muitas pessoas foram conduzidas a iniciações xamânicas. Existem dez dessas iniciações: 1) a ruptura da vida normal de alguém e seu afastamento do mundo diário, seguida por uma retirada para o espiritual, causada por uma doença ou um chamado para o isolamento em relação à sociedade por um tempo específico; 2) uma batalha com os próprios demônios ou, como os gregos os chamavam, daimons. Aqui, os testes físicos, espirituais e psicológicos começam com uma revisão dos aspectos espirituais das experiências pré-natais ou natais de uma pessoa; 3) possessões por espíritos ou realidades arquetípicas, que iniciam a pessoa numa experiência voluntária de morte. Se os xamãs não reverenciarem esses espíritos, posteriormente os enfrentarão em outras pessoas, freqüentemente através de grupos em conflito; 4) a compreensão da própria mágoa proveniente da infância. Surgem sentimentos antigos de abandono ou ausência de amor por parte de um guardião ou pai - a psique é vulnerável no início da vida, antes que o ego esteja completamente formado, e aberta para o mundo imaginário; 5) descida ao inconsciente por um período prolongado, seguida pelo retorno do mundo subterrâneo com um sonho de pássaros ou animais aliados ajudando o espírito a retornar ao corpo; 6) o nascimento da preocupação social com os outros e com a evolução de suas almas, através da abertura de uma ferida de alguém e da liberação do potencial para curar os outros; 7) uma peregrinação ou interesse por locais sagrados, para ter visões dos ancestrais, espíritos e deuses; 8) descarte de modos antiquados de viver. Compaixão por si próprio e pelos outros e uma nova relação com toda a vida ocorrem. Inicia-se um período de guerra espiritual, com sonhos especiais ou vôos para curar os outros ou trabalhar com dádivas do mundo espiritual na cura; 9) um retorno à comunidade ou ao mundo, deixado para trás, a fim de iniciar o trabalho e treinamento com humildade e fundamentado na natureza. A cura de instintos reprimidos continua, enquanto o xamã encontra o portal entre os opostos e vive ali. Os curadores xamânicos precisam enfrentar continuamente o caos de seus próprios processos mentais e aprender uma nova forma de comunicação entre a mente e o instinto; 10) agir de acordo com o arco-íris, uma harmonia entre céu e Terra, trazendo com discernimento, novo significado e consciência ao mundo. Aqui, é preciso ter limites em relação aos outros e tempo para o descanso, renovação, solidão e celebração.

Depois do Brasil, meus próprios testes pessoais tinham apenas começado. Eu também tive de enfrentar a repetição dos padrões emocionais iniciais de minha infância no relacionamento com meus pais. Chiron é o mestre destes novos xamãs, curadores e praticantes de uma nova espécie de medicina complementar. Ele começou a me preparar para os testes que viriam.

Primeiro, num sonho, mostrou-me um plátano. Disse-me para nunca passar por um plátano sem reconhecer seu espírito. Fui instruído a colher um fruto e observar o leite brilhante que brota.

Falou-me de como as árvores asseguram a fertilidade das mulheres e zelam pelas crianças, resguardando-as dos espíritos destrutivos. Explicou como, no passado, as mulheres buscavam a fertilidade no salgueiro e no álamo, espalhando presentes e oferendas de orações sob suas copas. A própria árvore era uma mulher que precisava ser untada com óleos e fragrâncias, enfeitada com roupas e decorada com flores abundantes e que precisava ser reverenciada no nascimento de uma criança.

A floresta era lugar de um silêncio vasto e profundo, onde os idosos vinham para morrer ou ser enterrados sob imensas raízes ocas. Muitas árvores eram entalhadas como caixões funerários, para transportar o morto sobre as águas em seu caminho para o renascimento.

Quanto mais profundas são as raízes de uma árvore, maior é o seu tempo de vida. As árvores tornam os locais sagrados habitados por antigos deuses e espíritos, em locais de reverência e respeito. As formas mais antigas de templos eram árvores. Antigamente, em volta delas, se concentrava a vida da cidade. Sentar-se à sombra de uma árvore sagrada traz inspiração e sabedoria. Numa determinada época, as árvores eram mais sagradas do que os seres humanos e o homem que ferisse uma delas podia perder a vida.

Meu amor pela floresta violeta me foi explicado por Chiron, que me explicou como a árvore é a Mãe Eterna, um refúgio seguro, um abrigo, alimentando seus filhos. As coníferas - cedro, pinheiro, cipreste, abeto e sequóias - tornam o mundo verde e existem hoje como existiram há milhares de anos. São constantes, imutáveis, sempre verdes e um símbolo da energia duradoura da Terra. Falou-me da Árvore da Vida, a Árvore que lembra todas as eras e as torna uma.

Compreendi que no futuro viveria numa casa no Novo México, perto das margens de um rio, circundada por grandes sabugueiros e plantaria um pomar para uma longa vida. Isso enraizaria minhas experiências no Brasil e me revelaria como o padrão interno e o projeto do mundo se regeneram.

Perguntei-lhe porque eu tive de ir para a floresta e ele explicou-me que alguns curadores são xamãs do fogo, outros são fazedores de chuva ou lobos, águias ou ursos, mas minha dádiva vinha da floresta. Este foi o tempo da purificação, para ligar-me a Deus através de meu espírito e aos espíritos de sabedoria das árvores.

Ensinou-me que o caos precede a criação , o cosmo e o nascimento. Se eu queria enxergar de uma nova maneira, através da floresta violeta, tinha de ver como resisto ao caos em minha própria vida. Ele disse: "O caos é a substância da matéria prima, o trabalho alquímico da transformação. Você é como dois peixes ligados, nadando em direções opostas, debaixo de uma árvore em uma floresta majestosa. Irá decepcionar a si mesmo e partir seu coração em dois pedaços. Descobrirá suas próprias manipulações emocionais e, ao mesmo tempo, sua transcendência dos opostos numa confluência confusa de forças. Um dos peixes quer permanecer como indivíduo e o outro deseja destruir essa individualidade e permanecer no mar de vinho escuro do útero. Como poderá não ser levado pelo caos material e emocional, que vaza e flui através de sua vida? Não ignore essas marés. Eu sou a floresta, onde os poderes profundos das árvores encontram-se mais altamente elevados, para afastá-lo do fracasso no mar. Somente quando você estabelecer uma ordem interior em sua vida é que se preocupará com ela e submergirá mais uma vez no caos.

"Nunca sinta que você é verdadeiramente especial. O que você precisa é o poder do touro, a força fálica primal. Sacrifique o touro da necessidade de ser especial e importante. Você precisa de uma individualidade isolada e o poder para entrar em sua vida. Para devorar o touro, será defrontado com seu próprio egoísmo, vontade e destrutividade poderosas. Eu, Chiron, ligarei você ao puro instinto e terá de encontrar sua própria voz e autoridade masculinas. Sentirá inveja das pessoas que possuem uma identidade sólida. Tentará absorver a individualidade de outras pessoas

"Enfrente as pessoas que você atrai e desejam conforto e compaixão, mas que fazem exigências incessantes em relação a seu tempo e energia. Tenha limites fortes e imbua-se do poder do amor. Você aprenderá a se render voluntariamente a esse poder e a floresta entrará em sua alma".

"Precisará de tempo para um refúgio de criatividade, quando sua sensibilidade o deixar com a sensação de estar esgotado e subjugado. Primeiro, enfrentará inimigos invisíveis, decepção e desilusão. Nada é o que parece. Deixe que este seja o seu lema. No final, você desprezará sua necessidade de sofrer para sentir-se inteiro".

"Devore o touro. Isso lhe dará a força do guerreiro".

Nos primeiros meses depois de retornar do Brasil, meus sonhos foram povoados de touros selvagens. O primeiro trazia a imagem de um touro sendo sacrificado a meus pés. Inicialmente, eu não queria tocar o animal ensangüentado. Sentia que era uma coisa de bárbaros e nos sonhos subseqüentes, comecei a me sentir doente. Estava evitando o meu destino. Finalmente devorei o touro, mas não reconheci seu poder dentro de mim.

Sei que, em Creta, os touros eram ritualmente sacrificados para que o povo compartilhasse da fertilidade natural. Eram altamente valorizados na antiga Grécia e um touro capturado era muitas vezes reclamado por um rei, para ser sacrificado a um deus ou para absorver sua essência com as orações apropriadas. Em meu sonho, precisava devorar o touro para incorporar sua força masculina, através de uma oração a seu espírito existente em todas as pessoas.

Durante semanas, fluxos de rabugice emocional, obstinação e descaminho absorveram meus pensamentos. Então, conduzi uma série de workshops, onde enfrentei o touro que havia comido. Meu primeiro desafio, após a América do Sul, veio na pessoa de Gitte White Hawk.

 

Chiron me disse: "Sua mágoa mais profunda é com a Grande Mãe. Testemunhe sua destruição e veja o que ela não é. Enquanto criança, sua mágoa era dar à sua mãe o poder de ser uma mulher ofendida, a causadora e a curadora de mágoas. Você permitiu que ela tivesse um terrível poder sobre sua vida. Sentiu que seu temperamento instável poderia destruí-lo e acabou por aprender a nunca confrontar as mulheres, temendo ser repelido. Aprenda a estabelecer uma separação entre você e ela para a sua própria preservação. Uma criança pode moldar-se de acordo com os desejos da mãe, perdendo sua identidade em seu oceano. Isole a mãe magoada das pessoas com quem entra em contato. Estas são as purificações da floresta."

"Vocês vão se divertir um bocado, todo mundo", foram as primeiras palavras que Gitte White Hawk proferiu, quando nosso grupo de trinta e três pessoas chegou ao acampamento de Puye Cliff Dwellings. "Vocês vão se fingir de índios!", ela disse com seu pesado sotaque alemão.

Tínhamos vindo ao Pueblo San Felipe para uma festividade com uma mãe espiritual - Gitte White Hawk - uma espécie de índia americana que estava muito atarefada preparando a comida para o dia seguinte - milho, pimentões e carne de caça. Gitte e eu nos conhecemos através de amigos. Ela tinha deixado a Europa anos antes, para ser treinada em métodos nativos americanos. Sua mãe tinha sido muito cruel, deserdando-a e tornando infeliz sua vida em Lichtenstein. Ela se mudou para o Novo México e, durante muitos anos, buscou as visões e passou por saunas sagradas. Depois de encontrar seu pai espiritual, decidiu-se por uma vida simples entre os nativos americanos.

A crueldade da mãe refletida em Gitte ainda estava bem viva. Gitte tinha sempre pouco dinheiro, mas fazia belos amuletos indígenas. Decidi dar-lhe um trabalho de três dias, como instrutora do meu grupo em métodos naturais. Já que a maior parte do grupo era composta por estrangeiros, como ela própria, imaginei que ela pudesse ser uma ponte. Como eu estava enganado!

O grupo chegou tarde e Gitte estava furiosa. Como ousávamos deixá-la esperando? Desculpei-me, mas era difícil coordenar trinta e três pessoas, durante três dias, nesse lugar tão ermo. A assistente de Gitte estava muito zangada comigo por ter aborrecido sua mestra. Isso não seria facilmente perdoado.

As primeiras das sete lições ocultas que este grupo aprendeu através do comportamento de Gitte, foram: 1) nunca estar no "tempo índio" e 2) você será julgado por estar atrasado. Em seguida, Gitte avaliou o grupo como se fosse um líder militar e fez uma fogueira para que todos compartilhássemos do fogo. As pessoas do grupo, de seis países diferentes, falaram de seu amor pela natureza, da vontade sincera de aprender os métodos nativos americanos e estar à disposição de Gitte nos três dias seguintes. Ela apreciou a sinceridade deles. Depois do jantar fomos para o acampamento dormir. A noite tinha sido adequada.

O Mês de Medicina é um treinamento de três semanas. Tinha experiência anterior com este tipo de trabalho porque Dawn Eagle Woman, seu marido Brian White e eu criamos, há algum tempo, o mês da medicina, treinamento de três semanas. A cada dia acontece um novo treinamento, a maioria deles destina-se à uma limpeza sutil dos diferentes corpos - emocional, psíquico, mental e etérico. Quando Dawn e eu trabalhamos juntos não organizamos uma agenda de trabalho; fazemos apenas o que é melhor para o grupo. As atividades incluem a confecção de máscaras e a dança das máscaras, viagens com o tambor e viagens a vidas passadas, visualizações, sauna sagrada, prática da atenção, posturas corporais xamânicas, danças sagradas, arte de buscar visões, treinamento do guerreiro e a confecção do retrato do corpo - onde a pessoa se deita no chão enquanto outra desenha o contorno do corpo. Depois, levanta-se, olha para o desenho e conta histórias pessoais das mágoas e padrões de sofrimento e os esboça dentro do desenho. Todo o grupo ouve as histórias e mitos da vida de cada indivíduo.

Outros processos envolvem a liberação da raiva e violência de maneira curativa, aprendendo a usar essências e aromas de flores e plantas, treinamento da liderança e cura no domínio imaginário. Os homens partem por três dias, caminhando pelos campos para descobrir a liberdade pessoal e as mulheres têm três dias de incrível autocura ao distinguir o masculino e o feminino profundos. O sucesso do evento depende da vontade dos participantes de confiar no grupo e colocar de lado as diferenças de personalidade, bem como a vontade de resolver os conflitos e ter compreensão em relação à ignorância, ao amor e ao medo. Constatamos como as experiências podem iluminar o caminho da realização espiritual, mas como também podem nos enredar na auto-decepção. O grupo torna-se um enorme espelho do Eu, uma vez que cada imperfeição e fatia do inconsciente é exaltada e exposta.

Gitte levantou-se na manhã seguinte e supervisionou as atividades do acampamento. Primeiro disse às pessoas que não meditassem ou praticassem ioga, pois esta era uma terra nativa americana, a terra "dela", e os espíritos seriam perturbados. Que nenhuma música não indígena poderia ser tocada na terra "dela". Assim como, durante as Danças do Milho, não se poderia exibir muitas partes do corpo. Os homens deveriam usar calças compridas e as mulheres cobrir os braços e os joelhos para não desrespeitarem os índios.

Vivo no Novo México há anos e tenho visitado inúmeras aldeias, mas nunca tinha ouvido ninguém fazer tais exigências. Nossa lição interior seguinte foi: 3) os americanos nativos "possuem" a terra. São zeladores da terra, mas nenhuma terra é privada, ou exclusiva, como Gitte estava sugerindo. Certamente esta não era a terra dela, mas da Aldeia e do Departamento de Parques. Lição 4) os nativos americanos são intolerantes em relação à meditação, à tranqüilidade e à atenção. Gitte fazia objeções às influências hindus, quando o grupo estava aprendendo métodos nativos. Lição 5) os indígenas americanos cobrem seus corpos. Na dança, a maior parte da platéia usava shorts e camisetas, devido ao calor abrasador. Percebi que havia um confronto se formando.

Tivemos uma festa adorável naquele dia, com exibição de cerâmicas e uma enorme Dança do Milho. Eu havia pago quinze dólares por pessoa pela festa, como doação à tribo. Gitte queria mais. Ela realizou a dança do lençol, onde atirava um lençol no chão, pulando ao redor dele e esperando que atirássemos dinheiro dentro. Essa dança se repetiu várias vezes, até que Gitte coletou dinheiro suficiente. Então, rapidamente recolheu o lençol e caminhou para sua tenda, enquanto permanecemos atordoados. Na lição 6) Gitte deu a impressão de que os nativos americanos são gananciosos. Os índios não são gananciosos e sim Gitte, que havia transposto a fronteira do abuso de autoridade.

Estávamos a ponto de explodir. Gitte decidiu nos dividir em dois grupos - simples técnica maquiavélica de dividir e conquistar. Levou os alunos mais adiantados (segundo ela) para as montanhas, para a cerimônia do cachimbo. Disse a este pequeno grupo que eu não sabia o que estava fazendo e que achava que Dawn era gentil, mas incompetente. Naturalmente, somente ela sabia o que era certo e apropriado. Através do cachimbo, ela se ligou a este pequeno grupo e usou o poder que tinha para deslumbrar seus novos aprendizes. Um falcão voou sobre suas cabeças, confirmando o "discernimento" de Gitte e seu controle da situação.

Um membro daquele grupo era uma proeminente xamã de Salvador, na Bahia, Brasil. Ao retornarem da cerimônia do cachimbo, ela veio a Dawn e a mim e nos disse: "Gitte é uma mestre xamã do ódio. Ela está me ensinando como não agir. Está abusando de sua autoridade e lançando a semente de sua própria destruição através da intolerância. Estamos aqui para confrontá-la com compaixão e mostrar o verdadeiro caminho do amor. Estamos aqui para sermos xamãs do amor". Dawn ficou em silêncio, esperando o seu momento de reverter a situação e confiando em mim para encontrar a solução.

Naquela noite, duas mulheres do grupo, guerreiras Heyokah, decidiram pintar seus corpos de preto e vermelho e colocar ramos e folhas em seus cabelos e roupas. Pareciam espíritos da natureza, mulheres selvagens do ocidente. Gritavam pelo acampamento e dançavam furiosamente ao redor do fogo, para exorcizar sua raiva por Gitte.

