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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A GALÁXIA ESTRANHA / Robert P. White
A GALÁXIA ESTRANHA / Robert P. White

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A GALÁXIA ESTRANHA

 

Para qualquer jovem técnico recém-saído de um centro de treinamento, um computador representa algo excitante e também um pouco de desafio. Mas no tocante a Korzaak e Ischklah, toda excitação havia se desvanecido. Um desafio é estimulante apenas quando é do tipo que pode ser enfrentado, e há possibilidade de se vencer o obstáculo que ele representa. Quando esse obstáculo é transponível, existe a excitação da luta, quer seja física ou mental. Mas o deles era apenas uma loucura.

A memória do gigantesco cérebro eletrônico do computador se recusava a dar qualquer tipo de resposta lógica ou concreta sobre a estranha galáxia. E os dois astronautas não estavam na escola onde um gentil e amigável professor pudesse resolver seu problema como se este estivesse numa folha de exame; estavam saindo de seu próprio campo gravitacional, desligaram o impulsor do foguete, mergulharam no hiperespaço, atravessaram a Warp como um raio e surgiram bem ao lado da extremidade da galáxia.

Eles vieram do Império onde tudo era bem diferente daquilo, onde a maioria dos humanóides era de origem terrestre. Aqueles que podiam estabelecer a sua ascendência eram os verdadeiros aristocratas do espaço Muitos dos outros eram humanóides híbridos e, naquele momento, o que importava era que todos os tripulantes do foguete eram cidadãos do Império e estavam frente a um planeta da estranha galáxia onde tudo parecia artificial, disfarçado; uma espécie de esconderijo com diversas torres, quebra-cabeças cônicos e espirais misteriosas.

Enfim, seria um planeta "falso" de uma galáxia "negativa"? Tudo era estranho e misterioso, mas a resposta ao enigma trazia muitas implicações que todos eles estavam prestes a descobrir.


 CAPÍTULO I

O velho astronauta arrastava-se dentro da sala do computador, e seus pés estavam mais habituados a usar garras do que sapatos. Não era de modo algum um homem alto — são poucos os astronautas de estatura elevada — e seu rosto trazia a marca resultante de anos de exposição aos imprevistos e à radiação. Usava o uniforme dos pensionistas do espaço e havia em seus olhos uma aparência de boa cultura; era em parte a sabedoria conseguida através dos anos e, em parte, a prática espacial. Ele havia atravessado a Warp umas mil vezes. Havia voado em supervelocidades inúmeras vezes. Havia transportado tudo, desde equipamento para mineração atômica até implementos agrícolas. Ele os tinha levado a todos os cantos do universo. Assim como os antigos navegantes haviam estendido o seu comércio entre as ilhas de coral em pontos distantes da Terra em épocas remotas, também o velho astronauta e muitos outros como ele estenderam seu comércio entre essas ilhas do espaço que os homens chamam de galáxias.

O operador do computador no alimentador mais próximo da seção sobre a qual o velho astronauta estava andando, acenou com a mão num cumprimento amistoso. O uniforme vermelho tremulou orgulhosamente quando ele respondeu ao cumprimento. O pensionista do espaço estava acompanhado por um outro astronauta uniformizado.

— Ele é uma ótima pessoa — disse o primeiro.

— É meu neto — disse o segundo, com orgulho.

— O tempo passa — disse o primeiro astronauta.

— É verdade! o tempo e o espaço ambos voam — concordou o segundo.

— Há quanto tempo seu neto trabalha com o grande computador?

— Ele acaba de sair da escola de neófitos do espaço — disse o outro astronauta.

Houve uma pausa; os dois experimentados astronautas olhavam para uma rede complexa de computadores. Na realidade, eles estavam dentro desse mecanismo. Isso lhes dava a impressão de serem pequenos animais parasitas dentro de um cérebro vivo. O tamanho e o poder do computador os impressionava sobremodo.

— Fez um curso de especialização — disse o avô do jovem operador.

— Oh!? — disse o segundo. Havia um tom interrogativo em sua expressão.

— Apenas duas pessoas foram escolhidas para esse trabalho.

— Não diga! — disse o outro.

— Não sei como isso é chamado tecnicamente — disse o avô do operador — mas é um — tem a ver com resolução de problemas.

— Ah! resolução de problemas, hein! Julgava que fosse apenas uma questão de inteligência.

— Sim. Mas o que é inteligência? — perguntou o outro astronauta.

— É a habilidade de resolver problemas, suponho — respondeu seu amigo.

O primeiro astronauta fez um sinal afirmativo.

— Há muitos problemas para serem resolvidos — disse ele.

— Sabe o que estão programando agora para o computador?

O outro abanou a cabeça negativamente.

— Estão fornecendo a ele dados sobre a Galáxia 666.

O outro astronauta ficou pálido de repente.

— Poderia fazer isso com um gole de álcool — disse ele.

— Eu também — concordou seu colega.

— Há um bar no fim do corredor, você o conhece. Tenho bastante crédito para passar até o próximo pagamento, e ainda um pouco para economizar.

— Você não aceita alguma coisa?

— Bem, eu nunca digo "não".

Os dois astronautas arrastaram-se pelo corredor dos visitantes até chegarem ao bar.

— Agora — disse o primeiro — diga-me, meu amigo, você pareceu ficar muito surpreso quando mencionei a Galáxia 666. O que há com ela?

— Tudo — respondeu Bion.

— Já esteve lá alguma vez? — perguntou Milka. Bion acenou afirmativamente.

— Sim — disse ele — e gostaria pelas sete luas verdes de Gongle de não ter estado!

— Esse juramento é muito forte para um astronauta — disse Milka.

— Pelas sete luas verdes de Gongle — repetiu Bion.

— Fale a respeito dela — pediu Milka.

— Se o fizer, você vai pensar que é apenas uma invenção de um velho astronauta. Ninguém dá mais atenção para os dados obsoletos de percepção visual atualmente. São apenas os dados individuais que os interessa; os d.p.v. estão fora da moda! São considerados tão indignos de confiança como a psicologia introspectiva!

— Bem, sou bastante antiquado para acreditar um pouco nos d.p.v. — disse o velho Milka.

— Você achará graça se eu lhe contar a história — disse Bion.

— Um homem que esteve no espaço tanto tempo quanto eu, meu caro, não acha graça nisso. Apenas os deuses podem se dar ao luxo de sorrir, porque tudo lhes pertence. E não creio que eles achem muita graça.

— Bem, se você tem certeza de querer ouvir, vou lhe contar a história — disse Bion.

Ouvia-se um zumbido fraco, suave e delicado no edifício, provocado pelas centenas de milhares de células do "cérebro" do computador, que realizavam as suas intermináveis funções.

— Naturalmente, o que tenho a dizer já está gravado em uma fita magnética, em algum ponto desses bancos de memória — disse o velho Bion. — Em algum lugar dessa memória, esses dados estão sendo analisados, avaliados e examinados eletronicamente... que engraçado! que loucura! Se este computador possuir algum senso de humor, deverá estar saindo de seus eixos!

— Ou talvez ficando louco — disse Milka.

— Cérebros de metal não enlouquecem — respondeu Bion.

— Porque nenhum ainda ficou louco — acrescentou Milka — não quer dizer que não possa acontecer.

— Naturalmente pode — disse Bion.

— Você é um velho inclinado a discussões — disse l Milka, irônico. — Deixe de polêmicas e conte-me a história. Conte, mas com as suas próprias palavras...


 CAPITULO II

— Eu era um menino naquela época — com quase a mesma idade atual de meu neto. Havia acabado de sair da escola de neófitos do espaço; o universo se estendia aos meus pés. Os vôos no hiperespaço não eram de forma alguma novidade, mas ainda eram recentes e se tornavam excitantes. Havia também os homens da Warp — que eram encarados por nós como semideuses! Eram como os antigos heróis de Tróia. Alguns dos mais antigos que viviam quando eu era menino lembram-se dos homens da Warp, recordam-se dos primeiros pioneiros. Já eram bastante idosos, quando os idosos que eu conheci eram meninos. Mas existia ainda um elo vivente, uma ligação. Este elo está quebrado já há muito tempo agora; há bastante tempo. — Ele sorveu a sua bebida e fez uma pausa para refletir.

— Partimos num daqueles antigos cruzeiros astrais leves. Acho que não eram ruins. Naturalmente, hoje em dia eles só são vistos nos museus, mas já preencheram a sua finalidade.

— Eu sei, eu sei. Entrei em atividade na mesma época. Dirigi os antigos aparelhos — disse Milka.

— Tivemos alguns meses de viagem sem incidentes, com equipamento agrícola, máquinas de mineração e suprimentos médicos; tivemos algumas escaramuças com certos estrangeiros que haviam há muito tempo sido subjugados e reunidos em um império e então — ele suspirou cansado — e então recebemos a incumbência de realizar manobras exploradoras nas proximidades da Galáxia 666. Partimos da Galáxia 665, calculamos uma trajetória pelo computador, e ficamos dentro da distância certa para o vôo do foguete. Foi uma loucura. O computador nos mostrava um conjunto de números. Os indicadores dos dados visuais nos mostrava outros números; tiramos uma média e tentamos atravessar o espaço. Quanto mais nos aproximávamos dela, de acordo com os cálculos, parecia se achar mais distante. Os indicadores de dados visuais estavam nos mentindo e o computador dava uma indicação totalmente diferente e a estrela continuava a brilhar e a nos desafiar. De repente, tudo pareceu se desfazer em pedaços! A nave espacial começou a saltar em direção à estrela — ou vice-versa — desde esse dia não sei ao certo o que aconteceu!

Estávamos muito próximos do seu centro de gravitação quando fomos atraídos pela luz daquela estrela e começamos a cair, a nave espacial, sua tripulação e carga. Vou tomar outro gole!...

— Pois não — disse Milka. — Vou lhe arranjar um.

— É minha vez de pagar — disse Bion. Colocou uma nota de dois créditos sobre a mesa. Milka apanhou-a e foi buscar as bebidas. Havia preços reduzidos especiais para os pensionistas espaciais. Talvez fosse bom ter algumas compensações... O velho homem de vermelho era considerado com o mais alto respeito. Qualquer pensionista espacial podia viver como um deus — contanto que ainda tivesse bastante saúde e força para gozar de todos os privilégios que uma sociedade reconhecida lhe dispensava em todos os lugares onde fosse. Não havia muitos deles. Dois anos no espaço envelhecem mais um homem do que dez anos na superfície de um planeta habitável. Milka voltou com as bebidas, entregou o troco a Bion, que o guardou e continuou a sua história.

— Tínhamos um bom capitão, um antigo cavalheiro da escola. Acredito que sua família teria ascendentes na Terra.

— Um dos antigos aristocratas, não é? — disse Milka.

— Sim — concordou Bion — um dos verdadeiros aristocratas.

— Já encontrei um ou dois deles. São excelentes homens. Há algo diferente nestes descendentes da Terra, estes sujeitos com "pedigrees" perfeitos. Algo diferente— repetiu ele.

— Como eu dizia — disse Bion, tomando outra vez sua bebida — tínhamos um bom capitão e eu era um pouco mais que um menino; de outra forma estaria morto. Não há muito espaço para todos nas cápsulas espaciais. O capitão enviou o mais jovem primeiro. Lançamos seis cápsulas. Cinco delas foram apanhadas por aquela louca oscilação gravitacional. Vi então como a velha nave espacial e as outras cinco cápsulas foram mergulhando naquele sol como uma velha galinha seguida por seus pintainhos, como um cisne e cinco pequenos filhotes nadando próximos a uma queda d'água. Eu gritava como uma criança. Na realidade, não reparei de início que eu não estava com eles. Percebi então que qualquer que fosse a força louca que os arrastava, qualquer que fosse a armadilha gravitacional que havia misturado todos os dados existentes, essa força havia zombado de nosso computador e mostrado que as nossas leis científicas nada eram quando se tratava da Galáxia 666, ela havia decidido me deixar livre.

— Ela não o queria?

— Parecia não me desejar, de modo algum — disse Bion. — A minha pequena cápsula tomou outra direção como se tivesse sido soprada por algum gigante. A aceleração era gradual; de outra forma, eu teria sido morto, porque não havia muita proteção antigravitacional nela. Eu não teria suportado a gravitação. Observei o calculador de direção e velocidade se compondo, até atingir o ponto certo de ir para a Warp.

— Não! — disse Milka ofegante. — Em uma cápsula?

— Sim, numa cápsula.

— Pelas sete luas verdes!

— Eu lhe disse que era uma história estranha — falou Bion.

— O que aconteceu depois? — instou Milka.

— Vamos beber outro gole — disse o outro astronauta.


 CAPITULO III

— Prosseguíamos velozmente, eu e a cápsula, o mais rápido possível, sem atingir a Warp, embora uma ou duas vezes eu possa-'jurar que vi as telas dos indicadores de dados visuais começarem a ficar cinzentas, como se estivéssemos indo para a Warp. Porém isso nunca aconteceu. Finalmente esta força que havia me apanhado, esta gravidade reversa, não sei como chamá-la — sou um astronauta e não um cientista — não sei do que se tratava— levou-me até a margem do campo gravitacional de um planeta. Pude ver que se tratava de um mundo grande, com cerca de 8 a 15.000 quilômetros de diâmetro. Eu havia, a essa altura, recuperado um pouco os meus sentidos. Permanecia a postos com todo o equipamento. Pensei que a gravidade poderia ser excessiva para mim, mas não era. Cheguei, fiz uma boa descida, liguei os indicadores de gravitação. Ela era de cerca de 1 a 1/10 da normal. Para um planeta desse tamanho é bastante razoável. Saí da cápsula. Além de me sentir um pouco nervoso, quase não percebia a gravidade, e em pouco tempo estava habituado a ela.

— A atmosfera era boa, então? — perguntou o velho Milka.

— Era maravilhosa — respondeu Bion — fácil de respirar, uma boa atmosfera. Limpa e pura e de acordo com o peso e densidade do planeta; ajudava a contrabalançar o efeito gravitacional. Ninguém se importa em se sentir um pouco mais pesado, se estiver respirando bom ar.

Deu um novo suspiro.

— Outra bebida?

— Acho que devemos comer alguma coisa. Estou ficando com fome.

— Vou pedir uma refeição. — Bion passou pelo balcão e pediu dois lanches. Um garçon sorridente apareceu logo depois.

— Pronto para servi-los, meus senhores. É sempre um prazer ver a frota do espaço por aqui.

Milka e Bion sorriram. Era agradável ouvir alguém falar assim, mesmo que já se tivesse ouvido a mesma coisa mil vezes antes. Mesmo que se ouça em toda parte onde se vá... é sempre bom ouvir outra vez.

Era uma refeição que custaria para qualquer um no mínimo 15 créditos.

Os dois veteranos do espaço a conseguiam por um décimo do preço normal. Devido a essas regalias e às pensões que recebiam, podiam viver como reis durante os anos que lhes restavam antes que os pés do monstro chamado senilidade os fizesse voltar para o solo de onde haviam surgido. Enquanto comiam, Bion continuou a narrativa.

— O planeta era habitado — disse ele — habitado pela fauna mais apreciável e com a flora mais suculenta que jamais provei. Estamos agora aqui, mas poderíamos estar lá e com tudo de graça!

— Não havia seres inteligentes, então? — perguntou Milka.

— Bem, não vi nenhum sinal de vida inteligente durante talvez umas dez ou doze semanas. Semanas deles, bem entendido, e que relação elas têm com os padrões normais de tempo, não posso dizer. Uma nave desceu devagar uma certa noite. Eu a observei. Pensei que fosse um dos nossos que havia conseguido escapar. Nessa hora surgiram no horizonte duas ou três luas do planeta. Saí e fui dar uma olhada. Não era uma de nossas naves. Era um tipo que eu nunca havia visto antes.

— Um estranho? — perguntou Milka. — Um homem que não era do império?

— Alguma coisa estranha — disse Bion. — Nunca os cheguei a ver. Eu andava numa espécie de campo de força e parecia uma mosca pendurada num teia de aranha invisível. Então algo que eu não podia ver apanhou minha cápsula e colocou-me no seu interior. Não toquei nos controles, mas fui atirado para fora do planeta tão depressa como uma bola de futebol chutada para o gol.

— Ah! aí está uma coisa que eu gostaria de ver — disse Milka.

Bion respirou profundamente e engoliu a última colherada de molho de oogonga.

— Agora — disse ele, afastando o seu prato com um sorriso de satisfação — esta é a parte que você não vai acreditar. Eu disse uma vez que minha cápsula quase havia caído na Warp; pois bem, dessa vez ela caiu.

— Uma cápsula? — disse Milka incrédulo.

— Uma cápsula caiu na Warp.

— Pelas sete luas verdes!

— E quando eu saí da Warp, onde você pensa que eu estava?

Milka sacudiu a cabeça negativamente.

— Estava de volta na Galáxia 665.

— Incrível. Absolutamente inacreditável! — disse Milka.

— Posso ficar aqui, vovô?

Era uma voz jovem, clara e forte. Era Korzaak, o operador do computador, neto de Bion. Era mais alto do que o velho astronauta e também de uma constituição mais sólida. Os dois senhores se levantaram e se dirigiram para um sofá. Korzaak se reuniu a eles.

— Conhece o meu amigo Milka, não é? — disse Bion.

— Já tive o prazer, sim — disse o operador do computador.

— Quer fazer uma refeição conosco? — perguntou Bion.

— Na verdade, não tenho tempo para isso. Vim apenas tomar um trago rápido. Tenho que voltar para o meu posto dentro de alguns minutos.

Korzaak passou os dedos por entre sua longa e ondulada cabeleira negra. Bion acenou para um garçom que passava e fez-lhe um sinal inconfundível, pedindo uma bebida. O garçom acenou com a cabeça e sorriu, voltando depois com um drinque para Korzaak.

— Para quem vai voltar para o trabalho, você está bebendo isso muito depressa — disse Milka, fazendo uma careta.

— Tenho problemas, Milka — disse o jovem do computador. — Oh! meu senhor! E que problemas!

— Ainda está trabalhando com aquele caso da 666? — perguntou Bion.

— Exatamente, vovô, e está me deixando maluco. O meu amigo Ischklah e eu estamos num impasse com ele. Parece que será a minha primeira e última tarefa. Levará a vida inteira para ser resolvida, a julgar pelos dados que estão se acumulando!

— Fale-nos sobre o problema — disse Bion. — Se pudermos ajudá-lo... você sabe que eu estive lá.

— Sim, você e vários outros, que voltaram com histórias contraditórias — disse Korzaak. — Não duvido de uma única palavra sua, vovô, e também não duvido de nenhum dos outros homens, mas as coisas são tão diferentes. Nada forma um padrão, nenhuma espécie de forma determinada...


