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A Guerra Esquisita
A Guerra Esquisita

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

RELATOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A Guerra Esquisita

 

                  

 

 Setembro a Dezembro de 1939

 

Tópicos do capítulo:

Um front em letargia

A Linha Maginot: abrigo magnífico, arma medíocre

Lições da campanha da Polônia

A chuva põe em discussão a ofensiva alemã

A volta dos submarinos

Primeira arma secreta alemã: a mina magnética

Morte do Royal Oak

Fuga e suicídio do Graf Spee

Nova guerra, a  30 de novembro: a URSS contra a Finlândia

Revés soviético às margens do Lago Ladoga

O OKW julga o Exército Vermelho

 

Expectativa

 

Esquisita guerra. Diariamente, trens passam às dezenas, pela margem direita do Reno, a 500m das armas francesas, postas na ponte de Chalempe: as sentinelas contam os vagões e prestam conta...

 

Uma enchente do rio carrega algumas lanchas; os estados-maiores procuram uma linha reta para fazê-las afundar pelas casamatas da margem, sem que os projéteis atinjam a margem alemã... Soldados alemães trabalham a todo risco, sob painéis, prometendo que não atirarão em primeiro lugar; um Fieseler-Storch faz a sua ronda, com um ruído de motocicleta rouca; alto-falantes gritam que os ingleses se baterão até o último francês: ninguém tenta dispersar os trabalhadores, abater o avião ou fazer calar essa voz destrutiva do moral. Esquisita guerra! Exércitos contendo centenas de milhares de homens terminam assim sua prestação de contas cotidiana: “Perdas para o inimigo: nada. Perdas por acidentes: tanto (muito grande)”. No Grande QG a seção que desenvolve maior atividade é a do...teatro para os soldados. Estranhíssima guerra!

 

O front, se é que se pode empregar essa palavra pomposa, caiu em letargia. No dia 12 de setembro, a ofensiva em favor da Polônia foi detida, porque já não mais havia Polônia. A 30 de setembro, decidiu-se a retirada das forças para o território francês. Em 16 de outubro, porque Hitler ordenara libertar o território alemão, as retaguardas, deixadas em posições conquistada, foram dispersadas, para ficarem à altura, os franceses evacuaram, espontaneamente, o saliente de Forbach, onde se encontram suas mais produtivas minas de hulha. O primeiro dogma de sua religião militar estritamente defensiva era não se bater em duas frentes. Consequentemente, tudo está subordinado à defesa da Linha Maginot, principal posição de resistência, onde a guerra será ganha, contendo o assalto inimigo.

 

À opinião francesa, a Linha Maginot inspira uma confiança religiosa. Mas o menos importante oficial de estado-maior, em gozo de um mínimo de independência de espírito, conhece os defeitos desse imenso covil de raposa. É, realmente, “uma linha”, isto é, uma posição sem profundeza, sobre a qual só se pode travar combate frontal. Os fortes se defendem mal e seus construtores ignoraram a existência da aviação. Não tomaram em consideração o bombardeio de mergulho, que tanto pode vencer os couraçados terrestres quanto os do mar, nem o desembarque de tropas aerotransportadas sobre as superestruturas. O obstáculo antitanques, constituído por pedaços de trilhos, é por demais fraco; os parapeitos da artilharia são vulneráveis; os campos de tiro podem ser obstruídos por uma preparação de artilharia; enfim, o poder de fogo das obras é ínfimo em relação à sua enormidade e a seu custo. A Linha Maginot é um magnífico abrigo, mas um medíocre instrumento de combate. Diga-se que é impenetrável e absurda. A prova disso será feita depois de 10 de maio de 1940. Nesse dia, os alemães se apoderarão, em 4 horas, por meio de um assalto aéreo, do forte belga de Eben-Emael. Os oficiais do Estado-Maior francês, reportando-se às suas notas de campanha, para apreciar o acontecimento, lerão o seguinte: “O forte couraçado de Eben-Emael, pilastra norte da defesa de Liege, é comparável às obras mais poderosas de nossas fortificações do Nordeste...”.

 

O fato de que a Linha Maginot se detém em Montmedy escapou menos aos cérebros militares franceses do que a invenção do avião. Foram elaborados projetos para prolongá-la até o mar e reforçá-la numa segunda linha, disputando o acesso da Bacia Parisiense. Foi necessário renunciar a isso, não somente por motivos financeiros, mas principalmente porque o acabamento e a duplicação da Linha Maginot absorveram o Exército francês. As fortificações têm por objetivo economizar os efetivos e é um costume tão antigo como a guerra mantê-las por tropas de valor secundário; a Linha Maginot, contrariamente, exige para suas guarnições tropas numerosas e especializadas. Em Saint-Cyr as listas de promoções não saem mais “na Legião”, saem “dans de béton” (na arma de Engenharia). De Basiléia a Sedan, 21 divisões de elite se acumulam em subterrâneos. Imóveis, por destino, são desprovidas de meios de transporte e inutilizáveis fora de sua concha. Triplicar a extensão da Linha teria estendido essa paralisia a 2/3 das grandes unidades.

 

Mas ainda não é tudo. Feita para defender, a Linha tem necessidade de ser defendida. A cada uma das divisões de fortaleza é preciso sobrepor uma ou duas ditas de intervalo. A destreza insuficiente, a fraca mobilidade do Exército francês são ainda reduzidas por essa pesada servidão - e, no entanto, o dogma da Linha Maginot é imposto como uma disciplina intelectual a toda a hierarquia militar. Aconteceu a um general moderar o entusiasmo do Duque de Windsor, de volta de uma visita à Linha; informado disso, pelo Duque, por ocasião de um almoço em Vincennes, Gamelin pousou o guardanapo e foi ao telefone exonerar o herético do comando. Em média, a Linha Maginot se encontra a uma dúzia de quilômetros aquém da fronteira. Cada divisão de intervalo prolonga, para frente, seu grupo de reconhecimento e um ou dois batalhões. Frágil cobertura que se subdivide em uma linha de segurança. Por fim, só esses grupos estão em contato, algumas vezes em completa quietude, outras em condições bastante severas. Dois ou três setores, como o de Apach, perto da fronteira luxemburguesa, ou a região atormentada ao sul de Forbach, fazem exceção à trégua tácita que os exércitos francês e alemão se permitiram. Os alemães fazem rápidas incursões de vaivém, com cobertura do fogo de metralhadoras e de morteiros e, freqüentemente, tomam de assalto os postos. Os franceses limitam-se a armar emboscadas, nas quais se deixa prender, de quando em quando, um inimigo desafortunado. Com tal jogo, enquanto os franceses fazem 100 prisioneiros, os alemães fazem 3.000. O Comando explica que não deseja deixar-se arrastar na engrenagem de uma luta nos postos avançados. Só se combate em uma posição.