Gitte disse que a dança era irreverente para os espíritos da terra e dividiu o acampamento. Nunca assumiu a responsabilidade por essa sua divisão, sempre interpretando o papel de curandeira cheia de si. Sua assistente estava novamente enfurecida comigo por permitir que a dança acontecesse. Lição 7) a ninguém na tribo é permitido ser autêntico ou dar uma opinião diferente. Todos tínhamos de ouvir o "chefe". Qualquer divergência "aborreceria os espíritos".

No dia seguinte, todo o acampamento ficou desiludido. Gitte foi sua tirana implacável. Tentou nos ensinar uma dança nativa com sua roupa flamejante vermelha e preta. A dança era muito simples, mas Gitte a tornou tão complexa que quase todos desistiram. Vociferou conosco, criticando-nos acerbadamente sobre a prisão de um nativo americano, que estava denunciando os brancos por se apossarem de sua cultura. O ódio dela era tangível. Gitte estava chorando, concordando com ele e exigindo que todos os brancos devolvessem as terras que "nós" tínhamos roubado. Gitte esqueceu que era branca também. A hipocrisia era tão densa, que se poderia cortá-la com uma faca. Todo o grupo estava espantado, boquiaberto.

Finalmente, o grupo decidiu ir embora se eu não confrontasse Gitte. A raiva e a violência de todos penetrou em meu corpo. Fizemos um enorme círculo final e eu expliquei a Gitte que ela tinha agido como uma tirana implacável.

Em seguida, os participantes do grupo começaram a explicar a Gitte a percepção que tiveram de sua negação, repetindo seus vários comentários e falando como ela tinha dividido o grupo. Depois, todos se voltaram para mim, culpando-me por expô-los a esta charada e eu explodi! Do fundo da alma, expliquei como éramos todos responsáveis por esta lição, mas que eu teria, naquele ponto, de confrontar Gitte sobre seus abusos do poder xamânico.

Disse a ela que era minha responsabilidade destituí-la. Eu precisava confrontá-la como minha mãe substituta. Tinha que valorizar a mim e ao grupo e agir como um homem, não mais à sombra de minha mãe. Tinha de me firmar em meus próprios pés e proteger o grupo.

Perdoei-a e expliquei que estávamos desarmando nossas barracas e partindo naquele exato momento. Gitte ficou visivelmente abalada. Tinha pensado que eu era fraco e que nunca faria frente à sua autoridade e necessidade de controle. Tomou de modo pessoal tudo o que foi dito. Disse-lhe que agradecíamos por nos ensinar o que não se deve fazer como curandeiros.

Finalmente, minha explosão de raiva satisfez e uniu o grupo. Abraçamos Gitte e demos-lhe presentes de despedida. Individual e grupalmente a perdoamos. Gitte ainda achava que não tinha feito nada de errado. Fomos embora e fizemos votos de sermos xamãs de compaixão e paciência. Meu próprio treinamento fora realizado com tiranos, que me haviam ameaçado e Gitte tinha levado todo o grupo a essa experiência, desafiando-nos a possuir nosso poder e agir decisivamente. Liberei uma energia tirânica de meu próprio corpo e psique naquele dia e encontrei uma profunda paz. Mas Gitte foi apenas o primeiro teste.

Enfrentei o temor de confrontar minha própria mãe, quando ela ficava impaciente ou passivo-agressiva. Nunca tinha sentido ser apropriado enfrentar corajosamente minha mãe. Em muitos aspectos, deixei que ela me dominasse. Deixei que tivesse poder sobre mim, porque não tive as fronteiras adequadas em relação a ela, quando era criança. Gitte desempenhou o misterioso papel de me arrancar de meus antigos hábitos. Ela foi uma dádiva.

 

Chiron disse-me em determinada fase: "Torne-se como o carvalho, o rei da floresta, sobre cuja casca cresce o visco, parasita que se transforma em planta sobrenatural entre o céu e a terra. Os druidas cortam o visco em determinada fase da lua, enrolam-no em tecido branco e sacrificam dois touros igualmente brancos. A união dos dois constitui uma expressão misteriosa da força vital. Cada pessoa que nos acompanha numa jornada também se constitui numa união de energias. Aprender com elas drena o seu trabalho. Veja o que precisa ser cortado e o que precisa ser sacrificado. Encontre o visco e o carvalho em cada relacionamento".

Com a chegada do novo ano, planejei um pequeno workshop de dez pessoas no Havaí, para uma purificação. Escolhi a ilha-jardim de Kauai, porque lá os antigos havaianos conectavam-se profundamente com a natureza. Ao chegar, visitei os heiaus ou templos externos. Pude sentir o senso inato de equilíbrio, a ordem e a reverência da ilha nestes templos naturais. As pedras eram embrulhadas em folhas de ti, como oferenda aos deuses, e colocadas em plataformas de pedras habilmente dispostas, sobre as quais seria erigida a estrutura do templo. O calor humano e as saudações de aloha da ilha envolveram-me em bondade, enquanto do terraço do meu quarto do hotel via golfinhos e baleias.

Podia ouvir os cantos antigos dos havaianos, a nobreza de all'l, chefes havaianos ou nobres. Vi como homens e mulheres compartilham agora o poder e responsabilidade de maneira equilibrada. O Kumikipo é o grande cântico que relata uma antiga versão da criação. Desde a escuridão original, os deuses desceram à Terra e criaram a luz. Tudo isso está registrado neste canto com genealogias exatas. Estes são os povos do arco-íris, que compreendem os três mundos místicos: o eu superior, médio e inferior e sua descendência do divino. Senti que ali poderia aprender mais sobre o curador ferido e como ajudar aos outros com suas feridas da infância.

Kauai é a mais antiga das ilhas principais e é representada pelo "lei", o colar feito de flores, conchas ou samambaias. A essência de Kauai é representada pelo lei mokihina de cor violeta. Os Mo'o Kahuna, sacerdotes de Ku e Lono, são encarregados da custódia do ritual e da oração. São poderosos guardiães dos segredos das antigas tradições. Os curadores da ilha são chamados de Kahuna Lapa'au. Curam muitas doenças através de um conhecimento profundo das ervas, da compreensão de como reverter os fluxos de lava e de iniciação pela ingestão de um veneno sem morrer. Sabem como contatar a força vital e o manas, ou energias do mundo espiritual e semeá-las no corpo físico. Aqui, neste jardim do paraíso, senti que o grupo poderia relaxar e encontrar a paz. Estava completamente errado. Nada nos workshops do grupo saiu como se esperava.

Adoeci depois de dois dias da chegada em Kauai. Fiquei de cama, sonhando com meus instintos reprimidos. Minha força vital estava sendo atacada e senti que esta viagem seria a morte do meu antigo eu. Sonhei com a costa de Na Pali, situada cerca de mil metros acima do mar e com a chuva sobre o Monte Waialeale. Minha mente estava repleta de um forte barulho de ressaca de mar, como se estivesse submerso, debaixo dos corais da ilha. Um furacão tinha passado pela ilha no ano anterior e eu ainda podia sentir sua força poderosa perturbando meus sonhos. Começou uma estranha revolta em meu inconsciente, à medida que tive convulsões, suores e febres. O paraíso não era o que esperava. Sonhei com destruição e vi os havaianos morrendo de doenças trazidas pelos brancos.

Quando o Capitão Cook chegou no Havaí, em 1778, havia uma população estimada em 300 mil pessoas, vivendo em harmonia com a natureza. Depois de cem anos só restavam 50 mil. A falta de imunidade contra as doenças dos recém-chegados e a usurpação de suas próprias terras pelos estrangeiros tornaram os havaianos amargos e desanimados. Hoje, a saudação aloha recupera o real espírito havaiano da simplicidade, beleza, amor pela natureza e aceitação dos estrangeiros. Ainda assim senti todo o meu ser em revolta, desejando partir antes mesmo que eu tivesse me estabelecido.

O espírito da floresta apareceu-me em sonhos, assegurando-me de que esta viagem era necessária, porém eu tinha a sensação de estar num barco em mar agitado, balançando para lá e para cá, sem qualquer controle. Podia sentir o poder da terra criando visões através do meu corpo - a heliconia, as árvores reais llima, o pé de abacaxi, o abacateiro, a mangueira que começou a rejeitar as frutas, a mudança na alimentação e esta imersão numa cultura diferente. Estava me sentindo dilacerado. Soube que alguma coisa importante estava para acontecer.

O grupo chegou poucos dias depois. Tinha planejado, inicialmente, ter uma pessoa para me ajudar no workshop, mas por ser um grupo tão pequeno, acabei achando desnecessário. No final, eu realmente precisei de ajuda. Uma mulher trouxe sua filha já adulta para Kauai e eu trabalhei, primeiramente, com a mágoa da filha em relação à mãe. Ela era incapaz de ter uma relação mais profunda com um homem. Havia um aspecto no relacionamento com a mãe que precisava ser curado primeiro. Muitas de nossas feridas emocionais provêm da relação inicial com nossa mãe, porque, embora precisemos dela para sobreviver, tememos seu terrível poder de nos privar. Queremos devorá-la totalmente, para que nunca nos deixe. Para curar esta ferida nosso grupo suplicou por uma adoção e, em Kauai, todos nós buscamos a mãe-terra, a abundância de sua festa e generosidade alimentadora.

Os sentimentos infantis de insegurança ressurgem em nossa vida adulta quando desejamos o poder, sexo, fama, dinheiro, alimento, status e fusão com outra pessoa - para nos tornarmos alguém mais. Se outra pessoa nos traz uma reação forte de amor ou ódio, ficamos à sua mercê, com medo da natureza devoradora do relacionamento. Queremos incorporar a nós mesmos o objeto que desejamos. Neste ponto, precisamos de uma separação da mãe, juntamente com o perdão verdadeiro. Tornamo-nos uma sociedade que a tudo consome pela necessidade de se diferenciar da mãe.

Este workshop estabeleceu o tema do meu trabalho para o ano seguinte: sexualidade e sedução habitual, nascimento, morte, perda, abandono e destrutividade emocional, seguidos de renascimento e regeneração. As pessoas do grupo entraram em contato com o momento em que a vida emocional ficou fixada na infância. A inveja destrutiva, o amor e depressão devido à culpa emergiram no workshop. Para equilibrar este elemento sombrio, um reservatório profundo de força, resistência e vitalidade, proveniente do lado positivo, ajudou-nos a sentir segurança em nossa conexão uns com os outros e suficientemente protegidos para prosseguirmos.

Comecei a ver como meus próprios padrões se refletiam na cura do grupo. Aprendi como controlamos os outros para nos proteger contra a perda e o abandono. Tentamos esconder nossa vulnerabilidade por trás da melancolia ou de uma fachada de controle como um homem que fumou sem parar, criando um anteparo visível entre ele e o restante do grupo.

Cada participante de Kauai desejava retornar ao útero profundo da Mãe Primordial e sentir a escuridão e maternidade celular. Examinamos o que precisava morrer e ser sacrificado em nossos antigos eus, para que fosse renovado. Um controle rigoroso para proteger uns aos outros de nossa destrutividade potencial, trouxe à tona sentimentos de desmerecimento e falta de auto-estima. Tais sentimentos destrutivos podem ser projetados sobre os outros e incitar a paranóia, como desviar o mal proveniente de ataques sexuais e psíquicos, reais ou imaginários. Essas ameaças nem sempre são de natureza pessoal. Algumas vezes assumimos a culpa pelas tragédias dos outros.

Uma mulher acusou um homem do grupo de assediá-la sexualmente e, posteriormente, retirou a acusação, explicando de como ela era levada a relacionamentos com homens no passado. Seus problemas de abuso sexual na infância vieram à tona. Ela começou a sentir um vínculo incestuoso de sedução em relação a mim e lhe apontei a ausência de fronteiras com os membros da família, quando criança.

Enquanto grupo, exploramos triângulos amorosos, as lutas inconscientes pelo poder e o ciúme. Aprender sobre o poder, seus usos e abusos, foi um tema comum em Kauai. Tivemos de observar atentamente a escuridão de nossa mágoa, uma área que a maioria das pessoas ignora. A doçura e a luz de Kauai camuflaram a paisagem mais escura de nosso sentimento passado de punição e doença, subindo do inconsciente. Se aceitamos essa escuridão, então Chiron nos ajuda a vê-la objetivamente, sem nos identificarmos com ela ou tentar transformá-la. Sentimo-nos mais à vontade na vida, quando nos confrontamos com o lado escuro de um modo consciente.

Como curadores, nossa dádiva enquanto grupo era poder alcançar pessoas que se sentiam presas na dor e na escuridão. De fato, muitas pessoas que participaram deste workshop abriram posteriormente centros de cura em vários países.

O relacionamento entre a mãe e a filha tornou-se um ponto focal do grupo. Todos gostaram da filha enquanto a mãe se sentiu ignorada. A filha recebeu sua cura, mas a mãe não conseguiu. Levei-a para um passeio em Na Pali. Logo no inicio, torceu o tornozelo e mal conseguiu andar. Disse-lhe para continuar; ela praguejou, lembrando de como seus pais a forçavam continuamente a fazer coisas contra a sua vontade, quando era criança. Sua mágoa envolvia uma falta de amor inicial e ligação com os pais. Sentia que tinha sido vítima da mãe, forçada a ser de uma certa maneira. Relembrou o sentimento de que nunca era suficientemente boa na opinião de sua mãe.

Uma outra participante, sua companheira de quarto, começou a desempenhar o papel inconsciente de mãe de todos. Senti minha própria mãe me asfixiando nas ações dela. Vários participantes ficaram aborrecidos e acusaram-na de controlar e julgar. A sua mágoa principal envolvia agir como bode expiatório de todos os sentimentos de rejeição de sua mãe. Chiron também foi rejeitado pela mãe. Esta mulher sentia que sua mãe não queria que ela nascesse. Isso se torna um foco de sofrimento na infância de qualquer pessoa; assim, ela começou a ter problemas respiratórios e sua saúde deteriorou-se. Ela estava se tornando fisicamente o bode expiatório do grupo, o sacrifício humano para toda a nossa dor.

Uma outra relatou que sua mãe havia escolhido o marido para ela, porque estava secretamente atraída por ele. Ela se sentiu profundamente traída por sua mãe e, posteriormente, divorciou-se desse homem. Contou que foi sexualmente abusada por seus primos. Precisava liberar o sentimento de ser o objeto de amor das pessoas ao seu redor, perdoar a péssima imagem que tinha de si mesma. Tinha de liberar os anos de lutas pelo poder com um marido que a dominava e a quem não podia amar.

Uma avalanche de tristeza e mágoa penetrou em nosso trabalho em Kauai. Uma mulher tornou-se incontrolável na raiva em relação a seus pais, ao seu ex-marido, o desamparo quando criança e começou a arrancar, raivosamente, torrões de terra do chão, soluçando por sua perda de controle.

Uma outra participante assumiu a responsabilidade pelas coisas que, em sua realidade, não podia controlar, como o fato de ser dependente. Dependia do marido para cuidar dela. Ela o tinha trazido para Kauai, na esperança de que eu pudesse ser uma ponte para a cura dele e de que ela conseguisse, subseqüentemente, ter mais liberdade. Carregava os fardos do marido e dos filhos, esperando prêmio ou reconhecimento, mas estava desapontada e se recusava a reivindicar uma nova vida para si mesma. Chorou muito, ficou prostrada e sentiu-se culpada por não se mostrar à altura de suas responsabilidades. Sua necessidade de independência e poder foi suprimida através da vergonha e medo. O marido era principiante neste tipo de trabalho e se sentiu desconfortável com as expressões de perda da esposa. Negou que tivesse qualquer problema. Mas gradualmente baixou suas defesas quando o ar pesado do aposento sumiu e um pouco de humor foi injetado em nosso processo. De fato, num determinado ponto, tivemos uma explosão incontrolável de riso por causa do absurdo de tudo aquilo.

Durante o workshop, cada pessoa do grupo coloca o manto do intruso ou dissidente, enquanto os ideais coletivos, danos e opiniões do grupo assumem o comando da pessoa em foco. Alguns ficam ansiosos para realizar a cura "certa", tentando mostrar-se à altura de algum ideal espiritual. Uma mulher sentiu que estava tentando vencer seus pais, frios e distantes. Tinha se tornado viciada em perfeição e, assim, tinha de encontrar uma liberdade interior e um compromisso com a vida, para permitir a existência do imperfeito dentro dela, de modo a viver sem atacá-lo.

Quase todos os participantes em Kauai eram curadores ou tinham estado envolvidos com o trabalho espiritual por algum tempo. Chiron exibiu sua magia tumultuosa em nosso grupo. Geralmente os curadores enterram sua dor profunda e sua capacidade para a mágoa através da ajuda aos outros. Os participantes que se identificavam com a parte magoada de si mesmos tornaram-se os intrusos, as vítimas ou os bodes-expiatórios, que são tradicionalmente banidos ou mortos. Quando banidos, precisam afastar-se por si mesmos. Uma mulher, que tinha uma doença ambiental, sentiu-se banida e vitimizada pelo processo do grupo e começou a telefonar para casa, buscando um pouco de amor e aceitação. Desejava escapar ou ser deixada sozinha. Dei-lhe tempo para que lambesse suas feridas. O fato de enxergar o processo todo era uma benção enorme e uma demonstração de seu desejo de cura.