 CAPITULO IV

Korzaak e Ischklah estavam examinando o computador. Para um técnico jovem e competente, recém-saído de um centro de treinamento, um computador representa algo excitante e também um pouco de desafio. Mas no tocante a Korzaak e Ischklah, toda excitação havia se desvanecido. Um desafio é estimulante apenas quando é do tipo que pode ser enfrentado, e há possibilidade de se vencer o obstáculo que ele representa. Quando esse obstáculo é transponível, existe a excitação da luta, quer seja mental ou física. Mas o deles era apenas uma loucura. O problema estava fora do computador. Forneciam sem parar dados para os mecanismos do aparelho. E novamente havia oposição nas células de ferrite que representam a memória do gigantesco cérebro eletrônico. Havia sempre a mesma recusa obstinada em proporcionar qualquer espécie de resposta.

— Que diabo faremos com isso? — perguntou Korzaak.

— Logo o primeiro trabalho — disse Ischklah. Trazia um frasco com bebida no bolso de sua túnica. Com um rápido olhar em torno da sala do computador, para se certificar de que não estava sendo observado, ingeriu uma boa porção da bebida.

— Sobrou ainda um pouco?

— Sim — e entregou o frasco ao amigo que bebeu à vontade. Ficaram em silêncio por alguns instantes.

— Então falhamos logo no primeiro trabalho? Não podemos continuar? O que faremos? Pedir demissão de nossos cargos?

— Isso não é maneira de se falar! — Ischklah parecia muito alterado.

— Está bem! Ensine-me uma maneira melhor. Não pretendo renunciar ao meu cargo e nem você do seu. Mas, somos a última palavra em inteligência treinada. Recebemos a melhor educação possível. Não somos apenas treinados, somos supertreinados.

— Sabe qual seja o problema? — perguntou seu amigo. Houve outra pausa.

— O que quer dizer com isso? — disse Ischklah por fim.

— Olhe — disse Korzaak — você acha que de alguma forma absurda ficamos tão fixados em nossa maneira tradicional de resolver problemas...

— Entendo o que você quer dizer, mas não acho que se aplique ao caso atual.

— Acha que não! Por que não?

— Você se utilizou do velho sistema de transferência da teoria de treinamento, e a deturpou para acomodá-la a seus próprios fins.

— Talvez você esteja certo. Novamente ficaram em silêncio.

— Agora, veja. — Os dois começaram a falar ao mesmo tempo e olhavam um para o outro.

— Sinto muito — disse Korzaak. — É o caso de um simples operário que culpa as suas ferramentas, para mencionar o velho provérbio, e o pior operário é o que culpa os seus colegas.

— Está bem — retrucou Ischklah — a culpa foi minha...

— Não chegamos a nenhuma conclusão e temos que admitir isso — disse Korzaak.

— Está bem; examinemos o problema com monossílabos.

— Muito bem — disse Korzaak. — O problema é o seguinte: O computador se recusa a dar qualquer tipo de resposta lógica ou concreta sobre a Galáxia 666, porque ele mesmo está carregado com informações contraditórias; realmente, ela é tão variada e contraditória que não é possível obter qualquer forma que ele possa detectar. Os dados são tão a esmo que é impossível para o computador sintetizar uma teoria baseada neles. Nada pode ser formado a partir de um conjunto de asneiras.

— Bem, é esse o padrão?

— Acho que não.

— O que eu quero dizer é se o padrão é a essência do que é feito a esmo? Está provando alguma coisa?

— O que está provando o que?

— Olhe — disse Ischklah — seja o que for que exista na Galáxia 666, se de fato existe, aconteça o que acontecer, naquele pequeno planeta maluco, naquele falso planeta, sobre o qual tem chegado tanta informação misteriosa...

— Um planeta falso não torna falsa uma galáxia — lembrou-lhe Ischklah.

— Talvez não — disse Korzaak. — Mas se esse falso planeta for uma espécie de amostra...

— Estamos voltando às especulações novamente — disse o outro técnico. — Talvez tenha sido lançado contra nós como uma espécie de simples amostra, como se fosse a média de algum padrão maluco que se recusa a engrenar...

— Mas nós acabamos de dizer que o computador não conseguia localizar um padrão.

— Bem, se ele não pode fazer isso, tenho certeza que nós também não. Ele tem um poder cerebral muito maior que o nosso — disse Korzaak.

— É verdade — concordou Ischklah — isto é verdade.

— Se o computador não consegue achar um padrão é sinal de que não existe nenhum. Mas nós nos defrontamos com esse incrível fato de um planeta falso em uma galáxia que não parece desejar ser explorada, e nos lança tal coisa como um desafio e diz: Aí está; o resto da galáxia é igual a isso.

— Mas isso indica que há alguma mente controlando tudo — disse o outro técnico.

— E daí?

— Não sei — disse Korzaak. — Gostaria de saber. Pelas sete luas verdes, desejaria saber. Por todas as forças existentes no céu, no inferno e no universo, gostaria de encontrar uma resposta para este mistério.

— Vamos sair e nos embriagar — disse o outro técnico.

— O que adiantará isso? — perguntou Ischklah, de modo forçado.

— Resolverá o problema mais urgente.

— Estou bastante cansado — disse Ischklah. — Se eu sair e tomar cinco ou seis drinques ficarei ainda mais abatido, bem como você, e não estaremos de modo algum mais próximos da verdade. Acordaríamos com uma grande ressaca, daquele jeito...

— Está bem, faça uma sugestão melhor! Houve uma pausa...

De repente os dois homens começaram a rir.

— Existe apenas uma solução — disse Ischklah, repentinamente. Seu riso não era humorístico, era uma risada selvagem, quase histérica. — Nós queremos mais alguns dados!

— Isso mesmo — concordou Korzaak.

— Veja, no último século e meio, a humanidade tem tentado fazer alguma coisa com a Galáxia 666. As naves espaciais têm desaparecido, bem como os seus tripulantes.

— Estou de acordo — disse Korzaak.

— Agora — disse Ischklah — como se não bastasse a perda das naves e homens, tudo indica que nós perdemos a preciosa inefabilidade que acreditávamos que o nosso computador possuísse. Não se pode dizer que um computador seja infalível se ele encontra um problema que não pode resolver.

— Sim, mas a culpa não é dele.

— Bem, de quem é então? — perguntou Ischklah. — É sua? Minha? De quem projetou?

Korzaak abanou a cabeça.

— Não — respondeu ele.

— Ouça — disse Ischklah. — Nada pode funcionar sem dados. Você e eu podemos resolver um problema, mas se eu lhe disser — Multiplique por dois... e não terminar a frase, você não poderá fornecer a solução.

— Poderia dar uma solução com certos termos.

— Tais como? — perguntou o amigo.

— Se eu dissesse — Seja X igual a uma quantidade desconhecida pela qual vou multiplicar o número dois, então a solução do problema seria 2X.

— Sim, mas o que se fez foi colocar o problema em termos de álgebra. O problema não está resolvido.

— Resolvi; duas vezes X é igual a 2X.

— Pode ter resolvido segundo sua opinião, mas não de acordo com a minha. Suponha que eu precise saber o preço de um determinado objeto. Se eu souber que um desses objetos custa 2 créditos, e tenho que comprar uma quantidade desconhecida deles, você não pode resolver o problema para mim, mesmo que fosse o maior computador do universo.

— Posso lhe dizer que custaria 2X créditos interestelares — respondeu o outro técnico com teimosia.

— Sim, mas isto resolve o problema? Não posso me encaminhar ao meu Banco e fazer um cheque para 2X créditos.

— Você poderia — com crédito ilimitado, como algumas das corporações galácticas.

— Mas eu não sou uma corporação galáctica! Sou um técnico em problemas! Sou considerado técnico na resolução de problemas! No momento sinto-me como um menino amedrontado e perdido. Não me sinto como um perito, ou seja lá o que for!

— Sei como se sente — disse Ischklah. — Sinto quase a mesma coisa. Gostaria de estar de volta à escola de neófitos do espaço. Desejaria que houvesse lá um velho professor gentil e amigo, para quem eu pudesse me levantar e dizer: Professor, não consigo resolver este problema na folha de exame. Poderia me aconselhar? Ele me indicaria um outro livro. Poderia me dizer quais os rolos de filme eu deveria ver na seção de microfilmes. Ele me diria qualquer coisa de útil ou de interesse. Mas aqui não existe nenhum professor para nos atender.

— Poderíamos ouvir transmissões de discos e referências da escola de neófitos.

— Quem deseja fazer isso? Sabe quanto nos custaria usar o audio-vídeo para estas distâncias em que estamos?

— A mensagem teria que atravessar a Warp. Quando recebêssemos a resposta, já teria sido gasto o salário de meio ano.

— Debite-o como despesas. Nós temos concessões ilimitadas...

— Eles nos pagam esse salário elevado porque esperam que nós façamos o nosso trabalho sem voltar para casa toda vez que alguma coisa sai errada.

— Tem razão — disse Ischklah lentamente — mas — parou outra vez — você fala sobre mais dados — disse ele. — Quais são os dados que o computador aprecia mais?

— Os que chegam através de seus próprios órgãos perceptivos.

— Sim, foi isso mesmo que eu pensei.

— Não vejo a relação entre uma coisa e a outra.

— Ouça — disse Ischklah — suponha que levemos o computador para a Galáxia 666.

— Meu Deus, nós não podemos deslocar o computador!

— Suponhamos que levemos um receptor portátil de dados — prosseguiu Korzaak — poderíamos remeter informação através da Warp, para o próprio computador.

— De acordo — disse Ischklah.

— Depois o computador teria que escolher os dados sozinho em seus próprios filtros de autenticidade.

— O que aconteceria se o computador fornecesse duas médias de autenticidade de grau A para duas informações completamente opostas? O que é apenas um prolongamento do nosso problema atual.

— Nisto consiste o ponto nevrálgico do problema todo.

— Se descobrirmos que temos esse problema, ele é do tipo que a nossa ciência é incapaz de resolver. Estamos nos defrontando com alguma coisa para a qual os nossos conhecimentos, nossas leis básicas de comportamento da matéria não se aplicam. Chegaremos à conclusão de que a Galáxia 666 é o tipo do lugar que faria Einstein parecer um menino de jardim de infância e Newton uma criança de colo.

— Será possível!?

O outro astronauta deu de ombros.

— Quem vai levar o receptor de dados até lá?

— Quero dar uma olhadela na Galáxia 666 — disse Ischklah.

— Gostaria de ver também — concordou Korzaak.

— Acho que pedirei um adiantamento e tirarei uma semana de licença antes de partirmos — disse Korzaak.

— Ah, então você acha que não tem muita chance de voltar, não é?

— Tem razão nesse ponto — concordou o outro.


 CAPITULO V

Korzaak e Ischklah partiram numa nave de quatro lugares que era a mais moderna, a melhor e a mais cômoda peça de mecanismo espacial que havia sido obtida pelo esforço tecnológico conjunto do Império, mas possuía o nome antiquado de Space Greyhound. Podia mergulhar no hiperespaço com muito mais facilidade e graça do que uma foca lá na Terra distante poderia mergulhar nos aquários e zoológicos, para agradar seus donos.

Havia pouco reforço e equipamento em geral, e ela estava também provida de dentes, bem como de pernas. Se era uma questão de sobrevivência do mais apto, então a pequena nave espacial de quatro tripulantes ainda toda a chance de sobreviver. Além dos dois técnicos em problemas e todo o seu equipamento de observação, levava um certo número de cápsulas de transmissão de dados, um capitão que era também um navegador, e um engenheiro, técnico em construções e que era uma espécie de homem dos sete instrumentos.

Saíram de seus próprios campos gravitacionais, desligaram o impulsor do foguete, mergulharam no hiperespaço, atravessaram a Warp como um raio e surgiram bem ao lado da extremidade da Galáxia 666. Era uma visão estranha. Korzaak havia visto muitas galáxias do lado de fora; o mesmo pode-se dizer de Ischklah. Apesar de serem jovens, ambos os técnicos tinham viajado muito. O capitão do Greyhound do espaço, que se chamava Bronet, tinha também visto já muita coisa, apesar de sua pouca idade. O outro tripulante, Oski, tinha também a mesma experiência. Havia grande semelhança entre os quatro homens, pois as condições gerais de vida no Império e no espaço haviam estimulado a semelhança entre eles.

A maior parte dos humanóides no Império era de origem terrestre, mas havia passado tanto tempo e a distância era tal que poucos podiam estabelecer a sua ascendência. Aqueles que podiam eram os verdadeiros aristocratas do espaço... Muitos dos outros eram humanóides híbridos. Haviam se casado e se misturado com raças humanóides em outros planetas em sua própria galáxia e em outras. Haviam sido quebradas todas as barreiras étnicas. Toda limitação de raça havia sido posta de lado. Eram humanóides, eram cidadãos do Império e isso era tudo o que importava.

Aos poucos, as raças muito escuras ou as muito claras haviam desaparecido; todos eram semelhantes, morenos, e que na Terra seriam chamados um tipo de Levante ou do Mediterrâneo, em épocas remotas. As raças negra e branca puras eram uma coisa do passado, e embora houvessem alguns fatores que alguns historiadores achavam que podiam ser usados como um argumento para a preservação das diversas características raciais, os reformadores sociais, os políticos e os homens do comércio em geral se regozijavam por haverem desaparecido os antigos grupos étnicos.

O orgulho em se destacar é perfeitamente válido e bom, mas quando esse orgulho torna-se um orgulho de superioridade, então fica-se vulnerável a toda espécie de preconceitos ignorantes, estupidez e tragédia do que foi certa vez conhecida como discriminação racial.

As estrelas mais próximas na Galáxia 666 brilharam grandes e claras no computador.

— Lembro-me do que meu avô estava me contando há pouco — disse Korzaak.

— O que foi, meu velho? — perguntou Ischklah.

— Sim, o velho Bion esteve lá, você sabe; assim diz ele. É uma das milhares de pessoas que forneceram de boa-fé dados contraditórios ao computador.

Ischklah sorriu.

— Bion é um bom sujeito; eu o conheço bem — disse Bronet. Ele estava se aposentando quando eu comecei a trabalhar como astronauta. Acho que atualmente ele não conta mais a idade, mas ninguém ainda o pressionou. É o tipo de companhia agradável numa viagem.

— Conheço bem o velho Milka — acrescentou Oski.

— Era também um bom astronauta.

— Eram bons astronautas — acrescentou Korzaak

— bons veteranos. Até mesmo o meu avô — acho que devo dizer — é um ótimo sujeito.

— Se tiver sangue de Bion em suas veias, então será bem sucedido, saberá o que fazer — disse Bronet.

— Obrigado — respondeu Korzaak.

— É engraçado — disse Oski de repente.

— O que há? — perguntou Korzaak.

— Olhe para o piloto automático. O ponteiro estava oscilando loucamente, de um lado para o outro da escala. Estava fazendo registros estranhos e completamente opostos.

— Alguma coisa deve ter encurtado o raio diretor.

— Vou verificar — resmungou Oski. Voltou logo, dizendo que o raio diretor estava perfeito.

— Bem, estou perplexo — disse Bronet. Desligou o piloto automático, esperou um certo tempo para que esfriasse e tornou a ligar. Ele parou um pouco e reiniciou a sua selvagem oscilação, ainda com mais força.

— Aqui está uma coisa difícil, se realmente são técnicos em problemas — disse Bronet. Ischklah e Korzaak estavam já examinando o piloto automático defeituoso.

— Que diabo aconteceu com isso? — disse Korzaak. — Façamos alguns testes rápidos — sugeriu

Ischklah.

— Dê uma olhadela na válvula de raios catódicos para ver se existe alguma anomalia.

— Verificado — disse Ischklah. — Nenhuma.

— É muito estranho — disse Korzaak. — Alguma descarga anormal de fluxo?

— Apenas um pouco. A voltagem aumenta à medida em que  a corrente aumenta.

— Dê-me aquele ergômetro — pediu Ischklah de repente. Colocou-o sobre a saída de força.

— Dá uma indicação normal — disse ele sério.

— Qual é a constante de atenuação?

— Permanece a mesma: quatro acima de zero — disse Korzaak.

— O transdutor está separando bem as ondas? — perguntou Ischklah.

— Pelo menos parece.

— A válvula da partida está bem?

— Perfeita.

— E o monoscópio?

— Está bem.

— E o anodo intermediário?

— Está bom.

— E o dielétrico?

— Também está correto.

— O capacitor está ligado?

— Sim. O capacitor está bom.

— Faça um teste de fluorescência.

— Nenhuma.

— Então, não há nada de anormal neste setor. A temperatura de transição está normal?

— Sim.

— Há alguns transistores defeituosos? Korzaak verificou rapidamente.

— Não descobri nenhum estragado.

— O reostato está pronto para funcionar?

— Está perfeito.

— O filtro de ondulação está perfeito?

Korzaak desapertou os parafusos da parte superior do suporte do filtro.

— Não vejo nada errado.

— Veja se o semicondutor extrínseco está funcionando — sugeriu Oski.

— A superfície de condutividade está um pouco alta — interrompeu Ischklah.

— O guia de ondas está se deslocando um pouco sobre o seu eixo — disse Korzaak, subitamente.

— Isso não é importante.

— Olhe o oscilador — disse o capitão Bronet. Eles olharam. Era um oscilador de mudança de fase, e utilizava resistores e capacitores num circuito-ponte para controlar as freqüências.

— A válvula termiônica desceu agora — disse Oski. — Está tudo se quebrando.

— Não estaria assim — disse Ischklah — se não fosse esse sinal anormal que estava sendo recebido. Isso é o mesmo que bater nela com um martelo. Olhe o ponteiro como foi atingido!

Ouviu-se um ruído estranho por fim e dois relês se quebraram. Seguiu-se um curto-circuito, e o fusível saltou fora do soquete, assim como uma semente espremida de uma laranja.

— Uma sobrecarga para o piloto automático — resmungou Bronet.

— O que fazer agora? — perguntou Oski.

— Agora temos que fazer um vôo visual e espero que tudo saia bem — respondeu Bronet.

— Ficando-se bem humorado tudo correrá bem — disse Oski sorrindo. Mas o seu riso não possuía humor.

— Lembram-se do que Bion disse daquela nave com a qual ele conseguiu sobreviver?

— Olhe, não estamos numa nave espacial antiga — lembrou Ischklah — Esta é uma das mais modernas e melhores, Que isso nos sirva de estímulo.

— Ficaria mais satisfeito se estivéssemos lá embaixo em algum aprazível pequeno planeta habitável — disse Korzaak.

A estrela para a qual se dirigiam pareceu de repente dobrar o seu tamanho.

— Pelas sete luas verdes! — exclamou Ischklah. — O que será isso?

Enquanto olhavam, ela tornou a dobrar de tamanho. O indicador de posição do espaço, que era ligado diretamente aos receptores no lado externo da astronave, teve também um fusível queimado e enguiçou de forma tão espetacular quanto o piloto automático.

— Agora estou sem alternativa — disse Oski.

— Sim — concordou Bronet. Era um monossílabo breve e vibrante — Sim, estamos bem arranjados.

Pareciam estar caindo diretamente naquela gigantesca bola de fogo, numa seqüência de saltos espetaculares.

— Há aqui uma força estranha descontrolada que não obedece a nenhuma das leis que conhecemos — disse Ischklah.

— Sem sabermos como entrar na Warp, estamos entrando e saindo dela.

— A não ser que esse processo mude logo — disse Oski — será muito tarde. Então cairemos. Mais três saltos iguais.a este, e o calor nos liquidará.