 

O impressionante é o deserto que se estende entre os destacamentos de cobertura e a Linha. Toda a população foi evacuada - embora os alemães tenham deixado seus civis nas vizinhanças da fronteira. Nas aldeias, vergonhosamente pilhadas - falência da disciplina -, mal se encontra um pequeno elemento da engenharia encarregada de fazer o jogo das destruições. Da mesma maneira que as aldeias, as cidades foram evacuadas, inclusive Estrasburgo, transformada em cidade do silêncio e severamente protegida por barragens de gendarmes, - de tal maneira se teme que ela seja saqueada. Contidos no Sudoeste da França, os alsacianos e os lorenos acumulam um velho rancor contra franceses que não podem admitir que franceses falem alemão.

 

E a chuva cai. E as perguntas se multiplicam. Essa guerra sem guerra não será um mal-entendido? No dia 6 de outubro, em um discurso ao Reichstag, Hitler fizera uma proposta de paz: a França e a Inglaterra as repeliram, mas a trégua total nos combates dão a impressão de que as conversações secretas estão em curso. De resto, consolidara-se nos espíritos a idéia de que a Linha Maginot e a Linha Siegfried eram inexpugnáveis e de que o exército que se arriscasse a tomar a ofensiva seria destruído. Assim, o conflito só pode revestir-se das formas de uma luta ideológica e econômica. Seria a propaganda e pelo bloqueio que Hitler iria ser posto de joelhos.

 

Nascida da dúvida e do tédio, uma imensa preguiça toma conta do Exército francês. As sondagens feitas pelo controle postal pintam homens dóceis mas inertes e convencidos de que serão desmobilizados antes de haverem combatido. Os acantonamentos são em geral deficientes, mas a alimentação, regulamentar ou suplementar, é abundante. O Exército francês come e bebe. Os oficiais, que o regulamento alemão põe no regime do Goulashkanon, da cozinha rolante, vivem no luxo alimentar. Os QG são os últimos a ter autoridade para censurá-los: disputam-se os chefes dos  grandes restaurantes parisienses e enviam seus carros de ligação a buscar trutas nos Vosges ou rodovalho em Boulogne. Uma das mais importantes cozinhas do GQG, arrastará sua adega pelas estradas da derrota e a esvaziará, depois do armistício, em Montauban.

 

A desculpa desse sibaritismo sob as armas era que o sangue não corria. Mal recuperada da hemorragia 1914-18, a nação ficava reconhecida, por isso, ao Comando. Essa segunda guerra de posição não repete as matanças absurdas, as lutas de gigantes por pedaços de terra. Mas o Exército francês deveria empregar a trégua que lhe concediam para se reforçar e se endurecer. Mas foi o contrário que aconteceu: o Exército francês perdia a têmpera e amolecia.

 

No entanto, teve, para instruí-lo, uma lição gratuita. A Wehrmacht deu-lhe, na Polônia, uma exibição de seus processos de combate. Lição preciosa. Lição perdida!

 

Depois de outubro o Deuxieme Bureau empreendeu, espontaneamente, um estudo crítico da campanha da Polônia. Prisioneiro do conformismo militar francês, atento para não se chocar, muito diretamente, com as idéias dos grandes chefes, não se elevou à simplicidade e à força das conclusões formuladas no outro campo, através de estudos análogos: falência completa da defesa linear, preponderância da rapidez sobre a ação do fogo, etc. Não obstante, enumerou com exatidão todas as características da nova guerra à maneira alemã. Mostrou que a vitória, na Polônia, havia sido trabalho quase exclusivo das divisões blindadas, cooperando com a aviação. Fez ressaltar que não havia apenas um, mas, na realidade, dois exércitos alemães: um de infantaria-artilharia e um de tanques-aviação, cada qual operando com velocidade própria e independentemente do outro. Entrando em pormenores, o Deuxieme Bureau demonstrou a manobra das duas divisões Panzer: a 3ª forçando o ferrolho de Mlawa, mudando de rumo para varrer as margens do Narew, antes de descer para tomar Varsóvia pela retaguarda; a 5ª desembocando da Eslováquia, a 300 km de sua base de partida, depois girando 120° para se abater, ela também, sobre Varsóvia. Os efeitos do bombardeio de mergulho, sobre o moral das tropas, o uso dos pára-quedistas, a paralisia dos movimentos militares causada pelas multidões de refugiados que enchiam as estradas, nada de essencial falta a esse importante documento. A lentidão de escoamento dessa papelada militar fará com que ele chegue, a certos estados-maiores, durante a batalha de maio, a tempo de que possam confirmar seu fundamento. Só terá essa utilidade.

 

O Comando francês recusa-se a dar importância a esses ensinamentos da campanha da Polônia - Kriegspiel, na realidade. Os oficiais que empreenderam seus estudos estão discretamente desencorajados. O Troisieme Bureau, autoridade decisiva, declara que não se poderia tomar o que se passara na Polônia como base de instrução do Exército francês durante o inverno. As condições são por demais diferentes. Na Polônia, a Alemanha enfrentara um exército primitivo, mediocremente comandado, mediocremente equipado, constrangido a guarnecer frentes desproporcionadas, em terreno desprovido de qualquer organização defensiva. Na França, está enfrentando um exército moderno, comandado por um discípulo de Joffre, soberbamente equipado, instalado num campo de batalha bem dividido e bem isolado, apoiado no sistema de fortificações mais poderoso jamais construído: a Linha Maginot.

 

A maior prova de que nada existe de comum entre as duas situações é que Hitler não ataca. Ele se atirara sobre a Polônia. Diante da França, espera.

 

A chuva põe Hitler em xeque

 

A primeira ordem de ataque contra o exército comandado, equipado, instalado, fortificado, “maginotado”, fora assinada a 27 de outubro, pelo Fuhrer. A ofensiva deveria se iniciar a 12 de novembro, 15 minutos antes do sol nascer.