Chiron pode trabalhar através de uma doença ou crise para trazer à tona nossas feridas usadas como barganhas com Deus, quando sacrificamos nossa saúde em vez de desistirmos de uma atitude arrogante ou unilateral. Ele pode fazer emergir, ad nauseam, padrões, complexos, atitudes que repetimos, apesar de nossos maiores esforços para mudar. É assim que nos ensina a abandonar o que quer que estejamos superando. É como uma luta incessante, quando tudo o que precisamos é desistir.

Nosso primeiro ritual de purificação consistiu em escrever todas as mentiras, medos, incompletudes do passado - nossos sentimentos de perda, traição, perseguição e desilusão.

Depois de termos registrado cuidadosamente nossos segredos, queimamos os papéis perto de um templo hindu. Este templo, situado sobre o Rio Waimea, continha um cristal imenso, que focalizava a intenção. Como os sadhus venerados ao nosso redor - sob deslumbrantes figueiras-de-bengala, bananeiras e kikuis - queimamos o passado.

O ritual seguinte foi retornar ao nosso nascimento e respirar através de qualquer trauma experimentado na concepção ou no momento do nascimento. O grupo experimentou rupturas de nascimentos, morte de gêmeos no útero, fetos abortados por suas mães e bebês que não queriam nascer ou que hesitavam em deixar o útero. A experiência durou duas horas e consistiu de respiração profunda, abertura do útero e choro pela liberação física e psicológica.

As mães do grupo começaram a compreender o quanto tinham se tornado bodes expiatórios de seus próprios filhos. Viram sua criatividade reprimida e as carreiras abandonadas, sacrificadas para cuidar dos filhos e dos homens que escolheram como maridos. Muitas sentiram que tinham feito o que suas famílias esperavam delas, mas não o que os seus corações tinham pretendido. Ao admitirem, aqui, esta perda, puderam se tornar amigas de seus filhos e não projetar sobre eles seus desejos não realizados.

Nossa purificação seguinte envolveu massagem lomi-lomi no antigo templo de cura havaiano. Fizemos fricções com sal, banhos de vapor, saunas e terapia da dança para remover a dor de nossos corpos. Um grupo de mulheres massagistas veio da ilha de Oahu especialmente para trabalhar conosco. Sentiram que nosso grupo as estava chamando para realizar um ritual de limpeza que seria usado na ilha ainda por muito tempo. Cada parte de nossos corpos foi massageada - inclusive os seios das mulheres para liberar suas inibições e o medo de serem tocadas. Foi altamente incomum, mas as mulheres começaram a amar seus corpos. Os homens ficaram em êxtase por serem tão mimados.

A purificação seguinte incluía a dança da hula, que é mais do que uma dança étnica; é o espírito e a alma dos nativos havaianos. A hula era uma prática exclusivamente masculina em cerimônias religiosas. Finalmente foi aberta às mulheres e adotada pelo teatro e ópera das ilhas. O balançar suave dos quadris e as ondulações sutis de pés e mãos contam uma história específica. Entoar o "mele" também é parte integrante de todo o desenrolar sincronizado de uma história. Cada parte do corpo precisa ser controlada, incluindo as expressões faciais. Tivemos três experiências diferentes de hula, uma delas incorporando os cantos tradicionais da nobreza. Cada experiência foi mais liberadora e divertida do que a outra. Com foco e concentração, cada um de nós estava começando a se curar através de uma conexão com o instinto, o corpo e a terra.

O clímax do workshop foi uma festa dada em nossa honra por amigos meus que viviam em Kauai e arranjaram uma festa marroquina, com dança das máscaras, que culminou num exorcismo de dança do ventre. Estávamos todos vestidos com roupas características do Meio Oriente para que desempenhássemos nossos papéis na dança. Escolhemos máscaras que refletissem nossos estados interiores. O anfitrião nos estava iniciando na dança das sombras, que representa aquilo que é reprimido e negado por nossa consciência. Freqüentemente isso se encontra em oposição direta ao nosso comportamento habitual ou a maneira como nos percebemos. A sombra do grupo claramente refletiu problemas parentais não resolvidos. Na verdade, a sombra realmente contém nosso potencial não desenvolvido. Uma vez que a sombra pode ser uma ameaça ao ego ou à percepção de nós mesmos, a reação inicial é, geralmente, de medo, raiva e rejeição. Por não ser a sombra consciente, freqüentemente é projetada sobre os outros e revelada através de uma forte carga emocional ou resposta incontrolável a certa pessoa ou situação do grupo.

A inteligência de nosso anfitrião em Kauai revelou-se através de sua habilidade em interpretar dramas arquetípicos sob a forma de teatro. Na Grécia Antiga, ia-se ao Templo de Esculápio, um discípulo de Chiron e pai da medicina que podia ressuscitar os mortos e ser punido por isso. Em Epidauros, no Templo de Esculápio, assistia-se à peças de teatro que falavam de repressão e conflito internos. Uma visita ao templo, à noite, envolvia sonhar com mágoas individuais e o encontro de uma solução para seu paradoxo.

O teatro de purificação ritual foi criado por nosso anfitrião para cortar o cordão umbilical de nossas mães e encontrar nosso instinto enterrado. Ele nos fez realizar a dança das máscaras e do espelho. Com um espelho numa das mãos e uma máscara da sombra com desenhos de animais na outra, dançamos a dinâmica do grupo uns com os outros. A máscara representava a natureza animal e o espelho era a percepção que temos de nós mesmos. Finalmente, tínhamos que reconciliar as duas, o que nos levou a uma folia da dança do ventre - uma dança selvagem, catártica, semelhante a uma dança cigana, de abandono e êxtase.

Duas dançarinas do ventre começaram uma representação xamânica das emoções e mágoas descontroladas de nosso grupo. Pretendiam unir nossas natureza animal e "civilizada", numa dança espelho rodopiante do eu e da sombra. Duas mulheres do tipo cigano assumiram o sofrimento de nosso grupo em uma série de movimentos giratórios muito fortes. Interpretaram uma dança de nossas feridas e nossa abertura para a criatividade. As mulheres dançaram o meu medo da sedução e meus sonhos com os ciganos. A dança de uma das participantes refletiu os problemas do bode expiatório e da vítima para alguns de nós e ainda outras danças relacionadas ao vício de drogas, abuso sexual, medo da perda de uma relação e dependência de um parceiro - tudo para ajudar a desenvolver nossa própria vontade. A última dança foi a dança do arquétipo de Chiron, um exorcismo de sacrifício, para nos libertar das cadeias de excesso e auto-envolvimento.

As dançarinas praticamente entraram em colapso após a representação de todo o nosso drama mítico pessoal em Kauai. Fiquei agradecido, aliviado e reverenciei o trabalho delas. Elas sentiram-se pessoalmente guiadas a realizar esta performance e a nos oferecer este jantar. Foi a catarse delas também. Tínhamos agora entrado no domínio do curador ferido e logo entraríamos na caverna do eremita.

Nosso anfitrião concluiu a cerimônia com uma performance. Chegou num manto negro de iniciador da noite, uma figura encapuçada de significado mágico. Ele era um mago, mestre, hierofante e eremita, que veio para nos libertar dos antigos eus. Abriu seu manto num determinado ponto; o forro tinha estrelas e símbolos místicos bordados. Pegou então uma faca para cortar os escombros astral e emocional de nossos corpos etéricos. Quando seu manto se abriu, ele retirou a máscara e magicamente nos induziu a um outro mundo. Senti-me nauseado, como se estivesse testemunhando uma antiga iniciação. Nosso anfitrião girou em círculos por longo tempo e parecia não parar nunca. O aposento começou a girar e a se elevar como espiral enquanto o chão se abria por baixo de nós. Comecei a temer pela intensidade da performance. Ele terminou a noite com um grito perturbador e nosso grupo aturdido se retirou silenciosamente para se recuperar em seus aposentos.

Naquela noite, fizemos uma fogueira para a próxima cerimônia num helau (templo externo) erigido à beira mar, onde cada um de nós queimou parte de nossos antigos eus, comprometendo-nos com o caminho do curador no futuro. Tocamos tambores, cantamos, contamos histórias perto do fogo e convidamos os amigos da ilha para participar desta cerimônia.

Nosso anfitrião contou a história de sua experiência próximo da morte, com os elementais, que tinham vindo no ano anterior para regenerar Kauai após a passagem do furacão. Durante esta experiência ele desenvolveu o seu olfato num grau muito elevado. Contou-nos de como a realeza no Havaí respeitava seus navegantes por seu olfato apurado. Os navegantes usavam a posição das estrelas para guiarem suas canoas e barcos. Tinham um olfato igualmente agudo e mantinham contato com seres dévicos, que os ajudavam na manutenção do curso. Contou-nos como a vida é uma jornada no mar do inconsciente - nossa alma, um barquinho. Para encontrar enraizamento e instinto, precisamos de nossos sentidos para abrir caminho e navegar pelo mundo. Começamos nossa jornada por onde inevitavelmente iremos terminar, mas felizmente com mais compaixão pela jornada sagrada, noite e dia. Nossa espiral está voltada para as profundezas do sofrimento da Terra, para renascermos em seu útero e retornar com uma nova consciência ao mundo da superfície.

Ele nos levou ao lugar, à beira-mar, onde havia visto os elementais das quatro direções, retornando a Kauai após a passagem do furacão que destruíra grande parte da ilha. Muitos hotéis ainda estavam revestidos por tábuas e grande parte da vegetação desta ilha-jardim tinha sido arrancada por severas rajadas de vento e chuva. Uma grande violência, como a dança do exorcismo, tinha varrido a terra. O povo perdeu tudo, inclusive nosso anfitrião, que não tinha seguro contra furacões. Toda a ilha foi humilhada pela natureza e experimentou sua própria morte e regeneração.

Esta tormenta humilhante fez com que todo o povo da ilha se juntasse como um todo. Tiveram de trabalhar juntos para reconstruir Kauai. A antiga energia proveniente do tráfico e consumo de drogas abandonou a ilha junto com o furacão. A complacência dos ricos surfistas começou a mudar, depois tiveram um papel mais ativo na reconstrução do seu paraíso. Escritores, estrelas do rock, Kahunas, proprietários de hotéis tiveram de colocar de lado os seus egos e proteger a fragilidade da ilha em sua reconstrução e renascimento. Não mais superdesenvolvimento ou a inconsciência emocional e formas-pensamento devastadoras, que foi o que atraiu, em primeiro lugar, o furacão para lá.

Praticamente cada planta e árvore teve de ser replantada. O povo de Kauai tinha aceitado seu Jardim do Éden como verdadeiro e, depois, teve de despertar para o discernimento no pensamento e para a ação. Precedendo nossa chegada, Kauai tinha atravessado esta feroz transformação. Ao enfrentar suas jornadas ao Mundo Inferior e as tormentas do passado, os membros de nosso grupo sentiram que tinham experimentado seu próprio furacão pessoal.

Nosso anfitrião disse que uma nova ordem de anjos e devas tinha chegado à ilha para iniciar um novo processo de plantio. Era necessária uma nova energia para criar uma elevada vibração de consciência em Kauai, que fosse um farol para que os curadores confiassem em seus eus interiores e para que resistissem às provas de suas próprias naturezas instáveis. Kauai teve de ser exorcizada pela tormenta e maravilhosas luzes novas brilharam nas plantas. Os Elohim e Ophanim e os devas estavam regenerando o solo com focalização e vibração elevadas. Nosso anfitrião acreditava que tinha ido para Kauai a fim de receber um novo "insight" relativo à sua obra como alquimista.

A energia etérica estava varrendo a ilha e reconfigurando o relacionamento entre os seres humanos e a terra. Comecei a realmente me sentir seguro em meu corpo, observando as flores de hibisco, de um vermelho profundo, as nozes kukui, as batatas doces, as goiabeiras, coqueiros e árvores de fruta-pão. Ingeri araruta e mastiguei uma pimenta. Em meu quarto, comecei a espalhar babosa fresca sobre minha pele, com hinu honu, um remédio para a pele queimada pelo vento. Fui atraído pelo tamarindeiro e pela planta do taro. A ilha toda transformou-se num remédio para as minhas doenças.

Deixamos no corpo etérico (espiritual) da ilha a substância etérica desses novos elementais e eles aqueceram nossos corações e trabalharam conosco muito tempo depois. Fomos a um mercado de produtos agrícolas e comemos os produtos locais. Enchemos o condomínio de alimentos e flores frescos, convidando os espíritos da natureza para co-criarem conosco. Vimos como nossos próprios corpos etéricos estavam se transformando e se tornando mais fortes. Aqueles que resistiam, ficavam doentes e confusos, embora ainda estivessem recebendo uma benção. Convidamos o espírito de Aloha, da paz, para penetrar em nossas peles.

Quando chegou a hora de partir, agradeci a nosso anfitrião por sua graça, apoio e encorajamento. Ele foi um amigo verdadeiro. Deixei o Havaí agradecendo a Chiron pela experiência de nosso grupo e sabendo que cada participante levaria pelo menos um ano integrando esta experiência, para abarcar todos os níveis de mudança profunda.

O olho do furacão é importante. É o lugar calmo, tranqüilo, da iniciação no meio do drama. Sonhei, naquela noite, que dois touros brancos tinham sido sacrificados e uma árvore de magnólia convidava-me a entrar em sua flor fechando suas pétalas sobre minha pele até que eu estivesse pronto para viajar novamente.

 

No Havaí aprendi algumas lições valiosas. Uma delas foi que a raiva e mágoa em relação à mãe que não deu assistência adequada pode freqüentemente ser projetada sobre um bode expiatório. Meus alunos, compartilhando suas experiências da infância, mostraram-me como a mãe pode se apaixonar pelo potencial divino existente numa criança, que se torna, num certo sentido, seu redentor. A criança se apaixona pela imagem de seu espírito de divindade aos olhos da mãe, sentindo-se idealizado na troca. Quando adultas, essas crianças ao olhar para os pais, filhos, parceiros de casamento, discípulos, alunos, pacientes, platéias, estão buscando essa mesma idealização, o que se torna uma experiência muito sedutora. Sentimo-nos espantosamente curados de nossas personalidades imperfeitas por um curto espaço de tempo. Depois vem a quebra do encanto. Sentimos necessidade de constante provisão de amor e adoração proveniente de uma nova fonte. Uma necessidade desesperada de sermos idealizados, com nossas falhas disfarçadas, em vez de amados apesar delas.

A pessoa amada, aquela que nos idealiza, nos devolve como reflexo uma essência anímica preciosa, o espírito do divino que, de outra maneira, jamais poderia emergir da escuridão. Queremos ser redimidos porque só assim poderemos redimir a quem amamos e, em troca, nos tornamos dignos de ser amados. Preenchemo-nos de êxtase divino, porque sentimos que podemos redimir alguém mais. Para um curador ou terapeuta, isso pode se tornar um vicio. Aceitar nossa humanidade destrói o vício.

O que é a verdadeira união de almas e o que é encantamento sedutor? Uma imagem idealizada do outro nos leva à escuridão, promovendo mais dor e sofrimento. Podemos nos arriscar à solidão e aceitar nossa própria mortalidade, como Chiron, quando começamos a enfrentar aquilo que repousa fora do Paraíso. O Havaí trouxe à tona essa imagem de um paraíso que reflete nossos problemas relacionados aos vínculos da infância. A maioria de meus alunos nunca desejou ter nascido, desejava o Paraíso e a iluminação sem encarnar totalmente.

Comecei a perceber que abrir o portal para a psique inconsciente agrava, para muitos, a mágoa da infância. Temos dificuldades em ajustar-nos à materialidade da vida e do corpo.

O amor precisa estar fundamentado na empatia mútua, baseada em nossa humanidade essencial. Empatia demasiada, sem limites, não é saudável. Quando conhecemos nossos limites podemos moderá-la. A suscetibilidade em relação às dificuldades e desigualdades da vida é, algumas vezes, o resultado da dor e desapontamento familiar na infância. Dor e alegria são parte da herança dos seres humanos. Se os desafios da vida são discutidos, conhecidos e enfrentados, é possível iniciar uma vida controlada, de profunda emoção. Muitas vezes não queremos encarar as limitações da vida e o fato de sermos comuns, porque então perderíamos o Paraíso e as falsas idealizações que os outros fazem de nós.

Muitas pessoas vêm a meus seminários com uma ânsia, um desespero em acreditar em tudo o que digo. Tentam encontrar, através da espiritualidade dos outros, a aceitação, o amor e talvez a salvação que não conseguem encontrar dentro de si mesmas. Mas posso apenas indicar o caminho para o UNO dentro de si, o único que pode satisfazer suas necessidades. Nenhum esposo, pai, amante ou platéia pode satisfazê-las. Aprendi a distinguir entre meu próprio eu, o que amo e a fonte divina. Esta é minha forma de redenção - manter essa distinção.

Na fusão primal da infância, com toda a sua excitação erótica, eu podia ver com clareza a imagem do ser amado. Minha mãe estava profundamente sedada por ocasião do meu parto, embora ela o negue. Tive que irromper através dessas memórias sonolentas, enevoadas, de sonho, para ver claramente aquela a quem amo e não desejar novamente a desesperada fusão primal, que conduz muitas pessoas à dependência espiritual. A maioria das pessoas busca a fusão através da idealização do outro. Querem retornar ao Paraíso que está perdido para sempre.