A temperatura subia de modo sensível enquanto ele falava, e a estrela parecia assustadoramente grande. Bronet tossiu um pouco devido ao ar quente.

— O próximo será o último — disse ele. — Gostariam de saber o que o computador fará com esses dados, meus senhores? — Tossiu novamente, no que foi acompanhado pelos outros três.

Os quatro estavam tentando não expor os pulmões de repente ao subido calor seco. Começou a esfriar novamente, também de modo inesperado.

— Pelas sete luas verdes! Ela está voltando! — gritou Oski. O sol diminuiu até se tornar de novo uma estrela. Diminuiu da mesma maneira dramática, geométrica em que tinha antes crescido.

Estavam de novo onde tinham começado, na orla da galáxia. Parecia que aquela repentina série de saltos, que poderiam ter sido fatais, tinha tido a intenção de preveni-los.

— Acha que deveríamos partir de volta para o hiperespaço, sair daqui o quanto antes e voltar para a 665 ?

— disse Bronet.

— O Sr. é o capitão — respondeu Ischklah.

— Os senhores estão no comando desta expedição.

— Isto é muito gentil de sua parte — disse Ischklah.

— Estou pronto a discutir esse assunto com você.

— Eu também — concordou Korzaak. — Não sou partidário fanático a ficar por aqui. Parece que alguém ou alguma coisa sabe que estamos aqui e não nos deseja de modo especial. Mas quem ou o que poderia ser este alguém?

Ischklah sacudiu a cabeça.

— Se voltarmos, que tipo de dados teremos conseguido? — disse Ischklah. — Teríamos feito uma longa viagem a troco de nada.

— Bem, prefiro dar dados incompletos para o computador do que incluir a minha morte em uma estatística — replicou Korzaak. — Há uma diferença bem pequena entre um herói e um morto, você sabe disso! Não me oponho a ser o primeiro, mas faço muita objeção em aumentar as fileiras dos segundos.

— Sim, concordo — disse Bronet. — Por outro lado, que história contaríamos se voltássemos agora? Pareceria engraçado.

— Não será mais engraçado do que esse mundo de informação que tem sobrecarregado o computador nos últimos anos a respeito dessa galáxia misteriosa!— disse Ischklah.

— Considere o caso de meu avô Bion. Veja o que lhe aconteceu — disse Korzaak.

Ischklah concordou.

— Existem muitos veteranos do espaço que contam casos semelhantes. Infelizmente, não são muito parecidos. A única semelhança que há entre eles, é que nenhum concorda com o outro!

— Isto parece um paradoxo — comentou Bronet.

— Foi um paradoxo que nos trouxe aqui — disse Korzaak.

— Vamos voltar para casa, ou vamos tentar encontrar algum lugar para descer? — perguntou Oski.

— Se quiser, tentarei descer em algum lugar — retrucou Bronet. — Seja qual for a influência que nos estava atraindo para aquele sol, ela cessou. Pelo menos temporariamente; vamos considerar assim.

— Ninguém sabe se vamos ter uma repetição daquilo — disse Korzaak.

— Bem, decididamente ninguém vai pedir uma repetição! — disse Bronet. — Temos um equipamento precioso funcionando além dos aparelhos diretos.

— Não estamos em pior situação do que os antigos pioneiros! Por que não substituímos aqueles fusíveis — sugeriu Oski.

— Quanto tempo levará para descobrirmos a causa de sua queima? — perguntou Bronet.

— Três ou quatro horas, tempo padrão da Terra — disse Oski, espontaneamente.— Tenho a impressão de que se nós ficarmos três ou quatro horas consertando os fusíveis, eles acharão que nós não ouvimos o seu aviso e poderão repetir aquela experiência.

— Bem, acha que foi sem querer ou foi de propósito?

— Se foi por acaso, foi uma coisa muito esquisita — disse Bronet.

— Que tipo de força é essa que lança uma nave espacial para dentro e para fora da Warp?

Oski abanou a cabeça.

— Não sei, capitão — respondeu ele. — Não vi nada semelhante antes. E não desejo ver nada parecido outra vez, mesmo depois de sairmos deste lugar.

— A Galáxia 666 está fazendo jus ao seu nome — falou Korzaak.

— Mas que nome! — cismou Ischklah.

— Esta galáxia foi chamada de nomes com os quais eu não gostaria de ser chamado — disse Korzaak.

— Sim, de fato o veterano do espaço em geral tem uma linguagem muito rica.

— Meu velho avô — disse Korzaak com bastante orgulho — pode ficar durante 25 minutos terrestres falando sem parar e sem repetir nenhuma palavra; e ele fala depressa!

— De fato — disse Bronet. — Isto é o que eu chamo de vocabulário!

Korzaak riu. Nenhum deles havia se sentido alegre de modo especial depois de haverem chegado a este estranho, proibido e assustador recanto do Universo!

— Isso faz você acreditar um pouco na antiga ciência da numerologia — disse Bronet de repente.

— Como assim? — perguntou Korzaak.

— Bem, lá na Terra acreditavam nisso, há séculos atrás. Alguns números tinham certas influências, significados mágicos especiais, tudo isso; 666 é a marca da Besta na escatologia cristã. Era na realidade um número cifrado para Nero, um César que perseguia aqueles a quem eram atribuídos esse número.

— Isso é interessante — disse Oski.

— Havia um outro indivíduo que se intitulava "A Grande Besta". Isso foi muitos séculos mais tarde, lá pela década de 1920. Lembro-me de ter lido a respeito em algum lugar. Era um tipo esquisito, chamado Crawley ou Crowly ou coisa, parecida. Tinha fama de bruxo, em tudo aquilo que acreditavam na época.

— Ah, sim, ouvi falar dele — disse Bronet.

— Vocês parecem dois professores de história, comparando os dados — disse Korzaak.

— É um passatempo para mim — disse Bronet.

— Para mim também — disse Oski — Repassamos quase que uma pequena biblioteca de microfilmes. Fizemos várias viagens juntos nesta nave. Já estávamos juntos antes dessa época, também, antes do capitão ser promovido. A história é um bom passatempo. Ela mergulha bastante no passado.

— Trinta ou quarenta séculos de história rigorosamente registrada e uma boa porção para ser analisada e estudada. Significa que um homem pode esperar apenas ter qualquer conhecimento verdadeiro e íntimo de um período muito limitado. A idéia mais antiga a respeito da história é ainda válida, em minha opinião.

— O que é? — perguntou Korzaak.

— A única coisa que o homem aprende da história é que ele nunca aproveita as suas lições; os mesmos ciclos de sempre continuam a se repetir sempre.

— Nisto estou em desacordo — disse Bronet.

— É uma coisa que nós sempre perguntamos — disse Oski. — Ele sente que inevitavelmente e aos poucos o homem está melhorando.

— Gostaria de pensar assim — disse Korzaak — mas não sou historiador.

— Pense nos gregos — disse Oski. — Muitos séculos atrás, há cerca de quatro mil anos, sua civilização estava no apogeu. Homens como Platão, Sócrates, Aristóteles, Pitágoras, Temístocles, Sófocles, Eurípedes, Esquilo. Os seus pensamentos, seus escritos, sua filosofia, sua matemática e sua ciência eram incrivelmente boas. Se um desses homens pudesse nascer agora, com a mesma inteligência básica que possuíam, seriam tão bons como qualquer um de nós. — Fez uma pausa.

— Havia também Leonardo da Vinci, o gênio italiano. Poderia assumir o seu lugar em nosso império. Realmente, poderia ter sido um dos líderes do império. Tinha um cérebro notável, apenas limitado pela técnica. Não progredimos muito em homens desse tipo.

— Sim, mas homens como esse eram uma exceção. Agora são a regra, certamente?

— Mas os nossos melhores homens são melhores do que aqueles?

— Diria que os melhores e os piores homens de qualquer século são bem parecidos — disse Oski.

— Nisso discordo de você — disse Bronet. — Achava que os piores homens de hoje eram bem melhores do que os piores produzidos pela história. Diria que os melhores homens de hoje são melhores do que os melhores da História! Tomemos para exemplo o indivíduo que possui uma colônia para aqueles pobres diabos na Galáxia 603. Até agora a medicina não encontrou cura para seus males. Estão condenados a uma morte lenta. É contagiosa, e ele sabe disso. Pois, administra a colônia para eles, e assim vivem com conforto e felizes. Mais cedo ou mais tarde, ele sofrerá o contágio, e sabe disso. Quem no passado faria isso?

Oski parecia radiante.

— Houve um Frei Damião — disse ele. — Fez a mesma coisa numa colônia de leprosos na Terra.

— Tem razão — disse Bronet.

— Bem, havia aquele indivíduo que fundou um hospital no 4.° planeta da Alfa Centauro, na nossa galáxia. É um planeta cheio de pântanos e atrasado. Está repleto de todas as doenças que o nosso império tenta destruir e combater. Trabalha lá com recursos limitados, contra todos os tipos de doenças e preconceitos. Está tentando transformar uma raça de sub-humanos em seres humanos.

— Eu não os chamaria de sub-humanos. Diria que são piores do que qualquer raça primitiva que a Terra já possuiu. Um aborígine australiano do século XX seria um professor de universidade, comparado com um desses seres. Mas posso lhe fazer uma comparação baseada na História. Considere um homem como David Livingstone que foi para a África e lá fundou um hospital para os nativos. E eram homens comuns como o próprio Livingstone. Não eram sub-homens como esses. Albert Schweitzer fez o mesmo, mas também para os seus semelhantes, e não para uma raça inferior. Mas se gosta de pensar nesses sub-homens como não sendo humanos, pense nos homens que deram suas vidas pelos animais, homens que visitam templos de aves, homens que salvaram os animais selvagens de desastres provocados e naturais.

— Tem toda a razão — concordou Oski.

— Veja, já é tempo de sairmos daqui, se pretendemos sair.

— Teremos que escolher um roteiro de descida. Ou vamos abandonar o projeto todo e voltar? — disse Korzaak.

— Acho que devíamos fazer uma votação — disse Bronet.

— É uma boa idéia, excelente.

— Todos concordam em voltar? Oski sacudiu a cabeça.

— Prefiro não voltar — disse ele. — Sou favorável a que se faça alguma coisa.

— Bem, é o caso de descermos em algum lugar, se encontrarmos um — disse Korzaak. — Capitão Bronet, como está se sentindo?

— Acho que deveríamos descer. Concordo com Oski — disse Bronet.

— Bem, o sucesso desse projeto significa mais para nós do que para você — disse Ischklah. — Sou a favor da descida.

Korzaak deu um sorriso forçado.

— Bem, apenas para constar, sou a favor da descida, também — disse ele. — Mas agora que os senhores já votaram, ninguém faz caso do que eu penso, não é verdade?

— Numa votação desse tipo, diria que qualquer um tem o direito de voto — disse Ischklah. — Se alguém não quiser ir, então voltaremos todos. Isso é muito justo. E ninguém fica contrariado ou se queixando.

— Ainda votaria do mesmo modo — disse Korzaak. — Acho que deveríamos prosseguir e ver se poderíamos descer em algum lugar. Gostaria de ver se os meus testes nesse planeta coincidem com os de meu avô. Puxa, quanta coisa teria para contar àqueles dois, quando voltássemos — disse ele rindo. — Eles me pagariam drinques durante um mês, apenas para que eu repetisse a história.

— Contanto que tenham as notícias pelas taxas de veteranos do espaço, não terão que gastar muito — disse Ischklah, rindo.


 CAPITULO VI

Oski e Bronet começaram a fazer uma vistoria numa pilha de material em um dos compartimentos de capacidade limitada na parte traseira da nave espacial.

— Pensei que tivesse um — disse Oski.

— Sim, lembro-me de ter visto um no meio de nossa sucata — disse Bronet. Oski mostrou, satisfeito, um pequeno computador transistorizado de controle manual que acabara de encontrar. Era de um tipo usado como padrão e principalmente como passatempo. Dava-se a ele um problema matemático e depois tentava-se competir com ele. Ele jogava xadrez e era perito em um outro tipo de jogo que se assemelhava àquele de zeros e cruzes. Podia calcular em três ou quatro dimensões, mas havia sido projetado especialmente como um brinquedo, um robô, como um objeto de diversão, mais do que um mecanismo computador.

Apesar disso, era bem construído e tinha de ser bastante preciso para dar respostas que satisfizessem as mentes dos mais hábeis solucionadores de problemas.

Ischklah e Korzaak estavam bem familiarizados com computadores daquele tipo e com a programação que o pequeno conjunto manual havia recebido. Parecia que Bronet e Oski haviam se utilizado bastante dele em suas viagens juntos a bordo do Space Greyhound.

— Não é bem um substituto do piloto automático — disse Bronet bruscamente — mas pelo menos é melhor do que nada. Teremos que fazer todos os cálculos manualmente, e isso nos dará a oportunidade de verificar os totais.

A seguir, voltou-se para Oski.

— Pode fazer todos esses cálculos — disse ele. — Você fica com isto; Ischklah, Korzaak e eu faremos os manuais.

Ischklah, Bronet e Korzaak controlavam as unidades visuais e receptores de som, lendo as indicações das escalas o mais depressa possível.

— Coordenadas 1, 9, 7, 5, 4, 862/003 — falou Ischklah.

— 9071 3/4. 024 coordenadas CBJ, para coordenadas 198.002 — disse Bronet.

— Hipercoordenadas 10467 — disse Korzaak.

— Ultracoordenadas 194/312/564/8179 — disse Ischklah.

—Infracoordenadas — começou Bronet — 987, 56 referência coordenada 1325.

— Leitura alfa, elevada — disse Ischklah.

— Escala Beta média — falou Bronet.

— Gama continua firme — disse Korzaak.

— Ponteiro Aleph, zero — Ponteiro Beth, zero.

— Ponteiro Gimel menos 2 — interveio Korzaak. Oski manejava o seu computador portátil com a fúria desesperada de um acordeonista tentando se fazer ouvir no concerto dos veteranos do espaço, competindo com três tapes eletrônicos e um órgão de alta fidelidade. Esfregava o computador como se fosse parte de seu próprio corpo, que estivesse sendo atacado por pulgas.

Havia uma pulga especialmente virulenta num planeta esquisito da Galáxia 297. Era chamada de matchi.

Ischklah olhou um momento para Oski e sorriu irônico.

— Você está esfregando o computador como se ele estivesse coberto de matchis — disse ele.

— Ah — disse Oski. — Já teve que lutar alguma vez com esses animais?

— Felizmente não — disse Ischklah — Mas conheço um veterano do espaço que teve! Ele ainda traz as cicatrizes!

— São criaturas infernais — disse Bronet. O seu semblante ficou por um momento sombrio. — Criaturas infernais — repetiu ele. — Pelas sete luas verdes, prefiro lutar com a fera Gasha de Altair, do que me meter com esses pequenos demônios. Nada se pode fazer quando os matchi atacam. O que lhes falta em tamanho lhes sobra em ferocidade, persistência e superioridade numérica.

— Está bem. Estou pronto para o próximo conjunto de números — disse Oski. — De acordo com o meu manual, apenas dois terços do que me transmitiu faz algum sentido.

— Está admirado? — perguntou Ischklah. Oski abanou a cabeça.

— De fato não estou. — Ele parecia calmo e zangado ao mesmo tempo. — Isso tudo faz algum sentido? Parece que tudo é uma loucura. As coordenadas são falsas! Acontecem coisas que não deviam!...

— Existe apenas uma explicação que parece fazer algum sentido para mim — disse Korzaak, repassando todos aqueles números.

— Faz algum sentido em que ponto? — perguntou Ischklah, tomando fôlego em meio a todos aqueles números.

— Refiro-me a esta galáxia — respondeu Korzaak. — Já ouviu falar na teoria negativa do espaço? A teoria negativa da matéria? Se a Galáxia 666 for negativa...

— Não seria possível nos aproximarmos dela — disse Bronet.

— Acho que ele está certo — disse Ischklah. Bronet e Korzaak encararam Ischklah.

— Quer dizer que acha que estou certo?

— Sim.

Olhou de novo para Ischklah.

— Como pode Korzaak saber o que você quis dizer antes de você ter falado?

Ischklah deu de ombros e sorriu.

— Trabalhamos juntos bastante tempo; fomos colegas; freqüentamos a escola de neófitos do espaço; há muita afinidade entre nós.

— Existe afinidade entre todos os humanóides que lutam pela conquista do espaço — disse Bronet. — Solidários no infortúnio e companheiros para o túmulo, você sabe disso.

— Um pensamento animador — disse Oski, ainda manejando o computador.

Bronet olhou para o seu colega.

— Oski — disse ele — você parece tão excitado como um datilógrafo do século XX tentando ser aprovado em uma prova de velocidade em uma daquelas máquinas de escrever de brinquedo, na qual se costumava girar uma pequena roda na parte superior, e depois batia-se a tecla; levava-se 15 segundos para bater um letra.

— Sim, eu as conheci — respondeu Ischklah. — Eram mecanismos delicados. Ainda se pode ver algumas nos museus. Gostaria que inventassem um modo de preservar essas máquinas.

— Se você soubesse o tipo de resposta que vem vindo neste computador, pularia pela janela da nave.

— Faço idéia — disse Bronet. — Sei que acabei de completar três conjuntos de coordenadas diferentes que não fazem sentido.

— Algumas das minhas pareciam um pouco tortas — disse Ischklah.

Korzaak sorriu.

— Não sei por que estamos nos preocupando — disse ele. — Nenhuma delas faz sentido. Quatro dois são um! Cinco dois formam um cento! Não existe um padrão.

— Com exceção do mesmo padrão especial que existe em toda galáxia — disse Ischklah.

— É verdade. Mas como pode ser o acaso um padrão?

— Não sei — respondeu Ischklah. — Apenas não sei, gostaria de saber.

— Quando acharmos resposta para isso, estaremos a ponto de resolver o mistério do planeta falso. Estaremos quase resolvendo o enigma da Galáxia 666.

A nave espacial aumentou um pouco de velocidade.

— Não desceremos nunca com essa velocidade — disse Bronet. — É melhor desistir agora e apertar o mecanismo destruidor.

— Esse pensamento é animador — disse Korzaak.

— Você sabe que a sua finalidade não é essa.

— Falei brincando — disse Bronet. — Era apenas...

— e deu de ombros. De repente suas mãos se contraíram e seus olhos brilharam — Não sei o que se passa com vocês, mas quanto a mim estou a ponto de desistir. Nada faz sentido. — Tinha grande dificuldade em coordenar suas palavras e formar frases.

— Parece que alguma droga estranha e nociva está afetando a minha voz.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Ischklah. Sua voz parecia também fora do normal, aguda, incomum.

— Não sei, não posso explicar. É apenas influência de toda essa loucura.

— O que acha de tudo isso? — perguntou Korzaak. Ele também parecia alterado e contrariado. — Existem mais de mil galáxias no império, com centenas de milhares de planetas habitáveis em cada uma... centenas de milhares — repetiu ele. — E através da Warp, por meio do hiperespaço e de mecanismos computadores, é possível para o império ser administrado e funcionar com eficiência mas — parou outra vez como se as palavras que quisesse falar se recusassem a tomar forma em sua mente. — O que há comigo?— disse com veemência.