 

A decisão de derrotar a França ainda em 1939 havia sido tomada antes mesmo do fim da guerra na Polônia. Quando Hitler a anunciou aos principais chefes da Wehrmacht, a 27 de setembro, Varsóvia ainda resistia. Os generais recusaram a tomar a sério uma intenção que lhes parecia desproporcional aos meios de que dispunham. Foram necessárias muitas reuniões na nova Chancelaria, a instrução n° 6 sobre a condução da guerra e, por fim, a ordem de 27 de outubro, para convencê-los de que o Fuhrer cogitava mesmo de se atirar sobre a França, transportando para o Oeste os métodos de combate que no Leste haviam sido tão brilhantemente bem sucedidos.

 

Regressando da Polônia, pelas ferrovias ou rodovias, os exércitos alemães se concentravam no Reno. Brauchitsch, conscienciosamente, visitou os QG. A unanimidade reinava neles: a ofensiva desejada pelo Fuhrer era uma impossibilidade e a ordem de ataque, para 12 de novembro, uma loucura. Brauchitsch considerou que era seu dever de comandante-chefe opor-se a elas.

 

O dia 5 de novembro era uma data importante: devia-se decidir, ao meio-dia, se a ordem de ataque seria ou não mantida. Brauchitsch apresentou-se, pela manhã, à nova Chancelaria e pediu para ser recebido, a sós, pelo Fuhrer. Hitler cedeu, de má-vontade. Brauchitsch começou pela leitura de um memorando em que reunira as considerações militares que desaconselhavam uma ofensiva a oeste. O Exército francês era forte demais. O Exército alemão ainda não havia adquirido bastante resistência. Faltava-lhe artilharia pesada; faltavam-lhe as munições necessárias para atacar as fortificações francesas. Alcançada sobre um adversário fraco, a vitória da Polônia não devia iludir ninguém. Devia ser utilizada a vantagem política que ela dava à Alemanha, para ser negociada, em boas condições, a paz geral.

 

Hitler, de início, escutara em silêncio profundo. A explosão veio quando o Coronel-General aludiu aos defeitos morais que a campanha da Polônia fizera aparecer no novo Exército alemão, nascido do nazismo. “A Infantaria - disse Brauchitsch - não demonstrou o mesmo espírito ofensivo que teve na guerra precedente. Mesmo em certas divisões da ativa, atos de indisciplina foram assinalados...”.

 

Brauchitsch nada mais leu. Entrou na ante-sala parecendo que ia desmaiar. Hitler havia tomado o documento de suas mãos, o rasgou e o pisoteou no chão. Depois chamara Keitel - “Lakeitel”, Keitel, o lacaio - e, através da porta, ouviram-no rugir contra a estupidez e a covardia dos generais.

 

Quando Keitel saiu, era meio dia em ponto. O coronel do estado-maior Warlimont esperava à porta do Fuhrer. Advertiu que o momento fixado para a confirmação da ofensiva já tinha passado. No calor da indignação, Hitler e seu general doméstico haviam se esquecido disto.

 

Keitel voltou à cova do leão. Dali saiu logo depois, dizendo que a ordem para 27 de outubro fora confirmada. Quando Warlimont telefonou essa ordem ao Estado-Maior de Brauchitsch, o oficial que recebeu a mensagem manifestou surpresa. “Mas - disse ele - o Coronel-General foi expor ao Fuhrer por que a ofensiva é impossível...” “O Coronel-General - respondeu Warlimont - não conseguiu convencer o Fuhrer...”

 

Brauchitsch pediu demissão. Hitler negou e ele teve que permanecer no posto, para preparar planos que desaprovava.

 

O plano da ofensiva de 12 de novembro fora preparado pelo Estado-Maior do Exército (OKW), a 19 de outubro. O Exército alemão deveria penetrar nos três países cuja neutralidade, um mês antes, Hitler prometera respeitar: Holanda, Bélgica e Luxemburgo. O centro de gravidade, o Schwerpunkt, era a região de Liege. A ala a marchar, formada pelos grupos de Von Bock (grupo B), devia conquistar as costas do mar do Norte, a fim de proporcionar à Marinha e à Força Aérea uma base de operações aeronavais contra a Inglaterra. Um papel ofensivo menor estava determinado ao grupo de exércitos de Von Rundstedt (grupo A), que devia atravessar as Ardenas e forçar passagem pelo Mosela. Um terceiro grupo (grupo C), comandado por Von Leeb, manteria a frente pacífica, de Luxemburgo à Suíça.

 

Hitler estava parcialmente satisfeito. “Eles calçaram as botas de Schlieffen” - dissera a seus dois palacianos - Keitel e Jodl. Haviam-lhes explicado que o efeito de surpresa produzido em 1914, pela extensão da ala direita alemã não podia repetir-se. Desta vez, o Comando francês esperava o ataque pela Bélgica. A fina-flor de suas forças estava disposta das Ardenas ao mar do Norte - e seria a uma batalha frontal que uma reedição do Plano Schlieffen se arriscaria a chegar.

 

Entretanto, Hitler deixou passar o plano da OKH. Embora dotado de verdadeira intuição estratégica, não tinha, disse o general francês Koeltz, “a formação superior de Estado-Maior que lhe permitisse expressar plena e imediatamente a idéia da manobra, nascente em seu pensamento”. Na realidade, não era somente Hitler chefe de guerra, era Hitler, como general, que engendrava suas idéias em estado de nebulosa e depois as precisava numa alternância de meditações solitárias e de conversações descosidas. A intuição da penetração de Sedan lhe veio muito cedo, mas ficou por muito tempo em gestação, sob forma fluida, em torno de hipóteses instáveis.

 

O ultraje a Brauchitsch foi seguido, a 23 de novembro, por violenta repreensão aos comandantes de Exércitos, reunidos na Chancelaria. Conta Halder: “Hitler ladrou contra os generais: não posso expressar-me de outra maneira”.

 

Mesmo assim , alguns mantiveram sua oposição, e um deles, Leeb, chegou até a propor uma greve do Alto-Comando, para matar o projeto da ofensiva. Mas o hábito de obediência e o fatal juramento de fidelidade prestado ao Fuhrer acorrentaram a imensa maioria desses soldados.

 

É o céu que se encarrega de adiar a ofensiva a oeste. Hitler exige bom tempo para que o rendimento da força aérea e dos blindados seja digna do que foi durante o luminoso verão polonês. Ora, o outono de 1939 é execrável. Novembro traz chuvas torrenciais. Os rios enchem e as inundações estendem, pelas planícies, grandes obstáculos aos tanques. As previsões meteorológicas anunciam muitas nuvens, vindas do Atlântico, prometendo dilúvios para os dias seguintes.