A cura real começa quando nos amamos o bastante para vermos as falhas e feridas de nossa humanidade imperfeita e ganhar consciência através disso. Os casais se curam através da compaixão mútua. Os moribundos liberam esta vida através da compaixão por si mesmos e por seus entes queridos. Meu objetivo é ver os trabalhos da psique como um todo e dar voz a seus processos, de modo que as pessoas possam reivindicar ou descobrir suas almas em lugar de submetê-las aos outros. A responsabilidade pessoal na cura é soberana. A auto-responsabilidade foi a chave para Chiron curar sua ferida, desistir da imortalidade para curar-se.

Chiron se assemelha ao Cristo ou ao Rei Pescador, nos mitos do Graal. Ele cura, sofre e morre como ser humano, para que todos nós possamos viver. É um cometa em chamas dentro da noite para ajudar a humanidade a descobrir suas dádivas. Não é um santo, um avatar ou guru, mas uma figura fundamentada na realidade com permanência e constância. É o curador que existe dentro de todos nós, que ajuda a guiar meros mortais até um novo nível de consciência. Sua ligação com Cristo se faz através das árvores.

A vida de Crista começou e terminou com a imagem da árvore. Tinha a carpintaria como vocação. As árvores o ajudaram a moldar sua mente, corpo e alma, através do trabalho com madeira. Ele sabia como pedir à arvore que seu lenho lhe abençoasse as mãos. A árvore ensinou-lhe, primeiramente, a focalizar a atenção e ser uno com a arte e a matéria prima. Entalhava os espíritos das árvores que, então, tornaram-se símbolos nas parábolas. Comparava Deus a uma grande árvore e ele próprio a uma videira. Na agonia, carrega uma cruz feita de madeira. Este é o conhecimento dos apostos e de como equilibrá-los. É crucificado numa árvore e morre tal como uma semente retornando ao Mundo Inferior. Sua ressurreição se faz através do tronco da árvore em direção aos ramos, para o céu. A Árvore Universal ajudou-o a realizar cada estágio de sua missão. A árvore foi sua guia e protetora para unir os três mundos.

A seiva da árvore me faz lembrar que dentro de todas as formas de vida existe um fogo, uma força vital que nunca se consome. Esse fogo é kundalini. Quando ativado, abre a psique para outros mundos. Uma vez sonhei que estava num templo maia, onde várias mulheres com cobras na boca dançavam ao ritmo de kundalini, abrindo os chakras para equilibrar as energias da natureza. Kundalini é uma fusão dentro do eu que engloba o divino e o cosmo e ainda nos faz conservar o que essencialmente somos.

A viagem anímica e a iniciação xamânica nunca deveriam nos desviar da trilha de nossa humanidade essencial ou impedir que encaremos nossa mortalidade e nossas limitações. São elas que acentuam o significado de ser um corpo - menos do que uma fusão com o outro, é um retorno ao lar para o eu.

Um dos momentos mais tocantes de minha vida ocorreu poucos meses depois de meu workshop no Havaí com minha companheira Dawn Eagle Woman. Durante uma busca da visão em que os participantes não se alimentaram por três dias, permanecendo sozinhos no lugar, aconteceu uma surpreendente seqüência de eventos.

Muitas vezes, uma busca da visão implica em encontrar o mestre interior, depois de enfrentar as provas do nascimento e das memórias submersas. Você faz o seu próprio circulo num lugar ermo, demarcado por galhos, pedras ou folhas. Não pode deixar a delimitação daquele circulo por três dias. Tudo o que necessita fazer é apenas estar lá.

O símbolo da busca da visão, para superar o trauma do nascimento, é o circulo da vida, o grande arco da criação, onde se fica centrado, esperando pelo Grande Espírito. E um segundo nascimento, no qual você cria o seu próprio circulo de vida. É a fusão do pequeno eu num pequeno circulo com o Eu Maior, o Circulo Maior do Cosmo. E uma experiência ativa, de responsabilidade, cuidadosa, de respeito e admiração pela natureza; depois disto você está pronto a partilhar da vida com objetivo e visão.

Dawn e eu tínhamos feito um fogo para três dias, com um de nós sempre alerta e desperto, durante esta busca de visão em particular. Este fogo de madeira é o símbolo do fogo eterno, o fogo da kundalini, a alma indestrutível que é nosso calor. Durante o terceiro e último dia de nossa busca da visão, começou a se formar uma tempestade e decidimos levar todos de volta ao nosso acampamento, terminando assim as visões.

Inicialmente, Dawn e eu tínhamos visitado cada uma das pessoas, dando-lhes uma espiga de milho para comer. O milho simboliza a alma e sua ressurreição do Mundo Inferior. Perguntamos a todos sobre sua saúde e pedimos que reportassem qualquer visão que tivessem. Uma mulher disse que tinha sentido que um homem escuro de seu passado a perseguia sorrateiramente. Quando criança, ela descobriu que sua mãe recebia, secretamente, cartas de um admirador e tinha um caso extraconjugal. Depois de ler as cartas de sua mãe, decidiu agir. Colocou-as onde o pai pudesse encontrá-las. Quando ele leu as cartas, quis se vingar da mulher. A filha tinha traído a mãe para puni-la e ter a total atenção do pai. Mas essa não tinha sido sua intenção, queria apenas que ele repreendesse sua mãe e a elogiasse por suas ações. Em vez disso, ela teve que conviver com sua mãe num estado de negação. Posteriormente desenvolveu um complexo que a fazia manter os homens à distância, embora, secretamente, desejasse que eles a possuíssem.

Tornou-se possuída por seu homem interior, que queria puni-la por ter revelado o segredo da mãe e possuí-la com raiva violenta por ter se recusado a unir-se a ele. Ela adotou seu padrão de negação ingênuo da infância, sentindo que não tinha feito nada errado. O homem escuro a perseguia em sua busca da visão, clamando por vingança por ela ter destruído seus dois casamentos (o de seus pais e, posteriormente, o seu, abandonando do marido por ele querer possuí-la).

Dawn sentiu que a tempestade que estava se formando estava ligada aos sentimentos de culpa que aquela mulher trazia da sua infância. A tormenta começou a se tornar violenta; granizo e chuva castigavam o solo. A mulher ficou congelada, como uma garotinha, incapaz de compreender sua situação. O lugar de sua busca da visão era um campo aberto. Um raio poderia cair sobre ela, porque estava totalmente exposta aos elementos. A chuva se intensificou. Fizemos sinais com as mãos, enquanto nos aproximávamos, para que ela se deitasse no chão. Um trovão explodiu sobre nossas cabeças; o ar parecia estar em ebulição.

Ao chegarmos perto dela, fizemos imediatamente, Dawn e eu, um sanduíche com nossos corpos ao redor da mulher. Colocamos uma capa de chuva de borracha sobre nossas cabeças e ficamos esperando; intuitivamente sabíamos que o raio iria cair ali. Eu sustentei o pólo masculino e Dawn o pólo feminino. Estávamos a serviço desta mulher, que era ingênua em relação às forças da natureza que ela havia incitado com seus sentimentos reprimidos.

Este foi um teste de nossa fé mútua; um teste no qual Dawn e eu estávamos em completo alinhamento e podíamos proteger aqueles que estavam sob nossos cuidados. Nós realmente nos comunicávamos? Este foi o teste verdadeiro de nossa parceria no trabalho. Sacrificaríamos nossas vidas para ajudar um participante?

Para desviar o raio era necessária uma aliança de energias polarizadas iguais. Então, num instante, ele caiu! Um choque elétrico nos atingiu, atravessando nossos corpos, que nossas energias alinhadas dissiparam em direção à terra. Precisamos de todas as nossas habilidades xamânicas e de toda a concentração para realizar isso.

Senti a energia de kundalini elevar-se em minha coluna e compreendi minha verdadeira missão naquele momento - ser uma ponte entre o céu e a Terra para os outros; isso ocorreu por meio da eletricidade. Nós três continuamos a cantar, enquanto permanecíamos numa poça de lama congelada pelo granizo e pela chuva. Os trovões ribombavam ao nosso redor, mas harmonizamos nossas vozes para responder a eles. Expostos, no meio de um grande campo de sálvia, éramos o ponto mais elevado numa área de meia milha em todas as direções.

Quando o raio nos atingiu, sabíamos de nossa proteção divina, nossa fé no divino e nossa vontade forte. Uma catástrofe terrível fora desviada, Dawn e eu ficamos aliviados.

Sempre que estamos alinhados, os dois, e percebemos um perigo, pedimos permissão para reverter o movimento. Protegemos a Terra e neutralizamos as forças perigosas da negligência, negação e inconsciência humanas. Nosso trabalho é trazer harmonia aos locais de devastação e confusão. A busca da visão foi um sucesso e todos sobrevivemos à tormenta.

O problema da possessividade é como uma tempestade. A sedução é uma zona de excitação enevoada, negra. Uma vez que não é amor, não usa a claridade e a consciência da psique. É um lugar de complexidade e mágoa, que precisa ser incitado, como uma tempestade, para ser reconhecido.

Em todos os workshops subseqüentes restabeleci aquela experiência do raio e me senti posicionado entre o céu e a terra, consciente de meu próprio corpo, para oferecer o máximo de benefícios aos participantes. Nos últimos seminários, tive ocasião de aprender mais sobre minha própria ingenuidade e medo da possessão pelos espíritos.

 

Quando nos conectamos novamente com a sexualidade, o instinto, a criatividade de maneira profunda e o mundo subterrâneo da possessão invadem a consciência que desperta. A maioria das pessoas não está preparada para o bardo em vida, o terreno da morte, mas ele constitui o primeiro estágio da ligação de um nível de realidade com outro. Desligar-se da sociedade durante um período de doença pode, muitas vezes, funcionar como uma iniciação e uma permanência passageira nas profundezas ctônicas; no entanto, uma ausência muito demorada da vocação de alguém, pode tornar-se detrimental. A possessão pode ser o primeiro portal a ser cruzado, numa jornada de iniciação, para o lugar de moradia de espíritos, demônios e deuses.

Contei que enquanto estava sob a ação do ayahuasca, permiti que meu corpo ficasse vulnerável ao ataque de um xamã negro. Identifiquei-o mas não pude me livrar dele, que estava vivendo dentro do meu corpo, alimentando-se de matéria astral. Era um parasita que nada fez pelos "insights" obtidos através dessa sua habitação. Ele pensava que podia aprender a partir de mim por osmose.

Isso era perigoso, porque ele se nutria da minha energia, deixando-me fraco e cansado. Esta foi uma possessão ativa. Eu tinha uma entidade, que era realmente uma pessoa viva, habitando meu corpo. Ele acreditou que podia se apoderar de mim enquanto eu estava fora do corpo, sob a ação do ayahuasca, e inconsciente de sua presença. Estava errado. Tenho um amigo, que libera espíritos incorporados e afasta maldições em seu trabalho terapêutico que, uma noite em minha casa em Santa Fé, identificou o xamã negro. Tenho outra grande amiga que havia estudado antroposofia e recebia autorizações tibetanas de um Rinpoche, e que também queria me ajudar. Enquanto eu estava trabalhando no Brasil, ela reuniu quatro pessoas poderosas para criar um campo suficientemente forte de proteção, amor e discernimento consciente para desalojar esta entidade.

Numa hora determinada, este grupo de quatro adeptos encontrou-se em planos interiores e identificou a pessoa agregada a mim. Pediram ao Arcanjo Miguel para assisti-los enquanto amarravam o espírito dessa pessoa e para que ele o liberasse de meus corpos físico e etérico. Naquela noite, no Brasil, fora de São Paulo, fechei meus olhos e encontrei meus amigos nos planos interiores. Pude sentir seu intenso amor e proteção a envolver-me. Procederam ao desligamento do espírito. Revi, nebulosamente, como numa tela, a maneira como eu havia abandonado meu corpo físico no Peru. Fiquei perturbado pelo ayahuasca, que destacou meu corpo astral. Vi como este xamã destrutivo, invejoso do meu trabalho e desejando para si minha energia e experiência, infiltrou-se em meu campo energético.

Ao nascer, eu estava aberto para o inconsciente e não tinha aprendido o suficiente sobre limites. Pela falta inicial de desenvolvimento do ego e pelo domínio que minha mãe exercia sobre mim, tornei-me suscetível à possessão enquanto adulto. Quando criança, liguei-me a meu pai, apesar de seu caráter excessivamente crítico, criando um relacionamento amarrado. Liguei-me inconscientemente a ele para receber amor em vez de dinheiro. Estar amarrado e a possessão são parte de um desenvolvimento fraco do ego, levando à dependência dos outros para a satisfação das necessidades. Eu renunciava à minha vontade, quando estava cansado ou oprimido, desistindo do poder interior sobre minha vida em favor de outro. Na busca para me reunir à minha mãe ou me fundir com Deus, acabei confundindo espíritos e outras pessoas "energizadas" com o divino. Fiquei suscetível à possessão pelo desejo imprudente de me fundir com quem quer que fosse. Tive que aprender a me separar do meu objeto de amor e do divino. Esta é uma separação que ocorre fora da matéria psíquica e que é essencial a uma vida saudável.

Comecei a lacrar todas as áreas de minha aura por onde a possessão poderia ocorrer por uma fraca definição do eu, compondo um anel ao meu redor. Tínhamos que amarrar este xamã negro do Peru com a força do amor e invocando a proteção do Arcanjo Miguel, pois ele não partiria de boa vontade. Foi necessária a concentração de quatro pessoas poderosas para exorcizá-lo do meu corpo. Decidi nunca mais abandonar meu corpo sob o efeito do ayahuasca. Aprendi essas lições da maneira mais difícil.

Fiquei decepcionado comigo mesmo no Peru, pelo sentimento de auto-importância e por ter permitido que uma presença perigosa se apoderasse de mim. Enquanto expulsava completamente esta entidade do meu campo psíquico, concentrei-me durante duas horas nos planos interiores. Pude sentir que cores penetravam em mim para me curar. Senti a entidade deixando o meu corpo e uma profunda paz se instalou seguida por uma necessidade de descanso. Dormi durante todo o dia seguinte, aliviado por ter me livrado da possessão.

Tinha sido corrompido pelo ayahuasca e por algo que, posteriormente, identifiquei como "a energia da Lua Velha". Tive de passar por esta experiência para aprender a discernir, a alcançar uma compreensão mais clara dos mundos etéricos e aprender a confiar novamente em meu mestre interior. As técnicas espirituais e a compaixão de meus amigos foram conduzidas para o domínio supra-sensível do xamã. A auto-preservação e a auto valorização seriam os passos seguintes para tornar-me mais forte e deixar de ser um alvo para possessão.

Estava descobrindo minhas trágicas falhas e me vendo exatamente como era, demasiadamente humano e cometendo erros, que tentava corrigir em tempo, com uma abordagem espiritual equilibrada. Vivendo com verdadeira integridade, jamais seremos vítimas; sabemos que cada ação é uma escolha que gera conseqüências. Ganhamos força e energia ao admitirmos as próprias fraquezas, ações erradas e pensamentos inconstantes.

O xamã negro ensinou-me que roubar energia é uma questão de controle de poder. Muitas pessoas vêm a meus workshops para se apropriar de técnicas ou se fundir com minha energia e obter conhecimento para o seu próprio trabalho. Há pessoas que se esquivam de pagar pelos meus serviços como uma maneira de drenar e exaurir minhas energias e meu trabalho. Há uma lei de equilíbrio no trabalho espiritual: receber na igual medida daquilo que se dá. Cobro o que meu serviço vale e, se as pessoas não honram isso, perco grande quantidade de energia e poder pessoais devido às trocas desequilibradas. Tento ajudar as pessoas a posicionar suas energias onde possam obter os melhores resultados. O dinheiro é uma maneira de dirigir energia. Onde colocamos nosso dinheiro é onde obtemos os resultados.

O xamã negro estava ferindo e destruindo a si mesmo. Quem ganha a luta pelo poder contra nós mesmos? O destruidor em nossa psique, que conhece apenas o poder porque na infância nunca admitiu o amor, por não querer nascer e permanecer no útero ligado à mãe, ou o redentor que existe em nós, que repara a auto-decepção passada e admite os problemas de poder sobre o que não nasceu? Escolhi a vida e o nascer novamente, afirmei o direito de minha alma evoluir no campo psicológico. O xamã negro ensinou-me como não usar minha energia e como não invadir os delicados trabalhos da psique de outras pessoas.

Sempre que nos sentimos anuviados, entorpecidos, nebulosos, estamos experimentando um outro padrão emocional vindo à tona da psique e não podemos nos desviar dele pela negação de nossa energia e atenção. A energia também será chamada do inconsciente através dos movimentos dos planetas e seus campos magnéticos de influência. Precisamos integrar essa energia ou ela criará doença física; precisamos dissipar a bruma através do conhecimento de nossos segredos, da descoberta dos conteúdos reprimidos do inconsciente e passar um tempo alimentando nossa natureza animal. Entrar neste domínio nos mostrará nossas feridas e como ajudar os outros a tratarem das suas. Deste modo, enfrentamos o intruso negro, o amante demoníaco, a infância reprimida, as memórias familiares e as circunstâncias negadas do passado. Coragem, fé e firmeza são importantes para o sucesso desta empreitada.