— É uma espécie de choque de ação retardada — disse Ischklah, esforçando-se por se controlar. — Sinto quase a mesma coisa.

— Eu também — disse Oski.

Korzaak e Ischklah trocaram olhares significativos.

— É algo novo para nós — disse Korzaak e suas unhas se comprimiram nas palmas das mãos. Sua boca se contraiu como se fosse de aço.

— Esta galáxia é maluca — comentou Oski. — Não consigo encontrar um sentido para todos esses dados. — Levantou e tornou a abaixar o pequeno computador. Houve uma chuva de fagulhas e luzes. Os núcleos de ferrite se espalharam em todas as direções.

— Bem, aí está — comentou Korzaak.

— Devemos usar as cápsulas salva-vidas? — perguntou Oski.

— Para que? A nave não está quebrada!

— Deveria estar! — Oski olhou para o computador portátil quebrado.

— Sinto muito — disse ele. — Não podia fazer mais nada com ele. — Sua voz parecia vir de uma garganta cheia de pedras e com os dentes cerrados.— Nada aproveitei dessa viagem. — Houve um longo silêncio entre os quatro homens na sala de controle. Era o tipo de tensão que parecia indicar que algo ia suceder de uma hora para outra. Bronet ficou de repente contra Korzaak.

— A culpa é sua — disse ele maliciosamente. — Você planejou toda essa louca excursão. — Tentou esmurrá-lo, mas Ischklah interveio.

— Calma — disse Korzaak.

— O que está acontecendo comigo? — perguntou Bronet; encostou-se em um anteparo e pôs a cabeça entre as mãos.

— Sinto muito — disse ele, em voz baixa.

De repente Ischklah começou a ficar sentimental. Gostaria de estar na Galáxia 665 ou 661, — em qualquer parte menos ali. Pensou em todas as coisas que haviam tornado a vida boa e agradável. Pequenas coisas, como um copo do delicioso álcool ou seu alimento predileto; pensou nas cerejas lupala que cresciam nas margens dos límpidos rios em seu próprio lar na Galáxia 311. É engraçado como um homem pensa em seu lar numa hora dessas. Sua cabeça girava, andava à roda de modo estranho. Parecia que alguém havia de repente tirado todo o oxigênio que ele necessitava e o substituíra por dióxido de carbono. Tinha dificuldade em respirar. Seu peito saltava. Seus pulmões enchiam-se e se esvaziavam, mas parecia que não havia nada mais respirável a bordo do Space Greyhound. Sabia que deveria procurar mais oxigênio; é disso que precisavam. Precisavam de mais oxigênio, muito mais oxigênio. Chegou perto da válvula, ligou na posição "on". Sentiu-se melhor, mas o alívio foi apenas temporário. Era apenas um alívio parcial e não completo.

Suas pernas enfraqueceram de repente e ele cambaleou. Ficaram ainda mais fracas e ele desmaiou. Aquela sensação de líquido espalhou-se por todo o seu corpo. Atingiu seu pescoço, sua cabeça; os músculos faciais parecia que estavam saindo de seu rosto. Deu um gemido estranho e desesperado, que parecia um balão de borracha sendo esvaziado, e perdeu os sentidos.

Os outros estavam caídos ao sue lado — quatro homens inertes em uma nave sem vida! Quatro homens cegos em uma nave sem rumo; quatro homens surdos em uma nave que não respondia; voando a esmo, como uma nave fantasma. Como uma Maria-Celeste do espaço, vagava abandonada entre as estrelas naquele recanto enigmático do espaço que os homens, para sua conveniência, haviam denominado Galáxia 666.

O campo gravitacional do planeta começou a agir. Era uma atração gentil, feminina; ela os arrastava devagar, mas de modo irresistível.

A nave já não navegava mais sem uma finalidade;

não estava mais vagando sem direção. Descia, descia aos poucos...

Ischklah foi o primeiro a despertar, seguido por Korzaak quase ao mesmo tempo. Espiaram pelo visor da nave.

— Estamos descendo — disse Ischklah.

— Quer dizer que vamos sofrer uma colisão? — perguntou Korzaak.

Ischklah concordou.

— Temos que fazer alguma coisa e depressa. Bronet firmou-se em seus pés.

— Um mundo maravilhoso — disse Ischklah. — É um mundo maravilhoso!


 CAPITULO VII

A nave espacial oscilou e tremeu sob a ação dos foguetes de retrocesso.

— Estamos decididamente chegando — disse Bronet.

Oski olhou com pesar para os restos do computador quebrado. — Eu devia estar doido; devia estar muito severo, sofrendo a loucura do espaço quando fiz isto.

— É muito tarde para pensar nisso agora — disse Bronet.

— Devia estar louco — repetiu Ischklah.

— Bem, isto é um consolo, suponho — disse Oski.

— Um mal nunca vem só, depois de acontecido. Não há nada de mais em fazer um último esforço, sozinho. Se existem seis pessoas, cem ou um todo, um regimento, será muito melhor.

— Quem está falando em últimos esforços? — disse Korzaak. — Não estamos na defensiva, meu amigo. Estamos atacando! O pior já passou! Há milhares de galáxias que fazem parte do império, milhares de galáxias — repetiu ele.

— Ah, então é assim? — perguntou Oski.

— Pensa que todas essas galáxias apareceram de repente e disseram: queremos nos unir? Acha que essas centenas de milhares de planetas do império, com suas estranhas e variadas formas de vida, suas diferentes culturas, apareceram de repente e disseram: Achamos que seria uma boa idéia; dê-nos por favor uma ficha de inscrição e nós tomaremos parte?

— Não, acho que não — concordou Oski.

— Você é um historiador — disse Korzaak. — Leu a História das Galáxias?

— A História é tão vasta que me limitei à da Terra; um assunto clássico, não é?

— Eu sei. Relação dos cursos da Universidade — alternativa A — Da Revolução Industrial até o início da Era Espacial. Alternativa B: a Era Atômica. Os estudos serão mais específicos e minuciosos para os estudantes que ficarem com esta relação. — Ele riu.

— Oh! com mil demônios! História, astronomia, universografia, planetonomia, astrogação, todas as ciências, todos os estudos — nada significam sem o apoio da mente humana. Não passam de belas palavras que idealizamos.

— Não é ocasião propícia para filosofar — disse Bronet. — Temos que fazer um vôo visual. É o mesmo que trazer um navio para o porto sem a ajuda de rebocadores e com um vento muito forte vindo da terra.

— Nós conseguiremos — disse Korzaak. — Temos que conseguir! Este pode ser o mesmo planeta falso que apanhou meu avô, o velho Bion. Quero ver se as minhas observações concordam com as dele.

— É um desafio que não podemos desprezar — disse Bronet.

— Quem está desprezando? — disse Ischklah. Riram. Era um riso mais natural do que os que tinham sido expressos ultimamente. A nave continuava a vibrar, à medida que os foguetes de aterrissagem lançavam seus jatos no espaço em torno dela. Haveria lugares em que essa força dos foguetes poderia ser considerada grande, mas em pleno espaço, opondo-se contra a escuridão do espaço exterior, parecia diminuta, bastante pequena...

Foram momentos de tensão quando começaram a entrar na órbita de aterrissagem. Não dispunham de ajuda mecânica, nem de dispositivos eletrônicos para lhes indicar como era a superfície do lugar onde iam descer. Assim como as folhas convidativas de uma planta insetívora encarando um inseto, havia um crepúsculo de púrpura de um tipo especial em toda parte, quando diminuíram de altitude. Era uma púrpura escura e espessa e embora fosse assim, possuía uma estranha transparência. Podia-se ver bem longe, apesar da aparente ausência de luz. Era como se a vista humana pudesse penetrar esta púrpura especial tão facilmente como um radar penetrava em nevoeiro no século XX lá na Terra.

Todos os tripulantes estavam a postos.

— Protejam-se — disse Bronet apenas.

— Cintos de segurança, depressa! Os cintos correram em suas alças. As tiras de couro se esticaram em suas presilhas. Bronet concentrava toda a sua ilimitada habilidade para conseguir que a nave descesse completa. Balançavam agora, como uma rolha que tivesse sido atirada em uma catarata, desaparecendo lá embaixo como uma pequena ave atingida por um furacão, contra o qual estivesse praticamente indefesa.

— Pelas sete luas verdes! — disse Bronet, ofegante — não brinco com tal densidade atmosférica!

— É um tornado, na linguagem comum — gritou Korzaak.

— É algo que poderíamos ter evitado — concordou Ischklah.

— Deixando de lado os nomes pomposos, há muito vento lá embaixo — disse Oski.

— Mais do que eu pensava encontrar — disse Bronet, irônico.

Agora que havia novamente ação, ele recobrou o uso dos sentidos. Era aquele período especial de incerteza, que quase dominara Bronet. E tinha, 'de fato, quase atingido a todos.

Com seu próprio cinto de segurança, o capitão podia manejar os controles. Apertava botões, puxando alavancas, verificando e tornando a verificar os mostradores.

— Isso é tudo que posso fazer — disse ele por fim, fazendo sua voz soar mais alto que o barulho do vento lá fora — Segurem-se bem e rezem bastante!

Deu-se uma colisão; e a nave parecia se desintegrar, da mesma forma que haviam suas pernas sentido um pouco antes. Tudo parecia se reduzir a frangalhos. Houve um momento de escuridão e confusão.

Oski abriu os olhos e achou-se sentado no meio de uma pilha de metais e ligas retorcidas do que tinha sido a nave Space Greyhound. Dizer que a nave estava destruída teria sido pouco, pois a massa disforme do que havia sido uma nave tornara-se agora uma armadilha para os seus tripulantes perdidos.

Oski começou a se aborrecer com o ambiente no qual se achava agora. Não era o tipo de ambiente pelo qual se interessava. Há lugares melhores para despertar com uma enorme dor de cabeça do que no meio de uma pilha de aço e ligas amassadas daquilo que- certa vez foi uma nave espacial.

As ligas com as quais são feitas as astronaves são escolhidas devido à sua resistência à tensão, sua resiliência e capacidade de suportar pressões. Se elas suportarem os rigores e esforços do espaço, também serão capazes de resistir aos rigores de um desesperado, que está tentando se desvencilhar delas. Isso é parecido com aqueles engenhosos quebra-cabeças de metal, onde duas peças na aparência inócuas, são postas juntas — às vezes três — e a pessoa tem que escolhê-las.

Bronet abriu os olhos, bem como Korzaak, e Ischklah recobrou os sentidos.

— Estamos todos vivos — disse Bronet, olhando em volta assustado.

— Na sua opinião — disse Oski — mas minha cabeça parece comida de abutre!

— Você nunca foi forte — mesmo quando estava com a melhor disposição!

— Você me deixa admirado — disse Ischklah. — A frustração provocada por esta galáxia quase o levou à beira de um colapso, nós lutamos e aqui neste monte de ferro retorcido que bem pode ser o nosso túmulo, você se senta e ri.

— Temos fraquezas diferentes — disse Oski. — É bom para nós se pudermos sobrepujar situações que são insuportáveis para os outros.

Bronet ria ironicamente de novo.

— Não existe nenhum heroísmo em fazer uma coisa com facilidade. Eu teria sido um herói se pudesse resistir à minha frustração. Não sou um herói por estar rindo nesta confusão, porque isso me atinge por ser uma coisa imprópria.

— Sinto vontade de gritar — disse Korzaak.

— Sou da mesma opinião — disse Ischklah que batia desesperadamente contra o aço e as ligas da fuselagem torta e despedaçada.

— É de admirar, naturalmente, que não estejamos todos mortos — disse Bronet. — É como se uma mão poderosa e invisível tivesse quebrado de propósito a nave, da melhor maneira possível, apenas por brincadeira, como se quisesse mostrar a sua força sem nos matar.

— Pode ser, pode bem ter sido isso — disse Oski.

— Acredita em poderes dessa espécie? — perguntou Ischklah.

— Por que não? — disse Oski.

— Muito interessante — disse Ischklah — realmente é muito interessante.

— É um lugar estranho para se debater religião, não acham? — perguntou Bronet.

— Nenhum lugar é esquisito para se falar sobre religião — disse Ischklah. — A religião é a única coisa real num universo transitório.

— Este é um sentimento estranho para um engenheiro de computadores.

— Por quê? — perguntou Korzaak. — Eles não devem ter sentimentos? Não merecem ter crenças assim como os filósofos têm as deles?

— De fato podem ter — disse Bronet — mas a maior parte dos engenheiros de computadores que conheci era ateísta e agnóstica. Intitulam-se livres pensadores e Deus sabe o que mais!

— Existem certas pessoas cujas cadeias mentais os prendem mais do que os livres pensadores — disse sorrindo o engenheiro de computadores. — O ateísmo, e mesmo o agnosticismo, pode se tornar uma espécie de substituto da religião, e o ateu humanitário é culpado do paradoxo de passar a vida toda provando que existe um Deus, e usando todos os argumentos para provar que não existe!

— Isso é muito profundo — disse Oski, tirando uns pedaços de metal de suas pernas.

— Veja esse suporte de segurança — disse Bronet de repente. — Esta peça fica em volta de minha cintura, como um cinto. Que milagre fez com que ela ficasse como ficou e não mais apertada? Mais alguns centímetros e teria me cortado em dois pedaços. Um pouco menos e eu teria me desprendido.

— Pode entortar algumas dessas? — murmurou Korzaak.

Bronet sacudiu a cabeça.

— De modo algum — disse ele.

— Também não consegui — disse Oski.

Ischklah e Korzaak entreolharam-se.

— Há um jeito — disse Korzaak.

Bronet e Oski olharam admirados para os dois técnicos em problemas.

— Existe um jeito? — perguntou Bronet. Korzaak concordou.

— Se não conseguirmos sair — disse Ischklah — ficaremos aqui até morrermos de fome.

— De acordo — disse Bronet.

— Quanto vale a vida para você? — perguntou Korzaak.

— Sou bastante jovem para dizer que vale muito — disse Oski.

— Eu também — concordou Bronet.

— Ischklah e eu podemos tirá-lo daqui — disse Korzaak — mas para isso, precisamos revelar algo que preferíamos não revelar a ninguém. A sua vida vale uma promessa de absoluto sigilo? Quando digo absoluto quero dizer absoluto.

Bronet e Oski olharam um para o outro.

— Sempre achei que havia algo esquisito com vocês dois. Qual é o segredo?

Ischklah sorriu.

— Quanto menos souber, melhor — disse ele. — Feche os olhos e prometa não abri-los até eu lhe avisar. Penso que podemos sair daqui; se estiver tudo em ordem, poderemos tirá-lo.

Bronet e Oski olharam um para o outro.

— É razoável — disse Bronet — e estou preparado para esquecer que isso aconteceu.

— E você, Oski? — perguntou Ischklah.

— Eu também — disse Oski.

O capitão e a tripulação fecharam os olhos.

— Seja o que for que ouçam — disse Ischklah — não abram os olhos.

— Está bem — disse Bronet.

— Confiamos em você — disse Ischklah.

— Não o decepcionaremos — disse Oski.

Ele e Bronet conservaram os olhos bem fechados.

— Conversem para afastar a mente do que estamos fazendo — disse Ischklah.

— Está bem — disse Bronet. — Joguemos xadrez. Suponha que temos um tabuleiro imaginário. Visualize o jogo todo.

— Está bem. Jogo com as peças brancas — concordou seu colega. — Peão em K4.

— Peão em K4 como resposta — disse Bronet. Ouviam-se sons estranhos e inexplicáveis entre os metais. Ruído de metal cortado. Grunhidos e gemidos. O som de um esforço gigantesco era ouvido, e alguns gritos de dor. Bronet e Oski concentravam toda a sua atenção no jogo de xadrez invisível.

Fizeram várias jogadas.

— Xeque — disse Oski.

— O bispo toma o cavalo — respondeu Bronet.

— A rainha toma o bispo — disse Oski.

— Caramba! não reparei nesse jogo — disse Bronet.

O capitão abriu os olhos.

 Ischklah e Korzaak estavam sorridentes entre a pilha de destroços.

— Sim, estamos livres — disseram eles.

— Bem, com a breca! — disse Oski.

— Levará a breca se não esquecer tudo isso dentro de três segundos.

— O que aconteceu?

— Lutamos de modo normal, e é só o que aconteceu,

— Se você pode, por que não -podemos?

— Vocês não lutaram de modo suficiente. Agora esqueçam isso — disse Ischklah e sua voz mantinha um subtom de autoridade inegável. Não suportaria nenhuma desobediência.

Ischklah e Korzaak se apoderaram de todo o metal retorcido que aprisionava os seus dois companheiros e, reunindo esforços em um só ponto, começaram a progredir.

Era um trabalho vagaroso e cansativo.

Passou-se uma hora e meia até que os quatro homens fossem capazes de sair do local da queda.

— Naturalmente, um dos menores milagres deste planeta — disse Ischklah de repente.

—... é a atmosfera! — disse Bronet. — Acabei de pensar nisto. Ela parece muito agradável.

— Agora que tivemos uma chance de apreciar o seu valor estético — disse Oski — estou disposto a concordar. É muito agradável. Estava tão empenhado em me livrar daquela pilha de metal retorcido da nave, que não reparei durante todo o tempo que estava respirando!

— Uma atmosfera nociva teria sido o nosso fim — disse Korzaak.

— Que planeta esquisito! — disse Oski.

— Acho que há mais surpresas nos aguardando — disse Ischklah; e os quatro homens lançaram-se no desconhecido, deixando para trás a astronave acidentada.


 CAPITULO VIII

Aquele estranho crepúsculo de púrpura que eles haviam avistado lá de cima era, ao que parece, outra das estranhas coisas que a atmosfera daquele incrível planeta era capaz de formar. Agora não havia nenhum sinal daquela luz purpúrea em parte alguma. O planeta achava-se iluminado por uma luz de cor rosada que poderia provir daquela estranha estrela em volta da qual girava o planeta, e para a qual haviam quase sido sugados naqueles estranhos saltos feitos pela nave; ou, de outra forma, poderia surgir da própria superfície do planeta.

Tendo se acostumado àquela luz rosada, que dava a todas as coisas uma aparência da mesma cor, e que tinha o efeito de induzir os sentidos em um falso sentimento de segurança, os quatro exploradores olharam para o solo. Era uma espécie de terreno muito estranho — embora "terreno" não seja, a rigor, a palavra que deva ser usada para descrever o solo de um planeta que não seja a Terra. Da mesma forma que muitas outras palavras terrenas, esta havia se introduzido no vocabulário do império. Eles examinaram o terreno. Era formado de pedaços, sem uma seqüência determinada. Em alguns pontos havia diferenças mais sensíveis. Em outros, essas modificações eram menores e mais gradativas.