 

No dia 7, Hitler transfere para dia 9 a decisão relativa ao ataque. E, novamente, para dia 13, depois para 16, depois para 20. Uma suspeita apodera-se do Fuhrer: exige que os boletins bicotinados sejam fixados pela Luftwaffe, uma vez que os generais de terra lhe parecem capazes de subornar os meteorologistas. Mas os homens-barômetro da aviação não são menos pessimistas do que os da terra. Os adiamentos da ofensiva se sucedem: 27 e 29 de novembro; depois 4, 6 e 12 de dezembro...

 

Estranha guerra. A chuva cai, torrencialmente. Em seus péssimos acantonamentos, da Alsácia e das Ardenas, os homens se encharcam, sob a tempestade que não tem fim. A palha para os colchões apodrece nas granjas. Atingidos por misteriosa doença ou vítima da negligência dos seus condutores, os cavalos da artilharia morrem aos milhares. A intempérie é boa razão para que se cancelem os exercícios e para que sejam suspensos os trabalhos de organização do terreno. Os homens se unem nos botequins das aldeias e se entediam ...

 

No mar, guerra nada esquisita

 

Um argumento vem apoiar aqueles que sustentam que a Segunda Guerra Mundial seria mais econômica e generalizada do que uma guerra européia: enquanto as hostilidades terrestres são nulas, as hostilidades navais começaram desde o primeiro dia e prosseguiram vigorosamente. Após o dia 3 de setembro, às 21 horas, apenas 10 horas depois da proclamação do Estado de guerra, uma explosão destruiu o navio inglês Athenia, de 13.500 toneladas, que fazia sua viagem para Nova Iorque. Houve 112 vítimas, das quais 28 passageiros americanos. A Segunda Guerra Mundial tem seu Lusitânia desde o primeiro dia.

 

No dia seguinte, o “Volkischer Beobachter” acusa: fora Churchill quem afundara o Athenia, com a ajuda de uma máquina infernal, sem dar importância a 1.500 vidas humanas, para criar um incidente entre a Alemanha e os Estados Unidos. Churchill (que acabara de voltar a seu posto de 1914: Primeiro-Lorde do Almirantado) protesta, sem conseguir convencer totalmente. No entanto o “Volkischer” mente: não fora Churchill, mas o tenente Lemp, comandante do U 30, quem afundara o Athenia. Seria preciso, porém, esperar os documentos do processo de Nuremberg para se ter certeza. A Kriegsmarine falsifica o diário de bordo, faz com que toda a tripulação jure segredo, infringe sanção disciplinar a Lemp, culpado de haver aberto as hostilidades, ao torpedear um navio, sem advertência.

 

Um segundo navio, o Royal Spectre, afunda 2 dias depois. Desta vez, o comandante do U 48, o jovem tenente Herbert Schultze, avisa diretamente a Churchill. Estes dois navios abrem a lista de 2.603 navios que, de 1939 a 1945, foram destruídos pelos U-Boote de Hitler.

 

Mais ainda do que os chefes do Exército, os chefes da Marinha acham que a guerra é prematura. A Alemanha só possui uma fraca frota de superfície: 3 couraçados de bolso, Admiral Graf Spee, Admiral Scheer e o Deutschland, construídos sob as limitações (10.000 toneladas) do Tratado de Versalhes, 2 cruzadores de guerra, de 26.000 toneladas (Scharnhorst e Gneisenau), 1 cruzador pesado (Prinz Eugen), 5 cruzadores leves e 22 destróieres. Está terminando a construção dos couraçados de 35.000 toneladas (Bismark e Tirpitz) e começando dois outros barcos, provisoriamente denominadas H e J. Ao total, uma frota cuja reconstituição mal começa e que não pode apresentar-se candidata ao domínio dos mares.

 

Por sua vez, a arma submarina só ressuscitara em 1935, quando o capitão de fragata Karl Doenitz criou a flotilha Weedingen, composta de 3 pequenos submarinos. Em 1939, o número de submarinos construídos eleva-se a 57, mas a metade compõe-se de canoes, de menos de 250 toneladas, não utilizáveis no Atlântico, e muitos ainda não haviam concluído sua experiências. Várias semanas se passarão até que a Alemanha possa ter nos mares, simultaneamente, mais de 3 ou 4 submarinos.

 

Do lado aliado, a majestosa frota britânica de 1914, 8 esquadras de 8 navios de linha, já não existe. Um programa de rearmamento naval está em curso, mas os couraçados da série King George V, assim como os porta-aviões do tipo Illustrious só começarão a sair do estaleiro em 1941. Enquanto espera, a frota de alto bordo se compõe de 13 veteranos da Primeira Guerra, 10 couraçados e 3 cruzadores de guerra, mais 6 porta-aviões, dos quais 5 são velhos couraçados adaptados e, ainda, dos dois únicos navios de linha construídos depois de 1919, o Nelson e o Rodney.

 

O efetivo dos barcos ingleses de menor tonelagem continua impressionante: 15 cruzadores com canhões de 8 polegadas, 49 cruzadores com canhões de 6 polegadas, 184 destróieres, 38 corvetas, etc. Mas a Inglaterra deve guardar caminhos marítimos que, sob o pavilhão inglês, se marca pela presença cotidiana, no mar, de 2500 navios mercantes.

 

Se a Itália tivesse entrado na guerra, a Inglaterra deveria levar em conta uma força naval poderosa e moderna: 4 couraçados, dos quais dois de 35.000 toneladas, novos em folha, o Vittorio Veneto e o Littorio, 7 cruzadores pesados, 12 cruzadores leves, 59 destróieres, 69 vedette torpedeiras, 105 submarinos. A não-beligerância de Mussolini neutraliza essa armada mediterrânea, permite que se junte à luta contra a Alemanha a totalidade de uma frota francesa que, ao contrário do Exército, se renovara totalmente. Além de 3 couraçados antigos, conta com 2 grandes navios de 26.000 toneladas, o Dunkerque e o Strasbourg, que os ingleses classificam como cruzadores de guerra, e termina, em seus arsenais, o Richelieu e o Jean-Bart, de 35.000 toneladas, que devem ser os barcos mais poderosos de sua geração. Dezoito cruzadores pesados, todos modernos, constituem uma força homogênea e os 28 destróieres (mais 24, em construção) são considerados pelos ingleses como cruzadores leves. A continuidade nas construções, a habilidade do falecido Ministro da Marinha, Georges Leygues, a capacidade do chefe de Estado-Maior François Darlan, explicam por que, no momento mais intenso de seus crepúsculo militar, a França possua a força naval mais poderosa que já tivera, depois da Monarquia.