Durante uma cura, muitos clientes desistem de seu poder. Desistem de viver. Não querem ser curados. Ficam entorpecidos, catatônicos e frios. A respiração perde o calor. Perdem-se num evento ou estado de miasma, do passado. A cura fica bloqueada, protegida, trancada no passado. Não posso ajudá-los a menos que assumam a responsabilidade por seu próprio processo de cura. Precisam lutar contra o entorpecimento e penetrar na circulação sanguínea doadora de vida. Posso então, entrar e terminar o trabalho. Porém muitos de meus clientes nunca chegam tão longe. Precisam ter á coragem de escolher o amor e confiar em alguém; sentir-se valiosos e assumir a responsabilidade por seu desejo de serem curados. Todos somos filhos de Deus, frutos de um milagre. Curar é uma afirmação da vontade de estar verdadeiramente vivo e desejando sustentar a vida, a respiração e o corpo. É uma viagem ativa para o Mundo Inferior, para encontrar o tesouro da autoconsciência e compaixão por nossas falhas humanas.

Testemunhei muitas mortes e todas as vezes tive que resistir para não ser drenado pela ressaca da morte e reafirmar ativamente minha existência. Eu me aflijo muito com os mortos para ser sugado para o seu domínio. Afligir-se verdadeiramente é liberar todo o entorpecimento. Não vou morrer porque meu pai morreu. Não vou morrer se meu filho morrer. Uma parte de nós pode se tornar paralisada até que enfrentemos nossa perda e dor e compreendamos que é uma preparação para o bardo violeta. Observar atentamente a escuridão com consciência física e visão é uma forma de ressurreição e ascensão, uma transição para uma vida melhor. No bardo, isto é um mergulho nas forças vitais da matéria para encontrar a luz da alma, que se encontra oculta, irreconhecível e distorcida pelo tédio, complacência e trauma do eu não realizado.

Durante meu workshop seguinte, no Cobrado, a Floresta Violeta deu-me uma outra lição sobre possessão. Minha necessidade de ser especial para minha mãe, de persistir no desejo de unir-me com ela, levou-me a inúmeros problemas nos relacionamentos e no trabalho. Poderia me tornar um Dionísio, tocando tambores, cantando, contando histórias, sempre seguido por devotas. Nos cultos a Dionísio, da Antiga Grécia, as mulheres estraçalhavam touros em seu frenesi. Os homens podiam passar por rituais de castração e desmembramento perto dessas mulheres incitadas. Como nos anos 60, a era do rock and roll, quando os artistas eram arranhados e rasgados por suas frenéticas platéias.

Comecei a perder os limites da relação com minha parceira de trabalho Dawn Eagle Woman, ao permitir que fosse maternal comigo e me protegesse dessas mulheres, um papel que ela não queria representar. Durante este workshop no Colorado, uma participante declarou abertamente sua descrença em grupos e que, na realidade, tinha vindo para "me conseguir". Convidou-me a dormir com ela e ter conversas privadas, longe de Dawn e do grupo. Começou a tirar a tranqüilidade do grupo com suas exigências de atenção e até tentou seduzir Dawn, dizendo-lhe que ela tinha sido sua maior mestra.

Seu humor começou a se transformar em desespero e a exibir tendências narcisistas: via todas as coisas no grupo apenas sob a ótica de como elas a afetavam. Recusava-se a discutir seu passado, porque já estava terminado e ela estava muito "além dele". Depois, começou a desafiar Dawn aberta-mente e a maldizê-la por cuidar de mim e manter-me longe dela. Espalhou rumores de que eu estava dormindo com outras participantes. Sua imaginação começou a criar estas idéias desvairadas, porque tinha a obsessão de ter uma relação total comigo.

Senti a presença do arquétipo de Netuno por sua necessidade de ser totalmente devotada e fundir-se com alguém, para retornar ao estado de benção semelhante àquele do útero. Não assumia qualquer responsabilidade por suas ações e continuaria insistindo até que tivesse alcançado seu objetivo. Começou a se autodenominar o dragão do grupo, o feminino ctônico elevando-se do inconsciente para se fundir com seu parceiro. Eu, certamente, não queria tal união, mas ela ignorava meus desejos. Nunca me enxergaria claramente, obcecada que estava com sua imagem a meu respeito. Esta foi uma maneira de evitar defrontar-se com suas necessidades, enterrando-as em mim e usando-me até que passasse para o homem seguinte. Ela estava zangada com Dawn, como uma projeção da ausência do amor de sua mãe e da ligação com ela na infância. Sua mãe havia-lhe recusado a re-entrada no útero de amor, fusão e benção divina. Ela agora buscava nos relacionamentos com homens a relação com o divino. Precisava aceitar que era um ser humano comum e encontrar na arte ou no trabalho aquilo que lhe permitisse esta aceitação. No entanto, ela se recusava a acreditar neste remédio, convencida de ser uma deusa, imortal e capaz do tantra maior.

O grupo ficou impaciente e votou contra seu envolvimento em determinadas atividades. Queriam saber por que eu não lha pedia que fosse embora, para que o verdadeiro trabalho continuasse. Vi essa questão como a do bode expiatório; esta mulher era o foco dos verdadeiros problemas do grupo. Ela manipulava o grupo e porque não podia conseguir o que desejava de sua mãe, seus problemas não resolvidos foram, então, projetados sobre nós. Tínhamos que ser sua mãe e apaziguar seus caprichos. Ela queria o controle total, mas não tinha qualquer controle sobre si mesma. Na infância, teve que superar doenças e lhe faltou uma ligação profunda de amor com a mãe, que a estava "consumindo". Numa certa altura, o grupo teve que procurá-la, quando ela adormeceu na floresta. A necessidade de ser continuamente resgatada revelava o seu grau de abandono quando criança.

Finalmente, depois de nada conseguir e agir como criança, durante três semanas, esta mulher deixou o workshop, sentindo-se rejeitada, magoada e frustrada. Recusou-se a despedir-se por medo de perder sua conexão conosco. Recusou o verdadeiro amor e quis uma união mágica, idealizada, a qualquer custo.

Eu já atraí pessoas para meu trabalho através de meu carisma. Pela associação com tal carisma, muitas pessoas tornaram-se cheias de si. Pude ver o efeito do meu carisma sobre os outros e precisei usá-lo para levar as pessoas de volta ao divino de um modo mais humano e estruturado. Tinha que reconhecer meus próprios limites saturninos ao ajudar aos outros na passagem para a expansão uraniana. Chiron me ensinava a colocar fronteiras em meu trabalho.

Muitos participantes tentaram fugir dos workshops de grupo, refletindo seus traumas da primeira infância, nos quais um de seus pais fugia ou os abandonava. Isso causa uma divisão na psique e, em lugar de desenvolver o ego e uma identidade pessoal, buscavam fundir-se com outro objeto parental ou substituto. Quando a obsessão de possuir-me - ou a outros lideres do grupo - como objeto de amor era recusada, essas pessoas começavam a envelhecer, perdendo a juventude e fascínio, e suas projeções mágicas começavam a se desemaranhar. Pessoalmente, tive de ser sincero sobre minha necessidade inconsciente de ser querido e adorado; tive de ajudar as pessoas a pararem de fugir do primeiro confronto com as limitações da condição humana.

Jamais podemos fugir daquilo que tememos; nós apenas o carregamos conosco. O medo nos conduz a experiências que precisamos vivenciar para conhecer o outro lado daquilo que tememos. Lá encontraremos o amor. Tememos o que mais amamos e este medo pode vir à tona como um veneno, que pode ser injetado no curador ferido.

Quando realizo uma cura, desemaranhando fios ou vendo o inconsciente, de forma clarividente, para dar nome a um trauma, estou ajudando as pessoas a encontrarem os seus eus mais profundos. A verdade, neste ponto, é surpreendente e transformadora. Quando um segredo profundo está para ser descoberto neste processo, uma ejeção de veneno, uma forma venenosa de negação, é liberada. Posso sofrer um obscurecimento, quando uma teia de transferência é lançada sobre mim. Principio por ver o desejo não realizado daquela pessoa e sua humanidade não amada. Penetro mais profundamente na ferida, para revelar problemas de abandono, ausência de ligação inicial, rejeição e perda do eu. Se persisto, vejo os abusos de poder e a renúncia do poder em favor de outros. Mais profundamente ainda, manifesta-se um medo do mundo, do nascimento. Freqüentemente emerge o medo de ser aniquilado na infância, medo de intimidade sem fusão. A dor pelos traumas de infância, pela mágoa e auto punição pela rejeição e perda iniciais, vem à tona como uma ferroada.

Este ferrão escorpiano é um veneno inconsciente, uma tinta preta que paralisa a psique no desespero, no desejo não realizado e no coma. Muitos de meus pacientes entram em paralisia temporária neste ponto. Uma paralisação total da psique começa quando o choque infiltra-se como um veneno. Este é o auto-envenenamento - a necessidade de morrer antes que a cura real aconteça. É o bardo violeta em seu exato momento de ruptura. A respiração pára e a pessoa procura o útero da Mãe. Quando não o encontra, é criado um útero substituto de pedaços de entorpecimento e coma.

Momentos do passado são rememorados e subjugam a pessoa, quando o choque aflora à superfície sob a forma de imagens e sentimentos vagos. Começo a ver fios, como cordões umbilicais, alcançando a outra pessoa para protegê-la e dar-lhe mais segurança através de uma ligação com o sentido de identidade ou útero da outra pessoa. Toda a energia do corpo do paciente parece querer deixá-lo neste ponto. Preciso estar vigilante e me concentrar na cura. Este é o momento em que as pessoas morrem para seus eus antigos. Nada funciona em seu repertório de negação e reação ao trauma. Elas precisam inventar alguma coisa nova. As primeiras respirações começam quando compreendem que estão em estado ilusório. Não há nada que as separe do divino exceto o medo. Peço-lhes para não se aniquilarem através dessa união, mas para enxergarem uma relação com o divino, como adultos conectados com o aqui e agora. Elas começam a sentir seus corpos e convidam a presença do amor. Anseiam pelo divino e recebem o milagre de sua cura. Na verdade, é o divino quem anseia mais por elas. Esta é uma perturbadora experiência terrena de amor, acontecendo dentro do frágil eu, que escolhe renascer como ser humano. O passo seguinte é aceitar o mundo e suas condições e ser, ao mesmo tempo, sensível ao divino e sua influência. Estamos num corpo para integrar experiências tanto positivas quanto negativas, que é a lição de envolver os opostos com compaixão, gradualmente, ao longo do tempo. O mundo atemporal e os limites de tempo são reconciliados através das obras da psique humana.

Eu liquido o veneno através da visualização de uma chama. Como uma mariposa atraída pela luz, o veneno é destruído. Depois dessa experiência, a pessoa precisa descansar e introjetar o renascimento. Este é o trabalho da floresta, ensinando e agindo através de mim, a floresta que me nutriu quando criança e que me trouxe a este trabalho. Quando comecei a aceitar meu papel como curador de mágoas, tive de enfrentar tudo o que poderia sabotar este trabalho. Este foi o passo seguinte.

Uma árvore possui um espírito. Um ser humano possui uma alma. Desistir da própria liberdade e do direito de ser único por motivo de abandono e mágoa, é ser possuído pelo outro. Desistir da própria vontade na primeira infância é um convite a possessão. Se uma criança tem um contato direto com o inconsciente, mas falha em criar uma base e um senso do "Eu" para o ego, sentindo apenas uma fraca ligação de amor com os pais e guardiães, a experiência subseqüente na vida adulta pode envolver possessão, ausência de fronteiras e domínio por energias mais fortes internas e externas à psique. Espíritos e animais podem possuir os xamãs, mas o xamã sabe como terminar essa visita. Há regras estritas e o xamã está no controle.

Para me proteger de nova invasão ou possessão, desenvolvi uma atitude positiva e uma compreensão de que eu tinha relacionamento e responsabilidade em relação a todas as forças externas a meu ser. Se uma pessoa está em processo de superar-se ou construindo uma ponte entre a individualidade e a divindade, nenhuma influência externa pode tomar posse dessa psique, exceto para o propósito de separação. Pode ocorrer uma possessão para desemaranhar o ego e para trazer humildade à alma humana, mas tão somente quando a pessoa está pronta para ser iniciada nos mistérios da divindade.

Poderíamos nos tornar possuídos por nossas visões ou projeções sobre os outros, mas, ao longo de muitas encarnações, esses problemas retornam, para que sejam resolvidos. É importante relembrar vidas passadas, para que num próximo renascimento, uma experiência maior desta vida possa nos ajudar a não cair no sono da inconsciência novamente. Podemos criar memórias e "descriar" pensamento. Nesta "descriação", revertemos o processo de criação e nos desembaraçamos do passado; isso funciona quando incorporamos uma compreensão essencial e as lições da experiência passada. A "descriação e um instrumento para apagar a construção de pensamentos estressantes captados dos outros ao longo do dia. Cultivar os próprios pensamentos constrói uma ponte espiritual e fortalece. Somos todos filamentos de luz e, freqüentemente, nossos cordões se emaranham com outros. A tarefa da cura é esse desemaranhamento e a retirada dos nós de nossa luz única.

Estamos aprendendo a enfrentar nossas ilusões e a usar adequadamente a energia. O uso correto de energia envolve sete passos: 1) não ter expectativas. Qualquer coisa que nos tire do aqui e agora drena nossa energia; 2) não fazer julgamentos internos ou externos ou crítica feroz. Julgamo-nos ao longo do dia todo, perdendo assim grandes quantidades de energia. Cada pensamento cruel cria, eventualmente, uma dor cortante no corpo; 3) mudar hábitos. O pensamento, a ação e a emoção habituais nos consome energia. Precisamos ensinar a mente subconsciente a ser fluida; 4) manter a morte ao nosso lado. Se mantivermos a morte sempre muito perto de nós, viveremos como se este fosse o último momento e teremos um aumento de energia. O temor da morte nos drena energia, enquanto a consciência da morte nos estimula a aumentar nossa energia; 5) ver através do corpo e não através dos olhos. Estar no coração e na cabeça e sentir o corpo realmente aperfeiçoa o olhar; 6) comprometer-se com o bom combate, não reagir às pessoas. Quando alguém nos dá o tratamento do silêncio, não reagimos. Em outras palavras, temos uma estratégia. Se não reagimos, a outra pessoa muito provavelmente verá como mudamos e agirá de acordo com isso. Precisamos enfrentar os desafios da vida e não recuar, mas ter uma estratégia para aumentar a consciência; 7) cultivar o não-fazer. A pessoa interior está assistindo a tudo o que fazemos e não reage. Essa testemunha interior é o conhecimento silencioso e a fonte da força maior.

Com a energia, encontrei um fortalecimento dentro do vazio que é indescritível. Cada purificação me aproxima da aceitação da união com o divino e individualidade, ao mesmo tempo. A intenção é a chave para a magia e a consciência. A intenção ensinou-me que somente com muita determinação conseguimos transcender nosso destino.

 

Em 1996, comecei a ter vividas imagens de estar subindo em arvores e sentando-me no topo dos galhos para conversar intimamente com seu espírito. Fiz caminhadas em Santa Fé e nas florestas de Pecos, no Novo México, e rememorei uma vida anterior, na Grécia, durante o tempo dos Mistérios Eleusínios. Estava consciente de que sabia o que havia acontecido na Grécia, há dois mil anos, e de que eu tinha sido espiritualmente aberto numa época anterior. Farei um relato de cada dia de uma peregrinação em honra da deusa Deméter. Ali comecei a ver as conexões entre minha experiência do centauro Chiron e dos ritos de Eleusis.

Segundo a mitologia grega, Chiron viveu numa caverna no lado norte do monte Pelion, com uma visão panorâmica do Peletronion. No xamanismo, o norte é a direção do mestre, do sábio, daquele que resistiu às provas da trilha da morte para encontrar o eu e que é, então, uma ligação com outros mundos. A cura de Chiron faz a síntese entre o animal e o humano. Sua jornada é em direção às profundezas da natureza interior, ao pai e mãe abandonados, para se tornar o cavalo refreado. E o instinto disciplinado, uma educação para um mundo de ervas e plantas que induzem a visões e para o nascimento de uma consciência mais profunda.

Aos pés do Monte Pelion, perto de onde viveu Chiron, encontra-se o Lago Boibeis. A deusa deste lago é Perséfone, filha de Deméter. Conta-se que Perséfone deu à luz, neste lago, a um novo ser; uma criança chamada Brimos, representando uma nova consciência. Deméter, a deusa com cabeça de cavalo, está ligada a Chiron e encarna seu oposto. Sua cabeça de cavalo representa a união do domínio mental com o instinto e seu corpo humano representa o instinto difundido com inteligência.

Deméter é chamada A Negra, quando no aspecto de deusa com cabeça de cavalo. Ela me lembra as Madonas Negras vistas nas igrejas de toda a Europa. Na Grécia, ela é a Mãe Cavalo Negro. Ensinou a Chiron os mistérios e experimentos com ervas e substâncias vegetais.

Chiron, como Deméter, é o arauto da morte de um modo de vida, para o nascimento de um novo casamento entre instinto, natureza interior, razão e educação. Como o curador ferido, ele vê igualmente o cimo da montanha e a profundeza do vale, posicionado entre ambos como o mestre em equilíbrio. Precisamos ter controle sobre nossos instintos, para reconhecer o divino e aceitar os valores de família, intimidade, companheirismo e comunidade.