À sua direita, eles podiam ver dois pequenos morros redondos, salientes do solo. Entre o ponto em que estavam e esses dois morros, havia um lance de rocha plana e lisa, tão plana e lisa que era escorregadia e difícil de ser escalada. Havia veios cor-de-rosa entre as rochas, e parecia que aquelas tonalidades da atmosfera eram causadas por essas rochas. Havia um certo número de filetes brancos nas rochas, que se assemelhavam um pouco ao mármore, mas a sua maior parte era cinzenta. Dava mais uma impressão geral de cor cinzenta, raiada de rosa e branco. O cinzento era a cor predominante no fundo; nem preto nem branco, mas um meio--termo entre as duas cores.

Os quatro exploradores prosseguiam através desse terreno plano; Ischklah de repente tropeçou e caiu. A substância sobre a qual eles andavam era dura, e todavia não tinha a dureza do granito ou da pederneira. Era mais como a dureza da madeira polida. Ischklah levantou-se e esfregou um ferimento em sua perna.

— É duro esse chão — disse ele.

Continuaram andando com um pouco mais de precaução. Korzaak desceu, seguido por Bronet, e por último Oski. Depois disso, cruzaram os braços e prosseguiram.

Aproximaram-se do primeiro morro que haviam visto. Tinha a aparência de uma bola grande como se algum gigante com mau senso de humor tivesse fincado no solo para criar mais um mistério nesse planeta enigmático. Sob o ponto de vista geográfico, poderia representar um pequeno mundo que tivesse abandonado a luta pela independência e tivesse se estabelecido ali. Era dilatada no equador e achatada nos pólos. Se dois anéis de latão forem atados a um aparelho de laboratório, e se esse parelho girar à alta velocidade, o efeito da força centrífuga fará com que os anéis se achatem.

Esses dois morros pareciam construções pouco resistentes como se tivessem sido feitas como potes de cerâmica, até o ponto em que a força centrífuga começasse a atuar.

Embora os muitos planetas misteriosos das milhares de galáxias proporcionassem aos exploradores e viajantes uma vasta gama de informações, aqui estava algo que nenhum dos quatro exploradores havia jamais lido, ouvido falar ou visto em nenhuma parte. Lá na galáxia originária, a número 1, que era uma grande atração turística para aqueles que podiam viajar, havia as crateras da Lua, os canais de Marte, as selvas de Vênus, a grande mancha vermelha de Júpiter, para serem vistas e admiradas. Estas eram algumas das maravilhas tradicionais: do Universo, mas aqui estava alguma coisa que rivalizava, e até sobrepujava tudo aquilo. Esta enorme construção parecia uma torre, em espiral, quase como uma enorme garrafa amarela na superfície do planeta. Era difícil, se não impossível, explicar a sua natureza em palavras comuns. Era igualmente quase impossível dizer-se que era um aparelho.

— Que diabo será isto? — perguntou Ischklah. Bronet moveu a cabeça.

— Não tenho a menor idéia — respondeu ele.

— Korzaak, o que acha? — perguntou Oski. Korzaak, também, sacudiu a cabeça. — Não faço idéia — respondeu.

— Sabe de uma coisa? Se eu fosse fantasista, diria que isso era uma gigantesca garrafa de bebida colocada numa sala de estar por um gigante relaxado. Esse material branco e rosa sobre o qual estamos andando, poderia bem ser lino!

— Você possui uma imaginação fértil — disse Korzaak.

Ischklah riu.

— Pode ser — disse ele — o que significa que nós, em comparação com tal gigante, somos do mesmo tamanho das moscas do vinho, do tamanho de formigas, e possivelmente até menores; pequenos insetos vermelhos correndo pelo solo, tão pequenos a ponto de não sermos notados; ele segue o seu caminho e nós o nosso.

— Não está estabelecendo uma teoria verdadeira, está? — perguntou Oski.

Bronet riu.

— Acho que não — disse ele. — Mas como você a descreveria a não ser como uma garrafa gigantesca?

— Pode ser um foguete gigantesco — disse Korzaak, olhando para cima. — Passamos por povos em alguns planetas mais densos, que usavam naves espaciais tão grandes como esta.

— Sim, mas isto não parece uma nave.

— Encontramos muitas formas de vida que não se parecem com o homem — disse Bronet.

— É verdade — disse Ischklah.

— Vocês dois são solucionadores de problemas — disse Oski. — A que conclusão chegam?

— Diria que é mesmo um produto artificial.

— Se é um artefato, como foi feito e por quê? — disse Ischklah.

— Bem — disse Korzaak — há uma grande diferença entre decidir que uma coisa é um artefato e saber qual é a sua finalidade, e como foi fabricado, nas condições deste planeta. Sabemos tanto quanto os aborígenes do século XX que descobrissem de repente um foguete, um helicóptero ou um aparelho de televisão.

Fez uma pausa para meditar.

— Poderiam nos dizer que essas coisas não são produto da natureza, que não foram extraídas do solo, mas não poderiam dizer como as fabricaram e nem talvez qual fosse a sua finalidade.

— Tem razão. Você argumenta bem — disse Oski.

— Isso nos aproxima de uma solução — disse Bronet.

— Precisa de uma solução? — perguntou Ischklah.

— A vida — disse Korzaak — é muitas vezes perdida em busca de soluções certas. O que devíamos aprender é fazer perguntas certas. Possuímos um certo número de dados. Eles nos resolverão alguns problemas. Se fizermos perguntas erradas, não obteremos nenhuma resposta. Ficamos tolhidos num emaranhado de problemas por nós mesmos criados.

— Esse pensamento não é muito animador — disse

Bronet — provindo de dois indivíduos de valor como vocês!

— A questão é — disse Ischklah — que estou encarando os fatos.

— O que você quer dizer — falou Bronet — é que existe algum conhecimento proibido que não devemos tentar atingir; ou que existem algumas respostas que não nos convém saber.

— Por quem? — disse Ischklah em tom de desafio.

— Está dando a entender que existe algum poder no fundo do universo dizendo que não podemos ter certos conhecimentos.

— Absolutamente — respondeu Ischklah. — Tenho grande fé na ciência. Nenhum conhecimento novo jamais prejudicará a verdade. Ela nada deve temer com exceção das mentiras. A verdade sempre vencerá a falsidade, no final. É o preconceito que tem a verdade, e não o contrário. A verdade não pode nunca ser afetada pela verdade.

— Isto soa como um emaranhado metafísico para mim — disse Bronet.

— A metafísica não é uma confusão — disse Korzaak. — É uma das ciências mais importantes que existe. 0 que precisamos é de mais metafísicos, e menos especialistas bitolados consumindo seus cérebros em troca de nada.

— Devemos ser especialistas — disse Bronet. — O universo pertence ao especialista.

— Então precisamos de alguns especialistas em coordenação para manter tudo em ordem — disse Korzaak.

— Isto não resolve o nosso problema atual — disse Oski. — O que é isso, afinal?

Ficaram olhando por algum tempo, admirados.

— Há um outro igual aqui perto — disse Korzaak de repente.

— Como se não bastassem os nossos problemas, temos que achar mais um — disse Oski, sorrindo...

— Então, o que acha disso? — disse Ischklah.

Os outros três olharam na direção apontada. Haviam se sentido tão atraídos pela grande torre amarela, que haviam deixado de reparar numa pequena torre vermelho-púrpura. Desta vez, a maior parte de sua superfície era ocupada por um grande quadrado branco, no qual um desenho verde tinha sido feito, alternando com círculos pretos incrustados. Sob o desenho verde havia marcas vermelho-púrpura, de uma forma tão regular e perfeita que bem poderiam ser letras ou números escritos num idioma desconhecido ou um sistema digital. Embaixo viam-se pequenas linhas negras.

— O que será isso? — perguntou Bronet. Oski abanou a cabeça.

— Estou tão perplexo quanto você — disse ele.

— O que acha disso, Korzaak? — perguntou Ischklah.

Os dois trocaram olhares de grande compreensão, uma coisa habitual entre eles.

— Não sei — respondeu Korzaak. — Estou tão perplexo quanto os outros. Não há uma forma determinada, não há um padrão; é tudo confuso.

Um clarão repentino de compreensão iluminou o rosto de Bronet.

— Discórdia — murmurou ele. — Isto fornece uma pista muito vaga. Sabem que eu sou um historiador, e em alguma parte, há muito tempo, em alguma livraria desconhecida, estava examinando alguns documentos do século XX, bem conservados. Alguns eram edições originais, e outros eram cópias fotostáticas.

— Sim — concordou Ischklah.

— Pois bem, um deles era sob notação musical no século XX, acho que era uma peça musical; minha memória falha nesse ponto. Havia qualquer coisa sobre "o eco harmonioso em uma vida contraditória". Era um pouco do sentimento religioso do século XX. que os sentimentos religiosos da Terra nos séculos IXX e XX — disse Korzaak, quase com raiva.

— Há muitas coisas muito piores no universo do

— Ora, tenha calma — disse Oski. Korzaak deu um sorriso forçado.

— Sinto muito — disse ele. — Eu não tenho a intenção de provocar ninguém, mas alguns de vocês são ateus.

— Obedeçam o vovô!

— Sinto muito — disse Korzaak. — Este lugar está até me agradando um pouco.

— Também agradou-me quando estávamos descendo — disse Bronet. — Sei como você se sente...

Ischklah e Korzaak trocaram olhares como que dizendo: "Há mais verdade do que ele pensa nessa observação". Mas o olhar foi tão rápido que não foi percebido pelos outros dois. Havia uma grande afinidade entre Ischklah e Korzaak, que era um segredo maior do que o daquele estranho planeta daquela incrível galáxia.

Houve um silêncio por alguns instantes, enquanto os astronautas continuavam olhando aquelas torres, aqueles quebra-cabeças cônicos, aquelas espirais misteriosas. Era de fato um enigma muito estranho e quase assustador. O planeta parecia disfarçado, uma espécie de refúgio galático, um covil no espaço; era um esconderijo, uma espécie de refúgio.

— Não gosto disso. Não gosto nada desse lugar — disse Korzaak. — É como se fosse um labirinto.

— Concordo com você — disse Ischklah. — Tenho a impressão de estar numa catacumba, ou numa casa cheia de móveis com gavetas secretas e painéis ocultos.

— Acho — disse Bronet — que existem cantos e fendas, furos, nichos, passagens secretas e salas subterrâneas que abrigam coisas que eu não gostaria de ver.

— Sinto também — disse Oski — que há coisas escondidas aqui. É como andar próximo de uma emboscada a toda hora. Como se toda região estivesse camuflada, ou existisse uma máscara, um visor, ou um véu colocado sobre uma face que seria melhor não ver. Em algum lugar, alguma coisa está escondida, à espreita, acovardada. Este planeta é um lobo com pele de cordeiro. Sob a

lã, ou atrás da máscara, existe um impostor. O que ou quem seja, não sei. É um planeta atordoante; é um planeta disfarçado. Esta galáxia inteira é um estranho mistério, para a qual estamos longe de encontrar uma solução. É um planeta oculto, reservado. Tenho a impressão de que está acobertando, escondendo alguma coisa.

— É um lugar muito triste — disse Korzaak. — Há coisas ocultas aqui que é melhor ficarem escondidas. É um planeta que espera algo, uma galáxia inteira esperando...

— Em que mais penso é em discórdia — disse Bronet — como já falei antes.

— Diga-nos o que quer dizer com mais exatidão — disse Ischklah.

— Mais ou menos o seguinte: Esta idéia é apenas um embrião mental; não teve ainda tempo de se expressar. — Ele apertou os lábios, cm busca de palavras. — Este planeta parece fazer parte de uma galáxia de luta. É uma espécie de lugar onde tudo é discórdia e dissonância. É um planeta de desarmonia numa galáxia de desarmonia. É uma espécie de mundo desagradável. Há algo dissonante nele. É uma Babel; apresenta sons confusos, mas são mais do que sons. Há um pandemônio, um tumulto, um clamor aqui, mas não é apenas em nossos ouvidos; é em toda a parte. Há uma desafinação, discórdia e barulho.

— Parece que começo a compreender — disse Oski

— produz um efeito desagradável em mim.

— Tem razão — disse Bronet. — Ele afeta os nervos, os ouvidos, a mente...

— É um mundo áspero, brutal — disse Ischklah.

— Há alguma coisa desarmoniosa nele. O próprio ar, embora seja puro, tem qualquer coisa de não musical. Há algo que não se afina bem.

Oski concordou.

— O planeta inteiro está desafinado — disse ele.

— Tudo está fora de ordem — murmurou Bronet.

— Tudo.

Ficaram em silêncio por um longo tempo; depois Ischklah falou:

— Não podemos ficar aqui para sempre.

— Não — concordou Korzaak — temos que fazer alguma coisa.

— O que sugere que façamos agora? — perguntou Bronet.

— O melhor, o máximo que podemos fazer é tentar procurar conhecer tudo a respeito desse mundo, ver tudo que for possível, tudo que se possa ouvir, conseguir o maior número possível de dados. Aquele velho receptor de dados pertencente ao seu computador sofreu uma séria avaria quando descemos, não foi?

— Sim — concordou Ischklah, sorrindo tristemente. Não faremos mais nada como ele. O que desejava era conseguir o maior número de informações para depois conseguir uma resposta do computador.

— Precisamos conseguir bastante informações. Nunca serão demasiadas.

— É verdade — disse Oski. — Embora não seja um operador especializado de computador, como você, manejo um computador como um radioamador lida com seus aparelhos. Mas isso não é o mesmo do que ser capaz de controlar uma estação de rádio e preparar as linhas de comunicação indispensáveis.

— Como o rádio, parece estranho e lento — disse Ischklah, pensativo. — Entretanto, para os antigos da Terra, quando ele foi inventado parecia incrível. Agora é tão lento que se pode mandar uma mensagem pelo hiperespaço atravessando metade do Universo, no mesmo tempo em que uma onda de rádio atravessa apenas um ou dois planetas no mesmo sistema planetário.

— Isso é o resultado do progresso — disse Oski.

— Às vezes, duvido que o seja. Existem muitos tipos de progresso, você sabe disso. Veja por exemplo nossa especialização — disse Korzaak. — Ficamos inteiramente ocupados fazendo coisas que não sabemos para que servem!

— Lá vem você com a metafísica outra vez — disse Bronet.

— Se encarar a sua idéia pelo lado metafísico — disse Korzaak — obterá algo terrível.

— Que idéia? — perguntou Bronet.

— Sua idéia sobre harmonia e falta de harmonia, sobre concórdia e discórdia... Aquela velha história, por que você se lembraria dela, de repente?

— Não sei; o que é a memória? — perguntou Bronet. — Ou como ela se forma?

Eles se conservavam parados olhando aquela luz amarela, formulando aquelas perguntas profundas, chegando até à filosofia e à metafísica; e todavia não estavam mais próximos de uma solução do que os outros estiveram.

— Tenho uma teoria — disse a Bronet — que de certa forma se adapta ao que acabou de dizer — disse Ischklah.

Bronet o encarou com ar interrogativo.

— Prossiga — convidou ele.

— Falamos sobre harmonia e desarmonia como se uma fosse um eco obrigatório da outra, como se não pudéssemos ter um positivo sem um negativo, haver um mais sem um menos. Quando uma mulher está fazendo um bordado, há uma confusão no avesso do tecido, e um desenho no outro lado.

— Nem sempre — disse Korzaak.

— Não, mas quase sempre — disse Oski. — Já passei algum tempo fazendo esses trabalhos nas viagens longas e tediosas; eles lhes dão algum trabalho criativo para fazer e afastam a mente do vasto oceano do nada à sua volta.

— Suponha apenas — disse Ischklah calmamente — que esteja fazendo um bordado. Os dois lados serão opostos um ao outro, não serão? Se estiver usando linha branca e preta, os pontos pretos serão brancos de um lado e pretos do outro.

— Bem, você não está sendo muito exato — disse Oski — mas tem um pouco de razão.

Ischklah concordou também.

— Estou pensando em termos gerais — muito generalizados. A música também — é harmonia e dissonância. O mundo está cheio de opostos. Nós os compreendemos porque todos seguem princípios científicos. O que aconteceria se alguma coisa não obedecesse?

De repente, Korzaak conseguiu seguir o pensamento de Ischklah.

— Uma das principais coisas de um organismo é poder se libertar das sobras. Se isso for impedido, ele se intoxica e morre. O mesmo se dá com o ser humano, com uma comunidade; por que não com uma galáxia?

— Por que não com um universo? — interrompeu Bronet. Ischklah e Korzaak o encararam. O primeiro acabou concordando.

Oski sentou-se. Bronet afastou-se um pouco da torre, ao lado da qual se achavam e a olharam novamente. Havia Um tom amarelo rivalizando com o cor-de-rosa, e disputando a supremacia.

— Não faz sentido — disse ele. — São aparentemente aparelhos e devem ter alguma finalidade neste planeta.

— Para que poderiam servir?

— Porque não podemos perceber para que servem — disse Korzaak — não quer dizer que não tenham uma finalidade.

— Não — disse Oski, interrompendo-os — mas não somos tolos, nenhum de nós. Não somos perfeitos, mas não somos tolos! Raramente encontrei um aparelho que eu não pudesse imaginar para que servia, de uma forma ou de outra, e dizia para mim mesmo: eis aqui uma peça de um complicado equipamento pertencente a uma inteligência superior, que executa tal e tal tarefa, de uma forma que não compreendo.

— Sim, entendo o seu ponto de vista — disse Ischklah — e serve para mim. O homem pode não ser a maior inteligência, mas o é em grau suficiente para saber para que servem as coisas, mesmo que não possa compreendê-las.

— Para onde nos leva isso? — perguntou Oski.

— Deixa-nos com outro enigma, que não faz sentido...

— Que diabo é isso? — perguntou Bronet.

Algo começou a correr na direção deles, com o aspecto de uma roda que houvesse se desprendido de um carro em movimento.


 CAPITULO IX

Ouviu-se um som de deslizamento, um zumbido, novamente um deslizamento, e o objeto parou a alguns metros dos astronautas.

Ao parar, ele se desenrolou. Não era mais uma roda, parecia antes um lagarto, ou melhor, uma serpente, ou uma mistura das duas coisas. Tinha uma cabeça longa e chata, três olhos formando um triângulo, como acontece com várias formas de vida extragalácticas; uma boca redonda e pequena ficava entre os olhos. Não tinha queixo. A cabeça combinava bem, embora sem muita estética, com o pescoço fibroso logo abaixo. A pele das costas tinha nervuras e era ondulada.

Ischklah, cujo maior instinto era a curiosidade, levantou o braço e tocou levemente as costas do animal. Ele aparentemente não reagiu. Apenas olhou-o com dois dos seus três olhos, enquanto o terceiro examinava Bronet, Korzaak e Oski.

Ischklah achou a pele das costas do animal com uma aparência de borracha. Era macia, entretanto resistente. Era firme e flexível. Era um animal fibroso e o modo como meneava o seu corpo parecia mostrar que não possuía um esqueleto interno; se tivesse, deveria ser de cartilagens em vez de ósseo. Dava guinchos típicos, e cacarejos ao ser olhado, e suas pernas pareciam convergir ao mesmo tempo em um ponto central, com os membros juntos pelas extremidades, e iniciando outra vez aquele zumbido; havia músculos por todo o corpo. O zumbido aumentou e o animal se afastou.

— É um animal ou uma máquina? — perguntou Bronet.

