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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A HISTORIA DE UMA CRIANÇA / Charles Dickens
A HISTORIA DE UMA CRIANÇA / Charles Dickens

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Era uma vez, há muitos e muitos anos, um viajante que partira em uma jornada. Era uma jornada encantada, e deveria lhe parecer muito longa quando começasse e muito curta quando chegasse à metade.
Ele percorreu um caminho bem escuro por algum tempo, sem nada encontrar até que, por fim, se deparou com uma linda criancinha. Perguntou, então, à criança:
— O que faz aqui?
E a criança respondeu:
— Estou sempre brincando. Venha brincar comigo!
E então ele brincava com a criancinha o dia inteiro e eles eram muito felizes. O céu tão azul, o sol tão brilhante, a água tão cristalina, as folhas tão verdes, as flores tão adoráveis, e eles ouviam tantos pássaros e viam tantas coisas agradáveis que tudo era lindo. Isso quando o tempo estava bom. Quando chovia, eles adoravam assistir as gotas caírem e sentir o cheiro de grama fresca. Quando ventava, era um prazer ouvir o vento e tentar imaginar o que dizia quando saía apressado de sua casa — O que foi isso?! — imaginavam — assobiando e gritando, empurrando as nuvens à sua frente, curvando as árvores, ecoando nas chaminés, sacudindo a casa e fazendo o mar rugir furiosamente. Mas, quando nevava, essa era a melhor parte; não havia nada de que gostassem tanto quanto observar os flocos esbranquiçados caindo velozes e numerosos, como se tivessem se desprendido dos peitos de milhões de pássaros brancos; ou de ver os montinhos de neve suaves e profundos; ou de prestar atenção no silêncio das ruas e estradas.
Eles tinham muitos dos melhores brinquedos do mundo e os livros ilustrados mais surpreendentes: estes falavam de espadas e sapatos e turbantes, de anões e gigantes e gênios e fadas, de barbas azuis e pés de feijões, de riquezas e cavernas e florestas e João e Maria. Tudo era novo e tudo era verdade.
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Contudo, um dia, de repente, o viajante perdeu a criancinha. Ele a chamou repetidamente, de novo e de novo, mas não obteve resposta. Assim ele continuou em sua estrada e avançou um pouco sem que encontrasse nada, até, por fim, se deparar com um bonito menino. Então, ele perguntou ao menino:
— O que faz aqui?
E o menino respondeu:
— Estou sempre aprendendo. Venha aprender comigo!
E ele se pôs a aprender com aquele menino sobre Júpiter e Juno, sobre os gregos e romanos e sobre sabe-se lá mais o quê, e aprendeu mais do que eu ou ele seríamos capazes de contar, pois logo ele se esqueceu de grande parte. No entanto, não estavam sempre aprendendo; brincaram das brincadeiras mais divertidas que já existiram. Eles remavam pelo rio no verão e patinavam sobre o gelo no inverno; andavam bastante, tanto a pé quanto a cavalo; jogavam críquete e todos os jogos com bola; brincavam de polícia e ladrão, pega-pega, siga o mestre e de mais esportes do que consigo imaginar; eram imbatíveis. Tinham férias, também, e bolos de aniversário, festas em que dançavam até a meia-noite, teatros reais onde viram palácios de ouro e prata se erguerem do chão e onde viram todas as maravilhas do mundo de uma vez. Quanto aos seus amigos, tinham tantos e tão queridos amigos que preciso de mais tempo para descrevê-los. Eram todos jovens, como o bonito menino, e nunca se distanciariam, por todas as suas vidas.
Entretanto, um dia, entre todos esses prazeres, o viajante perdeu o menino da mesma forma como havia perdido a criancinha e, depois de chamar seu nome em vão, prosseguiu viagem. Ele avançou um pouco sem que visse nada, até, por fim, encontrar um rapaz. Então, perguntou ao rapaz:
— O que faz aqui?
E o rapaz respondeu:
— Estou sempre apaixonado. Venha se apaixonar comigo!
E, assim, ele foi na companhia do rapaz e logo encontraram uma das garotas mais belas que já foi vista — assim como a Fanny ali no canto — e ela tinha olhos adoráveis como os de Fanny, e cabelos como o de Fanny, covinhas como as de Fanny e ria e corava igualzinho a Fanny faz quando falo dela. Assim, o rapaz se apaixonou de cara — tal como aconteceu com Alguém que não vou citar da primeira vez que veio aqui e viu a Fanny. Bem! ele era provocado algumas vezes — assim como o Alguém costumava ser pela Fanny —, eles brigavam às vezes — assim como o Alguém e a Fanny costumavam fazer —, faziam as pazes, se sentavam juntos no escuro, escreviam cartas todos os dias e nunca estavam felizes, sempre cuidavam um do outro fingindo que não o faziam, e noivaram no Natal; e se sentaram juntos perto da lareira e iriam se casar em breve, tudo exatamente como o Alguém que não vou citar e a Fanny!