Deméter, sua filha Perséfone e o nascimento da criança divina - futura consciência divina - constituem os pontos focais dos Mistérios Eleusíanos. O kykos, uma bebida especial tomada pelos iniciados, pode ser uma substância vegetal que cria visões similares ao ayahuasca. Aqui entramos no mundo das culturas xamânicas, uma iniciação dentro de outras realidades, que dão sentido a nossas vidas atuais.

Na Grécia, os Mistérios de Eleusis e seus rituais duraram 1600 anos. Sua origem data da segunda metade do século XV a.C.. Os iniciados passavam através dos portões do telesterion para um aposento pouco iluminado - um santuário para os mistérios da vida. Homens, mulheres, crianças, libertos e escravos, embarcavam na jornada. Os Mistérios - abertos a todos - ricos ou pobres - gregos ou não - eram rituais para trazer as virgens submersas de volta do Mundo Inferior.

O mito de Perséfone, Kore, e sua mãe, era parte integrante dos Mistérios. Deméter, a deusa mãe, havia perdido sua filha raptada por Plutão. Perséfone perdeu sua inocência, sendo levada à força, por Plutão, para o Mundo Inferior como sua esposa, submersa na mais densa matéria. Ela tinha que se purificar através de seu sofrimento, para encontrar a própria sabedoria nas profundezas de sua psique. Deméter, deusa do cereal e da arte da agricultura, ameaçou o mundo com a fome, se sua filha não retornasse. Finalmente, ficou acordado que sua filha retornaria do Mundo Inferior, onde era rainha, desde a primavera até o final do verão de cada ano. No outono e inverno, tal como a semente, ela retornaria ao seu marido, no ventre da terra.

Para mim, os Mistérios também se relacionam com os mitos gnósticos de Sofia e Lúcifer, na tradição de Mistérios Ocidentais. Sofia foi a sábia mulher aprisionada, a alma em todos nós. Lúcifer foi um criador de seres humanos, que aprisionou a humanidade no tempo. Os Mistérios Eleusíanos foram uma tentativa de libertar da escravidão, a sabedoria e a paixão de Sofia pela expressão superior, em todos nós, depois da queda da graça. Embora enfrentando seu próprio karma acumulado, os participantes encontravam a Virgem Sofia ou Perséfone, permitindo que suas almas alcançassem a liberdade. Na Grécia, esta libertação ritual era ativada através de uma celebração de nove dias, quando se enfrentava os Guardiães do Umbral, um termo empregado na tradição dos Mistérios Ocidentais, que pode tê-los tomado emprestado de Eleusis.

Do equinócio de outono até primeiro de outubro, o Archon das cerimônias, atuando como um guia e hierofante para os participantes, protegia o grupo, invocando a intercessão de uma divindade que se assemelha fortemente ao Arcanjo Miguel. "Miguel" ministrava aos facilitadores dos rituais uma infusão de compreensão espiritual e conhecimento de outros mundos. Isso era feito através das Musas, através da fusão imaginativa de consciências entre os iniciados e os "mundos supra-sensíveis" (como são chamamos na tradição dos Mistérios Ocidentais). Na Antiga Grécia, o homem não era evoluído, enquanto espécie, ao ponto da verdadeira individualidade nos mundos espirituais, portanto, tinha que ingerir substâncias vegetais para ter visões e entrar num estado semelhante ao do sonho. Havia a inspiração dos deuses em lugar de respostas dentro de si mesmo.

Esta é outra diferença decisiva entre os ritos Eleusinos e os ritos atuais. Entre os séculos XII e XIV os seres humanos tornaram-se um "Eu" consciente, individualizado, com um ego distinto, que poderia recordar sua memória cósmica inata sem ser ofuscada por um Hieroceryx (um hierofante) nas escolas de Mistérios. Podiam interiorizar-se para a consciência solar ou do Cristo desenvolvido dentro de nossas almas e encontrar a energia para a clarividência. Tinham perdido esta habilidade depois de Atlântida, quando a glândula pineal situava-se no topo da cabeça e a consciência espiritual era muito mais compreensiva. A glândula pineal retraiu-se e murchou, transformando-se num órgão do tamanho de uma ervilha, situado entre o cérebro inferior e o mediano. Após a destruição de Atlântida, ficou mais inacessível a lembrança de nossa origem e das dádivas recebidas de Deus.

A memória continua a residir nos campos magnéticos da Terra. Após a última catástrofe na Atlântida, onde quase sessenta milhões de almas morreram repentinamente, os pólos magnéticos mudaram de posição originando a idade do gelo. As antigas almas atlantes esqueceram seu passado, numa amnésia cultural, em razão da alteração na posição dos pólos.

Embora nossas memórias mais profundas do passado antigo tenham sido sepultadas, ainda perduram na glândula pineal, a menos afetada pelas reversões do pólo magnético. É necessário libertar a glândula pineal para ter outra vez a percepção cósmica e desenvolver o potencial cerebral.

A Tradição dos Mistérios Ocidentais descreve ambos os modos de visão: o da Lua Velha, que inclui contato "inspirado por força divina", "canalizado" ou psíquico, e o mais atual, da visão clarividente e percepção direta de outros domínios. Estamos despertando e renascendo no outro lado da cortina espiritual com nova maturidade. Havia uma cortina de ferro entre os mundos material e supra-sensível. Caindo esta fronteira na virada do século, o mundo supra-sensível extrai nossas mentiras, auto-decepções, karmas destrutivos e recusas dos outros, os segredos mais ocultos e medos do desconhecido. Coletiva e conscientemente, entraremos numa espécie de bardo ou purgatório. O Julgamento Final é o nosso reflexo, em todas as nossas existências, para que percebamos tudo, nossa totalidade e defeitos. Se nos recusarmos a encarar nossos corpos emocional e astral inferior, seremos possuídos ou criaremos mais karma negativo.

Estamos limpando nossas memórias ao revivermos os mitos do passado no cotidiano. A primeira purificação é a repetição na infância da história de Adão e Eva. Uma criança conhece, na benção do útero - o Jardim - o fruto proibido da consciência oferecido pela serpente e a subseqüente expulsão do Paraíso da Mãe, no nascimento. Disso resulta a vergonha e o sofrimento físico provenientes da separação do útero, como se houvesse uma parede entre mãe e filho. Quase todas as enfermidades importantes na vida, têm origem nesta ruptura original percebida. No futuro, as pessoas que "descriarem" este mito estarão mais aptas a assumirem o encargo e a felicidade de uma vida individual.

Conforme vamos limpando as feridas da infância, os Mistérios Eleusíanos nos conduzem a uma novo âmbito de descoberta. Um aspecto dessa iniciação é a formação de um ego saudável que seja o guardião do portal para o Eu maior; esse ego é o sinônimo do Guardião Menor na Tradição dos Mistérios Ocidentais. Todos enfrentaremos este desafio, enquanto espécie, durante o próximo milênio. O ego nos testa para aquilatar se estamos prontos para abandonar o passado e aceitar a responsabilidade de nossa humanidade.

O relato seguinte é constituído de minhas lembranças dos rituais da escola de mistério, ocorridos na Antiga Grécia. As visões me vieram durante as caminhadas na floresta próxima de minha casa, em Santa Fé, Novo México.

Entrei nos Mistérios na ágora ou praça do mercado, o lugar do karma e do envolvimento mundano. Enquanto participante, disseram-me para observar o mercado de bens materiais com distanciamento, e para questionar o que realmente tinha valor na vida. O que seriam o amor, o relacionamento, a honestidade, o cuidado, e estas coisas se constituiriam em prioridades da vida comum? Além disso, o conceito de karma era esclarecido através daquilo que estava sendo pago e o que não estava.

No segundo dia, segui uma procissão para um banho ritual de purificação no mar. O nome Eleusis provém de uma palavra que significa "limpar" ou "afrouxar". Eleusis situava-se perto do mar e das correntes. A purificação dos chakras e dos corpos físico, astral e etérico era essencial. O "afrouxamento" envolvia a abertura da glândula pineal para a cognição inteligente dos símbolos e mistérios e para as memórias cósmicas do passado - a sabedoria e o aprendizado a partir dos erros. O mar é o local de nossas origens, o fluido do útero, e nós somos peixes, adaptados à terra, vindos do grande mar da consciência.

A partir deste ponto, fui separado de minha peregrinação e, repentinamente, experimentei o sabor da abertura pineal, meus ouvidos começaram a zumbir e toda uma nova percepção abriu-se para mim. Eu ainda estava neste mundo, mas todos os sentidos estavam intensificados e pude sentir ondas imensas de energia vibrante subindo pela coluna e saindo numa explosão pelo alto da cabeça, em cores estonteantes. Percebi que, nos tempos antigos, na evolução em direção a seres humanos, havia uma abertura no alto da cabeça e na base da coluna, para um tipo diferente de respiração. Eu tinha que inspirar pelo alto da coluna, numa respiração circular, como um golfinho ou uma baleia, para abrir a passagem na base e no alto da cabeça. Esta forma de respiração era bastante liberadora e o espaço entre respirações era preenchido por uma espécie de energia espiritual ou etérica. A pausa entre as respirações ou o espaço vazio entre as juntas, é tudo energia etérica e mais poderosa do que os ossos e tecidos. Vi como o corpo é criado através da consciência e como cada célula é substituída a cada dois anos. Pude ver como os pensamentos podem mudar nossos corpos, expandindo-se pelas aberturas físicas e espaços vazios dentro de nós. Vi a pura substância espiritual, como uma luz, no interior dos ossos do meu corpo. Eu estava começando a brilhar desde dentro e, finalmente, estava pronto para continuar.

No final do segundo e terceiro dias dos Mistérios, a natureza animal foi sacrificada, um sacrifício de alguns instintos básicos e uma limpeza dos animais inferiores dos chakras da sobrevivência. Os animais eram vistos como representando os aspectos emocionais dos seres humanos, congelados na matéria, endurecidos por estarem tão ligados ao mundo físico. Cada animal simbolizava um estado emocional diferente. Em Eleusis, tive que me defrontar com minha alma animal. Sonhei com uma espécie de touro selvagem sacrificado aos deuses. Minha obstinação e resistência tiveram que ser sacrificadas, deixando, ambas, maior força e vazio. Em Knossos, Creta, na corte do Rei Minos, homens e mulheres realizaram acrobacias no dorso dos touros.

Os Mistérios Maiores (Eleusínia) eram precedidos, na primavera, pelos Mistérios Menores (Antheria). Nos Mistérios Menores, tive que bloquear meus sentidos completamente. Fui mergulhado na água do rio Ilissus, até parar de respirar. Pude ver, mais claramente, todo o meu corpo etérico e suas memórias, quando meu cérebro ficou privado de oxigênio. Como uma experiência próxima da morte, fui forçado a soltar a ligação dos corpos etérico e astral com o corpo físico, que literalmente deslizaram e saíram de mim, como se estivesse despindo um casaco. No momento de tranqüilidade antes da morte total por afogamento, estava preparado para ver e recapitular toda minha vida. Testemunhei acontecimentos em mais de uma dimensão, como numa tela de cinema, examinando minhas ações e as reações dos outros aos eventos emocionais de minha vida. Experimentei deixar meu corpo, segurando num cordão, enquanto era içado para o céu e olhava para baixo, para os acontecimentos de minha vida, como uma águia. As cenas mostravam interações não concluídas com outras pessoas nesta vida e a história de minha alma antes desta encarnação. Num momento preciso, antes da morte real por afogamento, fui retirado da água e trazido de volta à vida com um tapa forte na parte de trás do pescoço - para forçar o corpo etérico a voltar ao seu lugar. Os adeptos eram treinados para, de modo clarividente, saber o exato momento de trazer os corpos de volta à superfície. Minha alma retornou da recapitulação da vida e estava pronta a ir além da auto-ilusão, para a iniciação adequada. Pude sentir uma grande quantidade de amor, perdão e fervor a partir desta experiência e me senti protegido por uma grande luz.

O quarto dia foi dedicado ao deus Asclépios, o filho de Apolo e curador instruído por Chiron em sua caverna. Asclépios ajudou a curar as encarnações anteriores da alma, através de um tipo de retrospecção cósmica recuando em milhões de anos. A memória ancestral foi despertada ou convocada pela alma. Este foi um tempo para purgar maldições e liberar espíritos incorporados. Os iniciados a meu lado foram instruídos sobre história cósmica e sua conexão pessoal com a evolução deles enquanto almas. Naquela noite, voltamos para casa para meditar sobre o que havíamos aprendido. Em meus sonhos, minha glândula pineal foi ativada para produzir visões bastante nítidas de outros ciclos da história. Além de um tipo de retrospecção etérica interior, fiz uma retrospecção exotérica de Atlântida, Lemúria, duas civilizações anteriores para chegar, então, à criação do mundo. Lembro-me claramente de falar com animais e com a natureza e de me transformar numa sucessão de animais e árvores. Eu sabia que os animais, num passado remoto, podiam falar com seres humanos e foram nossos mestres.

No quinto dia, ou pompe, que significa partida, eu estava em meio a um grupo de pessoas, com coroas de folhas de murta, sendo conduzidas através de um portão duplo, após uma caminhada de quatorze milhas. O portão era chamado de "Dipylon", um lado era destinado ao Guardião Menor da Morte e o outro ao Guardião Maior ou Eu Superior. Conduzidos por um jumento, passamos pelo portão vindos do noroeste, depois de atravessar montanhas, a figueira sagrada, um santuário para Afrodite, uma estátua de Jaccus e uma ponte estreita. Uma fita da cor de açafrão foi atada à minha mão direita e à minha perna esquerda, enquanto eu cruzava o Portal da Morte com centenas de outras almas. A ponte era a travessia simbólica do mundo material conhecido para o Santuário Desconhecido.

Insultos e zombarias acompanhavam aqueles que cruzavam a ponte; era importante enfrentar o ego neste momento. Obscenidades e acusações eram lançadas a mim e aos outros iniciados - um comportamento que dificilmente poder-se-ia esperar de uma platéia de nossos iguais. Porém, isso nos mantinha humildes, enquanto nos espicaçavam para que enfrentássemos as nossas inseguranças (que me sabotaram a maior parte da vida através da auto abnegação ou sentimentos enfatuados de auto importância. Eu precisava destruir a imagem interior de ser muito importante para conhecer o divino). Resisti à barreira de insultos em Eleusis e ingressei no "temenos", o santuário de Deméter e Perséfone. Esta foi uma grande honra.

No sexto dia, o jejum foi quebrado e os cálices sagrados, chamados "Kernoe" semelhantes ao Santo Graal - foram trazidos ao "aposento do casamento". Como iniciado, identifiquei minha vontade, meu intelecto e minhas emoções. O intelecto ou minha parte mental estava se tornando desperto; o corpo emocional ou astral estava adormecido e tinha que começar a sonhar lucidamente; minha vontade não tinha sido suficientemente usada e tinha de se comprometer. Essas três partes de minha psique foram continuamente testadas e revistas e estavam sempre diferentes.

O ego era representado por um guardião físico, um homem mascarado, para escarnecer, esbravejar e agir fora do karma que se manifestou ao longo de toda a minha vida na Terra. Ele ficou de pé à minha frente, como um espelho. Através de transe, eu realmente vi meu egoísmo, minha crueldade e meu eu astral inferior num salão de espelhos e projeções. Cada parte de minha sombra manifestou-se à minha frente. Lutei contra minha própria imagem e me desnudei num certo momento. Quis fugir ou me esconder, mas o guardião olhou-me nos olhos e me trouxe um profundo sentimento de medo infantil. Era um medo irracional. O guardião, então, cobriu minha cabeça e me deitou ao chão para morrer. Era uma morte ritual do antigo eu, mas senti que estava deixando meu corpo. Tive, então, que abandonar Dawn Eagle Woman. Ela tinha sido minha mestra até aquele momento, mas agora tínhamos que nos afastar um do outro. Ela cuidara de mim e guiara meu crescimento espiritual, porém não era mais necessária e poderia, de fato, ser prejudicial ao meu crescimento futuro. Vi que, se nosso relacionamento continuasse, sentir-me-ia enfraquecido, porque já tinha aprendido o que precisava aprender com ela. Agora só queria sua aprovação e, em minha jornada para compreender Deus, precisava parar de buscar a aprovação dos outros. Finalmente, o guardião cortou os restos de meu corpo astral inferior com uma faca ritual. Sacrifiquei minhas paixões habituais e os miasmas insalubres no inconsciente. Minha antiga conexão com Dawn Eagle Woman foi cortada e não poderia entrar em contato com ela por um longo período. Senti-me consideravelmente mais leve e mais sereno.

O guardião tinha visto meu corpo astral inferior ligado ao meu umbigo e cortou-o com precisão. Todos os cordões emocionais que me ligavam a meus mestres passados tinham de ser cortados, bem como aqueles que me ligavam à minha família, meus amigos, amores, como se eu não fosse mais uma criança precisando de um cordão umbilical para sobreviver no mundo. Sentia-me livre, pois os cordões eram cortados um a um enquanto cores brilhantes aliviavam e consertavam os buracos deixados por eles. Eu estava numa espécie de cirurgia psíquica com agulhas e linhas fechando antigas feridas, ligações e dependências que tinha, finalmente, superado.