— Tenho visto coisas estranhas — disse Korzaak — mas nunca vi nada igual a isso. — Oski sacudia a cabeça, admirado.

— Um diabinho esquisito, não acham?

— Esquisito não é bem a palavra adequada — disse Ischklah.

— Acho que é um animal-roda — disse Bronet.

— A não ser em ficção científica, nunca topei com um desses — disse Korzaak. — Refiro-me à ficção científica clássica do século XX.

— Hum — disse Oski ao ver o animal-roda se afastando. — Hum — disse ele outra vez.

— Bem? — disse Ischklah.

— Não sei se tudo está bem — disse Bronet. — Pode estar longe de bem. E se houvesse outras coisas neste planeta?

— Meu avô disse que era habitado — falou Korzaak.

— Disse que havia vida aqui.

— Mencionou os anima is-roda? — perguntou Oski.

— Não, e acho que deveria ter mencionado. São tão fora do comum, mesmo num universo de coisas incomuns.

— Parecem não obedecer nenhum padrão biológico ou evolutivo — disse Bronet.

— Não, eu tive a mesma impressão — disse Ischklah. Parecem mais uma invenção do que qualquer coisa que a natureza tenha produzido, mesmo numa ocasião fora do comum, em um ambiente especial.

— Não é o ambiente que explica essas coisas? — perguntou Korzaak.

— Como assim? — perguntou Oski.

— Entendo o que quer dizer — disse Ischklah.

— Sim; eu também — confirmou Bronet.

— É assim — disse Korzaak, virando-se para Oski.

— Este solo plano e liso sobre o qual estivemos andando parece ser bem adequado para um animal daquela espécie.

— Tem razão — disse Oski. — Você tem realmente razão. Suponho que, havendo ambiente adequado, algo parecido com aquilo poderia aparecer, mas ela parece artificial.

— Artificial apenas pelos padrões dos planetas que visitamos, as galáxias que conhecemos, no universo que conhecemos e entendemos. É bastante esquisito pelos padrões de nosso império, mas esses padrões não são obrigatoriamente universais.

— São quase universais — lembrou-lhe Ischklah. ,

— Quase não abrange tudo, entretanto — disse Bronet. — A Galáxia 666 é uma pontuação que faz a prosa do império dar uma parada rápida.

— Sim; é uma boa analogia — concordou Korzaak — muito boa comparação.

— De fato, é muito boa — disse Oski.

— Quando acabarmos de nos elogiar — interrompeu Ischklah — sugiro que tentemos encontrar uma explicação para esse problema.

— Qual é o problema agora? — perguntou Bronet.

— Já não temos muitos?

Surgiu um clarão no céu.

— Olhem! Um objeto desconhecido se aproxima. Oski sorriu.

— Esta frase me diverte — disse ele.

— Também agrada a Korzaak — comentou Ischklah. Bronet nada disse; olhava o clarão no céu.

— Se pudesse ver melhor — disse Korzaak — diria que há uma nave descendo.

— Concordo com você — disse Oski.

— Isso é mais do que uma coincidência — concordou Bronet.

— O que faz uma nave por aqui? — perguntou Korzaak.

Oski havia se tornado filósofo; tinha adotado o sistema de deixar as coisas acontecerem.

— Não é uma das nossas — disse ele, com pouco interesse.

— Não é do império! — repetiu Korzaak. Oski olhou resignado a descida da nave.

— Está fazendo uma descida muito melhor do que a nossa — comentou Ischklah.

— A adulação não o levará a parte alguma — resmungou Bronet, mas sorriu também.

Korzaak olhava atentamente a nave.

— Está descendo como quem conhece o que está fazendo, e como se já tivesse estado neste lugar. Não está descendo às cegas como nós fizemos. São veteranos.

— Acha que isso existe? — pergunto Oski. — Ou será apenas outro fantasma típico que existe neste planeta?

— Não deixa de ser possível! — disse Ischklah. — Acha que essa é a solução?

— O que? — perguntou Bronet. — Fantasma?

— Depende do que você chama de fantasmas — disse Korzaak.

— Ah! — disse Oski enigmático, olhando a nave.

— Como sabe que isto é real? — perguntou. — Pode ser uma visão, um sonho, um pesadelo, um fantasma. Talvez estejamos vendo uma nave fantasma. É uma ilusão, uma sombra, um vapor. É uma ilusão de ótica, uma alucinação.

— Está usando muitos adjetivos esta manhã — disse Bronet.

— Como sabe que é de manhã? — perguntou Oski.

— Tem razão — concordou Korzaak. Oski apontou para a nave outra vez.

— Aí está — disse ele. — É uma ilusão. Um delírio; um castelo no ar, uma brincadeira. É um sonho acordado, um trecho de escapismo. É alguma coisa que veio da terra fabulosa do vir-a-ser. É um pedaço de Shangrilá, da Atlântida. Veio da terra da carochinha, do reino de Prester John. Não é uma fatia de bolo do céu, é uma astronave. É o "Holandês Voador" do espaço. É uma fantasia, um mito, uma fábula — chame-a do nome que quiser.

— Agora que terminou, não há mais nomes disponíveis — comentou Bronet de modo prosaico.

Korzaak riu, mas Ischklah ficou sério.

— A sua ilusão apenas iniciou uma série de outras que se dirigem para nós — disse ele, preocupado.


 CAPITULO X

Através da luz rosada, alguma coisa que era indiscutivelmente um ser vivo se encaminhava para eles. Vinham também vários outros. Não eram nada recomendáveis quanto à sua aparência pessoal. Muitos dizem que se pode falar muito sobre as primeiras impressões; outros tentam desprezá-las no início. Bronet era partidário do segundo caso; se assim não fosse, estando ele mais próximo daquelas coisas, teria morrido de medo.

Existem estranhas formas de vida no universo. A julgar pelos padrões humanos, estas coisas não eram apenas estranhas; eram demasiado esquisitas. Possuíam pseudópodos em lugar de membros; andavam por meio desses pseudópodos. Pareciam tão desprovidos de esqueleto como aquele animal-roda que havia atravessado o planeta como se fosse um arauto da chegada da nave.

Havia algo excessivamente gelatinoso em sua aparência geral. Deslizavam, caminhavam para a frente por uma espécie de meneio como os répteis; eram maiores que os humanóides, e sua parte superior, que só poderia ser chamada de cabeça pelo mais generoso dos escritores, estava coberta com estranhos pequenos órgãos sensoriais que poderiam talvez ter uma função semelhante à que é executada pelos olhos e ouvidos do homem. Mas isso permanecia, para os quatro exploradores, no domínio das conjeturas.

Aquelas criaturas eram esquisitas, estranhas e grotescas. Havia qualquer coisa de fora do comum e não desejável neles. Eram completamente estranhos. Seu aspecto era bizarro e extraordinário.

Os quatro astronautas permaneciam parados, ilesos. Ischklah verificou que estava apenas a alguns passos do mais próximo dele?. Levantou um pseudópodo, e o astronauta sentiu um formigamento como o de um fraco e desagradável choque elétrico,à medida que a ponta do pseudópodo entrava em contacto com a sua pele. Desejou, então, mais do que nunca, que estivesse preso dentro de um traje pressurizado. Seria ruim para a coisa tocar o lado externo de seu capacete, mas ela estava tocando a sua pele! Teve que fazer um grande esforço para não pular para trás, como se tivesse sido mordido.

— Não vai haver problema de comunicação, seja ele qual for — disse Ischklah.

— Como assim? — perguntou Bronet.

— Eles são telepáticos — disse Ischklah.

— Que diabo significa isso? — perguntou Oski.

— Quer dizer que se comunica por telepatia ao tocá-los? — disse Ischklah.

— Não, digo que são telepáticos quando eles o tocam — disse Ischklah.

— É um sinal forte? — perguntou Oski.

— Quase doloroso — respondeu o técnico em problemas.

Os três ficaram ao seu redor, enquanto ele mergulhava na mente do estranho e transmitia os seus pensamentos humanóides em resposta.

A ansiedade acompanhava o silêncio como um odor forte acompanha um monte de lixo.

Por fim, o indescritível estranho retirou o seu pseudópodo.

Ischklah pediu a ajuda de seu colega.

— Momentos difíceis — disse Korzaak, com simpatia.

— É apenas a adaptação inicial. Como um meio de comunicação, está bem — disse Ischklah. — Pelo menos é bem mais rápida do que a conversação normal. Não imagina como o pensamento é rápido, principalmente aquele que não é expresso por palavras — até que tenha uma experiência própria.

— O que disseram eles? — perguntou Oski.

— Seria demorado explicar. É melhor você mesmo experimentar. Não me sinto disposto a dar uma longa explicação no momento; preciso descansar. Você também precisará, quando fizer o mesmo.

— Acho que não vou querer experimentar — disse Oski.

— Ficará desorientado se não o fizer — disse Ischklah.

— Eu topo — disse Bronet. A seguir, preparou-se como um homem que está a ponto de segurar um fio elétrico.

— Caramba! — praguejou ele, ao ser tocado pelo pseudópodo. — Não me incomodo com o toque dessas coisas — murmurou ele.

— Não, como uma experiência táctil, deixa muito a desejar — concordou Ischklah.

Cada um por sua vez entrou em contato com o pseudópodo do estranho; cada um deles se afastou para se refazer da experiência. Mas ficaram sabendo bem mais do que antes do contato.

O contato com aquela coisa indescritível foi repugnante. Os estranhos seres se afastaram um pouco e passaram a confabular secretamente.

— Então, agora sabemos — disse Ischklah. — Sabemos muitos fatos relativos à sua presença aqui.

— Suponho que tenham também uma boa idéia a nosso respeito e do que estamos fazendo aqui — disse Korzaak. — São bem estranhos...

Ele e Ischklah trocaram olhares significativos.

— É realmente muito estranho — disse Ischklah, calmamente.

— Tenho impressão que eles estão arrependidos de terem feito contato conosco tão depressa. Acho que subestimaram nossa força e condição. Uma troca mui-

to rápida de informações, como a que fizemos, nem sempre significa que a assimilação tenha sido rápida.

— Freqüentemente dá-se o contrário — disse Korzaak. — Toda a ciência do império poderia ser acumulada nos bancos de memória dos grandes computadores. Mas se você retirar a memória, o que sobrará?

— Compreendo a analogia — disse Ischklah. — Em outras palavras, se todo o conhecimento do mundo, de todos os mundos, de todas as estrelas e galáxias, se, de fato, toda a ciência do universo pudesse ser gravada numa microfita e guardada, essa ciência seria completamente inútil, a menos que houvesse algum tipo de análise e interpretação. O conhecimento nada vale se não for usado. A sabedoria é uma coisa boa e excelente, mas a sabedoria de uma administração, sem uma força executiva, parece não ter nenhuma finalidade ou função.

— É como uma biblioteca cheia de livros sem ninguém para lê-los. É como um filme sem fim, sem ninguém assistindo. É como ligar o audiovideofone sem ninguém vendo, e deixá-lo ligado sempre.

— Havendo adquirido o conhecimento, temos que analisá-lo — disse Bronet.

— Estou de acordo — disse Ischklah.

— Eu também — disse Oski. Korzaak fez um sinal de assentimento.

— Essa galáxia 666 está fazendo jus à sua fama disse Ischklah. — Embora o lugar não fosse muito estranho, fizemos agora contato com uma forma de vida inteligente, além dos limites do nosso império.

— Não subestimemos a importância de nosso império — disse Bronet.

— Isso não parece muito patriótico — murmurou Korzaak.

— Não quis dar a impressão de falta de patriotismo — disse Bronet — afinal de contas, o patriotismo é apenas um produto da própria pessoa. É uma coisa boa, mas quando se torna em fanatismo, como as antigas nações da Terra em sua política externa, antes da formação das

Nações Unidas — e em alguns casos até depois — veremos nosso império enfrentando os mesmos problemas daquelas antigas nações.

— O nacionalismo, quando mal orientado, pode levar facilmente àquele suicídio em massa que se oculta sob uma palavra odiosa de seis letras: guerra.

— Concordo — disse Ischklah.

— Não — disse Oski. — Se começarmos a sentir muito orgulho de nosso império, se formos muito egoístas e enérgicos, teremos que fazer uma guerra contra este falso planeta, este planeta enigmático e misterioso, aqui na Galáxia 666.

— Fazer uma guerra? — disse Ischklah. — Mas como?

— Acho que sei o que ele quer dizer — disse Korzaak, defendendo os nativos.

— Eles desejam este planeta. Possuem também um império, de certo modo. Pode ser pequeno, pelo menos acho que seja, em comparação com o nosso.

— O nosso império abrange a maior parte do universo conhecido.

— Ah! você acentua bastante essa palavra conhecido.

— Tem razão — disse Ischklah.

— A meu ver — interrompeu Bronet — nosso império tem importantes semelhanças com o antigo Império Romano lá na Terra, dos quais podemos aprender muito.

— Trace esses paralelos — pediu Oski. Korzaak e Ischklah olhavam para Bronet com grande interesse. Oski parecia desafiá-los.

— Deixem-me explicar — disse Bronet. — O Império Romano se estendia da Inglaterra e Espanha até às províncias da Ásia, Palestina, Síria, Egito, e além...

— Não sou historiador — disse Ischklah — mas conheço um pouco do antigo Império Romano. É uma das poucas épocas da história que ninguém pode deixar de conhecer, seja qual for o planeta em que habite. É um pouco da história clássica, um trecho da história da Terra que todos aprendem.

— E a outra — disse Korzaak — é a cultura clássica da Grécia do século V antes de Cristo, principalmente Atenas. Posso até me lembrar de alguns nomes!

— Não é preciso mencioná-los — disse Bronet, interrompendo aquela torrente de palavras. — O que precisamos fazer aqui agora é debater estas coisas — apontou os nativos — porque não há dúvida, pelos seus gestos, que estão discutindo a nosso respeito.

— Dava tudo para saber o que se passa em suas pequenas cabeças ocas nesse momento — disse Ischklah.

— Eu também — disse Bronet. — Tenho uma idéia que talvez não pressagie nenhum benefício para nós.

— Ah! — disse Oski — o bem é apenas uma palavra relativa. Depois de tudo que se disse e fez, existe uma coisa chamada ética padrão? Ou ela é apenas subjetiva? Existe apenas na mente do pensador? Existe algum objetivo externo padronizado?

— Ora! Cale-se! — falou Bronet. — Você parece um sofisma ambulante saindo de uma sala de conferências!

— Obrigado pelas palavras amáveis — respondeu Oski. — Seus lábios sorriam, mas não os olhos...

— Estas coisas começam a nos perseguir outra vez — disse Ischklah, prevenindo-os — e não podemos enfrentá-los.

— Como se não bastasse esse maldito planeta, agora os seus nativos passam a disputá-lo!

Korzaak concordou.

— Acho que não há dúvida de que eles realmente querem este lugar — disse Bronet.

— Oh, sim, de fato eles o desejam — disse Oski. — Ainda mais do que nós.

— Só comecei a querer este lugar, depois que eles o desejaram — comentou Bronet com uma espantosa franqueza e simplicidade. Esta observação parecia ocasional, mas nela havia uma irrefutável psicologia oculta.

— Não somos parecidos com eles? — disse Ischklah, pensativo.

— Quer dizer que nenhum de nós deseja uma coisa até que outros a desejem mais do que nós? — perguntou Bronet.

— Sim.

— Compreendo o que quer dizer; as coisas que ninguém deseja são desprezadas. Nenhuma lei as governa, mas logo que alguém descobre o seu valor, todos a desejam, mesmo que não seja de nenhuma utilidade.

Oski interrompeu-os:

— É o caso da antiga parábola do cão no estábulo. Não podia comer o feno, mas não deixava o cavalo comer. É exatamente a mesma coisa. Este planeta não nos serve, mas não queremos deixar os nativos ficarem com ele.

— Seja razoável, este planeta está catalogado em nosso Império. A Galáxia 666 é mencionada como parte do Império.

— Realmente! Se os deixarmos se instalar na 666, tentarão atingir uma das outras galáxias, alguma que nós de fato queiramos, que nos seja de grande utilidade.

— Tornando a falar do Império Romano — disse Oski — foi assim que começou a sua decadência. Invasão de bárbaros por toda a parte. Uma constante redução, em lugar de expansão.

— Sim, você não pode ficar estacionário quando se trata do Império — disse Bronet. — Deve decidir no começo, se deseja tudo ou nada. Se quiser tudo, deve se esforçar ao máximo. Se não quiser nada — bem, nesse caso, não entre na luta, porque não é assunto para tímidos.

— Há um terrível dualismo em minha mente — disse Oski.

— Não seria a primeira vez — disse Bronet, com um sorriso forçado.

— Você está bem disposto, não está? — disse Oski.

— Sinto muito — desculpou-se Bronet. — Não sei que diabo está acontecendo comigo! Estou insultando todo mundo e fazendo piadas para afastá-los de minha mente, sem saber o que eles pretendem. Acho que realmente não quero deixar de pensar neles. Devo me concentrar e achar uma solução para o problema causado pela presença deles...

— Está bem — disse Oski. — Já viajamos juntos muito tempo para que se possa dispensar as desculpas. Sei que você no fundo é um bom sujeito. Estamos todos um pouco aturdidos.

Era inexplicável aquela brancura acinzentada e rosa da superfície do planeta. As torres vermelhas misteriosas se projetavam para baixo e sua estrutura sem sombras parecia lançar mais um desafio aos astronautas lá embaixo.

— Deve haver uma solução para este problema — disse Bronet. — Sempre existe uma resposta.

— Nesse caso, pode não haver — disse Ischklah. — É bom quando existe.

— Que tal o dualismo que sentiu em sua mente? — perguntou Korzaak a Oski.

— Acho que é aquele que todos sentem — respondeu Oski. Ele falava sério e com muita filosofia. Os outros três o ouviam em silêncio.

— Veja — prosseguiu ele — todos nós possuímos um ideal. E existe uma espécie de ideal contrário. A civilização contra os instintos primitivos que estão mortos, mas não enterrados. Para alguns, eles nem mortos estão. Esta idéia de conquista e formação de um império e coisas parecidas tem mais afinidade com a parte primitiva da nossa natureza, do que com o homem civilizado. Este pensa mais em cultura, do que em conquista.

— Sim, acho que estou em condições de concordar com você nesse ponto, sem parecer traidor — disse Bronet.

Oski sorriu.

— Alguns desses pensamentos precisam ser expressos com cuidado — disse ele. — Não quis dizer que era um anarquista. Acredito no governo, mas num que seja justo e razoável. Esta é uma parte de minha natureza, a metade do dualismo. A outra metade é o meu desejo de querer ser o Grande Chefe Branco. É esta parte que deseja brandir a velha bandeira do Império; que deseja estabelecer minha superioridade sobre as raças que eu encontrar. Que deseja atirar naqueles nativos só porque possuem pseudópodos em vez de mãos. Uma parte me diz que ele é um animal; a outra, me informa que é um ser inteligente, e que devíamos trocar idéias. O lado animal deseja atirar neles, e o lado civilizado, do qual me orgulho, deseja fazer amizade com eles, e dividir esse planeta entre nós de um modo civilizado.