 

Uma surpresa técnica, porém, atinge a Inglaterra. Ao longo das costas, nos estuários, navios são destruídos de uma maneira misteriosa. Seis cargueiros explodem, um após outro, no Tâmisa, e o encouraçado mais poderoso da esquadra, o Nelson, fica imobilizado durante várias semanas. Uma tarde, fumando, nervosamente, o seu curto cachimbo, o First Sea Lord Almirante Sir Dudley Pound, vem comunicar a Churchill que ao alemães possuem um engenho secreto, que provoca essas perdas angustiantes. Não se poderia cogitar de qualquer defesa enquanto esse engenho permanecesse desconhecido.

 

Passam-se alguns dias de ânsia. A 22 de novembro, chega uma informação de Southend-on-the-Sea, entrada do Tâmisa: um avião alemão, atacado na entrada do Tâmisa por uma bateria DCA, aliviara-se precipitadamente de vários objetos luminosos, dos quais, um, caído sobre um banco de lama de Shoeburynesse, é percebido na maré baixa. Dois oficiais especialistas em minas, Ouvry e Lewis, partem imediatamente de Woolwich, em plena neblina. Localizam o engenho, instalam uma iluminação de emergência e, dentro de uma noite glacial, sobre o banco de lama, batido pelo vento, empreendem sua desmontagem. Todos os transes de O Salário do Medo se apegam diante do trabalho dos dois homens tateando perigosas protuberâncias, com o tempo medido pelo fluxo da maré enchente. A sorte, cúmplice necessária desses suspenses, fez com que a tripulação do avião alemão, sob tensão diante do fogo que o enquadrava, se esquecesse de armar o dispositivo de explosão. Ouvry e Lewis são bem sucedidos: levam para Southend uma mina magnética - a primeira arma secreta de Hitler. Agora só resta organizar a desmagnetização dos navios, para que seu caso metálico não mais atraia as máquinas infernais, semeada nas águas pouco profundas.

 

Dir-se-ia que a guerra de 1914-18 jamais cessara. A principal missão da Navy consiste, de novo, em proteger a passagem, no continente, da British Expeditionary Force: isso aconteceu sem que um único homem ou um único veículo fosse perdido. Cuida-se, depois, de estabelecer o bloqueio da Alemanha. É iniciada a reconstituição dos imensos campos de minas ancoradas em 1918, entre a Escócia e a Noruega. Reformam-se a patrulha Fantasma, os navios transformados em cruzadores auxiliares, montando guarda nas águas tormentosas do paralelo 60°. No dia 23 de novembro, ao cair da noite, um desses mobilizados, o Rawalpingi, distingue a 8000 jardas a silhueta de um grande navio de guerra. Um momento depois, ele afunda sob as salvas do Scarnhosrst, após uma desesperada defesa.

 

A guerra submarina recomeça, à maneira de 1916. Reaparecem os comboios - rebanhos de navios conduzidos por 1 a 2 pastores, couraçados ou cruzadores - enquanto destróieres, barcos armados ou corvetas rondam em torno deles, como cães. Não obstante, as perdas já são pesadas: 41 navios, em setembro, 27 de outubro, 21 em novembro, 25 em dezembro, num total de 114 navios e 420.000 toneladas, só em uma parte de 1939, ocupada pela guerra. Ou seja: um ritmo de destruição igual ao de 1916. Os navios de guerra não são poupados. No dia 17 de setembro, no canal de Bristol, o U 29, comandado por Schuhart, surpreende o Courageous no momento em que este vira, ao vento, para uma manobra de carga. Quinze minutos depois a marinha inglesa pode deplorar, pela primeira vez a perda de um porta-aviões.

 

Em 14 de outubro, registra-se uma façanha excepcional. Aos 59 minutos do dia, o couraçado Royal Oak, ancorado na baía de Scapa Flow, é abalado por um choque. Despertado, o comandante pensa numa ligeira explosão e desce ao porão para investigar. Durante esse tempo, a menos de 2 milhas, o U 47, do tenente naval Gunther Prien, torna a carregar seus tubos de torpedos, para recomeçar o ataque. A operação desenvolve-se à superfície, no meio do porto adormecido, sob um céu claro, em tal quietude que o oficial de bordo Von Varendorff passeia pela ponte, para desentorpecer as pernas, e é asperamente repreendido, com voz abafada pelo seu comandante. Vinte e oito minutos depois da primeira, à 1:27 horas, nova salva rasga o Royal Oak. Enquanto ele afunda, arrastando à morte 24 oficiais e 809 marinheiros, o U 47 retorna seu caminho silencioso, desliza, novamente, entre os dois navios afundados, que obstruem - e mal - o estreito de Kirk, faz-se ao largo e toma o rumo da Alemanha, onde justa glorificação aguarda Prien e seus comandados.

 

Uma das coisas que fazem com que esse começo de guerra naval se assemelhe aos grandes dias de 1914 é o fraco papel representado pela aviação. Uma ordem do Gabinete britânico interditou o bombardeamento dos navios alemães nos portos, mas o autoriza em alto-mar. Contigentes de Wellington e de Blenheim, utilizam esta faculdade, ao largo de Wilhelmshaven, mas só conseguem arranhar o Admiral Scheer. Inversamente, a Luftwaffe, atacando Scapa Flow, registra como resultado total o fracasso do ex-navio capitânia de Jellicoe, o velho Iron Duke, convertido em bateria flutuante. O comandante chefe da Home Fleet, Almirante Sir Charles Forbes, tira disso a conclusão de que a ameaça aérea foi exagerada. Pagar-se-á caro este julgamento precipitado.

 

Última semelhança com 1914: os Raiders (navios corsários). A caça ao Graf Spee ressuscita todas as emoções que marcaram, 25 anos antes, a perseguição ao Konigsberg e ao Emden.

 

O Almirantado soube que, no dia 1o de outubro, o Admiral Graf Spee se encontrava no Atlântico e que afundou o vapor Clément, ao largo do Brasil. Vinte dias depois, os sobreviventes do vapor norueguês Lorentz Hansen chegam às Orcades e comunicam que seu navio fora destruído pelo Deutschland. Dois couraçados de bolso estão, pois, em ação - um no Atlântico Norte, outro no Sul. Temíveis navios, obras primas da construção naval: canhões de 11 polegadas, blindagem de 10 cm, maquinas dando 28 nós, acumulados num deslocamento de 10.000 toneladas, graças à economia de peso, realizada pela substituição da solda pelo rebite. É uma ameaça que a qualquer preço deve ser eliminada dos mares.