Neste ponto, Deméter, ou Sofia como a Grande Mãe, teve permissão para entrar. Depois que meu corpo astral inferior tinha sido cortado e dispensado, pude perceber a sua face. O corte tinha sido um choque, pois a faca ritual destruíra as conexões com as ilusões emocionais passadas da vida humana. Permaneceram apenas as emoções superiores, mais profundas, do amor verdadeiro. Meus sentidos estavam fechados, para que não interferissem com a liberação. A Grande Mãe estava diante de mim e parei de me sentir aterrorizado com o corte ou com medo do passo seguinte.

Como todos os iniciados, pedi a Perséfone que entrasse em meu corpo. Ela viveu na matéria como Sofia, a Grande Mãe e criadora da vida elemental, do ar, água, fogo, terra e as separações etéricas - chamadas "Pleroma"-a partir do primeiro mundo além do tempo e do espaço. Ela tinha caído de um mundo elevado, devido ao seu desejo de ser apaixonada, de aprender novamente e distribuir sua sabedoria de modo apaixonado. Foi qualificada como "maya" ou ignorância por sua necessidade de ser consciente do certo e errado, de procurar realização e instilar isso em nós. Tornou-se a donzela Perséfone ou Virgem Sofia, o Logos da Sabedoria, nosso desejo de ver o sagrado no lugar comum e o divino no mundo material. Para conhecê-la em Eleusis, tive que destruir a Sofia inferior, suas paixões básicas de ignorância, ambição, impaciência, destruição e fúria, e percebê-la como um todo - englobando luz e treva em equilíbrio. Tive que restabelecer sua inocência - a alma feminina apaixonada, livre e clara. Ela era nossa alma coletiva presa na matéria, desejando experimentar o divino de onde ele vem.

O mistério trouxe Sofia, como Perséfone, das entranhas da Terra, do exílio na matéria densa para a luz da consciência. Deixei que Sofia me iniciasse e guiasse para enfrentar o Guardião Maior. Abandonei todos os conceitos, idéias e sentimentos sobre outros mundos. Despi-me de expectativas. Senti-me realizado numa percepção superior e completamente vazio. Minha mente penetrou nos mistérios da natureza e espigas de milho foram colocadas em minhas mãos, diante de mim formaram-se figuras de pura luz. Comecei a conhecer Deus através da experiência da linguagem dos números, dimensões e geometria. Testemunhei a criação do mundo como uma embriogênese, uma mitose celular, a evolução de meus cromossomos e como eles desenvolveram determinadas capacidades cerebrais. Vi os sólidos Platônicos, os tetraedros de fogo formando-se acima e abaixo de mim, girando e cruzando no ponto central do meu coração. Pude ver a vesica piscis e uma série de círculos reunindo-se em específicos padrões fundamentais, os blocos construtores da vida, como um imenso espécime de lótus. Através da geometria, comecei a experimentar um comprimento de onda de luz vindo em minha direção, passando através de minhas células. Com ele eu seria capaz de criar a saúde perfeita e reverter enfermidades. A doença é uma forma de aprendizado na Terra, crescer através do sofrimento e da cura, mas que no futuro perderá sua importância como forma de aprendizado. A ciência do comprimento de onda e, em menor grau, a freqüência do som serão as chaves para exterminar enfermidades no século XXI. Minha percepção era de que as enfermidades deveriam terminar para que o tempo pudesse ser despendido no desenvolvimento espiritual.

Em seguida, cada um de nós deu a Deméter ou Sofia, a permissão para transpor o portal em nosso lugar. Ela era nossa substituta. Fiquei em frente a um grande portal e acenei para que ela caminhasse adiante de mim. Ela resplandecia e eu me curvei diante de sua presença e mistério. Era uma iniciada, retornando à posição original como Espírito Santo ou Deusa do Espírito em nosso lugar. Aquele foi o momento de rendição a Ela. Eu a via numa luz incrível, uma radiância que era transfixante como Deméter e Perséfone, mas sabia que era também a Isis Negra, a Virgem Maria, a deusa Kali da Índia. Soube que todas as mulheres são deusas e todas as deusas são Uma. Vi Perséfone ter convulsões, como epiléptica. Ela precisava aprender como abrir sua glândula pineal. Nós a estávamos iniciando neste mistério. Seria livre para se juntar à luz da primavera e do verão e iluminar o mundo cotidiano com sabedoria, verdade e beleza. Através de nós e de nossa reverência, ela se tornou diáfana.

Em seguida, veio o seu casamento sagrado com o Cristo. Seu consorte era o Cristo sob a forma de Dionísio. Eu sabia que ele era o Rei Sol, Ram na Índia, e Osíris no Egito. Era aquele que sangraria como uma encarnação divina do Logos totalmente realizada. Era os deuses despertos para o potencial total na carne. Ele cativou e fez amor com Sofia numa cerimônia sagrada de casamento. Todos nós testemunhamos esses eventos e sentimos a serpente de kundalini subir por nossas colunas, enquanto o ar estava carregado pela consumação. Senti meus instintos e minha mente superior se fundirem em sua união sexual. Pude sentir os deuses e os humanos se unindo para dar à luz um filho e uma filha, ancestrais da humanidade.

Numa espécie de sacramento, todos os iniciados, inclusive eu, beberam água misturada com cevada e hortelã, que também continha uma substância vegetal, que nos ajudava a ter uma visão clara, cognitiva, dos procedimentos. Sentimo-nos mais despertos, num estado sublime fora do tempo, observando tudo através de uma perspectiva elevada, como águias. Caminhamos numa longa procissão compassos precisos, prestando atenção em nossa respiração, e ingressamos em outras dimensões e experiências com pessoas e lugares que fisicamente não estavam presentes no aposento.

Na conclusão das cerimônias, aos estudantes avançados de visitas anteriores a Eleusis foram dadas mais instruções. O aprendizado avançado sobre o outro lado do véu foi fornecido juntamente com a cognição consciente de outros mundos. Entrei num mundo novo de imagens entrelaçadas. Esta é a única maneira que consigo explicar - minha visão estava alterada para apreender tantas dimensões de uma só vez. Os Mistérios penetraram em meu corpo físico e despertaram-me novamente no final do século XX. Esse ensinamento e a poderosa força coroada da verdade preparam-me para esta transformação de matéria em espírito e sentimento.

Eleusis é uma introdução ao enfrentamento dos Guardiães Maior e Menor da Tradição dos Mistérios Ocidentais. É chegada a hora de todos participarem com consciência, novamente, destes Mistérios em nossos corpos atuais, enquanto vivos.

Themistius de Paphlagonia fornece um "insight" deste processo: "A alma prestes a morrer passa pela mesma experiência daquelas que estão sendo iniciadas nos mistérios maiores... inicialmente, vagueia exaurida, de um lado para o outro, cumprindo a jornada pelas trevas, com desconfiança, como um não iniciado; experimenta todos os terrores, o tremor, o suor, a surpresa; para em seguida ser tocada por uma luz maravilhosa, recebida na vastidão de regiões puras, com coros e danças, sons majestosos e formas sagradas; em meio a tudo isso, a alma que já consumou a iniciação caminha livre, liberada e portando sua coroa, junta-se em divina comunhão a consortes puros e santos...".[10]

 

Para fazer o parto de toda uma cultura, de forma xamânica, no início do século XXI, precisamos inicialmente compreender que estamos entrando na era de Sofia, uma configuração mais recente da deusa Deméter com cabeça de cavalo, uma atualização dos Mistérios Eleusíanos, o tempo da Deusa, e que é necessário fazer uma parceria com ela. A compreensão feminina de Deus e de nossas origens nas águas de "égua, mater, mãe", nosso renascimento para a terra e para a floresta constituem a progressão futura da iniciação ao divino.

Precisamos todos mergulhar num purpúreo "mar de vinho escuro" para, finalmente, encontrar as águas da vida e caminhar sobre a terra, através de duas árvores, o umbral para o mundo interior de equilíbrio. Sofia é nosso primeiro guia para as Vozes da Floresta Violeta. Nas escolas de iniciação, Sofia era chamada de Achamod, ou Sofia Inferior. Ela é o mundo elemental de ar, fogo, terra e água. É emotiva, entristecida em seu exílio longe de Pleroma. Ela encarna nossa paixão pelo mundo material. Eu a amo intensamente e a vejo em num. Existe em meu corpo emocional, astral, é a Lua Velha em num. Queria que eu empreendesse uma purificação alquímica.

O primeiro estágio começou com meditação, concentração, liberação emocional e trabalho catártico, tendo uma compreensão clara do sistema de chakras no corpo com a constante limpeza da cognição. Ela queria que eu desenvolvesse a imaginação etérica e concebesse a recriação do mundo material através da percepção direta da realidade. Para abrir o etérico, precisei me concentrar nos espaços entre as respirações, nos interstícios entre minhas juntas e meditar no Vácuo, no grande vazio.

Sofia é Sabedoria e, em seu aspecto virginal, ela poderia me preparar para a purificação do meu corpo astral, emocional. Curar e compreender nosso próprio caráter nos ajuda a encontrar a sabedoria. É preciso muito trabalho interior, além do trabalho no mundo, para se obter um pouco de sabedoria cultivada. Quanto mais verdadeiramente trabalharmos sobre nós mesmos e nossa sombra, mais clara e precisa será a sabedoria.

A psique interior precisa ser gradualmente controlada, pois a natureza inferior será apartada da superior. Este é um período perigoso, que a maioria dos psíquicos, médiuns e conselheiros precisa enfrentar. Suas personalidades transbordam exuberantes, porque pensar, sentir, desejar, intuir são entidades diferentes com vontade própria. Se não forem suficientemente disciplinadas, podem espalhar-se em muitas direções, o que pode ocasionar estranhas manifestações de caráter e comportamentos negativos. Muitas pessoas, incluindo eu mesmo, ficam insuportáveis neste estágio! O pior de nós emerge repentinamente. Corremos cegamente. Temos fantasias grandiosas, imagens selvagens, que nos levam igualmente à arrogância e ao retraimento. Estamos sós e nossa vida interior está em revolta!

Neste ponto, precisamos visualizar o calor humano, bondade, paciência e amor verdadeiro. Tive que desenvolver uma vontade de ferro, durante todo o tempo, para ter a coragem de enfrentar a mim mesmo e sofrer por vontade própria. Tive que confrontar como o sofrimento de minha mãe tornara-se o meu próprio sofrimento por osmose. Quando criança, identifiquei-me com a miséria de minha mãe. Via seus desapontamentos e tive que me separar dela para alcançar alguma coisa em minha própria vida. Foi isso que inicialmente me levou à profissão de curador. Não queria uma vida de sacrifícios. A identificação com as realidades arquetípicas de Sofia, Lúcifer e Ahriman trouxeram-me muito poder. Contudo, ainda é um poder emprestado. Não é um poder alcançado, especialmente se tentarmos usá-lo para compensar aquilo que nos faltou na primeira infância. Precisei voltar ao meu nascimento e encontrar um equilíbrio comigo mesmo, encontrar a base do meu próprio poder. É preciso muita disciplina, várias purificações e limpeza dos chakras para se chegar ao próprio poder da vi-são clarividente.

Sempre soube que meu pensamento era ativo, assim como meus sentimentos, não apenas nos sonhos, e finalmente, tinha descoberto a minha vontade. Na realidade, a maioria de nós sonha com os próprios sentimentos, mas a vontade fica ausente. Queria ser livre para agir e ver as conseqüências kármicas dessas ações. A maior parte das pessoas está adormecida, levadas a agir fora de suas necessidades, por compulsão, pela força. Podemos aprender a querer nossos pensamentos e alcançar a maestria.

A recapitulação, revisão dos eventos de nossas vidas, pode ajudar neste processo. Podemos fazer uma investigação a partir de nosso nascimento, buscando descobrir tudo o que podemos a nosso próprio respeito. Podemos rever cada relacionamento, cada troca de energia, desde agora até a nossa concepção. Podemos criar quadros anímicos com cores, formas e sons. Este é nosso corpo etérico no tempo. Olhamos no espelho e é preciso muito tempo para olhar para trás, para cada fato acontecido.

As imagens sempre mudam, infundindo o passado em novas formas, de natureza orgânica, não espaciais ou particularmente lineares. Aprendemos a pensar livremente. Nossa revisão nos coloca frente a frente com o grande ser existente em nossa alma. Depois, precisamos deixá-lo ir e nos libertarmos dele. Em seu lugar brota uma nova consciência muito mais atenta.

Na recapitulação, vi acontecimentos de minha vida sob muitas perspectivas. Precisei revisar cada segundo dela, do nascimento até agora. Numa caixa preta, tive de rever e redirecionar todas as energias da infância e de cada relacionamento de minha vida. A energia de cada troca emocional começou a retornar a mim, à medida que o passado ia se apagando. Eu o assisti completamente, com um senso de percepção, de surpresa, e depois, teve que partir. Os pensamentos são seres elementais, sombras de um outro mundo. Os seres espirituais são figuras mentais. Podemos, conseqüentemente, aprender a originar nossos próprios pensamentos. Aprendi a bani-los, examinando-os com um olhar profundo. Se ao olharmos intensamente para uma imagem, ela se dissolve e não mais retorna, é sinal de que não é real. Porém, se ao olhá-la desta maneira, ela se dissolve e se recria, persistente, então é um fato. Quando vejo os Registros Akáshicos, ou registros da existência da alma através de muitas encarnações, testo o que percebo, banindo determinadas imagens; algumas retornam exatamente da mesma forma, são, portanto, reais.

Sofia deseja a completude de seu ser. Quer que estejamos totalmente conscientes dela. A paixão de seu exílio criou o mundo que habitamos. Ajudamo-la a voltar para casa a cada discernimento, a cada consciência da clareza.

Em seguida, o corpo astral tem de passar por uma purificação para se tornar puro sentimento. Foi esvaziado de seus acúmulos kármicos passados e cortado pela espada do discernimento. É um grande abandono. A Virgem Sofia agora sente que pode ir em frente e fazer-se conhecida. Ela nos ilumina e as formas e visões do corpo astral são fornecidas ao corpo etérico. Nos é dado um tecido vivo de pensamento que pode ser interpretado. Encontramos, então, a sombra, o Guardião do Umbral, o verdadeiro guardião existente em nós mesmos. Em seguida, encontramos os espíritos existentes por trás dos elementos, tais como as fadas, elfos, gnomos, ondinas, silfos e salamandras. Vemos seu relacionamento conosco e com nossa imaginação. Através da animação do mundo, encontramos um mundo de formas-pensamento e espíritos como antigos animistas. Podemos, então, atravessar a noite escura da alma até o Sol da Meia-noite. Penetramos nas trevas para encontrar as presenças espirituais no Sol. Ingressamos em outro mundo. Começamos a assistir os movimentos de planetas e estrelas e o espaço interior.

Quando comecei esta iniciação, tive que enfrentar a fera. O leão do meu egoísmo e vontade estava livre, raivoso e queria me matar. Tive que segurar sua boca, tal como um cocheiro segura firmemente as rédeas de um cavalo fogoso para manter o equilíbrio. No tarô, você abre a boca do leão com as mãos nuas. Experimentei um enorme terror. O leão começou a abrir os meus chakras; eu estava aprendendo a controlar o leão interior, a possuir a força.

Depois disso, veio um outro animal, que sempre levanta sua cabeça nos workshops, através das projeções dos participantes - o dragão. Tive que aprender a enxergar o dragão e encará-lo nos olhos. Se não enxergarmos claramente a fera, podemos ficar iludidos. Vi como, no passado, canalizei imagens da minha barriga, da digestão. Eu pensava com minha barriga. O elementais provenientes do alimento, em meus órgãos e digestão, eram este dragão. Enfrentei o dragão ao orgulho, da avareza, da luxuria, da vaidade, da autoperseguição e da concentração espiritual. Os instintos mais básicos vêm à tona ferozmente e são horrendos. Sou aquele dragão louco, selvagem, que perseguia uma vontade de se fundir com tudo, na busca pela benção. Precisava abandonar a ansiedade de alcançar as alturas espirituais. Vi que meus instintos e minha sexualidade desejavam que eu continuasse a evoluir através do enfrentamento de minha negatividade. Quando aceitei o dragão, senti-me mais humano.

Passar pela iniciação é enxergar o dragão como nós mesmos. O reconhecimento interno e a aceitação são os matadores do dragão. A partir do dragão, do leão e da iniciação pela morte emerge Sofia. Ela é nosso corpo astral purificado. Anteriormente, o corpo astral era instintivo, apaixonado e cheio de egoísmo. Vivi durante muito tempo nos sonhos de outros seres de um antigo tempo lemuriano. Eu era uma cópia de seus pensamentos e sentimentos espirituais, como se fosse apenas sonhos, imagens, uma fraude substituta. Isso estava relacionado com a criação; eu estava sendo influenciado por um ser superior, mas ainda não era independente. Não aceitava mais ser um instrumento dos deuses. O Arcanjo Miguel queria que eu fosse "Eu", consciente, este era o caminho de minha evolução.