— Você não pode dividi-lo! Já faz parte de nosso Império. Não pode dar pedaços de nosso Império para o primeiro nativo estranho que aparece! — disse Bronet.

— Mas como podemos provar que o planeta faz parte de nosso império? Nós nunca o colonizamos!

— Gostaria de chegar aqui como um colonizador? — perguntou Bronet.

— Não, naturalmente que não — disse Ischklah. — Você gostaria?

Houve um silêncio; e Ischklah sorriu.

— Está vendo? O dualismo existe em todos nós! Todos somos em parte socialistas e em parte idealistas, e a outra metade é fascista, imperialista ou capitalista. Em certas ocasiões predomina uma metade, e em outras, a outra. Somos todos uma louca mistura; não somos nunca cem por cento de nada! Os diversos elementos de nossa natureza estão distribuídos de tal forma que é possível encontrar todas as formas de opinião, desde a extrema direita até à extrema esquerda, tanto teológica como politicamente. Também encontramos toda a gama de idéias filosóficas.

— Tudo isso é verdade — concordou Ischklah. — Sei qual é o tipo de dilema que você enfrenta, sem saber se deve combater os nativos estranhos, ou tentar fazer amizade com eles. No que se refere a esse problema, os seus pensamentos são de fato importantes. Por outro lado — fez uma pausa. Todos prestavam atenção, avaliando o que ele dizia. Ele percebeu isso. Era como um nadador guiando jangadas mentais nas águas do pensamento, procurando lugares seguros para estacionar.


 CAPITULO XI

Foram os estranhos nativos que tomaram uma decisão a respeito deles. Enquanto os quatro humanóides permaneciam indecisos, os nativos chegaram a uma decisão.

A proximidade de seus pseudópodos dava a impressão de que havia apenas uma mente em vez de muitas, de modo a parecerem uma série de pequenos computadores quando estavam reunidos, formando uma grande unidade pensante. Houve uma agitação, movimentos bastante rápidos para seres não vertebrados. Os pseudópodos agitavam-se em todas as direções, e atrás sobressaía uma alta torre, sobre o colorido da paisagem, que era sem dúvida uma arma.

Os quatro terráqueos olhavam para uma espécie de cone invertido. A base apontava para eles. O cone era oco, em formato de sino, como os canhões antigos.

— Não gosto de sua aparência — disse Korzaak. Ischklah concordou.

— Nem eu tampouco — disse ele. — Não gosto nada de seu aspecto...

— Se eles já não tivessem entrado em contato conosco, diria que isto é uma espécie de meio de comunicação, mas sempre fui um otimista — disse Bronet, sorrindo, irônico.

— Mas pode ser outra coisa! — disse Oski, dando uma risada um tanto maliciosa.

O ar em torno deles começou a zumbir alto e com violência. Os veios cinzentos, brancos e cor-de-rosa da pedra lisa e escorregadia sobre a qual andavam, pareciam achar as vibrações tão intoleráveis como para os próprios humanóides. O som e as vibrações eram acompanhados de um odor especial. Parecia aumentar e diminuir de intensidade com o barulho e a freqüência que estava sendo produzida em sua direção. Não havia vento, nenhuma brisa para transportá-lo, e contudo, de modo paradoxal, estava de algum modo sendo impelido para eles, como se houvesse uma relação entre ele e o efeito sonoro. Era uma fragrância, um sabor, um odor especial. Possuía um aroma específico, um bouquet particular. Havia um eflúvio, uma emanação especial. Eles não percebiam isso apenas pelo sentido do olfato, mas parecia chegar também através dos ouvidos. Isso fazia com que ficassem presos ao solo. Aumentou de intensidade, tanto o som como o odor. Havia então algo para ser ouvido e visto. Raios estranhos de luz colorida começaram a se irradiar do esquisito objeto em forma de sino.

Era uma luz muito estranha, muito especial e fora do comum. Eles não conseguiam saber se essa particularidade era devida ao planeta falso da Galáxia 666, ou se à presença dos nativos estranhos. Ficaram totalmente paralisados. Não mexiam um só músculo, nervo ou tendão. E a luz continuava a brilhar. Ela também variava de acordo com o aumento e a diminuição do odor e do som. Parecia possuir todas as qualidades que uma luz pode possuir. Havia irradiação, esplendor e brilho. Sua intensidade combinava com a intensidade e o brilho do sol da tarde de seu próprio planeta, em sua galáxia.

Os nativos avançaram na direção deles e eles nada podiam fazer. Ischklah ficou preso ao lugar onde se achava, como se seus pés houvessem se fundido na rocha tricolor, onde ele estava. Podia ver e ouvir, mas não podia falar, e desaparecera toda sensação táctil. Sabia que os outros estavam nas mesmas condições. Ele se recriminava por ter sido vítima daquela arma dos nativos, mas o que poderia ele ter feito nestas circunstâncias? Tinham ficado conversando como idiotas, enquanto os nativos haviam reunido suas armas.

Os nativos providos de pseudópodos apanharam os quatro humanóides como se fossem troncos de árvore, e sem demonstrar a menor dificuldade, os levaram a bordo de sua nave. Se estavam sendo levados como prisioneiros por piedade, ou se estavam sendo considerados objetos de futura dissecação e análise, nenhum dos quatro astronautas podia saber.


 CAPITULO XII

Estavam tão desamparados como estátuas, à medida que eram levados pelos nativos sobre a estranha, lisa e colorida superfície do planeta. Parecia um pesadelo, para Ischklah. Tinha o aspecto estranho, como um transe. Parecia fugir à realidade. Mas ele repetia para si mesmo que aquilo era real. Sentia-se como uma mente separada do corpo. Era muito estranho estar sendo transportado por esquisitos nativos invertebrados.

Finalmente, os nativos se afastaram. Os quatro exploradores paralisados ficaram a sós. Estavam em condições de examinar de perto pelo menos alguns dos mecanismos da nave dos nativos. Em alguns lugares havia coisas que podiam ser compreendidas; e também outras que estavam além de sua compreensão. Uma parte do equipamento parecia-se muito com os da nave humanóide. Alguns problemas que já haviam sido resolvidos há tempo pelos humanóides pareciam ainda difíceis para eles. Os seus computadores pareciam bastante antiquados quando comparados aos dos humanóides. Outras partes eram muito mais adiantadas que pareciam incompreensíveis para os humanóides. Aconteciam coisas na nave. Embora estivessem privados de toda sensação física, os quatro astronautas, tiveram a convicção de que a nave começava a se mover. É uma espécie de conhecimento instintivo, fortemente incrustado no cosmonauta. Ele lhe diz quando está voando no espaço ou no hiperespaço, ou quando está em terra firme — por assim dizer — na superfície de um planeta. Sabiam que estavam se elevando acima da superfície do falso planeta. Ainda não havia sinal da presença dos estranhos nativos invertebrados, que os havia capturado. Foi Ischklah quem sentiu primeiro aquela estranha sensação de formigamento. Sua mente ficou excitada com a idéia que por ela passou naquele momento.

— Está desaparecendo! Está desaparecendo! ESTÁ DESAPARECENDO!

Korzaak concordou.

— Está passando! — repetiu ele. Sua voz era esquisita como se estivesse fortemente resfriado, mas era uma voz. Qualquer coisa era preferível àquele silêncio sepulcral, pelo qual tinha passado e que pareciam séculos, embora não tivessem se escoado mais do que umas duas ou três horas terrestres, quando muito.

— Será que eles sabem que está passando o efeito paralisado r em nós? — perguntou Oski, esfregando o seu quadril ferido.

— Devemos ser tão esquisitos para eles quanto eles são para nós; saiba que houve uma tremenda troca de informações — disse Ischklah. — Por outro lado...

— Por outro lado — interrompeu Korzaak — eles podem pensar que o que fizeram foi fatal.

— Acha que eles tinham essa intenção? — perguntou Bronet.

— Bem, eles são muito pouco amistosos. Afinal, nós não fizemos nenhum gesto agressivo contra eles!

— Se tivéssemos granadas de mão — disse Oski — teríamos liquidado uma porção deles!

— Foi o que pensei, mas muito tarde, quando eles já haviam utilizado suas armas.

— Acho que não existem granadas de mão aqui nesta nave — disse Bronet.

— Nunca se sabe o que se pode encontrar — disse Oski.

— Como poderíamos ter mais chance de sobreviver, lutando contra eles? — perguntou Ischklah.

— Minha sugestão — disse Korzaak — é que nós quatro nos separemos.

— Não podemos nos separar em mais do que quatro, podemos? — perguntou Bronet, rindo.

— Você é muito insensato — comentou Oski, mas não deixou de sorrir.

Bronet o encarou com seriedade.

— Faríamos uma excelente dupla! — respondeu ele.

— A minha insensatez não é pior do que a sua falta de capacidade mental!

— Em guarda! — disse Korzaak — repetindo uma frase do século XX, uma das poucas que conhecia.

— Não podemos perder tempo — disse Korzaak. — Se eles não esperam a nossa volta à normalidade, ou que isso se dê tão cedo, devemos tirar partido do fator surpresa.

— Você fala como um estrategista — disse Ischklah.

— Nada como uma surpresa para ter uma vantagem sobre o inimigo.

— Só a surpresa não basta — disse Bronet. — Se tudo o que puder fazer for pular e dizer "Bum" não terá muito êxito.

— Terá vantagem se o inimigo sofrer do coração — disse Ischklah, de forma dogmática.

— Quem sabe se esses indivíduos possuem coração?

— disse Bronet.

— Ficamos conhecendo-os bastante — disse Korzaak. — São muito diferentes de nós, naturalmente. Mas existem algumas semelhanças básicas. Não são feitos de cristal de rocha ou coisa parecida! Não são apenas ondas de pensamento ou coisa que o valha! São de carne e sangue!

— Bolas! — disse Oski — mas que carne!

— Você não tem certeza quanto à parte sangüínea

— disse Ischklah.

— Não — concordou Korzaak.

— Acho que deveríamos nos separar de uma vez — disse Bronet. — Assim, se eles descobrissem um de nós, não terão apanhado os restantes. Isso se parece com aquelas brincadeiras das crianças. Enquanto um de nós estiver livre, terá chance de libertar os outros.

— A união faz a força — disse Ischklah.

— Depende das circunstâncias — disse Oski. — Falando como um historiador, os exemplos típicos de coalizão foram os porcos Gadarenos, e o que lhes aconteceu no fim, não foi muito animador!

— Não, de fato não foi! — concordou Korzaak. Depois dirigiu-se a Ischklah.

— Acho que devemos nos separar de uma vez — disse ele.

— Alguém se aproxima :— murmurou Bronet.

— Então saiamos daqui o quanto antes — disse Oski.

— Isso mesmo! — A voz de Bronet era enérgica, insinuante.

Um certo número de passagens conduzia ao compartimento da nave nativa, na qual se encontravam. Cada um deles forçou uma delas.


 CAPITULO XIII

Oski abriu a porta da nave ao mesmo tempo em que Korzaak e Ischklah abriram as outras. Os três estavam atentos. Entreolhavam-se como se estivessem sonhando.

— Ischklah! — exclamou Korzaak.

— Korzaak! — gritou Ischklah.

— Pelas sete luas verdes — murmurou Oski.

— Os antigos tinha um ditado — disse Korzaak — que você como historiador poderia comprovar: "Todos os caminhos conduzem a Roma".

— Parece verdadeiro — concordou Oski.

— Agora — disse Ischklah, dirigindo-se a Korzaak — que faremos?

Esta não é a ocasião nem o lugar propícios para ficarmos recolhendo dados.

— De acordo — disse Korzaak.

Ficaram em silêncio. A seguir, perguntou Oski:

— Viu muitos nativos?

— Muito poucos, o que é de admirar — disse Ischklah.

— Por aqui também não há muitos — disse Korzaak.

— Estive pensando, se fôssemos nativos e esta fosse uma nave humanóide, teríamos já encontrado muitos humanóides a esta altura.

— É verdade — concordou Korzaak.

— Então, onde estão eles? — perguntou Oski.

— Parece um enigma — disse Ischklah.

— É um mistério! — disse Oski.

— Um mistério total — disseram os três.

— Não temos tempo para debater este assunto no momento — disse Ischklah. — O que realmente devemos fazer é decidir sobre um novo plano de ação. Onde está Bronet?

— Não tenho idéia — disse Oski.

— Nem eu — disse Korzaak.

— Acha que ele caiu prisioneiro dos nativos? — perguntou Oski, com uma ansiedade natural na voz.

— Acho que não — disse Korzaak. — Não vimos muitos deles.

— Ninguém pode provar que ele não tenha caído numa armadilha — disse Ischklah.

Oski concordou.

— Acha que devíamos sair para procurá-lo? — disse Korzaak.

— Ficaremos juntos desta vez? — perguntou Ischklah.

Oski olhou para Korzaak, antes de responder.

— Aí está um problema — disse ele. — Não tivemos muito trabalho em enganá-los quando estávamos separados.

— Talvez seja o melhor a fazer nesse caso — disse Ischklah, suspirando. Oski olhou-o. Havia um ar de compreensão em seu olhar.

— Não gosta de ficar só, Ischklah?

— Não me agrada muito essa idéia — respondeu ele.

— Para ser franco, a mim também não — disse Korzaak.

— Não gosto disso — disse Oski. É o caso de "a necessidade faz o sapo pular". Gostaria que pudéssemos ficar juntos, do ponto de vista psicológico. Acho que isso é influência do meu instinto gregário; mas, por outro lado, se ficarmos juntos, e eles nos apanharem, ficarão com todos.

— Ainda não apanharam Bronet — disse Ischklah.

— Como sabe? — perguntou Korzaak.

— Não sabemos — disse Oski. — É apenas lógico.

— Bem, se o pegaram, será melhor para ele que fiquemos juntos, ou nos separemos para tentar encontrá-lo? — perguntou Ischklah.

— Se algum de nós o encontrar — disse Korzaak — poderá salvá-lo. Por outro lado, o que adianta encontrá-lo? Estamos juntos, mas nada conseguimos. Não precisamos nos separar, se o único objetivo for nos juntar novamente.

— Parece-me uma coisa do destino — disse Ischklah.

— Até certo ponto — falou Korzaak.

— Não tenho certeza se acredito no Destino e na Providência — disse Oski.

— Depende de se usar uma letra maiúscula ou minúscula nessas palavras.

— Bronet usa letras maiúsculas — disse Korzaak.

— Ele tem muito valor — disse Oski e ficaram em silêncio.

— Bem, o que vamos fazer, então? — perguntou Korzaak.

Ouviu-se um ruído repentino na porta pela qual Oski havia entrado. Ela fechou-se. Novos ruídos e todas as portas se fecharam, da mesma forma.

— Caramba! — disse Oski. — Eles nos pegaram.

— Ainda não — disse Korzaak. — Existe uma outra porta.

Dirigiu-se a ela, depressa. Antes que pudesse abri-la, ela também se fechou.

— Não somos tão espertos como pensávamos — afirmou Ischklah.

— Será difícil libertarmos Bronet, parece que ele terá de nos salvar — disse Oski.

— Se já,não o capturaram — disse Korzaak.

— Ora, seja otimista! — disse Ischklah. — É tudo o que precisamos, naturalmente. É apenas disso!

Ficaram outra vez em silêncio.

— Acho que eles o apanharam — disse Oski.

— Você parece Bildad — disse Korzaak.

— Ou Elihu — disse Ischklah.

— Quem foi Bildad? — perguntou Oski. — E, a propósito, quem foi Elihu?

— Pensei que você fosse um historiador— disse Ischklah.

— Sou, mas a História é muito vasta, e esses nomes não parecem ser do século XX.

— Bildad e Elihu foram dois dos confortadores de Job — respondeu Korzaak. — Eram indivíduos que diziam: — Anime-se, meu amigo; afinal, você é o culpado de tudo.

— Que gente agradável — disse Oski, com sarcasmo.

— Sim, de fato o eram — disse Korzaak.

— Acho que não é hora nem lugar para debates teológicos — disse Ischklah— mesmo que houvesse algum proveito!

— Bem, que sugestão tem a nos dar? — perguntou Oski.

Ficaram em silêncio por alguns minutos.

— Nada de construtivo — confessou Korzaak. Ischklah deu de ombros.

— Sou da mesma opinião — disse ele. Oski resmungou um tanto irônico.

— Olhem! — disse ele de repente.

Korzaak e Ischklah olharam como se esperassem ver algo milagroso, mas ele falara em sentido figurado, o que os deixou visivelmente desapontados.

— Há uma única coisa que podemos fazer — disse Korzaak por fim.

— O que é? — perguntou Oski.

— Devemos fazê-lo aqui? — perguntou Ischklah.

— Sim — disse Korzaak — devemos deixar o barco correr. Temos de aguardar.

— Acha que o tempo está contra ou a nosso favor? — perguntou Oski.

— Diria que o tempo é neutro — disse Oski.

— Tudo depende da maneira como o empregamos.

— Ah! — disse Oski.

Esse monossílabo era significativo.

— Uma observação profunda — disse Ischklah.

— Então não seja sarcástico — falou Oski. A seguir, riu. — Sinto muito, isso parece um pouco empolado, não é?

— Você tem o direito de ser assim ou qualquer outra coisa, se isso nos tirar dessa entalada.

Oski assumiu uma atitude meditativa.

Uma das portas se abriu com alarido. Todos olharam para ela. Vinham luzes de fora, diretamente nos olhos dos astronautas, ofuscando a todos.

Um dos nativos se adiantou; era difícil para eles divisar qualquer coisa, mas tiveram a impressão que vários outros nativos estavam montando guarda à porta, sob a mira de uma versão miniatura daquela mesma arma que os havia imobilizado antes. O que estava mais na frente tocou Oski com seu pseudópodo. Eles acharam que não estavam em condições de desobedecer o nativo naquele momento.

— Estamos em dificuldade — deu a entender o nativo.

Isso era a última coisa que os humanóides esperavam ouvir dos nativos.

— Qual é o problema? — perguntou Oski.

— Nossa nave está sem controle — respondeu o nativo — e não podemos usar a sala de controle central.

— Por que não podem usar a sala de controle? — Então, nós estamos no comando dessa nave, e não vocês — disse Oski.

— É o que parece — admitiu o nativo com louvável franqueza — mas se esse Bronet ou um dos nossos estiver na sala de controle, isso faz pouca diferença. Os controles não estão obedecendo de forma alguma.

— Quer dizer que a nave está descontrolada? — perguntou Oski.

— Isso mesmo — deu a entender o nativo.

— Pode nos dizer o que está acontecendo? — perguntou Korzaak.

— A nave está sendo atraída para a superfície do nosso planeta — indicou o nativo.

Parecia lógico para os três astronautas que aquele ser com pseudópodos estava se utilizando em grande parte do vocabulário existente na própria mente deles. Houve uma parada na conversação, uma reticência no intercâmbio mental.

Depois, o nativo prosseguiu.

— Sabemos, pelo que já nos informou, que não são nativos deste planeta; entretanto, fizeram uma descida aqui; portanto, devem entender um pouco dele.

— Vocês também conseguiram descer — argumentou Oski. — Devem saber tanto quanto nós.