 

Os dois navios são idênticos, mas seus comandantes diferem. O do Deutschland dá prova de excessiva prudência e regressa a Willhelmshaven, desde 11 de novembro, com magro quadro de caça. O do Graf Spee, Langsdorff, aplica-se, obstina-se. De resto, sua conduta é irrepreensível: nenhum navio é afundado antes de ser completamente evacuado; os comandantes prisioneiros são recebidos com consideração, o menos mal possível, no Altmark, que acompanha o couraçado na qualidade de reabastecedor. Langsdorff se felicita por ainda não ter feito correr uma só gota de sangue.

 

Contra os dois corsários, depois contra o solitário Graf Spee, as frotas aliadas deslocam forças imensas. Oito divisões navais, compostas de couraçados, de cruzadores e de porta-aviões, são designadas para setores que vão do Ceilão às Antilhas. No dia 22 de outubro, um SOS do SS Tevanion faz esperar que um torno se aperte sobre o couraçado solitário. Mas passam-se os dias e as semanas. O Graf Spee não está em parte alguma, na imensidão do mares.

 

Para despistar os perseguidores, Langsdorff fez vasto desvio no Oceano Índico. Regressa ao Atlântico, parcialmente satisfeito com seu cruzeiro. Seus recursos esgotam-se e, a partir de 30 de setembro, ele só destruíra 9 cargueiros, perfazendo um total de 50.000 toneladas, coisa bem modesta para um navio tão poderoso como o seu. Ele quer, antes de voltar à Alemanha, melhorar seu quadro de combate nas águas agitadas de tráfico do Rio da Prata.

 

Às 6:08h, quando o Graf Spee está a 150 milhas de Montevidéu, seus vigias descobrem uma fumaça. Langsdorff aproxima-se pela proa, convencido de que se trata de nova vítima. Oito minutos depois, reconhece um barco de guerra. Suas ordens lhe prescrevem evitar combate, mas a fuga é difícil, na manhã de um longo dia de verão, e Langsdorff se considera bastante forte para impor-se, rapidamente, ao cruzador leve cuja superestrutura se desenha no horizonte. Instantes depois, dois outros navios se tornam visíveis, por sua vez - e é tarde demais para fugir. O alemão tem o sol nos olhos, mas a visibilidade é excelente, com vento moderado e ligeira corrente marítima, vinda do nordeste.

 

O primeiro cruzador avistado pelo Graff Spee é o Ajax, com canhões de 6 polegadas. O segundo, da mesma força, é o Achilles, da Marinha neozelandesa. O terceiro é o Exeter, armado de canhões de 8 polegadas. Eles constituem, sob o comodoro Harwood, a força G - uma das menores, pois não conta com couraçados e nem com porta-aviões. Além disso, o quarto navio da divisão, o cruzador Cumberland, se reabastece nas Falkland. Sozinho contra três, Langsdorff possui, no entanto, grande superioridade sobre os adversários. Tem as melhores chances de destruí-los, um após o outro, sem que o Graf Spee sofra avarias.

 

Às 6:14h começa o combate. A distância entre o Graf Spee e seus adversários é de 19 km. Hora e meia depois, a ação está terminada. O Exeter, com 3 torres, de suas 4, demolidas, pesadamente adernado a bombordo, interrompe a luta e tenta, penosamente, voltar à Port Stanley. Os dois cruzadores ligeiros batem-se com extraordinária teimosia, atraindo, a curta distância, um adversário cuja artilharia secundária se iguala à principal deles. Aproveitam-se do duelo entre o Graf Spee e o Exeter, para atingir, repetidamente, o couraçado inimigo. Mas também sofrem danos - leves, o Achilles; graves, o Ajax. Ficam sozinhos diante de um poderoso navio cuja força combativa está intacta; sós, sem outra superioridade senão ligeira vantagem em velocidade. O Graf Spee pode forçá-los a fugir.

 

Mas é o couraçado que foge!

 

As suas avarias são importantes, embora não o ponham em perigo. As cozinhas estão destruídas; o casco, furado; parte da artilharia, inutilizada; o barco está cheio de feridos. Um espírito menos fanático do que Langsdorff se faria ao largo, tentaria uma evasão, desaparecendo nos espaços desertos do oceano. Mas o humanitário comandante do Graf Spee, que considera absurda a guerra, só sonha encontrar uma angra para reparar seu navio e desembarcar seus feridos. Montevidéu está próximo: lança-se para lá. É uma armadilha. Os dois pequenos cruzadores vitoriosos unem-se contra ele, no limite das águas territoriais uruguaias e, voltando apressadamente das Falkland, o Cumberland dá-lhes reforço, no dia seguinte.

 

Os três dias que se seguem inflamam o mundo, o Almirantado inglês alardeia o glorioso combate dos três cruzadores. A curiosidade pública espera, avidamente, a peripécia seguinte. Hitler, sufocado de raiva, bombardeia Langsdorff com telegramas, acusa-o de covarde, põe-no sob suspeita de traição. Quer que tire o Graf Spee de Montevidéu e o afunde, com o pavilhão hasteado. Mas Langsdorff recusa sacrificar seus homens, resiste ao Embaixador alemão no Uruguai e aos agentes nazistas que acorreram de Buenos Aires. As 72 horas de prazo que obtivera do Governo uruguaio esgotam-se. Torna-se necessário que ele deixe Montevidéu ou que aceite o internamento, terminantemente vetado pelo Fuhrer.

 

No dia 17 de dezembro, às 18h, imensa multidão aflui ao cais de Montevidéu. O Graf Spee parte. Nenhum reforço aliado chega ao Achilles, ao Ajax e ao Cumberland, a bordo dos quais ressoa o toque de combate. Mas Langsdorff desembarcou a maior parte de sua tripulação e é um grupo de afundamento que conduz o magnífico navio ao meio do estuário, na glória do sol poente. Ouvem-se duas a três explosões ensurdecedoras. O Graf Spee deixa-se afundar lentamente em águas tão pouco profundas, que por muito tempo seus destroços serão vistos à flor d’água.

 

Langsdorff foi o último a abandonar seu navio. No dia seguinte, mata-se.