Em seguida, precisamos abordar o Guardião do Umbral, que alguns chamam de Eu Superior, mas que para mim, é a imagem de Chiron, o mestre consumado do sacrifício e da cura. Chiron conduziu-me a um portal composto por duas arvores. Instantaneamente soube que esta era a Floresta Violeta, a entrada para o mundo de união com os opostos. O mundo, para além daquele véu encontrava-se fechado, exatamente como uma porta trancada bloqueia o livre acesso humano. Esse mundo é sutil, um mundo formador de seres celestiais. Nem todos os seres são capazes de enfrentar a imensidão deste mundo e sua natureza esmagadora. Tememos este Vazio e o ego nos puxa para trás. Ficamos amedrontados pela devastação e destruição que ele pode causar. Aqui, enfrentei a raiva cega de meu próprio ser interior.

Na ciência esotérica existem dois Guardiães, o Menor e o Maior. O Menor guarda a porta interior e, para mim, este era Deméter com cabeça de cavalo, a antiga Mulher Cavalo, um poderoso símbolo xamânico. O Maior, simbolizado por Chiron, era o mestre do instinto e do intelecto, que guarda a porta exterior. Ele é nosso ego mascarado. O Guardião Menor encama nossa fraqueza e vergonha. Este Guardião é o conteúdo de nossos sonhos noturnos e das paixões não esclarecidas, a sombra não integrada. Tudo o que rejeitamos em nós mesmos torna-se nosso reflexo.

Quando compreendi que o Guardião Menor era meu iniciador e minhas próprias autoprojeções, comecei a falar com ele. Algumas vezes ele surge como uma matilha de cães selvagens ou uma grande sombra, mas compreendi que isto era meu ego, o acúmulo de vidas de inconsciência, negligência e karma. O Guardião apareceu com uma face de cavalo e eu o reconheci como Deméter, aquela que me ensinou o discernimento e como ser genuíno. Através da discriminação, discerni quais eram as minhas próprias autoprojeções e quais eram as realidades cósmicas. Precisei passar através da imaginação, da intuição, da inspiração e procedi a uma profunda aprendizagem interior.

O Guardião ajudou-me a ver-me como realmente sou e a começar o verdadeiro trabalho da alma. Meus corpos astral e etérico separaram-se do corpo físico e tornaram-se mais soltos e mais livres para serem autônomos. Sua independência prefigurou a minha. Tive que enfrentar, em meu corpo astral, os desejos e paixões de todas as minhas vidas na Terra. Vi os demônios, minha própria energia astral acumulada. Enfrentei aquelas partes não resolvidas para passar por todas as decepções e ver o conteúdo total de minha psique. Encontrei as personalidades em mim mesmo. Também vi o pouco progresso que havia feito em outras vidas. Senti-me humilhado e paralisado por algum tempo.

Se pudermos, honestamente, enfrentar e enxergarmo-nos com o Guardião Menor, estaremos, então, diante da brilhante presença daquilo que muitos chamam o Eu Superior ou Guardião Maior e que transformou-se em Chiron, o mestre. Ele é um ser de luz, que possui o verdadeiro conhecimento do Eu. Ele nos conhece intimamente. Retém esse conhecimento, protegendo-o até que estejamos preparados para cuidar-nos e enfrentar o Vazio, onde cada um de nós precisa ainda ser um "Eu" ou tudo perderemos. O Guardião Maior impede esta rendição prematura. Se com o Guardião Menor, enfrentamos o tempo, nosso passado, com o Guardião Maior, enfrentamos o espaço. O cosmo é uma expansão da consciência do "Eu". Nós somos a compreensão do cosmo.

A primeira visão ao atravessar o umbral é a de ambos os Guardiães. Vemos nosso duplo, nosso eu recém-nascido. O Guardião Maior retira sua máscara e se revela como o Cristo radiante, aquele em quem nos transformamos. Quando somos bem sucedidos ao fazermos essa passagem, contemplamos o Cristo face a face. Ele é o espírito dos seres humanos, sua forma ideal. Muitos budistas percebem o Buddha deste ponto de vista. Os iogues vêem Shiva, minha experiência foi a de Cristo.

O Guardião de face dupla, o ego, é o que sempre vemos em primeiro lugar. Ele se transforma no Eu Superior, evolui para Chiron ou o ego permeado por Cristo, o "Eu Sou". Permanecemos no umbral como Sofia, personificando a Virgem. Ingressamos numa nova terra, uma perspectiva do mundo supra-sensível. Através do corpo astral purificado, nossos órgãos de percepção tornam-se mais aguçados. Vemos Sofia como a noiva de Cristo. Ficamos isentos dos conceitos ligados aos sentidos e ela emerge da alquimia interior. Cruza o portal por nós. Através da imaginação inspirada, com a força de Sofia, penetramos conscientes no espiritual. O desenvolvimento desses órgãos superiores de percepção libera a energia espiritual para a visão. Nossos pensamentos criam figuras que são vivas, que nos levam à liberdade espiritual e ao desenvolvimento do verdadeiro livre arbítrio e cognição atenta.

Terminamos nossa sonhadora clarividência da alma grupal e entramos no mundo etérico ativo, de olhos abertos. Esta é uma revolução na consciência. Todos os mistérios estão, agora, sendo manifestados a toda uma cultura sobre como iniciar uma revelação matriarcal.

 

Após essas iniciações, disse-me Chiron: "Agora que o cavalo selvagem em você foi enfrentado e eu estou livre, o seu sofrimento chega ao fim e a alegria o preencherá como o beija-flor. Após o confronto com a Mãe cara de cavalo e o encontro comigo, o mestre interior, você está pronto para olhar de frente o seu espírito indômito, o beija-flor. Estes são os símbolos do despertar para a iluminação futura. Nasceram da Floresta Violeta e são a essência dos ensinamentos das árvores."

Na meditação, vejo a superfície lisa da água. Se atiro uma pedra, a superfície se transforma e muda também a superfície deste mundo. Vida é impermanência, reverberação, a sombra de um outro mundo divino. A superfície deste mundo é ilusória, mutável. O exercício de minha profissão é atirar uma pedra na água, essa pedra é a Medicina do Beija-flor.

Para quebrar o espelho do ego, interrogo-me sobre questões fundamentais. Quem sou? Qual é a natureza da vida? Quais são as origens do verdadeiro ser humano? O que é real? O que realmente desejo? A que se assemelha o sentimento do vazio da vontade? A Medicina do Beija-flor questiona tudo e, com olhar amoroso equilibrado, nos conduz à alegria do cosmo. Não há sistema ou fórmula para o sucesso e tampouco religião. É o questionamento do Espírito e da alma, do "Eu consciente" que levam ao conhecimento do amor.

O que é essencial para se viver uma vida completa? A simplicidade de praticar o que estamos dizendo, a simplicidade de discernir o que é honesto. O auto-exame, por um grupo com igualdade de intenções em lugar de pessoas que só dizem "sim", nos mantém inquisidores e honestos. O auto-exame individual nos mantém menos propensos à violência e à desonestidade e nos permite ser livres. A Medicina do Beija-flor capacita um indivíduo ou um grupo a realizar um auto-questionamento sem narcisismo ou niilismo e, portanto, sem julgamento. Podemos nos enxergar da maneira que somos, amar e aceitar esse "eu" e, gradualmente, abraçar o amor no outro.

A Medicina do Beija-flor prepara a pessoa para a morte e para a imortalidade. Nada morre; tudo é livre e universal para sempre. A energia nunca é destruída. O espírito de uma árvore está na semente. O espírito de um ser humano é a semente da alma, pois é indestrutível como testemunha do mistério de todas as coisas. O Espírito Santo não pode ser aniquilado e tampouco a realidade. O beija-flor bebe o néctar da flor. Néctar vem do grego "nekros", morte. O beija-flor bebe o elixir da morte para criar a ressurreição. Todos nós precisamos morrer e passar por toda a iniciação no portal da morte, enquanto ainda vivos, para enfrentar o corpo astral e o Guardião Menor do Umbral. Chiron é o iniciador no portal da morte, por ter sacrificado sua imortalidade para libertar o espírito de Prometeu em todos nós.

O beija-flor segue os ciclos lunares, especificamente o influxo da lua minguante, para destilar o néctar que estimula nossos cérebros a produzir as neuro-secreções para o despertar total. Ao beber o elixir da morte, o beija-flor extrai o antigo elixir da imortalidade.

O beija-flor alcança seu objetivo e tem significado em termos do despertar da humanidade para o outro mundo. A Medicina do Beija-flor tem aversão a sistemas e cosmologias e é digna de ser pesquisada. É a alegria das experiências do novo corpo etérico e de luz através da investigação e da história, da palavra, do som e da consciência.

Sei que os beija-flores atuais podem ter sido humanos em vidas anteriores. Podem ter sido guerreiros fixados no material e agora precisam encontrar a verdadeira benção, antes de encamarem novamente como humanos. Dentre os animais, o beija-flor é o que possui o maior coração em relação ao tamanho do corpo e é o único pássaro que pode voar para trás. Parece permanecer suspenso no ar, enquanto bebe seu néctar arrebatador.

Fixei meu coração num ponto e o beija-flor dentro do guerreiro que há em mim abriu esse coração. Que o seu coração possa se abrir e que nada lhe pareça impossível. Há um tempo para ler livros, para ser desafiado por novos "insights" e histórias da alma, e há um tempo para abandonar os livros. A vida está no tempo certo ou tempo sincrônico. No momento certo, quando você estiver preparado para receber o elixir, que um beija-flor possa entrar em sua casa através de uma janela ou porta e que você possa ultrapassar o véu para um outro mundo de quadros tecidos.

O beija-flor poderia interromper o seu trabalho, a sua pintura ou a sua refeição e anunciar-se como o Guardião do Umbral. Um beija-flor poderia chocar-se contra o vidro da janela e precisar que você o sustentasse em seu estado de torpor. O pássaro poderia descansar em suas mãos e compartilhar sua energia vital com você. Este é o início do chamado para o despertar, quando o beija-flor abre o lar de seu coração e não há mais como voltar.

O beija-flor é uma encarnação material da alegria da emoção e desperta a alegria em nossos corpos densos. Este pássaro zumbe como o corpo etérico, como o som da cápsula ou casulo etérico rodopiante. Ele nos recorda aquilo que está além deste mundo, no mundo seguinte, atuando como um impulsionador psíquico ou guia para o supra-sensível. A noite, o beija-flor é dominado por um estado de morte, um torpor, reduzindo sua percepção e retirando-se para uma escuridão violeta, até a nova ressurreição pela manhã. Todas as escolas de mistério constituíam uma preparação para a morte, como a respiração reduzida nas práticas iogues. A percepção do corpo interior encontra-se no coração; o coração focaliza um ponto e o corpo reduz o metabolismo para integrar o néctar da vida. Podemos desacelerar nosso metabolismo, recolhermo-nos, encontrar o que tem valor e receber a doçura da vida.

A flor pode ser vista como o lótus dos chakras. Através da polinização, transporta as essências das flores, da imaginação, à medida que podemos realizar além do véu. O beija-flor abre os canais da sensibilidade em nós, para conhecermos a Era das Flores, e extrair o néctar de nossos chakras. Esta é a compreensão mais profunda e nossa retidão unidirecionada. Este néctar, através da intenção, é transformado num elixir. Esta é a essência da Medicina do Beija-flor.

Patanjali, em seu extraordinário "Yoga Sutras" descreve a Medicina do Beija-flor. Ele menciona dharan - concentração, absorção no objeto que se está contemplando - como a relação do beija-flor com a flor. O segundo estágio, é dhyana ou contemplação e atenção. Chamo a isso de "o beija-flor-alerta-esperando-no-galho da árvore". Ele precisa ouvir e conhecer integralmente o seu processo orgânico, estar perceptivo aos arredores e ainda estar unidirecionado em sua busca do néctar. O terceiro estágio é samadhi, quando o beija-flor voluntariamente atinge um estado de morte, à noite, para a regeneração e total assimilação do elixir. O último estágio é samyama e a obtenção de kaivalya, quando o coração do beija-flor não mais se agita e os sentidos estão calmos. Quando o beija-flor morre fisicamente, sua liberação torna-se parte de tudo, sua consciência continua viva e pode nos guiar para a liberdade através da alegria encontrada na consciência e perseverança no caminho espiritual da alma. Estes são os estágios da imortalidade.

O antigo termo veda para a essência da Lua minguante é "Soma", em persa haoma. O elixir da imortalidade sempre foi associado aos ciclos da Lua. O beija-flor tem consciência da Lua e os seus ciclos nos afetam tanto quanto ao pássaro. Indra, o rei dos deuses nos hinos védicos, possui "soma" no ventre como se fosse um feto. Prestamos atenção para perceber a Grande Mãe, dentro do ventre e o elixir que ela nos fornece. Indra tem força no corpo, sabedoria na cabeça e relâmpagos nas mãos.

William Blake escreveu sobre Albion, o gigante existente no interior da Terra. Juntos, enquanto espécie, estamos apenas nascendo para a consciência "Eu" desperta. Aprendemos aos poucos sobre a existência de Albion, mas estamos conscientemente esperando o nascimento. A Terra é nosso útero coletivo, que criamos através de imagens, sons e visualizações. Cristo e Miguel nos ajudam a nascer iluminados, seres humanos conscientes, fora da incubação. Este é o propósito da Medicina do Beija-flor na Era das Flores.

Podemos extrair o néctar da vida, as concepções de flores, aprender a enxergar o mundo através de um novo caminho consciente e a co-criação que fazemos dele enquanto seres humanos. Vivemos num envoltório etérico, sexual, biológico. No orgasmo sexual, muitas vezes nos sentimos profundamente cerca de Deus, as energias para além do véu. A vida orgânica alimenta-se desta energia e nossos corpos de luz etéricos são criados a partir desta força vital. (Wilhelm Reich chama-a de orgone. Acredita-se que os acumuladores de orgone produzem calor no vácuo). Ainda uma vez, o corpo de luz etérico é uma fonte de calor para os seres humanos. A compaixão é um processo de mudança das paixões astrais para calor genuíno. A energia é sugada para o alto, através da coluna, até o cérebro e, para baixo, até a raiz ou chakra sexual, como um ciclo. Estes são os princípios do Taoísmo e de certas escolas tântricas, refletindo os padrões minguante e crescente dos ciclos lunares.

Enquanto o beija-flor trabalha com ciclos lunares, está criando orgone, sem dissipar sua energia. A eficiência do beija-flor combina com os ciclos lunares para estimular as secreções de hormônios em nossos cérebros. Através da atenção, do refinamento e da destilação, alguns hormônios podem regenerar o corpo e ajudar na criação de um corpo de luz espiritual.

Quando esta energia se eleva até o hipotálamo e glândula pituitária, libera um elixir, a partir dos hormônios, que gradualmente transforma o corpo físico num corpo espiritual. A espiritualidade está latente, premeditada na forma. O Logos é a forma interior esperando para ser despertada. O grande Albion cósmico deseja despertar dentro de nós e mover-se. A saída é para que nossas almas, através de Sofia, retornem ao lar a partir da consciência da Lua velha para a Lua Nova e voem através do umbral para encontrar o Cristo como seu par. Esta é a essência de uma nova cultura matriarcal e de uma revolução espiritual, na qual a alma, como um beija-flor, descobre a beleza da vida.

No final deste livro, estou caminhando pela Floresta Violeta, terminando minha vida pessoal como comecei, relembrando que primeiramente encamei como uma árvore, depois como um beija-flor e, então, simbolicamente como um centauro e, finalmente, como ser humano. Através deste livro, retornei ao passado e morri como ser humano, fiz minha própria ressurreição como centauro, para rever as lições do passado paleolítico, depois como beija-flor, meu espírito, e finalmente como árvore, a origem da vida. Sei que, quando a última árvore morrer na Terra, nós, como humanos, seremos extintos. Minha esperança é de que entraremos na Floresta Violeta e ressuscitaremos uma nova cultura que sustente a vida a partir das árvores.

 

 

 

[1] Nikos Kazantzkis, Spain, P. A. Bien, trad. (New York: Simon & Schuster, 1963).

[2] Roger Shattuck, The Banquet Years (New York: Vintage Books, 1955, 1968).

[3] Ibid.

[4] Robert Graves, The White Goddess (London: Faber & Faber; 1977).

[5] Theodore Roethke, Collected Poems of Theodore Roethke (New Yorque: Doubleday, 1975).

[6] Webster's Third New International Dictionary of the English Language Unabridged, Phillip Babcock, ed., (Springfield, MA: Merrian-Webster Inc., 1993).

[7] Kahlil Gibran, citado em Meinrad Craighead. The Sign of the Tree (London: Artist House, Imprint Books, 1979).

[8] Bastão falador: pedaço de madeira roliça, de aproximadamente 50 cm, ornado com cristais, peles, cifre, etc., é objeto sagrado de poder pessoal do xamã. Este bastão outorga o poder da fala de forma absoluta a quem o estiver segurando. Em inglês talking stick. (nota de Carminha Levy)

[9] Maori Creation Myth, extraído de Meinrad Craighead. The Sign of the Tree (London: Artist House, Imprint Books, 1979).

[10] George D. Mylonas, Eleusis and Eleusinian Mysteries (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1972).

 

 

                                                                               Foster Perry 

 

 

           Biblio"SEBO"

 

 

                                         

O melhor da literatura para todos os gostos e idades