— É verdade; mas o nosso conhecimento pode ser adicional. O aspecto do planeta que é compreensível para nós, pode ser diferente daquilo que vocês investigaram. Se reunirmos nossos conhecimentos, poderemos chegar a uma conclusão.

— Duvido muito — disse Ischklah.

— Por quê? — perguntou o nativo,

— Nossa descida parecia muito mais ser um acidente de pouca gravidade — Korzaak falou com surpreendente honestidade e franqueza.

— A nossa também — admitiu o nativo — embora parecesse bem feita.

— Suponhamos que trabalhemos juntos, e que ajudemos a salvar a nave — disse Korzaak — o que lucraríamos com isso? Nossa nave está destruída. Não temos meios de voltar a um dos planetas do Império.

— Se nos garantissem livre passagem — indicou o nativo — então, se salvarem nossa nave, nós os levaríamos para um dos planetas de seu império.

— Que garantia nos dão disso? — perguntou Korzaak.

— Seu colega, Bronet, está com absoluto controle da nave. A não ser que trabalhemos juntos, ele poderá destruir a todos nós.

— Sim, mas Bronet precisa se alimentar. Não pode continuar sempre naquela sala de controle.

— A sala de controle é feita de propósito para resistir a cercos — informou o nativo.

— De que maneira? — perguntou Oski.

— Para resistir a um cerco nossa gente precisaria de alimento sólido, líquido, ar e meios de dispor das sobras — indicou o nativo.

— Então é assim? — perguntou Korzaak.

— Todas essas coisas se encontram na sala de controle. Embora nossas raças sejam diferentes, Bronet verá logo a sua força. Será apenas uma questão de tempo para que ele reconheça as vantagens a seu dispor.

— Que função desempenhamos em tudo isso? — perguntou Oski.

— Não podemos nos comunicar com Bronet — disse o nativo. — Ele não seria tolo em abrir a porta para nós. Somos em maior número. Temos armas que ele não possui. A menos que possamos fazer contato com um pseudópodo, não podemos nos comunicar. Mas vocês podem. Pelo que sabemos a :;eu respeito, acreditamos que se você falar numa das saídas da válvula de ar condicionado que funciona em volta da sala de controle, seria possível fazer com que Bronet o ouvisse.

 — Vocês, logicamente, já devem entender nossa linguagem; aproveitaram-se de várias palavras, olhando diretamente em nossas mentes — disse Oski.

 — Não temos meios de articulá-las em forma de palavras.

— Não existem telas lá dentro, para as quais pudessem enviar uma mensagem escrita?

— Não — informou o nativo. — Não se poderia garantir que Bronet ligasse a tela quando transmitíssemos a mensagem.

— Isso parece bem lógico — concordou Oski.

— Garanto-lhe que nossas palavras são verdadeiras — afirmou o nativo.

— Precisamos discutir este assunto, entre nós — disse Oski.

— Muito bem, nós nos afastamos. — Ele se retirou e o contato foi interrompido.

Os três astronautas viram a porta se fechar.

— Agora — disse Oski.

— O negócio está se complicando — murmurou Korzaak.

— Até o ponto de criar um visgo no qual ficaremos grudados — disse Ischklah.

— Certa vez — disse Oski — havia duas rãs. É um conto da mitologia do século XX, que provém, por sua vez, de uma época anterior. Duas rãs caíram numa vasilha cheia de leite, muito cremoso. Uma delas desistiu de nadar, afundou e logo morreu. A outra, resolvendo não desistir nunca, nadou valentemente no leite. O resultado de seu nado foi o de transformar o leite em manteiga. Para surpresa sua, percebeu que o leite estava ficando cada vez mais sólido. Por fim, a manteiga tornou-se bastante sólida para permitir que a rã pudesse subir pela vasilha e escapar.

— O que tem isso a ver conosco? — perguntou Ischklah.

— Estamos numa situação insustentável. Podemos imitar a primeira rã, e desistir ou podemos imitar a segunda e nadar...

— Percebo a comparação — disse Ischklah.

— O que temos a fazer agora — disse Oski — é resolver se podemos confiar nesses estranhos, e entrar em acordo com eles. Nesse caso, temos então que falar com Bronet, porque ele é a garantia de nossa fidelidade. É a nossa espada de Damocles, pendurada sobre as cabeças deles.

— Não acha que eles estão nos enganando? — perguntou Ischklah.

— Como assim? — perguntou Korzaak.

— Bem, suponha que Bronet já seja um prisioneiro e que estejamos na sala de controle, sem saber; talvez não atirem em nós com receio de danificar algum mecanismo da nave, mas assim que sairmos eles atirarão...

— Não deixa de ser uma idéia — disse Oski. Olhou em torno. — Isso aqui se parece com uma sala de controle?

— Francamente, não — respondeu Korzaak. — Parece mais uma sala de repouso. Não sei o que essas criaturas fazem quando estão descansando, mas este lugar parece mais para descanso do que sala de controle de uma nave espacial.

— Não acho que isso seja uma boa desculpa para nos pegarem lá fora — disse Ischklah. — Acho que estão dizendo a verdade.

— Eles têm uma vantagem — disse Oski.

— Como assim?

— Podem examinar bem nossas mentes, e só nos informam aquilo que desejam. A franqueza é totalmente recíproca. Temos que confiar nas informações.

— Sim; você tem razão.

— Sim, claro que tenho. Parece que estamos jogando com esses seres, e que não podemos abusar.

— Em alguns pontos concordo em que eles sejam mais atrasados do que nós. Em outros, estão mais adiantados. São uma estranha mistura de atraso e progresso. O que não sabemos é se sua ética, sua moral e princípios de educação estão em proporção com o seu desenvolvimento técnico, ou se estão mais próximos de sua natureza animal.

— Sim; estamos tratando com santos ou selvagens? — perguntou Oski.

— São um pouco santos — disse Korzaak.

— E não chegam a ser selvagens — disse Ischklah.

— Uma mistura dos dois — disse Oski — assim como nós.

— Existem alguns homens em quem se pode confiar, que são tão imutáveis quanto as próprias leis da natureza.

— Mas as leis da natureza não são invariáveis — disse Oski. — Por exemplo, esta galáxia, este planeta, este ponto dos Cosmos, no qual nos encontramos agora.

— Concordo — disse Korzaak.

— Digamos isso de outra maneira — disse Ischklah.

— Fez uma pausa — Existem homens que são tão invariáveis, tão dignos de confiança, quanto as leis da natureza.

— É verdade — concordou Korzaak.

— Há outros que são o contrário — prosseguiu Oski.

— A questão — disse Ischklah — é que a maioria aos homens está no meio-termo entre esses dois tipos.

— Então, você acha que esses nativos são uma mistura do bem e do mal; uma mistura de santo e pecador, na falta de outro termo?

— Exatamente isso — disse Ischklah.

— Hum! — disse Oski.

— Acho que devemos confiar neles — disse Korzaak.

— Está bem, também acho — concordou Ischklah.

— O que diz você, Oski?

— Pelo grande binômio saltador e pelas sete luas verdes, concordamos afinal.

— Com exceção de Bronet — disse Korzaak.

— Não podemos saber a opinião de Bronet antes de falar com ele através do circulador de ar — disse Ischklah.

— O que acha que ele dirá? Tudo depende dele. É o nosso ás de ouros.

— Será o nosso ás de espada se não formos cuidadosos.

— O que quer dizer? — perguntou Oski.

— Bem, Bronet será o nosso ás de ouros enquanto os nativos temerem a morte. Se ficar irritado, na sala de controle, poderá matar muitos, bem como a nós também.

— Tudo depende do grau em que os nativos temem morrer.

Um grupo de nativos chegou, com as armas engatilhadas.

— Chegaram a uma decisão? — perguntou um deles.

— Sim, chegamos — concordou Korzaak.

— Aceitaram a nossa sugestão? As coisas estão ficando piores agora. Se quisermos sobreviver...

Nesse momento, a nave começou a dar saltos violentos, como se uma grande força dela se apoderasse e a agitasse no espaço como uma criança de mau gênio lida com um brinquedo.

Eles se reuniram, parecendo amedrontados e derrotados.

— Nós os ajudaremos em tudo que pudermos — disse Korzaak, assim que restabeleceu contato com o nativo.

— Venha por aqui — informou o nativo.

Eles o seguiram passando, pela porta, e depois passaram em frente a uma pequena abertura retangular na parede da nove. Nela havia uma grade fina de metal. Korzaak percebeu pela influência da mente do nativo que era esta grade que se achava em comunicação com a sala central da nave, onde o todo-poderoso Bronet se achava abrigado. Korzaak chamou calmamente pelo tubo:

— Bronet, Bronet, sou eu, Korzaak; está me ouvindo? Se estiver, ache a outra abertura deste circulador de ar e responda. Tudo que estou dizendo é verdade. Estamos todos aqui, tentando entrar em acordo com os nativos.

Houve uma longa espera, e depois os três humanóides e os nativos ouviram a voz de Bronet, um pouco alterada pelo tubo. O fato de os nativo poderem ouvir deixou Oski surpreso, apesar de saber que há muitos seres mudos ou quase mudos que não obstante possuem excelentes faculdades auditivas. A voz metálica de Bronet se escoou pela pequena abertura:

— Alô, Korzaak, alô, Oski, alô, Ischklah, vocês estão bem?

— Estamos todos bem — respondeu Korzaak.

Houve uma interrupção, na qual as vozes se extinguiram no tubo.

— O que aconteceu à nave agora há pouco? — perguntou Bronet.

— Foi a mesma força que quase nos lançou naquele sol, em torno do qual gira este falso planeta, aqui na Galáxia 666 — explicou Korzaak. — Os nativos podem controlar a nave deles, tanto quanto nós podíamos controlar a nossa.

— Compreendo — disse Bronet, pensativo.

— A situação até o momento é a seguinte — disse Ischklah, chegando no lugar onde estava Korzaak. — Você está entrincheirado na sala de controle dos nativos e eles pouco podem fazer enquanto você aí estiver. Você é o nosso trunfo: com você aí, eles nos obedecem. Ainda somos prisioneiros, mas privilegiados, com poderes para destruir a prisão, e isso é o que eles menos desejam.

— O que aconteceu ao nativo que eu ataquei?

O que estava mais próximo de Korzaak disse: — Isso aconteceu comigo, mas pouco sofri. Não somos muito afetados pela violência física. Fiquei atordoado na ocasião, mas isso não tem importância, quando comparado com a libertação de todos nós; e seja como for, usamos nossas armas para levá-los a bordo. Acho que estamos quites.

— Não é por mal — disse Korzaak — mas diga-nos: a arma usada contra nós tinha a intenção de nos matar ou apenas atordoar?

— Ela mata apenas muito raramente — respondeu o nativo. — Apenas criaturas delicadas podem não se refazer de seus efeitos. Pretendíamos apenas atordoá-los. Estamos, aliás, admirados pela rapidez com que se refizeram do golpe sofrido. Perderam completamente a consciência, ou estavam sabendo o que se passava, embora não pudessem se mover?

— Sabíamos o que se passava durante todo o tempo. Você está em contato com a minha mente — disse Korzaak — pode ler esse pensamento.

— Sim, mas achamos que você pode expressar melhor suas idéias por meio de palavras — disse o nativo. — Veja, a nave está sob a ação da mesma força que quase nos destruiu.


 CAPITULO XIV

— Acho que encontrei uma solução — a voz de Bronet descia pelo tubo bastante estranha e distorcida, como a voz de um robô de um programa de vídeo de ficção científica. Pois agora que o espaço foi conquistado pelas naves espaciais do Império, a ficção científica tornou-se ainda mais conhecida do que tinha sido nas mentes dos melhores escritores dos séculos XIX e XX. Agora que ela se tornou ciência de fato, muita coisa que foi escrita aconteceu realmente. Muitas teorias da antiga ficção científica tornaram-se leis das viagens espaciais, e se existe alguma coisa que faça lembrar a Terra do século XX, são os trabalhos dos profetas visionários que escreveram em ficção o que depois aconteceu.

Os astronautas e os nativos permaneciam junto ao tubo, ouvindo Bronet.

— Esta galáxia — disse ele — é uma parte vital da criação; realmente, é vital no conjunto todo. Todos nós dependemos da Galáxia 666, mais do que supomos. Habitantes do Império, de outros lugares, nativos, todos nós — porque nossas vidas dependem de uma certa ordem, e a Galáxia 666 é um caos.

— Não entendo — disse Oski — olhando para Ischklah e Korzaak. — Vocês acham que ele está com a mente alterada? — perguntou em voz baixa.

— Esta galáxia é uma parte vital de todos os Cosmos. Sem ela, tudo o que nós sabemos, quase todas as leis, cessariam de existir — disse Bronet pelo tubo.

A nave deu outro forte solavanco. Eles percebiam os controles se movendo, podiam ouvir o ruído das alavancas, enquanto Bronet tentava ajudá-los. Os nativos estavam agrupados, com os seus pseudópodos oscilando e se reunindo.

— O universo todo é uma perfeita harmonia, uma espécie de grande tapete — disse Bronet outra vez, depois de uma pausa. — Um dos lados é agradável de ser visto e faz sentido; é o desenho, a forma. No avesso existe a confusão caótica dos fios que nada formam. Por exemplo, um trecho de bordado — um lado é a figura bordada, o outro... é apenas uma confusão sem nexo. O mesmo se dá com a música. A música harmoniosa possui de alguma forma, um eco dissonante que é uma parte essencial dela.

— Não estou entendendo bem — comentou Oski.

— Psiu! — fez Korzaak.

— Silêncio! — pediu Ischklah.

— O tempo é escasso — prosseguiu Bronet — mas preciso explicar isto primeiro, antes de fazer o que estou tentando.

— Continue — disse Korzaak, animando-o.

— Prossiga — pediu Ischklah.

Oski ficou calado, olhando para a pequena abertura, usada para as conversações.

Houve uma pausa, durante a qual a nave oscilou violentamente e começou a cair. Os nativos ficaram mais agitados e nervosos, e que os fazia parecer mais humanos.

A voz de Bronet surgiu novamente.

— Considere a água que sai de uma banheira — disse ele de repente.

— O que? — disse Oski.

— Cale-se — ordenou Ischklah. Oski resmungou e calou-se.

— Você disse: a água saindo de uma banheira? — falou Korzaak.

— Sim — respondeu Bronet.

Era uma coisa esquisita. Ischklah e Oski estavam incrédulos.

— A água que sai de uma banheira gira de uma forma ordeira, mas em um tubo há uma espécie de vórtice de caos. É esse vórtice que permite a saída perfeita de água. O mesmo acontece com a música e com o bordado. Este universo, a Galáxia 666, é como o avesso do tapete, a desarmonia na música, o vórtice de caos na água. Esta galáxia é vital; sem ela, as leis da ciência para o resto do universo não seriam válidas. Estou sendo claro?

— Acho que sim — disse Oski e recusou-se a ficar em silêncio. — Tem razão, Bronet — disse ele. E olhou com severidade para Korzaak e Ischklah.—- Essa idéia Bronet já havia exposto antes, agora me lembro. Não se lembram dele falando sobre uma canção do século XX? Sobre a música que parece um eco harmonioso de nossa vida desarmoniosa? A música se intitula "O Acorde Perdido". Bem, era nisso que ele pensava! Meditou muito a respeito, e agora expôs o seu pensamento!

— Mas que utilidade tem isso para nós? — perguntou Ischklah.

— Como podemos escapar com vida? — perguntou Korzaak.

— Qual é o proveito disso, Bronet? — perguntou Oski.

— Bem, temos que reconhecer que tudo aqui é por acaso, um mero acaso. É uma questão de oportunidade e de sorte.

— Como irá isso nos salvar? — perguntou Korzaak.

— Tudo aqui é sem padrão — disse Bronet pelo tubo. — O que fazemos nós no mundo de princípios científicos, um mundo de leis, e de ordem?

— Nos comportamos de uma forma ordeira — disse Oski. — Sabemos que se fizermos A, segue-se B. Se fizermos C, se seguirá D, e assim por diante. Você sabe que se tocar a chapa de um fogão quente, ficará queimado; sabemos que se fumarmos ou bebermos em demasia, isso custará nossas vidas...

— Exatamente! Esse é o segredo! Quando estiver em Roma, faça como os romanos. Lembra-se desse provérbio, Oski?

— Sim — disse ele — lembro-me.

— Então faça explicação dele — gritou Bronet.

— Faça você — disse Oski. — Eu não tenho meios! Bronet começou a rir, de modo selvagem.

— Isso mesmo — disse ele, com voz rouca.

— O que está insinuando? — perguntou Oski.

— Um de nós ficou louco temporariamente — disse Bronet. — Caos, desordem, mais um nome para loucura!

— Então é assim? — perguntou Oski.

— Estou de posse dos controles — disse Bronet — e se eu ficar louco, pode ser por puro acaso que eu consiga dirigir essa nave com segurança.

— Ele tem razão — murmurou Oski, afastando-se do tubo de comunicação.

Bronet estava fingindo sofrer um ataque de fúria.

— Estou louco! — dizia ele. — Agora, que farei? Vamos puxar todos esses controles. Bong, bong, bong — gritava ele.

Várias peças do equipamento começaram a funcionar e outras pararam.

— Mero acaso — gritou Bronet.

A velocidade da nave aumentou e diminuiu; por alguns instantes foi regulai e depois recomeçou a variar.

A nave saltava como se estivesse perseguindo algo, depois diminuía a sua marcha, como se estivesse em um estranho fluxo, numa corrente aérea.

Eles mudaram de rumo; chegaram mais perto do planeta e depois se afastaram.

A nave oscilava como uma bandeira. A seguir, parou de repente, e tudo ficou em calma e paz...

Nada se movia. Onde havia oscilação, agora deslizava. Pareciam caminhar num colchão de plumas.

Ischklah e Korzaak recobraram os sentidos aos poucos, bem como Oski e alguns nativos.

De repente, ouviu-se a voz de Bronet pelo ventilador, num tom normal e sombrio:

— Tudo bem aí embaixo?

Ischklah chegou primeiro perto do tubo.

— Sim, estamos todos bem; esgotados, mas vivos.

— Então, estávamos certos — disse Bronet. — Pelas sete luas verdes, estávamos com a razão!

Houve uma longa pausa. Um dos nativos tocou em Ischklah com o seu pseudópodo.

— Diga a Bronet que ele salvou a nós todos. Faremos um vôo ao planeta mais próximo de seu Império, e os deixaremos lá, em segurança, como prometemos.

Uma nave pequena e estranha desceu em um pequeno planeta da Galáxia 665, protegida pela escuridão. Quatro homens desceram. Os nativos voltaram.

Quatro homens ficaram numa rodovia e fizeram parar o primeiro carro que por ela passou.

Estavam de volta em sua civilização, esperando uma nave para levá-los; de volta aos seus lares, onde Ischklah e Korzaak trabalhavam no grande computador, no qual teve início a grande aventura.

Bronet havia resolvido o problema da falsa galáxia; mas aquela estranha afinidade entre Korzaak e Ischklah continuou misteriosa para sempre.

 

                                                                                            Robert P. White

 

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

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