Todavia, o viajante os perdeu um dia, exatamente como havia perdido seus outros amigos e, depois de chamá-los na esperança de que retornassem, o que nunca fizeram, prosseguiu sua jornada. Assim, ele caminhou por um tempo sem ver nada, até que encontrou um senhor de meia-idade. Então, perguntou ao senhor:
— O que faz aqui?
E a resposta foi:
— Estou sempre ocupado. Venha se ocupar comigo!
E, então, ele começou a ser muito ocupado com aquele senhor e eles continuaram pelo bosque juntos. A jornada inteira se passara em um bosque, mas no início havia sido aberto e verdejante, como a floresta na primavera e, agora, começava a se tornar denso e escuro, como a floresta no verão; algumas das árvores menores que haviam brotado primeiro já adquiriam até um tom marrom. O senhor não estava sozinho, mas era acompanhado de uma senhora da mesma idade, a qual era sua Esposa, e eles tinham filhos que também os acompanhavam. E, assim, continuaram todos juntos pelo bosque, cortando árvores e fazendo seu caminho por entre os ramos e as folhas caídas, carregando fardos e trabalhando duro.
Às vezes, se deparavam com um longo caminho verde que levava a matas mais densas. Nessas ocasiões, podiam ouvir uma voz bem fraca e distante dizendo:
— Papai, papai, sou outro filho! Me espere!
E não tardava até que vissem uma pequena silhueta, que ficava maior quando se aproximava e corria para alcançá-los. Quando chegava, todos se reuniam ao seu redor e a beijavam e lhe davam as boas-vindas; e então todos prosseguiam juntos.
Às vezes, se deparavam com vários caminhos ao mesmo tempo e todos paravam e um dos filhos dizia:
— Pai, vou para o mar.
E outro dizia:
— Pai, vou para a Índia.
E outro:
— Pai, vou buscar a sorte onde conseguir.
E outro:
— Pai, vou para o céu!
Então, com muitas lágrimas por conta das partidas, eles se foram, solitários, por esses caminhos, cada filho em seu destino; e o filho que foi para o céu ascendeu ao ar dourado e desapareceu.
Nas ocasiões em que tais despedidas aconteciam, o viajante olhava para o senhor e o via observar o céu sobre as árvores, onde o dia estava começando seu declínio enquanto o pôr do sol se iniciava. Via, também, que os cabelos dele começavam a se tornar grisalhos, mas nunca podiam descansar muito, pois tinham sua jornada para fazer e era necessário que estivessem sempre ocupados.
Por fim, houve tantas partidas que não havia restado filhos, e apenas o viajante, o senhor e a senhora seguiram seu caminho na companhia uns dos outros. Agora, o bosque estava amarelado; e, então, marrom; e as folhas, mesmo as das árvores da floresta, começaram a cair.
Então, desembocaram em um caminho, que era mais escuro que os outros, e prosseguiam suas jornadas sem olhar para ele quando a senhora parou.
— Meu marido — disse a senhora —, estão me chamando.
Eles ouviram uma voz vinda de longe no caminho dizer:
— Mamãe, mamãe!
Era a voz do primeiro filho que dissera:
— Vou para o céu!
E o pai disse:
— Rogo que ainda não. O pôr do sol se aproxima. Rogo que ainda não!
Mas a voz insistiu:
— Mamãe, mamãe!
E não lhe deu atenção, embora seus cabelos estivessem agora bem brancos e seu rosto coberto de lágrimas.
Então, a mãe, que já havia se movido para a sombra do caminho escuro, começou a se afastar com os braços ainda em volta do pescoço do marido, beijou-o e disse:
— Meu querido, me chamam e eu vou!
E ela se foi. E o viajante e o senhor foram deixados sozinhos.
Eles continuaram um bom pedaço juntos, até que chegaram bem perto do fim do bosque: tão perto, que podiam ver o pôr do sol brilhando avermelhado perante eles através das árvores.
E ainda mais uma vez, enquanto abria seu caminho entre os galhos, o viajante perdeu seu amigo. Ele chamou e chamou, mas não houve resposta e, quando saiu do bosque e viu o sol tranquilamente descer sobre o horizonte arroxeado, encontrou um velho homem sentado sobre um tronco. Então, disse ao velho:
— O que faz aqui?
E o velho respondeu com um sorriso calmo:
— Estou sempre recordando. Venha e se recorde comigo!
E, assim, o viajante se sentou ao lado daquele homem velho, frente a frente com o pôr do sol sereno e todos os seus amigos voltaram silenciosamente e se reuniram à sua volta. A bela criancinha, o bonito menino, o rapaz apaixonado, o pai, a mãe e os filhos; cada um estava lá e ele não havia perdido nada. Então, ele os amou a todos e foi gentil e complacente com eles, tinha sempre prazer em observá-los e eles o honravam e o amavam. E eu acho que o viajante deve ser você, querido Avô, pois é isso o que faz por nós e o que fazemos com você.

 

 

                                                                  Charles Dickens

 

 

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