 

Um temor, ligado ao ocorrido, apodera-se do supersticioso Hitler: o que acontecera ao Graf Spee poderia ter acontecido ao Deutschland. O mundo, divertido, teria visto a Alemanha afundar ignominiosamente. Dá ordem para que se rebatize, com o nome de Lutzow, o decano dos couraçados de bolso.

 

O Exército Soviético entra em cena na Finlândia

 

Entrementes, acontecimentos de profundo alcance se desenrolam a leste. A Rússia explorou com rapidez, sua aliança com Hitler. Ex-províncias do Império czarista, três pequenos Estados corajosos estendem-se ao longo do Báltico: a  minúscula Estônia (capital, Tallin), a vigorosa Letônia (capital, Riga), a rústica Lituânia (capital, Kovno). Análogas e diferentes, essas três sentinelas da Europa, abençoavam o dia em que se haviam libertado da Rússia e consideravam a Alemanha como guardiã de sua independência. Hitler submeteu-as a seu jugo.

 

Depois do 28 de setembro, a Rússia impõe à Estônia um tratado de assistência mútua. O mesmo termo falaz serve, no dia 5 de outubro, para a Letônia, e, a 11 de outubro, para a Lituânia. Os governos procuram resistir, estudam as condições, embalam-se na ilusão de que pelo menos salvarão sua autonomia interna. Mas não podem escapar à ocupação militar. As ilhas de Dago e de Osee, os portos de Windau e de Libau são convertidos em bases soviéticas. Pela primeira vez, o Exército vermelho entra em cidades ocidentais transbordantes de riquezas. Um relatório faz rir os serviços de informações aliados: em Riga, as mulheres dos oficiais russos haviam ido a um espetáculo de gala, na Ópera, usando camisola de dormir, que haviam tomado como traje a rigor!

 

Resta, porém, um país báltico - meio báltico, meio escandinavo - que ainda não aceitou as condições russas: a Finlândia. É um país um pouco mais importante que os outros três: 4 milhões de habitantes e um vasto território que se abre sobre o oceano Ártico. Possui longa experiência dos russos e uma capacidade hereditária de se fazer respeitar: província czarista, estendendo-se até os subúrbios de São Petersburgo, sempre conservara sua liberdade política e seus privilégios militares. Mais tarde, após a independência, desenvolveu-se, na Finlândia, profundo desprezo pelo russo bolchevizado - simultaneamente a um irredentismo que reivindica a Carélia e sustenta que o “Império finês” só termina nos Urais. Ora, a URSS pede a esse altivo país a cessão de parte de seu litoral ártico, uma base naval na península de Hango e o recuo da fronteira, para dar expansão a Leningrado.

 

Se o governo só tivesse ouvido a nação, teria dito um não, sem grandes frases. Mas também ouviu a razão, aceitou sacrificar algumas ilhas, encontrou um intermediário emérito: Paasikiwi, que, resistindo a Stalin, conseguiu fazê-lo rir. Os russos insistem, ameaçam e, no dia 27 de novembro, após um incidente de fronteira, anunciam que o pacto de não-agressão, com a Finlândia, está assinado. Mas não o está com o governo usurpador de Helsinki, com o reacionário Marechal Mannerheim, presidente de uma pretensa República finlandesa! Está assinado com o governo legítimo do patriota Kuusinen, que a URSS instalou, provisoriamente, em pequena cidade próxima à fronteira. Esse governo pede aos russos que intervenham e libertem a Finlândia. Eles satisfazem no dia 30 de novembro, tomando a ofensiva no istmo da Carélia.

 

A  Sociedade das Nações (SDN) tinha ainda um pouco de vida. Amputada da Alemanha, da Itália e do Japão, viúva dos Estados Unidos desde o nascimento, continuava a funcionar, à margem da imensa guerra que começava. Acusa a URSS pela agressão que acabava de cometer. A URSS surpreende-se: jamais suas relações com a Finlândia haviam sido melhores; por sinal, Kuusinen e Molotov acabavam de assinar um pacto de amizade. A URSS, sinceramente, não compreende! Foi excluída - e a SDN, esgotada pelo seu primeiro gesto enérgico, morre imediatamente.

 

Ao longe, no entanto, a guerra começa. O primeiro plano soviético é simples: consiste em marchar diretamente contra Helsinki, para lá instalar o patriota Kuusinen. Desdenhando a mobilização, o comandante russo contenta-se em fazer marchar as unidades do Okrug militar de Leningrado. Mas a resistência com a qual se chocam as imobiliza. A Finlândia tem, apenas, pequeno exército permanente de 3 divisões, 33.000 homens, 60 tanques velhos, 150 aviões desaparelhados. A mobilização espontânea de todo um povo decuplica esses fracos meios. Mais de 300.000 homens reúnem as bandeiras, constituem 7 novas divisões e 8 brigadas autônomas, às quais só falta armas iguais à coragem. No istmo da Carélia, 40 km de terreno glaciário, entre o golfo da Finlândia e o lago Ladoga, aquilo que pomposamente se chama Linha Mannerheim - uma simples cadeia de obras de campanha, blockhaus e abrigos sob troncos de árvores - resiste a todos os assaltos. Os russos aí empenham seus tanques, mas os defensores descobrem o defeito de sua couraça, uma placa de blindagem que o motor, muito exigido, torna incandescente. Para incendiá-los, valem-se de garrafas de gasolina. Ao fim de uma semana, a ofensiva é suspensa e o nome da Finlândia ressoa no mundo com um fragor de epopéia.

 

Mas a Rússia corrige seus dispositivos militares, confia a direção da guerra ao Marechal Timoshenko, manda vir da Ucrânia e do Cáucaso tropas de elite. Uma vez que a Linha Mannerheim resiste, será pela frente oriental da Finlândia, pelos 1600 km do lado Ladoga, no Oceano Ártico que o Exército Vermelho manobrará, usando sua superioridade em material e efetivos.

 

Apenas pela via de Murmansk, 3 exércitos - o 8°, o 9° e o 14° - são encaminhados ao Norte. A neve chegou, o transporte arrasta-se, muitos soldados morrem de frio, nos vagões - e, no entanto, o estabelecimento se efetua relativamente depressa. Uma vez mais, o plano é simples. Dez caminhos atravessam a profunda floresta finlandesa: emprega-se, em cada um deles, uma divisão, uma pesada divisão russa, equipada com artilharia e tanques. Todas deverão marchar para oeste, tomarão pela retaguarda essa dura Linha Mannerheim, diante da qual outro exército, o 7°, marca passo.

 

No dia 17 de dezembro, acreditou-se que a manobra russa ia ter êxito. Uma das colunas atinge Kursu, na estrada de Kemijarvi, a 150 km do golfo de Bótnia. Outra atinge Suomossalmi, chave do setor central. Outras avançam na região do lago Ladoga. O Estado-Maior finlandês empreende a evacuação da Lapônia e leva a defesa a uma linha que vai de Ulu (Uleaborg) a Viipuri (Viborg). A hora final da resistência finlandesa parece próxima.

 

A reviravolta na situação é dramática. Distendidas pelos maus caminhos da floresta, as colunas soviéticas são bloqueadas de frente, enquanto elementos móveis as assediam pelos flancos. A neve profunda, as altas arvores, os barrancos de arestas vivas que cortam as florestas neutralizam os tanques. Calçados de esquis, vestidos de branco, vivendo de leite, os finlandeses cortam em pedaços a procissão de tanques que o comando soviético aventura sobre seu solo.

 

Na estrada de Suomossalmi, a 163ª Divisão de Infantaria é totalmente destruída. Enviada em seu socorro, a 44ª Divisão, uma das melhores do Exército vermelho, tem a mesma sorte. As unidades do 8° Exército, que tentam contornar o lago Ladoga, são cortadas pela retaguarda e aniquilada por partes. Os russos fixam-se nas clareiras, dispõe seus tanques em círculo, como carroças dos povos bárbaros, e morrem de frio e fome. Os finlandeses, em bloco, não farão mais do que 2.000 prisioneiros, mas recolhem sobreviventes, uns após outros, quando a fraqueza lhes faz cair as armas das mãos.

 

O mais importante butim é a correspondência: milhares de cartas recolhidas dos prisioneiros e dos mortos. Quase todas vêm de famílias camponesas. Descrevem incríveis condições de vida. Duas em três falam da vaca, da vaca que já não podem alimentar ou da que não podem vender, porque não têm com que se alimentar. O imenso desespero russo vem expressar-se nesse campo de batalha estrangeiro, onde os filhos da terra  russa preferem a mais horrível das mortes à rendição.

 

É grande a admiração no mundo inteiro. Mas é menor a pressa em ajudar a Finlândia. Esperava-se que a solidariedade escandinava provocaria a intervenção da Suécia. Esta dá dinheiro, armas, deixa que se organize um corpo de voluntários, mas recusa sair da santa neutralidade. A Dinamarca fornece 800 voluntários, e a Noruega, 200 - duas vezes menos que a Hungria. A solidariedade escandinava é uma palavra  vã. Os únicos que realmente poderiam ajudar a Finlândia são os beligerantes. Muitos alemães vibram de vontade de fazê-lo, mas a aliança germano-soviética é, ainda, por demais indispensável a Hitler. A França e a Inglaterra têm as mãos mais livres. Sentiram violentamente a traição de Stalin. Acreditaram que a Alemanha escape aos efeitos de seu bloqueio, graças às reservas de matérias primas russas. Ajudar a Finlândia é enfraquecer a URSS, é solapar Hitler, portanto.

 

Uma consideração de ordem estratégica reforça as simpatias ocidentais pelos heróicos combatentes do círculo polar: a ajuda à Finlândia pode fornecer aos Aliados um pretexto para se estabelecerem na Escandinávia. Ocupar a Suécia seria privar a Alemanha de um minério de ferro insubstituível. No dia 12 de dezembro, Churchill redige um de seus 50 memorandos, através dos quais se esforça para esporear a coligação. Pronuncia-se por um desembarque na Noruega, mesmo, se preciso, contra o Direito Internacional. “A humanidade e não a legalidade deve ser nosso juiz” - conclui.

 

Mas as idéias amadurecem lentamente, no glacial inverno de 1939/1940. Tudo quanto a França e a Inglaterra podem fazer de positivo pela Finlândia é enviar-lhes armas. Um aglomerado de armas. A frança tira de suas lojas de antigüidades 5.000 fuzis metralhadoras, modelo 1915, detentores de recorde de acidentes de tiro, e seu material de artilharia, sistema De Bange, já aposentado em 1914. A marinha envia uma dúzia de velhos 305, restos da esquadra Rangel, que enferrujava no cais de Bizerta, desde 1920. Alguns morteiros Brandt, uns 25 antitanques, alguns fuzis-metralhadoras modelo 24, alguns aviões, entregues pela Inglaterra, não chegam a compensar a impressão desastrosa, produzida na Finlândia, pela chegada desta revoada de rouxinóis.

 

Nos estados-maiores nascem projetos grandiosos. A Alemanha só se conserva de pé porque se apoia na Rússia; o conflito da Finlândia demonstra a debilidade da Rússia. A condução geral da guerra é deduzida dessas duas proposições: que se derrote a Rússia, e a Alemanha cairá!

 

Doumenc, o novo chefe do Estado-Maior do Exército francês, prescreve o estudo de todas as possibilidades correspondentes. Pensa-se em bombardear Baku, para estancar o petróleo russo; organizar a insurreição dos povos do Cáucaso, atacar Murmansk, desembarcar - em pleno inverno - uma a duas brigadas de caçadores alpinos. Todas estas ridicularias são escritas, preto no branco, e dão lugar a documentos militares conscienciosos e quiméricos, napoleônicos e infantis.

 

Mais técnicas, talvez mais sérias, são as tentativas de avaliação do Exército vermelho à luz dos combates dos blindados. Em razão de suas repercussões no futuro, só se citarão as conclusões do estudo estabelecido pelo OKW (Oberkommando der Wehrmacht - Alto Comando das Forças Armadas), para a documentação particular do Fuhrer: “Em quantidade: instrumento militar gigantesco. Organização, equipamento e meios de comando: medíocres. Princípio de comando: bom. O próprio comando: muito jovem e inexperiente. Ligações e transmissões: más. Sistema de transporte: mau. Tropas: desiguais e desprovidas de iniciativa. Soldados: bom estado de espírito, contentam-se com muito pouco. Qualidades combativas das tropas: duvidosa. Em suma: a nação russa não é um adversário para um exército equipado de maneira moderna e superiormente comandado”.

 

Data do documento: 31 de dezembro de 1939. O ano dos desconcertantes prelúdios termina: sobe o pano para o ano das surpresas retumbantes.

                                                                                      

 

                      

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